Você está na página 1de 21
Também as imagens sofrem de reminiscéncias interrogou a meméria em ago nas da imagem antiga ¢ de suas formu- r tomado emprestado de Richard Foi como processo psfquico que Warburg i sobrevivéncias modernas ~ renascentistas — las “primitivas” do pathos. Seja por ele haver Semon 0 vocabulério do Engramm ou da “imagem-1 bild|, seja por haver retirado de Ewald Hering a hipétese de uma meméria compreendida como “fungio geral da matéria organizada”,” tudo isso nos indica a que ponto a dimensio psfquica, aos olhos de Warburg, devia ser con- siderada a partir de um ponto de vista que ele mesmo qualificava de “monis- ta? tratava-se de ndo separat a psigue e sua carne, ou, inversamente, de nao separar a substancia imagética e seus poderes psiquicos. Quais sdo esses poderes psiquicos? Warburg indica a resposta, na compila- cio dos “conceitos fundamentais” de Mnemosyne, ao afirmar que 0 “ser das imagens” [Bilderwesen] consiste em “formar num estilo” - quase dirfamos converter — um fundo de “marcas originarias” [Vorpriigungen].> No nivel ‘9 chama-se “sobrevivéncia” [Nachleben]. No nivel denomina de “corporalizagao” [Verkérpe- J os antigos dinamogramas encontram suas Jasticamente num momento posterior Jembranga” [Erinnerungs- temporal, essa operaca plistico, Warburg muitas vezes a rung], ou seja, a maneira pela qua formulas figurativas e se reformulam pI de sua historia. Parece claro que, segundo Warburg, os poderes da imagem ~ poderes pst quicos e plasticos - trabalham diretamente no material sedimentado, impuro ¢ movimentado de uma meméria inconsciente. f essa, sem diivida, a maior ligdo da Nachleben warburguiana, sua licao mais dificil de sustentar até hoje: © historiador e o historiador da arte no aceitam sem dificuldade que a pro- pria evidéncia de seu trabalho, a historia, seja de algum modo desnorteada, “barrada” por uma meméria zeitlos {intemporal], uma memoria insensivel As continuidades narrativas e as contradigoes l6gicas. Mas Warburg é muito claro a esse respeito: guidade como resultado de uma [ein Ergebnis des neueintreten- Je de uma empatia artistica Caracterizar o restabelecimento da Anti nova consciéncia da factualidade hist6rica den historisierenden Tatsachenbewusstseins| ‘Aimagem sobrevivente 271 livre de qualquer dogma moral é contentar-se com uma reconstrugio evo- lucionista descritiva, ao mesmo tempo, que sera insuficiente enquanto nao nos arriscarmos, : a descer as profundezas da natureza pulsional, onde o espirito humano desposa a matéria sedimentada de maneira nao crono- légica [triebbafte Verflochtenbeit des menschlichen Geistes mit der achro- nologisch geschichteten Materie|. Somente essa imersao permite distinguir a cunhagem que confere sua marca [Prigewerk] aos valores expressivos [Ausdruckswerte] da emocao paga, enraizados no evento orgiaco primitivo [in dem orgiastischen Urerlebnis|: 0 thiase tragico. Nesse evento que representa o primitivo, reconheceremos a persistente marca do modelo dionisfaco. A figura tragica solicita uma imersao analitica nas “profundezas da natureza pulsional” da factualidade histérica”: aqui, portanto, em 1929, Freud yem substituit Nietzsche. Muito haveria a dizer, sem diivida, sobre ag maneiras aparentadas com que Freud ¢ Warburg interrogaram a meméri ; geral da evolugao — lembremos de Darwin, antes de tudo isso, com seu! perdidos” € seus “principios da expresso” —, entre filogenese ¢ ontogenese- Todavia, Parece-me mais urgente interrogar og distirbios da evolugdo consti- tufdos, tanto em Warburg quanto em Freud, pelas formagies de sintoma. So- brelesseoponto csseucial, (te fatoy Freud idesdobra\e peermineileric wodae # intuigdes de Warburg: ali onde este dese objeto privilegiado da sobrevivéncia, aq no sintoma, um produto privilegiado assim dizer. » para além de qualquer “consciéncia a inconsciente pelo angulo “los juele nos explicard por que o pathos & da sobrevivéncia, sua encarnacao, Por corpo. Corpo agitado por conflitos, por agitado pelos turbilhdes do tempo. Corp imagem recalcada, como iB Warburg teve de compreender ao observar a persis é o surgim téncia, o surgimento € 0 anacronismo das sobrevivéncias contra um fundo de esquecimentos, laténcias e recalcamentos, Freud descobriu no sintoma uma Ora, é impressionante constatar qUe estrutura di em todos os aspectos, le temporalidade semelhante Desde 1895, de fato, ele « - ‘ompreendeu o ek *ularte = i ele “situa do incompreensivel” apresentada No atai Pea Oa “atitudes passionais” on “poses pla Plasticas” — “y = «, » . jue, C4 savam de “etapas” de um desenvolvimento tipols a em Charcot, nao passava que, no sintoma, todo gesto e | “Poldgico da crise -, Freud descobrit 7 ‘ 4 Patético, ou seia, afetado. Ainda que fosse movimentos contraditérios: corpo 10 do qual surge, subitamente, uma que histérico; além, inclusive, das 272 Georges Didi-Huberman Todo gesto é patético porque tudo nesse momento, manifesta os poderes de uma lem- contraditério, confuso, ilégico ou informe. que sobrevém no corpo, branca em suspenso. A invengao freudiana st pio darwiniano da marca: nas uma condigao. Quanto & causa, em aco.” Todos os movimentos produzidos no ataque histérico sao reativas do afeto ligado lembranga”, “movimentos que exprimem essa lem- branga”, ou as duas coisas a0 mesmo tempo (prinefpio da antitese, simulta- neidade contradit6ria). Seja como for, afirma Freud, “é sobretudo de reminis- céncias que sofre a bistérica” ”* Seu “corpo movido como imagem” expressa isso de todas as maneiras possiveis. ‘¢ reconhece ai em sua reinterpretacao do princi- a hereditariedade (defendida por Charcot) é ape- cla reside numa lembranga especifica “formas eee “Softer de reminiscéncias” - proposicao decisiva. A psicandlise praticamente nasceu dai, Na mesma ocasiio, Warburg descobriu que, nos afrescos de Ghirlandaio (fig. 67), a ninfa florentina danca por reminiscéncias, assim como, no desenho de Diirer (fig. 3), Orfeu literalmente sofre e morre de reminiscén- cias. Se o sintoma se da a ver como um “simbolo incompreensivel”, isso ocor- re, no fundo, justamente na medida em que ele deve ser compreendido como produto de uma rede complexa, na qual se embaralham mil e um “simbolos mnemé6nicos”: Em suma, o comportamento do sintoma histérico em nada difere do com- portamento da imagem mnémica [Erinnerungsbild] |...). A tinica diferenga reside no surgimento aparentemente espontinco do sintoma histérico, em- bora o sujeito se lembre bem de haver provocado pessoalmente as cenas € as ideias, Mas é que, na realidade, uma sequéncia ininterrupta de restos mnémicos [Erinnerungsreste] inalterados, deixados por incidentes gerado- se por atos mentais, eva aos sintomas histéricos ~ seus sim- symbole.” res de emo bolos mnémicos [Erinnerungs que quer dizer isso? Que o sintoma funciona, segundo Freud, tal como furidiona a imagens segundo Warburg como, win co#}ankt, gexuze nOO)e surpreendente, de “restos vitais” da meméria, Como uma erstalizagao, uma formula de sobrevivéncia. Se convém falar aqui em imagem mnémica, é sob a ra condigio perturbadora ~ de dissociar meméria ¢ lem- m historiador positivista encon- lo, a clinica do sintoma ensinou condigéo = mas w branca... Reconhegamos as dificuldades que un traré diante de tal condigao. De qualquer mod ‘Aimagemsobrevivente 273

Você também pode gostar