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Os Pensadorés Os Pensadorés Piaget “A filosofia teria cem vezes razac Se feservasse para $i OS Lerritdrias zonde a ciéncia nZo vai, nio quer ir, ngo pode ir no momento. Mas nada avtoriza 2 acreditar que seus proces- sos estao guartados in aeternum, E ela nao esta em condicdes de provar que seus problemas s20 por natureza diferentes dos que a Razao cientifica Se prope a abordar. A ciéncia nado vi- ‘se sendo 3 aparéncia? Mas, scpundo a formula bem conhecida, de todos os ‘caminhos que conduzem ao Ser, opa- recer talvez seja ainda o mais s¢gure. Quanto a marcar os limites atuais do saber cientifico, nao € tareia do préprio pensamento cientifica? Ne- nhum filésofo faria, sem divida, das ignorSncias e das impoténcias da ciéncia uma lista 120 longe € tho se vera quanto a que um sdbio seria ca- paz de preparar” TEAN PIAGET: Sabedoria c:ilusées da filosatia. “Na presenca de um fenémeno iisien, @ compreensdo sé comeca transformando os dados para disso- Ciaz 0s fatores e farElos variar sep tadamente, 0 que consiste em nao ca tegorizar, mas em agit para produzir © para reproduzir. Mesmo em geame- tria pura. o saber nao consiste em descrever figuras, mas em trans- formaclas até poder reproduzilas em ‘grupos fundamentais’ de transforma oes. Numa palavra, ‘no comego era 3 agdo', como diz Goethe, e depois veio a cperacio!” JEAN PIAGET. Problemas de Psi¢olo- Bia Genética, Os Pensadoré3 CLP-Brasil. Catalogarao-na-Publicagto Camara Brasileira do Livro, SP Piaget, Jean, 1896-1960. A cpistemologia genética / Sabedoria © ilustes da filoso- fia ; Problemas de psicologia genética ; Jean Piaget ; iradugtes de Nathanael C, Caixciro, Zilda Abujamra Daeir, Celia E. A. Di Piero. — 2. ed. — Sao Paulo : Abril Cultural, 1983. (Os pensadores Inclui vida € obra de Piaget, Bibliografia. 1. Cognighio (Psicologia infantil) 2. Filosofia 3. Inteligéncia 4. Pensamento 5. Piaget, Jean, 189-1980 6. Psicologia genética I. Titulo: A epistemologia genética, II, Ticulo: Sabedoria e ilusdes da filosofia. 111. Titulo: Problemas de psicologia genética. IV. Série. CDD-155.413 100 150.92 158 Indices para catilogo sistematico: 1. Cognig&o : Desenvolvimento : Psicologia infantil 155.413 2. Criangas ; Desenvolvimento cognitive : Psicologia infantil 155.413 3. Desenvolvimento intelectual : Criangas : Psicologia infantil 155.413 4. Filosofia 100 5. Inteligéncia : Desenvolvimento : Psicologia infantil 155.413 6. Psicologia genética 155 7. Psiodlogos : Biografia ¢ obra 150.92 JEAN PIAGET A EPISTEMOLOGIA GENETICA SABEDORIA E ILUSOES DA FILOSOFIA PROBLEMAS DE PSICOLOGIA GENETICA ‘Tradugdes de Nathanael C. Caixeiro, Zilda Abujamra Daeir, Celia E. A, Di Piero me 1983 EDITOR: VICTOR CIVITA ‘Titulos originals: L'Epis ie Génétique Sagesse et Mustons de la Philosophie Problémes de Prychologte Génétique © Copyright desta ediclo, Abril S.A. Cultural e Industrial, Sho Paulo, 1978. — 2 edighe, 1983. ‘Textos publicados sob licenga de Presses Universitaires de France, Paris, ¢ Editora Vozes Ltda., Petropolis (4 Epistemoiogia Genética), Presses Universitaires de France, Paris, e Difel Difusao Editorial S.A., Sao Paulo (Sebedoria ¢ JheBes da Filosofia); Denoel. Pans, ¢ Editora Forense Universiraris Lida, Rio de Janeiro (Problema de Psicologia Genética). ‘Tradutes publicadas sob licenga de Editora Vozes Leda., Petropolis (A Epistemologia Genética); Difel Difusio Editorial $.A., Sda Paulo (Sabedoria ¢ lustes de Filosofia); Ediora Forense Universitiria Ltda, Rio de Janeiro (Problemas de Psicafogia Genética). Direitos exclusivos sobre ‘Piaget — Vida ¢ Obra", Abril 5.4. Cultural e Industrial, Sto Paulo, PIAGET VIDA E OBRA Consultoria: Rosa Maria Stefanini Macedo ™ 1955, foi fundado em Genebra um centro de altos estudos, sob os auspicios da Fundagao Rockefeller. Nele, redinem-se pesquisadores de todo a munca que tratam das mais diversos assun- tos, desde fatos aparentemente simples, como as primeiras palavras Pronunciadas pelos bobés, até os complicades problemas tedricos de cibernética, Trata-se de uma instituigao dedicada a assuntos interdis- ciplinares, estudando inclusive a teoria da informagao, a formagao dos raciocinios recorrenciais, a teoria das ligagdes analiticas e sintéti- as, a epistemologia do tempo ¢ do espaco, a aprendizagem das es- truturas ldgicas e a tearia das probabilidades. Tao ampla variedade de assuntos, no entanto, nao dé como resultado uma simples so- matéria de investigacdes; pelo contrario existe um denominador co- mum que unifica todas as contribuigées em torno de uma disciplina 86: a Epistemologia Genética, criada por Jean Piaget. Piaget definiu a si mesma como um “antigo-futurotilésofe que se transformou em psicélogo e investigador da génese do conheci- mento”, Essa definic¢ao e as razbes da transformagao sao apresenta- das por ele no livro Sabedoria ¢ Ilusdes da Filosofia, publicade em 1965. Nesve livro, Piaget desenvolve a tese de que a filosofia é uma “sabedoria" indispensavel 20s setes racionais, mas que nao atinge um “saber propriamente dito, provide das garantias e dos métodos de controle, caracteristicos do que se denomina “conhecimento”. As razdes dessa auséncia de controle poderiam ser encontradas no divércio entre as ciéncias ¢ a filosofia, cujas ligagdes caracteriza- Fam os grandes sistemas do passado. Nao é desprovido de senso, diz Piaget, “pensar que foi a orientag3o biolégica de Aristételes e a onentagao matematica de Platdo que justificaram diferengas essen- iais em seus sistemas”, Assim, o pensamento cartesiano nao pode ser compreendida sem a matemética, ¢ 0 criticimo kantiano, sem a fisica newtoniana, Na tilosofia dos séculos XIX e XX, entretanto, essas ligagdes foram rompidas pela maior parte dos filésofos @ surgiram conflitos que retardaram 9 desenvolvimento das disciplinas que pre- tendem ser cientificas. Piaget chegou 4 conclusao de que, sob 0 con- junto extremamente complexa de fatores que intervém nesses confli- tos, reencentra-se sempre mesmo problema: “em que condicoes node-se ter 6 direito de falar de conhecimento e come salvaguarda-lo ‘contra os perigos interiores e exteriores que nfo cessam de ameagato?” E acrescenta: quer se trate de tentagdes interiores Vi PIAGET ‘ou de coagoes soriais de toda espécie, esses pangos pertilam-se em torno de uma mesma fronteira, surpreendentemente mével ac longo das idades © das geracdes, mas nao menos essencial av futuro do sa- ber aquela que separa a verificacao da especulacao”” Par essas razdes, Piaget diz que se “desconverteu”, transforman- dose de um “antigo-futuro-ilésofo” em psicologo e, sobretudo, em investigador das estruturas @ da génese do conhecimento. Em Ldgica 2 Conhecimenta Cientitice (1966), 0 préprio Piaget, de maneira am- gla, define a epistemologia genética como o “estudo da passagem dos estadios inferiores do conhecimento aos estados mais complexos ‘ou rigorosas”, Em outras palavras, Piaget prope o retorno as fontes © @ génese propriamente dita da conhecimento, do qual a episteme- logia tradicional conhecia apenas os estados superiores, isto é, certas resultantes finais de um complexo proceso de formacao. Tal projeto situa-se em dois planos distintos, que se interpenetram ese explicam mutuamente: de um lado, a histéria do pensamento cientifico, de ou- tro, 0 estudo experimental do desenvolvimento da inteligéncia, desde @ nascimento até a adolescéncia. Piaget demonstrou que se pode tra- ¢ar_um paralelo entre esses dois planos. Q conceito de causalidade, por exemple, teria sofrido um processo de transformacao, desde a teoria aristotélica até a fisica prebabilistica da século XX, ¢ as etapas dessa transformagao seriam fundamentalmente as mesmas que as encontradas no desenvolvimento do pensamento infantil. A epistemologia genética criada por Piaget nao 6, assim, uma disciplina filosofica, camo a epistemologia tradicional, Em primeiro lugar, porque se afasta de teda especulacsio, estudando a génese das estruturas © dos conceitos cientificos, tal como de fate se consti- luiram em cada uma das ci€ncias; em segunda lugar, porque procura desvendar através da experimentagao os processes fundamentais de formacao do conhecimento na crianca. A epistemologia genética também nao é uma ciancia entre outras, mas uma matéria interdisci- plinar que se ocupa com todas as ciéncias, Essa unificacao realizada por Piaget ¢, sobretudo, esse proceso: de gBnese dos conhecimentos — que vai da simples constatacao de jatos concretos até as mais altas abstragées — até certo ponto iden- tificouse com sua prépria vida Dos moluscos a légica formal Nascido em Nouchatel, Suiga, a9 de agosto de 1896, Piaget, des- de muito cedo, se interessou pelas ci@ncias, Seu primeira trabalho cientifico surgiu quando tinha dez anos de idade: era uma nota sobre um pardal totalmente albino que observara num pargue publico Pouco depois, ofereceu-se como voluntario para trabalhar como as sistente do diretor do Museu de Ciéncias Naturais de Neuchatel. Ou fante os quatro anos seguintes, publicou aproximadamente vinte arti- fos sobre moluseos ¢ temas zooldgicos afins. Seu interesse, entretan- to, nao se limitava aos moluscos, estendendo-se ao campo da reli- gi20, da biologia, da sociologia e da filosofia; adolescente ainda, co- VIDAEOBRA IX megou a ler Bergson (1859-1941). Na universidade de Neuchatel, Piaget licenciou-se em 1915, doutorande-se trés anas depois com uma tese sobre os moluscas de Valois. Os estudos de biologia fizeram-no suspeitar de que os proces- sos de conhecimenta poderiam depender dos mecanismas de equilibrio organico; por outro lado, Piaget convenceu-se de que tanto as agOes externas quantn os processos de pensamento admitem uma organizacao ldgica. Elaborou, ento, um ensaio sobre a equilibrio do todo e suas partes, sem entretanto conhecer a woria da Gestalt, que se ocupava do mesmo problema e ja havia alcancada celebridadle na Alemanha De Neuchatel, Piaget fol para Zurique, onde passou alguns me- ses estudando psicolagia nos laboratérios de G. E. Lipps e Wreschnar @ na clinica psiquiatrica de Bleuler (1857-1939). Esses estudos firma- ram-lhe a convicgao de que a psicalogia experimental poderia ser util bastante para sua vocacao de epistemélogo, Dirigiu-se ento a Paris, onde estudou filosofia com André Lalande (1867-1936) ¢ trabalhou com a padronizacao do teste de raciocinio de Burt. no laboratério criado por Alfred Binet (1875-1911). Lalande interessou-se por seus es- tudos, cujos resultados foram publicadas numa série de quatro arti- #05, entre 1921 © 1922. Nessa época, Piaget convenceu-se de que o caminho para conciliar a filosofia e a psicologia deveria ser buscado na experimentacao. Um de seus trabalhos desse periodo foi publica: do nos Arquivos de Psicologia de Genebra, e Claparéde (1873-1940), seu editor, impressionado pela originalidade co escrito, propés-lhe o ingresso no Instituto Jean-|acques Rousseau de Genebra, em 1921. Ai Piaget encontrou tempo ¢ liberdade suficientes para desenvolver seus estudos sobre a crianga, iniciando uma série de trabalhos que Ihe deram farna mundial. Em 1925, Piaget foi nomeado titular de Filosofia em Neuchatel, ‘onde lecionou ate 1928, dando também aulas de psicologia e socio- logia, sem deixar a investigagao experimental sabre ldgica e ontolo- gia infantis, no laboratério de Genebra, Além disso, continuou seus trabalhos com moluscos, publicando importantes artigos sobre o assunto. Em 1929, voltou a ocupar um cargo de dedicagao exclusiva na Universidade de Genebra, primeira como Diretor Assistente e depois como codiretor do Instituto Jean-Jacques Rousseau. De 1929 a 1939, além de desempenhar fungoes administrativas, Piaget foi professor de historia do pensamento cientitico, intensificando seus estudos so- bre histéria das matemiaticas, da fisica ¢ da biologia e redigindo seus Primeiros trabalhos sobre epistemologia genética. Também foi no- meado, em 1929, diretor do Departamento Internacional de Edu- cacao, cargo que Ihe deu oportunidade de tentar introduzir suas des- cobertas sobre a desenvolvimento das criancas nas praticas educati- vas. Com esse fim, nas décadas posteriores, Piaget e seus colaborado- tes escreverarn indmeras livres. Em 1936 a Universidade de Harvard concedeulhe o titulo de Doutor Honoris Causa. Durante ¢ periodo da guerra, desenvolveu suas idéias sobre as estruturas logicas relativas a fisica elementar. De 1939 a 1952, foi professor de sociologia da Faculdade de Ciéncias X PIAGET Econémicas da Universidade de Genebra. Em 1940, tornou-se diretor da Laboratorio de Psicologia Experimental dessa Universidade, como sucessor de Claparéde, e cantinuou também come editor dos Arqui- vos de Psicologia junto com André Rey e Lambercier, Foi também tleito presidente da Sociedade Suica de Psicologia e codiretor da Re- vista Suiga de Psicologia. Ap6s a guerra, a Universidade de Paris de- Signou-o para suceder a Merleau-Ponty (1908-1961). Em 1950, além de diversos livros sobre psicologia e psicologia da crianga, sozinho ou com colaboradores, Piaget jd havia publicado a Introducdo a Episte- mologia Genética em trés volumes ¢ 0 Tratado de Logica. Seu projeto de claborar uma epistemologia baseada nas ciéncias positivas con cretizou-se em 1955 quando foi inaugurado o Centro Internacional eS ppeemoloas Genética, sob os auspicios da Fundagao Rocke ler, Piaget morreu em 16 de setembro de 1980, A nogao de “egocentrismo” As obras A Linguagem ¢ o Pensamento da Crianca (1923), 0 Juizo © 0 Raciocinio da Crianga (1924), A Representago do Mundo na Crianga (1924), A Causalidade Fisica na Crianga (1927), O Julzo Moral na Crian¢a (1932), j4 mostram a preocupacio de Piaget com a teoria da conhecimento, embora representem muito mais a constatagao das caracteristicas do peasamento infantil. Desses estudos surgiu a nocao de “egocentrisma”, que desempenha papel essencial na epis- temologia genética de Piaget, porque implica a nogdo de centracao ¢ descentracdo, isto é, a capacidade da crianga de considerar a realicla- de externa e os objetos como diferentes de si mesma ¢ de um ponto de vista diverse do seu. © egocentrismo na linguagem infantil impli- ca a ausdncia da necessidade, por parte da erianca, de explicar aqui- lo que diz, por ter certeza de estar sendo compreendida, Da mesma forma, o egocentrismo ¢ responsavel por um pensamento pré-ldgico, précausal, magico, animista e artificialista, O raciocinio infantil naa ¢ nem dedutivo nem indutive, mas transdutivo, indo do particular ao particular; o juiZo nad 4 légico por ser centrado no sujeito, em suas experléncias passadas e nas relagdes subjetivas que ele estabelece em fungao das mesmas, Os Gesejos, as motivaces e todas as carac- teristicas conscientes, morais e afetivas sao atribuidas s coisas (ani mismo). A crianga pensa, por exemplo, que o cao late porque esta com saudades da mae. Por outro lado, para as criancas até os sete ou cinco anos de idade, ox processos psicolégicos internos tém realida de fisica: ela acha que os pensamentos estao na boca ou os senhos estdo no quarto. Dessa confusae entre © real @ a irreal surge a expli- cacao artificialista, segundo a qual, se as coisas existem é porque al- guém as fez. Notando as semelhancas entre os pracessos que condicionam a evalucao lipica e a idéia de realidade plasmada pela crianga, Piaget conclu que @ construcae do mundo objetivo € a elaboracao do ra- ¢iocinio lagico consistem na redugio gradual do egacentrismo, em VIDA E ORA xt favor de uma socializacao progressiva do pensamento; somente com essa descentragao das nogdes, a crianga pode chegar ao estagio da légica operacional. Do ponte de vista de juize moral abservase que, a prineipia, a moral € totalmente heterOnoma, passando 2 autonéma na medida em que a crianga comeca a sair do sei egecentrismo.¢ compreender a necessidade da justia equanime ¢ da responsabilidade individual ¢ coletiva, independentes da autoridade ou da sancao imposta A estrutura do universo: inteligéncia ¢ adaptagao Em uma segunda etapa de seu caminho no sentido de constituir uma epistemologia genética, Piaget abordou os problemas relativos 4 formagao da inteligancia infantil, Os resultados de suas investiga: gOes encontram-se em varias obras, nas quais mostra como se desen- wvolve a pensamento ldgico da crianga, base de sua epistemologia genética: O Nascimento da Inteligéncia (1936), A Construgao do Real na Crianga (1937), A Geénese da Nacao de Nomero, em colaboracao com Szeminska ¢ Inhelder (1941), O Desenvolvimento das Quantida- des Fisicas na Crianga (1941), Classes, RelagGes e Numeros (1942) Formacao do Simbolo na Crianga (1945), Para Piaget, inteligéncia ¢ adaptagao e sua fungao é estruturar universo, da mesma forma que o organismo estrutura o meio ambien- te, ndo havendo diferencas essenciais entre os seres vivos, mas so- mente tipos especificos de prablemas que implicam em niveis diver- sos de organizacao, As estruturas da inteligéncia mudam através da adaptagao a situagdes novas e tam dois componentes: a assimilagdo © aacomodacdo, Piaget entende © termo assimilagao com a acepcac ampla de uma integracdo de elementos novos em estruturas ou es- quemas jd existentes. A nogao de assimilagao, por um lado, implica a Nocao dé significacaa € por Outre expressa o fato fundamental de que todo conhecimente esta ligado a uma agao e de que conhecer um objeto ou um acontecimento é assimild-lo a esquemas de ayao. Em outros termos, conhecer, para Piaget, consiste em operar sobre o real e transformé-lo, a fim de compreendé-lo, em funcdo de sistema de transformagao a que estado ligadas todas as ages, Piaget denomi- na esquema de acdo aquilo que numa a¢ao é transpenivel, genera- lizdvel ou diferenciavel de uma situacao para a seguinte, ou seja, 0 que hé de comum nas diversas repeti¢Ses ou aplicagbes da mesma ago. Se alguns esquemas sho simples (talvez inatos e de natureza re flexa), a maioria deles nao corresponde a uma montagem hereditaria acabada; pelo contririo, s4o construfdes pouco a pouco pelo in- dividuo, dando lugar a diferenciagdes através de acomodagées a si- tuagdes novas, ‘A acomodaao define-se camo toda modificacae dos asquemas de assimilagao, por influéncia de situagdes exteriores, Toda vex que Um esquema nao for suficiente para responder a uma situacdo e re salver um problema, surge a necessidade do esquema modificar-se erm fungso da situagae, Exempla: para o bebe aprender a chupar um XI placer canudinho diferente da mamadeira, deve haver uma acomodacao do esquema de chupar. Assimilagao e acomodac4o S40, portanto, mecanismos comple mentares, nao havendo assimilagao sem acomodagao, e vice-versa. A adaptagae do sujeito ocorre através da equilibracao entre esses dois mecanismos, n&o se tratando, porém, de um equilibrio estatico, mas sim essencialmente ativo e dinémico. Em termos mais precisos, trate-se de sucessdes de equilibracao cada vez mais ampias, que pos- sibilitam as modificagSes dos esquemas existentes, a fim de atender 3 ruptura de equilibrio, representada pelas situacdes novas, para as quais nao exista um esquema prdpria. O nascimento da inteligéncia Em toda a anilise do processo de formagao das estruturas inte- lectuais, ou seja, da inteligéncia, desempenha papel fundamental a nog piagetiana de estdgio. O estagio foi definide por Piaget como forma de organizacéo da atividade mental, sob seu duple aspecto: per um lado, motor ou intelectual, por outro, afetivo. Do nascimente até a adaleseéncia, Piaget distingue tras estdgios do desenvolvimento. O primeiro ¢ 0 estagio sensGrio-motor (do nasci- mento até dois anos). © segundo divide-se em dois sub-estdgios: o de Preparagao para as operagbes Idgico-concretas (2 a 7 anos) ¢ o de operagdes ldgico-concretas (de 7 anos até a adolescéncia}, A partir da adolescéncia e até a idade adulta, configura-se o estgio da légica formal, quando © pensamento Iégico alcanga seu nivel de maior equilibragao, ou seja, de operatividade, adquirinde a forma de uma lagica proposicional, que seria o auge da desenvolvimento, No inicio do desenvolvimento da inteliggncia sensério-motora (até 1 ms de idade). os comportamentos globais da crianga estao de- terminados hereditariamente € apresentam-se sob a forma de esque- mas reflexos. De 1 a 4 meses (2° sub-estagiol, comecam a aparecer as primeiras adaptagdes adquiridas e a assimilacto distingue-se da aco- modacio, através das reagdes circulares primarias, ou seja, de repeti- Oks sucessivas nas quais os resultados sao assimilados aos esque- mas, modificando-os para permitir melhor adaptacao As situagdes ex- temas. No terceiro sub-estagio (4 a 8 meses) aparecem as repeticoes de gestos que casualmente chegaram a produzir uma ago interes- Sante sobre as coisas. No quarto sub-estagio (8 a 12 meses), hd apli- cagao de meios jd conhecidos para resolver situagdes novas. No quinto sub-estagio (12 a 18 meses), a crianga faz experiéncias com as objetos do meio extemo e descobre noves meios para resolver certas sitiagdes. No sexto sub-estagio (18 meses aos 2 anos), aparece a pos- sibilidade da invengao de navos meios por combinagao mental ou por combinacao de agdes. Esse estagio j4 prevé uma mudanga quali: tativa na organiza¢ao da inteligéncia, que passa de sensivel ¢ motara a mental, isto 6, representativa e interiorizada, Paralelamente 4 construcao da inteligéncia, ou do pensamento Kégico, Piaget analisa a construgao do universe, pela crianga no VIDA E OBRA. xi esldgio sensorio-motor, em fungao das categorias do objeto ou substancia, espace, causalidade ¢ tempo, Quanto ao objeto, as investigacoes de Piaget mostram que, du- rante as primeiras fases do Gesenvolvimento, a crianga nao percebe o universo.em seu redor como se fosse constituide por objetos substan- Ciais, permanentes e de dimens6es constantes; pelo contrario, ela se comparta come se estivesse frente a um mundo sem objetos e no gual © proprio espago constituisse um meio sdlido. Trata-se de um mundo de quadras perceptives. cuja dnica realidade & a propria erianga @ suas agdes. O sujeite funciona como um sistema organiza- dor do universo, evoluindo de acorde com o aumento da complex+ dade das atividades de assimilagao. Partindo da ndc-distingAo entre cla mesma ¢ os objetos, a crianca passa a distinguir progressivamen le 05 objetos que estao em sua presenca e, depois, comega a relacio- nar entre si os varios abjetos que aparecem em espacas ja diferencia- dos, ora, presentes, ora ausentes. No final do estgio sensGric-motor, pela separacao entre acdo e percepgao. a crianca tomna-se capaz da nacdo de objeto permanente ¢ idéntico a si mesmo, ainda que ele AO esteja mais presente e senda manipulado por ela Do ponto de vista da espaco, a coordenagan sucessiva das agdes leva a crianga, progressivamente, a conceber aqueles espacos indivi: duais e separados do inicio do seu desenvolvimento como um tinico espaco, no qual ela se desloca come os objetos, considerando a si mesma como um objeto, embora diferente das demais. Quanto 4 causalidade, Piaget mostra como essa nogao funda- mental para a ciéncia ligase, no estagio sensério-motor, ay relagdes temporais. Durante os dois primeiros sub-estagios, tudo sucede como se 0 tempo se reduzisse exclusivamente as impressées de espera, de desejo, de éxito ou de fracasso, existindo um principio de sucesso, li- gado ao desenvovivimento das diferentes fases de um mesmo ato, Sao as séries temporais prdticas: os atos da crianga sucedem-se uns aes outros, mas nada lhe permite reconstruir sua propria historia. Du- rante os sub-estdgios seguintes, estabeleceram-se modificagdes nessa concepgio, surgindo as séries temporais subjetivas: a crianga nde per- cebe ainda a ordem des fendmenos a nao ser quando ela mesma é a causa desses fendmenos, de modo que ainda continua sendo incapaz de conceber a histéria de seu universo, independentemente da propria aco, e nao havendo, portanto, um tempo objetivo para ela 56 a partir do quarto sub-estagio é que comega a progredir uma visdo mais objetiva do mundo, aparecendo ja no quinto sub-estagio uma ordenacao do tempo. nao aplicdvel somente as agdes, mas, em principio, a todo o campo percentivo, (séries temporais ebjetivas), No ultimo subestagio aparecem as series representativas, quando a crianga é capaz de recordar fatos nao ligados A percepcSc direta, mas acentecidos no passado. Isso nao significa que esses fatas sejam. corretamente seriados, nem que a avalia¢ao da duracao seja exata, Mas sim que exsus eperagées tornam-se possiveis porque desse mo- mento em diante a duracgao subjetiva vai cada vez mais situarse em relagao com a duracao das coisas, possibilitande, por sua vez, a orde- nagdo dos movimentas no tempo e sua medida em relagio com pon- tos de refer@ncia exteriores. XIV PIAGET © advento das fungaes simbélicas No segundo estagio do desenvolvimento das estruturas da inte- bgéncia podem ser distinguicos dois subestagias. O primeiro (dois 40s sete anos) caracteriza-se pela funcae simbdlica e pelo aparecr mento da intuigao das operagSes; 0 segundo (sete aos onze anos] é marcado pelas operagdes lGgico-concretas. As atividades de repre. Senta¢ao (o joge, o desenho © sobretudo a linguagem) tém trés con- seqiéncias essenciais para o desenvolvimento mental: inicio da so- cializagao da agao; interiorizagao da palavra, isto é, aparicao do Pensamento propriamente dito, que j4 tem coma suporte a lingua- gem interlor © um sistema de signos; e, sobretudo, interiarizagdo da a¢a0 come tal. que passa do plano perceptive e motor para se re constituir no plano das imagens @ das experiéncias mentais, Os pri meiros esquemas verbais constituem uma continuagao dos esque- Mas sensorio-motores, transpostos para um plano superior, implican- do portante uma modificagao qualitativa na estrutura, A isso Piaget chama “décalage vertical”, conceito particularmente. importante em sua obra. Para 9 criador da epistemologia genetica, cada fase do de- seavolvimento deve ser considerada como formada por estruturas di- ferentes em quantidade ¢ qualidade, Essa diferenciacao entre um momente e outra do desenvolvimento sé € possivel porque as equili- bragdes sucessivas, que permitem a passagem de um estdgio a outro # marcam a mobilidade das estruturas, s40 acompanhadas de deter- minadas fungdes constantes, que garatem a continuidade entre um estagio e outro, Piaget designa essas funcdes (entre as quais incluem- Se a compreensao ¢ a explicagdo) pela expressao “invariantes”, afir- mando, contudo, que seu nivel pode variar em fungao de grau de ar- ganizacao das estruturas, E por essa razdo que, com o advento das fungdes simbélicas, comega toda uma mobilidade das estruturas sensdrio-motoras, Numa etapa de desenvolvimento, 0 egocentrismo ainda presente manifesta-se, nao mais em nivel de confusao sujeito- objeto do ponto de vista fisico, como anteriormente, mas no nfvel da linguagem e do pensamento. através do animisma, do artificialismo ¢ do realismo nominal, Embora ja haja uma modificacao de esquemas para uma nova estrutura, ao nivel de interiorizagao da agao, os as- bectos perceptivos e subjetivos continuam sendo predominantes em relagao concepgao do mundo, da causalidade fisica e dos concei- tos espa¢o-temporais, Por isso esse sub-estigio simbélica é chamado pré-operatério, nao havendo nocao de conservacao fisica nem rever- sibilidade nas operacoes. A crianca comeca simplesmente a distin guit 0 significante do significado, isto é, os objetos que apresentam determinadas palavras, e a usar essas palavras em lugar do objeto. No entanto, nota-se perfeitamente a generalizagao de signiticados in- Gevidos. quando, por exemplo, a crianga diz “auau" para todos os animais ou “titio” para todas as pessoas do sexo maseulino. Essa irre versibilidade pré-logica mantém-se até por volta dos sete anos, pois, embora a partir dos quatro anos ¢ meio ou cinco anos comere # ha, ver uma descentracao maior do pensamento e a crianca j comece a apresentar certas nocdes de classificagao ¢ de seriagao dos abjetos, VIDAEOBRA = XV S505 NOGGes sdo intuidas, isto é, ndo so realmente compreendidas porque nao ha uma operagae verdadeiramente kigica. As operagdes légico-formais As operagées ldgicas surgem somente quando 0 pensamento da crianga torna-se reversivel, ou seja, quando cla é capaz de admiti pessibilidade de se efetuar a operagdo contraria, ou voltar ao ini da aperacao, Admitindo, por exemplo, que A é igual 2 8, a crianca deve admitir que B é igual a A. Essa ida e volta do pensamento nao acontece no periodo prldgico porque nao existe seqiiéncia logica has acoes da crianca. Quando o pensamento infantil torna-se reversivel, por volta dos 7 94 8 anos, inicia-se o subestagio das operacdes ldgico-concretas. Sequese 2 ele, a partir dos onze ou doze anos, 9 estégio das opera- 0e8 légico-formais. A operatividade marca a possibilidade da crian- 42 agir, consistente ¢ logicamente, em funcao das implicacées de suas idéias. A organizacao das acdes mentais em pensamento ope- tatério pode ser descrita em termos de grupos matematicos & agrupa- mentos ldgicos e, mais tarde (no estagio formal), em termos de agru- pamentos de relagdes, ou seja, relacdes de segunda ordem ou rela- ges de relacdes, Os agrupamentos logicos baseiam-se na nocao ma- tematica de classe. No sub-estagio das operages concretas, as rela: ses entre as classes somente podem ser compreendidas quando apresentarem evidencia concreta, isto é, estejam presentes no campo berceptivo. Mas no perfode das operagbes formais a crianga pode realizar as relagdes possiveis, de modo a prever as situacdes ne- cessdrias para provar uma hipdtese. Essa 6, precisamente, a carac- teristica do métode experimental na ciéncia. A légica das proposicées, possiveis combinagdes de classe, bem como © grupo de transformacdes INRC (operagae Inversa, Negativa, Reciproca ¢ Contrdria) sao a parte final da epistemologia genética de Piaget, partir da experimentagao com as operacdes ldgicas, com a nocao de reversibilidade, com os grupos matemiticos e os agrupa- mentos de classe, e com as transformagdes légicas INRC, Piaget in- cursiona no campo da formalizacao Idgico-matemiatica. A partir da fundagao do Centro Internacional de Epistemologia Genética, em Cenebra, cientistas e logicos de todo o mundo tém-se ocupado da pormenorizagao e apertcigoamento do processo genéti co, descrito por Piaget, e de suas relagdes com os principals concei- tus da ciBncia contempariinea. Com isso, tornou-se realidade seu de- se)0 de criagdo des "métodas de controle”, indispensaveis para legiti- mara verdade, bem como dar nova dimensao ao problema das rela: des entre a ciéncia propriamente dita e a filosofia. Piaget procurou, assim, evitar que a filosofia, através da pura especulagao, mantenha © status de dona absoluta da verdade, jd que deve haver uma corre. lacao epistémica entre teorias @ fatos. VL PIAGET. Cronologia 1896 — Em Neuchétel, Suica, a 9 de agasto, nasce jean Piaget. 1915 — Licencia-se pela Universidade de Neuchatel. 1925 — Torng.se professor titular de filasotia na mesma universidade. 1929 — norneado dircior do Departamento loternac ional de Educagao. 1932 — Publica Le Jugemem Maral Chez V'Enfant. 1936 — Publica La Naissance de l'intelligence chez "Enfant. No mesmo ano, recebe @ titulo de Douter Honoris Causa pela Universidade de Harvard, 1937 — Piaget publica La Construction du Réel chez Enfant 1939-1952 — Leciona sociologia na Faculdade de Ciéneias Econémicas da Universidade de Cenebra. 1941 — Publica, em colaboragde com Seminska, La Genese du Nombre chez Enfant. 1846 — Publica La Formation du Symbole chez l'Enfant. 1947 — Publica La Psychologie de I'Intelligence 1948 — Publica La Representation de Espace chez Enfant 1949 — £ Editade seu Traité de Logique. Essai de Logistique Opératoire 1950 — Editamse os tras tamos da Introduction a |’Epistemologic Génétique. 1952-1963 — Leciona psicalogle da crianga na Sorbonne. 1955 — Publica De la Logique de 'Enfant a la Logique de |'Adolescent 1957-4973 — Publica os 20 volumes dos Etudes d'tpistemologic Génétique. 1959 — Publica La Gendse des Structures Logiques Elémentaires. 1964 — Publicacao dos Six Etudes de Psychologie 1980 — Morre Piaget. Bibliogratia Crutkue, Ci; Piaget, Presses Universitaires de France, Pafis, 1973, Basa, A M. Ef Pensamiento de jean Piaget, Emecé Editores, Buenos Ai res, Grizt, Harwin, Wousr ¢ outros: Psychologie et fnistemalogic Génetique, Dunodl, Paris, 1966, Funr, H. G.: Piaget for Teachers, Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1970. Droz, R.t Ranmy, Mii Lire Piaget, Dessart, Bruxelas, 1972 Fuwiu, J. Hi: The Dovelopmental Psychology of Jean Piaget, Van Nox trand, Princeton, 1963 Grsues, Hy Ovrig, So Plager’s Theory of Intellectual Development, Prentice-Hall, Englewood Cliffs, 1969, Kessim, W. t Kuiiman, C. Cognitive Development in Children, University of Chicage Press, Chicago, 1970. Auwy, Mu Young Children’s Thinking: Studies of Some Aspects of Piaget’s Theory, Teachers College Press, Nova York, 1966. Euuiwo, D Children and Adolescents: Interpretatives Essays on fean Piaget, Oxford University Press, Nova York, 1970. Baiowm, A. L: The Theory of fean Piaget in Theories af Child Develop. ment, do mesmo autor, John Wiley & Sons, Nova York, 1968 A EPISTEMOLOGIA GENETIC ‘Tradugio de Nathanael C. Caixeira * Trodutido do original francés 1 “ipisiémologie génétique, Paris, Presses Universitaires de France, 1970. Introdugio Aproveitei, com prazer, a oportunidade de escrever este pequeno livro sobre Epistemologia Genética, de modo a poder insistir na nogdo bem pouco admilida correntemente, mas que parece confirmada por nossos trabalhos coletivos neste dominio: 0 conhecimento nio poderia ser concebide como algo predeterminado nas estruturas internas do individuo, pois que estas resultam de uma constragiio efetiva ¢ continua, nem nos caracteres preexistentes da objeto, pois que estes sO sdo conhevidos gragas 4 mediagao necessaria dessas estruturas; © estas estruturas ‘8 enriquecem e enquadram (pelo menos sitando-os no conjunto dos possiveis). Em outras palavras, todo conhecimento comporta um aspecto de elaboragio nova, ¢ o grande problema da cpistemologia ¢ o de conciliar esta criagiio de novi- dades com 0 duplo fato de que. no terreno formal, elas se acompanham de necessia dade tao logo claboradas e de que, no plano do real, elas permitem (e so mesmo as Ginicas a permitir) a conquista da objetividade. Este problema da construcdo de estruturas nfo préformadas é, de fato, ja antigo, embora a maioria dos epistemologistas permanegam amarrados a hipéte- ses, sejam aprioristas (até mesmo com certos recuos a0 inatisma), sejam empiris: tas, que subordinam 9 conhccimento a formas situadas de antemdo no individuo eu no objeto. Todas as correntes dialéticas insistem na idéia de novidades ¢ procu ram © segredo delas om “ultrapassagens” que iranscenderiam incessantemente 0 jogo das tesos e das antiteses, No dominio da histéria do pensamento cientifico, o problema das mudangas de perspectiva e mesmo das “revoluges” nos “paradig- mas” (Kuhn) s¢ impée necessariamente, ¢ L. Brunschyicg extraiu dele uma episte- mologia do vir-a-ser radical da raza, Adstrito as fronteiras mais especificamente psicalégicas, J, M, Baldwim forneceu, sob o nome de “logica genética”, pareceres penetrantes sobre a elaboragdo das estruturas cognitivas. Poderiam ser citadas ainda diversas outras tentativas. Mas, s¢ a epistemologia genética voltou de nove A questio, é com o duplo intuita de constituir um método eapaz de oferecer os controles ¢, sobretudo, de retornar as fantes, portanto 4 génese mesma dos conhecimentos de que a episte- mologia tradicional apenas conhece os estados superiores, isto €, certas resultan- tes. O que se propde a epistemologia genética é pois par a descoberto as raizes das diversas variedades de conhecimento, desde as suas formas mais elementares, ¢ s¢- guir sua evolugio até os alveis seguintes, até, inclusive, o pensamento cientifico. 4 PIAGET Mas, se esse género de andlise comporta uma parte essencial de experimentagio psicolégica. de mado algum significa, por essa raz4o, um esforgo de pura psicolo- gia. Os prprios psicdlogos nao se enganaram a esse respeito, enuma citagaio que a Apterican Psychological Association teve a gentileza de enviar ac aulor destas linhas depara-se com esta passagem significativa: “Ele enfocou questdes até entio exclusivamente filoséficas de um modo decididamente empiric. e consti- tuiu a epistemologia como uma ciéncia separada da filosofia mas ligada a todas as ciéncias humanas”, sem esquecer. naturalmente, a biolegia. Em outros termos, at grande sociedade americana admitiu de bom grado que nossos trabalhas reves. tiam-se de uma dimensao psicolégica, mas a titulo de byproduct, como 0 escla- rece ainda a citagao, ¢ reconhecendo que a fntengiio, no caso, era essencialmente -epistemolégica, Quanto i necessidade de recuar 4 génese. como o indica 4 proprio terme “epistemologia genética”, convém dissipar desde logo um possivel equivoco, que seria de certa gravidade se importasse em opor a génese as outras fases da elabo- racdo continua dos conhecimentos. A grande ligho contida no estudo da ginese ou das géneses & pelo contririo, mostrar que nao existem jamais conhecimentos ubsolutos, Isto significa dizer, em outras palavras, seja que tudo é génese, inclu- sive a elaboragiio de uma teoria nova no estado atual das cién las, seja que a gé- hese recun indefinidamente, porque as fases psicogencticas mais elementares sto, elas mesmas, precedidas de fases de algum modo organogenéticas, etc, Afirmar a necessidade de recuar @ génese nao significa de modo algum conceder um privi- Kégio a tal ou qual fase considerada primeira, absolutamente falando: é pelo contrario, lembrar a existéncia de uma construgdo indefinida e, sobretudo. insistir no fato dle que, para compreender suas razdes ¢ seu mecunismo, € preciso conhe- cer fodes as suas fases, ou, pelo menos, 0 meixima poasivel. Se fomos levados a insistir muito na questio dos comegos do conhecimento, nos dominios da psicolo- gia da crianga ¢ da biologia, tal niio se deve a que atribuamos a eles uma significa- go quase exclusiva: deve-se simplesmente a que se trata de perspectivas em geral quase totalmente negligenciadas pelos epistemologistas, ‘Todas as demais fontes cientificas de informagiio permanecem pois necessi igs, € © segundo aspecto da epistemologia genética sobre o qual gostariamos de insistir € sua natureza decididamente interdiscipiinar. © problema especifico da epistemologia, expresso sob sua forma geral, é, com eftito, 0 do eumento dos conhecimentos, isto é, da passagem de um conhecimento inferior ou mais pobre a um saber mais rico (em compreensao ¢ em extensaa), Ora, como toda cigncia est em permanente transformagao ¢ ndo considera jamais seu estado como definitiva (com excegao de certas ilusdes histérieas, comé as do aristotelismo dos adversi- rios de Galileu ov da fisica newtoniana para seus continuadores}, este problema genético, no sentido amplo, engloba também 0 do progresso de todo conheci- mento cientifico ¢ apresenta duas dimensdes: uma. respeitante as questdes de fato {estado dos conhecimentos cm um nivel determinado e passagem de um nivel aa seguinte), ¢ Outra, acerca das questdes de validade (avaliagao dos conhecimentos em termos de aprimoramento ou de regressdia, estrunira formal dos conhecimen. A EPISTEMOLOGIA GENETICA, 5 tos), E, portanto, evidente que, seja qual for a pesquisa em epistemologia genética, seja que se trate da evolugain de tal setor do conhecimento na crianga ( mimero, velocidade, causalidade fisica, etc.) ou de tal transformagaio num dos ramos correspondentes do pensamento cientifico, tal pesquisa pressupae a colaboracio de especialisias em epistemologia da ciéncia considerada. psicdlogos, historia- dores dus cigncias, logicos, matematices, cultores da cibernética, lingtiistica, ete. Este tem sido sempre o método de nosso Centro Internacional de Epistemologia Genética em Genebra. cuja atividade integral tem consistido sempre de um traba- tho de equipe. A obra que se segue é, portanta, sob muitos aspectos. coletiva! 0 abjetivo deste opisculo nao é, todavia, contar a historia desse Centro, nem mesmo resumir os Estudos de Episiemologia Genética que surgitam gragas acic.! Nesses Estudos se encontram os trabalhos realizados, bem como 0 sumiario das discussOes que tiveram lugar por avasiao de cada Simposio anual e que trataram dat pesquisas em curso. O que nos propomos aqui ¢ simplesmente por em desta- que as tendéncias gerais da epistemolagia genética e expor ce principais fatos que as justificam, © plane de trabalho ¢ portanto muito simples: analise dos dados psicogenéticos, em seguida de seus antecedentes bioldgicos c, finalmente, retorno a08 problemas epistemoldgicos ¢lissicos. Convém no entanto comentar este plano, pois os dois primeiros capitulos poderiam parecer intteis, No que diz respeito em particular & psicogénese dos conkecimentos (cap. 1), muilas vezes a descrevemos 4 maneira dos psicdlogos. Mas 08 epistemologistas Kem apenas uns poucos trabalhos psicoldgicos, © que ¢ concebivel, desde que ndo se destinam explicitamente a corresponder as suas preocupagdes, Procuramos pois centrar nossa exposigao unicamente nos fatos que se revestem de uma signifi cagdo epistemaldgica, ¢ insistindo nesta dltima: trata-se, em conseqiiéncia, de uma tentativa nova, em parte, tanto mais que ela toma em consideragdo um gran de mimero de pesquisas ainda nio publicadas sobre a causalidade. Quanto as rai- zes bioldgicas do conhecimento (cap. II), nio medificamos muito nosse ponto de vista desde a publicagio de Biologia e Conhectmente (Gallimard, 1967), mas, camo pudemos substituir essas 430 piginas por menos de uma vintena, estamos sertos de ser perdoados por este novo apelo As fontes orgénicas, que era indispen- savel para justificar a interpretagio proposta pela epistemologia genética das rela- ges entre 0 Sujéito ¢ os abjetos, Em poucas palavras s¢ encontrar estas paginas a exposi¢ao de uma episte- mologia que é naturalista sem ser positivista, que pde em evidencia a atividade do sujeito sem ser idealista, que se apdia também no objeto sem deixar de considera la como um limite (existente, portanto, independentemente de nds, mas jamais completamente atingido) ¢ que, sobretudo, vé no conhecimento uma élaboragio continua: é este ditimo aspecto da epistemologia genética que suscita mais proble- mas € so cites que se pretende equacionar bem assim como discutir exaustivamente. ” Esla obra sera eitada sob 0 titulo geral tudes com o nimera da volume ers questi. (N. do A.) Capriruto 1 A Formagio dos Conhecimentos (Psicogénese) A vantagem que um estudo da evolugao dos conhecimentos desde suas raizes apresenta (embora, no momento. sem referéncias aos antecedentes biolégicos) & oferecer uma resposta 4 questao mal solucionada do sentido das tentativas cogni- tivas iniciais, A se restringir as posigdes classicas do problema, nao se pode, com efeito, senéo indagar se tada informagao cognitiva emana dos objetos ¢ vem de fora informar 0 sujeito, como © supunha o empirismo tradicional, ou, se, pelo contrario, © sujeito esti desde o inicio munido de estrucuras endégenas que ele imporia aos objetos, conforme as diversas variedades de apriorismo ou de inatis- mo. Nao obstante, mesmo a multiplicar os matizes entre as posigdes extremas (c 4 histéria das idéias mostrou o numero dessas combinagSes possiveis), » postu lado comum das epistemologias conhecidas é supor que existem em todos a8 ni- veis um sujeito conhecedor de seus poderes em gruus diversos (mesmo que eles se reduzam 4 mera percepgae dos abjetas), abjetos existentes como tais aos olhos do sujeito (mesmo que eles se reduzam a “fenémenos”), ¢, sobretudo, instrumentos de modificagiio ou de conquista (percepgdes ou conceitos), determinantes do trajeto que conduz do sujeito aos objetos ou 0 inverso. Ora, as primeiras licbes da andlise psicogenética parécem contradizer essas pressuposigdes, De uma parte, 0 conhecimento no procede, em suas origens, nem de um sujeito consciente de si mesmo nem de objetos ja constituldos (da ponto de vista do sujeite) que a ele se imperiam, O conhecimento resultaria de interagdes, que se pracuzem a meio caminho entre os dois, depeadenda, portanto, dos dois ao mesmo tempo, mas em decorréncia de uma indiferenciagao completa ¢ nao de intercdmbio entre formas distintas, De outro lado, e, por conseguinte, se nfio ha, no inicio, nem sujeito, no sentido epistemelégico do termo, nem objetos concebi- dos como tais, nem, sobretudo, instrumentos invariantes de troca, 0 problema ini- cial do conhecimento sera pois o de elaborar tais mediadores, A partir da zona de contato entre 0 corpo préprio ¢ as coisas eles se empenhardo entio sempre mais adiante nas duas diregdes complementares do exterior ¢ do interior, ¢ € desta dupla construeao progressiva que depende a elaboracdo solidaria do sujeito ¢ dos objetes, Com efeito, o instrumento de troca inicial nfio é a percepg’io, como os racio- nalistas demasiado facilmente admitiram do empirismo, mas, antes, a propria agao em sua plasticidade muito maior, Sem diivida, as percepgdes desempenham A EPISTEMOLOGIA GENETICA % um papel essencial, mas elas dependem cm parte da ago em seu conjunto, ¢ cer tos mecanismos perceptivos que se poderiam acreditar inalos ou muito primitives {como 0 “efeito tine!” de Michotte) s6 se constituem a certo nivel da construgdo dos objetos, De mode geral, toda percepgiio chega a conferir significagdes relati- vas 2 acdo aos elementos percebidos (J. Bruner fala, negse sentido, de “identifica- ges”, cf. Etudes, vol. V1, cap. 1) ¢ ¢ pois da agdo que convém partir. Distingui- remos «i este respeito dois periodos sucessivos: 0 das agdes sensério-motoras anteriores a qualquer linguagem ou a tada conceptualizacao representative, ¢ 0 das agSes completadas por estas novas propriedades, a propésite dos quais se co loca entao o problema da tomada de consciéncia dos resultados. intengdes € mecanismos dos atos, isto ¢, de sua tradugio em termos de pensamento coanceptualizada. 1. O5 niveis sensério-motores No que diz respeito as acGes sensdrio-motrizes, J. M. Baldwin mostrou, ha muito. que o lactente no manifesta qualquer indice de uma consciéncin de seu cu. nem de uma fronteira estivel entre dados do mundo interior ¢ do universo externo, “adunlismo™ este que dura até o momento em que a construgZo desse cu se torna possivel em correspondéncia ¢ em oposic¢ao com o dos outros. De nossa parte, fizemos notar que o universo primitive no comportaria objetos permanentes até uma época coincidente com o interesse pela pessoa dos outros, sendo os primeiros objetos dotados de permanéncia constituides precisamente dessas personagens {resultados yerificades com mindeia por Th, Gouin-Décarie, em um estudo sobre @ permanéncia dos objetos materiais e sobre seu sincronismo com as “relagées objetais”, neste sentido freudiano do interess¢ por outrem), Em uma estrutura de realidade que nao comporte nem sujeitos nem objetos, evidentemente o tnico liame possivel entre o que se tornara mais tarde um sujeito € objetos é constituido por agGes, mas ages de um tipo peculiar, cuja significagao epistemoldgica parece esclarecedora. Com efeita, tanto no terreno do espage como no dos diversos feixes perceptivas em construgio, o lactente tudo relaciona a seu corpo como se ele fosse © centro do mundo, mas um centro que a si mesmo ignora. Em outras palavras, a ago primitiva exibe simultaneamente uma indiferenciagdo completa entre o sub- jective © © objetivo © uma gentragio fundamental, embora radicalmente incons- ciente, em razao de achar-se ligada a esta indiferenciagao. ‘Qual poderia ser, no entanto, o lago entre esses dois aspectos? Se existe uma indiferenciagio entre o sujeito ¢ @ objeto ac ponto que o primeiro no se conhece nem mesmo como fonte de suas agdes, por que seriam clas centradas no corpo proprio ao paso que a atenc&o estaria fixada no exterior? © termo “egocentrisme radical” de que nos valemos para designar esta centragiio pode, ao invés (mal- grado nossas precaugdes), parecer evocar um eu consciente (e ¢ ainda mais © caso do “narcisismo” freudiano ao passe que $¢ trata de um narcisismo sem Narciso). De fato, a indiferenciagao e a centragiio das agdes primitivas importam ambas em um terceiro aspecto que thes ¢ geral: elas ainda ndo esto coordenadas entre si, ¢ 8 PIAGET sonstituem, cada uma, um pequeno todo isolavel que liga diretamente o corpo proprio ao objeto (sugar, olhar, segurar, ete.). Dai decorre uma falta de diferencia- $40, pois o sujeito nfo’ se afirmara em seguida a nao ser coordenando livremente suas aydes. ¢ 0 objeto nao se constituira a nio ser se sujeitando ou resistindo as coordenagdes dos movimentos ou posigdes em um sistema coerente. Por outro: lado, como cada agio forma ainda um todo isolavel, sua dnica referéneia comum € constante 6 pode ser o corpo proprio, dende uma centragio automatica sobre ele, embora no desejada nem consciente. Para verificar esta conexiio entre a falta de coordenagao das agées, a indife- renciagdo do sujeito € dos objetos ¢ 2 centragao sobre o corpo préprio, hasta lem- brar o que se passa entre esse estado inicial e o nivel dos 18 a08 24 meses. inicio da fungdo scmidtica e da inteligéncia representativa. Neste intervalo de um a dois anos realiza-se, de fato, mas ainda apenas no Plano dos atos materiais, uma espé- cie de revolugao copérniciana que consiste em descentralizar as apdes em relagio ao corpo préprio, em considerar este como objeto entre. os demais num espa- §0 que a todos contém ¢ em associar as agdes dos objetas sob 0 efeito das coorde- nagdes de um sujeito que comeca a se conhecer como fonte ou mesmo senhor de seus movimentos, Com efeito (¢ ¢ esta terceira novidade que acarreta as duas outras), presencia-se, em primeiro lugar, nos niveis sucessivos do periodo sensé- rig-motor, uma coordenagéio gradual das ages. Em lugar de continuar cada uma a formar um pequeno todo encerrado em si mesmo, clas chegam, mais ou menos rapidamente, pelo jogo fundamental das assimilagSes reciprocas, a se coordenar entre si até constituir esta concxio entre meios ¢ fins que caracteriza os atos da inteligéncia propriamente dita. E nesta ocasitio que s¢ constitui o sujeito na medi- da em que fonte de agdes © pois de conhecimentos, Por isso que a coordenacao de duas dessas agdes supSe uma iniciativa que ultrapassa u interdependéncia ime- diata a que se restringiam as condutas primitivas entre uma coisa exterior ¢ 0 corpo préprio. Mas coordenar agdes quer dizer deslocar objetos, ¢, na medida em que esses deslocamentos sia submetidos a coordenugdes, 0 “grupo de desloc: mentos” que s¢ elabora progressivamente a partir desse fato permite, em segundo lugar, atribuir aos objetos posigdes sucessivas, também estas determinadas. O ob- Jeto acquire, por conseguinte, ceria permanéncia espago-temporal donde a espacializagio ¢ objetivacio das proprias relagdes causais. Tal diferenciagio do Sujeito © dos objetos que acarreta a substanciagdo progressiva destes explica em definitive esta inversZo total das Perspectivas, inversao esta que leva o sujeito = considerar seu proprio corpo. como um objeto no seio dos demais,em um universo sspago-temporal € causal do qual ele vem a tornar-se parte integrante na medida em que aprende a atuar eficazmente sobre ele. Em resumo, a coordenagio das agSes do sujeito, insepardvel das coordena- ges espago-temporais ¢ causais que ele atribui ao real, é a0 mesmo tempo fonte das diferenciagdes entre este sujcita ¢ os objetos, e desta descentralizagao no plano dos atos materiais que vai tarnar possivel com o concurso da fungao semid- ti¢a a ocorréncia da representacado ou do. Pensamento. Mas essa coardenacio mesma acarreta um prablema epistemologico, embora ainda limitada a esse plane A EPISTEMOLOGIA GENETICA 9 de acio, ¢ a assimilagao reciproca invocada para esse fim é um primeiro exemplo dessas novidades, a um tempo nao predeterminadas ¢ vindo a ser, entretanto, “necessirias”, ¢ que caracterizam 0 desenvolvimento dos conhecimentos. Importa pois insistir nisto um pouco mais a partir do inicio. A nogio fundamental peculiar 4 psicologia de inspiragio empirista éa da associagdo que, assinalada jé por Hume, permanece muito em voga nos meios considerados comportamentistas ou reflexolégicos. Contude, esse conceito de associagao refere-se tao-somente a um liame exterior entre os elementos associa- dos, ao passo que a nogdo de assimilagio (Brudes, vol. V. cap. Il) implica ade integragio dos dados a uma estrutura anterior ou mesmo a constituigdo de nova estrutura sob a forma elementar de um esquema. No que se refere a agdes primiti vas, no coordenadas entre si, dois casos 340 possiveis: 10 primeiro a estrutura preexiste por ser hereditaria (por exemplo, os reflexos de sucgio) e a assimilagio. consiste apenas em incorporar-lhe navos objetos nao previstos na programaglo orgdnica. No segundo caso, a situagdo € imprevista: por exemplo, o lactents pro- cura apreender um objeto pendurado, mas, no decorrer:de uma tentativa frustra- da, limita-se a toca-lo e se segue entiio um balangar que Ihe interessa como espeta- culo inédito. Entao ele tentard consegui-lo novamente, donde o que se poderia chamar uma assimilagao reprodutora (fazer novamente o mesmo gesto) ea forma- gio de um inicio de esquema. Em presenga de outro objeto pendurado ele o assi- milara a esse mesmoesquema,donde uma assimilagZo recognitiva, ¢ 4 medida que repita a agao nesta nova situagao, uma assimilagdo generalizadora, ¢ esses ies aspectos: repetigo, reconhecimento ¢ generalizagdo poderem repetir-se de ime- diato. Uma vez admitido isto, a coordenagao das agdes por assimilagio reciproca que se tratava de apreender representa ao mesmotempo uma novidade em relagaio a0 que precede © um desenvolvimento do mesmo mecanismo. Pode-se reconhecer ai duas fases, a primeira das quais é, sobretude, um desenvolvimento: ela consiste em assimilar um mesmo objeto a dois esquemas ao mesmo tempo, 0 que repre senta um comego de assimilagdo reciproca, Por exemplo, se 0 objeto balangado ‘ou sacudido produz um som, pode tornar-se alternada ou simultaneamente uma coisa a contemplar ou algo a escutar, donde uma assimilagao recipraca que con- duz entre outras coisas a agitar seja que brinquedo for para se dar conta de ruidos que possa emitir. Num caso como este 0 propdsito ¢ os meins permanccem relati- vamente indiferenciados, mas numa segunda fase em que ressalta a novidade, a crianga atribuird um objetivo ao seu gesto antes de poder atingi-lo e utilizar diferentes esquemas de assimilagao a titulo de meios para o conseguir: abalar por meio de sacudidelas, etc., etc.; © teto do bergo para fazer balangar os brinquedos Sonoros qué ali se penduram e que continuam inacessiveis a mao, etc. | Por modestos que sejam esses comegos, pade-se ver neles um processa em curso que se desenvolvera cada: vez mais depois: a elaboragao de combinagies novas por meio de uma conjungao de abstragdes obtidas a partir dos proprios objetos ou, ¢ isto é fundamental, dos esquemas de ago que se exercem sobre cles. E desse modo que o fato de reconhecer em um objeto pendurado uma coisa a balangar comporta antes de mais nada uma abstracao a partir dos objetos. Por 10 PIAGET outro lado. coordenar meios ¢ fins réspeitando a ordem de sucessio dos movimen tos a realizar constitui uma novidade em relagdo aos atos globais no scio dos quais meins ¢ fins permanecem indifetenciados. mas esta navidade é adquirida de modo natural a partir de tais atos por um processo que consiste em extrair deles as relagdes de ordem, ajustamento, etc., necessdrias a esta coordenago, Nese caso 4 abstiagdo ja n3o é mais do mesmo tipo e se orienta na dirego daquila que chamaremos abstragao refletidora, Vé-se desse moda que a partir do nivel sensdeio-motor a diferenciagao nas: eente do sujeito ¢ do objeta se assinala ao mesmo tempo pela formacao de coorde- nagdes ¢ pela distincado entre duas espécies entre elas: de uma parte, as que reli- gam entre si as agdes do sujeito e, de outra as que dizem respeite As agdes dos objetos uns sobre os outros. As primeiras consistem em reunir ou dissociar certas agdes do sujeito ou seus esquemas, as ajustar ou ordenar, pd-las em correspon déncia umas com as outras, elc., em outras palavras: ¢las constituem as Primeiras formas dessas coordenagSes gerais que esto na base das estruturas Mégico-mate- maticas cujo desenvolvimento ulterior sera tio considerdvel, As segundas vém a canferir aos objetos uma organizagao espago-temporal, cinematica ou dinamica andloga A das agdes, ¢ seu conjunte fica no ponte de partida dessas estruturas causais cujas manifestagdes sensdrio-motoras siio ja evidentes e cuja evolugao Subseqiiente é tao importante como a dos primeiros tipos. Quanto as agdes parti- eulares do sujeito sabre os objetos, em opasicao as coordenagdes gerais de que acabamos de tratar, elas participam da causalidade na medida em que nodificam Mmaterialmente esses objetos ou a disposigao deles (as condutas instrumentais, por exemplo) ¢ do esquematismo pré-ldgico na medida em que elas Gependem das coordenagdes gerais de cardter formal (ordem, ete.). Desde antes da formagao da linguagem, da qual certas escolas, como a positivisma ligico, exageraram a importancia quanto 4 estruturagdo dos conhecimentos, vé-se pois que estes se Constituem no plano da propria agao com suas bipolaridades logico-matemAatica e fisica, logo que, gragas as coordenagdes nascentes entre as agdes, 0 sujeito e os objetos comegam a se diferencias ac afinar seus instrumentos de intereambio, Mas estes permanecem ainda de natureza material, porque constituides de ages, ¢ uma longa evolugio serd necessaria até sua sabjetivacdo em operagées. AL. O primeiro nivel do pensamenta pré-operatéria Desde as agdes elementares inicinis, nfo coordenadas entre si ¢ nao sufi- cientes para assegurar uma diferenciagdo estavel entre sujeito ¢ objetos, as coorde- nagdes com diferenciagdes, realizou-se um grande progress que basta para garantir a cxisténcia dos primeiros instrumentos de interagao cognitiva. Mas estes esto situados ainda num tinico e mesmo plano: o da agao efetiva ¢ atual, isto ¢, nao refletida num sistema conceptualizado, Os esquemas de inteligéncia sensd- rio-motora no slo, com efeito, ainda conceitas, pelo fato de que nao podem ser manipulados por um pensamento ¢ que sé entram em jogo no momento de sua utilizagao pratica © material, sem qualquer conheriments de sua existéacia A EPISTEMOLOGIA GENETICA ut enquante esquemas, 3 falta de aparelhos semidticos para os designar ¢ permitic sua tomada de consciéncia. Com a linguagem, o jogo simbélico, a imagem men- tal, etc., a situagao muda, por outro lado, de modo notayel: as agGes simples que garantem as interdependéncias diretas entre o sujeite ¢ 03 objewos se superpde em certos casos um novo tipo de agdes, que @ interiorizado ¢ mais precisamente conceptualizado: por exemplo, com mais capacidade de se deslocar de A para B, © sujeito adquire o poder de tepresentar a si mesmo esse movimento AB e de evocar pelo pensamento outros deslocamentos. Todavia, perecbem-se a primeira vista as dificuldades ue tal interiorizacio das agdes. Em primeiro lugar, a tomada de consciéncia da ago € sempre parcial: © sujeito representara a si mesmo mais ou menos facilmente o trajeto AB assim como, muito por alto, os movimentos executados, mas 9 pormenor Ihe escapa e mesmo na idade adulta tera muita dificuldade de traduzir em nogdes ¢ de compreender com alguma preciso as flexdes ¢ extensées dos membros no decor- rer desta marcha. A tomada de consciéncia procede pois por escolha ¢ esquemati zagao representativa, 0 que implica jé uma coneeptualizagao. Em segundo lugar, a coordenagao dos movimentos AB, BC, CD, ete., pode atingir, no nivel sensd- Tio-motor, 2 estrutura de um grupo de deslocamentas na medida em que a passa- gem de cada twajeto parcial ao seguinte ¢ orientado pelo reconhecimento de indi- ces perceptivos cuja sucessao assegura as ligagdes; ao passo que, a querer se fepresentar conceptualmente um tal sistema, Watar-se-d de traduzir o sucessivo numa representagdo de conjunte de elementos quase simultaneos. Tanto as esque- matizagdes da tomada de consciéncia como esta condensagao de agdes sucessivas ¢m uma totalidade representative abrangem num unico ato us sucessdes temporais: que conduzem entio a suscitar 0 problema das coordenagdes em termes novos, tais que os esquemas imanentes as agdes sejam wansformados em conceitos mé- veis suscetiveis de ultrapassar a estes em os representando. De fato, seria muito mais simples admitir que a interiorizagio das agdes cm representagdes ou pensamento consiste apenas em refazer o seu curso ou ima- gin’-las por meio de simbolos ou de signos (imagens mentais ou linguagem) sem as modificar ou as enriquecer com isso. Em realidade esta interiorizagao 6 uma conceptualizagio com tudo o que esta comporta de transformagao dos esquemas em nogdes propriamente ditas, por mais rudimentares que elas sejam (nao falare- mos a este respeito sendo em “pré-conceitos”). Ora, uma vez que o esquema niio se constitui objeto de pensamento, mas reduz-se & estrutura interna das agdes, a0 paso que o conceito é manipulado pela representagao ¢ pela linguagem, se- gue-se que a interiorizagiio das agdes pressupée sua reconstrugie num plano su- Perior e, em conseqiéncia, a claboragio de uma série de novidades irredutiveis aos instruments do plano inferior. Basta para que se convenga disso constatar que aquilo que € adquirido no nivel da inteligénvia ou da ago sensério-motora nao proporciona de mode algum a primeira vista uma representagdo adequada no plano do pensamenta: por exemplo, criangas de 4 a § anos examinadas por A, Szeminska sabiam perfeitamente seguir sozinhas o caminho que as conduzia de suas casas & escola € 0 inverso, mas sem ser capazes de representar esse cami- 12 PIAGET nho por meio de um material que figurasse os principais pontos de referencia citados (edificios, etc.). De modo geral nossos trabalhos sobre as. imagens mentais vom B, Inhelder (A dmagem Mentai na Crianca) mostraram 0 quanto elas perma- neciam sujeitas ao nivel dos conceitos correspondentes em lugar de figurar livre- mente 0 que pode ser percebido de maneira imediata em matéria de transforma- es ou mesmo de simples movimentos. A ravio essencial dessa defasagem entre as agdes sensdtio-motoras ¢ a aga interiorizada ou conceptualizada é que as primeiras constituem mesmo no nivel em que ha coordenagiio entre varios esquemas, uma seqiiéncia de mediadores Sucessivos entre © sujeito ¢ os objetos mas de que cada um permanece puramente atual; ela se acompanha ja, € verdade, de uma diferenciacao entre esse sujeito e esses objetos, mas nem aquele nem estes sio pensados na medida em que revesti- dos de outros caracteres que os de momenta presente, No nivel da agao concep: tualizada, pelo contrério, o sujeito da agio (trate-se do ex ou de um objeto qual- quer) € pensado com seus caracteres durdveis (predicados ou relagdes), os objetos da agao igualmente, ¢ a propria agdo ¢ conceptualizada na medida em que trans. formacao particular entre muitos outros representaveis entre os termos dados ou entre termos andlogos. Ela esta, portanto, gragas ao pensamento, situada num contexto espago-temporal berm mais amplo, o que Ihe confere uma situagko nova como instrumento de troca entre 0 sujeito e os objetos: de fato, a medida que pro- gridem as representagSes, a8 distincias aumentam entre elas ¢ seu objeto, no tempo como no espago, isto é, a série das agdes mutcriais sucessivas, mas cada qual momentanea, é completada por conjuntos representativos suscetiveis de evo car num tedo quase simultineo agées ou acontecimentos passados ou futuros assim Como presentes ¢ especialmente distanciados assim como préximos, Disso resulta, de uma parte, que desde os comegos deste periodo do conheci- mento representativo pré-operatério assinalam-se progressos consideraveis no duplo sentido das coordenagdes internas do sujeito, logo, das futuras estruturas operatérias ou ldgico-matemiticas, ¢ coordenagdes externas entre objetos, logo. causalidade no sentido amplo com suas estruturagGes espaciais ¢ cinematicas. Em primeiro lugar, com efeito, o sujeito torna-se rapidamente capaz de inferéncins clementares, de classifieagdes cm configuragdes espaciais, de correspondéncias, ete, Em segundo lugar, a partir do aparecimento precoce dos “por qué?” assiste-se aum inicio de explicagdes causais, Ha pois ai um conjunto de novidades essen- ciais em relagdo ao perioda sensério-mator e no se poderiam tornar responsaveis por clas apenas as transmissdcs verbais, porque os surdos-mudos, embora em retarde em relagiio aos normais a falta de incitagdes coletivas suficientes, delas nao apreseniam menos estruturagdes cognitivas andlogas is dos normais: trata-se pais de fungao semidtica em geral, proveniente do progresso da imitag3o (conduta sensdrio-motara mais proxima da representagiio, mas em atos), endo a linguagem apenas se deve atribuir este giro fundamental na elaborag&o dos instrumentos de conhecimenio. Em outros termos, a passagem das condutas sensério-motoras as agdes conceptualizadas nao se deve apenas a vida social, mas também ao pro- gresso da inteligéncia pré-verbal em scu conjunto ¢ é interiorizaga0 da imitagao A EPISTEMOLOGIA GENETICA 3 em representagdes. Sem esses fatores prévios em parte enddgenos, nem a aquisi- ao da linguagem nem as transmissdes ¢ interagdes sociais seriam possiveis, pois que constituem delas uma das condigdes necessarias. Mas, por outra parte, importa insistir também na questao dos limites dessas inovagSes nascentes porque scus aspectos negatives sio de algum modo tio instrutivos do ponto de vista da epistemologia quanto os positivos, aa nos mostra- rem as dificuldades bem mais durdveis do que parece em dissociar os objetos do sujeito ou em elaborar operagdes ldgico-matematicas independentes da causali- dade e¢ suscetiveis de fecundar as explicagdes causais em conseqiiéncia desta diferenciagdo mesma. Por que, com efeito, o perfodo de 2-3 a 7-8 anos permanece pré-operatorio e por que, antes de um subperiado de 5-6 anos em que 0 sujeito chega a uma semilégica (no sentido proprio que analisaremos em breve}, € preciso até falar de um primeiro subperiodo em que as primeiras “fungdes constituintes” nio estio ainda elaboradas? E que a passagem da agdo ao pensamento ou do esquema sensério- motor ao conceito nio se realiza sob a forma de uma revolugae brusca, mas, pelo contrario, de uma diferenciagdo lenta e laboriosa, que se rela- ciona As transformagées da assimilagao. ‘A assimilagdo propria dos conceitos em seu estado de acabamento recai essencialmente sobre os objetos compreendidos por eles ¢ sobre seus caracteres, Sem falar ainda da reversibilidade nem da transitividade operatérias, cla vird por exemplo a reunir todos os A numa mesma classe porque eles so assimilaveis por seu cardter a a; ou a afirmar que todos o5 A sao também B porque além do carda- ter @ possuem todos 0 carater by pelo contrario, nem todos os B sio A, mas ape nas alguns, porque nem todos apresentam o carater a, etc. Assim, esta assimilagao dos objetos entre si que constitui o fundamento de uma classificagao acarreta uma primeira propriedade fundamental do conceito: a norma do “todos” e do “al- guns”. Por outro lado, na medida em que um earater x é suscetivel de mais e de menos (ou mesmo se cle exprime apenas uma co-propriedade ¢ determina a co- pertenga a uma mesma classe), a assimilacao inerente 4 comparagao dos objetes the atribuiré uma natureza relativa ¢ peculiar desta assimilagdo conceptual é igualmente constituir tais relagdes ao ultrapassar os falsos absolutos inerentes as atribuigdes puramente predicativas. Em contrapartida, a assimilag&o peculiar dos esquemas sensério-motores comporta duas diferengas essenciais com 0 que prece- de, A primeira é que. 4 falta de pensamento ou representagao, o sujetta nada conhece da “extensio” de tais esquemas, ndo podendo evocar as situagdes no percebidas atualmente nem julgar situagGey presentes a mio ser em “compreen- sao”, isto é, por analogia direta com as propriedades dus situagoes anteriores, Em segundo lugar, ¢sta analogia também néio vem evocar, estas, mas aperias reconhe- cer perceplivamente certos caracteres que desencadeiam entdo as mesmas agdes que essas situagdes anteriores. Em outros termos, a assimilagdo por esquemas envolve certas propriedades dos abjetos, mas exclusivamente no momento em que eles so percebidos ¢ de modo indissociado em relagio as agdes do sujcito aes quais correspondem (salvo em certas situagdes causais em que as agdes previstas sio as dos proprios objetos por uma espécie de atribuicao de aghes analogas as do 4 PIAGET sujeito). A grande distingdo epistemolégica entre as duas formas de assimilagio Por esquemas sensirio-motores ¢ por conceitos é pois que a primeira diferencia ainda mal os caracteres do objeto das caracteres das agées do sujeito relativas a esses objetos, ao passo que a segunda recai sabre os objetos 84, porém ausentes do mesmo modo que presentes, ¢ de uma s6 vez liberia o sujeito de suas ligagdes com a situagao atual dando-the entio © poder de classificar, seriar, por em correspon déncia, etc., com muito mais mobilidade e liberdade. ‘Ora, © ensino que o primeira subestagio do peasamento pré-operatorio (de 2 44 anos) nos oferece € que. de uma parte, o5 nics mediadores entre 0 sujeito ¢ 9s objetos sao apenas pré-conceitos ¢ pré-relagdes (sem norma para o“‘ledas” ea “alguns” para os primeiros nem a telatividade das nogdes para os segundos) ¢ que, de outra parte ¢ reciprocamente, a tinica causalidade atribuida aos objetos se conserva psicomorfica, pela indiferenciagao completa com as agies do sujeito. No que diz respeito ao primeiro ponto pode-se, por exemplo, apresentar 08 sujeitos algumas fichas vermelhas ¢ redondas e algumas fichas azuis, das quais umas sio redondas ¢ outras quadradas: nesse caso a crianga respondera facil- mente que todas as redondas sao vermelhas, mas recusard admitir que todas as quadradas sio azuis “pois ha também as azuis que sdo redondas”. De maneira geral ela identifica facilmente duas classes de mesma extensiio, mas nao com- preende ainda a relagao de subclasse da classe, por falta de uma norma para o “todos” ¢ “alguns”. Ainda mais, em numerosas situagGes da vida corrente ela tera dificukdade em distinguir diante de um objeto ou pessoa. se se trata de um mesmo termo individual x que permanece idéntico a si mesmo ou dum representante qual- quer de x ou x"da mesma classe X: 0 objeto permanece assim a meio carminho do individuo ¢ da classe por uma espécie de participagio ou de exemplaridade. Por exemplo, uma meninazinha, Jaquelina, ao ver uma fotografia sua quando era menor, dird que “é Jaquelina quando ela era Luciana (= sua irma cagula)", ou entdo uma sombra ou uma corrente de ar produzidas sobre a mesa de experigneia podem ser também “a sombra de debaixo das arvores” ou “o vento” de fora como efeito individual decorrente da mesma classe. Assim também, em nossos estudos sobre a identidade (vol, XXIV dos Etudes), isto procede. no presente nivel, por assimilagGes semigenéricas &s agdes possiveis mais que em se fundando sobre os earacteres dos objetos: as pérolas dispersas dum colar desfeito si0 “o mesmo colar” porque se pode refazé-lo, etc. Quanto as pré-relagdes, podem ser observadas em profusiio nesse nivel, Por exemplo, o sujeito A tem um irmio B, mas cantesta que este irmao B tenha um irmfo, pois sfio apenas “dois na familia”. Um objeto A esta a esquerda de B, mas no pode estar a dircita de outra coisa, porque, se est a esquerda, trata-se de um atributo absoluto incompativel com qualquer posigtio a dircita. Se numa seriagao tem-se A Be B = C, deduzira delas A = C em virtude dos mesmos raciocinios, Quanto.a estes argumentos, que se encontram na justifieagio de todas as onservagSes, todos os trés dio provas de composigSes peculiares a uma estrutura fechada em si mesma, isto é, cujas transformagdes internas nao ultrapassam as fronteiras do sis~ tema e nao recorrem. para serem efetuadas, a qualquer elemento exterior a ela. Quando. no argumento mais frequiente, 0 sujeito diz simplesmente que o mesmo conjunto ou un mesmo objeto conserva sua quantidade ao passar dos estados A a B, porque “nada se subtraiu nem ajuntou”, ou simplesmente “porque @ 0 mesmo”, ndo se trata mais, com efeito, da identidade qualitativa propria do nivel precedente. visto que precisamente esta ultima nao acarretava a igualdade ou a conservacin quantitativas: trata-se pois daquilo que se chamou em linguagem de “grupos” a“operagao idéntica” + 0 e esta operacao s6 tem sentide no interior de um sistema. Quando (segundo argumento) o sujeito diz que ha conservagao de A a B visto que se pode ir do estado B ao estado A (reversibilidade por inversic), trata-se de novo de uma operagio inerente a um sistema, porque o retorno empi- ‘ico possivel de B a A era também freqiientemente admitido no nivel precedente, mas igualmente sem acarretar com isto a conservagio. Em terceiro lugar, quando 9 sujeito diz que a quantidade se conserva porque o objeto se aloagou, porém ao mesmo tempo reduziu-se (ou que a colegao ocupa um espaco maior porém torna- se menos densa) ¢ que uma das duas modificagdes compensa a outra (reversibi- lidade por reciprocidade das relagdes) ¢ ainda mais claro que ha sistema de con- junto ¢ fechado sobre si mesmo: com efeito, o sujeito nia fax qualquer mensuragdo para avaliar as variagdes ¢ nao avalia sua compensagao a nao ser @ priori ¢ de maneira puramente dedutiva, o que implica o postulada prévio de uma invaridneia do sistema total. Tais sio os progressos bastante consideraveis que assinalam o inicio do esta- gio das opernges concretas no que diz respeito a seu aspecto Igico, Observa-se que as passagens limitrofes de que acabamos de falar e que separam este nivel do precedente sao de fato complexas ¢ comportam em realidade tes momentos soli- darios. O primeiro é 0 de uma abstragio refletidora que extvai das estruturas infe- riores aquilo com que ¢laborar as superiores: por exemplo, ordenagao que cons. litui a seriagdo ¢ obtida das ordenagdes parciais que intervém j4 na elaboragdo de pares, trios ou séries empiricas; as reunides que curucterizam as classificagdes opcratérias so obtidas de reunides parciais em agdo a partir das colecdes figurais € a formagio dos conceitos pré-operatérios, étc, © segundo momento é ¢ de uma coordenacao que visa a abarcar a totalidade do sistema e tende deste modo ao seu fechamento, ligando cnure si estas diversas ordenugdes ou reunides parciais. etc. O terczira momento é entio o da auto-regulagio de tal proceso coordenador, conducente a equilibrar as conexdes segundo os dois sentidos direto e inverso da construgio, de sorte que a chegada ao equilibrio caracteriza esta passagem A EPISTEMOLOGIA GENETICA an limitrofe que engendra as novidades peculiares a precedentes, ¢ sobretudo sua reversibilidade operaté Essas diversas fases se encontram em particular na sintese do niimero inteiro 4 partir das inclusdes de classes € das relagdes de ordem. O peculiar de um con- Junto numérico ou enumerivel, para ndo dizer numerdvel, em aposigae a coledes simplesmente classificaveis ou seridveis. ¢ em primeiro lugar fazer abstracdo das qualidades dos termos individuais de tal modo que cles se tarnem todus equivalen- les, Feito isto poder-se-ia, entretanto, distribui-los em classes encaixadas (|) < (| + |) <(| + | + |) <,cte., porém sob condic&o de se poder distingui-las, do con- trario certo elemento seria contado duas vezes e um outro esquecido. Ora, uma vez eliminadas as qualidades diferencias dos individuos |, |, |, etc., eles siio indis- serniveis e, a limitar-se as operagdes da Kigica das classes quallitativas, no pode riam ensejar 2 ndo ser a tautologia A+A = A € no a iteragio | + | = ||. A tinica distingio possivel que subsiste entio, na auséncia de qualidade, é aquela que resulta da ordem | —» | — | — ... (posigdes no espago ou no tempo, ‘ou ordem de enumeragiio), embora se trate ai de uma ordem precéria (que seria a mesma permutanda-se os termos). O numero aparece, pois. coma uma fusio operatéria da inclusive das classes ¢ da ordem serial, sintese que se tarna necessé- tia logo que é feita abstraclio das qualidades diferenciais sobre as quais se ba- seiam classificagdcs ¢ seriagdes. De fato, é exatamente assim que a elaboragio dos inteiros parece efetuar-se, em sincronizagio com a formagao destas duas ou- tras estruturas (ef. £tudes, vols. XI, XII ¢ XVID. Ora, acham-se nessa novidade os tres momentos essenciais de toda elabora Go operatéria, tais como vimos de indicar: uma abstragio refletidora que fornece as ligacGes de encaixamento e de ordem, uma coordenagio nova que as reine num todo {[(|) (|) —> ()}.. .. etc., € uma auto-regulagao ou equilibragdo que per- mite percarrer o sistema nos dois sentidos (reversibilidade de adigiio e de subtra- 0) garantindo a conservagao de cada conjunto ou subconjunto. Ista nio quer dizer alids que esta sintese do aimero se efetue depois que seam terminadas as estruturas de classifieagao ¢ de seriagiio, porque acham se desde os niveis pré-ope- ratorios nimeros figurais sem conservagdo do todo, ¢ a elaboragdo do numero pode favorecer 2 das inclusdes de classes tanto quanto ou as vezes mais que o inverso: parece pois que, a partir das estruturas iniciais, possa haver abstragio refletidora das ligagdes de encaixamento ¢ ordem para fins miultiplos com inter- cambios colaterais varidveis entre as trés ostruturas fundamentais de classes, rela Gaes e Mimeros, ‘Quanto as operagdes espaciais (Etudes, vols, XVII ¢ XIX), elas se consti- tuem em paralelismo estreito com as precedentes, menos o fate de que os encaixa mentos nao repausam mais sobre as semelhangas e diferencas qualitativas, como & 0 caso das classes de objetos discretos, mas sobre proximidades ¢ distancia- mentos, Neste caso, 0 todo nao & mais uma colegio de termes descontinuos, mas um objeto total ¢ continuo cujas partes sao reunidas e encaixadas, ou dissociadas, segundo 0 principio das proximidades: as operagdes elementares de parcelamento stes sistemas em relagdo aos 2 PIAGET ou de coloeagiio ¢ deslocamentos so entho isomorfas em relagao as de inclusio ou de seriago, tanto mais que no nivel pré-operatério inicial da-se indiferen- ciugio relativa entre os objetos espaciais ¢ as colegdes pré-ligicas (ef. as colegdes figurais em arranjo espacial ou os nimeros figurais avaliados conforme sua cont guragao ou extensao do enfileiramento), Quando por volta de 7a 8 anos a diferen- ciagdo torna-se clara entre essas duas espécies de estruluras, pode-se entio falar de operagdes Kigico-aritinéticas quanto aquelas que repousam sobre © descon tinuo ¢ as semelhangas ou diferengas (equivaléncias de diversos graus) ¢ de opera- goes infralogicas quanto aquelas que decorrem do continuo e das proximidades, pois, uma vez que s&o isomorfas, sao “tipos” diferentes ¢ nao transitivas entre s as primeiras partem dos objetos para os reunir ov seriar, cte., a0 passo que us segundas d¢compdem um objeto de um tinico teor: quanto a transitividade, se Sé- crates € ateniense c, cm conseqiléncia, grego, europeu, etc., em contrapartida, 0 nariz, de Sécrates. pelo fato de fazer parte dele, nem por isso € ateniense, grego ou europeu. © isomorfismo dessas operagdes Iégicu-aritméticas e infrakigicas ou espa- ciais € particularmente significative no caso da elaboragiio da medida, que se efe- tua de maneira muito analoga a do némero, mas com uma pequena defasagem no tempo pelo fato de que a unidade nao ¢ sugerida pelo carter descentinuo dos cle- mentos, mas deve ser constituida por parcelamento do continuo e antecipada como podendo ser referida de novo as demais partes do objeto. A medida aparece entio (e pocie-se seguir passo a passo nas condutas sucessivas as etapas laboriosas dessa elaboragao) como uma sintese do parcelamento e¢ dos deslocamentos orde- nados, em estreito paralelo com a sintese do encaixamento ¢ das relagdes de ordem na ¢laboragao do niimero. Apenas 20 terma dessa nova sintese é que a me dida pode ser simplificada sob a forma de uma aplicagao direta do nimero ao continuo espacial, mas (salvo naturalmente se se oferecem unidades inteiramente feitas a0 sujeito) é preciso passar pelo atalho infraldgico accessaria para se chegar 1a. A essas multiplas conquistas que assinalam 0 primeira nivel do estagio das operagées coneretas torna'se necessirio acreseentar as que dizem respeito a causalidade. Do mesmo modo coma nos niveis pré-operatérios esta ultima consis- lin em primeiro lugar em atribuir aos objetos 05 esquemas de agdo propria (sob uma forma primeiramente psicomérfica, e depois decompondo esses esquemas em funges objctivaveis), também a causalidade consiste a partir dos 7 a 8 anos em uma espécie de atribuigdo das operagdes em si mesmas a obictos assim promovi- dos A posigio de operadores cujas aghes tornam-se componiveis de maneira mais ou menos racional. E assim que nas questdes de transmissio do movimento a transitividade operatoria se traduz pela formagio de um conceito de transmissao mediata “semi-interna”; na medida em que admite, por exempla, que o mével ativo pds em movimento o ultimo dos passives, porque os mévels intermediarios se deslocaram ligeiramente para impulsionarem uns aos outros, a sujeita supora entretanto qué um “impulso™, uma “corrente”, etc., atravessou esses mediadores. Nos problemas de equilibrio entre pesos, o sujeito invecara compensagies ¢ A EPISTEMOLOGIA GENETICA 33 equivaléncias atribuindo aos objetos eémposigSes av mesmo tempo aditivas e reversiveis. Em resumo, pode-se falar de um inicio de causalidade operatéria, sem. que isto signifique, de resto, que as operacdes precedentemente deseritas se consti- tuam completamente auténomas para serem em seguida apenas atribuidas ao real &, fregiientes vezes pelo contrario, por ceasiao de uma busca de explicagio causal que se efetuarm simultaneamente a sintese operatdria ¢ sua atribuigao aos objetos, por interagSes variadas entre as formas operatérias devidas A abstragio refleti. dora ¢ contetides obtidos da experiéncia fisica por abstragao simples e que podem favorecer (ou inibir) as estruturagdes. logicas ¢ espaciais. Esta ultima observacao leva. a insistir agora sobre a questo dos limites pecu- liares a este nivel ou que caracterizam as operagées concretas em geral. Contra riamente, com efeito, 4s operagdes que chamaremos de formais ac nivel dos I al2 anos, ¢ qué s¢ caractenizam pela possibilidade de raciocinar sobre hipoteses distin guindo a necessidade das conexdes devidas 4 forma ¢ 4 verdade dos ‘contetidos, as operagdes “coneretas™ recaem diretamente sobre os objetos: isto equivale, pois, ainda a agir sobre cles, como nos niveis pré-operatarios, mas conferindo a essas ages (ou aquelas que thes so atribufdas quando sao consideradas como opera- foes causais) uma estrutura operatéria. isto & componivel de maneira transitiva e reversivel. Sendo assim, é portanto claro que certos objetos se prestardo mais ou menos facilmente a esta estruturagao, a0 passo que outros oferecerdo resisténcia aela, o que significa que a forma nao poderia ser dissociada dos canteddos, ¢ que aS Mhesmas Operagdes concretas nio se aplicariam 4 nao ser com decalagens sronoldgicas a conteddos diferentes: é assim que a conservagao das quantidades, a seriagio, etc. ¢ mesmo a transitividade das equivaléncias sé vém u ser domina. das no caso do peso por volta dos 9 a 10 anos ¢ ndo aos 7.2 8 anos como para os contetidos simples, porque o peso & uma forga ¢ seu dinamisma causal cria obsta- culos a ¢ssas estruturagdes operatorias: e, no entanto, uma vez efetuadas estas, com Os mesmos métodos ¢ O$ mesmos arguMentos com que se dao as conserva- gOcs, seriagdes ou transitividade de 7 a 8 anos. ‘Uma outra limitagio fundamental das estruturas de operagdes concretas & qué suas composicdes procedem por aproximagio sucessiva ¢ nao conforme combinagdes de qualquer tipo, Este ¢ 0 aspecto essencial das estruturas de “gru- Pamentos”. dos quais um exemplo singelo ¢ 0 da classificagho. Se A, B, C, etc., do classes eneaixadas ¢ A’, B’ eC” seus complementares sob a classe seguinte tem-se: )NA+A 23-A 4) A+ A= A,donde A + B = Bete. (AF ADT BR =AtT(A HB) porém:(A +A) — A A+ (A — A) porque: AA =OcA+0=A, ‘Neste caso uma composi¢ao nao contigua tal como A + F’ nio dé uma classe simples, mas chega a (GQ — E’ — D'~ Ct = B = A’). Bainda 0 CaSO no “grupa- 24 PIAGET mento” de uma classificagaéo zookigica em que “a ostra + 0 camelo” pode compar-se de outro modo. Ora, uma das particularidades deste primeiro nivel das operagies coneretas & que até a sintese do mimero que parece dever escapar a essus limitagdes (pois que os inteiros formam um grupo com o zero @ 0s negativos € aio um grupamento), 56 procede por aproximagio, P. Gréco demonstrou, de Tato, que & elaboragdo dos nlmeros naturais sé se efetua segundo o que se poderia chamar de uma aritmetizagao progressiva cujas fases seriam mais ou menos caracterizadas pelos mimeros | a 7; 8 a 15: 16a 30.¢ assim por diante, Além des sas fronteiras cujo deslocamento & muito lento, os némeros ndo comportariam ainda seniio aspectos inclusivas (classes) ow seriais, antes que se conclua a sintese desses dois caracteres (Etudes, vol. XIII). V. O segundo nivel das operagées coneretas Neste subestiigio (cerca de 9 4 10 anos) atinge-sc 0 equilibrio geral das ope- rages “concretas” ulém das formas parciais j4 equilibradas desde o primeiro nivel. De resto, o degrau onde us lacunas prdprias & natureza mesma das opera- GOes conertas comegam a fazer sentir em certos setores. sobretudo no sector da causalidade, ¢ onde estes novos descquilibrios preparam de algum modo 0 tee- quilibrio do conjunto que caracterizara o estigio seguinte ¢ do qual se apercebem 4s vezes alguns esbagos intuitivos, Anovidade deste subestigio se assinala em particular no dominio das opera- des intralégicas ou espaciais. E assim que a partir dos 7 «8 anos s¢-véem consti- tuir certas operagdes relativas as perspectivas ¢ as mudangas de ponto de vista no Que respelta a um mesmo objeto do qual se modifica a posigio em retagho ao sujeito. Em contrapartida, ser apenas proximo aos 9 entre 10 anos que se poder falar de uma coordenagio dos pontos de vista em relagio a um conjunto de obje- (os, por exemplo, trés montanhas au edificios que serio observados em diferentes situagdes. Analogamente, neste nivel as medidas espaciais de uma, duas ou trés Gimensdes engendram a construgio de coordenadas naturais que as englobam num sistema total: € igualmente apenas cerca de 9 ¢ 10 anos que serio previstas a horizontalidade do nivel da agua num recipiente que se inclina, ou a verticali- dade de um fio de prumo, préximo 2 uma parede obliqua. De modo geral trata-se em todos esses casos da construgdo de ligagdes interfigurais além das conexdes intrafigurais que intervinham 463 no primeiro subestagio, ou, se se preferir, da claboragao de um espago por aposicao as simples figuras, Do ponto de vista das operagées ldgicas, pode-se notar 0 seguinte: a partir dos 7 a 8 anos 0 sujeito é capaz de elaborar estruturas multiplicativas tio bem quanto aditivas, a saber, tabelas com registros duplos (matrizes) comportando classificagdes segundo dois critérios a0 mesino tempo, correspondéncias seriais ou serlagdes duplas (por exemplo, folhas de arvore seriadas na vertical conforme seu tamanho e na horizontal conforme seus matizes mais ou mends escuros). Con tudo, trata-se no caso mais dé sucesso em relagao a questao Proposta (“‘dispor as figuras © melhor possivel™, sein sugestiio sobre a disposigzia a encontrar) do que A EPISTEMOLOGIA GENETICA 25 de uma utilizacdo espontasea da estrutura. Ao nivel dos 9 a 10 anos, por outre: fade, quando se tratar de separar as dependéncias funcionais num problema de indugdo (por exemplo entre os angulos de reflexdo e de incidéncia), observa-se uma capacidade geral de destacar covariagdes quuntitativas, sem ainda dissociar 98 fatores como sera o caso no estagio seguinte, mas pondo em correspondéncia ‘elagoes: seriadas ou classes. O método da conta de uma estruturacdo operatdria eficaz. por mais global que possa ficar 0 procedimenta enquanto as varidveis per *anegam insuficientemente distintas. Analogamente. assiste-se a um progresso li- quido na compreensdo das intersegies: a0 paso que o produto cartesian repre sentado por matrizes de registra duplo é facilmente apreendivel desde o nivel de 7 a 8 anos. na medida em que estrutura multiplicativa completa (¢ isto quase a0 mesmo tempo que © mangjo de classes disjuntas em um geupamento aditivo), a intersegao de duas ou muitas classes nao disjuntas sé ¢ dominada no presente fiivel assim come em muitos casos ainda a quantifieagio da inelusio AB maior que B. No dominio causal. por outro lado, este nivel de 9 a 10 anos apresenta uma mistura bastante curiosa de progressos notaveis e de lacunas nao menas significa. tivas que se apresentam nao rare até como espécies de regressées aparentes, A comegar pelos progressos, as consideragSes dindmicas ¢ a cinematica fica riam até entfio indiferenciadas, pelo Faro de que o préprio movimento cam sua velocidade era considerado como uma espécis de fore, muitas vezes chamada “impulso”: no nivel de 9 a 10 anos, porém, assiste-se a uma dissociagao ¢ a uma coordenagio tais que os movimentos ¢ sobretudo suas alteragdes de velocidade exigem a intervengho de uma causa exterior, o que se pode simbolizar come segue em termos de agdo, isto é, da forga f'se exercendo durante um tempo fe por uma distineia e (isto é: te): fle = dp no sentido dete» dp, em que dp = d(mv) e nao mt dv, a0 passo que no nivel precedente tem-se simplesmente fie = dp ou mesmo Ste = p. 55 no estagio seguinte intervird a aceleragio (cf. = ma), Por outro lado. 4 diferenciagio da forga ¢ da movimento conduz a certos progressos, direcionais ou pré-vetoriais, dando conta 20 mesma tempo do sentido das impulsdes ou tra- @Gex do mével ativo ¢ da resisténcia dos méveis passivos (concebida como uma freada sem ainda nogies cle reagdes), No caso do peso este progresso é bem paten te. Por excmplo, uma haste em posigiio obliqua deverd por essa razao cair no sen- tido da sua inclinagao, ao passo que no presente nivel ela cai verticalmente, E pre- ciso doravante mais forga para fazer um vagao subir num plano inclinado do que para o manter parado, a passo que no nivel precedente era o contrario porque, Fetido, 0 vagio tem tendéncia a descer an passo que se se faz com que suba ele nao desce mais! E sobretudo a horizontalidade da superficie da agua é de ora em diante explicada pelo peso do liquide (até entdo considerado leve devido @ ser mével) ¢ por sua tendéncia a descer,o gue exclui as desigualdades de altura: vé-se neste Ultimo caso a interdependéncia estreita das construgdes espaciais interfigu- rais (coordenadas naturais) e do progresso causal que faz intervir forgas e diregties que nao dependem mais como até entao das interagdes apenas entre a agua e seu recipiente. 26 PIAGET Mas 9 prego dessa evolugdo da causalidade é que o suicito levanta uma sér de novos problemas dinamicos sem 0s poder dominar, donde, as vezes, uma apa- réncia de regressdo. Por exemplo. pelo fato de que 0 peso cai doravante vertical- mente, © sujeito admitira de bom grado que ele pesa mais embaixo de um fio do que no alto (quando nfo é o inverso em vista de sua queda prxima...). Ou, ainda, pensard que © peso de um corpo aumenta com sua impuisiio ¢ diminui com sua velocidade, como se, de p = mv, se tirasse m = p.v, ete, Torna-se evidente entdo que tais suposigdes causam obsticulo As composigées aditivas, etc., donde Feagdes parecerem regressivas. O sujcito sai-se airosamente ao distinguir dois aspectos ou dominios. De uma parte ele considera o peso enquanto propriedade invariante dos corpos: com efeito, a conservagao do peso por ocasiio das mudan- gas de forma do objeto comega precisamente neste nivel, assim como as seriagdes, iransilividade ¢ outras composigGes operatirias aplicadas a esta nogao. Mas, por outro lado, julga suas agSes varidveis, ao sustentar simplesmente que em cerios casos o peso “da” ou “pesa" (ou “puxa”, etc.) mais que em outros, o que nao é falso, mas continua incompleto ¢ arbitrario, pois que nado haver4, como no estagio seguinte, composigio do peso com as grandezas expaciais (comprimentos, supert cies ou volumes com as nogdes de momento, de press&o, densidade ou peso rela vo, ¢ sobretudo de trabalhe). No toda, 0 segundo nivel do estagio das operagdes coneretas-apresenta uma situagdo paradoxal. Até aqui assistimos, purtindo de um nivel inicial de indiferen- ciagiio entre sujeito ¢ objeto, a progressos complementares ¢ relativamente equiva- lentes nas duas diregdes da coordenagao interna das ages depois das. operagdes do sujeito, ¢ a coordenacio externa das agdes primeitamente psicomdrficas depois operatorias atribuidas aos objetos. Em outres termos, ohservamos, nivel por nivel, duas espécies de evolugao estreitamente solidarias: a das operagdes Iégico-mate- maticas ¢ ada causalidade, com influéncia constante das primeiras sobre a segun- da do ponto de vista das abribuigdes de uma forma a um conteddo e influéneia reciproca do ponto de vista das facilidades ou resisténcius que 0 contetide oferece ‘ou opde 4 forma. Quanto ao espago, participa desses dois movimentos ou nature- za3, suscitando ao mesmo cempo operagdies geamétricas ou infralégicas do sujeito @ propriedades estaticas, cinematicns ¢ mesmo dindmicas do objeto, donde scu papel constante de Grgio de ligagio, Ora, neste segundo subestigio do estégio das OperagSes concretas encontramo-nos diante de uma situago que, ao mesmo tempo prolongando as precedentes, comporta a novidade que vem a seguir, De uma parte, as operagdes logico-matemiticas, inclusive as espaciais, chezam por suas generalizagoes ¢ seu equilibrio a um estado de extensiio ¢ utilizagao maxi- mas, porém sob sua forma muito limitada de operagdes concretas com tudo o que comporta de restrigdes as estruturas de “grupamentos” (quanto dis classey € is relagdes), escassamente ultrapassadas pelos inicios da aritmetizagio e da geome- trizagao métrica, Por outro lado, o desenvolvimento das pesquisas e mesma expli- cages eausais, em patente progresso sobre as do primeiro estigio (de 7 a 8 ancs), conduz © sujeito a levantar um conjunto de problemas de cinematica ¢ dinamica que ainda nio esta cm condigdes Ue resolver com os meios aperatdrios de que dis- A EPISTEMOLOGIA GENETICA aT poe. Segue-se entio, ¢ cis 0 que é novo, uma série de desequilibrios fecundos, sem divida anflogos funcionalmente aqueles que intervém desde os inicios do desen- volvimento, mas cujo alcance ¢ bem maior para as estruturagdes ulteriores: eles conduziraio, com efeito, a completar estruturas operatérias ja construidas ¢ pela primeira vez estdveis, construindo sobre sua base “concreta” essas “operagdes sobre aperagies” ou operagdes elevadas a segunda poténcia que constituirao as operagdes proposicionais ou formais, com sua propriedade combinatéria, seus Brupos de quaternalidade, suas proporcionalidades ¢ distributividades ¢ tudo o mais que estas novidades tornam possivel no terreno da causalidade. V1. As operagdes formats Com as estruturas operatérias “formais” que comegam a se constituir por volta dos 11 a 12 anos, chegamos 4 terceira grande fase do process que leva as operagSes a se libertarem da duragio, isto é, do contexto psicolgico das agdes do sujeito com aquelas que comportam dimens6es causais além de suas propriedades implicadoras ou ldgicas, para atingir finalmente esse aspecto cxtempordnee que & peculiar das ligagGes Kogico-matematicas depuradas. A primeira fase era ada fun gio semidtica (cerca de | 1/2 a 2 anos) que, com a subjetivizagao da imitagio em imagens ¢ a aquisigao da linguagem. permite a condensagiio das agdes sucessivas em representagGes simultaneas, A segunda grande fase é a do inicio das operagdes sonerctas que, a0 coordenar as antecipagdes ¢ as retroagdes. chegam a uma rever- sibilidade suscetivel de tragar retrospectivamente 0 curso do tempo e garantir a conservacao dos pontos de purtida. Mas se se pode, neste particular, falar ja de uma mobilidade conquistada sobre a duragao, ela permanece ligada a agdes ¢ manipulagdes que em si so sucessivas, pois que se trata de fato de operagdes que continuam “coneretas”, isto € que recaem sobre os objets ¢ as transformagdes reais, As operagdes “formais" assinalam, por outro lado, uma terceira etapa em que © conhecimento ultrapassa 0 proprio real para inserir-se no possivel ¢ para relacionar diretamente o possivel ao necessério sem a mediagdo indispensavel do concreto: ora, o possivel cognitivo, tal coma, por exeniplo, a seqiiéneia infinita de ndmeros inteiros, a poténcia do continuo ou simplesmente as dezesseis opera es resultantes das combinagSes de duas proposigoes pe q ¢ de suas negagdes, & essencialmente extemporanea, em apasigao ao virtual fisico cujas realizagdes se deslocam no tempo. Com efeito, a primeira caracteristica das operagies formais é a de poder re cair sobre hipéteses ¢ nao mais apenas sobre os objetos: é esta novidade funda: mental da qual todos os estudiosos do assunto notaram o aparecimente pert dos 11 anos, Ela porém implica uma segunda, nao menos essencial; camo as hipoteses nao so objetos, sio proposigdes, ¢ seu contetide consiste cm operagées intrapro- posicionais de classes, relacdes, ete., do que se poderia oferecer a verificagao dire la; O mesmo se pode dizer das consequéncias radas delas pela via inferencial; por outro lado, a operagao dedutiva que leva das hipdteses as suas conclusies nao € mais do mesmo tipo, mas ¢ interproposicional ¢ cansiste pois em uma operacio 28 PIAGET cfetuada sobre operagées, isto & uma operagio elevada a segunda poténcia. Ora, esta € uma caracteristica muito geral das operagdes que devem atingir este i nivel para se constituir, desde que se trate de utilizar as implicagdes, etc.. a Kigica das proposigSes ou de elaborar relagSes entre relages (propargées, distribuli vidade. ete.). de coordenar dois sistemas de referéncia. etc, E este poder de formar operagies sobre operagdes que permite ao conheci- mento ultrapassar o real e que the abre a vin indefinida dos possiveis por meio da combinatéria, libertando-se entdo das elaboragGes por aproximagae as quais per- manecem submetidas as operagses concretas. Com efeito, as combinagdes am constituem de fato uma classificagiio de todas as classificagses possiveis, ¢ as ope ragdes de permutagio vém a ser uma seriagtie de todas as seriagdes possiveis, etc, Uma das novidades essenciais das operagdes formais consiste assim em enrique- cer 8 conjuntos de partida, elaborando “conjuntos de partes” ou simplexos? que fepousam sobre uma combintatoria. Sabe-se em particular que as operagdes proposicionais comportam esta estrutura, assim como a légica das classes em geral quando ela so liberia dos limites peculiares aos “erupamentes” iniciais, donde a construgio de “redes", Vé-se portanto a unidade profunda de algumas novidades indicadas até este ponto, Existe porém uma outra que é também fundamental ¢ que a analise dos fatos psicolégicos nos permitin pdr em evidéncia nos anos 1948-1949 antes que 03 estu diosos da légica por sua parte se interessassem por esta estrutura: ¢ a unio em Um tinico “grupo quaternario” (grupo de Klein) das inversdes e reciprocidades no seio das combinagdes proposicionais (ou de um “conjunto de partes” em ge- ral). No seio das operagdes concretus existem duas formas de reversibilidade: a inversfio ou negagdo que chega a anular um termo, por exemplo, +A — A = 0, ea reciprocidade (A = Be B= A, ete.) que chega a equivaléncias, portanto a uma supressdo de diferengas, Mas, se a inversdo caracteriza os grupamentos de classe ¢ a reciprocidade caracteriza os grupamentos de relagdes, n&o existe absolutamente ainda no nivel das operagdes coneretas sistema de conjunto uninde essay transformagdes em um unico todo. Por outro lado, no nivel da com- binagiio proposicional, toda operagio como p — g comporta uma inversa Ny a saber p. Je uma reciproca R, isto 6, 6 ) G = q —) p, assim como uma correlativa C (isto &, B.q por permutagio das disjungdes © conjuncdes na sua forma normal) que é 0 inverso de sua reciproca. Tem-se entdio um grupo comuta- tivo, NR = C;CR = N;CN = Re NRC = I, cujas transformagdes sio opera- ges A tereeira potincin pois as operagdes que clus reiinem desse modo 840 jh de segunda poténcia. Este grupo, do qual © sujeito ndo tem naturalmente cons- ciéneia alguma enquanto estrutura, exprime todavia aquilo que ele vem a ser capaz de fazer todas as vezes que distingue uma inversao ¢ uma reciprocidade para as compor entre si. Por exemplo, quando se trata de coordenar dois sistemas de referéncia, no caso de um movel A se destocando sobre um suporte B,o objeto A pode ficar no mesmo ponto em seferéncia com a exterior seja por inverse * ‘Neologisme cuja significa ve depeesnute da presente contest. (N, de.)

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