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Carta da Conjuntura Ponto de Vista Entrevista

Arrecadação não deve mais voltar Em 2016, deve ficar claro que a Fernando Rezende
à excepcional fase pré-crise global arrumação da casa só virá em 2019 Professor da FGV/Ebape,
ex-presidente do Ipea

Editada desde 1947sW W WCONJUNTURAECONOMICACOMBRs*ANEIROsVOLUMEsNŽs2 


CONJUNTURA ECONÔMICA – JANEIRO DE 2016

Fim da
resistência

Recessão, inflação persistente


e forte indexação quebram
defesas do mercado de
trabalho e apontam a forte alta
do desemprego em 2016
fgv.br/cademp-rio

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N E S TA E D I Ç Ã O
Instituto Brasileiro de Economia | Janeiro de 2016

Carta da Conjuntura Capa | Mercado de trabalho


6 Arrecadação não deve mais voltar à 32 Fim da resistência
excepcional fase pré-crise global Mesmo com a economia brasileira crescendo a
Um exercício conduzido por pesquisadores do taxas anêmicas, o mercado de trabalho permaneceu
IBRE indica uma forte probabilidade de que tenha aquecido até meados do ano passado, quando a
havido uma “quebra estrutural” na elasticidade taxa de desemprego iniciou trajetória de alta. Para
arrecadação-PIB, e que esta não vá retornar aos este ano, o diagnóstico é de que o mercado irá piorar
padrões pré-crise. Há vários candidatos para significativamente antes de encontrar a trajetória de
explicar essa mudança. A mais óbvia e direta são recuperação. A estimativa da FGV/IBRE é de que em
alterações na própria estrutura tributária, com o 2016 o desemprego chegue a 11,7%.
fim da CPMF (apenas parcialmente compensado
pelo aumento do IOF); as desonerações tributárias, Máquinas e bens de capital
agora revertidas, mas não totalmente; e mudanças 44 O túnel é longo e escuro
de regras, como nos casos do Refis e do Simples. A divulgação dos números do terceiro trimestre de
2015 do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro (-1,7%
Ponto de Vista ante o trimestre anterior e -4,5% ante o mesmo
10 Em 2016 deve ficar claro que a arrumação da trimestre de 2014) no final de novembro reforçou o
casa só virá em 2019 temor de alguns analistas de que caminhemos para
Não deve ocorrer a efetiva solução para a crise uma nova década perdida, nos moldes da de 1980. A
do modelo econômico brasileiro, que em 2015 disparada ladeira abaixo dos investimentos, a taxas
juntou um ajuste cíclico de grandes proporções que vão dos 4% na comparação com o trimestre
com a hora da verdade estrutural, há tanto tempo anterior a 15% em relação ao mesmo trimestre do
varrida para debaixo do tapete por governantes e ano anterior, guiou os holofotes para a situação de
políticos. Assim, a arrumação de casa irá ficar para penúria vivida pela indústria de bens de capital do
2019, se houver na próxima eleição presidencial país, especialmente a de máquinas e equipamentos.
o entendimento da sociedade de que é melhor
pagar o custo da reorganização do que prosseguir Governança
na deterioração, e se os políticos tiverem a 54 Como aprimorar a regulação
competência para liderar este processo. Para melhor compreender a dinâmica que leva ao
enfraquecimento das agências reguladoras, o Centro
Entrevista de Estudos em Regulação e Infraestrutura (FGV/Ceri)
18 “Temos que focar a origem do problema fiscal” deu início a um projeto a partir do levantamento
A piora do cenário fiscal em 2015, que colaborou de dados de nove agências reguladoras federais.
para a deterioração da percepção de risco do Diferentemente de outros estudos, o trabalho
Brasil e a perda do grau de investimento em buscou desenvolver um índice que mede o grau de
dezembro, não pode ser mitigada apenas com profissionalização das diretorias das agências desde
medidas emergenciais de curto prazo, pois é fruto o início de sua atividade. O cálculo se dá a partir da
de um problema estrutural. O alerta é de Fernando ponderação de três itens: a formação acadêmica dos
Rezende, especialista na área fiscal e tributária, diretores; sua vinculação política; e a forma como se
professor da FGV/Ebape. deu a condução do diretor ao cargo.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 3
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atuar no âmbito das Ciências Sociais, particularmente Economia e Administração, Editora
bem como contribuir para a proteção ambiental e o desenvolvimento sustentável. Solange Monteiro

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Instituto Brasileiro de Economia ISSN 0010-5945Conjuntura Econômica. – Vol. 1, n. 1 (nov. 1947)


Diretoria: Luiz Guilherme Schymura de Oliveira -.- Rio de Janeiro: Fundação Getulio Vargas, 1947-v. il.; 28cm. Mensal.
Órgão oficial de: Instituto Brasileiro de Economia. Diretores: Nov. 1947-mar. 1952, Richard Lewinso-
Vice-Diretoria: Vagner Laerte Ardeo hn; Maio 1952-dez. 1968, José Garrido Torres; Jan. 1969-mar. 1974, Sebastião Marcos Vital; Abr. 1974-
mar. 1979, Antonio Carlos Lemgruber; Abr. 1979-abr. 1994, Paulo Rabello de Castro; Maio 1994-set
Superintendência de Clientes Institucionais: Rodrigo de Moura Teixeira 1999, Lauro Vieira de Faria; Out. 1999-nov. 2003, Roberto Fendt; Dez. 2003-jun. 2004, Antonio Carlos
Superintendência de Produção de Bens Públicos: Vagner Laerte Ardeo Pôrto Gonçalves; Jul. 2004, Luiz Guilherme Schymura de Oliveira.
ISSN 0010-5945
Superintendência de Estudos Econômicos: Marcio Lago Couto 1. Economia — Periódicos. 2. Brasil — Condições Econômicas — Periódicos. I. Fundação Getulio
Vargas. II. Instituto Brasileiro de Economia.
Superintendência de Planejamento e Organização: Vasco Medina Coeli CDD 330.5

Controladoria: Regina Célia Reis de Oliveira

4 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
Nota do Editor
A mudança no comando da retração desde que a série do IBGE começou a ser di-
equipe econômica, com a vulgada, em 2003. O setor de serviços, que vinha “se-
ascensão de Nelson Barbosa gurando” uma retração maior do PIB, também já deu
como ministro da Fazenda, não deve ser vista como um mostras de exaustão, como já havíamos antecipado na
elemento capaz de tirar o país, no curto prazo, da grave edição de julho do ano passado.
situação econômica em que se encontra. Embora exista Para piorar o quadro, a China, maior importado-
uma forte pressão dos aliados do ex-presidente Lula para ra de commodities do mundo, e nossa principal par-
que medidas sejam adotadas para a retomada do cres- ceira comercial, pode crescer menos do que os ana-
cimento, “não tem coelho na cartola”, como anunciou listas vinham prevendo, o que afetará diretamente a
o ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, descartando a economia brasileira.
adoção de novos pacotes para impulsionar a economia. Embora seja cedo para tirar conclusões, começa a
O que foi enfatizado pela presidente Dilma Rousseff, no ser delineada a estratégia do governo para este ano,
dia seguinte, em café da manhã com jornalistas. que passa pela busca do reequilíbrio fiscal, sem grandes
A tarefa do novo ministro da Fazenda será árdua. choques ou apertos, mas gradualmente, como forma de
Todos os indicadores apontam para um ano igual ou combater a inflação. Apesar das pressões, a adoção de
pior do que 2015, agravado pelo aumento da taxa de pacotes para estimular a economia, na linha do que foi
desemprego que pode chegar a uma média anual de feito nos dois últimos anos, parece estar fora do radar,
11,7%, segundo estimativas do Boletim Macro IBRE, no momento. Ou seja: o esforço será concentrado, de
praticamente o dobro da média anual de 6,8% regis- um lado, para que os indicadores econômicos não fi-
trada no final de 2014. quem piores do que estão, e do outro, iniciar uma agen-
A indústria deve continuar seu calvário, com queda da de trabalho de reformas, como a da Previdência, en-
de produção: em novembro do ano passado, último tre outras, apesar das pressões que isso poderá trazer.
dado disponível até o fechamento desta edição, a pro-
dução industrial teve sua sexta queda seguida. Em re- Claudio Conceição
lação a novembro de 2014, encolheu 12,4%, a maior claudio.conceicao@fgv.br

Sumário
Carta da Conjuntura Capa – Emprego
6 Arrecadação não deve mais voltar à excepcional 32 Fim da resistência – Solange Monteiro
fase pré-crise global – Luiz Guilherme Schymura
Máquinas e Bens de Capital
Ponto de Vista 44 O túnel é longo e escuro – Chico Santos
10 Em 2016, deve ficar claro que a arrumação da Governança
casa só virá em 2019 – Samuel Pessôa 54 Como aprimorar a regulação – Solange Monteiro
Macroeconomia Petróleo
12 Foi-se 2015; viva 2016? – Nelson Marconi 58 O dever de casa para 2016 – Lavinia Hollanda
14 Ano novo – vida velha? – Fernando de Comércio Exterior
Holanda Barbosa 62 Formar cadeias – Solange Monteiro
Entrevista 64 Com a TPP o Brasil vai ficando para trás
18 Fernando Rezende – Solange Monteiro, Claudio Marcos Cintra
Conceição e Vilma da Conceição Pinto
Índices
Imposto de Renda I Índices Econômicos
24 Efeitos contraditórios – Solange Monteiro X Conjuntura Estatística

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 5
CARTA DA CONJUNTURA

Arrecadação não deve


mais voltar à excepcional
fase pré-crise global

Luiz Guilherme Schymura


Doutor em Economia pela FGV/EPGE

A história econômica do Brasil desde a to da despesa pública. Na verdade, as


redemocratização é marcada pela con- formas de financiamento variaram ao
tínua expansão dos gastos públicos longo do tempo. Nos primeiros anos,
como proporção do PIB. Esta é uma da promulgação da Constituição em
tendência bem diagnosticada e com- 1988 até o Plano Real em 1994, o país
preendida. A nova Carta foi o marco viveu tempos economicamente caóti-
inicial de uma era, ainda em curso, de cos, em que a hiperinflação – iniciada
aprofundamento da democracia brasi- em 1986 – foi um mecanismo perverso
leira, durante a qual o poder público, de ajuste de receita e despesa. O Plano
sob o comando da vontade soberana Real foi lançado na esteira de um acer-
das urnas, perseguiu a construção de to mínimo da questão fiscal, mas que
um Estado de bem-estar social nos se mostrou vulnerável ao longo do ci-
trópicos. A juventude e a relativa ima- clo de contágio de crises externas – já
turidade das instituições democráticas em 1994 (México), em 1997 (Ásia) e
nacionais, contudo, permitiram que, em 1998 (Rússia). Em 1998 e 1999,
junto com a correção de injustiças his- com a desvalorização do real neste se-
tóricas e da extensão de direitos sociais gundo ano, um grande ajuste fiscal foi
legítimos, campeasse também a distri- finalmente empreendido. Com mais meio de aumento da receita. De forma
buição de privilégios e oportunidades crises em 2001 e 2002/2003, a corre- simplificada, pode-se dizer que, desde
de rent-seeking. Mais recentemente, o ção das contas públicas foi reforçada e a redemocratização, a ampliação da
aumento dos subsídios de política in- o país por fim entrou na fase de robus- carga tributária foi o mecanismo fun-
dustrial e daqueles voltados a relançar tos superávits primários. damental que viabilizou o contínuo
a economia após a desaceleração de Quando se olha para trás e se ana- crescimento do gasto, sendo em dados
2011 foram outra contribuição para o lisa a natureza desses ajustamentos de momentos substituído ou complemen-
crescimento do gasto público. meados dos anos 90 até a primeira tado pelas vias perversas da inflação e
Uma questão intrigante para os re- metade da década passada, nota-se do aumento da dívida pública.
cém-chegados ao exame da economia que, apesar de alguma contenção do A alta dos tributos, por sua vez,
brasileira é como o país deu conta desse ritmo de crescimento da despesa, a também foi heterogênea no mix de
processo longo e contínuo de aumen- correção ocorreu, basicamente, por formas pelas quais ocorreu. Houve,

6 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CARTA DA CONJUNTURA

por um lado, um grande e explícito no primeiro mandato da presidente


esforço de aumento da carga tribu- Dilma Rousseff. Como consequência,
tária, que incluiu majoração de alí- o resultado primário despencou de um
quotas, criação de novos impostos nível positivo em torno de 3% do PIB
e contribuições, ampliação de ba- para um déficit de 1%. Como, a partir
ses tributárias e aprimoramento da de 2014, a economia brasileira mergu-
tecnologia de arrecadação. Com o lhou numa das piores recessões da sua
boom de commodities, entretanto, história econômica mensurável, há
que foi deslanchado a partir do iní- uma tendência a se atribuir o descom-
cio dos anos 2000, o vigoroso cresci- passo entre receita e despesa, que pro-
mento da receita adquiriu uma nova duziu o atual descalabro fiscal, inteira-
dinâmica, que se poderia chamar de mente à desaceleração econômica.
mais “espontânea” – isto é, mesmo Se isso fosse verdade, o problema
na ausência de uma política agressi- das contas públicas seria um pouco
va de aumento de alíquotas e criação
de tributos, a receita adquiriu asas e
voou acima do PIB por vários anos.
Muito já se discutiu sobre as ra- Desde a
zões do fenômeno mencionado aci-
ma. Há várias linhas de explicação, redemocratização, a
não excludentes. Uma das principais
foi a veloz formalização do mercado ampliação da carga
de trabalho, que ampliou as receitas
previdenciárias. O momento bom da tributária foi o
economia também se refletiu, natu-
ralmente, na lucratividade das em- mecanismo fundamental
presas, o que ajudou a arrecadação.
Uma questão mais complexa é o fato que viabilizou o contínuo
de que, por um longo período, que
vai do início da década passada até crescimento do gasto
2010, o deflator do PIB foi maior do
que a inflação ao consumidor. Isto
não explica, evidentemente, por que
a arrecadação cresceu como propor- menos grave do que muitas análises
ção do PIB. Mas como o deflator sugerem. Nenhuma economia cai
está relacionado à correção das bases para sempre, e em algum momento a
tributárias, e o IPCA à correção das atividade vai se estabilizar e voltar a
despesas públicas, aquele fenômeno crescer, ainda que em ritmo lento. As-
pode explicar por que a receita conse- sim, supondo-se que a elasticidade da
guiu cobrir tão facilmente a expansão arrecadação em relação ao PIB reto-
da despesa durante certo período. masse os níveis excepcionalmente fa-
De qualquer forma, essa fase feliz voráveis do período de ouro dos anos
em que se arrecadava com relativa 2000, a dinâmica da dívida pública e
facilidade os recursos necessários a sua relação com o PIB poderiam ser
financiar a tendência de longo prazo reparadas em espaço de tempo rela-
de crescimento do gasto encerrou-se tivamente curto e talvez sem a neces-

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CARTA DA CONJUNTURA

sidade de um redimensionamento da 1,13 para a relação entre arrecadação


estrutura das despesas públicas. real (dados da Secretaria da Receita
Infelizmente, entretanto, um exer- Federal, SRF, inicialmente excluindo
cício conduzido por pesquisadores do as receitas previdenciárias) e o cres-
IBRE (ver Nota Técnica de Lívio Ri- cimento da demanda interna privada
beiro: http://bit.ly/NotaTec-Atividade- (tomada como variável relevante de
e-Arrecadacao-Jan16) indica uma for- atividade), entre o primeiro trimes-
te probabilidade de que tenha havido tre de 2000 e o segundo trimestre de
uma “quebra estrutural” na elastici- 2015. Isto quer dizer que, na média
dade arrecadação-PIB, e que esta não do período, as receitas evoluíram pra-
vá retornar aos padrões pré-crise. Há ticamente em linha com a economia.
vários candidatos para explicar essa Percebe-se, contudo, uma clara
mudança. A mais óbvia e direta são al- mudança de tendência do cresci-
terações na própria estrutura tributá- mento da arrecadação real a partir
de 2011, o que sugere que a história
pode ser mais rica do que a contada
pela elasticidade média de todo o pe-
Exercício conduzido ríodo amostral. Para avaliar tal possi-
bilidade, o mesmo exercício foi feito
pelo IBRE indica forte em duas partições da amostra, pré e
pós 2008, ano da eclosão da crise fi-
probabilidade de “quebra nanceira global – evento que marcou
uma mudança estrutural nas corre-
estrutural” na elasticidade lações entre as variáveis econômicas
dentro e fora do Brasil.1 Assim, de
arrecadação-PIB, e que 2000 a 2008, verifica-se que a elas-
ticidade da arrecadação em relação à
esta não vá retornar aos demanda interna foi de 1,59, caindo
para 0,98 entre 2009 e 2015.2
padrões pré-crise O exercício indica, portanto, uma
probabilidade significativa de que te-
nha havido, de fato, uma quebra es-
trutural na correlação entre arrecada-
ria, com o fim da CPMF (apenas par- ção tributária e atividade econômica,
cialmente compensado pelo aumento ocorrida em algum momento entre a
do IOF); as desonerações tributárias, eclosão da crise global e 2011.
agora revertidas, mas não totalmente; Na verdade, em boa parte dos anos
e mudanças de regras, como nos casos 2000, o Brasil passou por um “mo-
do Refis e do Simples. Além disso, o mento mágico” em termos de contas
processo de formalização da econo- públicas, em que parecia haver espa-
mia claramente já deixou para trás o ço para o prosseguimento da elevação
seu momento de maior velocidade, do gasto sem risco de comprometer a
mesmo se desconsiderando os efeitos solidez fiscal. Para muitos analistas,
da atual recessão. incluindo pesquisadores do próprio
O modelo do IBRE detecta uma IBRE, o problema de solvência públi-
elasticidade de aproximadamente ca parecia superado, e a questão fis-

8 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CARTA DA CONJUNTURA

cal adquirira um caráter muito mais resultados anteriores se mantiveram: a elas-


ticidade no primeiro período sobe ainda
de gestão de demanda. Não é exagero mais, para 1,69, recuando para 0,91 no se-
dizer que a alta e excepcional elastici- gundo. Este efeito de inclusão da Previdên-
dade entre a arrecadação e o PIB que cia é previsível, já que a formalização – como
apontado – é uma das causas do crescimen-
vigorou na década passada mascarou to excepcional da arrecadação na década
o problema fiscal estrutural. Dessa passada. Por outro lado, o fato de que haja
tamanha diferença entre as elasticidades
forma, deu a sensação à sociedade,
dos dois períodos, mesmo quando se exclui
aos políticos e aos policy makers de a Previdência, evidencia que outros fatores
que era possível manter o ciclo de ex- importantes também influenciaram o fenô-
meno. Destacamos as próprias mudanças na
pansão do gasto, iniciado com a nova tributação – por exemplo, o fim da CMPF em
Constituição, por mais um considerá- 2007 –, as desonerações no período poste-
vel período à frente. rior a 2011 e a multiplicação de eventos de
Refis, que aumentam o incentivo dos agen-
É recomendável, portanto, que tes a postergar o recolhimento de impostos.
se avalie de forma conservadora os Por fim, a forte diferença entre a elasticidade
efeitos de uma recuperação cíclica
da economia na crise fiscal que se
desenrola. É claro que projeções de
longo prazo não podem ser feitas É recomendável,
com base em um PIB que pode recuar
de 6% a 7% em apenas dois anos, portanto, que se avalie
com o investimento despencando e
níveis de confiança de empresários de forma conservadora
e consumidores batendo recordes de
baixa. Quando houver estabilização os efeitos de uma
e retomada, a receita naturalmente
vai interromper a assustadora suces- recuperação cíclica da
são de expressivas quedas em termos
reais que se verifica mês a mês em economia na crise fiscal
tempos recentes. Mas não é prudente
superestimar o efeito da recuperação que se desenrola
cíclica na arrecadação, como indica
o exercício acima. É imprescindível
repensar o Estado brasileiro, por-
tanto, procurando compatibilizar o dos dois períodos também é robusta a outras
aprofundamento da democracia no métricas de arrecadação, utilizando-se, por
exemplo, os impostos das Contas Nacionais (e
país e a extensão de direitos com a
não os dados da SRF) ou a chamada “receita re-
solidez fiscal de longo prazo. corrente” calculada pelo IBRE – da qual se reti-
ram todas as operações episódicas que possam
afetar o comportamento da receita agregada
(ver Nota Técnica de Lívio Ribeiro: http://bit.ly/
1
Ressalta-se que o ponto divisor em 2011 talvez
NotaTec-Atividade-e-Arrecadacao-Jan16).
fosse mais apropriado, dado o fato estilizado
observado, mas a amostra posterior seria ex-
cessivamente curta (em termos estatísticos), o O texto é resultado de reflexões apresentadas
que tornaria o exercício frágil. em reunião por pesquisadores do IBRE. Dada a
pluralidade de visões expostas, o documento
2
Teste adicional foi feito incluindo a for- traduz minhas percepções sobre o tema. Dessa
malização da força de trabalho como nova feita, pode não representar a opinião de par-
variável de controle. Incluindo as receitas te, ou da maioria, dos que contribuíram para a
previdenciárias na série de arrecadação, os confecção deste artigo.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 9
PONTO DE VISTA

Em 2016, deve ficar claro


que a arrumação da casa
só virá em 2019
Samuel Pessôa
Pesquisador associado da FGV/IBRE

O ano terminou bem pior do que o IPCA este ano acima de 10%), es-
o esperado. Em função das dificul- tava ancorada em torno de 5,5%.
dades políticas, a agenda legislativa O Banco Central conseguia impedir
para encaminhar os problemas fis- que a grande elevação da inflação de
cais estruturais andou muito deva- 2015 impactasse a de 2016. Adicio-
gar. As dificuldades políticas, por nalmente, o IPCA de 2017 caminha-
sua vez, tiveram três causas: os im- va para a meta, de 4,5%.
pactos da Operação Lava Jato sobre A convergência para a meta da
o sistema político; a profundidade inflação é importante porque sinali-
do estelionato eleitoral, que tornou za o fim do ajuste cíclico da econo-
muito difícil a aceitação pela socie- mia e o início do momento de redu- Simulações conservadoras co-
dade do ajuste fiscal; e, finalmen- ção das taxas de juros. Níveis mais meçaram a sugerir que o limite de
te, as cicatrizes de uma campanha baixos de juros estimulam o cresci- 70% do PIB seria ultrapassado na
eleitoral particularmente virulenta, mento pela elevação da demanda, virada de 2016 para 2017. Para
especialmente da parte do governo, principalmente do investimento, 2018 já se enxergava – e esta é a
que inviabilizaram qualquer conver- iniciando um novo ciclo de cresci- situação atual – dívida bruta atin-
sa mais produtiva com a oposição. mento, com a economia ajustada. gindo 80% do PIB. A perspectiva
Para piorar a situação, o buraco O ajuste cíclico do ministro Levy de trajetórias explosivas como esta
fiscal que o primeiro mandato da desandou no início do terceiro tri- pressionou o risco país e, com ele,
presidente Dilma legou para o se- mestre, quando o mercado percebeu a taxa de câmbio. A forte depre-
gundo foi de 1 a 1,5 ponto percen- que o governo não conseguiria pro- ciação, por sua vez, contaminou as
tual (p.p.) maior do que o imaginado duzir superávit primário que estabi- expectativas inflacionárias. O ajus-
no final de 2014. Enquanto o mer- lizasse a dívida pública em qualquer te cíclico desandou.
cado acreditou na construção de um horizonte à frente. A total descrença A partir daí, desenrolou-se uma
superávit primário que estabilizasse na capacidade política da presiden- série de fatos negativos: a constata-
a dívida pública, o ajuste cíclico do te de enfrentar o desequilíbrio fiscal ção da total incapacidade de se pro-
ministro Levy caminhou. O princi- estrutural, bem como de produzir a duzir qualquer número positivo de
pal sinal era que a expectativa do curto prazo elevação da carga tribu- resultado primário; o rebaixamento
boletim Focus para a inflação em tária, sinalizou que a dívida bruta da economia pela S&P, com perda
2016, apesar da fortíssima correção iria crescer como bola de neve nos de grau de investimento, no início
dos preços represados (que colocou próximos anos. do terceiro trimestre de 2015; a

1 0 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
PONTO DE VISTA

perspectiva de novos rebaixamentos lário mínimo em aproximadamente No entanto, a melhora da ges-


pela Fitch, que se materializou em 11% em janeiro de 2016 e possíveis tão não eliminaria nossas dificul-
16 de dezembro, e pela Moody’s, altas de alíquotas de impostos (PIS- dades nem solucionaria a comple-
em algum momento do primeiro se- Cofins, Cide e ICMS) em função das xa economia política que há por
mestre de 2016 (nestes últimos dois dificuldades fiscais. Esses fatores po- trás do ajustamento fiscal. Ou seja,
casos, também com perda de grau dem colocar o IPCA na casa de 8% a sociedade não foi chamada a se
de investimento); e a incapacidade a 8,5% em 2016. Finalmente, carac- pronunciar sobre assuntos comple-
de aprovar qualquer medida estru- terizando perfeitamente a dinâmica xos como reforma da Previdência,
tural para reduzir o déficit fiscal, da economia como de estagflação, a desindexação do salário mínimo,
como a reforma da Previdência, ou taxa de desemprego deve passar dos entre outras pautas complicadas.
para estimular o crescimento, como 12% no final de 2016. É muito difícil que, com o grau de
a reforma do ICMS. Todos esses re- Sobre este cenário de atividade complexidade democrática da vida
vezes tornaram sem sentido a ma- temos que sobrepor duas possíveis nacional, reformas estruturais pas-
nutenção do ministro Levy à frente soluções para o processo de impedi- sem no Congresso Nacional sem
da pasta da Fazenda. que haja prévia negociação junto à
A ida de Nelson Barbosa para a sociedade destes temas.
Fazenda recompõe a verdade das Dessa forma, após a eventual
urnas na política econômica e, adi- É muito difícil que, dada a substituição de Dilma por Temer,
cionalmente, referenda a política já e depois da lua de mel com o atu-
em curso. Não deve haver grandes complexidade democrática al vice-presidente, teríamos que nos
alterações na política econômica, haver com a complexa economia po-
mesmo porque Levy perdeu quase da vida nacional, reformas lítica da nossa agenda de reformas
todas as batalhas ao longo de 2015. estruturais. A eventual ida de Temer
Ou seja, já ocorreu a virada da po- estruturais passem no para o Planalto não fará aparecer
lítica econômica à esquerda, dentro 4% do PIB de receita adicional no
do que é possível, considerando o Congresso sem que haja Tesouro Nacional. Quando isto ficar
universo de políticas econômicas mi- claro, um possível governo Temer
nimamente responsáveis. prévia negociação junto ficará bem parecido com o governo
De qualquer forma, não há mo- Dilma, tirando as trapalhadas.
tivos para alterar o prognóstico da à sociedade Em resumo, com ou sem a presi-
economia para 2016. O crescimento dente Dilma no Planalto até 2018,
deve ser de -3%, somando-se -2% ou não deve ocorrer a efetiva solução
pouco menos de carregamento esta- para a crise do modelo econômico
tístico de 2015 para 2016 com um mento da presidente já iniciado na brasileiro, que em 2015 juntou um
primeiro semestre de crescimento ne- Câmara e recentemente normatiza- ajuste cíclico de grandes proporções
gativo. No segundo semestre, a eco- do pelo STF. com a hora da verdade estrutural, há
nomia deve passar a crescer a taxas A coluna avalia que o mercado tanto tempo varrida para debaixo
positivas, mesmo que muito baixas, provavelmente superestima os ga- do tapete por governantes e políti-
na comparação do trimestre com o nhos com o possível desfecho em cos. Assim, a arrumação de casa irá
trimestre imediatamente anterior. que a presidente é impedida. É ver- ficar para 2019, se houver na pró-
Para a inflação, apesar de os mo- dade que Temer conseguiria cons- xima eleição presidencial o entendi-
delos indicarem números em torno truir base de sustentação muito mais mento da sociedade de que é melhor
de 7,5%, é preciso levar em consi- bem desenhada do que a de Dilma pagar o custo da reorganização do
deração a enorme inércia, que tem Rousseff. Também é verdade que a que prosseguir na deterioração, e se
aumentado no último trimestre de gestão da política no dia a dia seria os políticos tiverem a competência
2015, associada à elevação do sa- de muito melhor qualidade. para liderar este processo.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 11
MACROECONOMIA

Foi-se 2015; viva 2016?


Nelson Marconi
Professor da Escola de Economia de São Paulo (FGV/EESP)

Todos querem esquecer o ano de 2015. ram 35,5%). É um ajuste relevante. Já As despesas com custeio são for-
Não é para menos, os indicadores eco- as despesas previdenciárias elevaram- temente pressionadas pelos gastos
nômicos mostram uma queda abrupta se na mesma base de comparação. com educação e saúde, e muitos de-
do nível de atividade e da taxa de in- Logo, as despesas com investimen- les são obrigatórios, como sabemos.
vestimento, associada à inflação ele- tos foram um dos principais focos No curto prazo, investir em mecanis-
vada e perspectivas pessimistas para desse ajuste. Reduzi-las ainda mais mos que possibilitem uma melhoria
2016. Porém, nem tudo está perdido; implicaria um reforço à queda do ní- da qualidade do custeio operacional
ajustes importantes no campo fiscal e vel de atividade e da arrecadação. Por nessas áreas seria um importante ca-
externo, dois fortes desequilíbrios de outro lado, as chamadas “outras des- minho a ser trilhado para a continui-
nossa economia, tiveram início e po- pesas de custeio”, item que engloba dade do ajuste fiscal.
derão criar espaço para a retomada as despesas diretamente associadas às Para o longo prazo, a reforma da
do crescimento, dependendo do rumo atividades operacionais do governo, Previdência é imprescindível, como
que lhes for atribuído, e da melhoria continuam apresentando variação po- mostra a evolução dessas despesas; a
do cenário político. sitiva (2,5%, sempre na mesma base insistência da equipe econômica em
Os números do Tesouro Nacional, de comparação). Sua redução causa relação a este ponto é correta. Essa
consolidados na tabela 1, mostram impacto negativo menor sobre o inves- reforma, associada a uma revisão do
que de fato o governo fez um esforço timento privado (podendo até mesmo modelo de gestão e controle de resul-
para reduzir as despesas. Porém, como ser positivo, como mostram diversos tados das políticas públicas (incluin-
sabido, a queda do nível de atividade estudos) e o nível de atividade. Parece do as despesas com pessoal), visan-
também diminuiu a arrecadação, pro- ainda existir espaço para a sua dimi- do a sua racionalização, contribuiria
porcionalmente mais, e implicou re- nuição sem implicar uma indesejável para sinalizar o alcance de um equi-
sultados primários negativos. O fato a paralisia na oferta de serviços. líbrio estrutural necessário para a re-
ressaltar na tabela 1 é a diferença entre
as despesas intituladas do Tesouro e as
destinadas aos benefícios previdenciá- Tabela 1 – Receitas e despesas do Tesouro Nacional
rios. As primeiras caíram de forma Var % dos valores acumulados em 12 meses corrigidos pelo IPCA
significativa, implicando uma rever-
são da tendência entre o final de 2014 Dezembro 2014 Outubro 2015
e outubro de 2015 (nos dados acu-
Receita líquida -3,7 -8,1
mulados em 12 meses, corrigidos pela
inflação), com destaque para a queda Despesa total 6,1 -1,6
das despesas com abono e seguro-
desemprego e outras despesas de ca- Despesas do Tesouro Nacional 7,8 -4,7
pital (estas últimas correspondem aos Benefícios da Previdência 3,8 3,4
investimentos – incluindo o Programa
Minha Casa, Minha Vida –, que caí- Fonte: Tesouro Nacional, com cálculos próprios.

12 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA MACROECONOMIA

tomada da confiança, mesmo que o Tabela 2 – Indicadores relacionados ao setor externo


resultado do Tesouro no curto prazo Variação % dos valores médios em 12 meses
permaneça inferior ao desejado em
função da queda na arrecadação. Dezembro 2014 Outubro 2015
O outro ajuste relevante que teve
Exportações totais – quantum -1,8 3,7
início este ano é do setor externo. A
desvalorização do real associada à Importações totais – quantum -2,5 -11,9
queda do nível de atividade provocou
uma sensível mudança nos resultados Deficit em transações correntes – em dólares* 39,2 -28,7
do saldo em transações correntes, con- Taxa efetiva real de câmbio** 1,8 18,9
forme podemos observar na tabela 2.
Ainda que permaneça negativo, esse Custo unitário do trabalho – em dólares -0,1 -16,0
saldo registrou uma inversão em sua Margem de lucro dos exportados
-1,7 10,8
tendência e melhoria significativa em manufaturados
relação ao observado no ano passado. Fontes: Bacen, IBGE, Funcex e organismos internacionais, com cálculos próprios.
No tocante ao saldo comercial, sabe- *A variação é do valor acumulado em 12 meses. ** Cálculos do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo, com base na
corrente de comércio de manufaturados, e ponderação variável a cada cinco anos; o dado é de set/15.
mos que o ajuste tem sido mais inten-
so, até o momento, nas importações.
As exportações demoram mais tem- agregada após um prolongado período crescimento existe se: a) o ajuste fiscal
po a reagir à desvalorização da moeda de valorização e desindustrialização. centrar-se nos pontos discutidos nesse
(ainda que, mensuradas em quantum, Dois importantes indicadores de artigo; b) os gestores da política econô-
já estejam apresentando variação po- competitividade dos exportadores, o mica não abdicarem do patamar atual
sitiva, concentrada em bens primários custo unitário do trabalho em dólares da taxa de câmbio; c) mantiverem uma
e semimanufaturados), mesmo porque e a margem de lucro das exportações disposição firme no combate à inflação
a valorização e a oscilação da taxa de de manufaturados (que correspon- – inclusive em relação aos mecanismos
câmbio foi muito intensa nas últimas de ao preço das exportações dividi- de indexação da economia que vêm
décadas e a maioria dos empresários do pelo custo unitário do trabalho), pressionando a inflação dos bens não
só reagirá quando perceber que essa também evoluíram em 2015. Para o comercializáveis, conforme já discu-
mudança em seu patamar é duradou- custo unitário do trabalho em dóla- tido nessa coluna –, e d) conseguirem
ra (na literatura, essa defasagem entre res, o patamar registrado em outubro implementar o programa de conces-
a desvalorização e seu impacto sobre (dado mensal) é apenas 11% inferior sões de obras e serviços públicos.
as exportações pode ser explicada por ao observado em 2005, ano em que A sinalização de melhores resul-
um comportamento que os economis- nossa economia apresentava indica- tados fiscais no futuro, através da
tas intitulam de histeresis). As expor- dores positivos em todos os setores, combinação de medidas de curto
tações de manufaturados, que deman- enquanto a margem de lucro é 17% prazo e reformas estruturais, contri-
dam maiores investimentos (inclusive superior na mesma base de compa- buiria para pressionar menos a taxa
em modernização) e reorganização ração. A título de comparação, em de câmbio, a taxa de juros e a infla-
da produção ainda não melhoraram 2012 esse mesmo indicador de custos ção dos bens comercializáveis.
significativamente, corroborando esse foi 98% superior ao de 2005. 2016 não está perdido, a combi-
argumento. Outras medidas comple- Portanto, ainda que as perspecti- nação e o conteúdo das medidas e
mentares, como o estabelecimento de vas sejam negativas para 2016, há luz reformas podem alterar o rumo até
acordos comerciais e a retomada do no fim do túnel. Certamente o cená- o momento esperado. A nova equipe
financiamento ao setor exportador, rio será fortemente determinado pela econômica vem defendendo em seus
também são necessárias para que as conjuntura política, mas supondo que discursos diversos aspectos entre os
exportações assumam maior relevân- os atuais embates sejam soluciona- aqui discutidos. Não vai ser fácil,
cia na composição de nossa demanda dos, a possibilidade de retomada do mas vamos torcer.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 13
MACROECONOMIA

Ano novo – vida velha?


Fernando de Holanda Barbosa
Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV/EPGE

A recessão brasileira que começou se a administração das finanças, seja pulista este processo de impedimen-
no segundo trimestre de 2014 vai de uma família, de uma empresa, do to constitui-se em golpe. Eles são os
muito bem obrigado. Em 2015 o município, do estado ou do governo verdadeiros democratas que defen-
produto interno bruto (PIB) deve federal tivesse qualquer conotação dem as instituições. Uma das prin-
ter uma redução entre 3,5 e 4,0%. ideológica. O ministro Nelson Bar- cipais características da democracia
A projeção para 2016 é uma queda bosa, inspirado nestas ideias, deno- é a tolerância e a aprendizagem que
do PIB no intervalo de 2,5-3,0%. A minou a política econômica da época implica o reconhecimento do erro.
taxa de inflação em 2014 ficou pra- Palocci, no primeiro mandato do ex- Afinal de contas, por que estamos
ticamente no teto da meta (6,4%). presidente Lula, de política neolibe- nesta crise política, econômica, ética
Em 2015 chegou aos dois dígitos ral. Infelizmente, no momento atual e moral? Quem foi responsável por
(acima de 10%) e as projeções para não existe opção: ou o ministro Nel- estes desmandos? Antigamente a cul-
2016 indicam uma taxa de inflação son converte-se ao neoliberalismo pa era do FMI e (ou) do imperialismo
acima de 6,5% ao ano. Os títulos ou estamos todos perdidos. americano. Hoje, a crise foi produzi-
da dívida pública brasileira já fo- Os autodenominados movimen- da domesticamente, tem nome, so-
ram rebaixados por duas agências tos sociais em suas manifestações brenome, e qualquer pessoa de bom
de risco para o nível de títulos de pedem o fim da política econômica senso analisando os fatos certamente
alto risco (junk bonds). que tenha como objetivo colocar as descobrirá os responsáveis.
Ano novo vida nova? Infelizmente finanças em ordem. O segundo desa- Não vou tratar de todos estes
não. Este cenário econômico é fruto fio do ministro Nelson Barbosa será temas neste artigo. Escolhi apenas
de erros de política econômica do go- convencer este pessoal que seis é di- um, a política monetária. O Brasil
verno da presidente Dilma Rousseff ferente de meia dúzia. adotou em 1999 o sistema de metas
que o ex-ministro Joaquim Levy não Os neopopulistas são maniqueís- de inflação que é bastante simples
foi capaz de consertar. O casamento tas e estão sempre do lado do bem. O de ser operado. O governo fixa uma
do Levy, um economista treinado na mal está com aqueles que deles dis- meta de inflação, com um interva-
sabedoria convencional, que domina cordam. O artigo 85 da Constituição lo predeterminado, para acomodar
100% dos países que deram certo, Brasileira, no seu inciso VI, estipula choques imprevisíveis. Toda vez
com o neopopulismo não poderia dar que “São crimes de responsabilidade que a taxa de inflação fica acima
certo e deveria terminar em divórcio. os atos do presidente da República do centro da meta o Banco Central
Aqui no Brasil a esquerda de ins- que atentem contra a lei orçamentá- aumenta a taxa de juros do merca-
piração marxista denominou a ad- ria”. A presidente Dilma está sendo do interbancário, que é a taxa de
ministração responsável das finanças acusada de atos cometidos que ferem juros básica da economia. Quando
públicas de política neoliberal, como este dispositivo legal. Para o neopo- a taxa de inflação fica abaixo do

14 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA MACROECONOMIA

centro da meta o Banco Central agravaria a recessão e implicaria um


diminui a taxa de juros. Este pro- custo social muito alto.
tocolo, como se diz no jargão mé-
No Brasil, existe o hábito O Conselho Monetário Nacional
dico, é bastante simples e fácil de deveria, então, reconhecer os erros
operar pela equipe técnica do Ban-
de se dizer uma coisa e na cometidos no mandato da presiden-
co Central. O fator mais importan- te Dilma com as “pedaladas” mone-
te neste processo é a credibilidade prática se fazer outra. Na tárias e mudar as metas da inflação
da política monetária. Ela pode ser para os próximos anos. A meta de
medida pela diferença entre a pro- política monetária isto não inflação seria fixada em 6,5% ao
jeção da taxa de inflação pelo mer- ano para 2016, com um intervalo
cado (leia-se os diferentes agentes funciona. O que se anuncia de mais ou menos 1,5%. Em 2017 a
da economia) e a meta de inflação. meta seria de 5,5%, em 2018 4,5%,
No primeiro mandato da presi- tem que ser cumprido em 2019 3,5% e em 2020 chegaría-
dente Dilma a taxa média de infla- mos ao padrão do primeiro mun-
ção foi de 6,2% para uma meta de do: 2% ao ano. No Brasil existe o
4,5% ao ano. 2015 foi um ano atí- hábito de se dizer uma coisa e na
pico pela correção de vários preços inflação ultrapasse o teto da meta. prática se fazer outra. Na política
que estavam represados, como os O Banco Central poderia aumentar monetária isto não funciona. O que
preços dos derivados de petróleo, e a a taxa de juros para que a inflação se anuncia tem que ser cumprido.
taxa de inflação ultrapassou os dois voltasse para a meta. Todavia, esta Caso contrário, perde-se a credibi-
dígitos. Em 2016 a previsão é que a política não seria recomendável pois lidade e o povo paga a conta.

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Rio de Janeiro: Outros estados:
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J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 15
ENTREVISTA

Foto: Pedro França/Agência Senado

“Temos que
focar a origem do
problema fiscal”

Fernando Rezende Conjuntura Econômica — Qual o


seu balanço sobre o debate fiscal
Professor da FGV/Ebape, ex-presidente do Ipea
em 2015?
Minha leitura é de que está muito limi-
Solange Monteiro, Claudio Conceição e Vilma da Conceição Pinto,
do Rio de Janeiro
tado, focado em se a meta do superávit
primário dá ou não para ser atendida.
A piora do cenário fiscal em 2015, que colaborou para a deterioração da percepção Em trabalho que publiquei recente-
de risco do Brasil e a perda do grau de investimento em dezembro, não pode ser mi- mente, busquei chamar a atenção para
tigada apenas com medidas emergenciais de curto prazo, pois é fruto de um proble- a necessidade de se discutir não só a
ma estrutural. O alerta é de Fernando Rezende, especialista na área fiscal e tributária, economia fiscal, mas a política da des-
professor da FGV/Ebape. Rezende aponta que a falta de uma discussão mais apro- pesa pública, as escolhas que foram se
fundada dos problemas tributários, orçamentários e federativos do Brasil levou a um acumulando em cima do orçamento
acúmulo de decisões paliativas e à adoção de uma série de expedientes – como a de público. Inventou-se no Brasil quase
receitas extraordinárias e dos restos a pagar – que só agravaram o problema fiscal. Em uma técnica orwelliana, de uma novi-
entrevista à Conjuntura Econômica, Rezende traça um rico histórico desse processo a língua (referência ao romance – 1984,
partir da Constituição de 1988, onde surgiu o que chama de “dualidade tributária”, e de George Orwell) orçamentária. As
apresenta as frentes de trabalho que considera fundamentais para a recuperação da despesas são classificadas em obriga-
ordem nas contas públicas. “Precisamos colocar em debate a reforma orçamentária. tórias e discricionárias. Isso nunca foi
Isso não significa discutir uma nova lei do orçamento público, mas discutir o Estado, classificação de despesas públicas, ne-
pois as responsabilidades do Estado já não cabem neste orçamento”, afirma. nhum texto de finanças públicas fala

18 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
ENTREVISTA Fernando Rezende

disso. Obrigatório virou sinônimo de A Constituição de 1988 piorou esse verá que ele enumera uma série de di-
prioritário, e discricionário virou sinô- quadro? reitos sociais. Entre eles a previdência,
nimo de irrelevante. Isso não é assim. Ela foi um marco importante porque a saúde e a assistência, mas também o
Temos uma crise institucional, pois a ampliou – e muito – as responsabili- transporte, a habitação, a segurança,
principal instituição fiscal de qualquer dades do Estado. Uma série de novos o lazer. Criou-se um regime especial e
Estado, o orçamento, deixou de ser re- direitos foram criados. De novo, não garantias financeiras para o grupo que
levante há muitos anos. estou discutindo mérito. A ampliação integra a seguridade social: a previdên-
E isso só vem piorando, porque dos direitos sociais certamente era im- cia, a saúde e a assistência, ampliando
essas escolhas nunca foram discuti- portante naquele momento. Mas em o que os antigos institutos de previdên-
das no Brasil. Vêm se acumulando 1988 não discutimos como as novas cia faziam para o pessoal que estava no
num processo quase arqueológico de responsabilidades do Estado seriam mercado formal de trabalho. A ideia
camadas sobre camadas. A primeira repartidas entre os entes. Discutiu-se é boa. Universalizar o acesso a esses
grande escolha de decisão política de maneira ampla, e no plano federa- serviços. Mas, em assim fazendo, ao
sobre orçamento – sem discutir méri- tivo apenas focou-se a repartição das longo do tempo foi-se expulsando os
to – foi lá na Guerra do Paraguai, de outros direitos. Não é por acaso que a
pensões para filhos de militares que crise urbana está aí, o saneamento pú-
faleceram naquela guerra. De lá para blico está ameaçando a população com
cá se somou a Lei Elói Chaves, que doenças que já tinham sido extintas, e
criou o regime de previdência (em
A Constituição discutiu outras novas que estão surgindo.
1923), a unificação dos institutos
de previdência, as vinculações para as responsabilidades do Talvez também não se tenha pen-
educação, para saúde. Tudo isso sado no efeito demográfico, no im-
foi sendo feito sem rediscutir como Estado de maneira ampla, e pacto da expansão da população
o orçamento público ia acomodar na política de benefícios previden-
todas essas escolhas. Enquanto foi no plano federativo apenas ciários e outros...
possível acomodar as pressões pela Sim, e não apenas do ponto de vista
expansão do Estado, isso se manteve a repartição das receitas, do tamanho da população, mas da
sob controle de alguma maneira. A concentração espacial da população
cada momento de crise, entretanto, mas não a repartição das em grandes centros urbanos, microrre-
a situação se torna difícil de manejar. giões, sem que houvesse planejamento.
O que aconteceu nos últimos anos? responsabilidades Isso está na raiz da grave crise de finan-
De novo, uma dificuldade de enfren- ciamento do saneamento, da habita-
tar uma discussão mais aprofundada ção, do transporte. Porque repetimos
do problema, o que levou à adoção na área da habitação o que o antigo
de uma série de expedientes. Há pelo governo militar fazia com o BNH. Vai
menos 20 anos o Brasil se viciou em receitas, mas não a das responsabili- construir onde? O setor privado se en-
receitas extraordinárias. Se olhar os dades. Claro que isso tem implicações carregou de construir os conjuntos ha-
dados desse tipo de receita, ela cai cuja discussão podemos aprofundar bitacionais no programa Minha Casa
um pouco no momento em que a do ponto de vista da qualidade da ges- Minha Vida, mas na periferia, onde a
economia melhora, mas volta a su- tão pública. Não é por acaso que se terra é mais barata, e depois o estado
bir para um patamar de 1% a 1,5% gasta razoavelmente um bom dinheiro e o município não têm condições de le-
do PIB nos últimos anos. É um vício em educação, não obstante a qualida- var água, saneamento, transporte.
difícil de largar. É como se o Brasil de da gestão seja péssima. Para compensar isso, o governo
estivesse se comportando como her- Houve ainda outro problema im- federal passou a estimular os estados
deiro de uma família rica, vendendo portante. Se você olhar a redação do e municípios a se endividarem pelo
patrimônio até ele acabar. artigo sexto da Constituição Federal, BNDES, pela Caixa Econômica e Ban-

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 19
ENTREVISTA Fernando Rezende

co do Brasil, para financiar investi- era para administrar despesas para as to. E não basta falar sobre a reforma
mentos na área urbana e social. E esse quais você não consegue liberar o re- da previdência. Não é que ela não seja
estímulo ao endividamento foi acom- curso no calendário fiscal. Uma con- necessária, mas que sozinha não elimi-
panhado de um processo de nova cen- ta de luz de dezembro que vence em nará nossa dificuldade de caminhar.
tralização de poder. Os ministérios que janeiro. O que aconteceu nos últimos Temos que discutir a previdência no
foram criados para manejar essa situ- anos, foi que se expandiu o conceito âmbito do debate da qualidade dos
ação – Cidades, Turismo, Integração, de restos a pagar, somando pouco serviços públicos, que por sua vez tem
Esportes – hoje administram os cha- mais de R$ 200 bilhões – mais ou me- a ver com o orçamento.
mados convênios, que são outra forma nos duas vezes o que tem na chamada Veja o caso da saúde. Se formos
de repassar recursos a estados e muni- despesa discricionária. olhar a Constituição, um dos dispositi-
cípios para financiar aquelas atividades vos transitórios aponta que esta deverá
que não têm recursos vinculados – além Isso se agravou com a recessão? contar com 30% das receitas da segu-
das que têm recursos vinculados, como Hoje você está empurrando o proble- ridade. Essa lei nunca foi discutida. E
saúde e educação, que recebem repasses ma na expectativa de que a melhora de lá para cá a saúde foi sendo expulsa
por fora. O governo federal foi estabe- do espaço da seguridade. Hoje, a saúde
lecendo normas, regulando a ação dos deve ficar com no máximo 10% des-
estados e municípios a ponto de que sas receitas. À medida que previdência
hoje em dia você tem o que chamaria e assistência foram se expandindo, a
de antítese de um regime federal. Isso
Minha Casa Minha Vida saúde foi buscar outra garantia. Pri-
impõe de cima para baixo regras que meiro foi uma emenda constitucional
definem quanto e em quais programas constrói casas na periferia, de 2000 que estabeleceu que o Estado
os estados e municípios devem aplicar deveria gastar em saúde pelo menos
seu dinheiro. Lembro-me de uma con- onde a terra é mais o montante do ano anterior corrigi-
ferência na Índia da qual participei em do pelo PIB. Mais recentemente, uma
2005, em que o lema era Unidade na barata, e depois o estado nova emenda, nova lei, estabeleceu
Diversidade. No Brasil, nós criamos a que o Estado deve gastar um certo
Uniformidade na Diversidade. É algo e o município não têm percentual da receita líquida. O que
que não condiz e é ineficiente, porque isso significa? A saúde está buscando
entre outras coisas o gestor público condições de levar a água, o outros mecanismos de garantia, por-
que está encarregado de administrar que a garantia da seguridade social já
qualquer serviço de prestação à comu- saneamento, o transporte não atende aos seus interesses de finan-
nidade desconhece seu fluxo de caixa. ciamento. Mas esse assunto nunca foi
Nem o federal, nem o estadual, nem o objeto de debate político, e esse é um
municipal. Ele sabe que eventualmente ponto que estou tentando enfatizar na
terá um crédito orçamentário, mas não hora de discutir Estado: que os direitos
sabe se vai receber, quando, e se terá da situação econômica vai resolver o sociais são amplos, mas o acesso não é
tempo de cumprir com toda a burocra- problema fiscal, e isso é um equívoco. de fato universal. E não é igual.
cia para executar o gasto. Na melhor das hipóteses, se a econo-
Esse é um lado do problema. O go- mia voltar a crescer, aliviará a situação. Isso passa pela questão do pacto
verno federal estimulou os estados a se A crise volta, a economia desacelera, e federativo?
endividarem. Mas tem outro lado, que ele aparece de novo. Precisamos colo- Sim, mas não gosto dessa expressão.
é o engavetamento de despesas, que no car em debate a reforma orçamentária. Tenho conversado com representantes
jargão orçamentário se chama restos a Isso não significa discutir uma nova lei dos estados, e busco mostrar que a op-
pagar. A figura dos restos a pagar foi do orçamento público, mas discutir o ção de manter o conflito interestadual
criada na lei orçamentária de 1964, Estado, pois as responsabilidades do centrado numa disputa pelo ICMS é
que foi antes do governo militar. Mas Estado já não cabem neste orçamen- um equívoco total. O problema é que

2 0 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
ENTREVISTA Fernando Rezende

o ICMS não tem futuro. É um im- de mudar a perspectiva do debate quela música sobre o salão de gafieira:
posto em progressiva decadência, por orçamentário? “Quem está fora não entra, quem está
razões muito simples. As principais Antes de discutir o instrumento, temos dentro não sai”. Como conseguir es-
bases do ICMS estão sendo erodidas. que começar discutindo as raízes do paço para acomodar todo mundo que
A tecnologia das comunicações está problema: como essas escolhas foram ficou do lado de fora? Essas questões
minando as telecomunicações. E cada feitas, como foram ocupando o espaço têm que ser expostas. O que tem sido
vez que se quer aumentar a alíquota, orçamentário. Se quer aumentar verba feito na Europa desde a crise de 2008 é
como se fez agora, isso gera problema. para saúde, terá que conter a expan- um trabalho aprofundado de discussão
Os combustíveis fósseis enfrentam a são dos gastos da previdência; se quer política da despesa, baseado na reali-
pressão ambiental. A indústria caiu manter a expansão dos programas de zação de uma expenditure review, de
a menos de 10% do PIB nas últimas transferência de renda para as famílias análise programa a programa de gover-
estimativas. Aí nos resta o consumo e mais pobres, isso implica certo conflito no, quais consequências, quem está se
as importações que, na atual situação, entre saúde, previdência e assistência. beneficiando, quais problemas está tra-
estão em queda, comprometendo a re- Se quiser resolver os graves problemas zendo. Esse é o caminho. Eu não vejo
ceita dos estados. possibilidade de sairmos disso tentan-
Quando eu falo em discutir a Fede- do fazer apenas proposições técnicas.
ração, é dar um passo atrás e voltar a
1988, quando o tema da descentraliza- Hoje, entretanto, além dos gastos
ção de poder era dominante na Cons-
Nos últimos anos orçamentários, temos outros gastos
tituinte, pois vinha de uma reação à que não conseguimos ver de fato, de
centralização promovida durante o go- expandiu-se o conceito de benefícios financeiros, creditícios,
verno militar. Só que a discussão se limi- gastos tributários, entre os quais o
tou a como se distribuiriam as receitas, restos a pagar, somando Simples. Qual sua avaliação?
em um processo em que o trabalho das Primeiramente, o importante é recupe-
comissões corria em paralelo. A comis- mais de R$ 200 bilhões – rar o conceito da despesa tributária (na
são da ordem social criou a seguridade expressão em inglês, tax expenditure).
e as receitas próprias, e a comissão da mais ou menos duas vezes Voltando à novilíngua, aqui no Brasil
tributação simplesmente dividiu os im- o transformamos em despesa fiscal.
postos. Mas, ao longo do tempo, a se- o que tem na chamada Dessa forma parece ter efeito positivo,
guridade social atropelou a Federação. uma renúncia do governo para estimu-
O primeiro marco disso foi a crise de despesa discricionária lar a atividade econômica. Mas é uma
1998. Dez anos depois da Constituinte, despesa tributária. Por trás de uma des-
o Brasil quebrou, e de uma hora para pesa, de uma lei que confere determina-
outra teve que fazer superávit primário da vantagem, tem sempre um interesse.
de três e poucos por cento do PIB. E E esses interesses que se acumularam,
se faz superávit em cima do quê? Das urbanos, também terá que se abrir es- como no salão de gafieira, estão muito
contribuições, porque se fosse com os paço no orçamento, e não só via finan- bem organizados politicamente. Então
impostos, teria que fazer o dobro para ciamento e expansão da dívida. é preciso expor a quem está do lado de
poder gerar o mesmo resultado. Cada Em geral, todos acham que a discus- fora do salão como é que tem que se
vez que você faz esse tipo de manobra são é muito ampla. Eu venho dizendo organizar para se seus interesses sejam
você simplesmente adia a discussão o contrário: os problemas hoje em dia atendidos. Esse é o debate que a gen-
sobre o enfrentamento do problema, são tão grandes e tão complexos, que a te está precisando fazer. Não que seja
que é estrutural. única maneira de encontrar um espaço fácil, mas caberia a nós, que estamos
para encaminhar um debate político é lidando com esses números, mostrar
A proposta de voltar a um orça- pôr esses problemas na mesa. A ima- dessa forma. E o Simples Nacional é
mento plurianual seria uma forma gem do nosso orçamento é como na- um elemento importante disso. Você

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 2 1
ENTREVISTA Fernando Rezende

conversa com representantes do setor não estamos dirigindo nossa atenção As decisões que foram tomadas ao
privado, e vê que eles não têm nenhuma para as origens e raízes do problema. arrepio da Lei de Responsabilidade
esperança de ver uma reforma tributá- Estamos tentando encontrar medidas Fiscal nada mais são do que uma ma-
ria decente. Então, se não conseguem tópicas, emergenciais, para uma situ- nifestação da falta de empenho em
melhorar a qualidade do imposto, ra- ação que não é emergencial, no sen- discutir o problema. Não estou ven-
ciocinam que é melhor reduzir o custo tido de que ocorre por conta de uma do como sair. Claro que é preciso to-
das obrigações acessórias. recessão econômica. A recessão des- mar algumas medidas emergenciais,
nuda o problema, mas não corrige. mas isso não é suficiente. Penso que
Qual sua avaliação sobre a iniciativa Isso é o que preocupa no debate. A precisaríamos montar uma equação
de reforma da PIS/Cofins? Ela está gente continua vendendo uma ilusão, capaz de combinar duas ou três ini-
coerente com a realidade brasilei- de que as coisas são passageiras. De ciativas importantes para evitar que
ra, em que 70% do PIB são gerados que, se fizermos uma correção agora, o problema se agrave, mas dispos-
pelo setor de serviços? em 2017 a economia volta a crescer e tas dentro de uma vestimenta maior,
Acho que não. Os meus amigos não a gente pode esquecer. para abrir o debate.
concordam comigo, e quase estão fi-
cando meus inimigos. Tenho pensado Quais seriam essas iniciativas?
muito sobre isso, principalmente com Falamos aqui que o governo acumu-
base em leituras sobre a nova econo- lou compromissos, optou por ven-
mia digital. É uma economia que não Os problemas hoje em der patrimônio para ganhar receitas
é física, que se baseia em coisas difíceis extraordinárias, expandiu a dívida
de você atribuir valor. Não é tão sim- dia são tão grandes e tão e isso não foi suficiente para evitar
ples fazer crédito tributário para coisas que a situação continuasse se agra-
cuja valoração é um pouco abstrata. É complexos que a única vando. Como podemos desembarcar
diferente do tempo em que a produção dessa atitude? Agora poderemos ter
de um bem baseava-se essencialmente maneira de encontrar um a “visita da velha senhora” (referên-
em transações físicas. Ainda não quero cia à obra de Friedrich Dürrenmatt),
fazer afirmações taxativas, mas acho espaço para encaminhar a CPMF. Eu não gosto da ideia. Mas,
que precisamos discutir qual o sistema se ela tiver que vir, deveria ser com-
tributário do século 21. No caso do um debate político é pôr binada com um processo de revisão
ICMS, por exemplo, não endossaria de prioridades.
mudá-lo do jeito que estão falando, esses problemas na mesa Há uma preocupação generalizada
e é um caso pior, porque os serviços dos interesses que estão em jogo nesse
estão fora da base. Mas a PIS/Cofins momento de tentar ver como sairão
também nos apresenta problemas di- ilesos dessa. Será que estaríamos perto
fíceis de serem administrados. Não é de uma situação na qual conseguísse-
por acaso que o setor de serviços está Hoje o senhor identifica alguma mos compor algumas mudanças que
se posicionando contra esse debate. iniciativa de enfrentamento dessa em conjunto caminhem na direção cer-
questão de forma mais ampla, tal ta? O segredo está em colocar o foco
O senhor defende a definição do li- qual defende? na origem dos problemas tributários,
mite da dívida bruta da União, como Como disse antes, acho que não va- orçamentários e federativos que foram
a Lei de Responsabilidade Fiscal já mos resolver o problema com lei. A se acumulando: a decisão tomada na
previa, ou também considera que na crise fiscal é uma crise institucional. E Constituição de 1988 de instaurar o
atual conjuntura esse tema poderia bate agora numa das instituições que que venho chamando de dualidade
aumentar a percepção de risco? foi criada em 2000 com o objetivo de tributária. Ela está consagrada, de um
Pensando em voz alta, diria que é garantir a estabilidade das contas pú- lado, em impostos que estão regula-
uma medida positiva. Mas insisto que blicas, o equilíbrio macroeconômico. dos em um capítulo da Constituição, e

2 2 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
ENTREVISTA Fernando Rezende

em contribuições que estão reguladas há muito deixaram de ser partilhadas das adotadas para contornar o en-
em outro capítulo, pelo artigo 195. O com os outros componentes da seguri- gessamento do orçamento, mediante
artigo 195 instituiu as contribuições dade social. E incorporar as demais o acúmulo dos restos a pagar e o re-
sociais sobre salários (que já existiam contribuições previstas nesse artigo ao curso a receitas extraordinárias.
e foram incorporadas), sobre receita e capitulo tributário da Constituição. No caso dos restos a pagar o foco
lucro. Com a crise econômica do final Qual é a vantagem dessa mudança: estaria concentrado no volume dos
da década de 1990, foi necessário ado- provocar um debate na sociedade so- gastos em saúde e educação inscritos
tar um programa de ajuste fiscal, para bre como financiar o déficit da previ- nessa rubrica. Isso tira eficácia das
evitar a derrocada do Plano Real, ba- dência durante o processo de elabora- vinculações constitucionais, porque,
seado na geração de superávits primá- ção e aprovação do orçamento. Essa pela regra dos restos a pagar, o limite
rios maiores de 3% do PIB. O aumen- medida desloca o eixo da discussão de acúmulo são cinco anos. No caso
to das contribuições sociais e a criação para as prioridades que deixarão de da educação e da saúde, não se pode
do Fundo Social de Emergência foi a ser atendidas em decorrência da deci- cancelar esses restos a pagar. Você
solução encontrada naquele momen- são sobre o quanto das receitas líqui- pode ter despesas que foram previs-
to. Na sequência, o crescimento das tas cinco anos atrás que se não foram
despesas públicas demandou sucessi- feitas naquele momento podem ter
vas prorrogações desse instrumento, se tornado desnecessárias. Mas terá
rebatizado de Desvinculação das Re- que executá-las, porque não podem
ceitas da União (DRU) para evitar o
Estamos tentando ser canceladas. Fazendo isso, limita
descumprimento das metas fiscais. a execução do que está previsto para
Mas a dificuldade em abandonar o encontrar medidas o ano. Isso é um instrumento que
vício debilita o organismo e a dose in- gera ineficiência e reduz a eficácia da
jetada já não traz qualquer alívio para tópicas, emergenciais, para própria vinculação.
o quadro fiscal. Como disse, tampou- E o terceiro passo é avançar na
co o aumento da dose da DRU para uma situação que não é consolidação fiscal, e não apenas no
30% irá resolver os problemas. Para ajuste, porque os desequilíbrios são
abandonar o vício, temos que retornar emergencial, no sentido de estruturais. Ou seja, implementar
à origem dos problemas fiscais e ver o uma regra de que receitas extraordi-
que precisa ser feito para deslanchar que ocorre por conta de nárias deveriam financiar exclusiva-
um processo de mudanças. mente gastos de capital e investimen-
Para tanto, a sugestão é puxar o fio uma recessão econômica to, além de despesas extraordinárias,
da meada que levou a um grau extre- quando houver. Mas não para finan-
mamente alto de engessamento do or- ciar gastos correntes, pois toda vez
çamento e que também acarretou a que se insistir em extrair receitas
deterioração do sistema tributário, extraordinárias para financiar des-
bem como o crescimento dos desequi- das do Tesouro serão direcionadas pesa corrente, estaremos adiando o
líbrios federativos: a dualidade tribu- para a cobertura do déficit previdenciá- enfrentamento do problema.
tária mencionada anteriormente. Isso rio, contribuindo para o debate políti- Esse é um conjunto de três pro-
significa rever o disposto no artigo co sobre as medidas que precisam ser postas complementares: a primeira,
195 da Constituição, de modo a elimi- adotadas para o equilíbrio no atendi- uma busca pelo equilíbrio na repar-
nar a distinção artificial introduzida mento das prioridades. tição de prioridades; a segunda, a
naquele momento entre impostos e busca por maior eficiência e eficá-
contribuições. Nessa revisão importa O que viria na sequência? cia das garantias constitucionais de
reconhecer o fato de que as contribui- Ao puxar o fio da meda, descortina- recursos para áreas prioritárias; e a
ções sobre os salários são fonte exclu- se também uma oportunidade para terceira, um passo rumo à consoli-
siva de financiamento da previdência e abordar as consequências das medi- dação fiscal.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 2 3
IMPOSTO DE RENDA

Efeitos contraditórios
Especialistas defendem que, sem a volta da tributação de
lucros e dividendos, mudanças na alíquota do imposto de
renda para pessoa física poderiam aprofundar distorções
tributárias em favor dos mais ricos

Solange Monteiro, Rio de Janeiro

A deterioração do quadro fiscal do que tratam da criação de novas alí-


país aqueceu o debate sobre como quotas deverão ter efeito limitado se
engordar a receita, incluindo a do im- não incluírem mudanças na isenção
posto de renda pessoa física (IRPF), dada a lucros e dividendos, vigente
gerando uma série de propostas. En- desde 1996. A avaliação é de Sér-
tre elas, o aumento de tributação de gio Gobetti e Rodrigo Orair, ambos
ganhos de capital acima de R$ 1 mi- pesquisadores do Ipea, autores de
lhão com a fixação de quatro alíquo- um estudo que aponta a isenção de
tas, conforme a MP 692 que tramita lucros e dividendos como fator não
no Congresso; e o plano de criação de só de redução da receita que chega
alíquotas adicionais para o IRPF das aos cofres públicos, mas de aumen-
faixas de mais alta renda, junto ao to de distorções que consolidam o
aumento de isenção para as camadas isolamento dos mais ricos no topo
mais pobres, atribuído ao PT como da pirâmide. “Sem alterar a tribu-
estratégia apresentada ao governo vi- tação de dividendos, até se pode re-
sando atender a sua base eleitoral. duzir a desigualdade, mas jogando
Apesar de sinalizarem um cará- um peso ainda maior sobre a classe
ter progressivo, entretanto, projetos média assalariada, au-

2 4 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA IMPOSTO DE RENDA

mentando a distância desta para os cluindo os rendimentos recebidos


ricos”, diz Gobetti. pelos titulares ou sócios de microem-
Projetos que tratam da
No trabalho “Progressividade presas e empresas inscritas no Sim-
tributária: a agenda negligenciada”, ples, quase dobrou em valores reais,
condecorado em novembro com
criação de novas alíquotas de R$ 149 bilhões em 2007 para
o Prêmio Tesouro Nacional, Go- R$ 287 bilhões em 2013, expansão
betti e Orair analisaram a questão
sobre impostos deverão 41% superior à do PIB no mesmo pe-
das isenções tomando como base a ríodo. “Enquanto a renda anual mé-
abertura de dados do IRPF disponi-
ter efeito limitado se não dia dos 24,4 milhões de declarantes
bilizada pela Receita para os anos- não recebedores de lucros e dividen-
base de 2007 a 2013. Apenas nesse
incluírem mudanças dos foi de R$ 63,8 mil, com imposto
período, o aumento do percentual devido de R$ 4,9 mil, no restrito gru-
de rendimentos isentos entre o total
na isenção dada a po dos 2,1 milhões de beneficiários
dos declarantes (26,49 milhões) foi de dividendos a renda média mais
de oito pontos percentuais, saindo
lucros e dividendos que quadruplica, para R$ 274,3 mil,
de 21% para 29%. Quando se con- e o imposto devido apenas triplica,
centra a análise apenas na maior fai- para R$ 14,9 mil”, dizem.
xa de renda – formada por 71.440
mil pessoas com rendimento anual intermediário, enquanto o montan-
superior a R$ 1,3 milhão –, o per- te de imposto pago por esse grupo Tendência mundial
centual isento é ainda maior: sobe cresceu a metade, ou dez vezes. No estudo, Gobetti e Orair ressal-
para dois terços do total declarado Do total da renda isenta de im- tam que a redução da progressivida-
em 2013. Nesse ano, os mais ricos postos, lucros e dividendos que re- de do sistema tributário brasileiro –
apresentaram um nível médio de presentam cerca de 50%, Gobetti com alta concentração de impostos
renda anual (R$ 4,2 milhões) qua- e Orair apontam que o volume de sobre o consumo em detrimento do
se 20 vezes superior ao do estrato lucros e dividendos distribuídos, in- capital e benefícios que desequili-

Evolução dos rendimentos da Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física


(R$ bilhões, de 2013)

Rendimentos 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013

Total tributáveis 968 1,03 1,07 1,12 1,19 1,27 1,29

Total tributado exclusivo na fonte 107 149 139 163 204 192 207

Isentos 293 477 473 530 583 601 632

Lucros e dividendos 149 197 195 229 257 271 287


Rendimentos vinculados principalmente
47 89 92 94 97 105 113
com renda do trabalho
Outras rendas da propriedade do capital 65 128 127 145 167 166 172

Transferências patrimoniais 31 63 58 60 60 58 59

Total dos rendimentos declarados 1,37 1,66 1,68 1,81 1,98 2,06 2,13

Fonte: Gobetti, S.W.; Orair, R. “Progressividade tributária: a agenda esquecida”.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 2 5
CONJUNTURA IMPOSTO DE RENDA

bram as regras do imposto de renda lores de 2013, corresponderam a


– tem origem numa onda global de uma redução de R$ 50 bilhões na
Os países da OCDE
reformas do sistema que aconteceu arrecadação do governo.
a partir dos anos 1980. Nesse perío- Sob esse desenho, o caráter pro-
do, várias economias passaram a re-
tributam as empresas em gressivo da arrecadação de IRPF
duzir suas altas alíquotas de imposto ficou concentrado nos cada vez
de renda – que perduravam desde o
25%, e o lucro distribuído mais limitados rendimentos tribu-
período de recomposição econômi- táveis – formados basicamente de
ca do pós-guerra – convencidas de
ao acionista em mais 24%. trabalho e renda de aluguéis – e em
que, a partir de certo limite, os au- menos da metade da renda tribu-
mentos de impostos geravam efeito
No Brasil, o lucro da tada exclusivamente na fonte. No
contrário ao desejado, reduzindo a estudo, os pesquisadores mostram
receita, devido ao seu impacto ne-
empresa é tributado em que “pouco mais da metade dos
gativo no trabalho e no investimen- rendimentos sujeitos a tributação
to. Assim, abriu-se espaço à teoria
no máximo 34% exclusiva tem sua origem na renda
da tributação ótima, que reza que a do capital e é tributada predomi-
eficiência de um sistema tributário nantemente por alíquotas neutras.
está depositada em sua neutralida- Por isso, em média as alíquotas in-
de, relegando a função distributiva prias economias desenvolvidas”, cidentes sobre os rendimentos tri-
para os gastos públicos. diz Gobetti. A partir de 1995, com butados exclusivamente na fonte
Foi nesse contexto que, na dé- a Lei no 9.249, a tributação dos lu- são semelhantes em todas as faixas
cada de 1990, o imposto de renda cros também foi reduzida através de maiores rendimentos e inferio-
brasileiro passou de uma alíquota de duas frentes: a isenção dos divi- res às alíquotas progressivas dos
máxima de 50%, que vigorava des- dendos e a dedução de juros sobre rendimentos tributáveis”.
de o início do regime militar, para o capital próprio (JSCP). Segundo Esta combinação de benefícios
o teto de 27,5%. “O grau de radi- Gobetti e Orair, a partir dessas me- tributários e elevada concentração
calismo com que esse princípio foi didas, o lucro líquido apropriado dos rendimentos do capital, apon-
aplicado no Brasil, entretanto pa- pelos acionistas passou de 56,1% tam Gobetti e Orair, criam uma
rece ter sido maior do que nas pró- para 71,7% do total, o que em va- contradição. “As estimativas de alí-

Composição da carga tributária 15,7

11,4 11,5
10,8 10,9 10,9 10,7
10,2
9,6
9,1

6,9
6

França Alemanha Média OCDE Brasil Espanha México

% tributação sobre bens e serviços % tributação sobre renda, lucros e ganho de capital

Fonte: Gobetti, S.W.; Orair, R. “Progressividade tributária: a agenda esquecida”.

2 6 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA IMPOSTO DE RENDA

Entre os recebedores de lucros e dividendos da


declaração IRPF, ano-base 2013
Rendimentos Exclusivos na
Faixa (R$ milhares) Quantidade Isentos Total
tributáveis fonte
Maior quantidade de declarantes
481.078 26.665 1.874 31.286 59.826
40,7 a 81,4

Faixa de mais alta renda


51.419 387.264 942.419 3.130.698 4.460.381
Mais de 1.301,8

Fonte: Gobetti, S.W.; Orair, R. “Progressividade tributária: a agenda esquecida”.

quotas efetivas, quando considera- principais países o potencial distri- de Gini, em 2,78% – percentual
mos a totalidade dos rendimentos, butivo global soma 15%, mas em abaixo do latino-americano e bem
crescem até determinada faixa de torno de 12% são atribuídos ao menor do que na média da OCDE
renda e passam a decrescer no topo gasto, restando 3% ao imposto.” –, apresentando um índice de pro-
da distribuição. Além disso, as isen- Em países como Argentina, México gressividade de 0,3632.
ções reduzem substancialmente as e Uruguai, a queda na desigualdade Levando em conta a necessidade
alíquotas efetivas mínimas e máxi- estimulada pela política tributária de aumento de arrecadação, bem
mas, colocando-as em níveis baixos é maior, variando de 3,5% a 4,8%. como uma maior participação dos
quando comparados com os vigentes Já no Brasil, a estrutura atual do tributos no esforço redistributivo
nos países da OCDE ou mesmo da IRPF – que em 2013 gerou uma re- devido à necessidade de contenção
América Latina e, por si, já limitam ceita de R$ 149,7 bilhões – reduz de gasto, os pesquisadores do Ipea
a progressividade do imposto de ren- a desigualdade, expressa no índice traçaram algumas possibilidades de
da no Brasil”, diz Orair.
Com isso, a partir da década de
1990 o país passou a viver uma Lucro e tributação antes e depois da Lei no 9.249/1995
situação paradoxal: enquanto se (em %)
avançou numa rede de proteção
Antes Depois
social que permitiu a redução da
desigualdade, a permanência de Lucro bruto 100 100
uma estrutura tributária muito
Lucro tributável 100 70
regressiva na tributação de bens
e serviços e pouco progressiva da IRPJ = 25% 25 17,5
renda acabou neutralizando par-
CSLL = 9% 9 6,3
te dos esforços distributivos. Para
ilustrar esse resultado, Gobetti cita JSCP 0 30
trabalho da Cepal que decompõe a
IRRF Capital (15%) 0 4,5
queda do índice de Gini em três de-
terminantes: pensões, outras trans- Dividendos 66 46,2
ferências, e IRPF. “Basicamente, o
IRRF Capital (15%-0%) 9,9 0
que vemos nos países da OCDE é
que ¼ da redução da desigualdade Total de imposto 43,9 28,3
é provocado pelo efeito do impos-
Lucro líquido acionista 56,1 71,7
to de renda, somando cerca de 7%.
Na América Latina, na média dos Fonte: Gobetti, S.W.; Orair, R. “Progressividade tributária: a agenda esquecida”.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 2 7
CONJUNTURA IMPOSTO DE RENDA

reforma. Entre elas, uma alternativa da de dividendos à tributação pelas


de tributar os dividendos a uma alí- alíquotas progressivas da tabela do
Um reequilíbrio com
quota de 15%, que, segundo Gobet- IRPF, que hoje variam de zero a
ti e Orair, atingiria 2,1 milhões de 27,5%. “É uma forma mais eficien-
pessoas e aumentaria a receita em
redução da tributação da te porque evita as regras de exce-
R$ 43 bilhões (em valores de 2013), ção, como a do Simples, que podem
reduzindo a desigualdade em 3,67%
pessoa jurídica e aumento gerar distorções. A revogação da
e ampliando o índice de progressi- isenção dos dividendos também é o
vidade para 0,3671. Outra hipótese
da física fará com que melhor caminho para ampliar a re-
testada pelos economistas foi tribu- ceita do governo nesse momento de
tar os dividendos pela tabela pro-
o país realinhe sua ajuste fiscal, com impactos econô-
gressiva do IRPF com a alíquota má- micos contracionistas bem menores
xima atualmente vigente, de 27,5%.
experiência tributária à de do que outras medidas tributárias
Isso “geraria uma receita adicional cogitadas”, afirma.
de R$ 59 bilhões, atingindo 1,2 mi-
países desenvolvidos Os pesquisadores defendem que
lhão de pessoas, reduzindo a desi- a viabilidade de aprovação de uma
gualdade em 4,03% e ampliando a reforma como essa será maior se for
progressividade em 2,2%”, dizem. parte de uma minirreforma tributá-
Mais uma alternativa entre as ava- atingiria 1,2 milhão de pessoas, ge- ria que também preveja a redução
liadas foi a de criar uma alíquota raria uma receita adicional de R$ 72 do imposto de renda pessoa jurídica.
adicional de 35% do IRPF apenas bilhões, reduziria a desigualdade em Eles apontam que, se por um lado a
para rendas muito elevadas (acima 4,31% e ampliaria a progressivida- comparação com as economias mais
de R$ 325 mil) e, simultaneamen- de do imposto em 2,6%. desenvolvidas indica a possibilida-
te, submeter os lucros e dividendos Gobetti considera que a propos- de de ampliação da carga tributária
à tabela progressiva. Essa medida ta mais justa seria submeter a ren- sobre o lucro, por outro demonstra
que a tributação sobre os lucros das
empresas é alta. “Em média, os países
Composição dos rendimentos entre as faixas de renda da OCDE tributam as empresas em
na declaração de IRPF (ano-base 2013) 25%, e o lucro distribuído ao acionis-
ta em mais 24%. No Brasil, o lucro
Faixa (R$ milhares) Tributáveis Exclusivo na fonte Isentos da empresa é tributado em no máxi-
Até 24,4 89,3 2,9 7,8 mo 34%, caso esta não se beneficiar
de artifícios como a dedução de juros
24,4 a 40,7 85,9 5,6 8,4 sobre capital próprio e não estiver em
40,7 a 81,4 78,7 7,6 13,7 regimes especiais”, compara.
Para Gobetti e Orair, um reequi-
81,4 a 162,7 70,6 8,9 20,5 líbrio com redução da tributação da
162,7 a 325,4 61,1 10,2 28,7 pessoa jurídica e aumento da física
fará com que o país realinhe sua ex-
325,4 a 650,9 46,7 11,9 41,4 periência à de países desenvolvidos.
650,9 a 1.301,8 27,7 14,3 57,9 “A literatura teórica mostra como
combinar equidade com eficiência fa-
Mais de 1.301,8 12 24,9 63 zendo essa mudança. Do lado empíri-
Total 59,6 11,2 29,2 co há o exemplo dos Estados Unidos,
que tributam, na ordem, pessoa física,
Fonte: Gobetti, S.W.; Orair, R. “Progressividade tributária: a agenda esquecida”. bens e serviços e depois patrimônio,

2 8 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA IMPOSTO DE RENDA

entre lucro real, presumido ou Simples


na organização da arrecadação. E dá
um exemplo. Um advogado contra-
tado formalmente em uma empresa
representa uma tributação – somada
a da folha de salários e da renda pes-
soa física – de cerca de 40%. Caso esse
mesmo profissional tenha uma empre-
sa de lucro presumido, o valor tribu-
tado da remuneração pelo seu serviço
seria de 14%. E, numa empresa sob o
regime do Simples, essa alíquota cairia
para 9,7%. Ou seja, uma diferença de
30 pontos percentuais para pessoas
que exercem a mesma atividade e per-
cebem os mesmos benefícios. Segun-
do Appy, elevar a tributação do IRPF
antes de corrigir estas distorções im-
No Brasil, a redução da desigualdade devida ao efeito redistributivo
plicaria onerar ainda mais as pessoas
do imposto de renda é de 2,78%, percentual abaixo do latino-
americano e da média dos países da OCDE. que já são muito tributadas (como os
empregados formais), sem alcançar as
pessoas que já escapam da tributação
buscando reduzir o impacto do ele- no Brasil não fique mais onerosa que porque se constituem como empresas.
mento mais pernicioso e aumentando a de outros países”, afirma. O eco- Ele destaca que outras formas de
o menos”, diz Orair. Gobetti reforça nomista se refere ao risco de compa- arbitragem ocorrem também na tri-
que esse tipo de mudança, além de rar as alíquotas nominais aplicadas butação dos rendimentos do capital,
propiciar no curto prazo ganho de ar- no país com os casos internacionais, apresentando como exemplo a tribu-
recadação para o ajuste fiscal, melho- já que, do ponto de vista conceitual, tação dos rendimentos de aluguel per-
raria o perfil da tributação tanto pelo o relevante é a tributação do rendi- cebidos por uma pessoa física. Se esta
lado da progressividade quanto pelo mento real do capital. No caso de pessoa for tributada pelo IRPF paga-
lado da simplificação e da eficiência. países com inflação alta como o Bra- rá uma alíquota de 27,5%, valor que
sil, as alíquotas poderão parecer fal- poderia cair pela metade se o mesmo
samente baixas e, ao tributar o lucro imóvel pertencesse a uma empresa de
Todo cuidado é pouco nominal, abocanhar o rendimento lucro presumido, ou até ser zerado
Bernard Appy, diretor do Centro de real mais do que se deveria. caso esse imóvel fosse colocado num
Cidadania Fiscal, ex-secretário Exe- Appy apoia o conceito de reduzir a fundo de investimento imobiliário
cutivo e de Política Econômica do tributação dos lucros nas empresas e com cota negociada em bolsa. “É o
Ministério da Fazenda do governo aumentar a tributação dos rendimen- mesmo capital, com o mesmo rendi-
Lula (2003-09) considera a discussão tos recebidos pelas pessoas físicas, mas, mento, e posso migrar de 27,5% a
levantada por Gobetti e Orair posi- nesse caso, também sugere cuidado. zero”, compara. “Por isso é preciso
tiva, mas sugere cautela quanto às “Não podemos pensar em aumentar rever o modelo de tributação tanto do
propostas de tributação da distribui- a alíquota do IRPF antes de resolver rendimento do trabalho, quanto do
ção de lucros e dividendos. “Temos as distorções que temos hoje, fruto de de capital. Se aumentarmos alíquotas
que olhar com calma a tributação da arbitragem entre os diferentes mode- sem equacionar tais distorções, pode-
distribuição de lucros para que a tri- los de tributação”, diz o economista, remos estar onerando apenas quem já
butação dos rendimentos de capital referindo-se ao impacto da escolha paga mais”, conclui.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 2 9
EMPREGO

Fim da
resistência
Recessão, inflação persistente e forte indexação
quebram defesas do mercado de trabalho e apontam a
forte alta do desemprego em 2016

3 2 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CAPA EMPREGO

pela indústria e a constru- go poderá chegar a 13%. “Mesmo


ção civil, alcançando também que a economia acene com retoma-
o último elo de resistência, o setor da em 2017, o mercado de traba-
de comércio e serviços, maior em- lho se caracteriza por uma resposta
pregador do país. defasada, e o efeito de dois anos
A expectativa, entretanto, é de consecutivos de retração econômi-
que a pior parte dessa reação re- ca ainda continuará presente”, diz
presada apareça em 2016. Entre os Fabio Romão, da LCA.
especialistas consultados por Con- O detalhe não trivial, que deve-
juntura Econômica, nenhum arris- rá pesar como chumbo no já crítico
cou uma previsão abaixo de dois momento político e econômico do
dígitos para o índice de desempre- país, é que o aumento mais acentua-
Solange Monteiro, Rio de Janeiro
go no final deste ano, tomando do do número de desligamentos po-
como base a Pnad. O diagnóstico derá acontecer nos primeiros meses
A partir de 2012, quando a é de que a situação do mercado de do ano. “Para o primeiro trimestre,
economia brasileira cresceu trabalho terá que piorar significa- estimamos que o saldo de fecha-
bem abaixo do ritmo regis- tivamente antes de encontrar a tra- mento líquido de postos de traba-
trado desde 2004 – excetuando o jetória de recuperação. A estimati- lho apontado pelo Caged chegue a
exercício de 2009, contaminado va da FGV/IBRE é de que em 2016 460 mil, contra 65 mil no mesmo
pela crise financeira mundial – uma o desemprego chegue a uma média período de 2014. “Isso sem contar
das perguntas frequentes entre os anual de 11,7%. “Foi uma evolu- o resultado de dezembro, que cos-
economistas era como o mercado de ção veloz, para um nível muito ele- tuma ser negativo mesmo em pe-
trabalho conseguia ignorar o sinal vado se comparado a períodos his- ríodos bons, devido ao ano calen-
da atividade e se manter aquecido. tóricos. Se levarmos em conta que dário – com uma concentração de
Graças a uma conjunção de fatores em 2014 o desemprego na Pnad aposentadorias – e ao encerramento
estruturais e de políticas conjuntu- Contínua fechou em 6,8%, signi- de contratações formais temporá-
rais, até 2014 o país manteve a taxa fica que praticamente dobraremos rias na indústria”, diz Romão. Em
de desemprego em níveis invejáveis, essa taxa em apenas três anos”, 2014, exemplifica, foram fechadas
elevando as apostas sobre quanto diz Silvia Matos, coordenadora 555 mil vagas em dezembro. Para
tempo mais poderia aguentar. O pri- técnica do Boletim Macro IBRE. 2015, a estimativa da LCA é de re-
meiro golpe chegou em 2015, com Movimento que deverá se estender dução de 609 mil postos.
o fechamento recorde de postos de a 2017 quando, segundo projeções Flavio Castelo Branco, da CNI,
trabalho, puxado principalmente da LCA Consultores, o desempre- reforça o prognóstico de um come-

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 3 3
CAPA EMPREGO

ço de ano difícil. “Sazonalmente, mais claros, com a retração da taxa da da FGV/IBRE, lembra que a queda
esse período costuma ser de deman- de ocupação (PO) em 0,1%. Até da busca por emprego nesse período
da mais enfraquecida. Agora tere- então, a média de crescimento do reflete o aumento real da renda das fa-
mos que somar a isso o acúmulo estoque de pessoas ocupadas medi- mílias registrado até então, permitindo
dos efeitos de uma política fiscal das na PME (que investiga as seis aos aposentados abdicar de atividades
mais contracionista – ou pelo me- principais regiões metropolitanas para complemento de renda, bem
nos a expectativa dela, já que temos do país) flutuava folgadamente no como a postergação da busca de em-
previsão de superávit no orçamento terreno positivo: em 2011, cresceu prego pela população jovem. “Além
do ano – além do reajuste do salário 2,1%; em 2012, 2,2%; passando disso, em 2014 programas educacio-
mínimo em janeiro. Uma correção a perder fôlego somente em 2013, nais como o Fies e o Pronatec rece-
nominal de 11% em um ambiente quando registrou 0,7%. A queda beram uma forte injeção de recursos,
de contração dificilmente perdoará em 2014 não ficou evidente na taxa atraindo o estudante para fora do mer-
o emprego”, diz. de desemprego, entretanto, porque cado de trabalho”, acrescenta. Nesse
a procura por trabalho também era ano, os gastos com o programa de fi-
fraca. “Nesse ano, enquanto a PO nanciamento estudantil saltaram para
Deterioração anunciada caiu 0,1%, a PEA (população eco- R$ 13,75 bilhões, contra R$ 7,57 bi-
A expectativa de contração do mer- nomicamente ativa) retraiu 0,7%, lhões em 2013. Já o Pronatec ampliou
cado de trabalho cresceu principal- mascarando a piora que já estava suas matrículas para 3 milhões em
mente a partir de 2014, quando em curso”, descreve Romão. 2014, contra 2,7 milhões no ano ante-
os efeitos do enfraquecimento da Fernando de Holanda Barbosa Fi- rior. Em 2015, entretanto, não só esses
atividade econômica se tornaram lho, pesquisador da Economia Aplica- programas tiveram cortes orçamentá-

Estoque do Caged: contribuição por setor para a variação do emprego


(ano sobre ano)
8%
Indústria de Transformação Construção Civil Serviços Demais

6%

4%

2%

0%

2%

4%
out/08

jan/09

abr/09

jul/09

out/09

jan/10

abr/10

jul/10

out/10

jan/11

abr/11

jul/11

out/11

jan/12

abr/12

jul/12

out/12

jan/13

abr/13

jul/13

out/13

jan/14

abr/14

jul/14

out/14

jan/15

abr/15

jul/15

out/15

Fonte: FGV/IBRE.

3 4 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CAPA EMPREGO

rios devido ao desequilíbrio fiscal do Desaceleração do emprego formal CLT


governo, como a renda das famílias Emprego com carteira assinada representa 42% do total no Brasil
também minguou. “Enquanto nos
sete anos contados de 2006 a 2012 a
8.0%
renda calculada pela PME registrou
um crescimento médio real de 3,5%, 6.0%
e em 2014 ainda se pode contar com
uma alta de 2,7%, estimamos que em 4.0%
2015 haja uma retração de 3,9%”, diz
Romão, apontando que a última vez 2.0%

em que a PME havia apontado que-


0.0%
da real na renda tinha sido em 2004, 2013q1 2013q2 2013q3 2013q4 2014q1 2014q2 2014q3 2014q4 2015q1 2015q2 2015q3
há 11 anos, de 1,2%. Nas estimativas -2.0%
-
do IBRE, calculadas a partir da Pnad
Contínua, a renda média real passará -4.0%
-

de uma estagnação em 2015 para que-


-6.0%
-
da de 1,3% em 2016.
Carlos Henrique Corseuil, do -8.0%
-
Ipea, lembra que essa mudança tem
fortes implicações para a ativida- -10.0%
-
de da população jovem. Dados da Total Indústria Total Serviços

Pnad para o terceiro trimestre de Fonte: FGV/IBRE.


2015 indicam que a taxa de deso-
cupação da população entre 18 e
24 anos apresentava patamares su-
periores aos estimados para a mé-
dia total. “Os jovens costumam ser
mais sensíveis ao ciclo econômico,
e essa tendência não é exclusiva do
Brasil. Eles tanto são mais visados
nos processos de demissão quanto
sofrem mais pressão da demanda
para recompor a renda familiar. De
uma forma ou de outra, se vê uma
sobrerrepresentação dos jovens en-
tre os desempregados, seja de quem
foi desligado ou de quem volta a
procurar trabalho”, diz.

Efeito dominó
Esse giro da PEA e da PO tampouco
afetou com tanta clareza o cenário
geral do emprego em 2015. Silvia
Matos lembra que, em certa medi- Em época de retração econômica, a população jovem é
da, isso se deveu ao forte ritmo de a mais afetada pelo desemprego

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 3 5
CAPA EMPREGO

contratações dos anos anteriores. cinco anos. “Em 2010 o Brasil teve
Tomando dados do Caged de ja- um saldo positivo de quase 750
Com a retração da renda
neiro a novembro, verifica-se que mil empregos na indústria. Daí em
a deterioração do saldo de vagas diante, desacelerou para 400 mil
em 2015 se deu mais pela redução
real das famílias verificada em 2011, 300 mil em 2012, pata-
do volume médio de admissões, mar que se repetiu em 2013. Em
18,2%, menor do que no mesmo
em 2015, jovens que 2014 teve um tombo grande, com
período de 2014, do que do au- um saldo de somente 20 mil postos
mento de desligamentos, de 9,6%.
estavam fora do mercado de trabalho. Até que, em 2015, che-
“No primeiro semestre de 2015, gou-se à perda de 433 mil postos de
observamos setores resistentes a
passaram a buscar trabalho no acumulado até novem-
iniciar um processo de demissão bro”, descreve Guilherme Mercês,
mais intenso, ainda esperando uma
trabalho, pressionando a gerente de Estudos Econômicos da
reversão da demanda, o que não Firjan. “Para se ter uma ideia, esse
se confirmou, deteriorando as ex-
taxa de desemprego montante é equivalente à perda de
pectativas com o aprofundamento uma indústria de transformação do
do quadro recessivo”, diz Rogerio estado do Rio de Janeiro inteira.
Mori, da FGV/EESP. “As empresas Em apenas 11 meses”, compara. A
passaram a encarar um cenário em alguma recuperação – mais para o indústria desse estado, por sua vez,
que o investimento despencou ab- lado da redução das importações reduziu postos de trabalho equiva-
surdamente (a estimativa do IBRE é do que aumento das exportações, lentes à soma conquistada nos últi-
de queda de 12,3% em 2015), com diga-se de passagem. Aí não houve mos três anos.
crescimento negativo do consumo escapatória, as demissões passaram Mercês destaca que a indústria
das famílias (de -3,7%, conforme a crescer”, completa Barbosa. é a primeira a reagir aos movimen-
o Boletim Macro IBRE), com ape- No caso da indústria, esse ca- tos da atividade econômica por ser
nas a balança comercial acenando minho começou a ser traçado há tomadora de preços no mercado
internacional. “Ou ela pratica o
preço desse mercado, ou os impor-
Consumo das famílias e serviços caem em 2015 tados entram no país. Foi o que
Taxa acumulada em quatro trimestres (em relação ao mesmo vimos a partir de 2012, quando a
período do ano anterior, %) balança comercial brasileira prati-
16
camente acabou com seu saldo”,
diz. Segundo estimativas da LCA,
o setor deverá ser responsável pela
12
perda de 633 mil postos de tra-
balho em 2015, do total de 1,63
8
milhão. Para 2016, a consultoria
projeta uma retração de 550 mil no
4
setor, de um total de 1,35 milhão
de postos eliminados.
0 -1,6 A construção civil foi a segunda
-1,8 a puxar a deterioração do emprego
em 2015. Até novembro, tinham
I III III III III III III III III
2008 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 restado mais de 309 mil vagas.
Serviços Consumo das famílias José Carlos Martins, presidente
Fonte: CNI, com dados Contas Nacionais/IBGE. da Câmara Brasileira da Indústria

3 6 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CAPA EMPREGO

da Construção (Cbic), estima que Raios X dos serviços


de janeiro a dezembro esse corte Serviços formal CLT – ano sobre ano
poderá chegar a 500 mil. “Para 12,0%
OS Comércio
2016, acho difícil projetar. Tudo
10,0%
dependerá se o governo continuará
concentrando seu ajuste fiscal no 8,0%
investimento, e se poderemos con-
6,0%
tar com a retomada dos projetos de
concessões e PPPs em infraestru- 4,0%
tura”, afirma. Barbosa, do IBRE,
2,0%
lembra que o ano foi marcado pela
paralisação de projetos em todo o 0,0%
2013q1 2013q2 2013q3 2013q4 2014q1 2014q2 2014q3 2014q4 2015q1 2015q2 2015q3
país. “Houve excesso de crédito
-2,0%
para o setor habitacional, com ex-
pectativa de valorização, e só ago- -4,0%
ra que os preços caem o mercado
Serviços informal – ano sobre ano
imobiliário perderá o freio e pode- 6.0%
rá vender o estoque que já existe. OS Comércio
5.0%
Além disso, em todo o Brasil se vê
4.0%
o efeito das operações da polícia
3.0%
federal, da Lava Jato, a Petrobras
cortando quase 40% de seu inves- 2.0%

timento, que representa 10% do 1.0%


investimento total no Brasil”, diz. 0.0%
2013q1 2013q2 2013q3 2013q4 2014q1 2014q2 2014q3 2014q4 2015q1 2015q2 2015q3
Martins ressalta que a única frente -1.0%
que ainda dá alento ao setor são as
-2.0%
obras para as Olimpíadas, concen-
-3.0%
tradas no Rio de Janeiro. “Atual-
-4.0%
mente, esses projetos envolvem 35
mil trabalhadores, que correspon- -5.0%

dem a 30% do total empregado


Serviços informal – contribuição setorial
pela construção no Rio. A partir
5,0%
do segundo semestre, entretanto, o Comércio Transporte Outros Serviços Total Serv
cenário deve piorar”, diz. 4,0%
O agravamento da retração eco-
3,0%
nômica, com aumento da inflação
e retração da renda, também repre-
2,0%
sentou o tiro de graça para o setor
de serviços, que até então se man- 1,0%
tinha com um saldo líquido positi-
vo no campo do emprego. Para os 0,0%

especialistas, é um sinal grave, pois


-1,0%
em geral é raro observar esse re-
sultado nos serviços, que são mais -2,0%
2013q1 2013q2 2013q3 2013q4 2014q1 2014q2 2014q3 2014q4 2015q1 2015q2 2015q3
heterogêneos e permitem arranjos
mais diversificados quanto à com- Fonte: FGV/IBRE.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 3 7
CAPA EMPREGO

posição do emprego, com maior


grau de informalidade.
Conta própria Jaime Vasconcellos, assessor eco-
nômico da Fecomércio em São Pau-
Uma das preocupações dos pesquisadores do mercado de trabalho frente
lo, diz que a estimativa da agremia-
à atual queda do nível de emprego é como esse movimento impactará a
ção para 2015 é de perda de 370
composição do mercado de trabalho. Dados da Pnad para o terceiro tri-
mil postos de trabalho no setor de
mestre de 2015 apontam um aumento da participação do emprego infor-
serviços no país; se somados servi-
mal no total da oferta. No agregado, essa tendência é verificada a partir do
ços e comércio, esse número chega a
quarto trimestre de 2014, estabilizando-se a partir do segundo trimestre de
600 mil. Para 2016, as projeções da
2015. Atualmente, cerca de 45% da ocupação no Brasil é informal.
Fecomércio-SP são, respectivamen-
Uma das categorias que mais tem crescido é a por conta própria, referente
te, de uma contração de 420 mil e
a qualquer trabalhador autônomo que não é empregado nem emprega nin-
730 mil. Para o setor, não há pers-
guém. Desde 2012, esse grupo tem registrado aumento significativo, corres-
pectiva de recuperação sem a volta
pondendo a cerca de 24% do total da população ocupada, ou 22,23 milhões
segundo a Pnad do terceiro trimestre de 2015. Em geral, o crescimento desse do consumo das famílias para o ter-
grupo – de 167 mil pessoas somente entre o terceiro e o segundo trimestres reno positivo. No Boletim Macro
do ano passado – corresponde ao mesmo percentual perdido pelos empre- IBRE de dezembro, as estimativas
gados formais com carteira assinada. Silvia Matos, coordenadora técnica do eram de queda de 3,7% em 2015 e
Boletim Macro IBRE, aponta que essa migração não necessariamente implica 3,2% em 2016, fruto de um cená-
precarização do trabalho. “Do ponto de vista da arrecadação, a migração à for- rio de baixa confiança. A Sondagem
malização por regimes simplificados como o MEI pode ser pior, mas do ponto de Expectativas do Consumidor do
de vista do trabalhador pode ser positivo, pois colabora para acomodar parte IBRE divulgada nesse mesmo mês
da desaceleração da população ocupada do país”, diz Silvia. Entretanto, o atual demonstrou um recuo do índice de
cenário recessivo é um sinal de alerta, diz Carlos Henrique Corseuil, do Ipea. confiança, colocando-o no menor
“Poderíamos festejar esse aumento caso houvesse evidências de que estives- nível da série iniciada em 2005, bem
se relacionado a pretensões empreendedoras da população, que trouxessem como uma variação negativa do ín-
inovação à economia. Entretanto, o que temos visto são iniciativas de baixa dice de expectativas para os meses
produtividade, estratégias de sobrevivência. Essas, infelizmente, são as que seguintes. O Índice do Medo do De-
predominam no Brasil”, afirma. semprego levantado pela CNI tam-
bém confirma o pessimismo do con-
sumidor, com aumento de 36,8%
em dezembro de 2015 em relação
ao mesmo período de 2014.
Vasconcellos afirma que somen-
te o varejo do estado de São Paulo
deverá registrar uma queda real de
7% na receita de vendas. “Com
consumo enfraquecido, é natural
que empresários, além de não in-
vestir, passem a adequar seus cus-
tos a essa nova demanda”, indican-
do que até outubro esse segmento
havia fechado 60 mil vagas. “Des-
de o início de nossa série histórica,
em 2007, nunca havíamos obser-
vado uma retração tão grande”,

3 8 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CAPA EMPREGO

diz. Pesquisa da Fecomércio apon- Recessão atual x anteriores


ta que o endividamento das famí- Aumento do desemprego
lias no estado de São Paulo beira
12%
os 60%, e a inadimplência fechou 11.70%
o ano próxima dos 20%. “Temos
11%
10.5%
uma crise de confiança que começa 10.3%
no consumidor porque vê seu orça- 10%
mento apertado, empresário por- 9.8%
9.2%
que as receitas de venda são cada 9%
vez menores, e as instituições ban-
cárias que dão acesso ao crédito, 8%

porque numa situação muito pre-


7%
cária de aumento de inadimplência
é natural que fique cada vez mais 6%
caro e seletivo. E com a política de
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
aumento de juros que deveria redu-
zir a inflação mas é totalmente ine-
ficaz, devido a uma política fiscal Queda da massa real (ano sobre ano)
que não funciona”, resume.
10%

8%
Fator indexação
6%
Um dos elementos apontados pe-
los economistas como agravante 4%
do quadro de desemprego é o alto 2% 0,9%
nível de indexação presente na eco- -0,2%

nomia brasileira, principalmente 0%


1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
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2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
nos salários. A imposição de ga- -2%
rantias de aumentos reais numa -2,8% -2,40%
-4%
economia inflacionária impede a -4,4%
correção de preços no nível neces- -6%
sário, perpetuando o ciclo da in- Fontes: Pnad e Pnad-C (IBGE). Valores referentes aos meses de setembro de cada ano. Pnad –C retropolada pela Pnad.
flação. “O salário é o maior custo Elaboração: FGV/IBRE. Para 2015 e 2016, previsão IBRE.
de muitas empresas, o que torna o
mercado de trabalho a variável de
ajuste de toda a economia. Só que tre categorias e empresas”, diz. E, juste do salário mínimo à inflação,
hoje há uma institucionalização quando não se pode equilibrar um foi possível fazer um arranjo em
de reajustes salariais muito forte, ajuste entre preço e quantidade, de- que a renda caiu mais do que o de-
tendo como base a regra do salário vido à rigidez no preço, é a quanti- semprego. Em termos reais, retraiu
mínimo”, diz Mercês, da Firjan. dade que mais será penalizada. 11% (pela PME), muito mais do
Em outras palavras, diz Mercês, o Para exemplificar, Barbosa cita que agora”, diz. De janeiro a ou-
salário mínimo está para todos os uma comparação entre os ajustes tubro de 2015, a retração da renda
salários da economia como a Selic no mercado de trabalho feitos em medida pela PME foi de 4%. “Em
está para a taxa de juros. “Ele bali- 2003, no governo Lula, e o atual. 2016, essa tendência de ajuste pela
za pisos regionais, e as negociações “Como naquela época ainda não quantidade, em detrimento do pre-
coletivas no mercadão privado, en- existia a regra que indexava o rea- ço, continuará”, afirma.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 3 9
CAPA EMPREGO

Recessão atual x anteriores previsão de inflação futura, ao in-


Comportamento da PO e da PEA vés da referência da inflação pas-
sada. “Dessa forma evitaria que a
6%
PEA PO PIA contaminação de choques se perpe-
5% tuasse. Parte da inflação de 2016 já
está contratada devido a essa inér-
4%
cia”, diz, lembrando que, em situa-
3% ções de desequilíbrio, com inflação
2% mais alta e generalizada, esse com-
ponente inercial ganha relevância e
1% prolonga o período recessivo.
0% Em dezembro, a estimativa do
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016
IBRE era de ajustes salariais nomi-
-1%
nais ainda elevados para 2016, em
-1.3%
-2% torno de 6,6% na Pnad Contínua,
contra 9% em 2015. Na Fecomér-
-3%
cio, Vasconcellos aponta que des-
de o ano passado as negociações
Taxa de participação de dissídio já passaram a refletir a
60% preocupação com a crise, com re-
dução do número de reajustes aci-
59%
ma da inflação. “No primeiro se-
58% 57,68%
mestre de 2015, 68% dos acordos
58,09% 57,36%
superaram o INPC, que é a nossa
56,96%
57% base para negociação. No primei-
56,96% ro de 2014, eram 93%”, compara.
56%
Para este ano, o economista aponta
que o foco das negociações está em
55%
propor alternativas que busquem
54% garantir a manutenção do empre-
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
2016

go. Entre elas, o parcelamento dos


reajustes, para possibilitar que estes
Fontes: Pnad e Pnad-C (IBGE). Valores referentes aos meses de setembro de cada ano. Pnad –C retropolada pela Pnad.
Elaboração: FGV/IBRE. Para 2015 e 2016, previsão IBRE.
se aproximem do INPC; contrata-
ção de funcionários para jornadas
especiais de trabalho, mantendo o
Silvia lembra que, além de pena- fraca, é uma situação de custos. E, valor da hora trabalhada, mas com
lizar o emprego, a indexação ainda enquanto a demanda não cair, a in- redução da carga horária; e o esca-
torna o processo de ajuste mais lon- flação continuará a acelerar”, afir- lonamento de reajustes a partir da
go. “O aumento de administrados ma, defendendo que esse processo definição de faixas salariais.
em 18% em 2015, o choque cam- poderia ser mais ágil se não fosse “Se tivéssemos avançado em re-
bial, tudo isso acaba sendo trans- contaminado pela atual política de formas para flexibilizar a legisla-
mitido via salário mínimo. E isso reajustes do salário mínimo. Para ção trabalhista, teríamos mais fer-
acaba pressionando outros reajus- reverter tal quadro, Silvia cita pro- ramentas para lidar com a crise”,
tes, como os serviços de educação, posta do economista Samuel Pes- diz Castelo Branco, da CNI. Opi-
em níveis superiores aos de 2015. sôa, também do IBRE, que defende nião compartilhada por Mercês, da
Por mais que a economia esteja a correção do salário mínimo pela Firjan. A federação do Rio defende

4 0 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CAPA EMPREGO

a regulamentação da terceirização go mais resiliente em futuras cri-


para qualquer atividade, aprovada ses. Na atual, entretanto, admitem
A indexação salarial
na Câmara dos Deputados no pri- que o caminho para recuperação
meiro semestre de 2015, além da fle- do mercado de trabalho de forma
xibilização da jornada de trabalho,
faz com que o ajuste da consistente passa por outra agen-
tal qual apontada pela Fecomércio. da, é longo e não possui atalhos.
“A ideia é fechar contratos com
economia se torne mais “Qualquer tentativa de política
menos horas, porém, respeitando a pontual poderá ter efeito perverso.
fixação de um salário mínimo pago
longo, por alimentar a Iniciativas de estímulo da demanda
pela hora trabalhada. Isso daria como as que fracassaram no pas-
mais flexibilidade a empresas e tra-
inflação, e sacrifique mais a sado recente não resolverão nossos
balhadores para se adaptarem em problemas de produtividade e po-
momentos de crise como a atual,
quantidade do que a renda, derão acentuar desequilíbrios fis-
evitando custo de demissões para cais, jogar mais peso na inflação e
empresa e perda de emprego para
aumentando o desemprego minar ainda mais a confiança”, diz
trabalhadores”, diz. Mercês afirma Castelo Branco, da CNI.
que esses são fatores que pesam Para Vasconcellos, da Fecomér-
não apenas na conjuntura domés- cio, o foco deverá se concentrar no
tica como quitam competitividade da terceirização, tema sobre o qual combate à inflação, que corrói a ren-
do país em nível global. “A falta não nos definimos.” da, favorecendo o endividamento e a
de ação faz com que o Brasil per- inadimplência. Para que isso aconte-
ca espaço para outros concorrentes ça, entretanto, será preciso dissolver
diretos, como o México. Em 2012 Sem mágica o nó político e sinalizar um plano
o país fez uma ampla reforma tra- Os especialistas reiteram que o fiscal de longo prazo. “É preciso
balhista, com vistas a flexibilizar o avanço de uma agenda de flexibi- mostrar capacidade de gerar superá-
mercado de trabalho. O principal lização da legislação trabalhista é vits primários maiores nos próximos
ponto tratado foi a regularização importante para tornar o empre- anos, indicando que a dívida pública

Índice de medo do desemprego


Base: média de 2003 = 100

120 2013

110 107,3 mar jun set dez


105,9
69,0 71,3 72,5 73,0
100
102,3
média histórica: 88,4 2014
90
mar jun set dez
80
73,6 76,1 77,0 74,8
70 -3,4% 36,8%
Trimestre Ano
anterior anterior 69,0 2015

99 00 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15
mar jun set dez
98,8 104,1 105,9 102,3
Fonte: CNI.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 41
CAPA EMPREGO

brasileira não seguirá uma trajetória estimulando a retomada da ativi-


explosiva. Sem a frente fiscal, a polí- dade”, afirma. Ele lembra que, a
A recuperação do
tica monetária já mostrou não fazer princípio, os estímulos que o país
efeito no combate à inflação, e dessa terá à mão este ano são poucos,
forma não se retomará a confiança
mercado de trabalho concentrados na atividade expor-
na economia.” tadora e numa eventual retomada
Será preciso perseverança e re-
será um processo longo. dos investimentos em infraestru-
signação, já que nenhuma medida tura através de concessões. “Para
deverá mudar a perspectiva de ma-
Pacotes de estímulo à isso, entretanto, a resolução do
nutenção do desemprego na casa cenário político volta a ser impor-
dos dois dígitos também em 2017.
demanda só acentuariam tante. Com o dólar a R$ 4 o Brasil
Silvia, do IBRE, lembra que a busca está barato para investimento es-
por emprego continuará crescendo
desequilíbrios. O foco é trangeiro. Só precisa de previsibi-
acima de uma eventual retomada da lidade para abrir-se à retomada do
ocupação. “O aumento da popula-
combater a inflação investimento”, afirma Courseil.
ção economicamente ativa dobrou Em termos sistêmicos, entretan-
de 2014 para cá, para 2% ao ano, e to, os esforços terão que se con-
ainda que a população ocupada volte centrar para amenizar os efeitos da
a crescer, deverá ser insuficiente para entre pessoas que usufruam de al- inflação, que em 2015 fechou em
reverter esse quadro rapidamente”, gum benefício social e consigam se 10,67% (IPCA). “É preciso aceitar
afirma. O único atenuante, ressalta, acomodar com essa renda”, diz. e tomar o remédio neste momento,
seria que os desempregados fossem Moro lembra que a atual situa- que ainda é de bastante amargor.
vencidos pelo cansaço e parassem de ção reforça o alto preço que o país Mas sem política fiscal restritiva
buscar trabalho, condição conhecida terá de pagar pela postergação da para ganho de confiança do lado do
como desalento. “Foi o que aconte- agenda de ajustes. “Se não tivésse- setor público e queda da inflação
ceu por determinado período nos Es- mos perdido o ano de 2015, hoje não se dará espaço para investimen-
tados Unidos, dando uma falsa ideia já estaríamos numa etapa poste- to privado e para a geração de em-
de recuperação. Isso pode acontecer rior, pensando no corte de juros, prego”, conclui Vasconcellos.

Sem otimismo
Evolução do índice de expectativas
81,1 82,8 82,1
77,9 75,1 77
73,7
69,6 68,4 70,6 69,9
66,5

Indústria Serviços Comércio Consumidor


out/15 nov/15 dez/15

Fonte: Sondagens IBRE - dez/2015.


Para indústria, comércio e serviços, média de 100 pontos com desvio padrão de 10, referência julho de 2010 a junho de 2015.
Para o consumidor, a média dos últimos 60 meses é de 103,3 pontos.

4 2 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
Pesquisas, produção
e disseminação de indicadores
fundamentais para compreensão
do desempenho econômico e social.
O Instituto Brasileiro de Economia é a unidade da
Fundação Getulio Vargas que analisa e pesquisa a economia,
impulsionando e estimulando o desenvolvimento de negócios
públicos e privados de todo o país. As estatísticas do instituto
antecipam as principais tendências de curto prazo da economia,
consistindo em excelente subsídio para projeções e tomada
de decisões estratégicas.

Atuação em 100%
das capitais brasileiras

Solidez e conhecimento da
Dinâmica de Práticas do Mercado

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do corpo técnico

Tradição e Experiência em Pesquisas de


Preços e em aplicação de Sondagens

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MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

O túnel é longo e escuro


Chico Santos, para Conjuntura Econômica

A divulgação dos números do tercei- o segmento em que ele atua, o de


ro trimestre de 2015 do Produto In- máquinas e implementos agrícolas,
terno Bruto (PIB) brasileiro (-1,7% embora, disse, os clientes estejam
ante o trimestre anterior e -4,5% bem e ganhando dinheiro.
ante o mesmo trimestre de 2014) “Mesmo esse segmento – o de
no final de novembro reforçou o máquinas agrícolas – tem apresen-
temor de alguns analistas de que tado uma queda de demanda próxi-
caminhemos para uma nova década ma a 30%, inexplicável, a princípio.
perdida, nos moldes da de 1980. A Mas é simples: o clima é para ficar
disparada ladeira abaixo dos inves- com dinheiro em caixa, preparado
timentos, a taxas que vão dos 4% para um problema qualquer”, ex-
na comparação com o trimestre an- plica. Pastoriza ressalta que o mo-
terior a 15% em relação ao mesmo mento atual é mais agudo, mas olha
trimestre do ano anterior guiou os para trás e enxerga longe, há mais
holofotes para a situação de penú- de dez anos, o início do que ele cha-
ria vivida pela indústria de bens de ma de “empobrecimento da matriz
capital do país, especialmente a de econômica brasileira”.
máquinas e equipamentos. Tabulação feita pela equipe do Bo-
“Vivemos uma desindustrializa- letim Macro do Instituto Brasi-
ção silenciosa no Brasil. As empresas leiro de Economia da Fun-
passaram de indústrias a montado- dação Getulio Vargas
ras, depois a maquiadoras e depois a (FGV/IBRE) sobre
importadoras puras. Quem fez isso os dados do
até ganhou dinheiro. Quem não fez,
morreu”, dramatiza o presidente
da Associação Brasileira da Indús-
tria de Máquinas e Equipamentos
(Abimaq), Carlos Pastoriza.
Segundo o empresário, o
clima de insegurança
generalizada está
atingindo até

4 4 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

IBGE mostra que nos 12 meses encer- curso, de acordo com a análise do publicada na edição de novembro de
rados em outubro do ano passado a presidente da Abimaq. Seu raciocínio 2015 da Conjuntura Econômica (p.
produção de bens de capital recuou é confirmado pela série histórica do 36 a 47) com base em estudo feito
22,3%, com destaque para o tombo IBGE segundo a qual a participação pelo pesquisador Claudio Considera
de 40,6% na produção de bens para a da indústria de transformação no e pela analista Juliana Carvalho, am-
indústria da construção e de 28% na PIB brasileiro despencou de 17,9% bos do IBRE.
fabricação de equipamentos de trans- em 2004 para 10,9% em 2014. O trabalho revela que embora
portes. Não fosse um crescimento de “As marcas industriais conti- o salto dos importados em termos
7,6% na produção de bens de capital nuam aí, mas em muitos casos nem percentuais na oferta total entre
não seriados para fins industriais e as embalagens são feitas mais aqui”, 2000 e 2014 tenha sido de quase
o tombo seria generalizado entre os aponta Pastoriza, dizendo que essa sete vezes, por exemplo, no setor
nove sub-ramos em que se divide a aparente normalidade esconde do de calçados e artefatos de couro (de
indústria que sinaliza o ânimo investi- consumidor que ele está compran- 1,6% para 10,8%), nenhum setor
dor dos empresários. do, por exemplo, um eletrodomés- atingiu a marca de 37,4% de im-
Pastoriza vai buscar uma das fra- tico importado da China pensando portados exibida pela oferta de má-
ses mais populares do ex-ministro estar adquirindo um produto brasi- quinas em geral, uma escalada que
da Fazenda (1974-1979) Mario leiro daquela marca com a qual ele partiu de 16,6% da oferta domés-
Henrique Simonsen – “inflação alei- está familiarizado. tica no ano 2000. As máquinas e
ja, mas câmbio mata” – para ilus- A importação foi ao longo dos equipamentos representam, segun-
trar seu ponto de vista de que a raiz últimos anos um caminho trilhado do o presidente da Abimaq, aproxi-
do problema do setor de máquinas para o abastecimento do mercado madamente a metade da Formação
e equipamentos, e da indústria bra- brasileiro com produtos industriais Bruta de Capital Fixo (FBCF) no
sileira como um todo, estaria no em geral, como mostrou reportagem país, ou seja, dos investimentos.
longo período que o país viveu sob
juros elevados para segurar a alta
dos preços e, especialmente, com Produção de bens de capital despenca
um câmbio sobrevalorizado. “Pas- Variação (%) em 12 meses da produção de bens de capital por segmento
sando todos esses anos aleijados e (out-2014 e out-2015)
morrendo”, resumiu.
Segmento out/14 out/15
Segundo ele, o processo de encolhi-
mento da produção doméstica retirou Bens de capital -7,1 -22,3
da atividade industrial centenas de
Bens de capital para fins industriais -4,3 -3
pequenos fornecedores da indústria
de máquinas, desmontando uma ca- Bens de capital para fins industriais seriados -8 -6,7
deia que dificilmente será recompos-
Bens de capital para fins industriais não seriados 8,3 7,6
ta. Esse processo, na sua avaliação,
foi mascarado durante muitos anos Bens de capital agrícolas -3,3 -22,8
pelo efeito benéfico sobre o ambien-
Bens de capital peças agrícolas -9,5 -25,7
te econômico brasileiro gerado pelo
boom dos preços das commodities na Bens de capital para construção 1,2 -40,6
primeira década deste século.
Bens de capital para o setor de energia elétrica 3,5 -14,3
Com muito dinheiro circulan-
do, oportunidades de negócios e de Bens de capital equipamentos de transportes -14,7 -28
empregos se multiplicaram fora do
Bens de capital de uso misto -1,4 -21,3
ambiente industrial, mascarando o
processo de desindustrialização em Fontes: PIM-PF/IBGE e FGV/IBRE.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 4 5
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

Diante disso que ele chama de faturamento médio anual na casa


“processo silencioso” de desindus- dos R$ 340 milhões de 2012 a 2014
Somente reposição
trialização, Pastoriza avalia que a ela caiu para cerca de R$ 100 mi-
crise fiscal, política e de confiança lhões no ano passado.
que o Brasil atravessa neste momen-
e modernização de O efeito foi imediato no quadro
to é apenas o tempero que faltava no de pessoal que caiu de 1,4 mil em-
caldeirão que já ardia em fogo lento.
máquinas e equipamentos pregados nos últimos meses de 2014
“Em uma situação de insegurança, o para cerca de 400 no mês passado,
que se faz em primeiro lugar é colo-
não são suficientes com perspectivas de novas demis-
car o pé no breque”, justifica. sões no começo deste ano. De uma
Segundo o empresário, o segmen-
para impulsionar carteira de pedidos que tinha como
to de máquinas-ferramentas, também carro-chefe o setor de petróleo e gás,
conhecido como “a indústria de fazer
os investimentos mas que se distribuía também pelos
indústria”, chegou a ter uma queda setores de mineração, siderúrgico e
Silvia Matos
de 80% na sua produção ante a rea- de saneamento, entre outros, a em-
lidade de que seus principais clientes presa vem contentando-se ultima-
estavam agora preferindo importar mente com encomendas, basicamen-
da Ásia do que comprar máquinas te, do setor de saneamento.
novas. “Estamos sendo empurrados média de 17 anos, contra sete anos da Na conjuntura atual, com a cri-
para o último vagão do trem da eco- Alemanha, por exemplo. se política alongando ainda mais o
nomia mundial, o de fornecedor de Haveria estímulos a essa reno- túnel escuro da economia, o execu-
commodities”, desabafou. vação, via BNDES, que Pastoriza tivo disse que já espera para 2016
Pastoriza só vê uma saída para reconhece serem difíceis de imple- um faturamento não maior do que
o Brasil se recolocar mais à frente mentar no atual momento fiscal R$ 60 milhões e já perdeu também
nesse trem do desenvolvimento eco- que vive o setor público brasileiro. a esperança de uma recuperação
nômico: uma retomada consistente Essa renovação viria acoplada a um sólida em 2017. A única esperan-
da produção industrial que venha programa de atualização e esforço ça, segundo ele, é uma saída para o
acompanhada do pacote de corre- inovativo que buscasse alinhar o impasse político.
ção de rumos que tem sido tão re- Brasil com o estágio tecnológico das Ele lamentou que a empresa te-
clamado no país, como a melhoria economias desenvolvidas. nha feito investimentos em parce-
da educação, estímulo à inovação, rias tecnológicas para atender às
a realização de reformas estruturais exigências das regras de conteúdo
que respaldem um equilíbrio ma- Uma realidade distante local para o setor de petróleo e gás
croeconômico em ambiente de juros A julgar pelo que enxergam analis- e que os investimentos nesse setor
civilizados e câmbio estimulante e a tas de diferentes concepções econô- tenham desmoronado. Em sua opi-
correção do eterno atraso da infra- micas e pela realidade do momento, nião, é necessário mudar o modelo
estrutura do país. a saída do túnel procurada pelo líder de partilha estabelecido para a ex-
Ele admite que nada poderá ser do setor de máquinas e equipamen- ploração do pré-sal no qual a Pe-
buscado antes que seja resolvido o tos está bem distante. Um executi- trobras é obrigada a participar de
impasse institucional em que o país vo que comanda uma das grandes todos os consórcios na condição
está envolvido com a abertura do empresas do setor metalmecânico de operadora e com um mínimo de
processo de impeachment da presi- do estado do Rio de Janeiro e que 30% de participação acionária.
dente Dilma Rousseff, mas aponta ca- pediu para ficar no anonimato, re- Segundo esse executivo, já ficou
minhos. Um deles seria um programa ceando dificultar ainda mais uma evidente que a estatal não tem como
de renovação do parque industrial do possível saída da situação difícil em atender a essa regra, ainda mais na
país que estaria hoje com uma idade que ela se encontra, disse que de um conjuntura atual na qual seu endi-

4 6 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

Utilização da capacidade desaba


Nível de utilização da capacidade instalada do setor de máquinas e equipamentos acumulado em quatro trimestres
encerrados em outubro (2008 a 2015). Nível de uso (% da capacidade total)

86,1
82,3
80,8 80,8

75,5 75,1 75,4

67,8

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015


Fonte: Abimaq.

vidamento ultrapassou a casa dos macroeconômica que, por enquanto, tempo e encomendas para que a in-
R$ 500 bilhões. Mas ele defende a não está visível no horizonte. dústria de máquinas e equipamentos
continuidade das regras de conteúdo Assim como espera para 2015 venha a demandar novos investi-
nacional, afirmando que as empre- uma queda de aproximadamente mentos para fazer frente à demanda.
sas que se empenharam em atendê- 12% nos investimentos, ela en- “E para termos um ciclo de inves-
las alcançaram seus objetivos. xerga também um número negati- timentos será necessário a retoma-
A economista Silvia Matos, coor- vo para 2016. Sua avaliação toma da da confiança”, acrescentou. Ela
denadora técnica do Boletim Macro como base o fato de que a indús- avalia também que a retomada dos
IBRE da Fundação Getulio Vargas, tria doméstica de bens de capital investimentos em máquinas e equi-
acha que é necessário, sim, corrigir terminou o ano passado com uma pamentos vai exigir que as empresas
as “irracionalidades” das regras de posição bem abaixo da média da projetem construir novas plantas ou
conteúdo nacional e também mo- indústria de transformação em ter- ampliar aquelas já existentes.
dificar o modelo de partilha, pelo mos de nível de utilização da capa- “Somente reposição e moderni-
menos no que diz respeito às exi- cidade instalada (Nuci). zação de máquinas e equipamentos
gências de operador único e de um Em outubro, o Nuci do setor de não são suficientes para impulsio-
mínimo de participação de 30% da máquinas e equipamentos medi- nar os investimentos de forma vi-
Petrobras em todos os consórcios do pela Abimaq estava em 66,4%, gorosa”, ponderou a economista. A
para que o setor de petróleo e gás com queda de 0,7% na comparação taxa de investimentos da economia
tenha alguma chance de retomar os com o mês anterior e de 13,4% em brasileira, que estava em 20,4% no
investimentos de modo a liderar al- relação ao mesmo mês de 2014. Ao último trimestre de 2013, caiu para
guma retomada do setor de máqui- mesmo tempo, a carteira de pedidos 19,6% no quarto trimestre de 2014
nas e equipamentos. do setor apresentava uma queda de e para 18,1% no terceiro trimestre
Silvia disse que dos dois setores 2,4% em relação a setembro e de de 2015, um número, no passado re-
com maior potencial de comandar 23,1% sobre outubro do ano ante- cente, apenas superior para o perío-
uma retomada dos investimentos, o rior. Naquele momento, o Nuci da do ao do terceiro trimestre de 2006,
de infraestrutura e o de petróleo e indústria de transformação medido quando estava em 17,5%.
gás, o segundo tem maior capacidade pela FGV/IBRE estava em 74,9% Outro caminho normalmente
de voo próprio, desde que sob regras (75% na prévia de dezembro). seguido pelos investimentos em
adequadas, enquanto o primeiro é Diante desses números, Silvia bens de capital, a importação de
mais dependente de uma estabilidade avalia que vai ser necessário muito máquinas e equipamentos, também

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 4 7
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

atravessa um momento difícil, con- mais que, sendo o Brasil um país


forme ressaltou a coordenadora cujos investimentos em pesquisa e
A empresa sempre pensa
técnica do Boletim Macro IBRE. desenvolvimento (P&D) crescem
“A desvalorização do câmbio é pouco, as alternativas para aumen-
muito ruim para o investimento”,
na lucratividade crescendo, to das exportações de manufatura-
disse. Em momentos de câmbio dos são restritas.
desvalorizado como o atual, a al-
em margens adequadas e Silvia lembra que em 1999,
ternativa é a aquisição desses bens quando o mercado interno tam-
no mercado doméstico.
em crédito adequado. Ter bém estava retraído, houve fatores
Ou alguma valorização cambial, favoráveis às exportações, como a
lembra Silvia, impulsionada, por
o retorno adequado é a retomada do crescimento da Ar-
exemplo, por um programa de con- gentina e as exportações de aço
cessões de infraestrutura que esteja
condição para investir intraempresas. Hoje ela vê algum
adequadamente amarrado, tanto do espaço para vendas de automóveis
Aloisio Campelo
ponto de vista econômico quanto para o México e a Colômbia, não
regulatório, de modo a atrair o inte- muito mais.
resse dos investidores internacionais Na Argentina, embora as perspec-
e gerar uma entrada maciça de capi- tivas sejam boas, com a política eco-
tais estrangeiros. liou, ressaltando que seria “mui- nômica mais liberalizante do novo
Pelo lado da construção de imó- to difícil” no horizonte visível um presidente Maurício Macri, a eco-
veis residenciais, Silvia também não novo ciclo de expansão capaz de nomista do IBRE avalia que será ne-
enxerga uma luz a curto e médio gerar um boom. cessário um processo longo, de dois
prazos. “O mercado de trabalho Ela lembrou também que neste ou três anos, para que o país possa
ainda não se ajustou completamen- momento a ociosidade no parque retomar o crescimento e voltar a ser
te. Em 2016 e 2017 ainda haverá de manufaturados mundial é gran- um potencial grande comprador de
muita ociosidade nesse mercado, de, aspecto que desfavorece uma produtos industriais brasileiros.
a não ser que haja uma mudança retomada dos investimentos com O caldo que se extrai das ponde-
grande na economia mundial”, ava- vistas ao mercado externo. Ainda rações de Silvia, é que serão neces-

Situação é ruim também na indústria de transformação como um todo


Nível de utilização da capacidade instalada da indústria de transformação mês a mês, com e sem ajuste sazonal
Dez/2014 a dez/2015
80,4
79,3

79,1

79,1
78,7

78,4
77,6

77,6
77,3

76,8
76,7

76,5
76,4

76,3
76

75,9

75,8
75,4

75,3

75,3

75,2
75,1

75
74,9
74,6

74,6

Dez/14 Janeiro Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro

Com ajuste sazonal (% da capacidade total) Original (% da capacidade total)

Fonte: FGV/IBRE.

4 8 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

sários tempo e muito trabalho para Investimentos ladeira abaixo


que sejam criadas as condições para Variação (%) trimestral da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) no PIB nos
a recuperação dos investimentos. quatro últimos trimestres apurados
O reequilíbrio macroeconômico é
4o de 2014 1o de 2015 2o de 2015 3o de 2015
um ponto essencial. O lado positi-
-1,50%
vo é que a economista do IBRE não
considera provável um descontrole -3,50%
-4,00%
maior do que já está instalado na
economia do país. -6,90% -6,60%
Do ponto de vista da inflação,
ela considera que o fato de o ritmo -10,10%
do aumento dos preços dos servi-
ços não ter acelerado da casa dos -12,90%
9% que estavam em 2014, descen-
Variação ante o trimestre anterior (dessazonalizada) -15,00%
do para a casa dos 8%, é um ponto
Variação ante o mesmo trimestre do ano anterior
promissor. Silvia lembra que quan-
Fonte: IBGE.
do houve a aceleração inflacioná-
ria de 2003, os serviços passaram
dos 5% para mais de 7% em ape- (ICI) estejam rodando nos seus ní- Tendo caído 4,4% em 2014 e de-
nas um trimestre. “Tivemos agora veis históricos mais baixos, na casa vendo cair cerca de 12% em 2015,
foram os preços administrados e o dos 75 pontos. segundo as estimativas da FGV/
câmbio.” A não ser que o descon- Assim como Silvia Matos, Cam- IBRE, o investimento levará um
trole fiscal se aprofunde, ela espera pelo também considera que 2016 carregamento estatístico de apro-
que, no máximo em 2018 a crise já está perdido em termos de inves- ximadamente 7% para 2016, po-
possa estar controlada. timentos, seja pelo lado da indús- dendo amargar uma queda de 25%
tria de máquinas e equipamentos, nesses três anos.
seja pelo lado da construção ci- Nessa tragédia, Campelo con-
A política, a Lava Jato e a vil. Ainda mais com uma segunda segue enxergar um aspecto posi-
Petrobras agência de classificação de risco, tivo. É que após tanto tempo sem
O superintendente adjunto de ciclos a Fitch, colocando a nota do país investir o empresário sente que seu
econômicos da FGV/IBRE, Aloisio abaixo da linha do grau de inves- capital está se depreciando e ten-
Campelo, responsável pela análise timento (a Standard & Poor’s já fi- de a aplicar mais. Somado a isso,
das sondagens setoriais feitas pela zera o mesmo em setembro) e uma alguma substituição de importa-
instituição, é outro que não vê uma terceira, a Moody’s, na iminência ções provocada pelo câmbio des-
saída imediata para a crise que de fazê-lo. “Haverá uma redução favorável às compras no exterior
afeta os investimentos. “A empre- da oferta de capital ao país porque poderiam fazer com que houvesse
sa sempre pensa na lucratividade alguns investidores institucionais algum espaço para demanda dos
crescendo, em margens adequadas estrangeiros estarão formalmente bens de capital nacionais.
e em crédito adequado. Ter o re- impedidos de aplicar seus recursos Ainda assim, ele avalia que o con-
torno adequado é a condição para aqui”, ressaltou. sumo aparente desses bens poderá ter,
investir”, destaca. “A incerteza é inimiga do inves- no máximo, uma “redução de inten-
É a ausência dessas condições, timento produtivo”, disse Cam- sidade negativa” no primeiro semes-
associada ao ambiente de incerteza pelo, afirmando que ao não saber tre deste ano e alguma recuperação
política que, na sua visão, estão fa- o que acontecerá em 3, 6 ou 12 na segunda metade do ano. Campe-
zendo com que tanto o Nuci como meses, tanto o empresário quanto lo também condiciona essa sua réstia
o Índice de Confiança da Indústria o consumidor tendem a se retrair. de otimismo a uma solução para o

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 4 9
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

imbróglio político, mesmo que não uma inflexão para o consumo do-
seja pelo caminho considerado mais méstico, obrigará o país asiático a
Não vejo como crescer o
favorável aos investimentos, e a uma reduzir seus investimentos em in-
saída, que também passa pela políti- fraestrutura e, consequentemente,
ca, para que o setor de petróleo e gás
investimento público por a sua própria taxa de investimen-
volte a investir apesar da crise finan- tos que, oficialmente, passava dos
ceira e institucional da Petrobras.
este lado – da Petrobras. 35%, contraindo naturalmente a
Está na Petrobras, na queda demanda por commodities.
abrupta dos seus investimentos, uma
E também não vejo Com o câmbio desvalorizado
das principais causas tanto para a Rocha acredita que pode haver al-
crise que o país atravessa quanto
como investir pelo guma reação na “bastante razoá-
para as dificuldades de retomada vel” cadeia de produção de bens de
dos investimentos gerais, de acor-
lado orçamentário capital. Segmentos como o de má-
do com a avaliação do economista quinas agrícolas, turbinas, motores
Carlos Frederico Rocha
Carlos Frederico Rocha, professor elétricos e geradores poderiam ser
associado do Instituto e Economia competitivos. Mas o professor da
da Universidade Federal do Rio de UFRJ lembra que as exportações
Janeiro (UFRJ). brasileiras não ultrapassam a casa
Rocha calcula assim: a Petrobras disse Rocha, lamentando que não dos 10% do PIB e que por isso
vinha sendo responsável por algo haja espaço para iniciativas como não se pode contar com elas como
entre 12% e 14% do investimento a do Programa de Aceleração do motores de decisões de investir a
total do país. Com o corte de um Crescimento (PAC). Segundo ele, o ponto de interferir no agregado da
terço desses investimentos ela gerou governo havia recuperado os inves- taxa de investimentos. “Acho que a
queda de um ponto percentual no timentos públicos em dois pontos gente vai passar uns três anos bem
PIB. Como esse corte tem um mul- percentuais sobre 2006, mas per- ruins. Se a taxa de investimentos
tiplicador que se alastra por toda a deu um ponto em 2015 e perderá ficar em 18% podemos agradecer,
cadeia produtiva setorial, a conta outro ponto em 2016, voltando ao independentemente de quem venha
sobe para dois pontos percentuais. estágio anterior. a dirigir o país.”
Ou seja, a Petrobras sozinha re- Esse cenário, na visão do pro- Rocha, que foi contra a adoção
presentou uma vertente decisiva na fessor da UFRJ, coloca o país “à do regime de partilha para o pré-sal
queda dos investimentos públicos, mercê do investimento privado”, na época da sua criação, disse que a
segundo o economista, “sem pers- uma perspectiva que ele não vê com obrigação de a Petrobras ficar como
pectiva relevante no curto prazo”. otimismo, considerando a situação dona de 30% de todos os campos
Endividada e com o barril de política conturbada e a instabilida- comprometeu a capacidade de in-
petróleo valendo menos da metade de do câmbio. Quais seriam as saí- vestimentos da empresa. Ele admite
do que valia em meados de 2014, das? No quadro atual, com a crise mudanças, desde que com objetivos
a Petrobras não tem recursos para de poder minando a confiança dos claros para a economia do país.
investir e, segundo Rocha, terá que investidores privados e o setor pú- No regime de metas de conteúdo
concentrar todos os seus esforços na blico sem capacidade para investir, nacional ele vê muitos erros a serem
produção daquilo que já está desco- Rocha vê poucas. corrigidos, mas não a necessidade
berto, deixando momentaneamente Na frente externa ele considera de desmontá-lo. Uma das vertentes
de lado a exploração e o refino. pouco provável que os preços das de mudanças seria, por exemplo,
“Não vejo como crescer o inves- commodities se recuperem a médio incluir exportações como parte da
timento público por este lado – da prazo para dar fôlego à economia meta e dar um bônus para investi-
Petrobras. E também não vejo como brasileira. A mudança de rumo da mentos em P&D, estimulando o au-
investir pelo lado orçamentário”, política econômica chinesa, com mento da competitividade.

5 0 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

Globalizada e reconhecida como Taxa de investimentos também em queda livre


uma das empresas mais competiti- Taxa de investimento como proporção do PIB no terceiro trimestre de cada ano
vas e inovadoras do país, a catari- (2010 a 2015)
nense WEG não tem estado imune
aos percalços do mercado domésti- 21,5 21,6
co, tanto que no terceiro trimestre 21,3
21,1
de 2015, último balanço divulgado,
em que apresentou lucro líquido 20,2

de R$ 265,4 milhões, pela segun-


da vez consecutiva para o mesmo
período, os investimentos externos
superaram aqueles destinados ao 18,1

mercado interno (R$ 86,6 milhões


a R$ 44,9 milhões). 2010 2011 2012 2013 2014 2015
O diretor superintendente Admi- Fonte: IBGE.
nistrativo e Financeiro da empresa,
André Luís Rodrigues, por e-mail,
disse que o crescimento no merca- dúvida uma infraestrutura mais ade- economia, ainda mais pesada, envol-
do doméstico até aquele momento quada, reformas estruturais, como vendo estados, municípios e muita
(3o trimestre) fora “modesto”, pre- tributária, previdenciária, uma legis- quebradeira”, previu, avaliando que
judicado em alguns segmentos pela lação trabalhista mais flexível, que nos próximos dois a três anos a es-
situação macroeconômica. O desta- resultariam em juros competitivos tratégia dos agentes econômicos será
que positivo foi para a área de ge- internacionalmente. O Brasil precisa de “sobrevivência”.
ração, transmissão e distribuição de definitivamente criar um ambiente Em palestra feita em dezembro
energia, especialmente em geração mais propício ao empreendedoris- durante seminário promovido pela
eólica, um segmento onde a base de mo, à competitividade e à produtivi- Organização Nacional da Indústria
comparação ainda é fraca. dade da indústria”. do Petróleo, Gás e Biocombustíveis
No plano externo (a empresa Com a maior retração dos in- (Onip), Torres mostrou um quadro
opera em todos os continentes), Ro- vestimentos em 25 anos instalada, desolador dos investimentos em sete
drigues disse que houve um “cres- outro que não vê o horizonte com dos principais segmentos da indús-
cimento saudável”, com média de otimismo é o economista Ernani tria brasileira, entre os quais o de
12% em moedas locais. O cresci- Torres, também professor da UFRJ petróleo e gás aparecia com apro-
mento foi tanto orgânico como por e com uma vasta experiência de tra- ximadamente dois terços do total
meio de aquisições, inclusive na Chi- balho no BNDES. Ele ressalta que o desses investimentos.
na. O executivo disse que a desva- quadro que se apresenta neste mo- O quadro, retirado de estudos do
lorização do real tem compensado o mento é mais grave do que o que próprio BNDES, revela uma queda
aumento de custos domésticos e tra- se viu no governo do ex-presidente global de 25,3% nas intenções de in-
zendo mais competitividade externa Fernando Collor de Mello (1990- vestimentos do período 2014-2017
aos produtos da empresa. 1992) porque enquanto naquele para o de 2015-2018, sendo que no
Questionado sobre o que pre- momento o processo de queda e re- setor e petróleo e gás a queda total
cisa ser feito para que se tenha um cuperação da economia traçou uma era de 29,5%, de R$ 458 bilhões
horizonte mais promissor para os curva em “V”, agora essa curva se para R$ 323 bilhões. Apenas o se-
negócios no Brasil, Rodrigues res- apresenta em “U”. tor de papel e celulose aparece com
pondeu com uma receita que todos “Agora a queda é mais longa e aumento de um período para o ou-
conhecem, mas que ainda assim não profunda. A expectativa é de uma tro, de 42,1%, passando de R$ 19
se consegue pôr em prática: “Sem segunda leva, de resultados ruins na bilhões para R$ 27 bilhões.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 5 1
CONJUNTURA MÁQUINAS E BENS DE CAPITAL

Para Torres, os dados revelam o Se os dados até agora aqui apre-


quanto será difícil a retomada dos sentados não deixam dúvidas quanto
Agora a queda é mais longa
investimentos no país, especialmente ao túnel em que as indústrias brasilei-
com a crise da Petrobras e com os ras de máquinas e equipamentos e de
efeitos colaterais da Operação Lava
e profunda. A expectativa é bens de capital como um todo se me-
Jato da Justiça e da Polícia Federal teram, os dados do BNDES, principal
provocando quase que diariamente
de uma segunda leva ainda instituição de financiamento de longo
mudanças inesperadas no quadro prazo do país, falam ainda mais alto.
político e econômico do país.
mais pesada, envolvendo De janeiro a novembro de 2015,
No terreno da Lava Jato, que o em relação ao mesmo período de
professor da UFRJ considera “um
estados, municípios e 2014, os desembolsos da Finame,
serviço à pátria”, a solução é espe- agência do banco estatal voltada
rar. No das ações econômicas, ele
muita quebradeira para o financiamento indireto (via
entende que a Lei de Partilha está agentes financeiros) de máquinas e
Ernani Torres
emperrando os investimentos e que equipamentos, caíram 45,5%, se-
nem a própria Petrobras está mais gundo dados fornecidos por Édson
interessada na sua manutenção. Moreti, gerente da Área de Opera-
Mas ressalta ser necessário que o ções Indiretas da instituição. Por
governo readquira capacidade po- em áreas como P&D, investimentos, segmentos, os desembolsos caíram C

lítica para tomar decisões difíceis. exportações e mão de obra. Essas 59,7% no de transportes, 26% no M

“Neste exato momento não há con- premiações poderiam ser feitas como de equipamentos agrícolas e 34,6% Y

dições políticas para nada.” compensação de parte dos recursos no de outros bens de capital (máqui- CM

Torres também defende aperfei- dos cerca de R$ 10 bilhões em multas nas industriais e outros).
MY

çoamentos nas regras de conteúdo referentes ao conteúdo local que as Segundo Moreti, parte desse fra-
CY

local, premiando ações das empresas empresas ameaçam levar à Justiça. co desempenho deve ser creditada
CMY

ao fato de o banco, também acossa-


K
do pela crise fiscal do país, ter tor-
Caem as intenções de investimentos dos maiores setores nado mais difíceis as condições de
Intenções de investimento dos sete maiores setores industriais do país para os financiamento dessas linhas. Mui-
quadriênios 2014-2017 e 2015-2018 (em R$ bilhões) tos segmentos, como o de equipa-
mentos de transportes, apoveitaram
Setor 2014-2017 (A) 2015-2018 (B) Variação B/A (%) as condições favoráveis praticadas
Petróleo e Gás 458 323 -29,5 até 2014 e ficaram com baixa capa-
cidade de demanda.
Extrativa Mineral 48 36 -25 Esses aspectos se refletem tam-
Automotiva 74 55 -25,7 bém nas aprovações, sinalizado-
res da demanda futura, que caíram
Papel e Celulose 19 27 42,1 57,6% de janeiro a novembro. Em
dezembro o BNDES estudava o que
Eletroeletrônica 26 25 -3,8
poderia ser feito nas suas linhas de
Química 25 17 -32 crédito para estimular o aumento da
demanda por elas. O entendimento
Siderurgia 10 10 0
geral é que, apesar de ter reduzido
Total 660 493 -25,3 seu orçamento em 2015, o BNDES
acabou o ano com folga de caixa por
Fonte: Ernani Torres/BNDES. falta de tomadores.

5 2 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
Quando sua empresa diz
não ao trabalho infantil,
muita gente pode dizer
sim para sua marca.

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Uma iniciativa:
GOVERNANÇA

Como aprimorar a regulação


Estudo analisa fatores que afetam a qualidade
do trabalho das agências reguladoras

Solange Monteiro, Rio de Janeiro

Um dos elementos amplamente indicados como desde o início de sua atividade. O cálculo se dá a
vilões para o ambiente de negócios brasileiro é o partir da média de três itens. O primeiro é a forma-
enfraquecimento das agências reguladoras federais ção acadêmica dos diretores. O segundo, seu nível
observado nos últimos anos. Ora vítimas de apare- de vinculação política, para o qual se analisa se há
lhamento político, ora do ativismo regulatório do filiação partidária, bem como se o histórico profis-
governo – como se deu no setor elétrico a partir de sional do diretor envolve algum cargo político. O
2012 –, as agências têm sofrido problemas de gover- terceiro é a forma como se deu a condução do di-
nança considerados daninhos à atração de investi- retor ao cargo, ou seja, se foi pelo processo regular
mentos e ao estímulo à atividade econômica. – com indicação, sabatina no Senado e posterior
Para compreender em detalhes a dinâmica que nomeação –, ou por nomeação direta da presiden-
leva a esse quadro, em 2015 o Centro de Estudos te, em caráter de interinidade.
em Regulação e Infraestrutura (FGV/Ceri) deu iní- Os resultados indicam uma forte variação do
cio a um projeto a partir do levantamento de dados desempenho de cada agência ao longo do tempo,
de nove agências reguladoras federais – a única não com altos e baixos que mostram descontinuidade
incluída é a Ancine. “Diferentemente de outros estu- no processo de evolução da maior parte desses ór-
dos apoiados em entrevistas e percepções pessoais, gãos. Joisa Dutra, diretora do Ceri, ressalta que a
buscamos uma extensa base de números para trazer piora do nível de profissionalização demonstra-
evidências empíricas ao debate”, explica o argentino da em vários casos não pode ser atribuída apenas
Sebastian Azumendi, pesquisador do Ceri. a um governo, já que cada ciclo político é mar-
A primeira tarefa assumida pelo grupo de pes- cado por avanços no desempenho de agências di-
quisa foi desenvolver um índice que mede o grau ferentes. Enquanto no segundo mandato de Fer-
de profissionalização das diretorias das agências nando Henrique Cardoso as agências que mais

5 4 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA GOVERNANÇA

despontaram foram ANA, Antaq e de governo. Para isso, ainda pesa ne-
ANTT, nos dois mandatos de Lula gativamente o alto nível de contin-
se sobressaíram Aneel, ANS e Anac
Em 2015, a única
genciamento verificado pelos pesqui-
e, no primeiro mandato de Dilma sadores do Ceri em algumas agências,
Rousseff, ANP e Anatel.
agência que registra como ANP, Aneel, Anvisa e ANTT.
Em 2015, a única agência que re-
gistra o melhor nível de profissiona-
o melhor nível de
lização desde sua criação – e o mais Diretor temporário,
alto entre todas as agências nesse ano
profissionalização desde
problema permanente
– é a ANP. De um valor de 0 a 1, mar- Outro fator que tirou pontos de
cou 0,62. Azumendi aponta que entre
sua criação – e o mais alto
muitas agências foi o tempo em que
os fatores que colaboram para o bom estas estiveram sob o comando de
desempenho da ANP está a formação
entre todas as agências diretores-gerais interinos. Nesse caso,
de seus executivos. “Em geral, agên- a pior avaliada é a ANTT, que desde
cias cujo setor envolve mais comple-
nesse ano – é a ANP sua criação em 2002 totalizou 117
xidade técnica exigem maior capa- meses – quase dez anos – de gestão
citação”, diz. Entre os 100 diretores interina. “É um processo dramático,
que já passaram ou estão na ANP, porque a ANTT é a responsável pela
36 têm doutorado, 24 têm mestrado com maior grau acadêmico é a remu- regulação de setores envolvidos no
e 40, graduação. Na sequência estão neração. “Um dirigente de agência re- Plano de Investimento em Logística
Anac (com, respectivamente, 25, 25 e guladora federal ganha menos do que (PIL), e essa interinidade coincide
50) e Aneel (24, 16, 60). No caso da o salário inicial de um profissional de com o lançamento do programa”,
Anac, apesar da boa nota nesse que- nível superior nessa mesma agência. diz Joisa. Ela lembra, entretanto, que
sito, a agência registra o pior índice Isso é um incentivo perverso, encami- esse processo foi revertido no ano
geral de profissionalização em 2015 nhando as escolhas a quem tem outra passado, com a regularização do pro-
– ano marcado, entre outros fatores, fonte de renda ou esteja mirando algo cedimento de nomeação do atual di-
pela indicação política para um dos futuro”, diz, lembrando que esses di- retor-geral. Depois da ANTT, seguem
cinco postos da diretoria. retores tampouco podem ocupar car- Antaq e Anatel – essa última, com o
Joisa lembra que um dos fatores gos no conselho em empresas, como maior número de diretores interinos,
que dificultam a atração de diretores é comum entre secretários e ministros 21. “No caso da Anatel, entretanto, o

Índice do grau de profissionalização das diretorias das agências desde o início de sua atividade

ANP ANTAQ ANAC


0,8 0,6 0,7
0,7 0,6
0,5
0,6 0,5

0,4
0,5 0,4
0,3
0,4
Fonte: FGV/Ceri, 2015.

0,3 0,2
0,3
0,1
0,2 0,2 0,0
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
2014
2015

2002
2003
2004
2005
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2010
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2013
2014
2015

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 5 5
CONJUNTURA GOVERNANÇA

regimento estabelece rodízio entre os mais sólido, fortalecendo a cultura lançado em outubro de 2015, a OCDE
diretores-gerais, o que faz o número das agências e o processo de condu- apontou que o tema está na pauta de
aumentar. Mas, se observada por me- ção das decisões. “Mas a deterioração trabalho de seus países membros des-
ses, é um período bem menor que o desses órgãos é sempre um processo de 2011. Segundo a OCDE, o período
da ANTT, com 42”, compara Joisa. possível, e levantamos os fatores que pós-crise financeira global, com restri-
Os pesquisadores envolvidos no favorecem esse processo: o contingen- ções fiscais e aumento do desemprego,
estudo buscaram identificar se o ex- ciamento, que compromete a capaci- imprimiu a necessidade de melhorias
cesso de interinidade se dava por dade de realizar tarefas; a falta de uma no marco regulatório da maior parte
alguma dificuldade do governo em remuneração digna das responsabili- dos países, para mitigar fatores de ris-
aprovar indicações feitas ao Senado, dades imputadas ao diretor; a indica- co e estimular a economia.
o que não se confirmou. “A grande ção política que enviesa a conduta; e Um dos destaques do documento é
maioria das indicações através de a ausência de um processo de seleção a necessidade de maior engajamento
mensagens enviadas pelo governo foi completo, com sabatina feita pelo Se- de todas as partes envolvidas – não
aprovada, então não se pode atribuir nado de forma efetiva, não protoco- somente reguladores e especialistas,
essa situação ao Senado. No nosso lar”, enumera Joisa. Ela reforça que mas empresas e cidadãos, em dife-
entendimento, é mais um mecanismo a seleção de uma diretoria colegiada rentes instâncias representativas. Se-
político que, aliás, já foi advertido com diretores de qualidade, de dife- gundo a OCDE, a crise econômica
pelo TCU”, diz Azumendi, referindo- rentes especialidades, é fundamental iniciada em 2008 minou a confiança
se a relatório que o Tribunal fez sobre para a complementação de competên- da população em seus governos, e um
governança das agências dos setores cias necessárias para o bom funcio- processo de maior transparência e
de infraestrutura, em 2012. namento de uma agência reguladora. abertura nas tomadas de decisão pas-
A diretora do Ceri lembra que toda “Não são cinco escolhas independen- sou a ser fundamental para garantir
ponderação está sujeita a críticas, mas tes, mas interdependentes”, diz. legitimidade nas decisões regulató-
ressalta que a análise das diretorias rias. Nesse sentido, o Outlook apon-
das agências ajuda a ressaltar como ta a ampliação de iniciativas envol-
esses fatores contribuiriam para um Mais participação vendo mídias sociais como LinkedIn,
adequado processo decisório. Joisa O tema de aprimoramento da atividade Facebook e Twitter, além de sites e
destaca que a consolidação de qua- das agências reguladoras não é desta- fóruns de discussão.
dros de servidores em cada agência que somente no Brasil. Na última edi- No estudo do Ceri, essa dimensão
vai tornando o processo de trabalho ção de seu Regulatory policy outlook, também é contemplada. Para estudá-

Índice do grau de profissionalização das diretorias das agências desde o início de sua atividade

ANTT ANA ANEEL


0,7 0,8 0,8

0,6 0,7 0,7

0,6 0,6
0,5
0,5 0,5
0,4
0,4 0,4
0,3
0,3 0,3
0,2
Fonte: FGV/Ceri, 2015.

0,2 0,2
0,1 0,1 0,1
0,0 0,0 0,0
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
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2000
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2013
2014
2015

5 6 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA GOVERNANÇA

la, os pesquisadores tomaram como cilitar a compreensão do conteúdo


base a experiência da Aneel que, se- por mais pessoas e incentivar mais
gundo Joisa, que já foi diretora des-
O desafio de promover contribuições ao debate regulatório.
sa agência, é pioneira em iniciativas “Esse tema de maior inclusão do con-
de abertura e transparência, com
maior engajamento também sumidor está na pauta em Brasília, e
reuniões públicas semanais trans- buscam-se avanços”, diz.
mitidas pela internet há mais de dez
é tarefa das agências, que Quanto ao trabalho do Ceri, depois
anos. Foram analisados mais de mil dessas duas primeiras fases – de análise
procedimentos entre consultas públi-
devem buscar formas de do nível de profissionalização das dire-
cas e audiências promovidas desde torias e de transparência e participação
1998. O resultado repete o diagnós-
incentivo e capacitação de no processo regulatório –, os pesquisa-
tico de outros países, de participa- dores passarão a analisar o processo de
ção baixa – sobretudo entre os usu-
organizações de usuários, tomada de decisão a partir da análise
ários – e limitada. “Obviamente há das atas das diretorias e do nível de
assimetrias. Empresas do setor têm ONGs, entre outros efetividade das contribuições feitas em
muito mais capacidade de entender e consultas e audiências. “Nossa grande
influenciar o processo, pois implica motivação é que, como conhecemos
custo, conhecimento técnico, então esses setores, temos condições de ana-
esse processo será tanto mais partici- também é tarefa das agências, que lisar a governança e a partir da nossa
pativo do ponto de vista do usuário devem buscar formas de incentivo e compreensão do conteúdo da regula-
quanto mais ele compreender”, diz capacitação de organizações de usuá- ção fazer um cheque de consistência”,
Joisa. Outro ponto que influencia na rios, ONGs, entre outros. “Esse é afirma Joisa. “Sabemos que regulação
participação são os temas tratados. um desafio que deve ser visto como tem duas dimensões: conteúdo e for-
No caso da Aneel, verifica-se maior responsabilidade do regulador, não ma. Então conteúdo é preço, quantida-
ativismo em leilões e processos tari- como carga do cidadão. Regulador de, qualidade; mas temos evideências
fários, “até porque audiências nesse tem que ser facilitador”, diz. Uma pela literatura econômica que a forma
caso das tarifas são mandatórias”, das alternativas levantadas por Joisa desse processo, ou seja, a governança,
lembra a diretora do Ceri. é a promoção de conteúdos audio- tem impacto, se bem conduzida, afeta
Azumendi ressalta que o desafio visuais – em modelos semelhantes a positivamente a performance do se-
de promover maior engajamento TED talks –, com o objetivo de fa- tor”, conclui.

ANATEL ANS ANVISA


0,8 0,5
0,6
0,7
0,5 0,4
0,6
0,4 0,5 0,3
0,4
0,3
0,3 0,2
0,2
0,2
0,1
0,1 0,1
0,0 0,0
0,0
2000
2001
2002
2003
2004
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1999
2000
2001
2002
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2004
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1999
2000
2001
2002
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J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 5 7
PETRÓLEO

O dever de casa para 2016


Lavinia Hollanda
Coordenadora da FGV Energia

O período de final de ano costu- Ao final do ano, as dificuldades


ma ser propício às avaliações sobre enfrentadas pela Petrobras continuam
o ano que passou e a reflexões so- presentes – e o cenário para o próxi-
bre as mudanças necessárias para o mo ano é de maior complexidade. Os
novo ano que se inicia. Os eventos resultados do terceiro trimestre ainda
importantes no setor de petróleo não mostraram um elevado endividamen-
foram poucos em 2015, e os desa- to, com múltiplo de dívida líquida/
fios que se colocam para o Brasil em EBITDA de 5,2x. Adicionalmente,
2016 sinalizam que não teremos tré- com o downgrade da companhia, a
gua – ao contrário, há muito dever tentativa de colocação de R$ 3 bilhões
de casa a ser feito. em debêntures no mercado doméstico
Este ano começou com incertezas não foi bem-sucedida. Finalmente, a
relativas às demonstrações financei- implementação da venda de ativos fi-
ras da Petrobras. Com a Operação cou bastante aquém das expectativas:
Lava Jato, o resultado auditado da apenas cerca de US$ 1 bilhão em ati-
Petrobras para 2014 foi publicado vos foi efetivamente vendido, ficando
apenas em 22 de abril de 2015, após os outros US$ 14 bilhões para 2016.
o prazo limite para companhias aber- Assim, parece fundamental que o se-
tas. A empresa apresentou ajustes de tor de petróleo no Brasil seja capaz de
cerca de R$ 50 bilhões nos ativos, seu novo plano de investimentos, mos- atrair investimento de outras empresas
resultado da desvalorização (impair- trando redução de 37% no Capex e e países para garantir a continuidade
ment) de ativos (R$ 44 bilhões) e da metas de produção de petróleo para da trajetória de crescimento de reser-
baixa de gastos adicionais capitali- 2020 caindo de 4,2 milhões de barris vas e produção no futuro.
zados indevidamente (R$ 6 bilhões) por dia (Mbpd) para 2,8 Mbpd. Foi Claramente, há um conjunto de
– este último resultado das investiga- divulgado ainda um plano de venda de fatores que pode explicar como a Pe-
ções da Operação Lava Jato. ativos no valor de US$ 15 bilhões para trobras e o setor de petróleo no Brasil
Já no início do ano, como parte de o período de 2015-2016. O objetivo chegaram à situação atual. O primeiro
um plano de recuperação da compa- era reduzir o elevado endividamento e mais óbvio deles é a acentuada queda
nhia, novos membros foram indicados da empresa, trazendo a alavancagem nos preços do petróleo, cuja cotação
para compor o Conselho de Adminis- líquida para patamares inferiores a permanece abaixo de US$ 50/barril.
tração e a Diretoria Executiva da em- 40% e o múltiplo de dívida líquida/ A perspectiva no mercado é de uma
presa. Em junho a empresa divulgou EBITDA a menos de 3x até 2018. recuperação lenta de preços, o que sig-

5 8 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA PETRÓLEO

nifica que as companhias de petróleo PPSA como representante do gover-


permanecerão buscando cortar custos no, tornam nosso modelo de partilha
As particularidades
e priorizar projetos com melhor retor- – criado para o pré-sal – uma verda-
no. No entanto, os preços de petróleo deira “jabuticaba”. Nossas regras de
de nosso modelo
têm uma dinâmica própria, e não há conteúdo local, que já resultaram em
nada que possamos fazer, a não ser vultosas multas aplicadas a opera-
torcer por uma eventual recuperação
regulatório são um fator doras pelo seu não cumprimento, se
de preços, que leve à ampliação de in- traduzem em significativos atrasos e
vestimentos no setor.
decisivo de desincentivo aumentos de custos e burocracia para
Além da óbvia explicação da baixa as empresas do setor. Mais importan-
cotação do petróleo, a instabilidade
aos investimentos te, a comunicação entre o governo e
política e a deterioração do cenário regulador com as empresas precisa ser
econômico ao longo do ano são dois
externos no setor de melhorada. Como exemplo, as princi-
fatores de enorme importância. Con- pais modificações no edital e contrato
forme cenário para 2016 divulgado
petróleo e gás de concessão demandadas pela indús-
pelo Boletim Macro IBRE, a perspec- tria durante o período de consulta
tiva é de queda de 3% do PIB em 2016 pública da 13a rodada de licitações da
(após retração de cerca de 3,6% em ANP ocorrida em outubro não foram
2015), além de taxas crescentes de de- acatadas pela ANP. Com isso, a baixa
semprego, alcançando uma média de novo Conselho e Diretoria Executiva atratividade das regras estabelecidas
12,7% no último trimestre do ano. De no início do ano, ainda há sinais de para essa rodada foi um dos fatores
modo geral, a projeção sinaliza que importantes pontos de governança e importantes para o resultado ruim ob-
o cenário econômico desafiador deve de interferência do governo em ques- tido, em que apenas 37 das 266 áreas
permanecer em 2016, com uma pos- tões internas da empresa que ainda ofertadas foram concedidas.
sível deterioração – ao que parece, a precisam ser mais bem endereçados. Diferentemente dos outros três
crise ainda não chegou completamen- As notícias sobre conflitos entre as itens, no entanto, a regulação do se-
te às ruas. Adicionalmente, a menor decisões do Conselho e o presidente tor é um ponto sobre o qual temos al-
atividade econômica tende a reduzir a da empresa, que culminaram na re- gum controle e em que podemos atu-
demanda por derivados de petróleo – cente renúncia de dois conselheiros, ar para atrair o interesse de empresas
o que impacta de forma ainda mais in- são evidências de que a implemen- para o Brasil. Melhorar as regras re-
tensa a Petrobras, já que os preços de tação plena de um profundo plano gulatórias é o que o México vem fa-
derivados vêm sendo mantidos acima de recuperação da Petrobras ainda zendo para atrair investimentos para
dos patamares internacionais, como enfrenta resistências. Ademais, a in- o seu recém-aberto setor de petróleo,
forma de ajudar a recuperação finan- sistência do controlador de colocar à por exemplo. No nosso caso, temos
ceira da empresa. Como complicador venda apenas participações minoritá- uma geologia favorável e um ativo
adicional, a instabilidade política pa- rias pode explicar o pouco sucesso da de classe mundial, que é o pré-sal.
ralisa as atividades do governo e do campanha de venda de ativos. Em se O que nos falta são regras atrativas,
Congresso, dificultando a aprovação mantendo o cenário atual, a recupe- transparentes e estáveis. Em um setor
de reformas necessárias, sejam elas fis- ração da Petrobras pode ser lenta. global e intensivo em capital como o
cais ou no setor de energia. Finalmente, as particularidades de setor de petróleo, é preciso lembrar
O terceiro fator é a própria recu- nosso modelo regulatório são um fa- que estamos competindo por recursos
peração da Petrobras. Devido ao pro- tor decisivo de desincentivo aos inves- e investimentos com outras regiões e
tagonismo da Petrobras no setor de timentos externos no setor de petróleo países do mundo. Em um cenário de
óleo e gás no Brasil, a situação da em- e gás. As cláusulas de operador único preços baixos de petróleo e disciplina
presa repercute em toda a cadeia de e de participação mínima de 30% de capital, apenas uma boa geologia
fornecedores. Apesar da indicação do da Petrobras, além da presença da pode não ser suficiente.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 5 9
COMÉRCIO EXTERIOR

Formar cadeias
Ipea e Cepal lançarão este ano matriz insumo-produto
de dez países sul-americanos, com a qual se analisará o
potencial de complementaridade produtiva da região

Solange Monteiro, Rio de Janeiro

A América do Sul está próxima de nal na América Latina e no Caribe é aponta que os oito países já estu-
ganhar uma nova ferramenta de es- menos da metade do observado en- dados seriam capazes de substituir
tudo para identificar possibilidades tre os países da União Europeia, por entre si até 20% das importações
de criação de cadeias de valor na re- exemplo. Quando se limita o âmbito contratadas de outras economias,
gião. É uma matriz insumo-produto de análise à América do Sul, esse in- diz Renato Baumann, diretor de Es-
que abrange dez países, 40 setores da tercâmbio é ainda mais tímido. tudos e Relações Econômicas e Polí-
economia, ordenada de forma com- Entre os resultados preliminares ticas Internacionais do Ipea, líder do
patível para integração com outra já da matriz feita por Ipea/Cepal estão projeto. “É uma conta feita de forma
desenvolvida pela OCDE. Até o final confirmações de realidades já conhe- agregada, ou seja, não entra no de-
de 2015, o projeto, coordenado pelo cidas, como a concentração do foco talhe da classificação dos produtos,
Ipea em parceria com a Cepal, já ha- comercial em bens primários. Mas em especificidades como a compo-
via concluído o cruzamento de dados o levantamento também traz pistas sição de um parafuso, fundamental
entre oito deles – Argentina, Brasil, positivas. Em linhas gerais, a matriz para setores como o aeroespacial”,
Bolívia, Chile, Colômbia, Peru, Uru-
guai e Venezuela –, restando conso-
lidar as informações de Paraguai e
Equador, o que se estima que acon- Baixo intercâmbio regional
tecerá até meados deste ano. Proporção do comércio intrarregional nos bens intermediários e finais,
Uma matriz de insumo-produto em regiões selecionadas
regional mostra como as economias
conversam. Indica como é a deman- Bens finais
Bens intermediários
da, o que se exporta, importa, o que
60 59
cada setor tem de fator adicionado,
quais segmentos são estratégicos por 45 44
gerar mais encadeamentos produ-
tivos. Comparativamente a outras 28
regiões do mundo, o que se sabe até 22
19
17
agora é que, abaixo dos Estados Uni-
dos, o intercâmbio no continente é
reduzido. Dados de 2011 publicados
no relatório Perspectivas econômicas Ásia UE27 Alca EUA + Canadá

da América Latina – 2016 da OCDE Fonte: OCDE, 2015, com dados de 2011.
apontam que o comércio intrarregio-

6 2 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA COMÉRCIO EXTERIOR

pondera Baumann. “Mas já faz uma nificativos. “Vale observar que não
seleção importante de quais setores estamos identificando a parcela que
Uma das constatações
demonstram potencial de comple- países de fora da matriz têm no valor
mentação, e quais devemos descartar adicionado, apenas o intercâmbio
para um estudo mais aprofundado.”
do estudo é a baixa entre os oito – em breve dez – que
são nosso objetivo”, ressalta.
participação brasileira Baumann e Flôres afirmam que al-
Pouca participação brasileira guns dos segmentos que poderão ser
Outra constatação que também
no valor adicionado de confirmados como potencialmente
emerge da matriz é a baixa partici- interessantes para a formação de ca-
pação brasileira no valor adicionado
produtos fabricados deias são o de alimentos e o químico.
de produtos fabricados por seus par- “Entre as atividades que mais obser-
ceiros sul-americanos. “As evidên-
por seus parceiros vamos ligações para trás – ou seja,
cias que temos até agora indicam que que puxam outros setores – estão
esses países conversam conosco, mas
sul-americanos complexos alimentares como carne,
nós não conversamos com eles”, diz trigos e massas, açúcar e confeitaria;
Renato Flôres, diretor do FGV/NPII, o metalúrgico; o extrativo-energético;
responsável pela coordenação técni- e o químico de base, de produtos far-
co-metodológica do projeto. Flôres uma economia mais fechada, ou pri- macêuticos e de borracha e plástico”,
explica que o tamanho da economia vilegiarmos economias maiores. O diz Flôres. Ele destaca que, em parte
brasileira impulsiona os vizinhos a fato é que até hoje nosso esforço por dessas atividades já existe uma dinâ-
oferecer produtos que precisamos, gerar conexões foi menor”, diz. mica de troca que enseja a formação
mas a iniciativa de empresas bra- Flôres destaca que, mesmo com de clusters. No caso do setor de ali-
sileiras de oferecer produtos a par- uma maior iniciativa dos países sul- mentos e químico, entre Bolívia, Chi-
ceiros regionais é menor. “Podemos americanos em buscar integração le, Peru e Uruguai; e, no de energia,
imaginar várias razões, como sermos com o Brasil, o país registra, junta- entre Chile, Peru e Uruguai. “Como
mente com a Venezuela, os valores se pode observar, é uma conversa na
mais baixos de participação dos qual o Brasil fica de fora”, diz.
outros vizinhos em seu valor adicio- Com o trabalho de confecção da
nado. “Dos 40 setores estudados, o matriz concluído, Baumann afirma
Brasil só possui três setores em que que a próxima tarefa agendada é ir a
essa participação é igual ou superior campo para identificar quais proble-
a 3%, sendo metais não ferrosos mas afastam o Brasil de uma maior
(9,3% valor adicionado sul-ameri- conexão com seus pares regionais –
cano), e produtos químicos de base sejam eles burocráticos, de idioma,
(7,1%) os mais significativos”, afir- ou infraestrutura logística, por exem-
ma. Em contrapartida, o Uruguai plo. “O distanciamento brasileiro
desponta como um dos que registra preocupa cada vez mais, porque hoje
Participação dos países latino- maior participação de outros países não estamos falando só do potencial
americanos e do Caribe no valor no valor adicionado de seus produ- das economias sul-americanas em si,
adicionado do que se produz dentro tos, com coque de petróleo e outros mas de países envolvidos na Aliança
da região é menos da metade da energéticos (com 24,9% provenien- do Pacífico, em acordos bilaterais
observada entre as economias da tes de outros países) e automóveis, que abrem frentes no mercado asiáti-
União Europeia reboques e semirreboques (24,3%, co, por exemplo. Isso torna cada vez
boa parte devido ao acordo automo- mais importante impulsionar esfor-
tivo do Mercosul) sendo os mais sig- ços de ligação”, conclui.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 6 3
COMÉRCIO EXTERIOR

Com a TPP o Brasil vai


ficando para trás
Marcos Cintra
Doutor em Economia pela Universidade de Harvard e professor titular de Economia na Fundação Getulio Vargas

O mega acordo comercial entre os com outros blocos. Com a TPP se-
Estados Unidos, Japão e outras dez guramente haverá forte pressão para
economias do Pacífico coloca o Brasil que haja flexibilização dessa regra e o
em estado de alerta. A aprovação da Brasil deve capitanear esse processo.
Trans-Pacific Partnership (TPP) repre- Outro aspecto negativo do gover-
senta um bloco econômico que reúne no brasileiro diz respeito à priorida-
40% do PIB mundial e 793 milhões de de dada às ações junto à Organiza-
consumidores. Esse pacto, o maior da ção Mundial do Comércio (OMC)
história, visa eliminar barreiras alfan- se queixando de concorrência des-
degárias entre seus membros e a ex- leal. O foco foi reclamar do prote-
pectativa é que em 2025 o movimento cionismo de nações, principalmente
anual de bens e serviços entre as 12 dos países asiáticos, cujo efeito foi
nações atinja US$ 223 bilhões. pífio sobre a atividade doméstica,
A aprovação da TPP deixa o Bra- em vez de investir em uma dinâmica
sil em situação extremamente des- comercial global que cresce de modo
confortável. O país terá que rever acelerado. Entre 2001 e 2014 as
sua política comercial, deixando de exportações mundiais passaram de
lado aspectos de natureza ideológi- US$ 6 trilhões para US$ 19 trilhões.
ca, que ao longo dos últimos anos É certo que o Brasil terá que redu-
comandaram as ações externas, e se zir seu ímpeto em torno de medidas
pautar por questões de ordem téc- antidumping com a criação da TPP.
nica e pragmática se a opção for a imposições da Argentina. O protecio- O peso das regras do acordo do Pa-
inserção do comércio internacional nismo argentino prevaleceu e o gover- cífico deve ir além dos termos que
como fator relevante para o desen- no brasileiro se comportou de modo servem de base às análises da OMC,
volvimento econômico. passivo frente a essa situação. Além cujas normas atuais devem ser rele-
O Brasil tem adotado uma postu- disso, o país não foi capaz de liderar gadas a segundo plano.
ra absolutamente ineficaz no sentido ações para livrar o bloco de uma de Um terceiro ponto a ser ressaltado
de expandir sua participação no co- suas maiores amarras que é a obri- trata-se da Área de Livre-Comércio
mércio mundial. Um aspecto nessa gatoriedade de negociar acordos de das Américas (Alca), que o país re-
direção foi ter optado em focar no livre-comércio em conjunto. Oportu- jeitou com base em argumentos que
Mercosul com todas as suas debilida- nidades são perdidas porque há proi- foram muito mal conduzidos. Vale
des e nele se sujeitar repetidamente às bição de pactos dos países membros destacar que o governo Fernando

6 4 C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a | J a n e i r o 2 016
CONJUNTURA COMÉRCIO EXTERIOR

Henrique Cardoso foi o grande res- cindível rever o posicionamento do


ponsável pelo fracasso da adesão do país em relação à Alca, ao Mercosul
O Brasil tem adotado
Brasil ao bloco proposto na Cúpula e agora à TPP. Corremos o risco de
das Américas em 1994 com o obje- perder mercados importantes como o
tivo de eliminar as barreiras alfande-
uma postura ineficaz no México, Chile e Peru, que fazem par-
gárias entre os 34 países americanos. te do acordo do Pacífico. A Colômbia
Um ponto fundamental quando da
sentido de expandir sua pode aderir a ele mais à frente.
sua discussão se referia à competiti- De um modo geral há três recomen-
vidade da economia brasileira frente
participação no comércio dações importantes que devem guiar
à norte-americana. Argumentava-se, as discussões em um processo de inser-
de modo equivocado, que a maior
mundial. Um aspecto nessa ção do Brasil no fluxo global de bens
produtividade global da economia e serviços. A primeira se refere à ne-
dos Estados Unidos inviabilizaria o
direção foi ter optado em cessidade de o país jogar de forma co-
setor industrial brasileiro. ordenada nos vários tabuleiros (União
Na verdade, o que rege as trocas in-
focar no Mercosul Europeia, OMC, Alca, Mercosul e
ternacionais são as vantagens compa- TPP) e ainda ampliar as negociações
rativas e não as vantagens absolutas. visando a acordos comerciais bilate-
Nesse sentido, a Alca teria permitido rais. Outro ponto relevante é consi-
ao Brasil maior acesso aos mercados que lhes garantiriam competitividade derar a diversidade das condições de
industriais tradicionais dos Estados frente aos seus concorrentes dentro competitividade de cada setor na eco-
Unidos como o de aço, calçados, do mercado norte-americano. nomia brasileira, algo que demanda
têxteis, vestuário, couro, material de Historicamente a política comer- a necessidade de programas setoriais
transportes e segmentos de alimentos cial brasileira foi equivocada e isso domésticos de capacitação e aumento
processados, como o de suco de laran- pode ser exemplificado através da de produtividade naqueles com maior
ja. Esses setores da economia brasileira evolução do país no comércio mun- dificuldade para competir. Por fim, há
estariam concorrendo com países de dial desde o final dos anos 40. Naque- a necessidade de mais e melhores es-
desenvolvimento intermediário como la época o Brasil tinha uma participa- tudos acerca das condições específicas
o México, Venezuela, Colômbia e Ar- ção no fluxo internacional de apenas da competitividade da produção na-
gentina, e não com a economia norte- 1,8% e em 2013 ela foi de 1,4%. cional para equipar os negociadores e
americana, que há tempo tornou-se No mesmo período o Japão saiu de agentes públicos envolvidos na formu-
importadora desses produtos. 1,1% para 4,5% e a China de 0,9% lação das políticas de integração com
A indústria norte-americana se para 12,1%. Outro dado importante dados sobre os produtos “sensíveis”
concentra nos segmentos de alta também ajuda a mostrar que o país em nossa pauta comercial.
tecnologia, como informática, tele- fracassou com suas ações comerciais. Os riscos associados à abertura
comunicações, química fina, fibras Entre 2001 e 2014 as exportações econômica são grandes, assim como
óticas, aeronáutica de grande porte e mundiais em relação ao PIB mundial as oportunidades que esse processo
outros setores de alta relação capital/ passaram de 18,4% para 24,2%. No oferece. Isso faz parte do jogo. A for-
trabalho. Essas indústrias não con- mesmo período as exportações bra- mação da TPP é uma realidade e ela
correm com a indústria nacional. sileiras em relação ao PIB doméstico está aberta a novas adesões, inclusive
A Alca teria sido um importante saíram de 10,5% para 10%. ao Brasil. O país deve defender seus
fator de estímulo para o crescimento O Brasil está ficando cada vez interesses no processo de negociação
do setor industrial brasileiro, o qual, mais para trás no mundo globaliza- e se ajustar a ele, de tal modo que pos-
ainda que concentrado nos ramos do. A economia brasileira é uma das sa atuar de modo competitivo no ce-
tradicionais, já passou pela abertura mais fechadas do mundo e está amea- nário que está se desenhando e, dessa
comercial do início dos anos 90, atin- çada de ficar cada vez mais isolada no forma, ampliar sua participação no
gindo índices de eficiência e qualidade comércio internacional. Será impres- fluxo global de bens e serviços.

J a n e i r o 2 016 | C o n j u n t u r a E c o n ô m i c a 6 5
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