Você está na página 1de 3

III

O Vaticano II e a Vida Religiosa


(1965-1970)

O Concílio pediu à vida religiosa reviver as suas origens carismáticas e assumir o


seguimento de Jesus segundo o Evangelho; a participar na vida da Igreja, a empenhar nos na
causa dos mais necessitados e a potencializar a audácia missionária. Os textos relativos à Vida
Religiosa são sobretudo a Constituição Lumen Gentium (LG) e o Decreto Perfectae caritatis
(PC). Outros dos decretos importantes são Christus Dominus e Ad Gentes. Porém também os
outros documentos falam aos religiosos.
O Concílio afirma a origem divina da vida religiosa e sua pertença de maneira indiscutível à
vida e santidade da Igreja (LG 44). A vida religiosa é uma realidade na Igreja e da Igreja, toda
ela chamada à santidade . É parte integrante do Povo de Deus e, por isso mesmo, não é uma
realidade isolada. Fala-se em correlação ao ministério ordenado e com o laicato. Reconhecida a
vida consagrada em todo seu valor ecclesial e seu caráter de “signo claríssimo do reino dos
céus” (PC 1), os Padres conciliares estabeleceram um programa para sua renovação. Os
princípios e critérios ficaram expressos nos nºs. 2 e 3 do decreto Perfectae Caritatis. Quando se
fazia a proposta de renovação para a vida religiosa, já estavam aprovadas ou muito avançadas as
quatro grandes constituições: sobre a Igreja, liturgia, divina revelação e Igreja e o mundo
contemporâneo.
Os trabalhos para a renovação no âmbito da Vida Religiosa à luz dos documentos
conciliares vão abrir novos rumos e perspectivas. Se irá assistir a uma revolução copernicana
que vai colocar a Vida Religiosa dentro do mundo.
É nestes ventos de mudança e adaptação ao Concílio que, em 1965, a Assembleia Geral dos
Superiores Maiores do Brasil chama atenção para a a observância das orientações conciliares. É
pedido uma adaptação aos novos tempos e lugares, que permita um melhor diálogo com o
mundo contemporâneo, dando preferência aos pobres e excluídos da sociedade.
O mundo descoberto pelos religiosos é o mundo técnico e secular em profunda
transformação. Este confronto com o mundo moderno levou muitos religiosos a se sentirem
isolados e atrasados. Daí muitos entenderem como tarefa urgente uma adaptação e
“modernização” da Vida Religiosa.1
O modo de compreender e viver o próprio trabalho num contexto secularizado, entendido,
antes de tudo, como o simples exercício ou de uma profissão determinada, e não como o
cumprimento de uma missão de evangelização, algumas vezes colocou na sombra a realidade da
consagração e a dimensão espiritual da vida religiosa. Por vezes, chegou-se ao ponto de
considerar a vida fraterna em comum como obstáculo ao próprio apostolado ou como um mero
instrumento funcional (uma boa equipe de trabalho).

1 Cf. Maria Carmelita De Freitas, Opção renovadadora: A Igreja no Brasil e o Planejamento Pastoral, Loyola, São
Paulo, 1997,56.
Uma nova concepção da pessoa emergiu no pós-concílio, com uma forte repercussão do
valor de cada pessoa e de suas iniciativas. Logo depois se fez vivo um agudo sentido da
comunidade entendida como vida fraterna que se constrói mais sobre a qualidade das relações
interpessoais que sobre os aspectos formais da observância regular.
Esses acentos, em alguns lugares, foram radicalizados (daí as tendências opostas:
individualismo e comunitarismo), sem ter, às vezes, conseguido uma composição satisfatória.
Por toda a América Latina nascem novas comunidades inseridas, modelo este de comunidades,
que se instalaram em comunidades do continente americano, tanto por indivíduos oriundos de
Ordens ou Congregações como de seminaristas, sacerdotes e religiosas. Motivados a viver na
pobreza e partilhar mais que o supérfluo, partilhar o essencial e o primordial da vida de cada
um, identificavam-se com a solicitação conciliar do ‘retorno aos primórdios do cristianismo’,
colocando em comum os bens materiais e espirituais. 2
Trata-se pois de uma Igreja em contraste transformação quer “ad intra” quer “ad extra”.
A década de setenta é marcada por um intenso debate ideológico e pelo questionamento das
estruturas sócio-económicas. Se discutem reformas de base enquanto a sociedade brasileira se
depara com uma grave crise económica. É neste contexto que surgem as Comunidades
Ecclesiais de Base e também novas comunidades de Vida Religiosa, sobretudo femininas.
Estas novas comunidades eram grupos que buscavam prioritariamente novas formas de
vivência do projeto religioso. Sendo que grande maioria destes grupos queria actuar na pastoral
diretamente com o povo.3
A Assembleia Geral da CRB de 1968 teve como tema : “A Vida Religiosa no Brasil hoje”.
Visou atualizar a organização e as metas da CRB e estudar as diretrizes básicas para a renovação
da Vida Religiosa no Brasil. Teve como metas responder aos apelos de Deus que se fazem ouvir
na História do povo; envidar todos os esforços nos planos de educação de base e a orientar sua
solicitude pastoral no sentido de uma educação para o desenvolvimento integral e solidário. A
pergunta chave era : Qual o papel dos religiosos neste contexto social?
Houve uma série de insistências positivas para as programações futuras da CRB: · Primazia
à reflexão teológica, buscando o sentido da vida religiosa dentro da Igreja, fomentando e
criando equipes de reflexão. Se deu ênfase à realização pessoal dos religiosos, capazes de serem
sinais de esperança para um mundo conturbado . Buscar pessoas preparadas ou prepará-las
diretamente para que possam ajudar as congregações, as Províncias, as comunidades menos
favorecidas. · Promoção de cursos especiais para superiores masculinos, para pessoas de mais
de 50 anos. Acompanhar especialmente a faixa de formação: a teologia da vocação e as novas
técnicas de animação de comunidades. 4
Com esta aceleração de ritmos e de mudanças, se observa um choque colossal em muitas
congregações, muita das vezes fruto do choque de mentalidades.

2 Ibidem, 60.
3 Cf. Mario Fabri dos Anjos (Org), Vida Religiosa e Novas Gerações – Memória, poder e utopia, Editora Santuário,
Aparecida,2007,46.
4 Cf. Eduardo Hornanaert, Os Religiosos e o Mundo moderno, Convergência 29 (1970) 2-7.
A CRB, se propôs a ajudar as congregações nesta caminhada, e criar condições para que a
renovação da vida religiosa se efectivasse no Brasil, teve que pagar o preço da sua posição
pioneira. .
Em Junho de 1969, chegou às mãos do Presidente da CRB, Pe. Marcelo Carvalho de
Azevedo SJ, um informe da Sagrada Congregação dos Religiosos. O documento tinha como
título, “Aspetos alarmantes da vida religiosa no Brasil”. O documento tinha cinco tópicos :
1. Fontes de Informação; 2. Alguns erros mais difundidos; 3. Atitudes da CRB; outras
pessoas e situações embaraçosas; 4. Sugestões para remediar a situação.
O texto da CRB aprovado em 1968 havia sido mandado a Roma e foi alvo de muitas
críticas. Roma sugeriu uma intervenção na CRB, onde se propunha a substituição de quadros
dirigentes por outros de orientação mais segura e a divisão da Conferência em masculina e
feminina.
Este facto mostra bem como a Vida Religiosa no Brasil foi tensa.

Sérgio Miguel

Você também pode gostar