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AÍ DENTRO

(contos)

Severino Figueiredo
PQ

- Mama...

- Hum.

- Por que a pinta da gente fica dura?

Gilka abuticou os olhos:

- É... quando a bexiga enche de xixi. Viu?

- Hum. Papai também?

- Todo homem, Ciço.

- E por que o tio Arnóbio num vai mijar?

- Vai sim, não pode segurar, quem disse?

- Porque quando a gente sai de carro a pinta dele só vive dura.


EURECA

Vó gritou da cozinha: – Fecha a janela pro mosquito!

Ciço subiu no sofá, foi quando olhou pro muro entre casas. Carreira pras pernas da
avó:

– Vó, tem uma mulé pelada aí nessa casa!

– Quem disse?

– Eu vi quando fui fechar a janela.

– Esquece!

– Mas ela é cheia de cabelo na princesa.

– Cícero!

– A senhora também é?

Dona Cida danou-lhe a mão, Cicinho caiu sentado.

– Me respeite, seu troncho.


Na mesma hora ela trouxe o neto pro colo:

– Essa casa é um bar, meu fi, os homens vão lá beber.

– E por que ela tá sem roupa?

– Necessidade, Cicinho, o calor tá grande.


CRIME DE DOMINGO

- Lá vem a boca de fossa.


- Ave, mãinha KKK, já lavei. Bença?
- Bençoe, café tá na mesa.

Samona saiu e voltou mais o comer. Sentou-se falando da noite passada, Bira
tinha broxado.

- Um pau grande, mãinha, mas molenga.

Assistiam ao preço da arroba no Globo Rural quando aconteceu.

PÁ-PÁ-PÁ-PÁ-PÁ

- Uma hora dessa? Quem?


- Fala baixo!

Nalva botou a TV no mudo e desceu das chinelas. Foi pro portão pé ante pé.
Encarou o olho mágico. PÁ-PÁ-PÁ. Virou-se arregalada pra Samona. Fez mimicas
de cala boca e de faca cortando goela. Voltou molhadinha pra sala, aos sussurros:

- Não fala na-da, desliga isso, são eles!


- ???
- Testemunha de jeová.
No bole-bole o controle escapuliu da mão de Samona. PÁ-PÁ-PÁ. Mãe e filha se
atracaram:

- E agora?

Nalva correu do abraço pro celular. PÁ-PÁ-PÁ.

- Central de polícia, em que posso ajudar?


- Reféns, moço, eu e minha filha tamo feita refém.
- Onde a senhora se encontra?
- No quarto.
- Com quem?

PÁ-PÁ-PÁ

- Eu mais minha menina, eles tão lá fora.


- Estão em quanto?
- Quatro, três homens e uma mulher.
- Ok, peço que a senhora mantenha a calma e me passe seu endereço.
- Rua do Cajueiro, 31, Cabedelo, de frente pro AA.

Os policiais chegaram à casa 10 minutos depois. Evacuaram a rua e empunharam


megafone: que as reféns fossem entregues, a casa tava cercada. Na mesma hora
Nalva saiu agarrada mais a filha. Foram direto pro SAMU receber os primeiros
cuidados.
O TEMPO E TAL

Cinco pras cinco. Raimundo aprumado na cadeira que nem os colegas.

- Tia, pode ir? Assim eu perco o voo.


- Guente o facho que já sai.

Daí três minutos corria porta afora, passando em poeira pelo porteiro. Chegou
aqui cinco e cinco, quando desceu as correias dos ombros:

- E aí, Dona, vai ter hoje não, é? KKK


- Calme, tome o tamborete.

Raimundo apanhou o banco e acomodou as beiras. Olhava de um lado a outro


atrás de comprador. Veio um.

"Dê uma de coco e queijo"

Dona Mira punhou a goma e despejou na frigideira.

- Manteiga?
- Bote.
Na ponta do carro de mão Raimundo esperava o voo. Num solavanco Mira ergueu
a panela na altura dos peitos, a massa rebolou no ar e caiu com o lado cru na
frigideira. O boy gaitou com a aterrissagem. Entregue o troco a mulher ouviu o de
sempre:

- Me ensina a fazer isso, Dona, como faz?


- É o tempo, Raimundinho, que dá essas coisas pra gente.

O boy catou a bolsa a fim do caminho de casa. Dobrou a esquina ligeiro,


GENTILEZA

Amália veio esticando o corpinho desde o título do texto: uma mão no cano
amarelo pra aprumar o cabo dos pés e a outra correndo o ar em coisa de vôlei:

– A gente pequena é uma desgraça! Puxe aqui, meu fi.

O narrador fez sim de feição, danou o dedo na cordinha.

– Brigada. A do meio, motor!


– Lá atrás, dona, que é pra num me complicar.
– Putaria é essa, rapaz?
– Eu vou ser chamado atenção na empresa, colabore.
– Eu tô ligada no seu colabore, se eu fosse gostosinha num instante abria.

A mulher correu pra porta traseira, desceu não sem meter tapa na mesa:

– Bicho fuleiro!

O ônibus seguiu viagem com a porta do meio abrindo vez em quando.


DE ESCORPIÃO

Claudionor ia tombar na cama quando viu um escorpião no travesseiro. Chamou


logo mãinha pra ver aquilo. Trouxe mais ela irmão, primo e vizinha, ficaram os
cinco em redor do animal.

- Valha meu pai, de onde veio essa praga?


- Acho que caiu da telha.

Deram fim ao bicho com fogo. A noite passou com Claudionor de olho abuticado.
Afastou os móveis da parede, sacudiu colchão, fronha, lastro; varreu o quarto pela
primeira vez no ano. Deitou-se. Revistou a cama umas quatro vezes na
madrugada.
Daí pra frente, dias de cautela. Tudo era escorpião pra Claudionor. Muriçoca,
prego, mancha de merda na toalha. Não andou mais descalço. Aspirava o sofá
toda manhã; no almoço, ia de concha furada com medo do bicho tá no caldo do
feijão. Encasquetou com a buceta da namorada. Vistoriou tanto a região que
Vilma suspirou, foi a primeira vez que ele fez a boyzinha gozar.
Quinze dias depois, no bebedouro, ouviu:

- Áries é fogo, bicho, é pavão puro. Eu sou mais oculto, sou escorpião.

Claudionor ergueu a cabeça. Olhou pros dois caras:

- Tu é o quê, mizera? Repete!


E o hippie: - De... de escorpião.

Claudionor desceu três murros no galego. Não deu mais porque os guardas da
Universidade chegaram. Onor inda ameaçou o boy:

- Eu te queimo, mizera, te queimo!


TROIS

Naldinho tava só a estrela-do-mar no chão, todo arreganhado.


Afrouxaram o cinto dele num repente: tome abrir bermuda,
folgar percatas, a zorba azul à mostra. A camisa pólo foi no
bruto, rasgaram do cós à gola. Daí pra frente uma das mulheres
posicionou as mãos no peito dele e danou-lhe conhecimento:

VUCO! VUCO! VUCO! VUCO!

No movimento de sobe e desce Naldinho era um saco de


estopa, o bucho branco não se aguentava na pressão. A
boyzinha logo que cansou as articulações cedeu espaço pra
outra. Mesmo embalo - VUCO! VUCO! VUCO! VUCO!

Foi no último movimento que ele abriu os olhos, tossiu na


pressa de saber onde tava: o coração voltara a tilintar lá dentro.
O povo que acompanhava a ocorrência aplaudiu as socorristas.

Severino Figueiredo

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