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AS METROPOLES E A QUESTAO SOCIAL BRASILEIRA ORGANIZADORES Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro Orlando Alves dos Santos Junior 7 Editora Revan Sat) CAPITULO I : GLOBALIZACAO E POLITICA URBANA NA PERIFERIA DO CAPITALISMO Erminia Maricato! Pedimos, por favor, ndo achem natural o que muito se repete! A excegdo é a regra (Bertold Brecht) Igumas perguntas podem nos ajudar a abordar um tema complexo como € 0 planejamento urbano e que est passando por uma grande mudanga no mundo revolucionado pela reestruturago da produgao capitalista inicia- da no final do século XX?. Considerando-se que uma parte dos Estados Nacionais séo mais frageis que muitas das maiores corporagées mundiais e que estas nfo tém muitos limites para expandir seus poderes e impor seus modelos, quais so as pers- pectivas de desenvolvimento de um planejamento territorial inspirado na diversidade cultural, social e ambiental de cada pafs e cada cidade? Considerando-se que 0 idedrio neoliberal que acompanha a globalizacao impée a desregulamentagao ¢ a privatizagao dos servigos publicos, eliminan- do a nogio de subsidio, como planejar e implementar politicas voltadas para as necessidades da maior parte das populagées dos pafses da periferia do capitalismo, que nfo fazem parte do mercado privado? Considerando -se que o capital financeiro internacional, dominante na atu- alidade, no pode submeter-se ao ritmo ou incertezas das instituicdes democrati- cas nacionais e engendra novas instituigdes que decidem mais do que os préprios Parlamentos Nacionais ou Tribunais Superiores (volume dos superdvits, taxa de juros, decisdes sobre 0 cambio, taxa de risco...), qual & 0 espaco que existe para o exercicio do planejamento territorial, executado por meio de politicas ptiblicas com participago social, que contraria interesses do novo imperialismo? * Profa. Titular da Universidade de Séo Paulo. Ex secretéria de Habitagao e Desenvolvimento Urbano da Cidade de Sao Paulo (1989/92). Vice Ministra das Cidades do Brasil (2003/2005). ? Iremos utilizar o conceito de globalizagio para referir a0 conjunto das mudangas (incluindo a ideologia, a cultura e a politica) ocorridas no mundo a partir do que Harvey chama de reestruturago produtiva do capitalismo que tem inicio nos anos 1970. Considere-se ainda que essas mudangas conhecidas por globalizagao desa- bam sobre um sistema politico que nfo se modernizou. Pelo contrério, estamos nos referindo a sistemas politicos baseados no patrimonialismo, entendido como © uso pessoal da esfera publica e o exercicio da politica do favor (ou troca) dominado por uma forte oligarquia nacional. Considere-se ainda que essas mu- dangas desabam sobre uma sociedade que nao universalizou os direitos sociais (previdéncia, satide, educagaio) e que mantinha grande parte da populagao na informalidade sem acesso aos direitos trabalhistas. Qual a possibilidade dessa sociedade reverter o rumo do aprofundamento da desigualdade e da pobreza? Qual a possibilidade de implementar planos baseados em prioridades sécio- ambientais, indices, indicadores ¢ metas? Como assegurar a participagio demo- cratica e a implementagio das decis6es decididas democraticamente? Considerando-se que 0 novo imperialismo exacerba a importancia dos pé- los urbanos e metropolitanos que j4 séo importantes e que o idedrio neoliberal trouxe as marcas de competigao entre cidades e fragmentagao do territério, qual a chance de se desenvolver uma politica de cooperativismo federativo? Globalizagdo e poder Assim como o taylorismo e o fordismo moldaram um novo homem e uma nova sociedade, a globalizagao também esta produzindo um novo homem e uma nova sociedade por meio de transformagées nos Estados, nos mercados, nos processos de trabalho, na estética, nos produtos, nos habitos, nos valores, na cultura, na subjetividade individual e social, na ocupagéo do territério, na produg&o do ambiente construfdo e na relag&o com a natureza. De fato, a hegemonia do fordismo acarretou grandes mudangas sociais a0 disseminar uma forte disciplina para o trabalho sob o ritmo mecanizado e repetitivo da grande industria. Horarios rigidos, rotinas rigorosas, os gestos repetidos, a maquinaria impés um ritmo muito distante da vida rural mediada pelas estagdes do ano ou pelas forgas da natureza. Até a organizacio da vida familiar, a incorpo- ragio da mulher ao mercado de trabalho, a penetragao dos eletrodomésticos no ambiente doméstico, a generalizagao do uso individual do automével, todo um modo de vida foi sendo moldado, nao sem muito conflito, acarretando mudan- cas na moradia e na cidade. Produgéo em massa de objetos padronizados para o consumo de massa passou a incluir os préprios operérios’. A combinagao do fordismo com o keynesianismo gerou o que Hobsbawn chama de “anos dourados”, ou seja, um periodo de 30 anos (1940 a 1970) > Gramsci, 1949. =<

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