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Brasileiro de Direito
Urbanístico
• ANAIS •
ISBN 978-85-5722-042-3
1º edição
Florianópolis/SC 2017
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Disponível em <www.even3.com.br/anais/9cbdu>
ISBN: 978-85-5722-042-3
COMISSÃO ORGANIZADORA
ANDRÉ AZEVEDO SOLLERO
DANIELA CAMPOS LIBÓRIO
HENRIQUE BOTELHO FROTA
LUIZ ALBERTO DE SOUZA
MARCELO LEÃO
RAFAEL TACHINI DE MELO
RODRIGO FARIA G. IACOVINI
COMISSÃO CIENTÍFICA
ADRIANA NOGUEIRA VIEIRA LIMA (BA)
ALEX FERREIRA MAGALHÃES (RJ)
BETÂNIA DE MORAES ALFONSIN (RS)
BIANCA TAVOLARI (SP)
BRUNO SOEIRO VIEIRA (PA)
CLAUDIO OLIVEIRA DE CARVALHO (BA)
DANIEL GAIO (MG)
DANIELA CAMPOS LIBÓRIO (SP)
DÉBORA SOTTO (SP)
FERNANDA COSTA (PE)
FERNANDO GUILHERME BRUNO FILHO (SP)
GUADALUPE ALMEIDA (SP)
HENRIQUE BOTELHO FROTA (CE)
JOÃO APARECIDO BAZOLLI (TO)
KARINA GASPAR UZZO (SP)
LIGIA MELO DE CASIMIRO (CE)
LUIZ ALBERTO DE SOUZA (SC)
LILIAN PIRES (SP)
MARIANA MENCIO (SP)
MARISE COSTA DE SOUZA DUARTE (RN)
MAURÍCIO LEAL DIAS (PA)
MARCELO EIBS CAFRUNE (RS)
MIGUEL ETINGER DE ARAÚJO JUNIOR (PR)
NELSON SAULE JÚNIOR (SP)
PAULO AFONSO CAVICHIOLI CARMONA (DF)
RODRIGO FARIA G. IACOVINI (SP)
SABRINA DURIGON MARQUES (DF)
THIAGO DE AZEVEDO PINHEIRO HOSHINO (PR)
VANESSA KOETZ (SP)
RESUMO EXPANDIDO
GT 1: EXPERIÊNCIAS DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITO
URBANÍSTICO
GT 8: CIDADES DEMOCRÁTICAS
1. Introdução
1
Mestra em Direito pela PUCRS. Faculdade CNEC Gravataí. Coordenadora do Curso de Direito. Ordem dos
Advogados do Brasil – OAB/RS. Presidente da Comissão Especial de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano.
1
2. O Direito Urbanístico como disciplina
2
2.1. A importância da inclusão da disciplina de Direito Urbanístico no âmbito da formação
de profissionais das áreas de planejamento urbano e os reflexos sociais
3
Portanto, faz-se importante incluir nas grades curriculares dos cursos de graduação a
disciplina de Direito Urbanístico para demonstrar e alertar que não há falta de legislação para
implementar o processo de urbanístico, mas sim a falta de vontade das políticas públicas de
aplicarem a lei na solução ou amenização dos problemas urbanos. Nesse sentido, destacamos o
Artigo 4º, do Estatuto da Cidade que dispõe acerca dos instrumentos da política urbana.
Daí a necessidade da inclusão e implementação da disciplina de direito urbanístico no
âmbito da formação daqueles profissionais em que o planejamento urbano faz parte, em algum
momento, da atividade profissional.
3. Considerações finais
O tema principal deste trabalho foi demonstrar a importância que a disciplina de Direito
Urbano passou a ter nas últimas décadas devido a crescente urbanização das cidades aliada a
falta ou o insuficiente planejamento das mesmas, surgindo a premência das Instituições de
Ensino Superior incluírem em seus currículos a disciplina de Direito Urbano para fins de formar
egressos hábeis e competentes para lidarem com as questões de planejamento urbano.
Ao chegar ao final do desiderato proposto, não podemos dizer que se chegou ao no fim da
pesquisa, pois é um tema que comporta uma investigação contínua em face de sua ligação com a
constante mutação social. Todavia, convém finalizar com algumas conclusões.
A urbanização é um fenômeno moderno que gera problemas sociais que a urbanificação é
capaz de resolver mediante a ordenação das cidades com a ordenação dos espaços e a
localização de equipamentos, mobiliários e serviços públicos urbanos, além da habitação e
transporte.
O Direito Urbano, Direito Urbanístico ou Direito do Urbanismo é um ramo do Direito
Público com origem no Direito Administrativo, e hodiernamente, com autonomia como disciplina
do Direito, pois conta com nomenclatura própria e uma sistematização de normas específicas,
voltadas para a realização e aplicação de princípios próprios.
Diante das constantes mutações sociais o Direito Urbano é um ramo que está ligado a
diversas disciplinas do Direito, bem como de outras áreas do saber, eis que o seu conteúdo se
justifica pelo bem que proporciona a toda a sociedade. Assim, as questões urbanas requerem
profissionais especialistas de diversas áreas do conhecimento envolvidos nessa área inter e
multidisciplinar do conhecimento.
O ensino superior de graduação integra a sociedade como um agente interativo que tem
por finalidade formar profissionais hábeis e competentes para enfrentarem as demandas
profissionais e sociais, por isso, as Instituições de Ensino Superior que oferecem cursos de
graduação devem estabelecer na grade curricular disciplinas que contemplem a integração social
de acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
4
É de fundamental importância e necessária a inclusão do conteúdo de Direito Urbanístico
no âmbito do ensino superior de graduação, como disciplina, a fim de que os profissionais
possam ter o conhecimento e a capacitação na interpretação e aplicação da legislação
urbanística em vigor, identificar as necessidades presentes e futuras dos meios urbanos e rurais,
pondo em evidência as oportunidades, os desafios, as condicionantes e as ameaças ao seu
desenvolvimento sustentado, bem como, gerir e avaliar os efeitos e as implicações das
transformações urbanísticas, entre outras atribuições. Ainda, importante ressaltar que todo projeto
urbanístico exige estudos baseados nos mais diversos saberes de especialistas graduados em
diferentes áreas de conhecimento, todavia, o resultado positivo do projeto surtirá da convergência
do conhecimento de todos estes especialistas.
Como sugestão para a efetiva inclusão do componente curricular de Direito Urbanístico
nos currículos dos cursos de graduação que formam egressos para as áreas de planejamento
urbano, em especial dos cursos de Direito, Arquitetura, Engenharia e Administração,
recomendamos à Secretaria Executiva deste IX Congresso Brasileiro de Direito Urbanístico e ao
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico o envio de proposta neste sentido ao Ministério de
Educação/Conselho Nacional de Educação.
[1] YOUSSEF, Alexandre. Políticas públicas e juventude. In: Juventude, cultura e
cidadania, comunicações do Iser, ano 21, Edição Especial, 2002, p. 177.
[2] Boa parte dos autores franceses trata o direito urbanístico como direito do urbanismo,
denotando tratar-se de uma disciplina jurídica do urbanismo.
[4] SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao
planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 102.
4. Referências bibliográficas
YOUSSEF, Alexandre. Políticas públicas e juventude. In: Juventude, cultura e
cidadania, comunicações do Iser, ano 21, Edição Especial, 2002, p. 177
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2003.
MUKAI. Toshio. Direito Urbano-Ambiental Brasileiro. 2ª edição revista, atualizada e
ampliada. São Paulo: Dialética, 2002.
SILVA, José Afonso. Direito Urbanístico Brasileiro. 4° ed. Revista e atualizada. São
Paulo: Malheiros, 2006.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e
à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 01 - EXPERIÊNCIAS DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITO
URBANÍSTICO
1.Introdução.
O processo de implementação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS),
instrumento aprovado no Plano Diretor Participativo de Fortaleza (PDPFor) de 2009, ainda
caminha a passos lentos. Quase dez anos após a aprovação do Plano Diretor Participativo de
Fortaleza, a política urbana ligada à urbanização de favelas e habitação de interesse social se
mostra pouco importante para as gestões municipais. Os caminhos para implementação das ZEIS
são vagarosos, dotados de reuniões lentas, em que pouco se decide e muito se discute. Enquanto
isso, a população de assentamentos precários, que vive em situações de vulnerabilidade fundiária
e ambiental, pressiona de sua maneira, para que algo seja feito, vista essa condição atual de
ilegalidade urbana.
O PDPFor apresenta os principais aspectos para a implementação das ZEIS como
instrumento de regularização urbana e fundiária, apresenta: “Art. 270 - Será elaborado plano
integrado de regularização fundiária específico para cada uma das ZEIS 1 e 2, tendo como
conteúdo mínimo:
I - diagnóstico da realidade local, com análises físico-ambiental, urbanística e fundiária,
mapeamento de áreas de risco, identificação da oferta de equipamentos públicos e infraestrutura,
caracterização socioeconômica da população e Mapeamento das demandas comunitárias;
2
2. O caso da ZEIS do Bom Jardim.
(Mapa 01: Localização da ZEIS do Bom Jardim com as comunidades participantes. Elaborado pelos autores
com os dados do PDPFor e PLHIS)
Seguindo com a demanda apresentada pelo CDVHS, a associação apresentou o interesse
de um Plano Popular para a ZEIS do Bom Jardim, pensando principalmente em trabalhar com as
quatro maiores comunidades do perímetro: Marrocos, Nova Canudos, Ocupação da Paz e
Pantanal. O primeiro passo foi o de apropriação e aproximação da área, intensificando a presença
dentro dos assentamentos e demonstrando interesse de conhecimento sobre a dinâmica urbana
do local, em visitas semanais com membros das próprias comunidades e do CDVHS. Essa
formatação de apropriação funciona como uma chegada inicial, uma aproximação tímida, como
forma de vislumbrar a realidade comunitária e iniciar um diálogo mais próprio com os moradores.
Esse formato de discussão aparece como norteador e instigador sobre as questões urbanas tão
pouco conhecidas nas comunidades, apresentando questões sobre: O que é ZEIS? Como
funcionam as ZEIS? Que tipo de benefícios esse instrumento traz para as comunidades de baixa
renda, já mapeadas pelo Plano Diretor?
3
Segundo afirma FREITAS et al.: “[...] Para que as ZEIS possam realmente garantir o direito
à moradia, é necessário que seja realizado pelo poder público municipal um Plano de
Urbanização, que deverá definir formas de gestão, implementação e manutenção dessas zonas
elaborados com todos os atores urbanos.”9
Falar sobre a importância desse zoneamento especial e introduzir esse tema junto aos
habitantes das comunidades é o incentivo principal para sensibilizar sobre o processo participativo
de planejamento. Como afirma Socorro Leite: “Especialmente para os grupos sociais
historicamente excluídos, a oportunidade de participar de discussões e definições sobre a
melhoria de sua cidade, do seu bairro e dos seus lugares de moradia, representa um ganho
inestimável. Contudo, a situação de extrema carência, aliada à falta de informação, coloca esses
grupos em situação de fragilidade e vulnerabilidade, diante dos seus interlocutores ao longo dos
processos participativos.”10
Trabalhar com a realidade da comunidade, especificar problemas, ouvir as vozes de
pessoas que sabem do que estão falando faz da prática de planejamento um ato de cidadania e
menos excludente.
2.2 Diagnóstico.
Na fase seguinte, inicia-se a prática de diagnóstico participativo com as quatro
comunidades selecionadas dentro da ZEIS. O diagnóstico consiste em um olhar específico,
analisando alguns pontos importantes das realidades das comunidades. Essa fase apresenta com
uma divisão de quatro subgrupos específicos, sendo eles: Condições físico-ambientais;
Infraestrutura e equipamentos; Espaços livres e Uso e ocupação do solo. Cada parte observando
questões primordiais.
Em condições físico-ambientais, averigua-se a situação ambiental dos assentamentos, já
que a maioria deles localizam-se em zonas de fragilidade ambiental, levantando questões
relacionadas a problemas relativos às chuvas, alagamentos e inundações, aos tipos de solos,
mostrando as declividades da região.
Em infraestrutura e equipamentos, verifica-se a presença de infraestrutura urbana nos
assentamentos, se é existente a presença das redes de abastecimento de água e energia elétrica,
ou de coleta de lixo, drenagem e esgoto, como os habitantes lidam com os problemas causados
pela falta de iluminação pública, de redes de drenagem, coleta de esgoto e de lixo e como a
população se utiliza dos equipamentos públicos da região, se existem creches e escolas de todos
os níveis, postos de saúde, Centros de Assistência Psicossocial (CAPS), Centros de Referência
4
da Assistência Social (CRAS) que atendam à demanda dos moradores e também como é a
presença do transporte público dentro das comunidades, se existem linhas que passam pelas
comunidades ou apenas margeiam seus polígonos.
Em espaços livres, observa-se como as comunidades se relacionam com os espaços
livres, se existem espaços livres de qualidade, como praças, campos ou até terrenos vazios
utilizados como espaços da comunidade, qual a relação principal dos moradores com as ruas, por
vezes únicos espaços livres existentes, se as ruas são utilizadas como espaço de congregação,
se detém tamanhos agradáveis, se existe presença de áreas arborizadas nesses possíveis
espaços livres.
Em uso e ocupação do solo, considera-se a apresentação de aspectos da cidade formal,
demonstrando, hipoteticamente, como funcionaria um parcelamento formal na área respeitando os
índices e taxas vigentes no PDPFor e utilizando-se do zoneamento ordinário da área, questiona-
se também a presença de usos variados dentro das comunidades, se existem edifícios apenas de
uso residencial ou comercial, se o uso misto é comum.
Todas essas perguntas foram feitas aos moradores das comunidades: Marrocos, Nova
Canudos, Ocupação da Paz e Pantanal. Permitindo com que eles tomassem as rédeas da
situação e assinalarem todas as respostas envolvendo os quatro subgrupos de perguntas, de
forma com que a participação e interação deles com o diagnóstico fosse o mais participativo
possível, utilizando o conhecimento acadêmico apenas como guia e como base para respostas de
questionamentos advindos dos membros da comunidade.
3. Considerações finais
Segundo PEQUENO e FREITAS (2012): “[...] a atuação do Estado ao longo das últimas
décadas tem sido insuficiente, denotando-se, como uma das causas maiores, a dissociação das
políticas urbana e habitacional. Com isso, retarda-se a adoção de medidas efetivas que
contribuam com a solução do problema, adiando-se o enfrentamento da questão fundiária.”11
Com o lento processo de implementação da ZEIS e a necessidade palpável de mudanças
nesses assentamentos precários nota-se como a esfera civil pouco espera das gestões municipais
algum tipo de solução para eles. Os moradores, as associações comunitárias e a Universidade
formam um tripé de troca clara de conhecimento, vivências e interesses.
Percebe-se como as comunidades são interessadas na política urbana e em como aquele
tipo de conhecimento é enriquecedor e importante para o crescimento dos membros da
comunidade como indivíduos bem como grupo comunitário. O aprendizado mútuo aparece claro
durante a elaboração da atividade, os membros universitários conseguiram apurar como a
11 PEQUENO, Renato; FREITAS, Clarissa. Desafios para implementação de zonas especiais de interesse
social em Fortaleza. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 14, n. 28, p. 485-505, jul/dez 2012.
5
realidade apresentada por meios de dados secundários, como os dados, por vezes dúbios,
apresentados pelas secretarias municipais ou dados de nível nacional como a base do Censo do
IBGE nem sempre reflete bem a realidade local, isso só mostra a necessidade dos planejadores
saberem exatamente para onde eles estão planejamento e ouvir de quem sabe o que fala. O
conhecimento cotidiano não é menos válido que o conhecimento científico.
O planejamento sem o Estado não tem nenhuma garantia de que o que foi proposto venha
a ser efetivado, porém este planejamento se mostra de suma importância ao fazer dos membros
comunitários verdadeiros atuantes e protagonistas dentro deste processo de planejamento e
utilizando esse Plano Popular como um trunfo político, um instrumento na luta por melhorias,
sendo utilizado pelas mãos dos próprios moradores, que se mostrarem contemplados pelas
proposições do plano.
O diagnóstico do Plano Popular da ZEIS do Grande Bom Jardim, em fase de finalização,
funcionará como documento para elaboração das próximas fases do Plano Popular, sendo
utilizado como um documento de informações claras e proferidas pelos moradores para a base
das modificações pedidas pelos membros comunitários e propostas, baseadas no diagnóstico,
para o desenvolvimento do Plano Popular da ZEIS do Bom Jardim.
4. Referências Bibliográficas
FORTALEZA. Lei complementar n°:062, de 02 de fevereiro de 2009. Diário Oficial do Município
de Fortaleza. Poder Executivo. 2009.
FORTALEZA. Plano Local de Habitação de Interesse Social de Fortaleza. Fundação de
Desenvolvimento Habitacional de Fortaleza - HABITAFOR. Fortaleza. 2013.
FREITAS, Clarissa; GONÇALVES, Thaís; RIBEIRO, Jéssica. Aspectos urbanísticos da
regularização fundiária e acesso à cidade. Extensão em Ação, Fortaleza, v. 3, n. 2, jul/dez 2013.
Disponível em: <http://www.revistaprex.ufc.br/index.php/EXTA/article/view/94/89>. Acesso em: 25
maio 2017.
LEITE, Algumas reflexões teóricas sobre participação, escolhas e acesso à moradia adequada. In:
LEITE: Participação popular e acesso à moradia: as escolhas possíveis para a população
removida por intervenções de melhoria urbana do prezeis. Recife, 2006. Disponível em:
<http://repositorio.ufpe.br/bitstream/handle/123456789/6833/arquivo6885_1.pdf?sequence=1&isAll
owed=y>. Acesso em: 25 maio 2017.
PEQUENO, Renato; FREITAS, Clarissa. Desafios para implementação de zonas especiais de
interesse social em Fortaleza. Cadernos Metrópole, São Paulo, v. 14, n. 28, p. 485-505, jul/dez
2012. Disponível em: <http://www.repositorio.ufc.br/handle/riufc/6774>. Acesso em: 25 maio 2017.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
1) Introdução
A Constituição Federal de 1988 estabeleceu sistemas de gestão democráticos em vários campos
da administração pública, dentre eles o planejamento participativo. O princípio político da
participação, que inclui as modalidades legislativas e judiciais, está diretamente referido à
legitimidade das instituições democráticas, de modo que a participação nas decisões
administrativas tende a aproximar o administrado de todas as discussões e decisões em que seus
interesses estejam diretamente envolvidos (OLIVEIRA FILHO, 2004). Os conselhos de política
urbana, de acordo com Avritzer; Pereira (2005) são espaços de participação institucionalizada,
distintos tanto do Estado, quanto dos movimentos sociais, que materializam o locus de decisão
relativo a diversas políticas públicas. Esses conselhos, nos três níveis de governo, são órgãos de
participação institucionalizada, compostos por representantes do governo e da sociedade civil com
a incumbência de deliberar, fiscalizar e controlar a política urbana. A lei cumpre a função de criar
as condições jurídico-institucionais para a participação e aos processos deliberativos. Contudo,
em consonância com Anastásia; Inácio (2006), a existência de definição procedimental de
democracia não autoriza a concluir de que os procedimentos democráticos são condição
suficiente para o desempenho adequado das instituições democráticas. Assim, a efetividade dos
instrumentos de gestão democrático-participativa previstos no Estatuto da Cidade como forma de
controle social público, não é assegurada somente pela lei, mas pela ação concreta dos sujeitos e
condicionada a diversas variáveis, tais como: a superação das assimetrias informacionais e de
conhecimento existentes entre os diversos atores envolvidos (AVRITZER; PEREIRA, 2005, FUKS;
PERISSINOTTO, 2006; DOLABELA, 2008); ampla publicidade à realização e aos objetivos de
cada um dos instrumentos de gestão democrática participativa, bem como a disponibilidade de
1
Mestre em Engenharia Ambiental – FURB - Universidade Regional de Blumenau FURB – Professora Curso
de Arq. e Urbanismo, cidadesparapessoasfurb@gmail.com.
2 Mestre em Serviço Social, FURB, professora Curso Serviço Social, marilda@furb.br.
3 Doutor em Direito pela UNISINOS, Professor do Curso de Direito da FURB – Universidade Regional de
Blumenau, feliciano@furb.br.
1
informação prévia, de caráter público, que possibilite a preparação dos participantes para uma
intervenção qualificada; a cooptação dos movimentos sociais, como discutido por Scherer-Warren
(2009); o interesse do gestor em compartilhar o poder (AVRITZER; PEREIRA, 2005); e o
associativismo existente na área. É necessário, como assinalam diversos autores, a criação de
canais de comunicação com a sociedade, visando assegurar legitimidade ao processo pelos que
serão submetidos às decisões políticas (LÜCHMANN, 2007). Almeida e Cunha (2009) destacam
que, as políticas deliberadas nos Conselhos geram obrigações mútuas entre os cidadãos, assim
como do Estado para com eles. Nesse sentido, é importante que os conselheiros estejam
preocupados em deliberar políticas públicas que tenham um alcance para além de seus
segmentos. A ideia é de que deve haver espaços de expressão dos interesses e necessidades
dos grupos, mas que estes possam avançar no sentido de que sejam debatidas e discutidas
questões de interesse de toda a sociedade. Assim, se fazem imprescindíveis investimentos em
informação, treinamento e comunicação para favorecer a democracia participativa em prol,
especificamente, do planejamento urbano municipal, finalidade do Projeto Cidade para as
Pessoas: o empoderamento das organizações sociais. Este objetiva estabelecer uma integração
entre a Universidade e a sociedade civil para a construção de um processo de discussão sobre a
gestão urbana na cidade de Blumenau. A partir das discussões da revisão do Plano Diretor e do
Plano de Mobilidade, identificou-se a necessidade de um intercâmbio de informações e
discussões mais consistente e ágil entre os representantes dos movimentos comunitários e a
sociedade civil, principalmente, os seus representantes nos conselhos municipais, para um efetivo
processo participativo de construção de uma "cidade para as pessoas" com qualidade, mais justa
e igualitária. Ficou evidenciada nas discussões das audiências públicas do Plano Diretor e do
Plano de Mobilidade, a assimetria de informações entre o poder público e a comunidade
participante, em especial, com os representantes não governamentais dos dois conselhos que
atuam diretamente nas políticas públicas urbanas, sendo o Conselho da Cidade de Blumenau
(CONCIBLU) e Conselho Municipal de Planejamento Urbano (COPLAN). As reuniões ordinárias
deste último conselho são mensais, havendo reuniões extraordinárias para atender aos pedidos
de modificação e alteração do Plano Diretor. Essas modificações são pontuais e deixam evidente
o interesse privado, tendo a iniciativa privada conseguido suas aprovações em seu benefício sem
contrapartidas onerosas e, muitas vezes, em prejuízo à coletividade. O conteúdo apresentado nas
reuniões para essa aprovação é muito técnico e encaminhado junto à pauta quando da
convocação da reunião, enviado por email aos conselheiros, com apenas 7 dias de antecedência.
Os conselheiros não governamentais, como agentes públicos, têm função social relevante e
participação não remunerada nos Conselhos; não dispõe das mesmas informações dos
representantes governamentais; falta-lhes uma visão geral dos objetivos e princípios do Plano
Diretor, fundamentação teórica, legislativa e jurídica para a tomada de decisão; tem dificuldade na
definição de horários para o debate coletivo de propostas e para a definição de estratégias a
respeito de sua condução nos debates e, tem pouco tempo para reflexão sobre as ações e os
2
caminhos que necessitam ser trilhados. Nesse sentido, o Projeto Cidade para as Pessoas
oportunizará a este público alvo, momentos de discussão, reflexão e tomada de decisões nos
processos democráticos de gestão ou de construção da política urbana inclusiva, sustentável e
cidadã. O desenvolvimento de Projetos de Extensão se apresenta como alternativa para suprir a
lacuna existente, oferecendo através da experiência de seu corpo docente e discente, melhores
práticas no âmbito do planejamento urbano e complementam os objetivos do mesmo, de forma a
se constituir em um indispensável mecanismo de fortalecimento da participação popular
(SANTOS, 2002; RIBEIRO&CARDOSO, 2003), nas decisões sobre o futuro da sua cidade. Ao
mesmo tempo, se reveste de caráter interdisciplinar, característica da área de conhecimento do
planejamento urbano, uma vez que a cidade é produto das relações sociais e palco permanente
de conflitos e disputas pelo espaço urbano (ROLNIK, 1997). O Projeto Cidade para as Pessoas
propõe, adicionalmente, a continuidade das ações do Núcleo de Estudos Urbanos e Regionais
(NEUR), procurando em especial, incentivar a população local a agir efetivamente como atores
sociais na construção de cidades mais justas e democráticas, e dessa forma fomentar o capital
social existente (FERNANDES, 2003).
2) Desenvolvimento
2.3 Oficina de Ideias e Propostas: Está articulada ao Ateliê Vertical, com o objetivo de aproximar
e articular a rede de entidades, coletivos e pessoas interessadas em discutir e construir um novo
2.4 Análise dos regimentos e demais regulamentações: O estudo sobre a base legal dos
conselhos (COPLAN e do CONCIBLU) - o desenho, as competências e as regras decisórias - se
justifica pela necessidade de apropriação dessas informações para uma boa desenvoltura no
interior desses espaços. A pesquisa é feita em formato documental nas leis e decretos que
regulam a institucionalidade desses espaços de controle social, dirigida por um roteiro de
perguntas.
3) Considerações finais.
O projeto se origina na experiência acumulada do NEUR (Arquitetura) e dos demais professores
de diferentes cursos com experiências em extensão já submetidas em editais anteriores, assim
como pesquisa no âmbito do planejamento urbano, direito urbanístico e do tema conselhista, de
estratégias de comunicação, mediação e arbitragem. Desdobra-se de proposta submetida e
aprovada no Edital PROEXT/MEC 2016. Esse Projeto encontra-se integrado ao ensino de
graduação por meios de disciplinas dos cursos de Arquitetura e Urbanismo, Serviço Social, e
Direito. Além da dimensão do ensino, apresenta potencial para a pesquisa nas distintas áreas de
atuação dos docentes envolvidos, seja em relação à participação dos atores sociais no
planejamento urbano de Blumenau, ao mapeamento de conflitos no âmbito da gestão citadina,
dentre outros. O alcance social dos objetivos previstos no projeto de extensão fica evidenciado
pelo apoio recebido de diversos parceiros (movimentos sociais), que buscam ter um objetivo
comum, a construção de políticas públicas que proporcionem à cidade de Blumenau, uma cidade
mais inclusiva e sustentável. Desta forma, o grupo de professores extensionistas e pesquisadores
têm fomentado a discussão e integração entre os grupos comunitários da sociedade civil
organizada, profissionais, bem como, contribuído para tornar cada vez mais o NEUR uma
referência estadual sobre a temática. E continuará, no mínimo, por questões de ofício, a
pesquisar, desenvolver estudos e elaborar propostas para contribuir ativamente para o
planejamento urbano, dando continuidade à participação interdisciplinar na geração de
conhecimentos e integração de temáticas para pesquisa, ensino e extensão. Cumpre ressaltar
que a validade e o sentido último desta experiência dependem de sua continuidade, que deverá
consolidar um processo de planejamento crítico e permanente que ancore o Planejamento e
gestão Urbana de Blumenau. O tripé da atividade universitária - ensino, pesquisa e extensão -
tem, em um processo desse tipo, as melhores condições para seu fortalecimento e integração
com as ações do Estado e da Sociedade Civil organizada, fortalecendo a formação de quadros
humanistas, técnicos e científicos, a produção do conhecimento e sua aplicação, e o apoio
4
sociocultural e técnico-metodológico às atividades e ações que se fazem necessárias para o
avanço da sociedade como um todo, no mundo contemporâneo.
4) Referências bibliográficas
5
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GT 01 - EXPERIÊNCIAS DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITO
URBANÍSTICO
1. Introdução
A disciplina do direito urbanístico vem alcançando nos últimos anos relevância e importância
acadêmica em razão dos efeitos da ordem urbanística na vida dos cidadãos, na estrutura do
estado e em conceitos jurídicos e políticos como o da propriedade privada, da democracia e da
participação popular. Entretanto, o direito urbanístico carece de uma melhor definição conceitual e
doutrinária. Expressões como direito urbanístico, direito urbano, direito urbano-ambiental, direito
das cidades e às cidades, até a discussão sobre o posicionamento como ciência autônoma ou
vinculado ao direito administrativo, passando pela dificuldade de definição de seus princípios
conteúdo, características e objetivos são questões doutrinárias que merecem uma maior
discussão. Um dos objetivos deste trabalho é identificar brevemente as características próprias da
disciplina do “direito do urbanismo” como disciplina autônoma, seus princípios e conteúdos
normativos para a caracterização da disciplina.
2. Desenvolvimento:
1Advogado, doutor em planejamento urbano e regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
pós doutor em direito do Urbanismo, do Ambiente e do Território pela Universidade de Coimbra – Portugal,
professor da Universidade Federal de Santa Maria - Brasil, email: joaotelmofilho@gmail.com.
devem reger os espaços habitáveis, no seu conjunto cidade-campo”. Atualmente autores como
Mukay (2002, p. 15-22) têm usado expressões direito urbano ou direito urbano-ambiental.
Estas concepções necessitam algumas considerações: Para uma melhor definição conceitual da
interação entre as matérias do direito e do urbanismo, é necessário também esclarecer algumas
dos diferentes conceitos dos fenômenos urbanos, distinguindo expressões como urbanística e
urbanismo. Conforme Condessu (1999, p. 10) a urbanística se refere às técnicas que orientam a
criação e a expansão dos aglomerados urbanos, e que sofrem, historicamente, a influência de
fatores variados, desde as correntes arquitetônicas até as técnicas construtivas e de
planejamento. A urbanística está mais vinculada à prática ou à técnica do que a definição
doutrinária ou conceitual dos conteúdos do urbanismo. As principais técnicas da urbanística
referem-se a procedimentos como o alinhamento, a expansão territorial, a renovação, o
tombamento e o zoneamento, ou seja, critérios técnicos do planejamento e limitados a estes. As
expressões “direito urbano” e “direito à cidade” limitam o espaço da intervenção urbana ao
território urbano, também, a expressão “direito urbano-ambiental” é tautológica: a direito ambiental
faz necessariamente parte do conteúdo do urbanismo e com este se funde nas questões relativas
à qualidade de vida e a dignidade da pessoa humana.
O uso da expressão “direito do urbanismo” é mais ampla, exaustiva (inclui os elementos
caracterizadores da questão urbana) e excludente (exclui elementos não caracterizadores), e,
significativamente mais completa ao englobar, de forma específica, a regulação normativa dos
planos urbanísticos (o direito do planejamento urbano), o direito do uso e ocupação dos solos (que
inclui tanto as políticas públicas quanto às intervenções privadas), o direito das operações
urbanísticas (técnica urbanística), o direito de construção, a disciplina da atividade da
administração pública e dos particulares no ordenamento do desenvolvimento dos meios urbanos
e rurais, o desenvolvimento e o planejamento territorial, a ordenação do território, a integração
regional e dos blocos internacional e a dos critérios de sustentabilidade ambiental. (Condessu,
1999, p. 25). Em resumo, o direito do urbanismo abrange o conjunto das normas jurídicas (regras
e princípios) que disciplinam o regime jurídico da propriedade do solo, a ordenação urbanística, a
organização e a atividade planificadora e gestionária do uso do solo, da urbanização e da
construção e o conjunto normatizado (ou que sofre influência da norma) das políticas públicas
urbanas e rurais. Caracteriza-se como um direito novo, amplo, aberto e evolutivo, para-ambiental,
planificador, corretor de desigualdades, condicionador do exercício dos direitos subjetivos dos
cidadãos e vinculado aos princípios do Estado Social e Democrático de Direito.
2 No Brasil, as disposições constantes no Estatuto da Cidade (Lei Federal 10.257/01) obrigam a discussão
pública e a gestão participativa dos negócios da cidade, o que se dá através da realização de audiências e
de consultas públicas, como forma de garantir a gestão democrática da cidade (art. 43, II).
3
No dizer do professor Eros Grau (2004, p. 135-136) o planejamento, ou o plano, não se inclui em uma das
modalidades de intervenção (por absorção ou participação, por direção ou, por indução). O planejamento
qualifica a intervenção do Estado sobre e no domínio econômico. O planejamento, quando aplicado à
intervenção passa a qualificá-la sob padrões de racionalidade sistematizada, tornando-se, assim, não uma
modalidade de intervenção, mas um padrão de racionalidade. O direito do urbanismo alcança não só as
normas de intervenção e de planejamento, mas todo o processo de decisão. Como instrumentos de ação
política permanente e contínua tanto pública quanto privada, afasta a competência exclusiva da
administração pública a titularidade da execução das políticas urbanas.
reservado e a abertura das normas urbanas: A constitucionalização da questão urbana
acrescenta a discussão sobre o que seriam os o “conteúdo reservado dos planos”, como meios de
proteção de seus princípios fundamentais e a abertura legislativa dos planos e normas urbanas. A
mobilidade ou abertura das normas de direito do urbanismo se deve a diversidade das fontes e
a natureza intrinsecamente evolutiva da matéria regulada, o que provoca, no dizer do professor
Fernando Alves Correia a “infixidez”, ou “instabilidade” das normas urbanísticas (Correia, 2001,
p. 183). Esta característica manifesta-se não apenas na legislação e regulamentação geral
(disposições constitucionais e infra-constitucionais), como nas disposições específicas e locais,
em face da evolução dos fatos e realidades sociais. Estas mudanças muitas vezes são tão rápidas
que certos institutos são modificados mesmo antes de terem sido postos em prática. A mobilidade
das normas jurídicas urbanísticas é igualmente flagrante no domínio dos planos e resulta da
concepção atual do plano urbanístico: de um documento fechado e imutável passou-se a uma
concepção flexível do plano e do planejamento que prevê a permanente revisão e controle do
mesmo4. Entretanto, o reconhecimento das normas urbanas como um conjunto aberto à evolução
não significa que não se deva preservar um conteúdo mínimo – uma identidade normativa – como
segurança jurídica, na premência dos interesses públicos – a “reserva normativa”. Os princípios
da prevalência do interesse público e da soberania popular vão definir quais os princípios e
normas programáticas da política urbana devem figurar como reserva normativa. c) O caráter
desigualitário das normas e operações urbanísticas5– em especial os planos – decorre da
definição de que a política de desenvolvimento e ocupação territorial, bem como as formas de
utilização do solo ocorrem em diferentes realidades. O caráter discriminatório revela a
necessidade de promover-se, no caso concreto, desigualdades em relação aos titulares de
direitos – igualdade material. Em outras palavras, a realidade social justifica a desigualdade da
intervenção, devendo ter prevalência às intervenções necessárias como forma de corrigir as
desigualdades. A função de conformação do território é uma função substancialmente unitária,
com a qual se pretende alcançar um desenvolvimento harmonioso das diferentes parcelas do
território, com o estabelecimento de prescrições que vão tocar a própria essência do direito de
propriedade com a conformação do direito de propriedade do solo, através da classificação
dos usos, do zoneamento e dos parâmetros de ocupação. O direito do urbanismo alcança não só
as normas de intervenção e de planejamento, mas todo o processo de decisão. Estas
características específicas conferem ao direito do urbanismo sua autonomia didática.
3. Considerações finais
Buscamos com este trabalho ressalta a importância da configuração da disciplina do direito do
urbanismo como disciplina autônoma. A própria noção de justiça social, situa o direito do
urbanismo como uma forma de direito social de caráter ou dignidade constitucional, o que lhe
4 Conforme disposição do artigo 40 § 3º do Estatuto da Cidade, a lei que instituir o plano diretor deverá ser
revista, pelo menos, a cada dez anos.
5 Definição de Jacquot, H. Droit de l´urbanisme, Paris, Masson, 1980, p. 15-16, in Correia (2001, p. 154).
confere, como direito fundamental, a efetividade de seus princípios e normas. Para tanto, é
necessário estabelecer o tratamento adequado, caracterizar a disciplina, seus elementos
informadores e distintivos, vinculados com a ideia de justiça urbana, o que deve incluir a tutela de
todas as relações relativas ao espaço urbano e rural, que em resumo, busca regular a atividade
urbanística, a organização espacial ou territorial, e toda a gama de intervenções visando o bem
estar da sociedade e do indivíduo em particular.
Defendemos o direito do urbanismo como disciplina autônoma: Cumpre os critérios
tradicionalmente exigidos para o reconhecimento da autonomia de um ramo do Direito: objeto,
princípios, institutos e normas próprias e que tem como características a especificidade e
complexidade de suas fontes, a mobilidade de suas normas e a natureza intrinsecamente
discriminatória dos seus preceitos. Além disto, inclui os princípios da dignidade da pessoa
humana, da igualdade, da democracia e da participação popular, suficientes para alçar a condição
de disciplina de caráter constitucional, constituindo prevalência das suas normas e a eficácia dos
seus conteúdos.
Referências bibliográficas:
1) Introdução
A Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, conhecida por sua excelência
no direito privado, não contempla o Direito Urbanístico como disciplina integrante da grade
curricular obrigatória. Em um determinado período, a Universidade incluiu a matéria como
disciplina eletiva a qual poderia, à critérios dos alunos, compor sua grade curricular.
Entretanto, desde a sua criação como matéria eletiva, nunca houve a formação de turmas por não
apresentarem quórum de alunos em número suficiente. Isto demonstra o desinteresse do corpo
discente em estudar as matérias urbanísticas justamente porque não há, no ambiente acadêmico,
disseminação suficiente da importância do direito urbanístico como disciplina essencial para a
formação de novos juristas. Somado a isso, em razão de mudanças no projeto pedagógico da
Faculdade de Direito, precisamente em 2014, a disciplina de Direito Urbanístico foi retirada do rol
de disciplinas eletivas, de modo que mesmo os poucos alunos que se interessavam pelo tema
passaram a ser privados da obtenção desse conhecimento.
Pelo fato de a urbanização ser um fenômeno mundial, contínuo e extremamente relevante, a
preocupação em estimular o desenvolvimento do estudo e da pesquisa nos alunos de Direito
tornava-se imperiosa.
1
Doutor e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Chefe do Grupo Temático de Direito Público da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM). Advogado e
consultor jurídico em São Paulo. E-mail: antoniocecilio.pires@mackenzie.br
2
Doutora e Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP),
Professora em direito administrativo, urbanístico e econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie
(UPM). Advogada e assessora da Secretaria de Transportes Metropolitanos do Estado de São Paulo. E-
mail: lilian.pires@mackenzie.br
3
Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Integra equipe da Comissão de Monitoramento das Concessões e Permissões (CMCP), da Secretaria de
Estado dos Transportes Metropolitanos de São Paulo (STM). E-mail: raisa_reis@hotmail.com
4
Mestranda em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade São Paulo (USP). Diretora de Divisão
Técnica de Sistemas de Informações sobre Zoneamento do Departamento do Uso do Solo na Secretaria
Municipal de Urbanismo e Licenciamento. E-mail: hn.kim@usp.br
1
Nesse contexto, viu-se a necessidade de disseminar a importância do Direito Urbanístico na
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, por meio do “Grupo de Estudos
em Direito Administrativo” que já estava constituído desde 2012 e naquela altura contava com
enorme apoio do corpo docente e discente.
2
(v). No 5º ciclo (2º/2016 a 1º/2017), buscou-se analisar a política das telecomunicações no
Brasil, sobretudo a regulamentação dos serviços de Rádio e TV.
No decorrer desses cinco anos, o Grupo de Estudos foi ganhando cada vez mais reconhecimento
dentro da Faculdade de Direito e adesão de novos alunos, razão pela qual o seu propósito
primeiro de estimular a discussão e a pesquisa do corpo discente, bem como o debate crítico e a
troca de experiências com monitores e professores foi cumprido com excelência.
3
(ii). “Aplicação do Princípio da Função Social da Propriedade pelo Tribunal de Justiça de São
Paulo”: os autores analisaram duas decisões emblemáticas do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, no que diz respeito a função social da propriedade e que tiveram
desfecho diametralmente oposto;
(iii). “A desapropriação do bem público pelo não cumprimento da Função Social da
Propriedade”: este artigo apresentou a problemática que envolve o tema da
desapropriação dos bens públicos pelo não cumprimento da função social da propriedade
no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a sua fundamentação, formas e
procedimentos;
(iv). “O Instituto do solo criado no âmbito do Plano Diretor estratégico do Município de São
Paulo”: o objeto do presente artigo foi o estudo do solo criado, instituto urbanístico que
encontra previsão no ordenamento pátrio nos artigos 28 a 31 do Estatuto da Cidade (Lei nº
10.257 de 10 de julho de 2001). Referido instituto foi analisado sob a ótica do Plano Diretor
Estratégico do Município de São Paulo, Lei nº 16.050, de 31 de julho de 2014, uma vez
que o artigo 28 da Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade) conferiu autonomia ao município
para tratar sobre tal assunto.
Em decorrência do grupo de estudos, nasceu o “Grupo de Pesquisa em Direito Administrativo
Contemporâneo”, certificado pela CAPES, que tem por objetivo a interdisciplinaridade junto a
outras faculdades do campus, principalmente a faculdade de Arquitetura e Urbanismo e
Economia, tudo para divulgar a importância do direito à cidade.
Como desdobramento dessas atividades, o Grupo organizou dois eventos, ambos na
Universidade Presbiteriana Mackenzie, e publicou um livro:
(i). EMOB: da cidade real para a cidade ideal, realizado nos dias 01 e 02 de setembro de
2014;
(ii). 1º Encontro Internacional de Mobilidade Urbana, realizado em 21 de setembro de 2015
conjuntamente pelas Faculdades de Direito e de Arquitetura e Urbanismo, ressaltando a
importância da interdisciplinaridade sobre o assunto mobilidade, com a expectativa de
promover uma discussão prática na solução de problemas sobre mobilidade urbana das
cidades brasileiras;
(iii). Publicação do livro “Mobilidade Urbana: aspectos do transporte coletivo de passageiros no
Município de São Paulo”, Paco Editorial, 2017.
Esses eventos, realizados em auditórios lotados, foram um verdadeiro sucesso na comunidade
acadêmica e serve até hoje como referência de uma boa prática de interdisciplinaridade na
universidade. Além disso, demonstra a importância em criar um espaço livre para discussões
sobre a cidade onde os alunos possam refletir criticamente posicionamentos jurídicos.
4) Considerações finais
4
O Grupo de Estudos nasceu do anseio de professores de graduação e ex-alunos (atualmente
monitores) de disseminar o Direito Público, sobretudo o Direito Administrativo, no âmbito da
Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, tradicionalmente reconhecida pela
excelência no Direito Privado.
Com o fechamento da disciplina de Direito Urbanístico tornou-se indispensável a adoção de
solução alternativa para disseminar o conhecimento sobre esta matéria junto ao corpo discente.
Nesse sentido, o Grupo de Estudos passou a incluir a matéria em seu objeto de estudo e
incentivar a elaboração de artigos relacionados ao tema por parte dos alunos.
Aspecto primordial é que o Grupo de Estudos apesar de ser de direito administrativo conta com
pesquisadores de diferentes áreas, que traz diversidade de pontos de vista sobre a cidade. A
satisfação dos alunos em participar destes encontros é avaliada anualmente e podemos perceber
que a dinâmica das atividades atendem as suas expectativas, sendo possível afirmar que o Grupo
de Estudos atingiu seu objetivo precípuo de disseminar a importância do estudo fora da sala de
aula, não apenas do Direito Administrativo, mas também do Direito Urbanístico.
Como desdobramento, nasceu o “Grupo de Pesquisa em Direito Administrativo Contemporâneo”,
certificado pela CAPES, que tem se dedicado, das mais diversas formas, a abordar o direito à
cidade de forma interdisciplinar e com sucesso tem conseguindo mobilizar demais faculdades da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, especialmente as Faculdades de Arquitetura e Urbanismo
e de Economia.
O Grupo de Pesquisa tem evoluído em suas atividades e já realizou dois eventos relacionados ao
Direito Urbanístico – EMOB e 1º Encontro Internacional de Mobilidade Urbana e a publicação de
um livro. Além disso, propõe agora, junto a Faculdade de Direito, um novo programa de extensão
aderente ao direcionamento em ensino e pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie, que
traz para o âmbito das universidades privadas a importância de constituir um corpo discente
comprometido com a realidade urbana das cidades brasileiras e atuante na sociedade civil,
objetivando a democratização do espaço urbano e enfrentamento da corrupção urbanística.
5) Referências bibliográficas
CONSELHO UNIVERSITÁRIO DA UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. Resolução
22/2013: aprova a atualização do Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) -período
2013/2018.
PIRES, Antônio Cecílio Moreira Pires; HOFFMANN, Andre Luiz. In: ENCONTRO NACIONAL DO
CONPEDI, 24., 2015, Aracajú. Florianópolis: CONPEDI, 2015. p. 86-106. Disponível em:
http://www.conpedi.org.br/publicacoes/c178h0tg/017e0bex/f0MtQm5XLFCGjYr2.pdf
UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. Projeto Pedagógico de Curso - Bacharelado em
Direito. São Paulo: Mackenzie - Campus Higienópolis, 2014.
5
1
1. Introdução
O Curso de Direito da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) foi criado com o
intuito de interiorizar o ensino jurídico no Estado da Bahia, tendo como objetivo construir um saber
jurídico atento às demandas locais e comprometido com a transformação social. O Curso de
Direito da UEFS é pioneiro no Brasil em consagrar a autonomia didática do Direito Urbanístico. A
partir da reforma da matriz curricular, a disciplina ganha autonomia em relação ao Direito Civil,
sendo reconhecida como ramo autônomo do Direito e passa a fazer parte dos componentes
curriculares obrigatórios, sendo ministrada no oitavo semestre, com carga horária de 60horas2.
A experiência do ensino do Direito Urbanístico na graduação do Curso de Direito da UEFS,
durante 12 anos, envolveu três professores e cerca de 800 estudantes, contribuindo para
fortalecer os princípios que regem o direito urbanístico consagrados na ordem jurídica brasileira.
Essa experiência repercutiu na elaboração de inúmeras monografias de final de curso, versando
sobre temas afetos ao Direito à cidade, tais como regularização fundiária de terreiros de
candomblé, planos diretores, desapropriação urbana, usucapião, conflitos urbanos etc.
É nesse contexto mais amplo que está inserida a experiência de ensino do Direito
Urbanístico para a Turma Especial de Direito para Beneficiários da Reforma Agrária, denominada
Turma Elisabeth Teixeira pelo corpo discente em homenagem a trabalhadora rural e integrante
das Ligas Camponesas na Paraíba, símbolo da luta pela Reforma Agrária e pelo Bem Viver dos
brasileiros e brasileiras do campo.
A Turma de Direito Elisabeth Teixeira faz parte do Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), executado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma
Agrária (INCRA), em convênio com instituições de ensino superior e voltado para as
especificidades do campo, promovendo a educação de jovens e adultos das áreas de Reforma
Agrária. A turma Elisabeth Teixeira é a segunda do país para a formação de bacharéis em direito,
sendo formada por 37 estudantes, provenientes de onze estados da Federação e representativos
de diferentes Movimentos Sociais (o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o
Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), o
1 Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura da UFBA, Profa. de Direito Urbanístico
da UEFS e Membro do Grupo de Pesquisa Lugar Comum/FAUFBA – email: adriananvlima@gmail.com.
2 Sobre a autonomia do Direito Urbanístico ver Edésio Fernandes (2002).
2
Movimento de Luta Camponesa (MLC), o Movimento das Comunidades Populares (MCP), Fatres-
Bahia e Pastoral Rural (PR)).
- Emancipação de Distritos;
- Restrição ao acesso a água, ocasionado pela demanda das mineradoras e agronegócio;
- Impactos socioambientais dos aterros sanitários construídos à margem das agrovilas;
- Capina química para o tratamento das pragas urbanas;
- Transporte fluvial na Amazônia: rabetas e voadeiras;
- Feiras e mercados públicos: integração, impactos e dimensão cultural;
- As cidades construídas para assentar os atingidos por barragens;
- Regularização Fundiária de Terreiros de Candomblé;
- Despovoamento da cidade em função da concentração de terra rural;
- Déficit habitacional, conflito fundiário, moradias em palafitas e habitação rural.
3
Considerações Finais
A trajetória dos cursos jurídicos no Brasil foi marcada pela transposição de saberes,
códigos e referências. Historicamente, o Brasil produziu no dizer Francisco de Oliveira, "As ideias
fora do lugar e o lugar fora das idéias". A nossa legislação urbanística, materializada em leis de
uso do solo, código de posturas e normas afins foram construídas a partir de problemáticas
descoladas da realidade concreta e pouco afeitas a absorver as “ruralidades” contidas nas
cidades.
4
REFERÊNCIAS
SANTORO, Paula e PINHEIRO, Edite (orgs). O município e as áreas rurais. São Paulo, Instituto
Polis, 2004. (Caderno Polís número 8).
Introdução
O presente estudo no âmbito do grupo de trabalho “Experiências de ensino, pesquisa e extensão”
aborda o importante desafio da abordagem interdisciplinar e a integração de saberes na dimensão
do direito à cidade como eixo para o diálogo entre o campo do Direito e o campo do Urbanismo.
Neste sentido, a proposta aspira abrir novos caminhos dentro dos que já vem sendo trilhados no
sentido de assumir e enfrentar os desafios no bojo da crise dos paradigmas modernos. No campo
acadêmico, o esforço tem sido pioneiro e consistente, seja na formação de novos intérpretes
conscientes das demandas plurais e coletivas, através de originais teses e dissertações
acadêmicas, seja na prática jurídica com ousadas demandas e, ainda, inovadoras decisões
judiciais que, buscando inspiração e fundamento nas práticas sociais, abraçam o dissenso na
perspectiva do consenso.
Assim, em primeiro lugar abordamos os obstáculos e possibilidades teórico-metodológicas no
processo de tradução jurídico-urbanística do direito à cidade. Igualmente, consideramos relevante
a construção de chaves de sentido segundo conceitos e categorias analíticas essenciais para a
leitura e compreensão da cidade. Apresentamos disciplinas ministradas que incluem o estudo de
casos referência também como método para compreensão das práticas sociais, onde o alcance
destas disciplinas, na perspectiva da aprendizagem, é ampliado mediante estudos com a
permanente tradução das práticas sociais nos campos do Direito e do Urbanismo. E, finalizamos
com as considerações finais a partir de uma síntese das experiências de ensino, pesquisa e
extensão.
6 CAVALLAZZI, 1993.
7 Pesquisas realizadas no âmbito do Grupo de Pesquisa Direito e Urbanismo nas práticas sociais instituintes
do Diretório de grupos do CNPq desde 2004 e do Laboratório de Direto e Urbanismo (LADU) ambos
vinculados ao PROURB/FAU/UFRJ.
8 São exemplos: LOPES, Maria Josefa Restum. Parque de educação ambiental Professor Mello Barreto:
uma proposta pedagógica com práticas educativas para a paisagem sustentável. 160 f. Profissionalizante
em Arquitetura paisagística. PROURB, UFRJ, 2012. RIBEIRO, Cláudio Rezende. Ouro Preto, ou a
produção do espaço cordial.' 213 f. Doutorado em Urbanismo. PROURB, UFRJ, 2009.
Direito Humanos: ordem constitucional e estudo de casos referência em direito urbanístico e
ambiental na pós-graduação da PUC-Rio. E, Direito Urbanístico no curso de graduação em Direito
também da PUC-Rio.
A metodologia das disciplinas mencionadas enfoca a realidade social, complexa e dinâmica,
exigindo para a sua análise e compreensão de um instrumental teórico que ultrapasse os
parâmetros de uma mera tradução técnica do objeto real.
Considerações finais
A título de considerações finais, ressaltamos a importância da relação entre o Direito e o
Urbanismo a partir da contribuição do direito à cidade para a mais ampla compreensão das
questões urbanas, e como alternativa aos desafios que urgem nas cidades contemporâneas.
A dimensão do atual processo de globalização acaba gerando novas vulnerabilidades, sendo o
direito à cidade um conceito chave, estruturante da justiça distributiva diretamente associado à
qualidade de vida dos habitantes da cidade. Sua titularidade difusa privilegia a mediação entre o
campo do Direito e do Urbanismo abrindo espaço para uma fundamental leitura interdisciplinar
possibilitando a tradução jurídica nos referidos campos científicos.
A vinculação do Direito com outras áreas e campos científicos representa um importante passo no
diálogo do Direito com outros campos, expressando uma concepção contemporânea e
fundamental para o campo do Direito Urbanístico e das ciências sociais aplicadas.
Referências bibliográficas
BACHELARD, G. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do
conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. 3 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
CAVALLAZZI, R. L.. O Plano da Plasticidade na Teoria Contratual. Rio de Janeiro, 1993. Tese
(Doutorado em Direito) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 1993.
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Urbanismo e direito: notas para uma abordagem
interdisciplinar do espaço urbano. In: MACHADO, D. B. P. (Org.). Seminário de Urbanismo, IV,
Rio de Janeiro, 1996. Anais UFRJ/Prourb. 1996, v. 2, p. 882-887.
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Tradução Jurídica e Urbanística da Paisagem Urbana.
Relatório de Projeto de Pesquisa CNPq 2006/2010, Prourb, Rio de Janeiro. 2010
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli. Novas Fronteiras do Direito Urbanístico. In: TEPEDINO, G.;
FACHIN, L. E. (Org.). O Direito e o Tempo – Utopias Jurídicas e Embates Contemporâneos.
Estudos em homenagem ao Professor Ricardo-César Pereira Lira. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
p. 683-709.
CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli.; FAUTH, Gabriela. Cidade standard e vulnerabilidades em
processos de precarização: Blindagens ao direito à cidade. In: III ENANPARQ, 2014, São
Paulo. III Enanparq - arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva. São Paulo:
Universidade Mackenzie e Puc-Campinas, 2014. v. 1.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 01 - EXPERIÊNCIAS DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO EM DIREITO
URBANÍSTICO
1) Introdução
Na obra “Interdisciplinaridade e patologia do saber,”2 Hilton Japiassu destaca a
interdisciplinaridade como método científico que tem como um dos objetivos ampliar as perspectivas
daqueles que pretendem agir ou resolver problemas sociais concretos ou tomar decisões
racionais.3 No campo específico do Direito o desafio de se adotar a interdisciplinaridade enquanto
metodologia de ensino é ainda muito grande pois, tradicionalmente, predomina-se nesse campo a
tendência antipopular da formação dos bacharéis, onde a pratica jurídica é afastada da realidade
social.4
Luciano Oliveira no reconhecido artigo “Não fale do código de Hamurábi! A pesquisa sócio-
jurídica na pós-graduação em Direito”, ao criticar a predominância do paradigma moderno no campo
jurídico, baseado na cisão entre o conhecimento popular e o conhecimento científico, bem como
centrado na ideia de neutralidade, defende que o direito deve ser ensinado como um instrumento
de emancipação individual e coletiva.5 O dogmatismo próprio do ensino jurídico reforçaria uma
concepção redutivista do direito identificando-o exclusivamente a lei positivada sendo este
dogmatismo insuficiente para a compreensão das especificidades do mundo empírico.
Nesse contexto, destaca-se o surgimento do direito urbanístico num campo essencialmente
interdisciplinar. A origem do direito urbanístico no Brasil enquanto ramo autônomo do direito6 não
pode estar desassociada do contexto histórico no qual o acelerado processo de urbanização é
1 Mestra em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Política e
Planejamento Urbano pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IP.PUR/UFRJ).
Professora Assistente de Direito do Programa de Ciências Econômicas e Desenvolvimento Regional da
Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). E-mail: reis.aboliveira@gmail.com
2 JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1976.
3 JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1976, p.80
4 PIRES, Bárbara Machado. A (Re)produção do saber jurídico: uma análise do ensino jurídico com base
em Bourdieu e Boaventura S. Santos. Monografia (Direito). Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF),
2014. 47 fls.
5 OLIVEIRA, Luciano. Não fale do código de Hamurábi! A pesquisa sócio-jurídica na pós-graduação em
2) Desenvolvimento
O curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Oeste
do Pará foi criado no ano de 2011 e, em 2017, irá formar sua terceira turma. Esse curso surgiu da
demanda local por gestoras e gestores capazes de contribuir com os desafios próprios do interior
da região Amazônica por intermédio da atuação destes nas esferas públicas e privadas com vistas
a conciliar sustentabilidade e desenvolvimento.9
A proposta pedagógica do curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional (PPC)
contempla várias disciplinas de diferentes áreas como Administração, Economia, Ciências
Contábeis, Geografia, Ciências Sociais e Direito. Dentre as jurídicas, são obrigatórias as disciplinas
de Introdução à Ciência do Direito, Direito Administrativo, Direito Tributário e Direito Urbanístico.
4
responderam com grau 5 (cinco), um estudante respondeu com grau 4(quatro) e um estudante com
grau 3 (três).
3) Considerações Finais
O presente questionário aplicado aos discentes da turma que ingressou em 2013 no curso
de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional da UFOPA possui caráter exploratório sendo parte
de uma pesquisa que pretende investigar de maneira mais profunda as peculiaridades do ensino
de direito urbanístico para cursos não jurídicos.
Os resultados preliminares dessa pesquisa apontam que a disciplina de direito urbanístico é
tida como muito relevante na formação dos estudantes do curso de Gestão Pública e
Desenvolvimento Regional. Esse fato pode estar ligado diretamente ao alto grau de confiança na
eficácia dos instrumentos jurídicos apontado, o que poderá refletir na atuação dos futuros gestores
que recorrerão a aplicação desses instrumentos no âmbito dos seus campos profissionais.
Quanto ao nível de aprendizado dos conceitos propriamente jurídicos, esses estudantes
oscilaram nas suas repostas, embora, no geral, o nível apontado varia entre muito fácil e
intermediário. Esse resultado pode estar relacionado ao fato de que a disciplina de direito
urbanístico não foi o primeiro contato com o mundo jurídico. No caso específico dessa turma, os
estudantes já haviam cursado Introdução à Ciência do Direito e Direito Tributário.
Por fim, quanto aos recursos didáticos pedagógicos, foi apontada como mais relevante as
aulas expositivas, seguidas pelas aulas de campo e por exibição de filmes/documentários. Apesar
da aula expositiva ainda ser indicada como o mais relevante entre os recursos didático pedagógicos,
é interessante observar que os outros dois recursos também foram apontados. Dentre as possíveis
explicações para esse fato, destaca-se que se prioriza a utilização de diversos recursos didático
pedagógicos ao longo do curso de Gestão Pública e Desenvolvimento Regional, conforme apontado
no já citado PPC do curso. Além disso, a disciplina de direito urbanístico dialoga com problemáticas
do campo empírico, sendo as aulas expositivas insuficientes para a apreensão mais profunda da
questão do controle jurídico do espaço urbano.
Como já ressaltado, esses resultados não se pretendem conclusivos uma vez que se trata
de uma pesquisa exploratória. Contudo, essas primeiras considerações já apontam alguns
elementos fundamentais para se conhecer melhor a realidade do ensino de direito urbanístico para
cursos não jurídico por intermédio da percepção dos próprios estudantes. Essas percepções, sem
dúvidas, já contribuem para aprimorar a prática docência nesse campo específico, que tem por base
a interdisciplinaridade, permitindo, ainda, delimitar melhor qual a especificidade do ensino jurídico
com base também das necessidades específicas dos egressos do curso de Gestão Pública e
Desenvolvimento Regional.
5
4) Referências
JAPIASSÚ, Hilton. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago Ed., 1976.
PIRES, Bárbara Machado. A (Re)produção do saber jurídico: uma análise do ensino jurídico
com base em Bourdieu e Boaventura S. Santos. Monografia (Direito). Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFJF), 2014. 47 fls.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GRUPO TEMÁTICO 1 - EXPERIÊNCIAS DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO EM
DIREITO URBANÍSTICO.
Introdução
Como forma de construir novas práticas de educação jurídica, o curso de Direito do Centro
Universitário Christus (Unichristus), em Fortaleza, Ceará, conta com o Escritório de Direitos
Humanos – EDH, setor responsável por planejar e executar projetos nos quais ensino, pesquisa e
extensão encontram-se articulados à promoção dos direitos humanos.
Desde 2013, desenvolvemos o projeto Curso Defensores Populares de Direitos Humanos,
com o objetivo de formar defensores de direitos no Ceará com a perspectiva de apropriação crítica
e popular do direito e da educação em direitos humanos, fortalecendo atuação de entidades,
movimentos e comunidades organizadas em torno dos direitos humanos como plataforma de
reivindicações. No ano de 2016, o tema escolhido para o curso foi “Os desafios e a luta pelo
direito humano à cidade”.
O público alvo do Projeto são lideranças, defensores populares de direitos humanos e/ou
pessoas ligadas a instituições, associações e movimentos sociais das periferias de Fortaleza e do
interior do estado, provenientes de áreas de conflitos coletivos relacionados à defesa e proteção
de direitos ambientais, territoriais, sociais, culturais e econômicos; professores da rede pública de
ensino da área de ciências humanas e suas tecnologias; lideranças juvenis das periferias de
Fortaleza, com destaque para o Grande Bom Jardim.
Com esse trabalho, objetivamos analisar os elementos centrais de uma experiência
extensionista, no âmbito da educação jurídica, embasada em práticas de educação em direitos
humanos capazes de problematizar toda a complexidade inerente ao direito à cidade. De acordo
com o relatório feito pelo Programa das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (ONU-
Habitat), Fortaleza aparece como uma das cidades de pior distribuição de renda entre as cidades
A Escola Popular de Educação em Direitos Humanos consiste em uma iniciativa articulada por
diversos atores (indivíduos, universidades, movimentos sociais e instituições da sociedade civil),
dentre estes o Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza5 (CDVHS) e o Movimento Nacional de
Direitos Humanos (MNDH). Planejada para ser um espaço permanente de educação em direitos,
por meio da educação popular, capaz de fortalecer a atuação de sujeitos de direitos, de
defensores de direitos humanos e dos movimentos populares organizados, uma das suas
principais iniciativas foi o Curso Defensores Populares de Direitos Humanos, constituído em 2013.
O Curso deu-se como uma ação de formação, no âmbito da Escola, no sentido de fortalecer
uma cultura de concretização de direitos humanos e possibilitar a construção horizontal, entre os
que ministrarão o curso e seus participantes, de conhecimento em direitos humanos. A Escola
funciona na própria sede do CDVHS, principal executor desse processo, do qual o EDH também
foi um importante idealizador.
Nosso objetivo geral foi o de proporcionar a professores e estudantes do Curso de Direito da
Unichristus atividades de extensão, ensino e pesquisa que, de modo integrado, ambientem uma
aprendizagem rica e complexa acerca dos direitos humanos. As iniciativas envolveram a
capacitação de professores e estudantes em conhecimentos gerais e específicos para atuarem
como educadores no Curso e a sensibilização de docentes e discentes para a prática de
educação jurídica popular em direitos humanos, construindo em conjunto com esses a
metodologia de atuação dos educadores no curso.
Por meio de uma metodologia baseada nos pressupostos da educação popular, o Curso
possibilitou aos professores e estudantes a realização de vivências em direitos humanos, a partir
do contato com estratégias políticas e sociais de sujeitos que atuam em movimentos e
organizações populares. Assim, foi possível estabelecer uma visão de conhecimentos teóricos e
práticos. O perfil dos cursistas, portanto, foi o de pessoas referendadas por alguma rede,
articulação ou organização de atuação local, regional ou estadual; pessoas com capacidade de
4 Do G1 CE. Fortaleza é uma das cidades mais desiguais da América Latina, diz ONU. Publicado em 22
ago 2012, 18h43. Disponível em < http://g1.globo.com/ceara/noticia/2012/08/fortaleza-e-uma-das-cidades-
mais-desiguais-da-america-latina-diz-onu.html > Acesso em 15 mai 2017.
5 O CDVHS, organização não-governamental, sem fins lucrativos, nasceu em 1994, como resultado do
aprendizado das Comunidades Eclesiais de Base da área pastoral do Grande Bom Jardim. Desde então, a
organização atua em mobilizações sociais pautadas pela necessidade de construção de estratégias de
políticas sociais para o desenvolvimento local sustentável, voltadas para a geração de trabalho e renda,
capacitação de lideranças comunitárias e a indução de novas soluções para problemas sociais.
2
multiplicação, como professores, educadores; lideranças locais que tivessem algum nível de
sensibilização para a questão social, mas que ainda não detivessem informações suficientes para
atuar na defesa dos direitos humanos; ou ainda pessoas que estivessem em áreas de conflitos e
graves violações de direitos humanos.
Planejado para possuir 4 edições, com duração anual, apenas uma edição, a de 2015, não se
deu nesse formato. Os temas eram divididos em módulos temáticos, de 2 meses cada,
estruturados inicialmente da seguinte maneira: 1º modulo – conceito, história e realidade dos
direitos humanos; 2º módulo – os direitos humanos e o desafio da diversidade; 3º módulo –
sistema nacional de segurança e justiça e sistemas internacionais de direitos humanos; 4º
módulo: terra e território e dos direitos humanos. No último módulo eram trabalhados os seguintes
pontos: justiça socioambiental e direitos humanos; territórios indígenas, quilombolas e tradicionais;
reformar agrária, pequena agricultura e agronegócio, direito à cidade e direitos humanos.
O tema do direito à cidade surgiu como foco para a edição de 2016. Essa escolha foi baseada
em uma demanda dos membros do CDVHS, bem como correspondia, segundo sua leitura, a uma
oportunidade de formação há muito almejada por militantes de variadas organizações de luta, de
Fortaleza, por moradia, por transporte público de qualidade, pelo meio ambiente equilibrado, entre
outras que possuem como foco pautas relativas à questão urbana.
O foco no sobre o direito à cidade teve como principais metas o fortalecimento dos
espaços de participação social de formulação e monitoramento de políticas públicas de realização
os direitos humanos, em especial o direito humano à cidade; a propagação do aprendizado sobre
os instrumentos de planejamento urbano e de regularização fundiária existentes na legislação e a
percepção crítica sobre as grandes intervenções urbanas e seus impactos para a mobilidade das
pessoas.
A extensão em direitos humanos, sobretudo no que tange à promoção de tais direitos,
pode e deve, no sentido de impulsionar uma cultura de cidadania, lançar-se ao desafio de
promover processos de formação qualificada e crítica dos sujeitos coletivos organizados na luta
por direitos básicos, em especial aqueles relativos ao direito à cidade (moradia digna, transporte,
meio ambiente saudável, etc.).
De acordo com Tosi e Zenaide6, por intermédio das ações de extensão em direitos
humanos, os universitários têm colaborado com a construção de uma sociedade promotora dos
direitos civis, políticos, econômicos, culturais e sociais. As ações de extensão, voltadas para
indivíduos, grupos, comunidades e instituições, vem possibilitando a democratização do acesso à
6 TOSI, Giuseppe; ZENAIDE, Maria de Nazaré Tavares. Os Direitos Humanos na Educação Superior no
Brasil: tendências e desafios. In: A formação em direitos humanos na educação superior no Brasil:
trajetórias, desafios e perspectivas Giuseppe Tosi, Lúcia de Fátima Guerra Ferreira, Maria de Nazaré
Tavares Zenaide (org). João Pessoa: CCTA, 2016.
3
justiça e à tutela jurisdicional do Estado; a capacitação de agentes sociais e agentes públicos para
a democratização do Estado e da gestão pública; a assessoria e apoio aos processos
organizativos e aos movimentos sociais fortalecendo a organização da sociedade civil na
participação das políticas sociais.
Nesse sentido, verificamos que a educação jurídica possui um importante papel – e deve
ser inserida – em uma proposta de ampliação e democratização do direito à cidade. Enquanto
sujeitos ativos, universitários e professores possuem nas mãos instrumentos e técnicas
importantes no âmbito da compreensão do planejamento urbano – e do próprio direito urbanístico
em si. Enquanto esse instrumental não se envolve, de maneira intrínseca, em um contexto mais
amplo de problematização da cidade e de todas as violações de direitos básicos que o seu
modelo atual de desenvolvimento perpetua7, o direito à cidade não poderá ser juridicamente
interpretado como um direito humano.
Nossa experiência com o Curso Defensores Populares de Direitos Humanos e sua edição
específica sobre o direito à cidade apontou diversas reflexões nesse sentido, que motivaram o
desenvolvimento de um estudo mais profundo, por meio de um artigo científico.
Considerações finais
O processo de educação pode ser compreendido como uma via cultural e política de
difusão dos direitos humanos e de construção de estratégias de enfrentamento aos contextos e
práticas de violações de direitos. Assim, na condição de construtores do conhecimento jurídico,
alunos e professores devem encontrar espaços para vivenciar teoria e prática, capazes de
embasar uma ação profissional centrada nos próprios fundamentos do Estado Democrático de
Direito.
Acreditamos que, a experiência brevemente narrada e problematizada – a partir das linhas
teóricas apresentadas aqui superficialmente – possui bases metodológicas importantes, capazes
de serem replicadas no intuito de estabelecer a noção de direito à cidade como direito humano, de
fortalecer as lutas coletivas por cidadania e por acesso a direitos, de promover a formação de
profissionais comprometidos com a democratização do espaço urbano e de fomentar a
multiplicação de saberes no âmbito de cada comunidade e a construção de redes populares
locais, interligadas, na defesa dos direitos.
Referências bibliográficas
7 HARVEY, David. O direito à cidade. Trad. Jair Pinheiro. In: Lutas Sociais. São Paulo, n.29, p.73-89,
jul/dez, 2012. Disponível em <
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/272071/mod_resource/content/1/david-
harvey%20direito%20a%20cidade%20.pdf > Acesso em 10 mar 2017.
4
HARVEY, David. O direito à cidade. Trad. Jair Pinheiro. In: Lutas Sociais. São Paulo, n.29, p.73-
89, jul/dez, 2012. Disponível em <
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/272071/mod_resource/content/1/david-
harvey%20direito%20a%20cidade%20.pdf > Acesso em 10 mar 2017.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
INTRODUÇÃO
As manifestações artísticas no ambiente urbano acontecem na maioria das cidades do mundo e
estabelecem uma comunicação entre aquele que intervém no espaço urbano e aquele que nele
se encontra. A administração pública ainda possui dificuldades em assimilar essas intervenções
como sendo parte da existência da urbes e um meio de acesso à cidade, já que pela intervenção
o indivíduo se faz presente, embora sua intervenção se dê em mobiliários e bens públicos.
Observa-se que há aceitação dessas intervenções no contexto mercadológico e também, em
certa medida, em âmbito institucional, o que provocou a reflexão sobre o significado e o valor, em
duas vertentes, do ato intervencionista: uma mais oculta e transgressora, e outra visível e aceita
institucionalmente. Considerando o contexto atual das intervenções artísticas promovidas no
ambiente urbano seja por indivíduos ou por grupos de pessoas, constata-se a necessidade de
analisar o significado de tais manifestações na construção da identidade da cidade,
marcadamente por sua diversidade sociocultural, sob uma perspectiva jurídica que envolve o
Direito Urbanístico, o Direito Administrativo e Constitucional e destacar como a arte urbana
contribui para a divulgação e o exercício das práticas culturais e colabora para garantir o acesso
democrático do direito à cidade.
DESENVOLVIMENTO
O presente trabalho visa a demonstrar os conceitos de direito à cidade, da função social
da cidade, da cidade como espaço democrático, das intervenções artísticas urbanas como
demonstração da liberdade democrática, das tensões entre legal e ilegal das intervenções
artísticas nas áreas urbanas. Será feita uma relação desses conceitos para compreender como a
Administração Pública deve e pode agir diante dessas manifestações que ocorrem em territórios
de grande concentração demográfica, ou seja, nas grandes cidades.
Sobre o direito à cidade, Henri Lefebvre em seu livro Direito à Cidade1, aborda a vida
urbana, a condição de humanismo e ressalta que a simples visita ou o retorno aos centros
urbanos não configura como efetivo direito ou a efetiva participação democrática na cidade.
1
Thiago Aparecido Trindade2 ressalta que, para Henri Lefebvre, o direito à cidade constitui um
espaço de encontros potencialmente conflituosos (inclusive confrontos ideológicos e políticos)
pelo convívio de diferentes classes e grupos sociais. Constata-se que, nas cidades, ocorre a
interação de direitos fundamentais que se relacionam com a estrutura, a localização, a gestão e
os seus elementos urbanísticos, resultando na manifestação do lado político do indivíduo com o
exercício da cidadania.
A função social da cidade, segundo Liga Melo3, ocorre quando todos os indivíduos que
nela residem ou circulam possuem acesso aos mesmos direitos fundamentais. Desse modo,
qualquer forma de segregação movida por diferenças políticas, econômicas, étnicas, de gêneros e
sociais, entram em choque com a promoção e o acesso à função social da cidade.
As distâncias morais que tornam a cidade um espaço com diferentes mundos é o resultado
de processos de segregação, muitas vezes, ocasionada pela equivocada ingerência do Estado,
ausentes princípios de justiça e equidade social, respeito à diversidade e participação social.
Desse modo, o indivíduo transita por diferentes instâncias morais com diferentes percepções
daquilo que é considerado correto e errado na mesma cidade, sem permitir-se interagir com o
diferente, acirrando conflitos inerentes à vida urbana.4
As sociedades complexas, de acordo com Velho5, consistem na “coexistência de
diferentes estilos de vida e visões do mundo”, nesse contexto será abordado inicialmente o
fenômeno do graffiti, que nasceu como elemento da cultura hip hop sendo este uma alternativa de
vida, para os jovens moradores da periferia à um estilo de vida violento e também como um
espaço de expressão dos conflitos sociais nos EUA em meados da década de 1960.6
Na cidade de Nova York, o graffite foi tratado como um problema urbano tido como uma
demonstração destrutiva, violenta e vândala, tanto pela mídia como pelos poderes políticos. O
prefeito Jonh Lindsey que exerceu o seu mandato nos anos de 1966 a 1973 foi o primeiro a
proclamar uma verdadeira guerra contra o graffite, consequentemente esse ato de produzir o
graffite passou a ser um desafio aos poderes urbanos.7
Considerada uma prática ilícita e desviante, no fim do século XX e início do século XXI, O
graffite chamou a atenção de entidades institucionalizadas da área da arte e do design na Europa
e nos EUA como prática cultural e bem simbólico. Junto ao surgimento de novas tecnologias e
2 LEFEBVRE, 2008 apud. TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e Cidadania: Reflexões Sobre o Direito à
Cidade. Lua Nova. São Paulo, 87, p.139-165,2012.
3 MELO, Ligia. Direito a Moradia no Brasil, Política Urbana e Acesso por meio da Regularização
Fundiária. Belo Horizonte. Fórum, 2010, p.33.
4 SPINELLI, Luciano. Pichação e comunicação: um código sem regra. LOGOS 26: comunicação e
conflitos urbanos. Rio de Janeiro. Ano 14, 1o semestre 2007 p.111 a 121.
5 VELHO, 1994 apud FERRO, Ligia. O graffiti mediador. In: VELHO, Gilberto; DUARTE, Luiz Fernando
(orgs). Juventude Contemporânea. Cultura, gostos e carreiras. Rio de Janeiro: 7 letras, 2010, p.75.
6 FERRO, Ligia. O graffiti mediador. In: VELHO, Gilberto; DUARTE, Luiz Fernando (orgs). Juventude
Contemporânea. Cultura, gostos e carreiras. Rio de Janeiro: 7 letras, 2010, p.78.
7FERRO, Ligia. O graffiti mediador. In: VELHO, Gilberto; DUARTE, Luiz Fernando (orgs). Juventude
Contemporânea. Cultura, gostos e carreiras. Rio de Janeiro: 7 letras, 2010, p.79.
2
tendências de mercado, foi possível perceber uma procura comercial ligada ao estilo de vida
urbana que utiliza a estética do graffite, como em marcas de energéticos e vestuários. Observa-
se, a partir desse marco temporal, a polarização do graffite em duas vertentes: uma mais oculta e
transgressora, e outra visível, institucionalizada e legítima.8
O presente trabalho não visa especificamente tratar da manifestação artística urbana pela
via do graffite, todavia é de suma importância apresentar o marco inicial das intervenções nos
espaços urbanos que teve como ator principal o SPRAY. O que se visa analisar é um método não
institucional de produção urbana, conhecida como arte urbana ilegal e tem um efeito de
comunicação entre aquele indivíduo ou grupo que produz a arte e aqueles que a vêem, seja essa
comunicação com teor político ou social. Sobre a caracterização de arte ou não e legal ou ilegal,
vale ressaltar a observação da pesquisadora Glória Diógenes9:
8FERRO, Ligia. O graffiti mediador. In: VELHO, Gilberto; DUARTE, Luiz Fernando (orgs). Juventude
Contemporânea. Cultura, gostos e carreiras. Rio de Janeiro: 7 letras, 2010, p.81.
9
DIÓGENES, G. “Artes e intervenções urbanas entre esferas materiais e digitais: tensões legal-ilegal”.
Análise Social, Lisboa, 2015. 217, l (4.o), pp. 682-707.
10JUSTEN FILHO, Marcal. Curso de direito administrativo. 11ªed. Rev., atual. E ampl – São Paulo: editora
revista dos tribunais, 2015, p.95
3
Direitos Fundamentais respeitados estando livres de qualquer preconceito ou discriminação.
As segregações sociais movidas por diferenças políticas, étnicas, gêneros e classes
sociais vão em confronto à função social da cidade. O surgimento do graffiti foi uma alternativa de
vida, para os jovens moradores da periferia, negligenciados pela gestão pública, a um estilo de
vida violento e também como um espaço democrático de expressão dos conflitos sociais nos EUA
em meados da década de 1960.
Foi possível perceber uma procura no âmbito comercial e institucional da arte ligada ao
estilo de vida urbana que utiliza a estética do graffite, como em marcas de energéticos e
vestuários. Observa-se, a partir desse marco temporal, a polarização do graffite em duas
vertentes: uma ilícita mais oculta e transgressora, e outra visível, licita, institucionalizada e
legítima respaldada pela autorização do estado.
As constantes mudanças sociais demandam do operador do direito a atualização. Ainda se
verificam gestões públicas atreladas ao Direito Administrativo Clássico, que caminha a uma certa
distância dos princípios da Constituição Federal. Desse modo, há de se pensar uma nova forma, a
partir da ótica do Direito Urbanístico, Administrativo e Constitucional, abandonando antigas
referências morais, a fim de produzir um pensamento atualizado para que a gestão pública possa
recepcionar a manifestação de arte urbana como um direito à ser exercido como parte do direito à
cidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERRO, Ligia. O graffiti mediador. In: VELHO, Gilberto; DUARTE, Luiz Fernando (orgs).
Juventude Contemporânea. Cultura, gostos e carreiras. Rio de Janeiro: 7 letras, 2010.
DIÓGENES, G. “Artes e intervenções urbanas entre esferas materiais e digitais: tensões legal-
ilegal”. Análise Social, Lisboa, 2015. 217, l (4.o).
JUSTEN, Filho Marcal. Curso de Direito Administrativo. 11ªed. Rev., atual. E ampl – São Paulo:
editora revista dos tribunais, 2015.
LEFEBVRE, Henry. O Direito à Cidade. São Paulo: Centauro, 2011.
MELO, Ligia. Direito a Moradia no Brasil, Política Urbana e Acesso por meio da
Regularização Fundiária. Belo Horizonte. Fórum, 2010.
SPINELLI, Luciano, Pichação e comunicação: um código sem regra. LOGOS 26: comunicação e
conflitos urbanos. Rio de Janeiro. Ano 14, 1º semestre 2007, p.111 a 121.
TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e Cidadania: Reflexões Sobre o Direito à Cidade. Lua
Nova. São Paulo, 87, p.139-165,2012.
4
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
2Ideológico compreendido como conjunto de valores que são mais ou menos coerentes e que procuram
encadear padrões dados de ação para atingir ou manter um estado de coisas existente ou futuro. (CUNHA,
1984, p. 63)
2
propor medidas judiciais e extrajudiciais, na defesa de interesses individuais, coletivos ou difusos,
assim como estimular o intercâmbio com Defensores Públicos.
Para além disso, na criação de uma instituição com a missão institucional de defesa dos
mais necessitados, deveria haver a implementação de um desenho burocrático que previsse a
defesa de uma ordem jurídico-urbanística. Assim sendo, a contribuição de tais movimentos pela
cidade, inclusive acadêmicos, na implementação de um Núcleo de Habitação da Defensoria Pública
de São Paulo, não se limitou à previsão legal, ocorreu na interação diária com os recém-defensores,
na construção de um discurso e um perfil institucional ligado diretamente ao debate da reforma
urbana e à função social das cidades.
O resultado deste intercâmbio foi que nos últimos meses do ano de 2006, o Núcleo de
Habitação passou a funcionar efetivamente, recebendo as primeiras demandas e em 24 de fevereiro
do ano de 2007, foi realizada a chamada “1ª Jornada em Defesa da Moradia Digna”, com a
participação de mais de 2 mil pessoas. O evento foi elaborado em torno de uma agenda de atuação
da Defensoria Pública e de entidades como a Assessoria Técnica Caicó, o Centro Gaspar Garcia
de Direitos Humanos, o Instituto Pólis, a Pastoral da Moradia, a União dos Movimentos de Moradia
– UMM e as universidades, pela Uninove e do Escritório Modelo “Dom Paulo Evaristo Arns” da
Faculdade de Direito da PUC, além da Associação de Notários e Registradores do Estado de São
Paulo – ANOREG/SP (SÃO PAULO, 2008, p. 17). Entre os objetivos da Jornada estava a criação
de um marco na luta pela moradia digna, encaminhando casos individuais e coletivos a serem
solucionados, criação de jurisprudência sobre o tema, divulgação dos direitos à moradia digna, a
ampliação dos profissionais envolvidos no tema e a apresentação do Núcleo de Habitação e
Urbanismo da Defensoria Pública para seus milhares de participantes.
A Jornada em Defesa da Moradia Digna, é um exemplo claro da construção paulatina e
diária, por movimentos comprometidos com o direito à cidade, de uma instituição comprometida
efetivamente com seus valores. Tal tipo de integração tem o benefício de consolidar o discurso
burocrático discutido acima, trazendo a concretização do discurso jurídico da Defensoria Pública de
forma afinada com a visão daqueles movimentos, acadêmicos e profissionais do direito. O processo
de elaboração deste Núcleo de Habitação e Urbanismo revelava que todos aqueles agentes tinham
a percepção que ganhavam um grande aliado para a disputa do direito em outro âmbito do discurso:
o decisional, ou seja, as decisões do Poder Judiciário.
2.2. ANÁLISE DO PRIMEIRO ANO DE ATUAÇÃO DO NÚCLEO DE HABITAÇÃO E URBANISMO DA
DEFENSORIA PÚBLICA DE SÃO PAULO
O surgimento da Defensoria Pública, tendo a implementação de seu Núcleo Especializado
de Habitação e Urbanismo (NEHABURB) elaborado em conjunto com diversos atores
comprometidos em suas causas com o direito à cidade, condicionou não apenas a instituição mas
3
a atuação de seus agentes públicos. Nos registros do NEHABURB percebe-se que no primeiro ano
de sua atuação (agosto de 2006 a dezembro de 2007) foram instaurados 83 procedimentos
administrativos, oriundos de demandas trazidas pela população de baixa renda.
Em geral os casos eram de comunidades, da capital do Estado, que possuíam risco de
remoção do lugar onde habitavam, por inúmeros motivos. Ainda não existia no sistema jurídico uma
instituição que atuasse com a temática, além do fato de as faculdades de direito, em regra não
possuírem uma disciplina de direito urbanístico, o que implicava em uma ausência de formação dos
profissionais no assunto. Deste modo, o Núcleo de Habitação e Urbanismo teve que construir sua
linguagem jurídica na integração com acadêmicos e movimentos sociais, assim como testar suas
teses jurídicas propondo as demandas ao Poder Judiciário a partir das noções de direitos básicos.
Deste modo, percebe-se que diversos casos que surgiam, normalmente travestidos de
demandas cíveis – a exemplo de uma reintegração de posse – faziam com que o Núcleo entrasse
com defesas nestas ações e, ao mesmo tempo, ingressasse com uma Ação Civil Pública para
obrigar o Estado/Município, em caso de remoção, a garantir o direito à moradia às pessoas de baixa
renda. Assim sendo, a Defensoria Pública começava a trazer um debate que se restringiria ao direito
de propriedade, para o direito à moradia digna.
Para ilustrar este primeiro ano de atuação, elenca-se no artigo, de forma aleatória, 05 casos
que transitem um pouco do perfil de atuação que foi sendo construído, entretanto não serão
apresentados neste resumo expandido. A avaliação é objetiva, percebendo-se a linguagem utilizada
pela Defensoria, afinada com o debate sobre cidades, assim como pela análise de resultados
processuais ou políticos dos casos. Outro ponto observado é contra quais agentes as demandas
são propostas e qual o posicionamento do Poder Judiciário. Por fim, destaca-se que os casos são
de especial relevância para ilustrar o enfoque apresentado no estudo, levantando novas reflexões.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os agentes que participaram da luta pela defensoria e que contribuíram no modelamento
e formatação do Núcleo de Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, de forma
consciente ou não, demonstravam entender que a luta pelo direito à cidade não poderia se restringir
ao campo normativo. Não houve apenas a criação de uma instituição, mas a elaboração de uma
linguagem jurídica, de um discurso burocrático, que visava a implementação de direitos no campo
decisório, especialmente judicial.
Pierre Bourdieu (2012, p. 218) ao discutir o poder simbólico do direito, ensina que por trás
da visão de neutralidade e imparcialidade do campo jurídico, há uma intensa disputa de valores que
buscam impor sua visão do direito e de sua interpretação. O poder simbólico existe quando tais
valores são incorporados pelos cidadãos a ponto de os entenderem como naturais, invisibilizando
os laços de poder que os subordinam. Tal implementação não se dá apenas pelos juízes, mas por
4
todo o corpo jurídico que utiliza e aplica o direito diariamente, sendo o resultado de uma luta
simbólica entre profissionais dotados de competências técnicas e sociais desiguais, portanto,
capazes de mobilizar, embora de modo desigual, os meios jurídicos disponíveis para triunfar sua
causa (BOURDIEU, 2012, p. 224).
A criação do Núcleo de Habitação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo pode ser
entendida como a forma encontrada por um espectro da população de colocar em disputa sua visão
sobre o direito, ou seja, de ter um forte aliado jurídico e político para implementar uma noção de
cidade. Ainda que a atuação no primeiro ano desta instituição possa não ter trazido de início uma
inflexão nos posicionamentos do Poder Judiciário, pode-se afirmar que afirmou um mecanismo
burocrático apto a construir uma noção do direito à cidade que contemple o olhar do cidadão
excluído.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITTAR, Carlos Eduardo Bianca. Curso de Filosofia do Direito. 12ª ed. Ver. Atual e apl. – São
Paulo: Atlas, 2016
BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 16ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
CARDOSO, Evorah Lusci Costa. Cortes supremas e sociedade civil na América Latina: estudo
comparado Brasil, Argentina e Colômbia. Disponível em:
http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2139/tde-16052013-162225/pt-br.php > Acesso em 22
dez. 2016.
CARDOSO, Luciana Zaffalon Leme. Uma fenda na justiça: a Defensoria Pública e a construção
de inovações democráticas. São Paulo: Hucitec, 2010.
CUNHA, Elza Antonia Pereira. O discurso jurídico e a ideologia do interesse geral. Direito
administrativo Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de
Ciências Jurídicas. 1984
FERNANDES, Edesio. Estatuto da Cidade, mais de 10 anos depois: razão de descrença, ou
razão de otimismo? Disponível em: < https://www.ufmg.br/revistaufmg/downloads/20/10-
estatuto_da_cidade_edesio_fernandes.pdf> Acesso em: 05 jan. 2017.
FERRAZ JR., Tercio Sampaio. A Ciência do Direito. São Paulo, Atlas. 2002
ROLNIK, Raquel. 10 Anos Do Estatuto da Cidade: das Lutas Pela Reforma Urbana às Cidade
da Copa do Mundo. Disponível em: < https://raquelrolnik.files.wordpress.com/2013/07/10-anos-do-
estatuto-da-cidade.pdf> Acesso em: 05 jan. 2017.
SAULE JR, Nelson (org.). Direito Urbanístico – vias jurídicas das políticas urbanas. Porto
Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 2007.
SÃO PAULO. I Jornada em Defesa da Moradia Digna / Defensoria Pública do Estado de São Paulo.
– 1. ed. – São Paulo: Defensoria Pública do Estado de São Paulo, 2008.
5
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GT 02 - RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
1. Introdução
Fonte: http://www.dnit.gov.br/copy_of_sala-de-imprensa/arquivos-soltos/ponte-do-guaiba.jpg/view
Importante avaliar os passos dados até agora por esta articulação entre sociedade e
1 Mestrando em Direitos Humanos pela UniRitter, especialista em Direito Civil e Processual Civil pelo IDC,
membro do Fórum Justiça, e-mail: viacampesina@hotmail.com
2 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, membro da Acesso Cidadania e Direitos Humanos e do Fórum
Justiça, compõe a executiva do Instituto de Pesquisa Direitos e Movimentos Sociais (IPDMS), bem como, do
Fórum Estadual de Reforma Urbana (FERU/RS), e-mail: julio.alt@gmail.com.
3 Disponível em: http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-dia/noticia/2015/04/remocao-de-familias-para-
2. Desenvolvimento
Neste ponto trataremos dos impactos identificados em visitas e reuniões que o Fórum
Justiça4 participou, das medidas que se tentou encaminhar junto a órgãos públicos e
comunidades, e trazer uma reflexão sobre a resistência a esta obra e o interesse público afirmado
para a sua construção.
2.1. Os impactos
Famílias moram há décadas no traçado escolhido para passar a ponte. Existem centros
comunitários, equipamentos públicos diretamente atingidos. Dentre eles o Santuário de Nossa
Senhora Aparecida e primeiro galpão de reciclagem do estado do Rio Grande do Sul financiado
pelo Governo Federal, ambos localizados na Ilha Grande dos Marinheiros. Para completar, a
escolha do traçado denota uma política de higienização, pois não atinge clubes e casas de
famílias de classes favorecidas.
Precisa-se valorar o modo de vida e os bens destas pessoas de forma correta ou se
efetivará uma grande injustiça social. Muitas famílias criam animais e plantam pequenas hortas
em suas propriedades, que ajudam na sua subsistência. Outras possuem em seus quintais, a
beira do rio, canoas, pequenos barcos e, independente de serem filiados à Colônia de Pesca,
utilizam da pescaria como fonte de sustento. Muitos são catadores, possuindo carrinhos, carroças,
veículos que, possivelmente, não terão espaço na nova moradia pensada pelo poder público.
O direito à informação violado cria uma situação de negar a cidade. O receio que se tem é
de que, com a obra da ponte avançando, se chegue a uma situação semelhante à de grandes
empreendimentos no que tange a violação de direitos humanos fundamentais, como já ocorreu
em Porto Alegre/RS e no país. Pressionando o deslocamento de diversas famílias a abrigos
improvisados, albergues, bônus moradia, aluguel social, indenizações injustas, ou mesmo a
situação de rua.
4Fórum Justiça é uma organização horizontal que visa articular movimentos sociais, sociedade civil
organizada, setores acadêmicos e o Sistema de Justiça (Judiciário, Defensoria Pública, Ministério Público
nas esferas federais e estaduais), mais informações em: http://www.forumjustica.com.br/
2
Ainda não há nenhuma ação judicial sobre a questão. As famílias, a Defensoria Pública da
União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) buscam dialogar com o Governo, para
encontrar a melhor maneira de compatibilizar o interesse público da obra e os direitos individuais e
coletivos atingidos. Contudo, ao que parece, somente a edificação da nova ponte avança. Não
obstante, há muito se tenta informações, diálogos e medidas que possam realizar e respeitar
direitos das pessoas atingidas pela obra em questão.
Em diálogo com a DPU, o Fórum Justiça se comprometeu em articular uma reunião com
representantes das comunidades impactadas5. Assim, no dia 11 agosto de 2015, o encontro
contou com boa representatividade de famílias das ilhas e do entorno da edificação em destaque6,
propiciou o início de um contato mais profundo com as comunidades, suas demandas e
expectativas. Após observar a dimensão do impacto às famílias atingidas, a Defensoria formou um
Grupo de Trabalho (GT)7 para acompanhar a obra. O GT visitou a Ilha Grande dos Marinheiros,
em 09 de março de 2016, acompanhado de lideranças comunitárias e de entidades parceiras,
percorreram o entorno da obra, e registraram as denúncias acima relatadas. Logo após, a
Comissão de Direitos Humanos do Senado, por meio do seu Presidente Senador Paulo Paim,
realizou audiência pública na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, em 20 de julho de
20168. Muitos posicionamentos e encaminhamentos foram tirados, mas nenhum ainda encontrou
efetividade para a segurança jurídica das famílias e seu bem estar.
Nos dias 14 e 15 de dezembro de 2016, coordenada pelo Centro de Direitos Econômicos e
Sociais (CDES), com a parceria do Fórum Justiça e do Fórum Estadual de Reforma Urbana
(FERU/RS), ocorreu a chamada “Missão Ponte”9. Realizaram-se visitas nas áreas atingidas e
reuniões a instituições e órgãos responsáveis, com o intuito de articular as agendas em prol da
defesa dos direitos das famílias atingidas, buscando informações necessárias sobre o destino
delas.
A DPU ainda realizou no dia 10 de maio de 2017, uma reunião com organizações e
representantes de comunidades, que debateram a situação dos atingidos pela obra da nova Ponte
do Guaíba, outra série de encaminhamentos10 foi registrada, dentre eles, o atendimento às
Ponte do Guaíba, formado por 5 Defensores Públicos Federais designados (uma Socióloga, uma Analista
em Políticas Sociais, um Defensor Público-Chefe, um Defensor voluntário e uma Secretária-Executiva),
conforme e-mail da Defensora Pública Fernanda Hann, recebido em 13 de nov de 2016.
8 Disponível em: http://www.senadorpaim.com.br/noticias/noticia/5998 . Acesso em: 09 de jun 2017.
9 Disponível em: http://www.forumjustica.com.br/pb/fj-cidades/fj-rs-fj-acompanha-missao-de-direitos-
11 HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1991,
p.24
12 ALFONSIN, Jacques Távora. Das legalidades injustas ás (i)legalidades justas: estudos sobre
direitos humanos, sua defesa por assessoria jurídica popular em favor de vítimas do
descumprimento da função social. 1 ed. Porto Alegre: Armazém Digital, 2013, p.50.
13 OLIVEIRA, Regis Fernandes. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2002, p.109.
14 ALFONSIN, Jacques Távora. O acesso à terra como conteúdo de direitos humanos fundamentais à
alimentação e à moradia. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2003, p.216.
15 SESSAREGO, Carlos Fernández. Derecho y persona. 5 ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Astrea,
2015, p.195.
16 Disponível em: http://www.direitodoestado.com/revista/rere-11-setembro-2007-humberto%20avila.pdf.
REFERÊNCIAS
ASSESSORIA/ CUT RS/ SUL 21. Situação dos moradores atingidos pelas obras da Ponte do
Guaíba é prioridade, diz Paim. Disponível em:
http://www.senadorpaim.com.br/noticias/noticia/5998 . Acesso em: 09 de jun 2017.
DIÁRIO GAÚCHO. Remoção de famílias para construção da nova ponte do Guaíba começa
no fim do ano. Disponível em: http://diariogaucho.clicrbs.com.br/rs/dia-a-
dia/noticia/2015/04/remocao-de-familias-para-construcao-da-nova-ponte-do-guaiba-comeca-no-
fim-do-ano-4736894.html. Acesso em: 08 de jun 2017.
5
Guaíba. Disponível em: http://www.forumjustica.com.br/pb/fj-cidades/fj-rs-fj-acompanha-missao-
de-direitos-humanos-da-ponte-do-guaiba/. Acesso em: 09 de jun 2017.
__________. FJ-RS acompanha reunião proposta pela DPU sobre os impactos da nova
ponte do Guaíba. Disponível em: http://www.forumjustica.com.br/pb/fj-cidades/fj-rs-acompanha-
reuniao-proposta-pela-dpu-sobre-os-impactos-da-nova-ponte-do-guaiba/. Acesso em: 09 de jun
2017.
__________. Relato da reunião do Fórum Justiça no Rio Grande do Sul, 16 de julho de 2015.
Disponível em: http://www.forumjustica.com.br/en/fj-cidades/relato-da-reuniao-do-forum-justica-no-
rio-grande-do-sul-16jul-2015/. Acesso em: 09 de jun 2017
HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor,
1991.
OLIVEIRA, Regis Fernandes. Comentários ao Estatuto da Cidade. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002.
SESSAREGO, Carlos Fernández. Derecho y persona. 5 ed. Ciudad Autónoma de Buenos Aires:
Astrea, 2015.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
1) Introdução
Neste trabalho serão levantadas, mediante métodos histórico e estrutural por meio principalmente
de levantamento bibliográfico, quais territorialidades e identidades sociais influenciam esses
territórios e serão apontadas algumas razões das dificuldades de conter a dominação centro-
periferia, que refletem na orientação da Agenda Urbana e na implementação do direito à cidade.
O estudo pretende demonstrar como a estrutura urbana das cidades norte fluminense produtoras
de petróleo tem contribuído para perpetuar o quadro de pobreza, desigualdade e exclusão social,
2
quando o lucro obtido da extração do petróleo deveria estar sendo gerido em benefício do
desenvolvimento sustentável desses locais, questionando o modelo centro rentista de
desenvolvimento econômico regional adotado pelo Estado do Rio de Janeiro, haja vista sua
recente crise econômica e política.
Por essa razão, o trabalho propõe reflexões quanto ao amadurecimento do pacto territorial que
contemple todas as escalas e não somente a local, visando um entendimento maior entre os
envolvidos, assim como aponta meios para a articulação das reflexões levantadas, como a
valorização dos agentes promotores do desenvolvimento territorial sustentável, identificando
possíveis arranjos que ampliam o diálogo entre Estado, o mercado e a sociedade civil, superando
as limitações impostas pela chegada da indústria petrolífera que tende a priorizar os interesses da
escala global.
Foram suscitados, ao longo do estudo, elementos que devem integrar a pauta de política urbana e
que contemple a condição excludente desses municípios. Para tanto se faz necessário a
ampliação das arenas de discussão e reivindicações coletivas, voltadas para as demandas do
espaço urbano que, a despeito das mudanças resultantes da chegada do mercado global, institua
um pacto territorial pelo enfrentamento desses conflitos.
A política pública urbana sustentável não se limita a contemplar direitos, mas assegura o seu
cumprimento pelas instituições e agentes promotores do desenvolvimento e proporciona a
autonomia dos cidadãos dos municípios produtores de petróleo. Sendo assim, é preciso
compreender como tais políticas podem se inserir no novo marco regulatório.
3
com o fato de que o mercado não substitui o Estado e ambos necessitam de um governo
societário.
A sociedade civil, no caso das cidades produtoras de petróleo, a população local, deveria
contribuir mais na implementação de políticas públicas urbanas, colaborando nos processos
decisórios decorrentes, por exemplo, visando resgatar o protagonismo das arenas de decisões
bem como ampliar os espaços da ação política para além do monopólio estatal.
Compreendida também como gestão social e cidadania deliberativa, a gestão participativa para
França Filho (2008) surgiu para que as demandas sociais não fossem atendidas somente pelo
Estado, mas também pela auto-organização da própria sociedade civil. Esta forma de gestão
baseia-se na racionalidade substantiva cujos principais valores fundamentam nas formas de
solidariedade e espontaneidade, nos laços sociais e na própria natureza da organização.
Neste contexto, a gestão participativa visa garantir aos cidadãos a possibilidade de serem
ouvidos, especialmente no que tange às demandas que se situa nos níveis mais próximos dos
administrados, permitindo assim, a ampliação da abertura de novos canais formais e informais de
atuação política, dinamizando o crescimento e a diversidade dos meios participativos.
Com efeito, esse controle social poderá minimizar a impunidade dos governantes que
descumpram a Agenda Urbana, violem os direitos e os interesses do grupo, diversificando as
possibilidades de gestão de recursos provenientes dos royalties, evitando desvios de finalidade, e
aumentando a fiscalização, sem falar no aumento do comprometimento dos cidadãos por conta da
sua participação direta nas pautas da cidade.
Contudo, considerando a multiplicidade dos interesses presentes nos territórios do petróleo, bem
como o modelo neoliberal replicado em todas as esferas políticas, da escala global à subescala
local, não se verifica um ambiente favorável ao diálogo e a articulação entre os atores privados e
públicos. O mercado demonstra não estar disposto a reduzir o lucro da extração e produção de
petróleo para aumentar a sua contrapartida no desenvolvimento territorial. O Estado, enquanto
ente político mediador no desenvolvimento da região, não impõe normas mais rígidas temendo o
afastamento do mercado, e a Sociedade Civil ainda tem uma contribuição muito distante nesse
processo.
4
Rolnik (2008) analisa que essa dificuldade de gestão do território municipal enfrentadas pelos
municípios se dá pelo fato de que o território não foi jamais objeto de pactuação, ou seja, de
estabelecimento de regras claras que incluem e dialogam com o conjunto de atores
governamentais e não governamentais ali presentes e atuantes, e que consideram a
especificidade socioeconômica, ambiental e cultural do espaço sobre o qual pretendem incidir. A
autora ressalta ainda a importância da construção de um pacto sócio territorial que envolva os
cidadãos, os segmentos econômicos e políticos presentes que considerem como ponto de
princípio, um projeto de inclusão de todos os moradores.
Floriano (2013) observa que o desenvolvimento local é muito voltado para investimentos externos
onde a escala nacional tem pouca ingerência, logo, o excesso de autonomia dos municípios
produtores de petróleo na verdade abre portas sem restrições ao capital internacional, razão pela
qual Porto-Gonçalves (2006) afirma ser importante pensar local, mas sem deixar de pensar
regional, nacional e globalmente, pois são formatos que afetam toda a sociedade. Por isso a
crítica à frase “agir localmente pensar globalmente”, por que essa visão ignora as demais escalas
e isso significa não levar em consideração a dimensão política, que permeia todas as escalas,
como é o caso poderosos grupos econômicos que atuam na indústria do petróleo que operam em
escalas supralocais estimulando territorialidades sem governo.
3) Considerações Finais
Buscou-se neste estudo inicialmente demonstrar quais relações de poder influenciam nos
territórios que compõem o norte fluminense, e como isso tem contribuído para perpetuar o quadro
de pobreza, desigualdade e exclusão social, e desprestígio ao direito à cidade quando o lucro
obtido da extração do petróleo deveria estar sendo gerido em benefício do desenvolvimento
sustentável desses locais.
Enfim, foram suscitados, neste breve estudo, alguns dos elementos que devem integrar a Nova
Agenda Urbana das cidades petrolíferas norte fluminense, a ser aprofundada no trabalho final, e
espera-se que essas propostas se efetivem mediante o diálogo e a conciliação da pluralidade dos
interesses envolvidos, sem sobrepor o mercado, o grande gerador de riqueza aos interesses dos
cidadãos, que estão suscetíveis aos efeitos positivos e negativos da indústria do petróleo
brasileira.
4) Referências Bibliográficas
5
FRANÇA FILHO, G. C. Definindo gestão social. In: Silva Jr, Jeová; Mâsih, Rogerio et al (Orgs.).
Gestão social: práticas em debate, teorias em construção. Fortaleza: Imprensa Universitária,
2008.
ROLNIK, Raquel. Pactuar o território: desafio para a gestão de nossas cidades. In: Política local e
as eleições de 2008. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, p. 61-69, 2008.
SILVA, Christian.L, BASSI, Nadia S.S. Políticas públicas e desenvolvimento local. In Políticas
Públicas e desenvolvimento Lcoal: instrumentos e proposições de análise para o Brasil.
Petrópolis: Ed. Vozes, 2012.
WERNER, Claudia M.L., OLIVEIRA, Floriano J.G., RIBEIRO, P.T. (orgs). Políticas Públicas:
Interações e urbanidades. Rio de Janeiro: LetraCapital, 2013.
6
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
Introdução
A nova gestão da Prefeitura de Salvador (2013 – 2016 e 2016 – hoje), na figura do Prefeito
Antônio Carlos Peixoto de Magalhães Neto (ACM Neto), instaurou uma nova forma de relação com
o setor privado, incorporando inúmeros elementos das estratégias discursivas e práticas do
empreendedorismo urbano. Já em seu discurso de posse, em 2013, ACM Neto anunciava a
necessidade de modernização da cidade através de “novas parcerias” como forma de superar uma
grave crise pela qual a cidade estaria passando, tendo o turismo como potencial “motor da nossa
economia”, principal “produto” que seria oferecido pela cidade (CORREIO, 2013; Discurso de Posse
de ACM Neto).
Ao longo de sua gestão, os processos de revisão do PDDU e da LOUOS dentro da
construção de um Plano Estratégico intitulado Plano Salvador 500, bem como ações de grande
impacto ao planejamento urbano da cidade que ocorreram ao largo desses processos – e, como
estes, esvaziadas de debate público (CERQUEIRA, 2016) –, seguiram a tônica da sua fala
inaugural. O Centro Histórico da cidade foi um dos focos da atuação municipal neste momento.
Tendo recebido o título de Patrimônio Cultural pelo IPHAN desde 1984 e Patrimônio da Humanidade
desde 1985, ao mesmo tempo representa o alardeado investimento no setor turístico (de lazer, de
negócios e de segunda moradia), como possui importância simbólica e visibilidade.
Este trabalho não trata do alinhamento ideológico entre o poder municipal e o capital privado,
que termina por promover uma aliança que incorpora às relações patrimonialistas locais elementos
da ideologia neoliberal com graves consequências sociais no território do Centro Histórico de
Salvador (CHS). Debruça-se, sim, sobre uma potente resistência a este processo por parte da
Articulação de Movimentos e Comunidades do Centro Antigo de Salvador (doravante, referida
apenas como Articulação). Comunidades majoritariamente populares do Centro identificaram nas
desapropriações arbitrárias e injustificadas, ações de despejo, processo de gentrificação, atuação
policial violenta e tantos outros abusos razão imperativa para unir-se.
1 Este trabalho apresenta parte da pesquisa realizada pelo autor ao longo do curso de mestrado em Direito
da Cidade na UERJ, cujo trabalho final intitulou-se “Direito à Cidade e Patrimônio Cultural: do conflito em
torno da apropriação do Centro Histórico de Salvador”, defendida em março de 2017.
2 Mestre em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, bacharel em Direito pela Universidade
1
Este trabalho tem como objetivo refletir sobre as possibilidades de efetivação do Direito à
Cidade em Salvador, a partir da observação de experiências da Articulação. Cabe ressaltar, é do
horizonte teórico-metodológico e ético-político do Direito à Cidade, conforme concebido por Henri
Lefebvre (2013a), que parte este trabalho. Portanto, toma-se posição pela necessidade de busca
de outras vias que não o modelo apresentado pela razão neoliberal. Contudo, tampouco cabe falar
de um modelo alternativo. Busca-se, sim, romper com modelos e construir alternativas impossíveis
tornadas possíveis pelo lento e contínuo confronto das reflexões teóricas com as experiências
práticas em um exercício de utopia experimental (2013).
A metodologia utilizada neste trabalho se baseou principalmente na realização de
entrevistas semiestruturadas com membros – representantes de cada comunidade integrante da
Articulação – e parceiros, da academia e assessoria. Além disso, o acompanhamento das ações
através de observação não estruturada e coleta de documentos (institucionais e imprensa local)
foram essenciais para a condução da pesquisa.
Situando a Articulação
Falar da Articulação também é falar de seus membros. Falar do que os une passa por falar
do que os aflige. Contudo a exiguidade de espaço que se pode dedicar neste trabalho exige que se
seja mais sucinto que a complexidade dessas comunidades faz merecer. Portanto, buscar-se-á
descrever em geral o território que engloba as comunidades. O Centro Histórico de Salvador (CHS)3,
um dos primeiros núcleos colonizados e centro da primeira capital colonial, entra no século XXI
como uma região que possui grande concentração de população negra e de baixa renda, ainda
marcado pela ruptura entre os bairros ao sul do CHS, como canela, graça, vitória e barra,
eminentemente brancos. De fato, no Centro Histórico, havia entre 2005 e 2007 um percentual de
78,4% de habitantes negros (SECULT-BA, 2009). Especialmente em algumas regiões (algumas das
quais cujas comunidades integram a Articulação) são marcados pela presença negra e de baixa
renda.
A Articulação é composta atualmente pelos Artífices da Ladeira da Conceição da Praia, pela
Associação Amigos de Gegê dos Moradores da Gamboa de Baixo, pelo Movimento dos Sem Teto
da Bahia (MSTB) e pelo Movimento Nosso Bairro é 2 de Julho (MNB2J), no âmbito do qual se
compreende também o Coletivo da Vila Coração de Maria e moradores da Ladeira da Preguiça4.
3 O Centro Histórico de Salvador é uma região englobada pelo Centro Antigo, ou seja, as denominações não
são equivalentes. De toda sorte, vale destacar que ambos os conceitos são determinados por instrumentos
legais, e estes mesmos conceitos, oriundos do plano institucional, se transformam quando em contato com a
realidade do espaço urbano, vivida por seus moradores e ocupantes. No caso da Articulação, esta rede de
comunidades não se restringe por um ou outra delimitação legal, priorizando muito mais os seus próprios
processos de territorialização e vínculos de solidariedade.
4 Além da concentração de população negra e predominantemente de baixa renda, as comunidades que
compõem a Articulação possuem características próprias que giram em torno das tradições locais. A Gamboa
de Baixo, por exemplo, se construiu como espaço tradicional de pescadores, enquanto a Ladeira da
Conceição é ocupada por artífices, em sua maioria marmoristas e ferreiros.
2
Contudo, existe também o diálogo e o desejo de aproximação com outros movimentos e
comunidades do Centro Antigo de Salvador (CAS).
Ana Caminha, moradora da Gamboa de Baixo, comunidade tradicional pesqueira, conta que
esta não é a primeira vez que surge uma articulação de movimentos no CHS, lembrando de um
proveitoso momento da década de 1990, quando várias comunidades também se uniram para lutar
pela permanência no CHS e pela realização de obras e oferta de serviços essenciais à qualidade
de vida de seus habitantes. Contudo, as conquistas, avalia Ana Caminha, levaram as comunidades
a arrefecerem as tensões. Com o surgimento das novas tensões, especialmente a partir da gestão
de ACM Neto, esse cenário muda novamente e, nas palavras de Ana Caminha, percebeu-se que
“a ameaça estava voltando”, e “pela percepção de que sozinho a gente não vai. A gente só vai se
a minha dor for a dor do outro” uma nova Articulação surge entre comunidades que, até então,
enfrentavam isoladamente seus conflitos.
O encontro entre suas lutas, bem como a compreensão holística do processo pelo qual
passava o CAS, não se deu de forma instantânea. Para tanto, foi extremamente importante o
aparecimento de outros sujeitos, notadamente assessorias parceiras e o grupo de pesquisa da
Faculdade de Arquitetura da UFBa, Lugar Comum. Assim, a aproximação por parte de cada
comunidade e movimento com a universidade e assessorias populares foi fundamental para a
construção de uma articulação. Importante observar, contudo, que estes parceiros de modo algum
buscam o protagonismo no processo político travado no âmbito da mesma. Ressalta-se, pois, a
autonomia política das comunidades e movimentos, que já estavam organizados antes de qualquer
encontro com o saber técnico da universidade ou o apoio político e jurídico das assessorias5.
5 Interessante também observar que o período de relativa passividade de que Ana Caminha fala, é agravado
por um momento de enfraquecimento das assessorias populares em Salvador, com a extinção da Comissão
de Justiça e Paz da arquidiocese de Salvador (CJP) e a temporária ausência de uma equipe dedicada ao
urbano no Centro de Estudos e Ação Social (CEAS).
6 Cidade negra aqui tomada na acepção de Sidney Chalhoub (2011, p.232) como “o engendramento de um
tecido de significados e de práticas sociais que politiza o cotidiano dos sujeitos históricos num sentido
específico – isto é, no sentido da transformação de eventos aparentemente corriqueiros no cotidiano das
relações sociais na escravidão em acontecimentos políticos que fazem desmoronar os pilares da instituição
do trabalho forçado”. Em sentido similar, ver trabalho de Raquel Rolnik (1989) sobre territórios negros.
7 A epígrafe do documento, trecho da canção “Negão”, de Chico César, reforça o peso da expressão “PDDU
racista” e fornece uma síntese lírica do sentimento compartilhado pelos movimentos e comunidades do CAS:
“Negam que aqui tem preto, negão/Negam que aqui tem preconceito de cor/Negam a negritude, essa
negação”. O documento foi assinado pela Articulação do Centro, bem como por seus componentes
individualmente, o coletivo Rio Vermelho em Ação e o coletivo Mobicidade. O documento pode ser acessado
3
No documento, os signatários lembravam que Salvador é uma cidade marcada pela
segregação, onde a população negra ocupa espaços mais carentes de infraestrutura urbana e
serviços públicos e especificamente chamando a atenção para o caráter de território negro do CAS
e outros espaços. Nesse sentido, Wagner Moreira, assessor da Articulação, resume:
O discurso da articulação do Centro tem marcado desde seus primeiros
documentos que foram soltados, de que a articulação está ali para
reivindicar a manutenção da população e da cultura negra no centro.
Quando a gente tá falando de gentrificação não estão retirando só as
pessoas do centro, estão invisibilizando a cultura do negro no centro.
Estão trazendo uma cultura europeizada, branca, sem raízes no
Centro, e expulsando aquilo que de fato é surgido no centro. (Entrevista
com Wagner Moreira, 2017)
Percebe-se ainda uma forte carga de territorialidade quando os membros da articulação
falam sobre sua identidade. Para eles, manter sua identidade sempre significa poder permanecer,
reconhecimento sempre significa ter garantido o direito de continuar produzindo coletiva e
autonomamente aquele território como o têm feito historicamente. Como dito por Wagner Moreira,
“é muito difícil falar do elemento cultural desterritorializado”.
Essa identidade mantém, portanto, relação dialética com o território. O território passa a ser
significado por aqueles sujeitos que o produzem, ao mesmo tempo que é elemento fundamental na
construção dessa mesma identidade. A vida no Centro, para essas comunidades, dirá o
entrevistado, “são do patrimônio imaterial, são do fazer, do cotidiano, e da onde se reivindica a
cultura também como elemento de resistência deles. Não queremos resistir ali só pelo espaço físico,
mas pelo elemento cultural que está agregado àquele espaço”.
Como se identifica em entrevista realizada com Ana Caminha, presidente da associação de
moradores da Gamboa de Baixo, resistir no centro é, ao mesmo tempo, lutar por seu trabalho, seu
lar e sua cultura. Refletir sobre o direito à cidade na cidade de Salvador, portanto, é impossível sem
se preocupar em compreender as contradições que envolvem os processos de exclusão específicos
do povo negro nesta cidade e, nesta pesquisa, especificamente no CHS. Se o urbano se forma pelo
encontro entre as diferenças, se se opõe à segregação, que afasta o conflito, então pensar o direito
à cidade em Salvador não pode prescindir da questão racial.
Considerações Finais
A via única (excludente e racista) apresentada pela institucionalidade é, então, rompida pela
radicalidade da própria vida dessa cidade negra, em si um processo de resistência. Sob o lema
“daqui não saio, daqui ninguém me tira”, revelam concomitantemente uma inação, não sair, e uma
ação, resistir, que se equivalem. Não sair do Centro, para essas comunidades e movimentos, é,
constantemente, resistir, contestar pelo seu direito de permanecer e participar do movimento do
urbano. Se o Centro de Salvador pulsa em vida é porque estes espaços garantem a manutenção
do conflito e da diversidade. De outro modo, sua existência no Centro contribui ao rompimento da
na página virtual
file:///C:/Users/marce/Downloads/Manifesto%20contra%20um%20PDDU%20Racista%20e%20Higienista.pdf
4
passividade do falso consenso e revelam o caráter ideológico do projeto de Cidade que a
institucionalidade busca impor.
Ao longo da pesquisa foi possível observar as experiências da Articulação são potentes. São
capazes de instalar o dissenso, no âmbito institucional (em audiências públicas por exemplo) e no
cotidiano. Articuladas (inclusive com a academia), essas comunidades são capazes de identificar
com muito maior complexidade as nuances dos processos em andamento e, a partir dessa
realidade, posicionar-se, mobilizar-se e impor outras vias. O turismo na Gamboa, por exemplo, onde
os moradores contam a história da comunidade e da fortificação que ali se encontra a partir da
perspectiva da própria comunidade, através de seus moradores, valorizando a arte da pesca que
tanto lhe importa, é uma via alternativa ao turismo consumista, homogeneizado e vazio que toma
conta de muitos pontos turísticos oficiais do CHS.
Sem sabê-lo, as comunidades e movimentos integrantes da Articulação promovem a luta
pelo Direito à Cidade sob um método e com um posicionamento político extremamente similares
aqueles propostos por Henri Lefebvre (2013). Sua experiência de luta é um verdadeiro case de
utopia experimental e, ao trazer para o centro do debate as noções de raça e território, forçam o
enfrentamento de uma das questões mais importantes para a realidade urbana soteropolitana, sem
o qual realmente não parece ser possível avançar muito.
Referências Bibliográficas
CERQUEIRA, R. Quem Participa? Participação popular e direito à cidade: um estudo de caso
do plano Salvador 500. Trabalho de dissertação. Brasília. UNB. 2016.
CHALHOUB, S. Visões da Liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na
Corte. São Paulo. Companhia das Letras. 2011.
CORREIO. Leia o discurso de posse do prefeito ACM Neto, empossado nesta terça-feira (1º).
Salvador. Publicado em: 01 de janeiro de 2013. Acesso em: 30 de 02 de novembro de 2016.
LEFEBVRE, H. O Direito à Cidade. São Paulo. Centauro. 2013.
ROLNIK, R. Territórios Negros nas Cidades Brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e Rio de
Janeiro. IN.: Revista de Estudos Afro-Asiáticos 17 – CEAA. Rio de Janeiro. Universidade
Cândido Mendes. 1989.
Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (SECULT-BA). Infocultura – Centro Antigo de
Salvador: uma região em debate. 2009.
5
1
RESUMO
Este artigo parte da premissa de que a conformação urbana se encontra gradativamente
controlada pelos interesses de setores privados da sociedade, enquanto os próprios habitantes
urbanos são cerceados de usufruírem de seu direito à cidade. O artigo focaliza a atuação de
coletivos artísticos ativistas que operam no resgate do espaço público como um locus da vida
comunitária, objetivando analisar intervenções artísticas de Aracaju enquanto elementos que
suscitam a apropriação do espaço público e a participação ativa dos habitantes no que concerne
ao direito à cidade.
1 Introdução
O núcleo urbano como o lugar do viver comunitário vem sendo descaracterizado através
de estratégias que geram uma estrutura de vivência cada vez mais privada para os habitantes da
cidade, como a exclusão e a segregação espacial, a consolidação de equipamentos falsamente
públicos (como os shoppings centers), a dispersão e fragmentação do território e a multiplicação de
obras que privilegiam os automóveis em detrimento das pessoas. Na cidade de Aracaju, esse
processo foi “conduzido pela ação governamental [...] e também decorrente da intervenção do
mercado da construção civil”2. Dentro desse contexto dos agentes que moldam a cidade, percebe-
se a ausência de participação dos habitantes que foram excluídos do processo de desenvolvimento
econômico, o que revela a problemática da privação do direito à cidade.
Entende-se que esse direito perpassa variadas questões de âmbito social, político,
ambiental, econômico e cultural, porém, o que é destacado por parte deste trabalho refere-se ao
direito da ocupação plena e democrática da cidade, com o sentido de apropriação de suas ruas e
espaços públicos em prol de uma urbe comunitária e dinâmica. Nesse sentido, a reunião de pessoas
em coletivos e grupos artísticos tem interferido ativamente nessa realidade.
Com o objetivo de analisar quatro intervenções artísticas de Aracaju – o Sarau Debaixo,
o Clandestino, o Som de Calçada e a Batalha do Octógono – enquanto elementos que suscitam a
apropriação do espaço público e a participação ativa dos habitantes no que concerne ao direito à
cidade. Para tal, trabalha-se majoritariamente com os preceitos definidos pela Carta Mundial pelo
Direito à Cidade (2004), regida no Fórum Social das Américas, em Quito, Equador, e com os
conceitos abordados por Lefebvre em seu livro “O direito à cidade” (2008). Utilizou-se como
metodologia a construção de narrativas obtidas através de entrevistas com os integrantes dos
coletivos e grupos e com os expectadores que vivenciaram tais intervenções.
Nesse sentido, é necessário compreender tal realidade enquanto uma problemática que
atinge a qualidade dos espaços urbanos e a própria vivência dos seus habitantes, cessando-os da
oportunidade de usufruir de suas cidades de modo pleno e satisfatório e indo na contramão do
conceito de direito à cidade que, segundo a Carta Mundial pelo Direito à Cidade,
[...] é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos
princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito
coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e
desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em
seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito à livre
autodeterminação e a um padrão de vida adequado.5
O Sarau Debaixo, por sua vez, foi um sarau artístico promovido pelo Coletivo Sarau
Debaixo entre os anos de 2013 e 2015 no baixio do Viaduto Jornalista Carvalho Déda, uma vez por
mês. A atuação nesse espaço considerado ‘invisível’ era proposital: tratava-se de ressignificar os
espaços inutilizados da cidade ao passo em que as demandas sociais eram discutidas através da
literatura, da música e de variadas expressões artísticas que conformavam essa guerrilha cultural,
como cita Júlia Tavares, integrante do coletivo:
Pra cidade, eu acho que é essa possibilidade da gente poder ocupar e
dizer que a cidade não é só esse modelo que está sendo construído de cidade: as
casas com muros gigantes, te isolando do resto da cidade; os condomínios tendo
tudo por dentro, condomínio já com academia, mercado, pra que você não precise
sair. Existem coisas que você pode aproveitar fora da casa, né? [sic]9
8 Ibid.
9 TAVARES, 2017.
10 BOMBA, 2017.
5
3 Considerações Finais
A partir das entrevistas realizadas com os envolvidos nas quatro ocupações – Sarau
Debaixo, Batalha do Octógono, Clandestino e Som de Calçada – constatou-se a insatisfação para
com os rumos do desenvolvimento da cidade e implantação de um poder de resistência, que
reivindica os interesses da população. A busca desses ativismos converge para uma vida mais
comunitária, cujo direito à cultura e à cidade deve ser democratizado e o espaço público deve ser
retomado como um lugar de encontro e sociabilização.
Ademais, é preciso pontuar que todas as intervenções abordadas são organizações
efêmeras e espontâneas – no momento em que este trabalho é lido, algumas delas podem não
mais estar sendo realizadas, ao passo em que muitas outras surgem dia após dia, fruto de pessoas
que vivenciaram esses eventos e inspiraram-se neles para reafirmar o seu poder cidadão e atuar
de forma direta na cidade. Os depoimentos concedidos pelos expectadores das quatro intervenções
verificadas realçam a importância dessas manifestações artísticas a fim de incentivar uma maior
participação dos habitantes nos processos de ocupação e construção de cidade, e em especial a
apropriação do espaço público como um lugar de permanência e convívio.
11 PINHEIRO, 2017.
6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOMBA, Pedro. Entrevista III. [fev. 2017]. Entrevistadora: Mariane Cardoso de Santana. Aracaju,
2017. 1 arquivo .mp3 (01h01min).
CARTA MUNDIAL PELO DIREITO À CIDADE. In: Fórum Social das Américas. Quito, Jul. 2004.
Disponível em: <http://normativos.confea.org.br/downloads/anexo/1108-10.pdf> Acesso em: 29
mai. 2017.
FRANÇA, Sarah Lúcia Alves; REZENDE, Vera França. Conflitos Ambientais e Ocupação da Zona
de Expansão Urbana de Aracaju: Distanciamento de uma Prática Sustentável. In: V Encontro
Nacional da ANPPAS, Florianópolis, 2010.
GEHL, Jan. Cidade para pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2015.
JONNES, Allan. Entrevista II. [jan. 2017]. Entrevistadora: Mariane Cardoso de Santana. Aracaju,
2017. 1 arquivo .mp3 (01h25min).
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Ed. Moraes, 1991.
PINHEIRO, Luan. Entrevista V. [mensagem pessoal]. Mensagem recebida por
<mariane.arq@hotmail.com> em 23 janeiro 2017.
REIS, Kaippe. Clandestino & Maximum Rock´n´Roll. Programa de Rock Sergipe. Aracaju: 2015.
Disponível em: <http://pdrock-sergipe.blogspot.com.br/2015/05/clandestino-maximum-rock-and-
roll.html>. Acesso em Mar. 2017.
SOBARZO, Oscar. A produção do espaço público: da dominação à apropriação. GEOUSP –
Espaço e Tempo, São Paulo, n. 19, 2006, p.93-111.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
Bianca Tavolari1
1. Introdução
Após tramitar por mais de uma década no Congresso Nacional, a Lei n.10.257/2001
positivou o direito à cidade em seu artigo 2º, I. A inclusão do termo “direito à cidade” foi um dos
pontos de embate e disputa ao longo dos muitos anos de tramitação do Estatuto. Enquanto o
projeto original do senador Pompeu de Sousa (PMDB-CE) afirmava expressamente que o direito à
cidade, entendido como “o conjunto de medidas que promovam a melhoria da qualidade de vida,
mediante a adequada ordenação do espaço urbano e a fruição dos bens, serviços e
equipamentos comunitários por todos os habitantes da cidade” (art.3º do PLS n.181/1989),
deveria ser tanto o objetivo quanto o objeto da política urbana, não foram poucas as propostas de
emenda elaboradas com a finalidade de retirar a expressão do texto da lei, sob a justificativa de
que se trataria de conceito de caráter filosófico – e, portanto, vago e sem aplicabilidade prática –
ou mesmo de cunho ideológico.2 A formulação final – “direito a cidades sustentáveis” – foi incluída
apenas em 1999, após o substitutivo da Comissão de Desenvolvimento Urbano e Interior. É uma
formulação específica que combina “direito à cidade” com a noção de desenvolvimento
sustentável, originária dos debates internacionais sobre meio ambiente.3
O artigo 2º, I determina que a “garantia do direito a cidades sustentáveis” é uma diretriz da
política urbana que deve ser entendida “como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento
ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
para as presentes e futuras gerações”. A formulação do artigo sugere, assim, que o “direito à
1 Doutoranda em Direito na Universidade de São Paulo, mestre em Direito na Universidade de São Paulo e
graduada em Direito e Filosofia pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora do Núcleo Direito e
Democracia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Email: biancatavolari@gmail.com.
2 Para uma reconstrução detalhada da tramitação legislativa do PLS n.181/1989, que deu origem ao
Estatuto da Cidade, ver TAVOLARI, Bianca. Direito e cidade: uma aproximação teórica. Dissertação de
mestrado apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2015, p.57 e seguintes.
3 A origem do termo “cidades sustentáveis” remonta à Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992. A expressão foi utilizada no tratado
alternativo Towards just, democratic and sustainable cities, towns and villages, promovido por diversos
movimentos sociais e organizações não-governamentais internacionais. Para o texto do tratado, ver EARTH
COUNCIL, INTER-AMERICAN INSTITUTE FOR COOPERATION ON AGRICULTURE. The Earth Summit,
Eco-92: Different visions. San José da Costa Rica, 1994. Para as discussões dos movimentos na
conferência, ver a coletânea GRAZIA, Grazia de (org.). Direito à cidade e meio ambiente. Rio de Janeiro:
Fórum Brasileiro de Reforma Urbana/Ayuntamento de Barcelona/FASE, 1993. Na tramitação do Estatuto da
Cidade, a Segunda Conferência das Nações Unidas para os Assentamentos Humanos (HABITAT II), de
1996, também foi referência importante, especialmente no que diz respeito à implementação da Agenda 21.
1
cidade” seria uma espécie de guarda-chuva para uma série de outros direitos ou, para usar a
expressão de Hannah Arendt, um “direito a ter direitos”. Um direito intermediador que garantiria
acesso a outros direitos, portanto. Se esta é uma interpretação possível, há várias outras que
procuram dar conta de como interpretar e classificar este direito. Apenas para citar alguns
exemplos, Edésio Fernandes defende que o Estatuto da Cidade teria materializado as condições
para um novo contrato social tal como proposto por Henri Lefebvre em Du contrat de citoyenneté,
a partir dos pilares do direito à habitação e do direito à participação. 4 Já Thiago Aparecido
Trindade defende que se trataria de um direito social,5 enquanto David Harvey afirma que o direito
à cidade é um direito humano coletivo.6 Como entender o direito à cidade – e, principalmente,
como entender a maneira que o Estatuto da Cidade tratou desse direito – é uma questão em
aberto.7
4 FERNANDES, Edésio. Constructing the ‘right to the city’ in Brazil. Socio Legal Studies, v. 16, 2007, p.211-
212.
5 TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e cidadania: reflexões sobre o direito à cidade. Lua Nova, n. 87,
2012.
6 HARVEY, David. The right to the city. New Left Review, n.53, setembro-outubro, 2008.
7 Para uma reconstrução mais pormenorizada desta discussão, ver TAVOLARI, Bianca. Direito à cidade:
2
cidades sustentáveis” e “direito à cidade”, procuradas entre aspas, para garantir que as
expressões exatas fossem encontradas. No caso do TJ-SP, foram selecionadas 43 decisões que
mencionam explicitamente um ou outro termo e que variam, em suas datas, de agosto de 1999 –
antes da promulgação do Estatuto da Cidade, portanto – a agosto de 2014. No que diz respeito ao
STJ, foram encontrados 2 acórdãos e mais de 70 decisões monocráticas. As decisões foram
categorizadas de acordo com quem são as partes, quem mobiliza o argumento do “direito à
cidade”/“direito a cidades sustentáveis”, se há referência legislativa e/ou doutrinária, o que está
em disputa e o teor da decisão.
Parece claro que um tipo de pesquisa como essa encontra limitações. Em primeiro lugar,
só há acesso aos bancos de dados da segunda instância, o que impossibilita acompanhar como
as partes elaboraram seus argumentos na primeira instância, quando a demanda e a contestação
foram originariamente formuladas. Mas, ao mesmo tempo em que é uma limitação, esta também é
uma vantagem para este trabalho: é na segunda instância que interpretações são confirmadas ou
refutadas e que as justificativas para a manutenção ou alteração de posicionamento são
explicitadas. Em segundo lugar, ao procurar por estas palavras-chave, crio uma lente de análise
específica que me permite ver questões importantes e, ao mesmo tempo, deixar de ver outras
igualmente relevantes. Não consigo ver, por exemplo, casos em que as partes mobilizaram o
direito à cidade como argumento, mas que a juíza ou juiz não incluiu o termo em seus argumentos
de decidir. Assim, trata-se de uma pesquisa apenas de decisões em que a juíza ou o juiz utilizam
estas expressões explicitamente, seja para afirmá-las ou para criticá-las, ou seja, estamos diante
de uma pequena parte do universo de casos em que há mobilização expressa deste direito. No
entanto, apesar dessas limitações, acredito que esta pesquisa de jurisprudência se justifica por
permitir acesso a sentidos do direito à cidade não só pouco debatidos na esfera pública, mas
também para significados não previstos na disputa pelo texto do Estatuto da Cidade no processo
legislativo ou pela literatura de análise e comentário.
Deste universo de decisões judiciais, três questões específicas foram selecionadas para
tratar neste artigo, a partir de decisões apenas do TJSP.8 O critério de seleção foi a novidade do
argumento contido nas decisões, ou seja, procurei ressaltar interpretações pouco comuns para a
literatura sobre este tema e que, ao mesmo tempo, fossem recorrentes – e não casos isolados –
na arena institucional do tribunal.
O primeiro grupo de decisões trata sobre direito à moradia. Se este é um significado já
comumente associado ao direito à cidade e está inclusive previsto no artigo 2º, I do Estatuto da
8A escolha por me restringir ao TJSP e não incluir as decisões do STJ é de ordem prática: a análise das
decisões do TJSP já foi concluída enquanto que a pesquisa sobre as decisões monocráticas do TJSP ainda
está em seu início.
3
Cidade, o que chama atenção nas decisões judiciais selecionadas nesta pesquisa é: há uma série
de decisões que mobilizam o direito à cidade para garantir o direito à moradia, mas são casos que
tratam de demandas individuais por habitação, geralmente de pessoas em casos de extrema
vulnerabilidade.9 Nesses casos, não é raro que o argumento do direito à cidade seja mobilizado
pela própria juíza ou pelo próprio juiz. Por outro lado, em casos coletivos de direito à moradia,
ainda que as partes mobilizem o argumento do direito à cidade, ele geralmente não é reconhecido
pela juíza ou pelo juiz, que tende a negar a garantia a este direito.10
O segundo grupo diz respeito a decisões sobre quem tem legitimidade de agir na ação.
São pedidos da Defensoria Pública e do Ministério Público para agir em determinados processos
sobre conflitos urbanos, justificando que se tratariam de questões de direito à cidade, logo, de
questões coletivas, o que garantiria a atuação destes órgãos. 11 Também são ações que
questionam a legitimidade de atuação do Ministério Público e da Defensoria. O terceiro grupo trata
de decisões que mobilizam o direito à cidade em questões sobre competência legislativa
municipal. “Direito à cidade”, “direito urbanístico” e “interesse local” são utilizados para determinar
qual órgão da federação seria competente para legislar em diversos temas urbanos específicos.12
Estes dois últimos blocos são compostos por decisões que não fazem referência ao direito à
cidade no contexto de discussões sobre direitos subjetivos, direitos sociais, direitos humanos ou
pretensões de direito. Nesses casos, o direito à cidade é mobilizado para demarcar um
“dentro” e um “fora”, ou seja, quem pode atuar no processo judicial e quem pode legislar. Estão
vinculados a questões de atribuição de competência e poder de atuação e não exatamente a
questões de mérito.
São, portanto, três questões distintas com repertórios semânticos diferentes. A proposta
do artigo é analisar este conjunto de questões e seus argumentos em detalhes.
4. Considerações finais
Diferentes sentidos têm sido atribuídos ao direito à cidade por movimentos sociais na
esfera pública, pela literatura da sociologia urbana crítica e do direito urbanístico, em conferências
internacionais e mesmo em textos de lei e propostas de tratados internacionais. Este trabalho se
propõe a olhar para o Poder Judiciário como mais um dos âmbitos em que o significado do direito
à cidade é disputado. A análise dos argumentos das decisões judiciais vinculadas a três blocos
distintos de questões pretende mostrar que, no que diz respeito ao Tribunal de Justiça de São
Paulo, sentidos pouco usuais têm sido atribuídos ao direito à cidade. Este trabalho não pretende
4
avaliar essas decisões como se fossem desvios de um conceito original de direito à cidade, mas
como interpretações que devem ser levadas a sério se quisermos compreender e influenciar a
análise judicial deste direito.
Referências bibliográficas
FERNANDES, Edésio. Constructing the ‘right to the city’ in Brazil. Socio Legal Studies, v. 16,
2007.
GRAZIA, Grazia de (org.). Direito à cidade e meio ambiente. Rio de Janeiro: Fórum Brasileiro de
Reforma Urbana/Ayuntamento de Barcelona/FASE, 1993.
HARVEY, David. The right to the city. New Left Review, n.53, setembro-outubro, 2008.
TAVOLARI, Bianca. Direito à cidade: uma trajetória intelectual. Novos Estudos, n.104, março de
2016.
TRINDADE, Thiago Aparecido. Direitos e cidadania: reflexões sobre o direito à cidade. Lua Nova,
n. 87, 2012.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
Metropolitano, São Paulo, v. 18, n. 35, p. 283-307, abr. 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cm/v18n35/2236-9996-cm-18-35-0283.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2017, p. 285.
5 IBGE. Censo demográfico 2010. Rio de Janeiro, 2010.
6COHAB. Minha casa Minha vida. 2015. Disponível em:
<http://cohabld.londrina.pr.gov.br/index.php/programa-minha-casa-minha-vida>. Acesso em: 2 maio 2017.
7 LONDRINA. Prefeito finaliza entrega de casas no Residencial Vista Bela. 2012. Disponível em:
<http://www.londrina.pr.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15407:prefeito-finaliza-
entrega-de-casas-no-residencial-vista-bela&catid=108:destaques]>. Acesso em: 3 maio 2017.
8 COHAB. Minha casa Minha vida. 2015. Disponível em:
<http://cohabld.londrina.pr.gov.br/index.php/programa-minha-casa-minha-vida>. Acesso em: 2 maio.
9 Ibid.
10 ZANON, Elisa Roberta; CORDEIRO, Sandra Maria Almeida; ARAUJO JUNIOR, Miguel Etinger.
2
Direito à Moradia Digna e Adequada
O Direito à Moradia foi incluído no texto constitucional por meio da Emenda
Constitucional nº 26/2000, que alterou o enunciado do art. 6º e colocou o direito à moradia no rol
dos direitos sociais, ao lado do direito à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança, à
previdência social, à assistência aos desamparados, à proteção à maternidade e à infância. No
entanto, para se compreender a forma mais adequada de se interpretar o direito à moradia, é
necessário recorrer às discussões desenvolvidas no cenário internacional.
O Direito à moradia como um direito humano fundamental é reconhecido no art. 25 da
Declaração Universal do Direitos Humanos em 1948, e após isso, está presente em diversos
outros pactos e convenções internacionais. No sentido de construir uma interpretação adequada
ao Direito à Moradia, o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais elaborou o Comentário
Geral nº 4 que prevê a interpretação que este direito deve ter. Este direito, não deve ser
interpretado restritivamente, ou seja, a moradia não deve ser compreendida como “mero teto
oferecido como abrigo ou a uma mercadoria”11.
O Comentário geral nº 4 amplia a concepção de Direito à Moradia, e inclui como
elementos para efetivação de uma moradia digna e adequada: a segurança jurídica da posse; a
disponibilidade de serviços, materiais, instalações e infraestrutura essencial para saúde,
segurança, bem como acesso aos recursos naturais e coletivos, saneamento, entre outros;
acessibilidade aos custos financeiros; habitabilidade da moradia garantindo a segurança dos
ocupantes; acesso à moradia adequada e à terra; à localização que permita o acesso ao
emprego, aos serviços de saúde, educação, entre outros, e direito à adequação cultural12.
Considerado mais amplo que o Direito à moradia, a discussão a seguir se voltará para a análise
do conceito de Direito à Cidade.
Direito à Cidade
O Direito à Cidade possui duas dimensões, uma filosófico-política e uma dimensão
jurídica, que engloba um amplo leque de direitos. A dimensão filosófico-política foi desenvolvida
por Henri Lefebvre, em 1979, no livro “O Direito à Cidade”. O Direito à Cidade, para o autor, se
constituía na possibilidade de reconstruir a cidade a partir de outra concepção de sociedade,
rompida com a dinâmica capitalista que molda a sociedade atual, na qual prevalece o espaço
urbano enquanto mercadoria e se perde o espaço urbano enquanto promotor da vivência social.13
Na mesma perspectiva, David Harvey observa o Direito à Cidade a partir desse aspecto
revolucionário e contestatório do modelo capitalista, apontando que ele deve ser compreendido
não como o direito à algo que já existe, mas como o direito de reconstruir a cidade a partir de um
11 Ibid, p. 43.
12 Ibid, p. 47.
13 LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro, 2001.
3
corpo político socialista, com uma imagem de sociedade completamente diferente, “que erradique
a pobreza e a desigualdade social e cure as feridas da desastrosa degradação ambiental”14.
Em paralelo à perspectiva filosófico-política, o Direito à Cidade também possui um
desenho jurídico. Conforme afirma a Carta Mundial pelo Direito à Cidade, este direito amplia a
questão para além da moradia e do bairro, e alcança a cidade e seu entorno rural. A Carta define
este direito como sendo o da utilização equitativa das cidades, tendo como baliza os princípios da
justiça social, da sustentabilidade e da democracia, incluindo nele um rol amplo de direitos, entre
os quais se destacam: os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais, ambientais, bem
como, o direito de liberdade de organização e de reunião, o respeito às minorias, à pluralidade
étnica, racial, sexual e cultural, respeito aos imigrantes e a garantia da preservação e herança
histórica e cultural.15
Reafirmando o Direito à Cidade como um dos direitos humanos fundamentais, a
Conferência das Nações Unidas sobre Moradia e Desenvolvimento Urbano Sustentável – Habitat
III, realizada em outubro de 2016 na cidade de Quito, Equador, o define, na Nova Agenda Urbana,
como um ideal de cidade pra todos. Nesta, prevalece a igualdade no uso e no desfrute das
cidades e dos assentamentos humanos, com vistas a promover a integração e a garantia de que
todos os habitantes, para que estes possam desenvolver cidades e assentamentos humanos
justos, seguros, saudáveis, acessíveis, resilientes e sustentáveis, promovendo a prosperidade e a
qualidade de vida para todos.16
Juridicamente, diversos são os direitos que devem ser observados a partir da perspectiva
urbana. Neste sentido, vários direitos compõem o direito à cidade como: o direito de participação
na elaboração do orçamento das cidades; o direito de participação na propriedade do solo urbano,
de forma justa e ambientalmente equilibrada; o direito de participar no planejamento, regulação e
gestão do espaço urbano; direito à mobilidade e circulação na cidade; direito de permanecer na
cidade e dela não ser expulso ou afastado de forma arbitrária; direito à adaptação dos espaços às
necessidade das pessoas portadoras de necessidades especiais, entre outros.17
Considerações Finais
A partir da breve apresentação sobre o Residencial Vista Bela, construído através do
Programa Minha Casa Minha Vida na cidade de Londrina, Paraná, é possível perceber que em
função das características com as quais o empreendimento foi concluído, houve uma violação ao
que se compreende como moradia digna e adequada. Essa violação se dá em função da moradia
não ser mais compreendida como mero teto com o qual se abrigar. Moradia digna e adequada
14 HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Tradução de Jeferson
Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2014, p. 247.
15 SANTOS JUNIOR, Orlando Alves; MÜLLER, Cristiano. Direito Humano à Cidade. Coleção Cartilhas de
Referências Bibliográficas
CARVALHO, Aline Werneck Barbosa; STEPHAN, Italo Itamar Caixeiro. Eficácia Social do
Programa Minha Casa Minha Vida: discussão conceitual e reflexões a partir de um caso
empírico. Caderno Metropolitano, São Paulo, v. 18, n. 35, p. 283-307, abr. 2016. Disponível em:
<http://www.scielo.br/pdf/cm/v18n35/2236-9996-cm-18-35-0283.pdf>. Acesso em: 28 abr. 2017.
LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. Tradução de Rubens Eduardo Frias. São Paulo:
Centauro, 2001.
LONDRINA. Prefeito finaliza entrega de casas no Residencial Vista Bela. 2012. Disponível
em:
<http://www.londrina.pr.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=15407:prefeito-
finaliza-entrega-de-casas-no-residencial-vista-bela&catid=108:destaques]>. Acesso em: 3 maio
2017.
OSÓRIO, Letícia Marques. O Direito à moradia como direito humano. In: FERNANDES, Edésio;
ALFONSIN, Betânia. (coords.). Direito à moradia adequada: o que é, para quem serve e como
defender e efetivar. Belo Horizonte: Fórum, 2014.
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos; MÜLLER, Cristiano. Direito Humano à Cidade. Coleção
Cartilhas de Direitos Humanos. Volume IV. 1ªed. Plataforma Dhesca Brasil, 2008.
UNIDAS, Naciones. Nueva agenda urbana. Conferencia de las Naciones Unidas sobre la
Vivienda y el Desarollo Urbano Sostenible (Habitat III). Quito, 2016.
ZANON, Elisa Roberta; CORDEIRO, Sandra Maria Alemida; ARAUJO JUNIOR, Miguel Etinger.
Avaliação das políticas habitacionais na Região Metropolitana de Londrina-PR. Serviço
Social em Revista (online), Londrina, v. 18, n. 1, p. 194-218, jul/dez 2015.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO
À CIDADE
pertinência no universo subcultural. Revista Transgressões – Ciência Criminal em debate. Natal, vol. 3, n.1,
maio 2015.
4 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. Vol. 5. São Paulo: Centauro, 2001.
5 ROLNIK, Raquel. Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. In: ROLNIK, Raquel; CYMBALISTA,
Renato. (Org.). Instrumentos urbanísticos contra a exclusão social. São Paulo: Pólis, 1997.
1
expressão cultural das classes menos avantajadas economicamente que, por este motivo, não
têm espaço em ambientes privilegiados da urbe.7
7 SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
8 ALVES, Glória Anunciação de. A lógica e os embates na produção da cidade: o caso de São Paulo.
Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona: Universidad de Barcelona, 1
de agosto de 2006, vol. X, núm. 218 (44). Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-44.html>.
Acesso em: 15 jul. 2016.
9 OLIVEIRA, Isabel Cristina Eiras de. Estatuto da cidade; para compreender. Rio de Janeiro: IBAM/DUMA,
2001.
10 VERANO, Paulo Nascimento; OLIVEIRA, Lúcia Maciel Barbosa de. Por uma política cultural que dialogue
com a cidade: o caso do encontro entre o MASP e o graffiti (2008-2011). In: Anais [recurso eletrônico] / XV
Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação além das nuvens, expandindo as fronteiras da
Ciência da Informação, 27-31 de outubro em Belo Horizonte, MG. Disponível em:
<http://enancib2014.eci.ufmg.br/documentos/anais/anais-gt3>. Acesso em: 6 ago. 2016.
11 ARTISTAS NA RUA. Manifestações artísticas em espaços públicos – Grafite e pichação. Disponível em:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. § 1º Se o ato for realizado em monumento ou
coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1
2
A criminologia cultural preenche esta lacuna demonstrando que a falta de definição
concreta entre crime e arte é fruto de uma determinada postura social adotada. Segundo Furquim
e Stefanuto Lima, o estudo norte-americano sobre o grafite intitulado Urban Grafitti: Crime, Control
and Resistence deu inicio ao que se pode descrever a esta vertente criminológica que procura
analisar a criminalização de condutas artísticas que confrontam os ditames sociais
hegemônicos.13 A expressão cultural da população que expõe aquilo que não se quer solucionar
deve ser barrada e marginalizada. Sergio Franco, no mesmo sentido, trata do grafite como arte
transgressora que procura ocupar espaços urbanos até então tidos como abandonados, trocando
o cinza pela arte.14 Porém, apesar de presente no cotidiano paulistano, este tipo de manifestação
artística nunca foi bem vinda pelos olhos estatais e por grande parcela da população.
Em termos de políticas públicas municipais, no governo da Marta Suplicy (2001-2004)
houve o programa “Belezura”, que apagou várias obras. Durante a gestão Serra/Kassab (2005-
2012), foi lançado o “Programa Cidade Limpa”, que sistematicamente pintou de cinza todos os
grafites presentes nas vias públicas. A gestão do prefeito paulistano Fernando Haddad (2013-
2016), arraigada com princípios democráticos descritos no PDE, estimulou a pintura e buscou
autorizar grafites em patrimônio histórico sem ganhar simpatia popular.15 Na gestão atual, o
prefeito João Dória (2017-2020), no programa “São Paulo Cidade Linda”, extinguiu grafites de
locais de grande visibilidade. Os painéis da Avenida 23 de Maio e os “Arcos do Jânio” foram os
monumentos aplacados de maior impacto social, exatamente pela posição privilegiada que
exerciam na urbe. Além de patrimônio histórico nacional, os paredões ensejavam reflexão sobre o
cotidiano caótico paulista nele ilustrado.16
Para um olhar minucioso, a compreensão da legislação municipal de São Paulo também
se faz necessária. A Tabela 1 elenca as normas que se relacionam com as temáticas da pichação
e do grafite. Até os anos 2000, nenhuma lei municipal tratava do gerenciamento dos casos de
pichação ou abordava o incentivo às políticas culturais do grafite. Há a menção às pichações
apenas em duas normas que tratam do assunto de forma secundária: a Lei nº 11.378/1993, que
(um) ano de detenção e multa § 2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de
valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo
proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público,
com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas
pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e
artístico nacional.”
13 FURQUIM, Saulo Ramos e LIMA, Luiz Gustavo Stefanuto. Aportes iniciais sobre a criminologia cultural e
a pertinência no universo subcultural. Revista Transgressões – Ciência Criminal em debate. Natal, vol. 3,
n.1, maio 2015.
14 FRANCO, Sergio Miguel. Iconografias da metrópole: grafiteiros e pixadores representando o
em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/02/1583790-haddad-autoriza-grafite-em-parede-de-
patrimonio-historico.shtml>. Acesso em: 13 jan. 2017.
16 G1 O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO. Justiça proíbe Doria de apagar grafite sem aval de conselho
3
estabelece a proibição da venda de tintas spray para jovens menores de 18 anos, e o Decreto nº
37.569/1998, que trata de propaganda eleitoral e proíba a prática do grafite para esse fim.
O cenário muda nos anos 2000. Em 2003, o Projeto de Lei nº 760/2003 pretende incluir no
calendário oficial da cidade o Dia do Grafite, que é aprovado e instituído por meio da Lei nº
13.903/2004. Em 2005, dois projetos de lei pretendem agir sobre as pichações: o Projeto de Lei nº
645/2005, de autoria do governo municipal, e o Projeto de Lei nº 56/2005. O primeiro deles é
aprovado e, por meio da Lei nº 14.451/2007, é implementado o Programa Antipichação. Esta lei,
por sua vez, é revogada em 2017 quando, ao desengavetar o segundo Projeto de Lei de 2005
(Projeto de Lei nº 56/2005), a gestão municipal aprova a Lei nº 16.612/2017, que cria o Programa
de Combate às Pichações. Esta, por sua vez, é regulamentada por meio do Decreto nº
57.616/2017.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho pretendeu explorar o caso do grafite na cidade de São Paulo
debatendo sobre a democratização no uso de espaços públicos. As posições adotadas pelas
administrações recentes, bem como as leis do referido tema, demonstram, à luz da criminologia
cultural, que o grafite é marginalizado e vetado pela mensagem que transmite por meio de sua
manifestação enquanto arte.
A pesquisa concebe que os espaços públicos ainda não podem ser usados para o
desenvolvimento da cultura popular. O que se escreve nos muros é a desigualdade, incomodando
parcela da população que não pretende resolver as mazelas da cidade. Políticas criminalizadoras
proíbem expressões reivindicatórias de direitos ao barrar o trabalho de determinados grupos
artísticos. Estas barreiras legais proibitivas são fundamentadas na ideia de proteção e limpeza da
cidade, entretanto, não parecem servir a todas as parcelas da população.
O objeto da pesquisa permite concluir que há repressão a manifestação artística tanto do
grafite quanto do piche, por serem estas expressões culturais de camadas mais frágeis. Assim, a
participação e o acesso aos ambientes públicos para construção democrática são cerceados pelo
poder de polícia exercido pelas gestões urbanas competentes, marginalizando sua manifestação e
impedindo sua definição enquanto cultura e arte.
4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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São Paulo. Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona:
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Disponível em: <http://www.artistasnarua.com.br/textos/grafite-e-pichacao>. Acesso em: 14 set.
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2015. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/02/1583790-haddad-autoriza-
grafite-em-parede-de-patrimonio-historico.shtml>. Acesso em: 13 jan. 2017
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o contemporâneo. 2009. Dissertação (Mestrado em Projeto, Espaço e Cultura) - Faculdade de
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criminologia cultural e a pertinência no universo subcultural. Revista Transgressões – Ciência
Criminal em debate. Natal, vol. 3, n.1, maio 2015.
G1 O PORTAL DE NOTÍCIAS DA GLOBO. Justiça proíbe Doria de apagar grafite sem aval
de conselho do Patrimônio Histórico e Cultural. Março 2017. Disponível em: <
http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/justica-proibe-doria-de-apagar-grafite-sem-aval-de-conselho-
do-patrimonio-historico-e-cultural.ghtml>. Acesso em: 03 abril 2017.
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cultural que dialogue com a cidade: o caso do encontro entre o MASP e o graffiti (2008-2011). In:
Anais [recurso eletrônico] / XV Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação além
das nuvens, expandindo as fronteiras da Ciência da Informação, 27-31 de outubro em Belo
Horizonte, MG. Disponível em: <http://enancib2014.eci.ufmg.br/documentos/anais/anais-gt3>.
Acesso em: 6 ago. 2016.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT2 RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À CIDADE
Introdução
Nos últimos tempos os conceitos de despossessão e de apropriação tem sido categorias
explicativas para os processos de produção do espaço urbano. Por um lado, o capital e suas
formas necessárias, o Estado e o direito modernos, violentam, exploram e ordenam o espaço e a
vida por meio da exceção e do planejamento urbano flexível. Por outro lado, entretanto, os
sujeitos despossuídos constituem resistências, ocupam, inserem novos usos e produzem o seu
espaço nem sempre com a mediação da mercadoria.
O direito à cidade dentro desta tensão poderia ser pensado em uma via estreita deduzido a partir
do Estado e do direito moderno para a garantia de condições mínimas de vida. Essa compreensão
não está errada, contudo, preferíamos reposicionar o direito à cidade como uma luta, um processo
constituinte, que avança pela ocupação e reapropriação de espaços na cidade. Nosso marco
teórico assenta-se na definição de Lefebvre2, para quem o direito à cidade envolve duas
dimensões: um direito à obra, à ação participante, e um direito à apropriação pelo uso, bem
distinto do direito de propriedade privada.
No presente artigo pretendemos revisitar elementos contraditórios da urbanização brasileira,
marcada pela produção informal de assentamentos. Primeiramente, poderíamos fazer um elogio à
autoconstrução e produção marginal de moradia como exemplos do direito à cidade. Contudo, na
segunda seção, apontamos consequências da marginalidade, dentre elas, a negação de direitos.
Em seguida, elucidamos que a informalidade urbana, em verdade, faz parte da lógica do capital e,
na quarta seção, reforçamos o papel do direito na construção dessa ilegalidade e outras
contradições do direito frente a informalidade urbana. Com isso, pretendemos demonstrar a
complexidade do fenômeno urbano e também do fenômeno jurídico. Aceitar ou negar o direito,
pura e simplesmente, não nos parece ser uma opção adequada. Ao contrário, devemos buscar a
superação das contradições da legalidade moderna por meio do direito à cidade entendido como
produção e reapropriação do espaço urbano.
1 Doutor em Geografia (UFMG), Mestre em Direito (UERJ), Bacharel em Direito (UFMG). Professor
Universitário (UFOP). E-mail: rafaelalves2000@yahoo.com
2 LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
1
dentre outros, são nomes para aquelas ocupações informais da terra para fins de moradia fora
dos padrões normais. Enquanto o Estado e o direito concebem a produção da cidade a partir do
modelo de loteamento e de produção mercantil da moradia, os pobres ocupam e produzem seu
próprio espaço na cidade, ora de forma marginal, ora de forma ilegal.
As ocupações informais, portanto, expressam espacialmente uma potência constitutiva dos pobres
que utilizam do seu trabalho vivo para produzir suas moradias fora da lógica do mercado. Nesse
sentido, a informalidade urbana seria mais uma forma de resistência e de insurgência que se
avizinha do direito à cidade, pois realiza uma obra pela apropriação direta e permite o uso da
cidade segundo as necessidades de seus próprios ocupantes.
Em outros termos, os pobres invertem o sentido dominante que mobiliza o trabalho vivo para a
produção de coisas ao mercado. As ocupações informais instauram uma política no sentido de
Rancière3, isto é, um desentendimento com a ordem distante no momento em que incluem, de
fato, os sem-parcelas no espaço que não lhes pertence por direito. Essa ilegalidade da ocupação
não deve ser mácula a ser suprimida. De fato, vemos aí a constituição de novo nomos4, por meio
do qual os pobres tomam a terra, repartem e edificam suas vidas.
Considerações finais
Nossa reflexão tentou enfatizar que o espaço é, sim, produzido segundo o modo capitalista, por
alienação e despossessão. Entretanto, há uma contraface que se torna inexistente, ilegal e sem
valor para as leituras hegemônicas, mas, para nós, pode confirmar a possibilidade do direito à
cidade conforme a leitura lefebvriana de um direito à ação participante e um direito à apropriação.
Bem sabemos que a necessidade humana por moradia precisa ser resolvida, mesmo quando o
mercado imobiliário ou as políticas estatais não estão presentes. Assim, os assentamentos
informais não são concebidos segundo os padrões modernos oficiais. Ao contrário, representavam
um espaço vivido de forma ilegal, clandestina, criminosa. Em outras palavras, foram os posseiros,
os invasores, os marginais que, por força própria, produziram nossas cidades, de dia, erguendo e
11 SANTOS, B. S. Poderá o direito ser emancipatório? Revista Critica de Ciencias Sociais, n. 65, 2003.
12 FERNANDES, E. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In: FERNANDES, E. (Org.). Direito
Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. p. 16.
13 FERNANDES, E. Legislação, planejamento e gestão urbanística-ambiental nos municípios: um marco
teórico. In: FERNANDES; ALFONSIN. Evolução do Direito Urbanístico. Belo Horizonte: PUCMinas,
2006. p.20
4
sustentando a reprodução nos edifícios centrais, de noite e nos fins de semanas, produzindo de
fato um espaço que não lhes pertencia por direito. Essa seria, portanto, a face da apropriação.
Ao mesmo tempo, podemos dizer que os assentamentos informais urbanos foram produzidos de
forma precária e ilegal, não por um desejo insurgente ou revolucionário dos pobres, mas por ser
uma forma adequada ao modelo de produção capitalista baseado na exploração da mão de obra.
Essa exploração excede a fábrica e envolve todo o espaço de vida. Indiretamente, queremos dizer
que os espaços da informalidade já estavam, desde o início, concebidos e computados no cálculo
capitalista. Temos, portanto, a contraface da alienação sobreposta à apropriação.
Assim, entre a alienação e a apropriação, a produção do espaço urbano apresenta-se de forma
contraditória segundo nossas referências. As práticas espaciais que consolidaram as formas
precárias de moradia são expressões da apropriação para uso imediato e, ao mesmo tempo, são
também resultados da espoliação urbana comandada pelo capital e governada pelo Estado.
Apesar desse quadro sombrio, as lutas por apropriação aceitaram o desafio de conquistar espaço
dentro do Estado e do direito. Ao examinar o histórico da reforma urbana no Brasil conseguimos
enumerar vários avanços que permitiram ampliar o arcabouço jurídico-institucional de
reconhecimento da informalidade como parte da realidade urbana. Os novos planos diretores, as
práticas de orçamento, os conselhos participativos, os processos de regularização fundiária,
dentre outros, são avanços importantes da luta por reforma urbana.
Porém, a via de luta institucional não conseguiu alterar as bases da alienação, fundamentalmente
ancorada na dificuldade de acesso à terra urbanizada. Então, talvez seja “a hora e a vez” de
rememorar uma outra via de luta, a ação direta, como caminho que reabilite o direito à cidade
segundo Lefebvre. Enfim, mesmo com as limitações, devemos procurar transformar as condições
urbanas produzidas pela lógica da acumulação capitalista em uma práxis de apropriação e
produção do comum. Assim, para completar o trânsito entre alienação e apropriação, talvez,
devamos transitar da reforma urbana à revolução urbana que se ativa por meio do direito à
cidade, isto é, por meio do reforça da produção direta e da apropriação de espaços na cidade.
Referências
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CAMARGO, C. P. F. et al. São Paulo 1975: crescimento e pobreza. São Paulo: Loyola, 1976.
FERNANDES, E. A nova ordem jurídico-urbanística no Brasil. In: FERNANDES, E. (Org.). Direito
Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.
FERNANDES, E. Legislação, planejamento e gestão urbanística-ambiental nos municípios: um
marco teórico. Questões anteriores ao Direito Urbanístico. Belo Horizonte: PUC Minas, 2002.
KOWARICK, L. Espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LEFEBVRE, H. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
PERLMAN, J. E. O mito da marginalidade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.
RANCIÈRE, Jacques. Desentendimento: política e filosofia. São Paulo: 34, 1996.
SANTOS,B.S.Poderá o direito ser emancipatório?Revista Critica de Ciências Sociais,n.65,2003.
5
SANTOS, M. O espaço dividido. São Paulo: Edusp, 2004.
SCHMITT, C. El Nomos de la Tierra. Buenos Aires: Struhart, 1979.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 - RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE: AS DIMENSÕES MATERIAL, POLÍTICA E SIMBÓLICA DO DIREITO À CIDADE
A cidade e seus espaços públicos deveriam ser democráticos e de livre acesso a toda população e
visitantes, de forma igualitária, sem discriminação de gênero, raça, classe social, ou qualquer outra
forma de segmentação. No entanto, atualmente, a paisagem da cidade também assume valor
monetário e simbólico, principalmente para o capital imobiliário. Vinculado a este, é perceptível o
movimento da gentrificação que ocorre nas cidades globais, grandes e médias, que desenham novos
usos através dos chamados “projetos urbanos de revitalização”.
Nesse contexto, a cidade, que é transformada, em grande parte, visando corresponder às
expectativas do mercado imobiliário e da população de alta renda, começa a apresentar
manifestações de planejamento urbano excludente, através de um instrumento de controle social,
fortemente vinculado à arquitetura e ao design: a Arquitetura Hostil, ou Arquitetura Antimendigos,
objeto deste trabalho.
Como principal vítima desse movimento e desse instrumento, a população em situação de rua4 se
instala nos vãos das cidades (debaixo de viadutos e marquises, em calçadas, nos bancos das praças
etc.), buscando abrigo em estruturas improvisadas. A cidade torna-se sua casa. Para muitos a
população em situação de rua “polui”, desvaloriza a paisagem da cidade; essa população não é bem-
1
Estudante de Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail:
marjorie.c.renner@gmail.com
2
Estudante de Ciências Jurídicas e Sociais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e bacharel em
Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas. E-mail: dossantos.ped@gmail.com
3
Estudante de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Amapá. E-mail:
valdelicersilva@hotmail.com
4
A Política Nacional Para População em Situação de Rua compreende como seu objeto o grupo de
pessoas em pobreza extrema, cujos vínculos familiares foram interrompidos, ou estão fragilizados, que não
possuem moradia convencional regular e utilizam os “logradouros públicos e as áreas degradadas como
espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de
acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória” (art. 1º, § único)
vinda, nem aceita, pois causa insegurança e medo aos cidadãos “comuns”, que buscam afastá-la dos
espaços urbanos de convivência.
Diante do exposto, surge a seguinte pergunta: quais as disposições jurídicas que se aplicam à
relação entre os investimentos públicos e privados e o impedimento às pessoas em situação de rua
de viver na cidade, sem terem seus direitos humanos violados? Dessa pergunta central, decorre
outro questionamento: quem possui legitimidade e o poder decisório para a implementação desse
tipo de instrumento nos espaços públicos urbanos com potencial de abrigo à população em situação
de rua?
Para responder a essas perguntas e testar nossas hipóteses, delimitamos, num primeiro momento, o
nosso projeto de pesquisa a um estudo de caso da cidade de Porto Alegre - RS, mais
especificamente da sua região central (Bairro Centro Histórico). Utilizamos-nos de métodos
empíricos, sendo a nossa principal fonte registros fotográficos da arquitetura hostil no perímetro da
pesquisa, expondo esses dispositivos na paisagem urbana central de Porto Alegre; e pesquisa
teórica, destacando-se entre essas fontes o Relatório Final dos Estudos Quanti-Qualitativos da
População em Situação de Rua de Porto Alegre5, bem como artigos e teses sobre o assunto.
A arquitetura hostil e o direito à cidade
A arquitetura hostil é pautada por arranjos espaciais e disposições de artefatos nos mobiliários
urbanos que visam, essencialmente, impedir a permanência de moradores de rua em locais públicos,
ou ‘semipúblicos’ - com potencial de abrigo para pernoite. Esse tipo de instrumento de controle social
pode assumir as versões mais sutis, até a hostilização escancarada - jogos incômodos de luzes,
superfícies com estilhaços e pregos, paralelepípedos em ângulo de 45º, etc. Diferente da arquitetura-
fortaleza dos condomínios e residências, a arquitetura hostil traduz o grau desejado de afastamento
da população em situação de rua, transcendendo a ideia de proteção pessoal ou do patrimônio
edificado (ANDRADE, 2010). Em outras palavras, os espaços públicos da cidade são alvo especial
da arquitetura hostil não necessariamente por questões voltadas à segurança pública, mas pela
estigmatização daqueles que não possuem a moradia convencional regular.
A nossa Constituição Federal (CF), bem verdade que tardiamente6 e sob pressão7, positivou o direito
à moradia, incluindo-o no rol dos direitos sociais do art. 6º. Para fins de efetivação e viabilização
5
“Cadastro e Mundo da População Adulta em Situação de Rua de Porto Alegre/RS”, pesquisa coordenada
pelos Professores Ivaldo Gehlen e Patrice Schuch, por meio do Contrato nº 023/2015 celebrado entre a
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e a Fundação de Assistência Social e Cidadania
(FASC) de Porto Alegre/RS, realizada no período de 08 de setembro de 2016 e 10 de outubro de 2016.
6
Incluído pela Emenda Constitucional nº 26 de fevereiro de 2000.
7
Foi na base da contestação de movimentos da sociedade civil, como o Movimento Nacional pela Reforma
Urbana (MNRU), e diversas entidades nacionais, como a Articulação Nacional do Solo Urbano (ANSUR), o
Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), entre outas (MARQUES, 2015, p. 73).
desse direito, foram ainda sancionadas diversas leis e regulamentos posteriores, dentre os quais se
destaca o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001). Neste documento, percebe-se o intuito do Estado
Brasileiro - após anos de luta dos movimentos sociais - de garantir, além da moradia adequada, o
direito a todos os cidadãos de usufruir da cidade de forma participativa, democrática e de acordo com
as diretrizes estabelecidas em lei. Todas estas iniciativas legislativas buscam a efetiva participação
da sociedade na tomada de decisões relativas ao desenvolvimento do espaço urbano. Como bem
exposto por Harvey, o direito à cidade está longe da liberdade individual de acesso à recursos
urbanos, pois “é o direito de mudar a nós mesmos pelas mudanças da cidade. Além disso, é um
direito comum antes de individua [...] já que depende inevitavelmente do exercício de um poder
coletivo de moldar o processo de urbanização.” (HARVEY, 2014, P. 28)
A vontade normativa do direito à cidade é, portanto, tornar-se um ramo do pensamento jurídico
voltado para a consubstanciação das relações harmoniosas entre os indivíduos e o ambiente
circundante (CARVALHO e RODRIGUES, 2016, p.46), visando à uma cidade onde os benefícios do
desenvolvimento urbano atinjam a todas as pessoas. Parte disso deve ser o cuidado com a proteção
de grupos em situação de vulnerabilidade, suprimindo obstáculos sociais, econômicos e culturais.
Ao analisar o conceito de espaço urbano enquanto “bem de uso comum do povo” (art. 99, I, Código
Civil) - conceito este eminentemente dogmático8 - percebe-se a sua limitação e insuficiência para
compreender o direito à cidade em todas as suas dimensões. Conforme apontado por Konzen
(2012), o emprego da categoria jurídica mencionada “conduz à ilusão da dissolução das contradições
sociais entre a pluralidade de classes e grupos que compõem a sociedade”, simulando a ideia de
justiça social e homogeneidade na efetivação do direito à cidade. Nesse sentido, nada mais atual e
perceptível do que a crescente exigência por instrumentos de controle social aplicáveis nos espaços
públicos urbanos. A arquitetura hostil surge como uma alternativa ao Poder Público - em especial o
Municipal, a quem cabe responsabilidade pelo planejamento urbano nesse âmbito (art. 30, CF) - para
garantir que os anseios e temores da classe hegemônica, relativos à paisagem da cidade e à
violência urbana, sejam atendidos.
Assim, considerando a nossa hipótese de que não existem normas estatais positivadas que prevejam
a utilização da arquitetura hostil, podemos avançar um pouco e inferir que tal previsão expressa faz-
se, em realidade, desnecessária, na medida em que já existem diversos instrumentos normativos
8
O paradigma da dogmática jurídica, do qual se originam os conceitos de bem público, propriedade privada,
bens condominiais, entre outros relativos ao tema, é insuficiente para o estudo que aqui se propõe. Dessa
forma, como proposto por Lucas Pizzolatto Konzen (2012), o paradigma socioespacial - proveniente da
sociologia urbana - juntamente com o paradigma sociojurídico - proveniente dos estudos de direito e
sociedade e da disciplina de sociologia do direito - proporcionam uma estrutura teórica mais completa à
análise das relações entre o direito à cidade, os conflitos inerentes ao espaço urbano (e ao espaço público
urbano) constituído nas relações de trabalho capitalistas e o papel do direito na produção do espaço.
formais e oficiais suficientemente amplos - portanto sujeitos à interpretação - que permitem a
utilização desse instrumento. Fica evidente, portanto, que esse instrumento consiste em objeto de
ação da gestão pública nos espaços públicos urbanos, decidindo segundo os seus (e de quem é
considerado cidadão partícipe da cidade democrática) próprios interesses.
O que se verifica na sociedade atual, caracterizada por Harvey como padronizada por uma “ética
neoliberal de intenso individualismo possessivo e a correlata renúncia política a formas de ação
coletiva”9, é que, na prática, são reconhecidos como cidadãos, e decorrentes destinatários da cidade,
apenas os consumidores. A população em situação de rua tem seu direito à moradia adequada10 -
que concede segurança, estabilidade, com espaço que permita a vida em família, próxima dos
equipamentos públicos, etc. - expressamente negado.
Arquitetura hostil na cidade de Porto Alegre/RS
O tema deste estudo convida à realização de pesquisa empírica, a fim de perceber, na realidade da
cidade em que residimos, a utilização da arquitetura hostil como instrumento de exclusão e controle
social. Por isso, numa primeira fase da pesquisa, realizamos registros fotográficos de locais da
cidade e buscamos investigar qual a origem das ordens de implementação de dispositivos urbanos
hostis - se oriundos da Prefeitura, se da sociedade civil, ou ainda da própria empresa que executou
determinada obra11. Porto Alegre possui população estimada em 1.409.351 habitantes (IBGE, 2010)
e é dividida em 17 regiões. Concentramos nossa análise na Região do Centro, mais especificamente
no Bairro Centro Histórico12, local em que se encontra o Mercado Público, o maior terminal de ônibus
e trem, bem como a rodoviária da cidade. Ademais, justifica-se a delimitação do centro pelo seu valor
simbólico, pois consiste - como os demais centros urbanos - em um ponto “altamente estratégico
para o exercício da dominação” (VILLAÇA, 2001, p. 244).
Essa região conta com norma específica de Estratégia de Promoção Econômica no Plano de
Desenvolvimento Urbano e Ambiental (PDDUA), em seu art. 20, inciso V, que prevê programa de
incentivo e valorização do comércio tradicional de porta de rua. Essa previsão exemplifica o grande
potencial comercial que a área possui e, como consequência direta desse incentivo, acarreta na
9
HARVEY, 2014, página 46.
10
Resolução do Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, de 12 de dezembro de 1991.
Posteriormente, esse conceito foi ampliado e especificado pela Profa. Raquel Rolnik, durante o período em
que atuou na Relatoria Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU, de 2008 a 2014.
11
Na primeira fase da pesquisa empírica, executada durante o mês de maio de 2017, produzimos e
analisamos três fontes de dados: acervo fotográfico de arquitetura hostil; um processo licitatório de
colocação de gradis sob um viaduto (Processo Administrativo Interno nº 02.0.081007.02.7, da Secretaria
Municipal de Obras e Aviação (SMOV), relativa à colocação de gradis na Elevada da Conceição, vão sob o
Viaduto da Conceição); e entrevista com o engenheiro mais antigo do setor de Obras de Arte da SMOV.
12
O Centro Histórico possui 39.154 habitantes e área de 2,39 km², representando 0,50% da área total do
município (IBGE, 2010)
permissão às lojas (pessoas de direito privado) de intervir quase que livremente na parcela da via
pública com a qual tem contato direto. Daí resulta a vasta utilização de dispositivos de arquitetura
hostil junto às vitrines e nas proximidades dos acessos ao comércio: grades pontiagudas,
paralepípedos irregulares, estilhaços, entre outros. Tratam-se, portanto, de entes privados, dentro da
esfera de liberdade que o status de proprietários e comerciantes, utilizando-se desses mecanismos,
autorizados - e tacitamente incentivados - pelo Poder Público Municipal. Portanto, fica evidente que,
na utilização de dispositivos de hostilidade urbana pelos entes privados, impera o direito de
propriedade desses e a sua liberdade de atuar em defesa dos próprios interesses, mesmo que
acabem influenciando diretamente na utilização dos espaços da via pública.
Considerações finais
A exclusão sofrida atualmente pela população em situação de rua não é mais sentida apenas no
âmbito simbólico, ou nas ações policiais de expulsão/despejo. Agora a exclusão é fria, dolorosa e
fixa, o que não deixa outra opção a não ser sair. A inserção de dispositivos e barreiras físicas que
repelem a permanência e uso dos espaços públicos da cidade pela população em situação de rua já
é de caráter global, porém ainda sutil e, na maioria das vezes, passa despercebida aos olhos de
quem não está em busca de abrigo, apenas usa o espaço público como local de trânsito. Tratar deste
tema em Porto Alegre é falar dos bancos com espetos metálicos e travas em Londres, dos
revestimentos de pedras pontiagudas em Belo Horizonte e em Guangzhou (China), das grades em
vãos de prédios bancários em São Paulo, dos bancos de metal com divisórias em Rotterdam
(Holanda), etc. (FERRAZ et al., 2015). Estamos lidando com um fenômeno globalizado de afronta
aos direitos humanos e negativa ao direito à cidade; trata-se de uma forma de manifestação
silenciosa, porém agressiva, da globalização da arquitetura e urbanização excludente, que assume,
em sua essência, o formato perverso da gentrificação.
A partir da análise dos dados empíricos colecionados, em especial das informações que obtivemos
na Secretaria Municipal de Obras e Aviação, podemos concluir que, quanto à legitimidade dos atores
sociais para implementação desse tipo de instrumento nos espaços públicos urbanos, não existe
apenas um ator social responsável pela emissão da ordem de utilização do instrumento da
arquitetura hostil. As origens são diversas: existem casos em que a própria empresa que executa a
obra, em contrato com a Administração Pública, inclui esses dispositivos no projeto; há outros em
que a sociedade civil apresenta a demanda junto à Prefeitura; há ainda casos em que algum órgão
das funções essenciais à justiça recebem um pedido e o repassam ao Poder Municipal. Além disso,
reconhece-se que a colocação de dispositivos de hostilidade urbana são, reconhecidamente,
utilizados com o fim de impedir que pessoas em situação de rua se instalem em locais de potencial
abrigo, como os vãos dos viadutos.
Assim, se confirma a hipótese de que normas existentes acerca dos investimentos públicos e
privados em âmbito municipal não abarcam de forma efetiva as políticas públicas voltadas
especificamente à população em situação de rua; embora existam normas nesse sentido, são
precariamente cumpridas e não consideram, em específico - e como algo distinto do direito à moradia
- a necessidade de garantir a essas pessoas o direito à cidade.
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segregação e suas manifestações em João Pessoa PB. São Paulo-SP: FAU-USP, 2010.
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Fontes, 2014. 294 p.
KONZEN, Lucas Pizzolatto. A Teoria do Pluralismo Jurídico e os Espaços Públicos Urbanos doi:
10.5007/2177-7055.2010v31n61p227. Seqüência: estudos jurídicos e políticos, [s.l.], v. 31, n. 61,
p.227-250, 17 mar. 2011. Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
http://dx.doi.org/10.5007/2177-7055.2010v31n61p227. Disponível em:
<http://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/53_5.pdf>. Acesso em: 14 mar. 2017.
MARQUES, Sabrina Durigon. Direito à Moradia. São Paulo: Estúdio Editores.com, 2015. 103 p.
VILLAÇA, Flávio. Espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: FAPESP: Lincoln Institute, 2001.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
INTRODUÇÃO
Os direitos humanos podem ser entendidos como os direitos e garantias básicas inerentes
a todos os seres humanos numa acepção universal, como, por exemplo, a vida e a liberdade. Os
direitos do homem, como também são denominados, podem ser também compreendidos como
faculdades, liberdades e reivindicações inerentes a cada indivíduo com fundamento na sua
condição humana.
Quando positivados num ordenamento constitucional, os direitos humanos passam a ser
considerados como direitos fundamentais, sem, contudo, haver uma relação de exclusão entre as
expressões e seus conceitos, mas sim uma ideia de completude, ou seja, apesar de ambas as
expressões serem comumente utilizadas como sinônimas, a distinção é de que o termo “direitos
fundamentais” se aplica para aqueles direitos reconhecidos e positivados na esfera do Direito
Constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos”,
guardaria relação como os documentos de Direito Internacional por referir-se àquelas posições
jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independente de sua vinculação com
determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os
povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional2.
Por tais razões, usar-se-á neste trabalho a expressão direitos humanos fundamentais,
partindo das premissas de completude e paridade que esses direitos guardam entre si. Feitas tais
ilações acerca dos direitos humanos fundamentais, propor-se-á uma análise dimensional do
direito à cidade, com o fito de contextualizá-lo sob a ótica da teoria geracional dos direitos,
considerando a preponderância de trabalhos acadêmicos na área e visando subsidiar a luta pela
efetivação desse direito.
2006, p. 35.
Na Conferência do Instituto Internacional de Direitos Humanos, realizada em Estrasburgo
no ano de 1979, Karel Vasak propôs uma classificação dos direitos humanos em gerações,
inspirado no ideário da Revolução Francesa (liberdade, igualdade, fraternidade). A teoria das
gerações ou teoria geracional, como ficou conhecida, propagou-se no mundo do direito e foi
amplamente difundida por Norberto Bobbio3. No Brasil, a teoria dimensional foi introduzida por
Paulo Bonavides4.
Os direitos humanos fundamentais de primeira dimensão dizem respeito às liberdades
negativas, com a superposição do princípio da liberdade, englobando os direitos civis e políticos.
Nas palavras de Motta Filho5 “são os direitos que representam a vitória, ao menos parcial, do
Estado Liberal sobre o Estado absolutista”, dentre eles, a vida, a propriedade, a liberdade de
locomoção e de participação política. Já os direitos humanos fundamentais de segunda dimensão
correspondem às liberdades positivas, com observância ao princípio da igualdade nas relações
econômicas, sociais e culturais e ênfase no papel ativo do Estado. Diferente dos direitos de
primeira dimensão, estes direitos estendem-se a todos os seres humanos, compreendidos em sua
coletividade, com ênfase aos grupos que necessitam de uma proteção especial. Os direitos
humanos fundamentais de terceira geração, por seu turno, compreendem os direitos de
titularidade da comunidade, dentre eles os direitos à paz, a uma qualidade de vida saudável, à
proteção ao consumidor e à preservação do meio-ambiente. Em outras palavras, os direitos de
terceira dimensão, visam à coletividade, o ser humano dentro de sua universalidade, considerado
de forma difusa e não individualmente.
Cabe registrar que alguns doutrinadores começam a inovar teoricamente ao estabelecer
novas dimensões de direitos (quarta, quinta e sexta), contudo, há quem sustente que esses
direitos não passam de desdobramentos da tríade clássica da teoria geracional, especialmente da
terceira geração de direitos, como acontece com o direito à cidade.
A definição do direito à cidade foi desenvolvido pelo sociólogo francês Henri Lefebvre em
seu livro de 1968 Le droit à la ville. Ele conceitua o direito à cidade como um direito de não
exclusão da sociedade no geral das qualidades, benefícios e melhorias da vida urbana. Perceba-
se que o direito à cidade, nessa concepção, está intimamente ligado às formas de acesso da
população ao ambiente urbano, e contrário ao processo excludente de marginalização.
3 BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 32.
4 O lema da Revolução Francesa exprimiu em três princípios todo o conteúdo possível dos direitos
fundamentais, profetizando até mesmo a sequência histórica de sua gradativa institucionalização: liberdade,
igualdade e fraternidade (BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores, 2006, p. 562).
5 MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Curso de Direito Constitucional. Edição atualizada até a EC nº. 53/06
6 HARVEY, David. REVISTA NEW LEFT REVIEW. Reino Unido. N. 53, 2008, “The right to the city”,
Traduzido do original em inglês por Jair Pinheiro, professor da FFC/UNESP.
7 FERREIRA, Valéria Corrêa Silva. Cidade e democracia: o espaço urbano, os direitos fundamentais e um
novo conceito de cidadania. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 103, ago 2012.
positiva do Estado, pois obrigado na ordem internacional à prática efetiva de políticas públicas,
alocação de recursos econômico-financeiros, de pessoal, etc. outra, o direito à cidade, conferido à
cidadania como direito fundamental positivado8”.
Além do mais, direito à cidade é uma decorrência lógica dos direitos fundamentais
previstos na Constituição da República de 1988, bem como da instauração do Estado
Democrático de Direito, notadamente considerando que o texto constitucional elenca em seu art.
3°, dentre os objetivos da República Federativa do Brasil “erradicar a pobreza e a marginalização
e reduzir as desigualdades sociais e regionais9”.
A professora Alessandra Hilário10, correlacionando a compreensão acerca do direito à
cidade com o sistema de Direitos Constitucionais Fundamentais Humanos insertos na
Constituição Federal do Brasil de 1988, na doutrina e jurisprudências constitucionais, conclui que
aquele é “capitulado como um direito de terceira dimensão, pois transcende individualidade do ser
humano, revestindo-se de um direito para as gerações presentes e futuras e que importa em
preocupações para além do espectro individual egoístico”.
Há, destarte, uma ideia pulsante que o direito à cidade está relacionado com um ambiente
urbano digno para todos os cidadãos, e com uma ideia de cooperação entre seus moradores, seja
na fruição dos benefícios, seja na divisão dos problemas e entraves encontrados na realização
desse direito.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
8 MOLINARO, Carlos Alberto. Direito à Cidade e o Princípio de Proibição de Retrocesso. Revista: Direitos
Fundamentais &Justiça, n. 10, Jan-Mar. 2010, p. 10.
9 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
10 HILÁRIO, A. D. C. S. Direito à cidade nas relações entre direito do e direito ao desenvolvimento:
REFERÊNCIAS
BOBBIO, Noberto. A Era dos Direitos. 9 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2006.
HARVEY, David. REVISTA NEW LEFT REVIEW. Reino Unido. N. 53, 2008, “The right to the
city”, Traduzido do original em inglês por Jair Pinheiro, professor da FFC/UNESP.
MOTTA FILHO, Sylvio Clemente da. Curso de Direito Constitucional. Edição atualizada até a
EC nº. 53/06 – Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2006.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
1) Introdução
Nos últimos anos, o direito à cidade tem conquistado cada vez mais relevância nos discursos
e práticas dos diversos segmentos sociais, em que pese a diferença na apropriação desse direito
pelo Estado, pelo mercado e pelos movimentos sociais urbanos,2 estes com suas distintas formas
de organização e com as mais variadas bandeiras.
Em relação às lutas sociais protagonizadas pelas diversas coletividades que emergem a
cada dia nas nossas cidades, verifica-se que a reinvindicação do direito à cidade se relaciona à
batalha pela efetivação dos direitos ligados à vida urbana, como o direito à moradia, por exemplo.
Esses direitos são defendidos ao mesmo tempo em que se questiona os limites da democracia
representativa. Logo, além da luta por mais igualdade no acesso aos equipamentos urbanos, esses
sujeitos coletivos almejam a maior participação popular nas decisões do poder público afim de se
reverter a lógica neoliberal predominante de apropriação para fins privados das cidades.
Por intermédio das obras de Henri Lefebvre3 e David Harvey4, é possível apreender duas
dimensões do direito à cidade. A primeira delas seria constituída por razões de ordem prática,
ligadas à maior democratização do valor de uso5 das nossas cidades que deve prevalecer sobre o
valor de troca. Nas cidades contemporâneas, que emergem no contexto do neoliberalismo, o
modelo de cidade mercadoria, no qual a supervalorização do valor de troca torna-se a finalidade
das atuações das iniciativas públicas e privadas, apenas aqueles que possuem alto poder aquisitivo
podem acessar aos benefícios da urbanização. O valor de uso que contempla as dimensões da
moradia, da mobilidade e do lazer, por exemplo, é deixado em segundo plano.
1
Mestra em Direito Constitucional pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Especialista em Política e Planejamento
Urbano pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ). Professora Assistente de Direito do
Programa de Ciências Econômicas e Desenvolvimento Regional da Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). E-
mail: reis.aboliveira@gmail.com
2
HARVEY, David. Cidades Rebeldes. São Paulo, Martins Fontes, 2014, p. 62
3
LEFEBVRE, Henri. O Direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
4
HARVEY, David. Cidades Rebeldes. São Paulo, Martins Fontes, 2014.
5
LEFEBVRE, Henri. O Direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2001, p. 14.
1
Além do direito ao valor de uso, o direito à cidade contemplaria ainda dimensão utópica que
almeja a reinvenção das cidades por meio de perspectivas outras que não a do capital. Seria essa,
portanto, a dimensão anti-capitalista do direito à cidade.
Diante dessa contextualização, surge a necessidade de conhecer a atuação dos novos
sujeitos coletivos urbanos que emergem nas cidades neoliberais como etapa necessária à
compreensão do conteúdo do direito à cidade que não se esgota no âmbito jurídico por ser, em sua
origem, um direito interdisciplinar. Além disso, a essência desse direito não pode apreendida sem
considerar a dimensão da práxis política, como já alertou David Harvey 6.
O presente trabalho acadêmico almeja verificar como é feita reinvindicação do direito à
cidade por esses novos sujeitos coletivos urbanos e, em última análise, como esse direito contribui
para a formação dessas identidades coletivas mobilizando as obras já citadas de Henri Lefebvre e
David Harvey.
No campo empírico, resgata-se nesse trabalho dois estudos de caso realizados por meio da
experiência de dois coletivos brasileiros que atuam, cada um, em duas cidades diferentes, quais
sejam, a cidade mineira de Juiz de Fora e a capital fluminense Rio de Janeiro.
2) Desenvolvimento
Na cidade de Juiz de Fora, destaca-se a atuação do MaisJF, coletivo inicialmente formado
por estudantes do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Juiz de Fora
(UFJF). O MaisJF surgiu no ano de 2013 durante o processo de revisão da legislação urbanística
de edificações e de uso e ocupação do solo (leis municipais 6.909/86 e 6.910/86, respectivamente),
sendo considerado por seus integrantes um movimento popular urbanista7.
A resistência às modificações na legislação urbanística de Juiz de Fora coincidiu com as
jornadas de junho de 2013 que ocorreram no Brasil inteiro e que contribuiu significativamente para
a visibilidade que o coletivo obteve naquele ano na cidade mineira. Tal contexto favoreceu a vitória
parcial do movimento uma vez que o prefeito Bruno Siqueira vetou os referidos projetos de leis que
na época tramitavam na Câmara Municipal da cidade. Contudo, tais matérias foram reapresentadas
como lei complementar no mesmo ano e aprovadas no mês de novembro.8
Além do protagonismo na resistência às alterações na legislação urbanística, desde então,
o MaisJF atuou no projeto da praça artística da Curva do Lacet que busca recuperar o uso de praça
do antigo campo de futebol da comunidade do bairro Dom Bosco e que foi desativado para a
instalação do Shopping Indepedência. Além da assistência técnica ao projeto, os integrantes do
MaisJF aplicaram questionários voltados para a população que mora nos bairros ao entorno do
shopping para avaliar quais os usos desejados pelas pessoas para aquele espaço.
6
HARVEY, David. Cidades Rebeldes. São Paulo, Martins Fontes, 2014, p. 15.
7
REIS, Ana Beatriz Oliveira. A dinâmica do direito à cidade em Juiz de Fora. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p.11.
8
REIS, Ana Beatriz Oliveira. A dinâmica do direito à cidade em Juiz de Fora. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p.45.
2
O MaisJF atua ainda por meio do seu ateliê prático situado no bairro São Mateus e que tem
por finalidade o exercício da prática profissional voltada para projetos de cunho social, ainda que
não exclusivamente. Atualmente, o MaisJF tem desenvolvido um projeto de paisagismo no
Condomínio Parque das Águas II construído recentemente no âmbito do Programa Minha Casa,
Minha Vida. Nesse projeto os moradores do condomínio são auxiliados nas práticas de melhoria
dos ambientes comuns do residencial.
Em entrevista realizada com os membros do MaisJF, Gabriela de Morais definiu o direito à
cidade como “uma materialização dos direitos constitucionais que todo mundo tem na prática”9 o de
forma que sua garantia facilite o acesso a outros direitos. Gabriela elucida com a concretização do
direito à mobilidade urbana que, quando não efetivado, impede o exercício de direitos básicos da
população da periferia quando, por exemplo, precisa emitir o documento de identidade em algum
posto de atendimento distante da sua moradia.
Para analisar a experiência carioca, apresenta-se aqui o Comitê Popular da Copa e das
Olimpíadas, organizado na cidade do Rio de Janeiro entre 2010 e 2016. Esse coletivo foi um
importante articulador das lutas urbanas que se formou no contexto dos megaeventos esportivos
que se iniciou em 2007 com a realização dos jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro. O
enfrentamento às transformações impostas durantes esses eventos foi feito de forma articulada
com movimentos de outras cidades do país, em especial, os comitês populares das capitais que
também foram sedes da Copa do Mundo de futebol no ano de 2014.
Entre os legados do Comitê Popular Rio Copa e Olimpíadas, destaca-se a elaboração de
dossiês que, além de divulgar as lutas urbanas construídas por esse sujeito coletivo, denuncia as
diversas violações aos Direitos Humanos ocorridas durante a preparação para os megaeventos na
cidade do Rio de Janeiro. Esses documentos foram criados a partir da contribuição dos integrantes
do Comitê Popular. Ao todo, foram lançados três dossiês: o dossiê de 201210, 201311 e 2015.12
Por intermédio da análise de documentos, em especial os três dossiês produzidos, verificou-
se qual é o conteúdo do direito à cidade mobilizado pelo Comitê Popular. Destaca-se primeiramente
que, em nenhum momento, foi feita pelo Comitê Popular qualquer referência normativa a esse
direito. Não se reivindicou o direito à cidade com base em algum artigo expresso da Constituição
Federal ou, tampouco, no Estatuto da Cidade. Essas normas são citadas para ratificar outros
direitos ou questionar a omissão do poder público diante da violação dos Direitos Humanos.
Além disso, embora o direito à cidade seja reivindicado pelo Comitê Popular, ele é abordado
de forma genérica. Ao falar do direito à cidade, muitas vezes, recorre-se a outros direitos, como o
direito à moradia, ao esporte, à mobilidade, à participação.
9
REIS, Ana Beatriz Oliveira. A dinâmica do direito à cidade em Juiz de Fora. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 62.
10
COMITÊ POPULAR RIO COPA OLIMPÍADAS, 2012.
11
COMITÊ POPULAR RIO COPA OLIMPÍADAS, 2013.
12
COMITÊ POPULAR RIO COPA OLIMPÍADAS, 2015.
3
3) Considerações Finais
A análise conjunta dos dois estudos de caso possibilita diversos olhares sobre essas novas
coletividades que emergem nas nossas cidades. Nesse espaço, contudo, atenta-se ao conteúdo do
direito à cidade acionado nos discursos e prática desses sujeitos. Embora essa análise considere
dois coletivos com diferenças significativas em suas formas de estruturação e atuação, percebe-se
que a maneira genérica de abordar o direito à cidade é recorrente nas falas tanto do MaisJF, como
do Comitê Popular. Nos dois casos, o direito à cidade é colocado como uma espécie de “guarda-
chuva” que abrangeria várias necessidades sociais e seu conteúdo é dependente da associação a
outros direitos relacionados à vida urbana.
Esse traço em comum pode estar relacionado à concepção de direito à cidade encontrada
em Lefebvre e Harvey, na qual atribui duas dimensões para esse direito: aquela relacionada ao
valor de uso da cidade e a outra relacionada a dimensão utópica na qual só a práxis revolucionária
poderá revelar seu verdadeiro conteúdo. Os direitos matérias reivindicados pelos dois sujeitos
coletivos buscam a efetivação do direito à cidade a partir da maior igualdade no acesso à cidade e
aos bens coletivamente produzidos pelos trabalhadores urbanos em suas diferentes atividades. Já
a dimensão utópica, contudo, é mais difícil de ser definida, pois essa está relacionada a construção
de duas cidades que nunca existiram, ou seja, uma Juiz de Fora e uma Rio de Janeiro mais
democráticas, mais plurais e menos desiguais.
A dificuldade em se construir uma bandeira pelo direito à cidade mais específica pode
apontar certa limitação no exercício desse direito, tendo-se como consideração que este tem sido
apropriado por uma pequena parcela da população. Isso restou evidente nas denúncias feitas tanto
pelo MaisJF durante o processo de revisão da legislação urbanística em 2013 como feitas pelo
Comitê Popular que mapeou as violações dos Direitos Humanos na cidade do Rio de Janeiro
intensificadas durante a preparação para os megaeventos. Legitimados pelos discursos dos
possíveis legados positivos dessas mudanças, nas duas cidades o poder público e o mercado
atuaram de forma conjunta reinventando a cidade de acordo com os seus mais profundos desejos.
Logo, pensar qual o modelo de cidade desejamos, sem a pretensão de trabalhar em cima
de esquemas fechados, pode ser um ponto de partida na luta pelo direito à cidade. O outro aspecto,
já apontado por Lefevbre, é a práxis revolucionária que, segundo Harvey, deverá unir os diferentes
trabalhadores das cidades, nas suas mais diversas ocupações, em torno de um projeto de cidade
comum. Nesse sentido, tanto a atuação do MaisJF como a atuação do Comitê Popular Rio Copa e
Olimpíadas contribuíram de forma significativa para a efetivação do direito à cidade ao dar
visibilidade à questão urbana nas duas localidades. Além disso, denunciar as arbitrariedades no
âmbito dos processos de planejamento e gestão do espaço urbano ajuda a desconstruir o discurso
de um projeto hegemônico de cidade, em que poucos se apropriam do direito à cidade, enquanto
único horizonte possível. Favorece-se, portanto, ao debate público acerca de outras alternativas
para nossas cidades.
4
O presente resumo acadêmico é constituído por diferentes pesquisas que, há alguns anos,
dedicam-se ao estudo do direito à cidade. Sendo parte de um processo de construção e
reconstrução, espera-se contribuir, nesse modesto espaço, para o debate acerca do direito à cidade
por intermédio da análise da realidade empírica sem qualquer pretensão de ser, nesse momento,
um estudo conclusivo.
4) Referências
COMITÊ POPULAR RIO COPA OLIMPÍADAS. Dossiê Megaeventos e Violação dos Direitos
Humanos no Rio de Janeiro, 2012. Disponível em
https://comitepopulario.files.wordpress.com/2012/04/dossic3aa-megaeventos-e-violac3a7c3b5es-
dos-direitos-humanos-no-rio-de-janeiro.pdf Acesso em fev./2017.
__________. Dossiê Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro, 2013.
Disponível em
https://comitepopulario.files.wordpress.com/2013/05/dossie_comitepopularcoparj_2013.pdf
Acesso em fev./2017.
__________. Dossiê Megaeventos e Violação dos Direitos Humanos no Rio de Janeiro, 2015.
Disponível em: https://comitepopulario.files.wordpress.com/2016/03/dossiecomiterio2015.pdf
Acesso em fev./2017.
REIS, Ana Beatriz Oliveira. A dinâmica do direito à cidade em Juiz de Fora. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2016.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GRUPO TEMÁTICO 2 - RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO
DIREITO À CIDADE
Introdução
As regiões metropolitanas apresentam papel estratégico para articulação do planejamento
e do ordenamento territorial nas cidades que as integram, na medida em que podem propiciar
mecanismos institucionais de governança urbana com respeito à autonomia dos entes federativos.
O planejamento e a gestão urbanos por meio das regiões metropolitanas podem contribuir para a
superação de limitações espaciais e político-administrativas, funcionando como um nível
intermediário capaz de fortalecer o federalismo cooperativo. Nesse sentido, o arranjo metropolitano
pode contribuir para a promoção de democracia multinível e desenvolvimento urbano integrado.
A teoria do direito à cidade apresentada por Lefèbvre (1969) propicia reflexões sobre os
desafios contemporâneos ao reconhecimento e à implementação do direito à apropriação coletiva
e coprodução dos espaços urbanos pelos habitantes de regiões metropolitanas, considerando-se
as cidades que as compõem como um “patrimônio construído histórica e socialmente” (MARICATO,
2013, p.19). Para Harvey (2013, p.28), “a liberdade de fazer e refazer a nós mesmos e as nossas
cidades [...] é um dos mais preciosos de todos os direitos humanos”. Trata-se de uma luta constante
contra a “desapropriação do direito à cidade” (HARVEY, 2012, p.84) por meio de um maior controle
democrático sobre o uso dos excedentes no processo de urbanização (HARVEY, 2014, p.61).
Tendo em vista o exposto, considera-se pertinente realizar uma aproximação entre os
elementos teóricos do direito à cidade e as categorias normativas presentes nos artigos 6º
(princípios) e 7º (diretrizes) da Lei n. 13.089/2015 (Estatuto da Metrópole), a fim de identificar pontos
de interseção que possam ser úteis à efetivação do direito à produção e apropriação coletivas dos
espaços urbanos em regiões metropolitanas. A convergência entre teoria e campo jurídico pode
apontar um caminho “uma nova racionalidade nos processos decisórios e nas instituições que nos
1Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Pará. Mestre em Gestão de Recursos Naturais e
Desenvolvimento Local na Amazônia pela Universidade Federal do Pará. Especialista em Direito Ambiental e
Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogada e
Professora da Universidade do Estado do Pará. E-mail: mariaclaudiabentes@gmail.com
2 Doutora em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco com Investigação Pós-Doutoral na
Universidade Carlos III de Madri (Espanha). Promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Pará e
Professora da Universidade Federal do Pará. E-mail: diasdaniella@gmail.com
regem” (SACHS; LOPES; DOWBOR, 2012, p.247), sobretudo nas áreas urbanas, onde as
dimensões local e global interagem com maior força.
Com efeito, este ensaio objetiva analisar, ainda que de maneira embrionária, a confluência
de aspectos teóricos e normativos que emerge do entrelaçamento do direito à cidade, segundo
Lefèbvre (1969) e Harvey (2012), e do Estatuto da Metrópole. A pergunta norteadora da pesquisa
é: Em que medida a teoria do direito à cidade pode servir como fundamento teórico para a realização
dos princípios e das diretrizes previstos na Lei n. 13.089/2015 e que são voltados ao
desenvolvimento urbano democrático e sustentável das regiões metropolitanas?
A metodologia é baseada na abordagem qualitativa, de caráter analítico e exploratório.
Constitui parte da revisão de literatura de um projeto mais amplo, o qual discute a efetividade de
instrumentos urbanísticos para proteção jurídica de bens comuns urbanos e garantia do direito à
cidade em regiões metropolitanas. Adota-se a perspectiva epistemológica de análise assumida
pelos autores do referencial teórico (materialismo histórico-dialético), aplicando-se a técnica da
pesquisa bibliográfica e documental para levantamento de materiais teórico-conceituais e
normativos. A organização e a análise das obras e normas coletadas foram realizadas pela técnica
do mapeamento cognitivo, que permitiu uma visão ampla das categorias presentes nas concepções
investigadas.
Direito à cidade: um direito indivisível à apropriação coletiva e à coprodução da cidade
Para Lefèbvre (1969), o direito à cidade é um direito superior que se coloca acima de
interesses meramente econômicos e individuais. Trata-se de um direito que abrange um plexo de
outros direitos, como à liberdade; à individualização e socialização; ao habitat e habitar; à obra
(atividade participante) e à apropriação coletiva da cidade. Harvey (2012) compreende o direito à
cidade como um direito humano que vai além da liberdade individual e que alcança a noção de um
direito comum ao poder coletivo de moldar o processo de urbanização.
Segundo Duarte (2015), a teoria de Lefèbvre é voltada à busca pelo direito de criação e
plena fruição do espaço social, ou seja, pelo direito à produção do espaço público. Ele constitui um
“direito dos habitantes das cidades e povoados de participarem na condução dos seus destinos”
(SAULE JUNIOR, 2005, p.3). Dias (2012, p.58), com base na Carta Mundial pelo Direito à Cidade
(2005), explica que ele espelha um movimento democrático de (re)apropriação do espaço urbano e
de “reconstituição da unidade espaço-temporal” segundo princípios de justiça social e
sustentabilidade.
Debates sobre o aprimoramento de mecanismos jurídicos, técnicos e urbanísticos voltados
ao planejamento, ao ordenamento territorial e à gestão democrática sobre assuntos de interesse
comum no âmbito das regiões metropolitanas colocam em destaque a necessidade da formulação
e implementação de políticas públicas eficientes e efetivamente descentralizadas, de estratégias
compartilhadas entre Poder Público, sociedade e mercado, para promoção de direitos humanos,
bem-estar coletivo e desenvolvimento urbano sustentável por meio da garantia do direito à cidade.
O papel do direito na produção das regiões metropolitanas
Quatorze anos após a edição do Estatuto da Cidade, a Lei n. 13.089/2015 (Estatuto da
Metrópole) veio estabelecer as diretrizes, a estrutura institucional e os instrumentos político-jurídicos
para governança de regiões metropolitanas. O marco regulatório3 conferiu densidade ao artigo 182
da Constituição da República de 1988 ao dispor, a partir dos eixos temáticos da Lei n. 10.257/2001,
que a gestão metropolitana deve ser norteada pelos seguintes princípios (artigo 6º): prevalência do
interesse comum sobre o local; compartilhamento de responsabilidades para a promoção do
desenvolvimento urbano integrado; autonomia dos entes federativos; observância das
peculiaridades regionais e locais; gestão democrática da cidade; efetividade no uso dos recursos
públicos e busca do desenvolvimento sustentável.
O artigo 7º do Estatuto da Metrópole4 reporta-se ao artigo 2º do Estatuto da Cidade para
ampliar o rol de diretrizes específicas ao planejamento e à gestão de cidades que formam regiões
metropolitanas, tendo em vista o risco sistêmico de degradação de bens comuns e os complexos
problemas urbano-ambientais que as afetam, exigindo solução compartilhada, por meio de um
sistema de planejamento, gestão e informações metropolitanos que garanta democracia multinível,
isto é, a participação cidadã e o federalismo cooperativo nos processos de tomadas de decisões
públicas sobre assuntos de interesse comum, nos diferentes níveis de organização política.
Aproximando teoria e direito
Ao se analisar os elementos formadores da teoria do direito à cidade e as categorias
normativas presentes no Estatuto da Metrópole, observa-se uma interessante confluência em cinco
dimensões: ponto de partida, transparência, espaço, modus operandi e aspecto temporal. As
variáveis participação (P), informação (I), cooperação (C), sustentabilidade (S) e esfera pública (EP)
emergem como pontos de interseção entre os campos pesquisados, como se vê no Gráfico 1.
I
Teoria do direito Estatuto da
C
à cidade Metrópole
S
EP
territorial urbana no que diz respeito à população, à renda, ao território e às características ambientais.
A convergência teórico-normativa exposta a seguir no Quadro 1 indica que, para garantia do
direito à cidade e do desenvolvimento urbano integrado, o planejamento e a gestão metropolitanos
imprescindem de participação deliberativa e cooperação de múltiplos atores sociais
(intersubjetividade), indo além da governança interfederativa, em termos meramente formais e
institucionais, uma vez que democracia multinível, na perspectiva do federalismo cooperativo, é
condição de legitimidade de políticas públicas. Para gerar mudanças substantivas, o exercício
democrático na esfera pública pressupõe informações disponíveis – atualizadas, transparentes e
inteligíveis – sobre assuntos de interesse comum que prestigiem diálogos e tomadas de decisões
públicas, sem coerção, para formação de pactos territoriais e produção coletiva dos espaços
urbanos em bases sustentáveis.
CANÇADO, Airton Cardoso; PEREIRA, José Roberto; TENÓRIO, Fernando Guilherme. Gestão
social: epistemologia de um paradigma. 2. ed. Curitiba: CRV, 2015.
HARVEY, David. O direito à cidade. Versão traduzida por Jair Pinheiro. In: Lutas Sociais, São
Paulo, n. 29, p. 73-89, jul./dez. 2012.
1. INTRODUÇÃO
O direito à cidade é um tema cada vez mais discutido no Brasil, com o crescente dinamismo
dos grandes centros urbanos, impulsionando e impulsionados por grandes obras imobiliárias. As
mudanças na vida citadina, que se agrega a atenuações da desigualdade social e da segregação
sócio-espacial de grupos marginalizados, bem como a uma incessante substituição de espaços de
interação por espaços de consumo, recebem, em várias cidades, cada vez mais resistência por
parte da população. Como exemplo, a cidade do Recife viu surgir o movimento Ocupe Estelita,
contra a realização de empreendimentos de grandes grupos imobiliários em um cais histórico.
Nesse passo, em diálogo com a realidade da capital pernambucana, o movimento
cinematográfico conhecido como Novo Cinema Pernambucano traz em pauta diversas
problemáticas da vida e da organização da urbe, o que inevitavelmente põe em tela para os
espectadores a temática do direito à cidade. Assim, frente à ainda pequena discussão sobre o
direito à cidade nos meios acadêmicos jurídicos brasileiros, e à pouca aceitação, na pesquisa e no
ensino jurídicos, da arte como recurso ilustrativo e reflexivo, este trabalho mostra a capacidade do
cinema de pôr em tela tópicos pertinentes a uma boa aplicação de direitos, como demonstra como
a demanda pelo direito à cidade no Brasil.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. A URBANIZAÇÃO NO BRASIL
No início do filme Brasil S/A, vemos um grupo de homens trabalhando em um canavial.
Quando param para descansar, eles percebem que uma máquina surgiu na plantação e começou a
desempenhar o ofício que antes era deles. Assim descreve Henri Lefebvre o processo de
urbanização nos países subdesenvolvidos industrializados: “Nos países ditos ‘em vias de
desenvolvimento’, a dissolução da estrutura agrária empurra para as cidades camponeses sem
posses, arruinados, ávidos de mudança”3.
4
SANTOS, Milton. Pobreza Urbana. São Paulo: Edusp, 2013. p. 28.
5 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2008. p. 81.
6 SANTOS, op. cit., p. 79.
No meio urbano, os espaços de consumo tornam-se essenciais. Cada vez mais, os únicos
espaços de convivência, encontro e relações na cidade tornam-se espaços de consumo, como
aponta Marcelo Eibs Cafrune:
7
CAFRUNE, Marcelo Eibs. O direito à cidade no Brasil: construção teórica, reivindicação e exercício de
direitos. Ridh, Bauru, v. 4, n. 1, p.185-206, jan./jun. 2016. p. 199.
8 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. São Paulo: Centauro, 2008. p. 69.
9 Ibid., p. 19.
um engarrafamento, recorre a um aplicativo que envia um caminhão para transportar seu veículo,
podendo ela fazer outras atividades enquanto é transportada no conforto de seu carro.
No campo ético, essa lógica mina e destrói valores da vida comum. O próprio processo de
ocupação da cidade, que segue a logística do modo de produção, desempenha esse papel. Cena
icônica sobre isso é vista em Praça Walt Disney, quando uma família abastada vai a uma praia
onde há perigo de ataque por tubarões. Então, um grupo pobre passam carregando uma piscina
plástica, diante do que o patriarca os paga para entrar no mar com baldes encher a piscina de
aula. Assim, as crianças da família poderiam se divertir e tomar banho sem correr nenhum perigo,
ignorando o fato de que outras pessoas passaram por esses riscos para que isso fosse possível.
A partir dessa dinâmica opressiva do espaço urbano, Henri Lefebvre desenvolveu o conceito
de direito à cidade: “Só pode ser formulado como direito à vida urbana, transformada, renovada.”10
Trata-se do direito a viver bem no ambiente urbano, de poder desenvolver-se nesse espaço, pelo
pleno e democrático usufruto de atividades e locais nele disponíveis. Como completa David
Harvey: “A questão de que tipo de cidade queremos não pode ser divorciada do tipo de laços
sociais, relação com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos que desejamos.”11
Na jurisdição brasileira, o direito à cidade é deduzido de alguns dispositivos, mas não é
explícito em nenhum deles. No Brasil, “O direito à cidade é um complemento do direito à
moradia” 12 , dando-se a partir da aplicação, nele, do princípio basilar da dignidade da pessoa
humana, concluindo-se um direito de habitar de maneira digna. Além disso, houve, em 2011,
como resultado das lutas sociais pelo direito à cidade, a aprovação da Lei 10.257, o Estatuto da
Cidade. Contudo, não há aplicação eficaz do direito à cidade no Brasil, e as problemáticas da
desigualdade urbana e da segregação sócio-espacial perduram. Isso se dá, para além de,
logicamente, essa estrutura ser parte de um sistema produtivo no qual o país se insere, também
porque não é dado ao direito à cidade um caráter de direito fundamental.
3. CONCLUSÕES
A presente pesquisa procurou apontar como o Novo Cinema Pernambucano põe em
destaque questões do direito à cidade, contribuindo com o debate sobre a temática e provocando
uma maior reflexão em torno dele por parte do espectador. O sociólogo urbano Park aborda e
afirma que “se a cidade é o mundo criado pelo homem, segue-se que também é o mundo em que
ele está condenado a viver. Assim, indiretamente e sem nenhuma consciência bem definida da
natureza de sua tarefa, ao criar a cidade o homem recriou a si mesmo” 13. Portanto, existe uma
relação entre o tipo de cidade que construímos e o tipo de pessoa que nos tornamos.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A FEBRE do Rato. Direção de Cláudio Assis. Olinda: Parabólica Brasil e Belavista, 2011.
HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Martins Fontes, São
Paulo, 2014.
______. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p.73-89, jul./dez. 2012.
PARK, Robert. On Social Control and Collective Behavior. Chicago University Press, Chicago,
1967.
PRAÇA Walt Disney. Direção de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira. Recife: Aroma Filmes, 2011.
______. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de
Janeiro: Record, 2004.
VON GEHLEN, Jauro Sabino. O direito à cidade no Brasil. Revista de Direito Urbanístico,
Cidade e Alteridade, Brasília, v. 2, n. 1, p.235-253, jan./jun. 2016.
14
HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. Martins Fontes, São Paulo,
2014. p. 28.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 02 – RECONHECIMENTO, DIMENSÕES E IMPLEMENTAÇÃO DO DIREITO À
CIDADE
1. Introdução
É possível reconhecer a legitimidade que as ocupações têm em seus discursos
apartidários, travando por meio de resistências pontuais uma verdadeira luta pelo lugar, seja de
moradia, expressão cultural ou educação, os objetos de demanda desses movimentos são
inúmeros. O resultado desse movimento apresenta-se duplo: de um lado, ações de coletivos
artísticos atuam localmente na cidade através de representações e situações performáticas; de
outro, movimentos sociais e grupos autônomos contestam a forma de atuação política
hegemônica e reivindicam novas formas de organização. (Rolnik 2015, p. 376)
As ocupações, além de resistir por habitação, almejam ressignificar lugares públicos
menosprezados, o que simboliza não só uma luta pelo individual coletivo, mas também pela
apropriação do espaço da cidade a fim de permitir que a população o reconheça e nele
intervenha.
Em Taguatinga-DF resiste o Movimento Mercado Sul Vive, que atua por meio de vários
coletivos há mais de 20 anos promovendo ações culturais e educativas na região sul da cidade.
Ao desempenhar essas ações em uma área tradicional com mais de 50 anos de história, que
sofreu um forte processo de degradação, fruto de retenção especulativa, o movimento se tornou
de fato uma ocupação em 2015, ao apropriar-se da pauta do direito à habitação. Convergem ali
atividades de artesanato com materiais reciclados, redes de comunicação alternativa e economia
solidária, oficinas pedagógicas, sistema de compostagem urbana e tantas outras, alinhadas com a
concepção de participação ativa da comunidade na construção do espaço.
4
Segundo os ocupantes, enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito. Por tal
motivo espera-se, por meio da análise dos conceitos gerais de direito à cidade, da política urbana
brasileira e da Ocupação Cultural Mercado Sul Vive, construir mais uma ferramenta de diálogo
entre as esferas acadêmicas, governamentais e locais, e fortalecer a luta contra a especulação
imobiliária e da mercantilização maciça da terra e moradia.
4. Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília,
DF: Senado, 1988.
BRASIL. Constituição (2001). Lei nº 10257, de 10 de junho de 2001. Estatuto da Cidade.
Brasília, DF, 10 jun. 2001.
HARVEY, David. Cidades rebeldes: do direito à cidade à revolução urbana. São Paulo:
Martins Fontes, 2014.
LEFEBVRE, Henri. O Direito à Cidade. São Paulo: Nebli, 2016.
Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Medida
Provisória nº 759, de 22 de dezembro de 2016. 22 dez. 2016.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares. São Paulo: Boitempo, 2015.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
Introdução
A Constituição Federal, nossa Lei Maior, traz a dignidade da pessoa humana como um
dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, garantindo, entre outros direitos, a
inviolabilidade do direito à vida e do direito à propriedade.
A vida digna, como direito inerente à qualidade de pessoa humana – direito natural,
exige o cumprimento de certas condições e o direito à moradia é uma destas condições.
Outrossim, é importante salientar que, como afirmou David Harvey2, o direito à cidade
é um direito humano que não tem natureza individual”, mas sim coletiva, portanto, todos o têm
garantido.
O propósito deste artigo é abordar o direito às cidades como direito coletivo e
identificar as funções sociais das cidades para demonstrar que o cumprimento destas funções
gerará uma cidade sustentável para os seus habitantes.
1
Graduada pela Universidade São Judas Tadeu em 1997; Especialista em Direito Ambiental pela PUC/SP
em 2006; Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES em 2016; Advogada
Especialista no Itaú Unibanco desde 2012; e-mail debby.araujo@terra.com.br
1
Para uma cidade ser sustentável, a política de desenvolvimento urbano deve ser
realizada em proveito da dignidade da pessoa humana, garantindo: o direito à terra, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho
e ao lazer.
O inciso I do artigo 2o da Lei 10.257/2001 – Estatuto da Cidade4 tutela a vida em todas
as suas formas, assim como o princípio da dignidade da pessoa humana.
Para ilustrar o ideal de uma cidade sustentável, vale citar o livro A Utopia de Thomas
More, advogado, escritor e político inglês, que viveu entre os anos de 1477 a 1535 e é
considerado um dos grandes humanistas do Renascimento e precursor do socialismo, cujo
pensamento filosófico tem o homem como centro, que idealizou e tornou real em seu livro a
existência de uma sociedade harmônica, na qual todos trabalham em prol do bem comum e na
qual não há lugar para a corrupção ou para o enriquecimento ilícito, pois a igualdade é um valor
respeitado.
Em sua ilha imaginária, More traça as diretrizes de felicidade do ser humano,
transportando-nos para uma civilização na qual seus habitantes souberam explorar, de forma
superior, os recursos ao seu alcance, mediante uma organização social baseada em critérios
racionais.
Os utopianos de More sofrem muito menos que os europeus do século XVI os efeitos
degradantes do trabalho socialmente necessário, em virtude dos encargos destes se encontrarem
repartidos equitativamente por todos os membros do corpo social, em vez de recaírem sobre os
ombros de alguns, como acontecia na Europa das classes oprimidas.
A pobreza é mais eficazmente combatida na ilha da Utopia, quer porque a
organização do trabalho permite uma produção mais volumosa, quer porque os utopianos
praticam um sistema tendencialmente igualitário de repartição dos bens sociais.
Nos outros aspectos da vida social, More indica igualmente como os utopianos
puderam, por um esforço teórico e prático de racionalidade, resolver problemas que
correspondiam às mais graves questões do século XVI europeu: o problema da criminalidade e da
sua repressão, o problema da família e do matrimônio, o problema dos conflitos religiosos.
A cidade utópica de More pode ser identificada no conceito de cidade sustentável
proposto pela United Nations Human Settlement Program – UN-Habitat:
“(...) uma cidade onde as realizações e os avanços em
desenvolvimento social, econômico e físicos são feitos para durar.
Uma Cidade Sustentável possui uma reserva de recursos naturais
dos quais depende o desenvolvimento (utilizando-os somente num
4 Art. 2o. - A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade
e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes:
I – garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como direito à terra urbana, à moradia, ao
saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao
lazer, para as presente e futuras gerações.
2
nível de produção sustentável). Uma Cidade Sustentável mantém
uma segurança durável diante dos desastres naturais que possam
ameaçar o desenvolvimento (permitindo-se somente riscos
aceitáveis). Cidades Sustentáveis são fundamentais para o
desenvolvimento social e econômico”5.
Nota-se da definição acima citada que uma cidade sustentável deve garantir a seus
habitantes uma vida digna em um meio ambiente saudável.
Porém, é fácil constatar que o direito de acesso às cidades tem sido restrito a alguns
segmentos da sociedade. Isso porque o direito de propriedade e a obtenção de lucratividade no
campo imobiliário tem se sobreposto aos direitos fundamentais, tornando o direito a um meio
ambiente ecologicamente equilibrado e sadio à qualidade de vida um produto disponível apenas
àqueles que possuem poder aquisitivo. O direito às cidades, constitucionalmente garantido, deve
harmonizar com os fundamentos do Estado Democrático de Direito cuja finalidade é alcançar o
respeito da dignidade da pessoa humana, direito este inerente a todo pessoa humana.
5 Id. p.155-6
6 Claudio LuizWatanabe ESCAVASSANI, Politica urbana e direito à vida, Temas de direito urbanístico –
CAOHURB. São Paulo: Imprensa Oficial, nº 3:155-170, 2001.
3
A primeira função social da cidade refere-se ao direito de habitação e cumpre-se esta
função social ao possibilitar a seus habitantes uma moradia digna, cabendo ao Poder Público
“proporcionar condições de habitação adequada e fiscalizar sua ocupação”7.
A função de trabalhar está associada à realização de atividades remuneradas
mediante condições dignas de trabalho que devem respeitar as condições mínimas de higiene,
segurança e salubridade física e mental, além do combate ao trabalho escravo.
No âmbito da função de circulação humana, há necessidade de implementação de
sistemas viários compatíveis com a estrutura da cidade, que permitam ao individuo o exercício de
seu direito de ir, vir e permanecer, buscando propiciar aos habitantes das cidades conforto,
estética, salubridade, funcionalidade e segurança.
Importante salientar que a função de circulação também deve proporcionar a
circulação de cargas e realização de descargas, contribuindo assim para melhoria nas relações de
comércio e consumo, permitindo uma logística apropriada à mobilidade.
Por fim, a função de recreação deve possibilitar bem-estar à pessoa humana com o
desenvolvimento de atividades culturais e reserva de espaço para práticas esportivas e de lazer.
É um direito fundamental para assegurar a incolumidade físico-psíquica da pessoa humana e,
como enfatiza Fiorillo8, direito que integra a estrutura da dignidade da pessoa humana.
As cidades como espaço integrante do meio ambiental artificial e constitucionalmente
protegido, nos termos do artigo 225 da Carta Magna deve proporcionar a seus habitantes uma
vida digna em um meio ambiente saudável, cabendo ao poder público o dever de implementar
neste espaço urbano as funções sociais ora tratadas.
2. Conclusão
O direito à cidade sustentável é inerente à dignidade da pessoa humana e o
cumprimento de suas funções sociais propiciará bem-estar a toda coletividade.
Assegurar a todos uma cidade sustentável é ainda uma Utopia e um imenso desafio
ao Poder Público e a toda coletividade.
O cumprimento das funções sociais das cidades é o primeiro aspecto que deve ser
observado pela coletividade para que todos tenham acesso e possam reinventar uma cidade de
forma sustentável que venha a atender aos desejos dos seus habitantes, concedendo-lhes do
direito natural de uma vida digna de ser vivida.
___________
BIBLIOGRAFIA
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado, 1988.
4
CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis – O município como locus da sustentabilidade. São
Paulo: RCS Editora, 2007.
DIAS, Maurício Leal. A função social ambiental da cidade como princípio constitucional.
Disponível em: <http://www.jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6210>
ESCAVASSINI, Cláudio Luis Watanabe. Política urbana e direito à vida. Temas de direito
urbanístico – CAOHURB. São Paulo: Imprensa Oficial, nº 3:155-170, 2001.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,
2004.
HARVEY, David. O direito à cidade. Disponível em http://revistapiaui.estadao.com.br/materia/o-
direito-a-cidade/>. Acesso em 10/02/16.
MEDAUAR, Odete (organizaçao). Coletânea de Legislação Ambiental. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014.
NUNES, Rizzatto. O principio constitucional da dignidade da pessoa humana – Doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2009.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
INTRODUÇÃO
Em 1988 quando as cidades já abrigavam mais de 80% de toda a população brasileira, houve
uma intensa necessidade de criar algo para amenizar o descontrolado e desordenado
crescimento, foi então promulgada a primeira Constituição a tratar da questão urbana, que treze
anos mais tarde gerou o Estatuto da Cidade (BASSUL, 2010).
O Estatuto da Cidade Lei 10.257, aprovado em 10 de julho de 2001, regulamenta o capítulo de
Política Urbana da Constituição Brasileira de 1988 e tem como objetivo, melhorar as condições de
vida da sociedade urbana e regulamenta em um dos seus cinco capítulos, o Plano Diretor. Nos
termos da Constituição e do Estatuto da Cidade, o plano diretor é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana. É obrigatório para regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas, cidades com mais de 20.000 habitantes, áreas de interesse turístico ou
em locais onde o Poder Público Municipal tenha interesse em utilizar algum instrumento proposto
pelo plano. É chamado de plano porque dispõe os objetivos a serem alcançados, as atividades
que devem ser executadas e por fixar as diretrizes do desenvolvimento urbano do município é
denominado diretor (SILVA, 2010).
Para Fernandes (2009) o Plano Diretor é o processo sociopolítico pelo qual estabelece quais as
atitudes para o exercício dos direitos individuais de propriedade imobiliária urbana, ou seja, ele
não se reduz a apenas uma lei reguladora do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano, mas
também é uma lei fundiária que garante funções sociais da cidade para todo o território municipal.
Conforme Silva (2010) o plano diretor funciona como um instrumento que atua na função
urbanística dos Municípios e tem por objetivo sistematizar o desenvolvimento físico, econômico e
social do território municipal, tendo em vista o bem-estar da comunidade local. Possui, portanto
objetivos gerais e específicos, sendo que de modo geral opera como estratégia de mudança no
sentido de obter melhoria na qualidade de vida da comunidade local e de modo específico
caracteriza-se por terem objetivos concretos como propostas de, de novas centralidades urbanas,
de reurbanização de um bairro, de novas vias públicas, entre outros.
1
Mestre em Engenharia Ambiental – FURB - Universidade Regional de Blumenau FURB – Professora
Curso de Arq. e Urbanismo, cback@furb.br
1
Em Blumenau o Plano Diretor está regulamentado pela Lei 615/2006 e possui vários instrumentos
de ordem urbanística, tributária e jurídica que auxiliam no processo de desenvolvimento justo e
sustentável das cidades. O foco principal desta pesquisa está indicado no Art. 100 da Lei em
questão que apresenta o instrumento Outorga Onerosa do Direito de Construir e regulamentado
no decreto nº 9656 de 22 de março de 2012. Outorga Onerosa do Direito de Construir pode ser
entendido como uma concessão dada pelo poder público municipal ao proprietário do imóvel, para
que ele tenha o direito de construir área acima do índice construtivo básico determinado pela
zona, mediante a uma contrapartida financeira, desde que ele não ultrapasse os índices máximos
da zona, conforme está estabelecido no Anexo IV da Lei complementar nº751, de 23 de março de
2010 – Código de zoneamento, Uso e Ocupação e também atenda o interesse público. Contribuir
para a regulação do mercado e complementar o financiamento urbano são dois dos principais
objetivos da introdução desse instrumento no sistema municipal. Em relação a questão de regular
o mercado de terrenos urbanos a OODC favorece de maneira a reduzir as expectativas daqueles
ganhos decorrentes da atuação pública urbanística realizada através da regulamentação de
índices urbanísticos e coeficientes de aproveitamento, reduzindo a oportunidade de especulação
fundiária. Quanto a complementação do financiamento urbano, o instrumento contribui para a
implantação e adequação de infraestrutura pública e equipamentos urbanos (FURTADO;
BIASOTTO; MALERONKA, 2012). Conforme o Art.31 do Estatuto da Cidade, os recursos
arrecadados da OODC devem ser investidos nas finalidades citadas no Art.26, sendo estas:
regularização fundiária; execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;
constituição de reserva fundiária; ordenamento e direcionamento da expansão urbana;
implantação de equipamentos urbanos e comunitários; criação de espaços públicos de lazer e
áreas verdes; criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de interesse
ambiental; proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico.
Devemos ressaltar que a arrecadação dos recursos advindos do instrumento não pode ser
considerada a principal finalidade da aplicação, pois a sua motivação original de equidade pode
ser perdida. Devido a isso regulação e financiamento urbanos devem estar unidos na aplicação da
OODC, promovendo cidades menos desiguais e mais justas socialmente. (FURTADO;
BIASOTTO; MALERONKA, Op. Cit. 2012).
A figura 1 nos mostra que no período de 1999 a 2004 o instrumento não foi muito utilizado,
apenas sete casos foram registrados, isso se deve ao fato de que estava começando a ser
implantado e a população não possuía o devido conhecimento para fazer uso desse instrumento.
No período de 2005 á 2015 onde iniciamos a pesquisa houve um significativo aumento no número
de casos, alcançando seu pico em 2008, 2009 e 2010 sendo 10, 11 e 8 casos respectivamente,
porém em 2011 a acentuada queda para apenas 2 casos não foi por acaso. A explicação está
presente na mudança da legislação que entrou em vigor no ano de 2010 e aumentou
significativamente os índices urbanísticos (coeficiente de aproveitamento básico), isso fez com
que diminuísse a necessidade da utilização do instrumento, pois índices maiores resultam em um
maior potencial construtivo. Até 2002, o município tinha a permissão da utilização do instrumento
OODC em quase todo o perímetro urbano e permitindo o aumento do coeficiente de
aproveitamento até no máximo 30 % do valor básico, e atualmente os parâmetros existentes
apresentam um coeficiente de aproveitamento básico e máximo bem mais alto e é diferenciado
para cada zona. Com aumento de até 2,4. Na alteração da lei em 2010, a prefeitura justificou esse
grande aumento do coeficiente básico em função de até 2002, várias áreas não eram computadas
no cálculo do coeficiente de aproveitamento e, a partir de 2010 todas as áreas construídas são
computadas.
3
Tabela 1 – Comparação dos coeficientes de aproveitamento básico e máximo entre a LC 361/02 e a
751/10
Observou-se que o período com maior número de casos foi justamente nos anos anteriores a
alteração da lei e diminuindo consideravelmente nos anos subsequentes. Mas, mesmo com os
coeficientes altos que não estimulam o uso do instrumento, a utilização no período de 2010 a
2015, totalizou uma quantidade de 28 casos, com um total de permissão de 6.177,12 m² de área
construída e, com uma arrecadação total de R$ R$ 1.048.549,17. Contudo, fazendo um
comparativo entre as informações acima e a apresentação feita pela PMB em audiência pública
para a revisão do plano diretor, no dia 23/11/2015, encontramos algumas divergências. Na
apresentação consta que o valor arrecadado no período de 2010 a 2015 é de R$1.851.000,00,
mas se calculado através dos dados coletados para a pesquisa o valor real é de R$1.048.549,17.
A tabela a seguir apresenta a quantidade de metros quadrados concedidos para cada bairro por
ano e o total da contrapartida paga por eles do ano de 2005 a 2015. Nesta tabela nos mostra que
neste período foi arrecadado o valor total de R$ 2.155.401,41
4
Figura 2 – Aplicação dos recursos arrecadados do instrumento OODC no período de 2010 á 2015
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quanto aos recursos arrecadados com o uso do instrumento OODC o município de Blumenau
apresentou um aumento no valor arrecadado, e aplica esses recursos principalmente na
implantação de praças, parque, área de lazer e mobiliário urbano sendo num percentual de 79% e
6%, 14% e 1% respectivamente. O Conselho Municipal de Planejamento Urbano - COPLAN e o
Fundo Municipal de Planejamento Urbano – FMPU são regulamentados pela LC nº 836/11 que
estabelece a constituição do recurso através do instrumento de OODC, mas prevê também outras
formas de receitas para o fundo com a possibilidade de doações, dotações orçamentárias e
créditos adicionais que lhe venham a ser destinados. A prefeitura municipal dificultou o acesso a
estas informações sendo que a mesma apresentou em audiência pública de revisão do Plano
Diretor, gráfico com os percentuais onde aplicou o recurso. Mas, em pesquisa nas Atas do
COPLAN, constatou-se a presença de informações divergentes, ou seja, os recursos também
foram aplicados no pagamento de projetos de praças, parque e na aquisição de material de
consumo para o setor de planejamento (computador e multimídia), um flagrante descompasso
com os objetivos da política urbana elencados na CF/88 e no art. 31 da Lei nº 10.257/01, Estatuto
da Cidade. Desta forma, mesmo que a maioria da aplicação do instrumento OODC atendeu as
diretrizes preconizadas pelo Estatuto da Cidade, mas, parte dela não, conclui-se, que a utilização
do instrumento Outorga Onerosa do Direito de Construir no município de Blumenau, contrariou as
5
diretrizes gerais da política urbana, definida nos princípios do Estatuto da Cidade, podendo ser
considerada uma lesão à ordem urbanística. O uso dos instrumentos de política urbana não
assegurou o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade, mas sim
contribuiu ainda mais para o aumento da segregação social e espacial do município.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASSUL, J. R. Estatuto da cidade: a construção de uma lei. In: Carvalho; Rossbach. O Estatuto
da Cidade: comentado. São Paulo: Ministério das Cidades: Aliança das Cidades, 2010.
BLUMENAU. Lei n. 615, de 15 de dezembro de 2006. Dispõe sobre o plano diretor do município
de Blumenau. Disponível em: <https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/blumenau/lei-
complementar/2006/62/615/lei-complementar-n-615-2006-dispoe-sobre-o-plano-diretor-do-
municipio-de-blumenau> Acesso em: 17 fev. 2016.
BLUMENAU. Lei n. 751, de 23 de março de 2010. Dispõe sobre o código de zoneamento, uso e
ocupação do solo no município de Blumenau. Disponível em:<
https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/blumenau/lei-complementar/2010/76/751/lei complementar-n-
751-2010-dispoe-sobre-o-codigo-de-zoneamento-uso-e-ocupacao-do-solo-no-municipio-de-
blumenau-e-da-outras-providencias-2015-12-16-versao-consolidada > Acesso em: 17 fev. 2016.
BLUMENAU. Decreto n. 9656, de 22 de março de 2012. Dispõe sobre Outorga Onerosa do Direito
de Construir, Transferência do Potencial Construtivo e Alteração do Uso do Solo. Disponível em:
<https://leismunicipais.com.br/a/sc/b/blumenau/decreto/2012/965/9656/decreto-n-9656-2012-
dispoe-sobre-outorga-onerosa-do-direito-de-construir-transferencia-do-potencial-construtivo-e-
alteracao-do-uso-do-solo> Acesso em: 15 set. 2015.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:
Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 292 p.
BRASIL. Lei n.10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em: <
http://www.geomatica.ufpr.br/portal/wp-content/uploads/2015/03/Estatuto-da-Cidade.pdf > Acesso
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FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia. “Estatuto da cidade: razão de descrença ou de
otimismo? Adicionando complexidades à reflexão sobre a efetividade da lei”. In: Fórum de Direito
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<http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/29672>. Acesso em: 14 dez. 2015.
FURTADO, Fernanda; BIASOTTO, Rosane e MALERONKA, Camila Outorga Onerosa do Direito
de Construir: Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação. Brasília: Ministério das
Cidades, 2012.
SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 6. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 - EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
Introdução
O presente trabalho objetiva a apresentação dos resultados preliminares da aplicação do
instrumento Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC) em imóveis ociosos no
município de São Paulo, bem como a problematização de seus efeitos, com a observação de
poucos imóveis que têm cumprido as obrigações impostas pela notificação e consequentemente a
chamada “função social da propriedade”.
A questão do combate a imóveis ociosos surgiu na década de 1970, período no qual as
principais cidades brasileiras passavam por intensa transformação, com intenso fluxo migratório e
expansão urbana periférica desmesurada, com a preservação de vazios especulativos entre Centro
e a periferia1. Por vias legais, o Movimento Nacional de Reforma Urbana foi responsável pela
temática do combate a ociosidade virar Artigo constitucional em 1988, posteriormente
regulamentado pelo Estatuto da Cidade2, apenas em 2001. Apesar da regulamentação, foi
constatado na atualidade um número ínfimo de municípios que aplicaram ou aplicam os referidos
instrumentos3. Em São Paulo, a implementação da tríade pode ser divididas em duas fases4.
A primeira fase (1988-2011), revela um conjunto de regulações que não conduziram a
efetividade na notificação de imóveis ociosos. Desde o Plano Diretor de 1988, Projeto de Lei do
Plano Diretor de 1991 (considerando a auto aplicação do referido Artigo antes do Estatuto), e o
Plano Diretor Estratégico (PDE) de 2004. O Conteúdo do PDE 2004 referente a função social da
propriedade ganhou disposições específicas somente em 2010, num conjunto de procedimentos
que ficou conhecido como “chamamento prévio”, no qual 1.053 imóveis foram “listados”, tendo que
* Geografo, arquiteto e urbanista. Mestre em ciências pela faculdade de arquitetura e Urbanismo da USP e
Assessor técnico do Departamento de Controle da Função Social da Propriedade.
1 SANTOS, Milton. Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São Paulo. 2ª ed. São Paulo: EDUSP,
2009.
2 BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 julho de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, ano CXXXVIII, número 133,
11 de julho de 2001.
3 DENALDI, Rosana (Coord.). Parcelamento, Edificação ou Utilização compulsórios e IPTU Progressivo
no Tempo. Regulamentação e aplicação. Relatório final de pesquisa Pensando o direito público – chamada
pública IPEA/ PNPD n. 132/ 2013. Universidade Federal do ABC, 2015.
4 COSTA, Fábio Custódio. A ociosidade imobiliária e o processo de implementação do Parcelamento,
Os perímetros iniciais de aplicação são Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) “de
vazios” centrais e periféricos e cortiços, Operações Urbanas Centro e Água Branca. No final de
2015 foram ampliados para qualquer área da subprefeitura da Sé e Mooca, além da Área de
Influência do Eixo de Estruturação da Transformação Urbana do corredor de ônibus Santo Amaro.
Até fevereiro de 2017, 1.366 imóveis considerados ociosos foram notificados com o PEUC.
O Mapa 1 apresenta a distribuição espacial de tais imóveis. Eles podem ser observados de
diferentes maneiras e recortes, chegando a diferentes conclusões. Para ressaltar tal diferença foi
realizada a análise pelo critério do número de imóveis notificados e pela área notificada8.
5 SÃO PAULO (Município). Lei municipal n.º 16.050, de 31 de julho de 2014. Diário Oficial do Município de
São Paulo, São Paulo, ano 59, número 140, 01 de agosto de 2014.
6 São Paulo (Município). Decreto n.º 55.638 de 30, de outubro de 2014. Diário Oficial do Município de São
construída.
2
Pelo critério do número de imóveis notificados, se percebe forte concentração nos distritos
centrais (Centro e seu entorno), com 1.007 notificações (73,7% do número de imóveis notificados),
fator considerado positivo, na perspectiva de adensamento populacional e aproveitamento da
infraestrutura e serviços disponíveis. Em termos municipais, 714 imóveis foram considerados não
utilizados (52,3% do total), 438 imóveis não edificados (32,0%) e 214 subutilizados (15,7%). Já
considerando a área notificada, se observou o montante de 2.727.646 m² no município. Neste caso
a situação se inverteu, com a maior parte dela localizada fora dos distritos centrais, 1.768.250 m²
(64,8% do total de área notificada), especialmente em ZEIS de localização periférica. Em termos
municipais, os não edificados representam 1.492.206 m² (54,7% do total), seguidos dos
subutilizados com 767.816 m² (28,1%) e 467.624 m² não utilizados (17,1%).
A situação paulistana se destacou frente aos outros municípios que aplicaram o PEUC pela
forte presença de imóveis não utilizados, porém não em termos de área notificada. A título de
comparação excluindo os imóveis não utilizados se tem 2.260.022 m² de área notificada. Em Santo
André (SP) até 2008 estava prevista a notificação de 80 lotes, apenas imóveis não edificados e
subutilizados, somando 3.726.956 m² de área notificada9. Já em Maringá (PR), entre 2009 e 2013,
foram notificados 705 imóveis, exclusivamente não edificados e subutilizados, somando 14.558.398
m², cerca de 10% da área do município paranaense10.
Os casos apresentados dos imóveis então não utilizados que voltaram a utilização,
potencialmente contribuíram com o adensamento populacional (no caso das unidades residenciais)
e o melhor aproveitamento da infraestrutura presente nos distritos centrais, inclusive com o aumento
do fluxo de pessoas. Foram ainda observadas, de modo pontual, algumas reformas de fachadas,
apesar que muitos deles permaneceram sem alterações significativas. As situações são
importantes, devido a presença em áreas infraestruturadas, que no limite são financiadas pelo
Base cartográfica: MDC (2004); Fonte: DCFSP, 28 de fevereiro de 2017; Elaboração própria.
5
Considerações finais
O cumprimento das obrigações do PEUC, que se apresentou baixo, poderá ser ampliado
com a cobrança do IPTU Progressivo no tempo. Agora, a efetividade do instrumento em alterar a
realidade sócio-espacial, particularmente de parcela da população que mais demanda por políticas
inclusivas, especialmente que garantam o direito a habitação e a cidade depende da articulação
com outras políticas e instrumentos.
Referências bibliográficas
BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 julho de 2001. Diário Oficial da União, Brasília, ano CXXXVIII, número
133, 11 de julho de 2001.
COSTA, Fábio C. A ociosidade imobiliária e o processo de implementação do Parcelamento,
edificação ou utilização Compulsórios. Dissertação (Mestrado em arquitetura e urbanismo).
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.
BRAJATO, Dânia. A efetividade dos instrumentos do Estatuto da Cidade: o caso da aplicação
do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios no Município de Maringá (PR).
Dissertação (Mestrado em Planejamento e Gestão do Território). Universidade Federal do ABC,
Santo André, 2015.
BRUNO FILHO, Fernando G.; DENALDI, Rosana. Parcelamento, edificação e utilização
compulsórios e a função social da propriedade: um instrumento (ainda) em construção.
Revista Pós, v.16, n.26, São Paulo, 2009.
DENALDI, Rosana (Coord.). Parcelamento, Edificação ou Utilização compulsórios e IPTU
Progressivo no Tempo. Regulamentação e aplicação. Relatório final de pesquisa Pensando o
direito público – chamada pública IPEA/ PNPD n. 132/ 2013. Universidade Federal do ABC, 2015.
PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. SECRETÁRIA MUNICIPAL DE HABITAÇÃO. Plano
Municipal de Habitação de São Paulo: caderno de discussão pública. 2016.
SANTOS, Milton. Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São Paulo. 2ª ed. São Paulo:
EDUSP, 2009.
SÃO PAULO (Município). Lei municipal n.º 16.050, de 31 de julho de 2014. Diário Oficial do
Município de São Paulo, São Paulo, ano 59, número 140, 01 de agosto de 2014.
__________. Decreto n.º 55.638 de 30, de outubro de 2014. Diário Oficial do Município de São
Paulo, São Paulo, ano 59, número 205, 31 de outubro de 2014.
______. Lei municipal nº 16.377, de 01 de fevereiro de 2016 . Diário Oficial do Município de São
Paulo, São Paulo, ano 61, número 20, 02 de fevereiro de 2016.
6
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GT 03 – EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
Rosana Denaldi1
Dânia Brajato2
especificidades que não precisam constar do Plano Diretor e/ou lei específica, dentre as quais a priorização
de áreas para notificação e o escalonamento da aplicação do PEUC.
1
também para a democratização do acesso à terra urbanizada e à moradia. A despeito da
importância e da sua previsão em parte significativa dos novos Planos Diretores pós-EC, pode-se
afirmar, com base nos resultados da pesquisa “Parcelamento, Edificação ou Utilização
Compulsórios e IPTU Progressivo no Tempo: Regulamentação e Aplicação”4, que houve reduzido
avanço na utilização deste conjunto de instrumentos no país. Até janeiro de 2014, dentre os 288
municípios brasileiros com população superior a 100 mil habitantes, 25 haviam regulamentado o
PEUC, e desse conjunto, constatou-se que apenas oito municípios estavam aplicando ou
aplicaram o instrumento em algum período: Santo André, São Bernardo do Campo, Diadema e a
capital São Paulo, na Região Metropolitana de São Paulo, além de Maringá, no Paraná, e das
capitais Curitiba (PR), Goiânia (GO) e Palmas (TO). No panorama apresentado pelo estudo,
destacam-se as experiências de São Bernardo do Campo e São Paulo, que iniciaram a aplicação
do PEUC em 2013 e 2014, respectivamente, pelas estratégias e procedimentos adotados.
Contudo, o município que mais “avançou” foi Maringá: a aplicação do PEUC desde 2009
possibilitou que atingisse o estágio de aplicação do IPTU progressivo no tempo em 2011.
2
como finalidade “desobstruir os processos de (re)valorização das áreas centrais degradadas”7,
contrariando os objetivos para os quais foi concebido.
(ii) Goiânia e Palmas
Goiânia aplicou o PEUC em duas etapas: em 2011, com 68 notificações, canceladas
posteriormente, e em 2014, com 1.446 notificações. O PD definiu como área de incidência do
PEUC toda a Macrozona Construída (71% do território municipal). Embora a lei específica
contenha uma priorização para fins de notificação, dos imóveis ociosos nos bairros mais centrais
(Grupo I) com relação aos demais bairros (Grupo II), ainda assim o universo notificável alcança
uma escala que faz com que o instrumento deixe de ser empregado estrategicamente. A
notificação de 1.446 imóveis de uma única vez, sem considerar a capacidade de absorção dessas
áreas pelo mercado imobiliário e setor público, em um curto espaço de tempo, demonstra a
inadequação do planejamento da aplicação. Palmas também aplicou o PEUC em duas etapas: em
2011, com 250 notificações, canceladas posteriormente, e, em 2013, com 463 notificações. A
cidade foi fundada há poucas décadas, após a criação do Estado de Tocantins pela CF de 1988.
A dimensão da área urbana revela-se excessiva diante da capacidade de ocupação do território8.
Há grandes distâncias entre as áreas periféricas e o centro da cidade, entre as quais se localizam
muitos imóveis vazios e não parcelados sujeitos ao PEUC. Nesses dois casos, observa-se a
existência de um universo expressivo de imóveis notificados, sem nenhuma estratégia relacionada
ao adensamento prioritário de setores centrais e/ou infraestruturados dos municípios.
(iii) São Bernardo do Campo, Santo André e São Paulo
São Bernardo do Campo adotou como critérios para divisão da aplicação do PEUC em três etapas
a proximidade dos imóveis com o centro da cidade e a necessidade de disponibilizar áreas para a
produção de Habitação de Interesse Social (HIS). Assim, a primeira etapa priorizou a notificação
das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) de vazios, destinadas à provisão de HIS, e os
imóveis ociosos dos bairros das duas maiores centralidades do município; a segunda etapa, os
imóveis localizados no anel envoltório dos bairros centrais e, a terceira e última etapa, os bairros
mais periféricos da Macrozona Urbana. No entanto, em um curto espaço de tempo, entre 2013 e
2016, o município notificou 229 imóveis (88% do universo notificável), com área total de 2,3
milhões de metros quadrados (m²), o que corresponde a 95% da área notificável. Desse conjunto,
30 imóveis eram ZEIS de vazios (36% da área notificada). Santo André definiu um escalonamento
mais complexo, combinando zoneamento, área e coeficiente de aproveitamento (CA) mínimo dos
imóveis notificáveis, com a priorização dos lotes maiores com menor CA. Entre 2006 e 2008,
foram notificados 66 imóveis, com área total de 2,3 milhões m² (30% da área notificável). Desse
total, 26 imóveis localizam-se na área do “Eixo Tamanduatehy”9 e somam cerca de 1,6 milhões m²
7 Faria, 2013.
8 Palmas foi projetada para um milhão de habitantes, mas tinha pouco mais de 220 mil habitantes em 2010.
9 Área conformada por quadras lindeiras ao Rio Tamanduateí, linha férrea e Avenida dos Estados, com
presença de muitos vazios urbanos e grandes galpões e pátios industriais abandonados, onde o município
pretende estimular a ocupação e induzir a reconversão de uso desses imóveis.
3
(69% da área notificada). Ainda, 15 perímetros (921 mil m², 40% da área notificada) correspondem
a ZEIS de vazios gravadas pelo PD. São Paulo também escalonou as notificações para PEUC,
priorizando imóveis gravados como ZEIS 2, 3 e 5 ou localizados nos perímetros das Operações
Urbanas Centro e Água Branca10. Entre 2014 e 2016, o município notificou 1.260 imóveis, sendo
58% não utilizados, em sua maior parte edifícios vazios na área central da cidade. Destaca-se
que, do total notificado em área de terreno (2,5 milhões m²), 80% corresponde a imóveis gravados
como ZEIS11. Apesar desse aspecto positivo, identificou-se dispersão das notificações no espaço,
em decorrência da área de incidência do PEUC corresponder a praticamente todo o município, e
pouca articulação do instrumento com programas municipais.
(iv) Maringá
Maringá, entre 2009 e 2013, notificou em duas etapas 705 proprietários de imóveis não edificados
ou subutilizados12, que somam 14,5 milhões de m²13. Na primeira etapa, sob coordenação da
Secretaria de Planejamento e Urbanismo, foram notificadas áreas localizadas nos anéis central e
intermediário da cidade: a intenção do município foi dar uso a imóveis ociosos em perímetros com
melhor infraestrutura instalada. Já na segunda etapa, coordenada pela Secretaria de Fazenda e
Gestão, foram notificadas áreas em todo o perímetro urbano, incluindo o anel mais periférico da
cidade, que não dispõe de infraestrutura consolidada em toda a sua extensão (Figura 1). A partir
da segunda etapa, quando a aplicação do PEUC alcança uma quantidade expressiva de imóveis,
em toda a área urbana, o instrumento perde o potencial de ordenar o uso e ocupação do solo e de
orientar a ocupação de setores prioritários, como nos casos de Goiânia e Palmas. Além disso, a
ausência de uma estratégia territorial associada à distribuição das notificações no tempo pode
resultar na inviabilidade de uso desse conjunto de imóveis nos prazos exigidos por lei. Pergunta-
se: haverá demanda para a totalidade de imóveis notificados? Quais serão as consequências
dessas notificações, a médio e longo prazo? Os resultados iniciais indicam que o município
notificou um volume de áreas maior do que a demanda e a capacidade de parcelar e construir do
mercado imobiliário e setor público. Destaca-se que Maringá não aplicou o PEUC de forma
articulada com outro instrumento urbanístico ou com projetos urbanos prioritários.
3. Conclusão
O PEUC tem a finalidade de fazer com que a propriedade privada submeta-se à ordem pública e à
função social. Nesse sentido, as áreas urbanas sujeitas ao PEUC deveriam ser estrategicamente
definidas segundo uma lógica de ordenação do território e de viabilização de projetos de cidades
4
mais justas e ambientalmente menos predatórias. Para tanto, não basta aplicar o instrumento
levando em consideração apenas o zoneamento definido no PD ou legislação complementar.
É preciso definir uma estratégia territorial, assim como articular sua aplicação com outros
instrumentos e projetos urbanos e/ou habitacionais. A leitura do cenário macroeconômico e da
dinâmica imobiliária local, assim como das alternativas de fomento disponíveis (crédito e
financiamento) é fundamental para que o estoque notificado guarde alguma correspondência com
a viabilidade de sua utilização em determinado período de tempo. Entretanto, foi possível notar
que (i) vários PDs definiram, apenas, que o PEUC é aplicável em toda área urbana do município,
e (ii) a referida leitura esteve ausente, mesmo no caso de municípios que adotaram um
5
escalonamento ou priorização das notificações no tempo. Em relação às experiências estudadas,
de forma geral, observou-se: (i) casos em que o município notificou quantidade inexpressiva de
áreas, e que, portanto, o instrumento não desempenha papel de ordenador do território; (ii) casos
em que o município previu a notificação (ou notificou) expressivo número de áreas e não definiu
escalonamento ou priorização, ou seja, não existe estratégia territorial e o volume notificado pode
ser maior do que a capacidade de utilização pelo setor público ou privado; e (iii) casos com
universo priorizado e adoção de escalonamento, mas que, mesmo assim, o volume notificado e o
período de escalonamento podem não ser compatíveis com os prazos de utilização, ou ainda, não
estão suficientemente articulados com projetos urbanos e/ou habitacionais. Ressalta-se como
aspecto positivo, identificado em três casos estudados, a sobreposição do PEUC com as ZEIS. A
combinação de um zoneamento restritivo com a obrigação de utilizar em determinado prazo pode
contribuir para ampliar a oferta de terrenos e imóveis para a produção de HIS. Vale ressaltar que,
tendo em vista que os municípios brasileiros apresentam diferentes características e
especificidades, a estratégia de aplicação do PEUC não deve ser necessariamente a mesma para
todos os casos. A tipologia de cidade, a dinâmica econômica e as características do mercado
imobiliário local e regional, e também do meio físico, requerem diferentes estratégias e podem até
indicar a pertinência (ou não) da aplicação do instrumento. Conclui-se que esse tema foi pouco
debatido, e que a definição do universo de áreas notificáveis, sua espacialização e sua
distribuição no tempo podem comprometer a credibilidade do PEUC e, os resultados, ou os efeitos
de sua aplicação, podem ser inócuos ou contrários às finalidades para as quais foi concebido.
Referências
BRAJATO, D. A efetividade dos instrumentos do Estatuto da Cidade: o caso da aplicação do
Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios no Município de Maringá (PR). 2015.
(Dissertação de Mestrado). Universidade Federal do ABC, Santo André, 2015.
FARIA, J. R. V. (2013). Função social e IPTU progressivo: o avesso do avesso num desenho
lógico. In XV Encontro da ANPUR - ENANPUR, 2013, Recife.
1. Introdução
1Pós-doutorando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo. Doutor, mestre e graduado
em Direito pela Universidade de São Paulo.
1
Desde que esta intervenção urbanística se iniciou, pode-se observar uma disputa de
narrativas quanto aos seus objetivos e potenciais efeitos. Especialmente em seus primeiros anos,
o projeto foi amplamente retratado em discursos hegemônicos como uma experiência de
intervenção urbanística bem sucedida (PAES, 2011). Um dos aspectos mais enfatizados nas
narrativas otimistas sobre o projeto Porto Maravilha diz respeito à sua formatação jurídico-
institucional. Nesse sentido, a partir de uma combinação alegadamente sofisticada e inovadora de
instrumentos urbanísticos e do estabelecimento de um conjunto de relações contratuais bastante
complexo envolvendo agentes públicos e privados, o arranjo de governança forjado neste projeto
teria permitido que se colocasse em marcha uma intervenção urbanística de grandes proporções
em curto espaço de tempo. Além disso, de acordo com a retórica oficial, tal arranjo teria permitido
que a empreitada se viabilizasse sem que fosse necessário o dispêndio de recursos públicos, uma
vez que, em última instância, estaria sendo financiada pelo setor privado. Em variantes mais
comedidas desse discurso, sustenta-se que a formatação jurídico-institucional do projeto teria ao
menos logrado fazer com que o papel preponderante em seu custeio ficasse a cargo do setor
privado, de modo que os investimentos públicos tivessem um papel residual. Em suma, a
formatação elaborada teria sido eficaz em promover objetivos públicos por meio da indução do
mercado.
Estudos críticos sobre o projeto, entretanto, já vinham questionando essas suposições
desde a sua concepção, alertando para o expressivo comprometimento de recursos públicos que
sua viabilização implicaria - ainda que de maneira não tão evidente -, bem como sua propensão a
agir no sentido de amplificar a exclusão e a segregação socioespacial na cidade (OLIVEIRA,
2015). Passado o estado de euforia e deslumbramento produzido pelo espetáculo olímpico,
começaram a se descortinar elementos até então bastante ofuscados pelo poder mistificador do
discurso do legado, e os conflitos decorrentes dessa empreitada passaram a ficar mais evidentes.
Este trabalho busca oferecer uma contribuição aos esforços de reflexão crítica feitos em
relação à formatação jurídica e institucional do projeto Porto Maravilha, trazendo aportes
analíticos que possam ajudar a elucidar como se deu a divisão de atribuições e prerrogativas
entre os setores público e privado, assim como as implicações do arranjo estabelecido no tocante
à possibilidade de controle social sobre o espaço urbano no âmbito desse projeto. A investigação
realizada envolveu a análise da legislação específica e dos principais contratos de que participam
os entes públicos atuantes nesse projeto, a realização de entrevistas com diferentes atores
envolvidos ou afetados por ele, bem como a realização de visitas de campo periódicas.
Argumenta-se que a formatação jurídica e institucional do projeto estabeleceu uma
dinâmica em que os entes públicos envolvidos em sua implementação foram subsumidos a uma
lógica empresarial e especulativa, não dispondo de margem para tomar decisões orientadas por
motivações e variáveis alheias ao imperativo de gerar valorização imobiliária em sua área de
abrangência. Nesse sentido, busca-se mostrar que, embora a arquitetura institucional do projeto
envolva forte presença de entes públicos e semi-públicos, estes foram aprisionados por meio de
2
um sofisticado arsenal de dispositivos de contratualização, sendo induzidos a operar de modo
análogo a agentes privados. Busca-se fundamentar tais proposições a partir da análise do modo
como a formatação jurídico-institucional deste projeto afetou as possibilidades de controle social
sobre um dos principais recursos para a implementação de ações de política urbana: a terra
pública.
3
de alienação dos CEPACs não previu o pagamento de seu valor integral à CDURP no momento
em que eles foram transferidos ao fundo. Buscando-se garantir que esses recursos seriam
efetivamente alocados no financiamento das obras de infraestrutura, estabeleceu-se uma
sistemática de pagamento em que o fundo repassa recursos diretamente à Concessionária Porto
Novo em função da execução do contrato de PPP, estimado em R$ 7,6 bilhões no momento de
sua celebração. É importante ressaltar que o fundo não dispunha de início do total de recursos
necessários para cobrir os custos desse contrato, tendo como ativos um aporte inicial feito pelo
FGTS no valor de R$ 3,5 bilhões e os CEPACs. Uma premissa fundamental dessa modelagem foi
a de que, por meio de transações econômicas com os CEPACs - que tenderiam a se valorizar
com o avanço das obras e o aquecimento do mercado imobiliário local -, o fundo conseguiria obter
os recursos necessários para cumprir com suas obrigações.
O contrato de alienação de CEPACs buscou também equacionar um entrave fundamental
para que essa engenharia financeira pudesse funcionar: o destravamento da terra pública.
Estimava-se que os terrenos privados existentes na região permitiriam a absorção de não mais do
que 25% do montante total de CEPACs, de modo que os outros 75% dependiam de que terrenos
públicos fossem destinados a atividades de incorporação imobiliária para que pudessem ser
efetivamente convertidos em potencial construtivo. Assim, definiu-se uma sistemática em que a
CDURP obrigava-se a adquirir terrenos públicos (a maioria do estoque de terrenos edificáveis da
área pertencia à União) e a oferecer opções de compra dos mesmos ao FIIPM. O montante de
recursos exigíveis do fundo a título de pagamento dos CEPACs seria determinado em função do
conjunto de opções de compra já ofertadas pela CDURP ao fundo, sendo calculado com base no
montante de CEPACs que os terrenos já ofertados permitiriam absorver. Com isso, boa parte do
amplo estoque de terras públicas anteriormente existente na região acabou sendo mobilizado
para se atender às exigências previstas no contrato de alienação de CEPACs e se permitir o
funcionamento dessa complexa engrenagem financeira, de modo que a gestão da terra pública
ficou praticamente blindada da influência de esferas políticas de decisão.
O FIIPM, por sua vez, passou a utilizar seus ativos não pecuniários (CEPACs e terrenos
adquiridos da CDURP) para se associar a empreendimentos imobiliários privados, buscando com
isso garantir a geração futura de fluxos de receita que o permitam fazer frente às suas obrigações
com a CDURP e remunerar seu cotista, o FGTS. Embora o FGTS seja uma espécie de fundo
semi-público que tem como papel institucional financiar atividades de interesse social, como a
produção de moradia para a população de baixa renda, obras de saneamento, entre outras, nesse
projeto, por intermédio do FIIPM, passou a agir como incorporador de imóveis comerciais e
residenciais de alto padrão e especulador.
4. Considerações finais
4
A experiência deste projeto expressa uma tendência mais ampla de deslocamento da ação
estatal do suporte a demandas de cunho redistributivo em direção ao estímulo à produção do
espaço enquanto expediente de valorização do capital. Assim como já vinha se observando em
outros projetos de grande porte implementados por meio de operações urbanas consorciadas
(FIX,2000), ao invés de figurar como um mecanismo de "captura de mais valias urbanas" pelo
poder público e de sua redistribuição social (SANDRONI, 2001), o uso desse instrumento no caso
do Porto Maravilha contribuiu para o acirramento de um processo de assimilação de uma
racionalidade mercadológica e especulativa por parte de agentes governamentais. O modo como
a sofisticada modelagem jurídico-institucional do projeto interferiu na sistemática de alocação de
recursos como os terrenos públicos existentes na região e os investimentos do FGTS é um
exemplo ilustrativo da tendência de afirmação de um paradigma empresarial no âmbito da
governança urbana.
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São Paulo". Cadernos de Urbanismo, n. 3. Rio de Janeiro: Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro,
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SARUÊ, Betina. Os capitais urbanos do Porto Maravilha. Novos Estudos CEBRAP, v. 1, pp. 78-
97, 2016.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
(GRUPO TEMÁTICO 03)
INTRODUÇÃO
Os municípios brasileiros, a partir da Constituição Federal de 1988, foram erigidos à condição de
entes federativos autônomos, com competências determinadas, dentre elas o poder-dever de
promover a política de desenvolvimento e expansão urbana, através (dentre outros instrumentos)
do plano diretor, eleito constitucionalmente como o instrumento básico da política urbana municipal.
Embora fosse uma obrigação constitucional, somente em 2001, com a vigência do Estatuto da
Cidade, passou a figurar na legislação nacional a previsão objetiva de sanções para os municípios
que não elaborassem seus planos diretores dentro do prazo ali estabelecido, outubro de 2006,
posteriormente ampliado para o ano de 2008.
Devido à campanha do Ministério das Cidades intitulada "Plano Diretor Participativo - Cidade de
Todos", estima-se que aproximadamente de 96% dos municípios obrigados legalmente a instituir
plano diretor efetivamente o fizeram (IBGE, 2013). Dada a importância desta campanha, estamos,
desde 2015, nos aproximando do período de revisão obrigatória da maioria dos Planos Diretores
brasileiros, situação que também abarca os municípios fluminenses.
Neste contexto, assumem especial relevância questões como: o que efetivamente foi implementado
do plano diretor nestes municípios? Quais os efeitos socioespaciais dos Planos Diretores que
vigoraram na última década? Em que medida a política urbana realmente praticada nos municípios
se viu reconfigurada a partir da atual geração de planos diretores? Que cenário e perspectivas
emergem, para a política urbana no Brasil, a partir do maior ou menor grau de implantação desses
planos? Que ajustes seriam necessários no modelo de plano diretor adotado no país, a fim de fazer
face às inúmeras críticas e que lhe tem sido opostas pela literatura especializada e de cumprir a
1) Introdução
Ao longo da segunda metade do século XX ocorreu uma elevação acentuada dos índices
de urbanização em todo o mundo. Essa fase de expansão das cidades correspondeu também a
uma extraordinária valorização das áreas centrais como jamais havia acontecido em épocas
anteriores. Nas últimas três décadas, entretanto, observa-se uma inversão desse panorama com a
descentralização e dispersão dos núcleos urbanos e com a redução do poder polarizado de áreas
centrais em cidades de grande e médio porte (REIS, 2006). Como consequência, surgiram
sistemas urbanos com formas mais complexas como, por exemplo, as regiões metropolitanas.
Essa dispersão urbana, em especial a das chamadas "metrópoles" e suas faixas envoltórias,
configura-se hoje como um território que solicita uma organização territorial abrangente,
envolvendo diversos municípios e diversos fatores numa dinâmica de alta complexidade. No
Brasil, para tentar atender a essa solicitação, surge o Estatuto da Metrópole, lei Federal nº 13.089
aprovada em 2015, que estabelece diretrizes gerais para o planejamento, a gestão e a execução
das funções públicas de interesse comum em regiões metropolitanas e em aglomerações
urbanas, bem como determina normas gerais para a elaboração de um Plano de Desenvolvimento
Urbano Integrado (PDUI) e outros instrumentos de governança interfederativa.
A ideia de transcender as fronteiras municipais para o planejamento urbano tende a focar
na racionalização de recursos, sejam eles ambientais, econômicos ou sociais, como principal
motivador. Não obstante, há a dificuldade na conceituação, classificação, e mesmo apreensão da
região metropolitana e sua atual forma mutante, uma vez que o próprio conceito de região pode
ser apropriado em diferentes escalas. Dessa maneira, muito embora a aprovação do Estatuto da
Metrópole tenha representado um grande avanço rumo à gestão interfederativa, até o momento
não se percebe uma aplicação efetiva da nova lei.
Uma das causas deste hiato entre a aprovação da lei e o efetivo exercício do planejamento
regional integrado apontada por muitos autores (ZIONI E MENCIO, 2017; HOSHINO E MOURA,
2015; RIBEIRO, SANTOS JÚNIOR E RODRIGUES, 2015) é a dificuldade de delimitação do objeto
a ser regulamentado - as metrópoles, aglomerações urbanas e microrregiões. Alguns reforçam a
inconstitucionalidade da lei federal enquanto delimitadora das regiões metropolitanas, sendo que
tal delimitação é atribuição dos estados. Outros, em contrapartida, comemoram o estabelecimento
de critérios para a definição das regiões metropolitanas coibindo assim sua proliferação
casuística.
Na investida de colaborar para essa discussão de base, neste estudo serão mostrados
dois cenários para as Regiões Metropolitanas (RMs) de Santa Catarina: o atual, onde as mesmas
foram instituídas por critérios políticos do governo estadual; e um cenário hipotético, onde as RMs
são instituídas baseadas nos critérios do Estatuto da Metrópole que tem sua base nas definições
estabelecidas pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. A intenção é avaliar a
contribuição da caracterização das Regiões Metropolitanas de Santa Catarina na defasagem da
aplicação do Estatuto da Metrópole.
2) Desenvolvimento
O federalismo brasileiro, que surgiu com o fim do regime militar, teve como foco a defesa
da descentralização, em especial no seu veio municipalista. Tal contexto político do país valorizou
a autonomia municipal para a tomada de decisões, autonomia essa legitimada com a Constituição
Federal de 1988 e com a aprovação do Estatuto da Cidade em 2001, que reforça a municipalidade
das decisões de ordenamento do território urbano. O Estatuto da Metrópole surge, então, como
uma ferramenta necessária, promotora de um planejamento interfederativo.
O lei federal estipulou o prazo de janeiro de 2018 para que todas as metrópoles,
aglomerados urbanos e microrregiões já anteriormente instituídas pelos Estados estejam com
seus Planos de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI) prontos e elaborados com a
participação popular. O que se vê, entretanto, é pouco movimento neste sentido, sob o pretexto de
que o Estatuto da Metrópole não definiu claramente os critérios a serem empregados para a
elaboração dos PDUIs nem as estruturas organizacionais das políticas envolvidas em cada
processo. Também não estipulou prazos intermediários, não implementou o Sistema Nacional de
Desenvolvimento Urbano – SNDU (apesar o mesmo ser previsto no Estatuto), que deveria
concentrar as informações metropolitanas (dados estatísticos, cartográficos, ambientais,
geológicos e outros, relevantes para o planejamento), e ainda revogou o artigo que previa o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Urbano Integrado. A percepção destas lacunas na redação do
Estatuto da Metrópole levou a subcomissão de Governança Metropolitana da Câmara dos
Deputados apresentar, em 05 de outubro de 2016, várias sugestões de alterações através de uma
Lei Complementar, buscando facilitar a aplicabilidade do novo Estatuto.
A maior polêmica, entretanto, versa sobre o Estatuto da Metrópole estar se sobrepondo a
direitos já adquiridos pelos municípios e pelos estados a partir da Constituição Federal de 1988. A
dificuldade de orquestrar as responsabilidades políticas para o ordenamento do território
metropolitano e regional esbarra na própria definição do objeto a ser regulamentado pela
respectiva lei, como já mencionado. Até 2015, a competência de criar regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões era unicamente do Estado-Membro. A partir do Estatuto da
3
4
Estes parâmetros obedecem aos critérios adotados pela Fundação do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística – IBGE
4
com maior concentração populacional foram mais comedidos nas instituição de suas RMs.
Seguindo o critério estabelecido no Estatuto da Metrópole e levando-se em consideração que as
regiões já instituídas seriam revertidas, o resultado seria um mapa parecido com o que segue na
Figura 1.b.
Figura 1.a : Mapa das Regiões Metropolitanas do Figura 1.b: Mapa de Arranjos Populacionais
Brasil Instituídas por Leis Estaduais e Concentrações Urbanas do Brasil
Fonte: IBGE/ 2014 Fonte: IBGE/ 2010
Os critérios utilizados pelo IBGE para definir os Arranjos Populacionais e Concentrações
Urbanas foram comuns para todo o País, adotando-se uma abordagem que privilegiou elementos
de integração, medidos pelos movimentos pendulares para trabalho e estudo e/ou pela
contiguidade da mancha urbanizada. Como resultado, foram identificados 294 arranjos
populacionais, que abrangem 55,7% da população residente no Brasil, a partir dos quais foram
definidas, por meio de cortes populacionais, as médias e grandes concentrações urbanas.
Destacaram-se 26 grandes concentrações urbanas com mais de 750.000 habitantes, nas quais
12 têm papel metropolitano, número expressamente diferente das 70 regiões instituídas pelas leis
estaduais.
Em Santa Catarina, o mapa dos Arranjos Populacionais do IBGE, Figura 2.b, também
mostra-se mais fiel à realidade do estado, na medida em que apresenta as descontinuidades
existentes na mancha urbana. Enquanto o mapa das atuais regiões instituídas pelo Estado de
Santa Catarina (Figura 2.a), representa uma homogeneidade irreal.
Figura 2.a : Mapa das Regiões Metropolitanas Figura 2.b: Mapa de Arranjos Populacionais e
de Santa Catarina Instituídas por Leis Estaduais Concentrações Urbanas de Santa Catarina
Fonte: Produzido pelos autores / 2017 Fonte: IBGE/ 2010
5
É importante elucidar que, embora o equadramento como Região Metropolitana não sirva
para todas as unidades territoriais, Planos de Desenvolvimento Regionais são bem-vindos para
auxiliar municípios configurados como uma microrregião ordenar suas intenções e resolver
questões comuns de meio ambiente, mobilidade, saneamento, etc. Tais planos seriam benéficos
especialmente para os municípios com áreas rurais, uma vez que estas foram excluídas na
descrição e definição das áreas para a aplicação do Estatuto da Metrópole. Essas "áreas de
abrangência intermunicipal", com características coerentes em termos ambientais, políticas, e
culturais não necessariamente urbana e nem necessariamente densificadas, seriam beneficiadas
por uma legislação própria para ordenamento regional, uma vez que hoje muitos municípios
pequenos nem possuem Plano Diretor. A Subcomissão de Governança Metropolitana da Câmara
dos Deputados explica que “as microrregiões não devem ser definidas como sendo territórios
predominantemente urbanos, eis que tais unidades territoriais são caracterizadas, de modo geral,
por agrupamento de municípios sem qualquer conurbação e com extenso território rural” (Câmara
Dos Deputados, 2016, p.2). O vício de linguagem, que infelizmente transcende o texto, ressalta
que o território rural é efetivamente esquecido no planejamento regional e no texto do Estatuto da
Metrópole, onde até o instrumento principal da lei, o chamado Plano de Desenvolvimento Urbano
Integrado – PDUI, deveria ter seu nome substituído por Plano de Desenvolvimento Regional
Integrado – PDRI, como bem apontaram os deputados.
3) Considerações finais
Hoje parece haver um consenso de que a adoção de critérios meramente políticos na
instituição de Regiões Metropolitanas é prejudicial ao planejamento do território interfederativo.
Sob o discurso da integração e o desenvolvimento regional, há uma pasteurização das unidades
territoriais que dificulta sua gestão, uma vez que áreas com diferentes características precisam de
tratamentos e legislações diferenciadas.
Mencio e Zioni (2017) em seu texto elencam as interpretações jurídicas que defendem a
competência do Estado-Mebro e também as interpretações jurídicas que defendem a competência
do IBGE na caracterização das metrópoles e das regiões metropolitanas. No que tange a prática
do planejamento regional integrado e a busca de espaços melhores para se viver, é fato que o
Estatuto precisa ser colocado em prática e os Planos de Desenvolvimento Integrados realizados.
Assim, apresenta-se como a melhor solução que sejam estabelecidos conceitos bem delimitados
e detalhados, para não haver possibilidade de esquivas, como acontece em incontáveis leis que
nunca saem do papel.
Nesse caso, dar o nome certo aos tipos de arranjos territoriais não é mero capricho.
Conclui-se que adotar os critérios estabelecidos pelo IBGE parece um bom ponto de partida,
ainda que a conceituação das metrópoles e regiões metropolitanas pudesse ser ainda mais
rigorosa. Esse rigor não deve esquecer, contudo, a necessidade de planejamento para áreas que
não configuram metrópoles e/ou regiões metropolitanas através de um Plano de Desenvolvimento
6
Regional Integrado. É necessario que os planos regionais existam, e que sejam particulares para
cada arranjo territorial, inclusive em seus preceitos legais. Só assim os estatutos, na definição de
suas diretrizes, poderão ter coerência com as carências e potencialidades da unidade territorial e
alcançar uma real efetividade.
4) Referências bibliográficas
HARVEY, David. A produção Capitalista do Espaço. 2. ed. São Paulo: Annablume, 2006.
REIS, Nestor Goulart. Notas sobre urbanização dispersa e novas formas de tecido urbano.
São Paulo: Via das Artes, 2006.
1. INTRODUÇÃO
Este artigo é parte de dissertação de mestrado que apresentou a análise dos conflitos gerados
pela aplicação da desapropriação por utilidade pública, com destaque para o uso desse instituto
no desenvolvimento de projetos urbanos com o objetivo de refletir sobre seus desdobramentos. O
estudo tem como eixo de análise a apropriação da mais-valia fundiária decorrente dessas obras
nas avaliações indenizatórias dos imóveis e os impactos perversos produzidos a partir do anúncio
do projeto sobre o valor fundiário, com benefício para alguns proprietários e prejuízo para outros.
Relaciona o valor atribuído ao imóvel no orçamento inicial da obra comparado com suas
estimativas no decorrer da obra. Busca-se compreender a formação dos preços do solo e a
influência da obra no cálculo do valor do solo causando eventuais dificuldades de recomposição
patrimonial. O resultado da pesquisa visa contribuir para a compreensão do emprego do instituto
da desapropriação como política pública para execução de grandes projetos e a urgência na
adoção efetiva de instrumentos de gestão urbana alternativos visando minimizar seus efeitos.
2. A DESAPROPRIAÇÃO
A desapropriação se entende como “o ato do Poder Público, que fundamentado em lei,
compulsoriamente retira ou restringe direitos dominiais privados ou sujeita o uso de bens
particulares a uma destinação de interesse público”. (MEIRELLES, 2010 p. 649)
Para a desapropriação por utilidade pública, deve-se cumprir com procedimentos conforme o
quadro 1 a seguir:
Elaboração do projeto urbano
Vistoria no local afetado pela obra
Levantamento da área
Levantamento do volume de desapropriações
Estimativa de custo
1 Mestre em Arquitetura e Urbanismo - EAU-UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Pós Graduada em
Auditoria, avaliações e perícias de engenharia - Instituto de Pós-Graduação – IPOG. Ocupante do cargo de
Analista de perícias e avaliações imobiliárias na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro.
lorachaves@gmail.com
2
O Laudo de Avaliação acima é elaborado pela própria administração ou por empresa contratada
para acordo com o proprietário sem os custos de uma ação judicial, de honorários periciais e
advocatícios e de sobrecarga da máquina pública, podendo ainda incorrer na complementação de
valor do depósito judicial devido à avaliação de Laudo Pericial posterior com absorção das mais-
valias geradas ao longo do tempo. Nessa fase, o expropriado é chamado ao órgão da
administração pública para tomar conhecimento da promoção da expropriação de seu bem e
receber a oferta do valor indenizatório. Caso não haja acordo entre as partes, assina o termo de
recusa que é anexado ao processo administrativo e encaminhado ao órgão responsável para a
abertura da ação judicial. Caso haja o acordo, assina o termo de recebimento e aceitação do valor
e segue para homologação do ajuste.
2.2. MAIS-VALIAS FUNDIÁRIAS ADQUIRIDAS NO TEMPO
A partir da urbanização e do crescimento das cidades, as terras foram agregando valor à medida
que o poder público executava infraestrutura e permitia maior qualidade e quantidade de
construção em pequenas áreas.
Dessa forma, o trabalho tomou como ponto de partida uma grande obra urbana, pelo fato deste
tipo de intervenção com frequência exigir a utilização do instituto da desapropriação e a
indenização dos imóveis da área. Ressalta-se que o valor indenizatório é baseado no valor de
mercado na data da confecção do Laudo de Avaliação conforme a contemporaneidade citada na
Lei Nº 3.365/41, possibilitando a absorção de valorização imobiliária pela expectativa ou
conclusão da obra.
Em geral, o valor a ser indenizado nas desapropriações por utilidade pública tende a crescer à
medida que passa o tempo entre a previsão orçamentária do custo da obra (momento 0) e os
vários momentos subsequentes. Quanto mais próxima à finalização da obra, maior tendência de
elevação dos valores estimados. Assim, o valor da indenização incorpora as mais-valias
decorrentes dos investimentos públicos, de forma que conforme PESSOA (1984, p. 68) “a
desapropriação constitui uma arma voltada contra o próprio Poder Público, que termina pagando
duas vezes pela infraestrutura urbana que ele mesmo instala”.
Esta ideia pode ser representada pela figura 01 abaixo, sistematizado com os diversos momentos
pelos quais a obra pública acumula paulatinamente as mais-valias fundiárias desde seu anúncio.
3
Figura 01 - Influência dos momentos no cálculo de avaliação imobiliária. Elaboração: Lorili Chaves (2014)
No Momento 0 (M0), fase de projeto, antes da obra pública, com o mercado imobiliário sem
expectativas de melhorias futuras, segue a evolução natural do mercado. Nesta época se busca
no mercado local os valores negociados para inferir a estimativa do custo das indenizações
referentes aos imóveis a serem expropriados. No Momento 1 (M1), após o anúncio da obra
pública, os proprietários e agentes imobiliários ofertam os imóveis a valores mais altos devido à
expectativa da melhoria. Do Momento (M2) ao Momento 04 (M4) apresenta a ocorrência de
fatores que desde o início da obra movimenta o mercado imobiliário com crescimento da demanda
elevando os preços dos imóveis. Estas são possibilidades de difícil previsão, pois dependem de
diversos fatores que influenciam o mercado imobiliário a partir do investimento público.
A partir do exposto, pode-se inferir que mesmo após a retirada de 80% do valor indenizatório
depositado pelo Poder Público para imissão na posse pelo expropriado, em uma eventual ação
judicial, as avaliações podem continuar incorporando as mais-valias fundiárias à medida que o
tempo passa. Essa valorização pós-anúncio da obra com a utilização do instrumento da
desapropriação se torna um desafio para o Poder Público e o expropriado pela incerteza do valor
futuro e incerto. Motivo pelo qual novos estudos poderiam gerar alternativas para diminuir a sua
utilização e mitigar as externalidades negativas da desapropriação. Uma das interpretações do
quadro jurídico brasileiro como solução da absorção da mais-valia fundiária ao valor da
desapropriação seria a cobrança de Contribuição de melhoria, ainda pouco utilizada.
Para mensurar os números de desapropriações em uma grande obra, só a construção do Arco
Metropolitano do Rio de Janeiro contabilizou mais de 3.600 desapropriações.
A partir disso, o trabalho busca confrontar avaliações de bens para o orçamento da obra pública,
antes do seu início e as avaliações posteriores, já com absorção da valorização fundiária como
uma fotografia das oscilações de valores conforme o andamento da construção.
2.3. CASO DE REFERÊNCIA: ARCO METROPOLITANO DO RIO DE JANEIRO.
O estudo se baseou na obra do Arco Metropolitano no Estado do Rio de Janeiro conforme figuras
2 e 3.
4
Uma das mais-valias geradas nessa área foi devido ao novo acesso ao porto de Itaguaí, Comperj
e melhor integração entre Municípios, direcionando para esta zona novas demandas industriais e
empresariais. Assim, seguem dados coletados no local. No quadro 02 se relacionam alguns
imóveis desapropriados. Os valores da terra estão quantificados por metro quadrado, ou seja,
Valor Unitário - VU, enquanto as benfeitorias estão apenas com o valor total estimado.
O Quadro 02 acima, na desapropriação de terreno ocupado por terceiros I e II, mostra o conflito
no uso do instituto da desapropriação parcial em uma terra ocupada por terceiro. O posseiro é
retirado e recebe a indenização sobre o valor da benfeitoria, deixando o terreno remanescente
desocupado, livre, desembaraçado e valorizado pela obra para o proprietário.
Nesse caso, os valores das benfeitorias são determinados por tabela da construção civil que varia
conforme os valore de insumos e a mão-de-obra empregado no serviço, depreciadas conforme o
estado de conservação e idade aparente. Por isso, os aumentos percentuais relativos aos
terrenos são significativamente maiores que os aumentos percentuais das benfeitorias.
A evolução dos valores das terras conjugada ao fato de o posseiro receber apenas o valor da
benfeitoria depreciada, possivelmente, contribui para inviabilizar a sua permanência no local, o
que pode acarretar ocupações ilegais em áreas ambientalmente frágeis, franjas urbanas e
comunidades.
Os quadros 03 e 04 demonstram a crescente valorização dos terrenos:
ITEM EVOLUÇÃO DOS VALORES DA TERRA
Aumento
Estimativa
Estimativa de valor Estimativa de de 2010
de valor
(2010) valor (2014) a 2014
(2011)
(%)
Rua Amilcar Mourão), lote R$ R$
1 R$ 32.810,00 365%
51, quadra 14 39.954,00 119.795,48
R. Amilcar Mourão, lote 44, R$ R$
2 R$ 16.994,00 514%
quadra 13 29.856,00 87.350,00
R. Amilcar Mourão, lote 52, R$ R$
3 R$ 487,00 314%
quadra 13 870,00 1.530,00
Quadro 03: Evolução dos valores da terra. Elaboração: Lorili Chaves (2014).
Observa-se que os terrenos valorizaram em média 300% em 2014 em relação ao valor inicial do
orçamento da obra pública em 2008. Há desvalorização em 2010, voltando ao processo de
valorização em 2011, pois a obra iniciada em 2008 atrasou devido aos sítios arqueológicos
encontrados no local da execução, apenas 35% da obra estava pronta até 2011, época em que foi
retomada. Nota-se então que o mercado imobiliário da região oscilou conforme a evolução da
obra e seus percalços, causando inclusive desvalorização temporária.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O caso de referência da obra do Arco Metropolitano apresentado tenta demostrar o quanto uma
obra pública pode influenciar a valorização fundiária, o que não acontece com a benfeitoria,
corrigida pelos valores da construção civil. Nesta linha, os proprietários de terrenos são
indenizados com os valores que incluem a absorção dos investimentos públicos. Isto ocorre
devido aos cálculos avaliatórios serem, de forma geral, elaborados em momentos conjunturais
diferentes. Na área em tela, percebe-se uma alteração do uso tipicamente rural para industrial, o
que alterou os valores negociados na localidade, e foi considerado em cada momento de
estimativa de valor. Em geral, a obra impulsiona a valorização do imóvel expropriado, no lapso de
tempo entre a data de elaboração do laudo e a data da efetiva negociação ou sentença. Esta será
sempre uma questão real de dificuldade na negociação. As tabelas apresentam os valores de
mercado entre 2008 e 2014 a fim de proporcionar uma ilustração de como a valorização fundiária
não impacta só o orçamento inicial da obra, mas pode comprometer o poder de compra do
expropriado para a recomposição do patrimônio e, até mesmo, os investimentos públicos
custeados pela sociedade.
A apresentação deste trabalho procura contribuir para a compreensão do quão é difícil o emprego
do instituto da desapropriação para execução de obra pública e seu impacto no orçamento com
ônus para a sociedade em geral, real financiadora. Ademais as mais-valias afetam uma
determinada parcela de proprietários de imóveis que não contribuem para o incremento de valor
proporcionando enriquecimento sem causa em detrimento de posseiros que recebem apenas pela
benfeitoria e proprietários que recebem valores defasados. Assim torna-se imperativo refletir sobre
novas formas de gestão da obra pública e utilização de alternativas capazes de executar grandes
obras sem lançar mão exclusivamente do instituto da desapropriação.
4. BIBLIOGRAFIA
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro, 37ª edição. São Paulo: Malheiros
Editores ltda, 2010.
PESSOA, Álvaro. O uso do solo em conflito – a visão institucional. In: FALCÃO, J. de A. (org).
Conflito de direito de propriedade. Rio de Janeiro: Forense, 1984. p. 185-261
1
1. INTRODUÇÃO
O estudo trata de uma espécie de tributo, a Contribuição de Melhoria - CM como um importante
instrumento de política urbana, permitindo ao gestor público a cobrança relativa às valorizações
imobiliárias influenciadas por processo de melhoria atrelada à execução de obra pública. A
Contribuição de Melhoria constitui uma fonte de recursos para quaisquer dos entes federativos
com a finalidade de gestão social da valorização do solo urbano na medida em que requer uma
parcela de contribuição dos seus beneficiários resultando em menor impacto no orçamento
público e maior justiça social. Dessa forma, cumpre-se o objetivo do Estatuto da Cidade - EC de
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana
mediante diretrizes gerais, como a recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha
resultado a valorização de imóveis urbanos, além de exercer a justa distribuição de ônus e
benefícios decorrentes do processo de urbanização e recuperação das mais-valias fundiárias.
Para tanto, o estudo delimitou uma área na região de Niterói, RJ com finalidade de verificar a
valorização de imóveis situados no mesmo bairro em ruas com e sem pavimentação, de forma a
apresentar e discutir as questões sobre essa contribuição ainda pouco utilizada por quaisquer dos
entes federativos brasileiros.
2. A CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA NO BRASIL
Ressalta-se que todo solo era rural antes de as cidades surgirem, a formação de seu valor era a
produção ou capacidade agrícola. A partir da urbanização desse solo rural e sua urbanização
crescente, essas terras foram agregando valor à medida que o poder público executava
infraestrutura e permitia maior qualidade e quantidade de construção em pequenas áreas.
Diferente de mercadorias, o solo urbano rende com a passividade do proprietário que conforme
Marx (2008, p.1025). “se limita a explorar o progresso do desenvolvimento social para o qual nada
contribui”. Esta atividade produz ganhos chamados de mais-valia fundiária auferida a partir da
atuação do Poder Público que também atua como mola propulsora do investimento privado. A
reflexão da recuperação sobre a mais-valia fundiária e da circulação da riqueza entre o setor
1 Mestre em Arquitetura e Urbanismo - EAU-UFF, Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. Pós Graduada em
Auditoria, avaliações e perícias de engenharia - Instituto de Pós-Graduação – IPOG. Ocupante do cargo de
Analista de perícias e avaliações imobiliárias na Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro.
lorachaves@gmail.com
2
público e privado foi concebida por Cerdá no plano de Barcelona de 1860 com a proposta de que
a urbanização deveria ser paga com urbanização. Já Anhaia Melo em 1929 anteviu a fonte de
recursos da CM como forma de solução financeira para as grandes obras urbanas.
O investimeto público, constituído pela sociedade, arca com o ônus do melhoramento em
determinados setores da cidade proporcionando bônus a poucos proprietários de imóveis dessas
áreas. Nessa linha, o trabalho procura demonstrar a vantagem fornecida ao proprietário pela
apropriação não onerosa dos benefícios da urbanização por ação do poder público a fim de
estimular a discussão do compartilhamento financeiro do melhoramento urbano entre o poder
público e o particular beneficiário. Segundo LUNGO (2004, p.43) não se tem avançado na reflexão
quanto a novos instrumentos regulatórios do solo com vista à recuperação de mais-valias geradas
por intervenções públicas urbanas visando reduzir externalidades negativas e desigualdades nas
cidades.
No Brasil temos a possibilidade da cobrança da CM para as obras executadas por quaisquer dos
Entes Federativos que agreguem valor ao solo por um tipo de melhoria pública. Esta é uma das
espécies tributárias2 definida no Código Tributário Nacional - CTN3, no Art. 81, recepcionada pela
Constituição de 1988, no art. 145, III, no qual o Estatuto da Cidade apenas cita no Art. 4º como um
dos instrumentos de reforma urbana a ser utilizado sem aprofundamento. Por este motivo, este
trabalho recorreu ao CTN, ao Decreto-Lei Nº 195/67 e à CF/88. De qualquer forma a CM atua em
sintonia com o princípio do EC como instrumento de recuperação de mais-valia fundiária,
atrelando o ônus ao benefício da urbanização, representando o direito social sobre a recuperação
da mais-valia em virtude do melhoramento por ação do poder público.
2.1. A APLICAÇÃO DA CONTRIBUIÇÃO DE MELHORIA NO BRASIL
A CM no Brasil se define pelo sistema misto, inspirado nos modelos anglo saxônico e germânico.
O primeiro modelo considera a valorização imobiliária como base de cálculo, já o segundo,
considera o custo total da obra como base de cálculo. No Brasil, adota-se o menor valor dentre
esses dois. Segundo MACHADO (2004, pp.414-415), a CM é espécie de tributo cujo fato gerador é
a valorização de imóvel decorrente de obra pública, e tem por finalidade a justa distribuição dos encargos
públicos, fazendo retornar ao Tesouro Público o valor despendido com a realização de obras públicas, na
medida em que destas decorra valorização de imóveis.
Seu cálculo é baseado no valor total da despesa com a obra como limite geral, e como limite
individual, a mais-valia fundiária, ou seja, a valorização dos imóveis beneficiados. No caso de o
2 CTN– Código Tributário Nacional, Lei Nº 5.172 de 1966, define, no artigo 3º Tributo como toda prestação
em dinheiro, obrigatória, que não constitua penalidade de ato ilícito, instituída em lei e cobrada via
administrativa.
3 CTN dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à
União, Estados e Municípios.
3
orçamento da obra pública ser maior que a soma das valorizações imobiliárias, o Poder público
deve cobrir o saldo restante. Segue exemplos para melhor entendimento:
Exemplo 1: A valorização dos imóveis menor que o valor da obra pública: orçamento da obra no
valor de R$13.000.000,00 e valorização dos imóveis locais em R$9.500.000,00, então o valor a
ser complementado pelo Poder Público será de R$13.000.000,00 – R$9.500.000,00 =
R$3.500,00. O valor total a ser rateado pelos proprietários beneficiários pode ser de
R$9.500.000,00 ou um percentual deste, conforme a lei instituidora.
Exemplo 2: A valorização dos imóveis maior que o valor da obra pública: orçamento da obra no
valor de R$10.000.000,00 e a valorização dos imóveis locais em R$15.500.000,00, então o valor
total a ser rateado pelos proprietários beneficiados pode ser de R$10.000.000,00 ou um
percentual deste, conforme a lei instituidora.
O Decreto-Lei Nº 195/1967, no seu art. 2º, enumera taxativamente quais tipos de obra podem
gerar a CM. A Unidade Administrativa executora da obra para instituir a sua cobrança deve
considerar a situação do imóvel na zona de influência, lançar e registrar o tributo referente a cada
imóvel, notificar o proprietário e abrir o prazo de no mínimo trinta dias para impugnação de
elementos do edital. Para o início da cobrança deve publicar o demonstrativo de custos por imóvel
e lançá-lo à margem da matrícula de cada imóvel no RGI.
O cálculo do tributo poderá utilizar os métodos de avaliação individual pontuando cada lote com
fatores diferenciados de valorização em função de sua localização ou delimitar os limites
geográficos que receberão influência do benefício com a finalidade de determinar a porcentagem
da CM a ser cobrada em relação a cada uma dessas áreas homogêneas avaliadas em massa.
Para a definição do valor pode-se utilizar a coleta de elementos amostrais, ou seja, os valores de
imóveis do local em dois momentos, anterior à obra (M0) e posterior (M1 a M4), dependendo da
época arbitrada para a avaliação da cobrança, representado no esquema da figura 1. Após os
cálculos, são confeccionados gráficos e tabelas considerando-se as valorizações em porcentagem
de acordo com a distância ao pólo gerador do benefício.
Ressalta-se a possibilidade de estimar a valorização de uma área comparando-a com situações
paradigmas de áreas similares e mesma situação socioeconômica, ou seja, estimação
econométrica hedônica. Segundo MÔLLER (2008), este método foi utilizado pelo Eng. Chulipa na
Cidade de Osório no RGS em estudo apresentado ao Banco Mundial, neste comparou-se lotes
em ruas pavimentadas com lotes em ruas não pavimentadas de localidades similares, estimando
uma valorização geral nas áreas de influência direta para o cálculo do rateio.
Para o cálculo da valorização gerada pelas grandes obras urbanas, os avaliadores costumam se
deparam com significativa elevação do valor da terra após o anúncio da obra conforme a figura 1.
O Momento 0 (M0), fase de projeto, antes da obra pública, com o mercado imobiliário sem
expectativas de melhorias futuras, segue a evolução natural do mercado. No Momento 1 (M1),
após o anúncio da obra pública, os proprietários e agentes imobiliários ofertam os imóveis a
valores mais altos em função da expectativa da melhoria local. No Momento (M2), o início da obra
4
movimenta o mercado imobiliário local com o crescimento da demanda, gerando alta nos preços
dos imóveis. No Momento 3 (M3), após a conclusão da obra, há a vantagem da coisa feita, deixa
de ser uma simples expectativa futura e incerta e a melhoria se torna concreta, assim os valores
tendem a crescer. No Momento 4 (M4), as melhorias urbanas aguçam os olhares dos agentes
imobiliários, movimentam o comércio, ou a viabilidade estratégica de localização de indústrias,
criando novas oportunidades antes ausentes, com demanda crescente de mais serviços, elevando
ainda mais os valores até se estabelecerem em patamares mais altos. O M0 constitui o marco
inicial de busca dos valores negociados no mercado local para inferir a estimativa de valor unitário
dos imóveis antes da obra, a cobrança da CM pode ser calculada pelos valores adquiridos pelos
imóveis nos momentos subsequentes (M1 a M4), determinado pela lei instituidora do tributo.
‘
Figura 1: Influência dos momentos na avaliação imobiliária. Elaboração: Lorili Chaves (Dissertação Mestrado 2014)
ITAIPU
Niterói
Rio de Janeiro
Figuras 2 - Localização do Estado do Rio de Janeiro no Brasil. Fonte: http://www.viagemdeferias.com/rio-de-
janeiro/imagens/mapa-niteroi.gif.Acesso:20/09/2013
Figura 3 – Localização de Itaipu na Região Oceânica.
Fonte: http://www.nitvista.com/index_frame.php?url=%2Fbrobm.php. Acesso: 20/09/2013
5
A área de estudo se encontra em Itaipu nas adjacências do eixo da Av. Ewerton Xavier, conhecida
por Av. Central (figura 4).
Figura 4 - Área de estudo na região de Itaipu. Edição: Carolinna Almeida Bragança (2017)
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
LUNGO, Mário. Grandes proyetos urbanos, Estructureas y processos. Série Mayor; 24. San
Salvador, El Salvador: UCA, 2004.
MARX, K. O Capital: Crítica da Economia Política: livro III. Rio de Janeiro: Civilização Cultural,
2008.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 24 ed. revista, atualizada e ampliada.
São Paulo: Malheiros, 2004.
MÔLLER, Luiz Fernando Chulipa. Contribuición de Mejoras: un caso real en Brasil. In: LINCOLN
Movilización Social de la valorización de la terra: casos latinoamericanos. Linconl: Departament of
Magement University of Nebraska, 2008.
.
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GT 3 – Efetividade dos Instrumentos de Política Urbana – Da necessidade do plano
diretor para se impor regras de observância do cumprimento das funções
sociais da propriedade e da cidade
1. Introdução
O Estatuto da Cidade consigna em seu texto rol com diversos mecanismos próprios a fim de
viabilizar a indução do cumprimento da função social da propriedade, grande parte deles está
atrelado à aprovação de um plano diretor municipal. É possível também que se estabeleçam opções
por meio de lei a fim de propor fórmulas capazes de se induzir o comportamento do proprietário ou
possuidor de forma a atender a função social da propriedade.
O propósito deste trabalho é se verificar ou não se é realmente fundamental que a cidade seja
obrigada a elaborar plano urbanístico, espacializando resultados que se pretende alcançar, de
forma a se viabilizar o emprego de institutos que possam induzir à observância da função social da
propriedade, relacionados no Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001 e todas as fórmulas criadas
para esse importante mister, a exemplo do IPTU progressivo, transferência do direito de construir,
entre outras tantas.
A concretização de um plano deve ter como passo inicial o traçado de mapa temático, que possa
indicar os locais em que o instrumento jurídico seja de melhor serventia, a partir do que se encontra
geograficamente na superfície do solo inclusive com a percepção da densidade demográfica dos
diversos pontos existentes na área considerada. Certamente, estudos prévios efetivados por equipe
profissional estabelecerão as prioridades e os pontos com as características próprias para a
aplicação eventual do instituto.
O direito de propriedade não possui mais o caráter de direito absoluto como em tempos pretéritos.
A Constituição vigente por meio do inciso XXIII do art. 5º esclareceu que a propriedade deve
obedecer a sua função social. Em termos específicos, do ambiente urbano, o art. 182, já
estabeleceu que essa função social deveria ser indicada em plano diretor municipal. Não se pode
também excluir os cuidados com os elementos naturais que garantam o equilíbrio ecológico, bem
como o patrimônio histórico e artístico. Considerando também evitar a poluição em qualquer de
suas formas. Na verdade, o art. 225 da Carta não exclui o ambiente urbano da proteção que se quer
efetivar.
__________________________
- Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP. Universidade Católica de Santos - UNISANTOS.
Professor do Curso stricto sensu em Direito Ambiental Internacional. Email: ricasal@uol.com.br
-- Mestre em Direito Ambiental pela Universidade Católica de Santos. Universidade Paulista. Professora do Curso de
Graduação em Direito. Email: silvia.saborita@gmail.com
As questões que aqui se oferecem são: é possível se estabelecer mecanismos próprios para o
atendimento da função social da propriedade sem consigná-los especificamente em plano diretor?
Qual outra forma haveria para se estabelecer a obrigatoriedade sem essa norma aprovada pelo
Legislativo local? Como uma municipalidade pode induzir ou determinar o uso da propriedade
impondo o cumprimento de sua respectiva função social?
Diante deste quadro complexo o intuito deste trabalho será analisar o que se tem atualmente em
termos normativos e o que se encontra como fórmula adequada para a composição do binômio
função social e obrigatoriedade do plano diretor. Os mecanismos para o atendimento da função
social da propriedade estão dispostos na Lei nº 10.257/2001 e outros diplomas normativos
importantes. Parece claro que o plano diretor é instrumento imperioso para se estabelecer restrições
próprias ao uso da propriedade de acordo com sua função social, sobretudo pelo fato de ser lei
aprovada localmente após ampla discussão da comunidade local. Porém, sua imprescindibilidade
ou não em termos da observância da função social da propriedade, será o objeto fundamental da
análise deste artigo.
Aqui se empregará o método científico hipotético-dedutivo objetivando abordar de maneira clara as
hipóteses de forma que expressem os problemas correntes relacionados à aplicação do instituto.
Ao final serão deduzidas considerações finais que podem falsear ou confirmar as hipóteses
indicadas. O procedimento técnico será a análise legislativa e estudo bibliográfico com o intuito de
se buscar subsídios para o que se quer aqui produzir.
2. Planejamento prévio
O primeiro elemento que se deve observar em uma empreitada cujo intuito seja a criação de
mecanismos para indução ou imposição da função social da propriedade urbana por um munícipe
é a situação de estar ou não a municipalidade inserida em entidade coletiva, a exemplo de uma
região metropolitana, aglomeração urbana ou microrregião. Caso positivo, planos regionais
possivelmente existentes devem ser observados com atenta observância a zoneamentos
ambientais preexistentes, a exemplo do ZEE (Zoneamento Ecológico Econômico).
Interessante notar que a Nova Agenda Urbana da ONU Habitat (2017) indica claramente que se
deve propugnar por economias sustentáveis e inclusivas, por meio do aproveitamento dos
benefícios de aglomeração da urbanização bem-planejada. Indica também que se deve prevenir a
especulação fundiária e promover a posse da terra segura e gerir com propriedade a perda de
densidade urbana, quando cabível. Completa sublinhando que não se pode deixar em segundo
plano a questão da sustentabilidade ambiental, por meio da promoção de energia limpa e do uso
sustentável da terra e dos recursos no desenvolvimento urbano. Também não há como descurar
da proteção de ecossistemas e da biodiversidade. Impor a construção da resiliência urbana de
forma a se adaptar as adversidades que possam ocorrer. (1)1
1
ONU. Nova agenda urbana. Declaração de Quito sobre cidades e assentamentos humanos sustentáveis
para todos. Disponível em: <http://habitat3.org/the-new-urban-agenda>. Acesso em 05/06/2017.
Desta maneira, aos municípios se impõe a observância e adequação de seus planos e programas
de desenvolvimento econômico e social à necessidade de equilíbrio entre esta pretensão e o meio
ambiente, conforme bem remarcou José Roberto Marques. Isso de forma a garantir às futuras
gerações a garantia de usufruírem dos recursos naturais hoje existentes. Nesse sentido, os planos
devem ser adequados aos planos nacionais e regionais de desenvolvimento econômico e social.2
Diante da perspectiva de que os planos municipais estão conformes ao que se impõe em termos
de desenvolvimento sustentável, como uma ZEE (zoneamento ecológico econômico), estadual ou
local, ou ainda um PDUI (Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado), no âmbito de entidade
coletiva criado por lei complementar estadual, é viável aplicar-se o que dispõe o art. 30, VIII, da
Constituição Federal, promovendo, no que couber, adequado ordenamento territorial, por meio do
planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano. Imperioso também
observar outras restrições impostas ambientalmente ou por motivo de segurança nacional diante
de normas estabelecidas pelas entidades federativas no âmbito de suas respectivas competências.
2
MARQUES, José Roberto. Meio ambiente urbano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005, p. 102.
3
MELEIRO, Maricelma Rita. Principio da democracia participativa e o plano diretor. In Temas de Direito Urbanístico
(coord. Geral FREITAS, José Carlos de). São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Ministério Público do Estado de São Paulo,
1999, p.90.
criar-se lei municipal específica sobre as exigências concretas para a propriedade urbana atender
sua função social.4
A questão que se coloca é se existe a necessidade em se ter ou não esse plano diretor para que
uma municipalidade de fato. Em estudo acerca do que se entende por função social e quando sua
observância poderia ser imposta pela municipalidade, Jean Jacques Eremberg entende que a
função social é um conceito aberto que deve assim manter-se para permanecer atualizado e flexível.
Isso permite que evolua conforme as circunstâncias históricas presentes em determinado momento
histórico, acompanhando de perto as dinâmicas das relações sociais, sem que para isso tenha que
se aguardar tramitação legiferante ou mesmo de modificação constitucional.5
No que se refere ao plano diretor propriamente dito, o autor ainda esclarece que deve haver um
conteúdo mínimo para o emprego da propriedade, mesmo na inexistência de plano diretor. Isso
porque a Constituição Federal e a legislação infraconstitucional indicam inúmeros objetivos a se
perseguir, sobretudo buscando o bem-estar geral, justiça social, igualdade de condições de acesso
ao solo urbano, educação, transporte, entre outros itens fundamentais. Segundo o autor, mesmo
na ausência de plano diretor se não for atendido o conteúdo mínimo, a municipalidade pode adotar
medidas de cunho judicial ou administrativo para operar a defesa dos interesses difusos.
Nesse diapasão entende-se que o plano diretor é a fórmula adequada para a criação de fórmulas
indutoras para o cumprimento da função social da propriedade, bem como indicações de quando o
proprietário não a cumpre. Entende-se também que essa norma genérica deveria ser acompanhada
por outra lei. Esta formalidade poderia ser descartada com base no princípio da economia
legislativa. Outra particularidade, que deflui da própria existência da municipalidade como entidade
fundamental ao bem-estar de seus munícipes, é a possibilidade desta ingressar com procedimento
administrativo ou judicial em prol da observância de interesses difusos que não estejam sendo
observados por quem em sua circunscrição está. Isto inclui quem não observa a função social da
propriedade ou uso nocivo da propriedade.
Considerações finais
O plano diretor é certamente o locus adequado para que se estabeleça o rol de medidas que se
quer alcançar em curto, médio e longo prazo. A Constituição Federal vigente estabeleceu quem
estaria obrigado a elaborar essa norma e o Estatuto da Cidade indicou outras espécies de cidades
obrigadas a criar seu respectivo plano em seu art. 41. É inconteste a importância do plano diretor e
aí seria o local adequado para constar quando um imóvel cumpre ou não sua função social. É certo
que deveria este ser secundado por outra lei específica para indicar essa determinação. Porém,
4
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana (Cadernos
Pólis, 4). São Paulo, Pólis, 2001. Disponível em <http://www.polis.org.br/uploads/833/833.pdf>. Acesso em
05.06.2017.
5
EREMBERG, Jean Jacques. Função social da propriedade urbana: municípios sem plano diretor. São Paulo: Editora
Letras Jurídicas, 2008, p. 151.
essa norma não é imprescindível, de acordo com o princípio da economia legislativa. Bastaria,
portanto, o plano diretor para impor diretamente a obrigação de observância.
Nos termos do que se depreende do quadro legislativo vigente, o plano diretor é fundamental para
a consignação da função social. Porém, é inconteste que a municipalidade pode ingressar com
procedimento judicial ou administrativo para impor medidas que atendam os interesses difusos que
quer defender, independentemente da existência de plano diretor. Nesse sentido, na existência de
propriedades que realmente se queiram induzir ou impor determinado uso da propriedade, de forma
a cumprir sua respectiva função social é possível que isso seja viabilizado pela interposição de
meios judiciais.
Atualmente muito se discute o porquê de não se ter estendido a obrigatoriedade em confeccionar o
plano diretor a todos os municípios dada sua relevância como norma local. Porém, em face do
princípio da autonomia municipal, destaca-se que muitos municípios consideram-no elemento
restritivo que pode criar obstáculos ao seu crescimento. A realidade comprova que o plano diretor
é norma realmente fundamental para o desenvolvimento municipal e sua relevância é atestada pela
exigência crescente dessa lei em legislações posteriores ao Estatuto da Cidade.
Referências Bibliográficas
EREMBERG, Jean Jacques. Função social da propriedade urbana: municípios sem plano
diretor. São Paulo: Editora Letras Jurídicas, 2008.
MARQUES, José Roberto. Meio ambiente urbano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005.
ONU. Nova agenda urbana. Declaração de Quito sobre cidades e assentamentos humanos
sustentáveis para todos. Disponível em: <http://habitat3.org/the-new-urban-agenda>. Acesso em
05/06/2017.
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a
reforma urbana (Cadernos Pólis, 4). São Paulo, Pólis, 2001. Disponível em
<http://www.polis.org.br/uploads/833/833.pdf>. Acesso em 05.06.2017.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 – EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
Introdução
A desapropriação de terras foi apontada em diferentes contextos como gargalo para a
implantação de equipamentos e de políticas públicas, em especial a política urbana. Seu regime
jurídico é decorrente de legislação das décadas de 1940 e 1960, recepcionado pela nova ordem
jurídico-urbanística brasileira. Apesar do instrumento ser amplamente utilizado pelo Poder Público
para a implantação de equipamentos e de projetos de urbanização, a literatura do direito
urbanístico, do urbanismo e do planejamento do território pouco se debruça sobre o assunto,
privilegiando as inovações trazidas tanto pelo capítulo de política urbana da Constituição quanto
pelo Estatuto da Cidade.
Não obstante a manutenção das principais hipóteses, procedimentos e características do
instrumento na nova ordem jurídico-urbanística brasileira, seria de se esperar, ao menos, a sua
reinterpretação com base no princípio da função social da propriedade, que, além de conformar o
direito de propriedade, é estruturador da política urbana prevista na Constituição.
Seria possível, então, analisar a utilização do instrumento da desapropriação na execução das
políticas urbanas municipais e verificar se o princípio da função social da propriedade permeia o
instrumento? Posto tal desafio, e sem ter a pretensão de exaurir todos os aspectos da presente
discussão, o presente trabalho tem o objetivo de analisar a utilização da desapropriação como
instrumento da política urbana por meio de sua aplicação nos perímetros de operações urbanas
no Município de São Paulo.
A escolha do recorte se justifica pelo fato de que, nas operações urbanas a) são delimitados
perímetros que estarão sujeitos a transformações no território de forma concentrada e
intensificada, tendendo a acelerar os procedimentos da desapropriação e exacerbar algumas de
suas características; b) a participação ativa do Poder Público nas intervenções propostas e na
valorização do território faz com que o instrumento da desapropriação seja elemento-chave para o
sucesso das operações urbanas.
1 Advogada pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FDUSP, assessora técnica-jurídica
do Departamento de Gestão do Patrimônio Imobiliário do Município de São Paulo até abril de 2017,
deborag.ungaretti@gmail.com.
1
A história recente do Município de São Paulo aponta a aquisição de terras por meio do
instrumento da desapropriação como aspecto crítico para a gestão no âmbito do desenvolvimento
urbano. Em entrevista sobre os Eixos de Estruturação da Transformação Urbana em São Paulo, o
Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano da gestão Fernando Haddad (PT, 2013-2016)
destacou dois gargalos existentes na utilização do instrumento: o financiamento e as “barreiras
institucionais”2. Tal percepção foi incorporada ao Plano Diretor Estratégico aprovado em 20143,
que busca apresentar alternativas para diminuir a dependência das políticas realizadas em
relação à desapropriação.
A desapropriação é uma das formas de intervenção estatal na propriedade imóvel, cujo
procedimento viabiliza a aquisição de imóvel pelo Poder Público de forma compulsória para o
proprietário. Seu regramento, previsto no Decreto-Lei nº 3.365/1941 e na Lei nº 4.132/1962, foi
recepcionado pela Constituição de 1988, devendo ser, portanto, reinterpretado à luz princípio da
função social da propriedade, que, além de conformar o direito de propriedade, é estruturador da
política urbana prevista nos artigos 182 e 183 da Constituição. No entanto, diante do conteúdo
abstrato do princípio da função social da propriedade, de difícil aplicação, sua assimilação tem
ocorrido, até agora, de forma lenta e desigual4. No Estatuto da Cidade, a desapropriação também
não sofreu alterações expressas, tendo sido meramente elencada como um dos instrumentos
jurídicos da política urbana.
No que tange a aplicação do instrumento, pode-se dizer que a desapropriação continua sendo a
principal forma de aquisição de terras pelo Poder Público. No entanto, algumas características dos
processos de desapropriação, em especial a ausência previsões que garantam a segurança na
posse em assentamentos precários, demonstram o isolamento do instrumento em relação aos
demais institutos de política urbana.
Quando realizadas em perímetros de operações urbanas, objeto de transformações concentradas
no território e no tempo, e, por consequência, de intensa valorização, as desapropriações têm
algumas características que ficam exacerbadas, e, em especial, o fator custo – social e econômico
- é atravessado pela necessidade de demonstração do Poder Público de que as obras serão
executadas sem interferências de questões políticas.
Em dezembro de 2016, foram divulgados dados da SP Urbanismo que mostram que 28 % do
montante total arrecadado com as operações urbanas no Município de São Paulo foram utilizados
para a desapropriação de terras, enquanto que, para habitação de interesse social foram
2
ANNENBERG, Flávia Xavier & de Paula, Pedro do Carmo Baumgratz. Inovações e alternativas
institucionais para a transformação urbana em São Paulo. In: Eixos de Estruturação da Transformação
Urbana: inovação e avaliação em São Paulo. IPEA. Cap. 7 (p. 251-284). 2016. Disponível em: <
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/160905_livro_eixos_de_estruturacao_cap6.p
df>. Acesso em 22 jan. 2017.
3
SÃO PAULO (Município). Prefeitura do Município de São Paulo – PMSP. Plano Diretor
Estratégico do Município de São Paulo: lei municipal nº 16.050, de 31 de julho de 2014; texto da
lei ilustrado. São Paulo: PMSP, 2015. 248p.
4
FROTA, Henrique Botelho. A função social da posse como parâmetro para tratamento dos conflitos
fundiários urbanos. Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade. Natal:
2
destinados, ao todo, apenas 19 % – sendo que 36,8 % desse montante foram utilizados em
desapropriações5.
Se o custo das desapropriações já foi anteriormente apontado como um fator de encarecimento e
inviabilização da execução das intervenções públicas e de endividamento do Estado678, nas
operações urbanas o valor das indenizações é ainda impactado pela valorização dos imóveis em
decorrência das intervenções implementadas e previstas. Tal fato decorre da disputa em torno do
ganho fundiário realizada pelos proprietários dos terrenos.
Além disso, ao custo das indenizações soma-se o custo social marcado pelas remoções das
famílias. Proprietários “fantasmas”, que não exerciam a posse do imóvel inclusive quanto ao
pagamento do IPTU, são premiados com a reintrodução de seus terrenos no mercado e, ainda,
com a sua intensa valorização. Nesses casos, a remoção das famílias do terreno desapropriado
faz com que o diferencial de renda (rente gap) seja ainda maior, tendo o Estado papel central na
expansão das fronteiras do capital, conforme já denunciado por Neil Smith9 e Tom Slater10.
Nesse sentido, em terrenos em que há ocupações irregulares por população de baixa renda, a
discrepância é ainda maior, uma vez que o terreno é reintroduzido no circuito do mercado
fundiário. Constata-se, assim, que nos terrenos ocupados por assentamentos precários em
perímetros das operações urbanas que se tornam objetos de desapropriação, o Estado promove a
maximização da possibilidade de ganho fundiário pelo proprietário, decorrentes da elevação do
diferencial de renda por conta valorização da área gerada pela remoção da população de baixa
renda e pelas intervenções no território da operação urbana.
Percebe-se, então que, não obstante o crescente bojo jurídico de proteção à moradia, as
desapropriações de terrenos em áreas de operações urbanas carecem de reinterpretação à luz do
princípio da função social da propriedade. Diante disso, coloca-se a necessidade de uma agenda
de pesquisa que possa analisar o instrumento da desapropriação à luz da nova ordem jurídico-
55 SÃO PAULO (Município). SP Urbanismo. Gestão das Operações Urbanas na Cidade de São Paulo.
Relatório da Diretoria de Gestão das Operações Urbanas. São Paulo: SP Urbanismo. 2016b. Disponível em:
< http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-
content/uploads/2016/12/OUCs_BALAN%C3%87O_GERAL.pdf>. Acesso em 16 jan 2017.
6 MARICATO, Ermínia et al. Preço de desapropriação de terras: limites as políticas públicas nas áreas de
habitação, meio ambiente e vias públicas em São Paulo. Lincoln Institute Research Report: 2000. Relatório
de pesquisa.
7 ANNENBERG, Flávia Xavier & de Paula, Pedro do Carmo Baumgratz. Inovações e alternativas
institucionais para a transformação urbana em São Paulo. In: Eixos de Estruturação da Transformação
Urbana: inovação e avaliação em São Paulo. IPEA. Cap. 7 (p. 251-284). 2016. Disponível em: <
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/160905_livro_eixos_de_estruturacao_cap6.p
df>. Acesso em 22 jan. 2017.
8 SILVA, Patrícia Cezário Silva. Aquisição de terras e Habitação de Interesse Social. In: Eixos de
Estruturação da Transformação Urbana: inovação e avaliação em São Paulo. IPEA. Cap. 6 (p. 217-
249). 2016. Disponível em: <
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/160905_livro_eixos_de_estruturacao_cap6.p
df>. Acesso em 22 jan. 2017.
9 SMITH, Neil. Gentrificação, a fronteira e a reestruturação do espaço urbano. Traduzido de Gentrification,
the Frontier, and the Restructuring of Urban Space. In: Readings in Urban Theory. Edited by Susan S.
Fainstein and Scott Campbell. Cambridge, Massachusetts: Blackwell Publishers, 1996. Traduzido por
SANFELICI, Daniel de Mello. São Paulo: GEOUSP - Espaço e Tempo. Nº 21, pp. 15 - 31, 2007.
10 SLATER, Tom. Planetary Rent Gaps. Edinburg: Antipode. Vol. 00, nº 0 2015, pp. 1-24, 2015.
3
urbanística, de forma a estudar a fundo o modelo de desapropriação utilizado na efetivação das
políticas urbanas e quais as suas consequências para a produção do espaço urbano.
Considerações finais
A partir da análise da utilização da desapropriação como instrumento da política urbana por meio
de sua aplicação nos perímetros de operações urbanas no Município de São Paulo, constatou-se
que não ocorreu a assimilação da concepção da nova ordem jurídico-urbanística brasileira mesmo
que, de forma geral, o instrumento seja regido pela combinação de uma legislação da metade do
século XX, marcada pelo paradigma liberal, com a nova ordem jurídico-urbanística brasileira,
inaugurada com a promulgação da Constituição de 1988.
Do ponto de vista prático, a analise das desapropriações em perímetros das operações urbanas,
cujo recorte jurídico e territorial se justifica pelo fato de que são perímetros sujeitos a
transformações concentradas e intensificadas com a participação ativa do Poder Público nas
intervenções propostas, demonstra o isolamento do instrumento em relação aos demais
instrumentos de política urbana.
Ao se distanciar desses instrumentos, o Estado acaba por promover, por meio da desapropriação,
a maximização da possibilidade de ganho fundiário pelo proprietário, decorrentes da elevação do
diferencial de renda por conta valorização da área gerada pela remoção da população de baixa
renda e pelas intervenções no território da operação urbana.
Percebe-se então que, não obstante o crescente bojo jurídico de proteção à moradia, as
desapropriações de terrenos em áreas de operações urbanas carecem de reinterpretação à luz do
princípio da função social da propriedade. Diante disso, coloca-se a necessidade de uma agenda
de pesquisa que possa analisar o instrumento da desapropriação à luz da nova ordem jurídico-
urbanística, de forma a estudar a fundo o modelo de desapropriação utilizado na efetivação das
políticas urbanas e quais as suas consequências reais.
Referências bibliográficas
ANNENBERG, Flávia Xavier & de Paula, Pedro do Carmo Baumgratz. Inovações e alternativas
institucionais para a transformação urbana em São Paulo. In: Eixos de Estruturação da
Transformação Urbana: inovação e avaliação em São Paulo. IPEA. Cap. 7 (p. 251-284). 2016.
Disponível em: <
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/160905_livro_eixos_de_estruturaca
o_cap6.pdf>. Acesso em 22 jan. 2017.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 15 fev. 2017.
4
BRASIL. Lei n. 4.132, de 10 de setembro de 1962. Define os casos de desapropriação por
interesse social e dispõe sobre sua aplicação. Brasília, 1962. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L4132.htm>. Acesso em: 15 fev. 2017.
BRASIL. Lei 10.257, de 1º de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, 2001.
Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 15
fev. 2017.
FROTA, Henrique Botelho. A função social da posse como parâmetro para tratamento dos
conflitos fundiários urbanos. Revista de Filosofia do Direito, do Estado e da Sociedade. Natal:
FIDES, v. 6, n. 1. Pp. 37-54, 2015.
MARICATO, Ermínia et al. Preço de desapropriação de terras: limites as políticas públicas nas
áreas de habitação, meio ambiente e vias públicas em São Paulo. Lincoln Institute Research
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SÃO PAULO (Município). SP Urbanismo. Gestão das Operações Urbanas na Cidade de São
Paulo. Relatório da Diretoria de Gestão das Operações Urbanas. São Paulo: SP Urbanismo.
2016. Disponível em: < http://gestaourbana.prefeitura.sp.gov.br/wp-
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SÃO PAULO (Município). Prefeitura do Município de São Paulo – PMSP. Plano Diretor Estratégico
do Município de São Paulo: lei municipal nº 16.050, de 31 de julho de 2014; texto da lei ilustrado.
São Paulo: PMSP, 2015. 248p.
SILVA, Patrícia Cezário Silva. Aquisição de terras e Habitação de Interesse Social. In: Eixos de
Estruturação da Transformação Urbana: inovação e avaliação em São Paulo. IPEA. Cap. 6
(p. 217-249). 2016. Disponível em: <
http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/livros/livros/160905_livro_eixos_de_estruturaca
o_cap6.pdf>. Acesso em 22 jan. 2017.
SLATER, Tom. Planetary Rent Gaps. Edinburg: Antipode. Vol. 00, nº 0 2015, pp. 1-24, 2015.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 - EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
1) Introdução
O presente trabalho é parte integrante do projeto de pesquisa do programa de mestrado em
Planejamento Urbano e Regional da autora que tem como intuito discutir o papel e a função da
cartografia nos marcos legais urbanos, em específico o caso do município de São Paulo.
O município de São Paulo recentemente passou pelo processo de revisão da legislação
urbanística: o Plano Diretor Estratégico, sancionado por meio da lei nº 16.050 de 31 de julho de
2014 e a nova lei de Parcelamento, Uso e Ocupação, também conhecida como Zoneamento,
sancionada por meio da lei nº 16.402 de 22 de março de 2016. Durante o processo de revisão da
legislação urbanística, com base na experiência e lições acumuladas pela equipe técnica da
prefeitura de São Paulo, buscou-se renovar as definições de conceitos urbanos, inserir novas
técnicas jurídicas e urbanísticas, corrigir eventuais lacunas e omissões dos marcos urbanísticos
anteriores, a saber: Plano Diretor Estratégico - Lei nº 13.430/2002 e Lei de Parcelamento, Uso e
Ocupação do Solo - Lei nº 13.885/2004. Um dos aspectos que mereceu destaque no processo
participativo da revisão da legislação foi a problemática advinda da relação entre cartografia e
texto da lei, tema que iremos abordar neste resumo expandido.
A importância da discussão deste tema se dá pelo posicionamento da maioria dos profissionais de
Direito em relação aos mapas, considerados complementos do texto de lei, colocando-se a
necessidade para o Direito Urbanístico de reconhecimento da cartografia como parte integrante da
lei. Neste sentido, será analisada a solução implementada pelo novo zoneamento, buscando
entender se houve uma melhora na aplicação da lei.
1
Mestranda em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade São Paulo (USP). Diretora de Divisão
Técnica de Sistemas de Informações sobre Zoneamento do Departamento do Uso do Solo (DEUSO) na
Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento (SMUL). Email: hn.kim@usp.br
1
● Parte II - Institui os Planos Regionais Estratégicos das Subprefeituras - PRE;
● Parte III - Dispõe sobre o Parcelamento, Disciplina e Ordena o Uso e Ocupação do Solo.
As disposições gerais de parcelamento, uso e ocupação do solo constavam na parte III da lei,
porém, os mapas de zoneamento propriamente dito e os quadros de índices e parâmetros
estavam dispostos ao longo dos 31 (trinta e um) livros, anexos da parte II da lei. Os livros tratavam
da divisão territorial por subprefeitura e o zoneamento dispostos dentro de cada PRE era uma
forma de fortalecer a política de descentralização administrativa da gestão da prefeita Marta
Suplicy à época. Isto quer dizer que existiam 31 mapas de zoneamento que se completavam no
território da cidade, além disso, cada subprefeitura delimitou índices diferenciados para a mesma
zona de uso, por exemplo: a Zona Mista 2 (ZM-2) da subprefeitura Sé tem índices diferentes da
ZM-2 da subprefeitura M´Boi Mirim.
Os mapas de zoneamento eram acompanhados de quadros de descrição perimétrica, seguindo a
mesma separação por subprefeitura. Ocorre que as descrições perimétricas de alguns polígonos
de zona de uso não tinham rebatimento correto no mapa, o que gerava muitas dúvidas e
incertezas de aplicação do instrumento. Nesses casos, o corpo técnico aplicava o artigo 255 da
lei:
“Havendo discrepância entre a representação gráfica dos mapas e o texto,
prevalecerá o estabelecido no texto desta lei.
Parágrafo único. Ocorrendo a hipótese prevista no "caput", o Executivo
deverá elaborar os mapas correspondentes para facilitar a compreensão e
aplicação da lei.”
Este dispositivo não existe no PL 139 de 2004 enviado pelo Executivo e foi inserido
posteriormente no projeto substitutivo, pois as alterações ocorridas no Legislativo se ativeram às
descrições perimétricas, raras vezes sendo rebatidas nos mapas por uma questão de técnica: não
havia corpo técnico suficiente, e tempo hábil, para realizar as alterações cartográficas
necessárias. Assim, resolveu-se que em caso de divergência entre o texto e o mapa, prevalecerá
a descrição perimétrica.
Entretanto, mesmo com a aplicação do dispositivo acima, alguns casos não eram passíveis de
solução e eram enviados à Câmara Técnica de Legislação Urbanística (CTLU) para apreciação.
Além disso, o dispositivo gerou insegurança quanto à utilização do mapa como elemento dirimidor
de dúvidas nas descrições perimétricas. Por exemplo: o texto descreve um perímetro sem nomear
um logradouro intermediário B: “segue pela rua A, depois vira a direita na rua C” - verifica-se uma
lacuna na descrição perimétrica que na peça gráfica está disposta corretamente. Nesses casos,
por força normativa dos mapas, a questão poderia ser facilmente resolvida, pois a dúvida que a
descrição perimétrica gerou estava disposta de forma clara nos mapas de lei. Porém, esses casos
também eram enviados para a manifestação da CTLU. Somente após manifestação da
Assessoria Jurídica que os mapas também tem força de lei e que poderiam ser aplicados para
dirimir dúvidas de descrição perimétrica, o departamento responsável tem levado à CTLU apenas
2
os casos em que tanto a descrição perimétrica quanto os mapas não dirimem a dúvida de
aplicação do zoneamento, conforme artigo 258:
Art. 258. Os casos omissos e aqueles que não se enquadrarem nas
disposições desta lei, relacionados com parcelamento, uso ou ocupação
do solo no Município, serão analisados, por meio de parecer pela Câmara
Técnica de Legislação Urbanística - CTLU.
A seguir ilustramos algumas das discrepâncias encontradas ao longo da leitura do texto da lei e
dos mapas de zoneamento da lei de 2004.
Exemplo 2: trata-se de quadras de nº 042 e 064 localizadas na regional de Vila Mariana que foram
excluídas da descrição perimétrica tanto da VM ZCPa/04 - Zona de Centralidade Polar-a, quando
3
da VM ZCPb/05 - Zona de Centralidade Polar-b, como podemos observar no mapa do lado direito
da figura abaixo, ficando sem zoneamento aplicável.
Para este caso em específico, houve 14 (catorze) deliberações da CTLU entre os anos de 2006 e
20112.
O problema de aplicação do zoneamento divergente entre o texto e o mapa provoca insegurança
na aplicação e principalmente deseconomia processual. Urge assim a necessidade de melhoria da
transparência e métodos de aplicação dos instrumentos urbanísticos como o zoneamento.
2
Lista das deliberações da CTLU referentes ao exemplo 2:
● Resolução SEMPLA.CTLU/061/2006
● Despacho SEMPLA.CTLU/249/2007
● Despacho SEMPLA.CTLU/250/2007
● Resolução SEMPLA.CTLU/087/2007
● Resolução SEMPLA.CTLU/088/2007
● Resolução SEMPLA.CTLU/089/2007
● Resolução SMDU.CTLU/007/2009
● Resolução SMDU.CTLU/008/2009
● Resolução SMDU.CTLU/009/2009
● Resolução SMDU.CTLU/010/2009
● Resolução SMDU.CTLU/029/2010
● Resolução SMDU.CTLU/011/2011
● Resolução SMDU.CTLU/055/2011
● Resolução SMDU.CTLU/056/2011
4
normativa referente a peças gráficas de legislação urbanística ou mesmo a obrigatoriedade de
haver descrição perimétrica dos polígonos. Associada a esse fato, a evolução tecnológica trouxe
melhoria na área de geoprocessamento, sendo possível tratar com segurança e exatidão os
mapas de zoneamento na forma digital. Assim, no novo marco regulatório, tanto no PDE de 2014
quanto no LPUOS de 2016, não existe quadro de descrição perimétrica e sim peças gráficas
publicadas no Diário Oficial do Município a partir de arquivo de extensão pdf (com certificação
digital) geradas a partir de arquivos de desenho georreferenciado de extensão shp3 e extensão
kml4.
Porém, verifica-se que a tecnicidade das matérias digitais ainda geram incertezas e dúvidas,
evidenciadas pela propositura de uma ação civil pública à época por movimentos da sociedade
civil, Processo 1014216-28.2016.8.26.0053 - Ação Civil Pública - Ordem Urbanística - Movimento
Defenda São Paulo - Prefeitura da Municipalidade de São Paulo e outro5, exigindo a descrição
perimétrica das zonas de uso, conforme matéria veiculada no jornal “O Estado e S. Paulo” em 23
de março de 2016, na data da publicação da lei:
“A ação civil pública cita ainda problemas no mapa da lei. Para o
Movimento Defenda São Paulo, a sociedade não sabe até agora o que de
fato está valendo. "Nem se o mapa não será alterado depois", completa
Lucila. Diferentemente do zoneamento elaborado na gestão de Marta
Suplicy, em 2004, essa revisão não traz os perímetros delimitados em
texto. Para o vereador Gilberto Natalini (PV), só esse fato já basta para
anular todo o processo. O parlamentar já tem uma ação em andamento na
Justiça com esse objetivo. A Prefeitura, no entanto, alega que as novas
tecnologias incorporadas, como a possibilidade de mapas
georreferenciados, só dão mais segurança ao processo.” (grifo nosso)
6
3
Formato de arquivo contendo dados geoespaciais em forma de vetor usado por Sistemas de Informações
Geográficas.
4
Formato de arquivo para exibir dados geográficos em um navegador da Terra, como Google Earth e
Google Maps.
5
Disponível consulta no portal do Tribunal de Justiça de São Paulo:
<https://esaj.tjsp.jus.br/cpopg/show.do?processo.foro=53&processo.codigo=1H00090WI0000>. Acessado
em 30 mai. 2017.
6
FERRAZ, Adriana. Com mudanças no Plano Diretor, Haddad sanciona zoneamento. O Estado de
S.Paulo, São Paulo, 23 mar. 2016. Disponível em: <http://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,haddad-
sanciona-zoneamento-com-mudancas-no-plano-diretor,10000022752>. Acessado em 31 de maio de 2017.
7
Geosampa é um portal que segue as diretrizes do Plano Diretor Estratégico, reunindo mais de 150 tipos de
dados georreferenciados sobre a cidade de São Paulo, dentre eles cerca de 12 mil equipamentos urbanos,
5
5) Considerações Finais
Diante dos fatos trazidos neste trabalho segue abaixo algumas considerações importantes:
● O mapa tem papel jurídico importante e são operadores espaciais no território;
● É urgente que o campo do direito adeque suas ferramentas, englobando as formas digitais
e tecnológicas de desenho, para a correta aplicação dos instrumentos urbanístico;
● É importante também criar um ambiente seguro seja jurídico ou de boa práticas para
assegurar a informação digital correta e válida, por exemplo, não existe forma de realizar
certificação digital dos arquivos em shp;
● Mesmo que as tecnologias de geoprocessamento sejam mais precisas e exatas, não
podemos deixar de admitir que o desconhecimento do seu alcance e uso, seja nas
ferramentas ou na disponibilização, pode gerar erros na interpretação do zoneamento;
Referências bibliográficas
FERRAZ, Adriana. Com mudanças no Plano Diretor, Haddad sanciona zoneamento. O Estado
de S.Paulo, São Paulo, 23 mar. 2016. Disponível em: <http://sao-
paulo.estadao.com.br/noticias/geral,haddad-sanciona-zoneamento-com-mudancas-no-plano-
diretor,10000022752>. Acessado em 31 de maio de 2017.
SÃO PAULO. Lei Municipal nº 13.885 de 25 de Agosto de 2004. Estabelece normas
complementares ao Plano Diretor Estratégico, institui os Planos Regionais Estratégicos das
Subprefeituras, dispõe sobre o Parcelamento, disciplina e ordena o Uso e Ocupação do Solo do
Município de São Paulo.
SÃO PAULO. Lei Municipal nº 16.402 de 22 de Março de 2016. Disciplina o parcelamento, o uso
e a ocupação do solo no Município de São Paulo, de acordo com a Lei nº 16.050, de 31 de julho
de 2014 - Plano Diretor Estratégico (PDE).
KUVASNEY, Eliane. Os mapas como “operadores espaciais” na construção da cidade de São
Paulo do início do século XX. In: Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, Brasil, n. 64, p.
167-182, ago. 2016.
consulta do Zoneamento, rede de transporte público, mapas geotécnicos e importantes dados sobre a
população, como densidade demográfica e vulnerabilidade social. Disponível em:
www.geosampa.prefeitura.sp.gov.br
6
1
IX"CONGRESSO"BRASILEIRO"DE"DIREITO"URBANÍSTICO
GT 3: EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
Introdução
O artigo 182 da Constituição Federal brasileira, promulgada em 1988, exige que a ordenação
do solo urbano seja feita em municípios com mais de 20 mil habitantes, através de um Plano Diretor
que estabeleça a política de desenvolvimento e expansão urbana e a função social da propriedade.
O artigo 30, inciso VIII, da mesma Constituição, diz que é competência dos Municípios promover o
adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso e da ocupação do solo
urbano. Sendo assim, cabe aos municípios (sem intervenção de outros entes políticos) desenvolver
a ordenação do solo fundamentalmente com base no “interesse local”. Identifica-se nestes artigos,
os fundamentos constitucionais que disciplinam o zoneamento das cidades; entende-se, portanto,
o zoneamento como um instrumento de materialização do Plano Diretor, que deverá
necessariamente abranger todas as áreas do município.
O presente texto objetiva ser uma breve análise do reordenamento territorial do município
de Nova Iguaçu, utilizando os Planos Diretores de 1997 e 2008. O foco principal está na utilização
do instrumento para delimitação das macrozonas da cidade, as diferenças encontradas nos planos
e os interesses colocados na delimitação do uso e ocupação de algumas áreas da cidade.
1
Mestranda em Planejamento Urbano e Regional, IPPUR – UFRJ, bolsista FAPERJ, e-mail
caroline_santana@ymail.com.
2
loteamentos” (SOUZA, 2013). O avanço dos loteamentos se deu nas áreas dos antigos laranjais,
promovendo um intenso processo de urbanização e um “notável crescimento demográfico,
constituindo uma das mais marcantes expansões urbanas da cidade” (OZÓRIO, 2007).
A construção da organização regional da Baixada Fluminense foi marcada por diversas
emancipações que ocorreram dos anos de 1940 e até 1990. Apenas do território Iguaçuano foram
emancipados sete municípios, essa fragmentação além de diminuir a extensão territorial, produziu
grandes perdas em termos de arrecadação de impostos e de áreas estratégicas do município de
Nova Iguaçu, como a sede da FNM – Fábrica Nacional de Motores, a sede da Refinaria de Duque
de Caxias da Petrobrás, o Parque Industrial de Queimados e Belford Roxo.
Na tentativa de impedir outros movimentos emancipatórios e evitar as perdas, a prefeitura
de Nova Iguaçu dividiu o município em Unidades Regionais de Governo (URG). Esta política de
ordenamento territorial é analisada por (SOUZA, 2013) como “microunidades regionais que têm por
objetivo principal dificultar que os distritos alcancem os requisitos necessários para aprovação de
um processo de emancipação”, uma vez que este processo só poderia ocorrer com a união das
URGs, que deveriam encaminhar um projeto em conjunto. Para Souza (2013), as Unidades
Regionais de Governo são as primeiras medidas político-administrativas sobre o território
iguaçuano, sobre o discurso de uma nova visão de ordenamento territorial que se instaurou com o
governo de Nelson Bornier (PMDB), prefeito eleito em 1996.
Por meio da Lei Complementar nº 006, de 12 de dezembro de 1997, foi promulgado o Plano
Diretor de Desenvolvimento Urbano e Sustentável da Cidade de Nova Iguaçu (PDDUS). Neste fica
determinado que no município não haveria espaços rurais, de maneira direta, extingue-os e delimita
todo o território municipal como urbano.
Artigo 8º - O Perímetro Urbano compreende todo o território da Cidade de Nova
Iguaçu, coincidindo os seus limites territoriais com o consignado no Decreto-lei nº
1.056, de 31 de dezembro de 1943, e nas Leis nº 1.773, de 21 de dezembro de
1990, nº 1.902, de 18 de dezembro de 1991 e nº 2.209, de 30 de dezembro de
1993.2
A cidade fica subdividida em grandes zonas em função de suas características e
potencialidades que levará em conta os “grandes eixos de desenvolvimento da Cidade”. Segundo
o zoneamento político, econômico e ecológico proposto no plano, as áreas rurais do município são
delimitadas como fazendo parte de um Cinturão Verde, composto por sitiantes e pecuaristas,
categorizando essas atividades como agricultura urbana:
2
NOVA IGUAÇU. Plano Diretor do Município de Nova Iguaçu do ano de 1997.
3 Id., 1997.
3
Essa conceituação das áreas rurais do município como Zonas de Transição, não condiz com
sua dinâmica territorial. O município conta com atividade agrícola com alta produção (em Tinguá e
Maciço), além de movimentos sociais do campo e assentamentos rurais como o Assentamento
Terra Prometida (MST). No entanto estas terras aparecem como destinadas a funcionar como
reserva de valor, aguardando a transformação do uso do solo ou de grandes intervenções urbanas
para a valorização da área. Com o ordenamento territorial homogeneizado, a diversidade de atores
sociais rurais e os conflitos pela terra existentes territorialmente no município são desconsiderados.
Outro ponto de observação sobre esta deliberação, é a contradição territorial da cidade que
surge e tem seu desenvolvimento marcado pela citricultura em larga escala e cerca de 50 anos
depois é considerada como totalmente urbana. Esta análise também, propõe outras duas possíveis
intenções para a negação das áreas rurais do município, sendo estas:
- As prefeituras que não possuem em sua extensão territorial áreas rurais, não apresentam
consequentemente demandas para elaboração e implementação de políticas públicas de
assistência rural.
- Até a promulgação Lei nº 11250, de 27 de dezembro de 2005, o Imposto Territorial Rural
(ITR) pago era direcionado para o Ministério da Agricultura, diferente do Imposto Territorial Urbano
(IPTU), de arrecadação para os cofres municipais.
Este documento também apresenta uma mudança significativa para nossa análise. No
primeiro artigo do PDDUS (1997), Nova Iguaçu deixa de ser denominado como município e adota
o termo cidade. Além da diferença existente na definição de município e cidade, onde município
compreende um território composto por um área rural e algumas urbanizadas, a cidade é em si uma
área urbanizada, a mudança na nomenclatura, representa em certa medida a aposta da cidade
neste modelo urbanizado, que segue a lógica de desenvolvimento implementada na cidade do Rio
de Janeiro a partir dos anos de 1990, onde a cidade deveria buscar seu potencial, transformando-
se em uma cidade desenvolvida, competitiva e atrativa para investidores e para os agentes de
gestão territorial que produzem e consomem nesse espaço. Para Ozório (2007), a gestão do prefeito
Bornier tinha como um dos seus objetivos desenvolver Nova Iguaçu como centro metropolitano
comercial, logístico-industrial e de lazer na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Devido à emancipação do distrito de Mesquita em 1999, ficou previsto pela Lei nº 3.261 de
23 de novembro de 2001, a revisão do Plano Diretor de Nova Iguaçu de 1997, em relação as suas
macrozonas. Em uma avaliação geral feita nos documentos da prefeitura, houve uma reorganização
pelo município, determinando uma nova divisão administrativa, apresentando novos Setores de
Planejamento Integrado e as Unidades Regionais de Governo, podendo ser interpretado como uma
nova regionalização do município. No entanto não foram revistas as macrozonas, a cidade de Nova
Iguaçu permanece urbana.
A gestão do governo seguinte, do prefeito Lindberg Farias (PT), eleito em 2004, deu
continuidade a este modelo de cidade empreendedora na busca de ser um centro metropolitano
frente ao Rio de Janeiro. A Lei que instituiu o Plano Diretor Participativo e o Sistema de Gestão
4
Art. 52. Fica o território da Cidade de Nova Iguaçu dividido em Zona Urbana e Zona
Rural, conforme delimitado no Mapa 01, integrantes desta Lei. [...] Art. 54. Constitui
Zona Rural a parcela do território municipal não incluída na Zona Urbana, destinada
às atividades primárias e de produção de alimentos, bem como às atividades de
reflorestamento, de mineração, de agropecuária e outros, desde que aprovadas e
licenciadas pelo órgão municipal de meio ambiente.4
A análise imediata e intuitiva do Plano Diretor de 2008, o identificaria como uma conquista
dos movimentos sociais, na medida em que provoca um (re) ordenamento do território, e cria a
possibilidade de agora pensar políticas públicas que beneficiem os grupos que vivem nas áreas
rurais. No entanto alguns pontos evidenciam o caráter contraditório deste plano, na medida que:
- As áreas determinadas como zonas rurais na nova conformação do município, não
coincidem com áreas onde realmente são desenvolvidas algumas atividades ditas rurais, de caráter
agrícola, como por exemplo terras de assentamento, os sítios de plantação de aipim, entre outros.
Estes locais continuam sendo considerados como áreas urbanas, periurbana ou de proteção
ambiental;
- No artigo 147, dentre as várias ações para a criação de condições para o desenvolvimento
da atividade industrial, o documento prevê o apoio a implantação de um eixo de desenvolvimento
econômico ao longo do Arco Metropolitano (nova rodovia de conexão logística e para transporte de
carga dos polos econômicos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro), além das condições
necessárias para a implementação do projeto e desenvolvimento de polos industriais localizados
nas áreas rurais;
- A maior parte do Arco Metropolitano passa por zonas rurais dos municípios. Embora traga
um discurso de favorecimento à agricultura, no sentido do escoamento da produção, as obras do
Arco Metropolitano impõem uma nova dinâmica territorial e a necessidade de realocações
habitacionais, sobretudo nas zonas rurais.
Constatou-se que o Plano Diretor de 2008, reproduziu a lógica já antes observada no Plano
de 1997. As áreas que são determinadas como rural atualmente ainda são estratégicas para o
governo do município, pois estão localizadas dentro das zonas de expansão urbana ou próximas
às áreas de preservação ambiental. Com isso, desarticula-se o desenvolvimento da agricultura e a
possibilidade de inserções de políticas específicas para esses grupos sociais. Parte dos projetos
para a agricultura familiar e o acesso de agricultores a políticas públicas como o Programa de
Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) e o Documento de Aptidão ao PRONAF (DAP),
dependem de mudanças no ordenamento da cidade, que considerem as áreas de agricultura do
município como locais em perímetro rural, como determina a legislação federal.
Considerações Finais
O constante debate acerca do tema traz consigo importantes reflexões a respeito de como
as cidades estão sendo geridas e planejadas atualmente. O estudo dos Planos Diretores,
possibilitou a compreensão dos processos de continuidade de interesses na qual os instrumentos
de regulação dos municípios estão submetidos. O reconhecimento dessa questão nos impõe a
crítica sobre a reelaboração da ordem territorial imposta, onde o planejamento territorial não esteja
voltado para um modelo de desenvolvimento urbano, acoplado a políticas governamentais
direcionadas aos grupos de interesses imobiliários e especulativos.
A experiência analisada neste trabalho, expõe a fragilidade do município, em traduzir a
realidade do território por meio dos Planos Diretores. Essa situação se reflete também na aplicação
dos instrumentos de ordenação e na intervenção no espaço urbano.
Outro dilema observado, se apresenta na natureza da aplicação dos instrumentos, que estão
diretamente ligados aos interesses político-administrativos do município. Se por um lado os
instrumentos podem desempenhar seu papel na regulação do ordenamento territorial, na medida
em que permite o controle do uso e da ocupação do solo, por outro lado, também podem ser um
aporte político e financeiro, caracterizando a atuação dos diferentes interesses sobre o
planejamento da cidade. Compreende-se que esses não são excludentes entre si, pois estão
articulados para maximizar o seu efetivo uso, de modo a demonstrar aderência às orientações
definidas pelo Estatuto da Cidade.
Bibliografia
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
1 Introdução
O litoral oeste do Ceará é amplamente conhecido pelas belezas constituídas por variadas feições
paisagísticas naturais, sendo estas representadas por: mar, praia e pós-praia, falésias, dunas,
lagoas interdunares, lagunas, manguezais. Belezas que promoveram toda uma estrutura
econômica, como: especulação imobiliária, investimentos na infraestrutura e uma gama de
possibilidades para atender o turismo.
Nesse corredor turístico, apresenta-se o município de Paracuru que está localizado a 85km de
Fortaleza, Estado do Ceará, com uma população de aproximadamente 28.000 habitantes. Partin-
do de Fortaleza, o acesso é feito através da rodovia estruturante CE-085. Ele tangencia dois
ecossistemas, são eles o costeiro e manguezal. O costeiro abrange os campos de dunas, a faixa
de praia, os terraços marinhos e o Manguezal que comporta os estuários e mangues.
Com a rápida dinâmica costeira, percebe-se que a intervenção antrópica causa modificações de
diferentes intensidades nos sistemas ambientais, acarretando por vezes a sobrecarga ou a degra-
dação ambiental. Dessa forma, é necessário analisar os sistemas de gerenciamento que os indi-
víduos e grupos fazem em seus ambientes, pois é a partir desse gerenciamento que se pode ga-
rantir a mitigação das possíveis consequências danosas ao meio natural e a saúde humana (ME-
DEIROS, 2003). Um dos mecanismos utilizados para minimizar essas modificações negativas, é a
criação de Unidades de Conservação.
Por esse pano de fundo, o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) surge com o intuito de
integrar os aspectos naturais e sociais à gestão do território. O ZEE objetiva buscar a
sustentabilidade ecológica, econômica e social, com vistas a compatibilizar o crescimento
econômico e a proteção dos recursos naturais, em favor das presentes e futuras gerações, em
decorrência do reconhecimento de valor intrínseco à biodiversidade e aos seus componentes;
contar com ampla participação democrática, compartilhando suas ações e responsabilidades entre
os diferentes níveis da Administração Pública e da sociedade civil; e valorizar o conhecimento
científico multidisciplinar.
O presente trabalho vem mostrar a importância do Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE) na
gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) das Dunas de Paracuru (Figura 1). Esta região
apresenta um elevado índice migratório da população impulsionado pela busca de toda uma gama
1
Especialista em Gestão Ambiental e Gestor Ambiental da Secretaria do Meio Ambiente do Estado do
Ceará. E-mail: henrique.sampa@gmail.com
2
de possibilidades dada pelo turismo de áreas costeiras, notadamente para a zona de faixa de
praia desse município.
2 Desenvolvimento
2 CEARÁ, 2005.
3 AQUASIS, 2003.
4
3 Conclusões
Pode-se afirmar a partir da análise dos dados, que em apenas cinco anos, as intervenções do
homem, principalmente nas atividades que findam em ocupação imobiliária, interfere
negativamente nos processos morfodinâmicos e bioecológicos da planície costeira do município
do Paracuru, aumentando assim a instabilidade e, em especial, da APA.
Traçar planos que minimizem os efeitos degradativos e ameaças externas, além de potencializar
medidas de preservação de áreas ainda não ocupadas são de grande necessidade a fim de
mitigar efeitos que trariam prejuízos das mais diversas ordens para o município.
Logo, planejar a ocupação humana ao longo da área costeira e protegida de Paracuru é
fundamental para minimizar o impacto de possíveis flagelos, tanto para o meio ambiente como
para a sociedade a qual é participante do processo.
Como se vê, esperam-se novos trabalhos com essa temática na região, uma vez que estudar o
ZEE no caso concreto é imprescindível para subsidiar o planejamento territorial sustentável da
zona costeira de Paracuru e também de sua APA. Já que esse instrumento estabelece os
diferentes usos do solo, zoneando o território com base da convergência de características
socioambientais.
4 Referências
AQUASIS. A zona costeira do Ceará: diagnóstico para a gestão integrada. Fortaleza: AQUASIS,
2003.
CEARÁ. Superintendência Estadual do Meio Ambiente. Plano de manejo das Dunas de
Paracuru. Superintendência Estadual do Meio Ambiente – Fortaleza: SEMACE/FCPC, 2005. 82
p.; il.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
1. Introdução
O reconhecimento do direito à moradia como direito humano fundamental, base de um
conjunto dos demais direitos, não é algo a ser ignorado pelo poder público ou, pelo menos, não
deveria ser. O direito à moradia ultrapassa o mero lugar para se viver e deve ser visto como uma
condição necessária para se alcançar padrão de vida adequado, no qual se garanta as necessidades
físicas e de proteção do indivíduo, as necessidades psicológicas e econômicas, a privacidade e o
espaço familiar e social3, logo, deve ser tutelado e implementado pelo Estado. Entretanto, o acesso
à terra por aqueles que enfrentam necessidades habitacionais é um grande desafio na atualidade,
principalmente devido à conjuntura capitalista neoliberal. Nesse contexto, o mercado imobiliário
incorpora as mais-valias urbanísticas geradas pelo processo de urbanização, sem retorno à
coletividade, e tem ocupado o lugar do Estado de financiador imediato do desenvolvimento urbano,
de modo a se tornar o principal provedor dos meios de habitação para famílias de baixa renda, cujo
foco é exclusivamente a obtenção de lucro através da valorização imobiliária. Desse modo, no intuito
de recuperar as mais-valias urbanas incorporadas pelos agentes privados na formação do solo
urbano e redistribuir ao coletivo, as regulações da estruturação urbana visam adquirir recursos
(monetários ou fundiários) para satisfação de interesses públicos, de modo a impedir que os projetos
urbanos cumpram apenas com o interesse de rentabilidade dos grandes empreendedores4.
Com o intuito de estabelecer contrapartidas efetivas à coletividade em virtude do conjunto de
investimentos públicos que agregam valor econômico às propriedades, o Plano Diretor do município
de São Paulo (Lei 16.050/14) traz um conjunto de mecanismos que vinculam a execução de
1
Graduanda em Direito pela Faculdade de Direito/UFMG. Bolsista de Iniciação Científica (CNPq). Pesquisadora
do Grupo de Pesquisa e Extensão Re-Habitare (CNPq). Email: leticiafernandeslaf@gmail.com.
2
Professor de Direito Urbanístico e Ambiental/UFMG. Líder do Grupo de Pesquisa e Extensão Re-Habitare
(CNPq). Email: danielgaio72@yahoo.com.br.
3
OSORIO, Letícia M. O direito à moradia como direito humano. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia
(Org.). Direito à moradia adequada: o que é, para quem serve, como defender e efetivar. Belo Horizonte:
Fórum, 2014, p. 39-68, p. 40.
4
SANTORO, Paula F.; BORRELLI, Julia. Os desafios de produzir habitação de interesse social em São Paulo:
da reserva de terra no zoneamento às contrapartidas obtidas a partir do desenvolvimento imobiliário ou das
ZEIS à Cota de Solidariedade. Anais do XVI ENANPUR. Belo Horizonte: ANPUR, 2015, p. 01-19, p. 01-04.
empreendimentos imobiliários à destinação de recursos para moradia social. A título de exemplo, cita-
se: a alocação de no mínimo 30% de recursos do Fundo de Desenvolvimento Urbano para a
produção de habitação de interesse social (art. 340, I); a exigência de que no mínimo 25% dos
recursos advindos das Operações Urbanas Consorciadas (art. 142, § 1º) e das Áreas de Intervenção
Urbana (art. 146, parágrafo único) sejam destinados para habitação de interesse social; e a Cota de
Solidariedade (art. 111 e 112), a seguir detalhada. Tendo como referência o caso-referência do
município de São Paulo, este trabalho pretende analisar as possibilidades e os limites da Cota de
Solidariedade como instrumento apto a diminuir o déficit habitacional, bem como propiciar maior
mistura social.
5
OLIVEIRA, Natália S. Cota de solidariedade: instrumento viável para a moradia social adequada? Anais do
XXIV Encontro Nacional do CONPEDI – UFS. Florianópolis: CONPEDI, 2015, p. 312.
6
Cf. o art. 111 e 112 da Lei 16.050/14 (município de São Paulo).
7
Área construída computável é a soma das áreas cobertas de todos os pavimentos de uma edificação que são
consideradas para o cálculo do coeficiente de aproveitamento (art. 2º, II, da Lei 13.885/04).
8
Importante ressaltar que a Cota também se aplica a terrenos que resultem de desmembramento de área
superior a 20.000m² aprovado após a publicação do plano e, caso haja processos de reforma ou modificação
aprovados anteriormente à vigência do novo plano diretor que ocasionem acréscimos que atingem 20.000 m²
de área computável, a Cota será proporcional à área computável acrescida ao projeto aprovado, assim como os
benefícios aplicáveis. Além disso, se a reforma ou modificação cujo projeto original for aprovado na vigência da
lei e resultar em aumento da área, a Cota será calculada considerando a área construída computável total do
empreendimento (área original aprovada somada o acréscimo após o projeto modificativo). Entretanto, não
estão sujeitos à Cota as obras de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos e os empreendimentos de
Ressalta-se que na proposta inicial para a Cota de Solidariedade9, a contrapartida somente
poderia ser realizada por meio de cessão de área para a produção de habitação de interesse social,
seja na própria área do empreendimento, seja em outro local. Portanto, não havia a possibilidade de
depósito no valor de 10% do empreendimento para o FUNDURB, a qual foi incluída por emenda de
vereadores. Repete-se aqui o ocorreu com o solo criado (outorga onerosa do direito construir), pois
as normativas municipais brasileiras substituíram a função originariamente urbanística deste
instrumento pela sua utilização financeira10.
Outras flexibilizações à aplicação da Cota de Solidariedade foram aprovadas durante a
tramitação legislativa do Projeto de Lei 688/13: i) as moradias sociais poderiam ser destinadas para
famílias de até seis salários mínimos (antes eram três salários); ii) a incidência do instrumento passou
a ser obrigatória para empreendimentos com área construída computável a partir dos 20.000m²
(inicialmente era 10.000m² da área total); e iii) como se não bastasse a flexibilidade do empreendedor
no cumprimento da Cota, uma das opções criadas é a doação de 10% do valor da área total do
terreno, que é calculada com base no Cadastro de Valor de Terreno, valor que corresponde a cerca
de 80% do valor de mercado11.
Outras propostas tentaram reduzir ainda mais o âmbito de incidência da Cota de
Solidariedade, inclusive excluí-lo do Plano Diretor municipal. Com efeito, o Sindicato da Habitação
(SECOVI) sugeriu que o instrumento fosse exigido com o dobro de área construída computável (de
20.000 m² para 40.000 m²), e, uma vez cumprido, desse ao empreendedor a oportunidade de
construir além do coeficiente máximo de aproveitamento nos casos em que adquirir 10% adicionais
de área computável mediante pagamento de outorga onerosa. Por sua vez, a Associação Comercial
de São Paulo propôs a retirada da Cota de Solidariedade do Plano Diretor, ao sustentar que o setor
privado está sendo excessivamente onerado e esses encargos acabariam sendo refletidos nos
preços para os consumidores12.
Percebe-se que referidas alterações legislativas reduziram significativamente os benefícios
sociais da Cota de Solidariedade, pois é bem menos oneroso ao empreendedor destinar ao
3. Considerações finais
13
WHITAKER, João. O patrimonialismo e as leis facultativas: o caso da cota de solidariedade em SP.
Disponível em: <https://observasp.wordpress.com/2014/12/02/o-patrimonialismo-e-as-leis-facultativas-o-caso-
da-cota-de-solidariedade-em-sao-paulo/>. Publicado em 02 dez. 2014. Acesso em: 05 de set. 2016.
14
COSTA, Ana B. P.; ALBUQUERQUE, Giovanna H. B.; RAMPAZIO, Luiz F. Cota de Solidariedade:
Comparando políticas entre cidades norte americanas e São Paulo. PARC Pesquisa em Arquitetura e
Construção, Campinas, v. 6, n. 1, p. 56-68, jan.-mar. 2015, p. 57.
15
OLIVEIRA, Natália S. Cota de solidariedade: instrumento viável para a moradia social adequada? Anais do
XXIV Encontro Nacional do CONPEDI – UFS. Florianópolis: CONPEDI, 2015, p. 298-322, p. 316-317.
16
A legislação determina que deverão ser construídas habitações de interesse social (HIS) para famílias de 0 a
6 salários mínimos, sem fazer qualquer distinção entre HIS 1 e 2 (art. 46, parágrafo único, I e II, e o Quadro 1
(anexo) da Lei 16.050/14). HIS 1 - renda familiar mensal de até R$ 2.172,00; HIS 2 - renda familiar mensal
superior a R$ 2.172,00 e igual ou inferior a R$ 4.344,00.
17
OLIVEIRA, Natália S. Cota de solidariedade: instrumento viável para a moradia social adequada? Anais do
XXIV Encontro Nacional do CONPEDI – UFS. Florianópolis: CONPEDI, 2015, p. 298-322, p. 316-317.
Ao contrário do que afirmou a Associação Comercial de São Paulo, os ônus urbanísticos
atribuídos aos empreendedores urbanos são muito baixos em face dos benefícios percebidos em
função dos investimentos públicos realizados. Em um contexto de baixíssima regulação do uso do
solo urbano, qualquer proposta que objetive aumentar as contrapartidas será imediatamente
combatida, o que inclui a recorrente ameaça de repassar ao consumidor final o “aumento do custo”
do empreendimento, quando na verdade deveria ser assimilado pelo mercado imobiliário como uma
redução dos lucros em face de um interesse coletivo.
Ainda que este segmento econômico tenha conseguido barrar na Câmara dos Vereadores a
possibilidade dos empreendedores contribuírem de modo mais decisivo para a redução do déficit de
moradia social — sendo o limite mínimo de 20.000 m² de área construída o principal obstáculo —, o
Plano Diretor de São Paulo torna-se referência ao prever de modo pioneiro no país um instrumento
que vincula a gestão urbanística e indica a possibilidade de concretizar, ainda que parcialmente, o
princípio da justa distribuição dos benefícios e encargos decorrentes do processo de urbanização.
4. Referências bibliográficas
ASSOCIAÇÃO COMERCIAL DE SÃO PAULO. Propostas ACSP para o Substitutivo do PL 688/13
do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo. Maio 2014. Disponível em:
<http://www.camara.sp.gov.br/planodiretor/wp-
content/uploads/sites/14/2014/06/Docs_protocoladosGabieteRelator_Parte1.pdf>. Acesso em: 02
mar. 2017.
CÂMARA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Substitutivo da Comissão de Política Urbana,
Metropolitana e Meio Ambiente ao Projeto de Lei 688/13. Disponível em:
<http://www.camara.sp.gov.br/planodiretor/index.php/projeto-de-lei/>. Acesso em: 02 mar. 2017.
COSTA, Ana B. P.; ALBUQUERQUE, Giovanna H. B.; RAMPAZIO, Luiz F. Cota de Solidariedade:
Comparando políticas entre cidades norte americanas e São Paulo. PARC Pesquisa em Arquitetura
e Construção, Campinas, v. 6, n. 1, p. 56-68, jan.-mar. 2015.
GAIO, Daniel. A interpretação do direito de propriedade em face da proteção constitucional do
meio ambiente urbano. Rio de Janeiro: Renovar, 2015.
MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. Lei 16.050, de 31 de julho de 2014. Aprova a Política de
Desenvolvimento Urbano e o Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo e revoga a Lei nº
13.430/2002. Diário Oficial da Cidade de São Paulo, São Paulo, nº 140, 1º de agosto de 2014.
OLIVEIRA, Natália S. Cota de solidariedade: instrumento viável para a moradia social adequada?
Anais do XXIV Encontro Nacional do CONPEDI – UFS. Florianópolis: CONPEDI, 2015, p. 298-322.
OSORIO, Letícia M. O direito à moradia como direito humano. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN,
Betânia (Org.). Direito à moradia adequada: o que é, para quem serve, como defender e efetivar.
Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 39-68.
SANTORO, Paula F.; BORRELLI, Julia. Os desafios de produzir habitação de interesse social em
São Paulo: da reserva de terra no zoneamento às contrapartidas obtidas a partir do desenvolvimento
imobiliário ou das ZEIS à Cota de Solidariedade. Anais do XVI ENANPUR. Belo Horizonte: ANPUR,
2015, p. 01-19.
WHITAKER, João. O patrimonialismo e as leis facultativas: o caso da Cota de Solidariedade em
SP. Dez. 2014. Disponível em: <https://observasp.wordpress.com/2014/12/02/o-patrimonialismo-e-as-
leis-facultativas-o-caso-da-cota-de-solidariedade-em-sao-paulo/>. Acesso em: 05 de set. 2016.
1
1 INTRODUÇÃO
1 Bacharel e Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito
da Cidade pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em
Análise Urbana pela Escola de Arquitetura da UFMG. Advogada e Procuradora do Estado de Minas Gerais.
Foi Presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) no
período 2007/2008. E-mail: lianaportilho@gmail.com
2 Bacharel, Mestre e doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-
graduada em Direito Público e Direito do Trabalho. Graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Advogada. Consultora da Assembleia Legislativa do
Estado de Minas Gerais. E-mail: milableite@hotmail.com
2
3 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2013,
p. 274.
4 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2013,
p. 276.
5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2013,
p. 275.
6 ALFONSIN, Betânia de Moraes. Operações Urbanas Consorciadas como Instrumento de Captação de
mais-valias urbanas: um imperativo da nova ordem jurídico-urbanística brasileira. In: FERNANDES, Edésio;
ALFONSIN, Betânia de Moraes. Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del
Rey, 2005, p.293.
7 LOMAR, Paulo José Villela. Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.
254.
3
O Estatuto da Cidade consolidou a operação urbana consorciada, portanto, como “um tipo
especial de intervenção urbana voltada para a transformação estrutural do ambiente urbano”,8
instrumento urbanístico apto a fomentar a garantia da função social, ambiental e cultural da
propriedade, como preveem os artigos 32 a 34 da Lei nº 10,257/2001, devendo ser instituída por
meio de lei municipal específica, com base no plano diretor. De acordo com o planejamento
urbanístico, portanto, a operação urbana consorciada pode contemplar, por exemplo, modificação
ou ampliação do sistema viário; criação ou ampliação de espaços públicos; recuperação e
modernização da infraestrutura urbana; maior adensamento populacional, entre outras alterações,
mediante, simultânea ou alternativamente, redesenho da estrutura fundiária; apropriação e
manejo de direitos de uso e edificabilidade do solo e das obrigações privadas de urbanização e
apropriação e uso das externalidades positivas e negativas da intervenção. 9 E implica
8 LOMAR, Paulo José Villela. Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.
254.
9 LOMAR, Paulo José Villela. Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ, Sérgio
(Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 4.ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p.
253.
10 LOMAR, Paulo José Villela. Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu; FERRAZ,
Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 4.ed. São Paulo: Malheiros,
2014, p. 255.
11 PINHO, Evangelina; BRUNO FILHO, Fernando Guilherme. Das Operações Urbanas Consorciadas. In:
MATTOS, Liana Portilho (Org.). Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002, p.
221.
12 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2013,
p. 279.
4
A valorização do ambiente, segundo José dos Santos Carvalho Filho, é “tornar o ambiente
da cidade mais próximo às demandas sociais do local”, independentemente de que natureza
forem, com vistas a propiciar o maior bem-estar possível aos que desfrutam da cidade,13
garantindo, também, o direito a cidades sustentáveis, nos termos do Estatuto da Cidade, que
compreende os direitos culturais. O princípio da sustentabilidade tem caráter vinculante,
amparado na pluridimensionalidade: social, jurídico-política, ética, econômica e ambiental,
determinando a corresponsabilização do Estado e da sociedade pela arquitetura compartilhada de
um modelo de desenvolvimento socialmente inclusivo, inovador e eficiente.
É nesse contexto que se constata uma modificação no tratamento dos direitos culturais
concebido pelas políticas de cultura recentes e pelo arcabouço jurídico-normativo arregimentado
na seara do direito urbanístico, da proteção ao patrimônio cultural e da garantia de exercício de
direitos culturais. Instrumentos e espaços institucionalizados para a interlocução com a sociedade
civil e a iniciativa privada e para o amadurecimento da pauta relativa à proteção ao patrimônio
cultural foram concebidos e consolidados, referenciando um novo momento de reflexão no campo
da cultura, espaço em que se insere a possibilidade de uso de instrumentos urbanísticos como a
operação urbana consorciada para a promoção e proteção de direitos culturais.
Faz-se necessário, em prol da efetividade e da sustentabilidade da salvaguarda dos
direitos culturais, que a política de proteção do patrimônio e de acesso e fruição aos direitos no
âmbito da cultura esteja atrelada a uma política urbana vocacionada para a gestão do
desenvolvimento das funções sociais da cidade, consolidando-se como política urbano-cultural
ancorada nas dimensões social, cultural e simbólica da cidade e do patrimônio que a compõe,
com o auxílio de instrumentos como a operação urbana consorciada.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A cidade, contexto onde se insere o patrimônio cultural e espaço de fruição dos direitos
culturais, caracteriza-se como locus que permite graus de acumulação de visões parcializadas de
aprendizado para formulação individual e coletiva das práticas culturais, constituindo-se em
campo de composição de forças argumentativas e simbólicas de atores em interlocução cotidiana.
O instrumento das operações urbanas tem significativo potencial para o delineamento de
estratégias de transformação do território, possibilitando a mediação da participação privada,
nesse processo, e a recuperação da valorização imobiliária e dos ganhos do mercado imobiliário
no empreendimento por meio do fornecimento de contrapartidas à coletividade, proporcionadas
pela coordenação e pela condução do Poder Público de todo o processo.
13 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5.ed. São Paulo: Atlas, 2013,
p. 279.
5
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Estatuto da Cidade. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e
183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jul. 2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em: 4 mai. 2017.
COSTA, Mila Batista Leite C.; PIRES, C. A. S. Memória e Patrimônio Cultural no Mosaico da Urbe:
Dimensões do Direito, do Esquerdo e Narrativas do Estado Pós-moderno. In: Maria Tereza
Fonseca Dias; Maria Elisa Braz Barbosa; Mila Batista Leite Corrêa da Costa; Caio Barros
Cordeiro. (Org.). Estado e Propriedade. Estudos em Homenagem à Professora Maria Coeli
Simões Pires. 1ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015, v. 1, p. 129-148.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Comentários ao Estatuto da Cidade. 5.ed. São Paulo: Atlas,
2013.
LOMAR, Paulo José Villela. Operação Urbana Consorciada. In: DALLARI, Adilson Abreu;
FERRAZ, Sérgio (Coord.). Estatuto da Cidade: Comentários à Lei Federal 10.257/2001. 4.ed. São
Paulo: Malheiros, 2014, p. 255.
MATTOS, Liana Portilho. Patrimônio Cultural e Cultura Patrimonial: reflexões sobre a gestão dos
bens tombados no Brasil. In: FERNANDES, Edésio; ALFONSIN, Betânia (Coord.). Revisitando o
Instituto do Patrimônio. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 419-442.
1. Introdução e contextualização
Afirmar em 2017 que operações urbanas consorciadas são novidade no planejamento urbano,
como o título deste trabalho sugere, pode parecer um erro. O instrumento já estava presente em
documentos e planos urbanos desde o final da década de 1980 e as suas primeiras experiências
remontam aos anos 1990. Também é necessário lembrar que a inclusão das operações urbanas no
Estatuto da Cidade2 regulamentou e nacionalizou o instrumento, dando as bases jurídicas para a sua
inclusão nos planos diretores de diversas cidades no país. Por outro lado, foram poucas as experiências
efetivas com as operações urbanas e, entre estas, são ainda em menor número aquelas que
demonstraram resultados expressivos em termos do cumprimento da lista de objetivos dos projetos.
Finalmente, estas experiências foram tão controversas e geraram tantas inseguranças quanto ao uso
e caráter do instrumento que ainda é necessário conhecer melhor o que são as operações urbanas.
Operações urbanas consorciadas são parcerias público-privadas para o redesenvolvimento de
um perímetro urbano. Uma área da cidade é designada como prioritária para investimentos públicos e
privados a partir de sua demarcação no plano diretor e do desenvolvimento de legislação específica
que estabelece os objetivos a serem cumpridos pelo projeto. Para o seu funcionamento, por um lado,
o Estado define novos padrões urbanísticos para área, com alterações no uso e ocupação da terra
urbana. Por outro, esses novos potenciais construtivos são transformados em certificados financeiros
a serem comercializados em mercados primários (bolsas de valores) e secundários (mercados
privados). Com a venda desses certificados são arrecadados recursos que vão para a conta específica
da operação e financiam a sua lista de objetivos, que podem incluir obras de infraestrutura e mobilidade,
provisão de equipamentos públicos e habitação social, entre outros. O funcionamento do projeto,
entretanto, gera uma série de inseguranças com relação a sua apropriação e seus resultados.
As principais polêmicas com relação às operações urbanas dizem respeito aos reais objetivos
do instrumento. Por um lado, os recursos devem ser destinados para investimento em “melhorias
1 Marina Toneli Siqueira possui doutorado em Planejamento e Políticas Urbanas pela University of Illinois at
Chicago. É professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC. Contato: marina.siqueira@ufsc.br.
2 O Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001) está disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/l10257.htm. Acessado em 9 de outubro de 2009.
sociais” e “valorização ambiental” (objetivos promulgados no Estatuto da Cidade), a serem definidas
por um conselho gestor que conta com participação popular, levando autores3 e informantes4 a afirmar
que o instrumento tem um caráter redistributivo. Por outro lado, as operações urbanas conectam o
desenvolvimento urbano ao sistema financeiro. Seu funcionamento também condiciona a obtenção de
seus objetivos aos interesses do mercado imobiliário. É este lado do instrumento que leva autores a
afirmar que as operações urbanas são de fato operações imobiliárias5 ou a implantação de um estado
de exceção que favorece agentes privados e não à sociedade como um todo6.
O risco é a valorização imobiliária e a falta de proteção aos usos e usuários atuais (mesmo com
as garantias da legislação) que podem ser gentrificados da área da operação. Os benefícios gerados,
portanto, não seriam aproveitados pelos moradores e usuários atuais, gerando insegurança acerca dos
reais objetivos destes projetos. Ademais, a transformação do uso e ocupação do solo gera tanto
inconsistências com planos urbanísticos locais, quanto dificuldades de compreensão acerca do
funcionamento do instrumento. Não é à toa, portanto, que os projetos incitaram inúmeras reações de
moradores, proprietários e usuários locais, bem como a intervenção dos agentes do sistema de justiça.
Este é o caso da Operação Urbana Consorciada Água Espraiada, objeto de estudo deste trabalho.
3 Sandroni (2008).
4 Siqueira (2014).
5 Maricato e Ferreira (2002); Pessoa e Bógus (2007).
6 Castellar (2010); Vainer (2013).
7 A Operação Urbana Consorciada Água Espraiada foi aprovada na Lei Municipal n. 13.260 de 2001 e
10 Ibid.
11 Ibid.
12 Siqueira (2014).
13 Fix (2001)
específica da OUCAE, bem como a existência de uma Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), o
direito dos moradores somente foi garantido com a intervenção do sistema de justiça, com a construção
de edificação habitacional que hoje abriga as famílias que não foram removidas ao longo destes anos.
O Jardim Edite, infelizmente, não é o único caso no qual a garantia do direito à cidade e
realocação dentro do perímetro do projeto foram disputados. Como a lei não é objetiva, mas um produto
da interpretação de seus operadores, o resultado da intervenção do sistema de justiça pode resultar
em outros desfechos, como foi a experiência da comunidade Buraco Quente14. Neste caso, os
moradores começaram a ser removidos para a construção de uma linha de monotrilho. Como a obra
não estava prevista nos objetivos da lei da OUCAE, a interpretação do Governo do Estado de São
Paulo foi de que os moradores poderiam ser realocados para outros locais. Por outro lado, parte dos
recursos da OUCAE foram utilizados na construção da mesma através de repasse do município. A
disputa envolveu a contratação de advogado privado para o processo de usucapião da comunidade e
da participação do Ministério Público do Estado de São Paulo para mediar a negociação com os
advogados do Governo de São Paulo, em especial da Companhia do Metropolitano de São Paulo
(METRO) e da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). O resultado foi o
atendimento das famílias ou com verba indenizatória, ou com a realocação em projeto de habitação
social distante da localização original da comunidade e fora do perímetro da operação urbana.
Um outro desfecho para o envolvimento do sistema de justiça na OUCAE foi o estabelecimento
de Termos de Ajustamento de Conduta (TACs). Como já mencionado, uma operação urbana modifica
padrões urbanísticos para vender potencial construtivo e mudanças de uso para investidores privados.
Isso normalmente é feito ao aumentar os índices de aproveitamento e taxas de ocupação do solo,
resultando em aumento da densidade e edificações de maior porte. O perímetro da OUCAE, entretanto,
inclui áreas zoneadas como de baixa densidade e uso residencial unifamiliar em bairros de renda média
e alta. Esses moradores, preocupados com a diminuição da qualidade de vida e perda de área verde
que o projeto poderia gerar, acionaram o Ministério Público do Estado de São Paulo para fazer com
que a Prefeitura cumprisse a política de uso do solo prevista pelo plano diretor vigente. Como resultado,
foi assinado um TAC que garantiu, além de outros benefícios, o cumprimento do zoneamento original.
Este é um exemplo claro das inseguranças geradas pelo instrumento. Como as operações urbanas
consorciadas são um “overlap” ou uma nova camada de política do solo urbano frente ao zoneamento,
existe uma margem para interpretação jurídica do seu funcionamento para além das questões técnicas
levantadas pelos arquitetos-urbanistas e outros profissionais envolvidos na elaboração destes projetos.
4. Considerações finais
Muitas vezes arquitetos-urbanistas e planejadores urbanos se perguntam por que os projetos e
14 Siqueira (2014).
planos urbanos não são concluídos como o inicialmente pretendido nas pranchetas. Entre as muitas
respostas que incluem a complexidade do ambiente urbano e das políticas públicas, bem como a
necessária participação popular que reconhece formas de conhecimento para além do técnico, a
transformação dos planos e projetos em lei faz com que disputas judiciais possam ocorrer e resultar
em diferentes interpretações acerca de seu funcionamento. Com novos instrumentos urbanísticos,
como é o caso das operações urbanas consorciadas, esta situação é exacerbada pela insegurança
com relação aos resultados destes projetos. Na OUCAE, como foi possível perceber ao longo deste
trabalho, o perímetro do projeto ainda inclui os interesses conflitantes da diversidade de moradores,
proprietários e usuários locais. Existe uma disputa pelo futuro da OUCAE que representa a
complexidade das cidades como um todo. É nesta disputa que identificamos uma atuação cada vez
mais intensa do sistema de justiça no planejamento urbano brasileiro.
5. Referências bibliográficas
Castellar, João Carlos. Operações Urbanas Consorciadas e estado de exceção. Revista de Direito da
UnigranRio, Rio de Janeiro, v. 3, n. 2, p. 1-14, 2003.
Ferreira, João Sette Whitaker. São Paulo: o mito da cidade global. Tese de Doutorado em Arquitetura
e Urbanismo – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.
Fix, Mariana. Parceiros da exclusão: duas historias de construcao de uma "nova cidade" em São Paulo
– Faria Lima e Água Espraiada. São Paulo: Boitempo, 2001.
Maricato, Ermínia; Ferreira, João Sette. Operação urbana consorciada: diversificação urbanística
participativa ou aprofundamento da desiguladade? In: Osório, Letícia Marques, org. Estatuto da Cidade
e reforma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris
Editor, 2002. 215-250.
Pessoa, Laura; Bógus, Lúcia. Valorização imobiliária e renovação urbana: o caso das Operações
Urbanas Consorciadas Faria Lima e Água Espraiada. Arquitextos 091.06, 2007. Disponível em:
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.091/185, acessado em 16 de março de 2010.
Sandroni, Paulo. O Cepac (Certificado de Potencial Adicional de Construção) como instrumento de
captação de mais valias urbanas e financiamento de grandes projetos urbanos, 2008. Disponível em:
http://gvpesquisa.fgv.br/sites/gvpesquisa.fgv.br/files/publicacoes/Paulo%20sandroni%20-
%20Cepac08.pdf., acessado em 5 de fevereiro de 2012.
Siqueira, Marina Toneli. In search of gentification: the local meanings of urban upward redevelopment
in São Paulo, Brazil. Tese de doutorado em Urban Planning and Policy – University of Illinois at Chicago,
Chicago/EUA, 2014.
Vainer, Carlos. Cidade de exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro. In: Machado, Carlos; Santos,
Caio Floriano dos; Araújo, Claudionor Ferreira; Passos, Wagner Valente dos, orgs. Conflitos ambientais
e urbano: debate, lutas e desafios. Porto Alegre: Evangraf, 2013.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 - EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
1. Introdução
O presente trabalho propõe-se a discutir a evolução dos instrumentos urbanísticos
relacionados ao conceito de solo criado mediante o avanço de políticas neoliberais e a consequente
reorganização do papel do Estado. Para tanto, usa-se do caso concreto da aplicação desses
instrumentos em Curitiba e as recorrentes modificações no arcabouço legal daquele município. O
argumento aqui defendido é que a evolução ocorrida trouxe maior flexibilidade à atuação do
mercado imobiliário e afastou os instrumentos dos seus objetivos primeiros, qual seja, o reequilíbrio
entre ambiente construído, espaços livres e infraestrutura e a recuperação da valorização imobiliária
decorrente da elevação de coeficientes de aproveitamento. Se assim julgar como um terceiro
objetivo, a arrecadação financeira pelo Estado também vem sendo prejudicada2, reduzindo a
contrapartida efetuada pelo beneficiário ou revertendo a sua destinação para um privado.
1
da Outorga Onerosa do Direito de Construir a definição de “coeficiente de aproveitamento básico
único para toda a zona urbana ou diferenciado para áreas específicas dentro da zona urbana”5.
Em verdade, apesar da previsão de um índice de aproveitamento igual a “um” para os
terrenos urbanos enquanto não fosse aprovado o plano diretor, a proposta original que resultaria na
aprovação do Estatuto da Cidade não mencionava explicitamente a Outorga Onerosa6. Essa
disposição viria a ocorrer apenas após anos de estagnação do projeto de lei e de negociações de
entidades ligadas ao movimento pela reforma urbana, com decorrente recuo em relação a algumas
de suas propostas7. O parecer do relator viria não sem a inclusão de instrumentos já em aplicação
em algumas cidades, a partir dos quais muitos proveitos empresariais foram obtidos8.
Os instrumentos incluídos foram a Outorga Onerosa do Direito de Construir (OODC), a
Transferência do Direito de Construir (TDC) e as Operações Urbanas Consorciadas (OUC), todos
baseados na lógica do solo criado. Quanto aos proveitos empresariais supracitados, algumas
experiências são alvo de críticas quanto à constitucionalidade do instrumento, o desvio de finalidade
e os resultados em termos de maior rentabilidade ao mercado e o aumento das disparidades no
território9. As críticas permanecem se analisadas operações efetuadas já com o advento da
normativa federal, para as quais há o questionamento da associação entre Estado e capital,
legitimada pelo Estatuto da Cidade, que contribui para o já concentrado investimento de capital10.
Comum a essas críticas, e compartilhado por este trabalho, está a compreensão de que a
análise da aplicação dos instrumentos não deve se desvincular da compreensão do Estado (e o
planejamento) como um aparelho “a serviço da manutenção do status quo capitalista”11. Assim,
compreende-se a evolução dos instrumentos como um reflexo não apenas da reprodução do modo
de produção capitalista, mas especialmente da guinada neoliberal, que tem como prerrogativa criar
condições favoráveis aos negócios e investimentos, por meio da desregulação, da livre competição
e do favorecimento dos direitos individuais à propriedade privada12.
5 BRASIL. Estatuto da Cidade: Lei 10.257/2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana. Brasília:
Câmara dos Deputados, 2001, 1a Edição.
6 BASSUL, J. R. Estatuto da Cidade: Quem ganhou? Quem perdeu? Brasília: Senado Federal, Subsecretaria
Curitiba. In: XVII ENANPUR, São Paulo. Anais. Belo Horizonte: ANPUR, 2017.
3
A respeito da aplicação do instrumento, nota-se algumas inconsistências: i) ainda que o
acréscimo construtivo esteja em conformidade com a infraestrutura existente, o antes tido como CA
máximo foi definido como básico, contrariando a finalidade de minimizar a valorização diferenciada
dos terrenos e de recuperar a sua apropriação; ii) diferentemente do que instrui o Ministério das
Cidades, a obtenção de recursos é a sua principal finalidade, expressa na regulamentação do
instrumento; e iii) em acrescendo o CA máximo e tendo-se um fator redutor no cálculo da
contrapartida, o esperado é que os imóveis incidentes sejam majorados em seu valor, não o oposto.
6. Considerações Finais
O debate acerca do solo criado surgiu a partir de uma perspectiva progressista, compatível
com políticas do Estado de Bem-Estar, a partir da qual se objetivava melhor qualidade de vida
19 Ibid, p. 10.
20 Ibid.
21 Ibid., p. 11.
22 Para detalhes, ver Polucha (2017).
4
urbana e justa distribuição dos ônus e benefícios da urbanização. Porém, com a guinada neoliberal
vivenciada pelos governos, viu-se permear o Estado os preceitos da desregulação, da livre
competição e da defesa da propriedade privada, antagônicos à finalidade original dos instrumentos.
Apesar das aparentes contradições, o que se viu no Brasil foi um inusitado acordo entre
movimentos sociais e empresariado, permitindo que fosse instituído a nível federal um novo marco
regulatório da política urbana. A prática, entretanto, mostra que, em Curitiba, a autonomia concedida
ao ente municipal permitiu que os instrumentos fossem descontruídos em sua regulamentação,
afastando-os de sua finalidade original. Como decorrência, tem-se não só a implicação dos
resultados esperados, mas especialmente o revés da política, permitindo ao setor privado apropriar-
se da valorização fundiária, receber recursos oriundos da venda de potencial - reduzindo o que é
destinado aos cofres públicos - e ampliar as externalidades negativas resultantes da verticalização.
Referências Bibliográficas
AZEVEDO NETTO, D. T. Experiências similares ao solo criado. CJ Arquitetura: revista de
arquitetura, planejamento e construção, n. 16, p. 44-54, 1977.
AZEVEDO NETTO, D. T.; LIMA E MOREIRA, A. C. M.; AMBROSIS, C. NOGUEIRA FILHO, D. V. O
“solo criado”. CJ Arquitetura: revista de arquitetura, planejamento e construção, n. 16, p 9-11, 1977.
BASSUL, J. R. Estatuto da Cidade: Quem ganhou? Quem perdeu? Brasília: Senado Federal,
Subsecretaria de Edições Técnicas, 2005.
BRASIL. Estatuto da Cidade: Lei 10.257/2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana.
Brasília: Câmara dos Deputados, 2001, 1a Edição.
CYMBALISTA, R.; SANTORO, P. Outorga Onerosa do Direito de Construir no Brasil: entre a
regulação e a arrecadação. In: SEMINÁRIO PROJETOS URBANOS CONTEMPORÂNEOS NO
BRASIL, 2006, São Paulo. São Paulo: Universidade São Judas, 2006.
FIX, M. A “fórmula mágica” da parceria público-privada: Operações Urbanas em São Paulo. In:
Schicchi, M. C; Benfatti, D. (Org.). Urbanismo: Dossiê São Paulo - Rio de Janeiro. 1ed.Campinas:
PUCCAMP/PROURB, 2004, p. 185-198.
FURTADO, F.; BIASOTTO, R.; MARELONKA, C. Outorga Onerosa do Direito de Construir:
Caderno Técnico de Regulamentação e Implementação. Brasília: Ministério das Cidades, 2012.
HARVEY, D. O neoliberalismo: história e implicações. Tradução: Adail Sobral, Maria Estela
Gonçalves. 5ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.
HORI, J. Efeitos econômicos da implantação do solo criado. CJ Arquitetura: revista de arquitetura,
planejamento e construção, n. 16, p. 61-72, 1977.
POLUCHA, R. S. Variações na prática dos instrumentos de solo criado: Cota de Potencial
Construtivo de Curitiba. In: XVII ENANPUR, São Paulo. Anais. Belo Horizonte: ANPUR, 2017.
SOUZA, M. L. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. 3ª Ed.
Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004.
5
X CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 – EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
1. Introdução
O novo Plano Diretor Municipal constitucionalizado e, posteriormente, regulamentado pelo
Estatuto da Cidade com longa gestação de 13 anos, reflete um planejamento politizado,
reconhecedor dos conflitos e múltiplos interesses que coabitam nas complexas cidades
brasileiras, envoltas na onda das políticas neoliberais e em planejamentos estratégicos de corte
empresarial. Configura uma contra tendência para avivar as cores do planejamento preocupado
com a segregação espacial e desigualdades sociais, fazendo assim uma opção normativa e
política pelo enfrentamento. Trata-se de um pacto socioterritorial que define uma nova perspectiva
para o destino da cidade, afetando a todos os citadinos, o que não é pouco! Pontua-se que, não
advêm necessariamente do consenso, ante os interesses envolvidos — alguns inconciliáveis —,
na luta pela apropriação social da cidade. Seu processo de elaboração é uma arena de disputas
entre os vários atores interessados na produção da cidade, beneficiários da regulação urbanística,
e na distribuição dos investimentos e serviços públicos (RIBEIRO E CARDOSO, 2003).
O Plano Diretor Municipal é uma peça chave para combater a retenção especulativa do imóvel
urbano, as privatizações dos investimentos urbanos em infraestrutura, estrutura e equipamentos
urbanos nas áreas da cidade de concentração e interesse das classes dominantes (ALFONSIN,
2014), que detêm maior poder de barganha, em função de seu capital econômico, cultural, social,
político e simbólico (BOURDIEU, 1989). Tal ação é um desafio, pois os investimentos públicos na
cidade são mediados pela produção privada do ambiente construído, e, por conseguinte, os
interesses econômicos cooptam os investimentos públicos com a realização de sobrelucros
extraordinários derivados da mais-valia urbanística (CARDOSO, 2011). A interface dessas lógicas
gera cidades injustas, desiguais e degradadas, em termos socioterritoriais e raciais.
A capital soteropolitana não foge desse quadro. Pereira e Carvalho (2014), no estudo realizado
em 2008, observam que Salvador é formada por três diferentes cidades, conforme a composição
social: a Cidade Tradicional, a Cidade Moderna e a Cidade Precária (ou popular). Nota-se
reproduzido, neste triste cenário soteropolitano, com caráter duradouro, e sem possibilidade de
ascensão social, o fenômeno dos “efeitos do lugar” detectado por Bourdieu. O sociólogo francês
1 Doutoranda em Planejamento Urbano e Regional pelo IPPUR- UFRJ, Promotora de Justiça do Estado Da
Bahia. E-mail: hortensiagomes@gmail.com.
2 Bacharel em Urbanismo pela Universidade do Estado da Bahia. Mestre em Planejamento Territorial pela
Figura 1: Mapa da expansão urbana de Salvador. Fonte: Epucs, Prefeitura Municipal de Salvador, 1976. In
CARVALHO, Inaiá; PEREIRA, Gilberto. Salvador como negócio. 2014. p. 58.
OUC-3, que são verdadeiramente “nichos” de alta capacidade para atração de capital (Orla
Marítima Atlântica, Centro Histórico, Ribeira), com ampla flexibilidade normativa.
Outro exemplo, na alteração do Zoneamento, é a delimitação de significativa porção territorial
edificável da cidade como ZPR-3 - Zona Predominantemente Residencial-3, tipologia de alta
densidade construtiva e demográfica, com alto potencial construtivo. O que admite a verticalização
indiscriminada imersa em riscos urbanísticos e ambientais, imensuráveis e irreparáveis à Cidade,
pois não houveram estudos técnicos que subsidiassem a alteração, o aumento, nem tão pouco os
riscos), beneficiando proprietários fundiários específicos com a valorização, afastando da
possibilidade de uso a classe popular, e ampliando a periferização da Cidade.
O atual Plano Diretor de Salvador multicitada, ao permitir apropriação empresarial do
planejamento, gestão e governança da cidade, violou principiologicamente o Estatuto da Cidade, e
consecutivamente a Constituição Federal de 1988. Soma-se a nulidade por violação a regras
expressas, porquanto, repita-se, negligenciou técnicos que deveriam iluminar suas intervenções,
espacializações e contextualizações levando em consideração às experiências particulares da
primeira capital do país, bem como se baseou em estudos técnicos elaborados em 1999 e em
2002, atualizados em 2004 e 2008. Tal falha impossibilitou os rebatimentos dos instrumentos
urbanísticos no território exigidos pelo artigo 42 do Estatuto da Cidade e a Resolução nº 34 do
CONCIDADES. Dessa forma, não houve atendimento aos requisitos mínimos, expressos e
explícitos do PDM.
A multicitada Lei nº 9069/2016 também deixa de contemplar requisitos obrigatórios e inerentes ao
planejamento, pois não elenca metas e nem estabelece horizontes temporais, impedindo a sua
implementação, o controle social e também a própria razão de ser do planejamento. Ou seja, em
muitas de suas passagens, o planejamento é marcado pela falta estratégia própria com metas
específicas, relevantes, alcançáveis, mensuráveis, expressas no tempo para a terceira maior
cidade do País e que tornem possível a entrega real do planejamento à sociedade, de forma
contínua, passo a passo, com estabelecimento de medidas de médio longo e curto prazo.
Dentre o arcabouço instrumental previsto no Estatuto da Cidade, para promoção da vivificação da
função social da propriedade urbana, reveste-se de grande potencial implementador, o
parcelamento, edificação, e construção compulsórias, já que tem a função de “libertar” os vazios
urbanos localizados em áreas com boa infraestrutura, com vistas a combater a segregação sócio
espacial, e propiciar a rica alteridade. E, assim, fazer o enfrentamento da retenção especulativa,
tão nociva para a coletividade, na medida em que diminui a oferta de terras urbanas, fazendo
subir o seu valor no mercado, gerando, o espraiamento e a perifização da cidade, que implica em
custos ao Município, para implantação de serviços e infraestrutura ou a condenação da população
a viver sem o mínimo existencial urbanístico necessário, fato recorrente!
O pré-requisito legal para aplicação deste instrumento urbanístico é a identificação das áreas
inutilizadas ou subutilizadas, onde haverá incidência do parcelamento, edificação ou utilização
5
compulsórios. O PDM deve indicar áreas para a incidência do instrumento multicitado, com o
cuidado de verificar se há infraestrutura e possibilidade de adensamento na área delimitada para a
aplicação. No PDDU de Salvador de 2016, os imóveis inutilizados e subutilizados não foram
georreferenciados no território, nem porcentagem por tipo, se territorial ou edificação. Desta
forma, na prática, está impossibilitado a aplicação dos instrumentos do IPTU progressivo e da
Desapropriação Sanção.
3. Considerações finais
O novo PDDU de Salvador, capital ícone da segregação sócioespacial e racial, reflete a moldura
de produção capitalista do espaço e promove uma nova normatização seletiva dos instrumentos
urbanísticos, viabilizando a aplicação apenas dos que interessam ao setor imobiliário, guardando
uma nítida natureza negocial, gerencial ou arrecadatória, selecionando espaços potenciais e
estratégicos com vistas ao máximo lucro, sem pretensão de universalização ou atendimento das
demandas urgentes da população, pautando-se pela exigência da oferta. Já os instrumentos de
combate à retenção imobiliária, foram tornados inócuos ante a ausência da adequada
espacialização no território que permitisse o rastreamento dos imóveis inutilizados e subutilizados.
Assim, urge uma reação de base popular a fim de exigir o cumprimento do Estatuto da Cidade e
com a bandeira do “Direito à Cidade” que une os multifracionados trabalhadores vítimas da
espoliação urbana. Registra-se que não é no campo do Direito exclusivamente que se deve exigir
o cumprimento pelo PDDU, dos princípios consagrados do Estatuto da Cidade, este é apenas um
dos caminhos que deve ser trilhado.
4. Referências bibliográficas
ALFONSIN, Betânia de Moraes. Planejamento urbano e plano diretor no contexto de gestão
democrática pós Estatuto da Cidade. Revista Brasileira de Direito Urbanístico, Belo Horizonte,
Fórum, ano 1, n° 1, jul-dez, 2015, p. 33 – 49;
BOURDIEU, Pierre. Efeitos do Lugar – In BOURDIEU, P. (Org.). Miséria do Mundo. Petrópolis:
Vozes, 1997, pp. 159 a 166.
CARDOSO, Adauto Lucio. Irregularidade urbanística: questionando algumas hipóteses. In: NATAL,
Jorge (org.). Território e Planejamento. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2011. p. 591 – 606.
CARVALHO, Inaiá Maria M. de; PEREIRA, Gilberto Corso. Salvador como negócio. pp.47-84. In.
Metrópoles na atualidade brasileira: transformações, tensões e desafios na Região Metropolitana
de Salvador/ Organizado por Inaiá Maria Moreira de Carvalho (et. al). Salvador: EDUFBA, 2014.
351. p.
RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; CARDOSO, Adauto Luiz. Plano Diretor e gestão democrática da
cidade. In: RIBEIRO, Luiz Cesar de Queiroz; ADAUTO, Luiz Cardoso (org.). Reforma urbana e
gestão democrática: promessas e desafios do Estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: Revan/
Fase, 2003. p. 103-118.
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GT 3 – EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA - PLANOS DE
DESENVOLVIMENTO URBANO INTEGRADOS E O PLANEJAMENTO
METROPOLITANO.
1. Introdução
A Lei n. 13.089, de 2015, o Estatuto da Metrópole, trata de maneira genérica o que denomina
“governança interfederativa” e em seus dispositivos enfrenta temas pouco debatidos e evitados em
normas da espécie, sobretudo no que tange a norma votada pelo Legislativo estadual a fim de
estabelecer diretrizes gerais para a entidade coletiva. Além disso, a norma estabelece diretrizes
gerais para a gestão e execução de funções de interesse comum entre as regiões metropolitanas,
aglomerações urbanas e microrregiões, conforme se depreende do seu artigo inicial.
Além disso, como se poderia ter a promoção da chamada “governança interfederativa” por
municípios de um ou vários Estados? A entidade autárquica criada teria realmente viabilidade para
estabelecer parâmetros formatados a partir da opinião geral consensual em que todos, inclusive a
população envolvida, tenham se manifestado? Diante de normas já votadas, após longo debate,
como se estabeleceria uma norma estadual para reger os princípios fundamentais da Região?
1 Doutor em Direito do Estado pela Faculdade de Direito da USP. Universidade Católica de Santos -
UNISANTOS. Professor do Curso stricto sensu em Direito Ambiental Internacional. Email: ricasal@uol.com.br
2 Doutor em Planejamento Urbano e Regional pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.
Universidade Católica de Santos – UNISANTOS. Professor do Curso stricto sensu em Direito Ambiental
Internacional. Email: jose.carrico@unisantos.br
1
Figura 1. Região Metropolitana da Baixada Santista
Fonte: https://www.flickr.com/photos/filimorbr/5066085247.
A governança interfederativa pode ser algo simples ou deve contar com o estabelecimento de
comissões temáticas avaliativas a fim de se colher informações relevantes para a composição da
lei final. É possível e fundamental que exista um componente democrático, em que a população das
entidades componentes da Região se manifestem. As normas debatidas e aceitas podem se
adequar a um conteúdo genérico capaz de estabelecer a formação de lei geral não restritiva, que
não perca sua função de norma geral, capaz de proporcionar a governança interfederativa por meio
da administração da entidade autárquica.
Talvez a melhor resposta a estas questões venha da análise da real viabilidade de criação de uma
norma que possa atender aos interesses da Baixada e ao mesmo tempo se vinculem a duas
importantes normas localmente votadas: o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro e o
Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE).
Diante desse complexo quadro, o intuito deste trabalho será analisar a compatibilidade entre atos
normativos vigentes diante do imperativo de aprovação do Plano de Desenvolvimento Urbano
Estratégico (PDUI), a fim de atender ao que impõe o art. 10 da Lei nº13.089/2015. A norma
prescreve, além da obrigatoriedade de sua revisão decenal, que esse Plano seja publicado em até
3 anos da data de publicação do Estatuto, ou seja, janeiro de 2018, nos termos do art. 21, I, “b”. Há,
entretanto, preocupação dos setores envolvidos, de cunho público e privado, diante da possibilidade
de uma norma aprovada vir a restringir as ações já de difícil execução diante de tantas variáveis
existentes.
O método científico adotado neste trabalho será o hipotético-dedutivo para que as hipóteses
possam ser expostas de forma a expressar as dificuldades intrínsecas no problema, a fim de se
2
deduzir consequências que podem ser confirmadas em seu processo expositivo. O procedimento
técnico será o do estudo de caso, a experiência do Conselho de Desenvolvimento da Baixada
Santista (CONDESB) e sua Agência Metropolitana da Baixada Santista (AGEM) na elaboração do
PDUI, e o levantamento documental e bibliográfico a fim de embasar o que se exporá.
A princípio será exposto como a entidade se compõe e a adequação das normas atualmente
existentes diante do processo que já é vivido na Baixada Santista. Os capítulos na sequência
analisarão aspectos legais e contingências atuais vividos localmente no cumprimento dos
dispositivos estabelecidos no Estatuto da Metrópole e também do Estatuto da Cidade, posto que
aquele dispôs acerca da observância das normas gerais de direito urbanístico estabelecidas neste,
e todas as demais leis federais que tratam do ambiente urbano (art. 1º, § 2o).
É fato que os municípios que compõem a RMBS possuem grande diversidade cultural, econômica
e social, conforme reconhece Junqueira et al (2010). Nesse sentido, imperioso é conhecer a região
como unidade territorial, não simplesmente por cidades isoladas. Na análise dos indicadores sociais
da região observam-se grandes disparidades nos índices de cada município integrante. Santos
ocupa posição relevante não somente no âmbito regional como também nacional, o que indica que
muito precisa ser feito em relação às condições de vida da população dos demais municípios, com
vistas à melhoria da competitividade e da qualidade de vida na região.
Aspecto essencial que vale a pena destacar neste processo integrativo da Baixada Santista, nos
termos aquilatados pelo Instituto Pólis (2012), é a necessidade de harmonia entre as diretrizes e
regras estabelecidas pela política e desenvolvimento urbano, leis de ocupação e uso do solo e do
3
plano diretor. Também se deve atentar às unidades de conservação envolvidas localmente, o
atendimento da função social da propriedade, o equilíbrio regional e a gestão democrática das
cidades.
Diante desses elementos é possível ter uma noção clara no que concerne à importância no que
tange as condições urbanísticas e socioambientais, de maneira a se moldarem ao desenvolvimento
econômico que a Região vislumbra em face de sua realidade, sobretudo no que se refere às
finanças públicas, de forma a envolver itens como saúde, cultura, educação e outros de caráter
relevante para a tomada de decisões.
Para melhor coletar e reunir as necessidades regionais de forma a identificar ações de relevância a
serem tomadas na Região, o Instituto Pólis (2014) preparou em outra publicação, propostas
estratégicas a fim de concretizar procedimentos com baixo impacto, de forma a melhor orientar
autoridades públicas e entidades não-governamentais na tomada de decisões. Na Agenda Regional
proposta, houve a listagem de ações com três eixos fundamentais. O primeiro se refere ao
desenvolvimento regional includente com medidas que garantiriam a participação popular na
tomada de decisões. Neste mesmo eixo se efetivaria a inclusão social, a responsabilidade ambiental
no porto/logística, garantia à segurança pública com impulso da tecnologia local e do fortalecimento
das estruturas socioambientais, sobretudo comunidades tradicionais existentes. O segundo eixo
inclui o fortalecimento na gestão de unidades de conservação da natureza, de forma a potencializar
seu uso direto e indireto, que garantiria a regularização fundiária das terras ocupadas pelas
comunidades tradicionais e população de baixa renda. O terceiro eixo se voltaria ao transporte,
acesso à alimentação adequada e preocupação com os resíduos pós-consumo, aumento do
saneamento, democratização do acesso à saúde e à cultura, valorizando a diversidade
socioambiental.
A Região é extremamente dinâmica e busca criar normas compatíveis com o plano de ações
entabulado, de maneira a garantir seu processo evolutivo e vislumbrar soluções viáveis diante de
cenários nem sempre favoráveis. Nela se apresentam índices de crescimento constante, inclusive
populacional. É importante sublinhar que o recrudescimento econômico e populacional se
coadunem com políticas socioambientais protetivas que garantam a sustentabilidade local.
A norma atualmente de grande importância para a RMBS é a que delimita a zona costeira. Ela
impõe condutas prévias de observância obrigatória, com o intuito de se entabular dinâmica e
harmoniosa gestão compartilhada entre as entidades incluídas em sua circunscrição. Seu objetivo
propõe a manutenção de condições sustentáveis de organização territorial e uso de recursos
naturais. Neste sentido o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) da RMBS é relevante para o
impacto gerado pelo aumento de índices de naturezas diversas por meio de padrões de proteção
4
ambiental adequados de forma a assegurar a qualidade ambiental. A observância das regras é
imperiosa na implantação de futuros planos, projetos e empreendimentos em todas as atividades
públicas ou privadas que possam impactar o ambiente local.
Na verdade, há uma sequência de regras estabelecidas e que compõe normas que resgatam a
trajetória do Gerenciamento Costeiro no Estado de São Paulo (GERCO) e sua conexão com o Plano
Nacional de Gerenciamento Costeiro (PNGC). O Gerenciamento Costeiro teve início com a edição
da Lei Federal nº 7.661/1988, que o estabeleceu como parte integrante da Política Nacional do Meio
Ambiente e da Política Nacional de Recursos do Mar. O Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro
foi instituído pela Lei Estadual nº 10.019/1998. Seu intuito centrou-se na proteção de recursos
ambientais de forma a melhorar a vida da população e proteger os ecossistemas envolvidos. O
Decreto Estadual nº 58.996/2013 é o ato normativo que estabeleceu o ZEE da Baixada Santista
contemplando normas de ocupação e uso do solo e manejo dos recursos naturais locais. Nele se
estabeleceram cinco zonas e sete subzonas. Define critérios de enquadramento, diretrizes e metas
de gestão, usos e atividades e o rol de atividades permitidas.
A RMBS completou vinte anos em 2016 e já possui instrumentos necessários para adequação ao
Estatuto da Metrópole. Nas informações existentes em seu site indica que já possui, além de
macrozoneamento implementado após o Decreto do ZEE, orientações ao Planejamento Urbano
Integrado oriundas do Plano Metropolitano de Desenvolvimento Estratégico da Baixada Santista
(AGEM, 2014). Existem, ademais, planos setoriais regionais ou interfederativos em
desenvolvimento como o Plano de Mobilidade e Logística e Plano de Gestão de Resíduos Sólidos,
Sistema de Monitoramento das ações do PMDE-BS e um Fundo Metropolitano e convênios de
cooperação firmados. Isso sem se olvidar de instâncias deliberativas regionais como o Comitê de
Bacia Hidrográfica e do Gerenciamento Costeiro.
4. Considerações Finais
A RMBS está um pouco mais adiantada nesse processo por já ter aprovado grande parte dos
instrumentos necessários para submissão de projeto de lei do PDUI à Assembleia Legislativa. A
AGEM possui plano estratégico. Com isso estabeleceu diretrizes e metas para a formação de alguns
5
eixos fundamentais para a Região: mobilidade, saneamento, moradia e desenvolvimento
sustentável. O plano é extremamente otimista e está organizado em 26 objetivos setoriais e 179
ações. Com isso se busca garantir a competitividade econômica, desenvolvendo o potencial
econômico local sem se olvidar de viabilizar melhores condições de vida para a população. A
elaboração desse fundamental instrumento (PDUI-RMBS) deve se revestir de ampla publicidade de
forma criar ambiente amplamente democrático. Entes públicos e privados do Estado, Municípios e
União devem ativamente participar no processo democrático. Representantes da sociedade civil
são igualmente importantes. Deve ser assegurada a participação permanente dos cidadãos não só
na elaboração, mas também na fiscalização da execução.
A “governança interfederativa” proposta pelo Estatuto da Metrópole pode ser implementada pelo
PDUI, a ser aprovado pela Assembleia Legislativa. A AGEM já possui diretrizes e metas propostas
a vigorar na RMBS e está por criar fórmula de participação popular para definir texto final a ser
encaminhado. Importante o fato de considerar as normas vigentes para a localidade que, em
verdade, são a base do PDUI, pois estabelecem regras fundamentais. Não obstante a necessidade
de revisão decenal, o Plano não pode ser extremamente detalhado a ponto de reduzir possibilidades
de modificações oportunas diante de variáveis que podem ocorrer com o próprio tempo.
Referências
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03
INTRODUÇÃO
Semelhante à maioria das cidades brasileiras, a expansão urbana de Aracaju obedeceu à lógica
dos agentes imobiliários e do Estado, privilegiando interesses econômicos e caracterizando-se
como um campo de lutas e disputas sócioespaciais. A legislação urbanística, através da
obrigatoriedade da implementação do Plano Diretor, surgiu com estratégias e diretrizes para
nortear transformações territoriais, pautadas em regulamentos para o uso e ocupação do solo e
expansão urbana. Além disso, tenta-se conter disparidades sociais e econômicas influenciando
assim, no mercado de terra.
Alguns aspectos influenciaram no adensamento e expansão urbana em Aracaju, como o
estabelecimento de normas de controle de uso e ocupação do solo, permitindo e restringindo a
realização de obras e intervenções urbanísticas, especialmente no tocante ao sistema viário e
implantação de equipamentos coletivos e, por fim, o valor da terra. Esses elementos se
constituíram importantes para a escolha das áreas utilizadas pelo mercado imobiliário, para
construção de condomínios, ou pelo Estado para implantação de conjuntos habitacionais.
Diante disso, este artigo busca analisar o papel do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano –
PDDU de Aracaju, como incentivador do processo de expansão a partir de 2000. Essa legislação
urbanística, através do macrozoneamento e seus respectivos índices, tem direcionado a ocupação
para áreas com precária infraestrutura e acessibilidade, presença de grandes vazios e elementos
ambientais, como dunas e lagoas, na Zona de Expansão Urbana e no bairro Jabotiana,
respectivamente enquadrados nas Zonas de Adensamento Restrito – ZAR e de Adensamento
Básico – ZAB 2. De fato, o rápido crescimento fragmentado é fruto de uma urbanização controlada
por uma legislação ineficaz, que serviu aos interesses do capital e aumentou a distância entre
pobres e ricos, reforçando uma série de mecanismos de segregação e exclusão social.
Para o desenvolvimento deste foram realizados levantamentos documentais referentes à
legislação e aos empreendimentos construídos nas referidas zonas do PDDU, quantificando-os e
mapeando-os a fim de subsidiar a análise desse referido processo.
Tabela 1
Aracaju
Produção Habitacional
Empreendimentos e Unidades Habitacionais por Zonas de Adensamento
2000 - 2014
Área
% Empreendimentos %
(km2 )
ZAB 1 21,81 13,34 37 7,13
ZAB
ZAB 2 53,06 32,46 365 70,32
ZAP 8,89 5,46 50 9,63
ZAR 79,67 48,74 67 12,92
Total 163,45 100 519 100
Fonte: França, 2016.
Todavia, o grande entrave da ZAR é o antagonismo entre legislação e realidade, em função dos
índices urbanísticos elevados, que beneficiam os agentes produtores da moradia,
desconsiderando a capacidade do saneamento básico. A permissividade das normas para a
indução ao parcelamento do solo é significativa tendo em vista o coeficiente de aproveitamento
máximo até 3,5, a taxa de permeabilidade 5% e a de ocupação com 90% (FRANÇA, 2011).
Quanto à estruturação urbana, verifica-se que a definição do coeficiente de aproveitamento
elevado patrocinou os interesses imobiliários, sobretudo favorecendo a ZAP 4 e 5, ZAB 2 e ZAR,
que corresponde a bairros valorizados e com poucos vazios urbanos, mais centralizados, portanto
sendo, ao longo desses anos, adensados. Os bairros na porção oeste da ZAB 2 e na ZAR, ambos
com infraestrutura deficiente e sistema viário fragmentados, mas com índices urbanísticos
elevados, foram alvo do atuação do mercado imobiliário e do Estado, no tocante à produção de
empreendimentos habitacionais, em especial do Programa Minha Casa Minha Vida.
A construção de grandes empreendimentos nessas áreas mais valorizadas, localizadas nas ZAB,
tem causado enormes ganhos ao setor imobiliário. Essa fragmentação fundiária, proporcionada a
partir da instituição de uma nova forma de produção imobiliária, tornou-se elemento fundamental
no avanço das relações capitalistas de produção do espaço.
O setor imobiliário pouco se interessou por atuar em bairros da ZAB1, assinalados por uma
ocupação mais popular, com assentamentos precários e irregulares. Isso tendeu a reduzir os
interesses de investimento, embora haja uma participação do setor privado na produção
habitacional subsidiada pelo Minha Casa Minha Vida.
Assim, observa-se que o Plano Diretor se apresenta como forte fator contribuidor do descompasso
entre ocupação e uso do solo e dotação de recursos para infraestrutura, havendo um
distanciamento da verdadeira restrição ao adensamento, considerando a capacidade de
saneamento ambiental, especialmente esgotamento sanitário e drenagem urbana, que deveriam
conter a expansão fragmentada e nociva para as condições ambientais da cidade.
REFERÊNCIAS
ARACAJU. Lei no 42 de 06 de outubro de 2000. Institui o Plano Diretor de Desenvolvimento
Urbano de Aracaju e dá outras providências. Aracaju, SE. 06 de outubro de 2000.
FRANÇA, Sarah L. A. Estado e Mercado na produção contemporânea de habitação de
Aracaju-SE. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Niterói: UFF, 2016.
______________. A produção do espaço na Zona de Expansão Urbana de Aracaju:
dispersão urbana, condomínios fechados e políticas públicas. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo). Niterói: UFF, 2011.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 - EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLÍTICA URBANA
Palavras Chave: Regularização Fundiária; São Paulo; Federalismo; Política Legislativa; Direito
Urbanístico.
A análise buscará se centrar na regulamentação da Lei 11.977 de 7 de julho de 2009, que trata do
Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV e da regularização fundiária de assentamentos
localizados em áreas urbanas, pelos municípios do Estado de São Paulo, especialmente nos
Planos Diretores e em legislações específicas de Regularização Fundiária, analisando quantitativa
e qualitativamente as legislações municipais e realizando uma análise focada na política
legislativa e no federalismo brasileiro dentro da perspectiva da Regularização Fundiária de
assentamentos precários. Tal análise se faz necessária, pois apesar da numerosa legislação
urbana existente no Brasil e nos municípios do Estado de São Paulo, ainda enfrentamos diversos
problemas urbanos, principalmente no que tange a garantia de moradia adequada para
populações de baixa renda. A pergunta que se faz é o porquê dessa lacuna entre o vasto aparato
normativo e as práticas das políticas públicas de regularização fundiária. As hipóteses que se
colocam são se a lacuna se dá devido baixa taxa de regulamentação da Lei nº 11.977/2009, ou
devido à baixa capacidade institucional dos municípios brasileiros, ou ainda, se existem outros
problemas ainda não identificados no que concerne à política de regularização urbana.
1. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E O DIREITO À MORADIA ADEQUADA
O direito humano à moradia adequada é reconhecido em diversas declarações e tratados de
direitos humanos como a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948 (Art. XXV, item
1), o Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais de 1966 (Art. 11), a
Declaração sobre Raça e Preconceito Racial de 1978 (Art. 9º), a Convenção sobre a Eliminação
de todas as formas de Discriminação contra a Mulher de 1979 (Art. 14); a Convenção sobre os
Direitos das Crianças de 1989 (Art. 23); a Declaração sobre Assentamentos Humanos de
Vancouver de 1976 entre diversos outros instrumentos internacionais. Internamente encontramos
a previsão de garantia do direito a moradia no Art. 6º da Constituição Federal ao situá-lo no rol de
direitos sociais e um plexo de leis federais, estaduais e municipais que tratam do tema da
moradia, das quais destacamos o Estatuto da Cidade como um importante instrumento legislativo
brasileiro.
O Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001, regulamenta os artigos 182 e 183 da
Constituição Federal que tratam da política urbana e suas diretrizes gerais, as quais objetivam
Municipais eram incompletos, não possuindo histórico da legislação e em alguns casos nem mesmo contato
eletrônico ou telefônico, menos ainda acesso a dados pela Lei da Transparência.
3
telefônico com as prefeituras e Câmaras Municipais5, das 208 (duzentos e oito) leis informadas
apenas 128 (cento e vinte e oito) foram encontradas, ou constavam como parte integrante do
Plano Diretor Municipal ou enquanto legislações específicas.
Não pode ser identificado como um problema o fato de que do total de 645 municípios do Estado
de São Paulo, 313 (trezentos e treze) não possuírem Plano Diretor na MUNIC ou o fato de que,
dentre os declarantes 70 (setenta) não possuírem suas legislações encontradas, afinal, a
legislação federal obriga apenas cidades, uma vez que a legislação federal apenas obriga as
cidades com mais de 20.000 (vinte mil) habitantes, integrantes de regiões metropolitanas e
aglomerações urbanas e de áreas de interesse turístico.
Ocorre que mesmo com um arcabouço normativo federal suficiente à execução de ações de
regularização fundiária sem a necessidade de regulamentação municipal, são necessários
determinados ajustes legislativos e procedimentais, bem como a eliminação de obstáculos e
gargalos na legislação que dificultam a aplicação da lei federal de regularização fundiária.
Podemos assim determinar algumas características e instrumentos normativos necessários à
implementação de ações de regularização fundiária urbana como a existência de plano diretor, de
conselho municipal de política urbana, legislação de parcelamento do solo urbano, legislação
regulamentadora de ZEIS e de CDRU, e programas específicos de regularização fundiária.
A legislação que regulamenta o parcelamento do solo se faz necessária, visto o processo de
regularização fundiária ter como uma de suas etapas a aprovação e o registro do parcelamento do
solo. As ZEIS, a CUEM e demais instrumentos normativos ainda que criados por legislação
específica e não enquanto parte integrante do Plano Diretor são necessários por fornecer ao
gestor um leque maior de possibilidades para a regularização fundiária. Por sua vez, a criação de
legislação específica própria para solucionar problemas de licenciamento ou questões tributários
se mostra igualmente facilitadora do processo de regularização fundiária.
Entendendo a Regularização Fundiária como um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas,
ambientais e sociais e analisando apenas o corpo normativo existente nos municípios de São
Paulo, a quase inexistência de leis de Regularização Fundiária demonstrada em 437
(quatrocentos e trinta e sete) dos municípios da base de dados da MUNIC, somados aos 80
municípios que declararam possuir legislação regulamentadora de regularização fundiária, mas
que não tiveram suas leis encontradas, se mostra como um reflexo não apenas da baixa taxa de
regulamentação da Lei nº 11.977/2009, mas igualmente à baixa capacidade institucional dos
municípios brasileiros.
Ao analisar os sítios eletrônicos e demais estruturas da burocráticia6 dos 645 municípios paulistas,
a maioria desses se mostrou precária, isto é, das prefeituras e camaraas que possuíam sitos
5 Importante mencionar que o processo de busca ativa da legislação foi dificultado pela inexistência de
informações nos sítios eletrônicos municipais, ausência de contatos para informação ou mesmo hiperlinks
inexistentes para supostas páginas do Portal da Transparência.
6 Informações de contato telefônico ou eletrônico, quadros sistemáticos das leis aprovadas ou em tramite
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 03 – EFETIVIDADE DOS INSTRUMENTOS DE POLITICA URBANA
1. INTRODUÇÃO
Há décadas busca-se o desenvolvimento sustentável num planeta já urbano, onde as cidades nos
põem “diante de um desafio inadiável: o enfrentamento político da rudeza da realidade social e da
alienação cultural que o ordenamento territorial globalizado impõe” (BARBOSA, 2011, p.144). Para
tal embate, no Brasil a Constituição de 88 deu novo horizonte para política urbana e ambiental.
Atribuiu aos municípios competências e obrigações, inclusive, quanto a tutela do bem ambiental.
Neste liame, o Estatuto da Cidade coroa o arcabouço legal do direito urbanístico, traz no seu bojo
os instrumentos da política urbana, munindo os municípios para cumprir suas atribuições legais.
Sob a perspectiva dos instrumentos da política de desenvolvimento urbano, instituídos no art. 4º do
Estatuto da Cidade, o presente texto ocupa-se em estudar a Transferência do Direito de Construir
– TDC, verificando suas limitações e possibilidades no âmbito da Metrópole de São Paulo.
Desde a Carta de Embu, vários autores conceituou a Transferência do Direito de Construir – TDC,
assim se introduz o fundamentado pelo Instituto Pólis, na publicação da Câmara dos Deputados:
[...] um dos instrumentos de regulação pública do exercício do direito de construir,
que pode ser utilizado pelo Poder Público municipal para condicionar o uso e edifi-
cação de um imóvel urbano as necessidades sociais e ambientais da cidade. [...]
tem sido aplicado para os imóveis considerados de interesse para preservação por
seu valor histórico, cultural, arqueológico, ambiental, ou destinado à implantação de
programas sociais. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001, p. 116).
Ainda, anterior e consonante ao Estatuto da Cidade, Nelson Saule Júnior a conceitua como:
[...]instrumento destinado a compensar os proprietários de imóveis considerados de
interesse para preservação por seu valor histórico, cultural, arqueológico, ambien-
tal[...] por exemplo [...] numa área declarada de proteção aos mananciais, o que
restringe o direito de construir a um potencial de construção menor que o definido
para a zona urbana da cidade. Nesse caso, o proprietário pode utilizar em outro
imóvel de sua propriedade a diferença entre a área do terreno e a área construída,
ou pode vende-la para outro proprietário. (SAULE JÚNIOR, 1997, p.301)
Como sintetiza Lucchese (2001), a gênese do instrumento está vinculada à proteção ambiental e
patrimonial, pela compensação efetuada por meio de transferência de potencial construtivo não
usado somado ao Solo Criado.
2.1. Garantias aos Bens Ambientais Protegidos
A proteção aos Bens Ambientais e Culturais está garantida no inciso XII do artigo 2º do Estatuto
das Cidades, coadunando com a tutela do meio ambiente, natural e artificial, nos termos do artigo
225 da Carta Magna, e também dos artigos 215 e 216. Destarte, aos municípios cabem efetivar seu
cumprimento de modo concreto e eficaz, pois tal obrigação da municipalidade “não é uma mera
faculdade ou opção [...], mas sim um dever indeclinável, uma inafastável imposição de ordem pú-
blica e interesse social em prol do bem coletivo” (MIRANDA, 2007, p.3).
Portanto, a efetividade da Transferência do Direito de Construir – TDC é relevante, e está intrínseca
às ações de cada município, como elucidado na publicação da Câmara dos Deputados:
Cabe à lei municipal dispor sobre a finalidade que o imóvel deve atender em razão
da restrição do exercício do direito de construir e definir o limite máximo do potencial
construtivo do imóvel que poderá ser transferido. Deve definir também as condições
de transferência, [...], os procedimentos de controle da transferência e do uso do
imóvel, as modalidades de extinção da transferência e as obrigações do proprietário
e do Poder Público. (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2001, p.118)
Fórmula
ACr=(VTc/CAc) X (CAr/VTr) X ATC
Gráfico 1 - Análise da aplicação da fórmula segundo parâmetro do valor venal. Fonte: elaborada pela autora
Sabe-se, sob a lógica do mercado imobiliário, que áreas com restrições protecionistas ambiental ou
patrimonial, tendem a desvalorização, opostamente, as com permissão para alto adensamento
4
construtivo se valorizam. Logo, as transações envolverão um cedente desvalorizado e um receptor
valorizado, gerando áreas menores como comparado, trazendo duvidas a adoção deste parâmetro.
Confirma-se que a parametrização envolve questões técnicas do urbanismo e não somente econô-
micas. Nesta vertente, Alochio entende:
[...]O critério econômico do valor venal só tende a impedir uma coisa: que o propri-
etário não consiga ganhar mais dinheiro no mercado do que ganharia via desapro-
priação. Não protege o valor urbanístico de uma justa distribuição da cidade e de
seu aproveitamento racional. (ALOCHIO, 2012, p.134)
Apenas Cedentes, 4
Genericamente, 8
Especificamente, 4
Gráfico 4-Análise dos critérios contidos no disciplinamento da Transferência do Direito de Construir – TDC.
Fonte: Elaborado pela autora.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em síntese, a Transferência do Direito de Construir – TDC é o instrumento que permite transferir
para outro local, ou alienar o potencial construtivo não utilizado dos imóveis com interesse para
preservação por seu valor histórico, cultural, arqueológico, ambiental.
6
O estudo mostrou que o instrumento ainda está timidamente incorporado as políticas urbanas; limi-
tado por vezes a reprodução do art. 35; e que poucos empregam critérios de planejamento urbano.
Portanto, estar simplesmente instituída pelos planos diretores e/ou regulamentas por lei específica,
não garantem a preservação do bem tutelado, muito menos o direito à cidade sustentável.
Todavia, sob a visão não niilista, vê-se possibilidades à luz do Estatuto da Metrópole, para utilização
a Transferência do Direito de Construir – TDC no âmbito regional, quando da instituição do Plano
de Desenvolvimento Urbano Integrado – PDUI, que poderá alavancar a melhora de sua instrumen-
talização, e propiciar um novo alvorecer ao direito à cidade sustentável.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALOCHIO, Luiz Henrique Antunes. O direito do urbanismo e a transferência do direito de
construir: requisitos de limitação nas leis locais. Revista de Direito Administrativo, Rio de Ja-
neiro, v. 249, p. 119-141, ago. 2012. ISSN 2238-5177. Disponível em: <http://bibliotecadigi-
tal.fgv.br/ojs/index.php/rda/article/view/2543>. Acesso em: 28 out. 2016.
JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades. 3ª Ed. São Paulo: WMF Editora Martins
Fontes. 2011.
MARCHESAN, Ana Maria Moreira. A tutela do patrimônio cultural sob o enfoque do direito
ambiental: uma abordagem transdisciplinar. 2006. 327f. Dissertação (Mestrado em Direito) -
Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis. Disponível em: <http://www.dominiopu-
blico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=40424>. Acesso em: 28 out.
2016.
SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 14ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2016.
SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à ges-
tão urbanos. 10ª Edição. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBNÍSTICO
GT 04 – DIREITO Á MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
1) INTRODUÇÃO
1
Graduação em Serviço Social pela UFRJ; Pós Graduação em Administração Pública pela UniBrasil;
Assistente Social da COHAB-Curitiba;dlcabrial@gmail.com.
2
Graduação em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Curitiba; Pós Graduação
em Programas e Projetos Sociais pela PUC-PR; Pós Graduação em Educação Inclusiva pela UNINTER;
Assistente Social da COHAB-Curitiba: jgiacometti@cohab.curitiba.pr.gov.br.
3
Graduação em Serviço Social pela Faculdade de Ciências Humanas e Sociais de Curitiba; Pós Graduação
em Administração Pública e Gerência de Cidades pela UNINTER; Assistente Social da COHAB-
Curitiba;luciasilva@cohab.curitiba.pr.gov.br.
4
Regula Net. Banco de Dados das áreas de ocupação irregular e famílias em situação de precariedade
habitacional da COHAB Curitiba, criado em 2005.
1
pública e privada, entre outros.
Atualmente temos cerca de 320 áreas cadastradas no Regula Net com um universo
aproximado de 35.000 famílias.5 Este universo não corresponde a totalidade de ocupações
irregulares no Município, mas a sua expressão é significativa e por isso um desafio no que se
refere a sistematização de informações que possam tanto subsidiar projetos, mas também
contribuir com indicadores socioeconômicos capazes de expressar as necessidades reais de
produção, regularização e inclusão na cidade.
Neste sentido, o presente trabalho pretende apontar os principais aspectos da
sistematização dos dados socioeconômicos das áreas de ocupação irregular frente a estruturação
da política habitacional no Município, os desafios nos procedimentos de cadastro e legitimação de
posse e a contribuição efetiva nos processos de desenvolvimento da política e também de
planejamento.
5
Vale ressaltar, que o Regula responde apenas pelos cadastros de áreas de ocupação irregular. A COHAB
possui o cadastro de pretendentes, Fila.Net, para demandas espontânea e inscrição individual.
2
"Para gestores da Secretaria de Habitação, esta subordinação representava
ganhos expressivos, pois os recursos alocados na rubrica do PAC não estaria
sujeitos a contingenciamentos. Diferentemente dos recursos do FNHIS, no entanto,
os do PAC não estavam atrelados a quaisquer mecanismos de controle social ou a
critérios institucionais de redistribuição, sendo a sua alocação prerrogativa
exclusiva da Casa Civil da Presidencia da República".6
Em 2009 foi lançado o Programa MCMV, que estabelece patamares de subsídio conforme
renda das famílias com objetivo de atender a população com moradia, mas também impactar a
economia através da construção civil.
No entanto, o enfoque dado ao PAC e ao MCMV tem mais a contribuir enquanto medida
economica do que propriamente com o compromisso de investimentos numa politica de habitação,
uma vez que estes programas confrontam os princípios do SNHIS impactando no papel
estratégico da administração local e nos mecanismos de controle social.
No Municipio de Curitiba, a Politica de Habitação de Interesse Social é estruturada e
executada pela Companhia de Habitação – COHAB Curitiba, que é uma sociedade de Economia
Mista, que vem desde 1965 desenvolvendo a politica local.
A fim de atender os requisitos da Política Nacional para captação de recursos, foi
elaborado o Plano de Habitação de Interesse Social através da Lei 11.266 de 2004 e também o
Plano Municipal de Regularização Fundiária em Areas de Preservação Permanente. (Vasco, 2014)
Em Curitiba foram contratados 18 projetos do PAC no período de 2007 a 2011. Foram
identificadas cerca de 12.859 famílias nos trechos de intervenção. Destas, 6.928 familias com
previsão de reassentamento. (Gomes, 2014)
No que se refere ao PMCMV em Curitiba, no periodo de 2009 a 2013, foram contratados
5470 unidades habitacionais do Faixa 1 (renda até R$ 1600,00) e 8614 unidades do Faixa 2
(R$1600,00 até R$ 3275,00).
No gráfico abaixo, verificamos as unidades efetivamente entregues para famílias no
periodo de 2005 a 2015. Contudo, é possivel verificar o quanto os programas PAC e MCMV
impulsionaram a produção de unidades no Municipio de Curitiba.
6000
4950
5000
4000
Quant.
6
CARDOSO, ARAGÃO & ARAUJO, 2011, p. 5
3
"Os dados do Município de Curitiba, tanto das contratações efetivadas quanto das
previsões de contratação, possibilitam evidenciar que o PMCMV além de franca
expansão está sendo efetivado através da implantação de tipologias verticais
definidas pelas construtoras, portanto, valendo- se a lógica do lucro dessa na
verticalização.
Contudo, a preocupação na verticalização não está posta no valor de financiamento
repassado às famílias, que sem sombra de dúvidas são os mais subsidiados e
acessíveis que já foram praticados na história da Política Nacional Brasileira, mas
sim no valor do condomínio (...) bem como na quantidade de cômodos para
dormitório,(...) decorrendo disso a fixação dessas nas novas condições de moradia.
Ainda agrava essa situação a realidade das famílias que estão sob múltiplas
vulnerabilidades, (...) e que no conjunto de perversidades como a pobreza, o tráfico
de drogas, a violência a cultura da exclusão e do não acesso à cidadania, passarão
a conviver em empreendimentos adensados e formados por famílias provenientes
de diversos territórios, faixas de renda e diversidades de cultura e de problemas."7
7
VASCO, 2014, p. 18
4
importante para detectar na intervenção, se as ações planejadas e inicialmente previstas estão
trazendo ganhos às famílias e especialmente se as demais políticas públicas as absorveram como
suas demandas.8 3-) Avaliação final: ocorre com a finalização do Trabalho Social no território, a
qual utiliza como base a Matriz de Indicadores de Pós Ocupação do MCIDADES tanto no
desenvolvimento e aplicação de pesquisas como na elaboração de relatório final.
Além do cadastro para subsidiar o diagnóstico, já é possível ter sistematizado no Regula
Net o questionário de Satisfação do Morador e assim verificar a percepção em relação a nova
moradia, seus ganhos e perdas, a inserção nos serviços e programas, comparando com a
situação original a fim de extrair os resultados do projeto.
3) CONSIDERAÇÕES FINAIS
4) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
8
Esta avaliação tem uma grande importância, pois traz à tona necessidades prementes de reprogramação
de ações ou de redirecionamentos no processo de trabalho, dada a diferença entre o tempo previsto de
implementação do projeto e o tempo real de execução.
5
CARDOSO, Adauto Lúcio; ARAGÃO, Thêmis Amorim; ARAUJO, Flávia de Souza. HABITAÇÃO
DE INTERESSE SOCIAL: Política ou Mercado? Reflexões sobre a construção do epaço
metroploitano. XIV Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro, 2011. Disponível em:
http://www.observatoriodasmetropoles.net/download/adauto_cardoso.pdf. Acesso em 10 de agosto
de 2015.
SANTOS, Rosângela Gomes dos. Auswirkungen des Programms PAC auf die
Stadtentwicklung in Curitiba. Karlsruher Institut für Technologie, Alemanha.2014.
BRASIL. Casa Civil. LEI Nº 11.124, DE 16 DE JUNHO DE 2005. Sistema Nacional de Habitação
de Interesse Social – SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e
institui o Conselho Gestor do FNHIS. Brasília. 2005.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 - DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
1. Introdução
A luta pelo Direito à Cidade no Brasil toma força a partir da década de 1960. O processo
acelerado de crescimento urbano e de industrialização ocorrido nas décadas anteriores, gerou um
modelo de urbanização excludente e fundado na produção de desigualdades, levando a
segregação socioespacial e um crescente déficit habitacional.
Nas décadas de 1970 e 1980 os movimentos populares de luta por moradia se intensificam
e a Reforma Urbana entra na pauta das grandes discussões da Constituinte de 1988. O
Movimento Nacional de Reforma Urbana, hoje, Fórum Nacional de Reforma Urbana, na década
de 1980, incorporou o direito à cidade e a função social da propriedade na Constituição, direitos
conquistados nos artigos 182 e 183.
Na década de 1990, a articulação social de organizações governamentais, lideranças
sociais, técnicos do poder público, entre outros, reforça o ideário da reforma urbana. A
incorporação de propostas de regulação do uso do solo e a busca por maior participação popular
na gestão das cidades, manteve a pressão por uma lei nacional que solucionasse os problemas
enfrentados pelas cidades. Diante deste cenário em 2001 é aprovado o Estatuto da Cidade - Lei
Federal 10.257, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição, e que, através de seus
instrumentos urbanísticos, tributários e jurídicos busca garantir o Direito à Cidade, tendo como um
de seus incentivos a formação de Conselhos Municipais da Cidade, além do o direito à cidade
sustentável, da gestão democrática e da função social da propriedade.
Poucos anos depois, em 2003, foi criado o Ministério das Cidades ocupando um vazio
institucional que havia sobre as políticas urbanas a serem implantadas nas áreas de
desenvolvimento urbano, habitação, uso e ocupação do solo, transporte urbano e mobilidade e
trânsito. Especialmente no campo da habitação, vem preencher à ausência de uma política
habitacional voltada para população de baixa renda, o que, segundo o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada - IPEA (2013) contribuiu para o déficit habitacional de 5,4 milhões de
domicílios, do qual 83,5% localizam-se nas áreas urbanas.
Urbanismo, rdsilva@uem.br.
1
Desta forma o Ministério das Cidades implanta a Política Nacional de Habitação (PNH) em
2004, o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS/FNHIS) em 2005 e o Plano
Nacional de Habitação (PlanHab) em 2008. A Política Nacional de Habitação representa um
grande avanço em termos institucionais e legais, desenvolvendo estratégias e ações a serem
implementadas pelo Governo Federal. Uma delas é o Sistema Nacional de Habitação, órgão
gerido pelo Ministério das Cidades e acompanhado e avaliado pelo Conselho das Cidades
(ConCidades), com o intuito de organizar os agentes que atuam na área de habitação e
possibilitar a participação popular. O Sistema Nacional de Habitação é dividido em Sistema
Nacional de Habitação de Mercado e Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS).
A adesão dos estados e municípios ao SNHIS é voluntária, mas tem como condição o
compromisso de criar um Fundo Local de Habitação de Interesse Social, um Conselho Gestor do
Fundo Local e elaborar um Plano Local Habitacional de Interesse Social (PLHIS).
Na continuidade dos avanços em direção ao direito à cidade e melhores condições de
moradia, em dezembro de 2008 foi sancionada a Lei nº 11.888/08 que trata da contratação
gratuita de serviços de assistência técnica de arquitetura e engenharia, pelas famílias que ganham
até três salários mínimos e que necessitam de um projeto para reforma ou construção da sua
casa. A lei surge não somente para qualificar a moradia e o local onde estará localizada, mas
também formalizando a edificação, prevenindo riscos e oportunizando ações sustentáveis.
2
jurídico não garante o direito à moradia de qualidade. Para possibilitar o acesso a quem não pode
pagar pelo projeto e pela sua execução de sua moradia foi promulgada a Lei nº 11.888/2008, que
aponta um caminho para milhões de brasileiros alcançarem à moradia digna, conforme definido no
Art. 6º da Constituição Federal .
A lei destina-se a famílias residentes em áreas rurais ou urbanas, sendo que a assistência
pode ser de forma individual ou para grupos organizados, como associações ou cooperativas e
deve priorizar áreas classificadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Abrange
projetos, acompanhamento e execução de obras, tendo como objetivos:
I – otimizar e qualificar o uso e o aproveitamento racional do espaço edificado e de seu
entorno, com recursos humanos, técnicos e econômicos empregados no projeto e na
construção da habitação;
II – formalizar o processo de edificação, reforma ou ampliação da habitação perante o
poder público municipal e outros órgãos públicos;
III – evitar a ocupação de áreas de risco e de interesse social;
IV – propiciar e qualificar a ocupação do sítio urbano em consonância com a legislação
urbanística e ambiental.
A assistência técnica pode ser prestada por profissionais, órgãos públicos ou associações e
organizações das áreas de arquitetura e urbanismo e engenharia, devendo as famílias
beneficiárias serem selecionadas por conselhos municipais compostos por representação paritária
do poder público e da sociedade civil. Os recursos podem vir de fundos federais para habitação de
interesse social ou outros recursos públicos orçamentários e privados. As diretrizes para execução
do programa de assistência técnica estão previstas na Instrução Normativa n º 35/2010, a qual
orienta quanto ao processo de apresentação e seleção de propostas. As diretrizes fazem
referência, por exemplo, às fontes de financiamento, aos tipos de família a serem atendidas e ao
aprimoramento tecnológico. A contrapartida do proponente pode ser: o terreno onde serão feitas
melhorias ou a construção da edificação; os materiais de construção; as custas cartorárias; as
taxas públicas; o alvará de construção, o habite-se; a averbação; o imposto sobre transmissão de
bens imóveis por ato oneroso inter vivos (ITBI); e ou a aprovação dos projetos.
No caso da participação de entidades privadas sem fins lucrativos, estas deverão ser
legalmente constituídas a pelo menos três anos, sendo vedada a participação daquelas com
Cadastro de Informativo de Créditos não quitados do Setor Público Federal. Os projetos devem
respeitar as normas técnicas específicas, podendo ser: edificação de unidade habitacional;
urbanização e parcelamento do solo; recuperação de área degradada; regularização fundiária; e
trabalho social. Admite-se melhoria, conclusão e construção de unidades e a contratação de mão
de obra para o projeto, acompanhamento ou execução, inclusive em regime de mutirão,
autoconstrução e autogestão.
Embora estruturado o caminho para realização da assistência técnica, a mesma ainda não
tem acontecido da forma como pretendida. Desta forma, o Conselho das Cidades (ConCidades)
3
implementou um grupo de trabalho através da Resolução nº 22 de 10/08/2012, com objetivo de
apresentar formas para sua implementação, realizando ajustes, articulando órgãos do governo e
divulgando experiências bem sucedidas. A Resolução nº182 de 17/09/2015, recomenda ainda
ações no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), incluindo a assistência técnica
entre os itens de investimento.
Para divulgar e debater a lei, o Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo (CAU) realizou
dois seminários nacionais e passou, através de editais, a financiar ações vinculadas a promoção
da Assistência Técnica. Com a finalidade de estimular cada vez mais ações nesta área, a partir de
2017 o CAU aprovou o repasse de 2% de seu orçamento para apoiar ações voltadas à Lei
11.888/2008 em todo o Brasil. A decisão faz parte das “Diretrizes para Elaboração do Plano de
Ação e Orçamento do CAU 2017”, aprovadas na 56ª Plenária Ordinária realizada em 2016.
4
Institucional para Projetos de Assistência Técnica do CAU/BR, haviam sido finalizados 74 projetos
executivos, 40 projetos legais e 38 obras foram iniciadas. Nos doze meses seguintes, foram
finalizados outros 24 projetos executivos, 34 projetos legais e mais 34 obras foram iniciadas.
No ano de 2016, contando com apoio financeiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do
Paraná, o Laboratório de Pesquisa em Habitação e Assentamentos (LAPHA) vinculado ao
Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Estadual de Maringá, realizou para os
municípios do aglomerado metropolitano de Maringá, Sarandi e Paiçandu , o curso de capacitação
“Aplicação da Lei de Assistência Técnica – Lei 11.888/08” , o CAPACITA HIS.
O objetivo do curso segundo Silva (2016), foi ampliar a compreensão do papel social e
técnico dos profissionais arquitetos e urbanista, engenheiros civis, gestores públicos, entidades
voltadas à produção de habitação e acadêmicos, em relação à questão habitacional, direcionando
a cidades mais justas. O formato de capacitação proposta enfatizou o papel social dos envolvidos,
sobretudo dos gestores, pois embora tenham elaborados seus PLHIS e Planos Diretores, não
fomentam formas de acesso a moradia a não ser via programas habitacionais federais, o que
deixa de lado especificidades como potencialidade de atuar via cooperativismo habitacional,
formação de mutirões ou outra forma de acesso coletivo ou individual à moradia popular,
restringindo assim o acesso à habitação.
Figura 1 – Curso CAPACITA HIS realizado nos municípios de Maringá, Sarandi e Paiçandu. Fonte: Silva,
2016.
Alguns caminhos para fazer valer a Lei foram apontados nos debates realizados, como: a
criação de um cadastro de profissionais para atender esta população, a abertura de editais
públicos e a institucionalização deste serviço nos órgãos públicos.
4. Considerações finais
5
Embora tenha sido instituída uma política para o acesso das famílias de menor renda a
Assistência Técnica expressa na Lei 11.888/2008, para que, de fato, se disponibilize os serviços
de arquitetura e urbanismo e engenharia, é preciso inicialmente que gestores públicos, técnicos e
população beneficiária tenham conhecimento da Lei e dos programas vigentes. A Lei não só
amplia o direito da população como permite qualificar habitações e cidades. A questão é como
colocar isto em prática.
Embora algumas entidades como o Instituto de Arquitetos do Brasil e Conselho de
Arquitetura e Urbanismo tenham esboçado alguns caminhos, ainda há muita dúvida por parte de
todos os envolvidos como fontes de recursos, seleção dos profissionais, entre outros. A Lei
permite a contratação deste serviço, utilizando dentre outras fontes, o uso de recursos do Fundo
FMHIS, tornado lei entre os municípios que desenvolveram seu PLHIS. A demanda pode ser
identificada no Cadastro Único onde constam as famílias que necessitam de moradia com
subsídio estatal, sendo os projetos e o acompanhamento da obra realizados com equipe própria
do órgão público municipal, por profissionais e entidades contratadas ou por instituições sem fins
lucrativos, através de convênios, como universidades.
Observa-se através dos debates promovidos pelo CAU, bem como através das experiências
relatadas neste artigo, que existe grande oferta de profissionais e instituições, mas ainda falta
ampliar o conhecimento sobre a Lei de Assistência Técnica tanto aos profissionais como às
comunidades, além de vontade política.
5. Referências bibliográficas
BRASIL. Lei nº. 11888, de 24 de dezembro de 2008. Lei de Assistência Técnica. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 dez. 2008. Disponível em
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11888.htm. Acesso em 10 mai.
2017.
BRASIL. Lei nº. 11.124, de 16 de junho de 2005. Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 17 jun. 2005. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11124.htm. Acesso em 10 mai.
2017.
BRASIL. Lei nº. 10257, de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Diário Oficial [da] República
Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 jun. 2005. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm. Acesso em 10 mai. 2017.
SILVA, Beatriz Fleury - Aplicação da Lei de Assistência Técnica para Habitação de Interesse
Social - Lei 11.888/2008: CAPACITA HIS. Maringá, 2016.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 - DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP) com pós-doutorado na Université Paris-
Nanterre, é professora associada nível 4 da Universidade Federal do Rio Grande do Norte |
amadjaufrn@gmail.com.
3 ANDRADE (2016).
4 HAUMONT (2001) e RAYMOND (2001).
5 Sigla, em francês, para o que traduzimos como Locação Social. HLM - Habitations à Loyer Moderé.
5 Livre tradução do nome dado ao método de análise do discurso, pelos pesquisadores do ISU. Em francês:
Paroles d’habitants.
1
Para Lefebvre7 e para este trabalho, ao discurso do entrevistado deve ser dado papel de
destaque, já que expressa, de sua própria maneira, o sistema de palavras e objetos que lhe é
significativo. Por isso, o discurso dos 19 entrevistados sobre o habitar em empreendimentos do PLS
foi capturado através entrevistas abertas/não estruturadas e analisado com foco em seus elementos
significantes do ponto de vista espacial8, temporal9 e dos agentes10 que compõem o Programa.
Como recorte espacial, consideramos 04 dos 06 empreendimentos viabilizados pelo PLS entre 2002
e 2015: a Vila dos Idosos11 o Residencial Olarias12, o Edifício Senador Feijó13 e o Palacete dos
Artistas14. Compõem ainda o parque imobiliário de locação social da PMSP o Parque do Gato e o
Edifício Asdrúbal do Nascimento localizados no distrito do Bom Retiro e Sé e inaugurados em 2004
e 2009, respectivamente.
Figura 1: Localização do estado e cidade de São Paulo, seguido pela localização do campo empírico da
pesquisa, no centro da cidade.
7 LEFEBVRE (1970).
8 Referente aos aspectos físicos do habitat.
9 Referente à história de vida dos habitantes, as diversas tipologias e modalidades habitacionais que
1992) um Convênio de Cooperação Técnica com o governo da França para analisar a experiência daquele
país de reabilitação de velhos centros urbanos e já na gestão da prefeita Marta Suplicy outros convênios
foram firmados, tanto com o governo francês quanto o da Itália e Holanda.
entrevistados. Por gestão, nos referimos tanto às atribuições dos órgãos “oficiais” de gestão
(SEHAB/HABI) e operação (COHAB) do Programa, vinculados à PMSP, quanto à presença e apoio
de movimentos sociais organizados, junto à suas bases. A percepção dos habitantes aponta, assim,
uma segmentação clara do campo empírico da pesquisa: aqueles empreendimentos cuja gestão e,
sobretudo, o acompanhamento dos assistentes sociais, é percebido como positivo e aquele onde
os discursos revelam o abandono da Prefeitura aos beneficiários.
O Residencial Olarias, inaugurado em 2004, é o empreendimento no qual a palavra do habitante
se manifesta de forma mais enfática sobre o abandono das gestões públicas entre 2005 e 2013,
principalmente no que se refere ao trabalho social, o que se traduz na dificuldade de manutenção
do patrimônio público construído e na insegurança e desinformação sobre a continuidade do
Programa. Para aqueles que habitam o Olarias, a insegurança em relação à permanência no habitat
caminha junto com o conflito entre a realização do sonho da casa própria e a moradia em aluguel,
os desestimulando a criar vínculos definitivos com o habitat, ou seja, se apropriar.
No caso do Edifício Senador Feijó, inaugurado em 2009, observamos que os habitantes se
sentem seguros no que se refere à permanência no Programa e à assistência da Prefeitura do ponto
de vista do trabalho social e principalmente do vínculo com movimentos de moradia. Tendo isso em
vista, inicialmente imaginamos que sua percepção nos conduziria a concluir pela apropriação total
do habitat concebido pelo PLS, no entanto, os habitantes manifestam a intenção de transformar a
modalidade do programa ao qual estão submetidos, passando-o da locação à aquisição. Trata-se,
por um lado, da apropriação do espaço físico, de sua localização, da ascensão social promovida
pelo Programa, das relações de vizinhança, mas não da locação social como habitação definitiva.
Esse quadro de apropriação do “viés” temporário do Programa não abrange, no entanto, os
empreendimentos de acesso direcionado aos idosos, que se relacionam com o habitat em locação
de forma definitiva. Sua percepção é a de que a locação social pode interferir no mercado popular
de aluguel, reduzindo os abusos praticados no setor privado de locação. Com isto, a ampliação do
parque imobiliário de locação pública no Centro e, portanto, o controle do Estado sobre o uso do
solo, poderia frear o avanço do capital imobiliário sobre aquela área. Assim, os idosos entendem e
também se apropriam do significado político e social da locação, que pode contribuir para o acesso
dos trabalhadores à habitação acessível do ponto de vista econômico-financeiro e bem localizada
no espaço urbano.
Observamos, no entanto, diferença entre a percepção dos idosos que habitam a Vila dos Idosos
(inaugurado em 2007) e o Palacete dos Artistas (inaugurado em 2015) e aquela dos idosos
habitantes dos demais empreendimentos. Estes últimos, constroem seus discursos sobre “como é
morar ali” de forma semelhante aos demais habitantes, que desejam migrar para programas
habitacionais de acesso à casa própria. Entendemos que essa diferença se deve, sobretudo, à
organização dos habitantes ao redor de movimentos de moradia, que acontece nos primeiros casos,
particularmente na Vila dos Idosos, onde o Grupo de Articulação para Moradia do Idoso na Capital
(GARMIC) potencializa o acompanhamento socioeducativo da Prefeitura - instável nos diversos
momentos pelos quais atravessa o empreendimento – e constrói uma ponte entre os beneficiários
e os órgãos de gestão pública.
De uma forma geral, a palavra do habitante dos empreendimentos do PLS destaca a
apropriação da locação social. Dos quatro empreendimentos analisados, dois são específicos para
idosos e reúnem elementos que possibilitam a apropriação do habitat: a expectativa do público alvo
em relação à moradia definitiva em locação social, a participação de movimentos sociais na gestão
dos condomínios, a continuidade – parcial – do acompanhamento da Prefeitura, sobretudo do
trabalho técnico social e a não afirmação do sonho da casa própria. Em relação aos habitantes
entrevistados nos outros dois empreendimentos, metade menciona a preferência pela propriedade
privada como forma de acesso à habitação, estando um deles no Edifício Senador Feijó e os demais
no Residencial Olarias. Apesar de ser um discurso presente em ambos os empreendimentos, do
ponto de vista qualitativo observamos diferença entre a percepção daqueles que vivem em
empreendimentos tidos como problemáticos e “sem liderança”, como é o caso do último, e a
percepção daqueles que vivem num contexto de engajamento em movimentos sociais de moradia,
como é o caso do primeiro.
Durante a investigação, observamos ainda a unanimidade na palavra dos habitantes no que se
refere ao Residencial Olarias (com 137 unidades habitacionais) e o Parque do Gato (com 486
unidades habitacionais), percebidos como habitats problemáticos, sobretudo do ponto de vista da
existência de episódios de criminalidade e vandalismo ao patrimônio público. O acompanhamento
do GARMIC à Vila dos Idosos, no entanto, o torna uma exceção a essa regra, já que o
empreendimento conta com 145 unidades habitacionais e é tido como uma experiência exitosa,
tanto pelo poder público, quanto e principalmente, pela palavra do habitante do PLS.
Sobre os aspectos físicos ou série espacial do habitat, conforme a terminologia do método,
observamos que pouco aparecem no discurso dos entrevistados e, nesse sentido, a qualidade do
espaço construído é apenas pontuada, não ocupando um papel de protagonismo na fala dos
habitantes. Quando mencionadas, as questões relativas a este aspecto tratam da incompatibilidade
entre o tamanho da habitação18 e as expectativas das famílias mais jovens, normalmente mais
numerosas. E ainda, das vantagens da concentração de poucas unidades habitacionais por
empreendimento, favorecendo a gestão do poder público e proporcionando mais segurança e
integração social entre os habitantes.
Assim, do ponto de vista das contribuições da palavra do habitante à atuação do arquiteto e
urbanista, enfatizamos a adoção de tipologias de habitação que apresentem alterações no
programa (como adição de cômodos) ou melhores soluções espaciais (cômodos mais amplos ou
multifuncionais). E ainda, a viabilização de empreendimentos do PLS através da reforma e reuso
de edificações – que normalmente resultam em menor número de unidades habitacionais por torre
-, ao invés da construção de grandes conjuntos habitacionais. Isto corrobora o que foi apreendido
através da palavra dos habitantes do PLS - sobretudo quando se referem ao Edifício Senador Feijó
18 Que segue os padrões quitinete, apartamento com um dormitório e apartamento com dois dormitórios.
e o Asdrúbal do Nascimento, com 45 e 40 unidades habitacionais, respectivamente - além de
potencializar a ação do programa na requalificação de áreas centrais abandonadas através do
aproveitamento do estoque de imóveis desocupados e inseridos em malhas urbanas centrais e já
consolidadas, como é o caso do Centro de São Paulo.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Enquanto arquiteta e urbanista, buscamos, a partir da palavra do habitante contribuições para
nossa concepção e encontramos mais do que isso. Inicialmente, ao encarar o desafio metodológico
de Henri Lefebvre e da equipe do ISU buscamos superar o distanciamento entre a teoria e a prática,
entre a concepção e a prática espacial e dar ao habitante, voz no processo de concepção de sua
habitação. Com relação à gestão de projetos, programas e políticas habitacionais, observamos que
a tradição de descontinuidade e abandono das propostas e inciativas implantadas de uma gestão
para outra, sobretudo no poder público municipal, precisa ser rompida e em seu lugar,
implementada uma rotina de avaliação e revisão dos resultados, investimentos e novas
possibilidades atendimento à população.
Finalmente, por meio da palavra do habitante, descobrimos que idade se constitui em um dos
fatores de influência na percepção e apropriação dos habitats do PLS. Pela dificuldade e
desinteresse em acessar financiamentos da casa própria, assumindo compromissos de longo
prazo, com altas prestações e, sobretudo, porque têm uma expectativa de futuro com uma escala
temporal reduzida em relação aos habitantes mais jovens, os idosos percebem a habitação do PLS
como sua última morada. Dessa forma, entendemos que uma das principais contribuições da
palavra do habitante no processo de avaliação e (re)desenho do Programa é a indicação de
manutenção desse nicho de atuação direcionado à população com mais de 60 anos e, inclusive, do
estabelecimento de programas e políticas específicas para este público.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANDRADE, Sarah de Andrade e. A palavra do habitante e as possibilidades de apropriação do
habitat em locação social: o Programa de Locação Social da Prefeitura municipal de São Paulo.
201 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, Natal, 2016.
DIOGO, Érica Cristina Castilho. Habitação social no contexto de reabilitação urbana da área
central de São Paulo. 171 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2004. Disponível em:
<http://labhab.fau.usp.br/biblioteca/teses/diogo_mestrado_habcontexto.pdf>. Acesso em: 30 maio.
2017.
HAUMONT, Nicole. Les pavillonnaires: etude psyco-sociologique d’un mode d’habitat. 3a ed.
Paris: L’Hamarttan, 2001.
KOHARA, Luiz; COMARU, Francisco; FERRO, Maria Carolina. Locação social como alternativa ao
problema de habitação popular na região central de São Paulo. In: GARCIA, Ariel (Org.). Espacio
y poder: en las políticas de desarrollo del siglo XXI. Buenos Aires: Ceur/Conicet, 2014, p. 264-
LEFEBVRE, Henri. Du rural a l’urbain. Paris: Éditions Anthropos, 1970.
RAYMOND, Henri. Paroles d'habitants: une méthode d’analyse. Paris: L'harmattan, 2001.
SÃO PAULO (Município). Conselho do Fundo Municipal de Habitação. Resolução do Conselho
do Fundo Municipal de Habitação nº 23, de 12 de junho de 2002. Aprova o Programa de Locação
Social do Fundo Municipal de Habitação de São Paulo. Disponível em:
<http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/RESOLUCAOCFMH23_1252610964.p
df>. Acesso em: 30 maio. 2017.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
1 - Introdução
O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criado em 2009, é foco dos trabalhos
publicados na coletânea de Amore 2 ou de Cardoso e Aragão 3, que ressaltam algumas dificuldades
geradas na implementação deste. Duas delas são: a dificuldade de inserção da população no
padrão habitacional e tipologia das construções, e a localização dos empreendimentos, que por
terem a construção e escolha das localidades controladas pela dinâmica do mercado foram em sua
maioria construídos nas periferias das cidades. O primeiro caso se explica pelo padrão de
condomínios que se implementou em muitos conjuntos construídos, que além do estabelecimento
de regras de convivência diferentes do que grande parte da população estava acostumada, gerou
um novo custo à sua moradia. Quanto à localização, esse aspecto pode ter sido um agravante na
locomoção diária para as localidades dos trabalhos, escolas, dentre outros, e o reflexo de seu custo
no orçamento das famílias.
Entretanto, apesar das objeções apontadas, é necessário ressaltar que o PMCMV, detém
sua importância, devido à sua magnitude (Um milhão de unidades na primeira fase e dois milhões
e setecentos e cinquenta mil na segunda fase) e a inclusão de subsídios diretos à famílias de até
dez salários mínimos, sendo o Faixa 1 contemplada com subsídios diretos de até 95% do valor do
imóvel (Caixa Econômica Federal)4.
Outro aspecto que merece cautela, é em relação à localização. Embora grande parte dos
empreendimentos esteja localizada nas periferias das cidades, adverte Cardoso e Aragão5 que “O
Vida: 25 anos da política habitacional no Brasil. In O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos
territoriais. Adauto Lucio Cardoso (org.). Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.
4 CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Cartilha Completa sobre o Programa Minha Casa Minha Vida.
Brasília, 2012.
5 CARDOSO, Adauto Lúcio , ARAGÃO, Thêmis Amorim. 2013. Op. Cit. P.45
processo de periferização dos novos empreendimentos, no entanto, deve ser analisado à luz da
especificidade de cada cidade, já que a dinâmica metropolitana recente tem levado à criação de
subcentralidades periféricas, o que torna a análise mais complexa”.
Esse trabalho se propõe a analisar as operações de venda e aluguel no Programa Minha
Casa Minha Vida, focando no Faixa 1, no município de Parnamirim, que integra a Região
Metropolitana de Natal, no aspecto de locação e comercialização dos imóveis. Para a realização
dessa pesquisa, se utilizou literaturas e bibliografia dos principais autores nacionais sobre o tema,
acesso às leis que regulam o programa, coleta e tabulação de anúncios de venda e locação de
imóveis enquadrados nessa categoria, pesquisa de campo e notícias vinculadas na imprensa.
O trabalho está estruturado com uma descrição do PMCMV e suas características no
território nacional, em seguida expõe os elementos legais que regulamentam a propriedade no
período de financiamento e por fim, tratará em especifico, do programa na Região Metropolitana de
Natal, em particular a prática de venda e aluguel dos imóveis no município de Parnamirim.
6
CARDOSO, Adauto Lúcio , ARAGÃO, Thêmis Amorim e JAENISCH, Samuel Thomas. Vinte e dois anos
de Política Habitacional no Brasil: da euforia à crise. In Vinte e dois anos de Política Habitacional no
Brasil: da euforia à crise. Adauto Lucio Cardoso, Thêmis Amorim Aragão e Samuel Thomas Jaenisch
(orgs.). Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2017.
7 Idem Ibidem, 2017, p.42-43
A Lei 11.977 no seu artigo 6º, trata das subvenções concedidas aos beneficiários do
programa, que tem como um de seus objetivos “facilitar a aquisição do imóvel residencial” e traz no
4º parágrafo as regras para os subsídios para a faixa 1 do programa. Primeiramente esclarece que
a quitação do imóvel antecipadamente fará com que o proprietário perca o subsídio concedido,
tendo assim que pagar o valor integral do imóvel. Adiciona também que não é possível se transferir
o imóvel, antes deste ter sido totalmente quitado, e que qualquer tipo de contrato, será considerado
ilegítimo fora das condições previamente estabelecidas.
3 - Resultados
Para além do mero ato de comercialização do imóvel, esta pesquisa investigou as dinâmicas
que caracterizam e impulsionam os beneficiários venderem ou locarem os imóveis com que foram
sorteados. Essa pesquisa abordou essa conduta nos imóveis faixa 1 do Programa Minha Casa
Minha Vida no município de Parnamirim, localizado na Região Metropolitana (RM) de Natal, sendo
o segundo maior em população depois de Natal. A delimitação da pesquisa nesse município se
justifica pela sua dimensão econômica e populacional na RM de Natal, além de ser o município em
que mais unidades habitacionais foram entregues nas fases 1 e 2.
Na RM de Natal, 9 municípios foram contemplados com o programa, através de 39
empreendimentos e em 22 localidades diferentes. Em Parnamirim, foram entregues 4.720
moradias, o que corresponde a mais de 38% do total de habitações entregues na RM de Natal. São
Fonte: Dados dos Grupos de Pesquisas Cidades Contemporâneas e Estúdio Conceito – UFRN
São dez empreendimentos entregues num intervalo de seis anos e em cinco localidades
diferentes. Todas as unidades habitacionais entregues em Parnamirim são apartamentos em
conjuntos de vários blocos. Todos os empreendimentos também estão alocados na forma de
condomínios fechados com portaria e acesso restrito.
Embora os dez empreendimentos estejam localizados em áreas distantes do centro
da cidade, apenas dois residenciais (inseridos na mesma localidade) estão desconectados da malha
urbana já constituída, sendo visualizados de forma isolada, são os residenciais Terras do Engenho
I e Terras do Engenho II
No mês de novembro de 2016, o grupo de Pesquisa Estúdio Conceito – Departamento de
Políticas Públicas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – realizou uma pesquisa de
campo em três municípios da RM de Natal: Parnamirim, Macaíba e São Gonçalo do Amarante.
Esses municípios foram os que tiveram maior número de habitações entregues pelo programa no
período. Verificou-se que 12% da população residente em Parnamirim moravam nesses
empreendimentos na condição de aluguel. Quando questionados se tinham conhecimento de algum
imóvel para alugar ou vender no condomínio, 76% deles afirmaram que sim.
Outra etapa da pesquisa se deu na forma de coleta de anúncios em classificados online de
vendas e locações. Foi utilizado o site da OLX, filtrando os resultados de imóveis para o estado do
Rio Grande do Norte. A coleta dos dados obedeceu aos seguintes procedimentos: primeiramente a
busca com o termo “Minha Casa Minha Vida”, e uma segunda etapa, excluindo-se os
empreendimentos das faixas 2 e 3, inserindo os nomes dos empreendimentos do faixa 1, o que filtra
os resultados e lista os imóveis que estão à venda ou para aluguel.
FIGURA 1 – LOCALIZAÇÕES DOS EMPREENDIMENTO PMCMV EM
PARNAMIRIM
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
(2)
AMORE, Caio Santo; SHIMBO, Lúcia Zanin e RUFINO, Maria Beatriz Cruz (orgs.). Minha Casa...
e a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros. Rio
de Janeiro: Letra Capital, 2015.
(3)
CARDOSO, Adauto Lúcio , ARAGÃO, Thêmis Amorim. Do fim do BNH ao Programa Minha
Casa Minha Vida: 25 anos da política habitacional no Brasil. In O programa Minha Casa Minha
Vida e seus efeitos territoriais. Adauto Lucio Cardoso (org.). Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.
(4)
CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Cartilha Completa sobre o Programa Minha Casa Minha
Vida. Brasília, 2012.
(5)
CARDOSO, Adauto Lúcio , ARAGÃO, Thêmis Amorim. 2013. Op. Cit. P.45
(6)
CARDOSO, Adauto Lúcio , ARAGÃO, Thêmis Amorim e JAENISCH, Samuel Thomas. Vinte e
dois anos de Política Habitacional no Brasil: da euforia à crise. In Vinte e dois anos de Política
Habitacional no Brasil: da euforia à crise. Adauto Lucio Cardoso, Thêmis Amorim Aragão e Samuel
Thomas Jaenisch (orgs.). Rio de Janeiro: Letra Capital: Observatório das Metrópoles, 2017.
(9)
FREITAS, Régis Arantes. Carência regulatória do contrato de gaveta. Frutal, MG. Prospectiva,
2015.
(10)
Pochmann, M. (2009). O trabalho na crise econômica no Brasil: primeiros sinais. Estudos
Avançados, 23, 41-52.
Angel De Nardi 1
Gerardo Silva 2
1) INTRODUÇÃO
O espaço da morada desde os primórdios é a base essencial da segurança tanto física
como psíquica do ser humano. Após o final da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração
Universal dos Direitos Humanos de 1948, em seu Art. 25, item 1, foi reconhecido que: “toda
pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem-
estar, inclusive alimentação, vestuário [e] habitação “. Porém, mesmo sendo um consenso, o
acesso a estes direitos ficou muito a quem da realidade, pois a lógica do desenvolvimento
industrial guiado pela lógica do mercado foi deixando à margem a população menos favorecida,
sobretudo nos países periféricos como Brasil. Nesses países, com efeito, a população de baixa
renda é desfavorecida da oferta de moradia acessível, regular e em áreas bem localizadas,
impulsionando assim uma expansão periférica e o crescimento de um mercado imobiliário de
alugueis informais, que se sustenta na necessidade de morar e na falta de garantias, ou restrições
cadastrais, do locatário. Essa situação leva à precariedade nas condições de habitabilidade nas
moradias de locação informal, ocasionando um alto grau de vulnerabilidade social.
2) NOTAS SOBRE VULNERABILIDADE, PRECARIEDADE HABITACIONAL E
PLANEJAMENTO
Embora o termo de vulnerabilidade possua vários significados, destacamos o conceito de
Kaztman (1999), onde descreve que as vulnerabilidades resultam da relação entre duas variáveis:
estrutura de oportunidades e capacidades dos lugares (territórios). Compreende-se por estrutura
de oportunidades a composição entre: a) mercado (empregos, estrutura ocupacional); b)
sociedade (em especial, capital social, relações interpessoais de apoio mútuo, geradas com base
em princípios de reciprocidade como ocorre, por exemplo, na organização familiar, na
comunidade, nos grupos étnicos ou na religião); e c) Estado (políticas de bem-estar e estruturas
de representação de demandas e interesses, por exemplo: conselhos de direitos). Já o conceito
1
Angel De Nardi - Graduação em Arquitetura e Urbanismo (Universidade Braz Cubas, 1987). Integrante do
Grupo de Pesquisa : Política, Políticas Públicas e Ação Coletiva (3PAC) – UFABC. E-mail:
arqangeldenardi@gmail.com
2
Gerado Silva - Doutor em Sociologia (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/UCAM).
Professor Doutor (Universidade Federal do ABC). E-mail: gerardo.silva@ufabc.edu.br
1
de capacidades dos lugares (territórios) diz respeito às possibilidades de acesso a condições
habitacionais, sanitárias, de transporte, serviços públicos, entre outros - fatores que incidem
diretamente no acesso diferencial à informação e às oportunidades e, consequentemente, no
acesso a direitos.
Desta definição percebe-se que o estudo do aluguel social como política de bem-estar está
estreitamente relacionado às capacidades de lugares, e por tanto a vulnerabilidade social, pois em
todo país há sempre um segmento da população que não seria capaz de pagar a habitação
adequada sem algum tipo de assistência. Como afirmam Peppercorn e Taffin (2013):
"A grande maioria dos imóveis para locação em todo o mundo é subsidiado
e em mãos privadas. Em todos os lugares há grandes necessidades de
moradia segura, decente e acessível nos níveis de renda mais
baixa. Alguns países desenvolvido, sobretudo, tem seus setores de
locação social considerável, mas mesmo assim a demanda não pode ser
atendida e há muitas vezes longas listas de espera para habitação
subsidiada nas principais cidades. Na maioria das economias emergentes,
os únicos aluguéis acessíveis disponíveis estão no setor informal, com
más condições de habitação e pouca segurança da posse." (p. xi).
2
"Em cada um dos arcabouços teóricos da política, que procuram fazer
sentido, são abordados três elementos essenciais, se bem que de forma
diferente. Em primeiro lugar, o entendimento da política exige alguns
conhecimentos sobre os atores que levantam as questões, estabelecem as
opções, tomam decisões em relação às opções propostas e as
implementam. ... . Em segundo lugar, os insights políticos dependem do
valor que se dá às idéias que moldam as deliberações políticas. ... . E, em
terceiro lugar, a policy-making acontece no bojo de um conjunto de
estruturas sociais e políticas, que afetam as deliberações sobre o "deve ser
feito".
3) PRECARIEDADE HABITACIONAL E ALUGUEL SOCIAL: O CASO DE SÃO BERNARDO
DO CAMPO (SP)
Atualmente no Brasil o aluguel social vem sendo utilizado por vários municípios,
geralmente com alto índice demográfico, regulamentados por leis municipais e embasados em
legislações federais, com a finalidade de assistir temporariamente a população de baixa renda
com dificuldades de acesso à moradia. Inicialmente com a Constituição de 1988, no artigo 6º,
caput e por fim com a PL nº 6.342/09, no artigo 10º, Em situações de risco, desastre natural, ou
havendo necessidade de remoção para intervenção pública, poderá ser adotada a “bolsa aluguel”,
§ 1º ; A “bolsa aluguel” garante o acesso de famílias de baixo poder aquisitivo ao mercado
locatício em caráter emergencial, por período determinado, e compreende: I. Subsídio para o
pagamento dos aluguéis mensais; II. Oferecimento de garantia, quando necessário. § 2º O valor
máximo de aluguel mensal permitido para admissão será composto pelo valor da bolsa e pelo
valor que o beneficiário pode comprometer, de acordo com a renda mensal familiar. § 3º A
duração do benefício dependerá das políticas a ele atreladas. Mediante essa normatização
federal, os Municípios implantaram por meio de legislações próprias suas "bolsas alugueis",
porém cada qual com sua própria nomenclatura.
No caso específico do Município de São Bernardo do Campo (SP), que constitui o objeto
desta pesquisa, foi adotado nome de " Programa Renda-Abrigo", através da Lei Municipal
nº5.617/2006, alterada pela Lei Municipal nº5.681/2007 e novamente alterada pela Lei Municipal
nº6.289/2013. Especificamente no Município de São Bernardo do Campo o Programa Renda
Abrigo está direcionado em quase sua totalidade às famílias remanescentes de áreas
reurbanizadas e/ou áreas de risco. Atualmente o município atende 2.631 famílias assistidas
(fevereiro de 2017 ) e está direcionado em quase sua totalidade à remanescentes de áreas
reurbanizadas e/ou áreas de risco, ainda que não bem esclarecido ou definidos existem processos
gerados no espaço urbano pela existência dos Programas de " Aluguel Social ". Para isso vale a
reflexão sobre a organização institucional do espaço, que não necessariamente coincide com o
estudo do elemento estrutural que chamamos de gestão, pois é a expressão específica do
3
aparelho de Estado ao nível de uma unidade urbana, assim sendo, devemos levar em
consideração vários outros dados que ultrapassam a organização espacial.
Para desenvolvimento do trabalho foi feito um recorte para Estudo de Caso em uma área
de Tipologia 5 3 - CÁSPER LIBERO - SARACATAM, de remoção total onde existiam 43 unidades
habitacionais cadastradas, porém apenas 34 famílias foram beneficiadas pelo Programa Renda
Abrigo. A seguir destacamos dos aspectos relevantes da nossa indagação: i) a dinâmica territorial
e, ii) o impacto social.
i) Dinâmica Territorial
Para entendimento da dinâmica territorial foi desenvolvido um mapeamento da origem
(área de localização inicial) e destino (local declarado onde reside) dos assistidos, para analise
espacial do impacto ocasionado pela remoção e o apoio do Programa a essas famílias assistidas.
Das 34 famílias assistidas, 14 (41,18%) famílias, estabeleceram-se em um raio de
aproximadamente 1 quilômetros de distância, 7 (20,59%) famílias residem entre 1 e 2 quilômetros
de distância, 6 (17,65% ) famílias entre 2 e 3 quilômetros de distância, 3 ( 8,82% ) famílias
estabeleceram-se em um raio de até 06 quilômetros de distância e as outras 4 (11,76% ) famílias
estabeleceram-se acima de 07 quilômetros.
ii) Impacto Social
O impacto social é diretamente ligado ao custo/benefício do Programa propriamente dito,
sendo assim analisamos o valor do benefício com a realidade do mercado imobiliário da região em
estudo. O valor pago pelo Programa Renda Abrigo em fevereiro de 2017 à família assistida é de
R$ 315,00 (Trezentos e quinze reais). Como a maior parte da assistidas (61,77%) estão em um
raio de até 02 quilômetros de distância de seu local de origem, foi feito um levantamento de
preços junto as imobiliárias que locam imóveis na região, uma vez que não existe alguma
associação que às represente. O custo médio de um imóvel de dois cômodos e um banheiro,
geralmente localizados em um mesmos terreno com dois ou mais imóveis com essas
características, é alugado pelo valor de R$ 600,00 (Seiscentos reais), por tanto, o valor do
benefício não está acorde aos exigidos pelo mercado.
4) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como constatado pelo estudo feito, a maioria das famílias removidas, tendem a
permanecer o mais próximo de seu local de origem num raio de distância de até 02 quilômetros e
que o valor do pago pelo benefício do Programa Renda Abrigo está muito aquém da realidade do
mercado imobiliário, podendo assim ter como consequência o fenômeno de as famílias se
sujeitarem a sub-moradia, sendo que esses os valores de locação referem-se em sua grande
3
Tipologia 5 - Assentamentos irregulares não consolidáveis:
Não podem ser consolidadas por restrições de natureza jurídica ou físico-ambiental;
Há situação de risco mapeada.
4
maioria a sub-locações onde o próprio inquilino sub-aluga parte do imóvel. Somando-se a esse
fato, as famílias de maneira natural formam vínculos ou interações com o entorno onde residem.
Estes vínculos socioeconômicos podem ser de vários tipos, relacionados à escola
frequentada pelos filhos, facilidade de acesso ao local de trabalho e até mesmo pelos
relacionamento interpessoais com moradores do local de origem. Assim sendo, ir para outro local
torna-se um problema para essas famílias uma vez que esses vínculos socioeconômicos terão
que ser formados novamente. Por tanto em muitos casos as famílias sujeitam-se a uma sub-
moradia para evitar os problemas que surgiriam caso fosse necessário a mudança da mesma
para um local distante.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CASTELLS, M. (ed.2014). A questão urbana. Paz e Terra, p. 295
CHRISPINO, A. (2016). Introdução ao estudo das políticas públicas: uma visão interdisciplinar e
contextualizada. Rio de Janeiro: FGV.PP. 156 e 224.
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HOWLETT, M.;RAMAESH, M.; PERL, A. (2013). Política pública. Seus ciclos e subsistemas – uma
abordagem integral. Rio de Janeiro: Elsevier,p. 55.
KAZTMAN, R. (1999). Activos y estructuras de oportunidades: estudios sobre las raíces de la
vulnerabilidad social en Uruguay. Disponível em : http://biblioteca.cepal.org/search~S0*spi?/
akaztman/akaztman/1%2C2%2C60%2CZ/l856&FF=akaztman+ ruben&1%2C%2 C59%2C1%2C0. Acesso
em: 28 set. 2016.
LEI ORGÂNICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL LEI Nº 8.742/93, complementado pela Lei nº 12.435/11.
MARQUES, E. ; FARIA, C. A. P. (Orgs.) (2013). A política pública como campo multidisciplinar. São
Paulo: Editora UNESP; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, p.25
MINISTÉRIO DAS CIDADES - Portaria nº 21, de 22 janeiro de 2015 - Manual de Instruções do Trabalho
Social, CAP. III , IV - PLANEJAMENTO, 3 - PROJETO DE TRABALHO SOCIAL, 3.1, b) e c).
MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL E COMBATE À FOME (2012) - Orientações Técnicas
sobre o PAIF, pp. 12,13,14, e 15
PEPPERCORN, G. e TAFFIN, C.(2013). Rental Housing: Lessons from International Experience and
Policies for Emerging Markets. World Bank Group, p. xi
PROJETO DE LEI N.º 6.342/2009, Art. 10º, parágrafos 1º, 2º e 3º
SISTEMA DE INFORMAÇÃO DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL DE SÃO BERNARDO DO CAMPO
- SIHISB (2013). Disponível em : www.sihisb.saobernardo.sp.gov.br
SILVA, V.(2013), A Locação Social como forma de acesso à moradia: a experiência de São Paulo
como oposição as variadas formas de aluguel social temporário, Dissertação de Mestrado, PUC-RJ.
5
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
1. Introdução
O envelhecimento populacional é uma realidade mundial, ao mesmo tempo em que o
nosso mundo é uma cidade em crescimento1. O envelhecimento da população brasileira ocorre de
forma intensa. Dados do World Population Prospects da Divisão de População da ONU, apontam
que atualmente a população total brasileira é de 207.847 milhões de pessoas, sendo que deste
total, 26.3 milhões (7,9%) de brasileiros têm 65 anos ou mais2. Neste cenário, o Brasil e o mundo
têm enfrentado muitos desafios e novas demandas no que tange às temáticas, espaço urbano e
envelhecimento, haja visto que cerca da metade da humanidade vive hoje nas cidades.
Dentre os aspectos relacionados à essa transição demográfica, destacam-se a redução da
taxa de fecundidade, diminuição da mortalidade, avanços tecnológicos, bem como fatores
relacionados à família, com a transformação de sua estrutura tradicional, por meio de mudanças
de papéis sociais, decréscimo dos números de filhos, migração urbana, entre outros.
A Constituição Federal de 19883 é explícita ao indicar os responsáveis em proteger os
idosos, apontando no artigo 230 a responsabilidade da família, sociedade e do Estado no dever
de amparar as pessoas idosas. Entretanto, frente a tendente insuficiência de recursos financeiros
e escassez de suporte social, essa população passa a demandar maior atenção do poder público,
para a garantia de direitos4,5.
Como consequência da transição demográfica, o número de idosos em áreas urbanas
aumentou e tende a crescer ainda mais, evidenciando a necessidade deste espaço amparar essa
lucas.campos2@yahoo.com.br
4 Terapeuta Ocupacional, especialista em saúde coletiva e doutora em Engenharia de Produção. Docente
2.2. Resultados
As visitas realizadas no Recanto Feliz possibilitaram comparar a situação do local com os
eixos elencados pela Estratégia, permitindo correlacionar os itens listados pela OMS ao que se
pode observar no local de estudo.
O primeiro eixo observado refere-se à moradia, que no Recanto Feliz pode ser
considerada um aspecto favorável por ser gratuita e corresponder às expectativas de muitos
moradores, que por vezes são oriundos de locais precários. Entretanto, a falta de planejamento,
impacta fortemente na relação do idoso com o ambiente, contribuindo para o isolamento e a
dependência. Também não permite confortavelmente que os idosos envelheçam em casa, pois o
condomínio é localizado em região afastada de serviços e comércios, o que dificulta a integração
comunitária.
Em relação ao eixo transporte, aferiu-se que embora haja um ponto de ônibus próximo ao
condomínio, ele não é fisicamente adaptado, e os horários disponíveis e as linhas não atendem as
necessidades dos passageiros. Destaca-se ainda neste item, a superlotação da condução, ruas
inadequadas, com buracos e demais obstáculos.
3
Em igual proporção, há muito o que se falar a respeito do item referente aos espaços
abertos e prédios, que são insatisfatórios, praticamente inexistindo bens públicos nas
proximidades, calçamento inadequado, falta de segurança e serviços distantes do condomínio.
Sobre o eixo Participação Social, os idosos do Recanto Feliz ocasionalmente participam de
atividades de lazer, como as desenvolvidas pelo serviço social do comércio (SESC). Entretanto,
os convites são feitos de forma generalizada e só participam aqueles que desejam, não havendo
ações de combate ao isolamento dos que por algum motivo não comparecem, nem há integração
com a comunidade, visto que os eventos são em locais distantes do condomínio.
Com relação ao Respeito e Inclusão Social, não foram identificadas ações para esse
propósito. Embora alguns familiares às vezes visitem os idosos, isso não é estimulado pelo
condomínio, tampouco há tentativa de reaproximação daqueles que possuem vínculos familiares
enfraquecidos. Nessa mesma vertente, sobre a Participação Cívica e Emprego, também não se
observou medidas que favorecessem o engajamento da população às condições de emprego e
renda, menos ainda a respeito de opções de voluntariado e treinamento dos idosos.
Sobre o eixo Comunicação e Informação, essas ocorrem de modo pouco satisfatório, visto
que a oferta de informação aos idosos ocorre verbalmente e por meio de mural afixado no centro
de convivência, entretanto, poucos são os idosos alfabetizados. Outro aspecto que merece
destaque é a inexistência de programas de acesso à computadores e à internet, atividade essa
que ao mesmo tempo que proporcionaria acesso à um novo meio de comunicação, diminuiria o
tempo ocioso dos idosos, considerando as poucas atividades oferecidas no local.
No que tange ao Apoio Comunitário e Serviços de Saúde, verifica-se certo
comprometimento no acesso, dada a distância dos equipamentos sociais, o transporte insuficiente
e a ausência de planejamento e assistência em emergências. Entretanto, como ponto positivo,
alguns serviços voluntários são ofertados no local, por exemplo, ações de saúde bucal realizadas
por uma universidade privada do município.
3. Considerações finais
Com o crescente número de pessoas idosas no cenário urbano brasileiro, repensar meios
de suporte à essa população é medida que se impõe. Assim, mais do que pensar em políticas
públicas, é importante que estas estejam adequadas em conformidade às legislações, normas e
outros documentos, criados para efetivar a conquista de direitos de forma adequada,
contemplando as demandas da população à qual se destina.
Nesse sentido, embora a demanda habitacional seja crescente, é imprescindível
considerar mais do que a oferta de moradia. As cidades devem ser acessíveis para promover a
inclusão de idosos com diferentes necessidades e graus de capacidade. Assim, fica evidente a
importância na criação de ambientes favoráveis e propícios de forma a estimular o
envelhecimento ativo, otimizando oportunidades para a saúde, participação e segurança, de forma
a aumentar a qualidade de vida à medida em que as pessoas envelhecem1,11. Diante disso, a
4
moradia adequada representa mais do que o espaço físico da casa, deve abarcar as condições de
habitabilidade, considerando aspectos objetivos e subjetivos que configurem um espaço que
propicie a inclusão socioespacial.
Com base no exposto, considera-se que os espaços que contemplam condições que
proporcionam a habitabilidade, são amigáveis aos idosos, e deste modo influenciam diretamente a
qualidade de vida, favorecendo a saúde integral do morador. Destaca-se ainda, a importância em
se estudar essas modalidades de moradia, que, por serem políticas públicas habitacionais
recentes, ensejam ações para sua implementação adequada, embasando-se em legislações e
outros documentos existentes, como o Guia Cidade Amiga do Idoso.
Nesse sentido, revela-se a importância em identificar métodos que permitam melhorias na
gestão das modalidades de moradia, que ao serem implementadas possam contribuir na
efetividade do alcance do direito à cidade, a partir das cidades amigáveis à pessoa idosa, tendo
em vista que estas beneficiam todas as faixas etárias, impulsionando a concretização de direitos
para as presentes e futuras gerações.
4. Referências
1. ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE - OMS. Guia global das cidades amigas das
pessoas idosas. 2008. Versão traduzida para o português. Disponível em:
<http://whqlibdoc.who.int/publications/2007/9789899556867_por.pdf>. Acesso em junho de 2017.
2. UNITED NATIONS. Departament of Economic and Social Affairs. 2015 Revision of World
Population Prospects. New York. 2015. Disponível em:< https://esa.un.org/unpd/wpp/>.
Acessado em: 05/04/2017.
3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível
em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso: Ago. 2014.
4. SCHUSSEL, Zulma das Graças Lucena. Os idosos e a habitação. Revista Kairós
Gerontologia,15(8), p.53-66, 2012. São Paulo (SP), Brasil.
5. RAMOS, José Lúcio Costa; MENEZES, Maria do Rosário; MEIRA, Edméia Campos. Idosos que
moram sozinhos: desafios e potencialidades do cotidiano. Revista Baiana de Enfermagem. V.
24. N. 3. P. 43-54. Jan/dez 2010.
6. BESTETTI, Maria Luisa Trindade. Habitação para idosos. O trabalho do arquiteto, arquitetura e
cidade. Tese (Doutorado). FAU/USP. 2006.
7. MONTEIRO, Luzia Cristina Antoniossi. Políticas públicas habitacionais para idosos: um estudo
sobre os condomínios exclusivos. 2012. 145f. Tese (Doutorado em Engenharia Urbana) –
Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.
8. MIRANDA, Maria da Luz. Mobilidade de idosos em cidades sem calçadas. Depois dos 50. O
Globo, 2017.Disponível em: <http://blogs.oglobo.globo.com/depois-dos-50/post/mobilidade-de-
idosos-em-cidades-sem-calcadas.html>. Acesso em abril de 2017.
9. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). Perfil dos idosos
responsáveis pelos domicílios. 2002. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/25072002pidoso.shtm. > Acesso em: 22 de
abril de 2017.
10. MINAYO, MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo,
editora Hucitec, 2014.
11. PERRACINI, M. R. Planejamento e adaptação do ambiente para pessoas idosas. In:
FREITAS, E.V. et al. Tratado de geriatria e gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
2011. p. 1311-1323.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS HABITACIONAIS DE
INTERESSE SOCIAL
INTRODUÇÃO
(...) um Estado que protege todos os seus cidadãos dos caprichos do destino, de
desventuras individuais e do medo das humilhações sob todas as formas (medo
de pobreza, exclusão e discriminação negativa, saúde deficiente, desemprego,
falta de moradia, ignorância) que assombraram as gerações pré-guerra.
(BAUMAN, 2014, p.17)2
Como o espaço físico é definido pela exterioridade mútua das partes, o espaço
social é definido pela exclusão mútua (ou a distinção) das posições que o
constituem, isto é, como estrutura de justaposição de posições sociais. A estrutura
do espaço social se manifesta, assim, nos contextos mais diversos, sob a forma
de oposições espaciais, o espaço habitado (ou apropriado) funcionando como
uma espécie de simbolização espontânea do espaço social (BOURDIEU, 2012, p.
160).5
4
Op.Cit. p.40
5
BOURDIEU, P. A miséria do mundo. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2012, p.160.
6
MARICATO, E. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil. In:
ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único: desmanchando
consensos. Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p. 121-192.
Cidades, Conselho das Cidades (ConCidades), Sistema Nacional de Habitação de Interesse
Social, Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, Política Nacional de Habitação e o
Plano Nacional de Habitação são exemplos do arcabouço jurídico e institucional em torno da
temática urbana.
Os planos e as estratégias vislumbravam também a participação popular estabelecendo
uma dialogicidade da população com o poder público, a fim de que as demandas sociais fossem
tratadas com a devida acuidade.
Cabe aqui uma menção especifica sobre a política habitacional. Após anos sem programas
específicos para habitação (ressalte-se habitação de interesse social) em 2009 foi elaborado o
Programa Minha Casa Minha Vida - MCMV. Inicialmente formulado por meio de Medida
Provisória, logo após convertido em Lei nº 11.977/2009 (BRASIL, 2009). O Minha Casa Minha
Vida tem por objetivo promover a produção ou aquisição de novas unidades habitacionais. Ele
apresenta critérios para o oferecimento e enquadramento no programa de acordo com o valor da
renda, valor do imóvel, município, fundo de financiamento, entre outros.
Uma expectativa formou-se em torno desse programa, tendo em vista a dimensão do seu
alcance e a expressiva meta de construção de unidades habitacionais. Apesar de o programa
versar sobre habitação, o objetivo perseguido pelo MCMV era o aquecimento do mercado interno
e o fortalecimento da economia, em seus diversos setores.
Os ditames da lei previam como deveria ser a aplicação do MCMV, considerando que não
há como tratar de política habitacional sem considerar o funcionamento das cidades. Deste modo,
a Lei nº 11.977/2009 apresentou requisitos e diretrizes que deveriam ser observadas para a
implantação dos empreendimentos. A localização, os serviços, a infraestrutura e o projeto
precisavam oferecer condições dignas para a habitabilidade.
No entanto, viram-se como resultado, no espaço urbano, a ampliação da desigualdade
socioespacial e o exorbitante crescimento da especulação imobiliária:
7
CASTRIOTA. L. B. (org.). Urbanização Brasileira: redescobertas. Belo Horizonte: Ed. C/Arte, 2003, p.32-33
A pesquisa se circunscreve no município de Vitória da Conquista, entre os anos 2009 e
2014. Vitória da Conquista possui população estimada em 343.230 habitantes, a segunda maior
cidade do interior da Bahia, situada no centro sul, no sudoeste baiano (IBGE, 2010).
De acordo com o poder público municipal, foram entregues mais de dez
empreendimentos, com 350 unidades em média, do programa MCMV, para a população incluída
na política de habitação de interesse social. Ao mesmo tempo, apesar de atender tantas famílias,
a desigualdade social se mantém, além de não suprir as carências do deficit habitacional do
Município.
A pesquisa centrou na análise de três empreendimentos construídos em três áreas
distintas no Município: o Condomínio Vila Bonita, situado no Bairro Airton Senna, com 498
unidades habitacionais; o Condomínio Pau-Brasil, no Bairro Miro Cairo, com 435 unidades
habitacionais; e o Condomínio Lagoa Azul I, localizado no Bairro Campinhos, com 300 unidades
habitacionais.
Os Condomínios foram escolhidos em virtude da localização no zoneamento municipal. O
município, através do seu Plano Diretor Urbano zoneou a cidade em seis macrozonas e a cada
uma delas descreveu e disciplinou diretrizes específicas. O bairro Airton Senna está situado em
Área De Expansão Preferencial II; o bairro Campinhos em Área de Expansão Urbana Rarefeita,
em virtude de a área possuir restrições ambientais; e o bairro Miro Cairo em Área De
Adensamento Condicionado, em virtude das proximidades com a Serra do Periri. Apesar da
menção em área preferencial o bairro Airton Senna está situado fora do tecido urbano, sem
infraestrutura adequada; os outros dois bairros possuem restrições ambientais e o poder público
ignorou suas próprias diretrizes.
Para o desenvolvimento deste artigo foi utilizada a pesquisa teórica. Buscou-se analisar
autores que estudam essa temática, através de livros, teses, artigos e periódicos. Foi realizada
uma análise da Lei nº 11.977/2009, paralelo ao Plano Diretor Urbano – PDU – aprovado pelo
município de Vitória da Conquista em 2006. Ademais, a pesquisa pautou-se pela averiguação dos
empreendimentos, quanto à localização e existência de equipamentos públicos, e a adequação de
sua infraestrutura, desse modo, conhecer as instalações tornou-se primordial.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas públicas não devem ser mecanismos de especulação imobiliária, tão pouco
instrumentos de segregação da população. O Estado não tem funcionado no cumprimento da
redução das desigualdades. Vê-se crescente a política de “empurrar” a população mais carente
para áreas periféricas, negando-lhes o direito à cidade. Proporcionar a inclusão territorial não se
trata apenas da oferta da moradia, é necessário oferecer-lhes cidadania.
Verifica-se um distanciamento da condução pública aos princípios da Constituição. O que
ocorre é a arbitrariedade do poder público interpretando a legislação e aplicando os princípios de
modo diverso, como convém ao mercado. O compromisso integralizador precisa ser resignificado
na sociedade atual. As demandas sociais e a redução das desigualdades possuem múltiplas
abordagens. Porém marginalizar uma parcela da sociedade torna-se uma deficiência estrutural,
negando-lhes a eficiência do Estado.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 22ª Edição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
___________. LEI nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa,
Minha Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas
urbanas; altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de
agosto de 1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de
10 de julho de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras
providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 08 jul. 2009.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm. Acesso
em: maio de 2017.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censos Populacionais. Disponível em: <
http://cidades.ibge.gov.br/v4/brasil/ba/vitoria-da-conquista/panorama. Acesso em: maio e junho de
2017.
MARICATO, E. As ideias fora do lugar e o lugar fora das ideias: planejamento urbano no Brasil. In:
ARANTES, O.; VAINER, C.; MARICATO, E. (Org.). A cidade do pensamento único:
desmanchando consensos. Rio de Janeiro: Vozes, 2000, p. 121-192.
INTRODUÇÃO
1
Pedro Reis da Motta Veiga, advogado, é formado em direito pelo Instituto Brasileiro de Mercado de
Capitais do Rio de Janeiro (IBMEC) e já trabalhou em escritórios voltados para as áreas de direito societário
e administrativo. E-mail: pedromottaveiga@gmail.com
1
apresentando cada vez mais projetos voltados para a área de habitação de interesse social.
Entretanto, apesar destes planos direcionados para famílias de baixa renda serem muito bem
estruturados no papel, nem sempre atendem as reais necessidades de seus novos habitantes, ou
seja, muitos não observam ou são omissos no que tange o direito a moradia adequada tratando o
fornecimento do espaço físico como única preocupação e não interpretando o direito a moradia
com toda a profundidade necessária. Importante ressaltar aqui que, conforme define o Comentário
Geral nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (1991), o direito à
moradia adequada possui entendimento muito mais amplo do que se imagina, incluindo ainda a
necessidade de que o poder público atente para os seguintes fatores: disponibilidade de serviços,
infraestrutura e equipamentos públicos; localização adequada; adequação cultural; acessibilidade;
segurança da posse; e custo acessível. Dentre os elementos tratados acima, o presente trabalho
trabalhará mais especificamente com a questão da localização adequada junto ao conceito de
inserção urbana e como esses novos espaços criados podem desencadear um sensação de
exclusão por parte da população realocada.
A questão que permeia as Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS), áreas definidas no
plano diretor e destinadas a projetos de habitação social voltados para população de baixa renda,
é bem delicada pois ao passo que estas áreas mostram-se fundamentais pontos de partida para a
realocação de famílias desalojadas e inserção das mesmas na dinâmica citadina, muitas vezes
podem também ser utilizadas como forma de isolar tais famílias formando um abismo entre estas
e as regiões centrais. A possibilidade que é dada ao poder público de alterar os planos diretores e
definir estas áreas deve ser acompanhada de um planejamento muito rigoroso tendo em vista que
por diversas vezes, por influencia de interesses privados, a realocação dos moradores se dá em
regiões muito distantes daquelas onde antes habitavam suprimindo o elemento da localização
especificado no o Comentário Geral nº 4 da ONU.
Ao falar-se em inserção urbana deve-se entender, no contexto dos programas voltados a
habitação de interesse social, que esta consiste na necessidade de que tais projetos não tenham
foco exclusivo na simples produção física da habitação mas também devem atentar para como e
onde tais empreendimentos serão estabelecidos. Isto por que, “Se o programa (PMCMV) passou
a atingir uma camada da população historicamente não atendida pelas iniciativas federais na área
habitacional, não chegou a interferir em seu “lugar” histórico nas cidades, reproduzindo o padrão
periférico.”2 Este trecho volta-se mais especificamente para as famílias incluídas na Faixa 1 do
2Ferramentas para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos do MCMV. Disponível em:
<http://www.labcidade.fau.usp.br/download/PDF/2014_Pesquisa_MCMV_Relatorio_Final.pdf> Acesso em
17 maio 2017.
2
PMCMV, famílias estas que, dentre as faixas econômicas definidas no programa, são as que
possuem maior fragilidade. Tal análise demonstra clara crítica ao distorcido modo de inserção
produzido por esse programa pois, apesar do fato de agora receberem atenção do poder público,
tais famílias continuam sendo levadas às regiões periféricas, não sendo observado seu direito à
moradia e reforçando seu sentimento de não-pertencimento.
Desta forma, o que se tenta demonstrar é que as ZEIS, sendo instituto que, de certo modo,
flexibiliza a utilização do espaço público, quando implementada sem observância dos elementos
englobados pelo direito à moradia adequada, pode não produzir os efeitos almejados. A clara
diferenciação entre os empreendimentos incluídos nas Faixas 2 e 3 e os da Faixa 1(grande
distanciamento das áreas nucleares), demonstra que o aspecto financeiro afeta sim a elaboração
destes projetos. O moradores alocados na Faixa 1 demonstram grande dificuldade não só na
locomoção (principalmente no que tange o movimento pendular casa-trabalho) como também tem
dificultado seu acesso a serviços de saúde, educação e cultura, por exemplo. A estabilidade
econômica acaba tendo influencia direta na distribuição dos moradores às suas novas habitações,
fato que claramente vai contra os princípios estabelecidos nesse tipo de programa, qual seja, a
criação de uma cidade mais democrática e igualitariamente repartida.
Em texto voltado para as favelas cariocas, o professor Rafael Gonçalves3 faz o seguinte
apontamento: ““A despeito dos sinais muito claros de integração social dos favelados à cidade, o
espaço definido pelas favelas poderia ser considerado como estando “na” cidade ao invés de ser
“da” cidade”. Assim como as favelas, onde os programas de regularização fundiária vem sendo
cada vez mais utilizados como forma de “formalização” desses espaços, muitos dos
empreendimentos voltados a habitação social passam pelo mesmo fenômeno de uma falsa
inclusão no tecido urbano. Esses conjuntos encontram-se inseridos fisicamente na cidade mas em
razão de seu afastamento, da escassez de serviços e do cerceamento de políticas de segurança,
dificilmente dialogam com as demais regiões tornando-se espaços totalmente avulsos. Volta-se a
dar ênfase a sensação de não-pertencimento acarretada pela má implementação dos projetos,
sensação esta que reforça a intenção de quebra de identidade apresentada por esses programas.
Esta quebra de identidade contrapõe a forte relação que muitas das famílias tem com suas
habitações originais e a localização das novas moradias oferecidas pelo governo cuja distancia
dificulta ou mesmo inviabiliza a criação de identidade, enfraquecendo assim o sentimento
comunitário.
3GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro – História e Direito. Rio de Janeiro: PUC-Rio,
2013. p. 122.
3
Voltando aos requisitos essenciais para que se estabeleça uma condição adequada de
habitação e ainda na linha de produção de habitações sociais, deve-se esmiuçar o requisito da
localização adequada, requisito este fundamental para entender como a iniciativa da inserção
pode acabar convertendo-se em um real efeito segregacionista. Para tanto, invoca-se a definição
de localização retirada do já mencionado Comentário Geral nº 44, qual seja: “A habitação
adequada deve estar em uma localização que permita acesso a opções de trabalho, serviços de
saúde, escolas, creches e outras facilidades sociais.”Como podemos observar nesta definição,
existe uma série de fatores a serem observados para que se preencha o requisito da localidade
adequada. Entretanto, se analisarmos com atenção tais requisitos, como opções de trabalho e
serviços de saúde, estes são facilmente encontrados nas regiões mais centrais das cidades
enquanto são escassos nas áreas periféricas. Dando ênfase novamente à Faixa 1 do PMCMV,
onde grande parte das habitações são produzidas em áreas distantes dos núcleos urbanos,
compreende-se que estes moradores, mesmo mais vulneráveis, tem prejudicado seu direito a
moradia adequada pois que sua localização normalmente se dará distante das principais ofertas
de emprego e com estrutura de serviços precária. Levando em conta ainda que os serviços de
mobilidade nessas regiões também são extremamente deficitários, começa-se a entender certa
lógica perversa na definição dos espaços abarcados pelos programas.
Sob essa perspectiva, passa-se a compreender que a as regiões que envolvem essa
realocação de moradores acabam tornando-se, na realidade, ilhas urbanas tamanho o seu
isolamento e em virtude do desamparo a que ficam expostos seus habitantes. Em determinados
casos, a distorção espacial pode não ser tão grande, mas a dificuldade de deslocamento e a falta
de opções nas proximidades desses empreendimentos, por si só, são componentes de um
movimento pela partilha desigual da cidade. Tal movimento, por óbvio, vai contra a ideia de
inserção urbana trazendo a clara noção de que a produção de habitações de interesse social são
uma tentativa de mostrar que algo está sendo feito em prol da população de baixa renda, mesmo
que suas condições permaneçam inalteradas. Muda-se a estrutura habitacional sem que se altere
a discrepância social.
3. Considerações Finais
4
Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/bibliotecavirtual/promocao-e-defesa/publicacoes-
2013/pdfs/direito-a-moradia-adequada> Acesso em: 20 maio 2017
4
manutenção ou maximização das políticas de inserção urbana. A falha no preenchimento dos
mencionados elementos, em especial a localização adequada, torna os projetos ineficientes e, em
diversos casos, produz um efeito de retorno das famílias as áreas que antes habitavam, mesmo
que as condições de moradia sejam inferiores. A sensação do não-pertencimento das famílias
inscritas nesses programas, que normalmente já é forte antes mesmo de sua realocação, acaba
se acentuando com essa migração para espaços cada vez mais periféricos.
Outro perigo que se apresenta é a utilização distorcida de institutos como as ZEIS que,
voltados diretamente para a população de baixa renda, podem converter-se em práticos
instrumentos facilitadores da exclusão social subvertendo assim seu objetivo principal de amparar
famílias incluídas nos programas habitacionais. Por esse motivo, a definição das áreas
demarcadas deve ser feita com rigoroso planejamento e com respeito a cada etapa de
implantação.
Teme-se que planos de habitação social, como o Minha Casa, Minha Vida, apresentados
sob a roupagem de um programa com finalidade de dar estabilidade à famílias removidas em
função de projetos voltados para o setor imobiliário, estejam na realidade acentuado problemas já
existentes nas grandes metrópoles brasileiras e que não se coadunam com os princípios que
permeiam o direito à cidade. Isto por que, ao que parece, as políticas que vem sendo adotadas
frente a situação dessas famílias certamente não fazem parte de um plano de gestão democrática
da cidade mas sim de um sistema que visa o fortalecimento das regiões nucleares através do
afastamento de todos aqueles que possam interferir no seu processo de enobrecimento. Essas
famílias, em decorrência de seu estatuto econômico, são bem vindas como força de trabalho mas
não como utilizadores da cidade.
Portanto, dentre os elementos que integram a o direito a moradia adequada, a localização
parece fundamental para que se possa discutir os demais tendo em vista que o distanciamento
enfraquece ou mesmo impossibilita qualquer tipo de luta pelo espaço na cidade.
Referências Bibliográficas
GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro – História e Direito. Rio de Janeiro: PUC-
Rio, 2013. p. 122.
Ferramentas para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos do MCMV. Disponível em:
http://www.labcidade.fau.usp.br/download/PDF/2014_Pesquisa_MCMV_Relatorio_Final.pdf
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 – DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
1 Introdução
A garantia ao direito à habitação no Brasil é, historicamente, uma questão relevante no
que tange o estudo do contexto urbano. A falta de planejamento e de assessoria por parte dos
órgãos públicos levou as cidades a crescerem através da autoconstrução, por vezes sem
regulamentação. Isso deixou muitas famílias nas mãos de investidores, que viam como finalidade
maior de suas ações o lucro com a venda dos empreendimentos, abrindo mão da preocupação
com zoneamentos e planejamentos adequados para atender essa parcela da população.
A cidade é o local onde as pessoas devem exercitar sua cidadania, humanidade e dignidade,
ela é o meio e as pessoas são o fim, o foco de atenção. Dessa forma, ela deve ser construída e
planejada não só levando em consideração seu valor econômico, mas principalmente com intenção
de gerar condições de habitabilidade adequadas para todos os seus cidadãos¹.
O direito à moradia adequada engloba conceitos como a segurança da posse da habitação,
disponibilidade de serviços, instalações e infraestrutura, economicidade, habitabilidade,
acessibilidade, localização e adequação cultural. Ele apoia-se em três elementos: liberdades,
garantias e proteções. Dentre as liberdades, destaca-se a proteção contra a remoção forçada, a
demolição e o direito de escolher a própria residência e de onde viver; as garantias incluem
segurança à posse, acesso igualitário e não discriminatório e participação na tomada de decisões
no que refere à moradia; quanto à proteção, a principal é a contra a remoção forçada, que gera a
segurança de posse².
O conceito de habitabilidade, por sua vez, abrange aspectos capazes de interferir na
qualidade de vida e também na comodidade dos moradores. Para compor essa avaliação, é levada
em consideração a satisfação de necessidades físicas, psicológicas e socioculturais, sendo
avaliados fatores como conforto ambiental (térmico, lumínico, acústico), segurança e salubridade.
Maria, joaotelmofilho@gmail.com
3 Arquiteta e urbanista, mestre e doutora em planejamento urbano e regional pela UFRGS, docente titular da
Com base nessa lei, entende-se que um programa que seja voltado para solucionar
problemas da habitação social - como é o caso do Minha Casa, Minha Vida - não pode ser limitado
exclusivamente pelas paredes da residência, mas deve levar também em consideração o tecido
urbano como um todo, seja na questão de saneamento, seja na previsão de instalação de
infraestrutura a fim de garantir que a população ali alocada não fique excluída.
Nesse sentido, em 22 de março de 2017 foi aprovada a portaria nº 269, que dispõe a respeito
de diretrizes para “elaboração de projetos e aprova as especificações mínimas da unidade
habitacional e as especificações urbanísticas dos empreendimentos [...]”, que se aplica para todos
aqueles que usarem recursos oriundos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR) e contratação
de operações através de transferências de recursos ao Fundo de Desenvolvimento Social (FDS) no
que tange ao Programa Minha Casa, Minha Vida4.
Este estudo propõe, portanto, uma breve reflexão através de revisão bibliográfica e pesquisa
documental a respeito das mudanças que a portaria nº 269/2017 do Ministério das Cidades traz
para a aprovação de novos projetos e como estas podem vir a proporcionar o direito a moradias
mais adequadas dentro do programa de habitação de interesse social (HIS) do Minha Casa, Minha
Vida.
1 O Programa Minha Casa, Minha Vida e as regras propostas pelo Ministério das Cidades
1.1. O PMCMV no Brasil
Em abril de 2009 foi lançado o Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), uma ação
dentro do Plano Nacional de Habitação (PLANHAB), aprovado em 2008 pelo Ministério das
Cidades. Esse programa foi implantado no momento em que o cenário internacional de crise
financeira e busca minimizar os efeitos da crise o país, através da manutenção de investimentos na
área da construção civil.6
Em março de 2010 o PMCMV foi absorvido pela segunda fase do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC 2) e recebeu orçamento de 2011-2014 de R$ 278 bilhões em investimentos.
A terceira fase do programa, em vigor desde 2015, pretende investir outros 210 bilhões de reais até
o ano de 2018.6,9
Justifica-se o interesse no Programa Minha Casa, Minha Vida como objeto de estudo dado
o grande número de empreendimentos propostos e entregues e o grande volume de capital
investido. Desde 2009 até março de 2017, dados dão conta que foram contratadas mais de 4
milhões de unidades habitacionais e, destes, foram entregues mais de 3 milhões, conforme
informações obtidas através de consulta ao Ministério das Cidades.7
93 168
24 fev. 2010 121 abr. 2013
325 465
07 jul. 2011 03 out. 2011
Figura 1: Portarias do Ministério das Cidades que nortearam o Programa Minha Casa, Minha Vida desde
2009.
No que tange às unidades habitacionais, a metragem quadrada foi reduzida e a área mínima
do apartamento mudou de 41 metros quadrados para 39 metros quadrados5,8. A justificativa para
esta mudança apoia-se no fator econômico e no atual cenário de crise do país, já que o aumento
de área causaria a necessidade de alterar projetos, processos construtivos e formas de concreto9.
A literatura recente, porém, aponta problemas com relação à área interna das habitações e o
mobiliário, que gera zonas de conflito e dificuldades para os moradores das unidades10.
Em se tratando das especificações urbanísticas, há considerável redução no limite máximo
de número de unidades habitacionais (UH) por empreendimento que de 2.000 UH para
empreendimentos isolados e 3.000 UH para contíguos passa a ser de 300 UH para edificação ou
conjunto de edificações multifamiliares. Essa regulação foi implementada porque foi detectado que
grandes conjuntos contínuos dificultam a integração espacial com a cidade5,8.
Figura 2: Exemplo de nova proposta para MCMV9
Outra alteração a destacar foi a adoção de padrão de calçadas com faixa livre com 1,20
metros de largura mínima e 1,50 metros de largura recomendada. A normativa vigente em 2016
definia a largura de calçada conforme o gabarito da via, propondo calçadas para vias locais de 2,50
metros, com 1,50 metros livres; vias coletoras e arteriais com 3,00 metros, sendo 2,00 metros livres
para a circulação.
No que tange ao paisagismo, a resolução 146/2016 obrigava a presença de espécies
arbóreas em vias coletoras, em pelo menos um dos lados, com espaçamento máximo de 15 metros.
Na resolução de 2017, há o requerimento para que todas as vias do empreendimento sejam
arborizadas desta forma.
São diversos os atores responsáveis pelo projeto e a execução de obras de caráter social
como os empreendimentos do PMCMV. A literatura aponta que, mesmo que os técnicos de órgãos
como a Caixa Econômica Federal se esforcem para atender às demandas e solucionar problemas
dos empreendimentos, cabe ao Ministério das Cidades revisar as diretrizes do programa e refiná-
las, a fim de considerar aspectos do complexo contexto que envolve a inserção da HIS no tecido
urbano¹¹.
3 Considerações Finais
Entende-se que a preocupação com o bem-estar e com o fornecimento de condições básicas
deve ser foco principal em programas como o MCMV. Condições estas como segurança, transporte
público, acesso à educação e saúde devem ser vistas como essenciais para a implantação de novos
empreendimentos residenciais. É necessário, contudo, que também sejam levados em
considerações outros fatores, como a largura das calçadas proporcionais à dimensão e a hierarquia
viária a fim de proporcionar prioridade ao pedestre.
A portaria 269/2017 traz avanços, como uso de arborização em todas as vias que – se
executado de forma adequada – pode contribuir para criar um ambiente atrativo para os habitantes.
Para assegurar o direito à moradia adequada e, principalmente, ao entorno habitável, é necessário
que sejam avaliados fatores como a metragem quadrada mínima para a residência e a largura das
calçadas.
Embora seja preciso levar em conta o cenário de instabilidade econômica do país e as
dificuldades financeiras por ele geradas, também é necessário buscar por projetos conectados ao
tecido urbano pré-existente através da proposta de áreas dignas para a população e adequadas à
realidade e ao contexto histórico-social dos moradores.
4 Referências Bibliográficas
1. VILAÇA, Ana P. de O.; LA MORA, Luis de. Habitabilidade e lutas pelo direito a moradia. In:
Conferência Latino-Americana de Construção Sustentável, Encontro Nacional de Tecnologia
do Ambiente Construído, 10., 2004, São Paulo. Anais. São Paulo: ANTAC, 2004. Disponível
em: <https://www.ufpe.br/ppgdh/images/documentos/ldmora_cidade5.pdf>. Acesso em 02 abr.
2017.
2. BRASIL. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Por uma cultura de
direitos humanos: Direito à moradia adequada. Brasília: Coordenação Geral de Educação em
SDH/PR, Direitos Humanos, 2013, 76 p.
3. BONDUKI, Nabil. Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais –
uma metodologia para avaliar programas de habitação. São Paulo: IEE/PUC-SP: 2002.
4. BRASIL. Estatuto da Cidade - Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Diário Oficial da União,
Brasília, 11 de junho de 2001.
5. BRASIL. Governo Federal. Ministério das Cidades. Portaria nº 269, de 22 de março de 2017.
Diário Oficial da União. Brasília, DF: Imprensa Nacional, 24 mar. 2017. Nº 58 Seção 1, p. 119-
122.
6. VASCONCELLOS, Carla Portal. As políticas públicas de habitação do território: Análise do
Programa Minha Casa, Minha Vida nos municípios de Carazinho, Marau e Passo Fundo.
2015. 282 f. Tese (Doutorado) - Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional,
Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
7. BRASIL. Controladoria Geral da União. Governo Federal. Sistema Eletrônico do Serviço de
Informação ao Cidadão e-SIC. Unidades Contratadas MCMV. 26 abr. 2017.
8. BRASIL. Governo Federal. Ministério das Cidades. Portaria nº 146, de 26 de abril de 2016.
Diário Oficial da União. Brasília, DF: Imprensa Nacional, 27 abr. 2016. Nº 79, seção 1, p. 43.
9. BRASIL. Governo Federal. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação. Cartilha
novas regras do Programa Minha Casa, Minha Vida. Disponível em:
<http://online.fliphtml5.com/kgnv/wnkd/#p=2>. Acesso em 05 maio 2017.
10. KERKHOFF, Vanessa Hélen. Mobiliário para habitação de interesse social: conflitos,
percepção e satisfação dos usuários: o caso do PAC-Anglo Pelotas, RS. 2017. 237 f.
Dissertação (Mestrado) - Curso de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal de Pelotas, Pelotas, 2017.
11. MARQUES, Laura Marques de. Minha Casa Minha Vida: Análise da Percepção de Valor sobre
as áreas comuns. 2015. 155 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Faculdade de Arquitetura,
Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 - DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
1 INTRODUÇÃO
2 DESENVOLVIMENTO
2.2 Mercantilização
3 MARICATO (2000)
Enquanto isso, segundo os levantamentos do Banco de Compensações
Internacionais identificou o Brasil como o país com a maior valorização imobiliário no
período de 2008-2013, correspondendo ao aumento no valor dos imóveis residenciais
em torno de 121% durante o período. Ainda, a consultoria imobiliária Knight Frank em
seu relatório sobre o ano de 2012 apontou o crescimento substancial dos imóveis de
luxo no Brasil e a grande demanda de compradores brasileiros de imóveis de alto padrão
nos Estados Unidos da América.
As transformações econômicas e sociais – que visam a reprodução da circulação
do capital – são impostas significativamente para a prática socioespacial que é definida
pelo processo de valorização/desvalorização dos lugares. Inclusive, as periferias são
incorporadas à forma mercadoria – ligados ao amplo processo de mercantilização do
solo.4 No estado atual da reprodução capitalista, verificamos a mercantilização global,
até, da moradia em nações precarizadas.
A periferia, as favelas agora fazem parte da linguagem globalizada das finanças,
justamente pela propriedade privada da terra e sua apropriação através da compra e
venda no mercado ser modelo de extração fundiária e elemento fundamental do regime
de acumulação capitalista. Inclusive, incidindo em processos de regularização fundiária
de titularidades – que se provou ineficaz em melhorar a qualidade de vida nos
assentamentos urbanos.5
Lefebvre6 apegado à teoria da renda fundiária de Marx identifica a renda fundiária
urbana assemelhadas às rendas rurais: rendas de situação (renda diferencial I) e renda
de equipamento (renda diferencial II), além dessas a renda fundiária absoluta e de
monopólio – que é a renda do proprietário sujeita à especulação. Portanto, comparando
o valor de imóveis com o valor de sua construção, verificamos o sobrelucro pelo
excedente em relação ao preço de suas construções, e esse sobrelucro é constituído
em renda quando o capital deixa de ser valorizável, sendo estão monopolizadas pelos
proprietários.7
Autores brasileiros8, também, ao estudarem como se aproveitam as rendas
líquidas promovidas pelos investimentos urbanos por parte do Estado apontou que
somente quem é capaz de favorecimento são as classes altas, justamente por promover
a valorização do solo sob o mecanismo do sistema de preço da renda fundiária. Não
havendo distribuição do que Harvey chama de renda real.
4 CARLOS (2015)
5 (ROLNIK, 2015, p. 195-219)
6 2001, p. 131-172
7 Ver: TOPALOV (1979)
8 VETTER et al (1981) e BEHRENS (1981)
Pelo conceito de renda real é possível demonstrar como a distribuição da renda
não percorre todas as camadas da sociedade, mas circula entre os mais abastados, por
mais que haja investimento por parte do Estado ou da financeirização global do solo,
justamente pela própria concepção de renda real não ser somente a renda monetária,
mas sim o domínio sobre os recursos.9 Embora tenha ocorrido a valorização do solo
brasileiro, as taxas de desigualdade de renda aparentam perenidade: os dados do
“Relatório da Distribuição Pessoal da Renda e da Riqueza da População Brasileira”,
elaborado pelo Ministério da Fazenda (2016) com base nas declarações de imposto de
renda sobre a pessoa física indica que o 1% mais rico acumula 13% da renda declarada
e 15% de toda a riqueza do país.
Assim, os processos políticos e econômicos tendem a sujeitar a apropriação da
renda e sua utilização, ao passo que os investimentos implementados em favelas pelo
mundo jamais serão devidamente aproveitados pelos seus moradores.10
O atual momento da acumulação da renda fundiária urbana encontra alçada na
financeirização do solo, Mattos11 destaca, em exemplo, seis mudanças na dinâmica da
sociedade na consolidação da lógica financeira, o que o autor chama de mercantilização
da metamorfose urbana: (I) modernização do sistema bancário para operacionalizar
fluxos do capital em escala planetária; (II) articulação e hierarquização da bolsa de
valores de forma a intensificar sua incidência e movimentos; (III) geração de novos
produtos financeiros, como a transformação de ativos reais e imobiliários em ativos
financeiros (líquidos e móveis); (IV) novas instituições ao fim de operar capitalizações
individuais para o mercado global do capital – fundos de pensão, por exemplo; (V)
multiplicação dos “paraísos fiscais” pelo mundo; e (VI) criação de um sistema bancário
obscuro (shadow banking system) composto por um conjunto de entidades financeiras
que promovem operações financeiras longe do alcance de entidades nacionais e
internacionais de regulação.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
9 HARVEY (2009)
10 ROLNIK (2015)
11 MATTOS (2016)
contradições, pois ao mesmo tempo que visa a correspondência de um direito social de
prestação e liberdade – ou a garantia de um “mínimo existencial” conforme anunciam
alguns juristas – é também a forma jurídica que permite e garante a reprodução da
acumulação capitalista da financeirização do solo – em grande parte por políticas
habitacionais como o MCMV.
REFERÊNCIAS
HARVEY, David. Social Justice and the city. 1ª edição (revisada). Georgia: The
University of Georgia Press, 2009.
IPEA. Texto para discussão / Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.- Brasília: Rio
de Janeiro: Ipea, 2013. Disponível em:
http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/2693/1/TD_1853.pdf
LEFEBVRE, Henri. A cidade do capital. Tradução: Maria Helena Rauta Ramos; Marilena
Jamur. 2ª Edição. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.
MELO, Tarso de. Direito e Ideologia: um estudo a partir da função social da propriedade
rural. 2ª Edição. São Paulo: Outras Expressões, Dobra Editorial, 2012.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das
finanças. 1ª Edição. São Paulo: Boitempo, 2015.
VETTER, David; MASSENA, R.; SILVA, LA Machado da. Quem se apropria dos
benefícios líquidos dos investimentos do Estado em infra-estrutura? Uma teoria de
causação circular. Solo urbano: tópicos sobre o uso da terra, p. 49-77, 1981.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 - DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
da produção do espaço.
4 BORGES (2002).
1
e Reforma Agrária (INCRA) - autarquia responsável pela execução da política de reforma agrária -
em seus mais de 45 anos de história foram criados em torno de 9.354 destes assentamentos no
país, num total de 88.402.936,48 ha de terras desapropriadas para mais de 975.985 famílias5.
De acordo com o documento “Síntese das Discussões e Propostas do II Colóquio Habitat e
Cidadania – Habitação Social no Campo”6, o habitat de interesse social no campo, sobretudo o de
reforma agrária, constitui carente de qualificação e reflexão, em todos seus aspectos: teórico,
prático e político. Desse modo, clama por uma compreensão mais abrangente de suas relações
com a cidade e seu entorno e de soluções eficientes e viáveis para suas demandas. Nesse
aspecto, destaca-se a garantia de condições adequadas de produção de moradia e infraestrutura,
como postos de saúde, escolas, equipamentos comunitários para lazer, dentre outros.
As iniciativas empregadas pelo Estado no âmbito do habitat, em suas práticas para a
produção do seu espaço físico, destinam recursos somente à construção da habitação e
demarcação do seu habitat. Os valores financeiros7 não condizem às necessidades inerentes a
execução no campo, repleta de especificidades: canteiros de obra dispersos e com baixa escala;
infraestrutura precária; dificuldades com transportes de materiais e deslocamento dos
construtores, devido às grandes distâncias a serem percorridas; dificuldade de estocagem e
poucas ofertas de material; dentre outras. Esses espaços, na maioria das vezes, não lhes
proporcionam condições para transformar seus habitats em habitares, ou seja, segundo Lefebvre,
a apropriação destes por seus moradores.
Diante do exposto, o presente artigo tem por objetivo tecer reflexões sobre as iniciativas do
Estado para a habitação de interesses social dos assentamentos de reforma agrária a partir dos
seus instrumentos jurídicos, de forma a demonstrar sua ineficácia quanto às melhorias das
condições de vida de seus habitantes. Metodologicamente, fez-se uso do método dialético
regressivo-progressivo, efetivado por pesquisa documental e bibliográfica, sobretudo nos
documentos primários, relatórios e normativos institucionais do INCRA, assim como pesquisa em
seus arquivos internos. Concomitantemente, o conhecimento do conjunto do campo empírico por
suas autoras, lhes proporcionou o estudo de observação também “in loco”. Desse modo, após
esta introdução, aborda-se, no Desenvolvimento a seguir, a atuação do Estado e as suas
iniciativas habitacionais - ou falta destas - para os assentamentos de reforma agrária. Utilizam-se
técnicas de explicações regressivas que elucidem sua trajetória nestes últimos trinta anos. Nas
Considerações Finais, apresenta-se uma síntese crítica e reflexiva acerca do explanado nos itens
anteriores.
8
[texto não publicado].
9 Além da categoria “Crédito Habitação”, tinha-se o “Apoio Inicial” e “Fomento”.
3
No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), percebe-se um maior dinamismo em
relação à efetivação desses instrumentos jurídicos que tratam da questão relativa aos créditos
habitação. Nesse período de oito anos foram 14 edições. Ainda permanecem pouco detalhados,
apesar de apresentar avanços em relação às edições anteriores, prevalecendo um caráter mais
administrativo do que técnico. Abordam, sobretudo, as questões inerentes à aplicação e prestação
de contas dos recursos financeiros disponibilizados.
No transcorrer da década 2000, especificamente no último ano do governo FHC, a partir da
Instrução Normativa No 06 (18/07/2002), o “Crédito Implantação” foi transformado em “Crédito
Instalação”, sendo acrescidas outras modalidades. Em relação à habitação, esta passou a ser
atendida pela modalidade “aquisição de material de construção”. Contudo, o princípio mante-se o
mesmo: esses créditos, restritos à execução da moradia em si, continuam desprovidos de critérios
que assegurem a sua qualidade e de seus habitats. No entanto, a Lei nº. 8.629, de 25 de fevereiro
de 1993, faz-se como instrumento jurídico de maiore consequência para o assentamento de
famílias, devido à restrição imposta a emissão de posse às áreas ocupadas, a partir da inclusão
do seu artigo 2º. pela Medida Provisória nº 2.183-56 de 2001 (sobretudo seu paragrafo segundo).
Na sequência, no decorrer do Governo Lula (2003-2010), há um menor número de criação de
assentamentos, entre outros fatos, como consequência à edição da referida Medida Provisória. No
entanto, os valores destinados aos créditos foram sendo ajustados, apesar de permanecerem
muito aquém dos referentes aos habitats das cidades. Dos iniciais R$ 3.000,00, conforme Norma
de Execução No 25 (12/08/2002) - primeira edição do crédito instalação -, aos R$ 25.000,00, em
sua última “versão”: Instrução Normativa No 74 (14/11/2012).
Do mesmo modo, acontece um melhor detalhamento dos normativos, que estabelecem mais
informações necessárias ao desenvolvimento dos assentamentos, incorporando elementos
técnicos, como destinação de remuneração para a mão de obra na construção das habitações.
Entretanto, ainda de modo sucinto. Permanece o caráter voltado à questão administrativa:
operacionalização; movimento da conta bancária; prestação de contas; desvio de finalidades ou
aplicação irregular de créditos. É na edição da Norma de Execução No 79 (26/12/2008) que se
demonstra, de modo mais completo, esse fluxo operacional para concessão, aplicação e
prestação de contas do Crédito Instalação, especificamente em relação à modalidade “Aquisição
de Materiais de Construção”, conforme observado em seu art. 15:
Art. 15. A modalidade Aquisição de Materiais de Construção admite: compra de
materiais necessários a construção da habitação rural, inclusive banheiro e fossa,
bem como o pagamento de mão-de-obra para a construção e serviço técnico
específico para a qualificação das habitações, até o limite de 20%.
§1°. Os recursos dessa modalidade, até o valor máximo estabelecido, poderão ser
utilizados na complementação de iniciativas oficiais de financiamento para
construção de unidades habitacionais, desde que partam da iniciativa dos
beneficiários, sejam operacionalizadas na forma autorizada pela SR, resguardada
a estrita observância desta norma no acompanhamento, fiscalização e prestação
de contas.
§2°. A forma de aplicação dos recursos, o pagamento de mão-de-obra e serviço
técnico específico para a qualificação das habitações serão pormenorizadas no
Manual Operacional do Crédito Instalação.
4
§3° Deverá haver participação das mulheres na definição do projeto arquitetônico
(INCRA, 2008).
Apesar dos avanços, esta Norma de Execução ainda é sucinta quanto aos aspectos técnicos
necessários aos processos de concepção e execução, tanto do habitat, como da habitação em si.
Em meados de 2013, no governo de Dilma Roussef (2011-2016), a partir da edição da
Portaria Interministerial Nº 78, de 8 de fevereiro de 2013 e da Orientação Operacional - OO Nº
03/2013/DHAB/SNH/MCIDADES, de 14 de agosto de 2013, os assentamentos de reforma agrária
passaram a ser assistidos também pelo Programa Nacional de Habitação Rural (PNHR). Assim, a
etapa final do processo, a produção (construção) das habitações, que até então ficava a cargo
somente do INCRA, tem a “responsabilidade” transferida ao Ministério das Cidades, por meio do
Programa Minha Casa, Minha Vida Rural, coordenado pela Caixa Econômica Federal. O INCRA
ainda permanece encarregado do espaço físico do habitat: concepção e demarcação do seu
projeto; implementação da infraestrutura básica; dentre outros.
3) CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebe-se, desse modo, que os instrumentos jurídicos para o habitat de reforma agrária são
limitados e os recursos por eles dotados insuficientes, com pouca articulação dessas iniciativas
com as demais políticas voltadas ao campo: políticas fundiárias, de produção agrícola, de geração
de trabalho e renda, social, dentre outras, conforme ratificado pelo documento “Síntese das
Discussões e Propostas do II Colóquio Habitat e Cidadania – Habitação Social no Campo” 10.
No presente, ainda permanece a dicotomia entre a cidade e o campo: apesar do reconhecido
crescimento, nos dois últimos governos, dos recursos disponibilizados, a habitação social destina-
se, primordialmente, a atender aos interesses do capital. Especificamente para o campo, acontece
a inclusão do cumprimento de normas e assessoria técnica, porém surge uma fragmentação das
iniciativas do Estado, separando a produção da edificação da moradia de todo o assentamento.
4) REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORGES, Amadja Henrique. MST: Habitats em movimento. 2002. 114 f. Tese (Doutorado),
Faculdade de Arquitetura, Universidade de São Paulo, 2002.
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Norma de Execução No 79, de
26 de dezembro de 2008.
INO, Akemi et al. Síntese das discussões e propostas do II Colóquio Habitat e Cidadania:
habitação social no campo. São Carlos, 2011 [texto não publicado].
LEFEBVRE, Henri. De lo rural a lo urbano. (Versão espanhola de Javier González-Pueyo do
original francês). 4. ed. Barcelona: Península, 1978.
LOPES, João Marcos de Almeida; ARANTES, Pedro Fiori; TONE, Beatriz. O financiamento
habitacional para assentamentos de reforma agrária: uma inviabilidade recorrente, um
problema político [texto não publicado]
1. INTRODUÇÃO
Dado o acelerado processo de urbanização, as cidades brasileiras apresentam uma série
de problemas urbanos, sendo a questão habitacional um dos mais graves. O grande déficit
habitacional e a falta de terrenos disponíveis em áreas já urbanizadas levaram a formação de
assentamentos informais e ao processo de favelização.
Com o agravamento do déficit habitacional ao longo dos anos, a sociedade passou a
reivindicar ações do poder público, seja a nível federal, estatual ou municipal. Nesse cenário, a
Constituição de 1988 delimitou ao poder municipal a resolução da problemática habitacional,
enquanto o Estatuto da Cidade, de 2001, trouxe instrumentos que poderiam ser utilizados como
mecanismos para a resolução do problema. Um desses instrumentos é o de Zonas Especiais de
Interesse Social (ZEIS).
O instrumento das ZEIS é, sem dúvida, um grande avanço com relação aos
assentamentos informais e apresenta-se como uma possibilidade de trazer esses assentamentos
à cidade formal. Desse modo, muitos municípios passaram a incorpora-los nos seus planos
diretores. Entre esses municípios, está Fortaleza, que adotou o instrumento das ZEIS no seu
plano diretor de 2009, definindo três tipos de zeis: zeis tipo 1, de assentamentos precários; zeis
tipo 2, de condomínios clandestinos ou irregulares; e zeis tipo 3, de vazios urbanos.
Entretanto, a realidade de implementação das ZEIS em Fortaleza, de modo geral, não vem
sendo bem aplicada e, como consequência, não traz os resultados esperados. Nesse sentido, o
artigo procurar refletir sobre a aplicação do instrumento em Fortaleza, utilizando-se, como estudo
de caso, as áreas de zeis tipo 3 localizadas dentro do bairro Papicu.
A importância desse estudo se justifica, sobretudo, pela necessidade de entender quais
são as barreiras para a implantação da zeis, quais agentes atuam nesse cenário e o que pode ser
feito para que o instrumento seja eficiente e cumpra sua função determinada pela Estatuto da
Cidade.
2
urbanístico e habitacional, destinados à regularização fundiária, urbanística e
ambiental.
Art. 129 - As Zonas Especiais de Interesse Social 2 (ZEIS 2) são compostas por
loteamentos clandestinos ou irregulares e conjuntos habitacionais, públicos ou
privados, que estejam parcialmente urbanizados, ocupados por população de baixa
renda, destinados à regularização fundiária e urbanística.
Art. 133 - As Zonas Especiais de Interesse Social 3 - ZEIS 3 - são compostas de
áreas dotadas de infraestrutura, com concentração de terrenos não edificados ou
imóveis subutilizados ou não utilizados, devendo ser destinadas à implementação
de empreendimentos habitacionais de interesse social, bem como aos demais usos
válidos para a Zona onde estiverem localizadas, a partir de elaboração de plano
específico. (FORTALEZA, 2009)
Art. 312 – [...] § 2º- Em não sendo instituídas as normas indicadas no § 1º, no prazo
de 6 (seis) meses da publicação da presente Lei Complementar, passarão,
progressivamente, a serem liberadas para a construção nos parâmetros da zona
em que estão inseridas, 5% (cinco por cento) das áreas vazias contidas nas ZEIS 3.
§ 3º - A progressividade de liberação dos 5% (cinco por cento) das áreas vazias,
será a cada 12 (doze) meses, a partir da primeira liberação, que se dará conforme o
parágrafo anterior, prevalecendo até a data da revisão desta Lei ou em 5 (cinco)
anos, evento que primeiro ocorrer. (FORTALEZA, 2009)
Esse é, sem dúvida, o grande retrocesso sofrido pela ZEIS3 em Fortaleza: segundo o
Relatório das ZEIS (2015a), a porcentagem de terrenos liberados mediante autorização da
Secretária de Urbanismo e Meio Ambiente (SEUMA), entre os anos de 2009 a 2014, foi de 4%,
totalizando 66.168,00m² de áreas de ZEIS perdidas para o mercado imobiliário.
Aliado a isso, outros 10% do total de área de ZEIS tipo 3 foi ocupado a mais do que o
autorizado legalmente, o que corresponde a 184.287,00m². Perde-se, portanto, para além do que
a lei permite, áreas ocupadas ilegalmente.
Entre as seis Secretárias Executivas Regionais – SER, a que mais sofreu com a perda de
terrenos foi a Secretária II, perdendo, até 2014, 38% da área total de vazios que possuía em 2009
(Iplanfor, 2015a). Essa regional é habitada por 13,50% da população da capital e formada por 20
bairros, entre eles o bairro Papicu.
3
2.3 BAIRRO PAPICU E ZEIS 3
O bairro Papicu localiza-se na zona leste da cidade, bem próximo ao litoral, fazendo
fronteira com outros cinco bairros: Varjota, de Lourdes, Praia do Futuro, Vicente Pinzon e Cocó. O
bairro é marcando por contrastes: a presença de edifícios residenciais de médio e alto padrão –
decorrentes, sobretudo, do processo de verticalização que acontece atualmente – vive lado a lado
com uma quantidade significativa de assentamentos precários e informais desenvolvidos ao longo
do processo de urbanização do Papicu, quando ocuparam as áreas que inicialmente eram
destinadas a praças.
Ao todo, 13 comunidades informais localizam-se no bairro e vivem em condições precárias,
sem dispor de toda infraestrutura básica. Com o processo de verticalização e o avanço do
mercado imobiliário sobre o bairro, é de fundamental importância a manutenção das áreas de
zeis, de maneira que as comunidades possam, quando da regulamentação do instrumento,
estarem resguardadas. Nesse sentido, o bairro conta com áreas de zeis tipo 1 e uma poligonal
grande de zeis tipo 3.
Apesar da demarcação das áreas, como a regulamentação não foi realizada, essas áreas
passam por ameaças: as áreas de zeis 1 sofrem por possíveis remoções no futuro, justificadas
pela implantação de projetos urbanísticos no bairro (sobretudo pela implantação de vlt e linhas de
metrô) e as áreas de zeis tipo 3 sofrem por ocupações que não se destinam à habitação social.
A área da poligonal de ZEIS 3 dentro do Papicu tem 359.918,00 m², contando, em 2009,
com 127.550,00m² de vazios urbanos. No ano de 2014, foram contabilizados 25.608,00m² de
áreas construídas para outros fins (que não habitação de interesse social). Destas, apenas
3.721,00m² foram liberados pela SEUMA por conta da progressividade de liberação. Ou seja:
21.887,00m² foram construídos de maneira não oficial, contrariando a legislação. Analisando a
imagem área do bairro, é possível identificar as novas construções.
4
Imagens 03 e 04 – Comparativo das áreas livres dentro das ZEIS 3 em 2009 e 2017.
Fonte: Google earth, elaborado pela autora.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando o contexto de zeis 3 dentro do bairro Papicu, observa-se que, diante do
processo de verticalização do bairro, essas áreas acabam servindo apenas para especulação
imobiliária - realizada de maneira excessiva pelo mercado imobiliário -, e são, em muitos casos,
ocupadas por edificações que não atendem as prioridades das zeis.
Nesse sentido, questiona-se inicialmente a capacidade – ou falta de capacidade -
municipal de controle dessas áreas já que apenas um percentual construído foi de fato liberado,
sendo grande parte construída sem a anuência da Secretária de Urbanismo e Meio Ambiente
(SEUMA).
Questiona-se, ainda, a falta de regulamentação das zeis, já que sem regulamenta-las,
essas áreas não estão preservadas e continuam a sofrer ameaças, já que não há a inibição das
ações de mercado sobre elas e tampouco a construção exclusiva de habitações sociais.
Diante disso, o artigo pretende alertar para a necessidade de controle eficaz e, sobretudo,
regularização dessas áreas não apenas no Papicu, estudo de caso analisado, mas em todo a
cidade, já que o cenário encontrado no bairro reflete, de modo geral, o que acontece em muitas
áreas de zeis de Fortaleza.
REFÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FORTALEZA. Instituto de Planejamento de Fortaleza. Relatório das ZEIS. Fortaleza:
Iplanfor, 2015a.
FORTALEZA. Plano Diretor Participativo de Fortaleza (Lei nº 062/09). Fortaleza: Prefeitura
Municipal de Fortaleza, 2009.
BRASIL, Amíria Bezerra; SERPA, Jade de Stedile; OLIVEIRA, Letícia Cândido de; CAMPOS,
Manuela de Oliveira; SILVEIRA, Marjorie Martins; RABELO, Pedro Vitor Monte; PEDROSA,
Renata Becco; VIEIRA, Synara Barros de Holanda Leite. Zonas Especiais de Interesse Social em
Fortaleza: progressos, retrocessos e hipóteses do que deveria ter avançado para sua
regulamentação. In: Seminário UrbFavelas, Rio de Janeiro, 2016.
ROCHA, Vitor Silveira Breder. Entre muros e janelas: uma tentativa de resposta à gentrificação
para a comunidade Verdes Mares. Trabalho de conclusão de curso (graduação) em Arquitetura e
Urbanismo, Universidade Federal do Ceará – UFC, Fortaleza, 2016.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 – DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
Marcio Marchi1
Introdução
1
A produção do espaço urbano e o Direito à Cidade
2
A apresentação do Minha Casa Minha Vida, como parte da política habitacional brasileira,
desencadeou críticas quanto à natureza de suas intervenções no meio urbano6. A principal delas
se concentra na verificação da insuficiente articulação entre esse programa e a política urbana
consolidada pela Constituição Federal e regulamentada pelo Estatuto da Cidade7.
O Minha Casa Minha Vida apresentou objetivos diferentes dos previstos pelo Plano
Nacional de Habitação (PlanHab), que havia se consolidado no contexto da implantação do
Ministério das Cidades e da Política Nacional Urbana. O MCMV adotou a estratégia de construir
rapidamente grande quantidade de unidades habitacionais, sem que os municípios tenham se
preparado adequadamente para absorver os impactos urbanos sobre a infraestrutura e os custos
para sua expansão. O PlanHab, por sua vez, possibilitava soluções habitacionais menos
quantitativas e estandardizadas e mais voltadas para as necessidades e singularidades da
população atendida8.
Outra questão relevante diz respeito a uma mudança nos repasses do Sistema Nacional
de Habitação de Interesse Social (SNHIS) para as ações de provisão habitacional, direcionando
esses recursos para o MCMV. O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS)
passou, dessa forma, a assumir um caráter secundário na política habitacional e seus recursos
passaram a ser alocados para obras complementares dos projetos financiados com recursos do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)9. Assim, obras como ampliação da rede de água
e esgoto ou de urbanização de favelas passaram a receber recursos do FNHIS no âmbito do PAC.
A questão habitacional foi quase sempre tratada através de números quantitativos e o
sucesso ou fracasso dos programas medido apenas pela quantidade de unidades construídas.
Isso é recorrente desde a época de vigência do programa do Banco Nacional de Habitação (BNH).
Esse enfoque, no entanto, esquece outros fatores envolvidos, especialmente os de ordem social e
urbana na definição do real significado das deficiências habitacionais10.
As limitações que os municípios possuem para implantar os instrumentos de controle do
uso e ocupação do solo, que propiciariam uma política voltada para a função social da terra e da
cidade são um problema ligado à gestão urbana e sua relação com o poder econômico local. A
descentralização da política urbana, a cargo dos municípios, ao mesmo tempo em que o MCMV é
um programa federal, faz com que haja uma distância entre propósitos. A questão da moradia no
Brasil passa pelo “enfrentamento do problema do financiamento e do problema da terra, o modelo
institucional pós-Constituição deixa uma destas dimensões (a terra) na esfera municipal e outra (o
financiamento) na esfera federal”11. Como consequência, são limitadas as possibilidades do
Governo Federal em garantir a localização adequada dos projetos, pois se torna responsabilidade
3
dos municípios definir os locais onde é permitida e onde deve ser estimulada a implantação de
novos empreendimentos, ou seja, onde a cidade deve e pode crescer.
O privilégio da escolha da localização dado aos empreendedores, por sua vez, favorece
uma tendência ao abandono da política urbana institucionalizada. Dessa maneira, os construtores,
recebedores de recursos públicos, têm liberdade para implantar os empreendimentos em locais
distantes do tecido urbano estruturado e das centralidades. A balança econômica passa a ser o
preço da terra. Esse modelo também tende a favorecer a especulação do solo urbano porque
aquelas áreas que originalmente seriam preteridas para investimentos privados por não terem
adequada localização, após a injeção de recursos públicos, tornam-se propícias a entrar no
circuito imobiliário. Sem a aplicação de instrumentos de controle do uso e ocupação da terra, a
pressão criada na demanda sobre a terra tem como consequência a elevação dos preços dos
imóveis, o que acaba afetando a produção de novas moradias, sobretudo as de interesse social.
Os impactos nos preços da terra representam, dessa forma, a transferência de subsídios públicos
para a especulação fundiária e imobiliária, intensificando os padrões de fragmentação e dispersão
urbana, que atingem em maior grau os mais carentes, além de demandar investimentos públicos
cada vez maiores para a integração das áreas onde esses empreendimentos se localizam na
malha urbana.
O desenho institucional do MCMV acabou por promover a adoção de praticamente uma
única solução habitacional: o condomínio de apartamentos ou de casas. A tipologia urbanística e
arquitetônica do condomínio residencial fechado, amplamente criticada no meio acadêmico12,
resulta na reprodução de padrões de segregação socioespacial. O processo de financeirização de
várias empresas construtoras do MCMV acabou por provocar uma maior estandardização das
tipologias arquitetônicas e dos materiais utilizados e uma racionalização dos processos
construtivos, tendo como consequência o comprometimento da qualidade habitacional13.
Considerando todas essas questões, a possibilidade de conquista da casa própria,
principalmente pelas classes de baixa renda, passa pela compulsória negação da cidade. No caso
do MCMV, em grande medida, as moradias são construídas no formato de conjuntos
habitacionais, frequentemente, em locais excessivamente distantes das centralidades do tecido
urbano, comprometendo o acesso e o Direito à Cidade.
Considerações finais
O Direito à Cidade legitima a recusa de deixar a realidade urbana ser tomada por uma
organização discriminatória e segregadora. A unidade espaço-temporal é a possibilidade de reunir
a realização da vida cotidiana na cidade em tudo o que ela tem de lugar central e acessível a seus
habitantes. Essa concepção foi adotada pelos movimentos de Reforma Urbana no Brasil, cuja luta
12 Caldeira (2000).
13 Shimbo (2010).
4
resultou na inclusão de um capítulo dedicado à Política Urbana na Constituição Federal de 1988,
regulamentado pelo Estatuto da Cidade.
No entanto, a política habitacional brasileira converte-se em algo descolado da política
urbana e dependente da dinâmica econômica local e nacional. Este cenário permeado pela
tolerância a variadas formas de apropriação e uso do solo vai imprimindo padrões de pouco ou
nenhum controle social sobre a expansão urbana. Nessa lógica, os processos relacionados à
dispersão e fragmentação urbana tendem a se amplificar, trazendo repercussões socioespaciais
para as populações das cidades brasileiras.
As políticas públicas urbanas e habitacionais no Brasil acabam por se inserir na lógica
vigente de produção e de competição pelo espaço, onde os mais pobres são expulsos dos
benefícios que a cidade poderia fornecer como local de centralidade. O programa Minha Casa
Minha vida se insere nesse contexto que, em grande parte das vezes, impossibilita seus
beneficiários à completa inserção nos processos urbanos e à aquisição de uma moradia digna,
entendida como um sinônimo de habitação de boa qualidade e bem articulada ao tecido urbano
consolidado.
Referências bibliográficas
BONDUKI, N. G. Do Projeto Moradia ao Programa Minha Casa Minha Vida. Teoria e Debate, v.
82, p. 1, 2009.
CARDOSO, A. L.; ARAGÃO, T. A. Do fim do BNH ao Programa Minha Casa Minha Vida: 25 anos
da política habitacional no Brasil. In: CARDOSO, A. L. (Org.). O programa Minha Casa Minha
Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. p. 17-66.
LEFEBVRE, H. A produção do espaço. Tradução: Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins (do
original: La production de l’espace. 4e éd. Paris: Éditions Anthropos, 2000). Primeira versão: início
- fev. 2006.
________. A revolução urbana. Tradução: Sérgio Martins. 3. reimpr. Belo Horizonte: Ed. da
UFMG, 2008. 176 p.
________. O direito à cidade. Tradução: Rubens Eduardo Frias. 5. ed. 1. reimpr. São Paulo:
Centauro, 2009. 144 p.
RIBEIRO, L.C. Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção da moradia na
cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 – Direito à moradia adequada, políticas e programas habitacionais de
interesse social
1
A moradia é concebida como sendo mercadoria e ativo financeiro e é regulada pela lei da
oferta e da procura, consequentemente, a política habitacional é idealizada como política
econômica. A moradia não é entendida como um direito social a ser fornecido pelo Estado, mas
sim como uma mercadoria fornecida pelo mercado. As políticas habitacionais até aqui praticadas
pelos governos federais se baseiam em subsidiar com recursos públicos as famílias de menor
poder aquisitivo para que as mesmas comprem as moradias. Assim, subsídios públicos individuais
permitem às famílias de menor renda comprar, no mercado, produtos oferecidos pelas empresas
de construção, adicionalmente, garante-se uma disponibilidade de crédito em que quanto mais
baixa for a renda familiar maior será o subsídio governamental e menor será a parcela de crédito
dado para a efetivação da compra4.
Este paradigma de política pública, além de excluir a maior parte da população de baixa
renda do acesso à moradia, traz diversas consequências para a cidade. Fica evidente, portanto,
que deve-se entender a questão da habitação em uma perspectiva diferente da que foi adotada
nestes últimos anos. Assim, as políticas habitacionais devem conceber a moradia como um direito
e priorizar o acesso da população mais carente, quebrando, assim, a lógica mercadológica até
então reproduzida.
O direito à moradia é concebido como um direito humano e fundamental. Um dos
elementos deste direito é a segurança na posse. A ideia de que políticas habitacionais baseadas
em um sistema pleno de propriedade seriam a melhor forma de se garantir esta segurança deve
ser contraposta. Nos casos relativos à população de baixa renda, os direitos de propriedade se
constituem como uma maneira fraca e autodestrutiva de prover esta segurança, uma vez que
acabam por introduzir estas pessoas no mercado habitacional e os sujeitam a diversas relações
de desigualdade5. Há diversas alternativas ao direito de propriedade, além do espectro liberal
norteado para o mercado privado, que devem ser abarcadas pelo Estado na formulação de suas
políticas habitacionais.
Deve-se ressaltar que o direito à moradia não pode ser confundido com o direito a ter uma
propriedade, como ocorreu até então com as políticas habitacionais executadas, uma vez que
este direito tem um caráter mais axiológico do que o direito à propriedade e objetiva garantir não
só um abrigo ao indivíduo frente as intempéries, como também um mínimo de dignidade. Não se
limita, portanto, à titulação de propriedade e pode ser garantido por variados instrumentos
jurídicos, tais quais: aluguel, concessão de direito real de uso, legitimação da posse etc.
2- Desenvolvimento
A expressão locação social tem sido usada no Brasil para se referir às políticas
emergenciais de concessão temporária de um determinado valor em dinheiro para que uma
4 ROLNIK, Raquel. Eu sou você amanhã: a experiência chilena e o ‘Minha Casa, Minha Vida’. Correio da
Cidadania, v. 11, n. 05, 2012.
5 MARCUSE, Peter. O caso contra os direitos de propriedade. Cidade (i) legal. Rio de Janeiro: Mauad,
2008.
2
pessoa ou um núcleo familiar tenham condições de locar temporariamente uma casa, até a sua
realocação definitiva em um imóvel.
Assim, torna-se imperioso delimitar o que se entende por locação social. Seria, portanto,
uma política pública habitacional que provê moradia adequada a determinados beneficiários, por
meio de imóveis públicos ou privados, através do pagamento pelos favorecidos de um aluguel ou
uma taxa. O valor a ser pago pode ser subsidiado ou não pelo Estado. Configura-se como um
provimento de moradia de forma duradoura, por parte do Estado, ao beneficiário do programa
sem a transferência da propriedade privada da habitação6.
Uma política assim orientada poderia evitar o fenômeno da gentrificação, uma vez que
viabilizaria a permanência das famílias de menor renda em áreas em processo de valorização. A
propriedade das habitações seria pública e, portanto, intransferível, consequentemente os
moradores não sofreriam pressão do mercado imobiliário, no caso de valorização do local, e
teriam possibilidade de continuar habitando o imóvel ainda que este tenha se valorizado.
Por outro lado, um programa habitacional de locação social deve ter como um de suas
metas atender pessoas em situação de vulnerabilidade, como a população de baixíssima renda.
Esta parte da população, geralmente, tem sua renda bastante comprometida com o valor dos
alugueis praticados no mercado. Com preços mais adequados e acessíveis, haveria um aumento
de renda disponível e a possibilidade de ampliação do gasto dessas pessoas com consumo
(eletrodoméstico, vestuário, telefonia e internet), com outras necessidades básicas e com o
desenvolvimento econômico e pessoal (saúde, educação, lazer e nutrição). A localização central
traria, para o beneficiário do programa, uma melhor acessibilidade à serviços públicos essenciais
e à opções de lazer e cultura, além de propiciar uma proximidade maior ao mercado de trabalho
(que geralmente é mais dinâmico nos centros da cidade).
A efetivação de políticas públicas no Brasil versando sobre a questão da locação social
sempre foi muito espinhosa. Os debates e tentativas de implementação deste tipo de política
sempre esbarraram em diversas dificuldades, tais quais: o histórico da propriedade imobiliária
como forma de renda; a insegurança em relação à previdência social, transformando a
propriedade de moradia em garantia; a ideologia da casa própria, reforçada no período do regime
militar. Todavia, a moradia provida por locação social é uma importante política habitacional em
diversos países da Europa. Veja-se, por exemplo, a Holanda que tem 41% de domicílios
alugados, sendo que 32% deles são público7.
Sedimentado nestas bases, afirma-se que uma política pública baseada em locação, sem
concessão de título de propriedade privada, poderia suprir de forma satisfatória a demanda por
moradia das pessoas excluídas das políticas públicas habitacionais.
6 BALBIM, Renato. Serviço de Moradia Social ou Locação Social: alternativas à política habitacional.
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA, 2015. Disponível em
https://ideas.repec.org/p/ipe/ipetds/2134.html. Acesso em 13 de outubro de 2016.
7 SCANLON, Kathleen; FERNÁNDEZ ARRIGOITIA, Melissa; WHITEHEAD, Christine ME. Social housing in
4
poderá fazê-lo de forma direta, terceirizada ou pelos próprios moradores, em sistema de auto-
gestão
Um outro exemplo importante deste tipo de política pode ser encontrado no Projeto de Lei
nº 1445/2015 que tramita na Câmara Municipal do Rio de Janeiro proposto pelo Prefeito Eduardo
Paes e que visa instituir um Programa de Locação Social na área central da Cidade do Rio de
Janeiro e que tem por finalidade ofertar imóveis para aluguel a preços subsidiados para famílias
com renda familiar mensal até o equivalente à Faixa 3 do Programa Minha Casa Minha Vida e que
trabalhem na área de abrangência, ou sejam estudantes, ou agentes culturais e sociais e ou micro
e pequenos empresários que mantenham negócios populares tradicionais .
3- Considerações finais
Até o presente momento as políticas públicas habitacionais brasileiras tiveram um viés
econômico, tratando a moradia como um valor de troca, uma mercadoria, que deve ser provida
pelo mercado imobiliário por meio de políticas estatais de financiamento e fomento. O déficit
habitacional brasileiro, no entanto, só pode ser solucionado se adotarmos uma concepção de
políticas públicas que tenha como marco teórico a moradia como um direito social.
Nesse sentido, a adoção da locação como política habitacional pode proporcionar em
caráter definitivo o atendimento de uma parte da população mais vulnerável que não é atendida
pelos Planos Habitacionais baseados na compra da Casa Própria. Tendo o potencial de ampliar
sensivelmente o acesso à moradia digna e adequada. Por outro lado, a locação social é
instrumento importantíssimo para contenção de processos de gentrificação em áreas centrais e
valorizadas, além de ajudar no controle e na regulação dos preços de aluguéis. Ademais, se
configura como um importante instrumental para a revitalização dos centros urbanos e
aproveitamento dos equipamentos urbanos subutilizados.
4 - Referências bibliográficas
BALBIM, Renato. Serviço de Moradia Social ou Locação Social: alternativas à política
habitacional. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-IPEA, 2015. Disponível em
https://ideas.repec.org/p/ipe/ipetds/2134.html. Acesso em 13 de outubro de 2016.
SCANLON, Kathleen; FERNÁNDEZ ARRIGOITIA, Melissa; WHITEHEAD, Christine ME. Social
housing in Europe. European Policy Analysis, n. 17, p. 1-12, 2015
SANTOS, Milton. São Paulo: metrópole fragmentada corporativa. São Paulo: Nóbel, 1990.
ROLNIK, Raquel. Eu sou você amanhã: a experiência chilena e o ‘Minha Casa, Minha Vida’.
Correio da Cidadania, v. 11, n. 05, 2012.
MARCUSE, Peter. O caso contra os direitos de propriedade. Cidade (i) legal. Rio de Janeiro:
Mauad, 2008.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 - DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
Resumo
Este artigo tem como objetivo discutir a problemática do Direito à Moradia no Brasil, com
ênfase no desrespeito aos direitos fundamentais ligados a habitação. Apresentamos um
breve histórico sobre organizações populares e suas lutas ante as transformações das
cidades brasileiras, revisamos os estudos sobre direito à habitação no Brasil e
discutimos as consequências dessas ações, com enfoque específico nas ocupações, e
as leis que criminalizaram tais ações, comumente reconhecidas como “invasões”. Para
tanto, escolhemos um estudo de caso baseado em uma experiência das ações do grupo
de pesquisa e extensão “Direito à Cidade”, entre 2011 e o momento atual. Tal situação
acomete uma área de interesse cultural da cidade de Salvador, tombada por três
instâncias públicas e reconhecida pela UNESCO como "patrimônio da humanidade"
agravando ainda mais a situação. Para tanto, além da revisão bibliográfica e da análise
de documentos oficiais, contamos com observações oriundas Das nossas experiências
com a comunidade através da assessoria técnica-jurídica. Tal análise nos fez constatar
a incapacidade dos programas habitacionais locais de suprir toda a demanda por
moradia, resultando em ocupações informais, intensificando o estado de vulnerabilidade
no qual comunidades estão inseridas.
4WARREN, Scherer Ilse. Redes de movimentos sociais na América Latina - caminhos para uma
política emancipatória? Caderno CRH, Salvador, v. 21, n. 54, p.505-517, set./dez. 2008.
individuais e atores coletivos em torno: (i) de identificações comuns; (ii) de um campo
de conflito e de seus principais adversários; (iii) e de um projeto ou utopia de
transformação social.
5
Fernandes, Edésio.. Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas notas sobre a
trajetória do Direito Urbanístico no Brasil. Belo Horizonte, p31-64. 2002
6 BONDUKI, Nabil. Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas
perspectivas no governo Lula. In: Revista eletrônica de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, n.
1, p. 70–104. 2008
7 BRITO, Paulo. Movimentos Sociais: aspectos históricos e conceituais, Movimento nacional de
luta pela moradia (MNLM). Retirado em 09 de maio de 2016 de http://mnlm.blogspot.com.br/.
2006
2.2 - Os avanços nas políticas de moradia popular urbana no século XXI
No século XXI, foi criado o Ministério das Cidades, reivindicação antiga do Fórum
Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Ampliaram-se os canais
institucionais para a participação social na gestão das políticas, instituindo-se o
processo de conferências e o Conselho das Cidades, em 2004. Entretanto, os descasos
com a população de baixa renda continuam fortes nesse sistema e exemplificamos isso
com nosso estudo de caso.
4. Considerações Finais
Resgatando o processo histórico da luta por moradia no brasil, ainda que tenham
acontecido muitos avanços nos planos criados pelas secretarias sociais de habitação e
a implantação de suas respectivas leis, essas são incapazes de suprir os anseios dos
movimentos de moradia e de reforma urbana, agravando o processo de urbanização e
ocupação informal sem qualquer apoio governamental e a grande maioria da população,
não tem outra alternativa senão continuar auto empreendendo. Por mais que as políticas
sejam públicas, elas são políticas sem ato, tornando-se assim inócuas ao seu fim
profícuo.
Ao partir do quadro geral para um caso particular, a situação da Chácara Santo Antônio,
narramos o histórico da luta por permanência dessa comunidade no Centro Histórico de
Salvador, explicitando o desrespeito, por parte do Estado, a diversos direitos
fundamentais dessa população. Assim constatamos que as considerações aqui
expostas nos levam a sugerir uma profunda revisão no tratamento atribuído aos
proprietários que não conferem função social as suas propriedades, especialmente
aquelas em estado de vacância, enquanto que comunidades tradicionais são forçadas
a receber unidades habitacionais no Programa Minha Casa Minha Vida, condicionando-
as a diversas vulnerabilidades e desenlace com seus direitos.
1
1) INTRODUÇÃO
O governo federal com a iniciativa de incentivar à produção e aquisição de novas unidades
habitacionais, criou o Programa Minha Casa, Minha Vida. Entretanto não tem se pensado na
oferta dessas moradias dentro do contexto da cidade, causando a segregação e privação do
direito à cidade, como é o caso que pode ser visto em Teresina-PI, onde a população beneficiada
está inserida nas franjas urbanas e grandes vazios urbanos, ficando privada de seus direitos em
relação aos serviços urbanos necessários para uma boa qualidade de vida. Com isso a pesquisa
se torna relevante, na tentativa de se conceber um conjunto organizado de conhecimentos a
respeito dos empreendimentos da faixa 1, bem como sobre a realidade das famílias beneficiadas
na cidade de Teresina-PI.
A etapa desta pesquisa compreendem: a revisão bibliográfica, no intuito de fazer
levantamentos de obras já publicadas em formas de livros, artigos ou revistas, com a finalidade de
por em contato tudo que foi escrito sobre o espaço urbano, políticas habitacionais e segregação
urbana, permitindo um melhor reforço das análises da pesquisa.
2) DESENVOLVIMENTO
Teresina possui área urbana de 176,32 km², 814.230 mil habitantes e taxa de urbanização
de 94,30% (IBGE, 2010). A cidade está localizada na porção norte do Estado, à margem direita do
Rio Parnaíba (TERESINA, 2002).
A história da expansão do sítio urbano de Teresina iniciou-se com a lei provincial n.º 315,
de 21/07/1852 que elevava a Vila do Poti a categoria de cidade, com o nome de Teresina. De
acordo com Lima3 (2002) no período de sua formação, a capital do Piauí cresceu rapidamente,
pois dois anos depois de sua fundação, a cidade já contava com uma população de cerca de
8.000 habitantes. Para esta autora esse crescimento foi estimulado pelo afloramento dos terrenos
situados nas ruas planejadas, ficando muitas famílias com a quadra inteira para suas residências.
1
Graduado em Geografia - UFPI, Mestrando em Estudos Urbanos e Regionais - PPEUR/UFRN. Bolsista
EXP-B CNPq. bielc72@hotmail.com
2 Graduada em Geografia. UFPI. denisebritosilva@gmail.com
3
LIMA, Iracilde Maria de Moura Fé. Teresina: urbanização e meio ambiente. In: Scientia Et Spes: Revista
do Instituto Camilo Filho, v. 1, n.2, Teresina ICF, 2002.
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2
4
FAÇANHA, Antônio Cardoso. A evolução urbana de Teresina: agentes, processos e formas espaciais da
cidade. 1998. 233 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife,
1998.
5 ______. A evolução urbana de Teresina; passado, presente e...Carta CEPRO, Teresina, v.22, n.1, p.59-
7 PONTES, Daniele Regina; FRITZEN, Fabiano Milano; FARIA, José Ricardo Vargas de; BERTOL, Laura
Esmanhoto; FARIA, Eduardo; PONTES, Stefania Poeta; GUSSO,Ramon José; STUMM, Michelli Gonçalves;
PILOTTO, Angela. Proposta Metodológica: Revisão do Plano Estadual de Habitação de Interesse Social
do Piauí. Curitiba: Ambiens, 2009.
8 CARDOSO, Adauto Lúcio; ARAGÃO, Thêmis Amorim. Do fim do BNH ao Programa Minha Casa Minha
Vida: 25 anos da política habitacional no Brasil. In: CARDOSO, Adauto Lucio. (Org.). O programa Minha
Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais: Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. p. 17-65.
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4
9
CAMPOS, Paola Rogedo; MENDONÇA, Jupira Gomes de. Estrutura socioespacial e produção
habitacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte: novas tendências. In: CARDOSO, Adauto
Lucio. (Org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais: Rio de Janeiro: Letra Capital,
2013. p. 67-92.
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5
o auxílio de serviços que façam essa integração e proporcionem condições de vida menos
desiguais (SILVA e SILVA, 2013)10.
Portanto, é importante lembrar que o governo federal tem possibilidades limitadas em
relação à garantia de uma localização adequada dependendo também dos municípios intervirem e
contribuírem de maneira satisfatória, por meio dos planos diretores e planos de habitação,
responsáveis por definir os locais onde serão construídas as habitações como também a possível
oferta de serviços e infraestruturas necessárias a essa nova população que residirá nos conjuntos
habitacionais.
Diante disso, se os municípios aplicarem a importância devida na elaboração e execução
dos Planos Diretores Municipais e dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social e unissem
as ideias e estratégias com os instrumentos urbanísticos que estão previstos no Estatuto da
Cidade, esses seriam um ponto bastante positivo em relação aos locais onde se encontram os
conjuntos habitacionais da faixa 1, de tal forma que se controlaria a especulação imobiliária sendo
viabilizada ainda a oferta de suporte a serviços urbanos e infraestruturas necessárias para a
população (NETO, MOREIRA e SCHUSSEL, 2012)11.
Cabe lembrar que a legislação básica e as instruções normativas que regulamentam o
PMCMV, estabelecem critérios para se aprovar os projetos visando justamente a resolução de
problemas futuros a respeito das condições de habitação e ausência de serviços básicos
necessários à população. A Caixa Econômica Federal (CEF), por exemplo, prioriza a contratação
de empreendimentos em áreas com infraestrutura básica, providos ainda de serviços urbanos de
educação, saúde e transporte (CARDOSO, ARAGÃO e ARAUJO, 2011)12.
3) CONSIDERAÇÕES FINAIS
A questão habitacional hoje nas cidades é algo que propicia uma série de problemas.
Mesmo com as políticas públicas hoje existentes, a exemplo do Programa Minha Casa, Minha
Vida, criado com a intenção de diminuir o déficit habitacional e proporcionar às diversas camadas
populares o acesso à moradia, percebe-se, até mesmo no âmbito da literatura especializada, que
tais políticas mesmo que de forma indireta, junto com o poder do Estado têm criado um fator de
segregação, onde algumas famílias estão propícias a ter sua moradia inserida em locais cada vez
mais distantes do centro principal e limitadas em uma série de serviços urbanos.
10 SILVA, Beatriz Fleury e; SILVA, Ricardo Dias.A novas formas de provisão de moradia e seus
impactos na reconfiguração socioespacial do aglomerado sarandi-maringá entre 2009 e 2011. In:
CARDOSO, Adauto Lucio. (Org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais: Rio de
Janeiro: Letra Capital, 2013. p. 279-300.
11 NETO, Paulo Nascimento; MOREIRA, Tomas Antonio; SCHUSSEL, Zulma das Graças Lucena. Conceitos
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6
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CAMPOS, Paola Rogedo; MENDONÇA, Jupira Gomes de. Estrutura socioespacial e produção
habitacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte: novas tendências. In: CARDOSO,
Adauto Lucio. (Org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais: Rio de
Janeiro: Letra Capital, 2013. p. 67-92.
NETO, Paulo Nascimento; MOREIRA, Tomas Antonio; SCHUSSEL, Zulma das Graças Lucena.
Conceitos Divergentes Para Políticas Convergentes: Descompassos entre a política nacional de
habitação e o programa minha casa, minha vida. R. B. Estudos Urbanos e Regionais, v. 14, n.
1, p. 85-98, 2012.
CARDOSO, Adauto Lúcio; ARAGÃO, Thêmis Amorim. Do fim do BNH ao Programa Minha Casa
Minha Vida: 25 anos da política habitacional no Brasil. In: CARDOSO, Adauto Lucio. (Org.). O
programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais: Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. p.
17-65.
CARDOSO, Adauto Lucio; ARAGÃO, Thêmis Amorim; ARAUJO, Flávia de Sousa. HABITAÇÃO
DE INTERESSE SOCIAL: POLÍTICA OU MERCADO? REFLEXOS SOBRE A CONSTRUÇÃO
DO ESPAÇO METROPOLITANO. In: XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR. Rio de Janeiro,
RJ, 2011.
FAÇANHA, Antônio Cardoso. A evolução urbana de Teresina: agentes, processos e formas
espaciais da cidade. 1998. 233 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Universidade Federal de
Pernambuco, Recife, 1998.
______. A evolução urbana de Teresina; passado, presente e...Carta CEPRO, Teresina, v.22,
n.1, p.59-69, jan./jun. 2003.
LIMA, Antônia Jesuíta de. Favela Cohebe: uma história de luta por habitação popular. 2. ed.
Teresina: EDUFPI; Recife: Bagaço, 2010
LIMA, Iracilde Maria de Moura Fé. Teresina: urbanização e meio ambiente. In: Scientia Et Spes:
Revista do Instituto Camilo Filho, v. 1, n.2, Teresina ICF, 2002.
PONTES, Daniele Regina; FRITZEN, Fabiano Milano; FARIA, José Ricardo Vargas de; BERTOL,
Laura Esmanhoto; FARIA, Eduardo; PONTES, Stefania Poeta; GUSSO,Ramon José; STUMM,
Michelli Gonçalves; PILOTTO, Angela. Proposta Metodológica: Revisão do Plano Estadual de
Habitação de Interesse Social do Piauí. Curitiba: Ambiens, 2009.
SILVA, Beatriz Fleury e; SILVA, Ricardo Dias. A novas formas de provisão de moradia e seus
impactos na reconfiguração socioespacial do aglomerado sarandi-maringá entre 2009 e
2011. In: CARDOSO, Adauto Lucio. (Org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos
territoriais: Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013. p. 279-300.
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1
Introdução
3 Para saber a respeito sobre as primeiras experiências com indicadores de vulnerabilidade em Ribeirão
Preto, assim como os primeiros resultados e parâmetros indexados, ver: MIGLIORINI; PALAZZO; VIANA.
Indicadores de vulnerabilidade sócio-ambiental das favelas de Ribeirão Preto como subsídio para
processos de regularização fundiária. In: ANAIS DO VIII ENCONTRO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE
ECONOMIA ECOLÓGICA. Cuiabá, 2009.
4 Analogia feita por Tatiana Gaspar e Ana Miranda (GASPAR; MIRANDA, 2016), onde as autoras defendem
o modelo urbano de Ribeirão Preto como fruto de uma "modernidade incompleta", ocasionando uma riqueza
cada vez mais concentrada e uma pobreza cada vez mais diluída dentro do município.
3
Porém, apesar do PLHIS ser um marco regulatório sobre o planejamento municipal, nota-se
um descompasso entre a assimilação das diretrizes propostas pelo plano, em sua totalidade, e as
ações promovidas pela gestão municipal, reduzindo seu diagnóstico a uma justificativa de ação de
reintegração de posse onde, na maioria dos casos, a prefeitura não apresentaria qualquer
responsabilidade ou compromisso com o destino das famílias.
Sete anos se passaram após a elaboração do plano e praticamente todo o seu potencial
como base subsidiária à elaboração de políticas habitacionais foi renegado. O cenário enfrentado
5 Pozzo (POZZO, 2015) define a COHAB-RP como: "empresa de capital misto implantada em 1969, na qual,
a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto é a acionista majoritária. Além de investidores privados, outras
Prefeituras Municipais da Região Administrativa de Ribeirão Preto também compõem o quadro de
acionistas. Com financiamentos obtidos, principalmente, a partir de Programas Habitacionais do Governo
Federal, tem atuação regional no processo de implantação de conjuntos habitacionais e da comercialização
de suas unidades junto aos segmentos de baixo poder aquisitivo".
4
Figura 1- Evolução dos assentamentos precários informais entre os anos de 2010 e 2016 em Ribeirão Preto/SP7
do PLHIS, hoje, o plano apresenta-se ultrapassado, pois representa um cenário prévio existente
em 2010, que se agravou ao longo destes sete anos. Neste sentido, propõe-se uma linha
metodológica de caracterização de assentamentos precários informais como processo subsidiário
a políticas públicas habitacionais, assim como um possível método de atualização do PLHIS,
retratando a atual condição da habitação informal dentro de Ribeirão Preto.
Para cada indicador elencado na Figura 2, estruturam-se “notas” – variando de 1,0 a 5,09–
de modo que a maior pontuação sugerisse a condição mais favorável, ou melhor, passível de
urbanização, ao passo que a menor pontuação sugerisse, como solução mais viável, processos
de reassentamento e remanejamento.
8 Fonte: CARDOSO, A. L. Assentamentos precários no Brasil: discutindo conceitos. In: MORAIS, M. P.;
KRAUSE, C.; NETO, V. C. L. N. Caracterização e tipologia de assentamentos precários: estudos de
caso brasileiros. Brasília: Ipea, 2016. 29-49 p.
9 Para conhecer alguns dos parâmetros de análise estabelecidos pela metodologia, indica-se consultar
Migliorini, Palazzo e Viana (MIGLIORINI; PALAZZO; VIANA, 2017), sendo objetivo deste artigo, demonstrar
a efetividade da metodologia de estudo como uma instrumentação capaz de ler a situação atual do
município.
6
Considerações finais
Deste modo, a avaliação dos assentamentos pelos indicadores permite inferir sobre as
ações e projetos mais indicados tendo em vista a regularização dos assentamentos pesquisados,
assim como “quantificar” o potencial para programas de urbanização e/ou reocupação dos
núcleos, permitindo elaboração de políticas habitacionais que visem à resolução da real situação
do município em relação ao seu déficit habitacional, mostrando-se, neste sentido, como um
caminho à justiça social e garantia de direito à moradia em Ribeirão Preto.
Referências bibliográficas
1. Introdução
As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) configuram uma categoria especial de zoneamento
que, por meio de parâmetros e regramentos específicos, apresenta como objetivos possibilitar a
reurbanização e regularização de áreas irregularmente ocupadas por população de baixa renda
(ZEIS de regularização), o aproveitamento de imóveis subutilizados ou a constituição de um
estoque fundiário para produção pública ou privada de Habitação de Interesse Social (HIS) (ZEIS
de imóveis vazios ou subutilizados).
A concepção das ZEIS, vinculada ao movimento de luta pela Reforma Urbana, configura tentativa
de remediar as desigualdades históricas inerentes à terra como propriedade, que resultam no
enorme déficit habitacional no Brasil, concentrado em famílias com renda inferior a três salários
mínimos mensais (faixa de renda que corresponde a 83,9% do déficit habitacional urbano
brasileiro e a 80,2% do déficit habitacional urbano da Região Metropolitana de São Paulo2), e
impactam no aumento da população favelada e de sua proporção em relação à população total
nas últimas décadas3
Em relação às ZEIS de vazios, muitas expectativas foram colocadas acerca de sua
implementação, dentre as quais a de ser capaz de controlar o preço das terras, formar um
estoque fundiário para os empreendimentos voltados à moradia das famílias de baixa renda,
garantir melhores localizações para tais empreendimentos e ampliar a produção de HIS pelo
mercado4.
5. Referências bibliográficas
FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil 2013-2014. Belo Horizonte: Centro
de Estatísticas e Informações, 2016.
1 INTRODUÇÃO
1 Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Membro do IBDU –
Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico. Integrante do NAJA – Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa.
Integrante do GPDS – Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade. E-mail: gilsonsantiago.06@gmail.com.
2 Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano. Professor adjunto da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (UESB). Membro do IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico. Integrante do NAJA –
Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa. Coordenador do GPDS – Grupo de Pesquisa Direito e
Sociedade. E-mail: ccarvalho@uesb.edu.br.
3 ROLNIK, 2015.
as condições pelas quais se tem a reprodução de capital na cidade, realizando os interesses
privados através da ocupação do solo para fins de mercado ou fins especulativos4.
Deste modo, pretende-se analisar neste trabalho, a partir das realidades vivenciadas pelas
famílias que moram nas duas ocupações supracitadas, Comunidade Maravilhosinha e Cidade
Bonita, a luta pela efetivação do direito à moradia adequada em Vitória da Conquista,
considerando os desafios apresentados à luz do Plano Diretor Urbano de Vitória da Conquista, Lei
Complementar nº 1.386/2006.
2 DESENVOLVIMENTO
4 CARLOS, 2008.
5 CARVALHO; RODRIGUES, 2016, p. 48.
Nesta ótica, devastação e sobrevivência são os elementos contraditórios da relação
homem-natureza na prática cotidiana de produzir e reproduzir o habitat. Ao ocupar as terras
disponíveis na periferia, a população atua de forma massiva, orientada por estratégias de
sobrevivência imediata e, ao fazê-lo, ela produz espaço. Este movimento é percebido pela própria
população, que identifica, claramente, que viver, para o homem, é produzir espaço. No contexto
da dinâmica urbana espoliadora, excludente, o universo natural emerge, aos olhos da população,
como o universo da abundância, das inúmeras possibilidades de ‘viver, porque, de fato, esse
universo “natural”, percebido como aquele diferente do social, é o universo que contém o recurso
básico, estrutural, possibilitador da sobrevivência no meio urbano – a terra.
Rolnik (2014) acredita que as legislações urbanísticas, ao demarcarem territórios,
demarcam também relações de poder existentes em um determinado espaço. Vê-se que os dois
Planos Diretores Urbanos de Vitória da Conquista, que foram aprovados em contextos políticos
diferentes, não modificaram a dinâmica urbana, tampouco reduziram a desigualdade social.
Observa-se que os avanços no Plano Diretor Urbano de 2006, em relação ao de 1976, se deram
no campo institucional, já que, no sentido de promover a democratização do acesso à terra
urbana, introduziu instrumentos de promoção da distribuição da terra – como as Zonas Especiais
de Interesse Social e IPTU progressivo –, processos de gestão descentralizada e democratização
das decisões, ainda que estes instrumentos ainda não foram aplicados e a cidade siga sua
marcha de segregação, com investimentos e concentração em áreas nobres apenas.
O Plano Diretor Urbanístico de 1976, anterior ao Estatuto da Cidade, marca nitidamente as
bases do projeto de cidade excludente que se pretendia Vitória da Conquista, ao delimitar que
todo loteamento criado pavimentasse as ruas, exceto quando sua localização se dava em bairros
“populares” ou “proletários”, na expressão da própria Lei 118/1976. Marcadamente, esta definição
possibilitou que, durante décadas, bairros tidos como populares fossem negligenciados pelo
Poder Público e sequer recebessem pavimentação asfáltica. Além disso, o PDU de 1976 definia
que as áreas dos lotes deveriam observar a categoria econômica e a classe, em seu art. 70,
definindo assim, as relações econômicas como determinantes no arranjo socioespacial da cidade:
lotes menores para classes econômicas inferiores. Assim, Vitória da Conquista, através do seu
PDU de 1976, definiu o arranjo principal da cidade. Do mesmo modo, o surgimento da BR-116
marca a arquitetura e espacialidade da cidade ao dividir a urbe em Zona Oeste (lote populares) e
Zona Leste (lotes com maior valor imobiliário). Sem espaço nas áreas valorizadas de Vitória da
Conquista, a grande massa que se alojou nela teve e tem de buscar alternativas de sobrevivência.
Apesar dos avanços em relação ao PDU/1976, o PDU/2006 aprofundou a segregação
socioespacial ao destinar atenção diferenciada aos bairros Recreio e Candeias, definidos como
Áreas de Ocupação Consolidada, realocando equipamentos públicos do Centro para estes
setores da malha urbana, a exemplo do Centro Municipal de Atenção Médica Especializada
(CEMAE), SESI, equipamento judiciário (Fórum das Justiças Federal, Eleitoral, Trabalhista e
Comum), o que favoreceu o cenário de especulação imobiliária nesta região, já impulsionada a
partir do PDU/1976.
Neste ínterim, os imensos vazios na malha urbana, provocados com vistas em valorização
e mera especulação imobiliária, que poderiam ser utilizados para a construção de equipamentos
de uso coletivo, incluindo a construção de moradias populares, são na verdade instrumentos pelos
quais construtoras, incorporadoras, empreiteiras e demais agentes do mercado de capitais se
utilizam para fomentar a especulação imobiliária e assim auferir lucros, ainda que sem investir um
centavo no terreno nu.
Assim, os aglomerados subnormais, como a Comunidade Maravilhosinha e a Cidade
Bonita, avançaram sobre o ambiente urbano e, com eles, a miséria, o desemprego, a violência e a
falta de oportunidades, vez que “[a]s casas, caminhos e improvisos, edificados nos mutirões de
final de semana, constituem – juntamente com o desemprego, o trabalho informal e temporário, as
atividades domésticas nos lares abastados e o trabalho precário dos serviços terceirizados – a
formação social da cidade ilegal brasileira”6. Deste modo, o modelo socialmente excludente e
espacialmente segregador de Vitória da Conquista gerou, e ainda gera, inúmeros problemas que
prejudicam as condições de viver dignamente de grande parte da população. Nesta ótica, as
linhas gerais que deveriam reger minimamente o conjunto das políticas públicas, no tocante à
moradia, são disputadas por interesses socioeconômicos diversos – mercado imobiliário versus
habitação popular – lei e ordem versus dignidade da pessoa humana.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O PDU atual de Vitória da Conquista define como princípios a “promoção da justiça social
e a redução das desigualdades sociais”, o “Direito à Cidade para todos, compreendendo o direito
à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte, aos
serviços públicos, ao trabalho e ao lazer”, o “respeito às funções sociais da Cidade e à função
social da propriedade” e tem como objetivo “combater as distorções e abusos do mercado
imobiliário urbano e o uso especulativo da terra como reserva de valor, de modo a assegurar o
cumprimento da função social da propriedade”7. Embora existentes nítidos avanços em relação ao
PDU anterior, as desigualdades socioespaciais, a financeirização da moradia e a especulação
imobiliária colocam obstáculos, a partir do próprio Plano Diretor, à concretização do direito à
moradia adequada como indispensável à dignidade humana.
Tornar as cidades mais humanas é um desafio que se impõe àqueles que pensam a
cidade como um espaço a ser disputado democraticamente. O processo de ocupação irregular de
áreas vulneráveis, como as Áreas de Preservação Permanente, mostra-se enquanto um reflexo
do avanço de projetos neoliberais para as cidades, que tornam os espaços urbanos reféns do
4 REFERÊNCIAS
CARLOS, Ana Fani Alessandri. A (re)produção do espaço urbano. 1ª ed. 1ª reimpr. São
Paulo: EDUSP, 2008.
Introdução
Frente a um cenário em que a terra bem localizada e infraestruturada é mercadoria cara, a cidade
brasileira tem combinado a livre e crescente mercantilização com a ocupação informal de
edificações vazias e terras desfavoráveis (encostas íngremes e sujeitas a escorregamentos, áreas
baixas com inundação, de preservação ambiental, entre outras), locais relegados pelo capital
imobiliário. Funcionando como verdadeira válvula de escape para os conflitos, esta alternativa tem
sido tolerada, tanto pelo Estado como pelo setor imobiliário privado, em algumas partes do
território urbano onde o mercado, naquele momento, não tem interesse. Nessa cidade se
combinam zonas plenas de serviços, bairros ultrassofisticados, prédios e condomínios fechados
de luxo com inúmeros sistemas de segurança, verdadeiros guetos da elite e zonas de
incompletude, ocupadas pela pobreza (favelas, loteamentos periféricos, cortiços, ocupações etc.),
cujos moradores, diante do vácuo da ação do Estado, além de enfrentarem a inexistência de
serviços básicos, precariedade, vivem em permanente estado de insegurança diante da violência
do narcotráfico e/ou da milícia e/ou da polícia, e frente à possibilidade iminente de ações de
remoção, como as ressuscitadas pelo governo da cidade do Rio de Janeiro (2012-2016), que se
espraiam por outras.
Neste contexto, tem progressivamente predominado um modelo de gestão e de realização da
riqueza capitalista orientado por uma lógica expansiva, simultaneamente seletiva e socialmente
1 Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense, Núcleo de Terras e Habitação
da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos
da Universidade Federal Fluminense, Arquiteto e Urbanista e Pesquisador Associado,
danielmendesms@yahoo.com.br.
2 Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP, Programa de pós-graduação em Arquitetura e
5
O caso da resistência da Vila Autódromo, Jacarepaguá, Rio de Janeiro, cujos moradores conseguiram
manter seu território, mesmo que com apenas 20 famílias, tem sido considerado exemplo emblemático.
2
originalmente ocupava a Praia das Pedrinhas, tendo se transferido, em 1938, para a foz do Arroio
Pavuna (Figura 01), lá permanecendo até hoje, não sem luta contra remoção forçada. Os
moradores possuem documentos que comprovam a posse desde 19546.
6A comunidade existe desde bem antes da Lei nº 4.771/1965, que institui o Código Florestal, e sua condição
de permanência está atestada pela Portaria SERLA n° 15 de 18 de março de 1976, que define a faixa
marginal de proteção (FMP) para as Lagoas da Baixada, e seus moradores possuem inscrição de ocupação
junto à SPU.
7 Para realizar a titulação, o ITERJ conta com recursos de contrato com a Caixa Econômica Federal.
8 Participaram desta construção o Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto de
NEPHU/UFF, como resposta aos desafios colocados em função das ações de assessoria técnica às
comunidades que lutam pelo acesso à terra e à moradia e contra propostas de remoção (Metodologia para
Projetos de Regularização Urbanística geridos pela Comunidade, desenvolvida com apoio do CNPq,
período 1992 – 1993).
10 Foram os seguintes os parâmetros adotados: lote mínimo unifamiliar de 65 m², lote mínimo para sobrado
de 80 m², largura das servidões de 1,2 m, em que serão assentados moradores que comprovarem
permanência de pelo menos 01 ano, além de que a titulação é feita no nome da mulher.
11 Ficou estabelecido que a titulação venha a acontecer no nome do inquilino, que pagará ao proprietário o
custo da construção da benfeitoria, em forma de aluguel, fixado a partir da avaliação realizada pela equipe
de assessoria das universidades.
4
drenagem, esgotamento sanitário e abastecimento de água (Figura 3). Uma vez concluído, o
Plano Popular foi entregue à SPU para fazer constar no processo de regularização fundiária em
curso e agilizar o seu prosseguimento, dada a natureza morosa, em geral, desses processos.
12 Cabe lembrar uma série de medidas prévias à titulação dos moradores, a serem aprovadas junto à
municipalidade e ao Registro de Imóveis (desmembramento e abertura de matrículas, dado ser a área parte
de um imóvel entregue ao Comando da Aeronáutica). Para tanto, é necessário elaborar projetos que,
considerando a estrutura e a capacidade operacional da SPU, demandam ações integradas e cooperações
interinstitucionais, como a participação do ITERJ e das Universidades.
5
mercado imobiliário e a prefeitura tem demonstrado seu alinhamento com este setor. Soma-se a
esse perigo, o fato do próprio processo de valorização fundiária tender a expulsar as parcelas
mais empobrecidas, desafio que continuará, mesmo após a conclusão de todo o processo, mas
que pode ser reduzido pela delimitação do assentamento como Área Especial de Interesse Social.
No entanto, isto ainda não foi conseguido e retarda o processo. Além desses obstáculos, outra
dificuldade decorre da própria dinâmica interna de ocupação do assentamento, que tende a ser
acelerada em processos de urbanização e regularização fundiária. O significativo número de
casos de aluguel (Figura 2), associado à lentidão e mesmo à falta de ação da SPU, contribuiu
para a alta rotatividade dos inquilinos pressionados pelos locadores, alterando frequentemente os
cadastros. Problema adicional enfrentado pelas comunidades e que dificulta também diretamente
o avanço na conquista da regularização fundiária é a presença da milícia ou do narcotráfico. Na
verdade, conforme aponta Souza (2008: 225), “torna-se cada vez mais difícil pensar com realismo
intervenções estatais em favelas e outros espaços segregados de grandes e até médias cidades –
‘urbanização’, regularização fundiária, implementação de rotinas consistentemente participativas –
sem considerar e sem enfrentar o desafio da territorialização e do controle impostos por
traficantes de drogas” e de milicianos. Finalmente devem-se considerar os impactos que
ocorrerão, caso a Medida Provisória no 759 de 22/12/2016, em tramitação no Congresso Nacional,
seja aprovada.
Referências Bibliográficas.
BIENENSTEIN, G.; SANTOS, R. R. O.; Nin, F.; PEREIRA, N. B. S.; LINS, M. C.; OLIVEIRA, F.
Leal; GARCIA, F. E. S.; TANAKA, G.; FAULHABER, L.; FIDELLES, F.. Apropriação privada versus
resistência popular: disputas em torno da reforma do Maracanã. In: Anais do XVI Encontro
Nacional da ANPUR, Belo Horizonte, MG, 2015.
AZEVEDO, L.; FAULHABER, L. SMH 2016: remoções no Rio de Janeiro Olímpico. Rio de
Janeiro: Mórula. 2015
BIENENSTEIN, R. Redesenho Urbanístico e Participação Social em Processos de
Regularização Fundiária. Tese de Doutorado, FAUUSP, São Paulo, 2001.
________________. Regularização Urbanística: uma proposta metodológica. Tese submetida
em concurso público para professor titular, Universidade Federal Fluminense, 1993.
BRASIL Ministério das Cidades. Regularização Fundiária Urbana, como aplicar a Lei Federal
n° 11.977/2009, 2010, Brasília.
OLIVEIRA, F. Leal; GARCIA, F. E. S.; BIENENSTEIN, G.; TANAKA, G.; SANTOS, R. R. O.; LINS,
M. C.; FIDELLES, F.; Nin, F.; PINTO, J.; FAULHABER, L.. A Reforma do Estádio Maracanã para a
Copa do Mundo 2014: impactos sociais e urbanos. In: NOBRE,E. A. C. e BASSANI, J.(Org.).
Intervenções Urbanas em Áreas em Transformação de Cidades da América Latina. São
Paulo, SP: FAUUSP, 2015, v. I, p. 17-36.
SOUZA, M. L. de. Fobópole. O Medo Generalizado e a Militarização da Questão Urbana. Rio
de Janeiro: Bertrand Russel Brasil, 2008.
6
1
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho trata sobre o instituto jurídico denominado direito real de laje,
introduzido, com essa nomenclatura, no nosso arcabouço normativo pela Medida Provisória
759/2016, instituída pelo Presidente Michel Temer em 22 de dezembro de 2016, que, em suma,
trata sobre regularização fundiária rural e urbana, os créditos concedidos aos assentados da
reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, além de prever
procedimentos relativos à alienação de imóveis da União.
De acordo com a exposição de motivos da MP 759/2016, pretendeu-se, com a
implementação do direito real de laje, regularizar o popular "puxadinho" edificado em terreno
alheio. Isso porque vislumbrou o legislador uma solução para um fato social histórico, já bastante
imbuído na nossa realidade cultural, que acontecia, e continua acontecendo, quando
determinadas pessoas cediam parte da área do seu imóvel, seja onerosa ou gratuitamente, para
que outras pudessem edificar sobre a superfície – mais conhecida como a laje - da construção.
Com efeito, em decorrência dessa realidade social cada vez mais corriqueira, surgiam
questionamentos tais como: a quem competiria o pagamento de tributos, aos titulares do imóvel
principal ou do anexo? Se houvesse discussão em relação à titularidade do imóvel edificado sobre
a laje, como se resolveria? Em caso de divórcio, o puxadinho entraria na partilha de bens? Tais
questões não eram pacíficas no âmbito do Direito2.
Nesse viés, tal situação – das edificações sobre a superfície das lajes – é ainda mais
evidente no contexto das favelas verticalizadas, onde se percebe com frequência o uso da laje por
outrem, de modo que do uso dado pelo proprietário do imóvel seja independente ao possuidor da
laje, transferindo-se esse até então “direito costumeiro” de pessoa a pessoa. Com efeito, o direito
1 Graduando em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). E-mail:
arthur93oliveira@gmail.com
2 FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito real da laje: novidade de fim de ano no direito civil brasileiro.
de laje teria o fito de transpor para o ordenamento jurídico positivado uma realidade que
caracteriza as favelas verticalizadas de grandes centros urbanos, especialmente nos estados do
sudeste brasileiro3.
Contudo, apesar da aparente novidade, tal instituto já recebia menções na doutrina
especializada, principalmente após a edição da Lei nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade, que
tratava do tema, em seu art. 21, sob a roupagem do direito de superfície por sobrelevação, fato
esse que gerou algumas críticas de certos juristas, que sustentam pontos como a desnecessidade
e a atecnia da Medida Provisória em comento4.
Destarte, objetiva-se com este estudo analisar o potencial que o novel instituto direito real
laje possui de atuar como agente facilitador e garantidor de uma regularização fundiária nas
favelas brasileiras, utilizando-se, para tal, das fontes documentais e bibliográficas.
2 DESENVOLVIMENTO
concretização do reputado direito de laje, haja vista as controvérsias que poderão surgir no âmbito
dos cartórios ou mesmo em sede judicial6.
Isso porque, não foi feliz a Medida Provisória ao afirmar que a cessão do direito de laje
deve se dar “a fim de que terceiro edifique unidade distinta daquela originalmente construída
sobre o solo” (Grifos acrescidos). A vinculação finalística, da forma como foi redigida, parece
desconsiderar a realidade, regulamentando os imóveis que venham a ser edificados, olhando para
o futuro, quando deveria o legislador, precipuamente, reconhecer uma situação fática já existente,
partindo do princípio de que a unidade já pode ter sido edificada7.
Doutro turno, em conferência realizada no Fórum de Direito da Cidade, Ricardo Lira fez
sérias críticas à redação da MP 759/2016, destacou a infelicidade do legislador em optar pela
vedação da implementação de “sobrelevações sucessivas” pelo titular do direito real de laje (art.
1.510-A, §5o). Conforme o aludido urbanista, “Tal proibição contradiz a prática, comum em
inúmeras comunidades cariocas (Rocinha, Dona Marta, entre outras), de se chegar ao terceiro ou
quarto nível de edificação”8.
Além disso, a MP 759/2016 falhou ao instituir a responsabilidade do titular do direito real
de laje pelos encargos e tributos incidentes sobre o imóvel. Tal medida poderia desestimular a
aquisição da laje, em que pese o legislador ter isentado o primeiro registro daquela do pagamento
de custas e emolumentos cartorários. É que a MP foi omissa quanto os tributos incidentes sobre a
laje, o que poderia vir a constituir verdadeiro óbice à formalização de uma situação já consolidada
e respeitada nas comunidades.
Ainda de acordo com Schreiber, a MP 759/2016 falhou ainda em deixar ao intérprete da
norma a missão suprir as lacunas sobre aspectos essenciais à efetividade do direito de laje. Cita o
jurista, como exemplo, a omissão em relação à possibilidade de o direito real de laje ser objeto de
hipoteca ou outro tipo de gravame, uma vez que tal informação poderia facilitar aos titulares da
laje a obtenção de financiamentos, inclusive para eventual edificação futura sobre a laje.
Nessa ótica, o legislador também não pormenorizou a incidência do direito de laje sobre
propriedades públicas, o que seria importante, sob pena de incorrer-se no risco da não incidência
do instituto sobre a vasta parcela dos moradores de favelas em cidades, como o Rio de Janeiro,
onde é frequente a ocupação de encostas de morros.9
Além disso, critica-se o fato de tais alterações jurídicas terem sido instituídas por
intermédio de medida provisória, vez que tal espécie legislativa, conforme aduz a nossa
Constituição, possui natureza especial, devendo ser instituída somente em casos de relevância e
urgência, dada a ausência de debate no legislativo e na própria sociedade.
6 GOMIDE, Alexandre Junqueira; GUEDES, Fabio Tadeu Ferreira. Direito real de laje: - MP 759, de 22 de
dezembro de 2016. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI252112,41046-
Direito+real+de+laje+MP+759+de+22+de+dezembro+de+2016>. Acesso em: 28 maio 2017.
7 SCHREIBER. O Novo Direito Real de Laje. Op. Cit.
8 Ibidem.
9 Ibid.
4
Ademais, conforme sustenta a doutrina o que a MP 759 trouxe como direito real de laje já
existia no Estatuto das Cidades como direito de superfície por sobrelevação. Isso porque diz o
Estatuto, no art. 21, que “o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície do
seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura pública registrada no
cartório de registro de imóveis”. E ainda, aduz, no parágrafo primeiro daquele artigo, que “o direito
de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno,
na forma estabelecida no contrato respectivo, atendida a legislação urbanística”10.
Destaque-se, por oportuno, que o projeto de conversão em lei da MP 759 foi aprovado
pelo Senado, em 31/05/2017, conforme consulta no site da referida casa legislativa.11
3 CONCLUSÃO
10 BRASIL. Lei no 10.251. Estatuto das Cidades. Brasília, 10 Jul. 2001. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 29 maio 2017.
11 BRASIL. Senado Federal. Medida Provisória nº 759, de 2016. Disponível em:
<http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127879>. Acesso em: 30 maio 2017.
5
meio de leis que não se limitem a consagrar institutos jurídicos de reconhecido potencial, mas que
o façam de modo compromissado com uma efetiva transformação da realidade.
4 REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. O direito de laje não é um novo direito real,
mas um direito de superfície. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jan-02/direito-laje-
nao-direito-real-direito-superficie>. Acesso em: 28 maio 2017.
BRASIL. Lei no 10.251. Estatuto das Cidades. Brasília, 10 Jul. 2001. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 29 maio 2017.
FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito real da laje: novidade de fim de ano no direito civil
brasileiro. Disponível em: <https://www.cers.com.br/noticias-e-blogs/noticia/direito-real-da-laje-
novidade-de-fim-de-ano-no-direito-civil-brasileiro->. Acesso em: 28 maio 2017
GOMIDE, Alexandre Junqueira; GUEDES, Fabio Tadeu Ferreira. Direito real de laje - MP 759, de
22 de dezembro de 2016. Disponível em:
<http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI252112,41046Direito+real+de+laje+MP+759+de+22+d
e+dezembro+de+2016>. Acesso em: 28 maio 2017.
Para Branco (2007)3, as medidas provisórias são atos normativos primários, sob
condição resolutiva, de caráter excepcional no quadro da separação de poderes. O fato de ser ato
normativo primário advém de retirar o fundamento de validade diretamente da Constituição, pois,
1 Cursa doutorado na FAU/UnB. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo ((UFAL) e em Direito (IESB),
especialização em Planejamento Urbano e Regularização de Assentamentos Informais (IHS), e mestrado em
Desenvolvimento e Meio Ambiente (UFAL). Trabalha como Servidora Pública Federal, na função de arquiteta
da Superintendência do Patrimônio da União no Distrito Federal (SPU/DF). E-mail:
flaviapereira09@gmail.com.
2 BRASIL. Medida Provisória Nº 759, DE 22 de dezembro de 2016. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv/mpv759.htm.
3
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 838.
1
de acordo com o art. 62, caput, da CF, tem força de lei. Podem ser caracterizadas como um projeto
de lei que será transformado em lei caso aprovado pelo Congresso Nacional.
Os imóveis pertencentes à União no Distrito Federal são caracterizados como dominiais,
funcionais e próprios nacionais. São cerca de 40.000 (quarenta mil) hectares de terras públicas
altamente valorizadas; e quase 600 (seiscentos) imóveis funcionais, além dos próprios nacionais.
É fato conhecido o advento dos loteamentos ou condomínios irregulares no Distrito Federal, muitos
de alto padrão, em terras públicas e particulares. De acordo com a Secretaria de Regularização de
Condomínios do DF, no ano de 2015 havia 1.063 (mil e sessenta e três) loteamentos irregulares na
capital.
Todos os anos acontece a cobrança de taxas de ocupação dos imóveis dominiais da
União no Distrito Federal. É de competência das Superintendências do Patrimônio da União manter
atualizada a PVG (Planta de Valores Genéricos) para fins de aferição de valor e cobrança em função
da utilização dos bens imóveis da União em sua base cadastral. Quando se observam os dados de
arrecadação em decorrência da cobrança de taxas de ocupação para as áreas rurais da União no
Distrito Federal, verifica-se que, de 2010 a 2017 arrecadou-se R$ 11.032.369,81 (onze milhões,
trinta e dois mil, trezentos e sessenta e nove reais e oitenta e um centavos), montante que tende a
esvaziar pela venda de glebas por preços módicos, como será visto adiante.
Ainda no Título I, a MP 759/2016 propõe alterações na Lei nº 11.952, que dispõe sobre
a regularização fundiária das ocupações incidentes em terras situadas em áreas da União, no
âmbito da Amazônia Legal. Assim, o disposto acerca da regularização fundiária, nos artigos
relacionados a esse Título, se refere à Amazônia Legal, mas não se restringe à esta. A MP
759/2016 altera, reduzindo, os valores para alienação dos imóveis rurais da União já definidos em
Lei. Considerando que o valor de referência mínimo da planilha do INCRA já se mostra bastante
reduzido, não parece razoável diminuir para até 30% (trinta por cento) desse valor mínimo o que irá
ser pago para aquisição das referidas terras.
Cite-se como exemplo uma “venda” de gleba da União, com inscrição de ocupação
regular, localizada no Núcleo Rural Lago Oeste; Sobradinho-DF. São frequentes negociações de
glebas com 2 (dois) hectares, o que corresponde à fração mínima de parcelamento, por valores que
variam entre R$ 200.000,00 e R$ 300.000,00 (duzentos e trezentos mil reais). Os referidos valores
podem ser apurados com base em processos administrativos para transferências de ocupação na
SPU/DF. Considerando-se o valor mínimo da Planilha de preços referenciais do INCRA de 2016,
que corresponde a R$ 1,34/m² (um real e trinta e quatro centavos o metro quadrado), pela Lei nº
12.024/09, uma gleba como a descrita poderia ser alienada a R$ 26.800,00 (vinte e seis mil e
oitocentos reais), um valor já muito aquém do negociado atualmente no mercado. E isso não é tudo.
Com a MP 759/2016, que possibilita a alienação de glebas com essas características por 30% do
valor mínimo da planilha referencial do INCRA, torna-se possível a União transferir a área ao
particular por R$ 8.040,00 (oito mil e quarenta reais). Uma entrega em bandeja do patrimônio
público.
2
O Título II da MP 759/2016 aborda a Regularização Fundiária Urbana, primeiramente
definindo normas gerais e depois aquelas específicas para áreas da União. Modifica-se 9 (nove)
leis relativas à matéria, quais sejam: 6.015/73 (Registro de Imóveis), 8.666/93 (Licitações), 9.636/98
(Administração do Patrimônio da União), MP 2.220/2011 (Concessão Especial para fins de
moradia), 11.977/09 (Minha Casa Minha Vida), 12.651/12 (Código Florestal), 13.240/15 (Alienação
de imóveis da União), 13.139/15 (Parcelamento de Dívidas com a União) e Decreto-Lei 2.398/87.
Ademais, contradiz o Estatuto da Cidade (10.257/01) e a Lei do Parcelamento do Uso do Solo
Urbano (6.766/69).
A regularização fundiária urbana passa a ser chamada de Reurb, e são definidos como
núcleos urbanos aqueles adensamentos com usos e características urbanas, ainda que situados
em áreas qualificadas como rurais. Os núcleos urbanos informais abrangem as diversas situações
que se implantaram sem a observância da legislação, a exemplo de condomínios, loteamentos ou
incorporações ilegais. Assim, em áreas qualificadas como rurais no Distrito Federal, com dimensões
inferiores à fração mínima do parcelamento (2 hectares) mas que possuam ocupações com usos e
características urbanas, pode incidir a Reurb.Com essa definição, observa-se praticamente a
extinção das ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social). De acordo com o Estatuto da Cidade, as
ZEIS são o instrumento capaz de garantir a inclusão de áreas para habitação destinadas à
população de baixa renda no zoneamento das cidades.
Percebe-se ainda uma contradição, pois se apresenta a faculdade de flexibilização total,
o que pode gerar áreas regularizadas (ou titularizadas) completamente desprovidas de
equipamentos e infraestrutura. A prestação de serviços públicos se esvazia na medida em que não
há a obrigatoriedade expressa, de dotar uma área previamente de serviços básicos e infraestrutura,
para fins de promoção ou aprovação da Reurb. Estabelecer que esse tipo de investimento pode
acontecer em momento posterior à implantação da Reurb, conforme disposto no §2º do art. 31 é o
mesmo que abrir mão, ou seja, definir que não são obrigatórios. Além da não obrigatoriedade de
investimentos prévios por parte do poder público, o conceito de “infraestrutura essencial”
apresentado na MP 759/2016, pretende substituir o conceito de “infraestrutura básica “previsto na
Lei 6.766/69 que consiste, no mínimo, em dotar a área de vias de circulação, escoamento de águas
pluviais, rede para abastecimento de água potável e soluções para o esgotamento sanitário e
energia elétrica domiciliar.
Ainda no Capítulo II institui-se a “Legitimação Fundiária” como forma originária de
aquisição do direito real de propriedade, conferido por ato discricionário do Poder Público àquele
que detiver área pública ou possuir área privada, como sua, unidade imobiliária com destinação
urbana, integrante de núcleo urbano informal consolidado. Com a Legitimação Fundiária extingue-
se o instrumento da demarcação urbanística, previsto no Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001), que
prevê quatro fases para a regularização fundiária de um determinado assentamento: a demarcação
3
com a definição do perímetro, o licenciamento do projeto de regularização, o registro do projeto e
do auto de demarcação, e a titulação. MP 759/2016, através da Legitimação Fundiária, estabelece
que não há necessidade de urbanização e implantação de infraestrutura prévias. Cabe uma análise
aprofundada acerca desse instituto, que pode ser compreendido como uma forma de burlar a atual
vedação e usucapião em terras públicas.
O Distrito Federal, nesse contexto, apresenta questões ainda mais peculiares,
considerando o montante de terra públicas, mesmo caracterizadas como rurais, altamente
valorizadas e alvo de disputas as mais diversas. A MP 759/2016 permite a venda dessas terras sem
estabelecer critérios e exigências, bem como instituiu a legitimação fundiária que permite ao Poder
Público declarar uma área pública ocupada como uma nova propriedade para beneficiar os
ocupantes, mesmo que não seja para fins sociais. Gera-se a possibilidade de legitimar várias
situações de grilagens, comuns no Distrito Federal.
Em encontro realizado no dia 17/04/2017, na Confederação Nacional dos Trabalhadores
na Indústria (CNTI), alguns políticos se manifestaram acerca da MP, entre os quais o Deputado
Federal Izalci Lucas, do PSDB, Presidente da Comissão Mista sobre a Medida Provisória 759. Sua
fala deixa claro o objetivo de titular por titular. Menciona que as benfeitorias na Reub-S serão
realizadas pelo poder público, o que não condiz com o disposto na MP, pois a possibilidade de
realização dessas benfeitorias, indefinidas e a posteriori, esvaziam essa obrigação.
Ao discorrer sobre os condomínios ou loteamentos, em nenhum momento chamados de
irregulares durante a fala, o referido Deputado menciona que serão descontadas não só as
benfeitorias, mas também a valorização advinda destas, no processo de alienação para fins de
regularização. Será que ele não está considerando que a maior parte das referidas benfeitorias
advém de investimentos públicos que valorizaram gratuitamente esses empreendimentos
irregulares, e que, na verdade, o valor da valorização deve ser incorporado, e não retirado, dos
imóveis para fins de alienação? Um outro viés que está se desenhando é o da regularidade dos
condomínios fechados, nem que para isso seja necessário modificar o Código Civil.
3. Considerações finais
Diante do exposto, percebe-se que a MP 759/2016 é pano de fundo para ações que,
sob o pretexto de desburocratizar procedimentos, irá dilapidar o patrimônio público e favorecer
aqueles que já se beneficiaram através de iniciativas como grilagens de terras, os especuladores
urbanos e rurais. Facilidades para regularização de ocupações irregulares de alto padrão, sem a
obrigatoriedade sequer de comprovar ser possuidor ou não de outro imóvel. Para os mais pobres
regularizar sem infraestrutura e com uma “laje” ou “subsolo” independentes, sem seguir ao menos
critérios técnicos que garantam a segurança das habitações.
A MP 759/2016 define parâmetros para a cobrança de taxas de ocupação, no entanto,
essa definição se esvazia na medida em que a mesma MP estimula a venda dos imóveis
pertencentes à União por preços módicos. Não adianta definir parâmetros para a cobrança de taxas
4
de ocupação se esta tenderá a esvaziar. Tudo isto num contexto de crise econômica e de
necessidade de incremento das receitas por parte do Estado.
Necessita-se, ao menos, garantir o devido processo legal nos procedimentos que
poderão converter em Lei a MP em questão. Está em cheque a modificação de regimes jurídicos
consolidados, em processo de amadurecimento e que necessitam ser apropriados e não
substituídos. É vasta a quantidade de estudos que ressaltam o avançado aparato em termos de
legislação urbanística no Brasil.
Sabe-se que as normativas são produto de correlação de forças que variam
temporalmente, no entanto, as modificações em curso possuem o condão de modificar um aparato
jurídico construído democraticamente de maneira que será difícil reverter os possíveis danos. O que
está se observando é a titulação como capital político. Apesar deste modelo ser considerado
ineficiente por especialistas é utilizado como barganha de votos, numa realidade de proibição de
doações empresariais às campanhas políticas
Pelo abordado, conclui-se que a MP 759/2016 representa um retrocesso em relação à
legislação vigente, pois desmonta um arcabouço urbanístico e jurídico construídos
democraticamente desde a Constituição de 1988. No Distrito Federal as consequências de sua
transformação em lei e paulatina implementação poderão ser ainda mais graves que no restante do
país, pois favorecerão sobretudo a histórica prática da grilagem de terras, legitimando-a.
Referências:
BRANCO, Paulo Gustavo Gonet, et al. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007,
p. 838.
BRASIL. 2003. Constituição da República Federativa do Brasil -1988. 31 ed., Editora Saraiva:
São Paulo, Brasil.
_____. Estatuto da Cidade. Lei Federal nº 10.257 de 10 de julho de 2001.
_____. Medida Provisória Nº 759, DE 22 de dezembro de 2016. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2016/Mpv /mpv759.htm.
Especialistas em direito urbano e cartórios criticam MP da regularização fundiária. Disponível
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cartorios-criticam-mp-da-regularizacao-fundiaria. Acesso em: 18 de abril de 2017.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças.
1. Ed., Editora Boitempo: São Paulo, 2015.
SAULE Jr., Nelson. Propriedade ou posse da terra? Os riscos da MP que muda a estrutura
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TRINDADE, João. Processo legislativo Constitucional. Salvador: Ed. Juspodvm, 2016.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
Introdução
O déficit habitacional no Brasil é uma problemática de todos os governos e a
preocupação sobre como resolver a questão de moradia faz parte das discussões acadêmicas,
dos governos e de associações de moradores. Entretanto, muitas de suas possíveis respostas
funcionam apenas como promessas de campanhas políticas.
Considerando que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado
Democrático de Direito, sendo um direito natural, ou seja, inerente à pessoa humana, é certo
afirmar que toda pessoa humana tem direito a uma vida digna que deve lhe propiciar bem estar e
felicidade.
A vida digna exige o cumprimento de certas condições e o direito à moradia é uma
destas condições.
Ocorre que a favela, cidade informal, não é dotada de moradias e equipamentos
urbanos que possibilitem a seus moradores uma vida digna, porém é reconhecida como um bem
ambiental, tutelado pelo artigo 225 da Constituição Federal.
O presente artigo tem o objetivo de desenvolver o conceito de sustentabilidade para
propiciar aos moradores de favelas uma sadia qualidade de vida, o que pode ser obtido por meio
da urbanização.
Porém, como tornar a favela um meio ambiente sustentável, sadio, visível à sociedade
e ao Poder Público?
Como integrar os moradores das favelas às cidades formais? Como implementar um
processo de urbanização que erradique a segregação social e torne os moradores de favelas
visíveis para a sociedade?
Foram estas as perguntas que este artigo buscou responder, ao analisar os processos
de urbanização das favelas e os problemas enfrentados por seus moradores face à ausência de
equipamentos urbanos e do Poder Público, além de buscar compreender o porquê do fracasso
dos programas de urbanização, uma vez que é nítido, a olhos nus, que as comunidades
reurbanizadas não mantêm a qualidade de vida desejável para atingir a dignidade.
1
Graduada pela Universidade São Judas Tadeu em 1997; Especialista em Direito Ambiental pela PUC/SP
em 2006; Mestre em Direito pela Universidade Metropolitana de Santos – UNIMES em 2016; Advogada
Especialista no Itaú Unibanco desde 2012; e-mail debby.araujo@terra.com.br
1
Será demonstrado que a urbanização é um dos fatores que colaboram com a
segregação social, mas que também pode ser um instrumento de grande valia para a inclusão
social.
A conscientização e transparência no processo que precede a urbanização são fatores
relevantes para o seu sucesso, porém, falta interesse do Poder Público em trabalhar em prol
destas pessoas, valorizando-as como seres e não como objetos.
Partindo do conhecimento da realidade social do Brasil, este artigo está embasado em
pesquisas doutrinárias que envolveu, além do Direito, a sociologia, a filosofia, a arquitetura e a
engenharia, visto que o tema tem sido objeto de estudos por profissionais de todas as áreas
preocupadas com a questão social e com a busca de soluções que visem a melhores condições
de vida (bem-estar) à coletividade.
Este artigo não têm a pretensão de solucionar o problema da favelização, mas de
trazer reflexões que poderão influenciar a melhor utilização dos instrumentos disponíveis para
tornar o direito às cidades sustentáveis um direito universal e não destinado apenas a uma parte
da população investida de renda para comprar o seu “direito à dignidade”.
2 Nelson SAULE JÚNIOR, Raquel ROLNIK, Estatuto da Cidade: novos horizontes para a reforma urbana.
Disponível em : < http://www.polis.org.br/uploads/833/833.pdf >. Acesso em 14.12.2015
2
usar um mesmo espaço territorial, e a relação que se estabelece entre os sujeitos e a
cidade, que é um bem de vida difuso. A função social das cidades deve atender aos
interesses da população de ter um meio ambiente sadio e condições dignas de vida,
portanto não há como dividir essas funções entre pessoas e grupos pré-estabelecidos,
sendo o seu objeto indivisível.” 3
As normas do Estatuto da Cidade regulam o uso da propriedade urbana em prol do
bem coletivo, da segurança e do bem estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental,
sendo objetivo da chamada “cidade sustentável” não ofender o meio ambiente e proporcionar a
seus habitantes direito a uma vida digna, inclusive para as futuras gerações.
A Lei em comento tem comprometimento com o Desenvolvimento Sustentável e busca
o atendimento do disposto no artigo 225 da Constituição Federal, especialmente no que tange ao
direito de moradia e à sua harmonização com o meio ambiente ecologicamente equilibrado e
destinado à sadia qualidade de vida.
Uma das suas inovações é a introdução do Plano Diretor, instrumento básico de
política de desenvolvimento e expansão urbana, destinado aos Municípios e que assume caráter
obrigatório para os municípios com população acima de vinte mil habitantes, e/ou situados em
regiões metropolitanas ou aglomerações urbanas, e/ou que se situem em áreas de interesse
turístico, e/ou situados em áreas sob influência de empreendimentos de grande impacto
ambiental.
A participação do cidadão é fundamental para construção de um plano diretor que
atenda às necessidades da população inserida nos municípios, porém, para que este instrumento
realmente tenha uma aplicabilidade efetiva é preciso educar a população: apresentar os
instrumentos disponíveis para o exercício das garantias e direitos previstos na Constituição
Federal do Brasil.
Um dos objetivos do Estatuto da Cidade é dar tratamento à regularização fundiária de
áreas ocupadas e não tituladas da cidade, visando à regularização jurídica das moradias. Em
geral, nas favelas, os imóveis são ocupados sem que o seu ocupante o tenha comprado
formalmente ou tenha recebido autorização do seu eventual dono para utilizá-lo. Assim, as
pessoas constroem suas moradias e vivem como fossem proprietárias daquele imóvel, detendo
tão somente a posse e não a propriedade do imóvel.
A regularização fundiária tem a missão de conceder a seus ocupantes títulos de
propriedades.
Mister destacar que o processo de urbanização nos Estados Unidos, Canadá e
Europa foi acompanhado de três premissas norteadoras do direito urbanístico: subordinação da
propriedade privada ao capital produtivo, ou seja, combate aos ganhos rentistas decorrentes da
propriedade fundiária e imobiliária; regulação do financiamento com subsídios destinados a inserir
camadas da população no mercado, ou atendimento pela promoção pública; expansão da
3
infraestrutura e equipamentos urbanos via controle sobre o desenvolvimento urbano e sobre o uso
e ocupação do solo.
Com estas premissas, o desenvolvimento foi acompanhado e não realizado de forma
desordenada como ocorreu no Brasil. As nossas normas vêm para regularizar situações que não
se verificariam caso o processo de urbanização tivesse sido realizado com fulcro nas premissas
mencionadas.
E o que se pretende com a urbanização das favelas?
A remoção das pessoas da localidade onde já se encontram inseridas é uma tarefa
difícil, basicamente, por dois motivos: o primeiro, o fato de a comunidade se constituir naquele
local, no qual vínculos de ordem afetiva, social e econômica são criados e estão lá enraizados,
refletindo, inclusive, a identidade de seus habitantes. O segundo é a dificuldade de encontrar uma
localidade para onde esta comunidade possa ser transferida, já que as ocupações nas grandes
cidades são totalmente desordenadas.
O processo de urbanização implica a criação de uma infraestrutura adequada:
iluminação, água tratada, esgoto, drenagem, coleta de lixo, circulação viária e de pedestres,
eliminação de riscos à vida, compatibilização de uma meio ambiental saudável, tudo em
consonância com o disposto no artigo 225 da Constituição Federal.
A urbanização e regularização jurídica dos assentamentos ilegais transformam os
moradores das cidades ilegais em Cidadãos.
Nota-se que é a regularização fundiária um dos requisitos para o acesso às cidades
sustentáveis. O direito à moradia digna está atrelado à regularização das ocupações ilegais e sua
inserção na Cidade Formal.
2. Portugal, um movimento que buscou entender as necessidades sociais para criar
projetos arquitetônicos para as populações de baixa renda
O SAAL – Serviço Ambulatorial de Apoio Local foi um movimento que nasceu em
Portugal com a Revolução dos Cravos (movimento social que visava o fim do governo de Salazar)
com o objetivo de reduzir o déficit habitacional e proporcionar aos moradores de áreas
degradadas condições e vida digna; criado em 31/07/1974 por meio de um despacho do então
Ministro da Administração Interna e do Equipamento Social e do Ambiente, Costa Brás, e do
Secretário de Estado da Habitação e Urbanismo, Nuno Portas.
O programa tinha como missão apoiar às iniciativas das populações que habitavam
áreas degradadas para trazer aos próprios bairros melhores condições de vida, cabendo às
câmaras municipais o controle urbanístico da localização das moradias, a regularização fundiária
através da transmissão de propriedades já ocupadas ou da desapropriação para interesse social,
bem como a viabilização de empréstimos para que os projetos pudessem ser executados, além
da decisão, inclusive sobre as priorizações em face dos recursos disponíveis. Em suma, o SAAL
consistia na união de arquitetos que, em colaboração com as populações, buscavam alternativas
para enfrentar as necessidades habitacionais das comunidades desfavorecidas.
4
Os princípios basilares do programa eram a participação ativa e organizada das
populações na solução dos problemas habitacionais e a apropriação legal pelas camadas
populares de espaços urbanos onde se radicavam de forma marginal (regularização fundiária).
Mister salientar que a principal diretriz do programa - que era a desapropriação de
espaços valiosos para instalação e/ou manutenção das moradias - incomodou o mercado
imobiliário e da construção civil, tornando o programa incompatível com os interesses imobiliários
privados e públicos, ocasionando assim o seu fim.
O modelo proposto traz as premissas elencadas neste artigo: vida digna, participação
da população atingida pela intervenção e educação. Além de um grande desafio a vencer que é a
especulação imobiliária e obtenção de lucro pelas grandes construtores e pelo poder público na
arrecadação de tributos.
3. Conclusão
O direito à cidade sustentável é inerente à dignidade da pessoa humana e a
urbanização deve propiciar bem-estar a toda coletividade.
A urbanização é um processo, um conjunto de atos. Assim, é necessário tornar as
moradias dignas, introduzir os equipamentos urbanos necessários para uma melhor qualidade de
vida, prover as comunidades de informações e conhecimentos para o recebimento das melhorias,
desenvolvendo nestas pessoas valores que reflitam o dever de cuidar e de manter uma vida digna
de ser vivida, além de apoio do Poder Público para criar mecanismos para geração de empregos
e consequente produção de rendas, a fim de que os moradores possam efetuar o pagamento das
contrapartidas necessárias.
Em suma, o Direito deve ser utilizado como ferramenta para urbanizar de forma
sustentável as favelas por meio de fiscalização e cobrança ao Poder Público que tem o dever de
propiciar a todos os brasileiros e estrangeiros residentes no País uma vida digna.
___
BIBLIOGRAFIA
CANEPA, Carla. Cidades sustentáveis – O município como locus da sustentabilidade. São
Paulo: RCS Editora, 2007.
PEREIRA, Gaspar Martins; SAAL – um programa de habitação no processo revolucionário.
Revista da FLUP Porto, vol. 4: 2014. Disponível em:
<http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/12907.pdf>.
Acesso em 02.01.2016
RODRIGUES, Ruben Tedeschi. Comentários ao Estatuto da Cidade. Campinas.
Millennium, 2002.
SAULE JÚNIOR, Nelson; ROLNIK, Raquel. Estatuto da Cidade: novos horizontes para a
reforma urbana. São Paulo, Pólis, 2001. (Cadernos Pólis, 4). Disponível em: <
http://www.polis.org.br/uploads/833/833.pdf >. Acesso em 14.12.2015.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
Lucas P. Konzen2
1 INTRODUÇÃO
1 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), e-mail: zr.livia@gmail.com.
2 Professor Adjunto do Departamento de Direito Público e Filosofia do Direito da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e-mail: lucaskonzen@ufrgs.br.
1
voltado à regularização fundiária de áreas públicas de ocupação irregular consolidada, ao qual o
art. 183, §1º da Constituição Federal já fazia menção. Embora prevista em artigos do texto original
do Estatuto da Cidade que acabaram vetados, a CUEM foi posteriormente regulamentada pela
Medida Provisória n. 2.220, de 04 de setembro de 2001.
A MP 2.220/2001, no art. 1ª, estabelece que “aquele que, até 30 de junho de 2001, possuiu
como seu, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, até 250m² de imóvel público situado
em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, tem o direito à concessão de
uso especial para fins de moradia em relação ao bem objeto da posse, desde que não seja
proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural”. No art. 2º, prevê
a possibilidade de outorga da CUEM na modalidade coletiva, para aqueles imóveis com mais de
250m² em que não é possível delimitar de forma precisa o terreno ocupado por cada possuidor.
Nessa hipótese, será constituído um condomínio especial e será concedida a cada possuidor uma
fração ideal, desde que esta não ultrapasse 250m².
A data-limite para a aquisição do direito à CUEM estabelecida pela MP 2.220/2001 está
entre os fatores que explicam as dificuldades na utilização deste instrumento. Para se enquadrar
no requisito temporal, uma ocupação em terras públicas teria de existir desde, pelo menos, o ano
de 1996. Com o passar dos anos, tornou-se cada vez mais difícil comprovar a satisfação de tal
exigência, considerando a transitoriedade que caracteriza as ocupações, seja pelas circunstâncias
de vida das famílias ocupantes, seja pelas dinâmicas de valorização imobiliária. A propósito,
cumpre mencionar que a ampliação deste limite temporal para 22 de dezembro de 2016 destoa
enquanto aspecto positivo em meio aos retrocessos representados pela Medida Provisória n.
759/2016 no que se refere à regularização fundiária.
Como se sabe, a aquisição de bens públicos por usucapião é vedada constitucionalmente.
Assim, a concessão de uso do bem público não transfere a propriedade do imóvel ao particular,
mas somente a posse. Visto que se trata de um direito subjetivo a ser reconhecido por via
administrativa ou judicial, oponível ao próprio poder público, a CUEM é um instrumento jurídico
que tende a oferecer maiores garantias aos ocupantes em comparação com outros instrumentos
de regularização fundiária de áreas públicas, como a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU),
por exemplo. Além disso, a CUEM é transferível entre aqueles particulares que possuam os
requisitos legais para aquisição originária (uso para fins de moradia, baixa renda, não possuir
outro imóvel etc.) e, na hipótese em que o poder público desejar destinar o imóvel para outra
finalidade, resta configurado o dever de indenizar os concessionários.
As terras públicas, bens imóveis de titularidade pública que muitas vezes não cumprem
com a sua função social, são centrais para os processos de regularização fundiária. Se os bens
públicos, por um lado, encontram-se fora do mercado imobiliário formal por conta das limitações
2
legais, por outro lado são vistos por muitas famílias de baixa renda como uma oportunidade de
acesso à terra urbana para fins de moradia, ainda que em condições de informalidade3.
Assim como ocorre em outras cidades, a maior parte da irregularidade fundiária em Porto
Alegre está localizada em áreas públicas. O último diagnóstico do cenário da habitação informal e
da irregularidade fundiária no município de Porto Alegre foi realizado em 2009, 4 no contexto do
processo de elaboração do Plano Municipal de Habitação de Interesse Social, por iniciativa da
Prefeitura Municipal, tendo por base dados do Departamento Municipal de Habitação
(DEMHAB/POA) de 2005.
O levantamento da autarquia municipal apontava a existência de 486 núcleos de ocupação
irregular na cidade, abarcando 75.656 domicílios. Deste total, estimou-se que 19.406 domicílios
situavam-se em áreas particulares e que os demais 56.250 domicílios situavam-se em áreas
públicas, seja de titularidade municipal, estadual ou federal.5
Ainda que os dados desatualizados e imprecisos dificultem a compreensão da real
situação da irregularidade fundiária em Porto Alegre, fica evidente que, nesse cenário envolvendo
a irregularidade fundiária em terras públicas, instrumentos como a CUEM e a CDRU poderiam
desempenhar um papel relevante nas políticas públicas de regularização fundiária.
4
5 CONCLUSÂO
Considerando-se que as demandas por regularização fundiária das terras públicas
informalmente ocupadas pela população de baixa renda em Porto Alegre constituem uma parcela
significativa do cenário da irregularidade fundiária, os dados empíricos demonstram que não está
sendo concretizada a aposta legislativa em relação à importância da CUEM.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2 FERNANDES, Edésio. Um novo Estatuto para as cidades brasileiras. In: OSÓRIO, Letícia
Marques (Org.). Estatuto da Cidade e Reforma Urbana: novas perspectivas para as cidades
brasileiras. Porto Alegre: Safe, 2002. p 7- 13.
3 ROLNIK, Raquel. Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das
finanças. 1. Ed. São Paulo: Boitempo, 2015.
4 PESSOA, Mariana Lisboa. O cenário da habitação informal e da regularização fundiária em
Porto Alegre-RS. Indic. Econ. FEE, Porto Alegre, v. 42, n. 3, p. 109-120, 2015.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
INTRODUÇÃO
As questões vinculadas à regularização fundiária fomentam grandes discussões na
contemporaneidade. A posse de propriedade alheia é uma realidade cotidiana que coloca em
confronto interesses de proprietários e posseiros. Aos interesses de proprietários impõe-se o
princípio da função social da propriedade e dentre os grandes proprietários no Brasil está o Estado.
Claro é que os interesses do Estado quanto às suas propriedades imóveis divergem dos interesses
de particulares. Por isso, o ordenamento jurídico brasileiro protege de forma diferenciada o direito
de propriedade de entes públicos e de particulares.
A discussão quanto à função social da propriedade pública é de fundamental pertinência.
Não somente para garantir o direito de posseiros, posto que a usucapião é instituto que garante de
forma efetiva e plena o direito de propriedade destes, mas, para impor ao Estado que dê efetiva
destinação social às propriedades públicas, o que pode, também, ser imposto frente à possibilidade
de prescrição aquisitiva quando conferida a esta função para fins de moradia por particular, sob a
égide do princípio constitucional da função social da propriedade.
Por ser o mencionado princípio constitucional tido como consectário do princípio basilar da
lei maior, qual seja o da dignidade da pessoa humana, e frente à sua intrínseca vinculação com o
direito fundamental do acesso à moradia, vislumbra-se a possibilidade da tomada de um
posicionamento a favor da ideia de que entre a norma-princípio da função social e a norma-regra
de vedação de usucapião de bens públicos, existe hierarquia axiológica, devendo, então, prevalecer
a primeira, sendo possível vislumbrar a concretização do mencionado direito social fundamental por
meio de atuação positiva e reflexiva do poder judiciário no julgamento de demandas.
O trabalho bibliográfico toma por fundamento os estudos realizados por de Farias e
Rosenvald (2010), Fortini (2012), Dias (2005), Coutinho (2009), Tartuce e Simão (2011), Sarlet
(2012), Saule Júnior (2004), Cunha Júnior (2016), dentre outros estudiosos, que dão fundamentos
ao tema discutido em suas particularidades, dando suporte às conclusões aqui apresentadas. A
pesquisa jurisprudêncial foi realizada nos sites do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Estaduais
de todo o Brasil a partir da pesquise livre pelos termos “usucapião”, “bem público” e “município” –
este último somente na pesquisa nos Tribunais Estaduais. Dentre os acórdãos apresentados pelos
2 Sobre a importância da usucapião especial urbana na regularização fundiária dispõe SAULE JR (1999b, p.
87): O instituto do usucapião tem como finalidade reconhecer o direito à moradia das pessoas e famílias que
vivem nos assentamentos em condições precárias de habitabilidade e de segurança jurídica, tais como
favelas, loteamentos clandestinos e irregulares nos bairros periféricos, conjuntos habitacionais abandonados,
em habitações coletivas (cortiços), na chamada cidade clandestina ou informal. O usucapião urbano é um
instrumento de regularização fundiária destinado a assegurar o direito à moradia desses segmentos sociais.
patrimônio das pessoas jurídicas de direito público. Esse critério de distinção imposto pelo
legislador, não se apresenta em consonância com a realidade político-social de um Estado
Democrático de Direito, pois valoriza rótulos e promove divisão hermética entre as categorias de
bens a partir do regime jurídico a que se submetem as pessoas jurídicas da Administração Pública.
Em verdade, homenageiam-se indistintamente os bens das pessoas jurídicas de direito público,
independentemente de estarem dedicados ou não ao alcance do interesse público (FORTINI, 2004,
não paginado).
Frente a isto, doutrina minoritária vê distinção entre os bens públicos, que podem ser
qualificados em material e formalmente públicos, os primeiros, são aqueles que possuem
destinação público-social específica e, os últimos, podem até possuir destinação, mas estar a
descumpri-la, situação em que passariam a ser usucapíveis, em respeito ao princípio da função
social da propriedade (COUTINHO, 2009, p. 2).
A problemática é, em verdade, prática, pois vários dos ditos bens públicos não possuem
afetação, estando, desta forma, em descumprimento com a função social da propriedade. Esse
descumprimento, assim, como no caso dos bens privados, gera a possibilidade de aquisição do
bem por usucapião, pois o conceito de propriedade é único. (FORTINI, 2004, não paginado).
E para além disso, o interesse público não deve se sobrepojar sobre o interesse particular,
em especial, quando este último está interligado à concretização de direitos fundamentais3. Elidindo
a possibilidade da aplicação do princípio da supremacia do interesse público sobre o particular, tem-
se que a técnica a ser utilizada para a resolução de conflito entre os valores constitucionais
apresentado neste trabalho, qual seja o choque entre o princípio da função social da propriedade,
que está entrelaçado à concretização do direito fundamental à moradia e à dignidade da pessoa
humana, e a vedação constitucional da usucapião de bem público, seria a ponderação de
interesses.
Na colisão da vedação da usucapião sobre imóveis públicos disposta no art. 183, § 3°, da
CF, norma regra que se reporta ao princípio da supremacia do interesse público, e o princípio da
função social da propriedade, que tendo como pano de fundo a concretização do direito fundamental
à moradia e da dignidade da pessoa humana quando da usucapião especial para fins de moradia,
resta evidente a primazia deste último4.
Decisão atual que vem esquentando as discussões acerca da possibilidade da usucapião
sobre bens públicos foi proferida no processo nº 194.10.011238-3, pelo juiz titular da Vara da
3 Conforme disposto por SARMENTO (2007, p. 48-50), o chamado princípio da supremacia do interesse
público sobre o particular não constitui critério adequado para solver conflitos advindos de colisões desses
interesses. Isto porque, o referido princípio é fruto de uma concepção autoritária do Direito Administrativo,
empregado para justificar uma série de prerrogativas detidas pela Administração Pública, na qualidade de
tutora e guardiã dos interesses da coletividade.
4Sobre a colisão entre proncípios e, consequentemente, sobre a técnica de sopesamento dispõe ALEXY
(2015, p. 93-94) que se dois princípios colidem, um deles terá que “ceder”, o que não importa na sua
declaração de invalidade nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de excessão, mas que um
princípio tem precedência em face do outro, sob determinadas condições. Desta forma, no caso concreto,
diferentes princípios teriam diferentes pesos e o princípio com maior peso apresenta precedência.
Fazenda Pública de Coronel Fabriciano, que indeferiu o pedido desocupação de área pública
estadual formulado pelo Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG)
formulado em Ação Reivindicatória. A área em litígio soma 36 mil metros quadrados, onde residem
cerca de dez famílias a cerca de 30 anos5. O magistrado decidiu por declarar o domínio das famílias
sobre a área ocupada, pedido contraposto formulado pelos réus, seguindo parecer do Ministério
Público. O DER-MG recorreu da decisão desfavorável, tendo o TJMG se pronunciado sobre o caso
em 08/05/2014 no acórdão proferido na Apelação Cível n° 1.0194.10.011238-3/001, que nega
provimento ao recurso6.
A decisão pode ser considerada inovadora pelo fato de tomar por fundamento estritamente
o preenchimento dos requisitos para a usucapião por parte dos particulares e a não inclusão do
imóvel em área de domínio público. Vale destacar que o STJ já vem decidindo pela possibilidade
da usucapião sobre imóveis onde não se comprova a titularidade pública do bem e sua inclusão em
área de domínio público – o que se caracteriza essencialmente pela afetação a uma função pública.
Entretanto, o acórdão não discuti a titularidade do bem, se restringindo a dispor sobre a inserção
ou não do imóvel em área de domínio público, além do preenchimento dos requisitos da usucapião
pelos particulares.
Na busca pela concretização do bem-estar social este Poder, dentro da conjuntura de um
Estado Social e Democrático, assume o Poder Judiciário destacado e importe papel de fazer atuar
os preceitos constitucionais, devendo, assim,quando provocado, por meio de ativismo judicial e
controle judicial na implementação de políticas públicas destinadas à concretização dos direitos
fundamentais e à plena satisfação dos valores sociais, intervir e se posicionar, assentado em
argumentos racionais, perante imperativo de realização das conquistas obtidas pelo texto
constitucional de 1988. (CUNHA JÚNIOR, 2015, não paginado).
CONCLUSÃO
A função social ganhou novos contornos e delineamentos, alcançando definitivamente o
patamar de cláusula geral com a Constituição de 1988. A mudança paradigmática influenciou na
conceituação da propriedade, que hoje depende do atendimento à função social. Tomado o referido
princípio como corolário do princípio da dignidade da pessoa humana e, diante de sua estrita
vinculação com o direito fundamental à moradia, é possível advogar a tese de que entre a norma-
princípio da função social da propriedade e a norma-regra de vedação de usucapião de bens
públicos.
Têm-se que o instituto da usucapião especial para fins de moradia é meio eficaz para a
regularização fundiária, devendo sua aplicação alcançar tanto os bens particulares quanto os bens
5 TARTUCE, Flávio. Sentença de Minas Gerais reconhece usucapião de bem público. São Paulo, 29 de agosto
de 2014. Disponível em: <http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2014/08/sentenca-de-minas-gerais-
reconhece.html>. Acesso em: 11 de set.. 2014.
6 TJMG, Acórdão, AC n. 1.0194.10.011238-3/001, Rel. Des. Barros Levenhagen, DJ 08/05/2014.
de titularidade da Admistração Pública que estejam desafetados de função, em caso de não
atendimento à função social da propriedade.
Da análise da jurisprudência pátria, vislumbra-se lenta, progressiva e gradual flexibilização
quanto à vedação geral e irrestrita da usucapião sobre bens imóveis públicos, o que sinaliza que os
operadores do direito, em especial os da magistratura, por meio do ativismo judicial, veem refletindo
sobre a validade do requisito da titularidade do bem como critério preponderante para sua
classificação como público e sobre a necessidade da utilização da técnica de ponderação de
interesses para dirimir as demandas que tratam da temática, em decorrência dos questionamentos
que exsurgem da casuística, passando-se a considerar a relativização da supremacia do interesse
público sobre o particular.
REFERÊNCIAS
Alexy, Robert. (2015). A estrutura das normas de direitos fundamentais. (2.a ed.) In: A teoria dos
Direitos Fundamentais. São Paulo: Malheiros.
Coutinho, Eldér Luis dos Santos. (2009) Da possibilidade de usucapião de bens formalmente
públicos. VI CONVIBRA – Congresso Virtual Brasileiro de Administração.
Cunha Júnior, Dirley. Ativismo Judicial e Concretização dos Direitos Fundamentais. Disponível em:
http://brasiljuridico.com.br/artigos/ativismo-judicial-e-concretizacao-dos-direitos-fundamentais.-por-
dirley-da-cunha-junior.
Fachin, Luiz Édson. (2001) Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar.
Farias, Cristiano Chaves de; Rosenvald, Nelson. (2010). Direitos Reais. (6 ed.). Rio de Janeiro:
Lumen Juris.
Fortini, Cristiana. (2004, abril). A função social dos bens públicos e o mito da imprescritibilidade.
Revista Brasileira de Direito Municipal. v. 5, n. 12. Belo Horizonte. Disponível em:
<http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/34656>.
Sarlet, Ingo Wolfgang. (2009/2010, dezembro, janeiro, fevereiro 20). O Direito Fundamental à
moradia na Constituição: algumas anotações a respeito de seu contexto, conteúdo e possível
eficácia. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado. Salvador. Acesso em: 21 de maio de 2012.
Disponível em: < http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-20-dezembro-2009-ingo-
sarlet.pdf>
Saule Jr, Nelson. (1999). O direito à moradia como responsabilidade do Estado brasileiro. Direito à
cidade: Trilhas legais para o direito às cidades sustentáveis. (p. 63-126). São Paulo: Max Limonad.
Tartuce, Flávio. (2015). Sentença de Minas Gerais reconhece usucapião de bem público. São Paulo,
29 de agosto de 2014. Disponível em:
<http://professorflaviotartuce.blogspot.com.br/2014/08/sentenca-de-minas-gerais-reconhece.html>.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS E
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
Introdução
universitário. marcelalexandrelopes@hotmail.com
diretrizes da regularização fundiária urbana (REURB), como norma geral a ser seguida
pelos Municípios, aprofundando no novo instrumento da “legitimação fundiária”, sendo
um tema instigante, complexo e bastante polêmico que requer uma análise holística dos
diversos atores que vivem e estudam a regularização fundiária no Brasil.
Desenvolvimento
Motivo que também desencadeou no Brasil ao longo dos anos o surgimento dos
assentamentos informais. Vejamos:
Diante dessas questões, no ano de 2009, foi editada a Lei Federal n.º 11.977,
que dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida e a regularização fundiária de
assentamentos localizados em áreas urbanas. Surge, portanto, um modelo de ocupação
não ideal das cidades brasileiras, sem observância as diretrizes e instrumentos
urbanísticos já previstos no Estatuto da Cidade, desde 2001.
Alexandre J. Romagnoli tece criticais ácidas em seu artigo “o programa ‘minha
casa, minha vida’: continuidades, inovações e retrocessos”:
território do município, o cenário em que os habitantes se tornam cidadãos e vivem (...) com
qualidade de vida e bem estar, para si e para as gerações futuras, realizando um dos
fundamentos do Estado Democrático de Direito ...”. DAMOS, Wadih. Cidades e Sustentabilidade.
In: Cidades sustentáveis no Brasil e sua tutela jurídica. AHMED, Flávio; COUTINHO, Ronaldo.
(coord.). Rio de Janeiro: Lumens Juris, 2009. p. vii.
8 KLEINRATH, Stella de Moura; MUNIZ, Ivanise Detomi Nascimento; NOGUEIRA, William
Referências bibliográficas
SILVA, José Afonso. Direito urbanístico brasileiro. 5 ed. São Paulo: editora Malheiros,
2008.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 05 – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS E
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
1 INTRODUÇÃO
Desde o início do processo de urbanização no Brasil, a propriedade da terra se configurou
como espaço de disputa e poder. Para as populações mais baixas, restaram os lugares mais
desvalorizados e irregulares, com restrições ambientais e de locomoção e menos infraestruturas.
Atrela-se a essas características a especulação imobiliária, que eleva o preço dos imóveis e dificulta
ainda mais o acesso a uma moradia digna para a maioria da população. O quadro é agravado pela
falta de políticas habitacionais de acesso à moradia e pela não implantação das leis
regulamentadoras que visam o cumprimento da função social da propriedade. Todos esses fatores
contribuíram para um processo progressivo de crescimento periférico que relegou parcelas
significativas da população para as favelas e assentamentos informais, com condições precárias de
habitação.
A Medida Provisória 759, de 22 de dezembro de 2016, pretende ser um novo dispositivo
legal da regularização fundiária ao trazer à tona o direito real de laje. A partir desta perspectiva,
buscaremos, por meio do referencial teórico, discutir de maneira crítica os marcos regulatórios
dessa lei, que se coloca como impulsionadora da integração entre a "cidade formal" e a "cidade
informal", bem como garantidora do acesso à moradia conforme a Constituição Federal de 1988
(CF/88) e as legislações urbanísticas. O percurso da pesquisa é separado em dois âmbitos: o
primeiro deles diz respeito à contextualização histórica do surgimento da favela e do seu processo
de ocupação, suas fontes materiais de regulamentação da habitação nesses espaços de
1
Graduando em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).
Integrante do NAJA – Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa. E-mail: nilsana@gmail.com.
2
Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano. Professor adjunto da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Membro do IBDU – Instituto Brasileiro de Direito
Urbanístico. Integrante do NAJA – Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa. Coordenador do
GPDS – Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade. E-mail: ccarvalho@uesb.edu.br.
assentamento ilegal sob a perspectiva do acesso à moradia digna. Num segundo momento, busca-
se avaliar a Medida Provisória n. 759 de 2016, demonstrando até que ponto essa regulamentação
melhora a vida dos habitantes das localidades correspondentes. Debate-se sua real necessidade,
principalmente na consolidação das políticas estatais voltadas para a melhoria das condições de
moradia nas favelas.
2 DESENVOLVIMENTO
A favela tem sua origem ligada diretamente à cidade do Rio de Janeiro no momento da crise
da República e da crise habitacional que afetava a região na época. Não se sabe ao certo quando
os outros morros tornaram-se opção de moradia para as camadas mais carentes da sociedade
carioca. Segundo Abreu (1994), em 1907 já é possível identificar a presença de diversos barracões
no Morro da Babilônia, na zona sul do Rio de Janeiro. Até 1930, a favela é "considerada como uma
solução habitacional provisória e ilegal, razão pela qual não faz sentido descrevê-la, estudá-la,
mensurá-la" (ABREU, 1994). O reconhecimento oficial pelo poder público só ocorreu em 1940,
quando passou a constar nos mapas e estatísticas urbanas, configurando também um problema
para a cidade, particularmente no que tange à crescente crise habitacional. Nos primeiros estudos
urbanísticos realizados na cidade do Rio de Janeiro, já se consegue perceber que a questão da
favela ultrapassava a questão da pobreza. Perpassava também pelos trâmites burocráticos para a
construção de imóveis para moradia e pela própria ausência de políticas de acesso à habitação
popular. A favela se constitui atualmente na forma habitacional popular mais difundida no Rio de
Janeiro, e no ano de 1991 o conjunto das 545 favelas abrigava mais de um milhão de habitantes.
(ABREU, 1994)
Como uma solução temporária para a escassez de moradia, tornou a legislação urbanística
da época tolerante à sua existência, embora ainda apresentasse ambiguidade ao alternar a
tolerância com tentativas de demolições e limitações territoriais. Essa legislação urbana da época
já contemplava, segundo Gonçalves (2006), "formas embrionárias de favelas" e o processo de
transição dos cortiços para os morros.
A Constituição de 1988, que estabelece a função social da cidade, traz alguns instrumentos
de regularização fundiária e remete outros à criação de uma lei federal de desenvolvimento
urbanístico. Foi então posteriormente criado o Estatuto da Cidade em 2011.
O acesso à moradia é um dos princípios basilares do acesso à cidadania e a uma vida digna.
Sendo o Brasil um dos países mais desiguais do mundo, nada mais natural que suas formas de
habitação sejam bastante diversas. A concentração de terras é um dos principais fatores de
marginalização das camadas mais desfavorecidas da sociedade. O aumento da precarização das
moradias está associado diretamente ao crescimento da população urbana e consequente déficit
habitacional, que por sua vez decorre da explosão demográfica provocada pelo êxodo rural que se
enraíza na ausência de políticas de reforma agrária. (ALFONSIN, 2006).
Analisando as políticas urbanas, Maricato (2014) expõe as políticas delimitadas e restritivas
implantadas aos "informais", segundo as quais "jogar para o ombro dos trabalhadores o custo de
sua própria reprodução na cidade por meio da autoconstrução das casas ou ocupações irregulares
do solo é parte intrínseca da condição capitalista periférica de barateamento da força de trabalho".
As cidades brasileiras se formam de maneira desigual, com uma parte regular erigida por
proprietários e construtores e outra parte irregular, "criando uma via de acesso à terra e à moradia
que obedece a uma lógica da necessidade". (ALFONSIN, 2006) Em uma sociedade de urbanização
rápida e crescente, a habitação se tornou mercadoria cada vez mais elitizada, que aumenta o preço
de acordo com a proximidade dos grandes centros, infraestrutura e equipamentos. A população
pobre, buscando uma "lógica da necessidade" e seu direito à moradia, vê-se obrigada a recorrer a
um "mercado imobiliário irregular". As políticas públicas foram ineficazes nesse sentido,
contribuindo para a informalidade das favelas, cortiços, loteamentos irregulares e ocupações de
áreas de risco. A regularização fundiária desejada condiz com o art. 46 da Lei n. 11.977/2009, que
consiste em um conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que objetivam a
regularização dos assentamentos e a titularização das posses. Tais medidas idealmente garantiriam
uma moradia atrelada ao pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade e ao direito ao
meio ambiente ecologicamente equilibrado.
O Estatuto da Cidade, editado na Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, regulamenta os
artigos 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Em seu artigo 21 vai trazer o direito de superfície que para alguns doutrinados é o
instituto que visa proteger o direito a laje.
Tolhidos de uma politica pública de moradia legal estruturada pelo Estado, os moradores
das favelas acabam criando mecanismos de acesso à moradia, como o "direito" à laje. Ou seja,
suas formas mais usuais são quando o morador de um imóvel no térreo autoriza contratualmente
um terceiro a construir em sua laje, ou quando o proprietário do imóvel térreo ainda em construção
vende o direito de construir na laje para conseguir recursos e terminar a obra. Assim, o comprador
do direito de construir na laje poderá vender o direito de construir em sua laje também, criando-se
pequenos edifícios dentro da favela, majoritariamente precários. Nesse aspecto, o atual
crescimento das favelas se dá muito mais de maneira verticalizada do que horizontalizada.
A Medida Provisória n. 759, publicada em 22 de dezembro de 2016, dispõe sobre a
regularização fundiária rural e urbana, a liquidação de créditos concedidos aos assentados da
reforma agrária e a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal. Pretende ser o marco
regulatório da regularização fundiária, buscando a simplificação e desburocratização de seus
processos. Interessante ressaltar a preocupação que se deve ter com o princípio da competitividade
como norteador da regularização fundiária, pois regular o acesso ao solo através dessa lógica é
assegurar que os mais pobres se apresentem em uma condição de vulnerabilidade maior nos
conflitos urbanos e agrários que envolvem a questão da terra. Se consequentemente a política de
regularização fundiária busca a proteção da função social da propriedade, e na MP, isso é
descaracterizado logo estamos em um processo de retrocesso que garante a especulação
imobiliária e a concentração fundiária (SAMPAIO,2017).
O artigo 9° da MP considera que, para seus fins, os núcleos urbanos são "adensamentos
com usos e características urbanas", mesmo que situados em "áreas qualificadas como rurais",
diferentemente das outras legislações que exigiam o assentamento informal em área urbana. No
entanto, tal exigência fazia-se necessária por demonstrar que a regularização não deveria vir
dissociada do planejamento urbano como um todo. Se o objetivo da regularização é a unificação da
"cidade formal" com a "cidade informal", deve-se pensar a cidade em sua totalidade, conforme os
parâmetros do artigo 182 da CF/1988, de maneira a "atender às funções sociais da cidade e garantir
o bem-estar de seus habitantes". Não é suficiente a simples regularização formal sem a inclusão
social dos seus habitantes, e deve-se tomar cuidado para que ela não sirva apenas para aumentar
as distâncias dos assentamentos informais.
Com efeito, é necessário se atentar que não foi despercebidamente que a legislação
estabeleceu requisitos diferenciados para a regularização fundiária de interesse social (Reurb-s) e
de interesse específico (Reurb). Com efeito, o propósito não tão louvável de uma informalidade
decorrente da ação deliberada de agentes promotores de grandes empreendimentos imobiliários
para aquisição de moradia para a população de alta e média renda decorrente do não respeito as
regras urbanísticas e ambientais, difere abruptamente daquele representado pelas ocupações
informais das famílias de baixa renda, que ocorrem de forma espontânea pela ausência de políticas
públicas habitacionais de interesse social, e pela impossibilidade de essas famílias acessarem o
mercado formal. Embora transparecendo uma desburocratização, o que se pode perceber na MP
759 foi sua permissividade ao Reurb, suprimindo requisitos antes existentes e não prevendo
contrapartida (COELHO,2017)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os problemas urbanos e habitacionais são históricos, e o número crescente de favelas e
assentamentos informais oferece a dimensão dos problemas a serem superados pelo Estado e pela
sociedade. A adequação do acesso à moradia deve vir atrelada à oferta de saneamento básico,
transporte, educação, saúde e lazer, e vinculada à regularização fundiária e às políticas urbanas e
ambientais. O direito à moradia, muito além da fruição de uma propriedade, traz consigo as
características de um direito fundamental e intrínseco à dignidade humana.
A cidade, mais que mera rede intrincada de edificações, é um espaço de luta por melhorias
de vida da população, embora a falta de acesso às políticas públicas, ambientais, urbanísticas,
sociais, de saúde e de cultura exclui parcelas consideráveis dessa cidade formal. Carvalho e
Rodrigues (2016) demonstram que a "criação humana se modifica diariamente, formando e
deformando lugares e habitantes a cada instante", pensamento que impulsiona diversos
questionamentos para a lógica das cidades.
Sabe-se que a questão do acesso à terra, tratada muitas vezes de maneira especulativa e
distanciada de sua função social, privilegia a propriedade privada. Diversas leis foram promulgadas
tencionando a concretização de uma política de moradia social, com especial atenção para o
Estatuto da Cidade, a regularização fundiária, e programas como o Minha Casa, Minha Vida, apesar
de suas deficiências.
A Medida Provisória 759, de 22 de dezembro de 2016, enfrenta um conflito de competência
legislativa sobre as matérias versadas ao adentrar em assuntos de legislações complementares e
locais, gerando insegurança jurídica quanto à sua aplicabilidade. A MP possibilita a regularização
fundiária das moradias em assentamentos informais, mas sem o oferecimento de uma infraestrutura
básica que possibilite a melhoria de vida da população residente. Apesar de se instrumentalizar a
necessidade de tais obras, predominariam a regularização de moradias precárias, com posterior
ônus aos moradores. Isso tangencia, principalmente, os novos direitos reais, como o direito real de
laje, uma vez que apenas a primeira matrícula será isenta de custas cartorárias pelo Estado e a
implementação de impostos nessas áreas não condiz com a ausência de políticas públicas e
urbanas.
Após levar em conta toda a explanação da necessidade de uma política urbana integradora,
resta claro que a pura apreciação de um título de propriedade torna-se uma ficção jurídica se o
Estado não estiver inserido dentro dessas comunidades. Um cenário jurídico e urbanístico dessa
natureza resultaria em cidades inteiras com proprietários habitando áreas favelizadas.
4 REFERÊNCIAS
ABREU, M. de A. Reconstruindo uma história esquecida: origem e expansão inicial das favelas do
Rio de Janeiro. Espaço & debates: revista de estudos regionais e urbanos, São Paulo, ano XIV, n. 37,
pp. 34-46, 1994.
ALFONSIN, B. de M. Para além da regularização fundiária: Porto Alegre e o urbanizador social. In:
ALFONSIN, B. de M.; FERNANDES, E. (org.) Direito à moradia e segurança da posse no
Estatuto da cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Forum, 2006.
CARVALHO, C.; RODRIGUES, R. O direito à cidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
MARICATO, E. O impasse da política urbana no Brasil. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2014.
VALLADARES, L. A gênese da favela carioca: a produção anterior às ciências sociais. Revista
Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n. 44, p. 5-34, out. 2000. Disponível em:
<http://hilaineyaccoub.com.br/wp-content/uploads/2016/06/Licia-Valladares-A-genese-da-favela-
carioca.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2017.
SAMPAIO, C. MP da regularização fundiária privilegia desmatamento e especulação, dizem
militantes. Brasil de Fato, 2017. Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2017/04/12/ mp-
da-regularizacao-fundiaria-privilegia-desmatamento-e-especulacao-dizem-militantes/>. Acesso em:
10 abr. 2017.
COELHO, L. X. P. Minha laje, minha vida. Terra de Direitos, 2017. disponível em:
<http://terradedireitos.org.br/2017/01/18/artigo-minha-laje-minha-vida/>. Acesso em: 05 abr. 2017.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 05 - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS E ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
Introdução
O propósito deste texto é levantar alguns aspectos das experiências de regulação urbanística diferenciada em favelas
urbanizadas que interessam ao debate sobre a efetividade deste tipo de prática e, principalmente, sobre quais são, ou
deveriam ser, seus objetivos. Não se trata de uma análise jurídica dos instrumentos legais propostos, mas uma reflexão
feita a partir da pesquisa empírica realizada em favelas urbanizadas de quatro municípios da Região Metropolitana de São
Paulo (RMSP), os quais estabeleceram um novo quadro normativo para algumas de suas favelas urbanizadas visando
sua regularização. Desde os anos 1980, os governos municipais de Diadema, São Bernardo do Campo (SBC), mais
tarde, de Santo André, e, mais recentemente, de Osasco experimentaram instituir parâmetros urbanísticos e edilícios
diferenciados para adequar a regulação territorial de alguns de seus núcleos habitacionais às suas características
morfológicas após as intervenções de urbanização.
Aqui tentamos costurar uma avaliação crítica sobre os limites de tais experiências e de seus respectivos instrumentos
reguladores ao tentarem incidir sobre o território das favelas estudadas. Contudo, este artigo tenta avançar na discussão
sobre a eficiência ou ineficiência dos métodos de fiscalização e controle urbano, para que o debate da regulação
urbanística em favelas não se limite à aplicabilidade ou não dos parâmetros colocados por um novo ordenamento territorial
dentro do modelo regulador proposto pelos governos locais. Antes disso, propomos uma reflexão sobre as regras que
compõem tal ordenamento, a natureza lógica de seus parâmetros reguladores e, sobretudo, sua relação com o processo
de autoprodução do espaço próprio desses territórios da cidade.
Para tanto, além de discutir os parâmetros diferenciados propostos pelas experiências municipais estudadas, também
serão discutidos os elementos que constituem a autorregulação da produção do espaço nos tipos de favelas que puderam
ser levantadas no âmbito da pesquisa de mestrado desenvolvida na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Para
essa pesquisa, de que o presente texto também faz parte, é fundamental, primeiramente, reconhecer que existem regras
vigentes e operantes no território das favelas, assim como é preciso compreender as lógicas que definem a produção do
espaço como ponto de partida para se discutir e propor um modelo de regulação urbanística adequado às suas formas e
dinâmicas socioespaciais.
O estudo investiu em uma grande incursão empírica que buscou, em favelas e na história de seus moradores, elementos
que ajudem a entender as regras que compõem a regulação do processo de autoconstrução das favelas. Nossa
investigação empírica procurou, no depoimento dos moradores das favelas estudadas, assim como na análise das
morfologias ali existentes, elementos que caracterizem o que entendemos ser o processo de regulação da produção do
espaço desses territórios. Parte da pesquisa empírica, portanto, foi dedicada a entender quais são as regras que, a
1 Arquiteto urbanista e mestre em Habitat pela FAUUSP, integra a equipe de urbanismo do Instituto Pólis (vitorcoelhonisida@gmail.com)
1
despeito da legislação urbanística oficial, os próprios moradores elaboram no escopo de suas práticas cotidianas as quais
resultam no território real das favelas.
Dentro dos quatro municípios estudados, foi definido um conjunto de dez favelas para pesquisa de campo: três em Santo
André, duas em São Bernardo do Campo, três em Diadema e duas em Osasco. Ao todo, foram entrevistados trinta e dois
moradores dessas dez favelas estudadas. Embora a pesquisa seja fundamentalmente baseada na pesquisa empírica,
não será possível explorar todos os depoimentos das entrevistas realizadas, dado o formato resumido deste texto. Ainda
assim, discorreremos sobre os aspectos mais relevantes à discussão aqui proposta.
A Autorregulação da Produção do Espaço nas Favelas
No processo de autoprodução do espaço nas favelas, as diversas regras existentes, que procuramos compreender nesta
pesquisa, apresentam enunciados, formas, meios de pactuação e de aplicação muito diferentes daqueles que o direito
estatal utiliza para estabelecer as normas que constituem o ordenamento oficial da cidade. A formulação de postulados
que determinam o que é proibido, o que é permitido e sua parametrização serve a um modelo regulador que não condiz
com a natureza da autoconstrução nas favelas, em que os moradores são os agentes produtores de um espaço em
constante transformação, onde as relações interpessoais, comunitárias e de poder, assim como seus meios de mediação
e arbitragem, também definem as “regras”, além de seu grau de pactuação, influenciando a forma final da moradia e a
morfologia do território. Os territórios das favelas, construídos à margem das legislações urbanísticas oficiais e de seus
padrões fundiários e habitacionais economicamente inacessíveis, produziram suas próprias regras e seu próprio padrão
normativo para regular a ocupação da terra e a autoconstrução da moradia.
Na sociologia do direito, a literatura crítica que discute o “pluralismo jurídico” entende a existência desta juridicidade própria
das favelas como um fenômeno derivado do “pluralismo social”. Para Antônio Carlos Wolkmer (2001, p.217), práticas
jurídicas “paralelas” ou “não-estatais”, como as que influem nos processos de produção do espaço das favelas, não são
uma ferramenta de negação e/ou exclusão do direito produzido pelo Estado, mas uma resposta às suas insuficiências.
Em relação ao ponto de vista de Raquel Rolnik, propomos abordar uma das dimensões da “extralegalidade” urbana
(1997a, p.145), através da discussão dos parâmetros reguladores que emergem dos territórios populares e não daqueles
que são a eles (ou seria contra eles?) impostos. Trata-se da expressão - ou seja, da forma e da função - dos elementos
que estruturam o “direito inoficial” (Rolnik, 1999) dentro das favelas. Para Wolkmer (2001), a análise desta ordem
urbanística popular, para nós imbricada nos processos sociais de produção do espaço nas favelas, comporiam o que ele
chama de “sistemas normativos subversivos”, “legalidade marginal” ou, como também descreve Boaventura de Sousa
Santos (2014), um “direito comunitário” - assim como a proposição crítica da Nova Escola Jurídica Brasileira sobre o Direito
Achado na Rua (Souza Júnior, 1993).
A categoria do "direito autoconstruído" proposta por Adriana Nogueira Vieira Lima (2016), parece-nos adequada para
trabalharmos com o tipo de regulação operada nas favelas. A autora defende a categoria do “direito autoconstruído para
designar as regulações que emanam das relações sociais em territórios populares” (Lima, 2016, p.27). Trata-se de uma
juridicidade socialmente construída a partir das necessidades, conflitos e formas de mediação característicos dos
moradores de um determinado território, neste caso, a favela Saramandaia, em Salvador (BA), onde conduziu sua
pesquisa etnográfica. O uso bastante preciso do prefixo “auto” neste contexto remete aos sujeitos que produzem a cidade
em que vivem, os moradores de favela, e estende a noção de autoprodução do espaço para a de autoprodução do
conjunto de regras e procedimentos que a regulam, por nós denominado de autorregulação.
2
Um dos esforços centrais do trabalho de campo, no qual esta pesquisa se baseia, é a reeducação do olhar observador
sobre os fenômenos e procedimentos descritos pelos entrevistados, de modo que práticas aparentemente banais e
corriqueiras possam ser devidamente colocadas em uma condição equivalente à de regras e leis, dentro daquilo que
entendemos por direito (urbanístico) das favelas: comunitário, autoconstruído e não rígido. Assim, assumimos que a
autorregulação da produção do espaço nas favelas se dá através das práticas cotidianas de autoconstrução da moradia,
centro gravitacional de todas as práticas construtivas nas favelas.
Ao contrário da regulação oficial, a autorregulação nesses territórios opera de forma condizente com suas especificidades
morfológicas e dinâmicas construtivas, além de considerar as características sociais, culturais e produtivas daquele território,
porque surge dele em vez de se impor a ele. Suas regras não são expressas formalmente tais quais as leis do direito
estatal e, mesmo assim, configuram um ordenamento com suas próprias formalidades, quase sempre, baseadas na
prática cotidiana da autoconstrução, e não na norma ou em parâmetros preestabelecidos. De maneira tácita ou verbal,
às vezes subentendida, e através de acordos entre vizinhos, pactuações coletivas ou mediações de terceiros, essas regras
regulam a produção do espaço nas favelas sem impor lógicas externas e são legitimadas pelos próprios processos sociais
e práticas construtivas de que derivam. As regras da autorregulação raramente encontram espaço para enunciados
explícitos e controladores: assim como a própria tipologia da favela, variada, a autorregulação deste território é livre e
diversificada. É importante entender o processo não como obrigatório e homogêneo para todos os moradores, mas como
um leque de táticas que utilizam de acordo com a situação da família, condições “ambientais”, e oportunidades de cada
momento. São componentes de uma ética do construir, do ocupar e produzir o espaço coletivo, focada no valor de uso, na
necessidade e na precariedade, articulada pelos moradores e utilizada da forma mais adequada possível às condições
encontradas, de modo a trazer-lhes o melhor benefício com o menor custo. Entretanto, estas possibilidades não são
articuladas de maneira consensual, mas sob tensões internas, disputas entre busca por espaço e o entendimento das
necessidades de cada um. (Oliveira, 2011, p. 175)
Elementos da Autorregulação
Adriana Lima (2016) alerta sobre o problema da incompatibilidade que nossas matrizes instrumentais e interpretativas,
tradicionais do planejamento urbano, enfrentam diante das práticas de produção do território nas favelas, das quais emana
o direito autoconstruído. De fato, é crucial que certos termos sejam ressignificados ou, definitivamente, substituídos, assim
como determinadas categorias de análise devem ser revisadas, a fim de romper paradigmas que habitam o repertório
convencional do urbanismo e de seus instrumentos reguladores. Trata-se de um esforço adicional para recondicionar as
formas de ler e assimilar os sistemas de produção do espaço nas favelas.
Propomos uma leitura baseada em uma matriz analítica um pouco mais diversificada, na qual trabalhamos com quatro
categorias que atendem a uma denominação comum, a de elementos reguladores. A subdivisão de tais elementos
buscou contemplar as diferenças de escala e de importância, assim como suas funções reguladoras, para caracterizar os
diferentes padrões de incidência sobre as práticas de autoconstrução da moradia nos assentamentos estudados.
O primeiro grupo de elementos reguladores, mais abrangente, é o dos princípios. Estes são a força motriz das práticas
construtivas cotidianas, direitos maiores que as justificam e balizam a ação de todos os moradores e das quais decorrem
os elementos do segundo grupo. Podem ter um fundamento material, misturado ou não a questões morais, ou podem
estar diretamente vinculados à natureza das ocupações de terra e à concretude urgente das ações de seus moradores
posseiros. O segundo grupo de elementos reguladores é composto pelas regras propriamente ditas. O terceiro grupo é
3
composto pelos atores que interferem na autorregulação da produção da moradia por seu papel político e/ou
comunitários. Finalmente, o último conjunto de elementos determinantes ao processo de autorregulação são as
condicionantes, que podem ser entendidas como circunstâncias sociais e/ou espaciais em um determinado
assentamento e que têm a capacidade de remodelar os efeitos da autoconstrução, interferindo na ação dos atores ou
embutindo novos fatores à concretude das regras. Este tipo de elemento traz a contextualização de cada núcleo e, assim
como os atores, também pode combinar mais de uma condicionante para inferir resultados variados.
IMAGEM 1 Esquema síntese dos princípios, regras, atores e condicionantes e como se relacionam na conformação dos elementos da
autorregulação nas favelas.
4
moradores, que deixam de reconhecer o direito estatal, instituído pelos novos parâmetros, e testam gradativamente suas
possibilidades de ação, transformando a ineficiência da fiscalização em uma elasticidade que remodela o direito
autoconstruído. Portanto se o estabelecimento de regras e de novos parâmetros, seja qual for o método de pactuação ou
imposição arbitrária, não é seguido por um sistema de controle que garanta a aplicação das regras, estas tendem a ser
testadas gradualmente pelo processo de autoconstrução até que os moradores entendam quais margens de flexibilização
das normas eles podem empregar em suas práticas construtivas cotidianas. Assim, a não-fiscalização gera novos
padrões, porque cria novas fronteiras e novos limites entre o legal e o ilegal dentro do novo padrão normativo da favela.
Limites do Modelo de Regulação Urbanística em Favelas
Considerações Finais
O primeiro desafio que se coloca a partir dos levantamentos e das análises feitas até aqui é a correspondência entre o
modelo de regulação urbanística proposto para as favelas - com parâmetros praticados na chamada cidade formal - e o
padrão de produção do espaço desses territórios populares. Os regramentos, as prioridades e as condicionantes, que
determinam a forma e as características físicas do território produzido resultam em práticas em práticas do processo de
autoconstrução da moradia que são característicos a este território da cidade e que também devem ser problematizados,
visto que são eles os critérios que materializam o espaço nas favelas. Sem um projeto prévio e sem saber exatamente
quando o barraco de madeira se transformará na casa de alvenaria - dividida em cômodos - e tampouco quando esta
precisará de um andar superior para reorganizar os espaços da vida doméstica, o morador busca, dentro do possível,
moldar sua residência de acordo com seu uso cotidiano e suas possibilidades financeiras. Este processo gradual e não
programado pode levar anos, talvez mais de uma década, para se concluir ou chegar no seu estágio mais próximo da
forma idealizada, pois como descreveu Jacques (2011), "a construção não acaba nunca".
Na realidade, as etapas projeto-obra-uso, no processo de autoconstrução da favela e, especialmente, na sua fase de
consolidação e verticalização, se misturam e não podem ser compreendidos como fases separadas, mas trabalhos
concomitantes que compõem um mesmo projeto, ou, um mesmo processo de autoprodução da moradia. Portanto o
processo de construção não consegue estabelecer uma relação concreta com qualquer regramento preestabelecido,
dado que as condições de canteiro e as necessidades particulares de cada família acabam sendo mais determinantes do
que qualquer intenção regulatória fixada por parâmetros em quadros normativos ou instrumentos semelhantes.
O desafio está colocado pela própria natureza da produção autoconstruída nas favelas e não necessariamente pela
incompatibilidade dos valores atribuídos aos índices, coeficientes e taxas que os instrumentos de regulação diferenciada
procuram estabelecer. O modelo de regulação da cidade formal pressupõe uma outra ordem, em que há uma
segmentação e uma definição clara das etapas de produção do espaço entre concepção do projeto, elaboração dos
desenhos técnicos de acordo com as normas, licenciamento da obra, execução, fiscalização e habite-se. Isto é, esse
modelo de regulação pressupõe a racionalização da produção do espaço em um ritmo de projeto-obra que permita sua
fiscalização e também a racionalização da linguagem técnica do projeto e da obra que possa ser lida através de e transcrita
por parâmetros, possibilitando a interface entre prática construtiva e o texto da lei. Não há parâmetro, ou combinação deles,
que acompanhe a dinâmica de transformação do território das favelas se o modelo de incidência da lei nesse território é,
por definição, tão estático quanto a própria lei.
A lei da favela, por outro lado, se reformula. A regra é produzida paralela e articuladamente ao próprio espaço da favela.
Assim, um meio para se formular e estabelecer uma regulação urbanística possível no território das favelas é,
5
sugestivamente, através de suas próprias dinâmicas produtivas, o que pressupõe um modelo regulador igualmente
dinâmico, estruturado através de um processo de regulação e não relação clássica e estática entre norma e produto, ou
regra e produção do espaço urbano.
É fundamental estabelecer como premissa que a regulação da produção do espaço nessas áreas não implique seu mero
congelamento, como, por exemplo, algumas propostas elaboradas para favelas cariocas fizeram. A visão que sustenta
conceitualmente tal prática de regulação só enxerga a possibilidade da aplicação do ordenamento urbanístico se o território
puder ser congelado, ou seja, se, mesmo após sua urbanização, a favela não se transformar. Proibir novas construções ou
ampliações, que impliquem novas unidades habitacionais, é um constrangimento imposto às dinâmicas centrais da
organização socioespacial das favelas que, claramente, não se suprimem de um dia para o outro, muito menos com a
simples edição de uma norma.
A norma é a transformação e não a estaticidade. Esse raciocínio implicaria criar condições de continuidade à regulação do
espaço, de modo que os agentes desta regulação sejam, como sempre foram, contínua e ativamente participantes da
produção das normas tanto quanto do espaço. A transformação da regulação urbanística em favelas em um modelo
processual, em vez de estático e pontual, pressupõe sua aproximação das práticas comuns à autoconstrução e,
possivelmente, uma inversão de algumas de suas lógicas de incidência. É importante que os parâmetros e normas (na
falta de melhores opções, vamos chamá-los assim por enquanto) sejam estabelecidos menos como elementos de um
regime legal, que determina o que é certo e adequado e condena o que é errado, e mais como um quadro de referência
que oriente as práticas construtivas. O objetivo deve ser a regulação para a produção da moradia e demais espaços com
um padrão mínimo de qualidade que não ameace as condições de moradia e sociabilidade nas favelas. Esse quadro de
referência deve dar o suporte necessário às ações dos moradores de forma mais autônoma em vez de balizar uma
regulação meramente fiscalizatória e repressiva.
Referências Bibliográficas
JACQUES, Paola. “Estética das favelas (1)” in Arquitextos (013.08), ano 02, Vitruvius ISSN 1809-6298, jun. 2001.
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/02.013/883>. Acesso em: 20 de maio de 2016
LIMA, Adriana. Sociabilidade, porosidades e insurgências na construção do direito à cidade: um estudo de caso de
Saramandaia (dossiê de qualificação de doutorado). Salvador: UFBA, 2016.
MAGALHÃES, Alex. O Direito das Favelas. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013.
MORADO NASCIMENTO, Denise (org.). Os saberes [auto] construídos. Belo Horizonte: C/Arte, 2015.
OLIVEIRA, Tales. Como se faz uma favela: práticas e cotidiano na produção do espaço urbano "periférico" (tese de
doutorado). Salvador: UFBA, 2011.
SANTOS, Boaventura de Sousa. O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito. São Paulo: Cortez, 2014.
SOUZA JÚNIOR, José Geraldo (org.). Introdução crítica ao direito (Série direito achado na rua), Vol. 1, 144p. Brasília:
Universidade de Brasília, 1993.
ROLNIK, Raquel. A cidade e alei: legislação, política urbana e territórios na cidade de São Paulo. São Paulo: Editora Nobel, 1997.
ROLNIK, Raquel. "Para além da lei: legislação urbanística e cidadania (São Paulo 1886-1936)" In SOUZA, M.; LINS, S.;
SANTOS, M. (org.). Metrópole e globalização: conhecendo a cidade de São Paulo. São Paulo: Editora CEDESP, 1999.
WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma nova cultura do Direito. São Paulo: Editora Alfa
Omega, 2001.
6
1
1 INTRODUÇÃO
1
Bacharel em Engenharia Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG). Sócia da
Geoline Planejamento e Regularização Territorial, atuando como Gestora de Projetos de Regularização
Fundiária Urbana. E-mail: gabriellesperandiomalta@gmail.com
2 Bacharel e Doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Mestre em Direito
da Cidade pela Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Especialista em
Análise Urbana pela Escola de Arquitetura da UFMG. Advogada e Procuradora do Estado de Minas Gerais.
Foi Presidente do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA/MG) no
período 2007/2008. E-mail: lianaportilho@gmail.com
3 Bacharel, Mestre e doutoranda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Pós-
graduada em Direito Público e Direito do Trabalho. Graduada em Relações Internacionais pela Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas). Advogada. Consultora da Assembleia Legislativa do
Estado de Minas Gerais. E-mail: milableite@hotmail.com
2
O capítulo III da Lei n. 11.977, de 2009, representou grande avanço ao tratar de forma
específica os processos de regularização fundiária no Brasil. Nos termos do marco normativo
citado, a regularização fundiária consiste no conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas,
ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares, habilitando, de
forma legal, a posse de seus moradores, de modo a garantir o direito à moradia, o pleno
desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
O Cadastro Territorial Multifinalitário – CTM –, de acordo com o art. 32 da Portaria 511, do
Ministério das Cidades, visa a auxiliar os municípios brasileiros a exercerem suas competências,
cumprindo a função social do seu território e atendendo ao princípio da igualdade. O art. 34 da
mesma portaria estabelece que o CTM favorece a utilização dos instrumentos da política urbana
previstos no art. 4o. da Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade, dentre os quais
se situa a regularização fundiária.
Portanto, como base preliminar para a realização dos projetos de regularização fundiária,
visando à legitimação da posse do morador sobre o imóvel e o cumprimento da função social de
acesso à propriedade, foi realizado cadastramento territorial multifinalitário da Vila Águia Dourada,
no Município de Ibirité, Minas Gerais, por meio do "Programa de Regularização Fundiária Moradia
Legal", instituído pelo município no ano de 2016, ensejando análises gráficas, jurídicas,
urbanísticas e sociais a partir do levantamento de dados da comunidade em estudo.
A comunidade da Vila Águia Dourada enquadra-se na tipologia vila/favela, caracterizada
como área pública que sofreu processo de ocupação de forma desordenada e espontânea por
população predominantemente de baixa renda, cujo tempo de ocupação é superior a 20 (vinte)
anos. Por intermédio da interlocução com líderes comunitários e demais moradores, pôde-se
constatar que a quase a totalidade dos imóveis do vila, originalmente ocupados por meio de
invasão, passaram por processo de comercialização informal. Sendo assim, o documento que
atesta a posse dos imóveis pelos moradores, em sua maioria, é o recibo de compra e venda.
Localizada no Município de Ibirité, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, no Estado
de Minas Gerais a Vila Águia Dourada, é composta por uma gleba de, aproximadamente, 19
(dezenove) hectares, 739 (setecentos e trinta e nove) imóveis e 893 (oitocentos e noventa e três)
famílias.
Visando o levantamento de dados individuais das famílias a serem beneficiadas, o
cadastro fundiário atua no diagnóstico das demandas de infraestrutura local e levantamento dos
3
condicionantes, tais como, no caso da Vila Águia Dourada, ocupações em áreas de preservação
permanente, áreas passíveis de inundações, imóveis sob faixas de domínio de adutoras e linhas
de transmissão, drenagem pluvial ineficiente, e, deposição de resíduos sólidos em locais
inadequados. Nesse sentido, o cadastro territorial multifinalitário torna-se uma etapa preliminar no
auxílio do diagnóstico das principais demandas e desafios, na construção do banco de dados
comunitário, bem como na instrumentalização jurídica do processo de regularização fundiária, que
visa a garantir o direito constitucional à moradia consubstanciado nos artigos 182 e 183 da
Constituição da República de 1988.
O CTM, devido ao largo escopo de finalidades que atende, abrange levantamentos de
dados relativos aos assentamentos informais, como natureza da posse, tempo de ocupação,
dados pessoais dos moradores, informações socioeconômicas, condições físicas do imóvel,
finalidade do imóvel, tipo de comprovante de aquisição, infraestrutura existente na área objeto da
regularização, dentre outras informações que farão a composição da caracterização individual e
coletiva da comunidade para a definição da instrumentalização do processo de regularização
fundiária, bem como a alimentação do banco de dados municipal referente aos moradores
posseiros cadastrados.
Paralelamente à aplicação do CTM, os imóveis são delimitados a partir de imagem aérea
em alta resolução e georreferenciada a partir de Sistema de Referência Geocêntrico para as
Américas (SIRGAS2000), conforme Resolução do IBGE nº 1/2005. Após, o cadastro
complementado pela delimitação de cada um dos imóveis para codificação, elaboração dos
projetos e mapeamentos da área, sendo realizadas as análises de sobreposição em relação à
base municipal, com o intuito de confrontar dados e acompanhar a evolução da ocupação local,
bem como atualizar a base de dados do município.
Nesse contexto, os projetos de regularização são elaborados com a composição de
informações relativas ao cadastramento, especificando em planta os imóveis passíveis e/ou
limitantes de regularização e as demais proposições urbanísticas e ambientais de implantação na
área.
O apoio de campo fornecido pela equipe de cadastro foi fundamental para a elaboração
dos projetos de regularização e do diagnóstico das demandas sociais locais e de infraestrutura.
Em contato direto com os moradores, a equipe de cadastro trabalha como porta-voz do processo,
um facilitador na proposição de soluções. Além dos desafios encontrados pela equipe, o que
dificulta o ritmo de cronograma do processo, a divulgação do programa de regularização fundiária
instiga a adesão dos moradores ao processo, sendo útil um maior investimento publicização junto
à comunidade.
Entre os meses de abril e julho de 2016, o processo de cadastramento contemplou a
codificação e delimitação de 893 (oitocentos e noventa e três) moradias. Destes, 701 (setecentos
e um) efetuaram o cadastro para o processo de regularização. Em percentuais, temos o índice de
78,50% cadastrados e 21,50% de não aceites ou ausentes. Toda a comunidade da Vila Águia
4
A partir dos resultados gerais obtidos por meio da metodologia aplicada, as análises dos
gráficos são realizadas de modo a seguir os parâmetros da legislação vigente e atender os
requisitos legais para o processo de regularização fundiária, bem como apontar nos projetos e
estudos referentes à comunidade as demandas locais de infraestrutura e melhorias.
6
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Ministério Das Cidades. Manual da Regularização Fundiária Plena. Brasília, Ministério
das Cidades, 2007.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília,
05 out. 1988.
BRASIL. Ministério Das Cidades. Portaria n° 511, de 7 de dezembro de 2009. Diretrizes para
criação, instituição e atualização do Cadastro Territorial Multifinalitário (CTM) nos municípios
brasileiros. Diário Oficial da União, Brasília, 8 dez. 2009.
BRASIL. Lei n. 11.977 de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha Vida –
PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas; altera o
Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de 1964, 6.015,
de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho de 2001, e a
Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial
da União, Brasília, 8 jul. 2009.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 05 - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS E
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
De modo mais especifico, o artigo tratará da medida provisória nº 759/2016 a qual dispõe
acerca da regularização fundiária rural e urbana e, dentre outras coisas, regulamenta o chamado
Direito de Laje, situando-o enquanto desdobramento do conhecido direito de superfície previsto
nos artigos 1369 do Código Civil de 2002, 21 e 24 da Lei 10.257/01, em contraposição ao “Direito
de Laje” que vem sendo praticado, há muitos anos, no âmbito do direito inoficial que vigora no
seio das comunidades apontando, neste caso especifico, quais as principais questões que os
diferenciam e, sobretudo, que os oponibilizam a ponto de, possivelmente, comprometer a eficácia
da referida medida, enquanto instrumento hábil para regularização fundiária das favelas.
1 Pós-doutorado em Antropologia urbana pela UERJ. Mestre e doutora em Direito pela Universidade Gama
Filho, professora do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida e
professora adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E-mail: francocorrea@oi.com.br
2 Doutoranda em Direito e professora assistente da Universidade Veiga de Almeida. E-mail:
profcamilaarruda@gmail.com
3 Mestranda em Direito pela Universidade Veiga de Almeida. E-mail: julianabarcellos@globo.com
o direito de moradia e a cidadania urbana das populações de baixa renda que, dificilmente
conseguem acesso ao direito de propriedade nos moldes previstos pelo ordenamento jurídico
estatal.
Desenvolvimento da Pesquisa
Contudo, faz-se importante pontuar que não existe correlação fática entre os dois
institutos, a medida que o Direito de Superfície se caracteriza pelo afastamento da acessão,
traduzido na máxima jurídica de que “tudo o que se edifica ou planta adere ao solo”, possibilitando
assim ao interessado, a aquisição somente da superfície para construção, permanecendo o solo
pertencente a outrem. Todavia, a propriedade superficiária nos moldes previstos em lei,
pressupõe a existência da propriedade formal do solo como fato gerador, o que não é uma
realidade nas favelas. 4
Nesse sentido, se voltarmos os olhos para dentro das favelas, encontramos dois principais
entraves a aplicação desse dispositivo legal. Primeiramente, como já colocado, o direito de
propriedade do solo perfaz-se como uma realidade incomum nesses locais onde, na maioria das
vezes, ou a construção sobre a laje ocorre em terreno particular, sobre o qual se exerce posse-
comumente adquirida através de um instrumento particular de cessão de posse, registrado
4
CORREA, Claudia Franco. Controvérsias entre o “direito de moradia” em favelas e o direito de propriedade
imobiliária na cidade do Rio de Janeiro: O “Direito de Laje” em questão. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012.
P.234.
unicamente na associação de moradores- ou em terreno público, podendo, neste caso, estar
amparada em concessão de uso, concedida previamente pelo estado ou não5.
Conforme muito bem pontua Burgos, em favelas mais tradicionais as relações pessoais se
confundem de tal ordem que mesclam no mercado imobiliário, inclusive porque tais relações são
necessárias nas práticas negociais dentro da favela, onde se observa, por exemplo, a prática da
chamada fiança moral. Deste modo, ao “criar” a possibilidade da compra e venda de lajes de
maneira autônoma, os moradores de favelas demonstraram plena consciência da necessidade de
desvincular o direito de laje da posse exercida pelos demais moradores, observando, dentro
outros fatores, a grande mobilidade social existente dentro da própria comunidade, que inclusive
conta com um aquecido mercado locatício, o qual não fora observado pelo dispositivo legal em
comento, que determina o seguinte.
A ineficácia deste paragrafo fica ainda mais evidente quando observamos a existência, no
interior da favela de Rio das Pedras, de construções de até 10 (dez) pavimentos, erguidas sobre
lajes, o que, em nenhuma hipótese, constitui um fato isolado, mas uma tendência, haja vista o
acentuado crescimento vertical registrado nas favelas cariocas nos últimos anos.
Considerações finais
Deste modo, em síntese conclusiva, tem-se que os descompassos observados entre a
Medida Provisória proposta e a realidade observada no cotidiano das favelas, muito
possivelmente, reduzirão a eficácia da aplicação do instituto para as construções erguidas dentro
de comunidades.
5 CORREA, Claudia Franco. Controvérsias entre o “direito de moradia” em favelas e o direito de propriedade
imobiliária na cidade do Rio de Janeiro: O “Direito de Laje” em questão. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012.
P.235.
6 CORREA, Claudia Franco. Controvérsias entre o “direito de moradia” em favelas e o direito de propriedade
imobiliária na cidade do Rio de Janeiro: O “Direito de Laje” em questão. Rio de Janeiro: Topbooks, 2012.
P.152 e 153.
Sendo imprescindível para a elaboração de um instrumento legal realmente efetivo, a
prévia observância da aplicação do Direito de Laje no âmbito do direito costumeiro quando, então,
podem ser percebidas as nuanças que o identificam enquanto direito real autônomo,
desvinculando sua existência de quaisquer outros instrumentos jurídicos.
Referências Bibliográficas
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Reais. 5ª edição, Coimbra Editora,2000.
BURGOS, Marcelo Baumann (org). A utopia da comunidade: Rio das Pedras, uma favela carioca.
2ª edição. Rio de Janeiro: PUC-Rio: Loyola,2002.
CORREA, Claudia Franco. Controvérsias entre o “direito de moradia” em favelas e o direito de
propriedade imobiliária na cidade do Rio de Janeiro: O “Direito de Laje” em questão. Rio de
Janeiro: Topbooks, 2012.
MELLO, Marco Aurélio Bezerra de. Curso de Direito Civil V – Direito das Coisas. Rio de Janeiro:
Atlas, 2015.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 05 – BALANÇO DE EXPERIÊNCIAS DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E
URBANIZAÇÃO DE FAVELAS
A regularização fundiária no Brasil é um assunto que vem sendo cada vez mais discutido,
seja no meio jurídico, através de novas legislações fundiárias, seja nos governos e na sociedade,
através da implantação de projetos de regularização fundiária nos municípios. Nesta discussão é
importante estudarmos casos reais e as dificuldades encontradas, para acharmos soluções para a
efetivação das Regularizações. Neste trabalho traremos o relato da experiência de um projeto de
regularização fundiária, onde nosso objetivo é demonstrar o quanto ainda existe, no poder judiciário,
uma insegurança para que se tomem decisões, onde o direito à moradia prevaleça sobre o direito à
propriedade, e o quanto essa insegurança prejudica os processos de regularização fundiária.
O bairro Jardim Conquista, objeto deste trabalho, é composto de 162 lotes, localiza-se no
município de Cachoeirinha-RS, Região Metropolitana de Porto Alegre-RS, com 126 mil habitantes,
segundo estimativa do IBGE para 2016; território com 44Km², densidade demográfica 2.687,04
hab/km². Este bairro originou-se de uma ocupação irregular em uma área de propriedade do
município, localizada em uma área central, valorizada pelo mercado imobiliário, que se encontrava
desocupada há muitos anos. O município pretendia implantar ali algum projeto habitacional, portanto
seu uso já estava definido como residencial.
A ocupação iniciou-se nos anos de 1998 e 1999. Foi consolidando-se ao longo dos anos. Em
2001, a comunidade organizada, através da Associação de Moradores, procurou o poder público
para iniciar o processo de Regularização. Na época havia pouca legislação sobre a matéria, o
Estatuto da Cidade ainda não tinha sido aprovado. O município já tinha realizado algumas
regularizações pelo Provimento “More Legal”, da Corregedoria Geral de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul – CGJ-RS.
Após muitas tratativas, pareceres, levantamentos, atualizações cadastrais, trocas do governo
municipal, em julho de 2015 o projeto, depois de passar pelo Registro de Imóveis, foi protocolado no
fórum pelo Oficial dos Registros Públicos de Cachoeirinha.
_______________________
* Bacharel em Administração, Chefe do Departamento de Regularização Fundiária da Prefeitura Municipal de
Cachoeirinha.
1
A decisão por utilizarmos, dentro das legislações disponíveis, o Provimento 21/2011 da
Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul – CGJ/RS foi tomada após inúmeras reuniões
entre os técnicos da Secretaria de Habitação, gestores e comunidade. Onde foi levada em conta a
realidade da comunidade e uma vontade ressaltada em todas as reuniões realizadas por terem a
propriedade garantida através do instrumento da Compre e Venda. Falaremos sobre as
características locais e como transcorreu o andamento do processo no judiciário.
AS CARACTERÍSTICAS DA COMUNIDADE
No aspecto da infraestrutura, desde a época que a ocupação se originou até o momento do
envio do projeto ao Registro de Imóveis, transcorreram aproximadamente quinze anos. Durante este
período o município levou infraestrutura ao local. Alargou ruas, pavimentou as vias, fez obras de
esgotamento, foram instaladas redes de abastecimento de água e luz pelas concessionárias do
serviço. Também, dentro da área, foram construídas uma unidade de saúde da família (USF) e uma
quadra poliesportiva. A área é atendida com coleta de lixo, transporte público e acesso a outros
equipamentos como escola e creche. A comunidade apresenta, também, uma economia interna,
traduzida pela existência de comércio local. A área é gravada como sendo de interesse social (ZEIS).
No aspecto fundiário os lotes são ocupados, em sua maioria, por apenas uma família, não
sendo muito comum a subdivisão de lotes, fato que facilitou o processo de regularização. A
totalidade dos lotes possui frente para logradouro público. Os lotes variam entre 100m² a 250m²,
sendo que a grande maioria apresenta área em torno de 125m². Quanto ao sistema viário, o
loteamento apresenta uma via principal com 13m de largura e vias secundárias com 7m, dimensões
adequadas e passíveis de regularização. Quanto ao desenho urbano, o Jardim Conquista é
ordenado, as ruas são pavimentadas e não apresentam problemas de ordem estrutural, não existem
acessos inadequados que exijam reformulações, o que facilitou enormemente a provação do Projeto
Urbanístico(fig 1).
Quando iniciamos os procedimentos, percebemos que a comunidade já vinha com uma
opinião formada sobre que esperavam da regularização das suas moradias, pois desde as primeiras
reuniões realizadas com os moradores, estes já expressavam que se disporiam a pagar pelos
terrenos, desde que, segundo eles, “não fossem muito altos”(informação verbal)
2
FIGURA 1. Projeto Urbanístico aprovado – Loteamento Jardim Conquista
era uma possibilidade, pois estabelecia a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia – CUEM,
perfeitamente aplicável, neste caso, pois estamos tratando de uma bem público dominical¹
Outra possibilidade era utilizarmos a Lei 11.977, de 07 de julho de 2009, em vigor na época,
esta Lei assegurava o direito à titulação sem nenhum ônus, através das figuras da demarcação
urbanística e legitimação da posse, constantes no artigo 47, incisos III e IV, da referida Lei.
Além do Provimento 21/2011 da Corregedoria Geral de Justiça do Rio Grande do Sul –
CGJ/RS, conhecido como “More Legal”, na sua quarta edição, “More Legal IV”.
No entanto, de todas as possibilidades legais, a única que atenderia o anseio da comunidade
pela Compra e Venda era o Provimento “More Legal IV”.
Estando definida a Legislação a ser empregada, o executivo montou o processo e
encaminhou ao Registro de Imóveis(RI) do município, em 18 de maio de 2015. Após a revisão do
processo, o RI encaminhou o mesmo para apreciação judicial em 23/07/2015 como podemos ler nas
figuras 2 e 3 a seguir.
____________________________
1. Art. 99. São bens públicos:
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
I - os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
II - os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da
administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III - os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de
direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
3
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas
de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.
FIGURA 2 – Petição Inicial RF Jd Conquista. Pag 1 FIGURA 3 – Petição Inicial RF Jd. Conquista. Pag 2
4
promotora a respeito da Regularização Fundiária. Com sucesso, conseguimos estabelecer um bom
diálogo, onde ficou claro ao Ministério Público os argumentos do executivo municipal no que tange
ao cumprimento de todas as exigências dos artigos 512 e 513 da CNNR, que tratam da
documentação necessária a ser apresentada e da montagem do processo, argumentação essa que
foi formalizada no processo e devolvida ao judiciário, para que então, o MP expressasse também,
formalmente, sua concordância antes feita verbalmente. Assim se procedeu, e os autos retornaram
ao juiz. Cabe lembrar ainda, que a autoridade registral no município, que possui notório saber sobre
a matéria dos registros públicos, pronunciou-se favorável, no momento da entrada do processo no
judiciário, não fazendo qualquer referencia a necessidade de anuência dos lindeiros e considerando
satisfeita a comprovação da situação consolidada.
Ao receber de volta o processo, o juiz manifesta-se mantendo a exigência da anuência dos
lindeiros (fig 4), para a surpresa de todos os atores que vinham tratando do assunto e
acompanhando o processo.
5
descritos e fotos acostas ao processo, e aceitos pelo juiz. Ou seja, a hipótese da não concordância
dos lindeiros não fará com que o loteamento volte a sua situação original antes da ocupação. Talvez
o único efeito desta possível discordância seja paralizar o processo de regularização fundiária, o que
não produziria o impacto desejado por aqueles que não concordariam com a existência da ocupação.
Tanto o loteamento, quanto as pessoas que nele habitam e produzem impactos no entorno,
positivos ou negativos, continuarão lá, a produzi-los, com ou sem a regularização. A anuência ou sua
negação, não mudarão a realidade do local.
A pergunta que resta é: Porque o poder público deve consultar um grupo de pessoas se o
resultado desta consulta não trará efeito real algum? O que estamos afirmando aqui é: se por um
lado atestamos (executivo municipal, autoridade registral, Ministério Público e Judiciário) que a
ocupação é irreversível, é uma incoerência, de outro lado, consultar as pessoas, depois de passados
mais de quinze anos se elas concordam com existência daquele loteamento.
A conclusão a qual chegamos aqui é que, uma decisão judicial equivocada, produz o efeito de
retardar ou até mesmo inviabilizar o processo de Regularização Fundiária. Anulando os efeitos
positivos que os novos regramentos jurídicos sobre a matéria tentam trazer para nossas cidades.
Aqui percebemos o quanto a Regularização Fundiária, apesar de ter uma legislação atual,
que leva em conta os novos conceitos e perspectivas quanto ao direito à cidade, à função social da
terra e da propriedade, ainda não foram incorporados ao entendimento jurídico dos nossos
promotores e juízes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Consolidação Notarial e Registral do Estado do Rio Grande do Sul. CNNR, Corregedoria –
Geral da Justiça, instruída pelo provimento 32/06 – CGJ, atualizada até o provimento nº 002/2015.
_______. Direito à Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade, Belo Horizonte: Editora
Forum, 2004.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1 Trabalho vinculado ao Projeto de Pesquisa: novas formas de proteção dos direitos culturais e do
patrimônio cultural: aproximação entre direito, inovação e política.
2 Mestre em Direito pela Universidade Regional Integrada (URI) – Campus de Santo Ângelo. Pós-Graduada
em Direito Civil e Processo Civil pela URI – Campus de Santo Ângelo e em Docência para o Ensino
Superior pelo Instituto de Ensino Superior de Santo Ângelo (IESA) Graduada em Direito também pelo IESA.
Advogada Pública do Município de Santo Ângelo. E-mail: mirianew@yahoo.com.br.
3 Doutora em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. Visiting Scholar na
1
O ESPAÇO LOCAL E A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
O que faz com que isto aconteça é a maneira como serão interpretados e a
capacidade de gestão urbana do poder público municipal em dizimar conflitos e
constantemente se ajustar como governo e a partir das leis e fiscalização às
pressões provenientes das diferenças de ideologia, interesses e conhecimento
sobre o assunto que uma cidade sofre (2011, p.79).
2
habitantes, sendo necessário que o Município crie e execute políticas públicas de regularização
fundiária, ação indispensável para avançar no direito social à moradia e à inclusão social.
4
Morar em loteamento irregular não é legal. Disponível em
http://www.mprs.mp.br/urbanistico/pgn/id2486.htm.Acesso em 30 de maio de 2017.
3
Os processos de regularização fundiária envolvem a segurança da posse e
intervenções de infra-estrutura que aproximam das parcelas do restante da
cidade, considerada formal, e muitas vezes a promoção da cidadania, já que
incentivam a participação dos usuários em muitas das decisões. Com isso
favorecem a inclusão social (MUSSI, 2011, p. 96).
Como relatado acima, a maioria das áreas ocupadas irregularmente compromete o meio
ambiente, pois são construídos assentamentos em Áreas de Preservação Permanente (APP),
causando devastação da vegetação e poluição dos córregos. Nesses locais, deve existir uma
preocupação com o meio ambiente, direito difuso e coletivo, e nos espaços urbanos onde não seja
possível a regularização, necessário que aconteça a realocação dos moradores, desde que
preservada suas identidades culturais, pois fator relevante da regularização fundiária é a garantia
da permanência das famílias no local onde moram há muitos anos, onde criaram laços de
amizade, onde desenvolveram traços culturais próprios daqueles bairros ou comunidades,
mediante a segurança da propriedade da terra. A regularização também permite a possibilidade
de investimentos no local, a obtenção de financiamentos, como o que recentemente criado Cartão
Reforma (Lei 13.439, de 27 de abril de 2017) que prevê a concessão de subvenção para famílias
de baixa renda para reforma das casas, tendo como um dos requisitos, que o imóvel seja
regularizado ou passível de regularização.
Assim, nota-se que legitimação da propriedade favorece a inclusão social à medida que
garante o acesso à terra, à segurança jurídica, à moradia digna e regular e ao acesso aos
serviços essenciais como água potável, energia elétrica e infraestrutura urbana.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a cidade é uma expressão dos valores da sociedade e o seu êxito
“depende de seus habitantes, seu governo e a prioridade que ambos outorgam à construção de
um entorno urbano e equilibrado (MUSSI, 2011, p.84).
Contudo, os problemas urbanísticos são uma realidade na maioria dos municípios,
especialmente nas cidades de médio e grande porte. Uma das chagas mais preocupantes é a
irregularidade fundiária acompanhada da corrupção urbanística, precisando ser sanada,
urgentemente. Para que isso aconteça, o governo local e os cidadãos precisam estar envolvidos
com o planejamento urbano, pois nesses casos a participação cidadã é fundamental.
As cidades precisam ser geridas com base no conhecimento, planejamento e
organização. Pensar a cidade com esta visão implica na implementação de programa de Estado
de regularização fundiária, que permanecerá incólume nas sucessões futuras de governo.
Primeiramente, através da contenção dos loteamentos irregulares e clandestinos, através da
efetiva fiscalização. E, concomitantemente, reduzir o passivo da irregularidade urbana,
capacitando técnicos para as questões urbanísticas; atuando para obrigar o proprietário da gleba
4
ou empreendedor do parcelamento irregular a efetuar as obras de infraestrutura e regularização.
Além disso, utilizar efetivamente os instrumentos de indução de desenvolvimento urbano previstos
no Estatuto da Cidade, com concretização e planejamento de uma política de habitação.
O Poder Local precisa estar consciente de que a regularização fundiária está relacionada
à garantia do direito social à moradia, pois envolve segurança jurídica da posse, custo de moradia
acessível, infraestrutura e serviços públicos adequados e condições dignas de habitabilidade. Isso
significa inclusão social de famílias de baixa renda, significa trabalhar por cidade justa e
sustentável e que cumpra sua função social. Além disso, Leal sugere algumas prioridades que
precisam ser perseguidas pelo Poder Público, entre estas uma “gestão democrática da cidade,
que garanta condições de moradia digna, infraestrutura básica e equipamentos sociais eficazes ao
conjunto da população e que se constitua em instrumento de integração de uma grande massa de
excluídos urbanos (1998, p.81).
A concretização de uma política de regularização fundiária, como forma de sanar a
desigualdade existente no acesso à moradia legal no Brasil desde a colonização, resultaria em
desenvolvimento sustentável da cidade e qualidade de vida aos seus habitantes, tornando-se
instrumento de inclusão social e cidadania.
REFERÊNCIAS
MELO, Maria Elda Fernandes. Direito à Cidade e Democracia como Direitos Fundamentais –
Estudo de Caso. Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico. V.55.ago./set. Porto
Alegre: Magister, 2014, p. 05-14.
MUKAI, Toshio. O Estatuto da Cidade: Anotações à Lei n. 10.257, de 10-07-2001. 3ª ed. rev. e ampl. São
Paulo: Saraiva, 2013.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 05 – REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE FAVELAS E
ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
1 INTRODUÇÃO
Este estudo aborda o tema do conflito existente entre Zonas de Proteção Ambiental (ZPA)
e Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), considerando as questões relacionadas às
ocupações informais e tomando como universo de estudo a experiência da Área Especial de
Interesse Social de Mãe Luiza, em Natal/RN, e sua relação com a Zona de Proteção Ambiental 10
(ZPA-10) e a Zona de proteção Ambiental 2 (ZPA-2), regulamentadas pelo Plano Diretor de 2007,
em vigência atualmente.
O problema gira em torno da existência de habitações informais verificadas nessas Zonas
de Proteção, pois tais habitações aparecem como continuação de outras já existentes na Área
Especial de Interesse Social do bairro de Mãe Luiza, Natal/RN, percebendo-se um conflito
existente entre essas áreas delimitadas legalmente e que possuem funções distintas.
A Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza foi regulamentada através da Lei nº
4.663 de 1995 e, desde então, possui como finalidade principal a proteção do direito à cidade da
comunidade de Mãe Luiza através do processo de regularização fundiária, freando a pressão do
mercado imobiliário local. De outro lado, as Zonas de Proteção Ambiental se destacam como
áreas de proteção voltada para os aspectos ambientais onde, por exemplo, a Zona de Proteção
Ambiental ZPA-10 se constitui como um:
importante instrumento de proteção do patrimônio natalense, visando, segundo o
Plano Diretor de Natal – PDN/2007 (Lei Complementar nº 082, de 21 de Junho de
2007, artigo 17), “proteção, manutenção e recuperação dos aspectos ambientais,
ecológicos, paisagísticos, históricos, arqueológicos, turísticos, culturais,
arquitetônicos e científicos” do Município. O mesmo Plano Diretor indica, em seu
artigo 18, que Natal possui dez ZPAs, as quais, embora não façam parte do
Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Lei Federal nº 9.985, de
18 de julho de 2000) exigem “proteção, manutenção e recuperação” rigorosas dos
erica_guima@hotmail.com
espaços e elementos em que se constituem, dando ênfase aos aspectos
ambientais.3
paradigma das políticas de habitação social. Revista do Programa de Pós Graduação da FAU/USP, São
Paulo, v. 1, n. 16, p.50-66, 2004.
clandestinos ou irregulares, assim como os cortiços. Em determinados casos, até mesmo
loteamentos e conjuntos residenciais promovidos pelo Estado podem ser identificados como
formas irregulares.6 Nesse contexto, um avanço do Direito Urbanístico foi marcado pela Lei nº
10.257 de 10 de Julho de 20017, mais conhecida como Estatuto da Cidade que define as Zonas
Especiais de Interesse Social (ZEIS) como instrumentos de controle de modo a prevenir a
informalidade e cumprir com os princípios da ordem urbana.
6 ALFONSIN. Betânia de Moraes. (coord.). SERPA, Claudia Brandao de. FERNADES, Edesio. GRAZIA,
Grazia de. SAULE JR. Nelson. LEAO JR, Paulo Silveira Martins. ROLNIK, Raquel. Regularização da terra
e moradia. O que é e como implementar. São Paulo: Polis, 2002.
7 BRASIL. Estatuto da Cidade: Lei 10.257/2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana. 1ª
prescrições urbanísticas da Área Especial de Interesse Social - AEIS, no bairro de Mãe Luiza no município
de Natal. Natal, 1995
9 LIMA, Ana Cláudia de Sousa. Implantando o Estatuto da Cidade: Estudo para aplicação do Direito de
Preempção: Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza - Natal. 2009. 105 f. TCC (Graduação) - Curso
de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Departamento de Arquitetura, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte - UFRN, Natal, 2009.
10 FERNANDES. op. cit. p. 69
em constante risco de deslizamento adentrando na área da ZPA - 02. O Alto da Colina configura-
se como uma área de alto risco devido à alta declividade nos terrenos e instabilidade no solo,
sendo que esse trecho abrange toda a área limítrofe da AEIS com o Parque das Dunas - ZPA 02.
Estudos elaborados por Da Hora11 destacaram a existência de 84 habitações, sendo 34
dentro da área de proteção ambiental permanente em processo jurídico de relocação. Lima12
aponta que o processo de relocação já apresenta avançado nível de discussão junto à
comunidade visto que, segundo relatório elaborado em 2004 pelo município, há 84 habitações
com 93 famílias, dessas 70% ocupam o local há mais de 10 anos. No relatório percebe-se ainda
que 83,87% das ocupações pertencem ao 1º ocupante, sendo as demais cedidas ou alugadas,
além disso, o levantamento trás um importante dado, o desejo de 88,17% dos moradores em
permanecer na AEIS de Mãe Luiza, equivalente a 82 famílias.
De acordo com um diagnóstico ambiental elaborado pela equipe do IFRN, pode-se afirmar
que o processo de ocupação (invasão) da área de preservação permanente do Parque das Dunas
ocorre de forma programada, gradual e constante. De forma geral, este processo invasor inicia com
a destruição da cobertura vegetal nativa, seguindo-se com a horizontalização da superfície das
dunas, através de entulhos da construção civil, segue-se uma fase de ocupação provisória, onde se
registram a implantação de algumas árvores e deslocamento de cercas, e finaliza com a construção
de um imóvel no local. Embora em alguns trechos a cerca que delimita a área do Parque das Dunas
ainda se encontre preservada, em outros locais esta já se encontra deslocada da sua posição
original ou parcial ou totalmente destruída, desta forma dificultando as ações de identificação e
punição dos responsáveis por estes procedimentos ilegais.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como visto, o processo de ocupação informal nas cidades consiste num fenômeno cada
vez mais evidente nos espaços urbanos brasileiros e se encontra relacionado diretamente ao
processo de segregação socioespacial, onde é crescente o número de pessoas que se vêem
obrigados a construir suas casas de forma irregular. Este quadro é evidente na AEIS de Mãe
Luiza onde é vista a construção de edificações informais em áreas de proteção ambiental, como a
ZPA-10 e a ZPA-2. Este estudo, porém, voltou-se apenas a apresentação desse conflito, não se
aprofundando em questões relacionadas à qualidade de vida nesses espaços.
No entanto, é importante destacar aqui alguns pontos que devem ser considerados nas
discussões acerca de conflitos que apontam características semelhantes àquelas identificadas
neste estudo. Portanto, por se tratar de áreas delimitadas legalmente, através de legislações de
uso e ocupação do solo no âmbito municipal, é importante que vá de encontro aos princípios do
Direito Urbanístico estabelecidos no Estatuto da Cidade.
11 DA HORA, Carlos Eduardo Pereira (org). Anuário Natal 2013. Secretaria Municipal de Meio Ambiente e
Urbanismo. Natal/RN:SEMURB/ Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística, 2013.
12 LIMA, op. cit., p. 42
Com base nisso, torna-se importante ressaltar a importância da participação social na
elaboração de projetos ou programas que visem: (i) a criação de ações de educação ambiental e
conscientização da população de Mãe Luiza e de todos interessados sobre a importância em se
preservar o meio ambiente natural que cerca a AEIS, com a finalidade única de se evitar mais
invasões e aumentar o comprometimento social com as áreas de preservação; (ii) o fortalecimento
das organizações institucionais que se comprometem em pesquisar a estrutura socioespacial das
AEIS do município de Natal, destacando-se as bases de pesquisa encontradas na UFRN, a fim de
compartilhar, na etapa de planejamento, subsídios científicos de forma a garantir, através do uso
adequado da ciência, uma maior e melhor qualidade de vida urbana; (iii) o Levantamento de uma
rede de pessoas interessadas em colaborar na fabricação de oficinas que discutam e esclareçam
a importância do cumprimento das normas de uso e ocupação do solo estabelecidas em lei. e, por
fim, (iv) dar assistência técnica aos moradores da AEIS a fim de trazê-los cada vez mais à
formalidade urbana atentando sempre para o alcance de uma melhor qualidade de vida social.
5 REFÊRENCIAS
ALFONSIN. Betânia de Moraes. (coord.). SERPA, Claudia Brandao de. FERNADES, Edesio.
GRAZIA, Grazia de. SAULE JR. Nelson. LEAO JR, Paulo Silveira Martins. ROLNIK, Raquel.
Regularização da terra e moradia. O que é e como implementar. São Paulo: Polis, 2002.
______. Estatuto da Cidade: Lei 10.257/2001 que estabelece diretrizes gerais da política urbana.
1ª Edição. Brasília, Câmara dos Deputados, 2001.
DA HORA, Carlos Eduardo Pereira (org). Anuário Natal 2013. Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e Urbanismo. Natal/RN:SEMURB/ Departamento de Informação, Pesquisa e Estatística,
2013.
LIMA, Ana Cláudia de Sousa. Implantando o Estatuto da Cidade: Estudo para aplicação do
Direito de Preempção: Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza - Natal. 2009. 105 f. TCC
(Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Departamento de Arquitetura,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Natal, 2009.
NATAL. Lei Complementar n. 082 de 21 de junho de 2007. Plano Diretor. Natal, 2007.
______. Lei Complementar n. 4663 de 31 de julho de 1995. Dispõe sobre o uso do solo, limites
e prescrições urbanísticas da Área Especial de Interesse Social - AEIS, no bairro de Mãe Luiza no
município de Natal. Natal, 1995
Autor:
¹Advogado. Assessor Jurídico da Gerência de Atividades Contenciosas Urbanísticas, Ambientais e de Posturas Urbanas
- Procuradoria Geral do Município de Belo Horizonte/MG . Diretor administrativo-jurídico do Instituto COURB.
helio@courb.org
1 - Introdução
Diante do impulso industrial vivido pelo Brasil, sobretudo durante a década de 50, e a
consequente aceleração no processo de urbanização, muitas pessoas abandonaram suas vidas
no meio rural em busca das supostas novas oportunidades decorrentes da construção do espaço
urbano. Lamentavelmente, boa parte desse contingente migrante não alcançou o objetivo
esperado, restando-lhes ocupar espaços onde com um custo habitacional compatível à sua renda.
Áreas supostamente desocupadas aos olhos de quem necessitava urgentemente de um local
para se instalar representavam, muitas vezes, a única opção aos que não desejavam retornar à
vida no campo.
Nesse cenário a informalidade se tornou cada vez mais utilizada pelo brasileiro na
apropriação do espaço urbano. Embora por vezes representasse a única saída para muitas
pessoas, o emprego da informalidade nesse processo é acompanhado de restrições que
geralmente colocavam o morador de assentamentos informais em situação delicada. Brevemente,
pode-se pontuar a insegurança nas relações econômicas, gerada pela inexistência de título de
propriedade privada, obstaculizando o acesso às linhas de crédito, bem como a escassa oferta de
equipamentos e serviços urbanos. O tema é tratado pelo economista peruano Hernando de Soto
em sua obra "O Mistério do Capital"1, trazendo o título de propriedade formal como forma segura
de garantir o recolhimento de tributos e a realização de negócios entre particulares. O conceito de
propriedade ultrapassa a noção pura e simples da afirmação da posse, sendo também capaz de
garantir transações associadas a esse título. A ausência do título é o que faz da propriedade
1 DE SOTO, Hernando. O mistério do capital: por que o capitalismo da certo nos países desenvolvidos e
fracassa no resto do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2001. 306 p.
1
informal, nas palavras do economista, "capital morto". Ocorre que, como induz o autor, em países
como o Brasil o processo de legalização (ou regularização) dessa propriedade formal se mostra
historicamente difícil, seja pela morosidade da Administração ou pela sistemática utilização da
propriedade privada para fins especulativos, fortalecendo o emprego da informalidade. No
decorrer dessa história as questões urbanas se apresentam por vezes mais relevantes, com o
tempo sendo assimiladas como demandas sociais e direitos difusos, levando as pessoas a
buscarem caminhos para reverter o quadro de desigualdade no país.
Seguindo essa lógica, a evolução da legislação urbanística no Brasil visou transformar a
sociedade civil em protagonista do processo de construção das normas e conceitos ligados à
cidade. Enquanto importante marco dessa evolução, a Constituição Federal de 1988 introduziu
princípios, tais como a função social da propriedade, que solidificam a tese de que a cidade não
deve influenciar no processo de desigualdade social. Posteriormente, o direito de moradia é
elevado ao nível de Direito Social pela Emenda Constitucional no 26/2000, e são definidas as
diretrizes gerais da política urbana nacional, apresentadas pela Lei Federal no 10.257/01, o
Estatuto da Cidade. Notoriamente, é cada vez mais relevante o papel da sociedade civil no
processo, seja enquanto responsável ou destinatário de seus desdobramentos.
Por todo o exposto, justifica-se abordar a evolução do processo de construção da
legislação referente ao uso do solo urbano brasileiro, tendo como centro de análise a tratativa
conferida às moradias informais. Tanto o processo histórico, quanto as perspectivas futuras
acerca da regularização do uso do solo urbano no Brasil, servem de conteúdo para a estruturação
das ideias, buscando alternativas de nível participativo para os conflitos, envolvendo o melhor
emprego da função social da propriedade em face da desigualdade de acesso legítimo ao solo
urbano, evidenciada em praticamente todo o território nacional.
A sociedade civil deve compreender o peso de sua influência, conhecendo seus direitos e
se empoderando, postura assegurada de forma explícita pelo Estatuto da Cidade e demais leis
urbanísticas brasileiras. O engajamento da sociedade é extremamente importante para o
processo de construção e assimilação dos direitos e deveres ligados à cidade, aumentando o
senso de pertencimento. A extensão do Brasil e as peculiaridades de cada Município sugerem
que essa seja a chave para a afirmação do direito à cidade, devendo, portanto, orientar as ações
políticas em prol de cidades mais acessíveis e democráticas. O caminho é difícil, mas não pode
deixar de ser percorrido.
2
"Minha Casa Minha Vida". O não mais vigente Capítulo III, totalmente suprimido pela Medida
Provisória no 759/2016, a ser especificamente tratada adiante, cuidava da regularização fundiária
de assentamentos urbanos em sintonia com os princípios norteadores do Estatuto da Cidade,
preservando a garantia do direito social à moradia e o pleno desenvolvimento da função social da
propriedade urbana.
Desenvolvendo o tema, sabe-se que é constitucionalmente exigido que Municípios com
mais de 20.000 habitantes desenvolvam um Plano Diretor Municipal (PDM) próprio,
necessariamente elaborado à luz dos princípios e diretrizes da legislação Federal. Essa forma de
descentralização, prevista pelo § 1o do artigo 182 da Constituição, permite que os Municípios
adequem as normas Federais às suas realidades específicas, atendendo aos interesses locais.
Considerando os números apresentados pela Profa. Daniela Campos Libório, em artigo escrito no
ano de 20162, mais de 60% de um total de 5.572 cidades brasileiras possuíam Plano Diretor à
época ou estava em processo de elaboração. Se relacionado o tempo de vigência do Estatuto da
Cidade com a pluralidade de Municípios verificada no território nacional, é razoável considerar que
houve um avanço significativo na difusão das diretrizes gerais ali previstas. Partindo dessa
análise, percebe-se que o processo de consolidação dos conceitos presentes no Estatuto da
Cidade e na legislação urbanística Federal não é algo simples, refletindo diretamente no emprego
de políticas locais como a regularização fundiária urbana em assentamentos informais, ora
explorada.
O já mencionado Capítulo III da Lei Federal no 11.977/09 previa instrumentos de afirmação
da função social da propriedade, atendendo a demandas de pessoas vivendo de maneira informal
e precária. Como exemplo, as Zonas Especiais de Interesse Social - ZEIS, conceito não mais
presente no ordenamento jurídico Federal, permitiam a regularização de moradias informais
localizadas em áreas centrais, por meio de zoneamento. Compreendida a realidade local, pessoas
antes vivendo de forma irregular poderiam ver assegurado seu direito à propriedade e à cidade,
sem que fosse necessário um reassentamento. O instituto das ZEIS já estava plenamente
assimilado por diversos Planos Diretores, o que representava um dos elementos que compõem a
insegurança jurídica apresentada pela edição da Medida Provisória no 759 no ano de 2016.
Medida Provisória é um instrumento normativo que nasce de um ato próprio do Presidente
da República, especificamente para atender casos de relevância e urgência. Apesar de não ser
objeto de apreciação pelo Poder Legislativo, a Medida Provisória tem força de lei. Não é diferente
com a Medida Provisória ora apreciada. A tese contrária à validade da Medida Provisória n o
759/16 ganha força diante da impositividade com que esta altera a legislação referente à
regularização fundiária de assentamentos informais, resultado de um processo histórico, sem
qualquer participação da sociedade. No caso, salvo melhor juízo, um dos preceitos fundamentais
do Estatuto da Cidade restou completamente ignorado.
2LIBÓRIO, Daniela Campos. Estatuto das Cidades: 15 anos da Lei no 10.257/2001. Revista Brasileira de
Direito Urbanístico - RBDU, Belo Horizonte, ano 2, n.3, p. 9-17, jul./dez. 2016.
3
Os avanços da legislação urbanística registrados até então encontram enorme desafio
com a edição da Medida Provisória ora analisada. O conceito de Regularização Fundiária, antes
previsto no artigo 46 da Lei Federal no 11.977/093, já não existe mais. Em substituição, o texto da
Medida Provisória prevê um novo instituto, a REURB, que oferece uma nova roupagem ao extinto
instrumento para regularização de assentamentos informais, mas peca por não apresentar em seu
texto qualquer menção à garantia do desenvolvimento da função da propriedade urbana, como
antes ocorria. Com isso, alteram-se conceitos já plenamente assimilados pelos Municípios, bem
como a aplicação efetiva de instrumentos de política urbana, gerando enorme insegurança
jurídica, e até uma eventual necessidade de requalificação de servidores públicos, o que pode
elevar custos de administrações municipais e tornar os procedimentos de regularização ainda
mais difíceis e demorados.
A sociedade civil deve conhecer da sua relevância para a construção do espaço que
habita, reivindicando sua participação nas questões urbanas. Os assentamentos informais
representam uma das mais sensíveis dessas questões e, portanto, precisam ser objeto de uma
discussão aberta, franca, com envolvimento direto da sociedade civil, seja representada por
indivíduos ou organizações, objetivando a melhor solução para as demandas. Para isso, as
informações devem chegar às pessoas de forma objetiva e ampla, dando maior cobertura ao tema
e provocando debates. Alterações imperativas como as impostas pela Medida Provisória no
759/16 aumentam a tensão de um cenário naturalmente conflituoso, e causam enorme
insegurança sobre relações já fragilizadas.
3 - Considerações finais
Na construção da legislação urbanística, especialmente no que diz respeito ao
envolvimento da sociedade civil no processo e ao respeito à função social da propriedade,
eventuais alterações não podem ser impositivas e "vir de cima para baixo" como está se
propondo. Muito já se progrediu, tanto no campo da assimilação dos conceitos e princípios do
Estatuto da Cidade e de leis posteriores (como é o caso da Lei no 11.977/09), quanto na aplicação
dos instrumentos ali dispostos. O exemplo ora tratado é a regulação fundiária de assentamentos
informais e, como percebido, os reflexos da edição da Medida Provisória no 759/16 são
consideráveis.
O momento é de reflexão e união por parte da sociedade civil como um todo, passado um
longo período de afirmação dos direitos fundamentais e sociais desde 1988, garantidos como
base da República Federativa no trato do povo. Importante compreender a dimensão do Brasil e
3O texto do revogado artigo 46 da Lei Federal no 11.977/09 previa: "A regularização fundiária consiste no
conjunto de medidas jurídicas, urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de
assentamentos irregulares e à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o
pleno desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado." A função social da propriedade era expressamente tutelada à luz dos
princípios do Estatuto da Cidade, o que não ocorre no art. 10 da Medida Provisória n o 759/16, que trata dos
objetivos da Reurb.
4
como pode lhe ser custoso, inclusive financeiramente, reoperar a máquina administrativa em
função de alterações de conceitos e procedimentos já absorvidos pela práxis habitual de
significativa parte de seus Municípios. Trata-se de enorme insegurança jurídica e social, que pode
ser minimizada pela participação da sociedade civil no processo legislativo e, no caso de
necessidade real de alteração da legislação, que sejam respeitados os processos participativos já
concluídos. Em outras palavras, que os textos legais em vigência sirvam de base para a
construção dos novos, vez que resultaram de um longo processo de afirmação da função social
da propriedade, cuja participação da sociedade se fez valer.
Preservar as conquistas do processo de assimilação dos conceitos presentes no Estatuto
da Cidade é dever da sociedade civil, sendo necessário que esta esteja à frente do processo,
principalmente no debate de questões historicamente delicadas, como a regularização de
assentamentos informais. A sociedade civil, da mesma forma, é responsável pela publicidade e
por tornar os problemas de fato conhecidos, fomentando o interesse de um maior numero de
pessoas. O envolvimento social de grande escala relativo a questões urbanas, estimula o senso
de pertencimento de cada indivíduo, empoderando a sociedade como um todo para atuar na
defesa de seus interesses. Nesse sentido, com o conhecimento e participação efetiva da
sociedade, a construção das leis urbanísticas se mostra mais segura quanto ao atendimento das
demandas sociais e especificidades de cada lugar. De maneira atemporal e oportuna, reflete o
escritor João Guimarães Rosa em trecho de sua grande obra: "Uma coisa é pôr ideias arranjadas,
outra é lidar com país de pessoas, de carne e sangue, de mil-e-tantas misérias[...] "4
4 - Referencias bibliográficas
1 DE SOTO, Hernando. O mistério do capital: por que o capitalismo da certo nos países
desenvolvidos e fracassa no resto do mundo. Rio de Janeiro: Record, 2001. 306 p.
2 LIBÓRIO, Daniela Campos. Estatuto das Cidades: 15 anos da Lei no 10.257/2001. Revista
Brasileira de Direito Urbanístico - RBDU, Belo Horizonte, ano 2, n.3, p. 9-17, jul./dez. 2016.
3 BRASIL. Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Dispõe sobre o Programa Minha Casa, Minha
Vida – PMCMV e a regularização fundiária de assentamentos localizados em áreas urbanas;
altera o Decreto-Lei no 3.365, de 21 de junho de 1941, as Leis nos 4.380, de 21 de agosto de
1964, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.036, de 11 de maio de 1990, e 10.257, de 10 de julho
de 2001, e a Medida Provisória no 2.197-43, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências.
Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 8 de jul. 2009. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm . Acesso em: 11 jun. 2017.
4 ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2001, p. 31.
4 ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. 19. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001, p. 31.
5
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GRUPO TEMÁTICO: GT 05 - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA E URBANIZAÇÃO DE
FAVELAS E ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS
Introdução
1 Profa. Esp. Universidade Católica de Santos – UNISANTOS. Centro de Ciências Exatas, Arquitetura e
Engenharia. Curso de Arquitetura e Urbanismo – FAUS. Vice-líder do Grupo de Pesquisa Observatório
Sociespacial da Baixada Santista – Observa BS, email: lenimar.rios@gmail.com
2 Profa. Dra. Universidade Católica de Santos – UNISANTOS. Centro de Ciências Exatas, Arquitetura e
Engenharia. Curso de Arquitetura e Urbanismo – FAUS. Líder do Grupo de Pesquisa Observatório
Sociespacial da Baixada Santista – Observa BS, e-mail: moviana@uol.com.br
3 Prof. Dr. Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Campus Baixada Santista. Departamento de
Ciências do Mar, e-mail: torres.ronaldoj@gmail.com
1
O TAUS das áreas definidas acima, estabelece que as mesmas podem ser “outorgados
exclusivamente a grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como tais, que
possuem formas próprias de organização social, que utilizam áreas da União e seus recursos
naturais como condição para sua reprodução cultural, social, econômica, ambiental e religiosa
utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.”
Deve ser considerada, ainda, a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos
Povos e Comunidades Tradicionais - PNPCT de 2007 (Brasil, 2007), que tem por objetivo
“promover o desenvolvimento sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, com ênfase no
reconhecimento, fortalecimento e garantia dos seus direitos territoriais, sociais, ambientais,
econômicos e culturais, com respeito e valorização à sua identidade, suas formas de organização
e suas instituições”.
De uma forma geral, segundo Diegues (1983), as comunidades caiçaras são formadas
pela miscigenação de indígenas, colonizadores portugueses e, em menor escala, de escravos
africanos, que se estabeleceram em áreas costeiras dos atuais estados do Rio de Janeiro, São
Paulo, Paraná e norte de Santa Catarina onde mantiveram suas tradições e costumes, isolados
dos grandes centros urbanos, e que incorporam um grande conhecimento dos recursos naturais
locais (SANTOS, 2015). Durante séculos os caiçaras adquiriram o seu conhecimento a partir do
contato e da convivência com a Mata Atlântica, desenvolvendo técnicas, procedimentos, histórias
e expressões do seu rico modo de vida. Esse conhecimento é transmitido oralmente, de geração
em geração, através da convivência.
Segundo Stori (2010), a comunidade da Ilha Diana é uma dessas comunidades,
reconhecida no município de Santos pela atividade pesqueira artesanal e manutenção do modo
de vida caiçara, porém ainda sem o reconhecimento legal de seu território. Hoje seus moradores
estão presenciando um novo desafio à sua tradição com o processo de ampliação dos terminais
portuários. A comunidade é vizinha a um grande empreendimento portuário privado (Embraport)
que foi licenciado em 2006 pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis – IBAMA, obtendo a Licença de Instalação para aterrar e construir em uma área de
803 mil m2 sobre o manguezal, território de pesca da comunidade da Ilha Diana. Portanto, os
impactos desses grandes empreendimentos podem gerar significativas transformações nos
territórios tradicionais da pesca artesanal. O que requer mecanismos que garantam a
sobrevivência e permanência dessa comunidade caiçara no lugar que habitam há tantas décadas,
contribuindo para a manutenção das suas culturas, tradições e modo de vida, que possibilitem o
direito a posse do território que ocupam e o fortalecimento comunitário em bases sustentáveis.
Neste sentido foi estruturado um Grupo Técnico de Trabalho com objetivo de promover a
Regularização Fundiária da Ilha Diana com representantes de várias instituições: da Secretaria do
Patrimônio da União – SPU; da Prefeitura Municipal de Santos – PMS, do Instituto Pólis –
Observatório Litoral Sustentável, da UNIFESP/IMAR e da UNISANTOS/FAUS, que vem se
2
reunindo desde maio de 2016 em conjunto com a comunidade para viabilizar um plano de ação
em parceria.
3
Nesse contexto, possibilitar a fixação dessas famílias na área da Ilha Diana, que ocupam
há tantas décadas, através da regularização fundiária é importante mecanismo para consecução
das políticas habitacionais e urbanas, para garantir a cidadania, melhores condições de
urbanização do assentamento e também a posse coletiva da terra por meio de Termo de
Autorização de Uso Sustentável - TAUS da área ocupada, garantindo assim o direito ao território
ocupado, espaço necessário à reprodução cultural, social e econômica dessa comunidade
tradicional.
Considerações Finais
Com base nos estudos e levantamentos analisados, pode-se concluir que a comunidade
da Ilha Diana é caracterizada como uma comunidade tradicional, que surge como uma
comunidade caiçara em função da atividade pesqueira e da agricultura familiar que foram as
principais atividades dos moradores em décadas passadas. Porém, essas atividades tem sofrido
com os impactos dos grandes empreendimentos portuários nos últimos anos, o que demanda
ações que possam preservar tais atividades, como também os usos e costumes dessa
comunidade tradicional que são compatíveis com a proteção ambiental das áreas de mangues.
Observa-se que os moradores da Ilha Diana não tem mais na pesca sua principal
atividade, mas essa é uma tradição fortemente presente no cotidiano da comunidade, mesmo
quando apenas com intuito de lazer ou subsistência. Nesta pequena porção de terra essa
população luta para manter sua identidade caiçara, através das suas tradições e modo de vida
que há muitas gerações constituem seu lugar de convívio e forma de sustento. A perspectiva de
desenvolver um turismo de base comunitária realizado com o protagonismo dos moradores de
forma sustentável e não predatória, conforme avalia o Sesc (2015), pode contribuir para
manutenção da cultura e para complementação da renda familiar dos moradores, na qual a venda
de pescados e a extração de mariscos exerce papel importante, apesar de vir diminuindo a cada
ano por conta da poluição, do desmatamento dos mangues, da ampliação das atividades
portuárias, da pesca predatória, entre outros fatores.
Todo o processo que definiu os passos para viabilizar a regularização fundiária da Ilha
Diana contou com: 1) tabulação e análise do levantamento sócio-econômico habitacional da PMS
(2010/2013); 2) delimitação georreferenciada da área objeto do TAUS e da área a ser concedida
ao município (Prefeitura Municipal de Santos - PMS), o que pressupõe um projeto urbanístico; 3)
estudo técnico acadêmico demonstrando que a Ilha Diana é uma ocupação tradicional com
atividade de interesse socioambiental. Esse processo contou com as contribuições das várias
instituições envolvidas nesta parceria, sendo elas SPU, PMS, Polis, UniSantos, através do
Observatório Socioespacial da Baixada Santista e Unifesp, através do Departamento de Ciências
do Mar. Tais esforços coletivos têm como objetivo possibilitar a comunidade o direito a posse do
território que ocupam e o fortalecimento comunitário em bases sustentáveis, através da
4
concessão do TAUS, garantindo assim, o direito à moradia e à cidade dos moradores da Ilha
Diana.
Referências bibliográficas
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 06 - CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS: ATORES, PRÁTICAS E SOLUÇÕES
ALTERNATIVAS
1. Introdução
A comunidade do Piquiá de Baixo é reconhecida em Açailândia-MA como uma das
primeiras comunidades da região. Surgiu na década de 1960 num local repleto de árvores
chamadas piquiá, cercado por cursos d’água que forneciam alimento e vida à população. Na
década de 1980 se instalou, nas proximidades da comunidade, a Estrada de Ferro Carajás, e na
sequência implantaram-se cinco guseiras, indústrias que transformam o minério de ferro em ferro
gusa para a exportação para o mercado internacional. A apropriação irresponsável dos bens
naturais poluiu as águas, o ar e devastou a floresta nativa. Fazem parte da cadeia produtiva do
ferro gusa o minério de ferro e o carvão vegetal, proveniente da queima da madeira. Grandes
quantidades de água são capturadas para o resfriamento dos fornos, e para produzir o carvão
implantou-se a monocultura do eucalipto, intensificando os danos ambientais.
Esta poderia ser mais uma entre inúmeras histórias de tantas comunidades expulsas de
suas terras, que têm se dado em muitos lugares da América Latina. Porém a comunidade do
Piquiá de Baixo está desenhando outros caminhos. Primeiro convenceu a sociedade sobre a
imprescindibilidade de seu reassentamento. Lutou e conquistou uma área, desapropriada por
interesse social, adequada para abrigar todas as famílias longe da poluição. Viu reconhecido o
direito de contratar uma assessoria técnica própria, para poder debater e construir o projeto das
casas e do bairro. Atualmente, a comunidade segue lutando pelos recursos para a construção, em
regime de autogestão. Para além de mais um caso de resistência e luta de uma comunidade, o
Piquiá de Baixo demonstra que é fundamental resistir ao desenvolvimentismo neoextrativista, ao
mesmo tempo em que é urgente lutar por políticas públicas autônomas e populares.
2. Desenvolvimento
1 Advogado popular graduado em Direito pela PUC/SP (1999), com mestrado em Direito pela
Universidade de Ottawa, Canadá (2010), revalidado pela UnB. Desde 2010 integra a equipe da Justiça nos
Trilhos e assessora a comunidade de Piquiá de Baixo em vista do seu reassentamento e de um maior
controle da poluição procedente do polo siderúrgico de Açailândia, Maranhão. E-mail:
danilo.chammas@uol.com.br
2 Arquiteta e urbanista graduada pela Unicamp (2008), com mestrado em Arquitetura e Hábitat pela
USP (2014). Desde 2010 integra a equipe da assessoria técnica USINA – centro de trabalhos para o
ambiente habitado, e assessora a comunidade do Piquiá de Baixo na elaboração do projeto do
reassentamento e posteriormente acompanhamento da obra. E-mail: kaya.lazarini@gmail.com
1
2.1. Contextualização
Piquiá de Baixo é uma comunidade localizada no distrito de Pequiá, Município de
Açailândia, Estado do Maranhão (a 520 km de São Luís), composta por mais de 1100 pessoas
que há cerca de 30 (trinta) anos vêm sendo direta e fortemente afetadas pela contaminação
advinda das atividades de armazenamento e de transporte de minério de ferro e de carvão e
especialmente da produção de ferro-gusa, de cimento e de energia termoelétrica, bem como do
mau acondicionamento dos resíduos tóxicos e incandescentes.
Os primeiros registros de ocupação do bairro datam de meados da década de 1970. A
partir da segunda metade da década seguinte, esta comunidade passou a se ver cercada por
indústrias de ferro-gusa, além de grandes instalações de uma transnacional mineradora de grande
porte, todas com grande potencial poluidor, sendo que a maioria delas está até hoje em franco
funcionamento. Nos primeiros anos dos anos 2000, com o aumento da produção e o agravamento
das consequências à saúde dos moradores, iniciaram-se os questionamentos e denúncias
efetuadas pela comunidade, através de sua Associação de Moradores.
Um estudo realizado pela Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH) em
colaboração com as organizações brasileiras Justiça Global e Justiça nos Trilhos, redundou na
publicação, em 2011, do relatório “Brasil: Quanto Valem os Direitos Humanos - Os impactos sobre
os direitos humanos da indústria da mineração e da siderurgia em Açailândia”, com
recomendações ao Estado brasileiro e às empresas. O trabalho atestou, de maneira alarmante,
que 59% das famílias de Piquiá de Baixo tiveram alguém com febre nos quinze dias que
antecederam a pesquisa. Tal constatação é suficiente para ilustrar o nível de insalubridade
daquela localidade, que foi classificada em trabalho de perícia técnica realizada em 2007 como
inviável para a manutenção da vida humana.
A situação vivida pelos moradores de Piquiá de Baixo fez com que, há pelo menos oito
anos se iniciasse uma negociação, conduzida pelo Ministério Público do Estado do Maranhão, em
vista do reassentamento coletivo de toda a comunidade. Um documento com as “diretrizes para o
reassentamento de Piquiá de Baixo”, elaborado ainda em 2010, tem servido como principal
referência para a tomada de medidas progressivas rumo à concretização do reassentamento.
2.2. Problematização
Na falta de uma política pública específica no Brasil destinada ao reassentamento de
comunidades despejadas por projetos de desenvolvimento ou megaeventos, foi definido que, para
este caso, deveriam ser pleiteados recursos do Programa Habitacional ‘Minha Casa Minha Vida’,
em sua modalidade ‘Entidades’, com as devidas complementações por parte das empresas e dos
demais entes públicos envolvidos (Estado do Maranhão e Município de Açailândia).
Isso significa que coube à Associação Comunitária dos Moradores do Pequiá (ACMP) a
responsabilidade pela busca de um terreno longe da poluição, a elaboração do projeto, e a
2
posterior gestão da obra, em regime de autogestão. A área para o reassentamento foi obtida
depois que a Municipalidade obrigou-se, por meio de um TAC, a proceder à sua desapropriação
por interesse social. Em seguida, a ACMP elaborou o projeto urbanístico e habitacional básico,
com o auxílio de uma assessoria técnica independente (Usina - centro de trabalhos para o
ambiente habitado), o qual foi apresentado à Caixa Econômica Federal (CEF) em dezembro de
2013. Em 17/12/2014, a Gerência Executiva de Habitação da CEF em São Luis enviou uma
comunicação à ACMP declarando que o projeto de reassentamento havia sido aprovado e
encaminhado, naquela data, para o Ministério das Cidades para seleção do projeto. Em
31/12/2015 o projeto foi, enfim, selecionado pelo Ministério das Cidades, para receber
financiamento do Programa 'Minha Casa Minha Vida'. Em abril de 2016 foi firmado o primeiro
contrato entre a Caixa Econômica Federal e a ACMP para a “fase 1” do projeto (“pagamento de
assistência técnica e despesas com legalização em terrenos transferidos e em processo de
transferência pelo poder público ou de propriedade da Entidade Organizadora, para futura
construção das unidades habitacionais”), ainda em curso. Em 23/5/2017 a ACMP protocolou junto
à CEF em São Luís o resultado da última etapa de elaboração do projeto urbanístico executivo.
Além do reassentamento, a ACMP vem ao longo desses anos requerendo junto às
autoridades competentes medidas efetivas para o controle e a diminuição da poluição. Nesse
sentido, diversos documentos foram enviados por exemplo ao Ministério Público do Estado do
Maranhão e à Secretaria Estadual de Meio Ambiente do Maranhão (SEMA), com pedidos de
acesso a informação e de ações de fiscalização. Em 2011 foi instaurado o Inquérito Civil Público
001/2011, ainda em trâmite perante a 2a. Promotoria de Justiça de Açailândia. Em 2015 foi
apresentado pedido para que não fossem concedidas novas licenças ambientais até que as
empresas se adequassem às normas.
Em dezembro de 2013, 21 ações judiciais iniciadas entre 2005 e 2007 foram enfim
concluídas em primeira instância, com o proferimento das sentenças pela 2a. Vara Cível de
Açailândia. Assim, a única empresa processada (Gusa Nordeste S.A.) foi condenada ao
pagamento de indenização por danos materiais e morais a alguns moradores. As sentenças foram
confirmadas pelo Tribunal de Justiça do Maranhão em fevereiro de 2015, mas ainda não puderam
ser executadas, pois os processos encontram-se no Superior Tribunal de Justiça aguardando
julgamento de recursos interpostos pela empresa.
2.3. Justificativa
Os impactos causados pela produção de ferro gusa em Açailândia não afetam apenas a
comunidade do Piquiá de Baixo. Já há alguns anos, algumas das siderúrgicas que operam em
Piquiá vêm sendo flagradas explorando mão de obra análoga à de escravo em suas fazendas
produtoras de carvão vegetal, que serve com matéria-prima para a produção de ferro gusa. Em
2015, a Viena Siderúrgica S.A. e a Ferro Gusa do Maranhão Ltda. figuraram na chamada “lista
3
suja do trabalho escravo”, divulgada pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, desde
2016 as empresas estão realizando o transporte do ferro gusa líquido pela rodovia BR222 que
corta a cidade de Açailândia, colocando em risco quem vive ou transita pelo entorno.
Em janeiro de 2014 o Estado brasileiro recebeu comunicação da Organização das Nações
Unidas (ONU)3 acerca das medidas que deveria tomar para proteger, respeitar e efetivar os
direitos dos moradores dessa comunidade, especialmente quanto ao controle da poluição, à
responsabilização das empresas pelos danos, aos serviços de atenção à saúde e à concretização
do reassentamento. Os relatores especiais sobre o direito de todos ao gozo do mais alto nível de
saúde mental e física, sobre as implicações para os direitos humanos da disposição e gestão
ambientalmente adequada de substâncias e dejetos perigosos, para o direito humano ao
saneamento e água potável e o Grupo de Trabalho sobre direitos humanos, corporações
transnacionais e outras empresas solicitaram ao Estado brasileiro que apresentasse respostas a
dez perguntas que compreendem desde a matéria fática até as medidas para evitar a
continuidade das violações, além de medidas para a responsabilização das empresas e reparação
de danos. A resposta do Estado brasileiro, enviada à ONU em novembro de 2014, foi considerada
insatisfatória, o que motivou uma nova comunicação das mesmas relatorias especiais em julho de
2015.
A situação da comunidade de Piquiá de Baixo também foi mencionada no relatório
intitulado “Empresas y Derechos Humanos: Reforzar las normas y garantizar reparación”, de
autoria da Federação Internacional dos Direitos Humanos, publicado em março de 2014, além de
ter contado com o apoio da então Relatora Especial da ONU para o Direito à Moradia Adequada,
Raquel Rolnik, por uma declaração pública. Uma campanha promovida pela International Alliance
of Inhabitants e denominada “Piquiá quer viver” mobilizou pessoas de mais de 50 países, com
mensagens eletrônicas enviadas a autoridades do Brasil e da ONU. Em 2015, caso foi objeto de
uma audiência temática perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Além das dificuldades de organizar todo o processo do reassentamento, a comunidade de
Piquiá de Baixo, justamente por estar em processo de reassentamento, vem sendo discriminada
pelo poder público municipal quanto aos serviços de atenção à saúde e de abastecimento de
água. A administração municipal argumenta que não há razão para investir recursos em um local
cuja população virá a ser transferida no futuro. Também por esse motivo, a única escola que
funciona no bairro não recebe a reforma de que necessita há tempos, o que expõe ainda mais as
crianças às consequências da poluição.
Recentemente, um novo estudo realizado pelo Istituto dei Tumori de Milão, revelou dados
alarmantes quanto aos impactos sobre a saúde dos moradores de Piquiá de Baixo. 220 exames
de espirometria avaliaram a capacidade pulmonar das pessoas e eventuais consequências
3 Neste trabalho todos os documentos de autoria de organismos da ONU foram consultados através
de acesso ao acervo da organização Justiça nos Trilhos.
4
provocadas pelas emissões industriais. Suas conclusões detectaram situações patológicas em
28% dos examinados, sendo as doenças respiratórias de tipo restritivo ou obstrutivo.
Os impactos ambientais em Piquiá atingem não somente a comunidade de Piquiá de
Baixo, mas também outras milhares de pessoas residentes em bairros adjacentes, não
contemplados no projeto de reassentamento.
3. Considerações Finais
No atual momento a comunidade do Piquiá de Baixo segue lutando pelo reassentamento.
Ainda há um longo caminho pela frente até a efetiva mudança da comunidade da área afetada,
que passam por garantir o aporte de recursos complementares à construção, pela aprovação de
todas as peças técnicas pela Caixa, a própria construção do bairro e sua gestão, que será
realizada pelos próprios moradores, e por fim a tão demorada mudança para o novo bairro.
A solução encontrada para o reassentamento – via programa Minha Casa, Minha Vida – é
incompleta. O programa, que é destinado a famílias sem teto, pressupõe o pagamento de
parcelas mensais ao longo de 10 anos. Além disso, as casas existentes hoje em Piquiá e todas as
benfeitorias realizadas pelas famílias não têm previsão de serem indenizadas.
O reassentamento, quando efetivado, será uma grande vitória, porém ainda serão
necessários esforços e mobilizações para que a exploração de minérios e outros bens deixe de
ser um acúmulo de desastres ambientais e sociais. É fundamental construir outro modelo de
desenvolvimento para a América Latina que não se baseie na exploração predatória, nas
contínuas expulsões dos povos originários de suas terras, na destruição massiva do ambiente e
da história. É urgente, portanto, propor e experimentar novas formas de organização que apontem
para outro modelo de desenvolvimento, baseado na construção da autonomia, no respeito aos
povos e suas culturas, questionando os padrões atuais de produção e reprodução da vida.
4. Referências bibliográficas
FIDH. Quanto valem os direitos humanos? Paris: Federação Internacional dos Direitos Humanos,
Justiça Global, Justiça nos Trilhos, 2011.
FIDH. Empresas y Derechos Humanos: Reforzar las normas y garantizar reparación. Paris:
Federação Internacional dos Direitos Humanos, 2014.
PLATAFORMA DHESCA BRASIL. Mineração e violações de direitos: o projeto Ferro Carajás
S11D, da Vale S.A. Açailândia: Dhesca Brasil, 2013.
VALENTI, CARLA et al. Respiratory illness and air pollution from the steel industry: the case of
Piquiá de Baixo, Brazil (Preliminary report). Disponível em <
https://mrmjournal.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40248-016-0077-9 > Acesso em
09/6/2017.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 04 - DIREITO À MORADIA ADEQUADA, POLÍTICAS E PROGRAMAS
HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL
Introdução
O presente trabalho se desdobra a partir de uma análise crítica e refletiva promovida sobre
as balisas de um caso concreto, ocorrido em Fortaleza-CE. Trata-se de ação de reintegração de
posse proposta pelo Conselho Central de Fortaleza da Sociedade de São Vicente de Paula em
desfavor de possuidores de imóveis existentes na Vila Vicentina da Estância.
O caso veio à tona no final de 2016, devido ao impasse entre moradores da Vila Vicentina
da Estância e a entidade que se apresenta como proprietária do terreno, requerendo sua
desocupação. Em decisão liminar, posteriormente alterada, o Judiciário cearense concedeu a
determinação para desocupação imediata dos imóveis, gerando grande celeuma social, política e
jurídica.
Diante do Impasse, cabe uma reflexão a respeito de alguns princípios e direitos
fundamentais garantidos na Constituição Federal de 1988 e contidos nas diretrizes da Política
Urbana do País: a decisão liminar de reintegração de posse, que veio acompanhada da demolição
de parte das casas, respeita as diretrizes da política urbana previstas no Estatuto da Cidade (Lei
Nº 10.257/2001), especificamente as que garantem as funções-chaves das cidades e o direito à
moradia, constitucionalmente garantido no artigo 6º da Constituição de 1988 pela Emenda
Constitucional n. 26/2000? A decisão respeita o princípio da função social da propriedade? O
direito constitucional à moradia, considerado um direito fundamental, entra em conflito direto com
o direito de propriedade?
1
Arquiteta Urbanista graduada pela Universidade Federal do Ceará. Especialista em Assistência Técnica
em Habitação e Direito à Cidade pela Residência Técnica em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia da
Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Urbanístico e Ambiental pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais. E-mail: thaisalesg@gmail.com.
1
Recentemente, o Conselho Central de Fortaleza da Sociedade São Vicente de Paula,
apresentando-se como proprietário do terreno, alegou tê-lo vendido para uma construtora e
requereu sua desocupação. Em 28 de outubro de 2016, foi cumprido mandado de reintegração de
posse de 12 casas. Uma moradora recorreu da decisão, e, em atendimento ao recurso, o juiz
suspendeu a reintegração de posse e proibiu mais demolições na Vila.
Somaram-se à discussão do caso a Prefeitura Municipal de Fortaleza que, a princípio,
expediu licença de demolição das casas mas logo a revogou; o Conselho Municipal de Habitação
Popular; os movimentos sociais, que reivindicam a regulamentação da área como ZEIS e a
Defensoria Pública do Estado, que convocou audiência para debater o tema.
Sobre as Zonas Especiais de Interesse Social, o Plano Diretor Participativo de Fortaleza
(PDPFor) classifica o terreno da Vila Vicentina da Estância como Zona Especial de Interesse
Social 1. Segundo o referido diploma:
Art. 126 - As Zonas Especiais de Interesse Social 1 (ZEIS 1) são compostas por
assentamentos irregulares com ocupação desordenada, em áreas públicas ou
particulares, constituídos por população de baixa renda, precários do ponto de vista
urbaniś tico e habitacional, destinados à regularização fundiária,urbanis ́ tica e
ambiental.2
No Brasil, durante muito tempo o ordenamento jurídico deu ênfase ao aspecto individual da
propriedade, como instituto eminentemente de direito privado, cuja disciplina era regida
principalmente pelo Código Civil Brasileiro de 1916, o qual conferia ao proprietário o poder de uso
ilimitado e incondicionado sobre seus bens.
Com o advento da noção de função social da propriedade, o pensamento que girava em
2
FORTALEZA. Lei Complementar n. 062, de 02 de fev. 2009. Institui o Plano Diretor Participativo do
Município de Fortaleza e dá outras providências. Disponível em:
<http://legislacao.fortaleza.ce.gov.br/index.php/Plano_Diretor>. Acesso em: 14 fev. 2017.
3
SAULE JÚNIOR, Nelson. As zonas especiais de interesse social como instrumento da política de regulari
zação fundiária. Fórum de Direito Urbano e Ambiental - FDUA, Belo Horizonte, n. 30, ano 5 dez.2006. p.4-5.
2
torno do instituto da propriedade paulatinamente se modificou. Por influência, já no século XX, do
jurista francês Léon Duguit, a noção de função social foi incorporada ao conceito de direito de
propriedade. Duguit sustentava que a propriedade não deveria ter mais um caráter absoluto e
intangível e que o proprietário, pelo fato de possuir uma riqueza (propriedade), deve cumprir uma
função social.4
No Brasil, foi a Constituição Federal de 1988 que inovou sobremaneira no sentido de
condicionar a propriedade aos valores sociais ao elevar a função social da propriedade do status
de princípio de ordem econômica e social (Constituição de 1967) para o status de Direito
fundamental. O Novo Código Civil de 2002, por sua vez, também trouxe importantes inovações na
disciplina da propriedade ao determinar que
(Art.1228) § 1o O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as
suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas
naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como
evitada a poluição do ar e das águas.5
Ademais, cabe destacar que segundo o capítulo da política urbana da Constituição (artigos
182 e 183) e sua regulamentação trazida pelo Estatuto da Cidade (Lei Nº 10.257/2001), o Plano
Diretor deve definir a função social da cidade e da propriedade, a fim de alcançar soluções para
os problemas que afligem os moradores das cidades brasileiras, que cresceram de forma
excludente e desequilibrada, penalizando principalmente a população mais pobre e causando
grandes danos ao meio ambiente.
Diversas são as funções que pode assumir a propriedade em favor do interesse público e
social. Considerando a segregação socioespacial característica da urbanização das cidades
brasileiras e o seu déficit habitacional, é possível afirmar que a função de moradia seria a mais
relevante função social a que se pode destinar a propriedade, uma vez que é a base para
alcançar o acesso aos diversos serviços urbanos que compõem o direito à cidade.
Para a Organização das Nações Unidas (ONU), o direito à moradia é considerado um
Direito Humano, cabendo aos Estados membros o dever de assegurá-lo, identificando sua
interdependência e indivisibilidade com os demais direitos já assegurados em outros documentos.
No Brasil, a moradia adequada como direito fundamental foi expressamente incorporada à
Constituição Federal de 1988 a partir da Emenda Constitucional nº26, de 14 de fevereiro de 2000.
4
DUGUIT apud JELINECK, R. O princípio da função social da propriedade e sua repercussão sobre o
sistema do Código Civil. Porto Alegre, 2006. p.11.
5
BRASIL. Código Civil (2002). Código Civil. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406.htm>. Acesso em: 14 fev. 2017.
3
importante a pesquisa de trabalhos acadêmicos que tratam de analisar a jurisprudência no tema,
especificamente casos de reintegração de posse, a fim de compreender como os tribunais no país
têm tratado a tensão entre o direito de propriedade e o cumprimento da função social da
propriedade para o direito à moradia.
Verificando os julgamentos dos tribunais no Brasil, é perceptível que o entendimento da
função social da propriedade caminha a passos lentos. Segundo Rafael Lessa Menezes6, de fato,
a maior parte do Judiciário, em ações possessórias, relega a segundo plano a análise destes
direitos, privilegiando a posse decorrente da propriedade.
Alexandre Costa e Rafael de Acypreste analisaram, em trabalho científico, a maneira como
o Poder Judiciário enfrentou os conflitos fundiários urbanos por moradia levados a cabo pelo
Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, de 2001 a 2014. Concluiu-se que a proteção da
propriedade absoluta é o fundamento principal dos magistrados nas ações de reintegração de
posse, enquanto as categorias constitucionais do direito à moradia e da função social da
propriedade são pouco exploradas. Segundo eles, o Poder judiciário desconsidera o interesse
social subjacente aos processos, para proteger a propriedade em seu formato liberal e absoluto.7
Essa análise permite confirmar o que também já havia alertado Gustavo Tepedino: "ainda
não se conseguiu abrir mão de conceitos secularmente radicados na cultura jurídica".8
Considerações finais
6
MENEZES, Rafael Lessa. A Soma e o déficit: a decisão do STF no caso Vila Soma e o Direito à Moradia.
Disponível em: <http://portal-justificando.jusbrasil.com.br/noticias/299043380/a-soma-e-o-deficit-a-decisao-
do-stf-no-caso-vila- soma-e-o-direito-a-moradia>. Acesso em: 02 fev. 2007.
7
COSTA, Alexandre Bernardino; ACYPRESTE, Rafael de. Ações de reintegração de posse contra o
Movimento dos Trabalhadores sem Teto: Dicotomia entre propriedade e direito à moradia. In: Revista de
Direito da Cidade, vol. 08, no 4. p. 1824 - 1867, 2016. p.1824.
8
TEPEDINO, Gustavo. Contornos constitucionais da propriedade privada. In: Temas de Direito Civil, 4 ed.,
Rio de Janeiro : Renovar, 2008. p.322.
4
função social, a qual está indicada no Plano Diretor de cada cidade. Entretanto, a inserção na
Constituição do princípio da função social da propriedade e do Direito à moradia como direitos
fundamentais, além do capítulo Da Política Urbana, não foi suficiente para mudar anos de
conceitos e princípios civilistas radicados na cultura do país, os quais se estendem sobremaneira
às decisões dos tribunais.
Assim, o que se identifica no caso em estudo, bem como em muitos outros de reintegração
de posse, não é exatamente um conflito entre direitos garantidos pela Constituição, mas um
conflito na interpretação desses direitos decorrente da carga conservadora de proteção da
propriedade privada que ainda carrega a sociedade brasileira. As evidências disso podem ser
encontradas não só na alegação dos autores das ações, mas também nas decisões dos
magistrados, no discurso e na prática de boa parte da população.
Referências Bibliográficas
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS: ATORES, PRÁTICAS E SOLUÇÕES
ALTERNATIVAS.
Introdução
O meio ambiente ecologicamente equilibrado, como bem de uso comum do povo e
essencial a boa qualidade de vida, é direito garantido pelo art. 225 da Constituição Brasileira de
1988. Por pertencer a todos, deve ser defendido e preservado não só pelo Poder Público mas
também pela coletividade.
No entanto, o ambiente da zona costeira, considerada como patriônio nacional, vem sendo
degradado em consequência das construções irregulares, da urbanização desenfreada e do
desrespeito às normas ambientais. A ação humana está descaracterizando o litoral brasileiro, o que
exige atitude fisalizadora efetiva por parte do Poder Público e, na ausência desta, o
comprometimento do Ministério Público e Justiça Federal, na efetivação dos direitos a cidade.
Diante disso, o presente trabalho propõe analisar o processo de judicialização dos conflitos
socioambientais na Zona de Expansão Urbana de Aracaju, considerando a atuação do Ministério
Público Federal (MPF), diante da ausência do Poder Público, a partir da ordem judicial de 2008 para
demolição dos bares de praia da Praia de Aruana.
Para tanto, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com atores participantes do
conflito, processos judiciais e arquivos disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Aracaju, foi
retratado em ordem cronologica a judicialização da Praia de Aruana com foco na demolição dos
bares e restaurantes que estavam instalados ilegalmente. Contudo, apesar da atuação do MPF –
que algumas vezes ultrapassa o papel do Poder Público, ser drástica e dolorosa para os
comerciantes, em consenso entre os órgãos responsáveis pelo meio ambiente e cessão da área
pela prefeitura, eles permanecem com seus comercios e lutando pelo seu espaço, o seu fruto de
renda.
1 Os Conflitos Socioambientais Na Zona Costeira Brasileira
O caso das Zonas Costeiras Brasileiras é um exemplo realista da influência do capitalismo
nas relações sócio ambientais. Investidores conseguem que leis sejam flexibilizadas para a
implantação de empreendimentos imobiliários em áreas ambientais – aterramento de lagoas,
retirada de dunas, construção em faixa de domínio – visando maiores lucros, em função da
7
Proprietária do Bambu Bar e Restaurante na Orla de Aruana.
8
Proprietária do Bar Cajueiro dos Papagaios na Orla de Aruana.
9
Proprietária do Bar Nova Opção na Orla de Aruana.
melhorar o estabelecimento e proporcionar maior conforto aos seus clientes, estão satisfeitos por
terem o seu meio de sustento de volta.
Pretendeu-se no trabalho entender a atuação no Ministério Público Federal, que
ultrapassou o limite de exercício do Poder Público na questão da Aruana. As entrevistas realizadas
com agentes participantes do processo foi enriquecedor, pois foi possível perceber o tramite do
conflito por diversas óticas e constatar que as demolições executadas – apesar das alegações de
preservação do meio ambiente, vai muito além de um sentimento de perda material, pois muitos
daqueles comerciantes passaram grande parte da sua vida no local, tinham como fruto de renda e
como moradia. Portanto, junto com os estabelecimentos “foi embora” uma parte de suas vidas,
repletas de lembranças e memórias.
Faz-se necessário observar que quando iniciou as ocupações, mesmo sendo ilegais, não
havia o nível de preocupação com o meio ambiente como na atualidade. Hoje, mudou-se há uma
atenção maior voltada a preservação do meio ambiente. Porém é importante pensar a cunho social,
pois grande parte dos proprietários dos bares tem o comercio como fonte de renda, então deveria
ter sido pensado uma maneira menos dolorosa para solucionar o problema.
Entretanto, além do desrespeito às normas, há um eterno conflito entre os agentes
públicos, por um lado, e as camadas populares com suas estratégias de sobrevivências, por outro.
Muitas vezes o comprometimento dos principais democráticos e pendencias sociais e ambientais
levam esses conflitos a instancias como o Ministério Público. Conclui-se então que é necessário
uma recuperação não só do meio ambiente, mas sim de possibilidades da política e do amplo
acesso à cidade, do resgate do espaço de valor de uso, contribuindo para a transformação da
sociedade e a diminuição da segregação sócio espacial.
4 Referências Bibliográficas
ÁVILA, Maria Luisa Alves. O Ministério Público como agente da produção do espaço urbano.
Belo Horizonte, 2009.
BRASIL. JUSTIÇA FEDERAL DO ESTADO DE SERGIPE. 2003. Sentença Judicial. Proc. n°
2000.05.00.013188-1 – 2° Vara, Ação Civil Pública. Aracaju.
BRASIL. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. 1999. Dossiê Interno PRDC/SE n°057/99, Aracaju.
FREITAS, Mariana Almeida Passos de. Zona Costeira e meio ambiente: aspectos jurídicos.
Curitiba, 2004.
GOMES JÚNIOR, Enio Ricardo. Estudo de caso da elaboração e implementação do Plano de
Gestão Integrada da Orla Marítima de Paripueira, Alagoas, Brasil. Dissertação (mestrado),
Universidade Federal de Pernambuco, 2013.
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SERGIPE. 2000. Termo de Ajuste de Conduta.
Referente a demolição espontânea dos bares da Aruana, Aracaju.
PREFEITURA MUNICIPAL DE ARACAJU. Praia de Aruana: Uma Proposta De Reorganização
Espacial. Aracaju, setembro 2003.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 06 - CONFLITOS FUNDIÀRIOS URBANOS
2 A OCUPAÇÃO DO ISIDORO
Nas últimas décadas as cidades brasileiras passaram de uma população predominantemente rural
para majoritariamente urbana, sendo que, uma das principais características do processo de
urbanização no país tem sido a proliferação de processos informais de desenvolvimento urbano.
Lugares em que muitas vezes não proporcionam condições de vida adequada para população que
ali vive. Esses locais contam com baixo grau de acesso a serviços públicos e com restrições no
que toca à segurança da posse em seu local de moradia.
Tem-se, dessa forma, os interesses daqueles que vêem nas cidades objeto de lucro e, lado outro,
grandes contingentes populacionais que querem fruir os direitos no espaço urbano. O urbano,
assim, é objeto de disputas de vários interesses que se materializam na dimensão espacial.
(FREITAS, 2015, p. 11)
A evolução da sociedade liberal na forma capitalista deu à propriedade característica de mercadoria.
A propriedade privada ocupa a centralidade do Estado de Direito Moderno, afinal todos os direitos
derivados aos sujeitos, como a liberdade, só é possível se todos forem proprietários. Esta
centralidade da propriedade privada vinculará toda a produção normativa no Brasil e no mundo
capitalista de tal forma que mesmo as legislações aparentemente descaracterizadoras desta noção
de direito de propriedade na forma de mercadoria capitalista, são, na verdade, um reforço a esta
condição. (LIMA, 2016)
Afonsin (2006) relata que milhões de brasileiros só tem tido acesso ao solo urbano e à moradia
através de processos e mecanismos informais e ilegais. Os assentamentos informais, a insegurança
da posse e a baixa qualidade de vida dos ocupantes resultam do padrão excludente dos processos
de desenvolvimento, planejamento e legislação de áreas urbanas.
Localizada na região do ribeirão Isidoro, no Vetor Norte de Belo Horizonte, fronteira entre o dito
município e Santa Luzia, a Região do Isidoro constitui a última área de grande porte não parcelada
da cidade de Belo Horizonte. Essa região está localizada no Norte de expansão urbana onde ocorre
um processo de valorização imobiliária acelerado, impulsionado por grandes empreendimentos:
projetos viários, aeroporto industrial e centro administrativo. Tal região, até então gerenciada para
retenção especulativa, viu seu potencial de geração de dividendos imobiliários ampliada.
O não parcelamento da gleba não implicou, contudo, a ausência de moradores. Ocorrendo grande
ocupação do terreno por uma comunidade, ou seja, uma área informal.
Foi proposta pelo executivo municipal de Belo Horizonte e aprovada pelo legislativo da capital uma
operação urbana na área, intitulada Operação Urbana do Isidoro, com objetivo de promover uma
ocupação ordenada na região. Esse instrumento urbanístico tem origem nas parcerias público-
privadas e permite o afrouxamento dos parâmetros urbanísticos de construção em contrapartida a
investimentos privados em infraestrutura urbana. No entanto, quando realizadas em áreas onde se
3
vislumbra a valorização imobiliária, a operação urbana pode reforçar a centralização das políticas
públicas em áreas privilegiadas, reproduzindo as geografias de privilégio.
Uma das crítica de vários autores tem feito a respeito deste instrumento é que uma de suas
limitações situa-se no campo da recuperação da valorização imobiliária decorrente da implantação
das intervenções previstas na operação e sua consequente aplicação em fins sociais e benefícios
coletivos. Observa-se que muitas vezes, a implantação das intervenções acaba por gerar
valorização no entorno de empreendimentos particulares que são por ele apropriadas.
2.1 Reintegração de posse
A Ocupação Isidoro, que se iniciou em 2013, teve, um ano depois de firmar residências na área, os
ocupantes surpreendidos por uma ordem de despejo, decidida pelos desembargadores do Tribunal
de Justiça de Minas Gerais, que acabou barrada por uma decisão judicial. Na ocasião, o documento
não permitia a reintegração de posse enquanto não fossem demonstradas alternativas dignas as
famílias.
A decisão dos desembargadores do TJMG de retirar toda comunidade daquele local não respeita
as diretrizes de política urbana previstas no Estatuto da Cidade (Lei n. 10.257/2001),
especificamente as que garantem as funções-chaves das cidades e o direito à moradia
constitucionalmente garantido no artigo 6º da Constituição de 1988 pela Emenda Constitucional n.
26/2000.
A lei, neste caso, passou a ser utilizada como expediente de manutenção e fortalecimento de poder
e privilégios, contribuindo para resultados como segregação e exclusão. A questão central não está
na lei, em si, ou seja, na sua inadequação, mas na sua aplicação arbitrária. Estamos questionando
a justiça e não a lei, embora seja preciso reconhecer que a clareza e a precisão do texto legal nunca
estão completamente desvinculadas de sua aplicação.
Neves (2007), em seu trabalho, considerou normas simbólicas aquelas presentes nos textos
normativos constitucionais ou infraconstitucionais e que não produzissem efeitos jurídicos algum.
Podemos dizer que a função social se torna legislação “simbólica”, porque suas possibilidades de
aplicação são limitadas sobre uma perspectiva da propriedade privada.
Casos relacionados às desapropriações para construção de obras de infraestrutura urbana para
ampliação das possibilidades de mercado são permitidos, mas não se permite a desapropriação de
imóveis em regiões centrais das metrópoles brasileiras, visando a preservação dos direitos do
proprietário inserido na acumulação de renda diferencial no espaço urbano. Sendo assim, o direito
nunca é para todos, mas sim uma forma de ocasionar entre todos as possibilidades para poucos.
(LIMA, 2016, p. 225)
A ocupação do Isidoro reacende uma emblemática disputa entre a apropriação do território pelo
Estado, mediado pela lógica privatista, e outras formas de produção do espaço, realizadas por
comunidades por comunidades quilombolas que já residem na area há anos e ocupações urbanas
de moradia, cuja a produção do espaço passa pela ordem comum.
4
Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, que tratam da política urbana, discorrem que
está objetiva o ordenamento do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia
do bem-estar de seus habitantes, e definem os meios legítimos ao exercício do domínio sobre a
terra. Por meio do Estatuto da Cidade (Lei nº 10257/ 2001), que regulamenta esses dois artigos,
foram estabelecidas as normas e diretrizes para que o direito à cidade seja garantido como direito
fundamental, por meio do exercício da função social da propriedade e da cidade.
Os direito à moradia também foram objeto de estudos e reflexões do geógrafo Milton Santos. O
referido autor problematiza a confusão conceitual que há na literatura jurídica entre direito de morar
e direito de ser proprietário: “Por enquanto, o que mais se conseguiu foi consagrar de uma visão
imobiliária da cidade, que impede de enxergá-la como uma totalidade. ” (SANTOS, 2007, p. 61)
No processo se tornou manifesta a relação existente entre o direito à moradia e o direito de
propriedade. Aprofundando um pouco mais a questão percebe-se que se trata de dois direitos que
frequentemente entram em rota de colisão;
O direito à propriedade, direito fundamental, encontra-se disposto no rol dos direitos e deveres
individuais e coletivos do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, no inciso XXII. Já o direito à
moradia também é previsto na Constituição Federal como direito fundamental, possui previsão
também no Estatuto das Cidades. A Constituição Federal define que é competência comum de
todos os entes federados promover programas de construção de moradias e a melhoria das
condições habitacionais e de saneamento básico (art.23, IX).
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando a colisão existente neste caso entre os dois direitos fundamentais percebemos que
sobressai com acentuada nitidez o maior peso exercido pelo direito à moradia em relação ao direito
de propriedade. Em realidade, não se está aqui diante de um verdadeiro jogo de ponderação, haja
vista que o próprio direito de domínio, por não desempenhar adequadamente a sua função social,
perde as garantias judiciais e extrajudiciais viabilizadas pelo sistema.
Determinar a retirada das famílias do local geraria o caos da delicada situação social em que já se
encontram.
Luiz Fernando Vasconcelos relata em sua dissertação que devemos sempre buscar como as
cidades podem se tornar espaços mais justos em que a população citadina possa viver com a
qualidade de vida e exercitando, para tanto, os vários direitos no espaço urbano (2015).
O direito à cidade, tal como formulado por David Harvey (2013), é o direito de transformar a cidade
de forma que ela possa atender as reais necessidades de sua população. A ocupação do Isidoro é
uma luta pelo direito a uma cidade que atenda às reais necessidades de moradia em uma cidade
excludente e é isso que devemos buscar, um direito à cidade cada vez mais efetivo.
4 REFERENCIAS
5
BELO HORIZONTE. (MG). Lei n. 9.065, de 17 de janeiro de 2005. Institui a Operação urbana na
área denominada Gleba I da Antiga Fazenda Capitão Eduardo. Lei Municipal de Belo Horizonte.
Disponível em: <www.pbh.gov.br/dom>. Acesso em: 27 nov. 2016.
BRASIL. Lei Federal n° 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
(Estatuto da Cidade), 2001.
BITTENCOURT, Rafael Reis. Cidadania autoconstruída: o ciclo de lutas sociais das ocupações
urbanas na RMBH. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo –
Universidade Federal de Minas Gerais, 2016.
COSTA, Heloísa Soares de Moura. Habitação e produção do espaço em Belo Horizonte. In:
MONTE- MÓR, Roberto Luís de Melo. (Org.) Belo Horizonte: espaços e tempos em
construção. Belo Horizonte: CEDEPLAR/PBH, 1994. Cerca de 800 famílias invadem terreno na
Granja Werneck sob clima tenso. Disponível em:
<http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/08/29/interna_gerais,441319/cercade -800-
familias-invadem-terreno-na-granja-werneck-sob-clima-tenso.shtml>. Acesso em nov. 2016.
FREITAS, Luiz Fernando Vasconcelos de. Do PROFAVELA à Izidora: a luta pelo direito à cidade
em Belo Horizonte. Dissertação (Mestrado em Direito). Faculdade de Direito, Universidade
Federal de Minas Gerais, 2015.
GOMES, Luiza Lemos; CYRINO, Tarcísio da Silva; SILVA, Viviane Zerlotini da. O que todo
cidadão deveria saber sobre as ocupações urbanas: um breve estudo da Região da Izidora. In:
Anais. XVI Encontro da Associação Nacional de Pós Graduação e Pesquisa em
Planejamento Urbano e Regional: Belo Horizonte, 2015.
HARVEY, David. A liberdade da cidade. In: MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes: passe
livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. 1 ed. São Paulo: Boitempo: Carta
Maior, 2013.
LIMA, Bruno Fernandes Magalhães Pinheiro. Função Social da Propriedade: entre o simbólico
e o encriptado. VirtuaJus, Belo Horizonte, v.12-n.28, p.212-230. 2016. Disponível em:
file:///C:/Users/Raque/Downloads/13695-49228-1-PB.pdf, acesso em: maio de 2017
NEVES, Marcelo. A Constitucionalização simbólica. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. p.
263.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GRUPO TEMÁTICO:06 - CONFLITOS FUNDIÁRIOS URBANOS: ATORES, PRÁTICAS
E SOLUÇÕES ALTERNATIVAS
1. Introdução
Essa pesquisa é fruto do trabalho de Assessoria Jurídica Popular junto a grupos que lutam
pelo acesso ao direito de moradia, com os quais o NAJURP (Núcleo de Assessoria Jurídica
Popular de Ribeirão Preto) atuou ao longo de 5 anos de existência.
Nosso objetivo é analisar as petições iniciais dos processos de reintegração de posse
promovidos pela Prefeitura de Ribeirão Preto que estavam em curso na 1ª instância do TJ-SP em
março de 2016. Buscamos identificar um perfil de atuação de ente federativo que tem a obrigação
constitucional de promover “programas de construção de moradia e a melhoria das condições
habitacionais e de saneamento básico” em casos de ocupações urbanas em terrenos públicos.
Como objetivos secundários, mapeamos as reintegrações de posse que estavam em
tramitação para verificar a existência de áreas com maior recorrência de terrenos que são objetos
dos processos, e analisamos a evolução, nos últimos 10 anos, do número de ações de
reintegração ingressadas pela Prefeitura, comparando com a quantidade de conjuntos
habitacionais construídos por ela nesse período.
Adotamos como marco teórico principal as análises feitas por David Harvey3 sobre as
repercussões geográficas do processo de acumulação do capital e de como isso se desdobra
desde a década de 70, através do empreendedorismo urbano, marcado ela ânsia empreendedora
municipal e uma mercantilização das cidades. Analisamos a consequência disso nos processos de
reintegração de posse promovidos pela Prefeitura, trazendo para o debate os grandes projetos
que visam o desenvolvimento econômico e se confrontam com o direito a moradia, suscitando
processos como o de gentrificação4.
Em correlação com esse referencial e considerando o contexto brasileiro, utilizamos
1 Graduando em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP. Email: yanfunck@gmail.com
2 Dra. Fabiana Cristina Severi, Professora na Faculdade de Direito de Ribeirão Preto – USP. Email:
fabianaseveri@yahoo.com
3 HARVEY, David. A Produção Capitalista do Espaço. São Paulo: Annablume, 2006.
4 Gentrificação (ação de enobrecimento), termo utilizado pela doutrina urbanística, consiste em políticas
que coisificam a cidade, mensuram o preço de cada área e determinam a ocupação de acordo com o
poderio econômico, fazendo, quando necessário, a higienização social da área (SILVA, 2015)
também as discussões propostas por Raquel Rolnik5 sobre as políticas públicas de habitação e a
formação do espaço territorial brasileiro permeado por uma fronteira tênue entre aquilo que é legal
e aquilo que é ilegal.
A pesquisa se situa em Ribeirão Preto, cidade paulista, localizada cerca de 300 km a
noroeste da capital do Estado, e que tinha, em 2010, uma população estimada de 604.682
habitantes6. É conhecida como uma cidade rica, próspera e polo do agronegócio. Nessa cidade
acontece o grande evento “Agrishow”, segundo seus organizadores, uma das três principais feiras
de tecnologia agrícola do mundo, reunindo 800 marcas de 70 países. Ganhou, na segunda
metade do século passado, o apelido de “Califórnia Brasileira”. Por outro lado, a cidade possuía
em 2010, um índice Gini de 0,54587, maior (portanto, mais desigual) que o índice Gini do Brasil:
0,498.
Segundo o Plano Local de Habitação de Interesse Social, feito em 2010, o Município tinha
44 núcleos de favela, com um total de 5.582 casas e uma população de 26.077 pessoas vivendo
nelas (ou seja, cerca de 4,3% da população em 2010). Dados de 2000, coletados pela Fundação
João Pinheiro são de que Ribeirão Preto tinha carência de 15.558 domicílios, incluindo nesse
montante aquelas famílias que moram em assentamentos precários (casas com pouca estrutura,
grande adensamento populacional ou falta de serviços públicos básicos) e aquelas que pagam
aluguel que a comprometa excessivamente a renda9. Entretanto, tais dados já têm entre 7 e 17
anos e percebemos, pela participação no Conselho Municipal de Moradia Popular de Ribeirão
Preto, que muitas outras ocupações se formaram nesse período e que, constantemente, a
Prefeitura entra com processos de reintegrações em face dessas comunidades.
A grande questão que suscita esse trabalho é a percepção dos movimentos sociais de
moradia de Ribeirão Preto de que quando ocupavam uma área pública abandonada era certo que
sofreriam um processo de reintegração de posse em pouquíssimo tempo.
2. Desenvolvimento
Para entender o que acontece em Ribeirão Preto, nos pareceu necessário explorar o
modelo empreendedor das cidades. Nesse modelo, os gestores municipais criam a imagem, de
marketing, como cidade dinâmica e inovadora, visando atrair investimentos e criando um orgulho
cívico do morador em fazer parte daquilo. Isso é necessário já que os projetos empreendedores
5 ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São
Paulo: Boitempo, 2015.
6 IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios, 2010. Disponível em:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=354340>. Acesso em: 17 mai. 2016
7 Ministério da Saúde. Índice de Gini da renda domiciliar per capita segundo Município. 2010. Disponível
em: <http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/ibge/censo/cnv/ginisp.def>. Acesso em 19 jan. 2017.
8 Ministério da Fazenda. Fazenda divulga Relatório sobre a Distribuição da Renda no Brasil. 2014.
Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/noticias/2016/maio/200bspe-divulga-relatorio-sobre-a-
distribuicao-da-renda-no-brasil> Acesso em 19 jan. 2017
9 KLINK Capacitação e Consultoria. Plano Local de Habitação de Interesse Social. Contratado por:
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e COHAB-RP. Ribeirão Preto: 2010.
não são pensados de maneira macro, mas sim para o benefício único e exclusivo de uma parcela
da população de um determinado local, criando competição entre as cidades. A governança
urbana passa a estar nas mãos das grandes corporações, ou seja, o poder de organizar o espaço,
apesar de estar em disputa, não é mais de seus moradores, mas sim do capital10.
Um dos processos resultantes do empreendedorismo é a gentrificação, que, nesse caso,
se dá pelo investimento do Estado e atores privados em um determinado local, “reciclando” os
bairros e expulsando os moradores mais pobres para locais mais distantes. Como consequência,
o espaço se torna mais atrativo para pessoas com alto poder aquisitivo morarem e para o capital
investir. Esse processo aprofunda a relação centro-periferia na cidade, em que o centro,
reurbanizado e moderno passa a ser visto como um local atraente, onde tudo acontece. A
burguesia se mantém vivendo reclusa em alguns cômodos bairros, enquanto os pobres são
obrigados a se deslocarem cada vez mais para a periferia, onde não têm acesso aos mais simples
serviços públicos11.
Porém, a acumulação do capital encontra barreiras justamente na paisagem que cria, pois
o capital imobilizado se torna obsoleto (aeroportos pequenos, malha urbana que não comporta
mais o fluxo de veículos etc) devido às novas tecnologias e mudanças dos recursos de produção.
Para tentar contornar isso, é necessário destruir o capital imobilizado ou abandoná-lo para
recomeçar a obter lucros.
Como Raquel Rolnik12 afirma, esses processos se dão de formas distintas, dependendo
das particularidades relacionadas a economia política e história local. O Brasil adere a esse
modelo a partir da década de 1990, com o esgotamento do modelo de financiamento baseado no
investimento externo e com o novo pacto federativo13.
Os municípios não tinham como se sustentar financeiramente, principalmente após o
enrijecimento das contas públicas que a Lei de Responsabilidade Fiscal trouxe. Isso, até certo
ponto é contraditório, pois os projetos de empreendedorismo urbano necessitam de grandes
investimentos por parte dos municípios, necessitando de autonomia financeira. Assim, só os
grandes Municípios brasileiros conseguiram aderir a lógica da concorrência interurbana e do
empreendedorismo. Para as pequenas cidades sobraram os projetos mais decorativos14.
Em Ribeirão Preto, cidade de porte médio, Marlon Abreu15 identificou uma tendência de
expansão da cidade para a periferia, que seria uma condição para a acumulação capitalista. Essa
10 HARVEY, 2006.
11 HARVEY, 2006.
12 ROLNIK, 2015
13 OLIVEIRA, Alberto de. Os grandes projetos urbanos como estratégia de crescimento econômico.
Revista Lationoamericana de Estudos Urbanos Regionales, Santiago do Chile, vol. 39, nº 117, mai.
2013. Disponível em: <http://www.eure.cl/index.php/eure/article/view/284/593>. Acesso em: 20 out.
2016.
14 OLIVEIRA, 2013
15 ABREU, Marlon Altavani. Diferenciando o espaço e produzindo cidades: lógicas e agentes da produção
do espaço urbano nas cidades de Ribeirão Preto/SP e Londrina/PR. GeoTextos, Salvador, vol. 12, n. 1,
jul. 2016. Disponível em: <https://portalseer.ufba.br/index.php/geotextos/article/view/15315>. Acesso em:
20 out. 2016
expansão se dá conjuntamente a uma nova forma das classes média e alta morar: em
condomínios fechados e edifícios de alto padrão. Ele também identifica uma expansão dos
serviços para fora do centro, crescendo sobre a Avenida Presidente Vargas, ou através do
Ribeirão Shopping e do Novo Shopping.
Sintetizando, o autor identifica uma tendência de migração das famílias com maior poder
aquisitivo para a zona sul da cidade, conjuntamente com uma série de serviços, shoppings e um
estilo de vida mais recluso em seus condomínios de classe alta, além da valorização do metro
quadrado nesses espaços.
Nossa pesquisa apresentou resultados que vão ao encontro dessas teorias apresentadas
como modelo de desenvolvimento urbano. Ao mapearmos os terrenos que são objetos de
reintegrações de posse, identificamos dois aglomerados: próximo ao Aeroporto Leite Lopes e no
Jardim Progresso (como é possível ver no mapa a seguir). São duas áreas que, apesar de se
situarem na periferia já foram incorporadas pela cidade e concentram grande número de favelas.
Algumas dessas favelas, mais antigas, estão sendo reurbanizadas (caso do Jd. Progresso) ou
seus moradores são destinados a conjuntos habitacionais (caso da região do Aeroporto).
Figura 1: Mapeamento dos principais terrenos objeto de reintegração de posse. É possível perceber uma
aglomeração a sudoeste (Jardim Progresso) e outra a nordeste (Aeroporto)
Fonte: Elaborada pelo autor
Legenda: * = Processos de reintegração em face de proprietários que invadiram área pública lindeira
** = Processos de reintegração em face de comerciantes
*** = Processos de reintegração de posse em face de ocupações em conjunto habitacional da
COHAB
Porém, são áreas que atraem muitos interesses. Primeiramente, o Aeroporto, há décadas
grupos são interessados em sua ampliação e internacionalização. Trata-se de um típico projeto de
empreendedorismo urbano, em que os benefícios para a população não são comprovados16,
exigem altos investimentos do Estado e provocam grandes remoções.
Já o Jardim Progresso é uma área pública, ocupada há décadas, que está sendo
reurbanizada. Esses processos, da forma que são feitos, também estão incluídos no
empreendedorismo urbano, uma vez que, quando a cidade engloba essa área, ela precisa ser
reestruturado para receber investimentos e se adequar ao padrão (excludente). Nisso, alguns são
“premiados” com o direito de ter um lugar para viver, o que dá esperança a outros para entrar
nesse modelo formal/legal. Porém, a esses novos ocupantes não é concedido os mesmos direitos
que aqueles que já estavam lá, sofrendo reintegração de posse, sem destiná-los a qualquer outro
local onde possam exercer o direito à moradia.
Além disso, percebemos que, durante os dois últimos mandatos à Prefeitura, nos anos em
que o Poder Público menos produzia conjuntos habitacionais são os anos que ela mais promovia
reintegrações de posse.
3. Considerações Finais
Concluímos que a situação das ocupações de terrenos públicos em Ribeirão Preto
permeia a fronteira entre o legal e o ilegal, pois esse é o interesse que a Prefeitura Municipal. A
Prefeitura permite que algumas ocupações aconteçam e se desenvolvam, enquanto não estão
inseridas no contexto urbano e premiam essas ocupações com o direito de permanência quando a
cidade chega até elas17. Por outro lado, quando aquele local já está inserido no contexto urbano,
logo há a propositura de uma ação de reintegração de posse.
Trata-se de um modelo muito interessante para a dinâmica capitalista, em que a população
mais pobre é expulsa para cada vez mais distante do centro, que é um local de possíveis
investimentos18. Quando a zona urbana chega até aquela área a promoção de reurbanização,
premiando algumas ocupações (exceções) com o direito de permanência, e, assim, a área passa
a atrair investimentos privados, enquanto outras ocupações são expulsas.
Essa população a que não é permitida a permanência no local, é relegada a ilegalidade.
São obrigados a fazer novas ocupações, cada vez mais periféricas. A situação de legalidade não
lhes é permitida e isso não apenas com relação à moradia, mas a diversos outros direitos básicos,
como saúde, uma vez que, por serem obrigadas a morar em condições insalubre ou de risco, sem
acesso próximo a hospitais ou postos de saúde; acesso à justiça, já que, por exemplo, para
acessar a Defensoria Pública do Estado de São Paulo é necessário fornecer comprovante de
endereço e educação, pela distância de escolas.
16 Tiago Furlanetto analisa como os Estudos de Impacto Ambiental realizados em 2005 e 2007 para a
ampliação do aeroporto apresentam dados equivocados. Nesses estudos, foram classificados de forma
diferente (privilegiando a área do Leite Lopes) áreas semelhantes, onde se poderia construir o
aeroporto, ou ainda, foi simplesmente desconsiderado um córrego próximo ao Leite Lopes. Enfim, ele
avalia que até economicamente, talvez, seria mais viável a construção de um novo aeroporto em outro
local (2012).
17 ROLNIK, 2015
18 HARVEY, 2006
4. Referências
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios, 2010. Disponível em:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=354340>. Acesso em: 17 mai.
2016
KLINK Capacitação e Consultoria. Plano Local de Habitação de Interesse Social. Contratado por:
Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e COHAB-RP. Ribeirão Preto: 2010.
Ministério da Fazenda. Fazenda divulga Relatório sobre a Distribuição da Renda no Brasil. 2014.
Disponível em: <http://www.fazenda.gov.br/noticias/2016/maio/200bspe-divulga-relatorio-sobre-a-
distribuicao-da-renda-no-brasil> Acesso em 19 jan. 2017
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2017.
OLIVEIRA, Alberto de. Os grandes projetos urbanos como estratégia de crescimento econômico.
Revista Lationoamericana de Estudos Urbanos Regionales, Santiago do Chile, vol. 39, nº 117,
mai. 2013. Disponível em: <http://www.eure.cl/index.php/eure/article/view/284/593>. Acesso em:
20 out. 2016.
ROLNIK, Raquel. Guerra dos Lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças.
São Paulo: Boitempo, 2015.
1) Introdução
O presente artigo teve como objetivo investigar a atuação do poder público na garantia da
efetivação da política pública constitucional do direito à moradia, por meio do estudo de caso da
ocupação Novo Triunfo II. Trata-se de uma ocupação realizada por 39 famílias no conjunto
habitacional Novo Triunfo II que integrava o projeto de obras do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC) e do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida (MCMV). Essas famílias
ocuparam por 8 meses esse conjunto habitacional até então abandonado pelo poder público. A
partir da ocupação percebeu-se toda uma rede de atores institucionais contra a ação das famílias
e em nenhum momento preocupados no sentido do acesso à moradia ou mesmo para apresentar
a essas famílias uma política inclusiva. Buscou-se compreender como os poderes públicos
atuaram na sedimentação de um modelo de cidade excludente, onde necessidades de moradia,
marcadamente de grupos vulneráveis, não foram objeto de preocupação do poder público.
Assim, a intenção do presente artigo está em desvelar a atuação do sistema judicial,
apontando para um ativismo judicial negativo, na medida em que impede a efetivação dos direitos
e garantias fundamentais impostos na Constituição da República/88 de uma população de
baixíssima renda. A forma de negociação pactuada na condução do caso Novo Triunfo II,
evidenciada pelo modo como foi levada a cabo no âmbito da Mesa Estadual de Negociação de
Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos de Minas Gerais (instrumento erigido pelo governo estadual
via decreto nº203/15), possibilita-nos perceber e questionar a ação do poder público frente à
fernandamaria.vieira@ufjf.edu.br
1
condução de conflitos fundiários urbanos no sentido do que Viégas (2016) denominou campo da
resolução negociada de conflitos. Conforme aponta o autor, “o campo da resolução negociada
inscreve-se em um processo de reconfiguração do sistema político-econômico capitalista”
(VIÉGAS, 2016, p. 16), marcado por um movimento de informalização do processo, com advento
e propagação de instrumentos e métodos de mediação de conflitos mais do que de solução dos
mesmos. A mudança central diz respeito à mutação na forma em si do processo, que ao ser
informalizado, passa a carecer de regras processuais e materiais, com a mediação podendo
“ampliar desequilíbrios de poder e dar margem para a coerção e manipulação por parte das partes
mais fortes” (BUSH e FOLGER apud VIÉGAS, 2016, p. 14). Tomando para análise as atas das
Mesas de Negociação realizadas para resolução do caso, procuraremos discutir os limites das
resoluções negociadas para o tratamento de conflitos sociais coletivos.
2) Desenvolvimento
Os desafios colocados sobre o déficit de moradia, em especial quando se refere à moradia
popular, é um dos desafios que atinge a maior parte dos municípios. A forma de constituição do
espaço urbano brasileiro aconteceu (e acontece) de forma excludente: as classes mais baixas são
completamente alijadas da possibilidade de usufruto democrático da cidade. Nesse aspecto como
nos alerta Maricato (2000) a pobreza sempre se encontra fora das projeções acerca da cidade,
O urbanismo brasileiro (entendido aqui como planejamento e regulação
urbanística) não tem comprometimento com a realidade concreta, mas com uma
ordem que diz respeito a uma parte da cidade, apenas. Podemos dizer que se
trata de idéias fora do lugar porque, pretensamente, a ordem se refere a todos os
indivíduos, de acordo com os princípios do modernismo ou da racionalidade
burguesa. Mas também podemos dizer que as idéias estão no lugar por isso
mesmo: porque elas se aplicam a uma parcela da sociedade reafirmando e
reproduzindo desigualdades e privilégios. Para a cidade ilegal não há planos, nem
ordem. Aliás ela não é conhecida em suas dimensões e características. Trata-se
de um lugar fora das idéias (MARICATO, 2000, p. 122).
À margem do planejamento político-econômico estatal surgiram comunidades que
demonstram o conflito de classes e a luta pela habitação. Essas comunidades “ilegais” sofrem
com deficiências estruturais em suas habitações além da precariedade de políticas públicas
eficientes. Essas imensas dificuldades impõem, muitas vezes, a essa população uma instabilidade
na forma de habitação que resulta na ocupação e desocupação de territórios diversos.
Embora coubesse ao Estado Brasileiro desenvolver mecanismos sociais que
favorecessem a moradia das pessoas em situação de vulnerabilidade social, o desenvolvimento
de políticas públicas para o tema foi tardio. Ao contrário, a história do desenvolvimento
socioeconômico brasileiro demonstra que o Estado privilegiou, em muitos aspectos, a acumulação
capitalista de determinados setores econômicos, não dando a devida e mesma importância para
as políticas urbanas de habitação (NALIN; 2013).
A partir da década de 1980 e especialmente a década de 1990, como resultado de um
longo processo de lutas promovidas por movimentos sociais e entidades da sociedade civil, as
políticas urbanas de habitação ganharam maior reconhecimento e concretude (NALIN; 2013). A
regulamentação dos arts. 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 a partir do Estatuto da
2
Cidade (Lei nº 10.257/01), em 2001, foi um grande marco legislativo de reconhecimento do direito
à cidade, tendo efeitos especiais sobre a proteção legal da função social da propriedade e da
moradia. A título de exemplo, pode-se citar as avançadas diretrizes dispostas no art. 2º, I, II, IX,
XIII e XIV da referida Lei. Sabe-se, porém, que a aplicação dos instrumentos urbanísticos
previstos nesse Estatuto fica, em geral, à mercê dos Planos Diretores municipais e do
desenvolvimento de suas políticas urbanas.
Não há dúvidas de que o Município é um dos grandes agentes de desenvolvimento do
espaço urbano a partir da implementação de políticas públicas. Cabe ressaltar, porém, que essas
políticas são, em certa medida, opções políticas e advém, muitas vezes, de contextos e relações
político-econômicos extremamente complexas conforme aponta Nalin (2013) apud Santos (2008),
O espaço geográfico possui uma forma, isto é, uma organização que
pretende ser adequada ao funcionamento da sociedade. As decisões para isso
são econômicas na base, mas sempre opções políticas. Essa forma é definida
ideologicamente, em determinado bloco histórico, que corresponde à hegemonia
de determinada classe social. É no âmbito do Estado que se estabelecem os
relacionamentos entre interesses divergentes que darão o conteúdo para as
formas espaciais. Elas poderão ser mais ou menos excludentes, ou
segregacionistas, dependendo das características do bloco histórico [...]
(SANTOS, 2008, p. 49).
Em outras palavras, a efetividade e a participação social dessas políticas fazem parte, em
certa medida, de um conjunto de escolhas econômicas e políticas feitas pelos gestores do
Município. Assim, a análise crítica dessas políticas passa pelo entendimento de que existe um
complexo de fatores político-econômicos vinculados à sua efetivação. Cumpre, a partir daí,
analisar o desenvolvimento dessas opções político-econômicas feitas pelo Município de Juiz de
Fora.
Situação habitacional de Juiz de Fora
Segundo dados do IBGE, organizados pela plataforma DataPedia, no ano de 2010, cerca
de 70% da população do Município de Juiz de Fora recebia menos do que 2 salários mínimos
mensais. Além disso, de acordo com a mesma fonte, cerca de 24% da população se encontrava
inserida no mercado informal de trabalho enquanto o total de 4512 pessoas estavam em situação
de extrema pobreza (sobrevivendo com menos de R$70,00 mensais).
No mais, de acordo com o Plano de Habitação Municipal divulgado no sítio eletrônico da
Prefeitura, datado de setembro de 2007, cerca de 40% da população sofre com o problema do
déficit habitacional, além da comprovada existência de centenas de ocupações urbanas.
Considerando os dados acima, parece razoável admitir que a cidade de Juiz de Fora conta
com graves problemas relacionados à população que se encontra marginalizada, excluída do
acesso básico aos direitos e garantias que permitem o reconhecimento do mínimo existencial.
Assim, para análise da situação do déficit de moradia em Juiz de Fora com o foco no papel
desempenhado pelos poderes públicos quando em conflito se encontram direito de propriedade x
direito social à moradia, foi realizado um estudo exploratório de natureza qualitativa, partindo de
um estudo de caso que denota a relevância e atualidade do tema a ser tratado.
3
Por tais razões, a pesquisa buscou realizar um mapeamento sobre as públicas
relacionadas à moradia, oferecidas pelo município. Após, será analisado os discursos do sistema
judicial e o papel que o campo jurídico exerce na negação do direito à moradia, bem como será
analisado intervenções dos poderes na tentativa de desqualificação e separação das famílias
como forma de evitar ocupações, implicando no aparato público, seja do campo da assistência
social, seja da segurança pública, não para resguardar direitos, mas sim para suprimi-los.
Novo Triunfo II: Exemplo empírico dos desafios da questão da moradia em Juiz de fora
A pesquisa realizada se desenvolveu a partir do processo de reintegração de posse sofrida
por famílias que ocupavam o condomínio “Novo Triunfo II”. Na ocasião narrada as famílias
ocuparam as unidades do Programa Habitacional Federal Minha Casa Minha Vida, que se
encontravam vazias, em razão de problemas de implementação de verdadeira ocupação das
residências pelas famílias previamente selecionadas pela EMCASA.
No dia 09 de dezembro de 2015, 39 famílias sofreram ação de reintegração de posse no
conjunto habitacional Novo Triunfo II. A grande operação contou com um largo efetivo da Polícia
Militar, da Polícia Federal e até mesmo do Exército. Foi fruto de ação de reintegração de posse
interposta pela Caixa Econômica Federal e julgada perante a 4º Vara da Subseção Judiciária de
Juiz de Fora/MG. As famílias viviam há oito meses em casas desocupadas e fechadas resultantes
de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do programa habitacional Minha
Casa, Minha Vida (MCMV).
Segundo informações prestadas pela rede apoio às famílias formada à época (Comissão
de Direitos Humanas e Cidadania da OAB, CDDH, CRDH, movimentos sociais e grupos de
assessoria jurídica), ao longo do processo, a Prefeitura não apresentou um plano de emergência
para o abrigamento provisório ou uma solução de reassentamento definitivo. No mais, mesmo
com a ação de reintegração já em curso, a Secretaria de Desenvolvimento Social (SDS) da PJF
recusava-se a fornecer informação sobre o plano municipal para realojamento habitacional das
famílias, mesmo que provisório, em atenção aos seus direitos fundamentais à dignidade e à
moradia.
Com relação ao perfil socioeconômico dos desabrigados, foi desenvolvido à época,
dezembro de 2015, um breve estudo por assistentes sociais da Defensoria Pública da União e do
Centro de Referência em Direitos Humanos. De acordo com esse estudo, as famílias eram em
sua maioria mantidas por mulheres que, portanto, precisavam trabalhar. E ainda das 19 famílias
12 eram beneficiárias do Programa Bolsa Família – que atende pessoas de baixa renda em
situação de vulnerabilidade e risco social.
Em relação à habitação, a situação das famílias não divergia muito entre si, isto é, eram
todas reféns de condições de moradia absolutamente precárias e instáveis. Os dados mostram
que, das 19 famílias, 10 famílias foram despejadas por não conseguirem arcar com os custos do
aluguel- devido a diversos motivos, a exemplo do desemprego. Do restante, 7 famílias moravam
de favor e 2 estavam em outras situações: uma morava em outra ocupação e a outra saiu da sua
4
casa em virtude das péssimas condições. No mais, na busca por aluguéis de baixo custo, por
vezes, algumas residiam em áreas condenadas pela defesa civil.
3) Considerações Finais
O estudo do caso da ocupação Novo triunfo II revela a ocorrência de uma reintegração de
posse contra famílias muito pobres, dependentes de políticas públicas em diversos setores
(saúde, moradia, educação, alimentação, trabalho). A solução que o Município tentou dar ao caso
foi a adoção de auxílio moradia emergencial para as famílias para que elas deixassem o abrigo
público.. Em 2017, as famílias já não mais recebem o benefício municipal e se veem, novamente,
no drama de procurar, sozinhas, um lugar para morar. Fica evidente, por isso, que os limites e as
possibilidades do auxílio moradia precisam ser estudados e analisados com cautela para que uma
solução mais efetiva possa ser dada.
Na mesma linha desse caso, encontram-se dezenas de outros semelhantes, conforme
pesquisa documental realizada junto ao TRF local e que demonstram a crescente relevância de o
Município voltar a sua atenção de maneira planejada e antecipada para o enfrentamento do déficit
habitacional temporário e não só na solução definitiva (aquisição da casa própria).
De fato o que se percebe é que o mesmo ignorar dado pelo poder público a essa pobreza,
encontra ressonância no sistema judicial que é incapaz de romper com a formação conservadora
do direito de propriedade, em detrimento dos marcos constitucionais que impõem a função social
para propriedade, mesmo pública.
4) Referências Bibliográficas
DATAPEDIA. Transformando dados em informação. Portal de dados. [Internet]. Disponível em:
https://www.datapedia.info/public/
MARICATO, Ermínia. As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias. Planejamento urbano no
Brasil. In: ARANTES, Otília; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. A cidade do pensamento
único: desmanchando consensos. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 121-192.
NALIN, Nilene Maria. O trabalho do assistente social na política de habitação de interesse social:
o direito à moradia em debate. Porto Alegre, 2013.
SANTOS, Regina Célia Bega. Poder Público, Sociedade Civil E Planejamento Urbano: as
interações possíveis e impossíveis na definição das tendências de estruturação do espaço das
metrópoles. Temas em Administração Pública, Araraquara, v.1, n.1, 2007.
SOUSA JUNIOR, José Geraldo. O direito achado na rua. 3ª edição. Brasilia: Universidade de
Brasilia, 1990.
UFJF, Centro de Pesquisas Sociais. Proposta de Plano Municipal de Habitação de Juiz de Fora.
Juiz de Fora: 2007. Disponível em:
https://www.pjf.mg.gov.br/conselhos/habitacao/plano_municipal/index.php.
VIEGAS, Rodrigo Nuñes. O campo da resolução negociada de conflitos: o apelo ao consenso e o
risco do esvaziamento do debate político. Revista Brasileira de Ciência Política, no 21. Brasília,
setembro - dezembro de 2016, pp 7-44.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 07 - MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE
Introdução
A ponte Hercílio Luz, que conecta as porções continental e insular da cidade de Florianópolis, SC,
tem previsão de voltar a pleno funcionamento após 26 anos fechada ao tráfego. A proposta de uso
concebida pelo Departamento de Infraestrutura do Estado (DEINFRA) é a de livre passagem de
automóveis individuais, operando-se com sentido único e reversível de acordo com os fluxos
majoritários nos períodos de pico da manhã (em direção à parte insular) e da tarde (em direção ao
continente). Esta concepção contraria frontalmente as diretrizes da Política Nacional de
Mobilidade Urbana (PNMU) expressa por meio da Lei Federal 12.587/12 (1). Neste artigo,
examina-se a questão com foco na proposição de usos alternativos à ponte para reafirmar, em
nível local, a primazia do transporte sustentável em lugar do transporte individual motorizado.
Breve Histórico
A ponte pênsil Hercílio Luz é reconhecida como um dos principais ícones do estado de Santa
Catarina. Ela foi a primeira a fazer a ligação rodoviária entre o continente e a Ilha, o que repercutiu
intensamente nas relações entre a capital e os municípios vizinhos. Entre as principais mudanças
ocasionadas destaca-se o início da primazia do transporte rodoviário, em detrimento do
aquaviário, com a disseminação do ônibus nos anos seguintes intensificando as relações com as
cidades vizinhas de São José, Palhoça e Biguaçu (2).
1
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFSC. Arquiteta do
Observatório da Mobilidade Urbana UFSC. geruzakretzer@gmail.com
2
Arquiteta e Urbanista pela UFSC. Arquiteta do Observatório da Mobilidade Urbana UFSC.
danielaotto.arq@gmail.com
3
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes e Gestão Territorial.
Engenheiro do Observatório da Mobilidade Urbana UFSC. guilherme_carvalho91@hotmail.com.
4
Mestre em Urbanismo, Arquitetura e História da Cidade pela UFSC. Arquiteto do Observatório da
Mobilidade Urbana UFSC. dudulsouza@gmail.com.
5
Graduando em Geografia pela UFSC. Bolsista do Observatório da Mobilidade Urbana UFSC.
kaliu12@gmail.com
6
Professor do Departamento de Automação e Sistemas e Coordenador do Observatório da Mobilidade
Urbana da UFSC. werner.kraus@ufsc.br
1
Com sua construção a paisagem urbana e natural modificou-se significativamente. Composta por
estrutura metálica extremamente inovadora para a época, é considerada um monumento histórico
que faz parte da memória presente no cotidiano da população. Para preservar sua história e
cultura, a ponte Hercílio Luz foi tombada nas três instâncias políticas, sendo: a Municipal em 1992,
a Estadual e a Federal em 1997. Ela é tratada nas resoluções de tombamento como um símbolo
de “identificação coletiva” da sociedade catarinense e florianopolitana, exercendo como patrimônio
cultural três funções: de identificação coletiva, econômica e política.
Para preservação e manutenção de sua estrutura está sendo realizada sua restauração, que
atualmente se encontra no estágio mais desafiador: a reforma do vão central. A previsão é de que
a obra seja finalizada no segundo semestre de 2018, para então ser reinserida ao sistema viário.
Nas esferas municipais e estaduais o destino da ponte após a abertura ainda é fonte de dúvidas e
questionamentos. A possibilidade de viabilizar mais uma ligação entre ilha-continente atrai as mais
variadas visões pelo potencial que ela poderia ter em minimizar os efeitos negativos causados
pelos intensos deslocamentos pendulares realizados diariamente entre municípios da parte
continental e insular da região metropolitana de Florianópolis.
Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/12)
A Lei nº 12.587/2012 (1) que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana
(PNMU) prevê instrumentos para melhorar a mobilidade urbana nas grandes cidades e regiões
metropolitanas, contribuindo para o acesso universal à cidade, e dando prioridade aos meios de
transporte não motorizados e ao serviço público coletivo.
Em seu artigo segundo, a Política Nacional de Mobilidade Urbana mostra que “tem por objetivo
contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a concretização das condições que
contribuam para a efetivação dos princípios, objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento
urbano, por meio do planejamento e da gestão democrática do Sistema Nacional de Mobilidade
Urbana.”
Alguns aspectos da referida lei podem ser reunidos para chancelar a possibilidade de utilização
priorizando os pedestres, ciclistas e o transporte coletivo:
● “eficiência, eficácia e efetividade na circulação urbana” (Art. 5º, IX);
● “prioridade dos modos de transportes não motorizados sobre os motorizados e dos
serviços de transporte público coletivo sobre o transporte individual motorizado”
(Art. 6º, II)
● “priorização de projetos de transporte público coletivo estruturadores do território e
indutores do desenvolvimento urbano integrado” (Art. 6º, VI),
● “proporcionar melhoria nas condições urbanas da população no que se refere à
acessibilidade e à mobilidade” (Art. 7º, III),
● “promover o desenvolvimento sustentável com a mitigação dos custos ambientais e
socioeconômicos dos deslocamentos de pessoas e cargas nas cidades” (Art. 7º,
IV).
2
No âmbito da reinserção da Ponte Hercílio Luz na realidade de Florianópolis, vale-se expor os
seguintes instrumentos previstos pela PNMU, onde se dispõe que “Os entes federativos poderão
utilizar, dentre outros instrumentos de gestão do sistema de transporte e da mobilidade urbana, os
seguintes: “ (Art. 23)
● a “restrição e controle de acesso e circulação, permanente ou temporário, de
veículos motorizados em locais e horários predeterminados” (Art. 23º, I), e a
● “dedicação de espaço exclusivo nas vias públicas para os serviços de transporte
público coletivo e modos de transporte não motorizados” (Art. 23º, IV).
Por fim, a lei considera ainda atribuição mínima dos órgãos gestores dos entes federativos
incumbidos do planejamento e gestão da mobilidade “estimular a eficácia e a eficiência dos
serviços de transporte público coletivo” (Art. 22º, V). Sendo assim, a Política Nacional de
Mobilidade Urbana orienta os municípios a observarem e implementarem seus preceitos,
aplicando seus princípios, diretrizes e objetivos em seus projetos e investimentos, visando a
melhoria na mobilidade e no desenvolvimento urbano.
Circulação de Pessoas e Veículos
A proposta de utilização da Ponte Hercílio Luz apresentada pelo DEINFRA, órgão estadual
responsável pela recuperação da infraestrutura, não condiz com os princípios, diretrizes e
instrumentos da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Tal proposta se baseia em justificativas
relacionadas a engenharia de tráfego, sobretudo na diminuição do congestionamento existente.
Entretanto, o que se constata é que nem mesmo o estudo da engenharia de tráfego parece
conseguir justificar a livre circulação de veículos.
Estudos do Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da Grande Florianópolis (3) apontam que
dos deslocamentos realizados na Região Metropolitana de Florianópolis no pico da manhã (6h30-
9h30), que vão em direção a Ponte Pedro Ivo Campos, 53% acessam a ilha de transporte
individual motorizado, enquanto 42% acessam por meio de ônibus. Se compararmos esses dados
com o número de veículos que cruzam a ponte nesse período diariamente, observa-se que 13.819
carros e 3.789 motos transportam praticamente a mesma quantidade de pessoas que 788 ônibus.
Estimativas divulgadas pelo DEINFRA apontam que a ponte teria capacidade de absorver 17% do
tráfego existente das outras duas pontes que conectam a ilha e continente de Florianópolis (4).
Contudo, analisando os dados da Pesquisa Origem Destino (3), estima-se que 50,66% das
viagens atuais no período de pico da manhã entre ilha e continente usufruiriam da Ponte Hercílio
Luz, devido a redução de distância e tempo de deslocamento. Simulações de tráfego com esses
valores indicam que o sistema viário da ponte e entorno tornariam-se saturados por longos
períodos quando em condições de tráfego misto, ou seja, permitindo-se a circulação de veículos
motorizados individuais sem restrições.
Concretizado o cenário descrito acima, a ponte suportaria em sua extensão 300 carros,
considerando uma ocupação média de 1,3 pessoas por automóvel, seria o equivalente a um total
3
de 390 pessoas. Fazendo a conta inversa, seriam necessários apenas 5 ônibus articulados para
deslocar o mesmo número de pessoas.
Proposta
A reforma da Ponte Hercílio Luz, quando finalizada permitirá a circulação de pessoas e veículos
por meio de pista de rolamento de 9 metros e “mão-francesa” em ambos os lados da ponte, com
dimensão de 2,50 metros de largura. Embora ainda haja indefinição por parte do Governo do
Estado e da Prefeitura de Florianópolis sobre a forma de utilização da ponte, pode-se afirmar que
a configuração da seção transversal da estrutura já garante oportunizar os modos de transporte
não motorizados, tendo em vista que a existência de “mão francesa” é destinada a esses
deslocamentos.
Respaldados pela Política Nacional de Mobilidade Urbana e pelos estudos de circulação
realizados, a melhor utilização da Ponte Hercílio Luz, no entendimento dos autores, é dar
prioridade ao trânsito de pedestres, ciclistas e transporte público coletivo. A destinação da Ponte
Hercílio Luz para o tráfego de veículos individuais traria consequências negativas para a
mobilidade urbana, implicando também em prejuízos no convívio do espaço com pedestres e
ciclistas, além de eventuais turistas. O uso da pista de rolamento para priorização do transporte
coletivo, por outro lado, resulta em benefícios significativos para os usuários, além de possibilitar
um convívio mais harmonioso na área de influência da ponte.
O trajeto do ônibus pela ponte Hercílio Luz poderia melhorar o tempo de viagens de linhas
originadas de regiões de Biguaçu e norte da cidade de São José, além de beneficiar linhas
municipais que fazem a conexão com a parte continental do município de Florianópolis. Além da
melhoria do tempo de viagem, análises do Observatório da Mobilidade Urbana da UFSC apontam
que o trajeto que os ônibus fariam a partir da cabeceira insular até o Terminal de Integração do
Centro (TICEN) beneficiariam os usuários do transporte, pois permitiria o desembarque em áreas
mais centrais, resultando na diminuição do tempo de caminhada até seus destinos.
Considerações Finais
Na época da construção, a ponte Hercílio Luz representava um símbolo de modernidade. Com o
passar do tempo, sua importância cresceu, agregando valores simbólicos e turísticos. Atualmente,
sua localização traz à tona um problema histórico da cidade de Florianópolis: a mobilidade urbana.
Com a sua abertura, o desafio de resgatar a sua imagem como um novo símbolo de inovação
permanece.
A PNMU é coerente com os avanços e tendências mundiais no transporte não motorizado e
coletivo. No entanto, somente a lei não garante que seus princípios, diretrizes e objetivos sejam
cumpridos. É preciso um engajamento da sociedade e entidades para que a lei se aplique,
principalmente no que se refere a investimento e priorização de serviços de transporte público
coletivo e modos de transporte não motorizados.
Com a abertura da ponte seguindo as propostas aqui defendidas, esse novo símbolo de inovação
poderia ser obtido, valorizando o uso coletivo e a eficiência na circulação urbana. Dedicar a ponte
4
Hercílio Luz ao modo de transporte coletivo é inaugurar uma nova fase do planejamento da
mobilidade da região metropolitana de Florianópolis.
Referências
1 BRASIL. Lei nº 12.587 de 3 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes da Política Nacional de
Mobilidade Urbana e dá outras providências, 2012.
2 SUGAI, M. I. Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na
área conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis: Editora da UFSC, 2015.
3 Logit Engenharia Consultiva; Strategy&; Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados.
Relatórios PLAMUS. Florianópolis: BNDES, 2015.
4 ND ONLINE: Notícias do Dia. Uma cidade inteira de informação. Florianópolis, 28 jan. 2017.
Disponível em: <https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/obra-de-restauracao-da-ponte-
hercilio-luz-vai-entrar-na-fase-mais-complexa>. Acesso em: 26 maio 2017.
5
1
Gabriela Baesse1
1. INTRODUÇÃO
O direito à mobilidade é considerado um importante aspecto da cidade, pois permite que a
população tenha acesso à cidade, uma vez que é com os deslocamentos que as pessoas podem
trabalhar, estudar, comprar comida, usar serviços de saúde e outras estruturas fornecidas no
espaço urbano, propiciando seu ir e vir.
Moramos em um país onde o acesso aos espaços urbanos da cidade não é democrático.
As cidades foram construídas, planejadas e projetadas para beneficiar o deslocamento rápido e
eficiente dos automóveis, em detrimento do transporte público e do deslocamento a pé e de
bicicleta. Desde a década de 50, o Estado brasileiro vem concedendo vantagens a indústria
automobilística, beneficiando apenas parte da população que tem acesso ao automóvel.
Os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 19882 deram origem ao Estatuto da
Cidade3, que determina diretrizes gerais da política urbana, prevendo instrumentos para garantir o
direito à cidade, a função social da propriedade e a democratização da gestão urbana, procurando
garantir entre outros, o acesso à infraestrutura urbana, aos serviços públicos e ao transporte.
Procurando atender o que é estabelecido no Estatuto da Cidade, é criada a Política
Nacional de Mobilidade Urbana4 (PNMU) que visa ser uma política de desenvolvimento urbano,
com o objetivo de integrar os diferentes modos de transporte e melhorar a acessibilidade e
mobilidade das pessoas e cargas no âmbito do município, dando prioridade aos modos de
transporte não motorizados e coletivos, em relação ao transporte individual motorizado. No texto
da Política é estabelecido que os municípios com mais de 20.000 habitantes devem criar o Plano
de Mobilidade Urbana, que é o instrumento de efetivação da PNMU. Dessa forma, o Plano é o
principal objeto da lei 12.587, efetivando os princípios, objetivos e diretrizes da Política Nacional
de Mobilidade Urbana.
A cidade de Natal, é a capital do Estado do Rio Grande do Norte, localizado na região
Nordeste do Brasil. Possui uma baixa densidade demográfica, em decorrência do espalhamento
do seu território. A mobilidade urbana é um problema na cidade, que conta com uma frota de
1 Graduada em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e em
Relações Internacionais pela Universidade Potiguar. Mestranda no Programa de Pós-Graduação em
Estudos Urbanos e Regionais na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. gbaesse@gmail.com.
2 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988/obra
ônibus com idade média avançada, bem como a maioria das linhas ainda utiliza trajetos
determinados na década de 80, não acompanhando as transformações da cidade. O Plano de
Mobilidade Urbana, seria uma forma de trazer mudanças para o atual sistema de mobilidade
urbana da cidade, que se apresenta obsoleto, e traria uma priorização de modos de deslocamento
coletivos e não motorizados, aspecto fundamental para que seja possível uma cidade que atenda
a toda a sua população e não crie ainda mais desigualdades.
2. A REALIDADE DA MOBILIDADE URBANA EM NATAL/RN
Segundo dados de 2000 do Departamento Estadual de Trânsito do Rio Grande do Norte
(DETRAN – RN), entre 1980 e 1999, a frota de veículos motorizados de Natal cresceu de forma
vertiginosa, indo de 01 veículo para cada 20 habitantes para 01 veículo para cada 4,5 habitantes5.
Esse aumento é percebido na diminuição da velocidade da operação do sistema de transporte e
nos congestionamentos que estão cada vez mais presentes na cidade, aumentando assim a
necessidade de revisar o sistema de mobilidade de Natal.
A aparência atual de Natal, configurada por segregação espacial, é um reflexo do uso
tardio de instrumentos de planejamento e da ocupação desordenada. Isso faz com que a
população mais abastada da cidade, more nas áreas mais favorecidos com infraestrutura urbana
e serviços, enquanto os habitantes com menos renda tenham que viver em locais mais distantes e
com infraestrutura precária. Aqueles que moram na Zona Norte de Natal e necessitam acessar as
outras zonas, confrontam engarrafamentos ocasionados pela quantidade demasiada de veículos,
realizando até duas horas de viagem em cada deslocamento diário.6
O documento que atualmente regula a mobilidade urbana em Natal é o Plano Diretor de
Natal7, que define em seu Artigo 6º, Inciso XXXI, a mobilidade urbana como “conjunto de serviços
que visem o deslocamento de pessoas, bens e mercadorias em todos os níveis, coordenados pelo
Poder Público”. Além disso, o Plano fala da política de mobilidade urbana em seu Título IV e
Artigos 58, 59 e 60.
Os artigos que tratam da mobilidade urbana no Plano Diretor de Natal são de grande
importância, visto que se houvesse a implementação do que é descrito, a cidade teria um
ambiente urbano de fato democrático e dinâmico, entretanto muitas vezes outros interesses (como
o econômico e político) se sobrepõe aos interesses sociais.
O Plano Diretor é, portanto, instrumento primordial para o ordenamento da cidade, e hoje
se encontra desatualizado, assim sendo é importante que haja uma revisão do mesmo, tendo em
vista que as mudanças que acontecem no meio urbano são rápidas e dinâmicas. Neste sentido o
5 SANTOS, 2000, apud TORQUATO, Adriana Maria Soares Cunha. Transporte e exclusão social:
investigando conexões em um bairro do Natal-RN. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil).
Universidade Federal de Pernambuco. Recife: 2006.
6 TORQUATO, Adriana Maria Soares Cunha. Transporte e exclusão social: investigando conexões
Plano Diretor de Natal, em seu Artigo 116, estabelece que o Plano Diretor deve ser revisado a
cada quatro anos com o intuito de estar sempre correspondendo as mudanças da cidade. A última
revisão deveria ter acontecido em 2011, porém somente em 2015 a Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e Urbanismo (SEMURB) informou que tinham iniciado uma revisão do Plano
internamente, e que a revisão pública aconteceria em março de 2016, contudo mesmo com o
atraso de 6 anos, não existe mais uma previsão para que a revisão aconteça8.
A exigência da elaboração de um Plano de Mobilidade voltado para as necessidades de
cada cidade – através da Lei da Mobilidade Urbana 12.957/12 – foi algo importante. Para isso, foi
dado pelo Governo Federal um prazo de três anos para que cada município criasse o Plano para
sua cidade, nesse cenário o prazo teria expirado em maio de 2015, contudo ao final de 2016 é
promulgada a Lei nº 13.406/169 que amplia o prazo mais três anos, para que as prefeituras
concluam os Planos de Mobilidade. Sendo assim, agora os municípios têm até maio de 2018 para
implementar seus Planos. Antes da extensão do prazo, Natal se encontrava inadimplente com a
elaboração do plano, e não podia receber investimentos na área de mobilidade através do
Orçamento Geral da União, mas com a mudança de prazos a cidade ainda tem tempo para a
conclusão.
2.1 O andamento da implantação do Plano de Mobilidade
Como abordado anteriormente, a Lei 12.587/12 foi um marco crucial para a mobilidade
urbana brasileira, pois com a criação de um Plano para cada cidade, os investimentos se tornam
mais produtivos, visto que acontecem de forma associada com um planejamento sistêmico, que
de fato procura atendar as demandas específicas de cada cidade.
Antes mesmo da lei 12.587/12 ser feita, em 2008, a Prefeitura Municipal de Natal contratou
a Fundação COPPETEC – da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)10 – para a
elaboração do plano, que deveria ter sido entregue em dezembro do mesmo ano.
Entretanto, o tempo para a conclusão do plano não foi suficiente, quando a mudança de
gestão aconteceu no início de 2009, o primeiro aditivo ao contrato já havia sido feito, e fornecia
mais seis meses para a conclusão do plano, terminando esse prazo, o segundo aditivo foi feito,
com mais três meses, depois um terceiro aditivo foi firmado aumentando o tempo novamente por
mais três meses, dessa forma, após um ano de aditivos, ainda foi necessário realizar um quarto
aditivo, dando até 30 de abril de 2010 para a conclusão. No dia 30 de dezembro de 2010, no
Diário Oficial do município de Natal, é informado que a conclusão do plano ainda estava em
andamento, após essa data não há mais nenhuma informação sobre o Plano, contudo é
registrado pela Prefeitura no Diário Oficial que houve a entrega do relatório final em maio de 2011.
Em 2012, com a Lei 12.587/12, passa a ser obrigatório que Natal tenha seu Plano de
8 ARAÚJO, Ricardo. Plano Diretor: sem data para revisão. Tribuna do Norte. Natal. 29 de março 2015.
Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/plano-diretor-sem-data-para-revisa- o/309801>. Acesso
em: 13 de jan 2017.
9 BRASIL. Lei nº 13.406 de 2016: Presidência da República. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2016/Lei/L13406.htm#art2>. Acesso em 12 jan 2017.
10 Contrato nº 012/2008
4
Mobilidade. Mesmo com a aparente entrega do relatório final pela COPPETEC, em 2011, a
Prefeitura Municipal de Natal nunca chegou a apresentar esse plano oficialmente. Apesar da
promulgação da Lei em 2012 (tendo inicialmente um prazo de três anos para sua conclusão), é
apenas em 2014 que a Prefeitura de Natal através da Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana
(STTU) dá início às licitações para contratação da empresa que realizará o Plano de Mobilidade.
No mesmo ano o órgão suspendeu duas vezes a licitação, a previsão na época era que no mais
tardar o edital seria publicado em novembro de 2014.11
Apenas em 2015 a Prefeitura Municipal de Natal finalizou a licitação e contratou a empresa
Tectran para realizar a elaboração do Plano de Mobilidade Urbana (PlanMob). Em fevereiro de
201612 houve a cerimônia de divulgação do Plano de Mobilidade Urbana, onde foi apresentado o
planejamento e cronograma da empresa para a realização do plano, indicando que no momento a
primeira etapa - de Planejamento Executivo e Levantamento de Dados - já estava em andamento.
Além disso, a consultora do projeto ressaltou durante o evento a importância da participação da
sociedade civil nas discussões, e também que o Plano seria pautado na valorização do transporte
coletivo, a pé e de bicicleta. Após essa apresentação, ainda no mês de fevereiro de 2016, foram
realizadas quatro audiências públicas, nas quatro regiões administrativas da cidade, com o intuito
de escutar as demandas da população em relação a mobilidade urbana.
A Tectran criou um site13 onde é possível avaliar online as condições de mobilidade na
cidade, baixar documentos produzidos ao longo do desenvolvimento do Plano, registrar sugestões
para melhorar o sistema de mobilidade e acessar a agenda de eventos. Entretanto, após a
cerimônia de divulgação e das primeiras audiências, o único evento divulgado no site foi uma
oficina para discutir as propostas para o Plano em novembro de 2016.
O cronograma para a entrega do Plano já foi alterado duas vezes, inicialmente a entrega
final estava prevista para o dia 31 de maio de 2017, e no último cronograma está para 30 de
junho. Contudo, de acordo com o cronograma, em 19 de maio deveria ter sido disponibilizado no
site o Plano de Implantação, Gestão e Monitoramento - produto 5 do plano, mas não é
especificado nenhuma informação sobre os outros produtos, nem eles estão disponíveis no site -,
e em 27 de maio de 2017 deveria ter acontecido a Oficina de discussão sobre o Plano de
Implantação, Gestão e Monitoramento, mas nenhuma dessas atividades foram realizadas.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o cenário apresentado no desenvolvimento do trabalho, pode-se concluir que está
havendo o esforço da Prefeitura Municipal de Natal para que aconteça a conclusão do Plano de
Mobilidade Urbana da cidade. Ademais a empresa está realizando um processo participativo,
incluindo a população através de audiências públicas e oficinas realizadas e com a participação
11 Licitação da bilhetagem eletrônica nos transportes de Natal está sem data. Tribuna do Norte. Natal. 20
de dezembro de 2016. Disponível em: < http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/licitaa-a-o-da-bilhetagem-
eletra-nica-nos-transportes-de-natal-esta-sem-data/366903> Acesso em: 15 jan 2017.
12 NATAL. Município apresenta Plano de Mobilidade Urbana de Natal. Natal. 16 de fevereiro de 2016.
através do site, além de também disponibilizar por meio da página da Internet vários documentos
que estão sendo produzidos com o decorrer do trabalho.
Porém, o site não se encontra totalmente atualizado, o último cronograma divulgado não
está sendo seguido, impossibilitando saber quando de fato se dará a conclusão do Plano, e sendo
viável prever que mais atrasos devem ocorrer até sua conclusão, tendo em vista que os produtos
do trabalho são dependentes entre si. Outro ponto negativo da construção do Plano, é a
inviabilidade de encontrar no site, todos os produtos que se espera produzir com o Plano e a
previsão de entrega de cada um deles. Com isso, não é possível prever quando o Plano será
concluído, nem se isso acontecerá até o prazo final que a Política Nacional de Mobilidade Urbana
estabelece.
A população se beneficiaria com a criação do Plano de Mobilidade Urbana, pois o objetivo
é criar um planejamento holístico da cidade, focando em formas de deslocamento que diminuem
as desigualdades, no entanto, existe o receio de o PlanMob se tornar um instrumento como o
Plano Diretor da cidade, que apesar de ter um ordenamento completo e interessante, não
consegue ser aplicado pela Prefeitura Municipal.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARAÚJO, Ricardo. Plano Diretor: sem data para revisão. Tribuna do Norte. Natal. 29 de março 2015.
Disponível em: <http://tribunadonorte.com.br/noticia/plano-diretor-sem-data-para-revisa- o/309801>. Acesso
em: 13 de jan 2017.
__. Lei nº 10.257 de 2001. Estatuto da Cidade. Brasília: Presidência da República. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LEIS_2001 /L10257.htm>. Acesso em 10 jan 2017.
__. Lei nº 12.587 de 2012. Lei da Mobilidade Urbana: Presidência da República. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em 12 jan 2017.
Licitação da bilhetagem eletrônica nos transportes de Natal está sem data. Tribuna do Norte. Natal. 20 de
dezembro de 2016. Disponível em: < http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/licitaa-a-o-da-bilhetagem-
eletra-nica-nos-transportes-de-natal-esta-sem-data/366903> Acesso em: 15 jan 2017.
__. Município apresenta Plano de Mobilidade Urbana de Natal. Natal. 16 de fevereiro de 2016.
Disponível em: <http://natal.rn.gov.br/noticia/ntc-23539.html>. Acesso em: 15 jan 2017
TORQUATO, Adriana Maria Soares Cunha. Transporte e exclusão social: investigando conexões em um
bairro do Natal-RN. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil). Universidade Federal de Pernambuco.
Recife: 2006.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 07 : MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE
Marta tem 24 anos, é casada, tem uma filha pequena e trabalha como empregada
doméstica. Bernardo, seu vizinho, também é casado, também tem um filho pequeno, trabalha em
um quarteirão perto do de Marta. Marta acorda bem mais cedo que Bernardo todos os dias, mas
sempre chega depois dele no trabalho, pois tem que levar sua filha ao colégio antes de poder pegar
o ônibus, e assim enfrenta o pior horário do trânsito para o centro da cidade. Quanto ao filho de
Bernardo, é sua mulher que leva para creche. Catalina e Rodrigo têm 19 anos e ambos são
estudantes. Rodrigo estuda à noite e volta para casa 23h. Catalina só pega matérias de dia, pois
tem muito medo de voltar para casa após determinado horário3.
A cidade acontece de modos diversos para seus habitantes. Os breves relatos acima,
retirados de um estudo sobre a mobilidade urbana em Santiago (Chile), deixam evidentes, já em
uma primeira leitura, como as possibilidades de apropriação e locomoção na cidade são
consideravelmente influenciadas por quem parte e de onde parte. Marta e Catalina definitivamente
têm uma possibilidade diversa de uso dos recursos da cidade que Bernardo e Rodrigo. Moram
perto, mas nem sempre na mesma cidade. Sobretudo, talvez, não transitam nela da mesma
maneira.
As múltiplas cidades que coexistem no mesmo conglomerado urbano são mais ou menos
ligadas de acordo com as possibilidades reais de locomoção da sua população. Igualmente, a
capacidade (ou não) de mover-se na cidade tem impacto direto na oferta de emprego e acesso a
serviços, sendo ao mesmo tempo indicador e limitador de qualidade de vida. Entender quem se
1 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Mestranda na Linha de
Pesquisa “Políticas de Segurança Pública e Administração institucional de conflitos” do Programa de Pós
Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. E-mail: jcl@pmka.com.br.
2 Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e em História pela Universidade
Federal Fluminense. Mestranda no programa de pós graduação em Teoria do Estado e Direito Constitucional
da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. E-mail: mariana.imbelloni@gmail.com.
3 Relatos tirados do estudo sobre as implicações do gênero nas experiências de mobilidade em Santiago,
aqui apresentados de maneira resumida para fins de ilustração. JIRÓN, P. ”Implicancias de género en las
experiências de movilidad cotidiana urbana en Santiago de Chile” in Revista Venezolana de Estudios de la
Mujer. Caracas, Julio-Diciembre, 2007 – Vol 12 n 29 pp. 173 – 197
1
move na cidade, como e porque, é imprescindível para compreensão desta cidade em sentido
amplo, bem como parte inescapável da discussão de uma urbe minimamente mais igualitária.
O presente estudo propõe-se, assim, a pensar as possibilidades e custos4 de deslocamento
de mulheres a partir de uma perspectiva que entende o direito à mobilidade como componente
fundamental do direito à cidade e ambos como profundamente marcados por uma perspectiva de
gênero5. Parte de uma análise teórica das discussões sobre mobilidades de mulheres para
apresentar uma leitura das redes de transportes organizadas em uma perspectiva
consideravelmente classista e “generificada”, inclusive nas políticas específicas de transporte de
mulheres, quando existentes.
A cidade não é neutra. Nem tampouco imóvel. Catalina e Marta, as mulheres cujas
narrativas abrem esta breve exposição, poderiam, potencialmente, fruir dos mesmos transportes
que Bernardo e Rodrigo, mas tem sua disposição de tempo e possibilidade de acesso à cidade
limitadas. Se como afirma Alfonsin6, a cidade é vivenciada diferenciadamente por seus moradores,
podemos dizer igualmente que ela é transitada de maneira desigual por seus moradores e
moradoras.
Contradizendo a narrativa predominante de que as mulheres deslocam-se menos que os
homens, estudos comparativos7 têm demonstrado que, de fato, as mulheres gastam mais tempo
com transportes, sendo este tempo a mais gasto em pequenos deslocamentos. Isto se dá por ser
atribuído à mulher o papel de cuidadora do núcleo familiar, bem como responsável pelas funções
reprodutivas. Como cuidadora do núcleo familiar, ela soma aos seus deslocamentos os
deslocamentos dos dependentes, sejam eles crianças, idosos ou necessitados de cuidado especial
4 Quanto a custos de transporte, não se os entende aqui como custos meramente econômicos (embora sejam
estes também de suma importância) mas custos em sentido amplo. Tanto o custo de tempo quanto o custo
psicológico dos deslocamentos em níveis desumanos de superlotação são de grande relevância para os
parâmetros de qualidade de vida e acesso aos aparelhos urbanos. Além disso, os altos dispêndios de
transporte, em sentido financeiro e de um mínimo de qualidade/possibilidade de vida, diminuem
consideravelmente a empregabilidade para a população periférica.
5 O conceito de gênero, largamente utilizado nas discussões atuais sobre sexo e sexualidade, é pensado aqui
nos termos propostos por Joan Scott, que apresenta a compreensão do gênero como lente privilegiada para
análise das relações de poder. Afastando-se de uma concepção descritiva ou essencialista, a autora coloca-
o como categoria analítica para significação das relações sociais em sentido amplo, através da construção e
valoração das características associadas aos sexos. Análise, inclusive, deste próprio processo de associação.
Esta abordagem deu ao conceito de gênero maior amplitude enquanto categoria analítica capaz de produzir
conhecimento, útil na produção científica, na identificação dos mecanismos de reprodução de desigualdades
e na produção de políticas públicas. SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e
Realidade. Vol. 20 (2), jul./dez. 1995.
6 ALFONSIN, Betânia de Moraes. “Cidade para todos/Cidade para todas – Vendo a cidade através do olhar
das Mulheres” in ALFONSIN, Betânia de Moraes & FERNANDES, Eldésio (org.) Direito Urbanístico: estudos
brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. pp. 253-264
7 Quanto a tal podemos citar tanto o estudo chileno, já mencionado (JIRÓN, P. op.cit.) quanto estudos
realizados sobre a mobilidade espanhola através do recorte de gênero. (EMAKUNDE – INSTITUTO VASCO
DE LA MUJER. “La evaluacíon de impacto em función del género em transporte y movilidad.” Disponível em
http://www.emakunde.euskadi.eus/contenidos/informacion/politicas_evaluaciones_2/es_def/adjuntos/materia
les.sectoriales.transporte.y.movilidad.pdf. Último acesso em 30 de março de 2016.)
2
momentâneo ou prolongado. Assim, há o tempo dispendido para levar e buscar a criança na escola
(como Marta), demandas de médicos ou demais serviços de saúde de todo núcleo familiar,
acompanhamento em tarefas necessárias dos idosos ou crianças, etc. 8 Quando se agrega o dado
de que na periferia da Região Metropolitana do Rio de Janeiro 30% das crianças estudam fora de
seu município de origem, novamente maior média entre as regiões metropolitanas nacionais 9, não
é necessária grande matemática para perceber como a carência de instituições de ensino próximas
à residência sobrecarregam justamente as mulheres enquanto cuidadoras.
Além disso, e de sobremaneira invisibilizada, há toda gama de deslocamentos necessários
ao próprio serviço reprodutivo. De forma geral, pensa-se no cuidado com o lar como uma tarefa
privada, de modo que muitos deslocamentos da mulher no âmbito de tal serviço deixam de ser
registrados, o que é outra forma de invisibilizar o próprio serviço doméstico. Contudo, a manutenção
da casa, seja pela compra de produtos, ativação de serviços ou mesmo busca de elementos
básicos, em áreas não atendidas pelo poder público, são tarefas que demandam tempo e disposição
de mobilidade, que de forma geral são legadas à mulher. Desta feita, à dupla jornada de trabalho,
soma-se uma dupla ou tripla jornada de deslocamentos, que consomem quantidade considerável
de tempo feminino.10
Outro interessante ponto a se destacar é como a própria organização dos transportes vistas
sob uma ótica puramente classista e masculina contribui para o aumento do tempo gasto nestas
funções. Como os deslocamentos das mulheres enquanto cuidadoras e no exercício das tarefas
reprodutivas não é, de forma geral, levado em conta no planejamento dos horários e rotas dos
transportes públicos, tais viagens tendem a ser mais demoradas e menos práticas, posto que, se
escapam ao horário de pico, há menor fluxo de transportes. Quando existem, aliás, dado que há
franco privilégio para as linhas que se encaminham para os centros produtivos. Muitas cidades das
regiões metropolitanas possuem mais formas de transporte público para o centro da cidade polo
que transportes circulares que liguem bairros ou cidades vizinhas entre si. 11
Por fim, há a sensação constante de insegurança impingida às mulheres nos transportes
públicos. A construção social do corpo feminino como disponível, como acessível, típica da estrutura
patriarcal na qual estamos inseridas, torna os transportes, por espaços fechados – não há como
sair até a próxima parada - e de grande contato físico – quão mais pauperizada seja a rede de
transportes, mais abarrotados estarão – locais de recorrência de narrativa de abusos e assédios.
Embora a causa primeira advenha da cultura patriarcal, influem para tal a superlotação dos
transportes, sua impontualidade, a falta de iluminação nas zonas de espera, a presença ou não de
seguranças nas estações de trem e metrô. Toda a montagem da malha de transportes, de fato, não
3
levando em conta nem os horários nem o tipo de deslocamentos das mulheres, e estando
consideravelmente precarizada para a população trabalhadora, cria uma sensação maior de
insegurança para as mulheres no uso do transporte público. As consequências desta sensação são
quedas na taxa de ocupação externa, ligadas igualmente ao alto custo de tempo dos
deslocamentos, a recusa de oportunidades de estudo/trabalho que perpassem por aumento da
exposição a risco de assédio e a queda de rendimento produtivo em estudo/trabalho dada a
assédios vividos. 12
A mobilidade feminina é, assim, via de regra, mais um desafio diário que um direito. Com
maior ou menor nível de dificuldade/desgaste de tempo, há sempre o risco do assédio e a sensação
de insegurança. Os deslocamentos de mulheres, assim, apresentam-se mais como obrigações e
raramente contribuem para fruição de lazeres ou outras atividades fora das tarefas familiares e
trabalho. Em um estudo sobre os “rolezinhos”13, por exemplo, Teresa Caldeira notou a ausência de
mulheres nos grupos. Segundo a autora, a circulação, para jovens negras e periféricas, é sempre,
por si, um risco. Circular como forma de reação aos espaços cerceados seria a assunção de um
risco para além dos assumidos pelos jovens do sexo masculino. Risco que elas não estavam
dispostas a assumir14.
Conquanto reste evidente a necessidade de se pensar no transporte de mulheres para um
real acesso equitativo à cidade, poucas políticas específicas têm sido desenvolvidas ou aplicadas.
Em franca expansão, embora sumamente criticada, é a reserva de vagões, ônibus ou trens para
mulheres, sobretudo em horários de pico. No Brasil, atualmente, tal política é adotada no Rio de
Janeiro, Brasília e Recife. Alvo de intensas críticas de muitos movimentos feministas, a reserva de
vagões encontra apoio justamente entre grupos de mulheres trabalhadoras, que veem nela uma
possibilidade de demanda por transporte seguro e mais igualitário. Não como uma solução em si,
mas como uma via de fortalecimento de pautas15. A inexistência de outras políticas, contudo, não
deixa dúvidas sobre o não tratamento da mobilidade de mulheres como uma pauta substancial da
efetivação do direito à cidade.
periféricos ao sofrerem preconceito quando de sua entrada em locais de consumo de áreas economicamente
excludentes. Iniciado após repressão a passeios (“rolês”) em shoppings do Rio de Janeiro e São Paulo,
configurou-se como significativo movimento político no início, sobretudo no ano de 2014.
14CALDEIRA, T. “Qual a novidade dos rolezinhos? espaço público, desigualdade e mudança em São Paulo”.
Novos estud. - CEBRAP, São Paulo , n. 98, p. 13-20, Mar. 2014 . Disponível em
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002014000100002&lng=en&nrm=iso>.Último acesso em 10 de março de 2016.
15 Para tal discussão, embora ainda com flagrante carência de estudos no assunto, TILLOUS, Marion, « Les
voitures de métro réservées aux femmes comme instrument d’action publique :une réponse à quel problème
? », Géocarrefour [En ligne], 91/1 | 2017, mis en ligne le 31 janvier 2017, consulté le 11 juin 2017. URL :
http://geocarrefour.revues.org/10033 ; DOI : 10.4000/geocarrefour.10033.
4
O breve estudo ora apresentado buscou enunciar questões sobre a importância da
mobilidade de mulheres como integrante fundamental do conteúdo do direito à cidade e como
absolutamente carente de políticas públicas que a efetivem. Uma análise, ainda que superficial, das
redes de transporte demonstra uma preocupação básica com o transporte entre centros
habitacionais e centros trabalhadores o que, não só se configura como uma lógica classista, não
levando em conta os demais deslocamentos populacionais, como incide diferencialmente na vida
das mulheres, ainda grandes cuidadoras do lar, por não dispor justamente dos transportes circulares
necessários para essa jornada reprodutiva. Pode-se dizer, desta maneira, que as redes de
transporte são desenhadas de uma maneira “generificada”, e não neutra, como normalmente se
afirma, o que eleva os custos (no sentido já explicitado, não só econômicos) de transporte das
mulheres, bem como veda-lhes acesso a estruturas de educação, saúde e trabalho. Ainda, as
poucas políticas desenhadas com o fito de proteção das mulheres durante o transporte tendem a
ser pontuais e não questionar a organização da malha urbana como um todo.
A mobilidade de mulheres, quando olhada a partir de um referencial que assume a não
neutralidade das políticas urbanas, configura-se como problema evidente e urgente para o desenho
de cidades mais acessíveis e igualitárias.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALFONSIN, Betânia de Moraes. “Cidade para todos/Cidade para todas – Vendo a cidade através
do olhar das Mulheres” in ALFONSIN, Betânia de Moraes & FERNANDES, Eldésio (org.)
Direito Urbanístico: estudos brasileiros e internacionais. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
pp. 253-264
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. “Qual a novidade dos rolezinhos? Espaço público, desigualdade
e mudança em São Paulo”. Novos estudos. - CEBRAP, São Paulo , n. 98, p. 13-20, Mar.
2014 . Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-
33002014000100002&lng=en&nrm=iso>.Último acesso em 10 de março de 2016.
JIRÓN, Paola. ”Implicancias de género en las experiências de movilidad cotidiana urbana en
Santiago de Chile” in Revista Venezolana de Estudios de la Mujer. Caracas, Julio-
Diciembre, 2007 – Vol 12 n 29 pp. 173 – 197
MARTÍNEZ, Cristhian Figueroa & SANTIBÁÑEZ, Natan Waintrub « Movilidad femenina en Santiago
de Chile : reproducción de inequidades en la metrópolis, el barrio y el espacio público » in
Revista Brasileira de Gestão Urbana, 2015 jan/abr, 7(1), pp. 48-61
PERO, V e MIHESSEN, V. "Mobilidade urbana e pobreza no Rio de Janeiro" in Revista do Instituto
de Economia da UFRJ, v15 n 3. Rio de Janeiro:2013. Disponível em
http://www.revistaeconomica.uff.br/index.php/revistaeconomica/article/view/71/186.
SCOTT, Joan. “Gênero: uma categoria útil de análise histórica”. Educação e Realidade. Porto
Alegre: Faculdade de Educação/UFRGS, Vol.6, N° 2, jul/dez 1990
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 07 – MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE
1. INTRODUÇÃO
Sabe-se que no Brasil, a exemplo de outros países em desenvolvimento, a facilitação e o
incentivo ao uso de meios de transporte alternativos poucas vezes foi alvo de planejamento
efetivo. O contexto viário brasileiro, fruto de um acelerado processo de urbanização marcado pela
ausência de planejamento urbano adequado e constante incentivo ao transporte motorizado
individual em detrimento do transporte coletivo e do transporte não motorizado, têm agravado os
problemas de mobilidade urbana no país, que trazem consigo prejuízos econômicos e redução da
Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Especialista em Direito
Público. Presidente da Comissão de Direito Urbanístico e Planejamento Urbano da OAB (Itajaí). Professor
de Direito Administrativo dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Direito da Universidade do Vale do
Itajaí (UNIVALI). Professor da Escola da Magistratura do Trabalho do TRT12. Membro do Conselho Editorial
da Revista Síntese de Direito Empresarial (IOB). Email: alexandrepriess@hotmail.com.
1
qualidade de vida.
Embora atualmente já exista uma noção mais preponderante sobre os elevados custos
sociais, econômicos e ambientais advindos de um sistema de trânsito não planejado,
especialmente por consequência do uso excessivo e inconsciente do veículo individual, este
permanece o padrão atual de mobilidade urbana enraizado culturalmente.
De modo a modificar o modelo atual do sistema de trânsito, foi promulgada em 2012 a Lei
nº 12.587/12, denominada Política Nacional de Mobilidade Urbana, que visa melhorar a
infraestrutura para ciclistas e pedestres, assim como a busca pelo desenvolvimento dos sistemas
de transporte público coletivo.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1 Problemas da Mobilidade Urbana
Além das consequências ambientais causadas pelos resíduos lançados na atmosfera e a
questão da poluição sonora, o uso crescente e desordenado de veículos motorizados denota outro
problema, que pouco é apontado: o acúmulo cada vez maior de automóveis nos centros urbanos
tende a causar uma sobrecarga para o aspecto econômico da cidade, devido à alta complexidade
e custo financeiro que seu planejamento exige para a circulação urbana.
As consequências advindas da crescente evolução em busca de desenvolvimento
econômico e social, paradigma mundial durante o século XX, embora predominantemente
benéficas, contribuem sobremaneira para o aumento do número de veículos em circulação,
favorecendo as condições que resultam na lentidão do trânsito e aumentando fatores de risco de
acidentes. O produto desse crescimento econômico favorável trouxe implicações que se tornaram
intoleráveis para a manutenção de um ambiente urbano equilibrado a longo prazo.
Em 2012, ano de promulgação da Política Nacional de Mobilidade Urbana, que prioriza os
modos de transporte não motorizados sobre os motorizados, e dos serviços de transporte público
coletivo sobre o individual, foi realizada uma pesquisa pela Associação Nacional de Transportes
Públicos - ANTP3 nos 438 maiores municípios de todo o país. A pesquisa revelou que 40% das
viagens foram realizadas nos modos não motorizados (a pé ou bicicleta), seguido pelo transporte
individual motorizado (carros e motos), com 31%, e pelo transporte público coletivo (ônibus, trens
e metrô), com 29%. De acordo com o mesmo estudo, entre os anos de 2003 a 2012 o número de
automóveis em movimento aumentou 70%, e o de motocicletas em 209%.
As despesas provenientes dos congestionamentos da região metropolitana do Rio de
Janeiro, somada com a região metropolitana de São Paulo, atingem R$ 98 bilhões, o que equivale
a 2% do PIB nacional, além de ser um valor aproximadamente 2,3 vezes maior que o investimento
previsto na área para os 25 anos subsequentens, segundo o Programa de Investimento em
4 BENEDET, Ronaldo; OLIVEIRA, Antônia Maria de Fátima (coord.). O desafio da mobilidade urbana.
Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. p. 112.
5 GEIPOT. Manual de Planejamento Cicloviário. Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes,
Brasília, 2001.
6 REITVELD, Piet; DANIEL, Vanessa. “Determinantes of bicycle use: do municipal policies matter?”.
Transportation Research Part A: Policy and Practice, vol. 38, issue 7, pp. 531-550. 2004.
7 HERRSTEDT, Lene. Safety of Cyclists in Urban Areas: Danish Experiences. Danish Road Directorate,
1994.
8 NADAL, Luc. Velib one year later. Sustainable Transport, n. 20, Institute for Transportation and
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esforços em resgatar as formas urbanas mais compactas, para privilegiar o pedestre e o
contato entre as pessoas, passam pela necessidade de construir o senso de comunidade nas
cidades, reforçando a identidade local e o sentido de pertencimento da população11.
Para isso, uma solução viável é a incorporação, pelos governos municipais, dos recursos
correspondentes à melhoria das condições para que o incentivo ao uso da bicicleta se consolide,
tornando-o um veículo de uso corrente. No mesmo sentido, deve-se priorizar o sistema público de
transporte coletivo, que hoje é visto pela sociedade como um mal necessário, visão construída
culturalmente devido ao pouco esforço no sentido da sua melhoria.
É necessário compreender, portanto, que o conceito de mobilidade urbana abrange mais
do que a simples noção de deslocamento de veículos ou do conjunto de serviços existentes nas
9 BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.430/2015. Plenário. Relator: Ministro Augusto Nardes.
Sessão de 30/09/2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 set. 2015.
10 CÂMARA DOS DEPUTADOS. Orçamento Geral da União. Consultoria de Orçamento da Câmara dos
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARCZAK, Rafael; DUARTE, Fábio. Impactos ambientais da mobilidade urbana: cinco categorias
de medidas mitigadoras. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 4, n. 1, p. 13-32, jan./jun. 2012.
BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2.430/2015. Plenário. Relator: Ministro Augusto
Nardes. Sessão de 30/09/2015. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 30 set. 2015.
HERRSTEDT, Lene. Safety of Cyclists in Urban Areas: Danish Experiences. Danish Road
Directorate, 1994.
NADAL, Luc. Velib one year later. Sustainable Transport, n. 20, Institute for Transportation and
Development Policy – ITDP. 2008.
REITVELD, Piet; DANIEL, Vanessa. “Determinantes of bicycle use: do municipal policies matter?”.
Transportation Research Part A: Policy and Practice, vol. 38, issue 7, pp. 531-550. 2004.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 07 – MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE
O direito à mobilidade se relaciona com o direito à cidade na medida em que, para usufruir
na plenitude todas as oportunidades, equipamentos, serviços públicos e privados, é imprescindível
ter condições de acesso físico a eles. Especialmente quando se trata do direito à cidade na
perspectiva do pedestre, na medida em que realizar os deslocamentos cotidianos a pé constitui a
mais básica e natural modalidade de mobilidade urbana. Assim, por mais primário e trivial que
possa parecer, ser pedestre pode ser considerado um direito de cidadania. Diante das condições
de precariedade, insegurança e desconforto, exercer esse direito é cada vez mais realizar um
safári.
Um safári nos remete à aventura de exploração de territórios em geral selvagens, cheios
de surpresas e perigos. Com esta inspiração aventureira exploratória o Safári Urbano é a
adaptação de um método desenvolvido na prefeitura de Nova York (EUA) com o objetivo de
avaliar o ambiente urbano a partir da experiência do pedestre. Condições e percepções de
segurança, acessibilidade, conectividade e conforto ambiental, dentre outras, são analisadas e
comparadas a partir da vivência, observação e registros proporcionados pela caminhada.
Este ano um grupo de pessoas, heterogêneo em termos de idade, sexo e formação
profissional, saiu em Safári experimentando e avaliando os caminhos de pedestres em Brasília.
Neste resumo expandido buscamos contextualizar o direito à mobilidade como subsidiário do
direito à cidade e discutimos os resultados da primeira aplicação do Safári Urbano em Brasília à
luz do direito do pedestre à mobilidade.
1. O direito à mobilidade
Não se pode confundir direito à mobilidade com o direito à liberdade de ir-e-vir, aludido no
Inciso XV do Art, 5º da Constituição Federal - CF. Quando o Inciso rege que “é livre a locomoção
no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar,
permanecer ou dele sair com seus bens” 3
não significa que estariam sendo garantidas as
condições de livre locomoção. Para que elas aconteçam seriam necessários os serviços do
Estado pela disponibilização de infraestrutura de transportes, sejam eles de qualquer natureza, e
a realização plena da acessibilidade por parte das pessoas.
O Código de Trânsito Brasileiro - CTB, define em seu parágrafo 2°, do Artigo 1°, que “o
trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades
componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas
1
competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito” 4. Vasconcellos interpreta
essa definição como “direito à segurança na circulação” e assim o descreve:
[...] uma pessoa pode exigir reparação ou compensação por parte do governo em
caso deste não cumprir adequadamente com suas obrigações de garantir esta
segurança; isto se aplica, por exemplo, aos casos que a sinalização está
defeituosa, as calçadas e vias estão em condições perigosas para o uso das
pessoas ou quando alterações no esquema de circulação não foram
adequadamente comunicadas às pessoas que transitam pelo local, gerando
condições perigosas 5.
Percebemos que o direito à segurança definido no CTB, tal como defende Vasconcellos,
abrange a circulação de pedestres, já que se aplica em casos de omissão do poder público em
relação às calçadas disponibilizadas em condições perigosas. Aludimos a esse direito por
considera-lo subsidiário do direito à mobilidade.
A Lei da Mobilidade Urbana definiu em seu Inciso II, do Art. 6°, a “prioridade dos modos de
transportes não motorizados sobre os motorizados e dos serviços de transporte público coletivo
sobre o transporte individual motorizado" 6. Em direção ao direito à mobilidade, destaca-se seu
seguinte objetivo:
Art. 2º [...] contribuir para o acesso universal à cidade, o fomento e a
concretização das condições que contribuam para a efetivação dos princípios,
objetivos e diretrizes da política de desenvolvimento urbano, [...] 7.
Se o direito à mobilidade não está ipsis litteris materializado nos marcos legais, o mesmo
não se pode dizer do direito ao transporte. Esse foi incluído recentemente, em 2015, como direito
social no Art. 6° da CF, fruto da Emenda Constitucional nº 74, de 2013. Ainda que esteja
materializado na lei máxima, o conceito nele incutido subentende ênfase ao transporte público em
relação aos demais meios de transporte 8.
O direito à mobilidade deve então ser entendido como um direito mais amplo que o direito
ao transporte, como direito subsidiário ao direito à cidade e como um direito que se aplique aos
beneficiários de todos os meios de transportes previstos pela Lei da Mobilidade Urbana e
praticados nas cidades brasileiras. Em última instância, entendemos que o direito à mobilidade se
expressa também no atendimento do seguinte tópico dos “Desafios para uma nova agenda
urbana” do “Relatório brasileiro para a Habitat III”:
[é desafio] promover o desenvolvimento das cidades de modo que calçadas,
passeios, faixas de travessias, passarelas, escadarias, ciclovias e/ou ciclofaixas,
etc. integrem a infraestrutura urbana de circulação, como acessibilidade universal,
4 BRASIL, 1997.
5 VASCONCELLOS, 2012, p.135, grifo nosso.
6 BRASIL, 2012.
7 Ibid, grifo nosso.
8 Conforme se depreende da própria justificação da Emenda n° 74. Ver em: http://legis.senado.leg.br/sdleg-
getter/documento?dm=3867406&disposition=inline.
2
com alta qualidade urbanística dos projetos de recuperação e adaptação da
infraestrutura, contribuindo para a valorização do espaço público e comum 9.
2. O Safári Urbano em Brasília
10
A condição sui generis de Brasília enquanto cidade deve contribuir para a inversão do
padrão de deslocamentos em relação às demais cidades brasileiras. Nessas com mais de 60.000
11
habitantes, 36% do total das viagens principais são realizadas a pé , sendo este o modo de
deslocamento mais praticado. Em Brasília 21% do total de deslocamentos são realizados nos
meios de transporte individual não motorizado, o que inclui a pé e em bicicletas. Nesse caso, tanto
os deslocamentos em transporte coletivo (32%) como em transporte individual motorizado (45%)
12
são mais praticados . Apesar disso, não se pode desconsiderar a importância dos
deslocamentos a pé e a viabilidade de sua realização em Brasília.
13
Tema espinhoso é o da responsabilidade pelas calçadas . Embora em Brasília haja
também o “uso livre do chão” 14
e os “passeios periféricos” 15
das superquadras, na área central,
avaliada no Safári Urbano, predominam as calçadas. Em todos esses casos elas devem ser
consideradas como espaços de domínio público, parte das vias, no caso das calçadas. Enquanto
espaços de domínio público devem ser entendidos como pertencentes ao poder público, por sua
vez responsável, mesmo que indiretamente, por sua execução e manutenção.
Ao comentar sobre as expectativas de mudanças em direção a uma mobilidade urbana
mais equitativa no Brasil, o que se alinha ao que seria um direito à mobilidade para todos,
Vasconcellos coloca o papel da sociedade civil organizada:
Não de deve esperar do status quo nenhuma decisão que mude estruturalmente o
sistema de mobilidade, pois ele é considerado adequado e conveniente pelas
elites econômicas e políticas que têm acesso real ao poder. As propostas de
mudança precisam sair de organizações civis assessoradas por especialistas, que
produzam reflexões novas, revelem os mitos que estão por trás de várias formas
de apoio injustificado ao transporte individual e promovam um intenso e
permanente debate 16.
A “Associação Civil Andar a Pé – O Movimento da Gente” – ANDAR - iniciou suas
atividades em Brasília no inicio deste ano. Dentre suas finalidades está a de propor, apoiar e
e manutenção das calçadas é do proprietário dos imóveis, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei
13.146/2015, em seu Art. 113 alterou o Estatuto da Cidade, Lei 10.257/2001, atribui competências de
construção de calçadas à União.
14 Expressão utilizada por Lucio Costa no Relatório do Plano Piloto de Brasília para se referir às “tramas
3
executar ações e programas necessários em defesa dos direitos do pedestre. No cumprimento
dessa missão a ANDAR tomou iniciativa da realização do primeiro Safári Urbano em Brasília.
Em formato de oficina, a parte de aplicação propriamente dita incluiu a exploração de cerca
de 10 km de caminhos, inclusive com simulação em cadeira de rodas, em roteiros da área central
de Brasília com fins de identificação dos problemas mais recorrentes associados aos caminhos do
pedestre. Foram identificados falta de calçadas, pavimentação inexistente ou mal conservada,
ocupação de espaço da calçada por carros, extensão de comércios em direção ao espaço da
calçada, ausência de meio-fio rebaixado, falta de largura mínima suficiente, falta de sinalização
podotátil, falta de mobiliário e paisagismo e falta de manutenção deles quando existentes,
deposição de lixo sobre a calçada, dentre outros.
Como resultado da oficina a ANDAR coletou cerca de 300 fotografias e tem em mãos a
qualificação dos melhores e piores trechos dentre os roteiros explorados nos critérios de
segurança, acessibilidade, conectividade e conforto ambiental, dentre outras. Mais do que esses
resultados quantitativos e qualitativos a ANDAR promoveu a interação e sensibilização em torno
do tema como demonstra o depoimento abaixo:
[...] vi a necessidade de compreender esses aspectos quantitativos e qualitativos
de andar a pé, aprendendo a metodologia desse safari. Como estudante, pedestre
e ser humano, desenvolvi melhor minha sensibilidade quanto a quem usa a rua:
ciclistas, pedestres, cadeirantes, e até mesmo motoristas e motociclistas, vi a
negligência urbana de se esquecer (no projeto) uma calçada, uma sinalização,
uma iluminação para pedestres, entre outros, e por fim constatei que minha
insegurança de andar a pé ainda permanece, mas se aquietou devido ao interesse
que vi surgir em querer explorar mais as cidades e andar mais a pé, seja numa
percepção como futura arquiteta urbanista ou simples pedestre 17.
3. Considerações finais
Da experiência do Safári Urbano ficam alguns alertas para governantes atuais e futuros e,
principalmente, para os cidadãos e cidadãs que tem o privilégio - a dor e a alegria como diria
Caetano Veloso - de viver nesta cidade. Primeiro, o alerta de que a qualidade do espaço público
depende da qualidade dos espaços de circulação do pedestre e que essa é tão ou mais
importante quanto a dos espaços privados e equipamentos de uso coletivo que fazem parte da
cidade; e, segundo, que quando se fala do ambiente urbano como um todo e ao considerar o
processo de individualização, esvaziamento e fuga em direção aos lugares fechados como
shoppings centers e condomínios, em que a mobilidade urbana está centrada no uso dos carros e
travada nos engarrafamentos; em que o sedentarismo e a obesidade atingem adultos e crianças,
o seu componente mais básico são as ruas e suas calçadas, justamente porque o resgate delas
por meio da promoção da mobilidade ativa é vital para recuperarmos a saúde, a segurança, o
espírito republicano e democrático da cidade humanizada.
Referências bibliográficas
ANTP. Sistema de Informações da Mobilidade Urbana. Relatório Geral 2014. 2016. Disponível
em: < http://www.antp.org.br/sistema-de-informacoes-da-mobilidade/apresentacao.html>. Acesso
em: mai. 2017.
BRASIL. Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas. Relatório Brasileiro para a Habitat III.
Brasília:IPEA, 2016.
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 9.503, de 23 de setembro de 1997. Institui o Código
de Trânsito Brasileiro. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9503.htm>.
Acesso em: mai. 2017.
BRASIL. Presidência da República. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>.
Acesso em: mai. 2017.
BRASIL. Presidência da República. Lei n° 12.587, de 03 de janeiro de 2012. Institui as diretrizes
da Política Nacional de Mobilidade Urbana. Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12587.htm>. Acesso em: mai. 2017.
DA SILVA, Claudio O. Circular é preciso, pausar é preciso. In: ENCONTRO NACIONAL DA
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO
URBANO E REGIONAL, 16. 2015. Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: ANPUR, 2015.
DE VASCONCELLOS, Eduardo A. Mobilidade urbana e cidadania. Rio de Janeiro: Senac, 2012.
GDF. Programa de Mobilidade Urbana de Brasília. 2016. (Apresentação)
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 07 - MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE
Introdução
As cidades brasileiras reproduzem, amplificam e consolidam desigualdades. A mobilidade urbana,
por sua vez, é espelho das dinâmicas urbanas, evidenciando cotidianamente tais desigualdades,
por meio das possibilidades de acesso dos cidadãos a determinados locais das cidades.
Vasconcellos (1) aponta que a acessibilidade pode ser entendida pela quantidade ou a
diversidade de destinos que o cidadão pode alcançar, através de algum tipo de transporte, em
determinado espaço de tempo. Deslocar-se na cidade é requisito básico para o desenvolvimento
da maioria das atividades humanas, de lazer, trabalho, estudo ou comércio. A mobilidade
constitui-se um importante indicador de qualidade de vida, relaciona-se diretamente à inclusão e
mobilidade social, e, dessa forma, pode ser um meio de proporcionar o direito à cidade.
O direito à cidade, por sua vez, é abordado como a possibilidade à vida e ao usufruto do espaço
urbano como forma primordial de direito. Ou seja, uma inclusão social e um direito adequado de
acesso aos ganhos que a sociedade, coletivamente, é capaz de produzir e espacializar. Seguindo
com a acepção de Henri Lefebvre (2), além do direito à habitação digna, ao solo urbanizado, ao
acesso aos serviços que a cidade oferece, ao direito ao deslocamento adequado e rápido, ao
emprego e à renda mínima, o direito à cidade engloba a possibilidade da cidadania plena,
apropriação e controle social e fruição do espaço urbano.
Nos debates sobre mobilidade urbana é imprescindível, além de abordar as infraestruturas
urbanas e os sistemas de transporte público, tratar sobre a distribuição das camadas sociais no
1
Mestre em Urbanismo, Arquitetura e História da Cidade pela UFSC. Arquiteto do Observatório da
Mobilidade Urbana UFSC. dudulsouza@gmail.com.
2
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Transportes e Gestão Territorial.
Engenheiro do Observatório da Mobilidade Urbana UFSC. guilherme_carvalho91@hotmail.com.
3
Graduando em Geografia pela UFSC. Bolsista do Observatório da Mobilidade Urbana UFSC.
kaliu12@gmail.com
4
Mestranda no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFSC. Arquiteta do
Observatório da Mobilidade Urbana UFSC. geruzakretzer@gmail.com
5
Arquiteta e Urbanista pela UFSC. Arquiteta do Observatório da Mobilidade Urbana UFSC.
danielaotto.arq@gmail.com
6
Professor do Departamento de Automação e Sistemas e Coordenador do Observatório da Mobilidade
Urbana da UFSC. werner.kraus@ufsc.br
1
espaço urbano e a distribuição desigual dessas melhorias que influenciam diretamente no preço
da terra e, consequentemente, no acesso e direito à cidade. Mais do que as infraestruturas em si,
o elemento que acrescenta qualidade e valorização a um terreno urbano é justamente sua
localização (3). Conforme Harvey (4) afirma, quando há diferenças de renda monetária, a
localização das residências implica em diferenças ainda maiores da renda real. Esta, por sua vez,
é entendida como a proximidade de facilidades da vida urbana, que se dá através da
acessibilidade aos espaços de lazer, trabalho, serviços públicos, produzidas por investimentos
sucessivos em sistema viário, como aberturas de ruas, estradas, transporte público. Dessa forma,
políticas de transporte e trânsito amplificam as diferenças entre aqueles bem e aqueles mal
localizados e com e sem acesso ao transporte, seja público ou particular.
O problema é acentuado ao constatar-se que os terrenos com piores acessibilidades ou menos
aptos a ocupação (e, consequentemente, menos valorizados) são os que sobram para as
camadas sociais mais baixas, o que promove um espraiamento das cidades e a ocupação
precária de áreas sem aptidão à edificação. Tal processo de dispersão da mancha urbanizada
acarreta uma série de problemas sociais e urbanos, destacando-se a deterioração dos recursos
naturais e da qualidade ambiental; a descontinuidade das redes de infraestrutura; os altos custos
de urbanização em longas distâncias; a diminuição da eficiência e o aumento dos custos no
sistema de transporte público (repassados à tarifa); e a conformação de espaços segregados
espacialmente, resultando no agravamento dos problemas sociais.
Neste artigo, concentra-se na questão da mobilidade urbana, com o objetivo de evidenciar como
um redesenho do sistema de transporte metropolitano pode proporcionar um melhor acesso aos
centros urbanos e, consequentemente, ampliar o direito à cidade. Para isso, são apresentados
dados sobre a realidade socioespacial da Região Metropolitana de Florianópolis, e de que forma
configuram-se as condições de acesso da população., Ao final, é apresentado um panorama
geral da proposta de redesenho do sistema metropolitano de transporte da Grande Florianópolis e
de que forma ele visa melhorar a mobilidade e a inclusão socioespacial, sobretudo para as
camadas de renda mais baixa.
A Região Metropolitana de Florianópolis
A Região Metropolitana de Florianópolis (RMF) foi criada pela Lei Complementar n.º 636, de 2014,
que também instituiu a Superintendência de Desenvolvimento da Região Metropolitana da Grande
Florianópolis (SUDERF), autarquia vinculada à Secretaria de Estado do Planejamento de Santa
Catarina cujo papel é coordenar os serviços de interesse comum da região, tais como transporte
coletivo de passageiros, saneamento básico, gestão de resíduos sólidos e meio ambiente. A RMF
integra os municípios de Águas Mornas, Antônio Carlos, Biguaçu, Florianópolis, Palhoça, Santo
Amaro da Imperatriz, São José, São Pedro de Alcântara e Governador Celso Ramos (Figura 1).
2
Figura 1. Localização do aglomerado urbano da RMF. Fonte: Elaboração própria.
De acordo com o Censo (5) realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no
ano de 2010, a região metropolitana é o maior aglomerado populacional de Santa Catarina,
representando 14,8% da população do estado, com uma população aproximada de 877.116
habitantes, área total de 2.760km2 e uma densidade populacional de 317,79 hab/km2.
Os quatros municípios com população acima de 25.000 mil habitantes - Biguaçu, Florianópolis,
Palhoça e São José - representam 94,24% da população total da região, a maior parte localizada
em torno das baías norte e sul, constituindo uma conurbação. No município de Florianópolis,
concentram-se 421.240 pessoas, 209.804 no município de São José, seguido por Palhoça com
137.334 e Biguaçu com 58.206 habitantes. O que torna a área em questão singular é o fato de o
município principal localizar-se em uma ilha, com apenas duas ligações terrestres em
funcionamento, com quatro faixas de tráfego cada: as Pontes Pedro Ivo Campos e Colombo
Salles, entrando e saindo da Ilha, respectivamente. Essas oito faixas canalizam todo o tráfego de
automóveis, transporte coletivo e veículos de carga para abastecimento da Ilha. Naturalmente,
isso acarreta em problemas severos de congestionamentos.
Sugai (6) aponta que, historicamente, o município de Florianópolis e principalmente sua porção
insular, recebeu a maior parte dos recursos públicos de investimentos em infraestrutura, contando
com a maior parte das instituições públicas, hospitais e clínicas, serviços e comércios. Junto a
isso, sempre concentrou as camadas de mais alta renda da região. Nas regiões periféricas,
principalmente nos municípios de Palhoça, São José e Biguaçu, há uma maior predominância de
áreas de baixa renda, sobretudo habitacionais, com menor oferta de serviços públicos ou
privados, tais como educação, saúde, e comércio. Souza (7) aponta que esse padrão vem sendo
intensificado com a implantação de um número expressivo de empreendimentos do Programa
Minha Casa Minha Vida” do governo federal em áreas com pouca infraestrutura de transportes e
atrativos urbanos.
Panorama da situação atual do transporte público
Aliada a essa conformação socioespacial particular, o Plano de Mobilidade Urbana Sustentável da
Grande Florianópolis (PLAMUS) (8) diagnosticou que a região metropolitana de Florianópolis
3
apresenta uma primazia das viagens realizadas por transporte individual motorizado (automóveis
e motocicletas). Elas representam quase a metade das viagens (48%), sendo a maior
porcentagem entre as capitais brasileiras. Além disso, observa-se uma taxa de utilização
considerada muito baixa no transporte público se comparado a outras capitais brasileiras, da
ordem de 30% das viagens. Os motivos são diversos, e vão desde o estigma ao ônibus, à baixa
eficiência das linhas, até a alta tarifa cobrada, sobretudo nos deslocamentos que envolvem mais
de um município. Com base na pesquisa de imagem do PLAMUS, realizada através de
amostragem em entrevistas domiciliares, 80% dos usuários entrevistados afirmaram ser ruim ou
péssimo o tempo de deslocamento de viagens, o tempo de espera e a regularidade do serviço de
transporte público. Outros 70% conferiram as mesmas notas baixas à pontualidade e a falta de
informação adequada ao usuário.
Atualmente o transporte coletivo na região metropolitana é composto por sistemas distintos,
havendo sobreposição de sistemas municipais com linhas intermunicipais administradas pelo
estado de Santa Catarina. Excetuando-se o município de Florianópolis, todos os demais da RMF
tem serviços de transporte coletivo operando sem contrato, através de cinco operadores, cuja
abrangência da operação é condicionada a determinadas divisões territoriais acordadas. Tal fator
representa dificuldades na operação, uma vez que um operador geralmente opta por não adentrar
na porção do território que é servida por outro operador. Além disso, a superposição entre
sistemas acaba esvaziando a oferta de horários em linhas municipais em benefício das
intermunicipais de maior tarifa. Frequentemente, isso acarreta que deslocamentos dentro de um
mesmo município sejam feitos com serviços intermunicipais mais caros, trazendo prejuízo ao
usuário.
O diagnóstico do PLAMUS apontou que, no geral, o transporte coletivo na região opera com
intervalos elevados, sobretudo fora dos horários de pico da manhã e da tarde. Os ônibus servem,
primordialmente, aos horários de pico. E, além disso, as frequências de pico são oferecidas por
períodos curtos. Comparando-se a oferta de serviços no pico da tarde do sábado com o pico da
tarde no dia útil verifica-se uma eliminação de 65% das viagens ofertadas, percentual que atinge
73% no domingo. Esse dado, por si só, já pode sugerir a dificuldade das condições de acessos a
cultura, espaços públicos, ou mesmo serviços para a população que não se encontra nas áreas
centrais.
Soluções propostas
O principal fator de mudança da precariedade atual do transporte público na RMF é a integração
completa dos serviços por meio de um sistema único para os municípios de Águas Mornas,
Antônio Carlos, Biguaçu, Governador Celso Ramos, Santo Amaro da Imperatriz, São José, São
Pedro de Alcântara e Palhoça. A proposta é constituir-se um sistema tronco-alimentador, com a
instalação de dois terminais localizados nos municípios de Biguaçu e Palhoça, próximos à divisa
de São José. A Figura 2 mostra o conceito do sistema, com os referidos terminais simbolizados
4
pelos círculos nas extremidades da linha curvada. Um terceiro terminal localizado na Ilha de Santa
Catarina também é representado, à direita na figura.
Um sistema único na Região Metropolitana possibilita a integração entre os diferentes serviços, a
eliminação de sobreposição de linhas e ganhos de escala na operação. A operação com terminais
de integração ainda permite o reforço de linhas municipais, incluindo a criação de novos serviços
e incremento dos horários. Linhas troncais de alta frequência estruturam os deslocamentos na
região continental e, também, em direção ao centro de Florianópolis e ao centro comercial de São
José, áreas com a maior concentração de serviços, empregos e atrativos urbanos. Com tal
configuração, fica possibilitada a criação de uma política tarifária que incentive os deslocamentos
municipais, ao possibilitar uma menor tarifa para deslocamentos de curta distância e a integração
sem cobrança adicional para as viagens em uma mesma zona tarifária.
5
zonas tarifárias atravessadas. Para os moradores em áreas de baixa renda e periféricas isso
acarreta maiores gastos com transporte, uma vez que os mesmos geralmente têm de percorrer
maiores distâncias para trabalhar ou ter acesso a serviços. A partir daí, surge um novo problema:
como tratar essa questão social? A gestão do sistema, realizada pelos municípios e um ente
metropolitano coordenador possibilita várias alternativas. Cada município, separadamente, tem a
livre escolha de subsidiar determinados deslocamentos ou classes sociais, enquanto que existe
também a possibilidade de tratar essa questão de forma conjunta. Esse assunto deve ser debatido
entre Prefeituras e Governo do Estado, indo além de aspectos meramente financeiros para incluir,
numa visão técnica que considera o contexto social mais amplo, as compensações devidas às
populações de baixa renda empurradas às periferias por conta da valorização exacerbada dos
terrenos em áreas centrais.
Por fim, destaca-se que o transporte público deve ser um meio de garantir maior acesso aos
destinos na “cidade metropolitana”, promovendo, dessa forma, a realização do direito à cidade. As
políticas de transporte público podem proporcionar uma democratização de acessos, de forma
segura, confortável e mais rápida aos diversos atrativos urbanos. Importante destacar, ainda, que
a política de transporte deve estar atrelada, sobremaneira, ao desenvolvimento urbano, às
políticas habitacionais e as leis vigentes tal como o Plano Diretor.
Referências Bibliográficas
1 VASCONCELLOS, E. A. DE. Transporte urbano nos países em desenvolvimento: reflexões
e propostas. 3. ed. São Paulo: Annablume, 2000. 4
2 LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 5. ed. São Paulo: Centauro, 2001.
3 VILLAÇA, Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Fapesp, 1998.
4 HARVEY, D. A Justiça Social e a Cidade. São Paulo: Hucitec, 1980.
5 BRASIL. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Instituto Brasileiro de Geografia e
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<ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Cadastro_Nacional_de_Enderecos_Fins_
Estatisticos> Acesso em: 26 de Maio. 2017.
6 SUGAI, M. I. Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área
conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis: Editora da UFSC, 2015.
7 SOUZA, Eduardo Leite. A periferização dos empreendimentos do Programa Minha Casa
Minha Vida e suas consequências na dinâmica socioespacial e na mobilidade urbana da
área conurbada de Florianópolis. 2016. 199 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Programa de
Pós-graduação em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2016.
8 Logit Engenharia Consultiva; Strategy&; Machado Meyer Sendacz e Opice Advogados.
Relatórios PLAMUS. Florianópolis: BNDES, 2015.
9 BID; IBAM; Prefeitura de Florianópolis. Plano de Ação Florianópolis Sustentável 2015.
Florianópolis, 2015.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 07 – MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE
INTRODUÇÃO
Segundo a Lei 12.587/2012 que trata da Política Nacional de Mobilidade Urbana, mais
especificamente no inciso IV do artigo 14 no Capítulo III, todos têm o direito de “ter ambiente
seguro e acessível para a utilização do Sistema Nacional de Mobilidade Urbana”.4
As simples atividades cotidianas podem representar um grande desafio para as pessoas
com deficiência a depender das barreiras urbanísticas existentes no meio urbano. Todo cidadão,
principalmente aqueles portadores de limitações físicas, tem o direito garantido por Lei de acessar
informações sobre o sistema de transporte urbano, como, por exemplo, as condições de
mobilidade da sua cidade, resgatando aquilo que Lefebvre (1978) defende que é o direito à
cidade.
Atualmente a população brasileira habita predominantemente as áreas urbanas. Esta
população urbana não usufrui de forma equitativa dos benefícios da urbanização, distribuídos de
forma diretamente proporcional à renda dos seus habitantes. Enquanto, para parte da população
brasileira a infraestrutura urbana está associado à renda, para as pessoas com deficiência o
direito à cidade pode ser totalmente suprimido em função das limitações provenientes da
deficiência e seu poder aquisitivo.
O Projeto Ponto Certo visa, dentre outras coisas, proporcionar visibilidade às reais
condições de acessibilidade dos pontos de ônibus da cidade de Salvador, utilizando-se de dados
georreferenciados, coletados a partir de inspeções técnicas realizadas in loco por monitores do
4 BRASIL, Ministério das Cidades. Política Nacional de Mobilidade Urbana. Brasília: 2012.
Curso de Bacharelado em Urbanismo da Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Adotando
como metodologia o mapeamento dos pontos e paradas de ônibus da cidade, utilizando-se sua
localização geográfica e classificados segundo as condições de acessibilidade, de acordo com
parâmetros pré-estabelecidos na tabulação dos dados.
O projeto inicialmente desenvolvido em 2014 teve apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, com o mapeamento dos pontos de ônibus
existentes dentro de um raio de 10 km a partir do Hospital Sarah em Salvador, identificando suas
coordenadas geográficas. Em que foram realizadas inspeções técnicas com acompanhamento de
especialistas baseando-se num formulário produzido e aprovado pelo GT de Acessibilidade,
Mobilidade Urbana e Cidadania do CREA/BA. Com isso, foi possível elaborar um Barema capaz
de classificar os pontos como: “Crítico”, “Aceitável” e “Favorável”, atribuindo valores às
informações coletadas.
Com o fim do apoio do CNPq em 2015, foi proposto que o projeto se desenvolvesse para
todos os pontos de ônibus da cidade de Salvador. Essa nova proposta para o projeto foi dividida
em quatro etapas. Na primeira etapa, foram realizadas discussões sobre o tema com a equipe
envolvida, principalmente com os discentes monitores e voluntários da instituição com o objetivo
de esclarecer a importância de um projeto como este dentro da perspectiva do “direito à cidade”
no que se refere à acessibilidade dos portadores de limitações motoras, dentro do atual panorama
da mobilidade urbana.
A segunda etapa iniciou-se com os mapeamentos e inspeções dos pontos de ônibus
utilizando uma ferramenta do Google Earth. Esta ferramenta permitiu ter uma visão de
posicionamento dos pontos em um mapa cartográfico e a geração das coordenadas de latitude e
longitude. As informações foram transferidas para uma planilha que auxilia na identificação dos
pontos e iram contribuir durante a inspeção técnica.
A terceira etapa se encontra em andamento, com as pesquisas de campo, em que todos os
alunos passaram por um treinamento para realização das inspeções técnicas. Estes dados são
colocados em um documento onde são analisadas as questões de acessibilidade, são certificadas
as coordenadas da etapa anterior e colocadas no banco de dados.
A implantação deste sistema prevê na sua quarta etapa, a possibilidade de inserção de
comentários e observações sobre as condições dos pontos de ônibus a partir da escuta e do
envolvimento dos usuários, criando um mecanismo de monitoramento desses pontos no que se
refere à atualização das condições, caso venham a sofrer alguma alteração naquilo que eles
oferecem em termos de acessibilidade. Desta forma, além de ser um sistema que irá disponibilizar
as informações sobre as condições de Acessibilidade, ele também será alimentada com as
informações dos cidadãos, gerando uma forma colaborativa e democrática a produção de
informação.
Outro aspecto importante do projeto é a possibilidade de envolver o cidadão na discussão e
conhecimento dos problemas que atingem o seu entorno no sentido de promover o
esclarecimento sobre as questões de Mobilidade Urbana e Acessibilidade, destacando a sua
importância e seguridade legal destes no exercício da cidadania.
Para atingir esse objetivo, utilizamos o Open Street Map (OSM), que é uma plataforma de
gerenciamento de dados cartográficos, que gerou um mapa digital georreferenciado composto de
informações específicas levantadas nas vistorias realizadas, construídas pelas categorias que
avaliam as condições de acessibilidade nos pontos de ônibus, o qual encontra-se disponível no
site www.pontocerto.org.
CONSIDERAÇÕS FINAIS
A principal contribuição deste projeto é sugerir uma forma efetiva de ação no que se refere
à participação da população nas discussões sobre a Mobilidade Urbana no Brasil. No entanto,
ainda é muito baixa a participação da população nestas discussões, muitas vezes não por falta de
uma vontade, mas por falta de uma ferramenta acessível às pessoas, dando voz ativa e trazendo-
as para o meio das discussões.
Isso mostra a importância de se buscar soluções eficientes e eficazes no que diz respeito à
garantia da acessibilidade. Nesse sentido o investimento em pesquisa e aplicações em novas
tecnologias se faz cada vez mais importante no cenário global em que vivemos. Projetos como o
Ponto Certo, que aliam a tecnologia e a acessibilidade podem impulsionar os avanços que
direcionam a equidade social que favoreçam o cidadão e o seu deslocamento pela cidade, pois
através dele é possível criar novas possibilidades de discussão e efetivação desta problemática.
Acreditamos que, com a divulgação das informações referentes às condições dos pontos
de ônibus através de um mapa georreferenciado, podemos oferecer a este cidadão uma melhor
qualidade no seu deslocamento pela cidade, avaliando os pontos que estão em melhores
condições dentro do seu trajeto.
Muito mais que apenas a informação, este projeto visa à eliminação de barreiras sociais,
econômicas e urbanísticas, para gerar mudanças diretamente conectadas com a promoção da
acessibilidade. O atendimento dessas necessidades garante que as pessoas que apresentem
algum tipo de deficiência possam viver com autonomia e exercer sua cidadania.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Ministério das Cidades. Política Nacional de Mobilidade Urbana. Brasília: 2012.
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e estatística. Censo Demográfico 2010. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/estadosat/temas.php?sigla=rj&tema=censodemog2010_defic>. Acesso
em: 5 Jun 2017.
LEFEBVRE, Henri. The Production of Space. Trad. Donald Nicholson Smith. Cambridge,
Blackwell, 1991.
SOUSA, Paulo Victor de. Cartografia 2.0: Pensando o Mapeamento Participativo na Internet. IN
Geografias da comunicação: espaço de observação de mídia e de culturas / Organização,
Sonia Virgínia Moreira. – São Paulo: INTERCOM, 2012.
1
Ana Fernandes1
Adriana Nogueira Vieira Lima2
Grupo de Pesquisa Lugar Comum
1. Introdução
O planejamento estratégico e sua gestão por projetos vem se insinuando no Brasil desde os
anos 90. Cidades e governos de diferentes perfis e espectros políticos almejaram se utilizar do
instrumental derivado do sucesso de Barcelona em sua entrada triunfal na comunidade europeia e nas
cidades globais, alavancada pela promoção dos jogos olímpicos de 1992. Rio de Janeiro e Santo
André, com arranjos, nuances e temporalidades específicas, adotaram esse caminho: o Plano
Estratégico do Rio de Janeiro (1993-1996) e o Projeto do Eixo Tamanduatehy de Santo André (1997-
2000) especificam essa tendência.
Salvador buscou se inserir nesse processo, com a Prefeitura promovendo a III Conferência
Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo em julho de 1993, logo na sequência da I
Conferência de Cidades para o Século XXI, realizada no Rio de Janeiro, em junho de 1993, onde se
decidiu criar o Centro Ibero-Americano de Desenvolvimento Estratégico Urbano (CIDEU), sediado em
Barcelona3, que viria a se tornar a referência internacional para a consultoria em planejamento
estratégico na América Latina. O processo é retomado com maior entusiasmo nas duas gestões
seguintes (1997-2004), quando diversos projetos segmentados são concebidos pelo município, mas
apenas parcialmente implementados.
Organizada em torno de uma cesta de projetos fragmentados, muitos deles contratados por
empresas privadas e doados ao poder público (o que gerou uma série de ações de questionamento
(adriananvlima@gmail.com)
3 Organização dos Estados Ibero-Americanos. III Confererência de Chefes de Estado e de Governo. Documento Final, julho
por parte da sociedade civil), essa iniciativa previa prioritariamente atuação da Prefeitura no campo da
infraestrutura da mobilidade, com o programa RIT (rede integrada de transportes, com o BRT e o
metrô) e o PROVIA (programa de obras viárias), este com duas grandes ambições: a construção de
dois novos eixos de deslocamento na cidade, a Via Expressa Linha Viva e a Via Atlântica4. Ancorados
em projetos esquemáticos e buscando legitimação em grandes nomes da arquitetura, eles foram
contestados já na primeira audiência pública de apresentação, em 2012, com pronunciamentos
contrários provindos de diferentes horizontes sociais e territoriais da cidade.
No plano nacional, ainda em 2012, ocorrem dois fatos aparentemente paradoxais: a alteração
da Lei nº 11.079, de 2004, que dispõe sobre as Parcerias Público-privadas – PPPs, ampliando
consideravelmente o protagonismo do setor privado e a aprovação da Lei nº 12.587, que institui a
Política Nacional de Mobilidade Urbana, enquanto instrumento da política de desenvolvimento urbano,
objetivando explicitamente contribuir para o acesso universal à cidade. A partir desse contexto,
buscamos problematizar o Projeto Via Expressa Linha Viva enquanto pretensa proposta de solução de
mobilidade urbana e seus impactos ambientais e sociais sobre a Cidade de Salvador.
A Linha Viva é uma via expressa pedagiada a ser implantada na Cidade de Salvador, ligando a
Rótula do Abacaxi à CIA-Aeroporto, com extensão de 17,70 km de pista dupla, exclusiva para carros,
com três faixas de tráfego por sentido, 10 conexões com o sistema viário existente (viadutos, alças e
rampas que possibilitam entradas e saídas e que funcionam também como praças de pedágio) e 20
ligações viárias simples (viadutos). (TTC, 2012)
4Os outros projetos tratavam de requalificação urbana, ambiental e paisagística da Cidade Baixa, da reconstrução da Fonte
Nova e do Parque Tecnológico de Salvador. (SALVADOR, 2010)
3
Além de ser um projeto viário anacrônico, a solução proposta não tem o condão de resolver o
problema de mobilidade pois não apresenta nenhuma capacidade de gerar capilaridade urbana,
insistindo numa perspectiva muito criticada, também nacional e internacionalmente, de concentração
de grandes fluxos em canais de tráfego com pouca interação com sua vizinhança e entorno. (LUGAR
COMUM, 2013).
O Projeto Linha Viva traz como ponto central a privatização do sistema viário, afrontando a
Política de Mobilidade Urbana brasileira que preconiza o acesso universal. Trata-se da implantação de
uma via que envolve o investimento de 1,5 bilhões de dólares, a ser implementada pelo setor privado,
com concessão pelo prazo de 35 anos, mas que não poderá ser usada pela maior parte da população
de Salvador, que é de baixa renda e usuária essencialmente do transporte público e dos
deslocamentos a pé (37,9% e 31,8%, respectivamente, segundo dados da pesquisa OD 2012, apud
ROCHA, 2014)
Ademais, ainda que haja alegação que o total de investimento será proveniente da iniciativa
privada, a equação financeira não foi apresentada de forma transparente. Alguns argumentos podem
ser mobilizados para demonstrar os investimentos do poder público. Inicialmente deve ser destacado
que o traçado da via recairá predominantemente sobre a faixa de servidão administrativa das linhas de
transmissão de energia elétrica da Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), utilizando
uma extensa reserva de área da cidade. A poligonal básica de implantação do Projeto, segundo o
Decreto Municipal nº 20.735, de 2010, que declarou a área de interesse público para fins de
desapropriação, abrange uma área de 4,64 milhões m2, ou seja, 464 hectares. (SALVADOR, 2012). A
interdição de outros usos de interesse social em área de tamanha magnitude é social, politica e
tecnicamente inadmissível e afronta o principio da função social da propriedade pública.
Ainda que não haja uma informação precisa, os documentos oficiais acessados monstram que
o Municipio pretende aportar recursos oriundos da outorga onerosa do direito de construir para
atividades de cadastramento, desapropriações, desocupações e indenizações de benfeitorias, bem
como para a realocação da população de baixa renda e de famílias. Por fim, para agravar a situação, o
chefe do Poder Executivo Municipal enviou o Projeto de Lei nº 78/2015, buscando a concessão de
isenção fiscal do imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISSQN, associado aos serviços de
construção civil no período de construção do projeto.
O Projeto Linha Viva também não pode ser considerado uma solução de mobilidade
satisfatória, visto que não está interligado a uma política de mobilidade urbana e apresenta-se em
dissonância com uma política de uso do solo urbano pautada no principio da função social da
propriedade e da cidade e nas diretrizes previstas no Estatuto da Cidade. Trata-se, na verdade, de
4
Desse modo, a par de ser uma via estruturante da política urbana da Cidade de Salvador, o
traçado do Projeto é inserido no ordenamento jurídico municipal através das Leis Municipais nº
8.378/2012 (PDDU da Copa), 8.167/2012 e 8.379/2012, que foram declaradas inconstitucionais pelo
Tribunal de Justiça da Bahia, em decorrência de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo
Ministério Público da Bahia, em virtude da falta de participação e estudos técnicos que respaldasse a
sua inserção no ordenamento jurídico.
Em face à decisão judicial, o município, incorrendo nos mesmos vícios que ensejaram a
declaração de inconstitucionalidade, insere o traçado do Projeto Linha Viva na Lei nº 9.069, de 2016,
que dispõe sobre o novo Plano Diretor de Desenvolvimento do Município de Salvador (PDDU). Trata-
se de uma inserção meramente formal, sem lastro em estudos técnicos ou discussão com a sociedade
e que contraria os objetivos da Política Urbana, relativos ao ordenamento territorial. No PDDU está
previsto, por exemplo, que as soluções de mobilidade devem integrar os espaços internos do
Municipio e as Vias Expressas devem contemplar faixas de tráfego preferenciais para a circulação do
transporte coletivo, que terão prioridade sobre qualquer outro uso projetado ou existente na área
destinada à sua implantação. (SALVADOR, 2016).
Os impactos ambientais são incalculáveis e ultrapassam a esfera local. O projeto atinge áreas
de proteção ambiental, como a represa do Cascão, área de 200 hectares de vegetação nativa sob
tutela do 19º Batalhão de Caçadores (19 BC) do Exército e prevê a supressão de Mata Atlântica em
estágio primário e secundário. Esses impactos são menosprezados pelos Estudos de Impacto
Ambiental (EIA-RIMA), elaborados pela pela Empresa TTC – Engenharia de Tráfego e Transporte
LTDA e podem ser considerados tendenciosos, visto que a referida empresa é também autora do
Projeto Básico de Engenharia Viária.
de 20 bairros5, muitos deles ocupados por população de baixa renda, que ali vive há mais de 30 anos,
sendo grande parte das áreas consideradas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e
inseridas em programas de regularização fundiária. A forma negligente como vem sendo tratada a
população atingida retoma práticas urbanísticas condenadas até mesmo por agências financeiras
internacionais como o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento.
Essa tentativa de rapto do Direito à Cidade não ocorre sem um contra-ataque. O Projeto Linha
Viva deflagrou práticas de resistência e insurgências, voltadas à democratização e acesso à cidade.
As comunidades impactadas se organizaram em torno do Movimento Linha Viva Não que,
congregando diferentes coletivos, movimentos, ONGs, universidade, mandatos de vereadores e
deputados, buscam produzir um contramovimento ao projeto proposto, tencionando fortalecer a
disputa política em torno do projeto, suas características e responsabilidades, bem como a abertura de
canais de diálogo e informação.
Considerações Finais
A velocidade e voracidade com que se alargam as fronteiras de atuação do capital corporativo
privado ou público-privado sobre a cidade põem em cheque os marcos regulatórios construídos
através de uma ampla mobilização da sociedade em direção do Direito à Cidade.
A referência fundamental do Estatuto da Cidade para a construção desse direito no Brasil se torna
largamente insuficiente para fazer frente às legalidades construídas pelo novo regime de acumulação,
ancorado em arranjos jurídicos, políticos e empresariais que suplantam de muito os instrumentos
anteriormente definidos, pois que os desconhecem. Tensionar esse novo universo jurídico, fazendo-o
5Baixa do Bonocô; Loteamento Santa Tereza; Alto do Abacaxi; Jardim Brasília; Saramandaia; Pernambués; Resgate; entorno
19 BC; Baixa do Saboeiro; Conjunto Viver Melhor; Narandiba; Arenoso; Conjunto Habitacional Saboeiro; Conjunto Amazônia;
Doron; Tancredo Neves; Bosque Imperial; Vale Imperial; Vila Nova de Pituaçu; Recanto dos Pássaros; Moradas do Campo;
Vale dos Lagos; Paralela Park; Baixa do Quiabo; Vila Dois de Julho; Condomínio Sol Mirante; Condomínio São Paulo;
Residencial Dois de Julho; Residencial Hildete Teixeira; Vilamar; Loteamento Canto do Rio, Cassange, Biribeira e Alfavile 2.
6
confluir com os princípios e diretrizes do Estatuto da Cidade parece se constituir em desafio potente
para referendar e ampliar os processos e caminhos para a construção do direito à cidade em nosso
território.
Figura 1 – Via expressa Linha Viva: áreas declaradas de interesse público para fins de desapropriação
REFERÊNCIAS
ROCHA, Francisco Ulisses Santos. O perfil da mobilidade urbana em Salvador (1975 a 2012): a
cidade dividida. Salvador: PPGAU/FAUFBA, 2014, tese de doutorado.
SALVADOR, Prefeitura Municipal. Salvador, Capital Mundial. A cidade do nosso futuro. 2010
SALVADOR. Decreto Municipal nº 20.735, de 19 de abril de 2010. Republicado no Diário Oficial de
31 jun de 2012. Original no 20 de abril de 2010.Salvador, 2012.
SALVADOR. Lei nº 9.069, de 2016, dispõe sobre o novo Plano Diretor de Desenvolvimento do
Município de Salvador. Disponível em http://www.sucom.ba.gov.br Acesso: 06 de jun 2017.
TTC Engenharia de Tráfego e de Transporte LTDa. Projeto Básico de Engenharia Viária. São Paulo,
agosto de 2012. Sucop Superintendência de Conservação e Obras Públicas. Salvador, 2012.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
1
Márcia de Andrade Pereira Bernardinis
1. INTRODUÇÃO
Segundo a mesma autora, é notório o fato de a mobilidade sempre ter sido urbana, porém nunca
humana, sendo o sistema viário, desde sua concepção, direcionado à fluidez de circulação de
veículos particulares, trazendo dessa forma benefícios a apenas um grupo da população, reduzindo
a oferta e o espaço viário para o transporte público coletivo, aumentando a fragmentação social da
parcela da população com menor renda residente em áreas periféricas que, por não ter acesso aos
equipamentos urbanos, tem suas capacidades restritas.
Nesse contexto se insere o conceito de mobilidade urbana sustentável como uma maneira de
promoção de deslocamentos igualitários, facilitando acessos em todos os seus aspectos, para que
1
dessa forma se possa reduzir o consumo de energia associada aos meios de transporte, diminuindo
a poluição ambiental e aplicando os recursos nos transportes de forma mais eficiente.
Diante do contexto apresentado, este artigo tem como objetivo apresentar a situação brasileira
no contexto da aplicação efetiva das políticas de mobilidade urbana, assim como um panorama da
utilização de índices e indicadores como ferramenta de auxílio na elaboração e controle dos Planos
de Mobilidade Urbana, afim de se ter uma melhoria contínua nesses processos.
2. DESENVOLVIMENTO
Leis e políticas públicas foram criadas para a efetivação do uso igualitário do espaço urbano
no intuito de a mobilidade urbana tornar-se um instrumento na aplicação do direito à cidade. Porém,
esse fato não é recorrente na maioria das cidades brasileiras, onde o meio urbano está estruturado,
na maior parte das vezes, de forma a segregar e, por muitas vezes, excluir a população de baixa
renda do centro de produção (FELTRAN, 2016).
Conforme o Ministério das Cidades (2007), mais de 3 mil cidades devem elaborar seus
Planos de Mobilidade Urbana conforme a Lei n. 12.587/2012, das quais 1.644 têm acima de 20 mil
habitantes. Segundo Cezario e Bernardinis (2015), o perfil dos municípios brasileiros de 2012,
2
realizado pelo IBGE, mostra que em municípios com 100 mil a 500 mil habitantes, 43,6% possui
conselhos municipais de transporte e 22,4% possui Planos de Mobilidade Urbana. Nos 38 grandes
centros urbanos, com mais de 500 mil habitantes, as proporções sobem para 76,3% de cidades
com conselhos e 55,3% de cidades com Planos de Mobilidade Urbana.
Algumas ferramentas para auxílio à elaboração dos Planos de Mobilidade Urbana têm sido
utilizadas na última década, como a aplicação de indicadores de mobilidade urbana sustentável,
apoiando os planos a atingir objetivos econômicos, sociais e ambientais propostos por cenários
alternativos e pacotes de políticas públicas, bem como o enfoque de aspectos específicos da
sustentabilidade, como acessibilidade, mobilidade e capacidade ambiental. Esse modelo de
avaliação pode chamar a atenção para a necessidade da articulação das políticas de transporte,
trânsito e acessibilidade, a fim de proporcionar o acesso amplo e democrático ao espaço, de forma
segura, socialmente inclusiva e sustentável, além de promover a integração entre as diversas
modalidades de transportes.
A utilização de indicadores como ferramenta de auxílio nos Planos de Mobilidade Urbana pode
ser parametrizada através da sua quantificação, sendo que algumas cidades brasileiras já fizeram
uso desse método: São Carlos, Curitiba, Distrito Federal, Belém, Uberlândia, Araraquara, Anápolis
e Goiânia. A metodologia proposta por Costa (2008), intitulada Índice de Mobilidade Urbana
Sustentável (IMUS), é capaz de proporcional tal feito, avaliando aspectos pertinentes à mobilidade
e incluindo cenários essenciais, como o social, econômico e ambiental.
O IMUS, composto por 87 indicadores, tem como aspecto relevante a sua adaptabilidade
conforme as características da cidade onde aplicado, que ocorre por meio de sua normalização e
reestruturação qualitativa em casos onde alguns indicadores não são passíveis de cálculo (cidades
sem pesquisa Origem-Destino e cidades que não possuem transporte público, por exemplo). Essa
normalização permite uma visão detalhada do sistema de mobilidade urbana, cobrindo temas que
são relevantes em diferentes contextos geográficos. A principal característica do IMUS é a
possibilidade de se identificar as potencialidades e deficiências de cada tema proposto, de maneira
a realizar melhorias pontuais em cada um dos indicadores calculados. Em sua composição final, o
3
IMUS possui valor global calculado entre 0,00 e 1,00 e valores setoriais entre 0,00 e 0,340 (índices
econômico, social e ambiental).
Sendo assim, Carvalho (2016) propôs alguns indicadores relacionados a soluções logísticas
para esses casos que incluem o transporte de carga: Congestionamentos Urbanos, Veículos
Transitando em Área Central, Emissões de Poluentes, Satisfação do Comércio, Acidentes
Envolvendo Veículos de Carga, Obstáculo em Rota, entre outros.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, por mais que existam estudos sobre tais indicadores, esses ainda são insuficientes e,
mais especificamente em transporte de carga, sua quantificação inexistente, o que salienta o fato
desta temática ter grande campo de estudos e oportunidades, tanto para pesquisadores como para
tomadores de decisão, no âmbito das políticas públicas, para que haja efetividade no planejamento
e monitoramento dos Planos de Mobilidade Urbana.
4
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BASTOS, J.T,; BERNARDINIS, M.A.P.; BUHER, B.M.C.; GUIMARÃES JÚNIOR, P.R. (2016).
Uma retrospectiva acerca do desempenho brasileiro no contexto da década mundial de ações para
a segurança viária. In: Congresso ANPET, 2016, Rio de Janeiro. XXX ANPET - Associação Nacional
de Pesquisa e Ensino em Transportes, 2016. p. 1421-1432.
CARVALHO de, R.P. (2016). Método para identificação de critérios de desempenho para
avaliação e monitoramento de soluções de logística urbana. Dissertação de Mestrado. Universidade
Federal do Ceará, Fortaleza.
ROEDEL, L.; BERNARDINIS, M.A.P. (2015). Plano de Mobilidade: solução para cidades
sustentáveis. Relatório de iniciação científica. Universidade Federal do Panará, Curitiba.
SILVA, A.N.R. da; MAGAGNIN, R.C.; SOUZA, L.C.L. de. (2007). Should Planning-Support Tools
rely on Public Participation or on Expert’s Judgments? Em Real Corp 007. Vienna – Austria. Real
Corp 007 Proceedings. Vienna: Editors: Mafred SCHRENK, Vasily V. POPOCIVH, Josef
BENEDIKT, 2007. p. 899-903.
5
“IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO”
GT 07 - MOBILIDADE URBANA E O DIREITO À CIDADE
2. DESENVOLVIMENTO
O acréscimo da quantidade de automóveis nos últimos anos no Brasil tornou-se um entrave
às relações humanas e é fruto de uma opção histórica que privilegiou o transporte individual e viário
em detrimento do transporte de massa sobre trilhos. Assim sendo, deslocamento nas médias e
grandes cidades passaram a ser quase inviável em determinados dias e horários. Evidente que o
sistema capitalista não tem a harmonia entre as pessoas como seu principal objetivo, mas tamanho
obstáculo ao livre deslocamento tornou-se um elemento inviabilizador à própria acumulação de
capital. A junção dos milhares de veículos pelas ruas brasileiras com a deficitária organização da
nossa precária, e sufocada, malha urbana de transporte constituem num fruto contraditória de
políticas equivocadas que sempre priorizaram a acumulação de capital em detrimento do
investimento em qualidade de vida. Tal falta de planejamento estratégico de nossos políticos e
gestores criaram enormes obstáculos a mobilidade geográfica do capital pois nossos gestores e
capitalistas separaram a economia dos transportes da economia produtiva e negligenciaram a
importância das trocas na própria geração do valor (LOJKINE, 1997). Assim sendo, cabe agora
pensar como os indivíduos, a sociedade, o direito e o Estado se articulam e mantem inter-relações
para superar os problemas.
Inicialmente, para refletir sobre o indivíduo, precisamos nos questionar o que explicaria a
verdadeira transformação de um pacato cidadão em um motorista cruel e sem escrúpulos que
presenciamos cotidianamente no trânsito das cidades brasileira? Focaremos em duas hipóteses.
Primeiramente pela perspectiva da racionalidade estratégica podemos pensar que o sujeito
1Docente do Instituto Federal de São Paulo. Doutorando em Ciências Sociais. Mestre e graduado em história.
E-mail: aenderguimaraes@hotmail.com
1
participa de atos “injustos” por atitudes calculistas. Ou seja, para manter suas atividades corriqueiras
ele deve ser pontual e para isso utiliza de vantagens, indelicadezas ou mesmo infrações no trânsito,
“em outras palavras, ao cálculo de racionalidade sucedem o oportunismo e o conformismo, que não
são estratégias irracionais” (DEJOURS. P. 74. 2007). Tal perspectiva, evidentemente professa a
crença numa racionalidade do cidadão-motorista. Numa segunda perspectiva a criminologia e a
psicopatologia insinuam que os motoristas são perversos, são indivíduos que permitem que as
instancias morais (o superego, ideal de ego, conflito entre ego e superego) o dominem, ou mesmo
que sejam paranoicos, aonde a rigidez moral é extrema e frequentemente falsa (DEJOURS. P. 75.
2007).
Transpondo a análise de Christophe Dejours, especialista em doenças do trabalho, para o
trânsito, parece haver uma crescente valorização do mal. Pois em inúmeros ambientes do mundo
contemporâneo a mentira, a opressão e a omissão são toleradas. Enfim, no afã de conseguir se dar
bem no capitalismo e erigir uma imagem de cidadão que “venceu e correu atrás do sonho
americano” as pessoas cotidianamente quebram regras, provocam situações de disputas, infligem
pequenos danos, não praticam atos de gentilezas e deturpam situações em nome do progresso
econômico individual e social.
Habermas, por sua vez, pensa que o mundo contemporâneo exige um indivíduo com
capacidade de abstração de si mesmo, para reconhecer o impessoal como um nível importante.
Idealmente a filosofia do direito, que Habermas estabelece, é aquela que instrui ao indivíduo, a
sociedade e ao Estado para que entendam que as regras, que eles mesmos introduziram, sejam
encaradas como as melhores normas procedimentais para a melhor vida possível em coletivo. A
maneira pelo qual os indivíduos se interagem na vida cotidiana vai demarcar o grau de evolução
desses mesmos indivíduos. Todavia, na sociedade é comum haver inadequação entre o patamar
que um sujeito se encontra frente aos outros ou mesmo frente a sociedade, o direito e o Estado.
Nesse sentido, o indivíduo, na visão de Habermas precisa amadurecer e esse maturidade se dá
com uma descentralização cognitiva do próprio indivíduo. Pois após essa descentralização o sujeito
deixa de pensar unicamente em si e passa a ver o outro como “um valor” importante. Quando um
indivíduo está centrado cognitivamente o mesmo não tem a noção de culpa. Porque o indivíduo se
vê absolutizado de si próprio não entendendo os seus próprios atos como ruins ou bons, já que
esses atos só têm valor para ele mesmo, e desta maneira, não existe culpa e não há
responsabilidade, pois os atos e suas consequências estão sem nexo de causalidade.
Há pessoas cronologicamente maduras, mas psicologicamente imatura não percebendo os
valores dos outros e não indo além de sua centralidade. Ele não percebe a culpa no ato, pois tem
um sentimento de onipotência, nada atinge a ele. Ele não se adequa as normas, não busca refrear
seus apetites, as regras não lhe dizem respeito, pois só faz aquilo que dá sentido à completude de
seu prazer. Esse é o indivíduo pré-convencional, aquele em que ainda reina a descentralização
cognitiva, antes das convenções procedimentais acordadas pelos indivíduos, sociedade, direito e
2
Estado. Não há nesse indivíduo uma aceitação do “poder como consenso”, pois ele não entende
esse poder como uma “aspiração comum à validade razoável” (MARTINEZ. P.317. 2013).
Sobre a sociedade brasileira, podemos afirmar que, historicamente desenvolveu-se de
maneira desigual. A desigualdade sempre foi constitutiva de nossa cidadania, e isso tem raízes
muito profundas na história brasileira. Desde o tempo da escravidão, isso para não retrocedermos
a colonização portuguesa, a distinção social é vista com bons olhos, seja por aquele que exercem
sua distinção ou por aqueles que querem um dia poder exerce-la, e “o automóvel é uma opção,
diga-se logo, que está em harmonia com o estilo aristocrático de evitar o contato com a plebe ignara,
o povo pobre, chulo e comum, desde os tempos das liteiras e dos palanquins” (DAMATTA P. 18
2010), ou seja, esse transporte além de separar os indivíduos ainda demonstra o sucesso e
destacamento social-financeiro do indivíduo. Ou seja, em nossa sociedade a norma é alterada em
função de quem a norma está afetando naquele instante e/ou quais as relações de poder econômico
e jurídico-social que a pessoa afetada está inserida.
Além disso, a necessidade de ser bem-sucedido, se destacar socialmente e ser um vencedor
do capitalismo exige que homens e mulheres busquem recursos para lidar com a pressão e um
deles, na visão de Christophe Dejours, é o recurso a virilidade. “Um homem verdadeiramente viril é
aquele que não hesita em infligir sofrimento ou dor a outrem, em nome do exercício, da
demonstração ou do restabelecimento do domínio e do poder sobre o outro, inclusive pela força”
(DEJOURS p. 81 2007). Dejours vai mais longe ao pensar que existe uma verdadeira “estratégia
coletiva de defesa do cinismo viril” que camufla coletivamente o sofrimento infligido ao outrem, já
que não há espaço para indivíduos que “não acompanham o desenvolvimento”, além disso qualquer
atitude mais benevolente pode prejudicar reputação social de um vencedor irrefreável. Enfim, no
espaço da rua “nós – dentro de um veículo – viramos nazifascistas. Nos transformamos em
hierarcas superiores em um espaço [que deveria ser] marcado pela igualdade”. (DAMATTA P. 08
2010).
Acreditamos que, utilizando o arcabouço conceitual de Habermas, nossa sociedade está
entre a sociedade arcaica/pré-convencional e a avançada/pós-convencional. Em uma sociedade
avançada, por exemplo, os indivíduos comunicantes são legitimados no jogo da vida, jogo da vida
esse que permite que os sujeitos comuniquem suas ideias por regras procedimentais e essas ideias
tendem/podem conseguir gerar consensos. Nesse sentido, Vinício Carrilho Martinez nos diz que o
“‘poder comunicativo’ exige uma legitimação democrática, consensual e constante, quando ocorre
um encontro real e legítimo entre a ‘normatização discursiva do direito’ e a própria ‘formação
comunicativa do poder’ (MARTINEZ P. 319. 2013). Para Habermas seria necessário que houvesse
uma liberdade comunicativa, liberdade essa capaz de promover aos membros da sociedade a
possibilidade de comunicar seu desejo de forma horizontal. Ou seja, os membros constituintes da
sociedade deviam poder comportar-se como agentes públicos capazes de participar dos diálogos,
diálogos esses que seriam capazes de permitir construir ativamente e permanentemente a
democracia. Enfim, a proposta habermasiana busca a efetivação de um processo constituinte
3
constante, alicerçado na confiança que é possível acordos societários permanentemente em busca
do bem comum.
Roberto Damatta chama atenção ao fato que “qualquer legislação está destinada ao
fracasso caso a sociedade que a recebe dela não necessite ou [não] esteja preparada para suas
inevitáveis implicações disciplinadoras” (DAMATTA P. 12 2010). Em uma sociedade em que o
transporte de massa encontra-se sucateado, insuficiente, perigoso, limitado e caro a população,
com apoio do governo e interesse das grandes empresas, busca no transporte individual a saída
de seu deslocamento diário. As pessoas já naturalizaram a rotina que impõe perdas de muitas horas
de produção, descanso e lazer. As mortes de centenas de motoqueiros passam a ser vista como
um mal necessário para a modernidade e para o conforto de receber encomendas nas casas e
empresas.
No Brasil, principalmente acerca do trânsito, as pessoas acabam agindo por conta, na base
do improviso e da lei do mais forte, aproximando ao nível da consciência moral pré-convencional.
Muitas vezes o brasileiro não distingue entre a norma e ação, não sendo possível julgar as condutas
a partir de padrões normativos. Frequentemente os conflitos são solucionados por auto retaliação,
autodefesa geralmente sem a interferência de um terceiro e nesse ponto há farto material midiático
na internet de brigas e agressões físicas entre motoristas. Muitas vezes as próprias pessoas, seja
por descrença ou outro sentimento de desconfiança que valha, nem exigem a intervenção do Estado
como um terceiro, e a regra jurídica passa a ser pessoal.
Enfim, no Brasil há uma heterogeneidade de padrões de condutas e aceitações do direito e
do Estado com terceiro elemento participante nas contentas. Até existe uma norma como
expectativa generalizada, ou seja, a norma do terceiro, a norma positiva, a norma escrita, aqui existe
a figura do Estado, do soberano – na linguagem de Rousseau. Mas ainda sim vivemos a aplicação
de leis conforme o cidadão desfruta de posição na estratificação sócio financeira. No direito
moderno há diferenciação das dimensões do direito, da moral e da ética. O direito se
“desfundamenta-se”, liberta-se de valores metajurídicos e torna-se, na visão de Habermas,
procedimentalmente auto reflexivo. A norma jurídica passa ser sempre a posteriori, pois ela tem
validade particular. Ela não pode ser generalizada. A regra de generalização é do procedimento
legislativo, lá a regra é universal, a regra do juiz é sempre particular. Mas uma particularidade
fundamentada na igualdade jurídica dos cidadãos e não nos desmandos e teias de influências que
ele possa desfrutar. Para Habermas o que distingue o direito moderno é a racionalidade e o
procedimento, permitindo que o direito moderno se caracterize pela positividade, legalidade,
formalidade e universalidade.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A opção histórica pelo transporte individual tornou-se um gigantesco entrave ao próprio
avanço da economia que mobiliza recursos políticos e financeiros enormes na improfícua tentativa
de resolver um problema insolúvel. Os problemas do trânsito no Brasil são insolúveis porque a
4
solução não se encontra no alargamento de vias e avenidas. A solução, acredita o autor, encontra-
se no transporte de massa sobre trilhos, opção que é demorada e caríssima e, por isso mesmo,
atrai pouco interesse e vontade política. Outra solução é a educação e a criação de uma cultura que
valoriza e cobre meios de transporte eficiente, coletivos, ecologicamente corretos e igualitários. Mais
que isso, a solução encontra-se em chamar os cidadão e entidade de classe a participar com
sugestões e propostas para a resolução de um problema coletivo, dinâmico e instável. E enquanto
esse cipoal de proposições se mantem apenas como proposições quem perde são os cidadãos e a
sociedade como um todo.
Habermas propõe a busca de consensos permanentes por meio do diálogo. Diálogo esse
que sempre foi deixado de lado nas decisões sobre os planos urbanos, nas rasíssimas vezes que
houve planejamento nas cidades brasileiras. Para Habermas a alternativa é o procedimento, pois
há renegociação a cada momento. E essa renegociação dinâmica é fruto de uma sociedade pós-
convencional que neutralizaria os valores ditos universais e, assim sendo, viabiliza uma consciência
pós-convencional que coloca a moral e o direito a serviço da lógica do desenvolvimento autônomo.
Desenvolvimento autônomo que permite a um cidadão esclarecido reconhecer no outro um ser
esclarecido.
Evidente que essa sociedade emancipada é um modelo “tipo ideal” weberiano. Na sociedade
os indivíduos, nos mais variados graus, vão se interpenetrando em uma pluralidade e
heterogeneidade de padrões entre as esferas que abarcam e ultrapassam os indivíduos, a
sociedade, o direito e o Estado. Habermas não é ingênuo afirmando que o modelo é perfeito, pois
reconhece que na sociedade contemporânea encontraremos indivíduos de concepção pré-
convencional e pós-convencional, sociedades conectadas e sociedades arcaicas com sociedades
mais fluidas. Seu pensamento está convicto de que exista uma maneira - Razão Comunicativa -
para que o indivíduo possa aprender que as regras e normas procedimentais são as únicas
possíveis e capazes de criar consenso pontuais, que estabelecem um mínimo de convivência
possível, impedindo retorno ao totalitarismo. Em resumo a proposta da filosofia do direito de
Habermas depende do amadurecimento cognitivo dos indivíduos e da sociedade como um todo.
BIBLIOGRAFIA
DAMATTA, Roberto. Fé em Deus e Pé na Tábua ou como e por que o trânsito enlouquece o
Brasil. Rio de Janeiro: Rocco, 2010.
HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Vol. 1. Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 2003.
LOJKINE, Jean. O Estado capitalista e a questão urbana. São Paulo, Martins Fontes, 1997.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 08 - CIDADES DEMOCRÁTICAS
1
city should not be ‘merely a right of access to what the property speculators and state
planners define, but an active right to make the city different, to shape it more in accord with
our heart’s desire, and to re-make ourselves thereby in a different image’ (2003: 940).” 5
2
calçamento foi renovado e a vegetação foi podada. A percepção sobre a praça foi
impactada, nesse sentido, com a intensificação de seu uso. As visitas ao local foram
essenciais para a percepção dos estudantes acerca da transformação do espaço público e,
por consequência, da dinâmica social, cultural e econômica de seus arredores. Apesar da
intervenção da Prefeitura no espaço e de sua tentativa de revitalização, diversas situações
se demonstraram problemáticas. Dentre elas, a forma da praça, a qual possui quatro
canteiros principais com áreas verdes e equipamentos urbanos. A distribuição desses
ambientes, no entanto, não favorece seu uso, o que constitui um desperdício do espaço
público por conta de seu desenho. As maiores áreas de canteiro foram cobertas de
vegetação sem rigor paisagístico e, consequentemente, limitam os espaços de convivência
e de uso apropriado pelos usuários. Os caminhos para circulação na praça também não têm
um destino específico no uso do espaço, estimulando apenas a passagem dos pedestres e
não a sua permanência. Diante disso, a praça tem sido, aos poucos, abandonada
novamente. Sem uma apropriação efetiva do espaço público por aqueles que o frequentam,
a tendência é a de a praça recair no desuso, corroborando problemas que voltam a se
mostrar recorrentes, tais como a sensação de insegurança e o descaso.
Para obter maior alcance no bairro, o Canto associou-se ao Movimento de Arte,
Resistência e Consciência (MARC), coletivo de jovens do próprio conjunto habitacional, o
qual contribuiu para um entendimento mais pleno do que realmente é trabalhar com
comunidades. É importante enfatizar que o projeto tem jovens como protagonistas, o que
permite inferir que a troca de experiências entre os estudantes do Canto e os membros do
MARC tem sido fundamental para um aprendizado mais completo do que deve ser um
trabalho comunitário desenvolvido de forma democrática. O coletivo já possuía um trabalho
no bairro com a realização de eventos culturais e de conscientização, especialmente por
meio de saraus em espaços públicos desprezados. Além disso, o MARC possui uma rede
3
proximidades do local de atuação trabalharam juntos em prol da requalificação do espaço.
Materiais gráficos, como panfletos, foram distribuídos em diversas casas na região. Os
membros do Canto envolvidos conversaram com moradores e comerciantes da localidade,
procurando tanto apresentar a intenção de mudança quanto ouvir relatos de experiência.
Além dos mutirões, foi elaborado o “SARAU MOH LIMPEZA”, que agregou poesia, música e
cultura ao processo de capinagem e limpeza da praça. Alguns equipamentos urbanos foram
reformados - como lixeiras e bancos - e ganharam uma ressignificação para boa parte dos
jovens que participaram do processo. A pista de skate recebeu grafites e pinturas dos
moradores, tornando a apropriação do local mais efetiva. Algumas placas foram distribuídas
com a seguinte frase “Aqui pode ser…” e as sugestões dos moradores foram incorporadas
às etapas de projeto.
Dessa forma, o Canto viu-se diante de um embate. A sua função enquanto
universidade seria também a de mobilização? A partir desse questionamento, buscou-se
referências de outras ações participativas na cidade e tivemos a oportunidade de visitar o
Conjunto Palmeiras, bairro de ampla participação popular renomado pela implementação do
Banco Palmas e do desenvolvimento social comunitário por meio da economia solidária. O
processo vigente que utilizamos como ferramenta de aprendizado foi o Conselho do
Quarteirão, que se baseia na eleição de pequenos conselhos para cada quarteirão, em que
as ações são autogeridas e fiscalizadas pelos próprios moradores. Este método de
construção coletiva dos espaços públicos foi implementado na Avenida Valparaíso, obtendo
resultados eficazes de melhorias urbanísticas.
Considerações finais
A partir dessa troca de experiências, o Canto reformulou a metodologia aplicada ao
grupo de trabalho. Viu-se que era fundamental uma reestruturação na qual a população
possuísse mais voz e fosse realmente integrante do processo de projeto. Esse obstáculo é
decorrente da não mobilização inicial dos assessorados, porém corroborou em reflexões
necessárias para o amadurecimento dos integrantes do Canto. Concluiu-se, então, em
conjunto com o MARC, que a principal ação seria mobilizar as pessoas da região ao
cuidado e à responsabilização pela praça por meio da formação de um conselho de
moradores, em associação a outros grupos populares do bairro, a fim de a própria
população reconhecer-se como agente principal para a exigência de mudanças pelo Poder
Público. A partir disso, muitas são as resoluções e possibilidades para o futuro do projeto.
Dentre tais proposições, pensou-se na realização de um abaixo-assinado promovido
pelo MARC para reivindicação de manutenção periódica da praça pela Prefeitura, em que
durante o processo de coleta de assinaturas, divulgaria-se a Assembléia Popular dos
Moradores com panfleto explicativo. Assim, o abaixo assinado seria tanto uma ferramenta
de cobrança para a Prefeitura quanto um articulador social dos moradores. Além disso, o
4
coletivo propôs-se em promover uma divulgação mais ampla por intermédio de carro de
som, jornal do bairro e rádio comunitária.
Nesse contexto de coexistência de ações comunitárias e ações do Poder Público,
“talvez, um processo de participação mais profundo e mais rico, tanto do ponto de vista
político, como social, deva, ao invés de colocá-las em campos antagônicos e excludentes,
privilegiar essa estrutura autônoma, independente das regras governamentais, regida pela
democracia direta e, ao mesmo tempo, reforçar o sistema representativo, seja através do
poder legislativo ou de outras formas, no sentido de tornar cada vez mais fiéis suas
aspirações às práticas efetivas cotidianas de seus representantes.”7 As próximas ações
incluirão reunião com os coletivos culturais do bairro, definição da estruturação da
Assembléia Popular dos Moradores, a própria realização da Assembléia, a sistematização
dos problemas e sugestões da população, o estudo das demandas pelo Canto e a proposta
de alternativas projetuais.
Referências Bibliográficas
DE SOUZA, M. L. Which right to which city? In defence of political-strategic clarity. Mai,
2010.
IRAZÁBAL, C. One Size Does Not Fit All: Land Markets and Property Rights for the
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BLANCO, A. G. Discourses of land allocation and natural property rights: Land
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<http://plt.sagepub.com/content/11/1/20> 5 Abr 2011. Acesso em 03 Jun 2017.
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da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006.
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1981.
BALTAZAR, A. P. et al Assessoria técnica com interfaces. Encontro da Associação Nacional
de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Porto Alegre. Rio Grande
do Sul, Jul 2016.
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IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 08 – CIDADES DEMOCRÁTICAS
1
Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, cmarino@gmail.com.
1
Em 1989, teve inić io a apropriação do Elevado Minhocão como espaço de uso comum para
atividades esportivas. Foi quando, a gestão da Prefeita Luiza Erundina (1989- 1992), por ato
administrativo decretou que o Elevado passasse a funcionar em horário restrito, preservando o
descanso noturno dos vizinhos nos dias úteis e sendo fechado aos domingos e feriados. A partir
desse momento, quando está fechado para os carros o espaço passou a ser apropriado pelos
moradores da região, que o utilizam para momentos de lazer.
Em agosto de 2013, com o propósito de influenciar o poder público a fechar o Minhocão do seu
uso viário e transformá-lo em parque elevado para as pessoas, surgiu a Associação Parque
Minhocão (6.000 seguidores na página do Facebook). Foi fundada pelo engenheiro e empresário
Athos Comolatti que tinha como grande inspiração a experiência de transformação do High Line,
um antigo elevado ferroviário transformado em parque em Nova York, embora seu contexto de
implantação seja bastante distinto.
2
ainda defende que seja criado um Conselho Gestor para acompanhar a criação do Parque a partir
de uma possível equação de parceria público privada. A Associação defende que o mesmo tenha
a sua gestão regulada.
Em 2014, a estratégia de atuação da Associação Parque Minhocão, que antes apontava seu
interesse à visibilidade midiática e cultural, ganha viés polit́ ico junto à Câmara. O destino do
Elevado Minhocão, e a apropriação espontânea de seu espaço como área de lazer pela
população, sempre foi motivo de discussão polit́ ica e de visibilidade midiática. Alguns Projetos de
Lei- PLs antecedem a atuação da Associação Parque Minhocão. No entanto, nota-se que antes
da atuação do grupo, os PLs sobre esse assunto não passaram na votação da Câmara Municipal.
Em 11 de julho de 2015, o Prefeito Haddad (PT) acabou por um ato administrativo alterando o
horário de fechamento do Minhocão aos sábados. E no dia 09 de março de 2016, ele sancionou
uma lei aprovada pela Câmara que oficializou o “Parque Minhocão” quando o Elevado estiver
fechado para os carros. Atualmente a Associação Parque Minhocão atua com duas estratégias
na Câmara: (1) reduzir o horário de funcionamento viário para o horário do rodiź io municipal
durante a semana, das 7h- 20h; (2) regulamentação da desativação prevista no Plano Diretor.
Existem dois grupos principais que surgiram em oposição a Associação Parque Minhocão. O
"Movimento Desmonte Minhocão- MDM" e o grupo "SP sem Minhocão!". Os grupos de oposição
pautam a proposta de eliminação da estrutura a partir de quatro justificativas principais: (i) a
insalubridade que impacta os apartamentos vizinhos; (ii) a falta de privacidade dos apartamentos
vizinhos; (iii) a insegurança de utilização do espaço pelas pessoas; e (iv) a eliminação de um
sim
́ bolo do autoritarismo construid
́ o na época da ditadura.
O grupo Movimento Desmonte Minhocão (MDM) como estratégia de atuação no sentido de frear a
apropriação do Minhocão, principalmente por festas e eventos culturais, instruiu um Inquérito Civi2
na Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público do Estado de São Paulo, cujo
objeto é: "Usos incompatíveis do Elevado Costa e Silva em virtude de insegurança e
incomodidade". A principal justificativa apresentada é que, segundo Laudo dos Bombeiros, o
espaço não é seguro para pessoas devido a dificuldade de evacuação e altura do guarda-corpo. A
disputa aparece em um momento de revalorização da área central e do entorno do elevado
(ASSUNÇÃO, 2016).
2.1. Organismo Parque Augusta- OPA
O movimento Organismo Parque Augusta- OPA luta pela implantação de um parque 100% público
e contra a implantação de um empreendimento imobiliário em terreno privado no bairro de
Cerqueira César, região central de São Paulo. O terreno, conhecido como Parque Augusta,
localizado na Rua Augusta, é uma área de 24.750 m2 de propriedade privada, que possui um
2
Inquérito Civil no 43.0279.0000153/2016-7- Promotoria de Habitação do Município de São Paulo, Ministério
Público de São Paulo.
3
bosque de Mata Atlântica nativa que ocupa cerca de 40% (quarenta por cento) da propriedade. O
espaço já foi alvo de vários decretos de preservação e tombamento por parte do Poder Público. E,
por parte dos proprietários, já foi objeto de protocolo de várias tentativas fracassadas de
implantação de projeto. Por cerca de quatro décadas sem edifić ios, o terreno manteve as portas
abertas e foi utilizado como parque, apropriado pela população do bairro.
O movimento Organismo Parque Augusta- OPA surgiu em 2013 no contexto das manifestações
de junho. Porém a luta pela causa do Parque Augusta é bastante mais antiga e a apropriação do
espaço é ainda anterior à criação ou institucionalização de qualquer movimento. Antes da
formação do novo grupo, a sociedade civil organizada defendia a implantação do parque mediante
associações de bairro e movimentos menores. São diversos grupos que atuam na causa do
Parque Augusta: (i) "Sociedade dos Amigos, Moradores e Empreendedores do Bairro de
Cerqueira César- Samorcc"; (ii) "Aliados do Parque Augusta"; (iii) movimento "Parque Augusta
sem prédios"; e (iv) Organismo Parque Augusta- OPA.
Os grupos são diferentes e de perfis bastante distintos. No entanto, parecem superar a pluralidade
ideológica e atualmente estão agindo em conjunto através de uma bandeira unificada: a
implantação de um parque público verde, ou seja, livre de prédios e preservando a mata atlântica
existente. Ao ter o objetivo bastante preciso, facilita-se a atuação dos grupos em conjunto.
Assim como a população, que utilizava diariamente a área como parque, e a sociedade civil
organizada que luta pela causa, a gestão municipal vem sinalizando o interesse público pela área
há muito tempo. O terreno abrigava as atividades do Colégio Des Oiseaux até a década de 1970 e
quando o edifić io foi demolido, a área passou a ser objeto de diversos decretos de preservação.
Em 1973, dia 7 de dezembro, o Decreto de Utilidade Pública 10.766 determinou que o proprietário
permitisse a utilização das áreas verdes pelo público, e obrigou-o a preservar-las no imóvel.
Na conjuntura das manifestações de 2013 e após realizações de eventos e ocupações culturais
no terreno, como resposta, em 23 de dezembro de 2013, foi sancionada pelo então prefeito
Fernando Haddad (PT), a Lei Municipal 15.941 que propõe a criação do Parque. A Lei Municipal
15.941 de 2013 foi sancionada com base no Projeto de Lei que estava na Câmara desde 2006. O
Projeto de Lei 345, foi conquista das associações de bairro, Aliados do Parque Augusta e
Samorcc, que lutavam pela criação do Parque porém o mesmo somente foi sancionado sete anos
depois de sua propositura, no contexto das manifestações de 2013 e das crescentes pressões.
Diante da Lei de criação do Parque sancionada após o fervor das manifestações daquele ano, em
28 de dezembro de 2013, cinco dias após a aprovação da lei, as construtoras Setin Cyrela
fecharam os portões do terreno, vetando o uso público (permanecem fechados até hoje).
O movimento, que teve inić io no contexto das manifestações de 2013, buscava um espaço público
de construção e participação cidadã autogerido, de proposta anárquica. Em 2014, a atuação do
grupo é formada oficialmente, o Organismo Parque Augusta- OPA continuou dentro e fora do
terreno do parque. O grupo que se define como anárquico, diz não possuir representatividade. E
ainda idealiza o Parque como um laboratório de práticas urbanas autogeridas: ambientais,
4
educativas, culturais e sociais. Em 17 de janeiro de 2015, os ativistas abriram os portões, que
permaneciam fechados desde dezembro de 2013, e ocuparam a área em um protesto de vigiĺ ia.
Entre outras coisas, eles acusavam os proprietários de crime ambiental e evidenciaram o fato do
terreno ter seu acesso impedido ao público de maneira ilegal. A ocupação de 2015, de viés
cultural, ganhou o nome de "Verão Parque Augusta" e contou com uma programação de diversas
atividades e apresentações artiś ticas.
As construtoras obtiveram liminar de reintegração de posse no dia 21 de janeiro de 2015. Em 4 de
março de 2015, houve o ato de reintegração de posse. Quatro ativistas resistiram ao ato, e houve
violência policial. Após a reintegração de posse, os grupos OPA - Organismo Parque Augusta e
SAMORCC- Sociedade de Amigos, Moradores e Empreendedores do Bairro Cerqueira César
foram ao Ministério Público. A Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital
instaurou em 2015 um Inquérito Civil3 para apurar violação à legislação ambiental, danos a bens
tombados e à vegetação protegida, bem como acompanhamento do processo de licenciamento
dos novos empreendimentos. A partir da reintegração de posse e da atuação do Ministério
Público, o perfil dos participantes do movimento Organismo Parque Augusta foi mudando aos
poucos, deixou de integrar um perfil mais jovem e artiś tico e passou a compor-se por um público
de perfil técnico. Houve uma importante mudança de estratégia de atuação (ANEAS, 2017).
Embora o terreno do Parque Augusta seja de propriedade privada, existem uma série de
irregulares que dizem respeito à função social da propriedade: (i) fechamento de área de fruição
pública desde 28/12/2013; (ii) falta de preservação de área vegetativa tombada e imóveis
tombados; (iii) e falta de cumprimento do Termo de Compromisso Ambiental- TCA.
Nota-se que o movimento Organismo Parque Augusta- OPA, em três anos de organização passou
por mudanças na formação e por alterações no tipo de estratégia tomada. O grupo, que teve inić io
nas jornadas de junho de 2013, partiu de estratégias de ocupação e ativismo cultural, de gestão
anárquica e desinstitucionalizada, no entanto, encontrou um caminho mais efetivo de atuação
através da elaboração de material técnico e apoio do Ministério Público.
3. Considerações finais
A tensão entre institucionalização e liberdade de ação é a principal questão interna presente nos
grupos de ativismo e movimentos sociais de apropriação do espaço público. Nota-se que canais
de participação cidadã, são inexistentes ou precários em setores ou cenários da gestão pública da
capital paulistana. Através de pautas reduzidas e unificadas, os grupos partem para um ativismo
judicial, mediante inquéritos e ações civis instauradas pelo Ministério Público. No caso do Parque
Minhocão, a associação pró-parque trabalha com apoio da Câmara dos Vereadores, enquanto o
grupo de oposição busca o apoio do Ministério Público. No caso do Parque Augusta, após uma
fase de atuação horizontal e de ocupação colaborativa, grupos de diferentes perfis ideológicos
buscam uma atuação conjunta de pauta simplificada com o apoio do Ministério Público.
4. Referências bibliográficas
ANEAS, Augusto. Entrevista concedida à Cintia Marino, realizada no Bar e Lanchonete Xangô em
13/02/2017. Transcrição na in
́ tegra.
ASSUNÇÃ O, Eduardo L. de Lima. Minhocão e arredores: construção, degradação e resiliência.
Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Orientação Abiĺ io Guerra. São Paulo:
Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2016.
COMOLATTI, Athos. Entrevista concedida à Cintia Marino, realizada na Sede da Associação
Parque Minhocão em 06/10/2016. Transcrição na in
́ tegra.
BAUMAN, Zygmunt..“Social media are a trap”. Publicado em 25/01/2016. Disponiv́ el em:
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http://jornal.usp.br/atualidades/ativismo-urbano-para-uso-do-espaco-publico-se-choca-com-
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VASCONCELLOS, E. Circular é preciso, viver não é preciso: a história do trânsito na cidade de
São Paulo. São Paulo: Annablume, 1999.
ŽIŽEK, Slavoj. O ano em que sonhamos perigosamente. São Paulo: Boitempo, 2012.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
CIDADES DEMOCRÁTICAS
Bahia.Email: isla_monteiro@hotmail.com.
1
diversos portadores de textos, do fomento à leitura e da formação de mediadores de leitura na
comunidade.
Buscamos compreender como esse projeto alcançou e pode alcançar a comunidade
reestruturando os valores sociais que a permeiam em toda a sua magnitude. A partir de então,
poderemos descrever e promover uma análise de como a iniciativa e a articulação popular podem
desenvolver meios que promovam melhor qualidade de vida.
O Bairro E A Cidade
A história a respeito das ocupações espontâneas na cidade de Salvador revela um crescimento
progressivo e desordenado e a ausência de uma política habitacional e de uso e ocupação do solo
adequada. De acordo com Souza (2008), a estrutura habitacional da cidade, até os anos 40, era
constituída, basicamente, de áreas nobres e proletárias que se encontravam localizadas nos
limites intraurbanos.
Contudo, constituía-se uma paisagem urbana que experimentava modificações profundas. É em
meados dos anos 40 que se intensifica a procura por novas habitações devido à intensificação da
migração rural em consequência da modernização das atividades agrícolas e pela expansão
industrial. Segundo Souza (2008), essa situação rompe com o sistema habitacional que vigorava,
elevando o preço dos alugueis e estimulando a abertura de novos loteamentos que não são
acessíveis para a população recém-chegada, que, assim, se concentram nas áreas populares já
existentes levando-as ao processo de densificação.
Um desses espaços é o bairro do Calabar, que se encontra numa área caracterizada como vale
com encostas voltadas para o Jardim Apipema (Ondina – bairro nobre), para o Campo Santo
(cemitério das classes abastadas, na Federação) e Alto das Pombas (comunidade da Federação
ao redor e nos fundos do cemitério Campo Santo), é habitada por aproximadamente 20 mil
pessoas, em mais de 5.300 domicílios (IBGE, 2000). Silva, 2007 (apud COELHO, 2009) explica
que o Calabar é subdividido internamente pelos próprios moradores. A localidade é caracterizada
pela existência de vielas e becos, dificultando precisar ao certo onde começa uma rua e termina
outra.
As informações sobre como e quando começou a formação do Calabar são diferentes entre si. Os
mais velhos contam que o bairro começou a ser formado no final da década de 40 (CONCEIÇÃO,
1986); não se sabe ao certo quando, de fato, a ocupação aconteceu, nem quem foi o morador
pioneiro que ergueu o primeiro barraco no local. Já segundo o historiador Cid Teixeira (2002),
foram escravos negros trazidos da cidade nigeriana de Kalabari que fugiram da exploração dos
engenhos e construíram o Quilombo dos Kalabari, que posteriormente viria se tornar o atual
Calabar.
Ao longo de sua história, o bairro já foi alvo de diversas investidas civis e estatais visando à sua
desapropriação, todas sob o argumento da irregularidade e tácitas reprodutoras do plano elitista
de afastar os “favelados” do entorno de moradias burguesas. Nenhuma delas, porém, obteve
sucesso graças à organização política da comunidade, que sempre se manteve coesa e resistiu
2
bravamente em meio às carências sanitárias e sociais. A antiga líder cultural do Calabar, Nilza de
Jesus dos Santos, hoje atual presidente da Associação de Moradores do bairro, enfatiza isso com
muita propriedade quando diz que “o Calabar é um bairro ousado, no meio da elite”.
O início do trabalho de organização comunitária do Calabar teve variadas motivações. Alguns
jovens do bairro, já frequentando ginásio ou cursos de segundo grau, não aceitavam aquelas
notícias nos jornais classificando o Calabar como um “antro de marginais” (CONCEIÇÃO, 1986).
Segundo os jornais da época, as primeiras manifestações da comunidade tiveram início na
década de 1970, marcando o início do processo de luta por uma política urbana.
Construção Da Biblioteca
Uma biblioteca comunitária é uma possibilidade de valorização da comunidade local, na medida
em que os conhecimentos podem ser levados a um número maior de pessoas. Essa iniciativa
mostra o alto nível de organização, amadurecimento e cidadania da comunidade local, já que
assim as pessoas se tornam responsáveis pelo processo de crescimento cultural coletivo e
individual.
Assim podem atuar como um espaço estratégico para a implantação de políticas públicas de
inclusão social e cultural. E, por esse motivo, elas têm a grande oportunidade de se fortalecer e
agregar novas tecnologias para construir, efetivamente, ambientes públicos colaborativos,
transformadores e fundamentalmente culturais (MACHADO, 2008). E é com essa intenção de
agregar valor à comunidade lhes oferecendo artifícios através da leitura que é construída a
Biblioteca Comunitária do Calabar, organizada e mantida pela Associação Ideologia Calabar.
De acordo com sua vice-presidente Justina S. Silva, a Associação Ideologia Calabar é a evolução
do Grupo Jovens em Ação do Calabar, o qual começou com 37 jovens que realizavam trabalhos
voluntários em prol do Calabar. O grupo Jovens em Ação nasceu em junho de 2005 como
resultado de um projeto de formação organizado pela Avante – Educação e Mobilização Social,
uma instituição que visa contribuir para a formação do cidadão, pela educação e o
desenvolvimento de tecnologias de intervenção social, visando à garantia dos direitos sociais
básicos e ao fortalecimento da sociedade civil.
Os integrantes do grupo, de acordo com suas experiências pessoais e coletivas vividas no bairro
durante a infância, idealizaram a construção de uma biblioteca comunitária que viesse transformar
a realidade das crianças do bairro e da necessidade de investir mais em políticas que
valorizassem a comunidade, a fim de desfazer o jugo estabelecido sobre o bairro. Um dos
objetivos fundamentais do projeto era elevar o nome do bairro e unir a comunidade para que seus
moradores desenvolvessem um sentimento de pertencimento.
A Biblioteca E O Bairro
Em entrevista com a vice-presidente da biblioteca, Justina S. Silva, pode-se perceber que a
Biblioteca Comunitária do Calabar funciona não somente como um ponto de leitura, mas também
como um local de informação e cultura, se tornando um referencial para a comunidade.
3
É um local público destinado a atender à comunidade em geral, cujo acervo é composto por cerca
de 9.000 livros dos mais variados assuntos. Ela é administrada por moradores da própria
comunidade e dentre os serviços básicos ofertados estão os empréstimos domiciliares,
disponibilização de espaços para leitura e pesquisa, promoção de atividades que visam a
integração cultural e social da comunidade e atividades que despertem o prazer e interesse pela
leitura.
Figura 1 - Espaço destinado a leitura na Figura 2 - História contada para as crianças da
biblioteca. comunidade.
4
Usando a leitura como motor para a transformação da realidade, os coordenadores da biblioteca
acreditam que estarão formando jovens e adultos mais críticos e com maior expressão no
contexto social e que possam disseminar as suas experiências com as gerações subsequentes,
formando grandes lideranças que possam dar continuidade ao projeto de forma que sua essência
não morra. Segundo o escritor Luís Fernando Veríssimo,
Além de informar e educar, a leitura também ajuda a pensar. Nos livros está à
reflexão organizada sobre o mundo que o jovem precisa para se orientar na vida.
Sem falar, claro, no prazer e no enriquecimento que ele terá com a ficção e a
fantasia (VERÍSSIMO, Luís Fernando apud SCHUTZ, 2013).
Assim, a leitura não é apenas deleite, um veículo para aguçar a imaginação, é também uma
maneira de conhecer, um instrumento que provoca o pensamento crítico e contribui para ações
que trazem transformações. A leitura modifica o comportamento do leitor e assim, liberta-o da
alienação, da condição de sujeito passivo e o transforma em sujeito ativo, protagonista de sua
própria história. Contribui fortemente para a formação de um cidadão consciente e reflexivo, capaz
de transformar a si, o outro e o mundo no qual está inserido.
Além de transmitir autoconsciência e autossuficiência, a leitura traz um conhecimento a mais
sobre o estar em comunidade, o estar no mundo. E é através da autonomia dos indivíduos em sua
singularidade que surgem as possibilidades de se pensar, incentivar e desenvolver iniciativas
maiores que tragam uma autonomia coletiva. E a Biblioteca Comunitária do Calabar é um dos
modelos de iniciativa popular que busca capacitar cidadãos e lhes oferecer poder e autonomia
através da leitura.
Considerações finais
Ao fim desta pesquisa podemos dizer que o sentimento externado pelos moradores e
colaboradores do bairro do Calabar vai muito além de trazer melhorias para o bairro. Há a
intenção de resgatar a história local; de recuperar a união e participação da comunidade frente às
necessidades de mobilização diante de possíveis reivindicações; de oferecer uma maior qualidade
de vida aos seus moradores; trazer possibilidades de inserção social aos jovens e crianças; fazer
do Calabar um lugar onde se possa viver com tranquilidade, e onde se possa encontrar meios de
crescimento, seja ele econômico, social, cultural e intelectual; fazer com que o governo volte os
seus olhos para o bairro e execute as melhorias necessárias; e, um dos principais objetivos,
mostrar à cidade de Salvador que o Calabar não é um aglomerado de gente que vive em meio ao
tráfico de drogas, que propaga a violência e traz risco para os bairros que estão a sua volta. E a
Biblioteca Comunitária é um forte exemplo dessas iniciativas. É na biblioteca que um mundo
diferente é descoberto. Ela permite ao indivíduo o acesso à informação, contribui para a formação
de novos leitores, amplia os horizontes e oferece possibilidades para a libertação do caráter do
indivíduo. Apesar de enfrentar inúmeros desafios, entre eles as dificuldades financeiras, por se
tratar de uma comunidade carente, a biblioteca age com um instrumento de democratização da
informação. É ela a única fonte de informação segura, um local que proporciona a formação de
5
leitores e, na maioria das vezes, o único lugar acessível para o cultivo da leitura como meio de
lazer e prazer.
Portanto, fica claro a importância e relevância da biblioteca para a comunidade a partir do
momento em que ela estimula a cultura local e age como meio para a transformação social. E o
Calabar é um grande exemplo de como uma localidade pode sim ser transformada com pequenas
iniciativas, e como essas iniciativas podem fazer da cidade um espaço mais democrático.
Referências bibliográficas
SOUZA, AngelaGordilho. Limites do habitar: segregação e exclusão na configuração urbana
contemporânea de Salvador e perspectivas no final do século XX. Salvador: EDUFBA, 2008.
IBGE. Censo Demográfico, 2000. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 12 jun. 2014.
COELHO, Lilian Reichert. História de uma iniciativa popular na capital baiana: o jornal comunitário
Kalabari como alternativa ao silenciamento. In: 7º Encontro Nacional da Rede Alfredo de
Carvalho, 2009, Fortaleza/CE.
CONCEIÇÃO, Fernando. Cala a boca Calabar: a luta política dos favelados. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1986.
TEIXEIRA, Cid. Quem faz Salvador. 2002. CD-ROM, UFBA
MACHADO, Elisa Campos. Bibliotecas comunitárias como prática social no Brasil. São
Paulo: Universidade de São Paulo, 2008.
BIBLIOTECA COMINITÁRIA DO CALABAR.Comemoração dos 5 anos da Biblioteca
Comunitária do Calabar. 2011. Disponível em:
<http://bibliotecadocalabar.blogspot.com.br/2011/05/comemoracao-dos-5-anos-da-
biblioteca.html>. Acesso em: 05 out. 2014.
FREIRE, Paulo. A Importância do Ato de Ler em Três Artigos que se Completam. São Paulo:
Autores Associados: Cortez, 1993.
SCHUTZ, Nilda Flores. O Incentivo à Leitura nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental.
Fortaleza dos Valos, RS, 2013. Disponível em:
<http://leopoldom.blogspot.com.br/2013_12_01_archive.html>. Acesso em: 5 jun. 2014.
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 08 - CIDADES DEMOCRÁTICAS
Introdução
1
Economista (UFS), Tecnólogo em Saneamento Ambiental (IFS), Mestre em Planejamento Urbano e
Regional (UFRGS). Professor da UNITINS, CEULP/UBRA e FCJP.
2
Advogado, Mestre em Ciências Sociais pela UFPEL, Doutorando em Ciência Política pela UFRGS.
objetivando o consenso de grupos que oficialmente podem impor sua forma de
interpretação. A arquitetura e urbanismo, por exemplo, apresenta sua forma de sentir,
pensar, transformar a cidade enquanto que historiadores utilizam os relatos de
reconstrução de cidades como objeto de pesquisa e problematizam a questão da
cidade sonhada e pensada através do tempo3.
Com isso, percebe-se que existem grupos que pensam a cidade e buscam
intervir de acordo com suas intenções. A cidade comporta atuação de vários atores, e
os eventos que ocorrem nesta podem ser análogos a um jogo de cartas. O jogo
urbano acontece em um determinado sítio, que é sua “mesa”, com parceiros que se
enfrentam segundo grupos e filiações a que pertençam4.
As ações do poder público estão pautadas por uma apropriação da cidade com
olhar racional5 e a cidade é vista como um problema a ser resolvido através de
instrumentos como planos, cálculos e transformações que podem ser realizadas
visando criar um ambiente limpo, ordenado e transitável6.
Nas primeiras décadas do séc. XX, as cidades passam a ser geridas em uma
ordem que correspondesse à eficácia das atividades produtivas7. Era assim que
nascia a cidade moderna8.
A partir da década de 1970 o planejamento estratégico, confeccionado e
implementado sob ótica empresarial, é incorporado no setor público, especialmente no
planejamento de cidades. No final do séc. XX este tipo de planejamento assume uma
nova forma, onde as cidades são tratadas como negócio. Nesse sentido elas serão
chamadas de cidade pós- moderna ou cidade intencional, onde a política que vigora é
baseada n os princípios das leis de mercado9.
A cidade passa a ser ela mesma o negócio, e não somente o espaço em que
se negocia e onde se realiza atividades humanas. Emerge-se um novo modo de
pensar em (re) produzir cidades, onde os valores de uso e espaços de vida são
colocados em segundo plano em prol dos valores de troca. A cidade se consagra
3
Giovanaz, 2000.
4 Santos, 1988.
5 O urbanismo no século XX, frente ao crescente processo de urbanização, levou a uma prática
10 Melo, 2004.
11 Santos, 1988.
12 Melo, 2004.
13 Mas tratar de cidade também é tratar de memórias. Giovanaz (2000) comenta que o estudo
Referências Bibliográficas
SANTOS, C. N. F. dos. A cidade como um jogo de cartas. São Paulo: Projeto, 1988.
Regina Bienenstein1
Glauco Bienenstein2
Daniel Mendes Mesquita de Sousa3
Cynthia Gorham4
Cláudia Caputo5
Introdução
No Brasil, a questão da participação da sociedade civil nas decisões relacionadas aos destinos
das cidades tem estado presente na pauta urbana desde meados da década de 1960. Paralisada
durante o regime militar (1964-85), foi retomada com bastante destaque na redemocratização do
país, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, seguida pela aprovação do Estatuto
da Cidade (Lei no 10.257/2001), a criação do Ministério das Cidades (2003) e do Conselho das
Cidades (2006). Cada uma dessas iniciativas representou a recuperação da agenda da reforma
urbana da década de 1960, interrompida pelo golpe de 1964. No entanto, o processo de
consolidação de uma política urbana efetivamente participativa parece ainda enfrentar diversos
obstáculos, em particular frente à situação de crise fiscal, que impacta diretamente o
financiamento das cidades (MARICATO, 2000).
Este artigo discute brevemente alguns dos dilemas, desafios e as possibilidades de participação
popular, utilizando como caso referência o processo de planejamento urbano que vem sendo
adotado na cidade de Niterói, Região Metropolitana do Rio de Janeiro, com destaque para
disputas entre os interesses articulados do Executivo municipal e do capital imobiliário vis-à-vis ao
da Defensoria Pública do estado do Rio de Janeiro e Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos
da Universidade Federal Fluminense, Arquiteto e Urbanista e Pesquisador Associado,
danielmendesms@yahoo.com.br .
4 Mestranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense, arquiteta e urbanista pela
2
city marketing, com a construção de ícones arquitetônicos, como o MAC 6 , que dá origem ao
chamado Caminho Niemeyer7. Do ponto de vista do planejamento e da gestão, a cidade passa
gradualmente a ser tratada de forma pontual e fragmentada, através de projetos e iniciativas
consideradas estratégicas. Avalia-se que as experiências encarnadas a partir de 2013, na OUC-
Centro e no PUR-Pendotiba, reproduzem este tipo de orientação, uma vez que, mesmo com um
Plano Diretor defasado há mais de 10 anos, o Executivo municipal escolhe tratar apenas dessas
parcelas da cidade, o Centro e Pendotiba, sem considerar os impactos de tais iniciativas pontuais
sobre o restante da cidade, contrariando, no nosso entendimento, uma racionalidade de pensar e
agir sobre o espaço na sua complexidade e totalidade. Importante observar que, embora o
município venha cumprindo os requisitos formais vinculados a uma gestão democrática,
materializados, por exemplo, por intermédio da existência de um Conselho Municipal de Política
Urbana (Compur), composto por representantes do Executivo, do Legislativo municipal e da
sociedade civil, sua atuação nem sempre é marcada pela efetiva e consistente avaliação das
propostas apresentadas pelo governo. Isto também tem ocorrido nas audiências públicas voltadas
para a discussão de propostas vinculadas aos destinos da cidade, assim como durante a
Conferência da Cidade de Niterói.
Desse modo, pode-se afirmar que a questão que se delineia aponta para a reflexão de Flavio
Villaça (2005) que aponta para o fato de que todo o aparato supostamente voltado para garantir a
participação efetiva da população tem representado o cumprimento de um mero rito formal e
burocrático, frente às exigências legais, se restringindo a processos meramente informativos,
quando muito consultivos, conforme descreve Souza (2006). Tal percepção reforça outro aspecto
também apontado por Villaça (2005), “o caráter ideológico e manipulador dos planos diretores”.
No caso de Niterói, o município tem sugerido e aprovado propostas de diferentes escalas e metas,
sempre sob a égide da emergência, onde “janelas de oportunidades” supostamente vinculadas ao
desenvolvimento da cidade, transformam-se em importantes ordens de justificação. Neste cenário,
assiste-se a duas tendências aparentemente contraditórias: de um lado, um processo de
fragmentação das iniciativas voltadas à gestão e ao planejamento urbano, e de outro, a
centralização deste o planejamento.
2. O Método e a Tática: notas sobre os processos de aprovação de propostas para Niterói (OUC-
Centro, PUR-Pendotiba e revisão do Plano Diretor)
Em 2013, assim que assume a gestão municipal, alegando uma crise financeira, o Executivo
aceita a oferta de uma parceria público-privada8 para revitalizar o Centro da cidade. Assim, no
lugar de iniciar a revisão do PD-Niterói de 1992, decide encaminhar para aprovação a OUC-
Centro e, logo a seguir, encaminha os estudos para o PUR-Pendotiba. Atualmente, encontra-se
na Operação Lava-Jato.
3
em processo de aprovação na Câmara Municipal, a revisão do Plano Diretor. Embora as
orientações do Ministério das Cidades enfatizem a importância de uma linguagem que facilite a
participação durante a elaboração e a implementação de propostas de interesse da cidade, tais
processos apresentaram diversos problemas conforme se discute, de forma resumida, a seguir.
Por um lado, o governo tenta neutralizar a oposição a esse projeto e, por outro, trabalha na
construção de um consenso necessário em torno das propostas. Para isso, o Executivo tem
utilizado várias estratégias: (i) a fragmentação das discussões em diversos grupos9, evitando o
contraditório e facilitando a adoção de uma retórica que atenda, ainda que aparentemente, aos
interesses de cada um desses segmentos; (ii) a convocação de seus funcionários comissionados
para votar de acordo com suas orientações nas Conferências e Audiências Públicas; (iii) a
formatação dos eventos com apresentações extensas e cansativas, usando uma linguagem que
busca demonstrar erudição e competência técnica, mais do que dedicada a esclarecer as
situações; (iv) a utilização de imagens ilusórias de situações onde predominam a riqueza e o
requinte, tornando difícil o reconhecimento e a identificação por parte da plateia de possíveis
problemas vinculados às propostas; (v) a pouca divulgação dos eventos; (vi) o tempo reduzido de
discussão e o rebatimento de eventuais discordâncias; (vii) a falta de informação prévia dos temas
de cada audiência, o que acarreta na transformação dos interessados em meros espectadores;
(viii) a captura das principais lideranças populares, por meio de cargos na estrutura do Executivo,
facilitando a aprovação das iniciativas, mesmo quando, paradoxalmente, intensificam a exclusão
socioespacial daqueles que eles representam e (ix) a alteração das denominações e respectivos
conceitos, já familiares para a população e nem sempre fáceis de assimilar. Esse modus operandi
tem sistematicamente sido repetido em todos os processos de discussão.
Merece destaque, em todos os três casos tratados, a ausência da maioria dos vereadores no
acompanhamento do processo de elaboração das leis vinculadas a tais iniciativas, muitas delas
encaminhadas pelo Executivo diretamente para o Legislativo, sem a consulta prévia à população
em Audiência Pública ou mesmo ao Compur10.
E assim se reproduz o “sistema esquizofrênico” da democracia representativa, conforme reflete
Souza (2006, p. 51) que aponta para o processo de exclusão do cidadão de decisões
fundamentais, garantindo um ciclo de apatia e alienação, embora exigindo sua participação e
aprovação pelo voto, visando manter a legitimidade do sistema. Entretanto, agora, até mesmo
esse frágil aparato legal começa a ser desmontado11.
3. Limites e possibilidades dos processos decisórios com efetivo controle social na construção de
cidades justas e inclusivas.
9 Foram realizadas reuniões exclusivas com a Federação das Associações dos Moradores do Município de
Niterói (Famnit), representante da população mais pobre da cidade, com a Câmara de Dirigentes Lojistas de
Niterói (CDL), Ordem dos Advogados do Brasil núcleo Niterói (OAB-Niterói), entre outros.
10 Conselho Municipal de Política Urbana.
11 Um exemplo disto foi a proposição da Medida Provisória 759 que desmonta o marco legal da
Figura 02: OUC-Centro, proposta da nova frente Figura 03: PUR-Pendotiba, Em Vermelho as
marítima. Fonte: Gimenez Andrade, 2013. ZEIS, definidas pelo PUR e em Amarelo os
Assentamentos Subnormais desconsiderados.
Fonte: NEPHU/UFF, 2014.
No que se refere ao PUR-Pendotiba, a região contém parte significativa de sua população vivendo
em assentamentos precários, convivendo com condomínios horizontais de classe média e média
alta de baixa densidade e apresentando problemas de mobilidade. O plano, com base em
conceitos de cidade compacta12, aponta para o aumento da densidade e a proteção ambiental,
abrindo, paradoxalmente, uma nova fronteira para o setor imobiliário. Ou seja, direciona esse
adensamento para a população de classe média, simultaneamente, criminalizando os
assentamentos precários (Figura 03). Cabe salientar que o plano desconsidera instrumentos como
a aplicação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) vazias, anteriormente contidas no
12 O conceito de cidade compacta, sob a égide de conter o espraiamento da região sobre as áreas
ambientais, adotado no PUR, vem ao encontro da proposta de tornar a cidade mais funcional para o capital,
utilizando um discurso de economia de recursos públicos, com aproveitamento da infraestrutura instalada e,
ao mesmo tempo ambiental que pode auxiliar na construção de consensos pelo viés do "ambiente" uno e
em nome do interesse de todos (ACSELRAD, 2009).
5
Plano Diretor (1992), não protegendo as comunidades contra o avanço da mercantilização do
espaço.
No caso da revisão do Plano Diretor, identifica-se a carência de discussões amplas e detalhadas,
que resultou num conjunto de intenções genéricas de difícil aplicação imediata, remetendo a
solução dos problemas para diplomas legais posteriores. Problemas como a informalidade e a
precariedade habitacional que atinge um quarto da população não se concretizam em ações que
possam enfrentar o déficit qualitativo e quantitativo. Alternativas como o aproveitamento dos
imóveis vazios e subutilizados para habitação de interesse social, a demarcação de áreas
infraestruturadas como ZEIS vazias para implantação de novas moradias e a identificação e
inclusão de assentamentos precários nesta categoria não foram consideradas e, muitas vezes,
eliminadas, enquanto se enfatiza o meio ambiente, em oposição ao direito à moradia das parcelas
populares.
A busca de uma imagem limpa, agradável e propícia aos negócios e a valorização de uma
suposta dimensão cultural em detrimento do direito amplo de parcelas da população, tem
delineado uma cidade de exceção, cada vez mais seletiva e excludente.
Referências bibliográficas
ACSELRAD, H. Vigiar e unir: a agenda da sustentabilidade urbana? In: ACSELRAD, H. (Org.). A
duração das cidades: sustentabilidade e risco nas políticas urbanas. 2 a. Ed. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2009.
BIENENSTEIN, G.; BIENENSTEIN, R.; SOUSA, D. (Org.). Universidade e Luta pela Moradia.
Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2017.
BIENENSTEIN, R.; FREIRE, E. H. B.; YOKOO, E. M.; KAWA, H.; BRITO, J.; GUANZIROLI, C.;
NAJJAR, J.; FERNANDEZ, G.. Monitoramento de indicadores socioeconômicos nos municípios do
entorno do Complexo Petroquímico do Estado do Rio de Janeiro: COMPERJ. Boletim eletrônico
de acompanhamento no município de Niterói: 2000-2010. 1a. Ed. Niterói: EDUFF, 2012.
MARICATO, Ermínia. “Planejamento urbano no Brasil: As ideias fora do lugar e o lugar fora das
ideias”. In: ARANTES, Otília B.; MARICATO, Ermínia; VAINER, Carlos. A cidade do pensamento
único: desmanchando consensos, Petrópolis: Ed. Vozes, 2000.
SANTOS, Milton. Metrópole corporativa fragmentada: o caso de São Paulo, São Paulo: Nobel,
1990.
SOUZA, Marcelo Lopes de. A prisão e a ágora. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
VILLAÇA, Flávio. As ilusões do plano diretor. São Paulo: Edição do autor, 2005. Disponível em:
http://www.planosdiretores.com.br/downloads/ilusaopd.pdf, 2005 (acesso: 11/5/2017).
6
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 08 – CIDADES DEMOCRÁTICAS
1. Introdução
O século XXI é o século urbano em que mais pessoas viverão em cidades do que em qualquer outra
época até então. Essa constatação deverá conduzir aos agentes públicos e a sociedade a reflexões
sobre o futuro das nossas cidades e especialmente como torna-las mais humanas, inclusivas e
autossustentáveis.
O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/01) garante aos municípios a promoção de uma gestão
urbana democrática e sustentável através da gestão democrática com a promoção da participação
da população e de associações representativas. A união desses atores, junto ao poder público
propicia a participação na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e
projetos com a intensão de buscar o equilíbrio urbanístico e ambiental do território, de maneira a
produzir uma cidade mais inclusiva, com maior qualidade de vida e sustentabilidade.
Assim sendo, é necessário fortalecer às instituições através da sociedade organizada, com intuito
de que essa sociedade participe em todo o processo de desenvolvimento de políticas e ou projetos
urbanos. E, a forma mais efetiva de atingir esses objetivos é através da promoção do conhecimento
às comunidades, de maneira a constituir um pensamento urbanístico que poderá ser debatido e ou
implantado quanto a responsabilidade urbanística que cabe a cada um dos cidadãos.
1
Engenheira Civil. Servidora Pública Municipal. Mestre em Engenharia de Edificações pela Universidade
Federal de Mato Grosso. E-mail: amayporto@gmail.com.
2 Advogada. Professora na Universidade de Cuiabá - UNIC. Mestre em Geografia pela Universidade
1
Federal como o Estatuto das Cidades que veio dar diretrizes para a elaboração das políticas
urbanas dos municípios, dentro de um processo participativo e sustentável.
No entanto, se observa, apesar de estar definido claramente a exigência da participação da
população no processo do planejamento urbano, a população pouco tem contribuído efetivamente
através das audiências públicas.
Entre as prováveis situações que leva ao desestimulo da sociedade em participar destes eventos
de cidadania é a falta de informações ou esclarecimento sobre as questões urbanísticas, suas
implicações e resultados, ficando muito dos participes sem a compreensão necessária para opinar
e argumentar em suas posições.
Desta feita, observa-se que sem o conhecimento devido do assunto em pauta, suas implicações,
consequências e possibilidades é pouco provável que a população se posicionar com efetividade.
Constata-se que somente às Audiências Públicas no modelo atual, tem a missão de referendar o
processo participativo, não tendo contribuído para a formação de uma urbe mais inclusiva, humana
e sustentável, pois observa-se a pouca ou nenhuma participação do cidadão na origem do processo
urbanístico.
A educação urbanística é uma ferramenta que irá permitir que a população tenha acesso às
questões urbanas da cidade através da constituição de um ambiente propicio aos debates e às
informações, estimulando a comunidade a pensar na realidade urbana e social em que vivem ou
são muitas vezes, levadas a viver.
Esta preocupação, com a ausência de educação urbanística, nasceu através da experiencia das
autoras com a implantação do planejamento urbano no município de Cuiabá, quando da efetivação
das propostas urbanísticas do poder público junto às comunidades através das audiências públicas,
o que resultava, quase sempre, no silencio e incompreensão do produto apresentado.
Poucos estudos acadêmicos ou experiências nos municípios na aplicação da educação urbana
para forma cidadãos conscientes do seu papel proativo na transformação das cidades estão
disponibilizados. Assim, entre outras leituras destacamos aqui o artigo “Educação urbana:
construindo cidadania e sociabilidade em escolas municipais de Viçosa-MG”/2007”3 que muito
auxiliou na consolidação do desenvolvimento desse trabalho.
Este trabalho tem como objetivos: despertar na população o interesse pelas questões urbanísticas
e a percepção de que a cidade é a extensão de cada casa, portanto, responsabilidade de cada
cidadão; Promover informações, ferramentas e ações concernentes à educação urbanística , para
que o cidadão possa intervir conscientemente na promoção da transformação da cidade; Estimular
o interesse do cidadão para contribuir e participar ativamente dos processos, projetos e política e
legislações urbanística da urbe. Fomentar e mobilizar, agentes urbanísticos engajados em
3
RIBEIRO FILHO, Geraldo Browne; PASSOS, Flora d’el Rei Lopes; PAULINO, Carolina de Moura.
Educação urbana: construindo cidadania e sociabilidade em escolas municipais de Viçosa-
MG/2007.Disponível em http://www.seer.ufu.br/index.php/reveducpop/article/view/20066/10705. Acesso
em: 13 de abril de 2017.
2
iniciativas solidarias e ou voluntarias, em decorrência das questões urbanas do município; despertar
a consciência de cidadania na população e assim, esta sociedade possa interferir de forma positiva
e significativa nas transformações necessárias ao ambiente.
2. Desenvolvimento
Para cada projeto ou plano em desenvolvido pelo poder público, serão antecipadamente
desenvolvidos em oficinas com a comunidade as informações necessárias para a compreensão e
participação efetiva da comunidade com aquele produto apresentado pelo município.
As atividades serão implantadas utilizando caráter lúdico e com linguagem simples e acessível com
a comunidade dos bairros, com Inserção de desenhos, atividades manuais, musicas, filmes,
fotografias, visitas aos espaços públicos, patrimônio histórico, museus, etc. realização de percursos
pela cidade, identificando os elementos urbanos; identificação dos agentes que produzem o espaço,
identificação da relação entre casa, rua, bairro e cidade pela comunidade, produção de mapas
mentais – dos trajetos casa-trabalho. Debates e discussões sobre a nova realidade observada.
O trabalho será desenvolvido através de vários encontros com a comunidade diretamente envolvida
com a proposta a ser apresentada pelo poder público, mas especificadamente divididas por regiões
ou bairros, de maneira que possa ter um número máximo de participantes de forma que todos
tenham um bom aproveitamento. E que possam efetivamente, com conhecimento, se posicionarem
quando da participação nas audiências públicas.
Para o esclarecimento e percepção do elemento urbano no dia a dia, sua importância e a
responsabilidade que cabe a cada cidadão, inicialmente, propomos três encontros que chamamos
de:
2.1 Momento de Convivência com a Comunidade 1:
Aplicação de dinâmicas de conhecimento com a comunidade; sensibilização do projeto.
Espaços para ouvir os anseios e demandas da comunidade; promoção de leitura e armazenamento
das informações repassadas inicialmente pela comunidade; esclarecimento e informações sobre o
projeto: “Educação Urbanística: a efetividade da cidadania no planejamento urbano do município”;
finalização.
2.2 Momento de Convivência com a Comunidade 2:
Promoção de oficinas /encontros/palestras/seminários com informações relativas à Cuiabá:
formação, história, origem, patrimônio histórico, ambiental e urbanístico de Cuiabá, meio físico,
ambiental, rural, recursos hídricos, rio Cuiabá, recursos culturais, turismo, gastronomia, o
artesanato, etc.; o patrimônio histórico, o falar cuiabano, o calor cuiabano; informações sobre
processo de planejamento urbano do município de Cuiabá;os Planos Diretores de Cuiabá;
legislação urbanística e ambiental, etc.
2.3 Momento de Convivência com a Comunidade 3:
Realização de Oficinas com temas para reflexões:
O que eu mais gosto na minha cidade, no meu bairro? Quais os problemas que gostaria que fossem
sanados, na minha cidade, no meu bairro? O que eu posso fazer para proporcionar melhor
3
qualidade de vida à minha cidade, ao meu bairro? Eu usufruo dos espaços de convivência da minha
cidade, do meu bairro? O que fazer para diminuir as segregações socioespaciais na minha cidade?
O que eu entendo sobre cidadania, é possível? Como a comunidade se insere na cidade e qual o
seu papel nas questões urbanas do dia a dia? Qual a cidade que queremos, qual o bairro que
queremos para morar dignamente? Após Compilação de todos esses dados apresentação para os
participantes.
2.4 Momento de Convivência com a Comunidade 4:
Após a compilação dos dados dos momentos de convivências anteriores, será feita a apresentação
para os participantes para discussão, conhecimento e fechamento. O próximo passo é a
apresentação da proposta do poder público com todas as informações, nivelamento para discussão
e analise pela comunidade.
3. Considerações Finais
A efetivação da cidadania no aspecto do planejamento urbano, só se realiza com a participação da
sociedade no processo das políticas públicas, para tanto, uma sociedade com pouco saber quanto
às questões urbanas ou ambiental da sua cidade pouca ou nenhuma contribuição pode oferecer na
transformação do meio em que vive.
O empoderamento da comunidade, no sentido de opinar, transformar e fiscalizar as políticas
públicas, passa necessariamente pelo conhecimento que despertará no cidadão um novo
pensamento urbano.
Neste sentido, pessoas com mais conhecimentos e informações contribuem para o enriquecimento
das políticas públicas, propiciando a transformação nas cidades pelo maior equilíbrio entre todos os
atores, resultando em cidades mais sustentáveis, inclusivas e humanas.
4. Referências bibliográficas
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
BRASIL. Lei 10.275. Estatuto da Cidade, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos. 182 e 183 da
Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial
da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 jul. 2001.
CUIABÁ. Lei n° 389, de 03 de novembro de 2015. Dispõe sobre o Uso e Ocupação do Solo. Diário Oficial,
Cuiabá, 04 nov. 2015.
4
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 08 – CIDADES DEMOCRÁTICAS
1. Introdução
Pretendo, com esta comunicação, relatar alguns aspectos presentes em minha tese de
doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal do
Rio Grande do Sul2. Naquela oportunidade, pesquisei sobre a ação política empresarial na cidade
de Joinville/SC, distante 180km da capital Florianópolis e que possui o terceiro maior PIB da região
sul do país, após a aprovação do Estatuto da Cidade (2001) e a emergência da gestão democrática
como princípio básico da política urbana.
Sendo assim, minha pesquisa apontou como os empresários reagiram (aos principais
momentos do planejamento urbano local) e suas consequentes estratégias, enquanto grupo, diante
das novas “regras do jogo de cartas”, no sentido auferido por Santos3. Além do Plano Diretor
aprovado em 2008 e da lei de macrozoneamento de 2010, dediquei especial atenção para a
construção da Lei de Ordenamento Territorial – LOT (aprovada em 2016 e que estabelece as
diretrizes do uso e ocupação do solo), e toda a sua tramitação no recém-criado Conselho da Cidade
de Joinville. Baseado pela teoria do rent-seeking, apontei a existência de um rent-seeking urbano,
ou seja, interesses econômicos que superaram as prerrogativas legais estabelecidas pelo Estatuto
e que são retratos do crescente realinhamento conservador da gestão urbana após décadas de
lutas populares.
* Cientista Social (UNIVALI), Mestre em Urbanismo, História e Arquitetura da Cidade (UFSC) e Doutor em
Sociologia (UFRGS). Professor da Associação Catarinense de Ensino. E-mail:
charleshenriquevoos@gmail.com.
2 Voos, 2016.
3 Santos, 1988.
4 A Acij por exemplo, surgiu em 1911 e desde então outras entidades representativas do empresariado
mostram-se relevantes, como a Câmara dos Dirigentes Lojistas (CDL) e a Associação de Joinville e Região
da Pequena, Micro e Média Empresa (Ajorpeme), a qual se tornou a maior associação empresarial da América
Latina neste segmento. Pela sua longevidade e importância dentro do cenário local, foram evidenciadas as
ações da primeira.
isso reflete na ação política do empresariado, resgatando, no segundo momento, os principais
impactos de suas ações na LOT e no Conselho da Cidade.
Existe, em Joinville, uma ligação umbilical entre a formação da cidade, no início do século
XX, e os grupos econômicos dominantes, os quais ocupariam, ao longo das décadas seguintes,
os principais postos de comando político e social. Isso se tornou possível com a união dos
empresários locais em associações. Como nos lembra Motta5, a prática política do
empresariado é uma materialização de sua ideologia e que permite a sua afirmação econômica
enquanto classe. Assim, o associativismo empresarial foi utilizado, em vários momentos
recentes – ou nem tanto, como trampolim eleitoral para alguns empresários locais. O baluarte
desse movimento é o atual prefeito de Joinville, Udo Dohler (PMDB), grande empresário do
setor têxtil, ex-presidente da Acij por três mandatos e que, desde 2013, vem defendendo os
interesses de seus condiscípulos de entidade dentro do poder executivo. A influência dos
agentes políticos na associação também ocorre. João Martinelli, por exemplo, foi escolhido
presidente da entidade em 2014 durante uma viagem de avião do Governador de Santa
Catarina, Raimundo Colombo (PSD, 2011-) com grandes empresários de Joinville. Como mostra
o Jornal A Notícia de 29 de Junho de 2015, o então novo Presidente expôs que a escolha do seu
nome aconteceu em um voo vindo de Brasília onde “estavam profissionais da Whirlpool, o
governador, alguém da Döhler, da Tigre, um grupo de empresários, e decidiram que eu ia ser o
presidente da Acij. Não pude dizer não”.
Como já foi mostrado em outras oportunidades6, os grandes empresários da cidade são pessoas
que se utilizam do capital político da Acij para atingirem seus interesses particulares. Ainda, são os
mesmos que usam de suas relações dentro da entidade para ajudar, em tom maçônico, aqueles
que fazem parte do grupo empresarial intimamente ligado aos dirigentes. É por motivos como
esses que conseguimos entender, por exemplo, os grandes contratos de serviços públicos
estabelecidos entre diretores da ACIJ e a Prefeitura, os privilégios que esses grupos possuem
frente à legislação, suas relações íntimas com membros da imprensa e as grandes motivações
para o financiamento de campanhas eleitorais (em 2012, todos os vereadores eleitos
receberam verbas da Acij direta ou indiretamente; Udo Dohler, prefeito eleito na ocasião, foi o
que mais recebeu verbas da entidade).
A ação política não ocorre como posição homogênea da entidade, mas é uma consequência
das ambições daqueles que a comandam, pois a atuação política isolada desses empresários
seria enfraquecida frente ao Estado, diante da conjuntura econômica e social de Joinville,
utilizando-se da representação coletiva como estratégia (tanto que, em raras exceções,
5 Motta, 1979.
6 Voos, op. cit.
percebemos que pequenos empresários ocupam posições de diretoria da entidade). Em troca,
a diretoria fornece aos associados cursos e orientações empresariais, dando-lhes a sensação
de entidade “amiga” do empreendedor, quando, na verdade, a função da Acij torna-se
essencialmente política para seus grupos dominantes.
Durante os primeiros anos do século XXI, evidencia-se a grande inserção, nos espaços de
comando, daqueles empresários ligados à construção civil (já que o boom imobiliário do fim dos
anos 2000 também havia atingido Joinville). Coincide, portanto, a condução desse grupo ao
poder da entidade com as novas diretrizes para o planejamento urbano dos municípios
evocadas pelo Estatuto da Cidade e pelo Conselho Nacional das Cidades7. As discussões em
torno das consequências diretas das novas normativas sobre o planejamento urbano (o novo
Plano Diretor de Joinville e suas regulamentações, sobretudo a Lei de Ordenamento Territorial
- LOT, objeto de nossa pesquisa), teriam grande influência de Dohler e, também, da ACIJ, pois
tratavam de interesses daqueles emergentes que se inseriram na entidade. Precisamos
relembrar, por fim, que grande parte destes pertencem aos setores intimamente ligados ao rent-
seeking urbano8, e o capital político adquirido pela entidade durante décadas facilitaria, e muito,
as ações necessárias para que os dirigentes alcançassem os seus objetivos.
Em todas as mais de 450 clipagens que coletamos ao longo dos quatros anos da pesquisa,
conseguimos perceber como a estrutura de poder estava montada para deslegitimar quaisquer
pensamentos dissonantes e que pudessem retroagir o processo da LOT. Em poucos momentos
pudemos averiguar, nas reportagens, as reais vantagens e desvantagens da nova lei, cujos
embates se desenrolaram desde 2009, ao contrário das vontades empresariais sempre estampadas
nas peças jornalísticas. Aqui damos valor às entrevistas que realizamos com os agentes sociais
escolhidos, fundamentais para extrairmos aquilo que a imprensa não mostrava – ou queria
esconder, considerando o poder que possui sobre a coalizão de consensos. O ponto a lamentar
ficou na omissão do Prefeito Udo Dohler às perguntas que enviamos por meio de sua assessoria
de comunicação.
Assim sendo, a LOT tornou-se a materialização de tudo aquilo que elencamos como matriz do
rent-seeking urbano: lobby, grupos de pressão, pesadas doações para campanhas eleitorais, e
mistificação em torno da necessidade de aprovação emergencial, sob as custas de um cenário
apocalíptico. Sob a desculpa de que “a cidade estava parando”, muito se moveu nos bastidores
para agilizar o processo, apesar dos recordes da construção civil, os quais acompanhavam o
4. Considerações finais
Não quero, com este relato, dizer que todos os planos e experiências democráticas devem
ser ignorados porque não funcionam e nunca funcionarão pela força que o capital,
especialmente aquele organizado, exerce sobre as cidades. Os 15 anos do Estatuto da Cidade
servem como exemplo, sim, para a aplicação de normas e instrumentos que valorizem as
pessoas e suas vidas nas cidades.
Por outro lado, dizer que tudo funciona perfeitamente, em efusivas comemorações, é
esquecer-se dos resquícios da tecnocracia e da ditadura militar que toda a Constituinte deixou
de legado para o século XXI; e do nosso fracasso, enquanto nação, de superar a crise urbana
mesmo com regulação tão avançada. Não é agradável identificar os realinhamentos
promovidos nos últimos anos, mas é fruto de nossa jovem democracia e de nossa anciã
desigualdade que assola os três poderes, das três esferas de governo.
O cinzento cenário das relações políticas existentes no rent-seeking urbano (um de nossos
temores iniciais consistia nas incertezas de como poderíamos revelar interesses tão escusos e
quase invisíveis) sucumbe, assim, à intervenção da investigação científica que mostra os
verdadeiros mandatários da cidade e os porquês de suas ações, geralmente interessados em
manter os privilégios que historicamente construíram suas riquezas e reputações em detrimento do
segregado e ocupante dos espaços desiguais de moradia.
Posso dizer, com isso, que esse é o grande legado, até o presente momento, do Estatuto da
Cidade no que diz respeito à participação institucionalizada: o que antes ocorria em gabinetes e
conversas informais, agora precisa ser encenado publicamente (por mais que não seja o ideal, e se
é que possa ser considerado como legado), dando brecha para interpretações mais precisas
avindas dos discursos proferidos nas Conferências, Conselhos, Audiências e afins. O que vem
ocorrendo, e de forma urgente e alarmante, é uma nova virada conservadora da questão urbana
brasileira, na clara tentativa de retomar os gabinetes políticos e empresariais como as únicas arenas
de negociação, e para isso precisamos, enquanto acadêmicos das áreas ligadas à questão urbana,
superar as velhas generalizações que não conseguem mais explicar as novas dinâmicas
encontradas nas cidades.
Quando, durante o doutorado, formulamos o título “Quem manda nesta cidade?”, já imaginava,
desde as nossas hipóteses iniciais, a resposta. No caso estudado, sempre identifiquei a Acij como
interlocutora e mediadora dos interesses dos grupos que possuem a riqueza substantiva de Joinville
e foi, certamente, o que validei ao longo da pesquisa de campo com as entrevistas, análises de
discursos, clipagens, e todo o material secundário coletado em várias frentes. Tanto que o tom foi
mudado, e agora está enfatizado que “eles mandam na cidade”. Em outras cidades, temos
convicção que podem ser outros grupos, de outros ramos, mas entendemos como tarefa
imprescindível para os pesquisadores a identificação destes e a atenção especial para o
associativismo empresarial.
5. Referências bibliográficas
MOTTA, Fernando. Empresários e hegemonia política. Editora Brasiliense, 1979.
SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. A cidade como um jogo de cartas. Niterói/SãoPaulo:
EDUFF /Projeto Editores, 1988.
SANTOS JUNIOR, Orlando Alves dos ; MONTANDON, D. T. (Org.) . Os Planos Diretores
Municipais Pós-Estatuto das Cidades: balanço crítico e perspectivas. 1. ed. Rio de Janeiro: Letra
Capital, 2011. v. 10.000. 295p .
VOOS, Charles H. Quem manda nesta cidade? Poder e rent-seeking urbano em Joinville/SC após
o Estatuto da Cidade. Porto Alegre: UFRGS/Programa de Pós-Graduação em Sociologia, 2016
(Tese de Doutorado).
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 08 – CIDADES DEMOCRÁTICAS
1. Introdução - A presente pesquisa faz um apanhado dos aspectos históricos da formação dos
municípios brasileiros, sempre defendendo o Direito Urbanístico como um ramo do Direito
autônomo que auxilia a participação popular de forma direta no planejamento urbano e trará
diversos entendimentos prevalentes a respeito dos conceitos de Democracia e as várias formas
possíveis de representatividade das forças constituintes. De modo geral, todo este arcabouço
reveste de abordagens importantes e bem contextualizadas, entretanto, restritas a tratamentos
apenas parciais de um assunto fundamental no que se refere ao Planejamento Urbano, a ser visto
como um trabalho a ser realizado de maneira a preceder todos os demais e a integrá-los, e que
sem dúvida, a ele são condicionados. As questões de Governança Colaborativa, Gestão
Compartilhada, Orçamento Participativo e a análise dos instrumentos de participação popular
como o papel das Audiências Públicas ou dos Conselhos Municipais refletem essa parcial visão,
onde a ausência do tratamento holístico e sistêmico do contexto geral e integrado do município
não se consubstancia.
Neste trabalho propõe-se avançar por meio da proposição de um modelo, que se denomina:
Grau de Maturidade no Planejamento Urbano, para o fortalecimento do conceito de planejamento
urbano e para a valorização de seus aspectos constituintes, como a análise da maturidade do
modelo em si e da maturidade da participação representativa dos diversos setores de uma
comunidade; a caracterização e individualização do Direito Urbanístico.
Mesmo entendendo-se que no mundo corporativo tenham sido experimentados, aplicados e
consolidados inúmeros recursos tecnológicos e de gestão integrada e que diversas proposições
de abalizados autores tenham remetido sua aplicação ao âmbito da gestão pública, percebe-se a
falta de uma abordagem holística e sistêmico capaz de oferecer um tratamento adequado,
duradouro e com visão de futuro, apto a sobrepujar interesses localizados, estilos de liderança e
de competência restritos, ações midiáticas ou simples duração de um mandato, uma vez que as
demandas políticas, sociais e econômicas do município perduram, assim como as expectativas e
aspirações de sua população.
Como resultado propõe-se que os trabalhos de planejamento urbano, agora entendido como
um complexo sistema integrado e seu fracionamento em relevantes subsistemas sejam
constituintes de um modelo holístico, sistêmico, que se denomina: Grau de Maturidade no
Planejamento Urbano. O resultado desse esforço de planejamento contínuo será consubstanciado
1
Advogado e Professor é Doutorando em Ciências Ambientais pela Universidade Federal de São Carlos. Pesquisador
integrante do Grupo de Pesquisa CNPq Novos Direitos, colencilu@yahoo.com.br;
2
Jurista e Professor do Departamento de Ciências Ambientais da Universidade Federal de São Carlos. Pesquisador líder
do Grupo de Pesquisa CNPq Novos Direitos, celmaran@gmail.com;
posteriormente no Plano Diretor do Município, constituído de diversos outros Planos Diretores
específicos como o de Meio Ambiente, de Tratamento de Resíduos Sólidos, de Saneamento e de
Águas Potáveis, de Educação, de Combate às Enchentes, de Saúde, de Segurança, entre outros.
Sua resultante será a LDO – Lei de Diretrizes Orçamentárias, revista anualmente em função do
Plano Plurianual de Governo, e a partir da adoção desta nova prática, dos movimentos de indução
convergentes extraídos dos procedimentos aplicáveis no planejamento urbano. Assim sendo,
segue esta apresentação em direção ao seu detalhamento conceitual.
2. Desenvolvimento;
Uma análise utilitarista do conceito de participação popular no processo de tomada decisões
públicas torna-se tarefa de difícil consumação. Participar, em sentido lato, significa intervir num
processo decisório qualquer (MORÓN, 1980 e DUARTE, 1996).
Modesto (1995) explana que a questão da participação, no âmbito do Direito Público, vincula-
se estritamente na realização e controle das funções estatais e na própria elaboração do direito
positivo. Nesta seara, Kelsen (1990, p. 91) define mais particularmente, que os direitos políticos
são "as possibilidades abertas ao cidadão de participar do governo, da formação da ´vontade´
geral. Livre da metáfora, isso significa que o cidadão pode participar da criação da ordem jurídica.”
Assim, o sistema positivista implantado após a Constituição Federal (BRASIL, 1988), em um
conceito mais abrangente permite a cada cidadão votar e ser votado, o que supostamente
transpassa a ideia de que qualquer cidadão pode participar do processo político nacional e, por
conseguinte participa da administração pública (SCHUMPETER, 1984; DAHL, 1971). No entanto,
a participação popular no âmbito da administração pública deve ser entendida, em sentido amplo,
como qualquer forma de interferência de terceiros (aquele que não responde diretamente) na
efetivação da função administrativa do Estado e, em sentido mais restrito, versa sobre a
intervenção no processo de efetivação da função administrativa do Estado, executada em
benefício do interesse coletivo, diretamente pelo cidadão ou por representantes de grupos sociais
legitimados, a agir em nome de seus representados (SEELE e PERUZZOTI, 2009). Quanto à
possibilidade de concebê-la de forma ampliada a partir de novos canais de participação política
exemplificados em inovações democráticas (PATEMAN, 1970; MANSBRIDGE, 2003; URBINATI,
2006).
Reside aqui uma ponderação quanto ao sentido de se estabelecerem limites e de se restringir
a participação direta, por entender que esta não pode ser considerada toda e qualquer
interferência de terceiros no curso da função pública, mesmo porque algumas questões não
poderão ser respondidas pela opinião popular, muitas vezes carregada de subjetividade, e sim por
questões técnicas, por imposições legais (a própria lei), por procedimentos da própria gestão
administrativa, por força política, entre outras ações que poderão se contrapor diretamente a
possibilidade de participação direta.
Impõem-se, dessa forma, a necessidade de se estabelecerem critérios de qualificação das
partes. Chauí (1993) chama a atenção para a necessidade do exercício de outra democracia,
mais autentica e abrangente, que passe pela afirmação e criação de direitos, por meio da
construção dos sujeitos sociopolíticos por sua própria ação, ultrapassando o sentido restrito da
cidadania, dando ao cidadão: voz e voto.
Em sentido amplo a participação denominada uti cives é aquela em que o agente privado, sem
vínculo jurídico com o Poder Público e com interesse coletivo, intervém na evolução de funções
estatais. Segundo Modesto (2007) pode-se dividir a participação popular em dois grandes grupos.
A primeira forma é a subjetiva por se relacionar a tutela de interesses individuais dos agentes que
tomam parte da decisão administrativa, espécie trazida pelo Estado Liberal de Direito, mas que
efetivamente não realizam, de fato, a participação popular, pois busca-se na administração
pública, o interesse individual, corrente, trazida por Brito (1992), que enquadra como forma de
“controle social da administração” e não de participação. A segunda, é a participação cidadã em
sentido estrito, sendo a forma de participação objetiva, semidireta ou direta do povo na condução
da função administrativa do Estado.
O tema torna-se crescente, no âmbito global e nacional, no aprofundamento teórico sobre a
mecânica da participação popular tendo como base as inúmeras chaves teóricas e com
metodologias e objetos de estudo distintos (FUNG e WRIGHT, 2003; AVRITZER, 2009;
AVRITZER e SOUZA, 2013; POGREBINSCHI e SANTOS, 2011; MANSBRIDGE e PARKINSON,
2012; SEELE e PERUZZOTI, 2009; GEISSEL e NEWTON, 2012; SMITH, 2009). No entanto,
pouco se produziu academicamente com o objetivo de se permitir materializar um modelo
específico para tornar viável a participação popular. Reflexões com este último objetivo podem se
tornar elementos centrais para a compreensão da diversidade dessas inovações e dar sentido à
efetiva participação contributivamente. De fato, percebe-se que a democracia representativa se
demonstra frágil no sentido de legitimar a ordem jurídica e as políticas públicas. Pela crise
democrática existente, de modo geral e especialmente no caso brasileiro, faz-se necessário que a
democracia representativa ceda espaço à democracia participativa, na qual os cidadãos venham a
atuar diretamente, interferindo na das tomadas de decisões, entendendo-se ser esta a condição
única de se equilibrarem os interesses e como mecanismo apto para de elevar o nível das
decisões para o sentido mais puro de política (DINIZ, 1978). Entretanto para que essa
participação seja faticamente viável, é preciso que haja conscientização e comprometimento dos
cidadãos para tal participação (PARÉS; CASTELLÀ, 2008). Certo é que não pode ocorrer
somente no âmbito da Administração Pública, em um sistema de tomada de decisões, unilateral,
top dow, ou seja, um sistema em que as decisões públicas, inclusive da escolha dos elementos
participantes e do modo de se participar venham de cima para baixo, do comando do executivo
para a sociedade.
Sabe-se que o apoio institucional e a reflexão simples aceitação das vantagens do instituto da
participação podem refletir refletem o entusiasmo da vontade da mesma forma com que podem
ofuscar a clareza da razão. São inúmeras as eloquências do discurso e no entanto, são
despojadas as ações decorrentes que realmente sistematizem e operacionalizem a participação
popular; falta um elo de ligação, no abismo estabelecido entre a vontade de institucionalizar a real
participação popular paras as decisões (PARÉS; CASTELLÀ 2008).
Assim, diante da complexidade existente na questão da participação popular de forma direta é
de relevante importância refletir sobre as formas básicas de participação e os instrumentos
processuais aptos a esta efetivação, bem como a utilização de mecanismos fora da legislação que
auxiliam a participação (NOGUEIRA, 1997).
A participação popular deve coexistir nos outros setores do Estado, pois se revela numa
questão eminentemente política de acordo com o grau de desenvolvimento e efetivação da
democracia na sociedade. Também não pode restringir a participação popular meramente a uma
questão jurídica, pois o equipamento jurídico que se possa implementar não introduzirá ao
cidadão a cultura participativa, não parte da lei o espírito participativo do cidadão. O que pode
ocorrer é uma situação inversa que a formulação de lei dificulte a participação, por criar
mecanismos de acomodação e/ou neutralização dos cidadãos (MODESTO, 2007).
Cabe, diante da complexidade existente ao universo jurídico, social, político, econômico,
tecnocrático, entre outros a formação de uma sociedade apta a participar efetivamente das
discussões públicas tornando o processo democrático uma realidade. Tornando-o aquilo que se
propôs a ser, de fato.
O objetivo desta pesquisa é oferecer melhor entendimento para se galgar esse passo no que
diz respeito à realidade brasileira. Partindo de um estudo amplo para o caso concreto, desvendar-
se-á a relação entre Estado e sociedade civil no tema participação política e com isso será
analisado e proposto um método mais adequado para a participação popular na realização de um
Planejamento Urbano, a ser confrontado com os procedimentos adotados na revisão do plano
diretor da cidade de São Carlos – SP. A revisão bibliográfica das inúmeras possibilidades
disponibilizadas, de inserção de conceitos, de teorias e de práticas da administração corporativa e
das tecnologias de informações e de comunicação, conforme estabelecido no New Public
Management – NPM; a cultura prevalente do grupo gestor e os procedimentos adotados na
chamada Revisão do Plano Diretor, de 2016 em São Carlos – SP, revelam um enorme gap na
gestão municipal.
Nesse sentido, avança-se metodologicamente na revisão bibliográfica, composta da busca por
referências teóricas e aplicadas juntamente com o levantamento de documentos públicos de
revisão do Plano Diretor de São Carlos-SP, dedicado a pensar na estrutura formada para a
participação com a constituição democrática e da relação entre Estado e sociedade no contexto
local. A pesquisa está dividida em tipologia da participação na administração pública,
procedimentos, tipos e instrumentos de participação, os limites para participação popular direta, o
contingenciamento da participação cidadã, como ocorreu a revisão do Plano Diretor na cidade de
São Carlos-SP e as possíveis alternativas de solucionar o caso. A análise comparativa do
arcabouço teórico-prático com a efetividade de sua aplicação permitirá novas proposições.
3. Considerações finais - Como resultado da pesquisa tem-se como parâmetros a Escala de
Maturidade Contributiva por sua vez, 5 (cinco) níveis representados no Quadro abaixo, com os
graus de maturidade gerencial em relação a participação popular, extraídos da escala de Arnstein
(1969) e adaptada por Souza (2002) como referência.
ARNSTEIN ADAPTADO POR SOUZA MATURIDADE PARTICIPATIVA
CONTRIBUTIVA
NÍVEIS CATEGORIAS NÍVEIS CATEGORIAS
5. O cidadão ou grupo em compartilhamento
participa plenamente e propõe melhorias.
Participação Autêntica 8. Autogestão
5. Exerce controle. Fiscaliza. Participa
Maturidade produtivamente de negociações. Atua com visão
Plena de médio e longo prazo (visioning) e de forma
metodologicamente estruturada. Interfere.
Interage. Articula mecanismos.
1. Introdução
Decorrente de um longo processo de discussão e elaboração, o Estatuto da Cidade 4 aprovado
em 2001 marca uma nova visão acerca da política urbana brasileira. A introdução de instrumentos
legais que objetivam ampliar os espaços democráticos no planejamento urbano tem gerado
grandes discussões acerca de sua efetividade, a exemplo da obrigatoriedade da participação
popular na elaboração de planos diretores.
Por muitos anos, engenheiros, arquitetos e outros profissionais da área construíram e
desconstruíram conceitos e regras urbanísticas baseados somente em sua visão técnica de
cidade ideal. Essa nova norma do Estatuto da Cidade, entretanto, almeja a gestão democrática
das cidades por meio da participação popular e é, em si mesma, uma pequena revolução A
legislação assegura que todos possam contribuir para a construção do espaço urbano, e não
somente os técnicos e especialistas no assunto. A efetivação desse direito, por outro lado, não
tem sido fácil. A cidade é o espaço do convívio com o outro, convívio esse que gera conflitos e
embates constantes. Em Florianópolis não é diferente. Basta olhar para o complexo processo de
elaboração e revisão do Plano Diretor Participativo de Florianópolis (PDPF). Este trabalho expõe
esta trajetória a partir de análise documental, revisão bibliográfica e observação participante,
incluindo o comparecimento às reuniões e assembleias de discussão do plano. Como resultado,
espera-se demonstrar uma linha do tempo com as idas e vindas do processo de participação
popular no planejamento urbano em um caso que continua em andamento e ainda sem consenso.
2. Desenvolvimento
Iniciado oficialmente em 2006, o processo de elaboração do PDPF é fruto da ação de diversos
agentes. Por ser uma ilha turística e ter limites claros ao seu crescimento, o interesse do setor da
construção civil foi muito presente desde o início da ocupação de Florianópolis, inclusive
laris.chaves@hotmail.com
3 Doutora em Planejamento Urbano e Políticas Públicas pela University of Illinois at Chicago. Professora
determinando eixos de crescimento e expansão urbana de acordo com seus interesses5. Além
disso, fruto da sua fundação polinucleada, a cidade conta com comunidades de moradores
relativamente organizadas e por muitas vezes mobilizadas para resistir às ações desenfreadas do
setor imobiliário. O poder executivo que deveria conciliar os interesses dos diversos grupos,
muitas vezes, durante o processo de revisão do Plano Diretor, tomou decisões de forma
centralizada e contraditória aos interesses da população local.
Frente a objetivos tão distintos, o processo de elaboração do PDPF tornou-se longo e instável,
como pode ser observado na Figura 1. Enquanto o setor da construção civil estabelecia seus
interesses junto aos órgãos da Prefeitura Municipal, as comunidades capacitavam-se técnica e
legalmente em união ao Ministério Público. Em 2014, o Plano finalmente foi aprovado pela
Câmara de Vereadores, entretanto, somente após a inclusão de mais de 305 ementas. A
completa desconfiguração do Plano gerou revolta por parte da sociedade civil organizada que, em
conjunto com o Ministério Público e apoiada pelo Estatuto da Cidade, conquistou o direito da
reabertura do processo elaborativo.
A revisão do Plano de 2014, desde então, tem sido marcada por intervenções da Justiça
Federal e do Ministério Público devido a adição de temas que não foram discutidos nas reuniões
com as comunidades, enquanto aqueles efetivamente debatidos não foram incluídos nas novas
versões apresentadas do plano, assinalando um embate entre as comunidades e o poder
executivo representado especialmente pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis
(IPUF). A questão da efetiva participação, assim como a transparência do processo encabeçada
pelo IPUF foram as causas principais que culminaram no lento e desgastante transcurso
identificado até o presente momento.
3. Considerações Finais
A elaboração do PDPF é um processo que vem se arrastando há mais de 10 anos. Esse longo
e conflituoso caminho traz consequências e reflexos danosos à cidade e ao desenvolvimento do
projeto como um todo. O que se percebe agora, a partir do relato de informantes e da participação
nas reuniões, é o desgaste e a perda de interesse por parte dos envolvidos, o que por si só já
enfraquece a participação popular, assim como diminui a confiança as entidades envolvidas e no
processo como um todo.
Fica claro, portanto, que a mera aprovação do Estatuto da Cidade e de seu instrumento de
participação popular não garante a efetivação da participação popular no planejamento urbano
brasileiro. É necessário que a população conheça e exerça seus direitos garantidos pela
constituição e que o Ministério Público continue sua ação vigilante diante deste processo.
5SUGAI, Maria Inês. Segregação silenciosa: investimentos públicos e dinâmica socioespacial na área
conurbada de Florianópolis (1970-2000). Florianópolis: Ed. da UFSC, 2015.
3
4. Referências Bibliográficas
ANTUNES, Julia. Discussão do Plano Diretor volta para calendário da Prefeitura em Florianópolis
Diário Catarinense, Florianópolis 17 mar 2012. Disponível em: <
http://dc.clicrbs.com.br/sc/noticias/noticia/2012/03/discussao-do-plano-diretor-volta-para-
calendario-da-prefeitura-em-florianopolis-3697895.html>. Acesso em 09/06/2017.
AVILA, Evelyne Delgado de. A iminente e preocupante instalação das Operações Urbanas
Consorciadas em Florianópolis/SC. Caminhos da Geografia, Uberlândia, 2013.
BISPO, Fábio. Justiça derruba decisão que pedia novas audiências no Plano Diretor de
Florianópolis. Notícias do Dia, Florianópolis 01 mai 2014. Disponível em: <
https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/justica-derruba-decisao-que-pedia-novas-audiencia-
no-plano-diretor-de-florianopolis>. Acesso em 09/06/2017.
BISPO, Fábio. Novo Plano Diretor de Florianópolis voltará à Câmara para ser revisado. Notícias
do Dia, Florianópolis 11 abr 2015. Disponível em: <
http://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/novo-plano-diretor-de-florianopolis-voltara-a-camara-
para-ser-revisado>. Acesso em 09/06/2017.
BISPO, Fábio. Prefeitura de Florianópolis reconstituirá Núcleo Gestor do Plano Diretor. Notícias
do Dia, Florianópolis 15 dez 2015. Disponível em: <
https://ndonline.com.br/florianopolis/noticias/prefeitura-de-florianopolis-vai-restituir-nucleo-gestor-
do-plano-diretor>. Acesso em 09/06/2017.
BRASIL. Lei nº 10257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Brasília, Câmara
dos Deputados, 2001, 1a Edição.
CUNHA, Luis Felipe. A esfera pública e o Plano Diretor Participativo de Florianópolis.
Dissertação (Pós-Graduação em Geografia). Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis, 2013. Disponível em: <
https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/122922/32%204938.pdf?sequence=1
&isAllowed=y016 >.
EUSTAQUIO, Leandro. Os Municípios precisam fazer a revisão do plano diretor. O prazo está
terminando e os Prefeitos podem incorrer em improbidade administrativa. Migalhas, Florianópolis
21 abr 2015. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI219094,61044-
Os+Municipios+precisam+fazer+a+revisao+do+plano+diretor+O+prazo+esta>. Acesso em
09/06/2017.
FLORIANÓPOLIS. Decreto nº 15.120, de 08 de setembro de 2015. Institui o conselho da cidade
no município de Florianópolis e dá outras providências. Florianópolis, SC, 9 nov. 2015. Disponível
em: <http://portal.pmf.sc.gov.br/noticias/index.php?pagina=notpagina¬i=15721>. Acesso em
09/06/2017.
5
1 INTRODUÇÃO
O bairro de Mãe Luiza localiza-se numa área próxima a atrativos turísticos e ambientais da
cidade, além de fazer parte de uma das áreas mais valorizadas pelo mercado imobiliário de
Natal/RN e possui como limites o bairro Petrópolis e Areia Preta, além do Parque Estadual das
Dunas, das praias do litoral natalense.
2FERNANDES, Maria Aparecida da Silva. Da resistência a ação política, a educação pelo consenso: a
ação educativa de Pe. Sabino em Mãe Luiza –Natal/RN.160 f. Tese (Doutorado) - Curso de Educação,
Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.
3 MORAIS, Lucia Maria; VIVAS, Marcelo Dayrell, BENTES SOBRINHA, Maria Dulce P. (Org.);
CLEMENTINO, Maria do Livramento Miranda.(Col.). Efetivação do direito à moradia na cidade do Natal:
monitoramento e controle social na Missão da Relatoria Nacional do Direito Humano à Moradia Adequada e
Terra Urbana – Plataforma DHESCA. Natal, RN: EDUFRN – Editora da UFRN, 2008.
De acordo com Lima4 Mãe Luiza apresenta ainda como característica histórica a constante
luta de seus moradores pelo direito a terra e ao acesso a melhorias urbanas. A ocupação inicia-se
nos limites próximos a Areia Preta e aos poucos cresce sentido as dunas, em 1951 e construído o
Farol de Natal, hoje conhecido como farol de Mãe Luiza. Na década de 1960 a população começa
a aumentar ocupando as dunas espaçadamente, loteando - as e ocupando-as com barracos de
madeira e gradativamente edificações em alvenaria.
Através da Lei nº 794 de 23 de Janeiro de 1958 a ocupação foi reconhecida como Bairro.
Isso ocorreu quando o município realizou ações de titulação de imóveis, através de carta de
aforamento concedida aos moradores e a todos aqueles que desejassem construir uma casa no
bairro. Assim na década de 1960, começou ser implantada infraestrutura em Mãe Luiza,
verificando-se melhorias com a instalação da rede de energia elétrica e a pavimentação de ruas
principais de acesso ao bairro.
Na década de 70, com uma população ainda pequena, o bairro já possuía o que hoje
temos como delimitação da atual área. Nesse período nota-se o começo da intensificação do
adensamento no bairro, percebendo que logo após as ocupações de expandem com maior
intensidade até chegar à configuração do bairro atual. Já em 1980 foi criada pela Prefeitura de
Natal/RN, com intuito de investir na indústria do turismo, o Parque Estadual das Dunas, além da
construção da Via Costeira. Mãe Luiza tem seus limites redefinidos pela Lei no. 4.330, de 05 de
abril de 1993, com uma área total de 96,93Ha. O bairro que já era consolidado e dotado de
infraestrutura, ainda que precárias em vários aspectos torna-se uma localização privilegiada e
estratégica para as ações do mercado imobiliário formal.
A população local, diante dos grandes empreendimentos que vinham sendo construídos no
bairro, reconfigurando o perfil predominantemente residencial e de população de renda baixa,
iniciou um debate na comunidade buscando enfrentar a especulação imobiliária e a degradação
ambiental. Neste cenário, de acordo com Fernandes5, a atuação do padre Sabino foi de notável
importância no que diz respeito à união de esforços da comunidade com objetivo de conquista do
direito à cidade.
Também foi observado que a atuação do Pe. Sabino Gentili, a partir dos anos 80,
quando chega a Mãe Luiza, foi de fundamental importância para o esforço dessa
identidade comunitária, especialmente, porque era um momento bastante crítico: o
do processo de urbanização da cidade de Natal que ameaçava a permanência dos
moradores no bairro devido à especulação imobiliária 6.
4LIMA, Ana Cláudia de Sousa. Implantando o Estatuto da Cidade: Estudo para aplicação do Direito de
Preempção: Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza - Natal. 2009. 105 f. TCC (Graduação) - Curso
de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Departamento de Arquitetura, Universidade Federal do Rio
Grande do Norte - UFRN, Natal, 2009.
5FERNANDES, Maria Aparecida da Silva. Da resistência a ação política, a educação pelo consenso: a
ação educativa de Pe. Sabino em Mãe Luiza –Natal/RN.160 f. Tese (Doutorado) - Curso de Educação,
Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011.
6 iibid. p. 14
Lima7 mostra que em 1992 foi elaborado junto com instituições comunitárias do bairro,
moradores e a assessoria técnica de professores do Departamento de Arquitetura da UFRN, a
proposta de lei de uso e ocupação do solo de Mãe Luiza, através do instrumento de regularização
fundiário, a Área Especial de Interesse Social - AEIS. Mãe Luiza foi instituída e regulamentada
como AEIS, após três anos de debates na comunidade através da Lei no. 4.663, de 31 de julho de
1995, sendo a primeira AEIS regulamentada do Município. Existiu assim um diálogo com o novo
contexto do planejamento urbano nacional e com a revisão do Plano Diretor em 1994 (Lei no
07/94). De acordo com Moraes8, em 2007, a referida lei foi reconhecida como “Lei Exitosa” pela
Missão da Relatoria Nacional do Direito a Moradia – Plataforma DhESCA Brasil.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A AEIS de Mãe Luiza foi alvo, desde o início de sua ocupação, das pressões do mercado
imobiliário. Esse fato, como visto, se deu, principalmente, devido à localização privilegiada do
bairro em relação às demais áreas da cidade.
No entanto, apesar deste cenário de lutas por interesses distintos, por parte da
comunidade em oposição ao mercado de terras, verifica-se, através da análise sobre a forma de
ocupação do bairro de Mãe Luiza, a importância da participação social, através da organização
social da própria comunidade, como um critério importante para compreender, com base na
resistência da população, o empoderamento do povo na luta pelo direito á cidade.
Hoje, a AEIS do bairro de Mãe Luiza, após a implementação da lei 4663/1995, é espaço de
diversos projetos que visam o desenvolvimento social daquela comunidade. Um dos exemplos
desses avanços, como visto é o Ginásio Arena do Morro, projeto cedido pelo o escritório suíço
Herzog & de Meuron e inaugurado em 2014.
Entende-se que a experiência da regulamentação de uso e ocupação do solo na AEIS de
Mãe Luiza, através da Lei nº 4.663 de 1995, relaciona-se a um quadro marcado pela luta dos
moradores da comunidade, iniciadas, principalmente, na década de 1980, com a chegada do
padre Sabino como forte ator social, foi de essencial relevância na construção de um ideário de
lutas na comunidade de Mãe Luiza, onde a metodologia empregada por ele é vista como
estratégia de organização do trabalho coletivo.
Fazendo uso da ideia de Harvey9 é necessário tomar o direito à cidade como lema
operacional e também como ideal político daqueles que buscam democratizar esse direito com
base no fortalecimento de um amplo movimento social. A AEIS de Mãe Luiza se diferencia de
9 HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p.73-89, dez 2012. p.88
outras AEIS de Natal/RN, levando em conta, principalmente, o histórico que demonstra a
organização da comunidade na busca por seus ideias de desenvolvimento socioespacial. Nesse
sentido, a lei nº 4663/1995 se apresenta como ferramenta de desenvolvimento local e, além disso,
seu significado ultrapassa tal valor quando percebe-se que a regulamentação da área causou
empoderamento dos moradores na luta contra o mercado imobiliário onde, simultaneamente,
possibilitou o fortalecimento da comunidade local no processo de conquista por seus direitos.
4 REFERÊNCIAS
HARVEY, David. O direito à cidade. Lutas Sociais, São Paulo, n. 29, p.73-89, dez 2012.
LIMA, Ana Cláudia de Sousa. Implantando o Estatuto da Cidade: Estudo para aplicação do
Direito de Preempção: Área Especial de Interesse Social de Mãe Luiza - Natal. 2009. 105 f. TCC
(Graduação) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Departamento de Departamento de Arquitetura,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN, Natal, 2009.
MORAIS, Lucia Maria; VIVAS, Marcelo Dayrell, BENTES SOBRINHA, Maria Dulce P. (Org.);
CLEMENTINO, Maria do Livramento Miranda.(Col.). Efetivação do direito à moradia na cidade
do Natal: monitoramento e controle social na Missão da Relatoria Nacional do Direito Humano à
Moradia Adequada e Terra Urbana – Plataforma DHESCA. Natal, RN: EDUFRN – Editora da
UFRN, 2008.
______. Lei nº 4.330, de 05 de abril de 1993. Natal: Prefeitura Municipal. Disponível em:
<http://www.natal.rn.gov.br/bvn/publicacoes/lei_n_4.330.pdf>. Acesso em: 22 fev 2017.
______. Lei nº 4.663, de 31 de julho de 1995. Natal: Prefeitura Municipal. Disponível em:
<http://www.natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-102.html#legislacao_div>. Acesso em: 24 fev
2017.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
1) Introdução
O presente trabalho é fruto de pesquisa para dissertação de mestrado e se debruça sobre
alguns aspectos da experiência de formulação de um Plano Estratégico para a cidade de Salvador
- o Plano Salvador 500, para tentar levantar em que medida os espaços participativos
possibilitaram uma ampliação do debate democrático e um processo de aprofundamento da
cidadania dos seus participantes. Tentou-se também observar se e como estes espaços puderam
servir enquanto espaços pedagógicos de exercício-aprendizado da autonomia e da prática
democrática.23
Para tanto, foram enfocadas as contribuições e intervenções realizadas em dois dos
espaços participativos propostos pela gestão municipal durante o plano. Um espaço virtual (o site
do Plano Salvador 500) e a as audiências públicas. Tais espaços foram os privilegiados por se
tratarem daqueles apontados pelo executivo municipal enquanto os prioritários para a realização
de sugestões ao plano diretor de desenvolvimento urbano em elaboração.
Para entender o contexto de surgimento do Plano Salvador 500, é preciso fazer uma breve
retorno ao passado recente da cidade, no que diz respeito ao planejamento urbano e à elaboração
de normas urbanísticas. No ano de 2012, um conjunto de normas urbanísticas da cidade de
Salvador passam por um processo de judicialização, tendo sido alvos de uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade.4As normas referidas foram as Leis municipais 3.378/2012, 8.379/2012 e
8.167/2012,se tratavam portanto de leis ordinárias que continham matéria própria do Plano Diretor
tais normas, nesse sentido a autora apenas fará uma apanhado geral dos acontecimentos relativos à ADI.
Para uma análise mais pormenorizada, recomendo a consulta direta ao processo de nº Processo nº
0303489-40.2012.8.05.0000disponível no site de consulta processual do Tribunal de Justiça do Estado da
Bahia http://esaj.tjba.jus.br/esaj/portal.do?servico=190100 ou à Síntese Sistematizada produzida pelo
Ministério Público do Paraná que pode ser encontrada em:
http://www.urbanismo.mppr.mp.br/arquivos/File/TJBAAcaoDiretdInconstitucionalidadePDDUresumpdf.pdf
de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e da Lei de Ordenamento de Uso e Ocupação do Solo
(LOUS).
Tais leis foram declaradas inconstitucionais em um processo deflagrado pelo Ministério
Público do Estado da Bahia5. O parquet estadual, em resumo, aduziu em sua peça inicial que,
apesar de se tratar de duas leis ordinárias, elas alteravam substancialmente o conteúdo do PDDU,
alterando, por exemplo, zoneamentos e aumentando o gabarito de algumas regiões da cidade, e
que, portanto, deveriam passar por processo legislativo especial, onde fosse garantida a efetiva
participação popular, conforme a previsão do art. 52 da Constituição Estadual da Bahia. O
Ministério Público Estadual pontuou que a participação popular deve ser efetiva, não sendo
suficiente a "singela participação" do povo por meio de audiências sem publicização prévia (e com
antecedência) de suas datas e de estudos técnicos que subsidiassem o debate público".
A decisão do Tribunal de Justiça foi pelo acolhimento do pedido do Ministério Público, de
forma que dispositivos das leis referidas acima foram consideradas inconstitucionais por vício no
processo legislativo. Ainda durante o processo judicial, a prefeitura municipal passa a aderir a tese
da inconstitucionalidade e, junto com o Ministério Público Estadual, passa a requerer a modulação
dos efeitos das leis objeto da ADI. Como resposta ao processo de modulação judicial descrito e a
suposta lacuna jurídica que ela instaura, e como parte integrante das ações de governo do
mandato do Partido Democratas (DEM) na Prefeitura Municipal, é lançado o Plano Salvador 500.
O Plano Salvador 500 é proposto neste contexto, enquanto um plano de longo prazo,
instituído para o planejamento urbano da cidade de Salvador, sendo que a legislação urbanística (
PDDU e LOUOS) é apresentada enquanto subproduto a ser entregue no decorrer do Plano. Tal
proposta é permeada pelo discurso da necessidade de "segurança jurídica" e de que a cidade de
Salvador estaria convivendo com um "vazio jurídico" que teria paralisado o desenvolvimento da
cidade e prejudicaria os investimentos de setores como o da construção civil
5Processo nº 0303489-40.2012.8.05.0000
6DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. Cortez Editora, 6ª edição.
São Paulo, 2009.
coordenação do Plano ou compilados pelo grupo Participa Salvador durante as audiências
públicas.7
No primeiro levantamento, referente às contribuições enviados por internet, através da
"Seção Contribua" do Site do Plano Salvador 500, foram levantadas um total de 54 contribuições.
Dentre as contribuições com tema identificável feitas no site, cerca de 55% (20 de um total de 36)
se referiram a questões relacionadas a falta de publicação de alguns documentos no site,
problemas com acessibilidade ou links corrompidos. Por sua vez, as contribuições inerentes ao
conteúdo do planejamento urbano (sejam as referências aos estudos técnicos, a minuta de lei do
PDDU, ou a temáticas diversas relacionadas a dinâmica urbana- como ZEIS e mobilidade urbana)
contabilizadas em conjunto, somaram apenas 24% das contribuições realizadas no site.
Resta flagrante a desproporção entre as duas situações, o que põe em dúvida a eficiência
do espaço virtual enquanto instrumento efetivo de ampliação da experiência participativa, uma vez
que a imensa maioria das contribuições não versou sobre o conteúdo propriamente dito dos
documentos apresentados nem traziam sugestões diretas para a realização do Plano. Tal análise
põe por terra o discurso do Executivo de apostar no instrumento virtual enquanto grande
novidade do processo participativo, capaz de qualificar e densificar a participação popular na
elaboração da legislação urbanística.
Já em relação às audiências públicas, em um levantamento das contribuições realizadas
durante as audiências (de forma oral), ou através da entrega de documentos ou ainda de "fichas
de sugestões", foi levantado um total de 666 intervenções/propostas. Destas propostas, 38 foram
realizadas via entrega de documentos, as outras 628 foram intervenções realizadas de forma oral
ou escrita durante as audiências públicas.
Analisando as intervenções por indivíduo, percebe-se uma variedade maior de sujeitos,
sendo que 149 pessoas diferentes fizeram intervenções durante as quatorze audiências públicas
realizadas. Ainda assim, a concentração de fala é razoável: a pessoa que mais se manifestou
durante as audiências realizou 41 intervenções (cerca de 0,6% de todas as intervenções
realizadas). Um total de 17 pessoas (as que correspondem as 10 maiores quantidades de
intervenção) realizaram ao total cerca de 306 intervenções durante as audiências, isso
corresponde a cerca de 48,72 % das intervenções. Ou seja, 11,4 % dos presentes realizaram
quase metade das propostas levantadas e a outra metade ficou distribuída entre os outros quase
90% de participantes.
Se fizermos a mesma análise, partindo das representações por grupos, organizações,
associações e movimentos sociais, temos o seguinte cenário: 48 foram os grupos que realizaram
7PARTICIPA SALVADOR. Relatório sobre a Participação Popular e banco de dados para monitoramento
das contribuições da população ao Plano Salvador 500, Plano Estratégico, PDDU e LOUOS. Salvador,
2016. Disponível em: <http://participasalvador.com.br/arquivos/analises/10%20-
%20Relatorio%20Banco%20de%20Dados_Participacao.pdf>. Acesso em 30 fev. 2016.). Para conferir o
documento original, acessar:
<http://participasalvador.com.br/arquivos/analises/10%20%20Relatorio%20Banco%20de%20Dados_Particip
acao.pdf>
intervenções oralmente ou por meio de fichas durante as audiências públicas e 14 os que
realizaram entregas de documentos. O grupo que mais interveio durante as audiências foi o
Participa Salvador, com 137 intervenções/proposições realizadas oralmente ou por fichas (o que
corresponde a um total de 21, 6% do total de propostas realizadas). Outras entidades e grupos
que intervieram nas audiências foram: a Associação de Moradores de Colina de Patamares (33
intervenções), a Câmara Municipal de Salvador (32 intervenções) e o Condomínio Mon-Senhor
Ayres (18 intervenções). Nesta esteira, têm-se logo depois o Fórum de Entidades do Subúrbio e o
Projeto Cidadão Participativo (ambos com 14 intervenções), e o CAU-BA (com 13 intervenções).
Tais dados nos permitem inferir que a presença nos espaços físicos ainda são
predominantemente a forma escolhida para apresentar propostas ao poder público se comparada
às ferramentas virtuais.
No que diz respeito às temáticas, a contribuições apresentadas durante as audiências
públicas possuíram uma variedade maior. Houve mais intervenções acerca do conteúdo dos
documentos e estudos técnicos e como era de se esperar, a grande maioria das propostas se
referiam ao conteúdo da minuta do Projeto de Lei do PDDU.
DIVERSOS/OBRAS E AÇÕES DA
PREFEITURA
12%
GRÁFICO 01- Temas das Contribuições Audiências Pública. Fonte: Elaboração própria.
8
SOUZA, Marcelo Lopes de. A Prisão e a Ágora:Reflexões em Torno da Democratização do Planejamento
e da Gestão das Cidades. Rio de Janeiro: Bertand Brasil, 2006
9 TEIXEIRA, Ana Claúdia Chaves; SOUZA, Cloves Henrique Leite; LIMA, Paula Pompeu Fiuza. Arquitetura
da Participação no Brasil: uma leitura das representações políticas em espaços participativos nacionais
2012, p.64
audiências públicas, continuaram constando no texto final do PDDU encaminhado à Câmara de
Vereadores.
Um fator que pode ter contribuído para este esvaziamento é que a política urbana já se
demonstrava delimitada por uma diversidade de projetos do executivo ou de legislações
urbanísticas que já vinham incidindo na cidade em paralelo à discussão do PDDU e a centralidade
da disputa sobre método e metodologia da participação podem ser mais um reflexo desta falta de
conteúdo no debate.
Por fim, cabe ressaltar a possibilidade de ocorrer um fenômeno, já apontado por Thiago
Trindade10 (2015), ao ressaltar que a existência de canais institucionais participativos pode
reforçar a criminalização das ações diretas de grupos e movimentos. Como o autor bem
exemplifica através de slogan de campanha do Governo Federal, é a lógica do "Se a porteira está
aberta, porque pular a cerca?". Se a administração oferece uma série de espaços de debates para
a discussão do desenvolvimento da cidade, em tese abertos a participação de todos os cidadãos,
porque realizar protestos, manifestações, "apitaços"? Em uma conjuntura em que a participação
popular –pauta legítima das classes populares – é incorporada como instrumento de legitimação
da Planos Estratégicos que reforçam uma perspectiva excludente de cidade, resta o
questionamento: qual deve ser a atuação dos movimentos populares?
4) Referências bibliográficas
DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. Cortez Editora, 6ª
edição. São Paulo, 2009.
TEIXEIRA, Ana Claúdia Chaves; SOUZA, Cloves Henrique Leite; LIMA, Paula Pompeu Fiuza.
Arquitetura da Participação no Brasil: uma leitura das representações políticas em espaços
participativos nacionais.In:Novas Lentes sobre a participação: utopias, agendas e desafios.
SOUTO, Ana Luiz Salles Souto; PAZ; Rosangela Dias Oliveira da Paz (org.). São Paulo: Instituto
Pólis, 2012.
TRINDADE, Thiago Aparecido. A participação para além dos espaços institucionais: o movimento
de moradia e as ocupações de imóveis ociosos no centro de São Paulo (SP). 39º Encontro Anual
da ANPOCS,2015.
10
TRINDADE, Thiago Aparecido. A participação para além dos espaços institucionais: o movimento de moradia e as
ocupações de imóveis ociosos no centro de São Paulo (SP). 39º Encontro Anual da ANPOCS,2015.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
INTRODUÇÃO
O presente resumo constitui síntese de artigo a respeito da importância de práticas políticas
insurgentes para a luta pelo direito à cidade, propondo-se a responder à seguinte pergunta: como
a insurgência política no Cais José Estelita contribui para a luta pelo direito à cidade em Recife/PE?
Tendo em vista que somos estudantes de Serviço Social e residimos na capital de Pernambuco,
caminhar pela cidade sem (se) questionar (sobre) as expressões da questão social urbana é quase
impossível. Colocar o Cais José Estelita como objeto particular de pesquisa deve-se à (não tão)
recente visibilidade, inclusive internacional, que a venda e proposta mercadológica de uso e
ocupação do local, obtiveram.
Localizado no centro histórico da cidade de Recife, o Cais José Estelita compunha o Pátio
Ferroviário das Cinco Pontas, que abrigou a primeira linha férrea de âmbito nacional, ligando
Pernambuco à Bahia, datada do século XIX3. À época, o terreno era propriedade pública da União
e sua gestão cabia à Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA), que, após endividar-
se, foi oficialmente extinta em 20074. No ano seguinte, o terreno foi vendido, em leilão questionável,
ao consórcio de empresas privadas Novo Recife, que apresentou um megaprojeto de “revitalização”
para o Cais. O projeto, que leva o mesmo nome do consórcio, insere-se no processo de
revalorização econômica do Bairro do Recife promovido pelo Poder Público municipal em parceria
com empresas privadas. O Projeto Novo Recife recebeu sólidas críticas de grupos organizados da
sociedade, como o Movimento Ocupe Estelita (MOE), que resiste firmemente à aprovação daquele,
representando resistência antihegemônica face a práticas político-econômicas neoliberais de
gestão do espaço urbano, criticando não apenas as características do Projeto, mas também os
impactos sociais promovidos por este.
Processos semelhantes de revitalização foram promovidos em Paris, no século XIX, e em
Nova Iorque, no século XX, onde, por meio de grandes reformas urbanas, os governos da França
e dos Estados Unidos transformaram bairros inteiros em centros de consumo, para as classes
1 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Estudante. Email:
thaispazss@hotmail.com.
2 Graduanda em Serviço Social pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Estudante. Email:
thamirispaz@outlook.com.
1
média e alta. Para este fim, foram promovidas higienizações, afastando para as periferias as
camadas populares5, destituindo destas a participação nas cidades e o sentimento de
pertencimento6.
A própria formação da cidade capitalista revela o espaço que as trocas comerciais ocupam
na cidade: central. A constituição do modo de produção capitalista é resultado dessa centralidade,
bem como da apropriação do espaço pela burguesia empresarial. À medida que esse sistema
produtivo foi se desenvolvendo, o espaço urbano tornou-se também comercializável, especulável6.
A partir da influência global do pensamento neoliberal, a apropriação do espaço urbano passou a
depender ainda mais do mercado. A privatização de recursos naturais e a especulação imobiliária
são consequências dessa subordinação7, que, por sua vez, têm como resultado processos de
gentrificação e segregação social5. Deve-se salientar que o Estado tem papel fundamental nessa
relação de subordinação, tendo como função assegurar a reprodução do Capital e a acumulação e
mais-valia8.
Deste modo, considerando-se o conceito de direito à cidade em Henri Lefebvre6, tem-se um
espaço urbano cujo valor de uso foi perdido em detrimento do valor de troca, ou seja, a cidade
deixou de ser um espaço comum que pode ser vivenciado por todos e se transforma, especialmente
após o advento da industrialização, em um espaço comercializado, cujo direito de acesso e uso
precisa ser comprado. Para David Harvey5, não existe direito à cidade sem considerar a
coletividade. Embora sua existência enfrente muitas barreiras devido às condições da sociedade
capitalista, é necessário construir, manter e fortalecer as ligações entre as populações a partir de
uma tentativa política consciente. O direito de todos de habitar e viver em um ambiente decente é
mínimo, porém é o primeiro passo para um movimento revolucionário mais abrangente. O direito à
cidade não se limita a reformas, é, sobretudo, o direito de reconstruir e recriar a cidade.
Dado esse cenário, propomos aqui a discutir brevemente a luta pelo direito à cidade, à luz
da concepção lefebvriana e de Harvey, e assim explicar como práticas políticas insurgentes têm
contribuído para essa luta em Recife.
DESENVOLVIMENTO
A proposta do Consórcio Novo Recife é de construção de um megaprojeto de inicialmente
15 torres, entre 21 e 41 pavimentos9, com finalidades turísticas, gastronômicas, residenciais e
empresariais. Tal proposta é apresentada como a solução para o problema do abandono do Cais
José Estelita, proporcionando desenvolvimento econômico para a área. Embora o Projeto Novo
Recife seja oficialmente promovido como um investimento revitalizante que trará benefícios a toda
a cidade10, entre as características desse projeto é explícito o seu público-alvo: exclusivamente
classes de média e alta renda, em detrimento das classes de baixa renda.
O processo de revalorização econômica do Bairro do Recife, que tem sido promovido pelo
governo municipal, é diferente das reformas urbanas de Paris e Nova Iorque apenas nas
particularidades, porém sua essência é a mesma. O Projeto Novo Recife, enquanto parte integrante
2
desse processo, possui um caráter classista e segregador. Com o intuito de denunciar tal caráter,
o Movimento Ocupe Estelita surge, em 2012, a partir do grupo Direitos Urbanos, como força popular
contra o Projeto e o modelo de cidade que é promovido tanto por este como pelo Estado11.
Composto por profissionais das áreas de Direito, Arquitetura e Urbanismo, Jornalismo, entre
outras, estudantes e pessoas interessadas, o MOE mobilizou, nas redes sociais, a população para
ocupar o Cais José Estelita como forma de protesto. Não sem dificuldades, conseguiu realizar no
local, em parceria com artistas e coletivos, apoiado por outros movimentos, atividades de incentivo
à cultura, de lazer e debates acerca do direito à cidade. Dessa forma, o Movimento não apenas
atraiu a atenção dos recifenses e de órgãos públicos fiscalizadores para a importância de se discutir
esse direito e o modelo de cidade que está sendo construído, mas também ganhou visibilidade
internacional.
A partir da pressão popular, pelo menos, três Audiências Públicas foram realizadas com o
objetivo de discutir os impactos do Projeto Novo Recife. Além disso, o Ministério Público de
Pernambuco12 e o Ministério Público Federal13 denunciaram irregularidades com relação à
aprovação do Projeto pela Prefeitura do Recife, que violou o Estatuto da Cidade e o Plano Diretor
do Recife. Na noite de 21 de maio de 2014, o Consórcio deu início à demolição de alguns armazéns
que pertenciam à antiga RFFSA, o que rapidamente foi visto e denunciado pelos integrantes do
MOE. Para impedir novas tentativas de demolição, o Movimento passou a acampar no terreno por
28 dias, sendo então violentamente expulso pela Polícia Militar14, sob ordens da Prefeitura do
Recife.
É notório que o Estado, aqui representado pelo Poder Municipal de Recife, não desempenha
um papel de mero mediador nessa disputa de interesses entre mercado e sociedade. Há, então,
dois pontos essenciais à compreensão da posição em que é posto o direito à cidade no processo
de destinação do Cais José Estelita: a estratégia de classe e o papel do Estado. Afirmar que os
processos econômicos que se desenvolveram no centro histórico do Recife são parte de uma
estratégia classista significa reconhecer a estrutura hierárquica de classes própria do modo
capitalista de produção e a característica de não neutralidade nos interesses postos. A disputa de
interesses que se configura é mediada pelo Estado burguês, de modo a administrar os conflitos e
manter a estabilidade do sistema. Não obstante, esse Estado também não é neutro e age de modo
a conservar a ordem social vigente (burguesa), assegurando, por conseguinte, a lógica de
mercado8. Portanto, considerando-se essa ordem social burguesa e a estrutura de classes presente
na sociedade capitalista, bem como o papel mediador, porém conservador e partidário do Estado
nessa disputa, é possível afirmar que, no modo de produção capitalista, o direito à cidade está e
estará sempre em risco, devendo, portanto, ser protegido.
A luta pelo direito à cidade no Cais José Estelita, incitada pelo Movimento Ocupe Estelita,
obteve muitas conquistas, entre elas, a fiscalização e denúncia de irregularidades, por parte da
gestão pública na aprovação do Projeto, e a obrigatoriedade, por parte do órgão fiscalizador
estadual (o MPPE) de serem cumpridos os pré-requisitos para aprovação do Projeto. Além disso, a
3
pressão popular exercida levou à realização de Audiências Públicas para se repensar o Projeto
Novo Recife, o que resultou, além de redesenhos e elaboração de ações mitigadoras, na
amenização dos impactos sociais e de impactos contra o Patrimônio Histórico da cidade15. Até o
momento de conclusão deste trabalho, o Projeto Novo Recife encontra-se paralisado e o Movimento
Ocupe Estelita permanece vigiando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O conflito de interesses – público (do povo) e privado (do mercado) – em torno do Cais José
Estelita revela duas coisas a respeito do direito à cidade em Recife: (1) que esse é um direito ainda
fragilizado neste município e (2) que há interesse social em reivindicá-lo. A privatização do Cais
José Estelita, que carrega parte da história da cidade de Recife, e o propósito de revitalização
daquela área incitaram uma preocupação em parte dos recifenses, que, consciente das
consequências que tal projeto poderá trazer, mobilizou forças para coletivamente reivindicar um
direito ameaçado pelo Capital e por um Poder Público que governa em prol do Capital.
Pode-se dizer que o Projeto Novo Recife apenas foi reformulado e teve o início de sua
construção atrasada por um período significativo porque o Movimento Ocupe Estelita denunciou as
irregularidades cometidas pela Prefeitura do Recife na aprovação do projeto e o identificou como
essencialmente uma ameaça à própria cidade e seus habitantes, especialmente os das camadas
populares. O caráter dessas denúncias não é apenas superficial, mas revolucionário, tendo em vista
a crítica à essência segregadora do Projeto Novo Recife enquanto parte do processo de
revalorização econômica do Bairro do Recife. Se não fosse essa pressão, a construção do Projeto
teria se iniciado em 2012 sem elaboração de Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança e Estudo
Prévio de Impacto Ambiental e sem aprovação dos órgãos licenciadores competentes. Diante da
mobilização coletiva, o Poder Público municipal viu-se obrigado a ceder à parte das reivindicações
e garantir um mínimo de participação social no processo de formulação do Projeto. A pressão não
foi suficiente para reconfigurá-lo, mas possibilitou a exigência de mudanças que podem limitar
minimamente seus impactos sociais.
Diante desse cenário, torna-se evidente o sentido das práticas políticas insurgentes na luta
pelo direito à cidade. Foi preciso que houvesse mobilização social e resistência para assegurar que
a Prefeitura do Recife, ao menos, seguisse as determinações do Plano Diretor da cidade quanto à
aprovação de empreendimentos de impacto. Mas, para além disso, foi preciso atitudes de
contestação que indicassem o caráter segregador do projeto para que alternativas fossem
discutidas. Embora a atuação do Movimento Ocupe Estelita não seja o fim da luta pelo direito à
cidade em Recife, é certamente bastante relevante para a conscientização sobre o direito a uma
cidade que não seja construída pelo e para mercado, mas pelo e para o povo.
4
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
3
FREIRE, Maria E. L. et al. Patrimônio ferroviário: memória ou esquecimento? Abordagem
conceitual no processo de valoração do patrimônio ferroviário em Pernambuco. In: VI COLÓQUIO
LATINO-AMERICANO SOBRE RECUPERAÇÃO E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO
INDUSTRIAL, 6., [2012?], São Paulo. Patrimônio Ferroviário. Vilas ferroviárias e o Mundo do
Trabalho – Recuperação e Conservação de Vilas Ferroviárias, Arquitetura Ferroviária,
História de Povoamentos, Memória do Trabalho Ferroviário. São Paulo: Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 2012. Disponível em:
<www.portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/VI_coloquio_t6_patrimonio_ferroviario.pdf>.
Acesso em: 30 mai. 2017
4
REDE FERROVIÁRIA FEDERAL SOCIEDADE ANÔNIMA (Brasil). Histórico. Disponível em:
<www.rffsa.gov.br/principal/historico.htm>. Acesso em: 30 mai. 2017.
5
HARVEY, David. Cidades Rebeldes: do Direito à Cidade à Revolução Urbana. 1ª ed. São Paulo:
Martins Fontes, 2014. 296 p.
6
LEFEBVRE, Henri. O direito à cidade. 1ª ed. São Paulo: Editora Moraes, 1991. 145 p.
7
HARVEY, David (2003). O novo imperialismo. 2ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2005. 201 p.
8
MANDEL, Ernest (1983). O Capitalismo Tardio. 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. 417 p.
9
RELATÓRIO de Empreendimento de Impacto. Empreendimento Novo Recife. Recife, 2011, p. 32.
Disponível em: <https://pt.scribd.com/document/259015412/Memorial-Novo-Recife>. Acesso em:
30 mai. 2017.
10
POPULAÇÃO recifense diz por que é a favor do Novo Recife. Consórcio Novo Recife. Youtube.
1 vídeo (30 seg). Disponível em: <www.youtube.com/watch?v=RzCwOWO9cNA>. Acesso em: 30
mai. 2017.
11
CARTA em defesa do Cais José Estelita. Nossa paisagem, nosso patrimônio. Direitos Urbanos
Recife. Disponível em: <www.direitosurbanos.wordpress.com/category/acoes-e-
mobilizacao/page/4/>. Acesso em: 30 mai. 2017.
12
PERNAMBUCO. Ministério Público de Pernambuco. ESTELITA: MPPE ingressa com Ação Civil
Pública para anular reuniões do CDU que aprovaram o Projeto Novo Recife. Recife, 2016.
Disponível em: <www.mp.pe.gov.br/mppe/index.php/comunicacao/noticias/ultimas-noticias-
noticias/5436-mppe-ingressa-com-acao-civil-publica-para-anular-reunioes-do-cdu-que-aprovaram-
projeto-novo-recife>. Acesso em: 30 mai. 2017.
13
PROJETO Novo Recife. Ministério Público Federal. Recife. Disponível em:
<http://www.prpe.mpf.mp.br/internet/index.php/internet/Casos/Projeto-Novo-Recife> Acesso em:
30 mai. 2017.
14
NOTA Técnica. Diário Oficial. Ministério Público de Pernambuco. Recife, n. 86, 13 mai. 2015.
15
PROJETO Novo Recife. Novo Recife. Disponível em: <www.novorecife.com.br>. Acesso em: 30
mai. 2017.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 08 - CIDADES DEMOCRÁTICAS
Introdução
A dinâmica de expansão urbana pode representar uma oportunidade lucrativa. Historicamente, no
Brasil, temos observado uma grande participação de agentes privados nesta atividade,
principalmente no que se refere à criação de novos loteamentos. No Brasil, como em diversos
países, a atividade urbanística é uma função pública3. Esta função é transferida, em determinadas
circunstâncias e de acordo com alguns princípios, para particulares. Com a criação do Estatuto da
Cidade em 2001, novas regras e procedimentos para este tipo de atividade foram instituídos.
Podemos afirmar, portanto, que se trata de um mercado regulado.
Alguns autores afirmam que mercados livres (não regulados) têm seu desenvolvimento norteado
pela especulação4. Entretanto, observando o trabalho de outros autores, pode-se afirmar que
mesmo mercados regulados não estariam livres de problemas. Tais estudos defendem que
determinados modelos regulatórios além de fomentar a especulação, não inibiriam a corrupção5. E
pela sua variedade normativa ao tratar do uso do solo e regras edilícias, possibilitariam um
extenso campo para trocas corruptas6. Os processos onde estas práticas corruptivas
aconteceriam de maneira mais frequente seriam no de formulação legislativa, aprovação de
projetos e concessão de licenças e alvarás7.
A fim de atender interesses de atores privados com ligações com agentes públicos, muitas vezes
um sistema de alta complexidade normativa, atrelado à baixa transparência nas decisões ligadas
2008
4 GOTTDIENER, M. O setor imobiliário e o planejamento urbano: controle, gestão ou desregulação. In
Revista Pólis, n. 27, 1996. São Paulo: Instituto Pólis, 1996. págs. 17-26
5 IGLESIAS, F. Introdução. In Urbanismo y Democracia: alternativas para evitar la corrupción. Madri:
1
ao planejamento e gestão urbanos associado à grande discricionariedade administrativa,
contribuem para diminuir a capacidade de controle social, aumentando assim quantitativamente a
possibilidade de trocas corruptas8. Tal baixa de efetividade de mecanismos de controle, opera
muitas vezes em desfavor da coletividade, facilitando a concessão de privilégios. Determinados
atores conseguiriam, corrompendo agentes públicos, vantagens na aprovação de projetos, seja
pela inobservância de irregularidades, seja por tramitação acelerada. Desta maneira conseguiriam
alterar a dinâmica de mercado de maneira artificial, em detrimento da livre-concorrência.
No Brasil, além das diversas legislações federais e estaduais concernentes a esta matéria, a
autonomia municipal para tratar de questões relativas ao uso do solo mostra-se como fator
vulnerável, dada a proximidade das oligarquias locais ao poder publico municipal, promovendo
concentração de poder e controle de território por meio da criação de normas urbanísticas 9. Na
criação ou aplicação de normas, interesses de grupos privados podem se sobrepor ao interesse
público. Ou então, leis estranhas à atividade urbanística podem ser utilizadas, subvertendo seus
princípios e objetivos10.
Justificativa
Este trabalho procura contribuir para uma melhor compreensão das dinâmicas corruptivas
existentes nos processos de planejamento e gestão urbanos no Brasil. Entender a forma como
estes sistemas funcionam e de que forma eles são burlados ou deformados é de grande valia
para o aprimoramento destes mesmos processos. Além disso espera se inserir no debate atual
sobre a estruturação de sistemas de controle social da atividade urbanística.
Desenvolvimento
Dentro deste panorama, onde as relações entre público e privado se misturam para obtenção de
privilégios, por meio de sistemas regulatórios ligados ao planejamento e gestão urbanos,
pretendemos explicitar tais relações por meio de um estudo de caso. Através de um levantamento
normativo realizado em um município paulista, foi possível determinar os trâmites de aprovação
de novos loteamentos neste município. Tais etapas incluíam uma instância de aprovação,
denominada como Comissão de Análise e Parcelamento de Solo. Ao analisarmos
sistematicamente as súmulas deliberativas desta instância, foi possível identificar quais processos
foram apreciados no período entre 2000 e 2015 e quais os componentes desta instância neste
período.
2
Foi realizado então um outro levantamento, que consistiu na análise de todos os decretos de
aprovação de loteamentos deste município no período de 2000 a 2015. Dessa maneira foi
possível compilar a totalidade de loteamentos neste período bem como as empresas proponentes.
Após a coleta e sistematização destas informações, procuramos estabelecer cruzamentos entre
as empresas loteadoras e os membros da Comissão de Análise e Parcelamento de Solo,
buscando sobreposições. Dessa maneira, pudemos identificar que alguns funcionários de
determinadas empresas loteadoras participavam desta instância de controle e aprovação, ligada
ao Poder Público. Mas ainda restava uma questão: estariam tais agentes deliberando diretamente
sobre processos aos quais suas contratantes tinham interesse?
Após o levantamento de quais agentes atuariam em determinadas empresas, foi possível analisar
diretamente as súmulas de processos que envolviam loteamentos propostos por estas empresas.
Resultados
Figura 1
Realizado amplo levantamento de dados, pudemos constatar que no período dos anos de 2000 a
2015 foram aprovados 53 loteamentos neste município. Constatamos que oito empresas
particulares realizaram 45 loteamentos, tendo o poder público executado os oito restantes.
Deste universo de 45 loteamentos executados por agentes privados, pudemos elencar de maneira
quantitativa as duas empresas mais significativas: a Loteadora A, com 25 loteamentos e a
Loteadora B, com 5 loteamentos. Ao estabelecer quais agentes participaram em quais processos
de aprovação de loteamentos, podemos afirmar que neste período de estudo, haviam membros
3
das Loteadores A e B dentro da Comissão de Análise e Parcelamento de Solo (conforme figura 1).
Podemos também afirmar que estes agentes, funcionários ou sócios destas loteadoras,
participaram diretamente de processos de seu interesse.
Considerações finais
É possível afirmar que o processo de expansão territorial urbana deste município no período
abordado (2000-2015), foi fortemente influenciado por agentes privados do mercado imobiliário.
Isso se deu por meio de distorções nas instâncias públicas de aprovação e controle de
loteamentos.
Tais operações comprometidas exclusivamente com interesses privados, causam reflexos difusos
em muitas dimensões. Deturpam as relações entre cidadãos, desequilibrando os princípios de
igualdade perante o Estado. Artificializam o mercado, estabelecendo ações contra concorrência.
Tornam o meio-ambiente insalubre, por meio do descumprimento de normas. Limitam a
democracia e o controle social, atacando a transparência por meio de processos ocultos.
Distorcem políticas públicas, realizando muitas vezes obras desnecessárias. Resumidamente,
permitem o desenvolvimento de oligarquias que, capturando mecanismos estatais, conseguem
dominar estruturas públicas em favor de seu próprio benefício.
Referências bibliográficas
CAPPELLETTI, M. La Corruzione nel Governo del Territorio. Salerno: Booksprint, 2012;
CHIODELLI F., MORONI S. Corruption in land-use issues: a crucial challenge for planning theory
and practice, Town Planning Review, 86. 2015b 437-455;
GARDINER, J A., LYMAN, T R. Decisions for Sale: Corruption and reform in land use and
Building regulation. The University of Michigan Press, 1978;
LEONELLI, G. C. V. Loteamentos e condomínios: lei para que, lei para quem? Mas qual lei?.
Anais: Encontros Nacionais da ANPUR 15. 2013;
ROLNIK, R. A Cidade e a Lei: Legislação, Política Urbana e Territórios na Cidade de São Paulo.
São Paulo: Studio Nobel, 1997.
SILVA, J A. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª edição revista e atualizada. São Paulo: Malheiros
Editores, 2008
4
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 09 – DIREITO A CIDADES PLURAIS E SEM DISCRIMINAÇÃO
1) Introdução
A segregação citadina teve início com o Código de Posturas europeu, criado em 1886 sob
o viés higienista e do sanitarismo urbano. Previa, dentre outros, a proibição da presença daqueles
que eram considerados vagabundos e pedintes na cidade, gerando a herança deste tipo de
pensamento à população LGBT+3.
Aqui no Brasil, em São Paulo, no ano de 1894, criou-se o Código Sanitário do Estado,
buscando saneamento e condições de saúde pública. Com isso, acabam por determinar a
expulsão dos pobres da cidade e a demolição de habitações operárias, os cortiços, que
apresentavam-se como um antro de doenças, sobretudo a febre amarela. Salienta-se que o
relatório que deu origem a este código já falava em construções de vilas operárias a uma distância
de pelo menos 10 a 15 quilômetros do centro, corroborando ainda mais a questão da herança da
segregação, por se tratar de indivíduos tidos como periféricos ao restante da população. É curioso
notar que pouco antes do Código Sanitário ser implantado, criam-se os bairros destinados à elite
paulista – Higienópolis, Campos Elísios e Avenida Paulista – o que pode ser, este contraste, visto
também como forma de violência e um legado contra minorias, dentre elas, a população LGBT+.
Brasília é reconhecida mundialmente por seu planejamento inovador, que seguiu todos os
princípios previstos na Carta de Atenas de 1933. Com um desenho urbanístico inovador, a cidade
foi concebida com vistas a ser espaço que negaria a desigualdade que historicamente assolava o
país (HOLSTON, 2010). O resultado esperado, no entanto, jamais foi alcançado, uma vez que
Brasília hoje é conhecida por sua segregação socioespacial evidente, decorrente de um país cujo
aparato institucional é utilizado para produzir distinções que o modernismo não foi capaz de
superar.
A segregação em Brasília é reflexo de toda forma de preconceito enraizado na sociedade
brasileira a determinados grupos sociais, que historicamente estiveram à margem das decisões
políticas. Dentre esses grupos, está a comunidade LGBT que, conforme será demonstrado no
presente trabalho, é confinada em espaços da cidade distantes da vista do chamado “cidadão de
bem”, na penumbra de políticas públicas.
1
Graduando em Direito pela Universidade de Brasília. erickmaues@gmail.com
2
Graduado em Letras - Português e graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília.
joaomoraesdutra@gmail.com
3
Neste trabalho optou-se por não usar simplesmente a sigla “LGBT” porque ela não abrange os assexuais,
interssexuais, queers, não-binários e demais, além de ser a usual utilização no meio.
A carência de espaços destinados à vivência LGBT+ corrobora com a violência
LGBTfóbica, bem como a falta de políticas públicas voltadas à melhoria, com melhor distribuição
de transporte público e intervenções de caráter urbanísticas, por exemplo, e integração desses
espaços com o restante da comunidade, de modo a serem rompidos arquétipos intrínsecos à
população LGBT+. O espaço pode ser apontado como a tradução formal do discurso político e
das intenções oficiais, ou seja, político e econômico. Sendo assim, esta pesquisa tem como
condão provar que o espaço é voltado à vontade política. Desta forma, para que ele se faça real, é
necessário a vontade do poder. Deste modo, questiona-se: quer, o poder, pessoas LGBT+? Quais
as implicações que um espaço social distantemente segregado?
O presente trabalho visa, portanto, compreender quais são os espaços reservados ao
exercício da liberdade por LGBTs em Brasília, bem como de que maneiras o poder age para
perpetuar a violência LGBTfóbica, sobretudo em seu âmbito psicológico.
2) Desenvolvimento
A pesquisa se deu em três momentos: primeiramente, fez-se o mapeamento dos principais
locais frequentados pela comunidade LGBT em Brasília, tais como boates, locais de festas,
saunas etc. A seguir, foi feito formulário online por meio da plataforma Google Docs, transmitido
por meio de redes sociais a grupos com predominância LGBT+. No formulário, buscou-se
identificar i) quem são as pessoas que frequentam tais espaços; ii) como elas acessam estes
locais; iii) como elas se sentem nestes ambientes. Por último, buscou-se identificar políticas
públicas voltadas para a valorização de tais espaços na plataforma SINJ - Sistema Integrado de
Normas Jurídicas do DF.
Do mapeamento feito, identificaram-se
diversos locais dentre bares, boates, saunas ou
espaços que, embora não sejam assumidamente
LGBT+, de alguma forma são utilizados por esse
grupo para exercer sua subjetividade, seja por
meio de eventos, seja por serem um ponto de
encontro desse grupo. A construção do rol de
locais se deu com base nos espaços que
integram o imaginário comum brasiliense, bem
como por meio de pesquisa a eventos na rede
social Facebook. Os locais identificados foram: La
Figura 1- Localização dos principais espaços LGBT+ Rubia Café, Beirute, Victoria Haus, Dulcina4,
encontrados
Usina, Oficina, Velvet, Espaço Secreto, Star Night
Club, Club Arena, Calaf, Parque da Cidade e W3 Sauna.
4
Vide Decreto nº 7.438, de 22 de março de 1983 que homologou a Decisão nº 1983 do Conselho de
Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal que autorizou a concessão do Habite-se para o Teatro Dulcina.
Da localização dos locais
apontados, identificaram-se três grandes
grupos: espaços situados na Zona Central5
da cidade (42%)6; espaços situados em
áreas de comércio local do Plano Piloto
(33%)7; e espaços situados em Zonas de
Uso Industrial (25%)8.
Da pesquisa de políticas públicas à Figura 2- Os espaços LGBT+ se concentram no centro,
distante tanto de diversas Regiões Administrativas, bem
plataforma SINJ-DF, verificou-se somente como das cidades do Entorno.
5
Ainda que Brasília não tenha uma região descrita como “Centro” como é comum em outras cidades
brasileiras, aqui chamar-se-á “Zona Central” a região abrangida pelos setores que compõem a escala
gregária de Brasília, isto é, os Setores Comerciais, Bancários, Hoteleiros, de Rádio e TV, de Autarquias, de
Diversões, bem como o Parque da Cidade e os Setores de Clubes.
6
Dulcina, StarNight Club, Arena, Calaf e Parque da Cidade.
7
La Rubia Café, Beirute, Velvet Pub e W3 Sauna.
8
Victoria Haus, Usina e Espaço Secreto.
9
A título de comparação, quando se consultou “Setor de Habitações Individuais Sul”, região nobre mais
conhecida pelo nome de “Lago Sul”, foram encontradas 177 normativas.
10
Setor de Armazenagem e Abastecimento Norte, local onde fica a boate Victoria Haus.
11
Setor de Oficinas Norte, local onde fica a boate Usina.
12
Setor de Oficinas Sul, local onde fica as boates Oficina e Espaço Secreto.
transporte de trabalhadores de sua residência ao local de trabalho em dias úteis, sobretudo pela
manhã. Não se pensa o transporte como instrumento materializador do direito à cidade, com
vistas a propiciar a ocupação de espaços, acesso a lazer e socialização. Tampouco se pensa nas
travestis que laboram no Setor Comercial Sul no período noturno.
3) Considerações finais
O Estatuto das Cidades regula os artigos 182 e 183 da Constituição Federal que tratam da
Política Urbana a ser adotada pelos diversos municípios do país. Estabelece conceitos e diretrizes
para o desenvolvimento urbano, regulamenta problemas urbanos enfrentados pelo processo de
urbanização nas cidades brasileiras, bem como busca estabelecer um novo padrão jurídico que
perceba a cidade como um todo, com vistas a oferecer à sociedade melhores condições de vida
(MATTIA, 2011).
Ocorre que, no que tange a população LGBT+, o “todo” torna-se excludente. Muito embora
o artigo 2º do Estatuto estabeleça que o desenvolvimento das cidades deva observar a
participação da população e associações representativas de diversos segmentos da sociedade, a
população LGBT+ é colocada a margem de tais debates e dos espaços comuns de convivência,
sendo confinada em locais isolados, distantes dos olhos daqueles a quem a cidade é de fato
pensada, o que corrobora com a violência sistemática a esse segmento da sociedade.
Dentre as mais diversas formas de violência que podem ser cometidas, a psicológica
carece de especial atenção, sobretudo no que tange à população LGBT+. Sob este viés, convém
especificar que este tipo de hostilidade é corriqueiro sobretudo no que diz respeito à segregação
socioespacial, acabando por impedir tanto a própria afirmação individual, quanto a coletiva.
O espaço é produzido como negócio e, por isso, como segregação. Neste sentido, é
notória a percepção de que aqueles destinados às pessoas não heterossexuais e não cis são
marginalizadas de modo que todos aqueles ali inseridos não usufruam do “negócio da cidade”, já
que, de acordo com Alvarez (2015): “A cidade no capitalismo é cada vez mais produzida como
mercadoria”. No caso de Brasília, um fato curioso pode ser tristemente observado: mesmo que os
espaços destinados à população LGBT+ estejam no centro da cidade fisicamente, estão à
margem de maneira ideológica, como foi o caso das boates presentes no Conic, localizado no
Setor Comercial Sul - local que durante o dia se faz o uso de maneira intensa, mas que, à noite, o
uso é reduzido consideravelmente a sua quase nulidade.
Uma vez que o espaço pode ser colocado como tradução formal do discurso, infere-se, de
acordo com Fairclough (2008), que ele contribui para a formação, constituição e manutenção dos
estratos sociais, construindo: i) Identidades Sociais; ii) Relações Sociais e iii) Sistemas de
Conhecimento e Crença Social, constituindo, respectivamente, suas funções identitária, relacional
e ideacional. Considerando a perspectiva das pessoas LGBT+, convencionar, sobretudo, espaços
isolados e de uso noturno à convivência destas é garantir e ratificar a marginalização desta gente,
colocando-as em um estigma de que o centro e a luz não lhes pertence. Da mesma forma, evita o
convívio da pessoa e da cultura LGBT+ com as outras tantas presentes na sociedade, levando à
convicção de que integrantes do referido meio não devam ser conhecidos, nem suas crenças
serem consideradas.
De acordo com Muxí e Montaner (2014), há hoje o desafio de construir um espaço sem
gênero, tampouco ordem patriarcal. Há, pois, que se conceber um local sem hierarquias,
horizontal, onde as diferenças sejam evidenciadas e não escondidas. Os autores pontuam ainda
que:
Em Brasília, o que se nota é que ainda se faz constante a hierarquização dos locais em
função da segregação socioespacial das lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transsexuais,
interssexuais, assexuados queers e demais. Os espaços destinados a suas vivências ainda não é
legitimado e confirma posições arquetípicas da vivência LGBT+: lugares isolados e de
funcionamento predominantemente noturno. Ademais, a dificuldade de acesso a tais lugares
acaba por dificultar a integração tanto entre pessoas a quem estes espaços foram dedicados,
quanto entre LGBT+ e demais grupos sociais.
4) Referências bibliográficas
ALVAREZ, I. P. A produção e a reprodução da cidade como negócio e segregação. in: A
cidade como negócio. São Paulo: Contexto, 2015.
FAIRCLOUGH, N. Discurso e Mudança Social. Brasília: Editora Universidade de Brasília, p. 89–
132 2008.
HOLSTON, J. A cidade modernista: uma crítica a Brasília e sua utopia. São Paulo:
Companhia das Letras, 2010.
13
Grifo nosso.
14
Muxí & Montaner (2014:198)
MATTIA, R. Q. Direito urbanístico e estatuto das cidades. Doutrinas Essenciais de Direito
Ambiental, v. 3, p. 531–548, 2011.
MONTANER, J. M. & MUXI, Z. Arquitetura e Política: ensaios para mundos alternativos. São
Paulo: Gustavo Gili, p. 197–210, 2014.
SERPA, A. O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto, p. 69–106,
2014.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
INTRODUÇÃO
Este trabalho visa apresentar, baseado nas vivências descritas por Carolina Maria de
Jesus em seu livro-diário "Quarto de Despejo", a diferença da experiência citadina
para as mulheres, em especial as negras e periféricas, em sua busca pelo "direito à
cidade", que se traduz na defesa de uma vida digna no meio urbano. Foram levadas
em consideração as consequências consolidadas pelos sistemas capitalista, patriarcal
e racista na sociedade brasileira, que influenciam diretamente na vida das mulheres. O
ponto de análise parte das mais variadas violências sofridas por esse grupo social no
ambiente urbano e suas consequência. Pretende-se apontar como a forma de
participação das mulheres na vida pública e a garantia do real acesso à habitação e
segurança podem estar relacionados com os princípios de uma sociedade realmente
igualitária. Por fim, reforça a importância do poder organizativo das lutas, das
legislações e políticas públicas que identificam o problema de gênero para a garantia
do reconhecimento do papel das mulheres como sujeitos políticos e de direitos,
promovendo transformações e retirando-as da obscuridade a que foram relegadas
historicamente.
DESENVOLVIMENTO
1
Professor Adjunto de Direito Ambiental, Urbanístico e Agrário da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Desenvolvimento e Planejamento Urbano. Mestre em
Direito. Advogado. Integrante do Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa (NAJA) e do Grupo
de Pesquisa Direito e Sociedade (GPDS). E-mail: ccarvalho@uesb.edu.br
2
Graduanda em Direito na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB), integrante do
Núcleo de Assessoria Jurídica Alternativa (NAJA) e do Grupo de Pesquisa Direito e Sociedade
(GPDS). E-mail: assuncao.lari@gmail.com
Desde a "descoberta" do país foi consolidada uma cultura de forte exploração da
população, que abarcou os povos tradicionais, escravos africanos e, posteriormente,
após a industrialização, imigrantes e operários.
Ligado a isto, observa-se que a industrialização e a formação dos espaços
urbanos, nos quais se inserem a moradia, estão interligadas com as questões de
gênero, raça e classe, que coexistem e se alimentam mutuamente dentro de um
mesmo campo de existência, a sociedade. 3
Nesse ínterim, é bastante claro que no Brasil existe um enorme problema de
moradia, não apenas no tocante à formação histórica das cidades e metrópoles, que
passaram por crescimentos desordenados sem um efetivo desenvolvimento estrutural,
mas também no que diz respeito à garantia dos direitos básicos necessários à
sobrevivência e plena experiência citadina. A partir disso, observamos como essas
características impactam de maneira mais determinante na vida das mulheres, em
especial para as negras e periféricas, que mesmo tendo acesso à rua, não conseguem
ter acesso à cidade.
Conscientes dessa situação, cumprem as mulheres um papel fundamental de
modeladoras do espaço urbano. Uma vez que falar dos problemas urbanos e
resistências é falar das mulheres. A partir de suas atuações incisivas nas questões de
gênero, lhes é atribuído um papel determinante na diminuição das desigualdades
socioterritoriais das cidades.
O termo “Direito a cidade”, expressão estampada no título deste trabalho, foi
primeiro cunhado pelo filósofo e sociólogo francês Henri Lefebvre (0000), e refere-se a
defesa de uma vida digna no meio urbano.
Para considerar a interferência das leis e práticas jurídicas no meio social, é
preciso, antes da técnica, conhecer a realidade. Do contrário, estarão os operadores
jurídicos, mais uma vez, apenas atendendo aos interesses do poder dominante, e
também reafirmando o que diz Lassalle (2013) quando nos conta que a lei não passa
de mera categoria alegórica que para a esmagadora maioria equivale a uma "folha de
papel" e não garante os direitos mínimos.
Diante disso, e também na tentativa de aproximar o direito de outras searas da
experiência humana, quais sejam, a arte e a literatura, este trabalho foi baseado nas
vivências citadinas descritas no livro-diário de Carolina Maria de Jesus, intitulado
"Quarto de Despejo: Diário de uma favelada". A autora foi uma mulher, negra,
3
Saffioti parte da análise da imbricação entre as determinações de classe, de gênero e de raça/etnia para
determinar a sustentação opressora da sociedade. Com isso, ela apresentou, nos anos de 1990, a ideia de
um nó constituído por essas três contradições sociais básicas que, além de entrelaçadas, sustentam a
manutenção do sistema capitalista. (SAFFIOTI, 1987)
periférica, mãe solteira e catadora de material reciclável na grande São Paulo da
década de 1960, em meio à ditadura militar. Com muita poesia, ela foi capaz de
reconstruir em seus relatos a vida, a violência, os sofrimentos e os desafios da mulher
na periferia. Sua proximidade com a violência e as mazelas sociais da favela a fizeram
designar o local em que vivia como "quarto de despejo [do que não serve mais] da
cidade".
Quando perguntada sobre o que escreve, afirma que em suas linhas estão
contidas "todas as lambanças que pratica os favelados, estes projetos de gente
humana". (DE JESUS, 1976, p. 20) Para ela, a cidade é dividida em cômodos, e os
bons cômodos correspondem às pessoas que habitam moradias dignas. Os favelados,
por sua vez, habitam os "quartos de despejo", em condição precária, desumana e
indigna.
A partir dessa perspectiva, nos debruçamos sobre os problemas identificados
por Carolina e enfrentados pelas demais mulheres na cidade, compreendendo a
divisão sexual do trabalho e o racismo como sendo estruturantes dos papéis ocupados
por cada uma delas no espaço urbano, onde ainda o domínio patriarcal e racista
provoca para as mulheres, a exclusão do meio público de maneira extremamente
violenta e marcante.
A questão da segurança pública é central quando falamos de uso do espaço
público, e é um dos principais motivos para que as mulheres evitem estar nos centros
urbanos desacompanhadas em determinados horários. O medo da violência,
especialmente da violência sexual, é muito forte. A violência doméstica também é
bastante constante na realidade das mulheres, sobretudo das negras e periféricas.
Suas influências podem ser vislumbradas nos custos sociais e econômicos do Estado
para a promoção de melhorias e nos transtornos gerados para as mulheres no âmbito
do trabalho. Além, claro, dos custos humanos, com isso a violência contra a mulher
representa uma imensa perda de produtividade que se observa no mundo todo.
Apesar de alguns avanços terem sido obtidos por meio de políticas públicas e
da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), ainda assim são contabilizados 4,8
assassinatos a cada cem mil mulheres, número que coloca o Brasil no quinto lugar no
ranking mundial nesse tipo de crime. Em se tratando de violência contra mulheres
negras, os homicídios aumentaram em 54% nos últimos dez anos. (AGÊNCIA
PATRÍCIA GALVÃO, 2015)
Além disso, a falta de alternativa habitacional é a principal causa de
permanência das mulheres no ambiente agressor, tornando imprescindível a busca
pela concretização do direito à moradia.
O assédio promovido pelas "cantadas" no espaço urbano também é uma forma
de intimidação e lembrete de que o espaço público não pertence às mulheres. Nesse
momento, cabe ressaltar que o público e o privado se mesclam. Entender isso é
fundamental para perceber que a violência urbana é um reflexo da violência doméstica
e da ocupação do espaço público pelas mulheres.
A divisão sexual do trabalho tende a destinar os homens à rua e as mulheres ao
lar, cujas regras ainda são ditadas por eles. Qualquer comportamento que fuja do
padrão é respondido com violência e segregação. Essa diferenciação coloca cada
indivíduo para cumprir seu "papel" e reverbera, por exemplo, em disparates nos
salários e no acesso a direitos e garantias fundamentais.
A realidade das mulheres pobres, pretas e periféricas sempre as levou a ocupar
as ruas, sob péssimas condições e em trabalhos informais, para cumprir a labuta
diária de existir, já que muitas delas são as únicas responsáveis pelo sustento da
família. Desde a época colonial, as mulheres negras são objetificadas e colocadas no
patamar de "mulheres da rua", com as quais não se deveria constituir famílias. Para as
mulheres negras como Carolina, o acesso às ruas sempre foi atrelado ao sofrimento.
Em relação ao acesso à cidade, nota-se que a precariedade do transporte
público também intensifica a violência e controle dos corpos das mulheres na cidade.
Os altos valores das passagens, a precária infraestrutura, a baixa quantidade de
linhas, a superlotação em horários de pico, tudo isso contribui para a promoção de
situações de abuso e agressão sexual que segregam a mulher do espaço urbano e
impedem seu direito de ir e vir. Por não se aprofundar em mecanismos ou assistências
que tratem do problema, a administração pública acaba propondo políticas
insuficientes para "resolver" a questão através da segregação das usuárias do
transporte público, a exemplo do “vagão rosa”.
Na lógica das cidades, a multidão mensurável detém mais força que o indivíduo,
particularmente o indivíduo feminino, negro e pobre. Isso é resultado de um
planejamento urbano que se alia às opressões de gênero, raça e classe social. A
cidade é projetada para atender ao mercado, e nele os indivíduos se transformam
também em mercadoria, fazendo com que seu acesso à cidade varie de acordo com
os desejos da especulação e forças de poder atuantes naquele espaço urbano.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JESUS, C. M. de. Quarto de despejo: diário de uma favelada. 2. ed. Rio de Janeiro:
Ediouro, 1976.
Nicolas Quirion1
Introdução
O presente estudo transdisciplinar tem como objetivo comparar dois tipos de imigrações
internacionais a priori claramente distintos, que convergem dentro de um espaço caraterístico da
cidade do Rio de Janeiro. Com efeito, se tratará de examinar a ancoragem de indivíduos (oriundos
da África, por uma parte; e da Europa, por outra) no seio das zonas tradicionalmente
marginalizadas que são as favelas cariocas. Consideramos que as favelas representam um
excelente laboratório para observar os efeitos sobre o território das escolhas de uma multidão de
pequenos atores, que contribuem para o aparecimento de certos fenômenos urbanos emergentes.
Com efeito, a escolha deste território específico como zona de convergência dos dois grupos de
migrantes permite matizar a habitual dicotomia entre “migrações elitárias” e “migrações
econômicas”, que ficam associadas a maioria do tempo, respetivamente, aos migrantes oriundos
de países ricos e aos de países pobres. Pudemos dessarte nos concentrar sobre outros fatores,
de natureza mais simbólica, que favorecem ou não a integração do migrante à terra de recepção.
Neste sentido, procuremos saber como a convivialidade e os conflitos, que não deixam de
manifestar-se nas áreas estudadas entre nativos e migrantes, alimentam os imaginários de todos
os atores envolvidos, levando a representações mútuas que podem participar da (re)configuração
das relações sociais nessas áreas tradicionalmente ostracizadas da cidade do Rio de Janeiro.
Desenvolvimento
Concentrado sobre um período que se estende desde o início dos anos 2000 até hoje, este
estudo representa uma tentativa de questionar a relação indivíduo/território em um mundo
globalizado, onde a circulação de pessoas, capitais e culturas é fluida e intensa. No entanto, como
já foi mencionado os sujeitos da presente pesquisa se estabelecem dentro de um espaço
fortemente diferenciado. As representações e os discursos que emergem em relação aos grupos
de estrangeiros morando nas favelas — tanto quanto os efeitos potenciais das suas presenças
nesses territórios — são usados aqui para destacar algumas questões significativas, na
intersecção de conflitos simbólicos e sociais, que podem entrar em ressonância com a história
1
Doutorando no Programa de Pós- Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (IPPUR/UFRJ). nicoquirion@gmail.com
1
nacional e algumas dinâmicas transescalar em curso. Com efeito, a presença de estrangeiros em
um determinado território geralmente tende a favorecer a emergência de novas representações
urbanas, sejam elas positivas ou negativas. Assim, a observação comparada das trajetórias de
dois grupos de migrantes em um espaço urbano historicamente marginalizado, embora ligado ao
resto da cidade por uma "uma rede finamente estratificada de elos" (WACQUANT, 2008), permite
lançar um olhar novo sobre as questões habituais de diferenciação urbanas; seja em relação às
lógicas de exclusão e de estigmatização, bem como de cosmopolitismo e de fluidificação de
relação mercantil.
Apesar dos incontestáveis progressos urbanos registrados2 e das tentativas de valorização
simbólica, as favelas do Rio de Janeiro continuam profundamente marcadas por uma visão
negativa totalizante, e sofrem os efeitos de acusações incessantes de ilegalidade3. De alguma
forma — e este fato certamente não é alheio à sua má reputação — a favela carioca sempre tem
sido refúgio de "migrantes". Tal foi o caso, à escala intra-urbana, quando no início do século XX
grandes reformas expulsaram autoritariamente os habitantes mais precários dos cortiços
obrigando-lhes a construir massivamente casas improvisadas nas encostas dos numerosos
morros que fragmentam o espaço urbano local (ABREU; VAZ, 1991). Um segundo movimento
amplo, iniciado durante a fase de desenvolvimento industrial acelerado por volta dos anos 1950,
levou durante várias décadas um fluxo intenso e contínuo de migrantes econômicos domésticos
oriundos da região Nordeste, geralmente fugindo das secas e da pobreza de áreas rurais
negligenciadas pelas autoridades.
Mais recentemente, foi possível ter conhecimento da existência de certas correntes
migratórias internacionais dirigidas, de maneira fragmentária, até as favelas cariocas.
Quantitativamente marginal, difuso, complexo de acompanhar, o fenômeno dos não-brasileiros
com um endereço nas favelas tem sido objeto de poucos estudos até agora. Para os nossos
propósitos, optamos por focar sobre dois tipos de migrantes internacionais que se estabelecem
em diferentes favelas da cidade.
Por uma parte, algumas localidades do complexo de favelas de Maré, localizado na Zona
Norte da cidade, têm conhecido um aumento do fluxo de imigrantes africanos, principalmente de
Angola. Essas migrações se inscrevem na continuação de um movimento iniciado no final das
guerras coloniais na África lusófona, quando refugiados fugindo das perseguições e da guerra civil
se instalaram muito precariamente na favela (PETRUS, 2001). No entanto, o perfil dos Angolanos
que chegam agora na Maré parece sensivelmente diferente. De acordo com observações de
campo realizadas numa abordagem etnográfica, os migrantes que deram entrada nos últimos 15
2
Estes bairros surgidos da "lógica da necessidade", segundo processos arquitetônicos vernáculos e em grande parte
espontâneos, passaram geralmente por uma inegável consolidação material, graças aos esforços contínuos dos seus
próprios moradores e ao resultado cumulativo de políticas de urbanização implementadas a partir da segunda metade
dos anos 1970 (GONÇALVES, 2013).
3
A suposta “ilegalidade” das favelas deveria porém ser fortemente matizada pelo conhecimento dos mecanismos de
tolerância, e até de incitação, à favelização que foram notadamente descritos por Rafael Soares Gonçalves (2013).
2
anos, ou seja após o fim da guerra civil em Angola (2002), seriam oriundos de camadas sociais
relativamente privilegiadas e disporiam de um bom nível educacional. Apesar destas
características, a estigmatização desses indivíduos dentro da sociedade brasileira permanece
forte. Atitudes e observações discriminatórias contra esses migrantes, aos quais é frequentemente
atribuída uma africanidade indesejável, podem vir tanto do exterior4 como dos próprios moradores
“nativos” das favelas em questão. Com efeito, esses últimos são às vezes imbuídos de
concepções fóbicas semelhantes às quais eles mesmos estão tradicionalmente submetidos, e
tendem a procurar uma identificação com as camadas superiores da população (VIDAL, 1998;
SOUZA, 2012). Em tal configuração, as oportunidades para intercâmbios costumam ser
reduzidas, o que pode causar um isolamento comunitário e alimentar o círculo vicioso da
estigmatização e da exclusão social.
Por outro lado, algumas favelas situadas a proximidade das centralidades urbanas
(especialmente da Zona Sul, a mais valorizada econômica, cultural e simbolicamente) tornaram-se
destinos de um intenso trânsito turístico (MORAES, 2017; FREIRE-MEDEIROS, 2013) e,
ocasionalmente, de instalação residencial de indivíduos oriundos de países mais desenvolvidos —
especialmente da Europa Ocidental. Percebidos como pertencendo à categorias socioculturais
superiores, estes novos moradores parecem fora de sintonia com a realidade das favelas,
conhecidas tradicionalmente para acomodar os mais desfavorecidos. Embora esteja em refluxo
desde o final dos grandes eventos e por causa da deterioração das condições de segurança
(relacionada com a crise do modelo de segurança pública conhecido como "pacificação"), o
fenômeno parece ter deixado uma sedimentação importante. Esse presença estrangeira foi às
vezes considerada como reveladora de um processo de gentrificação na sua fase pioneira.
Embora seja necessário apontar as particularidades e limitações desse suposto fenômeno
(RIBEIRO, 2017), é possível dizer que a instalação de “gringos” em certos assentamentos
precários participa de uma dinâmica de ressignificação simbólica da favela carioca (LACERDA et
al., 2017). De fato, a procura por diversidade e autenticidade por parte de certos novos habitantes
mais privilegiados pode se inscrever em uma transformação tendencial do exercício de dominação
social, tal como observado em muitas cidades de países mais desenvolvidos. Em retorno, esse
processo não vai sem despertar a vigilância de certos segmentos politizados da população local.
Com efeito, alguns atores adotaram estrategias de afirmação identitárias no âmbito de uma “luta
pelo reconhecimento” (HONNETH, 2011) que passa pela preservação do uso popular de um
território considerado como locus histórico de resistência à opressão racial no Brasil, em uma
analogia com o quilombo rebelde do tempo da escravidão (CAMPOS, A., 2005).
Considerações finais
4
Como foi o caso com as acusações recorrentes (muito difundidas pela imprensa local), segundo as quais os
Angolanos organizariam o treinamento dos traficantes da Maré para as tácticas de guerrilha (cf. “Investigação de
angolanos intimida favela” <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0902200025.htm>.
3
De acordo com observações de campo, acompanhadas de uma revisão da literatura, foi
possível reconhecer através dessas trajetórias nitidamente diferenciadas os sempiternos dilemas
da condição social do “estrangeiro”. Duas obras seminais da sociologia clássica, as de Georg
Simmel (1983) e Alfred Schütz (1944), propuseram enquadramentos teóricos cujas grandes linhas
permitem discernir as ambivalências que rodeiam os sujeitos do presente estudo. De um lado, a
presença do estrangeiro de tipo simmeliano não costuma ser considerada pela população de
acolhida como particularmente problemática. Pelo contrario, esse Outro vem nimbado de uma
aura de objetividade que pode fazer dele um arbitro diante de certos conflitos entre locais. Embora
a distancia social entre o Estrangeiro e esses últimos atores não deixe de existir, ela confere
potencialmente um estatuto valorizado. Em contraste, para Schütz, o “forasteiro” não desfruta de
tais prerrogativas simbólicas. Trata-se de um imigrante, de um indivíduo estranho que procura
viver entre os locais. Porém, apesar de todos os seus esforços para aprender as normais e os
valores vigentes no novo lugar de vida, o estigma e a marginalização parecem persegui-lo.
A ancoragem dos indivíduos no espaço urbano, fortemente condicionada pelo nexo com o
mundo não-migrante, possui especificidades que contribuem para o seu sentimento de alteridade
ou de integração no microcosmo local, inscrevendo-se em paralelo em uma relação de
proximidade ou de distância com o mundo urbano no seu conjunto. Acompanhando os diferentes
olhares dados pela sociedade receptora sobre os grupos de imigrantes estudados, foi possível
constatar que, se a representação de migrantes africanos na grande imprensa oscila, quase
inevitavelmente, entre o miserabilismo5 e a estigmatização criminal6; a instalação de novos
residentes de países mais desenvolvidos em algumas favelas aparece retratada como uma
possível brecha na manutenção da tradicional segregação residencial no Rio de Janeiro, ao passo
que são valorizadas determinadas atitudes ou iniciativas "positivas" e altruísta desses recém-
chegados7.
A fim de descobrir como o olhar da sociedade brasileira sobre as favelas em questão
pode evoluir devido à presença de diferentes tipos de estrangeiros, não podemos deixar de
sublinhar a importância das origens do migrante em relação à integração em um país como o
Brasil, cuja história é caracterizada por um período de escravidão particularmente longo e intenso
e pela importância difusa da ideologia eugenista de "branqueamento" da população (SCHWARCZ,
1993). Com a importação massiva de trabalhadores europeus, efetuada em detrimento do
necessário esforço para integrar as massas de ex-escravos, foi toda uma parte da população que
ficou condenada à mais abjeta pobreza e à exclusão ao longo de gerações.
5
Ver por exemplo: “O sofrimento silencioso dos refugiados do Congo em Brás de Pina”, in O Globo, 19/06/2016
<http://oglobo.globo.com/rio/o-sofrimento-silencioso-dos-refugiados-do-congo-em-bras-de-pina-19538015>
6
Ver por exemplo: “Ligação de angolanos com o tráfico é provada”, in O Globo, 15/12/2006
<http://oglobo.globo.com/rio/ligacao-de-angolanos-com-trafico-provada-4538796>
7
Ver por exemplo a série de reportagens publicados pouco antes dos Jogos Olímpicos de 2016 : “Favela Brass ensina
instrumentos de sopro a crianças de comunidades” <http://oglobo.globo.com/rio/bairros/favela-brass-ensina-
instrumentos-de-sopro-criancas-de-comunidades-20021912>; “O belga que quer revolucionar favelas brasileiras com
energia solar” <http://www.bbc.com/portuguese/media-37166918>
4
Em uma conjuntura marcada por uma profunda crise social, econômica e política, mas
também pelo fortalecimento de certas formas militantes embasadas na valorização identitária dos
grupos sociais historicamente marginalizados, será relevante acompanhar o tratamento dado à
figura do estrangeiro, seja nas nas favelas como no conjunto da cidade.
Referências bibliográficas
ABREU, Mauricio de ; VAZ, Lilian Fessler. Sobre a origem das favelas. Salvador : apresentação
durante o IV encontro national do ANPUR, 1991.
CAMPOS, Andrelino. Do Quilombo à Favela, A Produção do "Espaço Criminalizado" no Rio de
Janeiro. Bertrand Brasil, 2005.
GONÇALVES, Rafael Soares. Favelas do Rio de Janeiro. História e direito. Rio de Janeiro :
éditions PUC, 2013.
HONNETH, Axel. Luta pelo Reconhecimento - para uma gramática moral dos conflitos sociais ,
Biblioteca de Filosofia Contemporânea, 2011.
LACERDA, Larissa ; SALLES, Lívia ; NOVAES, Patrícia. Urbanização neoliberal no Rio de Janeiro
e seus impactos na favela do Vidigal. In anais do II UrbFavelas. Rio de Janeiro: Letra Capital,
2017.
PETRUS, Maria Regina. Emigrar de Angola e imigrar no Brasil : jovens imigrantes angolanos no
Rio de Janeio: história(s), trajetórias e redes sociais. Dissertação (mestrado), UFRJ/IPPUR, 2001.
RIBEIRO, Tarcyla Fidalgo. Gentrificação nas favelas cariocas? In anais do II UrbFavelas. Rio de
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SCHUTZ, Alfred. The stranger: an essay in social psychology. The American Journal of Sociology,
v. 49, n. 6, may 1944, p. 499-507.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O Espetáculo das Raças – cientistas, instituições e questão racial no
Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
SOUZA, Jessé. Os Batalhadores brasileiros. Belo Horizonte: UFMG, 2012.
SIMMEL, Georg. O estrangeiro [1908]. In: MORAIS FILHO, E. de (org.). Georg Simmel:
Sociologia. São Paulo: Ática, 1983, p. 182-188.
5
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 09 – Direito a cidades plurais e sem discriminação
INTRODUÇÂO
Este trabalho tensiona as relações que as variantes gênero e sexualidade podem exercer
na produção do espaço urbano, mais especificamente como essas relações são percebidas e
incluídas – ou não – na elaboração e planejamento de agendas e políticas públicas urbanas,
principalmente as habitacionais, através da hipótese de que existe uma demanda específica por
habitação social invisibilizada e composta pela população LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais), não quantificada nos métodos convencionais de aferição do déficit e,
paralelamente, não priorizadas nos principais programas habitacionais brasileiros.
Para Lefebvre (1999), o espaço é um importante elemento no processo de acumulação do
capital por ser o local tanto de produção, quanto de reprodução da força de trabalho. O autor
ainda considera que as diferenças existentes no espaço não têm origem apenas no espaço como
um ente físico, com suas limitações geográficas, mas sim, a partir, também, do que se instala
nesse espaço (LEFEBVRE, 1999). Esta noção também surge na análise que Milton Santos faz do
espaço, apresentando-o como um sistema indissociável de “sistemas de objetos” e de um
“sistema de ação” que se relacionam de maneira solidária e contraditória, bem como indivisível,
não podendo, assim, ser considerado de forma isolada (SANTOS, 1985). Com isso, Santos
chama atenção para o que seria a forma dialética de como o espaço é produzido, e apresenta
quatro categorias como metodologia para compreensão desse fenômeno: função, forma, estrutura
e processo (SANTOS, 1985). Segundo o autor, essas categorias são complementares e, portanto,
não se pode perder de vista a indissociabilidade entre elas:
Partindo desse pressuposto, a análise e compreensão da produção do espaço deve
atentar para questões possivelmente negligenciadas ou preteridas, as quais se refletem na
elaboração de agendas políticas e programas sociais urbanos, no que se refere à incorporação de
variáveis importantes, as quais, quando desconsideradas, tende-se para formulações generalistas
padronizadas (do padrão homem – branco – classe média – heterossexual) que mascaram a
realidade e pouco contribuem para o enfrentamento de vulnerabilidades sociais. Em outras
palavras, há uma tendência em desconsiderar especificidades regionais e condicionantes como
gênero, sexualidade e raça na elaboração de políticas para as cidades.
2 Entidade da Organização das Nações Unidas (ONU) voltada para a promoção da igualdade de gênero e o
empoderamento das mulheres.
3 Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais,
A Fundação Perseu Abramo (FPA), em parceria com a fundação alemã Rosa Luxemburg
Stiftung (RLS), realizou nos anos de 2008 e 2009 uma pesquisa chamada Diversidade Sexual e
Homofobia no Brasil, a qual teve como objetivo central investigar o preconceito e a discriminação
(familiar, social e institucional) contra população LGBT, com vistas a subsidiar a discussão em
torno de políticas públicas (ou de sua ausência) e a implementação de ações que contribuam para
a diminuição das violações de direitos dessa parcela da população.
Dentre o universo pesquisado (2.014 pessoas de 18 municípios de nove regiões
metropolitanas (grandes São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Curitiba,
Salvador, Recife, Fortaleza e Belém), 413 pessoas se identificaram como integrantes desse
segmento LGBT. A essa amostra foram feitas perguntas específicas e, no que tange esse
trabalho, é alarmente a quantidade de pessoas que sofrem/sofreram preconceitos dentro de suas
casas e que foram expulsas por terem se declarados LGBT para sua família: 5% foram expulsos,
entre 61% que assumiram para a mãe ou para o pai (aproximadamente 12 pessoas); 4% foram
expulsos, entre 43% que assumiram para o pai (aproximadamente 7 pessoas) (FUNDAÇÂO
PERSEU ABRAMO, 2009). Esse número aumenta ao se inverter a questão para a outra parcela
da população que não se identificou como integrante da população LGBT. De uma amostra de
1.601 pessoas, 7% afirmaram que expulsaria um filho ou filha de casa se descobrisse sobre sua
homossexualidade, totalizando 112 pessoas (FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO, 2011).
Se fizermos o exercício de confrontar preliminarmente esses dados com o Censo de
População em Situação de Rua da cidade de São Paulo, realizado em 2015 pela Secretaria de
Assistência e Desenvolvimento Social (SMADS) da Prefeitura, teremos uma pista de que existe
uma parcela da população em situação de rua que, por hipótese, pode ser originada através
desse processo de violência e não aceitação familiar, e a consequente expulsão: segundo os
dados da pesquisa amostral, estima-se, com 95% de confiança, que entre 5,3% e 8,9% da
população em situação de rua da cidade de São Paulo pertençam à comunidade LGBT. Há ainda
a informação de que a partir da expansão dos resultados amostrais para a população, há indícios
de que os membros da população LGBT tendem a ser mais jovens, a viver em situação de maior
precariedade, ter piores condições de saúde, sofrer mais agressão e violência, maior incidência de
usos de drogas, entre outras (SMADS - SECRETARIA DE ASSISTÊNCIA E
DESENVOLVIMENTO SOCIAL DE SÃO PAULO, 2015).
Porém, ao observamos os resultados do Déficit Habitacional no Brasil 2013-2014
(FUNDAÇÃO JOSÉ PINHEIRO, 2016), essa questão sequer é considerada, incorrendo em mais
uma vez um processo de neutralização da demanda habitacional e de invisibilização de
segmentos em situação de vulnerabilidade da sociedade.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O que podemos perceber é que os efeitos da LGBTfobia tem forte impacto na qualidade da
vida urbana dessa população, e que a violência se expressa de várias formas, principalmente a
intrafamiliar, a qual pode ocasionar na expulsão de casa e o eventual e grave ingresso na situação
de rua. Há de se considerar que esse processo é o inicio de uma série de outras violências, das
quais está diretamente ligado a perda de vínculos sociais, o acesso dessa população a serviços
de saúde e educacionais, impacta nas dimensões ligadas ao trabalha e a geração/obtenção de
renda, entre outros. Desta forma, a não existência ou insuficiência de políticas e programas para
enfrentamento dessa problemática agrava ainda mais o problema.
Com isso, faz necessário garantir que essas necessidades sejam identificadas e estejam
adequadamente refletidas nas políticas urbanas e programas de habitação, importante processo a
ser atingido através da sensibilização a questão e através da ampla e efetiva participação da
população LGBT, que lhes permitam contribuir para os tipos de recursos mais necessários para
elas em seu contexto social, econômico, cultural e político.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA BRASIL. Plataforma online ajuda homossexuais expulsos de casa a encontrar um lar.
Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2016-05/plataforma-online-ajuda-
homossexuais-encontrar-lar. Acessado em 02 de dezembro de 2016.
ARTICULAÇÃO DOS MOVIMENTOS E COMUNIDADES DO CENTRO ANTIGO DE SALVADOR.
Fundação João Pinheiro. Déficit habitacional no Brasil 2013-2014. Belo Horizonte, 2016.
FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO. Diversidade sexual e homofobia no Brasil / [organizadores Gustavo
Venturi, Vilma Bokany]. – São Paulo : Editora Fundação Perseu Abramo, 2011.
GARCIA, Antonia dos Santos. Mulheres da cidade d'Oxum: relações de gênero, raça e classe e
organização espacial do movimento de bairro em Salvador. Salvador: EDUFBA, 2006.
________. Mulher negra e o direito à cidade: relações raciais e de gênero. In: DOS SANTOS, Renato
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IBGE. Censo Demográfico 2010. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010.
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica
/populacao/censo2010/default.shtm>. Acesso em: 25 de abr. de 2013.
LEFEBVRE, Henry. A revolução urbana. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1999.
HUFFPOST BRASIL. Casa1: Projeto de moradia para LGBT abraça vítimas da intolerância na família.
Disponível em: http://www.brasilpost.com.br/2016/11/24/casa-1-abrigo-lgbt_n_13180522.html. Acessado em
02 de dezembro de 2016.
SANTOS, Milton. As formas da pobreza e da dívida social. Brasília: Momento Nacional – Textos, 1999.
________. Espaço e Método. São Paulo: Nobel, 1985.
SCOTT, Joan. Gender: a useful category of historical analyses. In: Gender and the politics of history. New
York: Columbia University Press, 1989.
SMADS - Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social de São Paulo. Pesquisa censitária da
população em situação de rua. SMADS. São Paulo, 2015
SOUSA, Reinaldo; SILVA, Fernando Antonio da. Forma, função, estrutura e processo: uma contribuição
miltoniana para o método da geografia renovada. [s.l.]: Núcleo de Estudos do Pensamento Miltoniano, 2010.
Disponível em: http://nepemuneal.blogspot.com.br/2010/12/forma-funcao-estrutura-e-processo-uma.html.
Acesso em: 13 de mai. 2013.
SÃO PAULO. Resolução do Conselho Municipal de Habitação nº 61 de 16 de outubro de 2014.
Disponível em:
http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/politicas_para_as_mulheres/Resolucao%20CMH.p
df . Acesso em 24 de novembro de 2014.
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
1. Introdução
1
Mestra em Direitos Humanos e Democracia pelo Programa de Pós-graduação em Direito da UFPR;
advogada; integrante do Núcleo de Estudos Filosóficos do PPGD-UFPR; naiara.a.bittencourt@gmail.com.
2
Graduanda em Engenharia Civil pela Universidade Federal do Paraná; integrante do grupo de pesquisa
Economia Política do Poder em Estudos Organizacionais - EPPEO da UFPR; taina.andreoli@gmail.com.
1
mencionar que a segregação espacial e do trabalho também se estabelecem em dimensões de
gênero e raça. Ou seja, há uma separação e hierarquização do espaço e do trabalho às mulheres,
na divisão do público/privado e do produtivo/reprodutivo no que tange à privação do direito à cidade,
às políticas públicas e aos postos de trabalho e emprego urbanos.
Com base em tais premissas, pretende-se esboçar as diferenças e segregações de gênero e
classe no espaço urbano, a partir da divisão social e sexual do trabalho no capitalismo periférico,
apontando os principais elementos que se retroalimentam na perpetuação das relações de
desigualdades e discriminações no capitalismo periférico.
A partir da divisão social e sexual do trabalho, refletida na separação entre espaço público e
privado, verifica-se uma masculinidade hegemônica sobre a cidade, que transpassa todas as
dimensões da vida humana e que, em sua forma mais superficial, manifesta-se nas presenças e
3
ausências masculinas e femininas no meio urbano, ou seja, na criação de zonas frequentáveis e
zonas repulsivas às mulheres no espaço público. Mesmo os pequenos deslocamentos e
movimentos urbanos, revelam, para as mulheres, inúmeras dificuldades de segurança e de acesso
aos serviços e bens públicos, manifestadas pelo assédio, olhares, comentários, assaltos, estupros
e diversas outras formas de violência (7).
Ao mesmo tempo, os recortes de classe e raça determinam uma própria hierarquização das
mulheres nas formas de ocupação e apropriação do trabalho e do espaço público, diretamente
ligadas aos corpos femininos, exemplificado pelas ambulantes, prostitutas, catadoras de papel,
empregadas domésticas e moradoras de ruas. Isto é, há corpos considerados “públicos” e há
trabalhos “fora de casa”, que perpetuam a lógica do privado.
Ainda, o acesso à moradia adequada não é realidade para uma parte significativa da
população. Contudo, para as mulheres, cuja ligação social e cultural tradicional com o espaço
doméstico condiciona a realização de várias de suas atividades cotidianas, sendo inclusive
primordial para a promoção da autonomia e para a efetivação de outros direitos humanos, a violação
do direito à moradia tem consequências específicas, que não se verificam da mesma forma que
para os homens (8).
Em todo o mundo, a propriedade da terra e da moradia é, majoritariamente, masculina. Assim,
alguns aspectos particulares, como a questão dos impactos dos despejos forçados, a necessidade
de abandono do lar em casos de divórcio, a precariedade das condições de moradia adequada, os
casos frequentes de violência doméstica, o impedimento às mulheres à inscrição em programas de
crédito ou empréstimos sem título de propriedade, a dependência financeira de parte das mulheres
em relação aos homens, bem como o acesso insuficiente aos serviços e equipamentos públicos
urbanos - como escolas, creches, unidades públicas de saúde, equipamentos de lazer, por exemplo
- resultam numa situação de maior vulnerabilidade desse grupo no meio urbano, colocando em
xeque o direito das mulheres à moradia.
Vale destacar também que a informalidade do trabalho, mais vivenciada pelas mulheres,
reflete-se na informalidade da moradia. No processo de auto-construção da casa e da cidade e as
ocupações de áreas subutilizadas pela classe trabalhadora, frequentemente as mulheres assumem
a liderança, sendo as principais responsáveis pela edificação dos barracos, pelo levantamento e
manutenção da estrutura básica de sustentação da ocupação e, ainda, pelo enfrentamento direto
com a polícia (9).
Em última análise, as mulheres não se beneficiam do mesmo acesso ao direito à cidade que
os homens. As normas e práticas sociais enraizadas na sociedade patriarcal terminam por restringir
sua liberdade de movimento e de participação efetiva na cidade. Além disso, se as cidades são
vivenciadas de forma diversa é também em razão de que elas não foram concebidas para e por
mulheres, ou seja, em uma perspectiva feminina, visto à sua menor representatividade no âmbito
4
institucional de poder e de decisão sobre a política urbana.
5. Considerações Finais
6. Referências Bibliográficas
(1) SANTOS, M. Pobreza Urbana. 3º. ed. São Paulo: Edusp, 2013.
(2) HIRATA, H. Nova divisão sexual do trabalho? Um olhar voltado para a empresa e para a
sociedade. São Paulo: Boitempo, 2002.
(3) KERGOAT, D. Divisão sexual do trabalho e relações sociais de sexo. Em: HIRATA, Helena;
LABORIE, Françoise; SENOTIER, Danièle (orgs). Dictionnaire critique du féminisme. organizado
por Helena Hirata, Laborie, Hélène Le Doaré, Danièle Senotier. Tradução por Miriam Nobre. Paris:
Ed. Presses Universitaires de France, novembro de 2000.
(4) CARLOTO, C. M. Gênero, Reestruturação Produtiva e Trabalho Feminino. Em: Serviço
Social em Revista. V.4-nº 2. Jan/Jun 2002. Londrina: Universidade Estadual de Londrina, 2002.
(5) OIT; CEPAL; FAO; ONU Mujeres; PNUD (Organización Internacional del Trabajo, Comisión
Económica para América Latina y el Caribe, Organización de las Naciones Unidas para la
Alimentación y la Agricultura, Programa de las Naciones Unidas para el Desarrollo y ONU Mujeres).
Trabajo decente e igualdad de género. Políticas para mejorar el acceso y la calidad del empleo
de las mujeres en América Latina y el Caribe. Santiago: OIT, 2013. Disponível em:
http://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---
srosantiago/documents/publication/wcms_233161.pdf.
(6) IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Mulher no mercado de trabalho:
perguntas e respostas, 08 de março de 2010. Disponível em:
http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/trabalhoerendimento/pme_nova/Mulher_Me
rcado_Trabalho_Perg_Resp.pdf.
(7) LIEBER, M., Genre, violences et espaces publics. La vulnérabilité des femmes en question,
Paris, Les Presses de Sciences Po, 2008.
(8) ROLNIK, R. Como fazer valer o direito das mulheres à moradia? Relatoria especial da ONU
para o direito à moradia. São Paulo, 2011. Disponível em:
http://www.labcidade.fau.usp.br/download/PDF/2011_ONU_Direito_das_Mulheres_a_Moradia.pdf.
(9) PAULISTA, A. As mulheres no movimento social de moradia: a cidade sob uma
perspectiva de gênero. Humanidades em diálogo, São Paulo, v. 5, p. 93-108, 2013.
5
1
IX CONGRESSO BRASILEIRO DE DIREITO URBANÍSTICO
GT 09 – DIREITO A CIDADES PLURAISE SEM DISCRIMINAÇÃO
1
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Estudante de pós-graduação strictu sensu em
Direito à cidade e gestão urbana da Universidade Positivo. Endereço eletrônico:
milacarvalho92@gmail.com
2
destacamos que a mulher trabalhadora, a que necessida das políticas públicas de acesso
à moradia, tenha uma experiência qualitativamente diferente da do homem trabalhador,
ainda que estes estejam nos mesmos espaços físicos na cidade.
As relações de gênero se estruturam na construção do privado, do espaço doméstico,
como o local feminino por excelência, enquanto o público, espaço do trabalho e do
exercício do poder, é masculino. Isso implica em uma divisão sexual do trabalho que lega
a mulher o trabalho reprodutivo, aquele relacionado ao cuidado a casa e a família,
enquanto que aos homens caberia o trabalho produtivo, desenvolvido no espaço público
(BARBOSA, FERREIRA, OLIVEIRA, 2008). Ainda que, concretamente, as mulheres
trabalhadoras sempre tenham desenvolvido trabalhos produtivos na esfera pública,
notadamente as mulheres negras, isso não implica o afastamento da ideia dos papéis de
gênero.
As identidades sociais de homens e mulheres são construídas por meio da atribuição de
distintos papéis sociais a cada um dos gêneros. Mesmo às mulheres que desempenham
trabalhos remunerados fora do espaço doméstico, cabe a responsabilidade de
manutenção da ordem da residência e socialização dos filhos e filhas (SAFFIOTI, 1987).
Nesse sentido, a casa representa algo diferente para as mulheres, posto que elas acabam
por, via de regra, estabelecer vínculos mais fortes com a família e terem especial zelo
pelo bem estar de seus entes. Para elas, a residência é o espaço que garante abrigo e
proteção à família, especialmente aos filhos e filhas. No caso das mulheres pobres, a
casa ainda costuma desempenhar o papel de local da realização do trabalho produtivo
que garante a manutenção da família, especialmente quando da inexistência de trabalho
formal (BARBOSA, FERREIRA, OLIVEIRA, 2008).
Ademais, as mulheres são maioria em empregos mais precarizados e informais 2,
possuem renda inferior à masculina3, assumem cada vez mais a responsabilidade do
trabalho produtivo perante a família4, especialmente no caso de famílias monoparentais e
possui menor acesso à propriedade da terra5. Todos esses fatores são mais expressivos
entre as mulheres negras e periféricas.
A responsabilidade pelo trabalho reprodutivo faz com que viver em sublocalidades sem
2
Dados do PNAD de 2009 indicam que os 42,7% dos homens brancos e 36,9% dos homens negros são
empregados com carteira assinada, enquanto 35,4% das mulheres brancas e apenas 24,8% das
mulheres negras tinham vínculos de emprego com carteira assinada. Aqui se apresenta também o
recorte de raça na inserção ao mercado de trabalho (IBGE, 2009)
3
Em 2014 as mulheres receberam em média 74,5% do salário masculino (IBGE, 2015)
4
Em 1996, 26% das famílias eram chefiadas por mulheres. Já em 2011, os dados do PNAD (IBGE, 2011 b)
indicaram que 37,4% das residências brasileiras tem uma mulher como referência financeira. Isso
engloba tanto famílias monoparentais femininas quando famílias das quais a mulher provem a única
fonte de renda.
5
As mulheres possuem 1% da propriedade da terra mundial (AFONSIN, 2006)
3
equipamentos urbanos seja ainda mais penoso para as mulheres. A inexistência de
serviços como postos de saúde, hospitais, áreas de lazer, escolas, impõem o
deslocamento das mulheres pela cidade em busca deles. Como a maioria das mulheres
da classe trabalhadora necessita realizar trabalhos remunerados para a garantia de
subsistência de suas famílias, se impõem a elas um tempo social praticamente
irrealizável. Além de realizem a dupla jornada de trabalho feminina, no trabalho doméstico
e no trabalho remunerado, precisam se deslocar por grandes distâncias para acessar o
trabalho remunerado e os serviços que não existem em seu local de residência.
A questão da moradia para as mulheres se relaciona a condição de opressão e
desigualdade a que estas estão submetidas pelo sistema patriarcal. Quando uma mulher
tem seu acesso à moradia e à terra limitados, isso não afeta só a garantia de suas
necessidades materiais imediatas, como reitera sua posição de subordinação e
dependência sociais em função de seu gênero. Nesse sentido, o direito à moradia da
mulher não deve ser visualizado enquanto uma reiteração de seu papel de gênero, que a
coloca como pertencente ao espaço doméstico, responsável pela manutenção do lar e
criação dos filhos e filhas. Pelo contrário, implica em garantir condições materiais que
permitam às mulheres estarem em posição de maior autonomia. Se defendemos a
necessidade do recorte de gênero quando falamos em direito à moradia é por reconhecer
que ser mulher implica tanto em uma relação distinta com a moradia quanto em uma
limitação em seu acesso (ONU, 2011).
A partir desses pressupostos, analisamos o PMCMV com foco na faixa 1, considerando os
recortes especificos da política voltados as beneficiárias mulheres. Procuramos levantar
elementos que permitam compreender as repercussões e limitações da inserção das
mulheres nessa política habitacional. Uma vez que não existem dados nacionais
compilados pela Administração Pública, a metodologia utilizada foi a análise de uma série
estudos acadêmicos de empreendimentos faixa 1 localizados em diversas regiões do
país, levantamento de informações disponibilizadas pelas prefeituras, bem como estudos
sobre o programa que não abordam diretamente o recorte de gênero 6.
Algumas das conclusões a que chegamos é de que o PMCMV é uma política econômica
antes de política habitacional, portanto apresenta limitações gerais no enfrentamento a
questão da moradia no Brasil. Seu principal objetivo foi atuar enquanto política anticíclica
a partir das repercussões da crise econômica mundial de 2008. Contraditoriamente,
6
Damos principal destaque a dois trabalhos: CARDOSO, Adauto Lucio (Org.). O programa Minha Casa
Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013 e AMORE, Caio Santo;
SHIMBO, Lúcia Zanin; RUFINO, Maria Beatriz Cruz (Org.). Minha casa ...e a cidade? Avaliação do
Programa Minha Casa, Minha Vida em seis estados brasileiros. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015
4
significou um investimento sem precedentes na política habitacional. Trata-se de um
programa complexo, que se destina a atender desde setores da classe média
tradicionalmente excluídos do mercado imobiliário formal até a população de zero a três
salários mínimos. Assim, ele se organiza a partir de uma série de sub programas que tem
em comum o acesso ao produto “casa própria” (AMORE, 2015).
Além disso, observamos que o recorte de gênero do programa apresenta uma série de
contradições. Incorpora a política de titularidade, que pode tanto representar uma
ferramenta de autonomia para as mulheres, as colocando perante o Estado como sujeitos
políticos, e uma garantia material a segurança jurídica da posse, como pode implicar na
reiteração do papel de gênero socialmente construído que atrela o feminino ao espaço
doméstico. Ademais, a localização marginal e o alto índice de inadimplência e
consequente retomada dos imóveis nos empreendimentos faixa 1, de imensa maioria de
beneficiárias mulheres, também sugere que o programa não garante o direito à moradia
para as mulheres, considerando os requisitos elencados pelo Comentário Geral nº 4 ao
PIDESC a partir de uma interpretação que considere o recorte de gênero.
Quaisquer tentativas de compreensão esbarram na falta de compilação de dados por
parte da Administração Pública. Ainda assim, é possível inferir que a introdução do recorte
de gênero se dá a partir de uma perspectiva liberal, calcada na ideia de empoderamento
individual por meio do consumo do produto casa própria. É incorporada a ideia de
habitante como consumidor, típica das políticas públicas erigidas no contexto neoliberal e
pautadas no Planejamento Estratégico das cidades. A própria ideia de moradia é
circunscrita ao produto casa própria. Portanto o programa incorpora as mulheres sem de
fato considerar todas as implicações de sua relação qualitativamente distinta com a
cidade e com a moradia.
Bibliografia
AMORE, Caio Santo. “Minha Casa Minha Vida” para iniciantes. In: AMORE, Caio Santo;
SHIMBO, Lúcia Zanin; RUFINO, Maria Beatriz Cruz (Org.). Minha casa ...e a cidade?
Avaliação do Programa Minha Casa, Minha Vida em seis estados brasileiros. Rio de
Janeiro: Letra Capital, 2015. p. 11 – 28;
AMORE, Caio Santo; SHIMBO, Lúcia Zanin; RUFINO, Maria Beatriz Cruz (Org.). Minha
5
casa ...e a cidade? Avaliação do Programa Minha Casa, Minha Vida em seis estados
brasileiros. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2015;
CARDOSO, Adauto Lucio (Org.). O programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos
territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013;
CARLOS, Ana Fani A. O espaço urbano: novos escritos sobre a cidade. São Paulo:
Labur Edições, 2007;
___________________________________________________________. Pesquisa
nacional de amostra por domicílios 2011. Rio de Janeiro, 2011.
___________________________________________________________. Pesquisa
nacional de amostra por domicílios 2014. Rio de Janeiro, 2015.
SAFFIOTI, Heleieth. Gênero, patriarcado e violência. São Paulo: Perseu Abramo, 2011;
1 Introdução
A cidade de Vitória é uma das mais antigas capitais do Brasil, tendo marcada em sua história a
diversidade cultural e de manifestações, a riqueza das paisagens e o potencial econômico,
entretanto, não diferente de outras, é caracterizada por ser uma cidade que ainda encobre algumas
marcas negras na construção do território, na ocupação e participação do mesmo. Nesse contexto,
a população negra ainda aparece como agente secundário tanto na forma como seus espaços são
por muitas vezes negligenciados nas políticas de valorização, quanto na posição que a mesma se
encontra na cidade, pois segundo a síntese de indicadores sociais do IBGE (2010), mesmo sendo
a maioria da população brasileira, é a que mais tem probabilidade de acesso às condições precárias
de moradia e de vida.
Por esse viés, a cidade aparece como um lugar onde todos os cidadãos possuem os mesmos
direitos constitucionais. No entanto, a intensa e rápida urbanização pela qual grande parte das
cidades brasileiras passou, foi uma das principais questões sociais experienciadas no século XX.
Diante disso, configurando-se como um mosaico de territórios, juntamente é analisada a experiência
de sociabilidade negra nesse espaço. Frúgoli Junior (2010) destaca que no campo da sociabilidade
da co-presença no espaço público, cabe destacar os desdobramentos, ao princípio construtivo das
oscilações entre proximidade e distância, sobretudo quanto às formas de relações nesses espaços.
Nessa perspectiva, fica evidente a necessidade de participação igualitária nas tomadas de decisões
no que tangem a valorização e inclusão dos territórios negros, promovendo – ou minimamente
buscando esse ideal - cidades mais democráticas e representativas. Acredita-se que a importância
dessa retomada influi nas ações de planejar cidades, espaços, bem como em dinâmicas turísticas.
Diante disso, o trabalho apresentado aborda de maneira geral para as políticas e ações que se
voltam para a manutenção e valorização desses territórios na capital Vitória.
e urbanismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Professora adjunta da Fundação São João
Batista/ FAACZ- Faculdade Integradas de Aracruz. Professora adjunta da Faculdade Brasileira – MULTIVIX
Vitória. Email: acurtiss.vix@gmail.com
2
2 A abordagem
Raffestin (1993) afirma que a produção do território se dá pelas relações de produção,
consequentemente as relações de poder, do Estado ao indivíduo, através de malhas, nós e redes.
Com a intenção de apenas delinear o que se denomina como um nó dessa rede - territórios negros,
Rolnik (1989) o aborda como territórios específicos na cidade, que possuem história e tradição e
que diante deles, é inerente tratar a segregação racial e a dominação branca nas sociedades.
Ressalto a necessidade de não esgotamento do assunto e de um trabalho empírico mais profundo
afim de discutir parte a parte desse grupo social. Aliado a isso, Rolnik (1989) enfatiza que esses
territórios contam também com a construção de singularidades.
Congruentemente ao apresentado na introdução, a história da população negra na construção
desses territórios ainda é deixada em plano inferior pelas narrativas hegemônicas que permearam
a sociedade brasileira por séculos, diante disso, busca-se a retomada dessas que vêm na
contramão desse poder pautado, e por esses fatores as não-narrativas.
Diante da extensa história da capital capixaba, de suas mudanças, reconstruções, crescimento,
reconhecimentos e não reconhecimentos, Vitória guarda valiosas histórias, registros e lugares para
os quais não são dados o total conhecimento e reconhecimento. Pode ser notado como fragmentos
de uma cidade colônia, portuária e metrópole, que ainda vive às sombras dos outros estados da
região Sudeste.
parte, muito menos a relevância dos mesmos na participação social para a configuração de cidade.
Ou seja, nota-se a presença das não-narrativas da história que envolve o negro, sendo abstrusa a
identidade que atravessa séculos de resistência nesse espaço.
A Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos é um dos únicos lugares de memória negra,
que mesmo após embates e disputas públicas, continua ativo. Ainda assim, muitos elementos em
torno de sua história vêm sendo resgatados por movimentos sociais atuantes no cenário local. Bem
como acerca do Mucane – o Museu Capixaba do Negro “Verônica da Pas”, também localizado no
centro da capital, em um casarão do século XX e ainda passa despercebido para turistas e
moradores da Região Metropolitana da Grande Vitória. De acordo com Barbosa (2015), a
invisibilidade do Museu não é pontual, visto que a história do Espírito Santo é marcada por uma
forte tentativa das supremacias políticas em silenciar as marcas da população negra.
Dadas situações são penosas de aceitar, visto que, segundo o historiador Maciel (2016), a região
central de Vitória era uma das três maiores áreas de concentração populacional escreva e, por
conseguinte, de forte presença cultural negra.
Fato é que, recentemente, no último dia 13 de maio de 2017, coletivos independentes, instituições
e espaços voltados para a questão racial, locados no Centro da Cidade, promoveram o I Circuito
Afro do Centro Histórico (I Afro-Centrão), o qual buscou resgatar os espaços que em sua maioria
não são incluídos nas políticas culturais e turísticas da cidade, além de propor a elaboração de uma
nova memória acerca desta data, significativa de muita luta e resistência para a população negra
do Brasil.
Outro fator gira em torno das religiões que possuem matriz africana e seus componentes e
manifestações presentes no espaço público, que ainda enfrentam a intolerância secular da
estigmatização social. Assim como no Rio de Janeiro, que segundo Corrêa (2012), são observadas
estratégias especificas e territorialidades que são engendradas por meio de agenciamentos
coletivos de demandas cujo o foco está na liberdade e garantia de políticas pública do direito de
crença, o Fórum Capixaba de em Defesa da Liberdade e Diversidade Religiosa, desde 2010 busca
por meio de ações dar voz à comunidade religiosa, em prol da tolerância e liberdade religiosa. Essas
ações costumam acontecer próximas ao Píer de Iemanjá, em Camburi, Vitória, que é marcado pela
significação e simbolismo para essa matriz. Aparece como mais um espaço onde as narrativas que
se voltam à cultura afro-brasileira são passadas despercebidas tanto aos citadinos, quanto ao
circuito turístico local, principalmente diante da relegação na manutenção do lugar.
A Região Metropolitana da Grande Vitória possui considerável quantidade de terreiros de religiões
afro-brasileiras. No estado do Espírito Santo não há registros de terreiros tombados, entretanto,
sabe-se que uma casa de candomblé Ketu, localizada no sul do Estado, em Cachoeiro de
Itapemirim, solicitou junto à Secretaria de Estado da Cultura – SECULT/ES, seu processo de
reconhecimento como patrimônio histórico do Estado.
4
Diante de tais acontecimentos, percebe-se uma certa autonomia desses movimentos em relação
às políticas do poder público, uma vez que, diante do significativo esquecimento, percebe-se a
importância da luta pelo respeito e valorização desses elementos na constituição da cidade.
3 Considerações finais
Sendo o exposto uma parcela de conjunto maior, considero que nos últimos anos a sociedade
moderna vive experiências de situações e lugares fragmentados. É possível observar como poder
hegemônico ainda agrega os resquícios da supremacia branca em suas políticas urbanas e na
cidade. A participação nas tomadas de decisão que envolvem as inúmeras questões acerca do
devir urbano não aparece de forma igualitária e representativa, o que de certa forma influi nas
políticas e direitos urbanísticos, de salvaguarda, entre outras.
Vale ressaltar que ao referir aos territórios negros, não se busca um ideal de manifestação,
comunidade ou forma de organização baseado nessas referências, mas se indaga sobre os
agrupamentos unos e os possíveis caminhos a serem traçados para uma verdadeira democracia
racial em todas as esferas. Entendo aqui que é necessário o avanço nas reflexões e lutas no que
diz respeito ao direito à cidade, envolvendo todas as camadas sociais e participantes das mesmas.
Fiar em um urbanismo novo a partir dessas perspectivas é reconhecer a trama diversa da
composição dos vetores e espaços passados sob a percepção de agentes observadores e criadores
como arquitetos, urbanistas, geógrafos, advogados, etc. Dessa forma, é possível mostrar e perceber
que as diferenças resistem no território, sendo necessária a sensibilidade em compreender a
materialidade e imaterialidade que implicam no pensamento do planejar a cidade.
4 Bibliografia
BARBOSA, Fernanda de Castro. Memória e identidade no Espírito Santo: um estudo a partir do
Museu Capixaba do Negro. 2015. 148 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Ciências Sociais, Centro
de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2015.
CORRÊA, Aureanice. O sagrado é divino, a religião é dos homens: territórios culturais e fronteiras
simbólicas, a intolerância religiosa na contemporaneidade. Espaço e Cultura, Rio de Janeiro, v.
31, p.1-14, jan/jul. 2012.
FILHO, Pedro C. et al (Org.). A Igreja Nossa Senhora do Rosário. Vitória: Edufes, 2010. 64 p.
(Vitória em monumentos).
FRÚGOLI JUNIOR, Heitor. Sociabilidade urbana. Rio de Janeiro: Zahar, 2007. 70 p. (Passo a
Passo).
IBGE. Censo Demográfico 2010 – Características Gerais da População. IBGE, 2017.
IPHAN-ES (Ed.). Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Vitória. 2016. Disponível em:
<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1360>. Acesso em: 24 maio 2017.
MACIEL, Cleber da Silva (Autor); OLIVEIRA, Osvaldo Martins (Org.). Negros no Espírito Santo. 2.
ed. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, 2016. 282 p. (Coleção Canaã).
5
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. Tradução de Maria Cecília França. São Paulo
(SP): Ática, 1993.
ROLNIK, Raquel. Territórios negros nas cidades brasileiras: etnicidade e cidade em São Paulo e
Rio de Janeiro. Estudos Afro-asiáticos, Rio de Janeiro, n. 17, p.1-17, set. 1989. Disponível em:
<https://raquelrolnik.wordpress.com/1989/09/16/territorios-negros-nas-cidades-brasileiras-2/>.
Acesso em: 10 abr. 2017.