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Organização

Jeane Aparecida Rombi de Godoy


Angelo Palmisano

Anais do Simpósio Brasileiro


Território, Cidade e Arquitetura

1ª Edição

Várzea Grande/MT
2023
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO ACADÊMICO EM
ARQUITETURA E URBANISMO DO UNIVAG EM ASSOCIAÇÃO COM A PUC-CAMPINAS
https://www.univag.com.br/mestrado/1/mestrado-em-arquitetura-e-urbanismo/
AV. Dom Orlando Chaves, nº 2.655 Bairro Cristo Rei
Várzea Grande Mato Grosso – Brasil – CEP 78118-900
mestrado.arquitetura@univag.edu.br

Ficha Catalográfica

G589a Anais do Simpósio Brasileiro: Território, Cidade e Arquitetura / Jeane


Aparecida Rombi de Godoy, Angelo Palmisano (orgs). 1. ed. – Várzea Grande:
UNIVAG, 2023.

738 p; il.; 29,7 x 21 cm

Requisitos do Sistema: Adobe Acrobat Reader


ISBN 978-65-86753-71-4

1. Território 2. Cidade 3. Arquitetura


I. Título.

CDD: 710
CDU: 710/49

Índice para catálogo sistemático


Brasil: Planejamento Urbano
COMISSÃO CIENTÍFICA

Prof. Dr. Angelo Palmisano - UNIVAG


Prof. Dr. Antonio Busnardo Filho - UNIVAG
Profa. Dra. Diana Carolina Jesus de Paula - UNIVAG
Prof. Dr. Edenilson Dutra de Moura - UNIFAP
Prof. Dr. Edison Antonio de Souza - UNEMAT
Profa. Dra. Eulalia Portela Negrelos - IAU-USP
Profa. Dra. Flávia Maria de Moura Santos - UFMT
Profa. Dra. Giseli Dalla Nora - UFMT
Prof. Dr. Humberto da Silva Metello - UNIVAG
Profa. Dra. Jeane Aparecida Rombi de Godoy - UNIVAG
Profa. Dra. Laura Machado de Mello Bueno - PUC- Campinas
Profa. Dra. Leila Chaban - UNIVAG
Profa. Dra. Lucia Helena Gaeta Aleixo - UNIVAG
Profa. Dra. Maíra Vieira Dias - UNIVAG
Prof. Dr. Manoel Lemes da Silva Neto - PUC- Campinas
Prof. Dr. Marcos de Oliveira Valin Jr. - IFMT
Profa. Dra. Marta Cristina de Jesus Albuquerque Nogueira - UFMT
Prof. Dr. Rodrigo Nogueira Lima - UNIVAG
Profa. Dra. Rosana Lia Ravache - UNIVAG
Profa. Dra. Sonia Regina Romancini - UFMT
Profa. Dra. Vera Santana Luz - PUC- Campinas
Prof. Dr. Vitale Joanoni Neto – UFMT
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO 8-9
Jeane Aparecida Rombi de Gogoy

A DIFUSÃO DOS APARTAMENTOS KITCHENETTES EM SÃO PAULO NA SEGUNDA 10 - 19


METADE DO SÉCULO XX: ESTUDO DE CASO DO EDIFÍCIO NORMANDIE
Marco Antônio Martins, Paula Mendes Thomaz Rimi, Rafael da Cunha Perrone

A EVOLUÇÃO DO LAYOUT DE AMBIENTES DE ESCRITÓRIOS EM CONSONÂNCIA COM AS 20 - 31


DISCUSSÕES ACERCA DE TRABALHO E QUALIDADE DE VIDA
Nathalia Tiago dos Reis

A EXPANSÃO URBANA E A SUSTENTABILIDADE: ANÁLISE DA PAISAGEM DO MUNICÍPIO 32 - 43


DE NOVA MUTUM, MATO GROSSO
Lucas Vicente Nunes, Rafaela Alves Bernardes, Diana Carolina Jesus de Paula, Jeane
Aparecida Rombi de Godoy

A RELEVÂNCIA DA CONSERVAÇÃO HOSPITALAR O CASO DA MATERNIDADE ESCOLA 44 - 57


ASSIS CHATEAUBRIAND EM FORTALEZA
Marina Pinheiro Rebouças Ramalho

A RUA, A PRAÇA, O LABIRINTO 58 -73


Giovana Giosa, Igor Guatelli

A SEGREGAÇÃO SOCIOTERRITORIAL: O BAIRRO CARAPINA EM GOVERNADOR 74 - 89


VALADARES/MG NA CONTEMPORANEIDADE
Iaminne Rodrigues Pereira, Claudia dos Reis e Cunha, Luis Carlos de Laurentiz

ANÁLISE COMPARATIVA DE DESEMPENHO TÉRMICO ENTRE AS TÉCNICAS LIGHT STEEL 90 - 105


FRAMING COM COBERTURA EM TELHA SHINGLE X BLOCO E TELHA CERÂMICAS
Giulia Piazza Fernandes Soares, Pedro José Pérez-Martínez

A SINTAXE ESPACIAL COMO FERRAMENTA DE ANÁLISE PARA A REQUALIFICAÇÃO 106 -117


URBANA: os vazios urbanos em uma cidade média do Rio Grande do Sul
Alisson Pastorio, Alcindo Neckel

ANÁLISE DA SITUAÇÃO HÍDRICA DO EIXO METRÓPOLE NORTE DO PARANÁ 118 - 129


(METRONOR), A PARTIR DO EFEITO SPRAWL INDUSTRIAL, OCORRIDO DURANTE AS
DÉCADAS DE 1970 E 1980
Arthur Faiotto Carneiro, Leonardo Cassimiro Barbosa

ANÁLISE DO ZONEAMENTO URBANO E OFERTA DE SERVIÇOS SOCIOAMBIENTAIS NA 130 - 142


LAGOA DA CONCEIÇÃO, FLORIANÓPOLIS – SC
Vitor Duarte, Gabriela Ferreira Ávila, Rachel Lopes Fernandes Fonseca

ANÁLISE INTEGRATIVA DA EXPANSÃO URBANA E SEUS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS 143 - 157


NA LAGOA DA CONCEIÇÃO, FLORIANÓPOLIS – SC
Vitor Duarte, Rachel Lopes Fernandes Fonseca, Gabriela Ferreira Ávila

ARQUITETURA E FÉ: A IGREJA BOM JESUS DO HORTO E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA, 158 - 168
MEMÓRIA E ARQUITETURA DE JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ
Maria Letícia de Almeida Ramos Gomes, Isabel de Lima Pinheiro, Taise Costa De Farias

AUTOCONSTRUÇÃO NA PÓS-PANDEMIA UM PANORAMA DA PESQUISA EM 2022 169 - 183


Humberto Metello, Leily Francy Leite de Oliveira Monteiro da Silva
BARRETOS/SP À LUZ DO ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO DO ESTADO DE SÃO 184 - 196
PAULO: EM DIREÇÃO A MAIOR EQUILÍBRIO URBANO, RURAL, NATURAL
Maria Clara de Oliveira Calil, Vera Santana Luz

CAMINHANDO PELO CENTRO HISTÓRICO DE CÁCERES-MT: PERCEPÇÕES DE UM 197 - 212


DEVANEIO URBANO
Willian Jonas Mininel, Antonio Busnardo Filho, Antonio Soukef Júnior

CARACTERIZAÇÃO GRAVIMÉTRICA DOS RSU DO MUNICÍPIO DE SINOP/MT, PARA 213 - 222


CLASSES A, B E COMERCIAL
Ariany Cardoso Pereira, Lauren Aparecida Sznitowski, Antonio Victor Gregorio de Lima,
Amanda Karoliny Arruda da Silva

CASA CUIABANA E OS ESPAÇOS LIVRES NO SÉCULO XVIII - ANÁLISE E RELAÇÃO DAS 223 - 232
EDIFICAÇÕES RESIDENCIAIS COLONIAIS E OS ESPAÇOS LIVRES NA CIDADE DE CUIABÁ
NO SÉCULO XVIII
Antônio Antunes de Barros Netto, Yara da Silva Nogueira Galdino

CITY INFORMATION MODELING (CIM) COMO FERRAMENTA DE APOIO AO 233 - 245


PLANEJAMENTO URBANO COM FOCO EM CONFORTO TÉRMICOS
Marcos Martins Borges, Ana Carolina Caldas Rodrigues, Gabriella Dias de Oliveira,
Tuanny Cristinny da Cunha Guimarães

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO ESTATUTO LEGAL NO CASO DA COMUNIDADE DA RUA 246 - 262


MONSENHOR RUBENS MESQUITA, SALVADOR – BA
Adriana Teixeira Bahia, Vera Santana Luz

CONVIVIALIDADE NO PARQUE ECOLÓGICO DO SÓTER DE CAMPO GRANDE/MS POR 263 - 278


MEIO DO USO E APROPRIAÇAO COLETIVA
Gabriele Schlotefeldt dos Santos, Cleonice Alexandre Le Bourlegat, Felipe Buller Bertuzzi

DA DESTERRITORIALIZAÇÃO A RETERRITORIALIZAÇÃO: COMO A PAISAGEM PARA A 279 - 293


POPULAÇÃO HAITIANA MUDOU NOS ÚLTIMOS 10 ANOS UM ESTUDO DE CASO DE
PORTO PRÍNCIPE E CUIABÁ – MT
Rafaela Ferreira Rosso, Natallia Sanches e Souza, Rosana Lia Ravache

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NAS CIDADES: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA 294 - 309


A SUSTENTABILIDADE URBANA
Camila Garcia Aguilera

DISPOSITIVOS PARA COMPREENSÃO DA PERCEPÇÃO DE ENTORNOS HOSPITALARES 310 - 326


POR AQUELES QUE O EXPERIENCIAM
Ana Paula Pereira de Campos Lettieri

EDIFÍCIOS EDUCACIONAIS TOMBADOS EM JUIZ DE FORA 327 - 340


Pablo Corrêa Lima

EDIFÍCIOS HISTÓRICOS E PAISAGEM NOTURNA: ILUMINAÇÃO E MEMÓRIA VISUAL 341 - 353


URBANA
Sara Dantas da Silva, Douglas Gallo

ENTRE DEVOÇÃO E EXPRESSÃO POPULAR: UM ESTUDO SOBRE O PATRIMÔNIO NO 354 - 368


PÁTIO DE SÃO PEDRO EM RECIFE-PE
Josebias Costa do Nascimento Neto, Maria Berthilde de Barros Lima e Moura Filha, Pedro
Henrique Cabral Valadares, Ana Lúcia Francisca Da Silva

ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DE CALOR EM CLIMAS TROPICAIS 367 - 383


Heloisa De Sousa Ferrarezi, Marcela Noronha Pinto de Oliveira e Sousa, Evandro Ziggiatti
Monteiro
ESTUDOS DAS QUADRAS E LOTES EM CUIABÁ NO SÉCULO XVIII 384 - 398
Vitória Roberta Miguel de Oliveira, Yara da Silva Nogueira Galdino

GARANTINDO A SEGURANÇA HÍDRICA COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL: 399 - 411


ANÁLISE DOS MARCOS REGULATÓRIOS INTERNACIONAIS E NACIONAIS
Ari Machado Monteiro, Carine Zachariadhes Pinto R. da Costa, Jaildo Santos Pereira

GERENCIAMENTO DE PROJETOS DE EDIFÍCIOS EM ALTURA NO DISTRITO FEDERAL: UM 412 - 426


RELATO DE CASO
Amanda Marques, Chenia Figueiredo

HABITAÇÃO SOCIAL COMO PILAR DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL: DIFERENÇAS 427 - 443
SOCIOTERRITORIAIS ENTRE BRASIL E SUÉCIA
Caio Barbato Maroso, Vera Santana Luz

INFRAESTRUTURA VERDE E POSSIBILIDADES DE MELHORIAS NOS PROJETOS 444 - 457


HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL: ESTUDO DE CASO DO RESIDENCIAL ALICE
NOVACKI EM CUIABÁ, MATO GROSSO
Franciele Cavalheiro Novack, Angelo Palmisano

METODOLOGIAS DE ANÁLISE URBANA: DAS PRIMEIRAS CRÍTICAS DO URBANISMO 458 - 473


MODERNO AOS DIAS ATUAIS
Luciane Tasca, Mauro Santoro Campello, Bernardo Lima Pinto Barcelos, Annelise
Mendonça Cesar, Patrícia Nogueira Alves, Pedro Loures

MOBILIDADE URBANA E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CICLABILIDADE 474 - 488


Nathalia Dos Santos Ribeiro, Douglas Gallo

NITERÓI POR SUA CARTOGRAFIA: UMA ANÁLISE DE SUAS TRANSFORMAÇÕES 489 - 504
URBANAS NO SÉCULO XIX
Gabriel Soares da Costa

O PAPEL DA POLÍTICA PÚBLICA: GESTÃO DE RISCOS DE DESASTRES NA COLÔMBIA 505 - 519


Leisy Viviana Castillo Robles

O PAPEL DOS ESTUDOS URBANOS: DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA INTEGRAÇÃO DA 520 - 534


TERRA INDÍGENA COMO ESTUDO DE CASO
Angela Carine Elias de Souza

O PATRIMÔNIO MODERNO COMO ELEMENTO REVITALIZADOR DO CENTRO HISTÓRICO 535 - 549


DE VITÓRIA
Luciana Nemer Diniz, Felipe Gustavo Silva

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DESTINOS TURÍSTICOS 550 - 562


INTELIGENTES
Daniela Ferreira Flores Longato, Raquel da Silva Pereira

PARQUE FLORESTAL ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE (HORTO FLORESTAL) EM CAMPO 563 - 578


GRANDE/MS NA CATALISAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO URBANO SUSTENTÁVEL
Silvana Romanini Monti, Felipe Buller Bertuzzi, Cleonice Alexandre Le Bourlegat

PARTICIPAÇÃO POPULAR E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL: O CASO DO 579 - 594


THEATRO MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA – SP
Luis Pedro Dragão Jeronimo

PATRIMÔNIO EM DEMOLIÇÃO: AGRESSÃO À HISTÓRIA E A PAISAGEM URBANA NO 595 - 606


CENTRO DE BAURU
Lucas Silva Pamio, Nilson Ghirardello

POLUIÇÃO LUMINOSA NOS ESPAÇOS URBANOS 607 - 616


Maria Cynthia de Araujo Urbano
PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO E DA PAISAGEM CULTURAL: UMA CONSTRUÇÃO 617 - 631
COMPARTILHADA DO PLANO DIRETOR E DO INVENTÁRIO EM BENTO GONÇALVES/RS
Cristiane Bertoco

QUALIDADE DE VIDA E PERCEPÇÃO DE RISCO COMO ABORDAGEM NO PLANEJAMENTO 632 - 644


URBANO
Nathália Teixeira, Douglas Gallo

QUEM NÃO TEM VISÃO BATE A CARA CONTRA O MURO: REFLEXÕES SOBRE LAPSOS E 645 - 659
BURACOS NOS SUBÚRBIOS FERROVIÁRIOS DO RIO DE JANEIRO
Sergio Felipe Henriques Abreu

RELAÇÃO PESSOA-AMBIENTE: ESTUDO EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA HOSPITALAR 660 - 671


João Paulo Lucchetta Pompermaier, Júlia Medeiros Alves, Sandra Aparecida Piloto Lopes,
Simone Borges João de Campos, Lizandra Garcia Lupi Vergara

SMART HOME IOT: UMA ANÁLISE ACERCA DA REDUÇÃO DO CONSUMO DE ENERGIA 672 - 684
ELÉTRICA RESIDÊNCIAL COM DISPOSITIVOS SMART ACESSÍVEIS
Cristiano Gomes Casagrande, Ana Carolina Caldas Rodrigues, Tuanny Cristinny da Cunha
Guimarães

SUGESTÃO DE UTILIZAÇÃO DE UMA METODOLOGIA PARA AVALIAÇÃO DE 685 - 696


PATRIMÔNIOS HISTÓRICOS E CULTURAIS DE RELEVÂNCIA, OBJETIVANDO A
MANUTENÇÃO, PRESERVAÇÃO DESTES E MELHORIA DA ECONOMIA LOCAL DE UMA
CIDADE
Luiz Roberto da Cunha Freitas Junior, João da Costa Pantoja

TRANSFORMANDO O TURISMO ATRAVÉS DA PRESERVAÇÃO DA MEMÓRIA, 697 - 711


PATRIMÔNIO E PAISAGEM ARQUITETÔNICA: UM OLHAR SOBRE TAQUARUÇU -
PALMAS/TO
Taynnara Gonçalves de Oliveira Borges

VENDE-SE URBANISMO 712 - 727


Rosangela Leal Santos, Carlane Costa Dias Feitosa, Kelly Cristina Ribeiro Marques
Cardoso,Maiane Costa Ferreira, Diego Evangelho Barbosa de Carvalho

ZONEAMENTO URBANO INCLUDENTE OU EXCLUDENTE? UM ESTUDO SOBRE AS ZONAS 728 - 738


ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL NOS PLANOS DIRETORES DE LONDRINA E MARINGÁ
Nathalia Moraes Marcolin, Milena Cardoso Garbossi, Ideni Terezinha Antonello
APRESENTAÇÃO

O 1º Simpósio Brasileiro "Território, Cidade e Arquitetura”, realizado entre os


dias 25 e 27 de outubro de 2023, foi organizado pelo Programa de Pós-Graduação Stricto
Sensu Mestrado Acadêmico em Arquitetura e Urbanismo do UNIVAG em Associação
com a PUC-Campinas. Trata-se de um evento acadêmico-científico, concebido com o
objetivo de realizar uma discussão teórica e prática sobre os processos de planejamento
e gestão da cidade contemporânea.
Ao considerar as especificidades que marcam o território brasileiro, a alta
complexidade verificada em diversos setores do atual contexto urbano, nas mais
diversas localidades do país, em especial aquelas que estampam quadros de
vulnerabilidades socioespaciais e ambientais, as quais são agravadas pelas mudanças do
clima, constituem-se em aspectos que apontam para a emergência de repensar as
cidades a partir de suas formas, funções e dos usos de seus espaços, de seus territórios
e de suas demandas alarmantes. Assim, compreendendo que essas questões se
desdobram em abordagens diversas no contexto da cidade contemporânea tão
pertinentes e especiais ao estudo urbano e regional, foi organizado este primeiro evento
acadêmico-científico.
Nesse sentido a temática instiga novas discussões na busca de compreender as
interfaces entre território, cidade e arquitetura nas diversas escalas e dimensões. Com
este propósito, está 1ª edição adotou como estratégia metodológica, além da
apresentação dos artigos, contou com a apresentação de excelentes palestras,
ministradas por pesquisadores de diversos Programas de Pós-Graduação Stricto Sensu
em Arquitetura e Urbanismo, abordando os seguintes eixos temáticos,

• Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida


• Conforto Ambiental no Espaço Urbano
• Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente
Construído
• Infraestrutura Urbana
• Memória, Patrimônio e Paisagem
• Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
• Planejamento e Ordenamento do Território
• Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
• Saneamento e Meio Ambiente
• Sustentabilidade Urbana
• Território e a Segregação Socioespacial
• Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

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Nos Anais desta 1ª. edição STCA - 2023, documento de referência, foram
registrados em ordem alfabética trabalhos que discutem e desenvolvem estudos que se
enquadram em um ou mais eixos temáticos, destacamos que os
trabalhos selecionados com nota igual/superior a 7 (sete) pontos terão direito a
segunda publicação na Revista Vernácula – Territórios Contemporâneos do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado Acadêmico em Arquitetura e
Urbanismo do UNIVAG. Agradecemos a dedicação e colaboração do Comitê Científico,
no cuidadoso processo de avaliação. Especial agradecimento aos autores pela
participação em nosso 1º. Evento como meio de publicação e divulgação de suas
pesquisas. Encerramos agradecendo aos esforços de todos os docentes e discentes do
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do UNIVAG, em especial ao apoio incondicional
da Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão, sem eles esse simpósio não teria acontecido.

Várzea Grande/MT, 25 de outubro de 2023

Profa. Dr.ª Jeane Ap. R. de Godoy


Coordenadora do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo

Prof. Dr. Angelo Palmisano


Coordenadora Adjunto do Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo

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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
(X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

A DIFUSÃO DOS APARTAMENTOS KITCHENETTES EM SÃO PAULO NA


SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX: ESTUDO DE CASO DO
EDIFÍCIO NORMANDIE

THE DIFFUSION OF KITCHENETTE APARTMENTS IN SÃO PAULO IN THE SECOND HALF OF


THE 20TH CENTURY: A CASE STUDY OF THE NORMANDIE BUILDING

Marco Antônio Martins de Oliveira Filho


Mestrando em Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.
marcoamoliveira3@gmail.com

Paula Mendes Thomaz Rimi


Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo, Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil.
paulamtrimi@gmail.com

Rafael Antonio Cunha Perrone


Professor Doutor do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie,
Brasil.
racperrone@gmail.com

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RESUMO
O objetivo do seguinte artigo é explorar a introdução dos ideais modernistas na arquitetura de São Paulo, a partir dos
anos 1940, destacando a ascensão de uma abordagem pragmática. Esse cenário faz surgir as kitchenettes,
apartamentos compactos com cozinhas reduzidas, atendendo a necessidades sociais e políticas. A tendência global
de criar moradias em larga escala, pós-guerra, foi adaptada à cidade, impulsionando a figura do incorporador
imobiliário. O Edifício Normandie, projetado por Franz Heep, é um marco dos apartamentos compactos que integram
áreas de estar, jantar e dormir em um só espaço. O método de análise dessas plantas empregado pelos autores foi o
redesenho digital e manual, além da visita in loco. O artigo também aborda a influência do design m oderno de móveis
brasileiros, ligando a redução do espaço dos apartamentos às necessidades funcionais do mobiliário. O artigo chega
à conclusão que a arquitetura se adaptou às demandas socioculturais e urbanas da época, moldando a paisagem
urbana de São Paulo.

PALAVRAS-CHAVE: Franz Heep. Kitchenette. Design de Mobiliário.

ABSTRACT
The aim of the following article is to explore the introduction of modernist ideas into São Paulo architecture from the
1940s onwards, highlighting the rise of a pragmatic approach. This scenario gives rise to kitchenettes, compact
apartments with reduced kitchens, meeting social and political needs. The global trend of creating large -scale, post-
war housing was adapted to the city, boosting the figure of the real estate developer. The Normandie Building,
designed by Franz Heep, is a landmark of compact apartments that integrate living, dining and sleeping areas in a
single space. The method of analysis of these plants used by the authors was the digital and manual redesign, in
addition to the on-site visit. The article also discusses the influence of modern Brazilian furniture design, linking the
reduction of space in apartments to the functional needs of furniture. The article comes to the conclusion that
architecture adapted to the sociocultural and urban demands of the time, shaping the urban landscape of São Paulo.

KEY WORDS: Franz Heep. Kitchenette. Furniture Design.

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1 INTRODUÇÃO

A difusão dos ideais modernos na arquitetura paulistana iniciou-se em meados da


década de 1940 e consolidou-se na segunda metade do século XX. Permeada por uma nova
tendência do pragmatismo e lógica construtiva que renunciava adornos nas edificações (ZEIN,
2010), uma nova forma de projetar e conceber as habitações se fez presente. Ela correspondia
a uma série de demandas sociais, catalisando a produção de apartamentos com metragens
reduzidas, no período, intituladas “kitchenettes”.
O termo foi concebido englobando as habitações que possuem cozinhas reduzidas,
restando apenas fogão, geladeira, pia e elementos de marcenaria, com neologismo dos termos
kitchen (cozinha) e dinette (pequena sala de jantar, ou copa). A produção dessa nova forma de
habitação e suas peças gráficas proporcionam uma série de entendimentos que extrapolam o
campo arquitetônico, sumarizando o momento sociocultural, econômico, político e histórico de
São Paulo em meados da segunda metade do século XX, criando assim uma aproximação entre
a história da arquitetura e da história social e cultural.
No contexto global existiu uma preocupação na produção de moradias em grande
escala, e o processo de redução de suas medidas foi uma ferramenta que auxiliou n o
crescimento da quantidade de moradias produzidas. Na Rússia e em países europeus no pós-
guerra essa tendência se estendeu em uma larga produção, alinhando qualidade na usabilidade
do espaço com as metragens menores. É nesse contexto que foi elaborada a cozinha de
Frankfurt (1926) de Margarete Schütte-Lihotzky para se adequar às novas casas modernas.
No contexto paulistano da segunda metade do século XX, a cidade se expandiu tanto
em população quanto em área ocupada, obtendo o slogan da “cidade que mais cresce no
mundo”. Devido ao crescimento populacional e à verticalização das edificações, a procura por
moradia tornou-se protagonista nas pautas de políticas públicas da cidade. Na tentativa de se
criar mais habitações, o espaço torna-se valorizado pelo mercado imobiliário.
Permeado por uma lógica capitalista, quanto maior o número de habitações
produzidas, maior o público atendido e maior a quantidade de vendas realizadas. Com isso, um
dos bens mais importantes para a arquitetura é exonerado: o espaço. A habitação reduzida
ganha um caráter vendável e popularizado por ser uma moradia compactada, atendendo a uma
gama de públicos e necessidades. O projeto de kitchenettes, já empregado nos Estados Unidos
e na Europa entre 1880 e 1990, chega em território paulistano.
Juntamente com o crescimento imobiliário e consequentemente a formulação do
apartamento kitchenette, um importante personagem surgiu para auxiliar na disseminação
desse tipo de apartamento. O incorporador nasce a partir das relações de compra e venda de
apartamentos, e com isso foram consolidados os primeiros atores e empresas destinadas a esse
segmento de comercialização. Dentro do campo civil, o incorporador é “maestro de toda a
operação de prover imóveis para o mercado privado. Ele planeja toda a ação, desde providenciar
o terreno, o projeto, a fonte financiadora, a construtora e a venda” (MARICATO, 1983, p. 45).
A criação de novas habitações e novos edifícios foi conduzida à profissionalização de
agentes da incorporação imobiliária. De acordo com Marcelo Tramontano:
A construção de edifícios tornou-se de maior porte, o que exigia fluxo constante de
recursos, para o empreendimento se completar. A quantidade de edifícios construídos
era maior, dentro de cada edifício a quantidade de unidades construídas também era
maior, o volume construído e a altura do edifício também aumentaram. Sua escala se
alterou. (TRAMONTANO, 2012, p. 7)

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Assim como o edifício, as intervenções na cidade mudaram de escala. O modelo
rodoviarista começa a ser consolidado em São Paulo a partir da década de 1930 por conta do
crescimento da cidade. O Plano de Avenida Prestes Maia tinha como o objetivo a expansão da
área central da cidade, atraindo a construção de edifícios em sua faixa perimetral, em especial
na avenida Ipiranga, Tiradentes e Nove de Julho (LUCCHINI, 2010).
Na edição 219 da revista Acrópole (ACRÓPOLE, 1957), é possível identificar uma série
de posicionamentos a respeito da produção de apartamentos menores. Em um primeiro
momento, o produto ofertado é destinado para um público específico, nesse caso, pessoas que
não possuem filhos. Por conta da alta circulação de veículos na região, o edifício se torna um
espaço inapropriado para o desenvolvimento infantil. Posteriormente, revela-se o
entendimento que o mercado imobiliário precisava se adaptar e atender diversos públicos.
Existiam constituições familiares fora das composições familiares daquela época e esses grupos
possuíam poder de compra, tornando-se consumidores ativos.
Para a aprovação na prefeitura de edifícios que contemplem apartamentos com
metragens reduzidas, a construção era protocolada como de uso hoteleiro, devido ao código de
obras em vigor, que só permitia banheiros construídos com janelas. De acordo com Lores:
“(...)em tempos de prédios geminados, quando cada metro de fachada tinha um valor de uma
vitrine, era péssimo negócio desperdiçar metros e metros com janelas para banheiros” (2017,
p.63).
O avanço tecnológico e a criação de dutos de ventilação permitiu que os banheiros
fossem posicionados na entrada dos apartamentos, no entanto a legislação brasileira liberou
esse uso apenas para quartos de hotéis, ou seja, moradias de curta duração. Com isso, grande
parte dos edifícios, entre eles o Montreal (1954), projeto por Oscar Niemeyer, foi registrado
como hotel.
Um outro avanço fundamental não só para a produção e consolidação dos
apartamentos kitchenettes mas para a comercialização das habitações verticais na cidade de São
Paulo foi a criação do Decreto Nº 5.481 em 25 de junho de 1928 conhecida como “Lei de
Condomínios” durante o governo do presidente Washington Luís. A mesma prevê a divisão do
edifício em partes iguais e a possibilidade de venda e compra das moradias para diferentes
pessoas. A divisão desses bens prevista por lei assegura as relações comerciais e a divisão dos
impostos e encargos. De acordo com Vaz (2002, p.75) “as comercializações de apartamentos
saíram quase do aluguel a predominantemente compra e venda”, devido a definição na
legislação, ocorreu um aumento na relação de compras de imóveis impulsionado também pelo
crescimento da cidade” (VAZ, 2002, p. 75).
Dentro do campo da legislação, o Decreto Lei Nº4.597 de 20 de agosto de 1942
conhecida como “Lei do Inquilinato” promulgada pelo presidente Getúlio Vargas previa o
congelamento no valor dos aluguéis até a década de 1960. De acordo com Tramontano (2012),
apenas 25% dos domicílios eram ocupados pelos seus proprietários. Dessa forma, a produção
de habitação naquele momento histórico era voltada para a locação de moradias, parcela que
ocupava grande parte da renda mensal do proletariado. De acordo com Tramontano “Pode-se
dizer que quase todos os edifícios construídos, entre a década de 1910 e 1930 foram realizados
para aluguel” (TRAMONTANO, 2012, p.5).
Com a manutenção do valor do aluguel nesse período, a produção de habitação para
renda foi desestimulada, contribuindo para um novo perfil de produção arquitetônica, destinada

13
dessa vez para a comercialização de moradias. De acordo com Leite (2006) as vendas subiram
para uma média de 14 mil por ano, na década de 1940, para 28 mil por ano, na década de 1950,
e para 41 mil, entre os anos 1960 e 1970. Esse encaminhamento político interfere nas condutas
de produção da arquitetura e revela um primeiro “boom” imobiliário na cidade de São Paulo,
sendo a década de 40 um crescimento no processo de verticalização (SOUZA, 1994).
A década de 1950, também se caracteriza pela produção do design de móveis
modernos brasileiros. Durante o período de industrialização no Brasil, a popularização dos meios
de comunicação desempenhou um papel significativo na disseminação do mobiliário moderno,
caracterizado pelo uso de novos materiais, formas, padrões, dimensões e tendências na
decoração de interiores. Esses aspectos também se relacionam com a verticalização das cidades
brasileiras e a compactação das plantas dos apartamentos.
Arquitetos e artistas uniram-se em uma tentativa de criar a linguagem nacional de
mobiliário brasileiro, baseada nos princípios fundamentais do design moderno: funcionalidade,
clareza formal, simplicidade construtiva e viabilidade para a industrialização. Isso resultou em
um movimento contrário aos móveis de estilo passadiço, buscando-se a sobriedade e
funcionalidade no desenho das nas peças.
Existiu uma larga produção de edifícios na região central de São Paulo que
contemplavam apartamentos kitchenettes e, concomitantemente, os princípios do móvel
moderno brasileiro. Oscar Niemeyer, por exemplo, foi responsável pelo Edifício Copan (1952),
um dos edifícios mais emblemáticos da arquitetura moderna brasileira, tendo em seus
pavimentos apartamentos compactos e de dimensões reduzidas. No entanto, o arquiteto
alemão Franz Heep se tornou um expoente nessa produção, e o Edifício Normandie (1957)
engloba apartamentos com a tipologia de kitchenettes.
Desta forma, o objetivo deste artigo é estabelecer uma conexão entre o crescimento
exponencial da produção de edifícios com a tipologia de kitchenettes e o mobiliário presente
nesses novos apartamentos. A intenção é contribuir para a compreensão da história do
apartamento paulistano, bem como do mobiliário e design brasileiros, proporcionando uma
visão abrangente do cenário residencial brasileiro na década de 1950.

2 O EDIFÍCIO NORMANDIE E O MOBILIÁRIO NA KITCHENETTE

O Edifício Normandie, projetado por Franz Heep em 1953 e concluído em 1957,


também faz parte desse importante vetor de verticalização criado pelo Plano de Avenidas,
especialmente ao longo da Avenida 9 de Julho. É o edifício com o maior número de unidades
projetado por Heep em São Paulo, totalizando 214, sendo que 209 são do tipo kitchenette,
integrando sala, cozinha e quarto em um mesmo espaço e 5 apartamentos com 54 metros
quadrados. A Figura 01 abaixo representa as plantas do pavimento térreo e pavimento tipo,
onde estão localizadas as unidades que serão tratadas no artigo a seguir.

14
Figura 1 – Esquemas de planta do Edifício Normandie.

Fonte: Dos autores, 2023.

As kitchenettes do edifício Normandie têm uma cozinha compacta, seguindo a


tendência da época, e não possuem lavanderia, pressupondo a utilização de serviços externos.
As unidades foram projetadas para abrigar funções de dormir, estar e comer em um mesmo
espaço. A Figura 02 representa a planta da kitchenette de 30 metros quadrados e uma
perspectiva isométrica, com escalas gráficas para referência de dimensões das unidades.

Figura 2 – Planta da kitchenette de 30 metros quadrados.

Fonte: Dos autores, 2023.

Com o passar do tempo as habitações na atualidade possuem o layout interno próximo


ao que foi proposto inicialmente por Heep, abrindo mão das divisórias internas e mantendo a
planta livre, fazendo com que o morador usufrua da melhor forma do espaço disponível. Na
figura 3 é possível perceber um apartamento kitchenette no edifício Normandie em 2023 e sua
aproximação do layout interno com as plantas originais.

15
Figura 3 – Cozinha e banheiro da unidade de 30 metros quadrados.

Fonte: Dos autores, 2023.

As kitchenettes possuem uma cozinha reduzida, com dimensões pouco usuais para
aquele período, que em sua maioria, tinha cozinha com dimensões mais generosas. A partir da
concepção de alguns arquitetos europeus, como Le Corbusier por exemplo, e o processo de
entendimento que a habitação faz parte de um sistema maior, sendo ele o edifício e a cidade, a
diminuição se fez possível, demandando assim um projeto específico de cozinha para essas
moradias. Na figura 4 é possível visualizar o projeto de cozinha desenvolvido por Heep
especialmente para as cozinhas das habitações do edifício Normandie.

Figura 4 – Croquis representando o projeto de cozinha para o Normandie de Franz Heep.

Fonte: Dos autores, 2023.

16
A partir desse processo lógico, a lavanderia foi outro ambiente que perdeu espaço
dentro das habitações, devido às suas necessidades de dimensões mais amplas para lavagem,
secagem e tratamento das roupa, utilizações esporádicas pelo morador, utilizar a metragem
disponível para um serviço que pode ser transferido para outro ambiente se tornou uma diretriz
projetual coerente com as demandas da época e o direcionamento do projeto um determinado
público alvo. A Figura 5 demonstra como só há a cozinha no apartamento, sendo a lavanderia
excluída.

Figura 5 – Croquis representando o projeto de cozinha para o Normandie de Franz Heep.

Fonte: Dos autores, 2023.

3 CONCLUSÃO

O processo de redução nas metragens dos apartamentos não é fruto de uma tendência
contemporânea e tem suas origens claras no começo do século XX, se acentuando a partir de
sua segunda metade. Como aponta Milton Santos(1989): o espaço é uma totalidade de cuja
essência é social. A compatibilização das diretrizes projetuais dos arquitetos com o intuito de
produzir essa nova tipologia arquitetônica demonstra um motivações e contextos sistêmicos, e
que nesse contexto, a arquitetura é influenciada a produzir essa nova forma de apartamentos
por contextos socioculturais, econômicos e políticos.
Na cidade de São Paulo esse fenômeno foi acentuado pelo forte crescimento da cidade
com ênfase na industrialização, acarretando no êxodo rural para a cidade e consequentemente
a necessidade de se criar novas habitações, correspondendo a essa nova demanda. O mercado
imobiliário por sua vez se comportou produzindo uma série de habitações com metragens
menores destinadas a um público específico, pessoas solteiras ou casais sem filhos que tinham

17
interesse em apartamentos nas regiões centrais da cidade, e que abrissem de espaços
generosos.
Uma série de arquitetos renomados foram convidados a projetar esses espaços, em
especial aqueles que tinham contato com a produção arquitetônica no exterior, tendo como
espaços referenciais os Estados Unidos e o continente europeu. Oscar Niemeyer e Carlos Lemos
foram alguns dos arquitetos que produziram essa nova forma de habitação, mas foi destinado
ao arquiteto alemão Franz Heep o título de “pai dos apartamentos kitchenettes” por ter
produzido uma série de edificações na parcela central da cidade que contemplem essa nova
forma de moradia.
O edifício levantado para estudo neste artigo, intitulado “Normandie ”, é o que
concentra a maior quantidade de apartamentos kitchenettes produzidas por ele e se mostra
habitável até os dias atuais. Os 209 apartamentos entregam para o morador a experiência de
viver em uma habitação em que as áreas de convivência se integram, dividindo o mesmo espaço:
sala de estar, sala de jantar e dormitório.
A redução de espaços dos apartamentos implica sempre na possibilidade da cidade
oferecer serviços complementares para a habitação. Desde as propostas do tipo “casa comunal”
propostas pela arquitetura russa nos anos 1920 e 1930 até os programas modernos e
contemporâneos que se caracterizam por complementos para a habitação compacta (sala de
coworking, lavanderias coletivas, salas sociais). Há também uma evolução na produção de
eletrodomésticos mais compactos e um grande avanço nas possibilidades de ocupação com o
uso de móveis planejados. É notório que o processo de redução nas metragens do apartamento
não implicou na redução na qualidade e habitabilidade desse espaço, demandando diretrizes
projetuais específicas para o contexto e público a qual foi destinado. Desde as caixilharias,
layouts internos, e fluxos internos são fundamentais para a definição espacial e se compreende
que os 29 metros quadrados propostos correspondem às demandas daquele período, se
mantendo, até os dias atuais, uma edificação de excelência.

4 REFERÊNCIAS

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Paris: Flammarion, 1995.

LEITE, L. R. P. Estudo das estratégias das empresas incorporadoras do município de São Paulo no segmento
residencial no período 1960–1980. 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.

LORES, Raul Juste. São Paulo nas Alturas: A revolução modernista da arquitetura e do mercado imobiliário nos
anos 1950 e 1960. 1ª. ed. rev. São Paulo, Brasil: Três Estrelas, 2017. 335 p.

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mestrado (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.

MARICATO, E. Indústria da construção e política habitacional. 1983. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)
- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1983.

PONTUAL, Julice; CAVALCANTI, Virginia. Apartamento Brasileiro e Mobília de 1950: a busca do ideal moderno. P&D
Design: 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís, 2012.

18
SOUZA, M. A. A. de. A identidade da metrópole: a verticalização em São Paulo. São Paulo: HUCITEC/EDUSP, 1994.
THOMEO, Yasmin Carolini; MENDONÇA, Rafaela Nunes; PANTALEÃO, Lucas Farinelli; PEREIRA, Juliano Aparecido.
Design de mobiliário brasileiro, moderno e contemporâneo: um diálogo formal. Revista de Design, Tecnologia e
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TRAMONTANO, Marcelo; ANITELLI, Felipe. Edifícios de apartamentos, São Paulo, anos 1950: mercado imobiliário e
(um pouco de) arquitetura. Edifícios de apartamentos, São Paulo, anos 1950, São Paulo, ed. 31, junho 2012.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/posfau/article/view/48067/51833. Acesso em : 15 jul. 2023.

VAZ, L. F. Modernidade e moradia: habitação coletiva no Rio de Janeiro, séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: 7 letras,
2002.

ZEIN, Ruth; BASTOS, Maria Alice. Brasil: Arquiteturas após 1950. 1ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019. 432 p.

19
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
(X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

A EVOLUÇÃO DO LAYOUT DE AMBIENTES DE ESCRITÓRIOS EM


CONSONÂNCIA COM AS DISCUSSÕES ACERCA DE TRABALHO E
QUALIDADE DE VIDA

THE EVOLUTION OF OFFICE ENVIRONMENT LAYOUTS IN LINE WITH DISCUSSIONS


ABOUT WORK AND QUALITY OF LIFE

Nathalia Tiago dos Reis


Mestranda, UFG, Brasil
nathaliatiagodosreis@gmail.com

20
RESUMO
O ambiente de escritório, espaço de trabalho ou corporativo sofreu alterações de layout desde o seu surgimento até
os dias atuais, devido a evolução da sociedade e as discussões insurgentes sobre modos de trabalho. O presente artigo
tem como objetivo analisar o ambiente de trabalho no âmbito de sua mudança de layout dentro das discussões acerca
do trabalho e qualidade de vida, a partir disso, foram apresentados autores que discorrem acerca do tema a fim de
construir a argumentação que fomenta a metodologia de análise dos projetos. Para isso, foram selecionados três
estudos de caso a fim de entender os rebatimentos da teoria. O presente artigo colabora com a pesquisa científica
ao relacionar a teoria proposta por filósofos, sociólogos e psicólogos com a prática arquitetônica dos ambientes de
escritórios. No desfecho deste trabalho, foram identificadas alterações evidentes na composição dos espaços que
articulam com os conceitos de individualização, flexibilidade e volatilidade, além da preocupação acerca do bem-estar
do usuário. A principal contribuição teórica se deu a partir da relação entre teoria e prática e a proposta de reflexão
do projeto de ambientes corporativos focados no usuário, além disso, contribui para que haja discussão no campo
organizacional na questão da implementação de boas práticas que podem ser agregadas através da questão do layout
arquitetônico.

PALAVRAS-CHAVE: espaços de trabalho; qualidade de vida; layout arquitetônico.

ABSTRACT
The office, workspace or corporate environment has undergone layout changes since its inception to the present day,
due to the evolution of society and insurgent discussions about ways of working. This paper aims to analyze the work
environment in the scope of its layout change within the discussions about work and quality of life, from this, authors
who discuss the theme were presented in order to build the argument that encourages the project analysis
methodology. Based on that, three case studies were selected in order to understand the repercussions of the theory.
This article collaborates with scientific research by relating the theory proposed by philosophers, sociologists and
psychologists with the architectural practice of office environments. At the end of this work, evident changes were
identified in the composition of the spaces that articulate with the concepts of individualization, flexibility and
volatility, in addition to the concern about the well-being of the user. The main theoretical contribution came from the
relationship between theory and practice and the proposal to reflect on the design of corporate environments focused
on the user, in addition, it contributes to the discussion in the organizational field on the issue of the implementation
of good practices that can be added through the issue of architectural layout.

KEYWORDS: workspaces; quality of life; architectural layout.

21
1 INTRODUÇÃO

Desde as primeiras civilizações até os dias atuais, o ato de trabalhar está instaurado
nas sociedades e é visto como obrigatório para a sobrevivência. Deste modo, esta atividade
tornou-se central, pois cerca de 1/3 da vida de uma pessoa é “gasto” trabalhando.
Segundo o dicionário Michaelis a palavra indica “s.m 1 Trabalho, atividade,
empreendimento, funcionamento 2 Ocupação, emprego, ofício, serviço”, enquanto a palavra
trabalhar se refere a “v.i 1 Trabalhar, lidar, obrar. 2 Funcionar, andar. vt+vpr 3 Empenhar-se,
esforçar-se. v.i 4 Apurar, elaborar” (MICHAELIS, 2009, p. 395)
O significado direto desta palavra refere-se ao ato de realizar as tarefas destinadas ao
trabalhador no âmbito do que foi contratado para determinado serviço, no entanto, ainda é
pouco para explicar a tamanha complexidade desta ação. Como visto em tempos de capitalismo
pesado, os trabalhadores de uma fábrica que passavam sua vida inteira ali, eram
completamente explorados.
No filme Tempos Modernos (1936), é exemplificado esse processo de trabalho por
Charles Chaplin, que interpreta o personagem Carlitos. Ali o ator representa a vida de um
trabalhador fabril que executa um trabalho repetitivo ao longo de sua extensa jornada de
trabalho. Em decorrência dessa negligência do bem-estar, Carlitos acaba internado em um
hospital psiquiátrico com uma crise nervosas em consequência da exaustão emocional.
A discussão sobre o bem-estar no trabalho é de extrema importância para
conscientização da sociedade. As jornadas, assim como o modo de trabalhar, mudaram com o
passar dos anos, a partir do afloramento das discussões e problematizações dessas ocorrências.
O ambiente de trabalho, ou espaços administrativos, por mais de um século, foi
pautado no imaginário das fábricas e baseado em seus processos produtivos, uma vez que se
localizavam como anexos às áreas de produção. A partir da Revolução Industrial, ocorreu a
separação com foco em otimizar o controle e produtividade (Tateoka, 2014, p. 37).
A disposição espacial se baseava nas plantas livres, organizadas por mesas e cadeiras
destinadas ao trabalho administrativo, enquanto os “chefes” estavam acima, ou em locais
estratégicos, que poderiam vigiar e punir quando necessário.
No entanto, com o passar dos anos, este modelo foi criticado e surgiram novas ideias
acerca de como o espaço de trabalho viria a se modificar, ao passo que discussões acerca do
bem-estar no trabalho passaram a ser parte de requisições por parte da sociedade.
Assim como os ideais foram alterados, o layout dos escritórios também. Trabalhos
voláteis e flexíveis surgiram com o advento da pós-modernidade, que romperam com a solidez
dos tempos de capitalismo pesado. (BAUMAN, 2001)
O objeto de estudo deste artigo são os ambientes de trabalho administrativo, por
serem símbolo de um trabalho repetitivo que é realizado geralmente em mesas, sem grandes
deslocamentos ao longo do escritório. A justificativa se deu por esta tipologia estar associada ao
modo de trabalho fabril em sua origem e a curiosidade por sua evolução a partir da incorporação
de novas discussões e ideais estabelecidos pela sociedade.
Ao final, foi possível identificar a quebra com hierarquização do espaço, com a
incorporação de todo o programa concentrado em um único pavimento, sem divisões acerca de
posições de cargos mais altos e mais baixos, a facilidade da circulação entre os ambientes, áreas
de lazer qualificadas para descompressão do trabalho, disposição das salas de reuniões ao longo
do escritório sem segregação, e por fim, a diversificação dos mobiliários.

22
A partir disso, nota-se grande mudança acerca dos layouts do final do século XVIII até
as manifestações atuais, através da flexibilização dos espaços e incorporação de novos modos
de trabalho. Além disso, como o olhar sobre o trabalho administrativo foi alterado, o escritório
teve que se adaptar e abrir margem para o lado humano do indivíduo, ou seja, permitir a
execução de atividades que vão além do trabalho produtivo, podendo descansar, se relacionar,
desenvolver sua autonomia, etc.

2 OBJETIVOS

Este trabalho tem como objetivo principal entender como as discussões acerca do
tema se manifestaram no layout nos escritórios e os objetivos específicos que são: (1) trazer um
panorama histórico da tipologia, a fim de apresentar a evolução dos ambientes de trabalho, (2)
entender o conceito de trabalho e como ocorrem as argumentações dos autores acerca dele,
(3) analisar espaços corporativos atuais a fim de identificar os rebatimentos dessas discussões.

3 METODOLOGIA

O primeiro objetivo foi estabelecido a fim de revelar o histórico dos ambientes de


trabalho, com sua origem e evolução e apresentar as alterações que foram incorporadas com o
passar do tempo. Serão utilizados autores como Martinez (2018), Ghosn (2019), Fialho (2017) e
Andrade (2000).
No segundo objetivo serão inseridos teóricos que apresentaram e argumentaram
sobre o tema, como: Zygmunt Bauman (2004), o filósofo Karl Marx (1988), Christophe Dejours
(2004) e o filósofo Byung-Chul Han (2015), a partir deles, ocorrerá uma discussão acerca da
problematização. Como resultado, os projetos de arquitetura que serão analisados a seguir,
partirão da lógica da argumentação desenvolvida neste tópico do artigo.
Os projetos selecionados foram a sede administrativa do grupo Walmart (2013),
projetada pelo Estúdio Guto Requena, a agência Social Tailors, projetada pelo escritório
SuperLimão (2016) e o escritório Veolia, projetado pela Pitá Arquitetura (2020). O critério de
seleção se deu a partir de escritórios que demonstram expertise e portfólio na área dessa
tipologia e incorporam em seus discursos e projetos a questão do bem-estar do usuário no
ambiente de trabalho.

4 RESULTADOS

4.1 O Ambiente de trabalho e evolução

O ambiente de trabalho administrativo, teve seu início consolidado no começo do


século XX, com o crescimento da indústria e consequentemente do setor terciário. A
caracterização do espaço era marcada pela “impessoalidade, ordem, regularidade e economia,
pontualidade e sincronia (...)” (MARTINEZ, 2018, p. 40), sendo chamada de bullpen office1,
inspirado na fábrica, segundo o modelo proposto por Frederick Taylor.

1 São caracterizados por espaços de trabalho sem divisórias, popularizados em espaços de trabalho administrativos.

23
Um exemplo da tipologia durante este momento é o Edifício Larkin, localizado no
estado de Buffalo, Nova York. A construção com inauguração em 1904, apresenta organização
de planta livre (figura 1) com mesas de trabalho seriadas, salas de reuniões pontuais e um grande
foyer de entrada. Além disso, o pavimento superior permite a visibilidade para o térreo (figura
2), possibilitando que os chefes vigiem seus funcionários.

Figura 1 e 2 – Edifício Larkin

Fonte: Vitruvius e Archdaily (respectivamente), 2023.

A primeira reação contra este modelo foi o Landscape office (figura 3), proposto pelos
irmãos Eberhard e Wolfgang Schnelle, ao final de 1950, em que rompia com as salas individuais
destinadas aos cargos superiores e distribuía as mesas de forma orgânica, sem divisórias e com
espaços para trabalho em equipe. Ademais, neste modelo nota-se a preocupação com o
conforto acústico e a inserção da vegetação (GHOSN, 2019, p.40).

Figura 3 – Escritórios em Osram, Munich

Fonte: Workplace Insight, 2023.

Os Landscape Offices (figura 3) dividiam o local de trabalho em grupos, rompendo com


a linearidade proposta em outros projetos do momento. Além disso, apresenta a diversificação

24
de mobiliário, quebra com a monotonia e hierarquia. É visto nesse modelo, maior preocupação
com o bem-estar do trabalhador.
Com o avanço tecnológico, em meados de 1980, os computadores passaram a ser
vistos como essenciais nesses ambientes de trabalho, com a popularização na América do Norte
e Reino Unido, houve uma preocupação acerca da adaptação de edifícios de escritórios para
receber sistemas elétricos adequados, assim como a instalação destes novos equipamentos.
(FIALHO, 2017, p. 53)
O layout era caracterizado até 1990 como territorial, em que contava com a
configuração de planta livre, mesclando salas fechadas com espaços abertos, ou apenas uma
“grade” de salas fechadas. Após este período, o layout não-territorial passou a ser popularizado,
uma vez que abarca a flexibilização dos modos de trabalho (Martinez, 2018, p. 53).
A partir da evolução do espaço, a solidez e hierarquia presentes ao longo do século
XVIII e XIX, foram sendo aos poucos descontinuadas e a partir disso, foi aberto um espaço para
o layout orgânico e a incorporação de um programa de necessidades que se adequa aos novos
tempos, onde o trabalhador não necessariamente se estabelece em um mesmo local ao longo
de todo o dia, por outro lado, transita entre o escritório, sua casa, coworking, cafeterias, etc.
O layout não obrigatoriamente auxilia no bem-estar dos ocupantes uma vez que as
orientações internas da empresa prezam por jornadas exaustivas de trabalho, no entanto,
agregado a bons valores trabalhistas que se pautam nessas discussões, o layout colabora com o
bem-estar, permitindo espaços que abarquem as esferas fisiológicas e emocionais dos usuários.

4.2 O trabalho

As conceituações sobre o trabalho se diferem entre as diversas disciplinas do


conhecimento, para o filósofo Karl Marx (1818-1883) o homem através de suas ações controla
a si próprio e a partir de sua força intrínseca, atua sobre a natureza externa [1867] / (1988, p.
142-143). Para o psiquiatra Christophe Dejours (1949-), o trabalho é definido como “gestos,
saber-fazer, um engajamento do corpo, a mobilização da inteligência, a capacidade de refletir,
de interpretar e de reagir às situações” (2004, p. 2).
O filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman desenvolve sua visão sobre o trabalho através
de sua teoria da Modernidade Líquida. Segundo ele esta atividade estava normalizada no
cotidiano das pessoas, não havia alternativa senão trabalhar, no entanto, com o advento da pós-
modernidade, o ideal do trabalho perdeu sua força, se libertou da solidez e do capitalismo
pesado (BAUMAN, 2001, p. 172-175). Com este desmoronamento das estruturas anteriores,
surgiram trabalhos voláteis, que foram desencadeados a partir do fenômeno da liquidez. O que
antes era pautado na coletividade, com estabilidade no mesmo trabalho a longo prazo, passou
a se tornar individualizado e instável.
O filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em seu livro A Sociedade do Cansaço (2015)
discorre sobre os efeitos da positividade e cobrança estabelecidos pelo sistema capitalista que
está sempre em busca do lucro. O autor argumenta que o imperativo do desempenho e
produtividade, desencadeia no esgotamento emocional e desenvolvimento de doenças
psicológicas como a BurnOut.

O sujeito de desempenho está livre da instância externa de domínio que o obriga a


trabalhar ou que poderia explorá-lo. É senhor e soberano de si mesmo. [...] A queda
da instância dominadora não leva à liberdade. Ao contrário, faz com que liberdade e

25
coação coincidam. [...] O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa
autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de
mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o
explorado. [...] Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são
precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal. (HAN, 2015, p.
16-17)

O modo de trabalho se modificou a partir da evolução da sociedade perante a ideias e


tecnologias, a sede da empresa muitas vezes é utilizada apenas para tarefas em que não há a
possibilidade via remoto, a casa que antes era local de descanso, se tornou ambiente de
trabalho. O indivíduo precisou se adaptar à flexibilidade, desenvolver a criatividade e
individualidade para o mercado de trabalho competitivo, essa transição suscitou a insegurança,
estresse e doenças psicológicas (DESSEN, 2010, p. 7-10). Para Martinez (2018, p.45)

Celulares, notebooks e modems possibilitaram o transporte para fora dos edifícios,


enquanto funcionários, cada vez mais capacitados, móveis e com horários irregulares,
aumentaram o nível de exigência por autonomia e por espaços que suprissem
necessidades das novas formas de trabalho, focadas em conhecimento e criatividades,
grupos e trabalhos interativos.

Mesmo com o enfraquecimento do vínculo com a modernidade sólida, o indivíduo


possui internalizado ao longo de seu crescimento que precisará trabalhar para que consiga
conquistar os seus objetivos, entretanto, em tempos de liquidez, a incerteza predomina, não há
mais um caminho predestinado a percorrer, neste momento, ele traçará o seu próprio.
É visto mudanças positivas com o novo modelo da flexibilidade e individualização do
trabalho a partir da possibilidade da atuação com trabalhos remotos, que possibilitam a
liberdade geográfica e poupar tempo com deslocamento até o local de trabalho. No entanto, o
trabalhador vive na ilusão de que a partir da instauração de novos modelos, terá mais tempo
para descansar e dedicar tempo a atividades que lhe conferem qualidade de vida, porém se vê
preso ao sistema capitalista de cobranças e falsas positividades que dominam todo o seu tempo
livre.
Os espaços de trabalho administrativos evoluíram ao longo dos anos para chegar em
um modelo que abarque as insurgências e demandas da sociedade, a partir disso, questiona-se
como foi incorporado essas discussões nos espaços corporativos?
O local de trabalho fortalece uma relação afetiva com o seu ocupante, onde
desenvolve seu modo de ser, agir e se comportar, nos tempos da modernidade sólida, os
princípios de estabilidade e vínculos sociais eram vistos como pilares do trabalho, hoje, os
valores foram alterados e novos pilares rodeiam essa esfera.
Deste modo, a arquitetura assim como outras áreas do conhecimento, se adapta às
transformações da sociedade, no caso de estudo deste artigo, o ambiente corporativo partilha
destas alterações.
No entanto é importante reforçar que mesmo com a incorporação do debate da
qualidade de vida na área da arquitetura e a transação do layout para uma forma que rompa
com as hierarquias e promova espaços qualificados, o campo da arquitetura por si só não
consegue transformar todo o setor que envolve o trabalho.
É necessário que as empresas se conscientizem da importância desse tema e optem
por culturas organizacionais que tenham como foco o usuário e não negligenciem sua esfera
física e emocional.

26
4.3 Análise dos espaços corporativos

A primeira obra selecionada é a sede administrativa do grupo Walmart (2013),


projetada pelo Estúdio Guto Requena na cidade de São Paulo. O local apresenta a tipologia de
planta livre marcada por mesas e cadeiras ao longo de todo o pavimento, no entanto, ele se
alterna entre espaços abertos e fechados. Além disso, é visto salas de treinamento e reuniões,
além de salas técnicas em geral.
Por outro lado, um elemento central destaca-se (figura 4), há um núcleo em que estão
presentes diversas salas de reuniões com variadas capacidades de pessoas, salas menores para
Call-center e, o principal, uma grande área de estar que fica localizada próximo a lanchonete e
a copa.
Neste projeto nota-se a presença da tipologia de planta livre, porém percebe-se a
inovação a partir deste núcleo central, tornando não-hierarquizadas as salas de reuniões e
possibilitando um espaço de estar qualificado. Além desse programa citado, a sede do Walmart
também conta com: terraço ao ar livre, sala de jogos e sala de tv.
Acerca das mudanças, em contraposição com o início do século XX, este espaço de
trabalho focalizou em seu núcleo central salas que fogem do programa de necessidades focados
nas atividades produtivas repetitivas e “comuns”. Neste núcleo, estão salas de reuniões e cerca
de 30% se ocupa pela área de estar. Este projeto demonstra a preocupação acerca do bem-estar
dos usuários e permite que haja a realização de outras atividades para além do trabalho em si.

Figura 4 – Sede Walmart

Fonte: Archdaily

A agência Social Tailors (figura 5), projeto do escritório SuperLimão (2016), apresenta
uma área menor que o estudo de caso anterior, no entanto, é representativo da aplicação de
soluções que acompanham o período de mudanças. Ao adentrar o espaço, o primeiro olhar é
direcionado à uma área de descompressão e estar seguido por um escritório de planta livre
posicionado atrás.
A principal instigação para a escolha deste projeto é a localização do espaço de
descompressão na entrada do escritório, solução esta que rompe com o período anterior, uma

27
vez que indica o foco no usuário, ao invés da valorização de um grande foyer que enaltece a
empresa, por exemplo. Além desses espaços citados, o programa também possui uma sala de
reunião compartilhada, banheiros, copa e uma sala de estar menor.

Figura 5 – Agência Social Tailors

Fonte: Archdaily

Por fim, o escritório Veolia (figura 6), projetado pela Pitá Arquitetura (2020), rompe
com o padrão retilíneo convencional de espaços de escritório e apresenta uma forma orgânica
onde posiciona diversas salas de reuniões ao longo da planta. Por outro lado, o espaço ainda
apresenta a tipologia de planta livre ocupando cerca de 50% de seu espaço, a outra metade,
está ocupada por áreas de descompressão pontuais ao longo de sua extensão e uma área de
estar qualificada na parte superior da planta.
Assim como nos outros estudos de caso, a acessibilidade dos espaços está presente,
assim como a flexibilidade de mobiliários que se adaptam a tarefa que será desenvolvida. Neste
em específico, ao apresentar múltiplas salas, pode-se perceber o fenômeno da individualização,
em que o indivíduo como agente de seu próprio destino, assume novos modos de trabalho que
podem fugir do convencional, deste modo, o espaço deve abarcar eles em seu layout.

28
Figura 6 – Escritório Veolia

Fonte: Archdaily

Os três estudos de caso apresentam propostas similares quanto a quebra com a solidez
e hierarquia imposta pelo período taylorista. Neste momento, a preocupação através do layout,
parte do foco no usuário e promove espaços de estar e descompressão. Ademais, existe a
incorporação de salas e mobiliários diversificados que acolhem o novo modo de trabalho volátil,
assim como as necessidades intrínsecas ao ser humano, como: socialização, alimentação,
desenvolvimento de habilidades, autonomia e etc.

5 CONCLUSÃO

O início dos espaços de trabalho foi marcado pela presença do taylorismo, com
conceitos chave como: a funcionalidade e produtividade. Em sua organização espacial, a
presença de mesas e cadeiras predominava ao longo de toda a planta, ademais, não havia
espaço para descompressão e realização de outras atividades que não fossem relacionadas ao
ato de trabalhar.
Em contraposição, o período atual pautado nas ideias do trabalho líquido apresenta a
descentralização da arquitetura, uma vez que ao longo dos espaços estudados neste artigo, a
área “produtiva” ocupa metade do todo e o restante é destinado a áreas de estar, alimentação,
reuniões e até espaços com o intuito do exercício do bem-estar e socialização.
Assim, o espaço corporativo em meio ao individualismo, imediatismo, flexibilidade e
descentralização do mundo líquido precisou se adaptar às mudanças. Para isso, houve um
desmoronamento da estrutura sólida de produtividade e funcionalidade e foi possível um novo

29
olhar acerca do bem-estar humano, além de proporcionar ambientes e mobiliários que se
adequam aos novos modos de trabalho.
Por fim, é necessário destacar a importância sobre as questões acerca do trabalho e
qualidade de vida, pois a partir deles foi possível edificar grandes mudanças em uma tipologia
essencialmente estrutural com fluxos hierárquicos, para uma arquitetura que se preocupa com
a esfera do usuário. Ademais, este conhecimento dá abertura para a inserção de novas boas
práticas que beneficiam o trabalhador.

6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

6.1 Livros

ANDRADE, Cláudia Miranda. A História do Ambiente de Trabalho em Edifícios de Escritórios: Um Século de


Transformações. São Paulo: C4, 2007

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

HAN, Byung-Chul. Sociedade do cansaço. Petrópolis: Vozes, 2015.

____. O capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.

6.2 Dissertação, tese e trabalho acadêmico

DESSEN, Marina Campos. Indicadores de Bem-Estar Pessoas nas Organizações: o Impacto da Percepção da Cultura,
do Perfil Pessoas e de Ações de Qualidade de Vida no Trabalho e de Qualidade de Vida do Trabalhador. 2010. 245 p.
Tese (Doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações) – Instituto de Psicologia, Universidade de
Brasília, Brasília, 2010.

FIALHO, Roberto Novelli. Edifícios de escritórios na cidade de São Paulo. 2017. 385 p. Tese (Doutorado em Projeto
de Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017.

GHOSN, Aparecida A. Bou. Análise Comparativa de Layouts de espaços de trabalho em ambientes acadêmicos.
2019, 204 p. Dissertação (Mestrado em Tecnologia da Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

MARTINEZ, Marcela. A influência do ambiente de trabalho na produtividade e qualidade do trabalho: percepção


dos funcionários em um escritório do setor público. 2018. 186 p. Dissertação (Mestrado em Economia,
Organizações e Gestão Conhecimento) – Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2018.

RAMOS, Letícia Valente. O Coletivo de Trabalho dos Gestores Intermediários de uma Empresa Multinacional: a
abordagem da psicodinâmica do trabalho. 2013, 80 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia Social, do Trabalho e
das Organizações) – Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília, Brasília, 2013.

TATEOKA, Rosana Simprini. Edifícios de escritórios na cidade de São Paulo no início do século XXI – 2001 a 2012: as
principais características dos projetos atuais. 2014, 163 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) –
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2014.

6.3 Partes de enciclopédia e dicionário

MICHAELIS. Dicionário escolar espanhol. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2009.

6.4 Artigo de Periódicos

CARREIRO, Libia Martins. Morte por excesso de trabalho (KAROSHI). Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte,
v.46, n.76, p.131-141, jul./dez. 2007.

30
DEJOURS, C. Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção. v. 14, n. 3, p. 27-34, set./dez. 2004. Disponível em:
https://www.scielo.br/pdf/prod/v14n3/v14n3a03.pdf. Acesso em: 30 set. 2023.

31
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
(x) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

A EXPANSÃO URBANA E A SUSTENTABILIDADE: ANÁLISE DA PAISAGEM


DO MUNICÍPIO DE NOVA MUTUM, MATO GROSSO

URBAN SPRAWL AND SUSTAINABILITY: ANALYZING THE LANDSCAPE OF THE


MUNICIPALITY OF NOVA MUTUM, MATO GROSSO

Lucas Vicente Nunes


Mestrando, UNIVAG, Brasil
lucasvicentenn@gmail.com

Rafaela Alves Bernardes


Mestranda, UNIVAG, Brasil
arqrafaelabernardes@gmail.com

Diana Carolina Jesus De Paula


Professora Doutora, UNIVAG, Brasil
diana.paula@univag.edu.br

Jeane Aparecida Rombi De Godoy


Professora Doutora, UNIVAG, Brasil
jeane.rosin@univag.edu.br

32
RESUMO
A deficiência de integração planejada entre o desenvolvimento urbano e a preservação do meio ambiente tem sido
uma grande problemática na região Centro-Oeste, onde a produção agrícola constantemente é priorizada em face à
sustentabilidade. Dito isso, este artigo visa compreender por meio da análise da paisagem, os processos de expansão
urbana do município de Nova Mutum, localizado no estado de Mato Grosso (Brasil). Foi visto a necessidade de
analisar a integração entre o desenvolvimento urbano e a preservação ambiental, bem como, a análise da influência
da atividade agrícola extensiva e da malha rodoviária federal, em particular a BR-163, que conecta a cidade à capital
do estado aos principais portos do país. A pesquisa se classifica como quali-quantitativa e, como metodologia foram
mapeados e quantificados os elementos da paisagem e o impacto da antropização na qualidade de vida. Para tal
foram gerados três mapas baseados em imagens do Google Earth, com o intuito de mensurar a diferença entre as
áreas ocupadas por uso urbano, áreas agrícolas e áreas de vegetação natural, bem como a proximidade da mancha
urbana e da matriz da paisagem em relação aos corpos d'água e áreas verdes do município de Nova Mutum. Como
resultados, em detrimento da escala escolhida para a análise, a malha urbana e áreas verdes se caracterizam como
manchas na paisagem, tendo como matriz as glebas agricultáveis que circundam a cidade. Pode-se concluir que a
ocupação do espaço que caracteriza a paisagem analisada, desconsidera seu impacto ambiental e desrespeita a
biosfera pré-existente.

Palavras-chave: Sustentabilidade urbana, desenvolvimento urbano, Centro-Oeste.

ABSTRACT
The lack of planned integration between urban development and environmental preservation has been a major
problem in the Midwest region, where agricultural production is constantly prioritized over sustainability. That said,
this article aims to understand, through landscape analysis, the processes of urban expansion in the municipality of
Nova Mutum, located in the state of Mato Grosso (Brazil). There was a need to analyze the integration between urban
development and environmental preservation, as well as the influence of extensive agricultural activity and the federal
highway network, in particular BR-163, which connects the city to the state capital and the country's main ports. The
research is classified as qualitative-quantitative and, as a methodology, the elements of the landscape and the impact
of anthropization on quality of life were mapped and quantified. To this end, three maps were generated based on
Google Earth images, with the aim of measuring the difference between the areas occupied by urban use, agricultural
areas and areas of natural vegetation, as well as the proximity of the urban sprawl and the landscape matrix in
relation to bodies of water and green areas in the municipality of Nova Mutum. As a result, to the detriment of the
scale chosen for the analysis, the urban fabric and green areas are characterized as patches in the landscape, with the
agricultural land surrounding the city as the matrix. It can be concluded that the occupation of the space that
characterizes the analyzed landscape disregards its environmental impact and disrespects the pre-existing biosphere.

Keywords: Urban sustainability, urban development, Midwest.

33
1. INTRODUÇÃO

Os processos de ocupação das regiões centrais do Brasil se iniciaram ainda no período


colonial. Cuiabá, capital do estado de Mato Grosso, tem 304 anos desde sua fundação e 205
anos desde sua emancipação política. Ao longo dos anos, diversos programas de interiorização
e ocupação das regiões centrais do país surgiram, como a própria construção de Brasília e
consequente mudança da capital federal para a região Centro-Oeste (GALVÃO, 2013). Contudo,
as áreas ao norte do estado de Mato Grosso e a região amazônica de modo geral passaram pelo
processo de ocupação em período mais recente, durante a Ditadura Militar.
Com a implantação da BR-163, criada com o intuito de interligar a região amazônica a
Cuiabá e consequentemente as demais regiões do país, a própria distribuição dos investimentos
do estado e os caminhos de colonização em Mato Grosso se alteraram (GALVÃO, 2013;
KOHLHEPP; SILVA, 2022) impulsionando o surgimento de inúmeros municípios ao longo do
corredor viário que era implantado. Essas cidades, situadas em áreas de transição entre Cerrado
e Amazônia, se desenvolveram rapidamente nos últimos 20 anos, principalmente em razão da
importância econômica que a atividade agrícola agregou a região, que se iniciou com a produção
e extração de seringa (KOHLHEPP; SILVA, 2022).
Conforme explica Simões e Amaral (2011), o processo de interiorização da atividade
econômica não é nada novo, porém tem se intensificado nas últimas décadas, devido a
exploração agrícola e descentralização da atividade industrial, processos estes que geraram
mudanças nos ciclos migratórios.
Deste modo, essas regiões passaram por processos de ocupação e expansão urbana
acelerados, tendo suas paisagens alteradas pela criação de espaço construído e pela atividade
agrícola das monoculturas, principalmente de soja e milho. Tal antropização da paisagem pode
afetar diretamente os sistemas naturais, bióticos e abióticos - fenômenos estudados pela
ecologia da paisagem, reduzindo a resiliência e alterando a relação e os ciclos naturais dos
sistemas pré-existentes (BOFF, 2016; HERZOG, 2013).
O município de Nova Mutum, alvo do estudo aqui apresentado, é resultado desse
processo de colonização e interiorização do Brasil. A cidade surge em um aspecto político
peculiar, pós-ditadura militar, em um período em que o governo vigente, assim como os
anteriores, incentivava o processo de colonização das regiões interioranas do país,
principalmente nas zonas inseridas na Amazônia Legal. Nova Mutum teve sua emancipação
política em 1988 e se estrutura atualmente sobre os setores agrícola e industrial que beneficia
a produção local. (GALVÃO, 2013; SEBRAE, 2020).
Conforme mostra o mapa (figura 01), a área de estudo está localizada na região norte
do estado de Mato Grosso, pertencente à região Centro-Oeste do Brasil, juntamente com outros
três estados e o Distrito Federal. A zona urbana de Nova Mutum é atravessada pela rodovia
federal BR-163, que tem grande importância na logística e economia do estado.

34
Figura 01 - Ilustração do munícipio de Nova Mutum em relação a região e área mapeada

Fonte: Autores.
Este artigo, portanto, visa mapear e analisar o processo de expansão urbana do
município de Nova Mutum por meio das metodologias de análise da paisagem, estabelecendo
correlações entre tal expansão, o meio ambiente e a paisagem natural. É feito também uma
análise sobre a mudança da paisagem natural local, identificando a relação do meio urbano com
os leitos d’água existentes na área urbana.

2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Nesta primeira etapa, iniciou-se com uma revisão bibliográfica para compreender o
desenvolvimento da região de estudo, seguida pela busca de arquivos de imagens disponíveis
da cidade, bem como livros e fotos tirada pelos autores. Essas imagens foram fundamentais
para delimitar o recorte temporal de 18 anos, sendo utilizadas três imagens referente aos anos
de 2004, 2013 e 2022. Essas imagens foram importadas para um software de desenho, onde
foram sobrepostas camadas de cores para demarcar as manchas e corredores na paisagem,
auxiliando na criação dos mapas, tendo também utilizado imagens de satélite do Google Earth
Pro. A análise dos mapas teve como objetivo a comparação entre os diferentes períodos
mapeados, atentando-se a distribuição e escala das manchas e suas alterações ao longo dos
anos.

3. CONCEITOS ABORDADOS

Ao início deste estudo foi esmiuçado os conceitos tratados ao longo dos levantamentos
e análises, sendo um deles, o conceito de paisagem, termo por vezes polissêmico e de
conceituação multidisciplinar e o conceito de desenvolvimento sustentável.

35
Conforme explicam Dantas et al. (2015), o conceito de paisagem, como ferramenta de
análise espacial é tão antigo quanto a propria ciência geográfica. Cunhado inicialmente na
Alemanha (landshaft) entre os séculos XVIII e XIX pelo naturalista Alexander von Humboldt, o
conceito abarcava elementos naturais, tratando a paisagem como meio integrador entre os
demais componentes do meio geobiofisico. Os autores explicam que em meados de 1870
pesquisadores franceses apresentam uma abordagem diferente ao conceito de paisagem, na
qual, aderindo a ideia dos elementos naturais já tratados pelos alemãesse adicionam os
elementos e alterações resultantes das ações humanas, tendo de certa forma humanizado o
conceito de paisagem.
Deste modo, tem-se duas principais escolas para a abordagem e conceituação da
paisagem, a Escola Naturalista Alemã, apoiada na ideia da paisagem natural e a Escola
Geografica Francesa, que se monta sobre o tripé formado por elementos bióticos, abióticos e
antrópicos (Dantas et al., 2015).
Com o avanço das discussões sobre a paisagem, inumeras áreas aderiram o conceito:
como a área do turismo, da geologia, das artes ou mesmo a arquitetura e urbanismo, o que
acabou criando conceituações e interpretações distintas e por vezes opostas ao mesmo termo,
em razão de sua aplicação nas diferentes áreas do conhecimento (Dantas et al., 2015).
Com tal polissemia, faz-se importante anotar o conceito de paisagem adotado para o
estudo apresentado neste artigo. Entende-se aqui, a paisagem como um recorte do espaço (seja
este natural ou não) e do tempo feito pelo observador, seja por um olhar, foto, ilustração, etc.,
no caminho em que a própria análise da paisagem se altera em detrimento daquele que a
observa, estando esta, diretamente ligada a atividade e subjetividade humana (Silva, 2007),
ideia que se aproxima da escola francesa apresentada anteriormente.
A definição adotada para esta pesquisa surge dos estudos de três principais autores: a)
Brunet (1992), que apresenta em seu dicionário o sentido etimológico de “Paisagem” como
sendo aquilo que se vê e se tem ao alcance do olhar; b) Berque (1994), que apresenta a relação
entre objeto e individuo, dizendo que a paisagem e seu sentido são culturais e, portanto, são
aprendidos, adicionando também ao tema as escalas de espaço e de tempo e c) Claval (1999),
que classifica a paisagem como sendo produto da ação do homem.
De acordo com Casimiro (2009), a paisagem é composta e pode ser lida por seus
elementos formadores que são as manchas, a matriz e os corredores. As manchas, são
superfícies não lineares, podendo ter diferentes características em uma mesma paisagem, de
origem ou causal. Geralmente, as manchas fazem parte de uma matriz, elemento que domina
o funcionamento da paisagem por ser mais extenso, por sua vez, os corredores se caracterizam
como elementos lineares que conectam os demais elementos da paisagem.
A análise dos elementos e interações da paisagem são essenciais para compreensão dos
ecossistemas e os processos de troca de energia e matéria que ocorrem nela. A delimitação da
escala da paisagem também é imprescindível para obter uma análise adequada (Casimiro,
2009).
Quanto ao conceito de desenvolvimento sustentável, se classifica como sendo aquele
que equilibra três pilares de desenvolvimento: o social, econômico e ambiental. Tal tripé
(ambiente-economia-sociedade), deve, de acordo com Agopyan e John (2011) ser considerado
de maneira a unificar e equilibrar os quesitos no processo de desenvolvimento, gerando avanço
econômico suprindo as necessidades da sociedade, e garantindo um ambiente saudável ao
futuro das próximas gerações.

36
Silva (2023) enuncia que construir a sustentabilidade no Brasil é um desafio vasto, dadas
as ricas possibilidades oferecidas pelo território, recursos naturais, diversidade biológica e
recursos hídricos. Para transformar essa possibilidade em realidade, é crucial superar a visão de
desenvolvimento centrada apenas no crescimento econômico e abraçar a construção
sustentável, considerando também os aspecto ambientais e sociais.
Dito isso, Macedo et al. (2016) conduziram um estudo sobre a sustentabilidade dos
municípios em Mato Grosso, utilizando uma escala para classificar o nível de sustentabilidade.
Nessa escala, valores entre 0,0000 e 0,2500 são considerados críticos, de 0,2501 a 0,500 estão
em alerta, de 0,501 a 0,700 são considerados aceitáveis, e de 0,7501 a 1,000 são ideais. Os
municípios de Cuiabá, Rondonópolis, Primavera do Leste e Sinop foram classificados como
aceitáveis, com um nível de sustentabilidade entre 0,50 e 0,70 em 2010, Nova Mutum,
município alvo desta análise, teve como resultado de sua avaliação de sustentabilidade o nível
de alerta. O estudo destaca a necessidade de atenção e acompanhamento para melhorar o
aspecto ambiental e os demais concernentes ao desenvolvimento sustentável do estado de
Mato Grosso.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

Adentrando a análise dos mapas, a predominância das áreas agricultáveis, como matriz
da paisagem, já neste primeiro mapa (figura 02), referente ao ano de 2004, endossa os dados
encontrados nas referências consultadas, como os estudos de Galvão (2013) e Kohlhepp e Silva
(2022), que apontam a ocupação da área para produção agrícola. A cidade se caracteriza então
por uma mancha em meio a matriz, cercada por uma segunda mancha, composta por vegetação
densa.
No mapa (figura 02), onde mostra a cobertura do solo da cidade de Nova Mutum em
2004 percebe-se que a malha urbana ocupa uma área de margem da BR-163, o que é
compreensível visto que a cidade se inicia as margens deste corredor. A matriz da paisagem
inicialmente na análise, já se caracteriza como áreas de solo exposto com uso agrícola, de modo
que a paisagem se altera drasticamente na mudança de estações dentro de um mesmo ano, em
razão do momento das safras.
Os corpos d’água são elementos importantes na paisagem. Em 2004, a malha urbana
margeava o veio d’água que nasce dentro da mancha urbana. No mapa (figura 02), é possível
ver ao norte do trecho abarcado pelo mapa, os corpos d’água, neste caso o Rio Arinos, destino
da água que nasce e corre na mancha urbana que compreende Nova Mutum. Essa água segue
seu fluxo indo em direção a região norte do país, mais especificamente a Bacia Amazônica.
Já ao Sul deste mapa, é possível notar que as áreas a serem agregadas a malha urbana
já se encontram totalmente devastadas e com ausência de vegetação nativa, um movimento da
expansão urbana do município de Nova Mutum que pode ser notado também nos demais
mapas.

37
Figura 02 - Mapa da cobertura do Solo de Nova Mutum (2004)

Fonte: Google Earth (2023); adaptado pelos autores.

Figura 03 - Foto panorâmica da margem sul da mancha urbana (2023)

Fonte: Arquivo pessoal.

Na foto panorâmica (figura 03) é possível ver que ao lado direito a área urbanizada,
ocupada por edificações, já na esquerda, atravessando a rua, uma extensa gleba árida ocupada
pelo plantio de grãos. Anota-se que na data em que fora registrada a imagem, 27/07/2023, a
região se encontrava em um período de hiato, entre a colheita da safra de milho e o início do
plantio da soja. As fotografias da paisagem que são apresentadas ao estudo são imagens atuais,
do ano de 2023. Isso se deve ao fato de não ser possível encontrar imagens registradas nos
mesmos períodos dos mapas analisados que apresentam as características e relações da
paisagem que se entende pertinente ao estudo.
Em 2013, o segundo período em que a paisagem escolhida fora mapeada (figura 04) e
analisada, é possível observar uma mudança no tamanho da mancha urbana, que aumentou
significativamente em nove anos, passando de 6 km² para aproximadamente 11 km², bem como
as alterações nas manchas compostas por áreas vegetadas, que diminuíram drasticamente com
o aumento da matriz. Neste período, as áreas vegetadas foram de 33 km² em 2004, para 29 km²
em 2013. Em especial, quando se dirige a análise a região noroeste do mapa é possível notar

38
que a mancha que contornava a cidade, acaba por se fragmentar ao longo dos nove anos que
se passam entre a segunda e a quarta figura.

Figura 04 - Mapa da cobertura do Solo de Nova Mutum (2013)

Fonte: Google Earth (2023); adaptado pelos autores.

Essas áreas estavam ocupadas pelas plantações, que variam ao longo do ano entre soja
e milho, sistemas de monocultura intensiva que acaba por tornar áridas as zonas próximas à
cidade alterando drasticamente a paisagem não somente em relação aos seus elementos visuais
(figura 03), como também as relações biótica e abiótica que compunham anteriormente tal
mancha (HERZOG, 2013), visto que a devastação das áreas de mata nativa reduz o habitat
natural das espécies que compõem a fauna local e altera as trocas de matéria e energia e os
ciclos hídricos e de carbono, como também reduz a resiliência do ambiente (CASIMIRO, 2009;
BOFF, 2016).

Figura 05 - Foto panorâmica da margem noroeste da mancha urbana (2023)

Fonte: Arquivo pessoal.

Na foto registrada em 2023, vê-se que a área a noroeste da mancha urbana que em
2004 aparece no mapa como sendo área de vegetação nativa densa, agora é ocupada pela
produção de grãos que se encontra margeando a área urbana.
É marcante a forma com que as áreas edificadas se aproximam do corpo d’água que

39
corta a malha urbana ao meio, ao passo que no mapa de cobertura do solo (figura 04), em 2013,
a paisagem do entorno imediato do trecho mais ao sul do córrego não conta com áreas de
vegetação densa, sendo caracterizadas pelas áreas de solo exposto. Se tratando de um córrego
natural e perene, a área deveria ser entendida pela legislação municipal como sendo uma área
de Preservação Permanente, mantendo medida mínima de 30m de mata ciliar as margens do
corpo d’água.
Quanto a expansão da mancha urbana, nota-se que ocorre em sua maioria, direcionada
as regiões ao sul. As regiões ao leste, que desde a origem do município tem seu uso destinado
às atividades agrícolas, atualmente estão sendo ocupadas por pequenos fragmentos de área
edificada, em suma de uso industrial, de modo que a BR-163 que serviu de guia ao nascimento
da cidade, agora cumpre também papel de barreira no desenho urbano.
Neste último período no qual a paisagem fora analisada, referente ao ano de 2022
(figura 06), é possível observar em suma um fenômeno parecido ao que foi registrado na janela
temporal anterior: as áreas verdes ainda diminuem, contudo, em menor proporção, o valor
anotado em 2013, de 29 km², fora reduzido a 28 km² em 2022. As zonas edificadas se expandem,
passando para 14 km², a mancha urbana cresce expressivamente em direção ao sul, onde as
incorporadoras não encontram áreas de vegetação natural, apenas glebas já desmatadas (como
demonstra a figura 03).

Figura 06 - Mapa da cobertura do Solo de Nova Mutum (2022)

Fonte: Google Earth (2023); adaptado pelos autores.

Além disso, houve uma redução significante das áreas verdes que compreendem o
entorno da nascente e do corpo d’água que se encontra em meio a cidade. Os trechos a noroeste
do mapa (figura 06), cujo desmatamento fora registrado já no recorte de 2013, encontra-se em
2022 ainda não sendo área urbana, de modo que a mudança da paisagem em zonas lindeiras a

40
cidade ocorreu para fins agrícolas (como se vê figura 05).
É possível afirmar que a expansão urbana ocorreu sem considerar a importância do
córrego que nasce dentro da cidade, visto que ao longo do período analisado as áreas vegetadas
do entorno do corpo d’água fora sendo suprimidas pelas áreas edificadas. Portanto, as manchas
de vegetação densa, que em 2004 circulavam a cidade, foram reduzidas ao longo dos 18 anos
aos quais se ateve o estudo, contudo para abrir espaço para criação de áreas agrícolas, fazendo
com que os campos de plantio, estivessem a cada ano mais próximos à mancha urbana. Os
processos de alteração da paisagem se deram, neste caso específico por fragmentação e
contração das manchas de vegetação densa.
Em vista disso, essas mudanças na paisagem reduziram drasticamente a relação de área
urbana e área de vegetação natural. Em 2004, as áreas vegetadas na paisagem equivaliam a 5,5
vezes a área total da mancha urbana, enquanto o valor registrado em 2022 demonstra que a
área verde equivalia a apenas 2 vezes a dimensão da mancha urbana, valor que se dá não
somente pela diminuição das áreas verdes, mas também pelo aumento expressivo da área
urbana ao longo dos 18 anos.
Com isso, faz-se importante salientar que ao longo do período estudado nesta pesquisa,
a população de Nova Mutum teve um crescimento considerável, onde, de 14.817 pessoas nos
anos 2000 (IBGE, 2000) foi para um total de 58.832 pessoas em 2022 (IBGE, 2022), fenômeno
que se alinha e explica a expansão expressiva da mancha urbana.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os objetivos estabelecidos, foi possível notar por meio dos
mapeamentos e análises da paisagem que o processo de expansão da área urbana em Nova
Mutum, ocorreu de forma acelerada no período estudado, sendo registrado um aumento na
ordem de 230% do tamanho da mancha urbana entre 2004 e 2022.
Referente a metodologia empregada para análise, quantificação e qualificação da
paisagem, permitiu a leitura dos elementos que a compõem e a relação entre estes. Deste modo,
o método apresentado por Casimiro (2019) possibilita a leitura da paisagem por meio de suas
partes e a partir da escala estabelecida. O mapeamento permitiu que fosse destacado os
elementos da paisagem, sendo a matriz, composta pelas áreas de solo exposto destinada ao uso
agrícola; as manchas, que se dividem em mancha urbana, áreas de vegetação densa e áreas de
vazio urbano; e os corredores, sendo os corpos d’água, a BR-163 e as vias de terra que
contornam os campos agrícolas.
As manchas e os corredores presentes na paisagem permitem a classificação da mesma
como sendo uma paisagem cultivada, devido à regularidade das formas, a linearidade e ângulos
retos das margens das manchas e a presença marcante de pequenos corredores espalhados pela
matriz, caracterizando a “geometrização” da paisagem (CASIMIRO, 2019).
O estudo demonstra ser necessário a criação e formalização do trecho de proteção
permanente no entorno do corpo d’água que atravessa a malha urbana, dado sua importância
não apenas local, tendo capacidade de influenciar o microclima, como também sua importância
regional e sistêmica, por se tratar de nascente e córrego que compõem a bacia amazônica.
Além disso, é preciso alertar a população do município, sobre possíveis consequências
da aproximação da malha urbana e dos corpos d’água. Podendo trazer impactos negativos nas
edificações já existentes e nas edificações a serem construídas, bem como impactos no

41
desenvolvimento urbano e no ecossistema.
Salienta-se ainda que, na análise feita no último mapa apresentado (figura 06), a maior
parte das glebas que podem ser agregadas ao tecido urbano se caracteriza por ser solo exposto,
cumprindo função de terra agricultável, de modo que no ato do loteamento destas áreas os
trechos destinados obrigatoriamente, por força de lei, a áreas verdes, sejam entregues ao
município como áreas de solo exposto. Neste caso, deverão passar por um processo de
naturalização para cumprirem a função de áreas verdes, ou por tal processo ainda em domínio
das incorporadoras antes de serem entregues a prefeitura.
Conclui-se que esses processos de renaturalização, jamais serão capazes de restaurar a
totalidade dos sistemas existentes na paisagem natural. Salienta-se ainda, que tais processos de
renaturalização devem ser pautados a se aproximarem ao máximo de cenários naturais. Dito
isso, propõe-se que, em estudos futuros da paisagem do município de Nova Mutum, faz-se
interessante a realização dos mesmo em escalas maiores, de modo que a malha urbana passe a
ser matriz da paisagem, dando mais precisão aos levantamentos e estudos da relação que Cecilia
Herzog (2013) chama de “Biodiversidade urbana”.

6. REFERÊNCIAS

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141 p.

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Reclus, 1992. 470p.

CASIMIRO, Pedro Cortesão. estrutura, composição e configuração da paisagem conceitos e princípios para a sua
quantificação no âmbito da ecologia da paisagem. Revista portuguesa de estudos regionais, n. 20, p. 75-99, 2009.

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43
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

A RELEVÂNCIA DA CONSERVAÇÃO HOSPITALAR


O CASO DA MATERNIDADE ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND EM
FORTALEZA

THE RELEVANCE OF HOSPITAL CONSERVATION


THE CASE OF MATERNITY ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND IN FORTALEZA

Marina Pinheiro Rebouças Ramalho


Arquiteta aluna do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo + Design, UFC, Brasil
marina.reboucas.arq@hotmail.com

44
RESUMO
A Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) surge como um notável monumento que unifica as esferas da
medicina inovadora e da arquitetura moderna, gerando um cenário intrigante no presente. Fundada em tempos de
fervor idealista voltado à saúde materno-infantil, essa edificação emblemática encapsula tanto os princípios
vanguardistas da medicina contemporânea quanto a estética minimalista da arquitetura moderna. No entanto, o
cenário atual propõe um dilema de grande complexidade: como reconciliar o progresso das práticas médicas com a
preservação da arquitetura moderna, preservando sua essência construtiva singular?
Neste contexto, a MEAC é um cenário onde se desenrolam tensões entre a necessidade de conservar a integridade
arquitetônica e a urgência de adaptar-se às demandas evolutivas da medicina. A arquitetura modernista, que primava
pela união entre funcionalidade e estética, foi meticulosamente planejada para abrigar instalações médicas e
proporcionar conforto às pacientes. Contudo, o rápido avanço da medicina trouxe consigo tecnologias em constante
mutação, desafiando a capacidade da maternidade de se manter atualizada sem comprometer suas raízes originais.
A complexidade reside na busca por um ponto de equilíbrio entre a preservação do passado e a adaptação às
necessidades do presente. A manutenção de características arquitetônicas essenciais deve coexistir com a
incorporação de inovações médicas, a fim de garantir a continuidade de uma instituição que possui não apenas valor
histórico, mas também uma função vital na prestação de cuidados de saúde. Portanto, o dilema da MEAC ecoa um
desafio universal enfrentado por instituições históricas na área da saúde, que exige uma abordagem multifacetada
envolvendo diversas disciplinas.

PALAVRAS-CHAVE: saúde; conservação, arquitetura hospitalar; maternidade.

ABSTRACT
The Assis Chateaubriand Maternity School (MEAC) emerges as a notable monument that unifies the spheres of
innovative medicine and modern architecture, generating an intriguing scenario in the present. Founded in times of
idealistic fervor focused on maternal and child health, this emblematic building encapsulates both the avant-garde
principles of contemporary medicine and the minimalist aesthetics of modern architecture. However, the current
scenario poses a highly complex dilemma: how to reconcile the progress of medical practices with the preservation of
modern architecture, preserving its unique constructive essence?
In this context, MEAC is a scenario where tensions unfold between the need to preserve architectural integrity and the
urgency of adapting to the evolutionary demands of medicine. The modernist architecture, which excelled in the union
between functionality and aesthetics, was meticulously planned to house medical facilities and provide comfort to
patients. However, the rapid advancement of medicine has brought with it ever-changing technologies, challenging
motherhood's ability to keep up without compromising its original roots.
The complexity lies in the search for a balance between preserving the past and adapting to the needs of the present.
The maintenance of essential architectural features must coexist with the incorporation of medical innovations, in
order to guarantee the continuity of an institution that has not only historical value, but also a vital function in the
provision of health care. Therefore, the MEAC dilemma echoes a universal challenge faced by historic institutions in
the field of health, which requires a multifaceted approach involving several disciplines.

KEYWORDS: health; conservation, hospital architecture; maternity.

45
INTRODUÇÃO

A história das edificações de saúde do Brasil, no que se refere à dinâmica da inovação


dos serviços prestados, apresenta o notório protagonismo dos hospitais que exercem atividades
complexas e especializadas.
A despeito dessa importância será feita uma análise da Maternidade Escola Assis
Chateaubriand (MEAC), inaugurada em 1965 no bairro Rodolfo Teófilo, um equipamento
construído com a vocação de cuidado materno-infantil popular na cidade de Fortaleza que faz
parte do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Ceará (UFC), motivado pela
deficiência da assistência médica às mães carentes na capital do Ceará, neste período.
O presente trabalho apresenta abordagem qualitativa, com pesquisa bibliográfica e
investigação documental. Estruturado a partir da contextualização histórica da saúde no Ceará,
os aspectos relacionados a demanda para o surgimento da MEAC, abordando a relevância e
conjuntura de sua conservação.
A Maternidade Escola Assis Chateaubriand emergiu como um símbolo vital na história
da cidade de Fortaleza no Brasil, trazendo esperança e cuidados às mães e recém-nascidos.
Inaugurada em 1965, esse empreendimento foi impulsionado por um movimento incansável
liderado pelo senador João de Medeiros Calmon, inspirado pela visão do notável Assis
Chateaubriand. Diante da carência de serviços assistenciais no cenário materno na época, o
projeto desencadeou um esforço nacional para angariar fundos e concretizar a construção. A
necessidade imperiosa de um local que amenizasse os desafios enfrentados pelas mães da
cidade, como as altas taxas de mortalidade infantil e falta de assistência ao parto, levou à
construção dessa maternidade-modelo.
O edifício, projetado por uma equipe de arquitetos e engenheiros renomados, não
apenas atendeu às necessidades funcionais e técnicas da época, mas também simbolizou a união
da comunidade em prol do bem-estar materno. Ao longo dos anos, a Maternidade Escola Assis
Chateaubriand evoluiu e se transformou, passando a ser um centro de excelência na área de
saúde da mulher e do recém-nascido. Além de oferecer ensino, assistência social e atendimento
médico, a maternidade se tornou um espaço de pesquisa e formação de profissionais
especializados.
A presente pesquisa, explora a trajetória da Maternidade Escola Assis Chateaubriand,
desde sua concepção, bem como sua relevância na atualidade. Analisamos como esse
empreendimento pioneiro abordou uma necessidade urgente na época, como também,
influenciou a abordagem de cuidados maternos e neonatais em Fortaleza e no Brasil, deixando
um legado de compromisso com a saúde e o bem-estar das mães e seus filhos.

46
1 DESENVOLVIMENTO BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA NO CEARÁ

Os avanços da saúde pública cearense apresentam uma compreensão histórica


incongruente, que atrela a oferta de atenção à saúde com articulações econômicas e políticas,
objetivando relacionar os fatos do campo da saúde pública, a lógica dos desígnios do poder
público e a atributo político das questões e pressões da sociedade civil.
Desde o período colonial ao Segundo Império (1500 a 1888), a atuação do poder
público é quase nula, deixando o processo à filantropia e à clemência religiosa.
Da Fundação Republicana ao Golpe Militar (1989 a 1964), o poder público inicia suas
intervenções com atuações em prol do saneamento básico em virtude do combate a epidemias
urbanas e endemias rurais, do amparo à mulher e ao parto, da implementação de cursos
superiores no campo da saúde, surgindo a Secretaria de Saúde.
Do Golpe Militar a atualidade (1964 a 2002), ocorre a institucionalização da saúde de
maneira crescente, fundamentada como direito de cidadania e dever do Estado, superando o
modelo de campanhas e das ações remediáveis, para um modelo baseado em planejamento
estratégico, na atenção primária e na disposição de sistemas locais de saúde.
Adentrando a tipologia que envolve o nascer, após o parto realizado por mulheres,
intituladas como parteiras cair em desuso e ser substituídos por cirurgiões com o
aperfeiçoamento de “método cesárea”, inevitavelmente surge a necessidade de espaços
voltados para tal intenção.
No âmbito atual de Fortaleza, são ofertadas 12 instituições públicas compostas por
setor de maternidade e que atendem a mulheres e recém-nascidos, das quais 9 em instância
municipal e 3 na instância estadual. Podemos destacar na escala municipal a Maternidade Escola
Assis Chateaubriand pelo seu caráter assistencial e educacional, atrelando estes dois usos em
sua edificação, ensino e saúde. Destacamos também hospitais de grande relevância para o
serviço de maternidade na capital cearense: o Hospital São Camilo Cura D’aris ainda na instância
municipal, o Hospital Geral Dr. César Cals e o Hospital Geral de Fortaleza na escala estadual.

47
2 O CASO DA MATERNIDADE ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND

No ano de 1955 foi iniciada a campanha em prol da construção da Maternidade


Popular (Escola), onde, conforme figuras 1 e 2, é possível vislumbrar as imagens do que se
pretendia edificar. A referida campanha foi lançada a sociedade cearense pelo Sr. João de
Medeiros Calmon, na ocasião Diretor Geral dos Diários, Rádios e TV Associados, inspirado pelo
exemplo do Sr. Assis Chateaubriand, jornalista, advogado, empresário e político - figura
lembrada mais frequentemente por ter sido dono dos Diários Associado, conglomerado que
reuniu dezenas de jornais, revistas e estações de rádio.

Figura 1 - Perspectiva da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Figura 2 - Perspectiva da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

No discurso do Sr. João de Medeiros Calmon, ele explica a motivação da empreitada


apontando Fortaleza como capital carente de serviço assistencial social, no tocante a
maternidade. Trazendo à tona comparações com as cidades de São Luís, Teresina, João Pessoa,
Natal, Campina Grande e o Crato, que já ofertavam maternidades a sua população. Para
solucionar este grave problema social, Calmon contou com a colaboração do comércio, da
indústria, da população cearense e dos outros estados, através de uma campanha de âmbito
nacional, em jornais, revistas e estações de rádio e televisão com a pretensão de arrecadar
subsídios para construção do equipamento de saúde. Segundo os dados do IBGE, num artigo
publicado no ano de 1955 do Sr. Adolfo Frejat, Inspetor Regional de Estatística, aponta que

48
Fortaleza em 1950 apresentava 129 leitos maternos, com 77.819 mulheres entre 15 a 49 anos,
idade considerada fecunda. Em confronto com outras capitais nordestinas menos populosas e
também menos desenvolvidas, Fortaleza ficava em notória posição de inferioridade, sujeitando
a altas taxas de mortalidade infantil, acercar-se 236 óbitos no primeiro ano de idade, por cada
1.000 nascidos vivos.
A necessidade de um estabelecimento hospitalar que suprisse a alta demanda e
reduzisse drasticamente a problemática humanitária da assistência ao nascer exibia caráter de
urgência. O que fez o movimento arrecadar quantias substanciais da filantropia e de fora do
Estado que ajudariam às mães pobres desta cidade.
Iniciadas as obras em 3 de março de 1956, logo após lançado o movimento, não se
cessaram até sua conclusão em 14 de dezembro de 1963. A construção projetada pelos
arquitetos e engenheiros Oscar Valdetaro, Roberto Nadalutti e Israel Correia e dos engenheiros
Carlos Miranda (Instalações Gerais) e Gabriel Correia, sendo Engenheiro-Construtor Jayme
Verçosa. O referido projeto foi desenhado de acordo com o funcionalismo e as modernas
técnicas hospitalares daquele período, com área total do edifício calculada em 6.733,65 m². É
possível observar nas figuras 3 a 9, o registro do canteiro de obras e do processo de construção
da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, passando pelo escoramento em madeira para
suportar vigas e lajes até finalizada concretagem, os vãos ainda por receberem alvenarias
divisórias.

Figura 3 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Figura 4 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

49
Figura 5 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Figura 6 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Figura 7 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

50
Figura 8 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Figura 9 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Após nove anos de intensa mobilização por arrecadações de fundos, a inauguração da


Maternidade Escola se deu em 15 de janeiro de 1965. Marcada por grande festividade política
e por parte da população que inaugurou o moderno conjunto hospitalar a serviço do povo de
Fortaleza. Para garantir o seu imediato funcionamento, foi acertado o convênio entre a
Universidade Federal do Ceará e entidade mantenedora da Maternidade.
Além do que foi possível observar nos registros fotográficos a respeito da construção
edifício, foi também levado em conta as questões referentes as condições de higiene, com
amplos quartos arejados, uma atenção especial ao atendimento, que por sua vez, trazia um
caráter cordial, dignificando o ato de nascer às mulheres que não podiam pagar. É possível ver
na figura 10, o registro de uma mãe, levando seu filho pela mão, nas imediações da maternidade,

51
em um claro registro do caminho percorrido por muitas mães em situação de vulnerabilidade
social, atendidas por essa valiosa instituição.

Figura 10 – Mãe e seu filho nas imediações da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Fortaleza ganhava uma Maternidade-modelo, dotada de 4 funções específicas: Ensino,


Assistência Social, Maternidade e Hospital de Urgência. Ofertando 4 cadeiras da Faculdade de
Medicina da Universidade do Ceará: Ginecologia, Obstetrícia, Puericultura e Pediatria, das quais
4 professores lecionavam juntamente a 11 assistentes.
A Universidade fornecia uma verba anual de Cr$ 200 milhões que a subsidiava por um
terço do ano. Em pleno funcionamento a Maternidade dispunha de 126 leitos, podendo atingir
em sua máxima ocupação de 150 leitos, mas trabalhava apenas com a metade de sua
capacidade.
O primeiro parto simples realizado no dia 15 de janeiro de 1965, nasceu uma menina
que designada Teresinha, em homenagem à esposa do Sr. João Calmon, jornalista e político que
lançou a campanha pela construção da maternidade, sucedida pelo nascimento de gêmeos.
O corpo clínico da Maternidade era composto por oito médicos plantonistas, dentre
eles, um médico-laboratorista, um analista, um anestesista e um médico-arquivista. A estrutura
física era composta por oito salas de parto e um boxe (capacidade para 12 partos simultâneos).
A maternidade tinha capacidade para realizar até 30 partos diários, mas tendo em média de 10,
inclusive dos quais 10 cesarianas realizadas diariamente em poucos dias de funcionamento.
O programa de necessidades distribuído ao longo dos seus 4 pavimentos, também
contava com uma grande Sala de Conferências de Médicos; Sala Cirúrgica, dotada de moderno
instrumental completo com televisão em circuito fechado, propondo que os estudantes
assistissem às operações, como podemos observar na figura 11, banco de sangue; sala de
triagem; ampla cozinha; lavanderia; "atelier" de costureiras; almoxarifado, sala de máquinas
com grandes caldeiras para produção de vapor e abastecimento do edifício com água quente.

52
Figura 11 - Sala Cirúrgica - Maternidade-Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Os pacientes da Maternidade apesar de subdivididos em classe A e classe B, gozavam


de tratamento igualitário, tendo diferenciação em sua nutrição por parte de costumes sociais e
nas acomodações, sendo classe B, quarto com cama, armário, luz, campainha e oxigênio
embutido na parede; classe A, quarto com 4 ou 6 camas e as mesmas características do primeiro.
É possível observar na figura 12, momento da atenção da equipe de saúde e a prestação de
cuidados assistenciais a uma paciente em seu leito hospitalar.
.
Figura 12 - Maternidade-Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Em 2019, a Maternidade-Escola Assis Chateaubriand realizou através do Sistema Único


de Saúde (SUS) uma média mensal de 430 partos, 458 cirurgias e 7.126 exames e procedimentos
diagnósticos, entre outros serviços. Contando com o “Banco de Leite Humano” de alto padrão
e a “Casa da Gestante, Bebê e Puérpera”. Na figura 13 é possível observar o acompanhamento

53
dos neonatos, seja em ambientes coletivos de berçários ou em ambientes individuais, que por
sua vez, eram ajustados de acordo com a gravidade de sua condição de saúde.

Figura 13 - Maternidade-Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

Figura 14 - Maternidade-Escola Assis Chateaubriand

Fonte: Site Oficial da EBSERH.

O MEAC passou a ser conhecido como tendo vocação a "realizar assistência, ensino e
pesquisa para o cuidado com excelência à saúde da mulher e do recém-nascido", formando
profissionais especializados nas áreas da saúde, sendo campo de teoria e prática para
estudantes de graduação, curso técnico e de residências médica e multiprofissional da UFC.
Outro grande destaque, diz respeito aos serviços prestados à população, no que se refere a
assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico. Destacam-se
as especialidades de ginecologia, obstetrícia, medicina fetal, neonatologia e mastologia,
prestando assistência integral à saúde da mulher e do recém-nascido.

54
3 PRESERVAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA E DESAFIOS NO PROGRAMA DE SAÚDE DA
MATERNIDADE ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND

A Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC), fruto de uma época de idealismo


e engajamento em prol da saúde materno-infantil, é um marco arquitetônico que reflete tanto
a visão inovadora da medicina contemporânea quanto a estética da arquitetura moderna. No
entanto, nos dias atuais, surge um dilema complexo: como harmonizar a evolução dos preceitos
médicos e os imperativos de conservação da arquitetura moderna, preservando suas
características construtivas únicas? Importante, portanto, lançar um olhar sobre as tensões
entre a preservação arquitetônica e a atualização das práticas médicas na MEAC, delineando os
limites entre a conservação e o reuso que apresentam desafios significativos.
A arquitetura moderna da MEAC foi concebida intrinsecamente ligando funcionalidade
e à estética minimalista da época. Sua disposição espacial, o uso de materiais contemporâneos
e a integração da luz natural não apenas refletiam os avanços da arquitetura, mas também
buscavam proporcionar um ambiente favorável para o atendimento médico e o conforto das
pacientes. A estrutura, erguida com base em preceitos modernistas, enfrenta agora o desafio
de incorporar as inovações médicas atuais sem comprometer suas características originais.
De acordo com Taralli, Campêlo e Freitas (2010), a estrutura do edifício exibe
características da arquitetura moderna dotada de volumetria de linhas retas, projetada com
uma modulação estrutural de 6,00 m, que destaca uma estrutura independente; a organização
em setores funcionais, visível no arranjo espacial do edifício, culmina na forma arquitetônica
criada pela união de um volume prismático frontal de quatro pavimentos, dedicado à internação
e administração. Esse volume é complementado por um bloco horizontal adjacente, onde
serviços de apoio e logística eram acomodados. As amplas aberturas envidraçadas com painéis
de vedação em madeira (do tipo guilhotina) e os materiais empregados são adequados ao clima
local, e sua disposição volumétrica enriquece a paisagem, destacando os princípios modernistas
que reforçam sua identidade e reconhecimento social.
A medicina contemporânea tem se desenvolvido em ritmo acelerado, com tecnologias
e abordagens terapêuticas em constante evolução. No entanto, a necessidade de adaptação às
exigências de cuidados de saúde e educação, assim como às avançadas tecnologias médicas (que
incluem equipamentos e instalações cada vez mais complexos) e sistemas de informação, com
a incorporação de novos regulamentos para abordar as questões de acessibilidade e segurança,
e a dependência de recursos financeiros para garantir seu pleno funcionamento, desencadeou
uma rápida obsolescência de suas instalações. Isso resultou em intervenções construtivas,
caracterizadas por reformas e expansões pontuais, que impactaram as características
modernistas originais do edifício, revelando a falta de diretrizes para orientar decisões de
projetos de intervenção nesse tipo de arquitetura. Cada modificação carrega consigo o desafio
de preservar a integridade arquitetônica da estrutura, evitando descaracterizações que possam
comprometer sua identidade histórica.
O dilema central reside na busca pelo equilíbrio entre conservação e atualização. A
preservação rigorosa da arquitetura moderna pode limitar a capacidade da MEAC de se adequar
às necessidades médicas atuais, enquanto uma modernização excessiva corre o risco de apagar
os traços distintivos e históricos do edifício. É crucial estabelecer diretrizes claras para
intervenções arquitetônicas, mantendo o foco na compatibilidade com os princípios
modernistas originais. Além disso, a preservação da memória e identidade da instituição pode

55
ser uma fonte de inspiração para os profissionais de saúde e pacientes, reforçando a missão e a
história da maternidade.
O edifício antigo de valor histórico, ou o sítio histórico, requerem intervenções,
obviamente com a necessidade de mantê-los aptos a abrigar as atividades humanas nos moldes
atuais, que garantam a manutenção dos suportes das representações que atribuem a eles o
específico valor. Há que salientar, aqui, que toda adequação de espaços preexistentes a novos
usos tem limitações que esses mesmos espaços impõem, na medida em que, muitas vezes, não
podem ser alterados. (BRAGA, 2003)
A falta de práticas sistemáticas de conservação e manutenção preventiva em
edificações contribui significativamente para a deterioração ao longo do tempo. Esse descuido
pode resultar em patologias complexas, que frequentemente comprometem a possibilidade de
restaurar as características originais da estrutura. A negligência na implementação de medidas
preventivas torna-se um fator determinante para a perda do valor histórico e arquitetônico da
edificação, destacando a importância da atenção constante à manutenção para evitar a
degradação irreparável.
A conservação e o reuso da MEAC enfrentam desafios relacionados à gestão de
recursos financeiros e à sustentabilidade. A manutenção de uma estrutura histórica requer
investimentos contínuos para preservar sua integridade estrutural e estética. A discussão sobre
as complexidades envolvidas na preservação de um edifício modernista na área da saúde busca
por soluções criativas de reuso, como a adaptação de espaços sem comprometer sua estrutura
inicial, buscando fornecer alternativas para a modernização do patrimônio arquitetônico, e ir
além da restauração puramente estrutural. Isso se deve à necessidade de atender às obrigações
sociais de oferecer assistência à população e treinar profissionais, o que justifica a manutenção
do edifício para sua função original.
Em última análise, o dilema entre conservação e modernização na MEAC reflete um
desafio global enfrentado por instituições históricas de saúde, onde pode ser manifestado
através da sugestão de diretrizes para orientar procedimentos relacionados à utilização e
manutenção do edifício, bem como na formulação de estratégias de gestão e na elaboração de
planos de manutenção preventiva para a edificação.
Encontrar o ponto ideal que preserve a herança arquitetônica enquanto incorpora
avanços médicos é uma jornada complexa, que exige uma abordagem multidisciplinar,
envolvendo arquitetos, médicos, administradores e preservacionistas. A MEAC é um
testemunho vivo de uma era e de um ideal, e a busca pelo equilíbrio entre tradição e progresso,
continuará a moldar a narrativa da maternidade e sua contribuição para a saúde pública.

CONCLUSÃO

Considerando todo o processo histórico da Maternidade-Escola Assis Chateaubriand


(MEAC), é possível identificar o seu protagonismo no Estado do Ceará tanto para o avanço no
suporte da mulher durante o seu período reprodutivo, como no ensino da medicina ao longo
dos anos. Essa atenção social impacta diretamente na promoção da saúde da mulher, no
desenvolvimento dos recém-nascidos como também na redução da mortalidade infantil e na
ampliação de uma camada de profissionais de saúde da área no Ceará.

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Além do valor estético, a preservação da MEAC carrega uma dimensão emocional e
educacional. A história do edifício reflete conquistas médicas passadas e inspira profissionais de
saúde e pacientes, conectando-os ao passado enquanto enfrentam desafios do presente.
A busca por um ponto intermediário entre a tradição e o progresso continuará a forjar novas
abordagens multidisciplinares, unindo profissionais de arquitetura, medicina e preservação. A
busca por essa harmonia ressoará ao longo das gerações, enriquecendo a narrativa da
maternidade e sua valiosa contribuição à saúde pública.
Em um cenário onde a modernização da medicina avança a passos largos, a
preservação da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) emerge como uma missão
crucial. O legado arquitetônico da MEAC é uma cápsula do tempo, representando tanto a visão
pioneira da medicina contemporânea quanto a estética vanguardista da arquitetura moderna.
Contudo, o dilema instigante entre a evolução médica e a conservação arquitetônica coloca em
evidência a necessidade de um equilíbrio cuidadoso.

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Chateaubriand: A percepção dos atuais gestores. Dissertação (Mestrado profissional em Políticas Públicas e Gestão
da Educação Superior). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010.

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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(x) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

A RUA, A PRAÇA, O LABIRINTO

THE STREET, THE SQUARE, THE LABYRINTH

Giovana Diniz Giosa Lippi


Mestranda no Programa de Pós Graduação de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil
giovanagiosa@gmail.com

Igor Guatelli
Professor Doutor, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil
Igor.guatelli@mackenzie.br

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RESUMO
E se, ao pensar em infraestruturas urbanas, deixássemos de restringir seu entendimento mais direto às obras de
grande porte - viadutos, aeroportos e ferrovias – e pensássemos em outros entrelaçamentos necessários à qualidade
de vida urbana? Seriam também, espaços infra estruturais, aqueles que provocam coletividades e possibilitam a
invenção cotidiana? A partir de cruzamentos entre o projeto do Sesc Pompeia, da arquiteta Lina Bo Bardi, e da
instalação artística Leviathan realizada por Anish Kapoor no Grand Palais de Paris, pretende-se discutir como esses
projetos possibilitam novas, e inesperadas, formas de explorar e interagir com o espaço, agindo assim, como
elementos infra estruturais. Constantemente em atualização, Sesc Pompeia e Grand Palais, cada um em seu contexto
histórico, são espaços com a capacidade de absorver exterioridades e reinventar-se, como uma espécie de
palimpsesto urbano. São arquiteturas que agem como suportes para contaminação externas, são receptáculos,
espaços gestacionais, à espera do porvir. Espaços flexíveis, que se esquivam de logicas engessadas e dominantes,
tornam-se então, capazes de responder a seu tempo e assimilar às exterioridades sem assumir uma identidade única.
Obras dotadas de uma espessura simbólica, mas que estão em constante atualização, contaminadas pelo presente,
mantendo rastros do passado.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura. Arte. Coletividade. Labirinto.

ABSTRACT
What if, when thinking about urban infrastructure, we stopped restricting its more direct understanding to large-scale
works - viaducts, airports and railways - and thought of other interweavings necessary for the quality of urban life?
Would they also be infrastructural spaces, those that provoke collectivities and make everyday invention possible?
Based on intersections between the Sesc Pompeia project, by architect Lina Bo Bardi, and the Leviathan art installation
by Anish Kapoor at the Grand Palais in Paris, the aim is to discuss how these projects enable new, and unexpected,
ways of exploring and interacting with space, thus acting as infrastructural elements. Constantly being updated, Sesc
Pompeia and Grand Palais, each in its own historical context, are spaces with the ability to absorb externalities and
reinvent themselves, as a kind of urban palimpsest. They are architectures that act as supports for external
contamination, they are receptacles, gestational spaces, waiting for the future. Flexible spaces, which dodge rigid and
dominant logics, then become capable of responding to their time and assimilating externalities without assuming a
single identity. Works endowed with a symbolic thickness, but which are constantly updated, contaminated by the
present, keeping traces of the past.

KEYWORDS: Architecture. Art. Collectivity. Labyrinth.

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Introdução

O artigo pretende explorar possíveis imbricamentos nos espaços. Entender a rua, a


praça e o labirinto não apenas pela sua estrutura dominante, mas como um território esvaziado,
aberto à possibilidade de tornar-se um outro, pode ser um caminho possível para a disrupção
de logicas segregacionistas do território. Emaranhamentos que surgem a partir de articulações
não axiomáticas provocam brechas para o aparecimento de fendas, fissuras na unidade, que
trazem a perspectiva de uma heterogeneização do espaço. “Disjuntiva, a fenda atormenta o
uno, o absoluto, ao dividi-lo, ao mesmo tempo que garante a relação entre as partes, nem
autônomas, nem fundidas, disjuntas” (GUATELLI, 2020).
Ao levarmos esse conceito para a arquitetura, esse trabalho de desarticulação daquilo
que se encontra aparentemente solidificado possibilitaria uma multiplicação de sentidos, e
consequentemente, o surgimento de outras formas de apropriação dos espaços. As obras a
serem analisadas compartilham da noção de vincular elementos heterogêneos, trabalhar com a
contaminação de campos, provocando uma certa caotização. O labirinto aparece aqui em
referência a esse espaço do caos, da desordem. Dentro do labirinto estamos perdidos, não há
uma perspectiva de telos, o que existe é o instante, torna-se necessário concentrar os esforços
no percurso. Somos intimados à participação. No labirinto, um emaranhado de caminhos
possíveis se sobrepõem, rompendo a linha mestra. Os caminhos não vão de um ponto a outro,
mas se atravessam, por vezes, de maneira imprevista. Do imprevisível emana a possibilidade de
encontros fortuitos, encontros ocasionais, acidentais.
Procurou-se explorar esse processo de emaranhamento de sentidos a partir da
internalização de ruas e praças nas cidades, que, ao estarem articuladas a outras logicas, passam
por deformações semânticas, e consequentemente, recebem novos e inesperados usos. Nesse
contexto, ruas e praças tornam-se labirintos, verdadeiras miscelâneas, receptáculos para o
heterogêneo.
Ao pensar a arquitetura como suportes para contaminações externas nos deparamos
com a possibilidade do espaço se tornar flexível. Espaços que se esquivam de logicas engessadas
e dominantes, tornam-se então, capazes de responder a seu tempo e assimilar às exterioridades
sem assumir uma identidade única.

1. Considerações históricas

Segundo Benevolo,

A cidade – local de estabelecimento aparelhado, diferenciado e ao mesmo tempo


privilegiado, sede da autoridade - nasce da aldeia, mas não é apenas uma aldeia que
cresceu. Ela se forma quando as indústrias e os serviços já não são mais executados
pelas pessoas que cultivam a terra, mas por outras que não têm esta obrigação, e que
são mantidas pelas primeiras com o excedente do produto total. (BENEVOLO, 2012,
p.23)

O arquiteto e historiador refere-se ao período da história onde os avanços tecnológicos,


a Revolução Industrial e posteriormente a mecanização das fabricas, acarretam profundas
modificações na urbe, que abrigará a sociedade moderna. Concomitantemente, as ruas das
cidades também se transformavam ao longo dos séculos. Faz-se necessário uma pequena

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digressão histórica para contextualizar o processo de interiorização das ruas e praças nas cidades
modernas.
Partimos do pressuposto que a rua é o espaço da cidade pertencente ao domínio
público, a rua representa o “fora”, é o lugar comum a todos. A rua é também o espaço vago da
cidade impregnado por rastros. Por funcionarem como vias de circulação, são constantemente
marcadas pelos que por ali transitam. Nas cidades antigas, as rodas das bigas e carruagens que
passavam pelas superfícies das ruas, deixavam sulcos. Daí a origem da palavra “rua”, que deriva
do latim “ruga”. Pensar a respeito da rugosidade nas cidades pode ser um caminho para
perceber sua complexidade. Deleuze e Guattari discorrem sobre o espaço liso e o espaço
estriado, como duas ciências opostas que se complementam, trabalham como “tensão-limite”.

O espaço liso e o espaço estriado, — o espaço nômade e o espaço sedentário, — o


espaço onde se desenvolve a máquina de guerra e o espaço instituído pelo aparelho
de Estado, — não são da mesma natureza. Por vezes podemos marcar uma oposição
simples entre os dois tipos de espaço. Outras vezes devemos indicar uma diferença
muito mais complexa, que faz com que os termos sucessivos das oposições
consideradas não coincidam inteiramente. Outras vezes ainda devemos lembrar que
os dois espaços só existem de fato graças às misturas entre si: o espaço liso não pára
de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o espaço estriado é
constantemente revertido, devolvido a um espaço liso. Num caso, organiza-se até
mesmo o deserto; no outro, o deserto se propaga e cresce; e os dois ao mesmo tempo.
(DELEUZE, GUATTARI, 1997, p.147-148)

Podemos entender as rugas como estrias que marcam o território. São resultantes da
permanência, codificações que se desenvolvem em função dos agenciamentos que acontecem
no território. Espaços hiper-controlados, ou seja, muito codificados, tornam-se hiper-estriados,
o que pode acabar engessando formas de acontecimento espontâneas. Deleuze e Guattari
tomam de exemplo as tramas do tecido comum em malha e das do feltro. Enquanto a primeira
se dá por uma composição cartesiana e ordenada, a segunda é um emaranhado de diferentes
tipos de fibras e fios, obtido pela prensagem. A malha representaria o espaço estriado, e o feltro
o espaço liso. Tem-se ainda, o patchwork, um imbricamento possível dessas duas tipologias.
Seria como a colcha de retalhos, que sobrepõe pedaço por pedaço, sem um motivo ou tipologia
central, propõe acréscimos de tecido sucessíveis e infinitos. Pesar a cidade como um patchwork
é enxergá-la como um espaço liso e estriado ao mesmo tempo. Espaço das passagens, dos
encontros ocasionais, efêmeros e fortuitos, mas também o lugar da morada, da permanência.
Um espaço marcado pela história, mas livre o suficiente para receber o estrangeiro, o que vem
de fora. Para Deleuze e Guattari, “mesmo a cidade mais estriada secreta espaços lisos: habitar
a cidade como nômade, ou troglodita. Às vezes bastam movimentos, de velocidade ou de
lentidão, para recriar um espaço liso” (DELEUZE, GUATTARI, 1997, p.189).
Mas as rugas também são as marcas do tempo. A cidade, como uma espécie de
palimpsesto urbano, acumula temporalidades, que se sobrepõem de forma não linear. Há
rastros do passado no presente assim como conjecturas de futuro. Como nas fotografias de
Michael Wesely1, que captura o tempo não estático, as cidades estão impregnadas de

1Referimo-nos às fotografias que o artista fez deixando o obturador aberto por vários meses. Nessas fotografias, os
edifícios em construção e as pessoas em movimento formam rastros e borrões, enquanto as estruturas estáveis
aparecem mais nítidas. Ver fotografias da Potzdamer Platz, Michael Wesely.

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temporalidades e acontecimentos. Rastros transfiguram o espaço, que, por sua vez, passa por
processos de desterritorialização e reterritorialização permanentes.
E é nesse contexto das sobreposições que o ambiente urbano acontece. A cidade, como
um emaranhado de infraestruturas – hospitais, universidades, transporte, vigilância – goza
também de um importante caráter social. Se se trabalha muito, por outro lado pode-se desfrutar
numerosos dias festivos. Nas palavras de Jacques Le Goff “a cidade concentra também os
prazeres, os da festa, os dos diálogos na rua, nas tabernas, nas escolas, nas igrejas e mesmo nos
cemitérios” (LE GOFF, 1998, p.25). Ela acontece como uma concentração de criatividades.
Seguiremos então com uma breve evolução histórica das ruas e praças nas cidades. As
ruas na antiguidade eram descontinuas, semelhantes a um corredor (BENEVOLO, 1995).
Estreitas e labirínticas cumpriam o papel de articulação entre o espaço público e privado,
servindo de acesso às residências. Espaços abertos, como as praças, ainda eram escassos nas
cidades. Ruas de comercio especializado não existiam, portanto não havia separação entre casa
e trabalho. Os comerciantes montavam suas bancas em frente às suas casas, onde os artesãos
expunham mercadorias. Posteriormente, essas bancas ganhariam caráter permanente e passam
a ser incorporadas nas fachadas.
De um modo geral, os registros das civilizações mesopotâmicas demonstram elementos
que começam a caracterizar a rua como espaço de articulação na cidade, espaço de acessos e
trocas sociais, mas foi na civilização grega que o desenvolvimento da polis e da política das
cidades toma novas proporções. Segundo Paul Zucker, as antigas civilizações não tiveram
condições políticas, sociais e psicológicas para criar a necessidade de um lugar de encontro
(ZUCKER,1959, p.26). A praça pública como espaço cívico surge no século V a.C., na civilização
grega. Sob o nome de Ágora, a primeira praça pública grega representou o principal lugar de
encontro na cidade, local onde cidadãos livres exerciam a cidadania. Essa noção de lugar cívico
estaria intimamente relacionada à liberdade de expressão, portanto foi no desenvolvimento do
modo de vida Grego, com sua concepção de Pólis, que a praça começa a se desenvolver.
Na Ágora grega e no Fórum Romano, a praça representou sobretudo o espaço das
manifestações políticas. Já nas cidades medievais e renascentistas, nas palavras de Le Goff “a
praça pública muda de estatuto” (LE GOFF, 1998, p.10), e o mercado, por sua vez, resgata a
tradição do fórum, assim, o comercio se torna peça estruturante das praças e suas adjacências.
Segundo Ferrara, na “Idade Média, praça era entendida não só como o marco zero da cidade,
mas sobretudo como seu micromodelo, centro de operações e decisões; vivê-la era participar da
vida urbana” (FERRARA, 1993, p.201). A partir dos comportamentos sociais da cultura medieval
e renascentista, o filosofo e historiador russo Mikhail Bakhtin enfatiza a importância da praça
pública como espaço popular da cidade. “A praça pública era o ponto de convergência de tudo
que não era oficial, de certa forma gozava de um direito de “exterioridade” no mundo da ordem
e da ideologia oficiais” (BAKHTIN, 1987, p.132). Enquanto a rua se torna cada vez mais local de
circulação, a praça se dá, portanto, como o espaço vazio da congregação nas cidades.
Com o crescimento dos centros urbanos no século XIX a cidades passam por processos
intensos de modernização. Amplamente discutidas, as reformas de Hausmann a partir de 1850
em Paris são de grande importância para discutir a paisagem urbana que se conformava naquela
época. As instalações de fabricas e novos equipamentos industriais determinaram uma
reorganização urbana levada ao extremo pelos interesses do capital. Junto com o crescimento
urbano surgem os discursos sanitaristas com o intuito de conter doenças e sanear as cidades.
Em Paris, o então prefeito Georges-Eugène Haussmann rasgava a cidade com generosas linhas

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retas que permitiam o tráfego fluir pelo centro da cidade e facilitava o controle e policiamento
em meio ao caos urbano. Nesse período, os boulevards e grandes avenidas foram feitos em
massa. Em “Paris, capital da modernidade”, David Harvey pressupõe que grande parte dos feitos
de Haussmann já existiam de forma embrionária nas décadas de 1830 e 1840, a partir de
propostas socialistas utópicas dos saint-simonianos e fourierianos 2. Segundo Harvey,
“Haussmann adotou ideias dos planos que os seguidores dos socialistas utópicos Charles Fourier
e Saint-Simon haviam debatido na década de 1840 para remodelar Paris, mas com uma grande
diferença: ele transformou a escala em que o processo urbano foi imaginado.” (HARVEY, 2015,
p.118)
Dos pensamentos utópicos para a cidade de Paris, anteriores a Haussmann, surgiram
uma série de artigos sobre a necessidade de reorganizar o espaço interno da cidade, espaços
esses que se tornariam o principal cenario das flaneries. As galerias cobertas ou passages
couverts de Paris começaram a surgir no final do século XVIII e início do século XIX em
consequência do desenvolvimento da indústria têxtil, que impulsionou o comercio. A primeira
galeria coberta em Paris foi a Passage des Panoramas, que foi inaugurada em 1799. A partir daí
várias outras passagens cobertas começaram a ser construídas na cidade, principalmente nas
décadas de 1800 e 1830. Grande parte delas tinham origem no pensamento dos saint-
simonianos.
Pensador utópico do século XIX, Saint-Simon acreditava que através da infraestrutura
de circulação - de pessoas e mercadorias - seria possível melhorar a distribuição de riquezas, e
assim, transformar a sociedade. Com a expansão das ferrovias em Paris, a cidade tem um
aumento significativo de população. Os deslocamentos na cidade, inclusive entre as estações,
são insuficientes. Os saint-simonianos começam a propor então, de forma cirúrgica e pontual,
pequenas passagens que facilitariam esses acessos, abreviariam caminhos. É nesse sentido que
Harvey insinua que as propostas de Haussmann continham um rastro do pensamento saint-
simoniano. Acontece que Haussmann leva ao extremo esse ideal, rasgando a cidade de Paris por
completo com seus grandes boulevards. Nesse momento se dá a realização plena da cidade
burguesa, acarretando na gentrificação e elitização de Paris.

2Saint-Simon e Charles Fourier foram precursores do socialismo utópico desenvolvido no século XIX que tinha como
principal objetivo a criação de uma sociedade ideal, mais justa e igualitária. Essas ideias surgiram com o aumento dos
problemas sociais acarretados pela Revolução Industrial.

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Figura 1 – Passage Du Caire, Paris, 1926. Figura 2 - Passage des Panoramas, Paris.

Figura 1- Fonte: https://teoriadoespacourbano.wordpress.com/2013/03/12/i-fourier-ou-as-passagens/


Figura 2 – Fonte: https://parisjetaime.com/eng/culture/passage-des-panoramas-p1582

Charles Fourier viu nas “ruas-galerias” a possibilidade de integração entre as várias


partes de Paris e, portanto, das diferentes classes sociais. O fato de as passagens poderem
abrigar, em um mesmo espaço, todo tipo de estabelecimento comercial ou artístico, fez com
que lhe parecessem sistemas autossuficientes, assim como os falanstérios defendidos por ele.
As galerias passam então a ressignificar o espaço íntimo da cidade.

As galerias, uma nova descoberta do luxo industrial — diz um guia ilustrado de Paris
de 1852 — são caminhos cobertos de vidro e revestidos de mármore. De ambos os
lados dessas vias se estendem os mais elegantes estabelecimentos comerciais, de
modo que uma de tais passagens é como uma cidade, um mundo em miniatura. Nesse
mundo o flâneur está em casa. (BENJAMIN, 2006, p.36)

Flâneur, o termo cunhado por Charles Baudelaire, tornou-se modelo do caminhante


moderno. Com o crescimento das cidades modernas, a contemplação voltou-se aos fenômenos
urbanos, assim, a figura do flâneur não existe sem o plano da cidade moderna. Essa figura irá
influenciar os situacionistas um século depois, com a Teoria da Deriva de Guy Debord que
abordarmos mais à frente. Na visão baudelairiana, o flâneur é um observador curioso, um
caminhante vago. Baudelaire apresenta um retrato do flâneur como o artista-poeta da
metrópole moderna:
A multidão é seu universo, como o ar é o dos pássaros, como a água, o dos peixes. Sua
paixão e profissão é desposar a multidão. Para o perfeito flâneur, para o observador
apaixonado, é um imenso júbilo fixar residência no numeroso, no ondulante, no
movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa
onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer
oculto ao mundo, eis alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes,
apaixonados, imparciais que a linguagem não pode definir senão toscamente.
(BAUDELAIRE, 1996, p.21)

Segundo Benjamin, “a flanerie dificilmente poderia ter-se desenvolvido em toda a sua


plenitude sem as galerias." (BENJAMIN, 2006, p.35) A figura do flâneur se desenvolve ao mesmo

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tempo que as grandes cidades se modernizam, o flâneur deixa-se fascinar pela modernização e
ambiguamente, reage a ela. “Contra a velocidade imposta pela modernidade positivista, o
flâneur traz a questão da lentidão e também da ociosidade” (JACQUES, 2012, p.49).
Com as passagens cobertas, percebemos as ruas se internalizando nas cidades. No
entanto a figura das praças também passa por uma espécie de internalização durante as
reformas feitas por Haussmann, a exemplo dos grandes espaços que serviram para abrigar as
Exposições Universais. O Palacio da Industria de Paris, que posteriormente deu lugar ao Grand
Palais foi fruto de uma das grandes demolições de antigas áreas urbanas que deram lugar a
novas avenidas, praças e edifícios públicos. Construído para exibir as realizações industriais na
França na Exposição Universal de 1855 de forma temporária foi substituído posteriormente pelo
Grand Palais, para a Exposição Universal de 1900. O Grand Palais abrigou em sua grande praça
interna várias exposições ao longo dos anos, atraindo flâneurs e amantes da cultura para a área
ao redor do palácio.

Figura 3 - Palais de l'Industrie, Paris. Figura 4 – Grand Palais, Paris, 1900.

Figura 3 – Fonte: Ilustração de Mary Evans Picture Library. https://fineartamerica.com/featured/-palais-de-


lindustrie-grand-palais-mary-evans-picture-library.html
Figura 4 – Fonte: Ilustração de Mary Evans Picture Library. https://fineartamerica.com/featured/the-grand-
palais-at-the-paris-1900-mary-evans-picture-library.html

2. Experiencias labirínticas
Diz-se que um labirinto é múltiplo, etimologicamente, porque tem muitas dobras. O
múltiplo é não só o que tem muitas partes, mas o que é dobrado de muitas maneiras.
(DELEUZE, 1991, p.13)

Dentro e à margem de um macro território, as passagens cobertas de Paris criam


territorialidades intersticiais, sugerem novas rotas possíveis de se percorrer a cidade. Ao
conectarem pontos para além de uma racionalidade logica, configuram-se como circuitos
alternativos e possibilitam desvios de rota. Esses desvios convidam o usuário a experimentar a
cidade de outras maneiras, assim, pulverizados pela cidade, se encontram outros percursos
possíveis. O destino passa a ser menos relevante que o percurso, que permitem descobertas
imprevistas, descobertas que acontecem ao perder-se pela caminhada.
À essa dinâmica de percorrer o espaço poderíamos associar a estrutura não axial dos
labirintos. O labirinto promove um desajuste do estado inerte do indivíduo, provoca incomodo
pela perda de sentido e junto a isso o anseio e o prazer em desvelá-lo. O labirinto exige,
portanto, o envolvimento do usuário com o lugar. A experiencia labiríntica relaciona-se ao ato

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de ver e, sobretudo, pensar. O labirinto questiona a visão como elemento dominante, opõe-se
ao espaço cartesiano, e se desenrola como espaço “dobrado”.
No labirinto, os caminhos se multiplicam, a linearidade torna-se instável ao se
desenrolar em infinitas dobras, infinitas possibilidades. Dessas dobras ampliam-se também a
quantidade de espaço a ser percorrido, num mesmo espaço. Deleuze explora o conceito de
dobra (em francês pli) a partir da interpretação de Leibniz do barroco. Os conceitos vinculados
a cultura barroca estão atrelados, muitas vezes, a questão do movimento como princípio
fundamental do mundo e dos homens. O barroco trabalha com o disforme através das dobras,
que torna a obra mais complexa e menos compreensível. As dobras confundem a visão nítida e
ordenada. Deleuze aborda a dobra em seu sentido ambíguo de ser interior e exterior
simultaneamente. “O lado de fora não é um limite fixo, mas uma matéria móvel, animada de
movimentos peristálticos, e dobras que constituem um lado de dentro: nada além do lado de
fora, mas exatamente o lado de dentro do lado de fora” (DELEUZE, 1998, p.104). No campo da
arquitetura, Peter Eisenman, por exemplo, usa o conceito de dobra de Deleuze como proposta
para uma configuração de espaço que se desvinculasse do par “sujeito/quatro-paredes”
(NESBITT, 2006). Esse espaço dobrado que Eisenman se refere é configurado, por exemplo, na
tira de Moebius, onde, em uma continuidade ininterrupta, o dentro e o fora coexistem. A dobra
articularia uma outra situação de figura-fundo, dentro-fora, que alteraria o espaço tradicional
da visão e traria o usuário para uma experiencia afetiva.
O flâneur vivenciado nas passagens da cidade viria a ser revisitado e reformulado por
um grupo de artistas ativistas, a Internacional Situacionista (IS), que tensionavam a questão da
participação, e lutavam contra a cultura do espetáculo que emergia, principalmente em Paris. O
grupo, que derivou de influências dadaístas e surrealistas, julgava que a solução para fugir da
espetacularização era a participação ativa dos indivíduos.
Com ideias que pretendiam transformar a cidade em um ambiente criativo, em que o
indivíduo fosse responsável por “criar situações”, a IS idealizava a busca por um ambiente
cotidiano mais sensível, que envolvesse os usuários em uma experiencia afetiva lúdica. “Trata-
se de atingir, para além do utilitário imediato, um meio ambiente funcional apaixonante” (IS in.
JACQUES, 2003). Os situacionistas desejavam que o ambiente urbano se tornasse palco para um
jogo de participação. O labirinto, por sua vez, era uma referência ideológica forte para o
pensamento situacionista, que instigava a uma experiencia baseada no vagar, em trajetos e
caminhos de um espaço rizomático 3.
Guy Debord, em seu texto-manifesto de 1958, a Teoria da Deriva, propunha caminhadas
que se deixariam levar pelo relevo psicogeográfico4 da cidade.

“Uma ou várias pessoas que se lançam à deriva renunciam, durante um tempo mais
ou menos longo, os motivos para deslocar-se ou atuar normalmente em suas relações,
trabalhos e entretenimentos próprios de si, para deixar-se levar pelas solicitações do
terreno e os encontros que a ele corresponde.” (DEBORD in. JACQUES, 2003, p.87)

3 Deleuze e Guattari utilizam-se do rizoma para abordar formas de organização não lineares, não hierárquicas e
abertas a múltiplas possibilidades. Estruturas rizomática contrastam com a estrutura arborescente, em favor de uma
abordagem fluida e flexível. O rizoma caracteriza-se pela multiplicidade de conexões e caminhos possíveis. “Qualquer
ponto do rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam
um ponto ou uma ordem” (DELEUZE, GUATTARI, 1995. p.15)
4 A psicogeografia é a exploração de ambientes urbanos voltada para a leitura do espaço a partir do método da deriva.

Enfatiza-se as relações interpessoais com lugares e rotas arbitrarias caracterizado pelo vagar sem rumo interagindo e
reconhecendo os elementos que estão disposto ao redor do indivíduo.

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A deriva se opõe às noções clássicas de passeio e viagem à medida que extrapola limites
geográficos oficiais, dados por um mapa, por exemplo, as divisões entre bairros e zoneamento
da cidade. Debord propõe um jogar-se no espaço para criar e, sobretudo, reconhecer
“situações”. A cidade seria desconfigurada e reconfigurada a partir do caminhar e do jogo que
se estabelece entre o corpo, os sentidos e o espaço. Através do comportamento “lúdico-
construtivo”, a deriva impulsiona a busca de uma experiencia sensível. Segundo a IS, “a
construção de situações será a realização contínua de um grande jogo deliberadamente
escolhido”.
O jogo, no contexto situacionista, é desprovido de caráter competitivo a favor do
simples brincar pelo prazer. Declaradamente influenciados por Huizinga, os situacionistas
propõem o resgate do homo ludens. Para Huizinga, o jogo “introduz na confusão da vida e na
imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada” (HUIZINGA, 1971). Jogar-se, nesse
sentido, é ter um momento de loucura, um salto no vazio. Entende-se o jogo como um
ornamento, de função vital, que “satisfaz todo o tipo de ideal comunitários”.

No que diz respeito às características formais do jogo, todos os observadores dão


grande ênfase ao fato de ser ele desinteressado. Visto que não pertence à vida
"comum", ele se situa fora do mecanismo de satisfação imediata das necessidades e
dos desejos e, pelo contrário, interrompe este mecanismo. Ele se insinua como
atividade temporária, que tem uma finalidade autônoma e se realiza tendo em vista
uma satisfação que consiste nessa própria realização. É pelo menos assim que, em
primeira instância, o ele se nos apresenta: como um intervalo em nossa vida
quotidiana. (HUIZINGA, 1971)

A proximidade de ideias dos situacionistas com os tropicalistas é clara. Helio Oiticica


chega a falar em “instaurações situacionais”. A deriva de Debord está em diálogo com o Delirium
Ambulatorium de Oiticica. Por Delirium Ambulatorium5, Oiticica designava uma prática do andar
como prática estética.
O delírio ambulatório é um delírio concreto. Quando eu ando ou proponho que as
pessoas andem dentro de um Penetrável com areia e pedrinhas estou sintetizando a
minha experiência da descoberta da rua através do andar, do detalhe síntese do
andar. [...] Todos os pedaços do Rio de Janeiro têm para mim um significado concreto
e vivo, um significado que era essa coisa que eu chamo de “delírio concreto”.
(JACQUES, 2022, p.10)

Segundo Paola Jacques, “Situacionistas e tropicalistas tinham em comum a questão da


participação contra o espetáculo, sobretudo Debord e Oiticica: o primeiro propunha a
transformação dos espectadores em vivenciadores, e o segundo em participadores” (JACQUES,
2022, p.20). Ambos buscavam criar condições para o exercício da liberdade. Assim como as
experiencias labirínticas, as errâncias urbanas propostas por eles seguem a lógica do desvio, um
desvio ativo e desperto, que intensifica o processo de interação sensível6 entre espaço e usuário.

5 Em 1978, Helio Oiticica utiliza a expressão pela primeira vez, no evento Mitos Vadios, organizado pelo artista Ivald
Granato.
6 A ideia de coprodução relaciona-se com o que Jacques Rancière denomina de partilha do sensível. Rancière define

a “partilha do sensível” como o “sistema de evidencias sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência do comum
e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo
tempo, um comum partilhado e partes exclusivas”. Segundo Rancière, a atitude do indivíduo no espaço permite a ele

67
3. A rua, a praça e o labirinto no Sesc Pompeia

A antiga fábrica de tambores dos Irmãos Mauser, construída em 1935, seria o cenario
da nova instalação do Sesc. Em 1973, o Sesc adquiriu o complexo, e como prática corrente da
organização, começaram a usar o espaço de forma improvisada, promovendo atividades
culturais e esportivas naquele espaço (FERRAZ, 2008). Foi nesse contexto que a arquiteta Lina
Bo Bardi se deparou com o local, e reconheceu a “situação” que ali existia. As cenas que Bo Bardi
relata sobre suas visitas ao espaço das antigas fabricas revelam um espaço já livremente
escolhido para o lazer. Sua preocupação foi manter aquele espírito e potencializá-lo,
multiplicando as possibilidades de jogo e vida coletiva já existente:

Crianças corriam, jovens jogavam futebol debaixo da chuva que caia dos telhados
rachados, rindo com os chutes da bola na água. As mães preparavam churrasquinhos
e sanduiches na entrada da rua Clelia; um teatrinho de bonecos funcionava perto da
mesma, cheio de crianças. Pensei: isto tudo deve continuar assim, com toda essa
alegria. Voltei muitas vezes, aos sábados e domingos, até fixar claramente aquelas
alegres cenas populares. (BO BARDI in. FERRAZ 1993, p.220)

A rua interna do complexo, claramente já havia se transformado de lugar de passagem


a espaço de convívio. O projeto nasce então, do movimento de deriva entre os galpões fabris,
que Bo Bardi reconhece, intensifica e extrapola para as áreas internas dos edifícios. Percebe-se
uma intenção nas obras de Lina Bo Bardi em cuidar dos espaços intermediários, de tal forma que
os espaços de conexão sofrem uma espécie de dilatação e deixam de ser apenas locais que
conectam um lugar ao outro para se tornarem lugar de ocasiões (OLIVEIRA, 2006, p.163). Assim
acontece por exemplo no vão livre do Masp. Devemos nos recordar que o térreo esvaziado do
Masp também é o tensionamento dos pisos inferior e superior, espaço que os conecta. Nesse
espaço de articulação surge o grande belvedere, que Bo Bardi oferece à cidade, como um vazio
impregnado de possibilidades.
A mesma estratégia está presente no Sesc. Ali, a rua interna que distribui e faz as
conexões do programa ao longo do complexo passa a constituir um lugar por si só. Como
prolongamento da rua interna, um generoso deck de madeira é proposto sobre a área não
edificável, que interliga com o acesso lateral do complexo e dá acesso a torre esportiva. Sem uma
finalidade explicita, o deck transforma-se em praia urbana e é palco para os mais diversos usos.
Crianças brincam com baldes de água e mangueiras, outros esticam suas toalhas para pegar um
pouco de sol. O mesmo gesto acontece com as passarelas que conectam as duas torres do
edifício. Sobre a área não edificável, a arquiteta projeta passarelas aéreas e, novamente, entrega
esse espaço de articulação às pessoas. As passarelas adjacentes às quadras e ao ginásio se
tornam extensão do edifício. Muito além da conexão entre as torres, esse espaço torna-se um
mirante para a cidade e um agradável espaço onde se pode conviver entre uma partida e outra
dos jogos. Até mesmo a gárgula, elemento de transição das águas pluviais se transforma em
evento: uma grande cachoeira para os dias quentes. A obra de Bo Bardi, muito além da
formalidade estética, está preocupada com as pessoas. É uma arquitetura que se entrega ao
público.

reorientar seus sentidos no intento de inserir a si mesmo em uma reconfiguração do sensível, que é sua própria
criação.

68
Figura 5 – Passarelas Sesc Pompeia Figura 6 – Deck Sesc Pompeia

Figura 5 – Fonte: Markus Lanz, https://www.flickr.com/photos/videobrasil/24593580068/


Figura 6 – Fonte: Igor Guatelli

Essas “ruas”, cheias de vida, caracterizam o Sesc, assim como generosas praças,
espaços de congregação e deleite fazem-se presentes. A mais significativa delas: um grande
espaço de convívio que é abrigado sob os telhados da antiga fábrica. A estratégia parece simples,
Bo Bardi explica, “nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira”
(BO BARDI in. FERRAZ 1993, p.220). No espaço esvaziado do antigo galpão, a presença da água
e do fogo enfatizam seu desejo de devolver para aquele espaço o sentido de comunidade. São
intervenções que moldam o espaço com a intenção de subverter um ambiente originalmente
voltado para o labor por meio de elementos lúdicos. Numa escala reduzida, a praça se apresenta
também na lanchonete do bloco esportivo: com um grande balcão circular ao centro e bancos
periféricos. Festividade e informalidade são temas caros para a arquiteta, suas aquarelas para o
Sesc já traduziam esse espírito.
Talvez a presença mais forte da experiencia labiríntica, como expressão formal, se
apresente no Sesc nos ateliês. Aberto e fechado, grande e pequeno ao mesmo tempo: os ateliês
convertem-se em espaços dobrados. Uma série de paredes baixas serpenteiam o espaço aberto,
como um grande labirinto de experiencias. Diversas atividades acontecem, cada um em seu
núcleo, pulverizadas nesses espaços que reduzem a escala do galpão e a aproxima do corpo.
Segundo Oliveira,
a arquitetura de Aldo Van Eyck inspirará o lay-out dos ateliês do Sesc, onde todo o
espaço adquire uma circulação absolutamente fluida. Células conjugadas com paredes
a meia altura delimitam, sem dividir, as diferentes atividades ali realizadas: "muros-
labirinto” anota Lina em um dos croquis, numa referência direta à noção de "clareza
labiríntica" dos edifícios de Van Eyck. (OLIVEIRA, 2006, p.221)

A referência nesse caso é clara. Também labirínticos são os pequenos núcleos de leitura
da biblioteca e os mobiliários de madeira desenhados pela arquiteta para o Sesc. O mobiliário
solto funciona como pequenos módulos encaixáveis, que podem ser dispostos de acordo com a
ocasião, assim, podem conformar espaços que se abrem ou se fecham.

69
Figura 7 – Biblioteca Sesc Pompeia. Figura 8 – Ateliers Sesc Pompeia. Figura 9 – Mobiliário Sesc Pompeia.

Figura 7 – Fonte: Igor Guatelli


Figura 8 – Fonte: Nelson Kon
Figura 9 – Fonte: Acervo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. Sem crédito.
No entanto, o labirinto não se dá somente no aspecto formal. O conceito está
espalhado em pequenos “gestos” que envolvem a experiencia do usuário no espaço. O Sesc é
invadido por uma série de licenças poéticas. A começar pela rua principal, ladeada por canaletas
de escoamento de água, encontra-se o apelo ao tátil com os inúmeros seixos rolados que a
revestem. No espaço multiuso, o grande espelho d’água, faz homenagem ao principal rio do
Nordeste, o Rio São Francisco. Ao lado do riacho, uma lareira coletiva, elemento ancestral de
reunião dos povos. Flores de mandacaru fazem as vezes de guarda corpo no edifício esportivo.
Assim, ao longo do complexo, espalham-se tanto memorias da antiga fábrica como elementos
que se comunicam diretamente com público e simbolizam a vida cotidiana e doméstica naquele
lugar.
Como num labirinto não aprisionado, Bo Bardi instiga o usuário a percorrer o espaço e
descortinar essas pequenas surpresas. Um caminhar afetivo e lúdico que faz o usuário se
apropriar daquele local, como uma grande casa coletiva. Faz de cada lugar, um monte de lugares.
E assim Lina Bo Bardi constrói seu protótipo de cidade ideal, que ela denomina “cidadela”. Como
diria Van Eyck, “uma casa é uma cidade minúscula, uma cidade é uma enorme casa” (VAN EYCK,
1962, tradução nossa).

4. A rua, a praça e o labirinto no Leviathan

O Leviathan foi uma instalação criada por Anish Kapoor em 2011 para a exposição
“Monumenta” no Grand Palais, em Paris. Exposições como o “Monumenta” são exemplos de
programas voltados para ocupação de grandes espaços onde se propõe um imbricamento entre
a arquitetura do edifício existente e os projetos artísticos, fazendo com que os artistas
respondam à grande escala destes espaços. Como falado anteriormente o espaço construído
para a Exposição Universal de 1900, o Grand Palais foi espaço de flanerie da burguesia
parisiense, uma espécie de praça interiorizada.

70
Fig. 10 – Leviathan, Grand Palais, Paris. Fig. 11 – Leviathan, 2011. Fig.12 – interior do Leviathan, Paris.

Figura 10 - Fonte: https://anishkapoor.com/684/leviathan


Figura 11 - Fonte: Igor Guatelli
Figura 12 - Fonte: Plowy Didier, https://www.cnap.fr/leviathan

A instalação, que preenche grande parte da nave do Grand Palais, consiste em uma
imensa membrana vinílica inflada composta por quatro elipses conectadas. A resposta de
Kapoor à planta em cruz da nave do Grand Palais foi criar uma estrutura que segue a mesma
proposta formal do edifício, porém numa versão arredondada. É então, o próprio edifício que
dita a proposta volumétrica da obra. Kapoor propõe que a forma externa do Grand Palais se
interiorize, de tal forma que ao olhar os dois juntos, o entendimento do edifício existente a priori
se evidencialize.
O Leviathan, ao ocupar internamente o Grand Palais, suprime o espaço inicialmente
livre do edifício, ao mesmo tempo que sugere uma nova leitura espacial ao criar outras
espacialidades possíveis. A instalação de Kapoor subtrai espaço para criar espacialidade, ele
subtrai e adiciona ao mesmo tempo. É como o Kapoor preenchesse todo o espaço do Grand
Palais para [re]esculpir o vazio de uma outra maneira. Surge aqui, o espaço dobrado, o Grand
Palais sai do estado de praça livre e adquiri passagens, resultantes das fendas da membrana
vinílica que se transformam em pequenas “ruas”. Agora, o indivíduo precisa atravessar por entre
as fendas para desvelar o espaço, não revelado em sua totalidade a priori.
A instalação comprime o espaço existente, e ao comprimi-lo, surgem pontos de
intensidade, pequenos campos imantados onde os usuários se concentram. Esse espaço entre a
obra e o edifício é um espaço subvertido pela “obra dentro da obra” que dá origem a uma
espacialidade intermediaria. Ao espremer o vazio, criam-se interstícios. O interstício seria a
passagem a um outro a partir da dilaceração e dilatação do uno. Rasgar, romper e dividir o uno
em sua aparente integridade inviolável como condição para a aparição de outras logicas e
territórios ainda insondáveis.
É dessa maneira que o Grand Palais, com o Leviathan, tem sua lógica de praça
subvertida. Enquanto a praça original se transforma em espaço labiríntico, uma outra praça
manifesta-se dentro da instalação. Ao adentrar a grande membrana vinílica, encontra-se um
espaço sinestésico, um convite à experiencia coletiva. Em uma analogia com o corpo humano,
Kapoor denomina a instalação de “Breathing Object”, ou “objeto que respira” em tradução livre.
Ao adentrar no Leviathan, Kapoor nos convida a explorar um território desconhecido, sombrio.
Ali uma outra forma de vivência é experimentada, é como se estivéssemos em uma gestação
coletiva. “A escultura é uma imersão total numa dimensão física e mental inexplorada. Uma vez
que você está dentro, no balão gigante de 4 braços, a forma involuída lembra um espaço externo

71
orgânico e um eu interior ao mesmo tempo” (KAPOOR, 2011), diz Kapoor sobre a obra. Imersos
em uma bolha de cor vermelha intensa, o espaço parece ter sido gestado pelo Grand Palais.
Dentro do Leviathan, a superfície roxa vinílica se transforma em um vermelho vivo, pela
quantidade de luz que recebe. A espacialidade interna da instalação só ocorre na luz do dia, é
como se a obra morresse e renascesse a cada amanhecer, junto com o edifício. De fato, um
“objeto vivo”, que respira e se transforma através dos rastros do território que se insere. Assim,
a estrutura treliçada do edifício projeta sombras para dentro da instalação que se movem ao
longo do dia pela exposição solar. Imersos em uma outra espacialidade, porém ainda com
vestígios do Grand Palais, emerge uma relação paradoxal entre interior e exterior à obra. Ao
entrar na bolha estamos dentro e fora do Grand Palais simultaneamente.
Na mitologia grega, Leviathan, o monstro marinho de mil tentáculos, representa as
imprevisibilidades do oceano. Thomas Hobbes metaforiza o monstro ao relacioná-lo com o
estado soberano, onipresente. Paradoxalmente, o Leviathan oprime o Grand Palais e suprime a
ordem ao mesmo tempo, cria atritos, instaura algum caos. Ao entrar no grande monstro de
Kapoor, estamos imersos em uma outra dimensão, uma dimensão desconhecida e, portanto,
labiríntica. Dentro ou fora do Leviathan, estamos imersos no labirinto.

5. Outras considerações

Ao longo do artigo, deparamo-nos com espaços que não conduzem o usuário, pelo
contrário, são espaços esvaziados de sentidos, para serem preenchidos de vida. Obras que mais
provocam do que dirigem, abertas o suficiente para que os usuários se apropriem do espaço.
Temos aqui um lugar onde a criação é coletiva. É preciso construir junto com a obra, adicionar
sentidos. No labirinto e na vida, não estamos inertes. Há um chamamento para a participação, é
preciso se posicionar.
No Sesc e no Leviathan, Bo Bardi e Kapoor trabalham como programadores de
situações esvaziadas, e nos convidam a um envolvimento sensível. “Colocarmo-nos ‘co’, junto de
algo, é, por exemplo, a possibilidade de um exercício de afastamento de nossas próprias
subjetividades” (GUATELLI, 2018). Da união de heterogêneos surge a verdadeira coletivização,
territórios da mistura, que se contrapõem à ideia de imunização. A realidade de um espaço se
dá não somente pelo que o constitui, mas também pela forma como ele acontece, é uma
formação hibrida, em constante co-produção. Essas articulações disjuntivas possibilitam o
aparecimento de ações emancipadoras, distantes do esperado ou pensado para aqueles lugares,
potencializando a capacidade “transitiva” do espaço.

Referências

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72
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LE GOFF, Jacques. Por amor às cidades. São Paulo: Unesp, 1998.

VAN EYCK, Aldo. Beyond Visibility. For Us. Witwatersrand, 1962

73
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( x ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

A SEGREGAÇÃO SOCIOTERRITORIAL: O BAIRRO CARAPINA EM


GOVERNADOR VALADARES/MG NA CONTEMPORANEIDADE

SOCIO-TERRITORIAL SEGREGATION: THE CARAPINA NEIGHBORHOOD IN GOVERNADOR


VALADARES/MG IN CONTEMPORARY TIMES

Iaminne Rodrigues Pereira


Mestranda, UFU, Brasil.
iaminnerpmestrado@gmail.com

Claudia dos Reis e Cunha


Professora Pós-Doutora, UFU, Brasil.
claudiareis@ufu.br

Luiz Carlos de Laurentiz


Professor Doutor, UFU, Brasil.
ludelaurentiz@gmail.com

74
RESUMO

O presente trabalho tem como foco desvelar o Bairro Carapina, localizado na cidade de Governador Valadares/MG,
e como impera a segregação neste microterritório, cindido em duas áreas distintas: uma mais adequadamente
urbanizada e outra bastante precária, conhecida popularmente como Buracão. O objetivo do trabalho é investigar
sua condição de área periférica dentro da cidade de Governador Valadares. Como metodologia utilizou-se a pesquisa
de campo, experiências erráticas e deambulações, além da análise survey. O presente artigo surge de uma pesquisa
de mestrado em andamento, que busca dar voz à comunidade do Bairro Carapina, já que é um território que
historicamente foi invisibilizado. Assim, o estudo reveste-se de uma relevância social ao aproximar a academia da
sociedade. Ademais, no âmbito político, a pesquisa apresenta convergência da temática com a meta da Agenda 2030,
com o objetivo de número 11, que busca tornar as cidades mais sustentáveis, seguras e resilientes. Como resultado
preliminar, percebe-se que o Bairro ainda vivencia uma realidade de segregação especialmente sociocultural, tendo
em vista que sua localização no tecido urbano não o caracteriza como propriamente periférico. Assim, o estudo
também busca lançar luzes sobre estudos urbanísticos que tradicionalmente apresentam segregação e periferia
praticamente como sinônimos, apontando que o fenômeno da segregação pode ter outras formas de manifestação
em nossos espaços urbanos tão desiguais.

PALAVRAS-CHAVE: Bairro Carapina. Buracão. Segregação

ABSTRACT

This paper focuses on the Carapina neighbourhood, located in the city of Governador Valadares/MG, and how
segregation prevails in this micro-territory, divided into two distinct areas, one more adequately urbanized and the
other quite precarious, popularly known as Buracão. The aim of this study is to investigate its status as a peripheral
area within the city of Governador Valadares. The methodology used was field research, erratic experiences and
wanderings, as well as survey analysis. This article arises from an ongoing master's research project, which seeks to
give a voice to the Bairro Carapina community, since it is a territory that has historically been invisibilized. The study
is therefore socially relevant as it brings academia and society closer together. In addition, in the political sphere, the
research shows convergence of the theme with the goal of Agenda 2030, with objective number 11, which seeks to
make cities more sustainable, safe and resilient. As a preliminary result, it can be seen that the Neighbourhood still
experiences a reality of segregation, especially socio-cultural segregation, given that its location in the urban fabric
does not characterize it as peripheral. Thus, the study also seeks to shed light on urban studies that traditionally
present segregation and periphery as unequal synonyms.

KEYWORDS: Carapina neighborhood. Buracão. Segregation.

75
1 INTRODUÇÃO

A segregação socioespacial é um tema complexo, abordado por diversos autores a


partir de distintas perspectivas. Deve-se destacar que há duas principais correntes de estudo e
análise do fenômeno da segregação: de um lado, estudos embasados nas ideias da Escola de
Chicago, para qual a segregação é fruto de escolhas individuais no contexto do livre mercado;
oposta a esta visão, os teóricos de matriz marxista defendem que a segregação é mais um dos
elementos que caracteriza a luta de classes, desvela e espacializa as desiguais relações sociais
no âmbito do sistema de produção capitalista Vieira e Mellazo (2012). Os diversos pensadores
oriundos desta corrente, apesar de diferenças entre eles entendem que:

[...] o processo de segregação socioespacial é o resultado das desigualdades


existentes nas relações sociais entre as diferenças classes sociais e que
resultam num acesso diferenciado à cidade, seja na sua localização espacial
ou no acesso aos bens de consumo coletivos (VIEIRA e MELLAZO, 2012, p. 68).

No Brasil, a segregação socioespacial é reflexo da formação territorial brasileira,


pautada na problemática divisão das terras desde o século XVIII, cujos resquícios estão
presentes até a contemporaneidade, o que contribui para a produção de áreas urbanas
fortemente desiguais. Tais características podem ser vislumbradas no Bairro Carapina,
protagonista deste estudo, localizado na cidade de Governador Valadares/MG.
Como consequência deste processo de segregação socioespacial ocorre a exclusão e
estigmatização de microterritórios tidos como periféricos e dos habitantes que ali residem,
corroborando ainda mais para esta dupla segregação. O desafio de se debruçar e compreender
os estudos voltados para as periferias brasileiras revela uma parte daquilo que é negligenciado
por parte do poder público. Dessa forma, este trabalho se apresenta como uma tentativa de
evidenciar as potencialidades existentes no local estudado, do qual emerge um campo fértil para
se debruçar o olhar, contemplando um recorte de narrativas que foram esquecidas, a fim de
enaltecê-las.

2 OBJETIVOS

Este artigo tem como objetivo geral analisar historicamente o processo de formação e
determinação da territorialidade do Bairro Carapina, na cidade de Governador Valadares/MG,
de modo a evidenciar como a segregação socioespacial se faz presente na contemporaneidade.
Visa-se analisar as territorialidades presentes no bairro, problematizar o conceito de periferia –
comumente associado à localidade, ainda que, geograficamente, ela não se configure,
propriamente, como tal, na situação urbana contemporânea.

3 METODOLOGIA

A metodologia empregada na construção deste trabalho foi de abordagem qualitativa


e, de natureza crítica, já que pretende questionar a realidade posta. Destaca-se que a
abordagem crítica se fez amparada na corrente de autores que discorrem sobre periferia,
conceito utilizado como categoria de análise. Também se lançou mão da análise exploratória,
ao procurar se aproximar do problema a fim de compreendê-lo. E, quanto aos procedimentos

76
utilizados foram: o diário de campo a partir da experiência errática com as deambulações,
pesquisa bibliográfica, entrevistas e análise survey.
Sobre o desenvolvimento da pesquisa de campo adotou-se a errância urbana como
forma de demarcar o território por meio da experimentação, sendo o errante o sujeito que
participa voluntariamente e delimita “ações e percursos” Lynch (1960), a partir de
representações, planificações e projeções. Portanto, o errante não somente mapeia ele
experencia a cidade, por meio de uma cartografia intinerante; a corporeidade. Nesse sentido,
complementando com Lynch (1960), o indivíduo reimprime/reagrupa/reinventa as suas
subjetividades na urbe ininterrruptamente. Deste modo, permeia a recodificação do sujeito no
constante trânsito pelo espaço através do mapeamento.
A fim de realizar uma imersão no Bairro Carapina adotou-se como método de pesquisa
as deambulações, ou seja, a caminhabilidade por meio das experiências erráticas da alteridade
com o intuito de se conhecer o microterritório Jacques (2012). Neste sentido, foram realizadas
visitas ao local e, enquanto sujeito observador-caminhante a descobrir como era o modo de vida
da população. Sendo essas visitas regidas pelas “(im)possibilidades de se realizar novas
experiências”, afinal, cada visita se torna única. Conforme Jacques (2012) aponta, existe assim,
uma contínua dinâmica espacial, que, em diálogo com Certeau (1998), ao narrar que estas
aventuras são baseadas, em ações marcadas, pela ideia de se conhecer a geografia pelos
sujeitos-pedestres ao realizarem “a viagem qu(e) os pés executam”; ou seja, é uma diegese
(termo grego que significa narração), uma caminhada guiada que passa pela transgressão
subjetiva.

4 RESULTADOS

4.1 O Bairro Carapina, História e Territorialização

No sentido de elucidar o Bairro Carapina, realiza-se a princípio um breve retrospecto


histórico a fim de apresentar aos leitores seu processo de territorialização.
A cidade de Governador Valadares/MG tem origem no século XIX, nos arredores de
um quartel militar às margens do Rio Doce, caracterizando-se como entreposto comercial,
beneficiado pela localização estratégica para escoamento e circulação de mercadorias pela via
fluvial. Inicialmente denominada Figueira, a localidade era distrito de Peçanha, da qual só viria
a se emancipar no ano de 1937.

No início dos anos de 1920, a vida urbana de Figueira girava em torno de umas poucas
ruas às margens do rio. Os trilhos da estrada de ferro ficavam à esquerda e o rio
passava à direita, no sentido Oeste-Leste. O café e a madeira eram os produtos que
sustentavam a receita da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Além de receber a produção
de café e madeira, destinada à ferrovia, Figueira passou a contar com tropeiros vindos
de longe, carregados de toda sorte de mercadorias, como feijão, milho, farinha,
rapadura, queijo e toucinho. De volta, levaram o sal, querosene, cortes de tecidos,
ferramentas e utensílios diversos.
A pecuária não tinha ainda a expressão que viria adquirir na década de 40, mas já tinha
na invernada a sua característica marcante, ou seja, a engorda de gado para os
grandes mercados consumidores. Isso influenciou o tipo padrão de fazenda que se
formou no distrito de Figueira, marcada pela ausência de investimentos nas
propriedades rurais e pelas construções modestas e precárias, diferentes da fazenda
típica de Minas Gerais. Os fazendeiros residiam na cidade e, muitos deles, também
eram comerciantes. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
Governador Valadares, Histórias & Fotos. Disponível em

77
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/governador-valadares/historico. Acesso em
ago/2023).

Neste sentido, avançando um pouco na historiografia, vale destacar um mapa do


avanço da ocupação da cidade, a partir da década de 1930, na qual se verifica uma expansão
demográfica (Figura 1):
Figura 1 - Mapa do avanço da ocupação da cidade de Governador Valadares/MG

Fonte: GUIMARÃES (2009, p. 60).

O Morro do Carapina integrava uma fazenda que pertencia ao Senhor Antônio


Carapina (sem registro bibliográfico e documental), localizada ao norte da área central da cidade
e além dos limites da linha férrea. De acordo com a pesquisa de campo detectou-se que o
surgimento do bairro ocorreu em torno de 1950, por meio da compra e venda de lotes
oferecidos a um baixo custo, referente a mil cruzeiros por área. Como consequência é válido
pensar que a localidade contava com uma infraestrutura precária o que afetava diretamente na
qualidade de vida da população (Favela é Isso Aí,1 2022). O Bairro Carapina foi uma das primeiras
localidades de Governador Valadares, sendo um bairro operário caracterizado por abrigar
moradores que participaram do fenômeno do êxodo rural.
Como podemos verificar nas Figuras 2 e 3, o Bairro Carapina possui como linhas
limítrofes: a Avenida Tancredo Neves, a Avenida Minas Gerais, a Rua Gentil Dias da Silva e a Rua
Tupinambás, o Buracão compreende a Rua Galiléia, na qual nota-se uma precariedade mais
acentuada.

1
Favela é Isso Aí, é um sítio eletrônico de 2004, em que a produção e elaboração do conteúdo foi resultado do projeto
Guia Cultural de Vilas e Favelas, realizado pela antropóloga Clarice Libânio, publicado em agosto de 2004, em parceria
com a Organização não Governamental homônima. Disponível em: https://www.favelaeissoai.com.br/comunidades/
carapina-governador-valadares/. Acesso em: 20 de jun. 2022.

78
Figura 2 - Mapa do Bairro Carapina circunscrito na cidade de Governador Valadares/MG

Fonte: Prefeitura de Governador Valadares (2015).

Logo abaixo segue o mapa detalhado do Bairro:

79
Figura 3 - Mapa do Bairro Carapina

Fonte: Prefeitura de Governador Valadares (2015).

Retomando, as residências eram simples com tábuas e feitas de barro. Há relatos que
haviam percevejos e que não contavam com arruamentos, além do cultivo de pasto ser uma
forma de subsistência. Quando chovia, o Bairro ficava repleto de lama; bem como, oferecia risco
geológico de desmoronamentos por apresentar uma topografia mais elevada. Para amenizar a
situação, a população contava com dois tipos de apoio: o primeiro deles advindo da Igreja
Católica (fenômeno esse percebido em demais periferias que será tratado mais adiante),
juntamente (pelo apoio do Padre Mateus com o Fundo Cristão), e o segundo de caráter
internacional (conforme depoimentos do moradora entrevistada G., 43, Rua Ipiranga), através
do apadrinhamento das crianças do Bairro com envio de dinheiro, material escolar,
complementando a renda, já que os pais conseguiam mantê-los com o básico, conforme citação
do morador entrevistado:

V: Quando a gente era criança tinha uma Associação Samuel Domingos Gomes isso
era uma coisa que tratou da nossa comunidade a gente era uma pobreza, a gente
necessitava muito deles, sempre eles ajudavam a gente.
I.R. Tinha proximidade com a Igreja?
V: Não era só a pessoa, que foi para os Estados Unidos e tinha meus irmãos que eram
apadrinhados, então ajudava a gente demais, a gente era muito filho, meu pai, mais
minha mãe. Tinha meu pai, ele trabalhava cortando mica, esse negócio, então
ganhava muito pouco, então essa ajuda que os padrinhos davam para os meus irmãos
ajudavam a gente demais.
I.R.:E eles ajudavam muita gente do Bairro?

80
V: Ajudavam eram muita gente, tinha o pessoal, era muita gente apadrinhados.
Aconteciam às vezes de mandar a quantidade que mandava por mês e mandava um
trocadinho a mais, aquilo ajudava demais a gente. (V., 64, Rua Caratinga).

Em paralelo, é válido pensar que processo similar foi vislumbrado em outros territórios
empobrecidos brasileiros, pois segundo Maricato (2000) esses espaços foram se constituindo
com figuras que eram opostas à Ditadura (especificamente, em São Paulo), lutando para que
fosse promovido um urbanismo visando a garantia da dignidade, de modo a exigir do Poder
Público maior atenção para as periferias, fundando assim o Fórum de Reforma Urbana (FRNU).2
Processo semelhante também se verificou na cidade Teófilo Otoni/MG, no Bairro
Eucalipto, conforme Pereira (2019), cujo processo de territorialização perpassou pelas etapas
de: compra e venda de lotes, pelo êxodo rural com a vinda de pessoas das cidades circunvizinhas
e dos distritos, e na expulsão de alguns dos moradores que eram trabalhadores de uma fazenda
e foram literalmente despejados no território do Bairro Eucalipto. Como um dos achados da
pesquisa de campo realizada por Pereira (2019), descobriu-se por meio dos relatos dos
moradores que a figura da Irmã Arcângela é tida como marcante, uma vez que a religiosa fora
empenhada em levar aos moradores a educação tanto para as mães, quanto para as crianças, e
mobilizou a comunidade para a construção de uma escola, que em homenagem levou o seu
nome e foi edificada através de mutirão realizado pelos próprios moradores durante os finais
de semana, fato este ocorrido entre as décadas de 1970-1980.
Ao retornar para o protagonista deste estudo, o Bairro Carapina, no início de seu
processo de urbanização (sem uma data específica e documentada) contava com chafarizes em
alguns trechos na Rua Tupinambás e na Rua Ipiranga, que eram espécies de torneiras que
captavam a água, já que não havia sistema de abastecimento e tampouco saneamento básico,
cuja conquista contou com o apoio da comunidade e do Padre Eulálio Lafuente. “Assim por causa
desses chafarizes formavam filas pra pessoa pegar água pra uso comum em casa, então todo
mundo tinha só cartola.” (G., 43, Rua Ipiranga), sendo que as cartolas eram latas de óleo grandes
que serviam para o armazenamento.
Posteriormente, as tentativas de abastecimento de água se deram por meio de caixas
d’água, uma em frente a atual Escola Estadual Carlos Luz (na Rua Ipiranga), uma na Rua
Tarumirim e outra na Rua Marajá, localizada dentro do lote de um dos moradores e erguida a
partir de doações. Já por volta de 1968, segundo relato de uma moradora entrevistada, houve
a construção do “Bioquê do Prefeito” (G., 43, Rua Ipiranga), no mandato do então prefeito
Hermírio Gomes, que contou com o armazenamento e bombeamento de água para o local (Fig.
4 e 5), porém a tentativa não era suficiente para atender a demanda do Bairro.

2 Deste modo o Fórum de Reforma Urbana (FNRU) tinha o apoio da classe de arquitetos, além das seguintes
participações: a) setores da Igreja Católica de tendência progressista; b) setores não governamentais e técnicos de
assessoria aos movimentos sociais urbanos e c) pelas próprias lideranças de movimentos urbanos, que permaneceu
ativo até os anos de 1980, na defesa de uma agenda de Reforma Urbana que priorizou, entre outras, a figura jurídica
do “solo criado” (Maricato, 2000, p. 18). O FNRU foi um dos responsáveis pela inserção na Constituição da República
Federativa do Brasil, de 1988 de algumas conquistas relacionadas à ampliação do direito à cidade. MARICATO,
Ermínia. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p.121-193.

81
Figura 4 – Bioquê

Fonte: https://www.minasgerais.com.br/pt/atracoes/governador-valadares/bioque-do-prefeito

Figura 5 - Parte interna do Bioquê

Fonte: Arquivo Pessoal (2023).

Neste período, as residências eram mais simples, edificadas por meio de mutirões, por
iniciativa própria dos moradores, cuja ocupação se deu de modo irregular e sem seguir os
parâmetros da legislação, sendo assim até a atualidade. Quanto ao deslocamento ocorria por
meio de carroças e o arruamento era mais precário, o alargamento das ruas ocorreu de forma
gradativa, e no que se refere à pavimentação, as primeiras ruas a serem contempladas foram:
Caratinga e Inhapim. Quanto à iluminação era por meio de lamparina, lampião ou tochas,
principalmente no período noturno, somente por volta da década de 1970, e de forma gradativa
houve a distribuição e o fornecimento de energia elétrica no bairro.

Figura 6 – Rua Caratinga

Fonte: Arquivo Pessoal (2022).

82
Figura 7 - Rua Galileia

Fonte: Arquivo Pessoal (2022).

Conforme demostram as figuras 6 e 7, nota-se uma precariedade da Rua Galileia


(conhecida popularmente como Buracão) em comparação com a Rua Caratinga. O Buracão por
si só é um complexo territorial dentro do próprio Bairro Carapina, sendo um local mais precário
desde a concepção das residências e seus becos. Por apresentar meandros e escadarias e por
não possuir a largura necessária, o acesso de automóveis nessa área torna-se inviável. Além
disso, nos períodos de chuva ocorrem os deslizamentos de terra.
Dito isso e, ao tomar como base os conceitos já expostos sobre as deambulações, ao
adentrar no Bairro Carapina, no primeiro momento foram realizadas as visitas, a fim de conhecer
as ruas e os moradores sendo estas: a Rua Caratinga, Rua Galiléia, Rua Itanhomi, Rua Inhapim,
Rua Manhuaçu, Rua Tarumirim e a Rua Tupinambás. Posteriomente, foi realizada a pesquisa de
campo e a seguir apresentam-se alguns dados quantitativos que contou: com o campo amostral
de 21 entrevistados, predominantemente do gênero feminino, sendo 57,1% do total. Já a faixa
etária foi a partir dos 18 anos, compreendendo entre: 21-30 anos (equivalente a 9,5% dos
entrevistados); 31-40 anos (33,3% dos entrevistados); 41-50 anos (23,8% dos entrevistados); 51-
60 anos que não obteve entrevistados, e acima de 60 anos correspondeu a 33, 3% dos
moradores entrevistados.
Referente à raça a maioria se identifica com a preta ou parda, sendo 33,3% na primeira
categoria e na segunda 66,7%. No que se refere ao logradouro dos entrevistados foram as ruas:
Caratinga (com quatro moradores); Ipiranga (com sete); Marajá (com quatro); Itanhomi (sendo
três); Inhapim, Tarumirim e Antoniete Fernandes com apenas um entrevistado,
respectivamente. Quanto à escolaridade, onze dos entrevistados completaram o Ensino Médio,
sendo uma no EJA- Educação de Jovens e Adultos, uma delas com Ensino Profissionalizante, um
com Curso Técnico e quatro mulheres com Ensino Superior. Atualmente a comunidade conta
com duas escolas, uma da rede estadual e outra municipal, posto policial, unidade básica de
saúde, bares, sacolão e mercearias.

4.2 Conhecendo o Microterritório: buscando compreender os conceitos e elucidando a


temática

Ao observar e conversar com os moradores entrevistados percebeu-se que impera de


certo modo um preconceito por parte do restante dos moradores da cidade, no que diz respeito
à concepção do Bairro, em especial, no que se refere à definição de periferia, já que o território

83
é lido pelos outros como uma periferia. Para tanto, é válido repensar em conceitos e autores
para elucidar melhor o raciocínio. A fim de responder esta problemática, na entrevista de campo
foi perguntado como os moradores identificam o local e, como resultado, a maioria o denomina
de bairro, poucos moradores como morro e outros como comunidade, ou seja, a partir da
autoidentificação, nota-se que eles se reafirmam como um bairro, como qualquer outro, por
apresentar “um pouco de tudo”, como já fora citado anteriormente.
Segundo Picollo (2006), o estigma que a favela perpassa coabita com os “problemas”
desde o surgimento das primeiras no país, no século XIX. A autora aponta que o termo demanda
na contemporaneidade uma “reconstrução”, visto que, as favelas foram incluídas nesse
constructo de imagens, concebidas, sociologicamente, pensando nos termos de carência, sejam
elas: “carência de bens materiais devido às habitações irregularmente construídas, sem
arruamentos, sem plano urbano, sem esgoto, água ou luz; perigosa ‘carente’ de moralidade”
(PICOLLO, 2006, p. 331-332). Portanto, é necessário se repensar na própria nomenclatura dos
termos periferias, já que historicamente foram baseadas em preconceitos e estigmas.
Em diálogo, Villaça (2001) ao interpretar Lojkine (1981) sob a ótica da segregação,
define que o fenômeno ocorre por meio de uma determinada concentração populacional no
território, tendo como fator natural a exclusão, dada pela predefinição do próprio local o que
implica no valor da terra, sendo assim um dos produtos de uma espacialização das classes
sociais, o que decorre a partir disso o conceito de segregação socioespacial marcada: 1) a
contradição entre periferia e centro; 2) a distância entre as residências nobres e áreas com as
residências populares; 3) rompimento da função do urbanismo na geografia do espaço o que
resulta na predefinição e especificação do território com: “zonas de escritórios, zona industrial,
zona de moradia.” (VILLAÇA, 2001, p. 147).
Em conformidade, para Carlos (2020) esta segregação parte no próprio cenário da
cidade como um meio de junção dos elementos que caracterizam as singularidades do indivíduo,
os atos que são simultâneos e as atividades que se concretizam como método da possibilidade
de usufruir do tempo-espaço que materializa a vida e se contrapõe: a segregação sendo
“separação e apartamento”, o que corrobora para a lógica da sociedade como um meio de se
negar a cidade. Assim nessa dialogicidade, a urbanização surge como uma fraca potência, o
indivíduo se destitui da participação criativa, com isso ocorre a pobreza por meio da privação.
Pelo fato de o Bairro Carapina ser localizado próximo ao centro da cidade e com acesso
a uma das principais avenidas de Governador Valadares, a Avenida Minas Gerais, percebe-se
que o bairro, do ponto de vista localizacional, não se constitui como periférico. De acordo com
a pesquisa de campo realizada, verificou-se que chegar ao centro da cidade desde o Carapina
leva, em média, em torno de vinte a trinta minutos a pé; já de moto esse tempo gira em torno
de dois a cinco minutos e de carro entre cinco e dez minutos. Desse modo, partindo para a
conceituação de Frúgoli (2000), o bairro está próximo de uma centralidade. Porém, em termos
puramente geográfico, sociológico e cultural, ainda é considerado como uma periferia para o
restante da cidade, identificação oriunda de um ideia de que ali não há infraestrutura urbanística
adequada, além de ocupar uma região de topografia mais acidentada, carregando consigo o
estigma de um local marginalizado e pobre.
Ao trazer para o debate as contribuições de Santos (2013), o autor criticamente
questiona o que vem a ser pobreza, como um território é tido como pobre, justamente pelo fato
do conceito de pobreza utilizar-se de categorias analíticas vazias e que servem tão somente para
estigmatizar os espaços, quando se deveria questionar o que estrutura a pobreza, ou a riqueza

84
em si, em relação a quem ou a que elas são compreendidas, a fim de tensionar com os
parâmetros puramente políticos e econômicos pré-concebidos, para em seguida desmantelá-
los.
Para Maricato (2019), o território periférico é caracterizado pelo uso e ocupação do
solo de forma ilegal, pelos loteamentos irregulares e entraves típicos das cidades modernas.
Logo, o território da periferia é também reflexo da segregação socioespacial como consequência
da elevada especulação imobiliária. Nesse sentido, Rolnik (2015) alerta que na disposição dos
espaços nas periferias e favelas (o que a autora denomina como assentamento popular) diante
das normas regulatórias há uma ausência de planejamento, em que esses loteamentos são
arranjados.
Com isso, foi possível identificar com a pesquisa de campo que a maioria dos
moradores entrevistados não possuem o registro de imóvel reconhecido em cartório e que a
ocupação do Bairro ocorreu de modo irregular e desordenado, conforme citação da moradora:

Eram os funcionários que trabalhavam ali que vieram para o morro que vinham da
roça e não tinha onde morar tinha o centro e não tinham como comprar. Vieram
subindo o morro vieram ocupando o morro, comprando os lotes, bom não teve uma
organização para ocupação aqui não, as pessoas vieram e foram desbravando o
mesmo. (G., 43, Rua Ipiranga).

Em conformidade, verifica-se que a territorialização e arregimentação do solo no Brasil


desde seus primórdios se deu de forma desigual e pelo poder do latifúndio, sendo essa divisão
a origem da segregação socioespacial. Segundo Santos (2018 e 2013, p. 10) esse sistema da
urbes tem o poder cada vez mais complexo, com a sobreposição de territórios e cria novos
arcabouços entre o centro-periferia. Como consequência desse processo, a periferia acaba
sendo o “polo de pobreza”, o que a torna mais afastada dos centros urbanos, na qual os
moradores vivem sob condições “sub-humanas” e insalubres. Assim, na contemporaneidade, as
cidades tornam-se um construto de contradições, nas quais se reverberam e se retroalimentam
desse ideário de desenvolvimento, mas cercado de complexos centros de exclusão e
estigmatização (SANTOS, 2018 e 2013).
Nesse sentido sobre a estigmatização é válido pensar que os moradores entrevistados
relataram que alguns anos atrás, para pleitear uma vaga de emprego era necessário ocultar do
currículo o fato de ser morador do Carapina, inclusive no processo de entrevista, já que o
preconceito era tamanho e a rejeição para a vaga aconteceria, conforme a citação da moradora:
Já houve um tempo que a gente não podia falar, você escrevia o currículo, você não
podia falar é “Carapina”, se você fosse numa entrevista de emprego você não podia
falar “Carapina”, cê tinha que usar era Nossa Senhora das Graças. Então quando a
gente faz isso, faz por causa da violência, isso por causa do preconceitos [...]. (G., 43
anos, Rua Ipiranga).

Segue outro relato:

Ah Deus tá abençoando que nossos jovens aqui eles tudo trabalham, o meu neto de
dezenove anos, há muito tempo ele trabalha, os amigos dele tudo trabalham, quando
é a tarde e tem folga, quando não tá chovendo, eles costumam se encontrar bater um
papinho um com o outro. (M. P., 75, Rua Ipiranga).

Assim percebe-se que ao longo do tempo houve algumas mudanças significativas,


como por exemplo, com relação à empregabilidade pois segundo os relatos, a maioria dos

85
moradores do Bairro consegue ocupar postos de trabalho, mesmo carregando consigo o estigma
de ser residente do Carapina. Desse modo, com relação ao mercado de trabalho e renda, nas
entrevistas houve alguns apontamentos significantes, a destacar que: todos os entrevistados
possuem alguma fonte de renda, seja ela formal ou informal, quatro dos entrevistados são
aposentados e apenas uma recebe o auxílio Benefício de Prestação Continuada (BPC). Por mais
que muitos deles ainda ocupem postos de subserviência, existem relatos por parte dos
moradores que muitos jovens estão trabalhando, ou em cursos profissionalizantes, ou estão
matriculados em cursos superiores, algo que era tido como uma realidade distante e
praticamente inalcançável alguns anos atrás.

4.3 Interpretando os conceitos de território para compreender a realidade

Ao abarcar o conceito de território presente no microcosmo do Bairro Carapina é


válido elencar conceitos-chave desta nomenclatura para elucidar a temática em suas três
vertentes, a saber: 1) política- referente ao “espaço poder ou jurídico-política” onde existe a
predominância do controle e delimitação do território, nem sempre está correlacionado com o
“poder político do Estado”; 2) cultural- abarcado pelo sentido “culturalista” ou “simbólico-
cultural” representa o simbólico e a subjetividade no espaço como uma forma de apropriação
com o espaço que foi vivenciado; e 3) econômico- neste sentido compreende a “dimensão
espacial das relações econômicas” como uma forma de dualismo entre o “capital-trabalho” na
disputa do espaço (HAESBAERT, 2011; HAESBAERT E LIMONAD, 1999).
De acordo com Haesbaert (2014), o conceito de aglomerados de exclusão parte de
uma definição que é um processo complexo e dinâmico, com certa instabilidade. Como uma
forma de associação do conceito de aglomerados na ideia de “regulado e ordenado” Haesbaert
(2014, p. 189), há uma lógica entre os territórios-rede e o território. Pensar na definição
“aglomerados de exclusão”, segundo Haesbaert (1995, p. 196), significa por em xeque a
complexa troca que é inerente ao processo do território-rede imposto pela geografia, baseado
em processos que se ordenam pelo “espaço-geográfico”, por meio de territórios-redes em
desordem e sem a logicidade como um mero reflexo da exclusão: política, cultural, econômica
posta na contemporaneidade.
Além desta definição, é válido repensar que existe uma outra denominada território-
rede, que pode ser inferido no território do Bairro Carapina, já que no local existem complexos
e fragmentos - o segmento do Buracão. Assim, aprofundando na conceituação, é válido
destacar:

[...] viver em redes, onde nossas próprias identificações e referências espaço-


simbólicas são feitas não apenas no enraizamento e na (sempre relativa) estabilidade,
mas na própria mobilidade- uma parcela expressiva da humanidade identifica-se no e
com o espaço em movimento, podemos dizer. Assim territorializar-se significa
também hoje, construir e/ou/ controlar fluxos/redes e criar referenciais simbólicos
num movimento, no e pelo movimento. (HAESBAERT, 2011, p.279-280).

Posto isto, no mesmo território existem (des)continuidades presentes pelos


agrupamentos da dinâmica espacial marcada pela vivência e de acordo com a fluidez do
território. Percebe-se que o Buracão acaba sendo um território-rede já que por si só exerce
maior dependência com o Carapina, por possuir maior precariedade (quanto à salubridade e

86
habitabilidade). Porém é importante destacar que o trabalho não teve como protagonista de
estudo e investigação o complexo do Buracão, focando-se em outras áreas do Bairro Carapina.
O esquema a seguir visa elucidar a definição de território, tendo como base as
contribuições de Haesbaert (Figura 8):

Figura 8 - Esquema sobre território e a lógica zonal

Fonte: Viver no Limite, Haesbaert (2014), produzido pela autora (2023).

A obra do autor, sob a ótica foucaultiana do território, propõe atenção aos


desdobramentos da visão territorialista no que diz respeito à “lógica zonal na ação política
hegemônica” (HAESBAERT, 2014, p. 109). Neste caso, destaca-se a conceituação acerca do
território-rede que se refere tanto ao Buracão quanto ao Carapina, ou melhor, à
interdependência entre eles − que abarca o Bairro como um todo e suas capilaridades com suas
ruas e becos − sendo assim funciona como mecanismo de autossubsistência em prol da
autorregulação e que estão em constante plasticidade. Ao mesmo tempo, no que se refere ao
território de exclusão, o Bairro em geral para o restante da cidade é tido um local marginalizado,
excluído e estigmatizado.
Desse modo, verifica-se que o Bairro Carapina sofre uma exclusão (do ponto de vista
conceitual) no que abrange aos termos de bairro, periferia e comunidade já que é tido como
uma periferia, sob a perspectiva urbanística, geográfica, política e sociológica. Assim, é
importante pensar que essa conceituação para essas áreas de estudos e suas correntes de
autores/pesquisadores abarcam questões colocadas às vezes de forma categórica e
generalizada para o referido estudo e, consequentemente, hegemônica na concepção do
território com a dicotomia centro-periferia.
A realidade vivenciada pela experiência em campo, a mesma apontou que as
terminologias não corroboram para o que está posto, por isso necessário se faz repensar as
definições postas, no exercício de contrapô-las. Isso se torna um desafio, principalmente por
eleger correntes de autores que analisam as periferias, bairros e demais localidades que
possuem características similares e que, no trabalho em geral, são tidas como categorias de
análise. Portanto, nota-se que a segregação, para além dos aspectos já mencionados, é também
fruto de uma questão cultural da cidade, e que se retroalimenta no constructo social. Fatos
vislumbrados e elucidados por meio da pesquisa de campo, no contato direto com a realidade
local.

87
5 CONCLUSÃO

É notório que a segregação socioterritorial é secular, sendo possível vislumbrar que o


fenômeno que ocorreu no Bairro Carapina se deu por todo o solo brasileiro,
independentemente da região. Esta segregação é reflexo de uma amortização da originalidade
do território, que ao longo da historiografia foi representado por disputas incansáveis e
incessantes embates para a posse da propriedade. O esforço de estudar o Bairro Carapina se
deu como uma tentativa de interpretar sua historicidade e entender como está posta na
contemporaneidade a problemática da segregação socioespacial. A materialidade da pesquisa
incorpora a voz daqueles que foram silenciados por décadas. Assim o presente estudo traçou
como percurso a apresentação da territorialidade e suas dinâmicas no Bairro Carapina, ainda
que de modo parcial, pelo fato de ser um recorte de uma pesquisa ainda em curso.

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Geografia: conceitos e temas. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1995.
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https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/governador-valadares/historico. Acesso em ago/2023.
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LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. Lisboa: Edições 70 LDA, trad. Maria Cristina Tavares Afonso, 1960.
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Desmanchando consensos. As ideias fora do lugar, e o lugar fora das ideias Planejamento urbano no Brasil.
Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p.121-193.
MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Editora Vozes LTDA, 2019.
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Faculdade de Engenharia. Universidade do Vale do Rio Doce, 2019.
PICOLLO, Fernanda Delvalhas. A gramática nativa: reflexões sobre as categorias morro, rua, comunidade e favela.
In As cidades e seus agentes: práticas e representações/ Heitor Frúgoli Jr., Luciana Teixeira de Andrade, Fernanda
Arêas Peixoto (organizadores). Belo Horizonte: PUC Minas/Edusp, 2006, 408p.:il, Coleção Temas urbanos.

88
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2015.
SANTOS, Milton. A Pobreza Urbana. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2013.
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VIEIRA, Alexandre Bergamin e MELAZZO, Everaldo Santos. Introdução ao conceito de segregação socioespacial.
Formação (Online), v. 1, n. 10, 2012. Disponível em: <https://revista.fct.unesp.br/index.php/formacao/
article/view/1118/1123 >Acesso em: 25 ago 2023.
VILLAÇA, Flávio. O espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Editora Fapesp, 2009.

89
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( X ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ANÁLISE COMPARATIVA DE DESEMPENHO TÉRMICO ENTRE AS TÉCNICAS


LIGHT STEEL FRAMING COM COBERTURA EM TELHA SHINGLE X BLOCO E
TELHA CERÂMICAS

COMPARATIVE ANALYSIS OF THERMAL PERFORMANCE BETWEEN LIGHT STEEL


FRAMING TECHNIQUES WITH SHINGLE TILE ROOFING VS. BLOCK AND CERAMIC TILE
ROOFING

Giulia Piazza Fernandes Soares


Pós-graduada, UNICAMP, Brasil
giuliapiazzaf@gmail.com

Pedro Jose Perez Martinez


Professor Doutor, UNICAMP, Brasil.
pjperez@unicamp.br

90
RESUMO
A fim de difundir outras técnicas construtivas além dos clássicos blocos de concreto e telhas cerâmicas muito usados
no Brasil, esse trabalho visa avaliar se o sistema construtivo Light Steel Framing (LSF) combinado com a Telha Shingle
possui boa resposta térmica quando utilizada em construções com caráter residencial em zonas climáticas como
Campinas-SP. Foi analisado o projeto de um sobrado para análise de desempenho térmico entre a técnicas
construtivas secas (Light Steel Framing com Telha Shingle) e as úmidas sem função estrutural (Blocos de Concreto e
telhas cerâmica), segundo norma de desempenho térmico NBR 15575/2013. Para tanto, modelou-se uma edificação
com a extensão “Euclid” do Sketchup e utilizou-se o programa EnergyPlus a fim de considerar as propriedades dos
materiais e analisá-los quanta temperatura operativa horária e indicador de graus-hora. Os resultados mostraram
que o uso apenas de Paredes em Light Steel Framing não é suficientemente eficiente para as características climáticas
de Campinas. Contudo, abre-se espaço para uma futura discussão sobre uma possível adaptação do formato mais
conhecido para que este possa ser adotado mesmo em zonas climáticas como a de Campinas, juntamente com o uso
da Telha Shingle que obteve bom resultado.

PALAVRAS-CHAVE: Simulação computacional. Light Steel Framing. Telha Shingle. Telha Cerâmica. Temperatura
Operativa Horária e indicador de graus-hora.

SUMMARY
To promote alternative construction techniques beyond the traditional concrete blocks and ceramic tiles widely used
in Brazil, this study aims to evaluate the thermal performance of the Light Steel Framing (LSF) construction system
combined with shingle tiles, which have good thermal response when used in residential buildings in climatic zones
like Campinas-SP. A two-story house project was analyzed to compare the thermal performance between dry
construction techniques (Light Steel Framing with Shingle Tiles) and wet construction techniques without structural
function (Concrete Blocks and Ceramic Tiles), according to the thermal performance standard NBR 15575/2013. For
this purpose, the building was designed using SketchUp's Euclid extension, and the EnergyPlus program was used to
consider the material properties and analyze hourly operative temperature and degree -hour indicator. The results
showed that using only Light Steel Frame walls is not sufficiently efficient for the climatic characteristics of Campinas.
However, it opens room for future discussion on an adaptation of the more well-known format, so that it can be
adopted even in climatic zones like Campinas, along with the use of Shingle Tiles, which yielded satisfactory results.

KEYWORDS: Computational simulation. Light Steel Framing. Shingle Tiles. Ceramic Tiles. Hourly Operative
Temperature and Degree-Hour Indicator.

91
1. INTRODUÇÃO

Sistemas construtivos com elevada eficiência energética ganham destaque na atual


conjuntura, onde se busca atenuar a propagação de calor para dentro da habitação e assim
minimizar o uso de sistemas de refrigeração. Dentre tantos aspectos que podem ser avaliados
nesse quesito, o presente trabalho tem por objetivo analisar o sistema construtivo Light Steel
Framing (LSF) com a estrutura de concreto armado e paredes em alvenaria.
O sistema construtivo LSF, concebido para países onde a principal preocupação é o
frio, tem excelente desempenho quanto a isolação térmica, além de curto prazo de instalação.
Já o sistema com estrutura de concreto armado, que é bastante usado no Brasil que se
caracteriza por ter clima quente e úmido, tem características artesanais e de grande desperdício.
Segundo Madruga (2016), que realizou estudo semelhante em residência situada em Gramado,
os resultados mostraram que LSF apresenta desempenho superior em dias típicos de inverno,
mas para dia de verão não se conseguiu atingir valores adequados de temperatura interna. Em
relação ao desempenho térmico do sistema LSF, Pereira Júnior (2004) fez o cálculo da resistência
térmica de dois fechamentos: um tradicional em alvenaria e outro em LSF para comprovar a
eficácia do sistema estruturado em aço e o autor concluiu que, se consideradas as mesmas
dimensões geométricas de um fechamento em alvenaria, o painel em LSF possui desempenho
térmico muito superior.
Assim, a fim de corroborar ou não esses resultados juntamente com o uso de telhas
shingle, esse trabalho tem como objetivo averiguar o desempenho dos sistemas construtivos:
Light Steel Framing x Concreto Armado e Paredes em Alvenaria e Telhas Shingle x Telhas
Convencionais, aplicados na cidade de Campinas -SP. Com os resultados obtidos se espera
incentivar o sistema LSF pela sua melhor eficiência térmica, pois no Brasil, menos de 3% das
edificações são construídas por esse sistema. Para tanto, será usado o simulador de
desempenho térmico de edificações EnergyPlus (ENERGYPLUS, 2015), a fim de auxiliar as
análises de desempenho desses sistemas construtivos, baseando-se nos índices de conforto
térmico da NBR 15575/2013.

2. OBJETIVO

O objetivo geral do trabalho é verificar eficácia térmica dos sistemas construtivos secos
LSF e a Telha Shingle em unidades residenciais simples de um pavimento em comparação a
técnica construtiva de blocos de concreto e telhas cerâmicas (técnicas tradicionais brasileiras)
segundo norma de desempenho térmico NBR 15575/2013.

3. MÉTODO

Como ponto de partida para a definição de uma metodologia específica para avaliar o
desempenho térmico de edificações em LSF, pode-se citar os trabalhos do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas de São Paulo (IPT) e o trabalho de Akutsu (1998), nos quais as pesquisas e
avaliações desenvolvidas pelo Laboratório de Conforto Ambiental (LABCON) da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP) se apoiam. Os trabalhos desenvolvidos pela Divisão de Edificações
do IPT têm em comum a preocupação com a proposição de uma metodologia para a avaliação

92
do desempenho térmico de edificações no Brasil. Dentre eles, destacam-se Akutsu e Vittorino
(1991) e Akutsu e Vittorino (1995).
Com objetivo de verificar-se o desempenho térmico entre as técnicas construtivas já
mencionadas anteriormente, o trabalho assumiu uma sequência de desenvolvimento em 3
etapas:
1. Modelagem do imóvel;
2. Modelos de Simulação: através de simulação computacional para diferentes
composições de fechamentos no mesmo projeto arquitetônico;
3. Análise de dados e comparação entre os dados.
Foram criadas 4 composições de fechamentos principais, e a partir disso foram
idealizados modelos de simulação no Energy Plus.

4. TÉCNICAS CONSTRUTIVAS

4.1. Light Steel Framing

O LSF é um sistema construtivo industrializado e altamente racionalizado, formado por


estruturas de perfis de aço galvanizado. Seu fechamento é feito por placas, podendo ser
cimentícias, de madeira, drywall etc. Sua estrutura é composta basicamente por: fechamento
externo, isolantes termoacústicos e fechamento interno (SANTIAGO, 2008). Esses perfis dividem
a carga de maneira que cada parcela resista a um pequeno percentual da carga total. O LSF e
seus subsistemas permitem a construção em escala industrial no canteiro de obra ou de forma
mais eficiente, através da construção dos painéis com as placas de fechamento, fixadas dentro
da fábrica e posteriormente entregues na obra. Esse método de construção modular confere
maior rapidez na execução da obra. Ele usa o conceito de multicamadas para o isolamento,
onde se usam placas leves de fechamento preservando o espaço no miolo para se preencher
com material isolante, normalmente lã de rocha ou lã de vidro. Quanto maior for o número de
camadas maior é a capacidade de isolamento da parede, mas a eficiência depende das
propriedades dos materiais ali aplicados. Assim, o desempenho termoacústico das edificações
em LSF está intimamente ligado à qualidade de isolamento de seus sistemas de vedações, os
quais controlam as trocas de calor com o ambiente externo (TAKUSHI, 2015).
No LSF, a cobertura pode seguir os mesmos preceitos dos tradicionais telhados com
estrutura de madeira, apenas utilizando perfis leves em aço galvanizado ao invés da madeira,
ou ainda, é possível utilizar todos os tipos de telhas do mercado brasileiro. Porém, as telhas mais
recomendadas para o sistema são as telhas asfálticas, chamadas de telhas shingle. Este tipo de
telha permite um ganho no desempenho térmico da edificação, pois com grandes inclinações , a
superfície do telhado pode ficar mais afastada do piso do pavimento, formando uma espécie de
colchão de ar na parte superior do pavimento, diminuindo a velocidade de troca de calor do
ambiente interno com o ambiente externo.
A principal diferença do steel frame é a limpeza do canteiro de obras, pois não há
necessidade do uso de água proporcionando uma construção seca, título pelo qual esse sistema
construtivo também é chamado (PEREIRA,2019). A geração de resíduos é praticamente zero, já
que a estrutura é fabricada com as dimensões definidas em projeto, dispensando o corte de
peças, consequentemente isso gera uma construção mais barata, rápida e limpa (TETHOS, 2023).
Quando há mais de um pavimento na edificação, a separação entre um pavimento e outro é
93
feita por lajes leves, que são perfis de aço galvanizado revestidos por madeira, placa cimentícia
ou outro tipo de placa, e por forros leves, que podem ser forros de drywall, PVC etc. Também
podem ser utilizadas lajes pré-moldadas de concreto (PEREIRA, 2019).

Vantagens do steel frame:


● Agilidade na construção: construção é executada de forma rápida pois a maioria dos seus
componentes são pré-fabricados. Algumas casas podem ser finalizadas em 15 dias ou
menos;
● Redução do peso da estrutura: os perfis de aço galvanizado são leves e não geram grandes
esforços de carga na estrutura. Por isso, normalmente são utilizadas as fundações
superficiais do tipo radier (PEREIRA, 2019);
● Maior precisão na execução: como os painéis são fabricados por meios industriais, a
precisão e a redução de erros fazem com que o steel frame seja um sistema construtivo
mais confiável (PEREIRA, 2019);
● Edificação sustentável: não é necessário o uso de recursos naturais como água para a
execução, gerando-se muito pouco lixo e resíduo na construção (PEREIRA, 2019);
● Melhor isolamento térmico e acústico: esse tipo de estrutura proporciona bons níveis de
isolamento térmico e acústico (PEREIRA, 2019);
● Várias opções de acabamento;
● Menor custo: se comparado com o sistema convencional de concreto e estruturas
metálicas, o steel frame é mais barato, principalmente em edificações menores, pois o
custo com materiais e mão de obra acabam sendo menores devido ao curto tempo de
execução da obra.
Desvantagens do steel frame:
● Limite de pavimentos: embora existam alguns exemplos de prédios de vários pavimentos
sendo construídos, é mais comum encontrar edificações térreas construídas em steel frame
ou edifícios com até 5 pavimentos;
● Dificuldade de encontrar mão de obra especializada: para que o sistema seja mais barato e
rápido do que outros métodos construtivos, assim, deve -se realizar treinamentos
constantes da mão de obra.
Já o sistema em alvenaria é uma construção de estruturas e de paredes que utiliza
unidades unidas entre si ou não por argamassa. Essas unidades podem ser blocos de cerâmica,
de vidro, de concreto, pedras, tijolos etc. A alvenaria é, comumente, usada em paredes de
edifícios, muros de arrimo e monumentos. Os blocos mais comuns são os cerâmicos e os de
concreto. Os blocos cerâmicos (também conhecidos como tijolos) podem ser maciços ou
vazados.

4.2 Telha Shingle

A telha Shingle ou telha asfáltica é famosa por ser característica de casas norte-
americanas. Ela é bonita e resistente já que é feita de massa asfáltica, permitindo extrema
maleabilidade. Devido a praticidade, facilidade de colocação, segurança e durabilidade, não
restam dúvidas que a telha Shingle é exemplo mundial de qualidade em coberturas. A telha
Shingle teve um rápido crescimento ao longo do século XX. O produto foi inventado a partir do
seu precedente em madeira, usado até o século XIX. O conforto térmico é uma preocupação
94
primordial da Telha Shingle desde sua concepção, uma vez que o sistema se originou em países
com elevada amplitude térmica. Essa telha fornece uma gama de ângulos de inclinação muito
maior que outros tipos de telhas; dispensa inúmeros dutos de escoamento de água; tem
diversidade de cores e pouca manutenção; motivos pela qual esse produto foi aclamado
mundialmente.
As vantagens das telhas shingle:
● Permite ângulos de 17o a 90 o se adaptando a qualquer estilo de arquitetura no telhado.
Assim, se arquitetonicamente o projeto permite uma inclinação menor, deve -se levar
em consideração que os custos da estrutura do telhado podem ser aproximadamente
20% menores por conta do peso próprio da estrutura que diminui consideravelmente;
● Leveza e economia estrutura, pois possui peso 6 vezes menos do que os sistemas de
coberturas tradicionais. A telha shingle permite uma economia considerável na
estrutura do telhado bem como, na estrutura de toda a edificação;
● Totalmente impermeável;
● Flexibilidade, pois permite com sua incrível maleabilidade desenvolver formas
arredondadas, côncavas, e detalhes perfeitamente acabados em sua cobertura,
facilitando para qualquer profissional a concepção dos proje tos;
● Acabamento perfeito, pois todos os recortes, curvas e acabamentos são feitos com a
própria telha, pois sua flexibilidade dá muito mais liberdade;
● Fácil fixação, pois as telhas são placas de aproximadamente 100 x 30 cm;
● Sem restrição de climas pois ele já foi testado e aprovado em condições extremas de -
70 o C a +90 o C. Além disso, resiste a ventos até 100 km/h, impacto de granizos, possui
propagação de chamas controlada e resiste a grandes variações climáticas com
eficiência térmica disparada em relação aos outros tipos de telhas. As telhas Shingle não
quebram e não destelham.

5. MODELO A SER ANALISADO

5.1 CARACTERIZAÇÃO DO CLIMA DE CAMPINAS

O zoneamento bioclimático brasileiro é dividido em 8 zonas em que cada zona é tida


com um clima homogêneo e com características climáticas semelhantes. Campinas encontra-se
na Zona Z3 (ABNT NBR 15220-3). Com base nos dados climatológicos da região em paralelo aos
sítios, dados e sugestões sobre desempenho e conforto térmico do Projeto de Edificações
Energeticamente Eficiente (PROJETEEE), verifica-se que o verão (novembro a março) possui
maior duração que o inverno (junho a agosto), indicando a predominância do calor sobre o frio
na cidade durante o ano. A amplitude de temperatura (Tabela 1) é maior nos meses de inverno,
atingindo seu valor máximo em agosto (13o C). Sabe-se que quanto maior a amplitude de
temperatura, menor é a umidade relativa. Portanto, a umidade relativa também apresenta
valores menores no inverno, com mínimo em agosto (64,3 %) (Tabela 1). Como o verão é mais
úmido, os registros de precipitação total apontam valores maiores nessa época.

95
Tabela 1:Dados climáticos de Campinas
Verão Inverno Verão
Títulos
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
Temperatura 29,5 29,7 28.9 27,8 25,3 24,1 24,6 26,3 26,6 28,5 29,0 29,1
máxima ( o C)
Temperatura 19,6 19,5 18.7 17,4 14,8 12,5 12,4 13,3 15,0 16,8 18,3 18,9
mínima ( o C)
Amplitude 9,9 10,2 10.2 104 10,5 11,6 12,2 13,0 11,6 11,7 10,7 10,2
de
temperatura
( o C)
Umidade 77,7 77,7 77,3 75,6 75,9 73,8 68,2 64,3 64,7 69,1 70,4 76,0
relativa
média (%)
Fonte: CETESB (2023) https://cetesb.sp.gov.br/ar/boletim-diario/

Esta amplitude de temperatura indica a necessidade de uma alta inércia térmica dos
fechamentos como estratégia bioclimática. Pode-se, portanto, tirar partido do alto ganho de
calor durante o dia para, através da inércia térmica, aquecer os ambientes internos à noite. Para
os fechamentos verticais, considera-se que as paredes externas têm grande atraso térmico
(superior a 8 horas). Para mês de agosto, observa-se um coeficiente de amortecimento igual a
0,165 e resistência de contato térmico 2 de 0,33 m2 0 C/W. Para os fechamentos horizontais
(cobertura), encontram-se recomendações conflitantes. De acordo com Rivero (1986), a
recomendação é de telhados com alta de contato térmico (0,33 m2 0C / W) e excelente
coeficiente de amortecimento (0,147). Já Chavatal, Labaki e Kowaltowski (2000) citam que
telhados leves têm baixa inércia térmica, mas com uma resistência térmica bem alta
(transmitância não inferior a 0,8 W/m2 0C). E que os fechamentos mais adequados para as
condições de Campinas são elementos com inércia térmica média a alta, devido às grandes
amplitudes de temperatura, principalmente no inverno.
A orientação dos edifícios deve favorecer o aproveitamento do vento predominante
(sudeste), assim como possuir controle da radiação solar através da coloração apropriada das
superfícies e prever o tratamento do solo circundante para controlar as temperaturas
superficiais.

5.2 DEFINIÇÃO DO CASO BASE

O caso base para análise de eficiência térmica de paredes em light steel frame e de
bloco cerâmico e telhas shingle e de cerâmica está representado na Figura 3. Esse sobrado
totaliza uma área de 80 m2 composto por 6 cômodos: Gourmeteria com 31 m2, sala em conceito
aberto com 31 m2 , suíte com 14,15 m2, I.S. com 2,9 m2, e serviço com I.S somando 2,8 m2. A
fim de possibilitar avaliação pelo Energy Plus, esses cômodos foram separados em Zonas 1 a 5,
respectivamente. A Figura 1 representa a planta do sobrado com as respectivas zonas indicadas.

96
Figura 1: Planta baixa de sobrado em análise

Fonte: Autoral

Os tipos de cobertura analisados foram Telha Cerâmica e Telha Shingle.


Para Telha Cerâmica, usada em telhados inclinados com paredes em Light Steel
Framing, é necessário o uso do OSB (protegido com uma manta de impermeabilização) como
substrato de apoio. Sobre o OSB, são colocados os perfis tipo cartola paralelos e os caibros para
possibilitar o escoamento da água, e sobre estes são fixadas as ripas para o encaixe das telhas.
Portanto, para uma análise eficiente desse tipo de cobertura, todos os modelos que estiverem
sendo avaliados com telha cerâmica devem apresentar a seguinte composição (da camada mais
externa para a interna): a) Telha Cerâmica; b) Câmara de Ar; c) Filme Foil Aluminizado; d) OBS.
A composição da Telha Shingle escolhida mais popularmente usada é a) Shingle; b)
Membrana hidrófuga; c) OPS; d) Lã de Vidro 50 mm.
Os tipos de paredes utilizadas foram Paredes Externas LSF e Paredes internas não
estruturais (Drywall) e Paredes de Alvenaria. Paredes Externas LSF utilizadas quando um
material de alta condutividade térmica como o aço é colocado em paralelo com um material
isolante, a maior parte da transferência de calor ocorre através do metal, por condução,
caracterizando um efeito conhecido por ponte térmica através do perfil em aço, ou thermal
bridge. A ponte térmica reduz a resistência térmica do painel e aumenta os gastos energéticos
para aquecimento ou resfriamento do ambiente (CAETANO, 2017). O reboco térmico aplicado
no exterior dos painéis, conhecido nos Estados Unidos da América como EIFS, é outra solução
utilizada para reduzir os efeitos das pontes térmicas. Trata-se de um sistema para reduzir os
gastos com energia por meio do isolamento dos edifícios a partir do exterior. Segundo Santiago
(2008), uma solução parecida com o sistema EIFS aplicada no Brasil é composta por substrato
de OSB (espessura 15 mm), membrana de polietileno, EPS e argamassa elastomérica.
Portanto, a composição da parede externa para a simulação em questão é composta
por: a) EPS; b) Membrana de polietileno; c) Capa OPB; d) Camada de ar; e) Chapa de gesso
acartonado.
As Paredes internas não estruturais (Drywall) foram utilizadas com pelo menos uma
camada de chapa de gesso de 12,5 mm de espessura em cada face. O sistema Drywall é
97
constituído por perfis U e U enrijecido (Ue) de aço galvanizado de dimensões menores que os
empregados no sistema LSF, uma vez que suportam apenas o peso dos fechamentos e
revestimentos, e de peças fixadas em sua estrutura. Contudo, energeticamente eles possuem o
mesmo desempenho. As chapas de gesso acartonado são fechamentos leves por não possuírem
função estrutural e sua densidade pode variar conforme a espessura de 6,5 Kg/m² a 14 Kg/m²
para fechamento de paredes. Dito isso, às paredes internas com sistema de seco assume a
seguinte composição: a) Gesso acartonado; b) Isolamento térmico; c) Câmara de Ar.
A composição das paredes de alvenaria utilizada foi a composição mais usual brasileira:
a) Argamassa com pintura branca; b) Concreto 25mm; c) Câmara de Ar; d) Concreto 25mm.

Quadro 1: - Composição das paredes para o teste de eficiência térmica

Paredes Interno Externo

Parede Bloco de Concreto Argamassa Concreto Câmara Concreto Argamassa


20 mm 25 mm de ar 5 25 mm 20 mm
mm
LSF Interno Placa de Lã de vidro Câmara Estrutura Placa de
gesso 50 mm de ar 5 LSF gesso
acartonado mm acartonado
12,5 mm 12,5 mm
LSF Externo Placa de Isolamento Placa Câmara Estrutura Placa de
gesso térmico OSB de ar LSF gesso
acartonado poliestireno 18mm 5mm acartonado
12,5 mm 12,5 mm
Fonte: Autoral

Quadro 2: - Composição das coberturas para o teste de eficiência térmica

Paredes Interno Externo

Telha Shingle Telha Shingle Membrana hidrófoba Placa OSB 11 mm Lã de vidro 50 mm


Telha Cerâmica Telha Câmara de ar 5mm Filme foil Placa OSB 11 mm
cerâmica aluminizado
Fonte: Autoral

6. AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO TÉRMICO


6.1. EnergyPlus

EnergyPlus foi desenvolvido pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos,


baseado em dois programas pioneiros na simulação termo energética de edifícios , BLAST
(Building Loads Analysis and System Thermodynamics), focado em desempenho térmico, e DOE-
2, focado em consumo energético da edificação. DOE-2 executa cálculos numéricos baseados
nos princípios fundamentais de balanço de massa e energia (1ª Lei da Termodinâmica) e permite
simulações integradas de cargas térmicas e sistemas em regime transiente.
As três partes principais da simulação - edifício, sistema e planta - são solucionadas
simultaneamente, o que proporciona resultados precisos de temperatura e predição de
conforto. Para fornecer o perfil de consumo energético e temperatura de uma edificação
durante todo o ano, o EnergyPlus integra uma série de módulos de cálculo para cada ambiente
e superfície e, assim, realiza uma simulação completa do balanço de massa e energia. O
programa EnergyPlus trabalha, basicamente, com três módulos: o gerenciador de equilíbrio de
calor entre superfícies, de aquecimento do ar e o de simulação dos sistemas construtivos.

98
O gerenciador de equilíbrio de calor entre superfícies e o de aquecimento do ar atua
nos módulos de balanço térmico de superfícies e ar, como também como uma interface entre o
balanço térmico. Enquanto o gerenciador de simulação dos sistemas construtivos encarrega-se
da comunicação entre os cálculos de balanço térmico e vários módulos e “circuitos” do sistema
de condicionamento de ar. O Energyplus permite, por meio de interfaces, introduzir dados sobre
a geometria de uma edificação; dos materiais utilizados na sua envoltória (opacos e
transparentes); perfil de ocupação, ou seja, número de pessoas que pode variar ao longo do
ano; potencial de equipamentos de iluminação, instalação e o perfil de uso; entre outros. Além
disso, é possível incluir informações sobre sistemas de climatização e de geração de energia -
geradores, células fotovoltaicas etc. Ele também permite avaliar o consumo diário, mensal ou
anual da edificação e, assim analisar os potenciais níveis de redução e uso racional de energia.
As características específicas para cada material usado na simulação estão resumidas
na Tabela 2, onde os dados de entrada no programa EnergyPlus podem ser avaliados e
comparados. As características são rugosidade, espessura, condutividade, densidade, calor
específico, emissividade, absortância solar e absortância visível.

6.2 Alternativas de Simulação

A definição das alternativas para simulação dos modelos do projeto fora determinada
a partir das recomendações da terceira parte da NBR 15220-3 (ABNT, 2005) para Zona Climática
Z3, na qual a cidade de Campinas está enquadrada. Pode-se definir o conforto térmico de um
determinado ambiente como a sensação de bem-estar experimentada por uma pessoa,
resultante da combinação satisfatória da temperatura radiante média, umidade relativa,
temperatura do ambiente e velocidade relativa do ar, vestimenta e atividade desenvolvida pelos
usuários. Vittorino (2005) afirma que “o desempenho térmico de uma edificação é função direta
do grau de conforto térmico de seus ocupantes, podendo ser considerado, também, o consumo
de energia necessário para climatizar a edificação”. Portanto, a avaliação do desempenho
térmico consiste na verificação das condições internas pelas respostas da edificação a ação
climática pelo lado externo e de fontes de calor internas devido ao uso conforme as exigências
de conforto térmico de seus usuários.
Como nesse estudo os modelos não possuem condicionamento térmico artificial, a
avaliação consiste em verificar se as respostas térmicas dos ambientes internos atendem às
exigências humanas de conforto térmico. Desta forma, a avaliação do desempenho térmico
estará em função das temperaturas internas. Importante ressaltar que esta verificação é feita
considerando a resposta global da edificação e não somente o comportamento térmico dos
elementos de fechamento isoladamente. Será analisado 4 diferentes cenários a partir da
composição dos materiais previamente estipulados: Modelo 1 (SSS), Modelo 2 (SSC), Modelo 3
(CCC) e Modelo 4 (CCS).
O Modelo 1 (SSS) considera a parede externa e interna em LSF e a cobertura em Telha
Shingle. O Modelo 2 (SSC) considera a parede Externa e interna em LSF e a cobertura em Telha
Cerâmica. O Modelo 3 (CCC) tem a parede externa e interna em alvenaria e a cobertura em Telha
Cerâmica. Finalmente, Modelo 4 (CCS) tem a parede externa e interna em alvenaria; e a
cobertura em Telha Shingle.

99
Tabela 2 -Características Físicas dos materiais usados para comparação de Eficiência Energética
Absort. Absort.
Esp. Cond. Den. Calor Esp. Emissiv.
Nome Rugosidade Solar Visível
(m) (W/ (m K)) (kg/m³) (J/ (kg K)) (-)
(-) (-)
Argamassa
Rugoso 0,01 1,15 2100 1000 0,8 0,2 0,2
10mm Branco
Argamassa
Rugoso 0,03 1,15 2100 1000 0,8 0,2 0,2
20mm Branco
Concreto
Médio rugoso 0,25 1,75 2200 1000 0,9 0,7 0,7
25mm
Concreto Laje
Rugoso 0,01 1,75 2200 1000 0,9 0,7 0,7
10mm
EPS Médio rugoso 0,04 0,04 1000 2,9 0,5 0,6 0,6
Filme foil
Liso 0,03 0,04 322 880 0,04 0,05 0,05
aluminizado
Lã de vidro
Rugoso 0,052 0,41 35 700 0,7 0,7 0,7
50mm
Lã de vidro
Rugoso 0,03 1,75 35 700 0,7 0,7 0,7
90mm
Laje de
concreto Médio rugoso 0,12 1,75 2200 1000 0,9 0,7 0,7
1200mm
Madeira Médio rugoso 0,02 0,05 608 1000 0,9 0,5 0,5
Membrana
Rígida 0,05 0,95 40 1400 0,45 0,7 0,7
hidrófuga
Placa
Meio Rugoso 0,01 0,95 2200 840 0,95 0,7 0,7
cimentícia
Placa de gesso
acartonado
Liso 0,2 0,25 825 1000 0,96 0,2 0,2
branco
12,5mm
Placa de XPS
Médio rugoso 0,03 0,04 38 1420 0,2 0,7 0,7
25mm
Placa de XPS
Médio rugoso 0,05 0,04 1000 1850 0,09 0,6 0,6
50mm
Placa de OSB
Médio rugoso 0,01 0,12 550 2300 0,82 0,7 0,7
11mm
Placa de OSB
Médio rugoso 0,02 0,12 550 2300 0,8 0,7 0,7
18mm
Subcobertura Rugoso 0,04 0,04 1000 1000 0,05 0,7 0,7
Telha de
Rugoso 0,03 1,05 2000 920 0,7 0,7 0,7
cerâmica
Telha Shingle Rugoso 0,01 0,15 1121,3 1256 0,8 0,7 0,7
Tijolo cerâmico Rugoso 0,03 0,9 2000 920 0,7 0,7 0,7
Fonte: Adaptado de NBR 15220 (ABNT, 2005).

6.3 Metodologia de avaliação para determinação de eficiência térmica das diferentes técnicas
construtivas

A metodologia de avaliação usada segue a apostila do LABEEE (LAMBERTS e DUARTE,


2016) e compara os indicadores de graus-hora de resfriamento (GHR) dos ambientes de
permanência prolongada da UH com os níveis de eficiência. As condições para modelagem do
sistema de ventilação natural são apresentadas na seção 7.
Para calcular a temperatura operativa horária, consideramos as condições do
indicador de graus-hora segundo a seguinte equação:
100
To= A. Ta +(1-A). Tr (1)

onde To é temperatura operativa horária (°C); Ta é temperatura do ar no ambiente (°C); Tr é


temperatura radiante média (°C); A é constante que varia com a velocidade do ar no ambiente
(Var, em m/s), conforme segue: A = 0,5 para Var ≤ 0,2 m/s; A = 0,6 para 0,2 m/s < Var ≤ 0,6 m/s;
A = 0,7 para 0,6 m/s < Var ≤ 1,0m/s. Na ausência de dados de velocidade do ar no ambiente deve
ser considerado o coeficiente da velocidade do ar de A = 0,5.
A temperatura base para o cálculo dos graus-hora de resfriamento é de 26o C. Através
da equação (2) calcula-se o indicador de graus-hora de resfriamento para a temperatura
operativa horária para cada ambiente de permanência prolongada:
𝐺𝐻𝑅 = ∑(𝑇0 − 26) (2)
onde GHR é indicador de graus-hora para resfriamento e 𝑇0 representa temperatura operativa
horária.

7. RESULTADOS

Como já mencionado anteriormente, a fim de se obter dados que pudessem ser


analisados de forma mais eficiente, o projeto foi compartimentado em cinco Zonas (Figura 3). A
Zona 2 e 3 foram as escolhidas para que a eficiência das técnicas construtivas pudesse ser
aprofundada e analisada por se tratar de cômodos com uma permanência, usos diferenciados e
de grande importância no cotidiano da maioria das famílias brasileiras. É importante lembrar
que foram usadas composições padrões para cada técnica construtiva no Brasil (Tabela 2).
As Figuras 2 a 4 apresentam os valores de desempenho obtidos pelas duas
composições de parede e as duas composições de telhado analisadas através do Energyplus.
Estes valores representam a temperatura operativa da Zona 2 em Solstício de inverno,
temperatura operativa na Zona 2 durante solstício de verão e o cálculo de graus hora em zona
2 durante o solstício de verão, para cada um dos modelos simulados (SSS, SSC, CCC e CCS).
Nas Figuras 2 e 3, observa-se que a temperatura operativa da Zona 2 com os sistemas
construtivos secos SSS e SSC, para todos os cenários e dias referentes aos de solstício de inverno
e verão, aumenta de 1,50 a 2,50 C em relação às técnicas construtivas úmidas. A Figura 5
apresenta a variação de Graus Hora de cada modelo simulado, comprovando que de fato a
eficiência energética das paredes LSF são mais baixas.
A partir dos resultados das Figuras 2 a 4, notou-se que os modelos que utilizam LSF na
composição, SSS e SSC, quando comparadas com as paredes de alvenaria nas técnicas
convencionais brasileiras, ficam em grande desvantagem na questão de eficiência térmica
devido às condições climáticas de Campinas, pois apresentam maiores temperaturas internas
ao longo do dia se comparado com as temperaturas internas resultantes das técnicas
convencionais. Outros estudos apresentam o LSF como uma opção factível de especificação em
um projeto no Brasil, como o estudo de Akutsu, Vittorino, Yoshimoto (2009) para a cidade de
Gramado.

Figura 2: Temperatura operativa - Zona 2 - Solstício de inverno

101
Fonte: Autoral - Dados extraídos do Energyplus

Figura 3: Temperatura operativa - Zona 2 - Solstício de verão

Fonte: Autoral - Dados extraídos do Energyplus

Figura 4: Graus Hora - Z2 - Solstício de verão

Fonte: Autora - Dados extraídos do Energyplus

102
A inércia térmica exerce uma influência reguladora nas flutuações da temperatura,
contribuindo com o conforto ambiental. A energia absorvida pela parede, aquece a superfície
mais externa das paredes e depois sua massa. Posteriormente, o calor migra através da parede
por condução, chegando à face interna depois de certo tempo, atua como defasador e
amortecedor das ondas de calor exteriores. As paredes de alvenaria, nesse caso, retardam por
várias horas a transmissão de calor. Isso nos leva a concluir que quando um material de alta
condutividade térmica como o aço é colocado em paralelo com um material isolante, a maior
parte da transferência de calor ocorre através do metal, por condução, caracterizando um efeito
conhecido por ponte térmica através do perfil em aço, ou thermal bridge. A ponte térmica reduz
a resistência térmica do painel e aumenta os gastos energéticos para aquecimento ou
resfriamento do ambiente (CAETANO, 2017). Isso explica o fato da variação de temperatura
entre o LSF e a parede cerâmica estar sendo tão diferente. O reboco térmico aplicado no exterior
dos painéis, conhecido nos Estados Unidos como EIFS, poderia posteriormente ser avaliado
como retardador das pontes térmicas. Trata-se de um sistema para reduzir os gastos com
energia. Enquanto o LSF não teve um resultado de eficiência térmica bom, a telha Shingle não
foi insuficiente.
O sistema construtivo Shingle foi capaz de reduzir a temperatura ambiente em alguns
graus conforme mostra a Figura 5, que apresenta uma pequena vantagem de 0,2 o comparada
com a técnica construtiva convencional.

Figura 5: Graus Hora - Z2 - Solstício de verão

Fonte: Autoral- Dados extraídos do Energyplus

Assim, sugere-se que novas pesquisas busquem alternativas para composição de uma
parede em LSF que procure alcançar melhor eficiência, visto que esta técnica construtiva é bem
versátil e bem adaptável. Ela trabalha com a composição de camadas e dessa forma consegue
ser adaptada para vários cenários climáticos, inclusive o de Campinas. Por ilustração, foram
geradas mais 3 paredes em LSF para que se pudesse perceber qual seria o melhor caminho para
alcançar a equiparidade energética com a alvenaria: um modelo sem isolamento térmico, um
modelo com melhor isolamento térmico, e um terceiro com outra técnica com maior grau de
isolamento, conforme a Figura 6.

103
Figura 6: Temperatura operativa - SSS na zona 2 (Solstício de Inverno)

Fonte: Autoral - Dados extraídos do Energyplus

8. CONCLUSÕES

Dentre as técnicas construtivas avaliadas, a que apresentou melhor resultado para ser
aplicada no cenário climático de Campinas foi o Telhado com Telha Shingle. Ele se mostrou ainda
mais eficiente que a telha cerâmica e por ser um sistema construtivo seco, permite ter sua
eficiência térmica ainda mais potencializada. Infelizmente o Light Steel Frame nas condições
estudadas não apresentou um desempenho bom e que estivesse dentro das normas. Contudo,
por ser um sistema versátil, ele pode ser otimizado a fim de se obter uma configuração ideal de
índice térmico. Ou seja, é prematuro descartar dessa técnica construtiva. Aconselha-se um
estudo mais aprofundado das possíveis composições das paredes de Light Steel Framing para
cenários climáticos como o de Campinas.

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TECNOLÓGICA, 2005, São Paulo. Anais do seminário Habitação: desempenho e inovação tecnológica. São Paulo:
IPT, 2005.

https://cetesb.sp.gov.br/ar/boletim-diario/

105
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( X ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ANÁLISE DA SITUAÇÃO HÍDRICA DO EIXO METRÓPOLE NORTE DO PARANÁ


(METRONOR), A PARTIR DO EFEITO SPRAWL INDUSTRIAL, OCORRIDO
DURANTE AS DÉCADAS DE 1970 E 1980.

ANALYSIS OF THE WATER SITUATION IN THE METRÓPOLE NORTE DO PARANÁ AXIS


(METRONOR), BASED ON THE INDUSTRIAL SPRAWL EFFECT THAT OCCURRED DURING
THE 1970S AND 1980S.

Arthur Faiotto Carneiro


Mestrando PPU, UEM, Brasil.
pg404579@uem.br

Leonardo Cassimiro Barbosa


Professor Doutor, UEM, Brasil.
lcbarbosa@uem.br

118
RESUMO
O presente artigo trata de uma análise, dos possíveis impactos hídricos ocasionados pelo efeito sprawl, na área
industrial do eixo Metropolitano Norte do Paraná - Metronor, durante as décadas de 1970 a 1980. Estando esta
pesquisa amparada em bases historiográficas e documentais, coletadas a partir do acervo do escritório do Metronor,
no LABDOC-UEL, em Londrina-PR. Busca-se investigar mais sobre esta complexa proposta de Metrópole Linear, no
norte do estado do Paraná, baseada no fomento à industrialização e provisão de infraestrutura. Tendo a
industrialização como diretriz para o desenvolvimento do Estado, os estudos para a proposição do Metronor
apresentaram diversos diagnósticos sobre a industrialização do território, os potenciais impactos nos recursos
hídricos e as diretrizes para mitigar estes impactos. Através desta investigação foi traçado um panorama do
espraiamento industrial presente no eixo do Metronor, em contraponto com as dificuldades hídricas observadas na
região, parte delas relacionadas ao plano de colonização que implantou os núcleos urbanos nas áreas de espigões.

PALAVRAS-CHAVE: Espraiamento. Expansão-industrial. Metronor.

ABSTRACT
This article refers to an analysis of the possible water impacts caused by the sprawl effect in the industrial area of the
Northern Metropolitano do Paraná - Metronor axis, during the 1970s and 1980s. The research is based on
historiographical and documental bases, which were collected from from the Metronor office collection, at LABDOC-
UEL, in Londrina-PR. The aim is to investigate more about this complex proposal of a Linear Metropolis, in the north
of the state of Paraná, based on the promotion of industrialization and provision of infrastructure. With
industrialization as a guideline for the development of the State, the studies for the Metronor proposal presented
several diagnoses about the industrialization of the territory, the potential impacts on water resources and the
guidelines to mitigate these impacts. Through this investigation, an overview of the industrial sprawl present on the
Metronor axis was drawn, in contrast to the water difficulties observed in the region, part of them related to the
colonization plan that implanted the urban centers in the areas of spikes.

KEY-WORDS: Sprawl. Industrial-expansion. Metronor.

119
INTRODUÇÃO

Durante a década de 1970, o Paraná viu acontecer uma inversão no padrão de


migração, principalmente o norte do estado, com a população rural diminuindo drasticamente
e a consequente concentração populacional nos centros urbanos. Tal processo foi ocasionado,
em grande parte, pela introdução de tecnologias no campo, que dispensou a grande massa de
mão de obra. Concomitantemente, o desenvolvimento da indústria assume a posição de
liderança no crescimento econômico, ultrapassando até mesmo a contribuição da agricultura.
O boom industrial dos anos 1970 ocorre em paralelo a uma modernização da agricultura, que
demanda dinamismo de outros setores, além da necessidade de infraestrutura econômica e da
mão de obra, que outrora veio do campo (FERREIRA, 1985).
Neste mesmo período, o governo do Paraná, adota um plano de desenvolvimento
regional voltado para a área compreendida entre Londrina e Maringá, que posteriormente foi
nomeado por eixo Metropolitano Norte do Paraná (Metronor). Região esta, localizada no norte
do estado, que passava a apresentar uma densidade populacional considerável e uma
infraestrutura relativamente desenvolvida, concentrando-se principalmente nas duas maiores
cidades, mas também se estendendo ao longo desse eixo para outros dez municípios (CUNHA,
2007).
O alastramento que ocorreu na mancha urbana, correspondente ao Eixo Metrópole
Norte do Paraná (METRONOR), durante as décadas de 1970 e 1980, foram pautadas pelo
crescimento demográfico, caracterizado pela expansão desordenada de áreas urbanas e o
fomento ao desenvolvimento industrial (sendo este último, o objeto inicial da pesquisa). Com
isso, face ao crescente processo de desenvolvimento econômico e social, é notório o uso cada
vez maior dos recursos naturais e em particular da água.
Para Bruegmann (2005) o processo de expansão industrial ocorre fora dos limites dos
centros urbanos estabelecidos. Geralmente, áreas periféricas, circundadas por rodovias e
preferencialmente por ambientes menos regulamentados. Desta forma, conforme o processo
de espraiamento das indústrias acontece, implicações significativas para o ambiente e a
qualidade de vida urbana começam a surgir, como poluição do ar, poluição da água e perda de
áreas naturais, além é claro da qualidade de vida das pessoas.
Tendo em vista os fatos mencionados, este artigo tem como principal objetivo uma
análise dos efeitos da situação hídrica ocasionados pela expansão industrial no território do eixo
Metrópole Norte do Paraná (Metronor), durante as décadas de 1970 e 1980. De maneira mais
específica, buscou-se, compreender o potencial do impacto industrial, na poluição dos cursos
d’agua e associando aos desequilíbrios inter-regionais em relação as suas proximidades, levando
em consideração a preocupação com o abastecimento dos municípios que compunham esse
eixo, em função da carência de disponibilidade de água que a região enfrentav a.
Com relação a metodologia, o trabalho foi estruturado abordando a discussão de
textos que contextualizam o Brasil e o Paraná em aspectos urbanos, demográficos e industrial
com a chegada dos anos 1970 (início do projeto Metrópole Norte do Paraná). Com ênfase na
análise dos documentos do projeto Metrópole Norte do Paraná (Metronor) , coletados no acervo
do escritório do Metronor, presente no acervo do Laboratório de Documentação Arquitetônica
e da Construção Civil – Luis César da Silva (LABDOC), na Universidade Estadual de Londrina (UEL),
voltados para o saneamento e sua relação com a expansão industrial. Tratando-se, portanto, de

120
um trabalho de abordagem historiográfica, no qual o procedimento adotado é a revisão
bibliográfica e análise documental.

OBJETIVOS

O objetivo principal é analisar os efeitos da situação hídrica ocasionados pela expansão


industrial, no território eixo Metrópole Norte do Paraná (Metronor), durante as décadas de 1970
e 1980. Como objetivos de natureza específica, busca-se:
• Analisar a distribuição industrial no eixo Metronor;
• Verificar a capacidade hídrica frente a urbanização e industrialização no eixo Metronor.

METODOLOGIA/MÉTODO DE ANÁLISE

O procedimento metodológico desenvolvido para esse trabalho foi de revisão


bibliográfica como aporte teórico, onde foram consultados livros, teses, dissertações e artigos
de periódico, principalmente buscando correlacionar a relação da ocupação industrial com o
processo de urbanização, nos centros urbanos. Através desses subsídios, buscou-se obter
histórico em relação a ocupação da região norte do Paraná (colonização da CTNP/CMNP) para
melhor situar o que foi o METRONOR, em especial, o papel da indústria na proposta de
desenvolvimento metropolitano deste eixo.
Em seguida realizou-se o levantamento de dados no Acervo do Escritório do Metronor,
presente no LABDOC, localizado na Universidade Estadual de Londrina–PR. Os documentos
foram selecionados e posteriormente escaneados para que, num segundo momento, pudessem
ser averiguados, com a extração de dados referentes ao fomento da industrialização e ao
impacto ambiental causado nos eixos hídricos.
Por fim, após a coleta e escâner dos documentos, foi possível averiguar de forma
sistemática, os dados apresentados pelo documento ‘’Meio Ambiente e Saneamento’’ no qual
foi possível correlacionar, através de comparativos, a distribuição dos municípios por
subsistemas (1 - Ibiporã, Londrina e Cambé. 2. Rolândia e Arapongas 3. Apucarana, Cambira e
Jardim do Sul 4. Mandaguari, Marialva, Maringá e Paiçandu), zonas dos polos de industrialização
do eixo (Zonas de Uso Estritamente Industrial - ZUEI e Zonas de Uso Predominantemente
Industrial – ZUPI) e suas respectivas observações. Em outro momento do documento, foi
relacionado a distribuição das diversas atividades industriais por categoria (1. Papel e papelão /
2. Couro, peles e produtos similares / 3. Química / 4. Têxtil / 5. Produtos alimentares / 6. Bebidas)
e suas respectivas quantidades distribuídas ao longo do eixo, e o número de efluentes
descartado diariamente por cada uma dessas empresas, nos recursos hídricos (PARANÁ,1982).

RESULTADOS

1. O ESPRAIAMENTO INDUSTRIAL COMO PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO PARANÁ

No final dos anos 1960, segundo Ferreira (1975), o Paraná testemunhou


transformações regionais significativas, que resultaram em um expressivo êxodo rural. A
contínua e indiscriminada exploração dos recursos naturais desde os primeiros estágios de
colonização, a exaustão das terras vazias devido às limitações impostas pelas condições

121
climáticas e geográficas do estado, bem como as geadas intensas ocorridas em 1951 e 1955,
juntamente com uma gradual mudança no uso da terra, convergiram para fatores que alteraram
as dinâmicas das relações de produção e trabalho, tais como:
(I) A eliminação de plantações de café, financiada pelo Governo, entre 1962 e 1967; (II)
A implementação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963, o qual reestruturou
completamente as relações de trabalho no campo e liberou centenas de milhares de
trabalhadores rurais; (III) A extensa mecanização e adoção de insumos modernos, impulsionados
pelas facilidades de crédito (em 1960, havia 5.181 tratores no Paraná, de acordo com o IBGE,
enquanto em 1970 esse número já havia aumentado para 17.190 tratores); (IV) O aumento
notável na produção de soja (de aproximadamente 20.000 toneladas em 1963, para uma cifra
de 4.500.000 toneladas em 1976);(V) A expansão das áreas de pastagem (de 1.060.497 hectares
em 1961 para 2.369.590 hectares em 1971); (VI) A ampliação dos trabalhadores temporários,
anteriormente colonos de fazendas de café ou até mesmo pequenos proprietários, que
passaram a conviver com meeiros, arrendatários, entre outros (FERREIRA, 1975).
Isso levou o Paraná a registrar a mais alta taxa negativa de crescimento da população
rural durante a década de 1970, sinalizando uma migração substancial da zona rural para a área
urbana. Concomitantemente a essas alterações demográficas, o estado experimentou um
notável aumento na atividade industrial, buscando superar o foco na agricultura e expandindo
sua presença de maneira significativa em âmbito nacional. Vale ressaltar que a produção
paranaense dobrou sua contribuição no panorama nacional entre 1970 e 1980 (FERREIRA, 1975).
Da produção de café, que tradicionalmente absorvia uma grande quantidade de mão-
de-obra, o Norte do Paraná fez a transição para uma atividade que demandava menos
trabalhadores, representada pelo cultivo de soja e trigo (na safra 79/80, a área cultivada com
soja alcançou 2.410.000 hectares). Além disso, houve um rápido crescimento na extensão das
áreas de pastagem na região. Essas mudanças não apenas afetaram a estrutura produtiva, mas
também provocaram alterações profundas em toda a configuração social. O crescimento
industrial expressivo dos anos 1970 foi acompanhado por uma modernização na agricultura, que
por sua vez exigia um dinamismo complementar de outros setores. Isso era facilitado pela
presença de uma infraestrutura econômica e de mecanismos institucionais que estavam em
processo de modernização e consolidação (FERREIRA, 1975).

2. A INDUSTRIALIZAÇÃO COMO FATOR DECISIVO PARA A METRÓPOLE NORTE DO PARANÁ


(METRONOR)

Nos anos 1970, as cidades que faziam parte do eixo entre Londrina e Maringá
possuíram certa relevância como área setentrional do Estado. Com mudanças ocorridas nesse
período na paisagem regional, especialmente a migração das áreas rurais e as aglomerações
agroindustriais geradas pela modernização agrícola, que resultaram em uma progressiva
concentração na rede urbana. Através desse processo, algumas cidades experimentaram um
crescimento notavelmente superior à média das outras aglomerações urbanas da região
(CUNHA, 2007).
Para Beloto (2015), o objetivo da concentração em torno das cidades de Londrina e
Maringá, era estabelecer a construção ordenada e integrada de uma metrópole. Esse plano
envolvia fortalecer os fatores que impulsionavam a expansão urbana e industrial de maneira
linear, direcionando esse crescimento ao longo de um eixo de transporte combinando rodoviário

122
e ferroviário. Esse esforço buscava alcançar um entrelaçamento coeso das áreas urbanas ao
longo desse eixo, com cada cidade, inicialmente autônoma, se transformando em subcentros da
metrópole linear. Por meio da harmonização entre os núcleos urbanos, as zonas industriais e o
eixo de transporte, a intenção era construir uma cidade única e integrada.
A Metrópole Norte do Paraná, denominada Metronor, era composta por um total de
12 cidades e 2 distritos, organizados em uma sequência contínua. Essas localidades eram
Ibiporã, Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana, Pirapó, Cambira, Jandaia do Sul,
Mandaguari, Marialva, Sarandi e Maringá, além de Paiçandu. Naquela época, Sarandi ainda era
um distrito de Marialva, embora fizesse parte da área urbana de Maringá, enquanto Pirapó
permanecia como distrito de Apucarana. Segundo o censo demográfico de 1980, a população
urbana do Eixo Norte somava 702.244 residentes, correspondendo a quase 16% da população
urbana do estado como um todo. Durante a década de 1970, a população aumentou em cerca
de 65% (BELOTO, 2015).
A região situada entre Londrina e Maringá configura-se como o segundo polo industrial
mais significativo do estado. Durante as décadas estudadas, essa área testemunhou a
diminuição da predominância da agricultura que anteriormente a caracterizava. Como já
descrito anteriormente, em seu lugar, surgiu um movimento crescente de ocupação industrial,
com a finalidade de explorar o vasto potencial de desenvolvimento da região. No entanto, para
impulsionar essa ocupação, era essencial que fosse conduzida de maneira a não comprometer
a integridade dos recursos hídricos (PARANÁ,1982).
Como descrito no Plano Diretor do Eixo Londrina-Maringá (PARANÁ, 1980), a
preocupação com a poluição dos recursos hídricos, causados principalmente pela
industrialização era um dos fatores mais importantes do espraiamento industrial da região. Pois
as cidades localizavam-se sobre o principal divisor de águas desse eixo, o que refletiria no
abastecimento de água para as cidades.

O uso urbano passou a avizinhar-se das inúmeras nascentes de cursos de água da


região, o que veio a provocar processos erosivos, de poluição de fundos de vale e a
dificuldades para o abastecimento de água domiciliar e industrial, dado o afastamento
dos caudais necessários. Além do fato de muitas cidades começarem a poluir os
mananciais onde outras captam água mais a jusante (PARANÁ, 1980).

No Termo de Referências de 1979, que delineava as orientações para a organização do


espaço metropolitano, uma ênfase particular foi dada à consideração criteriosa de uma série de
problemas relacionados à distribuição das várias funções urbanas tanto dentro de cada núcleo
urbano individual, como em todo o subsistema urbano. Uma das áreas de preocupação
destacadas era "a localização de zonas, áreas e distritos industriais". Além disso, entre as
medidas destinadas a alcançar um "equilíbrio metabólico" entre as cidades e o ecossistema,
houve uma atenção específica à questão da destinação do esgoto, especialmente o de origem
industrial, que se liga aos programas especiais para a preservação de mananciais e fundos de
vale (PARANÁ, 1979).

3. ANÁLISE DOS DADOS INDUSTRIAIS x RECURSOS HÍDRICOS

No primeiro momento, o documento aprofundado "Meio Ambiente e Saneamento",


destaca que, para facilitar o ordenamento industrial no território investigado, é realizado um
agrupamento das cidades que fazem parte do eixo, por características industriais e que

123
apresentem os desequilíbrios inter-regionais congêneres, semelhantes em subconjuntos. Isso
desempenhou um papel na determinação das áreas para expansão industrial, como parte de
uma abordagem integrada para organização territorial. Nesse sentido, os municípios que faziam
parte desse Eixo foram subdivididos em quatro subconjuntos ou subsistemas (PARANÁ, 1982).
A seguir, serão apresentados os subsistemas propostos pelo documento e o respectivo
diagnostico realizado a partir dos dados coletados e analisados:
No subsistema 01 (figura 01), formado pelos municípios de Ibiporã, Londrina e Cambé,
ficou constatado que Ibiporã, possui as melhores condições para localização de
estabelecimentos industriais de médio e alto potencial poluidor. Área com características de
receber indústrias de grande consumo de água (PARANÁ, 1982).
Rolândia e Arapongas formam o subsistema 02 (figura 01). Para Rolândia, a área
industrial que se fortaleceu ao longo da rodovia da PR-177, possui um agravante com o descarte
industrial em ribeirões que abastecem a cidade. Já Arapongas desenvolvendo seu parque
industrial ao longo da BR-369, possuindo recursos hídricos superficiais mínimos para seus
efluentes (PARANÁ, 1982).
O subsistema 03 (figura 01) tem Apucarana, Cambira e Jandaia do Sul. Apucarana
possui área bem selecionada com proteção de qualidade ambiental, mas limita-se pela
disponibilidade de água para sua expansão. Cambira e Jandaia do Sul apresentam mais grave a
falta de recursos hídricos (PARANÁ, 1982).
Mandaguari, Marialva, Maringá e Paiçandu formam o subsistema 04 (figura 01), em
que todas as cidades possuem falta de água tanto para o abastecimento, como para
afastamento e diluição dos despejos. Marialva e Maringá apresentam o espraiamento urbano,
próximo as áreas industriais (PARANÁ, 1982).

FIGURA 01 – Mapa referente a divisão por subdivisões de áreas industriais, das cidades que compunham o eixo
Metronor

Fonte: Alterado pelo autor, 2023.

124
As bacias hidrográficas que abastecem as cidades do eixo, são compostas pelas bacias
dos rios: Tibagi (6,1342m³), Pirapó (2,955 m²), Ivaí (3,4759m³) e Paranapanema 3 (1,1161m³). As
vazões estão difundidas em toda a área do Eixo e nem sempre dentro das regiões desejáveis a
expansão da atividade industrial aconteceu. Com isso, os núcleos urbanos estão sempre
localizados nos divisores de água, evidenciando que os recursos hídricos disponíveis, sejam
mínimos e deficitários, sendo isso consequência do resultado do plano de colonização da
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) que adotou os espigões como eixo central
da rede de cidades e do transporte rodoferroviário (PARANÁ, 1982).
Dentre os dados coletados, observa-se claramente que a carência na disponibilidade
de água é o fator primordial que influencia o progresso da atividade industrial na região
compreendida entre Londrina e Maringá. Isso se deve ao fato de que todas as cidades estão
situadas na divisória de águas, sendo frequentemente alimentadas pelas nascentes dos
principais rios que contribuem para as bacias hidrográficas do Ivaí, Tibagi e Pirapó (PARANÁ,
1982).
A bacia do Tibagi recebe a maior carga poluidora, enquanto a do Paranapanema 3
recebe a menor contribuição de dejetos. A carga total incidente equivale a 56,2%
correspondente aos despejos industriais (PARANÁ, 1982).
Considerando a capacidade de geração de água superficial de toda a área do eixo, para
todos os rios, a carga máxima incidente não poderia ultrapassar 5.500 kg DBO/dia, ou seja, o
equivalente a aproximadamente 100 mil pessoas. A observação descrita referencia-se na
distribuição homogênea das cargas em todos os corpos receptores, o que coloca em evidência
as cargas municipais (PARANÁ, 1982).
O mesmo documento, enfatiza a insuficiência de dados fundamentais relacionados à
qualidade ambiental, fornecimento de água e outros estudos, que agregariam análises mais
aprofundadas e detalhadas, visto que a expansão da atividade industrial estava ocorrendo de
forma significativa e esses estudos aprimorariam os trabalhos de conservação e mitigação do
setor. (PARANÁ, 1982).

3.1. Poluição por gêneros industriais

Visto a situação hídrica que vivenciava a região e a preocupação ambiental, a


Superintendência dos Recursos Hídricos e Meio Ambiente ( SUREHMA), desde 1973,
acompanhou e fiscalizou industrias que possuíam grande potencial poluidor no Eixo. Desta
forma, foram identificadas que essas empresas englobavam os seguintes gêneros: Papel e
Papelão; Couros, Peles e Produtos Similares; Química; Têxtil; Produtos Alimentares e Bebidas
(PARANÁ, 1982).
Conforme poderá ser observado no Quadro 1, desenvolvido para a análise
comparativa, no qual foram descritos o ramo da produção industrial, a quantidade de industrias
desse gênero ao longo do espigão, a quantidade de descarte poluidores em KG de DBO por dia
e em alguns casos, algumas observações de destaque:

125
Quadro 1 – Gêneros Industriais
INDUSTRIA QUANT. CORPOS RECEPTORES OBSERVAÇÕES
KG DE DBO/DIA LANÇADO
• Córrego Jurubá (Afluente do Rio Taquara)
– 55kg DBO/dia
Papel e Papelão 1
Representa 0,22% da carga total industrial
lançada nas quadro bacias da região.
• Córrego Jaira – 176 Kg DBO/dia
• Córrego Arlindo – 06 Kg DBO/dia
• Ribeirão Cambé – 150 Kg DBO/dia
Couro, Peles e • Córrego Araranguá – 19 Kg DBO/dia • Total dos curtumes cadastrados 5 são
Produtos 8 • Ribeirão Biguaçu – 783 Kg DBO/dia de médio porte e 3 são de pequeno
Similares • Rio Bandeirantes do Sul – 20 Kg DBO/dia porte.
• Rio Vermelho – 979 Kg DBO/dia
Total: 2133 Kg de DBO/dia.
Carga representa 8,58% do total.
• Córrego Juruba – 01 Kg DBO/dia
• Ribeirão Quati – 253 Kg DBO/dia
• Ribeirão Jacutinga – 39 Kg DBO/dia
• Ribeirão Engenho de Ferro – 144 Kg • Industrias de extração de óleos vegetais
DBO/dia bruto, compõe o gênero de indústrias
Química 10
• Rio Bandeirantes do Sul – 21 Kg DBO/dia químicas, sendo que todas possuem
• Ribeirão Esperança – 04 Kg DBO/dia tratamento de efluente industrial.
• Rio Marialva – 05 Kg DBO/dia
Total: 467 Kg DBO/dia
Carga representa 1,88% da carga total.
• Ribeirão Cambé – 1831 Kg DBO/dia
• As de beneficiamento de rami são
• Ribeirão Quati – 47 Kg DBO/dia
responsáveis por 97% da carga do
Têxtil 2 • Ribeirão Três Bocas – 476 Kg DBO/dia
gênero. É o terceiro maior poluidor do
Total: 2.354 kg de Kg DBO/dia
eixo.
Carga representa 9,47% da carga total.
• Ribeirão Raposa – 28 Kg DBO/dia
• Córrego Ouro Fino – 2.232 Kg DBO/dia
• Ribeirão Cambé – 2.073 Kg DBO/dia
• É o gênero que indica a vocação
• Ribeirão Quati – 3.651 Kg DBO/dia
industrial da região;
• Ribeirão Lindóia – 60 Kg DBO/dia
• Encontram-se cadastradas 1 indústria
Produtos • Córrego Arquibaldo – 45 Kg DBO/dia
14 de óleos vegetais, 5 laticínios, 4
Alimentares • Rio Chapecó – 1.934 Kg DBO/dia
frigoríficos, 1 usina de açúcar, 1
• Córrego Cleópatra – 3.360 Kg DBO/dia
abatedouro de aves, 1 indústria de café
• Córrego Moscados – 1.251 Kg DBO/dia solúvel e 1 farinha de ossos.
• Rio Bandeirantes do Sul – 1.267 Kg
DBO/dia
Total da carga: 63,95%
• 4 fabricas de refrigerante, 1 de
aguardente;
• O gênero de bebidas é o segundo mais
poluidor da região devido à presença
de 2 industrias (cervejaria e
• Ribeirão Cambé – 400 Kg DBO/dia aguardente) responsáveis por 78% da
• Córrego Limoeiro – 2.400 Kg DBO/dia carga total do gênero.
• Ribeirão das Pedras – 378 Kg DBO/dia • A carga poluidora industrial
• Ribeirão Três Bocas – 702 Kg DBO/dia
Bebidas 6 representada pelas industrias
• Ribeirão Esperança – 43 Kg DBO/dia
cadastradas pela SUREHMA, é
• Córrego Buriqui - 29 Kg DBO/dia
responsável por 70% da carga
Total: 3.952 kg de Kg DBO/dia
poluidora industrial. Sendo assim
Carga representa 15,9% da carga total.
restam 30% da carga poluidora, cerca
de 10.655 Kg DBO/dia, a qual é lançada
por pequenas industriais, nos diversos
corpos receptores do eixo.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2023.

126
Observou-se que destes gêneros, 50% lançavam mais de 100 Kg de DBO/dia e 9 (nove)
eram responsáveis por lançamentos acima de 1000kg de DBO/dia. Os 30% de carga poluidora
industrial restantes, estavam vinculadas por um grupo grande e relevante de pequenas
indústrias, que apesar de estarem enquadradas nos gêneros de indústrias potencialmente
poluidoras, unitariamente não eram tão representativas. Uma observação de destaque é que
dentro das cadastradas, algumas apresentavam sistemas de tratamento de efluentes
implantados e em funcionamento.

3.2 Distribuição da carga poluidora por município

Com o objetivo de refinar ainda mais a análise, foi desenvolvido, a seguir um segundo
quadro comparativo (quadro 2), ilustrando a carga poluidora por municípios, descrevendo os
gêneros industriais e suas respectivas quantidades, por fim algumas observações.

Quadro 2 – Carga poluidora por municípios


MUNICÍPIOS GENEROS OBSERVAÇÃO
Londrina • 1 – Couros e Peles e Produtos Similares; • 17 industrias.
• 4 – Têxteis;
• 8 – Produtos Alimentares;
• 4 – Bebidas.
Carga: 12.361Kg DBO/dia

Maringá • 4 – Químicas; • 9 Industrias.


• 4 – Produtos Alimentares;
• 1 – Bebidas.

Carga: 7.862 Kg DBO/dia


Apucarana • 1 – Papel e Papelão; • 7 Industrias.
• 3 – Couro, Peles e Produtos Similares;
• 1 – Química;
• 2 – Produtos Alimentares.
Carga: 3.294Kg DBO/dia.
Rolândia • 1 – Couro, Peles e Produtos Similares. • 1 Industria.
Carga: 979Kg DBO/dia
Ibiporã • 1 – Produtos Alimentares; • 2 Industrias.
• 1 Química.
Carga: 204Kg DBO/dia.
Mandaguari • 1 – Produtos Alimentares. • 1 Industria.
Carga: 45Kg DBO/dia
Paiçandu • 1 – Couro, Peles e Produtos Similares • 1 Industria.
Carga: 20Kg DBO/dia
Arapongas • 2 – Couro, Peles e Produtos Similares • 2 Industrias.
Carga: 6 Kg DBO/dia
Cambé • 2 Químicas; • 3 Industrias.
• 1 Bebidas.
Carga: 45Kg DBO/dia
Marialva • 1 – Química; • 1 Industria.
Carga: 5Kg DBO/dia
Fonte: Elaborado pelo autor, 2023.

Deste modo, vale a pena reforçar que Londrina e Maringá, as duas maiores cidades da
área em estudo, eram os municípios mais industrializados do eixo, o que tornava preocupante

127
a totalização da carga diária de despejos hídricos. Apresentando índices de poluição industrial
em torno de 12.361Kg DBO/dia (Londrina) e 7.862 Kg DBO/dia (Maringá), ambas cidades
ultrapassavam a carga recomenda, que não poderia ultrapassar 5.500 kg DBO/dia. Em seguida,
o município de Apucarana, que também apresentava número expressivo de indústrias, mas com
carga poluidora ainda dentro do recomendado, em torno de 3.294Kg DBO/dia. Na sequência
tinha-se Cambé, Arapongas, Ibiporã, Rolândia, Mandaguari, Paiçandu e Marialva com cargas
inferiores a 1000kg DBO/dia.

CONCLUSÃO

A pesquisa constatou, como principal aspecto levantado, a carga poluidora industrial,


refletida nos recursos hídricos, das cidades que compõem o eixo Metropolitano Norte do
Paraná, nas décadas de 1970 e 1980. Assim, desta forma, as transformações observadas no
cenário físico da região analisada, são justificadas, em função do contínuo avanço do progresso
econômico e social, no qual acaba-se por resultar na utilização cada vez mais acentuada dos
elementos naturais, neste caso, da água. Essas mudanças surgem principalmente em
decorrência do aumento da população, da expansão caótica de zonas urbanas e também do
rápido desenvolvimento industrial.
Em razão das grandes mudanças, em pouco tempo, observadas no território que
compreende o eixo Metronor, nas décadas analisadas, conclui-se que, a rápida expansão
industrial é um dos fatores que colocaram em risco, os cursos d’agua que abastecem os
municípios do eixo. Visto que, a região analisada, já apresentava dificuldades hídricas em função
do plano de colonização que implantou os núcleos urbanos nas áreas de espigões. Sendo
justamente a água, a válvula que movimenta qualquer atividade industrial. Neste caso, os
estudos iniciais do projeto Metronor, tiveram o seu direcionamento base, em função d as
necessidades da expansão cada vez maior da indústria, paralelamente a preocupação com a
carência hídrica que a região enfrentava.
Ademais, foi observado, através dos quadros comparativos (Quadro 1 e 2), o forte
poder poluidor das indústrias, principalmente, as indústrias de gêneros alimentícios, que
representavam 63,95% de toda a carga poluidora, estando elas distribuídas justamente, nas
duas maiores cidades do eixo, Londrina e Maringá, contribuindo para que ambas as cidades,
apresentem cargas de efluentes, superiores ao recomendado, que é 5.500 kg DBO/dia, estando
Londrina com 12.361Kg DBO/dia e Maringá com 7.862 Kg DBO/dia.
Neste sentido, a pesquisa observou através de descrições dos próprios documentos
analisados, a necessidade de complementação de mais informações para uma análise mais
aprofundada. Esses dados essenciais seriam indispensáveis para uma verificação com mais
detalhamentos. O que não se pode negar, é que a expansão industrial na área em estudo, foi
notavelmente importante, o que tornou vital a implementação imediata de estratégias para
supervisionar e manter a qualidade dos recursos hídricos, com o objetivo de aprimorar as
estratégias operacionais das industrias.

REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

BELOTO, Gislaine Elizete. Da região à metrópole: o território desenhado pelos modelos conceituais. USP. São
Paulo. 2015.

BRUEGMANN,R. Sprawl: a compact history. Chicago: University of Chicago, 2005.

128
CUNHA, Fábio C. A. da. Metronor – Metrópole Linear Norte do Paraná: Um Resgate do Planejamento Regional no
Norte do Paraná nas décadas de 1970 e 1980. Geografia - v. 16, n. 1, jan./jun. 2007 – Universidade Estadual de
Londrina, Departamento de Geociências.

FERREIRA, Yoshiya Nakagawara. A industrialização e urbanização no Paraná. Revista Geografia Londrina, UEL,
Londrina, v. 3 n. 3, p. 113-128, 1985.

PARANÁ. Governo do Estado. Secretaria de Estado do Planejamento. Coordenadoria de Estudos e Projetos.


METRONOR: Plano Diretor do Eixo Londrina-Maringá. Curitiba, 1980.

PARANÁ. Governo do Estado. Superintendência dos Recursos Hídricos e Meio Ambiente (SUREHMA). METRONOR:
Meio Ambiente e Saneamento. Curitiba, 1982.

PARANÁ. Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Aspectos Políticos Institucionais da organização do


espaço metropolitano do eixo Londrina-Maringá. Curitiba, 1979.

129
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( X ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ANÁLISE DO ZONEAMENTO URBANO E OFERTA DE SERVIÇOS


SOCIOAMBIENTAIS NA LAGOA DA CONCEIÇÃO, FLORIANÓPOLIS - SC

ANALYSIS OF URBAN ZONING AND THE PROVISION OF SOCIO-ENVIRONMENTAL


SERVICES IN LAGOA DA CONCEIÇÃO, FLORIANÓPOLIS - SC

Vitor Duarte Lima


Bacharel em Engenharia Civil, UFSC, Brasil
vitorduarte_l@hotmail.com

Gabriela Ferreira Ávila


Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, UFSC, Brasil
gabrielaavi@outlook.com

Rachel Lopes Fernandes Fonseca


Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, UFSC, Brasil
rachellopesfernandes@gmail.com

130
RESUMO
A crescente globalização da urbanização constantemente redefine a interação entre ambientes urbanos e naturais,
um desafio para atingir o desenvolvimento sustentável. A emblemática Lagoa da Conceição em Florianópolis/SC
exemplifica essa complexa situação, onde a expansão urbana se entrelaça intimamente com os desafios
socioambientais. Este artigo tem como objetivo examinar a relação entre o zoneamento urbano e a oferta de serviços
socioambientais, enfocando a delimitação de áreas urbanizáveis e seu impacto na qualidade de vida e
sustentabilidade das cidades. O método adotado buscou integrar na análise a relação do Plano Diretor com o
fornecimento e manutenção de serviços socioambientais à sociedade. Dessa forma, realizou-se uma composição e
quantificação de mapas específicos do Distrito da Lagoa da Conceição. O enfoque esteve nas áreas de Área
Comunitária Institucional (ACI) e Área Verde de Lazer (AVL) e suas contribuições para os serviços
ecossistêmicos/ambientais e sociais. Essas áreas demonstram potencial para melhorar o bem-estar da população e a
sustentabilidade da região. Entretanto, observa-se uma disparidade entre os espaços de convivência social, lazer e
utilidade pública em comparação com os espaços voltados ao uso individual. Isso ressalta a necessidade de reavaliar
o planejamento urbano para preservar a identidade sociocultural ainda presente na área. O estudo ressalta a
importância de áreas públicas acessíveis e verdes para o bem-estar da população e a sustentabilidade urbana. Suas
conclusões têm o potencial de informar políticas urbanas que promovam um desenvolvimento mais harmonioso e
equitativo, considerando a identidade local e a qualidade de vida

PALAVRAS-CHAVE: Desenvolvimento Sustentável. Plano Diretor. Planejamento Urbano. Lagoa da Conceição.

ABSTRACT
The growing globalization of urbanization continually redefines the interaction between urban and natural
environments, posing a challenge to achieve sustainable development. The emblematic Lagoa da Conceição in
Florianópolis/SC exemplifies this intricate situation, where urban expansion intricately intertwines with socio-
environmental challenges. This article aims to examine the relationship between urban zoning and the provision of
socio-environmental services, focusing on the delineation of urbanizable areas and their impact on quality of life and
city sustainability. The adopted method sought to integrate the analysis of the Master Plan with the supply and
maintenance of socio-environmental services to society. In this way, a composition and quantification of specific maps
of the Lagoa da Conceição District were carried out. The focus was on the Community Institutional Area (ACI) and the
Green Leisure Area (AVL) and their contributions to ecosystem/environmental and social services. These areas
demonstrate potential to enhance the well-being of the population and the region's sustainability. However, a
disparity is observed between spaces for social interaction, leisure, and public utility as compared to those catering to
individual use. This highlights the need to reevaluate urban planning to preserve the sociocultural identity still present
in the area. The study underscores the importance of accessible public and green spaces for population well-being and
urban sustainability. Its findings have the potential to inform urban policies that promote a more harmonious and
equitable development, considering local identity and quality of life.

PALAVRAS-CHAVE: Sustainable Development. Master Plan. Urban Planning. Lagoa da Conceição.

131
1 INTRODUÇÃO

O crescente processo globalizado de urbanização e a complexidade de seus problemas


socioambientais apontam um desafio para atingir o conceito de desenvolvimento sustentável
baseado no tripé: desenvolvimento econômico, proteção ambiental e responsabilidade social
(CANDIDO et al., 2021).
Segundo Higashi (2006), a concentração urbana ocorre quase que exclusivamente
pelas razões especulativas de mercado que vêm ignorando as reais potencialidades e limitações
das áreas a serem ocupadas, de modo a propiciar a ocupação de regiões de alta fragilidade
ambiental.
No contexto do desenvolvimento urbano, a formulação de estratégias para a
organização do espaço físico das cidades se faz imperativa, sendo respaldada por instrumentos
legais de planejamento (ANDRADE, 2013). Esse planejamento, entretanto, não pode ser
abordado de forma isolada. Pelo contrário, requer uma abordagem multidisciplinar que
considere os diversos aspectos sociais e ambientais, buscando reduzir impactos negativos e
aprimorar a qualidade de vida da população.
Nesse cenário, o Plano Diretor emerge como um instrumento central definido pelo
Estatuto das Cidades, englobando um conjunto de princípios e diretrizes que guiam a ação dos
atores envolvidos na construção e uso do espaço urbano (BRASIL, 2001). O Plano Diretor
abrange aspectos como o desenvolvimento socioambiental, o ordenamento do uso e ocupação
do solo, o acesso a infraestruturas e serviços públicos essenciais (ANDRADE, 2013). Através
deste mecanismo, o zoneamento urbano é estabelecido, demarcando áreas propícias ou
restritas para a urbanização. Dentro das áreas urbanizáveis, uma distinção é estabelecida entre
aquelas destinadas ao uso privado e ao uso público. É precisamente nesse contexto que esta
pesquisa se insere, buscando uma compreensão aprofundada do zoneamento urbano, com um
foco particular na disponibilidade de serviços socioambientais.
Neste artigo, objetivamos examinar o planejamento urbano através da intersecção
entre o zoneamento urbano e a sua oferta de serviços socioambientais, lançando luz sobre a
maneira como as áreas urbanizáveis são delimitadas e como essas delimitações podem
influenciar a qualidade de vida e a sustentabilidade das cidades. Ao adentrar nesse domínio,
almejamos contribuir para a elaboração de estratégias de planejamento urbano mais robustas
e bem-informadas, que harmonizem as necessidades socioambientais em constante evolução
com o crescimento urbano.

2 METODOLOGIA

Para analisar o zoneamento urbano do Distrito da Lagoa da Conceição, com ênfase na


sua oferta dos serviços ambientais, por meio da Área de Preservação Permanente (APP), e da
manutenção dos serviços sociais, por meio da Área Comunitária Institucional (ACI) e da Área
Verde de Lazer (AVL), foram adotados como procedimentos metodológicos o levantamento
bibliográfico a partir de fontes primárias e secundárias, seguido da composição e a quantificação
de dois mapas com foco nas áreas do distrito da Lagoa da Conceição em que se localizam os
zoneamentos correspondentes de ACI e AVL.

2.1 Caracterização da área de estudo

132
O Distrito da Lagoa da Conceição (Figura 1) apresenta uma área aproximada de 53,83
km² e localiza-se na região centro-leste da Ilha. Por possuir uma conexão com o mar, o Canal da
Barra, permitindo a entrada de água salina, a lagoa é classificada como laguna semifechada. A
região concentra remanescentes da Mata Atlântica, dunas, restingas, além de fauna e flora
características da ilha (VAZ, 2008). Estes fatores, aliados à elevada qualidade de vida, têm
ocasionado um forte contingente migratório na região.

Figura 1 – Localização da área de estudo correspondente ao Distrito da Lagoa da Conceição, sem escala

.
Fonte: AUTORES, 2023

3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Urbanização e desenvolvimento sustentável

Assim como o restante do planeta, o Brasil acompanha o movimento global de


urbanização. Segundo Sotto et al. (2019), em 1995, grande maioria (77,6%) da população
brasileira já havia se urbanizado. Este número aumentou em 2015 quando atingiu 85,7% da
população nacional. Esta tendência para a urbanização se alinha com a inclinação mundial de
aglomeração populacional em áreas limitadas. Segundo Oliveira e Nicoldi (2012), 20% de toda
população brasileira reside em apenas 1% do território nacional, que se concentra
principalmente nas regiões costeiras.
Este processo de urbanização traz consigo desafios significativos em relação ao
desenvolvimento sustentável. Para Santos (2006), um mercado avassalador dito global é

133
apresentado como capaz de homogeneizar o planeta, quando, na verdade, as diferenças locais
são aprofundadas. Nesse contexto, o ambiente social e natural, fica à mercê dos agentes
hegemônicos da economia mundial (BARBOSA; NASCIMENTO JÚNIOR, 2009).
O planejamento desempenha um papel fundamental na busca por soluções para este
desafio. Sendo definido como processo de coordenação de tarefas em modo sequencial e com
fases distintas, que envolve análises de configurações estruturais e organizacionais, (SOTTO et
al., 2019). Planejar estrategicamente significa pensar antes de agir, levando em consideração o
maior número de variáveis e possibilidades, de modo a adquirir uma visão mais ampla da
realidade e de todas as suas variáveis internas e externas (SANTOS, 2006).
Geralmente, as prioridades do planejamento urbano são influenciadas por um
paradigma linear e reducionista. Esse paradigma prioriza os interesses de figuras empresariais
proeminentes em detrimento dos interesses das comunidades mais desfavorecidas e do meio
ambiente (NARDIN; VAGHETTI; ROMANO, 2021). Segundo Sotto et al. (2019), o planejamento
urbano tradicional considera principalmente os aspectos de curto e médio prazo, com foco
principal para os aspectos econômicos do uso do solo e de infraestrutura, em detrimento do
meio ambiente, que passa a ser reduzido como um mero recurso ilimitado, a fim de atender as
necessidades imediatas do ser humano.
Por outro lado, o planejamento urbano pautado pela flexibilidade e orientado pela
cosmovisão da complexidade urbana é fundamental para atingir o desenvolvimento sustentável.
Portanto, o planejamento urbano integrativo depende de uma perspectiva de longo prazo, visão
holística e multidisciplinar, envolvimento ativo da sociedade, aceitando os limites do meio
ambiente (SOTTO et al., 2019).
Contudo, a visão pré-analítica de que o meio ambiente é neutro e passivo, reagindo de
maneira suave ao avanço agressivo do homem, não se sustenta. Ao longo dos tempos o conceito
de sustentabilidade, muitas vezes associado ao de desenvolvimento sustentável, tem sido
definido e procurado por diversas áreas do conhecimento, de modo a surgir diferentes ideias
associadas ao termo. Uma das definições mais comuns foi documentada pelo Relatório de
Brundtland, ou Nosso Futuro Comum, que propôs o desenvolvimento sustentável como “aquele
que satisfaz às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras satisfazerem às suas necessidades” (CMMAD, 1991, p.46).
Em suas definições mais modernas, a sustentabilidade sugere interdependência entre
a dimensão ambiental, o desempenho econômico e os aspectos sociais (qualidade de vida/ bem-
estar), o chamado Tripé da Sustentabilidade ou Triple Bottom Line (TBL). Sendo que alguns
autores defendem que a psicologia seria um quarto aspecto a ser considerado, de modo a
considerar o comportamento humano como premissa básica para a desejada mudança na
relação pessoa-ambiente (HIGUCHI; KUHNEN; PATO, 2019).
Desse modo, a sustentabilidade é um conceito sistêmico que assume uma dimensão
socioambiental e rompe com a visão predominante de desenvolvimento ilimitado para buscar
novos modelos fundados na vida como princípio maior e reorientar o processo civilizatório da
humanidade (HIGUCHI; KUHNEN; PATO, 2019). Ainda, para os autores, é compreendido como
um princípio ecológico e de igualdade social ou como um paradigma que pode permitir a
compreensão do mundo e seus problemas e oferecer soluções a eles.
De modo a estabelecer metas para atingir essa nova concepção integrada de
sustentabilidade, 193 países se reuniram em 2015 durante a Cúpula das Nações Unidas para
lançar a Agenda 2030 como um plano global para atingir o desenvolvimento sustentável. A

134
Agenda 2030 elegeu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), referentes aos
diferentes aspectos da sustentabilidade –econômicos, sociais, ambientais, políticos e culturais–
, capazes de traduzir de forma interdisciplinar um plano global de desenvolvimento, uma
oportunidade única para ações coerentes e de longo prazo, a ser adotada por todas as
sociedades (SOTTO et al., 2019).
Para efetivar os ODS, a existência de instrumentos que apoiem as questões regionais
e locais no processo de interiorização da Agenda 2030 se faz necessário. No Brasil, o conjunto
de instrumentos postos por leis estruturantes de políticas públicas, editadas com fundamento
na Constituição Federal faz este papel (SOTTO et al., 2019).

3.2 Aspectos legais do planejamento urbano

Com o progresso do desenvolvimento das cidades, a criação de estratégias visando


estruturar o espaço físico urbano devem ser feitas por meio de instrumentos legais de
planejamento (ANDRADE, 2013). Contudo, tal planejamento possui caráter multidisciplinar e
necessita ser abordado da mesma forma na tomada de decisões a fim de reduzir os impactos
socioambientais e melhorar a qualidade de vida da população.
Para esta pesquisa, se faz necessário abordar, mesmo que de forma superficial, os
aspectos legais que regem o comportamento das cidades. Segundo Higashi (2006), estes
recursos legais apresentam algumas limitações de expansão e planejamento sobre o uso e
ocupação do solo de modo a auxiliar os municípios a alcançarem a sustentabilidade em seu
crescimento.
O Estatuto da Cidade, Lei n. 10.257/2001 (BRASIL, 2001) estabelece diretrizes gerais
de política urbana, distribuição espacial e atividades econômicas do Município, além de orientar
a cidade para atingir um desenvolvimento sustentável por meio de seus respectivos Planos
Diretores, Leis de Zoneamento, Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo e Código de Obras e
Edificações (SOTTO et al., 2019).
Desse modo, o principal instrumento do Estatuto das Cidades é o Plano Diretor, que
pode ser definido como um conjunto de princípios e regras orientadoras da ação dos agentes
que constroem e utilizam o espaço urbano (BRASIL, 2001), de modo a envolver o
desenvolvimento socioambiental, uso e ocupação ordenada e planejada do solo urbano, acesso
à infraestrutura e serviços públicos básicos (ANDRADE, 2013).
Dessa forma, sua elaboração baseia-se na interpretação pública do zoneamento do
uso do solo, além de regulagem o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo (BRASIL,
2001). Prevê também atualizações, indicando a necessidade da expansão de espaços
construídos e da oferta de novos lotes, de modo a levar em conta as características particulares
do município, ou seja, considerando tanto suas potencialidades quanto fragilidades.
Contudo, apesar de ser considerado obrigatório para municípios brasileiros com mais
de 20.000 habitantes, ou para cidades integrantes de regiões metropolitanas ou turísticas, este
instrumento de planejamento urbano permanece enfraquecido em boa parte do Brasil,
contanto com incidência maior de cobertura em municípios com maior número de habitantes
(IBGE, 2015). Tal carência legislativa não só multiplica os problemas sociais como a criminalidade
e desemprego, como também as desordens ambientais como ocupação irregular do solo em
áreas de fragilidade.

135
Soma-se a esta problemática, a destituição do valor social e ambiental do solo urbano
em detrimento do seu valor meramente econômico. Nesse viés, o caráter normativo de uso e
ocupação do solo não conseguiu conter a expansão desordenada urbana, que está intimamente
ligada aos interesses particulares de determinados grupos com elevado poder aquisitivo e
político (ANDRADE, 2013).
Dessa forma, cria-se um abismo entre o discurso do Plano Diretor e sua prática de
administração municipal (UGEDA JÚNIOR, 2014), visto que grande parte das tomadas de
decisões não levam em consideração a capacidade natural de suporte dos ecossistemas
afetados pela pressão antrópica.
Em se tratando do município de Florianópolis, seu primeiro Plano Diretor foi aprovado
no ano de 1955, constituindo-se a Lei n.º 246/55, a qual ficou em vigência durante 21 anos até
1976, quando foi aprovado um novo Plano Diretor para a cidade, por meio da aprovação da Lei
Municipal n.º 1440/76, este se tratava, principalmente, do uso do solo da região central da
cidade.
Em 1985, foi lançado o Plano Diretor dos Balneários – Lei n.º 2193/85 (FLORIANÓPOLIS,
1985), que contemplava as demais regiões fora do centro da cidade, até então não
especificadas. Dessa forma, as regiões até então sem um planejamento urbano passaram a ser
ordenadas de modo a evitar ocupações em áreas de importância ambiental como: dunas,
restingas, mangues, topos de morros além das praias, lagoa e sua orla marítima (SILVA, 2002).
O Plano Diretor de 2014 foi instituído pela Lei Complementar n.º 482 de 17 de janeiro
de 2014, o qual dispõe e contempla todas as atualizações feitas até então sobre o
desenvolvimento urbano, uso e ocupação do solo e o sistema de gestão do município.
É através do Plano Diretor que o zoneamento urbano é classificado em áreas
urbanizáveis e não urbanizáveis. Dentre as áreas não urbanizáveis, se destaca as Áreas de
Preservação Permanente (APP), que estão ligadas a questões de preservação e conservação dos
serviços ambientais (ecossistêmicos) da região. O Art. 42 da Lei do Plano Diretor Municipal de
Florianópolis define APP como espaços territoriais protegidos por legislação urbanística
anterior, e com a função ambiental de preservar recursos hídricos, paisagísticos, geológicos,
ecológicos e sociais (FLORIANÓPOLIS, 2014).
Se destacam também as áreas de transição que permitem usos urbanos de baixa
densidade com certa prevalência de proteção ambiental, classificadas como Áreas de
Preservação de Uso Limitado (APL). O Art. 42 da Lei do Plano Diretor Municipal de Florianópolis
as definem como espaços que não apresentam condições adequadas para suportar certas
formas de uso do solo sem prejuízo ecológico ou paisagístico, em decorrência de suas
características de declividade, vegetação ou vulnerabilidade de fenômenos naturais
(FLORIANÓPOLIS, 2014).
Dentre as áreas classificadas como urbanizáveis, estas podem ser tanto de usufruto
privado quanto público. Dentre as áreas urbanizáveis de usufruto privado, se destacam os tipos:
Áreas Residenciais Predominantes (ARP, destinadas ao uso preferencial de moradias, aceitando
pequenos serviços comerciais); Áreas Turísticas Residenciais (ATR, com interesse turístico
priorizando o usufruto de seus visitantes e residentes); e Área Mista Central (AMC, de alta
densidade e complexidade e uso misto) (FLORIANÓPOLIS, 2014).
Em se tratando de áreas passíveis a urbanização caracterizadas por serem de uso e
ganho público, são definidas pelo Plano Diretor como Área Verde de Lazer (AVL) e Área
Comunitária Institucional (ACI). A AVL configura-se por serem espaços urbanos ao ar livre de uso

136
e domínio público destinados ao lazer e recreação, com privilégio de criar ou preservar área
vegetal e sendo permitida apenas a construção de equipamentos de apoio ao lazer ao ar livre
(FLORIANÓPOLIS, 2014). Por fim, a lei ainda define as ACI como espaços destinados a
equipamentos comunitários e institucionais.

4 RESULTADOS

Devido à interdisciplinaridade das questões socioambientais, a presente pesquisa


buscou integrar na análise a relação do Plano Diretor –caracterizado como instrumento legal de
gestão sustentável de uma cidade–, com o fornecimento e manutenção de serviços
socioambientais à sociedade. Nesse viés, nesta pesquisa os denominados “serviços sociais”,
fornecidos pelo Plano Diretor, serão analisados através dos conceitos de ACI e AVL,
caracterizados por serem espaços de uso público e ganho coletivo, que se relacionam com os
serviços ecossistêmicos culturais ligados à relação pessoa/ambiente, assim como a qualidade de
vida. Já os ganhos ambientais, proporcionados pelo Plano Diretor, serão analisados pela
presença no Distrito de áreas de preservação (APP), assim como as Unidades de Conservação,
áreas capazes de fornecer serviços ecossistêmicos (ambientais) à sociedade.
Assim, devido à importância pública, social e ambiental do Plano Diretor e visando
estabelecer uma relação direta com o fornecimento dos serviços socioambientais à sociedade,
buscou-se analisar de maneira geral o zoneamento urbano do Distrito da Lagoa da Conceição
(Figura 2), com ênfase na sua oferta de manutenção dos serviços ecossistêmicos/ambientais
(por meio das áreas de APP), e na manutenção dos serviços sociais (por meio das áreas de ACI e
AVL).

137
Figura 2 – Zoneamento urbano do Plano Diretor do Distrito da Lagoa da Conceição.

Fonte: AUTORES, 2023

Em se tratando do zoneamento definido pelo Plano Diretor de 2014 (lei n.º 482/2014),
para o Distrito da Lagoa da Conceição, temos a predominância das seguintes zonas de uso
ocupação do solo, em ordem decrescente: Áreas de Preservação Permanente (APP); Áreas
Residenciais Predominantes (ARP); Áreas Turísticas Residenciais (ATR); Área Mista Central
(AMC); Áreas Comunitárias Institucionais (ACI) e Áreas Verde de Lazer (AVL).
Desta forma, podemos observar a grande predominância de áreas não urbanizáveis
sobre áreas urbanizáveis, com uma grande área destinada à classificação APP. De modo a
confirmar o mapeamento realizado anteriormente de uso e ocupação do solo, que também
apresentou como sua maior área a expressiva biodiversidade presente na região. Percebe-se,
através do zoneamento, que ao desconsiderar as áreas não urbanizáveis (APP), e as áreas
urbanizáveis de uso “individual/privado” (ARP/ATR/AMC), as áreas restantes destinadas ao uso

138
coletivo à sociedade (ACI/AVL) são pouco expressivas, comparadas ao total de áreas de acesso
limitado.
A valorização de áreas urbanas em contato com a natureza fez da Lagoa uma das áreas
mais valorizadas comercialmente da ilha. Nesse ponto, os territórios antes ocupados pela
comunidade local passaram a receber uma nova conformação urbanística caracterizada por
condomínios de luxo privados com seus muros altos. Desse modo, fica evidente que grande
parte do zoneamento do Distrito se deu para fins particulares.
Assim como o impacto ambiental causado pelo aumento da poluição na lagoa se
relaciona com a perda do serviço ecossistêmico cultural daquele ambiente, pois a mesma
poluição causada pelas casas ao redor da orla, afeta culturalmente um povo que não tem acesso
a práticas de lazer, recreação e pesca artesanal. Desse modo, a lagoa passa a ser aproveitada
somente a partir de vistas de sacadas envidraçadas e lanchas particulares. Enquanto a grande
maioria da população, tem pouco acesso –territorial e financeiro– para usufruir daquele
ambiente, mesmo considerado um dos mais expressivos em cultura da ilha. Percebe-se, assim,
pouco investimento público de manter os serviços culturais e sociais da lagoa vivos, em
detrimento do lucrativo mercado imobiliário elitista.
Ressalta-se a importância das áreas de uso social (ACI/AVL) caracterizadas por serem
espaços livres, áreas públicas de lazer e áreas verdes, no espaço urbano, visto que todos os
habitantes da cidade têm o direito de usufruir dos espaços sociais públicos. Sendo função do
poder público implementar, administrar e promover a manutenção destas áreas e a
implementação destas áreas no zoneamento urbano.
Assim, de modo a analisar estas áreas urbanas ligadas aos ganhos sociais, realizou-se
um recorte com foco no zoneamento das áreas de ACI e AVL, apresentadas na Figura 3 e 4
abaixo, para as duas regiões que mais concentram estes zoneamentos no Distrito, visando
fornecer uma análise qualitativa de seu uso e ocupação.

Figura 3 – Zonas de ACI e AVL localizadas na região central do Distrito da Lagoa da Conceição.

Fonte: AUTORES, 2023

139
Figura 4 – Zonas de ACI e AVL localizadas na região sul do Distrito da Lagoa da Conceição.

Fonte: AUTORES, 2023

Dentre todas as áreas de ACI presentes no Mapa da Área Central, todas estão ocupadas
–e praticamente sem áreas adjacentes para possíveis crescimentos–, com as devidas instalações
públicas: terminal de ônibus, escola, quadras de esportes e cemitério. Desta forma, se destaca
aqui a pouca expressividade de áreas públicas de infraestrutura urbana em relação às áreas
residenciais e comerciais.
Já em relação às suas áreas de AVL, apesar de apresentarem quantidades superiores
às áreas de ACI, poucas apresentam equipamentos públicos de acesso e utilização que
caracterizam e permitem o convívio social urbano. Percebe-se que grande parte das AVL
presentes na região se encontram dentro de condomínios residenciais, com praticamente
nenhum acesso à sociedade.
Segundo o decreto n.º 13.574/2014 do Plano Diretor de Florianópolis, em projetos de
parcelamento de solo o percentual mínimo de AVL deve ser de 10%, e de ACI de 5% do total
parcelável. Contudo, apesar da lei prever a garantia destes espaços no processo de
parcelamento do solo, devido ao parcelamento irregular - característico do município de
Florianópolis e de diversas cidades brasileiras -, essas porcentagens não são cumpridas.
Paralelamente, em se tratando das áreas regulamentadas, mesmo definidos pela lei
como espaços públicos de uso social/coletivo, as áreas de ACI e AVL provenientes do
parcelamento regular do solo, não se caracterizam como espaços de convívio social, visto que
em sua grande maioria não recebem equipamentos e estrutura pública. Para Vaz (2008):

[...] o ordenamento formal da cidade moderna pode ser visto como a expressão física
da moral individualista, voltada para o poder e as regras. Hoje a Lagoa cresce muito
rapidamente, regida por códigos de zoneamento e de edificação, onde se vê uma
crescente valorização do lugar como áreas comerciais e de entretenimento. [...] As
características da economia e da sociedade moderna sugerem a construção de uma
cidade segregada, pois a lógica de mercado indica que a desigualdade social que existe
hoje, tende a se agravar (VAZ, 2008, p. 90).

140
Nesse contexto, os espaços de convivência social, lazer e utilidade pública têm se
mostrado pouco expressivos comparados aos espaços destinados ao uso individual. Manifesta-
se, portanto, a necessidade de reavaliar o espaço urbano visando a proteção e manutenção da
identidade sociocultural ainda presente na região.
Percebe-se, assim, que apesar do compromisso legislativo de implementação de áreas
que permitem a qualidade social do meio ambiente urbano, na prática, o que ocorre é uma
segregação social fruto dos loteamentos, onde a urbanização passa a se desenvolver visando
apenas os ganhos individuais em detrimento dos ganhos coletivos.

5 CONCLUSÃO

Este estudo destacou a complexa interação entre o zoneamento urbano e a oferta de


serviços socioambientais, evidenciando a importância de abordagens integrativas para o
desenvolvimento urbano sustentável. Visto que, com frequência, o processo de concentração
urbana ocorre sem considerar as limitações ambientais, resultando em ocupações
desordenadas e impactos socioambientais negativos.
Ao examinar o Distrito da Lagoa da Conceição como estudo de caso, evidenciou-se que
as características encontradas na configuração urbana sugerem a construção de uma cidade que
tende ao individualismo. Nesse cenário, os tradicionais espaços de convivência e identidade
cultural muitas vezes cedem espaço às forças do mercado imobiliário, impulsionando um
crescimento urbano que beneficia apenas uma minoria da população.
O Plano Diretor emerge como um instrumento fundamental para guiar o
desenvolvimento urbano, delineando as áreas urbanizáveis e definindo a utilização do solo. No
entanto, é imperativo adotar uma abordagem multidisciplinar que considere as dimensões
sociais e ambientais, visando minimizar os impactos adversos e promover uma melhor qualidade
de vida para as comunidades locais.
Ao compreendermos melhor a relação entre o zoneamento urbano e a prestação de
serviços socioambientais, estamos melhor preparados para forjar estratégias de planejamento
mais informadas e resilientes. Essas estratégias visam alcançar um equilíbrio entre o
crescimento urbano necessário e a preservação dos recursos naturais essenciais para a
sustentabilidade a longo prazo das cidades. Portanto, a integração desses elementos no
processo de planejamento urbano é crucial para a criação de cidades mais sustentáveis, onde o
bem-estar das comunidades e a preservação do meio ambiente caminham lado a lado.

6 REFERÊNCIAS

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urbana desordenada. Somanlu: Revista de Estudos Amazônicos, v. 13, n. 2, p. 1-16. 2013. Disponível em:-
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Márcio Luiz da et al. (org.). Projeto Ieté – Rede de Monitoramento Ambiental da Bacia Hidrográfica do Educandos –
Manaus-AM, Fase 1: Diagnóstico Ambiental. Rio de Janeiro: Editora Autografia Edição e Comunicação Ltda, 2021,
pp. 23-56.

141
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Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1991.

FLORIANÓPOLIS. Lei Complementar nº 482, de 17 de janeiro de 2014. Institui o plano diretor de urbanismo do
município de Florianópolis que dispõe sobre a política de desenvolvimento urbano, o plano de uso e ocupação, os
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HIGASHI, Rafael Augusto dos Reis. Metodologia de uso e ocupação dos solos de cidades costeiras brasileiras
através de sig. com base no comportamento geotécnico e ambiental. 398 f. Tese (Doutorado em Engenharia Civil) -
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NARDIN, A. C. F.; VAGHETTI, M. A. O.; ROMANO, F. V. Das partes para o todo: integrações para uma arquitetura e
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SOTTO, D. et al. Sustentabilidade urbana: dimensões conceituais e instrumentos legais de implementação. Estudos
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Arquitetura e Urbanismo) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2008.

142
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
(x) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ANÁLISE INTEGRATIVA DA EXPANSÃO URBANA E SEUS IMPACTOS


SOCIOAMBIENTAIS NA LAGOA DA CONCEIÇÃO, FLORIANÓPOLIS - SC

INTEGRATIVE ANALYSIS OF URBAN EXPANSION AND ITS SOCIAL AND ENVIRONMENTAL


IMPACTS, IN LAGOA DA CONCEIÇÃO, FLORIANÓPOLIS - SC

Vitor Duarte Lima


Bacharel em Engenharia Civil, UFSC, Brasil
vitorduarte_l@hotmail.com

Rachel Lopes Fernandes Fonseca


Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, UFSC, Brasil
rachellopesfernandes@gmail.com

Gabriela Ferreira Ávila


Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, UFSC, Brasil
gabrielaavi@outlook.com

143
RESUMO
A acelerada urbanização global reconfigura constantemente a interação entre ambientes urbanos e naturais,
desafiando os padrões convencionais de desenvolvimento. A Lagoa da Conceição, em Florianópolis/SC, ilustra esse
cenário complexo, onde a expansão urbana e os impactos socioambientais se entrelaçam. Este artigo objetiva
investigar a relação entre a expansão urbana e os serviços ecossistêmicos neste distrito, adotando uma abordagem
integrativa que considera desenvolvimento econômico, proteção ambiental e responsabilidade social. Esta pesquisa
adota um estudo de caso combinado com uma abordagem sistêmica para realizar uma análise multidisciplinar.
Visando realizar uma análise temporal do impacto urbano foram elaborados mapas da expansão urbana em três
períodos (1985, 2000 e 2020) usando técnicas de geoprocessamento e imagens de satélite por meio do software
QGIS. Uma análise quali-quantitativa do uso e ocupação do solo foi realizada, e os serviços ecossistêmicos na região
foram identificados e classificados, relacionando-os com a expansão urbana. A análise abrangeu uso do solo e
expansão urbana, destacando a predominância de elementos naturais na Lagoa da Conceição, Florianópolis. A
expansão urbana cresceu 45,47% entre 1985 a 2020. Do ponto de vista teórico, o estudo destaca a importância de
uma abordagem integrada no planejamento urbano, considerando a interligação entre zoneamento e serviços
ecossistêmicos. Metodologicamente, evidencia a viabilidade de combinar análises de zoneamento com estudos de
impacto socioambiental. Este estudo ressalta a necessidade de promover um desenvolvimento urbano mais
equitativo e harmonioso, considerando a preservação da identidade local e a melhoria da qualidade de vida.

PALAVRAS-CHAVE: Análise integrativa. Serviços Ecossistêmicos. Lagoa da Conceição.

ABSTRACT
The rapid global urbanization constantly reconfigures the interaction between urban and natural environments,
challenging conventional development patterns. The Lagoa da Conceição in Florianópolis/SC illustrate s this intricate
scenario, where urban expansion and socio-environmental impacts intertwine. This article aims to investigate the
relationship between urban expansion and ecosystem services in this district, adopting an integrative approach that
considers economic development, environmental protection, and social responsibility. This research employs a
combined case study and systemic approach to conduct a multidisciplinary analysis. To perform a temporal analysis
of urban impact, maps of urban expansion were created for three periods (1985, 2000, and 2020) using geoprocessing
techniques and satellite imagery through the QGIS software. A qualitative-quantitative analysis of land use and
occupation was carried out, and ecosystem services in the region were identified and classified, relating them to urban
expansion. The analysis encompassed land use and urban expansion, highlighting the prevalence of natural elements
in Lagoa da Conceição, Florianópolis. Urban expansion grew by 45.47% between 1985 and 2020. From a theoretical
standpoint, the study underscores the importance of an integrated approach in urban planning, considering the
interconnection between zoning and ecosystem services. Methodologically, it highlights the feasibility of combining
zoning analyses with socio-environmental impact studies. This study underscores the need to promote more equitable
and harmonious urban development, considering the preservation of local identity and the enhancement of quality of
life.

KEYWORDS: Integrative analysis. Ecosystem services. Lagoa da Conceição.

144
1 INTRODUÇÃO

Segundo o Relatório Mundial das Cidades (HABITAT, 2021), 56,2% da população


mundial habita em cidades, e projeta-se que esse valor chegue até 70% em 2050. Contudo, a
ocupação do solo urbano não acontece sempre de maneira regular e orientada por meio de um
planejamento urbano eficiente, verificada constantemente por construções em áreas de
preservação.
O paradigma predominante do planejamento urbano tradicional reflete uma
abordagem de curto e médio prazo, predominantemente focada em aspectos econômicos do
uso do solo e infraestruturas, negligenciando a complexidade intrínseca do ambiente natural
(SOTTO et al., 2019). Nesse contexto, as necessidades imediatas muitas veze s sobrepõem-se às
considerações mais abrangentes e integrativas.
Diante dos desafios que emergem da intersecção entre desenvolvimento e
sustentabilidade, uma perspectiva linear e fragmentada prevalece nas prioridades do
planejamento urbano (NARDIN; VAGHETTI; ROMANO, 2021). A demanda por uma abordagem
integrativa e sistêmica se faz urgente, considerando que a eficácia das estratégias de
desenvolvimento sustentável está intrinsecamente ligada à compreensão das relações entre
sociedade e meio ambiente.
Buscando realçar a complexa relação pessoa-ambiente e torná-la mais “palpável” ao
entendimento humano, os Serviços Ecossistêmicos (SE) foram definidos pela Avaliação
Ecossistêmica do Milênio (WALTER et al, 2005a) como os benefícios diretos e indiretos
proporcionados pelos ecossistemas à sociedade. Para Kumar (2008), referência global em
economia verde, a vida na Terra só se torna possível devido a contínua capacidade de
fornecimento de serviços ecossistêmicos. Contudo a demanda humana por esses serviços cresce
continuamente e ultrapassa a capacidade dos ecossistemas fornecê -los, com cerca de 60% dos
Serviços Ecossistêmicos degradados ou regidos por uma exploração insustentável (WALTER et
al, 2005b).
O que é analisado em escala global e nacional, pode ser observado localmente (VAZ,
2008). A enorme diversidade de ambientes proporcionados pela natureza insular da Ilha de
Santa Catarina, confere-lhe uma configuração espacial que apresenta uma grande diversidade
de habitats. Segundo o Centro de Estudos Cultura e Cidadania (CECA), a natureza encontrada na
Ilha é talvez a maior concentração por unidade de área em todo o Estado de Santa Catarina.
Essa dicotomia entre o desenvolvimento urbano, o uso do solo e a proteção ambiental
configura um cenário complexo e multifacetado que exige uma análise mais profunda. A
pesquisa proposta objetiva compreender como a expansão urbana impacta os ecossistemas e a
qualidade de vida das populações locais, considerando tanto os aspectos imediatos quanto as
consequências a longo prazo.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de caso combinado com uma visão
sistêmica multidisciplinar de modo a atingir o conceito de análise integrativa. Como
procedimentos metodológicos foi realizado primeiramente um levantamento bibliográfico a
partir de fontes primárias e secundárias, e a elaboração de três mapas da expansão urbana (dos
anos de 1985, 2000 e 2020) com técnicas de geoprocessamento e tratamento de imagens de

145
satélite através do software QGIS (quantum GIS) e dados oriundos de levantamentos realizados
pelo projeto MapBiomas, para realizar uma análise quali-quantitativa do uso e ocupação do solo.
Adiante foram identificados e classificados qualitativa dos serviços ecossistêmicos existentes na
região e sua relação com a expansão urbana, por meio de uma tabela de modo a contemplar a
relação direta entre os ecossistemas mapeados e seus serviços fornecidos.

2.1 Caracterização da área de estudo

Ao investigar a dinâmica urbana de Florianópolis em relação ao contexto global de


urbanização e à degradação dos serviços ecossistêmicos, é crucial reconhecer um fator
indissociável: sua condição insular. A insularidade, aliada à complexidade dos ecossistemas
naturais, impõe limites significativos que devem ser levados a sério, sob o risco de culminar em
uma irreversível degradação ambiental e, por consequência, na deterioração da qualidade de
vida na Ilha (CECA, 1996). No entanto, essa realidade assume uma dimensão mais urgente
quando consideramos que a ilha atrai mais de um milhão de turistas durante a alta temporada,
e a expansão demográfica, urbana e turística impacta predominantemente a região da Lagoa da
Conceição.
O Distrito da Lagoa da Conceição (Figura 1) apresenta uma área aproximada de 53,83
km² e localiza-se na região centro-leste da Ilha. Por possuir uma conexão com o mar, o Canal da
Barra, permitindo a entrada de água salina, a lagoa é classificada como laguna semifechada. A
região concentra remanescentes da Mata Atlântica, dunas, restingas, além de fauna e flora
características da ilha (VAZ, 2008). Estes fatores aliados à elevada qualidade de vida, têm
ocasionado um forte contingente migratório na região.

Figura 1 – Localização da área de estudo correspondente ao Distrito da Lagoa da Conceição

Fonte: AUTORES, 2023

3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Planejamento urbano e sustentabilidade

146
No ano de 1995, 77,6% da população brasileira já era totalmente urbana; em 2015,
esse valor atingiu o valor de 85,7% (SOTTO et al., 2019). Todavia, esta urbanização segue o
movimento global de aglomeração em espaços reduzidos, considerando que 20% da população
do país encontra-se em menos de 1% do território nacional (OLIVEIRA; NICOLODI, 2012).
Segundo Higashi (2006), a concentração urbana ocorre quase que exclusivamente pelas razões
especulativas de mercado, que, ao ignorarem as reais potencialidades e limitações das áreas a
serem ocupadas, propiciam a ocupação de regiões de alta fragilidade ambiental pela população
de baixa renda.
Planejamento pode ser definido como um processo de coordenação de tarefas que
visa analisar indagações referentes a configurações estruturais e organizacionais, com fases
características e sequenciais (SOTTO et al., 2019). Em sua grande maioria, as prioridades do
planejamento urbano são moldadas pelo paradigma linear e reducionista do prevalecimento do
interesse de grandes empresários em detrimento de classes mais marginalizadas e do meio
ambiente (NARDIN; VAGHETTI; ROMANO, 2021). Segundo Sotto et al. (2019), o planejamento
urbano tradicional considera principalmente resultados de curto e médio prazo, focando nos
aspectos econômicos do uso do solo e de infraestrutura. Desta forma, o meio ambiente é
reduzido a recurso considerado ilimitado a serviço das necessidades humanas imediatas.
O planejamento urbano integrativo depende de uma perspectiva de longo prazo, visão
holística e multidisciplinar, envolvimento ativo da sociedade e aceitação dos limites do meio
ambiente (SOTTO et al., 2019). Um planejamento urbano pautado pela resiliência e orientado
pela visão integrada e complexa da cidade traz uma perspectiva alinhada ao desenvolvimento
sustentável, que se define por ser “aquele que satisfaz às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem às suas necessidades”
(CMMAD, 1991, p. 46).
Com raízes etimológicas nas áreas de biologia e economia, a sustentabilidade se
refere, respectivamente, à capacidade de resiliência do ambiente frente às pressões antrópicas
e à necessidade de reverter o consumo irracional da sociedade em detrimento dos recursos
naturais da terra (NASCIMENTO, 2012). Assim, a sustentabilidade vem rompendo barreiras e
passou a permear as mais diversas áreas do conhecimento (econômicas, sociais, ambientais),
uma vez que seus problemas são considerados multidimensionais, polissêmicos e
inexoravelmente associados à relação pessoa-ambiente (HIGUCHI; KUHNEN; PATO, 2019). Desta
forma, é, simultaneamente, um objetivo, um processo e uma disciplina de interesse global,
ultrapassando os limites de uma definição tradicional e servindo como horizonte para a
sociedade em uma era de complexos problemas socioambientais (SOTTO et al., 2019).

3.2 Serviços ecossistêmicos e qualidade de vida

Para Bennet, Peterson e Levitt (2005), o primeiro passo na direção da adoção de


políticas para gestão sustentável das cidades deve ser o de incrementar o conhecimento
humano sobre a dinâmica ecológica e as complexidades que envolvem os ecossistemas, que se
definem por apresentarem características evolucionárias e não mecanicistas da realidade, tais
como biodiversidade, variabilidade, sensibilidade e resiliência (ANDRADE; ROMEIRO, 2009). Eles
englobam as complexas dinâmicas e contínuas interações entre seres vivos mea,
2003(microrganismos, animais, plantas) e não vivos (minerais, terra, água, combustíve is fósseis

147
e energia solar) em seus ambientes físicos e biológicos, apresentando milhares de elementos
estruturais, cada um exibindo variados graus de complexidade, nos quais o homem é parte
integral (MEA, 2003).
Andrade e Romeiro (2009) incluem não apenas as interações entre os organismos,mas
entre a totalidade complexa dos fatores físicos que formam o que é conhecido como ambiente.
Tais interações e comportamentos evolucionários não são lineares, o que faz com que não seja
possível elaborar previsões e intervenções baseadas apenas em conhecimentos fragmentados
de suas partes individuais (ANDRADE; ROMEIRO, 2009), sendo, assim, necessária uma análise
sistêmica e integrativa.
Para Kumar (2008) a vida na Terra só se torna possível devido a contínua capacidade
de fornecimento de serviços ecossistêmicos. Os serviços ecossistêmicos (ou ambientais) são os
benefícios diretos e indiretos obtidos pelo homem a partir do funcionamento dos ecossistemas
numa complexa rede de processos e funções ecológicas (ANDRADE; ROMEIRO, 2009; COSTANZA
et al., 1997; WALTER et al, 2005a, 2005b).
Buscando realçar o valor monetário proporcionado pelos serviços ecossistêmicos ao
sistema econômico, Costanza et al. (1997) estimaram o valor anual dos fluxos globais dos
serviços promovidos pela Terra,mostrando que o capital natural da Terra rende, anualmente um
valor 1,8 vezes superior ao produto bruto mundial (US$33 trilhões versus US$18 trilhões).
Apesar de receber várias críticas por valorar a natureza por seu valor de utilidade e não por se u
valor intrínseco, o conceito de serviços ecossistêmicos contribui, significativamente, para a
compreensão de como a sociedade humana está intimamente ligada e dependente da natureza
(GOMES; DANTAS NETO; SILVA, 2018). Ademais, Gomes, Dantas Neto e Silva (2018) destacam
que esse conceito traduz o esforço de inserir a dimensão ambiental nas decisões políticas e
econômicas, sendo um instrumento capaz de transformar a sociedade ao promover a
sustentabilidade.
Visando facilitar a compreensão da relação pessoa-ambiente, a Avaliação do Milênio
(WALTER et al, 2005a), classificou os serviços ecossistêmicos em quatro categorias: (i) serviços
de provisão (ou serviços de abastecimento, que seriam os produtos obtidos dos ecossistemas);
(ii) serviços de regulação (que abrangem os benefícios obtidos a partir da regulação de processos
naturais); (iii) serviços culturais (os benefícios imateriais obtidos dos ecossistemas); e (iv)
serviços de suporte (que apoia todos os outros, sendo a base para a produção e manutenção
dos outros serviços), sendo esta a classificação mais difundida e seguida pela comunidade
científica.
Os impactos causados pela urbanização no fluxo dos serviços ecossistêmicos afetam
diretamente as dimensões de bem-estar humano, como a qualidade de vida. Para a Organização
Mundial da Saúde essa qualidade é “a maneira pela qual o indivíduo percebe o lugar que ocupa
no ambiente cultural e no sistema de valores em que vive, bem como em relação aos seus
objetivos, expectativas, critérios e preocupações” (WHO, 1996, p. 385, tradução nossa). Essa
definição está intimamente conectada com a qualidade ambiental e a garantia dos serviços
ecossistêmicos, uma vez que para haver a qualidade de uma, necessita-se do fornecimento da
outra, em uma relação complexa. A Figura 2 ilustra as variadas relações entre os tipos de serviços
ecossistêmicos e os componentes de bem-estar humano.

Figura 2 – Relações entre Serviços Ecossistêmicos e componentes de bem-estar

148
Fonte: UNEP, 2006

Nesse viés, mudanças nos serviços de regulação (proteção de desastres naturais,


doenças), afetam diretamente as características de bem-estar humano ligadas à segurança,
condições materiais mínimas para viver bem e a saúde. Assim como a alteração dos serviços
culturais (contato homem/natureza, recreação, educação ambiental e esportes), afetam,
significativamente, não só as relações sociais de uma cidade como também a saúde mental dos
seus habitantes. Deste modo, ressalta-se a importância de incluir o conceito de serviços
ecossistêmicos nos instrumentos legais de planejamento, visando atingir uma urbanização
integrativa.

3.3 Mapeamento do uso e ocupação do solo

O geoprocessamento refere-se a disciplina do conhecimento que utiliza técnicas


matemáticas e computacionais para o tratamento da informação geográfica e que vem
influenciando de maneira crescente o planejamento urbano (CÂMARA; DAVIS; MONTEIRO,
2001). As atividades envolvendo o geoprocessamento são executadas por ferramentas
computacionais específicas, chamados de Sistema de Informação Geográfica (SIG), as quais
permitem realizar análises complexas ao integrar dados de diversas fontes e criar bancos de
dados georreferenciados (CÂMARA; DAVIS; MONTEIRO, 2001). Dessa forma, o sistema serve
como ferramenta essencial para vários setores de modo a permitir uma análise integrada e
panorâmica de um grande número de variáveis que são atualizadas continuamente (DONHA;
SOUZA; SUGAMOSTO, 2005).
Acompanhar a evolução do solo urbano é de grande importância para compreender a
sua situação atual e projetar situações futuras (HIGASHI, 2006). Desta forma, o mapeamento do
uso e ocupação do solo podem auxiliar na interpretação dos elementos do espaço urbano e seus
reflexos ambientais (GARCIA; ARAÚJO, 2021), uma vez que por meio destes mapeamentos as
classes de uso e cobertura são identificadas, referenciadas, caracterizadas e quantificadas
(FELIZARDO, 2016). Segundo Machado (2013), se faz necessário fazer mapeamentos constantes
para atualização da base de dados. Por meio dos mapas é possível identificar áreas de maior
fragilidade ambiental e a evolução das atividades antrópicas sobre o meio (CAVALER, 2017).

149
O mapeamento da expansão urbana e da pressão antrópica sobre os recursos naturais
podem ser realizados por meio do Sensoriamento Remoto. O Sensoriamento Remoto pode ser
definido como o processo de aquisição de imagens de um determinado território, através da
radiação eletromagnética gerada pelo sol ou pela terra que é emitida por determinados objetos
que compõem este território (solo, vegetação, hidrografia, edificações e etc.) e captada por
sensores instalados em aviões, satélites e radares (LEITE; ROSA, 2006).
Assim, a junção do Sensoriamento Remoto e das técnicas computacionais do Sistema
de Informação Geográfica, além de apresentarem uma visão panorâmica da área de estudo,
possibilitam uma maior precisão das informações e dos estudos das áreas urbanas, garantindo
bons resultados (FELIZARDO, 2016).
O Mapbiomas, fonte de dados utilizada nesta pesquisa, é um projeto onde há a
participação de uma gama ampla de atores de entidades públicas, privadas, ONGs e OSCIPs,
envolvidos com a área de tecnologia da informação e cartografia, e é responsável por um
mapeamento anual da cobertura e do uso do solo do país e todo ano, em um esforço conjunto,
lança uma nova coleção de dados que demonstram a realidade da transformação das paisagens
do país. Esses dados são provenientes de um pré-processamento baseado em interpretação de
pixel por pixel, de imagens do satélite de tipo LANDSAT que apresenta uma resolução espacial
de 30 metros. Com esse levantamento das imagens o processamento é feito através de
algoritmos baseados em machine learning e operacionalizados dentro do sistema Google Earth
Engine da Google, de onde as imagens pré-tratadas são obtidas para tratamento final dentro do
ambiente QGIS.
Nesse contexto, a análise multitemporal permite analisar a evolução da ocupação
urbana em determinado território de modo a detectar e diagnosticar problemáticas e demandas
socioambientais visando atingir o desenvolvimento sustentável.

4 RESULTADOS
4.1 Análise qualitativa do uso e ocupação do solo

Para cada ano em estudo foi gerado um mapa temático de uso e ocupação do solo que
permite a observação das alterações no território ao longo do tempo. Desse modo, a
apresentação dos dados se dará com a apresentação comparativa dos mapas referentes aos
anos de 1985, 2000 e 2020 (Figura 3), seguida da sua respectiva tabela quantitativa de cada
classe.

150
Figura 3 – Comparação entre os mapas de uso e ocupação do solo no Distrito da Lagoa da Conceição.

Fonte: AUTORES, 2023

Tabela 1 - Dados quantitativos do uso e ocupação do solo no Distrito da Lagoa da Conceição.


Uso do Solo (km²) 1995 2000 2020 Variação 1985/2000
Floresta 17,500 18,353 18,243 4,24%
Restinga 1,565 1,293 1,353 -13,57%
Silvicultura 0,015 0,113 1,229 7871,95%
Agricultura e Pastagem 6,410 4,629 3,621 -43,51%
Praia e Duna 1,920 1,698 1,611 -16,10%
Urbanização 3,709 5,146 5,395 45,47%
Corpo d’água 20,805 20,534 20,422 -1,84%
Fonte: Autores, 2023.

A análise de uso do solo (Tabela 1) e expansão urbana (Figura 3) revela a


predominância de elementos naturais no distrito da Lagoa da Conceição, que se destaca como
uma das regiões com maior biodiversidade da Ilha de Santa Catarina (CECA, 1996). Apesar da
riqueza natural histórica do bairro, evidenciada no mapa de 1985, onde o distrito tinha maior
área agrícola e de pastagens (6.410 km²) do que área de urbanização (3.709 km²), a região vem
sofrendo intervenções humanas significativas desde 1980, quando a expansão urbana de
Florianópolis começou a se mover em direção às regiões litorâneas da ilha, provocando um
deslocamento das áreas antes agrícolas e rurais com a chegada de novos moradores. Essa
transformação ocorreu apesar da importância ecológica do distrito (CECA, 1996).
Embora haja evidências arqueológicas de habitação humana no distrito da Lagoa com
mais de 4.500 anos (CECA, 1996), o período de 1985 a 2020 testemunhou um crescimento da
mancha de urbanização em 45,47%. A maior parte desse crescimento ocorreu entre 1985 e
2000, expandindo-se principalmente em direção às margens da lagoa, nas áreas da Costa e
Canto da Lagoa, seguindo um padrão semelhante ao observado nos anos 1980. Nesta época, o
desenvolvimento de localidades vizinhas como Barra da Lagoa, Campeche e Praia Mole também

151
impulsiona o crescimento da urbanização, bem como a necessidade de moradias devido à
instalação de instituições como a UFSC e Eletrosul (VAZ, 2008).
Portanto, no mapa referente aos anos 2000 (Figura 3), já se percebe uma
predominância de áreas urbanizadas (5,146 km²) sobre áreas de agricultura e pastagem (4,629
km²), confirmando que grande parte desta expansão se desenvolveu em áreas que já possuíam
intervenção humana, de modo a caracterizar a perda da sociedade rural da Lagoa (VAZ, 2008).
Algumas estratégias para conter a expansão urbana foram empregadas, como a
criação das Unidades de Conservação, que estabelece legalmente que áreas com recursos e
características naturais relevantes devem ser protegidas (Lei nº 9.985/2000). No Distrito da
Lagoa, as primeiras unidades foram o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da
Conceição e o Monumento Natural Municipal da Galheta (faixa estreita ao leste do mapa),
criados em 1988 e 1990, respectivamente. A mais recente é o Refúgio da Vida Silvestre Municipal
Meiembipe, a maior da ilha, com 59,72 km² (FLORIANÓPOLIS, 2021). Combinadas com áreas de
preservação permanente (APP) definidas pelo Plano Diretor, essas medidas resultaram em um
aumento de 4,24% nas formações florestais, evidenciado no mapa, especialmente próximo à
Galheta. Este ecossistema foi o único a crescer ao longo do período (Tabela 1), destacando a
capacidade de regeneração natural desses espaços quando as condições permitem.
Entre as diversas categorias de uso do solo identificadas, os ecossistemas de restingas,
praias e dunas possuem uma área relativamente pequena no Distrito da Lagoa. No entanto, seu
valor socioambiental supera sua representação quantitativa. Apesar de sua importância crucial
para a integridade do ambiente, esses ecossistemas sofreram as maiores reduções, seguindo as
áreas de Agricultura e Pastagem. As áreas de restingas diminuíram em 13,57%, evidentes no
mapa, devido principalmente à expansão urbana ao longo das margens da lagoa e e m direção
às praias. Muitas regiões de restinga foram convertidas em áreas de agricultura e pastagem, que
gradualmente abriram caminho para novas construções. A perda de restingas teve um impacto
significativo nas praias e dunas, interconectadas com outros ecossistemas, levando a uma
redução total de 16,10%. A degradação das restingas resultou na movimentação das areias das
dunas, que eram caracterizadas por alturas de até 60 metros, devido aos fortes ventos da região
litorânea de Santa Catarina (VENTURIERI, 2013).
Outra alteração significativa foi a expansão da silvicultura, entre as décadas de 1960 e
1970, quando muitas áreas que poderiam ser utilizadas para aumento da formação e
regeneração florestal nativa, foram ocupadas pela silvicultura, que se destaca como o maior
aumento percentual de 7871,95%. Com o avanço científico, verificou-se que a iniciativa se
tornou inadequada devido a perda da biodiversidade local em detrimento das espécies
invasoras, as quais proliferam inúmeras sementes que são carregadas pelos ventos para locais
onde não deveriam estar. Segundo Dechoum (2015), às espécies exóticas invasoras que foram
plantadas na ocasião podem provocar impactos ambientais considerados uma das maiores
ameaças à diversidade biológica em escala mundial.
Por fim, apesar do Corpo d´Água ter sofrido poucas variações ao longo dos anos, o qual
reduziu sua área em 1,84%, seu verdadeiro impacto não se deu pelo aumento ou redução desta
área, como os outros principais ecossistemas mapeados; mas sim, pela redução dos seus
serviços ecossistêmicos, não quantificados em dados, porém altamente afetados pelo aumento
da população e seus inseparáveis resíduos poluentes. Dessa forma, no próximo tópico serão
identificados os principais serviços ecossistêmicos para cada ecossistema mapeado, a fim de
analisar o impacto da urbanização nos ecossistemas.

152
4.2 Identificação e classificação dos serviços ecossistêmicos existentes na região e sua relação
com a expansão urbana

A partir da seleção dos principais ecossistemas mapeados, a análise dos seus serviços
ecossistêmicos partirá da relação direta entre a existência do ecossistema e sua capacidade de
fornecer serviços à sociedade. Assim, nesta pesquisa, destacam-se quatro principais
ecossistemas, além da urbanização: Formação Florestal; Restinga; Praia e Duna; e Ambiente
Aquático Lagunar, conforme mostrados na Tabela 2. Adiante, a partir desta relação e dos dados
quantitativos mapeados, os serviços ecossistêmicos existentes na região foram identificados e
classificados segundo o Quadro 1.

Tabela 2 - Variação 1985/2020 da urbanização e dos ecossistemas mapeados.


Uso do Solo Variação 1985/2020
Urbanização 45,47%
Floresta 4,24%
Restinga -13,57%
Praia e Duna -16,10%
Corpo d’água -1,84%
Fonte: AUTORES, 2023.

Quadro 1 - Serviços Ecossistêmicos dos ecossistemas mapeados.


Ecossistema Classificações Serviços oferecidos
Suporte Habitat / Produção de matéria orgânica / Reprodução biológica
Formação Provisão Produção natural de alimentos / Produção de recursos genéticos /
florestal Extrativismo pequena escala
Regulação Balanço hídrico / Estabilização do solo / Regulação climática
Cultural Ecoturismo / Paisagem / Lazer / Esportes / Uso religioso e espiritual
Suporte Habitat / Produção de matéria orgânica / Reprodução biológica
Restinga Provisão Produção natural de alimentos / Produção de recursos genéticos /
Extrativismo pequena escala
Regulação Estabilização do solo / Proteção natural da zona pós-praia / Recarga de
aquíferos
Cultural Ecoturismo / Paisagem / Lazer / Esportes / Uso religioso e espiritual
Suporte Habitat / Retenção e fixação de sedimentos / Recarga de aquífero
Praia e Duna Provisão Produção natural de alimentos / Estabilização da costa/ Formação e
filtragem de sistemas aquíferos
Regulação Regulação climática / Balanço hídrico (percolação e filtragem pluvial) /
Amortecimento de energia (ondas e marés) / Controle de erosão / Recarga
de aquíferos
Cultural Ecoturismo / Paisagem / Lazer / Esportes / Uso religioso e espiritual
Suporte Habitat / Produção de matéria orgânica (fotossíntese, cadeia alimentar) /
Ambiente Reprodução biológica / Relações tróficas
aquático lagunar Provisão Estoque pesqueiro / Condições para navegabilidade / Trânsito marítimo
Regulação Balanço sedimentar / Balanço hídrico / Depuração da água
(efluentes/poluentes) / Regulação climática e de marés
Cultural Ecoturismo / Paisagem / Lazer / Esportes /Uso religioso e espiritual
Fonte: AUTORES, 2023.

Após a identificação dos serviços ecossistêmicos primários na região em estudo, foi


realizada uma análise para investigar a correlação entre esses serviços e a expansão das áreas
urbanas. Esta investigação serve de base para uma melhor compreensão dos impactos
ambientais que ocorrem ao longo do tempo. Isso é imperativo porque um declínio ou aumento

153
em um ecossistema não retrata totalmente seu impacto real, e um entendimento mais preciso
pode ser alcançado por meio de uma avaliação dos serviços ecossistêmicos.
Um exemplo destacado é a discreta diminuição do Corpo d'Água, que não reflete o
real impacto no ecossistema lagunar. Essa área apresenta altos níveis de poluição, que só se
tornam evidentes quando observamos a perda dos serviços ecossistêmicos (SILVA, 2002), u ma
vez que muitas edificações próximas à lagoa não tratam adequadamente os resíduos
domésticos. Devido à insuficiente espessura do solo para instalar fossas sépticas,
frequentemente o esgoto é despejado diretamente na lagoa, apesar da existência de uma rede
de coleta de esgoto em grande parte do Distrito da Lagoa da Conceição (SILVA, 2002).
Dentre os serviços ecossistêmicos afetados pelo aumento da poluição da lagoa, pode-
se listar a perda da biodiversidade aquática (serviço de suporte), a redução de oferta de
alimentos (serviço de provisão) e a consequente diminuição da pesca tradicional (serviço
cultural). Segundo Vaz (2008), com o crescimento urbano a atividade pesqueira na Lagoa tende
à extinção, seja pela crescente poluição, seja pela perda dos costumes tradicionais pesqueiros.
Segundo os primeiros ecossistemas mapeados (Quadro 1), a Formação Florestal foi o
único que apresentou um aumento de sua área, num intervalo de 35 anos. E apesar do seu
crescimento ter sido freado pelo avanço da silvicultura, como já relatado no tópico anterior,
podemos destacar este aumento como um saldo positivo em relação aos serviços
ecossistêmicos proporcionados por esta área de aumento. Como já citado anteriormente, o
estabelecimento de zoneamentos de Área de Preservação e a criação de unidades de
conservação também contribuíram para a manutenção desse ecossistema no Distrito da Lagoa
da Conceição.
A maior perda de ecossistema ocorreu em Praias e Dunas, com uma redução de
16,10%. De acordo com Silva (2002), invasões urbanas, especulação imobiliária, turismo e
recebimento de esgoto nas áreas de Dunas causam problemas ambientais que afetam o
ecossistema e seus serviços. Vianna, Araújo e Vans (2022) afirmam que as ocupações recentes
sobre as dunas na Ilha de Santa Catarina aumentaram a vulnerabilidade e o risco, já que essas
áreas naturalmente propensas à erosão são legalmente designadas como de preservação
permanente. A ocupação das dunas não apenas coloca estruturas e pessoas em risco, mas
também pode agravar a erosão, devido ao bloqueio do fluxo natural de sedimentos nas praias,
aumentando a vulnerabilidade natural.
Outro ecossistema que apresentou redução foram as restingas, esse com percentual
de 13,57%. Grande parte desta perda se deve à ocupação urbana ao longo da beira da lagoa
(Costa e Canto), a qual apresenta grandes marcas de aumento da ocupação sobre a área de
vegetação restinga. Apesar das restingas presentes na costa ao longo da lagoa estarem
associadas a um ambiente mais brando que o oceano, a regulação do serviço ecossistêmico de
proteção da zona pós praia se torna imprescindível num cenário de mudanças climáticas e um
aumento do nível dos mares.
Dessa forma, com o aumento da ocupação urbana ao longo das áreas de restingas,
seus serviços ecossistêmicos ficam comprometidos. Dentre todos, um se destaca no cenário
atual de Florianópolis: os serviços de regulação e proteção da zona pós-praia, visto que tem se
tornado destaque diante dos impactos socioambientais ocasionados pelo aumento das ressacas
na costa leste da Ilha que já atingiu dezenas de casas em áreas de restinga (VIANNA; ARAÚJO;
VANS, 2022).

154
Nesse viés, a redução dos serviços ecossistêmicos encontrados no ambiente costeiro
como as praias, dunas e restingas ocasionadas, principalmente, pela ocupação urbana irregular,
são um agravamento para a incidência e a intensidade destes eventos que impactam, cada vez
mais, a realidade da Ilha de Florianópolis (VIANNA; ARAÚJO; VANS, 2022).
Dessa forma, os impactos ambientais atingem a esfera social, ao desabrigar famílias e
destruir embarcações de comunidades pesqueiras existentes na ilha há séculos. Os aspectos
sociais ligados aos ecossistemas são chamados de serviços culturais e, apesar de não serem
muito estudados, possuem ligação total com o tripé moderno de sustentabilidade, que visa
contemplar o desenvolvimento sustentável com proteção ambiental e social. Os serviços
culturais estão ligados aos aspectos 66 imateriais da relação das pessoas com o ambiente em
que vivem, fato este que está intimamente relacionado com a qualidade de vida.
Ressalta-se, portanto, a importância de levar-se em consideração a importância dos
serviços ecossistêmicos para a gestão e o planejamento urbano atual, de modo a captar e
reconhecer toda variedade de formas pelas quais os ecossistemas sustentam a vida humana e
contribuem para o bem-estar humano (CAVALCANTE; ELALI, 2018).

5 CONCLUSÃO

Esta pesquisa proporcionou uma perspectiva abrangente e interligada da relação entre


o Planejamento Urbano e o paradigma de Desenvolvimento Sustentável, destacando os vínculos
entre as esferas sociais e ambientais. Ao examinar o Distrito da Lagoa da Conceição como estudo
de caso, evidenciou-se que, embora as áreas construídas tenham aumentado de forma gradual
nas últimas décadas, já são visíveis os indícios da perda de patrimônios socioambientais.
Portanto, torna-se imperativo reconhecer a necessidade de adotar abordagens alternativas de
planejamento que valorizem as características locais, preservem a identidade sociocultural e
considerem as particularidades insulares de Florianópolis.
A análise dos impactos ambientais decorrentes da expansão urbana revelou uma
trama intricada de ecossistemas declinantes e serviços ecossistêmicos em retrocesso, refletidos
na decadência de áreas de restingas e dunas, comprometendo, por conseguinte, a qualidade
socioambiental urbana. Contrastando com os enfoques tradicionais de planejamento, tendentes
a cisões em áreas disciplinares isoladas, a abordagem integrativa perpetrada nesta pesquisa
deflagrou uma compreensão multidisciplinar das dimensões da sustentabilidade urbana,
harmonizando os pilares do crescimento econômico, preservação ambiental e justiça social.
Assim, os resultados das análises realizadas exploraram as interconexões entre a
expansão urbana, as áreas construídas e os serviços socioambientais no Distrito da Lagoa da
Conceição. Em relação às limitações encontradas neste estudo enumeram-se a não realização
de visitas de campo para a validação dos dados do mapeamento do uso e ocupação d o solo,
assim como as limitações tecnológicas da plataforma MapBiomas que influenciaram na
abordagem e nas conclusões desta pesquisa.

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157
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ARQUITETURA E FÉ: A IGREJA BOM JESUS DO HORTO E SUA RELAÇÃO


COM A HISTÓRIA, MEMÓRIA E ARQUITETURA DE JUAZEIRO DO NORTE,
CEARÁ

ARCHITECTURE AND FAITH: THE BOM JESUS DO HORTO CHURCH AND ITS
RELATIONSHIP WITH HISTORY, MEMORY AND ARCHITECTURE OF JUAZEIRO DO NORTE,
CEARÁ

Maria Letícia de Almeida Ramos Gomes


Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, UniFAP-CE, Brasil
mleticiagomess@gmail.com

Isabel de Lima Pinheiro


Arquiteta e Urbanista, UniFAP-CE, Brasil.
isabelima.pin@gmail.com

Taise Costa de Farias


Arquiteta e Urbanista, docente UniFAP-CE, Brasil.
taisef@gmail.com

158
RESUMO

A Igreja Bom Jesus do Horto, em Juazeiro do Norte, Ceará, destaca-se em nível arquitetônico e cultural, mas faltam
pesquisas e dados referentes ao seu momento atual. Propondo-se a entender a relação histórica entre Igreja e cidade,
o estudo busca contribuir nessa narrativa, investigando a evolução dos momentos pelos quais a Igreja passou e
analisar o projeto em execução. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental associada a visitas e
entrevistas. Antônio Braga, com estudos voltados ao Padre Cícero, e Baker, com sua teoria de análise arquitetônica,
foram autores fundamentais para a realização deste trabalho. Com isso, pudemos apreender o vínculo que a Igreja
possui com o Padre Cícero, importante figura política e religiosa no Ceará, e com a promes sa feita durante a Grande
Seca em 1878. Depois de idas e vindas no processo de construção da Igreja, houve uma mudança para um projeto
moderno adaptado ao clima local e integrado à paisagem. Cercada pela vegetação e implantada no ponto mais alto
da cidade, a edificação é um marco para a arquitetura, cultura e fé. O presente artigo sintetiza e expõe informações
de interesse para os pesquisadores da arquitetura contemporânea caririense, abrindo ainda espaço para a discussão
em cima do que é patrimônio e se a Igreja Bom Jesus do Horto pode ser considerada como tal apesar de não estar
concluída.

PALAVRAS-CHAVE: Igreja. História. Arquitetura.

ABSTRACT

The Bom Jesus do Horto Church, in Juazeiro do Norte, Ceará, Brazil stands out in terms of architecture and culture, but
there is a lack of research and data regarding its current situation. Proposing to understand the historical relationship
between Church and city, the study seeks to contribute to this narrative, investigating the evolution of the moments
through which the Church passed and analyzing the project in execution. A bibliographical and documentary research
was made associated with visits and interviews. Antônio Braga, with studies focused on Padre Cícero, and Baker, with
his theory of architectural analysis, were fundamental authors for the realization of this work. With that, we were able
to apprehend the bond that the Church has with Father Cícero, an important political and religious figure in Ceará,
and with the promise made during the Great Drought in 1878. During the process of building the Church, there was a
change for a modern project adapted to the local climate and integrated into the landscape. Surrounded by vegetation
and located at the highest point of the city, the building is a landmark for architecture, culture and faith. This article
summarizes and exposes information of interest to researchers of contemporary architecture in Cariri, also open space
for discussion on what is patrimony and whether the Bom Jesus do Horto Church can be considered as such despite
not being completed.

KEYWORDS: Church. History. Architecture.

159
1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho discorre sobre a Igreja Bom Jesus do Horto e abrange informações
sobre sua história e seu projeto arquitetônico atual. A Igreja está localizada na Colina do
Horto, em Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil, uma cidade considerada ponto de ref erência para
a fé e religiosidade. A conexão direta da Igreja com a história do Padre Cícero, sacerdote
importante da região que atrai anualmente milhares de romeiros, confere à construção uma
importância significativa, apesar de sua construção recente.

Figura 1 – Imagem atual da Igreja Bom Jesus do Horto

Fonte: Autoras (2023)

No entanto, apesar da relevância da construção, uma grande problemática é a


escassez de pesquisas e dados disponíveis sobre sua história e seu projeto arquitetônico.
Nesse contexto, a justificativa para esse estudo se baseia na contribuição para a historiografia
de Juazeiro do Norte, bem como para o conhecimento da arquitetura modernista da cidade.
Autores como Antônio Mendes da Costa Braga e Sandra Pele grini desempenham
papéis fundamentais como referência teórica para este trabalho, auxiliando na compreensão
do contexto histórico, cultural e na definição dos conceitos relacionados ao patrimônio
material e imaterial, respectivamente. O fato da Igreja Bom Jesus do Horto fazer parte da
memória de Juazeiro do Norte e sua forte relação com a fé foi um dos pontos que mostram
a relevância do assunto, assim como levanta a possibilidade de discutir se a edificação pode
ser considerada patrimônio ou não.

160
2 OBJETIVOS

O objetivo geral deste trabalho consiste em contribuir para a documentação e


historiografia da Igreja do Bom Jesus do Horto, situada em Juazeiro do Norte, Ceará,
enriquecendo os registros acerca de sua relevância cultural e arquitetônica. Para alcançar
essa meta, foram estabelecidos objetivos específicos que orientam a pesquisa.
Primeiramente, busca-se compreender a relação intrínseca entre a história da Igreja em
questão e a história da própria cidade de Juazeiro do Norte. Em seguida, investigar o processo
de transição e evolução dos projetos arquitetônicos. Por fim, realizar uma análise da
estrutura arquitetônica atual da igreja, explorando seus elementos e características para
assim melhor compreender seu impacto cultural e arquitetônico na região.

3 METODOLOGIA

A metodologia adotada neste estudo foi multifacetada, visando obter informações


abrangentes sobre a Igreja Bom Jesus do Horto e sua inserção em Juazeiro do Norte.
Inicialmente, foi conduzida uma pesquisa bibliográfica, além da análise de documentos
históricos pertinentes para a compreensão do contexto histórico e cultural da região.
Posteriormente, foi realizada uma visita in loco à Igreja Bom Jesus do Horto, que permitiu a
observação detalhada da estrutura e da paisagem, aspectos importantes para a etapa de
análise arquitetônica do local, que foi realizada com base no método de Baker. Além disso,
foi visitado o Museu Vivo do Padre Cícero, também localizado no Complexo do Horto, para o
aprofundamento da compreensão do contexto histórico. Paralelamente, foram conduzidas
entrevistas com especialistas do setor de turismo do Complexo do Horto, que possibilitaram
a aquisição de informações importantes e dados atualizados sobre a igreja e a região, além
de uma perspectiva prática sobre o impacto turístico e cultural da igreja.

4 RESULTADOS

4.1 A História

Para entender o início da história da Igreja do Horto e o simbolismo envolto na sua


construção, é necessário considerar o contexto que a antecede. Entre 1877 e 1879, o Nordeste
brasileiro, assim como outras regiões do mundo, sofria com a “Grande Seca”. O Ceará estava
incluído em uma das cinco regiões mais afetadas pelo fenômeno climático (SINGH et al., 2018,
p.9459). Razões climáticas, crise econômica, negligência do governo e embates políticos, foram
todos fatores de agravamento da crise. Na época, a economia local sobrevivia da indústria
agrícola, sendo assim, a decadência da cultura de subsistência gerou uma crise econômica que,
somatizada com a falta de água, causou um impacto desastroso.
Só em 1878, 119 mil pessoas morreram e outras 55 mil foram forçadas a migrar,
ficando conhecidas como retirantes. Na capital, a briga entre o partido conservador e liberal
levantava a ideia de que a intenção de gerar comoção pelas sequelas da seca era exagero, ao
mesmo tempo em que, no Nordeste, os refugiados reclusos em campos de concentração e
submetidos ao trabalho exaustivo, sofriam. Demorou muito para o Governo Federal interferir e

161
ver a dimensão do problema, enquanto isso, quem acompanhava a situação de perto e tentava
ajudar de alguma forma via-se de mãos atadas.
A concentração de pessoas famintas em péssimas condições sanitárias e
completamente desassistidas pelo poder público, também acarretou o surto de varíola que
matou milhares de pessoas na capital. O volume de mortos era gigantesco: pela fome, pela
exploração da força de trabalho e pela varíola. As consequências deste grave acontecimento
perduraram até o ano de 1889 e, temendo uma nova seca, padre Cícero, juntamente com outros
colegas também padres, fez diversas procissões e promessas, dentre elas a da construção de
uma capela no topo da Serra do Catolé, nomeada também como Colina do Horto.
Com a chegada das chuvas na região, logo a construção da capela foi iniciada, contando
com a colaboração significativa da comunidade. No entanto, a obra foi interrompida devido aos
conflitos que surgiram em decorrência do milagre da hóstia, ocorrido no mesmo ano, quando a
beata Maria de Araújo teve uma hóstia, entregue pelo Pe. Cícero, transformada em sangue em
sua boca. O acontecimento gerou reações controversas: “o padre atraiu devotos de todas as
regiões que acreditavam em sua santidade e, ao mesmo tempo, desencadeou conflitos com a
Igreja, iniciados sobretudo pela ausência de um comunicado por parte do padre acerca do
milagre” (RAMOS, 2014, p.33 – 34).
Tais conflitos culminaram na suspensão do sacerdote, que também enfrentou a
possibilidade de ser excomungado. Após escrever uma carta a Roma, na qual solicitava a revisão
da decisão do bispo Dom Joaquim, o sacerdote não conseguiu obter apoio. Em vez disso, foi
instruído a se afastar da região, levando-o a passar um período em Salgueiro, Pernambuco, até
que o bispo lhe sugeriu uma visita à Roma. Com isso, Pe. Cícero viajou para a Itália em junho de
1898, onde permaneceu por aproximadamente três meses (BRAGA, 2007).
Durante sua estadia em Roma, o padre teve a oportunidade de se manter em contato
com outros membros do clero e autoridades religiosas. Após realizar seu ato de submissão ao
Santo Ofício, recebeu a aprovação das autoridades eclesiásticas para retornar ao Brasil e voltar
a celebrar missas, atribuição essa que havia sido proibida ao padre desde 1896 (GUIMARÃES,
DUMOULIN, 2015, p. 18 – 19). Segundo Braga, Pe. Cícero:

Foi absolvido de quaisquer censuras sofridas nos decretos anteriores, o que excluía a
necessidade de declaração pública em que deveria explicitar formalmente sua
“culpa”, o que era um desejo de Dom Joaquim; Foi restabelecido seu direito de
celebrar a missa, suspenso desde 1896. Essa permissão, válida para Roma, poderia ser
estendida à diocese do Ceará, a critério do seu bispo; Decidiu-se que qualquer
alteração em sua condição de sacerdote seria agora uma prerrogativa do Santo Ofício
Romano, e não do bispo diocesano do Ceará. (BRAGA, 2007, p. 193)

O afastamento não amenizou a insatisfação do Bispo D. Joaquim. Este limitou ainda


mais os poderes eclesiásticos do Pe. Cícero, condicionando o exercício de suas atividades
pastorais ao seu afastamento de Juazeiro (BRAGA, 2007). O padre, no entanto, decide voltar ao
Cariri mesmo assim, pois acreditava que era sua missão dedicar-se àqueles que clamavam por
auxílio em Juazeiro do Norte.
Segundo o historiador Roberto Júnior, conforme mencionado em um trecho do seu
site "Cariri das Antigas", ao voltar da Itália, Padre Cícero trouxe consigo uma maquete e uma
planta para retomar a construção da capela que havia prometido após a “Grande Seca”. No
entanto, as obras foram novamente interrompidas devido a outra proibição imposta pelo Bispo.
(RAMOS, 2014).

162
A maquete referente a esse projeto se encontra em exibição no Museu Vivo do Pe.
Cícero, em Juazeiro do Norte. O projeto em questão apresenta uma mistura de influências
estilísticas, sobressaindo elementos característicos do estilo neogótico, amplamente dif undido
sobretudo na primeira metade do século XIX. Essa referência mostra-se presente em arcos
ogivais, torres pontiagudas e o trabalho em pedra. O projeto original contava com 25 torres,
uma escolha projetual que provavelmente se deu com o intuito de conf erir à edificação uma
aparência imponente e grandiosa. No entanto, devido à interrupção das obras, apenas três
dessas torres foram efetivamente construídas.

Figura 2 – Maquete trazida da Itália pelo Padre Cícero e ruínas da Igreja na década de 1940

Fonte: Cariri das Antigas (2021)

Durante certo período, Pe. Cícero teve contato com os padres da Congregação
Salesiana e sentiu uma forte ligação com a rede. Portanto, quis que os Salesianos continuassem
o seu trabalho educacional e religioso em Juazeiro do Norte. Ele deixou registrado em seu
testamento1 que todo seu patrimônio seria doado à congregação (ALMEIDA, 2013). Além disso,
deixou também um pedido: “que os padres Salesianos continuassem a construção da capela que
ele prometeu e tentou construir duas vezes, utilizando o projeto trazido da Itália” (RAMOS,
2014, p. 364 – 365).
Em 20 de julho de 1934 Padre Cícero faleceu. Seu cortejo ocorreu na rua que recebeu
seu nome e seu corpo foi sepultado na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A crença
na sua ressurreição sobrevive. Conta-se que o Bispo teria tentado roubar seu corpo após o
enterro, mas só encontrou rosas no caixão. Para os romeiros, “Padre Cícero permanece ‘vivo’ e
‘encantado’ no Horto, local considerado sagrado, onde sua presença física s e conecta
diretamente” (BRAGA, 2020. p. 261).
O primeiro lugar que representou a presença do Padre Cícero foi onde ficavam as
ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Sagrado Coração, iniciada quando o Padre ainda estava
vivo. Após sua demolição em 1939, o ponto foi transferido para uma árvore, que anos depois foi

1 "Suplico aos mesmos padres que terminem a construção da capela do Horto. Devo dizer, para evitar conceitos
inverídicos e suspeitos, em torno do meu nome, que comecei a construí-Ia para cumprir um voto que eu e os meus
falecidos colegas e amigos, os padres, Manuel Félix de Moura, Francisco Rodrigues Monteiro e Antônio Fernandes
Távora, então vigário do Crato, fizemos. Esse voto fizemos quando, apavorados com os resultados da seca de 1889,
receamos, aliás com razão justificada, que o ano de 1890 fosse também seco – com o povo desta terra, ao Santíssimo
Coração de Jesus” (FILHO, 2002, p.158)

163
substituída pela estátua do Padre Cícero, esculpida em concreto, que permanece até hoje. Esta
foi construída em 1969 pelo então prefeito Mauro Sampaio (IBGE, s.d.)

Figura 3 – Imagem atual do Complexo do Horto

Fonte: Geopark Kariri/Divulgação2

O fato de existir um ponto específico que solidificasse a presença de Padre Cícero fez
com que a tradição das romarias mantivesse seu sentido em Juazeiro do Norte. A concentração
de fiéis, que pode chegar até dois milhões de pessoas vindas de todos os lugares do Nordeste,
impacta diretamente na economia e na dinâmica do local. A cidade inteira se adapta para
receber os peregrinos que chegam para prestigiar a figura do padre.
Apesar dos investimentos no complexo turístico, que inclui a estátua, museu, jardim
(pertencente ao Geopark Kariri), ruínas da Guerra de Sedição de Juazeiro e o Bondinho
inaugurado em 2022, o poder público não interfere nas obras da Igreja. Por isso, assim como foi
solicitado pelo próprio Padre Cícero em seu testamento, restou aos Padres Salesianos a
responsabilidade da construção da Igreja Bom Jesus do Horto, que recebe auxílio de doações de
fiéis afilhados do “Padim Ciço”.
Mesmo após o falecimento do religioso, sua relação conflituosa com a igreja persistiu
por um longo período. As ruínas da construção, que haviam sido abandonadas há cerca de 31
anos, permaneceram intactas por mais cinco anos antes de serem demolidas e substituídas por
uma torre de televisão. A decisão dos Salesianos de retomar a construção da Igreja, levou
considerável tempo para ser concretizada. Somente em 1999 as obras foram reiniciadas com
um novo projeto e até hoje não foram concluídas.

2 Ano não fornecido. Disponível em: http://geoparkararipe.urca.br/?page_id=1702. Acesso em 27 set. 2023

164
4.2 O Projeto

Com base no método de Baker3, será abordado o projeto em execução da Igreja Bom
Jesus do Horto de forma mais detalhada. Esta se localiza em Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil. A
construção do projeto vigente, como já mencionado no texto, iniciou-se no ano de 1999 e segue
em etapas. Atualmente, a construção encontra-se na última, que conta com a instalação das
esquadrias, instalação do piso, iluminação e acabamento das paredes internas. Apesar da obra
ainda estar em andamento, há registros de missas em seu interior desde o ano de 2021. A
capacidade é de 2.500 pessoas, considerando ainda que possui uma capacidade maior devido à
acomodação nas arquibancadas.
A edificação ocupa uma área de 4.000 m², e possui altura de 50 metros e, com o jardim,
compõem o complexo cultural e religioso do Horto do Padre Cícero (estátua, casarão, museu-
vivo, bondinho e jardim). A importância do seu significado se dá pelo uso religioso e pelo marco
que é na narrativa da história do Padre Cícero e do Juazeiro do Norte. De acordo com
informações obtidas em entrevista com uma das guias turísticas do Complexo do Horto, a Igreja
do Bom Jesus do Horto representa a realização de um antigo sonho do Padre Cícero. Para tornar
o projeto mais viável, os Salesianos optaram por não executar o projeto original trazido pelo
Padre Cícero da Itália, em vez disso, criando um projeto completamente novo, moderno e
adaptado às condições climáticas locais.

Figura 4 – Fotografias mostrando os materiais e a parte interna da igreja

Fonte: Autoras, 2023.

O projeto atual, cuja maquete está em exibição em frente ao Museu Vivo do Padre
Cícero, foi concebido por arquitetos italianos — cujos nomes não foram informados — no final
do século XX e é um notável exemplo de arquitetura modernista na cidade de Juazeiro do Norte.
A estrutura e a coberta da edificação foram construídas com armação de ferro e concreto,
característica bastante comum aos exemplares da arquitetura modernista. Isso se deve ao fato
de que, na época, esses materiais representavam uma inovação te cnológica, permitindo uma
maior flexibilidade na criação de diferentes formas arquitetônicas. Além disso, o uso desses

3 Dr. Geoffrey Baker, em seu livro “Le Corbusier: uma análise da forma” destrincha a obra de Le Corbusier a partir de
uma análise apontando as características primordiais. No caso da análise presente, foram considerados os seguintes
fatores: genius loci, iconologia, identidade, significado do uso, plástica, geometria e estrutura.

165
materiais era favorecido pela sua plasticidade e pela capacidade de conferir uma estética mais
simplificada à edificação, além do custo-benefício que ofereciam. A vedação das paredes, por
sua vez, utilizou base de pedra e fechamento com blocos de tijolo do tipo solo-cimento.
É notável a preocupação dos arquitetos em relação às condições climáticas da região,
que apresenta clima quente e seco. A Igreja possui um pé direito elevado e aberturas
sombreadas voltadas para o leste. O uso de cores claras, além de dar uma sensação de maior
amplitude, evita a absorção excessiva de calor. O uso de vitrais confere a entrada de luz filtrada
e a planta livre, assim como a posição das aberturas favorece a circulação de ar. Tudo isso
promove um espaço que valoriza a iluminação e ventilação naturais, criando um ambiente
espaçoso e aberto, características comuns em edificações modernas. Algumas dessas
características podem ser encontradas no Guggenheim Museum em Nova York 4 e no Pavilhão
Serpentine 5, por exemplo.

Figura 5 – Croquis da planta e da volumetria exemplificando estratégias de conforto ambiental

Fonte: Autoras, 2023.

Fora seu design único dentre as edificações modernas locais, um dos destaques do
projeto é sua interação com a paisagem. Ela se destaca em meio à vegetação, trazendo um
caráter etéreo e criando um conceito de leveza e pureza que combina com a natureza ao redor.
Além disso, os vitrais, implantados em 2022, são o contraponto de contraste, equilibrando e
trazendo personalidade para a composição. Eles retratam uma cena de Jesus orando no Horto
das Oliveiras. Além deles, também foram projetados outros vitrais, representando o calvário e
alguns elementos representativos dos romeiros e da região, como o pé de juá, o terço e o
candeeiro, mas estes continuam na fase de arrecadação de recursos para sua implantação.
A implantação foi feita no ponto mais alto da cidade, podendo ser vista de diversos
locais, funcionando como um marco na paisagem. É notável também por ser o primeiro ponto
de referência a ser avistado da Rodovia Padre Cícero, vinda do município de Caririaçu. A Igreja
fica em meio a vegetação serrana e seus vitrais ficam à mostra nessa perspectiva, revelando sua
beleza à noite, quando a iluminação interna é acesa.

4 Frank Llooyd Wright, 1959


5 Sumaya Valley, 2020

166
5 CONCLUSÃO

É notável que a Igreja Bom Jesus do Horto é uma construção marcante para a cidade
de Juazeiro do Norte, sendo uma parte significativa da narrativa histórica da cidade. Além de
suas características arquitetônicas e o fato de a edificação ser uma referência de arquitetura
modernista na cidade, sua importância é destacada devido à sua forte ligação com a
comunidade local, sua vida cultural e religiosa. O que a torna significativa é sobretudo sua
dimensão imaterial, ao exercer um papel importante na relação entre memória e história para
a cidade.
O templo religioso, mesmo inacabado, apresenta-se como um lugar de culto,
constituído por um espaço irradiador de cultura, memória e fé. A sua importância material está
concretizada na forma arquitetônica do templo, que reverbera na paisagem, tornando a igreja
Bom Jesus do Horto um dos principais pontos turísticos da cidade. A sua imaterialidade é
transmitida, pelo rito, cantos, festas e principalmente pelas procissões, sendo o destino de uma
das quatro principais romarias de Juazeiro, onde o patrimônio religioso se articula com as
experiências e vivências relacionadas a um passado e a um presente.
Logo, a importância da igreja fundamenta-se não apenas em aspectos tangíveis, mas
em suas relações históricas e de sociabilidade, que envolvem práticas de saberes, ofícios,
celebrações, formas de expressão, em um lugar de práticas culturais coletivas. Essa perspectiva
se encaixa muito bem na definição de patrimônio imaterial proposta por Pelegrini (2020):

Patrimônio imaterial é a definição que se refere a práticas, representações,


expressões, conhecimentos e técnicas - junto com instrumentos, objetos, artefatos e
lugares culturais que lhe são associados - que as comunidades e os grupos e, em alguns
casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural
(PELEGRINI, 2020, p. 71).

Com isso, esse estudo apresenta contribuições para a documentação e historiografia da


Igreja Bom Jesus do Horto e abre oportunidade para haver discussões mais abrangentes e
aprofundadas sobre os conceitos de patrimônio e memória, que podem ser exploradas em
pesquisas futuras.

5 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ALMEIDA, Núbia Ferreira. O Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte e o projeto educacional do Padre Cícero: os
benefícios da juventude (de 1939 a anos de 1970). 2011. 254f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade
Federal do Ceará, Faculdade de Educação, Programa de Pós-graduação em Educação Brasileira, Fortaleza-CE, 2011.

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167
COSTA, André; FALCONERY, Lucas. Romarias de Juazeiro do Norte podem se tornar Patrimônio Imaterial; saiba o
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https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/romarias-de-juazeiro-do-norte-podem-se-tornar-patrimonio-
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FILHO, Manoel Bergström Lourenço. Juazeiro do Padre Cícero. INEP/MEC, 2002. 179 p.

GLOBO Comunicação e Participações S.A. Igreja Bom Jesus do Horto começa a receber vitrais de projeto feito na
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em: https://cariridasantigas.com.br/a-igreja-do-horto-o-templo-da-missa-do-fim-dos-tempos/. Acesso em: 24 ago.
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MOTA. Camilla Veras et al. 500 mil mortos: a tragédia esquecida que dizimou brasileiros durante 3 anos no século
19. BBC, 2021. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/resources/idt-5ef8617a-d045-4f5e-932d-
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PELEGRINI, Sandra. A Gestão do Patrimônio Imaterial Brasileiro na Contemporaneidade. In: CARVALHO, Aline;
MENEGUELLO, Cristina (org). Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos. Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2020.

RAMOS, Francisco Régis Lopes. O Meio do Mundo: território sagrado em Juazeiro do Padre Cícero. 1ª ed. Fortaleza:
Editora UFC, 2014.

RODRIGUES, Paulo Henrique. Igreja do Horto sonhada pelo Padim está ganhando vitrais com símbolos da romaria.
Diário do Nordeste. 15 ago. 2022. Disponível em: https://l1nq.com/diariodonordeste. Acesso em: 24 ago. 2023

SINGH, D. R. et al. Climate and the Global Famine of 1876–78. Journal Climate, v. 31, n. 23, p. 9445-9467, 2018.
Disponível em: doi:10.1175/JCLI-D-18-0159.1. Acesso em: 24 ago. 2023.

168
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
(X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

AUTOCONSTRUÇÃO NA PÓS-PANDEMIA: UM PANORAMA DA PESQUISA


EM 2022

SELF-CONSTRUCTION IN THE POST-PANDEMIC: AN OVERVIEW OF RESEARCH IN 2022

Humberto Metello
Professor Doutor, UNIVAG, Brasil
hmetello@univag.edu.br

Leily Francy Leite de Oliveira Monteiro da Silva


Mestranda Arquitetura e Urbanismo UNIVAG-PUC Campinas, Brasil.
leilyfrancy@hotmail.com

169
RESUMO
O objetivo deste trabalho é fornecer uma visão geral da parceria no campo da Habitação de Interesse Social (HIS)
durante o ano de 2022. Para atingir esse objetivo, utilizou-se uma metodologia que envolveu revisão bibliográfica
descritiva e exploratória. A revisão descritiva visava apresentar os indicadores das publicações acadêmicas
relacionadas à autoconstrução na área de HIS. Por outro lado, a pesquisa exploratória tinha como objetivo conhecer
a situação dessa área em um determinado estado com base em uma pesquisa bibliométrica. A pesquisa identificou
um total de 115 artigos na plataforma Google Acadêmico e 87 artigos na plataforma Scielo relacionados à Habitação
de Interesse Social. Os resultados revelaram algumas descobertas significativas, incluindo uma sólida definição no
contexto histórico em todos os estudos analisados. Além disso, apenas 19% dos estados brasileiros participaram
desses estudos, com os cursos de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo se destacando como os mais atuantes na
produção acadêmica relacionada à HIS. A Lei 11.888/2008 desempenhou um papel importa nte nesse contexto. Em
resumo, este estudo oferece uma visão abrangente da pesquisa acadêmica relacionada à Habitação de Interesse
Social em 2022, destacando a participação dos estados, a influência dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, de
Engenharias, também os cursos de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo e a relevância da Lei 11.888/2008 para a
produção acadêmica nesse campo.

PALAVRA-CHAVE: Mutirão. Lei 11.888/2008. Produção acadêmica.

ABSTRACT
The objective of this work is to provide an overview of the partnership in the field of Social Interest Housing (HIS) during
the year 2022. To achieve this objective, a methodology was used that involved a descriptive and exploratory
bibliographical review. The descriptive review aimed to present the indicators of academic publications related to self-
construction in the HIS area. On the other hand, the exploratory research aimed to know the situation of this area in
a given state based on a bibliometric research. The research identified a total of 115 articles on the Google Scholar
platform and 87 articles on the Scielo platform related to Social Interest Housing. The results revealed some significant
findings, including a solid setting in historical context across all analyzed studies. In addition, only 19% of the Brazilian
states participated in these studies, with Master's courses in Architecture and Urbanism standing out as the most
active in academic production related to HIS. Law 11.888/2008 played an important role in this context. In summary,
this study offers a comprehensive view of academic research related to Social Interest Housing in 2022, highlighting
the participation of states, the influence of Architecture and Urbanism and Engineering courses, as well as Master's
courses in Architecture and Urbanism and the relevance of Law 11.888/2008 for academic production in this field.

KEYWORD: Mutirão. Law 11.888/2008. Academic production.

170
1 INTRODUÇÃO

Este artigo trata do levantamento da produção acadêmica voltada para a


autoconstrução e a Lei 11.888/2008, objetiva contextualizar a autoconstrução e levantar as leis
que a regulam, com a hipótese de que a produção acadêmica a respeito da autoconstrução fo i
muito afetada pelo período da pandemia de Covid 19 nos anos de 2020 a 2022.
O entendimento foi alcançado por meio de uma revisão referencial de artigos
veiculados até o mês de novembro de 2022, com base nas plataformas Google Acadêmico e
Scielo utilizando como chave de busca as palavras autoconstrução, ajuda mútua e mutirão.
Nesta busca, foram encontrados 15 artigos na base Scielo e 830 artigos no Google Acadêmico.
Os resultados obtidos foram organizados em forma de tabelada descritiva e apontaram alguns
estudos de caso que mostram uma boa definição do contexto histórico político da realidade da
autoconstrução e poucos estudos voltado as técnicas, mas que mesmo nesta condição obteve
bom resultado.
Daí ter-se concluído que muitas dessas pesquisas não estão refletidas a realidade da
sociedade civil, por haver uma lacuna pouco observada entre o meio acadêmico e o Estado que,
apesar de ser o mais citado como responsável pelo processo de produção da habitação social
no país, não participa ou se beneficia (direta ou indiretamente) da realização das pesquisas.
Este estudo pretende saber como funcionam atualmente as políticas habitacionais
brasileiras, especialmente para política habitacional de interesse social que são direcionadas à
população de baixa renda. Por conta da amplitude do estudo, optou-se por delimitar ao âmbito
das produções acadêmicas voltadas para as construções com perfil de autoconstrução em
assentamentos populares, para conduzi-las a objetivos mais específicos dentro da ampla
pretensão inicial, mesmo entendendo que o Estado está presente de muitas formas já que a
responsabilidade está em seus ombros como regulamentador ou fomentador em qualquer
reflexão sobre a política habitacional de interesse social.
No conteúdo das publicações acadêmicas Valladares (1983) e Maricato (2012),
abordam em seus trabalhos a situação dos estudos brasileiros, no objetivo de construir
panorama da época para qualificar as produções. As autoras, em seus trabalhos sobre as
políticas habitacionais brasileiras, chamam a atenção para uma expansão vinculada as ações do
Banco Nacional da Habitação (BNH). Já BONDUKI (2004) oferece as condições para analisar as
origens das habitações sociais no Brasil, que poderiam servir de bases para uma política de
habitação menos elitista.
Embora não haja uma contribuição expressiva dos conhecimentos sistematizados e
selecionados com base nas ciências e nos modos de ação acumulados pela experiência social da
humanidade pelas diferentes ciências, se acredita que este estudo contribuirá para uma análise
sistemática dos fenômenos e na organização dos princípios e processos racionais e
experimentais dos estudos acadêmicos, até porque não surgiram ainda novidades dentro da
realidade da autoconstrução.

2 AUTOCONSTRUÇÕES NOS BAIRROS DE PERIFERIA

As autoconstruções, mais comuns em bairros de periferia das cidades, quando


analisadas como objeto empírico da pesquisa, podem elucidar, em âmbito mais amplo, algumas

171
respostas para a real qualificação e apropriação dos conhecimentos do autoconstrutor nas
periferias urbanas.
As de ordem intelectual, por exemplo, são aquelas nas quais o conhecimento a
respeito de determinado objeto de estudo possui pouca pesquisa sobre o assunto, Gil (1991).
Esta necessidade acadêmica de aprofundar o conhecimento a respeito de
determinados assuntos pode apresentar características muito diferentes em seus métodos de
pesquisa e, algumas vezes é preciso quebrar alguns paradigmas para atingir a atividade fim, que
é produzir um texto dentro das características aceitáveis tanto na academia quanto na
correspondência formal.
Um dos erros ou desafios comuns para o aprimoramento dessa realidade é considerar
que a complexidade do tema ou a suposição de que a autoconstrução deve ser deixada de lado,
por ser uma realidade empírica da população de baixa renda e, por isto, esbarra diante da
hipótese de que a produção acadêmica atual não contempla a autoconstrução como uma forma
tecnológica, já que a produção de habitações para a população de baixa renda, questão que
originou esta pesquisa, é: qual o grau de aplicabilidade atual da produção acadêmica sobre a
autoconstrução visando atender a necessidade de habitações de interesse social no Brasil?
Para responder à questão do objetivo geral são necessários responder às seguintes
questões:
a) A produção acadêmica sobre a autoconstrução tem contribuído com esta
realidade?
b) Quais as lacunas entre a produção acadêmica e a aplicação prática do
conhecimento desenvolvido com vistas a autoconstrução?
c) Quais são as maiores dificuldades para o desenvolvimento das pesquisas sobre
a autoconstrução?
d) Os pesquisadores entendem o contexto histórico dos objetivos da
autoconstrução?

O conhecimento sobre a produção intelectual em relação a habitação de interesse


social é indispensável para conhecer as reais situações de precariedade habitacional existente
nos bairros e os desvios das políticas públicas, que se revelaram incapazes de sanar a carência
das camadas mais pobres da população (Maricato, 2009, p.2).
O objetivo geral deste estudo pretende caracterizar quantitativamente a produção
acadêmica brasileira sobre a autoconstrução no ano de 2022 e para tal foram estabelecidos
objetivos específicos, ou seja:
a) Identificar produções acadêmicas no âmbito nacional de estudos de caso com
o tema a autoconstrução e habitação de interesse social publicadas no ano de
2022 no país;
b) Estabelecer aspectos de classificação dos trabalhos catalogados para fazer um
levantamento quantitativo da produção acadêmica;
c) Contextualizar a autoconstrução e levantar leis que a regula no conjunto de
cada estudo, considerando a hipótese de que a produção academia foi
prejudicada com o advento da pandemia COVID-19.

Apontar as lacunas, desafios, contextos e contribuições presentes nos trabalhos e


autoconstrução estudados. Contribuições teóricas do artigo conforme Gil (2010) a pesquisa de

172
cunho exploratório, na forma de levantamento bibliográfico, tem como objetivo proporcionar
maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir
hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de
ideias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo
que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. (Gil, 2002,
p41).
Com bem explica Gil (2002) a pesquisa busca a consolidação dos conhecimentos,
habilidades e hábitos para rever o que já conhece a respeito do assunto para chegar ao tema.
Além disso, o conhecimento do estado atual dos estudos dará melhores condições para decidir
qual caminho seguir no intuito de discutir e implementar soluções? Por isso, faz-se necessário
um estudo que aponte os indicadores sobre produção já que, conforme Rousseau (1998) é
necessário gerar informações de pesquisas que possibilitem análises fundamentadas sobre o
estado da pesquisa de um setor.
Mesmo que a estrutura do artigo apresente uma fundamentação teórica, é importante
definir os conceitos básicos para um melhor entendimento do panorama da produção científica
ligada ao tema da autoconstrução dentro dos trabalhos acadêmicos sobre habitação social no
país podendo ser eles trabalhos de conclusão de curso, artigos e teses dentro dos cursos de
Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil, Sociologia e Direito. Seguindo com as considerações
necessárias para a definição do método da pesquisa e as etapas metodológicas Escolha da base
mais populares de publicação de artigos, revisão bibliográfica, coleta de dados em tabulação,
análise quantitativa seguindo com a conclusão. Os resultados obtidos através da sistematização
e tabulação da análise dos artigos e discussão estabelecida sobre os mesmos são apontados no
terceiro capitulo, já as considerações finais que tratam da recapitulação sintética dos re sultados
da pesquisa ressaltando o alcance e as consequências contribuições e sugestões para trabalhos
futuros são apresentados na conclusão deste.

3 REVISÃO DE LITERATURA

O estudo da autoconstrução está ligado diretamente à realidade das habitações de


interesse social e entende-se minimamente o histórico das políticas habitacionais e econômicas
do nosso país. O significado da palavra autoconstrução descrito é: “Sistema de construção
habitacional destinado à população de baixa renda, em que o futuro proprietário ergue a
moradia com o próprio trabalho.” (Dicionário Michaelis, 2022).
Se analisarmos o significado descrito pelo dicionário observaremos o envolvimento do
conhecimento empírico, vindo por intermédio de deduções e de observações da n atureza, que
isso existe desde os primórdios da humanidade com a necessidade de se proteger das
intempéries e de possíveis predadores. Mas isso só são devaneios das ideias.
Observa-se pela expansão urbana zonas eminentemente rurais eram loteadas e
transformadas em zona urbana, fortemente ocupada. Em São Paulo, em 1920, apenas 19% dos
imóveis eram habitados pelos seus proprietários, e predominantemente na época tinha se o
aluguel como forma de acesso a moradia. Como não existia formas de financiamento surgiram
nessa época inúmeras soluções habitacionais que buscavam o baixo custo e a ocupação de todo
o terreno de forma de geminações habitacionais, cada qual destinado a uma capacidade de
pagamento do aluguel: do cortiço, moradia operária por excelência, sequência de pequenas

173
moradias ou cômodos insalubres ao longo de um corredor, sem instalações hidráulicas
(BONDUKI, 1994).
Provavelmente a construção do primeiro grupo de moradias construídas pelo poder
público no Brasil em 1906, foi na cidade de Rio de Janeiro com a construção de 120 unidades
habitacionais com a derrubada de milhares de cortiços para a abertura da Avenida Central. E em
1926 em Recife a construção de 40 unidades habitacionais com caráter social pela Fundação A
Casa Operária. Estas iniciativas tiveram um impacto importante em várias cidades brasileiras,
pois são os primeiros empreendimentos habitacionais de grande porte construídos no país.

3.1 Autoconstrução e o papel da assistência técnica

São habitações estas construídas pelos próprios moradores com técnicas assimiladas
pela prática do trabalho no dia a dia e ou por método exclusivamente visual do trabalho de
outro, encaixando entendimento dentro da facilidade e dos recursos disponíveis. Comumente
implantadas em geral nas regiões periféricas das cidades e de suas construções de padrão
técnico normatizado entende se como acompanhadas por aqueles arquitetos e engenheiros.
Cavalcanti e Alvim relatam resultado de pesquisa inédita realizada em 2015 pelo
Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) em parceria com o Instituto Datafolha, onde buscou
se saber a realidade da autoconstrução brasileiras independentemente da faixa de renda:
[...] 2.419 pessoas foram entrevistadas em todo o Brasil. Os
resultados demonstram que 54% da população reformou imóvel
residencial ou comercial e que 85% desse conjunto fizeram o serviço
por conta própria, sem a contratação de profissional habilitado,
possivelmente estas construções estão de alguma forma irregulares
(CAVALCANTI E ALVIM,2020).

Isto dentro da realidade das reformas, mas também existe as das novas construções
pois sem os documentos relativos ao terreno e de comprovação de renda para financiamentos
pelas instituições financeiras a parcela da população de baixa renda muitas vezes é excluída.
Esta parcela é atendida por depósitos de materiais de construção que acabam fazendo o papel
de credor, emprestando dinheiro a juros muito acima dos praticados pelo mercado. A ilegalidade
da autoconstruir fica fortemente evidenciada no momento de legalizar o imóvel, pois sem os
alvarás e projetos aprovados sem as considerações das leis de uso do solo e códigos de obras,
impossibilitam a obtenção do habite-se de conclusão excluindo o direito de registros da
propriedade (BALTAZAR,2012).
Observa-se para esta grande parcela da população em 2008 foi sancionada a Lei
Federal 11.888/2008 (Lei da Assistência Técnica Gratuita) onde profissionais da arquitetura e de
engenharia por intermédio da União, os estados, o Distrito Federal e os Municípios prestam
apoio especializado à população (urbana ou rural) de renda de até 3 salários mínimos,
contribuindo para minimizar parte dos problemas existentes.
Mas a realidade observada mostra que a Lei ainda não funcionou como deveria,
passados 15 anos desde a promulgação da lei a paisagem ainda persiste, moradias
autoconstruídas de forma inadequadas. Neste contexto pretende buscar uma contribuição com
o debate acerca da habitação precária, especialmente a autoconstrução.

174
3.2 Estudos e Produções acadêmicas.

Os estudos acadêmicos ou científicos realizados em torno de um determinado tema


ou assunto trazem consigo primeiramente a vontade de responder ou conhecer melhor um
problema e ou uma realidade e possivelmente propõem soluções de acordo os resultados
alcançados. A função das produções acadêmicas é relatar publicamente estes estudos realizados
e seus resultados. Para Marconi e Lakato o conhecimento científico deve ser baseado em
observações e experimentações, que servem para atestar a veracidade ou falsidade de
determinada teoria.
O campo científico é um microcosmo social dotado de leis próprias, em que se inserem
os agentes e as instituições que produzem, reproduzem, difundem a ciência (DESLANDES, 2019).
Para que se desenvolva qualquer tipo de estudo anteriormente já estudado, tem se a
necessidade de observar lacunas no conhecimento até então alcançado:

A teoria serve para indicar os fatos e as relações que ainda não estão
satisfatoriamente explicados e as áreas da realidade que demandam
pesquisas - é exatamente pelo fato de a teoria resumir os fatos e
também prever fatos ainda não observados que se tem a possibilidade
de indicar áreas não exploradas, da mesma forma que fatos e relações
até então insatisfatoriamente explicados. Assim, antes de iniciar uma
investigação, o pesquisador necessita de conhecer a teoria já
existente, pois é ela que servirá de indicador para a delimitação do
campo ou área mais necessitada de pesquisas. (MARCONI E LAKATOS,
2003, p.118).

Partindo do objetivo que a universidade é responsável pela a produção do


conhecimento e sua socialização por meio do ensino de graduação, pesquisa e da extensão, bem
como a conservação, a transmissão e o enriquecimento do patrimônio cultural. (MOEBUS, 2006,
p.15)
Enfatiza-se que não basta haver o simples registro da produção intelectual e
acadêmica no Brasil (que é uma coleção de dados), esses registros só terão significados se forem
utilizados para gerar tomadas de decisão sobre Políticas Públicas e novos trabalhos de pesquisa.
Nesta ótica a universidade muitas vezes preocupa-se em oferecer um modelo de
ensino integrado capaz de garantir uma relação de unidade entre ensino, pesquisa e extensão ,
e uma coordenação das atividades de todas às faculdades com atendimentos básicas e
profissionais para a população de baixa renda.
A percepção da existência de um projeto de ensino e na atuação da arquitetura e
urbanismo que são relacionados com as melhorias das condições de vida dos moradores
localizados nas áreas periféricas, precárias e vulneráveis socialmente, ou seja, por intervenções
urbanas oriundas da relação universidade-sociedade (OLIVEIRA E QUARESMA, 2022).
A pesquisa é fundamental, uma vez que é por meio dela que se pode gerar o
conhecimento, a ser necessariamente entendido como construção dos objetos de que se precisa
humanamente. A pesquisa é fundamental também no processo de extensão dos produtos do
conhecimento à sociedade, pois a prestação de qualquer tipo de serviço à comunidade, que não
decorre do conhecimento da objetividade, é mero assistencialismo saindo da esfera da
competência da universidade. (SEVERINO, 2002) (...) a universidade deve cumprir a missão de

175
universidade de pesquisa, de estudos profundos e avançados, pelos quais possa construir a
cultura brasileira e fazer marchar o conhecimento. (TEIXEIRA apud MOEBUS, 2006, p.16)
A pesquisa é fundamental, uma vez que é por meio dela que se pode gerar o
conhecimento, a ser necessariamente entendido como construção dos objetos de que se precisa
humanamente para a evolução do conhecimento.
Conforme ABREU (2012) a pauta das pesquisas nacionais estava dissociada das
necessidades da iniciativa privada, que acabava balizando seus esforços de inovação com base
mais nas informações de fornecedores e concorrentes do que no conhecimento produzido pela
comunidade acadêmica nacional. Esse era o nó que tinha de ser desfeito, para que os avanços
do País em produção científica se convertessem em fator de crescimento econômico e bem-
estar social.

Gráfico 01- Áreas de pesquisas

Fonte: Grupo Web of Science, CAPES 2019.

De acordo com análise do relatório a distribuição das publicações em coautoria


universidade-indústria de cinco das nove áreas de pesquisa definidas pela CAPES está mostrada
na Gráfico 01, para quatro períodos de três anos: 1985-87, 1995-97, 2005-07, e 2015-17.
Somente cinco das nove categorias CAPES estão mostradas aqui devido ao pequeno número de
colaborações nas categorias de Linguística, Literatura e Artes, Humanidades e Ciências Sociais,
Ciências Sociais Aplicadas e Multidisciplinar. A distribuição que estava fortemente dominada
pela área de Ciências Exatas e da Terra há 30 anos atrás, tem se distribuído ao longo do tempo
entre as cinco categorias, especialmente, entre as Ciências da Vida e Físicas para o período de
2015-17 (CAPES 2019).
O Brasil ocupa a 13ª posição no mundo em termos de produção de artigos e revisões
de pesquisa indexados na Web of Science. Somente em 2018, pesquisadores brasileiros
publicaram mais de 50.000 artigos (Grupo Web of Science, 2019)
Fazendo se necessários nossa atenção quantos a essas análises para que possamos nos
temas de estudos da arquitetura e engenharia estar afetivamente atuante quanto aos estudos
que mais precisam da nossa atenção para atender a sociedade civil. Fazendo se ser buscado de
tempos em tempos esses resultados pelos pesquisadores e estimulados tais linhas de pesquisas.

4 METODOLOGIA
Para a realização desta pesquisa, fez-se um estudo de revisão bibliográfico descritiva
e exploratória. Com relação a descritivo por ter como objetivo apresentar os indicadores das
publicações acadêmicas na área de Habitação de Interesse Social mais especificamente a
autoconstrução e a exploratório por buscar conhecer a área no Estado em que se encontra com

176
base na pesquisa bibliométrica e no mapeamento feito no objeto da pesquisa, o que levará à
construção em panorama sobre a identificação da área.
Das produções de artigos científicos no ano recorrente 2022, no qual descrevendo o
conjunto de dados encontrados utilizando técnica tipo tabulação dos artigos selecionados, da
base de escala das palavras chaves: autoconstrução, ajuda mutua, mutirão. Tendo como
resultado de 202 artigos encontrados, soma de 115 artigos da base Google Acadêmico e 87
artigos da base Scielo, amostras dos estudos coletada até o dia 08 de novembro de 2022.
Após os 202 artigos serem analisados a partir da leitura de seus resumos e das
compreensões das fontes de pesquisa, optando-se por aqueles de origem das Faculdades de
Arquitetura e Urbanismo e Faculdade de Engenharia Civil, foram selecionados 14 artigos dentro
desses parâmetros. Conceituou-se assim este estudo pelas propostas relacionadas aos
resultados práticos dessas 14 publicações científicas, conforme Gráfico 02.

Gráfico 02- Universo dos 14 artigos selecionados

Artigos analisados

50% 50%

Scielo Google Academico


Fonte: elaborado pela autora (2022).

No pressupôs que a pesquisa quantitativa sempre vai se basear numa amostra de


população, pois debilmente conseguiria coletar amostra de todos dos pesquisadores no ano
referenciado para o contexto da autoconstrução, mas por meio de cálculo conseguimos
determinar a dessa população e através de número reduzido consegue se conduzir a pesquisa
quantitativa de forma satisfatória.
Onde serão tabulados em planilha de Excel considerado a localidade estudada,
financiador ou estimulador, data de início dos trabalhos estudos, gênero dos proprietários da
construção, qualidade encontrada das construções, problemáticas das suas localidades,
intervenção do Estado. Na hipótese o Brasil deixa a desejar quanto a produção academia a
respeito da autoconstrução, segunda hipótese a pandemia atrapalhou a produção acadêmica
no tema autoconstrução.
No intuito de desenvolver uma escala de informações acerca do panorama atual da
autoconstrução, que vieram da revisão de literatura criando uma Tabela com os dados
levantados nos estudos da revisão da literatura bibliográfica atual.
As análises estatísticas serão as mais simples possíveis. inicialmente reconhecendo o
campo estudado.
5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Os 14 artigos científicos foram tabulados e categorizados pelos seguintes temas,


presentes na Tabela 01, como segue: Ordem do Artigo, Base, Autores, Universidades/Periódicos,
Nível/Categoria e Leis Referenciadas:

177
Tabela 01 - Tabulação da revisão bibliográfica
Artigos Base Autores Universidade/Periodico Nível/Categoria Leis Referenciadas
Universidade de São Paulo.
Cardoso e Lopes
1 Scielo São Carlos/SP- Faculdade de Mestrado/Política Lei 11.888/2008.
(2022).
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade de São Paulo.
2 Scielo Paulillo (2022). São Paulo/SP - Faculdade de Mestrado/Política Lei Municipal nº 38 São Paulo.
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade de São Paulo.
Nakama e Macena
3 Scielo São Paulo/SP - Faculdade de Mestrado/Política Lei n. 11.079/2004 /lei n. 13.334 .
(2022).
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Estadual do
Gomes e Burnett Maranhão. Bacabal/MA -
4 Scielo Tese/Política Lei da Terra.
(2022). Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo.
Universidade de São Paulo.
Lei do Inquilinato/Lei Moura - Lei municipal
5 Scielo Muniz (2022). São Paulo/SP- Faculdade de Tese/Técnica
nº 10.928, de 8 de janeiro de 1991
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Anhanguera de
São Paulo. São Paulo/SP-
6 Scielo Barioni at al. (2022). Mestrado/Política *Não Aplicavel.
Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo.
Universidade Estadual de
Euphrosino at al
7 Scielo Campinas. São Paulo/SP - Mesrado/Técnica Lei 11.888/2008.
(2022).
Faculdade de Engenharia Civil.

Universidade São Judas Tadeu-


Google Almeida e Andrade Leis de zoneamento, códigos de obras, leis de
8 São Paulo/SP- Faculdade de Mestrado/Política
acadêmico (2022). parcelamento do solo.
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Estadual de
Google Ayoub e Oliveira Londrina. Londrina/PR - Lei Municipal 10.278/2007/Lei Federal
9 Gaduação/Política
acadêmico (2022). Faculdade de Arquitetura e n°11.888/.Lei Municipal nº 13.215 de 2021.
Urbanismo.
NBR 8545 (ABNT, 1984)/Constituição
Universidade Federal do Ceará-
Google Brasileira de 1988 determina em seu artigo 6°
10 Oliveira (2022). Fortaleza/CE - Curso de Graduação/Política
acadêmico que a habitação é um direito básico de
Engenharia Civil.
cidadania.
Lei 14.118/2021/a Lei Federal Nº 11.124 de
Universidade Federal do Ceará
Google 16 de junho de 2005/ Lei Nº 11.977.
11 Filho (2022). - Crateús/CE - Curso de Graduação/Técnica
acadêmico de 7 de julho de 2009/ lei 14.118/2021,/A Lei
Engenharia Civil.
Federal Nº 11.888.
Universidade Estadual do
Google BurnettI at al Maranhão. São Luís/MR -
12 Mestrado/Política Lei nº 11.888.
acadêmico (2022). Faculdade Arquitetura e
Urbanismo.
Lei Federal 11.326/200653/Lei nº
Universidade Federal de Santa
8.171/1991 /a Lei nº 8.629 de 25 de
Google Catarina. Florianópolis/SC-
13 Freitas (2022). Mestrado/Política fevereiro de 1993/Lei 11.997, o Programa
acadêmico Faculdade Arquitetura e
Nacional de Habitação Rural (PNHR)/(lei nº
Urbanismo.
11.888).
Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho.
Google
14 Morini (2022). Bauru/SP- Faculdade de Mestrado/Técnica Lei n° 11.124.2015, Art. 2º (Brasília, 2005).
acadêmico
Arquitetura, Artes e
Comunicação.

Fonte: elaborado pela autora (2022).

Os dados do Gráfico 03 demostra que em ambas das bases de busca com 07 artigos
selecionados de cada, os artigos apresentaram cerca de 71% (5 artigos) trabalharam sobre a
ideia das políticas habitacionais e que 29% (2 artigos) dos artigos se dedicaram a abordagem
técnica das construções das para habitações de interesse social. Faz-se necessário recordar que
os objetivos deste estudo é a análise dos artigos que referenciam em seus estudo a Lei
11.888/2008 - Assistência Técnica Pública e gratuita a habitação de interesse social.

178
Gráfico 03- Distribuição por Área de Estudo- nov.2022.

Tipologia dos Estudos


10

71% 71%
5
29% 29%
0
Scielo Google academico
Politicas Habitacionais Tecnicas Construtivas

Fonte: elaborado pela autora (2022).

O Gráfico 04 aponta que comparando-se as bases das publicações, do Google


Acadêmico conseguiu mais vezes referenciar em seus estudos publicados a Lei 11.888/2008 -
Assistência Técnica Pública e Gratuita, na qual os estudos sobre políticas habitacionais foram 3
e 1 no estudo técnico, consideram tanto os métodos construtivos quanto tipologia de projetos.

Gráfico 04 – Artigos selecionados que Referenciam a Lei 11.888/2008-nov2022.

Artigos x Lei 11.888


8
Quantidade de artigos

6
Político
4
Técnico
2 Total da Base
Linear (Total da Base)
0
Scielo Google Acadêmico
Base Fonte dos artigos
Fonte: elaborado pela autora (2022).

Estas analises anteriores são validade quando se precisa de referencia quanto as


publicações, sendo mesmo entendendo que este estudo é um recorte pontual da realidade dos
estudos acadêmicos conclui se que apesar das duas bases serem a mais conhecidas para os
estudantes iniciantes na abordagem cientifica neste estudo a Base Google acadêmico
apresentou maior quantidade de artigos levando em consideração a autoconstrução e a lei que
inicialmente se quer dar validade.
Somando-se as das bases para obter os resultados dos estudos acadêmicos 2022 nos
estudos autoconstrução e a Lei 11.888/2008, tem-se os seguintes valores no Gráfico 05:
As publicações de mestrado foram superiores a publicações de tese e artigos de
graduação no ano de 2022 e que considerando a Tabela 01 as universidades particulares foram
as que mais produziram neste período.
Os cursos da área da Arquitetura e Urbanismo (incluem Graduação, e programas de
pós graduação Mestrado e Doutorado) foram responsáveis por 71% dos estudos acadêmicos
produzidos do total dos trabalhos catalogados, somando 11 publicações, sendo à 1 nível de
graduação, 2 de doutorados e 8 nível de mestrado, o qual caracterizou o mestrado em
arquitetura e urbanismo como maior produtor de conhecimento da autoconstrução. Os

179
Programas de Pós-Graduação de Engenharia Civil (Graduação e programas de pós-graduação
em Mestrado) também produziram, mas com pouca relevância, visto o um número de trabalhos,
cerca de 3 publicações, sendo elas 2 à nível de graduação e somente 1 a nível de mestrado, sem
nenhuma amostra para teses de doutorado. As Faculdades da Arquitetura e Urbanismo se
mostraram nesta avaliação como as que mais publicam seus estudos sobre a autoconstrução.

Gráfico 05 - Produção acadêmica sobre autoconstrução no Brasil – nov.2022

Artigos publicados 2022 (jan. a nov.)


14% 22%

64%

Graduação Mestrado Tese


Fonte: elaborado pela autora (2022).

Os resultados da pesquisa identificaram que os cursos das diferentes áreas do


conhecimento, a Arquitetura e Urbanismo na área da Ciência social aplicada e na Engenharia
civil nas Ciências Exatas e da terra, com o tema da autoconstrução abordaram na sua maior parte
a Lei 11.888/2008 – Assistência técnica pública e gratuita no país, conforme Tabela 01-Tabulação
da revisão bibliográfica.
Com esses dados é possível identificar que por mais que o tema da autoconstrução
seja um tema atual no sentindo da necessidade de soluções visto o alto déficit habitacional, as
áreas da construção civil (Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil) pouco a tem explorado,
tendo poucas produções acadêmica do tema em questão. Discute se muito mais as questões
politicas em detrimentos das questões de viabilidade técnicas e econômicas destas construções.
Os estudos ainda encontram concentrados nas grandes capitais do país como São Paulo (6 artigo
a mestrado), mas que ainda assim possui exemplares, mesmo sendo poucos em outros Estados,
como no Estado do Paraná (1 artigo acadêmico de graduação), no Estado do Maranhão (1 estudo
de Mestrado), no Estado do Ceará (2 estudos de graduação) e no Estado de Santa Catarina (1
artigo de Mestrado), Gráfico 6.

Gráfico 06 - Produção acadêmica sobre autoconstrução no Brasil – nov.2022

21%

79%

Arquitetura e Urbanismo Engenharia Civil


Fonte: elaborado pela autora (2022).

180
Destaca-se as seguintes informações, do Gráfico 7:
1.Políticas habitacionais - Resultados de 10 artigos (71%);
2.Tecnicas de Edificação - Resultados de 04 artigos (29%).

Gráfico 07 – Categoria da Produção acadêmica sobre autoconstrução – nov.2022

Artigos

29%

71%

Politicas Habitacionais Tecnicas Construtivas


Fonte: Elaborado pelos autores (2022).

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo teve como propósito sistematizar a produção científica sobre o atual
panorama da autoconstrução no Brasil, levantando os principais estudos publicados em 2022.
Pelos estudos do tema hoje gira entorno de dois entendimentos o das políticas públicas e de
técnicas de construção no objetivo de solucionar o problema habitacional que está explícito em
todos os trabalhos pesquisados. A produção acadêmica estudada, envolvendo pesquisadores da
Arquitetura e da Engenharia civil em diversas principais instituições de pesquisa do País vem
sendo um indicativo da importância desse tema no contexto nacional.
No Brasil o provimento de moradia para atender a alta demanda de habitações se
concentra, ainda hoje, na autoconstrução, sendo, pois, um motivo plausível de se aumentar no
futuro os números das publicações. Mas faz necessário decisões mais efetivas para a solução
dessa realidade onde a autoconstrução é uma realidade. E ainda persiste a pergunta porque a
Lei 11.888/2008 não se faz ser respeitada? Será que as Faculdades de Arquitetura e Engenharia
não tem entendimento do significado da responsabilidade social junto as suas comunidades?
É preciso direcionar as pesquisas acadêmicas, não somente nas políticas públicas,
como a maior parte dos trabalhos, mas também desenvolver trabalhos em áreas pouco
estudadas e produzir resultados que possam ser utilizados na realidade do país.
A lacuna não gerida entre o meio acadêmico e o Estado, a Lei 11.888/2008 que apesar
de ser o mais citado como responsável pelo processo de produção da habitação autoconstruída
no país como de interesse social, não é alvo do repasse do conhecimento produzido e nem
participa das pesquisas ou estudos ou se beneficia da realização das pesquisas.
Observa-se que as parcerias com entidades ligadas a provisão da habitação, não estão
presentes nos estudos, imaginamos que isso contribuiria realmente com a habitação de
interesse social no país, pois Maricato (2009) afirma que a orientação adequada da pesquisa
acadêmica pode nos conduzir a uma maior compreensão da realidade na busca de solução.
Concluímos que, estudar e refletir sobre os caminhos dos estudos acadêmicos aponta possíveis

181
lacunas e hipóteses. importantes entendimento para os avanços dos estudos, adquirindo
elementos para construir novos rumos. A intenção é que, no espaço acadêmico, este processo
de reflexão contribua oferecendo análises sobre os limites e as possibilidades da pesquisa e da
produção de habitação de interesse social no país.

Agradecimentos

Agradeço ao Profº. Dr. Humberto Metello pela orientação desta temática no qual este
trabalho buscou elucidar. A Profª Dra. Maira Vieira Dias pela oportunidade do artigo como parte
integrante da disciplina Seminários Avançados em Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo da Pós-
Graduação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UNIVAG. Agradecimentos ao CNPq e a
CAPES pelo auxílio financeiro.

7 REFERÊNCIAS

7.1 Livros

BONDUKI, Nabil Georges. Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da
casa própria. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço Urbano. São Paulo: Ática, 1995.
GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa 5ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2010
LAKATOS, Eva Maria e MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica, - 5. ed. - São Paulo:
Atlas 2003. Disponível em: https://br.librosintinta.in/metodologia-cientifica-lakatos-pdf.html. Acesso em: 01
dez.2022.
MARICATO, Ermínia. Autoconstrução, a arquitetura possível. In: MARICATO, Ermínia (org.). A produção capitalista
da casa (e da cidade) no Brasil industrial. São Paulo. Editora Alfa- Ômega, 2a ed., 1982, p. 74.

7.2 Dissertação, tese e trabalho acadêmico – Impresso

BALTHAZAR, Renata Davi Silva. A permanência da autoconstrução: um estudo de sua prática no município de
Vargem Grande Paulista. 2012. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. Disponível
em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16137/tde-02072012-132335/pt-br.php. Acesso em: 04 nov.
2022

7.3 Capítulo de livro

BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. Tradução: Ione Ribeiro Valle. Nilton Valle; revisão técnica: Maria Tereza de
Queiróz Piacentini. Florianópolis: Editora da UFSC, 2011, 314 p. Disponível em:
http://educa.fcc.org.br/pdf/rbedu/v17n50/v17n50a13.pdf. Acesso em: 04 nov 2022.
GARFIELD, J.; GAL, I. Teaching and assessing statistical reasoning. In: STIFF, L. V.; CURCIO, F. R. (orgs.). Developing
Mathematical Reasoning in Grades K-12. National Council of Teachers of Mathematics. 1ª ed. Reston: Ed. L. Staff,
1999. p. 207-219.
OLIVEIRA, Francisco de. O vício da virtude: autoconstrução e acumulação capitalista no Brasil. Novos estudos
CEBRAP, p. 67-85, 2006.
ROUSSEAU, R. Indicadores bibliométricos e econométricos para a avaliação de instituições científicas. Ciência da
Informação, Brasília, v. 27, n. 2, p. 145-58, maio/ago.1998. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/ci/v27n2/rousseau.pdf > Acesso em 07 nov. 2022.

182
7.5 Trabalhos publicados em eventos

MARICATO, Ermínia. Por um novo enfoque teórico na pesquisa sobre habitação. São Paulo. Cadernos Metrópole n.
21. p. 33 – 52 1º sem. 2009. Disponível em: Acesso em: 5 de out de 2022.
MICHAELIS, Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em:
https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=autoconstru%C3%A7%C3%A3o#:~:text=Dicion%C3%A1ri
o%20Brasileiro%20da%20L%C3%ADngua%20Portuguesa&text=Sistema%20de%20constru%C3%A7%C3%A3o%20ha
bitacional%20destinado,moradia%20com%20o%20pr%C3%B3prio%20trabalho. Acesso em: 10 de novembro de
2022.
MUGNAINI, R. Indicadores bibliométricos da produção científica brasileira: uma análise a partir da base Pascal.
Ciência da Informação, Brasília, v. 33, n. 2, p. 123-131, mai/ago. 2004. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/ci/v33n2/a13v33n2. pdf> Acesso em 10 nov. 2022.

7.6 Artigo de Periódicos

ANPOCS.COM, Habitação no Brasil: uma introdução a literatura recente http://www.anpocs.com/index.php/bib-


pt/bib-11/341-habitacao-no-brasil-uma-introducao-a-literatura-recente/file
CAVALCANTI, Cristina Kanya Caselli , ALVIM, Angélica Aparecida Tanus Benatti. Autoconstrução em contexto de
elevação de temperatura: o caso do Cantinho do Céu, São Paulo. Disponível em: <
https://www.scielo.br/j/cm/a/dyRByQYX76DmpjWDJCgzX5g/#:~:text=Com%20base%20em%20um%20conjunto%20
de%20moradias%20autoconstru%C3%ADdas%2C,com%20pesquisa%20de%20campo%2C%20entrevistas%20e%20f
otografias%20termogr%C3%A1ficas>. Acesso 07 nov 2022.
DESLANDES. Suely, MAKSUDA, Ivia, 2019. Capitais científicos em saúde coletiva: proposta de análise inspirada nas
fontes utilizadas na obra Homo academicus. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/sausoc/a/ZZwvNdV9zWvxyc5f6DCz8fm/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 04 nov.
2022.https://www.yumpu.com/es/document/read/9649408/homo-academicus-p-bourdieupdf-viref-biblioteca-
virtual-de-/266

7.7 Artigo de Jornal

BUONFIGLIO, Leda Velloso; a *HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIA,2018.


https://www.scielo.br/j/mercator/a/6ybBTz9kZfptHGX4GjwRqYw/?format=pdf&lang=pt Acesso em 07 nov. 2022.
Oliveira, M. C. N., & Quaresma, C. C. (2022). Intervenções urbanas em áreas periféricas brasileiras: uma revisão
sistemática de literatura. urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, 14, e20210270. https://doi.org/10.1590/2175-
3369.014.e20210270
VALLADARES, Licia do Prado. Estudos Recentes sobre Habitação no Brasil: Resenha da Literatura. In: VALLADARES, L.
P. (org.) Repensando a Habitação no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1983.
VALLADARES, Licia. Habitação no Brasil.

7.8 Documento jurídico

7.8.1 Leis e Decretos

NBR 10520:2022 Informação e documentação - Citações em documentos – Apresentação (acesso


file:///C:/Users/rodri/Downloads/NBR%2010520%20 CITACOES.pdf, Acesso em 09/11/22) .

183
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
(X) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

BARRETOS/SP À LUZ DO ZONEAMENTO ECOLÓGICO-ECONÔMICO DO


ESTADO DE SÃO PAULO: EM DIREÇÃO A MAIOR EQUILÍBRIO URBANO,
RURAL, NATURAL

BARRETOS/SP IN LIGHT OF THE ECOLOGICAL-ECONOMIC ZONING OF THE STATE OF SÃO


PAULO: TOWARDS A GREATER URBAN, RURAL AND NATURAL BALANCE

Maria Clara de Oliveira Calil


Mestranda, PUC Campinas, Brasil
maria.coc1@puccampinas.edu.br

Vera Santana Luz


Professora Doutora, PUC Campinas, Brasil.
veraluz@puc-campinas.edu.br

184
RESUMO
Barretos nasceu às margens do Ribeirão Pitangueiras, como recorrente na origem de muitas cidades em sua relação
com o sistema hídrico. Em decorrência do processo de crescimento urbano, a natureza e os córregos da cidade se
tornaram invisíveis e esquecidos, devido ao processo de canalização e retificação de seus perfis originais, como é o
caso do Córrego do Aleixo. Essas modificações acarretaram em desastres ambientais, como enchentes e enxurradas
em períodos de chuvas intensas e no aumento de ilhas de calor. O Córrego do Aleixo, pertencente à Bacia Baixo Pardo
Grande, tem seu perfil em paisagem rurais e urbanas; transpõe a cidade, permeando por áreas com diferentes usos
urbanos e possui vazios nas margens em que seu traçado foi retificado. A situação atual não é composta de espaços
de convívio e de integração do homem com a natureza. Para a mudança deste cenário, é necessária uma análise
territorial multiescalar, visto que as questões ambientais e de recursos hídricos transpõem os limites municipais.
Objetiva-se, neste artigo, compreender as dinâmicas territoriais socioambientais e econômicas de Barretos e região,
a partir do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de São Paulo (ZEE-SP), como fundamento para subsidiar a
leitura do caso o Córrego do Aleixo, considerando a possibilidade de que venha a exercer um papel estruturador, no
sentido de ponderar novas formas para ter-se a natureza participando da cidade e maior preservação da
biodiversidade, por meio da produção de espaços de convívio no meio urbano e rural. Este artigo, mediante
investigação documental, pretende constituir insumos para reflexão socioterritorial em direção a embasar estes
pressupostos, a serem desenvolvidos futuramente.

PALAVRAS-CHAVE: Rios Urbanos. Zoneamento Ecológico-Economico do Estado de São Paulo. Equilíbrio natural,
urbano e rural.

ABSTRACT
Barretos was born on the banks of Pitangueiras Stream, as a recurring feature in the origin of many cities
in their relationship with the water system. As a result of the process of urban growth, the city's nature
and streams have become invisible and forgotten, due to the process of canalization and rectification of
their original profiles, as is the case of Aleixo Creek. These changes have led to environmental disasters,
such as floods and inundations during periods of intense rain and the increase in heat islands. The Aleixo
Creek, belonging to the Low Pardo Basin, has its profile in rural and urban landscapes; it spans the city,
permeating areas with different urban uses and it has voids on the margins where its layout was
straightened. The current situation is not made up of spaces for coexistence and integration of man with
nature. To change this scenario, a multi-scale territorial analysis is necessary, as environmental and water
resources issues go beyond municipal limits. The aim of this article is to understand the socio-
environmental and economic territorial dynamics of Barretos and the region, based on the Ecological -
Economic Zoning of the State of São Paulo (ZEE-SP), as a basis to support the investigation of the Aleixo
Creek case, considering the possibility that it will play a structuring role, in the sense of ponder new ways
to have nature participating in the city and to improve greater preservation of biodiversity, through the
production of social spaces in urban and rural areas. This article, through documentary research, intends
to provide input for socio-territorial reflection in order to support these assumptions, to be developed in
the future.
KEYWORDS: Urban rivers. Ecological-Economic Zoning of the State of São Paulo. Natural, urban and rural equilibrium.

185
1 INTRODUÇÃO

A história de Barretos, que hoje é uma cidade média, com aproximadamente 122 mil
habitantes (IBGE, 2020), está relacionada com a proximidade de corpos d´água
estrategicamente localizados. Ao longo do Ribeirão Pitangueiras, as famílias Barreto e Marques
se instalaram e, em 1852, seus descentes doaram terras para a formação do arraial
homenageando o Divino Espírito Santo. A proximidade com o Rio Grande fortaleceu a principal
atividade econômica da cidade, a agropecuária, por meio da comercialização das produções do
norte do Estado de São Paulo e do Centro-Oeste com a Região Sul (MEDEIROS, 2020).
Tanto o surgimento do primeiro núcleo urbano como o crescimento econômico da
cidade se fortaleceram devido à presença da água, mas, durante a expansão urbana, a cidade
desconsiderou seus córregos, modificando seus perfis naturais para melhor desenvolvimento da
malha urbana, resultando em córregos retificados e canalizados (Figura 1).

Figura 1 – Córregos da cidade de Barretos, São Paulo

Fonte: Watanuki Filho, 2012, p. 82.

Como exemplo, o Córrego do Aleixo, curso hídrico mais importante de Barretos,


pertencente à Bacia Baixo Pardo Grande e à Unidade de Gerenciamento de Recursos Hídricos
12 (UGRH-12), é um corpo d´água com 9.750 metros, com forte presença no território, por cortar

186
a cidade transversalmente no sentido Leste-Oeste e se situar em áreas rurais e urbanas,
simultaneamente (Figura 2). A nascente do córrego está localizada em uma zona de rural, inicia
seu percurso na malha urbana na Região dos Lagos e percorre trechos relativamente
desocupados, setores turísticos, habitacionais e mistos. O curso do córrego segue em área rural,
caracterizada pela presença de chácaras e pesqueiros, até desaguar no Ribeirão Pitangueiras,
sendo que este, por sua vez, deságua no Rio Pardo, na divisa da cidade de Barretos com Guaíra.

Figura 2 – Traçado do Córrego do Aleixo, Barretos/SP

Fonte: Autoral, a partir de imagem de satélite do Google Earth.

As formas de ocupação ao longo do córrego revelam a relação da população com a


água, que, neste caso, é de indiferença e desmemória, causando consequências socioambientais
e perda nas possibilidades de vivência e desfrute urbanos. Segundo Watanuki Filho (2012), a
nascente encontra-se desprotegida, sem a presença de mata ciliar, restando apenas vegetação
rasteira e áreas de pastagens. Na malha urbana, o perfil do córrego foi retificado e desprotegido,
sem presença de mata ciliar, facilitando a existência de vazios urbanos, sendo que , em cada
quarteirão, existe uma situação diferente, levando em consideração as variáveis de recuo,
proximidade com as habitações e adjacência ao sistema viário. Ocorre, portanto,
desqualificação da natureza no meio urbano, causada pelo desmatamento da vegetação nativa
e extinção de espécies, favorecendo a ocorrência de desastres socioambientais, como
enxurradas e alagamentos, característicos de estações com presença de fortes chuvas, bem
como ambiente urbano extremamente seco, em estações mais quentes (WEATHERSPARK, S. I.).
Perante esse quadro, percebe-se a importância de reintegrar a natureza ao meio
urbano e recuperar os rios e suas várzeas, que antes foram tão importantes para os surgimentos
das cidades e hoje são negligenciados. As Soluções baseadas na Natureza (SbN) propõem
medidas que abordam de forma simultânea o meio ambiente, a biodiversidade e a sociedade,
ou seja, têm como premissa conceber ações e infraestruturas sustentáveis que protegem,
recuperam e criam espaços de qualidade, tanto ao ecossistema como ao bem-estar humano
(LUCIANI; LUZ, 2022). Revitalizar as frondes fluviais do Córrego do Aleixo, tendo como suporte
as SbNs, permite vislumbrar, de forma setorizada, cenários possíveis, com alternativas de baixo
impacto como processo sistêmico, perante uma situação mais promissora para o córrego, que
atualmente apresenta suas margens com vazios urbanos sem conexão com a população
(REVISTA LABVERDE, 2021).

187
2 OBJETIVOS

O objetivo principal deste artigo é a análise integrada e multiescalar para investigar a


situação atual do Córrego Aleixo, inserido na Bacia Baixo Pardo Grande (UGRH-13), na cidade de
Barretos, São Paulo, a partir de referências documentais. Como objetivo complementar, a
análise busca ressaltar a necessidade de renaturalização das cidades, a partir do estudo de caso,
especialmente sistemas verde-azuis, como espaços urbanos de convívio e desfrute, com
benefícios mútuos à saúde e bem-estar humano e à biodiversidade.

3 METODOLOGIA/ MÉTODO DE ANÁLISE

A metodologia adotada neste artigo se deu pela análise territorial multicriterial e


multiescalar, tendo como referência norteadora o Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado
e São Paulo (ZEE-SP), bem como referências bibliográficas e documentais relacionada à questão
ambiental. A síntese dos critérios foi realizada mediante cotejamento de dados e materiais
cartográficos, visando a circunscrição multisetorial de aspectos relativos à região administrativa
em tela, paulatinamente aproximando sua escala para o âmbito municipal até um primeiro
recorte territorial do córrego do Aleixo como estudo de caso.

4. RESULTADOS

Pretendemos que, para propostas de renaturalização de sistemas verde -azuis nas


cidades, seja necessária uma análise territorial que, perante as questões ambientais e dos
recursos hídricos, ultrapasse os limites do município, de modo multiescalar e multisetorial.
No contexto de nosso estudo de caso, a investigação do espaço urbano-regional tem
como sustentação a referência do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de São Paulo
(ZEE-SP), documento elaborado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente (SIMA),
através da Coordenadoria de Planejamento Ambiental (CPLA), constituindo um instrumento
técnico e político de planejamento socioambiental e territorial. Sua metodologia, orientada para
ordenamento e gestão, considera as potencialidades e fragilidades de cada região do Estado,
com o objetivo de conciliar a proteção dos recursos naturais, a equidade social e o
desenvolvimento econômico, buscando fomentar políticas públicas, orientação de
investimentos públicos e privados, licenciamento de atividades produtivas e fortalecimento de
medidas de adaptação climática (SÃO PAULO, 2018).
O ZEE-SP é constituído por quatro diretrizes metodológicas, que são sequenciais e
cíclicas, sendo elas: planejamento, diagnóstico, prognóstico e subsídios à implementação. A fase
de planejamento define os objetivos e as diretrizes estratégicas bem como a mobilização de
recursos. As diretrizes estratégicas permitem a elaboração de planos de ação, através da
compreensão do território, utilizando as categorias de potencialidades e fragilidades,
relacionadas aos aspectos socioeconômicos e ambientais. Para o Estado de São Paulo, as
diretrizes estratégicas são: Resiliência às Mudanças Climáticas (D1); Segurança Hídrica (D2);
Salvaguarda da Biodiversidade (D3); Economia Competitiva e Sustentável (D4); e Redução das
Desigualdades Regionais (D5) (SÃO PAULO, 2018).

188
No diagnóstico é realizado um levantamento de dados históricos e atuais, baseado em
três temas, o meio físico-biótico, as dinâmicas socioeconômicas e a organização jurídico-
institucional. Como produto, para as diretrizes Resiliência às Mudanças Climáticas (D1);
Segurança Hídrica (D2); Salvaguarda da Biodiversidade (D3), são elaboradas cartas-sínteses de
cada diretriz, a partir da interpolação de dados relacionados aos indicadores da situação atual,
da pressão de continuidade — caso as tendências se mantenham — e respostas mais urgentes.
Para a Economia Competitiva e Sustentável (D4), é realizado um relatório específico devido à
complexidade das informações e, para a Redução das Desigualdades e Regionais (D5), é
produzida carta-síntese a partir de dez fatores: dinâmica econômica/riqueza; saúde; educação;
comunicação; habitação; cultura; qualidade ambiental; segurança pública; gestão fiscal e
transporte (SÃO PAULO, 2022a; SÃO PAULO, 2022b).
O prognóstico busca, a partir da análise dos dados atuais, criar cenários, ou seja,
projeções futuras. O resultado desta etapa são as projeções para o ano de 2040, compostas por
relatório global de mudanças climáticas (Representative Concentration Pathways – RCP 8.5) e
pelas cartas-sínteses para as diretrizes de Resiliência as Mudanças Climáticas (D1); Segurança
Hídrica (D2); Salvaguarda da Biodiversidade (D3) e Redução das Desigualdades e Regionais (D5)
(SÃO PAULO, 2022a).

Figura 3 – Zoneamento Ecológico-Econômico estabelecido para o Estado de São Paulo

Fonte: São Paulo, 2022a, p 11.

A etapa de subsídios à implementação, mediante a análise integrada dos produtos das


fases anteriores, identificou nove Zonas, compostas por Regiões Administrativas (RA) do Estado
de São Paulo (Figura 3), considerando as potencialidades e fragilidades similares em relação a
aspectos ambientais e socioeconômicos. Além do zoneamento, tendo em pauta a identidade de
cada região, são propostas diretrizes aplicáveis, que permitem o desenvolvimento de políticas

189
públicas e planos de ação territoriais multiescalares, relacionados aos itens: unidade de
conservação e áreas protegidas; fauna e flora; fiscalização e gestão da biodiversidade; qualidade
e quantidade de água; gestão e infraestrutura de saneamento; atividade agropecuária; gestão
de riscos e desastres; dinâmica socioeconômica; infraestrutura de comunicação e transporte;
habitação; cobertura e uso da terra; povos e comunidades tradicionais; e energia (SÃO PAULO,
2022g).
A cidade de Barretos, localizada no norte do Estado de São Paulo, integra a Zona 1, que
é composta pelas Regiões Administrativas (RAs) de Barretos, Franca, Ribeirão Preto e Central. A
RA Barretos apresenta índices: intermediário, para as diretrizes de Resiliência às Mudanças
Climáticas (D1) e Redução das Desigualdades Regionais (D5); favorável, para Segurança Hídrica
(D2) e para Salvaguarda da Biodiversidade (D3) (SÃO PAULO, 2022c)
Os resultados das cartas-sínteses são as composições dos indicadores de cada diretriz,
com seus pesos específicos, sendo necessário analisar os indicadores separadamente para que
a compreensão, tanto do espaço regional como urbano, seja assertiva e os dados não se tornem
mascarados (SÃO PAULO, 2022a; 2022c).
A RA Barretos se destaca pelo turismo, sendo a “Festa do Peão de Boiadeiro de
Barretos” o evento mais relevante da região, que impacta diversos setores, como o agronegócio,
o industrial, o comercial, compreendendo hotelaria, bares e restaurantes. Esse evento turístico,
por mais que modifique, estimule e tenha impacto na economia do município e da região, tem
baixa contribuição econômica na RA de Barretos. Em contrapartida, A RA contempla pouca
participação no PIB do Estado, devido à sua baixa tecnologia e pouca diversidade industrial (SÃO
PAULO, 2022g).
Esse cenário de pouca expressividade tecnológica e industrial da região é
compreensível, ao entender a baixa qualidade da mão de obra disponível, em paralelo ao nível
de escolaridade da região. De acordo com o Índice de Responsabilidade Social (IPRS), analisado
nas diretrizes Economia Competitiva e Sustentável (D4) e Redução das Desigualdades e
Regionais (D5), o nível de escolaridade da cidade da RA Barretos é alto, porém a busca pela
inserção no mercado de trabalho é concorrida, visto que todas as Regiões Administrativas da
Zona 1 possuem níveis críticos de matriculas em cursos superiores, mesmo com o incentivo a
cursos técnicos e profissionalizantes, sendo eles oferecidos por três Escolas Técnicas Estaduais
(ETEC) e dois estabelecimentos do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial ( SENAC). Há a
presença de três instituições de ensino superior, sendo estas o Centro Universitário da Fundação
Educacional de Barretos (UNIFEB), a Faculdades Barretos e Faculdade de Ciências da Saúde de
Barretos Dr. Paulo Prata (FACISB) (SÃO PAULO, 2022c; 2022f).
Os setores econômicos da RA Barretos que têm maior crescimento são o de serviços,
relacionados principalmente à saúde — devido à presença da FACISB e do Hospital de Amor,
referência em tratamento oncológico no mundo — e também o agronegócio, que é a principal
atividade econômica da Região Administrativa, sendo a cana-de-açúcar, laranja e café os
principais cultivos, destinados à produção de biocombustíveis, alimentos, sucos e ração, como
também a pecuária, destinada aos frigoríficos Minerva e Friboi, que detém escala internacional
e influência expressiva na América Latina. As práticas utilizadas nos setores econômicos como
o consumo massivo de agrotóxicos, impactam diretamente o ecossistema, a vida humana e o
clima, tornando a situação atual um estado de emergência humanitária na Região (SÃO PAULO,
2018; SÃO PAULO, 2022d; OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2023).

190
O Relatório do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) de
2023 mostrou que, em 2019, houve a maior concentração de CO2 em 2 milhões de anos e a de
oxido nitroso em pelo menos 800 mil anos, sendo que 79% das emissões globais de gases do
efeito estufa foram relativas aos setores de energia, indústria e transporte; 22% relacionadas
aos setores de agricultura, silvicultura e pecuária (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2023)
O ZEE-SP, para a diretriz de Resiliência as Mudanças Climáticas (D1), apresenta
cenários complexos e alarmantes relacionados à temperatura e às chuvas para o município de
Barretos e sua região, que são resultados da fragmentação da vegetação nativa, dos pontos de
erosão e também da falta de diversidade na produção agropecuária, sendo que estes índices
também fragilizam a conservação da biodiversidade.
As projeções climáticas foram sintetizadas em um mapa que apresenta as situações
negativas e um mapa correspondente às situações positivas, que representam,
respectivamente, os desvios máximos e mínimos, obtendo maior espectro de tendências para o
Estado (SÃO PAULO, 2022d).
As projeções mostram um aumento do período de estiagem, das ondas de calor e da
intensidade das chuvas, provocando dias calorosos e facilitando a ocorrência de enchentes e
deslizamentos de terra. A temperatura média anual (Figura 4) apresenta alto aquecimento em
todo o Estado, sendo, na RA Barretos, o desvio mínimo correspondente a um aumento de 4°C
e, o desvio máximo, ao intervalo de 6°C – 8°C. O município de Barretos está localizado em uma
região onde estão pontuados os maiores índices de aquecimento, podendo dificultar a
sobrevivência de espécies e perda de biodiversidade, bem como afetar a saúde e o bem-estar
humano, resultando em queimadas, baixa na produção de alimentos, prejuízo na germinação
da vegetação nativa e o impacto negativo na segurança hídrica (OBSERVATÓRIO DO CLIMA,
2023; SÃO PAULO, 2022d).

Figura 4 – Mapas da Temperatura Média Anual do Estado de São Paulo. Esquerda: desvio máximo e Direta: desvio
mínimo

Fonte: São Paulo, 2022d, p. 9.

A relação da RA Barretos com a diretriz Segurança Hídrica (D2) identifica que a


qualidade e quantidade de água são favoráveis, porém os índices relacionados aos gastos com
água e esgoto nas industrias, comércios e serviços (Figura 5) e o desperdício no setor de
agropecuário, são críticos (Figura 6). Salienta, paralelamente, o elevado uso de agrotóxicos, que
provoca contaminação do sistema hídrico, do solo e, por consequência, dos alimentos. A
agricultura irrigada, bem como o aumento populacional também são índices de pressão

191
relacionados à segurança hídrica, perante a disponibilidade, o abastecimento público e a
conservação da biodiversidade, visto que haverá um maior índice populacional em áreas do
Aquífero Bauru e Aquífero Guarani, sendo este último uma das principais reservas subterrâneas
de água doce do mundo (SÃO PAULO, 2022b; SÃO PAULO, 2022h).

Figura 5 – Gastos com água e esgoto na indústria, comércio e serviço no Estado de São Paulo

Fonte: AVA – Rede ZEE. Disponível em:


http://redezee.datageo.ambiente.sp.gov.br/zee/#/viewer/openlayers/6046. Acesso em: 01 ago. 2023

Figura 6 – Gasto com água na agricultura irrigada no Estado de São Paulo

Fonte: AVA – Rede ZEE. Disponível em:


http://redezee.datageo.ambiente.sp.gov.br/zee/#/viewer/openlayers/6046. Acesso em: 02 ago. 2023.

192
Figura 7 – Remanescentes de vegetação nativa da Mata Atlântica e do Cerrado no Estado de São Paulo.

Fonte: São Paulo, 2022h, p. 190.

Figura 8 – Número de pesca e percentual por infração no Estado de São Paulo

Fonte: São Paulo, 2022h. p. 249.

193
A diretriz Salvaguarda da Biodiversidade (D3) aponta que o uso excessivo dos recursos
naturais prejudica a biodiversidade e impacta na extinção de espécies animais e vegetais,
causando um desequilíbrio ecossistêmico. No Estado de São Paulo, os remanescentes de
vegetação nativa constituem a proporção de 17,5%, sendo 16,6% relativos à Mata Atlântica e
0,9% ao Cerrado, no Estado, o que corresponde, respectivamente, a 12% e 1% da cobertura
original (Figura 7). A bacia do Córrego do Aleixo, na cidade de Barretos, está localizada em uma
área com pouca presença de vegetação nativa, sem Unidades de Conservação instituídas e em
estado de criticidade, relacionado ao número de incêndios, densidade de nascentes e ao risco
de ameaças à biodiversidade. Conforme evidencia o Relatório de Qualidade Ambiental (RQA) do
Estado de São Paulo, a Bacia Baixo Pardo Grande (UGRH-12), à qual pertence o Córrego do
Aleixo, apresenta alto índice de pesca de espécies que deveriam ser preservadas (Figura 8) (SÃO
PAULO, 2018; 2022b; 2022h).
O ZEE-SP, portanto, evidencia o estado de crise ecossistêmica ao qual a RA Barretos
está submetida, aumentando o desequilíbrio social e entre os seres vivos. Essa desarmonia
socioambiental tem impacto no município de Barretos, que apresenta, em seu território, uma
relação complexa, devido à proximidade das paisagens urbanas e rurais, sendo que as últimas
sofrem com a pressão do crescimento urbano e da econômica agropecuária. O Córrego do Aleixo
desloca-se em ambas as paisagens, sobrevivendo às tensões do ambiente rural e da
concentração dos usos em solo urbano. A situação que poderíamos considerar análoga, em
ambas as paisagens, é a priorização na produção de bens e a falta de criação de espaços de
encontros e aprendizado.
Por meio da compreensão do espaço urbano-regional de forma multiescalar e das
situações específicas da cidade de Barretos, fica evidente a importância de ponderar novos
cenários para o Córrego do Aleixo, como elemento estruturador. Como diretrizes preliminares,
pode-se, desde já, apontar para: apoderar-se das qualidades e potencialidades locais, o que
permitiria transformar as margens do córrego em locais de encontro e de produção educacional,
cultural e ecológica, como o resgate de espécies nativas, dosado, eventualmente, à agricultura
orgânica comunitária, que poderia ser realizada no ambiente urbano, com diversidade de
produtos locais, de fácil acesso à comunidade; parcerias com as faculdades e empresas que
incentivam desenvolvimento e pesquisa; e restauração ecológica para a preservação da
biodiversidade. O conjunto desses sistemas poderia formar um corredor verde-azul,
possibilitando que o Córrego do Aleixo e suas margens se tornasse um Córrego-Escola,
abrigando soluções sistêmicas exemplares que, no limite, poderiam apresentar possibilidades
de replicabilidade em situações análogas, por meio do manejo integrado da água e dos espaços
livres, da preservação da biodiversidade e da vivência no meio urbano e rural.

5 CONCLUSÃO

A análise integrada e multiescalar permitiu compreender as dinâmicas territoriais que


extrapolam os limites municipais, como é o caso dos problemas ambientais e socioeconômicos.
As cinco diretrizes do ZEE-SP evidenciam a situação atual da Região Administrativa de Barretos,
que é de crise socioambiental com impacto à biodiversidade, ao ecossistema como um todo e à
população. Na escala municipal de Barretos, como ilustrado no exemplo do Córrego do Aleixo,
esses fatores — adicionados às pressões de agravamento que os espaços urbanos, periurbanos
e rurais — reforçam a importância de alterar a forma como se produz cidade, buscando

194
resultados e soluções onde a natureza faça parte do meio urbano, constitua novos arranjos no
meio rural, e que a relação homem-natureza possa apontar para paradigmas alternativos de
maior harmonia e equilíbrio.

6 OBSERVAÇÃO

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de


Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 002.

7 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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SÃO PAULO [Estado]. SECRETARIA DE INFRAESTRUTURA E MEIO AMBIENTE.COORDENADORIA DE PLANEJAMENTO


AMBIENTAL. Meio ambiente paulista. Relatório de Qualidade Ambiental 2022. 2022h. Disponível em:
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UMA QUESTÃO de sobrevivência. Observatório do clima, Notícias, 23 mar. 2023. Disponível em:
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ano. Acesso em: 08 ago. 2023.

196
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

CAMINHANDO PELO CENTRO HISTÓRICO DE CÁCERES-MT: PERCEPÇÕES


DE UM DEVANEIO URBANO

WALKING THROUGH THE HISTORIC CENTER OF CÁCERES-MT: PERCEPTIONS OF AN


URBAN REVERIE

Willian Jonas Mininel


Mestre, UNIVAG, Brasil
mininelwj@gmail.com

Antonio Busnardo Filho


Professor Doutor, UNIVAG, Brasil
antonio.busnardo@univag.edu.br

Antonio Soukef Júnior


Professor Doutor, UFPEL, Brasil
antonio.soukef@ufpel.edu.br

197
RESUMO
A cidade de Cáceres está localizada na mesorregião Centro Sul mato-grossense, Microrregião do Alto Pantanal. Tem
uma importância histórica tanto para o estado de Mato Grosso quanto para o Brasil, pois seu início de urbanização
data de 1778, tornando-se peça-chave na colonização do extremo Oeste brasileiro e da capitânia de Mato Grosso e
Cuiabá. O presente trabalho busca analisar algumas obras encontradas no centro histórico da atual cidade de Cáceres.
A caminhada não teve um roteiro preciso, teve apenas a curiosidade como guia. Durante esse trajeto algumas fotos
foram registradas e a partir disso foi comparada a situação atual das casas tombadas com o que é descrito na Carta
de Veneza, na Declaração de Amsterdã e na Carta de Washington. Ao fazer esta comparação, percebe-se que as casas
tombadas na cidade não seguem os princípios que norteiam os documentos. Faz-se necessário um estudo mais
aprofundado para compreender a relação que o município mantém com o centro histórico e quais as medidas de
preservação e incentivos educacionais que deveriam ser elencados fim de reverter o abandono e o descaso com o
patrimônio local.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Histórico, Cartas Patrimoniais, Cáceres-MT

ABSTRACT
The city of Cáceres is located in the Centro Sul mesoregion of Mato Grosso, Microregion of Alto Pantanal. It has
historical importance both for the state of Mato Grosso and for Brazil, as its urbanization dates back to 1778, becoming
a key player in the colonization of the extreme west of Brazil and the flagship of Mato Grosso and Cuiabá. The present
work seeks to analyze some works found in the historic center of the current city of Cáceres. The walk did not have a
precise itinerary, it was just curiosity as a guide. During this journey, some photos were taken and, from there, the
current situation of the listed houses was compared with what is described in the Venice Charter, the Amsterdam
Declaration and the Washington Charter. When making this comparison, it is clear that the listed houses in the city do
not follow the principles that guide the documents. A more in-depth study is needed to understand the relationship
that the municipality maintains with the historic center and what preservation measures and educational incentives
should be listed in order to reverse the abandonment and neglect of the local heritage.

KEYWORDS: Historical Heritage, Heritage Letters, Cáceres-MT

198
1 FORMAÇÃO HISTÓRICA DE CÁCERES-MT

Inicialmente conhecida como Vila Maria do Paraguai, a cidade de Cáceres foi fundada
como uma simples freguesia no ano de 1778 pelo 4° governador e capitão geral da Capitania de
Mato Grosso e Cuiabá, Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Situava-se além das
demarcações estabelecidas pelo Tratado de Madri em 1750 e cinco léguas de distância do marco
do Jauru. Uma das razões desta escolha foi a de melhorar as relações entre a Vila Capital Vila
Bela da Santíssima Trindade e a Vila Real Cuiabá, servindo de apoio aos viajantes e com a
importante função de expandir o território luso (MORAES, 2003, p. 34). João Carlos Vicente
Ferreira (2001) destaca outros importantes fatores pretendidos por Luiz de Albuquerque ao
desenvolver Vila Maria do Paraguai:

[...] Administrador ilustre, formalmente dizia instalar em Vila Maria um registro para
controle das passagens pelo Rio Paraguai, em 1772. Mas o que pretendia era mais do
que isso: queria fortificar um ponto estratégico do Rio Paraguai para a defesa do reino.
Nas aparências alegava a necessidade de cobrar os quintos da Coroa e evitar o
contrabando do ouro catado em Cuiabá e em Vila Bela da Santíssima Trindade. Mais
tarde construiu o posto militar de Vila Maria do Paraguai (FERREIRA, 2001, p. 405-406).

Embora recebesse a denominação de vila não possuía em sua constituição os


elementos necessários para tal fim, pois não tinha Pelourinho, Câmara Municipal, Cadeia e nem
a presença de oficiais; havia apenas uma pequena área urbanizada com traçado organizado em
tabuleiro de xadrez e uma igreja em homenagem a São Luiz de França, voltada ao poente, não
muito longe do Rio Paraguai (CHAVES, 2011, p. 11). Em 30 de maio de 1874 foi elevada à
categoria de cidade, recebendo o nome de São Luiz de Cáceres (FERREIRA, 1954, p. 406).
A formação inicial da cidade teve como personagem principal Luiz Albuquerque, que
assim como vila Maria fundou outras freguesias, arraiais e fortes com a intenção de proteger os
territórios e o ouro que dali era retirado. Embora as construções existentes e tombadas em
Cáceres não remontem a este momento histórico, acredita-se ser importante conhecer a origem
deste núcleo urbano, pois é necessário compreender o passado e as raízes que susten tam a
cidade atual, de modo a entender, prever ou mesmo indicar as diretrizes e o rumo que ela irá
tomar. Sobre este aspecto Mumford (2008) ressalta que:

Se quisermos lançar novos alicerces para a vida urbana cumpre-nos compreender a


natureza histórica da cidade e distinguir, entre as suas funções originais, aquelas que
dela emergiram e aquelas que podem ser ainda invocadas. Sem uma longa carreira de
saída pela história, não teremos a velocidade necessária, em nosso próprio consciente,
para empreender um salto suficientemente ousado em direção ao futuro, pois grande
parte dos nossos atuais planos, sem exceção de muito daqueles que se orgulham de
ser “avançados” ou “progressistas”, constituem pouco engraçadas caricaturas
mecânicas das formas urbanas e regionais que ora se acham potencialmente ao nosso
alcance (MUNFORD, 2008 p. 1).

Muitas transformações ocorreram ao longo da história de Cáceres desde quando era


conhecido como Vila Maria do Paraguai até o presente. Sua importância histórica não se
restringe aos seus munícipes, mas faz parte do processo de formação do Brasil colonial, da
formação do atual estado do Mato Grosso e ainda da criação de outros municípios que,
paulatinamente, dele se emanciparam.

199
No presente trabalho busca-se analisar a conservação de algumas obras do centro
histórico da cidade tendo como parâmetro a carta patrimonial de Veneza (1964), a Declaração
de Amsterdã (1975) e a Carta de Washington (1986). Para delimitação do trajeto, não foi
escolhida uma área específica. O ponto de partida foi a praça central de Cáceres, denominada
Rio Branco e, a partir dela, percorreu-se um trajeto determinado pela curiosidade e pelo desejo
de observação de um conjunto remanescente de grande interesse histórico.
Mas, para prosseguir com a análise que se deseja, é preciso, antes, pensar um método;
caso contrário o devaneio se torna uma atitude vazia e ineficaz de observação do fato analisado.
Recorre-se, portanto a G. BACHELARD (1988), para justificar o devaneio como um método de
análise. Uma análise que pretende entender um fato, consequentemente sua manifestação no
tempo e no espaço, e como se apresenta à consciência, é, por si, um método fenomenológico;
no entanto, aqui, pretende-se dar um salto da fenomenologia para o devaneio.
BACHELARD (idem) fala da exigência que o método fenomenológico impõe ao se
colocar “em evidência toda a consciência que se acha na origem da menor variação da imagem”
(1988, 4), as alterações da imagem levam a uma “ingenuidade primordial”, lembrando que a
“fenomenologia não é uma descrição empírica dos fenômenos. Descrever empiricamente seria
uma subserviência ao objeto...” (Idem, ibidem). Com isso, BACHELARD busca a intencionalidade
poética, que encontra seu lugar na imaginação poética, colocando o paradoxo que existe entre
devaneio e fenomenologia. Se o devaneio é uma fuga do real, uma distensão da consciência que
pode se obscurecer, pela falta de memória, BACHELARD aponta o caminho para uma inclinação
positiva do devaneio, que é o devaneio poético, em que “todos os sentidos despertam e se
harmonizam” (1988, p. 6), tornando-se um devaneio inspirador.
O devaneio com a sua qualidade onírica absorve a fenomenologia, numa unidade de
observação e de criação da imagem poética, tirando o observador do seu egocentrismo. Assim,
da fenomenologia para o devaneio o que se procura entender e desvendar é a alma do
observador, e a intensidade com que o fato observado pode, na sua dissolução do real imediato
para uma reconsideração de uma ambiência de um real acontecido, causar na dimensão onírica
do observador, transformando esse evento urbano em uma inflexão no desenvolvimento da
cidade.
Com essa proposta de método, deve-se ter em consideração que, em um primeiro
momento, a presença do objeto observado é determinante, por causar um certo impacto ao
observador; e após, o devaneio toma conta da observação tirando o observador do lugar da
razão para um estado ampliado de consciência, de onde será feita a análise do objeto, em
“solidão sonhadora” (BACHELARD, 1988), enraizada na alma do sonhador, buscando as imagens
que pertencem à alma daquele que sonha,

(...) o devaneio, no seu estado mais simples, mais puro, pertence à anima. Certamente,
toda esquematização corre o risco de mutilar a realidade; mas ajuda a fixar
perspectivas. Digamos, pois, que para nós, de um modo geral, o sonho noturno
pertence ao animus e o devaneio à anima. O devaneio sem drama, sem
acontecimento, sem história nos dá o verdadeiro repouso, o repouso do feminino.
(BACHELARD, 1988, p. 20).

É na dimensão da anima que serão pensadas as observações desta flânerie pelo centro
de Cáceres, oscilando entre momento de um sonho (em animus), diante daquilo que poderia ser
e do devaneio em anima), daquilo que penetra na alma do observador, sem qualquer ansiedade

200
ou desejo do que se poderia ser. Animus e anima dão a característica andrógina da imagem que
guia este passeio por Cáceres, que busca mais o arquétipo de uma organização socioespacial, do
que a sua forma.

2 DIRETRIZES PATRIMONIAIS

O primeiro documento que elencava em seu contexto a preocupação com o Patrimônio


Histórico foi a Carta de Atenas de 1931. A partir dela, outras cartas e declarações foram
divulgadas, fruto da evolução do conceito que as questões patrimoniais tiveram ao lon go do
século XX.
A Carta de Veneza (1964), até hoje uma das principais referências para os
restauradores, chama a atenção explicitamente para o cuidado que se deve ter com o patrimônio
histórico. Em suas primeiras linhas assim define as obras patrimoniais:

Portadoras de mensagem espiritual do passado, as obras monumentais de cada povo


perduram no presente como o testemunho vivo de suas tradições seculares. A
humanidade, cada vez mais consciente da unidade dos valores humanos, as considera
um patrimônio comum e, perante as gerações futuras, se reconhece solidariamente
responsável por preservá-las, impondo a si mesma o dever de transmiti-las na
plenitude de sua autenticidade (Carta de Veneza, 1964, p. 1).

Percebe-se que a preservação de um patrimônio transmite a essência da história


contida em cada construção, evocando as memórias e as tradições presentes no cotidiano das
várias gerações; cabendo às seguintes a consciência de preservar de maneira ética todo o legado
recebido. Sobre conservação, a Carta de Veneza declara que os monumentos tombados
precisam de manutenção constante para que sua integridade seja mantida, de modo que estes
tenham uma função útil no presente, isto é, possam estar integrados na cidade contemporânea
sem, contudo, perder as características que os tornaram testemunhos representativos de outras
fases ou momentos de uma sociedade.
No tópico sobre restauração o documento define este termo como uma “operação de
caráter excepcional” (1964, p.2), cujo principal objetivo é resgatar os valores históricos e
estéticos do monumento respeitando seu material original e autêntico. Ao restaurar deve-se
seguir com fidelidade a obra original sem nenhuma alteração, somente no caso em que as
técnicas de restauro não sejam suficientes, pode-se utilizar técnicas modernas, desde que
atestadas cientificamente. Em caso de preenchimento de partes faltantes, estes devem ficar em
harmonia com o todo para não falsificar os documentos existentes. Só poderá ser adicionado
algo à obra se “respeitarem todas as partes integrantes do edifício, seu esquema tradicional, o
equilíbrio de sua composição, e suas relações com o meio ambiente” (1964, p.3).
O documento elucida ainda sobre os sítios monumentais e escavações e conclui
falando sobre a importância de documentar e publicar todo o processo de restauro, conservação
e escavação de modo a legar ao futuro informações precisas sobre os trabalhos efetuados.
Em 1975, a Declaração de Amsterdã surgiu como resultado do Congresso sobre o
Patrimônio Arquitetônico Europeu. Seu texto faz um apelo a toda a sociedade europeia para que
conserve seus respectivos patrimônios culturais, pois sua importância transcende as fronteiras
de uma nação e ganha abrangência mundial. O patrimônio cultural europeu não se fixa apenas
em obras arquitetônicas ou sítios monumentais, mas busca a preservação de bairros, cidades,
aldeias e conjuntos históricos.

201
Embora as diretrizes digam respeito somente à Europa, o seu conteúdo é uma
profunda reflexão sobre a importância do patrimônio histórico e cultural de qualquer nação; faz
refletir sobre os maiores perigos que sofrem e que estão relacionados com “negligência e
deterioração, demolição deliberada, construções novas em desarmonia e circulação excessiva”
(1975, pp. 1-2.
Como resposta para a proteção dos bens materiais, a Declaração evidencia a força que
a política local e voz dos moradores possuem, ao possibilitar um policiamento que impeça a
degradação tanto natural quanto externa. O texto ressalta a importância da educação cultural
afirmando que “(...) o patrimônio arquitetônico não sobreviverá, a não ser que seja apreciado
pelo público e especialmente pelas novas gerações. Os programas de educação em todos os
níveis devem, portanto, se preocupar mais intensamente com essa matéria” (1975, p. 2). Reforça
ainda a questão da reutilização dos espaços, a importância do desenvolvimento de relatórios
sobre as condições em que se encontram e principalmente a necessidade de se ter recursos
financeiros para que as obras possam ser objetos de manutenções sempre que necessário.
A Declaração de Amsterdã põe em prática e esclarece como deve ser realizado o
processo para preservação do patrimônio europeu. Nota-se, ao lê-la na integra, o detalhamento
de pontos que já tinham sido enunciados na Carta de Veneza ampliando a sua abrangência, ao
mostrar a necessidade de desenvolver, conjuntamente ao planejamento urbano, uma ação que
não exclua a proteção dos bairros, vilas e demais centros históricos além da necessidade de se
prover verbas específicas para a sua manutenção, bem como a importância da educação
patrimonial na formação de uma consciência sobre o tema.
A Carta de Washington de 1986, conhecida como “Carta Internacional para a
Salvaguarda das Cidades Históricas” também complementava a Carta de Veneza de 1964, ao
definir os critérios e os instrumentos de ação necessários para a preservação das cidades
históricas:

Os valores a preservar são o caráter histórico da cidade e o conjunto de elementos


materiais e espirituais que lhe determinam a imagem, em especial:
• a forma urbana definida pela malha fundiária e pela rede viária;
• as relações entre os edifícios, espaços verdes e espaços livres;
• a forma e o aspecto dos edifícios (interior e exterior) definidos pela sua
estrutura, volume, estilo, escala, materiais, cor e decoração;
• as relações da cidade com o seu ambiente natural ou criado pelo homem;
• as vocações diversas da cidade adquiridas ao longo da sua história;
• qualquer ataque a estes valores comprometeria a autenticidade da cidade
histórica (Carta de Washington, 1986, p. 2).

A Carta finaliza o tópico Princípios e Objetivos, falando da importância da participação


da população no processo de “salvaguarda” da cidade histórica, afirmando que somente com a
conscientização da população de que os bens fazem parte da história de vida de uma
comunidade é que esta herança poderá ser preservada. Também ressalta o cuidado que deve
haver ao se realizar o trabalho de intervenção em um centro ou bairro histórico
No tópico Métodos e Instrumentos, a Carta diz que antes de qualquer intervenção é
necessário obterem-se dados analíticos arqueológicos, históricos, arquitetônicos, técnicos,
sociológicos e econômicos. Deve-se ter como base as ações necessárias nos campos jurídicos,
administrativo e financeiro. Deve-se também determinar quais edifícios ou grupos de edifícios
serão protegidos, conservados em certas condições e aqueles que podem ou devem ser

202
demolidos, ressaltando que todas as ações devem ser especificamente documentadas. Toda a
rede de infraestrutura urbana moderna deve se adaptar às edificações e não o contrário. O
documento ressalta ainda a importância de a educação patrimonial ser iniciada ainda na pré-
escola.
A análise dessas cartas mostra a sequência evolutiva dos documentos referentes ao
tema, ao ampliar o entendimento das questões patrimoniais, reflexo do aumento da consciência
das sociedades sobre a importância da preservação e a sua responsabilidade ética em garantir a
transmissão desse legado às gerações futuras da melhor forma possível.
Percebe-se que há a repetição de alguns termos nas cartas, como história, tradição,
estética, educação cultural, todos inserindo em sua abrangência o indivíduo ou o grupo
sociocultural como responsável pela manutenção e preservação dos bens patrimoniais, que já
não são de uma única nação, mas são bens culturais do mundo. A história da humanidade
sempre se entrelaça e sempre se relaciona com povos e culturas diferentes, para a construção
de imaginários, base da formação do ser humano, na sua dimensão arquetípica, de tal forma que
os acontecimentos em um determinado local, reverbera em todos os outros, por exemplo, as
estátuas de buda, mais altas do mundo, no vale de Bamiyan, destruídas – para sempre - pelo
taliban. Houve uma reverberação e uma indignação mundial. O que se perdeu foi a cultura, a
educação e empobreceu o imaginário dos afegãos. A alma do povo afegão adoeceu.
A preservação dos patrimônios culturais, arquitetônicos, urbanos, artísticos, permite o
devaneio poético. É diante desses objetos que o indivíduo se abre para experiências que
transcendem a concepção mais comum de cultura, como artefato produzido pelo homem. Há
um sentido transcendente de cultura, que busca a imagem arquetípica dos objetos pela
evocação do imaginário, das dimensões culturais e sensíveis pelo desvelamento do Décor
Mythique (DURAND, 1990), ou seja, a paisagem que forma o cenário onde os fatos acontecem,
permitindo as múltiplas mensagens a posteriori que emanam do objeto artístico. Pode-se
estender esse conceito para os objetos (edifícios) históricos tombados (enquanto componentes
de uma paisagem, ou princípio organizador de um período histórico), considerando essa
paisagem cultural como a base estética dos acontecimentos. Neste momento, anima e animus
se encontram; “dois substantivos para uma única alma” (BCHELARD, 1988, p. 58), expressando
a realidade do “psiquismo humano” (idem, ibidem), e abrindo possibilidades ao devaneio. Assim
é, que considerando o patrimônio histórico como uma ancoragem da cultura e da memória,
como visto nos excertos das Carta Patrimoniais, que ultrapassam barreiras física e limites
geográficos e culturais, transformando-se em interesse mundial – por mais regional que seja -,
integrando uma realidade transcendente (indo até ao inconsciente cole tivo), é que se pode dizer
que com essa postura, toda pesquisa sobre o décor mythique dos objetos será a procura da
anima mundi. Todo objeto restaurado revela a alma do mundo, tornando-se parte da cultura da
humanidade; uma reverberação de saberes e fazeres.

3 CAMINHANDO PELO CENTRO HISTÓRICO DE CÁCERES – UM DEVANEIO.

A cidade de Cáceres está localizada no estado de Mato Grosso a 209,70Km da capital


Cuiabá. Localiza-se na mesorregião Centro Sul mato-grossense, Microrregião do Alto Pantanal.
Possui extensão territorial de 24.593,123Km² e uma população estimada de 94.861,00 pessoas,
gerando uma densidade demográfica de 3,61pessoas/Km² (FERREIRA, 2001, p. 407; IBGE, 2020).

203
Figura 1 - Localização geográfica de Cáceres-MT

Fonte: AUTOR, 2021.

Cáceres possui uma grande área tombada que inclui casas datadas do final do século
XIX e início do século XX que se localizam no centro da cidade, e que serão tomadas como objeto
de estudo, sem a preocupação de se ter um roteiro pré-estabelecido, tendo apenas um olhar
atento às construções que chamaram nossa atenção e que se enquadravam nos parâmetros
elencados nos documentos acima descritos. Esclarecendo o procedimento, as obras suscitarão
o que há de um possível evento arquitetônico (HUSKINSON, 2021, p. 51), ou seja, o quanto esses
“edifícios são profundamente evocativos e, portanto, interpretados de forma mais apropriada
como símbolos da identidade humana”, o quanto esses edifícios incitam o inconsciente do
observador, no desvelamento de possíveis arquétipos, que permitam a criação de símbolos. Por
mais que o edifício seja um fato histórico, ocorrido/construído séculos antes, a sua ressonância
permanece atual, na reconstituição de uma ambiência que já não é da atualidade, mas que
compõe o cenário histórico do desenvolvimento da cidade.
A caminhada teve início na Praça Barão do Rio Branco onde está localizada a Igreja Matriz
de São Luiz de Cáceres. Neste ponto da cidade três elementos chamam a atenção, o primeiro é
o rio Paraguai, bem em frente à praça, pode-se chegar na beira do rio por uma escadaria que
dava acesso ao antigo porto, onde hoje ficam aportadas as chalanas; o segundo elemento é o

204
Marco do Jauru, que delimitou as terras de domínio português depois da assinatura do Tratado
de Madri, em 1750; o terceiro elemento é a igreja matriz de características neogóticas (figura 3
e 4).

Figura 2 - Marco do Jauru

Fonte: AUTOR, 2023

Ao analisar o marco, nota-se com tristeza pichações em sua face, demonstrando não
somente a falta de respeito, mas faz-se refletir sobre a necessidade de fortalecer a importância
de um patrimônio histórico para a sociedade. Ainda que exista uma grade em seu entorno ela é
pequena não impedindo novos ataques como esse.

Figura 3 - Igreja matriz de São Luiz de Cáceres

Fonte: AUTOR, 2023

205
Figura 4 - Interior da igreja de São Luiz de Cáceres

Legenda: a) vista do lado direito do átrio, escadaria para a torre do sino; b) vista do lado esquerdo do átrio; c) lado
direito do transsepto; d) vista da nave central com ênfase no altar; e) vista da nave central com ênfase para a
entrada principal.
Fonte: AUTOR, 2023.

A igreja matriz existente hoje não é a mesma que foi erigida logo após a fundação de Vila
Maria do Paraguai, a igreja que existia foi demolida, sendo construído este projeto no ano de
1919 e inaugurada em 25 de agosto de 1965. Seu projeto foi desenvolvido pelo arquiteto Leòn
Joséph Louis Mousnier sobre os cuidados do bispo diocesano D. Frei Luiz Marie Galibert, porém
poucos dias após o início da construção da igreja o arquiteto vem a falecer. Sendo assim o frei
João Luis Bourdoux toma a direção da obra. No ano de 1928 o projeto é alterado, devido a sua
complexidade arquitetônica, sua envergadura é diminuída e a construção seria continuada até a
entrada do transepto. Em 1949 a obra sofre um desabamento e a partir disto o arquiteto
Benedito Calixto de Jesus Neto é contratado para dar soluções técnicas ao projeto ainda em
andamento (MATOS, 2012). O arquiteto Benedito não foi o único a ser contratado para finalizar
este serviço, obra também contava com o engenheiro Arnould M. Williuns, um carpinteiro, um
pedreiro e um voluntário francês (KISH, 2020).
O entorno da praça é rodeado por algumas casas do período colonial que apresentam
grandes modificações estruturais (figura 5); em muitos casos, tendo a fachada completamente
modificada; alguns mantêm originais os vãos das portas e janelas, porém com esquadrias
substituídas por modelos atuais, como podem ser vistas nas fotos abaixo.

206
Figura 5 - Construções no entorno da praça.

Fonte: AUTOR, 2023.

Ao sair da praça Barão do Rio Branco, o percurso segue pela rua lateral direita,
denominada rua João Pessoa seguindo até a praça Major João Carlos; durante todo o trajeto
nota-se uma grande mistura de estilos arquitetônicos que vão de casas e lojas reformadas com
estilo colonial até obras mais modernas. Muitas abrigam hoje atividades comerciais.

Figura 6 - Casas existentes na rua João Pessoa

Fonte: AUTOR, 2023.

Chegando na praça Major João Carlos o trajeto continua na rua Antônio Maria até a
avenida General Osório. Neste trajeto o senário é semelhante ao anterior, os estilos
arquitetônicos se misturam (figura 7), chamando a atenção ao antigo prédio do museu histórico
de Cáceres, que se encontra abandonado (figura 8).

207
Figura 7 - Construções existentes na rua Antônio Maria

Fonte: AUTOR, 2023.

Figura 8 - Antigo prédio do museu histórico de Cáceres

Fonte: AUTOR, 2023.

Chegando na avenida General Osório, ao observar para o lado esquerdo da avenida, duas
importantes construções chamam a atenção: a Biblioteca Municipal de Cáceres (antiga sede da
Prefeitura Municipal de Cáceres) que foi reformada em 2022 e a Câmara Municipal de Cáceres
datada de 1893. Ao lado da Câmara existe uma construção que se encontra abandonada, no
entanto nota-se um certo cuidado com ela, pelo menos com a pintura.

Figura 9 - Antes e depois da reforma da Biblioteca Municipal de Cáceres

Fonte: AUTOR, 2023.

Figura 10 - Câmara Municipal de Cáceres

208
Fonte: AUTOR, 2023.
O trajeto continuou pela rua Coronel José Dulce até a rua Coronel Faria. Nesta rua
encontra-se uma construção muito interessante possuindo em sua arquitetura uma escultura
batizada como “Anjo da Ventura” (figura 11), trazida em 1890 por José Dulce para compor a
fachada do antigo comercio “José Dulce & Vilanova” que posteriormente em 1942 se tronaria
uma agência bancária (MONTECCHI; MONTECCHI, 2011, p. 152). Durante a caminhada notou-se
o mesmo cenário anterior, casas antigas misturadas com casas novas, algumas reformadas
outras não (figura 12).

Figura 12 - Construção do antigo comércio “José Dulce & Vilanova”

Fonte: AUTOR, 2023.

Figura 13 - Construções existentes na rua Coronel José Duarte

Fonte: AUTOR, 2023.

O trajeto finaliza na rua Coronel Faria chegando na praça Barão do Rio Branco ponto de
Início da caminhada. A descrição do trajeto tomado aleatoriamente, faz do olhar a sua primeira
tomada histórica, reconhecendo o estado das edificações, mas aponta um devaneio poético ao
apontar os três elementos que remetem à constituição da ambiência da cidade no período
colonial, o porto, a igreja e o marco divisório das do tratado de Madri, de 1750. Ao se caminhar
por esta área da cidade, caminha-se num intervalo de tempo, que transcende o real; pertence
ao real, mas não é o real atual. A percepção do caminhante procura uma relação com os fatos
acontecido anteriormente, para uma melhor compreensão da estrutura urbana e da relação
espaço e sociedade.

209
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A arte de caminhar vai muito além de um simples exercício físico, pois pode-se ir de
encontro aos “vazios urbanos”, áreas e locais que não são percebidos pela maioria das pessoas,
observando-se a beleza esquecida que se encontra dentro de uma cidade em eterna mutação
(CARERI, 2014). Neste contexto, o olhar perambula pelas ruas em busca da vida que ainda se
mantém dentro das edificações antigas que teimam em preservar a história da cidade.
Caminhar pelo centro histórico de Cáceres é simplesmente um mister de
arrebatamento e de pequenas pontadas de dor no peito, dor causada por ver obras
arquitetônicas abandonadas que se deterioram de forma indelével por conta do descaso e do
desconhecimento de sua importância, dor por pressentir o desaparecimento completo de uma
camada da cidade por negligência e descaso. Dor que denuncia a morte de parte da cidade, de
parte da história, de parte da memória e da vida dos que ali viveram; consequentemente, todos
os que vieram depois têm a sua alma mutilada.
Nas ruas tudo se mistura, o novo, o antigo, o abandonado; as cores vivas, dão uma
segunda vida a edificações que ainda resistem ao descaso.
Ao andar pelas ruas, muitas questões são levantadas acerca da preservação e dos
cuidados que as obras deveriam receber. Ao analisar aquilo que é recomendado pelas Cartas
Patrimoniais, percebe-se que no centro de Cáceres, poucas recomendações foram seguidas, o
que demonstra o descompasso entre a teoria e a realidade. As ruas e as calçadas continuam com
as medidas originais, mas as alterações nas edificações foram muitas.
Naturalmente, é necessário um estudo mais aprofundado a fim de se compreender
aquilo que foi considerado quando do tombamento do centro histórico de Cáceres, quais foram
suas diretrizes e princípios e como estes são ou deveriam ser seguidos.
Faz-se necessário analisar quais as medidas educacionais que o governo municipal
pretende inserir na educação escolar (se é que pretende) e quais meios poderiam ser utilizados
para incentivar a população a ter mais interesse pela história desta parte da cidade. Quais as
orientações que poderiam ser dadas aos proprietários, para que eles se sentissem estimulados
a proceder a correta manutenção de seus imóveis? Enfim, esta caminhada permitiu perceber
não só os problemas que ocorrem com as edificações de valor histórico e cultural, mas a
irresponsabilidade do poder público ao não se preocupar com a preservação da história Cáceres.
A cidade não existe apenas no presente; suas bases estão no passado. Sua cultura é
formada a partir de sua fundação. O presente é muito frágil para a constituição de uma memória
histórica. A força do presente é o passado. Daí a irresponsabilidade daqueles que zelam o
presente sem atentar para a importância o dever ético para com as gerações futuras.
As Cartas Patrimoniais serviram de baliza para esta reflexão ao mostrar as
responsabilidades morais e éticas que todos devem ter com relação ao patrimônio cultural.

5 REFERÊNCIAS

Declaração de Amsterdã. IPHAN. 1975. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Declaracao%20de%20Amsterda%CC%83%201975.pdf.
Acessado em: 17 de agosto de 2023.

BACHELARD, G. A Poética do Devaneio. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

210
CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como arte estética. Editora Gustavo Gili. Versão digital Kindle, p184,
2014.

Carta de Veneza. IPHAN. 1964. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Veneza%201964.pdf. Acessado em: 17 de
agosto de 2023.

Carta de Washington. IPHAN. 1986. Disponível em:


http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Carta%20de%20Washington%201986.pdf. Acessado em: 17
de agosto de 2023.

CHAVES, O.R. Império português: o marco de Jauru e a povoação fronteiriça de Vila Maria do Paraguai, século XVIII.
In: Chaves, Otávio Ribeiro. Arruda, Elmar Figueredo de. História e Memória Cáceres. Editora Unemat, 2011, p. 11-
35.

DURAND, Gilbert. Le Décor Mythique de la Chartreuse de Parme: les structure figuratives du roman sthendalien.
Paris: José Corti, 1990.

HUSKINSON, Lucy. Arquitetura e Psique: um estudo psicanalítico de como os edifícios impactam nossas vidas. São
Paulo: Perspectiva 2021

KISH, Wilson. Em 100 anos, os principais fatos da história da construção da Catedral São Luiz. Disponível em:
http://www.zakinews.com.br/noticia.php?codigo=12622. Acesso em: 17 de agosto de 2023.

MATOS, Alex de. Templos secretos arquitetura e sagrada das igrejas neogóticas de Mato Grosso. Editora do autor.
Cuiabá, 2012.

MONTECCHI, A. F.; MONTECCHI, I. A. D. Anjo da Ventura: a cidade e o espelho. In: Chaves, Otávio Ribeiro. Arruda,
Elmar Figueredo de. História e Memória Cáceres. Editora Unemat, 2011, pp.147-173.

MORAES, M.de F.M.L. Vila Maria do Paraguai: um espaço planejado para consolidar a fronteira oeste 1778-1801.
141f. Dissertação (Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Departamento de História, Universidade
Federal de Mato Grosso, Cuiabá. 2003

MUMFORD, Lewis. A Cidade na história: suas origens–transformações e perspectivas. 1998.

FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus municípios. Secretaria do Estado de Educação. Cuiabá, 2001.

IBGE. Cáceres. 2020. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados/mt/caceres.html. Acessado em:


Acessado em: 17 de agosto de 2023.

211
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( X ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

Caracterização Gravimétrica dos RSU do Município de Sinop/MT, para


classes A, B e Comercial

Gravimetric Characterization of MSW in the Municipality of Sinop-MT, for classes A, B


and Commercial

Ariany Cardoso Pereira


Doutoranda em Engenharia das Estruturas, UFMG, Brasil
eng.arianycardoso@gmail.com

Lauren Aparecida Sznitowski


Acadêmica de Engenharia Civil, UNEMAT, Brasil
lauren.aparecida@unemat.br

Antonio Victor Gregorio de Lima


Acadêmico de Engenharia Civil, UNEMAT, Brasil
antonio.victor@unemat.br

Amanda Karoliny Arruda da Silva


Acadêmica de Engenharia Civil, UNEMAT, Brasil
amanda.karoliny@unemat.br

213
RESUMO
A má disposição e a ausência de tratamento dos resíduos gerados pela população são as principais causas da
contaminação dos recursos naturais, representando ameaças à saúde pública e ao equilíbrio ambiental. Em Sinop -
MT, os resíduos coletados são descartados no lixão municipal sem controle ou monitoramento de sua composição.
Nesse contexto, a coleta de dados é o passo inicial para cumprir as diretrizes do Plano Municipal de Saneamento
Básico, conforme a lei federal Nº 11.445. Esta pesquisa objetiva avaliar a geração e as características dos resíduos das
classes A, B e comercial, desempenhando um papel crucial na definição de métodos de tratamento, coleta e
destinação. A metodologia de caracterização segue os parâmetros da NBR 10.004/2004, abordando a classificação de
resíduos sólidos. A estimativa da geração per capita nas classes e bairros estudados é obtida por meio de cálculos
aritméticos. Os resultados revelam que a classe A produz, em média, 1,95 Kg/Hab/Dia, com cerca de 41% compostos
por materiais orgânicos e 12,12% vidro, possivelmente de embalagens. Na classe B, a média é de 1,70 Kg/Hab/Dia,
com 49% dos resíduos também de fontes orgânicas. Essas conclusões enfatizam a urgência de adotar medidas para
um tratamento responsável dos resíduos, incluindo a separação adequada e a reciclagem, visando a redução do
impacto ambiental e a proteção da saúde pública. Esses resultados são fundamentais para a criação de políticas
municipais voltadas para a gestão de resíduos e o desenvolvimento sustentável de Sinop - MT.

PALAVRAS-CHAVE: Resíduos. PMSB. Saneamento Básico.

ABSTRACT
Poor disposal and lack of treatment of waste generated by the population are the main causes of contamination of
natural resources, posing threats to public health and environmental balance. In Sinop - MT, the collected waste is
discarded in the municipal landfill without control or monitoring of its composition. In this context, data collection is
the initial step to comply with the guidelines of the Municipal Basic Sanitation Plan, in accordance with Federal Law
No. 11,445. This research aims to evaluate the generation and characteristics of class A, B and commercial waste,
playing a crucial role in defining treatment, collection and disposal methods. The characterization methodology
follows the parameters of NBR 10,004/2004, addressing the classification of solid waste. The estimate of per capita
generation in the studied classes and neighborhoods is obtained through arithmetic calculations. The results reveal
that class A produces, on average, 1.95 kg/person/day, with about 41% composed of organic materials and 12.12%
glass, possibly from packaging. In class B, the average is 1.70 kg/person/day, with 49% of waste also from organic
sources. These conclusions emphasize the urgency of adopting measures for the responsible treatment of waste,
including proper separation and recycling, with a view to reducing the environmental impact and protecting public
health. These results are fundamental for the creation of municipal policies aimed at waste management and
sustainable development in Sinop - MT.

KEYWORDS: Basic sanitation. MBSP. Waste.

214
1 INTRODUÇÃO

A crescente urbanização e o aumento da produção de resíduos sólidos urbanos (RSU)


têm se tornado um desafio global, com implicações diretas na qualidade ambiental e na saúde
pública. Em resposta a esse desafio, a gestão eficiente dos RSU se tornou uma prioridade,
exigindo abordagens inovadoras e adaptáveis para enfrentar a complexidade desse problema.
Nesse contexto, a caracterização gravimétrica emerge como uma ferramenta fundamental para
avaliar a composição dos resíduos, identificando as principais categorias de materiais presentes,
a fim de orientar ações eficazes de gerenciamento.
O município de Sinop, situado no estado do Mato Grosso, Brasil, apresenta um cenário
particularmente interessante para o estudo da caracterização gravimétrica dos RSU. Com um
crescimento populacional constante e uma economia em expansão, a cidade enfrenta desafios
significativos no gerenciamento de seus resíduos. O aumento da produção de resíduos, a
evolução dos padrões de consumo e as mudanças nos hábitos da população impactam
diretamente a composição e a quantidade de RSU gerados.
O dilema é atual e progressivo em vários países, e se agrava pela desordenada
concentração populacional nos centros urbanos, motivadas pela produção de bens e serviços
(PESSIN, 2007; QUISSINI, 2007). No município de Sinop-MT, o cenário não se altera, julgando
pelos dados apresentados pela prefeitura do município em 2014, onde o crescimento comercial
atingiu cerca de 150% nos últimos 10 anos, tornando-se um dos municípios brasileiros com
maior desenvolvimento econômico (SINOP, 2014).
Segundo Matos et. al (2019), a geração de resíduos associada a um mal gerenciamento
dissemina problemas ambientais, como a possível contaminação dos solos, das águas
superficiais e subterrâneas. O relatório IPCC/ONU de 2007, afirma que 5% do total das emissões
de gás metano (um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa), é proveniente da
degradação da matéria orgânica do lixo, reforçando a ideia de que é necessário investir em
métodos eficazes de tratamento e gerenciamento de resíduos sólidos, que minimizem a
poluição devido à eliminação do gás metano e, também, a proliferação de vetores nocivos à
saúde pública e ao equilíbrio ambiental (NASCIMENTO et al. 2019).
Para abordar essa complexidade, a classificação dos RSU em diferentes categorias -
como Classes A, B e Comercial - é uma estratégia valiosa. Essa classificação permite a
identificação dos materiais que constituem cada classe, bem como a elaboração de planos
específicos para o manejo, coleta e destinação apropriada de cada tipo de resíduo.
Compreender a proporção de resíduos em cada classe é fundamental para dimensionar
adequadamente as infraestruturas de tratamento e disposição, além de direcionar esforços de
reciclagem e redução de impactos ambientais.
Este artigo busca preencher essa lacuna de conhecimento ao realizar uma
caracterização gravimétrica abrangente dos RSU de Sinop - MT, com foco nas Classes A, B e
Comercial. A análise será conduzida por meio da coleta de amostras representativas em
diferentes áreas da cidade, seguida de uma avaliação detalhada da composição dos resíduos em
termos de peso e categorias. A partir desses resultados, serão propostas recomendações
práticas para o gerenciamento mais eficiente e sustentável dos RSU em Sinop, considerando
suas particularidades locais e alinhando-se às melhores práticas globais.
Em síntese, este estudo contribuirá significativamente para o entendimento da composição
dos RSU em Sinop, fornecendo uma base sólida para o desenvolvimento de políticas de gestão
215
de resíduos mais eficazes e contribuindo para a construção de uma cidade mais sustentável e
resiliente às demandas futuras.

2 METODOLOGIA
2.1 Definição de Área de Estudo

A análise gravimétrica em questão delimitou-se à caracterização dos resíduos sólidos


urbanos, com um escopo estritamente direcionado às subclasses A, B e Comercial, circunscritas
ao contexto geográfico do município de Sinop, MT. A metodologia empregada compreendeu,
como etapa inaugural, a categorização dos estratos populacionais, delineados segundo a média
da renda familiar, conforme delineado na Tabela 1.
A fundamentação desse procedimento amparou-se em dados originados a partir do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referentes ao censo de 2022.
Adicionalmente, cumpre salientar que a agregação da classe "Comercial" foi operacionalizada
mediante sua inclusão na classe A, de maneira a conferir maior congruência analítica.

Tabela 1 – Renda Familiar de Acordo com a Classe Social. Fonte: Adaptado de Benatti (2013).
Classe Rendas
15 salários mínimos ou
A
mais.
B 7 a 15 salários mínimos.
C 3 a 7 salários mínimos.
3 salários mínimos ou
D
menos.
Comercial/Industrial Classe comercial/Industrial
Fonte: Adaptado de Benatti (2013).

2.2 Coleta das Amostras

As amostras utilizadas para este estudo foram coletadas antes da realização do serviço
de coleta municipal. Para garantir uma abordagem imparcial e representativa, as residências
foram selecionadas de forma aleatória dentro dos bairros previamente escolhidos. Esse método
de seleção assegura que a amostragem seja diversificada e abranja diferentes regiões e perfis
demográficos, contribuindo para uma análise mais abrangente e precisa da composição dos
resíduos sólidos urbanos no município de Sinop, MT.
A coleta das amostras antes da passagem do serviço de coleta municipal também
minimiza qualquer potencial interferência ou alteração nos resultados devido à manipulação ou
separação dos resíduos durante a coleta. Portanto, a seleção aleatória das residências e a coleta
prévia das amostras constituem etapas fundamentais para garantir a validade e a
representatividade dos dados obtidos neste estudo de caracterização gravimétrica dos RSU.

216
Figura 1 – Amostras sendo coletadas.

Fonte: Arquivo Pessoal.

Foram eleitos 2 bairros para classe A (Jardim Maringá I e II, Setor Comercial e Aquarela
Brasil) e 4 bairros para classe B (Jardim Belo Horizonte, Jardim Paraíso, Jardim Bela Suíça e Jardim
Itaúbas). Para cada bairro se realizou 4 coletas, totalizando 48 amostras.

2.3 Ensaio de Caracterização Gravimétrica

Após a coleta, as amostras foram encaminhadas ao local de pesquisa, onde realizou-


se o processo de caracterização gravimétrica, de acordo com a NBR 10.004/2004, eliminando
apenas o processo do quarteamento, visto que todo o resíduo coletado foi analisado. O volume
total de resíduo foi segregado de acordo com as categorias apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2 – Descrição das Categorias utilizados no ensaio de caracterização gravimétrica.

Categoria Descrição
Matéria Orgânica Restos de comida, excremento de animais, resíduos vegetais.
Papel Papéis, revistas, jornais.
Papelão Papelão ondulado, papel cartão, embalagens de ovo de papelão.
Plástico Duro Embalagens plásticas rígidas, plásticos rígidos em geral.
Plástico Mole Sacolas Plásticas, sacos de lixos, copos plásticos, embalagens de plásticos filmes.
Metal Metais ferrosos e não ferrosos.
Vidro Embalagem de bebidas, comida, vidros planos, vidros em geral.
Tetra Pack Embalagem tipo longa vida.
Fraldas e Absorventes Fraldas e absorventes.
Produtos como borracha, espumas, material misto, com mais de uma categoria,
Diversos
latas de tinta, sapatos, lâmpadas, pilhas.
Madeira Madeiras, aglomerados.
Tecido Roupas, panos em geral.
Perigosos Resíduo de banheiro: papel Higiênico usado.
Resíduo de Construção Civil Resíduo de construção, demolição e reforma, como: tijolo, concreto, areia, solo.
Poda Resíduo vegetal separado em saco plástico exclusivo.
Fonte: Benatti (2013).

Dispostos sobre a mesa os resíduos foram separados de forma manual. Após o


processo de segregação, obteve-se a massa de cada uma das categorias. A composição
gravimétrica da amostra de RSU é o porcentual, em relação à massa total da amostra, de cada
uma das categorias.

217
Figura 2 - Separação das amostras de acordo com as categorias .

Fonte: Arquivo Pessoal.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1 Ensaio de Caracterização Gravimétrica

Os resultados obtidos por meio do ensaio de caracterização gravimétrica, voltado para


as Classes A e B, juntamente com a média representativa para cada uma dessas classes, foram
cuidadosamente reunidos e agora são disponibilizados na Tabela 3. Essa tabela encapsula uma
riqueza de informações que captura a composição detalhada dos resíduos sólidos urbanos nas
classes em questão, possibilitando uma compreensão mais aprofundada das proporções de cada
tipo de material presente.
A disposição ordenada desses resultados em formato tabular facilita a análise
comparativa e a extração de padrões significativos, servindo como um recurso valioso para os
gestores de resíduos, pesquisadores e formuladores de políticas, bem como para aqueles que
buscam insights sobre as características dos RSU em Sinop, MT.

218
Tabela 3 - Composição Gravimétrica média para as Classes A e B.
Classe A Classe B
Categoria
Média DP Média DP
Matéria Orgânica 40,74% 22,12% 48,98% 23,36%
Papel 2,95% 2,56% 2,31% 2,38%
Papelão 6,20% 8,16% 4,22% 3,57%
Plástico Duro 2,29% 2,16% 2,67% 2,20%
Plástico Mole 6,93% 8,81% 4,90% 4,65%
Metal 3,90% 7,00% 2,93% 2,45%
Vidro 12,12% 20,30% 5,65% 7,88%
Tetra Pack 1,65% 1,66% 1,10% 1,13%
Fraldas e Absorventes 6,09% 10,41% 4,45% 10,13%
Diversos 4,75% 8,20% 4,99% 7,18%
Madeira 0,10% 0,32% 0,02% 0,09%
Tecido 0,18% 0,50% 1,36% 2,36%
Perigosos 4,73% 4,25% 7,04% 8,61%
Entulho 0,10% 0,41% 3,51% 13,38%
Coco 0,11% 0,45% 0,07% 0,29%
Poda 7,13% 12,79% 5,80% 19,52%
Fonte: Arquivo Pessoal.

Na Classe A, destaca-se a prevalência da categoria "Matéria Orgânica" como


componente dominante nos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), contribuindo com
aproximadamente 41% da produção diária. Desses, cerca de 17% são identificados como
desperdício (DP). Evidencia-se uma taxa de desperdício de materiais em torno de 19%,
compreendendo resíduos potencialmente recicláveis.
Em comparação com resultados anteriores, a Classe B registra uma proporção superior
de descarte de matéria orgânica, representando 48% do total de resíduos diários. No entanto,
quando focamos na categoria de desperdício, a Classe B exibe uma taxa inferior em relação à
classe economicamente mais privilegiada.
A observação e análise apontam que a Classe B consome mais alimentos orgânicos,
resultando em um maior descarte de matéria orgânica, incluindo cascas, folhas, talos e
sementes. Enquanto na Classe A, a categoria vidro contribui com 12,12% dos resíduos,
principalmente provenientes de embalagens de alimentos e bebidas, esse índice é o dobro do
registrado na Classe B. Isso sugere que a Classe A tem uma inclinação por alimentos
industrializados e prontos para o consumo.
Em relação às demais classes, a categoria comercial/industrial apresenta os maiores
índices nas classes papel, plástico, papelão e tetra pack, correspondendo a um total de 47% dos
resíduos gerados. A fração identificada como reutilizável ou potencialmente reciclável
representa 30% da média total de RSU. A matéria orgânica, como nas classes anteriores,
mantém-se como o componente mais significativo, respondendo por 25% do total produzido.
As taxas per capita de geração para os bairros analisados estão expostas na Tabela 4.

219
Tabela 4 – Geração per capita de resíduos por bairro analisado e a Média Geral.
Classe A Classe B
Geração per
Média Geração per Média
Bairros capita Bairros
Geral capita(Kg/Hab/Dia) Geral
(Kg/Hab/Dia)
Jardim Jardim Belo
1,78 1.4
Maringá I Horizonte
Jardim
2,05 Jardim Paraíso 1,43
Maringá II
Setor 1,95 1,70
1,84 Jardim Bela Suíça 2,05
Comercial
Resid.
Aquarela 2,14 Jardim Itaúbas 1,95
Brasil
Fonte: Arquivo Pessoal.

Os achados derivados da pesquisa realizada por Haubert (2016) oferecem uma visão
abrangente sobre os padrões de geração de resíduos sólidos urbanos (RSU) nas classes C e D,
delineando quantidades de 1,57 e 1,23 (Kg/Hab/Dia), respectivamente. Essa análise, em
conformidade com os dados compilados pela ABRELPE (2014), também evidencia que a região
Centro-Oeste do país possui uma média de produção de RSU de aproximadamente 1,114
Kg/Hab/Dia, enquanto o estado de Mato Grosso se situa em torno de 0,853 Kg/Hab/Dia.
Todavia, essa variação notável nos números não é de natureza isolada, resultando de
uma interseção complexa de fatores intrínsecos. Entre esses elementos, o porte do município
emerge como uma variável influente. Isso é corroborado pelo dado do IBGE (2022), que coloca
Sinop como a quarta cidade mais populosa no estado de Mato Grosso. Além disso, o
impressionante Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,807, categorizado como elevado
segundo o Atlas Brasil (2023), realça o quadro multifacetado dessa localidade.
Essa sinfonia de informações ilustra a interdependência entre tamanho populacional,
padrões de consumo, dinâmica socioeconômica e a quantidade de RSU gerados. A compreensão
desses fatores é crucial para desenvolver estratégias eficazes de gerenciame nto de resíduos,
promovendo práticas sustentáveis e alinhadas aos objetivos de preservação ambiental e
qualidade de vida da população.

220
4 CONCLUSÃO

Em síntese, a caracterização gravimétrica dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) no


município de Sinop, MT, focando nas classes A, B e Comercial, revelou uma profunda
compreensão da composição e dinâmica dos resíduos gerados nessa região. Os resultados
obtidos oferecem insights valiosos sobre os padrões de consumo, a distribuição dos dife rentes
tipos de materiais e o potencial de reaproveitamento desses resíduos.
No contexto da Classe A, os dados evidenciaram a preponderância da matéria orgânica
como a parcela principal dos RSU, juntamente com a significativa presença de resíduos
identificados como desperdício. Além disso, o predomínio do vidro sugere um padrão de
consumo mais voltado para produtos industrializados. Por outro lado, a Classe B demonstrou
uma maior disposição de alimentos orgânicos, o que se traduziu em uma proporção superior de
matéria orgânica descartada. Esses resultados destacam a relação intrincada entre hábitos de
consumo, renda e composição dos resíduos gerados.
No âmbito comercial/industrial, a caracterização indicou que os resíduos de papel,
plástico, papelão e tetra pack constituem a maioria do fluxo de resíduos, ressaltando a
importância de estratégias eficazes de gestão de resíduos para essas atividades. A identificação
de um considerável volume de materiais potencialmente recicláveis sublinha a relevância de
investir em infraestruturas de reciclagem e educação ambiental para promover uma gestão mais
sustentável.
Em suma, a caracterização gravimétrica apresentada neste estudo não apenas fornece
informações cruciais para direcionar políticas de gerenciamento de resíduos em Sinop, MT, mas
também lança luz sobre a necessidade de abordagens integradas e específicas para cada classe.
A conjugação de fatores socioeconômicos, padrões de consumo e hábitos de descarte exige
estratégias adaptáveis e abrangentes para atingir metas de sustentabilidade. Portanto, o
conhecimento adquirido por meio dessa caracterização gravimétrica deve servir como base para
ações futuras destinadas a melhorar a gestão dos RSU, promover a redução do desperdício e
avançar em direção a um modelo de desenvolvimento mais responsável e ambientalmente
consciente.
De um modo geral os resultados encontrados na pesquisa mantiveram as expectativas
para um município onde não há coleta seletiva e nem aterro sanitário. Por observação e análise
das amostras, ficou evidente a falta de orientação da população em relação ao manejo dos
resíduos, visto que quase a totalidade das residências analisadas não separa os recicláveis dos
não recicláveis, além do desperdício exagerado da matéria orgânica.
Como medida de preservação ambiental, e prevenção quanto à proliferação de
agentes nocivos à saúde pública, é necessário a implementação de um aterro sanitário no
município. Além disso, devem-se criar outras medidas de destinação final por categoria, como
por exemplo a compostagem para reutilização da matéria orgânica, centros de artesanatos para
os materiais recicláveis, além do trabalho em concordância com os catadores. Se as medidas
repercutirem positivamente, consequentemente haverá uma redução na quantidade de
resíduos encaminhados para aterro sanitário, aumentando a vida útil e preservação dos recursos
naturais.

221
5 REFERÊNCIAS

ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004. NBR:10.004/2004 Resíduos Sólidos: Classificação.
ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama Dos Resíduos
Sólidos do Brasil em 2014. São Paulo – SP.
ATLAS BRASIL 2023 – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Publicação Atlas das Regiões Metropolitanas.
Disponível em: < http://www.atlasbrasil.org.br/2013/> Acesso em: 06 jul. 2023
BENATTI, J. C. B. Estudo da Compressibilidade de Aterros Sanitários: Aplicação ao caso do Aterro Delta a de
Campinas/SP. Tese de Doutorado. UNICAMP – Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo. Campinas –
SP, 2013.
CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, Ministério da Ciência e Tecnologia. Emissões de
metano no tratamento e na disposição de resíduos, São Paulo, 2006.
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história. Rio de Janeiro: Interciência, 2001. 134 p.
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<http://wwwp.coc.ufrj.br/teses/mestrado/inter/
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HAUBERT, J.; BENATTI, J. C. B. Caracterização gravimétrica do RSU do município de Sinop – MT para classes de baixa
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IBGE. Censo Demográfico 2023. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 07 jul. 2023.
NASCIMENTO, Maria Cândida Barbosa et al. Estado da arte dos aterros de resíduos sólidos urbanos que aproveitam
o biogás para geração de energia elétrica e biometano no Brasil. Engenharia Sanitaria e Ambiental, [S.L.], v. 24, n.
1, p. 143-155, fev. 2019. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1413-41522019171125. Disponível em:
https://www.scielo.br/j/esa/a/xLRVKFVf9p46XTX563ztCfJ/?lang=pt#ModalTutors. Acesso em: 06 jul. 2023.
MATOS, Francinaldo Oliveira et al. IMPACTOS AMBIENTAIS DECORRENTES DO ATERRO SANITÁRIO DA REGIÃO
METROPOLITANA DE BELÉM-PA: aplicação de ferramentas de melhoria ambiental. Caminhos de Geografia, [S.L.], v.
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PESSIN, N.; CONTO, S. M.; TELH, M.; CADORE, J.; ROVATTI, D.; BOFF, R. E. Composição gravimétrica de resíduos
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SINOP – Secretária de Industria Comercio, Turismo e Mineração. 2014. Caminho Livre para o Desenvolvimento.
Disponível em < http://www.sinop.mt.gov.br/sic/Publicacoes/>. Acesso em: 05 jul. 2023.

222
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

CASA CUIABANA E OS ESPAÇOS LIVRES NO SÉCULO XVIII


ANÁLISE E RELAÇÃO DAS EDIFICAÇÕES RESIDENCIAIS COLONIAIS E OS
ESPAÇOS LIVRES NA CIDADE DE CUIABÁ NO SÉCULO XVIII

CUIABÁ’S HOUSE AND OPEN SPACES IN THE 18TH CENTURY: ANALYSIS AND
RELATIONSHIP OF COLONIAL RESIDENTIAL BUILDINGS AND OPEN SPACES IN THE CITY
OF CUIABÁ IN THE 18TH CENTURY

Antônio Antunes de Barros Netto


Graduando, UFMT, Brasil
antonio_aadbn@live.com

Yara da Silva Nogueira Galdino


Professora Doutora, UFMT, Brasil.
yayanog@hotmail.com

223
RESUMO

Este artigo estuda a morfologia urbana de Cuiabá no século XVIII, tratando do traçado urbano e utilizando dos
períodos morfológicos como meio de análise para compreensão da paisagem urbana histórica, desde sua
morfogênese até a contemporaneidade. Os resultados foram desenvolvidos no contexto da pesquisa de Iniciação
Científica “Casa Cuiabana e os espaços livres no século XVIII: Análise e relação das edificações residenciais coloniais e
os espaços livres na cidade de Cuiabá no século XVIII", por revisões bibliográficas sobre a morfologia urbana das
cidades de origem portuguesa e por levantamento de dados na iconografia histórica de Cuiabá. Assim, elaboramos
uma hipótese que pretende identificar uma intencionalidade na implantação urbana relacionada ao traçado –
derivada da tradição urbanística portuguesa - identificado como Rua Direita, que nortearia o desenvolvimento do
tecido urbano de Cuiabá e teria papel fundamental na formação da paisagem urbana. Nesta pesquisa, pôde -se
considerar a intencionalidade de ser adaptada a Rua Direita em Cuiabá, pois é possível demonstrar nessa via os
principais desígnios que esse traçado possui, além de ser reconhecida na história da cidade com a denominação de
Rua Direita, assumida como o provável principal eixo estruturador da gênese e desenvolvimento do tecido urbano da
Cuiabá colonial. Além disso, esse estudo sugere uma extensão das características padrões similares às outras ruas
dessa mesma função, pois também denota, no desdobramento desse caminho, a primeira conexão formal entre os
núcleos urbanos iniciais que futuramente estabeleceria uma continuidade da paisagem no desenvolvimento do tecido
urbano ao longo de seu percurso.

PALAVRAS-CHAVE: Morfologia urbana. Tradição urbanística luso-brasileira. Rua Direita.

ABSTRACT

This article studies the urban morphology of Cuiabá in the 18th century, dealing with the urban layout and using
morphological periods as a means of analysis to understand the historical urban landscape, from its morphogenesis
to the present day. The results were developed in the context of the Scientific Initiation research "Cuiabá’s House and
open spaces in the 18th century: Analysis and relationship of colonial residential buildings and open spaces in the city
of Cuiabá in the 18th century", through bibliographical reviews on the urban morphology of the cities of Portuguese
origin and by surveying data on the historical iconography of Cuiabá. Thus, we elaborated a hypothesis that intends
to identify an intentionality in the urban implantation related to the route - derived from the Portuguese urbanistic
tradition - identified as Rua Direita, which would guide the development of the urban fabric of Cuiabá and would have
a fundamental role in the formation of the urban landscape. In this research, it was possible to consider the
intentionality of being adapted to Rua Direita in Cuiabá, since it is possible to demonstrate in this street the main
purposes that this route has, in addition to being recognized in history of the city with the name of Rua Direita,
assumed as the probable main structuring axis of the genesis and development of the urban fabric of colonial Cuiabá.
In addition, this study suggests an extension of the standard characteristics similar to other streets of the same
function, as it also denotes, in the unfolding of this path, the first formal connection between the initial urban centers
that would in the future establish a continuity of the landscape in the development of the urban fabric around it. along
your route.

KEYWORDS: Urban morphology. Luso-Brazilian urban planning tradition. Rua Direita.

224
1 INTRODUÇÃO

Este artigo surge a partir das investigações e discussões na pesquisa “Casa Cuiabana e
os espaços livres no século XVIII" – possibilitada pela Universidade Federal de Mato Grosso e
desenvolvida no Núcleo de Estudos e Pesquisas Tecnologias Indígenas - que realiza estudos e
análises sobre os períodos morfológicos de Cuiabá no século XVIII, tomando como base
estruturadora dos estudos o traçado urbano colonial e sua relação com a paisagem urbana
histórica na cidade da Cuiabá. Segundo Staël de Alvarenga Pereira Costa e Maria Manoela
Gimmler Netto, os períodos morfológicos são traduzidos na diversidade e força dos conteúdos
sociais e culturais da cidade que resultam na integração de elementos que produzam um arranjo
espacial fruto daquele momento histórico.
Assim, esta pesquisa pretende identificar e caracterizar os períodos morfológicos
encontrados no tecido urbano de Cuiabá a partir da identificação de soluções e elementos
oriundos da tradição urbanística portuguesa que possam ser observáveis e tenham deixado
marcas visíveis na forma urbana dessa cidade. Para tanto, buscamos entender as especificidades
do urbanismo português na América, compreendendo seus métodos de aplicação e adaptação.
Como Manuel C. Teixeira retrata, em A Forma da Cidade de Origem Portuguesa (2012), o
urbanismo erudito, “planejado” (como regulamentações urbanísticas existentes em Portugal ou
as Leyes de Indias na América Espanhola), foi se transformando e recebeu influências e
características de urbanismo vernacular, por tantas vezes tido falaciosamente como “não
planejado”, à medida que o desenho e implantação das cidades coloniais de origem portuguesa
se adaptavam às características do local e tinham o seu planejamento fundamentado na
memória da cultura urbana do descendente português e bandeirante que aqui chegavam. Dessa
forma, foi necessário entender a configuração morfológica das cidades de origem portuguesa
para que fosse possível compreender como esse processo ocorreu em Cuiabá.
Nesse sentido, a metodologia de estudo adotada parte a princípio em conhecer o
processo de Morfogênese, tese preconizada por M. R. G. Conzen e aplicada à realidade brasileira
na cidade de Ouro Preto, MG, pelas autoras Stael de Alvarenga Pereira Costa e Maria Manoela
Gimmler Netto na obra Fundamentos de Morfologia Urbana, 2015. Esse termo consiste na
identificação da configuração inicial das paisagens urbanas, não raramente encontrada nos
centros históricos de uma cidade, uma vez que nesse lugar há maior conteúdo referente à
historicidade, sendo esse o conceito entendido como um atributo da paisagem que reconhece
os ecos materialmente visíveis nas permanências de vários períodos, em ou tros termos, o
acúmulo das formas ao longo do tempo (Laboratório da Paisagem, 2013, apud COSTA, S.A.P. e
NETTO, M.M.G., 2015).
Um outro conceito chave utilizado nesta pesquisa foi o de permanência, proposto por
Aldo Rossi (1995) para definir os fatos urbanos que permanecem na paisagem apesar das
transformações. Ou seja, um alicerce para a compreensão da paisagem capaz de orientar usos,
significados e sentidos, e que, segundo Galdino (2015), ao tratar do traçado urbano, a
permanência nesse caso seria fruto de uma tendência que conduz às soluções mais lógicas na
evolução do território. Assim, o traçado é consequência dos percursos ex istentes – caminhos
rurais, caminhos indígenas, caminhos de outras lógicas territoriais que posteriormente podem
ser observados e entendidos nas vias urbanas (LAMAS, 2007, apud GALDINO, 2015).

225
Desse modo, o principal objeto de estudo nessa pesquisa baseia-se no entendimento
da Rua Direita, uma via que se destaca das demais por seu aspecto estruturador e norteador do
desenvolvimento do tecido urbano e na configuração do uso do solo, pelo fato de conectar
pontos notáveis1 da cidade em seus polos e por apresentar edificações institucionais e religiosas
importantes em seu entorno imediato, além de ser endereço onde se construíam as primeiras
casas (TEIXEIRA, 2012). Em Cuiabá, as características da Rua Direita parecem observáveis
inicialmente na via urbana que durante o período colonial ligava as lavras em frente a Capela do
Rosário e São Benedito à Igreja do Senhor Bom Jesus do Cuyaba, às margens da atual Rua
Galdino Pimentel, percurso esse reconhecido com a denominação de Rua Direita na segunda
metade do século XIX, conforme levantamento de nomes históricos de logradouros realizado
por Barreto (2007) e posteriormente estendida até os limites do núcleo urbano no sentido do
Rio Cuiabá, concebendo a antiga Rua Bela do Juiz, atual Rua 13 de Junho. Não raramente, a
execução de uma Rua Direita pode ganhar gradações no propósito de seu desenho à medida
que tem sua implantação adaptada ao terreno e circunstâncias socioeconômicas da região
(prática comum às cidades de origem portuguesa), criando peculiaridades que necess itam de
um estudo aprofundado a fim de compreender melhor as decisões que conduziram o plano
urbano específico da cidade. À vista disso, na Cuiabá, o entendimento de Rua Direita requer uma
atenção ainda mais composta pois sugere nessa uma adição às suas características padrões e
similares às outras ruas dessa mesma função, uma vez que esse eixo também conduzirá a
estrutura para o desenvolvimento do tecido urbano entre os polos urbanos constituídos pelo
Primeiro Distrito (Vila Real) e Segundo Distrito (Porto Geral).
A partir disso, ao tratar da paisagem urbana histórica da Cuiabá tomando os períodos
morfológicos para o entendimento desse processo e o traçado urbano como elemento
norteador no estudo, identificamos a paisagem originada a partir de um desenho concebido por
uma referência fluvial (GALDINO, 2015) sobre um território que seria marcado pela diversidade
e intensidade nos conteúdos sociais e culturais (MACHADO, 2008, GALDINO et al, 2022),
resultando em tempos, experiências e práticas vividas na interação entre a sociedade e o
espaço, onde um atingiu o outro e deixou marcas visíveis na paisagem urbana. Desse modo,
observa-se que a paisagem urbana de Cuiabá acumulou camadas de significados ao longo do
tempo, a partir das quais é possível introduzir a noção de palimpsesto - entendida como
sobreposições de camadas históricas que se acumulam no mesmo espaço físico - neste presente
estudo a fim de compreender melhor os processos da paisagem urbana histórica. A ideia de
palimpsesto difere-se das permanências de Rossi como algo que se mantem ao longo do tempo,
mas complementa esse conceito por se referir à dinâmica e transformação a partir dos
elementos e fatos no espaço (COSTA e GIMMLER NETTO, 2015).

2 A ORIGEM DA FORMA DE CUIABÁ - 1º PERÍODO MORFOLÓGICO (MORFOGÊNESE)

Segundo Costa e Gimmler Netto (2015), a composição da paisagem urbana seria o


resultado do processo de ocupação territorial fruto da eleição de determinadas localidades para
a implantação dos núcleos urbanos no sítio natural, configurando o lugar eleito como um ato
que iniciaria a estruturação do plano urbano, o qual induziria o desenvolvimento de outras

1Ou edifícios singulares, muitas vezes instituições religiosas ou governamentais que, associados a espaços urbanos
com características de centralidade, desenvolvem praças urbanas.

226
categorias formais. Nesse sentido, tomando como referencial para a Morfogênese de Cuiabá a
base de periodização em 1722, marco do início das atividades de mineração, podemos
identificar o Arraial do Senhor Bom Jesus de Cuyabá formado preliminarmente em
conformidade com o leito curvo do córrego da Prainha e, posterior a isso, instaurado num
esquema de arruamento relacionado às características topográficas do sítio (Figura 1). Assim,
esse modelo aplicado nesse espaço é traduzido em sintonia com os seguintes princípios
norteadores do desenvolvimento de núcleos coloniais de origem portuguesa: a adaptação ao
sítio, a orientação das vias a partir da relação com o curso d´água e a instalação de igre jas nos
pontos elevados (MENDES, et al, 2010; GALDINO, et al, 2022).

Figura 1 – Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuyabá, 1770-1780.

Fonte: Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro, ca. 1770- 1780. In: Reis Filho, 2000.

Ademais, no processo de ocupação articulado às margens do córrego e desenvolvido


segundo uma delimitação das curvas naturais do terreno, também é possível identificar, no
traçado que compõe o que seria a Rua Direita em Cuiabá, uma tendência de "endireitamento"
no tecido urbano, ou seja, uma retilinização nesse desenho da cidade revelando que haveria
aqui uma intencionalidade para além de um desenho em conformidade com o sítio, mas uma
busca por implantar os fatos urbanos (ROSSI, 1995) reforçando a tradição urbanística
portuguesa referente aos desígnios do desenho de uma Rua Direita, sendo essa a base para as
estratégias de fases subsequentes do desenvolvimento urbano. Dessa maneira, ao observarmos
essa via no contexto e circunstâncias da cidade objeto deste estudo, notamos que a mesma se
assemelha muito com as descrições de Manuel C. Teixeira (2012) sobre os ordenamentos de
uma Rua Direita, como se descrevesse essa via em Cuiabá:
Era ao longo desse percurso que, de um lado e outro, se construíam as primeiras casas
e se estruturava a primeira rua [...], construíam-se uma ou duas outras ruas paralelas
a esta primeira rua longitudinal, e a curta distância dela para o interior, e algumas ruas

227
transversais que as ligavam. Estruturavam-se assim um conjunto de quarteirões de
forma sensivelmente retangular, que se dispunha paralelamente à linha da costa, e
eram prolongadas ou constituidas novas transversais. (TEIXEIRA, 2012, p.47).

Na continuidade desse processo de desenvolvimento urbano, veremos essa rua em Cuiabá


reforçando cada vez mais o seu papel como principal eixo estruturante do núcleo urbano segundo os
aspectos formais de uma Rua Direita, podendo ser identificada como um elemento regulador do
desenvolvimento urbanístico contrastando com a evidente adaptação do plano urbano português ao sítio.
Assim, esse elemento estruturador poderia ser assumido como o eixo a partir do qual se norteou o
desenvolvimento do tecido urbano para além dos recursos orientadores advindos do sítio.

2.1 PROCESSO DE CONSOLIDAÇÃO DA FORMA NA VILA REAL - 2º PERÍODO MORFOLÓGICO

É possível observar como a traçado urbano de Cuiabá foi estabelecido em notória


relação com o que seria sua Rua Direita, perceptível como o caminho pelo qual fora realizada a
conexão direta de um extremo ao outro do núcleo urbano, é responsável por ligar o Largo do
Rosário (tido como um dos primeiros espaços com aspectos de centralidade na região) à saída
do meio urbano, delimitado por um dos afluentes do Córrego da Prainha, que, posteriormente,
viria a ser o ponto de início do contato formal entre os 1º e 2º Distritos. Somado a isso, também
é o principal eixo de ligação entre os pontos notáveis (TEIXEIRA, 2012) e edifícios singulares,
iniciando por onde seria estabelecida a Igreja do Rosário, depois margeando o Largo da Sé (atual
Praça da República), onde se encontrava a Igreja Nosso Senhor Bom Jesus da Cana Verde,
primeira e singela igreja de Cuiabá na localidade da atual Igreja Matriz (Figura 2A).
A partir disso, vemos essa via assumindo o papel como o elemento disciplinador do
desenvolvimento urbanístico, sendo então uma referência utilizada ao definir o traçado da
cidade, constituindo o que seria a Rua de Baixo, o primeiro eixo de articulação urbana paralelo
ao curso d’água, a qual orientava o padrão inicial de intercalação para as frentes do lote, seguida
pela Rua do Meio (fundos de lote) e Rua de Cima (frente de lote). Assim, a Rua de Baixo (Rua
Direita) seria o percurso ao longo do qual teriam sido implantadas habitações residenciais e
edificações comerciais, além de encontrarmos em seu entorno as edificações onde eram
realizadas as funções urbanas centrais, como a Casa de Câmara e Cadeia, essa estabelecendo
uma relação de proeminência do Largo da Sé sobre as demais áreas públicas centrais. A contar
disso, notamos também as ruas perpendiculares à Rua Direita, essas que, segundo Galdino
(2022), com inclinações mais acentuadas e, não raramente, descontinuadas por quadras
irregulares que, do cruzamento dessas vias com as paralelas ao Córrego, deriva-se o
reconhecível estilo de arruamento típico dos núcleos mineradores da Colônia (Figura 2B).

228
Figura 2: Análise gráfica da morfologia de Cuiabá a partir da formação da Rua Direita.
Adaptado de mapa original "Plano da Villa de Cuyaba". Original pertencente à Casa da Ínsua, Portugal. 1786.
Figura 2A: O caminho ao longo do Córrego da Prainha polarizado e margeado por edifícios notáveis e
a progressiva agregação de funções e de edifícios regulares; Figura 2B: O caminho como eixo a partir do qual se
organizou o espaço.

Legenda: 1) Córrego da Prainha; 2) Córrego Cruz das Almas; 3) Rua Direita (Rua de Baixo); 4) Igreja Nosso Senhor
Bom Jesus da Cana Verde; 5) Igreja do Rosário; 6) Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho; 7) Casa de Câmara e
Cadeia 8) Largo do Rosário; 9) Largo da Sé; 10) Largo da Rua de Cima (atual Praça Alencastro); 11) Largo da
Mandioca; 12) Rua do Meio; 13) Rua de Cima.
Fonte: Próprios autores.

2.2 A Estruturação Urbana entre a Vila Real e o Porto Geral - 3º Período Morfológico

Ao estudar os primeiros períodos da formação urbana referentes ao século XVIII,


notamos uma ocupação descontinuada do tecido urbano por dois polos de crescimento 2. Desses,
o polo inicial estava localizado na Vila Real, já apresentada neste estudo anteriormente, e
conectava ao eixo de crescimento orientado ao Rio Cuiabá. Quanto ao segundo polo de
crescimento, esse tinha início no Porto Geral, que, margeado pelo limite geográfico do Rio
Cuiabá, estendia-se somente em direção à vila.
Como verifica-se na planta de Cuiabá de 1777 (Figura 3), podemos destacar uma
extensão do traçado original da Rua Direita cumprindo o papel de ponte de conexão como eixo
de crescimento entre os dois polos apresentados. Isso significa que essa configuração urbana
sustentou a base de estruturação e desenvolvimento urbano entre os núcleos da Vila Real e do
Porto Geral, fazendo com que essa região de ligação fosse, ao longo dos períodos seguintes,
ocupada por habitações e, consequentemente, expandindo a malha urbana (GALDINO, 2015).

2 ² "Uma área marcada no tecido urbano como um lugar singular, um local de concentração, que indicaria
acumulação histórica e carga simbólica, constituindo-se como a origem e a referência de determinado eixo de
crescimento" (Panerai, 2006, apud Galdino 2015).

229
Figura 3: "PLANO da villa do Cuyabà na Cap.ta do Matto Grosso...".
Legenda:1) Eixo de crescimento entre os polos; 2) Rua Direita.

Fonte: Análise gráfica sobre planta original do manuscrito pertencente à Casa da Insua, Castendo, Portugal. 1777.
In: Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, Nestor Goulart Reis, 2001.

Com base no exposto, compreende-se a ampliação da Rua Direita em Cuiabá como


semelhante às concepções de Panerai (2006) acerca dos eixos de desenvolvimento, uma vez que
notamos a configuração do seu traçado, que se harmoniza com as características do terreno,
aproveitando a geografia local e preservando vestígios da história e usos anteriores e já
consolidados.
Assim, ao observarmos as constatações de Galdino (2015) sobre os eixos de
crescimento nas circunstâncias de Cuiabá, identificamos ainda mais vestígios dessa via como o
eixo estruturador entre os polos de crescimento da cidade nesse período:

No caso de Cuiabá estes eixos revelam como a formação urbana evoluiu a partir de
explorações minerais vinculadas ao córrego da Prainha, e como o rio Cuiabá foi
importante na consolidação desta paisagem, constituindo-se ao mesmo como polo de
atração e como limite de crescimento, evidenciando lógicas internas e externas ao
núcleo urbano. (GALDINO, 2015, p.60).

Desse modo, torna-se possível compreender, dentro do que poderíamos considerar


como o "3º Período Morfológico", o arranjo urbano, que se estende as margens do Córrego da
Prainha, em sintonia com a Rua Direita em Cuiabá, destacando o traçado longitudinal como

230
partido que orientou o desenvolvimento do tecido urbano. Esse delineamento resulta não
somente das interações socioeconômicas, como as atividades de mineração, da influência da
topografia e do curso d'água, fatores intimamente vinculados ao Córrego da Prainha, mas
também parece ser induzido por uma intencionalidade que procura preservar a coesão do
desenvolvimento urbano fundamentado no que seria a sua principal via estruturante.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pôde-se verificar ao longo dessa pesquisa que a paisagem urbana histórica de Cuiabá
está profundamente entrelaçada com a sua Rua Direita, relação essa que foi estruturante para
conceber o tecido urbano no período colonial. Essa percepção é moldada pela gradual
acumulação de camadas de significados que permeiam seu espaço físico ao longo do tempo:
começando no momento em que a Rua Direita emergiu como parte essencial da morfogênese
no traçado urbano, posteriormente norteando a formação do tecido urbano, até ser
estabelecida como a base inicial da conexão formal dos polos urbanos. O percurso dessa rua
reflete a evolução tangível da cidade, trazendo no seu desenho os períodos morfológicos e
proporcionando uma janela singular para a compreensão formação urbana.
Nesse sentido, temos a Rua Direita cuiabana como um exemplo singular desta tradição
urbanística portuguesa, devido ao acúmulo das ideias subjacentes à organização urbana
presentes nesse caminho, que são identificáveis tanto pelo próprio reconhecimento inicial dessa
via com a denominação de Rua Direita (BARRETO, 2007), quanto pelos diversos desígnios
comuns às ruas direitas reconhecíveis nessa via em Cuiabá - como um eixo estruturante que
conecta locais de importância política e social, denotando essa via com centralidade e a
elevando para mais do que uma função prática quanto percurso -, mas também pela gradação
no propósito do seu desenho, conduzindo às decisões do plano urbano da cidade notado no fato
de que, a partir desse caminho, temos a união formal dos primeiros distritos de Cuiabá pelo
traçado urbano.
Portanto, a partir da identificação dessa rua com tamanha relevância histórica,
reconhecemos que há muito o que ser estudado e compreendido sobre essa via, pois
constatando a mesma como fundamentadora da morfogênese do tecido urbano de Cuiabá,
temos um reflexo palpável da história, das dinâmicas sociais e culturais, da estética e do
planejamento urbano, uma vez que como eixo estruturador também em diferentes épocas, não
podemos descartar o fato de que essa rua ladeia diversos estilos e influências arquitetônicas
específicas de cada período histórico, que contam a história da arquitetura da cidade, ainda que
atualmente em notável degradação. Além disso, por permear pontos notáveis, edifícios
singulares e espaços livres públicos com funções centrais, consideramos essa rua como um
espaço vital para a coesão da comunidade com o meio urbano, servindo como agente moldador
do desenvolvimento de uma cidade ao longo do tempo, sendo palco de eventos públicos,
celebrações religiosas, mercados, feiras e atividades culturais. Em suma, a Rua Direita em Cuiabá
é um elemento estruturador que transcende seu status como algo meramente físico, é um
arranjo espacial capaz de, se bem observado, conduzir a leitura sobre a herança rica e
multifacetada da paisagem urbana dessa cidade.

231
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BARRETO, Neila. Água de Beber no Espaço Urbano de Cuiabá (1790-1886). Cuiabá, MT. 2007.

COSTA, S.A.P., NETTO, M.M.G. Fundamentos de Morfologia Urbana. Belo Horizonte: C/Arte; 1ª edição. 2015.

GALDINO, Yara. Paisagens fluviais urbanas: transformações e permanências no Porto de Cuiabá. Tese (Doutorado
em Urbanismo). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Centro de Letras e Artes, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, Rio de janeiro. 2015.

GALDINO, Y; ARAÚJO, Dorcas F; CASTOR, Ricardo S; RODRIGUES, Paulo. Paisagens Urbanas de Cuiabá no Século
XVIII: Sobre o Desígnio e o Desenho. Encontro Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e
Urbanismo no Brasil, Trans.ver.paisagens. 2022.

MACHADO, Maria Fátima Roberto. Diversidade Sociocultural em Mato Grosso. Cuiabá: Entrelinhas. 144p.
2008.

MENDES, Chico; VERÍSSIMO, Chico; BITTAR, William. Arquitetura no Brasil: de Cabral a Dom João VI. Rio
de Janeiro: Imperial Novo Milênio, 2009.

PANERAI, Philippe. Análise Urbana. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 198p. 2006.

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EDUSP/IMESP/FAPESP. 2000.

ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 1995.

TEIXEIRA, Manoel C. A. A forma da cidade de origem portuguesa. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 177p. 2012.

232
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( x ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

CITY INFORMATION MODELING (CIM) COMO FERRAMENTA DE APOIO


AO PLANEJAMENTO URBANO COM FOCO EM CONFORTO TÉRMICOS

CITY INFORMATION MODELING (CIM) AS A SUPPORT TOOL FOR URBAN PLANNING WITH A
FOCUS ON THERMAL COMFORT

Marcos Martins Borges


Professor Doutor, Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia, Coimbra
marcos.borges@engenharia.ufjf.br

Ana Carolina Caldas Rodrigues


Mestranda em Ambiente Construído, Arquiteta e Urbanista, UFJF, Brasil
ana.rodrigues@arquitetura.ufjf.br

Gabriella Dias de Oliveira


Mestranda em Ambiente Construído, Arquiteta e Urbanista, UFJF, Brasil
dias.gabriella@estudante.ufjf.br

Tuanny Cristinny da Cunha Guimarães


Mestranda em Ambiente Construído, Arquiteta e Urbanista, UFJF, Brasil
tuanny.guimaraes@estudante.ufjf.br

233
RESUMO
Este artigo discute a necessidade de um planejamento urbano que prioriza a qualidade do ambiente construído e o
conforto dos indivíduos, tendo em vista as mudanças climáticas e a necessidade de estratégias de mitigação do efeito
destas. A partir do entendimento de que o espaço urbano se caracteriza por um organismo complexo, definido por
diversas dimensões, faz-se necessário a adoção de ferramentas que possibilitem tratar suas especificidades para o
alcance de um planejamento urbano eficiente e que proporcione um ambiente confortável termicamente. Sendo
assim, o presente artigo tem por objetivo discutir o uso da tecnologia City Information Modeling (CIM) como
ferramenta de apoio ao desenho urbano com foco no conforto térmico. Para esta pesquisa de caráter exploratório
foi adotada como processo metodológico a revisão bibliográfica documental dos temas tocantes ao interesse desta
pesquisa e apresentação de um estudo de caso. O principal resultado desta pesquisa se concentra no papel da
ferramenta CIM como facilitadora na gestão eficiente dos parâmetros e na atuação conjunta dos diversos setores que
atuam no planejamento urbano. Este artigo tem como principal contribuição reforçar o papel dos profissionais
atuantes no planejamento urbano e afirmar a importância de ferramentas que melhorem a gestão do ambiente
construído.

PALAVRAS-CHAVE: City Information Modeling (CIM). Planejamento urbano. Conforto térmico.

ABSTRACT
This article discusses the need for an urban plan that prioritizes the built environment quality and the individual’s
comfort, considering the climate changes and the need of strategies to mitigate their effect. Based on the
understanding that the urban space is characterized by a complex organism, defined by various dimensions, it is
necessary to adopt tools that make it possible to deal with its specificities in order to achieve an efficient urban
planning and that provides a thermally comfortable environment. Therefore, the aim of this article is to discuss the
use of City Information Modeling (CIM) technology as a tool to support urban planning with a focus on thermal
comfort. For this study with exploratory character, a bibliographical and documental review of the topics of interest
to this research was adopted as the methodological process. The main result of this survey concentrates on the role
of the CIM tool as a facilitator in the efficient management of parameters and in the joint action of the various sectors
involved in urban planning. The main contribution of this article is to reinforce the role of professionals working in
urban planning and to affirm the importance of tools that improve the management of the built environment.

KEYWORDS: City Information Modeling (CIM). Urban planning. Thermal confort.

234
1 INTRODUÇÃO

As cidades são reflexos de processos que resultam na passagem de um ambiente


natural para um ambiente urbano. Para Swanwick (2002) a paisagem é resultante da interação
entre fatores naturais e humanos, de modo que a relação entre os indivíduos, o lugar, as
componentes naturais e a cultura a definem. Dessa forma, a paisagem em sua configuração
formal, representa a união entre sociedade, natureza e paisagens anteriores, fato este que
imprime particularidade em cada território (LUCA, SANTIAGO, 2015). Por meio da paisagem, é
possível extrair informações relativas ao ambiente físico, natural e ecológico que possibilitam
modos integrados para auxiliar no planejamento e na gestão das paisagens.
Atualmente os territórios estão associados ao adensamento construtivo e à
degradação ambiental, consequente da ação humana, principal responsável por transformar a
paisagem natural. O intenso crescimento das paisagens urbanas tende a desencadear problemas
como o adensamento construtivo, a valorização exacerbada da terra, a priorização dos veículos,
o aumento das áreas de estacionamento, a falência do sistema de infraestrutura e a segregação
espacial e social. Para além, das problemáticas da vida urbana, cabe destacar o impacto
ambiental, decorrente da degradação de áreas verdes e a inexistência de espaços livres, estes
são preenchidos por edifícios e ligações viárias (FREITAS et al. 2008, RIBEIRO, 2013).
Os padrões ineficientes de ocupação e o aumento do número de pessoas que residem
em cidades, aumentam os impactos no ecossistema, configurando uma grande ameaça para a
habitabilidade das pessoas na Terra (ROGERS, 2005). Para Freitas (2008, p. 17), ‘’o equilíbrio
entre ganhos e perdas passa a construir um dilema para os urbanistas, sobretudo os
legisladores, quando da definição de parâmetros urbanísticos, responsáveis pela produção do
espaço urbano e configuração da paisagem’’.
Hoje as mudanças climáticas se colocam como uma realidade e evidenciam a
necessidade de se considerar os problemas ambientais no planejamento urbano, (FREITAS et
al., 2021), a começar pelas condições climáticas. Segundo Machado dos Santos et al. (2023, p.
1) “com a modificação dos microclimas urbanos, a sensação de conforto térmico ao nível do
pedestre também é alterada.” É essencial proporcionar microclimas mais agradáveis para
estimular o pedestre ao uso dos espaços públicos, praças, atividades ao ar livre, entre outros,
favorecendo a qualidade de vida. Sendo assim, uma cidade projetada sob a perspectiva
climática, se caracterizaria como sustentável ao gerenciar de forma eficiente o uso de recursos,
e se faz resiliente ao favorecer a vida humana e resguardar a infraestrutura urbana dos eventos
climáticos extremos (OKE et al., 2017). É indispensável que as políticas de gestão e planejamento
dos territórios estejam relacionadas a morfologia dos tecidos urbanos, ao uso do solo, a
volumetria e forma das edificações, de modo a restabelecer o equilíbrio na relação ambiente-
homem, a fim de alcançar a sustentabilidade ambiental e urbana (MELO, FREITAS, 2020).
Admite-se, assim, que é preciso repensar a concepção do espaço urbano, a partir de
metodologias que sejam capazes de lidar com os desafios inerentes a expansão e o
desenvolvimento urbano de forma inovadora e sustentável, que proporcione o conforto
ambiental e o enfrentamento às mudanças climáticas (FURLANETTO, E., FURLANETTO, P.,
CHAVES, 2021).

235
2 OBJETIVO
Partindo da problemática acima apresentada, o presente artigo tem por objetivo discutir
o uso da tecnologia City Information Modeling (CIM) como ferramenta de apoio ao desenho
urbano com foco no conforto térmico.

3 METODOLOGIA

Uma vez delineado o objetivo – discutir o uso da tecnologia City Information Modeling
(CIM) como ferramenta de apoio ao planejamento urbano com foco no conforto térmico – foi
definido um roteiro para uma pesquisa exploratória dos temas tocantes ao interesse desta
pesquisa. Foi empregado como método na condução deste artigo a revisão bibliográfica e
documental, a fim de compreender o conceito de paisagem, e entender o emprego deste no
contexto urbano. Dentre os tantos temas e recortes possíveis no que diz respeito à concepção
do espaço urbano, as autoras delimitaram como foco o estudo do conforto térmico aplicado ao
ambiente construído urbano e demais variáveis importantes a serem consideradas. Por fim,
avançamos nossas pesquisas e reflexões, por meio da metodologia estudo de caso, a fim de
compreender como a metodologia CIM pode ser uma facilitadora nos processos de projeto de
concepção da paisagem urbana.
Com isso, foram delineadas as seguintes etapas metodológicas para esta pesquisa: (a)
pesquisa exploratória, em bibliotecas virtuais, a princípio dos materiais produzidos nos últimos
10 anos. Com o desenvolver da pesquisa, sentiu-se a necessidade de uma segunda busca, na
qual os materiais extrapolam o intervalo determinado inicialmente. Em ambas as buscas, no que
toca nossos objetivos, o universo da pesquisa se caracteriza na definição dos seguintes temas:
BIM, projeto urbano, conforto térmico; (b) organização e leitura dos materiais, permitindo
acesso ao conteúdo completo dos temas tocantes a esta pesquisa; (c) tomada de
apontamentos, a fim de destacar os pontos importantes e fazer anotações; ( d) demonstra um
estudo de caso de um projeto em Paris La Défense, na França, que recria e apresenta
virtualmente uma análise do conforto dos usuários no bairro, com o objetivo de demonstrar o
impacto ambiental na cidade, e por último (e) a construção lógica do trabalho visando contribuir
para a adoção da gestão do conhecimento, por meio do CIM, em projetos no ambiente
construído urbano que priorizem o conforto térmico.

4 REFERENCIAL TEÓRICO

4.1 Projetos urbanos e conforto térmico

De acordo com o relatório mundial das cidades da ONU Habitat (2022), a projeção de
crescimento das cidades pode chegar a 68% até 2050 (tradução nossa). Juntamente com esse
crescimento, diversos aspectos precisam ser levados em consideração, inclusive os impactos da
COVID-19, que a partir do início de 2020, resultou em uma redução significativa da população
das cidades e na evasão de espaços públicos. Apesar disso, um grande consenso é que a
urbanização continua sendo uma grande tendência do século XXI (ONU Habitat, 2022, tradução
nossa). É importante ressaltar que, para uma urbanização que ofereça qualidade ao indivíduo,
é necessário alcançar alguns parâmetros prioritários:

236
Essas prioridades incluem garantir o acesso a um ambiente limpo com
abastecimento de água, saneamento funcional, esgoto adequado e
eliminação de resíduos; proporcionando sustentabilidade e mobilidade
eficiente; promovendo produtos mais compactos, assentamentos seguros e
saudáveis; e aumentar a resiliência contra o clima e mudanças climáticas,
eventos climáticos extremos e transmissão de doenças. (ONU Habitat, 2022,
p. 3-4, tradução nossa)

O crescimento demográfico representa um dos principais catalisadores do ciclo de


transformações no contexto urbano, dado que conduz à intensificação e ve rticalização das
regiões metropolitanas já equipadas com infraestrutura estabelecida, acarretando no impacto
das condições atmosféricas. A elevação das estruturas edificadas resulta na formação de áreas
sombreadas, reduzindo a exposição solar, ampliando a absorção de radiação de comprimentos
de onda longa e alterando a dinâmica dos padrões de vento devido aos obstáculos impostos
pelas configurações construídas (KLEEREKOPER; VAN ESCH; SALCEDO, 2012).
Sendo assim, destaca-se a questão climática e, consequentemente, como ela afeta o
conforto térmico dos indivíduos no espaço urbano. Segundo Ruas (1999, p. 9), “o bem-estar do
homem é um conceito amplo que engloba desde os fatores necessários à manutenção da sua
saúde física, até aqueles responsáveis pelo seu sentimento de satisfação.” O conforto ou
desconforto térmico está relacionado às condições climáticas do ambiente, ou seja, quando o
indivíduo sente calor ou frio.
Os dados climáticos de uma região, ao contrário do que se pensa, não podem ser
extraídos apenas do Serviço Meteorológico, pois, principalmente em grandes cidades, a
urbanização cria microclimas, que apresentam parâmetros muito diferentes dos obtidos através
das estações meteorológicas (CORBELLA E YANNAS, 2003). De acordo com Machado dos Santos
et al. (2023), a modificação dos microclimas em escala urbana altera a sensação de conforto
térmico ao nível do pedestre. É de extrema importância uma análise mais aprofundada acerca
dos dados climáticos da região para um projeto urbano com foco no conforto térmico eficiente.
De acordo com Freire e Amorim (2011), a busca pelo desempenho térmico deve estar
presente em diversas fases do projeto arquitetônico, partindo da escala macro, representada
por projetos urbanos, para a escala micro com projetos de edificações. A partir dos conceitos
apresentados, torna-se clara a necessidade de se pensar os projetos urbanos incluindo o
conforto térmico como uma das premissas principais.
Um dos grandes responsáveis por determinar um projeto urbano de qualidade,
pensado em diversas esferas de qualidade e conforto, são os arquitetos-urbanistas. Conforme
afirma Corbella e Yannas (2003, p. 27), “o conforto térmico e visual dos espaços abertos é
fortemente dependente do projeto urbano”. Além disso, a transformação do microclima,
tornando o espaço confortável ou insuportável em relação à questão de conforto térmico, pode
ser resultado de decisões do arquiteto-urbanista (CORBELLA E YANNAS, 2003). Existem alguns
fatores que podem ser considerados na elaboração do projeto urbano que podem oferecer
resultados mais eficientes no conforto térmico na esfera da cidade. “Pode -se modificar o
caminho dos ventos para um sentido mais conveniente, e a configuração das sombras e a
presença de água, melhorando as temperaturas locais.” (MENDONÇA, 2012, p. 64). A respeito
disso, a falta de áreas verdes nas cidades ocasiona uma falta de proteção à radiação solar,
principalmente em zonas de clima tropical, o que pode causar desconforto térmico e visual
causado pelo ofuscamento (CORBELLA E YANNAS, 2003).

237
Outro fator importante que influencia o conforto térmico nos espaços urbanos é o
gabarito da cidade ou dos bairros. Segundo Corbella e Yannas (2003), se a proporção entre a
largura das ruas e o gabarito da cidade ou bairro for excessiva, as primeiras se tornarão
verdadeiros cânions, onde haverá uma dificuldade de dissipação do calor, contribuirá para a
formação de ilhas de calor e ainda, devido ao aumento da temperatura, atentará contra o
conforto térmico das pessoas.
Segundo MUNIZ-GÄAL et al. (2018), atualmente a regulamentação do uso e ocupação
do solo já incorpora determinados parâmetros construtivos que impõem limites e estabelecem
diretrizes para a ocupação territorial, incluindo em alguns casos a fixação de quotas mínimas de
permeabilidade. No entanto, essas diretrizes frequentemente carecem de uma base sólida em
investigações climáticas e avaliações das implicações microclimáticas, frequentemente
resultando em propostas que negligenciam a preservação das condições climáticas ideais,
focalizando primordialmente na ordenação do desenvolvimento urbano.
As condicionantes supracitadas relacionadas ao conforto térmico para um projeto
urbano eficiente, são apenas algumas que devem ser analisadas no processo de proj eto. É
importante que esses aspectos relacionados ao desempenho térmico estejam bem definidos
para que as informações possam ser aplicadas como parâmetros de projeto para o desenho
urbano no sistema BIM (Building Information Modeling).

4.2 Elaboração de projetos urbanos através da plataforma CIM

O planejamento urbano demanda abordagens de um diálogo interdisciplinar, que


rompe com as barreiras entre conhecimento científico, habilidades técnicas e expressão
artística. Surge a necessidade em buscar formas projetuais e estratégias fundamentadas em
métodos inovadores, uma vez que, o ambiente urbano não se mantém o mesmo, ou seja, não
possui um crescimento linear (LIMA,2014).
Atualmente, um assunto muito discutido na área da construção civil é a possibilidade
de aplicação de ferramentas digitais inovadoras que possam otimizar o processo de projeto,
alinhado com a interoperabilidade de profissionais de diversas áreas. Observa-se que
mecanismos derivados da tecnologia com foco no planejamento de grandes cidades, podem
contribuir para o alcance de espaços urbanos sustentáveis (SILVA et al., 2017).
Um exemplo dessa ferramenta é o sistema BIM (Building Information Modeling), que
são objetos parametrizados, compostos por elementos criados a partir de um conjun to de
parâmetros que podem ter suas características alteradas. Para Furlanetto et al. (2021), essa
plataforma “permite um melhor planejamento e, acima de tudo, um acompanhamento mais
eficiente e em tempo real da ocupação do espaço urbano”. Apesar de se apresentar
extremamente funcional, a plataforma BIM restringe, na maioria das vezes, sua aplicação a
projetos de edificações. Segundo Freire (2019), uma boa sistematização de informações que
sejam sempre atualizadas, precisas e que estejam sempre disponíveis para todos os envolvidos
no projeto, é um ponto importante para o desenvolvimento de projetos urbanos. Sendo assim,
para tratar o BIM na escala da cidade, surge o conceito CIM (City Information Modeling).
Alguns autores como Silva et al. (2017), acreditam que BIM e CIM não se caracterizam
como ferramentas individuais, e sim que, o BIM faz parte do CIM, este último atuando com uma
extensão aplicada a bairros ou cidades. Com essa plataforma é possível gerar aplicações de
análise de dados reais e informações georreferenciadas, que são capazes de interagir com toda

238
equipe de trabalho em diversos setores, tendo como objetivo a elaboração de um modelo
comum para a gestão urbanística (LOPES, 2019).

O CIM deve ser um sistema de gestão integrada altamente eficiente e


multifuncional, cujos dados são mais completos, o modelo é mais preciso e
eficiente, no qual o foco é realizar o compartilhamento de informações e uma
colaboração multisserviços e multicampos, além de alcançar gerenciamentos
horizontais e verticais de amplo espectro na cidade digital e melhorar a
eficiência geral da gestão urbana. (JAIME,2020)

Lima (2014) aborda que a utilização de sistemas de parametrização no planejamento


urbano gera diversas soluções de composição mediante a simples modificação de valores
específicos de um ou mais parâmetros. Esse método viabiliza a criação de variados cenários,
prontos para avaliação, o que por sua vez orienta o processo decisório no decorrer do
desenvolvimento do projeto (Figura 1).

Figura 1 - O ciclo da dinâmica da ferramenta CIM

Fonte: ACERVO PESSOAL, 2023

Nos estudos de conforto ambiental surgem dados parametrizáveis em várias fases do


projeto, a exemplo, a determinação da orientação, devido ao vento ou à insolação, que são
cruciais para a forma e o desempenho das construções (LIMA, 2014). Além disso, a capacidade
de resposta rápida, o apoio e facilitação do diálogo técnico multidisciplinar, diante da
diversidade e complexidade das informações abrangidas, ferramentas como o CIM assume um
caráter indispensável, ao gerar propostas flexíveis e aptas a múltiplas modificações.

239
Através da adoção de sistemas paramétricos é possível conceber a criação de modelos
de urbanização e estratégias de arborização, desempenhando assim um papel relevante na
abordagem das questões relacionadas ao microclima urbano (SILVA et al, 2017).
É necessário entender que o conhecimento aprofundado de tecnologias inovadoras,
como as plataformas BIM e CIM, poderão contribuir no desenvolvimento do planejamento
urbano através da velocidade e qualidade do trabalho dos profissionais de forma decisiva
(FREIRE, 2019).

4.3 Aplicação City Information Modeling como ferramenta para o desenho urbano com foco
em conforto térmico

O espaço urbano contemporâneo é reflexo de inúmeras transformações que resultam


na sua complexidade e em novos paradigmas para o planejamento e a gestão urbana, suscitando
a aplicação de novas tecnologias, novos atores e fatores. Segundo Ascher (2010, p. 85) ‘’os
profissionais do urbanismo terão que desenvolver suas próprias práticas introduzindo novos
modelos de resultados, bem como utilizar as potencialidades das TICs nas suas próprias
atividades’’. Estas novas tecnologias possibilitam apresentar os resultados de maneiras diversas
que podem vir a ser determinantes na compreensão dos problemas. Assim, faz-se necessário
no progresso de técnicas utilizadas nos projetos, a criação de banco de dados urbanos, modelos
de simulação e visualização em três dimensões (JAIME, 2020).
Cabe destacar, que a informação urbana está relacionada com a dimensão temporal,
ou seja, planejar é desenvolver estratégias que antecipem as problemáticas que possam vir a
surgir no futuro. Por caracterizar um organismo complexo, as cidades são compostas para além
das dimensões espaciais e temporais, mas também devem ser considerados atributos sociais,
econômicos e ambientais. Assim, não tem como pensar em um modelo padrão ou com única
função para uma cidade. Como aponta Hamilton et al. (2005, p. 58) o modelo de informação
urbana ‘’[...] irá fornecer um suporte de informação abrangente para vários sistemas de
aplicação do planejamento urbano’’.
Um projeto em Paris La Défense, maior distrito comercial da França, recria e apresenta
virtualmente uma análise do conforto dos usuários no bairro, com o objetivo de demonstrar o
impacto ambiental na cidade. A pesquisa, liderada pela instituição pública local, Paris La Défense
le Centre Scientifique et Technique du Bâtiment (CSTB), utilizou BIM/CIM na escala urbana,
utilizando os programas OpenBIM e eveBIM (CENTRE SCIENTIFIQUE ET TECHNIQUE DU
BÂTIMENT, 201).
O CSTB desenvolveu um conjunto de dados para cada cálculo, possibilitando a
estruturação escalonável e interoperável das informações da plataforma digital. Foram
realizados seis cálculos de desempenho (fluxo de ar, acústica, ambiente, iluminação pública,
reflexão solar e ofuscamento) em um único local, a Praça Nelson Mandela, para aumentar o
conforto dos usuários. Através da integração e combinação desses parâmetros, tornou-se viável
estabelecer novas abordagens para a avaliação do conforto urbano. Os dados da qualidade de
uso dos espaços públicos foram integrados à plataforma digital para serem visualizados e
compartilhados com códigos de cores, que representam cada nível de desempenho. Isso
permite que os envolvidos tenham informações precisas para tomar decisões de projetos.
A plataforma também permite ter os cálculos do conforto acústico e do fluxo de vento,
estes específicos de períodos selecionados, além de compreender a classificação da área,

240
reconsiderar a estratégia urbana (DELVAL, 2021). A Figura 2 demonstra como é realizada a
análise do conforto urbano, utilizando a convergência dos dados coletados. O resultado se
apresenta através de uma escala de cores, em que o vermelho é o estado mais crítico e o azul é
adequado.

Figura 2 – Resultado da análise do conforto na praça Nelson Mandela

Fonte: DELVAL, 2021

Atualmente existem plugins que potencializam as capacidades das ferramentas de


projeto, e no caso desta pesquisa que utiliza o CIM para o alcance do conforto térmico,
destacamos o plugin Ladybug Tools, criado em 2012, desenvolvido inicialmente para análise
paramétrica de projeto em escala de construção. No entanto, ao ser agrupado ao Grasshopper,
possibilita a incorporação de dados meteorológicos nas etapas iniciais do processo de projeto,
permitindo que os profissionais considerem fatores climáticos em suas tomadas de decisão
(LEMOS, 2022). Por meio de diagramas que indicam a trajetória do do sol, a rosa dos ventos,
gráfico psicrométrico, análise de radiação e estudos de sombras, é possível compreender de
maneira mais aprofundada as variações no ambiente circundante e sua influência no
desempenho térmico. Esses recursos visuais facilitam a comunicação das informações
complexas associadas às condições climáticas, auxiliando no estabelecimento de estratégias.
Através do uso deste plugin, Ladybug, torna-se viável a elaboração de um
mapeamento espacial abrangendo uma área urbana, no qual se considera primordialmente o
impacto direto da radiação solar sobre o conforto térmico das pessoas. Este procedimento
implica em uma análise que leva em conta a disposição das edificações, a topografia e a
distribuição de espaços abertos na configuração urbana, a fim de avaliar como tais elementos
afetam a sensação térmica dos indivíduos em diferentes partes do ambiente.

241
Figura 3 – Mapa de Microclima urbano

Fonte: LADYBUG, s/d

5 ANÁLISES E RESULTADOS

Como ponto de partida para análise acerca da problemática apresentada neste artigo,
compreende-se a necessidade de um processo de urbanização que ofereça qualidade ao
indivíduo com foco no conforto térmico. Assim, para um planejamento urbano eficiente
termicamente é necessário incorporar dados meteorológicos e análises climáticas em suas fases
iniciais para tomadas de decisões. Uma vez que em cidades de grande porte o processo de uso
e ocupação do solo ocasiona microclimas, torna-se ainda mais necessário o estudo das
condições térmicas de regiões e bairros de forma específica.
Considerando a especificidade das cidades por se caracterizarem como um organismo
complexo, definido por diversas dimensões, não é condizente a aplicação de um modelo padrão.
Assim, faz-se necessário um diálogo interdisciplinar capaz de gerenciar e sobrepor as
informações das diversas esferas compreendidas no planejamento urbano. Uma forma de se
atingir tais objetivos, é através da ferramenta BIM/CIM junto a atuação de uma equipe de
trabalho interdisciplinar. Por meio da interoperabilidade desta ferramenta é possível gerir
parâmetros e aplicar os dados reais e informações georreferenciadas no projeto urb ano, de
forma que os diversos setores consigam atuar em conjunto no processo. Para que aconteça a
efetiva atuação conjunta, é essencial o investimento financeiro e que haja disponibilidade de
tempo para implementação da ferramenta e capacitação dos colaboradores.
O surgimento da ferramenta BIM/CIM, representa um avanço no processo de
planejamento urbano. No entanto, a implementação não irá substituir o profissional, uma vez
que a ferramenta não é isenta de limitações. Por ser responsável pela criação de parâmetros, o
profissional se torna indispensável no processo de planejamento, e é através da sua
sensibilidade que compreende as impressões que o espaço construído imprime sobre os
indivíduos.

242
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No que se refere ao complexo cenário de crescimento urbano e seus impactos no


conforto térmico, destaca-se a projeção da ONU Habitat (2022). O consenso sobre a tendência
da urbanização no século XXI é evidente e enfatiza a necessidade de se considerar parâmetros
prioritários para uma urbanização de qualidade. A questão climática se destaca ao influenciar o
conforto térmico no ambiente urbano. Embora haja diretrizes de regulamentação do uso do solo
através de parâmetros construtivos, ainda há uma lacuna nessa questão. A análise aprofundada
dos dados climáticos regionais é fundamental para alcançar um projeto urbanístico com
conforto térmico eficiente, uma vez que as áreas urbanas geram microclimas.
Visto a complexidade e as diversas camadas a serem consideradas para gestão e
planejamento do espaço urbano com foco no conforto térmico, nota-se a relevância da
incorporação do BIM/CIM como ferramenta neste processo, visto a interdisciplinaridade da sua
interface e as possibilidades de sobreposição e análise de dados. A plataforma CIM viabiliza
análises de dados georreferenciados, promove o trabalho de uma equipe interdisciplinar e o
desenvolvimento de modelos urbanísticos. Assim, a parametrização surge como uma
metodologia eficaz que permite a criação de cenários variados através da adoção de
parâmetros. Como no estudo de caso apresentado neste artigo, a visualização dos resultados
por meio de cores e gráficos possibilitou decisões precisas de projeto.
Conclui-se que, o uso integrado da tecnologia BIM/CIM oferece uma abordagem
inovadora e eficaz para o planejamento urbano, permitindo simulações detalhadas com
capacidade de colaborar em um planejamento mais eficaz e adaptável. A combinação dessas
tecnologias se faz necessária para enfrentar os desafios complexos do planejamento urbano,
uma vez que a cidade é um organismo complexo, que não se comporta segundo um padrão e
não se mantém constante. No entanto, para isso, é necessário que o profissional, enquanto
criador de parâmetros, mantenha-se indispensável no processo de projeto de atuação no
planejamento.

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https://www.journals.ufrpe.br/index.php/JEAP/article/view/1473. Acesso em: 17 ago. 2023.

245
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( X ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO ESTATUTO LEGAL NO CASO DA


COMUNIDADE DA RUA MONSENHOR RUBENS MESQUITA,
SALVADOR - BA

CONSIDERATIONS REGARDING THE LEGAL STATUS IN THE CASE OF THE MONSENHOR


RUBENS MESQUITA STREET COMMUNITY, SALVADOR - BA

Adriana Teixeira Bahia


Doutoranda, PUC-Campinas, Brasil.
abahia.arquitetura@gmail.com

Vera Santana Luz


Professora Doutora, PUC-Campinas, Brasil.
veraluz@puc-campinas.edu.br

246
RESUMO
Este artigo é desdobramento da pesquisa de doutorado em desenvolvimento. No texto que segue, retratamos o
objeto de estudo, a Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, Salvador – BA, a partir do estatuto legal, tendo
também como foco a discussão do direito à moradia e à cidade. A Rua estudo de caso vive, desde 2018, um processo
de reintegração de posse. Os moradores que ali habitam estão sendo expulsos em prol da construção de um Shopping
Center. De modo a alcançarmos os objetivos propostos, investigamos a legislação urbanística no âmbito federal e
municipal, especialmente as que incidem sobre o território, como o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de
Salvador de 2016, que classifica esse espaço como uma Zona de Interesse Social (ZEIS) e a Lei de Ordenamento do
Uso e da Ocupação do Solo. A determinação do estudo de caso como ZEIS nos leva à discussão da capacidade dos
instrumentos legais em serem efetivos no que tange ao espaço urbano, em suas determinações. Como processo
metodológico, de caráter indutivo, levanta-se, a partir do estudo de caso e referências documentais, uma indagação
a respeito da dicotomia recorrente entre o estatuto legal e o estatuto da realidade, como contribuição para a
compreensão das contradições que envolvem as decisões que pautam o futuro das nossas cidades.

PALAVRAS-CHAVE: Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita. Salvador, Bahia. Direito a cidade.

ABSTRACT
This article is an offshoot of the doctoral research in development. In the text that follows, we portray the object of
study, the Monsenhor Rubens Mesquita Street Community, Salvador - BA, from the legal status, also focusing on the
discussion of the right to housing and to the city. The street that is the case study has been going through a process of
repossession since 2018. The residents who live there are being expelled in favor of the construction of a Shopping
Center. In order to achieve the proposed objectives, we investigated the urban legislation at the federal and municipal
levels, especially those that affect the territory, such as the Director Plan for Urban Development of Salvador, 2016,
which classifies this space as a Social Interest Zone (ZEIS) and the Land Planning of the Use and the Occupation Law.
The determination of the case study as ZEIS leads us to discuss the ability of legal instruments to be effective with
regard to urban space, in their determinations. As a methodological process, of an inductive nature, it raises, from the
case study and documentary references, an inquiry regarding the recurrent dichotomy between the legal statute and
the statute of the reality, as a contribution to the understanding of the contradictions that involve the decisions that
guide the future of our cities.

KEYWORDS: Monsenhor Rubens Mesquita Street Community. Salvador, Bahia. Right do the city.

247
1 INTRODUÇÃO

Este artigo, como parte de uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento, discute


o caso da Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, a partir da análise da legislação
urbana que incide nesse território. Salientamos que este estudo parte da ótica do urbanismo e
não do campo do direto, cuja reflexão busca se embasar no sentido de descortinar possíveis
contradições entre o estatuto legal urbanístico e as reais condições em que esta comunidade se
encontra, na luta por permanecer na região em que se insere . Localizada no bairro do Tororó,
na cidade de Salvador, Bahia, a Rua em estudo é habitada desde 2005; porém, no ano de 2018,
quarenta e uma famílias enfrentaram um processo de reintegração de posse , movido pela
Prefeitura Municipal de Salvador. Iremos discutir seus desdobramentos, de forma mais
elaborada, no decorrer deste texto.
O estudo de caso acompanha uma das autoras do presente artigo desde sua pesquisa
de mestrado (BAHIA, 2021); portanto, a história dessa Comunidade e desse território, aqui
relatada, se vale do relato oral dos próprios moradores, ouvido durante o estudo de campo
realizado no ano de 2019. Assim, os moradores da Rua relataram que, no ano de 2006, um grupo
de pessoas, lideradas pelo Sr. Evandro Almeida, hoje vice-presidente da Associação de
Moradores da Comunidade, ocuparam a área. Algumas dessas pessoas dependiam de aluguel,
outras moravam em cortiços e, assim, se reuniram para construir suas moradias nessa área
desocupada. No primeiro ano de ocupação, houve algumas reações da Prefeitura Municipal, que
chegou a demolir algumas casas; porém, nos anos posteriores, as famílias construíram suas
residências sem demais impedimentos. Ao longo dos anos, as moradias foram aperfeiçoadas, a
Rua foi sendo ocupada e alguns elementos de infraestrutura urbana foram construídos pelos
próprios moradores, como as escadarias. Ou seja, esse grupo de pessoas ocup ou o espaço, o
dotaram de vida, de função social e até mesmo de infraestrutura.

Figura 1 – Localização da Comunidade Rua Monsenhor Rubens Mesquita, Salvador, Bahia

Fonte: Bahia (2021, p. 25, com base em imagens do Portal SIG – CONDER, c2020).

248
Cabe, também, evidenciar o contexto urbano no qual a Comunidade está inserida. A
Rua Monsenhor Rubens Mesquita faz parte do que é conhecido como o centro expandido da
cidade de Salvador, que se refere ao território adjacente ao Centro Antigo da cidade. A Rua está
localizada imediatamente após a Estação da Lapa, importante estação de transbordo rodoviária
e metroviária da cidade de Salvador, próxima ao Dique do Tororó e à Arena Fonte Nova, como
ilustra a Figura 1, acima. Trata-se de um espaço privilegiado da cidade, próximo a equipamentos
e serviços urbanos, sejam eles de usos cotidianos ou esporádicos.
Como previamente citado, a Comunidade vive um Processo de Reintegração de posse
movido pela Prefeitura Municipal de Salvador (Processo no. 0575098-23.2017.8.05.0001).
Segundo relatado pelos moradores, em 2018 eles vinham percebendo uma movimentação de
funcionários da Prefeitura, que inclusive faziam medições em algumas casas; os funcionários
diziam que a Prefeitura pagaria 80 mil reais por cada andar das moradias. Com certa
desconfiança, o Sr. Evandro se encaminhou até a Defensoria Pública, e, ao consultar o número
do processo, descobriu que se tratava de uma Reintegração de Posse, sem direito a qualquer
ressarcimento. Importante salientar que os moradores não possuem documentação de posse,
no entanto pagam o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Desde então, a Comunidade se organizou, estruturou uma Associação de Moradores
e vinha, de forma ativa, buscando lutar contra a reintegração. Promoveram eventos de
conscientização, como Festivais Gastronômicos e exibições de filmes e, principalmente após a
pandemia, passaram a ter uma presença ativa nas redes sociais, através do perfil @torororesiste
(2019), relatando sua história e a injustiça do processo. Obtiveram o apoio de diversas
instituições, que emitiram notas técnicas repudiando o processo vivido, dentre eles o Conselho
de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA), o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
(IBDU) e a Nota Técnica elaborada em conjunto, entre o Instituto de Arquitetos do Brasil –
Departamento da Bahia (IAB-BA), o Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado da
Bahia(SINARQ), e o Grupo de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da
Bahia (LUGAR COMUM -UFBA) (SINARQ et al., 2020).
No entanto, apesar de ter vencido o processo em primeira instância, a Comunidade o
perdeu na segunda instância. Para além disso, no decorrer do processo, os moradores relataram
a constante intimidação realizada pela Prefeitura Municipal. Nesse quadro, inúmeras famílias
desistiram de lutar contra a reintegração e acabaram por aceitar as ofertas de compra da
municipalidade, ainda que por valores significativamente baixos. Assim, a partir do ano de 2021,
vimos se dar as primeiras demolições dessas moradias (Figura 2).
Para além dos relatos de danos estruturais, as demolições assustaram cada vez mais
os moradores (Figura 2); de quarenta e uma, apenas três famílias permaneceram no local,
aguardando o desenrolar do processo de reintegração de posse, que segue para a última
instância. Porém, quando de junho de 2023, o atual Presidente da Associação de Moradores, o
Sr. Roberbal Improta, um dos últimos que permaneciam no local, relatou, por mensagem
dirigida a uma das autoras deste texto, que também estava saindo do Tororó. De modo terrível,
vemos a destruição material e imaterial desse espaço urbano, onde famílias perdem suas
moradias, mas também os laços ali firmados.

249
Figura 2 – Demolições na Rua Monsenhor Rubens Mesquita, 26 de outubro de 2021

Fonte: @torororesiste, 26 out. 2021. Disponível em: <https://www.instagram.com/p/CVfusxklT4x/>. Acesso em: 10


jul. 2023.

Embora não seja o tema central deste artigo, a questão da saúde mental nos centros
urbanos foi tema da dissertação de mestrado, com desdobramento na tese de doutorado. A
primeira pesquisa identificou um espaço bem localizado, com oferta de serviços e equipamentos
urbanos, com elevado capital social e também indicando baixa presença de sintomas
relacionados a transtornos mentais. À época, nossa conclusão era de que a municipalidade
estava caminhando para a extinção de seus espaços saudáveis, e agora vemos essa percepção
concretizada.
Porém, para além da qualidade urbana desse espaço que, pelo seu significado, por si
só mereceria ser preservado, temos o fato legal de que a Rua Monsenhor Rubens Mesquita faz
parte de uma Zona de Interesse Social (ZEIS-1), de acordo com o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano do município de Salvador (PDDU) (SALVADOR, 2016a), atualmente
vigente. Esta determinação legal deveria garantir à Comunidade a sua permanência.
O presente artigo irá, então, analisar as legislações urbanísticas que incidem sob esse
território, em busca da compreensão de como e porque o estatuto legal não foi capaz de
assegurar os direitos dessas famílias. Intenta-se, por decorrência, colaborar na discussão de
que, a despeito dos inegáveis avanços do quadro legal no universo urbanístico brasileiro (BRASIL,
1988; BRASIL, 2001), a garantia de um desenvolvimento sustentável de nossas cidades não se
concretiza (MARICATO, 2011), mantendo-se a espoliação e estratificação urbanas (VILLAÇA,
2001), perante pressões de interesse imobiliário como um problema sistêmico, como buscamos
ilustrar, no estudo de caso.

2 OBJETIVOS

O artigo tem, como objetivo principal, apresentar o estatuto legal que envolve o caso
da Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, Salvador – BA, e contradições de como se
relaciona com o estatuto da realidade. Como objetivos específicos, pretende-se apontar para o

250
paradoxo do grau de excelência dos instrumentos da legislação urbanística — de modo
particular o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (2016a) e a Lei
de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (SALVADOR, 2016g), em comparação à não
garantia do direito à moradia e à cidade.

3 METODOLOGIA/ MÉTODO DE ANÁLISE

De modo a alcançar os objetivos propostos, nos debruçamos, neste artigo, sobre a


legislação urbanística, partindo da escala federal ao âmbito municipal. Assim, primeiramente,
os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) são importantes marcos
legais que definem a política urbana brasileira em novos moldes, em especial institucionalizando
a função social da propriedade urbana. O Estatuto da Cidade (BRASIL, 2001) passa a
regulamentar a política urbana instituída pelos referidos artigos, entre cujos objetivos está a
gestão democrática participativa, o direito à cidade e a regularização fundiária, construindo
diversos instrumentos para sua efetivação.
Em seguida, daremos foco as legislações da cidade de Salvador, particularmente o
PDDU (SALVADOR, 2016a) e a Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (LOUOS)
(SALVADOR, 2016g), para compreender como a municipalidade classifica a área estudo de caso,
a quais usos a preconiza e quais são os coeficientes urbanísticos ali aplicados. Essa investigação
busca compreender como a legislação incide nesse território e de que forma o destina, no
contexto urbano da cidade de Salvador. Esta análise da legislação urbana será relacionada com
os conceitos de direito à cidade e à moradia.

4 RESULTADOS

A Constituição Federal (BRASIL, 1988) foi um marco na redemocratização brasileira,


porém aqui destacamos seu aspecto inaugural na política urbana, cujos artigos 182 e 183 têm,
como temas centrais: a função social da propriedade urbana; o ordenamento urbano; o bem-
estar dos cidadãos; e a possibilidade de título domínio de área urbana de até 250 m2, em posse
por cinco anos sem oposição, para moradia. Instituindo a obrigatoriedade de Planos Diretores
para cidades com mais de vinte mil habitantes, como instrumento básico da política e expansão
urbana, em favor de ordenar o espaço urbano e viabilizar o pleno desenvolvimento das funções
sociais, a Constituição delegou, ao poder municipal, a responsabilidade e autonomia para definir
o planejamento urbano, que se efetiva quando, após treze anos, o Estatuto das Cidades (BRASIL,
2001) regulamentou a política urbana e detalhou instrumentos como o IPTU progressivo , a
desapropriação, a gestão orçamentária participativa, a concessão de direito real de uso, a
concessão de uso especial para fins de moradia e a instituição de zonas especiais de interesse
social (ZEIS), entre outros, para garantir a função social da propriedade . Esta noção redefine o
planejamento urbano brasileiro, influenciando como pensamos a cidade, pautada, a partir dos
instrumentos, nas leis municipais do Plano Diretor e de uso e ocupação do solo.
O Estatuto da Cidade tem como objetivo ordenar “[...] as funções sociais da cidade e
da propriedade urbana” (BRASIL, 2001, art. 2) e, para tal, elenca diretrizes gerais, determina os
instrumentos da política urbana, define o Plano Diretor e seus conteúdos e estabelece a gestão
democrática da cidade. Pauta os instrumentos à disposição dos municípios, que têm liberdade
na eleição de sua utilização, de acordo com suas realidades, para a executar a política urbana.

251
Dessa forma, o Estatuto da Cidade materializou os princípios urbanos determinados pela
Constituição de 1988 e estabeleceu as bases do planejamento urbano brasileiro.
Em uma análise dos dez anos do Estatuto, Raquel Rolnik (2012) observa que o
desenvolvimento das cidades brasileiras representa um desafio. Durante esse período,
presenciamos o crescimento urbano sendo impulsionado por grandes obras de infraestrutura
sem um adequado planejamento, ordenamento e gestão que considerassem as questões locais.
Para além disso, os altos investimentos em programas de construção de moradias via
financeirização levaram a um descontrole no processo de especulação imobiliária. Em
contrapartida, projetos urbanos orientados para grandes eventos têm criado espaços
desregulamentados, em prol de atrair investimentos internacionais, ironicamente viabilizados a
partir de instrumentos do próprio Estatuto. Essas obras muitas vezes resultam em remoções,
contradizendo a função social da propriedade (ROLNIK, 2012).
A autora afirma, porém, que os instrumentos do Estatuto foram e são essenciais para
os movimentos de resistência, a exemplo das demarcações das Zonas de Interesse Social, ainda
que estas funcione mais para evitar violações de direitos do que para de fato promover ações
efetivas. Dessa forma, a autora destaca a importância de reafirmar os princípios estabelecidos
pela Constituição, caso contrário o Estatuto da Cidade poderá ser cada vez mais utilizado em
benefício do capital. No entanto, Rolnik (2012) também aponta que o ordenamento jurídico, por
si só, não é suficiente para resolver as questões urbanas.
Em sua análise dos vinte anos do Estatuto da Cidade, Rolnik (2021) ressalta a
importância de uma compreensão mais complexa da sua formulação e implementação, sendo
fundamental considerar sua origem e contexto. Embora a política urbana tenha sido inserida na
Constituição como resultado da pressão dos movimentos sociais, acabou por ser influenciada
por modelos de planejamento tecnocráticos, modernizadores e racionalistas, enraizados no
pensamento colonialista e na indústria imobiliária. Esses modelos moldaram a abordagem do
Estatuto da Cidade e influenciaram sua aplicação ao longo do tempo. Segundo a autora:

Os parâmetros da linguagem do planejamento, assim como a lógica de conformação


da urbanização, são 100% aderentes aos produtos imobiliários produzidos pela
indústria imobiliária (a torre, o parcelamento do solo, o condomínio, o galpão
industrial, etc.) e os produtos da indústria da construção de grandes estruturas (os
viadutos e túneis, os piscinões, etc.). (ROLNIK, 2021, p. 291)

Nesta nova análise, a autora identifica problemas similares, destacando o processo de


financeirização e a apropriação de espaços urbanos, facilitados pela ampliação de normas
através do Planejamento Estratégico, que geralmente visa prioritariamente o lucro, em
detrimento da proteção e promoção da qualidade de vida na cidade. Mais uma vez, a autora
defende o uso de instrumentos como as ZEIS, que, juntamente com novas agendas sociais,
teriam ganhado destaque ao longo da última década. Essa abordagem nos permite vislumbrar
alguma esperança de que o Estatuto da Cidade possa ser aplicado para promover uma cidade
inclusiva e voltada para o bem-estar de todos os cidadãos.
Esta segunda análise da autora indica que os problemas continuam centrados nas
mesmas questões, embora estas tenham se complexificado. Aponta, também, para a
continuidade da luta por uma cidade democrática, para todos, pensada a partir do planejamento
participativo. Na prática, temos visto a legislação urbana sendo aplicada em prol do capital e em
conflito com preceitos da política urbana preconizada pela Constituição. Como determina o
Estatuto da Cidade (2001):

252
A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o
atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça
social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes
previstas no art. 2º desta Lei. (BRASIL, 2001, art. 39)

Porém, fica evidente que a legislação por si só não tem sido capaz de garantir o direito
à cidade, à moradia e o bem-estar dos cidadãos, e nem a capacidade de proteger as
comunidades urbanas dos ditames do capital. O estudo de caso aqui apresentado é um exemplo
concreto desse apontamento, em que presenciamos uma negação desses direitos, dado que,
em muitos casos, o resultado é a realocação das pessoas para áreas nas franjas do tecido urbano,
como tende, mais recentemente, a ocorrer com a Comunidade da Rua Monsenhor Rubens
Mesquita, ou Comunidade do Tororó, como é conhecida.
Cabe recordarmos que, de estrato burguês, a cidade de origem industrial, como
unidade de produção de valor, se baseia fundamentalmente na noção de propriedade, que é
também sinônimo de poder econômico e simbólico na disputa socioterritorial, que orienta o que
Villaça (2001) define como valor de localização. Segundo Harvey (2020), a própria cidade é um
agente importante na extração de valor, não sendo somente um palco da luta de classes, ao que
Logan e Molotch (1987) denominam como a política econômica do lugar, da “cidade como
máquina de crescimento”.
Cumpre verificar, até que medida os instrumentos determinados pelo Estatuto das
Cidades — implementados pelos Planos Diretores e pelas leis derivadas de ordenamento, uso e
ocupação do solo — transformaram-se em institutos capazes de promover valorização ou
desvalorização de um dado espaço urbano, na disputa socioterritorial nas cidades, ao ponto de
sua cooptação pelos interesses, na obtenção de valor da terra e dos produtos imobiliários, como
é o exemplos dos casos de operação urbana demonstrados em São Paulo, por Fix (2001; 2007),
onde é ativa a participação do Estado.
Dessa forma, analisaremos o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, vigente na
cidade de Salvador (2016a), dando ênfase a como Comunidade da Rua Monsenhor Rubens
Mesquita se enquadra neste Plano. Em seguida, abordaremos a Lei de Ordenamento do Uso e
da Ocupação do Solo (LOUOS) (SALVADOR, 2016g), analisando quais direitos lhe são garantidos
legalmente e quais os instrumentos que protegem a Comunidade, ou ao menos deveriam, e sua
contradição com as circunstâncias e fatos reais em curso.

4.1 Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano

Em 30 de junho de 2016, o Município de Salvador sancionou o Plano Diretor de


Desenvolvimento Urbano (PDDU) (SALVADOR, 2016a), como parte do seu planejamento de
longo prazo, conhecido como Plano Salvador 500 (SALVADOR, c2021), este que visa direcionar
o desenvolvimento da cidade até o horizonte do ano de 2049, quando Salvador completará 500
anos.
O PDDU, fundamentado na Constituição Federal, tem como princípios:

I - a função social da cidade;


II - a função social da propriedade urbana;
III - o direito à cidade sustentável;
IV - a equidade e inclusão racial, social e territorial;
V - o direito à informação;

253
VI - a gestão democrática da cidade. (SALVADOR, 2016a, art. 10)

O PDDU inclui, como objetivos, entre outros, o acesso a equipamentos sociais e


serviços urbanos e a redução de deslocamento, ao estimular novas centralidades e requalificar
as existentes. Apesar dessas diretrizes que, inclusivas, se orientam em prol do direito à cidade,
no caso em estudo observamos um planejamento regido pelo mercado e seus interesses.
Cabe ressaltar, ainda que brevemente, o processo de construção desse Plano Diretor,
que foi e tem sido amplamente criticado pela sociedade civil e por especialistas. As críticas vão
desde o uso de subterfúgios para dificultar a participação da população nas audiências, o não
atendimento do conteúdo mínimo, e a falta de análises técnicas que respaldem as mudanças
propostas. Observa-se um plano permissivo e de lógica corporativista, que teria efeitos na
Salvador do futuro. Conforme Serra e Nunes (2019):

[...] o PDDU ora vigente em Salvador só pode ser chamado de “plano” com muito boa
vontade: não define metas nem estabelece prazos para seu cumprimento, não estima
os recursos necessários para que elas sejam alcançadas, nem alinha as estratégias
adequadas a esse fim. Tampouco define prioridades. Sequer estabelece com clareza
as diretrizes urbanísticas que se pretende imprimir ao processo de desenvolvimento
supostamente visado. Projeta-se para períodos exíguos: quatro, oito e 35 anos,
períodos propostos como correspondentes a curto, médio e longo prazo. Carece de
base técnica efetiva: tendo descurado a avaliação crítica dos PDDU de 2004 e 2008,
seus elaboradores sequer atualizaram os dados de que se valeram. Embora pareça
incrível, o fato é que não fizeram qualquer coleta de dados primários: recorreram a
dados inteiramente defasados e os empregaram sem tino crítico. A equipe que
realizou estudos técnicos para o chamado Plano Salvador 500, anunciado como fonte
estratégica do PDDU, foi paga e não entregou o trabalho previsto em contrato.
(SERRA; NUNES, 2019, p. 9)

As análises a respeito do texto da Lei são extensas, porém aqui nos concentramos em
observar o enquadramento da Rua Monsenhor Rubens Mesquita dentro do PDDU e quais
direitos estariam garantidos à Comunidade que ali habita. Para tal compreensão, fizemos uma
análise do texto e dos mapas anexos do Plano e como a área se classifica, no contexto dessa
legislação urbana. Assim, temos o tecido da ocupação correspondente à Rua Monsenhor Rubens
Mesquita, conforme sintetiza o Esquema 1, abaixo:

254
Esquema 1 – Classificação da Rua Monsenhor Rubens Mesquita de acordo com o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Salvador, de 2016

Fontes: Autoral, com base em Salvador, 2016a; 2016b; 2016c; 2016d; 2016e; 2016f.

A Macrozona de Ocupação Urbana se caracteriza como espaços urbanizados em seus


diversos estados e destina-se à moradia e ao exercício de atividades econômicas e sociais
(SALVADOR, 2016a, art. 131). Quanto à Macroárea de Urbanização Consolidada, é definida como
território material e simbólico, abrangendo os bairros mais tradicionais (SALVADOR, 2016a, art.
137). Portanto, em primeira análise, entende-se que o Plano Diretor visa manter a ocupação à
Rua Monsenhor Rubens Mesquita, tal qual hoje se caracteriza, como pertencente a um bairro
tradicional, dotado de equipamentos e infraestrutura, com sua diversidade social e cultural.
Assim, no que concerne os objetivos da Macrozona de Urbanização Consolidada, prevê-se a
requalificação de espaços degradados, e a conservação de Áreas de Proteção Cultural e
Paisagística.
Como elencado, a Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita é constituída
como Zona Especial de Interesse Social — ZEIS 1 – assentamentos precários, favelas,
loteamentos irregulares e conjuntos habitacionais irregulares (SALVADOR, 2016a, art. 68 item
III), o que indica, pelo estatuto legal, sua permanência, garantia de posse, regularização fundiária
e eventual requalificação (Figura 3, abaixo). Para além disso, o artigo 71 do PDDU enuncia que
o Executivo Municipal deverá promover a regularização fundiária dos assentamentos precários
através das ZEIS (SALVADOR, 2016a, art. 71).

255
Figura 3 – Zonas Especiais de Interesse Social do município de Salvador conforme o PDDU, assinalando Rua
Monsenhor Rubens Mesquita

Fonte: Salvador, 2016d, trabalhada pelas autoras.

O instrumento das ZEIS corrobora com os objetivos e as diretrizes do Plano Dire tor
soteropolitano. Dentre os objetivos assinalamos: “[...] promover a regularização e a urbanização
de assentamentos precários” e “[...] resgatar e fortalecer o sentimento de pertencimento e as
relações sociais e comunitárias” (SALVADOR, 2016a, art. 11, itens X e XVIII); e, dentre as
diretrizes, a “[...] promoção da melhoria das condições de habitabilidade nos assentamentos
precários, compreendidos como necessidades habitacionais relacionadas com os espaços
públicos, a infraestrutura, os equipamentos e serviços urbanos” (SALVADOR, 2016a, art. 12, item
III). O Plano Diretor ainda prevê que programas de assistência técnica deverão ser voltados para
a melhoria da qualidade da habitação, pensada em conjunto com o interessado, e que , para tal,
é, inclusive, possível, a flexibilização de prazos de empréstimos em subsídios, tendo em conta a
realidade socioeconômica das populações envolvidas.
O Plano Diretor entende a moradia como o principal dos elementos integradores que
constituem o tecido urbano, responsável por fixar a população e articular as relações sociais
(SALVADOR, 2016a, art. 127). Nesse sentido, institui que as obras de urbanização devem realizar
o menor número possível de remoções, se atendo à área de intervenção e respeitando a
configuração física dos assentamentos.
A área de estudo também está inserida em território definido como Operação Urbana
Consorciada (OUC Ribeira); tal definição institui um conjunto de intervenções, podendo
modificar parâmetros e índices urbanísticos, características de uso, ocupação e parcelamento
do solo e regularização de construções (SALVADOR, 2016a, art. 326). Observamos ainda que, na

256
Macroárea de Urbanização Consolidada, predica-se, prioritariamente: operação urbana
consorciada; regularização fundiária por usucapião especial de imóvel urbano; demarcação
urbanística e legitimação de posse; concessão de direito real de uso; concessão de uso especial
para fins de moradia e zonas especiais de interesse social (ZEIS), entre outros (SALVADOR, 2016
a, art. 140).
A análise do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador nos indica que a
Rua Monsenhor Rubens Mesquita, em uma perspectiva legal, está protegida em diversos
aspectos e por meio de diferentes instrumentos, predicados pela legislação nacional e aplicados
através da legislação municipal. Para além da manutenção como tal, a lei prevê o
desenvolvimento e a requalificação dessas áreas, em busca da preservação de seu caráter
material e imaterial. No entanto, o que vemos na prática é o contrário do que está instituído no
aspecto legal. Dando continuidade analisaremos, a seguir, a Lei de Ordenamento do Uso e
Ocupação do Solo.

4.2 Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo

A Lei 9.148, de 2016, dispõe sobre o Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo do


Município de Salvador (LOUOS) (SALVADOR, 2016g). É parte integrante do planejamento urbano
municipal, legislando sobre o solo urbano através de parâmetros e coeficientes, de modo a
ordenar o uso e crescimento da cidade, em respeito àquilo que é instituído pelo Plano Diretor,
que estabelece a LOUOS, também, como responsável por definir as categorias de uso permitidas
em ZEIS (SALVADOR, 2016a, art. 69).
O Capítulo IV do PDDU estabelece as diretrizes para revisão da LOUOS (SALVADOR,
2016a), para as macrozonas e macroáreas, estipulando que: devem promover a criação de
incentivos urbanos no que se refere ao uso e ocupação do solo; orienta-se a priorizar a moradia
como função básica; manutenção das áreas de uso misto entre moradia e usos compatíveis,
contemplando a redução de deslocamentos e custos da produção da cidade; adaptação dos
assentamentos precários a parâmetros adequados para a regularização urbana e conservação
das áreas demarcadas como SAVAM (SALVADOR, 2016a, art. 192, grifo nosso). Dessa forma, a
LOUOS, orientada pelo Plano Diretor, estabelece uma série de diretrizes que deveriam assegurar
a permanência da Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita.
No que diz respeito à LOUOS, nos atemos a sistematizar as Zonas de Uso e os
parâmetros e coeficientes que concernem à Comunidade e sua área envoltória de influência
direta, a saber:

● ZEIS 1 - Assentamentos precários — favelas, loteamentos irregulares e conjuntos


habitacionais irregulares, ZEIS de número 27, intitulada Tororó ( SALVADOR, 2016a;
2016l) — como a delimitação da área da Comunidade Rua Monsenhor Rubens Mesquita;
● ZPR 3 - Zona Predominantemente Residencial 3 - Alterada pela Lei Municipal 9.509/2020
(SALVADOR, 2016a; 2016h), sendo correspondente à área de entorno da Comunidade a
norte, leste e sul;
● ZCMe - Centro Antigo (CA) (SALVADOR, 2016a;2016j) — sendo correspondente à área
adjacente a parte da Comunidade, a oeste (Figura 4);

257
● Área de Proteção Cultural e Paisagística (SALVADOR, 2016a; 2016k) — como a
delimitação da área da Comunidade Rua Monsenhor Rubens Mesquita e áreas
envoltórias;
● Gabaritos Máximos - (SALVADOR 2016a; 2016l)sendo, por exemplo, Preservação de
Encostas — como a delimitação da área da Comunidade Rua Monsenhor Rubens
Mesquita; gabarito máximo de 12m (aproximadamente 4 pavimentos), correspondente
à área de entorno da Comunidade a norte e sudoeste; gabarito máximo de 9m
(aproximadamente 3 pavimentos), correspondente à área de entorno da Comunidade a
sudeste e oeste; e gabarito máximo de 18m (aproximadamente 6 pavimentos),
correspondente à área de entorno a leste.

Figura 4 – Ampliação Centralidades do município de Salvador, conforme a LOUOS, assinalando a Rua Monsenhor
Rubens Mesquita e bairros envoltórios

Fonte: Salvador, 2016j, trabalhada pelas autoras.

258
A partir da análise da inserção territorial da Comunidade da Rua Monsenhor Rubens
Mesquita, observamos que, assim como o PDDU, o postulado pela LOUOS assegura, mediante
uma série de classificações e parâmetros urbanísticos correspondentes, a salvaguarda da
Comunidade em sua permanência no território original de ocupação, a saber, a Rua Monsenhor
Rubens Mesquita. Em síntese, temos: trata-se de uma ZEIS 1 (ZEIS no° 27 – Tororó) caraterizada,
portanto, como assentamento precário, compreendendo favelas, loteame ntos irregulares e
conjuntos habitacionais irregulares, passível de proteção e regularização. E, de acordo com a
LOUOS, tais zonas são destinadas à regularização fundiária em prol da produção, manutenção
ou qualificação da Habitação de Interesse Social (SALVADOR, 2016g, art. 20). Nesse sentido, a
legislação prevê a possibilidade de submissão a lei específica com parâmetros mais permissivos.
No que diz respeito aos objetivos e estratégias da LOUOS, a Lei prevê que deve-se
assegurar a produção de moradia social, equilibrando a moradia com ofertas de emprego e
serviços. (SALVADOR, 2016g, art. 2).
Já no que concerne ao território adjacente à Comunidade em estudo, estes são
integrantes das zonas de Centralidade Metropolitana ZCMe e da Zona Predominantemente
Residencial ZPR—3 (Figura 4). A primeira, em sua maioria, é definida como parte da Macroárea
de Integração Metropolitana e da Macroárea de Urbanização Consolidada, que são
caracterizadas como áreas com funções diversificadas e às quais se articulam os principais fluxos
urbanos (SALVADOR, 2016g, art. 23). No caso da ZPR, trata-se de área destinada ao uso
residencial, como prioridade; e, com respeito à ZPR-3, especificamente, é uma zona de alta
densidade, tanto construtiva como demográfica (SALVADOR, 2016g, art. 19).
Assinalamos, também, a inserção da Rua Monsenhor Rubens Mesquita no Sistema de
Áreas de Valor Ambiental e Cultural (SAVAM). Nos critérios de ordenação destas áreas,
prevalecem os das macrozonas e macroáreas e, a instalação de qualquer empreendimento, deve
ser observada mediante as restrições estipuladas (SALVADOR, 2016g, art. 34). São estabelecidos
lotes de área mínima de 125m2 e frente mínima de 5m (SALVADOR, 2016g, art. 49).
A Comunidade está localizada em via do tipo local, caracterizada como um setor sem
incomodidade, rodeado por setores de gabaritos máximos entre 12 e 18 metros de altura. Está
inserida em um setor de gabarito de preservação de encostas, que e xige estratégias específicas
de controle. Tal demarcação indica uma situação de vulnerabilidade ambiental, porém é mais
um aspecto sob o qual deveria se encontrar protegida pela legislação urbana, no sentido de
controle e adaptação adequada.
Mais uma vez fica evidente a garantia da salvaguarda da Comunidade da Rua
Monsenhor Rubens Mesquita, e, no caso da LOUOS, tem-se a determinação de diversos
instrumentos que permitem a adequação da área existente com a devida qualificação, de modo
sustentável e com justiça socioambiental, respeitando a função social da propriedade.

5 CONCLUSÃO

A partir da análise realizada e dentro do contexto da legislação urbana brasileira,


vemos que a comunidade em estudo está amplamente protegida no âmbito legal, não apenas
para continuar existindo como tal, mas também para receber incentivos e investimentos dentro
de seu contexto urbano, social e cultural.
O território em estudo deveria estar salvaguardado pela própria Constituição, em sua
determinação em prol da função social da propriedade e pela usucapião; é protegido pelo

259
Estatuto da Cidade, e seus instrumentos, que se propõem a constituir uma política urbana
baseada no bem-estar dos cidadãos. Mais diretamente, é legalmente protegido pela
municipalidade, sobre a qual recai a responsabilidade de implementar a política urbana através
do Plano Diretor e, em complementaridade, pela Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do
Solo.
A partir do momento que a área está classificada como ZEIS 1, e, paralelamente, como
uma Área de Proteção Cultural Paisagística, fica cada vez mais incoerente o Processo de
Reintegração de Posse sofrido por esta Comunidade, perante o estabelecido pelo o estatuto
legal.

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SINARQ. SINDICATO DOS ARQUITETOS E URBANISTAS DO ESTADO DA BAHIA; IAB -BA. INSTITUTO DE ARQUITETOS
DO BRASIL DO DEPARTAMENTO DA BAHIA. LUGAR COMUM. Nota Técnica. Salvador, 17 nov. 2020. Disponível em:
<http://sinarqba.org/?p=841>. Acesso em: 16 maio 2023.

VILLAÇA, Flavio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP, 2001.

262
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( x ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

CONVIVIALIDADE NO PARQUE ECOLÓGICO DO SÓTER DE CAMPO


GRANDE/MS POR MEIO DO USO E APROPRIAÇAO COLETIVA

CONVIVIALITY IN THE SÓTER ECOLOGICAL PARK IN CAMPO GRANDE/MS THROUGH


COLLECTIVE SSE AND APPROPRIATION

Gabriele Schlotefeldt dos Santos


Estudante de Arquitetura e Urbanismo-UCDB
gabisantos2383@ gmail.com

Cleonice Alexandre Le Bourlegat


Professora Doutora, UCDB, Brasil
clebourlegat@ucdb.br

Felipe Buller Bertuzzi


Professor Mestre, UCDB, Brasil
arq.felipebertuzzi@gmail.com

263
RESUMO
O esforço para alterar o modelo fragmentado, segmentado e segregador de cidade capitalista herdada da
Modernidade tem sido alvo de grande parte das atuais políticas públicas. A ONU-Habitat (2019) propõe requalificação
dos espaços públicos abertos das cidades, como praças e parques, para atrair e incluir todos as pessoas, buscando
fortalecer neles a convivialidade social. Entre os diversos parques urbanos implantados em Campo Grande está o
Parque Ecológico do Soter, que vem passando por um processo de requalificação por iniciativa do Poder Municipal.
O objetivo desta pesquisa foi analisar as potencialidades/restrições de convivialidade nas formas de uso e apropriação
coletiva do Parque Ecológico do Soter, em Campo Grande/MS. A pesquisa foi de natureza exploratória e qualitativa,
com método misto, baseado na triangulação entre dados contextuais, objetivos e subjetivos. Foi possível verificar a
recuperação do papel original de conservar e proteger as nascentes do córrego e atender famílias que buscam pelo
lazer e esportes numa área de grande alcance. A falta de manutenção e abandono do parque gerou uma série de
impactos negativos de natureza social, econômica e ambiental. A atual reforma vem contribuindo para sua
revitalização. Ainda que não exista uma forma de governança colaborativa, foi possível avaliar um certo nível de
predisposição por parte dos usuários e gestores do parque à constituição deste processo.

PALAVRAS-CHAVE: Parque Urbano. Convivialidade. Sustentabilidade Urbana

SUMMARY
The effort to change the fragmented, segmented, and segregated model of the capitalist city inherited from Modernity
has been the target of most current public policies. UN-Habitat (2019) proposes the requalification of public open
spaces in cities, such as squares and parks, to attract and include all people, seeking to strengthen social conviviality
in them. Among the many urban parks implemented in Campo Grande is the Ecological Park of Soter, which has been
undergoing a process of requalification at the initiative of the Municipal Power. The objective of this research was to
analyse the potentialities/restrictions of user-friendliness in the forms of use and collective appropriation of the Parque
Ecológico do Soter, in Campo Grande/MS. The research was of an exploratory and qualitative nature, with a mixed
method, based on the triangulation between contextual, objective, and subjective data. It was possible to verify the
recovery of the original role of conserving and protecting the sources of the stream and serving families looking for
leisure and sports in an area of great reach. The lack of maintenance and abandonment of the park generated a series
of negative impacts of a social, economic, and environmental nature. The current reform has contributed to its
revitalization. Although there is no form of collaborative governance, it was possible to assess a certain level of
predisposition on the part of users and park managers to the constitution of this process.

KEYWORDS: Urban Park. Conviviality. Urban Sustainability

264
1 INTRODUÇÃO

O esforço para alterar o modelo fragmentado, segmentado e segregador de cidade


capitalista herdada da modernidade tem sido alvo de grande parte das atuais políticas públicas.
Um dos desafios contemporâneos para superar este modelo e tentar garantir a saúde e o bem-
estar de quem vive nas grandes cidades, conforme lembram Cesar, Luna e Perkins (2020), tem
sido a ativação dos chamados “recursos comuns de vizinhança”, que se compartilhados possam
favorecer processos interativos e de convivência.
Na “Nova Agenda Urbana” proposta pela Organização das Nações Unidas para
Habitação de Desenvolvimento Urbano Sustentável (ONU- HABITAT, 2019), os espaços públicos
foram reconhecidos como sendo um dos principais recursos compartilhados a serem utilizados
para estes tipos de desafios. A vitalidade dos espaços públicos urbanos faz parte do Objetivo 11
dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que é o de tornar a cidade mais inclusiva,
segura, resiliente e sustentável.
O novo olhar para os parques urbanos, como espaços públicos com potencial para
promover o convívio dos moradores locais, de modo a tornar a cidade mais humana, inclusiva,
segura, resiliente e sustentável, consiste na principal justificativa deste trabalho de pesquisa.
O Parque Ecológico do Sóter, na cidade de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, foi
eleito como objeto desta pesquisa. Inicialmente criado com a finalidade de garantir a proteção
e a conservação das nascentes do córrego, promover a educação ambiental e qualificar espaços
existentes do entorno (PLANURB, 2022) este foi um dos espaços públicos revitalizados pelo
Município para incorporar novos fins. A disponibilização de equipamentos de lazer para os
residentes teve como finalidade melhorar a qualidade de vida da população e promover maior
integração da população residente nas áreas do seu entorno (PLANURB, 202 2).
O objetivo geral desta pesquisa foi verificar as atuais potencialidades e ou restrições
de convivialidade nas formas de uso e apropriação coletiva do Parque Ecológico do Sóter, em
Campo Grande/MS.
Considerou-se três objetivos específicos: (1) Caracterizar o Parque em seu devido
contexto histórico-espacial, levando-se em conta a finalidade de sua construção; (2) Descrever a
configuração construída do parque, assim como suas formas de uso e apropriação; (3)
Interpretar a percepção dos usuários e partes interessadas a respeito das potencialidades e
restrições que este parque apresenta para ser frequentado.
O artigo foi estruturado, além desta Introdução em mais quatro partes, ou seja, revisão
de literatura, metodologia, contextualização histórica e territorial da emergência do parque,
configuração espacial e infraestrutura nele existente e a percepção dos usuários do parque. Por
fim, as considerações finais.

2 METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa exploratória, descritiva, qualitativa e contextual, com uma


metodologia baseada em triangulação de dados, contextuais, objetivos e subjetivos. É
exploratória, por requerer maior familiaridade com o objeto e sujeitos da pesquisa, para melhor
averiguar o fenômeno que se pretende conhecer. É descritiva em relação à objetividade dos
estudos e dados levantados e obtidos a partir das análises realizadas nos parques urbanos. É
qualitativa, por levar em conta a percepção dos sujeitos da pesquisa em relação a estas

265
condições. É contextual, por se considerar as particularidades do contexto histórico e territorial
em que essas condições e percepções se manifestam. A triangulação consiste, portanto, neste
método misto, com resultados advindos de análises quantitativas, qualitativas e contextuais
(FIELDING e SCHREIER, 2001).
Num primeiro momento, buscou-se contextualizar de modo histórico e territorial a
emergência deste parque, mediante fontes bibliográficas e documentais. Num segundo
momento, foi realizado um estudo objetivo e descritivo dos aspectos físicos do referido parque,
com apoio bibliográfico/documental e observação direta. Por fim, procurou-se interpretar,
mediante suporte de entrevistas semiestruturadas, a escuta dos sujeitos desta pesquisa: os
usuários e partes interessadas no parque, mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
por eles.
O objeto de pesquisa foi o Parque Ecológico do Sóter e os sujeitos da pesquisa, os
usuários e demais partes interessadas no desenvolvimento deste espaço público. Os processos
relacionais entre os usuários e os espaços físicos do Parque Ecológico do Sóter foram analisados
a partir de técnicas de observação, mapas comportamentais, entrevistas e questionários
(RHEINGANTZ; DEL RI; DUARTE, 2002).

3 RESULTADOS

Os resultados constam de uma abordagem teórica e contextual e a análise descritiva


sobre o Parque Ecológico do Sóter, assim como sobre os usuários, suas práticas e percepções.

3.1 Parques urbanos de proteção ambiental e lazer


Conforme assinalam Sakata e Gonçalves (2019), entre 2000 e 2017, quatorze capitais
brasileiras optaram por construir parques urbanos de conservação de nascentes e abertos ao
lazer para a população, preferencialmente em bairros de alta e média renda. Somente em
Goiânia e Campo Grande/MS eles foram distribuídos sem o critério de renda, sendo
implementados onde encontraram espaços a preservar e ou outras oportunidades a usufruir,
especialmente impulsionados pela nova legislação ambiental. Neste processo, busco u-se
combinar práticas de conservação com aquelas do lazer pela população.
O forte impacto paisagístico destes novos parques urbanos implicou no fomento à
especulação imobiliária no ramo de construções. Mas além da valorização imobiliária local,
conforme assinalou Duarte (2014), essas alterações na configuração espacial das cidades
acabaram servindo de destino preferencial de indivíduos que buscam serviços de lazer (Duarte,
2014).
Por outro lado, a situação de abandono enfrentada por grande parte destes parques
mais periféricos passou a revelar o relativo despreparo dos governos municipais para sua
implantação e gestão (SAKATA; GONÇALVES, 2019).

3.2 Parques urbanos como espaços públicos de convívio


Atualmente, fortalece-se a consciência, frente aos compromissos assumidos junto à
ONU-Habitat, de se fazer o uso e apropriação adequados dos parques urbanos, transformando-
os em “espaços de convívio”. De acordo com o Projeto User do Instituto da Região de Paris
(2020), os parques podem ser considerados os melhores lugares para se experimentar o convívio
e tolerância com as diferenças e a diversidade de trocas sociais, assim como o exercício da

266
cidadania. Conforme assinalado pelo Institut d’Amenagement et Urbanisme (IAU, 2019), além
de melhorar o cenário de vida de seus usuários diante do prazer do encontro com as demais
pessoas, do ponto de vista econômico, também pode contribuir para ampliar a frequência aos
empreendimentos já estabelecidos, como pode atrair novos negócios. Para Jan Gehls (2013),
espaços públicos valorizados como áreas de pedestres e local de encontro dos moradores
significa uma forma de contribuir para a construção de cidades mais humanas, vivas, seguras e
inclusivas. A convivialidade é uma forma de potencializar a criação da vida social humana e de
um modo mais equitável e justo (ILLIC, 1978). O estreitamento de laços sociais favorece a
retomada da fala entre si e o agir juntos num ambiente comum para controlar e melhorar seus
meios de vida.

3.3 Origem do Parque Ecológico do Soter


As áreas próximas a Serra de Maracaju e ao Morro da Boa Sorte, ao Norte da cidade de
Campo Grande/MS, que fazem parte da Bacia do Paraná, apresentam uma beleza particular e ao
mesmo tempo, uma grande fragilidade ambiental (PRODETUR, 2014). A paisagem dos topos de
morros e áreas de preservação permanentes, de beleza particular, ao Norte da cidade de Campo
Grande, foi considerada vulnerável após sua submissão à prática da agropecuária. Ao serem
atingidas pela ampliação do espaço urbanizado de Campo Grande, no início deste Milênio,
especialmente com o aumento de ocupações irregulares, a iniciativa pública foi a da criação do
parque Ecológico do Soter em 2003 e inaugurado em 2004, no entorno das nascentes do Córrego
Soter, junto ao bairro da Mata do Jacinto. De acordo com a lei 4091/2003 pela qual foi criado,
este parque deve exercer as seguintes finalidades: (1) recuperar, proteger e conservar a nascente
do Córrego Sóter e seu entorno imediato, incluindo a fauna e flora associados; (2) criar condições
e promover a educação e a interpretação ambiental em contato com a natureza; (3) qualificar
espaços livres existentes para atender à demanda da população por locais de lazer, recreação e
contemplação (CAMPO GRANDE, 2003).
Os diversos parques criados em Campo Grande/MS estão distribuídos entre as seis
Regiões Urbanas de Planejamento. O Parque Francisco Anselmo Gomes de Barros (antes Parque
Ecológico do Soter), situa-se na Região Urbana do Prosa, no Nordeste da cidade de Campo
Grande/MS. Ele é seguido do Parque Linear do Soter. Desta região urbana ainda fazem parte o
Parque dos Poderes e o Parque Consul Assad Trad (Figura 1).

267
expansão de usinas de álcool no Pantanal.
Os diversos parques criados em Campo Grande/MS estão distribuídos entre as seis Regiões
Urbanas de Planejamento. O Parque Francisco Anselmo Gomes de Barros (antes Parque Ecológico
do Soter), situa-se na Região Urbana do Prosa, no Nordeste da cidade de Campo Grande/MS. Ele
é seguido do Parque Linear do Soter. Desta região urbana ainda fazem parte o Parque dos Poderes
e o Parque Consul Assad Trad (ver Mapa 1)

Figura 1 Parques Urbanos em Campo Grande/MS

Parques urbanos em
Campo Grande/MS

Localização
do parque
na Região
Urbana do
Prosa

Fonte:
Mapa Agência
1 Localização doMunicipal de Meio
Parque Francisco Ambiente
Anselmo e Planejamento
Gomes de Barros Urbano
no Córrego do Soter (PLANUR B), 2022
Fonte: Planurb, 2022
Adaptado pelos autores

A M IRegião do Prosa, criada pelo Plano Diretor em 1995,


SSÃO SALESI ANA DE M ATO GROSSO - UNI VERSI DADE CATÓLI CA DOM BOSCO Pag.5
conheceu um rápido
Av. Tamandaré, 6000 – Jardim Seminário – CEP 79117-900 – CAMPO GRANDE – MS – BRASIL
crescimento populacional em área de solo exposto, especialmente após a implantação do
CNPJ/MF: 03.226.149/0015-87 – Fone: 55 67 3312-3300 – Fax: 55 67 3312-3301 – www.ucdb.br
Program a de I niciação Cient ifica – PI BI C/ UCDB ◊ 3 3 1 2 -3 6 1 5 / 3 7 2 3 ◊ pibic@ucdb.br
Parque dos Poderes para abrigar a sede administrativa do Estado e o Shopping Center de Campo
Grande (CRUZ e SILVA et al, 2014). Com a abertura das avenidas Mato Grosso e Ceará, dado o
intenso tráfego viário, esta região se tornou extensão da Região Urbana do Centro. Estes dois
grandes empreendimentos atraíram para esta região empresas imobiliárias, que atribuíram nova
configuração e valorização a esta região mais próxima do centro, responsável por atrair um
segmento social de renda mais elevada (Figuras 2 e 3). Já nas imediações das nascentes do
córrego Sóter, próximo da Avenida Coronel Antonino, a situação é diferenciada. Aí, foram
instaladas diversas indústrias, o Ceasa e cemitério São Sebastião, junto de loteamentos
populares, com predomínio de famílias de média e baixa renda, a exemplo dos bairros Mata do
Jacinto, Margarida, Carandá Bosque II (DUARTE, 2014).

Figura 2 Nova Vizinhança (2022) Figura 3 Condomínio Residencial recente

Fonte: Autores, 2022 Fonte: Autores, 2022

Existe, portanto, uma forte desigualdade social entre esta área Norte e aquela mais
próxima ao Centro (Figura 4) e o entorno do Parque associado ao parque linear do Soter
apresenta uma densa área construída (Figuras 5 e 6). Enquanto a área em direção ao centro
abriga moradores de alto poder aquisitivo e atrai para si um conjunto de investimentos públicos,
na área do Norte no entorno do Parque Ecológico do Soter predominam loteamentos destinados

268
a segmentos sociais de menor poder aquisitivo, tais como loteamentos populares, grandes
conjuntos habitacionais e ocupações irregulares (DUARTE, 2014).
Do ponto de vista ambiental, a ausência de cobertura vegetal e mesmo de mata ciliar,
de acordo com Reynaldo e Barbosa (2019), continuava submetendo a área do Parque Ecológico
do Soter a fortes processos de erosão e assoreamento. Em 2008, quando foi elaborado o Plano
Diretor de Drenagem Urbana de Campo Grande - MS, a galeria de águas pluviais do Parque já
servia de receptáculo para o esgoto sanitário do entorno e contava com um processo de erosão
ativo na formação de uma voçoroca, que contribuiu para o assoreamento do lago.

Figura 4 Entorno Imediato do Parque. Figura 5 Parque Linear do Soter Figura 6 Área construída
Imagens Imagens
OpenStreetMap
OpenStreetMap
CBERS-4A - Municipal - 2022
CBERS-4A - Municipal - 2022 CBERS-4A - Municipal - 2021
CBERS-4A - Municipal - 2021 World View - Urbano - 2020
World View - Urbano - 2019
World View - Urbano - 2020
World View - Urbano - 2017
World View - Urbano - 2019 World View - Municipal - 2017
World View - Urbano - 2017 Ortofoto - Urbano - 2013
World View - Municipal - 2017 Ortofoto - Urbano - 2008
Ortofoto - Municipal - 2008
Ortofoto - Urbano - 2013
Ikonos - Urbano - 2006
Ortofoto - Urbano - 2008 Ortofoto - Urbano - 2002
Ortofoto - Municipal - 2008 Ortofoto - Urbano - 1999

Ikonos - Urbano - 2006 Ortofoto - Urbano - Década de 80


Ortofoto - Urbano - Década de 70
Ortofoto - Urbano - 2002
Ortofoto - Urbano - 1966
Ortofoto - Urbano - 1999
Limites
Ortofoto - Urbano - Década de 80
Equipamentos Públicos
Ortofoto - Urbano - Década de 70 Infraestrutura e Serviços
Ortofoto - Urbano - 1966 Meio Ambiente
Esporte, Lazer e Turismo
Limites Plano Diretor

Equipamentos Públicos
Infraestrutura e Serviços
Meio Ambiente
Esporte, Lazer e Turismo
Plano Diretor

200 m
Leaflet | Powered by Esri | © OpenStreetMap contributors

Fonte: Sisgran, 2022


500 m
Fonte: Sisgran, 2022 Fonte: Sisgran, 2022

Desde 2011, quando a população moradora do entorno já se ressentia da necessidade


Leaflet | Powered by Esri

de uma reforma no Parque, a Prefeitura anunciou este compromisso, embora as obras só


tenham sido iniciadas em janeiro de 2020, mediante contrato com empresa privada (AGEPEN,
2020).
O órgão municipal responsável pela atual gestão do parque é a Fundação Municipal de
Esportes (FUNESP). A política pública adotada desde 2017, intitulada “Movimenta Campo
Grande” abrange diversos programas de esporte e lazer para as comunidades de acesso e, a
partir de 2019, a ele foi incorporada um programa de captação de eventos esportivos.
3.4 Configuração Espacial e da Infraestrutura do Parque

Dotado de uma área de 22 hectares (8.652m2), o parque Ecológico do Sóter encontra-


se incrustado entre as áreas residenciais do entorno, às quais mais recentemente novos
estabelecimentos comerciais se juntaram, atraídos pelo parque e novos residenciais, tais como
cervejaria, garaparia, sorveteria, pizzaria, lanches, coco gelado, entre outros (Figura 7).
O parque apresenta-se rodeado de calçadas e ciclovias e que após a recente reforma,
permanece em relativo bom estado e bem iluminadas. Os postes são dotados de duas lâmpadas
led, uma voltada à via de transporte e outra para a calçada e ciclovia. A ciclovia tem continuidade
na Avenida Nelly Martins, ao longo de todo Parque Linear até a Avenida Mato Grosso, na região
do centro urbano de Campo Grande. No espaço intra-parque, as nascentes protegidas com
arborização e obras de contenção da voçoroca ocupam a parte central (Figuras 7, 8 e 9).

269
àem relativo
via bom estado
de transporte e bempara
e outra iluminadas. Osepostes
a calçada são dotados
ciclovia. de duas
A ciclovia temlâmpadas led, uma
continuidade voltada Nelly
na Avenida
à via de transporte
Martins, ao longo edeoutra
todopara a calçada
Parque e ciclovia.
Linear A ciclovia
até a Avenida MatotemGrosso,
continuidade na Avenida
na região Nelly
do centro urbano de
Martins,Grande.
Campo ao longo de todo Parque Linear até a Avenida Mato Grosso, na região do centro urbano de
Campo Grande.

Figura 7 Configuração do Parque Ecológico do Sóter em relação ao entorno

Figura 7. Configuração do Parque Ecológico do Sóter em relação ao entorno


Figura 7. Configuração do Parque Ecológico do Sóter em relação ao entorno
Fonte: Google Maps (copiado em 2022) Fonte: Google Maps (2022)
Fonte: Google Maps (copiado em 2022)
Figura 8 Aspecto da Área Externa do Parque Figura 9 Calçada e Ciclovia Externa

Figura
Figura 8. Aspecto
8.Fonte:
Aspecto daárea
da área
Autores, 2022externa
externa dodo parque
parque (2022) Figura
(2022) 9. Calçada
9. Calçada
Figura e ciclovia
Fonte:
e ciclovia externaexterna
Autores, 2022(2022)
(2022)
MI
MI SSÃO SALESIANA
SSÃO SALESI ANADE DE MATO
MATO GROSSO
GROSSO DODO SULSUL
- UNI- UNI
VERSI VERSI
DADE DADE
CATÓLI CATÓLI
CA DOMCABOSCO
DOM BOSCO
Av. Ciclovias
Tamandaré,asfaltadas
Av. Tamandaré, 6000
6000 ––
Jardimforam
Jardim
Seminário construídas
Seminário – CEP
– CEP circulando
79117-900
79117-900 – CAMPO este
– CAMPO espaço
GRANDE
GRANDE de
MS –preservação
– MS ––BRASIL BRASIL
CNPJ/MF: 03.226.149/0015-87
CNPJ/MF: 03.226.149/0015-87 – Fone:
– Fone: 55 55 67 3312-3300
67 3312-3300 – Fax:– Fax:
55 6755 67 3312-3301
3312-3301 – www.ucdb.br
– www.ucdb.br
permanente,
Programa
simultâneas
Programa dedeI niciação
I niciação
às vias
Cient
Cient
para
if ica
ifica
caminhadas
– PI– BI
PIC/BIUCDB
C/ UCDB
(Figura 10).3723
◊ 3 3◊1 23-3615/
Na recente
3 1 2 -3615/ ◊3723
reforma, além do
◊ pibic@ucdb.br
pibic@ucdb.br
reparo no piso, elas também foram contempladas com postes de Luz led (Figura 11).

Figura 10 Ciclovia e Pista de Caminhada Figura 11 Iluminação Noturna Interna e Externa

Fonte: Autores (2022) Fonte: Autores (2022)

O parque foi fechado com um alambrado de gradil metálico e pilar de eucaliptos, tendo
sido instalado três portões de entrada (Figura 12). A revitalização do parque abrangeu
calçamento, banheiros, portarias, quadras esportivas, parque infantil, pintura e cercamento
externo, vias de deslocamento interno (ciclovia e passarela). Foram organizados três setores
da infraestrutura de esporte e lazer (A, B e C), associados a cada um dos três portões de entrada

270
(Figura 12). O setor C, junto ao portão 3, abriga a administração do parque, com algumas salas
(pilates e judô), sanitários, quadras poliesportivas (vôlei de areia, basquete, futsal) e o campo
de futebol e da academia ao ar livre (esta instalada em 2011 em parceria com a Unimed),
considerado o setor de maior frequência. Já o setor A, junto ao portão 1, diferenciado pelo
pórtico de madeira, conta com o setor integrado pelo play ground, este também bem
frequentado pelo público infantil, além do chamado “Largo dos Encontros”, uma pequena fonte,
guarita e sanitários. Já o portão 2 abriga guarita e sanitários e o espaço menos frequentado. A
meio caminho dos portões 1 e 2, estão ainda a ponte sobre o córrego, um mirante e uma pista
de skate e patinação. Todas estas infraestruturas sofreram reparos após a reforma. Já no quarto
setor, uma área de 250 m2, os quiosques e churrasqueiras para piqueniques pouco utilizados
foram totalmente demolidos durante a reforma (SISEP, 2019).

Figura 12 Infraestrutura Interna proposta pelo projeto de reforma

Fonte: SISEP (2019)

Entre os equipamentos existentes no parque pode-se destacar a Quadra de Areia


(Figura 13), Quadras Poliesportivas (Figura 14), Academia ao Ar Livre (Figura 15), Play Ground
(Figura 16), que passaram por reforma e ampliação. Além destes, o parque sofreu reformas nos
bancos de eucalipto, nas lixeiras e foram adotadas novas luminárias (Figuras 17 e 18).

Figura 13 Quadra de Areia Figura 14 Quadras Poliesportivas

Fonte: os autores (2022) Fonte: os autores (2022)

271
Figura 15 Academia ao Ar Livre Figura 16 Play Ground

Fonte: os autores (2022) Fonte: os autores (2022)

Figura 17 Iluminação no Setor 1 Figura 18 Área Verde iluminada

Fonte: os autores (2022) Fonte: os autores (2022)

O Parque Ecológico do Sóter funciona de segunda a domingo, entre 5 e 22 horas. As


atividades exercidas pelos usuários do parque envolvem principalmente caminhadas, exercícios
físicos, práticas esportivas e diversão. O parque também é usado como local de descanso, para
apreciação da natureza ou mesmo para um passeio. A partir de fevereiro de 2019, a Funesp, por
solicitação da população usuária do parque, permite a entrada de cães com coleiras, que estejam
registrados no Centro de Controle e Zoonose e devidamente vacinados, acompanhados de guias
de mais de 18 anos, que deve se responsabilizar pela coleta das fezes.
O parque proporciona atividades práticas programadas em diversos dias e horários de
várias naturezas: mountain bike, grupo de corrida, grupo de ciclismo, aulas de futebol e de vôlei,
tênis adulto, ginástica rítmica, ginástica localizada, academia ao ar livre, treinamento funcional,
pilates (Figura 19), judô, capoeira (FUNESP, 2022).

3.5 Percepção dos Usuários a respeito do Parque

As entrevistas junto aos usuários foram realizadas por meio de amostragem


intencional, diante do desconhecimento do total de indivíduos pesquisados, tendo por base um
reconhecimento prévio da área da pesquisa. Além de visita prévia de reconhecimento (de dia e
de noite), foram realizadas 3 idas ao parque para a realização das entrevistas, em dias diferentes
da semana e turnos também diferenciados (manhã e tarde). Com a intenção de abranger na
amostra uma diversidade de pessoas que usam o parque e de naturezas de uso, optou-se por
abordar sujeitos de diferentes idades e sexos e que estivessem fazendo modalidades de uso do
parque também diferenciadas, no momento da entrevista. Em todos os casos, foram utilizados
o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Um dos entrevistados declarou residir em Minas Gerais e se encontrava em férias.
Pouco mais de um terço (33,3%) residia num raio de até 2 km. O outro terço (27,7%) declarou

272
residir em bairros situados entre 3 até 4 km, enquanto o local de moradia do outro terço chegou
a atingir entre 5 e 6 km. Estas distâncias ajudam a explicar o fato de a grande maioria vir de carro
até o parque, constatado ainda pela ampla área de estacionamento externo e sempre bastante
ocupado no entorno do parque.
Mais da metade dos entrevistados (55%) declarou ser antigo frequentador do parque
(entre 10 e 18 anos), dentre estes, pouco mais da metade entre 15 e 18 anos. Entre 5 e 6 anos
estavam 22 % deles e os frequentadores de uso mais recente representaram um terço do total
(33%).
A frequência cotidiana ao parque era praticada por 70% deles. Entre estes 53% vêm ao
parque de 2 a 3 vezes e mais durante a semana e 17% pelo menos uma vez (Figura 20).
Os entrevistados selecionados também informaram exercer funções variadas. Entre
estes, quatro se declararam estudantes (entre as crianças e jovens), duas senhoras informaram
exercer funções “do lar”, dois deles eram aposentados. As profissões dos demais ligavam-se ao
exercício militar e do funcionalismo público, havendo ainda dois professores, engenheiro,
auxiliar de solda, gerente agropecuário, manicure, profissional autônomo, consultor.
Com exceção das duas crianças (não foram contadas), a renda familiar predominante
entre os entrevistados foi de 5 a 10 salários (44%), sucedidos por aqueles de 3 a 5 salários (31%)
e de mais de 10 salários (19%). Foram apenas 6% que informaram integrar o grupo de renda
familiar de até um salário-mínimo (Figura 21).

Figura 20 Frequência do Parque pelos entrevistados. Figura 21 Renda Familiar dos Entrevistados

3 vezes ou mais 6% Até 3


12% 19%
2 vezes
18% 41% De 3 a 5
44%
1 vez 31%
17% de 5 a 10
12% Esporadicamente

Primeira vez Mais de 10

Fonte: os autores (2022) Fonte: os autores (2022)

A forma de uso e convivialidade, de acordo com o que foi testemunhado pelos


entrevistados, é realizada predominantemente por famílias (56%), sucedida por aquela da
companhia de namorado (22%). A vinda com amigos (11%) foi mais observada entre jovens
ligados a práticas esportivas (Figura 22). O contingente de frequentadores que vêm sozinhos
(11%) também se voltou ao interesse pela prática esportiva e de exercícios. Se somadas as três
primeiras condições em que o usuário vem com acompanhante (família, namorado, amigos),
estas representaram 89% do total, uma particularidade do parque. Num estudo realizado
anteriormente por Baía e Souza (2008), quando o Parque exercia a função apenas de preservação
e práticas de lazer, esta condição do frequentador com acompanhante representava 40% do
total, o que significa que ela mais que dobrou.

273
Figura 22 Formas de uso e convivialidade no Parque

11%
Vem com família
11%
Vem com namorado (a)

56%
Vem com amigos
22%
Vem sozinho

Fonte: os autores (2022)

Por outro lado, observou-se entre os entrevistados, que apenas 17% mantinham
contato com algum grupo dentro do parque. Da mesma forma, somente 17% relataram manter
compromisso com alguma atividade ali desenvolvida. Os entrevistados tampouco se referiram a
outros eventos que pudessem atrai-los ao parque. Entre estes, 45% afirmaram nada saber a
respeito de eventos no parque e apenas um deles confirmou conhecer vários, mas porque residia
em frente ao mesmo (Residencial Sóter). Dentre os outros que tinham alguma referência, os
eventos citados foram treinamentos esportivos, ginástica, dança, como também eventos
esportivos, como corrida, futebol, basquete, alguns shows. Neste caso, é importante lembrar
que não foram entrevistados especificamente os participantes das várias oficinas oferecidas no
parque, a exemplo de ginástica rítmica, pilates, judo, capoeira.
Ao ser questionado sobre “o que os levam ao parque”, foi possível deduzir pelas
respostas, que este exerce importante papel de lazer a estas famílias e pequenos grupos que o
frequentam, mencionado por mais da metade (56%) deles. As formas de se referir ao lazer foram
diversas, como se pode apreciar no Quadro 1. As expressões utilizadas referiram-se desde o
espaço amplo com possibilidades de contato com a natureza, tranquilidade, relaxamento, até a
possibilidade de diversão para as crianças, inclusive com sentimento de ligação com a prática
exercida desde criança. A atividade física e esportiva constituiu a atração principal para 27%
(praticamente um terço), embora se tenha constatado que exista um público atraído para ambos
(17%). Observou-se, neste caso, que se tratava, sobretudo de famílias que vinham ao parque,
numa busca de satisfação às diversas necessidades de seus integrantes, desde relaxar, se
exercitar, caminhar (Quadro 2).
Quanto às atividades preferidas dos entrevistados, além da simples satisfação de
relaxar e contemplar a paisagem, forma destacadas as caminhadas e corridas, inclusive para
namorar e passear com cachorro, além de brincar. Entre os esportes, foram destacados o futebol,
vôlei e tênis e os exercícios citados foram aqueles ligados à academia ao ar livre e à barra, assim
como atividades de treinamento. Ao se questionar a respeito das estruturas prediletas dentro
do parque, as quadras poliesportivas forma citadas por praticamente um terço dos entrevistados
(29%), sucedida pelo play ground (25%), além da pista de caminhada (17%) e academia ao ar
livre (17%). Também houve referência aos equipamentos de treino (8%) e pista de skate (4%).
Ver Figura 24.

274
Quadro 2 O que os levam ao parque Figura 24 Estruturas Preferidas
Finalidade Respostas
Espaço amplo e tranquilidade Quadras
Busca de lazer poliesportivas
Espairecer (férias dos filhos) 8% 4% Play Ground
Diversão saudável 56% 29%
Brincar no play ground Pista de
Somente lazer 17%
Trazer crianças para brincar caminhada
Sensação de contato com a Academia ao Ar
natureza Livre
Tranquilidade 17% Equipamentos
Ligação desde a infância 25%
de treino
Lazer e esporte Práticas de exercício e lazer Pista de skate
Lugar calmo para fazer 17%
exercícios e caminhar
Barra/ esporte e lazer
Atividade física Atividade Física 27% Fonte: os autores (2022)
e esportes Praticar esportes

Fonte: os autores (2022)

De acordo com o que foi possível observar durante as entrevistas, o Parque Ecológico
do Sóter, tem contribuído para transformar uma antiga área de “lixão” com alto índice de
criminalidade e prostituição (BAÍA e SOUZA, 2008), num espaço apropriado de lazer e esportes
especialmente a famílias de uma ampla área de influência. Neste sentido, vem conseguindo
contemplar em grande parte, necessidades específicas tanto de crianças, jovens, casais,
aposentados, como de amantes do esporte. Entre as formas de convivialidade dentro do parque,
ainda prevalece a da própria família que se desloca para lá, como entre jovens que praticam
esporte e ainda funciona como espaço para ‘namorar”. A área de influência do parque é muito
ampla, de modo que pouco se observa nele o fortalecimento de relações de vizinhança. Mas foi
possível observar durante as visitações, que nele emergem novas oportunidades de convívio
com pessoas que se encontram no parque, em determinadas condições favoráveis. Uma delas,
que se pôde observar durante as visitas ao parque diz respeito ao convívio de alguns parentes
(pais, avós) que se desconheciam, enquanto zelam e aguardam pelas crianças que brincam no
play ground, muitas vezes facilitado pela presença de mesas e bancos. Também se verificou que
algumas das mães já trazem cadeiras dobráveis, para se juntarem nestes espaços, em “rodas de
conversa”. As academias ao ar livre e quadras também ajudam a aproximar os frequentadores.
Também se pôde observar que as oficinas e treinamentos programados pelo Poder Municipal no
Parque estimulam esta aproximação coletiva para o convívio social.

3.6 Envolvimento dos entrevistados com a vida e manutenção do parque

As impressões dadas pelos entrevistados sobre o parque na vida deles foram em todos
os casos, bastante positivas, relacionando o parque a um local de bem-estar e qualidade de vida,
ótimo para conviver, com várias opções de lazer, tranquilo para trazer as crianças. Dentre eles,
22% afirmaram não trocarem este parque por qualquer outro na cidade para frequentar. A
vinculação de boa parte deles com o parque, em suas narrativas, também se associa a memórias
de infância, incluindo elementos da família que já faleceram.
No entanto, a participação na vida e manutenção do parque pelos usuários
entrevistados só foi afirmada por um viúvo aposentado, envolvido com a prática e treinamento
esportivo, que participou da pintura da quadra, bancos e material de esporte e para quem o

275
parque representava uma forma de “tirar a cabeça do luto”. Ao se questionar, se os demais
entrevistados estariam disponíveis a ajudar na manutenção do parque caso houvesse
necessidade, a resposta positiva veio de 85% deles, com expressões como: “no que for possível,
“se houver oportunidade”, “claro que sim”, “desde que haja cooperação”. Outros foram mais
específicos no que poderiam contribuir, tal como pintura, manutenção de quadras, cultivo de
plantas ou depende do que for preciso.
Ao solicitar dos entrevistados os principais problemas apresentados no parque, as
manifestações mais por ordem de maior frequência de citações foram em relação à melhor
manutenção do gramado (roçagem), ao vandalismo que resulta em quebra frequente dos
brinquedos no play ground e necessitam ser repostos, à precariedade do policiamento,
especialmente em duas entradas (portão A e B), à falta de conservação dos portões de entrada,
ao policiamento ainda precário no conjunto do parque, a um número pequeno de áreas
cobertas, além de falta de bancos, lixeiras e de mais pontos de água para beber, assim como à
melhoria da iluminação em algumas estruturas do parque e à melhor sinalização do trajeto na
pista de caminhada.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente pesquisa, como se pôde apreciar, o Parque Ecológico do Sóter foi


inaugurado há 18 anos, fruto de uma das proposições da Agenda 21 Local de Campo Grande
para uma área periférica de grande vulnerabilidade social. A pesquisa atual foi realizada num
momento de revitalização e de uma urbanização diferenciada no entorno do parque, com
residências que já abrigam camadas de renda mais privilegiadas. Ainda que o Parque tenha se
submetido a momentos de abandono, não chegou a perder sua principal finalidade de lazer e
esporte no atendimento às famílias mais vulneráveis de um entorno expandido e continua
apresentando grandes potencialidades neste sentido. Foi possível constatar esta realidade, não
só pelo número de famílias atingidas, como pelo tempo expressivo em que grande parte
informou ser frequentadora do parque. Por outro lado, as respostas e as práticas levaram a
compreender que o Parque vem se transformando num grande espaço de convivialidade por
estas famílias. Não se observou, no entanto, que o Parque tivesse frequência expressiva dos
novos moradores do entorno de maior renda com esta prática de convivialidade. Entre estes,
destacaram-se os passeios com cachorros.
Mesmo com um entorno mais densamente povoado, inclusive com a presença de
edifícios de moradores de renda média e diversos estabelecimentos de comércio e serviços,
observou-se que a falta de manutenção e abandono do parque pode ter reflexos negativos, tanto
para os moradores locais como para seus frequentadores. Antes da atual reforma iniciada em
2019, conforme se pôde verificar por meio de reportagens e relatos, o estado de abandono e
deterioração, além de comprometer o trabalho de conservação das nascentes do córrego, havia
transformado novamente o parque no lugar temido, utilizado como esconderijo de ladrões.
O estudo permitiu verificar ainda um conjunto de potencialidades favoráveis à
constituição de uma governança colaborativa para melhorar os destinos e manutenção futuras
do parque. De um lado, deve-se assinalar a natureza e área de influência dos usuários do parque,
os relatos feitos a respeito do uso que fazem dele, assim como a imagem construída sobre o
mesmo como lugar de melhoria da qualidade de vida. Sobretudo, chamou atenção o nível de
comprometimento de grande parte dos usuários em prol de sua melhoria e manutenção, se

276
fossem requisitados para este fim. As iniciativas dos próprios gestores do parque, na criação
grupos whatsApp, envolvendo frequentadores das práticas programadas, também se apresenta
como potencialidade para se construir uma gestão mais colaborativa.
Por outro lado, o Município, por meio da Funesp, vem apontando para novas políticas
em relação aos parques de Campo Grande, que podem favorecer este processo. Torna-se
fundamental neste sentido organizar um sistema de gestão do parque baseado em parcerias,
com uma participação efetiva da coletividade usuária, envolvendo outras partes interessadas.
Esta se apresenta como uma forma de se criar e agir juntos para melhorar os meios coletivos de
vida. O uso e apropriação adequados do parque, como se pode deduzir, constitui um importante
caminho para transformá-lo de forma democrática num espaço de convívio social e numa cidade
mais humana, viva, segura e inclusiva.

REFERÊNCIAS

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Nascente do Sóter (Projeto de Reforma). Gerência de Estudos e Projetos, janeiro de 2019.

278
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

DA DESTERRITORIALIZAÇÃO A RETERRITORIALIZAÇÃO: COMO A PAISAGEM


PARA A POPULAÇÃO HAITIANA MUDOU NOS ÚLTIMOS 10 ANOS
UM ESTUDO DE CASO DE PORTO PRÍNCIPE E CUIABÁ – MT

FROM DETERRITORIALIZATION TO RETERRITORIALIZATION: HOW THE LANDSCAPE HAS


CHANGED FOR THE HAITIAN POPULATION IN THE LAST 10 YEARS
A CASE STUDY OF PORT-AU-PRINCE AND CUIABÁ- MT

Rafaela Ferreira Rosso


Mestranda, UNIVAG, Brasil.
arq.rossorafaela@gmail.com

Natallia Sanches e Souza


Doutora, UNIVAG, Brasil.
natallia@univag.edu.br

Rosana Lia Ravache


Pós Doutora, UNIVAG, Brasil.
rosana@univag.edu.br

279
RESUMO
O histórico de instabilidade no Haiti o acompanha desde seu período colonial, porém se acentuou com o grave terremoto
ocorrido em 2010. Após o desastre natural muitos cidadãos passaram a buscar outro local para reconstruir suas vidas. Tendo
como base a mudança na paisagem em que viveram nos últimos anos o presente trabalho busca entender as transformações
do cenário em que estavam inseridos em Porto Príncipe para o atual contexto em Cuiabá – MT, sob a ótica de Richard Forman.
A metodologia apoiou-se na coleta de dados geográficos, econômicos e demográficos, principalmente, para que assim fosse
possível analisar as paisagens e compará-las, atribuindo a elas as características de ponto, corredor e matriz conceituadas
pelo ecologista Forman. A importância deste estudo se dá pelo fato de que não há análises entre tais cidades da forma como
se propõe. Apesar das diferenças apontadas nas paisagens no decorrer da pesquisa foi possível perceber que há aspectos em
que ambas convergem.

Palavras-chave: imigrantes, estudo da paisagem, territorialização.

ABSTRACT
The history of instability in Haiti has persisted since its colonial period, but it intensified following the severe earthqua ke in
2010. After the natural disaster, many citizens began seeking another place to rebuild their lives. Based on the changing
landscape they experienced in recent years, this present work aims to understand the transformations of the scenario in which
they were situated in Port-au-Prince to the current context in Cuiabá, MT, from Richard Forman's perspective. The methodology
relied on collecting geographic, economic, and demographic data, primarily to enable the analysis and comparison of the
landscapes, assigning to them the characteristics of point, corridor, and matrix conceptualized by ecologist Richard Forman.
The significance of this study lies in the fact that there are no analyses between these cities in the manner proposed. Despi te
the differences highlighted in the landscapes throughout the research, it was possible to perceive aspects in which both cities
converge.

Keywords: immigrants, landscape study, territorialization.

280
INTRODUÇÃO

Entender os termos desterritorialização e reterritorialização requer primeiramente que o


radical de ambas as palavras seja compreendido. Para Gondim e Monken (2017), os seres vivos são
naturalmente territorialistas, portanto, necessitam se apropriar dos espaços para viver e se reproduzir.
Por meio deste conceito é possível ainda entender os modos de vida e como as pessoas se organizam
e relacionam. Os espaços citados por Gondim e Monken é o que Razoboni (2012) trata como paisagem,
sendo formada por características econômicas, históricas, sociais, culturais e tecnológicas da sociedade
que nela se insere.
Em 2010 o Haiti passou por um terremoto considerado o mais devastador dos últimos 200
anos, com epicentro do tremor a apenas 15 quilômetros da capital, Porto Príncipe (BBC, 2010). O país
que sempre teve um histórico de imigrações viu a situação se agravar ainda mais após o desastre
ambiental. Entre os anos de 2011 e 2013 os haitianos já formavam a principal nacionalidade no
mercado de trabalho formal brasileiro (BIANCO et al., 2017), sendo que neste curto período de tempo
estes caribenhos precisaram optar por se desterritorializar e se apropriar de um novo local, com os
desafios da nova cultura ou manter-se o país crendo na melhoria das condições de vida. Até 2015 havia
uma grande dificuldade em se conseguir visto na Embaixada Brasileira em Porto Príncipe o que levou
a população a imigrar pela fronteira, causando uma crise migratória visto que o Brasil possuía uma
legislação para migrantes antiquada, faltavam politicas de acolhimento e emprego (BAENINGER E
PERES, 2017). Mesmo assim o Brasil facilita a expedição de vistos e documentação para trabalhar
(MOURA, 2021).
Em Cuiabá, o fluxo imigratório haitiano se intensifica após 2012, período em que culmina com
as transformações urbanas que a cidade vinha passando para receber os jogos da Copa do Mundo de
2014 e por isso com grande oferta de trabalho. Os imigrantes haitianos veem na capital um grande
potencial de se reestabelecer economicamente e por isso muitos acabam permanecendo. Ao
chegarem na capital são acolhidos no Centro de Pastoral para Migrantes residindo nela por cerca de 45
a 60 dias até encontrarem emprego e obterem documentação.
Buscando entender as mudanças na paisagem em que estavam inseridos em Porto Príncipe
para as que passaram a ocupar a partir de 2012 em Cuiabá surge o presente trabalho. Tendo como
objetivo geral analisar as paisagens pré terremoto em Porto Principe e atualmente em Cuiabá,
comparando-as a partir da metodologia e conceitos definidos por Richard Forman (1995).
Segundo Forman (1995), os mosaicos terrestres devem ser observados por meio de três
elementos, o ponto, o corredor e a matriz. Sendo assim, o que configura um mosaico é a combinação
de diversos elementos, podendo ser dividido em três escalas: paisagem, região e continente.
Para Forman (1995), o ponto é uma área homogênea, restrita e orgânica, sendo distinta das
áreas vizinhas, como por exemplo, uma área verde inserida em meio a edificações. Enquanto o
corredor, ao contrário do ponto, é linear, porém também se distingue das áreas vizinhas em ambos os
lados, podendo ser representado por uma via ou corpo d’água. A matriz é a unidade dominante na
paisagem, como um conjunto de edificações de um centro urbano.

1. HAITI – PORTO PRINCIPE

O Haiti é um país localizado em uma ilha na América Central e faz fronteira com a República
Dominicana. Possui um território de 27.750km² e é banhado pelo Oceano Atlântico (SILVA, 2014).

281
Segundo o Banco Mundial em 2022 a população haitiana era de 11.584.996, sendo que 41,18%
residiam em áreas rurais, enquanto 58,82% residiam em áreas urbanas. Seu IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) em 2021 era de 0,535, ocupando a posição 163º na lista (COUNTRY
ECONOMY, 2021).
Considerando o parâmetro da economia, o Haiti é o 149º maior exportador do mundo, sendo
que seus principais produtos de exportação são têxteis, óleos essenciais e frutas, o setor de serviços e
a agropecuária possuem destaque na economia haitiana (TOUSSAINT, 2022).
O relevo do país é bastante acidentado devido a ações de eventos tectônicos e clima (JEUNE,
2015). A ilha fica localizada no topo da placa tectônica caribenha e é cercada por outras várias placas
que constantemente a empurram e esmagam (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2021). O país inclusive ficou
muito conhecido após eventos tectônicos, como o terremoto de 2010, de magnitude 7,2 na escala
Richter. Apesar dos riscos de terremotos na área serem grandes, antes de 2010 a última grande
catástrofe havia ocorrido 150 anos antes (BBC, 2021). Este terremoto deixou cerca de 230 mil mortos
(ONU, 2023). Em 2021 outro grande terremoto de mesma magnitude impactou o país, porém
ocorrendo a 74 quilômetros a oeste do epicentro de 2010 (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2021) em uma
região menos povoada (G1, 2021). A figura 1 ilustra a localização geográfica do Haiti com destaque
também para o Brasil, sendo que os países estão separados pelo Mar do Caribe e alguns países nórdicos
da América do Sul.

Figura 1 – Continente americano com destaque para Haiti e Brasil

Fonte: Dreamstime com alterações das autoras, 2023.

Sua capital, Porto Príncipe, é a cidade mais populosa do país com quase três milhões de
habitantes (THE WORLD FACTBOOK, 2023). A cidade fica localizada na costa do país (figura 2) e
apresenta clima tropical, com maiores índices pluviométricos no verão, ou seja, de junho a setembro
(TERRIER, 2016).

282
Figura 2 - Mapa com destaque para Porto Príncipe

Fonte: autoria própria, 2023.

Com relação a sua história, o Haiti foi nomeado pelos espanhóis, seus primeiros
colonizadores, como parte ocidental da ilha de Hispaniola (SILVA, 2014). Sua chegada se deu em 1492
de forma brusca, tirando o poder e a identidade da nação, obrigando-os a executarem trabalhos
forçados e os proibindo de falarem sua língua nativa. Um século após sua chegada a população haitiana
encontrava-se quase dizimada em consequência dos extermínios causados pelas doenças trazidas com
os colonizadores, trabalho forçado e fome (JAMES, 2010). Em 1695 a Espanha cede a ilha para a França
(JAMES, 2010), e em 1791, considerado um dos maiores produtores de açúcar do mundo, o Haiti traça
sua luta com a França, a fim de conquistar sua independência. Em 1804 o país conquista tal feito, porém
não é reconhecido por França e nem Estados Unidos, potência em ascensão na época (FIGUEIREDO,
2003).
Além de se encontrar destruído, o país sofria com bloqueios econômicos e por isso não
possuía dinheiro e nem tecnologia para continuar produzindo açúcar, café, algodão e outros produtos
agrícolas (FIGUEIREDO, 2003). Após sua independência são os mulatos proprietários de terras que
assumem o poder do país e acabam por manter a estrutura social, constituindo-se como elite e
mantendo os negros no trabalho das lavouras de produtos primários. Tal situação levou a disputas
internas pelo poder do país (MATIJASCIC, 2009).
Todas estas questões levaram o Haiti a uma vulnerabilidade que facilitava a presença de
outras nações no país, além da instabilidade política e dependência econômica (MATIJASCIC, 2009).
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) até 2022 o Haiti era o país mais pobre da América
(PEREIRA, 2022).

2. CUIABÁ

A segunda cidade que compõe os objetos de estudo deste trabalho é Cuiabá, capital mato-
grossense, com área territorial de 4.327.448km² (IBGE, 2022), localizada no centro da América do Sul
(IBGE, 2016), com população de 650.912 segundo o censo de 2022 e densidade demográfica é de
150hab/km² (IBGE, 2022).

283
O relevo da região é a depressão (SOARES et. al, 2011), seu clima que segundo a classificação
de Köppen é do tipo tropical semi-úmido (BRASIL, 1997), apresentando maiores precipitações no verão
que no caso do hemisfério sul ocorre de dezembro a março.
A figura 3 destaca principalmente a localização de Cuiabá, dentro do estado de Mato Grosso,
seu perímetro municipal e urbano, além do Centro de Pastoral para Migrantes, a principal casa de
acolhida da cidade.

Figura 3 – Mapa com destaque para Cuiabá

Fonte: autoria própria, 2023.

3. MATERIAIS E MÉTODOS

A análise das paisagens urbanas proposta neste artigo será baseada em referencial
bibliográfico, levantamento documental por meio de textos científicos, noticiários online, imagens
disponíveis na internet e mapas ilustrativos produzidos pelas autoras. Conforme citado anteriormente
os conceitos norteadores da composição da paisagem urbana seguiram os descritos por Forman (1995)
(figura 4).

284
Figura 4 - Padrão espacial de ponto-corredor-matriz segundo Forman

Fonte: GW Prime, 2012.

Por meio dos materiais coletados e apontamentos que serão realizados será possível mostrar
as principais semelhanças e diferenças nas paisagens de Porto Príncipe e Cuiabá. Os materiais para a
análise da paisagem de ambas as cidades serão. Para esta abordagem serão levados em consideração
os conceitos da composição da paisagem descritos por Richard Forman (1995). A figura abaixo ilustra
os elementos que compõem a paisagem para Forman, sendo eles o ponto(patch), o corredor (corridor)
e a matriz (matrix). Onde o ponto é a área restrita e distinta, o corredor também distinto, porém linear,
e a matriz a porção dominante.

4. RESULTADOS E DISCUSSÕES

4.1 Paisagem de Porto Príncipe

A organização espacial de Porto Príncipe é basicamente dividida em comércio próximo a costa


enquanto os bairros residenciais ficam nas colinas. Na figura 5 é possível observar a direita uma região
de portos e ao fundo as colinas.
Figura 5 - Vista aérea de Porto Príncipe

Fonte: Marcello Casal, 2010.

Com relação ao adensamento populacional, em 2022 eram 409 hab/km² (MACROTRENDS,


2022), sendo que tal situação pode ser observada nos morros, região predominantemente residencial
e que se assemelha as favelas brasileiras (figura 6).

285
Figura 6 - Área residencial de Porto Príncipe

Fonte: Marcello Casal, 2010.

Em algumas regiões da cidade é possível se deparar com o colorido das casas e suas janelas
abobadadas, referências da arquitetura romana e medieval (Figura 7).
Figura 7 - Residências em Porto Príncipe

Fonte: Behind Woods.

Devido sua colonização, o Haiti, moldou suas culturas, crenças e arquitetura com
características europeias, como pode ser visto por exemplo no Palácio Nacional (figura 8) que apresenta
características neoclássicas e renascentistas francesa (CRAIN, 1994).

286
Figura 8 - Palácio Nacional antes do terremoto de 2010

Fonte: LB Daily News, 2022.

Após o terremoto de 2010 a própria paisagem haitiana sofre mudanças, escolas de madeira
são edificadas próximas aos acampamentos, assim como instalações provisórias para os cursos
universitários, visto que a Universidade do Estado do Haiti também tombou. As famílias passam a viver
em abrigos improvisados ou acampam no terreno de suas antigas casas. Devido ao acumulo de
concreto e restos de construções a insegurança e a insalubridade urbana aumentam (SUTTER E MELO,
2012). Onde antes eram vazios urbanos, depois do desastre passaram ser a áreas com abrigos
temporários, como são evidenciados nas figuras 9 e 10.

Figura 9 - Região central de Porto Príncipe em 2009

Fonte: Google Earth com alterações das autoras, 2023.

287
Figura 10 - Região central de Porto Príncipe em 2010

Fonte: Google Earth com alterações das autoras, 2023.

A figura 9 evidencia regiões onde em 2009 eram pontos no mosaico, depois em 2010 (figura
10) tornando-se matriz juntamente com as demais edificações.

4.2 Haitianos em Cuiabá/MT/Brasil

Com relação inserção dos haitianos na paisagem urbana de Cuiabá o site G1 divulgou em
2016 que os bairros em que mais se concentravam na capital eram Planalto, Jardim Eldorado, Carumbé,
Bela Vista, Pedregal e Sol Nascente. Todos estes bairros são próximos ao Centro de Pastoral para
Migrantes de Cuiabá, principal casa de acolhida da região que presta apoio aos imigrantes assim que
eles chegam. A classe de renda destes bairros é média-baixa e baixa, segundo dados da Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Urbano (2010).
Em entrevista, o responsável pelo centro de pastoral alegou que a busca por refúgio no Brasil
se deu após as tentativas frustradas de se acessar a França por meio da Guiana Francesa. Alguns
imigrantes começaram, portanto, a deslocar-se para cá adentrando primeiramente pelo estado do
Amazonas. Depois passaram a acessar o território pelo Acre e neste momento começam a mapear as
cidades grandes mais próximas afim de encontrarem melhores oportunidades. Por isso, passam por
Rio Branco, Porto Velho até chegarem em Cuiabá. A capital mato grossense os favorecia no momento
pois encontrava-se em um período de intensa transformação urbana visto que sediaria alguns dos jogos
da Copa do Mundo dois anos depois.
A figura 11 evidencia os bairros apontados como de maior concentração haitiana, a principal
avenida que os liga e o Centro de Pastoral para Migrantes.

288
Figura 11 - Bairros em que residem os haitianos

Fonte: Google Earth com alterações das autoras, 2023.

Analisando a paisagem destacada por meio da figura acima o que fica evidente é o que
Forman chamaria de corredor formado pela avenida Governador Dante Martins de Oliveira,
popularmente conhecida como Avenida dos Trabalhadores, responsável pela ligação entre a parte leste
da cidade e o centro da cidade.
Figura 12 - Lan House de propriedade haitiana Figura 13 - Loja de propriedade haitiana

Fonte: Souza, 2016 Fonte: Batista, 2019

As figuras acima referentes a estabelecimentos haitianos imprimem em suas fachadas


características de identidade, visto que em seu país de origem é comum a utilização de cores vibrantes
nas fachadas.

4.3 Comparação entre as paisagens

Para que fosse possível evidenciar a paisagem do antigo território (Porto Príncipe) e do novo
(Cuiabá) traçou-se um comparativo entre a região central da capital haitiana e os bairros onde mais se
concentram em Cuiabá. A figura abaixo destaca a área em que se analisou os conceitos de Forman.

289
Figura 14 - Região central de Porto Príncipe

Fonte: Google Earth com alterações das autoras, 2023.

Tratando-se de Porto Príncipe foram destacadas avenidas estruturadoras da cidade que fazem
a ligação norte/sul e leste/oeste que segundo os conceitos de Forman são os corredores, além delas,
há alguns corpos d’água que também recebem tal classificação. Com relação a matriz, as edificações
cumprem este papel visto que são mais predominantes no mosaico. Existem ainda os pontos, neste
caso, as áreas verdes que em algumas regiões se apresentam mais concentradas e em outras menos.
Seguindo com os aspectos já destacados na paisagem de Porto Principe para Cuiabá, utilizou-
se do mosaico já destacado como local de principal concentração haitiana, em que nele serão
considerados também as características de ponto, corredor e matriz.

Figura 15 - Região de maior concentração haitiana em Cuiabá

Fonte: Google Earth com alterações das autoras, 2023.

290
A figura acima destaca as áreas verdes bem como os córregos localizados próximos aos
bairros de concentração imigrante. É possível analisar por meio da imagem que as áreas de vegetação
encontradas são remanescentes de matas ciliares. A região possui 7 córregos, sendo eles o Córrego do
Barbado, o Córrego Fundo, Córrego do Moinho, Córrego Banguê, Córrego Carumbé, Córrego Guimitá
e Vassoura.
Analisando o mosaico da figura 15 segundo os conceitos de Forman, pode-se destacar a
avenida Governador Dante Martins de Oliveira e os córregos como corredores da paisagem, as áreas
verdes são os pontos e a região urbana, de maior predominância, como matriz.
Quando comparadas as figuras de Porto Príncipe e Cuiabá o primeiro ponto a ser destacado
é com relação ao adensamento, sendo que na capital caribenha o índice é mais elevado, o que impacta
no número de áreas verdes e vazios urbanos. Em Porto Príncipe as áreas verdes são menores e mais
dispersas, enquanto em Cuiabá estão mais próximas devido, principalmente, a mata ciliar formada as
margens dos córregos. A paisagem destacada de Porto Principe apresentou apenas dos corpos d’água
enquanto Cuiabá possui 7.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A última década foi um período de grande mudança para o povo haitiano, principalmente ao
que diz respeito ao seu território. Tendo como base conceitos importantes em relação ao estudo da
paisagem elaborou-se o presente trabalho que buscou entender as transformações do meio em que
os haitianos estavam inseridos anteriormente em Porto Príncipe e agora em Cuiabá – MT.
Utilizou-se dos conceitos ecológicos estabelecimentos por Richard Forman para traçar os
parâmetros em que seriam evidenciados em cada paisagem e posteriormente comparou-se as
mesmas.
Após apresentadas as duas paisagens o que fica evidente é que possuem adensamentos
distintos, fator ligado a população, sendo que Porto Príncipe apresenta três vezes mais moradores, o
que afeta diretamente na composição verde da paisagem. Com relação a arquitetura apenas uma
característica pôde ser levantada no que diz respeito as cores vibrantes empregadas nas residências no
Haiti e agora nos estabelecimentos comerciais em Cuiabá.
De modo geral tanto Porto Príncipe quanto Cuiabá apresentaram características semelhantes
quanto a análise segundo os conceitos de Forman. Ambos os mosaicos tem como matriz as edificações,
sendo que as áreas verdes são apenas pontos na paisagem e os pontos são representados pelas vias e
corpos d’água que no caso de Cuiabá este último item é mais recorrente.

291
REFERÊNCIAS

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http://publish.iberojournals.com/index.php/ECB/article/view/8/7>. Acesso em 12 de julho de 2023.

293
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( X) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL NAS CIDADES: DESAFIOS E


OPORTUNIDADES PARA A SUSTENTABILIDADE URBANA

SUSTAINABLE DEVELOPMENT IN CITIES: CHALLENGES AND OPPORTUNITIES FOR URBAN


SUSTAINABILITY

Camila Garcia Aguilera


Professora Mestre, USJT, Brasil.
prof.camilaaguilera@usjt.br

294
RESUMO
Este artigo discute a relevância do desenvolvimento sustentável nas áreas urbanas, explorando diversos aspectos
relacionados a esse tema. O texto começa com uma introdução à sustentabilidade urbana, enfatizando sua
importância global. Em seguida, são abordados o planejamento urbano sustentável, a mobilidade urbana sustentável,
a eficiência energética nas cidades, a gestão de resíduos urbanos, a participação comunitária e a educação ambiental.
São apresentados princípios de planejamento urbano sustentável, integrando critérios ambientais, sociais e
econômicos para criar cidades equitativas e ambientalmente responsáveis. Também oferece exemplos de melhores
práticas nesse campo. Em relação à mobilidade urbana sustentável, são abordados desafios atuais e alterna tivas de
transporte sustentáveis, ressaltando os benefícios destes. A eficiência energética nas cidades é tratada como uma
estratégia para reduzir o consumo de energia, com a apresentação de iniciativas como edifícios verdes e o uso de
energia renovável. São explorados os impactos positivos dessa abordagem. A gestão de resíduos urbanos destaca os
problemas associados à gestão inadequada e propõe abordagens sustentáveis, ressaltando os benefícios para a saúde
pública e o meio ambiente. A participação comunitária e a educação ambiental são apresentadas como ferramentas
essenciais para promover a sustentabilidade urbana, envolvendo os cidadãos nas decisões e conscientizando-os sobre
práticas sustentáveis. Por fim, são abordados os desafios e oportunidades para a sustentabilidade urbana, incluindo
as barreiras enfrentadas na implementação de práticas sustentáveis e as oportunidades emergentes proporcionadas
pela tecnologia, inovação e políticas públicas. É destacada a importância de adotar práticas sustentáveis nas cidades
para garantir um futuro mais equitativo, resiliente e ambientalmente responsável.

PALAVRAS-CHAVE: Sustentabilidade urbana. Planejamento urbano sustentável. Desenvolvimento sustentável.

ABSTRACT
This article discusses the relevance of sustainable development in urban areas, exploring various aspects related to
this theme. The text begins with an introduction to urban sustainability, emphasizing its global importance. Then,
sustainable urban planning, sustainable urban mobility, energy efficiency in cities, urban waste management,
community participation and environmental education are addressed. Principles of sustainable urban planning are
presented, integrating environmental, social and economic criteria to create equitable and environm entally
responsible cities. It also provides examples of best practices in this field. Regarding sustainable urban mobility, current
challenges and sustainable transport alternatives are addressed, highlighting their benefits. Energy efficiency in cities
is treated as a strategy to reduce energy consumption, with the presentation of initiatives such as green buildings and
the use of renewable energy. The positive impacts of this approach are explored. Urban waste management highlights
the problems associated with inadequate management and proposes sustainable approaches, highlighting the
benefits for public health and the environment. Community participation and environmental education are presented
as essential tools to promote urban sustainability, involving citizens in decisions and making them aware of sustainable
practices. Finally, the challenges and opportunities for urban sustainability are addressed, including the barriers faced
in the implementation of sustainable practices and the emerging opportunities provided by technology, innovation
and public policies. The importance of adopting sustainable practices in cities is highlighted to ensure a more equitable,
resilient and environmentally responsible future.

KEYWORDS: Urban Sustainability. Sustainable urban planning. Sustainable development.

295
1 INTRODUÇÃO À SUSTENTABILIDADE URBANA

A sustentabilidade urbana é um conceito fundamental para abordar os desafios


enfrentados pelas cidades no século XXI. Com o crescimento contínuo da população urbana em
todo o mundo, a necessidade de desenvolver cidades sustentáveis e resilientes tornou -se uma
prioridade global (VIANNA, 2015).
A sustentabilidade urbana pode ser definida como a capacidade de uma cidade
atender às necessidades presentes sem comprometer as gerações futuras. Envolve a busca pelo
equilíbrio entre os aspectos ambientais, sociais e econômicos do desenvolvimento urbano. Isso
implica em promover a eficiência no uso de recursos, reduzir os impactos ambientais negativos,
melhorar a qualidade de vida dos habitantes urbanos e garantir a equidade social (SOTTO et al.,
2019).
"A sustentabilidade urbana envolve a busca por soluções que promovam a melhoria
da qualidade de vida nas cidades, enquanto reduzem os impactos ambientais e sociais
negativos" (WORLD COMMISSION ON ENVIRONMENT AND DEVELOPMENT, 1987).
A importância da sustentabilidade urbana transcende os limites das cidades
individualmente, afetando o desenvolvimento sustentável global. As áreas urbanas são
responsáveis por uma parcela significativa do consumo de recursos naturais, produção de
resíduos, emissões de gases de efeito estufa e pressão sobre os ecossistemas. Portanto, abordar
os problemas e desafios enfrentados pelas cidades é essencial para atingir os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pelas Nações Unidas. "A busca por soluções
sustentáveis nas áreas urbanas é fundamental para promover a equidade social e o
desenvolvimento econômico, garantindo um futuro próspero para as gerações presentes e
futuras." (ONU, 2021)
Além disso, a sustentabilidade urbana é vital para garantir uma qualidade de vida
adequada às populações urbanas. Cidades sustentáveis oferecem infraestrutura eficiente,
transporte acessível, moradias adequadas, espaços verdes, acesso a serviços básicos, além de
promover a inclusão social e a participação comunitária. A melhoria das condições urbanas não
só beneficia os habitantes, mas também contribui para a atração de investimentos, o
crescimento econômico e a criação de empregos (SOTTO et al., 2019).
Ao adotar abordagens sustentáveis, as cidades podem mitigar os efeitos das mudanças
climáticas, proteger a biodiversidade e promover a eficiência energética. Além disso, a
sustentabilidade urbana incentiva a inovação tecnológica, estimula a economia verde e
impulsiona a transição para um modelo de desenvolvimento mais sustentável e equitativo
(SOTTO et al., 2019).
No entanto, alcançar a sustentabilidade urbana não é uma tarefa simples. Requer a
colaboração de diferentes atores, incluindo governos locais, setor privado, sociedade civil e
comunidades locais. É necessário investir em políticas integradas, urbanismo adequado,
infraestrutura sustentável, incentivos econômicos e participação cidadã. (GOMES; ZAMBAM,
2011)
A sustentabilidade urbana desempenha um papel crucial no desenvolvimento
sustentável global. É fundamental abordar os desafios enfrentados pelas cidades para garantir
um futuro mais próspero e equilibrado para as gerações presentes e futuras.

296
2 PLANEJAMENTO URBANO SUSTENTÁVEL

O planejamento urbano desempenha um papel fundamental na criação de cidades


sustentáveis e resilientes. O planejamento urbano sustentável envolve a adoção de abordagens
que integram considerações ambientais, sociais e econômicas para garantir o desenvolvimento
urbano equilibrado e de longo prazo.
O planejamento urbano sustentável busca integrar aspectos ambientais, sociais e
econômicos na tomada de decisões, conforme enfatizado por Jenks e Burgess (2000): "O
planejamento urbano sustentável busca integrar aspectos ambientais, sociais e econômicos na
tomada de decisões, visando criar cidades mais equitativas, resilientes e ambientalmente
responsáveis."
Princípios do planejamento urbano sustentável:
O planejamento urbano sustentável requer a integração de diferentes setores e
disciplinas, como transporte, habitação, infraestrutura, meio ambiente e economia. É essencial
que todas essas áreas sejam consideradas de forma conjunta, a fim de evitar conflitos e
promover soluções sinérgicas (GPS, 2012).
O planejamento urbano sustentável prioriza o uso eficiente do solo, buscando evitar a
expansão descontrolada da área urbana. Promove a densificação inteligente, com o
desenvolvimento de áreas já urbanizadas, a fim de reduzir a fragmentação do solo, a
necessidade de deslocamento e os impactos ambientais associados (GPS, 2012).
Promove também uma abordagem integrada e diversificada para a mobilidade, com o
objetivo de reduzir a dependência do uso de veículos particulares. Incentiva o desenvolvimento
de sistemas de transporte público eficientes, infraestrutura para pedestres e ciclistas, além de
promover o planejamento de uso misto, para que as pessoas possam ter acesso a serviços e
trabalho próximos às suas moradias (GPS, 2012).
Incorpora a preservação ambiental como um dos seus pilares. Isso inclui a proteção de
áreas verdes, a conservação de ecossistemas naturais e a promoção da biodiversidade. Além
disso, busca a eficiência energética em edifícios e infraestruturas, promovendo o uso de energias
renováveis, sistemas de iluminação eficientes e padrões construtivos sustentáveis (GPS, 2012).
Valoriza a participação ativa da comunidade no processo de tomada de decisões.
Envolver os residentes, empresas locais e organizações da sociedade civil desde as fases iniciais
do planejamento contribui para a identificação de necessidades, desejos e soluções mais
adequadas às especificidades de cada região (GPS, 2012).
O planejamento urbano sustentável busca a incorporação de critérios ambientais,
sociais e econômicos nas decisões de desenvolvimento urbano. Isso significa considerar o
impacto ambiental dos projetos, a inclusão social e a equidade no acesso a serviços e
infraestrutura, além de avaliar a viabilidade econômica a longo prazo (GPS, 2012).
No que diz respeito a critérios ambientais, envolve a avaliação dos impactos
ambientais, como a preservação de áreas verdes, a gestão adequada de recursos naturais, a
redução da poluição do ar e da água, bem como a mitigação das mudanças climáticas (GPS,
2012).
Já relacionado aos critérios sociais, a inclusão social é um aspecto fundamental no
planejamento urbano sustentável. Isso inclui a promoção da equidade no acesso a serviços
básicos, como transporte, moradia adequada, áreas de lazer, saúde, educação e cultura, além

297
de garantir a participação e o envolvimento da comunidade nas decisões de planejamento (GPS,
2012).
Quanto aos critérios econômicos, deve levar em consideração a viabilidade econômica
das soluções propostas. Isso inclui a análise dos custos de implantação e manutenção das
infraestruturas, a identificação de oportunidades de geração de empregos e o estímulo ao
empreendedorismo local (GPS, 2012).
Podemos citar como exemplos de melhores práticas de planejamento urbano
sustentável:
O planejamento de bairros compactos, com infraestrutura completa e mistura de usos
(residencial, comercial, serviços) promove a redução do tempo de deslocamento, o estímulo ao
uso de transportes sustentáveis e a criação de comunidades mais integradas (GPS, 2012).
A requalificação de áreas urbanas degradadas ou subutilizadas, por meio de projetos
de renovação urbana, contribui para a revitalização de regiões, o aproveitamento de estruturas
existentes e a promoção da sustentabilidade econômica, social e ambiental (GPS, 2012).
O planejamento de parques e áreas verdes é essencial para a qualidade de vida urbana.
Além de oferecer espaços de lazer e contato com a natureza, essas áreas ajudam a reduzir o
impacto das ilhas de calor, melhorar a qualidade do ar e contribuir para a preservação da
biodiversidade (GPS, 2012).
O planejamento urbano sustentável promove o desenvolvimento de infraestruturas
verdes, como sistemas de drenagem sustentável, uso de tecnologias de reuso de água, energia
renovável em edifícios e a implantação de sistemas de transporte público eficientes (GPS, 2012).
A regeneração urbana envolve a revitalização de áreas degradadas ou subutilizadas,
buscando o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a melhoria da qualidade de vida e a
proteção do meio ambiente. Essas estratégias podem incluir a reabilitação de edifícios
históricos, o aproveitamento de espaços industriais abandonados ou a renovação de áreas
centrais (GPS, 2012).
Esses exemplos demonstram como o planejamento urbano sustentável pode ser
implementado em diversas escalas e contextos, promovendo um desenvolvimento urbano mais
equilibrado, inclusivo e ambientalmente consciente. Ao adotar essas melhores práticas, as
cidades podem enfrentar os desafios do crescimento urbano de forma sustentável, buscando a
melhoria da qualidade de vida de seus habitantes e a preservação dos recursos naturais para as
gerações futuras.

298
3 MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL

A mobilidade urbana sustentável é um componente essencial para o desenvolvimento


de cidades sustentáveis e resilientes. A forma como as pessoas se deslocam nas áreas urbanas
tem um impacto significativo na qualidade de vida dos habitantes, na eficiência dos sistemas de
transporte e no meio ambiente. "A mobilidade urbana sustentável desempenha um papel
fundamental na construção de cidades resilientes e na melhoria da qualidade de vida dos
cidadãos, ao mesmo tempo em que contribui para a proteção do meio ambiente" (WORLD
BANK, 2018).

3.1 Desafios da mobilidade urbana atual

O aumento do número de veículos particulares nas cidades resulta em


congestionamentos frequentes, o que leva a atrasos, perda de produtividade e maior poluição
do ar (VAINER et al, 2013).
O transporte urbano é uma fonte significativa de poluição do ar e emissões de gases
de efeito estufa, contribuindo para problemas de saúde pública e para as mudanças climáticas
(VAINER et al, 2013).
Muitas vezes, a falta de transporte público eficiente e acessível limita o acesso a
oportunidades, serviços e empregos, resultando em exclusão social e desigualdades (VAINER et
al, 2013).
O foco no transporte baseado em veículos particulares leva a uma utilização ineficiente
do espaço urbano, com a necessidade de mais vias e estacionamentos, em detrimento de áreas
verdes e espaços públicos (VAINER et al, 2013).

3.2 Alternativas sustentáveis de transporte urbano

Investir em sistemas de transporte público eficientes, como metrô, ônibus e trem, é


fundamental para promover a mobilidade urbana sustentável. Essas opções coletivas de
transporte reduzem a quantidade de veículos nas ruas, diminuem o congestionamento e as
emissões de gases poluentes (VAINER et al, 2013).
Incentivar o uso de bicicletas e promover a infraestrutura adequada para ciclovias e
calçadas seguras é uma forma sustentável de mobilidade urbana. A bicicleta é um meio de
transporte não poluente, além de proporcionar benefícios para a saúde e bem -estar dos
usuários. O incentivo ao pedestrianismo também contribui para a qualidade de vida, a saúde e
a sustentabilidade (VAINER et al, 2013).
A transição para veículos elétricos contribui para a redução das emissões de gases
poluentes e da dependência de combustíveis fósseis. A infraestrutura de carregamento para
veículos elétricos deve ser ampliada nas cidades, incentivando sua adoção e facilitando a
transição para uma frota mais sustentável (VAINER et al, 2013).
Iniciativas de compartilhamento de veículos, como carros compartilhados e serviços
de carona, ajudam a reduzir o número de veículos nas ruas, otimizando o uso dos recursos
disponíveis e reduzindo o congestionamento (VAINER et al, 2013).

299
3.3 Benefícios da mobilidade urbana sustentável

A adoção de formas sustentáveis de transporte contribui para a redução da poluição


do ar e das emissões de gases de efeito estufa, melhorando a qualidade do ar e a saúde dos
habitantes urbanos (VAINER et al, 2013).
Ao promover alternativas ao uso de veículos particulares, a mobilidade urbana
sustentável reduz o congestionamento, melhorando a fluidez do tráfego e diminuindo o tempo
de deslocamento (VAINER et al, 2013).
O investimento em mobilidade urbana sustentável oferece uma série de benefícios
para a qualidade de vida dos habitantes das cidades. O acesso facilitado a serviços, empregos,
áreas verdes e espaços públicos contribui para uma vida mais equilibrada e saudável (VAINER et
al, 2013).
Ao priorizar o transporte coletivo, a bicicleta e o pedestrianismo, as cidades podem
utilizar de forma mais eficiente o espaço urbano, promovendo a convivência social, o
desenvolvimento de áreas verdes e a criação de espaços públicos de qualidade (VAINER et al,
2013).
A mobilidade urbana sustentável impulsiona a economia local ao promover o uso de
transportes públicos, o comércio local e o incentivo ao uso de bicicletas e pedestres. Isso pode
gerar oportunidades de emprego e estimular o desenvolvimento sustentável das comunidades
(VAINER et al, 2013).
Em resumo, a mobilidade urbana sustentável é essencial para enfre ntar os desafios
atuais das cidades, como congestionamento, poluição e exclusão social. Ao adotar alternativas
de transporte mais sustentáveis, as cidades podem melhorar a qualidade de vida dos habitantes,
reduzir a pegada ambiental e criar espaços urbanos mais inclusivos, eficientes e agradáveis.

4 EFICIÊNCIA ENERGÉTICA NAS CIDADES

O consumo de energia nas áreas urbanas é significativo e representa um desafio


importante para alcançar a sustentabilidade urbana. As cidades consomem uma quantidade
considerável de energia para alimentar edifícios, infraestruturas, sistemas de transporte e
outras atividades. No entanto, a adoção de estratégias de eficiência energética pode ajudar a
reduzir o consumo energético e minimizar os impactos ambientais associados.

4.1 Consumo de energia nas áreas urbanas

As áreas urbanas desempenham um papel crucial no consumo global de energia, tendo


em vista a demanda significativa gerada pelos edifícios residenciais, comerciais e pelas diversas
formas de transporte presentes nas cidades. Os edifícios são responsáveis por um considerável
consumo de energia, tanto para suprir as necessidades de aquecimento e resfriamento dos
espaços, quanto para iluminação e uso de eletrodomésticos. A infraestrutura de transporte
urbano também exige uma quantidade expressiva de energia, abrangendo desde os veículos
particulares até os sistemas de ônibus, metrôs e trens. Outros setores, como a iluminação
pública, a infraestrutura de água e esgoto, e os sistemas de comunicação, também contribuem
para o consumo energético nas cidades (EPE, 2020).

300
De acordo com a Agência Internacional de Energia (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY
- IEA), "as cidades são responsáveis por aproximadamente 75% do consumo de energia global e
por 80% das emissões de CO2 relacionadas à energia" (IEA, 2019). Esses números ressaltam a
importância de se buscar soluções para o consumo de energia nas áreas urbanas visando à
sustentabilidade e à redução das emissões de gases de efeito estufa.

4.2 Estratégias para reduzir o consumo energético

A adoção de práticas de construção sustentável e edifícios verdes é fundamental para


reduzir o consumo de energia nos setores residencial e comercial. Isso inclui o uso de isolamento
térmico, sistemas eficientes de aquecimento e resfriamento, ventilação adequada, janelas com
eficiência energética e sistemas de iluminação natural (EPE, 2020).
A substituição de lâmpadas convencionais por lâmpadas LED de alta eficiência
energética contribui significativamente para a redução do consumo de energia nas áreas
urbanas. Além disso, o uso de sensores de presença e sistemas de controle inteligentes para
iluminação pública e em edifícios pode otimizar o uso da energia (EPE, 2020).
A incorporação de fontes de energia renovável nas cidades, como solar, eólica e
biomassa, é uma estratégia eficaz para reduzir a dependência de combustíveis fósseis e mitigar
as emissões de gases de efeito estufa. A instalação de painéis solares em edifícios, a
implementação de fazendas solares e a utilização de turbinas eólicas são exemplos de iniciativas
que podem ser adotadas para promover a geração de energia limpa nas áreas urbanas (EPE,
2020).
A promoção de transportes mais eficientes é crucial para reduzir o consumo de energia
nas cidades. Isso inclui a expansão de sistemas de transporte público eficientes e sustentáveis,
o estímulo ao uso de bicicletas e pedestres, o incentivo ao compartilhamento de veículo s e a
promoção de veículos elétricos (EPE, 2020).
A implementação de sistemas de gerenciamento inteligente de energia em edifícios e
infraestruturas permite otimizar o uso da energia, monitorar e controlar o consumo em tempo
real, identificar áreas de alto consumo e implementar medidas de eficiência energética mais
eficazes (EPE, 2020).

4.3 Impactos positivos da eficiência energética nas cidades

A eficiência energética nas cidades contribui para a redução das emissões de gases
poluentes e do impacto das mudanças climáticas, ajudando a mitigar os efeitos negativos no
meio ambiente e na saúde humana (EPE, 2020).
A adoção de estratégias de eficiência energética resulta em menor consumo de
energia, levando a economia de recursos naturais não renováveis, como combustíveis fósseis.
Além disso, a redução do consumo energético pode resultar em economia de custos para os
governos, empresas e cidadãos (EPE, 2020).
A eficiência energética nas cidades pode resultar em melhorias significativas na
qualidade de vida dos habitantes. Reduzir a poluição do ar, melhorar o conforto térmico dos
edifícios, garantir uma iluminação adequada e promover o transporte sustentável contribui para
um ambiente urbano mais saudável, seguro e agradável (EPE, 2020).

301
A transição para uma economia de baixo carbono e eficiência energética impulsiona a
inovação tecnológica e cria oportunidades de emprego nas indústrias de energia renovável,
construção sustentável, eficiência energética e desenvolvimento de tecnologias limpas (EPE,
2020).

A eficiência energética desempenha um papel vital no caminho para a


sustentabilidade urbana, proporcionando benefícios ambientais, econômicos e
sociais. A implementação de práticas e tecnologias eficientes, como edifícios verdes,
iluminação de baixo consumo e transporte sustentável, é essencial para alcançar
cidades mais sustentáveis. (UNITED NATIONS ENVIRONMENT PROGRAMME - UNEP,
2018)

Em conclusão, a eficiência energética nas cidades desempenha um papel fundamental


na busca pela sustentabilidade urbana. A implementação de estratégias para reduzir o consumo
energético, como edifícios verdes, iluminação eficiente, energia renovável e transporte
sustentável, traz benefícios significativos para o meio ambiente, a economia local e a qualidade
de vida dos habitantes urbanos.

5 GESTÃO DE RESÍDUOS URBANOS

A gestão adequada de resíduos urbanos é essencial para promover a sustentabilidade


das cidades e mitigar os impactos negativos no meio ambiente e na saúde pública. A má gestão
dos resíduos pode resultar em problemas como poluição do solo, da água e do ar, disseminação
de doenças, degradação dos ecossistemas e desperdício de recursos naturais. No entanto,
abordagens sustentáveis podem ser adotadas para minimizar esses problemas e promover a
gestão eficiente dos resíduos urbanos.

5.1 Problemas associados à gestão inadequada de resíduos urbanos

A disposição inadequada de resíduos sólidos, como aterros sanitários não controlados,


pode causar a contaminação do solo, da água subterrânea e de corpos d'água próximos. Isso
resulta em riscos para a saúde humana, perda de biodiversidade e degradação dos ecossistemas
(VIANA; SANTOS, 2021).
A decomposição de resíduos orgânicos em aterros sanitários produz metano, um
poderoso gás de efeito estufa que contribui para as mudanças climáticas. Além disso, o
transporte de resíduos e a incineração também podem gerar emissões significativas de gases
poluentes (VIANA; SANTOS, 2021).
A gestão inadequada de resíduos pode levar a disseminação de doenças por meio da
contaminação de água e alimentos, atraindo vetores de doenças, como mosquitos e roedores,
e promovendo a proliferação de bactérias e microrganismos patogênicos (VIANA; SANTOS,
2021).

5.2 Abordagens sustentáveis para a gestão de resíduos

A reciclagem de resíduos, como plásticos, papel, vidro e metais, reduz a necessidade


de extração de matérias-primas, economiza energia e recursos naturais, e minimiza o volume
de resíduos enviados para aterros sanitários (VIANA; SANTOS, 2021).

302
A compostagem de resíduos orgânicos, como restos de alimentos e resíduos de jardim,
permite a produção de adubo orgânico de alta qualidade, reduzindo a quantidade de resíduos
que precisam ser destinados aos aterros sanitários (VIANA; SANTOS, 2021).
A conscientização sobre a importância de reduzir o desperdício é fundamental para
uma gestão eficiente de resíduos. Isso inclui a adoção de práticas, como compra consciente,
planejamento de refeições, evitando o descarte de alimentos e a reutilização de produtos
sempre que possível (VIANA; SANTOS, 2021).
Resíduos perigosos, como produtos químicos tóxicos e eletrônicos descartados, devem
ser tratados de forma adequada, seguindo regulamentações específicas, para evitar a
contaminação do meio ambiente e proteger a saúde pública (ITALO, 2021).

5.3 Vantagens da gestão eficiente de resíduos

Conforme destacado por Hoornweg, Bhada-Tata e Kennedy (2013): "A gestão eficiente
de resíduos urbanos, por meio de práticas como reciclagem, compostagem e redução do
desperdício, contribui para a proteção do meio ambiente e a preservação dos recursos naturais."
Uma gestão eficiente de resíduos contribui para a preservação do meio ambiente,
reduzindo a poluição do solo, da água e do ar, conservando recursos naturais e evitando a
degradação dos ecossistemas (VIANA; SANTOS, 2021).
A adoção de práticas sustentáveis, como a reciclagem e a compostagem, diminui a
quantidade de resíduos enviados para aterros sanitários, reduzindo a geração de metano e as
emissões de gases de efeito estufa (VIANA; SANTOS, 2021).
A gestão eficiente de resíduos estimula a transição para uma economia circular, na
qual os resíduos são vistos como recursos, promovendo a recuperação de materiais valiosos e a
geração de novas oportunidades de negócios e empregos (VIANA; SANTOS, 2021).
Uma gestão adequada de resíduos reduz os riscos à saúde pública, evitando a
contaminação de água e alimentos, a disseminação de doenças e a exposição a substâncias
tóxicas (VIANA; SANTOS, 2021).
A gestão eficiente de resíduos urbanos é fundamental para promover a
sustentabilidade das cidades. A implementação de abordagens sustentáveis, como reciclagem,
compostagem, redução do desperdício e tratamento adequado de resíduos perigosos, traz uma
série de benefícios, incluindo a proteção do meio ambiente, a redução das emissões de gases
de efeito estufa, a promoção da economia circular e a melhoria da saúde pública.

6 PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA E EDUCAÇÃO AMBIENTAL

A participação comunitária desempenha um papel fundamental na promoção da


sustentabilidade urbana, envolvendo os cidadãos no planejamento e na implementação de
práticas sustentáveis. Por meio da participação ativa da comunidade, é possível promover a
conscientização, o engajamento e a colaboração, fortalecendo os esforços para alcançar uma
cidade mais sustentável.
É fundamental reconhecer o papel da participação comunitária na promoção da
sustentabilidade urbana, como observado por Roseland (2012): "A participação comunitária é

303
fundamental para promover a sustentabilidade urbana, pois envolve os cidadãos no processo
de tomada de decisões e estimula a cooperação entre diferentes partes interessadas."

6.1 Papel da participação comunitária na promoção da sustentabilidade urbana

A participação comunitária permite que os moradores expressem suas necessidades e


prioridades em relação a sustentabilidade urbana. Essa abordagem bottom-up (de baixo para
cima) ajuda a garantir que as soluções adotadas sejam adaptadas às características e demandas
específicas de cada comunidade. "A participação comunitária é fundamental para promover a
sustentabilidade urbana, pois envolve os cidadãos no processo de tomada de decisões e
estimula a cooperação entre diferentes partes interessadas" (ROSELAND, 2012).
Ao envolver os moradores no planejamento e implementação de projetos
sustentáveis, cria-se um senso de pertencimento e responsabilidade em relação ao ambiente
urbano. Isso incentiva o cuidado e a preservação dos recursos naturais, além de fortalecer a
coesão social e a identidade comunitária (GPS, 2012).
A participação comunitária traz diferentes perspectivas e conhecimentos para o
processo de tomada de decisões, estimulando a criação de soluções inovadoras e adaptadas às
necessidades locais. A diversidade de experiências e habilidades dos membros da comunidade
pode resultar em abordagens mais criativas e eficientes para enfrentar desafios ambientais
(GPS, 2012).

6.2 Iniciativas de educação ambiental para conscientizar a população urbana sobre práticas
sustentáveis

A educação ambiental desempenha um papel crucial na conscientização da população


urbana sobre práticas sustentáveis, conforme discutido por Hungerford e Volk (1990): "A
educação ambiental desempenha um papel crucial na conscientização da população urbana
sobre práticas sustentáveis e na promoção de comportamentos e atitudes responsáveis em
relação ao meio ambiente."
A educação ambiental pode ser integrada ao currículo escolar, abordando questões
como conservação de recursos naturais, reciclagem, eficiência energética e mobilidade
sustentável. Esses programas fornecem às crianças e aos jovens as ferramentas necessárias para
se tornarem agentes de mudança em suas comunidades (GPS, 2012).
A realização de campanhas de conscientização em espaços públicos, meios de
comunicação e redes sociais é uma forma eficaz de alcançar um grande número de pessoas.
Essas campanhas podem abordar tópicos como a importância da separação correta dos
resíduos, a redução do consumo de plástico e o uso consciente de recursos naturais (GPS, 2012).
A organização de oficinas e atividades práticas, como jardinagem urbana,
compostagem e construção sustentável, permite que os moradores adquiram habilidades e
conhecimentos sobre práticas sustentáveis. Essas atividades capacitam os participante s a
implementarem ações ambientalmente responsáveis em suas próprias casas e comunidades
(GPS, 2012).

6.3 Exemplos de projetos comunitários bem-sucedidos de sustentabilidade urbana

304
A criação de hortas comunitárias em espaços urbanos permite que os moradores
cultivem alimentos frescos, promovendo a segurança alimentar, a conexão com a natureza e a
cooperação entre os membros da comunidade (GPS, 2012).
Iniciativas que promovem o uso de bicicletas, o compartilhamento de carros e o
transporte público eficiente incentivam a redução da dependência de veículos particulares,
diminuindo as emissões de gases de efeito estufa e melhorando a qualidade do ar nas cidades
(GPS, 2012).
A criação de programas de reciclagem e compostagem em nível comunitário envolve
os moradores na separação adequada dos resíduos, na coleta seletiva e na produção de adubo
orgânico, contribuindo para a redução do desperdício e a conservação dos recursos naturais
(GPS, 2012).
A participação comunitária e a educação ambiental são elementos essenciais para
promover a sustentabilidade urbana. Ao envolver os cidadãos no processo de tomada de
decisões e conscientizá-los sobre práticas sustentáveis, é possível criar uma cultura de cuidado
ambiental e promover a implementação de projetos comunitários bem-sucedidos, que
contribuam para o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis e resilientes (GPS, 2012).

7 DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A SUSTENTABILIDADE URBANA

A busca pela sustentabilidade urbana enfrenta uma série de desafios que vão desde
questões socioeconômicas até limitações políticas e culturais. No entanto, também há
oportunidades emergentes que podem impulsionar o avanço da sustentabilidade nas cidades,
por meio de tecnologia, inovação e políticas públicas progressivas. Considerando esses desafios
e oportunidades, é possível traçar perspectivas futuras e recomendações para promover a
sustentabilidade urbana de forma efetiva.

7.1 Desafios na implementação de práticas sustentáveis nas cidades

A implementação de práticas sustentáveis enfrenta desafios e resistência em diversos


níveis, desde indivíduos até empresas e instituições, que muitas vezes relutam em abandonar
modelos de desenvolvimento tradicionais. Essa resistência pode ser atribuída, em parte, à falta
de conscientização e compreensão dos benefícios que a sustentabilidade pode trazer
(GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
Além disso, a adoção de tecnologias e infraestruturas sustentáveis frequentemente
requer investimentos financeiros consideráveis, o que pode ser um desafio significativo para
governos e comunidades com recursos limitados. A falta de financiamento adequado pode se
tornar um obstáculo para a implementação de projetos de sustentabilidade urbana (GÜNTHER;
DI GIULIO, 2018).
A sustentabilidade urbana abrange uma ampla gama de setores e envolve múltiplas
partes interessadas, exigindo uma coordenação eficaz entre diferentes departamentos
governamentais, empresas, organizações da sociedade civil e comunidades. No entanto, a falta
de integração e colaboração pode dificultar a implementação de soluções sustentáveis de forma
abrangente e eficiente (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).

305
Diante desses desafios, é fundamental buscar estratégias que promovam a
conscientização, a superação de barreiras financeiras e a coordenação entre os atores
envolvidos. Ações para educar e engajar a sociedade, incentivar políticas de financiamento e
fomentar a colaboração interdisciplinar podem impulsionar o avanço da sustentabilidade
urbana e superar os obstáculos enfrentados na busca por um futuro mais sustentável e resiliente
(GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).

7.2 Oportunidades emergentes para impulsionar a sustentabilidade urbana

A busca pela sustentabilidade urbana é impulsionada pela tecnologia, que


desempenha um papel fundamental na transformação das cidades em ambientes mais
eficientes, resilientes e ambientalmente conscientes. Avanços como a Internet das Coisas (IoT),
energia renovável, veículos elétricos, sistemas inteligentes de transporte e monitoramento
ambiental abrem oportunidades para melhorar a eficiência energética, reduzir as emissões e
otimizar o uso de recursos nas áreas urbanas (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
A criatividade e a inovação desempenham um papel crucial na promoção da
sustentabilidade urbana. Startups e empreendedores têm desenvolvido soluções inovadoras
para enfrentar os desafios urbanos, desde o design de edifícios sustentáveis até a gestão
inteligente de resíduos e a promoção de práticas de consumo consciente. Essa mentalidade
empreendedora impulsiona a criação de novas tecnologias e abordagens que ajudam a construir
cidades mais sustentáveis (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
No entanto, a implementação efetiva da sustentabilidade urbana requer o apoio de
políticas públicas e regulamentações adequadas. Medidas como incentivos fiscais, metas de
redução de emissões, normas de eficiência energética em edifícios e investimentos em
transporte público sustentável desempenham um papel crucial na promoção da adoção de
práticas sustentáveis nas cidades. Essas políticas ajudam a criar um ambiente propício para o
desenvolvimento e a implantação de soluções tecnológicas sustentáveis, incentivando tanto o
setor público quanto o privado a se engajarem em ações que promovam a sustentabilidade
urbana (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
Neste contexto, a combinação da tecnologia, criatividade, inovação e políticas públicas
adequadas é essencial para impulsionar a sustentabilidade urbana, permitindo que as cidades
avancem em direção a um futuro mais sustentável, resiliente e de alta qualidade de vida para
seus habitantes.

7.3 Perspectivas futuras e recomendações para avançar na sustentabilidade urbana

É essencial adotar uma abordagem integrada e holística para o planejamento urbano,


considerando aspectos sociais, ambientais e econômicos de forma simultânea. I sso envolve a
coordenação entre diferentes setores, a participação da comunidade e a consideração de
diferentes escalas, desde o nível local até o global (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
Investir em educação ambiental e conscientização é fundamental para promover uma
mudança de comportamento e atitudes em relação à sustentabilidade. Isso pode ser realizado
por meio de campanhas de conscientização, programas educacionais nas escolas e a promoção
de iniciativas de engajamento comunitário (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).

306
O envolvimento de diferentes partes interessadas, incluindo governos, empresas,
academia e sociedade civil, é crucial para impulsionar a sustentabilidade urbana. Parcerias e
colaborações podem facilitar a troca de conhecimentos, recursos e experiências, promovendo a
implementação conjunta de soluções sustentáveis (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
É importante estabelecer sistemas de monitoramento e avaliação para acompanhar o
progresso na sustentabilidade urbana. Isso permite a identificação de de safios, a correção de
rumos e a obtenção de dados e indicadores que subsidiem a tomada de decisões informadas
(GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
Apesar dos desafios enfrentados na promoção da sustentabilidade urbana, existem
oportunidades emergentes que podem impulsionar esse processo. Por meio de tecnologia,
inovação, políticas públicas progressivas e o engajamento da comunidade, é possível avançar na
direção de cidades mais sustentáveis. No entanto, é necessário um esforço conjunto e
abordagens integradas para enfrentar esses desafios, considerar as oportunidades emergentes
e promover a sustentabilidade urbana de forma efetiva e inclusiva.

8 CONCLUSÃO

Ao longo deste artigo, explorou-se diversos aspectos da sustentabilidade urbana,


desde sua definição e importância para o desenvolvimento sustentável global até os desafios e
oportunidades encontrados em sua implementação. Foram explanados tópicos como
planejamento urbano sustentável, mobilidade urbana sustentável, eficiência energética nas
cidades, gestão de resíduos urbanos, participação comunitária e educação ambiental.
Durante nossa discussão, destacou-se a necessidade de incorporar critérios
ambientais, sociais e econômicos no planejamento urbano, a importância de alternativas
sustentáveis de transporte urbano, os benefícios da eficiência energética nas cidades, as
vantagens da gestão eficiente de resíduos urbanos, o papel da participação comunitária na
promoção da sustentabilidade e a importância da educação ambiental na conscientização da
população urbana.
Conforme declarado pela World Commission on Environment and Development
(1987) "a sustentabilidade urbana envolve a busca por soluções que promovam a melhoria da
qualidade de vida nas cidades, enquanto reduzem os impactos ambientais e sociais negativos."
Reconhece-se que existem barreiras e desafios a serem superados, como a resistência
à mudança, as restrições financeiras e a complexidade na coordenação de múltiplos setores. No
entanto, também foram identificadas oportunidades emergentes, como avanços tecnológicos,
inovação e empreendedorismo, e políticas públicas progressivas, que podem impulsionar a
sustentabilidade urbana.
Diante desse contexto, é fundamental um chamado à ação para promover a
sustentabilidade urbana. Cada um de nós pode contribuir de diversas maneiras, seja adotando
práticas sustentáveis em nossa vida cotidiana, participando ativamente do planejamento e
tomada de decisões em nossa comunidade, apoiando projetos e iniciativas sustentáveis ou
influenciando políticas públicas.
No entanto, o chamado à ação não deve se limitar a indivíduos. Governos, empresas,
organizações da sociedade civil e instituições acadêmicas também têm um papel crucial a
desempenhar na promoção da sustentabilidade urbana. É necessário um esforço conjunto e

307
colaborativo para superar os desafios e aproveitar as oportunidades, visando a construção de
cidades mais sustentáveis e resilientes.
A visão para um futuro mais sustentável nas cidades é otimista. Com a conscientização
crescente e o aumento da pressão por mudanças, pode se esperar uma transformação positiva
em direção a cidades mais verdes, eficientes, inclusivas e saudáveis. À medida que as soluções
sustentáveis são implementadas e adotadas, será possível ver benefícios significativos para a
qualidade de vida das pessoas, a saúde do meio ambiente e a prosperidade econômica.
Portanto, é fundamental que todos nós nos engajemos nesse processo de
transformação, trabalhando juntos para criar um futuro urbano mais sustentável, onde as
necessidades das gerações presentes sejam atendidas sem comprometer as possibilidades das
gerações futuras. A sustentabilidade urbana é um desafio complexo, mas também uma
oportunidade para que sejam moldadas cidades mais justas, equitativas e vibrantes. Juntos,
podemos construir um futuro urbano sustentável para todos.

9 BIBLIOGRAFIA

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JENKS, M.; BURGESS, R. Compact Cities, Sustainable Urban Forms for Developing Countries. Londres: Routledge,
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308
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and Development: Our Common Future. Oslo, 20 março 1987. Disponível em:
https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf. Acesso em: 15 maio
2022.

309
310
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( x ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

DISPOSITIVOS PARA COMPREENSÃO DA PERCEPÇÃO DE ENTORNOS


HOSPITALARES POR AQUELES QUE O EXPERIENCIAM

DEVICES FOR UNDERSTANDING THE PERCEPTION OF HOSPITAL ENVIRONMENTS BY


THOSE WHO EXPERIENCE IT

Ana Paula Pereira de Campos Lettieri


Arquiteta e Urbanista, Doutoranda PROARQ/UFRJ, Brasil
ana.lettieri@fau.ufrj.br

310
RESUMO
O presente artigo objetiva propor dispositivos metodológicos para o estudo de entornos hospitalares, os quais
buscam contribuir com a compreensão sobre como a paisagem na qual esses edifícios se inserem, assim como os
múltiplos aspectos que a conformam, são percebidos pelas pessoas que a experienciam. A preocupação com a
relação entre os hospitais e a cidade, apesar de não ser nova, persiste carecendo de maior atenção, tendo em vista
que tal tipologia de estabelecimento assistencial de saúde, devido ao seu porte, complexidade, usos e simbolismos,
apresenta grande potencial transformador da paisagem, podendo impactá-la, bem como a forma como essa é
percebida pelas pessoas, de maneiras positivas e/ou negativas. Desse modo, partindo-se dos fundamentos da
Psicologia Ambiental e de conceitos como ambientes restauradores (restorative environments), paisagens
terapêuticas (terapeutic landscapes) e lugares de cura (healing places), defende-se que os entornos hospitalares,
se adequadamente planejados, podem contribuir com a promoção da saúde urbana e favorecer uma percepção
mais positiva dos indivíduos sobre os mesmos. Para tanto, tomando-se como base instrumentos de Avaliação Pós-
Ocupação (APO) existentes, foram formulados três dispositivos - Mapeamento Multissensorial, Entorno Desejado
x Entorno Atual e Anamnese - com cujos resultados almeja-se contribuir com a elaboração de estratégias para o
planejamento de uma paisagem mais positivamente apreensível, que contribua com a qualidade de vida, saúde e
bem estar não apenas dos usuários dos hospitais, mas da população como um todo que a experiencia
cotidianamente.

PALAVRAS-CHAVE: Entornos hospitalares. Percepção ambiental. Avaliação pós-ocupação.

ABSTRACT
This article aims to propose methodological devices for the study of hospital environments, which seek to contribute
to the understanding of how the landscape in which these buildings are located, as well as the multiple aspects that
make it up, are perceived by the people who experience it. The concern with the relationship between hospitals and
the city, although not new, remains in need of further attention, considering that this type of health care
establishment, due to its size, complexity, uses and symbolism, has great potential transforming the landscape,
impacting it, as well as the way it is perceived by people, in positive and/or negative ways. Thus, starting from the
foundations of Environmental Psychology and concepts such as restorative environments, therapeutic landscapes
and healing places, it is argued that hospital environments, if properly planned, can contribute to the promotion of
urban health and favor a more positive perception of individuals about them. Therefore, based on existing Post -
Occupation Assessment (POE) instruments, three devices were formulated - Multisensory Mapping, Desired
Environment vs. Current Environment and Anamnesis - whose results are intended to contribute to the development
of strategies for planning of a more positively apprehensible landscape, which contributes to the quality of life,
health and well-being not only of hospital users, but of the population as a whole that experiences it on a daily basis.

KEYWORDS: hospital surroundigs; health; environmental perception; devices; post-ocupation evaluation.

311
1 INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo propor dispositivos metodológicos para o estudo de
entornos hospitalares, os quais buscam contribuir com a compreensão sobre como a paisagem
na qual esses edifícios se inserem, assim como os múltiplos aspectos que a conformam, são
percebidos pelas pessoas que a experienciam e, consequentemente, possibilitar a busca por
estratégias que as proporcionem maior conforto e qualidade de vida no espaço urbano .
A afirmação de Nassar (1994) de que “para existir, os edifícios afetam a qualidade da
paisagem urbana” (p.377, tradução nossa), evidencia o impacto que estes geram no seu
entorno. Entretanto, não é somente na paisagem que os efeitos da inserção de uma arquitetura
se refletem, mas, também, sobre a percepção das pessoas que experienciam esse espaço
urbano. No caso dos hospitais, os quais recebem enfoque nesse artigo, devido ao seu porte,
complexidade, usos e simbolismos, apresentam grande potencial transformador da paisagem à
sua volta, que “[...] seja pela forma, atividade mais específica do arquiteto, pelas funções e as
práticas sociais, ou ainda pela representação, trarão ao indivíduo mudanças de percepção, de
hábitos, de comportamentos, ou mesmo de sentimentos traduzidos nas mais diversas sensações
[...]” (SOUZA, 2003, p.75).
Por volta da década de 60, a partir do campo da Psicologia Ambiental, definido por
Elali (1997) como o lócus onde a soma entre o conhecimento psicológico e o arquitetônico
possibilitam a produção de um ambiente mais humanizado e coerente ecologicamente, ocorreu
a difusão das pesquisas sobre as relações ambiente -comportamento (FONTES, 2007),
reforçando a visão sobre a importância de elaborar projetos mais conscientes de que a forma e
cada um dos elementos que constituem um determinado espaço, influe nciam nas sensações
despertadas nos seus usuários.
Sob esta ótica, entende-se que a preocupação com a saúde deve ocorrer não somente
dentro do hospital, mas no âmbito da cidade, ao proporcionar condições de conforto, bem estar
e qualidade de vida à população em geral. Tal concepção encontra-se em consonância com a
própria definição do conceito de saúde pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que afirma
que se trata do “estado de completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a mera
ausência de doença ou enfermidade” (OPAS BRASIL, online) e, mais especificamente, de saúde
urbana, que prega o entendimento do papel do ambiente físico e social da cidade em moldar a
saúde das pessoas, modulando-a de forma benéfica ou danosa (CAIFFA et al, 2008), o que amplia
a responsabilidade sobre o planejamento e projeto destes espaços.
Nesse sentido, dar voz às pessoas que experienciam os entornos hospitalares é
imprescindível para entender como são percebidos e como se relacionam um com o outro e,
para tanto, a Avaliação Pós-Ocupação (APO) coloca-se como uma metodologia de avaliação de
ambientes com base interdisciplinar, aglutinando conhecimentos e métodos provenientes de
diferentes áreas do conhecimento. Trata-se de um conjunto de procedimentos metodológicos
“[...] que visa aferir, especialmente, o atendimento às necessidades objetivas e subjetivas do
usuário no decorrer do uso do ambiente construído” (ONO et al, 2018, online).
Associada ao campo da Psicologia Ambiental, a APO proporciona métodos e técnicas
que possibilitam “[...] obter respostas sobre comportamento, percepção/cognição,
sentimentos/emoções, atitudes, expectativas e preferências dos usuários e incorporá-las à
avaliação do ambiente construído, de objetos e produtos e seus desdobramentos” (ONO et al,
2018, online). Conforme destaca Souza (2003):

312
Os espaços não são neutros. Eles vão interferir de forma significativa na felicidade ou
infelicidade das pessoas, oferecendo facilidades ou dificuldades, como uma melhoria
significativa no trânsito, nos serviços, na segurança ou desconforto na falta dos
mesmos, o embelezamento dos lugares e até mesmo a valorização do cidadão. Daí a
responsabilidade de quem participa da promoção de reformas e mudanças nos
espaços da cidade. É preciso ter a consciência de que elas trarão reflexos na vida da
população, às vezes muito profundos no seu cotidiano, gerando desdobramentos por
vezes inesperados e imprevisíveis, isto é, fora do controle da ação projetual inicial
(SOUZA, 2003, p.75).

Sendo assim, no contexto aqui abordado, as transformações geradas pelos hospitais


em seus arredores e a forma como essa paisagem que se constrói é percebida pelos sujeitos que
a experenciam, deveriam ser uma preocupação premente em vistas a proporcionar um
ambiente compatível com as premissas de conforto, bem estar e saúde. Não obstante, o grande
potencial que tais edificações possuem de gerar influências sobre o seu entorno, tendo em vista
características a elas inerentes, ainda é, de certa forma, desprezado, acarretando na
conformação de espaços urbanos pouco acolhedores e permeados por problemas que afetam
de diferentes modos os seus usuários, evidenciando que a relação dos hospitais gerais com a
cidade, no que diz respeito aos seus desdobramentos sobre a paisagem e sua percepção a partir
dos sujeitos que a experienciam, é um campo que demanda maior dedicação, visando
possibilitar uma experiência menos estressante e mais positiva a essas pessoas.
Portanto, os dispositivos propostos neste artigo intencionam oferecer subsídios que
possam contribuir com a elaboração de estratégias para o planejamento de uma paisagem mais
positivamente apreensível, que contribua com o conforto, a qualidade de vida, saúde e bem
estar não apenas dos usuários dos hospitais, mas da população como um todo que experiencia
seus arredores cotidianamente.
Por todos os fatos mencionados, na seção 2 deste artigo será realizada, com base em
pesquisa bibliográfica, uma breve contextualização da sua temática, destacando os principais
conceitos que ancoram a discussão levantada. Na seção 3, por sua vez, com base em
instrumentos de APO existentes, serão propostos dispositivos metodológicos para compreensão
das percepções da paisagem em entornos hospitalares, associados a exemplos de fichas para
sua aplicação e descrição das etapas que compreendem cada um deles. Nas seções 4 e 5 serão
relatos, respectivamente, os resultados esperados com o artigo e com a aplicação dos
dispositivos, e as considerações finais.

2 CONFORTO, SAÚDE, RELAÇÃO PESSOA-AMBIENTE E A NECESSIDADE DE SE PLANEJAR


ENTORNOS HOSPITALARES MAIS RESPONSIVOS

O estresse é definido por Molina (1996) como:

[...] qualquer situação de tensão aguda ou crônica que produz uma mudança no
comportamento físico e no estado emocional do indivíduo e uma resposta de
adaptação psicofisiológica que pode ser negativa ou positiva no organismo. Tanto o
agente estressor como seus efeitos sobre o indivíduo podem ser descritos como
situações desagradáveis que provocam dor, sofrimento e desprazer (MOLINA, 1996,
p.18).

Ademais, trata-se de um problema que assola, em menores ou maiores níveis de


intensidade, cerca de 90% da população mundial, sendo considerado pela Organização Mundial

313
de Saúde (OMS) como uma epidemia (IMIP, 2020). Além das consequências físicas, psíquicas e
sociais dele decorrentes, ainda podem contribuir com a manifestação de outras doenças, como
o Alzheimer, o câncer e transtornos mentais, sendo, portanto, motivo de grande preocupação
(RICHET, 2020). Suas causas podem estar relacionadas a uma multiplicidade de fatores, aos quais
as pessoas estão expostas no seu dia a dia e que afetam o seu bem estar e qualidade de vida.
De acordo com Molina (1996), o estresse pode ser classificado em oito tipos, sendo
um deles relacionado aos ambientes nos quais realizamos nossas atividades cotidianas, como os
locais de trabalho, as moradias e a própria cidade. Na cidade contemporânea, caracterizada pela
transitoriedade, pela complexidade, pelo ritmo acelerado e pela constante sensação de
movimento, as pessoas estão permanentemente expostas à um grande volume de informações
e sensorialidades (HAROCHE, 2008), que as condicionam, também, à um constante estado de
estresse. O trânsito, a poluição visual e sonora, a violência, a desordem, dentre tantos outros
aspectos que são inerentes à vida e ao caos urbano, afetam seus moradores em diferentes graus
e de distintas formas, ainda que de maneira silenciosa.
Preocupados com tais consequências potencialmente geradas pelos ambientes
construídos, surgem estudos interessados em compreender seus fatores estressores, mas,
também, as condições capazes de oferecer o oposto aos seus usuários, ou seja, proporcionar
bem estar, conforto e sensações positivas. Nesse contexto, um dos conceitos que podem ser
destacados é o de Ambientes Restauradores (Restorative Environments), que ganhou
visibilidade a partir da década de 1980, fundamentando-se em teorias propostas por Roger
Ulrich e Rachel e Stephen Kaplan, sendo “[...] definido como um processo de restauração,
recuperação e restabelecimento dos aspectos físicos, psicológicos ou da capacidade social,
perdidos pelo esforço contínuo” (GRESSLER; GÜNTHER, 2013, p.488).
Na teoria da Recuperação Psicofisiológica do Estresse (Psychophysiological Stress
Recovery), Ulrich postula que:

[...] por uma questão de sobrevivência, o ser humano se utiliza de estratégias


comportamentais, que requerem decisões afetivas como aproximação ou repulsão,
além de uma mobilização simultânea de recursos fisiológicos para atender a tais
estratégias. A exigência ligada ao excesso de tomada de decisões pode causar
estresse. As consequências do estresse são autorrelatos de emoções negativas e, em
um curto período de tempo, mudanças negativas do sistema fisiológico e aumento da
atenção automática, isto é, da vigilância (GRESSLER; GÜNTHER, 2013, p.489).

Kaplan & Kaplan, com a Teoria da Restauração da Atenção (Attention Restoration


Theory), defendem que “[...] após horas de concentração da atenção, ou mesmo de exposição
ao estresse da vida cotidiana, poder-se ia experimentar fadiga no processo de atenção, com
necessidade para o cérebro humano de um momento para descansar e retomar a atenção”
(GRESSLER; GÜNTHER, 2013, p.489).
Desse modo, apesar de enfatizarem processos distintos, os autores de ambas as
teorias se complementam e expressam a visão sobre os efeitos negativos decorrentes do
estresse. Conforme destacam Del Rio, Duarte e Rheingantz (2002), os impactos da percepção
ambiental sobre os usuários não se dão apenas do ponto de vista emocional, tendo em vista
que, “os estímulos provocam respostas neuro-hormonais e imunológicas com potencial de inter-
relacionar as respostas afetivas a esses ambientes com a saúde mental e seu valor recuperativo
[...]” (DEL RIO; DUARTE; RHEINGANTZ, 2002, p.11).

314
Outro ponto de concordância entre Ulrich e kaplan & Kaplan diz respeito à capacidade
da natureza, bem como de seus elementos, de promover recuperação psicofisiológica ao
estresse, também destacada em pesquisas de outros autores, como Wilbert Gesler, que cunhou,
na década de 1990, em um contexto de mudanças no campo da geografia da saúde, o conceito
de Paisagens Terapêuticas (Therapeutic Landscapes), o qual compreende estudos sobre como a
paisagem afeta a saúde das pessoas.
Gesler cunhou também o conceito de Lugares de Cura (Healing Places), que consiste
em um subconjunto do termo Paisagem Terapêutica, e afirma que “cura e lugar são
inseparáveis” (p.1, tradução nossa). Segundo o autor:

Existem muitos motivos pelos quais as pessoas se sentem atraídas por um lugar
porque acreditam que ele as curará física, mental, espiritual, emocional e socialmente.
Pode ser a beleza natural ou a tranquilidade que fazem lembrar sobre um local
preferido; ou os edifícios que fornecem uma sensação de solidez e segurança; ou o
significado simbólico de elementos como a estátua de um herói local; ou relembrar o
apoio que alguém teve em um determinado lugar por parte da família e amigos
(GESLER, 2003, p.6, tradução nossa).

Sendo assim, Gesler (2003), partindo da concepção de que as pessoas não se


configuram como um conjunto de partes, mas como seres integrais, aponta que existem quatro
ambientes que contribuem com um senso de lugar de cura - o natural, o construído, o simbólico
e o social (Figura 1). Segundo o autor, “as pessoas costumam ser fortemente afetadas tanto
pelos símbolos concretos quanto abstratos que experienciam nos lugares” (GESLER, 2003, p.7,
tradução nossa).

Figura 1 – Aspectos dos ambientes de cura

Fonte: Elaborado pela autora (2021), com base em GESLER (2003)

No que tange o ambiente natural, Gesler salienta que a maioria das sociedades ao
redor do mundo acredita em seu poder curativo, e “[...] sentem que podem alcançar a cura
física, mental e espiritual simplesmente passando um tempo ao ar livre [...]” (2003, p.8, tradução
nossa). Quanto ao ambiente construído, atribui muitos dos estudos existentes em relação aos
seus efeitos sobre a saúde à Psicologia Ambiental e, com base nela, reforça a ideia de que “[...]
o que as pessoas experienciam a partir de seus arredores afeta seu humor, suas emoções e a
forma como agem” (GESLER, 2003, p.11, tradução nossa).

315
O autor menciona que, no entanto, para compreender como estes ambientes – natural
e construído – se relacionam com a cura, é necessário pensar o que eles significam, e daí decorre
o ambiente simbólico, tendo em vista que “a cura acontece ao longo de um caminho simbólico
de palavras, pensamentos, valores, expectativas, crenças e a maneira como os eventos e formas
se conectam com os processos afetivos e fisiológicos” (GESLER, 2003, p.12-13, tradução nossa).
Por fim, quanto ao ambiente social, assinala que a “cura é uma atividade social, que envolve
interações entre pessoas que desempenham variados papeis socias” (GESLER, 2003, p. 14,
tradução nossa) e que “a qualidade das relações sociais em ambientes de saúde é importante”
(GESLER, 2003, p.15, tradução nossa).
Apesar de em seus estudos Gesler (2003) enfocar em locais de cura tradicionais e de
grande reconhecimento popular, como Epidauros 1, Bath2 e Lourdes3, além de hospitais, ele
destaca que ambientes assim podem ser encontrados em praticamente qualquer lugar, assim
como também podem ser criados. Ademais, mesmo não se estendendo nessa abordagem, inclui
os ambientes voltados para a manutenção da saúde, e não apenas para a cura, como
importantes dentro do contexto estudado.
As contribuições de Wilbert Gesler são inegáveis, entretanto, também são fruto de
diversas críticas por parte de outros estudiosos. Este artigo não tem como objetivo se debruçar
sobre a obra do autor em específico, todavia, de modo a complementar o embasamento da
discussão proposta, algumas das críticas devem ser mencionadas, como o enfoque dado à cura,
ao invés da promoção à saúde; o foco em locais extraordinários e tradicionais (Epidauros, Bath
e Lourdes, por exemplo), no lugar de explorar espaços constituídos em paisagens cotidianas com
potencial de promover o bem estar e a saúde; questiona-se que mesmo locais com potencial de
cura reconhecido, como os estudados pelo autor, podem ser desagradáveis para determinados
grupos, tendo em vista os seus aspectos culturais e individuais, o que aponta para uma visão de
que os lugares possuem, simultaneamente, a capacidade de ferir e de curar (DOUGHTY, 2018).
Sendo assim, sobre as bases constituídas por Gesler, alguns autores ulteriores trazem, então, o
questionamento sobre como a paisagem cotidiana influi no conforto e na saúde, e é nesse
contexto que se enquadram os dispositivos propostos neste artigo.
Com base nos conceitos brevemente abordados nesta seção, reforça-se a alegação de
Hall (2005), de que seria um equívoco projetar considerando o homem e o espaço que o rodeia
isoladamente, tendo em vista que constituem um sistema inter-relacionado. No entorno de
edifícios de saúde, em especial, as relações pessoa-ambiente podem ser ainda mais intensas,
visto que as pessoas que o experienciam costumam estar sensibilizadas e fragilizadas em função
das situações de estresse às quais se encontram submetidas, sejam elas pacientes,
acompanhantes, visitantes ou funcionários. Para além disso, ainda que não se trate de um
usuário do hospital, mas de alguém que experiencia cotidianamente o ambiente urbano à sua
volta, os efeitos decorrentes da relação pessoa-ambiente se farão presentes, afetando seu
estado físico, psíquico e, em última instância, sua própria saúde.
Assim, partindo-se da compreensão da paisagem como um “modo de ver”,
impregnada de simbolismo (COSGROVE, 2004) e também dialética, não podendo ser resumida

1 O Templo de Asclépio (Deus da medicina), em Epidauros, na Grécia, é reconhecido por, antigamente, atrair pessoas
de todo o mundo em busca de cura.
2 As fontes de Bath possuem águas quentes enriquecidas com minerais as quais os povos antigos acreditavam ter um

poder curativo. Baseados nessa crença, ainda hoje viajantes de todo o mundo vão até o local.
3 O Santuário da Virgem Maria na vila francesa de Lourdes tornou-se emblemático em função das curas milagrosas

que lá teriam acontecido.

316
apenas a aspectos morfológicos ou relacionados a percepção isoladamente, traduzindo -se a
partir da complexa interação entre os dois (SILVA, 2014) e considerando que ela faz “[...] parte
do convívio humano, influenciando-o sob os mais variados aspectos, que vão desde o ecológico,
passando pelo econômico, até o social” (FILHO, 2012, p.146), defende-se que elas, de maneira
integrada aos edifícios hospitalares, deveriam ser planejadas de modo a proporcionar entornos
hospitalares mais responsivos, ou seja, concebidos com base na consciência de sua capacidade
de afetar as pessoas.
Para tanto, e com base na discussão aqui levantada, os dispositivos de interlocução
propostos neste artigo visam contribuir com os estudos nos quais se fundamentam,
oportunizando caminhos para se compreender de que modo as diversas pessoas que
experienciam a paisagem na qual se inserem edifícios hospitalares, considerando-se suas
individualidades e contexto sociocultural ao qual pertencem, o percebem. A partir das respostas
obtidas, almeja-se que possam ser identificados os aspectos positivos e negativos da referida
paisagem, seus potenciais e desafios, na busca por subsidiar proposições voltadas para uma
relação pessoa-ambiente mais positiva e, consequentemente, propiciadora de conforto, bem
estar, saúde e qualidade de vida.

3 DISPOSITVOS PARA COMPREENSÃO SOBRE COMO OS ENTORNOS HOSPITALARES SÃO


PERCEBIDOS POR AQUELES QUE O EXPERIENCIAM

A Figura 2 apresenta, de forma sintetizada, os três dispositivos propostos neste artigo,


destacando os questionamentos que cada um deles pretende responder; os instrumentos de
APO existentes que serviram como embasamento para a sua elaboração; o público alvo ao qual
se destinam e os possíveis cenários de aplicação.

Figura 2 – Síntese dos dispositivos para compreensão das percepções da paisagem em entornos hospitalares

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

Conforme se pode notar, a pergunta central que perpassa todos os dispositivos se trata
de compreender a percepção da população em relação ao entorno de edifícios hospitalares e, a
partir dela, se desdobram questões mais específicas, as quais objetivam identificar as principais
sensações despertadas por essa paisagem quando experienciada de forma direta pelo
transeunte ou de forma indireta pelos usuários do hospital, a partir de seu interior, assim como

317
revelar os elementos da paisagem aos quais tais sensações estão relacionadas. Além disso,
buscam, ainda, estabelecer um panorama dos aspectos considerados como desejáveis em
entornos hospitalares, entrecruzando-os com as características atuais do local estudado.
Para tanto, os dispositivos propostos pautaram-se em outros instrumentos de APO
existentes - o Walkthrough, o Mapeamento Visual, o Poema dos Desejos, os Conceitos
Ilustrados, a Entrevista e o Jogo da memória - os quais encontram-se detalhados nos livros
“Observando a qualidade do lugar: procedimentos para avaliação pós-ocupação” (RHEINGANTZ
et al, 2009) e “Diálogo entre arquitetura, cidade e infância: territórios educativos em ação”
(AZEVEDO, 2019).
O Walkthrough consiste em um instrumento que atrela observação e entrevista,
caracterizando-se como um percurso dialogado ao longo do qual o respondente irá identificar e
descrever aspectos positivos e negativos dos ambientes analisados (RHEINGANTZ et al, 2009).
Fundamentou tanto o dispositivo Mapeamento Multissensorial quanto o Entorno Desejado x
Entorno Atual, tendo em vista o intuito de que o respondente percorresse o trajeto estipulado
pelo pesquisador no entorno hospitalar para, então, responder as perguntas. Entretanto,
considerando-se os questionamentos que tais dispositivos propostos visam responder, foi
necessário que seu embasamento se desse também sobre outros instrumentos existentes.
No caso do Mapeamento Multissensorial, houve também a inspiração no
Mapeamento Visual, que se configura como um instrumento que visa compreend er um
ambiente a partir da percepção dos seus usuários em relação a aspectos que o integram, como
sua localização, apropriações, demarcação de territórios, inadequações existentes,
funcionalidade dos mobiliários, existência de possíveis barreiras, entre outros pontos positivos
e negativos por esses identificados (RHEINGANTZ et al, 2009). Esse instrumento também
fundamentou o dispositivo Anamnese, já que tanto ele quanto o Mapeamento Multissensorial
almejam identificar as percepções das pessoas em relação aos locais estudados e os elementos
aos quais tais percepções se relacionam.
Já o Entorno Desejado x Entorno Atual, adotou como base também o Poema dos
Desejos, através do qual “[...] os usuários de um determinado ambiente declaram, por meio de
um conjunto de sentenças escritas ou de desenhos, suas necessidades, sentimentos e desejos
relativos ao edifício ou ambiente analisado [...]” (RHEINGANTZ et al, 2009, p.43) e os Conceitos
Ilustrados, que por sua vez, “[...] tem a intenção de materializar ideias subjetivas discutidas pelos
participantes, tendo em vista a identificação pelos pesquisadores do que seriam os aspectos
desejáveis que caracterizam os espaços construídos e/ou livres analisados ou propostos”
(AZEVEDO, 2019, online). Isso se deu em razão do dispositivo proposto ter com uma de suas
intenções compreender os aspectos considerados pelas pessoas como desejáveis para se ter
entornos hospitalares mais agradáveis e propiciadores de experiências mais positivas.
Para a elaboração do dispositivo Anamnese, por fim, também se fundamentou na
entrevista, que se trata de uma técnica de amplo uso e conhecimento, que consiste em uma
conversa estabelecida entre o pesquisador e o participante que carrega consigo um
determinado objetivo, e o jogo da memória, que “[...] intenciona verificar a percepção e o
reconhecimento das crianças/jovens em relação a determinados lugares da vizinhança onde
habitam [...]” (AZEVEDO, 2019, online), já que envolve perguntas que demandam que o
participante tente se lembrar de sua experiência em relação ao hospital em estudo e a paisagem
percebida ou não a partir do seu interior.

318
Nos itens 3.1, 3.2 e 3.3 a seguir, os dispositivos propostos nesse artigo – Mapeamento
Multissensorial, Entorno Desejado x Entorno Atual e Anamnese – serão mais detalhadamente
descritos, ficando mais evidente a forma como cada um dos instrumentos de APO existentes
mencionados os influenciaram.
No que tange o público alvo para o qual a aplicação dos dispositivos propostos se
direciona, foram inclusos grupos que experienciam os entornos hospitalares, dentre os quais
estão os usuários do próprio hospital (pacientes, acompanhantes, visitantes e funcionários) e
pessoas que transitam ou se utilizam desses locais cotidianamente. Assim, indica-se que o
Mapeamento Multissensorial e o Entorno Desejado x Entorno Atual sejam aplicados com a
população em geral, que pode englobar ambos os grupos anteriormente mencionados. A
Anamnese, por outro lado, é direcionada especificamente para usuários do hospital em estudo.
Considerando-se a pandemia de Covid-19, iniciada no ano de 2020, que impôs uma
série de desafios e limitações no que diz respeito às pesquisas de campo, os três dispositivos
propostos foram elaborados de modo a possibilitar sua aplicação tanto em um cenário
presencial quanto remoto, mediante algumas adaptações sugeridas na descrição das etapas nos
itens 3.1, 3.2 e 3.3.
Nos itens a seguir, serão detalhados a descrição e etapas de operacionalização dos
dispositivos propostos no artigo, de modo que possam ser adotados em estudos relacionados
aos entornos hospitalares.

3.1 Mapeamento multissensorial

O Mapeamento Multissensorial foi pensado como um dispositivo que se fundamenta


no Walkthrough e no Mapeamento Visual. Sendo assim, após realizar o percurso determinado
pelo pesquisador no entorno do edifício hospitalar, ao respondente é solicitado o
preenchimento de uma ficha que se divide em três partes (Figura 3). A primeira delas consiste
nos dados gerais da pesquisa – nome do hospital, trajeto sob análise, data e horário da aplicação
da ficha. A segunda parte, que vai da pergunta 1 a 6, tem como objetivo despertar a percepção
do respondente, evocar sua sensibilidade. A parte três (perguntas 7 a 10), por sua vez, possui
como intuito sintetizar a percepção que o respondente tem do entorno e do hospital,
respectivamente, bem como identificar os elementos atribuídos a tais emoções/sensações. A
figura a seguir ilustra o modelo de ficha proposto:

319
Figura 3 – Esquema com exemplo de ficha de Mapeamento Multissensorial e indicação do objetivo de cada uma de
suas partes

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

A operacionalização do dispositivo pode ser resumida em três etapas, sendo a primeira


de planejamento, a segunda da efetiva aplicação, e a terceira de sistematização dos resultados
(Figura 4).

Figura 4 – Descrição e operacionalização do Mapeamento Multissensorial

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

Na etapa E1, após a definição do hospital e do trajeto em seu entorno que se deseja
analisar (a), deve ser elaborado um mapa (b) com a indicação de ambos, de modo que o
participante possa, na etapa de aplicação (E2), ser situado quanto a área de abrangência da
pesquisa. Outra possibilidade, é que o mapa seja utilizado para que o participante vá marcando
nele os elementos correspondentes aos questionamentos feitos na ficha.
Ressalta-se que, em caso de aplicação do dispositivo de forma remota, a etapa E1 deve
contemplar também a preparação do material audiovisual que será utilizado para que o
participante faça o percurso no entorno do hospital de forma online. Sendo assim, recomenda-
se que haja um cuidado especial na preparação deste material, para que ele possibilite uma
experiência o mais completa possível, englobando vídeos e/ou fotos e áudios, entre outros

320
recursos que se considere relevantes. Inevitavelmente nada substitui a experiência de poder
estar presencialmente no local, quando outros aspectos sensoriais que não podem ser
transmitidos pela tela, como cheiros e temperatura, a enriquecem, entretanto, em situações de
impossibilidade, como a que a pandemia de Covid-19 impôs, torna-se uma possibilidade viável
de aplicação do Mapeamento Multissensorial. Ademais, como o público alvo do dispositivo são
pessoas que conhecem o local, também será possível que façam uso das memórias que tem
sobre o mesmo para responder a ficha.
Após a aplicação do dispositivo junto aos participantes (E2), deve ser realizada a
análise e sistematização dos resultados obtidos (E3), buscando identificar: os elementos que
mais chamam atenção no entorno do hospital; os principais aspectos mencionados como
positivos e negativos no percurso; outros aspectos sensoriais percebidos, como sons e cheiros;
as principais sensações despertadas ao longo do trajeto e os elementos aos quais se relacionam;
as principais impressões geradas pelo hospital e os elementos aos quais são atribuídas. Tais
resultados poderão ser traduzidos a partir de gráficos, mapas, e outras representações que o
pesquisador julgar adequadas à sua pesquisa.

3.2 Entorno desejado x entorno atual

Este dispositivo se fundamenta no Poema dos Desejos, Conceitos ilustrados e


Walkthrough. Sua aplicação engloba a realização de um percurso no entorno hospitalar
determinado pelo pesquisador e respostas à uma ficha dividida em três partes (Figura 4). Tanto
a primeira quanto a segunda parte devem ser respondidas antes de percorrer o trajeto. A
primeira delas consiste nos dados gerais da pesquisa – nome do hospital, data e horário da
aplicação da ficha. A segunda parte, por sua vez, objetiva identificar quais são as principais
características mencionadas pelas pessoas como desejáveis para entornos hospitalares mais
agradáveis e propiciadores de experiências mais positivas. Para tanto, é composta por um
quadro de palavras que reúnem possíveis características e uma lista numerada até dez, na qual
o participante será solicitado a elencar, por ordem de prioridade, até dez características
consideradas por ele como desejáveis. Deve-se deixar claro para o participante que para elencar
as dez características ele pode se basear nas palavras dispostas no quadro e/ou adicionar outras
que considere relevantes e que não estejam presentes ali.
A parte três, por sua vez, possui como intuito avaliar as condições atuais das
características elencadas pelo participante no entorno atual do hospital. Desse modo, seu
preenchimento deverá ser precedido ou acompanhado pela realização do percurso no entorno
do hospital. O participante deverá marcar, numa escala ilustrada por emojis4 que vai de péssimo
à ótimo, sua avaliação em relação a cada uma das dez características por ele listadas. A figura a
seguir ilustra o modelo de ficha proposto:

4 Os emojis têm origem no Japão e consistem em ideogramas usados em mensagens eletrônicas e páginas na internet
com o intuito de representar as emoções e sentimentos humanos. Seu uso é muito popularizado nas redes sociais e
aplicativos como o whatsapp.

321
Figura 5 – Exemplo de ficha para aplicação do dispositivo Entorno Desejado x Entorno Atual

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

A operacionalização do dispositivo pode ser resumida em três etapas, sendo a primeira


de planejamento, a segunda da efetiva aplicação, e a terceira de sistematização dos resultados
(Figura 6).

Figura 6 – Descrição e operacionalização do Entorno Desejado x Entorno Atual

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

Assim como no Mapeamento Multissensorial, na etapa E1, após a definição do hospital


e do trajeto em seu entorno que se deseja analisar (a), deve ser elaborado um mapa (b) com a
indicação de ambos, de modo que o participante possa, na etapa de aplicação (E2), ser situado
quanto a área de abrangência da pesquisa. Outra possibilidade, é que o mapa seja utilizado para
que o participante vá marcando nele, através de emojis, sua avaliação das condições atuais do
percurso em relação às características listadas por ele como desejáveis para entornos
hospitalares.
Ressalta-se que, em caso de aplicação do dispositivo de forma remota, a etapa E1 deve
contemplar também a preparação do material audiovisual que será utilizado para que o
participante faça o percurso no entorno do hospital de forma online e tenha condições de avaliá-

322
lo. Sendo assim, recomenda-se que haja um cuidado especial na preparação deste material, para
que ele possibilite uma experiência o mais completa possível, englobando vídeos e/ou fotos e
áudios, entre outros recursos que se considere relevantes. Inevitavelmente nada substitui a
experiência de poder estar presencialmente no local, entretanto, em situações de
impossibilidade, como a que a pandemia de Covid-19 impôs, torna-se uma possibilidade viável
de aplicação do Entorno Desejado x Entorno Atual. Ademais, como o público alvo do dispositivo
são pessoas que conhecem o local, também será possível que façam uso das memórias que tem
sobre o mesmo para responder a ficha.
Após a aplicação do dispositivo junto aos participantes (E2), deve ser realizada a
análise e sistematização dos resultados obtidos (E3), buscando identificar: as principais
características desejáveis citadas pelos participantes e sua ordem de prioridade; a avaliação da
forma como as condições atuais do entorno do hospital são percebidas pelos participantes. Tais
resultados poderão ser traduzidos a partir de nuvem de palavras, mapas, e outras
representações que o pesquisador julgar adequadas à sua pesquisa.

3.3 Anamnese

Este dispositivo se fundamenta no Mapeamento Visual, Entrevista e Jogo da memória.


Sua aplicação requer que o participante recorra às suas memórias de experiência em relação ao
hospital e a paisagem do entorno percebida ou não a partir dele para, então, respond er uma
ficha dividida em três partes (Figura 7). A primeira delas consiste nos dados gerais da pesquisa
– nome do hospital, relação do respondente com a instituição, ambiente usado como referência
para as respostas pelo respondente, data da aplicação da ficha. A segunda parte, que vai da
pergunta 1 a 9, tem como objetivo despertar a percepção do respondente, evocar sua
sensibilidade. A parte três (perguntas 10 e 11), por sua vez, possuem como intuito sintetizar a
percepção que o respondente tem da paisagem do entorno do hospital, bem como identificar
os elementos atribuídos a tais emoções/sensações. Tratam-se de questionamentos semelhantes
aos feitos na ficha do Mapeamento Multissensorial, mas destinados a outro público alvo, o qual
possui uma perspectiva do interior para o exterior da edificação. A figura a seguir ilustra o
modelo de ficha proposto:

Figura 7 – Exemplo de ficha para aplicação do dispositivo Anamnese

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

323
A operacionalização do dispositivo pode ser resumida em três etapas, sendo a primeira
de planejamento, a segunda da efetiva aplicação, e a terceira de sistematização dos resultados
(Figura 8).

Figura 8 – Descrição e operacionalização da Anamnese

Fonte: Elaborado pela autora (2021)

Na etapa E1, deve ser definido o hospital cuja paisagem do entorno se deseja analisar
(a). Diferente dos dois dispositivos anteriores, não é necessária a elaboração de um mapa, visto
que a realização do percurso do entorno não faz parte da Anamnese.
Após a aplicação do dispositivo junto aos participantes (E2), deve ser realizada a
análise e sistematização dos resultados obtidos (E3), buscando identificar: os elementos que
mais chamam atenção na paisagem do entorno do hospital; os principais aspectos mencionados
como positivos e negativos em relação a ela; outros aspectos sensoriais percebidos, como sons
e cheiros; as principais sensações despertadas pela paisagem do entorno percebida do interior
do hospital e os elementos aos quais se relacionam. Tais resultados poderão s er traduzidos a
partir de gráficos, mapas, e outras representações que o pesquisador julgar adequadas à sua
pesquisa.

4 RESULTADOS ESPERADOS

Com base nas discussões levantadas na seção dois deste artigo, acredita-se que as
paisagens cotidianas, e não somente aquelas já amplamente reconhecidas como lugares de cura
(Healing Places), podem contribuir para além do processo de restabelecimento da saúde das
pessoas, mas, principalmente, com promoção do conforto e qualidade de vida nos espaços
urbanos. Especialmente na cidade contemporânea, ambiente permeado por elementos e
situações geradores de estresse, desconforto e outras condições patológicas físicas e psíquicas,
pensar e conceber os espaços de uso cotidiano como propiciadores de bem es tar, qualidade de
vida, sensações positivas, torna-se não somente desejável como urgente, considerando-se a
necessidade de se promover a saúde urbana.
Entretanto, de que forma pensar em entornos hospitalares mais responsivos sem
antes compreender como são percebidos e afetam as pessoas que o experienciam? Sem
dúvidas, o caminho mais promissor passar por dar voz a elas e, a partir daí, elaborar diretrizes e
soluções.
Assim, espera-se que o presente artigo possa contribuir com estratégias de
interlocução aplicáveis ao estudo de entornos hospitalares, possibilitando que seus efeitos

324
sobre as pessoas que o experienciam cotidianamente sejam explicitados. Além do mais, almeja-
se que a partir dos resultados obtidos possam ser traçadas estratégias e levantadas discu ssões
sobre o planejamento de paisagens que propiciem experiências mais positivas, especialmente
em entornos hospitalares.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo objetivou propor dispositivos de interlocução voltados para a compreensão


a respeito da percepção das pessoas em relação aos entornos hospitalares, os quais são
aplicáveis a estudos que tenham como foco os arredores de edifícios desta tipologia.
A busca por uma paisagem que possa contribuir de forma positiva com aqueles que a
experienciam, oferecendo condições de conforto e bem estar, e que seja mais positivamente
apreensível pelas pessoas, gerou a necessidade de ouvi-las para, então, identificar como ela é
percebida, quais elementos se destacam, quais são seus aspectos positivos e negativos, que tipo
de sensações gera e como seriam suas características desejáveis.
Tendo em vista as limitações impostas pela pandemia de Covid-19, da qual decorreu a
necessidade de distanciamento social, foi considerada a viabilidade de aplicação dos dispositivos
em cenário remoto, entretanto, ressalta-se que tal conduta poderá apresentar alguns prováveis
desafios, como o de aproximação em relação ao público alvo desejado, especialmente no caso
do Mapeamento Multissensorial e do Entorno Desejado x Entorno atual. Ademais, ainda no caso
destes dispositivos, mesmo com a produção de um material audiovisual de qualidade para
realização do percurso online no entorno dos hospitais, a identificação de alguns aspectos pode
ser dificultada ou impossibilitada, ficando refém das memórias dos respondentes sobre o local.
Apesar do enfoque dado aos entornos hospitalares, é possível que os dispositivos
propostos pelo artigo sejam adotados para análise de entornos de outros tipos de edificações,
mediante adaptações. Conforme apontado na seção dois deste artigo, espaços urbanos
cotidianos podem e devem exercer sensações positivas sobre as pessoas que o experienciam,
garantindo-lhes conforto e bem estar. Sendo assim, amplas se tornam as possibilidades de
aplicação dos dispositivos, na busca por promover uma cidade mais confortável, agradável e
saudável.

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SOUZA, C. O. O Espaço e a Sensibilidade dos Cidadãos. Arqtexto, v. 3, p. 72-83, 2003.

326
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

EDIFÍCIOS EDUCACIONAIS TOMBADOS EM JUIZ DE FORA

PROTECTED HISTORIC BUILDINGS OF EDUCATION IN JUIZ DE FORA

Pablo Corrêa Lima


Mestrando em Ambiente Construído, Universidade Federal de Juiz de Fora, Especialista em Patrimônio Arquitetônico e
Urbano, Unyleya, Arquiteto e Urbanista, UniAcademia, Brasil
pablo.lima@estudante.ufjf.br

327
RESUMO
A cidade de Juiz de Fora possui forte ligação com o processo de industrialização brasileiro, atuou por muito tempo
como município de caráter industrial, da cultura e do lazer, proporcionado a implementação e consolidação de
grandes instituições de ensino durante o século XX, que posteriormente tiverem suas edificações históricas protegidas
por decreto de tombamento. O objetivo deste artigo é identificar e analisar as edificações históricas tombadas na
cidade de Juiz de Fora que foram construídas para uso educacional, e continuam com o mesmo uso atualmente. O
método de pesquisa adotado consistiu no primeiro momento, na realização de levantamento dos decretos de
tombamento da prefeitura da cidade, para identificação dos edifícios tombados e que possuem usos educacionais
atualmente. Após a seleção dos edifícios, foi realizada uma filtragem de edifícios que foram construídos para o uso
educacional, descartando assim os edifícios utilizados atualmente para uso escolar, mas que não foram construídos
originalmente para este uso. Para aprofundamento, foi realizada uma breve pesquisa histórica sobre as instituições
educacionais e suas construções, identificando seus estilos arquitetônicos e principais características construtivas.
Foram identificadas instituições como: Colégio Academia; Colégio Granbery; Colégio Santa Catarina e Escola Normal,
importantes para a disseminação da cultura e educação na sociedade juízforana. Ao final, observa -se que seus
edifícios históricos possuem características singulares relacionadas ao comércio, à imigração e à religião, retratando
os aspectos sociais e arquitetônicos de Juiz de Fora no início do século XX.

PALAVRAS-CHAVE: Edifício Histórico. Instituição de Ensino. Tombamento.

ABSTRACT
The city of Juiz de Fora has a strong connection with the Brazilian industrialization process, active for a long time as a
municipality with an industrial, cultural, and leisure character, providing the implementation and contributions of
large educational institutions during the 20th century, which later had its historic buildings protected by listing decree.
The objective of this article is to identify and analyze the historic buildings listed in the city of Juiz de Fora that were
built for educational use and continue with the same use today. The research method adopted consisted, at first, of
surveying the city council's listing decrees, to identify listed buildings that currently have educational uses. After the
selection of buildings, a filtering of buildings that were built for educational use was carried out, thus discarding
buildings currently used for school use, but which were not originally built for this use. For in-depth analysis, brief
historical research was carried out on educational institutions and their constructions, identif ying their innovative
styles and main construction characteristics. Institutions were identified as: Colégio Academia; Granbery College;
Colégio Santa Catarina and Escola Normal, important for the dissemination of culture and education in Juiz de Fora
society. In the end, it is observed that its historic buildings have unique characteristics related to commerce,
immigration, and religion, portraying the social aspects and updates of Juiz de Fora at the beginning of the 20th
century.

KEYWORDS: Historic Building. Educational institution. Protection of Culture.

328
1 INTRODUÇÃO

A proteção de bens culturais e históricos possibilita que cidadãos reflitam sobre a


origem de seus povos e suas características socioculturais que permeiam do passado ao
presente. No âmbito dos bens imóveis, o instrumento de tombamento, instituído no Brasil no
ano de 1937 a partir do decreto-lei nº 25, visa proteger os edifícios de valor histórico e cultural
no país. Quanto ao nível de tombamento, este pode ser em esfera mundial (Organização das
Nações Unidas para a Educação Ciência e Cultura - UNESCO), federal, estadual ou municipal, de
acordo com o grau de importância cultural/histórica do edifício e sua popularidade.
A preservação de um edifício a partir de legislações (tombamentos), apesar de
evidenciar sua importância histórica e cultural para determinados povos, não garante
totalmente sua integridade e preservação. Uma vez que no Brasil ocorrem constantes processos
de adensamentos urbanos consequentes de especulações imobiliárias e crescimento
desordenado de cidades, somado ao alto custo de manutenção e preservação de edifícios, estes
fatores podem colocar em risco sua proteção e preservação efetiva (Losnak; Lopes, 2015).
De acordo com Albuquerque Júnior (2007), uma das maneiras de se preservar o
patrimônio cultural é manter ativo seu processo de ressignificação, de identificação e educação
patrimonial para que este bem histórico não seja esquecido e vire ruína. A utilização constante
de edifícios históricos tombados é uma forma de se preservar e possibilitar o estabelecimento
de novas relações de afetividade dos usuários nestes ambientes.
Quanto ao uso desses edifícios históricos, pode ocorrer pela manutenção de suas
funções originais ou transformando-os para recebimento de novos usos, desde que as
intervenções sejam pontuais e não alterem as características originais do edifício, como por
exemplo a adequação das instalações, intervenções que garantam a acessibilidade prevista pela
NBR n° 9050 e proteção contra incêndios previstas por instruções normativas estaduais do corpo
de bombeiros.
Mesmo que o edifício mantenha sua função original, é necessário que passe por
constantes intervenções de baixo impacto, para que garanta conforto aos seus usuários e se
adeque às novas tecnologias e mobiliários. O desafio da preservação de edifícios educacionais
históricos que ainda possuem sua função original, perpassa por diversos processos complexos,
seja pela organização espacial limitada, pela dificuldade de garantia de acessibilidad e aos
usuários ou pela inserção de mobiliários e equipamentos tecnológicos que surgem
constantemente com o desenvolvimento de novos métodos pedagógicos.

Observamos diversas experiências no campo da arquitetura e dos acervos escolares


que, de uma forma ou de outra, estão contribuindo para a preservação dos acervos,
para uma expansão de noção de patrimônio e para a conscientização da sociedade
sobre a importância desse patrimônio. No entanto, continuamos tentando
salvaguardar nossos remanescentes arquitetônicos da ruína através do instrumento
de tombamento e não através de medidas de manutenção preventiva; [...] (Oliveira,
2015, p. 141-142).

De acordo com Oliveira (2015), mesmo sem políticas específicas de preservação e


manutenção e sem apoio financeiro, muitas escolas preservaram seus edifícios e seus acervos
documentais, revelando uma preocupação de seus gestores em salvaguardar a história de suas
instituições, além de preservar a memória de diversos alunos e colaboradores que passam pelas

329
instituições de ensino e se sentem representados, criando uma relação afetiva com estes bens
históricos e uma constante ressignificação.
Conforme evidenciado, devido a importância de se preservar instituições de ensino,
seus edifícios, acervos bibliotecários e documentais, o objetivo deste artigo é identificar e
analisar as edificações históricas tombadas na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, que foram
construídas para uso educacional, e que posteriormente tiveram seus edifícios históricos
preservados por decreto municipal de tombamento, e que continuam atualmente utilizando
destes edifícios históricos para suas atividades educacionais.

O espaço escolar é um registro valioso de costumes, das normas, dos hábitos e das
materialidades necessárias para favorecer o processo de ensino e aprendizagem ao
longo das épocas. A criação de edifícios escolares, frequentemente, reflete uma
correlação entre forças nos campos da arquitetura, do urbanismo, da educação e da
política, o que torna esse objeto complexo para além de suas especificidades técnicas,
funcionais, estéticas e espaciais (Alberto; Inham; Monteiro, 2016, p. 139).

2 METODOLOGIA

O método de pesquisa adotado foi organizado em três momentos: (1) Identificação de


edifícios educacionais tombados na lista pública de bens imóveis protegidos em nível municipal
pela prefeitura de Juiz de Fora; (2) Comparação do uso atual desses edifícios com seu primeiro
uso, ou seja, a função na qual o edifício foi construído para abrigar. Selecionando os que foram
concebidos para função educacional e que continuam com este mesmo uso atualmente.
Descartando assim, os edifícios tombados que possuem uso educacional mas não foram
originalmente construídos para este fim; (3) Aprofundamento da pesquisa histórica sobre os
edifícios selecionados, para levantamento dos dados da instituição de ensino e análise das
características arquitetônicas e construtivas dos edifícios (implantação, estilos, adornos,
espacialidades e materiais).

3 A CIDADE DE JUIZ DE FORA

A cidade de Juiz de Fora está localizada no estado de Minas Gerais, na mesorregião


conhecida como Zona da Mata. Este nome se dá devido ao fato desta região ser originalmente
uma mata habitada por povos indígenas durante o período de colonização portuguesa, e que
teve o surgimento das primeiras vilas à partir da abertura do caminho novo da estrada real em
1722, para escoamento do ouro extraído da região central das Minas Gerais até o porto do Rio
de Janeiro (Oliveira, 2023).
Segundo Albino Esteves (1915), a vila surgiu como um local de passagem e com a crise
do ouro se desenvolveu devido à atividade cafeeira, consolidando-se como um centro comercial
e sendo elevada à categoria de cidade em 1853. A chegada de imigrantes e a proximidade com
o Rio de Janeiro contribuíram para a transformação da cidade em um caráter industrial,
recebendo diversas fábricas e a primeira usina hidrelétrica da América do Sul, a Usina Marmelos
Zero.
Após a crise de 1929, a cidade foi perdendo seu caráter cafeeiro e industrial, voltando-
se paras as atividades comerciais e de serviços, dentre estes, destacam-se os serviços
educacionais, que durante o século XX eram formados por diversas irmandades religiosas,

330
instituições públicas e privadas de níveis básicos e superiores (Oliveira, 2023). A consolidação
destas instituições de ensino contribuíram para a construção de uma imagem positiva de Juiz de
Fora, que se tornaria uma cidade voltada à cultura e ao conhecimento, e que devido sua
infraestrutura, atende as necessidades das pequenas cidades vizinhas.
De acordo com Tourinho et al. (2012), a implementação da Universidade Federal de
Juiz de Fora ocorreu durante a década de 1960 no período de expansão universitária criado pelo
governo federal, sendo a segunda universidade federal do interior do Brasil. A construção da
universidade foi outro importante movimento de consolidação da cidade como polo
educacional, comercial e de serviços, aumentando o movimento de migração de populações nas
cidades da região, que buscam em Juiz de Fora melhores oportunidades de acesso à saú de,
educação e emprego.

4 EDIFICAÇÕES HISTÓRICAS DE USO EDUCACIONAL

A cidade de Juiz de Fora possui atualmente 186 bens imóveis tombados em nível
municipal. Dentre estes, atualmente oito edifícios possuem usos voltados às atividades
educacionais, porém, apenas quatro foram construídos originalmente para receberem
atividades de ensino, o Colégio Academia, o Colégio Granbery, o Colégio Santa Catarina e a
Escola Normal (Quadro 1).
Quanto aos edifícios históricos que não foram concebidos para função educacional,
mas que atualmente recebem este uso são: Colégio dos Santos Anjos; Colégio de Carmo; Escola
Estadual Duque de Caxias e Grupos Centrais. Estes edifícios foram concebidos originalmente
para atenderem à função residencial, em formato de chácaras e palacetes, mas que em
determinado momento foram adaptados para receberem a função educacional (Vale, 1995).

Quadro 1- Edifícios Históricos Tombados e com uso educacional atualmente em Juiz de Fora
Data do
Nome do Edifício/Instituição Decreto Uso original
Tombamento
Colégio Academia 29/12/2000 6949 Educacional
Colégio do Carmo 13/11/2000 6890 Chácara/Residencial
Colégio Granbery 26/07/2002 7476 Educacional
Colégio Santa Catarina 25/02/1988 3918 Educacional
Colégio dos Santos Anjos 14/12/2000 6927 Chácara/Residencial
Escola Estadual Duque de Caxias 21/05/1999 6446 Residencial
Escola Normal 07/12/1990 4406 Educacional
Grupos Centrais 19/01/1983 2864 Palacete/Residencial
Fonte: Do autor, 2023.

4.1 Colégio Academia

De acordo com Antunes (2013), a Academia de Comércio foi fundada em 1891 pelo
empresário Francisco Batista de Oliveira, que após visitar uma escola voltada para estudos
comerciais em Paris, se inspirou para construir em Juiz de Fora uma escola de nível superior que
formasse comerciantes e administradores de negócios, tendo em vista que na época a economia
cafeeira da cidade ia muito bem e seu caráter industrial crescia.
Segundo Albino Esteves (1915), a Academia de Comércio foi idealizada e financiada
por empresários e comerciantes da cidade e ofertava cursos “primários e ginasiais” voltados

331
para crianças e adolescentes, e os cursos superiores de comércio e eletrotécnica, todos
funcionado na esfera privada.
Devido à dificuldades financeiras de manter a instituição em funcionamento e sem
ajuda do poder público, os acionistas optaram pela transferência da instituição para uma
congregação religiosa, a Congregação do Verbo Divino (Albino Esteves, 1915), que se
comprometeu a concluir algumas obras ainda pendentes no edifício e continuar com as
atividades de ensino, porém, nas primeiras décadas do século XX, a instituição optou por se
dedicar apenas ao ensino básico, deixando de lado o ensino superior.
Atualmente a instituição está vinculada à Rede Verbita de Educação, e possui diversos
edifícios em seu complexo educacional, voltados ao ensino superior, médio, fundamental e
infantil. O edifício histórico tombado, recebe atividades do ensino fundamental e médio, e
continua exercendo sua função original, apesar de ser popularmente conhecido até hoje por
Colégio Academia, teve seu nome alterado para Colégio Cristo Redentor.
Estima-se que as obras de construção do edifício histórico ocorreram entre 1891 a
1902 (Antunes, 2013). O edifício foi implantado em uma colina na Rua Halfeld, na região central
da cidade, possui estilo neoclássico, com três pavimentos (Figura 1). Sua notável simetria é
composta por duas alas e um pórtico bem demarcado por frontão com relógio, e sustentado por
colunas dóricas. Possui um grande pátio interno que dá acesso à corredores e à uma grande
escada, possibilitando uma boa ventilação e iluminação das salas de aula, criando um local de
encontro, como em antigas edificações educacionais.

Figura 1 – Colégio Academia de Comércio (Colégio Cristo Redentor)

Fonte: Do autor, 2019.

O edifício foi tombado pelo município através do Decreto n° 6949/2000 devido à sua
importância simbólica para a cidade, por ter sediado a primeira escola de nível superior do Brasil
a possuir o curso de Ciências Comerciais na esfera privada (Antunes, 2013). Além disso, por suas

332
características arquitetônicas singulares, como volumetria, adornos internos e externos e
consolidação na paisagem urbana por sua implantação acima do Parque Halfeld e abaixo do
Morro do Imperador. Além do edifício principal, fazem parte do conjunto preservado pelo
tombamento, os edifícios da capela, núcleo artístico e teatro, implantados no mesmo terreno.

4.2 Colégio Granbery

O Colégio Granbery foi inaugurado em Juiz de Fora no ano de 1889 por integrantes da
Igreja Metodista oriundos da região sul dos Estados Unidos (Pimenta, 2017). Segundo Ferreira
(2010), a missão metodista enxergou no Brasil uma possibilidade de expansão da religião através
da criação de instituições de ensino e templos de modo a converter membros católicos de classe
média do país. A escolha pela cidade mineira ocorreu devido sua proximidade com o Rio de
Janeiro, e seu constante crescimento econômico representado por parte da elite liberal,
composta por republicanos e maçons, que diferente das cidade s conservadoras, permitiria a
implementação de uma nova religião que não fosse a católica (Ferreira, 2010).
De acordo com Pimenta (2017), no início do século XX o colégio se consolidou devido
sua metodologia de ensino norte-americana voltada para a religião metodista, para a prática de
esportes e para o incentivo dos alunos na atuação política. Atraiu diversas famílias da região
sudeste do Brasil que matricularam seus filhos na instituição devido sua boa reputação e fama
(Pimenta, 2007). No final do século XIX, o Granbery ofertava ensino primário (atual educação
infantil e fundamental), secundário (atual ensino médio) e curso teológico destinado à formação
de pastores metodistas. Em 1904 a instituição criou seu primeiro curso superior, a Escola de
Farmácia e Odontologia, em 1913 foi criada a Escola de Direito (Albino Esteves, 1915), e em 1928
a Faculdade de Pedagogia.
Atualmente a instituição está vinculada à Rede Metodista de Educação, possui um
grande complexo de edifícios e áreas esportivas distribuídos nas ruas adjacentes ao edifício
histórico tombado. Oferece cursos das diversas modalidades de ensino, desde a educação
infantil até o ensino superior e pós-graduação, se consolidando como importante instituição de
ensino para o país, que inclusive possui um museu com acervo de sua própria história. Devido à
sua importância desde o início do século XX, o bairro em que o colégio se inseriu, recebeu o
mesmo nome da instituição, sendo nomeado por bairro Granbery.
Segundo Albino Esteves (1915), a inauguração do edifício histórico sede da instituição
ocorreu em 1890, está localizado em uma região plana próximo ao centro da cidade, em um
terreno de esquina entre as ruas Sampaio e Batista de Oliveira. É possível observar através de
fotografias antigas que o edifício recebeu uma ampliação no início do século XX, com a criação
de alas em torno do primeiro edifício de 1890.
O edifício possui estilo arquitetônico eclético, é composto por três pavimentos, com
pátio interno e jardim em sua fachada principal, sendo recuada da calçada para a rua Batista de
Oliveira. Suas fachadas são marcadas por um equilíbrio e simetria, no centro, um volume
semelhante a uma torre com colunas jônicas e sacadas por balaústres, demarca a hierarquização
da fachada frontal, as janelas são dispostas em pares envolvidas por arcos, se apresentando
como molduras e adornos (Figura 2).
O edifício foi tombado pelo município através do Decreto n° 7324/2002 devido sua
importância histórica e cultural para o município, fica evidente no texto do decreto que a
proteção do bem histórico não está relacionada apenas ao valor estético do edifício, mas

333
também ao caráter simbólico e imaterial da instituição de ensino que representou uma mudança
significativa nas métodos de ensino tradicionais em toda região sudeste do Brasil.

Figura 2 – Colégio Metodista Granbery

Fonte: Do autor, 2019.

4.3 Colégio Santa Catarina

O Colégio Santa Catarina está ligado ao processo de imigração de alemães para a


cidade de Juiz de Fora, que se estabeleceram na região do atual bairro Borboleta com suas
colônias voltadas a atividades agrícolas e construção da Estrada União e Indústria (Fazolatto,
2001). Devido ao grande número de crianças alemãs e a dificuldade de adaptação destas nas
escolas tradicionais e católicas da época, em 1900 o cônsul alemão George Grande solicitou que
duas irmãs da congregação de Santa Catarina e uma vinda da Alemanha, se dedicassem à
educação dos filhos dos imigrantes (Colégio Santa Catarina, 2023).
De acordo com Albino Esteves (1915), a instituição funcionou durante nove anos em
salas e salões cedidos até conseguirem aporte para aquisição de um terreno em 1908 no Morro
da Gratidão, atual bairro Morro da Glória, a inauguração do colégio ocorreu em 1909 com ensino
relacionado aos valores cristãos e à cultura alemã, que abrangia o ensino de línguas estrangeiras
e atividades extracurriculares como canto, desenho e costura. A instituição ofertava desde o
início de seu funcionamento, vagas para a educação primária e secundária, em 1928 foi criado
o curso superior de comércio e em 1930 o curso de magistério (Colégio Santa Catarina, 2023).
Atualmente a instituição oferta vagas da educação infantil, ensino fundamental e
médio, possui outros edifícios e complexo esportivo, construídos a posteriori nos fundos do
terreno. Está associada à Congregação de Santa Catarina, que mantém tradições cristãs no
ambiente de ensino.
O edifício histórico foi implantado na parte alta do antigo Morro da Gratidão, possui
dois pavimentos. Na época de sua construção, a torre cilíndrica coberta por uma cúpula posta

334
na extremidade direita da fachada frontal demarcava a assimetria da edificação, porém, em
1922 foi realizada uma ampliação da escola (Colégio Santa Catarina, 2023), replicando a ala já
existente e adicionando-a na lateral da torre, com isso, a torre passou a ficar no centro do
edifício, tornando a fachada simétrica (Figura 3).

Figura 3 – Colégio Santa Catarina

Fonte: Do autor, 2023.

O edifício histórico possui características bem singulares se comparado a outros


edifícios do mesmo período na cidade, sua fachada é demarcada por tijolinhos coloridos
formando um mosaico, esquadrias alinhadas e com mesmo espaçamento representando um
ritmo, para que este efeito fosse possível, algumas janelas são falsas, apenas com suas
geometrias pintadas nas fachadas. Na cúpula da torre há um pináculo e a cobertura das alas são
compostas por telhas cerâmicas de quatro águas, o edifício relembra algumas construções do
período renascentista da Itália.
O edifício foi tombado em nível municipal através do Decreto nº 3918/1988 devido
suas características arquitetônicas singulares e rebuscadas, e por representar o processo de
adaptação e educação de imigrantes alemães que buscavam se estabelecer na cidade de Juiz de
Fora no início do século XX.

4.4 Escola Normal

O termo “escola normal” era entendido desde o século XIX como escola e xclusiva para
formação de mulheres, que poderiam atuar como professoras no ensino primário. A cidade de
Juiz de Fora possuiu outras escolas normais durante o século XIX (Albino Esteves, 1915), porém
estas foram desativadas devido às dificuldades financeiras na passagem do século XIX para o
século XX. Segundo Oliveira (2004), após diversas reformas educacionais na maioria dos estados

335
brasileiros durante a década de 1920, Juiz de Fora recebeu no ano de 1928 a implementação da
Escola Normal Oficial da cidade.
A instituição iniciou suas atividades em 1930 e carrega consigo um caráter simbólico,
pois sua implantação ocorreu no terreno onde funcionava a cadeia pública da cidade, na
chegada da Estrada União e Indústria ao centro do município. Políticos e empresários da época
não estavam satisfeitos com a cadeia em um dos acessos à cidade e optaram por sua demolição
para dar lugar à escola (Alberto et al., 2008).
A Escola Normal de Juiz de Fora passou a receber homens a partir de 1948 com a
criação de um curso secundário noturno (Oliveira, 2004). Atualmente a escola é oficialmente
chamada de Instituto Estadual de Educação, de caráter público, continua gerida pelo governo
estadual desde a sua fundação, oferta vagas de ensino fundamental e médio e no período
noturno mantém seu curso normal (atual magistério) para formação de professores da
educação básica.
O edifício histórico implantado em terreno de esquina entre a Rua Espírito Santo e
Avenida Getúlio Vargas (antiga Rua 15 de Novembro), possui quatro pavimentos ( Figura 4), foi
projetado em forma de “v”, com um volume central e duas alas, conformando um pátio interno
(Alberto et al., 2008). Apesar de ser considerado em estilo eclético, a pouca ornamentação do
edifício demonstra um novo pensamento para a época relacionado à edifícios escolares, que
surgiu no Rio de Janeiro partir da década de 1920, que defendia a modernização dos edifícios
com a não utilização de adornos ecléticos, além disso, em alguns elementos de seu sistema
construtivo, foi utilizado o concreto armado, visando uma rápida construção e abandono das
técnicas de alvenaria em tijolos (Alberto et al., 2008).

Figura 4 – Escola Normal (Instituto Estadual de Educação)

Fonte: Do autor, 2023.

336
O edifício perdeu parte de sua ala direita em 1968, que foi demolida devido a
construção da antiga Avenida Independência (atual Avenida Itamar Franco), que foi projetada
cortando o lote da escola, modificando a edificação original e suas relações com seu e ntorno
(Alberto et al., 2008). O imóvel foi tombado em nível municipal pelo Decreto nº 4406/1990,
devido suas características arquitetônicas, por fazer parte do conjunto histórico paisagístico da
Praça Antônio Carlos e por representar simbolicamente as políticas públicas de melhorias e
ampliação da educação no estado de Minas Gerais na década de 1920.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A preservação de edifícios históricos não está relacionada apenas às características


físicas e arquitetônicas, pois a origem de sua construção, seus usos e atividades neles realizadas,
revelam características sociais, econômicas e culturais da população envolvida com e ste bem.
Ao nos direcionarmos para os edifícios tombados que foram construídos para ocupação de
instituições de ensino em Juiz de Fora, pode-se evidenciar algumas características tanto
arquitetônicas como pedagógicas importantes para a consolidação da sociedade juiz-forana do
século XX (Quadro 2).

Quadro 2- Características das Instituições de Ensino


Colégio
Característica Colégio Granbery Colégio Santa Catarina Escola Normal
Academia
Ano de Fundação 1891 1889 1909 1928
Esfera Privada Privada Privada Pública
Ligação Religiosa Católica Metodista Católica N.A.
Oferta de Vagas Ensino infantil, Ensino infantil, Ensino infantil, Ensino infantil,
(século XX) fundamental, fundamental, fundamental, médio e fundamental,
médio e superior médio e superior superior médio e superior
Oferta de Vagas Ensino infantil, Ensino infantil, Ensino fundamental e Ensino
(atualmente) fundamental e fundamental, médio fundamental e
médio médio e superior médio
Localização Centro Bairro Granbery Bairro Morro da Glória Centro
Relevo/Topografia Colina Plano Colina Plano
Implantação Centro do lote Centro do lote Extremidade frontal do Extremidades do
lote lote
Estilo Arquitetônico Neoclássico Eclético Eclético Eclético/pré-
moderno
Sistema Cantaria e tijolo Tijolo maciço Tijolo maciço Tijolo
Construtivo maciço maciço/concreto
armado
Cobertura Madeira/telha Madeira/telha Madeira/telha Madeira/telha
cerâmica cerâmica cerâmica (alas); cerâmica (volume
estuque e cimento central); terraço
(torre) (alas)
Adornos Colunas dóricas, Colunas jônicas, Mosaico por tijolos Colunas retilíneas
frontão com varanda com coloridos, cúpula com com capitéis
relógio, varanda balaústres, pináculo florais, balaústres
com balaústres platibanda retilíneos nas
espaçada janelas, platibanda
espaçada
Esquadrias Arqueadas em Retangulares em Retangulares em Retangulares em
madeira/vidro madeira/vidro e madeira/vidro madeira/vidro
adorno arqueado
acima das janelas
Fonte: Do autor, 2023.

337
É possível identificar que das quatro instituições de ensino analisadas, três são da
esfera privada e possuem forte ligação com congregações religiosas, fato que demonstra como
as práticas religiosas se implantaram no Brasil através de métodos pedagógicos e evidencia a
dificuldade de acesso à educação de populações com menor poder aquisitivo durante o início
século XX em Juiz de Fora.
O Colégio Academia e a Escola Normal foram implantadas no centro da cidade, na
região próxima ao vale, às margens do Rio Paraibuna. Os Colégios Granbery e Santa Catarina
apesar de não estarem implantados efetivamente no centro, estão localizados em bairros
antigos e tradicionais da região central.
A implantação destes edifícios ocorreram em grandes terrenos, com isso, ao serem
construídos no centro do lote, proporcionaram afastamentos laterais, frontais e posteriores
para os lotes vizinhos e logradouros públicos, a única edificação que não seguiu este padrão foi
a Escola Normal, implantada nos limites do lote proporcionando o pátio central, as fachadas
foram voltadas diretamente para as calçadas apresentando maior relação com as ruas.
Quanto aos estilos arquitetônicos, o Colégio Academia inspirado em uma escola
francesa, optou pelo estilo neoclássico, ainda presente nos edifícios da elite europeia no século
XIX. Os Colégios Granbery e Santa Catarina adotaram o estilo eclético que se consolidava no
início do século XX, porém carregam algumas características originárias de seus métodos de
ensino e países de origem, como elementos do eclético norte-americano (Granbery) e
elementos do estilo eclético alemão (Colégio Santa Catarina). O edifício da Escola Normal apesar
de ser considerado em estilo eclético, apresenta algumas características que demonstram a
transição de um eclético carregado de ornamentos para um eclético com menos adornos, o que
pode ser considerado pré-modernismo, principalmente devido à sua construção ter sido
realizada por alguns elementos em concreto armado, reduzindo o uso de tijolos e adornos,
possibilitando que a alvenaria fosse independente da estrutura.
Através dos decretos de tombamento destes edifícios em nível municipal, nota-se uma
preocupação da sociedade juiz-forana em preservar seus edifícios de origem educacional, que
atuaram como importantes instituições de formação de profissionais e que sua necessidade de
preservação vai para além do valor arquitetônico e artístico que esses bens carregam consigo.
Suas arquiteturas são singulares e retratam a sociedade da época, as relações da cidade com
imigrantes, com a cultura e com a educação, evidenciando que estes fatores contribuíram para
o desenvolvimento de Juiz de Fora no primeiro quartel do século XX.
A continuação da atuação destas instituições em seus edifícios históricos na cidade,
contribui para que as memórias afetivas sejam sempre renovadas e que estes bens sejam
preservados. À medida que as crianças e jovens vão crescendo e se formando, carregam consigo
um pouco da história da instituição de ensino e o sentimento de necessidade de preservá-las,
reconhecendo seus valores históricos, arquitetônicos e documentais.
Este estudo demonstra que mesmo com a proteção dos edifícios históricos através do
tombamento, as instituições continuam utilizando destes bens para suas atividades
educacionais, nota-se, que apesar de certos preconceitos acerca do tombamento de edifícios e
possíveis limitações de usos, é possível preservar edificações educacionais históricas sem que
estas sofram obrigatoriamente uma alteração em seu uso original. Além disso, a preservação
destes bens perpassa à esfera material, abrangendo também os valores culturais e históricos
imateriais.

338
6 REFERÊNCIAS

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TOURINHO, Ana Clara Carvalho; BARBOSA, Sabrina Andrade; ROCHA, Cézar Henrique Barra; PRADO, Tamires
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Juiz de Fora: reflexões sobre o REUNI e seus impactos nas transformações da paisagem do campus e seu entorno
imediato. Urbe. Revista Brasileira de Gestão Urbana, v. 13, p. 1-17, 2021. Disponível em:
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VALE, Vanda Arantes do. 2021. A Arquitetura Latino-Americana Da Industrialização - Juiz De Fora (1880-1930).
Locus: Revista De História, Juiz de Fora, n. 1, v. 1, p. 81-89, 1995. Disponível em:
https://periodicos.ufjf.br/index.php/locus/article/view/20403. Acesso em: 18 ago. 2023.

340
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(x) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

EDIFÍCIOS HISTÓRICOS E PAISAGEM NOTURNA: ILUMINAÇÃO E


MEMÓRIA VISUAL URBANA

HISTORIC BUILDINGS AND NIGHT LANDSCAPE: LIGHTING AND URBAN VISUAL MEMORY

Sara Dantas da Silva


Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, IFSP, Brasil
Ex-bolsista de Iniciação Científica, PIBIFSP
sd.silva.sp@gmail.com

Douglas Gallo
Professor Doutor, IFSP, Brasil
douglas.luciano@ifsp.edu.br

341
RESUMO
O presente artigo explora duas paisagens urbanas distintas, separadas pelo crepúsculo, uma diurna (definida pela
iluminação natural) e outra noturna (determinada pela iluminação artificial). O objetivo foi analisar e caracterizar as
paisagens urbanas e ambiências características de cada período. A iluminação urbana - de fachada e de monumentos
- contribui diretamente na ampliação do tempo de vivência urbana, gerando ambiências e possibilidades de
sociabilidades que prolongam a vida urbana para o período noturno. Foi realizada uma revisão bibliográfica e uma
análise espacial por meio de registros fotográficos, anotações e descrição da iluminação e ambiência de elementos
edificados históricos da região central da cidade de São Paulo/SP. Os registros foram real izados no mesmo dia, em
momentos distintos, à luz do dia e sob iluminação artificial no período noturno. A análise da ambiência e da paisagem
urbana buscou compreender sua relação com a memória visual e potencialidades dos elementos iconográficos do
ambiente urbano, configuradores de ambiências, paisagens e memórias coletivas.

PALAVRAS-CHAVE: Iluminação de fachada. Memória coletiva. Patrimônio histórico.

ABSTRACT
This article explores two distinct urban landscapes, separated by twilight, one daytime (defined by natural lighting)
and the other nighttime (determined by artificial lighting). The objective was to analyze and characterize the urban
landscapes and ambiences characteristic of each period. Urban lighting - facades and monuments - directly
contributes to extending the time of urban living, generating ambiences and possibilities for sociability that prolong
urban life into the night period. A bibliographic review and a spatial analysis were carried out through photographic
records, notes and description of the lighting and ambience of historic built elements in the central region of the city
of São Paulo/SP. The records were taken on the same day, at different times, in daylight and under artificial lighting
at night. The analysis of the ambience and the urban landscape sought to understand its relationship with the visual
memory and potentialities of the iconographic elements of the urban environment, configurators of ambiences,
landscapes and collective memories.

KEYWORDS: Facade lighting. Collective memory. Historic heritage.

342
1 INTRODUÇÃO

A arquitetura e o urbanismo estão conectados à iluminação, sendo esta responsável


por conformar os espaços, revelando formas, cores e texturas. É por meio da luz que a matéria
se manifesta e se torna visível, possibilitando que o ser humano perceba o espaço e o vivencie.
De acordo com Costa (2013), a arquitetura se revela e se apresenta em função do fenômeno
luminoso, seja ele natural ou artificial, ao dispor seus elementos no espaço, captando,
refletindo, diluindo e emitindo luz.
As cidades compõem-se de elementos físicos - naturais ou construídos - e elementos
humanos, responsáveis pela vida urbana e pelos significados adquiridos histórica e
culturalmente. Simultaneamente, os componentes do espaço urbano conformam diferentes
paisagens, que por sua vez se diferenciam nos períodos diurnos e noturnos, configurando
diferentes sociabilidades. Na história das cidades nem sempre os espaços públicos puderam ser
apropriados em todos os períodos do dia, antes do advento da iluminação pública (viária, mas
também de fachadas) os cidadãos urbanos perdiam boa parte da ambiência urbana, pois o
período noturno era dominado pela escuridão, pela insegurança e pelo desconhecido.
A iluminação pública é “[...] o serviço que tem o objetivo de prover luz ou claridade
artificial aos logradouros públicos no período noturno ou nos escurecimentos diurnos ocasionais,
incluindo locais que demandem iluminação permanente no período diurno ” (ROSITO, 2009, p.
32). Pode-se dizer que a iluminação pública possibilitou a ampliação da vida urbana,
modificando radicalmente a relação dos cidadãos com suas cidades, ampliando os usos e
ocupações e possibilitando aumentar a vida urbana e o convívio social. Tendo em vista, que
durante o dia grande parte da população está ocupada em seus ambientes laborais, a
perspectiva de usufruir da cidade num período de tempo ampliado possibilitou novas formas de
apropriação urbana.
A apreensão da paisagem urbana passa pelo olhar do indivíduo, que por meio da visão
constrói uma relação, positiva ou não, com esta ambiência. Neste contexto, a luz tem uma
importância fundamental, uma vez que os mesmos espaços e elementos possuem
características muito distintas quando observados durante o dia, sob a luz solar e à noite,
modulados pela iluminação artificial (DERZE, 2014). A paisagem noturna se torna um assunto
importante quando se trata de vivência noturna, prezar pela ambiência e qualidade ambiental
nesse período em que a cidade necessita da luz artificial para iluminar os seus espaços é
essencial para a vitalidade urbana.
Com essa perspectiva o presente artigo analisa a paisagem urbana e as ambiências de
elementos patrimoniais do centro histórico de São Paulo, sob a luz natural (dia) e artif icial
(noite). É apresentada uma análise fotográfica realizada em dois períodos de tempo, diurno e
noturno, comparando-as e discorrendo acerca de suas paisagens, iluminação e elementos que
contribuem para a memória visual do local. Foi elaborado um roteiro de análise e observação
dos espaços urbanos, sendo as visitas realizadas no dia 03 de julho de 2021 entre 15h20 e 19h15,
onde foram realizados: levantamento fotográfico, anotações e medições bem como o registro
das sensações e análises realizadas pelo grupo de pesquisa. Dentre os registros efetuados foram
selecionados 10 pares de fotografia para compor o corpus de pesquisa, representativos da
categoria de análise (edifícios históricos) e características de análise (tipo e qualidade de
iluminação, ambiência do entorno, interações sociais e potencialidades para formação de
memória visual).

343
2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Paisagens urbanas


De acordo com Junqueira (2015), o conceito de paisagem guarda diversas dicotomias:
física e humana, morfológica e cultural, laboral e ideológica, material e imaterial, representações
coletivas e individuais, dentre outras. Entende-se a paisagem como um conceito dinâmico,
elástico e ambíguo, comportando diversas escalas. Em sua evolução etimológica em diferentes
idiomas, observou-se sempre uma interação homem-natureza como pode ser observado em:
Landschaft, termo de origem alemã que se refere a uma associação entre o sítio e os habitantes;
Landscape, termo inglês de origem holandesa, comumente definido como visual ou
representação da terra, tendo como pressuposto um observador; Paysage termo francês que
tem seu significado atrelado às técnicas renascentistas cujo radical “pays” significa ao mesmo
tempo habitante e território.
A paisagem urbana é composta por vários elementos e está diretamente relacionada
com a qualidade de vida das pessoas. De acordo com Santos (2005), melhorias na paisagem
urbana impactam positivamente no envolvimento dos cidadãos com a cidade e seus recursos. A
percepção da paisagem urbana se dá basicamente em seus ambientes abertos, sejam estes,
ruas, avenidas, parques e praças, conferindo à cidade uma identidade própria. Considerada
como um mosaico cujo funcionamento é unitário, a paisagem pode sofrer mutações que podem
ser estruturais ou funcionais. A rua, a praça, o logradouro funcionam de modo diverso nas
diferentes horas do dia, nos diferentes dias da semana e nas diversas épocas do ano. A paisagem
é materialidade, materialização de um instante da sociedade, diferencia-se do espaço, que é o
casamento da sociedade com a paisagem (SANTOS, 2014).

2.2 Iluminação e Cidade

A luz artificial (elétrica) diferentemente da luz natural (solar) é específica e particular,


podendo ser modulada quanto à fonte luminosa, sua posição, intensidade e cor. São múltiplos
os efeitos possibilitando a criação de diferentes climas em um mesmo espaço. Nas cidades, ela
desempenha um papel estrutural para o olhar do cidadão. O interesse em iluminar as fachadas
das edificações, monumentos e pontos de interesse na paisagem urbana se carrega de uma
importância fundamental, seja afetiva ou cultural, refletindo na apropriação dos espaços
públicos pelos cidadãos, na imagem que possuem de sua cidade (LYNCH, 1997), e até mesmo na
auto-estima e orgulho destes por sua cidade (MIGUEZ, 2005).
Portanto, iluminar os espaços, construções e obras de arte das cidades exige um
sentimento de profundo respeito pelo trabalho daqueles que as conceberam e construíram,
impõe responsabilidade em preservar a identidade dos monumentos e edifícios. A iluminação
não é mais importante que a obra iluminada, deve, sim, expressar a releitura noturna desta obra
através da sensibilidade criativa e da consideração profissional de quem ilumina (MIGUEZ, 2005,
p. 5).
A iluminação de fachada e de monumentos históricos apresenta diversas
potencialidades: capacidade de criação de cenografias urbanas; possibilidade de definição de
ambiências psicológicas e simbólicas; e participação da sinalética urbana. Ao buscar a
requalificação dos espaços na cidade contemporânea, intervenções luminotécnicas de

344
monumentos significativos, centros históricos, edifícios de valor arquitetônico e histórico e
paisagens de interesse turístico tem possibilitado uma reconexão dos cidadãos com suas
memórias afetivas (MIGUEZ, 2005).

2.3 Um mundo de imagens

A contemporaneidade, marcada pela forte valorização da imagem e do movimento


(HARVEY, 2014; BAUMAN, 2001; GIDDENS, 1991), nos confronta com produtos cênicos
produzidos pela mídia em forte oposição ao patrimônio. A necessidade de recuperar,
salvaguardar e ressignificar os valores históricos e o patrimônio material urbano nos movem em
sentido de marcar e valorizar estes marcos da paisagem urbana, e a iluminação cênica e de
fachada apresenta-se como uma possibilidade com diversas potencialidades (CRUZ, 2018;
COELHO, 2005).
Mesmo bombardeados por uma infinidade de imagens e informações, ficam em nossa
memória aquelas imagens normalmente associadas a um padrão emotivo e a sentimentos
diversos. Nossa relação de luz e memória está muito conectada à iluminação natural e aos
arquétipos visuais relacionados com os padrões naturais que a espécie humana vivenciou em
sua evolução. De acordo com Barbosa (2010), a memória que temos da luz está associada aos
planos que são iluminados, com destaque de uns em relação a outros e de elementos formais
da arquitetura que captam a luz natural, sendo assim, nossa memória visual está ligada aos
efeitos da luz do sol. É importante ter isso em mente quando analisamos a iluminação artificial
conectada à memória visual e como elas se relacionam.
O embelezamento das cidades, possibilitado pelos avanços tecnológicos da iluminação
de fachada e monumentos, pode agregar valor à paisagem urbana e impactar na qualidade de
vida urbana, ao melhorar a sensação de segurança das pessoas, gerar vitalidade e sociabilidade
além de incrementar atividades comerciais, de lazer e o turismo (OLISKOVICZ, 2016).
Um bom planejamento da iluminação urbana de uma cidade deve compor um Plano
Diretor de Iluminação Urbana (PDIU). Este tipo de planejamento come çou a ser desenvolvido
em algumas cidades como Edimburgo (Escócia), Lyon (França) e Milwaukee (Estados Unidos),
em finais da década de 1980, consistindo na definição de um conjunto de conceitos ligados à
ambiência e atmosfera urbana conectado às características e tipologias de usos e ocupações do
espaço urbano. Ao definir estratégias de iluminação para alcançar este objetivo permite a
aplicação de forma coordenada dos princípios rumo à uma imagem de cidade desejada
(MIRANDA; LEÃO, 2008; BASSO, 2008).

3 PAISAGEM NOTURNA E MEMÓRIA VISUAL NA METRÓPOLE CONTEMPORÂNEA

A criação da iluminação artificial foi um dos momentos importantes para definir a


paisagem urbana noturna e de acordo com Derze (2014), o termo modernidade só tem sentido
se aplicado às ações da humanidade, não havendo modernidade na natureza. Posto isso, o ser
humano começou a utilizar a iluminação artificial nas ruas e vias para que fosse possível
frequentá-las e, assim, criar uma vida noturna para os residentes, beneficiando a cidade. A
iluminação urbana possibilita a criação de um cenário e uma paisagem muitas vezes até cênica

345
que conversa com os sentimentos dos indivíduos, além da iluminação possuir o poder de mudar
a forma e destacar elementos diferentes de uma edificação ou ambiência.
Um conceito importante quando se trata de paisagem urbana é o de memória visual,
quando se visita um local cria-se uma memória ou lembrança das percepções sobre o ambiente,
com base nas vivências individuais de cada pessoa. A iluminação é um instrumento que reafirma
a memória da cidade, a lembrança de seu passado. A luz possui papel didático, na medida em
que reforça o vínculo da população com as raízes culturais da cidade (GONÇALVES, 2005).
Conforme Phoenix (2006), o Plano Diretor de Iluminação deve estar no topo das
decisões estratégicas, dentro de uma hierarquia da luz. Deve-se definir o que se deseja atingir
em termos de luz nos diferentes ambientes urbanos, proporcionando parâmetros para que
designers e engenheiros trabalhem em conjunto e em paralelo com um objetivo comum. Em
sua dissertação, Basso (2008, p. 85), cria um diagrama de influências da iluminação externa e
propõe os principais pontos na iluminação urbana:
[...] estes critérios estão organizados ao longo dos círculos da influência da iluminação
externa que são os três universos da abrangência do tema: a luz, as pessoas e a cidade.
As quatro áreas de interesse organizam as principais problemáticas que a iluminação
deve abordar para atingir seus objetivos: dialogar com a arquitetura do objeto ou
entorno, organizar e melhorar a paisagem da cidade, promover o uso do espaço,
respeitando os critérios de conforto do observador, e respeitar o meio-ambiente.
É impossível discutir arquitetura sem pensar nas pessoas e na relação delas com a
paisagem, na criação de um plano de iluminação é necessário pensar nas interações entre os
indivíduos e o espaço e, ainda, em como a luz auxilia no incentivo do uso noturno do espaço
urbano.
Os urbanistas projetam cidades diurnas, organizam e distribuem da melhor maneira a
movimentação e o crescimento dos centros urbanos. Entretanto, quando chega o momento de
projetar a iluminação noturna, momento esse de pensar em todas as possibilidades que um bom
projeto de iluminação urbana pode proporcionar para a cidade, para dar continuidade a esse
crescimento e desenvolvimento, simplesmente não dão a devida atenção. Aplicam um desenho
em cima do projeto urbano diurno e distribuem de maneira uniforme os pontos de luz
(OLISKOVICZ, 2016). Portanto, é fundamental pensar na cidade noturna e nos usos que ela
possui, com a presença da luz artificial é possível criar diversas perspectivas de um ambiente e
atender as necessidades do espaço, tornando a ambiência noturna mais agradável, valorizando
as edificações e prezando pelo uso dos residentes.
Possuindo uma arquitetura eclética típica do século XIX, o Mosteiro de São Bento foi
projetado em 1906 pelo arquiteto Richard Berndl, professor da Universidade de Munique, com
decoração interna de autoria do monge beneditino belga Dom Edelberto Gressnigt. O edifício é
composto pela Basílica Nossa Senhora da Assunção e o Colégio de São Bento e ainda é um dos
poucos remanescentes no mundo do estilo Beuronense, movimento que se caracteriza por
dispor total integração entre arte e arquitetura. O local é ocupado desde 1598 pelos
beneditinos, uma das primeiras ordens religiosas da cidade, que ergueram no local uma ermida,
substituída em 1634 pela segunda e no início do séc. XX pela construção atual (BASSANI;
ZORZETE, 2014).
A figura 1A, apresenta a construção histórica sob uma grande quantidade de luz
natural, deixando toda a sua fachada à vista. Nesse período uma quantidade média de
transeuntes desloca-se no entorno do Mosteiro de São Bento, a maior parte vinda da estação
de metrô São Bento – Linha 1 – Azul, que se localiza em frente à edificação. A paisagem é
composta também por vegetação arbórea e boa parte do piso é nivelado e impermeabilizado.

346
Já na paisagem noturna (figura 1B) nota-se a mudança que a iluminação de fachada do prédio
aplica sobre a sua superfície, a luz direta amarelada se torna alaranjada ao se misturar com a
parede e esse estilo de iluminação de fachada comparado à paisagem diurna, com luz natural,
deixa o exterior chapado, não valorizando nem ressaltando os volumes da fachada do e difício
histórico.

Figura 1 – Mosteiro de São Bento, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)

Fonte: Autores (2021)

As interações sociais noturnas não foram diferentes das diurnas, ao menos no início
da noite, com a presença de uma grande infraestrutura de transporte público (Metrô)
funcionando como pólo de atração de pessoas, mesmo no período noturno. O Mosteiro de São
Bento está presente na rota de muitos turistas que vem à São Paulo e é considerado um ponto
turístico do triângulo histórico do centro, além de que a sua arquitetura eclética atrai olhares e
curiosidade para visitá-lo, tornando-se uma potencialidade para a formação da memória visual
coletiva da cidade.
O Pateo do Collegio é composto pela Igreja e pelo Colégio dos Jesuítas erguidos no
topo da colina central da Vila de São Paulo de Piratininga, em 1554. A localização da edificação,
predominantemente horizontal, no sítio de fundação da cidade de São Paulo caracteriza-o como
importante marco para a história da cidade, um retorno ao passado. A construção primitiva, em
taipa de pilão, sobreviveu até 1640, quando da expulsão dos jesuítas da cidade. Com o retorno
dos religiosos em 1653 o templo foi reconstruído e em 1759, com nova expulsão da ordem, o
imóvel passou ao domínio do Reino. Ao final do século XIX a Igreja desabou em decorrência do
abandono, sendo reconstruída em 1979, para as comemorações do quarto centenário da cidade,
como simulacro da arquitetura colonial, tendo sua base em taipa preservada no subsolo
(CANADO JÚNIOR, 2014).
Na figura 2A, o Pateo do Collegio está iluminado pela luz natural e há poucas pessoas
no entorno do complexo, vale ressaltar que não existem estações de metrô no entorno
imediato, como pólo de atração relevante. Na figura 2B, a fachada se ilumina com luzes amarelas
em wall washing na parte superior da fachada, a iluminação valoriza o conjunto e potencializa a
memória visual dos transeuntes que passam no entorno. Além da própria luminosidade
presente na superfície da edificação, há alguns postes de iluminação pela paisagem que
influenciam na claridade do mesmo. No fundo da imagem é possível observar o edifício da
Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo com uma iluminação arroxeada.

Figura 2 – Pateo do Collegio, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)

347
Fonte: Autores (2021)

Os dois edifícios de arquitetura eclética, com elementos neoclássicos predominantes


na fachada, que atualmente abrigam as dependências da Secretaria de Justiça (1891) e da
Defesa da Cidadania (1896) do Estado de São Paulo, são remanescentes de agrupamento oficial
destinados a compor cenário urbano do Pateo do Collegio. De autoria do arquiteto Ramos de
Azevedo, se destacam pela monumentalidade e robusta sensação de solidez (Figura 3A), com a
presença de elementos clássicos (colunas compósitas), estilo uniforme e volumes expostos em
sua fachada. Baseado na tradição beaux arts europeia, possui, com sutis diferenças das obras
do entorno, embasamento de cantaria, construção em alvenaria de tijolos com emprego de
elementos metálicos (claraboias que recobrem pátios internos) demonstrando o prestígio da
cafeicultura no período (BASSANI; ZORZETE, 2014).

Figura 3 – Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)

Fonte: Autores (2021)

Ambas imagens foram fotografadas em horários próximos em que as imagens do


Pateo do Collegio foram registradas, desse modo o fluxo de pessoas era o mesmo, poucos
transeuntes pelo local. A Secretaria possui no seu entorno edifícios muito importantes, à
esquerda o já citado Pateo do Collegio e, à direita, o Tribunal de Justiça. O monumento, quando
está sob a luz de refletores coloridos (Figura 3B) no período noturno, perde um pouco de sua
essência neoclassicista pois a iluminação não valoriza e/ou destaca os seus volumes que estão

348
em planos diferentes. Os frontões sobre as esquadrias são quase imperceptíveis pois se
camuflam com a superfície branca da parede, a única área em evidência com a iluminação
indireta é onde estão posicionadas as bandeiras da cidade. Outra forma de iluminação vista é a
de um poste de luz de tom amarelado e, que apesar de influenciar o brilho na fachada, não
contribui para o destaque do exterior. Sendo assim, a iluminação natural está mais adequada e
potencializa mais a memória visual do conjunto do que a ambiência criada na paisagem noturna.
Localizada no nº 3 da antiga Rua do Carmo, ao lado do Beco do Pinto, o edifício do
Solar da Marquesa de Santos (Figura 4), é um modelo de uma construção de arquitetura urbana
do século XVIII com características neoclássicas, assim como outras edificações históricas
presentes no centro de São Paulo, ela conta uma parte da história da cidade através da fachada
e seus interiores. Em 1834 Maria Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos,
comprou o imóvel da herdeira do Brigadeiro Leme, e devido à intensa e agitada vida social da
marquesa, o Palacete passou a ganhar notoriedade na cidade. Nos anos 1991 a edificação
passou por restauração, descobrindo vários graus de modif icações que não permitiram a
reconstituição das características originais. A intervenção optou por resguardar os elementos
que representassem as diversas fases de seu percurso no tempo (BASSANI; ZORZETE, 2014).

Figura 4 – Solar da Marquesa de Santos, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)

Fonte: Autores (2021)

O exterior do edifício expõe a fachada principal e apresenta uma paleta de cores em


tons pastéis, sendo o rosa claro a cor predominante (Figura 4A). Se tratando da iluminação
(Figura 4B), o monumento não possui uma iluminação de fachada exclusiva para enaltecer as
formas e volumes do conjunto, sendo apenas evidenciada pela iluminação indireta de um poste
de iluminação pública, de cor branca, posicionado na frente do edifício. Sendo assim, a qualidade
de iluminação presente não valoriza a edificação e sua volumetria, nem qualifica a paisagem
noturna, dado que a mesma não contribui para uma imagem marcante do edifício, por
conseguinte não potencializa sua memória visual. Outro tipo de iluminação perceptível na
imagem é uma iluminação amarela vinda do edifício vizinho, o Museu da Cidade de São Paulo
que também é pertencente ao conjunto do Solar da Marquesa de Santos. Poucos elementos
estão presentes na vista e o movimento de pedestres é baixo. Apesar de abrigar um acervo e
ser um espaço cultural, não foram notadas interações sociais nas proximidades do edifício.
Localizada na Praça da Sé, a Catedral da Sé (Figura 5) é uma edificação do estilo
neogótico projetada pelo arquiteto Maximilian Emil Hehl e construída entre os anos de 1912 a
1954. O templo no período noturno (Figura 5B) apresenta uma boa iluminação, nota-se que a
torre esquerda possui iluminação própria enquanto a da direita estava apagada. Não há uma

349
iluminação de fachada pensada para valorização do edifício e sua volumetria, sendo a
iluminação do exterior majoritariamente composta pela luz indireta dos diversos postes de
iluminação pública na cor branca que estão posicionados na praça à frente. Apesar da edificação
ser bem iluminada, sua qualidade não é boa, visto que comparada a sua paisagem diurna (Figura
5A) o visual externo noturno não valoriza completamente as formas da catedral. Uma
iluminação focal com refletores seria o ideal para realçar as características e de stacar a estrutura
do edifício histórico. A iluminação é um instrumento que reafirma a memória da cidade, a
lembrança de seu passado. A luz possui papel didático, na medida em que reforça o vínculo da
população com as raízes culturais da cidade (GONÇALVES, 2005).

Figura 5 – Catedral Metropolitana de São Paulo - Catedral da Sé, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)

Fonte: Autores (2021)

A paisagem do entorno da Catedral da Sé é composta por uma quantidade


considerável de vegetação, no centro das imagens é possível observar uma aléia de palmeiras
imperiais marcando o caminho e direcionando a perspectiva. Já a quantidade de pessoas e
interações sociais é considerada grande no período diurno e médio no período noturno, tendo
em vista que há uma estação de metrô próxima, a Estação Sé (integração da Linha 1 – Azul e
Linha 3 – Vermelha) e a presença de comércio e serviços nas ruas adjacentes. A área também é
ocupada por pessoas em situação de rua, uma problemática social crítica para a cidade. O
ambiente também é percebido como um local inseguro por haver concentração de crimes e
violências, então no período noturno muitos preferem não permanece r no local mesmo sendo
um espaço iluminado.
A iluminação e a diversidade de uso nos espaços urbanos são questões importantes
relacionadas à segurança quando se discute a vida noturna, manter a segurança da cidade é
tarefa principal das ruas e das calçadas (JACOBS, 2000). O cenário diurno contribui mais para a
memória visual considerando o visual do conjunto sobre a iluminação natural que valoriza as
formas, enquanto o edifício no período noturno têm elementos que se escondem na penumbra,
como a cúpula e o topo das torres.

350
O edifício situado na Rua Álvares Penteado esquina com Rua da Quitanda, onde
atualmente está instalado o Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB (Figura 6) foi construído em
1901 e adquirido pelo Banco do Brasil em 1923, que o reformou sob os cuidados do engenheiro-
arquiteto Hippolyto Gustavo Pujol Júnior como primeira sede própria do banco na capital
paulista. Inaugurado em 1927 esteve em atividade até 1996 quando o banco transferiu suas
atividades para a agência da Rua Líbero Badaró e contratou o arquiteto Luiz Telles para a
restauração, sendo o imóvel inaugurado em 2001, abriga atividades culturais como exposições,
apresentações de teatro, dança, música, cinema e outros (BASSANI; ZORZETE, 2014).

Figura 6 – Edifício Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)

Fonte: Autores (2021)

O exterior do prédio possui janelas emolduradas por pilastras e também uma claraboia
que ilumina o espaço interno, além de outros elementos estruturais e decorativos (Figura 6A).
Quando se observa a fachada, é notável a presença de diversas esquadrias no desenho da vista.
Na imagem da paisagem noturna (Figura 6B) as janelas e portas do primeiro andar estão
iluminadas pela luz interior e verifica-se que o CCBB tem uma iluminação própria para a fachada
com refletores diretos de coloração branca mesclando com a cor bege da superfície da parede.
Os três andares são destacados pela luz, assim como a estrutura em concreto armado e os feixes
de luz acompanham o desenho dos pilares. O único elemento que se camufla na escuridão é o
coroamento do edifício, sem iluminação de realce.
Analisando o entorno, o CCBB é o único edifício iluminado da via, conformando uma
ambiência sombria, uma vez que, ainda que adequadamente iluminada, a edificação insere-se
num entorno pouco convidativo, percebido como espaço inseguro e sem vitalidade.
Paralelamente, uma fachada fracamente iluminada poderá parecer destacada quando inserida
em um entorno obscuro (MIGUEZ, 2005). O fluxo de pessoas é maior no período diurno e no
noturno é quase zero, já que o edifício fecha por volta das 19h e os prédios comerciais no
entorno também não possuem atividades noturnas. Portanto, um dos diferenciais do edifício é
o trabalho feito na iluminação, assim como comentado anteriormente isso o destaca no meio
de diversos outros e contribui para a memória visual dos indivíduos que se movimentam na área.

351
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista os aspectos observados, a iluminação de fachada contribui


diretamente para a vitalidade urbana noturna da paisagem, assim como contribui ou não para
que esse ambiente seja uma memória visual do indivíduo que esteve no local. Porém, além da
iluminação cênica e de fachada, diversidade de uso e de público são fundamentais para gerar
vitalidade urbana. As percepções são únicas e exclusivamente baseadas nas impressões que o
usuário tem do espaço em que ele está presente e os elementos que constituem o espaço são
importantes para a criação dessa memória visual. É necessário que a paisagem noturna seja
pensada de forma diferente do espaço diurno e que ela seja disposta adequadamente para
tornar o ambiente um local agradável, que seja iluminado o suficiente, destaque as formas e
volumes da edificação e torne a ambiência noturna como uma localização memorável. Um Plano
Diretor de Iluminação precisa pensar em todos esses aspectos e incentivar o uso noturno assim
como o diurno.
A pesquisa buscou entender e analisar como é a iluminação de fachada de edifícios
históricos do centro da cidade de São Paulo, as ambiências criadas no entorno e seu papel na
construção de uma memória visual coletiva. Como na maior parte das vezes não se nota a
problemática até se compreender a importância de um bom projeto de iluminação, os
elementos históricos e construções presentes no centro precisam ser mais valorizados no
período noturno, com uma iluminação de fachada adequada e o incentivo do uso noturno, todas
as edificações aqui analisadas são edificações tombadas como patrimônio cultural e histórico,
contam uma parte da história da cidade, então é essencial que um Plano Diretor de Iluminação
seja elaborado e implementado de acordo com as necessidades reais da cidade e da população,
pensado conjuntamente com outras políticas públicas integradas para ativação e valorização do
patrimônio urbano.

Referências

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trabalho. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo. São Paulo, 2010.

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atmosfera para os calçadões. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Universidade de São Paulo. São
Paulo, 2008.

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352
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(Especialização em Cenografia) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Curitiba, 2018.

DERZE, F. Cidade à noite: iluminação artificial e modernidade. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) –
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GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 1991.

GONÇALVES, A.L.A. Iluminação urbana de conjuntos históricos e tradicionais: adequação do projeto à ambiência.
Uma metodologia para planos diretores de iluminação. O caso do bairro histórico de Paraty. Tese (Doutorado em
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HARVEY, D. Condição pós-moderna. São Paulo: Loyola, 2014.

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SANTOS, M. Metamorfoses do espaço habitado: fundamentos teóricos e metodológicos da geografia. São Paulo:
Hucitec, 2014.

353
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ENTRE DEVOÇÃO E EXPRESSÃO POPULAR: UM ESTUDO SOBRE O


PATRIMÔNIO NO PÁTIO DE SÃO PEDRO EM RECIFE-PE

BETWEEN DEVOTION AND POPULAR EXPRESSION: A STUDY OF HERITAGE IN THE SÃO


PEDRO COURTYARD IN RECIFE-PE

Josebias Costa do Nascimento Neto


Mestrando em Arquitetura e Urbanismo, UFPB, Brasil.
josebias.nascimento@academico.ufpb.br

Maria Berthilde de Barros Lima e Moura Filha


Professora Doutora, UFPB, Brasil.
mtide1606@gmail.com

Pedro Henrique Cabral Valadares


Professor Doutor, UPE, Brasil.
arq.pedrovaladares@gmail.com

Ana Lúcia Francisca da Silva


Arquiteta Urbanista, ESUDA, Brasil.
contatoanalucia2018@gmail.com

354
RESUMO
Este estudo se concentra no contexto do patrimônio cultural, com o objetivo de fornecer percepções sobre a
incorporação de manifestações populares em ambientes tradicionalmente hieráticos, tendo como objeto empírico
da pesquisa o pátio de São Pedro, no Recife-PE. Com o objetivo de compreender em que medida essas atividades
culturais atuam como agentes fomentadores da preservação desse local, essa pesquisa se debruça sobre a história,
festividades e os usos do pátio ao longo de sua existência. Como resultado obtido neste trabalho, elenca -se as
transformações de uso e ocupação do solo através das mudanças e permanências, aqui mostradas desde 1950 até os
dias atuais, como fator determinante para a sustentabilidade futura deste local histórico. O pátio enquanto um lugar
histórico e de memória, além de servir como palco para manifestação da cultura pernambucana, luta contra a ameaça
do apagamento proposto pelo elevado percentual de imóveis vazios ou subutilizados em seu entorno; portanto
demanda uma ação conjunta entre as esferas competentes para que haja uma efetiva e cautelosa intervenção com o
propósito de perenizar essa faceta histórica da identidade da cidade do Recife.

PALAVRAS-CHAVE: Pátio de São Pedro. Recife. Pernambuco.

ABSTRACT
This study concentrates on the context of cultural heritage, with the aim of providing insights into the incorporation
of popular manifestations into traditionally hieratic environments, focusing on the São Pedro courtyard i n Recife-PE.
With the aim of understanding the extent to which these cultural activities act as agents that promote the preservation
of this place, this research focuses on the history, festivities and uses of the courtyard throughout its existence. As a
result of this work, the transformations in land use and occupation through change and permanence, shown here from
1950 to the present day, are a determining factor for the future sustainability of this historic site. The courtyard, as a
place of history and memory, as well as serving as a stage for the manifestation of Pernambuco culture, is fighting
against the threat of obliteration proposed by the high percentage of empty or underused properties in its
surroundings; it therefore requires joint action between the competent spheres so that there is an effective and
cautious intervention with the aim of perpetuating this historical facet of the identity of the city of Recife.

KEYWORDS: Pátio de São Pedro. Recife. Pernambuco.

355
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se debruça sobre a área do patrimônio cultural, no que tange às
mudanças e permanências, bem como as transformações, que envolvem a herança, a história e
seus respectivos valores envoltos no pátio de São Pedro em Recife -PE. tem como objetivo geral
compreender de que maneira o referido pátio, enquanto um patrimônio material reconhecido
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), permanece como um polo
de atração de manifestações culturais (patrimônio imaterial), que, embora mutáveis ao longo
do tempo, têm dado sustentação à preservação desse espaço histórico urbano. Tem-se como
hipótese que a perspectiva da conservação desse lugar reside nesta relação simbiótica de uso e
apropriação observados entre o patrimônio edificado e imaterial.
Localizado na área central do Recife, o pátio de São Pedro possui em sua vizinhança
edificações religiosas e comerciais de referência histórico-paisagísticas da cidade, como o
mercado de São José, a Basílica da Penha, a Basílica da Nossa Senhora do Carmo, Igreja de
Nossa Senhora do Livramento, além da Concatedral de São Pedro dos Clérigos, esta última
localizado no próprio pátio e responsável pelo seu surgimento. Concebido inicialmente como
extensão da Igreja e posteriormente consagrado como um espaço público, o pátio é utilizado
cotidianamente para atividades comerciais e de serviços, além de ser um grande palco para os
ciclos festivos, tradicionais e de celebrações populares.
Enquanto concentrador de fluxo e significância, o pátio de São Pedro recebe
atividades culturais de todo o estado de Pernambuco, principalmente nos eventos festivos do
ano (páscoa, festas juninas, carnaval, natal, etc). As relações estabelecidas entre essas
manifestações culturais e o patrimônio edificado do pátio, nos oportuniza analisar sob a ótica
da permanência dessas atividades, sua relevância histórico-artística, bem como a sua
resistência identitária, enquanto cultura popular, como um meio efetivo de promover a
manutenção e preservação dos valores envoltos no local estudado.
Por meio dessas observações empíricas preliminares, constata-se que a dinâmica de
uso do pátio de São Pedro possui alternâncias que o torna um lugar distinto dos demais pátios
da cidade. Os demais pátios do entorno podem ser considerados espaços de destino nos dias
comuns, visto que se configuram como locais tradicionais de comércio e serviços, e pouco
recebem eventos culturais. Esta distinção de uso do pátio de São Pedro em relação aos outros
pátios da cidade nos remete à questão principal da pesquisa, que indaga sobre de que maneira
essas manifestações culturais populares atuam como agentes fomentadores da preservação
do mesmo enquanto patrimônio material e imaterial da cidade do Recife.
Mediante isso, o presente artigo versará inicialmente sobre a história do pátio, desde
sua gênese junto às irmandades, que exercem um papel fundamental na formação e
crescimento da cidade; até as festividades sagradas e profanas promovidas no local. Seus usos
e apropriações, bem como seu alarmante problema envolvendo imóveis vazios ou
subutilizados são elencados ao final com a finalidade de ressaltar a importância da
continuidade de estudos sobre essa temática de forma integrada, hoje constantemente
observada em dissonância, tendo em pauta não somente os fatores visíveis e palpáveis do
monumento ou conjunto, mas também por tudo aquilo que se descobre vivo neles e com um
enfoque especial na manutenção dos valores envolvidos, seus respectivos usos e a preservação
de nossa história, nossa identidade e nossa memória enquanto seres urbanos.

356
1 O PÁTIO DE SÃO PEDRO: DO PRINCÍPIO A ETERNIDADE
Situado no seio histórico da cidade do Recife, o pátio de São Pedro dos Clérigos
consiste num pequeno conjunto urbano, constituído por um casario, com uma linguagem
arquitetônica que reafirma a superposição de tempos, aos olhos mais atentos, conferindo -lhe
uma relevância histórica, social e paisagística para a cidade. O pátio se impõe enquanto
documento-monumento1 do Recife contando histórias dos tempos vindouros, das primeiras
intenções de povoamento da Ilha Antônio Vaz, hoje os bairros de Santo Antônio e São José, do
crescimento como vila, ao que seria posteriormente a cidade do Recife.
A ocupação da Ilha tem sua gênese ainda no século XVII com a construção do convento
Franciscano de Santo Antônio, em 1606, e outras poucas edificações. É, portanto, caracterizado
por um processo lento de crescimento, até o momento da ocupação holandesa, entre 1630 e
1654 (FIDEM, 1978). Observando a igreja de São Pedro dos Clérigos, foco do presente artigo, é
construída a partir de doação de terras por fiéis desta irmandade. Foram seis imóveis ofertados,
além de uma horta, situada no final da igreja em seus primórdios. O pátio situa-se entre a Rua
das Águas Verdes (antiga Rua Lomas Valentinas), Rua de São Pedro (antiga Travessa de São
Pedro) e a Rua Felipe Camarão, antiga Rua Henrique Dias (MENEZES, 2017). Percebemos na
Figura 1, no mapa de 1778, a demarcação espacial desse tecido urbano em construção.
Aponta Moura Filha (2009, p. 367) que existindo a Irmandade dos Clérigos desde o ano
de 1700, somente em 1719 “resolveu construir a sua igreja, iniciada nove anos depois. A pedra
fundamental foi lançada em 3 de maio de 1728, estando a capela-mor concluída, em 1729, e o
corpo da igreja, em 1759”. As obras se prolongaram até 30 de janeiro de 1782, quando foi
realizada a sagração. (MENEZES, 1984, p. 8)

Figura 1 – Plano da Villa do Recife de Pernambuco (recorte), em 1778. Original manuscrito do Arquivo
Distrital de Évora, Portugal.

Fonte: MENEZES, 2017; editado pelo autor, 2021.

Nesse contexto histórico, observa-se a presença de 10 (dez) espaços religiosos


históricos, com formação de pátio, existentes desde os primórdios da cidade, além de
testemunhar as intervenções urbanas que ocorreram no Recife do século XX. No entorno desses
pátios e largos das igrejas erigidas em devoção cristã, a retratação da cidade do Recife, mais

1 O monumento, enquanto herança de um passado, evoca o que se passou com a finalidade de se perpetuar uma
recordação de corte temporal preciso, feito a partir da manipulação dos pesquisadores envolvidos com as ciências do
passado (LE GOFF, 2013).

357

Pátio de São Pedro


precisamente a porção sul da ilha Antônio Vaz, em meados do século XVIII é vista sob a luz dos
mapas elaborados por Diogo da Silveira Velloso, em 1739. Evidencia-se uma série de construções
visando a consolidação urbana da área, conforme apontado por Lira (2021):

Nas bordas de Santo Antônio, os primeiros traços de urbanização naquela direção


emergem a partir da Igreja e do Convento do Carmo, concluídos em 1769; da capela
de Santa Teresa, de 1710; ou da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, sobre terras
doadas à Irmandade dos Homens Pretos ainda em 1654, cuja construção começaria
naquele mesmo ano de 1739. Paralelamente, o processo avançava em direção às
Cinco Pontas, partindo da Igreja do Livramento, erigida pela Congregação dos Homens
Pardos a partir de 1722; da Igreja de São Pedro dos Clérigos, na antiga Rua das Águas
Verdes, com risco de 1728; da velha Igreja e do Convento da Penha, demolidos no
século XIX para dar lugar à atual igreja; da primitiva Igreja de Nossa Senhora do Terço,
por volta de 1732; da Igreja do Senhor Bom Jesus dos Martírios, dos pretos e pardos,
finalizada em 1796 e demolida em 1971, quando da abertura da Avenida Dantas
Barreto; e de alguns outros templos mais modestos, como a antiga capelinha de São
José do Ribamar, datada ainda do final do século XVII e de posse da irmandade de
artífices e pescadores da região, que daria nome ao bairro no século XIX (LIRA, 2021,
p. 09).

Ainda na primeira metade do século XIX ocorreu a instituição da freguesia 2 do Recife,


dividida entre as freguesias de Santo Antônio (ao norte) e a de São José (ao sul) da ilha; estas
foram marcadas por forte presença popular, artesanal e pequeno-burguesa, branca, preta e
parda, masculina, feminina, livre e liberta. O padrão morfológico desses dois bairros, não se
diferenciavam dos padrões originalmente adotados para a área: lotes estreitos, ruas que por
vezes se abriam em pátios, casas e sobrados geminados voltados ao comércio e residências
(DUTRA; LIRA, 2021).
O protagonismo observado na freguesia de Santo Antônio e São José, junto ao bairro
do Recife, seguindo os princípios de uma cidade colonial portuguesa, expressavam-se como a
área mais importante da cidade. Logo, segundo Menezes (2022), a organização do território não
se dá de forma orgânica, pois:

Numa visão de conjunto, a organização territorial não parece ter sido resultado de
uma ocupação acidental e decorrente de crescimento não previsto. Não deve ser fruto
de nenhum trabalho de prancheta, isto é, de um estudo prévio, apesar de no
Renascimento tal processo ter se instaurado, como ocorrera em 1639… (MENEZES,
2022, p. 25).

A paisagem, outrora bucólica, começa a ser reformada pela iniciativa da Igreja Católica
e com anuência do reinado português, por intermédio das ordens monásticas e das irmandades;
se propõe a instituir um poderio também religioso no local, reafirmado pelas construções de
igrejas, conventos e escolas eclesiásticas.
As ordens terceiras que surgiram em 1696, como a Nossa Senhora do Carmo através
da fundação do convento Carmelita, bem como a irmandade do Santíssimo Sacramento e a de
São Francisco no mesmo ano, desempenharam o papel de reunir e congregar toda a elite da
época. Essas, atraíam desde os ricos mascates e poderosos senhores de engenho, até

2 “Comunidades morais, solidarizadas social, espiritualmente e espacialmente centralizadas por referência a tal ou
qual igreja matriz, as freguesias então se constituíam não apenas pela oferta de serviços religiosos, mas por um
complexo sistema de reciprocidade e vizinhança… inclusive dotada de certo vigor administrativo.”(LIRA, 2021, p. 9-
10)

358
personagens líderes e influentes na política pernambucana, formando assim um elo entre toda
a classe aristocrática daquele período. Além disso:

Estas irmandades se faziam representar na paisagem urbana, através das igrejas


edificadas pelos ricos senhores das ordens terceiras do Carmo e São Francisco, pelos
comerciantes devotos do Santíssimo Sacramento, pelos clérigos da irmandade de São
Pedro, ou pelos artífices reunidos sob a evocação de São José do Ribamar (MOURA
FILHA, 2009, p. 361).

Sendo o caminho adotado por grupos de semelhantes, em ofícios e condição social, o


agrupamento dos devotos em irmandades, confrarias e ordens terceiras; se firma como uma
maneira de aproveitar um pouco do prestígio proposto pela religiosidade e principalmente: em
defesa dos problemas desse sistema colonial em comum ao qual lhes foram impostos, seja por
questões raciais e ou financeiras; além de reunir as pessoas que tinham ofícios entre seus
semelhantes.
O estabelecimento de irmandades religiosas no Recife, favorecido pela estreita
relação entre a Igreja Católica e a Coroa portuguesa, contribuiu para a consolidação
da sociedade que se assentava na vila, que se transformava e crescia. Apesar das
dificuldades de obtenção de recursos financeiros e mão de obra adequada, os esforços
das irmandades resultaram na construção de igrejas que posteriormente dominaram
a dinâmica socioespacial e a paisagem urbana da vila, caracterizada por um conjunto
homogêneo de casas e sobrados geminados, aglutinados em território escasso, cuja
extensão foi paulatinamente expandida com aterros ao longo dos séculos.
(VALADARES, 2022, p. 72).

As irmandades e confrarias, que competiam entre si para construir o templo mais


suntuoso, protagonizaram uma rápida ascensão de espaços religiosos entremeados no denso
conjunto de sobrados. Assim como em outras cidades coloniais, a influência católica no Recife
tornou as igrejas elementos estruturadores e dominantes na malha urbana, tanto no
arruamento como na paisagem.
Essas edificações religiosas guiaram o crescimento e a ocupação da cidade, durante
muito tempo, chegando a configurar o que hoje definimos como “centralidades urbanas”,
enquanto “espaços multifuncionais e autossuficientes que estão localizados em diferentes
pontos da cidade”3. À exemplo, a multifuncionalidade dessas igrejas e conventos, até o século
XIX, pode estar associada ao fato de que dentro e fora de seu espaço físico, as igrejas
desempenhavam múltiplas funções, abrangendo aspectos religiosos, sociais, educativos e de
assistência.
Essas funções centrais estão intimamente ligadas aos agentes modeladores que atuam
sobre esses espaços, a exemplo da força do agente eclesiástico para configurar espacialmente
um espaço religioso, que se expande para o urbano e demarcam no tecido urbano reais unidades
de territórios, conforme elucidado por Loretto (2008):

A divisão espacial em freguesias, e posteriormente em paróquias, assinala claramente


a demarcação de uma centralidade e o que ela compreende. Etimologicamente, a
palavra freguesia é derivada do vocábulo fili eclesiae, ou filho da igreja. Na acepção
utilizada até hoje, freguesia assume o sentido de povoação sob o aspecto eclesiástico.
(...) Tanto as freguesias quanto as paróquias constituíam unidades territoriais e

3 “São espaços multifuncionais e autossuficientes que estão localizados em diferentes pontos da cidade e que buscam
equilibrar a distribuição de equipamentos, emprego, moradia e reduzir custos de deslocamento.” (ALCALÁ, 2019, p.
1)

359
religiosas, cuja centralidade era marcada pela presença de uma ou mais igrejas
(LORETTO, 2008, p. 14).

A importância dessas igrejas e seus pátios para a vida cotidiana da sociedade e, por
consequência, para a formação do traçado urbano do Recife, são temas amplamente abordados
na literatura, a exemplo de Freyre que a ele se reportou em obra datada de 1934:

O Recifense não está ligado às suas igrejas só por devoção aos santos, mas de um
modo lyrico, sentimental: Porque se acostumou à voz dos sinos chamando para a
missa, anunciando incêndio, porque em momento de dôr ou aperreio elle ou pessôa
sua se pegou com nossa senhora, fez promessa, alcançou a graça, porque nas igrejas
se casou, se baptisaram seus filhos e estão enterrados avós queridos. 4 (FREYRE, 2005,
s/p).

A vida comunitária estava centralizada nas igrejas, sendo assim, elas desempenhavam
um papel fundamental ao orientar o desenvolvimento e estabelecer a configuração urbana da
cidade. Desse modo, além de contribuir na formação dessa centralidade urbana, a Concatedral
de São Pedro dos Clérigos, sendo considerada uma joia do barroco brasileiro, foi um dos
primeiros monumentos reconhecidos e tombados pelo antigo Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN), atual IPHAN, em função do seu valor histórico e artístico, em 20 de
julho de 19385.
Sendo visto como um dos conjuntos arquitetônicos mais monumentais do Brasil, a
poligonal de tombamento é composta pela igreja e mais 63 imóveis, entre casas térreas e
sobrados que testemunharam o desenvolvimento e expansão da cidade. Extrapolando a
proteção do “monumento artístico” e considerando, também, o patrimônio urbano, os
primeiros passos voltados a preservação do pátio e seu acervo edificado, teve início em 12 de
março de 1965, com medidas voltadas a proteção do entorno do bem tombado pelo conselho
consultivo do atual IPHAN, culminando na inclusão do pátio no livro do Tombo Histórico e das
Belas Artes, através do processo de ratificação do tombamento da Igreja, com o objetivo de
melhor resguardar a integridade do monumento com seus limites de tombamento, por
intermédio da descrição e desenho desta poligonal aprovada e homologada pelo conselho
consultivo na data de 08 de março de 1985.
Ademais, seu imensurável valor é vastamente comentado na literatura da época. O
jornalista pernambucano Antônio Figueiredo, retrata o pátio de São Pedro no século XIX, assim
como os bairros de Santo Antônio e São José; e o “contínuo singular” de suas edificações, bem
como a expressividade barroca de suas igrejas e pátios, estes apoiados em iconografias da
época.
Voltando-se um pouco para trás, nesta rua, entra-se na Travessa de São Pedro, que
conta seis casas, três de dois andares e três térreas; e mais depara-se com o largo do
mesmo nome. Aí está construído o templo de São Pedro, cujo interior tem forma
octógona; é um dos edifícios sagrados desta cidade, onde se encontra uma arquitetura
mais aperfeiçoada, [..] tem este largo dezessete casas, a saber: seis de um andar, duas
de dois e dezessete térreas (FIGUEIREDO, 1992, p. 170).

4 Grafia original mantida, contexto da década de 1930.


5 Igreja de São Pedro dos Clérigos e Pátio de São Pedro: conjunto arquitetônico (Recife, PE), Livro de Belas Artes,
Inscrição:187, Data:20-7-1938, Nº Processo:0123-T-38. Observações: O tombamento inclui todo o acervo da Igreja,
de acordo com a Resolução do Conselho Consultivo da SPHAN, de 13/08/85, referente ao Processo Administrativo nº
13/85/SPHAN.

360
Ferrez (1954) destaca a fidelidade da obra com a paisagem da época e reafirma o
destaque das edificações religiosas no cenário urbano da cidade, fazendo uma análise das
iconografias6 que retratam o Recife em panorama feito por Friedrich Hagedorn em meados do
século XIX.
De modo geral, teóricos especialistas, como Bazin (1983) e Smith (2012), celebram as
igrejas barrocas do Recife do século XVIII como um conjunto unificado e distintivo. Sua
singularidade não se restringe apenas ao estilo, mas também à integração em uma paisagem
urbana de caráter horizontal, uma característica incomum na época colonial brasileira. Nesse
cenário, o Recife se destaca pela convivência marcante entre a genuinidade dos sobrados
estreitos e a opulência das igrejas barrocas.
Essas estruturas faziam parte de um agrupamento de construções sacras, distribuídas
em uma área onde ainda carecia de terreno sólido. Elas testemunharam o elevado status e
influência das irmandades, bem como a significância das ordens religiosas na sociedade,
gerando assim, um impacto significativo no processo de construção e configuração urbana na
cidade do Recife.
É válido reafirmar que os pátios, para além do contexto religioso, conferem às igrejas
uma aura de grandiosidade e solenidade, fazendo com que elas dominem a paisagem local como
um ponto focal na perspectiva do espaço edificado. Além de servirem como locais de trânsito e
interação, os pátios também eram espaços de expressão cultural e pausa na trama urbana. Essas
áreas, eminentemente destinadas à socialização, desempenharam um papel fundamental ao
realçar essa influência da presença religiosa na vida cotidiana da sociedade.
1.1 CAMINHOS DA COEXISTÊNCIA: O SAGRADO E O PROFANO NO PÁTIO
No Recife, assim como nas demais capitais brasileiras, confere às procissões católicas
o objetivo teológico de anunciar o evangelho do Cristo para além da congregação e é uma
prática que remete uma premissa bíblica seguida pela Igreja desde sua fundação. As
irmandades, confrarias e ordens terceiras que realizam as missas e cortejos aos seus santos de
devoção, nesses momentos, se unem numa grande celebração ao divino pelas ruas da cidade.

Figura 2 – Vista isométrica esquemática do pátio de São Pedro.

Fonte: Google Earth; editado pelo autor, 2023.

6 Representação visual: gravura, pintura, fotografia, cartões postais, entre outros.

361
As festividades sagradas que tem sua hegemonia alicerçada pelas igrejas, conventos e
pátios tomam as ruas nos dias santos ou em celebração de acontecimentos cristãos
memoráveis, a exemplo da páscoa e o natal; passam a dividir o espaço público com as
manifestações culturais de cunho popular, como os encontros boêmios e o carnaval a partir dos
anos de 1950.
Ao entrar nos pátios das igrejas, sagrado e profano se realizam em um mesmo espaço
público. Em cada um deles se organiza a procissão em homenagem ao santo ou à santa
para quem foi erguida a Igreja (....). Neles acontecem apresentações musicais, danças
dos ciclos carnavalesco, junino e natalino, da cultura negra. (...) Quem nunca foi
assistir, no Pátio do Terço, na segunda-feira de carnaval, a Noite dos Tambores
Silenciosos, quando se apresentam nações de maracatu do baque virado? São José:
irrefutavelmente espaço sagrado e profano (LACERDA, 2021, p. 143-144).

Esses acontecimentos são vastamente noticiados pelos jornais da época que além de
convocar os fiéis para a festividade, expunha a data e horário (por vezes o itinerário) da
procissão. Em pesquisa na hemeroteca Digital brasileira (Banco Nacional Digital), nos seis
periódicos de Pernambuco presentes no acervo, o termo “procissão” é identificado em 13
menções em 5 dos periódicos, no período entre 1820 e 1829; o mesmo termo no período entre
1830 e 1839 é identificado em 141 menções em 9 dos periódicos, entre os 25 que integram o
acervo. No período entre 1850 e 1859 são apurados 1.213 ocorrências grifadas em 16 dos 36
jornais em acervo. Por fim, nos últimos anos do século XIX, entre 1880 e 1899, o termo
investigado é abordado em 8 dos 34 periódicos em acervo; totalizando 1.881 menções.
Entre 1820 e 1829 as vagas referências ao termo “procissão” nos textos dos jornais
vigentes em Pernambuco se dirigem as poucas atividades publicadas nesses periódicos
relacionadas às igrejas e irmandades da localidade; dentre outras informações, os principais
pontos abordados se dirige a população que reside nas ruas onde passará a procissão tendo
como recomendação a limpeza e ornamentação das mesmas para receber “com cuidado e
asseio” a festividade da fé cristã.
Em contrapartida, no período entre 1850 e 1859 observa-se uma relevante frequência
nessas notificações à população pelos meios jornalísticos. Como destaque lê -se, além das
recomendações feitas às pessoas de enfeitar suas fachadas nos dias de cortejo, a presença de
uma parte do jornal dedicado aos anúncios da igreja católica, seja pelo clero regular ou secular,
com programações dos próximos eventos a serem realizados no contexto semanal. A publicação
do horário, local de partida, chegada e o itinerário passa a ser mais recorrente e é destacado
pelas irmandades que promovem cada procissão.

Os moradores das proximidades se esforçavam por intervir nesse itinerário, para fazer
passar a procissão em suas ruas, inclusive porque ela atraía rendas com o aluguel das
janelas de sobrados. Um anúncio de jornal fazia constar que "Deseja-se alugar uma
casa, para pequena família, no Bairro de Santo Antônio e que seja em rua onde passem
as procissões da Quaresma, dando-se de aluguer até 12$000". Nos dias de procissão,
o aspecto da rua era alterado na sua placidez cotidiana. A cidade recebia grandes levas
de pessoas, dos arrabaldes e das vilas próximas, ansiosas para assistir a essa grandes
festividades religiosas [...] A imponência da matriz e a grandiosidade da procissão que
dela saía irradiavam para as ruas das freguesias por onde o cortejo passava (ARRAIS,
2002, P.183).

Presencia-se a cumplicidade da igreja com o estado, no quesito militar e por vezes de


representantes políticos, nessas atividades tendo em vista os decretos e ordenações publicados
pelos superiores para com os guardas de honra e soldados (tropas de guarnição) e em alguns

362
casos houve até a chamada aos guardas nacionais da capital e sua cavalaria e com toda pompa,
confere a solene festividade esplendor e grandiosidade.
Acentua-se ainda que é retratado em alguns dos periódicos (coluna de compra, aluguel
e venda) o interesse de aquisição de imóveis pelas ruas onde passam as procissões dos bairros
de Santo Antônio e São José. Isto denota uma clara valorização imobiliária em comparação às
outras ruas da cidade.
A variedade das procissões, conforme seu propósito, é evidenciada nas publicações se
diferenciando, inicialmente, em três tipos principais: as procissões sacramentadas, a procissão
de transladação e a procissão de penitência. A primeira se refere às atividades anuais da igreja
e seus fundamentos na fé Cristã; celebrando assim a quaresma, páscoa, advento do natal, além
das festividades de cada santo de devoção (variando conforme a irmandade e a igreja erigida
em sua homenagem). Nesse contexto, a procissão do enterro do Senhor ganha destaque nos
jornais por ser um dos eventos mais marcantes das comemorações da semana santa católica,
por simbolizar o cortejo e sepultamento do Cristo; conforme destacado por ARRAIS, 2002:

Durante a Quaresma, multiplicavam-se as procissões no silêncio da cidade. Proibia-se


o tráfego de veículos na Quinta e na Sexta-feira, os pianos emudeciam, vapores e trens
deixavam de acionar seus apitos. As procissões que pontuavam nesses dias eram a de
Cinzas, promovida pela Ordem Terceira de São Francisco de Assis, seguida da dos
martírios, do Senhor Atado, do Bom Jesus das Chagas, do Encontro, do Triunfo, dos
Passos, do Enterro e da Ressurreição. A procissão do Senhor dos Passos saía da Madre
de Deus na Quinta-feira de Quaresma e terminava no Corpo Santo. Entre 1789 e 1855,
saía, nas noites de Quinta-feira santa, a procissão dos Fogaréus, promovida pela
irmandade de Nossa Senhora da Conceição dos Militares, encenando o percurso do
Jesus prisioneiro levado a julgamento. Depois, um "bando de homens armados de
paus e archotes, guiados por Judas entram em todas as igrejas onde houvesse o Santo
Sepulcro e delas se retiram rapidamente”, sucedendo-se aí, "farsa, bebedeiras,
desatinos, afoitezas''. A partir dos templos, a cidade se transformava num grande
palco dessa teatralização da prisão de Jesus no Horto das Oliveiras (ARRAIS, 2002, p.
178 e 179).

A procissão de transladação se refere às transferências de local das santas imagens em


cortejo religioso pelas ruas, iniciado pela missa solene e acompanhado pelas rezas e cânticos
religiosos dos fiéis que acompanham a festividade.
Por último, a procissão de penitência referenciada nesse mesmo período em alguns
periódicos acentuando que “o silencio, a religião, e a resignação que se manifestava em todas
as physionomias, dava a este acto religioso um aspecto majestoso” (Diário de Pernambuco, 25
de fevereiro de 1850). Essa procissão visa chamar a vista do divino as situações vividas pelos fiéis
e são acompanhadas de vigílias, jejuns e muitos cânticos que remetem a expiação dos pecados
cometidos.
No período final do século (entre 1880 e 1899) as procissões retratadas nos noticiários
continuam a acontecer com grande festa de brilhantismo e pompa também para além dos
bairros tradicionais do Recife (Santo Antônio e São José), como Casa Amarela, Várzea e Vitória
de Santo Antão. Um fato que merece destaque nesses últimos anos do s éculo é a
implementação dos fogos de artifício que marcam o fim da festividade, além do crescimento da
notificação nos periódicos das procissões dos devotos católicos pretos e pardos (Nossa Senhora
do Rosário e Nossa Senhora da Boa Morte). Outro fator inte ressante a se apresentar é a
presença das procissões cívicas noticiadas pelo governo municipal e estadual nos periódicos,
que por sua vez marca o acontecimento histórico da abolição da escravatura através da
publicação da Lei Áurea sancionada pela princesa Isabel, em 13 de maio de 1888.
Assim como as irmandades, muitas dessas históricas procissões sucumbiram ao tempo
e não sobreviveram aos dias de hoje. De modo geral esses grupos sem formação religiosa formal
(leigos) unidos pela fé e caridade, se dissiparam, segundo o antropólogo Frei Tito, pois “...elas
representam um catolicismo que deixou de existir.”

363
As novas formas de congregar impostas pelo processo de urbanização vivenciado pelo
Recife no início do século XX reafirma esse fato, uma vez que o movimento de parada das ruas
e avenidas em dias de festejos desagradam a muitos.

A procissão arregimentava as pessoas, parava o trânsito. Hoje você está na rua com a
procissão e ao lado os carros passando. O carro de som cantando, fazendo a pregação,
e a buzinaria fazendo seu curso. Os motoristas ficam irritados e colocam a buzina para
cima (AGÊNCIA BRASIL, 2016, s/p).

Apesar dos infortúnios e desmotivações, algumas dessas manifestações religiosas


seculares ainda sobrevivem ao tempo à exemplo da Via-Sacra, realizada durante a semana
santa, que retrata os catorze últimos acontecimentos da Paixão de Cristo, desde sua condenação
até a sua ressurreição, sendo este o principal período do ano litúrgico da fé católica. As paradas
que marcam cada ato, são pontuadas pelo sermão afinado com as questões sociais atuais, como
as drogas e o desemprego, regada por cânticos e devoções em todo seu percurso.
O cortejo passa por importantes pontos históricos da cidade, sob o sol fervoroso
recifense, terços e uma grande cruz em madeira revezada entre os fiéis até o final do trajeto.
Tendo início às 8:30 da manhã, o percurso se inicia no pátio de São Pedro, seguindo ao pátio do
Carmo, Camboa do Carmo, Frei Caneca, Rua da Concórdia, Rua Nova, Praça da Independência,
Rua Rosário dos Pretos, Rua Duque de Caxias e Pátio do Livramento. O final da caminhada é
previsto para às 11:30 da manhã com a realização da missa de encerramento na Basílica de
Nossa Senhora do Carmo, no bairro de Santo Antônio, pelo Arcebispo de Olinda e Recife.
De modo semelhante acontecem outras expressões de devotos aos santos católicos
que interligam ruas, avenidas, pátios e igrejas de Santo Antônio e São José. Seja pelas procissões
pascais, juninas ou natalinas; os bairros se enchem de regozijo e fé com a presença dessas
caminhadas que mantêm viva as tradições da igreja católica no Recife.
Além desta presença religiosa cristã, o pátio reúne parte relevante da cultura negra
recifense, ademais o evento conhecido como Terça Negra que Inicialmente era realizado no
Pagode do Didi, localizado no centro da cidade do Recife, atrás do prédio do Correio Central, foi
transferido em 2002 para o Pátio de São Pedro, onde permanece ativo até hoje. O projeto teve
sua origem com o propósito de promover encontros artísticos, culturais e re ligiosos, com
apresentações de grupos locais que exploravam as raízes culturais afro-pernambucanas,
destacando temas como resistência, preservação e valorização da cultura (PRAZERES, 2019).
Com o tempo, esse escopo se expandiu para incluir políticas públicas afirmativas já
existentes, além da proposição de novas políticas reivindicadas às reivindicações do movimento
negro. A Terça Negra também abre atividades como a Caminhada dos Terreiros, a Festa do Fogo
e a Feira de Culinária Étnica, que têm fortalecido a participação e representação de pessoas e
grupos nesse movimento cultural (PRAZERES, 2019).
O pátio de São Pedro, como símbolo local historicamente relevante para a comunidade
negra, representa um espaço de intercâmbio cultural e religioso, além de exp ressar a
diversidade das africanidades trazidas ao Brasil. A influência desse movimento musical ampliou-
se e trouxe elementos da cultura negra para o Pátio, conferindo-lhe um novo significado e
mantendo-o como um ponto vibrante de efervescência cultural pernambucana.
Outro fator de relevância nesse panorama cultural, é a presença das expressões afro-
indígena na localidade evidenciado pelas casas de Jurema Sagrada, Ilês (casas de culto a orixá),
afoxés e maracatus que demarcam sua territorialidade registrados desde a dé cada de 1960 em
seus ritos e devoções em encontros, caminhadas, toques e também no silêncio.
1.2 DIÁLOGO TEMPORAL: O PATRIMÔNIO CULTURAL ENQUANTO ESPAÇO RESSIGNIFICADO

364
Com o objetivo de sintetizar o caminho percorrido no que diz respeito às mudanças e
permanência de usos7 no decorrer dos últimos 40 anos (1980-2020), somando-se à observação
da condição atual do pátio, inicialmente pode-se dizer que dos vinte e dois imóveis analisados
68,18% apresentam mudanças em sua dinâmica de uso; enquanto 31,82%, ou sej a, 7 dos
imóveis analisados permanecem com as mesmas funções desde a década de 1980; enquanto
45,45% dos casos de imóveis que mudaram seu uso, encontram-se atualmente enquanto
imóveis sem uso ou fechados.
A permanência de imóveis com função institucional ou cultural representa 18,18% dos
usos que permanecem desde o início dos levantamentos apresentados, além deles, relevantes
27,27% remanescem com uso de comércio, serviços ou restaurantes/bares. No percentual de
novos usos, destaca-se o aumento de 9,09% de imóveis com uso de comércio/serviços e de uso
cultural/institucional respectivamente. Doravante o uso dos referidos imóveis, em suas
adjacências destaca-se também a presença do Centro Cultural Afoxé Oyá Alaxe descendente do
Terreiro de Mãe Amara, esta uma importante matriarca e sacerdotisa do culto aos Orixás de
nação Nagô Egbá.
Mediante esses dados, podemos afirmar que apesar do alto percentual de imóveis
fechados ou sem uso identificados nesse levantamento, observamos uma crescente tendência
de imóveis em novos usos comerciais/serviços, o que, por sua vez, acompanha a coerência
evidenciada na conservação/preservação da ambiência do pátio de São Pedro proporcionada
pela combinação de fatores legais, históricos e simbólicos.
As camadas de proteção legal8 no contexto da área, são de extrema importância para
a conservação urbanística-arquitetônica contribuindo para o bom/regular estado de
conservação das edificações no pátio (a ausência de imóveis em estado precário ou de ruínas).
Entretanto, observa-se a consolidada e crescente descaracterização de seu entorno,
principalmente de seus elementos arquitetônicos das fachadas, por diversas frentes, sendo as
demandas da publicidade comercial o principal fator de intervenções descaracterizadoras.
Outro ponto relevante a ser destacado consiste no alto percentual de imóveis vazios
ou subutilizados presentes no pátio de São Pedro. 12 dos 30 imóveis que contornam o local se
encontram sem uso, representando assim expressivos 40% desse total. Esse cenário
preocupante cria um ambiente propício para a deterioração física dos imóveis, resultando em
estruturas danificadas, infiltrações e desgastes ao longo do tempo. Esse aspecto contribui
significativamente no enfraquecimento da dinâmica social e cultural do pátio, uma vez que são
essas atividades que diferenciam o pátio de seu entorno; além de atrair uma crescente nos
índices de violência urbana, como agravante desse processo de degradação.
A consequência mais triste dessa negligência é o esquecimento desses imóveis e a
perda de suas histórias e significados. Essas edificações possuem um valor cultural, histórico e
arquitetônico de grande relevância, portanto representam parte da identidade do lugar e são
remanescentes de um período específico da história recifense. Contudo, o abandono os priva
de usar seu máximo potencial e com o tempo, a memória coletiva sobre esses espaços

7 Dados extraídos do levantamento realizado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB Recife) realizado na
década de 1980 e levantamento realizado pela Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural da prefeitura do
Recife (DPPC Recife) realizado em 2020.
8 Segundo o Art. 14 da LUOS (1996), o pátio de São Pedro se insere enquanto conjunto antigo de relevante expressão
arquitetônica, histórica, cultural e paisagística, cuja manutenção seja necessária à preservação do patrimônio
histórico-cultural do Município.

365
gradualmente desaparece. A ausência de manutenção e cuidado enfraquece o elo entre as
gerações, podendo resultar na perda de um patrimônio valioso.
A fim de evitar essa conjuntura de ruína e desmemória, é fundamental que sejam
implementadas medidas para revitalizar e reocupar esses imóveis abandonados. A reabilitação
dessas edificações pode trazer benefícios tanto para a comunidade quanto para o
desenvolvimento urbano sustentável, pois, a transformação desse espaço auxilia intimamente
na promoção da cultura local e do turismo, na geração de empregos e na preservação da
memória histórica do lugar. Além disso, incentivos governamentais, parcerias público-privadas
e a conscientização da importância do patrimônio podem desempenhar um papel vital para a
preservação desses imóveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao identificar esses fatores que geram a atual condição do pátio, volta-se ao


questionamento inicial acerca de que modo essas manifestações culturais reverberam na
preservação do pátio enquanto lugar de memória e da cultura pernambucana, bem como a
maneira com que se relaciona com os agentes envolvidos nessas atividades. Desse modo,
pontua-se que sua história, ambiência arquitetônica, localização central e significação cultural;
além da inclusão de diversos grupos desempenham um papel fundamental na constituição de
um local para o uso cultural.
No entanto, reiteramos que para assegurar a sustentabilidade desse patrimônio faz-se
necessário delimitar sua forma para além de sua dimensão espacial, incluindo suas complexas
camadas socioculturais, bem como as permanências e mudanças apresentadas, com destaque
às tendências que incidem positiva e negativamente sobre o pátio de São Pedro. A conexão
intrínseca entre a territorialidade e o edificado enfatizam a necessidade de uma preservação
cautelosa com vistas a garantir uma preservação duradoura dessa área. Portanto, enfatizamos
a necessidade de uma investigação mais aprofundada de viabilidade, com o objetivo de explorar
a possibilidade de expandir e manter a variedade de usos desse espaço histórico.
Por fim, foi possível ao longo dessa exposição perceber que a relação entre as
características espaciais e seu respectivo uso resultam na já conhecida dinâmica cotidiana no
local, no qual, o espaço de passagem do dia-a-dia se torna um espaço de destino, seguindo a
propensão espacial às práticas culturais. Para isso, faz-se necessário entender a permanência
dessas atividades no pátio, no qual mesmo havendo um percentual relevante de imóveis vazios
ou subutilizados, ainda tem força para sobreviver e se renovar enquanto um lugar de memória
e cultura na cidade do Recife.

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368
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( X ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ESTRATÉGIAS DE MITIGAÇÃO DE CALOR EM CLIMAS


TROPICAIS

HEAT-MITIGATION STRATEGIES IN TROPICAL CLIMATES

Heloisa de Sousa Ferrarezi


Aluna de graduação, UNICAMP, Brasil.
h171233@dac.unicamp.br

Marcela Noronha Pinto de Oliveira e Sousa


Professora Doutora, UNICAMP, Brasil.
noronhap@unicamp.br

Evandro Ziggiatti Monteiro


Professor Doutor, UNICAMP, Brasil.
evanzigg@unicamp.br

369
RESUMO
A adoção de estratégias de mitigação de calor em ambientes urbanos contribui para a melhoria do conforto térmico
externo, além de promover a vitalidade do espaço público, a sustentabilidade das cidades e a saúde de seus habitantes.
As cidades em clima tropical serão as mais impactadas pela mudança climática, no entanto, há poucos estudos sobre
medidas aplicáveis especificamente a esse contexto. Através do mapeamento sistem ático da literatura e da revisão
sistematizada de artigos publicados em periódicos internacionais, foi avaliado o estado da pesquisa na área de
mitigação de calor nos trópicos, com o objetivo de identificar estratégias de mitigação de calor em ambientes urbanos,
visando a sua aplicação em área urbanas baseadas no conhecimento e na inovação. Apesar da grande extensão de
países localizados no cinturão tropical, os resultados apontam colaboração incipiente entre os pesquisadores da área
e a maior concentração de estudos conduzidos no Sudeste Asiático. As estratégias voltadas para a vegetação e para
modificações na geometria urbana são as que têm as melhores evidências, com grande potencial de reduzir os
impactos negativos do aumento das temperaturas. Com essa pesquisa, espera-se contribuir para preencher a lacuna
de estudos sobre mitigação de calor em cidades de clima tropical, fornecendo também subsídio para um planejamento
urbano mais consciente em relação ao conforto térmico externo dessas localidades.

PALAVRAS-CHAVE: Conforto Urbano. Mitigação de calor. Desenvolvimento Urbanos Baseados no Conhecimento.

SUMMARY
The adoption of heat mitigation strategies in urban environments contributes to improving external thermal comfort, in
addition to promoting the vitality of public spaces, the sustainability of cities and the health of their inhabitants. Cities in
tropical climates will be the most impacted by climate change, however, there are few studies on measures specifically
applicable to this context. Through systematic literature mapping and a systematic review of articles published in
international journals, the state of research in the area of heat mitigation in the tropics was assessed, with the aim of
identifying heat mitigation strategies in urban environments, aiming for their application. in urban areas based on
knowledge and innovation. Despite the large number of countries located in the tropical belt, the results point to incipient
collaboration between researchers in the area and the greater concentration of studies conducted in Southeast Asia.
Strategies aimed at vegetation and changes in urban geometry are those with the best evidence, with great potential to
reduce the negative impacts of rising temperatures. With this research, we hope to contribute to filling the gap in studies
on heat mitigation in cities with tropical climates, also providing support for urban planning that is more aware of the
external thermal comfort of these locations.

KEYWORDS: Urban Comfort. Heat mitigation. Knowledge-Based Urban Development.

370
1 INTRODUÇÃO

Medidas para mitigação de calor são ações que buscam modificar o microclima urbano
por meio de alterações no ambiente físico. Elas devem ser claramente definidas e
implementadas em escala abrangente, envolvendo tanto órgãos governamentais quanto a
população em geral (ALEKSANDROWICZ et al., 2017). O aumento da temperatura média do
planeta, as ondas de calor extremo e a intensificação das ilhas de calor urbanas são fenômenos
que desafiam a manutenção das condições de conforto térmico externo. Estratégias voltadas
para a vegetação, a água, o tratamento das superfícies da cidade e considerações quanto à
geometria urbana podem ser implementadas através do desenho urbano, com grande potencial
de reduzir os impactos negativos do aumento das temperaturas.
Cidades em climas tropicais são particularmente vulneráveis às mudanças provocadas
pelo aquecimento global. Conforme as projeções para o século XXI do relatório do IPCC 2014
(PACHAURI et al., 2014), o maior aquecimento será sentido nos trópicos. Além disso, o
crescimento da população urbana nessas regiões e o aumento de cidades compactas e densas
intensificam as ilhas de calor urbanas, que estão associadas às ondas de calor e ao aumento do
consumo de energia elétrica para resfriamento (JAMEI et al., 2020). Segundo o Relatório
Mundial das Cidades de 2022 da ONU-Habitat, 56% da população mundial já vivia em cidades
em 2021 e, até 2050, essa porcentagem corresponderá a 68%. Espera-se que as cidades
localizadas em climas tropicais tenham a urbanização mais rápida até 2050 (BEDRA et al., 2023).
A Ilha de calor urbana consiste no fenômeno climático de que as cidades apresentam
temperaturas mais altas do que o seu entorno rural (OKE et al., 2017). Enquanto a ilha de calor
é quantificada a partir dessa diferença de temperatura, para determinar as condições de
conforto térmico externo é necessário levar em consideração tanto a percepção subjetiva
individual quanto as variáveis microclimáticas, como temperatura do ar, umidade relativa,
temperatura média radiante e velocidade do vento (BANERJEE et al., 2022). A combinação de
altos valores das variáveis de temperatura do ar, umidade relativa e irradiação solar levam a
condições de baixo conforto térmico externo, como constatado em muitas cidades tropicais
(BANERJEE et al., 2022).
Os baixos índices de conforto térmico externo prejudicam a vitalidade urbana ao
reduzir o nível de interação social e o uso do espaço público. Além disso, as ondas de calor têm
graves consequências na saúde pública. A agência das Nações Unidas reportou que 61 mil
pessoas morreram em decorrência do calor na Europa no verão de 2022. Haddad et al. (2020)
apontam em seu estudo conduzido em Darwin, na Austrália, que o melhor cenário de aplicação
de estratégias para mitigação de calor poderia evitar 9,66 mortes em excesso por ano, para cada
100 mil habitantes do distrito.
Apesar dos desafios impostos pelas condições climáticas e pelo crescimento urbano
nos trópicos, como apontam Kumar e Sharma (2020), a maioria dos estudos sobre conforto
térmico externo têm sido realizados em zonas de clima temperado. Através do mapeamento
sistemático da literatura e de revisão sistematizada de artigos publicados em periódicos
internacionais, foi avaliado o estado da pesquisa na área de mitigação de calor em climas
tropicais. Com essa pesquisa, espera-se contribuir para o preenchimento da lacuna de estudos
direcionados a cidades de clima tropical, fornecendo subsídio para um planejamento urbano
mais consciente em relação ao conforto urbano dessas cidades.

371
2 OBJETIVOS

Este estudo faz parte de uma pesquisa maior destinada a identificar estratégias para
o desenvolvimento urbano sustentável de territórios urbanos baseados no conhecimento e na
inovação. O seu objetivo foi identificar estratégias de mitigação de calor em cidades de clima
tropical, que pudessem ser aplicadas a esses novos empreendimentos, geralmente localizados
em franjas urbanas, e que demandam uma série de equipamentos e infraestruturas para s ua
implementação. O intuito é fornecer subsídios para um planejamento urbano mais consciente
em relação ao conforto térmico externo dessas localidades.

3 MÉTODO

A metodologia se baseia no mapeamento sistemático da literatura e revisão


sistematizada de artigos publicados em periódicos internacionais nas áreas de conforto térmico
e clima urbano, buscando definir as estratégias mais adequadas para a mitigação de calor em
climas tropicais (GRANT e BOOTH, 2009).
A revisão sistematizada da literatura foi realizada considerando artigos e revisões,
escritos em inglês, contidos nas bases de dados Web of Science, Scopus e ScienceDirect. Foram
utilizadas as palavras chave "tropical" e "outdoor thermal comfort" combinados com termos
relativos ao manejamento de calor como "heat mitigation", "heat management", "cooling cities"
e "cooling strategies", presentes nos campos de resumo, título ou palavra chave. O fluxograma
para seleção da amostra é ilustrado na Figura 1.

Figura 1 – Metodologia para seleção de artigos

Fonte: AUTORES, 2023.

372
A combinação das buscas resultou em 82 artigos não duplicados. Após a leitura dos
resumos, foram excluídos textos que tratavam de casos muito específicos, como tecnologias de
refrigeração ou metabolismo humano. Foram mantidos os textos que abordam diretamente
estratégias de mitigação de calor aplicáveis no desenho urbano ou que forneceram subsídio
essencial para a compreensão dos fenômenos relacionados ao tema. A seleção final foi de 57
artigos, que foram analisados mais profundamente.

4 RESULTADOS

A partir da seleção da amostra de 57 artigos, foi conduzido um mapeamento


sistemático e uma revisão sistematizada da literatura. No mapeamento, foram analisados os
periódicos que mais publicaram, os anos de publicação, a localização dos estudos e as
metodologias utilizadas. Na revisão sistematizada foram identificados subtemas de pesquisa e
as principais categorias das estratégias de mitigação encontradas. Com a ferramenta
VOSViewer, foi realizada a análise bibliométrica de co-autoria e de palavras chaves.

4.1 Mapeamento sistemático da literatura

O periódico que mais publicou estudos no tema foi o Sustainability (8 publicações),


seguido do Building and Environment (6 publicações) e do Energy and Buildings e Sustainable
Cities and Society, ambos com 4 publicações, totalizando cerca de 61,4% dos textos (35 artigos).
Os periódicos denotados por “outros” na Figura 2 publicaram apenas um artigo n a área e
correspondem a aproximadamente 38,6% dos resultados.

Figura 2 – Periódicos e quantidade de publicações

Fonte: AUTORES, 2023.

Ao relacionar a quantidade de publicações com o ano, verifica-se um pico em 2020,


quando 15 artigos são publicados, como ilustrado na Figura 3. Há um decréscimo nos anos
seguintes, porém, ainda há mais publicações nesse período do que os anos anteriores a 2020.
Foram publicados 4 artigos em 2023, até o momento da revisão.

373
Figura 3 – Quantidade de publicações por ano

Fonte: AUTORES, 2023.

Dos 57 artigos, 13 não localizaram seus estudos, sendo 9 deles revisões. Na figura 4 é
possível verificar a localização dos estudos conduzidos em mapa esquemático, com a zona
tropical destacada. Dos estudos aplicados a uma localidade, os quatro países com maior número
de publicações foram: Malásia (16,7%), Cingapura (15,2%), China (15,2%) e Índia (13%), que
juntos correspondem a 60,1% dessas publicações. Na figura 5 estão relacionadas as cidades e os
países dos estudos analisados, com a quantidade de vezes que determinada cidade foi estudada.
Aplicando a classificação climática de Köppen-Geiger (ARNFIELD, 2023) às cidades identificadas,
verificou-se que alguns estudos estão em zonas subtropicais, áridas, semi áridas, ou desérticas.
Ainda assim, cerca de 66% dos estudos foram conduzidos em climas Af (Clima equatorial) e Aw
(Clima de savana), considerados tropicais na classificação de Köppen.

Figura 4 – Localização dos estudos em formato de mapa, com destaque à zona tropical.

Fonte: AUTORES, 2023.

374
Figura 5 – Relação de países e cidades estudadas nos artigos selecionados.

Fonte: AUTORES, 2023.

A metodologia mais empregada pelos estudos foi uma combinação de estudo de


campo e simulações computacionais (21 estudos, 36,8%), seguido de estudo de campo (18
estudos, 31,6%), como demonstrado na Figura 6. As simulações se mostram mais vantajosas em
relação ao estudo de campo tradicional na medida em que economizam tempo e mão de obra,
além de possibilitarem a definição de cenários futuros (TEOH et al., 2021). Destacaram-se os
softwares de simulação microclimática ENVI-met e Rayman, utilizados, respectivamente, em 16
e 12 artigos. Estudos que utilizavam apenas simulações ou que conduziam revisões da literatura
corresponderam ambos a 15,8% (9 revisões e 9 simulações).

Figura 6 – Metodologia utilizada nos artigos analisados

Fonte: AUTORES, 2023.

375
Os estudos delimitaram escalas e ambientes com níveis de especificidade e
abrangência diversos, abarcando desde a escala da zona de planejamento até um ambiente de
teste controlado, como mostra a Figura 7. A maioria dos artigos conduziram análises na escala
do distrito ou bairro (18 estudos). Outros estudos trabalharam especificamente em campi
universitários (5), cânions urbanos (4), entre outros. Uma vez que o fenômeno de ilha de calor
é intensificado em cidades compactas e densas, os estudos se concentram nesse contexto.

Figura 7 – Delimitação de ambiente de estudo, da escala mais abrangente

Fonte: AUTORES, 2023.

Foram também realizados estudos bibliométricos com o software VOSViewer. Através


da análise de co-autoria, apresentada na Figura 8, verifica-se que há pouca colaboração entre
os pesquisadores da área: a maior rede colaborativa entre os 201 autores foi composta por
apenas 13 deles. A Figura 9 mostra a análise das palavras chaves presentes na seleção final de
artigos: foi possível identificar a preponderância de estratégias relacionadas à vegetação (pelas
palavras “vegetation”, “green infrastructure”) e à morfologia urbana (pelos termos “urban
planning” e “urban design”), antes mesmo da leitura dos artigos.

Figura 8 – Análise bibliométrica de co-autoria feita com o VOSViewer.

Fonte: AUTORES, 2023.

376
Figura 9 – Análise bibliométrica das palavras-chave feita com o VOSViewer.

Fonte: AUTORES, 2023.

4.2 Revisão sistematizada da literatura

Ao conduzir a revisão sistematizada da literatura, foi possível identificar os principais


temas de pesquisa ligados ao conforto térmico urbano em cidades tropicais, além das principais
categorias nas quais as estratégias estão inseridas.

4.2.1 Conforto urbano nos trópicos

Foram identificados subtemas ligados aos objetivos das pesquisas, além do tema
principal de definir estratégias para mitigação de calor. Na Figura 10 é possível perceber que
muitos artigos apontaram o papel do conforto térmico urbano na saúde e na qualidade do
espaço público (12). A questão da quantificação do conforto térmico também foi recorrente,
estando presente em 9 artigos. A demanda de eletricidade, com suas implicações para a
sustentabilidade, foi um tema importante em 4 artigos. Ainda, 2 estudos definiram métodos
para identificar e quantificar ilhas de calor e áreas de estresse térmico nas quais os métodos de
mitigação de calor poderiam ser aplicados. Por fim, 1 estudo desenvolveu uma ferramenta
computacional para auxiliar na implementação das estratégias.

Figura 10 – Quantidade de artigos por subtemas identificados

377
Fonte: AUTORES, 2023.

O índice de conforto mais utilizado foi o Physiological Equivalent Temperature (PET),


presente em 19 dos artigos revisados, o que é observado na Figura 11. O Universal Thermal
Climate Index (UTCI) foi utilizado em 5 estudos, o Thermal Sensation Vote (TSV) em 2 e o
Predicted Mean Vote (PMV) em 1. Outros estudos utilizaram apenas variáveis microclimáticas
ou se tratavam de revisões. Contudo, o PET tem maior confiabilidade para prever a sensação de
conforto térmico ao ar livre do que variáveis do ambiente individuais (BANERJEE; MIDDEL;
CHATTOPADHYAY, 2020), uma vez que elas não são capazes de esclarecer as mudanças na
percepção de conforto térmico externo (BANERJEE; MIDDEL; CHATTOPADHYAY, 2022).

Figura 11 – Índices de conforto e quantidade de artigos.

Fonte: AUTORES, 2023.

4.2.1 Estratégias para mitigação de calor

Como apontam Aleksandrowicz et al. (2017), não há um sistema oficial de classificação


das estratégias para mitigação de calor. Dessa forma, o processo de análise dos artigos revisados
incluiu uma busca geral por estratégias e a sua efetividade, classificando-as em quatro
categorias: geometria urbana, vegetação, materiais, e corpos d’água. As categorias de vegetação
e geometria urbana foram as mais abordadas nos artigos, como mostra a Figura
12. Dos estudos analisados, 32 propuseram estratégias relacionadas à vegetação, 23 à
geometria urbana, 15 aos materiais e 7 aos corpos d’água (ou utilização de água no geral). Os
melhores resultados, contudo, são verificados através da combinação de diferentes estratégias
(JAMEI et al., 2020), sendo essencial a adoção de medidas de adaptação mais holísticas no
planejamento urbano (NASROLLAH et al., 2020).

378
Figura 12 – Quantidade de artigos por categoria de estratégias.

Fonte: AUTORES, 2023.

Apesar das evidências em relação à efetividade de diversas estratégias, a


implementação real das medidas recomendadas pelos estudos ainda é um grande desafio.
Questões como o custo de implementação e manutenção, o grau de intervenção no espaço e a
escala necessária se sobrepõem à urgência climática. Muitas estratégias só podem ser aplicadas
a novos empreendimentos urbanos e só se mostram efetivas se aplicadas em larga escala:
alterações substanciais na geometria de cidades já consolidadas, por exemplo, dificilmente
poderiam ocorrer, da mesma forma que é muito complexa a implementação de telhados verdes
ou reflexivos em uma quantidade suficiente de edifícios para que a economia de energia seja
impactante. A seguir, estão alguns resultados gerais em relação às categorias analisadas.

4.2.2.1 Vegetação

A vegetação tem potencial para modificar o microclima urbano através de alterações


nas variáveis de temperatura do ar, temperatura radiante média, velocidade do vento e
umidade relativa do ar (MEILI et al., 2021). É essencial que estratégias como a arborização
estejam previstas em um plano climático de cidades tropicais, dado que o sombreamento é
considerado o principal determinante no conforto térmico externo (TEOH et al., 2021). Além de
reduzir o ganho solar, as árvores capturam as perdas de ondas longas à noite (JAMEI et al., 2020),
contribuindo para mitigar os efeitos da ilha de calor noturna.
A arborização ao longo das vias foi bastante estudada. O efeito de resfriamento das
árvores plantadas ao longo das ruas é positivo independente da orientação das vias (ZAKI et al.
2020), mas é maior quando estão plantadas de forma agrupada ao invés de espalhadas e
isoladas (AHMED et al., 2015). Além disso, o sombreamento promovido por uma aglomerado de
árvores de copa densa é mais eficaz no resfriamento que estruturas de sombreamento artificial
(JAREEMIT e SRIVANIT, 2022). Os efeitos de resfriamentos ligados a parques urbanos não foram
suficientemente analisados na seleção de artigos, o que não era esperado.
Para além da arborização de ruas e de parques, a vegetação foi também utilizada em
fachadas e telhados. Especialmente em cidades de alta densidade e com pouco espaço livre,
telhados e fachadas verdes são uma solução interessante (ZHENG, KEEFFE e MARIOTTI, 2023),
contribuindo para a melhoria do conforto térmico tanto interno quanto externo, já que

379
reduzem a transferência de calor entre o ambiente e o envelope do edifício (SUNAKORN e
YIMPRAYOON, 2011).
Entretanto, fatores como a localização das árvores e as espécies escolhidas interferem
no potencial de mitigação de calor da vegetação (MORAKINYO et al., 2020). Quanto às espécies,
o tamanho da copa e propriedade ópticas de suas folhas afetam a capacidade de resfriamento
e sombreamento (LIN e TSAI, 2017). A possibilidade de queda das folhas de cada espécie
também deve ser considerada, uma vez que a redução do índice de área foliar no inverno
diminui o efeito do sombreamento das árvores (TONG et al., 2017).
Já em relação à localização, é preciso considerar a elevação no nível de umidade do ar
e a queda da velocidade do vento proporcionada pela vegetação, particularmente por maciços
vegetais, o que pode comprometer os níveis de conforto (AKTAS et al., 2020). A vegetação,
então, deve ser bem integrada com a morfologia da cidade. Alguns estudos utilizam o conceito
de Local Climate Zones (LCZs) de Stewart e Oke (2012), analisando o desempenho da vegetação
em diferentes contextos. Por exemplo, Kotharkar, Bagade e Singh (2020) concluíram que, para
os cenários analisados, a vegetação tinha melhor efeito de mitigação de calor em assentamentos
esparsamente construídos (LCZ 9) e planejados com espaços abertos (LCZ 3F).

4.2.2.2 Geometria Urbana

As modificações na geometria urbana visando a ventilação e o sombreamento foram


consideradas mais impactantes do que outras medidas de mitigação de calor, como a vegetação,
os corpos d’água, as técnicas com água, ou o uso de materiais frios (JAMEI et al., 2020; BEDRA
et al., 2023). Contudo, o desempenho varia conforme a densidade urbana e às características
construídas de um contexto, sendo preciso considerar também o perfil de crescimento do local
(KOTHARKAR, BAGADE e SINGH, 2020).
Muitos estudos analisaram a orientação das vias e as proporções do cânion urbano.
Pensando na ventilação, a orientação das vias mais indicada seria paralelamente à direção do
vento, mas é necessário considerar os efeitos da radiação solar: a recomendação é que às ruas
principais estejam construídas à 30° da direção do vento prevalecente ou paralelamente quando
a radiação permitir (JAMEI et al., 2020). Quanto à proporção das ruas, Jamei et al. (2020) indicam
uma relação H/W (altura/largura) maior que 2.
As Local Climate Zones (LCZ) de Stewart e Oke (2012) foram amplamente aplicadas
para estudar os efeitos da morfologia urbana no conforto térmico. Segundo Perera e Emmanuel
(2018), as LCZ podem ser utilizadas como um método mais simples de análise do contexto de
diferentes cidades, e é especialmente vantajoso quando não há dados disponíveis para
simulações mais detalhadas. Os resultados em relação ao desempenho das LCZ são diversos e
precisam ser mais profundamente analisados. No geral, como apontam Ghosh, Kotharkar R e
Kotharkar V (2021), áreas escassamente construídas (LCZ 9) recebem muita radiação solar e
sofrem especialmente com estresse térmico diurno, enquanto zonas mais compactas (LCZ 3 e
LCZ 3_2) são mais atingidas pelo estresse térmico durante a noite, por conta das emissão de
ondas longas.

4.2.2.3 Materiais e Corpos d’água

380
As estratégias voltadas para a utilização de materiais e de corpos d’água foram as
menos estudadas. A utilização de materiais de alto albedo deve ser feita com cuidado, não sendo
recomendada em cânions urbanos para evitar efeitos de ofuscamento (NASROLLAHI et al.,
2020). Além disso, o efeito do uso desses materiais é insignificante para o resfriamento na escala
do pedestre (JAMEI et al., 2020). No entanto, o uso de telhados frios pode contribuir para
aumentar o conforto em edifícios sem ar condicionado e reduzir o consumo de energia elétrica
para os edifícios com ar condicionado (AKBARI e MATTHEWS, 2012).
Como apontam (JAMEI et al., 2020), o efeito de resfriamento de corpos d’água em
climas tropicais não é bem definido, apesar da redução da carga térmica pela transpiração e
pelo alto calor específico da água. Isso é refletido na revisão aqui conduzida, em que não houve
resultados consideráveis e conclusivos sobre esse tema.

5 CONCLUSÃO

Manter condições de conforto térmico externo em cidades tropicais é desafiador. A


ilha de calor urbana será intensificada com o crescimento urbano nos trópicos, ao passo que,
com as mudanças climáticas, haverá um aquecimento ainda maior nessas cidades. Através do
mapeamento sistemático da literatura, foi identificada a importância de mais estudos
específicos para o clima tropical e de maior colaboração entre os pesquisadores da área: apesar
da grande variedade de países localizados nos trópicos, as pesquisas se concentram no Sudeste
Asiático. Mesmo com uma quantidade reduzida de estudos direcionados a cidades tropicais, a
produção científica existente já é suficiente para confirmar os impactos positivos e a urgência
da adoção de medidas de mitigação de calor. A revisão sistematizada da literatura apontou para
a existência de mais evidências para estratégias relacionadas à integração da vegetação ao
ambiente urbano e à alterações na geometria das cidades. Devido à complexidade da
implementação de muitas estratégias, recomenda-se que estudos de aplicabilidade sejam
conduzidos, considerando a efetividade das estratégias, custo e seu grau de modificação no
ambiente construído. Por fim, faz-se necessário maior aprofundamento nas questões
relacionadas às políticas públicas e à comunicação entre os cientistas e os tomadores de decisão
nas cidades, pois a real implementação das medidas aqui estudadas ainda é incipiente.

6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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383
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ESTUDOS DAS QUADRAS E LOTES EM CUIABÁ NO SÉCULO XVIII

STUDIES OF CITY BLOCKS AND PLOTS IN CUIABÁ IN THE 18TH CENTURY

Vitória Roberta Miguel de Oliveira


Graduanda, UFMT, Brasil
vitoria.shira@gmail.com

Yara da Silva Nogueira Galdino


Professora Doutora, UFMT, Brasil.
yayanog@hotmail.com

384
RESUMO
O artigo apresentado foi desenvolvido no projeto de pesquisa Casa Cuiabana: Arquitetura Residencial em Cuiabá
durante o Período Colonial. Visando analisar a morfologia urbana de quadras e lotes do século XVIII, relacionando-a
à tradição das cidades de origem portuguesa. Na análise da forma urbana, admitisse que a cidade resulta de múltiplas
influências, como; acontecimentos históricos, contexto socioeconômico, características geog ráficas e demográficas.
Esses elementos marcam a forma urbana, sobrepondo-se ao longo do tempo, registrando cada momento histórico.
Registros que podem ser entendidos como palimpsestos, conforme Ozo (2009, apud Costa & Netto, 2017) representa
camadas temporais sobrepostas, determinadas por mudanças econômicas e culturais, resultando em alterações no
espaço urbano, revelando diferentes fases históricas da cidade. O centro histórico de Cuiabá inicia seu período de
formação no século XVIII, passando por mudanças em seu espaço urbano. Segundo Rossi (1995) o traçado seria um
dos fatos urbanos mais resistentes às transformações, constituindo muitas vezes em permanências de períodos
históricos anteriores. Desta forma, esta pesquisa visou identificar as características dos quarteirões e lotes coloniais,
sintetizando tipologias que pudessem ser associadas às características da tradição urbanística portuguesa e evolução
urbana do território. Baseando-se na análise da planta de Cuiabá de 1786, e estudos de Teixeira (2012) sobre a
formação do lote urbano na cidade de tradição portuguesa, identificou-se cinco tipologias de quarteirões. Cada um
desses tipos apresenta características específicas, compondo o tecido urbano da Cuiabá setecentista.

PALAVRAS-CHAVE: Cuiabá Colonial. Morfologia Urbana. Quadras e lotes.

SUMMARY
The article presented was developed in the research project Casa Cuiabana: Residential Architecture in Cuiabá during
the Colonial Period. Aiming to analyze the urban morphology of blocks and lots from the 18th century, relating it to
the tradition of cities of Portuguese origin. In the analysis of urban form , it was assumed that the city is the result of
multiple influences, such as; historical events, socioeconomic context, geographic and demographic characteristics.
These elements mark the urban form, overlapping over time, recording each historical moment. Records that can be
understood as palimpsests, according to Ozo (2009, apud Costa & Netto, 2017) represent overlapping temporal layers,
determined by economic and cultural changes, resulting in changes in urban space, revealing different historical
phases of the city. The historic center of Cuiabá began its formative period in the 18th century, undergoing changes in
its urban space. According to Rossi (1995), the route would be one of the urban facts most resistant to transformations,
often constituting remains from previous historical periods. In this way, this research aimed to identify the
characteristics of colonial blocks and lots, synthesizing typologies that could be associated with the characteristics of
the Portuguese urban planning tradition and the urban evolution of the territory. Based on the analysis of the Cuiabá
plan from 1786, and studies by Teixeira (2012) on the formation of urban lots in the city with Portuguese tradition,
five block typologies were identified. Each of these types has specific characteristics, making up the urban fabric of
eighteenth-century Cuiabá.

KEYWORDS: Colonial Cuiabá. Urban Morphology. Blocks and lots.

385
1 INTRODUÇÃO
A formação da cidade de Cuiabá é resultado da exploração promovida pelas monções
que partiam da capitania de São Paulo para a captura de povos indígenas, no entanto, com a
descoberta do ouro, a região ocupada veio a consolidar-se no território, obtendo o título de
arraial em abril de 1719, ocasionando um aumento populacional. Registrando em 1727, segundo
Conte & Freire (2005) uma população total de aproximadamente 3000 mil habitantes. Neste
contexto, houve uma consolidação da região explorada como território urbano, resultadode um
conjunto de influencias, como, acontecimentos históricos, contexto socioeconômico,
características geográficas e demográficas, responsável por moldar a Cuiabá do século XVIII.
Esse conjunto de influencias marcam a forma urbana, sobrepondo-se ao longo do
tempo, registrando cada momento histórico. Registros que podem ser entendidos como
palimpsestos, conforme Costa e Netto (2017) representando camadas temporais sobrepostas,
determinadas por mudanças econômicas e culturais, resultando em alterações no espaço
urbano, revelando diferentes fases históricas da cidade.
O centro histórico de Cuiabá inicia seu período de formação no século XVIII, passando
por mudanças em seu espaço urbano. Segundo Rossi (1995) o traçado seria um dos fatos
urbanos mais resistentes às transformações, constituindo muitas vezes em permanências de
períodos históricos anteriores. Desta forma, essa pesquisa visou identificar as características dos
quarteirões e lotes coloniais, sintetizando tipologias que pudessem ser associadas às
características da tradição urbanística portuguesa e evolução urbana do território.
Para alcançar esses objetivos, foram realizadas análises cartográficas e estudos da
tradição urbana das cidades de origem portuguesa, pois segundo Costa e Netto (2017) a
identificação das modificações no parcelamento do solo, especialmente em relação às divisões
de lotes e quarteirões, permite compreender a evolução urbana de uma cidade.
Para que este estudo pudesse ser elaborado, utilizou-se como material de apoio a
classificações das quadras e lotes, apresentadas no livro A Forma Da Cidade De Origem
Portuguesa de Manuel C. Teixeira (2012), onde o mesmo descreve três principais estruturas de
quarteirões comuns em cidades de influência portuguesa. Adotando como metodologia de
pesquisa, os estudos morfológicos da Escola Inglesa de Morfologia Urbana apresentada em
fundamentos da Morfologia Urbana de Costa e Netto (2017), no que se refere a transformação
temporal da Cuiabá setecentista no período colonial, podendo ser classificada em três períodos,
sendo esses, a morfogêneses, a criação da Vila e a consolidação da Vila, apoiando-se em três
pilares metodológicos: marco histórico, inovação e forma urbana.
Este estudo se faz relevante, pois apesar de existir um vasto campo de pesquisas sobre
o período colonial de Cuiabá, ainda são insipientes as pesquisas sobre a morfologia urbana do
período, em especial os estudos sobre a formação e evolução morfológica das quadras, lotes
urbanos e os estudos sobre uso e ocupação do solo no período colonial.
Por fim, esta pesquisa contribui para a preservação e valorização do patrimônio cultural
arquitetônico da cidade de Cuiabá, que sofre com o desgaste natural e a negligência por parte
da sociedade. Deste modo, a pesquisa investe na valorização e no respeito ao valor cultural
atribuído às cidades históricas, com foco na coleta e análise de dados sobre a morfologia urbana
colonial de Cuiabá no século XVIII e início do XIX.

386
2 MORFOLOGIA URBANA

A morfologia aborda a análise da configuração urbana, permitindo uma compreensão


da trajetória de uma cidade, identificando os fatores que influenciaram sua origem e seu
subsequente crescimento. De acordo com Costa e Netto (2017), a morfologia urbana se baseia
em três conceitos fundamentais. O primeiro deles diz respeito à forma, que é definida por
elementos físicos essenciais, tais como edificações e os espaços livres a elas relacionados. O
segundo conceito está relacionado à função, em que a forma urbana pode ser compreendida
por meio de diferentes tipos de resolução, geralmente associados às escalas que regulamentam
a relação construtiva entre edifícios e terrenos, vias e quadras, bem como a cidade e sua região.
Por último, o terceiro conceito aborda o desenvolvimento histórico, enfatizando que a forma
urbana só pode ser compreendida por meio da história, uma vez que os elementos que a
compõem têm origem social e estão em constante transformação e substituição formal (Costa
& Netto, 2017).
Dentro do campo da morfologia urbana, como apresentado por Costa e Netto (2017),
os períodos morfológicos se referem aos processos que moldam a aparência da paisagem
urbana ao longo da história, esses processos resultam das mudanças e da continuidade na
cidade, impulsionadas pelas necessidades em evolução das sociedades urbanas e pelas
influências ambientais durante extensos períodos de tempo. Esses períodos morfológicos são
delineados como parte de um processo contínuo de mudança cultural, no qual elementos como
a história global e regional, o desenvolvimento do planejamento urbano, a arquitetura, a
tecnologia, a economia e outros aspectos culturais relevantes desempenham papéis
significativos segundo Costa e Netto (2017).
É apresentado em Fundamentos da Morfologia Urbana de Costa e Netto (2017), a
necessidade de distinguir entre os conceitos de períodos históricos e períodos evolutivos. Nos
períodos históricos, segundo o autor, ocorrem eventos e ocorrências específicas que são
demarcados por características ideológicas distintas, em contrapartida, nos períodos evolutivos,
a fixação de datas é mais flexível, uma vez que se baseia em elementos econômicos, sociais,
políticos e culturais que conduzem a inovações e transformações refletidas na organização das
cidades.
Para conduzir o estudo morfogênico de forma adequada, é necessário estabelecer um
quadro temporal que sirva de referência para os períodos morfológicos. Desta forma,
objetivando realizar o estudo morfogênico, será tabelado um levantamento dos eventos
históricos levantados por Conte e Freire (2005) que possivelmente moldaram a morfologia
urbana de Cuiabá, propomos a elaboração de uma tabela que apresentará uma lista de
acontecimentos relevantes ocorridos nos séculos XVII, XVIII e XIV. Essa abordagem permitirá a
identificação de elementos históricos que contribuíram para a configuração espacial da cidade
ao longo do tempo.

387
Tabela 1 – Levantamento de eventos históricos que podem ter influenciado na morfologia urbana de Cuiabá

Século Data Acontecimento

Século 17 1719 8 de abril: Certidão do descobrimento de ouro, lavrada no São Gonçalo Velho. Data usada
oficialmente para a comemoração da fundação de Cuiabá.

Século 18 1722 Outubro: Descoberta das Lavras do Sutil, próximas à atual Igreja do Rosário e São
Benedito. Origem da cidade de Cuiabá.

Século 18 1727 1° de janeiro: Elevação do Arraial do Cuiabá à categoria de Vila pelo Capitão-general da
Capitania de São Paulo, Rodrigo Cesar de Menezes.

Século 18 1732 Fim da grande fase de produção aurífera.

Século 18 1746 Criação da Diocese de Cuiabá.

Século 18 1748 Criação da Capitania de Mato Grosso.

Século 18 1751 Chegada a Cuiabá do 1° Capitão-general Antônio Rolim de Moura. Deslocou-se para o Vale
do Guaporé, onde fundou Vila Bela da Santíssima Trindade em 19 de março de 1752.

Século 18 1787 Primeiras vistas conhecidas da cidade de Cuiabá.

Século 18 1790 Passagem por Cuiabá da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. O desenhista
da expedição deixa uma magnífica vista da cidade.

Século 19 1818 17 de setembro: Elevação da Vila de Cuiabá à categoria de Cidade.


Fonte: Conte e Freire, 2005.

Na realidade brasileira, os períodos históricos são tradicionalmente divididos em três


eras distintas: o período colonial, o período imperial e o período republicano. No entanto, este
estudo se concentrará exclusivamente no período colonial, que abrange os séculos XVII, XVIII e
XIX, com um foco nos anos compreendidos entre 1719 e 1822.
E os períodos evolutivos conforme Costa e Netto (2017) são elaborados por convenção,
baseados nas evoluções e inovações refletidas na paisagem. Para a organização dos períodos
históricos da Cuiabá colonial de maneira visual, optou-se por utilizar um mapa conceitual.

Figura 1: Os períodos morfológicos de Cuiabá.

Fonte: Oliveira, 2023.

388
3 MORFOGÊNESE DE CUIABÁ (1719 – 1726)
O primeiro período morfológico é identificado a partir da fundação do Arraial de Cuiabá
em 8 de abril, com o descobrimento do ouro no São Gonçalo Velho. Resultando na rápida
ocupação do território explorado. As lavras do Sutil, localizadas próximas a Igrej a do Rosário e
São Benedito foram descobertas em outubro de 1722, ponto esse que originou o arraial colonial.
O plano urbano do Arraial de Cuiabá revela a influência do ambiente natural em sua
estrutura urbana. Desde os primeiros registros de ocupação, o relevo e a hidrografia
desempenharam um papel crucial na configuração dos assentamentos, influenciando os locais
de construção.
Inicialmente, as áreas adjacentes ao Córrego da Prainha foram selecionadas, e
posteriormente os assentamentos se expandiram para as regiões mais elevadas. Esse processo
resultou em uma paisagem que é definida tanto pelo fluxo de água quanto pela topografia do
terreno.
O desenvolvimento da cidade de Cuiabá segue um eixo central, o córrego da Prainha,
onde ocorreram as primeiras ocupações, incluindo construções notáveis, como igrejas e
residência, as residências foram erguidas lado a lado ao longo das ruas, as igrejas foram
estrategicamente posicionadas em pontos elevados do terreno, ressaltando a importância dessa
instituição, segundo Galdino et al, (2022).
As relações de poder e a ordem hierárquica da sociedade colonial estavam impressas na
morfologia urbana de Cuiabá. As três igrejas do período colonial estavam localizadas nos pontos
mais altos do sítio, enquanto a mineração era realizada na parte mais baixa, no Córrego da
Prainha, para onde eram voltados os fundos dos lotes e as atividades periurbanas, como roças
e criação de animais conforme indicado por Galdino et al, (2022).
Tanto as igrejas quanto as residências desempenharam um papel significativo no
crescimento do tecido urbano da cidade, com as igrejas servindo como núcleo das primeiras
ocupações em seu entorno, e as residências impulsionando o desenvolvimento em direção à sua
localização, conforme foi possível observar nos mapas de Cuiabá encontrados em Imagens de
Vilas e Cidade do Brasil Colonial de Reis (2001).
Segundo Vasconcellos (1968), não existiam estruturas de classes sociais distintas, e a
comunidade se congregava ao redor de suas capelas temporárias, construídas por uma única
irmandade, cujos os espaços livres e vias seriam os precursores da malha urbana. Todas essas
estruturas eram erguidas com recursos locais, incluindo barro, madeira e pedra.
A influência mais marcante na configuração urbana foi a tradição urbana portuguesa.
De acordo com Teixeira (2012), essa tradição não buscava replicar um modelo de cidade rígido
e inflexível ao contrário, desenvolvia uma relação orgânica com o espaço, levando em conta suas
características físicas, reconhecimento das áreas adequadas para diferentes usos,
oportunidades econômicas, bem como a seleção das regiões apropriadas para habitação
humana e o estabelecimento de núcleos de povoamento.
Nos estudos de Teixeira (2012) sobre a configuração das cidades de origem portuguesa,
foi notado que uma das características essenciais dessas cidades é a sua concepção intrínseca e
integrada com o ambiente circundante. Mesmo em contextos sociais e geográficos diversos, é
possível identificar uma ligação contínua, uma sensação de familiaridade e uma noção de
durabilidade que unem essas cidades.

389
4 CRIAÇÃO DA VILA DO CUYABÁ (1727 – 1761)
A evolução da paisagem urbana durante o segundo período morfológico da época
colonial foi influenciada pela presença do córrego da Prainha. A cidade se formou a partir de
uma paisagem fluvial e manteve uma forte ligação morfológica com essa característica, desta
forma, o tecido urbano se desenvolveu ao longo de três eixos paralelos ao curso d'água,
conhecidos como Rua de Baixo, Rua do Meio e Rua de Cima, como detalhado por Galdino et al.
(2022). Essa configuração urbana continuou a desempenhar um papel central na formação e
orientação da região ao longo dos períodos subsequentes, sendo definida na morfogênese de
Cuiabá.
O Arraial experimentou um rápido crescimento devido à presença de pedras preciosas
na região. Entretanto, a demanda por organização e a imposição de taxas sobre os recursos
minerais levaram à chegada de Rodrigo César de Menezes, o Capitão-general da Capitania de
São Paulo à qual o povoado estava subordinado, segundo Conte & Freire (2005).
A chegada do Capitão-general provocou uma fuga em massa de garimpeiros em busca
de evitar o pagamento de impostos, resultando na formação de novos assentamentos, como
por exemplo a Vila Bela da Santíssima Trindade, de acordo com Conte & Freire (2005).
Após a chegada de Rodrigo César de Menezes, o arraial foi elevado à categoria de Vila
em 1° de janeiro de 1727, e somente 3 anos após, a fase áurea da exploração do ouro havia
diminuído, mesmo desempenhando ainda um papel significativo na economia local.
Surge no ano de 1748 a Capitania de Mato Grosso, que se encontra sendo separada da
Capitania de São Paulo, devido a expansão territorial. O Capitão-general Antonio Rolim de
Moura, designado para a região escolheu para representar a capitania de Mato Grosso, Vila Bela
da Santíssima Trindade em março de 1752, ocasionando a transferência de todo o aparato
administrativo para Vila Bela, que ocorreu em 1761, segundo Conte & Freire (2005).

Figura 2: Plano de Villa de Cuiabá 1777

Fonte: Reis, 2001.

390
A configuração urbana desse período se destaca pela concentração predominante do
povoado nas proximidades do córrego da Prainha. De acordo com Galdino e et al (2022), a
estrutura urbana de Cuiabá refletia as relações de poder e a hierarquia social presentes na
sociedade colonial.
A disposição dos quarteirões na região histórica de Cuiabá neste período morfológico se
encaixa na primeira categorização elaborada por Manuel C. Teixeira (2012) para a configuração
urbana originária de colônias portuguesas. Isso é detalhado em seu livro "A Forma Da Cidade De
Origem Portuguesa", onde ele descreve o primeiro tipo de estrutura de quarteirões comuns
encontrados em cidades de influência portuguesa. Segundo essa classificação, o primeiro de
organização de quadras e lotes é um tipo característico de cidades medievais planejadas nos
séculos XIII e XIV, cujo os quarteirões são estreitos e longos, com lotes urbanos dispostos
paralelamente uns aos outros. Há uma hierarquia de ruas, com a rua principal sendo chamada
de "rua de cima" e as ruas "ruas de baixo" são consideradas as ruas de serviço, onde se
encontram os fundos dos lotes.
A despeito da tradição urbana portuguesa, que se caracterizava pela absorção de
influências de diferentes culturas e pela estreita ligação com o ambiente em que estava inserida,
conforme observado por Teixeira (2012), a Vila de Cuiabá adotava o Código de Posturas da
Câmara Municipal de Mato-Grosso que desempenhava um papel crucial na orientação do
desenvolvimento da cidade, na sua configuração urbana e na definição do comportamento dos
cidadãos na sociedade.
De acordo com este código, os terrenos destinados à construção precisavam ser
solicitados à Câmara Municipal, que avaliaria e concederia o terreno se estivesse dentro das
áreas não reservadas para praças, cemitérios, pontes e fontes, e se o solicitante atendesse aos
requisitos necessários. Aqueles que obtivessem permissão, deveriam pagar à Câmara Municipal
uma taxa anual de um mil réis por metro de fachada, tanto para concessões urbanas quanto
rústicas. Além disso, os concessionários de lotes urbanos tinham de construir suas casas
alinhadas com a rua dentro de dezoito meses, sob pena de perderem o direito à concessão.
O Código de Posturas também proibia expressamente várias práticas, como a
construção ou reconstrução de prédios fora do alinhamento das ruas, praças e travessas.
Qualquer construção, reconstrução, reparo ou alteração nas frentes ou laterais dos prédios
durante deveria ser realizada com supervisão de segurança. Os infratores enfrentariam multas
de 20 mil réis ou até oito dias de prisão, além de serem obrigados a demolir a obra, se necessário.
Adicionalmente, as casas ou sobrados construídos nos ângulos das praças e ruas deveriam ter
frentes voltadas para ambos os lados, de acordo com as regulamentações estabelecidas pelo
código.

5 CONSOLIDAÇÃO DA VILA DO CUYABÁ (1762 – 1822)


A consolidação da Vila de Cuyabá é um processo de desenvolvimento contínuo cuja
datação exata é difícil de estabelecer rigidamente. Esse processo evolutivo ocorre de forma
gradual, sendo comum em todos os períodos mencionados anteriormente. Durante esse
processo, ocorrem sobreposições de eventos e ocorrências específicas que são identificadas.
Dessa maneira, as mudanças nos períodos morfológicos se desenrolam gradualmente ao longo
do tempo, como um período Evolutivo.

391
Conforme ilustrado pelos estudos de Costa e Netto (2017), esse período evolutivo está
profundamente enraizado em elementos econômicos, sociais, políticos e cultu rais que
impulsionam inovações e transformações na organização das cidades. Portanto, é possível
perceber que a consolidação da Vila de Cuyabá é um processo que se desdobra de maneira
incremental, refletindo as influências variadas que moldam sua estrutura ao longo do tempo.
Seguindo as considerações de Conte e Freire (2005), a transferência completa do
aparato administrativo para Vila Bela representou um marco significativo na história da região,
enquanto Cuiabá continuou a desempenhar um papel crucial como um ponto de conexão vital
com o sul da colônia. No entanto, o autor apresenta que devido a insalubridade presente na
região de Vila Bela, no final do século XVIII os Capitães Generais optaram por reduzir sua
permanência naquela localidade, gradualmente transferindo as estruturas administrativas de
volta para Cuiabá. Esse processo de realocação alcançou seu ápice em 1821.
Simultaneamente, uma série de melhorias urbanas está sendo implementada, como
resultado do desenvolvimento conforme o tempo avança. Essas melhorias estão diretamente
relacionadas à implementação de políticas públicas destinadas a aprimorar a infraestrutura
urbana. De acordo com as análises do renomado historiador Carlos Rosa (1996, p.314), durante
o período de urbanização e europeização promovido pela política pombalina (1750 – 1777),
Cuiabá testemunhou um extenso processo de desapropriação de áreas de uso comum, como
praças e espaços públicos, para dar lugar à criação e realinhamento de novas ruas.
Nesse contexto, segundo Galdino et al. (2022) notáveis transformações ocorreram na
cidade, incluindo a criação da "Rua Nova do Meio", a Praça Real, situada ao lado da Igreja Matriz,
e a ampliação do largo em frente à Igreja de Nosso Senhor dos Passos, a retificação de vias. Esse
processo de intervenção urbanística representou um marco importante na história da cidade,
moldando sua forma e influenciando na paisagem urbana.

Figura 3: Plano da Villa do Bom Jesus do Cuyabá 1790

Fonte: Reis, 2001.

Já no ano de 1808, a Corte Portuguesa foi confrontada com uma decisão crucial diante
da ameaça iminente da invasão napoleônica em Portugal. Essa virada significativa na trajetória
histórica do Brasil desencadeou uma série de impactos profundos e transformadores.
Assim que chegaram, antes mesmo de se estabelecerem definitivamente na capital, Rio
de Janeiro, Dom João VI tomou uma decisão de grande relevância ao abrir os portos brasile iros

392
para nações consideradas amigas. Esse ato emblemático marcou o fim do sistema de monopólio
colonial que vigorava até então, desencadeando uma série de mudanças significativas no
cenário econômico e político da época.
Conforme observado por Fausto (2010), essa abertura dos portos permitiu que
indústrias estrangeiras e seus produtos conquistassem acesso ao mercado brasileiro,
estabelecendo um novo panorama comercial e industrial para o país. Deste modo, todo o
contexto de colônia no Brasil foi alterado.
A mudança das estruturas administrativas de volta para Cuiabá, resultado da falta de
interesse dos os Capitães Generais de permanecer em Vila Bela foi formalmente realizada em
1835, quando Cuiabá já se tornara a capital da Província do Império. Durante esse período,
Cuiabá foi elevada à categoria de cidade em 1818, como documentado por Conte & Freire
(2005).
A transformação na estrutura urbana desse período é notável principalmente pela
retificação de algumas vias e pela consolidação da área ocupada pelos principais eixos de Cuiabá
durante o período colonial, nomeadamente a Rua de Baixo, Rua do Meio e Rua de Cima. O
crescimento da cidade foi caracterizado por um desenvolvimento lento e gradual, com sua
expansão principal direcionando-se em direção ao Distrito 1 de Cuiabá, também conhecido
como a região do porto.
O término do terceiro período morfológico marcou o fim do período colonial brasileiro
e o início da era imperial. Apesar dessa divisão temporal, Cuiabá continuou a se consolidar,
marcando sua presença na história do Brasil.

6 ANALISE DA MORFOLOGIA URBANA DAS QUADRAS E LOTES APARTIR DA VILA


CONSOLIDADA
A disposição das ruas e quarteirões se revelou como uma das características urbanas
mais resistentes às mudanças ao longo do tempo, frequentemente representando vestígios de
períodos históricos anteriores, de acordo com as observações de Rossi (1995). Partindo desse
entendimento, o objetivou-se a identificação das características das quadras e lotes coloniais,
sistematizando tipologias que pudessem ser associadas à tradição urbanística portuguesa e à
evolução do território urbano.
Para alcançar esse objetivo, utilizou-se um mapa datado de 1786 como fonte de
referência. A escolha desse mapa foi motivada pelo potencial de identificar elementos de
períodos anteriores que ainda perduravam nas representações cartográficas mais recentes.
Portanto, o mapa de 1786 serviu como um ponto intermediário dentro desses períodos
morfológicos apresentados acima.
Para identificar as características de influência portuguesa na estrutura das quadras e
lotes na região histórica de Cuiabá, recorreu-se à obra "A Forma da Cidade de Origem
Portuguesa" de Manuel C. Teixeira (2012). Nessa obra, o autor descreve três principais
estruturas de quadras e lotes comuns em cidades influenciadas pelo planejamento urbano
português.
O primeiro tipo é típico das cidades medievais planejadas nos séculos XIII e XIV, caracterizando-
se por quarteirões estreitos e longos, lotes paralelos entre si e uma hierarquia de ruas, com as
conhecidas "ruas de cima" e "ruas de baixo".

393
Figura 4: Primeiro tipo de estruturas de quadras e lotes.

Fonte: Teixeira, 2012.

O segundo tipo de quarteirão apresenta dimensões mais proporcionais, com duas


fileiras de lotes adjacentes e a presença de ruas frontais e transversais, conferindo uma
organização mais ordenada.

Figura 5: Segundo tipo de estruturas de quadras e lotes.

Fonte: Teixeira, 2012.

O terceiro tipo de quarteirão, desenvolvido no final do século XVI, se distingue pela


disposição de lotes voltados para as quatro faces do quarteirão, visando uma maior densidade
de ocupação. Esses quarteirões frequentemente possuem um conceito de interior totalmente
fechado, onde a hierarquia das ruas é definida não apenas pela disposição das vias, mas também
pelo perfil arquitetônico, funções e relação com outros elementos da arquitetura urbana. Em
alguns casos, essa estrutura dá origem à tipologia do edifício de esquina, com fachadas voltadas
simultaneamente para duas ruas, o que contribui para definir as hierarquias urbanas de forma
mais complexa.

Figura 6: Terceiro tipo de estruturas de quadras e lotes.

Fonte: Teixeira, 2012.

Além de examinar as influências dos diferentes tipos de quarteirões na região, é viável


agrupá-los com base em suas características físicas e ocupacionais. Esse processo envolve
análises cartográficas e pesquisas que exploram os traços comuns presentes em cidades de
origem portuguesa. De acordo com as observações de Costa & Netto (2017), a identificação das
alterações no parcelamento do solo, especialmente no que diz respeito à subdivisão de lotes e

394
quarteirões, oferece uma valiosa compreensão da evolução urbana de uma cidade. Essas
análises contribuem para identificar padrões recorrentes na configuração urbana ao longo do
tempo.
Visando conduzir uma análise mais detalhada dos elementos do plano urbano que
mantêm resistência notável às transformações, será elaborado um estudo dedicado aos lotes e
quarteirões do centro histórico de Cuiabá durante o período colonial. Este estudo permitirá a
categorização desses elementos de acordo com suas características distintivas, possibilitando
uma compreensão mais profunda da evolução urbana da região.

6.1 Estudo das quadras e lotes a partir da Vila do Cuyabá consolidada

O mapa a seguir foi selecionado para análise com o propósito de identificar as


características das quadras e lotes coloniais, categorizando-os com base nas tipologias
associadas à tradição urbanística portuguesa e à evolução ao longo dos diferentes períodos
morfológicos do território urbano, baseado em um mapa datado de 1786 como principal fonte
de referência devido ao seu potencial para revelar elementos de épocas anteriores que ainda
influenciavam as representações cartográficas mais recentes.

Figura 7: Análise gráfica-Tipologia de quarteirões de Cuiabá no século XVIII

Fonte: Reis, 2001.

Ao examinar o mapa de Cuiabá datado de 1786, torna-se evidente a existência de cinco


categorias bem definidas em tipos que constituem a estrutura urbana central da cidade. Cada
uma dessas categorias exibe atributos únicos, contribuindo para a diversidade do cenário
urbano no núcleo histórico de Cuiabá.
A primeira tipologia de quarteirões observada, possui um traçado delineado por dois
desígnios, de um lado contornando as curvas do Córrego da Prainha e do outro retilíneo
seguindo os desígnios da tradição urbanística portuguesa. A rua, por sua vez, segue paralela às
linhas naturais da paisagem, fazendo com que os lotes desse conjunto estejam em cotas
similares.
Essa tipologia apresenta 78 lotes, com área média de 450m². Os lotes são estreitos na
fachada e longos em comprimento, dispostos paralelamente, ocupando toda a extensão do
quarteirão, de um lado ao outro. As edificações estão situadas na parte frontal de cada lote, na
rua conhecida no período setecentista como Rua de Baixo, enquanto, os fundos dos lotes
voltavam-se para o córrego.

395
Uma característica notável desses quarteirões é a conexão com o córrego, que gerava,
em consequência disso, lotes com tamanho e forma irregulares, uma vez que cada lote avançava
até onde o córrego permitia. Área total do tecido urbano ocupada por essa tipologia de 9,03%.
Os quarteirões e lotes classificados na tipologia 2 estão situados entre as Ruas de Baixo
e de Cima, ruas originalmente constituídas por frentes de lote. Os fundos de lote voltam-se para
a Rua do Meio, que era originalmente formada por testadas muradas, assim como nos fundos
de lote voltados para as minas localizadas no Córrego da Prainha.
Como na tipologia 1, os quarteirões da tipologia 2 são formados por vias que seguem o
desenho das curvas de nível, com lotes posicionados perpendicularmente às vias. Os quarteirões
dessa tipologia são longos em comprimento e estreitos em largura, com uma área média de
430m². Os lotes são dispostos paralelamente. Alguns lotes que originalmente iam de um lado a
outro do quarteirão, (conforme mapas de períodos anteriores - 1777), foram subdivididos em
dois lotes, passando a ter frente de ambos os lados do quarteirão, mudando a forma de uso da
Rua do Meio, que passa a ter edificações voltadas para ela e não apenas quintais.
O padrão de ocupação do lote em Cuiabá no século XVIII, segue a tipologia das cidades
coloniais portuguesas, com a edificação ocupando a testada do lote, embora existam alguns
recuos laterais, nos lotes localizados nas bordas do tecido urbano do período. Na tipologia 2, há
11% do tecido urbano sendo ocupado.
A tipologia 3 destaca-se por um traçado mais ortogonal em relação às outras tipologias,
possuindo lotes com área média de 790 m². Como nas tipologias 1 e 2, os lotes são estreitos e
compridos, sendo possível encontrar tanto quarteirões com lotes que atravessam de um lado a
outro a extensão do quarteirão, quanto lotes que fazem fundo com outro lote e possuem apenas
uma face voltada para a rua. A área total do tecido urbano ocupada por essa tipologia
corresponde a 13,85%.
A tipologia 4 possui lotes estreitos e longos, com grandes quintais. O tamanho médio do
lote corresponde a 1.350m², possuindo dimensões muito variáveis. Os lotes são dispos tos
perpendicularmente as vias, indo de um lado a outro do quarteirão. Em alguns casos, ocorrem
quarteirões segmentados, resultando em duas fileiras de lotes. As edificações são implantadas
apenas na frente dos lotes (Rua de Cima). Na parte posterior do quarteirão ocorre uma variação
no tamanho e no alinhamento dos lotes, de modo a não formar, uma via e sim áreas livres,
configurando a parte periférica do tecido urbano. A área total ocupada por essa tipologia é
18,74%.
A tipologia 5 caracteriza-se pelos maiores lotes, com características periurbanas, com
vias descontínuas ou ausência de vias. Nesse padrão urbano, existem 45 lotes, cujo tamanho
médio é 4100m². Esses lotes se assemelham a chácaras e possuem formatos irregulares quando
estão situados em topografias mais acidentadas. A área total do tecido urbano ocupada por essa
tipologia é de 47,38%.
Como nas demais tipologias, as construções são implantadas na parte frontal dos lotes,
porém essas edificações não ocupam todo o limite da testada do lote, deixando grandes áreas
livres, diluindo a percepção dos limites entre área pública e privada, entre logradouro e lote. A
ocupação do solo é menor nessa tipologia, compondo uma área de transição entre a área
urbanizada e a natureza circundante.

396
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo se concentrou na análise da morfologia urbana de Cuiabá ao longo de três
períodos morfológicos distintos, que abrangem os séculos XVII, XVIII e XIX. Através da
abordagem dos conceitos de forma, função e desenvolvimento (história) da morfologia urbana,
sendo possível compreender a evolução da cidade ao longo do tempo.
A morfologia urbana de Cuiabá ao longo desses três períodos morfológicos reflete a
influência do ambiente natural, a tradição urbana portuguesa e os períodos históricos e
evolutivos, evidenciando como esses alteraram a forma urbana. A análise desses períodos
morfológicos nos permite compreender a trajetória de desenvolvimento da cidade ao longo dos
séculos e apreciar a importância de fatores como geografia, economia e cultura na configuração
urbana de Cuiabá.
Esse estudo também realizou uma análise minuciosa da forma urbana das quadras e
lotes coloniais em Cuiabá durante o século XVIII, abordando as influências da tradição
urbanística portuguesa e a evolução ao longo dos diferentes períodos morfológicos do território
urbano, partindo da análise de um mapa datado de 1786, possibilitando identificar cinco
tipologias distintas que compuseram a estrutura urbana da cidade nesse período.
Essas tipologias não apenas destacam a influência da tradição urbanística portuguesa
na cidade de Cuiabá, mas também revelam como as variedade e particularidade presentes na
malha urbana da Cuiabá colonial.
Autores como Costa e Netto (2017) e Teixeira (2012) forneceram importantes
contribuições teóricas e metodológicas para a compreensão da morfologia urbana em Cuiabá.
Suas abordagens e conceitos foram fundamentais para identificar os tipos existentes no tecido
urbano no século XVIII, relacionar as características geográficas e históricas com a organização
das quadras e lotes, e compreender as influências sociais na configuração urbana.
A investigação a respeito da morfologia urbana de Cuiabá baseadas na analises de
quadras e lotes continua em desenvolvimento e visa, nas próximas etapas, compreender a
evolução do quarteirão e do lote, acrescentando investigações mais profundas acerca dos
códigos de postura e os usos do solo dos séculos XVIII e XIX, para que novos entendimentos das
funções e significados deste tecido urbano possam ser revelados. Apesar de existir um vasto
campo de pesquisas sobre o período colonial de Cuiabá, ainda são insipientes as pesquisas sobre
a morfologia urbana do período, em especial os estudos sobre a formação e evolução
morfológica das quadras, lotes urbanos e os estudos sobre uso e ocupação do solo no período
colonial.
Por fim, esta pesquisa contribui para a preservação e valorização do patrimônio cultural
arquitetônico da cidade de Cuiabá, que sofre com o desgaste natural e a negligência por parte
da sociedade. Deste modo, a pesquisa investe na valorização e no respeito ao valor cultural
atribuído às cidades históricas, com foco na coleta e análise de dados sobre a morfologia urbana
colonial de Cuiabá no século XVIII e início do XIX.

397
REFERÊNCIAS

AGUIAR, Patricia Figueiredo. Conduzindo condutas: a transformação do ambiente urbano de Cuiabá a partir do Código
de Postura de 1832. Revista Espacialidades, [S.l.], v. 4, n. 3, p. 1-17, 31 ago. 2011. Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DOCREADER/DocReader.aspx?bib=234869&pagfis=97 > . Acesso em: [03/09/2023].

CONTE, Claudio; FREIRE, Marcus. Centro Histórico de Cuiabá: Patrimônio do Brasil. [S. l.: s. n.], 2005.

FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. 2. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.

GALDINO, Yara et al. Paisagem urbana de Cuiabá no século XVIII: sobre o desígnio e o desenho. In: 16° Encontro
Nacional de Ensino de Paisagismo em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil (ENEPEA), 2022, Cuiabá.

GIMMLER & NETTO, Maria Manoela; COSTA, Stael de Alvarenga Pereira. Fundamentos de Morfologia Urbana. 1. ed.
Editora C/Arte, 2017.

PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga Pereira; MACEDO, Silvio Soares; UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Transformações,
conflitos, perdas e permanências na paisagem sul-metropolitana de Belo Horizonte. 2004. Tese (doutorado) -
Universidade de São Paulo.

REIS FILHO, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial. São Paulo: EDUSP/IMESP/FAPESP, 2001.

Rosa, Carlos Alberto. A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá: vida urbana em Mato Grosso no século XVIII (1722-
1808). São Paulo: Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. 1996.

ROSSI, Aldo. A Arquitetura da Cidade. São Paulo: Ed. Martins Fontes. 1995.

SALGADO, Marina. Ouro Preto: paisagem em transformação. 2010. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Ouro Preto, 2010. Orientadora: Stael de Alvarenga
Pereira Costa.

TEIXEIRA, Manuel C. A Forma da Cidade de Origem Portuguesa. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2012.

398
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
(x) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

GARANTINDO A SEGURANÇA HÍDRICA COMO UM DIREITO HUMANO


FUNDAMENTAL: ANÁLISE DOS MARCOS REGULATÓRIOS
INTERNACIONAIS E NACIONAIS

ENSURING WATER SECURITY AS A FUNDAMENTAL HUMAN RIGHT: ANALYSIS OF


INTERNATIONAL AND NATIONAL REGULATORY FRAMEWORKS

Ari Machado Monteiro


Mestrando ProfÁgua UFBA, Brasil
arimonteiro@ufba.br

Carine Zachariadhes Pinto R. da Costa


Mestranda ProfÁgua UFBA, Brasil
carine.costa@inema.ba.gov.br

Jaildo Santos Pereira


Professor Doutor, UFRB, Brasil
jaildo@ufrb.edu.br

399
RESUMO
Este estudo se concentra em aprofundar a compreensão da segurança hídrica como um direito humano essencial,
analisando os desafios globais e nacionais ligados ao acesso à água potável e saneamento. Através de uma abordagem
teórica e analítica, explora marcos internacionais e nacionais relacionados à segurança hídrica, incluindo fatores
geopolíticos e o impacto das mudanças climáticas na disponibilidade de água. Sua originalidade e relevância residem
em preencher uma lacuna teórica ao conectar segurança hídrica e direitos humanos, especialmente diante das
crescentes pressões demográficas e ambientais. Ao identificar desafios como escassez hídrica, mudanças climáticas,
desigualdades e poluição, destaca a importância de estratégias adaptativas e colaborativas para enfrentar essas
questões. Contribuindo tanto teórica quanto metodologicamente, enriquece a compreensão ao vincular segurança
hídrica e direitos humanos, sublinhando a relevância da gestão sustentável e políticas coordenadas. Por meio de uma
abordagem analítica, ilustra a complexa interação entre fatores políticos, ambientais e sociais. As implicações sociais
e ambientais são significativas, pois enfatiza a necessidade de ações concretas e políticas coordenadas para garantir
um acesso equitativo à água e saneamento, promovendo dignidade humana e bem -estar. Além disso, contribui para
a preservação dos recursos hídricos, enfrentando diretamente os desafios globais da sustentabilidade. Este estudo
oferece insights valiosos sobre a interseção entre segurança hídrica, direitos humanos e desafios ambientais,
ressaltando a importância de abordagens colaborativas e políticas sustentáveis. Essas abordagens são vitais para
garantir um futuro em que o acesso universal à água limpa e segura esteja assegurado, promovendo o bem -estar e a
sobrevivência de toda a humanidade.

PALAVRAS-CHAVE: Crise hídrica, Legislação, Direito humano.

SUMMARY
This study focuses on deepening the understanding of water security as an essential human right, analyzing global
and national challenges related to access to clean water and sanitation. Through a theoretical and analytical
approach, it explores international and national frameworks related to water security, including geopolitical factors
and the impact of climate change on water availability. Its originality and relevance lie in addressing a theoretical gap
by linking water security and human rights, especially in the face of growing demographic and environmental
pressures. By identifying challenges such as water scarcity, climate change, inequalities, and pollution, it underscores
the importance of adaptive and collaborative strategies to address these issues. Contributing both theoretically and
methodologically, it enhances understanding by intertwining water security and human rights, emphasizing the
significance of sustainable management and coordinated policies. Through an analytical approach, it illustrates the
complex interaction among political, environmental, and social factors. The social and environmental implications are
substantial, as it highlights the need for concrete actions and coordinated policies to ensure equitable access to water
and sanitation, promoting human dignity and well-being. Furthermore, it contributes to the preservation of water
resources, directly addressing the global sustainability challenges. In conclusion, this study provides valuable insights
into the intersection of water security, human rights, and environmental challenges, underscoring the importance of
collaborative and sustainable approaches. These approaches are essential to ensure a future where universal access
to clean and safe water is secured, promoting well-being and the survival of all humanity.

KEYWORDS: Water crisis, Legislation, Human right.

400
1 INTRODUÇÃO

A água é um recurso vital para a sobrevivência e o bem-estar humano, além de ser


essencial para o funcionamento dos ecossistemas. No entanto, o acesso adequado à água
potável ainda é um desafio significativo em muitas partes do mundo, colocando em evidência a
importância de garantir a segurança hídrica como um direito humano fundamental. A falta de
acesso à água potável e ao saneamento básico afeta negativamente a saúde, o desenvolvimento
socioeconômico e a qualidade de vida das comunidades.
A questão da segurança hídrica está intrinsecamente ligada a desafios globais e
nacionais que precisam ser abordados de forma urgente. Em escala global, a escassez hídrica, o
aumento da demanda devido ao crescimento populacional, as mudanças climáticas e a
degradação dos recursos hídricos são alguns dos principais obstáculos para garantir o acesso
adequado à água. Além disso, a falta de infraestrutura hídrica e o deficiente gerenciamento dos
recursos também contribuem para a dificuldade em fornecer água potável para todos.
Estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU) revelam que cerca de 40% da
população mundial, até 2050, viverá sob grave estresse hídrico, especialmente as que vivem no
Oriente Médio, no Sul da Ásia, na China e no Norte da África, e na América Latina, além das áreas
do semiárido (UNESCO, 2020). No âmbito nacional, cada país enfrenta seus próprios desafios na
busca pela segurança hídrica e pelo acesso à água adequada. A falta de políticas ef etivas de
gestão hídrica, a distribuição desigual dos recursos hídricos, a contaminação da água devido à
poluição industrial e agrícola, bem como a falta de infraestrutura adequada são obstáculos que
exigem atenção e ação imediata.
Segundo a avaliação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), o
Brasil possui uma disponibilidade de aproximadamente 12% da água doce disponível no mundo.
No entanto, essa distribuição é desigual, especialmente quando consideramos a densidade
populacional de cada região. Cerca de 80% da água disponível no país está concentrada na região
Norte, que abriga apenas 5% da população total. Por outro lado, as regiões próximas ao Oceano
Atlântico possuem apenas 3% dos recursos hídricos e abrigam cerca de 45% da população
brasileira (ANA, 2020).
No entanto, garantir o acesso adequado à água potável continua sendo um desafio
significativo em diversas partes do mundo, evidenciando a importância de assegurar a segurança
hídrica como um direito humano fundamental. A falta de acesso à água potável e ao saneamento
básico afeta negativamente a saúde, o desenvolvimento socioeconômico e a qualidade de vida
das comunidades.
Este artigo aborda a questão da segurança hídrica e direitos humanos, estando
organizado em quatro tópicos pertinentes e interconectados, buscando compreender os
desafios globais e nacionais associados a esse tema complexo. O primeiro tópico, "A Crise Hídrica
Global", explora a escassez hídrica, o aumento da demanda em função do crescimento
populacional, as mudanças climáticas e a degradação dos recursos hídricos como obstáculos
para garantir o acesso adequado à água em nível global.
O segundo tópico, "A Relação entre Segurança Hídrica e Direitos Humanos", ressalta a
estreita conexão entre a segurança hídrica e o respeito aos direitos humanos. Acesso à água
potável é fundamental para a dignidade humana, e sua negação afeta diretamente as vidas das
pessoas, especialmente as mais vulneráveis. Essa relação intrínseca nos leva a refletir sobre a

401
responsabilidade de garantir o pleno exercício do direito à água como um direito humano
inalienável.
No terceiro tópico, "Marcos Internacionais Relacionados à Segurança Hídrica como um
Direito Humano Fundamental", exploramos as resoluções e tratados da ONU que reforçam a
importância de proteger a água como um direito humano básico. Esses marcos estabelecem a
necessidade de ações concretas por parte dos países para promover a segurança hídrica e
garantir o acesso universal à água potável.
O quarto tópico, "Legislação Brasileira e o Direito Humano", aborda os desafios
específicos enfrentados pelo Brasil na busca pela segurança hídrica e pelo acesso adequado à
água. As legislações nacionais, e o desdobramento do então Marco do Saneamento. A
distribuição desigual dos recursos hídricos no país e a contaminação decorrente de atividades
industriais e agrícolas são questões que exigem ação imediata para promover a sustentabilidade
e a gestão responsável dos recursos hídricos.
Este artigo se justifica pela relevância do tema da crise hídrica, que afeta diretamente
a disponibilidade e o acesso à água, um recurso vital para a vida humana. Ao abordar a água
como um direito humano, buscamos mecanismos para atender às demandas da sociedade,
garantindo um abastecimento adequado e sustentável. A compreensão da segurança hídrica é
essencial para buscar soluções e políticas que promovam a preservação dos recursos hídricos e
assegurem o acesso universal à água potável, priorizando a saúde e o bem-estar de toda a
população.
Nesse contexto de estudo, o conceito de segurança hídrica deve ser abordado de
maneira detalhada, especialmente pelo sistema social do Direito. O objetivo é buscar
mecanismos para melhor encaminhar as demandas relacionadas à água e garantir o
abastecimento adequado para a sociedade. Dessa forma, é possível buscar soluções e políticas
que promovam a sustentabilidade e a gestão responsável dos recursos hídricos, assegurando o
acesso universal à água potável e a preservação dos ecossistemas aquáticos.
Através de um enfoque interdisciplinar e uma abordagem colaborativa, poderemos
efetivamente enfrentar os desafios da segurança hídrica, proporcionando um futuro mais
resiliente e equitativo, no qual a água seja verdadeiramente reconhecida como um bem comum,
essencial para a vida e para a preservação dos ecossistemas.

2 MATERIAL E MÉTODOS

Este estudo tem como objetivo abordar a questão da segurança hídrica como um
direito humano fundamental, examinando os desafios tanto em escala global quanto nacional
para garantir o acesso adequado à água. Para a elaboração deste trabalho, foram empregadas
legislações vigentes relacionadas ao tema, além de livros e estudos de autores especializados na
área, por meio de uma revisão criteriosa da literatura.
Coleta de Dados - A coleta de dados para a presente pesquisa foi realizada em duas
etapas principais: a identificação de legislações e documentos relevantes relacionados à
segurança hídrica e ao direito humano à água e a seleção de estudos e livros de autores que
abordam a temática de interesse.
Na primeira etapa, foram consultadas fontes oficiais, como leis, tratados e políticas de
organismos internacionais e governos nacionais, com enfoque especial em documentos que
reconhecem o acesso à água como um direito humano fundamental. Essa abordagem permitiu

402
uma compreensão detalhada das normas legais que regem a segurança hídrica em diferentes
contextos, bem como as obrigações e responsabilidades dos Estados em garantir esse direito.
Revisão da Literatura - A revisão da literatura consistiu em uma pesquisa abrangente
de artigos acadêmicos, livros e relatórios de organizações relevantes que tratam da segurança
hídrica e do direito humano à água. As bases de dados acadêmicas e fontes confiáveis foram
utilizadas para garantir a qualidade e atualidade das informações cole tadas.
Foram considerados estudos que apresentaram dados estatísticos sobre o acesso à
água potável em diferentes regiões do mundo, bem como aqueles que discutiram os desafios
enfrentados na implementação de políticas e programas para garantir a segurança hídrica. Além
disso, foram consultadas publicações que abordam as questões sociais, econômicas e
ambientais associadas ao tema, proporcionando uma visão abrangente dos aspectos
relacionados à água como um direito humano.
Considerações Éticas - Neste trabalho, foram respeitados os princípios éticos da
pesquisa científica, garantindo a devida atribuição de fontes e citações adequadas para todos os
materiais consultados. Além disso, todas as informações pessoais e sensíveis foram tratadas
com confidencialidade e anonimato, visando à integridade dos dados e à proteção dos sujeitos
envolvidos nas pesquisas referenciadas.
Limitações - Cabe mencionar que este estudo pode apresentar algumas limitações
inerentes à disponibilidade de dados e à extensão da literatura revisada. Ainda que todos os
esforços tenham sido empreendidos para abranger uma gama ampla de fontes, é possível que
existam estudos e informações relevantes não incluídos nesta revisão.
Conclusão - A abordagem metodológica adotada neste estudo, com base na análise de
legislações vigentes, revisão da literatura e considerações éticas, proporcionou uma visão
abrangente e fundamentada dos desafios globais e nacionais para garantir a segurança hídrica
como um direito humano fundamental. Os resultados obtidos são fundamentais para uma
compreensão mais profunda da questão e podem servir como base para a formulação de
políticas públicas efetivas e ações concretas em prol do acesso adequado à água em todo o
mundo.

3 A CRISE HIDRÍCA GLOBAL

Ao longo da história humana, é possível observar a ocorrência de diversas fases


marcadas por crises sucessivas. Esse fenômeno é inerente a qualquer sociedade e pode levar a
uma ruptura de paradigmas estabelecidos. De acordo com Silva e Leite (2019, p. 975), as crises
refletem momentos de dificuldades, desarmonia e desestabilização, os quais têm o potencial de
promover mudanças, especialmente nas estruturas sociais e no meio ambiente. Portanto, as
crises não são eventos positivos ou tranquilos, uma vez que nesses períodos, as bases da
sociedade são tensionadas e desafiadas.
De acordo com a ONU em 2018, foi previsto que 31 países enfrentariam estresse
hídrico, enquanto outros 22 estariam em uma situação ainda mais grave, caracterizada como
estresse hídrico severo (UN, 2018). Além disso, estudos realizados por Mekonnen e Hoekstra
(2012, UNESCO, 2019) estimaram que mais de quatro bilhões de pessoas, representando mais
da metade da população mundial, vivenciam escassez hídrica grave durante pelo menos um mês
ao longo do ano.

403
Apesar de o estresse hídrico ser uma realidade preocupante e crescente, tem-se
observado um significativo aumento na demanda por água. Conforme relatório da ONU em
2020, o uso de água aumentou seis vezes nos últimos cem anos e continua crescendo a uma
taxa anual de 1%. Nesse cenário, a agricultura se destaca como o setor que mais demanda e
explora a água de forma irracional. Dados citados pela ONU (2020) indicam que em 2010, esse
setor utilizou 64,7% da água disponível. Em contrapartida, o setor municipal, responsável pelo
abastecimento humano, representou 9,0% da demanda; a indústria, 18,0%; e a perda de água
por evaporação de reservatórios, 8,4%.
O Brasil enfrenta um cenário delicado em relação aos recursos hídricos, apesar de
possuir uma das maiores abundâncias de água superficial do mundo. A distribuição hídrica é
notavelmente desigual entre as diferentes regiões do país. Adicionalmente, uma ques tão
preocupante é que a maior parte da população brasileira está concentrada nas áreas onde a
oferta de água é mais escassa e sujeita a variações sazonais. Apesar de o estresse hídrico no país
ser considerado baixo em relação à média global de 2015 (12,8%), existem regiões críticas, como
as Regiões Hidrográficas do Atlântico Nordeste Oriental, onde o Semiárido brasileiro está
inserido, e do Atlântico Sul, que enfrentam desafios significativos devido à exploração intensa
das águas por grandes projetos de irrigação (ANA, 2019).
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
referentes a 2019, aproximadamente 92,2% da população brasileira tinha acesso a uma fonte
satisfatória de abastecimento de água, que inclui a rede pública de distribuição e poços
profundos ou artesianos. A cobertura varia entre as regiões, sendo a região Norte a de menor
cobertura, com 79,4%, e a região Sudeste a de maior cobertura, com 96,0%.
No mesmo ano, cerca de 16.419.000 habitantes não tinham acesso a formas seguras
de suprimento de água, dependendo de fontes como poços freáticos, cacimbas, fontes ou
nascentes. Desse total, aproximadamente 40,6% viviam na região Nordeste. Entre a população
com acesso à rede pública de distribuição de água (que corresponde a cerca de 84,7% do total),
aproximadamente 88% tinham fornecimento diário, ou seja, cerca de 21,4 milhões de
habitantes recebiam água de forma intermitente (IBGE, 2020).
Esses dados mostram a relevância de continuar aprimorando o acesso à água potável
em todo o país, especialmente em regiões com menor cobertura e em comunidades que
dependem de fontes alternativas e intermitentes. É fundamental implementar políticas e
investimentos que garantam o fornecimento adequado e contínuo de água para toda a
população, visando a segurança hídrica e a garantia de direitos para o bem-estar de todos os
brasileiros.

3.1 A Relação entre Segurança Hídrica e Direitos Humanos

A relação entre segurança hídrica e direitos humanos tem sido amplamente discutida
nas últimas décadas, à medida que a escassez de água se torna um desafio cada vez mais urgente
em todo o mundo. A falta de acesso adequado à água potável e saneamento básico afeta
diretamente a dignidade e o bem-estar das pessoas, colocando em risco a realização de outros
direitos humanos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à alimentação e ao
desenvolvimento.
A segurança hídrica pode ser definida como a disponibilidade e o acesso de todas as
pessoas a água limpa e segura em quantidade suficiente para atender às suas necessidades

404
básicas diárias, como beber, cozinhar e higiene pessoal. No que diz respeito à Segurança Hídrica,
conforme explicado por Neves (2018), esse termo é abrangente e engloba diversas questões
relacionadas à água. Ele funciona como um "guarda-chuva" que contempla uma variedade de
desafios, incluindo a escassez de água, dificuldades de acesso, contaminação, má qualidade da
água, secas, inundações e problemas de governança.
No entanto, a água não é apenas essencial para a sobrevivência, mas também para o
desenvolvimento humano sustentável. A exploração adequada da relação entre segurança
hídrica e direitos humanos é fundamental para a compreensão de como o acesso à água está
intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento social, econômico e ambiental.
Conforme destacado por Borja e Moraes (2020), o cenário do acesso à água, tanto em
quantidade como em qualidade, está intimamente relacionado com a formação econômica e
social do regime de acumulação capitalista e suas interações com a natureza e a base social que
o sustenta. Os dados revelam um modelo de desenvolvimento que gera desigualdades e
exclusões entre diferentes segmentos sociais, ao mesmo tempo em que resulta na exaustão do
nosso patrimônio ambiental.
Quando há falta de segurança hídrica, as populações podem enfrentar escassez de
água, contaminação, dificuldade de acesso e má qualidade da água, o que afeta diretamente o
exercício dos direitos humanos. As comunidades mais vulneráveis são frequentemente as mais
afetadas, incluindo pessoas que vivem em áreas rurais, assentamentos informais, comunidades
indígenas e grupos marginalizados.
Portanto, as políticas e estratégias de gestão da água devem ser elaboradas e
implementadas de forma a garantir a segurança hídrica e o respeito aos direitos humanos. Isso
requer a adoção de práticas sustentáveis, a proteção dos recursos hídricos e a promoção de uma
gestão participativa e inclusiva, que leve em consideração as necessidades e demandas das
comunidades afetadas. Ao assegurar a segurança hídrica e respeitar os direitos humanos,
podemos contribuir para a melhoria das condições de vida de milhões de pessoas em todo o
mundo e para a proteção do meio ambiente.

3.2 Marcos Internacionais Relacionados à Segurança Hídrica como um Direito


Humano Fundamental

Em nível internacional, existem diversos tratados e convenções que reconhecem a


água como um direito humano fundamental. No âmbito do direito internacional, considera-se
que o direito humano à água está implícito nos artigos 3º e 25 da Declaração Universal dos
Direitos Humanos da ONU de 1948. No entanto, a explicitação clara desse direito só ocorreu em
2010, após 62 anos, após intensas negociações na comunidade internacional. Durante esse
período, foram realizados debates e esforços para reconhecer formalmente o direito humano à
água potável e ao saneamento básico, resultando em resoluções e declarações que reforçam a
importância desse direito fundamental para a dignidade e bem-estar de todas as pessoas.
A batalha pelo reconhecimento do direito humano à água pela ONU foi evidenciada
durante a votação, em 2010 na qual 122 nações votaram a favor da aprovação da referida
resolução, 41 nações se abstiveram e nenhuma votou contra. Esses números demonstram o
amplo apoio e consenso em relação à importância desse direito fundamental (PULIDO, 2015).
O reconhecimento da água como um direito humano é de extrema relevância, mesmo
diante das críticas sobre como esse processo teve início. A afirmação de Cahill (2010) de que o

405
direito à água pode ser considerado como um direito auxiliar está presente na jurisprudência
internacional dos sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos.
Nas referidas cortes, o direito à água não foi reconhecido de forma autônoma, mas
sim está vinculado aos demais direitos humanos. Essa abordagem reforça a interconexão e a
indivisibilidade dos direitos humanos, reconhecendo que o acesso à água potável é essencial
para a realização plena de outros direitos fundamentais, como o direito à saúde, à vida e à
dignidade humana.
A conscientização sobre a importância desses direitos fundamentais para a dignidade
humana e o desenvolvimento sustentável tem levado a esforços para reconhecê -los e garantir
sua proteção. Neste Quadro 1, apresentaremos de forma cronológica as principais legislações
internacionais relacionadas a esse tema, demonstrando o progresso alcançado e o compromisso
global em assegurar o acesso universal à água potável e ao saneamento básico.

Quadro 1 – A evolução jurídica do direito humano à água e ao saneamento básico em âmbito internacional
Instrumento normativo Detalhe / Incorporação
Art. 3º - determina o direito à vida. Está implícito, já que a água de
boa qualidade tem forte influência no direito à vida.
Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Art. 25 estabelece o direito à saúde e bem-estar, incluindo
ONU de 1948
alimentos. Está implícito, já que a água garante saúde e bem- estar
às pessoas.
III Convenção de Genebra da ONU de 1949
Arts. 20, 26, 29 e 46, 54, 55 85, 89 e 127 - Reconhece diretamente o
IV Convenção de Genebra da ONU de 1949
direito à água potável de satisfazer a sede.
I Protocolo Opcional da ONU de 1977
II Protocolo Opcional de 1977 Arts. 5º e 14
Plano de ação - “Todos os povos, independentemente do estágio
Conferência das Nações Unidas para a Água de de desenvolvimento e das condições sociais e econômicas, têm o
1977 direito de ter acesso à água potável em quantidades e qualidade
iguais às suas necessidades básicas”.
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Art. 14 - Garante o direito de “gozar de condições de vida
Formas de Discriminação contra as Mulheres da adequadas, particularmente em relação à habitação, saneamento,
ONU de 1979 fornecimento de eletricidade e água, transporte e comunicações”.
Art. 24, 2ª seção “c” - “Combater doenças e desnutrição, inclusive
no âmbito da atenção primária à saúde, por meio, entre outros, da
Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU aplicação de tecnologias prontamente disponíveis e do
de 1990 fornecimento de alimentos nutritivos adequados e água potável,
levando em consideração os perigos e riscos de poluição
ambiental” (UNICEF, 1990, p. 21).
Conferência Internacional sobre Água e Meio Art. 4º - Reconhecimento do direito básico de todos de ter acesso à
Ambiente de 1992 água potável a um preço acessível.
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Capítulo 18 da Agenda 21 - Proclamou que todos “os povos têm o
Ambiente e Desenvolvimento de 1992 direito de acessar água potável”.
Resolução 47/193 da Assembleia Geral da ONU Declaração - Declara 22 de março o Dia Mundial da Água (UN,
de 1993 2020).
Art. 12 - Define que o direito ao desenvolvimento envolve os
Resolução da ONU 54/175 de 1999 direitos à alimentação e à água potável, sendo estes fundamentais,
um imperativo moral dos governos.
Resolução da ONU 55/196 de 2000 Define o ano de 2003 como o Ano Internacional da Água Doce.
Declaração Política da Conferência Mundial Define metas - Estabelece metas para acelerar o acesso a requisitos
sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2002 básicos como água potável e esgotamento sanitário.
Comentário Geral 15 da ONU, de 2002, do
Páginas 2 – 3 - Estabelece que “O direito humano à água é
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
indispensável para levar uma vida com dignidade humana”.
Culturais relativos ao Direito à Água
Proclama - Estabelece a Década Internacional de Ação "Água para a
Resolução da ONU 58/217 de 2003
Vida" (2005-2015).
(continua)

406
Quadro 1 – A evolução jurídica do direito humano à água e ao saneamento básico em âmbito internacional
Instrumento normativo Detalhe / Incorporação
Cria - Criada a ONU Água para ser uma agência com a atribuição de
Criação da ONU Água, em 2003
coordenar os esforços das organizações da ONU em relação à água
Art. 28, 2a - “Garantir a igualdade de acesso das pessoas com
deficiência aos serviços de água potável e garantir o acesso a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
serviços, dispositivos e outra assistência adequados e acessíveis,
Deficiência da ONU de 2006
para necessidades relacionadas à deficiência”
(UN, 2006, p. 21, tradução própria).
Resoluções do Conselho de Direitos Humanos
Reconhece - Os Estados têm a obrigação de resolver e acabar com a
da ONU 1/22 de 2008 e 8/8 de 01 de 2009,
que discriminação em termos de acesso à água e solicita que
relativas ao direito humano à água potável e ao
resolvam com eficiência as desigualdades dessa questão
esgotamento sanitário
Reconhece - “O direito à água potável é um direito humano
Resolução da ONU de 64/292 de 2010 essencial para o pleno gozo da vida e da humanidade” (UN, 2010a,
p. 3, tradução própria).
Afirmar - “Afirma que o direito humano à água potável e ao
esgotamento sanitário é derivado do direito a um padrão de vida
adequado e intrinsicamente relacionado ao direito ao mais alto
padrão possível de saúde física e mental, bem como o direito à vida
e dignidade humana. Reafirma que os Estados têm a
responsabilidade primária de garantir a plena realização de todos
os direitos humanos e que a delegação da entrega de água potável
Resolução do Conselho dos Direitos Humanos e serviços de esgotamento sanitário a terceiros não exime o Estado
da ONU A/HRC/RES/15/9 de 2010 de suas obrigações quanto aos direitos humanos. Reconhece que
os Estados, de acordo com suas leis, regulamentos e normas
públicas políticas, pode optar por envolver atores não estatais no
fornecimento de água potável e esgotamento sanitário e,
independentemente da forma de prestação, deve garantir
transparência, não discriminação e responsabilização” (UN, 2010b,
p. 1-2, tradução própria,
grifos nossos).
Reconhece - Direitos distintos à água potável e ao esgotamento
sanitário: "o direito humano ao saneamento garante que todas as
Resolução A/RES/70/169 de 2015 da pessoas, sem discriminação, tenham acesso físico e econômico ao
Assembleia Geral da ONU esgotamento sanitário, em todas as esferas da vida, e que este seja
seguro, higiénico, social e culturalmente aceitável e que
proporcione privacidade e garanta dignidade".
Agenda 2030 - Definiu o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2015 6 - Água Potável e Saneamento - assegurar a disponibilidade e a
gestão sustentável da água e esgotamento sanitário para todos
Fonte: Pulido (2015); United Nations (2010a); United Nations (2010b).

3.3 LEGISLAÇÃO BRASILEIRA E O DIREITO HUMANO

Recentemente, muitos Estados-Nação vêm reconhecendo o direito humano à água em


suas Constituições ou em outras legislações, como é o caso da África do Sul, Bolívia, Colômbia,
Equador Uruguai e Israel. Ademais, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos
(OEA), Através da aprovação da Resolução 2349, é ressaltada a essencialidade da água para a
vida, saúde e dignidade de todos os seres humanos. Embora não declare explicitamente o direito
humano à água, a resolução reconhece e enfatiza que o acesso à água potável e à higiene básica
é indispensável para uma vida com dignidade humana.
No Brasil, por exemplo, a Constituição de 1988 assegura, em seu artigo 225º, que
“todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 1988, spp.). Assegurar

407
o acesso sustentável à água é essencial para a qualidade de vida e dignidade da população, visto
que a água é uma parte integrante fundamental do meio ambiente.
Conforme mencionado por Brzezinski (2012), “Embora a água seja um elemento
essencial do meio ambiente e condição para a existência de qualquer forma de vida, não é
possível extrair, do dispositivo constitucional brasileiro, a afirmação explícita de um direito à
água”. A Constituição de 1988 não prevê de forma específica o reconhecimento desse direito
em seu texto.
Com o objetivo de regulamentar o artigo 21, inciso XIX, da Constituição Federal, foi
promulgada a Lei nº 9.433/1997, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos. Essa
lei reconhece que a água é um patrimônio público destinado ao uso coletivo das pessoas.
Embora a titularidade das águas doces seja da União e dos Estados, é importante ressaltar que
a água não pertence exclusivamente aos governos nem a indivíduos específicos, sendo
considerada “um bem público para que a apropriação identificável não seja aceita, pois é um
direito humano fundamental, caracterizado pela inalienabilidade e não renúncia a direitos”
(IRIGARAY, 2003, p. 309)
A Lei nº 10.257/2001, também conhecida como Estatuto da Cidade, estabelece
diretrizes gerais para as políticas urbanas, com o objetivo de planejar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Dentre essas diretrizes, a Subseção I do
artigo 2º enfatiza a importância da garantia do direito às cidades sustentáveis. Esse direito
abrange o acesso não apenas à terra urbana e habitação, mas também ao saneamento
ambiental, à infraestrutura urbana, aos transportes, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
tanto para as gerações presentes quanto para as futuras.
De fato, seria esperado que a Lei nº 11.445/2007, conhecida como Lei do Saneamento
Básico, contivesse dispositivos que fornecessem garantias para a realização do direito à água,
ou pelo menos o mencionasse. No entanto, dentro do marco regulatório do saneamento básico,
essa garantia específica não é verificada. Além disso a referida Lei, que trata das diretrizes
nacionais para o saneamento básico e a política federal de saneamento básico, estabelece que
os serviços públicos de saneamento básico, incluindo o abastecimento de água potável,
esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais, limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos, devem ser prestados de acordo com princípios fundamentais. Esses princípios
incluem a universalização do acesso, a integralidade, a utilização de tecnologias apropriadas e o
controle social (art. 2º).
Uma vez que a Lei também estipula que a prestação desses serviços deve atender a
requisitos mínimos de qualidade, como regularidade e continuidade (art. 43). Dessa forma, o
acesso universal ao abastecimento de água, de maneira regular e contínua, pode ser
interpretado como o reconhecimento, por parte do Brasil, dos compromissos ass umidos nos
atos jurídicos internacionais que estabelecem o direito humano à água.
Embora a continuidade do serviço público seja um princípio importante, a Lei do
Saneamento Básico não o estabelece como absoluto. A lei prevê a possibilidade de interrupção
dos serviços em casos de inadimplência por parte do usuário, entre outras situações, o que já
era prática e aceito pelos tribunais brasileiros. Não há nenhuma disposição específica que
ressalte o fornecimento de uma quantidade mínima diária de água, necessária para a
manutenção da vida, o que poderia caracterizar o conteúdo de um direito à água, mesmo que
não explicitamente mencionado.

408
Conforme Lei nº 14.026/2020 representa uma atualização abrangente do marco legal
do saneamento básico, porém muitos dos conceitos estabelecidos pela lei anterior, Lei nº
11.445/2007, permanecem em vigor. Embora tenha havido alterações significativas, a nova lei
não revoga integralmente a legislação anterior. A nova lei incentiva a concessão da prestação
dos serviços de saneamento básico, o que implica na extinção dos contratos de programa entre
as companhias estaduais e os municípios. Há uma expectativa de abertura do mercado para a
concorrência entre empresas privadas na prestação desses serviços. A lei também estabelece a
exigência de comprovação da capacidade econômico-financeira dos contratos atuais em relação
às metas de atendimento, assegurando a viabilidade financeira para o cumprimento das
obrigações contratuais.
Igualmente a Lei nº 14.026/2020 busca promover a regionalização da gestão dos
serviços de saneamento básico, definindo a titularidade desses serviços nos casos de interesse
comum e interesse local. Com isso, há uma mudança na forma como o controle social é exercido,
perdendo força no nível municipal e passando a ser regional, embora isso apresente grandes
desafios. Nesse sentido, a ausência de avanços na instituição de conselhos e instrumentos de
participação social pode representar um desafio para a efetivação do controle social no contexto
regional.
Autores nacionais também têm abordado o tema da segurança hídrica e o acesso à
água potável como direitos fundamentais. Cabe citar, por exemplo, Pedro Jacobi, que em seu
livro "Gestão Participativa e Integrada de Recursos Hídricos" destacam a importância de garantir
a participação da sociedade na gestão dos recursos hídricos como forma de promover a
segurança hídrica e o acesso à água potável. É necessário promover mecanismos que fortaleçam
a participação da sociedade civil, assegurando a transparência, a prestação de contas e o
engajamento dos cidadãos na tomada de decisões relacionadas ao saneamento básico.
A Lei nº 14.026/2020 representa uma oportunidade perdida ao não incorporar
explicitamente na legislação nacional de saneamento básico o reconhecimento de que o
abastecimento de água potável e o esgotamento sanitário são Direitos Humanos. Essa inclusão
teria sido uma forma de regulamentar em nível nacional a resolução da ONU da qual o Brasil é
signatário. Ao não seguir a resolução da ONU, que reconhece a água e o esgotamento sanitário
como Direitos Humanos, a lei deixa de enfatizar e fortalecer a importância desses direitos
fundamentais para a dignidade humana e o desenvolvimento sustentável. A inclusão explícita
desses direitos na legislação nacional de saneamento básico seria um passo significativo para
garantir a sua proteção e promoção no país.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A incorporação do direito humano à água em dispositivos legais é uma estratégia


crucial para combater a pobreza e atender às necessidades vitais da população. Além disso, esse
reconhecimento desempenha um papel fundamental para garantir o pleno exercício das
liberdades e dos direitos políticos, especialmente para mulheres e crianças, bem como para
promover uma distribuição justa da riqueza e acesso ao patrimônio ambiental (PULIDO, 2015).
Para Heller (2015), a efetiva garantia do direito à água passa pelo planejamento
estatal, e as principais tendências desse planejamento envolvem abordagens estratégicas
situacionais, criativas e participativas. Assim sendo, é fundamental que o Estado implemente
estratégias de planejamento que levem em conta as características e desafios específicos de

409
cada região, ao mesmo tempo em que encorajem a participação da sociedade civil nas decisões
relacionadas à gestão dos recursos hídricos.
O valor econômico da água é uma opção a ser considerada, mas não deve ser a única
abordagem. É fundamental desenvolver uma diversidade de formas de cuidado com os recursos
hídricos, adaptando-se às estruturas de Estado e da Economia. A segurança hídrica requer uma
análise abrangente dos múltiplos fatores contextuais e a aplicação dos elementos técnicos,
econômicos e jurídicos disponíveis.
A garantia do direito humano à água e ao esgotamento sanitário é um processo que
requer a construção coletiva de um futuro sustentável, fundamentado na solidariedade e no
bem-estar geral. Esse caminho envolve a busca por uma distribuição justa da riqueza produzida
pela sociedade, valorizando o trabalho humano e estabelecendo uma relação harmoniosa entre
sociedade e natureza. Além disso, é fundamental que a sociedade, governos e instituições
trabalhem em conjunto, pautados pela cooperação e diálogo, para encontrar soluções que
assegurem a realização do direito humano à água e ao saneamento básico para todos.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior - Brasil (CAPES).
Agradeço ao Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de
Recursos Hídricos - ProfÁgua, - Código de Financiamento 001, Projeto CAPES/ANA AUXPE Nº.
2717/2015.

5 REFERÊNCIAS

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (Brasil). Conjuntura dos recursos hídricos no Brasil 2019: informe anual / Agência
Nacional de Águas. Brasília: ANA, 2019

AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (Brasil). Panorama das Águas. Quantidade de Água. Disponível em:
https://www.ana.gov.br/panorama-das-aguas/quantidade-da-agua.

BORJA, Patrícia Campos; MORAES, Luiz Roberto Santos. Direito humano à água e ao esgotamento sanitário: breve
cenário internacional e nacional, princípios, obrigações e critérios de positivação. Disponível em:
https://ondasbrasil.org/direito-humano-a-agua-e-ao-esgotamento-sanitario-breve- cenario-internacional-e-
nacional-principios-obrigacoes-e-criterios-de-positivacao/

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm.

BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece
diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/L10257.htm

BRASIL. Lei no 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico;
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /_ato2007-2010/2007/lei/L11445.htm.

BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Estabelece o novo marco legal do saneamento. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm.

BRASIL. Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
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https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/RES/15/9.

411
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( x ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

GERENCIAMENTO DE PROJETOS DE EDIFÍCIOS EM ALTURA NO DISTRITO


FEDERAL: UM RELATO DE CASO

MAIN STEOS OF PROJECT MANAGEMENT IN THE DEVELOPEMENT OF HIGH BUILDINGS


IN THE FEDERAL DISTRICT: A CASE REPORT

Amanda Marques
Aluna de graduação, UnB, Brasil.
entrearqamanda@gmail.com/190023856@aluno.unb.br

Chenia Figueiredo
Professora Doutora, UnB, Brasil.
chenia@unb.br

412
RESUMO

A construção civil ainda é marcada por retrabalhos e ineficiência em seus processos. Quando o assunto é
incorporação, muitos desafios podem ser encontrados ao longo do processo de gerenciamento dos
projetos que devem ser entregues a obra. Contratações, qualidade, aprovações e prazos fazem parte de
alguns dos desafios de uma incorporação. Com o intuito de aprofundar o conhecimento no ramo de
gerenciamento de projetos em incorporações da construção civil, foi realizada a descrição e análise do
fluxograma de gerenciamento de projetos fornecido por uma construtora atuante no Distrito Federal. O
trabalho foi desenvolvido a partir da abordagem metodológica de relato de caso de naturezadescritiva, e
baseado em revisões bibliográficas e levantamento documental. Em decorrência, podemos compreender
o funcionamento de um processo de incorporação, além de constatar a importância do gerenciamento
de projetos no ramo da construção civil.

PALAVRAS-CHAVE: gerenciamento. projetos. fluxograma base. fases. empreendimentos.

ABSTRACT

Civil construction is still marked by rework and inefficiency in its processes. When it comes to real estate development,
many challenges can be encountered throughout the project management process that must be delivered to the
construction site. Hiring, quality, approvals, and deadlines are some of the challenges involved in real estate
development. In order to deepen the knowledge in the field of project management in real estate development in civil
construction, a description and analysis of the project management flowchart provided by a construction company
operating in the Federal District were carried out. The work was developed based on a methodological approach of
descriptive case report, relying on bibliographic reviews and documentary surveys. As a result, we can understand the
functioning of a real estate development process and recognize the importance of project management in the field of
civil construction.

KEYWORDS: management. projects. basic flowchart. phases. enterprises.

413
1 INTROUÇÃO

A incorporação de projetos de edifícios em altura é um ramo que tem se tornando


crescente no mercado da construção civil. De acordo com dados divulgados pela Câmara
Brasileira da Indústria da Construção - CBIC, a construção civil cresceu cerca de 17,7% no biênio
2021-2022. Com o crescimento acelerado e aumento da competitividade, o mercado da
construção civil acaba sendo estimulado a desenvolver com maior eficiência áreas como a de
gestão de projetos (BERTEZINI, 2006
No entanto, o setor da construção civil no Brasil ainda é marcado pelo empirismo e
ausência de sistemas de gestão. Existe uma possível complexidade para o mercado compreender
e colocar em prática as fases do gerenciamento de projetos (SOUZA et al., 2020; SABINO, 2016).
De acordo com Marques e Plonski (2011), muitos problemas podem ser listados como fatores
de atrasos e não cumprimento das metas de projetos, sendo a ausência de planejamento e
gerenciamento as causas mais recorrentes.
De acordo com Marques e Plonski (2011), embora o mercado reconheça a importância
e a necessidade dos projetos nas organizações, a maioria delas ainda não consegue cumprir o
planejamento proposto. Essa dificuldade pode ser justificada pela falta de conhecimento e
domínio das fases iniciais do gerenciamento de projetos, pulando etapas importantes (OLIVEIRA,
2021). Com isso, diversas construtoras tendem a realizar a incorporação de grandes
empreendimentos de forma empírica, deixando em segundo plano a organização de etapas e
gerenciamento. Como resultado, o setor apresenta inúmeros casos de baixa produtividade,
perdas consideráveis e declínio da qualidade no produto entregue (MATTOS, 2010).
Diante do contexto exposto, o presente trabalho busca descrever e analisar o
procedimento de gerenciamento de projetos desenvolvido por uma construtora que atua há
mais de 50 anos no Distrito Federal, tendo como parâmetro de análise as diretrizes de
gerenciamento definidas pelas normas, como a ISO 10006 e a NBR 13532, e bibliografias
aplicadas ao assunto. A análise se restringirá às fases iniciais do gerenciamento de projetos que
podem ser delimitadas a partir da chegada do novo empreendimento no escritório até o
momento do seu envio para a obra. A base para estudo será a tipologia residencial de edifícios
em altura no Distrito Federal.
O presente trabalho tem como objetivo descrever e analisar o procedimento de
gerenciamento de projetos desenvolvido por construtora atuante no Distrito Federal, com o
intuito de aprofundar os conhecimentos metodológicos na área de gerenciamento de projetos.

2 CICLO DE VIDA DO PROJETO E CONCEPÇÃO DE FASES

De acordo com o PMBOK (2008), o ciclo de vida de um projeto pode ser delimitado por
quatro fases: início do produto, organização e preparação, execução do trabalho do projeto e
encerramento. De acordo com o guia PMBOK (2008), um projeto pode ser dividido em fases e
subfases que podem caminhar de forma paralela ou se sobrepondo, ou de forma sequencial, em
que o término de uma fase delimita o início de outra, causando uma relação de
interdependência. Desse modo, cada planejamento deve apresentar um conjunto de fases que
atendam às necessidades listadas, esse planejamento funciona como um documento vivo que

414
pode sofrer alterações de acordo com as demandas e mudanças ao longo do ciclo de vida do
projeto. A fase de preparação e organização tende a diminuir possíveis problemas e
inconformidades que poderiam ser encontradas em etapas mais avançadas caso essa fase não
fosse realizada. Quanto mais se aproxima do término do projeto, maior são os danos causados.
Em contrapartida, o impacto é consideravelmente menor de mudanças e correções nas etapas
iniciais do projeto (PMBOK, 2008).
Para Bertezini (2006), as fases de projeto apresentadas abarcam a definição da norma
ABNT NBR 13532, na qual o projeto de arquitetura é dividido entre as fases: estudo de
viabilidade de arquitetura, estudo preliminar de arquitetura, anteprojeto de arquitetura, projeto
básico de arquitetura e projeto executivo de arquitetura. Para Bertezini (2006), o projeto de
arquitetura é o principal definidor das diretrizes do empreendimento e percussor para o
desenvolvimento das demais etapas e disciplinas, o que comumente leva o arquiteto ao trabalho
de gerenciamento. Dessa forma, sendo o projeto de arquitetura o responsável por ditar o Timing
dos projetos (e produtos do projeto), podemos utilizar suas fases, pré -definidas pela norma NBR
13532, como base para a organização das etapas do gerenciamento na construção civil.

3 RELATO DE CASO: DESCRIÇÃO E ANÁLISE DE UM FLUXO DE GERENCIAMENTO DE PROJETOS


DE UM EDIFÍCIO

O relato de caso apresentado a seguir tem como base um fluxograma padrão de


gerenciamento de projetos de incorporação na construção civil (Figura 1). Este não se refere ao
gerenciamento de um edifício em específico, mas sim ao resultado da análise de incorporação
de diversos empreendimentos realizados por uma construtora/incorporadora atuante no
mercado do Distrito Federal.
O relato de caso apresentado a seguir tem como base um fluxograma padrão de
gerenciamento de projetos de incorporação na construção civil (Figura 1). Este não se refere ao
gerenciamento de um edifício em específico, mas sim ao resultado da análise de incorporação
de diversos empreendimentos realizados por uma construtora/incorporadora atuante no
mercado do Distrito Federal.
A criação do fluxograma (Figura 1) ocorreu após a análise prática do planejamento de
cinco edifícios em altura de tipologia residencial no Distrito Federal e um em interior do estado
de São Paulo no município de Ubatuba, realizados anteriormente pela construtora. Os
empreendimentos analisados, para a criação do fluxograma padrão apresentado, foram
acompanhados durante 9 anos (2014 - 2023), permitindo retroalimentar o setor de
planejamento da empresa.
Durante o período em análise, a empresa realizava o gerenciamento de seus projetos
de forma quase que empírica e, a partir de 2020, iniciaram-se estudos internos, partindo da
análise dos antigos empreendimentos e de bibliografias como o livro PMBOK (2008) e o livro
Real State no Brasil (2020), para delimitar um fluxo base de gerenciamento de projetos que
poderia ser aplicado e modificado de acordo com as novas demandas de incorporação que
chegassem ao escritório. A intenção da empresa ao criar o fluxograma, foi desenvolver um
padrão que pudesse ser seguido por diversos gestores, otimizando tempo e mitigando falhas.

415
Figura 1 – Fluxograma base de gerenciamento de projetos de incorporação de
construtora/incorporadora no DF.

Fonte: Autor, 2023

A Figura 1 representa o fluxo padrão de gerenciamento de projetos para incorporação,


resultado da análise realizada pela construtora. O fluxograma está delimitado a partir da
chegada do empreendimento ao escritório, denominado fase 01, até a etapa de projeto
executivo, denominado fase 04. Tomando como base a separação de etapas de incorporação
delimitadas no livro Real State no Brasil (TOGNETTI; LAPO, 2020), podemos dizer que as fases
apresentadas no fluxograma se referem às etapas de definição do produto, aprovação e registro,
divididas em 4 fases: definição do produto, aprovação de projetos, pré -executivo e projeto
executivo.
As quatro fases são empenhadas a partir de atividades com entradas e saídas. De
acordo com o PMBOK (2008), toda atividade proposta em um plane jamento deve apresentar

416
entradas e saídas, sendo que a primeira, as entradas, são os documentos necessários para a
realização das atividades e a segunda, as saídas, cujos documentos são gerados ao final da
atividade proposta. No momento em que um novo negócio chega à incorporadora, cabe à
diretoria a análise para definir se é ou não viável a incorporação do empreendimento. A partir
do momento em que se conclui pela viabilidade do empreendimento os gerentes de projetos
passam a cumprir seu papel, iniciando a fase 1, denominada definição do produto.

4.1 Fase 01: Definição do Produto

A etapa de definição do produto se inicia logo após o estudo de viabilidade, nesse caso
realizado pela diretoria, e ainda é composta pela aquisição do terreno (TOGNETTI; LAPO, 2020).
Essa etapa pode ser resumida a uma etapa de organização do projeto e realização do estudo
preliminar, para isso, algumas atividades são estabelecidas (Figura 2).
A atividade de planejamento necessita do termo de abertura do projeto, que é uma
reunião inicial em que o cliente ou a diretoria apresenta seus anseios e necessidades do projeto,
resultando em um Briefing que será utilizado para nortear todo o planejamento (BETERZINI,
2006, p.99).
Figura 2 – Fase 01: Definição do produto

Fonte: Autor, (2023).

De acordo com o PMBOK (2008, p 48-53), o planejamento do projeto deve contemplar


itens como: definição do escopo de projetos - delimitação das características e funções que o
produto final deve ter; coleta de requisitos; estrutura analítica do projeto (EAP; cronograma
macro inicial; sequenciamento das atividades que serão desempenhadas ao longo do projeto;
orçamento do projeto; planejamento da qualidade; planejamento de meios de comunicação;

417
planejamento de aquisições; planejamento de riscos e definição das partes interessadas. Ao final
do planejamento, deve ser possível a compreensão de como o projeto será planejado,
executado, monitorado e controlado.
Um ponto importante no planejamento do projeto é a definição de partes
interessadas. De acordo com a ISO 9001 (2015, p. 14), a definição dos requisitos das partes
interessadas possui efeito sobre a capacidade da organização em fornecer um produto
compatível com o desejado. Também é nesse momento que o projetista de arquitetura é
definido (PMBOK, 2006). O projetista de arquitetura será o responsável pelo serviço de criação
e documentação do projeto, sendo o primeiro projetista a ser contratado.
A contratação dos projetistas pode variar de acordo com a construtora/incorporadora.
O fluxograma em questão prevê uma organização na qual os projetistas são contratados
externamente, com exceção de arquitetura. Os projetos desenvolvidos por cada escritório são
enviados para o gerente de projetos da incorporadora, que busca realizar as verificações,
compatibilizações e conexões entre as disciplinas. No caso da disciplina de arquitetura, som ente
a primeira e a segunda fase são contratadas externamente. Quando o projeto entra na etapa de
pré-executivo e executivo um projetista interno de arquitetura é designado para seguir com o
desenvolvimento da disciplina. Isso acontece porque a incorporadora é ao mesmo tempo
construtora, ou seja, é também a responsável pela execução do projeto. Sendo assim, o controle
dos projetos como compatibilização, verificação e comunicação se tornam mais rápidas e
eficientes por ter o projetista de arquitetura mais próximo no cotidiano.
Paralelo ao planejamento do projeto, é possível o desenvolvimento da atividade de
estudo de caso e referências e das atividades de estratégia e conceito além da reunião de
Kickoff. Após as atividades anteriores consolidadas, é possível o início do estudo preliminar (EP)
de arquitetura. A norma NBR 13532 (1995) estabelece os requisitos necessários para o início do
projeto de arquitetura como levantamento topográfico, padrão construtivo da construtora
contratada, escopo de fases, cartas de não interferência (CNIRs), entre outros.
Após a entrega do EP pelo projetista de arquitetura, é necessária a etapa de
verificação. De acordo com o PMBOK (2008, P.89), a verificação é uma atividade de finalização
de etapa, em que o gerente revisará todas as informações fornecidas no projeto a fim de
constatar que todo o trabalho da etapa está completo e de acordo com o solicitado.
A última atividade da Fase 1 é o estudo de viabilidade econômica. Nesse momento, o
quadro de áreas fornecido pelo projetista passa pelo estudo de mercado e viabilidade
econômica, etapa em que se analisará o valor médio de custo de obra para o empreendimento,
além de avaliar a relação de área vendável (área destinada à venda), com a área construída.
Após a aprovação do Estudo de Viabilidade Econômica, o projeto estará apto a seguir para a
Fase 02: Etapa de Aprovação de Projetos.

4.2 Fase 02: Etapa de aprovação de projetos

A fase 02 é uma das mais importantes e intensas de todo o processo. Dentro dos
estudos realizados pela construtora para a criação do fluxograma e mapeamento de
cronograma, é possível constatar que o processo completo de aprovação de projetos para início
das obras pode durar até 365 dias. Dessa forma, podemos caracterizar a fase 02 como sendo o
caminho crítico do fluxograma.

418
Figura 3 – Fase 02: Etapa de aprovação de projetos

Fonte: Autor2023.

A Figura 3 apresenta o fluxograma da fase 02 proposta pela empresa avaliada. Ela é


dividida em entradas e saídas e pela etapa de aprovação de projetos. É importante ressaltar que
o presente fluxograma se baseia na metodologia de aprovação de projetos em altura de
tipologia residencial no contexto do Distrito Federal. A aprovação de projetos no DF é
regulamentada pela lei nº 6.138/2018, que divide a aprovação de projetos em viabilidade legal,
estudo prévio, análise complementar e licenças de obra. A primeira atividade proposta no
fluxograma, na segunda etapa, é a análise de viabilidade legal (AVL).
Essa é a primeira etapa de aprovação, uma das mais simples e que dispõe de menor
tempo no cronograma. De acordo com a lei nº 6.138/2018, essa etapa consiste em verificar a
possibilidade de habilitação do projeto, levando em consideração suas características gerais,

419
como normas urbanísticas, afastamentos, altura, taxa de permeabilidade, memorial descritivo,
entre outros. Para isso, o gerente de projetos ou o projetista deve apresentar junto à CAP –
Central de aprovação de projetos, o projeto preliminar de arquitetura, juntamente com o
quadro de áreas e memorial descritivo. Ao final dessa etapa de aprovação, será emitido o
atestado de viabilidade legal tornando o projeto apto a seguir para a etapa de estudo prévio.
Em paralelo com a primeira etapa de aprovação, deve ocorrer a contratação dos
projetistas complementares iniciais. Os projetistas iniciais normalmente são os de estrutura,
verificação de estrutura, fundações, contenções, sondagem e instalações. Esses projetistas são
necessários para as próximas fases de aprovação, porém só devem ser contratados após se ter
o projeto preliminar de arquitetura, documento de entrada indispensável para o início dos
serviços. Essa contratação deve resultar na reunião multidisciplinar. De acordo com Sabino
(2016), reuniões devem ser realizadas a fim de garantir uma comunicação assertiva e eficiente
na hora de transmitir definições à equipe de projetos, além de garantir que todo s estão
alinhados com o projeto.
Nesse momento, os projetos complementares entram em sua etapa inicial, com o
lançamento de pilares, locação e cargas, solução inicial de contenção e fundações, além do
lançamento de Shafts e pontos externos referentes à instalação. Seguindo a metodologia
descrita pelo PMBOK (2008), ao final das entregas preliminares dos complementares, uma
verificação é realizada a fim de constatar se as entregas correspondem ao solicitado.
Após as entregas preliminares e verificação, teremos a primeira compatibilização. O
processo de compatibilização é realizado através da sobreposição de todas as disciplinas
contratadas até então. Se antes a verificação era realizada apenas com a disciplina em si, a
compatibilização consiste na análise da interação de todas as disciplinas juntas, sendo possível
encontrar pontos de incompatibilidade e corrigi-los antes de chegar à obra (SABINO, 2010). Após
a compatibilização, são geradas as ocorrências, pontos de incompatibilidades entre os projetos.
Essas ocorrências devem ser avaliadas e discutidas em uma reunião de análise crítica realizada
entre os projetistas e mediada pelo gerente de projetos a fim de encontrar soluções compatíveis
que devem ser seguidas por todos e atualizado nos projetos.
A próxima etapa proposta no fluxograma é a contratação dos projetistas
complementares secundários. Os projetistas contratados nessa etapa são aqueles que
necessitam do projeto de arquitetura e estrutura minimamente consolidados para começar a
trabalhar, evitando retrabalhos.
Em paralelo com a contratação dos novos projetistas, deve ser iniciado o anteprojeto
de arquitetura. Essa fase é definida como o momento em que “Informações técnicas relativas à
edificação (ambientes interiores e exteriores), a todos os elementos da edificação e a seus
componentes construtivos considerados relevantes” são produzidos (NBR 13532, 1995, p. 6). As
próximas etapas se referem à aprovação de projetos. A segunda aprovação refere-se aos
projetos complementares. No Distrito Federal, a Instrução normativa nº 01, de 11 de junho de
2015 regulamenta que os projetos de arquitetura e instalações devem ser submetidos à análise
pelo Corpo de Bombeiros do Distrito Federal – CBMDF, para verificação das normas de
prevenção contra incêndio e pânico. De forma semelhante, os projetos de instalações devem
ser submetidos à Neoenergia para análise e aprovação.
A terceira etapa de aprovação se refere ao estudo prévio de arquitetura, etapa
normatizada pela lei nº 6.138/2018 no Distrito Federal. A finalização da segunda fase ocorre
com a licença de demolição e o alvará de construção. O alvará está descrito na lei nº 6.138/2018

420
como um documento expedido para o início das obras e está diretamente associado ao proj eto
habilitado. A partir daqui, as obras já podem ser iniciadas e agora cabe ao gerente de projetos a
responsabilidade de preparar os projetos para enviar para obra, iniciando a Fase 03: Projeto Pré-
Executivo.

4.3 Fase 03: Projeto pré-executivo

A fase de projeto pré-executivo é marcada pela verificação e compatibilização de todos


os projetos envolvidos (BERTEZINI, 2006). É nessa etapa que as contratações são finalizadas e
todas as decisões finais de projeto são tomadas (Figura 4).
Após a entrega preliminar dos complementares finais, tem-se material de todos os
projetos envolvidos no desenvolvimento do empreendimento. Uma verificação deve ser
realizada antes da compatibilização para sanar possíveis divergências dentro do próprio proj eto,
assim como realizado nas etapas anteriores. A diferença é que, nessa fase, o checklist de
verificação englobará a necessidade de novas informações como especificações de materiais,
soluções construtivas, dimensões exatas etc.
A análise de todas as disciplinas juntas resultará em um relatório de ocorrências, a
resolução desses apontamentos dentro de cada disciplina resultará no avanço de fase. Assim,
após a compatibilização e solução das ocorrências, teremos como resultado o projeto pré-
executivo de arquitetura. Para finalizar a etapa, uma nova verificação é realizada a fim de
constatar que todos os projetos fizeram as atualizações de acordo com as soluções propostas
após o processo de compatibilização. Vale ressaltar que nesse momento os projetos já podem
ser enviados à obra com para orçamentos, conhecimento do projeto que será executado,
compra de materiais e início da execução de fundação e contenção. Os demais projetos entrarão
na Fase 04: Projeto Executivo.
Figura 04 – Fase 03: Pré-executivo

Fonte: Autor, 2023.

421
4.4 Fase 04: Projeto executivo e envio dos projetos para obra

O projeto executivo é a última etapa do gerenciamento antes do envio dos projetos


para obra que estarão aptos a ser utilizados para orçamento, quantitativos e principalmente
execução do empreendimento. Essa etapa envolve a detalhamento e documentação minuciosa
de todas as decisões projetuais desenvolvidas, conforme fluxograma apresentado na Figura 5.
A etapa executiva consiste em revisar e documentar as decisões já consolidadas. O fluxo dessa
etapa consiste no desenvolvimento, em nível executivo, dos projetos, além de sua verificação e
compatibilização.
Na fase 4, todos os projetos complementares são executados com base no projeto pré-
executivo de arquitetura, resultado da compatibilização do anteprojeto realizado na etapa
anterior. Os projetos passam pela verificação final e uma nova compatibilização é realizada
resultando no projeto executivo de arquitetura. Após a aprovação, os projetos serão liberados
para execução, conforme fluxograma apresentado na Figura 5.

Figura 5 - Fase 04: Etapa de projeto executivo e envio para obra.

Fonte: Autor, 2023.

É importante ressaltar que na etapa anterior os projetos de contenção do terreno e fundação já


haviam sido liberados para a obra, ou seja, quando o executivo é iniciado, as etapas iniciais de
obra já estão acontecendo, conforme planejamento e gerenciamento da obra. Dependendo do
cronograma executivo da obra, os detalhamentos finais de arquitetura, como paginação de
revestimentos e detalhamento de forros, podem ser realizados após o envio oficial do p rojeto

422
executivo para a obra. Isso porque esses documentos finais (os detalhamentos), só serão
utilizados em etapas futuras e não irão causar atrasos no cronograma. Há de se relembrar que
o objeto de pesquisa do presente estudo limita-se à etapa de projeto executivo.

5 APLICAÇÃO EM UM EMPREENDIMENTO

Após a descrição e detalhamento do fluxograma de projetos arquitetônicos, no


presente estudo será apresentado o fluxograma de um empreendimento em Brasília. Buscou-
se compreender minimamente seu funcionamento no cotidiano de um escritório de
incorporação levando em consideração sua especificidade.
O fluxograma apresentado nas sessões anteriores foi desenvolvido pela construtora e
pode ser facilmente ajustável, conforme os interesses de novos empreendimentos.
O empreendimento é um edifício residencial localizado em Águas Claras, no Distrito
Federal, composto por 19 pavimentos, além de 1º e 2º subsolo, totalizando cerca de 22 mil m²
de área construída (Figura 21). Os 225 apartamentos possuem um e dois quartos. O
empreendimento teve início em 2020 e se encontra atualmente na fase 3, ou seja, na fase do
projeto pré-executivo.
Conforme informado pela equipe técnica, o desenvolvimento do empreendimento
contou com a colaboração de cerca de 30 disciplinas diferentes subdividas entre arquitetura,
instalações mecânicas, instalações hidráulicas, instalações elétricas e estrutura. Todas essas
disciplinas foram contratadas externamente. A equipe responsável pela gestão do
empreendimento é composta por um engenheiro chefe, uma arquiteta (gerente de projetos),
um arquiteto projetista e dois estagiários. Essa equipe é responsável pela contratação de todos
os projetos, além da compatibilização, verificação e comunicação necessária ao longo do
processo de incorporação. Tudo é comunicado à gerente de projetos, que é responsável pelo
planejamento do empreendimento.
Neste estudo de caso, houve algumas mudanças em relação ao fluxograma base,
devido à adoção da metodologia BIM (Building Information Model) e à contratação de arquitetos
projetistas na empresa. Na fase 1, contrata-se um escritório para o desenvolvimento do projeto
arquitetônico completo, desde a etapa de aprovação de viabilidade legal à aprovação do estudo
prévio. Todo o processo é documentado e supervisionado pela gerente de projetos, responsável
por garantir o seu correto andamento. Os projetos que entram na empresa são enviados através
de uma plataforma específica de gerenciamento de documentos e avaliados pela gerente de
projetos, que controla as aprovações, junto à direção. Todas as demais contratações e
gerenciamento da documentação recebida são organizados pelos estagiários, supervisionados
pela gerente.

Figura 06 - Fluxograma da fase de projetos arquitetônicos do empreendimento avaliado.

Fonte: Autor, 2023.

423
Aprovada a viabilidade legal e a habilitação do estudo prévio, os projetos de
arquitetura passam a ser controlados, solicitados e organizados pela equipe da empresa
construtora. Dessa forma, as licenças de obra, como alvará de construção ou licença de
demolição, tornam-se incumbência da equipe de gestão. Assim, os projetos executivos de
arquitetura são desenvolvidos por um projetista interno, entrando na fase denominada de
anteprojeto BIM, conforme fluxograma apresentado na Figura 06.
A fase de anteprojeto BIM é curta e tem como principal documento de entrada o
projeto arquitetônico fornecido pelo escritório de arquitetura anteriormente contratado. Nessa
fase, o arquiteto da empresa (interno) recebe o projeto arquitetônico contratado e fica
responsável pela nova modelagem atendendo aos padrões construtivos determinados pela
construtora. A empresa possui padrões de nomenclatura, extração de quantitativo e formas de
modelagem específicas que visam gerar um modelo BIM otimizado capaz de interagir com as
demais disciplinas. Em seguida, o arquiteto projetista recebe os projetos iniciais de estrutura.
Esses projetos são modelados no software escolhido pela empresa, inseridos ao
modelo de arquitetura contratado e, em seguida, encaminhados ao escritório que irá
desenvolver o projeto estrutural. Nem todos os escritórios de projeto trabalham com softwares
BIM ou possuem o padrão de modelagem compatível com os padrões da empresa. A fase é
finalizada quando os arquivos de arquitetura e estrutura estão modelados e previamente
analisados, certificando que estão prontos para ser enviados aos demais projetistas para seguir
com o desenvolvimento dos projetos.
Assim, o arquiteto projetista desenvolve o modelo de arquitetura e realiza as
verificações e compatibilizações juntamente com a gerente de projetos. As verificações têm
como base um checklist desenvolvido internamente pela equipe de processos e implementação
(composta pela gerente e um estagiário), esse checklist possui itens específicos a serem
analisados em cada disciplina, principalmente a disciplina de arquitetura. A checagem do projeto
estrutural é realizada pela equipe de obra juntamente com o engenheiro chefe. Toda a
comunicação é intermediada pela gerente de projetos que garante que estas sejam registradas
e estejam acessíveis para todos os envolvidos, escritório e obra.
Todos os projetos recebidos passam por um processo – já detalhado anteriormente -
de avaliação e checagem, para garantir a qualidade do produto a ser entregue. Considerando
que o empreendimento conta com o envolvimento de cerca de 30 disciplinas, o volume de
documentos e revisões é enorme.
Por isso, para garantir a organização e atualização dos projetos, todos os documentos
são cadastrados na plataforma de gerenciamento de documentos e só podem ser enviados para
obra através dela. Isso garante que os projetos estejam sempre em sua versão correta,
atualizados, permitindo que seja executado de forma adequada, mitigando erros que podem
ocorrer devido a trocas de projeto. Esse controle é detalhado na Figura 23.
As atividades referentes à compatibilização também são realizadas internamente,
tendo como principais responsáveis a gerente de projetos e o projetista de arquitetura. Nela, as
disciplinas são reunidas em um modelo federado (modelo BIM com a união de todas as
disciplinas envolvidas) e analisadas minunciosamente através da utilização de softwares de
compatibilização. O resultado das compatibilizações são as ocorrências (ou apontamentos).
Essas ocorrências são cadastradas em uma plataforma específica de comunicação na qual todos
os projetistas responsáveis estão inseridos, assim todos os envolvidos têm acesso às decisões

424
tomadas para atualizar os projetos. A cada compatibilização os apontamentos diminuem,
chegando a ter poucos ou nenhum apontamento quando serão enviados a obra.
No caso do empreendimento em questão, os projetos estruturais já estão concluídos
e foram enviados para obra permitindo sua execução juntamente com a finalização do projeto
de arquitetura e seus projetos complementares.
A etapa de gerenciamento de projetos do empreendimento tem previsão de ser
finalizada em janeiro de 2024, entregando todos os projetos para a obra, deixando a equipe de
gerenciamento de projetos para eventuais esclarecimentos e acompanhamento executivo.
Enquanto a construção do empreendimento acontece, novos negócios chegam ao
escritório e o fluxograma padrão de incorporação é readaptado para atender as novas
demandas mais uma vez.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A gestão de projetos visa agregar valor ao serviço e assegurar que a obra seja concluída
dentro do prazo planejado. Um projeto bem estruturado permite alcançar maior qualidade e
consequentemente, a satisfação do cliente. Esta é alcançada com a correta metodologia de
gestão, elaboração de projetos, planejamento e monitoramento. A gestão de projetos tem como
objetivo:
“Reduzir desperdícios, minimizar riscos, aumentar a produtividade, além de
estabelecer ações que visam aumentar a eficiência do processo construtivo, constituem o cerne
da gestão de projetos. Segundo Vargas (2009), todo o sucesso de uma gestão de projetos está
em identificar e relacionar as atividades a serem desenvolvidas no momento correto.”
(OLIVEIRA, 2021).
Um sistema de gestão da qualidade busca assegurar a eficiência da obra, a satisfação
dos clientes e a melhoria contínua dos processos produtivos. Através das análises de registros
de obras anteriores é possível gerar melhorias contínuas desde a fase de projeto, buscando o
aprimoramento contínuo.
Analisando o fluxograma da empresa avaliada foi possível constatar as subcamadas
que envolvem a incorporação de um empreendimento, acentuando a necessidade de processos
mapeados e eficientes. Todo o tempo gasto no início do projeto para organização da gestão do
empreendimento pode gerar resultados positivos no produto que será entregue.
O gerenciamento de projetos tem se tornado um diferencial das empresas no
mercado. Isso ocorre devido as entregas de qualidade que a empresa é capaz de fazer ao
estruturar seus processos e desenvolver sistemas de qualidade que garantirão um produto de
acordo com as expectativas. A adoção de sistemas de gerenciamento dentro das construtoras
visa redução de desperdícios, atrasos e ineficiência durante o processo de incorporação de um
empreendimento.

7 REFERÊNCIAS

ABRAINC, SECOVISP. Guia – O Ciclo de Incorporação Imobiliária. São Paulo: Simplíssimo livro. 2017. E-book.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. Sistemas de gestão da qualidade — Fundamentos e vocabulário – ABNT
NBR ISO 9000. Rio de Janeiro, 2015.

425
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projetos –ISO 10006. Rio de Janeiro, 2000.

Associação Brasileira de Normas Técnicas. Gestão da qualidade – Diretrizes para qualidade no gerenciamento de
projetos – NBR 13.532. Rio de Janeiro, 1995.

BERTEZINI, Ana Luisa. Métodos de avaliação do processo de projeto de arquitetura da construção de edifícios sob
a ótica da gestão da qualidade. 2006. Dissertação para o título de mestre – Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo. São Paulo, 2006.

CAMBIAGHI; AMÁ. Manual de escopo de projetos e serviços de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: AsBEA, 2019.
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CRESÇA BRASIL. Como elaborar e gerenciar projetos. 2016. Disponível em: https://www.crescabrasil.com.br/.
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GUIA PMBOK. Um guia do conhecimento em gerenciamento de projetos: Project Management Institute. 5ª


Edição. 2013.

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2010. Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – USP. São
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MATTOS, Aldo Dórea. Planejamento e Controle de Obras. São Paulo: Pini. 2010.

OLIVEIRA, Álisson. A importância do processo de iniciação do ciclo de vida do projeto na gestão da inovação da
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SABINO, Jéssica Brenner. Projetos de Gestão na Construção Civil: Análise Crítica. Orientador: Dalmo Lúcio Mendes
Figueiredo. 2016. Monografia (Especialização em Construção Civil) - Escola de Engenharia, Universidade Federal de
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SOUSA, Rodrigo Zanata Pereira de. Et al. Gestão de projetos aplicada à construção civil. 2020. Revista Científica
Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Tocantins, 2020.

426
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
(X) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

HABITAÇÃO SOCIAL COMO PILAR DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL:


DIFERENÇAS SOCIOTERRITORIAIS ENTRE BRASIL E SUÉCIA

SOCIAL HOUSING AS A PILLAR OF THE WELFARE STATE: SOCIO-TERRITORIAL


DIFFERENCES BETWEEN BRAZIL AND SWEDEN

Caio Barbato Maroso


Doutorando, PUC-Campinas, Brasil
caio.bm1@puccampinas.edu.br

Vera Santana Luz


Professora Doutora, PUC-Campinas, Brasil
veraluz@puc-campinas.edu.br

1
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar o estudo de caso de dois conjuntos habitacionais, um no Brasil e um na Suécia,
e discutir as diferenças na organização no território e a consequente habitabilidade de programas habitacionais
moldados pelas duas realidades. Adotamos duas categorias diferentes de estados de bem-estar social. Na Suécia,
socialdemocrata; no Brasil, meritocrático-clientelista. A abordagem da habitação social como pilar do estado de bem-
-estar social e a comparação com um país social-democrata são incomuns nesse campo de pesquisa, no Brasil, mas
não em pesquisas estrangeiras. A metodologia de análise dos casos foi desenvolvida com base em quatro categorias
que permitem comparações a partir das diferenças. O principal resultado é que, quando comparados à realidade
brasileira, o ambiente urbano e a habitabilidade tendem a ser melhores na Suécia, onde a habitação pública é
construída com base na lógica social-democrata de política pública, como pilar do estado de bem-estar social.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas Habitacionais. Estado de Bem-Estar Social. Habitabilidade da Moradia Social.

ABSTRACT
The purpose of this paper is to present a case study of two social housing, one in Brazil and one in Sweden, and to
discuss the differences in the organization in the territory and the consequent habitability of housing programs shaped
by the two realities. We adopted two different categories of welfare states. In Sweden, social democrat; in Brazil,
meritocratic-clientelist. The approach to social housing as a pillar of the welfare state and the comparison with a social
democratic country are unusual in this field of research, in Brazil, but not in foreign research. The case analysis
methodology was developed based on four categories that allow comparisons based on differences. The main result
is that, when compared to the Brazilian reality, the urban environment and habitability tend to be better in Sweden,
where public housing is built based on the social-democratic logic of public policy, as a pillar of the welfare state.

KEYWORDS: Social Housing Policy. Welfare State. Habitability of Social Housing.

2
1 INTRODUÇÃO

Este artigo1 é parte dos desdobramentos da tese de doutorado 2. Resumimos os


argumentos teóricos sobre o que entendemos ser o cerne do que queremos apresentar,
arcabouço básico para as considerações contidas neste texto. Percursos históricos e teóricos
que apontam a moradia e a cidade como direitos, incluídos na Carta Magna dos dois países em
questão, são discutidos por Lefebvre (2009), Benévolo (2012), Maricato (2015) e Rolnik (2019),
entre outros. A problemática da habitação na cidade capitalista contemporânea, bem como o
desenvolvimento e a disputa pelo território, e a relação com os processos de urbanização
dispersa são discutidos por Harvey (2005), Furtado (2007), Reis Filho (2006) e Oliveira (1975).
O acesso e a proteção desses direitos para os trabalhadores são essenciais para
alcançar a equidade nas áreas urbanas e moldar as políticas públicas. A natureza do estado de
bem-estar social está subjacente ao conceito de habitação social, e as políticas públicas nele
produzidas podem ser mais inclusivas e universais ou mais exclusivas, consoante às suas
particularidades. Uma das principais contribuições deste estudo é a visão sobre uma área
relativamente pouco explorada na pesquisa brasileira: a habitação popular como principal pilar
do estado de bem-estar social. Com base nos pressupostos teóricos estabelecidos,
apresentamos a realidade observada por meio da metodologia proposta.

2 OBJETIVOS

O objetivo principal é explorar os diferentes resultados relacionados ao território e à


habitabilidade dos produtos de programas habitacionais gerados por políticas públicas
decorrentes de dois modelos diferentes de estado de bem-estar social: meritocrático-
clientelista, no Brasil; e social-democrata, na Suécia. Os objetivos específicos são: realizar a
comparação entre as duas realidades em tela; cortejar as realidades observadas com o
arcabouço teórico; e mostrar as possibilidades de garantia do direito à moradia digna e à cidade,
a partir da habitação social como pilar do estado de bem-estar social.

3 METODOLOGIA/ MÉTODO DE ANÁLISE

Os métodos incluem revisão bibliográfica e pesquisa empírica com análise de dados


primários, levantamentos de campo, documentação fotográfica e cartografia. A estrutura dos
estudos empíricos foi baseada em quatro categorias propostas, consideradas para análise. No
Brasil, elegemos o Residencial Sirius na cidade de Campinas/SP, inaugurado em 2012 e
construído com recursos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Na Suécia, a eleição
se deu pela casa Västra Kattarpsvägen, na cidade de Malmö, Estado M, construída em 1963,
com financiamento do programa federal “One Million Houses”. A definição do caso brasileiro
baseou-se no fato de que ele foi viabilizado por um programa habitacional proposto por um
governo politicamente mais próximo de um caráter social-democrata. A inserção urbana, no
caso brasileiro, ocorre em área dispersa e periférica da região metropolitana de Campinas. O

1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
2 Agradecemos à inestimável colaboração do Prof. Dr. Luiz Augusto Maia Costa, que realizou a fase inicial de

orientação do Doutorado citado.

3
caso sueco, por outro lado, está inserido na dinâmica dos trabalhadores que se deslocam entre
a cidade de Malmö, no sul da Suécia, e Copenhague, na Dinamarca.
As categorias de análise constituem para comparação a partir das diferenças entre os
dois casos, revelando as consequências das políticas públicas habitacionais no processo de
urbanização do Brasil e da Suécia, sendo: (a) política — trata de planos, medidas e leis; (b)
socioeconômica — trata de perfis de beneficiários, tipos de propriedade e financiamentos; (c)
cultural — trata da inclusão urbana, origem familiar, geração de trabalho e renda e padrão
condominial; e (d) tecnológica — trata da qualidade técnica de projeto e construção.

4 ANÁLISE

As características dos estudos de caso em tela destacam as diferenças entre a


construção e o desenvolvimento urbano nas periferias das duas cidades analisadas e dos dois
conjuntos habitacionais, dependendo do caráter específico e do alinhamento das políticas
públicas de cada contexto de estado de bem-estar social. O Conjunto Residencial Sirius está
localizado na Rua Leonor Martins Mansour, 311, Campinas, São Paulo, Brasil. Dista 11,5 km do
centro da cidade, cerca de 50 minutos de transporte público. Construído em 2010, a conversão
para propriedade privada iniciou no final de 2022. Consiste em 124 blocos divididos em 14
condomínios fechados de 6 a 12 blocos, cada. A tipologia é única, com 5 pisos e 4 apartamentos
em cada piso. Contempla 2.480 apartamentos, com número estimado de 13.100 residentes. A
área total do empreendimento é de 130.000 metros quadrados, com densidade populacional de
cerca de 100.000 pessoas/km². É servido por 12 pontos de ônibus, atendidos por 2 linhas
circulares. Por sua vez, o empreendimento residencial Västra Kattarpsvägen está localizado na
Avenida Västra Kattarpsvägen, 213 66, Malmö, Skåne, Suécia. Dista 3,5 km do centro da cidade,
cerca de 17 minutos de transporte público. Foi construído em 1963 e teve o início da conversão
em propriedade privada no final de 2016. É composto por 36 blocos, distribuídos em formato
de superquadra. Há duas tipologias: (a) 8 pavimentos com 2 apartamentos por andar; e (b) 3
pavimentos com 2 apartamentos por andar. Totaliza 1.056 unidades habitacionais, com
estimativa de 4.224 residentes. Ocupa área total aproximada de 210.000 metros quadrados,
considerando espaços privativos e envoltórios, com densidade demográfica em torno de 20.114
hab./km². É servido por 2 estações de trem, 1 linha e 5 paradas de ônibus, atendidas por 3 linhas.

Figura 1 – Relação entre os edifícios e os espaços públicos

Fonte: Fotografias capturadas nos locais. Dia 20 jan. 2023, na Suécia; e 02 mar. 2023, no Brasil .

A Figura 1 expõe fotografias das áreas urbanas de cada região. São notáveis diferentes
características na maneira como os empreendimentos foram implantados. No caso da Suécia,
os blocos e áreas comuns são bem integrados e as calçadas e passeios públicos são mais

4
generosos, enquanto no caso do Brasil as torres são cercadas por grades e muros, promovendo
a separação dos espaços.
As características físicas entre os dois estudos de caso constituem o reflexo do caráter
e da envergadura do estado de bem-estar social presente em cada um dos dois países. Essas
dimensões são descritas por Flora e Heidenheimer (2009) da seguinte forma: (a) igualdade de
resultado no acesso equivalente e redistributivo a recursos materiais e físicos; (b) igualdade de
oportunidades em relação a status e renda; (c) segurança; e (d) equidade. A segurança é um
aspecto importante e pode estar relacionada a desigualdades, se a população em menor
vulnerabilidade social tiver mais segurança. O estado de bem-estar social não é apenas sobre
direitos e garantias, mas como esses direitos estão ligados ao conceito de mercados e cidadania.
As regras estabelecidas por essas políticas são importantes, mas como elas funcionam varia
entre países, culturas e sistemas políticos. Empregamos três tipos de estados de bem -estar:
liberal; conservador (meritocrático); e social-democrata (ESPING-ANDERSEN, 1991; FIORI, 1997;
NOGUEIRA, 2001).
As categorias propostas por Esping-Andersen (1991) não são estáticas, se relacionam
e interagem entre si. Contemplam princípios estruturantes, não variações quantitativas de um
denominador comum. O mais importante é a definição de um modelo de constituição política
operária e de consenso político na transição da sociedade rural para a classe média urbana
(NOGUEIRA, 2001). O modelo liberal pressupõe pouca intervenção do Estado e ação limitada,
sempre pontual e temporária, em que o Estado espera que os problemas sejam resolvidos pelas
autoridades tradicionais, famílias e comunidades, e intervém apenas quando as soluções não
estão disponíveis. O risco social do indivíduo decorre ria da incompetência e do desleixo. O
modelo meritocrático (ou conservador) prevê a intervenção governamental como forma de
organizar a proteção, sem subsídios ou financiamentos. A elegibilidade para proteção se aplica
a empregos formais financiados pelo empregador e pelo empregado. O acesso é baseado em
capacidade e produção. Com o emprego viriam os direitos e a segurança. No modelo social-
democrata, a proteção é social e inclusiva, e o bem-estar é visto como um componente do
Estado. Os serviços e benefícios são garantidos e constituem condições equitativas para todos.
A intervenção do Estado deve garantir esses direitos, incluindo financiamento e subsídios,
independentemente da produção individual (DRAIBE, 2006; FIORI, 1997; NOGUEIRA, 2001;
MESA-LAGO; ISUANI, 1991).
Queremos destacar, com essa análise, que os dois empreendimentos analisados, como
resultados de políticas públicas habitacionais nacionais, mostram, em suas características,
diferenças entre os caráteres dos estados de bem-estar social que os conformaram. A nítida
diferenciação entre a qualidade dos espaços urbanos criados na construção dos dois conjuntos,
visível na Figura 1, demonstra essa relação. É perceptível que, no caso sueco, há preocupação e
apuro na construção da cidade, por meio da habitação social, criando áreas que mantém o
padrão de ocupação, garantindo acesso aos espaços urbanos e aos serviços para os moradores.
No caso brasileiro, há o aprofundamento das desigualdades socioterritoriais, já que a primeira
vocação da política pública habitacional tem sido econômica, ou seja, alavancar a economia por
meio da construção civil.

5
4.1 Categoria Política: planos, instrumentos e legislação

Como referido, os direitos à moradia e à cidade estão consagrados nas constituições


de ambos os países. Embora a construção de edifícios de habitação seja diretamente regida
pelas políticas públicas dos dois países envolvidos, os Estados não projetam ou constroem
diretamente esses edifícios, mas influenciam o projeto e a qualidade das cidades, por meio das
regras, além da quantidade de unidades produzidas. As realidades das cidades, no Brasil e na
Suécia, diferem em alguns aspectos, mas ambas exigem que o Estado forneça moradia para uma
parcela da população, por meio de políticas públicas e programas que levam à construção de
conjuntos e unidades habitacionais. Aqueles que ocupam as moradias possuem características
diversas que formam grupos heterogêneos. O Brasil tem uma grande população migrante entre
seus beneficiários. O tipo de moradia de origem se distribui entre arrendamento formal e
informal, coabitação e aglomerados subnormais. Na Suécia, o perfil do beneficiário é fortemente
marcado por imigrantes de vários outros países do mundo (GUSTAFSSON, 2022; ENDRIGHI,
2020; ROLNIK et al., 2015a).
A ligação entre habitação e planejamento urbano é forte na Suécia, mas fraca no Brasil.
A política habitacional brasileira tem caráter econômico, afetando a geração de empre gos, a
produção industrial, a reprodução e o acúmulo de capital. As unidades e conjuntos residenciais,
em decorrência de sua construção, fogem da preocupação de limitação do espaço urbano
(MARICATO, 2002). A Suécia reflete um melhor equilíbrio entre as necessidades econômicas e o
compromisso com a construção dos espaços urbanos, com indicadores como ocupação racional
do território, proximidade entre as moradias e equipamentos, serviços e redes de transporte
públicos. Consideramos o fato de que a terra urbana sueca é quase totalmente pública
(ENDRIGHI, 2020), fator fundamental para a efetividade do planejamento urbano.
Desde a publicação do Estatuto da Cidade, em 2001, o Brasil conta com os
instrumentos urbanísticos necessários para viabilizar a construção de conjuntos residenciais que
sigam o planejamento urbano. Porém, essa não foi a realidade das experiências do PMCMV. A
crítica à localização desses conjuntos tem sido objeto de diversas publicações (ROLNIK et al.,
2015a; 2015b). A produção do programa contribuiu para a ocupação descentralizada das áreas
urbanas das cidades brasileiras, agravado a situação de isolamento socioespacial e a situação de
algumas famílias em relação a seus locais de origem. Reis Filho (2006) e Villaça (2003) mostram,
respectivamente, o fenômeno da dispersão urbana e da exclusão na periferia pela ocupação
periurbana dos conjuntos propostos.
Em Campinas, ao contrário do que foi observado em Malmö, o deslocamento é
dificultado pelo espraiamento e disponibilidade de transporte público, o que acarreta custos
elevados. No levantamento de campo, analisamos algumas diferenças de valores. No caso
campineiro, a tarifa do transporte é de R$ 5,40 (cinco reais e quarenta centavos), equivalente a
0,19% do salário-mínimo vigente. No caso sueco, a taxa é de Kr$ 15,00 (quinze coroas suecas),
o que representa 0,05% do salário-mínimo estimado. O caráter do estado de bem-estar social
tem um impacto direto na experiência do cidadão e na qualidade da cidade. Podemos afirmar
que a diferença entre a situação das cidades brasileiras e suecas não é coincidência, mas
resultado desses processos. Utilizamos sites de anúncios de apartamentos para alugar para
determinar o aluguel mínimo em cada cidade, levando em consideração as dimensões
disponíveis em Campinas e Malmö. Na periferia de Campinas, o aluguel de uma casa de 30
metros quadrados gira em torno de R$ 480,00 (quatrocentos e oitenta reais) mensais, o que

6
representa 37% do salário-mínimo brasileiro. Um pouco mais afastado do centro de Malmö,
encontramos um apartamento de 23 m² (vinte e três metros quadrados) ao custo mensal de Kr$
4.525,00 (quatro mil quinhentos e vinte e cinco coroas suecas), 16% do salário-mínimo
estimado, incluídas as taxas.
Na Suécia, o preço e a escassez de moradias levaram ao encortiçamento de áreas
habitadas por trabalhadores de baixa renda e baixos salários (geralmente imigrantes). Os guetos
culturais emergem com certo grau de vulnerabilidade e violência. Este é o caso de Rosengård,
onde está o conjunto sueco analisado. Gustafsson (2022) considera essa área a mais violenta da
cidade e a mais perigosa da Suécia, em se tratando de violência urbana. Em comparação com o
Brasil, esses percentuais são sensivelmente menores. Em ambos os casos em tela, há conflitos
entre gangues envolvidas no tráfico de drogas. Todavia, na Suécia, as gangues são contidas pelo
poder estatal, enquanto no Brasil têm formado um poder paralelo (MANSO; DIAS, 2018).
A Suécia tem filas para comprar ou alugar apartamentos que duram até sete anos
(ENDRIGHI, 2020). O tempo de espera é muito menor em Malmö. É importante destacar a
diferença de acesso ao mercado imobiliário, com filas se formando independentemente da
renda familiar. Mantendo as diferenças acima e reconhecendo as deficiências no acesso
habitacional em ambos os casos, a qualidade urbana produzida pela política habitacional sueca
é caracterizada pela adequação do espaço público, facilidade de circulação e penetração,
sustentando a afirmação de que a qualidade urbana se distingue em segurança. No Brasil, o
padrão condominial com torres de apartamentos e a localização na periferia da malha urbana
fazem com que as áreas comuns se tornem desqualificadas e vulneráveis.
Novamente, as diferenças vistas em ambos os casos são retratos, também, do caráter
do estado de bem-estar social e das políticas públicas geradas por este. Draibe (1993, p. 23)
define o estado de bem-estar social como “[...] uma particular forma de regulação social que se
expressa pela transformação das relações entre o Estado e a Economia, entre o Estado e a
Sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico”. Entendido desta forma, o
desenvolvimento do estado de bem-estar social no Brasil permanece incompleto desde a
década de 1930. Houve certo desenvolvimento econômico, por vezes muito expressivo, que
trouxe mudanças sociais e laborais e certa mobilidade social. Paradoxalmente, por causa das
medidas excludentes, milhões ainda vivem com baixos salários e subempregos, que
sobrecarrega os sistemas de combate à pobreza extrema. Dada a estrutura da relação entre
capital e trabalho, os recursos disponibilizados são escassos são incompatíveis com as
necessidades práticas da política pública (DRAIBE, 1993).
Segundo diversos autores, o forte desenvolvimento do estado de bem-estar social
escandinavo foi baseado no legado germânico da seguridade social compulsória, no feudalismo
nórdico menos estrito e na era pré-industrial, que gerou classes mais igualitárias em que
emergiu um forte movimento operário e uma postura ativa na luta de classes, resultando em
um firme compromisso político. O governo não era formado pela nobreza, mas sim pelo clero.
A burguesia não adquiriu poder político, o que fortaleceu a posição dos camponeses. O estado
de bem-estar social escandinavo se desenvolveu ao longo de um período semelhante ao de
outros países europeus, mas de forma mais consistente. O modelo nórdico combina alta
tributação, baixa desigualdade socioeconômica, sistemas de bem-estar inclusivos e crescimento
econômico satisfatório (KUHNLE, 2018; KUHNLE; HORT; ALESTALO, 2017).
Em 1990, a Suécia e a Finlândia foram as mais atingidas pela turbulência econômica
global, não sendo coincidência que esses dois países tivessem o IDH mais baixo dos quatro países

7
escandinavos, levando a tendências políticas neoliberais. Em sua defesa do desmantelamento
do estado de bem-estar social como solução para a crise, encontraram resistência pública. A
adesão à União Europeia e a introdução do euro como moeda resultou em estagnação. A taxa
de crescimento diminuiu e atingiu um valor negativo. O desemprego aumentou, mas as políticas
sociais foram mantidas. No final do século XX, os escandinavos experimentaram outro período
de crescimento. No entanto, a crise global de 2008 colocou o sistema de segurança escandinavo
à prova. Desde então, as taxas de crescimento se estabilizaram, demonstrando a superioridade
do modelo de bem-estar escandinavo contra a ameaça da financeirização global e sua
capacidade histórica de reforma ao longo do tempo (KUHNLE, 2018; KUHNLE; HORT; ALESTALO,
2017).
As diferenças, no Brasil e na Suécia, na formação das classes e do estado de bem-estar
social, ajudam a compreender os processos que levam às divergências observadas na realidade
dos estudos de caso em tela. Ainda que exista a preocupação econômica na construção dos
conjuntos habitacionais suecos — e, portanto, das cidades —, o caráter socialdemocrata,
apoiado sobretudo na participação da sociedade, prioriza o padrão de qualidade de ocupação
da cidade, garantindo o direito à moradia e à cidade para aqueles que acessam as unidades
habitacionais.

4.2 Categoria Econômica: perfil dos moradores, fatores de escolha, acessibilidade e modo de
propriedade

Nos dois casos em tela, o perfil da população é desigual, o que pode levar a conflitos
comunitários. No caso da Suécia, verificamos que esses conflitos não foram tão perceptíveis,
pois não há a instituição do condomínio. No caso do Brasil, há necessidade de organizar
condomínios com regras mais rígidas, administradoras e áreas comuns maiores. Essas questões
têm criado problemas para a convivência entre as famílias beneficiárias. Esses conflitos ocorrem
na maioria dos empreendimentos de Faixa 1 do PMCMV. Embora presentes no Sirius, são
minimizados pelo excelente trabalho da Associação de Moradores. A Associação ajuda a
construir uma comunidade unida e participativa, incentivando as comemorações e o
envolvimento significativo dos moradores. Mantém um registro de residentes atualizado, além
de mediar disputas, preservando um relacionamento próximo com os síndicos.
Os dois casos se aproximam na característica de que as famílias não participaram do
processo de projeto das unidades habitacionais e dos conjuntos. As necessidades específicas da
população não são consideradas. Na lógica da produção em massa de unidades, o projeto
arquitetônico dos edifícios e das unidades permanece quase o mesmo. Para a Suécia, algumas
diferenças ainda são observadas, mas ignorando as demandas particulares — os apartamentos
de dois quartos são a regra. Os residentes não foram envolvidos no projeto do conjunto,
tornando distante a relação de familiaridade inicial com o local. No Brasil, embora o PMCMV
tenha financiado e contribuído significativamente para o trabalho social pós-ocupação, a
eficácia desses programas tem variado muito. No caso sueco, existem empresas que oferecem
serviços similares, mas sem obrigatoriedade.
A tendência à neoliberalização da habitação popular também pode ser vista nos dois
casos em tela. No Brasil, a principal solução para habitação popular é a propriedade privada. O
aluguel público com estoque de habitação pública era a norma na Suécia até o início dos ano s
1990. A propriedade pública tem se alterado cada vez mais para a propriedade privada, à medida

8
que a neoliberalização avança. O conjunto residencial Västra Kattarpsvägen foi convertido em
propriedade privada em meados de 2016. No Sirius, a unidade habitacional foi entregue como
propriedade privada em 2012, mas com financiamento vinculado de 10 anos, em que o
beneficiário não poderia vender ou alugar a unidade habitacional durante esse período. No final
de 2022, os primeiros beneficiários quitaram os financiamentos, o que permite vender ou alugar
os imóveis no mercado imobiliário, sem intervenção do governo. Acreditamos que esse direito
pode mudar o perfil dos moradores do Sirius, por meio da especulação imobiliária.
Embora privatizado, o complexo sueco continua com o modelo de aluguel. Gustafsson
(2022) sugere que a privatização pode refletir a potencial perda de controle do governo sobre
os perfis populacionais. À primeira vista, a segurança dos inquilinos não parece estar em risco,
já que os contratos de aluguel, na Suécia, são quase inextinguíveis, protegendo-os de aumentos
sistemáticos e excessivos de preços. Como aponta Endrighi (2020), há potencial de gentrificação
dessas áreas, pois as reformas e melhorias nas moradias levam a aluguéis mais altos e a maior
necessidade de subsídios públicos. Mesmo considerando as privatizações ocorridas na Suécia, a
realidade brasileira parece mais suscetível a alterações no perfil da população. As ameaças à
propriedade imobiliária no Brasil estão relacionadas a financiamentos, aluguéis e taxas de
condomínio e vendas especulativas superfaturadas. A política habitacional sueca se mostrou
mais eficaz em termos de segurança de permanência.

4.3 Categoria Cultural: inserção na cidade, origem das famílias e da comunidade, geração de
emprego e renda, padrão condominial e predial e concepção projetual

O planejamento urbano no Brasil, para garantir boas localizações para a construção de


moradias de interesse social, requer a aplicação de instrumentos de ordenamento territorial
urbano, previstos no Estatuto da Cidade, por meio do Plano Diretor. Porém, isso não ocorreu no
conjunto brasileiro analisado. No caso da Suécia, embora a construção do conjunto habitacional
analisado não tenha se realizado em área urbana já consolidada na época, foram construídas as
unidades habitacionais ao mesmo tempo em que também foi viabilizada a infraestrutura urbana
necessária para se integrar à malha urbana existente com boa oferta de serviços públicos.
Campinas tem vazios urbanos suficientes para criar habitação popular dentro da malha urbana
consolidada, mas não foi isso que aconteceu com o Conjunto Residencial Sirius. A urbanização
de novas áreas para a construção de moradias populares pode ser uma opção viável, desde que
seja feita paralelamente à construção da cidade. O desenvolvimento ordenado dessas novas
áreas pode ser um dos germes de políticas públicas de planejamento urbano eficazes, como é o
caso da Suécia. Construir habitação é basicamente construir a cidade. Se a escolha for
consistente, pode ser alcançado pelo uso criterioso das áreas disponíveis de infraestrutura
central ou pela expansão das áreas urbanas com instalação da infraestrutura necessária.
Na realidade brasileira (com raríssimas exceções), não implantamos moradias
populares em vazios existentes com boa infraestrutura, nem construímos cidades em torno de
moradias populares. Os vazios urbanos continuam a minar a mobilidade urbana, a qualidade e
a segurança dos ambientes, ao mesmo tempo em que alienam os beneficiários de moradias
públicas suburbanas. O conjunto residencial Sirius está localizado na região noroeste de
Campinas, área onde a pobreza se concentra, e é separado da porção mais rica por três barreiras
urbanas, as rodovias Bandeirantes e Anhanguera, e uma ferrovia de carga ativa.

9
O conjunto residencial Västra Kattarpsvägen está localizado na região central de
Malmö, na Suécia, e foi construído quando a região ainda não estava totalmente integrada à
cidade. Porém, Malmö desenvolveu a região com planejamento urbano adequado, não
deixando lotes vagos e ocupando a área de maneira mais uniforme. Campinas, por outro lado,
tem espaços livres dentro da malha urbana consolidada. As cidades da Suécia são menos
densamente povoadas, mas possuem linhas de transporte mais eficientes, com maior
capacidade e conectividade. Em Campinas, a urbanização dispersa exige área
proporcionalmente maior, com menos eficiência e conectividade nos transportes.
A diferença de coesão entre as duas cidades se reflete na oferta de comodidades e
serviços próximos aos seus respectivos conjuntos habitacionais. Alta densidade não significa,
necessariamente, bem-estar na cidade. No entanto, Malmö tem um bom equilíbrio entre
densidade populacional, densidade de construção e infraestrutura urbana necessária para o
funcionamento. Campinas não tem o mesmo equilíbrio e sofre, sobretudo, com problemas de
mobilidade. Há uma característica da construção de uso misto no Brasil que a análise identificou
como o aprofundamento da especulação imobiliária urbana. Um dos condomínios que
compõem o Residencial Sirius está mais afastado dos demais blocos e o acesso a este
condomínio fica a cerca de um quilômetro, conforme mostra a Figura 2. Com algumas
modificações, essa distância pode ser significativamente reduzida. Ao prolongar esse acesso,
custeado com dinheiro público, houve ampliação da infraestrutura das zonas adjacentes, que
reduzirá o custo de utilização futuro, caracterizando a especulação.
As Figuras 3 e 4 mostram os dois conjuntos em tela e os equipamentos e serviços
circundantes. Utilizamos os conceitos de boa localização defendidos por Rolnik et al. (2015b)
para analisar a inclusão urbana, considerando os usos cotidiano, eventual e esporádico. O uso
cotidiano se refere às necessidades diárias, como creches, empresas locais, transporte público,
instalações médicas e instalações de lazer. As figuras sintetizam o levantamento dos
equipamentos, em um raio de um quilômetro do centro de cada conjunto. Para o Sirius, o
alcance foi ampliado para indicar a distância de atendimento disponível, pois a maioria dos
equipamentos não está dentro do raio recomendado.

Figura 2 – Sirius: acesso ao Condomínio D1

Fonte: Imagem aérea adaptada de Google Earth. Fotografias capturadas no local entre os dias 27 fev. e 03 mar.
2023.

10
Figura 3 – Imagem aérea de entorno do Conjunto Habitacional Sirius, Campinas/SP-BR

Fonte: Elaboração própria, a partir do Google Earth 2020, de acordo com as informações do levantamento de
campo e de pesquisa em fontes primárias.

Figura 4 – Imagem aérea do entorno do Conjunto Västra Kattarpsvägen, Malmö/M-SE

Fonte: Elaboração própria a partir do Google Earth 2020, de acordo com as informações do levantamento de campo
e de pesquisa em fontes primárias.

A Figura 3, referente ao Condomínio Sirius, mostra que os serviços de educação e apoio


social são quase inexistentes num raio de um quilômetro. Os CRAS, postos de saúde e a maioria
das creches estão fora do raio proposto. Mesmo na área ampliada, não existem equipamentos
como esporte, cultura, segurança, justiça, acesso gratuito à internet, que são encontrados em
outras partes mais ricas da cidade. Na Figura 4, várias dessas instituições estão localizadas nas
imediações do complexo sueco, às vezes dentro da própria área do conjunto. A exceção foi o
serviço médico, que, embora mais distante, está localizado na área ampliada. Existem muitas
instalações culturais e esportivas, como parques, centros esportivos, bibliotecas e centros
culturais. Ao comparar os casos, percebemos a diferença no acesso a esses serviços. De acordo
com os documentos de construção do projeto sueco, os equipamentos necessários foram
planejados e instalados antes da inauguração do conjunto.
No caso do Brasil, observamos a ocupação do remanescente da gleba destinada à
implantação do conjunto habitacional, por edificações informais destinadas ao comércio, por
iniciativa dos próprios moradores, em função da necessidade de geração de renda e

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fornecimento de bens e serviços nas proximidades. A Associação de Comerciantes do Sirius
informou que cerca de 80 empreendimentos foram identificados e cadastrados na área, e que
consultas à prefeitura proibiram novas aberturas. A Associação pretende negociar com órgãos
do governo para regulamentar o direito de propriedade e uso dos estabelecimentos. Entre os
comércios e serviços existentes na área, destacamos: minimercado; assistência técnica de
eletrônicos; bar; restaurante; papelaria; lojas de roupas; e oficinas mecânicas. A Figura 5 mostra
as ocupações dos comércios locais.

Figura 5 – Sirius: construções comerciais em área remanescente da gleba

Fonte: Fotografias capturadas no local, dia 02 mar. 2023.

A diferença, entre os dois conjuntos em tela, na qualidade do espaço urbano é


marcante. No projeto sueco, esse espaço foi concebido e construído de forma regular, enquanto
no caso do Brasil, o espaço foi criado informalmente a partir das necessidades dos moradores.
As mesmas diferenças podem ser observadas quanto aos equipamentos públicos. O formato de
condomínio significa que a instalação está voltada para o interior do conjunto habitacional e o
acesso é restrito. Os espaços públicos são prejudicados em termos de infraestrutura e interação
social. No caso sueco há mais atenção a essas áreas, oferecendo acesso irrestrito aos moradores
e usuários em geral. Alguns exemplos destes equipamentos são mostrados na Figura 6. O padrão
de ocupação do espaço público no caso sueco é mais qualificado, resultando em maior interação
e integração entre os residentes e a comunidade externa. A qualidade dos espaços projetados
no complexo sueco é relativamente contrastante, quando comparada à brasileira (Figura 6). Os
edifícios que compõem o conjunto foram implantados como superquadras, e as áreas que os
atravessam são dotadas de diversas instalações e mobiliários de uso público. Destacamos a
abundância e variedade, pelos seus jardins bem cuidados para uma caminhada agradável, e
pelas facilidades que promovem a sua utilização. Embora a temperatura tenha oscilado entre 5
°C e 6 °C durante o levantamento de campo, foi observada plena utilização.

Figura 6 – Västra Kattarpsvägen (esquerda) e Sirius (direita): equipamentos e mobiliários urbanos

Fonte: Fotografias capturadas nos locais. Dia 20 jan. 2023, na Suécia; e 02 mar. 2023, no Brasil.

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No Brasil, o padrão de condomínio fechado torna os espaços públicos mais inóspitos.
Os muros tornam os espaços públicos menos atrativos, mais vulneráveis e perigosos (CALDEIRA,
1997). Comparando as realidades da Suécia e do Brasil, a primeira é caracterizada por calçadas
mais confortáveis e espaçosas, enquanto a segunda é dominada por calçadas estreitas
compartilhadas com equipamentos como árvores, postes e sacos de lixo. No seguimento das
ações da Associação de Moradores e Comerciantes do Sirius, alguns espaços entre as unidades
de comércios foram dotados de três equipamentos: um parque infantil, uma academia ao ar
livre e a sede da própria associação.
A Associação de Moradores e Comerciantes de Sirius está devidamente constituída e
possui documentos legais. As reuniões são realizadas com certa frequência, e há participação
efetiva dos moradores e comerciantes locais. A atuação do presidente é reconhecida e
vivenciada na área comercial, pois aborda os mais diversos assuntos para atender os mais
diversos tipos de demandas, como instalações, equipamentos, projetos, regulamentos e
arbitragem junto a agentes públicos. A Associação promove festas como o Dia das Crianças, o
Natal e as festas juninas com o apoio de organizações não governamentais. O presidente da
Associação mantém um contato próximo com os síndicos, para apoiar e auxiliar indiretamente
na gestão. Cada condomínio é administrado de forma independente, podendo complementar o
Regulamento Geral. Há participação ativa dos condôminos nas reuniões. As taxas, serviços e
benfeitorias variam conforme a administração, com valores entre R$ 120,00 (120 reais) e R$
180,00 (180 reais) por mês, para cada unidade.
Em habitações populares, as taxas de condomínio representam de 3% a 22% da renda
familiar, o que pode ser um problema. A falta de pagamento do condomínio pode resultar na
perda da unidade, colocando em risco a propriedade do imóvel. No caso sueco, não havia
informação disponível sobre as taxas condominiais, mas como há menos áreas comuns, os
custos de administração tendem a ser significativamente menores, proporcionalmente. Todos
os condomínios do Residencial Sirius são equipados com portaria, segurança eletrônica e
sistema de controle de acesso. Na Suécia, a maior parte da infraestrutura está em espaços
públicos e mantida pelo Estado. Os acessos são controlados por fechaduras eletrônicas.
O ambiente criado nas áreas públicas do Sirius é seguro, mas não tão confortável
quanto na Suécia. Observamos várias operações com de viaturas policiais, uma das quais foi
realizada de forma mais ostensiva na noite de uma sexta-feira, com policiais monitorando de
perto o movimento dos moradores, que confraternizavam no espaço público, perto dos
comércios. Segundo a Associação de Moradores, brigas e roubos são raros, mas o tráfico de
drogas está presente em um dos condomínios. A Associação do Sirius reconhece que esta
atividade existe em uma ampla variedade de ambientes urbanos e mantém relações amigáveis,
dentro de acordos informais pré-estabelecidos. No caso da Suécia, não há registro de violência
dessa magnitude, e o alto desenvolvimento humano e a qualidade de vida urbana podem indicar
que esses atos são controlados pelo Estado.

4.4 Categoria Tecnológica: qualidade do projeto e da construção, financiamento e repasse,


escolha do terreno e caráter do processo de urbanização

Em cada estudo de caso, a escolha da localização da habitação popular foi diferente. A


terra nas cidades suecas é majoritariamente pública, tornando a escolha do local mais fácil para
o planejamento urbano. No Brasil, a maior parte do solo das cidades é de propriedade privada,

13
mas os instrumentos urbanísticos deveriam ter fornecido a estrutura necessária para que o
Estado decidisse onde localizar a habitação popular. No entanto, alguns conjuntos construídos
com recursos do PMCMV, como é o caso do Sirius, contribuíram menos com a infraestrutura
urbana e foram escolhidos pela iniciativa privada, devido à disponibilidade de terrenos mais
baratos.
Projetos, como o Residencial Sirius, em geral, requerem aprovações dos seguintes
órgãos: (a) Caixa Econômica Federal; (b) CETESB; (c) concessionárias de serviços públicos; (c)
GRAPROHAB; e (d) pelo menos a prefeitura e/ou as secretarias de urbanismo, habitação,
assistência social, projetos, transporte, saúde e educação. É incompreensível que essas licenças
pudessem ser obtidas sem que fossem feitos os questionamentos que trazemos aqui, sem
planejamento urbano eficaz. As áreas de habitação popular não são consideradas
estrategicamente no planejamento urbano brasileiro. Em muitos casos, medidas como Zonas
Especiais de Interesse Social não estão previstas em planos diretores e leis de uso e ocupação
do solo, deixando espaço para especulação imobiliária, sem que sejam impostos limites ou
restrições de uso ou preço do solo.
Em relação à qualidade do projeto de edificações, reafirmamos a prioridade do
PMCMV com seu impacto quantitativo e econômico (CALDAS, 2018; CARVALHO, 2018).
Portanto, consideramos se, em algum momento da história da habitação popular no Brasil,
houve um programa habitacional federal realmente virtuoso. Nesse sentido, fortalecer o estado
de bem-estar social brasileiro, para incluir a habitação como um de seus pilares, seria um passo
potencialmente importante para a garantia do direito à moradia digna e à cidade.
Uma análise comparativa das condicionantes urbanísticas dos conjuntos estudados
centra-se na implantação. A primeira diferença é o protagonismo das áreas públicas. Na Suécia,
servem como acesso aos edifícios e são bem equipadas para uso e socialização dos residentes.
Em Campinas, a qualidade do espaço não é a mesma, faltam instalações e o desenho é menos
interessante. A posição das torres cria áreas sombreadas durante as horas mais favoráveis do
sol da manhã, e a proximidade pode impedir a passagem dos ventos predominantes, afetando
a ventilação natural das unidades habitacionais da face noroeste. Todo o conjunto é fortemente
exposto ao sol da tarde, pouco interessante para um clima tropical. Esses elementos são
reforçados pela forma 'H' das torres. Uma parte significativa das unidades requer, portanto,
maior uso de iluminação e ventilação artificial, o que impacta nos custos com energia e no
conforto interno.
No caso sueco, essas condições são mais favoráveis. Como as torres são laminares e
amplamente espaçadas, há aberturas nas duas faces do edifício para melhor distribuir a luz do
sol e permitir ventilação mais eficiente. Para evitar sombreamento, as torres, nas bordas das
quadras, são mais baixas e as torres centrais são mais altas. O ângulo das lâminas em relação ao
norte permite que os ventos predominantes e a luz solar atinjam quase todas as superfícies.
Malmö experimenta temperaturas severas durante as estações mais extremas, chegando a 30
°C no verão e -15 °C no inverno. Garantir a exposição ao sol nos meses mais frios é tão
importante quanto a ventilação adequada nos meses mais quentes.
Jardins bem cuidados podem ser vistos nas áreas comuns dos condomínios que
conformam o conjunto brasileiro. Foram entregues aos moradores já gramados, com algumas
árvores. Posteriormente, foram valorizados pelos moradores que os mantêm. A maioria dos
condomínios mudou a padronização dos salões de festas e áreas de lazer fornecidas pelas
construtoras. Na Suécia, as áreas públicas têm boa conservação e limpeza, são mais bem

14
projetadas e equipadas do que no Brasil, e são de responsabilidade do poder público. Existem
lavandarias e garagens nos subsolos, e as áreas comuns são limpas regularmente. Encontramos
maior diversidade de equipamentos e mobiliários, e melhor distribuição dos espaços livres entre
os blocos (Figura 7).

Figura 7 – Fotografias das áreas comuns dos dois residenciais (Esquerda – Sirius; Direita Västra Kattarpsvägen)

Fonte: Fotografias capturadas no local. No Brasil, dia 27 fev. 2023. Na Suécia, entre os dias 16 e 20 jan. 2023.

Os dois conjuntos, brasileiro e sueco, têm instalações de lazer comparáveis. Na Suécia


há mais playgrounds, com quadras de saibro e poliesportivas, ausentes no caso brasileiro. O
Residencial Sirius oferece salões de festas fechados, um ou dois por condomínio, que o conjunto
sueco não apresenta. Quanto à densidade populacional, é difícil dizer se é suficiente. Para a
Suécia, uma densidade maior é possível dada a localização e a quantidade de equipamentos
fornecidos, mas não foi possível prever se isso afetaria a qualidade dos serviços prestados. No
caso do Brasil, a alta densidade populacional agrava a situação, pois a oferta de serviços e
equipamentos é desigual, e milhares de pessoas precisam se deslocar para áreas mais bem
servidas de infraestrutura, competindo pelos serviços públicos.

5 RESULTADOS

Entre os principais resultados, a abordagem da habitação social como pilar principal


do estado de bem-estar social é a principal contribuição, incomum nas pesquisas brasileiras,
sobretudo tendo como comparação um país socialdemocrata. Pautar os programas
habitacionais, tendo a habitação como o principal pilar do estado de bem-estar social, com
ênfase no caráter socialdemocrata, nos parece um caminho possível e de efetivação do direito
à moradia digna e à cidade, considerando os programas habitacionais como possibilidade de
construção de cidades melhores. Outro resultado foi discutir as diferenças entre as realidades
brasileira e sueca, a partir dos estudos de caso, no que tange à qualidade da habitação social e
sua inserção na cidade. Ainda que haja falhas no acesso à habitação, na Suécia, a qualidade
urbana e habitacional das moradias é consideravelmente superior. Isso reafirma que a
habitação, sendo pilar do bem-estar social de caráter socialdemocrata, gera ambientes urbanos
mais seguros e saudáveis, contribuindo com níveis mais elevados de desenvolvimento humano.

6 CONCLUSÃO

No caso da Suécia, as coisas podem parecer melhores do que realmente são. O estado
de bem-estar social, de fato, não pode garantir moradia adequada e imediata para todos. A
Suécia enfrenta grandes problemas no setor habitacional, como a coabitação e a formação de

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guetos. Outro problema é o tempo de espera por um apartamento, que pode chegar a sete anos,
em algumas cidades. Mas há qualidade na cidade construída e boa inserção do conjunto, que
conta com os serviços e equipamentos públicos necessários. Em comparação com o Brasil, a
política de habitação pública atual e histórica da Suécia é mais eficaz em garantir moradia digna
e o direito à cidade. O cuidado e qualidade dos conjuntos habitacionais e espaços públicos são
claramente superiores, perante a análise dos estudos de caso.
A política habitacional brasileira continua o processo de urbanização dispersa,
priorizando os interesses do capital imobiliário especulativo, agravando as condições urbanas e
excluindo os mais pobres nas periferias. Em ambos os casos, a neoliberalização econômica que
reflete no setor habitacional ameaça os beneficiários de várias maneiras. É provável que haja a
substituição dos ocupantes originais no decorrer do tempo. No Brasil, a venda das unidades
habitacionais no mercado imobiliário formal ou informal é possível. A gentrificação pode
deslocar famílias à medida que as habitações suecas são melhoradas por reformas feitas por
empresas de aluguel. Portanto, os moradores podem ter que mudar de localização dentro da
comunidade e viver em habitações antigas e não reformadas com acesso mais difícil aos serviços
e instalações da cidade, ou depender da coabitação, somando as rendas familiares, para cobrir
o custo do aumento das taxas de aluguel.
Quando se trata de justiça social urbana, a Suécia é mais avançada. O resultado é
sentido em espaços públicos urbanos mais seguros e confortáveis em relação à realidade
brasileira. Apesar dos problemas identificados, o sistema habitacional sueco oferece um melhor
equilíbrio no processo de urbanização em termos de proporcionar um nível mínimo de acesso
para todos. A desigualdade é alta no Brasil, exacerbando a injustiça e a violência urbana. Uma
minoria de pessoas com poder aquisitivo muito alto tem poucas restrições de acesso aos
serviços e comodidades da cidade, enquanto uma grande parcela da população com poder
aquisitivo muito limitado não tem acesso, ou tem acesso dificultado e insuficiente.

7 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( X) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

INFRAESTRUTURA VERDE E POSSIBILIDADES DE MELHORIAS NOS


PROJETOS HABITACIONAIS DE INTERESSE SOCIAL: ESTUDO DE CASO DO
RESIDENCIAL ALICE NOVACKI EM CUIABÁ, MATO GROSSO

GREEN INFRASTRUCTURE AND POSSIBILITIES FOR IMPROVEMENT IN HOUSING


PROJECTS OF SOCIAL INTEREST: CASE STUDY OF RESIDENCIAL ALICE NOVACKI IN
CUIABÁ, MATO GROSSO

Franciele Cavalheiro Novack


Arquiteta e Urbanista e Bióloga, UNIVAG, Brasil.
frannovack1@gmail.com

Angelo Palmisano
Doutor em Ciências Sociais, UNIVAG, Brasil.
Angelo.palmisano@univag.edu.br
RESUMO
Os atuais modelos de projetos habitacionais de interesse social implantados em muitas cidades ainda são carentes
na abordagem de novos conceitos voltados à sustentabilidade urbana e aplicação de alternativas sustentáveis, e em
Cuiabá/MT isso não é diferente. O objetivo deste artigo é apresentar as possibilidades da aplicação da infraestrutura
verde em projetos urbanos habitacionais de interesse social por meio de estudo de caso do Residencial Alice Novacki
em Cuiabá/MT. A metodologia exploratória envolve revisão bibliográfica e estudo de caso em conjuntos habitacionais
de interesse social na cidade de Cuiabá/MT, por meio de pesquisa, análise documental e observacional. Com a
apresentação das possibilidades da aplicação das tecnologias da infraestrutura verde em futuros projetos urbanos,
especialmente os projetos voltados à habitação de interesse social, espera-se contribuir para a melhoria das políticas
públicas do município na implantação de assentamentos humanos pautados nas premissas da sustentabilidade,
particularmente útil para as propostas de novos assentamentos na cidade de Cuiabá/MT. Ao abordar novas
estratégias que favoreçam a sustentabilidade urbana, busca-se contribuir para a promoção de políticas públicas que
proporcionem de forma efetiva um diferencial no desenvolvimento urbano sustentável para a melhoria da qualidade
das cidades e da vida de seus cidadãos.

PALAVRAS-CHAVE: Infraestrutura verde. Soluções baseadas na Natureza (SbN). Habitação de Interesse Social.

ABSTRACT
The current models of housing projects of social interest implemented in many cities are still lacking in the approach
of new concepts aimed at urban sustainability and application of sustainable alternatives and in Cuiabá/MT this is no
different. The objective of this article is to present the possibilities of applying green infrastructure in urban housing
projects of social interest through a case study of Residencial Alice Novacki in Cuiabá/MT. The exploratory
methodology involves literature review and case study in housing projects of social interest in the city of Cuiabá/MT
through research, documental and observational analysis. With the presentation of the possibilities for the application
of green infrastructure technologies in future urban projects especially projects aimed at social housing it is expected
to contribute to the improvement of the municipality's public policies in the implementation of human settlements
based on the premises of sustainability particularly useful for proposals for new settlements in the city of Cui abá/MT.
By approaching new strategies that favor urban sustainability we seek to contribute to the promotion of public policies
that effectively provide a differential in sustainable urban development to improve the quality of cities and the lives
of their citizens.

KEYWORDS: Green infrastructure. Nature-based solutions (NbS). Housing of Social Interest.


1 INTRODUÇÃO

Inúmeros problemas urbanos, como a alta impermeabilidade, deficiência no


escoamento das águas pluviais, intensificação de ilhas de calor e reduzidas áreas públicas e
verdes, são ainda mais evidentes quando se trata de áreas destinadas à habitação social, que
geralmente apresentam projetos urbanos sem previsão de calçadas vegetadas, praças e áreas
verdes arborizadas definição de uso, mobiliários e equipamentos públicos apropriados e de
qualidade.
Os projetos urbanos para a habitação social vêm sendo implantados com carência na
abordagem de elementos sustentáveis que proporcionem melhorias na qualidade de vida de
seus cidadãos. Esses conjuntos habitacionais de interesse social, além destas carências
urbanísticas, na sua maioria, ainda são implantados em regiões distantes da área central, e de
acordo com Villaça (2011, p. 37) essa periferização reforça a segregação socioespacial nas
cidades e para o autor “[...] a segregação é a mais importante manifestação espacial urbana da
desigualdade que impera em nossa sociedade.”
Associado aos problemas urbanos e aos modelos habitacionais no Brasil, o déficit
habitacional ainda é alarmante, pois de acordo com os dados da Fundação João Pinheiro (2021),
em 2019 o déficit habitacional no Brasil chegou a 5.876.699 unidades, em Mato Grosso chegou
a 101.158 unidades e na região metropolitana do Vale do Rio Cuiabá chegou a 31.693 unidades.
O déficit habitacional no Brasil desencadeou diversos planos voltados à habitação nas
esferas federal, estadual e municipal, como o Programa Habitacional Minha Casa Minha Vida
(MCMV) lançado em 2009.
No entanto, o MCMV não acarretou na implantação de projetos urbanos habitacionais
que representassem de fato uma melhoria na qualidade de vida de seus cidadãos e que
contribuíssem para minimizar os problemas urbanos recorrentes na cidade, havendo ainda a
necessidade da implementação de projetos urbanos habitacionais nas cidades que reflitam estas
melhorias.
E neste sentido, algumas alternativas para minimizar os impactos negativos da ação
antrópica na cidade e que, consequentemente reflitam na melhoria da qualidade de vida das
pessoas, estão sendo discutidas e implementadas no meio urbano. A infraestrutura verde é um
conceito adotado em algumas cidades, integrando e corroborando com os princípios das
soluções baseadas na natureza, que mais recentemente tem sido objeto de novas pesquisas.
A Union International para la Conservación de La Naturaleza (UICN) a partir de 2010
lançou oficialmente o termo Soluções baseadas na Natureza (SbN) e sua definição e conceitos
passaram a ser temas de discussões no âmbito internacional.
Soluções baseadas na natureza são ações destinadas a proteger, gerenciar e restaurar
ecossistemas naturais e modificados de forma sustentável, enfrentando os desafios
da sociedade de forma eficaz e adaptável, proporcionando simultaneamente bem -
estar humano e benefícios à biodiversidade (UICN, 2020, tradução nossa).

A importância das SbN está no reconhecimento de iniciativas e projetos que de forma


simples tragam resultados efetivos e requalificadores, com efeitos benéficos para as pessoas, o
meio ambiente natural e a cidade, tornando-se referências a serem replicadas na solução de
problemas semelhantes em outras localidades.

444
A infraestrutura verde, assim como as SbN, são recursos que quando implantados
adequadamente na cidade podem reduzir os custos com o tratamento de problemas
recorrentes no meio urbano.
Neste sentido, estudos como o de Benedict & McMahon (2006), Cormier & Pellegrino
(2008), Herzog & Rosa (2010), Ribeiro (2010), Vasconcellos (2015), Rosin (2017), PUB
Singapore’s Water Agency (2018), Pacheco Junior (2018) e Herzog & Rozado (2020) evidenciam
o significativo papel da infraestrutura verde na cidade, como soluções baseadas na natureza
que, dentre os inúmeros benefícios, auxiliam no manejo das águas pluviais por meio da
purificação, detenção, retenção, condução e infiltração, protegendo os corpos d´água urbanos,
removendo poluentes, e controlando as enchentes e erosões.
Para Benedict & McMahon (2006), a infraestrutura verde auxilia na proteção e
conservação de espaços naturais de conexão, e pode prover espaços de lazer e sociabilidade.
Herzog & Rosa (2010, p. 98) apresentam o conceito de infraestrutura verde como
“intervenções de baixo impacto na paisagem e alto desempenho, com espaços multifuncionais
e flexíveis, que possam exercer diferentes funções ao longo do tempo - adaptável às
necessidades futuras”.
As autoras ainda enfatizam a contribuição da infraestrutura verde para “a adaptação
de áreas urbanas para enfrentar ocorrências climáticas ao converter áreas monofuncionais, que
causam impactos ecológicos, em elementos que mimetizam os processos naturais”. Aliado a
isso, também destacam a infraestrutura verde como promotora de “benefícios reais para as
pessoas, ao transformar a paisagem urbana em áreas vivas, que aliam natureza, arte e cultura
local”. (Herzog & Rosa, 2010, p. 112).
Neste contexto, Ribeiro (2010, p. 39) afirma que a infraestrutura verde é uma
alternativa estratégica “que assume diferentes significados, da vegetação ao manejo das águas
pluviais”, e se caracteriza como um sistema que conecta as áreas naturais aos espaços abertos
construídos e se destina “à conservação das características ecossistêmicas da água, do solo, do
ar, das comunidades bióticas animais e vegetais, provê benefícios para as pessoas”, sendo um
sistema planejado e construído tomando como base a natureza no ambiente urbano.
As cidades sustentáveis tem como uma das interfaces a aplicação de elementos da
infraestrutura verde que muitas vezes já estão disponíveis nas cidades, como as áreas verdes,
fragmentos de mata, parques e espaços públicos, e neste sentido, Vasconcellos (2015, p. 35)
afirma ser necessária a criação de redes conectando estes elementos para efetivamente terem
valor por meio “da criação de ruas arborizadas, tetos verdes ou da renaturalização de rios e
canais [...] trabalhem juntos como um sistema funcional”.
Rosin (2017, p. 160) destaca a importância de compreender que preservar e conservar
certos locais também é fundamental para preservar a vida humana, devido a “purificação do ar,
amenização de temperaturas, a dispersão de poluentes, o controle de processos erosivos, além
de toda beleza e riqueza da fauna e flora e de solos férteis”.
É por meio de uma composição adequada dos elementos da infraestrutura verde, que
na concepção de Rosin (2017, p. 165-166), pode haver uma contribuição satisfatória “para um
projeto de cidade onde os recursos naturais e físicos convivam em equilíbrio, trilhando o
caminho da sustentabilidade”, e vão além do valor estético e ambiental dos parques e jardins
“para serem aplicados nos complexos sistemas de drenagem urbana”.
As SbN, bem como a infraestrutura verde, podem oferecer “oportunidades para
desenvolver soluções inovadoras [...], protegendo o que resta de ecossistemas e outras zonas

445
verdes para proporcionar serviços ecossistêmicos explícitos e todos os benefícios conexos”
(Herzog & Rozado, 2020, p. 10).
A infraestrutura verde se apresenta de forma estratégica como uma alternativa valiosa
para minimizar efeitos danosos decorrentes, dentre outros fatores, da urbanização acelerada e
da falta de planejamento urbano adequado nas cidades ao longo dos anos.
Apresentar modelos e possibilidades para a melhoria dos projetos urbanos de
conjuntos habitacionais de interesse social é fundamental, pois não basta disponibilizar somente
a habitação, é primordial pensar no entorno e contexto onde essa habitação está inserida e
proporcionar de fato a melhoria de vida aos cidadãos que vivem nestes conjuntos habitacionais.

2 OBJETIVO

O objetivo deste artigo é apresentar parte dos resultados de um trabalho de


dissertação de mestrado em Arquitetura e Urbanismo, explanando sobre as possibilidades da
aplicação da infraestrutura verde em projetos urbanos habitacionais de interesse social po r
meio de estudo de caso do Residencial Alice Novacki em Cuiabá/MT.

3 METODOLOGIA / MÉTODO DE ANÁLISE

A metodologia exploratória envolveu revisão bibliográfica e estudo de caso em


conjuntos habitacionais de interesse social na cidade de Cuiabá/MT, por me io de pesquisa,
análise documental e observacional.
Para o estudo de caso foi realizado o levantamento dos projetos urbanos voltados à
habitação de interesse social do Programa Minha Casa Minha Vida implantados no período de
2010 a 2020 no município de Cuiabá/MT, e destes, foram selecionados 4 conjuntos para visita
in loco e levantamento de dados por meio de 2 formulários elaborados com base na legislação
local e com afirmativas baseadas no modelo Escala Likert1, bem como levantamento fotográfico.
Após a análise dos dados foi selecionado o conjunto habitacional com maior
pontuação no segundo formulário e com maior potencialidade para a implantação da
infraestrutura verde para exemplificar as possibilidades da aplicação destas infraestruturas em
futuros projetos urbanos voltados à habitação de interesse social.

4 RESULTADOS

Em Cuiabá/MT foram implantados 14 conjuntos habitacionais pelo programa


habitacional MCMV entre os anos 2010 e 2020, totalizando 5.734 unidades habitacionais
(Quadro 1).

1 A escala Likert, segundo Silveira et al. (2010), é usada em questionários para pesquisa de opinião, analisando seu
nível de concordância ou não com a afirmação predefinida. Usualmente são usados cinco níveis: discordo totalmente,
discordo parcialmente, indiferente, concordo parcialmente e concordo totalmente.

446
Quadro 1 – Conjuntos habitacionais (MCMV) entregues em Cuiabá (2010-2020).
N° Conjuntos habitacionais Ano Entrega N° UH
01 Residencial Jamil Boutros Nadaf 2010 322
02 Residencial Nova Canaã 2011 508*
03 Residencial Nova Canaã II 2011 493*
04 Residencial Jonas Pinheiro 2011 196**
05 Residencial Alice Novacki 2012 423
06 Residencial Nilce Paes Barreto 2012 500
07 Altos do Parque I 2013 472
08 Altos do Parque II 2014 638
09 Residencial Francisca Loureiro Borba 2016 499
10 Residencial Jonas Pinheiro II 2017 78**
11 Residencial Nico Baracat I 2019 360
12 Residencial Nico Baracat II 2020 443
13 Residencial Nico Baracat III 2020 461
14 Residencial Jonas Pinheiro III 2020 341**
Total de Unidades Habitacionais 5.734
*Número visível no Google Earth e sigcuiabá maior ou menor do que o informado ou noticiado.
**Número extraído do Google Earth, dados informados ou noticiados imprecisos.
UH – Unidade Habitacional; AEU – Área de Expansão Urbana
Fonte: Elaborado pelos autores com dados parciais da Prefeitura de Cuiabá, Biancardini Filho (2014) e sites de
busca.

Dentre os 14 conjuntos habitacionais foram selecionados quatro conjuntos para a


realização da visita in loco e levantamento de dados mais detalhados e específicos voltados à
aplicação da infraestrutura verde para subsidiar a análise.
Este levantamento in loco foi realizado por meio fotográfico e observacional, utilizando
dois formulários elaborados com base na legislação local e com afirmativas baseadas no modelo
Escala Likert que permite avaliação de maneira mais aproximada os quesitos analisados, pois
engloba qualificações intermediárias e não só opostos como sim e não, permitindo mensurar o
grau de atendimento dos quesitos com pontuações que variam de 1 a 5, conforme Quadro 2.

Quadro 2 – Escala Likert utilizada nos Formulários.


Pontuação Afirmativa
1 Não atende/Não possui
2 Não atende suficientemente
3 Atende parcialmente
4 Atende quase totalmente
5 Atende totalmente
Fonte: Adaptado de Silveira et al. (2010).

O primeiro formulário objetivou o levantamento das dimensões, áreas e informações


gerais relacionadas ao terreno, infraestrutura urbana básica, calçada, sinalização e áreas
públicas, e o segundo formulário objetivou o levantamento da infraestrutura verde existente no
local, onde foram estabelecidos 15 elementos para observação, levando-se em consideração as
tipologias de infraestrutura verde estudadas e similares com maior re levância para o diagnóstico
do objeto de estudo (Quadro 3).

447
Quadro 3 – Elementos utilizados no Formulário 02 relativos à Infraestrutura Verde.
Nº Elementos Nº Elementos
01 Arborização de vias públicas 09 Bacias biorretentoras ou pluviais
02 Arborização nas calçadas 10 Hortas urbanas
03 Arborização na praça 11 Praça
04 Faixa vegetada na calçada 12 Parque ou área verde
05 Pavimento / calçada porosa ou semipermeável 13 Área de lazer (playground / recreação) permeável
06 Muro vegetal / Parede verde Áreas de esporte (quadra de esporte ou campo de
14
07 Teto verde futebol) permeável
08 Jardim de chuva ou Biovaleta 15 Rua completa (via de uso múltiplo)
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

O levantamento e a análise dos dados permitiram a verificação da situação dos


conjuntos habitacionais, relativo à infraestrutura verde, conforme levantamento realizado com
auxílio do segundo formulário e pontuações obtidas (Quadro 4).

Quadro 4 – Pontuação dos conjuntos habitacionais obtida no formulário relativo à infraestrutura verde.
Residencial Residencial Residencial Residencial
PARÂMETRO/RESIDENCIAL Jamil Boutros Alice Altos do Nico
Nadaf Novacki Parque II Baracat III
01 Arborização de vias públicas 1 1 1 1
02 Arborização nas calçadas 2 3 2 2
03 Arborização na praça 1 2 1 1
04 Faixa vegetada na calçada 2 2 2 2
05 Pavimento ou calçada porosa ou semi-permeável 1 1 1 1
06 Muro vegetal / Parede verde 1 1 1 1
07 Teto verde 1 1 1 1
08 Jardim de chuva ou Biovaleta 1 1 1 1
09 Bacia biorretentora ou pluvial 1 1 1 1
10 Horta urbana ou Agricultura urbana 1 1 1 1
11 Praça 2 4 1 1
12 Parque ou área verde 2 3 2 2
Área de lazer (playground ou área de recreação)
13 1 1 1 1
permeável
Área de esporte (quadra de esporte ou campo de
14 1 1 2 1
futebol) permeável
15 Rua completa (via de uso múltiplo) 1 1 1 1
PONTUAÇÃO TOTAL OBTIDA 19 24 19 18
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).

O Residencial Alice Novacki foi o conjunto habitacional que obteve maior pontuação
no segundo formulário com 24 pontos e dispõe de maior potencialidade para a implantação da
infraestrutura verde. Sendo assim, este conjunto habitacional foi utilizado para exemplificar as
possibilidades da aplicação destas infraestruturas em futuros projetos urbanos voltados à
habitação de interesse social.

4.1 Conjunto Habitacional - Residencial Alice Novacki

O Residencial Alice Novacki é um conjunto habitacional implantado em 2012 pelo


programa habitacional MCMV, destinado às famílias de baixa renda. Está situado na região sul
de Cuiabá/MT, possui área territorial de cerca de 148.929 m 2, com 423 unidades habitacionais.
As quadras residenciais são na maioria retangulares e possuem dimensões variadas, as
vias possuem 12 metros de largura com calçadas de 2 metros, sendo 0,70 metros destinados à
área vegetada e 1,30 metros de área concretada para a circulação de pedestres.

448
Os terrenos possuem dimensão média de 180 m2, sendo 9 metros de frente por 20
metros na lateral e as edificações medem em média 40,00 metros quadrados, com afastamento
frontal de 5 metros e lateral de 2,5 metros entre as edificações.
Possui área verde com pouca vegetação arbórea e uma praça, que apesar de
apresentar vários elementos de interação social, como quadras esportivas, playground, bancos,
iluminação adequada, academia ao ar livre, também apresenta pouca arborização, dificultando
a sua utilização durante o dia. Na área pública há um Centro Municipal de Educação Infantil
(CMEI), a caixa d’água para atender o residencial e uma área vazia sem uso e sem arborização.
Durante a visita in loco, além do levantamento das informações e da situação do local,
também foi realizado o registro fotográfico de algumas situações descritas acima (Figura 1).
Figura 1 – Residencial Alice Novacki com a demarcação das áreas e os registros fotográficos no local.

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).

Na Figura 1, ainda foram demarcadas as áreas do Residencial Alice Novacki, sendo


destinadas 54,9% à área residencial em azul, 6,4% à área verde em verde, 5,1% à área pública
em vermelho, 3,9% à área da praça em amarelo e 29,7% às vias em cinza.
A Imagem A registra o Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) que está
localizado no conjunto habitacional, a B demonstra o modelo de residência e sua distância da
divisa murada que é de 1,25 metros, a C registra a praça com playground e duas quadras
esportivas com pouca arborização, na D pode ser observado uma das áreas verdes com pouca
arborização, com calçada no entorno e para travessia, bem como rampa para acesso de
cadeirante, a E demonstra a interrupção existente em algumas ruas e a F as calçadas estreitas,
pouco arborizadas e a sinalização vertical.
Este conjunto habitacional apresenta maior potencialidade para a aplicação das
tecnologias da infraestrutura verde, conforme ilustrado na Figura 2.

449
Figura 2 – Principais potencialidades do Residencial Alice Novacki.

Fonte: Elaborada pelos autores (2021).


O conjunto habitacional possui uma praça mobiliada e bem iluminada, área de lazer
com playground, áreas de esporte com duas quadras esportivas e academia ao ar livre, os quais
possuem potencial para maior arborização e uma instituição pública (CMEI), local com potencial
para a implantação da Escola Verde, que são locais de ensino que implementam várias tipologias
na sua unidade.
A área também possui áreas verdes no local e no entorno com potencial para proteção
e utilização futura como parque, além de possuir espaços aptos à aplicação de infraestruturas
verdes como arborização, hortas urbanas, jardins de chuva, áreas verdes ou parques.
Apesar das potencialidades, também foram observadas algumas fragilidades no local,
como a existência de algumas áreas públicas sem uso e sem vegetação, baixa arborização nas
áreas verdes e na praça, calçadas estreitas que não favorecem o plantio de árvores de maior
porte para sombreamento e além da carência de outros elementos da infraestrutura verde.
A baixa cobertura vegetal nas áreas verdes, áreas públicas vagas, praça e calçadas
acabam contribuindo para o baixo conforto térmico na região.

4.2 Possibilidades de aplicação da infraestrutura verde no conjunto habitacional

As cidades dispõem de um conjunto de recursos naturais que podem ser incorporados


ao traçado urbano, representando potencialidades na busca de uma urbanização mais
sustentável.
Os elementos da infraestrutura verde, além de serem imprescindíveis no
planejamento e ordenamento das cidades, ainda podem auxiliar na solução de inúmeros
problemas urbanos, principalmente nos grandes centros urbanos.

450
A infraestrutura verde tem potencial significativo para a proteção de sistemas naturais,
manutenção da biodiversidade, provimento de benefícios às pessoas, além de minimizar efeitos
resultantes de ações antrópicas, principalmente relacionadas ao escoamento da água urbana.
Na Figura 3 estão ilustradas algumas destas tipologias.

Figura 3 – Algumas tipologias de Infraestrutura verde.

Fonte: Elaborada pelos autores com adaptação de Cormier & Pellegrino (2008), Vasconcellos (2015); PUB
Singapore’s Water Agency (2018); e Pacheco Junior (2018).
Dentre as tipologias da infraestrutura verde, a arborização se destaca pelas inúmeras
vantagens tanto ao ambiente natural quanto às pessoas, pois é de fácil implantação em cidades
já consolidadas e com custos menos expressivos em comparação à outras alternativas e Herzog
& Rosa (2010) ressaltam esses benefícios:
As árvores, essenciais na infraestrutura verde, têm funções ecológicas insubstituíveis,
como: contribuir significativamente para prevenir erosão e assoreamento de corpos
d’água; promover a infiltração das águas das chuvas, reduzindo o impacto das gotas
que compactam o solo; capturar gases de efeito estufa; ser habitat para diversas
espécies promovendo a biodiversidade, mitigar efeitos de ilhas de calor, para citar
algumas. (Herzog & Rosa, 2010, p. 97).

Além disso, é possível destacar a importância da arborização ao contribuir para a


promoção de uma paisagem mais revitalizadora e satisfatória no cenário urbano, promovendo
ainda bem-estar aos habitantes.
A aplicação de algumas tecnologias da infraestrutura verde nos conjuntos
habitacionais para habitação de interesse social é possível, tanto em locais já implantados e com
maior potencialidade para receber essas tecnologias, quanto em futuros projetos habitacionais
para este público.
O Residencial Alice Novacki, devido às suas potencialidades, foi empregado como
exemplo para ilustrar as tecnologias da infraestrutura verde possíveis de serem implantadas em
projetos habitacionais como este.
Na Figura 4 está ilustrado a região do quadrante “A”, com destaque às áreas potenciais
para a aplicação das tecnologias da infraestrutura verde e algumas das tipologias passíveis de
implantação tanto nos atuais projetos quanto nos futuros projetos habitacionais, como
arborização, ruas verdes, tetos verdes, jardins de chuva, corredores verdes e parques lineares

451
com a implantação de áreas ativas como ciclovias, áreas para circulação e atividades diversas
com espaços mobiliados.

Figura 4 – Quadrante A – Possibilidades de infraestrutura verde e projeção de implantação.

Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).

A existência de vários espaços destinados às áreas verdes e áreas públicas com pouca
vegetação, possibilita a arborização destas áreas, bem como das calçadas que possuem faixa
vegetada, priorizando espécies arbóreas para sombreamento que se adequem à região e que
possuam galhadas e copas de menor diâmetro devido ao limitado espaço e largura das calçadas.
Uma área de mata nativa está presente no entorno do conjunto habitacional que pode
ser ampliada e protegida, potencializando a criação de um corredor verde e a implantação de
um parque linear com algumas áreas aptas para atividades de lazer e esporte, oportunizando à
população local espaços recreativos e de socialização.
Há várias vias por onde transitam os ônibus, no entanto não há pontos de parada,
existem apenas sinalizações verticais indicando o seu local. Pontos de ônibus com cobertura
verde poderiam ser inseridos nestes locais, viabilizando espaços agradáveis para os moradores
aguardarem pelo transporte.
Na Figura 5 está ilustrada a região do quadrante “B”, com destaques às áreas
potenciais para a aplicação das tecnologias da infraestrutura verde e apontadas as tipologias
passíveis de implantação como arborização, ruas verdes, tetos verdes, hortas urbanas,
corredores verdes e parques lineares com áreas ativas como ciclovias e áreas para circulação e
atividades diversas.

Figura 5 – Quadrante B – Possibilidades de infraestrutura verde e projeção de implantação.

452
Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).

Nesta região há dois espaços públicos destinados às áreas verdes, no entanto


praticamente sem vegetação arbórea e sem utilização. Estes espaços possuem potencial para
maior arborização, visando a melhoria das condições de conforto ambiental.
Há a possibilidade de implantação de hortas urbanas para atender os residentes locais
com a disponibilização de alimentos saudáveis, além de favorecer a integração da comunidade
com o cuidado das mesmas. Os pontos de ônibus com cobertura verde também podem ser
instalados nestes locais, bem como a intensificação da arborização nas áreas v egetadas das
calçadas para sombreamento.
A Figura 6 representa a região do quadrante “C”, onde foram destacadas as principais
áreas potenciais para a aplicação das tecnologias da infraestrutura verde. As tipologias passíveis
de implantação também foram apontadas na figura como arborização, ruas verdes, tetos verdes,
corredores verdes e parques lineares com áreas ativas como ciclovias e áreas para circulação e
atividades diversas.
Figura 6 – Quadrante C – Possibilidades de infraestrutura verde e projeção de implantação.

Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).

453
O quadrante “C” apresenta a continuidade da área verde do quadrante anterior, onde
já foi implantada pelo poder público uma academia ao ar livre com mobiliários adequados, no
entanto ainda é necessária a arborização do local, uma vez que fica inviável sua utilização
durante o dia devido à ausência de vegetação arbórea para sombreamento.
Em uma área pública mais centralizada do conjunto habitacional está situada a praça
que possui um playground infantil e duas quadras esportivas, porém também não há vegetação
arbórea para sombreamento. A arborização desta praça é extremamente necessária, devido à
alta incidência solar direta e ao intenso calor no local, o que inviabiliza a sua utilização pelos
residentes, principalmente durante o dia.
A Figura 7 ilustra a região do quadrante “D”, evidenciando as áreas com potencial para
a aplicação das tecnologias da infraestrutura verde, se destacando algumas tipologias passíveis
de implantação como ruas verdes, tetos verdes, horta urbana e agricultura verde, corredores
verdes, parques lineares e escola verde.

Figura 7 – Quadrante D – Possibilidades de infraestrutura verde e projeção de implantação.

Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).
Nesta quadra em destaque se encontra o Centro Municipal de Educação Infantil Aliane
Fátima Monteiro e ao lado uma extensa área pública sem uso e sem vegetação, com potencial
para a implantação da Escola Verde que reúne inúmeras tipologias da infraestrutura verde,
como horta urbana, pomar, teto verde e jardins.
A implantação da Escola Verde oportuniza ações de educação ambiental e social com
as próprias crianças do CMEI, como também com outros alunos e crianças da comunidade, ações
necessárias e importantes para a melhoria da conscientização ambiental e social.
A maioria das possibilidades ilustradas nos quatro quadrantes apresentados são
possíveis de serem aplicadas nos conjuntos habitacionais estudados, no entanto existem
algumas limitações, como a largura das calçadas já implantadas com 2 metros de largura o que
dificulta o plantio de árvores com maior porte e mais favoráveis ao sombreamento. Porém, não
impede que espécies com desenvolvimento e porte mais apropriado sejam adotadas, sendo
preciso um estudo das espécies mais adequadas para esta finalidade.
Nos futuros projetos voltados à habitação de interesse social essas possibilidades de
tecnologias da infraestrutura verde são possíveis de serem implantadas, principalmente se o
problema com a limitação de alguns espaços, como a largura das calçadas, for sanado. Além

454
disso, possibilitaria a arborização de forma mais efetiva sem comprometer a plena acessibilidade
nas calçadas.
Algumas questões culturais também acabam sendo limitadoras de determinadas
ações, e isso tem se evidenciado ao observar a intensa impermeabilização das calçadas nos
conjuntos habitacionais como a concretagem das áreas vegetadas, situação que também ocorre
com a concretagem nas áreas internas dos lotes, situação que ocorreu após a ocupação das
unidades residenciais pelos moradores.
Portanto, um dos desafios está relacionado a essa mudança cultural conscientizando
a comunidade quanto aos benefícios da implantação das tecnologias da infraestrutura verde,
bem como quanto à necessidade de auxílio na manutenção das ações e serviços realizados pelo
poder público, para que possam usufruir de todos os seus benefícios, como conforto térmico,
salubridade, qualidade do ar, interação social, recreação e maior qualidade de vida para toda a
comunidade.
Outro desafio é o poder público perceber que muitas ações como a implantação de
tecnologias da infraestrutura verde nos conjuntos habitacionais, principalmente os voltados à
habitação de interesse social, podem promover uma gama de benefícios que superam a gama
de problemas que hoje existem nas cidades, especialmente em Cuiabá/MT, devido à falta de
tecnologias como estas efetivamente inseridas e aplicadas no meio urbano.
A importância deste estudo está no levantamento destas possibilidades que podem
efetivamente melhorar a qualidade ambiental com a redução das ilhas de calor, promovendo e
melhorando as condições de saúde, de conforto, de lazer, de socialização e aumentando a
qualidade de vida das pessoas.

5 CONCLUSÃO

A implantação de assentamentos humanos que tenham como premissa a utilização de


alternativas sustentáveis representa uma proposta requalificadora e, consequentemente, de
melhoria de vida para seus habitantes por meio de intervenções urbanas para melhor atender
aos cidadãos, proporcionando uma cidade mais agradável à todos.
Alternativas vêm surgindo a cada dia e precisam ser implementadas na busca de
cidades mais sustentáveis, bem como para minimizar as consequências negativas da
urbanização acelerada nas grandes cidades.
A implantação de loteamentos que se tornem referências e que poderão alterar e
melhorar o modo de vida da população é uma premissa importante a ser observada e seguida
pelo poder público, podendo resultar em uma política pública, melhorando a infraestrutura e o
conceito dos loteamentos voltados às famílias de baixa renda.
Intervenções públicas atreladas ao planejamento e gestão das cidades que acenem
para otimizar as potencialidades e minimizar as vulnerabilidades no contexto urbano são
necessárias e importantes, principalmente nos grandes centros urbanos.
Não existem modelos perfeitos e prontos para serem utilizados em qualquer lugar. Há
inúmeros contextos que demandam ações diferentes, como sociais, ambientais, geográficos,
econômicos e culturais, nos quais adaptações serão necessárias, contudo, é preciso que sejam
exploradas soluções no campo das possibilidades e as SbN representam de fato uma delas.
Neste sentido, intervenções em assentamentos humanos já consolidados se configura
como um imenso desafio, uma vez que, além das particularidades de cada espaço, importantes

455
relações com o local também já foram criadas e as mudanças e incorporações que venham a
alterar essas relações podem não ser bem aceitas pelos moradores, comprometendo o objetivo
do projeto intervencionista.
Por este motivo, a atuação do poder público com o envolvimento da população, por
meio de projetos participativos, é extremamente necessária para que os moradores se
identifiquem com as novas propostas e se sintam partícipes e incorporem novos modos de vida,
fortalecendo assim a identidade da comunidade local.
Reside aí a premência em se propor alternativas mais sustentáveis já incorporadas à
novos projetos urbanos habitacionais, sob a ótica de ofertar um produto que se incorpore desde
o início e que faça parte do processo de formação da identidade local, garantindo assim, a
sensação de pertencimento por parte dos moradores e elevando as possibilidades de sucesso
do projeto.
A exacerbada carência na abordagem de conceitos voltados à sustentabilidade urbana,
bem como na aplicação de alternativas sustentáveis como a infraestrutura verde nos conjuntos
habitacionais de interesse social, evidencia a necessidade de um número maior de pesquisas
como esta, que apontem para novas perspectivas na busca de cidades sustentáveis, além do
que, possibilitem identificar alternativas de intervenção para promover melhorias nos projetos
urbanos já instalados.
Com a apresentação das possibilidades da aplicação das tecnologias da infraestrutura
verde nos futuros projetos urbanos, especialmente os projetos voltados à habitação de interesse
social, espera-se contribuir para a melhoria das políticas públicas do município na implantação
de assentamentos humanos pautados nas premissas da sustentabilidade, particularmente útil
para as propostas de novos assentamentos na cidade de Cuiabá/MT.
Ao abordar novas estratégias que favoreçam a sustentabilidade urbana, busca-se
contribuir para a promoção de políticas públicas que proporcionem de forma efetiva um
diferencial no desenvolvimento urbano sustentável para a melhoria da qualidade das cidades e
da vida de seus cidadãos.

6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

Benedict, M. A.; Mcmahon, E. T. (2006). Green infrastructure: linking landscapes and communities. Washington, DC:
Island Press.

Biancardini Filho, A. (2014). A questão urbano-habitacional em Cuiabá-MT: Uma análise dos efeitos da localização
dos conjuntos habitacionais no período 1960 a 2010. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Edificações e
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Cormier, N. S. & Pellegrino, P. R. M. (2008). Infraestrutura Verde: uma estratégia paisagística para a água urbana.
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457
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( x ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

METODOLOGIAS DE ANÁLISE URBANA: DAS PRIMEIRAS CRÍTICAS DO


URBANISMO MODERNO AOS DIAS ATUAIS
URBAN ANALYSIS METHODOLOGIES: FROM THE FIRST CRITICISMS OF MODERN
URBANISM TO THE PRESENT DAY

Luciane Tasca
Professor Doutora, UFJF, Brasil
luciane.tasca@ufjf.br

Mauro Santoro Campello


Professor Mestre, UFJF, Brasil
mauro.campello@ufjf.br

Bernardo Lima Pinto Barcellos


graduando, UFJF, Brasil
bernardo.barcellos@arquitetura.ufjf.br

Annelise Mendonça Cesar


graduanda, UFJF, Brasil
annelise.cesar@arquitetura. ufjf.br

458
Patricia Nogueira Alves
graduanda, UFJF, Brasil
patricia.nogueira@arquitetura.ufjf.br

Pedro Loures Avelar


graduando, UFJF, Brasil
loures.pedro@estudante.ufjf.br

459
RESUMO
Com a finalidade de realizar uma revisão bibliográfica das metodologias de análise urbana, a partir das primeiras
críticas ao urbanismo moderno até os dias atuais, objetiva-se refletir sobre questões urbanas, com foco nos autores
que atuavam no campo do urbanismo e da arquitetura nos anos 60 e naqueles autores que retomaram as discussões
sobre os estudos urbanos posteriormente. A intenção é revisitar os mestres que empolgaram as décadas de 60, 70 e
80 do século XX e os que buscaram, posteriormente, cobrir o abismo entre planejamento urbano, projeto de
arquitetura e urbanismo e metodologias de análise da cidade. A temática apresenta grande relevância acadêmica,
tendo em vista a dificuldade em encontrar materiais didáticos que deem suporte aos estudos sobre as transformações
das cidades, entendendo-as, para propor mudanças sustentáveis. Espera-se contribuir para o estudo das cidades,
com este material que fornece uma leitura, conforme elucida a arquiteta e crítica Marina Waisman que busca a
interpretação das questões que envolvem a análise urbana no período selecionado, sistematizando-a em uma linha
do tempo que sobrepõe categorias de análise e considera o contexto no qual estão inseridas. Tal trabalho fomenta
discussões e reflexões sobre o urbanismo, que acarreta também no pensar a cidade em que vivemos atualmente,
visto que, diferentemente da historiografia geral, que tem por objeto de estudo algo que deixou de existir no tempo,
a historiografia da arquitetura e do urbanismo, tem por objeto algo existente no presente.

PALAVRAS-CHAVE: Metodologia de análise urbana. Estudos urbanos. Arquitetura e urbanismo.

ABSTRACT
In order to carry out a bibliographic review of urban analysis methodologies, from the first criticisms of modern
urbanism to the present day, the objective is to reflect on urban issues, focusing on authors who worked in the field of
urbanism and architecture in the 1990s. 60 and in those authors who resumed discussions on urban studies later. The
intention is to revisit the masters who excited the 60s, 70s and 80s of the 20th century and those who later sought to
bridge the gap between urban planning, architecture and urbanism design and methodologies for analyzing the city.
The theme has great academic relevance, considering the difficulty in finding didactic materials that support studies
on the transformations of cities, understanding them, in order to propose sustainable changes. It is expected to
contribute to the study of cities, with this material that provides a reading, as elucidated by the architect and critic
Marina Waisman, who seeks to interpret the issues that involve urban analysis in the selected period, systematizing it
in a timeline that overlaps categories of analysis and considers the context in which they are inserted. Such work
fosters discussions and reflections on urbanism, which also entails thinking about the city we currently live in, since,
unlike general historiography, which has as its object of study something that ceased to exist in time, the
historiography of architecture and urbanism, has as its object something existing in the present.

KEY WORDS: Urban analysis methodology. Urban studies. Architecture and urbanism.

460
1 INTRODUÇÃO

Neste artigo inédito, não publicado e não submetido a nenhum outro evento e/ou
revista, atuamos de forma exploratória sobre os estudos no campo dos espaços públicos e as
cidades, que se desenvolveram mais ativamente a partir da década de 60 do século XX.
Buscando compreender a complexidade da vida urbana e elencar ferramentas simples
e pesquisas sistemáticas que possam tornar mais compreensivas as mudanças pelas quais as
cidades passaram ao longo do tempo, nos apoiamos em Gehl (2018), entendendo que uma boa
arquitetura garante uma boa interação entre o espaço público e a vida na cidade, e que a vida
na cidade muda constantemente no decorrer de um dia, semana ou mês, que dirá no decorrer
de anos. Por isso é importante criarmos um ambiente que valha a pena para bilhões de pessoas
que, diariamente, circulam entre edifícios nas cidades em todo o mundo.
Vendo a cidade como um conjunto de ruas, becos, edifícios, praças, marcos, pontos
1
nodais, precisamos compreender também, num sentido mais amplo, tudo que aconte ce entre
esses espaços, revelando o essencial que é a inter-relação entre a vida e o espaço em todos os
seus aspectos.
Sposito (1994) nos mostra que as cidades como formas espaciais produzidas
socialmente, mudam ao longo de sua história, recebendo reflexos e dando sustentação às
transformações estruturais que aconteceram na passagem da manufatura para o modo de
produção capitalista, nos séculos XVIII e XIX. Com o novo ritmo de produção impresso pela
industrialização, ocorreram mudanças que impactaram sobremaneira no crescimento
populacional e no adensamento de núcleos urbanos que viriam a se transformar em grandes
metrópoles no século XX.
A crescente especialização funcional que a industrialização provocou, e a ampliação
dos mercados, reforçou a divisão social do trabalho que se manifestou a nível espacial em
divisão territorial do trabalho. As cidades receberam assim, diretamente as consequências do
rápido crescimento populacional, sofrendo transformações significativas no nível da
estruturação de seu espaço interno.
O interesse em conhecer e atuar na cidade, conforme Corrêa (2004), deriva do fato de
ser ela o lugar onde vive parcela crescente da população. Mas também, de ser o lugar onde os
investimentos de capital são maiores e os conflitos sociais têm grande projeção. Atualmente, a
população mundial está na ordem dos 8 bilhões de pessoas, 2 e somente no Brasil de 2010 a 2022
a população cresceu 6,5% chegando a 203,13 milhões de pessoas em 2022. Neste mesmo ano,
segundo o IBGE (2022) as concentrações urbanas abrangeram 124,1 milhões de pessoas,
representando 61%.
Ainda para Corrêa (2004), o espaço urbano pode ser analisado como um conjunto de
pontos, linhas e áreas, que podem ser elaboradas a partir da percepção de seus habitantes.

1 Ver LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Destaque à 1ª Edição: The Image of the
city. MIT Press, Cambridge, MA, 1960.
2 Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/situacao-da-populacao-mundial-2023-8-bilhoes-de-

vidas-infinitas-possibilidades#:~:text=da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20mundial-
,Situa%C3%A7%C3%A3o%20da%20Popula%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%202023%20%2D%208%20Bilh%C3%B5es
%20de%20Vidas%2C%20Infinitas,defesa%20de%20direitos%20e%20escolhas&text=Novos%20dados%20revelam%2
0que%20o,manter%20as%20taxas%20de%20fecundidade Acesso em: 18 ago 2023.
3 Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37237-

de-2010-a-2022-populacao-brasileira-cresce-6-5-e-chega-a-203-1-milhoes Acesso em: 18 ago 2023.


461
Outra forma de análise considera o espaço através de suas conexões com a estrutura social, seus
processos e funções urbanas. E acrescente-se também a abordagem do espaço urbano como
um paradigma do consenso ou do conflito.
O espaço urbano é então, simultaneamente, fragmentado e articulado, sendo que
cada uma de suas partes mantém relações espaciais com as demais, com intensidade variável.
Podemos ver essas relações empiricamente através de fluxos de veículos e de pessoas, aos
deslocamentos quotidianos entre áreas residenciais e diversos locais de trabalho, lazer,
comércio e serviços, visitas a parentes, idas ao cinema, cultos religiosos, praia, parques.
Destacamos conforme Moreno (2002) que o momento em que a cidade passou a ser
encarada de forma mais atenta pela sociedade como um todo aconteceu no século XX, podendo-
se perceber o aparecimento do planejamento urbano e regional sobre uma base codificada e
profissionalizada, ou seja, uma forma de o Estado manter o controle sobre a cidade. Em 1904
lançava-se na Alemanha a primeira revista a tratar de assuntos correlatos, chamada Der
Stadtebau, e em 1910, criou-se o termo urbanismo (do latim urbs, cidade) pelos franceses.
Ainda nas primeiras décadas do século XX, apenas 10% da população mundial vivia em
cidades, mas esse percentual muda drasticamente daí para frente. A expansão das estradas de
ferro, o aparecimento do automóvel, o transporte urbano sobre trilhos (metrô), os novos
sistemas construtivos, as novas redes de serviços urbanos (gás, telefone, eletricidade) e os
arranha-céus vão dando mais dinâmica à expansão urbana.
O conceito de urbanismo passa a ser preconizado para dar solução para as questões
urbanas que vão surgindo, e começam a tomar forma as ideias sobre as cidades ideais, como a
cidade-jardim de Letchworth, na Grã-Bretanha, em 1903 com Barry Parker e Raymond Unwin.
E, com Ebenezer Howard nos arredores de Londres, com o projeto de cidades com tamanhos
prefixados de no máximo 32 mil habitantes (MORENO, 2002). Paralelamente, em Chicago, Louis
Sullivan em 1904 inicia-se a escola de arquitetura de arranha-céus, com o projeto de uma loja
de departamentos e a chegada dos automóveis em Paris em 1910, inspira os primeiros projetos
de viadutos e rotatórias com passagens subterrâneas para pedestres.
Como importante marco nessa busca de traçar uma historiografia urbana, tem-se a
criação da Bauhaus em 1910 pelo arquiteto alemão Walter Gropius dando início ao modernismo,
que podemos entender como um pano de fundo para o florescimento de um urbanismo que
procura desesperadamente o equilíbrio do ambiente construído.
Entre 1910 e 1920 não apenas os urbanistas se dedicaram a pensar e definir o futuro
das cidades. O industrial Henry Ford, por exemplo, ao difundir o uso do automóvel difundiu
igualmente a expansão urbana. Da mesma forma, o biólogo e sociólogo escocês Patrick Geddes,
contribuiu para o urbanismo com uma série de escritos sobre a evolução das cidades, sendo um
dos primeiros a chamar a atenção para o fato de que as novas tecnologias e seus produtos
provocariam ao mesmo tempo o espalhamento horizontal e a fusão de centros como Londres e
Manchester ou Nova York e Boston. Durante o IV Congresso Internacional de Arquitetura
Moderna (CIAM), em 1933 divulga-se a Carta de Atenas, que adota um modelo universal de
cidade funcional, seguindo quatro funções: habitar, trabalhar, cultivar o corpo e o espírito e
circular. Destaque para Charles Edouard Jeanneret, mais conhecido como Le Corbusier.
No entanto, a ressaca não demorará a vir, sendo que a homogeneidade trazida pela
estandardização e o zoneamento das cidades foram apontados como causadores da monotonia
e do tédio instalado nas cidades. A abolição da rua revelava-se fonte de dissociação, e os espaços
vazios tornaram-se inúteis e perigosos, como lembra Choay (1979).

462
Hall (1996) revela que entre 1949 e 1957, Nova York gastou em renovação urbana o
dobro de todas as demais cidades americanas juntas no mesmo período. A rejeição ao
urbanismo moderno vai estar presente na jornalista canadense, Jane Jacobs, que irá liderar um
movimento local para a preservação do West Greenwich Village, fato que ela exporia em seu
mais famoso livro, Morte e vida de grandes cidades.
Em virtude desses acontecimentos, nos anos 60, vozes críticas começaram a indicar
que havia algo de errado com muitos bairros em construção em números inéditos, durante esse
período de rápido crescimento urbano. Faltava alguma coisa difícil de definir, mas que se
revelava em conceitos como as ‘cidades-dormitório’ e ‘empobrecimento cultural’. A vida entre
os edifícios havia sido esquecida, deixada de lado em função dos automóveis, da visão de larga
escala e dos processos excessivamente racionalizados e especializados. Entre os principais
críticos podemos destacar, segundo Gehl (2018), Jane Jacobs e William H. Whyte em Nova York,
Christopher Alexander em Berkeley e Jan Gehl em Copenhague.
Os pioneiros dos estudos sobre as cidades desempenharam os passos básicos para o
melhor entendimento do conceito efêmero de vida na cidade e sua interação com o espaço
público e as edificações. Seu método era estudar as cidades existentes, em geral pré-industriais,
para obter conhecimentos basilares sobre como seu uso e deslocamento. Muitas obras
publicadas desde os anos de 1960 até meados dos anos de 1980 ainda são consideradas textos
fundamentais para os estudos da vida nas cidades e, apesar dos métodos descritos terem sido
posteriormente refinados e novos interesses e tecnologias terem surgido, os princípios e
métodos básicos foram desenvolvidos naquele período.
Até meados dos anos de 1980, os trabalhos foram efetuados sobretudo por
instituições acadêmicas, mas ao final daquela década, estava claro que as análise e princípios
referentes à vida nas cidades deveriam ser convertidos em ferramentas que pudessem ser
usadas diretamente na prática do planejamento urbano. Por volta dos anos 2000, tornou-se
objetivo estratégico, tanto de arquitetos e urbanistas, quanto de políticos, melhorar as
condições de vida das pessoas para terem vantagens na competição entre as cidades que se
instalou com o processo da globalização e da chamada guerra fiscal. Era preciso criar cidades
sedutoras para as pessoas e atrair novos residentes, turistas, investidores e empregados para
preencher os novos empregos na sociedade do conhecimento e da informação. Para tal, era
imprescindível entender as necessidades e comportamentos das pessoas, fatos que Del Rio
(1990) cita como suscetíveis às próprias qualidades ambientais e ao desenho do espaço urbano,
frisando a importância de compreender tais inter-relações em encaminhamentos como o de
Lang (em 1987).
Ascher (2010) faz uma interessante classificação das revoluções urbanas: 1) a primeira
modernidade, que ele chama de paleurbanismo e as primeiras utopias; 2) a segunda
modernidade que produziu os modelos e deram nome ao urbanismo; 3) a terceira modernidade
que fez emergir novas atitudes diante do futuro, novos projetos, modos de pensar e ações
diferenciadas, que ele chama de neourbanismo ou novo urbanismo. Para esse autor, a terceira
revolução urbana já começou faz tempo, onde podemos notar a evolução considerável nas
práticas dos cidadãos, nas formas das cidades, nos meios, motivos e locais de deslocamento, das
comunicações e das trocas, nos equipamentos públicos e serviços, nas tipologias dos lugares
urbanos, nas atitudes em relação à natureza e ao patrimônio a ser preservado.
Outro ponto que merece destaque, conforme Rogers (2013) é que a sobrevivência da
sociedade sempre dependeu da manutenção do equilíbrio entre as variáveis de população,

463
recursos naturais e meio ambiente. Alertamos que, o descaso atual em relação a estes princípios
vêm causando graves consequências no meio ambiente natural e construído. É preciso lembrar
que estamos sujeitos às leis de controle da sobrevivência, entretanto, somos os primeiros a
constituir uma civilização global e, portanto, os primeiros a enfrentar a expansão da população
a nível mundial e a destruição dos recursos naturais e do meio ambiente. É assim uma ironia que
as cidades, o habitat da humanidade, sejam o maior agente destruidor do ecossistema e a maior
ameaça para a sobrevivência da humanidade no planeta. Farr (2013) nos relembra, que apesar
desse tema ser atualmente um dos mais tratados nos estudos sobre o presente e o futuro das
cidades, o crescimento urbano inteligente (Smart Growth) teve suas raízes no movimento
ambiental dos anos de 1970, que foi reforçado pela pauta legislativa com foco ambiental do
então Presidente dos Estados Unidos Richard Nixon. Já em 1996 o movimento do crescimento
urbano inteligente toma uma pauta mais ampla, com a criação dos 10 princípios do crescimento
urbano inteligente, iniciado por Harriet Tregoning.
Nesse caminho, percebemos que a atualidade oferece uma oportunidade histórica
para que a sociedade repense onde e como vive, trabalha e se diverte, compra e constrói suas
referências na paisagem. O caminho para um estilo de vida sustentável se constrói com base
nos princípios do crescimento urbano inteligente, otimizando os deslocamentos, priorizando os
modais de transporte sustentáveis e de menor impacto na emissão de gases tóxicos,
requalificando os espaços públicos tornando-os atrativos e convidativos às pessoas.
Assim como Rogers (2013) acreditamos piamente que a arquitetura, o urbanismo e o
planejamento urbano podem evoluir ainda mais para nos proporcionar ferramentas cruciais que
garantam nosso futuro através da criação de cidades com ambientes sustentáveis e civilizados.
No Brasil, mais do que em outras nações latino-americanas, importantes estudos
urbanos como o de Campos Filho (2010), ressaltam a importância de buscarmos suprir a enorme
desinformação sobre as questões urbanísticas, para obtermos uma melhor organização de nossa
vida cotidiana no espaço da cidade.
Diante do exposto, neste artigo, entendemos que é de grande importância que
ofereçamos contribuições para a reflexão sobre as questões urbanas, colocando em prática
nossa ação cidadã e participativa, tornada obrigatória pelo próprio Estatuto da Cidade e à qual
pouco ainda fazemos uso. Raciocinando em relação à organização do espaço das cidades,
conhecendo bem as consequências para as nossas vidas cotidianas, podemos buscar
alternativas para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas.

2 OBJETIVOS

A pesquisa foi desenvolvida com a finalidade de realizar uma revisão bibliográfica das
metodologias de análise urbana, a partir das primeiras críticas ao urbanismo moderno até os
dias atuais. Objetiva-se refletir sobre questões urbanas a partir de autores diversos, possuindo
a obra Introdução ao Desenho Urbano, de Vicente del Rio em 2001, como principal norteadora
para elencar tais autores, seguindo o recorte temporal estabelecido, visto que

uma seleção é indispensável, ainda que apenas para reduzir a totalidade a uma
dimensão compreensível. Em seguida, virão a organização, as articulações, as
valorizações, por meio das quais se tentará dotar de sentido o panorama traçado.
Porque a história não é uma simples narração: é uma sucessão de juízos. (WAISMAN,
2013, p.3)

464
Conforme elucida a arquiteta e crítica Marina Waisman, o estudo de um tema se trata
de um juízo a todo momento, inclusive na decisão de fazê -lo. Portanto, esta pesquisa se trata
da sucessão de juízos, isto é, decisões, discussões, estudos e análises feitas pelos pesquisadores
acerca do tema, a fim de chegar ao resultado da interpretação das questões que envolvem a
análise urbana no período selecionado, sistematizando-a em uma linha do tempo que sobrepõe
categorias de análise e considera o contexto no qual estão inseridas. Tal trabalho fomenta
discussões e reflexões sobre o urbanismo, que acarreta também no pensar a cidade em que
vivemos atualmente, visto que, diferentemente da historiografia geral, que tem por objeto de
estudo algo que deixou de existir no tempo, a historiografia da arquitetura, e também do
urbanismo, tem por objeto algo existente no presente, de forma que “o historiador tem que
partir dessa realidade presente” (WAISMAN, 2013, p. 11).
O desenvolvimento do presente trabalho caracteriza-se, tendo em vista o objetivo de
compreensão e sistematização dos pensamentos e relações associados ao urbanismo e às
metodologias de análise urbana pós-modernas, pela realização de uma revisão bibliográfica
atrelada, constantemente, ao entendimento holístico do contexto no qual as teorias em debate
estão inseridas. Assim, diante da impossibilidade do estudo das metodologias de análise urbana
na ausência da contextualização histórica, social, geográfica e política, torna-se imprescindível
que a construção deste trabalho se dê de maneira interdisciplinar, abrangendo aspectos
tangentes aos contextos nos quais os autores estão inseridos, e não de forma isolada.
O recorte temporal em questão, portanto, ao abranger o período a partir do qual as
primeiras críticas ao urbanismo moderno se fizeram concretas, no entremeio das décadas de
1950 e 1960 até os dias atuais, traz consigo diversas reflexões sobre as quais este estudo objetiva
entender e abranger no processo de revisão bibliográfica. Dentre esses aspectos decorrentes do
contexto geral em que as obras estudadas se inserem, destacam-se as noções, em boa parte das
teorias, do enfoque numa radical crítica ou contraposição em relação ao Movimento Moderno,
no que tange aos processos urbanos, uma vez que, em boa parte das metodologias de análise,
enfatizava-se uma idiossincrasia e a variedade das formas e percepções da cidade. Esta
característica, decorrente do contexto histórico, fica muito clara, por exemplo, nas concepções
de análise a partir do ‘townscape’ (em 1948 com Thomas Sharp), que é uma categoria de análise
subjetiva, intrinsecamente dependente da capacidade de observação e interpretação do
pesquisador e, consequentemente, permeada e embebida num sistema próprio de valores e
noções.

3 METODOLOGIA

Existem diversas teorias e propostas metodológicas para se entender a cidade, em


suas partes e no seu todo. Entretanto, cada uma dessas teorias leva a análises específicas sob
certos ângulos da realidade. Dificilmente, conseguiremos estabelecer uma proposta
metodológica ou teoria holística em sua natureza capaz de nos possibilitar uma compreensão
completa do urbano.
Adotando Waisman (2013) como base para uma leitura historiográfica das
metodologias de análise do urbano, sob o olhar dos latino-americanos, tomamos a postura
similar à da autora, buscando, como um caçador, recursos para delimitar o tema, buscando nos
diversos recortes encontrados, promover uma análise que nos clareie esse campo do

465
conhecimento, e principalmente, remeta e traduza esse saber europeizado para nosso
continente latino-americano, sobretudo o Brasil.
Sabemos que a construção do conhecimento científico passa pelo reconhecimento de
lacunas envolvendo a organização e a discussão de um assunto de pesquisa. Dessa forma, a
revisão narrativa, pareceu-nos apropriada para descrever o estado da arte desse assunto, sob o
ponto de vista teórico ou contextual, possibilitando-nos ainda uma interpretação e análise
crítica, bem como a atualização de conhecimento sobre um determinado tema em curto
período.
Partindo desses preceitos, nosso foco neste trabalho foram os autores que atuavam
no campo do urbanismo e da arquitetura nos anos 60 e naqueles autores que retomaram as
discussões sobre os estudos urbanos na atualidade. A intenção é revisitar os mestres que
empolgaram as décadas de 60, 70 e 804 do século XX e os que posteriormente, atuaram na área
cobrindo o abismo entre planejamento urbano, projeto de arquitetura e urbanismo e
metodologias de análise da cidade. Tratou-se aqui de reconhecer a crise na Arquitetura
Moderna e o criticismo geral que o planejamento urbano atraiu.
Para tal, utilizamos como base os estudos sobre desenho e projeto urbanos do
arquiteto brasileiro Vicente Del Rio, considerado um dos mais destacados pensadores nesta área
no Brasil. Interessa-nos sobretudo, neste autor, a busca de produzir conhecimento sobre as
metodologias básicas no processo de planejamento das cidades, proporcionando um material
didático com objetivos acadêmicos, voltado para profissionais de arquitetura e urbanismo,
geografia, história, ciências sociais entre outros campos.
É interessante também apontar o recorte do objeto de estudo, que aqui é entendido
como um conjunto historiográfico que tem por objetivo compor um quadro do estudo em
‘Análise Urbana’. Isso se torna claro na sistematização de Del Rio (1990), que compõem uma
metodologia de análise a partir de disciplinas complementares como as Ciências Sociais,
Geografia, Psicologia, Antropologia e Sociologia. Assim, o entendimento dos limites desse
objeto são ‘plurais’, inserindo-se aqui Panerai (2006) na sua compreensão de que os
instrumentos de análise detêm uma generalidade necessária, já que eles têm de ser
suficientemente genéricos para que possam ser aplicados a qualquer cidade.
Acreditando que precisamos do conhecimento de diversas teorias, utilizando-as de
forma específica para a visão de um problema, ou fazendo uso delas na sua complementaridade,
partimos do entendimento de que existem alguns manuais de desenho que se configuram como
receitas metodológicas (DEL RIO, 1990). Podemos considerar, nessa caça às referências
principais dos anos 60, que se pautavam pela crítica ao modernismo e a busca por respostas
para uma efetiva melhora na qualidade de vida urbana, o trabalho de Kevin Lynch, em 1962
como o livro Site Planning, onde o autor aborda “o planejamento do sítio e a perfeita
implantação do projeto em seu contexto urbano e natural" (DEL RIO, 1990. p. 67).
Talvez Lynch e Jacobs, tenham sido representantes desse limiar de questionamentos
e insatisfações dos anos de 1960 em diante. Talvez, nessa angustiada busca por procedimentos
metodológicos e sua aplicação, esses autores e outros como, Norberg-Schulz e David Canter

4 Por pura homenagem citamos, nos anos 60: Kevin Lynch, Jane Jacobs, Gordon Cullen, Bernard Rodowsky, Paul
Davidoff, Fraçoise Choay, Christopher Alexander, Robert Venturi, Aldo Rossi, Herbert Gans, Edmund Bacon e Amos
Rapoport. Nos anos 70: Robert Goodman, Jonh Turner, Manuel Castells, Charles Jencks, Christian Norberg Schulz, E.
F. Schumacher, Peter Blake, Rob Krier, Leon Krier e Colin Rowe. E, nos anos 80: Kenneth Frampton, Jonathan Barnett,
Donald Appleyard, Allan Jacobs e David Gosling.
466
tenham ido a fundo nas análises do urbano mais aproximadas da fenomenologia, importante
fortalecedora do embasamento humanístico. Aqui, nos interessa o conceito de espaço
existencial, o ‘genius loci’, o caráter, a identidade, a qualidade de um lugar, juntamente com o
conceito de ‘sentido de lugar’, aquela qualidade indescritível que diz tudo sobre a qualidade
físico-ambiental dos espaços urbanos (DEL RIO, 1990). Nesse aspecto, entendemos que para
possibilitar um enfoque metodológico que contemple essas questões necessárias para a
compreensão dos fenômenos urbanos é preciso buscar dimensões sob a ótica do usuário.
Assim, apoiando-nos em Del Rio (1990) para encontrar os autores e suas metodologias
de análise urbana, nos baseamos no conceito de lugar como aquele que expressa a qualidade
físico-ambiental dos espaços urbanos, sendo gerado pela sobreposição de três esferas da nossa
consciência: 1) atividades ou usos; 2) atributos físicos e 3) as concepções e imagens.
Adotaremos, então, para fins de “facilidade do trabalho e por conformarem teorias e dimensões
de análise bastante distintas”, a divisão da esfera concepções e imagens em 3.1) análise visual
e percepção do meio ambiente e 3.2) comportamento ambiental e morfologia urbana (DEL RIO,
1990).

4 RESULTADOS

Mediante aos desdobramentos da presente pesquisa, verifica-se enquanto resultado


uma organização visual em diagrama a partir do quadro teórico-epistemológico apresentado
por Del Rio (1990) em sua proposta metodológica. Esses campos são caracterizados por
abordagens em complementaridade, que se faz necessária para a compreensão dos fenômenos,
compartilhando o usuário enquanto ponto de vista comum sendo 1) Morfologia Urbana; 2)
Análise Visual; 3) Percepção do Meio Ambiente e 4) Comportamento Ambiental (DEL RIO, 1990,
p. 70).
A primeira abordagem, Morfologia Urbana (DEL RIO, 1990, p. 70) tem sua origem no
trabalho de geógrafos alemães e franceses em meados do século XX, e depois no dos ingleses,
já nos anos de 1980. Apesar disso, a aplicação no campo da Arquitetura e do Urbanismo, será
melhor identificada na Itália na área de preservação histórica, onde os trabalhos de Saverio
Muratori terão destaque. Esse autor será identificado como o primeiro a adotar análises
tipológicas, reduzindo algumas características analíticas a uma variedade de formas existentes,
a partir da definição de critérios para sua identificação e classificação.
Além disso, o enfrentamento da lógica modernista com a historicidade do ambiente
construído, acabou por gerar o ambiente propício para envolvimento da Arquitetura e do
Urbanismo nessa abordagem percebendo-se o grande afastamento do conhecimento histórico
de instrumentos como a teoria e planejamento urbanos ao longo da primeira metade do século
XX. (CATALDI, et al. 2002)
Não podemos deixar de mencionar Aldo Rossi (1966), entendido como reconhecido
especialista no mérito da Morfologia Urbana, que perpassa pela dimensão arquitetônica da
cidade, pautando sua materialidade enquanto estrutura, construído a partir de representativos
históricos, a exemplo da valorização dos ‘monumentos’, elementos que frisam o aspecto da
cidade representar um tecido humano historicamente e continuamente intervindo (DEL RIO,
1990, P. 71). Esta valorização também redundou em uma combinação de elementos tipológicos
e na estruturação da organização física do tecido urbano.

467
Ainda mais contemporâneo, Philippe Panerai (1980) desenha um panorama amplo do
campo de estudo, da Análise Urbana em sua publicação de mesmo nome, discutindo Morfologia
Urbana e sua importância tomando parte também da prática administrativa de assentamentos
urbanos, prática que somente compreende o fenômeno de Crescimento de uma cidade a partir
de dados políticos, econômicos e sociais atrelado aos dados morfológicos - já que sua
administração urge em continuamente responder a ‘um novo corpo de cidade’. (PANERAI,
1980).
A segunda abordagem, a Análise Visual (DEL RIO, 1990, p.86) tem como trabalhos mais
importantes os chamados pelo autor, de "Teorias/Métodos de Paisagem Urbana (townscape)".
O termo surge, como é usado hoje, em 1948 empregado por Thomas Sharp. O conceito de “tela
urbana" ou "cena urbana" (townscape) foi ainda introduzido e aprofundado por Gordon Cullen
em sua obra Concise Townscape (1961), considerada uma pesquisa seminal no campo da análise
urbana.
Tendo outros expoentes como David Gosling (1984), Kevin Lynch (1960) e Barry
Maitland (1984), a metodologia de análise urbana a partir da Análise Visual caracteriza-se,
portanto, pela compreensão individual e pela variedade das formas na cidade. A qualidade do
townscape é, segundo essa corrente, fundamental para a qualidade de vida urbana e o design
cuidadoso desses espaços pode ter um impacto significativo na experiência das pessoas. A partir
desses preceitos, consolida-se uma nova maneira de olhar e compreender as cidades,
enfatizando a importância da experiência e percepção visual e particular dos espaços urbanos.
Essencial nesta discussão, Cullen (1961) aborda temas como a escala humana, o ritmo e a
legibilidade dos espaços urbanos, enfatizando a criação de ambientes que sejam compreensíveis
e convidativos para os indivíduos. O objetivo principal desse autor em sua preocupação com os
aspectos visuais do ambiente é “a exploração do drama e dos efeitos emocionais sentidos a
partir de nossa experiência visual dos conjuntos edificados” (DEL RIO, 1990, p. 87).
Em oposição diametral aos conceitos do urbanismo moderno, fica evidente, nesse
momento, a importância da diversidade e variedade nas cidades, bem como a necessidade de
preservar e reutilizar elementos históricos e tradicionais na construção da paisagem urbana.
A terceira abordagem, Percepção do Meio Ambiente (DEL RIO, 1990, p.92), se
desenvolveu a partir de conceitos e métodos de psicologia, inspirando-se na Teoria da Gestalt
(surgida em 1890) e as de Gibson (em 1950) e Piaget (em 1963). Tomando como princípio de
que o homem se comunica através de um processo cognitivo, que é a construção do sentido em
nossas mentes, este processo se caracteriza por fases distintas como a percepção (campo
sensorial), a seleção (campo da memória) e atribuição de significados (campo do raciocínio).
Sobretudo, essa categoria pode ser reconhecida como um processo visual
primordialmente, pois a visão é o sentido mais prevalente em nós.
No nosso trabalho, temos o interesse na compreensão das unidades selecionadas para
compor a experiência visual, como a identificação das imagens públicas e a memória coletiva.
Para nós arquitetos e urbanistas, a linha mais influente, que transita entre a segunda abordagem
e essa, vem de Kevin Lynch (1960), ele próprio discípulo da Gestalt, que expandiu suas fronteiras
e analisou a imagem mental que os habitantes tinham de sua cidade. O referido autor estabelece
sua teoria em torno de três qualidades urbanas como conceitos de referência, sendo eles 1)
legibilidade; 2) identidade, estrutura e significado e 3) imageabilidade. Ao cruzar as informações
em mapas compostos, as imagens públicas que Lynch obteve identificavam claramente
elementos urbanos que se destacavam em seu papel para a imageabilidade. Esses elementos

468
altamente aplicáveis ao desenho urbano se transformaram em prática de uso na academia.
Elencam-se então os percursos, limites, setores, nós, marcos,
Já a quarta abordagem, a do Comportamento Ambiental (DEL RIO, 1990, p.96) se
baseia no preceito que o ambiente e sua configuração físico-espacial é capaz de influenciar
diretamente na maneira como os usuários atuam no espaço e se comportam. Essa categoria,
além de considerar a funcionalidade, ao ir de encontro com a psicologia, engloba outros
aspectos como, por exemplo, questões ligadas à estética e a tecnologia (MOORE, 1984).

As questões básicas a serem respondidas são: Como as pessoas se relacionam com o


meio ambiente construído? Quais são as suas necessidades? Como aplicar tais
respostas no processo de projeto? Cada vez que um arquiteto move seu lápis ele faz
suposições sobre as necessidades humanas e decide sobre como o meio ambiente
construído pode melhor satisfazer essas necessidades (MOORE, 1984, p.65-66)

Os estudos pioneiros de profissionais como de Burrhus Frederic Skinner, em Ciência e


Comportamento Humano, publicado no ano de 1953, e de Hall (em 1966) Sommer (em 1969 e
1983), foram essenciais para a inspiração de tantos outros expoentes relevantes. Dentre essas
principais obras, destaca-se o trabalho de Jon Lang, Creating Architectural Theory: The Role of
the Behavioral Sciences in Environmental Design, de 1987, em que o autor defende o papel das
ciências comportamentais como importante base de conhecimento importante para o
desenvolvimento de teorias para o design. Além dele, tantos outros autores foram essenciais,
como Appleyard (em 1981), Pfeiffer (em 1980), além de John Zeisel, com a publicação, em 1984,
de Inquiry by Design: Tools for Environment Behavior Research, assim como o de Jan Gehl, em
especial, na sua obra Life Between Buildings: Using Public Space (em 1987).
A reunião de obras se dá em uma linha do tempo (Figura 1), colocando os quatro campos
em ordenadas paralelas a um eixo temporal. Em cada uma, citam-se pontualmente períodos e
datas particulares, visualmente hierarquizando sua repercussão para os referente s ao campo de
estudo. Os trabalhos foram reunidos a partir do levantamento das obras referenciadas
diretamente (no corpo do texto) ou indiretamente (presentes em bibliografia) na obra de Del
Rio (1990).
A fim de sistematizar o desenrolar historiográfico dos estudos para melhor compreender
seu andamento, definiram-se três categorias distintas visualmente presente nos eixos: (a) de
obras seminais (com datas em destaque colorido), reconhecidamente paradigmáticas; (b) obras
particulares (próximas lateralmente a linha principal com um círculo), entrepostos teóricos em
trabalhos de maior envergadura ou obras de menor repercussão; e (c) trabalhos e práticas
específicas, (em linhas de chamada) participação em projetos, plano diretores.

469
Figura 1: Linha do Tempo, contemplando os quatro campos de estudo

Fonte: AUTORES, 2023.

470
5 CONCLUSÃO

Antes dos anos 60, quando os estudos sobre a cidade não eram um campo acadêmico,
tínhamos o olhar de fora do objeto cidade. As perspectivas se baseavam mais no ponto de vista
intuitivo e estético, como Camillo Site em Construccion de Ciudades Segundo Principios
Artísticos, publicado em 1889. Já em 1923, Le Corbusier com Por uma arquitetura, apresenta
seu manifesto modernista sob o ponto de vista funcionalista, selando esse conceito com a Carta
de Atenas em 1933.
Somente a partir da crise modernista iremos contar com perspectivas de análise
urbana voltadas para a escala do indivíduo e as formas como ele vê, sente, compreende e se
apropria da cidade. Essa é uma mudança importante de paradigma que pudemos visualizar
neste estudo, bem como as partes envolvidas e a origem de seus estudos, compondo um painel
internacional diverso de contribuições ao longo da historiografia. Destaque às contribuições
representativas brasileiras, que entram nessa cronologia por esforço de Del Rio (1990),
localizando a produção intelectual latina frente às produções europeias convencionalmente
referenciadas. Constata-se assim uma contribuição significativa aos estudos historiográficos, na
medida em que reposiciona a produção intelectual, deslocando-a para padrões anti-
hegemônicos.
Pela leitura e análise da linha historiográfica que construímos, podemos perceber que
a partir de uma leitura de base morfológica iniciada em meados nos anos de 1950 com Muratori,
e somada aos estudos da percepção do ambiente de Gibson, forma-se um arcabouço teórico
para embasar a crítica perspicaz de Jane Jacobs em 1961, que dará fôlego para novas pesquisas
e debates em torno da crise da cidade nos moldes modernistas.

Não obstante as ideias dos pioneiros terem influência, ela era limitada. Mesmo assim,
eles plantaram muitas sementes que iram germinar nos anos 1960 e florescer no início
do século XXI quando, finalmente, suas ideias seriam mais amplamente aceitas
conforme mudaram os valores da sociedade (GEHL, 2018).

Lynch e Cullen (em 1960) irão permear seus estudos e proposições de análise tanto da
percepção do ambiente quanto na análise visual, ferramenta de suma importância para
identificar a forma como os indivíduos veem, sentem e experimental o espaço, e assim, formar
as bases de uma verdadeiro manual utilizado até hoje para os trabalhos e projetos no campo do
urbano. Destacamos também nesta linha os trabalhos de Yi-Fu Tuan em 1974 detalhado a
percepção, atitudes e os valores do meio ambiente.
Essencial para fomentar a segunda etapa das discussões sobre as metodologias
aplicadas à leitura e proposições projetuais nas cidades é o trabalho de Panerai em 1980, que
retoma escalas e conceitos urbanos necessários para novas pesquisas. Esse conhecimento
certamente nos proporcionará um caminho para um presente e um futuro baseado em no ssas
boas práticas e experiências do passado, mas contendo instrumentos metodológicos aplicáveis
e que apresentem princípios sustentáveis.
Referência contemporânea de importante relevância é o autor Jan Gehl, que em 1987
já falava nos aspectos do comportamento ambiental dos indivíduos na cidade e na
contemporaneidade (em 2013) veio a publicar Cidades Para Pessoas, onde aborda de forma
aprofundada e bastante didática e objetiva, questões que são fundamentais para a qualidade

471
de vida na cidade e que refletem decisivamente na escala dos espaços, nas soluções de
mobilidade urbana e nas dinâmicas que favorecem a vitalidade, a sustentabilidade (GEHL, 2013).
Esse mesmo autor, nos traz em 2018 uma proposta de como estudar a cidade, mostrando aos
pesquisadores da cidade que ainda temos um longo caminho a percorrer e que precisamos criar
meios eficientes para atuar nos espaços urbanos.
Neste século XXI, os estudos sobre a cidade expandiram o conceito de
sustentabilidade, antes trabalhado com maior ênfase no meio ambiente natural, para uma
perspectiva ambiental, social e econômica, buscando maior conhecimento sobre a dinâmica da
coesão social e econômica do espaço público.
O ponto de partida e o motivo das nossas pesquisas deve ser o desenvolvimento da
vida urbana com qualidade e para tal, precisamos de estudos mais aprofundados.

Sabemos muito pouco sobre o que faz um bom espaço público. [...] No decorrer dos
anos, as atividades urbanas mudaram e novos grupos de usuários surgiram. Se antes,
a vida na cidade no espaço público era dominada pelas atividades necessárias, hoje,
atividades opcionais e recreativas estão no topo da agenda. Trabalhamos, vivemos e
brincamos de maneira a propor novas demandas para as nossas cidades (GEHL, 2018).

Caminhando para uma conclusão, vemos que um planejamento urbano que priorize
as pessoas e a escala humana, manifesta o respeito às mesmas e promove convites para
participarem da vida urbana. Certamente abrimos um leque de possibilidades para
desdobramentos de novas pesquisas sobre como ao longo do tempo entendemos nossos
espaços urbanos e como criamos ferramentas de ação sobre as cidades. Sem dúvida, o ponto
central de todo esse esforço acadêmico e científico é o entusiasmo pela vida e pela cidade.

6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo: Romano Guerra, 2010.

CATALDI, Giancarlo; MAFFEI, Gian Luigi; VACCARO, Paolo. Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual.
Portugal: Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(1). 25-36. Rede Portuguesa de Morfologia Urbana.

CAMPOS FILHO, Candido Malta. Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento de sua
cidade. São Paulo: Editora 34, 2010.

CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 2004.

CHOAY, Françoise. O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia. São Paulo: Editora perspectiva, 1992.

CULLEN, Gordon. Paisagem urbana. Lisboa: Edições 70, 1983

DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: PINI, 1990.

FAAR, Douglas. Urbanismo Sustentável: desenho urbano com a natureza. Porto Alegre: Bookman, 2013.

GEHL, Jan. Life Between Buildings: Using Public Space. Van Nostrand-Reinhold, Nova Iorque, 1987.

________ Cidades Para Pessoas. São Paulo: Perspectiva, 2013

_________Vida nas cidades: como estudar. São Paulo: perspectiva, 2018.

472
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: 18 ago 2023.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

MORENO, Julio. O futuro das cidades. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002.

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PANERAI, Philippe. Análise Urbana. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.

ROGERS, Richard. Cidades para um pequeno planeta. Barcelona: Editora Gustavo Gilli, 2013.

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SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1994.

WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de latino-americanos. São Paulo:
Perspectiva, 2013.

473
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
(x ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

MOBILIDADE URBANA E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA CICLABILIDADE

URBAN MOBILITY AND PUBLIC POLICIES FOR CYCLING

Nathalia dos Santos Ribeiro


Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo, IFSP, Brasil.
Ex-bolsista de Iniciação Científica, PIBIFSP.
nathalia.ribeiro@aluno.ifsp.edu.br

Douglas Gallo
Professor Doutor, IFSP, Brasil.
douglas.luciano@ifsp.edu.br

474
RESUMO
A mobilidade ativa é uma estratégia fundamental para a garantia de cidades mais saudáveis, sustentáveis, seguras e
humanas. As políticas públicas são fundamentais para a consolidação de um modelo de cidade que privilegia a escala
e a dimensão humanas, possibilitando a configuração de espaços que privilegiem o deslocamento a pé e por bicicleta,
e criando cidades mais ativas. O objetivo do artigo é relacionar a mobilidade ativa com a infraestrutura do
planejamento urbano da cidade de São Paulo, discutindo como o planejamento pode considerar a saúde da
população, contribuindo para uma cidade com mais qualidade de vida. Além disso, procura -se analisar como se deu
o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas ao ciclismo urbano na cidade, visto que elas contribuem para
incentivar o uso do transporte ativo. Embora tenham ocorridos avanços com a criação de uma legislação e
planejamento focados na ciclabilidade, a cidade de São Paulo ainda possui grandes desafios e potencial para expansão
da malha cicloviária, particularmente nos territórios mais periféricos e desiguais.

PALAVRAS-CHAVE: Cidade ativa. Planejamento urbano saudável. Políticas públicas saudáveis.

ABSTRACT
Active mobility is a key strategy for ensuring healthier, more sustainable, safer and more humane cities. Public policies
are fundamental for the consolidation of a city model that favors the human scale and dimension, enabling the
configuration of spaces that favor walking and cycling, and creating more active cities. The objective of the article is
to relate active mobility with the infrastructure of urban planning in the city of São Paulo, discussing how planning
can consider the health of the population, contributing to a city with better quality of life. In addition, it seeks to
analyze how the development of public policies related to urban cycling in the city took place, since they contribute to
encourage the use of active transport. Although there have been advances with the creation of legislation and
planning focused on cycling, the city of São Paulo still has major challenges and potential for expanding the cycling
network, particularly in the most peripheral and unequal territories.

KEYWORDS: Active city. Healthy urban planning. Healthy public policies.

475
1 INTRODUÇÃO

As políticas públicas voltadas à saúde até meados dos anos 1970 concentravam suas
ações na construção de hospitais e na formação de profissionais “superespecialistas”, o que
mostrava que a questão da saúde focava no físico do indivíduo, mais especificamente, no
tratamento de doenças. Atualmente a saúde passou a ser relacionada, não somente com um
indivíduo saudável, livre de doenças, mas também com a qualidade de vida desse indivíduo,
visto que a saúde inclui questões como alimentação, habitação, condições de trabalho,
deslocamento, oportunidades educacionais e sociais (GALLO; BESSA, 2018). A própria
Organização Mundial da Saúde define saúde como um estado de bem-estar físico, mental e
social (WHO 2006).
Por isso, cada vez mais procura-se modificar as cidades para que elas sejam mais vivas,
saudáveis, seguras, resilientes e sustentáveis (GEHL, 2013). A mobilidade urbana vem recebendo
mais atenção no planejamento urbano das cidades, visto que a questão do deslocamento do
indivíduo acaba afetando sua saúde. Busca-se mais e mais atingir uma mobilidade sustentável
para ajudar nos problemas de locomoção das grandes cidades, causados por longos
congestionamentos, derivados do modelo rodoviarista que as cidades desenvolveram ao longo
de sua expansão, um bom exemplo é a cidade de São Paulo.
Em relação ao contexto histórico da cidade de São Paulo, o crescimento
automobilístico do século XX junto com a urbanização acelerada da cidade formaram um
desenho urbano que favoreceu o transporte motorizado individual, em detrimento do
transporte coletivo e/ou ativo. Esse tipo de transporte dispara a emissão de poluentes na
atmosfera, que gera sérios problemas de saúde pública, podendo ocasionar doenças
respiratórias e cardíacas, e isso, consequentemente, acaba aumentando os gastos do Estado
com saúde (SOARES, 2015).
Atualmente o aumento da frota de automóveis é intensificado pela má qualidade dos
transportes públicos coletivos, na cidade de São Paulo, aproximadamente 70% das emissões de
gases de efeito estufa são produzidos por automóveis, sendo que esses só são responsáveis pela
mobilidade de 30% da população (CRUZ; PAULINO, 2019). Ao perceber que a mobilidade urbana
está em crise, com congestionamentos cada vez maiores, o desenho de novas políticas públicas
está sendo orientado pela priorização de modos de transportes mais saudáveis e sustentáveis,
como modos ativos, incentivando o uso de bicicletas e o deslocamento a pé. Novas agendas
supragovernamentais apoiam esta reorientação em prol da construção de cidades saudáveis,
por meio de um planejamento urbano focado na promoção da saúde e da mobilidade ativa
(WHO, 2008).
Pensar em cidades mais saudáveis é necessário no cenário atual, para promover mais
saúde e qualidade de vida aos indivíduos e, para isso, é necessária a reorientação de planos de
mobilidade urbana. A mobilidade ativa, priorizada pela Política Nacional de Mobilidade Urbana,
a PNMU (BRASIL, 2012), é uma nova tentativa de alteração da lógica injusta atual, em que não
é pensada a dimensão do indivíduo na cidade e, sim, do automóvel. Essa mudança contribui para
elevar os níveis de saúde urbana, incentivando e facilitando estilos de vida mais ativos. A
promoção da mobilidade ativa visa melhorar a qualidade de vida urbana, incorporando políticas
com potencial de inovação em serviços urbanos (CRUZ; PAULINO, 2019).
O conceito de Cidade Ativa, remete à uma cidade que incentiva o indivíduo a praticar
atividade física todos os dias, pelo menos 30 minutos. A realização dessa atividade impacta, não

476
somente, na vida individual, como também na saúde pública, visto que indivíduos mais
saudáveis ocasionam menos gastos ao Estado. Essa atividade pode ser realizada de diversas
maneiras, como exercícios físicos, caminhadas, uso de bicicleta e até o ato de subir escadas é
contado (BUFFOLI, 2014; WHO, 2008).
De acordo com Buffoli (2014), uma cidade que investe em políticas para o
desenvolvimento de uma Cidade Ativa, além de proporcionar benefícios para a saúde da
população, desenvolve os seguintes benefícios:
● economia com despesas de saúde e transporte;
● aumento na produtividade dos cidadãos e trabalhadores;
● criação de ambientes mais habitáveis e atraentes para residentes,
trabalhadores e turistas;
● melhora na qualidade do ar e na poluição sonora;
● maior acessibilidade às áreas verdes;
● requalificação participativa dos bairros e incremento da coesão social e da
identidade comunitária;
● promoção e alargamento das redes sociais.
Com a ajuda de políticas públicas que incentivem meios mais saudáveis de viver, o
desenho urbano da cidade pode ser reconfigurado para esse propósito, com criação de mais
espaços de lazer para a prática de atividades físicas, criação de ciclovias/ciclofaixas, que
estimulem o uso frequente de bicicletas e mais espaços de qualidade para o deslocamento a pé,
fomentando, assim, uma mobilidade mais sustentável e saudável nas cidades.
Essa pesquisa teve como foco o ciclismo urbano enquanto ferramenta para o
desenvolvimento de cidades mais ativas, levando em conta que a bicicleta surgiu como uma
alternativa para a crise de mobilidade urbana, sendo um meio de transporte sustentável e
eficiente. Procurou-se, então, analisar as políticas públicas cicloviárias e planos de mobilidade
como instrumentos institucionais para promoção de uma mobilidade ativa e,
consequentemente, uma cidade mais saudável. O objetivo do artigo é discutir a mobilidade ativa
como elemento constitutivo de um planejamento urbano saudável que impacte na qualidade
de vida urbana, apresentando a evolução das políticas públicas do setor.
Pretendeu-se relacionar a mobilidade ativa com as políticas e planos cicloviários,
relacionados ao planejamento urbano da cidade de São Paulo, discutindo como o planejamento
pode considerar a saúde da população, contribuindo para uma cidade com mais qualidade de
vida. Além disso, procura-se analisar como se deu o desenvolvimento de políticas públicas
relacionadas ao ciclismo urbano na cidade, visto que elas contribuem para incentivar o uso do
transporte ativo. Como metodologia o estudo realizou uma revisão da literatura e um análise
documental da legislação e das políticas públicas setoriais, bem como uma análise espacial da
infraestrutura cicloviária instalada As hipóteses levantadas inicialmente foram, que o
desenvolvimento das políticas públicas relacionadas à bicicleta favoreceu regiões específicas da
cidade, levando a uma má distribuição da infraestrutura cicloviária da cidade que afeta a saúde
e a qualidade de vida dos indivíduos residentes das regiões periféricas e historicamente menos
desenvolvidas.

477
2 CICLABILIDADE

A Ciclabilidade, é um conceito que está relacionado com a relevância sobre como um


ambiente favorece o uso da bicicleta, sendo considerada a qualidade da infraestrutura
cicloviária como um fator imprescindível para o estímulo ao uso desse tipo de transporte (LOPES,
2021). Apesar da bicicleta ter grande popularidade no Brasil, os investimentos em infraestrutura
para seu uso são deficientes quando relacionados à qualidade e planejamento. É necessário um
bom planejamento cicloviário para que o uso cotidiano da bicicleta aumente significativamente
(BATISTA; LIMA, 2020). A ciclomobilidade possui grande potencial como solução da crise de
mobilidade urbana, porém continua sendo tratada como um objeto de lazer e turismo (FARFAN;
MELLO, 2015).
Investimento em transporte coletivo, ciclovias e calçadas seguras, é um investimento
voltado não só à mobilidade urbana, mas também à saúde coletiva. O autor Paulo Saldiva (2018)
comenta que a cidade está passando por uma espécie de “imobilidade urbana”, que é causada
pelos congestionamentos nas cidades. E essa imobilidade afeta o indivíduo de diversas
maneiras, como a perda de horas no trânsito que causa estresse, perda de sono, menos tempo
para conviver socialmente e, portanto, a diminuição da qualidade de vida do indivíduo. Essa
“imobilidade” faz com que o indivíduo inale mais poluentes durante o dia, visto que nos
congestionamentos o nível de poluição chega a ser até três vezes maior que em outros pontos
da cidade. Em comparação, um ciclista, que não necessita ficar parado quando há
congestionamento, inala uma quantidade bem menor de poluentes, graças a agilidade desse
tipo de transporte, e ao fato de o ciclista procurar rotas alternativas por ruas mais tranquilas,
consequentemente com menos tráfego e uma quantidade menor de poluição atmosférica
(SALDIVA, 2018).
A bicicleta é um meio de transporte amigo da sustentabilidade, ela possui um ciclo de
vida longo e de baixo impacto ao ser comparada com um automóvel, que é bem mais poluente.
Um carro, acrescido da infraestrutura rodoviária necessária para sua locomoção, emite cerca de
239 Kg de CO2 por passageiro por quilômetro, isso é 10 vezes mais do que uma bicicleta produz.
Ela emite cerca de 21 Kg de CO2, isso incluindo sua pegada ecológica, visto que a maioria das
bicicletas utilizadas no Brasil são importadas da China ou de Taiwan. Levando em conta que esse
impacto poderia ser diminuído ainda mais se fossem promovidas políticas públicas que
incentivassem o aumento da produção da indústria brasileira (COELHO FILHO; SACCARO
JUNIOR, 2017).
Essa questão da poluição é muito importante para a cidade e a sua saúde, a redução
da emissão de partículas de carbono pelos automóveis seria favorável, também, para os gastos
públicos com a saúde. Se diminuíssemos a queima de combustível fóssil, os cofres públicos
economizariam com despesas hospitalares relacionadas a doenças respiratórias e esse dinheiro
economizado poderia ser reinvestido em políticas de mobilidade ativa. Por isso, vê -se a
necessidade de aumentar a ciclabilidade nas cidades brasileiras, e particularmente na cidade de
São Paulo, incentivando cada vez mais esse tipo de transporte, o que auxiliaria não só a questão
da mobilidade urbana, como também a saúde dos indivíduos que vivem nela, por meio da
prática de atividades físicas, e consequentemente, de uma vida mais ativa. Esse cenário pode se
alterar com a ajuda da criação de políticas públicas que incentivem a criação de ambientes
favoráveis à saúde (GALLO; BESSA, 2018), incluindo a implementação de ciclo estruturas,

478
calçadas adequadas e, também, em transporte coletivo, visto que ele incentiva o ato de
caminhar, já que os indivíduos são estimulados a andar até as paradas e destas até seus destinos.

3 POLÍTICAS PÚBLICAS RELACIONADAS AO CICLISMO URBANO

Para entender o contexto e o desenvolvimento das políticas públicas ao longo dos


anos, é necessário compreender o que elas são, segundo Boneti (2007, p. 74) “Entende-se por
políticas públicas o resultado da dinâmica do jogo de forças que se estabelece no âmbito das
relações de poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes
sociais e demais organizações da sociedade civil”. E é o Estado que direciona as ações e os
investimentos para serem aplicados em função da construção da sociedade almejada. Na figura
1 é apresentado um organograma da elaboração e operacionalização das políticas públicas.

Figura 1 – Organograma da gênese e operacionalização das Políticas Públicas

Fonte: Adaptado de Boneti (2007) por Gallo (2020).

As políticas públicas possuem grande influência na condição de vida da população,


visto que o desenho urbano da cidade é influenciado pelas decisões do Estado, tomadas em
relação às políticas implementadas. As alterações causadas nesse desenho urbano, por meio de
políticas públicas, podem provocar alterações nos usos e funções dos lugares na cidade,
acentuando ou diminuindo desigualdades, dependendo de onde a infraestrutura e os serviços
planejados vão ser implementados (GALLO, 2020).
Na figura 2 pode-se observar uma linha do tempo com as principais políticas públicas
relacionadas à bicicleta que foram implementadas na cidade de São Paulo, a partir dela é

479
possível fazer uma análise de como essas políticas influenciaram a expansão da malha cicloviária
da cidade, e posteriormente analisar a relação dessa expansão com a sua qualidade e
distribuição pela cidade de São Paulo.

Figura 2 – Linha do tempo com as principais Políticas Públicas da cidade de São Paulo/SP relacionadas à mobilidade
por bicicletas

Fonte: Elaborado pelos autores, 2021.

Em meados de 1973, ocorreu um grande aumento no preço dos combustíveis devido


à uma crise política do petróleo. Países como Holanda e Dinamarca usaram a bicicleta como uma
alternativa mais barata em relação aos automóveis (MCIDADES, 2007). Essa situação acabou por
impulsionar a bicicleta pelo mundo, no Brasil, no começo da década de 1980 a GEIPOT – Empresa
Brasileira de Planejamento de Transportes, publicou um Caderno Técnico e um Manual de
Planejamento Cicloviário, que já considerava a bicicleta como um me io de economizar energia
que facilitaria a vida urbana e a tornaria mais saudável (BRASÍLIA, 1976). A intenção era
estimular um meio de transporte que possuísse fácil manutenção e baixo custo, visto que desde
aquela época o transporte coletivo, em várias cidades brasileiras, já apresentava problemas,
como deterioração e não atendimento da demanda (MALATESTA, 2012). A bicicleta, também
proporcionaria uma redução da dependência dos combustíveis fósseis e uma maior preservação
do meio ambiente ajudando a reduzir o número de veículos motorizados pelas cidades (SOARES,
2015).
A primeira ciclovia instalada na cidade de São Paulo, conhecida à época como “pista
para bicicletas”, foi construída em 1976, porém o primeiro plano cicloviário da cidade foi
elaborado, somente, em 1981. Ele previa um total 186 km de ciclovias, só que o plano acabou
não sendo implantado (SÃO PAULO, 2020). Em 1990 a Lei Nº 10.907/90 definiu a
obrigatoriedade da implantação de ciclovias na construção de novas avenidas (SÃO PAULO,
1990). Um pouco depois, um novo plano cicloviário foi criado, o “Projeto Ciclista”, de 1994, ele
estabelecia as ações necessárias à implantação de infraestrutura urbana e educativa para o
conforto, segurança e economia do cidadão ciclista e contava com 110 km de extensão (SÃO
PAULO, 1994). Tinha como intenção usar os espaços que já possuíam um potencial para os
ciclistas e criar ciclovias nessas áreas, para incentivar ainda mais o uso da bicicleta. Entretanto,
somente alguns trechos foram implementados e não deram continuidade ao projeto, muitos
dos espaços que tinham sido separados para as ciclovias acabaram sendo transformados em
calçadas (SÃO PAULO, 2020).

480
Em 1997 ocorreu um marco importante na história da bicicleta, ela foi reconhecida
como veículo no Código de Trânsito Brasileiro – CTB de 1997 (BRASIL, 1997). A partir daí, a
bicicleta teve maior visibilidade, mas, mesmo assim, não recebeu a atenção necessária. Em 2005
a cidade de São Paulo ganhou um novo plano cicloviário, que desta vez teve como motivação
um projeto da Prefeitura do Município de São Paulo que visava a redução da emissão de gases
veiculares. Desde os anos 2000 o uso da bicicleta já tinha aumentado na cidade, alguns
bicicletários tinham sido criados próximos a estações de ônibus e metrô, o que permitia uma
maior integração com o transporte coletivo, e isso foi analisado na Pesquisa de Origem e Destino
do Metrô de 2002, os resultados mostraram um grande uso da bicicleta motivado pelo trabalho,
portanto, o novo Plano de 2005 propunha uma infraestrutura cicloviária que incentivava esse
tipo de uso (MALATESTA, 2012).
Em 2007 a Lei N° 14.266/07 determinou a criação do Sistema Cicloviário do Município
de São Paulo, como contribuição para o incentivo ao uso de bicicletas como meio de transporte
na cidade e à mobilidade sustentável (SÃO PAULO, 2007). Após a aprovação dessa lei, ficou a
cargo da CET – Companhia de Engenharia de Tráfego – a administração das intervenções
propostas para o município, o que incluía o desenvolvimento e aprovação dos projetos. A criação
dessa Lei desencadeou outro marco importante para a bicicleta, visto que devido a demanda de
projetos de intervenções cicloviárias na cidade, em 2009 foi criado na CET um departamento
específico para o Planejamento Cicloviário (MALATESTA, 2012).
Em 2010, foi desenvolvido o 4° Plano Cicloviário da cidade, ele tinha por objetivo
cumprir a Lei N° 14.266/07. Ele se baseou na Pesquisa do Metrô OD de 2007 e abrangia
pequenos setores que não tinham sido incluídos nos planos anteriores, mas não detalhava como
funcionaria as ligações com os outros setores, similar ao plano anterior ele também visava
apoiar as viagens diárias de bicicleta motivadas pelo trabalho (SÃO PAULO, 2020).
O ano de 2012 pode ser considerado um divisor de águas para a infraestrutura
cicloviária da cidade de São Paulo, a Lei Federal N° 12.587/12 instituiu a criação da Política
Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU. Ela previa que municípios com população acima de 20
mil habitantes teriam que estabelecer como prioridade dos investimentos públicos os modos
ativos e coletivos de deslocamento, elaborando um plano de mobilidade até 2015, caso
quisessem receber recursos federais para projetos na área de mobilidade (BRASIL, 2012). Em
2013 foi criado o Conselho Municipal de Trânsito e Transporte – CMTT, pelo Decreto N° 54.058
de 2013 (SÃO PAULO, 2013), ele tinha como uma de suas funções, “subsidiar a formulação de
políticas públicas municipais relacionadas à Política Nacional de Mobilidade Urbana”, e
acompanhar o desenvolvimento e implementação do Plano de Mobilidade (SÃO PAULO, 2007).
Em 2014 aconteceu a revisão do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo
– PDE, o Plano era de 2002 e sua revisão já estava atrasada, era pra ter acontecido em 2006,
mas a revisão não foi finalizada (SÃO PAULO, 2014). A revisão de 2014 contou com participação
popular e foi elaborado um modelo novo de desenvolvimento urbano, o PDE visou enfrentar as
desigualdades presentes na cidade de São Paulo relacionadas ao território, dando enfoque para
a inclusão social, melhorias na acessibilidade de mobilidade para a população, ao
desenvolvimento sustentável da cidade e a diminuição de custos nos deslocamentos, que
atingem a população mais vulnerável. Sua intenção era garantir uma cidade mais equilibrada,
com responsabilidade ambiental, inclusiva e, principalmente, qualidade de vida (SÃO PAULO,
2021).

481
Em 2015 a cidade de São Paulo ganhou seu novo Plano de Mobilidade, o PlanMob/SP,
que foi elaborado atendendo os princípios e diretrizes da PNMU e da revisão do PDE.
Novamente foi dada prioridade do uso do espaço urbano para os meios de deslocamento
coletivos e ativos, sendo o deslocamento a pé o que teria prioridade entre os outros, visto ser
uma “atividade básica do ser humano”. A bicicleta é reconhecida como um meio de transporte
mais saudável e de custo mais baixo que os transportes motorizados individuais, portanto o
PlanMob pretendia estimular o uso desse meio, através da implementação de um S istema
Cicloviário que promovesse aos usuários ganhos em relação a quesitos ambientais, econômicos,
sociais e, principalmente, à saúde (SÃO PAULO, 2015).
O PlanMob/SP definiu como meta a implementação de mais de 400km de
infraestrutura cicloviária até 2016 e um total de 1.800 km de cicloestruturas até 2028 (SÃO
PAULO, 2015). Isso fez com que a rede cicloviária de cidade se expandisse de menos de 250 km
de infraestrutura em 2014 para mais de 500 km em 2016. Após essa expansão foi observada
uma estagnação no crescimento das ciclovias e em 2019 um novo plano foi elaborado com a
promessa de mais 173 km de novas vias (SÃO PAULO, 2020). De acordo com a CET (2023),
atualmente, a cidade conta com 722,1 km de vias com tratamento cicloviário permanente,
sendo 690 km de ciclovias/ciclofaixas e 32,1 km de Ciclorrotas. Ainda complementando o
sistema são 7.192 vagas em 72 Bicicletários e 802 vagas em 29 locais com Paraciclos.
Em 2023 o Plano Diretor Estratégico de São Paulo - PDE passou por uma revisão,
atrasada em decorrência da Pandemia de Covid-19, onde não aconteceram grandes
modificações em relação ao tema da mobilidade ativa. A melhoria da mobilidade urbana
continua como uma diretriz importante para a construção de uma cidade mais equilibrada com
a reversão do atual modelo de mobilidade centrado no uso de automóvel individual. Ainda que
o PDE estabeleça recursos mínimos e permanentes para ampliar e rede e qualificar o transporte
público e os meios não motorizados, o único indicador apontado para seu monitoramento é a
“Distribuição dos recursos liquidados do FUNDURB no Sistema de Mobilidade”, o qual
demonstra claramente que o montante de recursos para o sistema cicloviário é insignificante
(Figura 3)

Figura 3 – Distribuição dos recursos liquidados do FUNDURB no Sistema de Mobilidade do Município de São
Paulo/SP, por tipo de intervenção

Fonte: Gestão Urbana, 2023.

482
4 INFRAESTRUTURA CICLOVIÁRIA EM SÃO PAULO

Tomando como base a análise da linha do tempo das políticas públicas relacionadas à
bicicleta na cidade de São Paulo (Figura 2), pôde-se concluir que dos anos 1980 aos 1990, a
maioria das políticas públicas para a criação de ciclovias não foram, de fato, efetivadas, mesmo
com a criação de leis e de um plano cicloviário, isso ocorreu até o reconhecimento da bicicleta
como veículo no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, em 1997. A partir daí, a bicicleta teve maior
visibilidade, mas, mesmo assim, não recebeu a atenção necessária.
Os planos apresentados no começo do desenvolvimento da infraestrutura para
bicicleta não foram cumpridos, a maioria foi deixada de lado pouco tempo depois de criados. A
cidade de São Paulo iniciou a se desenvolver na temática quando políticas públicas sólidas
começaram a ser implementadas, como a PNMU que impôs a necessidade de um plano de
mobilidade, e desses foram desenvolvidos planos cicloviários. Na figura 4, pode -se observar essa
evolução a partir do ano de 2014, entretanto, foi observada a estagnação que ocorreu no
crescimento da malha entre os anos de 2016 e 2018, que foi quando uma nova gestão assumiu
a prefeitura da cidade e não deu continuidade às ações do antecessor. A malha voltou a se
expandir quando ocorreu uma nova troca de gestão, que foi quando o novo Plano Cicloviário
2019-2020 foi criado para dar continuidade ao que a gestão de 2015 havia iniciado.

Figura 4 – Evolução da malha cicloviária da cidade de São Paulo/SP, entre 2010 e 2021

Fonte: Elaborado pelos autores com base em São Paulo (2020) e CET (2023) .

Destaca-se a importância da continuidade em relação às modificações começadas por


gestões de governos diferentes, porque esse tipo de infraestrutura prevista no PlanMob não vai
ser executada em uma só gestão, já que possui metas até 2028. No Brasil, o cenário político
tende a privilegiar ações de curto prazo, que são mais visíveis do que projetos a longo prazo,
visto que um projeto longo não pode ser executado em uma só gestão, portanto o idealizador

483
do projeto não receberá os créditos. De acordo com Saldiva (2018), sempre é a sociedade que
acaba sendo prejudicada por essa “visão de lucros imediatos e por uma boa dose de ganância e
falta de espírito público”.
Na figura 5, é possível perceber a distribuição desigual da malha cicloviária, da cidade
de São Paulo, nas diferentes regiões. A região do centro expandido é a que possui maior
concentração de cicloestruturas, mostrando a necessidade de um planejamento mais cuidadoso
na promoção da mobilidade ativa, especialmente nas regiões periféricas da cidade.

Figura 5 – Distribuição da malha cicloviária da cidade de São Paulo/SP, 2023

Fonte: Elaborado pelos autores com base em CET (2023) .

484
Essa problemática está relacionada ao contexto histórico da cidade, cuja urbanização
acelerada e o modelo rodoviarista contribuíram para a precarização das infraestruturas
disponíveis. O uso intenso do transporte motorizado individual, incentivado pelo rodoviarismo,
reformulou e reconfigurou o espaço urbano, o que acabou por não priorizar a dimensão humana
na cidade. Os indivíduos de renda mais baixa enfrentam, cada vez mais, uma maior distância
entre sua moradia e seu trabalho, isso dificulta o uso da bicicleta, já que ela é um meio de
deslocamento de curta distância (SOARES, 2015).
O aumento dessa distância é considerado parte do espraiamento urbano, que é
acompanhado pelo aumento dos custos de deslocamento, essas dificuldades somadas à
problemas no sistema público de transporte, acabam desincentivando a mobilidade ativa
(BATISTA; LIMA, 2020). Tudo isso é intensificado pelas políticas públicas de habitação social que
acabam levando os mais pobres para os extremos da cidade, longe do centro, promovendo uma
exclusão social urbana (ROLNIK, 2001).
Essa exclusão impactou, não somente, na mobilidade individual, como também na
saúde urbana. A saúde pode ser relacionada às suas condições de vida, visto que a saúde urbana
pode sofrer influência do local de residência, do local de trabalho e, também, da qualidade e
acesso aos serviços públicos que os indivíduos possuem, o que está atrelado à infraestrutura
que é fornecida ao seu redor. Portanto, o agravamento da pobreza e a exclusão social nas
cidades são consideradas mais um empecilho ao acesso da população a uma infraestrutura
adequada, e isso diminui seu bem-estar urbano (GALLO; MATSUNAGA; BESSA, 2018).
É um fato histórico na cidade de São Paulo que os investimentos públicos priorizam o
setor sudoeste da cidade, Raquel Rolnik comenta em seu livro que isso acontece desde o século
XX, visto que esse era o espaço da elite branca da cidade, e que as periferias com seu
crescimento desordenado são renegadas e deixadas com baixa infraestrutura (ROLNIK, 2001).
Pode-se perceber o quanto isso é atual, reparando a quantidade de conjuntos habitacionais
sendo construídos cada vez mais afastados do centro. A desigualdade nos modos como são
alocados os investimentos acabam, na maioria das vezes, privilegiando as áreas de maior poder
aquisitivo e/ou turísticas, como o centro expandido de São Paulo (BATISTA; LIMA, 2020).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Aumentar a qualidade e a disponibilidade de cicloestruturas influenciaria o uso ainda


mais constante dessas estruturas. Em uma pesquisa da Ciclocidade, os entrevistados colocaram
como principal problema enfrentado para o uso da bicicleta, a falta de infraestrutura cicloviária
e de educação no trânsito (CICLOCIDADE, 2016). O que mostra a importância de uma política
mais consistente de educação no trânsito em relação às bicicletas, alguns países como
Alemanha, Holanda e Dinamarca estão adotando um “Código dos Direitos do Ciclista”, assim os
indivíduos se sentem mais protegidos ao pedalar (COELHO FILHO; SACCARO JUNIOR, 2017).
Como citado anteriormente, o plano de mobilidade da cidade de São Paulo (SÃO
PAULO, 2015), possui como meta ampliar a estrutura cicloviária da cidade até 2028. Com essa
ampliação prevista, ainda ficarão algumas lacunas nas regiões mais distantes do centro,
historicamente esquecidas do planejamento urbano municipal (ROLNIK, 2001). Um dos
princípios básicos de planejamento urbano, fala da necessidade da inclusão de políticas públicas
com a intenção de melhorar a acessibilidade da população às infraestruturas necessárias para
suas vivências pelo espaço urbano (GALLO, 2020). Portanto, uma cidade com um bom

485
planejamento cicloviário contribui para uma adesão maior a esse tipo de transporte, visto que
uma boa qualidade de infraestrutura ajuda a incentivar sua acessibilidade (SOARES, 2015).
Em outra pergunta, na pesquisa da Ciclocidade, os indivíduos foram questionados
sobre o que os fariam pedalar mais, praticamente metade das respostas focaram em
infraestrutura cicloviária (49%), mais segurança no trânsito apareceu com 18% e mais segurança
contra assaltos com 14%. Esse último dado, foi a segunda opção mais respondida por pessoas
das periferias, o que reflete a necessidade de atenção em relação à segurança pessoal, além,
somente, da instalação de infraestrutura nas periferias (CICLOCIDADE, 2016).
Em relação à frequência na utilização de ciclovias ou ciclofaixas, a porcentagem de
respostas “raramente” ou “nunca”, aumenta conforme os entrevistados se distanciam do centro
da cidade, somente 8% da região central responderam que raramente pedalam fora das
cicloestruturas, já nas regiões periféricas a porcentagem sobe para 33%, refletindo a defasagem
da infraestrutura citada anteriormente (CICLOCIDADE, 2016).
A bicicleta ainda é considerada como um meio de transporte para o lazer, isso é
refletido na falta de estruturas auxiliares ao ciclismo urbano, como bicicletários e paraciclos. O
uso por motivo de trabalho é renegado, visto que, se o indivíduo necessita trabalhar de bicicleta,
não tem onde estacionar e deixar seu equipamento em segurança, por exemplo. Mesmo que
segundo a pesquisa OD de 2017, o principal motivo de viagens com bicicleta tenha sido o
deslocamento para o trabalho (68,2% do total de viagens), essa defasagem de estruturas acaba
sendo um obstáculo a mais ao uso desse tipo de transporte, é necessária uma mudança cultural
para que comecem a enxergar o uso da bicicleta como recurso para a mobilidade cotidiana
(METRÔ, 2019).
É fundamental a implantação de locais apropriados para o estacionamento dos
equipamentos para qualquer tipo de viagem, seja só de bicicleta ou para viagens que fazem
integração com o transporte público coletivo. A possibilidade de intermodalidade é um incentivo
para mais usuários que moram mais distantes de seus destinos e ainda querem utilizar o modo.
O PDE 2014, e sua revisão em 2023, determina que “Novos eixos de Transporte Público Coletivo
a serem implementados deverão priorizar o uso do transporte público, da bicicleta e a circulação
de pedestres, qualificando as condições de mobilidade e a integração entre os meios de
transporte” (SÃO PAULO, 2015). Além disso, bicicletários adequados reduzem a possibilidade de
furto do equipamento, o que retoma a temática da carência de segurança dos atuais usuários e,
ainda, estimula o uso mais constante desse meio de transporte.
A bicicleta, na maioria das vezes é escolhida para viagens pequenas e rápidas. A razão
de escolha de mais da metade das viagens é a pequena distância a ser percorrida, o que pode
ser uma das razões do centro ter mais usuários que nas periferias, visto que o deslocamento
diário de uma pessoa que mora no centro é bem maior do que uma que reside na periferia
(METRÔ, 2019). Esses dados refletem a desigualdade da cidade de São Paulo em relação aos
deslocamentos, afetando diretamente a qualidade de vida dos indivíduos que habitam as
periferias. Os autores Coelho Junior e Saccaro Filho (2017) comentam que “Existe um grande
número de bicicletas no Brasil, o que falta é a infraestrutura para tirá-las da garagem e uma
política industrial e comercial para a produção de peças, comercialização e diminuição dos
custos”, essa fala reflete o grande potencial das cidades do Brasil em relação ao ciclismo urbano,
com investimentos bem direcionados pelas políticas públicas o Brasil pode se tornar uma grande
potência na questão da mobilidade ativa.

486
Pode-se concluir que a cidade de São Paulo possui grande potencial para desenvolver
a mobilidade ativa através do ciclismo urbano, sendo necessário que políticas públicas sólidas
sejam implementadas, assim como a PNMU e o PlanMob/SP, que trouxeram mudanças efetivas
no desenho urbano da cidade. A desigualdade é outra questão que merece mais atenção, visto
que as periferias da cidade são as mais necessitadas de infraestruturas adequadas, seja para sua
mobilidade, convívio, saúde urbana e qualidade de vida. A expansão da malha cicloviária para
2028 é necessária para que sejam cumpridas as diretrizes dispostas no Plano de Mobilidade, de
garantir conectividade entre os bairros e trajetos, assim, melhorando a qualidade da malha para
todas as regiões. É necessário que o planejamento e o projeto urbano estejam em sintonia para
que o ciclismo urbano ajude a construir uma cidade mais saudável, incentivando modos mais
ativos de viver.

Referências

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WHO, World Health Organization. A healthy city is an active city: a physical activity planning guide. Copenhagen:
WHO, 2006.

488
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

NITERÓI POR SUA CARTOGRAFIA: UMA ANÁLISE DE SUAS


TRANSFORMAÇÕES URBANAS NO SÉCULO XIX

NITERÓI BY ITS CARTOGRAPHY: AN ANALYSIS OF ITS URBAN TRANSFORMATIONS IN THE


19TH CENTURY

Gabriel Soares da Costa


Doutorando, PPGAU-UFF, Brasil
gabrielcosta@id.uff.br

489
RESUMO
Este artigo pretende analisar brevemente o processo de formação do tecido urbano da cidade de Niterói (RJ) por
meio do estudo de algumas cartografias e iconografias históricas, com ênfase no século XIX, relacionando-as com os
fatos vivenciados pela cidade e utilizando como referencial teórico os conceitos propostos pelo morfologista francês
Philippe Panerai. Desta forma, busca-se identificar através dos mapas e projetos, conceitos como “linhas e polos de
crescimento”, “barreiras” e “limites”, que conformaram a feição da cidade e influenciaram sua atual forma, de
maneira a entender seu processo de ocupação, e suas semelhanças com o ocorrido na cidade do Rio de Janeiro. Para
isto, utilizou-se de acervo iconográfico e cartográfico local, que permitiu a análise desse recorte histórico de Niterói
enquanto capital da Província (1835-1889) e capital do estado do Rio de Janeiro (1889-1975). Assim, por meio do
estudo da evolução urbana retratada nas cartografias e sua comparação com o tecido atual, percebe-se claramente
o crescimento linear de Niterói a partir da região central em direção aos vales permeados por montanhas e pelo mar,
sendo esta ocupação especialmente planejada durante o século XIX, cujos efeitos são visíveis na cidade até os dias
atuais.

PALAVRAS-CHAVE: Niterói. Panerai. Cartografia histórica.

ABSTRACT
This article intends to analyze the formation process of the city of Niterói (RJ) through the study of some historical
cartography and iconographies, with emphasis on the 19th century, relating them to the facts experienced by the city
and using as a theoretical reference the concepts proposed by the French morphologist Philippe Panerai. In this way,
it seeks to identify, through maps and projects, concepts such as "growth lines and poles", "barriers" and "limits",
which shaped the city's appearance and influenced its current form, to understand its process of development
occupation, and its similarities with what happened in the city of Rio de Janeiro. For this, a local iconographic and
cartographic collection was used, which allowed the analysis of this time when Niterói was capital of the Province
(1835-1889) and capital of the state of Rio de Janeiro (1889-1975). Thus, through the study of the urban evolution
portrayed in the cartography and its comparison with the current form, it’s possible to comprehend the linear growth
of Niterói from the central region towards the valleys permeated by mountains and the sea, with this occupation being
specially planned during the 19th century, whose effects are visible in the city until the present day.

KEYWORDS: Niterói. Panerai. Historical cartography.

490
1 INTRODUÇÃO: OBJETIVOS E METODOLOGIA

A análise histórica de um tecido urbano pode ser feita por diversas abordagens
urbanísticas, sendo influenciada diretamente pelo objeto de estudo e pela definição dos
recortes locacionais e temporais. No caso da escolha por um viés morfológico, em que se busca
compreender a cidade em diferentes aspectos por sua forma, existem diversos métodos e
referenciais teóricos que podem ser utilizados com o objetivo de se estudar as diversas camadas
as quais se assentam os núcleos urbanos. Para este artigo, utilizou-se a cartografia como
principal elemento de análise para se entender as transformações urbanas ocorridas na cidade
de Niterói, especialmente as do século XIX, compreendendo os processos de ocupação do
município até as primeiras décadas do século XX, cujos reflexos são observados na atual
configuração da cidade.
Segundo definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE), a cartografia
é a “[...] representação geométrica plana, simplificada e convencional de toda a superfície
terrestre ou de parte desta, apresentada através de mapas, cartas ou plantas”. Esta definição
pode ser mais abrangente, incluindo representações gráficas que apresentem o espaço de de
outras maneiras, em diferentes níveis de abstração. No caso das cidades, antes mesmo da
criação do termo “cartografia”, mapas, gravuras, fotografias e imagens já retratavam o espaço
urbano, permitindo analisar suas complexas transformações ao longo do tempo.
A partir da escolha da Morfologia Urbana como campo teórico direcionador, e da
análise da cartografia como método, definiu-se como referencial teórico a obra do morfologista
francês Phillipe Panerai, “Análise Urbana” (2006), com foco nos capítulos relativos aos
“Crescimentos” e aos “Tecidos Urbanos”. Segundo o autor, “conhecer uma cidade não é simples,
sobretudo quando ela é vasta e cada época veio depositar, sem maiores precauções, sua marca
sobre aquela das gerações precedentes” (PANERAI 2006, p.1). Além disso, Panerai afirma que
para uma análise completa é primordial a “elaboração de um corpo de conhecimentos em que
se misturam – de modo impuro – a abordagem histórica, a geografia, o trabalho cartográfico, a
análise arquitetônica, a observação dos sistemas construtivos e dos modos de vida” ( ibid., p.
11).
A escolha por este referencial teórico permite traçar paralelos entre sua linha de
pensamento desenvolvida para a cidade do Rio de Janeiro - conforme descrito na obra “Análise
Urbana” - com Niterói, podendo ser levantada uma hipótese de que ambas apresentariam
semelhanças em seus comportamentos de crescimento urbano, e por consequência, em seus
“tecidos urbanos”.
Em um capítulo dedicado ao tema, o autor afirma que este tecido se forma pela
sobreposição de três conjuntos: a rede de vias, os lotes e as edificações (P ANERAI, 2006, p.78).
As redes viárias seriam os canais de deslocamentos, que conformariam os dois outros conjuntos,
podendo se estruturar de diversas formas, seja linearmente, ou por meio de composições
ortogonais ou mais orgânicas. Os lotes seriam as subdivisões das quadras formadas pela rede de
vias, e as edificações seriam as construções que ocupam os lotes.
No entanto, para este trabalho priorizou-se o estudo das redes de vias, considerando
as limitações das cartografias históricas e o foco em uma visão mais ampla da cidade. Mesmo
com essa restrição, é possível identificar nos mapas os diversos conceitos trabalhados por
Panerai, como “linhas e polos de crescimento”, “barreiras e limites”, “crescimento urbano”,
entre outros. Estes conceitos são pontuados e relacionados no decorrer do texto, de maneira

491
que a metodologia a ser utilizada é sua aplicação ao longo da apresentação das cartografias de
Niterói em ordem cronológica.
A seleção dos mapas, cartas, imagens e pinturas foi realizada a partir de fontes como
o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional, enquanto as cartografias atuais foram retiradas do
site do ArcGIS Online (Esri).

2 ANÁLISE E RESULTADOS

Niterói é uma cidade da região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, margeada


pela Baía de Guanabara e pelo oceano Atlântico, tendo sido capital da província e depois do
estado do Rio de Janeiro nos períodos entre 1834-1894 e 1903-1975, respectivamente. Ela se
situa no leste fluminense e se conecta com o Rio de Janeiro por uma ponte de extensão de 13
quilômetros, fazendo fronteira com os municípios de São Gonçalo e Maricá, conforme a Fig. 1.

Figura 1 – Localização da cidade de Niterói

Fonte: SIGEO/Prefeitura Municipal de Niterói, 2023.

O marco da fundação de Niterói ocorre em 22 de novembro de 1573, com a


transferência de terras na “Banda d’ Além” (o lado leste da Baía de Guanabara) dos portugueses
para o chefe da tribo temiminó, o índio Arariboia, em retribuição aos serviços prestados n a
defesa do território. Ao longo dos séculos XVI e XVII, alguns núcleos habitacionais foram se
formando na Band’Além, em torno de fazendas, cultivos e outras atividades econômicas
coloniais, povoando regiões como a Enseada de São Lourenço, São Domingos, Praia Grande, São
João de Carahy, São Sebastião de Itaipu e São Gonçalo (WEHRS, 1984, p.36). Com a morte de
Arariboia, o núcleo habitacional inicial, predominantemente indígena, do morro de São
Lourenço começou a declinar e o progresso se concentrou nas regiões mais planas, próximas ao

492
mar, especialmente na região de São Domingos e na Praia Grande (atual Centro), de onde era
mais fácil comercializar com o outro lado da Baía.
Um mapa da cidade do Rio de Janeiro de 1770 adaptado (Fig. 2) permite visualizar essa
ocupação ainda rarefeita e mais próxima ao mar na região leste da Baía (à direita), se comparada
à “Cidade de S. Sebastião” (à esquerda). No caso da atual capital fluminense, por sua importância
no período colonial, é natural que houvesse maior concentração populacional comparado às
áreas vizinhas. Já no lado leste da Baía de Guanabara, a chegada da Família Real ao Brasil e a
instalação da Corte no Rio de Janeiro em 1808 representou um impulso à ocupação, visto que
até então, conforme relato do viajante John Luccock à época (1808), havia apenas pequenas
edificações e grandes extensões verdes: “São Domingos e Praia-Grande, no lado oposto [à
cidade do Rio de Janeiro] eram lindas aldeias pequeninas, constituídas de um punhado de casitas
dispersas e mergulhadas no seio da floresta.” (LUCCOCK, 1942, p.28)

Figura 2 – Plano da cidade do Rio de Janeiro, 1770 [adaptado], em que se destacam a cidade do Rio de Janeiro (à
esquerda) e a futura cidade de Niterói (à esquerda)

Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional Digital [cart309970], 2022.

Contudo, é importante destacar que no século XVIII já eram perceptíveis por meio da
cartografia, alguns caminhos que seriam os cernes de futuros vetores de expansão da área da
Banda d’Além. A Fig. 3 é uma adaptação de um mapa de 1796 em que destacou os pontos de
ocupação urbana mais proeminente à época: pontos A – Praia Grande e B – São Domingos e
alguns caminhos que partiam desta região e permitiram o desbravamento de áreas próximas,
inclusive dando origem a ruas atuais da cidade conforme Fig. 4. O ponto A se tornaria o núcleo
de expansão, no qual a partir dele se iniciaria um “crescimento contínuo”, conforme descrito
por Panerai (2006, p.57): “o crescimento contínuo caracteriza-se pelo fato de que, a cada estágio
do processo, as extensões se fazem pelo prolongamento direto de porções urbanas já
construídas” configurando o atual Centro de Niterói.

493
Figura 3 – Plano da cidade do Rio de Janeiro com a parte mais essencial do seu porto e todos os lugares fortificados,
por José Correa Rangel de Bulhoens, 1796 [adaptado]

Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional Digital [cart209337] , 2022.

Figura 4 – Mapa dos bairros de São Domingos, Boa Viagem e Ingá [adaptado]

Fonte: Elaboração própria com base em mapa da ESRI, 2023.

494
A região de Jurujuba (ponto I) era de grande relevância militar e vocação pesqueira,
porém não se constata aspectos urbanos relevantes de concentração urbana segundo
documentos históricos. Os pontos C (Forte do Gragoatá) e D (Ilha da Boa Viagem) também eram
equipamentos de defesa importantes enquanto os pontos E, F, G e H da Figura 03 foram
destacados como futuros bairros, ocupados ao longo dos séculos XIX e XX.
Quanto aos percursos coloridos, as figuras 03 e 04 permitem comparar antigos
caminhos que deram origem a atuais ruas. O uso do termo “caminho” vai ao encontro do
conceito definido por Panerai como a “lógica dos caminhos”, em que o autor utiliza para
descrever o crescimento da cidade do Rio de Janeiro:

“[...] Esse é o caso daquelas cidades brasileiras que se estiram ao longo de estradas
alinhavadas pelo cimo dos montes ou serpenteando pelos vales e as colinas. Muitas
delas fundaram por constituir aglomerações de vários milhões de habitantes, cuja
forma global escapa à descrição e não pode ser inserta em algum esquema conhecido
e de fácil memorização. É assim o Rio de Janeiro, cujas sucessivas extensões feitas ao
capricho da sequência de praias e dos bairros elegantes foram uma cidade linear com
núcleos bem identificáveis [...]” (PANERAI, 2006. p.58).

Conforme descrito por Panerai para a capital fluminense, o relevo é fator primordial
para a conformação urbana da cidade, ocorrendo de maneira similar com Niterói, em que a
ocupação das regiões de vale é mais conveniente por conta da dificuldade de ocupação das
colinas, incentivada também pelos traslados e trocas econômicas que ocorriam pelo mar.
Panerai (2006, p.59) chama elementos como este como “reguladores”, podendo ser do tipo que
“organizam a expansão” ou “aqueles que a contêm” (ibid., p.59). A pintura de Jacques Arago de
1825 (Fig. 5) torna mais clara a questão do relevo citada anteriormente.

Figura 5 – Baie de Rio de Janeiro: Vue de Praia Grande [icon395852].

Fonte: Acervo Brasiliana Iconográfica (Biblioteca Nacional), 1825.

495
Os caminhos sinalizados pelas cores laranja, vermelho e amarelo do final do século
XVIII (Fig. 3) ao serem comparados com o mapa topográfico atual (Fig. 4), tornam visível a
conformação dos caminhos entre as colinas. Sobre o caminho em vermelho, que liga o atual
bairro de São Domingos ao atual bairro do Ingá, vale frisar que no século XVIII este conectava
dois pontos da orla niteroiense, porém, com o Aterrado realizado no século XX, este caminho
não chega mais ao mar do lado de São Domingos, como visto no mapa atual.
Essa lógica orgânica de expansão orgânica foi alterada com a proposição de dois planos
urbanísticos de grande porte no século XIX, que estruturaram e balizaram o crescimento da
futura Niterói, refletindo a importância que a região galgava ao longo do século. A vinda
frequente de D. João VI à Banda d’Além para fins de lazer e recolhimento mobilizou agentes
locais, contribuindo para a decisão de elevar as freguesias de “S. João B. de Icaraí, São Lourenço
dos Índios, S. Sebastião de Itaipu e São Gonçalo, S. Domingos e Praia Grande” (WEHRS, 1984,
p.57) à condição de Vila Real da Praia Grande em 1819.
A princípio, a sede da Vila e seus edifícios institucionais se localizariam em São
Domingos, local de maior densidade habitacional, porém por questões de falta de espaço,
optou-se por localizar o Pelourinho e outros edifícios administrativos na localidade da Praia
Grande. Sendo assim, em 1820, o primeiro juiz de fora da Vila, José Clemente Pereira, enviou a
D. João o Plano de Edificação da Vila Real da Praia Grande (Fig. 6), cujo desenho é atribuído a
Arnaud Julien Pallière.
O plano era avançado para época, pois além do traçado das vias e da localização dos
espaços públicos e dos edifícios institucionais, também era detalhada a largura mínima de 60
palmos das vias (aproximadamente 13m), alturas das fachadas permitidas (35 e 17 palmos, para
sobrados e casas térreas respectivamente) e o alinhamento das edificações. O traçado segue o
conceito “xadrez” ou padrão da malha reticulada, seguindo o padrão ibérico de ocupação.

Figura 6 – Projeto de Edificação da nova Vila Real da Praia Grande, 1820 [adaptado].

Fonte: Elaboração própria com base em mapa presente no LDUB/UFF, 2022.

496
Comparando o traçado previsto com a configuração atual da região central (Fig. 7)
percebe-se que a malha cedeu espaço a uma geometria menos rígida, apesar da notória
concordância com o projeto em diversos aspectos, como a largura das vias e a presença de certas
edificações. Destaca-se que parte das mudanças observada também se devem a alterações
operadas no século XX, como aterros, alargamentos e construções de novos caminhos.

Figura 7 –Traçado atual da região central de Niterói com identificação dos pontos destacados do Plano Pallière,
2022 [adaptado]

Fonte: Elaboração própria com base em mapa da ESRI, 2022.

A Planta Topográfica de 1833 (Fig. 8) permite avaliar melhor essa transição e ntre o
projetado e o executado, além de caracterizar a Praia Grande como “polo de crescimento”, no
conceito descrito por Panerai (2006, p.62): “o polo de crescimento é, ao mesmo tempo, a origem
- a aglomeração a partir da qual vai se dar o crescimento - e a referência desse crescimento,
organizando a constituição do tecido e os crescimentos secundários”. Além disso, conforme
adaptação realizada no mapa original, é possível visualizar as linhas de crescimento “naturais”,
ou seja, “presentes no território ainda antes do processo de urbanização” (ibid., p.60). Estas
linhas foram coloridas conforme a legenda da imagem, e denotam a expansão nas direções
norte e sul (se considerarmos a orientação geográfica usual, tal como a Fig. 7).
As linhas em vermelho, laranja e amarelo que partem de São Domingos (sinalizadas
nas figuras 3 e 4) em direção aos bairros de Boa Viagem, Ingá e Icaraí continuam, porém
evidencia-se que a região da Praia Grande tornou se o polo irradiador dos caminhos, dada a
diversidade dos percursos que partem dali. Na direção ao norte observam-se traçados em
direção aos futuros bairros do Fonseca, do Barreto/São Gonçalo e da Engenhoca, enquanto ao
sul, são perceptíveis os caminhos em direção aos bairros de Santa Rosa, Icaraí e São Francisco.
A questão topográfica é fundamental para o entendimento desses percursos, corroborando com
o conceito de crescimento linear proposto por Panerai para o Rio de Janeiro, e podendo ser
rebatido ao caso de Niterói.

497
Figura 8 – Planta Topográfica da província do Rio de Janeiro, 1833 [adaptado].

Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional, [cart173947], 2022.

Comparando as linhas do mapa de 1833 com o mapa atual, percebe -se que alguns
caminhos mantiveram seu traçado orgânico, adequados ao terreno original permeado de
acidentes naturais. No entanto, as regiões de vale foram bastante modificadas pela ação
antrópica, cabendo ressaltar o Plano para a região da Praia Grande (Fig. 6) e o plano para a
região de Icaraí, projetado em 1844 (Fig. 9)- ponto J na Figura 8.
Este Plano de Arruamento para o areal de Icaraí, chamado de “Cidade Nova”, foi
realizado prevendo a expansão da cidade para além da antiga Praia Grande, e foi desenhado
pelo engenheiro francês Pedro Taulois, incumbido diretamente pelo Presidente da Província do
Rio de Janeiro. Conforme registrado na Figura 9, o plano previa a constituição de uma malha em
formato xadrez, seguindo um padrão parecido ao primeiro plano da cidade. Os caminhos de
ligação ao bairro de Icaraí foram sinalizados para comparação com o traçado atual (Fig. 10) e
com o mapa de 1833 (Fig. 8). Foi destacado também o percurso do rio Icaraí (em azul claro) e
seu projeto de canalização (azul escuro).
Contrapondo com o traçado atual, nota-se que a execução foi mais fidedigna ao
projeto, apesar de serem notáveis algumas mudanças, que podem ter sido ocasionadas por
adaptação ao relevo, falta de precisão técnica, desmembramento de lotes, além de alterações
no próprio relevo terem sido conduzidas e/ou permitidas pela Municipalidade, como desmonte
de parte dos morros, canalização de rios e etc. A largura das ruas se assemelha ao do Plano de
1819, e foi mantida em diversas ruas do bairro até os dias atuais. Quanto ao rio Icaraí, este teve
a maior parte de seu leito canalizado.

498
Figura 9 – Planta da Cidade de Nictheroy, capital da Província do Rio de Janeiro – 1844 [adaptado].

Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional, [cart170429], 2022.

Figura 10 – Traçado atual da região de Icaraí com identificação dos pontos destacados na Figura 9, 2022 [adaptado].

Fonte: Elaboração própria com base em mapa da ESRI, 2022.

499
Destaca-se que tais projetos possuíram grande motivação política e econômica, que
acompanhou a evolução de status da própria cidade. Em 1834, doze anos após a Proclamação
da Independência do Brasil, promulgou-se o Ato Adicional à Constituição de 1824,
transformando a cidade do Rio de Janeiro em Município Neutro para a sede da Monarquia. Em
1835, por meio da lei provincial nº 2 de 1835, determinou-se que a Vila da Praia Grande seria a
capital da província e a lei provincial de nº6, determinou a elevação da Vila da Praia Grande à
categoria de cidade com o nome de Nictheroy (WEHRS, 1984, p.66). Com a elevação à cidade,
em 1835 inaugura-se o transporte regular marítimo entre Niterói e o Rio de Janeiro, com a
implantação de barcas a vapor efetuado pela Sociedade Navegação de Nictheroy (BEZERRA,
2015, p.40). Esta ligação marítima foi essencial para o desenvolvimento de Niterói, sendo
ampliada ao longo do tempo, principalmente com o aporte de recursos estrangeiros, visto que
uma ligação viária só foi concretiza em 1974 com a Ponte Rio-Niterói.
No entanto, apesar do plano de arruamento da chamada “Cidade Nova” datar de 1844,
a ocupação só começou a ser efetivada a partir de 1854, após resolução de imbróglios com os
donos dos terrenos e pela sucessiva melhoria da acessibilidade à região, incluindo a destruição
parcial de uma rocha que impedia a ligação dos bairros do Ingá e de Icaraí pela faixa litorânea
em meados do século XIX. Desta forma, removeu-se um “limite de crescimento” conforme
definido por Panerai (2006, p.66)- “obstáculo a um crescimento linear, um ponto de parada ou
um acidente que impede a extensão” -, fomentando o crescimento linear em direção ao sul da
cidade. Essa rocha é retratada em uma pintura de Antônio Parreiras de 1891 (Fig. 11) e estaria
localizada onde se encontra o ponto “I” da figura 10. A Figura 12 mostra a configuração atual da
ligação entre os dois bairros via orla.

Figura 11 – Formação rochosa original da pedra de Itapuca em Icaraí – pintura de Antônio Parreiras.

Fonte: SILVEIRA, 2002, p. 245.

500
Figura 12 – Pedra de Itapuca em Icaraí remanescente.

Fonte: Arquivo pessoal, 2022.

A ampliação da malha viária veio acompanhada de outros melhoramentos na


infraestrutura urbana da cidade, como a implantação de serviços regulares de barcas a vapor,
iluminação a óleo de baleia, bondes de tração animal, entre outros. Essas melhorias eram
restritas as zonas mais centrais, não se estendendo aos pontos mais longínquos de Niterói, que
sequer eram representados nas cartografias do século XIX, como por exemplo, a região de Itaipu,
apresentada na Figura 1.
Esse aprimoramento da infraestrutura, em especial o serviço de barcas que conectava
os dois lados Baía de Guanabara, incentivou o aumento populacional, resultando, n o fim do
século XIX, na ocupação da região da Praia Grande. Segundo Panerai (2006, p.75), esse tipo de
ocupação do espaço é a “primeira forma de adensamento” a “qual se adensa no interior de seu
perímetro, de suas barreiras, pelo preenchimento gradual de todas as suas reservas fundiárias”.
Esse perímetro, no caso de Niterói, era conformado pelas montanhas que permeiam seu
território, em especial a região central.
Comparada à cidade do Rio de Janeiro, capital imperial, Niterói ainda possuía feições
bastante coloniais, de maneira que as transformações urbanas ocorriam de modo mais devagar,
ainda que fosse a capital da Província do Rio de Janeiro. No entanto, além das semelhanças no
modo de crescimento, partindo de um polo central e espraiando-se por meio de caminhos que
se adaptavam ao relevo, havia similaridades também quanto a espacialização das camadas
sociais, embora os movimentos não fossem simultâneos. (AZEVEDO, REZENDE, COSTA, 2010, p.
165) Em ambas as cidades, principalmente a partir da segunda metade do século XIX, as regiões
centrais se tornaram regiões de múltiplos usos, enquanto outras começavam a se especializar:
as áreas ao norte começavam a registrar edificações voltadas ao setor industrial, enquanto ao
sul, ao longo da orla, as classes médias e altas iniciavam uma busca por amenidades.
Do ponto de vista urbanístico, a última década do século XIX, conforme mapa de 1892
(Fig. 13), apresenta a consolidação dos planos desenvolvidos neste século em Niterói e permite
avistar os eixos que nortearam o crescimento da cidade no início do século seguinte. Na região
Norte, percebe-se o vetor da Alameda São Boaventura (em turquesa) no bairro do Fonseca e do
eixo em direção ao bairro do Barreto (verde escuro), conectando Niterói ao recém-emancipado
município de São Gonçalo. A presença de fábricas, portos e outros equipamentos industriais
como matadouros e gasômetros na região, apontava um desenvolvimento industrial que seria

501
uma característica marcante na primeira metade do século XX, fomentada pela expansão da
malha ferroviária nacional que chegava na região por meio da Companhia Ferroviária
Leopoldina. O crescimento do tecido urbano da região central em direção à Ponta da Armação
(vetor ocre) foi ao encontro dessa vocação dessa região, que desde o início abrigou usos
relacionados à pesca e navegação.
Ao Sul, nota-se a consolidação do uso residencial nos bairros litorâneos à medida em
que serviços e infraestrutura eram ofertados. No bairro de Icaraí, o mapa revela uma
conformação do tecido urbano mais próxima à atual, com a consolidação do projeto reticulado
de Taulois. Apesar da lenta ocupação desta parte da cidade à época, e da limitação do mapa em
retratar parcialmente o território de Niterói, é possível perceber vetores na Zona Sul, em direção
ao bairro de São Francisco e Charitas (vetor azul), e a ocupação de parte do bairro de Santa Rosa
e das cotas mais altas, abrangendo os bairros do Cubango e chegando na Engenhoca (vetor lilás).

Figura 13 – Mapa Imprensa Nacional - Planta da cidade de Niterói, cópia revista e aumentada, 1892 [adaptada]

Fonte: Elaboração própria com base em mapa do Arquivo Nacional, 2022.

Com relação à situação política e econômica, no entanto, a situação não era favorável:
em 1892 Niterói perdeu as freguesias de São Gonçalo, Nossa Senhora da Conceição de Cordeiros
e São Sebastião de Itaipu para a criação do município de São Gonçalo, e no período entre 1893
e 1894 Niterói sofreu bombardeios devido à Revolta da Armada, movimento comandado pela
Marinha contra o governo republicano de Floriano Peixoto. Todas as fortificações de Niterói
foram bombardeadas, e em 1894, pela lei nº50 de 30 de janeiro, a capital do Rio de Janeiro é
transferida provisoriamente para Petrópolis, longe do alcance dos canhões da Marinha (WEHRS,
1984, p.90). Em 1894 a Revolta é controlada, e é alcunhada a Niterói, o título de “Cidade Invicta”,
apesar do grande rastro de destruição deixado. A capital só retornaria à Niterói em 1903, sendo
o início de uma nova fase para a cidade, chamada de Renascença Fluminense.

502
3 CONCLUSÃO

A análise morfológica a partir da pesquisa cartográfica e iconográfica se afirma como


uma relevante ferramenta para o entendimento das diferentes camadas as quais as cidades se
assentam. No caso de Niterói, o rico acervo colaborou para a realização de análises acerca de
sua transformação, com base na comparação de documentos e o estudo da história local. O foco
dado às cartas e mapas desenvolvidos até o século XIX conduziu o estudo dos tecidos urbanos,
e resultou na verificação das diferenças entre o que foi planejado e o que foi realmente
executado. A escolha por Panerai como referencial teórico permitiu a identificação dos polos,
linhas e barreiras de crescimento, além de reforçar a importância dos aspectos geográficos na
conformação dos caminhos.
Retomando a hipótese discutida no início do artigo, percebe-se que o entendimento
do morfologista francês em relação ao Rio de Janeiro pode ser estendido à Niterói, considerando
as semelhanças geográficas e o compartilhamento de relações econômicas, sociais e históricas
que influenciaram a disposição e a ocupação destes territórios ao redor da Baía de Guanabara.
No entanto, ressaltam-se as diferenças de escala, tanto espacialmente quanto
economicamente e politicamente entre as cidades, cujas temporalidades não são
concomitantes, e possuem suas especificidades. O fato, por exemplo, da cidade de Niterói ter
sido majoritariamente estruturada no século XIX por dois projetos previamente planejados pelo
Estado, e não por loteamentos propostos por empresas, como ocorreu em bairros da Zona Sul
do Rio de Janeiro, é fator relevante a ser pontuado, demonstrando a ação do Estado dentro de
uma perspectiva estratégica para a região, que buscava afirmar Niterói como uma capital
relevante no período do Império e depois da República. Desta forma, o Estado se coloca como o
principal estruturador deste espaço urbano, delimitando os polos e as linhas de crescimento, e
contornando as barreiras impostas pela geografia local.

4 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

AZEVEDO, M. N. S.; REZENDE, V.; COSTA M. S. Um espelho e duas imagens: semelhanças e particularidades entre o
urbanismo e os processos de urbanização das cidades do Rio de Janeiro e Niterói. In: FREITAS.José Francisco
Bernardino (org.). Diálogos: urbanismobr. Niterói: EDUFF, 2010, pp.163-210.

BEZERRA, M. C. C. Britânicos e alemães em Niterói: um estudo de imigração urbana. 350f. Tese (Doutorado em
História). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2015.

CAMPOS, M. C. O governo da cidade: elites locais e urbanização em Niterói (1835-1890).304f. Tese (Doutorado em
História). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói.2004.

INSTITUTO Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O que é cartografia? Disponível em:


https://encurtador.com.br/lrvGN

LUCCOCK, J. Notas sobre o Rio de Janeiro e partes meridionais do Brasil: Tomadas durante uma estada de dez anos
nesse país, de 1808 a 1818. São Paulo: Empresa Gráfica da “Livraria dos Tribunais” LTDA, 1942.

PANERAI, P. Análise Urbana. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006.

SILVEIRA, J. R. Vistas e Paisagens da Enseada de Niterói. Niterói: Casa Jorge Editorial., 2002.

TEIXEIRA, F. C. Niterói e os Primeiros Planos de Urbanização: Uma análise Morfológica com Caniggia. 196f. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal Fluminense, Niterói. 2006.

503
WEHRS, Carlos. Niterói Cidade Sorriso: a história de um lugar. Rio de Janeiro: Soc. Gráfica Vida Doméstica LTDA.,
1984.

504
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( X ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

O PAPEL DA POLÍTICA PÚBLICA: GESTÃO DE RISCOS DE DESASTRES NA


COLÔMBIA
THE ROLE OF PUBLIC POLICY: DISASTER RISK MANAGEMENT IN COLOMBIA

Leisy Viviana Castillo Robles


Mestranda, UFES, Brasil
leisy.robles@edu.ufes.br

505
RESUMO
A gestão de riscos de desastres naturais na Colômbia é estruturada com base no Plano Nacional de Gestão de Riscos de
Desastres (PNGRD), criado por meio da lei 1.523 de 2012. Este plano se fundamenta em três pilares essenciais: o
conhecimento, a redução e o manejo do risco. Seu principal objetivo é proteger a população, aprimorar a seguranç a e a
qualidade de vida dos cidadãos e contribuir para o desenvolvimento sustentável do país. Este estudo se propõe a explorar
o papel fundamental das políticas públicas na gestão de riscos de desastres na Colômbia, considerando também a temática
da habitação social. Para realizar essa análise, conduzimos uma revisão bibliográfica abrangente, buscando uma
compreensão aprofundada do assunto e examinando o histórico e as políticas relacionadas à habitação e gestão do risco.
Selecionamos artigos consultando várias plataformas de literatura científica e técnica, incluindo a Scientific Electronic
Library Online (Scielo), a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e o Google Acadêmico, durante os meses de julho e agosto de
2023. As palavras-chave escolhidas, alinhadas com os objetivos da pesquisa, foram: Habitação de interesse social, Políticas
sobre Habitação Social e gestão de riscos de desastres. A partir da literatura revisada e das discussões realizadas, chegamos
à conclusão de que o envolvimento ativo das políticas públicas desempenha um papel essencial na prevenção de desastres
na Colômbia, especialmente no contexto da habitação social. É fundamental assegurar a integridade das áreas afetadas,
bem como a segurança e a qualidade de vida de seus habitantes. Essas polí ticas não apenas protegem a população, mas
também contribuem para a sustentabilidade do país, promovendo um ambiente mais seguro, resiliente e inclusivo,
especialmente nas comunidades de baixa renda.

PALAVRAS-CHAVE: Habitação de interesse social, Políticas sobre Habitação Social e gestão de riscos de desastres.

SUMMARY
Natural disaster risk management in Colombia is structured based on the National Disaster Risk Management Plan (PNGRD),
created through law 1,523 of 2012. This plan is based on three essential pillars: knowledge, reduction and risk management.
Its main objective is to protect the population, improve citizens' safety and quality of life and contribute to the country's
sustainable development. This study aims to explore the fundamental role of public policies in disaster risk management in
Colombia, also considering the issue of social housing. To perform this analysis, we conducted a comprehensive literature
review, seeking an in-depth understanding of the subject and examining the history and policies related to housing and risk
management. We selected articles by consulting various scientific and technical literature platforms, including the Scientific
Electronic Library Online (Scielo), the Virtual Health Library (VHL) and Google Scholar, during the months of July and August
2023. The chosen keywords, aligned with the research objectives, were: Social housing, Policies on Social Housing and
disaster risk management. From the literature reviewed and the discussions held, we came to the conclusion that the active
involvement of public policies plays an essential role in disaster prevention in Colombia, especially in the context of social
housing. It is essential to ensure the integrity of the affected areas, as well as the safety and quality of life of their
inhabitants. These policies not only protect the population, but also contribute to the country's sustainability, promoting a
safer, more resilient and inclusive environment, especially in low-income communities.

KEYWORDS: Social housing, Social Housing Policies and disaster risk management.

506
Introdução

Desastres são eventos que causam sérios distúrbios no funcionamento de uma


comunidade ou sociedade, resultando em impactos econômicos, ambientais e perdas humanas
que ultrapassam a capacidade da comunidade afetada de se recuperar por seus próprios meios
(UNIDR, 2009). O Centre for Research on the Epidemiology of Disaster (CRED) classifica esses
desastres com base em seus fatores determinantes, que incluem geofísicos, meteorológicos,
hidrológicos, climatológicos e biológicos.
De acordo com o Emergency Events Database (EM-DAT), temos observado um
aumento significativo nos desastres naturais. Entre eles, os desastres hidrológicos, que incluem
principalmente inundações e movimentos de massa úmida, destacam-se como os mais
frequentes e impactantes em termos de ocorrências, afetando populações em todo o mundo.
Dados do EM-DAT revelam que, em 2015, os desastres hidrológicos representaram a maioria
das ocorrências, com uma parcela significativa de 46,5% do total, afetando mais de 36,2 milhões
de pessoas (GUHA-SAPIR et al., 2015).
Na Colômbia, uma análise da gestão de riscos de desastres realizada pelo Banco
Mundial (CAMPOS et al., 2012) revela que 36% do território enfrenta um alto risco sísmico
devido a processos geofísicos, enquanto 28% apresenta um alto potencial de inundação e 8%
está em alto risco devido a movimentos de massa úmida relacionados a processos hidrológicos.
Curiosamente, embora o país enfrente vários tipos de desastres naturais, como deslizamentos
e inundações, os quais ocorrem com maior frequência devido ao relevo acidentado, os desastres
hidrológicos são os mais prevalentes. A topografia acidentada do país desempenha um papel
importante na ocorrência desses eventos, tornando-os mais comuns e impactantes.
Esses desastres hidrológicos têm causado impactos socioeconômicos e ambientais
significativos, bem como perdas humanas consideráveis. No entanto, é importante notar que a
ocorrência desses desastres não está exclusivamente relacionada ao relevo, já que
frequentemente existem múltiplas causas por trás deles. Uma das principais causas é a
ocupação inadequada de áreas propensas a fenômenos hidrológicos extre mos. Essa ocupação
inadequada pode ser atribuída à falta de percepção de risco por parte da população, à escassez
de instrumentos eficazes de ordenamento territorial e à carência de pesquisa sobre a
compreensão dos fenômenos em questão. Esses fatores contribuem para uma gestão
inadequada de desastres, agravando ainda mais a situação.
Estudos conduzidos por Petley (2012) e Sepulveda e Petley (2015) destacam quanto
mais publicações técnico-científicas está diretamente relacionado ao aumento do
conhecimento sobre os eventos causadores de desastres naturais e suas implicações e,
portanto, menores serão os impactos sob a população. Assim, todos os trabalhos técnico-
científicos podem auxiliar as medidas estruturais e não estruturais bastante úteis no gestão de
desastres naturais.
Muitas dessas pesquisas têm a finalidade de subsidiar sistemas de monitoramento e
alerta de desastres, bem como contribuir para o adequado ordenamento territorial. Um
exemplo notável disso é o estudo de Kobiyama e Goerl (2007), que enfatizou a importância de
uma descrição precisa dos eventos. Uma descrição detalhada do evento permite um melhor
entendimento do comportamento do fenômeno em questão. Assim, essa etapa é de
fundamental importância na prevenção de desastres naturais, e que está sendo deixada de lado.
Neste contexto, diante da relevância da temática e da problemática associada aos desastres
ocorridos na Colômbia, este estudo tem como seu principal objetivo analisar o papel das
políticas públicas na gestão de riscos de desastres e da habitação social na Colômbia.
Para atingir esse objetivo, adotou-se uma abordagem metodológica que envolveuuma
revisão bibliográfica da literatura com ênfase na análise descritivo-qualitativa. Na seleção dos
artigos, foram estabelecidos critérios de exclusão que contemplaram a remoção de artigos

507
repetidos, artigos indisponíveis em formato completo, resenhas, anais de congresso,
monografias, teses, editoriais e artigos que não se relacionassem diretamente com o tema em
questão. Além disso, também foram excluídos artigos que não abordaram diretamente o tema
deste estudo e artigos publicados fora do período de análise (LUPPETI, 2017).
Para a seleção dos artigos foram consultadas as plataformas de dados de literatura
científica e técnicas: Scientific Electronic Library Online (Scielo), e BVS- Biblioteca Virtual em
Saúde, e Google Acadêmico no período de julho e agosto de 2023. As palavras chaves
selecionadas a partir dos objetivos de pesquisa foram: Habitação de interesse social, Políticas
sobre Habitação Social e gestão de riscos de desastres.

Panorama Geral da Habitação Social na Colômbia entre as décadas de 1940 e 1970

Na Colômbia a partir de 1940 acontece uma confluência de situações político-sociais e


econômicas na ordem nacional e internacional que indicam direcionamentos – das formas e
ações do Estado Colombiano − para o andamento da habitação social a partir da segu nda
metade do século XX. Começa-se a se tornar evidente o impulso governamental para a criação
de instituições que diretamente apoiassem a produção de moradia social: o “Banco Central
Hipotecario” (BCH), a “Caja de Credito Agrario, Industrial y Minero” a “Caja de Vivienda Militar”
e o “Instituto de Credito Territorial” (ICT); sendo este último o mais importante durante a
segunda década do século XX na construção, produção e financiamento de habitação social na
Colômbia, desempenhou um papel fundamental na promoção da habitação social, facilitando
o acesso à moradia para famílias de baixa renda. O instituto concedia empréstimos com juros
baixos para a construção de moradias populares e projetos de desenvolvimento urbano
(González, 1998). Da mesma forma, convergem uma série de missões internacionais como um
dos aportes mais importantes para a consolidação da habitação moderna.
Além disso, durante os anos 1940, várias cidades colombianas enfrentaram desafios
relacionados ao crescimento urbano desordenado e à falta de planejamento adequado. Isso
levou a uma crescente preocupação com as condições de vida nas áreas urbanas e à necessidade
de abordar a questão da habitação social de forma mais eficaz (Ramírez, 2003). Essas iniciativas
contribuíram para moldar o desenvolvimento urbano e a habitação social no país nas décadas
seguintes.
Embora várias instituições tenham desempenhado papéis importantes na produção,
construção e financiamento de habitação social na Colômbia, o Instituto de Crédito Territorial
(ICT) se destacou de maneira indiscutível nesse contexto. O ICT foi estabelecido em 28 de janeiro
de 1939, por meio do decreto legislativo 200. Inicialmente, sua missão era promover a habitação
rural e melhorar a qualidade de vida da população camponesa. No entanto, com a promulgação
da Lei 46 no mesmo ano, sua atuação foi direcionada para o desenvolvimento de moradias
agrárias higiênicas, tornando-se o órgão responsável por essa iniciativa (Monsalve, 1954). Em
1942, com o decreto 1549, foram criadas as 'Seccionales de Vivienda Urbana' (SVU) para atender
à crescente demanda das ondas de imigrantes que chegavam às principais cidades. Assim, por
meio do ICT, ocorreu uma transformação significativa que correspondeu à transição de um país
predominantemente rural para um país cada vez mais urbanizado (Fique, 2006).
No mesmo ano de 1942, por meio do decreto 380, o governo nacional implementou
medidas para estimular a indústria da construção e melhorar as condições das habitações
populares existentes, alocando recursos do 'Ministerio de Hacienda' e 'Crédito Público'. Isso
resultou no desenvolvimento dos chamados 'Barrios Populares Modelos', que eram unidades
habitacionais dotadas de serviços comunitários, com regulamentação específica para sua
construção.
O período entre 1942 e 1972 marcou um intenso processo de urbanização nas
principais cidades colombianas, caracterizado como um período de crescimento urbano. Esse
crescimento vigoroso foi impulsionado pela prosperidade resultante dos preços favoráveis do
café, que atingiram níveis elevados na economia do pós-guerra. Durante a década de 1940, mais

508
precisamente entre 1940 e 1950, a contribuição da indústria como produtora de habitações
sociais foi fundamental, em parceria com o recém-criado Instituto de Crédito Territorial (ICT).
Muitos bairros operários foram construídos por empresas industriais nas proximidades de suas
fábricas. Além disso, entidades de caridade, fundações, sociedades sem fins lucrativos,
cooperativas operárias e profissionais independentes desempenharam papéis importantes
nesse processo.
É importante notar que, nesse contexto, as normas urbanas nem sempre foram
claramente definidas, e muitas vezes o desenvolvimento urbano ocorreu com base na
competição de conhecimentos e no senso comum. Neste contexto, também se teve a ação de
cooperativas obreiras e profissionais independentes. Em todos estes casos a norma urbana,
dificilmente evidente, operava por concorrência de saberes e boas doses de sentido comum
(INURVE 1996: 275). Na maioria dos casos se aplicaram os princípios técnicos e científicos do
Movimento Moderno da arquitetura e do urbanismo.
A década de 1950 é amplamente reconhecida como o período de modernização do
setor agropecuário e o início do desenvolvimento capitalista na Colômbia, incluindo o setor da
construção. Embora este panorama fosse positivo para alguns setores da economia, surgiam
novos problemas: a concentração da propriedade rural no campo, a expansão da fronteira
agrícola, desemprego; e, sobretudo, as migrações rurais pelas quais a população camponesa
fugia da violência gerada pelas diferenças partidárias entre liberais e conservadores (Bejarano
1978).
O rápido crescimento urbano motivado por esses problemas levou as autoridades
municipais a adotarem regulamentações destinadas a "organizar" as cidades. Para alcançar esse
objetivo, a cooperação internacional desempenhou um papel fundamental na introdução dessas
regulamentações, influenciadas pelos princípios da planejamento urbano moderno. Nesse
contexto, o setor de habitação social foi fortemente influenciado pela arquitetura moderna, com
destaque para as contribuições do IV Congresso da CIAM em 1933. É importante observar que,
durante esse período, ocorreu uma transição na economia, passando da regulação privada na
produção habitacional para uma intervenção mais direta do Estado.
O assunto era então como incrementar a produtividade de moradia para resolver o
problema de habitação e como reduzir os custos de produção para que a população pudesse
ascender a fim de pagar sua nova aquisição por parte do ICT. A atuação dos governos deveria
girar em torno de três temas: a construção de moradia diretamente pelo Estado, o
estabelecimento de normas mínimas para a construção e as leis de urbanização (Fique, 2006:
29). Para conseguir adiantar estes intuitos e alcançar a modernização das cidades, foi
fundamental a participação estrangeira, tanto de instituições privadas, quanto governamentais;
pelo qual este período é considerado o estágio das missões internacionais, as quais foram
desenvolvidas no marco do “Frente Nacional” (FN) (1958-1974).
O Frente Nacional tem suas origens no governo militar do 'Teniente General' Gustavo
Rojas Pinilla, que assumiu a presidência após um golpe militar contra o governo do presidente
Laureano Gómez Castro em 1953. Esse golpe de Estado, que se estendeu até 1958, foi uma
tentativa de pacificar o país em meio a uma onda de violência decorrente das profundas divisões
partidárias entre liberais e conservadores. Para restaurar a estabilidade política, esses partidos
políticos concordaram em um acordo histórico, que ficou conhecido como o Frente Nacional.
Sob esse acordo, estes partidos políticos, com o fim de recuperar o poder, chegaram a
um acordo onde alternaram o mandato durante 16 anos, equivalentes a quatro períodos
presidências. Em termos de política internacional, o acordo do Frente Nacional alinhou a
Colômbia com os Estados Unidos por meio da Aliança para o Progresso, modelando muitos de
seus objetivos no contexto da Guerra 478 URBANA, V.6, nº 8, jun.2014 - Dossiê: Cidade e
Habitação na América Latina - CIEC/UNICAMP Fria (Palacios e Safford, 2006: 611)
O Frente Nacional se tornaria o evento político mais significativo e impactante da
segunda década do século XX em diversos aspectos políticos e econômicos do país, incluindo o
desenvolvimento de inúmeros projetos de habitação social na Colômbia. Durante esse período,

509
várias missões internacionais, como as lideradas por Kemmerer, Lebret, Currie e Cepal,
desempenharam papéis importantes no contexto do Frente Nacional, embora este seja um
tema que possa ser ampliado em outro contexto, podemos indicar algumas generalidades .
Tanto a consolidação institucional quanto as missões internacionais desempenharam
papéis cruciais na concretização da habitação moderna, especialmente no contexto da
habitação de interesse social. Na década de 1950, o Instituto de Crédito Territorial (ICT) liderou
a produção habitacional, focando principalmente no crescimento quantitativo em resposta ao
rápido aumento populacional nas áreas urbanas devido às migrações rurais para os principais
centros urbanos. No entanto, após 1960, as missões internacionais contribuíram
significativamente para elevar a qualidade da habitação, pois ficou claro que a mera consecução
de metas quantitativas não resultava automaticamente em melhorias na qualidade de vida da
população. Um dos principais benefícios das missões foi a introdução da planificação urbana
baseada em estudos científicos, em contraposição à abordagem arbitrária ou baseada no senso
comum das autoridades.
As missões lograram conceber a habitação em um contexto mais amplo: tratou-se de
entender a moradia como um fato complexo, − não como um fenômeno físico desconexo – que
deve ser posto em um contexto mais amplo no urbano com olhare s sociais, culturais, políticos e
econômicos. As conclusões dos estudos e diagnósticos internacionais permitiram aos governos
nacionais e locais, a constituição e aplicação de normas para uma melhor regulamentação das
cidades, e o melhoramento institucional dedicado à produção e financiamento de habitação. Do
ponto de vista técnico, as missões também impulsionaram a adoção de procedimentos de
construção em massa, inspirados na era maquinista do modernismo europeu, que visavam
tornar a habitação mais acessível à população menos privilegiada, sem negligenciar os aspectos
humanos relacionados à moradia. De tal forma, se permitiu o acesso a este bem para a
população menos favorecida.
A década de 1960 foi, um período muito movimentado tanto no planejamento urbano,
quanto na construção de habitação social. Porém, não só na Colômbia mas em toda América
Latina, derivado da aceleração na urbanização e do crescimento populacional, se incrementou
o déficit habitacional e os problemas de habitação em geral. Conclui-se que uma boa
planificação, mesmo baseada em experiências internacionais, não é suficiente para aprimorar
as cidades, uma vez que a raiz de seu desarranjo reside em uma estrutura econômica injusta
(Singer, 1973: 79). Portanto, as medidas para abordar essa questão devem transcender o âmbito
físico-espacial e se inserir em um processo global para o desenvolvimento.
Para a década de 1970 a habitação na Colômbia chegou a uns de os seus piores
momentos. Como consequência do fracasso definitivo da Reforma Agraria proposta no marco
de Frente Nacional (1961), pois as áreas rurais de maior desenvolvimento econômico se
converteram em espaços de forte conflito social. A disputa pelos territórios que produziam
divisas − cocaína, petróleo e ouro, principalmente−, foram ocupados por forças armadas ilegais
como paramilitares, guerrilhais e narcotráfico, as quais encontraram respaldo em políticos
clientelistas, pecuários, e as próprias forças militares. Esta situação, completamente agravada
nesta década, produz alta mobilidade geográfica da população camponesa, fragilidade nas
relações sociais dos indivíduos, inseguridade nos direitos de propriedade pelo deslocamento
forçoso, precário aceso da população aos centros de mercado e altos níveis de violência com um
elevado número de mortes. Esta situação ocasionou o deslocamento da população rural
principalmente para as cidades, fenômeno que tem sido particularmente agudo desde então.
A partir de 1972 o Estado priorizou, em detrimento a sua preocupação causada pelas
migrações rurais, a reforma agrária falida nos governos anteriores e a atenção do déficit
habitacional dos anos 1950 e 1960; um problema de desenvolvimento econômico − com a
concentração de recursos no financiamento da construção −, que ficou acima da dimensão social
e cultural do problema (Fique, 2006: 62). O governo acreditava que com este direcionamento
podia dar resposta à difícil realidade que deviam afrontar as cidades ante a elevada migração
rural com todos os problemas que esta situação envolvia (Ceballos, 2008: 128). Assim, o

510
“problema” da habitação se desprendeu definitivamente da sua dimensão sociocultural, se
enquadrando na perspectiva do desenvolvimento da economia.
Na década de 1970, (somado aos problemas de violência sofridos no país), o estado
expressou a sua incapacidade de atender o déficit habitacional pelos altos custos das operações
estatais centralizadas e pela pouca participação do setor privado neste processo. Além disso,
para este período, o ICT se encontrava completamente burocratizado e politizado com uma
produção de habitação de baixa qualidade completamente afastada daquela fabricada entre
1950 e 1960. O ICT repetia indiscriminadamente os projetos de habitação sem importar as
condições climáticas e culturais do lugar, administrava de maneira ruim o subsídio e planejava
desordenadamente os processos internos. Além disso, o sistema principal de financiamento por
parte do Estado UPAC (Unidad de Poder Adquisitivo Constante), se converteu na dor de cabeça
de grande parte dos beneficiários por causa dos elevados pagamentos mensais, assunto que
levou à quebra o ICT. Estes acontecimentos somados a outros mais, criaram no imaginário
coletivo da população um Estado inviável e incapaz de atender os cidadãos mais pobres.

A consolidação da habitação social moderna em Medellín

Depois de avaliado um panorama geral da habitação social na Colômbia, vamos agora


contextualizar o problema no caso particular da cidade de Medellín. Neste caso, a consolidação
da casa moderna a partir de 1940, data considerada como ponto de partida deste processo, tem
importantes antecedentes formulados no início do século XX. Apesar de que nosso período de
interesse não está estabelecido a partir deste momento, é importante conectar consideráveis
fatos acontecidos em termos urbanos neste período com o problema de nosso caso.
Neste sentido, o presente item pretende expor o desenvolvimento da habitação social
moderna em Medellín e como este pouco a pouco foi se convertendo em uma mercadoria
derivado do mercado capitalista, afastando-se dos legados modernistas da arquitetura
−especialmente da CIAM de 1933 – e das missões internacionais ocorridas no panorama
nacional já ilustrados. A periodização da habitação social em Medellín é mais ou menos
coincidente com o processo desenvolvido na primeira parte com relação ao panorama nacional.
Em Medellín entram em cena,cedo ou tarde, tanto instituições quanto novos atores que
permitem o adiantamento da habitação social moderna na cidade.
A habitação social em Medellín, sem dúvida, ganhou destaque e consolidou-se a partir
de 1940. No entanto, as bases desse período de grande produção habitacional remontam à
última década do século XIX. A emergente elite intelectual, política e econômica, impulsionada
pelas atividades da mineração, de ouro e da produção de café desde o início do século XIX,
transformou Medellín, no começo do século XX, na segunda cidade mais importante da
Colômbia, depois da capital, Bogotá.
Os empresários comerciais da época se empenharam em planejar o progresso da
cidade em diversos aspectos, incluindo o urbano e o arquitetônico. A partir de 1890, iniciou-se
um processo de renovação urbana para atender às necessidades da nova burguesia dominante,
que incluíam a questão da habitação. Os debates sobre a construção de uma nova cidade por
parte das elites deram origem a ideias, formas e propostas relacionadas ao desenvolvimento
urbano. Isso deu início a um dos processos mais interessantes que transformaram Medellín em
uma cidade que hoje é reconhecida na América Latina e no mundo como um objeto e tema de
discussão no contexto da renovação urbana.

Políticas Habitacionais da Colômbia

Atualmente a Colômbia conta com o setor de habitação administrado pelo Ministerio


de Vivienda, Ciudad y Territorio, fruto de uma divisão ministerial ocorrida em 2011 através da
Lei 1444/2011 que subdividiu o Ministerio de Ambiente, Vivienda y Desarrollo em vice
ministérios, empreendendo com isso maior especialidade na execução das políticas urbanas de

511
habitação e saneamento (MinVivienda, 2016). Com esse novo arranjo governamental, o atual
ministério da Habitação cuida, prioritariamente, das políticas públicas de moradias urbanas,
água e saneamento básico.
Dentro dessa perspectiva da ingerência estatal e do recorte temporal proposto, o
primeiro movimento governamental no intuito de criar mecanismo de financiamento para
aquisição de moradia e incentivo à construção foi a criação do Banco Central Hipotecario (BCH),
criado em 1932, com objetivo de articular política econômica de aquisição da propriedade
privada cuja garantia legal para o financiamento se dava por meio da hipoteca do próprio bem
objeto do contrato. Entretanto, de acordo com Londño et al (2005) essa política não
contemplava as camadas de mais baixa renda da população colombiana, o que ensejou a
criação, em 1939 do Instituto de Crédito Territorial (ICT), cuja finalidade era atender a população
de baixa renda e que, portanto, dada a informalidade e baixa garantia para financiamento,
necessitaram de uma política específica do Estado para garantir o acesso à moradia. Nesse caso,
moradia de interesse social.
Três anos após o início do funcionamento do ICT, o Estado incorporou às suas funções
a de prover não somente a construção e aquisição de habitação, mas também os serviços e
equipamentos de infraestrutura urbana básica, demonstrando a salutar necessidade dessa
camada populacional por insumos governamentais para acender à condição de proprietário de
uma habitação. Na década de 80 a ICT é desarticulada e seu programa de reestruturação amplia
a capacidade econômica de capital destinado à habitação, ampliando o rol de atividades que
podem ser afetadas por estes recursos, surgindo a partir de então o INURBE (Instituto de
Vivienda de Interés Social y Reforma Urbana). De acordo com LONDOÑO (2005) a importância
da criação do INURBE foi que com ele criou-se “el sistema nacional de vivienda, con funciones
de construcción, mejoramiento, reubicación, habilitación y legalización de títulos de vivienda de
esa naturaliza”.
Mais à frente, em 1954, surge a Caixa de Compensação Familiar, para fomentar
serviços urbanos e subsidiar a compra de moradia para os trabalhadores que tivessem renda
variável entre 2 a 4 salários mínimos vigentes à época e que as empresas as quais eles estivessem
vinculados fossem participante dessa Caixa (LONDOÑO, 2005, p. 125). Seguindo a mesma lógica,
em 1968, o governo cria o Fondo Nacional del Ahorro (FNA), destinado a administrar as
poupanças dos empregados estatais e a partir da criação desse fundo de reserva monetária,
conceder financiamento habitacional para compra de habitação.
Entretanto, no cenário das políticas habitacionais colombianas a que mais se destaca
nas políticas habitacionais é a criação da UPAC (Unidade de Poder Aquisitivo Constante), em
1972, que possibilitava o financiamento das moradias através de sistemas de poupança do
Banco da República, e a UPAC tinha como unidade a conta legal que considerava a correção
monetária com a finalidade de ajustar o preço dos contratos aos índices de inflação
(RODRÍGUEZ, 2012). A UPAC então surge como o mecanismo financeiro de Estado que logrou
maior incremento na economia durante as décadas de 70 a 90, cujo aporte financiava também
habitações de interesse social. A UPAC se mostra relevante, pois a reserva do fundo de poupança
destinou milhões de pesos (MinViviendas, 2016) para construtores e adquirentes de moradias,
aquecendo a economia e elevando os índices de arrecadação do país.
Porém, no ano de 1999 o UPAC é encerrado a partir de um Decreto do Ministério da
Fazenda em razão de sua constante defasagem em relação à economia, uma vez que os índices
vinculados para cálculo do valor da unidade estavam em desalinho com as taxas de inflação
praticadas no mercado, o que levou a uma paulatina e crescente soma de dívidas pelos
compradores e construtores e defasagem na receita do fundo de poupança (RODRÍGUEZ, 2012).
Diante do cenário mundial de instabilidade financeira que assolou principalmente os
Estados Nacionais economicamente mais instáveis (LONDOÑO, 2005) e frente às inúmeras
denúncias e escândalos de corrupção e desvio de dinheiro do fundo que compunha a INURBE
(Lo que quedó del INURBE, El Tiempo, 30/11/2002), em 2003, mediante o Decreto Presidencial
554, determinou-se a liquidação do INURBE em até 2 anos, fragmentando a política de habitação

512
e reforma urbana da Colômbia. Porém, durante sua vigência, o INURBE financiava habitação
social com políticas de melhoramento, aquisição de novas ou usadas, com financiamento de até
70 % do valor da habitação, desde que esse valor não ultrapassasse o teto de 135 SML e não
superasse 30% de endividamento da renda do adquirente (VILLA, 1999).
Assim, com o encerramento da UPAC e posterior liquidação da INURBE, ambos
contextualizados em um cenário de crise econômica e problemas de administração da carteira
de poupanças e investimentos em habitação pelo Banco da República (RODRÍGUEZ, 2012), o
investimento público para construção e aquisição de moradia sofreu um considerável
desinvestimento, reafirmando, a partir disso, a lógica liberal para produção habitacional através
de agentes financeiros privados e stakeholders da construção civil.
À guisa de conclusão, pode-se informar que durante o século XX, a Colômbia passou
por quatro fases na produção habitacional (MinViviendas, 2014). A primeira, higienista, foi dos
anos 1918 a 1942, foi quando iniciou o processo migratório campo-cidade, com a construção de
casas precárias e insalubres pelos próprios moradores. É desse período a criação do BCH, ICT e
Banco agrícola. A fase seguinte é conhecida por fase institucional (1942-1965) tem como
principais características a forte presença do Estado nas políticas habitacionais e a criação das
Caixas de Habitação Popular e Popular para promover recursos financeiros para habitação.
As duas últimas fases, de Transição (1965-1972) é marcada pela criação da Habitação
de Interesse Social (VIS), pelo Fundo Nacional de Poupança (FNA) e pelo Conselho Superior de
Habitação e Desenvolvimento Urbano. E por fim, a fase da Corporações Econômicas e de
Mercado (1971-1990) é marcada pela saída gradativa do Estado da execução de políticas
habitacionais e passada tal função ao mercado, como promotor e executor das moradias sociais
e não sociais, características que continua presente até hoje no contex to colombiano.

A produção de habitação de interesse social na Colômbia

Conforme dados do Departamento Nacional de Estatísticas da Colômbia (DANE, 2016),


a população do país atualmente totaliza 48.747.632 habitantes, com uma taxa de desemprego
de 11,9% registrada em janeiro do ano corrente. Segundo esse órgão oficial de estatísticas, as
atividades imobiliárias se destacam como o maior empregador na Colômbia, o que reflete a
relevância social e econômica desse setor no contexto local.
Considerando o crescimento populacional em curso (MinViviendas, 2016) e o déficit
habitacional de 16,48% registrado em 2012 (MinViviendas, 2014), correspondente a 1.647.093
moradias (sendo 554.087 com déficit qualitativo e 1.093.006 com déficit quantitativo), fica
evidente a necessidade de políticas públicas voltadas para a habitação de interesse social. No
contexto colombiano, o termo "Habitação de Interesse Social" é definido pelo Ministério de
Meio Ambiente, Habitação e Desenvolvimento Territorial, por meio do Guia Oficial de Calidad
Viviendas de Interés Social (2011), como habitações que atendem aos direitos humanos e
sociais, além de promoverem o uso sustentável dos recursos naturais (GUÍA OFICIAL DE VIS,
2011, p. 11).
O DANE (2016), em seu relatório anual sobre a produção habitacional na Colômbia,
aponta que "do total da área censada para moradias, 76,7% (20.781.289 m2) corresponde a
moradias não enquadradas como Viviendas de Interés Social (VIS), enquanto 23,3% (6.305.826
m2) refere-se a moradias de interesse social" (p. 6). Dessa parcela, no primeiro trimestre de
2016, a produção habitacional do país foi dividida em categorias de habitações paralisadas,
concluídas e em andamento.
Para atender à crescente demanda habitacional, o Estado colombiano implementou
políticas de apoio e financiamento para Viviendas de Interés Social (VIS), incluindo: 1. Programa
de Vivienda Gratuita: 100.000 viviendas gratuitas para hogares en situación de vulnerabilidad
priorizada y en pobreza extrema. 2. Programa de Vivienda de Interés Prioritario para
Ahorradores Vipa (en asocio con cajas de compensación): este programa facilita el cierre
financiero a 86.000 familias con ingresos mensuales entre 1 y 2 SMLMV e 3. Programa de

513
coberturas condicionadas a la tasa de interés: que cuenta con 74.948 mil cupos para Vivienda
de interés social y 30.471 para vivienda entre 135 y 335 salarios mínimos” (MinViviendas, 2016).

Políticas públicas de risco de desastres

Para transformar, a governança de riscos de desastres precisa estar alinhada e


influenciada por uma governança mais ampla da transformação social, ambiental e tecnológica
(DJALANTE; LASSA, 2019). Trata-se da integralidade com as demais políticas públicas de
desenvolvimento, apresentada por Narváez, Lavell e Ortega (2009), em que GRD deve ser
entendida como um processo (e não um produto) de relação direta com o modelo de
desenvolvimento, devendo estar explícita e presente no desenho de políticas, estratégias e
instrumentos de desenvolvimento, em diferentes escalas territoriais.
De enfoque multidisciplinar e sustentando as diferentes visões teóricas, a compreensão
de políticas públicas perpassa pelos termos: polity (instituições políticas), politics (processos
políticos); policy (conteúdos da política); e policy arena (processos de conflito e consenso na
área da política). A policy arena pode ter caráter de: a) políticas distributivas – caracterizadas
por um baixo grau de conflito dos processos políticos; b) políticas redistributivas – orientadas
para o conflito; c) políticas regulatórias – trabalham com ordens e proibições, decretos e
portarias; e d) políticas constitutivas ou estruturadoras – determinam as regras do jogo e, com
isso, a estrutura dos processos e conflitos políticos, isto é, as condições gerais sob as quais vêm
sendo negociadas as políticas distributivas, redistributivas e regulatórias (FREY, 2000).
As políticas públicas têm diferentes definições, mas acabam por assumir uma
abordagem sistêmica – em que o todo é mais que a soma das partes – e que indivíduos,
instituições, interações, ideologia e interesses devem ser considerados (SOUZA, 2003).
Para Souza (2003), política pública é

[...] o campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, ‘colocar o


governo em ação’ e/ou analisar essa ação (variável independente) e, quando
necessário, propor mudanças no rumo ou curso dessas ações e/ou entender
por que e como as ações tomaram certo rumo em lugar de outro (variável
dependente). Em outras palavras, o processo de formulação de política
pública é aquele através do qual os governos traduzem seus propósitos em
programas e ações, que produzirão resultados ou as mudanças desejadas no
mundo real. (SOUZA, 2003, p. 13).

Em sua etimologia, política ou politikos, do grego, significa “de, para, ou relacionado a


grupos que integram a polis” (MAAR, 2017), uma concepção participativa de democracia,
marcada pela representatividade, pela busca do equilíbrio entre interesses divergentes e não
predeterminados, que valorizam o cidadão como agente principal (HABERMAS, 2002).
Secchi, Coelho e Pires (2019) consideram que uma política pública é uma diretriz
elaborada para enfrentar um problema entendido como coletivamente relevante; e estas
políticas públicas podem fazer uso de diversos instrumentos para que as orientações e diretrizes
sejam transformadas em ação (planos, projetos, programas etc.). Os riscos de desastres se
organizam como sistemas complexos, cuja complexidade requer a integração de políticas
públicas para um desenvolvimento territorial mais sustentável (IRGC, 2018).

A integração de políticas públicas serve a inúmeros propósitos desejáveis.


Primeiro, ela garante que as políticas sejam pelo menos minimamente
consistentes – e idealmente sinérgicas – com cada um dos principais objetivos
de políticas da sociedade. Segundo, ela leva em conta oportunidades de
identificação de políticas inovadoras que se valem de possíveis sinergias entre
as principais metas. Terceiro, ela oferece oportunidades de identificar
quaisquer permutas necessárias entre os objetivos e de propor medidas

514
corretivas. E, finalmente, os esforços voltados para políticas de integração
aumentam a transparência e responsabilidade nas atitudes de diferentes
stakeholders em relação a objetivos diferentes. (WU; RAMESH; SCOTT, 2014,
p. 141-42).

Entre os diferentes níveis de implementação de políticas públicas, o local recebe grande


ênfase, pois a) os impactos das alterações climáticas manifestam-se localmente e afetam as
atividades de subsistência locais; b) a vulnerabilidade e a capacidade adaptativa são
determinadas pelas condições locais; e c) as atividades de adaptação são frequentemente mais
bem observadas em nível local (OCDE, 2011). Alvim e Castro (2010) sintetizam que a escala local
é a escala de ação.
Os governos locais são o nível de governança formal do Estado, mais próximo da
população, e podem criar um ambiente favorável para as ações de adaptação local (resiliência)
quando fornecem um quadro de apoio para as normas, regras, incentivos financeiros e outros
tipos de conhecimento, serviços e capacidades para ajudar os indivíduos, famílias e organizações
comunitárias a tomar decisões que reduzam a sua exposição aos riscos climáticos (OCDE, 2011).
A integração das políticas públicas tem maior ênfase nas Prioridades 2 e 3 do Marco de
Sendai, com destaque às políticas de uso da terra na Prioridade 3, como: a) o planejamento
urbano; b) as avaliações de degradação do solo e habitações informais e não permanentes; e c)
as diretrizes e ferramentas de acompanhamento informadas por previsões de alterações
demográficas e ambientais (NAÇÕES UNIDAS, 2015). Os planejadores do uso da terra têm um
papel crítico a desempenhar na construção de comunidades resilientes, sendo a política e o
cenário legal uma base sólida para as boas práticas (GLAVOVIC; SAUNDERS; BECKER, 2010):

As políticas públicas urbanas são o conjunto das práticas efetivas de ação


governamentalestatal voltado para as estruturas e processos urbanos.
Políticas públicas urbanas são voltadas para os processos de produção,
transformação e apropriação do ambiente construído, incluindo
infraestruturas e estruturas físicas, os serviços e equipamentos urbanos, sua
localização relativa no território e as práticas sociais aos quais se articulam e
dos quais não podem ser separadas. (ALVIM; CASTRO, 2010, p. 36).

Os planos de desenvolvimento urbano bem elaborados dizem respeito à construção de


resiliência a um leque de perigos, e aos riscos que eles produzem individualmente ou
combinados, pois atuam nas causas de base do risco (a pobreza como a vulnerabilidade aos
riscos climáticos) nos diferentes elementos de uma estratégia de desenvolvimento urbano
(OCDE, 2011). A política urbana no Brasil teve princípios, diretrizes e instrumentos
fundamentados nos artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988, apenas regulamentados
pelo Estatuto da Cidade, na Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001 (BRASIL, 2001). No Estatuto da
Cidade, o Plano Diretor (Físico-Territorial) é instituído como instrumento de política urbana
municipal, o qual pode contemplar outros instrumentos (institutos tributários e financeiros,
jurídicos e políticos).
Os Planos Diretores Físico-Territoriais dos municípios, estabelecidos por lei
complementar específica, são o principal instrumento das políticas de planejamento urbano
territorial local e determinam o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsória do solo
urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, fixando condições e os prazos de
implementação.
A integração da gestão de risco de desastres aos Planos Diretores Físicos-Territoriais é
um processo de inter-relação e assertividade entre os atores envolvidos, necessário para
alcançar cidades mais resilientes: “O Estado pode e deve usar a governança pública e a ativação
social como instrumentos de integração de seus stakeholders locais e contribuir para que todos
se reconheçam e tenham lugar na vida pública” (DE SANT’ANNA; QUEIROZ NETO; MARCHI,
2020).

515
Considerando o potencial estratégico deste plano e a integração almejada entre a GRD
e as políticas públicas territoriais, o estudo analisa esta integração com base na ocorrência de
formas (palavras) específicas de GRD no corpo de texto dos Planos Diretores Físicos -Territoriais
dos municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí (BHRI).

Plano Nacional de Gestão de Risco de Desastres na Colômbia

O Plano Nacional de Gestão de Riscos de Desastres (PNGRD) "Uma estratégia de


desenvolvimento" 2015 – 2025 é um instrumento criado com base na Lei 1.523, de 24 de abril
de 2012, que estabelece a Política Nacional de Gestão de Risco de Desastres e institui o Sistema
Nacional de Gestão de Risco de Desastres (SNGRD). O PNGRD tem como objetivo formular e
implementar planos de gestão de riscos, priorizando, programando e executando ações p or
parte das entidades do Sistema Nacional, por meio de três processos principais: (i)
conhecimento do risco; (ii) redução do risco; e (iii) manejo de desastres (PNGRD, 2015). Esses
processos visam garantir a proteção da população, aprimorar a segurança, o bem-estar e a
qualidade de vida, além de contribuir para o desenvolvimento sustentável do país.
Para facilitar a aplicação desses processos, o SNGRD incluiu quatro componentes
essenciais para atingir seus objetivos. No processo de conhecimento do risco, são identificadas,
avaliadas e analisadas as condições de risco, levando em consideração os principais fatores de
ameaça, vulnerabilidade, suas causas e os agentes causadores. Esse processo também abrange
o monitoramento desses fatores e a comunicação do risco.
No processo de redução do risco, são aplicadas medidas de prevenção de desastres,
incluindo a proteção financeira para a reposição do valor econômico das perdas. Quanto ao
processo de manejo do risco, as medidas são direcionadas para a preparação e execução da
resposta a emergências, bem como para a subsequente recuperação.

Considerações finais

A crise habitacional desencadeou a proliferação da autoconstrução como uma


alternativa à falta de moradias acessíveis no mercado formal e à limitada intervenção estatal.
Amplamente adotado, esse modelo foi, direta ou indiretamente, incentivado pelo poder público
e pela mídia, com o objetivo de abordar os desafios habitacionais e manter a estabilidade
pública, incluindo o apoio a setores industriais.
No entanto, muitas dessas habitações construídas sob a gestão direta dos
proprietários carecem de conforto e funcionalidade devido à falta de profissionais qualificados.
Para mitigar esses problemas, leis foram promulgadas para garantir o direito das famílias de
baixa renda à assistência técnica gratuita no planejamento e na construção de habitações de
interesse social.
Relacionando essa questão habitacional aos desastres frequentes em áreas
montanhosas da Colômbia, é evidente que esses ambientes propensos a fenômenos naturais
violentos, como fluxos de detritos, aumentam os riscos de desastres para as comunidades locais.
A prevenção não estrutural e a gestão eficaz de desastres são essenciais para reduzir esses
riscos.
Compreender os mecanismos por trás desses fenômenos naturais é fundamental para
uma gestão adequada. Os desastres passados fornecem lições valiosas para aprimorar nosso
conhecimento e aumentar a resiliência das comunidades.
A participação das políticas públicas nesse processo de prevenção de desastres é de
extrema importância, pois busca garantir a segurança e a qualidade de vida dos habitantes, bem
como a preservação dos locais afetados.
Em meio aos desafios habitacionais e à necessidade de uma gestão eficaz de riscos na
Colômbia, fica claro que as políticas públicas desempenham um papel crucial na busca pela

516
melhoria das condições de moradia e na proteção das comunidades contra desastres. Embora
existam obstáculos e complexidades a serem superados, o compromisso do Estado colombiano
em promover habitações de interesse social e investir em medidas preventivas é um passo
significativo em direção a um futuro mais seguro e habitável para todos os cidadãos.
Conclui-se, portanto, que o Estado colombiano, em sintonia com muitos outros países
latino-americanos, possui políticas de subsídios e financiamentos para habitações de interesse
social, com marcos legais bem definidos na Constituição e na Lei de Terras. No entanto, é
importante reconhecer que a produção habitacional muitas vezes é influenciad a pela lógica
imobiliária especulativa do mercado privado, o que pode gerar desafios relacionados à
infraestrutura urbana e à exclusão social, impactando negativamente a vida das famílias
beneficiadas por essas políticas estatais.

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519
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( X) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

O PAPEL DOS ESTUDOS URBANOS: DESAFIOS E OPORTUNIDADES NA


INTEGRAÇÃO DA TERRA INDÍGENA COMO ESTUDO DE CASO.

THE ROLE OF URBAN STUDIES: CHALLENGES AND OPPORTUNITIES IN THE INTEGRATION


OF THE INDIGENOUS LAND AS A CASE STUDY.

Angela Carine Elias de Souza


Mestranda, PPGAU-UFPB, Brasil
angelacarine.ac@hotmail.com

520
RESUMO
Este artigo tem por objetivo realizar uma revisão bibliográfica a fim de desenvolver uma reflexão teórica sobre o
papel dos estudos urbanos nas comunidades indígenas, assim como seus desafios e oportunidades. Especificamente,
busca compreender como o território, a cidade e a arquitetura têm sido estudados no campo do planejamento urbano
em relação às comunidades indígenas. A metodologia inclui revisão bibliográfica e documental sobre fatores teórico-
metodológicos e políticos aplicados às comunidades originárias no contexto da arquitetura e urbanismo. Com base
nos objetivos, este trabalho destaca a relevância de visibilizar literaturas sobre dinâmicas espaciais indígenas,
apontando posturas, conceitos aplicáveis e campos de pesquisa que podem auxiliar na atuação nestes espaços. Como
resultado, identificam-se cenários de pesquisa e contribuições para o conhecimento e atuação no campo da
arquitetura e urbanismo relacionado às comunidades originárias, tanto em âmbito universal quanto local. As
Contribuições teóricas/metodológicas deste trabalho evidenciam que, embora os estudos no campo da arquitetura
e urbanismo ainda se concentrem em questões puramente arquitetônicas, remetendo a tempos remotos, a
abordagem multidisciplinar de outros campos se apresenta como um caminho para pesquisas que visam
compreender as consequências e disputas territoriais que afetam as comunidades indígenas na atualidade, sob uma
perspectiva decolonial. Além disso, este estudo busca gerar Contribuições sociais e ambientais ao sistematizar
trabalhos científicos que podem servir como base para ações in loco nas comunidades indígenas. Isso também destaca
a importância da participação coletiva e da perspectiva dos povos indígenas como agentes ativos na construção do
espaço.

PALAVRAS-CHAVE: Terra Indígena. Estudo de caso. Estudos urbanos.

ABSTRACT
This article aims to carry out a bibliographical review in order to develop a theoretical reflection on the role of urban
studies in indigenous communities, as well as its challenges and opportunities. Specifically, it seeks to understand how
territory, the city and architecture have been studied in the field of urban planning in relation to indigenous
communities. The methodology includes a bibliographic and documentary review on theoretical-methodological and
political factors applied to original communities in the context of architecture and urbanism. Based on the objectives,
this work highlights the relevance of making literature visible on indigenous spatial dynamics, pointing out positions,
applicable concepts and research fields that can assist in acting in these spaces. As a result, research scenarios and
contributions to knowledge and action in the field of architecture and urbanism related to original communities were
indicated, both at a universal and local level. The theoretical/methodological: methodological contributions of this
work show that, although studies in the field of architecture and urbanism still focus on purely architectural issues,
referring to remote times, the multidisciplinary approach from other fields presents itself as a path for research that
aims to understand the consequences and territorial disputes that affect indigenous communities today, from a
decolonial perspective. Furthermore, this study seeks to generate social and environmental contributions by
systematizing scientific work that can serve as a basis for on-site actions in indigenous communities. This also
highlights the importance of collective participation and the perspective of indigenous peoples as active agents in the
construction of space.

KEYWORDS: Indigenous Land. Case study. Urban studies.

521
1 INTRODUÇÃO

A recente divulgação da crise humanitária Yanomami evidencia como os conflitos


envolvendo disputas territoriais podem impactar nas dinâmicas espaciais e afetar diversas
instâncias dentro das comunidades originárias. Mais recentemente, o debate sobre o marco
temporal também reforça esta discussão. Estas realidades acenam à problemática de como o
território, a cidade e a arquitetura se articulam na produção dos espaços indígenas? Questiona-
se, ainda, sobre o papel da atuação profissional e da pesquisa científica envolvendo estes
territórios e suas políticas. Baseando-se nestas questões, este artigo 1 tem por objetivo realizar
uma revisão bibliográfica e documental, a fim de desenvolver uma reflexão teórica sobre o papel
dos estudos urbanos nas comunidades indígenas, assim como seus desafios e oportunidades.
Em específico, busca compreender como o território, a cidade e a arquitetura indígena têm sido
articulados aos estudos urbanos.
Pesquisas no campo do urbanismo, envolvendo estas comunidades e preocupadas em
compreender as relações territoriais indígenas vêm se tornando mais frequentes (STEPHENS,
2015; HORN, 2018; NEJAD ET AL., 2019; FAWCETT, 2021; HESS, 2021; ALFATHANI e NURDINI,
2022; BERG-NORDLIE; DANKERTSEN; WINSVOLD, 2022; ASI e KEYSER, 2022). Apesar disso,
Portela (2013) critica como as temáticas e autorias indígenas são vistas de forma incipiente no
campo teórico e investiga possibilidades de compreender o indigenismo. Para Nunes (2010),
pode ser subentendido que o desenvolvimento das comunidades indígenas em contexto urbano
e seu vínculo com as lógicas econômicas e tecnológicas contemporâneas pode servir como
categoria de aculturação – mutação de traços culturais por influência/contato com outra cultura
– do que é mais ou menos indígena. O autor identifica que, apesar dos progressos da literatura
acadêmica, existe uma carência de soluções teóricas que sejam eficientes no estudo de aldeias
urbanas, cidades com ocupação indígena, povos indígenas em contexto urbano e suas relações
com os processos de adoção política, consumo e dependência das inovações tecnológicas e
industriais.
De acordo com as considerações de Nunes (2010), Berg-Nordlie, Dankertsen e
Winsvold (2022) ainda apontam para a marginalização das temáticas indigenistas, que
invisibiliza as produções desenvolvidas em contexto científico, observando que os projetos e as
conquistas dos direitos indigenistas ainda não enfrentam desafios como ser indígena n a cidade.
Asi e Keyser (2022) constataram que o enfrentamento dos conflitos espaciais indígenas
transcende as questões étnicas e abrange problemas recorrentes nos grandes centros urbanos,
como a marginalização, a gentrificação, a hostilidade e a falta de acesso a emprego, educação e
saúde, o que pode servir como indicativo do estado de limitação desses aparatos. Portanto, a
complexidade relacionada ao tratamento desse tema deve ser considerada, juntamente com
fatores que podem dificultar a execução de estudos como este, como a ausência de bibliografia
consolidada no campo científico, a lógica multidisciplinar da temática e o difícil acesso a
documentações oficiais 2, entre outros. Em resumo, a problemática ressalta a importância dos

1 Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla e que está em processo de desenvolvimento no mestrado, sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Mariana Bonates.
2 Vale mencionar também as restrições e autorizações para adentrar em comunidades indígenas, que depende de

diversas documentações e solicitação de permissão para entrar na Terra Indígena (TI), encaminhadas via correio para
a sede da FUNAI em Brasília, e a posterior autorização conjunta concedida pelos próprios l íderes indígenas, sendo os
caciques de cada aldeia e o cacique geral da TI.

522
estudos urbanos sobre comunidades indígenas, como eles têm sido abordados e quais são suas
aplicações.
É importante notar que as dinâmicas territoriais ocorrem e variam de acordo com a
localização das comunidades nativas em zonas naturais, rurais e urbanas, dependendo do
contexto e do contato com populações não indígenas. A partir disso, é fundamental observar as
atuações e estudos dedicados aos povos indígenas e como cada estudo de caso pode apresentar
resultados, dinâmicas e disputas tão divergentes.
A realização dessas pesquisas no campo do urbanismo oferece uma relevância
científica notável, pois possibilita a identificação e análise de diversos modos de formação do
espaço, bem como a compreensão da articulação política entre vários agentes envolvidos na
disputa pelo território. Além disso, apresenta uma importância social fundamental ao ajudar a
entender a sistemática de atuação profissional e o tratamento dessas áreas, promovendo uma
contribuição mútua entre conhecimentos tradicionais e científicos.
É claro que o urbanismo está intrinsecamente ligado à disputa pelo poder na
modificação arbitrária do espaço (HARVEY, 2006). A falta de visibilidade e conhecimento desse
contexto de disputa nas comunidades indígenas enfatiza a necessidade de trabalhos que não
apenas viabilizem, mas também deem visibilidade ao registro da resistência desses povos, bem
como de sua representatividade étnica, cultural e socioespacial. Essa abordagem pode ser vista
como um indicativo de um campo de pesquisa promissor e um manifesto do protagonismo
étnico na produção do espaço. É evidente a contribuição valiosa que a atuação profissional pode
ter nessas áreas quando se compreendem as dinâmicas territoriais indígenas.
A metodologia deste artigo é firmemente embasada em uma revisão bibliográfica
abrangente sobre as temáticas e metodologias aplicadas aos estudos urbanos sobre
comunidades indígenas. Além disso, inclui uma revisão documental curta e sintetizada da
amostra de leis indigenistas. A partir disto, é percebido o caráter multidisciplinar do tema,
motivo pelo qual, ao fim do artigo, indica-se cenários de pesquisa e o papel significativo do
arquiteto e urbanista como contribuinte para o conhecimento e a atuação no campo. Além desta
seção, este trabalho está estruturado em uma seção dedicada à Terra Indígena como estudo de
caso no campo disciplinar dos estudos urbanos e regionais, bem como em considerações finais.

2 A TERRA INDÍGENA COMO ESTUDO DE CASO NO CAMPO DISCIPLINAR DOS ESTUDOS


URBANOS E REGIONAIS.

Para Corrêa (2014), a produção do espaço e os conflitos inerentes a ele decorrem da


materialização da ação dos agentes sociais 3 , que apresentam interesses e práticas espaciais
próprias. Essas práticas geram afetos e significados em cada estrutura espacial, que podem estar
relacionados, por exemplo, à estética e à etnicidade. No entanto, o Estado, entre todos os
agentes, desempenha diversos papéis em diferentes contextos, estabelecendo normativas,
regulamentando o uso da terra e das atividades produtivas, viabilizando a produção de outros
agentes por meio de estruturas espaciais e controlando o mercado fundiário, imobiliário e
industrial.
Os grupos sociais excluídos atuam como forma de resistência aos interesses que os
colocam à margem dessa produção. As condições de vida e de trabalho precárias refletem na

3Corrêa (2014, p. 44) identifica agentes sociais do espaço em classes, como: “os proprietários dos meios de produção,
os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos.”

523
luta pelo direito à cidade e pela qualidade de vida. Este cenário representa alguns dos conflitos,
que atuam como fator permanente e inerente à formação de territórios (STUMER e COSTA,
2017).
Não obstante, observa-se que a disputa territorial atribuída às comunidades indígenas
se estabelece entre diversos agentes e não se dissocia das práticas hostis, sejam elas
relacionadas à especulação imobiliária, ao desmatamento, à mineração, ao
subdesenvolvimento, entre outros. A tutela do Estado, nesse sentido, é um dos exemplos de
seus múltiplos papéis e também um exemplo do poder de ação sobre os demais agentes.

2.1 Leis indígenas


Com base em Corrêa (2014), compreende-se que a atuação do Estado vigora em nível
administrativo e normativo, portanto, as leis normatizam aspectos sociais, tradicionais,
econômicos, políticos e territoriais dentro das Terras Indígenas, direcionando assim a atuação
dos demais agentes. Hillier (2001) destaca que as leis são agentes na construção social do espaço
e que as forças sociais, como a cultura, atuam por meio das leis, criando variantes e invariantes
nas formas de assentamento. Entende-se, aqui, a cultura como uma variável que influencia a
textura local do espaço, moldando a cultura espacial e as decisões espacialmente culturais.
Para Silva (2008) 4 , embora sejam inúmeras e complexas, as leis e atos indigenistas são
basicamente classificados em 11 partes: Legislação Fundamental5, Cidadania, Ordenamento
Territorial6, Meio Ambiente, Educação, Seguridade Social, Cultura, Organização da União,
Etnodesenvolvimento, Defesa e Pesquisa.
Em todos os setores de direitos delegados aos povos indígenas, sobretudo no
ordenamento territorial e na dimensão do etnodesenvolvimento, o desenvolvimento dos povos
indígenas e o uso do território são mencionados somente em relação a atividades produtivas e
à agricultura, evidenciando um cenário genérico ruralizado desses povos 7. É preocupante a
ausência de regulamentações que assegurem direitos relacionados a ser indígena na cidade, em
terras não homologadas e em outras formas de caracterização, como os quilombos indígenas, a
exemplo da comunidade Tiririca dos Crioulos 8 , das aldeias multiétnicas indígenas, como a aldeia
Maracanã9 e outras formas de ocupação que não podem ser reconhecidas diante dos estigmas
que permeiam as comunidades indígenas e sua tradicionalidade.

4 volume publicado pela FUNAI para auxiliar as consultas de profissionais que precisem intervir em território indígena,
e contempla as principais legislações e diretrizes que norteiam a relação indígenas -sociedade-Estado.
5 Há de se considerar como legislação fundamental para o que o artigo propõe a Declaração das Nações Unidas sobre

os direitos dos povos indígenas que garante o direito de autogoverno e autonomia indígena, também a Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto do Índio – Lei nº 6.001, de 19.12.1973, que reconhecem os direitos e as práticas nativas
e a importância da preservação e valorização destes.
6 Contempla a demarcação de terra indígena, que conta com o procedimento administrativo de demarcação

territorial realizado a partir de relatório circunstanciado de identificação e delimitação. Os decretos nº 88.895, de


1984, e nº 98.812, de 1990, e ainda a Lei nº7.805, de 1989, regulamentam a permissão de lavra garimpeira e de
exploração de riquezas minerais em terras indígenas.
7 A única menção a “índios urbanizados” é utilizada para enfatizar a dificuldade em gerar educação acessível .
8 Comunidade de descendência quilombola e indígena, que mantem ambas as práticas culturais no território dos

índios Pankará, em Carnaubeira da Penha (PE). Ver documentário dirigido por Larissa Isidoro e Lara Erendira (2014):
https://beirasdagua.org.br/item/tiririca-dos-crioulos-um-quilombo-indigena/.
9 Aldeia urbana que ocupa o antigo Museu do Índio, próximo ao estádio Maracanã, no município do Rio de Janeiro.

Nela habitam famílias de diversas etnias indígenas nacional e internacional, que contam com o apoio das
universidades do estado. Mesmo assim, a comunidade não é reconhecida por lei e permanece resistindo às ordens
de retirada.

524
2.2 Trabalhos encontrados em arquitetura e urbanismo

Pesquisas sobre arquitetura indígena contam com uma quantidade mais expressiva de
volumes em comparação a outros estudos no campo disciplinar da arquitetura e urbanismo.
Destes estudos, depreende-se uma considerável atenção às habitações indígenas. Apesar disso,
a seguir são apresentados estudos recentes relativos às ocupações indígenas como objeto de
estudo no campo disciplinar da arquitetura e urbanismo.
Ao investigar a caracterização da sustentabilidade na arquitetura das habitações
Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul, Prudente (2007) coloca seu trabalho como um desafio e
uma inovação nas áreas da engenharia e arquitetura, ao relacionar as construções indígenas
com questões sustentáveis. A autora descreve a tipologia arquitetônica, materiais, técnicas,
processos e simbologias relacionados à construção no estudo de caso, recorrendo à análise
espacial, às técnicas e referências do campo da antropologia, dada a originalidade do estudo no
campo.
Da mesma forma, Oliveira et al. (2022) propõem ampliar e contribuir com a história da
arquitetura indígena no Brasil por meio de revisão bibliográfica, na qual utilizam textos
referentes aos povos indígenas Mbyá-Guarani (Mata Atlântica), Kuikuro (Cerrado) e Kaigang
(Pampa). Foram observadas as características construtivas de cada caso e suas divergências, e
apontaram a dificuldade em realizar o trabalho, dada a escassez de conteúdo e diálogos
relacionados às comunidades indígenas, fato também destacado por Prudente (2007).
Portocarrero (2010) discute arquitetura habitacional indígena no Brasil a partir de
pesquisas bibliográficas e documentais que exploram diversas tipologias tradicionais indígenas
e disposição e apropriação espacial; também apresenta registros coloniais e modos de
sistematização das observações de campo no período. Em maior escala, Machado, Portocarrero
e Silva (2020) apresentam sistemas e materiais construtivos e suas aplicações e estudam
características tecnológicas destas construções.
Troncarelli (2022) investiga a arquitetura indígena alto xinguana através de
iconografias, sobretudo, utilizando fotografias do povo Kamaiurá. Revela a importância de
entender a construção da identidade indígena no processo de análise e da representação e
memória destes fatores em iconografias, que revelam detalhes construtivos e características de
uso. A autora identifica que estudos arquitetônicos envolvendo povos indígenas desmistificam
o fator cultural da temática, valorizam e difundem os saberes científicos e tradicionais. A
pesquisa apresentou dificuldades relacionadas à pouca informação no campo, sendo necessário
recorrer ao campo de história e antropologia.
Portocarrero (2020) expressa suas preocupações acerca da lacuna presente nos
estudos de caso indígenas e sobre o conhecimento disponível. O autor observa que as
construções são dotadas de soluções tecnológicas capazes de resolver diversas questões de
conforto, função e execução. Além disso, a invisibilidade dessas características remonta à
desvalorização das soluções tradicionais como eficientes no mercado. Apesar de sua experiência
e atuação como professor e pesquisador, Portocarrero (2020) observa que a população indígena
permanece em um cenário de esquecimento e estigmatização nas escolas indígenas e que há
dificuldade em romper esse obstáculo e repercutir estudos desenvolvidos nesta temática,
justificando, por isso, o auxílio do campo da antropologia e da história.
Zanin, Araújo e Modler (2015) narram a experiência de ensino projetual arquitetônico.
Os autores observaram que algumas intervenções arquitetônicas em comunidades indígenas

525
não consideram as necessidades específicas da comunidade indígena, nem representam suas
especificidades culturais.
Wiese e Zanin (2018) narram a experiência obtida em atividade de extensão, que
contou com soluções arquitetônicas aplicadas no alojamento de estudantes e de famílias
indígenas da UFSC. O objetivo foi aproximar os alunos de arquitetura e urbanismo da temática
indígena e desenvolver a competência de posicionamento crítico reflexivo sobre a valorização
da diversidade e da cultura. Com isso, foram considerados aspectos construtivos e culturais,
bem como o fator social das famílias, promovendo uma noção da realidade indígena e da
atuação profissional. Para os autores, tratar das temáticas indígenas amplia as possibilidades de
aprendizado.
As propostas supracitadas trouxeram muitos caminhos de atuação no curso de
arquitetura e urbanismo e inúmeros benefícios em retorno à comunidade, como citado no
trabalho de Zanin, Scotton e Oldoni (2015). No entanto, o mesmo questionamento sobre a falta
de visibilidade e tratamento das temáticas indígenas conduziu pesquisadores, como Dill e Wiese
(2021), a percorrer outros trajetos, como estudar territorialidades indígenas nos centros
urbanos. Os autores admitem que há disputas étnicas em contexto urbano, problematizando a
presença indígena. Utilizando o auxílio de bibliografias de outros campos e de relatos, foi
observado que o projeto participativo é a melhor forma de solucionar os anseios de diversos
públicos, incluindo os povos indígenas.
Nesta mesma perspectiva, Canuto et al. (2018) denotam que, apesar da repercussão
midiática, há grande dificuldade em encontrar estudos sobre indígenas em contexto urbano. Os
autores visibilizam as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas em Belo Horizonte – MG.
É relatado o assessoramento do programa de extensão MORAR INDÍGENA, começando por uma
revisão histórica que narra a violência do Estado contra povos originários durante o período
militar até a atual busca por representatividade política. A falta de reconhecimento desses povos
em contexto urbano é um fator que dificulta a vivência indígena na cidade. Por isso, o MORAR
INDÍGENA gerou mapeamentos que quantificaram essa população, mostrando onde moravam,
trabalhavam, descansavam e circulavam, contribuindo para o entendimento de como utilizam a
cidade e o quanto sua presença é expressiva, legitimando sua presença.
Ainda que no Brasil o estudo de povos indígenas associado ao território e à cidade seja
mais pontual, em outros países, pesquisas envolvendo o estudo de caso indígena têm abordado
a resistência social e os processos de adaptação que estão surgindo. Também abordam a
territorialização como processo de reorganização social a ser tratado na historiografia nacional,
desde o período de colonização. Por exemplo, trabalhos envolvendo sintaxe espacial exploraram
desigualdades espaciais de grupos étnicos e raciais (VAN NES e AGHABEIK, 2015; NELSON, 2022),
assentamentos históricos (ALFATHANI e NURDINI, 2022; KUBAT ET AL., 2012; FERDOUS, 2007) e
dimensão cultural na formação espacial (GRIFFITHS e VAUGHAN, 2020). Todos esses estudos
ocorrem em contextos citadinos.
Raman (2003) estudou a ocupação cultural dos espaços por diversas comunidades
étnicas na cidade de Ahmedabad. O artigo descreveu pesquisas recentes sobre a "cultura
espacial" e a cultura das cidades; examinou as diferenças na morfologia (utilizando sintaxe
espacial) de distintas áreas da cidade murada de Ahmedabad, onde diversas comunidades
étnicas vivem em localidades diferentes.
Ferdous (2007) buscou compreender certas noções fundamentais de espaço cultural
no padrão espacial indígena de Old Dhaka. A partir disso, explorou a origem e o desenvolvimento

526
da forma através de uma comparação ordenada de seu padrão de crescimento com aspectos
sociais e morfológicos, juntamente com os atributos do espaço cultural. Destrinchou os
múltiplos aspectos que fazem os espaços culturais da morfologia indígena se sustentarem ao
longo do tempo.
Castillo (2012) realizou a investigação das continuidades e descontinuidades indígenas
nas formas de urbanismo e construções atualmente na Colômbia. Para isso, o autor faz uma
recapitulação histórica com o auxílio de revisão documental, que ilustra realidades pré -coloniais
e pós-coloniais dos povos indígenas. A pesquisa relacionou etnografia urbana, arquitetura no
desenho e planejamento das cidades. O autor constatou que não existe arquitetura e urbanismo
marginais; o que existe são as formas de narrativa e historiografia que marginalizam. Logo, a
história indígena é uma história marginal, considerando o descrito pelo autor. O domínio das
culturas indígenas, a relação, a influência e a representação do poder marcam os fenômenos
marginais no espaço, na forma e na função urbana. Consequentemente, as práticas de gestão e
planejamento ao longo da história evidenciam as formas arquitetônicas e urbanas que, desde a
realidade e o mito das culturas espanholas, indígenas e negras, refletem o conteúdo da
marginalidade urbana de nossas sociedades atuais, revelando as relações entre os fenômenos
marginais urbanos com a inovação e criação das sociedades e culturas nas cidades e edifícios de
hoje. Embora o foco do trabalho seja sobre a Colômbia, o autor não deixou de correlacionar a
temática e os fatos aos países fronteiriços, trazendo dados cartográficos relevantes sobre os
povos indígenas do Brasil.

2.3 Discussões sobre estudos urbanos indígenas em outros campos

Dentro do contexto citadino, diversos trabalhos narram os desafios urbanos


enfrentados pelos povos indígenas devido à questão da legitimidade de suas identidades por
parte das organizações competentes (MAHER, 2016). Esse cenário tem levado à articulação
desses povos em associações que se mobilizam em meio urbano para suscitar políticas públicas
e uma apropriação mais equitativa do espaço (CACCIA, 2015). Esta seção apresenta avanços nos
estudos indígenas relacionados à questão urbana e territorial que já foram alcançados em
outros campos, tanto a nível nacional quanto internacional, como a geografia, história,
antropologia, ciências políticas e sociologia.
Oliveira, Zanetti e Papali (2022) analisam a apropriação e expropriação das terras
indígenas em São Paulo (SP), entendendo-as dentro das dinâmicas de movimentação indígena
no processo de crescimento municipal. Eles observaram que, a partir do processo de
colonização, as comunidades nativas foram expropriadas de suas terras, contribuindo para o
fenômeno da periferização indígena. O artigo constatou, assim como nas ponderações de
Castillo (2012), que esse processo de marginalização é um “sintoma histórico”, conscientemente
realizado pelo jogo de interesses no qual a gestão da cidade é responsável, também possibilitado
pela constituição. Os autores denotam que o processo de metropolização em São Paulo acelerou
a expropriação dos povos indígenas de suas terras.
Pereira (2018) analisou aspectos da vida tradicional indígena em indivíduos dispersos
na cidade de Manaus (AM), observando o vínculo de pertencimento na continuidade dessas
práticas apesar do distanciamento das aldeias. Assim, concluiu que as práticas ensinadas de
geração em geração não se dissociam em contexto urbano, consequentemente, a presença

527
indígena nas cidades não remete ao desaparecimento dessas etnias. Isso revelou a emergência
de refletir sobre como as políticas públicas dialogam e dão espaço às reivindicações identitárias;
também o desafio em identificar e compreender a fragmentação, dispersão e espacialização das
práticas culturais em contexto citadino. O artigo acompanhou a falta de reconhecimento do
indígena como cidadão, motivo pelo qual as associações formadas reivindicaram oportunidades
de emprego para indígenas, de construção de espaço para suas práticas tradicionais,
regularização de posse e construção de política habitacional pensada para os povos indígenas,
além de valorização e incentivo às práticas culturais por meio do investimento no turismo étnico
e na comercialização do artesanato.
Em condição semelhante, Lima (2020) investigou processos de etnicidade indígena no
contexto urbano da cidade de Crateús (CE), um polo regional distribuidor de produtos e serviços.
A autora identificou a presença municipal de indígenas das famílias Kalabaça, Kariri, Potiguara,
Tabajara e Tupinambá, os quais, em parte, já habitavam a cidade e, em parte, migraram em
busca de uma condição de vida melhor. Todos enfrentavam dificuldades de reconhecimento de
sua indianidade por viverem na cidade. Foram identificadas dinâmicas e conflitos em contexto
urbano, dos quais se ressaltavam as dificuldades vinculadas às oportunidades de trabalho e
condições de salubridade. O volume apresentou esforços de mobilização étnica e articulação
política pela busca de representatividade e reivindicação dos direitos desta parcela de
habitantes.
Depreende-se das informações apresentadas por Lima (2020) que as etnias indígenas
presentes em Crateús tinham consciência sobre sua indianidade, assim como compreendiam
seu papel de articulação com as aldeias mais distantes. Isto é, à medida em que algumas aldeias
urbanas e indivíduos dispersos enfrentavam condições exploratórias de trabalho e outras
dificuldades de pobreza e periferização urbana, as famílias em aldeias e zonas rurais
enfrentavam diversos desafios ligados às condições de trabalho escravo, pobreza extrema e falta
de assistência e infraestrutura, tendo que migrar permanentemente ou temporariamente para
Crateús, onde se alojavam nas residências dos que lá já habitam. Esta dinâmica de apoio
remonta ao período colonial, comprovado por meio de revisão historiográfica. No entanto, o
estudo de campo ressaltou as dinâmicas territoriais entre aldeias e cidade e conduziu à reflexão
de que futuros estudos sobre ser indígena na cidade podem favorece r argumentações que
beneficiem os direitos e necessidades indígenas em contexto urbano.
Por outro lado, a criação de aldeias e a urbanização de Terras Indígenas localizadas
próximas às zonas urbanas mostrou que as tecnologias sociais transitam e são assimiladas às
formas de produzir e viver nos espaços indígenas (SANTOS e SILVA, 2021). Como exemplo,
Palitot (2020) apresentou a territorialidade dos Potiguara de Monte-Mór, a partir dos regimes
de memória, da cosmologia e de tradições de conhecimento. O trabalho apresentou o
argumento desenvolvido em duas perícias judiciais antropológicas que, segundo o autor,
versavam sobre a tradicionalidade da cultura e da ocupação indígena, levando a estereótipos de
exotismo e primitividade. Observou-se que os Potiguara de Monte-Mór teceram densas e
complexas relações ecológicas, econômicas e cosmológicas com os ambientes que constituem
as terras indígenas, assim como encontraram formas urbanas de se ajustar no mercado e de
garantir uma melhor qualidade de vida.
Os estudos que abordam a relação entre povos indígenas e cidades, assim como a
compreensão das dinâmicas espaciais e identidade espacial, trazem à tona uma série de desafios
e questões importantes. Nunes (2010) destaca a dificuldade de identificar aldeias urbanas como

528
cidades indígenas, o que ressalta a complexidade das experiências urbanas indígenas e a
necessidade de uma abordagem mais sensível às particularidades culturais e espaciais.
Lucena (2017) destaca a diferença de escalas, práticas e barreiras enfrentadas pelos
jovens indígenas nas cidades, ressaltando a importância da solidariedade e do apoio mútuo
entre eles para enfrentar os desafios urbanos e manter suas identidades culturais.
A pesquisa de Berg-Nordlie, Dankertsen e Winsvold (2022) questiona o futuro das
nações indígenas em contextos urbanos e como as questões de linguagem, cultura, identidade
e produções tradicionais serão preservadas nesse contexto. Isso levanta preocupações
importantes sobre como as culturas indígenas podem ser mantidas e fortalecidas nas cidades.
O estudo de Nejad et al (2019) em Winnipeg, Canadá, destaca a importância do
envolvimento das comunidades indígenas no planejamento urbano e na produção do espaço,
bem como a necessidade de reconhecer e respeitar suas práticas culturais e dire itos territoriais.
Eles enfatizam a importância de criar espaços urbanos que atendam às necessidades e
autonomia indígenas.
Fawcett (2021) aborda a liminaridade das territorialidades indígenas em contextos
urbanos, destacando como a produção do espaço muitas vezes limita as oportunidades para o
urbanismo indígena. Ele argumenta que as fronteiras coloniais e identitárias continuam a limitar
as experiências e os direitos territoriais dos povos indígenas nas cidades.
No geral, esses estudos destacam a importância de abordar as experiências indígenas
nas cidades de forma holística, levando em consideração suas práticas culturais, necessidades
territoriais e desafios enfrentados em contextos urbanos. Além disso, eles apo ntam para a
necessidade de uma abordagem decolonial que reconheça as relações de poder históricas que
moldaram essas experiências urbanas.
O termo "etnourbanismo," como definido por Estrada (2010), refere -se à coesão e
conformação da etnia na cidade e a partir das práticas étnicas. É uma abordagem que busca
compreender como as identidades étnicas são moldadas e mantidas em contextos urbanos,
considerando as práticas culturais, as relações de poder e as dinâmicas espaciais.
Essa abordagem reconhece que a cidade não é apenas um espaço físico, mas também
um espaço social e cultural onde as comunidades indígenas continuam a praticar suas tradições,
manter suas identidades e lidar com os desafios da vida urbana. O "etnourbanismo" destaca a
importância de considerar esses aspectos culturais e étnicos ao planejar e desenvolver espaços
urbanos que acomodem as necessidades e as aspirações das comunidades indígenas.
Em resumo, o "etnourbanismo" é um conceito que enfatiza a relação entre etnicidade
e urbanismo, destacando como as comunidades indígenas continuam a existir e se adaptar em
contextos urbanos, mantendo suas identidades culturais e étnicas.
O artigo de Irazábal (2012) destaca a importância de repensar as práticas de
planejamento urbano, especialmente em comunidades étnicas nos Estados Unidos, como
exemplificado em Los Angeles. Ela questiona se o Novo Urbanismo Latino (LNU) pode realmente
criar espaços inclusivos e representativos para as comunidades étnicas. O autor reconhece que
o LNU pode mascarar os problemas e a marginalização enfrentados por essas comunidades e,
em vez disso, propõe o conceito de etnourbanismo como uma alternativa para a criação de
espaços que reflitam as identidades étnicas e raciais.
A ideia por trás do etnourbanismo é substituir o modelo tradicional de planejamento
urbano por abordagens que valorizem e incorporem aspectos culturais e étnicos. Irazábal (2012)
argumenta que as estruturas urbanas devem ser capazes de refletir características culturais e

529
criar uma conexão positiva e emocional entre os habitantes e a cidade. Isso implica em repensar
as abordagens dominantes de planejamento urbano, especialmente em áreas urbanas
empobrecidas, onde a sensibilidade do etnourbanismo pode ser particularmente benéfica.
Essa abordagem não apenas melhora a qualidade de vida nas cidades, mas também
pode contribuir para um desenvolvimento mais sustentável, com menor impacto ambiental e
maior valor simbólico. O desafio para futuras pesquisas está em desenvolver estratégias eficazes
para a implementação de políticas e mecanismos urbanos sensíveis em diferentes contextos,
promovendo espaços que transmitam segurança e promovam a inclusão.

3 CONCLUSÃO

Observou-se que os trabalhos científicos apresentados exploraram as complexidades


indígenas a partir de perspectivas distintas, tais como:
• Arquitetura vernacular: Este enfoque explora as características planialtimétricas,
materiais e técnicas construtivas das comunidades indígenas. Os estudos nesta
categoria se dividem entre a exploração de documentações que revelam a instância
histórica e como essas técnicas podem ser adaptadas à atualidade.
• Participação coletiva, planejamento e desenvolvimento sustentável: Esta perspectiva
aborda diversos desafios enfrentados no planejamento territorial das comunidades
indígenas. Isso inclui a interação entre os povos indígenas e os recursos naturais,
questões de preservação, disputas territoriais, dinâmicas de migração, mapeamento
e problemas socioeconômicos.
• Impacto cultural nas dinâmicas territoriais: Esta abordagem analisa como projetos e
outras características tecnológicas podem impactar a vivência indígena e afetar essas
comunidades. Isso inclui a discussão de práticas insalubres, mudanças nas dinâmicas
territoriais, paisagem, escala e alternativas sustentáveis.
Nota-se que os estudos de caso no Brasil se concentraram principalmente nas regiões
Sul e Sudeste, seguidas pelas regiões Centro-Oeste e Norte. No entanto, há pouca referência ao
protagonismo de comunidades indígenas do Nordeste. No campo disciplinar da Arquitetu ra e
Urbanismo, observou-se que as pesquisas sobre comunidades indígenas no Brasil têm abordado
sistemas construtivos e materiais (MACHADO; PORTOCARRERO; SILVA, 2020) que configuram
padrões da arquitetura indígena tradicional (DERENJI, 2002; LENGEN, 2013).
Esses estudos frequentemente têm como foco o período colonial (WEIMER, 2018) e
comunidades em isolamento voluntário (TRONCARELLI, 2022), convergindo para uma
abordagem mais tradicional. No entanto, é importante notar que a busca por padronização na
arquitetura indígena pode, em alguns casos, reforçar uma perspectiva científica que romantiza
a relação dos povos indígenas com a natureza e os associa ao primitivismo 10 .
As pesquisas internacionais têm se voltado para a preocupação em desenvolver um
modelo de pensamento mais inclusivo, viável e replicável para a cidade. No entanto, por meio
de todas as pesquisas revisadas, fica evidente que a intervenção nessas áreas pode auxiliar nos
processos de planejamento e gestão territorial, bem como na supervisão da manutenção e
construção dos espaços urbanos, contribuindo para a preservação das práticas étnicas. É
fundamental notar que há uma urgência em práticas de gestão que busquem compreender as

10 Define-se como “primitivismo” a “qualidade, caráter ou condição do que é primitivo” (PRIMITIVISMO, 2023).

530
necessidades das comunidades indígenas, respeitando seus atributos étnicos individuais e
contribuindo para a preservação de suas identidades. Essas necessidades podem variar de
acordo com o assentamento e seu contexto cultural e local, seja ele permanente 11 , parte de
processos migratórios e territorialidade cíclica 12, ou migratório esporádico e nômade 13.
É preciso afastar a postura científica da idealização do "indígena genérico" e de seu
contexto de pertencimento vinculado à aldeia e ao espaço rural. Isso é particularmente
importante, dado que muitos povos se encontram dispersos em contextos urbanos e enfrentam
os mesmos problemas de disputas territoriais, falta de reconhecimento e condições de vida
carentes e insalubres. Além das terras demarcadas, é fundamental discutir como o Estatuto da
Cidade e outras políticas se relacionam com essas comunidades tradicionais. A partir disso,
percebe-se que um olhar mais sensível não apenas valoriza a inclusão e a democracia nos
espaços urbanos, mas também gera representatividade e, consequentemente, desconstrói
estigmas e preconceitos, promovendo a decolonização e quebrando padrões de marginalização.
Destacam-se como campos de atuação e de pesquisa: O planejamento sustentável, o
projeto de infraestrutura, a preservação cultural, a participação comunitária, dinâmicas de
paisagem, sustentabilidade e empoderamento local. O arquiteto e urbanista pesquisador pode
investigar/atuar nos espaços indígenas sobre habitação tradicional, dotada de enriquecedoras
técnicas construtivas, assim como inovações tecnológicas (PORTOCARRERO, 2020),
Mapeamento e Planejamento Territorial (CANUTO ET AL, 2018), do turismo sustentável, como
reinvindicado pelos povos indígenas em Manaus (PEREIRA, 2018), além de outros cenários que
podem contemplar gestão de riscos e proteção das áreas naturais, educação/conscientização/
supervisão sobre formas de ocupação e outras dinâmicas territoriais, mediação cultural,
acessibilidade e documentação/registro das produções e usos espaciais indígenas. São inúmeras
as possibilidades diante do ineditismo das temáticas que ainda não foram abordadas e da
diversidade presente em tantas comunidades étnicas indígenas. Este leque se abre quando
consideramos também a articulação às demais comunidades tradicionais nacionais.
Este artigo traz à reflexão a importância de direcionar o olhar científico para as
comunidades tradicionais, em particular as comunidades indígenas, dentro do campo disciplinar
da arquitetura e urbanismo. Isso não deve ser apenas uma investigação arquitetônica de ordem
histórica e remota, mas deve levar em consideração as dinâmicas e conflitos da atualidade, a
partir de uma perspectiva decolonial desses espaços.

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11 Classificado por Maldonado (2011) como “indígenas tradicionais urbanos”.


12 Cita-se o exemplo de Crateús (LIMA, 2020).
13 Cita-se o relatório OS WARAO NO BRASIL, da Agência da ONU para refugiados (EGAS ET AL, s.d.).

531
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534
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

O PATRIMÔNIO MODERNO COMO ELEMENTO REVITALIZADOR DO


CENTRO HISTÓRICO DE VITÓRIA

THE MODERN HERITAGE AS A REVITALIZING ELEMENT OF THE HISTORIC DOWNTOWN


OF VITÓRIA

Luciana Nemer Diniz


Professora Doutora, UFF, Brasil.
luciananemerdiniz@gmail.com

Felipe Gustavo Silva


Mestrando, UFF, Brasil.
felipegustavosilva@outlook.com

535
RESUMO
Este artigo aborda a restauração do Edifício Presidente Vargas, antigo hotel do Instituto de Aposentadoria e Pensões
dos Industriários (IAPI), como instrumento de revitalização da paisagem urbana do centro histórico de Vitória, Espírito
Santo. O estudo tem como objetivo destacar a importância da valorização do patrimônio moderno (edificação
construída entre 1949 e 1951) como estratégia de reavivar a área central. A pesquisa baseia -se em revisão
bibliográfica e documental e visitas a campo, discutindo aspectos da relação do edifício com o entorno imediato,
buscando compreender como a intervenção contribuiria para reforçar da identidade e memória coletiva local. Além
disso, o trabalho discute o patrimônio moderno através da relevância da preservação da memória, para o
desenvolvimento do turismo, como também perspectivas sobre habitação temporária e permanente no edifício
histórico. Também é abordada a utilização do patrimônio como forma de impedimento da gentrif icação predatória,
garantindo a preservação das características culturais e locais capixabas.

PALAVRAS-CHAVE: Arquitetura Moderna. Patrimônio. Preservação.

ABSTRACT
This article seeks in restoration of the Presidente Vargas Building, former hotel of the Industrial Workers Retirement
and Pensions Institute (IAPI), as an instrument for revitalizing the urban landscape of the historic downtown of Vitória,
Espírito Santo. The study shows the importance of the valorization of modern heritage (built between 1949 and 1951)
as a strategy to revive the downtown The research is based on a bibliographical and documentary review and field
visits, discussing aspects of the building's relationship with the immediate surroundings, seeking to understand how
the intervention would contribute to reinforcing local identity and collective memory. Also, the work discusses the
modern heritage through the relevance of preservation of memory, for the tourism, as well as perspectives on
temporary and permanent housing in historical buildings. The use of heritage as a way of preventing predatory
gentrification is also addressed, ensuring the preservation of Espírito Santo's cultural and local characteristics.

KEYWORDS: Modern Architecture. Cultural Heritage. Preservation.

536
1 INTRODUÇÃO

A Arquitetura Moderna deixou um impacto significativo no Centro Histórico da capital


capixaba. Os edifícios que surgiram em Vitória a partir dos anos 30 do século passado
complementam a paisagem de forma harmônica, convivendo com as construções da época
colonial e imperial, representando um símbolo da modernidade. Reconhecer esse conjunto
como parte do patrimônio cultural é uma maneira de enaltecer registros e preservar memórias
importantes, cada qual simbolizando seu período especifico na história.
As políticas públicas do Estado do Espírito Santo reconheceram o Centro de Vitória
como um local para investimentos até os anos 60. Segundo Botelho (2005, p. 58), o rápido
crescimento populacional, combinado com a percepção de que a região central estava saturada
em termos de função e não atendia à demanda de expansão, levou o poder municipal a
abandonar o Centro e expandir a cidade em outras direções.
A mudança das atividades administrativas para a Enseada do Suá e o deslocamento da
população de maior poder aquisitivo para o norte da ilha e para o continente, impulsionados
pela especulação imobiliária, transformaram o Centro em um mero corredor de tráfego. A
descentralização e a polinucleação da cidade reduziram a importância do Centro. Isso resultou
na popularização do comércio, na descaracterização de conjuntos históricos e no esvaziamento
populacional, a ponto de, na década de 80, o município reconhecer a necessidade de uma
intervenção. O reconhecimento desse problema foi o ponto de partida para as primeiras
iniciativas visando reverter o processo de degradação da área central.
O planejamento urbano e a elaboração do primeiro Plano Diretor do Município em
1984 impulsionaram melhorias na qualidade de vida na região. A participação popular foi
fundamental para valorizar o patrimônio histórico e revitalizar o Centro. O PDU de 1984 dedicou
uma seção específica à área central da cidade. De acordo com Botelho, por volta de 2003, já era
possível observar os resultados dos esforços de revitalização no Centro, incluindo fachadas
desobstruídas e restauradas, assim como a renovação de espaços públicos, como as escadarias
do Palácio Anchieta e a área do porto (Botelho, 2005, p. 60).
Nesse período, já haviam sido publicados o segundo Plano Diretor (1994) e a Agenda
21, que planejava o desenvolvimento de 1996 a 2010 e incluía a identificação e proteção de
edifícios de valor histórico por meio do Projeto de Revitalização do Centro Histórico de Vitória
(PMV, 2000, p. 77).
O PDU de 1994, a Agenda 21 e o Plano Vitória do Futuro contribuíram para iniciativas
de preservação patrimonial e inclusão social, que deram origem ao Programa Morar no Centro.
“O desenvolvimento das ações de promoção habitacional e de regularização fundiária pass ou a
ter caráter permanente com a criação da Secretaria Municipal de Habitação em 2002, que se
tornou responsável pela gestão e a implementação da Política Habitacional de Vitória” (CRUZ,
2010, p.144).
Atualmente, existem cinco programas na política habitacional: Moradia, Vitória de
Todas as Cores, Terreno Legal, Morar sem Risco e Morar no Centro. Este último concentra-se na
área mais antiga de ocupação do município, ou seja, o Centro. Também em 2002, o Projeto
Vitória do Futuro foi publicado, revisando o plano de 1996-2010 e estendendo seu alcance até
2015. No entanto, foi o terceiro Plano Diretor, dentro dos Programas de Revitalização Urbana,
que propôs a Requalificação dos Imóveis Vagos para Uso Habitacional de Interesse Social (PMV,
2006, p. 247). Esse plano, respaldado pelos instrumentos do Estatuto da Cidade, lei federal de

537
2001, impulsionou os projetos de reabilitação (Oliveira, 2001, p. 24).
Conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2023): “o
patrimônio cultural é composto por monumentos, conjuntos de construções e sítios
arqueológicos, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos
povos e a riqueza das culturas”. Desta forma, reconhecem-se como Patrimônio Mundial Cultural
14 sítios nacionais, nenhum deles localizado no Estado do Espírito Santo. No entanto, ao
patrimônio frequentemente atribui-se uma escala de valores, segundo Choay (2001, p. 116): o
primeiro é o valor nacional, fundamental, responsável por legitimar todos os outros, dos quais
é indissociável; o seguinte, cognitivo, relacionado à memória histórica terá o papel efetivo de
memória viva uma vez que mobiliza o sentimento de orgulho e; por sua vez, o valor econômico
é relativo à capacidade de exploração dos monumentos e por fim o valor artístico. No estudo de
caso explorado neste trabalho, identificou-se o segundo e o terceiro valor citados pela autora.
Isso fica evidente nos relatos de historiadores sobre a região central, com imagens que fazem
referência à natureza simbólica da Praça Costa Pereira, bem como na capacidade de explorar o
edifício moderno como habitação social, projeto que foi indicado pela Prefeitura Municip al de
Vitória (PMV) há uma década.
Pode-se afirmar que o início dos anos 2000 foi um período de transformações
significativas, impulsionado pela publicação do Estatuto da Cidade (que instrumentalizou a
política urbana, dos planos nacionais ao planejamento municipal). Os projetos foram iniciados
após a publicação do Plano Diretor Urbano Municipal de 2006 e efetivamente se materializaram
em reabilitações que converteram três hotéis do Centro em habitações sociais. No entanto, o
Edifício Presidente Vargas continua abandonado até hoje, o que enfatiza o foco do presente
trabalho.
O objetivo geral desta pesquisa, é analisar e discutir a importância da Arquitetura
Moderna, no contexto do Espírito Santo - Vitória, com recorte no Centro Histórico e destaque
ao Edifício Presidente Vargas. Essa verificação implicará nos desafios enfrentados na
preservação e reabilitação do patrimônio arquitetônico moderno, ressaltando a importância de
sua recuperação e possível reutilização em diferentes usos, incluindo o habitacional, o turístico
e o comercial, para revitalizar a área central da cidade.

2 ARQUITETURA E URBANISMO MODERNO EM VITÓRIA E O ARQUITETO JAYME FIGUEIRA

A história da modernização de Vitória remonta aos anos 1930, quando obras


representativas chegaram à região central, especialmente no que diz respeito ao porto. A
construção dos três primeiros armazéns, iniciada em 1927, foi concluída nessa década. Durante
o primeiro quinquênio da mesma, também foram realizadas a construção da antiga Prefeitura
de Vitória, na Praça Ubaldo Ramalhete, e o calçamento da Praça Oito de Setembro, que recebeu
esse nome em homenagem à data de fundação da cidade. Como afirmou Cavalcanti (2001, p.
13), "O Brasil estava passando por um período de crescimento econômico na década de 1930,
destacando-se os esforços governamentais para modernizá-lo". No Rio de Janeiro, a construção
de edifícios públicos passou a adotar um novo estilo arquitetônico, tendo como referência o
projeto do Palácio Gustavo Capanema. De acordo com Cavalcanti (2001, p. 14), as elites e
empresas privadas só aderiram a esse estilo depois que ele foi testado e aprovado em obras
públicas.
A crise econômica de 1929, com sua dimensão global, foi a catalisadora de mudanças

538
e da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder no Brasil. Em São Paulo, o I
Congresso de Habitação, organizado pelo Instituto de Engenharia, já estava influenciado pelo
debate sobre habitação digna que ocorreu em 1929, no 2º CIAM (Congresso Internacional de
Arquitetos Modernos) em Frankfurt (BONDUKI, 1998, p. 89). Durante o período da intervenção
(1930-1945), segundo Campos Júnior (2002, p. 62), foi realizado um pequeno aterro para a
construção de armazéns e a abertura de uma rua em frente ao Palácio do Governo. Em relação
à situação econômica e financeira, a crise de 1929, que se estendeu até 1933, afetou o estado
do Espírito Santo, causando um caos devido aos desdobramentos da mesma, reduzindo pela
metade as receitas provenientes do comércio de café.
De 1930 a 1943, João Punaro Bley governou o Estado do Espírito Santo, nomeado por
Getúlio Vargas. Segundo Mendonça (2010, p. 3), o Movimento de Trinta no Estado do Espírito
Santo se concretizou com a adesão total das forças políticas e sociais que se reuniram em torno
do grupo de Jerônimo Monteiro, que anteriormente era de oposição. Durante o governo de João
Punaro Bley, o armazém 3 do porto de Vitória foi concluído, aumentando a movimentação de
cargas e passageiros. O porto comercial de Vitória, na configuração atual com cinco armazéns,
só foi concluído em 1959. Conforme Morais (2014, p. 113), em 1945, já haviam sido construídos
quatro armazéns (1, 2, 3 e 5), e o quarto armazém foi finalizado em 1959.
Nesse período, na região central, começaram a ser construídos novos edifícios,
inicialmente na área da Praça Costa Pereira e, posteriormente, na região do Parque Moscoso.
Foi nessa época que se iniciou timidamente o processo de verticalização de Vitó ria, com a
introdução do concreto armado (UFES, 2002, p. 12). Como destacado por Campos Júnior (2002,
p. 81), “Até 1940, em Vitória, a construção de unidades habitacionais sejam elas isoladas ou em
conjunto só se dava por encomenda, ou seja, demanda individualizada do contratante e estas
não eram muitas porque a população era pequena e a cidade vivia do comércio do café. ”
A Arquitetura Moderna foi inserida no Espírito Santo, partindo de premissas do
modernismo desenvolvidas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Enquanto o Brasil apresentava
realidades discrepantes entre os anos de 1930 e 1960, o Espírito Santo, tendo o Rio de Janeiro
como modelo, vinha desde as reformulações urbanas do início do século XX, buscando se
desvencilhar da face colonial, pelas políticas urbanas empregadas por Jeronimo Monteiro
(KLUG, 2009). O Modernismo foi executado em sua maior proporção no Espírito Santo por
profissionais que vinham formado no Rio de Janeiro. A difusão significativa dessa arquitetura
ocorreu durante o governo do governador Jones Santos Neves (1951-1955), que buscava criar
condições para a industrialização e modernização do estado. Alinhado aos princípios de
racionalização da Arquitetura Moderna e partidário de Vargas, Jones montou uma equipe
competente de assessores, incluindo os arquitetos Francisco Bolonha, Ary Garcia Roza, Élio de
Almeida Vianna e Marcello Vivacqua (GOMES, 2008).
Dentre os profissionais que atuaram na modernização de Vitória, Jayme Figueira, que
nasceu em 1870 no Rio de Janeiro, foi um arquiteto de grande importância para capital capixaba.
Conforme Sarkis (2019), Jayme era autodidata e desenvolveu ao longo de sua vida uma notável
habilidade para o desenho, o que o levou a seguir a profissão de engenheiro projetista, que
naquela época correspondia à função de arquiteto, uma vez que o curso oficial de arquitetura
só foi criado muito tempo depois.
No início do século XX, Jayme foi selecionado, juntamente com o engenheiro Júlio
Lima, para projetar os pavilhões brasileiros na Exposição Internacional de 1911, realizada em
Turim, na Itália. Além disso, Jayme desempenhou funções na Prefeitura de Vitória, ganhando

539
destaque como o autor do monumento da Colonização Espírito-Santense, localizado em frente
à Praça dos Desejos, na Praia do Canto. Também é atribuída ao arquiteto a autoria do projeto
do famoso relógio, situado no centro da Praça Oito de Setembro, com 16 metros de altura que
foi instalado em 1942 (SARKIS, 2019).
Em terreno no entorno da Praça Costa Pereira, foi construído o Edifício Antenor
Guimarães em 1939, considerado o mais alto da época. Mesmo durante a Segunda Guerra
Mundial, quando as atividades estrangeiras nos portos brasileiros estavam comprometidas, o
edifício seguiu um estilo arquitetônico moderno e não dependeu de importações. Os
ornamentos ficaram limitados ao coroamento, indicando uma revisão na arquitetura brasileira,
na corrente do protomodernismo. A figura 1 apresenta esses dois símbolos capixabas.

Figura 1 - Edifício Antenor Guimarães e Relógio da Praça Oito de Setembro

Fonte: Biblioteca Central da Universidade do Espírito Santo (UFES) e Arquivo Público do Município de Vitória
adaptado pelos autores (2023).

O edifício de sete andares, construído em concreto armado, simbolizou a


modernização da arquitetura e da construção, tendo sua obra concluída em 1940. Essa foi a
época em que a tecnologia dos elevadores em edifícios residenciais chegou a Vitória. O projeto
arquitetônico adotado utilizou varandas em fita, destacando o uso inovador do concreto
armado, o que permitiu elevar a altura dos edifícios de forma significativa. Antenor Guimarães
foi pioneiro na construção civil no município e ao primeiro edifício alto de Vitória, atribuiu o seu
nome. De uso misto, comercial no térreo e residencial nos demais andares, o edifício não foi
construído com fins de habitação social, mas, pode-se afirmar que as unidades alugadas eram
acessíveis a classe média. Segundo Campos Júnior o construtor foi Redagásio Alves e o
engenheiro responsável Noberto Madeira (CAMPOS JÚNIOR, 2002, p.95).

Figura 2 - Projetos de Jayme Figueira no Centro de Vitória

Fonte: Base de dados PMV adaptado pelos autores, 2023.

540
Na planta cadastral atualizada da cidade de Vitória, figura 2, é possível identificar o
Edifício Antenor Guimarães e a Praça Oito de Setembro, mencionados anteriormente. O Edifício
Presidente Vargas também está destacado e será objeto de descrição e análise posterior. Todos
esses edifícios compartilham a mesma autoria do projeto, o arquiteto modernista Jayme
Figueira.
A partir de tratativas realizadas para reformulação urbana, durante a década de 1940,
Vitória passou por um processo significativo de urbanização, especialmente no seu centro,
graças à implementação do Plano Agache, supervisionado pelo urbanista Alfred Agache, que
envolveu diversas intervenções resultando na remoção dos últimos vestígios da antiga Vitória.
Uma das principais propostas do Plano Agache era a realização de um aterro na região da
Esplanada da Capixaba, localizada às margens da Baía de Vitória. Isso levou à expansão do centro
da cidade, possibilitou o crescimento do porto e o desenvolvimento de novas áreas para
construção em Vitória. O aterro foi executado durante o governo de Jones Santos Neves, entre
1951 e 1954. Esse período foi marcado por uma expansão vertical e horizontal radical na cidade,
e o aterro dos manguezais na Esplanada da Capixaba, concluído em menos de dois anos, dobrou
a área previamente conquistada (GOMES, 2008).
O objetivo desse aterro, de acordo com o Plano de Valorização Econômica de Neves,
era conquistar uma área edificável que proporcionasse continuidade à zona comercial de
Vitória. Além da necessidade de regularizar as águas da bacia de evolução do porto, havia uma
demanda por uma área comercial que pudesse suportar o crescimento das atividades
portuárias. Assim, o porto desempenhou novamente um papel central na justificação desse
aterro. O aterro da Capixaba cumpriu seu objetivo ao impulsionar as atividades do comércio no
centro de Vitória, resultando em uma concentração de funções comerciais, administrativas e
residenciais na região. Campos Junior (2002) expôs que a formação da Esplanada da Capixaba
como uma área comercial, estabeleceu o centro de Vitória como o núcleo central, enquanto as
áreas externas a essa região passaram a compor a zona periférica do centro.
A Esplanada da Capixaba também impulsionou o processo de verticalização iniciado
no centro da cidade na década de 1940, com a construção dos primeiros prédios mais altos. A
legislação urbanística, incluindo o Código Municipal de Vitória estabelecido em 1954, incentivou
esse processo na área. Esse código foi o primeiro a propor um zoneamento urbano para Vitória
e designou a Esplanada da Capixaba como um Bairro Comercial Especial, permitindo a
construção de prédios com oito a doze pavimentos (MENDONÇA, 2001). Nas décadas seguintes,
vários edifícios foram construídos na Esplanada, incluindo o Banco do Brasil, três edifícios da
Caixa Econômica Federal, e a sede do Ministério da Fazenda, entre outros. Esses terrenos foram
doados por diversas associações de servidores públicos, todos com o objetivo de modernizar a
capital do Espírito Santo.

3 ARQUITETURA MODERNA DOS IAPS E A CONSTRUÇÃO DO IAPI

A arquitetura moderna brasileira desempenhou um papel emblemático em uma


sociedade que estava passando por uma rápida modernização. Em poucas décadas, o país
transitou de uma estrutura social escravocrata para um Estado moderno e centralizado, muitas
vezes autoritário. A arquitetura moderna desempenhou uma função ideológica relevante nesse
contexto, especialmente no que diz respeito à habitação e a arquitetura moderna permitiu o
aumento da produção de unidades habitacionais, a partir de uma nova visão sobre a produção

541
arquitetônica. Foi com base nesses princípios que surgiram os Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAPs).
A formação dos IAPs ocorreu na década de 1930, visando regular as instituições de
previdência em todo o país. Antes dos IAPs, as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), criadas
pela Lei Elói Chaves, representaram um avanço significativo na legislação previdenciária em
comparação com as antigas Sociedades e Associações de Auxílio Mútuo. Foi o Conselho Nacional
do Trabalho que possibilitou o uso dos recursos das CAPs na construção de habitações para seus
associados após a Revolução de 1930.
De acordo com Varon (1987), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
(IAPM) foi criado em 1933. No ano seguinte, surgiram os Institutos dos Comerciários (IAPC), dos
Bancários (IAPB) e dos Estivadores (IAPE). O Instituto dos Bancários (IAPB) teve sua criação
impulsionada por uma greve nacional em 1936. O Instituto dos Industriários (IAPI) foi criado no
mesmo ano como uma resposta do Estado às reivindicações dessa classe trabalhadora, com o
objetivo de legitimar suas ações em prol dos direitos sociais, obtendo assim o apoio da
sociedade (VARON, 1987, p. 223-226).
A participação dos trabalhadores nos IAPs era obrigatória, sendo organizada por
categorias profissionais e não por empresas. Além de conceder benefícios e pensões, os
institutos também ofereciam assistência médica. O Decreto 1749 de 1937, foi fundamental para
estabelecer as condições para a atuação dos IAPs no campo habitacional, marcando o início de
sua atuação nessa área (VARON, 1987, p. 231-232).
Os recursos dos institutos passaram a ser aplicados na construção de moradias e na
implantação de infraestrutura industrial. A carteira de investimentos imobiliários dos IAPs
inicialmente previa oito tipos de operações, mas foram os três planos adotados pelo IAPI que
serviram como modelo.

Plano A: locação ou venda de unidades habitacionais em conjuntos residenciais


adquiridos ou construídos pelos institutos, com o objetivo de proporcionar aos
associados moradia digna, sem prejuízo da remuneração mínima do capital investido;
plano B: financiamento aos associados para aquisição da moradia ou construção em
terreno próprio e plano C: empréstimos hipotecários feitos a qualquer pessoa física
ou jurídica, bem como outras operações imobiliárias que o instituto julgasse
conveniente, no sentido de obter uma constante e mais elevada remuneração de suas
reservas (BONDUKI, 1998, p. 104).

Os planos A e B tinham a perspectiva de atender à habitação embora, principalmente


no Rio de Janeiro tenham subsidiado incorporações imobiliárias reforçando o objetivo de obter
lucros no investimento dos institutos. Criados no período em que a cultura pela casa própria se
constitui, é interessante observar que a maioria das habitações do plano A eram alugadas aos
associados. Varon (1987, p. 240) afirma que as aplicações no plano C permitiam a multiplicação
das reservas uma vez que a construção de casas para associados necessitava apoiar-se em
investimentos com fins lucrativos para não dilapidar os recursos dos institutos. Partindo da ideia
de locação, o IAPI investiu na construção do Edifício Presidente Vargas, em Vitória, com 13
andares, que foi erguido entre 1949 e 1951.
O edifício possui fortes traços da arquitetura moderna da época. Sua localização
privilegiada está entre a Praça Costa Pereira, a Rua Carlos Gomes e a Rua do Rosário. O projeto
arquitetônico do Edifício Presidente Vargas é caracterizado pela funcionalidade condizente com

542
estilo Moderno. Os primeiros e segundos pavimentos são revestidos com granito grafite,
enquanto os pavimentos superiores possuem apenas massa com pintura. No terceiro
pavimento, há uma estrutura saliente sobre a calçada da Rua Carlos Gomes, formando uma
galeria composta por pilares de formato retangular. Ao analisar a forma do edifício é possível
afirmar que se trata de um clássico produzido na prancheta de Jayme Figueira.

Conforme Cavalcanti (2001, p. 11) o movimento moderno nasceu em São Paulo e


findou o seu ciclo no planalto central. Parece consensual que a casa paulistana de
Gregori Warchavchik, ainda que tímida na aplicação dos elementos e possibilidades
estruturais, assinala, em 1928, o início do estilo entre nós; Brasília, por seu turno,
inaugurada em 1960, marca o ápice final da linguagem modernista “clássica”.

Posteriormente à conclusão da construção, ocorreu uma intervenção no terraço, que


cobriu a galeria e adicionou novos cômodos. Essa adição posterior é visível nas coberturas e nas
janelas. Na fachada principal do edifício (figura 3), há uma modulação de nove janelas com a
mesma largura e duas de tamanhos menores, nas extremidades. Esse recurso é mais notável
nas fachadas voltadas para a Praça Costa Pereira e a Rua do Rosário, onde quatro janelas estão
alinhadas no eixo central, enquanto duas janelas do mesmo tamanho estão distribuídas em cada
lado, enfatizando a verticalidade do prédio. A fachada posterior, a oeste, recebeu um
tratamento especial com brises verticais (figura 5), que servem para proteger contra a incidência
excessiva de luz solar.

Figura 3 - Edifício Presidente Vargas atualmente.

Fonte: Google Maps, 2023.

O edifício, inicialmente, foi construído para abrigar o Hotel Canaã, um estabelecimento


de luxo que hospedava os artistas que se apresentavam no teatro. Na década de 60, o edifício

543
foi vendido para o Governo Federal, renomeado como Edifício Presidente Vargas e subdividido
para abrigar diversos órgãos e institutos públicos, incluindo o IAPI. Durante o período do regime
militar, um dos andares do edifício abrigou o Destacamento de Operações de Informações do
Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Nas décadas de 70 e 80, o edifício serviu
como sede do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e,
posteriormente, como Centro Regional de Especialidades do Governo do Estado. Comerciantes
da Rua do Rosário recordam-se de diversas utilizações do edifício, como consultórios médicos,
distribuição de remédios, Serviço de Proteção ao Consumidor (PROCON) e cartório.

4 A RESTAURAÇÃO DO PATRIMÔNIO MODERNO - POSSIBILIDADES E DESDOBRAMENTOS

O edifício encontra-se fechado há treze anos e está em um estado de conservação


lamentável. Algumas das janelas de madeira, do tipo guilhotina, perderam os vidros, e o prédio
está com necessidade urgente de uma nova pintura e limpeza, devido às pichações que cobrem
os dois primeiros pavimentos. Além disso, apresenta problemas de infiltração e não fosse pela
vedação dos vãos no térreo com alvenaria, ele estaria vulnerável às invasões, já que a área dos
pilotis, coberta e aberta, ainda é ocupada por moradores de rua.
“O Núcleo Estadual do Ministério da Saúde no Espírito Santo explicou que o prédio
estava sendo utilizado pela Secretaria de Estado da Saúde (SESA) e foi devolvido em 2010. O
local foi liberado para devolução ao Serviço de Patrimônio da União” (TV -Vitória, 2016). Em
2013, o edifício do IAPI estava listado no programa de reabilitação de prédios da PMV na área
central, para fins de habitação social e foram realizados pela Secretaria de Habitação (SEHAB)
estudos de layouts para os pavimentos tipo e propostas para as fachadas, dentro do projeto de
reabilitação do bem.

Figura 4 - Planta tipo - Reabilitação do Edifício Presidente Vargas

Fonte: SEHAB - PMV, 2013.

No projeto proposto, o Edifício do IAPI, de planta retangular, seria destinado a abrigar


noventa apartamentos com dois quartos cada. Atualmente, a propriedade pertence ao
patrimônio da União, e as negociações incluíram o envolvimento do Movimento dos Sem Teto.

544
Caso a União decida doá-lo à Prefeitura de Vitória, esta ficaria encarregada de realizar a obra.
No entanto, a distribuição das unidades habitacionais seria feita da seguinte forma: metade
delas seria destinada a moradores selecionados pela prefeitura (50%), enquanto a outra metade
seria disponibilizada para membros do movimento.

Figura 5 - Edifício Presidente Vargas fachada posterior, com a inserção dos brises.

Fonte: dos autores, 2015.

Em 2017, ocorreu uma ocupação no prédio. As famílias da ocupação Chico Prego foram
despejadas de um terreno chamado Fazendinha, localizado no bairro Grande Vitória, e
buscaram refúgio na Casa do Cidadão, um órgão da prefeitura. Essas famílias, afetadas pela crise
econômica e incapazes de arcar com o aluguel, exigiram ações da prefeitura para auxiliar os
sem-teto. Como não encontraram soluções para seus problemas, decidiram ocupar o edifício do
IAPI. A União solicitou a reintegração de posse, mas a Justiça Federal negou esse pedido por
meio de uma decisão liminar. As mesmas famílias atualmente estão alojadas na Escola Municipal
de Ensino Fundamental (EMEF) São Vicente, localizada no Centro de Vitória.
Em 2022, essas famílias acamparam por 100 dias em frente à Prefeitura de Vitória,
buscando soluções para suas demandas. Por meio de intervenção judicial, conseguiram obter o
benefício de aluguel social por seis meses devido a esse acampamento, mas o benefício não foi
renovado. Além disso, a prefeitura municipal não garantiu a inclusão dessas famílias em
programas habitacionais (GOBBO, 2023). Atualmente, persiste a incerteza jurídica, e o prédio do
IAPI está em estado de deterioração devido ao abandono e ao desuso, apresentando problemas
como infiltrações e goteiras. Isso representa um risco à integridade física daqueles que estão
nas proximidades, devido aos danos causados pelo passar do tempo.
Além disso, considerando a função turística desempenhada pela região do Centro
Histórico e a recente retomada da atividade hoteleira na área, exemplificada pelo
empreendimento Alice Vitória Hotel, também se vislumbra a possibilidade de realizar uma
restauração e renovação do Edifício Presidente Vargas para essa possibilidade. Essa demanda é
respaldada pelo fato de a Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) ter recentemente revitalizado a
Praça Costa Pereira e suas proximidades como parte do Projeto de Mobilidade Urbana para o
Centro da Cidade de Vitória.

“Pedras portuguesas brancas foram utilizadas na Praça Costa Pereira, de modo a


manter a sua ambiência original. Nas ruas do entorno, a camada de asfalto foi retirada

545
a fim de recuperar a pavimentação antiga, em paralelepípedos. O objetivo é reduzir a
velocidade dos veículos, o que possibilita a travessia segura dos pedestres, bem como
ordena o tráfego, permitindo melhor percepção do sítio histórico do local. Também
foram feitos o ordenamento das paradas de veículos de transporte coletivo e de
turismo e o tratamento paisagístico para a região. ” (PMV, 2016).

Na cidade de Vitória, o turismo tem atuado como elemento revitalizador do Centro


Histórico, conhecido também como Cidade Alta, através do City Tour oficial da Cidade, visitando
o Palácio de Anchieta e a Catedral Metropolitana. Acrescenta-se a série de equipamentos
públicos que estão sendo restaurados no Centro de Vitória, destinados ao cidadão capixaba e
também ao turista, que vêm recuperando o poder atrativo do Centro, como catalisador de
atividades urbanas para uma vida cultural atraente.
As discussões para tratar a arquitetura moderna como patrimônio, remonta ao final
dos anos 1980. De acordo com Rocha (2011), por meio de debates internacionais sobre o
reconhecimento do patrimônio moderno como os realizados pelo International working party
for Documentation and Conservation of buildings, sites and neighborhoods of the Modern
Movement (Docomomo) e medidas para conservar o patrimônio do século XX, incluindo obras
de arquitetura moderna pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a
Cultura (UNESCO) e o Centro Internacional de Estudos para a Conservação e Restauro de Bens
Culturais (ICCROM), se dedicaram a discutir e preservar edifícios, locais e bairros do movimento
moderno. Uma das dificuldades de reconhecer o patrimônio moderno foi a falta de
distanciamento temporal, haja vista que a Arquitetura Moderna ainda não demonstrava
processos sociais de sedimentação, e muitos não percebiam essas construções como parte do
patrimônio cultural. Ao contrário do patrimônio antigo, que é visto como irrecuperável, a
arquitetura moderna mostrava-se presente no cotidiano, o que dificulta seu reconhecimento
como monumento.
No contexto brasileiro, a proteção do patrimônio moderno ocorreu de forma precoce,
antes mesmo dos anos 1960, denotando como meio de composição da identidade nacional. O
IPHAN adotou tombamento de muitos edifícios com os arquitetos ainda vivos e ativos. Is so foi
possível devido à legislação brasileira que não exigia um período mínimo entre a construção e o
reconhecimento como monumento histórico, em contraste com outros países europeus e
americanos (ROCHA, 2011). O Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) foi
fundado em 1937 por Rodrigo Melo Franco, integrado à estrutura do Ministério da Educação e
Saúde (MES), sendo o órgão responsável pela salvaguarda do patrimônio histórico e artístico da
nação (REZENDE et al., 2015).
O SPHAN determinava as escolhas do que era importante para a memória da nação e
o que se utilizaria para compor sua identidade, tornando-se, desta forma, o formador do capital
simbólico nacional. De acordo com Bonduki (2010) os critérios utilizados para a seleção dos bens
a serem protegidos no Brasil, no início da política de preservação do patrimônio nacional,
incluíam o valor estético-estilístico, a excepcionalidade e a autenticidade das obras, com ênfase
na arquitetura tradicional luso-brasileira do período colonial.
A política era conduzida por arquitetos e intelectuais ligados ao movimento
modernista, que buscavam criar uma identidade nacional e fortalecer o Estado. Lucio Costa, em
particular, teorizou sobre as relações entre o modernismo e a identidade nacional, influe nciando
a política do patrimônio e a política de preservação adotada no Brasil, seguindo a Carta de
Atenas, que valorizava o monumento individual em detrimento da conservação do contexto

546
urbano e das edificações comuns. Apesar das limitações e equívocos, a atuação oficial nesse
período foi relevante para a preservação de exemplares importantes para a memória nacional.

Apesar da diversidade de nomenclatura Carvalho enumera: preservação –


manutenção do imóvel em sua atual condição física, nada é acrescentado ou retirado;
restauração – resgate do imóvel a uma condição física anterior; renovação
(conservação e consolidação) – assegura a manutenção do uso original; reconstituição
– imóvel remontado em seu próprio terreno ou outro qualquer; conversão – alteração
do uso original para uma nova função; reconstrução – recriação de uma edificação
feita e inexistente no momento atual e réplica – cópia de um imóvel existente
(CARVALHO, 2009, p. 25).

A conversão de um edifício desocupado em unidades habitacionais pode te r várias


vantagens. Primeiramente, contribui para abordar problemas de falta de moradia, fornecendo
um espaço vital para a população local. Além disso, essa abordagem frequentemente envolve a
participação ativa dos moradores, que assumem a responsabilidade pela manutenção do
edifício. Isso pode ser um benéfico para preservar a estrutura e a história do edifício ao longo
do tempo. Além disso, a ocupação residencial pode impulsionar a revitalização de áreas urbanas
degradadas, aumentando a presença de pessoas e atividades, o que é fundamental para a
vitalidade de uma comunidade. No entanto, também existem desafios e, se não for
implementada uma gestão adequada, a ocupação do edifício por moradores pode resultar em
problemas de segurança e falta de manutenção, comprometendo a qualidade de vida no local.
A adaptação do edifício para uso habitacional pode ser dispendiosa, especialmente se o estado
original do edifício for ruim. Além disso, as modificações da estrutura para acomodar as
necessidades dos moradores, deve ser realizada com parcimônia, para não comprometer o
caráter histórico do edifício.
A retomada do edifício em hotel, por um lado, pode atrair turistas e hóspedes para a
área, o que contribui para a economia local, gera empregos e promove o turismo. A adaptação
do edifício para uso hoteleiro pode ser menos dispendiosa do que a conversão habitacional,
uma vez que os padrões de uso são diferentes. Além disso, muitas vezes, os hotéis conseguem
preservar elementos arquitetônicos e históricos enquanto os inte gram ao novo uso. No entanto,
por outro lado, também existem desafios relacionados à possibilidade de gentrificação, pois
pode resultar no deslocamento de residentes de baixa renda para dar lugar a turistas. Além
disso, o uso hoteleiro pode não promover uma sensação de comunidade ou vitalidade local tão
forte quanto o uso habitacional, uma vez que os hóspedes geralmente têm uma estadia
temporária. A dependência excessiva do turismo pode tornar a área vulnerável a flutuações
econômicas e sazonais.
Desta forma, é evidente o potencial de reutilização do edifício moderno, seja para
acomodação permanente ou para uso temporário. A necessidade de recuperar o Edifício
Presidente Vargas é iminente, seja pela consideração do investimento financeiro da União, seja
pela preocupação com a segurança dos residentes e transeuntes na área do Centro Histórico,
bem como pela possível perda desse valioso patrimônio cultural, que desempenha um papel
significativo na sociedade capixaba. A revitalização física do edifício não apenas contribui para
credibilidade da região, mas também é sustentada pela manutenção contínua que é
impulsionada pelo desenvolvimento econômico e vivências dos moradores e turistas na
localidade.

547
5 CONCLUSÕES

A preservação da arquitetura moderna edificada em sua primeira essência significa


salvaguardar o processo de identidade nacional. Além disso, a preservação dessas construções
contribui para a preservação da memória histórica e artística nacional, refletindo a
transformação brasileira na primeira metade do século XX, representando marcos importantes
da história e da identidade arquitetônica do país. A arquitetura moderna teve uma função
ideológica fundamental na modernização da sociedade brasileira, refletida na produção
habitacional constituída através dos IAPs. A preservação desses edifícios é essencial para
compreender e valorizar os princípios e ideais desse movimento arquitetônico, permitindo que
se identifique o Modernismo não apenas nas obras icônicas da burocracia estatal, mas também
evidenciadas nas moradias dos trabalhadores.
O Edifício Presidente Vargas é um representante notável da arquitetura moderna dos
anos 1950, no centro de Vitória, com sua funcionalidade característica. Preservá-lo avivará a
memória histórica e artística nacional, além do fato de ser um símbolo do patrimônio para a
sociedade capixaba. Além disso, a revitalização física do edifício contribui para valorizar a região,
em consonância com a recente reurbanização da Praça Costa Pereira e seus arredores,
promovendo uma atmosfera autêntica e preservando a história do Centro Histórico de Vitória.
A edificação está inserida em um ponto da cidade que recebe visitantes regularmente. Com a já
existente presença de atividades hoteleiras na região, tendo outros hotéis próximos, a utilização
do Edifício Presidente Vargas como habitação se mostra uma opção mais promissora para
revitalizar a área, pois caso torne-se hotel, existe o fator da concorrência de mercado e as
possíveis vacâncias podem inviabilizar a condução do edifício a longo prazo.
As condições atuais são preocupantes, com o contencioso judicial existente e a não
decisão se o edifício se destinará a programas habitacionais ou leilões. Permanecendo o
abandono e o desuso, prejudica-se, estruturalmente, o prédio e o impede de impulsionar a
renovação do local, contribuindo para a vitalidade da região com a moradia ou o fortalecimento
do turismo como elemento revitalizador do Centro Histórico. Diversos autores tratam de meios
de preservação do patrimônio histórico, mas existe um ponto em comum, o uso pode promover
uma melhor condução do edifício. Preservar o Edifício Presidente Vargas, seja como habitação
permanente ou temporária, tem o potencial de propulsão de um local de atividades urbanas
ativas e de reafirmar o poder atrativo do Centro de Vitória.

6 AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq pela Bolsa CAPES do mestrando Felipe Gustavo Silva.

7 REFERÊNCIAS

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da Casa Própria. São Paulo: Estação Liberdade FAPESP, 1998.

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548
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VARON, Conceição M. F. de. E a História se repete... As Vilas Operárias e os Conjuntos Habitacionais dos IAPs no
Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Urbanismo). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
1987.

549
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( x ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E DESTINOS


TURÍSTICOS INTELIGENTES

SUSTAINABLE DEVELOPMENT GOALS AND SMART TOURIST DESTINATIONS

Daniela Ferreira Flores Longato


Professora Doutora, USCS, Brasil
d.daniela.flores@gmail.com

Raquel da Silva Pereira


Professora Doutora, USCS, Brasil
raquel.pereira@online.uscs.edu.br

550
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar as possibilidades que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) trazem
para a gestão sustentável de Destinos Turísticos Inteligentes (DTI), especificamente em Benidorm, Comunidade
Valenciana, na Espanha. São apresentadas as ações que Benidorm têm realizado neste tema podendo servir de
modelo para demais destinos turísticos. Benidorm é o primeiro destino turístico no mundo a receber a certificação
de DTI, motivo da escolha deste destino relevante para esta pesquisa. Metodologicamente, a pesquisa é qualitativa
e exploratória e utilizou-se a técnica de levantamento bibliográfico e pesquisa documental, em que se pode constatar
que a cidade apresenta algumas ações de aplicação dos ODS. Os resultados permitem concluir que mesmo sendo um
DTI, Benidorm ainda precisa desenvolver mais ações ligadas aos ODS. Observou-se ainda carecer de ações para
atenderem os temas igualdade de gênero, mudança climática, fim da pobreza e educação de qualidade.

PALAVRAS-CHAVE: Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Destinos Turísticos Inteligentes. Desenvolvimento


local.

ABSTRACT
The purpose of this article is to present the possibilities that the Sustainable Development Goals (SDGs) bring to the
sustainable management of Smart Tourist Destinations (DTI), specifically in Benidorm, Valencian Community, Spain.
The actions that Benidorm has carried out in this area are presented, which can serve as a model for other tourist
destinations. Benidorm is the first tourist destination in the world to receive DTI certification, which is why this relevant
destination was chosen for this research. Methodologically, the research is qualitative and exploratory and the
technique of bibliographic survey and documentary research was used, in which it can be seen that the city presents
some actions for the application of the SDGs. The results allow us to conclude that even though it is a DTI, Benidorm
still needs to develop more actions related to the SDGs. It was also observed that there was a lack of actions to address
the themes of gender equality, climate change, the end of poverty and quality education.

KEYWORDS: Sustainable Development Goals. Smart Tourist Destinations. Tourism recovery. Local development.
Benidorm.

551
1 INTRODUÇÃO

Na pesquisa aqui apresentada foram trabalhados dois construtos e as conexões entre


eles. O primeiro refere-se a alertas da Organização das Nações Unidas (ONU) em relação à
emergência climática, e o segundo refere-se ao Turismo, destacando-se formas inteligentes de
atuação nesse setor econômico tão relevante para o desenvolvimento local e regional.
O planeta Terra não está suportando os impactos negativos causados por ações
antrópicas. É, portanto, necessário que ações imediatas sejam tomadas no sentido de trazer
sustentabilidade socioambiental para equilibrar a situação mundial nesse sentido. Considerando
as três dimensões da sustentabilidade: econômica, social e ambiental, a ONU criou em 2015 os
17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que são acompanhados de 169 metas, na
expectativa orientar as nações a reforçarem os antecessores 8 Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio (NAÇÕES UNIDAS, 2000) e alcançarem melhora da realidade dos direitos humanos
(NAÇÕES UNIDAS, 2015).
Por sua vez, Destino Turístico Inteligente (DTI) refere -se a um espaço inovador,
acessível a todos, e consolidado em uma infraestrutura tecnológica de ponta, que pode auxiliar
a promover o desenvolvimento sustentável do território. Facilita a integração e interação dos
visitantes com o meio ambiente e aumenta a qualidade de suas experiências no destino, bem
como qualidade de vida dos residentes (IVARS-BAIDAL, 2021).
Para colocar esse conceito em prática, a Sociedad Mercantil Estatal para la Gestión de
la Innovación Y las Tecnologías Turísticas (SEGITTUR) e a Asociación Española de Normalización
y Certificación (AENOR), criaram uma metodologia para diagnóstico e implantação de ações para
transformar um destino turístico em um DTI. Essa metodologia é dividida em cinco eixos:
Governança; Tecnologia; Inovação; Acessibilidade; e Sustentabilidade. Nessa perspectiva, a
sustentabilidade do destino pode ser conseguida acompanhando as mudanças nos níveis:
estratégia turística; mentalidade e cultura empresarial; capacidade de absorção da inovação;
geração de novos modelos de negócios; e refletir sobre esses cinco eixos e sua aplicação no
território (IVARS-BAIDAL, 2014).
De modo a atender às mudanças necessárias no mundo com relação aos cuidados com
o meio ambiente e refletindo sobre os ODS, a Organização Mundial do Turismo (OMT) criou
documentos que indicam como o Turismo pode contribuir para que estes objetivos sejam
colocados em prática. Nesses documentos percebe-se que o Turismo pode contribuir,
principalmente com os ODS 8, 12 e 14 que tratam de crescimento econômico inclusivo e
sustentável, consumo e produção sustentáveis e uso sustentável de oceanos e recursos
marinhos (UNWTO, 2019). E, ainda, com o ODS 11 - Cidades e Comunidades Sustentáveis,
destacando os DTI como potencial fonte de desenvolvimento sustentável do território, podendo
contribuir com a melhoria da infraestrutura urbana, acessibilidade universal, regeneração de
áreas degradadas e preservação do patrimônio cultural e natural (UNWTO, 2019).
O objetivo deste artigo é evidenciar as possibilidades que os ODS trazem para a gestão
sustentável de DTI, apresentando especificamente o caso de Benidorm, cidade espanhola com
gestão pública que atua nesse sentido.
Este tema foi escolhido ao se realizar uma pesquisa bibliométrica no portal Periódicos
Capes em setembro de 2021 com strings relacionadas a DTI e ODS, como descrito no item que
apresenta os aspectos metodológicos. Poucos resultados foram obtidos, mostrando, portanto,
uma lacuna de pesquisa a ser explorada.

552
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Destinos Turísticos Inteligentes

A necessidade de se pensar em uma forma de viagens mais sustentáveis, com baixa


emissão de carbono, proposta lançada pela ONU desde 2009 (TJOLLE, 2009), impulsionou o
surgimento do conceito de DTI. Em resposta a essa solicitação da ONU, na China houve um
aproveitamento dos conceitos e tecnologias usadas para Cidades Inteligentes (CI) que foram
aplicadas a destinos turísticos (ZHANG, 2012).
Há autores como Buhalis (2014) e Gretzel (2015) que acreditam que a tecnologia pode
aumentar a competitividade de um destino turístico, gerando o diferencial de Turismo
Inteligente. Estes autores defendem que as tecnologias usadas em CI podem e devem ser
aplicadas a destinos turísticos, que podem ser uma cidade ou região. Acreditam que essa é a
tendência, trabalhar com aplicações de CI em qualquer município, sobretudo nos que possuam
potencial turístico. Assim, acreditam não haver a necessidade expressa de se criar um conceito
específico para destino turístico.
Em contraponto, a Espanha acredita que a criação de um conceito específico para
destinos turísticos pode dar destaque internacional para as suas cidades, visto que passaram
por uma crise em 2008 e 2009 por causa da bolha imobiliária espanhola (SANTA ANA, 2019).
Nesse diapasão, foi criada pelo governo espanhol a SEGITTUR, que desenvolveu o modelo de
DTI, considerando o seguinte conceito:

Destino Turístico Inteligente é um espaço inovador, acessível para todos,


consolidado sobre uma infraestrutura tecnológica de vanguarda que garante o
desenvolvimento sustentável do território, facilita a interação e integração do
visitante com o entorno e incrementa a qualidade de sua experiência no destino e
a qualidade de vida dos residentes. (LÓPEZ DE ÁVILA, 2015)

Adicionalmente a esse conceito, desenvolveram um modelo que envolve cinco eixos:


Governança, Tecnologia, Inovação, Sustentabilidade e Acessibilidade (LÓPEZ DE ÁVILA, 2015),
conforme mencionado e que são a seguir relacionados ao Turismo:
a) O eixo Governança tem por base a visão estratégica e implementação de DTI por meio
de uma gestão eficiente, transparente, aberta, participativa, responsável e controlada;
b) O eixo Tecnologia é transversal e pode ser aplicado à governança, ao marketing turístico,
às infraestruturas tecnológicas do destino e aos sistemas de conhecimento turístico;
c) O eixo Inovação se apresenta nos processos de gestão, criação e desenvolvimento de
produtos e serviços, comercialização e marketing do destino e formação dos profissionais da
área;
d) O eixo Sustentabilidade se aplica à gestão da sustentabilidade turística, à conservação
do patrimônio cultural, do meio ambiente e ao desenvolvimento econômico e social;
e) O eixo Acessibilidade visa aplicar o marco normativo, além de realizar a gestão da
acessibilidade, implantação no destino e aplicação de ferramentas tecnológicas para facilitar a
acessibilidade, seja ela física ou digital.
Registre-se que Sustentabilidade é um dos eixos de DTI, o que evidencia que os ODS
podem contribuir para uma melhor gestão de DTI, no sentido de cumprimento das metas da
Agenda 2030 da ONU (GUTERRES, 2015).

553
2.2 Sustentabilidade no Turismo

Diante dessa realidade, para que seja colocada em prática essa sustentabilidade,
torna-se necessário considerar a dimensão econômica, que envolve crescimento, eficiência e
estabilidade; a dimensão social, que envolve empoderamento, inclusão, consulta pública,
instituições e governança; e a dimensão ambiental, que envolve resistência, biodiversidade,
recursos naturais e questões relacionadas a se evitar contaminação ( MUNASINGHE, 2010). O
envolvimento entre a sustentabilidade econômica e social produz equidade intrageracional,
necessidades básicas e o bem viver. O envolvimento entre a sustentabilidade econômica e
ambiental produz valoração, internalização e incidência de impactos. E o envolvimento entre a
sustentabilidade social e ambiental produz equidade intergeracional, valores e cultura
(MUNASINGHE, 2010).
Nessa lógica, os principais aspectos da sustentabilidade são a sua complexidade como
conceito e o fato de ser transdisciplinar, devendo, portanto, ser construído coletivamente. Esse
tripé da sustentabilidade conhecido como Triple Bottom Line, possibilita crescimento e
desenvolvimento, mas não a curto prazo, pois envolvem muitos atores e ações. A fim de buscar
mensuração para as dimensões da sustentabilidade é necessário que se estabeleçam metas e
indicadores, de forma a unir teoria e prática e se poder aferir se os objetivos planejados estão
sendo alcançados.
Diante da realidade de que o Turismo é uma atividade que gera possibilidades de
desenvolvimento socioeconômico, seja local ou regional, sabe -se que gera, por outro lado,
impactos negativos ao meio ambiente, consequentemente, torna-se meritório pensar no
turismo de modo sustentável.
A propósito, interessante apontar a diferença entre Turismo sustentável e Turismo
realizado com a ideia de princípios de desenvolvimento sustentável. Turismo sustentável é
aquele que se desenvolve de forma que possa manter sua viabilidade por tempo indefinido
(BUTLER, 1999), enquanto turismo entendido com a ideia de princípios de desenvolvimento
sustentável é promovido e mantido em uma área, em uma forma e uma escala que pode
permanecer sendo viável por período indefinido, ao mesmo tempo em que não altera o meio
ambiente, seja humano ou físico, o qual se estabelece de modo a não impedir o
desenvolvimento e o bem estar de outras atividades e processos (BUTLER, 1999). Esta segunda
definição é mais sustentável e mais natural, e deve ser colocada em prática nas ações turísticas.

2.3 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável

Fazendo-se um breve resgate histórico, desde 1987, quando da publicação do relatório


Nosso Futuro Comum, a ONU define desenvolvimento sustentável como: “o desenvolvimento
que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade das
gerações futuras de satisfazerem as suas próprias necessidades” (ONU, 1987).
Já em 1992, na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento, a Rio 92, para garantir o desenvolvimento sustentável com foco no ser
humano e protegendo o meio ambiente, é criada a Agenda 21, primeira carta de intenções para
promover o desenvolvimento no mundo, focada no século XXI que estava por vir. Após 20 anos,
na Rio + 20, o foco se manteve em discutir a economia verde no contexto do desenvolvimento
sustentável e a erradicação da pobreza. Ao final desta conferência foi criado o documento: O

554
Futuro que Queremos, documento que orientou a criação de ações para construção de objetivos
universais de desenvolvimento sustentável.
Inicialmente foram estabelecidos 8 objetivos e o Grupo de Trabalho Aberto para a
elaboração dos ODS (GTA-ODS) foi encarregado de contribuir com esses objetivos e em agosto
de 2014 submeteram a proposta dos 17 ODS com suas 169 metas à apreciação da Assembleia
Geral da ONU, que a aprovou em 2015. Assim foi criado o documento Transformando Nosso
Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Esses 17 objetivos mesclam as três
dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. Essa agenda
apoia ações nas seguintes áreas: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias.
A fim de buscar adequação nesse sentido, no Turismo esses objetivos podem ser
aplicados conforme apresenta o Quadro 1.

Quadro 1 – Contribuições do Turismo para com os ODS


ODS Contribuições do Turismo
ODS 1 - Erradicar O Turismo sendo um dos maiores setores econômicos do mundo, pode promover o
a pobreza. crescimento econômico e o desenvolvimento em vários níveis e com isso gerar emprego,
reduzindo a pobreza.
ODS 2 - Erradicar O Turismo tem o poder de impulsionar a produtividade local. Pode fomentar a produção,
a fome. uso e venda de produtos locais nos destinos turísticos e sua integração com a cadeia de
valor do turismo. Como resultado isso há o aumento da renda, contribuindo com a
erradicação da fome.
ODS 3 - Saúde de O Turismo contribui para o crescimento econômico e desenvolvimento, tendo um efeito
Qualidade. indireto sobre a saúde e o bem-estar. Com o advento da pandemia da Covid-19 a saúde
ficou cada vez mais importante para o turismo.
ODS 4 - Educação O Turismo necessita de mão de obra qualificada. E fornece incentivo para uma educação e
de Qualidade. formação profissional.
ODS 5 - Igualdade O turismo pode empoderar as mulheres, dando oportunidade de geração de renda é uma
de gênero. forma.
ODS 6 - Água O turismo pode desempenhar um papel importante no acesso e segurança da água, da
potável e higiene e do saneamento para todos.
saneamento.
ODS 7 - Energias O turismo pode contribuir para acelerar a mudança para uso de energia renovável.
renováveis e
acessíveis.
ODS 8 - Trabalho O turismo é uma das forças de crescimento econômico global, sendo capaz de promover o
digno e turismo sustentável, criar empregos, promover a cultura e os produtos locais.
crescimento
econômico.
ODS 9 - Indústria O desenvolvimento do turismo depende de uma boa infraestrutura pública e privada e um
inovação e ambiente inovador.
infraestrutura.
ODS 10 - Reduzir Turismo pode ser uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento da comunidade e
as desigualdades. redução das desigualdades. O turismo é um meio efetivo de os países em desenvolvimento
participarem da economia global.
ODS 11 - Cidades Uma cidade que não é boa para seus cidadãos não é boa para os turistas. O turismo
e comunidades sustentável tem potencial de contribuir para a construção de infraestrutura urbana e
sustentáveis. acessibilidade universal, promover a regeneração de áreas degradadas e preservar o
patrimônio cultural e natural.
ODS 12 - O programa de turismo sustentável implementa ferramentas para monitorar os impactos
Produção e do desenvolvimento sustentável e gerar emprego, promover cultura e produtos locais.
consumo
sustentáveis.
ODS 13 - Ação O turismo contribui para as mudanças climáticas e é afetado por elas. Pode diminuir o
climática. consumo de energia, migrar para fontes de energia renovável especialmente nos setores de
transporte e hospedagem.
ODS 14 - Proteger Fomentar o turismo costeiro e marítimo e a gestão sustentável da pesca, agricultura e o
a vida marinha. turismo.

555
ODS 15 - Proteger Paisagens majestosas e rica biodiversidade são razões para os turistas viajarem. Então o
a vida terrestre. turismo sustentável tem papel importante nessa preservação.
ODS 16 - Paz, O turismo trabalha ao mesmo tempo com diversas culturas, então a tolerância e
justiça e compreensão multicultural e inter-religiosa é muito importante.
instituições
eficazes.
ODS 17 - Pela sua natureza multicultural o turismo tem o potencial de fortalecer parcerias público-
Parcerias para a privadas e envolver partes interessadas.
implementação
dos objetivos.
Fonte: a partir de UNWTO (2019).

Esses objetivos merecem destaque neste momento em que desde abril de 2020 o
mundo vivenciava a pandemia causada pela COVID-19. Depois de mais de um ano e meio
tentando sair desta situação sanitária complexa, comprovam-se sinais de que a recuperação do
Turismo é possível. Com efeito, as evidências de que olhar para os ODS aplicados em DTI se
mostram muito promissoras para a criação de planos de recuperação responsável do setor.
Assim, os ODS devem ser colocados em prática pelos gestores públicos, pelos
integrantes da indústria do Turismo, pela sociedade como um todo e pelos viajantes,
envolvendo vários atores, como é solicitado em um DTI.

2.4 Recuperação do Turismo

Nessa perspectiva, gestores públicos e a indústria do Turismo trabalham para a


recuperação dessa relevante atividade pois considera-se não haver momento mais oportuno
para dar destaque a gerações que virão, por meio de um modelo de Turismo mais sustentável,
com base na inclusão social, restauração e proteção ambiental. A saúde e o bem-estar humano
dependem disso. Apesar das dificuldades que este momento de retomada impõe, deve ser
prioridade a recuperação responsável do setor Turismo, visto que sua resiliência v ai depender
da capacidade do setor para encontrar um equilíbrio entre as necessidades das pessoas e do
planeta.
Indo além disso, espera-se uma transformação do Turismo, no sentido de aproveitar
essa oportunidade pós-COVID 19, para que todos os atores envolvidos nessa atividade assumam
suas responsabilidades. São esperadas medidas para fomentar uma maior participação da
população local no planejamento do Turismo, bem como espera-se que haja mais
responsabilidade corporativa dos operadores de Turismo, hotéis e companhias aéreas. A
sociedade civil pode contribuir com uma participação mais ativa e os viajantes precisam
selecionar seus operadores de Turismo de modo sustentável e por meio de comportamentos
responsáveis (OECD, 2021).
No cerne desse delineamento, espera-se que novos focos de atenção para o Turismo
e para mensurar a sustentabilidade sejam considerados na resiliência desse setor,
especialmente os relacionados a tecnologia, seja por meio de inovação, DTI, inteligência turística
ou digitalização no destino.

3 ASPECTOS METODOLÓGICOS

556
A pesquisa aqui apresentada é de abordagem qualitativa, por se tratar de uma
pesquisa que busca relacionar conceitos e métodos para explicar e propor uma nova abordagem
(GERHARDT, 2009).
Quanto aos seus objetivos esta pesquisa é exploratória, pois pretende proporcionar
maior familiaridade com o problema e foi realizada por meio de pesquisa documental
(GERHARDT, 2009).
O início desta pesquisa se deu com uma pesquisa bibliométrica a partir de textos
buscados no portal Periodicos CAPES em setembro de 2021 com as strings "Smart Tourist
Destinations" AND "Sustainable Development Goals". Foram encontrados seis resultados.
Dentre eles, dois eram iguais e dois foram excluídos por não apresentarem relação com o tema.
Dos artigos encontrados, três foram usados como referência nesta pesquisa. Usando “Smart
Tourism Destinations” AND “Sustainable Development Goals” nas buscas, foram encontrados 11
resultados. Ao analisá-los, sete não se relacionaram com o tema e os outros quatro foram
usados como referência nesta pesquisa. Também foi usada a string "Smart Destinations" AND
"Sustainable Development Goals" e obtidos 10 resultados. Ao analisá-los, somente seis puderam
ser aproveitados.
Esta pesquisa bibliométrica demonstrou que o tema ainda é recente e há pouca
publicação sobre ele, o que demonstrou o gap de pesquisa a ser explorado.
Benidorm foi escolhida como locus de pesquisa por ser o primeiro destino a ser
certificado como DTI e possivelmente teria ações relacionadas aos ODS implementadas na
cidade. Na sequência, a pesquisa documental permitiu maior compreensão sobre o fenômeno,
tendo sido analisados, pela técnica de análise de conteúdo, 10 documentos de DTI em
Benidorm. Registre-se que a pesquisa documental foi realizada inicialmente por meio de uso da
internet e posteriormente com visita a Benidorm, o que possibilitou acesso a outros
documentos.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Benidorm é uma cidade localizada na costa mediterrânea espanhola, mais


especificamente na Comunidade Valenciana. Tem uma extensão de 39 Km² e uma população
em torno de 70.000 habitantes. É um destino de sol e praia e recebe muitos turistas do mundo
todo, principalmente da Inglaterra e do norte da Espanha. Esses turistas chegavam a 2.200.000
por ano antes da pandemia (SOARES; IVARS BAIDAL; GÂNDARA, 2016). Mas em termos de
densidade populacional chega a 330,7 habitantes por Km² (NOLASCO-CIRUGEDA; MARTÍ;
PONCE, 2020).
Os documentos analisados afirmam que Benidorm sempre esteve empenhada em criar
atrativos com inovação incremental a fim de se manter competitiva ao longo dos anos. A cidade
desenvolveu o modelo urbano-turístico no destino de sol e praia que é (SOARES; IVARS BAIDAL;
GÂNDARA, 2016). Trata-se de um destino de Turismo de massa, admirável e lucrativo. Desde a
década de 1950 vem elaborando planos urbanísticos para potencializar o Turismo na cidade,
sendo considerada como a máquina de Turismo de massa mais eficaz da Espanha (NOLASCO-
CIRUGEDA; MARTÍ; PONCE, 2020). Desde essa década Benidorm está empenhada em
desenvolver o Turismo. E, para tanto, criou planos urbanísticos de modo a apoiar o
desenvolvimento sustentável da indústria do Turismo de massa no Arco Mediterrâneo Europeu
(NOLASCO-CIRUGEDA; MARTÍ; PONCE, 2020).

557
A cidade se mantém como exemplo de inovação até os dias atuais, sendo que em 2018
obteve o título de DTI pela AENOR e SEGITTUR, certificação já renovada, e mantendo-se, até o
fechamento desta pesquisa, como o único destino certificado como DTI (BENIDORM, 2018).
Na linha deste pioneirismo, Benidorm cria seu Plano Diretor de DTI que tem por
objetivos, dentre outros, trabalhar o desenvolvimento econômico, social e ambiental do
município, se antecipando, assim, a ações para cumprir os ODS, pois estas ações para ser um DTI
foram iniciadas em 2012 (BENIDORM, 2018).
Baseado no documento de ODS para Comunidade Valenciana (VALENCIANA, 2019) foi
criado outro documento complementar contendo ações sobre ODS e m Benidorm (VALENCIANA,
2019).
Observa-se que a Comunidade Valenciana foi pioneira e criou um documento com
recomendações para os destinos turísticos a fim de facilitar a aplicação dos ODS em seus
destinos (VALENCIANA, 2019). Esse documento cita que o Turismo pode garantir a proteção do
patrimônio cultural e natural, pode impulsionar o capital humano para o progresso econômico
e social do destino, pode criar cadeia de valor turístico melhorando a competitividade do destino
e impulsionando modelos de governança para que haja eficiência e transparência.
Ainda, esse documento (VALENCIANA, 2019) cita planos de trabalho sugeridos para os
destinos turísticos da Comunidade Valenciana no tema setor turístico local, subdividido em
turismo sustentável e integrado à economia local, contribuindo com os ODS 2, 8 e 9 com
enfoque em pessoas e prosperidade e em inovação; e tecnologia para competir melhor e
diminuir o impacto, contribuindo com os ODS 8 e 9, com enfoque em prosperidade. Também
cita planos para o território subdividido em turismo e proteção do patrimônio natural e cultural,
contribuindo com os ODS 6, 11 e 15 com enfoque em planeta; e prosperidade e uso eficiente
dos recursos e consumo sustentável contribuindo com os ODS 6, 7, 8, 12 e 14 com enfoque em
planeta e prosperidade.
Para pessoas, com a subdivisão e sensibilização como forma de criar consciências
positivas, contribuindo com os ODS 4, 12 e 13 com enfoque em pessoas e planeta, igualdade,
inclusão e gênero em turismo, contribuindo com os ODS 1, 5, 9 e 10, com enfoque em pessoas
e prosperidade; e formação, competências profissionais e emprego digno, contribuindo com os
ODS 4, 8 e 9, com enfoque em pessoas e prosperidade. E ainda governança turística, subdividido
em planejamento do destino, contribuindo com os ODS 11, 13, 16 e 17, com enfoque em
prosperidade, planeta, paz e alianças, alianças e participação, contribuindo com os ODS 12 e 17,
com enfoque em planeta e alianças e gestão turística local sustentabilidade e medição,
contribuindo com os ODS 3, 9, 12, 16 e 17, com enfoque em pessoas, planeta, prosperidade, paz
e alianças.
Em 2020 criam o Plano de Sustentabilidade Turística, onde desenvolvem estratégias
para ser um destino sustentável e seguro, visando melhorar a cidade em termos de
sustentabilidade, mas que seja seguro, pois o momento era de crise pela COVID-19. Nesse
documento descrevem ações ligadas a infraestrutura turística e recursos mais sustentáveis e
acessíveis, gestão planejada e inteligente, transformação competitiva e segurança higiênico -
sanitária (BENIDORM, 2018).
Registre-se que a Generalitat Valenciana se filiou, em 2015, à Agência Valenciana de
Turismo, atual Turisme Comunitat Valenciana e à OMT a fim de criarem planos para colocarem
em prática os ODS. Para este projeto foram tratadas as Províncias de Castellón, Valencia e

558
Alicante, de onde faz parte Benidorm, a fim de facilitar a implantação das ações ( VALENCIANA,
2019).
Para que se pensasse em ações mais efetivas foram realizadas reuniões de trabalho
presenciais e remotas nos municípios e definidas ações para cada um dos ODS, tendo em conta
a capacidade de Benidorm de realizá-las (VALENCIANA, 2019).
Várias ações foram pensadas e colocadas em prática em Benidorm para que cada um
dos ODS fosse atendido. A seguir estão brevemente descritos no Quadro 2 alguns destes
projetos relacionados aos ODS (VALENCIANA, 2019).

Quadro 2 – Projetos de Benidorm relacionados aos ODS


ODS Projetos de Benidorm
ODS1 – Fim da Promove festas inclusivas e ações especiais para residentes e turistas para que possam
pobreza. participar de eventos locais com igualdade de condições. Também dão andamento à
colaboração de agentes sociais em campanhas informativas dirigidas aos trabalhadores do
turismo sobre seus direitos laborais.
ODS2 – Fome Impulsiona a participação do turismo local, assim como as associações e atividades
zero. relacionadas em clubes de produto impulsionados por Turisme Comunitat Valenciana,
programa CreaTurisme. Realiza companhas de colaboração com o setor turístico para
conscientizar os turistas sobre a necessidade do consumo responsável de água e energia.
Organiza jornadas e encontros entre empresários turísticos e setores produtivos tradicionais
para promove a integração da cadeia de valor do turismo. Organiza eventos culturais e feiras
de comércio para impulsionar os produtores locais. Chega a acordos com denominações de
origem de produtos gastronômicos. E impulsiona o empreendedorismo e a formação
profissional mediante ações coordenadas com entidades supramunicipais.
ODS 3 – Saúde Realiza campanhas de fomento do ócio saudável e consumo responsável de bebidas alcoólicas.
e Bem-estar. Desenvolve e promove itinerários turísticos em zonas de menor saturação turística. Implanta
ferramentas tecnológicas para gestão de fluxos turísticos. Desenvolve estruturas esportivas e
organizam eventos para fomentar o bem-estar dos residentes e cidadãos.
ODS 4 – Impulsiona a adesão ao Código de Ética do Turismo Valenciano. Realiza campanhas de
Educação de sensibilização dirigidas a turistas focalizadas em temas de costumes do destino, limpeza e
Qualidade. tempo de descanso. Dentre outras ações de associação, colaboração com a formação do
profissional de turismo de Benidorm.
ODS 5 – Fomenta a participação de mulheres em todos os planos de gestão turística local.
Igualdade de
Gênero.
ODS 6 – Água Divulga seus valores culturais e naturais. Fomenta entre o setor a certificação de qualidade.
limpa e Realiza jornadas de sensibilização entre outras ações.
saneamento.
ODS 7 – Energia Fomentar no setor turístico a certificação em qualidade, meio ambiente. Impulsionar o
acessível e não consumo energético 100% de energias renováveis. Integrar na equipe da gestão municipal
contaminante. pessoas com conhecimentos em gestão do meio ambiente, eficiência energética, energias
renováveis e economia circular entre outras.

ODS 8 – Apresenta projetos inovadores com sua rede. Desenvolve estratégia de comunicação digital.
Trabalho Cria e impulsiona clusters de inovação, entre outras.
decente e
crescimento
econômico.
ODS 9 – Publica no portal da cidade documentos relativos à atividade turística em portais de dados
Indústria, abertos. Põe em andamento projetos de sinalização, interpretação e divulgação do patrimônio
Inovação e cultural e natural, entre outras.
Infraestrutura.
ODS 10 – Incentiva o desenvolvimento e implantação de planos de acessibilidade universal. Implanta
Redução das praias acessíveis.
Desigualdades.
ODS 11 – Vive em Benidorm: trabalhar desde o paraíso. Incentivo a este projeto de lazer e teletrabalho.
Cidades e Desenvolver infraestrutura esportiva e organizar eventos que atendam residentes e cidadãos.
comunidades Atualizar infraestrutura turística e implantar ferramentas tecnológicas para monitoramento.
sustentáveis.

559
Desenvolver projetos inovadores. Implantar planos de mobilidade turística sustentável entre
outras ações.
ODS 12 – Programas de conscientização do consumo de água e energia. Realizar jornadas de
Produção e sensibilização sobre o consumo responsável. Desenvolver projetos inovadores entre outras.
consumo
responsáveis.
ODS 13 – Realizar campanhas de sensibilização com população e turistas sobre meio ambiente.
Mudanças Fomentar pesquisa na área entre outras.
climáticas.
ODS 14 – Vida Realizar campanha de sensibilização com população residente e turistas sobre meio ambiente
marinha. entre outros.

ODS 15 – Vida Realizar campanha de sensibilização com população residente e turistas sobre meio ambiente
terrestre. entre outros.

ODS 16 – Paz, Desenvolver ações com empresas para impulsionar a inovação entre outras.
justiça e
instituições
sólidas.
ODS 17 – Coordenação de ações com parceiros para colocar em prática os itens relacionados a todos os
Alianças para demais ODS.
alcançar os
objetivos.
Fonte: dados da pesquisa (2022).

Deste modo, os ODS mais trabalhados em Benidorm são os 6, 7, 3 e 8, que


correspondem à água e energia sustentável, crescimento econômico e bem-estar das pessoas.
Os ODS em que ainda é possível a realização de mais ações são os ODS1, 5 e 13, que tratam do
fim da pobreza, da igualdade de gênero, e das mudanças climáticas.

5 CONCLUSÃO

As ações que Benidorm mais destaca com relação aos ODS são referentes ao ODS 6
que tem excelente grau de contribuição da cidade e da Comunidade Valenciana, seguido dos
ODS 7, 8, 9 e 11. O ODS 2 recebe um bom grau de contribuição de Benidorm e da Comunidade
Valenciana no combate à fome. Os ODS que recebem menor contribuição são os ODS 1, 4, 5 e
13. As únicas ações em que Benidorm estão abaixo da média com relação à Comunidade
Valenciana são referentes aos ODS 1, 5 e 10.
Pode-se concluir que Benidorm está avançando cada vez mais em água limpa e
saneamento, energia renovável, trabalho decente e crescimento econômico, indústria, inovação
e infraestrutura, cidades e comunidades sustentáveis e fome zero. E estas ações promovem o
desenvolvimento local e regional. Constatou-se a necessidade de criação de mais ações para
atenderem as seguintes questões: igualdade de gênero, mudança climática, fim da pobreza e
educação de qualidade.
Criar ações que atendam aos ODS é relevante, principalmente em DTI, que reforça os
quatro objetivos principais do marco da sustentabilidade: fazer gestão do destino por meio de
uma política sustentável e responsável; maximizar os benefícios às comunidades, aos visitantes
e ao patrimônio cultural e minimizar os impactos negativos; maximizar os benefícios para o meio
ambiente e minimizar os impactos negativos; e maximizar os benefícios socioeconômicos para
a comunidade receptora, minimizando impactos negativos.
Considera-se contribuição desta pesquisa o avanço científico em se analisar a relação
entre DTI e os ODS. Considera-se contribuição também a apresentação de políticas, programas

560
e projetos de Benidorm como inspiração para gestores públicos e privados atuarem em prol de
uma forma de desenvolvimento a partir do Turismo que seja mais sustentável.
Reconhece-se, entretanto, como limitação, o fato de esta pesquisa se apoiar em
estudos relacionados a apenas uma cidade, não sendo possível a generalização dos achados da
pesquisa. Nesse sentido, sugere-se para pesquisas futuras que a investigação sobre os
construtos DTI e ODS sejam realizados em outras localidades.

REFERÊNCIAS

BENIDORM. Certificado DTI Benidorm. 2018. Disponível em:


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562
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( X ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

PARQUE FLORESTAL ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE (HORTO FLORESTAL)


EM CAMPO GRANDE/MS NA CATALISAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO
URBANO SUSTENTÁVEL

ANTÔNIO DE ALBUQUERQUE FOREST PARK (HORTO FLORESTAL) IN CAMPO


GRANDE/MS IN THE CATALYSIS OF SUSTAINABLE URBAN DEVELOPMENT

Silvana Romanini Monti


Arquiteta e Urbanista
nanaromanini@hotmail.com

Felipe Buller Bertuzzi


Professor Mestre, UCDB, Brasil
arq.felipebertuzzi@gmail.com

Cleonice Alexandre Le Bourlegat


Professora Doutora, UCDB, Brasil
clebourlegat@ucdb.br

563
RESUMO
Os parques urbanos proporcionam um equilíbrio no desenvolvimento das cidades e sua composição arborizada está
aliada às atividades de lazer, o que integra o homem à natureza. Sendo assim, os parques urbanos têm se configurado
como elemento de valorização do espaço urbano com características ligadas ao bem comum de uso público. Com
base nessa contextualização, o presente trabalho tem como objetivo diagnosticar a situação da atual realidade
apresentada pelo Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal) na catalisação do desenvolvimento
sustentável em Campo Grande/MS, além de identificar a estrutura, formas de uso e a apropriação do espaço. O
referencial teórico selecionado abrange a sustentabilidade catalisada por parques públicos e a transformação destes
em lugares (placemaking), buscando a formação deste espaço em um local acessível, ativo, confortável, sociável e de
uso ambientalmente adequado. Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória, descritiva, qualitativa e contextual
em que se utiliza da triangulação na análise do objeto de pesquisa e da interpretação dos sujeitos envolvidos. Verifica-
se a partir das análises a falta de apropriação da população em um parque que carece de muitas melhorias em sua
infraestrutura. Uma das formas de dirimir tais problemas é a possibilidade de se estabelecer parcerias em um
processo de co-construção entre os diferentes setores da sociedade, a fim de gerar a vitalidade para o parque e,
consequentemente, alcançar o desenvolvimento sustentável.

Palavras chave: parques urbanos; placemaking; desenvolvimento urbano sustentável.

ABSTRACT
Urban parks provide a balance in the development of cities and their wooded composition is allied to leisure activities,
which integrates man with nature. Thus, urban parks have been configured as an element of valorization of urban
space with characteristics linked to the common good of public use. Based on this contextualization, the present work
aims to diagnose the situation of the current reality presented by the Antônio de Albuquerque Forest Park (Horto
Florestal) in the catalysis of sustainable development in Campo Grande/MS, in addition to identifying the structure,
forms of use and the appropriation of space. The selected theoretical framework covers sustainability catalyzed by
public parks and their transformation into places (placemaking), seeking to form this space into an accessible, active,
comfortable, sociable and environmentally appropriate place. This is an exploratory, descriptive, qualitative and
contextual research in which triangulation is used in the analysis of the research object and the interpretation of the
subjects involved. It is verified from the analyzes the lack of appropriation of the population in a park that lacks many
improvements in its infrastructure. One of the ways to solve such problems is the possibility of establishing
partnerships in a process of co-construction between different sectors of society, in order to generate vitality for the
park and, consequently, achieve sustainable development.

Keywords: urban parks; placemaking; sustainable urban development.

564
1 INTRODUÇÃO

Os espaços públicos são considerados pelo Programa das Nações Unidas para
Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), elementos fundamentais na construção da Nova
Agenda Urbana proposta em 2016, comprometida com cidades mais sustentáveis, saudáveis,
seguras, justas e inclusivas (ONU-Habitat, 2016). A Organização internacional intitulada Cidades
e Governos Locais Unidos (CGLU) reconhece a responsabilidade das administrações locais em
propor políticas urbanas que conectem a Nova Agenda Urbana com as realidades locais, em prol
das necessidades das pessoas, assim como o papel que os espaços públicos exercem neste
sentido (CGLU, 2016).
Em função deste compromisso, esta organização também elaborou um documento
marco de políticas estratégicas para o desenvolvimento de espaços públicos a serem conduzidas
pelas administrações locais, com as metas chaves de atendimento dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nestas proposições, os espaços públicos são abordados
pela CGLU como os grandes catalisadores do desenvolvimento das cidades, gerando benefícios
sociais, econômicos e ambientais. Neste sentido e dada a urgência da implementação das novas
políticas, considera-se fundamental que as administrações locais possam contar com o suporte
dos órgãos de pesquisa, seja para construir, manter ou regular espaços públicos. A preocupação
deste trabalho é, portanto, a de buscar proporcionar suportes adequados neste sentido.
O município de Campo Grande, com 8.082,97km², está localizado geograficamente na
porção central de Mato Grosso do Sul, ocupando 2,26% da área total do Estado. Situado no
Planalto da Serra de Maracaju, sobre o eixo divisor das bacias dos Rios Paraná e Paraguai, onde
o relevo é suavemente ondulado proporcionando a formação de um núcleo urbano extenso, é
caracterizado por uma ocupação espraiada entremeada por fragmentos de campos de pastagem
e cerrados.
Diferentes tipos de espaços livres públicos de Campo Grande/MS foram especificados
o
na Lei n 3201/95, a qual dispõe sobre a arborização no município de Campo Grande e dá outras
providências. Tais espaços foram identificados como praças, jardins, bosques, parques,
canteiros de avenidas e ruas arborizadas. As nominações desses locais foram consideradas como
pertencentes a um Sistema de Áreas Verdes do Município. Respeitada as suas dimensões, eles
tinham por função abrigar atividades de lazer e de recreação a serem utilizados para a alocação
de equipamentos sociais, proteger mananciais e promover a harmonização paisagística e
ecológica da área urbana. Compunha ainda, o Sistema de Áreas Verdes do Município as
propriedades particulares que possuíssem uma arborização com extensão significativa, citando-
se como tipos pertencentes ao sistema: clubes esportivos sociais, clubes de campo e
condomínios.
Com base nessa contextualização e a relação com uma cidade dotada de parques
urbanos relevantes, o presente artigo tem por objetivo geral diagnosticar a situação da atual
realidade apresentada pelo Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal) na
catalisação do desenvolvimento sustentável em Campo Grande/MS. Tem-se como objetivos
específicos estabelecer a caracterização do Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto
Florestal) em seu devido contexto histórico-espacial, em acordo à sua finalidade construtiva,
bem como a identificação da sua estrutura, suas formas de uso e apropriação do espaço, assim
como a participação de usuários e partes interessadas em soluções criativas na transformação

565
deste espaço em um lugar acessível, ativo, confortável, sociável e de uso ambientalmente
adequado.
Além da introdução, metodologia e considerações finais, o trabalho está dividido em
quatro partes. A primeira visa discutir acerca da importância do parque urbano para a garantia
da qualidade de vida dos indivíduos nas cidades. Já a segunda etapa tem o intuito de caracterizar
os contextos histórico e territorial do Horto Florestal, parque urbano de Campo Grande/MS. A
terceira parte deste trabalho visa descrever os aspectos físicos do Horto a partir dos dados
objetivos encontrados. Por fim, a quarta etapa aborda os dados qualitativos advindo da
percepção dos sujeitos da pesquisa.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

A pesquisa do tipo descritiva e exploratória envolveu a coleta de dados documentais,


bibliográficos e de campo. Além de caracterizar o Parque Florestal Antônio de Albuquerque em
seu contexto histórico-espacial, o estudo tem como objeto identificar sua estrutura, formas de
uso e apropriação do espaço pelos usuários e as partes interessadas, conforme é ilustrado na
metodologia de triangulação dos dados (Figura 1).

Figura 1 - Metodologia baseada no processo de triangulação dos dados coletados

Fonte: Autores, 2023.

3 O PARQUE URBANO E A SUSTENTABILIDADE URBANA

De acordo com o Ministério do Meio Ambiente (BRASIL, 2022), “parque urbano é


compreendido como uma área verde com função ecológica, estética e de lazer”. “Com uma
extensão maior que as praças e jardins, essas áreas podem variar entre um ou mais quarteirões
e a sua inserção no espaço público equilibra áreas pavimentadas e ambiências naturais”
(NASCIMENTO, 2018, p. 18).
Sendo assim, o parque urbano remete as áreas verdes destinadas à qualidade de vida
social, já que proporciona a relação com a natureza, às suas estruturas e à qualidade ambiental.
Uma vez adequado e atrativo, o parque urbano é decisivo para a efetivação de atividades físicas
e lazer em uma cidade. De acordo com Szeremeta e Zannin (2013) “essas atividades podem
ocasionar benefícios psicológicos, sociais e físicos à saúde da população, como a redução do
sedentarismo e a amenização do estresse do cotidiano urbano”. A composição arborizada,
aliada às atividades de lazer, proporciona um equilíbrio no desenvolvimento das cidades e
integram o homem à natureza. Segundo Melazo e Colesanti (2003, p. 6), essas áreas também

566
[...] representam na dinâmica das cidades, um “espaço verde” fundamental no
contexto de crescimento e desenvolvimento econômico e urbano, pois, através
deles, proporcionam para a comunidade dos bairros que os circundam como também
para toda a cidade, um espaço destinado ao lazer, ao contato com a natureza, onde
o homem se encontra totalmente inserido (MELAZO; COLESANTI, 2003, p. 6).

Tais áreas podem ser alvos de representações sociais, percepções e usos distintos,
visto que possuem diferentes significados para cada pessoa. A criação desses espaços em locais
públicos pode representar ao indivíduo o vínculo com o lugar, criando uma identidade, onde o
mesmo se apropria e se sente parte dele. Assim, “o lugar é entendido como um espaço
percebido e vivido, dotado de significado e com base no qual se desenvolve e extraem-se os
‘sentidos de lugar’” (SOUZA, 2013, p. 117).
Nesse sentido, esses parques desempenham um papel importante no espaço urbano,
aproximando as pessoas das condições naturais, atuando nos aspectos físicos e mentais das
pessoas, sendo de extrema importância para garantir a qualidade de vida dos cidadãos. Sua
criação deve fazer parte do planejamento urbano e sua ocupação e conservação devem ser
incentivadas para a obtenção de resultados satisfatórios.
Jacobs (2000) foi capaz de perceber que a dimensão pública das superfícies das cidades
está desaparecendo e, com elas, a urbanidade, responsável pela boa convivência urbana. A
autora destaca que “as cidades têm a capacidade de fornecer algo para todos apenas quando
esse “algo” é criado em conjunto”. Tal citação foi um dos norteadores da criação do conceito de
placemaking - fazer lugares, o qual representa uma forma de planejamento e gestão do espaço
público com a participação da comunidade baseada na identidade, características próprias do
local e das pessoas que ali convivem, propondo sua transformação de maneira criativa,
relacionando as necessidades e desejos aos sentimentos de pertencer e cuidar.

4 A CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA E TERRITORIAL DO PARQUE FLORESTAL ANTÔNIO DE


ALBUQUERQUE (HORTO FLORESTAL)

Com base nos conceitos e referenciais mencionados anteriormente, o presente


trabalho visa contribuir para o entendimento das atuais condições físicas e ambientais do
Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal). O Parque está localizado no Bairro
Amambaí, região central da Cidade de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul
(Figuras 2 e 3). De acordo com a Legislação Municipal, está inserido na Zona Urbana 01,
Macrozona 01 (MZ1) e Zona Ambiental 1 (ZA1).

Figura 2 - Localização do Parque Florestal Antônio De Albuquerque (Horto Florestal)

567
Fonte: Autores, 2023.

Figura 3 - Localização do Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal)

Fonte: Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano (PLANURB), 2022, adaptado pelos autores,
2023.

De acordo com o Perfil Socioeconômico de Campo Grande (2021), o Parque foi


concebido no ano de 1912 e reurbanizado em 1995, quando recebeu dependências
administrativas, orquidário, biblioteca, canchas de bocha e pistas esportivas, firmando-se como
uma área de lazer para a população local. Segundo Weingartner (2008, p. 169), o Horto Florestal
se trata de uma área dotada de grande visibilidade política, também considerada como um
marco urbano por situar-se sobre a região onde iniciou a ocupação da cidade. Além disso,
também foi compreendido como o viveiro municipal nas décadas de 1920 a 1970.
Em 1977, por ocasião da visita da Empresa Jaime Lener Planejamento Urbano Ltda.,
cujo objetivo era ordenar o crescimento da cidade, a área chamou a atenção dos técnicos da
empresa, particularmente por sua localização próxima ao centro da cidade, bem como pela mata
rica e densa existente nas imediações do córrego Segredo. O plano, denominado Diretrizes da
Estrutura Urbana para Campo Grande, sugeria um parque municipal na área do Horto Municipal
(GARABINI, 2004, p. 158).
Planejado como Centro Cultural (Plano de Complementação Urbana de 1979) e
urbanizado na década 1990 como Parque Recreativo Cultural, o projeto foi elaborado pelo
arquiteto Elvio Araújo Garabini, cuja proposta fazia referência do parque enquanto local que
demarcava o surgimento da cidade, indicado simbolicamente pela construção de pórticos que
remetiam ao encontro dos córregos Prosa e Segredo.
Também considerado um Parque Recreativo Cultural, a sua influência resultou da
mescla de funções e atividades proporcionando “assegurar o maior interesse e a frequência dos
usuários, interagindo tanto atividades ao ar livre (gramados, bosques, passeios, áreas de jogos
e pistas esportivas) quanto às atividades culturais em museus, áreas de múltiplo uso e concha
acústica” (WEINGARTNER, 2008, p. 169).
Sendo assim, o Horto Florestal passou a ser entendido como um local de integração
social que permite atividades objetivando sua utilização para fins de educação ambiental,
recreação e turismo em contato com a natureza. Compreende-se, a partir disso, que sua relação

568
com o conceito de comunidade como capacidade humana para partilhar o espaço, é, portanto,
uma condição fundamental da interação social e da expressão individual.
Muitos anos se passaram desde a criação do Horto Florestal. Em 2020, por exemplo,
foi anunciado pela Prefeitura Municipal de Campo Grande um contrato de R$ 282 mil para a
revitalização do parque, porém houve o declínio por parte da empresa contratada para
realização da reforma. Devido a pandemia da COVID-19 e o fechamento das áreas públicas, o
parque foi reaberto em julho de 2021. Muitos moradores estranharam as condições que o local
se encontrava e, diante das reclamações dos moradores e frequentadores do local,
a Prefeitura Municipal informou que o Horto Florestal deverá receber nova obra de
revitalização, porém ainda sem data de início definida (MIDIAMAX, 2022).

5 AS CARACTERÍSTICAS FÍSICAS DO HORTO FLORESTAL

No ano de 1980 foi construída a Sede Administrativa do Horto Florestal, enquanto em


1995, instalou-se a Biblioteca Anna Luiza Prado Bastos - Profa. Galega. A sua infraestrutura foi
disposta de forma espraiada ao longo de todo o parque com o intuito de possibilitar diferentes
usos à população. Há espaços de uso coletivo voltados às mais variadas atividades, como a
academia ao ar livre, o playground, a cancha de bocha, a pista de caminhada e uma praça seca
ampla disponível para atividades ao ar livre (Figura 4).

Figura 4 - Infra estrutura atual do Horto Florestal

Fonte: Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (SISEP), 2022, adaptado pelos autores, 2023.

A biblioteca possui um funcionamento periódico ao longo de toda a semana. Apesar


de estar funcionamento em horário reduzido, apresenta boa estrutura aos usuários (Figura 05).
Além disso, a Prefeitura Municipal de Campo Grande firmou dois convênios com o ministério da
Cidadania no ano de 2020, o qual repassaria o valor total de R$ 400 mil para digitalizar e tornar
mais acessível o acervo da Biblioteca Pública (CAMPO GRANDE NEWS, 2020).

569
Figura 5 - Biblioteca situada no Horto Florestal

Fonte: Autores, 2023.

Aparentemente, a existência de tais características e infraestruturas alocadas no Horto


Florestal tende a contribuir para a garantia de uma maior vitalidade dos espaços pela população
que o utiliza. No entanto, ao realizar uma análise focalizada na atual condição física dessas
estruturas, observou-se que muitos problemas de ordem técnica estão carentes de um olhar
mais cuidadoso. Isso porque a simples existência de equipamentos não garante a sua utilização
da forma correta e com segurança pelos seus usuários.
Em termos de infraestrutura, os banheiros femininos e masculinos possuem
adaptações para Pessoas com Deficiência (PCD). No entanto, devido a atual condição desses
locais, vários deles estão fechados e, os que estão acessíveis à população, apresentam
vazamentos, o acúmulo de lixo e a falta de limpeza, o que os tornam muitas vezes inutilizáveis
(Figura 6).

Figura 6 - Situação atual dos banheiros no Horto Florestal

Fonte: Autores, 2023.

O Orquidário no Horto Florestal (Figura 7), considerado um dos símbolos do


parque, encontra-se abandonado. O lugar que já teve orquídeas de diferentes cores e tipos há
muitos anos, hoje está coberto com uma tela preta sem contar com nenhuma espécie.

570
Figura 7 - Estruturas destinadas ao orquidário

Fonte: Autores, 2023.

A revitalização na pista de caminhada, ocorrida no ano de 2020, propiciou o


recapeamento dos caminhos internos a fim de facilitar o trajeto dos indivíduos por todo o
espaço. Apesar disso, a falta de acessibilidade às áreas de permanência como bancos e mesas
continua se tornando um obstáculo devido à permanência de degraus existentes no piso, o que
aponta uma desconformidade com a norma de acessibilidade 9050/2020 (Figura 8).

Figura 8 - Pistas de caminhada e a relação com a falta de acessibilidade

Fonte: Autores, 2023.

Além de toda a área destinada ao parque, também há uma passarela situada sobre a
Avenida Fernando Corrêa da Costa, que faz a ligação entre o Horto e o outro lado da avenida,
possibilitando a interlocução com um Centro de Convivência do Idoso e Centro de Atividades
Múltiplas. Neste outro espaço existe um parlatório, um teatro de arena e uma pista de skate
(Figura 9).

571
Figura 9 - Ligação entre as duas áreas destinadas ao Horto Florestal e seus respectivos usos

Fonte: Autores, 2023.

Além de toda a infraestrutura existente no que se refere às questões construtivas, a


caracterização física do Horto Florestal também abrange uma grande presença de arborização
média e alta ao longo de sua distribuição espacial. Essa configuração contribui para a
manutenção de um ambiente fresco e bem sombreado, tornando os caminhos internos mais
agradáveis e de fácil permanência. Apesar de haver uma arborização fechada com diferentes
tipos de espécies, há certo descuido com a vegetação decorrente da falta de irrigação e remoção
de galhos e troncos expostos nos canteiros internos (Figura 10). Circunstância essa que pode
causar acidentes para quem transita pelo parque. Além disso, a acessibilidade também precisa
ser assegurada, principalmente quando se trata de um espaço de uso coletivo.

Figura 10 - Troncos de árvores caídos ao longo do Horto Florestal

Fonte: Autores, 2023.

A falta de uma manutenção efetiva também está associada aos equipamentos


instalados no Horto (Figura 11). O playground, destinado às crianças, contém brinquedos mal
conservados, enquanto os bancos voltados para áreas de descanso também estão em condições
precárias. A cancha de bocha, que deveria ter o objetivo de promover a integração e a prática
esportiva, está sendo utilizada para o armazenamento de materiais, o que impede a sua
utilização efetiva. Já a academia ao ar livre, apesar de fornecer a informação dos exercícios a
serem feitos em ilustrações afixadas, não possui um instrutor permanente que auxilie a
população nas formas corretas de uso dos aparelhos.

572
Figura 11 - Infraestrutura existente do Horto Florestal

Fonte: Autores, 2023.

De forma geral, o descuido com as estruturas do Horto Florestal pode impactar


diretamente na falta de uso pela população, somados à insegurança e ao desconforto que o
ambiente pode causar (Figura 12).

Figura 12 - Descuido e falta de manutenção evidenciados pela infraestrutura existente no Horto Florestal

Fonte: Autores (2023)

573
6 AS PERCEPÇÕES AMBIENTAIS DOS USUÁRIOS E DEMAIS PARTES INTERESSADAS

As análises dos resultados da pesquisa tiveram por base a entrevista semiestruturada,


dotada de 25 perguntas. Devidamente identificada, a pesquisadora abordou os usuários
portando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), a fim de garantir a não
identificação dos indivíduos (Figura 13).

Figura 13 - Apresentação da pesquisadora em relação aos usuários do parque

Fonte: Autores, 2023.

Realizada nos dias 21/07/2022 (matutino) e 23/07/2022 (vespertino), as entrevistas


tiveram por objetivo estabelecer o perfil do usuário, suas preferências e percepções acerca do
Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal). Foram entrevistadas 12 pessoas,
sendo 09 do sexo feminino (75%) e 03 do sexo masculino (25%), com idades entre 06 anos e 55
anos. Além disso, o perfil dos usuários entrevistados retratou também que 50% do total das
pessoas entrevistas são solteiras, 41,7% casados e 8,3% viúvos.
Na sequência da entrevista, os usuários foram questionados sobre o grau de
escolaridade e a renda familiar (Quadro 01), bem como as atividades desenvolvidas pelos
mesmos (Quadro 2). Ao verificar os resultados é possível perceber que o parque atrai diferentes
públicos, independente da escolaridade, renda familiar ou os tipos de ocupações.

Quadro 01 - Perfil dos Entrevistados incluindo o Grau de Escolaridade e Renda Familiar


Escolaridade QTD % Renda Familiar QTD %
Fundamental Incompleto 03 25,00 Até 3 salários mínimos 06 50,00
Fundamental Completo 02 16,67 03 a 05 salários mínimos 01 8,33
Médio Incompleto 01 8,33 05 a 10 salários mínimos 02 16,67
Médio Completo 04 33,33 Não soube informar 03 25,00
Superior incompleto 01 8,33 Total 12 100%
Superior Completo 01 8,33
Total 12 100%
Fonte: Autores, 2023.

574
Quadro 02 - Perfil dos Entrevistados incluindo a ocupação
Ocupação QTD %
Do Lar 03 25,00
Estudante 04 33,33
Estudante e Menor aprendiz 01 8,33
Enfermeira 01 8,33
Agente comunitário 01 8,33
Ajudante de Serviços Gerais 01 8,33
Estoquista 01 8,33
Total 12 100%
Fonte: Autores, 2023.

Buscou-se também conhecer a localidade da cidade em que os entrevistados residiam


e qual o meio de transporte que utilizaram para o deslocamento até o Horto Florestal no dia da
entrevista (Gráfico 1).

Gráfico 1 - Perfil dos Entrevistados incluindo bairro de residência e meio de deslocamento até o Horto Florestal

Fonte: Autores, 2023.

É notória uma busca de pessoas advindas de localidades distantes do Horto, o que leva
a crer - de acordo com o universo entrevistado - que a utilização de pessoas moradoras do
entorno do parque é bastante pequena. Além disso, para vencer essas grandes distâncias, as
entrevistas apontaram o carro como o meio de transporte mais utilizado.
Assim como já discutido na etapa de referências bibliográficas sobre os parques, o
Horto Florestal também proporciona a socialização das pessoas em diferentes dias da semana,
quer seja para praticar atividades físicas ou para contemplação, passeio e lazer. Conforme
apontado por Macedo (1995), a apropriação dos espaços pelo usuário está intrinsecamente
ligada à sua qualidade e sua duração ao longo do tempo. Assim, quanto mais intensamente e
com mais qualidade um espaço possa ser apropriado maior será sua aceitação social e por mais
tempo permanecerá na identidade morfológica da cidade. No entanto, como se pode observar
no Gráfico 2, é possível verificar que a frequência de utilização dos entrevistados não apresenta
uma periodicidade efetiva.

575
Gráfico 2 - Perfil dos Entrevistados incluindo a frequência ao Parque

Fonte: Autores, 2023.

Apesar disso, buscou-se compreender quais as estruturas mais utilizadas e os


sentimentos e significados que Parque Florestal Antônio de Albuquerque traz para a vida das
pessoas que o frequentam (Quadro 3).

Quadro 03 - Perfil dos Entrevistados em relação à estrutura mais utilizada e ao significado/sentimento em relação
ao Horto Florestal
Estrutura que mais utiliza no Horto Florestal Significado/sentimento pelo parque
Pista de Caminhada “É bom, mas poderia melhorar”
Playground “Trocaria pelo Parque das Nações Indígenas”
Biblioteca “Momento de paz com a família”
Academia ao ar livre “União, sossego”
Parlatório “Gosto do balanço e do castelo”
Parque em geral “Abandonado”
Locais para sentar “Liberdade”
“Diversão”
“Conectada com a natureza”
“Espaço para descanso”
“Calmo, remete a natureza”
Fonte: Autores, 2022.

Os respondentes apresentam visões distintas uns dos outros, porém a maioria


considera um local favorável ao descanso, à proximidade com a natureza e certo refúgio para a
família. Apesar disso, os entrevistados também tiveram a oportunidade de apontar - em termos
de infraestrutura - quais os problemas visualizam seguido das sugestões de melhoria (Quadro
4).

576
Quadro 4 - Perfil dos Entrevistados frente aos problemas do Parque
Quais os Principais Problemas Sugestões para a melhoria do Parque
Falta de banheiro adequado Arrumar os brinquedos e colocar areia no playground
Falta de estacionamento Limpar o chafariz (que está desativado)
Falta de segurança Refazer a pintura
Chafariz desativado Melhorar o paisagismo
Orquidário abandonado Oferecer atrações para crianças e famílias em geral
Falta de limpeza/manutenção em geral Limpar os banheiros
Lanchonete desativada Oferecer atividades voltadas à comunidade,
semelhante ao que se oferece no Belmar (Ex.: Yoga)
Playground com brinquedos quebrados Melhorar a segurança geral do Parque
Não olhar somente para os outros parques da cidade,
mas também para o Horto que precisa de manutenção Oferecer estacionamento
Falta de irrigação adequada Melhorar a manutenção geral do Parque
Fonte: Autores, 2023.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os parques urbanos representam os espaços verdes essenciais no contexto do


crescimento e desenvolvimento econômico e urbano das cidades, já que através deles é possível
proporcionar à comunidade um espaço destinado ao lazer, em contato com a natureza no qual
as pessoas possam estar totalmente integradas. Além disso, contribuem para o fomento de
cidades mais sustentáveis, saudáveis, seguras, justas e inclusivas, de acordo com os objetivos da
Nova Agenda Urbana.
Ao verificar o contexto histórico e territorial do Parque Florestal Antônio de
Albuquerque (Horto Florestal), observou-se que os objetivos iniciais do espaço estavam muito
ligados à necessidade de se criar um local que fosse voltado a diferentes fins, como o fomento
à educação ambiental, o turismo, à recreação e à proximidade do indivíduo com a natureza. No
entanto, ao promover uma análise dos aspectos físicos do parque, foi possível averiguar a falta
de manutenção nas instalações existentes, o que tende a culminar na insegurança, no
desconforto e, consequentemente na subutilização do espaço pela população.
Verificou-se, a partir da captação da percepção ambiental dos entrevistados, um
sentimento de pertencimento favorável frente ao Horto quando este é relacionado à
importância de haver um parque urbano que contribua para a qualidade de vida e a interação
social. Por outro lado, do ponto de vista prático, os entrevistados apontaram muitos problemas
na infraestrutura e nos equipamentos disponibilizados para a comunidade, os quais podem
acarretar em possíveis acidentes e a inutilização de determinadas estruturas para a prática das
mais diversas atividades.
Por isso, uma das soluções que podem ser encontradas para diminuir tais problemas
é pensar esses locais sob diferentes óticas a ponto de promover parcerias duradouras que
contribuam de forma conjunta para a manutenção constante. O poder público deve estar aliado
com o setor privado, com as universidades e, ambos, com a sociedade civil em prol da
construção de mecanismos para a construção conjunta de soluções para esse local. Dessa forma,
o espaço passará a gerar vitalidade urbana e contribuir claramente para alcançar o almejado
desenvolvimento sustentável.

577
8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE (MMA): Parques e Áreas Verdes. Disponível em:
http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areas-verdes-urbanas/parques-e-areas-verdes. Acesso em: 28 de
março de 2022.

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digitalizar-acervo. Acesso em 01 de setembro de 2022.

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administraciones locales. CGLU, outubro de 2016.

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Uberlândia - Uberlândia, nov. 2003.

MIDIAMAX, 2022. Abandonado, Horto Florestal de Campo Grande ainda não tem data para receber revitalização.
Disponível em: https://midiamax.uol.com.br/cotidiano/2022/abandonado-horto-florestal-de-campo-grande-ainda-
nao-tem-data-para-receber-revitalizacao/. Acesso em: 01 de setembro de 2022.

NASCIMENTO, Alana Cury. Parque Urbano entre Fluxos: o elo entre os bairros avulsos e o centro da cidade. 2018.
Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo). Centro Universitário do Sul de Minas –
UNIS. Varginha, 2018.

ONU-HABITAT. Global Public Space Toolkit: from Global Principles to Local Policies and Practice. United Nations
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Campo Grande. 28ª Ed. Rev. Campo Grande, 2021.

AGÊNCIA MUNICIPAL DE MEIO AMBIENTE E PLANEJAMENTO URBANO (PLANURB). 2021. Parques Municipais.
Disponível em: http://www.campogrande.ms.gov.br/semadur/canais/parques-municipais/tab-1-2. Acesso em 12
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SECRETARIA MUNICIPAL DE INFRAESTRUTURA E SERVIÇOS PÚBLICOS (SISEP). Projeto Arquitetônico do Horto


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WEINGARTNER, G. A Construção de um Sistema: Os Espaços Livre Públicos de Recreação e Conservação em


Campo Grande/MS. 2008. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo – USP. São Paulo, 2008.

578
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

PARTICIPAÇÃO POPULAR E PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL:


O CASO DO THEATRO MUNICIPAL DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA – SP.

POPULAR PARTICIPATION AND PRESERVATION: THE CASE OF THE MUNICIPAL THEATER


OF SÃO JOÃO DA BOA VISTA – SP.

Luis Pedro Dragão Jeronimo


Doutorando em História Social, FFLCH-USP, Brasil
luis.jeronimo@alumni.usp.br
luis.jeronimo@usp.br

579
RESUMO
O Theatro Municipal de São João da Boa Vista-SP, um dos maiores palcos culturais da região na atualidade, se viu, no
início da década de 1980, ameaçado de demolição; foi nesse momento que surgiu um movimento popular contrário
ao seu desaparecimento e visando sua proteção. Este artigo visa trazer à luz as discussões e examinar as ações
individuais e coletivas de membros da comunidade que, ao pressionarem o poder público, conseguiram preservar
não apenas um edifício, mas parte de suas histórias, memórias e identidades. Para tanto, foram analisados, à luz de
trabalhos de autores consagrados que trataram do tema da preservação de bens culturais, as crônicas e notícias
publicadas na imprensa local sobre o processo, conjuntamente aos documentos oficiais que possibilitaram o
tombamento do edifício pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico do Estado de São Paulo). Com as análises realizadas, tornou-se evidente que somente com a participação
popular, as políticas de preservação, dever do Estado e amplamente necessárias para o exercício ativo da cidadania,
encontrarão sucesso e cumprirão com sua missão. Neste artigo, portanto, se consolida a visão de que a política
patrimonial não existe sem povo; ela deve ser feita com, para e pelos usuários, e é somente a partir da participação
deles na formulação dessas políticas o que garante a salvaguarda dos bens culturais e a sua permanência para as
futuras gerações.

PALAVRAS-CHAVE: Teatro. Preservação. Participação popular.

ABSTRACT
The Municipal Theater of São João da Boa Vista-SP, one of the largest cultural stages in the region today, was
threatened with demolition in the early 1980s; It was at that moment that a popular movement emerged against his
disappearance and seeking his protection. This article aims to bring to light the discussions and examine the individual
and collective actions of community members who, by putting pressure on public authorities, managed to preserve
not just a building, but part of their histories, memories and identities. To this end, in the light of works by renowned
authors who dealt with the topic of preserving cultural assets, the chronicles and news published in the local press
about the process were analyzed, together with the official documents that made it possible for the building to be
listed by CONDEPHAAT (Council of Defense of the Historical, Archaeological, Artistic and Tourist Heritage of the State
of São Paulo). With the analyzes carried out, it became evident that only with popular participation, preservation
policies, a duty of the State and largely necessary for the active exercise of citizenship, will be successful and fulfill
their mission. This article, therefore, consolidates the view that heritage policy does not exist without people; it must
be done with, for and by users, and it is only through their participation in the formulation of these policies that
guarantees the safeguarding of cultural assets and their permanence for future generations.

KEYWORDS: Theater. Preservation. Popular participation.

580
1. À guisa de introdução: os múltiplos usos de um edifício teatral (1914-1982).

O Theatro Municipal de São João da Boa Vista, inaugurado em outubro de 1914, fez
parte de um conjunto de melhoramentos urbanos construídos entre finais do século XIX e início
do século XX na cidade recém-enriquecida pelo cultivo do café. Construído no lugar mais nobre
da urbe, atrás da Igreja Matriz e ao lado da Praça Cel. Joaquim José, aquela construção eclética
era considerada um monumento, símbolo máximo dos valores civilizacionais e da modernidade
em São João da Boa Vista.
Nos seus primeiros quinze anos de funcionamento, foi lugar de apresentações cênicas e
musicais, mas principalmente de exibição de filmes mudos. Passados esses primeiros anos
marcados por sucessos de bilheteria e casa lotada, com a Crise de 1929, o Theatro Municipal
também entrou em crise. Já em 1929, na tentativa de viabilização financeira do espaço, foram
montados espetáculos de grupos amadores locais, tendo também o cinema ganhado mais
espaço em sua programação. Nesse momento, também passaria a funcionar em seu interior um
rinque de patinação e servindo, até meados dos anos de 1930, como salão de bailes para festas
populares. Em 1937, o Theatro Municipal foi adquirido pelo Dr. Joaquim José de Oliveira Neto,
sendo rebatizado como CineTeatro. Ainda em dificuldades financeiras, fecharia pouco tempo
depois e reabriria apenas em 1945, continuando a funcionar como cinema e raramente
recebendo apresentações de palco.
As salas anexas do edifício, que eram alugadas pelo proprietário, também tiveram um
uso bastante variado ao longo dos anos. No andar superior funcionaria a Sociedade Cultura
Artística, fundada em 1930 e substituída pela Sociedade Cultural de Debates, fundada em 1951.
O espaço do antigo bar do andar superior do CineTeatro ainda seria utilizado como sede do
Teatro-Escola, em 1950, e como sede da Rádio Difusora ZYJ-6, entre os anos de 1958 e 1963
(MENEZES, 2014, p. 111). Depois, cederia espaço para o funcionamento da Biblioteca Municipal
Jaçanã Altair, ficando nesse local até o início dos anos de 1980. Ainda no aspecto dos usos
variados, as dependências anexas do CineTeatro não seriam utilizadas apenas para atividades
culturais e de entretenimento: o BarTeatro funcionaria no térreo do edifício desde a sua
inauguração até os anos 1980; na década de 1960, uma das salas do andar superior abrigaria
um laboratório de próteses dentárias e depois, na década de 1970, o escritório da
Transportadora Sertaneja do Dr. Joaquim José de Oliveira Neto, proprietário do edifício.
Frente à concorrência dos cinemas Cine Avenida (inaugurado em 1944) e Cine Ouro
Branco (inaugurado em 1970), o antigo CineTeatro, em seus momentos finais, amargaria
prejuízos com exibições de filmes adultos e de comédias pastelão, além de sessões de exibição
de antigas séries de Far West, voltadas a uma faixa de público mais popular e de menor poder
aquisitivo. Somadas as más condições de manutenção do edifício e a programação sem
atrativos, o CineTeatro foi sendo obliterado como lugar de entretenimento da cidade. Em
meados dos anos de 1970, o lugar passaria a ser conhecido popularmente como “pulgueiro”;
frequentá-lo não era mais interessante, e até mesmo passava a ser desencorajado por uma
sociedade que desconfiava daquela quase-ruína bem no centro de sua cidade. As operações
comerciais do CineTeatro ainda se estenderiam até o ano de 1982, quando fechou suas portas
definitivamente. Sem uso, aquele espaço parecia destinado ao desaparecimento.
Lugar que já tinha sido Biblioteca, rádio, clube literário, cinema, teatro. Múltiplos usos
de um espaço rico de memória, ameaçados pela especulação imobiliária. Parte da história
cultural sanjoanense, então, seria perdida se, durante meados da década de 1980, parte da

581
população sanjoanense não se mobilizasse e buscasse, junto ao poder público, a preservação
daquele edifício.

Fotografia 1 – A deterioração física do edifício do CineTeatro - fachada (c. 1980).

Fonte: Menezes (2014).

Este trabalho buscará apresentar como se deram as discussões e as ações populares a


partir do ano de 1981, para que fosse viabilizada a permanência do Theatro Municipal de São
João da Boa Vista no tecido urbano, sendo hoje o principal palco da região e um dos mais
importantes teatros do interior paulista.

2. Objetivos.

Tivemos como objetivo geral a análise das discussões sobre a preservação do edifício do
Theatro Municipal de São João da Boa Vista na década de 1980. Por objetivo específico,
buscamos evidenciar a participação popular naquelas discussões, e sua importância para
viabilizar qualquer ação de preservação, visando indicar, utilizando um caso específico, que o
envolvimento da comunidade, que potencialmente fará uso do bem, nas políticas patrimoniais
é causa necessária para que essas mesmas políticas obtenham sucesso.

3. Metodologia.

Buscamos constituir a base teórica do artigo a partir da leitura de trabalhos de autores


consagrados no campo da preservação patrimonial, utilizando de palavras-chave como
“patrimônio”, “preservação”, “tombamento”. Já a documentação analisada foi buscada nos
arquivos pertencentes à Associação dos Amigos do Theatro Municipal de São João da Boa Vista
– AMITE, e se tratam de recortes de jornais reunidos pela equipe de restauro do edifício de
crônicas e notícias veiculadas na imprensa local sanjoanense, que retrataram as campanhas de
sensibilização, as discussões sobre o tema dentro da sociedade e as reverberações dos atos do
poder público referentes ao processo. Também buscamos os documentos oficiais, no caso o
processo de tombamento gentilmente cedido pela equipe do CONDEPHAAT - Conselho de
Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo. Com
uma abordagem qualitativa, desenvolvemos uma pesquisa de caráter exploratório, em que se

582
analisou as notícias publicadas, o próprio processo de tombamento, estabelecendo diálogo com
a bibliografia levantada.

4. Resultados: Teatro-patrimônio, construção coletiva.

A mobilização popular pela preservação do edifício do antigo Theatro Municipal seria


impulsionada por notícias que circularam após o seu fechamento e que indicavam a intenção do
proprietário em demoli-lo, ainda que o imóvel em questão tivesse sido declarado de utilidade
pública, em 1981, pelo então prefeito Nelson Nicolau. Esses rumores desempenharam um papel
catalisador para o início das ações de preservação daquele edifício, sendo notório o anúncio que
o ator Ronaldo Marin, um dos precursores do movimento, fez sobre permanecer em greve de
fome e se acorrentar ao telhado do edifício, caso não se garantisse a sua permanência. Zeza
Freitas, esposa do artista, explicaria, numa entrevista, a iniciativa:

Quando [Ronaldo Marin] chegou a São João, logo retornou para o Grupo de Teatro e
Dança e, quando descobriu que o teatro ia ser vendido e demolido, ficou maluco (...)
o Ronaldo, com cabeça europeia, espírito jovem e destemido, encabeçou um
movimento para não deixar isso acontecer... junto com outros jovens, colheu milhares
de assinaturas de porta em porta, fizemos happening em frente ao Theatro... e não
vendo resultado, deu uma entrevista para o jornal da cidade, falando que, se não
tomassem uma decisão ele iria se amarrar no topo do prédio e fazer greve de fome
até decidirem não demolirem o prédio e pedirem seu tombamento. Chamou a
atenção da mídia, o SBT divulgou no jornal televisivo e as coisas começaram a mudar.
(MENEZES, 2014, p. 117)

A declaração de Zeza Freitas é especialmente interessante, uma vez que a partir dela
podemos estabelecer uma relação entre o surgimento da ideia de preservação do teatro e as
discussões sobre o patrimônio ocorridas na Europa: naquela época, essas discussões estavam,
no continente europeu, na ordem do dia, a ponto de se escolher o ano de 1980 como Ano do
Patrimônio na França (NORA, 2008, p. 31). Assim, podemos indicar que as ações de um artista
local visando a preservação do imóvel (até então sem valor algum atribuído pela comunidade)
em São João da Boa Vista foram inspiradas num movimento mais amplo, com raízes na Europa,
de proteção de bens culturais mediante ações envolvendo governos e comunidades; a partir
desse novo pensamento, haveria uma mudança na visão do sanjoanense em relação ao direito
de um proprietário em agir sobre o seu imóvel sem as preocupações referentes à preservação
do mesmo, quando assim conviesse à comunidade.
E diante da situação inusitada de ameaça de greve de fome por um imóvel em quase-
ruína, e da repercussão nos jornais sobre as ações, o prefeito, Sidney Estanislau Beraldo,
prometeu manter e reabilitar o edifício. A partir dessa promessa e visando pressionar mais
fortemente o poder público, Ronaldo Marin e Zeza Freitas protagonizaram, ainda em 1983, a
coleta de assinaturas em abaixo-assinados que declaravam apoio à iniciativa do poder público
em proteger o antigo Theatro Municipal. Esses abaixo-assinados conseguiram reunir 1.026
assinaturas, um número bastante expressivo numa sociedade que estava ainda se habituando,
nos estertores da ditadura militar, às ações populares sem o cerceamento do poder público, que
ocorria desde 1964.
Nesse aspecto, vemos que a participação popular em São João da Boa Vista para se
salvar o edifício teatral não se relacionava apenas às discussões europeias sobre o patrimônio,

583
mas também a um quadro de mobilização popular num contexto político de redemocratização
do país, e que possibilitava o debate sobre o patrimônio e, em certa medida, a conquista da
cidadania pelo povo brasileiro (SILVA E OLIVEIRA, p. 72). Assim, pode-se considerar que as
mobilizações para a preservação e o posterior restauro do edifício fizeram parte de um
movimento muito mais amplo em que o povo se livrava da tutela opressora do Estado e passava
a assumir o papel de protagonista de suas histórias, se transformando em parte fundamental no
processo de preservação dos seus bens culturais, elegendo-os, fazendo pressão nos governantes
e buscando formas de serem ouvidas pelos poderes constituídos.
E sobre os signatários daqueles abaixo-assinados, é interessante perceber a
heterogeneidade das ocupações dos mesmos, que vão desde dona de casa a industrial,
passando por doméstica, ator, estudante; a variedade de ocupações e de classes sociais demarca
bem a existência, neste caso específico, de um desejo francamente difuso pela preservação do
espaço. Essa característica popular das mobilizações foi muito importante e contribuiu
imensamente para o sucesso das iniciativas que culminaram no seu tombamento, anos depois;
isso porque é somente com a ampla mobilização da sociedade que se confere legitimidade às
políticas de preservação e, quanto mais democrática for tal participação, maior a eficácia
daquelas políticas (FALCÃO, 1984, p. 36/37).
Ao mesmo tempo em que se viu uma espontânea reação, a partir dos abaixo-assinados,
de cidadãos favoráveis à causa da preservação, também houve manifestações contrárias. Elas
tiveram eco na imprensa local a partir de um cronista que assinava pelas iniciais JPC; nelas, o
cronista protestava contra o que ele chamava de um movimento não para tombar e proteger o
velho teatro, mas para tomar um bem de um particular, encabeçado por pessoas que ele mesmo
julgava como sendo mentirosos e sonhadores.
Nas crônicas, então, acusava-se o movimento preservacionista de desejar retirar do
proprietário o seu direito de usufruir do bem, tomá-lo à força, a partir de um conluio visando
impedi-lo de exercer o seu direito à propriedade. Além disso, chamava a atenção do leitor para
a dificuldade econômica do município e a falta de recursos disponíveis para serem empregados
numa eventual obra de recuperação do edifício. Para desacreditar o grupo que pedia à
Prefeitura Municipal a compra e restauro do edifício, o cronista até mesmo criou uma frase de
efeito, “é feio tomar o alheio”, e buscou demonstrar a necessidade de outras obras, segundo
suas palavras, de real utilidade a serem feitas pela Prefeitura Municipal, marcando forte posição
contrária ao emprego de recursos públicos na recuperação de um imóvel particular.
Nessas crônicas podemos ver argumentos encontrados até hoje em situações onde os
tombamentos opõem os interesses coletivos, de uma comunidade buscando a preservação de
seus valores, aos interesses privados, de indivíduos temerosos de serem prejudicados
financeiramente. Dois desses argumentos são a falta de verbas para a compra/recuperação do
edifício e a existência de gastos ditos “mais importantes” a serem realizados que aqueles: é
sempre importante considerarmos que ainda que haja (e sempre há) a necessidade de
investimentos em outras áreas, o poder público não pode se furtar da sua obrigação de
empregar recursos para a preservação do patrimônio cultural local; isso porque sem o apoio
financeiro, as já patentes dificuldades de se manter um bem cultural preservado se
multiplicariam e a possível destruição daquele bem impactaria diretamente as identidades da
comunidade, em seus processos de elaboração e em suas variadas manifestações de
diversidade, já que essas identidades não prescindem do seu passado preservado (FERREIRA E
DOMANSKI, 2012, p. 41).

584
Outro argumento é o que coloca o ato de tombamento de um bem imóvel privado como
“tomamento do alheio”, para usarmos a expressão do cronista JPC, pelos cidadãos engajados
nas ações de preservação: a incompreensão por parte de alguns proprietários sobre o valor para
a comunidade de bens culturais edificados, aliado ao desconhecimento do instrumento legal do
tombamento e dos temores relativos à limitação do direito sobre um bem próprio, o que de fato
não ocorre, faz surgir em alguns deles um profundo rechaço ao aludido instrumento de
preservação; por essa razão, é necessário não apenas a sensibilização dos possíveis usuários em
relação à importância de se salvaguardar seus bens culturais, mas também sensibilizar os
proprietários, caso se trate de imóvel particular, para os seus papeis como atores
imprescindíveis no processo de preservação.
Aquelas crônicas contrárias ao tombamento ainda têm um lado muito interessante
dentro desse quadro de mobilização popular em torno do futuro do edifício: elas mostram que
mesmo que tenha havido uma importante mobilização da sociedade pró-preservação, a ideia
de manter o edifício de pé nunca foi unanimidade, e o fato de hoje termos um edifício teatral
preservado se deu a partir de discussões sobre a manutenção daquele espaço. Como falamos
anteriormente, tais discussões sobre a preservação se deram num momento em que o país se
via atingido por uma onda democrática, que aceitava e encorajava a discussão e a exposição de
opiniões que não faziam obrigatoriamente parte de uma corrente majoritária – aqui, no caso, a
da preservação do edifício. Essa não-unanimidade, ocultada em várias outras publicações sobre
a história do Theatro Municipal, portanto, foi uma característica do processo de preservação do
edifício e pode também ser relacionada com a liberdade de expressão que caracterizaria o
período e a contemplação das vozes minoritárias, ainda que os argumentos apresentados
contrários à preservação fossem frágeis. Assim, como aqui pretendemos demonstrar que a
transmutação da sua condição de pulgueiro para a de patrimônio cultural foi um processo que
desde o início foi marcado pelo envolvimento amplo da comunidade, nada mais correto que
trazer à luz as opiniões contrárias, praticamente excluídas da historiografia.
E é interessante apontar que ainda que o desejo de preservação do edifício não fosse
unânime, observamos o estabelecimento cada vez mais consistente de um significado positivo
atribuído àquela construção e de uma sensibilização crescente da população sanjoanense
quanto à importância da preservação da mesma. Isto era salientado nas crônicas dos periódicos
locais a partir do uso das glórias do passado e do potencial uso futuro do edifício, aliado a uma
ideia de pertencimento coletivo do bem a partir do uso do pronome “nosso”, incontáveis vezes.
Assim, aos poucos, o outrora velho teatro com alcunha de “pulgueiro” foi se transformando pelo
povo em “patrimônio cultural”.
A pressão realizada pela ameaça de greve de fome e pelos abaixo-assinados não
resultou, obviamente, no início imediato do processo de tombamento do edifício, como queriam
os artistas envolvidos nas ações. Porém, impactou suficientemente o poder público local a ponto
de o prefeito Beraldo adquirir o edifício, por compra, do Dr. Oliveira Neto, cerca de dois anos
depois do início das discussões. Esta compra, que visava resolver o impasse do tombamento de
um edifício particular, se deu incomumente em duas partes: em janeiro de 1984 foi adquirida a
metade do edifício que compreendia o foyer, plateia e parte da frente do palco, ficando ainda o
fundo do palco, camarins e terreno do fundo para o antigo proprietário.
Essa ação do poder público dividiu a imprensa. Alguns cronistas adotaram um tom
sóbrio, narrando a breve cerimônia de compra de parte do edifício do antigo Theatro Municipal
pela Prefeitura Municipal e fazendo votos para o sucesso da iniciativa de recuperar aquele

585
edifício; também parabenizava o governo do prefeito por cumprir uma das promessas de
campanha, que era justamente a compra do edifício pela municipalidade. Já outros cronistas
usaram a notícia da compra para mais uma vez atacar alguns dos cidadãos que se mobilizaram
para evitar a demolição do edifício, ironizando a vitoriosa campanha de compra do imóvel e o
gasto público envolvido, porém admitiu ter sido melhor a compra em vez do “tomamento” do
edifício.
No mesmo mês da compra da primeira parte, num inédito episódio de consulta popular,
a Prefeitura Municipal disponibilizou, no foyer do edifício, urnas para que a população
depositasse sua opinião sobre o destino do imóvel. Nesta pesquisa, venceu a opção de
transformar o espaço novamente num teatro e a de restaurar o edifício o mais próximo possível
de seu aspecto original; vemos uma crescente sensibilização sobre a importância daquele
espaço enquanto referência, ampla o suficiente para mobilizar 1.026 cidadãos, em abaixo-
assinados, a darem seu apoio ao prefeito para que o mesmo cumprisse sua obrigação para com
sua cidade e incluísse a recuperação do edifício como um programa de governo, e ampla o
suficiente para que 1.651 cidadãos participassem da escolha sobre a destinação e o aspecto que
o novo espaço teria. Além disso, vemos que uma parcela da população acreditava, mesmo com
as dificuldades econômicas do período, na importância em se preservar seu passado, sua
cultura, e fazer daquele espaço um novo lugar e dar-lhe um novo uso, sem os monopólios da
elite (econômica, cultural), mas aberto a todo e qualquer cidadão, refletindo nessa escolha os
desejos mais amplos de uma comunidade ávida de espaços que atendessem a todos os seus
integrantes. Abaixo, uma das chamadas à população publicados na imprensa periódica
sanjoanense:

Jornal O Município - TEATRO MUNICIPAL. 05/05/1984


Compareça à urna do Teatro Municipal e dê sua opinião sobre a restauração do mesmo. Sua
participação é de muita importância para nossa cidade.

A partir do resultado da consulta popular para o futuro uso do edifício, o prefeito


Beraldo nomeia uma equipe que se encarregaria da restauração do imóvel. Nessa nova fase, a
população foi convidada a fornecer materiais que auxiliassem a equipe responsável pelas obras
no desenvolvimento do projeto de restauro:

AJUDE O TEATRO MUNICIPAL. 25/02/1984


Documentos, fotos, filmes, peças ou histórias a respeito do Teatro Municipal, falar com Ana Laura
pelo 23.1364.

Vamos construir juntos o nosso Teatro Municipal. 22/11/1985


A Administração Municipal Sidney Beraldo, tendo adquirido para nossa cidade o Teatro Municipal,
necessita para a execução do Projeto de Restauração que está sendo preparado por uma equipe de
especialistas, de fotos antigas do Teatro.
Você sanjoanense, nesse momento, é peça fundamental na restauração de nosso Teatro.
Se você possui ou conhece quem possui fotos antigas, dê sua valiosa contribuição nos procurando
para que possamos reproduzir ou ampliar, fazendo reviver o Teatro Municipal com suas características
originais.
Estamos aguardando você na Prefeitura Municipal.

Esses chamados apontam para a importância do cidadão na concepção do projeto de


restauro: o sanjoanense passa a ser corresponsável pela recuperação e pela revitalização do
espaço, conjuntamente à equipe de restauro, a partir da reconstituição de sua materialidade e

586
aspecto mais próximos do original, em grande parte perdida pelas sucessivas reformas. E aqui
podemos indicar que essa participação popular passava a ser reconhecida e encorajada pelo
poder público como uma forma de viabilizar os esforços para a própria preservação do edifício;
o desejo espontâneo surgido na comunidade passava, portanto, a fazer parte de políticas
públicas que buscavam a preservação do patrimônio e a participação do cidadão nas suas
formulações.
Antes mesmo da conclusão do projeto de restauro, foi percebida a impossibilidade de
qualquer obra de recuperação ou mesmo de operação do edifício pela faixa comprada em abril
de 1984 – faltava ainda todo o fundo do palco, camarins, etc. Novamente a Prefeitura entrou
em contato com o Dr. Oliveira Neto e se ofereceu para comprar a segunda parte do edifício,
compra essa concluída em maio de 1985. Com a conclusão do processo de compra total do
edifício e do início das obras, outro importante objetivo das mobilizações populares em prol da
preservação seria alcançado.
Nesse aspecto, percebemos que não bastou a compra do teatro pela Prefeitura
Municipal e o desejo de restaurá-lo; era necessária uma garantia de que aqueles esforços que
estavam sendo feitos se perenizassem no tecido urbano, tornando a conservação do edifício
teatral independente da boa vontade de mandatários e assegurado contra as crises financeiras
e a possível protelação de sua restauração em razão de outras obras assim ditas “de real
utilidade”. Para tanto, era necessário tombar o Theatro Municipal.
O tombamento pode ser resumidamente definido como um ato administrativo do poder
público, com ritos próprios, que atua em todos os níveis da esfera administrativa e intervém na
propriedade (qualquer que seja) que é interessante à coletividade, no sentido de salvaguardá-
la do desaparecimento (FARIA, 2010, p. 55/56): com isso, vemos que a proteção legal do
tombamento não influi apenas na materialidade do edifício, mas também na sua imaterialidade,
visto que essas duas dimensões são indissociáveis (TOSTES, 2008, p. 7); ao se proteger
legalmente um edifício, protegem-se igualmente os valores simbólicos que a materialidade
daquele encerra. No caso do teatro sanjoanense, então, não se tombaria o significado do edifício
para a comunidade, mas a materialidade daquela construção novamente conhecida (e utilizada)
como Theatro Municipal para que, nessa materialidade, a identidade, a memória, enfim, todos
os significados e valores que aquela construção carregava fossem salvaguardados. Além disso,
é importante lembrar que além de proteger legalmente o edifício da destruição, o tombamento
ainda proporcionaria maiores chances de concessão de recursos públicos destinados ao seu
restauro, o que seria de vital importância para o sucesso do projeto, visto que a Prefeitura
Municipal não possuía recursos suficientes para custear a totalidade daquelas obras.
O pedido de estudo de tombamento pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) foi feito em 8
de junho de 1983, antes mesmo da compra do edifício pela Prefeitura Municipal, solicitado pelo
deputado estadual Nelson Mancini Nicolau (o mesmo que declarou, em 1981, o edifício de
utilidade pública enquanto prefeito). A abertura do Processo de Tombamento se deu em 16 de
outubro de 1984, sob o número 23.125/1984. Foi unanimemente aprovado pelo Conselho em
16 de dezembro de 1985, a partir dos pareceres técnicos dos arquitetos Adauto Morais e Walter
Luiz Fragoni e da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro.
O tombamento do edifício deve ser examinado mais detidamente para se identificar o
impacto que as manifestações populares tiveram no deferimento do pedido de tombamento e
a influência desse tombamento na ressignificação do espaço.

587
O reconhecimento oficial do valor atribuído ao edifício pelos sanjoanenses se iniciou
quando o deputado estadual Nelson Nicolau enviou a carta ao colegiado do CONDEPHAAT com
o pedido de abertura do processo de tombamento. Nela, baseado no seu entender e
concordando com grande número de cidadãos, afirmava que “o referido prédio trata-se de obra
de inestimável valor histórico e cultural, de importância fundamental na vida artística da cidade”
(SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984, p. 2). Vemos aqui valores históricos e culturais
atribuídos ao edifício, além de indicar uma importância tanto utilitária quanto simbólica para a
comunidade sanjoanense.
Os pareceres dos técnicos e autoridades do CONDEPHAAT também deram destaque à
importância histórica, memorial e cultural do edifício e, também, à importância do próprio
instrumento do tombamento perante a população. O parecer da historiadora Maria Luiza Tucci
Carneiro se concentrou na raridade de exemplos arquitetônicos que evocavam períodos
pretéritos da cidade, bem como no reforço da viabilidade e necessidade do tombamento para a
salvaguarda de um espaço cultural que poderia ser utilizado pelos sanjoanenses. Segundo a
historiadora,

[O Theatro Municipal] representa hoje um dos poucos patrimônios de valor histórico-


cultural da cidade. Além disso, a cidade enfrenta atualmente uma grande falta de local
para apresentações de arte (...) a cidade de São João da Boa Vista conta com razoável
número de grupos artísticos e uma escola de música e um público bastante motivado
para as representações, o que vem comprovar a necessidade de se poder contar com
um local adequado para isso (SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984, p. 4).

O arquiteto Walter Luiz Fragoni ressaltaria o interesse da municipalidade na


recuperação do edifício e a pressão política da população1 nessa questão. Segundo o arquiteto,
no período do estudo do tombamento, havia

um clima propício por parte da comissão e na figura do próprio prefeito para o


desencadeamento da recuperação e restauro (...). Há também o aspecto político da
situação criada pela população, no sentido de reabertura do Teatro para uso de
espetáculos cênicos e atividades culturais ligadas à música, dança, etc... Um fato
delicado, repousa na ansiedade gerada pelo Tombamento, onde a questão do tempo
de apreciação pelo Conselho e a possibilidade de canalização de recursos são o
destaque da expectativa (SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984, p. 116, grifo
nosso)

O parecer final, também feito pelo arquiteto Walter Luiz Fragoni, decidiu pelo
deferimento do pedido, fortemente influenciado pelo parecer de Maria Luiza Tucci Carneiro,
onde enfatizou a importância do tombamento para a história local e estadual, além de ressaltar
o aspecto memorial da construção para a cidade:

1Sobre a pressão política das populações locais num processo de tombamento, Ana Maria Marchesan aponta que
“considerando-se a complexidade ínsita aos bens ambientais, qualquer processo de intervenção deve se integrar aos
sentimentos da população local, primeira destinatária dessa política. O poder público não detém o monopólio da
gestão, devendo compartilhá-la com a sociedade. A evolução da gestão patrimonial caminha no sentido da politização
do processo de identificação dos diversos sentidos do patrimônio cultural, ampliando o leque de protagonistas
envolvidos na questão em suas múltiplas etapas: construção, identificação, eleição, gestão, valorização etc. (...)
quanto mais participativa for uma política de preservação, maior seu êxito e sua sustentabilidade” (MARCHESAN,
2015, p. 322).

588
Levando-se em conta a importância da preservação do edifício do Theatro Municipal
de São João da Boa Vista como testemunho objeto vital da Memória da cidade, assim
como para a história do desenvolvimento cafeeiro e suas correlações no Estado de São
Paulo, onde a construção de faustosas casas de ópera é parte integrante (...)
gostaríamos de pedir o exame deste processo para a resolução de tombamento
(SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984, p. 119).

O mesmo parecer final considerava não apenas a importância material do bem, mas o
desejo da comunidade em recuperá-lo e utilizá-lo:

O tombamento torna-se assim mais fortemente justificado, quer por seu valor
intrínseco histórico e arquitetônico que por sua apropriação e significado entre os
moradores da cidade que pretendem não apenas a restauração, mas novamente
utilizá-lo para suas atividades culturais (SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984,
p. 119).

Esse tombamento significou, então, a garantia de permanência do esforço popular na


preservação da sua história, memória e identidade, além de ressaltar a importância do edifício
e contribuir para sua ressignificação, tornando-o uma construção ainda mais prestigiosa, valiosa,
importante e digna aos olhos dos seus defensores. O tombamento pelo órgão, portanto, não foi
apenas uma das garantias de permanência e de existência, mas também contribuiu para a
ressignificação do espaço; longe de operar apenas no plano material, operou no sentido da
construção e no significado dela.
Dessa forma, o tombamento não foi apenas um ato jurídico que possibilitou ao bem um
acesso às verbas e à proteção do poder público, necessárias à viabilização do espaço, mas
significou a consolidação de um esforço, primeiro individual (circunscrito a uns poucos atores e
intelectuais) e depois, coletivo, de parte da população que não aceitava a simples destruição e
desaparecimento de um lugar que fazia parte de suas vidas. Além disso, o tombamento
significou a consolidação de uma revisão (iniciada quando do fechamento do CineTeatro) mais
ampla da própria relação do cidadão para com o seu bem, visto que ele agora não mais seria um
velho e decadente cinema no centro da cidade, mas um lugar das artes, testemunha do passado
e representante das gerações sanjoanenses por mais de 7 décadas: o “pulgueiro” finalmente
deixou de existir e “ser” patrimônio cultural agora era a sua nova condição; após esse momento,
seria considerado oficialmente como uma herança que os sanjoanenses teriam a obrigação de
transmitir ao futuro.
Após o tombamento, a equipe de restauro conseguiu a destinação de verbas estaduais
e federais, além das municipais, para as obras, porém tinha-se a impressão de que não havia
progressos na situação do edifício. Muito disso se devia ao fato de que todo o perímetro do
Theatro Municipal foi cercado de tapumes, diminuindo a percepção da população em relação à
execução das obras, além de que a estrutura estava tão comprometida que sua totalidade teve
de ser refeita, obras essas necessárias, mas muito complexas e demoradas e que pareciam, por
isso mesmo, não terem um andamento satisfatório. Esses problemas de percepção visual das
obras eram agravados por problemas econômicos, já que a alta inflação do período corroía os
recursos e o tempo decorrido da aprovação das verbas à sua chegada aos cofres da prefeitura
fazia com que as mesmas fossem insuficientes para a execução dos serviços contratados.
A percepção de uma falta de progresso nas obras e a crise econômica fizeram com que
alguns críticos à recuperação do edifício retornassem. E nesse aspecto, vemos mais uma vez que

589
a ideia de restauro estava longe de ser unanimidade e que era novamente contestada,
principalmente sob a justificativa de falta de recursos, utilizando-se ainda o argumento de ser
incerto o número de cidadãos beneficiados pela obra. Novamente aqui chamamos a atenção
para o fato de que um bem cultural nunca tem uma aceitação unânime e que há sempre críticos
a ele, sendo o que o mantém de pé é justamente a quantidade de pessoas que atribuem a ele
aquele valor positivo que proporciona a sua sobrevivência e não um mero ato do poder público.
E a despeito das críticas, esparsas é bem verdade, os responsáveis deram continuidade
aos trabalhos, embora em ritmo bastante lento, com conclusões de partes importantes das
obras estruturais do edifício. Após essa fase difícil e passada mais de uma década do início do
restauro, a situação mudaria. Em janeiro de 1998 as obras ganhariam grande impulso com a
criação da Fundação Oliveira Neto (FON), que visava arrecadar recursos para a conclusão do
restauro. Formada por 70 membros no seu Conselho Consultivo, 11 membros no seu Conselho
Curador e 3 membros no seu Conselho Diretor, a FON contava com grande participação da
sociedade civil e promovia ações no sentido de incentivar o contribuinte sanjoanense, pessoa
física ou jurídica, a reverter parte de seus impostos para a recuperação do edifício através da Lei
Rouanet e da Lei de Incentivo à Cultura. Para tanto, organizava palestras com contadores para
dirimir dúvidas de potenciais contribuintes e realizava campanhas, como a “Dê para São João
parte do Leão”, que contou com show da sanjoanense Badi Assad e de Simone Sou num palco
improvisado no teatro ainda em obras, em 2000 (MENEZES, 2014, p. 171).
Paralelamente às ações promovidas pela FON, outra importante ação junto à população
foi realizada. Em 1999 surgia o movimento chamado “Vestindo a Camisa”, que se constituiu na
mobilização de estudantes sanjoanenses sob a coordenação das professoras Maria José
Moreira, Fafá Noronha e Beatriz Castilho Pinto (todas elas membros da FON), em que se
depositaram urnas para a contribuição livre de passantes das vias do centro, principalmente.
Essa iniciativa do grupo “Vestindo a Camisa” deve ser apontada como mais uma demonstração
de respeito e esforço popular em prol do restauro de um dos mais importantes bens culturais
sanjoanenses; entendemos, ainda, que a importância simbólica dessa ação extrapola em muito
o valor pecuniário das doações e indica a cristalização da ressignificação do espaço, uma vez que
ficava clara que a reabertura daquele edifício, patrimônio cultural sanjoanense, merecia os
esforços das novas gerações.
Com as verbas recebidas através dos esforços da FON e de outras captações, as obras
se concentraram na execução da parte final do restauro, como a aquisição das poltronas e
cadeiras, colocação das divisórias das frisas e camarotes e a aquisição de equipamentos de
mídia, telefonia, ar-condicionado, etc. Após duas décadas do início das discussões sobre a sua
preservação e quase 17 anos em obras, o Theatro Municipal reabriria as portas ao público em
22 de setembro de 2002, abrigando a 25ª Semana Guiomar Novaes, nomeada em homenagem
à pianista sanjoanense que tantas vezes se apresentou em seu palco.
Após o trabalho de restauro, havia ainda outro desafio, talvez maior que as próprias
obras de recuperação: a viabilização do espaço enquanto local cultural e de entretenimento
através de seu uso. Nesse aspecto, podemos apontar que o uso é um dos maiores responsáveis
pela sobrevivência de um espaço restaurado. Não o uso por si só, mas o uso adequado, deve
pautar as ações pós-restauro, para que esse bem seja reinserido na vida cotidiana da
comunidade. Tal reinserção é, pois, a maior garantia de permanência e conservação do bem, já
que a vida cultural é um elemento de contribuição para a própria permanência de vida do
patrimônio (MAGALHÃES, 1997, p. 189); sem a presença da comunidade e sem uso, o bem

590
tombado perde seu valor e, perdendo seu valor, tanto a sua função quanto o seu significado
também se perdem (ASSMANN, 2016, p. 412).
E para a viabilização de um necessário uso plural, democrático e atrativo, surgiria a
Associação dos Amigos do Theatro Municipal – AMITE. Inspirada na bem-sucedida FON, a AMITE
foi pensada como um meio da própria sociedade não apenas contribuir financeiramente com o
bem após a conclusão do restauro, mas geri-lo de forma independente do poder público. Assim,
quando a FON perdeu seu objeto, já que as obras de restauro estavam praticamente concluídas,
a AMITE entrou em seu lugar. Fundada em 28 de abril de 2003, visava a administração,
gerenciamento e manutenção do espaço; de atribuições complexas, a sobrevivência da entidade
sem fins lucrativos era garantida pela venda de ingressos ou locação do espaço para eventos e
por um grupo de sócios contribuintes (cerca de 280 em 2019). E para atender às demandas de
suas atividades, a entidade contava com um corpo administrativo próprio, eleito a cada dois
anos pelos sócios contribuintes.

Fotografia 7 – Aspecto atual do Theatro Municipal de São João da Boa Vista.

Fonte: Própria (2018).

No aspecto financeiro, além dos recursos provenientes da contribuição mensal de sócios


e do próprio aluguel do espaço para a realização de espetáculos, havia também um apoio por
parte da Prefeitura Municipal, a partir do pagamento de contas de água, energia elétrica,
manutenção de ar-condicionado, parte hidráulica e elétrica, controle de pragas e outros reparos.
Muito embora estivesse apta a receber eventuais aportes financeiros da Prefeitura Municipal e
da Câmara Municipal, a AMITE tinha estatuto próprio e independência total para administração
do espaço, criação de programas culturais, escolha do corpo administrativo e manejo de
recursos. O período de gerenciamento e administração do Theatro Municipal pela entidade foi
conhecido pelo oferecimento de variados espetáculos a praticamente todos os públicos,
contribuindo para o heterogêneo uso do edifício no seu pós-restauro.
Em última instância, podemos apontar que a AMITE teve grande importância não
apenas na questão da preservação da materialidade, mas também, sobretudo, na preservação
da imaterialidade, do valor atribuído àquele edifício e o seu significado, visto que se comportou
tanto como a guardiã da estrutura material quanto como a criadora de vínculos entre usuários
e teatro a partir de suas políticas culturais. Esse vínculo, baseado no conhecimento crítico e na

591
apropriação consciente pela comunidade do seu patrimônio, oportunizado pelas ações da
associação, foram fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desse bem,
assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania (HORTA, 1999, p. 4).
Durante sua gestão, portanto, entregou ao sanjoanense um espaço cultural democrático e
multifacetado, administrado diretamente por membros da comunidade e notório pelo
oferecimento crescente de oportunidades para que os cidadãos se identificassem com o espaço,
criassem laços com o mesmo e viabilizassem a sua sobrevivência.

5. Considerações finais
Após todo o exposto, podemos afirmar que as discussões sobre a preservação do
Theatro Municipal se iniciaram num momento da história da cidade em que a própria
comunidade sanjoanense operou um conhecimento sobre si mesma: primeiramente, conheceu
seu poder de mobilização e o impacto da opinião pública nos programas de governo e nas ações
do poder público; depois, reconheceu que a demolição dos antigos edifícios, acelerada em
meados da década de 1970 pela especulação imobiliária, configurava na perda de importantes
referenciais materiais para suas identidades e de seus lugares de memória, sendo essas perdas
irreparáveis; por fim, conheceu o desejo de legarem ao futuro um espaço cultural que fazia parte
de seu passado e presente.
Esse processo de autoconhecimento gerou um processo marcado por um esforço
coletivo que culminaria num novo e ressignificado Theatro Municipal, patrimônio cultural de
uso democrático: esse processo se iniciou no princípio da década de 1980, quando o
sanjoanense se sensibilizou com a questão da preservação, a partir de um movimento iniciado
por artistas locais, e cobrou do poder público, por meio de abaixo-assinados, as medidas
necessárias para a preservação do teatro; depois, se fortaleceu com a participação ativa da
comunidade na decisão sobre os futuros uso e aspecto material do edifício, antes do início das
obras, e, após o início das obras, com o chamamento do cidadão a fornecer documentos para a
equipe de restauro; por fim, se consolidou com o tombamento e com as entidades criadas e
apoiadas pelos cidadãos, primeiramente a Fundação Oliveira Neto e depois a AMITE –
Associação de Amigos do Theatro Municipal, visando a contribuição financeira direta com o
restauro e com a gestão e administração do seu bem cultural.
Assim, o envolvimento crescente e particular da comunidade por aquele bem coloca o
Theatro Municipal numa posição em que podemos dizer ser ele o caso paradigmático de uma
ação de preservação que teve no povo o seu principal impulsor. Não foi o prefeito, um grupo de
artistas, o órgão estadual de preservação ou a imprensa, mas sim o povo sanjoanense o
responsável pela sua sobrevivência; foi ele quem elegeu e lutou pela sua permanência no tecido
urbano, por meio de amplos movimentos envolvendo grande parte da comunidade. Do exposto
depreende-se que sem o povo, então, não haveria teatro, nem qualquer outro patrimônio
cultural, só amontoados de pedra e cal com um fim inevitável, apenas adiado por instrumentos
legais.
Dessa forma, a única forma de se preservar de fato um edifício é fazer com que o mesmo
tenha ressonância junto à comunidade, ao maior número possível de indivíduos. Aí se encontra
a necessidade de ser constantemente construído e dotado de valores: assim como a identidade
não é fixa, nem o patrimônio de uma determinada sociedade o é. Essa construção constante e
coletiva que aqui tratamos necessitará, sempre, do chamamento de novos atores em novos
grupos sociais para ter sua permanência justificada, visto que quanto mais pessoas atribuírem-

592
lhe um significado, maiores serão as suas chances de sobrevivência. Nessa materialidade
restaurada, portanto, devem se operar os significados simbólicos daquele edifício, os quais
justificaram, justificam e justificarão todos os esforços para preservá-lo, enquanto houver um
sanjoanense que faça dele uso e o utilize como suporte e referencial material de sua identidade,
memória, história.
Por fim, indicamos ainda que, além da necessidade de ser apropriado pelo maior
número de pessoas, também podemos perceber, na história da preservação do Theatro
Municipal, que a pressão popular é o único meio do povo mudar as políticas públicas, dar um
norte de ação aos governos. Isso é bem claro quando vimos que a população em geral apoiou a
aquisição e restauração do edifício teatral mesmo quando a situação econômica era catastrófica
e quando havia fortes justificativas não apenas para sua paralisação, mas para seu fim; a luta e
a coragem da comunidade sanjoanense são um exemplo, no presente, para a reconstrução e
defesa da nossa cidadania e nos ensinam que jamais se pode aceitar o desaparecimento de
suportes materiais de nossas identidades, justificados pela falta de recursos.
Isso porque o investimento em cultura, não o “gasto” em reformas, que essas ações de
restauro representam, contribuem para a emancipação do indivíduo e para uma sociedade mais
justa, com seus direitos devidamente respeitados. Não se define, pois, a pertinência da
existência de uma construção pelos seus custos de recuperação ou pelo seu valor venal, mas
pelos seus possíveis usos e pelos valores simbólicos e documentais que ela carrega e representa
para sua comunidade. Como Dvorák, já em 1916, defendia,

As obras de arte antiga devem possuir para nós uma importância muito superior
àquela determinada por seu valor material. Ainda maior, no entanto, muito maior do
que simples antiguidades, padrões estilísticos ou fontes históricas. Elas precisam ser
interpretadas e sustentadas como uma parte viva e integrada às nossas existências,
ao nosso devir, à nossa pátria, à nossa cultura nacional (...) às nossas aquisições e
prerrogativas espirituais e éticas (...)” (DVORÁK, 2008, p. 107).

6. Referências

ASSMANN, Aleida. Espaços da recordação: formas e transformações da memória cultural. Campinas: Editora da
Unicamp, 2016.

DVORÁK, Max. Catecismo da Preservação de Monumentos. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008.

FARIA, Edimur Ferreira de. O tombamento e seus reflexos. In: DIAS, Maria Thereza Fonseca; PAIVA, Carlos Magno de
Souza (Orgs.). Direito e Proteção do Patrimônio Cultural Imóvel. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 53-91.

FERREIRA, Lúcio Menezes; DOMANSKI, Andressa. Do Reino de Macbeth à Construção de Kafka: Abordagem
Arqueológica sobre Patrimônio Cultural e Diversidade. In: PAIM, Elison Antônio; GUIMARÃES, Maria de Fátima (Orgs.).
História, Memória e Patrimônio. Jundiaí: Paco Editorial, 2012, p. 31-46.

HORTA, Maria de Lurdes Parreiras; GRUNBERG, Evelina; MONTEIRO, Adriane Queiroz. Guia Básico da Educação
Patrimonial. Brasília: IPHAN; Museu Imperial, 1999.

MAGALHÃES, Aloísio. E triunfo? A questão dos bens culturais no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; Fundação
Roberto Marinho, 1997.

MARCHESAN, Ana Maria Moreira. Movimentos Sociais, Direitos Humanos e Patrimônio Cultural. In: SOARES, Inês
Virgínia Prado; CUREAU, Sandra (Orgs.). Bens culturais e Direitos Humanos. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2015,
p. 317-331.

593
MENEZES, Neusa Maria Soares de. Theatro Mvnicipal de São João da Boa Vista – 100 anos (1914-2014). São João da
Boa Vista, 2014.

FALCÃO, Joaquim Arruda. Política Cultural e Democracia: a Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
In: MICELI, Sérgio (Org.). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo: Difel - Difusão Editorial, 1984, p. 21-39.

NORA, Pierre. Entre Mémoire et Histoire, la problématique des lieux. In: NORA, Pierre (Org.). Les Lieux de Mémoire
tome I – La République, La Nation, Les France. Paris: Éditions Gallimard, 2008, p. 23-43.

SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA – CONDEPHAAT: Estudo de Tombamento do prédio conhecido como Teatro
Municipal, situado à Praça da Catedral nº 22, em São João da Boa Vista – processo 23125 /ano 1984.

SILVA, Rodrigo; OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Memória da Cidade. História e patrimônio urbano no Brasil. São
Paulo: Conceito Humanidades, 2011.

TOSTES, Vera Lúcia Bottrel. Um olhar, muitas questões. In: CARVALHO, Claudia S. Rodrigues et al. (Orgs.). Um olhar
contemporâneo sobre a preservação do patrimônio cultural material. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2008,
p. 7-9.

594
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

Patrimônio em Demolição: Agressão à História e a


Paisagem Urbana no Centro de Bauru

Heritage in Demolition: Assault on History and the Urban


Landscape in the Center of Bauru

Lucas Silva Pamio


Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP
lucas.s.pamio@unesp.br

Nilson Ghirardello
Doutor em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo. Prof.
Associado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP
nilson.ghirardello@unesp.br

595
RESUMO
A partir de uma visita ao centro histórico de Bauru, testemunhou-se a demolição de edificações em uma quadra
próxima à histórica Estação Ferroviária Noroeste do Brasil. Essas demolições, somadas a outras que ocorreram em
períodos anteriores, resultaram em um grande vazio na paisagem. Autorizada pelo poder público, essa área que já
abrigou um terminal rodoviário agora está fragmentada, expondo a fragilidade da preservação do patrimônio
arquitetônico, incluindo edificações tombadas pela municipalidade que compõem a mesma quadra. A discussão sobre
o tombamento é crucial, uma vez que, embora seja um instrumento valioso para a salvaguarda, a conscientização
histórico-cultural relacionada à preservação também é fundamental. Assim, o objetivo deste trabalho é, por meio de
uma abordagem de caracterização situacional, considerar a consciência coletiva e os aspectos legais para analisar o
processo ocorrido e apresentar discussões que evidenciam a vulnerabilidade de cidades de pequeno e médio porte.
Nestas cidades, os recursos limitados para a preservação precisam ser melhor estudados e aplicados para manter viva
a tradição arquitetônica e a herança da comunidade.

Palavras-chave: Patrimônio; Salvaguarda; Centro Histórico; Demolição.

SUMMARY
During a visit to the historic center of Bauru, we witnessed the demolition of buildings in a block close to the historic
Noroeste do Brasil Railway Station. These demolitions, added to others that occurred in previous periods, resulted in
a large void in the landscape. Authorized by the public authorities, this area that once housed a bus terminal is now
fragmented, exposing the fragility of the preservation of architectural heritage, including buildings listed by the
municipality that make up the same block. The discussion about listing is crucial, since, although it is a valuable
instrument for safeguarding, historical-cultural awareness related to preservation is also fundamental. Thus, the
objective of this work is, through a situational characterization approach, to consider collective consciousness and
legal aspects to analyze the process that occurred and present discussions that highlight the vulnerability of small and
medium-sized cities. In these cities, limited resources for preservation need to be better studied and applied to keep
the architectural tradition and community heritage alive.

Keywords: Heritage; Safeguard; Historic center; Demolition.

596
1 INTRODUÇÃO

Explorando a interseção entre memória e patrimônio, este artigo busca analisar a


alteração da paisagem no centro de Bauru, focalizando a negligência arquitetônica e urbana que
culminou na demolição de algumas edificações ociosas inseridas numa quadra com outros bens
tombados e na exposição problemática de outros elementos presentes na quadra adjacente ao
emblemático prédio da Estação Noroeste do Brasil. Essa transformação na paisagem urbana,
evidenciando um aparente desinteresse pelo patrimônio, será minuciosamente analisada.
O presente texto provém de uma andança pela região central de Bauru, mais
precisamente no núcleo ferroviário da Praça Machado de Mello. Neste contexto, a
administração municipal empreendia a demolição de edifícios pertencentes a uma quadra
constituída por hotéis dos tempos áureos da ferrovia, tudo isso ocorrendo sem alarde e
notificações públicas. Apesar das edificações demolidas não ser tombadas, encontravam-se num
conjunto que possui edificações tombadas pelo conselho municipal. Ocorreu que com a
demolição dessas edificações que possuíam valor histórico, revelou-se a condição em que as
demais se encontram, sinalizando um notável desinteresse pela sua preservação.
A discussão em torno do tombamento como uma medida infalível para assegurar a
preservação histórica ganha destaque, embora seja importante compreender que ele é apenas
um dos instrumentos disponíveis para tal finalidade. Mesmo sendo um mecanismo de
salvaguarda crucial, a preservação requer atenção constante e dedicação. A demolição das
edificações ociosas trouxe à luz uma problemática latente: que a avaliação patrimonial em Bauru
e suas fragilidades. Isso ressalta a necessidade de uma abordagem mais completa e proativa na
proteção do patrimônio, considerando tanto os aspectos legais quanto a consciência coletiva da
comunidade sobre a importância da memória local, o que para Nora (1983), a memória
representa o local onde o presente permanece eterno; enquanto a história se materializa como
uma interpretação do passado.
Sobre o processo de tombamento, que conforme é apresentado pelo próprio
CODEPAC — Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Bauru, consiste num ato
administrativo do Poder Público destinado à proteção legal de bens com valor histórico, cultural,
arquitetônico, ambiental e afetivo para a população, impedindo sua destruição ou
descaracterização. Pode ser aplicado a bens móveis e imóveis, como edifícios, obras de arte e
áreas naturais, com foco na preservação da memória coletiva. É válido ainda mencionar, que
esse ato administrativo, apesar de compartilhar sua responsabilidade de salvaguarda e
manutenção, não tem sua transferência realizada para o poder público, municipal. Ou seja, no
caso de edificações/bens materiais que não foram adquiridos pelo poder público, continuam
sendo de posse de seus proprietários, prevendo a esse proprietários um desconto no Imposto
sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), desde que esse desconto seja revertido
em manutenção predial, tal medida é uma forma de celebrar essa partilha patrimonial.
A realidade é que enfrentar dificuldades financeiras para financiar os processos de
reparo e revitalização é uma questão premente. Os planejamentos financeiros municipais e
estaduais muitas vezes definem metas que não abordam plenamente as necessidades reais das
cidades. Nisso, a redução do IPTU sob o acordo firmado de que o proprietário invista esse valor
que seria entregue ao poder público na forma de tributos, seja aplicado em adequações e na
preservação arquitetônica, um modelo implementado em São Carlos, conforme previsto no
artigo 33 da Lei Municipal n.º 13.692 de 2005.

597
A colaboração público-privada também pode representar um caminho eficaz para
contornar as limitações financeiras e garantir a proteção do patrimônio arquitetônico-cultural,
sendo viável promover maior participação do setor privado em projetos de reabilitação,
oferecendo incentivos como a possibilidade de tornar a edificação um potencial de uso voltado
a educação, a cultura, a arte, ou ainda a um serviço de formação, que seja ligado ao município,
ou ao estado.
Quando o conhecimento do setor privado sobre a importância da preservação
histórica de certas edificações ou conjuntos arquitetônicos é escasso e, ao mesmo tempo, falta
preocupação do poder público em garantir essa salvaguarda, o desejo de renovação muitas
vezes prevalece. Nesse cenário, a remoção da construção existente para dar lugar a um novo
potencial se torna uma opção atrativa. No entanto, essa abordagem pode ou não solucionar os
desafios daquela área específica. Como resultado, assistimos à demolição de patrimônio,
frequentemente sem explorar alternativas que harmonizem a tradição arquitetônica com as
necessidades contemporâneas, perpetuando assim a perda do legado cultural e histórico.
É compreensível que frente ao desejo expansivo, ou de inserção de novos elementos,
para atrair outros investimentos, haja a intenção de naturalizar a demolição como processo de
limpeza, todavia, bem como expressa Paes (2009), quanto ao duelo existente entre o interesse
público, versus o interesse privado em modernizar e trazer outras possibilidades de uso, que
não envolvam a preservação, mantendo identidade e valores históricos e culturais, é preciso
acreditar no potencial local, investindo em melhorias que possibilitem uma leitura uniforme da
área, apesar de ser algo complexo, uma vez que a preservação patrimonial tende a restringir
alterações tanto em sua forma quanto em sua função.
Quando se apresenta a importância em se manter a paisagem urbana tida como
histórica, o mais uniforme e preservada possível, compreende-se que uma série de intempéries
e ações humanas podem e em alguns momentos, vão modificar sua estrutura e sua leitura, mas
ainda assim é necessário intervir e garantir uma compreensão única, ainda que essa paisagem
seja um “lugar onde se sobrepõem, de maneira singular e complexa, várias perspectivas e
diversos símbolos culturais”. (GANDY, 2004, p. 85).
Tornar ou considerar algo patrimônio local, engloba diversas ações, dentre elas, atos
políticos, reivindicações sociais, apelo cultural, necessidade de referência, ou até mesmo
exposição técnico-visual. Logo a conversação e preservação deve ter mantida e somente
permitir a ruína, junto ao esquecimento em casos de dano irreparável, porém, ainda assim é
interessante buscar soluções que ao menos permitam preservar a memória daquele lugar, uma
vez que, para Berdoulay (2007), os lugares de memória são caracterizados por dimensões
espaciais, construídas por meio de imagens e narrativas entrelaçadas.
Quando a prática e o cultivo da memória local são negligenciados, inicia-se
silenciosamente um processo de decadência, que pode se manifestar tanto fisicamente quanto
em termos metafóricos. A ausência de atenção, de uso ativo e do devido investimento propiciam
um cenário de deterioração gradual, levando à ruína. Esse declínio pode ser observado tanto
nas condições físicas dos lugares, que gradualmente se desgastam sem manutenção, como no
aspecto simbólico, à medida que a conexão emocional e histórica entre a comunidade e esses
locais enfraquece. Para reverter esse padrão, é essencial implementar projetos que alinhem as
características originais do patrimônio a novos usos funcionais, garantindo assim a sua
preservação e revitalização contínuas.
Compreende-se e que a ruína é resultado de um processo que combina ação humana

598
e natural, que mesmo quando não há interferência do homem, ele também é responsável por
tal decurso, uma vez que não fazer nada, também é fazer alguma coisa, analisá-la é de grande
valia para a compreensão cultural, social, política e arquitetônica, uma vez que o conjunto
fornece informações, mesmo quando encontra-se olvidado na paisagem. Para Rodrigues (2017),
as ruínas, podem ser em determinados casos as únicas manifestações tangíveis de técnicas
construtivas e conceitos arquitetônicos de um determinado período, além de também serem
“testemunhos históricos dos processos de destruição dos quais são derivados.” (RODRIGUES,
2017, p. 12).
A relação a ser construída com a avaliação de um determinado patrimônio,
caracterizando-o como uma ruína urbana, aparece como um referencial a partir de 1931, na
Carta de Atenas e anos mais tarde, é novamente confirmada, como “monumentos antigos”, na
Carta de Veneza, sendo esses dois documentos de grande relevância ao estudo do patrimônio
arquitetônico. Todavia, apesar de citado, o processo de ruína foi gradualmente sendo melhor
desmembrado, conforme apura Rodrigues (2017), ao discorrer sobre a conceituação de ruína,
predominantemente ligada a um estágio avançado de deterioração.
Das discussões acerca da interação proposta nos edifícios, edificações e monumentos
que findam numa ruína, questiona-se sobre a aplicabilidade de técnicas de resgate, restauro e
revitalização, que para Viollet-le-Duc, arquiteto francês do século XIX, considera que “Os
trabalhos de restauração empreendidos […] não somente salvaram da ruína obras de
incontestável valor, mas prestaram serviço imediato.” (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 64).
Com o avanço da ruína, observa-se um fenômeno contrário em relação à percepção
da edificação. Agora, a construção, que outrora era um marco, passa a ser considerada um
obstáculo potencial, algo que poderia representar um risco à sociedade, uma preocupação que
pode se concretizar. Em algumas situações, a edificação em declínio pode se tornar um refúgio
para grupos vulneráveis, acentuando os desafios sociais. Diante desses cenários, torna-se
provável a ocorrência de processos de demolição, seja por razões de segurança ou pela
necessidade de lidar com as complexas questões sociais e urbanas que emergem em torno
desses espaços degradados.
Ainda que hajam legislações que contribuam com a permanência de determinada
edificação, evitando sua demolição, como o Art. 17 do Decreto-lei, n.º 25 (1937), que diz que as
edificações que são objeto de tombamento estão sujeitas à proibição absoluta de serem
destruídas, demolidas ou alteradas de qualquer maneira, a menos que obtenham uma
autorização prévia e especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Por isso, é
compreensível que o processo de tombamento exista para proteger determinados bens, como
edificações, contra demolições ou descaracterizações que poderiam comprometer seu valor
histórico. No entanto, essa ação, seja voluntária ou imposta, não está isenta de consequências.
Ainda assim, em vez de depender exclusivamente de um tombamento coletivo, seria
mais proveitoso internalizar a importância da preservação histórica e da memória urbana. Nesse
cenário, o ato de tombamento se tornaria um instrumento que é, enquanto a atitude social
assumiria o papel central na conservação das edificações, com exceções apenas quando a
remoção for verdadeiramente necessária, como nos casos em que a manutenção represente
um ônus significativo em relação aos padrões locais. Essa abordagem abraça a responsabilidade
coletiva de preservar o patrimônio, evitando a necessidade excessiva de restrições formais.
A máxima na salvaguarda do patrimônio arquitetônico nas cidades, ainda mais
naquelas cujas edificações estão estritamente ligadas ao período de seu desenvolvimento social,

599
econômico e cultural, pois nela se situa a história, pela qual recobre-se as conforme apura Tuan
(1985), as experiências individuais, assim como as experiências do coletivo, indo além de
questões cronológicas. De modo que revisitar o passado, se torna um exercício para obter
sucesso no futuro, pois desse modo manter-se-á identidades, tradições e ligações com a
essência social local.

2 MEMÓRIA E PATRIMÔNIO DO CENTRO HISTÓRICO DE BAURU

Através da caminhada de inventário, percorreu-se a área que se encontra, atualmente,


em um estado de degradação e agora com um grande vazio, todavia que ainda conserva
vestígios valiosos do início do processo de formação da cidade. Esses resquícios históricos
poderiam ser revitalizados de maneira mais significativa se houvesse um genuíno interesse em
valorizar e preservar a história local. Atualmente, as poucas edificações remanescentes na
quadra em foco estão vulneráveis, uma vez que tanto o miolo da quadra quanto as construções
circundantes já não existem mais. O cenário é um lembrete impactante da necessidade urgente
de ações que protejam e restaurem esse patrimônio antes que ele se perca para sempre.
As construções demolidas, que haviam sido desapropriadas pela administração pública
municipal anterior, de fato encontravam-se em estado de degradação e como estavam
poderiam oferecer riscos devido sua condição estrutural, todavia, apesar de um intuito interno
que preza pela segurança da população, há certo descuido com a preservação, que exige um
custo a ser investido para haver sua preservação, o que pode ser comprovado a partir de
exemplares arquitetônicos que apesar de tombados pelo Conselho de Defesa do Patrimônio
Cultural — CODEPAC, aguardam por cuidados tanto no que diz respeito a construção, como
também a destinação de usos. Há a premissa de que o local desapropriado e demolido, seja
ocupado por um shopping popular, sendo este um projeto futuro, enquanto no momento,
adotou-se como “solução” o uso do espaço como um estacionamento público, conforme a figura
01.
A demolição das edificações em questão é um reflexo evidente da falta de desejo em
preservar, sugerindo uma abordagem que considerasse a manutenção desses prédios
demolidos para o território. Embora a própria ação de demolição seja compreensível até certo
ponto, a maneira como foi executada apresenta sérios riscos para a integridade das estruturas
remanescentes na quadra. Um exemplo notável é o antigo Hotel Milanese, um marco
arquitetônico em estilo eclético tombado pelo CODEPAC, que hoje exibe características
estruturais que evidenciam a falta de compromisso com o patrimônio histórico de Bauru. Essa
abordagem levanta questões pertinentes sobre a importância de balancear a modernização
urbana com a valorização e preservação do legado cultural da cidade.

600
Figura 01: O resultado do processo de demolição, servindo provisoriamente como estacionamento, ao lado de edificações
tombadas.

Fonte: Produzido pelo autor, 2023.

Juntamente com o Hotel Milanese, outros dois estabelecimentos relacionados ao


início do desenvolvimento da cidade, o Hotel Estoril e o Hotel Cariani, ocupavam a mesma
quadra que agora se encontra vazia devido às demolições. Além dessas três icônicas edificações
centenárias, outro hotel, o Hotel Imperial, também compartilha o mesmo espaço. Este último,
mais recente em termos de estilo arquitetônico e projeto, serviu à comunidade até pouco tempo
atrás, quando teve que encerrar suas atividades devido à demanda reduzida. Hoje, como
resultado de uma precaução para evitar invasões, o hotel encontra-se fechado e seus acessos
foram bloqueados com concreto. Essa medida, sob uma perspectiva semântica, pode ser
interpretada como uma tentativa por parte das autoridades municipais de construir uma
barreira em torno da história e da memória local, levantando questionamentos sobre a
preservação do patrimônio cultural em meio às mudanças urbanas.
Na contemporaneidade, observa-se uma tendência que valoriza o patrimônio somente
quando este estabelece uma ligação interativa com a comunidade a que pertence. Isso se reflete
claramente nas edificações que abrigam museus ou que são concebidas como espaços
funcionais para entidades como escolas, secretarias e prédios públicos, legislativos e executivos.
Nesse contexto, embora todas as outras construções detenham uma relevante carga histórica
que também contribui para a leitura urbana, arquitetônica e histórica da região, elas muitas
vezes ficam à mercê de especulação imobiliária, sujeitas a serem exploradas de acordo com seu
potencial econômico. Esses edifícios frequentemente enfrentam a ameaça de demolição,
cedendo espaço a projetos voltados para atividades comerciais ou áreas de estacionamento, um
cenário evidenciado no caso emblemático do centro de Bauru.
Conforme enfatizado por historiadores como Le Goff (1990), a preservação do
patrimônio histórico ganha sentido quando está vinculada à memória coletiva e individual. Isso
porque é por meio da memória que aprendemos retroativamente sobre o passado,

601
compreendendo assim as diversas interações e dinâmicas sociais das quais fazemos parte. É
compreensível que novos tempos, adote novas medidas para tentar salvaguardar patrimônios,
tombados ou não. Todavia, faz-se necessário evitar, como saída para driblar condições sociais
que permeiem a insegurança urbana, a ação de arruinar a história, a memória e a arquitetura
de outros tempos, ações de demolição.
Como forma de amostragem visual, optou-se pela demarcação da área em questão.
Essa escolha não só abrange a demarcação física da região em análise, mas também reflete os
acontecimentos recorrentes na área em geral. Embora a demolição tenha sido executada em
um contexto específico, ela poderia ser interpretada como parte de uma estratégia mais ampla,
e como tal, exige uma contenção sensata. Esse controle deve ser aplicado nos casos em que a
preservação se mostra impraticável. Mesmo nessas situações, a demolição requer uma
discussão pública aberta, garantindo que o patrimônio que possuímos, o que, para Choay (2006),
possui a dupla função de oferecer saber e prazer, seja resguardado, perpetuando assim a
memória e a identidade do território. A partir da figura 02, é possível compreender como a
quadra em questão já foi no passado, e com a figura 03, como se deu a mudança gradativa e o
grande vazio existente hoje.

Figura 02: Composição de quadra no passado, a partir de registro fotográfico de Giaxa.

Fonte: Giaxa, 1920. Modificado pelo autor, 2023.

Figura 03: Evolução da quara, bem como sua vulnerabilidade ao longo dos anos.

Fonte: Produzido pelo autor, 2023.

Na quadra 01 da Rua Batista de Carvalho, a construção de tantos hotéis numa mesma


região, se deu por estratégia, no início da formação de Bauru, quando está já existia como
cidade, mas ainda se desenvolvia, a ferrovia não atendia somente à produção, escoando-a ou
recebendo, mas também aos visitantes, migrantes e imigrantes que passavam ou vinham para

602
Bauru e região, por isso, conforme atesta Ghirardello, (2021), há o interesse de construção de
novos empreendimentos hoteleiros nessa região e até mesmo a mudança de hotéis que se
encontravam no primeiro núcleo central de Bauru, na Rua Araújo Leite, para a região da Estação
Ferroviária Noroeste do Brasil.
Dentre os hotéis que compreenderam a quadra e que hoje possuem a referência ao
serviço de hospedagem apenas como nomenclatura, a edificação do Hotel Cariani, configura-se
como um edifício que ocupa três faces externas da quadra, em estilo eclético, possui além do
piso térreo, um piso superior. Mantem sua composição arquitetônica preservada, apesar de não
haver um conhecimento concreto de sua estabilidade construtiva, conforme a figura 04. Outra
edificação que no passado também abrigou um hotel, o Estoril, no lado oposto ao Cariani,
defronte a Avenida Rodrigues Alves, tem formato prismático, em dois níveis, formado por térreo
e andar superior, abrigou um dos hotéis mais charmosos da cidade de Bauru, a edificação
centenária, também tombada pelo CODEPAC, também em estilo eclético, com balcões nas
sacadas. Outro imponente edifício, que já foi um dos hotéis de maior prestigio para a cidade e
região, o Hotel Milanese, hoje com todas as suas vistas externadas, em estilo eclético e cores
contrastantes, foi um dos hotéis que mais recebiam visitantes e imigrantes em busca de
desenvolver-se na cidade de Bauru.

Figura 04: Composição da quadra 01, com seus hotéis e demais edificações, bem como vazios que já existiam.

Fonte: Produzido pelo autor, 2023.

Além dos hotéis citados, a partir da figura 04 também é possível observar outras
edificações, uma edificação com 3 níveis (térreo, mais dois pisos superiores), sendo o piso térreo
abrigando uma loja de móveis, em funcionamento até os dias atuais, enquanto os pisos
superiores, abrigam quartos de pensão, hoje não mais em funcionamento. Além, deste, a quadra

603
abriga o Hotel Imperial, em funcionamento até recentemente, hoje encontra-se lacrado, uma
vez que em outras ocasiões era frequentemente invadido por moradores de rua e pessoas em
vulnerabilidade social. Ao lado do Hotel Milanese, pela Rua Monsenhor Claro, outra edificação
abrigou por bons anos uma loja de materiais de construção e uma loja de roupas usadas.
Defronte à Praça Machado de Mello, compondo a mesma edificação anterior, porém dividida
para abrigar outro estabelecimento, este serviu como loja de ferragens por mais de 70 anos.
Conforme analisa Ghirardello (2020), até a década de 80, quando ocorre a inauguração do
terminal rodoviário de Bauru, a rodoviária, improvisadamente, situava-se inicialmente onde
hoje localiza-se a Praça Machado de Mello e anos mais tarde, situou-se na face da quadra 01,
onde paravam carros de praça, jardineiras (ônibus da época) e veículos a passeio.
A questão patrimonial de Bauru não é um caso recente em termos de pouca eficiência
prática, bem como não é um caso isolado, nem tampouco exclusivo dessa cidade, parece haver
uma tendência que perdura quanto a negligenciar a proteção de edificações com valor histórico.
Em Bauru, desde administrações anteriores, parece haver uma atitude pouco solicita em relação
ao valor patrimonial, o que pode ser evidenciado na condição da “Casa dos Pioneiros”, uma das
primeiras edificações da cidade, localizada próximo de sua fundação, na Rua Araújo Leite. Nos
últimos anos, tem havido tentativas de revitalização desse edifício, porém num ritmo bastante
lento. Ao longo do tempo, infelizmente, perdas estruturais e alterações na fachada já ocorreram,
sublinhando a urgência de um compromisso mais sólido com a preservação do patrimônio local.
Com a exposição acima, fica evidente quão rica e importante seria haver a criação de
uma postura mais presente em defesa do patrimônio, que vai além de tombamentos e de
levantamentos históricos, mas que partam de ações práticas em reconhecer a valiosa condição
histórica e do ponto de vista da memória, que edificações arquitetônicas que individual ou em
conjunto contribuem para uma leitura cronológica do local. Neste decurso, Lefebvre (2006),
enfatiza a importância do patrimônio arquitetônico como uma parte vital do tecido urbano.
Lefebvre argumenta que as estruturas históricas não são apenas testemunhos físicos do
passado, mas também desempenham um papel crucial na formação da identidade cultural de
uma cidade. Ele advoga por uma abordagem de urbanismo que valorize a integração harmoniosa
entre o antigo e o novo, reconhecendo que a preservação do patrimônio arquitetônico contribui
para a qualidade de vida das comunidades urbanas e para a construção de uma cidade mais rica
em história e significado.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A valorização do patrimônio arquitetônico e a preservação da memória urbana


constituem um empreendimento crucial que deve ser abordado de maneira mais colaborativa
entre as três partes responsáveis pelo objeto em questão: proprietários dos bens, sejam eles
tombados ou não, o poder público e a sociedade civil. Os proprietários detêm a posse física e,
em muitos casos, a gestão dos bens históricos, com a oportunidade de desempenhar um papel
ativo na conservação e revitalização desses elementos. O poder público, por sua vez, deve
desenvolver políticas claras de incentivo à preservação e regulamentar ações que protejam
esses ativos culturais. No entanto, a sociedade civil também tem um papel crucial, agindo como
defensora do patrimônio e fomentando um senso de responsabilidade compartilhada. Ao unir
esforços e conhecimentos, essas três partes podem garantir que o patrimônio arquitetônico seja
tratado com o respeito e a atenção necessários para que a memória urbana, seja preservada de

604
maneira eficaz para as gerações presentes e futuras.
Acredita-se firmemente na viabilidade de abordar a preservação da memória local por
meio de iniciativas como oficinas e projetos culturais. Isso envolve não apenas a reutilização das
edificações, mas também a promoção de visitas e explorações históricas, com o intuito de evitar
futuras demolições que possam ser justificadas por objetivos de renovação. Contribuir para o
reconhecimento e conservação da memória arquitetônica local é fundamental para construir
um senso de identidade coletiva e uma compreensão mais profunda da história da comunidade,
evitando que elementos valiosos do passado sejam sacrificados em prol de uma suposta
modernização.
A recente demolição no centro de Bauru expõe a vulnerabilidade enfrentada por
cidades de porte médio e pequeno. Nessas localidades, frequentemente há uma escassez de
recursos direcionados de maneira eficaz, não apenas para a preservação das edificações
existentes, mas também para explorar alternativas de reutilização. Esta fragilidade ressalta a
importância de adotar uma abordagem mais cuidadosa, que considere não somente a
revitalização, mas também a preservação da tradição arquitetônica da época. Ao manter
intactas as características históricas, as cidades podem oferecer um testemunho vivo do passado
para as gerações vindouras, reforçando a identidade e a herança da comunidade de maneira
significativa.
Ao revisitar a área agora dominada por um amplo espaço vazio resultante das
demolições, surge a oportunidade de contemplar tanto o patrimônio tombado, que em teoria
representa estabilidade, quanto o contexto circundante composto por construções de épocas
distintas e elementos arquitetônicos de variados estilos. Essa reflexão lança luz sobre o
horizonte futuro do centro de Bauru sob múltiplas perspectivas: a arquitetura que irá moldar
sua estética, o território que influenciará sua configuração espacial, o patrimônio que guardará
sua memória e a identidade, e finalmente, a própria memória que ajudará a tecer o tecido
coletivo da comunidade. Esse momento de avaliação pode moldar decisões cruciais para
garantir um futuro coeso, equilibrando tradição e progresso na evolução urbana da cidade.
Testemunhar o processo de demolição enquanto se abstém de intervir diretamente
nesse desdobramento estimula a busca por ação e colaboração. Esse momento de observação
desperta um desejo intrínseco de se engajar ativamente na preservação e exploração alternativa
da área. A sensibilização para as potencialidades da reutilização do espaço impulsiona a procura
por grupos e indivíduos que compartilham o compromisso de proteger a herança arquitetônica
e promover soluções inovadoras para revitalizar e reutilizar esse pedaço de chão,
desenvolvendo assim uma visão conjunta para o futuro da região.
Através da caminhada de inventário, foi possível explorar a quadra minuciosamente,
examinando não apenas as fachadas das edificações, mas também os espaços vazios. Esse
percurso possibilita questionar os processos que levaram a mudanças, anotar as modificações
realizadas, capturar por meio de fotografias as novas realidades que emergiram e ponderar
sobre o possível desinteresse ou intenções que direcionam essas transformações em direção a
propósitos diferentes da preservação do patrimônio local.

4 REFERENCIAS

BERDOULAY, Vincent (2007) “Enjeux iconographiques dans l’aménagement des lieux de mémoire”. Cahiers de
géographie du Québec, 16 p., (Contribution à l’ouvrage prévu sur le thème “Lieux de mémoire, commemoration et
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605
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nacional e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0025.htm
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LE GOFF, J. 1924. História e memória / Jacques Le Goff; tradução Bernardo Leitão. [et al.] -- Campinas, SP Editora da
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VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kühl. Cotia: Ateliê, 2000.

606
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( x ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

Poluição Luminosa nos Espaços Urbanos

Light Pollution in Urban Spaces

Maria Cynthia de Araújo Urbano


Doutoranda, UFRJ, Brasil
maria.urbano@fau.ufrj.br

607
RESUMO
O objetivo do artigo levanta a questão dos excessos da iluminação elétrica nos espaços urbanos que deveriam ser
direcionados a uma melhor visibilidade noturna, mas causam impactos negativos gerando preocupações à saúde
humana, além de impactar no meio ambiente e sobretudo na visibilidade do céu. Os dispositivos de tecnologia Light-
Emitting Diode (LED) tornaram-se as soluções mais sustentáveis e, por isso, o seu uso é cada vez mais presente nas
intervenções de iluminação pública, no entanto, o excesso desta mesma tem efeito conhecido como poluição
luminosa. O método se aplica em uma revisão teórica e exploratória dos tipos de poluição luminosa, sendo estes
Brilho no céu, Luz intrusa e Ofuscamento e suas consequências devido ao excesso de iluminação elétrica e mal
direcionamento sobre os espaços urbanos, ocasionando impactos negativos a saúde população e qualidade do meio
ambiente. Como resultado, foram apresentados diferentes meios de minimizar o impacto da poluição luminosa com
uma melhor utilização dos dispostos LED. No entanto, se torna complexo o tema quando o poder público exagera na
iluminação elétrica pública em prol de uma melhor visibilidade noturna e em benefício à requalificação do espaço
urbano. Por fim, a iluminação pública demonstrou o uso desmedido na utilização desta tecnologia, tornando-se um
problema em relação ao excesso no mal planejamento de projeto em iluminação. Além disso, tem e requer grandes
responsabilidades para evitar a poluição luminosa e em minimizar os impactos sociais, econômicos e ambientais.

PALAVRAS-CHAVE: Iluminação elétrica. LED. Poluição Luminosa.

ABSTRACT
The objective of the article raises the issue of excess electrical lighting in urban spaces that should be aimed at better
nighttime visibility, but cause negative impacts, generating concerns for human health, in addition to impacting the
environment and especially the visibility of the sky. Light-Emitting Diode (LED) technology devices have become the
most sustainable solutions and, therefore, their use is increasingly present in public lighting interventions, however,
the excess of this technology has an effect known as light pollution. The method is applied in a theoretical and
exploratory review of the types of light pollution, these being Brightness in the sky, Intrusive light and Glare and their
consequences due to excess electrical lighting and poor direction in urban spaces, causing negative impacts on the
health of the population and quality of the environment. As a result, different ways of minimizing the impact of light
pollution were presented with better use of LED arrays. However, the issue becomes complex when public authorities
exaggerate public electric lighting in favor of better nighttime visibility and to benefit the requalification of urban
space. Finally, public lighting demonstrated the excessive use of this technology, becoming a problem in relation to
excess and poor lighting project planning. Furthermore, it has and requires great responsibilities to avoid light
pollution and to minimize social, economic and environmental impacts.

KEYWORDS: Electric Lighting. LED. Light Pollution.

608
1 INTRODUÇÃO

Em um planejamento urbano da cidade, a iluminação elétrica entra como uma


ferramenta para a melhoria da visibilidade noturna, promovendo mais confiança e segurança,
na qual estimula a população em transitar pelas edificações e outros elementos urbanos que
configuram o espaço. Com a expansão urbana, houve uma preocupação no planejamento de
iluminação elétrica em apresentar um dispositivo que tivesse uma melhor eficiência energética,
baixa manutenção, além da boa relação de custo e benefício.
O desenvolvimento dos dispositivos de Light-Emitting Diode (LED) surge como um
aprimoramento tecnológico para uma melhor visibilidade, nos quais, enfatizam os pontos fortes
das cidades, contribuindo para segurança, a mobilidade, o reconhecimento e a identidade dos
elementos urbanos, buscando, assim, uma requalificação dos mesmos. Portanto, dentro de um
planejamento em iluminação elétrica por LED, os dispositivos podem influenciar no
comportamento dos usuários, ou seja, o uso adequado da iluminação a partir do direcionamento
correto da luz, pode gerar ambientes mais iluminados e, como consequência, elevar os
parâmetros nos aspectos sociais (segurança, conforto e bem-estar), econômicos (custo, preço e
economia) e ambientais (poluição, descarte e reciclagem).
Os principais parâmetros do dispositivo LED vêm da relevância direta com os esforços
globais na redução das emissões de gás carbônico, em suma, estes dispositivos foram
apresentados como soluções sustentáveis e, por isso, o seu uso é cada vez mais presente na
iluminação pública. No entanto, as consequências do mal planejamento da iluminação elétrica
contribuíram com impactos negativos na qualidade de vida da população e do meio ambiente.
De Oliveira et al. (2014), destacam estes impactos negativos vindos de excessos na
iluminação elétrica, levando as pessoas se sentirem mais cansadas ao ver continuamente
imagens repetitivas nos espaços urbanos, tais quais os excessos de outdoors, letreiros
luminosos, prédios espelhados, quadras e estádio de futebol mal iluminados. A iluminação
incorreta deixa de iluminar áreas necessárias obrigando o indivíduo a se esforçar para ter uma
boa visão.
Diante de tantos impactos negativos causados pelos excessos de iluminação elétrica,
o efeito conhecido como poluição luminosa causa grandes perdas para o ambiente, gerando um
grande desequilíbrio no meio, além da preocupação com a saúde como mal estar, estresse,
distúrbio do sono entre outros. Araújo (2016) destaca que a iluminação pública tem causado
muitos problemas ao meio ambiente detectados por astrofísicos, ambientalistas e pela
população devido à poluição luminosa resultante deste excesso ou do uso incorreto da luz. Esse
tipo de poluição também impacta na nossa segurança, aumenta o desperdício de energia e está,
literalmente, agredindo o meio ambiente.
Neste contexto, não seria incoerente comparar os impactos vindos da poluição
atmosférica, aparentemente mais grave, com a poluição luminosa, pois ambas são
tradicionalmente símbolos de segurança, de qualidade de vida e ao mesmo tempo uma fonte
de contaminação no meio ambiente. A poluição luminosa não é conceito novo e nem há normas
técnicas, ainda um tema desconhecido e pouco discutido na literatura acadêmica, pois seu
conceito ainda está em conformidade para promover uma consciência sustentável no contexto
das cidades.

609
2 OBJETIVO

O objetivo do artigo levanta a questão dos excessos da iluminação elétrica nos espaços
urbanos que deveriam ser direcionados a uma melhor visibilidade noturna, mas causam
impactos negativos gerando preocupações à saúde humana, além de impactar no meio
ambiente e sobretudo na visibilidade do céu.

3 METODOLOGIA / MÉTODO DE ANÁLISE

O método se aplica em uma revisão teórica e exploratória dos tipos de poluição


luminosa, sendo estes Brilho no céu, Luz intrusa e Ofuscamento e suas consequências devido ao
excesso de iluminação elétrica e mal direcionamento sobre os espaços urbanos, ocasionando
impactos negativos a saúde população e qualidade do meio ambiente.
Alguns autores definem poluição luminosa como sendo qualquer efeito adverso
causado ao meio ambiente pela iluminação elétrica excessiva ou mal direcionada ou toda
iluminação elétrica que se propagada além das zonas onde ela é necessária. Em suma, Olsen et
al. (2014) sintetiza que a poluição luminosa como uma composição dos efeitos indesejados
produzidos pela iluminação elétrica inadequada.
De acordo com De Oliveira et al. (2014), há diversos tipos de poluição luminosa. Os
três principais tipos de poluição luminosa conhecidos são: Brilho no céu, Luz intrusa e
Ofuscamento. Adolpho (2018) esclarece que o Brilho no céu é o efeito produzido principalmente
pela luz direcionada para o plano do céu ao invés de ser abaixo da linha do horizonte, sendo
também influenciado pela refração, espalhamento e dispersão da luz em partículas e gotículas
suspensas na atmosfera; Luz intrusa ocorre quando a luz externa é mal direcionada, de modo
que ultrapassa o local que deveria iluminar e alcança os ambientes internos das edificações; e
Ofuscamento é a luz extra e forte que invade os olhos e ofusca a visão das pessoas, considerada
o tipo de poluição luminosa mais perigosa, pois provoca graves acidentes no trânsito impedindo
o motorista e/ou o pedestre de enxergar causando contração, às vezes dolorosa, da íris.
Os exemplos de Brilho no céu (Figura 1) podem ser facilmente identificados pelo uso
irracional da iluminação elétrica por mal projetos que direcionam a luz diretamente ao céu,
tornando ineficientes a iluminação nos espaços urbanos e dificultando a visibilidade das estrelas.
As cidades são muito iluminadas, no geral as nuvens refletem a luz que até os astrônomos
avaliam o brilho do céu para determinar a qualidade das observações que podem ser realizadas
em um determinado local.

Figura 1 – Região Sul/Sudeste exemplo de Brilho no céu

Fonte: https://codlux.blogspot.com/

610
Os astrônomos foram os primeiros a mostrar interesse nas ações voltadas ao combate
à poluição luminosa, pois, suas observações de objetos distantes só podem ser feitas com
grandes telescópios em locais livres da intensa luz das cidades. Carvalho (2018) coloca que o
pontapé inicial dado pelos astrônomos em relação a poluição luminosa do Brilho do céu
provocou, paralelamente, o surgimento de movimentos, espalhados sobre várias partes do
planeta, avaliando o estabelecimento de medidas que assegurassem a redução do consumo de
energia e combatessem a poluição luminosa como elemento de desconforto humano e agressão
ao meio ambiente.
A Luz intrusa (Figura 2), uma poluição luminosa que não só remete por meio da
iluminação pública, mas também por meio da iluminação decorativa tanto das fachadas de
edifícios quanto dos monumentos, por exemplo. Além disso, a Luz intrusa também se dá por
superfícies polidas e/ou brilhantes das fachadas dos edifícios que, durante o dia, refletem a luz
do sol e suas cores invadem os edifícios próximos e seus ambientes internos e os externos.

Figura 2 – Luz intrusa

Fonte: Almeida (2015, p. 63)

Explicado por Gargalioni (2009), a Luz intrusa é conhecida pela invasão de luz nas casas
devido às lojas, shoppings e outros locais com alta iluminação noturna e pode prejudicar a
qualidade do sono das pessoas, podendo ocasionar stress. Nas cidades, os motoristas podem
ter sua capacidade visual reduzida por alterações bruscas de ambientes claros para escuros e
vice-versa. Martau (2016) relata que a Luz Intrusa é o componente da poluição luminosa que
pode ter maior interferência nos indivíduos, caso a luz esteja incidindo em dormitórios sem a
correta vedação, pois a exposição à luz elétrica no período noturno afeta o ciclo circadiano, o
qual pode ser definido como o “relógio biológico” que controla o funcionamento do nosso
organismo, baseado em fatores como o ciclo claro-escuro do ambiente.
A exposição ao excesso da iluminação elétrica pode ser inadequada com efeitos
contrários ao desejado, em vez de trazer mais segurança ao espaço urbano pode resultar em
um ocultamento de obstáculo, devido ao ofuscamento (Figura 3). Santos (2022) enfatiza que a
luz excessiva cria contrastes elevados e reduz a visibilidade, provocando desconforto nas
pessoas ou, em casos extremos, provocando até mesmo efeitos de cegueira temporária.

611
Figura 3 – Ofuscamento

Fonte: https://www.liteleds.com.br/o-que-e-poluicao-luminosa/

Não só população, mas o meio ambiente sofre consequências da poluição luminosa. A


natureza se utiliza das únicas fontes de luz durante a noite, as estrelas e a luz refletida pela Lua,
além disso, os animais, incluindo os humanos, e as plantas tem sua evolução através da luz
natural. Portanto, é fácil imaginar que todos sofram direta ou indiretamente com aos excessos
da iluminação elétrica, pois a grande maioria dos seres vivos na natureza utiliza os ciclos de luz
e escuridão para regularem seus comportamentos reprodutivos, alimentares e/ou de segurança
em relação a predadores naturais.
Adolpho (2018), relata que todos os organismos, humanos ou não, dependem de um
período de exposição à luz e à escuridão para o correto funcionamento dos sistemas
comportamentais, reprodutivos e imunológicos. Nesse cenário, Falchi (2013) relata que tanto
animais noturnos quanto diurnos são afetados, pois os níveis de iluminação a que estão
expostos chegam a ser centenas de vezes mais intensos que o padrão natural.
De acordo com o International Dark-Sky Association (IDA) (2012), os componentes da
poluição luminosa, salienta-se que nem toda luz elétrica contribui para o fenômeno, apenas
quando inadequada, isto é, se não utilizada em locais, períodos ou intensidades necessárias.
Embora possa ser causado por qualquer fonte – luminárias, holofotes, luminosos publicitários,
faróis de veículos – medições indicam que a iluminação pública é responsável por mais de 50%
do fenômeno.
Ao considerar a poluição luminosa como o efeito nocivo, entende-se que mesmo com
soluções sustentáveis para iluminação elétrica, os dispositivos de LED emitem níveis
significativos em quantidade de luz, o que é potencialmente prejudicial à saúde humana e meio
ambiente dentro de um projeto de iluminação. Portanto, torna-se fundamental o entendimento
a ser empregado na implantação de luminárias, levando em conta as particularidades locais,
baseando-se em estratégias aplicadas com as tecnologias dos dispositivos LED.

4 RESULTADOS

Existem diferentes meios de minimizar o impacto da poluição luminosa com uma melhor
utilização dos dispostos LED. No entanto, se torna complexo o tema quando o poder público
exagera na iluminação elétrica pública em prol de uma melhor visibilidade noturna e em
benefício à requalificação do espaço urbano.

612
No mercado, qualquer modelo de luminária que tenha o dispositivo LED compõe-se de
fluxos luminosos compatíveis, propagando o mínimo de radiação luminosa em áreas nas quais
ela é necessária (Figura 4). Portanto, o primeiro meio para minimizar o impacto é utilizar
luminárias com fluxo luminoso controlado e adequado para sua funcionalidade, ou seja, que não
há um desperdício de luz onde esta não é necessária (Figura 5).

Figura 4 – Controle radiação luminosa

Fonte: Barghini e Medeiro (2006, p. 10)

Figura 5 – Brilho no céu

Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-44177666

IDA (2012) confirma que essas providências, reduzem sensivelmente a poluição


luminosa astronômica, são adequadas também para propiciar um menor impacto ambiental e
eliminam o desperdício de energia verificada todas as vezes que o fluxo luminoso não é dirigido
onde não é estritamente necessário.
O segundo meio em minimizar a poluição luminosa é a compensação da intensidade
luminosa, pois, com o aumento da eficiência das lâmpadas, a quantidade utilizada na iluminação
elétrica pública cresceu enormemente. Os fluxos luminosos da iluminação elétrica, quando
usados corretamente, representam um maior conforto visual, no entanto, n maioria dos casos,
níveis elevados de iluminação elétrica nos espaços públicos geram ofuscamento e desconforto
(Figura 6).

613
Figura 6 – Calçadão Vilas do Atlântico – Lauro de Freitas / BA

Fonte: CARVALHO et al. (2007, p. 69)

A Comissão Internacional de Iluminação (CIE) (2003) já recomendou que os


regulamentos de iluminação pública definissem níveis máximos de iluminação e publicou um
guia para limitar os efeitos obstrutivos da iluminação elétrica. A recomendação da CIE, apesar
de relativamente genérica, é orientada a assegurar um maior conforto visual e evitar um
aumento não-necessário na iluminação pública, além de recomendar o desperdício de energia
elétrica como um profundo significado ambiental.
Além disso, o regulamento não diz respeito apenas à iluminação pública, mas prescreve
potências máximas para iluminação externa também em espaços privados, e chega a proibir em
regiões obscuras, uma série de fontes de iluminação, como a de prédios, publicidades luminosas
e luzes decorativas (Figura 7).

Figura 7 – Exemplos de iluminação externa

Fonte: http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=3&Cod=1203

O terceiro meio a ser levado em conta é o espectro de irradiância 1 da fonte de


iluminação elétrica, pois, como sustentam alguns autores, a sensibilidade de outras espécies
podem ser profundamente diferente em comparação da sensibilidade humana (Figura 8). A
iluminação externa, apesar de todos os benefícios proporcionados, é também uma fonte de
desequilíbrio do ambiente, que deve ser estudada antes da realização de grandes obras.

1Espectro visível que se inicia na frequência que corresponde à luz vermelha e termina na frequência da luz violeta.
A sequência das cores no espectro visível é: vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Qualquer
radiação que possui frequência menor que a da luz vermelha é denominada de infravermelho.

614
Figura 8 – Espectro de Irradiância

Fonte: SILVA (2019, p. 48)

O conhecimento sobre os impactos dos dispositivos LED em projetos de iluminação


elétrica pública, levanta a questão de possíveis meios que minimizem consequências negativas
tais quais a poluição luminosa e seus impactos na visibilidade noturna e as agressões ao meio
ambiente. Portanto, as intervenções vindas do poder público necessitam de estudos mais
aprofundados sobre o impacto ambiental, pois, apesar de todos os benefícios proporcionados,
é também uma fonte de desequilíbrio do ambiente.

5 CONCLUSÃO

A iluminação elétrica de tecnologia LED, no contexto apresentado, teve uma breve


compreensão da sua importância como uma solução sustentável. No entanto, a iluminação
pública demonstrou o uso desmedido na utilização desta tecnologia, tornando-se um problema
em relação ao excesso no mal planejamento de projeto em iluminação. A iluminação pública é
uma das maiores consumidoras de energia, e responde pela segurança, o conforto, a
mobilidade, o reconhecimento e a identidade dos elementos urbanos da cidade. Além disso,
tem e requer grandes responsabilidades para evitar a poluição luminosa e em minimizar os
impactos sociais, econômicos e ambientais.
Os três principais tipos de poluição luminosa conhecidos são: Brilho no céu, Luz intrusa
e Ofuscamento. Dentre os impactos, os sociais são vistos como a exposição à luz artificial que se
torna um fator de risco para a saúde da população como mal estar, estresse, distúrbio do sono
entre outros; os impactos ambientais levam a mudanças na evolução dos seres vivos como
reprodução, migração e comunicações das espécies; e em relação aos impactos econômicos, o
excesso de luz tem causado a poluição do céu, dificultado o trabalho e pesquisas dos
astrônomos, gerando gastos com equipamentos e que estão ficando defasados diante da
gravidade do fato.
Portanto, a poluição luminosa se tornou prejudicial a todos, população e meio ambiente,
mas alguns estudos e pesquisas buscam soluções simples e viáveis que minimizem estes
impactos gerados. Soluções que mostrem resultados referentes às necessidades da luz na
qualidade de vida, quando iluminada de forma correta, contribuindo com o meio ambiente,
despertando interesse na redução da poluição luminosa.

615
6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO

ADOLPHO, Rachel Silveira. Pensar a cidade iluminada: a iluminação pública na área central de Porto Alegre e sua
relação com a poluição luminosa. 2018.

ALMEIDA, João Gabriel Pereira de. Poluição luminosa: o que cada um pode fazer sobre isso? Portal o Setor Elétrico,
2015.

ARAÚJO, J. L. A Poluição Luminosa, suas implicações na ciência e na sociedade. Dissertação de Mestrado. USP, 2016.

BARGHINI, Alessandro; DE MEDEIRO, Bruno. A iluminação artificial e o impacto sobre o meio ambiente. Brazilian
Journal of Environmental Sciences (RBCIAMB), 2006, 05: 4-15.

BBC NEWS BRASIL. 2018. Poluição luminosa de grandes cidades faz estrelas 'desaparecerem' do céu e pesquisas
minguarem. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-44177666 Acesso 27 jul. 2023.

CARVALHO, Ladjane Vanderlei; MARTINS, Laura; VANDERLEI, L. Onélio. Iluminação Urbana e caminhabilidade
noturna: uma discussão sobre o papel da luz artificial como elemento de acessibilidade ao espaço público. Encontro
Nacional de Ergonomia do Ambiente Contruído. Anais. Recife/PE, 2007.

CARVALHO, Ladjane Barros de, et al. Poluição Luminosa X violência urbana: o desperdício gerado pela cultura do
medo. 2016.

Comissão Internacional de Iluminação (CIE). 150:2003 - “Guide on the Limitation of the Effects of Obtrusive Light
from Outdoor Lighting Installations”.

DE OLIVEIRA, Luana Ribeiro; GOMES, Maria Helena Rodrigues. XI-002 ANÁLISE DA POLUIÇÃO LUMINOSA EM
AMBIENTE URBANO.

INTERNACIONAL DARK-SKY ASSOCIATION (IDA). Model Lighting Ordinance (MLO) with User’s Guide, [S.I], Second
Public Review, 2011.

INSTITUTO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO DE ARQUITETURA (IBDA). 2023. Poluição Luminosa. Disponível em:
http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=3&Cod=1203 Acesso 27 jul. 2023.

FALCHI, F. Bringing back the night: the fight against light pollution. The Guardian, Londres, 2013.

GARGAGLIONI, Saulo. Poluição luminosa e a necessidade de uma legislação. ComCiência, n. 112, p. 0-0, 2009.

LITELEDS. 2022. O que é poluição luminosa?. Disponível em: https://www.liteleds.com.br/o-que-e-poluicao-


luminosa/ Acesso 27 jul. 2023.

MARTAU, B.T. O conceito da luz circadiana e suas implicações na arquitetura. In: Anais da 67º Reunião Anual da SBPC,
São Paulo, 2015. Disponível em: http://www.sbpcnet.org.br/livro/67ra/PDFs/arq_3954_1900.pdf. Acesso em: 3 mar.
2016.

SANTOS, Eduardo Ribeiro dos. A iluminação pública como elemento de composição da paisagem urbana. 2005.

SILVA, Gabriel Francisco da, et al. Energias alternativas: tecnologias sustentáveis para o nordeste brasileiro. 2019.

OLSEN, R. N.; GALLAWAY, T.; MITCHELL, D. Modelling US light pollution. Journal of Environmental Planning and
Management, v. 57, n. 6, p. 883-903, 2014.

616
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

Preservação do Patrimônio e da Paisagem Cultural: uma construção


compartilhada do Plano Diretor e do Inventário em Bento Gonçalves/RS.

Heritage and Cultural Landscape Preservation: a shared construction of the Master


Plan and the Inventory in Bento Gonçalves/RS

Cristiane Bertoco
Arquiteta e Urbanista Especialista, MUSIBG, Brasil
crisbertoco.arq@gmail.com

617
RESUMO
O município de Bento Gonçalves, um dos berços da colonização européia no sul do Brasil, possui grande acervo
arquitetônico e paisagístico do processo imigratório ocorrido entre a segunda metade do século XIX até metade do
século XX. A integração de colonos camponeses, em uma terra em que somente era possível contar com os recursos
naturais e conhecimentos tradicionais, deram origem a um patrimônio cultural arquitetônico e paisagístico cujas
linguagens transitam do vernacular ao industrializado, integrados por uma paisagem vitivinícola específica. A gestão
e a preservação desse patrimônio não dá conta de ocorrer apenas com os instrumentos tradicionais, como o
tombamento, mas conta com o aporte de um Inventário que abrange todo o município, bem como um planejamento
urbano que prevê instrumentos para a sua gestão, através de zonas de preservação, avaliações de impactos e
conselhos municipais e distritais. O presente trabalho tem o objetivo de avaliar a legislação existente, através da sua
revisão documental e de resoluções do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, especialmente quanto
aos níveis de preservação dos bens inventariados e regulação das Áreas de Preservação ao patrimônio e à paisagem
cultural. Com isso, propõe-se uma abordagem para esses instrumentos através de uma interpretação do texto legal,
em comparação com intervenções aprovadas ao longo da atuação do COMPAHC e identificadas através do
diagnóstico para atualização do Inventário. O estudo aborda uma política inovadora na preservação da paisagem,
assim como problematiza os diferentes níveis de intervenções possíveis.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio Cultural. Paisagem Cultural. Planejamento Urbano.

SUMMARY
The municipality of Bento Gonçalves, one of the cradles of European colonization in southern Brazil, has a large
architectural and landscape collection from the immigration process that took place between the second half of the
19th century and the middle of the 20th century. The integration of peasant settlers, in a land where it was only
possible to rely on natural resources and traditional knowledge, gave rise to an architectural and landscape cultural
heritage whose languages transit from the vernacular to the industrialized, integrated by a specific wine landscape.
The management and preservation of this patrimony is not only possible with traditional instruments, such as tipping,
but has the contribution of an Inventory that covers the entire municipality, as well as an urban planning that provides
instruments for its management, through preservation zones, impact assessments and municipal and district councils.
The present work has the objective of evaluating the existing legislation, through its document review and resolutions
of the Municipal Council of Historical and Cultural Heritage, especially regarding the levels of preservation of
inventoried assets and regulation of Preservation Areas to the heritage and cultural landscape . With this, an approach
is proposed for these instruments through an interpretation of the legal text, in comparison with interventions
approved throughout the performance of COMPAHC and identified through the diagnosis for updating the Inventory.
The study approaches an innovative policy in the preservation of the landscape, as well as problematizes the different
levels of possible interventions.

KEYWORDS: Cultural Heritage. Cultural Landscape. Urban planning.

618
1 INTRODUÇÃO

O município de Bento Gonçalves, na encosta superior nordeste do Rio Grande do Sul,


é um dos berços da colonização italiana e polonesa no Brasil, iniciada a partir de 1870, com a
criação da Colônia Dona Isabel em terras imperiais (CAPRARA e LUCHESE, 2001). Dividida em
pequenas propriedades agrícolas familiares, a efetiva ocupação iniciou em 1875, com a chegada
de imigrantes tiroleses, vênetos e lombardos, e posteriormente de poloneses oriundos de
regiões dominadas pela Prússia. A integração de colonos de diferentes dialetos, em uma terra
em que somente era possível contar com os recursos naturais e conhecimentos tradicionais,
seguindo um planejamento racial de ocupação civilizatória e capitalista, deram origem a um
patrimônio cultural arquitetônico e paisagístico cujas linguagens transitam do vernacular ao
padronizado pela industrialização, sustentados e ornamentados por uma paisagem vitivinícola
específica desta ocupação no território.
Entretanto, a especulação imobiliária gera riscos à preservação material e imaterial
desse patrimônio, espraiando a cidade nos roteiros turísticos, por meio de loteamentos,
condomínios e resorts, além dos grandes prédios dentro da zona urbana e parte do rural. Por
esse motivo, a preservação do patrimônio cultural na região não dá conta de ocorrer apenas
através do instrumento tradicional de tombamento de bens edificados. Desde 1996, conta-se
com o inventário do patrimônio cultural edificado, que aborda as edificações e conjuntos das
imigrações, cuja preservação através de roteiros turísticos vem ocorrendo desde 1988,
principalmente através dos roteiros Caminhos de Pedra e Vale dos Vinhedos.
Aliado ao Inventário, os Planos Diretores da cidade, desde a década de 1990, têm
criado Zonas de Preservação do Patrimônio Histórico e Cultural, porém com poucas
regulamentações. A partir de 2006 o Plano Diretor passou a contar com instrumentos de
planejamento da zona rural, que incluem a preservação da paisagem, por meio de Estudos de
Impacto de Inovação e de Conselhos Distritais. Em relação ao patrimônio cultural em geral, a
gestão é realizada pelo Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural (COMPAHC),
desde 2005, a quem cabe as decisões acerca da atualização do Inventário, a análise de processos
e projetos, assim como a criação de critérios para a preservação (BERTOCO, 2014).
Por meio de estudos junto ao Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano - IPURB,
em conjunto com o COMPAHC, Conselhos Distritais de planejamento da zona rural e Grupo de
Instrução do Conselho Municipal Planejamento Urbano (COMPLAN), a revisão do Plano Diretor
aprovada mais recentemente (BENTO GONÇALVES, 2018) passou a contar com o mapeamento
do patrimônio e da paisagem cultural no município, identificação e representação gráfica das
Áreas de Preservação ao Patrimônio e à Paisagem Cultural, bem como a identificação de níveis
de preservação e de intervenções ao patrimônio edificado.
Considerando-se que o texto legal aborda, nesses quesitos, o planejamento em longo
prazo1, esses instrumentos necessitam de regulamentações de médio e curto prazo, já previstas
no Artigo 2º da Lei, que prevê a implementação de instrumentos como Planos Estratégicos (PE),
“instrumentos de ação de médio prazo, responsáveis pela determinação de planos setoriais e
locais [...]” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 2º Inciso III) e Plano Regulador (PR), “instrumento de
coordenação da ocupação e uso do solo” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 2º Inciso IV).

1
“MODELO ESPACIAL (ME), instrumento de planejamento de longo prazo, responsável pela determinação
de planos e projetos estruturantes do território municipal” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 2º, Inciso II).

619
Como forma de buscar instrumentos para a construção desses planejamentos busca-
se, a revisão documental dos estudos de diagnóstico para a atualização do Inventário,
Resoluções do COMPAHC e dos instrumentos de gestão do Patrimônio Cultural previstos no
Plano Diretor vigente (BENTO GONÇALVES, 2018), aliada ao relato de experiência da
pesquisadora no processo, como integrante dos conselhos. O artigo é dividido nas seções
referentes ao documento do Inventário e sua atualização, aos novos instrumentos do Plano
Diretor e à proposta de interpretação dedutiva da aplicação dos níveis de preservação.

2 O INVENTÁRIO DO PATRIMÔNIO CULTURAL EDIFICADO E SUA ATUALIZAÇÃO

O inventário vigente possui quase 30 anos, tendo sido publicado através de fichas sob
a sigla do IPHAN (12ª Coordenação Regional), Governo do Estado do Rio Grande do Sul – SEDAC
– Secretaria de Estado da Cultura – e IPHAE – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do
Estado do Rio Grande do Sul. Essas fichas são usadas como referência para identificação e
proteção do patrimônio histórico do município desde a aprovação da Lei Complementar nº 103,
de 26 de outubro de 2006 (BENTO GONÇALVES, 2006), que embasou a proteção da zona de
preservação ao patrimônio histórico através do Inventário e definia a necessidade de atualização
do mesmo, buscando elemento de gestão para o Plano Diretor.
Com o fim de retomar o processo de atualização, bem como racionalizar a identificação
de edificações em análises de processos de autorização de demolição ou de intervenções em
edificações com mais de 20 anos, iniciou-se em janeiro de 2013, no Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano – IPURB, a elaboração de um banco de dados digital e do mapeamento
dos bens inventariados pelo Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul em Bento Gonçalves, com
fins a gerar subsídios à atualização do inventário (BERTOCO, 2013).
A elaboração do banco de dados e mapeamento dos bens inventariados foi realizada
mediante consulta da documentação sobre o Inventário existente, bem como do mapa de
listagem e localização dos imóveis tombados, inventariados e de interesse patrimonial
elaborado para a formulação do Plano Diretor de Bento Gonçalves de 2006; através da
elaboração de tabelas, mapeamento sobre imagens de satélite, utilizando-se o aplicativo
gratuito “Google Earth”, identificação do estado de conservação recente através da ferramenta
“Google Street View” e posteriormente com vistoria ao local.
As etapas de identificação de conjuntos históricos e entornos a serem preservados
visavam atualizar o zoneamento de preservação do patrimônio cultural e os zoneamentos de
preservação da paisagem previstos pelo Plano Diretor, com fins a gerar subsídios à revisão do
Plano Diretor então em andamento, bem como à possível lei de preservação do patrimônio
cultural do município. Foi realizado em paralelo às vistorias locais para alimentação das fichas
de inventário, na escala urbana, distrital e paisagística, tendo em vista a inclusão de regramentos
no novo Plano Diretor que permitissem segurança jurídica na análise de processos. Esse estudo
serviu para a complementação do banco de dados com fotos, identificação das edificações com
valores históricos e paisagísticos a serem incluídas no Inventário, mapa de levantamento de
dados e diagnóstico (IPURB, 2014), elaboração de Resolução no COMPAHC referente a projeto
de lei de preservação (Resolução COMPAHC 002/2016) e definição do mapa dos bens a serem
preservados.
A etapa de visitas aos locais iniciou-se em 2013, para fins de reconhecimento dos
estados de conservação dos bens inventariados, identificação de bens a serem incluídos e dos

620
entornos a serem preservados. Inicialmente foram registradas fotografias externas das
edificações e do seu entorno. Posteriormente, de acordo com a colaboração dos moradores ou
usuários ou através de solicitações de processos administrativos, foram realizadas vistorias mais
completas das edificações, com fotos internas e breves entrevistas, registradas através de
relatórios. Esse material foi utilizado para alimentar o banco de dados, que passou a ser
identificado como diagnóstico dos conjuntos históricos, bem como pastas com os
levantamentos fotográficos completos de cada edificação ou conjunto (BERTOCO, 2019).
Quando do processo de revisão do Plano Diretor, realizado entre 2014 e 2018, os
mapeamentos do Inventário foram encaminhados, junto com outros arquivos e documentos,
para a comissão contratada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A proposta
legal, entretanto, mostrou-se objetiva a ponto de não representar completamente os anseios
dos Conselhos Municipais e da sociedade civil organizada. Assim, o município, através do IPURB,
convocou as entidades a encaminharem suas análises do material recebido, as quais foram
avaliadas pelo Grupo de Instrução do Plano Diretor do COMPLAN em termos gerais e, mais
especificamente, pela comissão do COMPAHC e pelos Conselhos Distritais.
A participação do COMPAHC na revisão do Plano Diretor no que se refere à atualização
do inventário e regramentos de intervenção se deu através de ofícios, resoluções e pareceres
encaminhados ao IPURB, bem como acompanhamento e aprovação do material técnico
elaborado pelo assessoramento técnico deste. A atuação do conselho se deu principalmente
através das Comissões de Atualização do Inventário e de Desenvolvimento do Patrimônio
Cultural, atendidas por um responsável técnico executivo. Essas comissões participaram da
elaboração e encaminhamento, junto ao IPURB, do mapa das zonas de preservação ao
patrimônio e paisagem cultural, da Resolução referente aos incentivos à preservação e
revitalização do patrimônio cultural (Resolução COMPAHC 002/2016) e de outras resoluções
referentes a critérios de análises de processos, como a de Comunicação Visual (Resolução
COMPAHC 003/2015) e a de Critérios para análise de projetos em solicitações de transferência
do direito de construir (Resolução COMPAHC 001/2017).
Através de Ofícios encaminhados ao IPURB e ao COMPLAN, foi solicitado o
reconhecimento claro do inventário e de diretrizes de preservação como anexo do Plano Diretor,
a inclusão de zonas de preservação, atualização de reconhecimento de edificações antigas com
mais de 50 anos e incentivo às atividades ligadas à uva, ao vinho e ao turismo. Através de
resoluções do COMPAHC, estudadas nas comissões, foram encaminhados ofícios com a
proposta de zoneamento do patrimônio cultural e o projeto de lei referente aos incentivos à
preservação e revitalização do patrimônio cultural, dada pela Resolução COMPAHC 002/2016,
que se tornaram os instrumentos citados na sessão anterior.
A partir da mobilização das entidades e da articulação dos conselhos, o Plano Diretor
resultante mesclou o texto legal proposto pela UFRGS com a revisão de instrumentos do Plano
Diretor de 2006, especialmente no que se refere ao planejamento da paisagem na zona rural e
instrumentos de avaliação de impactos de vizinhança (urbano) e de inovações (rural). Por
articulação do COMPAHC, conceitos atualizados de paisagem e patrimônio cultural passaram a
integrar a redação da Lei, além do mapa e da resolução referente aos critérios de análise de
intervenções ter integrado os Anexos 5.3 e 5.4. do Modelo Espacial (BENTO GONÇALVES 2018).

621
3 O NOVO PLANO DIRETOR DE BENTO GONÇALVES E A PROTEÇÃO AO INVENTÁRIO

O atual Plano Diretor urbano e rural de Bento Gonçalves é regulado pela Lei
Complementar nº 200 de 27 de julho de 2018 (BENTO GONÇALVES, 2018), que insere em seu
aparato legal o Inventário como documento básico de identificação do patrimônio cultural e dos
conjuntos históricos localizados em seu entorno, conceitua os elementos que formam a
Paisagem Cultural, os Itinerários Culturais e o patrimônio histórico e cultural edificado, e cria as
Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), representadas em mapas e diretrizes.
O Patrimônio Histórico e Ambiental é um dos elementos que compõem o Modelo
Espacial, “instrumento de planejamento a longo prazo, responsável pela determinação de
planos e projetos estruturantes do território municipal” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 2 Inciso
II), sendo identificado no Anexo 5 M.E. da Lei (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 15 Inciso V). Entre
os componentes do Modelo Espacial, estão as Áreas de proteção à paisagem cultural (APPAC),
“junto às sedes comunitárias e entorno de bens culturais inventariados, voltadas à
compatibilização da preservação da paisagem cultural e ambiental com a ocupação tradicional
e o desenvolvimento local” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 16 Inciso II Alínea ‘e’).
O patrimônio edificado também é tutelado através da identificação dos elementos
protegidos de cada zona urbana e rural. O Regime Urbanístico, que identifica as prescrições para
ocupação e uso dos terrenos, inclui a definição de Elementos Protegidos, que “identifica os
componentes da paisagem natural, do tecido urbano, do patrimônio histórico, cultural e
arquitetônico notáveis da zona, que deverão ser protegidos mediante a gestão da qualidade
espacial” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 21 Inciso II).
Uma das contribuições mais relevantes do texto da lei do Plano Diretor é o
mapeamento e a definição das Áreas de Preservação à Paisagem Cultural, determinada pelo
Artigo 90, que insere os conceitos de Paisagem Cultural, Itinerário Cultural e patrimônio
histórico e cultural edificado do município:

Art. 90. Nas Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), identificadas no ANEXO
5.3-ME, os elementos sob proteção podem ser do terreno natural e seu relevo, da
cobertura vegetal nativa ou resultante da atividade agrícola, de vinhedos ou
plantações históricas, das características da ocupação territorial, dos itinerários
culturais, do patrimônio histórico, das edificações e das combinações destes; em que
as condições de sua proteção podem ser referidas a gestão, conservação, manejo,
substituição, reforma ou justaposição, com o objetivo de compatibilização da
preservação da paisagem cultural e ambiental com a ocupação tradicional e o
desenvolvimento local, as quais deverão ser aprovadas pelo COMPAHC, cuja chancela
deverá ser acordada através de normatização específica.
§1º É considerada Paisagem Cultural a porção do território representativa do
processo de interação do homem com o meio natural em que vive, onde a ocupação
por comunidades tradicionais imprimiu marcas ou atribuiu valores através de suas
ações e formas de expressão, passíveis de leituras espaciais e temporais.
§2º É considerado Itinerário Cultural, o patrimônio e a paisagem cultural disposta ao
longo das ferrovias e das estradas tradicionais reconhecidas como linhas,
identificadas conforme ANEXO 5.3-ME e ANEXO 5.4-ME conforme Projeto Paisagístico
das Estradas Turísticas de Bento Gonçalves – RS ANEXO 7.5-PE, cujo perímetro de
preservação deverá ser definido mediante inventário.
§3º É considerado patrimônio histórico e cultural edificado os imóveis integrantes
do inventário do Patrimônio Cultural Edificado do Rio Grande do Sul (1994-1996) e
os conjuntos formados pelas sedes comunitárias e edificações com mais de 50 anos
no entorno de bens culturais inventariados (BENTO GONÇALVES, 2018, Art.90, grifo
nosso).

622
Quanto às Áreas de Preservação da Paisagem Cultural (APPAC), formadas pelos
elementos diversos que compõe a paisagem, destaca-se o objetivo das mesmas, de
compatibilização da sua preservação com a ocupação existente e o desenvolvimento, ou seja,
do antigo com o novo, devendo ser objeto de análise do COMPAHC a sua normatização. Essas
regras precisam ser definidas não através de uma lei imposta pela municipalidade em direção
ao proprietário, mas através de um acordo de chancela, que parte dos detentores desse
patrimônio em direção aos gestores municipais e econômicos (BERTOCO, 2014). Cabe assim, à
municipalidade e aos conselhos municipais, inventariar não apenas as edificações consideradas
patrimônio, mas também as aspirações e ações de preservação e desenvolvimento
comunitárias, transformando o cadastro em um instrumento de gestão participativo.
Já quanto aos imóveis considerados patrimônio histórico e cultural edificado, o Plano
Diretor é claro quanto à proteção às construções integrantes do Inventário, acompanhados dos
conjuntos e edificações com mais de 50 anos do seu entorno. Mas quais são as edificações do
entorno que possuem valores a serem preservados? Todas as edificações a serem protegidas
estão mapeadas no Anexo 5.3 M.E., referente ao Patrimônio e Paisagem Cultural? É necessário
um símbolo para cada edificação ou conjuntos podem estar identificados por um símbolo
polarizador, de um lugar a ser analisado? Embora as edificações inventariadas e de interesse
patrimonial estejam mapeadas através de símbolos com suas respectivas cores, o texto prevê
ainda a análise de edificações com mais de 50 anos no seu entorno. Isso ocorre porque a
paisagem é dinâmica, e assim como o patrimônio cultural imaterial, a sua percepção pode variar
ao longo dos anos de acordo com diferentes visões antropológicas. O que ontem foi considerada
uma casa de “arquitetura menor”, sem valor estético, hoje pode ser identificada como a casa de
uma das primeiras avós ferroviárias da cidade 2 (BERTOCO et al, 2021).
O mapa do Patrimônio e Paisagem Cultural institui o mapeamento das edificações
tombadas, inventariadas e de interesse patrimonial histórico e paisagístico com mais de 50 anos,
bem como delimita Áreas de Preservação à Paisagem Cultural (APPACs) urbanas e rurais, Áreas
de Proteção à Paisagem da ferrovia e Itinerários Culturais (roteiros turísticos e culturais e
turismo em desenvolvimento). Também registra a localização de praças e áreas abertas, visuais,
lugares, que compõem a paisagem, bem como as áreas de proteção à paisagem natural e
referências cartográficas.
Na área urbana, são instituídas quatro Áreas de Interesse Histórico e Paisagístico:
APPAC Cidade Baixa (Centro) e Cidade Alta, APPAC São Roque e Batalhão, APPAC São Valentim
e APPAC Addolorata – Sede Distrital Tuiuty. Na área rural, as Áreas de Proteção à Paisagem
Cultural são delimitadas junto aos itinerários culturais e conjuntos inventariados, geralmente
correspondentes às sedes comunitárias rurais. Essas áreas de proteção correspondem ao
perímetro formado pelos conjuntos históricos formados por edificações tombadas,
inventariadas e de interesse histórico paisagístico com mais de 50 anos.
Já o Anexo 5.4 ME – Incentivos à Preservação e Revitalização de Bens Integrantes do
Patrimônio Histórico e Cultural, define os imóveis objeto de preservação, bem como critérios de
intervenção, de apresentação de projetos e de obtenção de incentivos e benefícios para a
revitalização desses bens. A seguir destacam-se os principais pontos relacionados ao Inventário.

2
Em estudos do projeto “Laços Patrimoniais: construindo um inventário colaborativo para Bento Gonçalves”, foram
identificadas as primeiras ocupações negras em um dos principais bairros da cidade, cujos moradores são
representantes dos trabalhadores braçais da ferrovia, invisibilizados pelo etnocentrismo da história da imigração
italiana na cidade (BERTOCO et al, 2021).

623
Segundo Artigo 3º do referido Anexo, são reconhecidos não apenas os bens tombados e
remanescentes do Inventário existente, mas também

II – Os bens edificados de interesse patrimonial da zona urbana, caracterizados por


edificações ou conjuntos edificados com mais de 50 anos, integrantes das Zonas
especiais de proteção ambiental, paisagística, histórica, cultural e turística; das Áreas
de Interesse Histórico e Paisagístico urbanas (APPAC) identificados conforme mapa do
ANEXO 5.3-ME;
III – As edificações de interesse patrimonial da zona rural, localizadas em Roteiros
Turísticos, nas Áreas de Proteção Paisagística, Ambiental e ao patrimônio Histórico
e Cultural (APPAC) dos distritos, nos Aglomerados Funcionais e Multifuncionais, Áreas
Especiais de Interesse Histórico e Paisagístico de Bento Gonçalves e Núcleos de
proteção à paisagem cultural (NPPC), que se enquadrem nas características
arquitetônicas e históricas, mediante análise técnica [...]
IV – A paisagem cultural formada por vinhedos e seus sistemas de plantio,
identificados como paisagem singular através de estudos e inventários.
V – As áreas de proteção da paisagem da ferrovia, identificadas conforme mapa do
ANEXO 5.3-ME, que deverão ser objeto de inventários;
Parágrafo único. Ficam especialmente consideradas características dos imóveis
edificados objetos de preservação, as fachadas públicas e a volumetria dos bens
constantes do inventário do Patrimônio Histórico e Cultural de Bento Gonçalves;
(BENTO GONÇALVES, 2018: Anexo 5.4.M.E, Art. 3º, grifo nosso).

A esses imóveis, podem ser realizadas obras de conservação, reparação, restauração,


consolidação e reciclagem, conceitos identificados no Artigo 6º. A aprovação de intervenções
deve ser “antecedida de levantamento cadastral, que deverá contar com dados históricos,
arquitetônicos e paisagísticos, conforme ficha disponibilizada pelo COMPAHC” (BENTO
GONÇALVES, 2018, Anexo 5.4.M.E, Art. 4º). A partir desta, que deve ser elaborada por
responsável técnico habilitado com a colaboração do proprietário, deve ser atribuído um nível
de preservação, conceituado através o Artigo 5º do Anexo 5.3 M.E, o qual define o que deve ser
preservado e o nível de intervenção que pode ser feito.

I – Nível 1: Inclui os imóveis componentes do Patrimônio Cultural que ensejam


a preservação das características arquitetônicas, artísticas e decorativas internas e
externas, de referência histórica e social para a comunidade local. Os bens
enquadrados neste nível não poderão, em hipótese alguma, serem destruídos,
descaracterizados ou inutilizados, podendo vir ou não a ser tombados. Sua
preservação é de extrema importância para o resgate da memória da cidade.
II – Nível 2: Inclui os imóveis componentes do Patrimônio Cultural que
ensejam a preservação de suas características arquitetônicas, artísticas e
decorativas externas, ou seja, a preservação integral de sua(s) fachada(s) pública(s)
e volumetria, as quais possibilitam a leitura tipológica do prédio. Poderão sofrer
intervenções internas, desde que mantidas e respeitadas suas características
estruturais e externas. Sua preservação é de extrema importância para o resgate da
memória da cidade.
III – Nível 3: Inclui os imóveis componentes do Patrimônio Cultural que
ensejam sua preservação devido às características de acompanhamento e
complementaridade de imóveis classificados como de nível 1 (um) ou 2 (dois).
Poderão sofrer intervenções internas e externas para qualificar e melhorar sua
composição arquitetônica e urbana, acrescentando ou não novos elementos, desde
que não descaracterizando sua volumetria e ambiência, já configuradas e de extrema
importância para o contexto urbano da cidade. [...]
§3º. A preservação volumétrica prevista nos níveis 1, 2 e 3 será conceituada como a
conservação dos elementos arquitetônicos originais referente à volumetria da
edificação, caracterizada pelo aspecto tridimensional do edifício, composto pelas
paredes externas, fachadas e cobertura, em suas formas, dimensões e materialidade
originais. As demolições parciais – preservação de fachada – somente serão

624
permitidas no nível 4 de preservação, em casos excepcionais. (BENTO GONÇALVES,
2018: Anexo 5.4.M.E, Art. 5º, grifo nosso).

O Artigo 7º do Anexo 5.4.M.E. ainda define os incentivos que podem ser concedidos
para a realização de intervenções em imóveis objeto de preservação, tais como concessão de
transferência do direito de construir e majoração de até 50% na indenização por solo criado;
alteração das características de uso e ocupação do solo; emissão de Certidão de Patrimônio
Histórico para fins de regularização, e concessão de desconto de IPTU do imóvel como
contrapartida pela conservação preventiva anual ou durante obras de restauro. Cabe ressaltar
que, conforme §6º do mesmo artigo, cabe ao COMPAHC emitir resolução definindo os critérios
a serem adotados nas análises.

4 SUGESTÃO DE CRITÉRIOS PARA A ANÁLISE DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO EDIFICADO

As manifestações do COMPAHC referente à revisão do Plano Diretor, resultaram na


inclusão dos instrumentos no escopo da Lei Complementar 200/2018, seja através da
atualização da conceituação de patrimônio junto ao texto legal, seja através de instrumentos
mais efetivos como os Anexos 5.3 e 5.4.ME. Dessa forma, mediante estudo técnico a ser
discutido em comissões, embasado legalmente através de suas atribuições legais, o COMPAHC
pode e deve participar de estudos técnicos, bem como definir os critérios de análise que devem
embasar as suas deliberações, permitindo maior eficiência em sua atuação. Os critérios
sugeridos na presente sessão foram elaborados a partir da análise documental associada a
trabalhos de campo de atualização do Inventário, aliadas à observação participante ao longo de
oito anos de atuação no conselho. É sugerida uma leitura do texto legal sob a perspectiva das
intervenções aprovadas pelo COMPAHC entre 2011 e 2017, bem como levando em conta o seu
estado de preservação, a possibilidade de acesso para levantamentos cadastrais e por fim, a
excepcionalidade técnica e arquitetônica das edificações.

4.1 Critérios para atribuição de níveis de preservação segundo o estado de preservação

Para definição dos critérios de atribuição dos níveis de preservação, consideramos o


estado atual de conservação e de preservação do imóvel a ser avaliado. Sugiro um exercício de
dedução com o Artigo 5º do Anexo 5.3 M.E, o qual define o que deve ser preservado e o nível
de intervenção que pode ser feito:
No nível 1, entende-se que os imóveis para os quais se pretende a preservação,
possuem as características internas e externas preservadas, considerando o seu estado atual. A
avaliação deve considerar a identificação do estado de preservação 3: que esteja em seu estado
original, recuperadas mediante restauro ou modificados em algum momento anterior. Quanto
à possibilidade de serem tombados, presume-se que esses imóveis tenham alto valor histórico,
arquitetônico, artístico e paisagístico que justifiquem o tombamento, entretanto considera-se
esse um instrumento legal de proteção e não um critério para atribuição do nível, visto que
muitas edificações preservadas não contam com tombamento.

3
Consideremos aqui o estado de preservação relacionado à sua autenticidade, em que são identificados os elementos
construtivos e decorativos originais. Assim, não necessariamente o mau estado de conservação presume o
rebaixamento do nível de preservação, já que este pode receber intervenção conservativa ou de restauro.

625
Entre as edificações preservadas nesse nível identificadas no banco de dados,
geralmente encontram-se edificações religiosas, edificações de uso público, casas de pedra e de
madeira da zona rural e algumas edificações da área urbana que passaram muito tempo sem
uso, que nunca receberam intervenção ou que foram conservadas e restauradas devidamente.

Figura 1: (a) Antigo Banco da Província do Rio Grande do Sul e (b) Palácio da Prefeitura Municipal.

Fonte: Arquivos vistorias Inventário 2013-2019 (BERTOCO ,2019).

Como exemplo de tombamentos e projetos aprovados pelo COMPAHC, temos o antigo


Banco da Província e a Prefeitura Municipal, na Rua Marechal Deodoro. Nesses casos, as
edificações receberam intervenções conservativas adequadas, as quais não prejudicam as
características internas e externas das edificações. Destacam-se as seguintes intervenções
realizadas, sem prejuízos à preservação de nível 1: Adaptações de acessibilidade, circulações e
sanitários, reforços estruturais, ampliações guardando recuos em relação à edificação original,
instalação de forros de gesso ou divisórias leves onde antes não existiam, desde que não
escondam nem prejudiquem alguma decoração original.

Figura 2: (a)Casa Paroquial Santo Antônio e (b) Confeitaria Primazia (antiga confeitaria Brandas)

Fonte: Arquivos vistorias Inventário 2013-2019 (BERTOCO ,2019).

No nível 2 de preservação, subentende-se que a possibilidade de sofrer intervenções


internas, mantendo-se as características estruturais, as fachadas públicas e a volumetria, ocorre
pelo fato de as paredes e decoração internas originais tenham sido alteradas, sem possibilidade
de recuperação, mas os demais elementos estruturais, como paredes, entrepisos, estruturas do
telhado e elementos ornamentais e arquitetônicos externos estarem preservados ou possuírem
possibilidade de recuperação. A preservação das estruturas também se dá por segurança
daquilo que foi preservado, entretanto em muitos casos tornaram-se necessárias adaptações
internas para novos usos. Ressalta-se a possibilidade de reforços estruturais e adaptações com

626
materiais diferenciados. Entre as edificações identificadas no banco de dados, exemplificam-se
comércios com o térreo alterado, como os do centro da cidade, ou residências cujas paredes
internas foram reformadas para adaptarem-se aos novos usos4.
Como exemplo de edificação inventariada que recebeu intervenção aprovada pelo
COMPAHC, temos a Casa Paroquial Santo Antônio, que foi ampliada e reformada internamente
mantendo a estrutura, a configuração de alguns ambientes e alguns elementos arquitetônicos
como esquadrias e mobiliário originais, porém foi modernizada com escada, forros de gesso e
mobiliário novos. Na Rua Saldanha Marinho, a antiga confeitaria foi reformada para a instalação
de uma nova, em dois andares, onde foram realizadas ações de conservação, recuperação dos
vãos originais do pavimento térreo e integração entre pavimento térreo e superior, com a
retirada de divisórias de madeira do pavimento superior, preservando a estrutura original
através da recuperação do entrepiso e do assoalho em que foi possível e abrindo-se um
mezanino na área onde o mesmo estava apodrecido. Observe-se que, embora o entrepiso e o
telhado tenham recebido obras de recuperação e de uma parte do entrepiso não ter sido
restaurada, não foram demolidas ou descaracterizadas as estruturas da edificação, mantendo-
se a mesma configuração e técnicas de construção originais.
No nível 3 de preservação, em que se preservam as características de
acompanhamento e complementaridade de imóveis classificados como nível 1 e 2, podendo
realizar intervenções internas e externas, mantendo a sua volumetria e ambiência, se deduz que
o seu valor seja de compatibilização com a paisagem, cuja presença no cenário da quadra ou no
conjunto de unidades é necessária para não descaracterizar a ambiência urbana, ou seja, o
entorno de construções inventariadas. Pela possibilidade de alteração de toda a estrutura
interna, mantendo-se a volumetria original, presume-se que não há elementos internos,
inclusive a estrutura, que possam ser prejudicados ou tenham valor de preservação.

Figura 3: Casa da Construtora De Toni.

Fonte: Arquivos vistorias Inventário 2013-2019 (BERTOCO ,2019).

Como exemplo desse tipo de intervenção, cita-se a casa da Construtora De Toni, na


Rua General Góes Monteiro, nos quais foram preservadas as paredes externas originais, com
algumas adaptações à implantação de novas edificações aos fundos. Foi alterada a estrutura
interna original, mas foram qualificadas as esquadrias e as linhas ornamentais da fachada,

4
O mais comum é a retirada de paredes de madeira internas que atendiam ao uso residencial, para possibilitar o uso
comercial de planta livre. Observa-se, entretanto, que a remoção ou reforma de estruturas de madeira como
entrepisos podem gerar riscos à preservação da edificação, sendo possibilitados nesse nível apenas a abertura de
vãos de circulação e a troca de revestimentos, que não descaracterizem a estrutura original.

627
características de sua linguagem arquitetônica externa. Nesse caso foram mantidas as paredes
externas originais, mas a estrutura interna foi totalmente reformulada, sem prejuízo à
estabilidade das fachadas que compõem a volumetria.
Outros casos ocorreram em que a preservação, que era para ser volumétrica em um
prédio ainda não inventariado, ocorreu apenas nas fachadas em sua materialidade original, mas
as demais paredes do volume foram demolidas e reconstruídas, como no caso da Antiga
Cooperativa Riograndense, na Rua 10 de Novembro, reciclada para a construção de um hotel.
Outrora aprovados em edificações inventariadas, pela nova lei, esse tipo de intervenção será
permitido apenas no nível 4 de preservação, em casos excepcionais, salvo casos que tenham
sido objeto de demolição parcial anterior à lei do Plano Diretor, conforme elucidam os
parágrafos 1º, 2º e 3º, do Artigo 5º do Anexo 5.4.ME. Conforme §3º, a preservação volumétrica
é constituída do aspecto tridimensional do edifício em sua materialidade original.

§1º. Os bens edificados integrantes do inventário vigente, referentes ao inciso I do


artigo 3, deverão ser enquadrados nos níveis 1 ou 2, salvo quando tenham sido objeto
de demolição parcial anterior a esta lei.
§2º. Os bens imóveis referentes aos incisos II e III do artigo 3 poderão ser enquadrados
em um dos quatro níveis, de acordo com os valores identificados na ficha cadastral.
§3º. A preservação volumétrica prevista nos níveis 1, 2 e 3 será conceituada como a
conservação dos elementos arquitetônicos originais referente à volumetria da
edificação, caracterizada pelo aspecto tridimensional do edifício, composto pelas
paredes externas, fachadas e cobertura, em suas formas, dimensões e materialidade
originais. As demolições parciais – preservação de fachada – somente serão
permitidas no nível 4 de preservação, em casos excepcionais. (BENTO GONÇALVES,
2018: Anexo 5.4.M.E, Art. 5º, grifo nosso).

No nível 4 de preservação, enquadram-se os imóveis cuja preservação é considerada


de menor valor, visando a diferenciação do projeto de intervenção em relação à paisagem, em
que é opcional a preservação da fachada ou de outros elementos considerados interessantes
pelo responsável técnico. Atualmente temos como exemplo edificações antigas cuja fachada
compõe a paisagem, mas que em algum momento sua arquitetura foi considerada “menor”, de
data mais recente, ou com menor grau de ornamentação. A maioria desses projetos foi aprovada
em momentos em que a preservação dessas edificações não era comum e predominava o
“fachadismo” nos projetos.
Figura 4: (a)Preservação parcial de fachada no antigo fruteiro e (b) no antigo armazém Giacomazzi.

Fonte: Arquivos vistorias Inventário 2013-2019 (BERTOCO ,2019).

Como exemplos aprovados pelo COMPAHC, tem-se a casa de uma antiga fruteira,
localizada na Rua General Gomes Carneiro, em que foi preservada apenas a fachada principal e
parte de seu volume, reformulando-a com a construção de um novo edifício envidraçado atrás,
destinado a salas comerciais. Já no antigo armazém Giacomazzi, o que era para ser uma

628
preservação parcial acabou mantendo a volumetria e recuperando a ambiência interna,
intervindo apenas na retirada de reboco e na troca de esquadrias, valorizando a paisagem.
Por fim, temos como requisitos definidos em lei, que os bens já inventariados deverão
ser enquadrados nos níveis 1 ou 2 e que os bens de interesse patrimonial com mais de 50 anos
podem ser enquadrados em um dos quatro níveis, de acordo com os valores identificados na
ficha cadastral. Assim, a análise da inclusão no inventário, de edificações com mais de 50 anos
mapeadas no Anexo 5.3.ME, pode dar aos mesmos a proteção do nível de inventário, de
preservação volumétrica ou de fachada, de acordo com suas características e valores
identificados.
Na zona rural, conforme Artigo 3º Inciso III, abre possibilidade de incluir edificações de
interesse patrimonial em áreas de interesse, que se enquadrem nas características
arquitetônicas e históricas, mediante análise técnica do IPURB, alicerçada pelo COMPAHC. Por
outro lado, nada impede que uma edificação não mapeada, mas que possua mais de 50 anos,
possa ser integrada a algum projeto de preservação, solicitando benefícios de acordo com a
proporção preservada, caso que deverá ser avaliado pelo conselho quanto ao seu mérito.
Conforme o Inventário vigente, o patrimônio edificado de Bento Gonçalves é
composto de edificações representativas de diversas épocas da história da cidade,
especialmente a arquitetura remanescente da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, mas
também contando com outros estilos relevantes para o entendimento da evolução
arquitetônica, como os representantes do Ecletismo, Déco, Neocolonial, Protomoderno e
Modernista, cada qual representando um conjunto de fatos históricos de sua época. Cada estilo
ou linguagem arquitetônica é resultado da cultura e da tecnologia construtiva disponíveis em
seu tempo e lugar. Por esse motivo, a atribuição de níveis de preservação e intervenção deve
ser compatível com a real possibilidade e necessidade de preservação de um bem, segundo sua
materialidade, de forma a evitar o risco de seu desaparecimento.

4.2 Critérios para regulamentação dos planos de gestão setorial

Destacam-se alguns pontos deixados em aberto pelo Plano Diretor no que se refere ao
Patrimônio Cultural Edificado, para análise técnica e definições de critérios mediante resolução.
Referente ao Inventário torna-se necessário:
1º – Elaboração de ficha cadastral de inventário referente aos bens edificados de interesse
patrimonial da zona urbana, caracterizados por edificações ou conjuntos edificados com mais
de 50 anos e às edificações de interesse patrimonial da zona rural, aos quais cabe avaliação das
características arquitetônicas e históricas, mediante análise técnica, alicerçada pelo COMPAHC;
2º – Necessidade de atualização e complementação do Inventário do Patrimônio Cultural
Edificado, tendo em vista a demanda por dados mais completos referentes às fichas existentes,
indicando acervos e características para preservação da paisagem no entorno;
3º – Atribuição dos níveis de preservação aos bens edificados a serem protegidos, que deverá
contar com avaliação do setor de Patrimônio Histórico do IPURB e aprovação do COMPAHC;
Referente às Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), conforme descrição do
Artigo 90, as condições de proteção devem ser definidas mediante chancela acordada através
de normatização específica, devendo ser aprovada pelo COMPAHC. No entanto, a redação do
Plano dá poucas referências aos critérios a serem adotados, embora se identifiquem, condições
previstas em lei, que podem ser adotadas e normatizadas de forma objetiva, como:

629
4º – Os elementos protegidos e condições de proteção do zoneamento rural, avaliados através
da metodologia do Estudo de Impacto de Inovações, conforme Lei Complementar 200/2018;
5º – O incentivo referente à alteração das características de altura prevista no §4º do Artigo 7º
do Anexo 5.4.ME, que “somente poderá ser concedido nas Áreas de Interesse Histórico e
Paisagístico (APPAC), mediante estudo de qualidade espacial e mitigação dos impactos na
paisagem, como compensação à preservação de um bem inventariado”;
6º – A definição do perímetro de preservação mediante inventário, dos itinerários culturais,
conforme Artigo 90 §2º, bem como a definição das condições para as áreas de proteção da
paisagem da ferrovia, conforme Artigo 3º Inciso V do Anexo 5.4.M.E, sejam aplicadas de acordo
com o mapa do Anexo 5.3.M.E, sendo usadas como referência para análise das edificações da
zona rural a serem eventualmente incluídas no Inventário.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, dessa forma, que o Plano Diretor municipal define que as edificações com
mais de 50 anos da zona urbana e rural, mediante estudo técnico, devem ser incluídas no
Inventário, através do mapeamento do Anexo 5.3 M.E., tendo assim respaldo legal para a sua
proteção mediante cadastro e definição de níveis de preservação. Embora os proprietários ainda
não tenham individualmente sido notificados, o mapa previamente aprovado pelo COMPAHC
ficou publicado no site do IPURB e da Câmara de Vereadores, junto ao restante da revisão do
Plano Diretor, por tempo o bastante para haver manifestação dos interessados.
Uma vez que o texto legal (Artigo 4º do Anexo 5.3.M.E.) já prevê levantamento
cadastral do imóvel com a participação do proprietário, observa-se que a elaboração da ficha de
inventário da edificação de forma participativa, é a principal forma de notificação e de diálogo
sobre a sua preservação. Esse instrumento apresenta grande potencial para definição de plano
de gestão do imóvel junto aos interessados, especialmente se os detentores tenham
contribuição ativa no processo de levantamento, de forma que a ficha seja construída com base
nos conhecimentos familiares e comunitários, os quais tenham autonomia na correção de
informações registradas e aprovação final do documento. Para isso, observa-se a importância
do técnico habilitado estar integrado à equipe responsável pela atualização do Inventário, e não
apenas ao IPURB e ao projeto da edificação, como previsto no Plano Diretor.
Quanto às Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), conclui-se que possuem
alguns elementos já previstos na legislação para as condições de proteção, como a identificação
de elementos da paisagem a serem protegidos (edificações históricas mapeadas, praças e áreas
abertas, itinerários culturais, áreas de vegetação, visuais e lugares), os quais podem ser
avaliados através dos instrumentos de avaliação de impacto e de qualidade espacial previstos
no Plano Diretor, além do resguardo a alguns tipos de publicidade. Já para sua proteção de forma
mais específica, será necessária a realização de estudo próprio, que deverá ser aprovado pelo
COMPAHC, cuja chancela deverá ser acordada através de normatização.
Entende-se que a elaboração de fichas de inventário do roteiro cultural e do conjunto,
como tem sido feitas através da Secretaria Municipal de Cultura (BERTOCO et al, 2021) pode ser
o instrumento mais adequado para a gestão das áreas de preservação. Através da fotografia das
edificações, vias de circulação, eventuais cultivos, demais elementos da paisagem e sua inter-
relação, torna-se possível em análise técnica reconhecer seus principais atributos a serem
preservados. A partir disso, ao elaborar a ficha do conjunto arquitetônico de forma colaborativa,

630
com os proprietários e detentores, identifica-se as suas aspirações quanto ao local e as possíveis
orientações quando aos elementos a serem preservados, níveis de preservação e melhores
ações a serem adotadas. A ficha de conjunto também pode delimitar características a serem
mantidas, como altura, morfologia e tipologia das novas edificações.
O mais importante nessa orientação torna-se o processo, de forma que haja um
diálogo entre os detentores, os responsáveis pelo estudo técnico e pelo Inventário, o COMPAHC
e a municipalidade. Assim, são as expectativas da comunidade, aliada às necessidades físicas
identificadas no estudo, que delimitarão o que e como deve ser preservado em sua
materialidade, além de quais ações devem ser realizadas no processo para ativar a relação da
comunidade com o seu patrimônio.

6 REFERÊNCIAS

BENTO GONÇALVES (2006). Lei Complementar nº 103, de 26 de outubro de 2006. Dispõe sobre o desenvolvimento
urbano e rural do Município de Bento Gonçalves, institui o novo Plano Diretor de desenvolvimento Integrado do
Município de Bento Gonçalves e dá outras providências. Versão compilada. Bento Gonçalves: IPURB, 2011.

BENTO GONÇALVES. Lei Complementar n. 200, de 27 de julho de 2018. Dispõe sobre a ordenação territorial do
município de Bento Gonçalves e sobre a política de desenvolvimento municipal e de expansão urbana, aprova o
Plano Diretor municipal e dá outras providências. Lex: Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano. Disponível em:
https://bentogoncalves.atende.net/cidadao/pagina/legislacao-especifica Acesso em: 01 set 2023.

BERTOCO, Cristiane (2013). Patrimônio Cultural de Bento Gonçalves: Mapeamento e Banco de Dados. Bento
Gonçalves: Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano, 2013.

BERTOCO, Cristiane (2014). Sustentabilidade, planejamento urbano e instrumentos de gestão do patrimônio e da


Paisagem Cultural em Bento Gonçalves/ RS. Monografia (Especialização em Reabilitação Ambiental Sustentável
Arquitetônica e Urbanística) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de Brasília, Brasília, 2014.

BERTOCO, Cristiane (2019). Atualização do Inventário do Patrimônio Cultural Edificado de Bento Gonçalves:
Relatório, banco de dados e diagnóstico 2013-2019. Bento Gonçalves: Museu do Imigrante, 2019.

BERTOCO, Cristiane et al (org). Laços patrimoniais: construindo um inventário colaborativo para Bento Gonçalves.
Bento Gonçalves, RS: Secretaria de Estado da Cultura do Rio Grande do Sul, 2021.

CAPRARA, Bernardete Schiavo: LUCHESE, Terciane Ângela. Da Colônia de Dona Isabel ao Município de Bento
Gonçalves: 1875 a 1930. Bento Gonçalves, 2005.

Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural de Bento Gonçalves (COMPAHC BG). Compilado de Atas,
Resoluções e Indicações do COMPAHC: de 2008 a 2018. Bento Gonçalves: IPURB, 2018.

IPHAN; IPHAE. Inventário do patrimônio cultural do Rio Grande Do Sul. Ministério da Cultura, IPHAN – 12
Coordenação Regional, Governo do Estado do Rio Grande do Sul – CDAC – IPHAE, 1996. Município Bento Gonçalves.
Disponível em: http://museudoimigrante.bentogoncalves.rs.gov.br/inventario-municipal/ Acesso em: 1 ago. 2022.

631
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( x) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

QUALIDADE DE VIDA E PERCEPÇÃO DE RISCO COMO ABORDAGEM NO


PLANEJAMENTO URBANO

QUALITY OF LIFE AND RISC PERCEPTION AS AN APPROACH IN URBAN PLANNING

Nathália Teixeira
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, IFSP, Brasil
Bolsista de Iniciação Científica, PIBIFSP
n.arcanjo@aluno.ifsp.edu.br

Douglas Gallo
Professor Doutor, IFSP, Brasil
douglas.luciano@ifsp.edu.br

632
RESUMO
Apesar de sua relevância social, não há consenso na literatura especializada sobre o que significa ter qualidade de
vida, porém sabe-se hoje que não pode ser definida apenas por aspectos objetivos. O objetivo deste estudo é analisar
as diferentes conceituações do termo qualidade de vida e suas divergências, e problematizar a aplicação do conceito
na área do planejamento urbano. Além de analisar como esses aspectos são influenciados por condições adversas em
que populações em vulnerabilidade se encontram com foco na cidade de São Paulo. Através de uma revisão
bibliográfica com foco em artigos e livros publicados por estudiosos de diversas áreas sobre a temática da qualidade
de vida urbana e riscos naturais, procurando realizar uma discussão dialética do desenvolvimento das grandes cidades
e a consequente intensificação iniquidades sociais, fatores determinantes na percepção de uma vida com qualidade,
compreendeu-se que aspectos subjetivos e externos ao indivíduo influenciam em sua percepção do estado em que
se encontra.

PALAVRAS-CHAVE: População em vulnerabilidade. Risco hidrológico. Urbanismo e saúde. Gestão urbana.


Microplanejamento. Políticas públicas.

ABSTRACT
Despite its social relevance, there is no consensus in the specialized literature on what it means to have quality of life,
but it is known today that it cannot be defined only by objective aspects. The objective of this study is to analyze the
different concepts of the term quality of life and their divergences, and to problematize the application of the concept
in the area of urban planning. In addition to analyzing how these aspects are influenced by adverse conditions in which
vulnerable populations find themselves, focusing on the city of São Paulo. Through a bibliographic review focusing on
articles and books published by scholars from different areas on the subject of urban quality of life and natural risks,
seeking to carry out a dialectical discussion of the development of large cities and the consequent intensification of
social inequalities, determining factors in the perception of a life with quality, it was understood that subjective and
external aspects of the individual influence their perception of the state they are in.

KEYWORDS: Vulnerable population. Hydrological risk. Urbanism and health. Urban management. Microplanning.
Public policy.

633
1 INTRODUÇÃO

Qualidade de vida tem se tornado um tema importante para a sociedade em geral,


sobretudo após o crescimento urbano e desenvolvimento de grandes cidades. Em vista disto, se
tornou o foco de diversas pesquisas e foi definido por muitos estudiosos nas últimas décadas,
com pouco consenso entre suas conceituações. Frequentemente utilizado para se referir a um
determinado padrão de vida e posse de bens materiais, após a Segunda Guerra Mundial o termo
qualidade de vida se tornou um suporte político para a crítica ou demonstração de apoio a
políticas que visavam o crescimento econômico (MEEBERG, 1993; SANTOS; GALLO, 2018a).
Contudo, com o passar do tempo e o entendimento do efeito que aspectos subjetivos possuem
na percepção humana, passou-se a considerar aspectos culturais, geográficos, sociais e
psicológicos ao conceito (PASCHOAL, 2001; VITTE, 2009; GALLO, 2020).
Por esse motivo é necessário voltar a atenção para aspectos que vão além de políticas
públicas e questões objetivas da vida em centros urbanos, considerando, por exemplo,
relacionamentos interpessoais e segurança (ALLARDT, 1998; GALLO, 2020). A desassociação de
qualidade de vida exclusivamente com bem-estar e saúde, apesar de uma estar diretamente
relacionada com a outra, se faz necessária, porém o termo tão pouco pode ser assumido como
contexto de condição, privilegiando aqueles com maior poder aquisitivo. Para Buarque (1993),
a qualidade de vida sempre esteve presente no imaginário humano, buscando a melhoria da
vida em comunidade, porém, após a primeira Revolução Industrial, passou a representar a
comodidade que a tecnologia oferecia nas cidades. Tendo em conta o processo desorganizado
da ocupação dos grandes centros urbanos brasileiros, sobretudo nas periferias, torna-se
costumeiro que a parcela menos privilegiada da sociedade se submeta a viver em condições
precárias e até se coloquem em risco em busca de uma qualidade de vida que acreditam só
encontrarem nas grandes cidades.
Tendo em vista a problemática das ocupações em áreas de risco hidrológico,
especialmente nos grandes centros urbanos, pela parcela da população alijada de melhores
condições de vida e do seu direito à cidade, o presente artigo se propõe a discutir as relações
entre qualidade de vida e percepção de risco, construindo uma reflexão sobre o papel das
condições de risco podem ser confrontadas com a percepção de uma boa qualidade de vida,
ligada a aspectos subjetivos da multidimensionalidade da qualidade de vida urbana, como parte
das investigações de uma pesquisa, em andamento, que busca analisar as percepções de risco e
da qualidade de populações que ocupam áreas de risco hidrológico em uma grande metrópole.

2 QUALIDADE DE VIDA

Segundo o dicionário Oxford, a palavra qualidade se refere a “1. Propriedade que


determina a essência ou a natureza de um ser ou coisa; 2. Grau negativo ou positivo de
excelência”. Quando aplicado ao termo ’vida’, qualidade de vida, no senso comum, na área
pública ou política, geralmente assume seu segundo significado, assumindo-se que qualidade de
vida se refere a algo positivo e almejado tanto por um indivíduo quanto por um grupo de
indivíduos (HANESTAD, 1990). Contudo, essa visão retira a qualidade de vida de um contexto de
definição de um estado em que se encontra a população, e, por isso, geralmente, o papel
descritivo do primeiro significado é adotado em pesquisas científicas.

634
De acordo com Vitte (2009), ter uma vida com qualidade depende de interesses,
desejos e expectativas individuais, porém culturalmente constituídas. Ao qualificar a vida é
introduzida uma valorização de horizontes desejáveis para determinado grupo social, havendo
diferenças entre níveis de exigência, de aspirações e de satisfação.
Apesar de sua importância social, ainda não há um consenso sobre ao que exatamente
se refere o termo qualidade de vida (GALLO, 2020; 2017). Tema de muitas pesquisas e aplicado
a diversas áreas do conhecimento, possui definições plurais e divergentes mesmo quando
analisado pelo mesmo campo. Estudado pela sociologia, medicina, filosofia, geografia, entre
outros, é justamente a sua multidisciplinaridade, dentre outros fatores, que origina tantas
definições propostas (FARQUHAR, 1995). Além disso, a consideração dada a aspectos subjetivos
e baseados em experiência individuais também auxiliou para a ampliação do conceito. Se antes,
qualidade de vida era usado como sinônimo de saúde e bem estar, hoje passou-se a considerar
situações mais amplas que vão além do controle de sintomas, diminuição da mortalidade e
aumento da expectativa de vida (SANTIN, 2002).
Tendo isso em vista, a pesquisadora Morag Farquhar (1995) formulou uma taxinomia
de definições tanto para demonstrar a falta de consenso quanto para organizar as definições da
literatura especializada e visualizar as semelhanças presentes entre elas. A partir desse estudo,
a autora categorizou quatro grupos de concepções:
1. Definição global: é a mais comum onde é feita uma generalização que diz pouco
sobre os componentes da qualidade de vida incorporando ideias como
felicidade/infelicidade, satisfação/insatisfação etc. Definições que afirmam que
é justamente o prazer e a satisfação que caracterizam a existência humana se
encaixam nesta categoria.
2. Definição de componentes: em que a qualidade de vida é dividida em tópicos
abrangendo aspectos objetivos e subjetivos. Essa subdivisão do tema pode
variar de acordo com o foco de estudo, o que pode indicar resultados
enganosos. A definição indicada pelo Grupo de Qualidade de Vida da
Organização Mundial de Saúde (OMS) se enquadra nessa categoria, pois define
que "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e
sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações" (FLECK et al, 2000, p. 179) é o que
caracteriza a qualidade de vida. Foi a partir disso, que o grupo estruturou um
instrumento de avaliação da qualidade de vida com seis domínios, sendo eles:
físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e
espiritualidade/religião/crenças pessoais.
3. Definição focalizada: pode ter foco em um ou mais componentes relativos à
qualidade de vida, sendo os mais comuns saúde e habilidade funcional
(CICONELLI et al, 1999). Nem sempre esse destaque a determinados aspectos
está explícito na abordagem, muitas vezes mostrando, do ponto de vista
microeconômico, como a qualidade de vida é dependente das características
físicas e sociais em que o indivíduo está inserido.
4. Definição combinada: reúne as outras definições da literatura especializada que
não podem ser enquadradas nas outras categorias, por exemplo, ao analisar as
outras definições propostas define-se a qualidade de vida como um termo
abstrato e complexo que representa respostas individuais.

635
Portanto, a partir da taxonomia apresentada por Farquhar, percebe-se que além da
multidisciplinaridade atribuída ao termo, também há outras variantes que influenciam no ponto
de vista apresentado por um autor, tal qual o foco do estudo, o grau de importância conferido
a um fator específico e a ambientação cultural (idade, gênero, nacionalidade etc.). Logo, é
inegável a relevância que experiências pessoais possuem na avaliação da qualidade de vida de
um indivíduo ou grupo de indivíduos, ainda que a definição exata do termo possa variar de
acordo com condicionantes externas.

2.1 Qualidade de vida no contexto urbano

Os primeiros estudos relacionados à qualidade de vida foram iniciados pelas ciências


biológicas, e, por isso, foram adotados como sinônimos de saúde e bem-estar. Assim, o
conhecimento foi desenvolvido a fim de aumentar a expectativa de vida e controlar as
enfermidades que afetam os centros urbanos. De fato, houveram avanços frente a questões de
saúde que, na perspectiva adotada nos primeiros estudos poderiam significar um aumento
significativo na qualidade de vida. Contudo, a trama social complexa que se desenvolveu nas
cidades passaram a ser consideradas em estudos mais recentes (GALLO; BESSA, 2018). Segundo
Vitte (2009), a qualidade de vida não pode ser alcançada apenas com condições básicas
garantidas por políticas públicas uma vez que a sociabilidade é um parâmetro relevante para o
debate. Nesse caso, é importante frisar que a crescente insegurança e segregação socioespacial
nos grandes centros urbanos brasileiros afeta diretamente essa prática (GALLO, 2017).
Assumindo o conceito de qualidade de vida no contexto urbano pós Revolução
Industrial como algo bom e desejável pela população, não se pode ignorar as relações sociais e
culturais que são estabelecidas em uma determinada área e é influenciável por aspectos
econômicos e civis. No debate sobre qualidade de vida no Brasil, há três abordagens principais
que são adotadas: 1) aspectos objetivos da vida urbana; 2) características subjetivas
relacionadas à percepção, satisfação e felicidade; e 3) a abordagem das políticas públicas e seu
impacto na vida das populações (GALLO, 2020; SANTOS; GALLO, 2018b). Isso significa que,
mesmo dentro de um mesmo bairro, cidade, país ou contexto cultural, ainda é possível haver
divergências na satisfação ou insatisfação da qualidade de vida dos indivíduos, pois se trata de
condicionantes subjetivas para além de questões objetivas.
As relações do conceito com o planejamento urbano podem ser compreendidas sob
três aproximações: 1) a caracterização do espaço em termos físicos, como infraestrutura e
qualidade ambiental do espaço urbano; 2) a consideração da dimensão sociológica concernente
ao ambiente social, econômico e cultural que definem trajetórias de vida; e, 3) a síntese entre
aspectos físicos e culturais, onde o espaço urbano, repleto de signos e mapas mentais são
carregados de características simbólicas (NUVOLATI, 2010).
No século XX, quando a expressão qualidade de vida começava a ocupar um espaço na
mídia e, por consequência, no linguajar popular, o termo passou a ser usado como um sinônimo
do consumismo. Quanto mais automatizada a vida urbana, maior tende a ser a satisfação do
indivíduo, associada a uma sensação/utopia de modernidade. Porém, em uma sociedade de
consumo pós-industrial, esta “utopia” não é para todos, posto que a evolução tecnológica tão
pouco resolveu problemas relacionados à fome, segurança, saúde, pelo contrário, muitas vezes
impulsionou e agravou as desigualdades (BUARQUE, 1993). Assim, não seria necessário o
investimento em serviços públicos se fosse possível acessar opções particulares, como hospitais,

636
transporte, segurança, educação e lazer. Nesse caso, normaliza-se o fato de que pessoas com
renda baixa vivam em situações precárias, uma vez que não possuem poder aquisitivo para
comprar “qualidade de vida”.
Benavides (2011) defende que avaliar e interpretar a qualidade de vida como subsídio
para o planejamento local e a gestão urbana dependem de algumas características importantes
(Figura 1):

Figura 1- Análise da qualidade de vida como elemento de subsídio para o planejamento e gestão urbanas.

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Benavides, 2011.

1. Identificação das dimensões consideradas importantes e prioritárias para o


planejamento, em suas diferentes escalas (intra-urbana, urbana e regional).
Essas dimensões compõem as necessidades identificadas com a necessidade de
serem satisfeitas para que o nível de qualidade de vida almejado seja alcançado:
educação, saúde, trabalho e renda, participação econômica, recreação,
segurança pessoal, moradia, serviços básicos e um ambiente físico natural e
social adequados.
2. Identificação dos níveis almejados de satisfação para cada um dos componentes
identificados como importantes pela leitura técnica e social do território.
3. Setorização do território, de acordo com a escala e complexidade considerados,
seguindo critérios espaciais de: morfologia urbana, unidades administrativas e
censitárias, dentre outras, de forma a delimitar unidades, preferencialmente
georreferenciadas, que constituam o maior nível de desagregação possível,
mantendo homogeneidade interna.
4. Seleção e construção de indicadores que possibilitem a mensuração do
comportamento de cada necessidade/dimensão considerada prioritária ou
importante para o território e a comunidade, no que diz respeito à sua
satisfação.

637
3 CIDADE E RISCO

Concomitante à busca por melhores condições e o intenso processo de urbanização,


houve o domínio da insegurança e do medo nas cidades brasileiras (ALMEIDA, 2011). Contudo,
essa distribuição ocorreu de forma desigual na sociedade, gerando grupos vulneráveis
(OLÍMPIO; ZANELLA, 2017). A desigualdade de renda origina populações carentes que passam a
ocupar terrenos de menor valor, por vezes se submetendo a áreas perigosas, com risco
geológico e/ou hidrológico. Tal qual a qualidade de vida, o termo risco também é utilizado em
diversas áreas do conhecimento de maneiras distintas. Dentre as diversas formas como é
aplicado, os riscos geológicos e hidrológicos se fazem presentes no contexto urbano.
Em um primeiro momento é necessário definir a diferença entre perigo e risco. Perigo
é quando um fenômeno natural passa a representar uma possibilidade de dano a pessoas,
propriedades ou ao espaço, enquanto risco é caracterizado pelas consequências que um
provável fenômeno pode causar sobre uma comunidade (OLÍMPIO; ZANELLA, 2017). Isso
significa que os riscos naturais surgem na relação entre fenômenos e sociedade
(ZANDOMENICO; MARTIN, 2022). Cabe dizer também que os fenômenos naturais sempre
tiveram a mesma intensidade que apresentam hoje, o que aumentou foram os desastres
causados por estes riscos naturais. De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, estes são o
resultado dos fenômenos extremos sobre a sociedade que não possui recursos para lidar com
os impactos causados. A impressão de que estão mais danosos e frequentes se dá pela ocupação
indevida e sem estrutura apropriada de zonas naturalmente afetadas. Portanto, alguns perigos
que não são considerados riscos podem passar a ser a partir da ação interventiva do homem na
natureza.
Para que um evento se constitua em um desastre ele deve combinar ameaças, naturais
e/ou tecnológicas, exposição, condições de vulnerabilidade e incapacidade de reduzir suas
consequências negativas e potenciais de risco. Desta forma, um desastre acontece após uma
ameaça, relacionada a eventos naturais, por exemplo, estar envolvida em condições sociais
desfavoráveis de vulnerabilidade e controle (OPAS, 2014). Estes eventos naturais podem ser:
1. Eventos geológicos ou geofísicos: envolvendo processos erosivos, de
movimentação de massa e deslizamento resultantes de processos geológicos ou
fenômenos geofísicos.
2. Eventos meteorológicos: envolvendo os processos que resultam em fenômenos
como raios, ciclones tropicais e extratropicais, tornados e vendavais.
3. Eventos hidrológicos: envolvendo processos que resultam em alagamentos,
enchentes, inundações graduais e bruscas, e movimento de massa úmida
(deslizamento).
4. Eventos climatológicos: envolvendo processos relacionados à estiagem e seca,
queimadas e incêndios florestais, chuvas de granizo, geadas e ondas de frio e
calor.
Através de um estudo realizado em uma comunidade após um evento climático
extremo em Santa Catarina, Xavier, Barcellos e Freitas (2014) mostraram que as consequências
de um evento natural pode afetar por um longo período a saúde daqueles atingidos. Dessa
forma, é significativo as condições em que se encontravam os afetados pelo evento uma vez que
condições de vulnerabilidade costumam ser preexistentes e influenciam nos impactos dos
acontecimentos.

638
Figura 2- Esquema com definições de conceitos básicos sobre riscos naturais.

Fonte: Elaborado pelos autores com base em Olímpio e Zanella, 2017.

Com o processo acelerado e desigual de urbanização brasileira, os territórios urbanos


tornaram-se fragmentados e descontínuos, sua ocupação, conjuntamente à questão
habitacional configuraram facetas de um crônico problema de direito à cidade e à cidadania
plena. Este processo iniciado ainda no século XIX e acentuado após a segunda metade do século
XX, culminou com o aumento exponencial da demanda habitacional, especialmente por grande
parte da classe trabalhadora que buscava nas cidades melhores condições de vida (BONDUKI,
2017; SANTOS, 2013). Diferentes formas de ocupação surgiram nos territórios urbanos e
periurbanos, fomentados seja pela iniciativa privada como pela ação governamental. A busca
por áreas menos valorizadas, onde era possível e acessível a aquisição de terrenos deu-se,
muitas vezes, em locais ambientalmente vulneráveis, como encostas de morros, fundos de vale
e áreas de várzea.
Com um aumento do contingente de pessoas se instalando num território cada vez
menor, a urbanização levou a uma segregação socioespacial e maior especialização do trabalho,
uma vez que a regulação do território é baseada no valor da terra, determinado pelo mercado
(SANTOS E SILVEIRA, 2004).

639
3.1 Riscos geológicos e hidrológicos em espaços urbanos

Os riscos geológicos são constituídos pelos abalos sísmicos, as erupções vulcânicas, as


enchentes/inundações e os deslizamentos de terra (OPAS, 2014). No Brasil, os dois primeiros
não são suscetíveis devido à localização central do país na placa tectônica Sul-Americana que
forma a crosta terrestre e, por isso, não serão aprofundados nesta análise. Já os outros dois tipos
de risco são dependentes de outros fatores como relevo, condições climáticas e biológicas,
bacias hidrográficas, cobertura vegetal, entre outros (SANTOS, 2017). No caso das enchentes e
inundações, também podem ser enquadradas em riscos hidrológicos pois resultam de eventos
hidrológicos.
As cidades representam a maior intervenção do homem no meio físico natural criando
espaços através de intervenções com movimentação de terra, impermeabilização do solo,
aterros etc. Como consequência, os centros urbanos enfrentam adversidades como enchentes,
solapamento de estruturas, e contaminação de solos e cursos d’água. Todos esses fatores
influenciam diretamente em aspectos objetivos e subjetivos da qualidade de vida daqueles que
ocupam as áreas sujeitas a tais eventos, uma vez que causam insegurança e instabilidade social.
No caso dos deslizamentos de terra, há alguns fatores que poderiam ser evitados que
se repetem, seja por questões sociais, seja pela falta de supervisão técnica de profissionais. Um
exemplo é a cultura de morar no plano fazendo com que opções adaptativas ao relevo não sejam
consideradas, tal qual a divisão da construção em patamares. Essa solução é utilizada em larga
escala em cidades como Santorini na Grécia e em Machu Picchu no atual Peru. Isso significa que
a ocorrência de desastres desse âmbito poderiam muitas vezes ser evitados com mecanismos
de controle e fiscalização do crescimento urbano.
Por outro lado, as inundações podem ocorrer tanto pelo transbordamento do nível dos
rios ou pela ineficiência de drenagem em áreas não habitualmente submersas (OPAS, 2014).
Essas ocorrências são classificadas como: enchentes ou inundações graduais, enxurradas ou
inundações bruscas, alagamentos e inundações litorâneas. Em regiões urbanas, costumam
ocorrer pela ocupação de áreas próximas a corpos d’água ultrapassando margens de segurança
para períodos de cheias. Segundo dados apresentados na Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável de 2012, mais de 102 milhões de pessoas são expostas ou
afetadas por estes eventos anualmente. Apesar de ser um problema global, os impactos tendem
a ser mais graves em países com renda per capita menor e sem medidas de desenvolvimento
sustentável.

3.1.1 Riscos na cidade de São Paulo

Tomando a cidade de São Paulo como um cenário de exemplo para a análise desses
riscos, é possível perceber que estes grupos de vulnerabilidade surgiram pela sobreposição de
interesses políticos e econômicos que aceleraram seu processo de urbanização sem considerar
barreiras físicas naturais da geografia do sítio (ENTRE RIOS, 2009). Em sua formação, para
acompanhar o intenso aumento populacional que ocorreu, os rios da capital tiveram seus cursos
modificados, desprezando a natureza dos rios de planícies, caracterizados pelo formato sinuoso
com períodos de cheias nos meses chuvosos (SEABRA, 2019). O perfil desses rios urbanos não
mudou com o crescimento da cidade mesmo quando suas várzeas foram aterradas para serem

640
ocupadas pelos novos moradores por influência do mercado imobiliário e das indústrias que
desejavam se instalar na futura metrópole. Esse processo apressado resulta hoje na presença
de habitações em áreas geologicamente frágeis e inadequadas para ocupação.
Vale ressaltar que algumas dessas áreas poderiam ser urbanizadas caso tivessem a
atenção necessária referente a parte técnica das habitações (SANTOS, 2017). Para a ocupação
apropriada é fundamental a adaptação das técnicas urbanísticas e construtivas ao solo do local,
ou seja, uma análise geotécnica para que a estrutura das habitações possam ser adequadas às
condições, porém isso não costuma ser realizado.
Esse problema surge não da falta de material, conhecimento ou profissionais
disponíveis no mercado brasileiro, mas da falta de investimentos e importância dada por parte
tanto do poder público quanto privado (SANTOS, 2017). Além disso, o perfil dos moradores
dessas regiões costuma ser os dos menos favorecidos econômica e socialmente justamente
pelas dificuldades que são típicas desses locais de ocupação não planejada, geralmente nas
periferias afastadas dos centros e superpovoados com defasagem construtiva.
Segundo estudos divulgados em 2022 pela Coordenadoria de Produção e Análise de
Informação (Geoinfo), da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) da prefeitura de São
Paulo, atualmente existem 495 áreas de risco na cidade de São Paulo, totalizando 1.725 ha. Essas
áreas estão indicadas na figura 3 e são divididas em 4 grupos sendo eles: R1 (risco baixo), R2
(risco médio), R3 (risco alto) e R4 (risco muito alto).

641
Figura 3- Setores de risco no município de São Paulo.

Leg
end
a:
FONTE: São Paulo, 2023..

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora não haja unanimidade sobre a definição de qualidade de vida, sua importância
é apontada pela literatura especializada, que, paulatinamente, se apropriou e utilizou o conceito
em diferentes áreas do conhecimento. Todavia, a pluralidade de conceituações contribuem para
o esclarecimento do tema em escala multidisciplinar. Portanto, é importante a consideração de
diferentes perspectivas da ciência para a formulação de um conceito integrado.
Apesar disso, estudos recentes que já indicam a relevância de fatores subjetivos para
o julgamento da qualidade de vida de um indivíduo e/ou de uma comunidade, se tornam mais
frequentes no meio acadêmico. Por esse motivo é necessário voltar a atenção para aspectos que
vão além de políticas públicas e questões objetivas da vida em centros urbanos, considerando,
por exemplo, relacionamentos interpessoais, sociabilidade e segurança.
A desassociação de qualidade de vida exclusivamente com bem-estar e saúde, apesar
de uma estar diretamente relacionada com a outra, ainda se faz necessária, porém o termo tão

642
pouco pode ser assumido como contexto de condição, privilegiando aqueles com maior poder
aquisitivo. É considerável o desenvolvimento e aplicação de estudos mais interventivos.
Por fim, a compreensão desses aspectos deve guiar a atenção daqueles que se
encontram em situação de vulnerabilidade devido a deficiência de regulação do poder
administrativo. Assim, é necessário um serviço público que se disponha a estudar, monitorar e
orientar medidas de prevenção a questões urbanas ligadas ao meio físico geológico auxiliando
no melhoramento da qualidade de vida da população.

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ALLARDT, E. Tener, amar, ser: una alternativa al modelo suceo de investigación sobre el bienestar. In: NUSSBAUM,
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644
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
(X ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

QUEM NÃO TEM VISÃO BATE A CARA CONTRA O MURO: REFLEXÕES


SOBRE LAPSOS E BURACOS NOS SUBÚRBIOS FERROVIÁRIOS DO RIO DE
JANEIRO

THOOSE WHO HAVE NO VISION HIT THEIR FACES AGAINST THE WALL: THOUGHTS
ABOUT GAPS AND HOLES IN THE RAILWAY SUBURBS OF RIO DE JANEIRO

Sergio Felipe Henriques


Mestrando em Arquitetura, PROARQ/UFRJ, Brasil
sergio.abreu@fau.ufrj.br

645
RESUMO
As linhas férreas nos subúrbios da região metropolitana do Rio de Janeiro ordenam funcional e socialmente seus
territórios, fato reforçado por seus muros que atuam como limites ou fronteiras e os segregam entre lados “de lá” e
“de cá”. Nesse contexto, investigam-se locais com passados violados por linhas férreas muradas onde a continuidade
de eixos importantes para a experiência de bairro foi interrompida com a passagem do trem. Esses locais são
chamados neste trabalho de lapsos. Como reações subversivas em resposta aos transtornos causados por eles e à
ausência do poder público em solucioná-los, enfatizam-se os buracos, travessias clandestinas sobre os trilhos criadas,
usadas e mantidas por suburbanos. Os buracos desconstroem a natureza divisora dos muros ferroviários e revelam
relações dinâmicas entre corpos e morfologia urbana que recursos predominantes de domínio e representação das
paisagens, como mapas, não são capazes de captar. Por isso, opta-se pela fotografia como método de leitura
paisagística que captura essas relações identificadas em experiências com as paisagens. Essas experiências ocorreram
através de derivas em bairros ferroviários no município do Rio de Janeiro. A abordagem qualitativa etnográfica
utilizada neste trabalho é amparada pelo modo desviante de ver paisagístico de Jacques e Britto em oposição a um
modo categórico de Lynch e Jacobs.

PALAVRAS-CHAVE: Muros ferroviários. Lapsos ferroviários. Buracos ferroviários.

SUMMARY
The railway lines in the suburbs of the metropolitan region of Rio de Janeiro functionally and socially organize their
territories, a fact strengthened by their walls, which act as limits or borders and segregate the territories into "here"
and "there" sides. In this context, this article investigates places which pasts have been violated by walled railway lines
where the continuity of important axes for the neighborhood experience was interrupted by the presence of the train.
These places are called "lapses" in this article. As subversive reactions in response to the inconvenience caused by
them and the absence of public authorities to solve them, this article also investigates clandestine crossings over the
tracks conceived, used and maintained by suburbanites and known by them as "holes". Railway holes deconstruct the
divisive nature of the railway walls and reveal dynamic relationships between bodies and urban morphology that the
predominant resources for mastering and representing landscapes, such as maps, are unable to capture. For this
reason, photography was chosen as a method of landscape reading that captures these relationships identified in
experiences with landscapes. These experiences occurred through drifts in railway neighborhoods in the city of Rio de
Janeiro. The qualitative ethnographic approach used in this article is supported by Jacques and Britto's deviant way of
seeing landscapes, in opposition to a Lynch and Jacobs' categorical way.

KEYWORDS: Railway walls. Railway lapses. Railway holes.

646
1 INTRODUÇÃO

Por volta de 1870 até o início do século XX, as linhas férreas do antigo Distrito Federal,
atual município do Rio de Janeiro, menos tecnológicas e com fluxo mais baixo de passageiros,
eram quase todas integradas ao arranjo urbano e às relações de ocupação, inclusive com livre
circulação de pessoas sobre elas (LINS, 2010). Conforme a rede ferroviária era aperfeiçoada,
suas linhas foram sendo isoladas com bloqueios gradeados por motivos operacionais e de
segurança à proporção que os trens adquiriam mais velocidade. Desde a eletrificação da rede
na década de 1950, os gradis, que não bloqueavam a visão entre os lados das linhas férreas,
foram sendo substituídos por muros altos. Embora evitem atropelamentos, os muros
ferroviários instituíram extensas e contínuas barreiras que se tornaram símbolos da segregação
espacial interbairros nos subúrbios no Rio de Janeiro provocada pela presença do trem (LINS,
2010). No entanto, suburbanos não estão completamente reféns do fracionamento de seus
bairros por linhas férreas muradas e criam formas de viver apesar dele. É a partir desta
observação que este trabalho se desenvolve sustentado na hipótese de que afetos suburbanos
identitários e resistentes perante uma sociogeografia desigual no Rio de Janeiro incorporam e
ressignificam seus elementos morfológicos. Foca-se em afetos manifestados coletivamente em
paisagens suburbanas ferroviárias e na incorporação e ressignificação de seus muros.
As paisagens são linguagens, acontecimentos, movimentos e complexidades para além
das dicotomias dos seus diagnósticos sistemáticos: urbano e rural, cheio e vazio, público e
privado, etc. O dinamismo das camadas que estão entre essas dicotomias, como ações
moleculares (DELEUZE; GUATTARI, 2012), não é expressado nos meios hegemônicos de
representação dos elementos das paisagens nos campos da arquitetura e do urbanismo, como
mapas, plantas baixas, cortes e ortofotos. A molecularidade da vida cotidiana, segundo Deleuze
e Guattari (2012), está em práticas individuais ou coletivas fluídas, espontâneas e
transformadoras, capazes de desafiar as estruturas molares. Esta molaridade retrata formas
rígidas e centralizadas de controle que homogeneízam as sociedades. Nesse sentido, Ribeiro
(2016, p. 32) se refere a representação como “uma entidade de ordem molar, que carrega em
si a capacidade de estratificar, enrijecer vetores e definições, propor uma condição
padronizadora de fazer o todo se igualar ao uno”. Por isso, a maneira com a qual este trabalho
se propõe a superar tal ordem molar, potencializando ações moleculares de afeto corpo-
paisagem, é atuando sobre vestígios do que ocorre entre relações molares dicotômicas “para
identificar a capacidade [...] de resistência a processos homogeneizantes de configuração
espacial, e verificar singularidades identitárias [...] através da construção de novos modos de
ação e interação revertidos nas formas urbanas” (MATTOSO, 2019, p. 1). Assim, busca-se
desconstruir uma leitura simplista da forma urbana muro ferroviário, associada à sua natureza
divisora, a fim de revelar marcas que escapam dos meios limitantes de domínio e representação
dela.
Este trabalho é estruturado em dois blocos principais. O primeiro, intitulado “muros
repressores”, dedica-se à influência das linhas férreas muradas na organização territorial
suburbana do Rio de Janeiro, sobretudo a sua capacidade de restringir aspectos da vida
cotidiana associada. Enfatizam-se locais com passados violados por linhas férreas muradas onde
a continuidade de eixos importantes para a experiência de bairro foi interrompida com a
passagem do trem. Esses locais negligenciados por forças molares são chamados neste trabalho
de lapsos. O segundo bloco, intitulado “muros superados”, dedica-se aos buracos, passagens

647
ilegais sobre os trilhos criadas, usadas e mantidas por moradores afetados por lapsos. Entende-
se que muros ferroviários nos subúrbios do Rio de Janeiro são mais do que elementos
morfológicos estáveis das suas paisagens, mas causas de onde partem complexas relações de
corpos suburbanos com elas. Essas relações dinâmicas moleculares, ausentes dos meios
predominantes de domínio e representação paisagísticos, também fazem paisagens.

2 METODOLOGIA

A leitura dos muros ferroviários é amparada em registros fotográficos resultantes de


derivas. Destaca-se a participação de Lígia Magalhães cujas fotografias deste trabalho são de
sua autoria. Inspirados nas derivas dos situacionistas que se permitiam ser movidos pelas
paisagens sem qualquer hierarquia através da prática do caminhar errático essencialmente
visual e sensorial, lançamo-nos de forma despretensiosa em alguns bairros suburbanos das
zonas norte e oeste do município do Rio de Janeiro em busca de muros ferroviários. O objetivo
era o de pensamento que surge não só das paisagens, mas com as paisagens. Ela nos afetou e
os afetos foram registrados. A fotografia é, portanto, recurso metodológico de representação
paisagística capaz de captar camadas dinâmicas ausentes dos recursos predominantes, como
mapas. Ela é fonte de percepções sensíveis.
A partir das derivas realizadas, um trecho do bairro de Pilares, na zona norte, e outro
na divisa dos bairros de Padre Miguel e Realengo, na zona oeste, foram elegidos para estudos
de caso.
A investigação teórica dos lapsos e buracos incorpora o modo desviante de ver
paisagístico de Jacques e Britto (2010; 2008) em oposição a um modo categórico de Lynch (2011)
e Jacobs (2009).

3 MUROS REPRESSORES: OS LAPSOS

A SuperVia é a concessionária que desde 1998 até o tempo deste texto tem a
concessão para a atividade comercial e de manutenção da rede de trens da região metropolitana
do Rio de Janeiro1. Ela gerencia aproximadamente 270 km lineares de trilhos. Se fosse traçada
uma reta ligando a extremidade oeste do município do Rio de Janeiro, na ponta da Zona
Industrial do bairro de Santa Cruz, até a Praça Mauá, um local turístico em destaque no bairro
do Centro, dividindo o município em hemisférios norte e sul, seria necessário percorrer quase
cinco vezes essa reta para alcançar a extensão da rede metropolitana de trens. Em um plano
hipotético simplista para fins exemplificativos, desconsiderando topografia e os complexos
pretextos políticos e econômicos das trajetórias de ocupação humana, se essa reta fosse
representada por uma primeira linha férrea que viria a ser isolada por muros, é possível imaginar
uma variante do município do Rio de Janeiro cuja evolução morfológica penderia para dois
segmentos urbanos distintos em termos administrativos e econômicos e, sobretudo, sociais. O
hemisfério sul desse Rio de Janeiro seria lugar das camadas mais favorecidas da população onde
a proximidade com as praias e grandes centros comerciais, de serviço e financeiros constituiriam
privilégios ausentes, na mesma escala, no hemisfério norte, onde as baixas camadas cariocas

1 Também chamada de Grande Rio, é composta de 22 municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim,
Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Queimados,
Seropédica, São Gonçalo, São João de Meriti, Tanguá, Cachoeiras de Macacu, Rio Bonito e Rio de Janeiro.

648
teriam seu lugar de moradia. No norte, a função econômica, quando não concentrada no sub-
centro de Santa Cruz, estaria adaptada às dinâmicas locais e, por isso, com pouco valor
quantitativo na oferta de emprego comparado à demanda exigida no sul que, por sinal, seria
suprida pela massa nortista. Esta teria que diariamente ultrapassar a fronteira férrea nas viagens
casa-trabalho e trabalho-casa. O município do Rio de Janeiro estaria fragmentado em dois lados
bem definidos que se distinguiriam pelo valor econômico e imobiliário da terra e pelo
discernimento das formas urbanas correspondentes aos seus usos predominantes e efeitos
estéticos e funcionais nos ambientes. Seria observado um claro zoneamento submisso à linha
férrea.
Apesar da hipótese parecer dramática, ela mostra como um elemento da morfologia
urbana com grande capacidade divisora pode ser usado como referência para definir o
funcionamento de uma região. Ao supor o corte do município em dois lados, as consequências
previstas, que podem até soar distópicas, tornam-se mais evidentes e ofensivas sob a ótica
urbana e social por conta da escala. Entretanto, pelo menos 57 bairros 2 suburbanos cariocas são
efetivamente cortados por linhas férreas muradas, muitos deles divididos ao meio, derivando
bairros distintos na percepção coletiva, inclusive em termos classicistas. Por esse motivo, a
leitura das zonas norte e oeste do município do Rio de Janeiro precisa considerar as linhas da
SuperVia que as rompem em lados que desenvolvem experiências urbanas diferentes ou
opostas. Em escala metropolitana, estima-se que 75%3 da extensão das linhas férreas é murada
em pelo menos um lado. É inegável a imensa influência do trem e dos seus muros na organização
dos subúrbios ferroviários no Rio de Janeiro.
Quando fragmentam um bairro em duas ou mais partes e, por consequência,
dificultam a comunicação entre elas, as linhas férreas muradas geram bairros não mapeados
pela administração pública, mas reconhecidos pelos moradores e presentes na linguagem local
e geografia mental. Essa leitura de bairro desvinculada dos seus contornos políticos-
administrativos e marcada por uma identificação visual, alcançável por uma identidade formal
de natureza estética, funcional ou simbólica, já foi discutida por alguns autores, como Lynch
(2011). Em 1960, ele examinou como os habitantes de três cidades norte-americanas percebiam
os ambientes construídos na época e identificou os elementos da morfologia urbana mais
utilizados para se identificar e se orientar nelas. Um desses elementos são os limites (edges) cuja
descrição de Lynch é categoricamente compatível com os muros ferroviários suburbanos:

2 Dado de autoria do autor coletado através de análise de mapas (2022). Foram considerados os traçados dos ramais
da SuperVia e os contornos político-administrativos segundo o aplicativo Bairros Cariocas do Instituto Pereira Passos
(IPP). Os bairros em questão são os seguintes: na zona norte, Anchieta, Ricardo de Albuquerque, Marechal Hermes,
Bento Ribeiro, Oswaldo Cruz, Madureira, Cascadura, Quintino Bocaiúva, Piedade, Encantado, Engenho de Dentro,
Todos os Santos, Méier, Engenho Novo, Sampaio, Riachuelo, Rocha, São Francisco Xavier, Praça da Bandeira, Pavuna,
Costa Barros, Barros Filho, Honório Gurgel, Rocha Miranda, Turiaçú, Engenheiro Leal, Cavalcanti, Tomás Coelho,
Pilares, Del Castilho, Maria da Graça, Jacarezinho, Benfica, Manguinhos, Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Penha
Circular, Brás de Pina, Cordovil, Parada de Lucas e Vigário Geral; na zona oeste, Santa Cruz, Paciência, Cosmos,
Inhoaíba, Campo Grande, Senador Vasconcelos, Santíssimo, Senador Camará, Bangu, Padre Miguel, Realengo,
Magalhães Bastos, Vila Militar e Deodoro.
3 Dado de autoria do autor coletado através de análise de mapas (2022). Foram identificados os seguintes traçados

predominantemente livres de muros: trecho entre a estação Japeri e o limite do bairro Eng. Pedreira (cerca de 5 km);
trecho entre a estação Gramacho e a altura da refinaria Reduc da Petrobrás (cerca de 3,5 km); extensão Paracambi
(cerca de 8 km) do ramal Japeri da SuperVia e as extensões Vila Inhomirim (cerca de 15 km) e Guapimirim (cerca de
40 km) do ramal Saracuruna da SuperVia, somando aproximadamente 71,5 km lineares, apenas 25% da extensão
total da rede ferroviária metropolitana.

649
[...] fronteiras entre duas partes, interrupções lineares na continuidade, [...] cortes do
caminho-de-ferro, paredes [...], barreiras mais ou menos penetráveis que mantêm
uma região isolada das outras, [...] costuras, linhas ao longo das quais regiões se
relacionam e encontram, [...] uma relevante característica organizadora. (LYNCH,
2011, p. 58).

O que mais importa para a vida associada cotidiana são os aspectos dos lugares que os
diferenciam de outros, não suas áreas de planejamento, regiões administrativas e demais
contornos oficiais. Nesse sentido, o aspecto do corte de bairros por linhas férreas muradas em
partes entendidas como pertencentes a bairros distintos é marcante e motivo de tantos
suburbanos não saberem com precisão onde moram. Isso ocorre porque as partes, cuja conexão
entre elas é deficiente, frequentemente se desenvolvem de modo contrastante em termos
funcionais e/ou sociais e, logo, práticos e fisionômicos. Origina-se, daí, o fenômeno linguístico
do “lado de lá” e do “lado de cá”, códigos tão enraizados na comunicação dos suburbanos por
motivos intuitivos derivados da natureza divisora dos muros ferroviários que eles nomeiam as
partes: “eu moro no lado de cá/lá de Brás de Pina”.
Por costumarem se relacionar mais ou apenas com o lado onde moram, é comum
suburbanos desconhecerem a totalidade de equipamentos de serviço e lazer, públicos ou
privados, e opções de comércio oferecidos nos seus bairros. Na ausência de algum deles no lado
“assumido”, preferem procurá-lo nos bairros vizinhos sem ter que atravessar a linha férrea. Isso
resulta em uma ideia de fusão dos mesmos lados de bairros contíguos. Geralmente o “lá” do
“lado de lá” remete a um lugar longe demais, mais imaginado que ocupado por quem é do “lado
de cá” e evitado por razões estritamente cômodas.
Assim sendo, pode-se afirmar que, tratando-se dos subúrbios cariocas ferroviários, há
duas cartografias em disputa: a político-administrativa, oficial e funcionalista, e a popular
mental, não-oficial e espontânea, sujeita ao trem e seus muros-limites.
As interrupções na continuidade de eixos de cidades provocadas por linhas férreas
muradas são notórias nos seus desenhos. No Rio de Janeiro, quando a malha suburbana
começava a tomar forma na segunda metade do século XIX, “no conjunto de ruas de um bairro,
poucas atravessavam a linha do trem. Somente a cruzavam aquelas vias estruturadoras, os
caminhos que ligavam bairros distantes” (LINS, 2010, p. 150). Tais bairros tiveram as estações
de trem como polos estruturadores, fato impresso nos seus desenhos através dos arruamentos
conforme descreve Mattoso (2009):

Cada bairro acaba por ter ao menos uma saída principal para a linha férrea, tendo seu
padrão de crescimento limitado entre a estrada de ferro a sua frente e os bairros
vizinhos, que também limitam seu crescimento tanto para a direita, quanto para a
esquerda, restando apenas um formato de crescimento paralelo à linha do Trem, que
parte das margens da estação, em muitos casos, e dá nome aos bairros, seguindo um
modelo de crescimento retangular. (MATTOSO, 2009, p. 89)

Porém, nos casos de bairros ferroviários que não nasceram a partir das suas estações
onde interrupções na continuidade de eixos foram provocadas pela posterior passagem do trem,
são frequentes ruas sem saída que culminam nos seus muros, antes deles usadas para unir locais
que hoje pertencem a lados distintos. Esses locais podem ser pontos de encontro como praças
ou esquinas que no passado pertenciam a ruas ainda não violadas pelo trem. Não é por acaso
que tais ruas são escolhidas para a implantação de travessias, sejam passarelas, passagens
subterrâneas ou viadutos/pontes, por preservarem a vocação de conexão entre os lados.

650
Os locais com passados violados por linhas férreas muradas são chamados neste
trabalho de lapsos. Como estudos de caso, investigam-se dois trechos de bairros com lapsos
seguidos em recortes lineares curtos dos traçados de trem. Um dos trechos é o do bairro de
Pilares, na zona norte, referente ao ramal Belford Roxo da SuperVia, entre as ruas Soares
Meireles e Luis de Castro. São quatro significativos lapsos em cerca de 550 m lineares de trilhos
(Figura 1). Outro trecho é o da divisa dos bairros de Padre Miguel e Realengo, na zona oeste,
referente ao ramal Santa Cruz da SuperVia, entre a rua do Imperador no lado sul ou Barão do
Triunfo no lado norte (o eixo é o mesmo) e a rua Piraquara. No mesmo recorte linear, outros
três lapsos (Figura 2). Surpreende imaginar a quantidade deles ao longo dos 270 km de extensão
das linhas férreas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Essas descontinuidades de eixos
da cidade formal são facilmente identificadas tanto através da visão aérea como através da
experiência do caminhar.

Figura 1 – Lapsos em Pilares, Rio de Janeiro, RJ.

Fonte: Sergio Felipe Henriques, 2022.

651
Figura 2 – Lapsos em Padre Miguel/Realengo, Rio de Janeiro, RJ.

Fonte: Sergio Felipe Henriques, 2022.

Figura 3 (Direita) – Lapso da rua Heleodora, Pilares, Rio de Janeiro, RJ. Figura 4 (Esquerda) – Lapso da rua do
Imperador, Realengo, Rio de Janeiro, RJ.

Fonte: Lígia Magalhães, 2022.

Vale citar que há uma tendência de as linhas férreas muradas operarem como critérios
para segmentar territorialmente classes sociais diferentes. Ao investigar o contexto dos lapsos
no trecho de Padre Miguel/Realengo, por exemplo, constata-se que o lado sul é habitado por
classes sociais de rendas mais elevadas, tendo inclusive um segmento do bairro de Padre Miguel
chamado Parque Leopoldina que é apelidado “zona sul 4 de Bangu” (os bairros do entorno de
Bangu, como o de Padre Miguel, são agrupados no que se conhece como a Grande Bangu), em
contraste com o lado norte caracterizado pela imagem estigmatizada de uma série de conjuntos
habitacionais e da favela da Vila Vintém. Essas realidades díspares não pertencem de forma
rígida aos seus lados exclusivamente. Há, sem dúvida, mistura de classes em um mesmo lado. O

4 A zona sul é uma pequena porção litorânea do município do Rio de Janeiro associada a classes sociais mais abastadas.

652
que se percebe, porém, são padrões de dominância de camadas de classe média em cada lado
das dezenas de bairros suburbanos divididos por linhas férreas muradas.
O entendimento dos subúrbios ferroviários do Rio de Janeiro está em função do trem
e da influência visível dos seus muros, o que lhes confere destaque. Apesar disso, por agirem
como extensas fronteiras, eles frequentemente desestimulam a apropriação dinâmica dos seus
entornos imediatos. Jacobs (2009, p. 295) entendeu essa condição paradoxal das fronteiras ao
afirmar que elas “são quase sempre vistas como passivas, ou pura e simplesmente como limites.
No entanto, [...] exercem uma influência ativa”. Dessa forma, os muros ferroviários são
referências incontestáveis na malha suburbana, como a centralidade de uma praça, mas
também inibidores de uma urbanidade vívida, com diversidade de usos, sobretudo econômicos.
Ao dissertar sobre os efeitos de desconstrução e deterioração dos ambientes públicos pelas
fronteiras, Jacobs (2009) explica que essa urbanidade vívida é diretamente proporcional à
presença humana. Porém, a baixa atratividade de tantos ambientes ligados aos muros
ferroviários, que em muitos casos são paralelos a vias de trânsito rápido ou expresso, torna-os
sem uso. O porte regulador autoritário e a inflexibilidade funcional dos muros, somado ao
caráter anti-humano das vias próximas ou praticamente emendadas neles, fazem sobrar
ambientes intimidadores e calçadas pouco largas ou estreitíssimas que afastam as pessoas.
Entretanto, a situação frágil e estéril dos ambientes ligados aos muros urbanos prevista
por Jacobs (2009) e Lynch (2011) não pode ser generalizada. A generalização, por sinal, é uma
ação molar (DELEUZE; GUATTARI, 2012) a qual este trabalho busca superar. Os próprios autores
afirmam que as fronteiras “tendem [...] a formar hiatos de uso em suas redondezas” (JACOBS,
2009, p. 297) e que “os limites são [...] normalmente, mas não sempre, as fronteiras entre duas
áreas de espécies diferentes” (LYNH, 2011, p. 73). Logo, eles versam sobre os efeitos
degenerativos das fronteiras ou limites nas cidades como predisposições, não como verdades
asseguradas. Nessa perspectiva, a categorização somente, uma decisão de ordem molar
(DELEUZE; GUATTARI, 2012), simplificadora e de controle, do elemento urbano muro ferroviário
como fronteira ou limite se mostra insuficiente para a análise factual das paisagens ferroviárias
suburbanas do Rio de Janeiro porque oculta complexidades inerentes a elas. Para uma devida
leitura paisagística, não basta categorizar seus elementos morfológicos, mas captar o que escapa
dessas categorizações enrijecidas, suas exceções ou ações moleculares (DELEUZE; GUATTARI,
2012) capazes de desconstruí-las. Em vista disso, distanciando-se da leitura bidimensional dos
mapas apresentados (Figuras 1 e 2), ambos os estudos de caso de lapsos apresentam relações
de urbanidade vívida ligadas aos muros ferroviários, inclusive econômicas locais. As reações de
enfrentamento com a natureza divisora deles são dados que os mapas, imparciais, inertes e
indiferentes aos afetos humanos, não mostram. Esses dados são do campo da experiência com
as paisagens.

4 MUROS SUPERADOS: OS BURACOS

“Quem não tem visão bate a cara contra o muro”, escreveram Raul Seixas e Paulo
Coelho em 1974. A música Como Vovó Já Dizia destaca o verso “quem não tem colírio usa óculos
escuros” que, diante das divergências sobre as possibilidades de seu significado, pode ser
comparável com o ditado popular “quem não tem cão caça com gato" que expressa a ideia do
improviso em caso de falta de instrumentos adequados para solucionar um problema.

653
A criação de passagens ilegais sobre os trilhos por moradores de bairros ferroviários
dos subúrbios do Rio de Janeiro, geralmente chamados por eles de buracos, é a forma mais
concreta de confrontar os muros-limites-fronteiras das linhas férreas e reagir contra a ausência
do poder público em solucionar os transtornos causados por eles. A presença dos buracos na
rotina de suburbanos de diversos bairros é bem significativa e, partindo da leitura paisagística
de Jacques (2010), aborda o complexo vínculo entre corpos suburbanos e a morfologia dos
subúrbios.

Figura 5 (Direita) – Buraco da rua Lomas Valentinas, Realengo, Rio de Janeiro, RJ. Figura 6 (Esquerda) – Buraco da
rua Luis de Castro, Pilares, Rio de Janeiro, RJ.

Fonte: Lígia Magalhães, 2022.

Observa-se uma conduta suburbana frente aos trilhos do trem que não os encara como
perigosos, mas como elementos íntimos da cidade. É indispensável ser afetado pelos muros
como obstáculos e ter que chegar a pé até o “lado de lá” diariamente para validar os buracos. A
presença deles também revela o insucesso das passarelas como recurso de travessia das linhas
férreas. Segundo o Plano Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), os pedestres têm
prioridade sobre toda e qualquer obra viária nas cidades. Seria interessante se essa prioridade
se refletisse em soluções que facilitam a mobilidade, compatíveis com a acessibilidade universal
e a prática agradável do caminhar. No entanto, as passagens subterrâneas ou pontes, recursos
mais viáveis do ponto de vista dos pedestres, são raras. Predominam nos subúrbios do Rio de
Janeiro as convencionais passarelas. Muitas pessoas sustentam conflitos com esse modelo
ultrapassado, especialmente as com mobilidade reduzida, portadores de necessidades
especiais, cadeirantes, idosos, usuários de bicicleta ou apenas quem deseja chegar mais rápido
até o outro lado. No trecho de Padre Miguel/Realengo, a passarela não acessível (a maioria delas
são constituídas de escadas) e razoavelmente conservada que conecta os lados da rua Piraquara
não é vista diferente dos muros: também é obstáculo (Figura 8). De fato, não é atrativo
prolongar o percurso e o esforço para fazê-lo a fim de vencer uma distância de cerca de 20 m
quando não há sinal de trem, o que é frequente pois os intervalos entre eles são longos.
“Buraco que dá acesso a trilhos da SuperVia é reaberto horas após concessionária fazer
obra para fechá-lo” (BURACO, 2017) foi manchete do G1 Rio em dezembro de 2017. Por um
lado, a SuperVia alerta sobre os riscos à segurança dos pedestres em trafegar sobre as linhas
férreas. Por outro, diante da clara incapacidade de contê-lo, há falta de investimentos em
melhoria do sistema ferroviário para que ele se adeque às realidades suburbanas. Em 2017,
foram identificados cerca de 180 acessos clandestinos (BURACO, 2017). Não obstante, são
poucas as ocorrências de atropelamentos relacionados a eles se comparadas com a multidão
metropolitana do Rio de Janeiro que diariamente trafega sobre suas linhas férreas. Em uma das

654
derivas realizadas para este trabalho, durante 40 minutos de observação do buraco da rua
Lomas Valentinas, em Realengo (Figura 5), entre 11h10 e 12h50 de uma terça-feira, foram
contabilizadas 68 pessoas atravessando a linha férrea e 7 trens nos dois sentidos. Dados do
Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, em uma década, entre 2011 e 2021, 409
pessoas morreram atropeladas por trens nos municípios atendidos pela SuperVia, sendo 1⁄3 dos
casos ocorridos nas estações (SAMPAIO, 2021), justamente onde a concessionária deveria ter
mais facilidade para evitá-los.
Apesar da mídia tratar os buracos como depredações, a maioria deles serve para
facilitar o atravessamento entre os lados “de lá” e “de cá”. Há, entretanto, quem os utilize para
“dar calote", isto é, chegar até as estações sem ter que pagar a tarifa do trem. Qualquer ação
que vise reduzir tal prática parece ineficaz, inclusive o fechamento dos buracos. Há nesse
contexto um claro conflito entre os interesses públicos e privados. A partir da perspectiva de
Jacques (2010), enquanto a SuperVia pacifica esse conflito, ocultando os buracos, o morador
resiste, tornando-os visíveis.
Nem a aparência degradante desses cruzamentos clandestinos desestimula a
ocupação deles. Em muitos casos, na verdade, as ambiências são bastante familiares e
despertam inventividade. Eles são lugares de encontro, cooperação e produção econômica. Em
Pilares, no buraco da rua Soares Meireles (Figura 7), enquanto capturava com a câmera
fotográfica as dezenas de corpos passantes sobre a linha férrea, Lígia esbarrou com um carteiro.
Já no buraco da rua Luis de Castro, um desconhecido que vinha do “lado de lá” ajudou uma mãe
a carregar o carrinho do seu bebê. Em Realengo, o curto trecho do lado sul da rua Piraquara,
cuja serventia para o entorno se dá por causa do seu buraco, parece um centro comercial (Figura
8). Há um ponto de mototáxi, de conserto de bicicletas, de hortifruti com feirinha a dois reais e
de venda de capas de celulares, biscoitos e bebidas.

Figura 7 (Direita) – Buraco da rua Soares Meireles, Pilares, Rio de Janeiro, RJ. Figura 8 (Esquerda) – Buraco da rua
Piraquara, Realengo, Rio de Janeiro, RJ.

Fonte: Lígia Magalhães, 2022.

Jacques (2010) utiliza a conceituação de Santos (1996) de espaços opacos


(subalternizados, carentes de infraestrutura, mas inventivos) e espaços luminosos (influentes,
com boa infraestrutura, mas asseptizados) para exaltar “a vitalidade e intensidade da vida
pública das áreas mais populares ou informais das cidades” (JACQUES, 2010, p. 108). Há um
dilema que reside na complexidade dicotômica da opacidade de ambientes públicos e da
tendência a sua luminosidade. Nesse sentido, a ressignificação dos lapsos e a inventividade dos
buracos
[...] ganham visibilidade por negação, exatamente por sua exclusão dos holofotes do
processo globalizado de pacificação dos espaços públicos [...] que é um dos maiores

655
responsáveis tanto pelo empobrecimento atual das experiências corporais no espaço
público quanto pela negação dos conflitos e dissensos nestes espaços e, sobretudo,
pelas tentativas de ocultamento, redução ou eliminação da vitalidade popular dos
espaços opacos das cidades, que dentro da lógica espetacular devem ser devidamente
ordenados, asseptizados e gentrificados pelos projetos urbanos de “revitalização”,
para que estes também se tornem espaços luminosos, midiáticos e espetaculares.
(JACQUES, 2010, p. 108)

As complexidades do elo corpo-cidade, os conflitos intrínsecos a ele e a vivacidade de


locais não midiáticos ou não espetaculares são as questões fundamentais para a busca do que
Jacques (2010) chama de micro-resistências aos processos de pacificação dos ambientes
públicos. O buraco é um relevante exemplo de micro-resistência já que, como visto, abarca todas
essas questões.
Os buracos se dão através de uma prática coletiva “desviatória dos espaços públicos,
ou seja, nos seus usos conflituosos e dissensuais (...) que contrariam os usos que foram
planejados” (JACQUES, 2010, p. 110), o que faz Jacques conceituar profana tal prática. Embora
ela trabalhe a ideia de profanação dos ambientes públicos de Agamben (2007) com enfoque nos
casos luminosos (SANTOS, 1996), no sentido de dessacralizá-los, de expulsá-los do campo do
consumo midiático e do espetáculo, onde definitivamente os buracos não estão (eles estão no
campo da ausência do poder público, dos espaços opacos [SANTOS, 1996]), pode-se debater, a
partir da mesma ideia, a profanação do elemento morfológico urbano muro ferroviário, afinal
não haveria buracos se não houvesse muros.
Daqui em diante, é essencial encarar os buracos não apenas como aberturas nos muros
ferroviários, fragmentos da morfologia urbana em contextos de lapsos, mas como a busca por
uma travessia facilitada. A ação molecular (DELEUZE; GUATTARI, 2012) de quebrar os muros em
prol de um interesse comum também compreende os buracos, isto é, eles são fenômenos, não
só lugares. Executá-la implica em infringir a sequela segregadora da intenção para a qual os
muros ferroviários foram implantados, em tirá-los da alçada de rompimento com a comunicação
entre pelo menos dois pontos na cidade. Fazer buracos significa profanar os muros-limites-
fronteiras do trem.
Para os poderes hegemônicos, a SuperVia e o Governo do Estado do Rio de Janeiro 5,
os buracos são ilegítimos e devem ser combatidos. Para os moradores criadores, usuários e
mantenedores deles, os buracos são indispensáveis para o devido funcionamento de eixos
conectores de seus bairros e, por isso, recursos insurgentes de sobrevivência.
É onde sobra que suburbanos criam praças, campos de futebol e fazem blocos de
carnaval, bailes funk e rodas de samba. Eles reinventam espontaneamente a cidade. O viaduto
se torna cobertura para o charme, a rua ou o terreno baldio um pipódromo, a calçada a extensão
do quintal e as linhas férreas travessia. O Rio de Janeiro desigual ativa a força inventiva de
sobrevivência dos suburbanos que não acata regras ou protocolos.
Convém dizer que não há neste trabalho a pretensão de romantizar a precariedade.
Contudo, o improviso ou a gambiarra dos buracos nos subúrbios do Rio de Janeiro é um recurso
astuto de ler os atalhos das suas paisagens ferroviárias, profanando os limites ou fronteiras do
trem para que seja oferecida uma solução, ainda que precarizada, de um afeto comum

5 De acordo com o contrato de concessão da rede ferroviária da região metropolitana do Rio de Janeiro no tempo
deste texto, a responsabilidade da construção e manutenção de viadutos, passarelas ou passagens subterrâneas que
cruzam as linhas férreas cabe ao poder concedente. Neste caso, a administração estadual. Os investimentos nesses
equipamentos, porém, são deficientes.

656
negligenciado pelos poderes hegemônicos: a dificuldade de se atravessar linhas férreas
muradas. Trata-se de uma visão de quem não quer bater a cara contra o muro, parafraseando o
verso de Raul Seixas e Paulo Coelho, ilustrada por Ribeiro (2016):

Como um drible feito à Bangu6, ou a base do partido-alto, ele demonstra que é viável
e legítimo escapar da perspectiva do controle de um modelo de cidade que é
projetada de cima para baixo. No improviso, podemos criar algumas ressignificações
que florescem no campo do vivido e que com o tempo podem afetar o campo do
construído. [...] Cremos [...] que habitam na cidade experiências urbanas que
conseguem caminhar para além dos modelos impostos pelas forças de poder.
(RIBEIRO, 2016, p. 193)

Os buracos são temas do direito à cidade e ainda assim a prática é tida por tantos como
vandalismo, roubo e incivilização, termos típicos da esfera de agentes pacificadores (JACQUES,
2010). Embora pacificação e resistência pareçam esferas coexistentes antagônicas, Jacques
(2010) defende que elas devem ser entendidas como interdependentes. Pacificar e resistir,
portanto, são ações molares e moleculares (DELEUZE; GUATTARI, 2012), respectivamente, que
se tensionam nas cidades. Por essa razão, os buracos são zonas de tensão (JACQUES, 2010) entre
o modo de se fazer travessia sobre as linhas férreas por suburbanos e o de discriminá-los pelas
administrações pública, representada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, e privada,
representada pela SuperVia.
Destaca-se que suburbanos se fazem travessia porque são os seus corpos em
movimento os responsáveis pela existência dos buracos, desde a derrubada de partes dos muros
até o ato de percorrer o intervalo entre os lados “de lá” e “de cá”. A partir da produção crítica
ao declínio da experiência corporal nas cidades contemporâneas decorrente da negação,
ocultamento, redução e até eliminação dos seus conflitos, Britto e Jacques (2008) lançam o
conceito de corpocidade, uma interdependência entre a vivência de cidade e a origem e
renovação dos seus ambientes. Dessa forma, os corpos experimentam as cidades e elas reagem
a essas experimentações também como corpos e vice-versa: as cidades se encarnam. A
experiência de travessia clandestina sobre os trilhos suburbanos está absolutamente ligada aos
corpos que são tanto os que percorrem esses ambientes opacos (SANTOS, 1996) como os que
os originam e os renovam. Em vista disso, a cartografia suburbana mental, não-oficial e
espontânea, sujeita ao trem e seus muros, em conflito com a política-administrativa, oficial e
funcionalista, mencionada em “muros repressores”, é mais precisamente uma cartografia dos
corpos. Britto e Jacques (2008) chamam-na de corpografia. A corpografia dos buracos está em
constante transformação porque são os habitantes dos seus arredores, corpos em movimento
no Rio de Janeiro suburbano, também em constante transformação, os motivos da sua criação.

6“Locução adverbial que representa o modo desorganizado, sem regras, de se fazer alguma coisa. Originando-se nos
campos de futebol, caiu na linguagem geral. Surgiu, provavelmente, por ocasião das primeiras partidas de futebol
disputadas pelo BANGU ATLÉTICO CLUBE, ainda na primeira infância do futebol brasileiro, quando as regras do jogo
ainda não tinham sido assimiladas", segundo o Dicionário da Hinterlândia Carioca (LOPES, 2012, p. 11).

657
Figura 9 – Transformação do buraco da rua Lomas Valentinas, Realengo, Rio de Janeiro, RJ ao longo do tempo.

Fonte: Lígia Magalhães, 2021/2022.

Os buracos são materializações da tensão do desacordo entre agentes pacificadores e


resistentes (JACQUES, 2010) que fortalecem a difusão da complexidade das paisagens
suburbanas cariocas no que toca aos seus embates ideológicos, pois “enquanto a pacificação –
a construção de consensos, que busca esconder os conflitos – é uma forma de despolitização, o
desentendimento – a explicitação de dissensos, que torna os conflitos visíveis – seria uma forma
ativa de resistência, de ação política.” (JACQUES, 2010, p. 109). Se corpos suburbanos fazem os
buracos, eles são corpos políticos. Logo, os buracos, encarnados, também os são.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os lapsos são problemas não solucionados pelo governo e os buracos reações


populares a eles. Como zonas de tensão (JACQUES, 2010) entre corpos ordinários e resistentes,
geradores de ações políticas moleculares (DELEUZE; GUATTARI, 2012), e a ordem molar
(DELEUZE; GUATTARI, 2012) que aspira aos corpos escondidos, ordenados e pacificados
(JACQUES, 2010), passivos da cidade consensual, os buracos são micro-resistências (JACQUES,
2010) problematizadoras não apenas legítimas perante as sequelas dos muros-limites-fronteiras
ferroviários (LYNCH, 2011; JACOBS, 2009), mas necessárias para a manutenção dessa zona de
tensão, pois é dela, do conflito entre a opacidade e a luminosidade (SANTOS, 1996) dos
ambientes públicos, que surge o desejo de construir um Rio de Janeiro menos desigual.
Ainda que as fotografias deste trabalho expõem locais de aparência degradada, ao se
desapegar de preconceitos caídos sobre eles, advindos de referências estéticas eruditas,
revelam-se relações que reexistem neles, que os reinventam. Um olhar receptivo nesses locais
e, sobretudo, com esses locais, evidencia táticas concebidas e mantidas coletivamente como
respostas a uma sociogeografia desigual que tratam de um vigor rotineiro, de um sistema de
sociabilidade suburbano e de laços afetivos identitários manifestados no íntimo e potente
cotidiano. A fotografia enquanto recurso metodológico de análise paisagística que captura
afetos identificados em experiências com as paisagens oferece dados valiosos que induzem a
esse olhar mais sensível e resiliente. Dados estes os quais mapas, plantas baixas, cortes e
ortofotos não capturam uma vez que simplificam as realidades, ocultando relações de afeto
corpo-paisagem que produzem cartografias fluídas e espontâneas próprias, ou corpografias
(BRITTO; JACQUES, 2008). Dessa forma, pertencentes a um complexo campo de agenciamentos
abundantes, suburbanos manifestam a capacidade de construir mais do que relações de estar
nos subúrbios, mas de ser subúrbios, rompendo padrões e ressignificando afetos em comum.

658
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGAMBEN, Giorgio. Profanações. São Paulo: Boitempo, 2007.

BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. Cenografias e corpografias urbanas: um diálogo sobre as
relações entre corpo e cidade. Cadernos PPG-AU/UFBA, Salvador, v. 7, 2008. Disponível em:
https://periodicos.ufba.br/index.php/ppgau/article/view/2648/1871. Acesso em: 24 jun. 2023.

BURACO que dá acesso a trilhos da SuperVia é reaberto horas após concessionária fazer obra. G1 Rio, 2017. Disponível
em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/buraco-que-da-acesso-a-trilhos-da-supervia-e-reaberto-horas-
apos-concessionaria-fazer-obra.ghtml. Acesso em: 21 set. 2022.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1 e 2. São Paulo: Ed. 34, 2012.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2009.

JACQUES, Paola Berenstein. Zonas de tensão. In. BRITTO, Fabiana Dultra; JACQUES, Paola Berenstein. (org.).
Corpocidade: debates, ações e articulações. Salvador: EDUFBA, 2010, pp. 106-119.

LINS, Antônio José Pedral Sampaio. Ferrovia e segregação espacial no subúrbio: Quintino Bocaiuva, Rio de Janeiro. In.
OLIVEIRA, Márcio Pinõn de; FERNANDES, Nelson da Nóbrega (org.). 150 anos de subúrbio carioca. Rio de Janeiro:
Lamparina: Faperj: EdUFF, 2010. pp. 138-160.

LOPES, Nei. Dicionário da hinterlândia carioca: antigos “subúrbio” e “zona rural”. Rio de Janeiro: Pallas, 2012.

LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

Mattoso, R. A cultura urbana nos subúrbios cariocas: uma análise das relações de sociabilidade suburbanas ao longo
do século XX. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano
e Regional, 18., 2019, Natal. Anais TEMPOS em/de TRANSFORMAÇÃO - UTOPIAS. Natal: UFRN, 2019.

RIBEIRO, Rodrigo Cunha Bertamé. Rizomas suburbanos: possíveis ressignificações do topônimo Subúrbio Carioca
através dos afetos. 2016. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:
http://objdig.ufrj.br/21/teses/863074.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.

SAMPAIO, Luize. Risco nos trilhos: 409 pessoas foram atropeladas e mortas por trens do Rio nos últimos 10 anos. Casa
Fluminense, 2021. Disponível em: https://casafluminense.org.br/risco-no-trilhos-em-10-anos-409-pessoas-
morreram-atropeladas-por-trens-no-
rio/#:~:text=Nos%20%C3%BAltimos%20dez%20anos%2C%20409,e%2069%2C7%25%20negros. Acesso em: 25 maio
2022.

SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.

659
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

RELAÇÃO PESSOA-AMBIENTE: ESTUDO EM URGÊNCIA E EMERGÊNCIA


HOSPITALAR

PERSON-ENVIRONMENT RELATIONSHIP: STUDY IN HOSPITAL URGENCY AND


EMERGENCY

João Paulo Lucchetta Pompermaier


Mestrando, UFSC, Brasil.
joaopaulopompermaier@gmail.com

Júlia Medeiros Alves


Mestranda, UFSC, Brasil.
julia.m.alves@posgrad.ufsc.br

Sandra Aparecida Piloto Lopes


Mestranda, UFSC, Brasil.
sandraapiloto@gmail.com

Simone Borges João de Campos


Mestranda, UFSC, Brasil.
simone1301@gmail.com

Lizandra Garcia Lupi Vergara


Professora Doutora, UFSC, Brasil.
l.vergara@ufsc.br

660
RESUMO
Os estudos de psicologia ambiental estão cada vez mais adentrando o campo da arquitetura, especialmente no
contexto hospitalar. O objetivo deste artigo é apresentar observações feitas em campo com a aplicação do
mapeamento comportamental centrado na pessoa e centrado no ambiente no contexto das salas de espera da
unidade de urgência e emergência adulto de um hospital público de Santa Catarina, para observar as interações com
o ambiente, a ocupação do espaço pelos pacientes e entender o fluxo dos mesmos no ambiente. Para isso utilizaram-
se técnicas da psicologia ambiental com a abordagem multimétodos: o mapeamento comportamental, tanto
centrado na pessoa, quanto no ambiente, o diário de campo e traços de gravação, no intuito de compreender as
relações entre os comportamentos das pessoas e o ambiente onde aguardam atendimento, desta forma contribuindo
com informações para possível intervenção na situação observada. Com o estudo, ficou evidente que os problemas
de ordem física e tecnológica, como barreiras nos fluxos e na sistematização de informações, bem como carência de
profissionais na unidade são grandes interferentes no tempo de atendimento. Tais obstáculos devem ser
solucionados, a fim de oferecer um melhor atendimento à população.

PALAVRAS-CHAVE: Psicologia Ambiental. Observação. Mapeamento Comportamental.

ABSTRACT
Environmental psychology studies are increasingly entering the field of architecture, especially in the hospital context.
This article aims to present observations made in the field with the application of person-centered and environment-
centered behavioral mapping in the context of the waiting rooms of the adult urgent and emergency care unit of a
public hospital in Santa Catarina, to observe interactions with the environment, the occupation of space by patients
and to understand their flow in the environment. To do this, we used techniques from environmental psychology with
a multi-method approach: behavioral mapping, both focused on the person and the environment, the field diary and
recording traces, to understand the relationships between people's behaviors and the environment where they are
waiting for care, thus contributing information for possible intervention in the situation observed. The study made it
clear that physical and technological problems, such as barriers in the flow and systematization of information, as well
as a shortage of professionals in the unit, are major interferences in waiting times. These obstacles need to be resolved
to offer better care to the population.

KEYWORDS: Environmental Psychology. Observation. Behavioral Mapping.

661
1 INTRODUÇÃO

A Psicologia Ambiental ampliou o objeto de estudo tanto em Psicologia quanto em


Arquitetura, estudando a relação pessoa-ambiente (ELALI, 1997). Na arquitetura está ocorrendo
uma mudança de enfoque, onde além das características estéticas, construtivas e funcionais dos
edifícios, a atenção se volta para a forma como as pessoas percebem os ambientes, se apropriam
deles e neles se sentem confortáveis.
Moser (1998) ressalta a relevância para a psicologia ambiental, dos estudos pessoa-
ambiente e que suas inter-relações sejam realizadas em seu contexto, em seu ambiente físico e
social. Ainda, Moser (2018, p. 10) complementa que “a psicologia ambiental interessa-se tanto
pelos efeitos das condições ambientais sobre os comportamentos e condutas do indivíduo,
como pela maneira como o indivíduo percebe ou age sobre o ambiente”.
Nessa relação pessoa-ambiente, estão envolvidos aspectos mensuráveis e dimensões
subjetivas que por vezes passam despercebidos pelo próprio sujeito diante de sua interação com
o ambiente no qual está inserido (PINHEIRO; ELALI; FERNANDES, 2008). Assim, os estudos de
psicologia ambiental utilizam diversas técnicas. As de observação direta são profícuas quando a
possibilidade de interpelar e inquirir as pessoas não é possível ou não é aconselhável, como o
caso de pacientes que aguardam atendimento em ambientes hospitalares. Conforme afirmam
Günther, Elali e Pinheiro (2008), os relatos dependem da vontade das pessoas e neste caso é
possível utilizar outras estratégias, como as de observação.
Tais técnicas figuram um relevante material de avaliação do ambiente construído, que,
segundo Van Der Voordt e Van Wegen (2013), possibilitam estudar o produto proveniente da
arquitetura, possibilitando aprender com as experiências passadas a fim de conceber melhorias
não só para o ambiente analisado, seu uso e gerenciamento, mas também para contribuir com
o processo de projeto de edificações futuras.
Os estudos da relação pessoa-ambiente envolvendo ambientes para saúde vem
influenciando no desenvolvimento de projetos arquitetônicos, ainda que de maneira tímida
(HAMILTON, 2012). Os estudos de Ulrich (1984) fundamentam tal mudança, sustentando que o
estresse gerado por meio do ambiente físico hospitalar impacta negativamente a recuperação
do paciente e seu processo terapêutico de modo geral, interferindo no tratamento, na estadia
dos acompanhantes e no trabalho dos profissionais da saúde.
Diante do exposto, o presente trabalho tem como objetivo investigar as interações dos
pacientes com o ambiente, a ocupação do espaço e o fluxo dos mesmos no contexto das salas
de espera da unidade de urgência e emergência adulto de um hospital público de Santa Catarina.
No que tange às unidades hospitalares, com atendimento em regime de 24h, a
urgência e emergência, vinculadas ao serviço de pronto atendimento, prestam serviços à
população para as condições onde há necessidade de assistência ou tratamento médico
imediato, nos casos de doenças crônicas e agudas, abrangendo as áreas de clínica médica e
clínica cirúrgica (BRASIL, 2020). Com isto, torna-se necessária uma organização dos
atendimentos e do espaço físico, de forma que atenda as demandas com rapidez, agilidade e
segurança.

2 MATERIAIS E MÉTODOS

O procedimento quali-quantitativo e exploratório do trabalho, segundo Gil (2002),

662
busca compreender quais fatores influenciam uma situação a ser pesquisada. Utilizando a
abordagem multimétodos: a técnica do Mapeamento Comportamental (MC), tanto centrado na
pessoa, quanto no ambiente, reflete o uso e ocupação do espaço (PINHEIRO; ELALI; FERNANDES,
2008); o diário de campo, onde o pesquisador registra o que está observando em tempo real; e
traços de gravação, onde é possível relatar o comportamento das pessoas por meio de marcas
no ambiente (SOMMER; SOMMER, 1980).
A abordagem multimetodológica com uso do método de observação pode ser
sistematizada em um protocolo com questões a serem levantadas, definição dos locais de
observação, intervalos de tempo entre os levantamentos e registro gráfico relacionando as
atividades das pessoas em um determinado ambiente (RHEINGANTZ et al., 2009).
A partir disso, um roteiro de atividades foi criado para determinar questões a serem
levantadas, definir os locais dentro do hospital e o intervalo de tempo entre as observações. Em
uma planta baixa existente foi desenhado o layout para registro dos fluxos dos pacientes e em
outra demarcada os locais de maior e menor ocupação espacial. Dentre as técnicas de
mapeamento comportamental, as metodologias, centradas na pessoa e centradas no ambiente
foram estabelecidas como ponto de partida da pesquisa. É possível aprender, por meio dessas
técnicas, sobre o comportamento de pessoas ou grupo de pessoas em determinado ambiente
(SOMMER; SOMMER, 1980).
Cabe ressaltar que esta pesquisa foi encaminhada e aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC), pelo
CAAE n.º 39124920.0.0000.0121.

2.1 Mapa Comportamental Centrado na Pessoa

O MC centrado na pessoa visa registrar atividades e comportamentos de pessoas.


Neste caso, os observadores seguem a pessoa (ou grupo de pessoas) durante um período de
tempo e por um determinado percurso. “Por ser uma atividade dinâmica, exige do observador
maior habilidade no trato com as ferramentas enquanto se movimenta, de modo a, sempre que
possível, evitar a interação com as pessoas do ambiente que observa” (RHEINGANTZ et al., 2009,
p. 37).
Para os dois mapeamentos é relevante compreender os ambientes, suas relações
espaciais, e também como ocorre seu funcionamento. Isto posto, os ambientes selecionados
para realização do MC foram recepção/atendimento, duas salas de triagem e duas salas de
espera.
Para isto, dois mapas foram construídos com observações em dois dias e horários
distintos, definidos com o auxílio da chefe de unidade que informou serem dias com fluxos
diferenciados, sendo evidenciado na sexta-feira, com maior número de pessoas para
atendimento e na segunda-feira, com menor número. Assim, a técnica de observação direta
ocorreu em dois dias: 5 de maio de 2023, sexta-feira, das 13h57min às 15h03min e 8 de maio
de 2023, segunda-feira, das 12h50min às 14h10min, sendo que neste último dia houve
interrupção no atendimento da unidade devido à grande demanda. A direção do hospital
determinou a paralisação dos atendimentos a partir das 13h00min, com retorno previsto às
16h00min. As observações foram realizadas, mesmo com a interrupção de novas chegadas, em
intervalos de 15 minutos num período total de 2 horas.

663
2.2 Mapa Comportamental Centrado no Ambiente

Para as investigações com base no MC centrado no ambiente, os observadores ficam


parados em um ou mais pontos estratégicos - com boa visibilidade geral e que interfira
minimamente no movimento e no uso normal do ambiente - registrando em desenhos pré-
elaborados, normalmente plantas baixas, todos os movimentos e ações que nele ocorrem
(RHEINGANTZ et al., 2009), buscando compreender como se dá a ocupação dos espaços pelos
pacientes e acompanhantes.
Segundo Rheingantz et al. (2009), a observação permite a produção de informações
sobre os usos e atividades esperados ou novos, além das relações nele ocorridas, sobre as
regularidades de conduta, bem como acerca da influência do ambiente sobre o comportamento
das pessoas.

2.3 Diário de Campo

Os mapeamentos são também documentados em diário de campo, ao longo do


período de coleta de dados, como um meio de relatar acontecimentos observados no ambiente.
Nesse contexto, Gerhardt e Silveira (2009) informam que todas as observações de eventos
concretos, fenômenos sociais, incidentes, relações constatadas e experiências pessoais do
pesquisador devem ser registradas.
Segundo Kroef, Gavillon e Ramm (2020, p. 465) “utiliza-se a escrita de diários de campo
como ferramenta metodológica para registro e posterior análise da experiência do(a)
pesquisador(a) e dos(as) participantes”.

2.4 Traços de Gravação

Outra ferramenta utilizada é o recurso de traços de gravação, que envolve a


investigação dos sinais remanescentes da ocupação de um espaço, por exemplo, resíduos.
Segundo Pinheiro, Elali e Fernandes (2008) são considerados mensagens não verbais que geram
vestígios ambientais da ação humana. Desta forma é possível reconstituir padrões de
comportamentos das pessoas e assim concluir sobre a relação pessoa-ambiente.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Como resultados das observações será apresentada a caracterização da unidade de


urgência e emergência, seguida pelos mapeamentos com registros centrados na pessoa e no
ambiente, bem como as anotações do diário de campo e observações realizadas através da
técnica de gravação de traços.

3.1 Urgência e Emergência

O atendimento de pacientes em estado grave que chegam por meio do Serviço de


Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), Bombeiros, UPAs e UBSs, é a prioridade da unidade
de urgência e emergência no hospital, além de receber pacientes de outros hospitais e
municípios que necessitam de avaliação e tratamentos mais complexos. A unidade desempenha

664
um papel de referência estadual em casos de acidentes com animais peçonhentos e
intoxicações, mantendo uma parceria com o Centro de Informações Toxicológicas de Santa
Catarina (CIT-SC). Além disto, o atendimento à população é realizado por meio do acolhimento,
que envolve a "avaliação e classificação de risco, seguindo a Política Nacional de Humanização
das Urgências e Emergências, visando agilizar o atendimento das urgências e fortalecer a
integração com a rede básica de saúde" (HOSPITAL UNIVERSITÁRIO, s.d.).
Constatou-se um aumento na quantidade de atendimentos pelos serviços na unidade
de urgência e emergência adulto, variando conforme os períodos do ano e da situação das
outras áreas da Rede de Urgência e Emergência (RUE). Houve o registro de 17.492 atendimentos
em 2020, com aumento para 33.565 em 2021, chegando a 47.720 em 2022, resultando em uma
média de 133 pessoas atendidas por dia (PRADO, 2022).
A equipe de urgência e emergência é composta por médicos, enfermeiros, técnicos em
enfermagem e auxiliares de enfermagem, totalizando 110 profissionais. Além da equipe
assistencial, também integram a unidade profissionais de apoio técnico (manutenção, segurança
e limpeza, por exemplo).
O espaço físico da unidade de urgência e emergência adulto do hospital em estudo é
constituído pela recepção/atendimento, sala de espera 1, sala de espera 2, triagem 1 e triagem
2. Ressalta-se que outros ambientes compõem a unidade, mas o recorte do estudo se deteve
aos mencionados.
Os pacientes e acompanhantes que chegam à unidade seguem um fluxo de
atendimento definido. Primeiramente, dirigem-se ao balcão de recepção/atendimento onde
são registrados digitalmente (Fotografias 1 e 2). No ambiente há duas estações de atendimento,
no entanto, por vezes, apenas uma pessoa realiza a função.

Fotografia 1 - Recepção/atendimento. Fotografia 2 - Recepção/atendimento.

Fonte: Os autores (2023). Fonte: Os autores (2023).

Após o registro, os pacientes e acompanhantes aguardam em uma das 33 cadeiras


localizadas na sala de espera 1 até serem chamados para atendimento de triagem, onde a partir
das informações fornecidas e da avaliação preliminar do estado do paciente, será classificado
conforme o risco seguindo o Protocolo de Manchester. Os pacientes classificados com as cores
azul (não urgente) e verde (pouco urgente) podem aguardar pelo atendimento médico voltando

665
para a sala de espera 1 (Fotografias 3, 4 e 5). Nesta sala as cadeiras estão agrupadas a cada três
e distribuídas em quatro espaços diferentes no mesmo ambiente.

Fotografia 3 - Sala de espera 1. Fotografia 4 - Sala de espera 1. Fotografia 5 - Sala de espera 1.

Fonte: Os autores (2023). Fonte: Os autores (2023). Fonte: Os autores (2023).

Já os pacientes classificados com as cores amarelo (urgente) ou laranja (muito


urgente), seguem para a sala de espera 2 (Fotografia 6), e devem aguardar em uma das 35
cadeiras disponíveis para atendimento prioritário pelos médicos. Neste ambiente ainda ficam
armazenadas cadeiras de rodas, macas, além de armários utilizados pelos profissionais de saúde
para armazenamento de pertences pessoais durante a jornada de trabalho.

Fotografia 6 - Sala de espera 2.

Fonte: Os autores, 2023.

Para os pacientes com a classificação de risco vermelha (emergência) que necessitam


de atendimento imediato, bem como aqueles trazidos de ambulância pelo SAMU ou Corpo de
Bombeiros, possuem um acesso secundário direcionando diretamente para a sala de
procedimentos especiais ou reanimação.
Em se tratando de aspectos gerais dos espaços, as salas de triagem possuem acesso
para as duas salas de espera. Banheiros estão presentes somente na sala de espera 1, sendo um

666
feminino, um masculino, ambos acessíveis. Observou-se que devido ao layout do espaço, fluxo
e lotação, muitas vezes pessoas ficaram paradas em frente a porta do banheiro feminino,
dificultando seu acesso, principalmente por cadeirantes. Os ambientes apresentavam-se
higienizados e constantemente uma pessoa encarregada pela limpeza passava pelo local.

3.2 Observações a partir mapeamento centrado na pessoa

Durante as observações foi possível compreender a movimentação das pessoas que


entravam para o atendimento de urgência e emergência (Figura 2). A maioria delas vinha
acompanhada, passando pelo balcão de recepção/atendimento para fazer o registro dos dados
com duração média de 20 minutos. Após o atendimento, procuravam um lugar para sentar na
sala de espera 1 e aguardavam em média de 15 minutos a 25 minutos até serem chamadas por
uma enfermeira para uma das salas de triagem.

Figura 2 - Mapeamento centrado na pessoa.

Fonte: Os autores (2023).

O tempo médio de atendimento na triagem verificada foi de 15 a 20 minutos. Na


triagem, os pacientes recebem a classificação de risco seguindo o Protocolo de Manchester e
aqueles considerados não urgentes e pouco urgentes, voltavam para a sala de espera 1 para
aguardar o atendimento médico. Já os classificados como urgente ou muito urgente, eram
encaminhados diretamente para a sala de espera 2. Os médicos se deslocam de seus
consultórios até a sala de espera 1 ou 2 e chamam em voz alta o nome do paciente, até que
percebam o chamado.
Na maior parte do tempo das observações, evidenciou-se no balcão de
recepção/atendimento fila de pessoas, a sala de espera 1 estava quase sempre lotada e a sala
de espera 2 ficava quase vazia. Mesmo a sala de espera 1 sendo menor que a sala de espera 2,
ficava com o maior número de pacientes em função da classificação de risco.
As pessoas que chegavam em cadeiras de rodas ou que necessitavam de uma, em
geral, ficavam aguardando do lado de fora da unidade, na área de embarque e desembarque,
para que os acompanhantes fossem representá-los no atendimento. Por não ter um local
apropriado para esse público, a circulação em geral ficava afetada. Pacientes que necessitam de

667
cadeira de rodas ficam aguardando dentro do carro, até que o acompanhante peça auxílio dos
profissionais.
As cadeiras de rodas estão alocadas na sala de espera 2, fora do campo de visão do
acompanhante, sendo nesse momento necessário o auxílio do vigilante para buscar a cadeira
de locação. No período de observação aproximadamente 54 pessoas passaram pelo
atendimento, sendo que duas delas necessitaram de cadeira de rodas. Foi possível notar que o
fluxo de pessoas é intenso e apresenta diversas áreas conflitantes, a exemplo do local de acesso
à unidade, que é o mesmo para a saída.

3.3 Observações a partir do mapeamento centrado no ambiente

As observações a partir do MC no ambiente foram realizadas paralelamente às


observações do MC na pessoa.
Nos períodos em que foram feitas as observações, vários pacientes foram atendidos,
e após seu registro, aguardaram serem chamados para as salas de triagem para, posteriormente,
serem encaminhados às salas de espera conforme a classificação de risco. Além da ocupação
das cadeiras, os espaços de circulação também foram observados.
Na sala de espera 1, onde o maior número de pacientes aguarda inicialmente pelo
atendimento nas salas de triagem, verificou-se que algumas cadeiras permaneceram vazias
quase que em 100% das observações. Essas cadeiras, em geral, não eram de fácil acesso, pois
ficavam entre duas fileiras, havendo pouco espaço para circulação entre elas. Próxima a duas
fileiras de cadeiras havia pilares que também dificultavam o acesso, conforme Figura 3. Com
isto, foram verificadas três áreas onde as pessoas ficavam em pé. O primeiro ambiente é a
recepção/atendimento; o segundo, em frente às salas de triagem, dificultando a circulação no
espaço e também a transição dos pacientes que se dirigiam a urgência e emergência pediátrica
em área anexa; o terceiro ambiente, próximo ao elevador, este por sua vez, sem interferir
diretamente, pois o acesso ao elevador era muito pequeno e o pavimento superior não estava
em operação.

Figura 3 - Mapeamento centrado no ambiente.

Fonte: Os autores (2023).

668
Em momentos diferentes chegaram pessoas em cadeiras de rodas e os
acompanhantes e funcionários as posicionavam nas circulações, dificultando a movimentação
das pessoas.
As pessoas trocaram de lugares conforme eram atendidas segundo a classificação de
risco. Algumas voltaram para a sala de espera 1, enquanto outras se deslocaram diretamente
para a sala de espera 2.
A sala de espera 2 apresentou baixa ocupação por se tratar do ambiente de espera de
pacientes classificados como urgente ou muito urgente após o atendimento na triagem. Na
sexta-feira, na sala de espera 2, apenas 3 pessoas ficaram aguardando atendimento ao longo do
período de observação. Na segunda-feira, o número aumentou para 5 pessoas. Apesar da baixa
ocupação, existem muitas cadeiras disponíveis e os espaços de circulação são maiores.

3.4 Anotações do Diário de Campo

As anotações do diário de campo ocorreram juntamente com os mapeamentos


comportamentais. Foram anotados fatos e ocorrências de interesse da investigação. O Quadro
1 apresenta a síntese dos registros realizados por meio do diário de campo.

Quadro 1 - Síntese dos registros do Diário de Campo.


OBSERVAÇÕES (5 E 8 DE MAIO DE 2023)
Para o registro inicial havia uma fila muito grande e apenas uma pessoa no atendimento/recepção.
A sala de espera 1 estava quase lotada.
A sala de espera 2 estava quase sempre vazia.
Havia álcool em gel para higienização pessoal disponível, apesar de nenhuma pessoa ter utilizado.
Duas TVs presentes no espaço, uma delas ligada, entretanto ninguém estava olhando, a maioria em seus
celulares.
Uma pessoa com soro caminhando pelo hospital com vestimentas hospitalares, provavelmente por não ter onde
aguardar para o retorno.
Caixa de som para chamar os pacientes para a triagem sem uso.
Não há lugar reservado para cadeirantes esperarem com o acompanhante.
Pacientes reclamam da demora e da falta de atendimento.
Pessoas mudam de assento.
Falta de ventilação natural. A única janela se encontrava fechada.
Um aparelho de ar condicionado sem funcionamento.
Filtro de água próximo à porta do banheiro feminino.
Presença de lixeiras tanto na sala de espera 1 quanto na sala de espera 2.
Fonte: Os autores (2023).

3.5 Observações a partir da técnica de gravação de traços

As observações dos vestígios ambientais também aconteceram paralelamente aos


mapeamentos e o diário de campo, baseadas em marcas de uso pela presença de pessoas no
ambiente. As seguintes informações foram registradas:
1. A observação da sala de espera 1 indicou menor ocupação das poltronas centrais devido ao
pouco espaço de circulação.
2. Foi observada a jornada de alguns pacientes, verificando-se que o tempo de espera para

669
consulta variou de 40 minutos a 1 hora.
3. A porta de entrada principal era o único meio de circulação de ar, estava muito quente no dia
da observação e o ar condicionado não estava em funcionamento.
4. Paciente é visto usando vestimenta hospitalar, com curativo na perna na sala de espera, ao
ser chamado pelo médico o curativo soltou, ficando na circulação, sendo pisoteado por outros
pacientes. Posteriormente o serviço de limpeza o retirou.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir do objetivo proposto, foi possível identificar a dinâmica de funcionamento do


local, bem como as principais demandas ergonômicas existentes. Por se tratar de uma unidade
de urgência e emergência com atendimento em regime de 24h, possui uma alta rotatividade de
pessoas e demandas constantes. Ao observar sistematicamente o ambiente, foi possível
compreender quais aspectos estão impactando no comportamento dos usuários.
A metodologia adotada se mostrou adequada para que o objetivo proposto fosse
alcançado, possibilitando uma visão abrangente e multifacetada das diversas atividades
realizadas no local. Ao combinar diferentes instrumentos para uma abordagem
multimetodológica, essa pesquisa corrobora com o ponto de vista de que o emprego de
diferentes técnicas contribui para a compreensão holística da realidade em um contexto
observado, dando suporte a novos estudos da relação pessoa-ambiente.
Como diretrizes para melhoria dos ambientes, o estudo revelou a necessidade de um
sistema de chamada de pacientes que não dependa do deslocamento do(a) médico(a), podendo
ser utilizado um sistema visual e sonoro. Há também a necessidade de demarcar um espaço
para a guarda de cadeiras de rodas, próxima ao acesso da emergência, marcando também um
local de espera para esses pacientes.
Devido à falta de ventilação cruzada e pelo fato de não abrirem a única janela do
ambiente, recomenda-se o uso de climatização, não apenas para suprir a necessidade de
condicionamento do ar, mas garantir a manutenção do ambiente térmico e reduzir a
transmissão aérea de doenças.
Por meio das observações, nota-se também a necessidade de uma reestruturação dos
fluxos e dos locais onde as pessoas, enquanto pacientes, acompanhantes, médicos e
funcionários da unidade, circulam, aguardam ou trabalham, considerando o grande número de
pessoas que buscam atendimento neste hospital. O fluxo de pessoas é muito intenso
independente do dia da semana. Deve-se diminuir os fluxos conflitantes, evitando que pessoas
precisem ir e voltar pelos mesmos caminhos. É relevante considerar os dimensionamentos dos
ambientes em relação à quantidade de pessoas que os utilizam. Há também a necessidade de
revisão do layout, com alteração da locação de cadeiras, evitando que as circulações sejam
ocupadas, permitindo assim, que os espaços sejam melhor utilizados.
Por fim, evidencia-se que os problemas de ordem física são inequívocos, assim como
os de ordem tecnológica, pois os pacientes levam muito tempo no registro de dados na
recepção/atendimento. Tais barreiras devem ser transpostas para a promoção da qualidade do
atendimento à população, que tem o hospital estudado como uma das principais portas de
entrada de atendimento público pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

670
5 AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de


Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

6 REFERÊNCIAS

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HAMILTON, Kirk. Creativity, Decision Making, and Evidence-Based Design. Health Environments Research & Design
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HOSPITAL UNIVERSITÁRIO Professor Polydoro Ernani de São Thiago. Plano Diretor Estratégico 2021-2023.
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KROEF, Renata Fischer da Silveira; GAVILLON, Póti Quartiero; RAMM, Laís Vargas. Diário de Campo e a Relação do(a)
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2022.

PINHEIRO, José; ELALI, Gleice Azambuja; FERNANDES, Odara. Observando a Interação pessoa-ambiente: vestígios
ambientais e mapeamento comportamental. In: GÜNTHER, Hartmut; PINHEIRO, José de Queiroz (org.). Métodos de
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RHEINGANTZ, P. A. et al. Observando a qualidade do lugar: procedimentos para a avaliação pós-ocupação. Rio de
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SOMMER, Robert.; SOMMER, Barbara. A practical guide to behavioral research, tools and techniques. New York:
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ULRICH, Roger S. View through a window may influence recovery from surgery. Science. v. 224, n. 4647, p. 420-421,
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VAN DER VOORDT, Theo J. M; VAN WEGEN, Herman B. R. Arquitetura sob o olhar do usuário: programa de
necessidades, projeto e avaliação de edificações. São Paulo: Oficina de Textos, 2013.

671
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( x ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

SMART HOME IOT: UMA ANÁLISE ACERCA DA REDUÇÃO DO CONSUMO


DE ENERGIA ELÉTRICA RESIDÊNCIAL COM DISPOSITIVOS SMART
ACESSÍVEIS

SMART HOME IOT: AN ANALYSIS ABOUT THE REDUCTION OF RESIDENTIAL ELECTRICITY


CONSUMPTION WITH ACCESSIBLE SMART DEVICES

Cristiano Gomes Casagrande


Professor Doutor, Universidade Federal de Juiz de Fora, Brasil
cristiano.casagrande@ufjf.br

Ana Carolina Caldas Rodrigues


Mestranda em Ambiente Construído, Arquiteta e Urbanista, UFJF, Brasil
ana.rodrigues@arquitetura.ufjf.br

Tuanny Cristinny da Cunha Guimarães


Mestranda em Ambiente Construído, Arquiteta e Urbanista, UFJF, Brasil
tuanny.guimaraes@estudante.ufjf.br

672
RESUMO
Este artigo faz uma análise a respeito de como o avanço e disseminação da internet culminou em novos padrões de
comportamento. Percebe-se que o desenvolvimento de novas tecnologias possibilita o surgimento de produtos com
certo grau de inteligência que podem otimizar as tarefas diárias dos indivíduos. Por conseguinte, o novo conceito de
smart home apresenta a possibilidade do uso mais eficiente de aparelhos domésticos para economia de energia, por
meio de estratégias que colaboram para a eficiência energética sem grandes compromissos financeiros. O objetivo
deste artigo é apresentar alguns dispositivos com foco nas smart home que possam ser adquiridos de forma acessível
financeiramente, ou seja, com baixo custo e que não exijam um sistema de instalação complexo, como demais
automações que elevam o custo final do produto. O trabalho partiu da pesquisa bibliográfica e documental com base
nas seguintes temáticas: internet das coisas, smart home, eficiência energética e sistemas e dispositivos. Além disso,
foi realizada uma busca mercadológica por tecnologias e produtos inteligentes comercializados no Brasil, com baixo
custo e de fácil instalação. O principal resultado desta pesquisa expõe alguns dispositivos que podem auxiliar na
redução do consumo de energia e que se apresentam acessíveis no mercado com valores variáveis de acordo com
marca e modelo. Posto isso, nota-se a viabilidade de adotar novas estratégias nas residências brasileiras, a partir dos
dispositivos mencionados para corroborar com políticas governamentais que incentivem a eficiência energética, com
o intuito de fortalecer um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, produção e consumo responsáveis.

PALAVRAS-CHAVE: Internet das coisas. Smart home. Eficiência energética residencial.

ABSTRACT
This article makes an analysis about how the internet advancement and dissemination culminated in new behavior
patterns. It is noticed that the development of new technologies enables the emergence of products with a certain
degree of intelligence that may optimize the users’ daily tasks. Therefore, the new concept of smart home presents
the possibility of a more efficient use of household appliances for energy saving, through strategies that collaborate
for energy efficiency without large financial commitments. The purpose of this article is to present some devices
focused in smart homes that can be purchased in an financially accessible way, in other words, with a low cost and do
not require a complex installation system installation, like other automations that raise the final cost of the product.
The work started from the bibliographical research and documents based on the following themes: internet of things,
smart home, energy efficiency and systems and devices. Furthermore, market research was carried out searching for
smart technologies and products commercialized in Brazil, with low cost and easy installation. The main result of this
research exposes some devices that can help reduce energy consumption and are accessible in the market with
variable values according to brand and model. Having said that, the feasibility of adopting new strategies in Brazilian
homes is noted, based on the devices mentioned to corroborate government policies that encourage energy efficiency,
with the aim of strengthening one of the ONU’s sustainable development goals, responsible production and
consumption.
KEYWORDS: Internet of things. Smart home. Residential energy efficiency.

673
1 INTRODUÇÃO

O Brasil tem potencial para economizar cerca de 10% da energia consumida, onde o
maior potencial de economia (eficiência energética) se encontra nas residências, cerca de 15%,
segundo a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia - ABESCO
(2015). De acordo com o relatório síntese da Empresa de Pesquisa Energética - EPE (2022), a
eletricidade é a principal fonte de energia do setor residencial, representando cerca de 46,2%
em relação às demais fontes, e está diretamente ligada ao uso de iluminação, refrigeração dos
ambientes e ao uso de eletrodomésticos.
Atualmente, é possível se utilizar de diversos meios para contribuir com a redução do
consumo de energia elétrica nas residências. A automação residencial é um recurso capaz de
contribuir, dentre outras coisas, no conforto do usuário e na eficiência energética das
edificações. Os sistemas de automação têm atraído cada vez mais usuários que buscam conforto
e praticidade, gerando uma grande demanda por tecnologias inovadoras e de baixo custo
(SANTOS, 2014). Também segundo Santos (2014), há uma vasta variedade de sistemas no
mercado que, por visar projetos de alto padrão, apresentam custo elevado. Porém, já é possível
encontrar sistemas de automação menos complexos com alto grau de eficácia. A possibilidade
de implementar uma automação residencial de baixo custo que possa trazer mais conforto e
praticidade aos usuários, juntamente com a redução do consumo de energia elétrica, já é uma
realidade em virtude do avanço do desenvolvimento tecnológico.
A internet pode ser considerada um marco civilizatório, pois sua criação e
disseminação mudou o modo como as pessoas pensam e agem, encurtou a barreira de espaço-
tempo e possibilitou entre outras coisas, diversos avanços tecnológicos. Pode-se considerar que
o contínuo avanço do seu desenvolvimento culminou na expressão “internet das coisas” (IoT,
do inglês Internet of Things). De acordo com Azevedo (2016), a internet das coisas tem o objetivo
de conectar os dispositivos a pessoas e a outros dispositivos, além de reforçar a integração entre
o mundo físico e virtual. Para Gomes e Bergamo (2018), com novos atributos e funções dos
objetos, estes são cada vez mais capazes de desenvolver tarefas simples do dia a dia ou até
mesmo mais complexas como monitorar o tráfego de veículos em uma cidade.
A praticidade e conveniência dos dispositivos conectados à internet, juntamente com
a constante escassez de tempo livre, tem levado cada vez mais usuários residenciais a utilizarem
dispositivos que possam facilitar e otimizar suas tarefas domésticas. E, como já citado
anteriormente, uma das formas de se aplicar a usabilidade desses dispositivos nas residências é
através da automação.

2 OBJETIVO

O objetivo deste artigo é apresentar dispositivos com foco nas smart home que possam
ser adquiridos de forma acessível financeiramente, ou seja, com baixo custo e que não exijam
um sistema de instalação complexo, como demais automações que elevam o custo final do
produto. Além disso, cabe destacar que esses dispositivos, bem como a IoT, podem auxiliar na
eficiência energética da residência, diminuindo o consumo de energia elétrica.

3 METODOLOGIA

674
Uma vez delineado o objetivo da pesquisa – apresentar dispositivos com foco nas
smart home que possam ser adquiridos de forma acessível financeiramente, ou seja, com baixo
custo e que não exijam um sistema de instalação complexo, como demais automações que
elevam o custo final do produto – o método empregado na condução da pesquisa foi a pesquisa
bibliográfica, documental e mercadológica.
Para isso, foram delineadas as seguintes etapas metodológicas: (a) identificação das
fontes, tendo como universo deste trabalho todos os materiais referentes aos temas: internet
das coisas, smart home, eficiência energética, sistemas e dispositivos; (b) localização das fontes
nas bibliotecas virtuais como Portal Periódicos CAPES e informações técnicas fornecidas pelo
site dos fabricantes dos dispositivos mencionados. Como amostra da pesquisa serão utilizados
os materiais produzidos nos últimos 10 anos, a destacar o uso de materiais produzidos por
autores relevantes sobre o tema casa inteligente da década de 90; (c) tomada de apontamentos,
a fim de destacar os pontos importantes e fazer anotações; (d) construção lógica do trabalho, e
por último (e) busca mercadológica por tecnologias e produtos inteligentes comercializados no
Brasil, com baixo custo e de fácil instalação.

4 REFERENCIAL TEÓRICO

4.1 Smart home: tecnologias domésticas inteligentes

Ainda que a automação residencial venha sendo discutida desde os anos 80, apenas
recentemente o conceito de casa inteligente vem chamando atenção devido a IoT (HORRIGAN,
1987). Com o avanço da tecnologia, parte das casas possuem hoje algum grau de ‘’inteligência’’.
A presença de sensores e controladores eletrônicos embutidos nos eletrodomésticos se
enquadra na categoria de sistemas de automação, porém, não caracteriza o que se entende
como casa inteligente (do inglês Smart Home) (ALBASTROIU et al., 2021).
Na literatura atual, quando se refere a tecnologia inovadora com certo grau de
inteligência artificial, utiliza-se o termo ‘’inteligente’’. Assim, uma tecnologia inteligente tem
como principal característica adquirir informações do ambiente e capacidade de resposta (CHAN
et al., 2008; BALTA-OZKAN et al., 2014). Como define Aldrich (2003, p.17) casa inteligente é
‘’uma residência equipada com tecnologia da informação e informatizada, que antecipa e
responde às necessidades dos ocupantes, trabalhando para promover seu conforto,
conveniência, segurança e entretenimento por meio do gerenciamento de tecnologia dentro da
casa e conexões com mundo além’’ (tradução nossa). Lutolf (1992, p.00) tem uma abordagem
semelhante, descrevendo casa inteligente como ‘’a integração de diferentes serviços dentro de
uma casa, empregando um sistema de comunicação comum. Garante uma operação econômica,
segura e confortável da casa e inclui um alto grau de funcionalidade inteligente e flexibilidade’’
(tradução nossa).
As definições acima apresentadas pelos autores para o conceito de smart home,
concentram o discurso na componente tecnológica, na função e na satisfação das necessidades
dos usuários. Assim, no conceito smart home IoT os dispositivos estão interligados entre si e
com o consumidor por meio de um controle centralizado (ALBASTROIU et al., 2021), que permite
criar um ambiente que atenda às necessidades e expectativas do estilo de vida deste usuário.
Desta forma, por meio remoto há uma facilitação no gerenciamento das tarefas de uma casa
que poupam tempo e esforço do ocupante.

675
Easthope (2004) e Steward (2000), apontam que a smart home desafia ou expande o
significado de lar, levando a refletir sobre qual o papel de uma casa e para o que ela serve. No
que compreende as tecnologias domésticas inteligentes comercialmente disponíveis no
mercado, podemos destacar os ‘’[...] eletrodomésticos, iluminação, energia e utilidades,
entretenimento, saúde e bem-estar, segurança e proteção, monitores para bebês e animais de
estimação, roupas e acessórios, veículos e drones, robôs domésticos, jardinagem integrados’’,
entre outros (SOVACOOL, DEL RIO, 2023, p. 9).
Visto a variedade de opções de tecnologia doméstica inteligente, estas não
apresentam o mesmo nível de inteligência, como sugere Sovacool e Del Rio (2023) em sua
pesquisa. Segundo o material levantado por estes autores, foi possível identificar cinco níveis de
smart home caracterizados pelo nível de inteligência dos equipamentos (figura 01).

Figura 1– Níveis de tecnologias domésticas inteligentes

Fonte: SOVACOOL, DEL RIO (2023)

Para esta discussão, partimos do entendimento de uma casa tradicional, que não
possui tecnologias domésticas inteligentes, caracterizando uma casa ‘’burra’’ ou ‘’básica”,
segundo os autores Sovacool e Del Rio (2023). No primeiro nível temos uma casa com algumas
tecnologias não integradas que apresentam dispositivos como monitor de bebê ou sistema solar
fotovoltaico, de forma que os usuários optam por uma forma analógica de resposta e estes
permanecem isolados. No segundo nível, as tecnologias tornam-se agrupadas e programáveis,
fornecendo serviços domésticos como sistemas de aquecimento ou entretenimento por meio
dos dispositivos celulares, notebooks, smart TV, e outros.
No terceiro nível, a residência apresenta maior grau de automação e os sistemas
começam a se conectar, apresentando diversas configurações e antecipando necessidades dos
usuários. Neste nível de inteligência, é possível por exemplo programar o sistema de iluminação
por meio da definição de horários e intensidade das luzes, fazendo com que a casa opere
segundo as necessidades propostas pelo usuário. Diferentemente do nível anterior, no quarto
nível o próprio sistema por si só é capaz de se adaptar ao prestar o serviço, papel desempenhado
pelos sensores e monitores (SOVACOOL, DEL RIO, 2023). Estes podem ser bons aliados na gestão

676
dos sistemas e na resposta para situações de pane, como tempestades ou apagões, ou
configurar e identificar situações mais simples como dia e noite na regulação do sistema de
iluminação.
O último nível estudado pelos autores Sovacool e Del Rio (2023), é identificado como
o mais alto ou avançado, no qual as funções de monitoramento, feedback e aprendizado
configuram sistemas integrados que podem antecipar as necessidades domésticas. Desse modo,
teríamos casas ‘’artificialmente inteligente[s]’’ ou ‘’totalmente inteligente[s]’’ que poderiam
conversar com os ocupantes ou até mesmo entre si (SOVACOOL DEL RIO, 2023).
Segundo entrevistas realizadas por Sovacool e Del Rio (2023), alguns dos entrevistados
apontaram a possibilidade de um sexto nível que extrapola a configuração de uma smart home,
incorporando bairros, comunidades e cidades. Este novo panorama, estende o entendimento
para uma sociedade inteligente, no qual as casas apresentam um nível cinco de inteligência e
estas estão interconectadas.
Embora o conceito smart home pareça se concentrar na promoção de segurança e
comodidade no dia a dia dos usuários através de tecnologias domésticas inteligentes, este
conceito também se coloca como ponto central nas discussões sobre eficiência energética,
mudança climática e inovação.

4.2 Eficiência energética doméstica

Atualmente a eficiência energética se coloca como pilar fundamental da política


energética que concentra os esforços no crescimento sustentável, nas estratégias para lidar com
as mudanças climáticas e proporcionar o bem-estar dos cidadãos. Além de corroborar com um
dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU (2023), produção e consumo
responsáveis1. Assim, a crescente busca pela redução do uso de recursos, potencializa o papel
das tecnologias domésticas inteligentes na promoção de redes e cidades inteligentes, sendo
definidora nas futuras transições energéticas (WILSON, HARGREAVES, HAUXWELL-BALDWIN,
2017; DECC, 2009; LUND et al., 2017). Tal avanço tecnológico permite ao usuário monitorar e
controlar sua casa a partir de dispositivos móveis e remotamente com o auxílio da internet.
Como afirmou Ashton (2009), a IoT tem a capacidade de transformar o mundo, assim como
aconteceu com o surgimento da internet.
Por meio, da adoção de dispositivos de detecção, comunicação e atuação,
equipamentos domésticos e eletrônicos passam a atuar de forma ‘’inteligente’’, permitindo a
comunicação sem fio entre si, fornecendo dados ao usuário que facilitam a operação das tarefas
domésticas (TAYLOR et al., 2007; REINISCH et al., 2011). Como defende Kofler et al. (2011), uma
smart home é equipada com uma variedade de dispositivos que colaboram entre si, constituindo
um sistema homogêneo capaz de monitorar aparelhos eletrônicos, promovendo uma gestão
eficiente de energia e colaborando para a sustentabilidade.
Assim, em uma smart home para minimizar o custo de eletricidade e aumentar a
eficiência do uso de energia, há o monitoramento e organização em tempo real dos
eletrodomésticos, por meio de sistemas controlados pelos dispositivos inteligentes e o usuário.
Dessa forma, com a implementação das tecnologias inteligentes no ambiente doméstico, é

1
Veja na íntegra o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 Consumo e produção responsáveis (ONU, 2023).
Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/12.

677
possível se alcançar a eficiência energética por meio dos seguintes serviços: (1) monitoramento
dos dados sobre o gasto de energia, (2) controle remoto e/ ou direto dos padrões de consumo
(3) gerenciamento do serviço, visando eficiência e otimização, e (4) suporte (ZHOU et al., 2014;
EL-HAWARY, 2014).
Além dos serviços, fala-se sobre as medidas que influenciam a demanda de
eletricidade no ambiente doméstico, estas incluem tarifas variáveis de eletricidade, medidores
inteligentes, aparelhos inteligentes e automação residencial. Por meio da tarifa variável de
eletricidade, o consumo de energia passa a ser influenciado pela evolução dos níveis de preço
ao longo do dia, ou seja, a variação do custo por dia condicionada a oferta de energia (PAETZ,
DUTSCHKE, FICHTNER, 2011). Sendo assim, tal medida tem potencial para mudar o padrão de
consumo do usuário, cooperando para a diminuição do gasto de energia, em horários de pico.
Consequentemente, diminuindo a utilização de recursos não renováveis para produção de
energia, como centrais nucleares ou de carvão que são acionadas nos horários de alta demanda.
Para auxiliar na gestão das mudanças de padrão de consumo, os medidores
inteligentes são os responsáveis pelo registro do gasto de energia digitalmente, fornecendo
informações mais detalhadas sobre o consumo em tempo real para o consumidor e a
concessionária (PAETZ, DUTSCHKE, FICHTNER, 2011). De modo a ilustrar essa mudança, desde o
primeiro semestre de 2022, a Cemig vem substituindo os medidores residenciais para os que
contam com inteligência. A substituição é realizada de forma rápida e gratuita por eletricistas
credenciados à concessionária (CEMIG, 2022).
Em relação aos aparelhos inteligentes, no Brasil, desde 1984 já são adotadas
iniciativas para incentivar a eficiência energética dos equipamentos domésticos, por meio do
Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE), coordenado pelo INMETRO. Este programa elabora
etiquetas comparativas apresentando o desempenho energético dos equipamentos, de forma a
valorizar os dispositivos com maior eficiência energética no mercado. Além disso, o programa
busca a criação e implementação de normas de desempenho. Assim, a utilização inteligente de
energia elétrica por demanda desempenha papel fundamental para o alcance da
sustentabilidade e conservação de energia nos ambientes domésticos, de forma a afetar
também o padrão de consumo dos consumidores.
Por fim, com o surgimento das tecnologias domésticas inteligentes é possível adotar
estratégias que colaboram para a eficiência sem grandes compromissos financeiros, ou seja, é
possível fazer o uso mais eficiente dos equipamentos existentes em casa economizando energia
(RINGEL, LAIDI, DJENOURI, 2019).

4.3 Dispositivos

Uma boa automação oferece conforto e eficiência para a residência e seus usuários.
Para que sejam instalados dispositivos que transformem a casa em uma casa inteligente, é
necessário um integrador. De acordo com Fernandes (2011), o integrador é uma plataforma de
infraestrutura responsável por promover um sistema de telecomunicação único entre os
sistemas de rede. Ainda segundo Fernandes (2011), os sistemas contidos em uma residência
podem ser: telefonia, informática, rede elétrica, segurança, iluminação, entretenimento e
climatização.

678
Abaixo apresenta-se uma listagem das principais tecnologias de integradores
comercializadas no Brasil, segundo Fernandes (2011), com baixo custo de instalação, sem
necessidade de obras de grande porte na residência para cabeamento específico.

4.3.1 Insteon

“O Insteon é uma tecnologia para automação doméstica desenvolvida pela SmartLabs


para fazer frente ao X10” (GINJO, 2017, p. 29). Sua principal característica é ser um sistema de
automação que funciona via rede elétrica e radiofrequência (FERNANDES, 2011) e, como outros
sistemas de automação residencial, também utiliza como base a internet das coisas. Segundo
Sanchez et. al (2019), pelo fato do sistema funcionar em uma rede de malha dupla, pode-se
utilizar linhas de energia e radiofrequência para envio de mensagem para interruptores de luz,
luzes, termostatos, sensores de vazamento, controles remotos, sensores de movimento entre
outros dispositivos elétricos.
A respeito do seu funcionamento, “todos os dispositivos Insteon podem funcionar
como controladores, receptores ou retransmissores, podendo assim funcionar como uma rede
mesh” (GINJO, 2017, p. 30) e além disso, ainda segundo o autor, o sistema Insteon tem a
vantagem de ser parcialmente compatível com dispositivos X10 por terem comandos
executados idênticos.

4.3.2 Zigbee
O Zigbee é um protocolo aberto caracterizado por um conjunto de especificações para
a comunicação sem fio entre dispositivos eletrônicos (GINJO, 2017). Esta tecnologia utiliza pilhas
comuns e consequentemente apresenta baixo consumo de energia, tem sistema de controle
descentralizado e transporte de dados via wireless (FERNANDES, 2011). Como aponta José Luís
Ginjo (2017):
Esta tecnologia foi pensada para interligar unidades de recolha e controlo de
dados recorrendo a sinais RF não licenciados, diferenciando-se pelo menor
consumo em relação ao alcance reduzido e a comunicação entre duas
unidades pode ser repetida sucessivamente pelas unidades existentes na
rede (mesh) (GINJO, p. 23-24, 2017).

Esse tipo de rede é composto por três tipos de dispositivos: o coordenador (ZC), o router (ZT) e
o dispositivo (ZED), este último se caracteriza como o dispositivo mais completo, sendo capaz
de armazenar todas as informações da rede (GINJO, 2017).
4.3.3 Z-Wave (Segatto)

De acordo com Fernandes (2011), essa é uma rede completamente sem fio que pode
ser considerada uma das tecnologias com maior destaque na atualidade e que, além disso,
possibilita agregar novos dispositivos facilmente e ainda auxilia na economia de energia elétrica.
Dentre os diversos modelos de dispositivos encontrados no mercado atualmente, com
inúmeras funções e conectados diretamente aos smartphones e tablets dos usuários, o presente
artigo apresenta algumas opções que podem auxiliar na redução do consumo de energia e que
são facilmente encontrados no mercado com valores variáveis, tornando o objeto acessível de
acordo com marca e modelo.

679
4.3.4 Lâmpadas e fitas de LED inteligentes

As lâmpadas e fitas de LED inteligentes são capazes de tornar a casa mais inteligente
por meio do controle de intensidade da luz, por exemplo. Segundo a descrição do modelo da
Lâmpada Led Intelbras Ews 410 Smart Wi-Fi, da Intelbras, e da smart fita LED Wi-Fi RGB da
fabricante Positivo, o usuário é capaz de definir através de aplicativos para smartphones e
tablets ou até mesmo por comandos de voz, qual porcentagem de brilho ele deseja em
determinadas ocasiões, hora do dia ou noite. Quanto menor o brilho e a intensidade da luz,
menor o consumo de energia. Além disso, as lâmpadas e fitas de LED inteligentes, por estarem
conectadas aos aplicativos de celulares, permitem que as mesmas sejam apagadas
remotamente, de onde o usuário estiver. Dessa forma, é possível reduzir o desperdício de
energia em ocasiões em que o morador não está em casa e porventura esquece as lâmpadas
acesas. Convém também abordar a questão do conforto lumínico proporcionado pela
possibilidade de alteração de temperatura de cor. Assim, o usuário pode adaptá-la de acordo
com a tarefa que irá exercer sem precisar de uma outra lâmpada ou luminária específica.

4.3.5 Interruptores inteligentes

O funcionamento e funcionalidade dos interruptores inteligentes se assemelha ao das


lâmpadas e fitas de LED, porém, esses dispositivos podem operar também com lâmpadas
comuns, não se fazendo obrigatório a conexão com um modelo inteligente . De acordo com as
descrições encontradas no site do fabricante Intelbras, o modelo de interruptores touch EWS
pode substituir os tradicionais existentes nas residências. Além disso, ainda possibilitam ao
usuário controlar por smartphone, tablets ou assistentes virtuais e de voz, estando no mesmo
espaço físico que os aparelhos ou remotamente, o acendimento das lâmpadas e definir horários
para que as mesmas possam ser acesas e apagadas automaticamente. Quando conectadas aos
modelos inteligentes de lâmpadas e fitas de LED, esses dispositivos também oferecem a função
de personalizar a intensidade de iluminação no ambiente, o que pode auxiliar na redução do
consumo de energia do equipamento em determinadas ocasiões. Além de possibilitar ao usuário
escolher a temperatura de cor ideal para determinada atividade ou ocasião. Em comparação
com as lâmpadas e fitas de LED inteligentes que apresentam certa facilidade para ser instalada
pelo usuário, os interruptores inteligentes exigem um pouco mais de complexidade e um
profissional capacitado para fazer sua instalação, o que pode se apresentar como um fator
negativo.

4.3.6 Tomadas smart plugs

Para controlar o consumo dos eletrodomésticos ligados à tomada, encontra-se no mercado as


tomadas smart plugs. Esse dispositivo pode ser encontrado em diversos modelos como, de
sobrepor, sendo conectado diretamente à uma tomada convencional, de embutir, que
apresenta o mesmo modelo de espelho das tomadas convencionais embutidas diretamente na
parede, podem ter pinos de 10A ou 20A e também podem ser compostas de medidores e
disjuntores inteligentes. É importante ressaltar que os atributos mencionados podem variar de
acordo com a marca e modelo do dispositivo. O modelo apresentado neste estudo é o
Interruptor Conector Inteligente Wi-Fi Intelbras EWS 301, o qual, de acordo com o seu fabricante

680
tem o objetivo principal de possibilitar ao usuário ter o controle do consumo de energia que
determinado aparelho está gerando através de relatórios enviados via aplicativo e conectar ou
parar o funcionamento do aparelho quando desejar e sem a necessidade da remoção do mesmo
da tomada. Uma outra vantagem das tomadas smart plugs é que podem ser configuradas para
interromper a conexão com a rede elétrica em caso de chuva, o que pode evitar que os aparelhos
sejam danificados em casos provenientes de anomalias elétricas na rede de distribuição.

4.3.7 Sensores de presença

Os sensores de presença podem ser instalados embutidos em caixas comuns de


interruptores. Alguns dispositivos como o sensor de presença para iluminação ESP 180 Branco,
da marca Intelbras, possui um regulador de tempo de ação que pode variar de 10 segundos a 8
minutos. Além disso, a função fotocélula deste produto permite que as luzes conectadas a ele
não sejam acesas durante o dia, o que pode reduzir o gasto de energia no ambiente. É
importante ressaltar que os sensores de presença também consomem eletricidade pelo fato de
ficarem conectados em tempo integral à rede elétrica. Entretanto, em determinados aparelhos,
o consumo é baixo e torna-se ainda assim, um ótimo custo benefício. A informação do consumo
de energia do sensor pode ser encontrada nas informações técnicas da respectiva marca.

4.3.8 Sensores que controlam o ar condicionado

Dado que os aparelhos condicionadores de ar são os equipamentos domésticos que


possuem o maior consumo médio por aparelho em uma residência, de acordo com dados
apresentados pela Empresa de Pesquisa Energética - EPE (2021), faz-se de extrema importância
apresentar neste trabalho soluções para controlar seu consumo. Atualmente, encontra-se no
mercado dispositivos que podem auxiliar na redução dos gastos energéticos gerados pelo ar
condicionado. Uma opção é a integração de dois sistemas, um sensor de temperatura e uma
central de automação. A fabricante Intelbras oferece o kit com os dois dispositivos citados, no
modelo IST 1001 e ICA 1001. O sensor de temperatura e umidade smart IST 1001, segundo
especificações da marca, tem a função de medir a temperatura no ambiente e ajustar a
temperatura do ar condicionado paralelamente. O usuário pode configurar diretamente de um
aplicativo em seu smartphone ou tablet a temperatura que ele deseja que o ambiente esteja e
assim, o dispositivo enviará um comando para um controle universal inteligente, e fará o
desligamento do aparelho. Deste modo, é possível evitar que o ar condicionado se mantenha
ligado por horas excessivas sem a devida necessidade, reduzindo assim o seu consumo de
energia.

5 ANÁLISES E RESULTADOS

Como ponto de partida para análise dos resultados acerca dos dispositivos inteligentes
considerados nesta produção, faz-se necessário destacar que buscou-se desenvolver o estudo e
realizar as escolhas dos mesmos, a partir da definição da palavra “acessível”. Segundo o
dicionário Michaelis (2023), define-se acessível como o ‘’que se pode obter ou possuir; de preço
módico; barato, razoável, reduzido: mercadoria acessível’’.
Durante a realização da busca pelos produtos, foi possível constatar que existe

681
atualmente uma vasta gama de opções no mercado que podem facilitar a escolha dos usuários.
Os dispositivos apresentados no presente estudo foram considerados acessíveis,
primeiramente, pela facilidade de acesso a diversos sites de compra online que apresentavam,
em alguns casos, diversas marcas e modelos disponíveis e variação de valores. Foi realizada uma
pesquisa de preços em 7 lojas online distintas, sendo elas: Amazon, Kalunga, KaBum, Havan,
Americanas, Shoptime e Intelbras. Uma comparação média de valores nessas lojas
apresentaram os seguintes resultados para os subsequentes produtos:
● Lâmpada Led Ews 410 Smart Wi-Fi, fabricante Intelbras: R$ 81,01
● Smart fita Led Wi-Fi RGB, produto com 2m, fabricante Positivo: R$105,99
● Interruptor touch EWS, fabricante Intelbras: R$140,38
● Interruptor Conector Inteligente Wi-Fi EWS 301, fabricante Intelbras:
R$105,57
● Sensor de presença para iluminação ESP 180, fabricante Intelbras: R$76,52
● Sensor De Temperatura E Umidade Smart Ist 1001, fabricante Intelbras:
R$211,81
● Central De Automação Smart Hub - Ica 1001, fabricante Intelbras: R$304,14
É importante ressaltar que o custo final da automação da residência irá variar de
acordo com o número total de cômodos que serão automatizados e, também, com a quantidade
e modelos de dispositivos escolhidos pelo usuário.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A constante busca dos usuários residenciais para reduzir o valor final do consumo de
energia em suas casas, juntamente com políticas governamentais que incentivam empresas e
fabricantes a produzirem equipamentos mais eficientes energeticamente, são triviais para
promover uma maior eficiência energética nas residências. Finalmente, cabe ressaltar que o
resultado desses dois fatores culmina ainda no fortalecimento da sustentabilidade e corrobora
com um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, produção e consumo
responsáveis.
Mediante o exposto acima, é indiscutível que a constante evolução tecnológica
promovida pelo avanço da internet e as novas tecnologias inteligentes domésticas afetam as
pessoas e suas atividades. Assim, o conceito de smart home tende a se fortalecer cada vez mais
com o surgimento de novos dispositivos e novas funções desenvolvidas para facilitar e trazer
mais conforto à vida dos usuários domésticos.
Através da metodologia proposta, pesquisa mercadológica, foi possível catalogar
dispositivos que possam ser adquiridos de forma acessível financeiramente, ou seja, com baixo
custo e que não exijam um sistema de instalação complexo, alcançando o objetivo delineado no
presente artigo. A metodologia se mostrou adequada por catalogar os dispositivos disponíveis
no mercado atualmente, permitindo que o método seja replicado novamente de acordo com o
avanço tecnológico. Sugere-se que futuras pesquisas possam analisar o desempenho desses
dispositivos em relação à eficiência energética e a capacidade de auxiliar na redução do
consumo energético das residências.
Além disso, cabe destacar que esses dispositivos, bem como a IoT, podem auxiliar na
eficiência energética da residência, diminuindo o consumo de energia elétrica. Neste artigo
pretende-se que o usuário seja capaz de ter autonomia para adequar o sistema residencial de

682
acordo com suas necessidades e realidade financeira, de forma que isto possa ter um impacto
positivo no seu consumo de energia e consequentemente orçamento mensal.

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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

SUGESTÃO DE UTILIZAÇÃO DE UMA METODOLOGIA PARA AVALIAÇÃO DE


PATRIMÔNIOS HISTÓRICOS E CULTURAIS DE RELEVÂNCIA, OBJETIVANDO
A MANUTENÇÃO, PRESERVAÇÃO DESTES E MELHORIA DA ECONOMIA
LOCAL DE UMA CIDADE
SUGGESTION OF USE OF A METHODOLOGY FOR EVALUATING RELEVANT HISTORICAL
AND CULTURAL HERITAGE, AIMING AT THEIR MAINTENANCE, PRESERVATION AND
IMPROVEMENT OF THE LOCAL ECONOMY OF A CITY

Luiz Roberto da Cunha Freitas Junior


Pesquisador, FAU/UnB, Brasil.
Luiz.junior@unb.br

João da Costa Pantoja


Professor Doutor, FAU/UnB, Brasil.
joaocpantoja@gmail.com

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RESUMO
Este artigo sugere o uso de alguma metodologia ágil para auxiliar normatização das avaliações de patrimônios
históricos e culturais de uma cidade, buscando promover as suas manutenções, preservações e utilização sustentável
como alavanca para o desenvolvimento econômico local. A preservação de locais de relevância histórica e cultural
não apenas mantém viva a memória coletiva, como também pode contribuir significativamente para o crescimento
econômico de uma cidade, atraindo turistas, gerando empregos e fomentando atividades culturais e criativas.

PALAVRAS-CHAVE: Patrimônio histórico, avaliação, manutenção, preservação, impacto, economia.

ABSTRACT
This article suggests the use of some agile methodology to help normalize the evaluation of historical and cultural
heritage of a city, seeking to promote its maintenance, preservation and sustainable use as a lever for local economic
development. The preservation of places of historical and cultural relevance not only keeps the collective memory
alive, but can also contribute significantly to the economic growth of a city, attracting tourists, generating jobs and
fostering cultural and creative activities.

KEYWORDS: Historical heritage, evaluation, maintenance, preservation, impact, economy.

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1 INTRODUÇÃO
A preservação do patrimônio histórico e cultural de uma cidade desempenha um papel
fundamental na manutenção de sua identidade coletiva, proporcionando uma conexão
significativa com o passado, e moldando o futuro. Além disso, é uma fonte rica de oportunidades
para impulsionar a economia local por meio direto, de maneira mais óbvia no turismo, gerando
empregos e fomentando atividades culturais e criativas. E ainda dos meios indireto relacionados
as empresas e profissionais especializados para se empenharem na manutenção e preservação
desses locais. Neste contexto, o presente artigo sugere que o uso de uma metodologia que
agilize e parametrize essas avaliações de patrimônios e locais de relevância histórica e cultural,
provavelmente irá auxiliar e dar celeridade aos processos de manutenção, preservação e
utilização sustentável, todos esses que agirão como catalisadores para o desenvolvimento
econômico de uma cidade.
Desde tempos imemoriais, as cidades têm sido centros vibrantes de cultura e história,
testemunhando o progresso e as transformações humanas ao longo dos séculos. O patrimônio
histórico e cultural simbolizados pelos monumentos, edifícios, sítios arqueológicos e tradições
culturais refletem as raízes de uma comunidade e transmite uma narrativa única que merece
ser protegida e compartilhada com as gerações futuras. Além de sua importância intrínseca para
a identidade local, esses tesouros patrimoniais podem ir além de meras obras de arte a céu
aberto, e desempenhar um papel crucial no impulso à economia das cidades.
A preservação cuidadosa de locais de relevância histórica e cultural com certeza vai
ajudar a atrair visitantes interessados em vivenciar a riqueza de tradições e histórias presentes
nesses espaços. O turismo cultural pode se tornar, assim, uma força motriz na economia local,
estimulando o setor hoteleiro, restaurantes, transporte e comércio, gerando empregos e
oportunidades para os habitantes locais. Além disso, a preservação responsável do patrimônio
histórico frequentemente abre portas para o florescimento de atividades culturais e criativas,
proporcionando um ambiente propício para artistas, artesãos e empreendedores culturais
desenvolverem seus talentos e negócios. Esta preservação precisa deixar de ser vista como gasto
e sim como investimento para qualquer governo, seja este federal, estadual ou municipal.
Para além da obviedade, projetos de preservação patrimonial em uma cidade irá
agitar, sobremaneira, o setor da construção civil, neste setor profissionais com experiência e
com mais especificidades serão necessários, já que tratamos de obras que precisam ser
preservadas como obras de arte. Assim podemos extrapolar essa “agitação” para o setor de
educação técnica já que nem sempre esses profissionais estariam disponíveis em número
suficiente para quando a demanda estiver presente. Escolas técnicas, faculdades, universidades
e até cursos específicos serão necessários. Materiais para a execução das obras, materiais
especiais, aí podemos ainda pensar em pesquisas e inovação para substituir partes dessas obras
que não mais existem no mercado comum. Ou seja, um projeto de preservação de patrimônio
em qualquer cidade pode afetar positivamente a economia, número de empregos, etc.
Entretanto, a preservação do patrimônio histórico e cultural enfrenta desafios
complexos. Muitas cidades lutam para equilibrar o progresso urbano com a conservação de sua
herança cultural, resultando em conflitos entre o desenvolvimento econômico e a necessidade
de preservar o passado. Além disso, a falta de recursos financeiros e expertise técnica pode
dificultar a manutenção adequada desses locais históricos, levando ao risco de deterioração e

687
perda irreparável.
É nesse contexto que esta pesquisa propõe o uso de metodologia que visa dar
agilidade e parametrização da avaliação do patrimônio histórico e cultural de uma cidade. A
metodologia visa identificar além do valor histórico e cultural de cada local, avaliar sua
integridade física e condições de preservação e, crucialmente, explorar oportunidades para sua
utilização sustentável em benefício da economia local. Através de uma análise criteriosa, espera-
se que esta abordagem permita que gestores públicos, comunidades locais e outros
interessados desenvolvam estratégias eficazes para a manutenção, restauração e
aproveitamento responsável do patrimônio, todas essas ações certamente ativarão outros
setores, trazendo mais recursos para a comunidade.
Ao promover a preservação do patrimônio histórico e cultural, tais ações agirão como
uma espécie de ferramenta para o desenvolvimento econômico, o presente trabalho deseja
ajudar no despertar desse assunto para o enriquecimento da vida urbana, a valorização da
identidade local e a criação de uma herança cultural sustentável para as futuras gerações. Por
meio de uma abordagem equilibrada entre a tradição e a inovação, acredita-se que as cidades
podem encontrar uma maneira próspera e harmoniosa de se projetarem para o futuro sem
perder suas raízes históricas e culturais, e ainda canalizar recursos externos para isso.
Diminuindo a dependência do Estado e aumentando o senso de coletividade.

2 OBJETIVOS
Os objetivos desse trabalho é denotar a relevância, desafios e sugerir os caminhos para
que projetos de preservação e manutenção do patrimônio histórico e cultural tenham sucesso
não somente, de maneira pontual, na continuidade estrutural da obra ou de um monumento
em qualquer cidade, mas também estes funcionarem como mola de impulsão das economias,
para serem sustentáveis para si e para a sociedade onde estão inseridos.
2.1 RELEVÂNCIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL PARA O DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO LOCAL
A relevância do patrimônio histórico e cultural em uma cidade é tema indiscutível em
qualquer sociedade moderna, mas infelizmente somo um país pautado por desigualdades, assim
outros tipos de ação precisam ajudar a “adoçar” o objetivo para que tais projetos sejam vistos
como uma valiosa ferramenta para o desenvolvimento econômico local.
A preservação e promoção de locais de importância histórica e cultural têm um
impacto significativo em diversos setores econômicos. Nesta discussão, exploraremos os
principais aspectos que demonstram a importância dessa relação simbiótica, bem como
exemplos de cidades que alavancaram seus recursos patrimoniais para promover o crescimento
econômico.
TURISMO E ATRAÇÃO DE VISITANTES
Um patrimônio histórico e cultural é um ímã natural para o turismo. Cidades que
preservam e destacam suas ricas heranças históricas e culturais atraem viajantes interessados
em vivenciar essas experiências autênticas. Visitantes em busca de conexão com a história,
arquitetura única, tradições culturais, arte e costumes encontram nessas cidades um ambiente

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cativante. O turismo cultural não só gera receitas diretamente relacionadas aos visitantes, mas
também estimula negócios locais, como hotéis, restaurantes, lojas de souvenirs e guias
turísticos.
Exemplo: Florença, Itália, é um destino turístico icônico conhecido por seu patrimônio
renascentista, incluindo obras de arte de Michelangelo e Leonardo da Vinci, além de sua bela
arquitetura histórica. O turismo cultural é uma das principais fontes de renda para a cidade e
sua região circundante, contribuindo significativamente para a economia local.
PRESERVAÇÃO DO EMPREGO E DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES
A manutenção e gestão de locais históricos requerem a participação de uma força de
trabalho diversificada. A preservação e restauração de edifícios, monumentos e sítios
arqueológicos geram empregos para arqueólogos, historiadores, engenheiros, arquitetos,
artesãos, profissionais de turismo e outros profissionais. Além disso, a transmissão de
conhecimento sobre a história local e as tradições culturais mantém vivas habilidades
tradicionais e promove a continuidade cultural.
Exemplo: A cidade de Charleston, nos Estados Unidos, é conhecida por sua rica herança
histórica e arquitetura preservada. A indústria de conservação do patrimônio histórico emprega
localmente especialistas em restauração de edifícios antigos e promove o desenvolvimento
contínuo para além das habilidades tradicionais.
REVITALIZAÇÃO URBANA E VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA
O investimento na preservação e restauração de áreas históricas muitas vezes
desencadeia uma onda de revitalização urbana. A restauração de edifícios abandonados ou
deteriorados pode transformar bairros decadentes em espaços vibrantes, atraindo novos
negócios, moradores e investidores. Consequentemente, o valor dos imóveis nas áreas
preservadas tende a aumentar.
Exemplo: O bairro de Le Marais, em Paris, França, passou por um processo de
restauração e revitalização que transformou a área em um dos bairros mais procurados da
cidade. Hoje, é uma região movimentada, repleta de lojas, restaurantes e galerias, atraindo
moradores locais e turistas.
EXEMPLO NO BRASIL
No Brasil, temos vários exemplos de cidades que possuem grande potencial ligado ao
patrimônio histórico. Como um dos seus maiores exemplos, temos a cidade de Brasília que
possui um emblemático impacto do patrimônio histórico e cultural no desenvolvimento
econômico local.
Como capital, fundada em 1960, Brasília foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer
e urbanista Lúcio Costa, com o intuito de ser uma cidade modernista e planejada, que
representasse a essência e a unidade do país. O projeto urbanístico e a arquitetura única de
Brasília foram reconhecidos como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1987.
A preservação do projeto original e da arquitetura modernista, incluindo edifícios
governamentais icônicos como o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, tornou-se um
importante atrativo turístico para a cidade. Milhares de visitantes, tanto nacionais quanto
estrangeiros, vêm a Brasília para admirar e conhecer de perto sua rica arquitetura modernista e

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a história política do Brasil.
O turismo cultural em Brasília já tem contribuído significativamente para a economia
local, gerando receitas para hotéis, restaurantes, lojas de souvenirs e serviços turísticos.
Mas mesmo através de uma observação menos profissional é percebido que alguns
prédios e monumentos passam por sérios problemas de conservação. É preciso que o governo
acorde para essa questão e tenha consciência de que tais ações de preservação não são gastos
e sim investimento.
Se o governo local investir ainda mais na direção da preservação e conservação destas
obras (não somente as tombadas), poderá aumentar a criação de novos empregos diretos e
indiretos para profissionais envolvidos na manutenção e promoção do patrimônio histórico e
cultural, além do claro acréscimo da arrecadação de impostos.
2.2 DESAFIOS NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL
A preservação do patrimônio histórico e cultural no Brasil enfrenta diversos desafios,
que vão desde questões estruturais e de financiamento até a conscientização e o envolvimento
da sociedade. Abaixo estão alguns dos principais desafios enfrentados:
2.2.1. Escassez de recursos financeiros
A falta de financiamento adequado é um dos principais desafios para a preservação do
patrimônio histórico no Brasil. A maioria dos órgãos responsáveis pela preservação patrimonial
opera com orçamentos limitados, o que dificulta a manutenção e a restauração adequada de
monumentos e edifícios históricos. Executando apenas o essencial, e não tecendo um plano
realmente efetivo de preservação da obra. A degradação é apenas adiada.
2.2.2. Falta de planejamento urbano integrado
Muitas cidades brasileiras enfrentam problemas de planejamento urbano que podem
impactar negativamente a preservação do patrimônio cultural e histórico. O crescimento urbano
desordenado, a especulação imobiliária e a falta de integração entre políticas de
desenvolvimento e preservação podem levar ao descaso e à degradação do patrimônio.
2.2.3. Ausência de conscientização e educação patrimonial
A conscientização sobre a importância do patrimônio histórico e cultural ainda é baixa
em muitas regiões do Brasil. A falta de educação patrimonial contribui para a degradação e
destruição de locais históricos, muitas vezes por falta de compreensão de seu valor histórico,
cultural e social.
2.2.4. cAmeaças naturais e desastres
O Brasil é um país propenso a desastres naturais, como enchentes, deslizamentos de
terra e incêndios, que podem causar danos significativos ao patrimônio histórico e cultural.
Temos exemplos recentes como a cidade de Petrópolis, o incêndio do Museu Nacional no Rio
de Janeiro, simples exemplos onde uma manutenção recorrente poderia ter evitado tais
tragédias. A falta de medidas preventivas e planos de emergência pode tornar esses locais ainda
mais vulneráveis.

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2.2.5. Falta de incentivos e regulamentações adequadas
A ausência de incentivos fiscais e benefícios para proprietários de imóveis históricos
pode desestimular a conservação e a restauração desses locais. Além disso, a falta de
regulamentações específicas de proteção pode abrir caminho para a descaracterização e
destruição de edifícios e monumentos históricos.
2.2.6. Tráfico e saque de bens culturais
O tráfico ilegal de bens culturais é uma ameaça crescente para o patrimônio histórico
e cultural do Brasil. Artefatos e obras de arte roubados ou contrabandeados são retirados de
seu contexto original, perdendo informações valiosas sobre a história e a cultura do país.
2.2.7. Manutenção e conservação inadequadas
A falta de manutenção e conservação adequadas pode levar à deterioração e
degradação do patrimônio histórico e cultural, onde no máximo, adia sua perda ao longo do
tempo.

3. METODOLOGIAS SUGERIDAS
Esse trabalho foca em chamar a atenção para a importância da manutenção e
preservação do patrimônio histórico e cultural para um país, e que como tais projetos podem se
tornar uma espécie alavanca para impulsionar a economia. E que para isso alguma metodologia
seja utilizada para dar um padrão aos dados e facilitar sua análise. E tão importante quanto essas
informações é mostrar que tais ações de proteção do patrimônio pode assegurar nosso passado,
nosso presente, e principalmente nosso futuro.
Infelizmente a defesa do patrimônio no Brasil não é algo que está enraizado em nossa
cultura, a verdade é bem longe disso.
Assim se a sensibilidade da sociedade não dá, ainda, importância ao tema, o suficiente
para que essas obras sejam preservadas, aqui tentamos mostrar outra abordagem, a que se
projetos de preservação forem ativados, tais atos podem trazer imensos benefícios financeiros
para as cidades e suas populações. Mostrando de maneira inequívoca que projetos relativos à
preservação patrimonial não deveriam ser considerados uma despesa e sim um investimento
valioso da sociedade.

3.1 Metodologias inovadoras de avaliação de patrimônios e locais de relevância histórica e


cultural
Sobre qual o melhor método, acreditamos que quaisquer que sejam escolhidos já
trariam imensos benefícios para qualquer projeto de preservação de um patrimônio histórico
e/ou cultural. Mas neste trabalho gostaríamos de indicar alguns trabalhos mais inovadores que
tratam do assunto com bastante seriedade e mostram resultados bastante animadores.
São eles:
A dissertação de mestrado de Iberê Pinheiro de Oliveira em 2019, “Diretrizes para a
conservação patrimonial a partir da avaliação de depreciação do ambiente construído.”*

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* https://repositorio.unb.br/handle/10482/35622
O objetivo da dissertação é apresentar diretrizes para a conservação predial, a partir
do cálculo da depreciação desses imóveis. Através de um modelo matemático multiparâmetro
que será utilizado para calcular a depreciação global de um imóvel, levando em consideração
variáveis qualitativas, como o estado de conservação dos vários sistemas construtivos.
Mostrando que ações de manutenção são fundamentais para o ciclo de vida de um
imóvel, mas são frequentemente atrasadas devido ao grande número de variáveis envolvidas.
Assim o método de Ross Heidecke modificado será usado para analisar a dispersão no cálculo
da depreciação de um grupo de edificações, levando em consideração variáveis qualitativas.
Os resultados obtidos indicam que o método de Ross Heidecke modificado se mostrou
confiável e pode ser usado para apoiar a gestão de investimentos e conservação em qualquer
ambiente construído. Três cenários e análises de investimento foram apresentados como
diretrizes. A reforma total do imóvel comercial foi identificada como a decisão mais vantajosa,
restabelecendo a vida útil e a durabilidade.
Assim tal método, se colocado como padrão e sistematizado, poderá trazer celeridade
e uma maior assertividade no levantamento desses dados com objetivo de ajudar na tomada
das decisões relativas à preservação das obras, por parte dos governantes responsáveis, e para
os executores desses futuros projetos.
Outro trabalho bastante relevante é a dissertação de mestrado de Lilian Rose Nunes
Guimarães:
“Avaliação de bens patrimoniais via modelos acoplados de depreciação e significância
cultural: o caso do CEF-METROPOLITANA, Núcleo Bandeirante DF”**
**https://repositorio.unb.br/handle/10482/43093
No caso de obras de valor histórico e/ou cultural, mesmo que não tombadas, devem
estender a avaliação para além das questões estéticas e estruturais das edificações, com vistas
a sua manutenção e preservação. Existem outros aspectos que precisam ser levados em conta,
conforme esse trecho:
“Baseada nas propostas do Conservation Management Plan – CMP desenvolvido pelo
Getty Conservation Institute – GCI que por sua vez fundamenta suas ações no método proposto
por James Semple Kerr, e com referências à ferramenta proposta pelas professoras Drª Flaviana
Barreto Lira e Drª Virgínia Pitta Pontual foi concebida tabela que relaciona atributos (partes
integrantes do bem) e valores dos bens em estudo (FERREIRA; GUIMARÃES; GALIMI, 2021). Para
a avaliação patrimônio cultural foram adotados nesta pesquisa os seguintes valores:
• Valor de Uso;
• Valor de Polo Econômico;
• Valor Histórico;
• Valor Artístico;
• Valor Cultural;
• Valor de Antiguidade;

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• Valor de Simbólico
São valores que, segundo a conceituação, apresentam-se mais facilmente
identificáveis no contexto da pesquisa. Cada atributo é descrito e fotografado a analisado de
acordo com os valores listados acima com intenção de determinar se o atributo atende os
critérios de inclusão ou exclusão de cada item. Quanto mais valores estiverem intrínsecos nos
atributos, maior será o índice de significância do bem avaliado.
A determinação do valor inicia-se com os documentos existentes sobre o bem em
estudo, a demonstração da materialidade quando existe, ou a indicação do valor nos
documentos utilizados para a listagem. Desde o primeiro levantamento, método recomenda
especificar ou avaliar os Níveis de Significância relacionado aos mais diversos aspectos materiais
do bem em estudo. Essas atribuições são apresentadas em seis níveis diferentes. Partindo do
nível mais alto de "significância excepcional. Em seguida, temos os níveis de "Significância
Considerável "Alguma Significância", "Sem Significância ", "Intrusão" e "Remoção" (FERREIRA;
GUIMARÃES; GALIMI, 2021).” (GUIMARÃES, L. R. N., 2021, p. 28 e 29).
Muitas das capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador, assim
como outras cidades que têm o turismo histórico como base, Ouro Preto, Parati, Olinda, e ainda
a capital, Brasília, todas possuem inúmeras edificações de valor histórico e cultural, avaliar e
obter informações de todas as obras através das formas convencionais é possivelmente um
trabalho cansativo e moroso.
Assim esses trabalhos sugerem que se parametrize essas avaliações sob o olhar de um
método que contemple todos os sistemas de uma obra construída, fundações, estruturas,
alvenaria, elétrica, hidráulica etc. Além dos valores intrínsecos relativos ao valor patrimonial,
sugeridos pela dissertação de Lílian Guimarães.
Com isso pode-se estimar com mais precisão as reais necessidades, e principalmente
os recursos que seriam necessários, tanto na parte de serviços quanto material para
operacionalizar um projeto de manutenção e preservação de uma obra.

4. RESULTADOS ESPERADOS
4.1. Preservação do patrimônio com olhos a para a economia local
Parece meio óbvio que projetos de preservação e manutenção de patrimônios
históricos e culturais trariam benefícios diretos para a economia de uma cidade. Mas sabemos
que não é algo de fácil implementação.
Assim sugerimos passos anteriores aos projetos de preservação em si, precisam ser
cumpridos para que os projetos possam alcançar com sucesso seus objetivos.
4.2. Incentivar projetos de Educação Patrimonial
Um aspecto, já descrito neste texto, é a falta de consciência do governo e de sua
população quanto a preservação de seus patrimônios históricos e culturais.
Educação Patrimonial é uma prática pedagógica inspirada na teoria do pedagogo Paulo
Freire, que se serve do patrimônio cultural como fonte primária do conhecimento, fortalecendo
questões como identidade, consciência social e cidadania. (Castro, C., 2005, p. 2).

693
Ações coordenadas e multinível devem ser desencadeadas para expandir este
conhecimento e consciência. Em todas as faixas etárias e níveis escolares, obviamente tentando
ministrar a informação dentro da capacidade da audiência e de sua compreensão.
Os objetivos que precisam ser alcançados nesta etapa é acender, e manter acesa, uma
real consciência quanto a importância da preservação do patrimônio histórico e cultural, e o
quanto isso pode trazer um maior senso de identidade e pertencimento, aumento o orgulho de
pertencer àquele local, e que um maior engajamento pode conduzir a reais benefícios para a
cidade e a sociedade.
4.3. Levantamento de informações completas do patrimônio local
Realização de um estudo detalhado para identificar e listar todos os patrimônios
históricos e culturais da cidade, e suas condições, incluindo edifícios, monumentos, sítios
arqueológicos, tradições culturais e outros ativos relevantes. Não somente prédios tombados,
explorar o conceito de patrimônio e estender buscando relevância da história e da cultura locais.
Esse banco de dados será o ponto de partida para o entendimento do potencial econômico e
priorizar ações de manutenção e preservação. Neste ponto uma metodologia e sistemas
inovadores são ferramentas essenciais para dar agilidade e fidelidade para essas futuras
informações.
4.4. Integração das informações levantadas com a realidade da cidade
Criação de bancos de dados integrados de todas as informações levantadas com as
ações das políticas urbanas já iniciadas. As ações de preservação do patrimônio histórico e
cultural devem estar alinhadas as políticas de desenvolvimento urbano da cidade. O
Planejamento da expansão urbana moderna precisa preservar e integrar os locais históricos ao
tecido das cidades, evitando a descaracterização e isolamento desses espaços, e até mesmo
denotando estes locais, tratando-os como áreas preciosas.
4.5. Elaboração de um plano estratégico
Um plano estratégico de curto, médio e longo prazos para a preservação do patrimônio
histórico e cultural, alinhando-os aos objetivos levantados na etapa anterior de
desenvolvimento econômico da cidade. Esses planos devem considerar medidas para buscar
recursos que serão necessários para que as ações de restauração, conservação, promoção
turística sejam realmente viáveis.
Os recursos podem iniciais podem vir via o estabelecimento de parcerias com o setor
privado, como empresas, instituições financeiras e organizações culturais, que podem ajudar a
financiar e apoiar os projetos de preservação. Os governantes podem pensar em algum tipo de
incentivos fiscais para investidores e patrocinadores, criando um ambiente mais favorável para
o desenvolvimento dessas iniciativas conjuntas.
4.6. Capacitação de profissionais
Investir na capacitação de profissionais especializados em preservação do patrimônio
histórico e cultural, incluindo arquitetos, historiadores, engenheiros, arqueólogos, técnicos em
construção, gestores culturais e outros. Mesmo que tais profissionais estejam presentes em
número suficiente na cidade, a qualificação destes profissionais nas ações de preservação irá
ajudar a condução dos projetos de forma eficiente e garantir a autenticidade e integridade dos

694
locais preservados. Aqui parcerias com as escolas locais (técnicas, faculdades e universidades)
serão muito importantes.
4.7. Uso sustentável dos patrimônios históricos e culturais
Utilizar estratégias para promoção dos patrimônios históricos e culturais como
atrações turísticas, destacando sua singularidade e relevância cultural. Eventos culturais,
festivais e roteiros temáticos podem ser organizados para atrair visitantes e estimular a
economia local. Tão importante quanto a manutenção e preservação, a exploração econômica
desse patrimônio irá garantir que o projeto, como um todo, mantenha o caráter contínuo e
permanente.
4.8. Monitoramento e avaliação dos projetos
Criação de um sistema de monitoramento e avaliação contínua dos projetos de
preservação e seu impacto na economia local. Isso permitirá acompanhar os resultados
alcançados, fazer ajustes quando necessário e demonstrar os impactos do investimento em
preservação.

5. TEMAS PARA DISCUSSÃO E CONCLUSÃO


Esse trabalho não deseja impor uma opinião, e sim gostaria de sugerir e ressaltar que
qualquer patrimônio histórico e cultural de qualquer cidade deveria ser tratado como uma
riqueza inestimável, e que para isso ocorra, precisa que seja visto desta forma por toda a
sociedade, que vai além dos valores relativos à identidade e história daquele povo, mas também
pode e precisa desempenhar um papel fundamental na geração de oportunidades econômicas.
O tema e as sugestões de ações precisam ser uma estratégia de Estado, e não pertencente a um
governo, conseguir avançar por gerações, e principalmente ser eficaz para impulsionar o
desenvolvimento um novo mercado, o de manutenção patrimonial, além é claro do turismo
cultural, atraindo visitantes, gerando receitas e fomentando o desenvolvimento de setores
relacionados, como hotelaria, gastronomia e comércio local, como também ajudar a fomentar
a educação e a moral, até mesmo fatores mais intangíveis como o orgulho de um povo.
A manutenção e conservação adequadas do patrimônio histórico contribuem para a
revitalização urbana, a integração do novo e do velho, ajuda na valorização imobiliária e
renovação de áreas antes degradadas, estimulando o crescimento econômico realmente
sustentável.
A inserção de recursos em projetos de preservação da sua história e cultura precisa ser
visto e sentido como investimento, e não como gasto, capaz de criar oportunidades de emprego
em diversos setores, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades e a continuidade
cultural.
A conscientização da população local sobre a importância do patrimônio histórico e
cultural é um ponto crucial para alimentar a participação ativa e o apoio a projetos de
preservação, promovendo o sentimento de pertencimento e dignidade em relação à sua cidade.
E finalmente, dar a oportunidade para as gerações futuras conhecerem seu passado.

695
6. REFERÊNCIAS
6.1 Livros
McKercher, B.; du Cros, H. (Eds.). Cultural Tourism: The Partnership between Tourism and Cultural Heritage
Management. Routledge, 2002.

National Trust for Historic Preservation. Economic Benefits of Historic Preservation: A Report from the National
Trust for Historic Preservation's Research & Policy Lab. Washington, DC, 2019.

Richards, G.; Munsters, W. Cultural Tourism Research Methods. CABI, 2010.

6.2. Dissertação, tese e trabalho acadêmico – Impresso


GUIMARÃES, L. R. N. Avaliação de bens patrimoniais via modelos acoplados de depreciação e significância cultural:
O caso do CEF-Metropolitana, Núcleo Bandeirante - DF. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo.
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de
Brasília, Brasília, DF, 2021.

OLIVEIRA, I. P. Diretrizes para Conservação Patrimonial a Partir da Avaliação da Depreciação do Ambiente


Construído. Dissertação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2019.

6.3. Capítulo de livro


Canteiro, T.; Tarquinio, A. Brasília: Heritage Tourism in a Modernist City. International Journal of Heritage Studies, v.
25, n. 8, p. 849-865, 2019.

Schuler, S. Brasília: A City between Utopia and Reality. Built Environment, v. 41, n. 1, p. 81-94, 2015.

6.4. Trabalhos publicados em eventos


CASTRO, C. A importância da Educação Patrimonial para o desenvolvimento do Turismo Cultural. In: III Seminário de
Pesquisa em Turismo do Mercosul, 2005, Caxias do Sul. Anais do III Seminário de Pesquisa em Turismo do Mercosul,
2005.

United Nations World Tourism Organization (UNWTO). Cultural Heritage and Tourism: A Global Comparison.
Madrid, Spain, 2019.

United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Cultural Heritage and Sustainable
Tourism. Paris, France, 2017.

6.5. Artigos de Internet


Brasil. Ministério do Turismo. Brasília - Guia do Turismo. Disponível em:
http://www.turismo.gov.br/images/2021/Abril/12/2--Atrativos-Nacionais.pdf., 2021.

UNESCO. Cultural Landscape of Brasilia. World Heritage Centre. Disponível em:


https://whc.unesco.org/en/list/445/, 1987.

696
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

TRANSFORMANDO O TURISMO ATRAVÉS DA PRESERVAÇÃO DA


MEMÓRIA, PATRIMÔNIO E PAISAGEM ARQUITETÔNICA: UM OLHAR
SOBRE TAQUARUÇU - PALMAS/TO

TRANSFORMING TOURISM THROUGH THE PRESERVATION OF MEMORY, HERITAGE,


AND ARCHITECTURAL LANDSCAPE: A PERSPECTIVE ON TAQUARUÇU - PALMAS/TO

Taynnara Gonçalves de Oliveira Borges


Arquiteta e urbanista, UFT, Brasil
taynnaraoliveira@hotmail.com

697
RESUMO
Este estudo visa investigar o potencial do turismo em Taquaruçu, Palmas/TO, com foco na preservação da identidade
cultural, patrimônio histórico e paisagem da região. Tem por objetivo analisar como a preservação da memória,
patrimônio e paisagem pode transformar o turismo em Taquaruçu - Palmas/TO. Busca compreender como essa
valorização atrai visitantes, impulsiona a economia local e enriquece a experiência turística, ao mesmo tempo que
mantém a identidade cultural e arquitetônica única da região. A metodologia empregada neste estudo é qualitativa
e baseada em pesquisa bibliográfica. Esta abordagem foi escolhida para compreender as percepções, experiências e
práticas locais relacionadas ao turismo, além de analisar os fatores históricos e culturais que moldam o
desenvolvimento local. Isso permite uma análise mais profunda e contextualizada do tema, visando contribuir para o
desenvolvimento turístico responsável da região, valorizando sua herança cultural e promovendo o bem-estar da
comunidade local. A gestão sustentável dos recursos naturais contribui para minimizar impactos negativos, preservar
o meio ambiente e garantir um turismo equilibrado. Incentivos ao empreendedorismo local resultaram no
fortalecimento da economia regional, criação de empregos e valorização da cultura local. Essas ações, baseadas em
parcerias participativas, consolidaram Taquaruçu como um exemplo de turismo responsável, onde o
desenvolvimento socioeconômico pode ocorrer de maneira sustentável, respeitando o meio ambiente e
enriquecendo a experiência dos visitantes e a qualidade de vida da comunidade local. A colaboração entre diversos
atores é necessária para preservar a identidade cultural e ambiental enquanto impulsiona o crescimento,
transformando Taquaruçu em um destino exemplar e próspero.

PALAVRAS-CHAVE: Preservação cultural. Valorização local. Taquaruçu - Palmas/TO.

ABSTRACT
This study aims to investigate the potential of tourism in Taquaruçu, Palmas/TO, focusing on the preservation of
cultural identity, historical heritage, and the region's landscape. Its objective is to analyze how the preservation of
memory, heritage, and landscape can transform tourism in Taquaruçu - Palmas/TO. It seeks to understand how this
valorization attracts visitors, boosts the local economy, and enriches the tourist experience while maintaining the
unique cultural and architectural identity of the region. The methodology employed in this study is qualitative and
based on bibliographic research. This approach was chosen to comprehend the perceptions, experiences, and local
practices related to tourism, as well as to analyze the historical and cultural factors shaping local development. This
allows for a deeper and more contextualized analysis of the topic, aiming to contribute to responsible tourism
development in the region, valuing its cultural heritage, and promoting the well-being of the local community.
Sustainable management of natural resources helps minimize negative impacts, preserve the environment, and ensure
balanced tourism. Incentives for local entrepreneurship have led to the strengthening of the regional economy, job
creation, and the appreciation of local culture. These actions, based on participatory partnerships, have established
Taquaruçu as an example of responsible tourism, where socioeconomic development can occur sustainably, respecting
the environment, and enhancing the visitor experience and quality of life for the local community. Collaboration
among various stakeholders is necessary to preserve cultural and environmental identity while driving growth,
transforming Taquaruçu into an exemplary and prosperous destination.

KEYWORDS: Cultural preservation. Local valorization. Taquaruçu - Palmas/TO.

698
1 INTRODUÇÃO

O turismo tem se revelado como uma força poderosa para estimular o progresso
socioeconômico em diversas regiões ao redor do globo, e o Brasil não fica à margem desse
cenário (BRASILEIRO ET AL., 2012). Dentro desse contexto, este estudo visa explorar o potencial
do turismo como um agente catalisador para o desenvolvimento socioeconômico de Taquaruçu,
situado em Palmas/TO, considerando cuidadosamente as nuances culturais e históricas da
região. Taquaruçu se destaca por suas profundas conexões com elementos naturais, arquitetura
tradicional e práticas agrícolas sustentáveis, formando uma identidade cultural e ambiental
singular que merece ser preservada e celebrada (PEREIRA, 2020).
Contudo, promover o turismo em Taquaruçu requer uma abordagem responsável e
sustentável que leve em consideração sua rica herança cultural e histórica (PEREIRA, 2020).
Torna-se essencial adotar medidas que minimizem impactos adversos no meio ambiente e na
cultura local, assegurando que o desenvolvimento turístico seja equitativo e benéfico para todos
os envolvidos (KÖRÖSSY, 2008). Nesse sentido, propomos estratégias de marketing e divulgação
conscientes, que valorizem a identidade cultural e ambiental de Taquaruçu, promovendo o
turismo de maneira autêntica e sustentável (BRASILEIRO ET AL., 2012).
Nesse contexto, a problemática central deste artigo reside na busca por um equilíbrio
entre o desenvolvimento turístico e a preservação da identidade cultural, patrimônio histórico
e paisagem arquitetônica única de Taquaruçu. O desafio está em como promover o crescimento
do turismo de forma sustentável, garantindo que as atividades turísticas não comprometam a
integridade do patrimônio cultural e arquitetônico da região, mas sim o valorizem e o preservem
para as gerações futuras.
A justificativa para abordar o tema é embasada na relevância de explorar estratégias
sustentáveis de desenvolvimento turístico que garantam a proteção do rico patrimônio cultural
e arquitetônico de Taquaruçu. A região se destaca por sua identidade única, composta por
elementos naturais, históricos e arquitetônicos que merecem ser salvaguardados. Nesse
contexto, a pesquisa busca encontrar maneiras de impulsionar o turismo de maneira
responsável, promovendo o crescimento econômico local sem comprometer a herança cultural
e arquitetônica que faz de Taquaruçu um destino singular. Além disso, considerando a crescente
demanda pelo turismo sustentável e autêntico, este estudo visa contribuir para a discussão
sobre como harmonizar o desenvolvimento turístico com a preservação da memória, patrimônio
e paisagem arquitetônica, beneficiando tanto os visitantes quanto a comunidade local e as
futuras gerações.

2 OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral

Partindo desse pressuposto, o objetivo geral deste estudo é analisar como a


preservação da memória, patrimônio e paisagem arquitetônica pode ser uma estratégia eficaz
para transformar o turismo em Taquaruçu - Palmas/TO, promovendo o desenvolvimento
socioeconômico sustentável da região. A pesquisa busca compreender como a valorização
desses elementos pode atrair visitantes, impulsionar a economia local e enriquecer a

699
experiência turística e, ao mesmo tempo, preservar a identidade cultural e arquitetônica única
de Taquaruçu.

2.2 Objetivos Específicos

Deste modo, para se alcançar tal fim, tem-se por objetivos específicos: a) Investigar a
história e a cultura do distrito de Taquaruçu, identificando elementos que conferem uma
identidade única à região. b) Analisar o potencial turístico de Taquaruçu, considerando seus
atrativos naturais, culturais e históricos. c) Avaliar o impacto do turismo na economia local,
destacando sua relevância como gerador de empregos e renda para a comunidade. d) Propor
estratégias de marketing e divulgação consciente que valorizem a identidade cultural e
ambiental de Taquaruçu, promovendo o turismo sustentável e autêntico. e) Identificar desafios
e oportunidades para o desenvolvimento do turismo sustentável em Taquaruçu, buscando
soluções que promovam o crescimento socioeconômico da região sem comprometer sua
riqueza cultural e histórica.

3. MÉTODOS DE ANÁLISE

A metodologia adotada neste estudo consiste em uma abordagem qualitativa,


envolvendo a realização de pesquisas bibliográficas. Conforme relata Denzin e Lincoln (2006), a
pesquisa qualitativa envolve a análise de uma variedade de informações do mundo real, como
estudos de caso, experiências pessoais, entrevistas e textos culturais, para entender os
momentos e significados que fazem parte da vida das pessoas. Os pesquisadores que utilizam
essa abordagem usam várias formas de interpretação para compreender melhor o assunto em
estudo. Cada forma de interpretação oferece uma perspectiva única sobre o assunto, e
geralmente os pesquisadores combinam diferentes métodos interpretativos para obter uma
compreensão mais completa. Em resumo, a pesquisa qualitativa busca explorar e compreender
aspectos complexos e subjetivos da realidade por meio da análise de diversas fontes de
informação.
A escolha dessa abordagem metodológica é fundamentada na necessidade de
compreender as percepções, experiências e práticas dos atores locais em relação ao turismo
sustentável, bem como analisar os fatores históricos e culturais que influenciam o
desenvolvimento turístico de Taquaruçu. Ao adotar uma abordagem qualitativa, busca-se
capturar nuances e particularidades do contexto local, permitindo uma análise mais profunda e
contextualizada do tema em questão. O objetivo é contribuir para o desenvolvimento turístico
de Taquaruçu de forma responsável, valorizando sua riqueza cultural e histórica, e promovendo
o bem-estar da comunidade local.
A coleta de dados foi realizada por meio de fontes secundárias, como livros, artigos
científicos, relatórios e documentos governamentais, que fornecerão informações relevantes
sobre o turismo sustentável, o potencial histórico e cultural de Taquaruçu e a gestão turística
em regiões semelhantes. Essa coleta de dados tem o propósito de obter percepções e opiniões
sobre o turismo na região, identificar desafios, potencialidades e necessidades específicas
relacionadas à sustentabilidade e ao desenvolvimento socioeconômico.

700
4. EXPLORANDO O POTENCIAL HISTÓRICO-CULTURAL E TURÍSTICO DE TAQUARUÇU
4.1 Trajetória Histórica do Distrito de Taquaruçu: Um Patrimônio em Construção

O Estado de Tocantins é uma unidade federativa relativamente recente no contexto


brasileiro, tendo sido criado em 5 de outubro de 1988, após a promulgação da Constituição
Federal. Juntamente com a criação do estado, estabeleceu-se a cidade de Palmas, que surgiu do
zero em 20 de maio de 1989, para centralizar a administração e promover o desenvolvimento
de uma região estratégica dentro do território tocantinense (MIRANDA E ANJOS, 2019).
Nesse cenário, Taquaruçu desempenhou um papel de destaque no contexto da
formação do estado e da construção da nova capital. Em meio aos diversos protagonistas dessa
história de criação do Tocantins e sua capital, o Distrito emergiu como um fragmento relevante,
representando um local de importância singular para a trajetória do estado.
Conforme relata Milagres et al. (2010), o povoamento de Taquaruçu ocorreu durante
o século XX, mais precisamente entre as décadas de 1940 e 1960, por meio da chegada de
imigrantes oriundos do Maranhão e do Piauí. Esses migrantes foram atraídos pela
disponibilidade de terras, recursos hídricos abundantes e um ambiente tranquilo, que
proporciona condições propícias para suas atividades agrícolas e garantia de subsistência.
Hoje em dia, Taquaruçu é conhecido por abrigar uma notável diversidade de
produções culturais, que coexistem em harmonia com os esforços de consolidação de um pólo
ecoturístico pouco explorado. A região se destaca por sua rica biodiversidade, que inclui
cachoeiras, fauna e flora características do cerrado brasileiro. Além disso, suas atrações culturais
refletem uma variedade de manifestações criativas e sociais únicas.
Embora a identidade ambiental e cultural de Taquaruçu seja firmemente afirmada e
valorizada pela população local, Pereira (2020) ressalta que ainda há um reconhecimento
limitado desse patrimônio como inerente ao processo histórico de ocupação. Há, porém, uma
tentativa de transformar a imagem do distrito, guiada por uma lógica capitalista voltada para o
mercado turístico. Essas intervenções visam criar uma aparência cenográfica, semelhante aos
tradicionais sítios históricos brasileiros, impactando elementos do casario vernacular local.
A paisagem de Taquaruçu é considerada única e distintiva em relação à capital Palmas,
justificando a atribuição de valor e ações para protegê-la, conforme salienta Pereira (2020). A
preservação dessa paisagem é crucial por diversos motivos, incluindo a proteção da herança
cultural e o estímulo ao turismo e ao desenvolvimento econômico local. Além disso, a
conservação do meio ambiente contribui para a sustentabilidade a longo prazo e permite a
transmissão desse patrimônio para as gerações futuras, mantendo vivo o legado cultural e
ambiental de Taquaruçu.
A chegada de novos moradores na década de 1990, incluindo ecologistas, artistas,
produtores culturais, profissionais liberais e amantes da natureza, proporcionou um momento
significativo para Taquaruçu. Nesse período, questões como o resgate da história e cultura local,
por meio da música, arte cênica e artesanato, assumiram um papel fundamental na valorização
e preservação das tradições culturais da região (SOARES, 2017).
Em sua pesquisa, Possapp (2019) afirma que nos últimos anos, especialmente a partir
de 2017, com a exibição da novela "O outro lado do paraíso" que, em parte, retratava Palmas, o
Distrito de Taquaruçu tornou-se um importante ponto de partida para o roteiro turístico do
Jalapão, atraindo um crescente número de visitantes. Essa maior visibilidade tem contribuído
para consolidar a região como um destino turístico de destaque na região.

701
4.2 Diversidade cultural e tradições locais

Em seu estudo, Dias (2014) defende que Taquaruçu é um verdadeiro convite ao


turismo, com sua temperatura amena e uma diversidade de atrativos naturais e culturais. Essas
características estimulam a visita de turistas, especialmente nos finais de semana, em busca de
momentos de descanso ou para desfrutar de atividades esportivas radicais, como rapel e
escaladas. A região ainda conta com um agradável microclima úmido e com pouca luminosidade,
criando um cenário ideal para banhos, contemplação e caminhadas. Nesse contexto, o
desenvolvimento do ecoturismo no Distrito de Taquaruçu, quando bem estruturado e
planejado, emerge como uma valiosa oportunidade para impulsionar o desenvolvimento
sustentável, bem como para gerar emprego e renda para a comunidade local.
Contudo, cabe ressaltar que, como descrito por Soares (2017), o potencial turístico de
Taquaruçu transcende os atrativos naturais, pois engloba também a atmosfera bucólica, as
manifestações culturais e a gastronomia da região. Os visitantes têm a oportunidade de não
apenas contemplar as belas paisagens naturais, mas também mergulhar na encantadora
atmosfera local, envolver-se nas manifestações culturais e apreciar a rica diversidade
gastronômica regional. Esses elementos adicionais enriquecem a experiência turística, tornando
Taquaruçu um destino completo e irresistível para os viajantes em busca de vivências autênticas
e memoráveis.
O "Festival Gastronômico de Taquaruçu", por exemplo, é reconhecido como um dos
principais atrativos turísticos da região e têm impulsionado o desenvolvimento do turismo no
distrito, consolidando-se como uma marca representativa do ecoturismo na região. Com
realização anual no mês de setembro, o festival tem alcançado grande prestígio ao longo do
tempo, contribuindo significativamente para o fortalecimento do setor turístico local. Sua
ênfase na gastronomia regional e na valorização dos ingredientes locais atrai visitantes de
diversas regiões, tornando-se um evento aguardado por turistas e moradores. Ao promover a
rica culinária local e ressaltar os sabores autênticos de Taquaruçu, o festival desperta o interesse
de pessoas em busca de experiências gastronômicas únicas e enriquecedoras. Além disso, a
realização do evento favorece o desenvolvimento econômico da comunidade, gerando emprego
e renda para os envolvidos e impulsionando o comércio local. Com sua crescente relevância, o
"Festival Gastronômico de Taquaruçu" desempenha um papel fundamental na promoção do
distrito como um destino turístico diferenciado e atraente, agregando valor à identidade cultural
e turística da região (DIAS, 2014).
Na perspectiva do uso da diversidade cultural como um recurso impulsionador do
desenvolvimento, observa-se uma clara preocupação por parte da Administração Municipal em
preservar as características distintivas da identidade gastronômica do distrito. Essa abordagem
é implementada mediante a imposição de uma condição para participação no "Festival
Gastronômico de Taquaruçu": a utilização de ingredientes autênticos e representativos da
região. Nesse contexto, a gestão municipal busca estimular o incentivo ao uso de insumos locais,
visando valorizar a culinária regional e os conhecimentos tradicionais relacionados aos
alimentos próprios da área. Segundo Soares (2017, p. 63 e 64), “busca-se o incentivo a atividades
comerciais vinculadas à cultura, contudo, sem descaracterizar a culinária local.”.
Outro personagem intrínseco à cultura do Distrito é a Aldeia TabokaGrande que surgiu
originalmente como um bloco de carnaval, mas ao longo do tempo, evoluiu para um ponto de

702
cultura com uma estrutura consolidada. Situada aos pés da serra de Taquaruçu, apesar de
apresentar dificuldades de acesso devido ao relevo e ao trecho não pavimentado que antecede
sua entrada, a Aldeia permanece como um espaço aberto. A área abriga a casa e o ateliê do
artista, e também é palco de oficinas de confecção de bonecos e tambores. Consoante a Miranda
e Anjos (2019), além de sua função como espaço físico, a Aldeia TabokaGrande assume uma
relevância cerimonial ao longo do ano. Esse local torna-se cenário para a realização de diversos
rituais, sendo os mais antigos e populares a Queima dos Tambores e o Corte da Boina, que
acontecem durante o período do carnaval.
Como observado por Santos e Veloso (2021), a Aldeia TabokaGrande possui um
significativo valor simbólico para seus participantes e representa um marcante movimento de
aquilombamento cultural no distrito de Taquaruçu. Esse movimento de reunir-se e buscar
identificação cultural resultou na celebração da festa dos Bonecos Gigantes, envolvendo uma
rica tradição mítica e mitológica em torno dos bonecos e do próprio evento festivo. Neste
sentido, essas práticas culturais estabelecem uma conexão entre a comunidade e suas tradições,
sendo fundamentais para a preservação e fortalecimento da identidade cultural local (MIRANDA
E ANJOS, 2019).
No entendimento de Pereira (2020), a paisagem de Taquaruçu preserva rastros
materiais e imateriais resultantes de práticas tradicionais de construção vernacular e sua relação
com os elementos naturais. Esses elementos atuam como testemunhos da identidade ambiental
e cultural da região. Com base nessa premissa, a paisagem apresenta atributos distintos que a
distinguem da capital Palmas, tornando-se merecedora de valorização e de medidas para a sua
preservação (PEREIRA, 2020).
A paisagem cultural de Taquaruçu é enriquecida pelos elementos naturais, como a
majestosa serra, as deslumbrantes cachoeiras, o sereno ribeirão e as emblemáticas palmeiras,
em especial o babaçu. Esses elementos não apenas possuem um valor ambiental significativo,
mas também se tornaram símbolos característicos do lugar, reforçando sua identidade única e
peculiar (PEREIRA, 2020).
Contudo, a comunidade local parece não estar plenamente consciente das vantagens
comparativas que o diversificado conjunto paisagístico de Taquaruçu oferece em relação a
outros atrativos turísticos do Estado e do Brasil. Isso pode ser atribuído, talvez, ao conhecimento
limitado sobre outros destinos turísticos explorados e à natureza da relação que mantêm com
sua própria paisagem (MILAGRES ET AL. 2010).

5. DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA O TURISMO EM TAQUARUÇU


5.1 Revisando a Perspectiva: Ramificações Adversas do Setor Turístico

Segundo Damas (2020, p. 312)


Ao pensar em alternativas práticas para o turismo sobre o viés da sustentabilidade,
tem-se primeiramente um questionamento sobre a dependência massiva do turismo
pela questão econômica, porém com a evolução das preocupações voltadas aos
impactos negativos ao meio ambiente, o turismo merece total atenção,
principalmente pelas novas formas de práticas sustentáveis que surgiram.

Os impactos negativos decorrentes do turismo não sustentável representam uma


preocupação significativa tanto para o meio ambiente quanto para as comunidades locais em
destinos turísticos (MILAGRES ET AL. 2010). A degradação ambiental é um dos principais

703
resultados desse tipo de atividade, onde o aumento do fluxo de turistas pode desencadear
danos em ecossistemas sensíveis, como praias, florestas, recifes de coral e áreas protegidas.
Conforme ressalta Dias (2014), a expansão desordenada da infraestrutura turística, a poluição
atmosférica e hídrica, o consumo excessivo de recursos naturais e o descarte inadequado de
resíduos são fatores que contribuem para a deterioração do meio ambiente.
Além disso, Brasileiro et al. (2012) ressalta que o turismo não sustentável pode causar
a perda de biodiversidade, à medida que habitats naturais são prejudicados e a flora e fauna
nativas são impactadas. A expansão de empreendimentos turísticos e a invasão de áreas
naturais para acomodar as demandas dos turistas podem levar à fragmentação de habitats e à
diminuição da diversidade biológica local.
Outros impactos socioeconômicos também podem ser observados, incluindo o
aumento da pressão sobre os recursos e serviços locais como: água, alimentos e transporte, bem
como a especulação imobiliária que pode resultar em gentrificação e deslocamento de
comunidades tradicionais (BRASILEIRO ET AL., 2012). Partindo desse pressuposto, podemos
entender que a concentração excessiva de atividades turísticas em determinadas áreas pode
levar à superexploração dos recursos disponíveis, aumentando a vulnerabilidade do destino a
crises ou mudanças nas preferências dos turistas.
Outro aspecto importante salientado por Brasileiro et al. (2012) é de que a falta de
envolvimento e participação das comunidades locais no planejamento e desenvolvimento do
turismo pode levar a relações de poder desiguais e à exploração dos recursos e da cultura local.
Além disso, a ausência de mecanismos de monitoramento e controle pode dificultar a
implementação de práticas sustentáveis e contribuir para a continuidade dos impactos
negativos.
Desta forma, é fundamental ressaltar a importância de uma abordagem sustentável
no desenvolvimento do turismo. Autores como Brasileiro et al. (2012) e Damas (2020), destacam
que o turismo deve ser planejado para minimizar os impactos negativos no meio ambiente e na
cultura local. A preservação dos recursos naturais e culturais é essencial para garantir a
sustentabilidade do setor a longo prazo.

5.2 Necessidade de preservação e conscientização

A preservação e a conscientização são elementos essenciais para a sustentabilidade e


o desenvolvimento socioambiental do Distrito de Taquaruçu. Para Dias (2014), como o local
possui uma rica diversidade natural e cultural, é fundamental adotar medidas que garantam a
proteção dos recursos naturais, a conservação do patrimônio histórico e cultural e o bem-estar
das comunidades locais.
Em Taquaruçu, Conforme relata Pereira (2020), a construção do território se baseia
em uma relação intrínseca com elementos naturais, arquitetura vernacular e práticas agrícolas
de subsistência. Infelizmente, a paisagem tem sido progressivamente afetada e
descaracterizada, demonstrando a ausência de medidas efetivas de preservação que levem à
degradação do patrimônio local.
A necessidade de preservação surge como resposta aos impactos negativos que
podem ser causados pelo turismo não sustentável. O aumento do fluxo de turistas pode levar à
degradação do meio ambiente, à descaracterização da paisagem e à perda da identidade
cultural do lugar, o que já vem sendo relatado pelos moradores do Distrito (MILAGRES ET AL.

704
2010). A falta de planejamento e gestão adequados pode comprometer a qualidade de vida dos
moradores e a experiência dos visitantes.
Conforme as considerações de Pereira (2020), a política de conservação deve ser
orientada pela natureza dinâmica da paisagem, reconhecendo sua característica mutável, com
o propósito de fortalecer a identidade do local. Esse direcionamento é embasado em valores
fundamentados nas referências culturais da região, emergentes dos elementos estruturantes
do território, buscando simultaneamente viabilizar o desenvolvimento sustentável sem
prejudicar a sua concretização.
Um dos desafios em Taquaruçu é encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento
turístico e a preservação dos recursos naturais e culturais. Para isso, consoante ao que sustenta
Possapp (2019), é importante contar com a participação ativa dos diversos atores envolvidos,
incluindo moradores, órgãos públicos, empresários e organizações da sociedade civil. A
integração de esforços e a promoção do diálogo são fundamentais para o desenvolvimento de
estratégias sustentáveis e para a implementação de políticas que garantam a proteção do
patrimônio local.
Deste modo, a preservação e a conscientização são elementos-chave para o
desenvolvimento sustentável do turismo em Taquaruçu. A busca por um turismo responsável e
consciente, que valorize a cultura local, respeite o meio ambiente e beneficie as comunidades,
é essencial para garantir um futuro próspero e equilibrado para o distrito. A adoção de práticas
sustentáveis e a participação ativa de todos os envolvidos são passos fundamentais para
alcançar esse objetivo.

5.3 Potencial para desenvolvimento socioeconômico

O turismo é amplamente reconhecido como um setor viável para impulsionar o


desenvolvimento econômico em diversas regiões ao redor do mundo. Com uma significativa
importância econômica global, o turismo responde por aproximadamente 30% das exportações
de serviços e 6% das exportações totais no cenário mundial. Essas estatísticas destacam o
turismo como o quarto setor mais relevante em termos de exportação, ficando atrás apenas dos
segmentos de combustíveis, produtos químicos e automóveis. Essa relevância econômica
enfatiza a capacidade do turismo em gerar receitas substanciais por meio do fluxo de turistas e
dos gastos relacionados a viagens e atividades turísticas (BRASILEIRO ET AL., 2012).
Brasileiro et al. (2012), destaca que o turismo tem o potencial de criar empregos e
oportunidades de renda em comunidades locais, principalmente nas áreas rurais e menos
desenvolvidas. Além disso, o fluxo de turistas gera uma demanda por serviços e produtos,
estimulando o crescimento de pequenos negócios e empreendimentos locais.
Outro aspecto importante é a capacidade do turismo de promover o desenvolvimento
de infraestruturas e serviços públicos. Segundo Possapp (2019), o aumento do número de
turistas em uma região pode levar à necessidade de investimentos em estradas, transporte
público, saneamento básico e outras infraestruturas, beneficiando tanto os moradores locais
como os visitantes.
Em suma, o turismo apresenta um grande potencial para o desenvolvimento
socioeconômico no Brasil, mas é necessário adotar uma abordagem responsável e sustentável
para maximizar os benefícios e minimizar os impactos negativos. O conhecimento e a análise

705
dos autores brasileiros sobre esse tema são fundamentais para embasar políticas públicas e
estratégias que promovam o crescimento econômico e social por meio do turismo.

5.4 Envolvimento da comunidade

É notável, como afirma Damas (2020), que em todas as concepções e compreensões


relacionadas ao turismo de base comunitária, os valores humanos são constantemente
enfatizados como elementos essenciais a serem cultivados e praticados. Partindo dessa
premissa, outras questões se alinham harmoniosamente, buscando o equilíbrio com os reflexos
da sustentabilidade e suas diversas interconexões.
Brasileiro et al. (2012) salienta que, a Organização Mundial do Turismo reconhece o
turismo como uma atividade com alta intensidade na absorção de mão-de-obra, o que
possibilita oportunidades para pequenas empresas e iniciativas locais. Além disso, destaca-se a
capacidade do setor de criar empregos e promover o desenvolvimento econômico em
comunidades e regiões turísticas. Nessa perspectiva, o turismo comunitário se destaca como
uma alternativa ao turismo tradicional, abrangendo em seu âmbito de atuação as preocupações
e demandas advindas de movimentos sociais e ambientais. Essas preocupações incluem a
valorização do patrimônio natural e cultural, como museus e espécies de árvores ameaçadas,
além do patrimônio imaterial, como modos de vida tradicionais presentes na comunidade
(BRASILEIRO ET AL., 2012).
Conforme destacado por Bandeira (1999), na década de 90, ocorreu uma significativa
ampliação do escopo do desenvolvimento, onde foram enfatizadas a participação conjunta do
estado, da iniciativa privada e da sociedade civil como protagonistas. Nessa perspectiva, a
governança democrática ganhou destaque, incorporando mecanismos que fomentam a
participação, o consenso e o envolvimento da sociedade civil. Ademais, as organizações não
governamentais foram reconhecidas por seu papel relevante, impulsionando uma reavaliação
das instituições existentes e estimulando a criação de novas estruturas, mecanismos e
processos, a fim de concretizar essa nova concepção do desenvolvimento.
Para Dias (2014), o envolvimento e percepção da comunidade de Taquaruçu acerca
das paisagens do distrito são de extrema importância para orientar o planejamento e o
desenvolvimento da atividade turística para garantir sua sustentabilidade. O engajamento dos
moradores locais possibilita a adoção de medidas que respeitem e valorizem os recursos
naturais e culturais, garantindo benefícios duradouros para a comunidade e para os visitantes.
A falta de participação da comunidade é considerada uma das principais causas do
fracasso de políticas, programas e projetos de desenvolvimento, consoante a literatura
produzida pelas principais instituições internacionais. A ausência de interação adequada com os
diversos segmentos da sociedade pode levar a ações públicas mal planejadas, resultando na
incapacidade de alcançar integralmente os objetivos propostos (BANDEIRA, 1999).
Nesse contexto, a conscientização desempenha um papel crucial. É fundamental
envolver a comunidade local, os turistas e os prestadores de serviços turísticos em ações
educativas que promovam a valorização da cultura local, o respeito ao meio ambiente e a
adoção de práticas sustentáveis. A conscientização sobre os impactos do turismo e a
importância da preservação contribuem para a construção de uma consciência coletiva em prol
da sustentabilidade (BRASILEIRO ET AL., 2012).

706
6. RESULTADOS E REFLEXÕES NO CONTEXTO DO TURISMO EM TAQUARUÇU
6.1 Estratégias de marketing e divulgação consciente

A implementação de estratégias de marketing e divulgação consciente é uma das


principais propostas para promover o turismo sustentável em Taquaruçu. Isso implica em
promover o destino turístico de forma responsável, destacando não apenas os atrativos naturais
e culturais, mas também a importância da preservação e da sustentabilidade.
Essas estratégias devem destacar a beleza e a diversidade da região, ressaltando a
riqueza natural, a cultura local e as experiências autênticas que os visitantes podem vivenciar.
Ao mesmo tempo, é fundamental conscientizar os turistas sobre a importância de respeitar o
meio ambiente, a cultura local e as comunidades que habitam a região (BRASILEIRO ET AL.,
2012).
A utilização de materiais de divulgação impressos e digitais pode ser uma forma eficaz
de disseminar informações sobre as práticas sustentáveis adotadas em Taquaruçu, como o uso
consciente dos recursos naturais, o apoio a projetos comunitários e a valorização das tradições
locais. Além disso, as redes sociais e os canais de comunicação online podem ser utilizados para
compartilhar conteúdo educativo e conscientizador, alcançando um público mais amplo.
Outra abordagem é o uso de influenciadores digitais e formadores de opinião que
compartilhem os valores do turismo sustentável. Parcerias com influenciadores que se engajem
em práticas conscientes de viagem podem ajudar a ampliar o alcance das mensagens sobre a
importância da sustentabilidade no turismo.
Além disso, é fundamental que os meios de comunicação locais e regionais também se
envolvam nessa divulgação consciente, publicando matérias e reportagens que enfatizem o
compromisso de Taquaruçu com a preservação do meio ambiente e da cultura local (OLIVEIRA
E MANSO, 2010).
A promoção de eventos e festivais que tenham a sustentabilidade como tema central
também pode ser uma estratégia eficaz. Esses eventos podem atrair turistas interessados em
práticas sustentáveis e proporcionar uma oportunidade para conscientizá-los ainda mais sobre
a importância da preservação (DIAS, 2014).
Outro aspecto relevante, segundo Martins et al. (2018), é a criação de canais de
comunicação diretos com os turistas, como sites e aplicativos, nos quais sejam fornecidas
informações sobre práticas sustentáveis que podem ser adotadas durante a estadia em
Taquaruçu. Dicas sobre como minimizar o impacto ambiental, respeitar a cultura local e apoiar
as comunidades podem ser compartilhadas nesses canais.
Por fim, é importante que as empresas e comunidades locais trabalhem em conjunto
para promover uma mensagem unificada de turismo sustentável em Taquaruçu. A colaboração
entre os diferentes atores envolvidos no setor é essencial para garantir o sucesso das estratégias
de marketing e divulgação consciente.

6.2 Gestão sustentável de recursos e infraestrutura turística

A implementação de uma gestão sustentável dos recursos e infraestrutura turística é


de extrema importância para promover o turismo responsável e sustentável em Taquaruçu.
Conforme Brasileiro et al. (2012), essa abordagem busca assegurar que o desenvolvimento
turístico ocorra de maneira equilibrada, levando em conta os impactos ambientais, sociais e

707
culturais da atividade. Através dessa gestão, pretende-se minimizar os efeitos negativos do
turismo no meio ambiente, preservar a rica cultura local e fomentar o bem-estar das
comunidades envolvidas. Ao considerar esses aspectos em conjunto, Taquaruçu pode garantir
um turismo que beneficie a todos de forma duradoura e responsável.
Um dos aspectos essenciais da gestão sustentável de recursos é o monitoramento e
controle do uso dos recursos naturais como a água, energia e biodiversidade. É importante
adotar práticas de uso eficiente desses recursos, bem como implementar medidas de
conservação e preservação ambiental, visando minimizar o impacto negativo do turismo sobre
o meio ambiente (VILLAC ET AL., 2021).
Além disso, a gestão sustentável de infraestrutura turística envolve o planejamento
cuidadoso e a manutenção responsável das instalações e equipamentos utilizados pelos turistas.
Segundo Körössy (2008), isso inclui a adoção de tecnologias limpas e sustentáveis, a promoção
da reciclagem e a redução do consumo de recursos não renováveis.
Outra prática importante, conforme ressalta Medeiros (2013), é o incentivo ao turismo
de baixo impacto, como o ecoturismo e o turismo comunitário. Essas modalidades turísticas
valorizam a cultura local, envolvem as comunidades no processo e respeitam a integridade do
meio ambiente. A gestão adequada dessas atividades contribui para o desenvolvimento
econômico das comunidades locais, enquanto preserva a identidade cultural e os recursos
naturais da região.
Nesse contexto, Possapp (2019) destaca que a governança participativa é um
elemento-chave na gestão sustentável do turismo em Taquaruçu. Envolver as partes
interessadas, como comunidades locais, empresários, organizações não governamentais e
autoridades públicas, nas decisões relacionadas ao turismo, garante que as políticas e
estratégias adotadas sejam amplamente aceitas e apoiadas, e promove o engajamento e a
corresponsabilização de todos os envolvidos na busca pela sustentabilidade.
Por fim, é importante destacar que a gestão sustentável de recursos e infraestrutura
turística requer uma abordagem de longo prazo, com o comprometimento contínuo das partes
interessadas. Mediante práticas responsáveis e sustentáveis, Taquaruçu pode consolidar-se
como um destino turístico exemplar, respeitando a natureza e a cultura local, e colhendo os
benefícios socioeconômicos do turismo de forma consciente e duradoura.

6.3 Incentivos para o empreendedorismo local

Conforme sustenta Dias (2014), a criação de incentivos para o empreendedorismo


local é uma estratégia essencial para impulsionar o turismo sustentável em Taquaruçu. Por meio
de políticas e programas específicos, é possível estimular o surgimento de novos
empreendimentos, principalmente aqueles voltados para o turismo comunitário e de base local.
Esses incentivos podem incluir linhas de crédito com juros reduzidos, capacitação e
treinamentos para os empreendedores, apoio na divulgação e promoção dos negócios, e
parcerias com organizações locais e governamentais.
Ao incentivar o empreendedorismo local, Taquaruçu pode fortalecer a economia da
região, promover a criação de empregos e renda para os moradores locais, e valorizar a cultura
e os produtos regionais. Além disso, o turismo sustentável muitas vezes depende de pequenos
negócios e iniciativas locais, com um impacto positivo na comunidade e no meio ambiente (DIAS,
2014).

708
Para Brasileiro et al. (2012), assegurar a efetividade dos incentivos, é imprescindível o
seu desenvolvimento em parceria com a comunidade, levando em conta as necessidades e
particularidades da região. Ao adotar uma abordagem participativa e colaborativa, os incentivos
podem se tornar uma ferramenta poderosa para fomentar o turismo sustentável em Taquaruçu,
gerando benefícios para todos os envolvidos e fortalecendo a preservação e valorização desse
precioso patrimônio local.

7. CONCLUSÃO

Diante das reflexões apresentadas neste artigo, é evidente que essa região possui uma
riqueza singular, capaz de atrair turistas em busca de experiências autênticas e enriquecedoras.
A paisagem exuberante, os elementos culturais e a diversidade de atividades oferecidas
impulsionam o desenvolvimento socioeconômico local por meio do turismo.
No decorrer deste artigo, ressaltou-se o papel do turismo como um fator
impulsionador do desenvolvimento socioeconômico em diversas regiões ao redor do mundo,
incluindo o Brasil. Autores brasileiros têm reafirmado que o turismo desempenha um papel
econômico relevante, capaz de promover a geração de empregos, renda e incentivar o
crescimento de pequenos negócios e empreendimentos locais.
Entretanto, para que o turismo seja uma força propulsora do desenvolvimento
sustentável em Taquaruçu, é imprescindível adotar uma abordagem consciente e responsável.
Estratégias de marketing e divulgação devem ser planejadas para promover o turismo de forma
sustentável, respeitando o meio ambiente e a cultura local. Além disso, a gestão dos recursos e
infraestrutura turística deve ser pautada em práticas sustentáveis, considerando os impactos
ambientais, sociais e culturais da atividade.
Outra medida essencial é incentivar o empreendedorismo local, proporcionando
oportunidades para que os moradores de Taquaruçu se beneficiem diretamente do
desenvolvimento turístico. A participação ativa da comunidade nas decisões e planejamentos é
fundamental para garantir que os incentivos sejam direcionados consoante as reais
necessidades e desafios da região.
Em síntese, para alcançar a promoção do turismo em Taquaruçu, mediante uma
abordagem voltada à preservação da memória, patrimônio e paisagem arquitetônica, é
essencial uma abordagem colaborativa envolvendo o poder público, a comunidade local, o setor
privado e demais atores interessados. Medidas devem ser implementadas para preservar a
valiosa identidade ambiental e cultural do local, enquanto se promove um desenvolvimento
socioeconômico equilibrado e benéfico para todos. Valorizando e protegendo esse tesouro
escondido, Taquaruçu pode se firmar como um destino turístico exemplar, oferecendo
experiências autênticas e enriquecedoras aos visitantes, além de impulsionar a prosperidade e
a qualidade de vida para sua comunidade.

8. REFERÊNCIAS

8.1 Livros

BOFF, Vilmar Antônio. Turismo e desenvolvimento regional: Um Estudo Comparado de Duas Regiões Turísticas do
Estado do Rio Grande do Sul - Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008.

709
BRASILEIRO, Maria Dilma Simões; MEDINA, Júlio Cabrera; CORIOLANO, Luiza Neide. (Org.). Turismo,
cultura e desenvolvimento - Campina Grande: EDUEPB, 2012.

VILLAC, Teresa; BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto; DOETZER, Gisele Duarte. (Coord.). Gestão pública
brasileira: inovação sustentável em rede/ Teresa Villac, Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa, Gisele Duarte
Doetzer (Coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2021.

8.2 Dissertação, tese e trabalho acadêmico - Impresso

DIAS, Leidiana Lopes. RESPONSABILIDADE SOCIAL NO PROCESSO DE UTILIZAÇÃO DO ESPAÇO NATURAL DO


DISTRITO DE TAQUARUÇU: PAISAGEM E OS EFEITOS DO ECOTURISMO NA REGIÃO. Monografia (licenciatura),
Universidade Aberta do Brasil – UAB, Universidade de Brasília – UnB, Instituto de Ciências Humanas, Departamento
de Geografia – GEA, EaD, p. 80, 2014. Disponível em: https://bdm.unb.br/handle/10483/11521. Acesso em:
27/07/2023.

PEREIRA, Marielle Rodrigues. Arquitetura na Rota das Cachoeiras: Casas de terra na Paisagem Cultural do Distrito
de Taquaruçu – To, Brasil. Tese (Doutorado em Arquitetura) - Universidade de Lisboa. Lisboa, p. 313. 2020.
Disponível em: http://repositorio.uft.edu.br/handle/11612/2624. Acesso em: 13/07/2023.

POSSAPP, James Jacques. Elaboração dos estudos preliminares para criação do Parque Municipal do
Taquaruçuzinho. Monografia - Escola Nacional de Administração Pública (Enap). p. 19, 2019. Disponível em:
http://repositorio.enap.gov.br/handle/1/4977. Acesso em: 27/07/2023.

SOARES, Agnelo Rocha Nogueira. Palmas criativa: gestão da cultura e desenvolvimento na capital do Tocantins.
Dissertação (Mestrado Desenvolvimento Regional) - Universidade Federal do Tocantins. Palmas, p. 77. 2017.
Disponível em: http://repositorio.uft.edu.br/handle/11612/1166. Acesso em: 13/07/2023.

8.3 Artigo de Periódicos

DAMAS, M. T. Turismo Sustentável: Reflexões, avanços e perspectivas. Revista Brasileira de Ecoturismo,


São Paulo, v.13, n. 2. Mai - jul 2020. pp. 310 - 327. Disponível em:
https://periodicos.unifesp.br/index.php/ecoturismo/article/view/9578/7722. Acesso em: 26/07/2023.

KÖRÖSSY, Nathália. Do "turismo predatório" ao "turismo sustentável": uma revisão sobre a origem e a
consolidação do discurso da sustentabilidade na atividade turística. Caderno Virtual de Turismo, vol. 8,
núm. 2, 2008, pp. 56-68, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil. Disponível em:
http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=115415175006. Acesso em: 25/07/2023.

MARTINS, L. M.; VILAR, J. W. C.; SILVA, R. V. S.; SANTANA, M. de O. Tecnologia Móvel na Gestão de
Atividades Turísticas em Aracaju, SE, Brasil. Revista Turismo em Análise, [S. l.], v. 29, n. 3, p. 396-412,
2018. DOI: 10.11606/issn.1984-4867.v29i3p396-412. Disponível em:
https://www.revistas.usp.br/rta/article/view/147860. Acesso em: 14/07/2023.

MILAGRES, Vanesa Rios; SOUZA, Eliane Marques; SOUZA, Lucas Barbosa e. Percepção Ambiental no
Distrito de Taquaruçu, Município de Palmas (TO): a relação dos moradores com as transformações da
paisagem ao longo da história local. Caderno Virtual de Turismo. Rio de Janeiro: Instituto Virtual de
Turismo, vol. 10, n.º 01, ano 2010, p. 01-14, 2010. Disponível em:
http://www.ivt.coppe.ufrj.br/caderno/index.php/caderno/article/view/373/232. Acesso em:
13/07/2023.

MEDEIROS, L. da C. Turismo e sustentabilidade ambiental: referências para o desenvolvimento de um


turismo sustentável. Revista Meio Ambiente e Sustentabilidade, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 197–234, 2013. DOI:
10.22292/mas.v3i2.181. Disponível em:
https://www.revistasuninter.com/revistameioambiente/index.php/meioAmbiente/article/view/181.
Acesso em: 26 jul. 2023.

710
MIRANDA, A. K. S.; ANJOS, A. C. C. dos. TERRITORIALIZAÇÕES DISCURSIVAS E DISPUTAS NARRATIVAS:
Aldeia TabokaGrande e os carnavais de Taquaruçu em pauta. Aturá - Revista Pan-Amazônica de
Comunicação, [S. l.], v. 3, n. 2, p. 18–38, 2019. Disponível em:
https://sistemas.uft.edu.br/periodicos/index.php/atura/article/view/7314. Acesso em: 13/07/2023.

OLIVEIRA, Ermelinda; MANSO, José. Turismo sustentável: utopia ou realidade? Revista de Estudos Politécnicos
Polytechnical Studies Review 2010, Vol. VIII, n.º 14, 235-253. Disponível em: http://hdl.handle.net/10314/2635.
Acesso em: 25/07/2023.

SANTOS, A. C. dos; VELOSO, J. G. Tradições Inventadas e Criação de Espaço de Pertencimento: Uma revisão de
literatura. Urdimento: Revista de Estudos em Artes Cênicas, Florianópolis, v. 3, n. 42, p. 1-21, 2021. DOI:
10.5965/1414573103422021e0201. Disponível em:
https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/20433. Acesso em: 27/07/2023.

711
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( X ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

VENDE-SE URBANISMO

URBANISM FOR SALE

Rosangela Leal Santos


Professora Doutora, UEFS, Brasil.
rosaleal@uefs.br

Carlane Costa Dias Feitosa


Mestre, UFRB, Brasil
carlanedias@hotmail.com

Kelly Cristina Ribeiro Marques Cardoso


Professora Mestre, UEFS, Brasil.
kcrmcardoso@uefs.br

Maiane Costa Ferreira


Engenheira Civil, UFRB, Brasil.
maianeferreira@hotmail.com

Diego Evangelho Barbosa de Carvalho


Engenheiro Civil, UEFS, Brasil.
diego.engenheiro.uefs@gmail.com

712
RESUMO
Este artigo discute a forma como a sensação de insegurança e o sentimento do medo tem sido responsáveis pelao
remodelamento do tecido urbano e por movimentos migratórios observados em cidades brasileiras. Aborda também
a forma de apropriação urbanismo, pela iniciativa privada, através da exploração do medo e da sensação de
insegurança, que resulta na proliferação de condomínios fechados de uso exclusivamente residencial em diversos
municípios brasileiros. Para tanto, com objetivo de analisar a exploração da sensação de insegurança e do medo, para
proliferação de condomínios fechados de uso residencial, é feita uma revisão bibliográfica sobre o tema, com análise
de campanhas publicitárias que ofertam à população ideias de moradia, “afastados da cidade perigosa” e são
abordados temas como segregação social, espacial, mixobofia e a proliferação das fobópoles.

PALAVRAS-CHAVE: Urbanismo, Insegurança urbana, Condomínios fechados.

SUMMARY
This article discusses how the feeling of insecurity and the feeling of fear have been responsible for the remodeling of
the urban fabric and for migratory movements observed in Brazilian cities. It also addresses the form of urbanism
appropriation, by the private sector, through the exploitation of fear and the feeling of insecurity, which results in the
proliferation of gated condominiums for exclusively residential use in several Brazilian municipalities. To this end, with
the aim of analyzing the exploitation of the feeling of insecurity and fear, for the proliferation of closed condominiums
for residential use, a bibliographical review is carried out on the subject, with an analysis of advertising campaigns
that offer the population ideas for housing, “away from home”. of the dangerous city” and themes such as social and
spatial segregation, mixobofia and the proliferation of phobópolises are addressed.

KEYWORDS: Urbanism, Urban insecurity, Gated communities.

713
INTRODUÇÃO

O intenso, acelerado e desigual processo de urbanização mundial, e que também tem


sido observado no Brasil, aliado aos altos índices de criminalidade e violência do País, tem
gerado, em especial nas áreas urbanizadas, aumento na sensação de insegurança, alterando de
forma significativa o modo de habitar dos cidadãos, assim como a forma de apropriação e uso
do solo urbano.
Explorando o medo, percebe-se uma atuação direcionada na iniciativa privada, onde
construtoras e agentes imobiliários passam a oferecer especialmente às classes média e alta,
ideais de moradia, aparentemente isolados da problemática urbana vigente. Assim, emergem
nas cidades contemporâneas, uma série de condomínios fechados de uso exclusivamente
residencial, que constituem grandes zonas monofuncionais, isolados da dinâmica natural da
cidade, por altos muros e portarias, configurando uma fratura do tecido urbano (SOUZA, 2008),
onde a população mais carente, que não tem dinheiro para pagar por este solo urbano, acaba
ficando isolada atrás dos muros, acentuando diferenças socioespaciais.
Prolifera nas cidades contemporâneas, a estética do medo. Onde por meio de barreiras
físicas, como construção de guaritas e muros cada vez mais altos, e de mecanismos de controle,
vigilância e contenção socioespacial, parte da população se auto enclausura, acreditando que
assim estará imune aos riscos existentes do “lado de fora”.
Esta tendência de remodelamento do solo das cidades implica em uma série de
problemas urbanos que precisam ser analisados e discutidos, a fim de evitar prejuízos maiores
no que tange à mobilidade urbana e à segregação espacial e social que tem sido observada nas
cidades.
Por meio de uma análise da comercialização do urbanismo como produto, assim como
as estratégias de venda e divulgação de condomínios fechados, o presente trabalho visa discutir
a forma como a iniciativa privada tem se apropriado do urbanismo e da estética do medo,
explorando a sensação de insegurança existente e provocando um remodelamento do solo
urbano que é excludente e de forma proposital, busca a segregação socioespacial entre classes
econômicas distintas.

1. OBJETIVOS

1.1 Objetivo Geral

Analisar a exploração da sensação de insegurança e do medo, para proliferação de


condomínios fechados de uso residencial.

1.2 Objetivos específicos

• Analisar como a sensação de insegurança contribui para o auto


enclausuramento;
• Analisar a exploração do sentimento do medo na comercialização de
empreendimentos do tipo condomínios fechados de uso residencial;
• Analisar estratégias utilizadas em campanhas publicitárias para promover um
novo ideal de moradia.

714
2. METODOLOGIA/MÉTODO DE ANÁLISE

Para fundamentação do artigo, foram realizadas revisão bibliográfica sobre o tema e


consulta às publicações e à base de dados de institutos e organizações, como o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com informações expostas na Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua (PNAD).
Como autores mais relevantes na revisão bibliográfica destacam-se o filósofo Henri
Lefebvre (2006; 2008), que questionava a vida cotidiana da sociedade moderna a partir de uma
análise do espaço urbano e das relações sociais que se desenvolviam sob influência do
capitalismo; o sociólogo Zygmunt Bauman, por meio de obras como “Comunidade: a busca por
segurança no mundo atual” (2003) e “Confiança e Medo na cidade” (2009); o coordenador do
Núcleo de Pesquisas sobre Desenvolvimento Socioespacial da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), Marcelo Lopes de Souza, com o livro “Fobópole” (2008); a escritora Jane Jacobs
através da obra “Morte e Vida das Grandes Cidades” (2000), na qual analisa a vida cotidiana e
destaca a importância de um contato mais imediato com as ruas e calçadas para que se
estabeleça uma vida dinâmica nas cidades e, por fim, a antropóloga Teresa Pires do Rio Caldeira
(2000), por meio do livro “Cidade de Muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo”, no
qual, após uma análise na cidade de São Paulo, destaca a influência de preconceitos, da mídia e
da violência urbana na proliferação dos grandes enclaves fortificados.
Dentre as técnicas de pesquisa utilizadas estão, além da revisão bibliográfica, visitas a
regiões onde se observam a proliferação de condomínios fechados de uso exclusivamente
residencial e análise de campanhas publicitárias lançadas para divulgação e comercialização de
condomínios residenciais.

3. RESULTADOS

3.1 4.1 A sensação de segurança

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com o Ministério


da Justiça e Segurança Pública, investigou durante o ano de 2021, a sensação de segurança
existente no país, divulgando os dados obtidos através da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios Contínua (PNAD Contínua). A pesquisa analisou informações que estão relacionadas
a um maior ou menor grau de segurança da população, a exemplo da a existência e qualidade
de serviços públicos, ocorrência de crimes nos arredores do domicílio, a confiança em pessoas
e instituições, a percepção de riscos de vitimização e até mesmo a mudança de hábitos devido
à insegurança.
Os dados apresentados comprovam que como já esperado, a sensação de segurança
de uma pessoa varia em função da localidade que habita e do sexo, expondo que 54,6% dos
cidadãos brasileiros não se sentem seguros na Cidade onde vivem, sendo o percentual maior
entre as mulheres. Ao comparar homens e mulheres, o percentual de pessoas que se sentiam
seguras foi maior para os homens, em todos os tipos de local. Enquanto no domicílio 90,5% dos
homens e 88,6% das mulheres se sentiam seguras, na Cidade esses percentuais caíam para
58,0% e 51,6%, respectivamente.

715
Figura 01 – Pessoas que se sentem seguras, por tipo Figura 02 – Pessoas que se sentem seguras, por tipo de
de local (%) local (%)

Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação de
de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 2021 por Amostra de Domicílios Contínua, 2021

Vale destacar que a diferença de sensação de segurança se acentua quando analisados


os dados por Região no País, expondo assim, a existência de desigualdade no que tange ao
referido tema, visto que enquanto os melhores índices de sensação de segurança estão na
Região Sul, os piores índices estão nas Regiões Norte e Nordeste. Aí vale destacar a relação
direta estabelecida entre a sensação pesquisada pelo IBGE e à incidência de violência
apresentada no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, cujas informações expõem
que dentre os 50 municípios mais violentos do Brasil (levando em consideração cidades com
mais de 100 mil habitantes), quase metade (23) está no Nordeste, sendo 12 delas no estado
da Bahia.
Gráfico 01 - Taxa de Mortes Violentas Intencionais (MVI) UFs, 2022.

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 2023.

Figura 03 – Pessoas que se sentem seguras ao andar sozinhas nas redondezas ou nos arredores do domicílio, por
período do dia (%)

Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua, 2021

716
Quando a pesquisa relacionou os dados com as características do entorno dos
domicílios, em relação à existência e qualidade dos serviços públicos, constatou-se que nos
locais onde os serviços públicos eram avaliados como ótimos ou bons havia uma sensação de
segurança maior do que aquela estimada para os domicílios cujo entorno fornecia serviços
considerados regular, ruim ou péssimo. Este dado é mais preocupante, se levado em
consideração o fato de que apesar do Brasil possuir alta taxa de urbanização, chegando a 84,72%
(PNAD, 2015), ela não é acompanhada no que diz respeito ao acesso a serviços urbanos.
Embora existam altas taxas de urbanização, observa-se que as condições desta
urbanização e dos próprios domicílios é extremamente precária. Índices constatados em Feira
de Santana, segundo maior município do Estado da Bahia, infelizmente podem ser observados
em vários outros municípios do País. Em Feira de Santana, segundo dados do IBGE, a taxa de
urbanização atingiu 91,7%, em 2010, mas apenas 59,7% dos domicílios possuem esgotamento
sanitário adequado e apenas 17,1% das vias públicas são urbanizadas.
O processo de urbanização acelerado e sem planejamento adequado agravou
problemas econômicos, ambientais e sociais, acentuando a segregação física e espacial entre
ricos e pobres, em virtude também de um aumento significativo no número de assentamentos
subnormais no país, fato que contribui para a alteração da morfologia urbana. Dados do IBGE
mostram que, entre 1991 e 2010, a população residente em aglomerados subnormais aumentou
em mais de 60%, passando de pouco menos de sete milhões para 11,4 milhões de pessoas,
segundo o Censo Demográfico. De forma ainda mais alarmante, a estimativa de domicílios
ocupados, realizada para a operação do Censo Demográfico de 2020, sugere que o aumento
chegou à ordem de aproximadamente 107%, comparando o período de 2010 a 2019, e pesquisa
do Relatório Anual Brasil 2020, aponta que, em 2020, no Brasil 41,4% da população urbana
estava vivendo em assentamentos precários, assentamentos informais ou domicílios
inadequados.

Figura 4 – Pessoas que se sentem seguras ao andar sozinhas nas redondezas ou nos arredores do domicílio, por
existência e avaliação dos serviços públicos, segundo o tipo de serviço (%)

Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua, 2021

Valendo-se dos problemas sociais que se instauram em decorrência do crescimento


urbano e adensamento populacional não planejado, observa-se um crescimento na atuação da

717
iniciativa privada, através de incorporadores e agentes de mercado, que passa a intervir no
tecido urbano das cidades, por vislumbrar neste segmento grandes oportunidades de negócio.
Uma das formas de atuação se dá por meio da construção de condomínios fechados
do tipo residencial, onde são ofertadas à população espécies de ilhas no interior das cidades,
dotadas de habitações padronizadas em ruas pavimentadas, limpas e bem iluminadas, além da
garantia de segurança privada. Com isso, se evidencia uma tendência de remodelamento do solo
urbano, com a injeção de recursos em determinadas áreas da cidade, atraindo pessoas que
anseiam por mais infraestrutura e qualidade de vida, promovendo a especulação imobiliária e
inibindo a mobilidade urbana, ao dificultar a ocupação de tais espaços pela população mais
carente.
A apropriação do urbanismo pelo sistema capitalista, com a proliferação de grandes
enclaves fortificados (CALDEIRA, 2000) urbanos, consolida uma urbanização desigual, onde as
comunidades que mais necessitam da atuação do Estado ou de parcerias público - privadas, são
desprezadas em detrimento de “guetos” de classe média e alta, cujas moradias, ruas e espaços
coletivos passam a ser cada vez mais privilegiados.
Na imagem abaixo, está exposto o resultado desta urbanização desigual, onde áreas
vizinhas ocupam e se apropriam do solo urbano de forma totalmente divergente. É nítido como
possuem “etiquetas de preço” (CALDEIRA, 2000) distintas, em virtude das condições de
habitabilidade, mobilidade e infraestrutura urbana que possuem. A imagem representa a
concentração de renda, a opressão do amontoado de prédios sobre o amontoado de casebres
e é capaz de expressar a “[...] resistência cotidiana dos pobres para permanecer na cidade”
(BARBOSA, 2010).
Figura 05 - A apropriação resultante de uma urbanização desigual.

Fonte: Atlas do Censo Demográfico – IBGE / 2010.

Vale destacar que ao invés de surgirem novas alternativas para o enfrentamento da


questão e minimização dos problemas decorrentes da urbanização desigual, se observa nas
cidades de grande, médio e até de pequeno porte, a proliferação de condomínios, como solução
para aqueles que podem pagar por um solo urbano mais organizado e ilusoriamente distante da
problemática social vigente no país.

3.2 A influência do medo na proliferação dos condomínios

A sensação se insegurança tem sido explorada pelo mercado para a venda e


propagação dos condomínios residenciais. É em virtude da exploração do medo que estes
empreendimentos vêm se disseminando como ideais de moradia, imunes à criminalidade e
protegidos das ameaças e da violência que se prolifera nas cidades.

718
Para debater algumas questões acerca deste modo de habitar, é imprescindível
discutir o sentimento do medo, sentimento que norteia, inibe e promove ações e que vem sendo
exaustivamente explorado em discursos para venda e justificativa de enclaves urbanos.
Souza (2008) apresenta argumentos e induz a uma reflexão acerca da exploração deste
sentimento na sociedade contemporânea. Ao afirmar que o medo e a violência sempre existiram
e há tempos atrás assumiam características ainda mais bárbaras se comparados à atualidade,
ele defende que o fato novo está no uso deste instrumento por construtoras, imobiliárias e
agências de publicidade, que alardeiam e exaltam os dados referentes a crimes contra o
patrimônio, com o intuito de incitar a venda de condomínios fechados, disseminando as
fobópoles, que configuram cidades dominadas pelo medo da criminalidade violenta (SOUZA,
2008, p.9).
Com este propósito, os agentes incorporadores expõem a ineficiência do Estado no
que tange à implementação de políticas de segurança pública eficientes e exploram os princípios
do sistema capitalista - onde tudo vira negócio –, passando a comercializar o urbanismo como
um produto, um modo de viver que adquire valor de uso e troca.
Segundo Lefebvre (2008, p.25), trata-se do urbanismo dos promotores de vendas,
onde o produto principal a ser adquirido deixa de ser a moradia e passa a o próprio urbanismo,
apresentado como imaginário de um habitat, um lugar de felicidade e condição de uma prática
social que não tem necessidade de um sistema.
Ainda fazendo referência a Lefebvre (2008, p.20), este tipo de urbanismo representa
“... para uns a organização racional (na aparência) do espaço. Para outros, a presença do sonho,
da natureza, da saúde, afastados da cidade má e malsã”.
Estas afirmações são fundamentais para o entendimento da questão, no que tange à
proliferação dos condomínios fechados. Diante da vulnerabilidade dos seres humanos e da
facilidade de dominação das massas através do medo, sentimento global que domina e exerce
controle sobre os atos, rapidamente é criada a imagem publicitária do “urbanismo do paraíso”,
que resguarda das incertezas do mundo e garante uma vida entre iguais, distante da
heterogeneidade malévola que se apresenta todos os dias nos meios de comunicação. O mal
paira sobre os indivíduos, não há segurança nas ruas, melhor, portanto, garantir o
distanciamento através do auto enclausuramento. A vida nas ruas vai se esvaindo, deixando de
existir enquanto a vida nos enclaves é enaltecida.
Conforme já mencionado, a fim de facilitar a comercialização e estimular o desejo por
este tipo de moradia inserida em condomínios, são explorados o medo e a sensação de
insegurança, fazendo com que tais sentimentos influenciem decisivamente a vida diária dos
cidadãos, se apresentando como fatores de condicionamento das relações sociais e da
modelagem do espaço nas cidades - inclusive nas cidades médias e pequenas.
Nas fobópoles, os condomínios fechados aparecem como a solução para toda a
problemática urbana vigente, visto que são oferecidos como um habitat totalmente controlado:
um lugar isolado, circunscrito por muros, que fisicamente se situa dentro da cidade, mas social
e idealmente, está fora dela (BAUMAN, 2009, p.39). São autônomos (acreditam não depender
da estrutura da cidade), com infraestrutura completa, prometendo aos habitantes, segurança,
tranquilidade e qualidade de vida. Com este propósito, selecionam os moradores através do
custo das habitações, ofertando possibilidades de “relacionamento entre iguais” em um espaço
dito “socialmente homogêneo”.

719
Este tipo de empreendimento estimula também a mixofobia (medo de misturar-se),
que antevista por Bauman (2009, p.44), “... se manifesta como impulso em direção a ilhas de
identidade e de semelhança espalhadas no grande mar da variedade e da diferença” que são as
cidades. Neste contexto, os indivíduos buscam cada vez mais, um isolamento e distanciamento
da problemática urbana vigente, passando a estabelecer relações virtuais que por vezes
substituem contatos físicos e interações presenciais com outros indivíduos e situações.
Tomados pela mixofobia, os cidadãos passam a vislumbrar nos condomínios o local
ideal para habitar, visto que ao menos nas propagandas, eles são apresentados como territórios
onde existe a garantia de tranquilidade, privacidade e isolamento.
Vale frisar que a prometida uniformidade social do espaço, difundida pelos enclaves
urbanos também favorece a intolerância à diferença, uma vez que ao invés de lidar com as
adversidades, é ofertada aos indivíduos a possibilidade de exclusão do problemático mundo
externo aos condomínios, fazendo com que a vida nas cidades pareça mais perigosa do que ela
de fato é.
A auto-segregação propiciada pelos condomínios fechados provoca uma espécie de
fratura do tecido urbano e representa uma solução escapista (SOUZA, 2008 p.73), por ser uma
fuga e não um enfrentamento das questões sociais e das verdadeiras causas da violência, além
de promover uma segregação social em virtude da existência de comunidades ilhadas.
Alguns estudiosos, a exemplo de Ernest Burgess e Robert Park, provenientes da Escola
de Chicago, defendem inclusive que a desorganização social decorrente da segregação espacial
que marginaliza comunidades carentes, aumenta também a tendência à criminalização, através
de uma análise da relação entre o desenho urbano e a criminalidade. Eles defendem que o crime
é produto da urbanização e da desorganização espacial e mostram como a classe marginalizada,
ao permanecer isolada em áreas nas quais o poder público está ausente ou desorganizado,
possui menos opções de trabalho, educação e lazer, ficando mais suscetível ao contato com
álcool, drogas e armas e aumentando a probabilidade de ocorrer crimes e mortes violentas.
Embora não haja estudos para comprovar que proliferação dos condomínios não é
capaz de combater ou controlar problemas sociais, eles continuam sendo consumidos pela
população como uma forma mágica de se distanciar principalmente da violência urbana. A
segregação passa a ser utilizada como um remédio contra a perturbadora diversidade e
heterogeneidade das cidades. Do ponto de vista urbanístico, observa-se uma espécie de
ressurgimento das cidades medievais, que se apresentam como “cidades protegidas”, contidas
por grandes muralhas, ao se mostrarem a seus habitantes “cidades livres”.
Neste contexto, fica evidente mais uma vez a especulação sobre o medo, que subjuga
o próprio planejamento urbano, alterando não só as relações interpessoais, mas também a
paisagem urbana e todo o ordenamento territorial. E o preocupante é que a paranóia mixofóbica
(BAUMAN, 2009) não necessariamente precisa ser confirmada ou comprovada. O medo é capaz
de se manter e se reforçar sozinho, adquirindo capacidade de autopropulsão, pautada em uma
sensação de perigo que não está necessariamente atrelada à existência de ameaças reais.
A exploração de todas as formas de medo, associada à guerra à insegurança, aos riscos
e aos perigos, faz brotar nas cidades contemporâneas condomínios que são verdadeiros
bunkers, que intimidam e marcam a paisagem urbana com suas grandes muralhas. Muros estes
que têm o propósito de manter distante qualquer estranho, desencorajando-o a ficar por perto
e inibindo a vitalidade e socialização nas ruas, pelo fato de que estas passam a ser meros locais

720
destinados à circulação de automóveis. Os corretores imobiliários valem-se da incerteza de
acontecimentos nas ruas para conseguir vender as habitações dos grandes conjuntos.
Coloca-se ainda uma nova discussão acerca dos riscos e danos decorrentes da
urbanização desigual e dos impactos que estes blocos de condomínios geram na dinâmica das
cidades. Ao criar grandes zonas monofuncionais e expulsar os segmentos menos favorecidos -
que não têm condições de pagar por este novo uso do solo-, se dissolve a organicidade típica
das cidades, que pressupõe encontros e também confrontos. Citando Santos (1994), desta
fratura do tecido urbano, surgem duas cidades: uma dos que têm acesso ao capital e aos serviços
públicos e a dos que não têm.
Na foto a seguir, de autoria de Tucá Vieira, esta fratura fica evidente ao contrapor o
luxo do condomínio fechado com os espaços mínimos e o amontoado de construções precárias
da favela de Paraisópoles, no município de São Paulo.

Figura 06 - Condomínio de luxo faz divisa com a favela de Paraisópolis

Fonte: http://folha.uol.com.br. Acesso em 05 de out. 2017

A imagem acima confirma a teoria de Bauman (2009), que alerta sobre a emergência
de dois mundos de vida, separados e segregados, onde o indivíduo que abriga o primeiro mundo
(dos condomínios), embora esteja fisicamente no local não se sente daquele local. Ele não se
identifica com a terra que o alimenta e não adquire pela cidade em que mora nenhum interesse,
a não ser o de ser deixado em paz.
Assim como Bauman (2009), Jacobs (2000) também considera que este tipo de uso e
ocupação do solo, característico das ilhas de vivência, ao eliminar a fluidez típica das ruas, cria
espaços impessoais, eliminando valores simbólicos de edificações, espaços públicos e fazendo
com que as ruas percam a sua função de sociabilidade urbana. Ela destaca que a multiplicidade
formal arquitetônica atribui identidade aos espaços, que o ambiente multifuncional é atrativo
às pessoas e que desse vínculo espacial nasce o sentimento de vizinhança, a noção de
pertencimento e se estimula a expressão cultural de um lugar. A pluralidade dos lugares dá vida
às cidades.
Ainda tomando como base os princípios de Jacobs (2000), a rua pertence às pessoas e
a permanência de áreas de uso misto e multifuncionais, que tenham funções diversas durante
o dia e a noite, deve ser defendida. Segundo ela, a degradação urbana está ligada à imposição
social de zonas monofuncionais.

721
3.3 As campanhas publicitárias e o conceito de comunidade

O conceito de comunidade está imbuído e faz menção a uma série de sentimentos que
extrapolam a acepção apresentada nos dicionários. Conforme antevisto por Bauman (2003, p.7),
“... as palavras têm significado: algumas delas, porém, guardam sensações. A palavra
comunidade é uma dessas”. Esta declaração tem um enorme poder de síntese, porque ajuda a
explicitar o simbolismo da comunidade e explicar o porquê dele ser tão comumente utilizado e
explorado em anúncios publicitários para venda de condomínios fechados.
Existem muitas formas de abordar a publicidade sobre os condomínios. Aqui será
discutido como ela ajuda a construir um estilo de vida fantasioso, através da utilização de cores,
imagens e valores que remetem à paz, tranquilidade e felicidade, capazes de seduzir
compradores ávidos pela possibilidade de adquirir uma moradia com total infraestrutura de
lazer e serviços, além de protegida da violência e insegurança que ameaçam as cidades. Para
tanto, os anúncios exploram de forma subjetiva, termos como pôr-do-sol, alegria, natureza,
qualidade de vida e outros elementos com grande poder de persuasão.
A construção e propagação desse novo padrão de habitar, além de pretender vender
status social, faz parecer que do lado de fora dos condomínios, na rua, o perigo está à espreita,
ao passo que dentro da comunidade, pode-se relaxar e ter proteção. Os condomínios são
apresentados como verdadeiros oásis de tranquilidade e segurança (BAUMAN, 2009, p.39),
onde o auto enclausuramento permitirá aos habitantes desfrutar de melhor qualidade de vida,
monitorada 24 horas por dia, através de empresas de segurança privada. As propagandas
afirmam que tranquilidade é não precisar sair de casa para ser feliz e que ao adquirir tal
propriedade, o futuro morador terá qualidade de vida.
Combinado ao poder e à força simbólica da palavra comunidade está a ideia dos
“espaços defensáveis”, teoria introduzida na década de 70, pelo arquiteto Oscar Newman que
também é explorada - implicitamente - por construtoras e imobiliárias. Esta teoria simples e à
primeira vista atraente (SOUZA, 2008), afirma que a organização espacial, ao delimitar de forma
clara o espaço público e o espaço privado, consegue inibir ou incitar ações criminosas. Defende
a necessidade de estimular o senso de propriedade da coletividade e facilitar as possibilidades
de um controle comunitário sobre o uso dos espaços coletivos. Para tanto, prevê um
monitoramento conjunto e espontâneo por parte dos moradores a fim de minimizar o
cometimento de delitos. Mas é fundamental informar que este conceito não previa a utilização
de muralhas e de uma brusca segregação espacial, como propagado nos enclaves.
Nas imagens a seguir são apresentadas propagandas de condomínios lançados em
municípios distintos, de pequeno, médio e grande porte, situados em zona urbana, mas também
na zona rural, mas que seguindo um padrão internacional, oferecem aos novos proprietários
exclusividade e enaltecem os equipamentos voltados para o lazer, qualidade de vida e
segurança. Cabe ressaltar que nenhuma delas apresenta de imediato a planta baixa da casa,
comprovando a ideia de que os principais produtos a serem vendidos são o estilo de vida, os
valores e não a edificação, a residência em si.
Se analisados de forma superficial, pode parecer que tais elementos não têm poder de
persuasão, mas conforme alertado por Mello (2010, p.65), quando desconstruído o conjunto,
com identificação e isolamento dos elementos que compõem a imagem urbana, é possível
observar que o efeito da representação faz com que os detalhes, vistos como elementos

722
isolados, sejam tomados como expressão do conjunto, assumindo dimensão simbólica e com
isso, tornando-se capazes de transmitir sensações que ajudam a cativar os clientes e compor a
imagem de uma cidade alegre.

Figura 07 – Panfleto do Condomínio Horto Tropical, Rural, Figura 08 – Panfleto do Condomínio Alameda dos
situado no município de Conceição do Jacuípe / BA Pássaros, Urbano, situado no município de Recife
/ PE

Fonte: Fonte: https://pe.olx.com.br/grande-


http://jacuipenoticias.com.br/classificados/virginia/horto-recife/imoveis/lancamento-em-recife-1-e-2-qts-
realize/horto-bom-sucesso2.htm. Acesso em 01 de set. 2023 dois-unidos-1137714202. Acesso em 01 de set.
2023.
Figura 09 – Panfleto do Condomínio Origem Santo André, Urbano, situado no município de Santo André / SP

Fonte: http://www.corretortenda5.com.br/. Acesso em 01 de set. 2023.


Figura 10 - Propaganda do condomínio Terras da Lagoa, situado no município de Alagoinhas / BA.

Fonte: http://terrasloteamentos.com.br/empreendimento/terras-da-lagoa. Acesso em 17 de ago. 2014.

723
Nos enclaves, as antigas relações de vizinhança e amizade decorrentes de uma
convivência respeitosa entre padrões e classes distintas que habitavam uma mesma rua, foram
se transformando em relações mais distantes, frias e até virtuais. A segurança que era ofertada
por meio da proximidade física entre os indivíduos, com conhecimento mútuo de rotinas e
comportamentos, foi dando lugar a um isolamento e distanciamento cada vez maiores.
No que tange à segurança, extremamente valorizada em todos os anúncios
publicitários, também fica evidente o descrédito da população para com o sistema da segurança
pública. Segundo Caldeira (2000) a segurança privada é hoje uma mercadoria vendida de forma
cada vez mais valorizada e sofisticada, que já virou elemento central do padrão de segregação
urbana estabelecido pelos enclaves fortificados. A presença de ronda, vigias, câmeras, alarmes
e cercas elétricas sobre muros cada vez mais altos, são fundamentais para o sucesso de vendas
dos condomínios.
Seguindo os mesmos princípios e confirmando constatações de Mello (2010) e
Bauman (2003), nestas peças publicitárias também são exploradas cores, imagens e palavras,
carregadas de simbolismo e que juntas, tornam-se capazes de compor um ideário que remete à
vida perfeita. Para tanto, valem-se de elementos que sugerem maior integração com a natureza
e consequentemente, distanciamento do caos e do “imenso mar de concreto” que caracterizam
as cidades, além da repetição de termos como lazer, bem-estar e qualidade de vida. Destaca-
se também a alusão a uma nova vida: um novo projeto de vida, uma nova história, onde é
ofertada a possibilidade de uma espécie de recriação da realidade.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A literatura utilizada para embasamento da pesquisa, aliada às análises de campanhas


publicitárias e visitas a regiões cuja paisagem já é marcada pela existência de grandes enclaves
urbanos, permitiu a constatação de que com a disseminação desse novo padrão de habitação,
promovido pelos condomínios fechados, o planejamento arquitetônico e urbano que deveria
ser definido com o propósito de difundir espaços públicos abertos, convidativos e acolhedores,
dá lugar a um planejamento que enaltece a vida no espaço privado e exclui cidadãos que não
podem arcar com o novo custo do solo urbano, valorizando e estimulando o “neoliberalismo
urbano” (SOUZA, 2008).
Com a revisão e pesquisa realizada, foi possível a constatação de que há exploração da
sensação de insegurança e do medo, para proliferação de condomínios fechados de uso
residencial e como o aumento da sensação de insegurança, confirmada através de pesquisa do
IBGE, contribui para o auto enclausuramento e comercialização de empreendimentos do tipo
condomínios fechados de uso residencial, onde a iniciativa privada promove um novo ideal de
moradia.
O isolamento e distanciamento provocado pelos enclaves urbanos é tão intenso, que
grande parte dos moradores dos condomínios não se sente confortável para estar presente nos
espaços públicos da cidade. Eles não frequentam mais parques ou sequer caminham pelas ruas
para não correrem os riscos que a mistura com o diferente pode gerar . Os moradores dos
enclaves se limitam a observar o que acontece do lado de fora do seu gueto, por meio de
câmeras e circuitos fechados de TV, como se fosse outro mundo, um mundo distante e
inacessível.

724
Ao circular por vias públicas, as pessoas se deparam com a imprevisibilidade dos fatos
e a falta de controle absoluto sobre tudo que as rodeia. No mundo moderno, com tantas
ferramentas para monitoramento da vida urbana, esta imprevisibilidade é tida como algo
extremamente perigoso, capaz de expor o cidadão ao risco absoluto, que segundo as
propagandas, não existe nos condomínios, que se apresentam como um habitat onde é possível
viver livre do medo.
Bauman (2008, p.8) faz uma reflexão acerca da escuridão, que pode ser facilmente
utilizada como a representação dos sentimentos pelos quais pessoas são acometidas
atualmente, ao circular pelas ruas de uma cidade: “Na escuridão, tudo pode acontecer, mas não
há como dizer o que virá. A escuridão não constitui a causa do perigo, mas é o habitat natural
da incerteza – e, portanto, do medo”.
Ao passo em que é feita uma associação entre a rua e a escuridão, também é válido
fazer um questionamento acerca da vida em condomínio: “... quem pode garantir que todos os
milhares que por direito estão dentro do forte sejam confiáveis no escuro?” (JACOBS, 2000
p.47). É importante levantar esta dúvida porque apesar de se buscar uma homogeneidade
social, ninguém pode assegurar que todos os condôminos, por possuírem condições financeiras
de adquirirem um imóvel em determinado empreendimento, sejam íntegros e incapazes de
cometerem delitos.
Vale frisar que por melhor que seja a organização espacial de um condomínio ou
reestruturada com o propósito de inibir certos tipos de crime, e mesmo que os moradores
exerçam algum controle sobre os seus respectivos espaços, nada poderia ser utilizado como
pretexto para fomentar o preconceito, o bairrismo e a esterilidade dos espaços públicos.
Conforme alertado por Sousa (2008, p.194) “a comunidade não deve ser usada como uma arma
contra a sociedade”.
Apesar de parecer algo palpável, a sensação de segurança ou insegurança está ligada
e varia em função de um sentimento subjetivo, o medo que, como já foi dito, tem o poder de
impedir que qualquer cidadão se sinta seguro, independentemente do local ou circunstância em
que se encontre.
A partir desse pressuposto, vale também discutir sobre a concepção de comunidade,
outra palavra comumente utilizada e explorada pelos agentes imobiliários, para difundir e
justificar a suposta segurança e a qualidade de vida das ilhas de vivência. A pesquisa realizada
demonstra uma mudança significativa no modo de habitar, que provoca a necessidade de
continuidade dos estudos e reflexões acerca deste fenômeno urbano, visto que diante da oferta
de tantas “mini cidades perfeitas”, vale reavaliar algumas escolhas e interrogar acerca do futuro
desta ilusão.
Para tanto, são trazidos à tona alguns questionamentos levantados por Souza (2008;
p.74): “Para os que vivem nesse universo fechado, que novas tensões surgirão devido a um
controle moralístico que tenderá a ser cada vez mais rígido, porque infenso a influências
externas? Que efeitos terá nos jovens? Como se comportará uma sociedade não contaminada?
Que preconceitos e barreiras surgirão? Como será o comportamento e apropriação do espaço
urbano, por parte da geração nascida e criada em um ambiente de comunidade e mini cidade
“autônoma” e homogênea?
Será que a única alternativa ao alto risco é abrir mão de uma visão universalista, de
uma perspectiva mais ampla e generosa da cidade? Ou, então, adotar um arremedo de
comunidade que, ao mesmo tempo em que serve para manter afastado o outro, o diferente,

725
não passa de um aglomerado de indivíduos hiper individualistas que no fundo pouco estão
interessados em uma convivência mais estreita, para além das divisas de suas propriedades?
No que tange ao discurso dos enclausurados, que atribui à violência a razão pela busca
desenfreada por condomínios, não se pode negar que enquanto o problema da falta de
segurança pública não for solucionado, será difícil convencer as classes média e alta a não adotar
a autossegregação como solução para a problemática vigente. Mas é dever alertar sobre a ilusão
instaurada e é assustador imaginar o futuro das cidades (SOUZA, 2008).
Constata-se a disseminação de um medo generalizado, o medo do diferente, a
mixofobia. Fatores que juntos, contribuem para a atribuição, de forma genérica, de que o perigo
se materializa na pobreza, e nos locais de moradia de baixa renda (a favela). Esta população que
se distancia da vida nas cidades, acredita que ao se manterem isolados, mantêm-se distantes
também da insegurança das cidades, por acreditarem que ao residir numa área cercada e
ocupada com indivíduos de padrão econômico equivalente, não estarão suscetíveis aos crimes
que parecem só ocorrer do lado de fora dos muros.
É fato que as cidades também são espaços de experimentações e vulgarização de
modas (MELLO, 2010), mas não é adequado que em virtude disso seja permitida uma
apropriação do solo que consolide a fragmentação do tecido urbano existente e a mixofobia,
em virtude dos preconceitos que são criados e da estigmatização do pobre na sociedade
contemporânea, que “[...] por sua miséria, perturba a alegria de consumir” (SOUZA, 2008, p.91).

Mas, é possível ser diferente e conviver junto! (BAUMAN, 2009)

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SOUZA, Marcelo Lopes. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Bertrand Brasil, 2008.

727
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo

Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
(X) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres

ZONEAMENTO URBANO INCLUDENTE OU EXCLUDENTE? UM ESTUDO DAS


ZONAS ESPECIAIS DE INTERESSE SOCIAL NOS PLANOS DIRETORES DE
LONDRINA E MARINGÁ

INCLUSIONARY OR EXCLUSIONARY URBAN ZONING? A STUDY OF THE SPECIAL ZONES


OF SOCIAL INTEREST IN THE MASTER PLANS OF LONDRINA AND MARINGÁ

Nathalia Moraes Marcolin


Mestranda em Geografia, UEL, Brasil.
nathalia.moraes@uel.br

Milena Cardoso Garbossi


Mestranda em Geografia, UEL, Brasil.
milena.garbossi@uel.br

Ideni Terezinha Antonello


Professora Doutora, UEL, Brasil.
antonello@uel.br

727
RESUMO
A presente pesquisa realiza uma análise comparativa das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nos Planos
Diretores de Londrina e Maringá, com o objetivo de se identificar, a partir da perspectiva de Marcelo Lopes de Souza,
as intenções contidas no estabelecimento das ZEIS, se estas retratam um zoneamento includente ou excludente.
Como percurso metodológico, baseia-se numa análise documental dos Planos Diretores e Leis de Uso e Ocupação do
Solo em ambas as cidades, de modo a examinar as legislações existentes para identificar tanto as similaridades quanto
as disparidades nas abordagens de ZEIS implementadas por cada município. Os resultados incluem considerações a
respeito de como as ZEIS, como parte do Estatuto da Cidade, têm potencial para transformar o cenário habitacional
e urbano, mas seu impacto depende da combinação com normas urbanísticas específicas e da promoção de gestão
democrática. A análise demonstrou que a mera produção de habitações não é suficiente para cumprir a função social
da cidade, uma vez que o planejamento urbano nos referidos Planos Diretores perpetua a segregação e distancia o
direito à cidade.

PALAVRAS-CHAVE: Zona Especial de Interesse Social. Plano Diretor. Planejamento Urbano.

ABSTRACT
This research conducts a comparative analysis of the Special Zones of Social Interest (ZEIS) in the Master Plans of
Londrina and Maringá, with the aim of identifying, from the perspective of Marcelo Lopes de Souza, the intentions
embedded in the establishment of ZEIS, whether they reflect an inclusionary or exclusionary zoning approach. As a
methodological approach, it is based on a documentary analysis of the Master Plans and the Zoning Laws in both
cities, in order to examine the existing legislations to identify both similarities and disparities in the ZEIS approaches
implemented by each municipality. The results include considerations about how ZEIS, as part of the City Statute, have
the potential to transform the housing and urban landscape, but their impact depends on the combination with specific
urban regulations and the promotion of democratic management. The analysis demonstrated that the mere
production of housing is not sufficient to fulfill the social function of the city, as the urban planning in the mentioned
Master Plans perpetuates segregation and distances the right to the city.

KEY-WORDS: Special Zones of Social Interest. Master Plan. Urban Planning.

728
1 INTRODUÇÃO

O planejamento urbano desempenha um papel crucial na configuração do espaço


urbano e na promoção da justiça social. No contexto das cidades brasileiras, onde desigualdades
socioespaciais são frequentemente acentuadas, o estudo das Zonas Especiais de Interesse Social
(ZEIS) se revela de extrema importância para compreender como o ordenamento territorial
pode influenciar a inclusão ou exclusão de diferentes segmentos da população. Este artigo se
dedica a analisar as ZEIS presentes nos Planos Diretores das cidades de Londrina e Maringá,
buscando discernir se o zoneamento adotado favorece um modelo mais inclusivo ou excludente
de desenvolvimento urbano.
O estudo tem como objetivo geral realizar uma análise comparativa das Zonas
Especiais de Interesse Social presentes nos Planos Diretores de Londrina e Maringá, explorando
a aplicação do conceito de zoneamento includente ou excludente, à luz das diretrizes propostas
por Marcelo Lopes de Souza (2002). Além disso, busca-se avaliar a consonância dessas zonas
com o princípio do Direito à Cidade, considerando suas implicações para o acesso equitativo aos
recursos urbanos e para a promoção de condições dignas de habitação.
A pesquisa será conduzida por meio de uma análise documental das legislações dos
Planos Diretores de Londrina e Maringá, incluindo também uma investigação detalhada de suas
respectivas Leis de Uso e Ocupação do Solo. Serão examinadas as características, abrangência e
critérios que definem as ZEIS em ambos os planos, bem como as diretrizes propostas para sua
efetivação. A partir dessa análise, pretende-se identificar as nuances que podem indicar se as
zonas são concebidas com uma abordagem mais inclusiva, visando a democratização do acesso
ao espaço urbano, ou se, por outro lado, perpetuam formas de exclusão e segregação.
As cidades de Londrina e Maringá foram selecionadas como objetos de estudo devido
à sua relevância no contexto regional. Ambas se localizam na região Norte Central Paranaense,
caracterizam-se como Capitais Regionais De Categoria B (2B), conforme o IBGE, e assumem
papéis de destaque como polos econômicos e de serviços em suas respectivas áreas de
influência. A escolha dessas cidades é motivada pela oportunidade de explorar como centros
urbanos de porte médio enfrentam os desafios relacionados à inclusão social no planejamento
urbano, contribuindo para um entendimento mais abrangente das dinâmicas territoriais em
diferentes contextos urbanos do Brasil.

2 OBJETIVOS

O objetivo principal deste estudo é realizar uma análise comparativa das Zonas
Especiais de Interesse Social presentes nos Planos Diretores pós-Estatuto da Cidade de Londrina
e Maringá. A investigação visa examinar como essas zonas foram delineadas e determinar se
possuem um caráter includente ou excludente, à luz das diretrizes propostas por Marcelo Lopes
de Souza. Além disso, a avaliação irá verificar se tais zonas estão em conformidade com os
princípios do Direito à Cidade.

3 METODOLOGIA

A metodologia deste estudo consistirá em uma análise documental das Leis de Uso e
Ocupação do Solo de Londrina e Maringá, com foco específico nas seções que tratam das Zonas

729
Especiais de Interesse Social. Será realizada uma comparação das definições, critérios de
delimitação, regulamentações e incentivos previstos em cada legislação. A abordagem proposta
por Marcelo Lopes de Souza será aplicada como um referencial teórico para avaliar se o
zoneamento é includente ou excludente em relação às Zonas Especiais de Interesse Social.
Ademais, a análise levará em consideração as diretrizes do Estatuto da Cidade para verificar se
as zonas especiais estão em conformidade com o Direito à Cidade.
A opção pela abordagem metodológica da análise documental no presente artigo se
baseia na ideia de que, ao trabalhar com fontes primárias, como documentos oficiais e
legislações que ainda não passaram por análise detalhada, torna-se possível compreender
profundamente o assunto em estudo. De acordo com Lima Júnior et al. (2021), a pesquisa
documental é caracterizada pelo uso exclusivo de documentos como fonte de dados, visando a
obtenção de informações contidas neles para uma compreensão mais profunda de um
fenômeno. Essa abordagem emprega métodos e técnicas para coletar, compreender e analisar
um conjunto diversificado de documentos, incluindo bancos de dados heterogêneos (LIMA
JUNIOR et al, 2021, p. 42).
Por meio dessa metodologia de análise das legislações, busca-se obter uma
compreensão aprofundada das políticas de zoneamento includente ou excludente nas Zonas
Especiais de Interesse Social de Londrina e Maringá, bem como sua relação com o Direito à
Cidade e as diretrizes dos Planos Diretores de cada município.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Habitação de Interesse Social e o Direito à Cidade

A Constituição Federal de 1988 trouxe em seus artigos 182 e 183 disposições


significativas para a política urbana. Esses artigos estabeleceram as bases legais para a
promoção de um desenvolvimento urbano equilibrado, com a valorização da função social da
propriedade e a busca por cidades mais justas e integradas.
O artigo 182 definiu diretrizes para o plano diretor, instrumento fundamental de
planejamento urbano, determinando que ele seja obrigatório para cidades com mais de vinte
mil habitantes. Além disso, ressaltou a importância da participação popular na formulação
desses planos, garantindo a voz das comunidades locais nas decisões que afetam seus espaços
de vida.
Por sua vez, o artigo 183 tratou das diretrizes para a regularização fundiária de áreas
urbanas, buscando dar acesso à moradia digna a uma parcela significativa da população que vive
em situações precárias. Essa disposição visava corrigir distorções históricas no acesso à terra e
à habitação, promovendo a inclusão social.
Posteriormente, o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) consolidou e
detalhou essas diretrizes, estabelecendo princípios, instrumentos e normas para o
desenvolvimento urbano sustentável. O Estatuto instituiu a obrigatoriedade da elaboração de
planos diretores municipais, definindo os termos em que esses planos devem ser formulados e
regulamentados. Além disso, trouxe instrumentos voltados para a promoção de um uso mais
justo e equitativo do solo urbano.
O Estatuto da Cidade desempenha um papel crucial na política urbana pós-
redemocratização, ao fortalecer a participação da sociedade civil na tomada de decisões sobre
o futuro das cidades, garantindo o direito à cidade para todos os cidadãos. Sua implementação

730
contribui para a construção de um ambiente urbano mais inclusivo, onde as desigualdades são
mitigadas e as oportunidades são equitativamente distribuídas.
Para colocar em prática e implantar as diretrizes propostas pelo Estatuto da Cidade
numa escala local e municipal, é elaborado o Plano Diretor, que poderá amparar as ações do
poder municipal em definir o uso e ocupação do solo urbano. Para se definir o uso e ocupação
do solo de forma que atenda os habitantes urbanos de maneira justa, o Plano Diretor se atenta
à função social da propriedade urbana, impondo limites ao seu uso diante da situação desigual
do acesso à moradia. Além disso, o Plano Diretor também busca aplicar instrumentos de gestão
indicados pelo Estatuto Da Cidade, de forma que se encaixe na realidade do município e possa
atender as demandas necessárias quanto ao acesso a moradia.
O acesso desigual à moradia por parte dos habitantes urbanos, a chamada questão
habitacional ou problemática habitacional, é um assunto que está diretamente ligado ao direito
à cidade e a um zoneamento includente ou excludente.
Assim, o zoneamento, de acordo com Souza (2002), é considerado o instrumento de
planejamento urbano por excelência, sendo, por muitas vezes, utilizado como ferramenta única
ao se planejar as cidades. Para o autor, desde sua origem, o zoneamento se mostra excludente
e funcionalista, de modo que separa a cidade da mesma forma que se separa uma residência –
atribuindo funções à cada parte, não havendo apenas um tipo de zoneamento, mas suas raízes,
ao menos, se dão pelo caráter excludente e funcionalista.
Nesse contexto, a Habitação de Interesse Social, que seria a maneira de amenizar ou
solucionar o problema, acaba por ser pensada e planejada, muitas das vezes às margens da
cidade, evidenciando, o processo de exclusão social a partir do espaço, e que o interesse do
Estado em suprir tais dificuldades de acesso à moradia se mostra ineficaz. Tais fatos ocorrem,
pois, os interesses privados e, por vezes, até públicos se voltam à uma política habitacional
desvinculada de seu real propósito, renegando a democratização da cidade, mantendo a
desigualdade e perpetuando a exclusão sócio territorial.
O direito à cidade deve garantir que diretrizes e legislações sejam consolidadas, para
que sejam garantidos os direitos a abrigo, moradia, equipamentos e serviços que venham a
atender as necessidades da coletividade que habita no espaço urbano, podendo assim, garantir
uma cidade que esteja preparada para atender também as demandas populares, que
atualmente se encontram num contexto desigual.
Diante disso, Souza (2002) apresenta uma visão de zoneamento includente, também
chamado de “zoneamento de prioridades”, assumindo o princípio da inversão de prioridades.
Nesta perspectiva, o Estado deveria priorizar as regiões mais pobres no tocante à infraestrutura
urbana, ao invés de se voltar às já privilegiadas.
A preocupação central de um zoneamento de prioridades e “includente”, em
contraste com a técnica tradicional de zoneamento de uso do solo, não é a separação
de funções e usos, mas sim a identificação dos espaços residenciais dos pobres
urbanos e a sua classificação de acordo com a natureza do assentamento (favela ou
loteamento irregular) e, adicionalmente, conforme o grau de carência de
infraestrutura apresentado. Convencionou-se chamar esses espaços de Áreas de
Especial Interesse Social (AEIS) ou Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Tais
espaços compreendem, principalmente, favelas, loteamentos irregulares e os vazios
urbanos. (SOUZA, 2002, p. 263).

Esse zoneamento, de acordo com Souza (2003), possui objetivos como coibir
especulação imobiliária, reduzir o nível de disparidade socioeconômica e o nível de segregação
residencial, além de democratizar o planejamento e a gestão do espaço urbano. Tais objetivos

731
encontram-se na Constituição de 1988, bem como no Estatuto da Cidade, prevendo, portanto,
sua incorporação por meio dos Planos Diretores.
Um dos instrumentos encontrados no estatuto da cidade e apontado por Souza (2002),
que pode disponibilizar alternativas para a questão habitacional são as Zonas Especiais de
Interesse Social (ZEIS), estas se apresentam como o maior instrumento de utilização pelos
municípios com relação à moradia, visto que são destinadas áreas para regularização fundiária
e urbanística, além de separação de áreas de vazios urbanos para implantação de projetos
habitacionais.
De acordo com Antonello, Veiga e Bertini (2022), as ZEIS são as áreas urbanas
destinadas predominantemente à recuperação urbanística, à regularização fundiária, à
recuperação de imóveis degradados e à produção de Habitação de Interesse Social - HIS e
Habitação de Mercado Popular – HMP, sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e
ocupação do solo.
Segundo Barros, Carvalho e Montandon (2010), é possível utilizar o referido
instrumento tanto para regularizar áreas ocupadas, independentemente da conformidade com
as normas urbanísticas durante o processo de ocupação, como para destinar áreas vazias à
habitação de interesse social. No caso da regularização de áreas ocupadas, ao instituir uma zona
de especial interesse social (ZEIS), demonstra-se viável estabelecer parâmetros urbanísticos
especiais que levem em consideração o modo de ocupação adotado pela comunidade,
permitindo, por exemplo, a utilização de vias mais estreitas em locais de declive acentuado, ou
a consolidação de ocupações em áreas ambientalmente preservadas, minimizando a
necessidade de realocação de moradias no contexto da regularização fundiária.
Além disso, ainda na visão de Barros, Carvalho e Montandon (2010), as ZEIS
possibilitam a implementação de medidas que evitem a expulsão posterior dos residentes de
baixa renda por grupos sociais mais afluentes, atraídos pela valorização desses terrenos. Quando
empregadas em relação a propriedades desocupadas ou subutilizadas, as ZEIS permitem ao
poder público reservar áreas que já contam com infraestrutura, serviços e equipamentos
urbanos para a habitação de interesse social, revelando-se como uma ferramenta significativa
para prevenir a marginalização dos indivíduos de baixa renda para as regiões periféricas
distantes dos centros urbanos.
Antonello, Veiga e Bertini (2022) destacam ainda a importância de defender o Plano
Diretor como um mecanismo orientador que efetiva a implementação de políticas habitacionais
ao estabelecer as ZEIS. Essas zonas, por sua vez, possibilitam o cumprimento da função social da
propriedade urbana, de modo que este instrumento viabiliza a ampliação do acesso da
população vulnerável a áreas urbanizadas. Para alcançar esse objetivo, é imperativo contar com
o apoio e a participação ativa dessa população na formulação de políticas públicas urbanas. O
propósito é de se alterar as orientações que atualmente definem a configuração do território,
com o intuito de ultrapassar os obstáculos que obstruem um acesso imparcial e uma abordagem
equitativa para suprir as necessidades e garantir os direitos dos residentes urbanos,
particularmente no contexto de moradias adequadas.

4.2 As Zonas Especiais de Interesse Social no Plano Diretor de Londrina (2008)

A instituição de zonas especiais de interesse social, comumente conhecidas por ZEIS,


está alicerçada no Estatuto da Cidade, no inciso V do art. 4º, onde estão dispostos os institutos

732
jurídicos e políticos que devem ser instituídos, juntamente com outros instrumentos de
planejamento urbano, pelo Plano Diretor.
Em Londrina, o primeiro Plano Diretor realizado após a promulgação do Estatuto da
Cidade se deu em 2008, com o Plano Diretor Participativo do Município de Londrina - PDPML
(2008 – 2018), decretado pela Lei nº 10.637/2008. Nele, encontra-se, em seu Capítulo VIII,
disposições sobre a Política Municipal de Habitação, com seus objetivos, diretrizes, princípios e
ações estratégicas. Dentre tais diretrizes, em seu artigo 41, inciso V, aparece pela primeira vez
o termo Zona Especial de Interesse Social: “V. instituir zonas especiais de interesse social (ZEIS);”
(LONDRINA, 2008). Posteriormente, em seu inciso XIV, menciona-se o estabelecimento de
parâmetros para a instituição destas zonas.
Em se tratando de ações estratégicas, tem-se, no artigo 42, a necessidade de
regulamentar os instrumentos descritos no Estatuto da Cidade na legislação municipal e, mais
adiante: “XVII. incorporar as zonas especiais de interesse social (ZEIS) como estratégia política e
urbanística para o enfrentamento da problemática habitacional da população de baixa renda;”
(LONDRINA, 2008).
O PDPML de 2008 traz em seu corpo a adoção de instrumentos urbanísticos, seguindo
o Estatuto da Cidade, voltados à garantia da função social da cidade. Dentre seus objetivos
gerais, em seu art. 6º, busca:
I. a promoção humana e a qualidade de vida da população, por meio do combate às
causas da pobreza e da redução das desigualdades sociais, assegurando-se a todos o
acesso aos recursos e serviços públicos que lhes proporcionem meios físicos e
psicossociais indispensáveis à conquista de sua própria autonomia; (LONDRINA, 2008)

Para garantir o bem-estar de seus habitantes, foram apresentados, em seu art. 125,
diversos instrumentos de política urbana, como: Parcelamento, Edificação ou Utilização
Compulsórios; IPTU Progressivo no Tempo, Direito de Preferência, Outorga Onerosa do Direito
de Construir; Operações Urbanas Consorciadas; Transferência do Direito de Construir; Estudo
de Impacto de Vizinhança etc., todos descritos ao longo do capítulo. Por meio destes, objetiva-
se proporcionar recursos, terras ou contrapartidas que beneficiem, em variados níveis, a
Habitação de Interesse Social. Entretanto, tais mecanismos não foram utilizados, apesar de
descritos na principal lei responsável pelo planejamento municipal.
As definições acerca das ZEIS foram atribuídas à lei específica, no caso a Lei de Uso e
Ocupação do Solo (12.236/2015). A Lei de Uso e Ocupação do Solo, muitas vezes referida como
“lei de zoneamento”, é quem define os parâmetros de uso e ocupação para os imóveis
localizados dentro do perímetro urbano municipal. O zoneamento, de acordo com SOUZA
(2002), é considerado o instrumento de planejamento urbano por excelência, sendo, por muitas
vezes, utilizado como ferramenta única ao se planejar as cidades. Para o autor, desde sua
origem, o zoneamento se mostra excludente e funcionalista, de modo que separa a cidade da
mesma forma que se separa uma residência – atribuindo funções à cada parte. Porém, cabe
destacar, que Souza (2002) afirma não haver apenas um tipo de zoneamento, mas suas raízes,
ao menos, se dão pelo caráter excludente e funcionalista.
No Capítulo V da Lei Municipal nº 12.236/2015, foram definidas sete zonas especiais
destinadas à implantação de projetos específicos, com parâmetros de uso e ocupação próprios,
sendo uma delas a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). Suas especificações são encontradas
no art. 186, onde consta:
Art. 186. A Zona Especial de Interesse Social – ZEIS é a área urbana destinada
predominantemente à recuperação urbanística, à regularização fundiária, à

733
recuperação de imóveis degradados e à produção de Habitação de Interesse Social –
HIS e Habitação de Mercado Popular – HMP e sujeita a regras específicas de
parcelamento, uso e ocupação do solo. (LONDRINA, 2015).

Três foram as subdivisões criadas para as Zonas Especiais de Interesse Social, sendo
elas:
I – ZEIS 1: áreas públicas ou privadas ocupadas informalmente por segmentos
populacionais socialmente vulneráveis, nas quais existe interesse público em
promover programas habitacionais de interesse social e regularização fundiária,
urbanística e jurídica, resultado do Plano de Urbanização – PU, conforme estabelecido
em lei;
II – ZEIS 2: áreas de conjuntos habitacionais irregulares e parcelamentos irregulares e
até clandestinos, de interesse social, e preferencialmente, dos segmentos
populacionais socialmente vulneráveis, executados pelo público ou empreendedores
particulares, que têm disponibilidade de regularização dos imóveis conforme
legislação vigente; e
III – ZEIS 3: glebas e terrenos não parcelados ou não edificados, não utilizados ou
subutilizados para fins urbanos, bem como edificações não utilizadas ou subutilizadas,
localizados prioritariamente em áreas onde há infraestrutura urbana ou em terrenos
nos quais, há interesse de promover programas habitacionais de interesse social,
resultado do Plano de Urbanização – PU, conforme estabelecido nesta lei. (LONDRINA,
2015)

Conforme a lei, em seu artigo 187, havia a necessidade de regulamentação das ZEIS
por meio de lei específica, proposta dentro do prazo de 180 dias após a publicação da Lei
Municipal nº 12.236/2015. Enquanto tal lei específica não fosse publicada – e que, de fato, até
hoje não foi, os critérios e parâmetros adotados nas ZEIS seriam os mesmos da Zona Residencial
3 – ZR-3.
No que se refere à localização das ZEIS no município, dentre os 42 lotes de ZEIS
existentes, nenhum deles se encontra na região central – aliás, com vários lotes de grandes
dimensões muito próximos do limite do perímetro urbano. De acordo com o IPPUL, em seu
Caderno Técnico 7 – Diagnóstico de Zonas da Lei Municipal 12.236/2015 – Usos do Solo, alguns
dos maiores lotes de ZEIS encontrados, especialmente os da zona norte, sequer possuem
parcelamento do solo, encontram-se sem uso ou até mesmo com atividades voltadas ao uso
rural sendo desenvolvidas.
Outras regiões, como as ZEIS presentes na zona leste, já se mostram mais
consolidadas, contudo, há grandes disparidades em relação à infraestrutura dentro da mesma
categoria de zoneamento. Além disso, ainda que todos os lotes estivessem sendo utilizados com
o fim proposto, cria-se uma cidade dispersa e segregacionista, onde a população mais pobre é
posta à margem da cidade, literal e figurativamente. Assim, torna-se facilmente perceptível um
tipo de zoneamento excludente, onde a população mais pobre é colocada distante dos demais
membros componentes da sociedade.

4.3 As Zonas Especiais de Interesse Social no Plano Diretor de Maringá (2006)

Em relação à Maringá, o primeiro plano diretor subsequente à promulgação do


Estatuto da Cidade é representado pela Lei Complementar nº 632 de 2006, responsável pela
instituição do Plano Diretor do município. Foram incorporados instrumentos e diretrizes
presentes no Estatuto da Cidade e, com relação à Habitação de Interesse Social, esta é
mencionada pela primeira vez na seção II do capítulo I, onde são discutidas as políticas de
desenvolvimento territorial e ambiental.

734
Na referida seção, são apontadas estratégias para se alcançar os objetivos de uso e
ocupação do solo sustentáveis, a mobilidade urbana, preservação da paisagem, distribuição
justa dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, além da promoção do
acesso à habitação, priorizando a população de baixa renda. Para a consecução dos objetivos
apresentados, definem-se estratégias no artigo 24, e cabe destacar, no que se refere à política
habitacional, os seguintes pontos:
a) inciso IX, em que se sugere a redefinição de critérios da política habitacional;
b) inciso X, onde se propõe a articulação da política habitacional de Maringá às dos
demais municípios da região metropolitana;
c) inciso XI, onde apresenta-se a potencialização dos instrumentos do Estatuto da
Cidade para a política habitacional.
Outro inciso que se sobressai diz respeito ao inciso XV, em que se busca definir a
política municipal de habitação, com ênfase na população de baixa renda, contemplando: “a)
destinação de áreas para Habitação de Interesse Social; b) criação de mecanismos de
financiamento; c) moradia rural; d) combate à exclusão socioterritorial;” (MARINGÁ, 2006). No
parágrafo primeiro do presente artigo, define-se a Habitação de Interesse Social como “aquela
destinada à população com renda familiar mensal limitada a 06 (seis) salários mínimos.”
(MARINGÁ, 2006)., contudo, para os fins da política habitacional, tem-se como prioridade a
população com renda familiar de até três salários mínimos, conforme parágrafo segundo.
No Capítulo II do Plano Diretor, encontra-se uma seção específica para a discussão no
que diz respeito às Zonas Especiais de Interesse Social, seção na qual são definidas como porções
do território destinadas prioritariamente à urbanização e produção de habitação de interesse
social, com padrões de uso e ocupação diferenciados. Dentre seus objetivos, constam:
I - permitir a inclusão urbana de parcelas da população que se encontram à
margem do mercado legal de terras;
II - possibilitar a extensão dos serviços e da infraestrutura urbana nas regiões
não atendidas;
III - garantir a melhoria da qualidade de vida e equidade social entre as
ocupações urbanas. (MARINGÁ, 2006)

Contudo, a definição e implementação de suas leis específicas, de acordo com o artigo


70, seria estabelecida por lei municipal baseada no Plano Diretor. Demais instrumentos, como a
Outorga Onerosa do Direito de Construir, as Operações Urbanas Consorciadas, medidas
mitigatórias do Estudo de Impacto de Vizinhança, Transferência do Potencial Construtivo,
Direito de Preempção também possuem mecanismos que, de alguma forma, beneficiam a
habitação de interesse social e encontram-se expostos no Plano Diretor, porém, também a
depender de regulamentação posterior. De acordo com Silva (2013), tal acontecimento se deu
apenas quatro anos depois da promulgação do PD.
Com exceção da outorga onerosa que era de interesse do mercado e de
pontuais aprovações de ZEIS, os demais instrumentos que assegurariam o
direito à cidade por meio do acesso à terra urbana só foram implementados
em 2011, assim, o problema de falta de moradia para a população de baixa
renda e as desigualdades no acesso ao solo urbano, com ocupação inclusive
dos inúmeros vazios, foram até hoje pouco enfrentados. (SILVA, 2013, p. 12).

A Lei de Uso e Ocupação do Solo do município, Lei Complementar nº 888 de 2011,


responsável por regulamentar as Zonas Especiais, define 22 Zonas Especiais em seu artigo 7,
onde constam as zonas definidas para o território municipal. Dentre as 22 Zonas Especiais, a

735
Zona Especial de Interesse Social é identificada como a de número 22 (ZE22), sendo de uso
exclusivamente residencial, com ocupação de residências unifamiliares, bifamiliares ou
multifamiliares, formadas por terrenos designados para a implementação de iniciativas
habitacionais com foco em necessidades sociais.
De acordo com Silva (2013), entretanto, tais áreas destinadas à habitação de interesse
social foram de terrenos públicos desafetados ou nos distritos de Maringá, partindo da
justificativa de que havia um déficit de terrenos aptos em questão de valores à instalação das
habitações, o que fazia com que os valores subissem muito acima da média. Assim, a Macrozona
de Contenção, idealizada de modo a conter a expansão horizontal, foi substituída pela
Macrozona de Ocupação Imediata, permitindo a instalação de novos loteamentos na região
próxima à divisa do perímetro urbano. Silva (2013) afirma que a mudança na lei ocorreu, porém
os preços dos terrenos não diminuíram,
Ao contrário, estão sendo criados novos empreendimentos nas bordas da cidade
favorecidos pelas novas regras de parcelamento, como condomínios para classe alta
e ao mesmo tempo bairros populares do MCMV colados ao novo limite do perímetro,
em regiões quase rurais. São práticas como essa que aprofundam e mantém a
histórica segregação social e o afastamento do direito a cidade que compõe o cenário
regional metropolitano. (SILVA, 2013, p. 13).

Já com relação aos lotes desafetados pelo município em áreas bem localizadas
compõem uma abordagem que, caracterizada pelo espalhamento das ZEIS no município, ainda
segundo Silva (2013), proporciona a inserção da população em bairros já consolidados, próxima
da infraestrutura, evitando a formação de concentrações de regiões formadas exclusivamente
pela população de baixa renda, conforme previsto pelo próprio conceito de ZEIS. Esta forma de
se conceber as ZEIS se mostra bastante distinta da apresentada em Londrina, onde foram
separadas grandes áreas para a habitação social em regiões carentes de infraestrutura, com
grandes bolsões de vazios urbanos entre as ZEIS e o restante da malha urbana etc. Assim, neste
caso, pode-se considerar o zoneamento de Maringá como mais includente, ao passo que
Londrina se mostra mais excludente.
No entanto, quando se analisa o contexto maringaense no que se refere à articulação
dos instrumentos urbanísticos descritos no Plano Diretor, a situação se mostra semelhante à de
Londrina. Brajato (2017) trabalha o caso da aplicação do Parcelamento, Edificação ou Utilização
Compulsórios (PEUC) em Maringá, sendo este um conjunto de instrumentos previsto pela
Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, onde o IPTU progressivo no tempo e a
desapropriação-sanção surgem com o propósito de reduzir a retenção especulativa de imóveis
urbanos bem localizados e com demanda. Conforme a autora, o PEUC estabelece a exigência de
uso, parcelamento ou edificação de imóveis ociosos em prazo definido. Em caso de
descumprimento, o IPTU progressivo no tempo é aplicado, aumentando a alíquota anualmente
até 15%. Se o uso apropriado não ocorrer, a desapropriação-sanção é possível, com pagamento
em títulos da dívida pública. Sua importância com relação às ZEIS se dá de modo que, como
instrumento jurídico-urbanístico, pode favorecer a disponibilização de áreas para a habitação
de interesse social, contribuindo, por consequência, para a democratização do acesso à terra e
à moradia, alinhando-se aos objetivos da Reforma Urbana.
De acordo com Brajato (2017), a despeito de sua capacidade de promover os preceitos
definidos no Estatuto da Cidade relacionados à função social da propriedade, o PEUC carece de
orientações para sua aplicação dentro das Zonas Especiais de Interesse Social e, em Maringá,
torna-se claro que esse instrumento não foi concebido para simplificar a alocação de terras

736
destinadas à Habitação de Interesse Social. A aplicação do instrumento não demonstra estar
conectada a outros dispositivos urbanísticos, o que compromete sua eficácia. Assim sendo,
entende-se que, mesmo com a definição do instrumento, sua aplicabilidade se torna
comprometida quando em desacordo com demais instrumentos, demandando maiores formas
de se garantir a aplicabilidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo realizar uma análise comparativa das Zonas
Especiais de Interesse Social (ZEIS) nos Planos Diretores de Maringá (2006) e de Londrina (2008),
explorando a perspectiva do zoneamento inclusivo ou excludente e sua relação com o direito à
cidade. Nesse sentido, o exame detalhado das legislações vigentes e suas potenciais alterações
permitiu uma compreensão mais profunda sobre como essas cidades abordam a inclusão social
em seus ordenamentos territoriais.
Por meio de análise documental, foi possível comparar as Leis de Uso e Ocupação do
Solo das duas cidades presentes em seus respectivos Planos Diretores, buscando identificar a
presença das concepções de zoneamento inclusivo ou excludente propostas por Souza (2002) e
suas influências na definição das ZEIS. A abordagem se revelou adequada e eficaz ao longo desta
pesquisa, demonstrando sua capacidade de atender integralmente aos objetivos propostos,
proporcionando uma base sólida para as análises críticas e reflexões apresentadas.
O instrumento das ZEIS, entre os diversos mecanismos do Estatuto da Cidade, destaca-
se como aquele que pode efetivamente provocar transformações no cenário do direito à
moradia e à cidade. Sua presença nos Planos Diretores de diversas cidades brasileiras é um passo
positivo, porém, seu impacto pleno depende da combinação com normas urbanísticas que
respeitem as particularidades das áreas a serem regularizadas e da promoção de processos de
gestão democrática.
No entanto, a mera inserção dos moradores no tecido urbano não garante sua
integração na sociedade. Para que essa integração ocorra, é crucial que sejam reconhecidos
socialmente como detentores dos mesmos direitos e oportunidades (SILVA, 2013). Porém, com
a análise das ZEIS dispostas nas Leis de Uso e Ocupação do Solo de Londrina e Maringá, ficou
evidente que, embora os instrumentos delineados pelo Estatuto da Cidade relacionados ao
acesso à terra e à moradia estejam presentes nos Planos Diretores, sua aplicação ainda não
ocorre de maneira coerente e eficaz para promover a apropriação coletiva do território.
Nesse sentido, fica claro que apenas a produção de loteamentos e habitações não é
suficiente para cumprir plenamente a função social da cidade. O cenário ideal requer uma cidade
sustentável que ofereça uma gama de comércios, serviços, indústrias, equipamentos públicos,
áreas de lazer e esportes, com acesso equitativo para toda a população. A prática de um
planejamento urbano incoerente, como a observada em alguns aspectos presentes nas cidades
deste estudo, perpetua a segregação histórica e distancia o efetivo direito à cidade para todos
os cidadãos.
Dessa forma, conclui-se que o desafio reside em transformar os instrumentos legais
em ações concretas que efetivamente promovam a inclusão social, respeitando as
especificidades locais e promovendo uma gestão urbana verdadeiramente democrática e

737
igualitária. Somente mediante esforços conjuntos, é que se poderá aspirar a um cenário onde a
cidade e seus recursos sejam acessíveis e beneficiem a todos os segmentos da sociedade.

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