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1ª Edição
Várzea Grande/MT
2023
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO ACADÊMICO EM
ARQUITETURA E URBANISMO DO UNIVAG EM ASSOCIAÇÃO COM A PUC-CAMPINAS
https://www.univag.com.br/mestrado/1/mestrado-em-arquitetura-e-urbanismo/
AV. Dom Orlando Chaves, nº 2.655 Bairro Cristo Rei
Várzea Grande Mato Grosso – Brasil – CEP 78118-900
mestrado.arquitetura@univag.edu.br
Ficha Catalográfica
CDD: 710
CDU: 710/49
APRESENTAÇÃO 8-9
Jeane Aparecida Rombi de Gogoy
ARQUITETURA E FÉ: A IGREJA BOM JESUS DO HORTO E SUA RELAÇÃO COM A HISTÓRIA, 158 - 168
MEMÓRIA E ARQUITETURA DE JUAZEIRO DO NORTE, CEARÁ
Maria Letícia de Almeida Ramos Gomes, Isabel de Lima Pinheiro, Taise Costa De Farias
CASA CUIABANA E OS ESPAÇOS LIVRES NO SÉCULO XVIII - ANÁLISE E RELAÇÃO DAS 223 - 232
EDIFICAÇÕES RESIDENCIAIS COLONIAIS E OS ESPAÇOS LIVRES NA CIDADE DE CUIABÁ
NO SÉCULO XVIII
Antônio Antunes de Barros Netto, Yara da Silva Nogueira Galdino
HABITAÇÃO SOCIAL COMO PILAR DO ESTADO DE BEM-ESTAR SOCIAL: DIFERENÇAS 427 - 443
SOCIOTERRITORIAIS ENTRE BRASIL E SUÉCIA
Caio Barbato Maroso, Vera Santana Luz
NITERÓI POR SUA CARTOGRAFIA: UMA ANÁLISE DE SUAS TRANSFORMAÇÕES 489 - 504
URBANAS NO SÉCULO XIX
Gabriel Soares da Costa
QUEM NÃO TEM VISÃO BATE A CARA CONTRA O MURO: REFLEXÕES SOBRE LAPSOS E 645 - 659
BURACOS NOS SUBÚRBIOS FERROVIÁRIOS DO RIO DE JANEIRO
Sergio Felipe Henriques Abreu
SMART HOME IOT: UMA ANÁLISE ACERCA DA REDUÇÃO DO CONSUMO DE ENERGIA 672 - 684
ELÉTRICA RESIDÊNCIAL COM DISPOSITIVOS SMART ACESSÍVEIS
Cristiano Gomes Casagrande, Ana Carolina Caldas Rodrigues, Tuanny Cristinny da Cunha
Guimarães
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Nos Anais desta 1ª. edição STCA - 2023, documento de referência, foram
registrados em ordem alfabética trabalhos que discutem e desenvolvem estudos que se
enquadram em um ou mais eixos temáticos, destacamos que os
trabalhos selecionados com nota igual/superior a 7 (sete) pontos terão direito a
segunda publicação na Revista Vernácula – Territórios Contemporâneos do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu Mestrado Acadêmico em Arquitetura e
Urbanismo do UNIVAG. Agradecemos a dedicação e colaboração do Comitê Científico,
no cuidadoso processo de avaliação. Especial agradecimento aos autores pela
participação em nosso 1º. Evento como meio de publicação e divulgação de suas
pesquisas. Encerramos agradecendo aos esforços de todos os docentes e discentes do
Mestrado em Arquitetura e Urbanismo do UNIVAG, em especial ao apoio incondicional
da Pró-Reitoria de Pesquisa e Extensão, sem eles esse simpósio não teria acontecido.
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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
(X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
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RESUMO
O objetivo do seguinte artigo é explorar a introdução dos ideais modernistas na arquitetura de São Paulo, a partir dos
anos 1940, destacando a ascensão de uma abordagem pragmática. Esse cenário faz surgir as kitchenettes,
apartamentos compactos com cozinhas reduzidas, atendendo a necessidades sociais e políticas. A tendência global
de criar moradias em larga escala, pós-guerra, foi adaptada à cidade, impulsionando a figura do incorporador
imobiliário. O Edifício Normandie, projetado por Franz Heep, é um marco dos apartamentos compactos que integram
áreas de estar, jantar e dormir em um só espaço. O método de análise dessas plantas empregado pelos autores foi o
redesenho digital e manual, além da visita in loco. O artigo também aborda a influência do design m oderno de móveis
brasileiros, ligando a redução do espaço dos apartamentos às necessidades funcionais do mobiliário. O artigo chega
à conclusão que a arquitetura se adaptou às demandas socioculturais e urbanas da época, moldando a paisagem
urbana de São Paulo.
ABSTRACT
The aim of the following article is to explore the introduction of modernist ideas into São Paulo architecture from the
1940s onwards, highlighting the rise of a pragmatic approach. This scenario gives rise to kitchenettes, compact
apartments with reduced kitchens, meeting social and political needs. The global trend of creating large -scale, post-
war housing was adapted to the city, boosting the figure of the real estate developer. The Normandie Building,
designed by Franz Heep, is a landmark of compact apartments that integrate living, dining and sleeping areas in a
single space. The method of analysis of these plants used by the authors was the digital and manual redesign, in
addition to the on-site visit. The article also discusses the influence of modern Brazilian furniture design, linking the
reduction of space in apartments to the functional needs of furniture. The article comes to the conclusion that
architecture adapted to the sociocultural and urban demands of the time, shaping the urban landscape of São Paulo.
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1 INTRODUÇÃO
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Assim como o edifício, as intervenções na cidade mudaram de escala. O modelo
rodoviarista começa a ser consolidado em São Paulo a partir da década de 1930 por conta do
crescimento da cidade. O Plano de Avenida Prestes Maia tinha como o objetivo a expansão da
área central da cidade, atraindo a construção de edifícios em sua faixa perimetral, em especial
na avenida Ipiranga, Tiradentes e Nove de Julho (LUCCHINI, 2010).
Na edição 219 da revista Acrópole (ACRÓPOLE, 1957), é possível identificar uma série
de posicionamentos a respeito da produção de apartamentos menores. Em um primeiro
momento, o produto ofertado é destinado para um público específico, nesse caso, pessoas que
não possuem filhos. Por conta da alta circulação de veículos na região, o edifício se torna um
espaço inapropriado para o desenvolvimento infantil. Posteriormente, revela-se o
entendimento que o mercado imobiliário precisava se adaptar e atender diversos públicos.
Existiam constituições familiares fora das composições familiares daquela época e esses grupos
possuíam poder de compra, tornando-se consumidores ativos.
Para a aprovação na prefeitura de edifícios que contemplem apartamentos com
metragens reduzidas, a construção era protocolada como de uso hoteleiro, devido ao código de
obras em vigor, que só permitia banheiros construídos com janelas. De acordo com Lores:
“(...)em tempos de prédios geminados, quando cada metro de fachada tinha um valor de uma
vitrine, era péssimo negócio desperdiçar metros e metros com janelas para banheiros” (2017,
p.63).
O avanço tecnológico e a criação de dutos de ventilação permitiu que os banheiros
fossem posicionados na entrada dos apartamentos, no entanto a legislação brasileira liberou
esse uso apenas para quartos de hotéis, ou seja, moradias de curta duração. Com isso, grande
parte dos edifícios, entre eles o Montreal (1954), projeto por Oscar Niemeyer, foi registrado
como hotel.
Um outro avanço fundamental não só para a produção e consolidação dos
apartamentos kitchenettes mas para a comercialização das habitações verticais na cidade de São
Paulo foi a criação do Decreto Nº 5.481 em 25 de junho de 1928 conhecida como “Lei de
Condomínios” durante o governo do presidente Washington Luís. A mesma prevê a divisão do
edifício em partes iguais e a possibilidade de venda e compra das moradias para diferentes
pessoas. A divisão desses bens prevista por lei assegura as relações comerciais e a divisão dos
impostos e encargos. De acordo com Vaz (2002, p.75) “as comercializações de apartamentos
saíram quase do aluguel a predominantemente compra e venda”, devido a definição na
legislação, ocorreu um aumento na relação de compras de imóveis impulsionado também pelo
crescimento da cidade” (VAZ, 2002, p. 75).
Dentro do campo da legislação, o Decreto Lei Nº4.597 de 20 de agosto de 1942
conhecida como “Lei do Inquilinato” promulgada pelo presidente Getúlio Vargas previa o
congelamento no valor dos aluguéis até a década de 1960. De acordo com Tramontano (2012),
apenas 25% dos domicílios eram ocupados pelos seus proprietários. Dessa forma, a produção
de habitação naquele momento histórico era voltada para a locação de moradias, parcela que
ocupava grande parte da renda mensal do proletariado. De acordo com Tramontano “Pode-se
dizer que quase todos os edifícios construídos, entre a década de 1910 e 1930 foram realizados
para aluguel” (TRAMONTANO, 2012, p.5).
Com a manutenção do valor do aluguel nesse período, a produção de habitação para
renda foi desestimulada, contribuindo para um novo perfil de produção arquitetônica, destinada
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dessa vez para a comercialização de moradias. De acordo com Leite (2006) as vendas subiram
para uma média de 14 mil por ano, na década de 1940, para 28 mil por ano, na década de 1950,
e para 41 mil, entre os anos 1960 e 1970. Esse encaminhamento político interfere nas condutas
de produção da arquitetura e revela um primeiro “boom” imobiliário na cidade de São Paulo,
sendo a década de 40 um crescimento no processo de verticalização (SOUZA, 1994).
A década de 1950, também se caracteriza pela produção do design de móveis
modernos brasileiros. Durante o período de industrialização no Brasil, a popularização dos meios
de comunicação desempenhou um papel significativo na disseminação do mobiliário moderno,
caracterizado pelo uso de novos materiais, formas, padrões, dimensões e tendências na
decoração de interiores. Esses aspectos também se relacionam com a verticalização das cidades
brasileiras e a compactação das plantas dos apartamentos.
Arquitetos e artistas uniram-se em uma tentativa de criar a linguagem nacional de
mobiliário brasileiro, baseada nos princípios fundamentais do design moderno: funcionalidade,
clareza formal, simplicidade construtiva e viabilidade para a industrialização. Isso resultou em
um movimento contrário aos móveis de estilo passadiço, buscando-se a sobriedade e
funcionalidade no desenho das nas peças.
Existiu uma larga produção de edifícios na região central de São Paulo que
contemplavam apartamentos kitchenettes e, concomitantemente, os princípios do móvel
moderno brasileiro. Oscar Niemeyer, por exemplo, foi responsável pelo Edifício Copan (1952),
um dos edifícios mais emblemáticos da arquitetura moderna brasileira, tendo em seus
pavimentos apartamentos compactos e de dimensões reduzidas. No entanto, o arquiteto
alemão Franz Heep se tornou um expoente nessa produção, e o Edifício Normandie (1957)
engloba apartamentos com a tipologia de kitchenettes.
Desta forma, o objetivo deste artigo é estabelecer uma conexão entre o crescimento
exponencial da produção de edifícios com a tipologia de kitchenettes e o mobiliário presente
nesses novos apartamentos. A intenção é contribuir para a compreensão da história do
apartamento paulistano, bem como do mobiliário e design brasileiros, proporcionando uma
visão abrangente do cenário residencial brasileiro na década de 1950.
14
Figura 1 – Esquemas de planta do Edifício Normandie.
15
Figura 3 – Cozinha e banheiro da unidade de 30 metros quadrados.
As kitchenettes possuem uma cozinha reduzida, com dimensões pouco usuais para
aquele período, que em sua maioria, tinha cozinha com dimensões mais generosas. A partir da
concepção de alguns arquitetos europeus, como Le Corbusier por exemplo, e o processo de
entendimento que a habitação faz parte de um sistema maior, sendo ele o edifício e a cidade, a
diminuição se fez possível, demandando assim um projeto específico de cozinha para essas
moradias. Na figura 4 é possível visualizar o projeto de cozinha desenvolvido por Heep
especialmente para as cozinhas das habitações do edifício Normandie.
16
A partir desse processo lógico, a lavanderia foi outro ambiente que perdeu espaço
dentro das habitações, devido às suas necessidades de dimensões mais amplas para lavagem,
secagem e tratamento das roupa, utilizações esporádicas pelo morador, utilizar a metragem
disponível para um serviço que pode ser transferido para outro ambiente se tornou uma diretriz
projetual coerente com as demandas da época e o direcionamento do projeto um determinado
público alvo. A Figura 5 demonstra como só há a cozinha no apartamento, sendo a lavanderia
excluída.
3 CONCLUSÃO
O processo de redução nas metragens dos apartamentos não é fruto de uma tendência
contemporânea e tem suas origens claras no começo do século XX, se acentuando a partir de
sua segunda metade. Como aponta Milton Santos(1989): o espaço é uma totalidade de cuja
essência é social. A compatibilização das diretrizes projetuais dos arquitetos com o intuito de
produzir essa nova tipologia arquitetônica demonstra um motivações e contextos sistêmicos, e
que nesse contexto, a arquitetura é influenciada a produzir essa nova forma de apartamentos
por contextos socioculturais, econômicos e políticos.
Na cidade de São Paulo esse fenômeno foi acentuado pelo forte crescimento da cidade
com ênfase na industrialização, acarretando no êxodo rural para a cidade e consequentemente
a necessidade de se criar novas habitações, correspondendo a essa nova demanda. O mercado
imobiliário por sua vez se comportou produzindo uma série de habitações com metragens
menores destinadas a um público específico, pessoas solteiras ou casais sem filhos que tinham
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interesse em apartamentos nas regiões centrais da cidade, e que abrissem de espaços
generosos.
Uma série de arquitetos renomados foram convidados a projetar esses espaços, em
especial aqueles que tinham contato com a produção arquitetônica no exterior, tendo como
espaços referenciais os Estados Unidos e o continente europeu. Oscar Niemeyer e Carlos Lemos
foram alguns dos arquitetos que produziram essa nova forma de habitação, mas foi destinado
ao arquiteto alemão Franz Heep o título de “pai dos apartamentos kitchenettes” por ter
produzido uma série de edificações na parcela central da cidade que contemplem essa nova
forma de moradia.
O edifício levantado para estudo neste artigo, intitulado “Normandie ”, é o que
concentra a maior quantidade de apartamentos kitchenettes produzidas por ele e se mostra
habitável até os dias atuais. Os 209 apartamentos entregam para o morador a experiência de
viver em uma habitação em que as áreas de convivência se integram, dividindo o mesmo espaço:
sala de estar, sala de jantar e dormitório.
A redução de espaços dos apartamentos implica sempre na possibilidade da cidade
oferecer serviços complementares para a habitação. Desde as propostas do tipo “casa comunal”
propostas pela arquitetura russa nos anos 1920 e 1930 até os programas modernos e
contemporâneos que se caracterizam por complementos para a habitação compacta (sala de
coworking, lavanderias coletivas, salas sociais). Há também uma evolução na produção de
eletrodomésticos mais compactos e um grande avanço nas possibilidades de ocupação com o
uso de móveis planejados. É notório que o processo de redução nas metragens do apartamento
não implicou na redução na qualidade e habitabilidade desse espaço, demandando diretrizes
projetuais específicas para o contexto e público a qual foi destinado. Desde as caixilharias,
layouts internos, e fluxos internos são fundamentais para a definição espacial e se compreende
que os 29 metros quadrados propostos correspondem às demandas daquele período, se
mantendo, até os dias atuais, uma edificação de excelência.
4 REFERÊNCIAS
ACRÓPOLE. São Paulo: Acrópole, v. 219, 1957. Disponível em: http://www.acropole.fau.usp.br/edicao/219. Acesso
em: 06 ago. 2023.
COHEN, Jean Louis. Scenes of the World to Come. European Architecture and the American Challenge 1893-1960.
Paris: Flammarion, 1995.
LEITE, L. R. P. Estudo das estratégias das empresas incorporadoras do município de São Paulo no segmento
residencial no período 1960–1980. 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
LORES, Raul Juste. São Paulo nas Alturas: A revolução modernista da arquitetura e do mercado imobiliário nos
anos 1950 e 1960. 1ª. ed. rev. São Paulo, Brasil: Três Estrelas, 2017. 335 p.
LUCCHINI, Edson. Adolf Franz Heep: edifícios residenciais: um estudo da sua contribuição para a habitação
coletiva vertical em São Paulo nos anos 1950. Orientador: Profa. Dra. Ruth Verde Zein. 2010. 304 p. Dissertação de
mestrado (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
MARICATO, E. Indústria da construção e política habitacional. 1983. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)
- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 1983.
PONTUAL, Julice; CAVALCANTI, Virginia. Apartamento Brasileiro e Mobília de 1950: a busca do ideal moderno. P&D
Design: 10º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design, São Luís, 2012.
18
SOUZA, M. A. A. de. A identidade da metrópole: a verticalização em São Paulo. São Paulo: HUCITEC/EDUSP, 1994.
THOMEO, Yasmin Carolini; MENDONÇA, Rafaela Nunes; PANTALEÃO, Lucas Farinelli; PEREIRA, Juliano Aparecido.
Design de mobiliário brasileiro, moderno e contemporâneo: um diálogo formal. Revista de Design, Tecnologia e
Sociedade, Brasília, v. 6, n. 1, p. 57-77, 2019.
TRAMONTANO, Marcelo; ANITELLI, Felipe. Edifícios de apartamentos, São Paulo, anos 1950: mercado imobiliário e
(um pouco de) arquitetura. Edifícios de apartamentos, São Paulo, anos 1950, São Paulo, ed. 31, junho 2012.
Disponível em: https://www.revistas.usp.br/posfau/article/view/48067/51833. Acesso em : 15 jul. 2023.
VAZ, L. F. Modernidade e moradia: habitação coletiva no Rio de Janeiro, séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: 7 letras,
2002.
ZEIN, Ruth; BASTOS, Maria Alice. Brasil: Arquiteturas após 1950. 1ª. ed. São Paulo: Perspectiva, 2019. 432 p.
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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
(X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
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RESUMO
O ambiente de escritório, espaço de trabalho ou corporativo sofreu alterações de layout desde o seu surgimento até
os dias atuais, devido a evolução da sociedade e as discussões insurgentes sobre modos de trabalho. O presente artigo
tem como objetivo analisar o ambiente de trabalho no âmbito de sua mudança de layout dentro das discussões acerca
do trabalho e qualidade de vida, a partir disso, foram apresentados autores que discorrem acerca do tema a fim de
construir a argumentação que fomenta a metodologia de análise dos projetos. Para isso, foram selecionados três
estudos de caso a fim de entender os rebatimentos da teoria. O presente artigo colabora com a pesquisa científica
ao relacionar a teoria proposta por filósofos, sociólogos e psicólogos com a prática arquitetônica dos ambientes de
escritórios. No desfecho deste trabalho, foram identificadas alterações evidentes na composição dos espaços que
articulam com os conceitos de individualização, flexibilidade e volatilidade, além da preocupação acerca do bem-estar
do usuário. A principal contribuição teórica se deu a partir da relação entre teoria e prática e a proposta de reflexão
do projeto de ambientes corporativos focados no usuário, além disso, contribui para que haja discussão no campo
organizacional na questão da implementação de boas práticas que podem ser agregadas através da questão do layout
arquitetônico.
ABSTRACT
The office, workspace or corporate environment has undergone layout changes since its inception to the present day,
due to the evolution of society and insurgent discussions about ways of working. This paper aims to analyze the work
environment in the scope of its layout change within the discussions about work and quality of life, from this, authors
who discuss the theme were presented in order to build the argument that encourages the project analysis
methodology. Based on that, three case studies were selected in order to understand the repercussions of the theory.
This article collaborates with scientific research by relating the theory proposed by philosophers, sociologists and
psychologists with the architectural practice of office environments. At the end of this work, evident changes were
identified in the composition of the spaces that articulate with the concepts of individualization, flexibility and
volatility, in addition to the concern about the well-being of the user. The main theoretical contribution came from the
relationship between theory and practice and the proposal to reflect on the design of corporate environments focused
on the user, in addition, it contributes to the discussion in the organizational field on the issue of the implementation
of good practices that can be added through the issue of architectural layout.
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1 INTRODUÇÃO
Desde as primeiras civilizações até os dias atuais, o ato de trabalhar está instaurado
nas sociedades e é visto como obrigatório para a sobrevivência. Deste modo, esta atividade
tornou-se central, pois cerca de 1/3 da vida de uma pessoa é “gasto” trabalhando.
Segundo o dicionário Michaelis a palavra indica “s.m 1 Trabalho, atividade,
empreendimento, funcionamento 2 Ocupação, emprego, ofício, serviço”, enquanto a palavra
trabalhar se refere a “v.i 1 Trabalhar, lidar, obrar. 2 Funcionar, andar. vt+vpr 3 Empenhar-se,
esforçar-se. v.i 4 Apurar, elaborar” (MICHAELIS, 2009, p. 395)
O significado direto desta palavra refere-se ao ato de realizar as tarefas destinadas ao
trabalhador no âmbito do que foi contratado para determinado serviço, no entanto, ainda é
pouco para explicar a tamanha complexidade desta ação. Como visto em tempos de capitalismo
pesado, os trabalhadores de uma fábrica que passavam sua vida inteira ali, eram
completamente explorados.
No filme Tempos Modernos (1936), é exemplificado esse processo de trabalho por
Charles Chaplin, que interpreta o personagem Carlitos. Ali o ator representa a vida de um
trabalhador fabril que executa um trabalho repetitivo ao longo de sua extensa jornada de
trabalho. Em decorrência dessa negligência do bem-estar, Carlitos acaba internado em um
hospital psiquiátrico com uma crise nervosas em consequência da exaustão emocional.
A discussão sobre o bem-estar no trabalho é de extrema importância para
conscientização da sociedade. As jornadas, assim como o modo de trabalhar, mudaram com o
passar dos anos, a partir do afloramento das discussões e problematizações dessas ocorrências.
O ambiente de trabalho, ou espaços administrativos, por mais de um século, foi
pautado no imaginário das fábricas e baseado em seus processos produtivos, uma vez que se
localizavam como anexos às áreas de produção. A partir da Revolução Industrial, ocorreu a
separação com foco em otimizar o controle e produtividade (Tateoka, 2014, p. 37).
A disposição espacial se baseava nas plantas livres, organizadas por mesas e cadeiras
destinadas ao trabalho administrativo, enquanto os “chefes” estavam acima, ou em locais
estratégicos, que poderiam vigiar e punir quando necessário.
No entanto, com o passar dos anos, este modelo foi criticado e surgiram novas ideias
acerca de como o espaço de trabalho viria a se modificar, ao passo que discussões acerca do
bem-estar no trabalho passaram a ser parte de requisições por parte da sociedade.
Assim como os ideais foram alterados, o layout dos escritórios também. Trabalhos
voláteis e flexíveis surgiram com o advento da pós-modernidade, que romperam com a solidez
dos tempos de capitalismo pesado. (BAUMAN, 2001)
O objeto de estudo deste artigo são os ambientes de trabalho administrativo, por
serem símbolo de um trabalho repetitivo que é realizado geralmente em mesas, sem grandes
deslocamentos ao longo do escritório. A justificativa se deu por esta tipologia estar associada ao
modo de trabalho fabril em sua origem e a curiosidade por sua evolução a partir da incorporação
de novas discussões e ideais estabelecidos pela sociedade.
Ao final, foi possível identificar a quebra com hierarquização do espaço, com a
incorporação de todo o programa concentrado em um único pavimento, sem divisões acerca de
posições de cargos mais altos e mais baixos, a facilidade da circulação entre os ambientes, áreas
de lazer qualificadas para descompressão do trabalho, disposição das salas de reuniões ao longo
do escritório sem segregação, e por fim, a diversificação dos mobiliários.
22
A partir disso, nota-se grande mudança acerca dos layouts do final do século XVIII até
as manifestações atuais, através da flexibilização dos espaços e incorporação de novos modos
de trabalho. Além disso, como o olhar sobre o trabalho administrativo foi alterado, o escritório
teve que se adaptar e abrir margem para o lado humano do indivíduo, ou seja, permitir a
execução de atividades que vão além do trabalho produtivo, podendo descansar, se relacionar,
desenvolver sua autonomia, etc.
2 OBJETIVOS
Este trabalho tem como objetivo principal entender como as discussões acerca do
tema se manifestaram no layout nos escritórios e os objetivos específicos que são: (1) trazer um
panorama histórico da tipologia, a fim de apresentar a evolução dos ambientes de trabalho, (2)
entender o conceito de trabalho e como ocorrem as argumentações dos autores acerca dele,
(3) analisar espaços corporativos atuais a fim de identificar os rebatimentos dessas discussões.
3 METODOLOGIA
4 RESULTADOS
1 São caracterizados por espaços de trabalho sem divisórias, popularizados em espaços de trabalho administrativos.
23
Um exemplo da tipologia durante este momento é o Edifício Larkin, localizado no
estado de Buffalo, Nova York. A construção com inauguração em 1904, apresenta organização
de planta livre (figura 1) com mesas de trabalho seriadas, salas de reuniões pontuais e um grande
foyer de entrada. Além disso, o pavimento superior permite a visibilidade para o térreo (figura
2), possibilitando que os chefes vigiem seus funcionários.
A primeira reação contra este modelo foi o Landscape office (figura 3), proposto pelos
irmãos Eberhard e Wolfgang Schnelle, ao final de 1950, em que rompia com as salas individuais
destinadas aos cargos superiores e distribuía as mesas de forma orgânica, sem divisórias e com
espaços para trabalho em equipe. Ademais, neste modelo nota-se a preocupação com o
conforto acústico e a inserção da vegetação (GHOSN, 2019, p.40).
24
de mobiliário, quebra com a monotonia e hierarquia. É visto nesse modelo, maior preocupação
com o bem-estar do trabalhador.
Com o avanço tecnológico, em meados de 1980, os computadores passaram a ser
vistos como essenciais nesses ambientes de trabalho, com a popularização na América do Norte
e Reino Unido, houve uma preocupação acerca da adaptação de edifícios de escritórios para
receber sistemas elétricos adequados, assim como a instalação destes novos equipamentos.
(FIALHO, 2017, p. 53)
O layout era caracterizado até 1990 como territorial, em que contava com a
configuração de planta livre, mesclando salas fechadas com espaços abertos, ou apenas uma
“grade” de salas fechadas. Após este período, o layout não-territorial passou a ser popularizado,
uma vez que abarca a flexibilização dos modos de trabalho (Martinez, 2018, p. 53).
A partir da evolução do espaço, a solidez e hierarquia presentes ao longo do século
XVIII e XIX, foram sendo aos poucos descontinuadas e a partir disso, foi aberto um espaço para
o layout orgânico e a incorporação de um programa de necessidades que se adequa aos novos
tempos, onde o trabalhador não necessariamente se estabelece em um mesmo local ao longo
de todo o dia, por outro lado, transita entre o escritório, sua casa, coworking, cafeterias, etc.
O layout não obrigatoriamente auxilia no bem-estar dos ocupantes uma vez que as
orientações internas da empresa prezam por jornadas exaustivas de trabalho, no entanto,
agregado a bons valores trabalhistas que se pautam nessas discussões, o layout colabora com o
bem-estar, permitindo espaços que abarquem as esferas fisiológicas e emocionais dos usuários.
4.2 O trabalho
25
coação coincidam. [...] O excesso de trabalho e desempenho agudiza-se numa
autoexploração. Essa é mais eficiente que uma exploração do outro, pois caminha de
mãos dadas com o sentimento de liberdade. O explorador é ao mesmo tempo o
explorado. [...] Os adoecimentos psíquicos da sociedade de desempenho são
precisamente as manifestações patológicas dessa liberdade paradoxal. (HAN, 2015, p.
16-17)
26
4.3 Análise dos espaços corporativos
Fonte: Archdaily
A agência Social Tailors (figura 5), projeto do escritório SuperLimão (2016), apresenta
uma área menor que o estudo de caso anterior, no entanto, é representativo da aplicação de
soluções que acompanham o período de mudanças. Ao adentrar o espaço, o primeiro olhar é
direcionado à uma área de descompressão e estar seguido por um escritório de planta livre
posicionado atrás.
A principal instigação para a escolha deste projeto é a localização do espaço de
descompressão na entrada do escritório, solução esta que rompe com o período anterior, uma
27
vez que indica o foco no usuário, ao invés da valorização de um grande foyer que enaltece a
empresa, por exemplo. Além desses espaços citados, o programa também possui uma sala de
reunião compartilhada, banheiros, copa e uma sala de estar menor.
Fonte: Archdaily
Por fim, o escritório Veolia (figura 6), projetado pela Pitá Arquitetura (2020), rompe
com o padrão retilíneo convencional de espaços de escritório e apresenta uma forma orgânica
onde posiciona diversas salas de reuniões ao longo da planta. Por outro lado, o espaço ainda
apresenta a tipologia de planta livre ocupando cerca de 50% de seu espaço, a outra metade,
está ocupada por áreas de descompressão pontuais ao longo de sua extensão e uma área de
estar qualificada na parte superior da planta.
Assim como nos outros estudos de caso, a acessibilidade dos espaços está presente,
assim como a flexibilidade de mobiliários que se adaptam a tarefa que será desenvolvida. Neste
em específico, ao apresentar múltiplas salas, pode-se perceber o fenômeno da individualização,
em que o indivíduo como agente de seu próprio destino, assume novos modos de trabalho que
podem fugir do convencional, deste modo, o espaço deve abarcar eles em seu layout.
28
Figura 6 – Escritório Veolia
Fonte: Archdaily
Os três estudos de caso apresentam propostas similares quanto a quebra com a solidez
e hierarquia imposta pelo período taylorista. Neste momento, a preocupação através do layout,
parte do foco no usuário e promove espaços de estar e descompressão. Ademais, existe a
incorporação de salas e mobiliários diversificados que acolhem o novo modo de trabalho volátil,
assim como as necessidades intrínsecas ao ser humano, como: socialização, alimentação,
desenvolvimento de habilidades, autonomia e etc.
5 CONCLUSÃO
O início dos espaços de trabalho foi marcado pela presença do taylorismo, com
conceitos chave como: a funcionalidade e produtividade. Em sua organização espacial, a
presença de mesas e cadeiras predominava ao longo de toda a planta, ademais, não havia
espaço para descompressão e realização de outras atividades que não fossem relacionadas ao
ato de trabalhar.
Em contraposição, o período atual pautado nas ideias do trabalho líquido apresenta a
descentralização da arquitetura, uma vez que ao longo dos espaços estudados neste artigo, a
área “produtiva” ocupa metade do todo e o restante é destinado a áreas de estar, alimentação,
reuniões e até espaços com o intuito do exercício do bem-estar e socialização.
Assim, o espaço corporativo em meio ao individualismo, imediatismo, flexibilidade e
descentralização do mundo líquido precisou se adaptar às mudanças. Para isso, houve um
desmoronamento da estrutura sólida de produtividade e funcionalidade e foi possível um novo
29
olhar acerca do bem-estar humano, além de proporcionar ambientes e mobiliários que se
adequam aos novos modos de trabalho.
Por fim, é necessário destacar a importância sobre as questões acerca do trabalho e
qualidade de vida, pois a partir deles foi possível edificar grandes mudanças em uma tipologia
essencialmente estrutural com fluxos hierárquicos, para uma arquitetura que se preocupa com
a esfera do usuário. Ademais, este conhecimento dá abertura para a inserção de novas boas
práticas que beneficiam o trabalhador.
6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
6.1 Livros
____. O capital: Crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
DESSEN, Marina Campos. Indicadores de Bem-Estar Pessoas nas Organizações: o Impacto da Percepção da Cultura,
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Tese (Doutorado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações) – Instituto de Psicologia, Universidade de
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30
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https://www.scielo.br/pdf/prod/v14n3/v14n3a03.pdf. Acesso em: 30 set. 2023.
31
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
(x) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
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RESUMO
A deficiência de integração planejada entre o desenvolvimento urbano e a preservação do meio ambiente tem sido
uma grande problemática na região Centro-Oeste, onde a produção agrícola constantemente é priorizada em face à
sustentabilidade. Dito isso, este artigo visa compreender por meio da análise da paisagem, os processos de expansão
urbana do município de Nova Mutum, localizado no estado de Mato Grosso (Brasil). Foi visto a necessidade de
analisar a integração entre o desenvolvimento urbano e a preservação ambiental, bem como, a análise da influência
da atividade agrícola extensiva e da malha rodoviária federal, em particular a BR-163, que conecta a cidade à capital
do estado aos principais portos do país. A pesquisa se classifica como quali-quantitativa e, como metodologia foram
mapeados e quantificados os elementos da paisagem e o impacto da antropização na qualidade de vida. Para tal
foram gerados três mapas baseados em imagens do Google Earth, com o intuito de mensurar a diferença entre as
áreas ocupadas por uso urbano, áreas agrícolas e áreas de vegetação natural, bem como a proximidade da mancha
urbana e da matriz da paisagem em relação aos corpos d'água e áreas verdes do município de Nova Mutum. Como
resultados, em detrimento da escala escolhida para a análise, a malha urbana e áreas verdes se caracterizam como
manchas na paisagem, tendo como matriz as glebas agricultáveis que circundam a cidade. Pode-se concluir que a
ocupação do espaço que caracteriza a paisagem analisada, desconsidera seu impacto ambiental e desrespeita a
biosfera pré-existente.
ABSTRACT
The lack of planned integration between urban development and environmental preservation has been a major
problem in the Midwest region, where agricultural production is constantly prioritized over sustainability. That said,
this article aims to understand, through landscape analysis, the processes of urban expansion in the municipality of
Nova Mutum, located in the state of Mato Grosso (Brazil). There was a need to analyze the integration between urban
development and environmental preservation, as well as the influence of extensive agricultural activity and the federal
highway network, in particular BR-163, which connects the city to the state capital and the country's main ports. The
research is classified as qualitative-quantitative and, as a methodology, the elements of the landscape and the impact
of anthropization on quality of life were mapped and quantified. To this end, three maps were generated based on
Google Earth images, with the aim of measuring the difference between the areas occupied by urban use, agricultural
areas and areas of natural vegetation, as well as the proximity of the urban sprawl and the landscape matrix in
relation to bodies of water and green areas in the municipality of Nova Mutum. As a result, to the detriment of the
scale chosen for the analysis, the urban fabric and green areas are characterized as patches in the landscape, with the
agricultural land surrounding the city as the matrix. It can be concluded that the occupation of the space that
characterizes the analyzed landscape disregards its environmental impact and disrespects the pre-existing biosphere.
33
1. INTRODUÇÃO
34
Figura 01 - Ilustração do munícipio de Nova Mutum em relação a região e área mapeada
Fonte: Autores.
Este artigo, portanto, visa mapear e analisar o processo de expansão urbana do
município de Nova Mutum por meio das metodologias de análise da paisagem, estabelecendo
correlações entre tal expansão, o meio ambiente e a paisagem natural. É feito também uma
análise sobre a mudança da paisagem natural local, identificando a relação do meio urbano com
os leitos d’água existentes na área urbana.
2. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Nesta primeira etapa, iniciou-se com uma revisão bibliográfica para compreender o
desenvolvimento da região de estudo, seguida pela busca de arquivos de imagens disponíveis
da cidade, bem como livros e fotos tirada pelos autores. Essas imagens foram fundamentais
para delimitar o recorte temporal de 18 anos, sendo utilizadas três imagens referente aos anos
de 2004, 2013 e 2022. Essas imagens foram importadas para um software de desenho, onde
foram sobrepostas camadas de cores para demarcar as manchas e corredores na paisagem,
auxiliando na criação dos mapas, tendo também utilizado imagens de satélite do Google Earth
Pro. A análise dos mapas teve como objetivo a comparação entre os diferentes períodos
mapeados, atentando-se a distribuição e escala das manchas e suas alterações ao longo dos
anos.
3. CONCEITOS ABORDADOS
Ao início deste estudo foi esmiuçado os conceitos tratados ao longo dos levantamentos
e análises, sendo um deles, o conceito de paisagem, termo por vezes polissêmico e de
conceituação multidisciplinar e o conceito de desenvolvimento sustentável.
35
Conforme explicam Dantas et al. (2015), o conceito de paisagem, como ferramenta de
análise espacial é tão antigo quanto a propria ciência geográfica. Cunhado inicialmente na
Alemanha (landshaft) entre os séculos XVIII e XIX pelo naturalista Alexander von Humboldt, o
conceito abarcava elementos naturais, tratando a paisagem como meio integrador entre os
demais componentes do meio geobiofisico. Os autores explicam que em meados de 1870
pesquisadores franceses apresentam uma abordagem diferente ao conceito de paisagem, na
qual, aderindo a ideia dos elementos naturais já tratados pelos alemãesse adicionam os
elementos e alterações resultantes das ações humanas, tendo de certa forma humanizado o
conceito de paisagem.
Deste modo, tem-se duas principais escolas para a abordagem e conceituação da
paisagem, a Escola Naturalista Alemã, apoiada na ideia da paisagem natural e a Escola
Geografica Francesa, que se monta sobre o tripé formado por elementos bióticos, abióticos e
antrópicos (Dantas et al., 2015).
Com o avanço das discussões sobre a paisagem, inumeras áreas aderiram o conceito:
como a área do turismo, da geologia, das artes ou mesmo a arquitetura e urbanismo, o que
acabou criando conceituações e interpretações distintas e por vezes opostas ao mesmo termo,
em razão de sua aplicação nas diferentes áreas do conhecimento (Dantas et al., 2015).
Com tal polissemia, faz-se importante anotar o conceito de paisagem adotado para o
estudo apresentado neste artigo. Entende-se aqui, a paisagem como um recorte do espaço (seja
este natural ou não) e do tempo feito pelo observador, seja por um olhar, foto, ilustração, etc.,
no caminho em que a própria análise da paisagem se altera em detrimento daquele que a
observa, estando esta, diretamente ligada a atividade e subjetividade humana (Silva, 2007),
ideia que se aproxima da escola francesa apresentada anteriormente.
A definição adotada para esta pesquisa surge dos estudos de três principais autores: a)
Brunet (1992), que apresenta em seu dicionário o sentido etimológico de “Paisagem” como
sendo aquilo que se vê e se tem ao alcance do olhar; b) Berque (1994), que apresenta a relação
entre objeto e individuo, dizendo que a paisagem e seu sentido são culturais e, portanto, são
aprendidos, adicionando também ao tema as escalas de espaço e de tempo e c) Claval (1999),
que classifica a paisagem como sendo produto da ação do homem.
De acordo com Casimiro (2009), a paisagem é composta e pode ser lida por seus
elementos formadores que são as manchas, a matriz e os corredores. As manchas, são
superfícies não lineares, podendo ter diferentes características em uma mesma paisagem, de
origem ou causal. Geralmente, as manchas fazem parte de uma matriz, elemento que domina
o funcionamento da paisagem por ser mais extenso, por sua vez, os corredores se caracterizam
como elementos lineares que conectam os demais elementos da paisagem.
A análise dos elementos e interações da paisagem são essenciais para compreensão dos
ecossistemas e os processos de troca de energia e matéria que ocorrem nela. A delimitação da
escala da paisagem também é imprescindível para obter uma análise adequada (Casimiro,
2009).
Quanto ao conceito de desenvolvimento sustentável, se classifica como sendo aquele
que equilibra três pilares de desenvolvimento: o social, econômico e ambiental. Tal tripé
(ambiente-economia-sociedade), deve, de acordo com Agopyan e John (2011) ser considerado
de maneira a unificar e equilibrar os quesitos no processo de desenvolvimento, gerando avanço
econômico suprindo as necessidades da sociedade, e garantindo um ambiente saudável ao
futuro das próximas gerações.
36
Silva (2023) enuncia que construir a sustentabilidade no Brasil é um desafio vasto, dadas
as ricas possibilidades oferecidas pelo território, recursos naturais, diversidade biológica e
recursos hídricos. Para transformar essa possibilidade em realidade, é crucial superar a visão de
desenvolvimento centrada apenas no crescimento econômico e abraçar a construção
sustentável, considerando também os aspecto ambientais e sociais.
Dito isso, Macedo et al. (2016) conduziram um estudo sobre a sustentabilidade dos
municípios em Mato Grosso, utilizando uma escala para classificar o nível de sustentabilidade.
Nessa escala, valores entre 0,0000 e 0,2500 são considerados críticos, de 0,2501 a 0,500 estão
em alerta, de 0,501 a 0,700 são considerados aceitáveis, e de 0,7501 a 1,000 são ideais. Os
municípios de Cuiabá, Rondonópolis, Primavera do Leste e Sinop foram classificados como
aceitáveis, com um nível de sustentabilidade entre 0,50 e 0,70 em 2010, Nova Mutum,
município alvo desta análise, teve como resultado de sua avaliação de sustentabilidade o nível
de alerta. O estudo destaca a necessidade de atenção e acompanhamento para melhorar o
aspecto ambiental e os demais concernentes ao desenvolvimento sustentável do estado de
Mato Grosso.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Adentrando a análise dos mapas, a predominância das áreas agricultáveis, como matriz
da paisagem, já neste primeiro mapa (figura 02), referente ao ano de 2004, endossa os dados
encontrados nas referências consultadas, como os estudos de Galvão (2013) e Kohlhepp e Silva
(2022), que apontam a ocupação da área para produção agrícola. A cidade se caracteriza então
por uma mancha em meio a matriz, cercada por uma segunda mancha, composta por vegetação
densa.
No mapa (figura 02), onde mostra a cobertura do solo da cidade de Nova Mutum em
2004 percebe-se que a malha urbana ocupa uma área de margem da BR-163, o que é
compreensível visto que a cidade se inicia as margens deste corredor. A matriz da paisagem
inicialmente na análise, já se caracteriza como áreas de solo exposto com uso agrícola, de modo
que a paisagem se altera drasticamente na mudança de estações dentro de um mesmo ano, em
razão do momento das safras.
Os corpos d’água são elementos importantes na paisagem. Em 2004, a malha urbana
margeava o veio d’água que nasce dentro da mancha urbana. No mapa (figura 02), é possível
ver ao norte do trecho abarcado pelo mapa, os corpos d’água, neste caso o Rio Arinos, destino
da água que nasce e corre na mancha urbana que compreende Nova Mutum. Essa água segue
seu fluxo indo em direção a região norte do país, mais especificamente a Bacia Amazônica.
Já ao Sul deste mapa, é possível notar que as áreas a serem agregadas a malha urbana
já se encontram totalmente devastadas e com ausência de vegetação nativa, um movimento da
expansão urbana do município de Nova Mutum que pode ser notado também nos demais
mapas.
37
Figura 02 - Mapa da cobertura do Solo de Nova Mutum (2004)
Na foto panorâmica (figura 03) é possível ver que ao lado direito a área urbanizada,
ocupada por edificações, já na esquerda, atravessando a rua, uma extensa gleba árida ocupada
pelo plantio de grãos. Anota-se que na data em que fora registrada a imagem, 27/07/2023, a
região se encontrava em um período de hiato, entre a colheita da safra de milho e o início do
plantio da soja. As fotografias da paisagem que são apresentadas ao estudo são imagens atuais,
do ano de 2023. Isso se deve ao fato de não ser possível encontrar imagens registradas nos
mesmos períodos dos mapas analisados que apresentam as características e relações da
paisagem que se entende pertinente ao estudo.
Em 2013, o segundo período em que a paisagem escolhida fora mapeada (figura 04) e
analisada, é possível observar uma mudança no tamanho da mancha urbana, que aumentou
significativamente em nove anos, passando de 6 km² para aproximadamente 11 km², bem como
as alterações nas manchas compostas por áreas vegetadas, que diminuíram drasticamente com
o aumento da matriz. Neste período, as áreas vegetadas foram de 33 km² em 2004, para 29 km²
em 2013. Em especial, quando se dirige a análise a região noroeste do mapa é possível notar
38
que a mancha que contornava a cidade, acaba por se fragmentar ao longo dos nove anos que
se passam entre a segunda e a quarta figura.
Essas áreas estavam ocupadas pelas plantações, que variam ao longo do ano entre soja
e milho, sistemas de monocultura intensiva que acaba por tornar áridas as zonas próximas à
cidade alterando drasticamente a paisagem não somente em relação aos seus elementos visuais
(figura 03), como também as relações biótica e abiótica que compunham anteriormente tal
mancha (HERZOG, 2013), visto que a devastação das áreas de mata nativa reduz o habitat
natural das espécies que compõem a fauna local e altera as trocas de matéria e energia e os
ciclos hídricos e de carbono, como também reduz a resiliência do ambiente (CASIMIRO, 2009;
BOFF, 2016).
Na foto registrada em 2023, vê-se que a área a noroeste da mancha urbana que em
2004 aparece no mapa como sendo área de vegetação nativa densa, agora é ocupada pela
produção de grãos que se encontra margeando a área urbana.
É marcante a forma com que as áreas edificadas se aproximam do corpo d’água que
39
corta a malha urbana ao meio, ao passo que no mapa de cobertura do solo (figura 04), em 2013,
a paisagem do entorno imediato do trecho mais ao sul do córrego não conta com áreas de
vegetação densa, sendo caracterizadas pelas áreas de solo exposto. Se tratando de um córrego
natural e perene, a área deveria ser entendida pela legislação municipal como sendo uma área
de Preservação Permanente, mantendo medida mínima de 30m de mata ciliar as margens do
corpo d’água.
Quanto a expansão da mancha urbana, nota-se que ocorre em sua maioria, direcionada
as regiões ao sul. As regiões ao leste, que desde a origem do município tem seu uso destinado
às atividades agrícolas, atualmente estão sendo ocupadas por pequenos fragmentos de área
edificada, em suma de uso industrial, de modo que a BR-163 que serviu de guia ao nascimento
da cidade, agora cumpre também papel de barreira no desenho urbano.
Neste último período no qual a paisagem fora analisada, referente ao ano de 2022
(figura 06), é possível observar em suma um fenômeno parecido ao que foi registrado na janela
temporal anterior: as áreas verdes ainda diminuem, contudo, em menor proporção, o valor
anotado em 2013, de 29 km², fora reduzido a 28 km² em 2022. As zonas edificadas se expandem,
passando para 14 km², a mancha urbana cresce expressivamente em direção ao sul, onde as
incorporadoras não encontram áreas de vegetação natural, apenas glebas já desmatadas (como
demonstra a figura 03).
Além disso, houve uma redução significante das áreas verdes que compreendem o
entorno da nascente e do corpo d’água que se encontra em meio a cidade. Os trechos a noroeste
do mapa (figura 06), cujo desmatamento fora registrado já no recorte de 2013, encontra-se em
2022 ainda não sendo área urbana, de modo que a mudança da paisagem em zonas lindeiras a
40
cidade ocorreu para fins agrícolas (como se vê figura 05).
É possível afirmar que a expansão urbana ocorreu sem considerar a importância do
córrego que nasce dentro da cidade, visto que ao longo do período analisado as áreas vegetadas
do entorno do corpo d’água fora sendo suprimidas pelas áreas edificadas. Portanto, as manchas
de vegetação densa, que em 2004 circulavam a cidade, foram reduzidas ao longo dos 18 anos
aos quais se ateve o estudo, contudo para abrir espaço para criação de áreas agrícolas, fazendo
com que os campos de plantio, estivessem a cada ano mais próximos à mancha urbana. Os
processos de alteração da paisagem se deram, neste caso específico por fragmentação e
contração das manchas de vegetação densa.
Em vista disso, essas mudanças na paisagem reduziram drasticamente a relação de área
urbana e área de vegetação natural. Em 2004, as áreas vegetadas na paisagem equivaliam a 5,5
vezes a área total da mancha urbana, enquanto o valor registrado em 2022 demonstra que a
área verde equivalia a apenas 2 vezes a dimensão da mancha urbana, valor que se dá não
somente pela diminuição das áreas verdes, mas também pelo aumento expressivo da área
urbana ao longo dos 18 anos.
Com isso, faz-se importante salientar que ao longo do período estudado nesta pesquisa,
a população de Nova Mutum teve um crescimento considerável, onde, de 14.817 pessoas nos
anos 2000 (IBGE, 2000) foi para um total de 58.832 pessoas em 2022 (IBGE, 2022), fenômeno
que se alinha e explica a expansão expressiva da mancha urbana.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
De acordo com os objetivos estabelecidos, foi possível notar por meio dos
mapeamentos e análises da paisagem que o processo de expansão da área urbana em Nova
Mutum, ocorreu de forma acelerada no período estudado, sendo registrado um aumento na
ordem de 230% do tamanho da mancha urbana entre 2004 e 2022.
Referente a metodologia empregada para análise, quantificação e qualificação da
paisagem, permitiu a leitura dos elementos que a compõem e a relação entre estes. Deste modo,
o método apresentado por Casimiro (2019) possibilita a leitura da paisagem por meio de suas
partes e a partir da escala estabelecida. O mapeamento permitiu que fosse destacado os
elementos da paisagem, sendo a matriz, composta pelas áreas de solo exposto destinada ao uso
agrícola; as manchas, que se dividem em mancha urbana, áreas de vegetação densa e áreas de
vazio urbano; e os corredores, sendo os corpos d’água, a BR-163 e as vias de terra que
contornam os campos agrícolas.
As manchas e os corredores presentes na paisagem permitem a classificação da mesma
como sendo uma paisagem cultivada, devido à regularidade das formas, a linearidade e ângulos
retos das margens das manchas e a presença marcante de pequenos corredores espalhados pela
matriz, caracterizando a “geometrização” da paisagem (CASIMIRO, 2019).
O estudo demonstra ser necessário a criação e formalização do trecho de proteção
permanente no entorno do corpo d’água que atravessa a malha urbana, dado sua importância
não apenas local, tendo capacidade de influenciar o microclima, como também sua importância
regional e sistêmica, por se tratar de nascente e córrego que compõem a bacia amazônica.
Além disso, é preciso alertar a população do município, sobre possíveis consequências
da aproximação da malha urbana e dos corpos d’água. Podendo trazer impactos negativos nas
edificações já existentes e nas edificações a serem construídas, bem como impactos no
41
desenvolvimento urbano e no ecossistema.
Salienta-se ainda que, na análise feita no último mapa apresentado (figura 06), a maior
parte das glebas que podem ser agregadas ao tecido urbano se caracteriza por ser solo exposto,
cumprindo função de terra agricultável, de modo que no ato do loteamento destas áreas os
trechos destinados obrigatoriamente, por força de lei, a áreas verdes, sejam entregues ao
município como áreas de solo exposto. Neste caso, deverão passar por um processo de
naturalização para cumprirem a função de áreas verdes, ou por tal processo ainda em domínio
das incorporadoras antes de serem entregues a prefeitura.
Conclui-se que esses processos de renaturalização, jamais serão capazes de restaurar a
totalidade dos sistemas existentes na paisagem natural. Salienta-se ainda, que tais processos de
renaturalização devem ser pautados a se aproximarem ao máximo de cenários naturais. Dito
isso, propõe-se que, em estudos futuros da paisagem do município de Nova Mutum, faz-se
interessante a realização dos mesmo em escalas maiores, de modo que a malha urbana passe a
ser matriz da paisagem, dando mais precisão aos levantamentos e estudos da relação que Cecilia
Herzog (2013) chama de “Biodiversidade urbana”.
6. REFERÊNCIAS
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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
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RESUMO
A Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) surge como um notável monumento que unifica as esferas da
medicina inovadora e da arquitetura moderna, gerando um cenário intrigante no presente. Fundada em tempos de
fervor idealista voltado à saúde materno-infantil, essa edificação emblemática encapsula tanto os princípios
vanguardistas da medicina contemporânea quanto a estética minimalista da arquitetura moderna. No entanto, o
cenário atual propõe um dilema de grande complexidade: como reconciliar o progresso das práticas médicas com a
preservação da arquitetura moderna, preservando sua essência construtiva singular?
Neste contexto, a MEAC é um cenário onde se desenrolam tensões entre a necessidade de conservar a integridade
arquitetônica e a urgência de adaptar-se às demandas evolutivas da medicina. A arquitetura modernista, que primava
pela união entre funcionalidade e estética, foi meticulosamente planejada para abrigar instalações médicas e
proporcionar conforto às pacientes. Contudo, o rápido avanço da medicina trouxe consigo tecnologias em constante
mutação, desafiando a capacidade da maternidade de se manter atualizada sem comprometer suas raízes originais.
A complexidade reside na busca por um ponto de equilíbrio entre a preservação do passado e a adaptação às
necessidades do presente. A manutenção de características arquitetônicas essenciais deve coexistir com a
incorporação de inovações médicas, a fim de garantir a continuidade de uma instituição que possui não apenas valor
histórico, mas também uma função vital na prestação de cuidados de saúde. Portanto, o dilema da MEAC ecoa um
desafio universal enfrentado por instituições históricas na área da saúde, que exige uma abordagem multifacetada
envolvendo diversas disciplinas.
ABSTRACT
The Assis Chateaubriand Maternity School (MEAC) emerges as a notable monument that unifies the spheres of
innovative medicine and modern architecture, generating an intriguing scenario in the present. Founded in times of
idealistic fervor focused on maternal and child health, this emblematic building encapsulates both the avant-garde
principles of contemporary medicine and the minimalist aesthetics of modern architecture. However, the current
scenario poses a highly complex dilemma: how to reconcile the progress of medical practices with the preservation of
modern architecture, preserving its unique constructive essence?
In this context, MEAC is a scenario where tensions unfold between the need to preserve architectural integrity and the
urgency of adapting to the evolutionary demands of medicine. The modernist architecture, which excelled in the union
between functionality and aesthetics, was meticulously planned to house medical facilities and provide comfort to
patients. However, the rapid advancement of medicine has brought with it ever-changing technologies, challenging
motherhood's ability to keep up without compromising its original roots.
The complexity lies in the search for a balance between preserving the past and adapting to the needs of the present.
The maintenance of essential architectural features must coexist with the incorporation of medical innovations, in
order to guarantee the continuity of an institution that has not only historical value, but also a vital function in the
provision of health care. Therefore, the MEAC dilemma echoes a universal challenge faced by historic institutions in
the field of health, which requires a multifaceted approach involving several disciplines.
45
INTRODUÇÃO
46
1 DESENVOLVIMENTO BREVE HISTÓRICO DA SAÚDE PÚBLICA NO CEARÁ
47
2 O CASO DA MATERNIDADE ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND
48
Fortaleza em 1950 apresentava 129 leitos maternos, com 77.819 mulheres entre 15 a 49 anos,
idade considerada fecunda. Em confronto com outras capitais nordestinas menos populosas e
também menos desenvolvidas, Fortaleza ficava em notória posição de inferioridade, sujeitando
a altas taxas de mortalidade infantil, acercar-se 236 óbitos no primeiro ano de idade, por cada
1.000 nascidos vivos.
A necessidade de um estabelecimento hospitalar que suprisse a alta demanda e
reduzisse drasticamente a problemática humanitária da assistência ao nascer exibia caráter de
urgência. O que fez o movimento arrecadar quantias substanciais da filantropia e de fora do
Estado que ajudariam às mães pobres desta cidade.
Iniciadas as obras em 3 de março de 1956, logo após lançado o movimento, não se
cessaram até sua conclusão em 14 de dezembro de 1963. A construção projetada pelos
arquitetos e engenheiros Oscar Valdetaro, Roberto Nadalutti e Israel Correia e dos engenheiros
Carlos Miranda (Instalações Gerais) e Gabriel Correia, sendo Engenheiro-Construtor Jayme
Verçosa. O referido projeto foi desenhado de acordo com o funcionalismo e as modernas
técnicas hospitalares daquele período, com área total do edifício calculada em 6.733,65 m². É
possível observar nas figuras 3 a 9, o registro do canteiro de obras e do processo de construção
da Maternidade Escola Assis Chateaubriand, passando pelo escoramento em madeira para
suportar vigas e lajes até finalizada concretagem, os vãos ainda por receberem alvenarias
divisórias.
49
Figura 5 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand
50
Figura 8 - Construção da Maternidade Escola Assis Chateaubriand
51
em um claro registro do caminho percorrido por muitas mães em situação de vulnerabilidade
social, atendidas por essa valiosa instituição.
52
Figura 11 - Sala Cirúrgica - Maternidade-Escola Assis Chateaubriand
53
dos neonatos, seja em ambientes coletivos de berçários ou em ambientes individuais, que por
sua vez, eram ajustados de acordo com a gravidade de sua condição de saúde.
O MEAC passou a ser conhecido como tendo vocação a "realizar assistência, ensino e
pesquisa para o cuidado com excelência à saúde da mulher e do recém-nascido", formando
profissionais especializados nas áreas da saúde, sendo campo de teoria e prática para
estudantes de graduação, curso técnico e de residências médica e multiprofissional da UFC.
Outro grande destaque, diz respeito aos serviços prestados à população, no que se refere a
assistência médico-hospitalar, ambulatorial e de apoio diagnóstico e terapêutico. Destacam-se
as especialidades de ginecologia, obstetrícia, medicina fetal, neonatologia e mastologia,
prestando assistência integral à saúde da mulher e do recém-nascido.
54
3 PRESERVAÇÃO DA ARQUITETURA MODERNA E DESAFIOS NO PROGRAMA DE SAÚDE DA
MATERNIDADE ESCOLA ASSIS CHATEAUBRIAND
55
ser uma fonte de inspiração para os profissionais de saúde e pacientes, reforçando a missão e a
história da maternidade.
O edifício antigo de valor histórico, ou o sítio histórico, requerem intervenções,
obviamente com a necessidade de mantê-los aptos a abrigar as atividades humanas nos moldes
atuais, que garantam a manutenção dos suportes das representações que atribuem a eles o
específico valor. Há que salientar, aqui, que toda adequação de espaços preexistentes a novos
usos tem limitações que esses mesmos espaços impõem, na medida em que, muitas vezes, não
podem ser alterados. (BRAGA, 2003)
A falta de práticas sistemáticas de conservação e manutenção preventiva em
edificações contribui significativamente para a deterioração ao longo do tempo. Esse descuido
pode resultar em patologias complexas, que frequentemente comprometem a possibilidade de
restaurar as características originais da estrutura. A negligência na implementação de medidas
preventivas torna-se um fator determinante para a perda do valor histórico e arquitetônico da
edificação, destacando a importância da atenção constante à manutenção para evitar a
degradação irreparável.
A conservação e o reuso da MEAC enfrentam desafios relacionados à gestão de
recursos financeiros e à sustentabilidade. A manutenção de uma estrutura histórica requer
investimentos contínuos para preservar sua integridade estrutural e estética. A discussão sobre
as complexidades envolvidas na preservação de um edifício modernista na área da saúde busca
por soluções criativas de reuso, como a adaptação de espaços sem comprometer sua estrutura
inicial, buscando fornecer alternativas para a modernização do patrimônio arquitetônico, e ir
além da restauração puramente estrutural. Isso se deve à necessidade de atender às obrigações
sociais de oferecer assistência à população e treinar profissionais, o que justifica a manutenção
do edifício para sua função original.
Em última análise, o dilema entre conservação e modernização na MEAC reflete um
desafio global enfrentado por instituições históricas de saúde, onde pode ser manifestado
através da sugestão de diretrizes para orientar procedimentos relacionados à utilização e
manutenção do edifício, bem como na formulação de estratégias de gestão e na elaboração de
planos de manutenção preventiva para a edificação.
Encontrar o ponto ideal que preserve a herança arquitetônica enquanto incorpora
avanços médicos é uma jornada complexa, que exige uma abordagem multidisciplinar,
envolvendo arquitetos, médicos, administradores e preservacionistas. A MEAC é um
testemunho vivo de uma era e de um ideal, e a busca pelo equilíbrio entre tradição e progresso,
continuará a moldar a narrativa da maternidade e sua contribuição para a saúde pública.
CONCLUSÃO
56
Além do valor estético, a preservação da MEAC carrega uma dimensão emocional e
educacional. A história do edifício reflete conquistas médicas passadas e inspira profissionais de
saúde e pacientes, conectando-os ao passado enquanto enfrentam desafios do presente.
A busca por um ponto intermediário entre a tradição e o progresso continuará a forjar novas
abordagens multidisciplinares, unindo profissionais de arquitetura, medicina e preservação. A
busca por essa harmonia ressoará ao longo das gerações, enriquecendo a narrativa da
maternidade e sua valiosa contribuição à saúde pública.
Em um cenário onde a modernização da medicina avança a passos largos, a
preservação da Maternidade Escola Assis Chateaubriand (MEAC) emerge como uma missão
crucial. O legado arquitetônico da MEAC é uma cápsula do tempo, representando tanto a visão
pioneira da medicina contemporânea quanto a estética vanguardista da arquitetura moderna.
Contudo, o dilema instigante entre a evolução médica e a conservação arquitetônica coloca em
evidência a necessidade de um equilíbrio cuidadoso.
REFERÊNCIAS
AMORA, Ana Maria Gadelha Albano et al. A modernidade na arquitetura hospitalar: contribuições para a
historiografia. Rio de Janeiro, 2019.
BRAGA, Márcia et al. Conservação e restauro: arquitetura. Rio de Janeiro: Editora Rio, 2003.
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https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/ch-ufc/acesso-a-
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BRASIL, Ministério da educação. Sobre a Maternidade. [S. l.], 23 nov. 2020. Disponível em:
https://www.gov.br/ebserh/pt-br/hospitais-universitarios/regiao-nordeste/ch-ufc/assistencia/meac/sobre-o-
hospital. Acesso em: 6 dez. 2021.
FREITAS, Carolina Lima. Centro de Acolhimento Materno para a Maternidade Escola Assis Chateaubriand. TCC
(Graduação em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2019.
MACHADO, Antônio. Reportagem de Jean Solari. Revista O Cruzeiro, [S. l.], 12 de junho de 1965. Disponível em:
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informacao/institucional/nossa-historia/maternidade-escola-assis-chateaubriand. Acesso em: 6 dez. 2021.
MONTESUMA, Francisca Gomes et al. Saúde pública no Ceará. Cadernos ESP- Revista Científica da Escola de Saúde
Pública do Ceará, v. 2, n. 1, p. 06-19, 2006.
TARALLI, Cibele Haddad; CAMPÊLO, Magda; FREITAS, Waldete. O debate preservacionista na arquitetura moderna
para áreas da saúde: o caso da Maternidade Escola Assis Chateaubriand-UFC. Arquitetura em transição, 2010.
XENOFONTE, Maria Isomar da Silva. Políticas públicas de educação e da saúde na Maternidade Escola Assis
Chateaubriand: A percepção dos atuais gestores. Dissertação (Mestrado profissional em Políticas Públicas e Gestão
da Educação Superior). Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2010.
57
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(x) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Igor Guatelli
Professor Doutor, Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil
Igor.guatelli@mackenzie.br
58
RESUMO
E se, ao pensar em infraestruturas urbanas, deixássemos de restringir seu entendimento mais direto às obras de
grande porte - viadutos, aeroportos e ferrovias – e pensássemos em outros entrelaçamentos necessários à qualidade
de vida urbana? Seriam também, espaços infra estruturais, aqueles que provocam coletividades e possibilitam a
invenção cotidiana? A partir de cruzamentos entre o projeto do Sesc Pompeia, da arquiteta Lina Bo Bardi, e da
instalação artística Leviathan realizada por Anish Kapoor no Grand Palais de Paris, pretende-se discutir como esses
projetos possibilitam novas, e inesperadas, formas de explorar e interagir com o espaço, agindo assim, como
elementos infra estruturais. Constantemente em atualização, Sesc Pompeia e Grand Palais, cada um em seu contexto
histórico, são espaços com a capacidade de absorver exterioridades e reinventar-se, como uma espécie de
palimpsesto urbano. São arquiteturas que agem como suportes para contaminação externas, são receptáculos,
espaços gestacionais, à espera do porvir. Espaços flexíveis, que se esquivam de logicas engessadas e dominantes,
tornam-se então, capazes de responder a seu tempo e assimilar às exterioridades sem assumir uma identidade única.
Obras dotadas de uma espessura simbólica, mas que estão em constante atualização, contaminadas pelo presente,
mantendo rastros do passado.
ABSTRACT
What if, when thinking about urban infrastructure, we stopped restricting its more direct understanding to large-scale
works - viaducts, airports and railways - and thought of other interweavings necessary for the quality of urban life?
Would they also be infrastructural spaces, those that provoke collectivities and make everyday invention possible?
Based on intersections between the Sesc Pompeia project, by architect Lina Bo Bardi, and the Leviathan art installation
by Anish Kapoor at the Grand Palais in Paris, the aim is to discuss how these projects enable new, and unexpected,
ways of exploring and interacting with space, thus acting as infrastructural elements. Constantly being updated, Sesc
Pompeia and Grand Palais, each in its own historical context, are spaces with the ability to absorb externalities and
reinvent themselves, as a kind of urban palimpsest. They are architectures that act as supports for external
contamination, they are receptacles, gestational spaces, waiting for the future. Flexible spaces, which dodge rigid and
dominant logics, then become capable of responding to their time and assimilating externalities without assuming a
single identity. Works endowed with a symbolic thickness, but which are constantly updated, contaminated by the
present, keeping traces of the past.
59
Introdução
1. Considerações históricas
Segundo Benevolo,
60
digressão histórica para contextualizar o processo de interiorização das ruas e praças nas cidades
modernas.
Partimos do pressuposto que a rua é o espaço da cidade pertencente ao domínio
público, a rua representa o “fora”, é o lugar comum a todos. A rua é também o espaço vago da
cidade impregnado por rastros. Por funcionarem como vias de circulação, são constantemente
marcadas pelos que por ali transitam. Nas cidades antigas, as rodas das bigas e carruagens que
passavam pelas superfícies das ruas, deixavam sulcos. Daí a origem da palavra “rua”, que deriva
do latim “ruga”. Pensar a respeito da rugosidade nas cidades pode ser um caminho para
perceber sua complexidade. Deleuze e Guattari discorrem sobre o espaço liso e o espaço
estriado, como duas ciências opostas que se complementam, trabalham como “tensão-limite”.
Podemos entender as rugas como estrias que marcam o território. São resultantes da
permanência, codificações que se desenvolvem em função dos agenciamentos que acontecem
no território. Espaços hiper-controlados, ou seja, muito codificados, tornam-se hiper-estriados,
o que pode acabar engessando formas de acontecimento espontâneas. Deleuze e Guattari
tomam de exemplo as tramas do tecido comum em malha e das do feltro. Enquanto a primeira
se dá por uma composição cartesiana e ordenada, a segunda é um emaranhado de diferentes
tipos de fibras e fios, obtido pela prensagem. A malha representaria o espaço estriado, e o feltro
o espaço liso. Tem-se ainda, o patchwork, um imbricamento possível dessas duas tipologias.
Seria como a colcha de retalhos, que sobrepõe pedaço por pedaço, sem um motivo ou tipologia
central, propõe acréscimos de tecido sucessíveis e infinitos. Pesar a cidade como um patchwork
é enxergá-la como um espaço liso e estriado ao mesmo tempo. Espaço das passagens, dos
encontros ocasionais, efêmeros e fortuitos, mas também o lugar da morada, da permanência.
Um espaço marcado pela história, mas livre o suficiente para receber o estrangeiro, o que vem
de fora. Para Deleuze e Guattari, “mesmo a cidade mais estriada secreta espaços lisos: habitar
a cidade como nômade, ou troglodita. Às vezes bastam movimentos, de velocidade ou de
lentidão, para recriar um espaço liso” (DELEUZE, GUATTARI, 1997, p.189).
Mas as rugas também são as marcas do tempo. A cidade, como uma espécie de
palimpsesto urbano, acumula temporalidades, que se sobrepõem de forma não linear. Há
rastros do passado no presente assim como conjecturas de futuro. Como nas fotografias de
Michael Wesely1, que captura o tempo não estático, as cidades estão impregnadas de
1Referimo-nos às fotografias que o artista fez deixando o obturador aberto por vários meses. Nessas fotografias, os
edifícios em construção e as pessoas em movimento formam rastros e borrões, enquanto as estruturas estáveis
aparecem mais nítidas. Ver fotografias da Potzdamer Platz, Michael Wesely.
61
temporalidades e acontecimentos. Rastros transfiguram o espaço, que, por sua vez, passa por
processos de desterritorialização e reterritorialização permanentes.
E é nesse contexto das sobreposições que o ambiente urbano acontece. A cidade, como
um emaranhado de infraestruturas – hospitais, universidades, transporte, vigilância – goza
também de um importante caráter social. Se se trabalha muito, por outro lado pode-se desfrutar
numerosos dias festivos. Nas palavras de Jacques Le Goff “a cidade concentra também os
prazeres, os da festa, os dos diálogos na rua, nas tabernas, nas escolas, nas igrejas e mesmo nos
cemitérios” (LE GOFF, 1998, p.25). Ela acontece como uma concentração de criatividades.
Seguiremos então com uma breve evolução histórica das ruas e praças nas cidades. As
ruas na antiguidade eram descontinuas, semelhantes a um corredor (BENEVOLO, 1995).
Estreitas e labirínticas cumpriam o papel de articulação entre o espaço público e privado,
servindo de acesso às residências. Espaços abertos, como as praças, ainda eram escassos nas
cidades. Ruas de comercio especializado não existiam, portanto não havia separação entre casa
e trabalho. Os comerciantes montavam suas bancas em frente às suas casas, onde os artesãos
expunham mercadorias. Posteriormente, essas bancas ganhariam caráter permanente e passam
a ser incorporadas nas fachadas.
De um modo geral, os registros das civilizações mesopotâmicas demonstram elementos
que começam a caracterizar a rua como espaço de articulação na cidade, espaço de acessos e
trocas sociais, mas foi na civilização grega que o desenvolvimento da polis e da política das
cidades toma novas proporções. Segundo Paul Zucker, as antigas civilizações não tiveram
condições políticas, sociais e psicológicas para criar a necessidade de um lugar de encontro
(ZUCKER,1959, p.26). A praça pública como espaço cívico surge no século V a.C., na civilização
grega. Sob o nome de Ágora, a primeira praça pública grega representou o principal lugar de
encontro na cidade, local onde cidadãos livres exerciam a cidadania. Essa noção de lugar cívico
estaria intimamente relacionada à liberdade de expressão, portanto foi no desenvolvimento do
modo de vida Grego, com sua concepção de Pólis, que a praça começa a se desenvolver.
Na Ágora grega e no Fórum Romano, a praça representou sobretudo o espaço das
manifestações políticas. Já nas cidades medievais e renascentistas, nas palavras de Le Goff “a
praça pública muda de estatuto” (LE GOFF, 1998, p.10), e o mercado, por sua vez, resgata a
tradição do fórum, assim, o comercio se torna peça estruturante das praças e suas adjacências.
Segundo Ferrara, na “Idade Média, praça era entendida não só como o marco zero da cidade,
mas sobretudo como seu micromodelo, centro de operações e decisões; vivê-la era participar da
vida urbana” (FERRARA, 1993, p.201). A partir dos comportamentos sociais da cultura medieval
e renascentista, o filosofo e historiador russo Mikhail Bakhtin enfatiza a importância da praça
pública como espaço popular da cidade. “A praça pública era o ponto de convergência de tudo
que não era oficial, de certa forma gozava de um direito de “exterioridade” no mundo da ordem
e da ideologia oficiais” (BAKHTIN, 1987, p.132). Enquanto a rua se torna cada vez mais local de
circulação, a praça se dá, portanto, como o espaço vazio da congregação nas cidades.
Com o crescimento dos centros urbanos no século XIX a cidades passam por processos
intensos de modernização. Amplamente discutidas, as reformas de Hausmann a partir de 1850
em Paris são de grande importância para discutir a paisagem urbana que se conformava naquela
época. As instalações de fabricas e novos equipamentos industriais determinaram uma
reorganização urbana levada ao extremo pelos interesses do capital. Junto com o crescimento
urbano surgem os discursos sanitaristas com o intuito de conter doenças e sanear as cidades.
Em Paris, o então prefeito Georges-Eugène Haussmann rasgava a cidade com generosas linhas
62
retas que permitiam o tráfego fluir pelo centro da cidade e facilitava o controle e policiamento
em meio ao caos urbano. Nesse período, os boulevards e grandes avenidas foram feitos em
massa. Em “Paris, capital da modernidade”, David Harvey pressupõe que grande parte dos feitos
de Haussmann já existiam de forma embrionária nas décadas de 1830 e 1840, a partir de
propostas socialistas utópicas dos saint-simonianos e fourierianos 2. Segundo Harvey,
“Haussmann adotou ideias dos planos que os seguidores dos socialistas utópicos Charles Fourier
e Saint-Simon haviam debatido na década de 1840 para remodelar Paris, mas com uma grande
diferença: ele transformou a escala em que o processo urbano foi imaginado.” (HARVEY, 2015,
p.118)
Dos pensamentos utópicos para a cidade de Paris, anteriores a Haussmann, surgiram
uma série de artigos sobre a necessidade de reorganizar o espaço interno da cidade, espaços
esses que se tornariam o principal cenario das flaneries. As galerias cobertas ou passages
couverts de Paris começaram a surgir no final do século XVIII e início do século XIX em
consequência do desenvolvimento da indústria têxtil, que impulsionou o comercio. A primeira
galeria coberta em Paris foi a Passage des Panoramas, que foi inaugurada em 1799. A partir daí
várias outras passagens cobertas começaram a ser construídas na cidade, principalmente nas
décadas de 1800 e 1830. Grande parte delas tinham origem no pensamento dos saint-
simonianos.
Pensador utópico do século XIX, Saint-Simon acreditava que através da infraestrutura
de circulação - de pessoas e mercadorias - seria possível melhorar a distribuição de riquezas, e
assim, transformar a sociedade. Com a expansão das ferrovias em Paris, a cidade tem um
aumento significativo de população. Os deslocamentos na cidade, inclusive entre as estações,
são insuficientes. Os saint-simonianos começam a propor então, de forma cirúrgica e pontual,
pequenas passagens que facilitariam esses acessos, abreviariam caminhos. É nesse sentido que
Harvey insinua que as propostas de Haussmann continham um rastro do pensamento saint-
simoniano. Acontece que Haussmann leva ao extremo esse ideal, rasgando a cidade de Paris por
completo com seus grandes boulevards. Nesse momento se dá a realização plena da cidade
burguesa, acarretando na gentrificação e elitização de Paris.
2Saint-Simon e Charles Fourier foram precursores do socialismo utópico desenvolvido no século XIX que tinha como
principal objetivo a criação de uma sociedade ideal, mais justa e igualitária. Essas ideias surgiram com o aumento dos
problemas sociais acarretados pela Revolução Industrial.
63
Figura 1 – Passage Du Caire, Paris, 1926. Figura 2 - Passage des Panoramas, Paris.
As galerias, uma nova descoberta do luxo industrial — diz um guia ilustrado de Paris
de 1852 — são caminhos cobertos de vidro e revestidos de mármore. De ambos os
lados dessas vias se estendem os mais elegantes estabelecimentos comerciais, de
modo que uma de tais passagens é como uma cidade, um mundo em miniatura. Nesse
mundo o flâneur está em casa. (BENJAMIN, 2006, p.36)
64
tempo que as grandes cidades se modernizam, o flâneur deixa-se fascinar pela modernização e
ambiguamente, reage a ela. “Contra a velocidade imposta pela modernidade positivista, o
flâneur traz a questão da lentidão e também da ociosidade” (JACQUES, 2012, p.49).
Com as passagens cobertas, percebemos as ruas se internalizando nas cidades. No
entanto a figura das praças também passa por uma espécie de internalização durante as
reformas feitas por Haussmann, a exemplo dos grandes espaços que serviram para abrigar as
Exposições Universais. O Palacio da Industria de Paris, que posteriormente deu lugar ao Grand
Palais foi fruto de uma das grandes demolições de antigas áreas urbanas que deram lugar a
novas avenidas, praças e edifícios públicos. Construído para exibir as realizações industriais na
França na Exposição Universal de 1855 de forma temporária foi substituído posteriormente pelo
Grand Palais, para a Exposição Universal de 1900. O Grand Palais abrigou em sua grande praça
interna várias exposições ao longo dos anos, atraindo flâneurs e amantes da cultura para a área
ao redor do palácio.
2. Experiencias labirínticas
Diz-se que um labirinto é múltiplo, etimologicamente, porque tem muitas dobras. O
múltiplo é não só o que tem muitas partes, mas o que é dobrado de muitas maneiras.
(DELEUZE, 1991, p.13)
65
de ver e, sobretudo, pensar. O labirinto questiona a visão como elemento dominante, opõe-se
ao espaço cartesiano, e se desenrola como espaço “dobrado”.
No labirinto, os caminhos se multiplicam, a linearidade torna-se instável ao se
desenrolar em infinitas dobras, infinitas possibilidades. Dessas dobras ampliam-se também a
quantidade de espaço a ser percorrido, num mesmo espaço. Deleuze explora o conceito de
dobra (em francês pli) a partir da interpretação de Leibniz do barroco. Os conceitos vinculados
a cultura barroca estão atrelados, muitas vezes, a questão do movimento como princípio
fundamental do mundo e dos homens. O barroco trabalha com o disforme através das dobras,
que torna a obra mais complexa e menos compreensível. As dobras confundem a visão nítida e
ordenada. Deleuze aborda a dobra em seu sentido ambíguo de ser interior e exterior
simultaneamente. “O lado de fora não é um limite fixo, mas uma matéria móvel, animada de
movimentos peristálticos, e dobras que constituem um lado de dentro: nada além do lado de
fora, mas exatamente o lado de dentro do lado de fora” (DELEUZE, 1998, p.104). No campo da
arquitetura, Peter Eisenman, por exemplo, usa o conceito de dobra de Deleuze como proposta
para uma configuração de espaço que se desvinculasse do par “sujeito/quatro-paredes”
(NESBITT, 2006). Esse espaço dobrado que Eisenman se refere é configurado, por exemplo, na
tira de Moebius, onde, em uma continuidade ininterrupta, o dentro e o fora coexistem. A dobra
articularia uma outra situação de figura-fundo, dentro-fora, que alteraria o espaço tradicional
da visão e traria o usuário para uma experiencia afetiva.
O flâneur vivenciado nas passagens da cidade viria a ser revisitado e reformulado por
um grupo de artistas ativistas, a Internacional Situacionista (IS), que tensionavam a questão da
participação, e lutavam contra a cultura do espetáculo que emergia, principalmente em Paris. O
grupo, que derivou de influências dadaístas e surrealistas, julgava que a solução para fugir da
espetacularização era a participação ativa dos indivíduos.
Com ideias que pretendiam transformar a cidade em um ambiente criativo, em que o
indivíduo fosse responsável por “criar situações”, a IS idealizava a busca por um ambiente
cotidiano mais sensível, que envolvesse os usuários em uma experiencia afetiva lúdica. “Trata-
se de atingir, para além do utilitário imediato, um meio ambiente funcional apaixonante” (IS in.
JACQUES, 2003). Os situacionistas desejavam que o ambiente urbano se tornasse palco para um
jogo de participação. O labirinto, por sua vez, era uma referência ideológica forte para o
pensamento situacionista, que instigava a uma experiencia baseada no vagar, em trajetos e
caminhos de um espaço rizomático 3.
Guy Debord, em seu texto-manifesto de 1958, a Teoria da Deriva, propunha caminhadas
que se deixariam levar pelo relevo psicogeográfico4 da cidade.
“Uma ou várias pessoas que se lançam à deriva renunciam, durante um tempo mais
ou menos longo, os motivos para deslocar-se ou atuar normalmente em suas relações,
trabalhos e entretenimentos próprios de si, para deixar-se levar pelas solicitações do
terreno e os encontros que a ele corresponde.” (DEBORD in. JACQUES, 2003, p.87)
3 Deleuze e Guattari utilizam-se do rizoma para abordar formas de organização não lineares, não hierárquicas e
abertas a múltiplas possibilidades. Estruturas rizomática contrastam com a estrutura arborescente, em favor de uma
abordagem fluida e flexível. O rizoma caracteriza-se pela multiplicidade de conexões e caminhos possíveis. “Qualquer
ponto do rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo. É muito diferente da árvore ou da raiz que fixam
um ponto ou uma ordem” (DELEUZE, GUATTARI, 1995. p.15)
4 A psicogeografia é a exploração de ambientes urbanos voltada para a leitura do espaço a partir do método da deriva.
Enfatiza-se as relações interpessoais com lugares e rotas arbitrarias caracterizado pelo vagar sem rumo interagindo e
reconhecendo os elementos que estão disposto ao redor do indivíduo.
66
A deriva se opõe às noções clássicas de passeio e viagem à medida que extrapola limites
geográficos oficiais, dados por um mapa, por exemplo, as divisões entre bairros e zoneamento
da cidade. Debord propõe um jogar-se no espaço para criar e, sobretudo, reconhecer
“situações”. A cidade seria desconfigurada e reconfigurada a partir do caminhar e do jogo que
se estabelece entre o corpo, os sentidos e o espaço. Através do comportamento “lúdico-
construtivo”, a deriva impulsiona a busca de uma experiencia sensível. Segundo a IS, “a
construção de situações será a realização contínua de um grande jogo deliberadamente
escolhido”.
O jogo, no contexto situacionista, é desprovido de caráter competitivo a favor do
simples brincar pelo prazer. Declaradamente influenciados por Huizinga, os situacionistas
propõem o resgate do homo ludens. Para Huizinga, o jogo “introduz na confusão da vida e na
imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada” (HUIZINGA, 1971). Jogar-se, nesse
sentido, é ter um momento de loucura, um salto no vazio. Entende-se o jogo como um
ornamento, de função vital, que “satisfaz todo o tipo de ideal comunitários”.
5 Em 1978, Helio Oiticica utiliza a expressão pela primeira vez, no evento Mitos Vadios, organizado pelo artista Ivald
Granato.
6 A ideia de coprodução relaciona-se com o que Jacques Rancière denomina de partilha do sensível. Rancière define
a “partilha do sensível” como o “sistema de evidencias sensíveis que revela, ao mesmo tempo, a existência do comum
e dos recortes que nele definem lugares e partes respectivas. Uma partilha do sensível fixa, portanto, ao mesmo
tempo, um comum partilhado e partes exclusivas”. Segundo Rancière, a atitude do indivíduo no espaço permite a ele
67
3. A rua, a praça e o labirinto no Sesc Pompeia
A antiga fábrica de tambores dos Irmãos Mauser, construída em 1935, seria o cenario
da nova instalação do Sesc. Em 1973, o Sesc adquiriu o complexo, e como prática corrente da
organização, começaram a usar o espaço de forma improvisada, promovendo atividades
culturais e esportivas naquele espaço (FERRAZ, 2008). Foi nesse contexto que a arquiteta Lina
Bo Bardi se deparou com o local, e reconheceu a “situação” que ali existia. As cenas que Bo Bardi
relata sobre suas visitas ao espaço das antigas fabricas revelam um espaço já livremente
escolhido para o lazer. Sua preocupação foi manter aquele espírito e potencializá-lo,
multiplicando as possibilidades de jogo e vida coletiva já existente:
Crianças corriam, jovens jogavam futebol debaixo da chuva que caia dos telhados
rachados, rindo com os chutes da bola na água. As mães preparavam churrasquinhos
e sanduiches na entrada da rua Clelia; um teatrinho de bonecos funcionava perto da
mesma, cheio de crianças. Pensei: isto tudo deve continuar assim, com toda essa
alegria. Voltei muitas vezes, aos sábados e domingos, até fixar claramente aquelas
alegres cenas populares. (BO BARDI in. FERRAZ 1993, p.220)
reorientar seus sentidos no intento de inserir a si mesmo em uma reconfiguração do sensível, que é sua própria
criação.
68
Figura 5 – Passarelas Sesc Pompeia Figura 6 – Deck Sesc Pompeia
Essas “ruas”, cheias de vida, caracterizam o Sesc, assim como generosas praças,
espaços de congregação e deleite fazem-se presentes. A mais significativa delas: um grande
espaço de convívio que é abrigado sob os telhados da antiga fábrica. A estratégia parece simples,
Bo Bardi explica, “nós colocamos apenas algumas coisinhas: um pouco de água, uma lareira”
(BO BARDI in. FERRAZ 1993, p.220). No espaço esvaziado do antigo galpão, a presença da água
e do fogo enfatizam seu desejo de devolver para aquele espaço o sentido de comunidade. São
intervenções que moldam o espaço com a intenção de subverter um ambiente originalmente
voltado para o labor por meio de elementos lúdicos. Numa escala reduzida, a praça se apresenta
também na lanchonete do bloco esportivo: com um grande balcão circular ao centro e bancos
periféricos. Festividade e informalidade são temas caros para a arquiteta, suas aquarelas para o
Sesc já traduziam esse espírito.
Talvez a presença mais forte da experiencia labiríntica, como expressão formal, se
apresente no Sesc nos ateliês. Aberto e fechado, grande e pequeno ao mesmo tempo: os ateliês
convertem-se em espaços dobrados. Uma série de paredes baixas serpenteiam o espaço aberto,
como um grande labirinto de experiencias. Diversas atividades acontecem, cada um em seu
núcleo, pulverizadas nesses espaços que reduzem a escala do galpão e a aproxima do corpo.
Segundo Oliveira,
a arquitetura de Aldo Van Eyck inspirará o lay-out dos ateliês do Sesc, onde todo o
espaço adquire uma circulação absolutamente fluida. Células conjugadas com paredes
a meia altura delimitam, sem dividir, as diferentes atividades ali realizadas: "muros-
labirinto” anota Lina em um dos croquis, numa referência direta à noção de "clareza
labiríntica" dos edifícios de Van Eyck. (OLIVEIRA, 2006, p.221)
A referência nesse caso é clara. Também labirínticos são os pequenos núcleos de leitura
da biblioteca e os mobiliários de madeira desenhados pela arquiteta para o Sesc. O mobiliário
solto funciona como pequenos módulos encaixáveis, que podem ser dispostos de acordo com a
ocasião, assim, podem conformar espaços que se abrem ou se fecham.
69
Figura 7 – Biblioteca Sesc Pompeia. Figura 8 – Ateliers Sesc Pompeia. Figura 9 – Mobiliário Sesc Pompeia.
O Leviathan foi uma instalação criada por Anish Kapoor em 2011 para a exposição
“Monumenta” no Grand Palais, em Paris. Exposições como o “Monumenta” são exemplos de
programas voltados para ocupação de grandes espaços onde se propõe um imbricamento entre
a arquitetura do edifício existente e os projetos artísticos, fazendo com que os artistas
respondam à grande escala destes espaços. Como falado anteriormente o espaço construído
para a Exposição Universal de 1900, o Grand Palais foi espaço de flanerie da burguesia
parisiense, uma espécie de praça interiorizada.
70
Fig. 10 – Leviathan, Grand Palais, Paris. Fig. 11 – Leviathan, 2011. Fig.12 – interior do Leviathan, Paris.
A instalação, que preenche grande parte da nave do Grand Palais, consiste em uma
imensa membrana vinílica inflada composta por quatro elipses conectadas. A resposta de
Kapoor à planta em cruz da nave do Grand Palais foi criar uma estrutura que segue a mesma
proposta formal do edifício, porém numa versão arredondada. É então, o próprio edifício que
dita a proposta volumétrica da obra. Kapoor propõe que a forma externa do Grand Palais se
interiorize, de tal forma que ao olhar os dois juntos, o entendimento do edifício existente a priori
se evidencialize.
O Leviathan, ao ocupar internamente o Grand Palais, suprime o espaço inicialmente
livre do edifício, ao mesmo tempo que sugere uma nova leitura espacial ao criar outras
espacialidades possíveis. A instalação de Kapoor subtrai espaço para criar espacialidade, ele
subtrai e adiciona ao mesmo tempo. É como o Kapoor preenchesse todo o espaço do Grand
Palais para [re]esculpir o vazio de uma outra maneira. Surge aqui, o espaço dobrado, o Grand
Palais sai do estado de praça livre e adquiri passagens, resultantes das fendas da membrana
vinílica que se transformam em pequenas “ruas”. Agora, o indivíduo precisa atravessar por entre
as fendas para desvelar o espaço, não revelado em sua totalidade a priori.
A instalação comprime o espaço existente, e ao comprimi-lo, surgem pontos de
intensidade, pequenos campos imantados onde os usuários se concentram. Esse espaço entre a
obra e o edifício é um espaço subvertido pela “obra dentro da obra” que dá origem a uma
espacialidade intermediaria. Ao espremer o vazio, criam-se interstícios. O interstício seria a
passagem a um outro a partir da dilaceração e dilatação do uno. Rasgar, romper e dividir o uno
em sua aparente integridade inviolável como condição para a aparição de outras logicas e
territórios ainda insondáveis.
É dessa maneira que o Grand Palais, com o Leviathan, tem sua lógica de praça
subvertida. Enquanto a praça original se transforma em espaço labiríntico, uma outra praça
manifesta-se dentro da instalação. Ao adentrar a grande membrana vinílica, encontra-se um
espaço sinestésico, um convite à experiencia coletiva. Em uma analogia com o corpo humano,
Kapoor denomina a instalação de “Breathing Object”, ou “objeto que respira” em tradução livre.
Ao adentrar no Leviathan, Kapoor nos convida a explorar um território desconhecido, sombrio.
Ali uma outra forma de vivência é experimentada, é como se estivéssemos em uma gestação
coletiva. “A escultura é uma imersão total numa dimensão física e mental inexplorada. Uma vez
que você está dentro, no balão gigante de 4 braços, a forma involuída lembra um espaço externo
71
orgânico e um eu interior ao mesmo tempo” (KAPOOR, 2011), diz Kapoor sobre a obra. Imersos
em uma bolha de cor vermelha intensa, o espaço parece ter sido gestado pelo Grand Palais.
Dentro do Leviathan, a superfície roxa vinílica se transforma em um vermelho vivo, pela
quantidade de luz que recebe. A espacialidade interna da instalação só ocorre na luz do dia, é
como se a obra morresse e renascesse a cada amanhecer, junto com o edifício. De fato, um
“objeto vivo”, que respira e se transforma através dos rastros do território que se insere. Assim,
a estrutura treliçada do edifício projeta sombras para dentro da instalação que se movem ao
longo do dia pela exposição solar. Imersos em uma outra espacialidade, porém ainda com
vestígios do Grand Palais, emerge uma relação paradoxal entre interior e exterior à obra. Ao
entrar na bolha estamos dentro e fora do Grand Palais simultaneamente.
Na mitologia grega, Leviathan, o monstro marinho de mil tentáculos, representa as
imprevisibilidades do oceano. Thomas Hobbes metaforiza o monstro ao relacioná-lo com o
estado soberano, onipresente. Paradoxalmente, o Leviathan oprime o Grand Palais e suprime a
ordem ao mesmo tempo, cria atritos, instaura algum caos. Ao entrar no grande monstro de
Kapoor, estamos imersos em uma outra dimensão, uma dimensão desconhecida e, portanto,
labiríntica. Dentro ou fora do Leviathan, estamos imersos no labirinto.
5. Outras considerações
Ao longo do artigo, deparamo-nos com espaços que não conduzem o usuário, pelo
contrário, são espaços esvaziados de sentidos, para serem preenchidos de vida. Obras que mais
provocam do que dirigem, abertas o suficiente para que os usuários se apropriem do espaço.
Temos aqui um lugar onde a criação é coletiva. É preciso construir junto com a obra, adicionar
sentidos. No labirinto e na vida, não estamos inertes. Há um chamamento para a participação, é
preciso se posicionar.
No Sesc e no Leviathan, Bo Bardi e Kapoor trabalham como programadores de
situações esvaziadas, e nos convidam a um envolvimento sensível. “Colocarmo-nos ‘co’, junto de
algo, é, por exemplo, a possibilidade de um exercício de afastamento de nossas próprias
subjetividades” (GUATELLI, 2018). Da união de heterogêneos surge a verdadeira coletivização,
territórios da mistura, que se contrapõem à ideia de imunização. A realidade de um espaço se
dá não somente pelo que o constitui, mas também pela forma como ele acontece, é uma
formação hibrida, em constante co-produção. Essas articulações disjuntivas possibilitam o
aparecimento de ações emancipadoras, distantes do esperado ou pensado para aqueles lugares,
potencializando a capacidade “transitiva” do espaço.
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72
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73
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( x ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
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RESUMO
O presente trabalho tem como foco desvelar o Bairro Carapina, localizado na cidade de Governador Valadares/MG,
e como impera a segregação neste microterritório, cindido em duas áreas distintas: uma mais adequadamente
urbanizada e outra bastante precária, conhecida popularmente como Buracão. O objetivo do trabalho é investigar
sua condição de área periférica dentro da cidade de Governador Valadares. Como metodologia utilizou-se a pesquisa
de campo, experiências erráticas e deambulações, além da análise survey. O presente artigo surge de uma pesquisa
de mestrado em andamento, que busca dar voz à comunidade do Bairro Carapina, já que é um território que
historicamente foi invisibilizado. Assim, o estudo reveste-se de uma relevância social ao aproximar a academia da
sociedade. Ademais, no âmbito político, a pesquisa apresenta convergência da temática com a meta da Agenda 2030,
com o objetivo de número 11, que busca tornar as cidades mais sustentáveis, seguras e resilientes. Como resultado
preliminar, percebe-se que o Bairro ainda vivencia uma realidade de segregação especialmente sociocultural, tendo
em vista que sua localização no tecido urbano não o caracteriza como propriamente periférico. Assim, o estudo
também busca lançar luzes sobre estudos urbanísticos que tradicionalmente apresentam segregação e periferia
praticamente como sinônimos, apontando que o fenômeno da segregação pode ter outras formas de manifestação
em nossos espaços urbanos tão desiguais.
ABSTRACT
This paper focuses on the Carapina neighbourhood, located in the city of Governador Valadares/MG, and how
segregation prevails in this micro-territory, divided into two distinct areas, one more adequately urbanized and the
other quite precarious, popularly known as Buracão. The aim of this study is to investigate its status as a peripheral
area within the city of Governador Valadares. The methodology used was field research, erratic experiences and
wanderings, as well as survey analysis. This article arises from an ongoing master's research project, which seeks to
give a voice to the Bairro Carapina community, since it is a territory that has historically been invisibilized. The study
is therefore socially relevant as it brings academia and society closer together. In addition, in the political sphere, the
research shows convergence of the theme with the goal of Agenda 2030, with objective number 11, which seeks to
make cities more sustainable, safe and resilient. As a preliminary result, it can be seen that the Neighbourhood still
experiences a reality of segregation, especially socio-cultural segregation, given that its location in the urban fabric
does not characterize it as peripheral. Thus, the study also seeks to shed light on urban studies that traditionally
present segregation and periphery as unequal synonyms.
75
1 INTRODUÇÃO
2 OBJETIVOS
Este artigo tem como objetivo geral analisar historicamente o processo de formação e
determinação da territorialidade do Bairro Carapina, na cidade de Governador Valadares/MG,
de modo a evidenciar como a segregação socioespacial se faz presente na contemporaneidade.
Visa-se analisar as territorialidades presentes no bairro, problematizar o conceito de periferia –
comumente associado à localidade, ainda que, geograficamente, ela não se configure,
propriamente, como tal, na situação urbana contemporânea.
3 METODOLOGIA
76
utilizados foram: o diário de campo a partir da experiência errática com as deambulações,
pesquisa bibliográfica, entrevistas e análise survey.
Sobre o desenvolvimento da pesquisa de campo adotou-se a errância urbana como
forma de demarcar o território por meio da experimentação, sendo o errante o sujeito que
participa voluntariamente e delimita “ações e percursos” Lynch (1960), a partir de
representações, planificações e projeções. Portanto, o errante não somente mapeia ele
experencia a cidade, por meio de uma cartografia intinerante; a corporeidade. Nesse sentido,
complementando com Lynch (1960), o indivíduo reimprime/reagrupa/reinventa as suas
subjetividades na urbe ininterrruptamente. Deste modo, permeia a recodificação do sujeito no
constante trânsito pelo espaço através do mapeamento.
A fim de realizar uma imersão no Bairro Carapina adotou-se como método de pesquisa
as deambulações, ou seja, a caminhabilidade por meio das experiências erráticas da alteridade
com o intuito de se conhecer o microterritório Jacques (2012). Neste sentido, foram realizadas
visitas ao local e, enquanto sujeito observador-caminhante a descobrir como era o modo de vida
da população. Sendo essas visitas regidas pelas “(im)possibilidades de se realizar novas
experiências”, afinal, cada visita se torna única. Conforme Jacques (2012) aponta, existe assim,
uma contínua dinâmica espacial, que, em diálogo com Certeau (1998), ao narrar que estas
aventuras são baseadas, em ações marcadas, pela ideia de se conhecer a geografia pelos
sujeitos-pedestres ao realizarem “a viagem qu(e) os pés executam”; ou seja, é uma diegese
(termo grego que significa narração), uma caminhada guiada que passa pela transgressão
subjetiva.
4 RESULTADOS
No início dos anos de 1920, a vida urbana de Figueira girava em torno de umas poucas
ruas às margens do rio. Os trilhos da estrada de ferro ficavam à esquerda e o rio
passava à direita, no sentido Oeste-Leste. O café e a madeira eram os produtos que
sustentavam a receita da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Além de receber a produção
de café e madeira, destinada à ferrovia, Figueira passou a contar com tropeiros vindos
de longe, carregados de toda sorte de mercadorias, como feijão, milho, farinha,
rapadura, queijo e toucinho. De volta, levaram o sal, querosene, cortes de tecidos,
ferramentas e utensílios diversos.
A pecuária não tinha ainda a expressão que viria adquirir na década de 40, mas já tinha
na invernada a sua característica marcante, ou seja, a engorda de gado para os
grandes mercados consumidores. Isso influenciou o tipo padrão de fazenda que se
formou no distrito de Figueira, marcada pela ausência de investimentos nas
propriedades rurais e pelas construções modestas e precárias, diferentes da fazenda
típica de Minas Gerais. Os fazendeiros residiam na cidade e, muitos deles, também
eram comerciantes. (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA,
Governador Valadares, Histórias & Fotos. Disponível em
77
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/mg/governador-valadares/historico. Acesso em
ago/2023).
1
Favela é Isso Aí, é um sítio eletrônico de 2004, em que a produção e elaboração do conteúdo foi resultado do projeto
Guia Cultural de Vilas e Favelas, realizado pela antropóloga Clarice Libânio, publicado em agosto de 2004, em parceria
com a Organização não Governamental homônima. Disponível em: https://www.favelaeissoai.com.br/comunidades/
carapina-governador-valadares/. Acesso em: 20 de jun. 2022.
78
Figura 2 - Mapa do Bairro Carapina circunscrito na cidade de Governador Valadares/MG
79
Figura 3 - Mapa do Bairro Carapina
Retomando, as residências eram simples com tábuas e feitas de barro. Há relatos que
haviam percevejos e que não contavam com arruamentos, além do cultivo de pasto ser uma
forma de subsistência. Quando chovia, o Bairro ficava repleto de lama; bem como, oferecia risco
geológico de desmoronamentos por apresentar uma topografia mais elevada. Para amenizar a
situação, a população contava com dois tipos de apoio: o primeiro deles advindo da Igreja
Católica (fenômeno esse percebido em demais periferias que será tratado mais adiante),
juntamente (pelo apoio do Padre Mateus com o Fundo Cristão), e o segundo de caráter
internacional (conforme depoimentos do moradora entrevistada G., 43, Rua Ipiranga), através
do apadrinhamento das crianças do Bairro com envio de dinheiro, material escolar,
complementando a renda, já que os pais conseguiam mantê-los com o básico, conforme citação
do morador entrevistado:
V: Quando a gente era criança tinha uma Associação Samuel Domingos Gomes isso
era uma coisa que tratou da nossa comunidade a gente era uma pobreza, a gente
necessitava muito deles, sempre eles ajudavam a gente.
I.R. Tinha proximidade com a Igreja?
V: Não era só a pessoa, que foi para os Estados Unidos e tinha meus irmãos que eram
apadrinhados, então ajudava a gente demais, a gente era muito filho, meu pai, mais
minha mãe. Tinha meu pai, ele trabalhava cortando mica, esse negócio, então
ganhava muito pouco, então essa ajuda que os padrinhos davam para os meus irmãos
ajudavam a gente demais.
I.R.:E eles ajudavam muita gente do Bairro?
80
V: Ajudavam eram muita gente, tinha o pessoal, era muita gente apadrinhados.
Aconteciam às vezes de mandar a quantidade que mandava por mês e mandava um
trocadinho a mais, aquilo ajudava demais a gente. (V., 64, Rua Caratinga).
Em paralelo, é válido pensar que processo similar foi vislumbrado em outros territórios
empobrecidos brasileiros, pois segundo Maricato (2000) esses espaços foram se constituindo
com figuras que eram opostas à Ditadura (especificamente, em São Paulo), lutando para que
fosse promovido um urbanismo visando a garantia da dignidade, de modo a exigir do Poder
Público maior atenção para as periferias, fundando assim o Fórum de Reforma Urbana (FRNU).2
Processo semelhante também se verificou na cidade Teófilo Otoni/MG, no Bairro
Eucalipto, conforme Pereira (2019), cujo processo de territorialização perpassou pelas etapas
de: compra e venda de lotes, pelo êxodo rural com a vinda de pessoas das cidades circunvizinhas
e dos distritos, e na expulsão de alguns dos moradores que eram trabalhadores de uma fazenda
e foram literalmente despejados no território do Bairro Eucalipto. Como um dos achados da
pesquisa de campo realizada por Pereira (2019), descobriu-se por meio dos relatos dos
moradores que a figura da Irmã Arcângela é tida como marcante, uma vez que a religiosa fora
empenhada em levar aos moradores a educação tanto para as mães, quanto para as crianças, e
mobilizou a comunidade para a construção de uma escola, que em homenagem levou o seu
nome e foi edificada através de mutirão realizado pelos próprios moradores durante os finais
de semana, fato este ocorrido entre as décadas de 1970-1980.
Ao retornar para o protagonista deste estudo, o Bairro Carapina, no início de seu
processo de urbanização (sem uma data específica e documentada) contava com chafarizes em
alguns trechos na Rua Tupinambás e na Rua Ipiranga, que eram espécies de torneiras que
captavam a água, já que não havia sistema de abastecimento e tampouco saneamento básico,
cuja conquista contou com o apoio da comunidade e do Padre Eulálio Lafuente. “Assim por causa
desses chafarizes formavam filas pra pessoa pegar água pra uso comum em casa, então todo
mundo tinha só cartola.” (G., 43, Rua Ipiranga), sendo que as cartolas eram latas de óleo grandes
que serviam para o armazenamento.
Posteriormente, as tentativas de abastecimento de água se deram por meio de caixas
d’água, uma em frente a atual Escola Estadual Carlos Luz (na Rua Ipiranga), uma na Rua
Tarumirim e outra na Rua Marajá, localizada dentro do lote de um dos moradores e erguida a
partir de doações. Já por volta de 1968, segundo relato de uma moradora entrevistada, houve
a construção do “Bioquê do Prefeito” (G., 43, Rua Ipiranga), no mandato do então prefeito
Hermírio Gomes, que contou com o armazenamento e bombeamento de água para o local (Fig.
4 e 5), porém a tentativa não era suficiente para atender a demanda do Bairro.
2 Deste modo o Fórum de Reforma Urbana (FNRU) tinha o apoio da classe de arquitetos, além das seguintes
participações: a) setores da Igreja Católica de tendência progressista; b) setores não governamentais e técnicos de
assessoria aos movimentos sociais urbanos e c) pelas próprias lideranças de movimentos urbanos, que permaneceu
ativo até os anos de 1980, na defesa de uma agenda de Reforma Urbana que priorizou, entre outras, a figura jurídica
do “solo criado” (Maricato, 2000, p. 18). O FNRU foi um dos responsáveis pela inserção na Constituição da República
Federativa do Brasil, de 1988 de algumas conquistas relacionadas à ampliação do direito à cidade. MARICATO,
Ermínia. A cidade do pensamento único. Desmanchando consensos. Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p.121-193.
81
Figura 4 – Bioquê
Fonte: https://www.minasgerais.com.br/pt/atracoes/governador-valadares/bioque-do-prefeito
Neste período, as residências eram mais simples, edificadas por meio de mutirões, por
iniciativa própria dos moradores, cuja ocupação se deu de modo irregular e sem seguir os
parâmetros da legislação, sendo assim até a atualidade. Quanto ao deslocamento ocorria por
meio de carroças e o arruamento era mais precário, o alargamento das ruas ocorreu de forma
gradativa, e no que se refere à pavimentação, as primeiras ruas a serem contempladas foram:
Caratinga e Inhapim. Quanto à iluminação era por meio de lamparina, lampião ou tochas,
principalmente no período noturno, somente por volta da década de 1970, e de forma gradativa
houve a distribuição e o fornecimento de energia elétrica no bairro.
82
Figura 7 - Rua Galileia
83
é lido pelos outros como uma periferia. Para tanto, é válido repensar em conceitos e autores
para elucidar melhor o raciocínio. A fim de responder esta problemática, na entrevista de campo
foi perguntado como os moradores identificam o local e, como resultado, a maioria o denomina
de bairro, poucos moradores como morro e outros como comunidade, ou seja, a partir da
autoidentificação, nota-se que eles se reafirmam como um bairro, como qualquer outro, por
apresentar “um pouco de tudo”, como já fora citado anteriormente.
Segundo Picollo (2006), o estigma que a favela perpassa coabita com os “problemas”
desde o surgimento das primeiras no país, no século XIX. A autora aponta que o termo demanda
na contemporaneidade uma “reconstrução”, visto que, as favelas foram incluídas nesse
constructo de imagens, concebidas, sociologicamente, pensando nos termos de carência, sejam
elas: “carência de bens materiais devido às habitações irregularmente construídas, sem
arruamentos, sem plano urbano, sem esgoto, água ou luz; perigosa ‘carente’ de moralidade”
(PICOLLO, 2006, p. 331-332). Portanto, é necessário se repensar na própria nomenclatura dos
termos periferias, já que historicamente foram baseadas em preconceitos e estigmas.
Em diálogo, Villaça (2001) ao interpretar Lojkine (1981) sob a ótica da segregação,
define que o fenômeno ocorre por meio de uma determinada concentração populacional no
território, tendo como fator natural a exclusão, dada pela predefinição do próprio local o que
implica no valor da terra, sendo assim um dos produtos de uma espacialização das classes
sociais, o que decorre a partir disso o conceito de segregação socioespacial marcada: 1) a
contradição entre periferia e centro; 2) a distância entre as residências nobres e áreas com as
residências populares; 3) rompimento da função do urbanismo na geografia do espaço o que
resulta na predefinição e especificação do território com: “zonas de escritórios, zona industrial,
zona de moradia.” (VILLAÇA, 2001, p. 147).
Em conformidade, para Carlos (2020) esta segregação parte no próprio cenário da
cidade como um meio de junção dos elementos que caracterizam as singularidades do indivíduo,
os atos que são simultâneos e as atividades que se concretizam como método da possibilidade
de usufruir do tempo-espaço que materializa a vida e se contrapõe: a segregação sendo
“separação e apartamento”, o que corrobora para a lógica da sociedade como um meio de se
negar a cidade. Assim nessa dialogicidade, a urbanização surge como uma fraca potência, o
indivíduo se destitui da participação criativa, com isso ocorre a pobreza por meio da privação.
Pelo fato de o Bairro Carapina ser localizado próximo ao centro da cidade e com acesso
a uma das principais avenidas de Governador Valadares, a Avenida Minas Gerais, percebe-se
que o bairro, do ponto de vista localizacional, não se constitui como periférico. De acordo com
a pesquisa de campo realizada, verificou-se que chegar ao centro da cidade desde o Carapina
leva, em média, em torno de vinte a trinta minutos a pé; já de moto esse tempo gira em torno
de dois a cinco minutos e de carro entre cinco e dez minutos. Desse modo, partindo para a
conceituação de Frúgoli (2000), o bairro está próximo de uma centralidade. Porém, em termos
puramente geográfico, sociológico e cultural, ainda é considerado como uma periferia para o
restante da cidade, identificação oriunda de um ideia de que ali não há infraestrutura urbanística
adequada, além de ocupar uma região de topografia mais acidentada, carregando consigo o
estigma de um local marginalizado e pobre.
Ao trazer para o debate as contribuições de Santos (2013), o autor criticamente
questiona o que vem a ser pobreza, como um território é tido como pobre, justamente pelo fato
do conceito de pobreza utilizar-se de categorias analíticas vazias e que servem tão somente para
estigmatizar os espaços, quando se deveria questionar o que estrutura a pobreza, ou a riqueza
84
em si, em relação a quem ou a que elas são compreendidas, a fim de tensionar com os
parâmetros puramente políticos e econômicos pré-concebidos, para em seguida desmantelá-
los.
Para Maricato (2019), o território periférico é caracterizado pelo uso e ocupação do
solo de forma ilegal, pelos loteamentos irregulares e entraves típicos das cidades modernas.
Logo, o território da periferia é também reflexo da segregação socioespacial como consequência
da elevada especulação imobiliária. Nesse sentido, Rolnik (2015) alerta que na disposição dos
espaços nas periferias e favelas (o que a autora denomina como assentamento popular) diante
das normas regulatórias há uma ausência de planejamento, em que esses loteamentos são
arranjados.
Com isso, foi possível identificar com a pesquisa de campo que a maioria dos
moradores entrevistados não possuem o registro de imóvel reconhecido em cartório e que a
ocupação do Bairro ocorreu de modo irregular e desordenado, conforme citação da moradora:
Eram os funcionários que trabalhavam ali que vieram para o morro que vinham da
roça e não tinha onde morar tinha o centro e não tinham como comprar. Vieram
subindo o morro vieram ocupando o morro, comprando os lotes, bom não teve uma
organização para ocupação aqui não, as pessoas vieram e foram desbravando o
mesmo. (G., 43, Rua Ipiranga).
Ah Deus tá abençoando que nossos jovens aqui eles tudo trabalham, o meu neto de
dezenove anos, há muito tempo ele trabalha, os amigos dele tudo trabalham, quando
é a tarde e tem folga, quando não tá chovendo, eles costumam se encontrar bater um
papinho um com o outro. (M. P., 75, Rua Ipiranga).
85
moradores do Bairro consegue ocupar postos de trabalho, mesmo carregando consigo o estigma
de ser residente do Carapina. Desse modo, com relação ao mercado de trabalho e renda, nas
entrevistas houve alguns apontamentos significantes, a destacar que: todos os entrevistados
possuem alguma fonte de renda, seja ela formal ou informal, quatro dos entrevistados são
aposentados e apenas uma recebe o auxílio Benefício de Prestação Continuada (BPC). Por mais
que muitos deles ainda ocupem postos de subserviência, existem relatos por parte dos
moradores que muitos jovens estão trabalhando, ou em cursos profissionalizantes, ou estão
matriculados em cursos superiores, algo que era tido como uma realidade distante e
praticamente inalcançável alguns anos atrás.
86
habitabilidade). Porém é importante destacar que o trabalho não teve como protagonista de
estudo e investigação o complexo do Buracão, focando-se em outras áreas do Bairro Carapina.
O esquema a seguir visa elucidar a definição de território, tendo como base as
contribuições de Haesbaert (Figura 8):
87
5 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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Desmanchando consensos. As ideias fora do lugar, e o lugar fora das ideias Planejamento urbano no Brasil.
Petrópolis: Editora Vozes, 2000, p.121-193.
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88
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VILLAÇA, Flávio. O espaço Intra-Urbano no Brasil. São Paulo: Editora Fapesp, 2009.
89
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( X ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
90
RESUMO
A fim de difundir outras técnicas construtivas além dos clássicos blocos de concreto e telhas cerâmicas muito usados
no Brasil, esse trabalho visa avaliar se o sistema construtivo Light Steel Framing (LSF) combinado com a Telha Shingle
possui boa resposta térmica quando utilizada em construções com caráter residencial em zonas climáticas como
Campinas-SP. Foi analisado o projeto de um sobrado para análise de desempenho térmico entre a técnicas
construtivas secas (Light Steel Framing com Telha Shingle) e as úmidas sem função estrutural (Blocos de Concreto e
telhas cerâmica), segundo norma de desempenho térmico NBR 15575/2013. Para tanto, modelou-se uma edificação
com a extensão “Euclid” do Sketchup e utilizou-se o programa EnergyPlus a fim de considerar as propriedades dos
materiais e analisá-los quanta temperatura operativa horária e indicador de graus-hora. Os resultados mostraram
que o uso apenas de Paredes em Light Steel Framing não é suficientemente eficiente para as características climáticas
de Campinas. Contudo, abre-se espaço para uma futura discussão sobre uma possível adaptação do formato mais
conhecido para que este possa ser adotado mesmo em zonas climáticas como a de Campinas, juntamente com o uso
da Telha Shingle que obteve bom resultado.
PALAVRAS-CHAVE: Simulação computacional. Light Steel Framing. Telha Shingle. Telha Cerâmica. Temperatura
Operativa Horária e indicador de graus-hora.
SUMMARY
To promote alternative construction techniques beyond the traditional concrete blocks and ceramic tiles widely used
in Brazil, this study aims to evaluate the thermal performance of the Light Steel Framing (LSF) construction system
combined with shingle tiles, which have good thermal response when used in residential buildings in climatic zones
like Campinas-SP. A two-story house project was analyzed to compare the thermal performance between dry
construction techniques (Light Steel Framing with Shingle Tiles) and wet construction techniques without structural
function (Concrete Blocks and Ceramic Tiles), according to the thermal performance standard NBR 15575/2013. For
this purpose, the building was designed using SketchUp's Euclid extension, and the EnergyPlus program was used to
consider the material properties and analyze hourly operative temperature and degree -hour indicator. The results
showed that using only Light Steel Frame walls is not sufficiently efficient for the climatic characteristics of Campinas.
However, it opens room for future discussion on an adaptation of the more well-known format, so that it can be
adopted even in climatic zones like Campinas, along with the use of Shingle Tiles, which yielded satisfactory results.
KEYWORDS: Computational simulation. Light Steel Framing. Shingle Tiles. Ceramic Tiles. Hourly Operative
Temperature and Degree-Hour Indicator.
91
1. INTRODUÇÃO
2. OBJETIVO
O objetivo geral do trabalho é verificar eficácia térmica dos sistemas construtivos secos
LSF e a Telha Shingle em unidades residenciais simples de um pavimento em comparação a
técnica construtiva de blocos de concreto e telhas cerâmicas (técnicas tradicionais brasileiras)
segundo norma de desempenho térmico NBR 15575/2013.
3. MÉTODO
Como ponto de partida para a definição de uma metodologia específica para avaliar o
desempenho térmico de edificações em LSF, pode-se citar os trabalhos do Instituto de Pesquisas
Tecnológicas de São Paulo (IPT) e o trabalho de Akutsu (1998), nos quais as pesquisas e
avaliações desenvolvidas pelo Laboratório de Conforto Ambiental (LABCON) da Universidade
Federal de Ouro Preto (UFOP) se apoiam. Os trabalhos desenvolvidos pela Divisão de Edificações
do IPT têm em comum a preocupação com a proposição de uma metodologia para a avaliação
92
do desempenho térmico de edificações no Brasil. Dentre eles, destacam-se Akutsu e Vittorino
(1991) e Akutsu e Vittorino (1995).
Com objetivo de verificar-se o desempenho térmico entre as técnicas construtivas já
mencionadas anteriormente, o trabalho assumiu uma sequência de desenvolvimento em 3
etapas:
1. Modelagem do imóvel;
2. Modelos de Simulação: através de simulação computacional para diferentes
composições de fechamentos no mesmo projeto arquitetônico;
3. Análise de dados e comparação entre os dados.
Foram criadas 4 composições de fechamentos principais, e a partir disso foram
idealizados modelos de simulação no Energy Plus.
4. TÉCNICAS CONSTRUTIVAS
A telha Shingle ou telha asfáltica é famosa por ser característica de casas norte-
americanas. Ela é bonita e resistente já que é feita de massa asfáltica, permitindo extrema
maleabilidade. Devido a praticidade, facilidade de colocação, segurança e durabilidade, não
restam dúvidas que a telha Shingle é exemplo mundial de qualidade em coberturas. A telha
Shingle teve um rápido crescimento ao longo do século XX. O produto foi inventado a partir do
seu precedente em madeira, usado até o século XIX. O conforto térmico é uma preocupação
94
primordial da Telha Shingle desde sua concepção, uma vez que o sistema se originou em países
com elevada amplitude térmica. Essa telha fornece uma gama de ângulos de inclinação muito
maior que outros tipos de telhas; dispensa inúmeros dutos de escoamento de água; tem
diversidade de cores e pouca manutenção; motivos pela qual esse produto foi aclamado
mundialmente.
As vantagens das telhas shingle:
● Permite ângulos de 17o a 90 o se adaptando a qualquer estilo de arquitetura no telhado.
Assim, se arquitetonicamente o projeto permite uma inclinação menor, deve -se levar
em consideração que os custos da estrutura do telhado podem ser aproximadamente
20% menores por conta do peso próprio da estrutura que diminui consideravelmente;
● Leveza e economia estrutura, pois possui peso 6 vezes menos do que os sistemas de
coberturas tradicionais. A telha shingle permite uma economia considerável na
estrutura do telhado bem como, na estrutura de toda a edificação;
● Totalmente impermeável;
● Flexibilidade, pois permite com sua incrível maleabilidade desenvolver formas
arredondadas, côncavas, e detalhes perfeitamente acabados em sua cobertura,
facilitando para qualquer profissional a concepção dos proje tos;
● Acabamento perfeito, pois todos os recortes, curvas e acabamentos são feitos com a
própria telha, pois sua flexibilidade dá muito mais liberdade;
● Fácil fixação, pois as telhas são placas de aproximadamente 100 x 30 cm;
● Sem restrição de climas pois ele já foi testado e aprovado em condições extremas de -
70 o C a +90 o C. Além disso, resiste a ventos até 100 km/h, impacto de granizos, possui
propagação de chamas controlada e resiste a grandes variações climáticas com
eficiência térmica disparada em relação aos outros tipos de telhas. As telhas Shingle não
quebram e não destelham.
95
Tabela 1:Dados climáticos de Campinas
Verão Inverno Verão
Títulos
jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez
Temperatura 29,5 29,7 28.9 27,8 25,3 24,1 24,6 26,3 26,6 28,5 29,0 29,1
máxima ( o C)
Temperatura 19,6 19,5 18.7 17,4 14,8 12,5 12,4 13,3 15,0 16,8 18,3 18,9
mínima ( o C)
Amplitude 9,9 10,2 10.2 104 10,5 11,6 12,2 13,0 11,6 11,7 10,7 10,2
de
temperatura
( o C)
Umidade 77,7 77,7 77,3 75,6 75,9 73,8 68,2 64,3 64,7 69,1 70,4 76,0
relativa
média (%)
Fonte: CETESB (2023) https://cetesb.sp.gov.br/ar/boletim-diario/
Esta amplitude de temperatura indica a necessidade de uma alta inércia térmica dos
fechamentos como estratégia bioclimática. Pode-se, portanto, tirar partido do alto ganho de
calor durante o dia para, através da inércia térmica, aquecer os ambientes internos à noite. Para
os fechamentos verticais, considera-se que as paredes externas têm grande atraso térmico
(superior a 8 horas). Para mês de agosto, observa-se um coeficiente de amortecimento igual a
0,165 e resistência de contato térmico 2 de 0,33 m2 0 C/W. Para os fechamentos horizontais
(cobertura), encontram-se recomendações conflitantes. De acordo com Rivero (1986), a
recomendação é de telhados com alta de contato térmico (0,33 m2 0C / W) e excelente
coeficiente de amortecimento (0,147). Já Chavatal, Labaki e Kowaltowski (2000) citam que
telhados leves têm baixa inércia térmica, mas com uma resistência térmica bem alta
(transmitância não inferior a 0,8 W/m2 0C). E que os fechamentos mais adequados para as
condições de Campinas são elementos com inércia térmica média a alta, devido às grandes
amplitudes de temperatura, principalmente no inverno.
A orientação dos edifícios deve favorecer o aproveitamento do vento predominante
(sudeste), assim como possuir controle da radiação solar através da coloração apropriada das
superfícies e prever o tratamento do solo circundante para controlar as temperaturas
superficiais.
O caso base para análise de eficiência térmica de paredes em light steel frame e de
bloco cerâmico e telhas shingle e de cerâmica está representado na Figura 3. Esse sobrado
totaliza uma área de 80 m2 composto por 6 cômodos: Gourmeteria com 31 m2, sala em conceito
aberto com 31 m2 , suíte com 14,15 m2, I.S. com 2,9 m2, e serviço com I.S somando 2,8 m2. A
fim de possibilitar avaliação pelo Energy Plus, esses cômodos foram separados em Zonas 1 a 5,
respectivamente. A Figura 1 representa a planta do sobrado com as respectivas zonas indicadas.
96
Figura 1: Planta baixa de sobrado em análise
Fonte: Autoral
98
O gerenciador de equilíbrio de calor entre superfícies e o de aquecimento do ar atua
nos módulos de balanço térmico de superfícies e ar, como também como uma interface entre o
balanço térmico. Enquanto o gerenciador de simulação dos sistemas construtivos encarrega-se
da comunicação entre os cálculos de balanço térmico e vários módulos e “circuitos” do sistema
de condicionamento de ar. O Energyplus permite, por meio de interfaces, introduzir dados sobre
a geometria de uma edificação; dos materiais utilizados na sua envoltória (opacos e
transparentes); perfil de ocupação, ou seja, número de pessoas que pode variar ao longo do
ano; potencial de equipamentos de iluminação, instalação e o perfil de uso; entre outros. Além
disso, é possível incluir informações sobre sistemas de climatização e de geração de energia -
geradores, células fotovoltaicas etc. Ele também permite avaliar o consumo diário, mensal ou
anual da edificação e, assim analisar os potenciais níveis de redução e uso racional de energia.
As características específicas para cada material usado na simulação estão resumidas
na Tabela 2, onde os dados de entrada no programa EnergyPlus podem ser avaliados e
comparados. As características são rugosidade, espessura, condutividade, densidade, calor
específico, emissividade, absortância solar e absortância visível.
A definição das alternativas para simulação dos modelos do projeto fora determinada
a partir das recomendações da terceira parte da NBR 15220-3 (ABNT, 2005) para Zona Climática
Z3, na qual a cidade de Campinas está enquadrada. Pode-se definir o conforto térmico de um
determinado ambiente como a sensação de bem-estar experimentada por uma pessoa,
resultante da combinação satisfatória da temperatura radiante média, umidade relativa,
temperatura do ambiente e velocidade relativa do ar, vestimenta e atividade desenvolvida pelos
usuários. Vittorino (2005) afirma que “o desempenho térmico de uma edificação é função direta
do grau de conforto térmico de seus ocupantes, podendo ser considerado, também, o consumo
de energia necessário para climatizar a edificação”. Portanto, a avaliação do desempenho
térmico consiste na verificação das condições internas pelas respostas da edificação a ação
climática pelo lado externo e de fontes de calor internas devido ao uso conforme as exigências
de conforto térmico de seus usuários.
Como nesse estudo os modelos não possuem condicionamento térmico artificial, a
avaliação consiste em verificar se as respostas térmicas dos ambientes internos atendem às
exigências humanas de conforto térmico. Desta forma, a avaliação do desempenho térmico
estará em função das temperaturas internas. Importante ressaltar que esta verificação é feita
considerando a resposta global da edificação e não somente o comportamento térmico dos
elementos de fechamento isoladamente. Será analisado 4 diferentes cenários a partir da
composição dos materiais previamente estipulados: Modelo 1 (SSS), Modelo 2 (SSC), Modelo 3
(CCC) e Modelo 4 (CCS).
O Modelo 1 (SSS) considera a parede externa e interna em LSF e a cobertura em Telha
Shingle. O Modelo 2 (SSC) considera a parede Externa e interna em LSF e a cobertura em Telha
Cerâmica. O Modelo 3 (CCC) tem a parede externa e interna em alvenaria e a cobertura em Telha
Cerâmica. Finalmente, Modelo 4 (CCS) tem a parede externa e interna em alvenaria; e a
cobertura em Telha Shingle.
99
Tabela 2 -Características Físicas dos materiais usados para comparação de Eficiência Energética
Absort. Absort.
Esp. Cond. Den. Calor Esp. Emissiv.
Nome Rugosidade Solar Visível
(m) (W/ (m K)) (kg/m³) (J/ (kg K)) (-)
(-) (-)
Argamassa
Rugoso 0,01 1,15 2100 1000 0,8 0,2 0,2
10mm Branco
Argamassa
Rugoso 0,03 1,15 2100 1000 0,8 0,2 0,2
20mm Branco
Concreto
Médio rugoso 0,25 1,75 2200 1000 0,9 0,7 0,7
25mm
Concreto Laje
Rugoso 0,01 1,75 2200 1000 0,9 0,7 0,7
10mm
EPS Médio rugoso 0,04 0,04 1000 2,9 0,5 0,6 0,6
Filme foil
Liso 0,03 0,04 322 880 0,04 0,05 0,05
aluminizado
Lã de vidro
Rugoso 0,052 0,41 35 700 0,7 0,7 0,7
50mm
Lã de vidro
Rugoso 0,03 1,75 35 700 0,7 0,7 0,7
90mm
Laje de
concreto Médio rugoso 0,12 1,75 2200 1000 0,9 0,7 0,7
1200mm
Madeira Médio rugoso 0,02 0,05 608 1000 0,9 0,5 0,5
Membrana
Rígida 0,05 0,95 40 1400 0,45 0,7 0,7
hidrófuga
Placa
Meio Rugoso 0,01 0,95 2200 840 0,95 0,7 0,7
cimentícia
Placa de gesso
acartonado
Liso 0,2 0,25 825 1000 0,96 0,2 0,2
branco
12,5mm
Placa de XPS
Médio rugoso 0,03 0,04 38 1420 0,2 0,7 0,7
25mm
Placa de XPS
Médio rugoso 0,05 0,04 1000 1850 0,09 0,6 0,6
50mm
Placa de OSB
Médio rugoso 0,01 0,12 550 2300 0,82 0,7 0,7
11mm
Placa de OSB
Médio rugoso 0,02 0,12 550 2300 0,8 0,7 0,7
18mm
Subcobertura Rugoso 0,04 0,04 1000 1000 0,05 0,7 0,7
Telha de
Rugoso 0,03 1,05 2000 920 0,7 0,7 0,7
cerâmica
Telha Shingle Rugoso 0,01 0,15 1121,3 1256 0,8 0,7 0,7
Tijolo cerâmico Rugoso 0,03 0,9 2000 920 0,7 0,7 0,7
Fonte: Adaptado de NBR 15220 (ABNT, 2005).
6.3 Metodologia de avaliação para determinação de eficiência térmica das diferentes técnicas
construtivas
7. RESULTADOS
101
Fonte: Autoral - Dados extraídos do Energyplus
102
A inércia térmica exerce uma influência reguladora nas flutuações da temperatura,
contribuindo com o conforto ambiental. A energia absorvida pela parede, aquece a superfície
mais externa das paredes e depois sua massa. Posteriormente, o calor migra através da parede
por condução, chegando à face interna depois de certo tempo, atua como defasador e
amortecedor das ondas de calor exteriores. As paredes de alvenaria, nesse caso, retardam por
várias horas a transmissão de calor. Isso nos leva a concluir que quando um material de alta
condutividade térmica como o aço é colocado em paralelo com um material isolante, a maior
parte da transferência de calor ocorre através do metal, por condução, caracterizando um efeito
conhecido por ponte térmica através do perfil em aço, ou thermal bridge. A ponte térmica reduz
a resistência térmica do painel e aumenta os gastos energéticos para aquecimento ou
resfriamento do ambiente (CAETANO, 2017). Isso explica o fato da variação de temperatura
entre o LSF e a parede cerâmica estar sendo tão diferente. O reboco térmico aplicado no exterior
dos painéis, conhecido nos Estados Unidos como EIFS, poderia posteriormente ser avaliado
como retardador das pontes térmicas. Trata-se de um sistema para reduzir os gastos com
energia. Enquanto o LSF não teve um resultado de eficiência térmica bom, a telha Shingle não
foi insuficiente.
O sistema construtivo Shingle foi capaz de reduzir a temperatura ambiente em alguns
graus conforme mostra a Figura 5, que apresenta uma pequena vantagem de 0,2 o comparada
com a técnica construtiva convencional.
Assim, sugere-se que novas pesquisas busquem alternativas para composição de uma
parede em LSF que procure alcançar melhor eficiência, visto que esta técnica construtiva é bem
versátil e bem adaptável. Ela trabalha com a composição de camadas e dessa forma consegue
ser adaptada para vários cenários climáticos, inclusive o de Campinas. Por ilustração, foram
geradas mais 3 paredes em LSF para que se pudesse perceber qual seria o melhor caminho para
alcançar a equiparidade energética com a alvenaria: um modelo sem isolamento térmico, um
modelo com melhor isolamento térmico, e um terceiro com outra técnica com maior grau de
isolamento, conforme a Figura 6.
103
Figura 6: Temperatura operativa - SSS na zona 2 (Solstício de Inverno)
8. CONCLUSÕES
Dentre as técnicas construtivas avaliadas, a que apresentou melhor resultado para ser
aplicada no cenário climático de Campinas foi o Telhado com Telha Shingle. Ele se mostrou ainda
mais eficiente que a telha cerâmica e por ser um sistema construtivo seco, permite ter sua
eficiência térmica ainda mais potencializada. Infelizmente o Light Steel Frame nas condições
estudadas não apresentou um desempenho bom e que estivesse dentro das normas. Contudo,
por ser um sistema versátil, ele pode ser otimizado a fim de se obter uma configuração ideal de
índice térmico. Ou seja, é prematuro descartar dessa técnica construtiva. Aconselha-se um
estudo mais aprofundado das possíveis composições das paredes de Light Steel Framing para
cenários climáticos como o de Campinas.
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SANTIAGO, A. K. O uso do sistema light steel framing associado a outros sistemas construtivos como fechamento
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https://cetesb.sp.gov.br/ar/boletim-diario/
105
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( X ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
118
RESUMO
O presente artigo trata de uma análise, dos possíveis impactos hídricos ocasionados pelo efeito sprawl, na área
industrial do eixo Metropolitano Norte do Paraná - Metronor, durante as décadas de 1970 a 1980. Estando esta
pesquisa amparada em bases historiográficas e documentais, coletadas a partir do acervo do escritório do Metronor,
no LABDOC-UEL, em Londrina-PR. Busca-se investigar mais sobre esta complexa proposta de Metrópole Linear, no
norte do estado do Paraná, baseada no fomento à industrialização e provisão de infraestrutura. Tendo a
industrialização como diretriz para o desenvolvimento do Estado, os estudos para a proposição do Metronor
apresentaram diversos diagnósticos sobre a industrialização do território, os potenciais impactos nos recursos
hídricos e as diretrizes para mitigar estes impactos. Através desta investigação foi traçado um panorama do
espraiamento industrial presente no eixo do Metronor, em contraponto com as dificuldades hídricas observadas na
região, parte delas relacionadas ao plano de colonização que implantou os núcleos urbanos nas áreas de espigões.
ABSTRACT
This article refers to an analysis of the possible water impacts caused by the sprawl effect in the industrial area of the
Northern Metropolitano do Paraná - Metronor axis, during the 1970s and 1980s. The research is based on
historiographical and documental bases, which were collected from from the Metronor office collection, at LABDOC-
UEL, in Londrina-PR. The aim is to investigate more about this complex proposal of a Linear Metropolis, in the north
of the state of Paraná, based on the promotion of industrialization and provision of infrastructure. With
industrialization as a guideline for the development of the State, the studies for the Metronor proposal presented
several diagnoses about the industrialization of the territory, the potential impacts on water resources and the
guidelines to mitigate these impacts. Through this investigation, an overview of the industrial sprawl present on the
Metronor axis was drawn, in contrast to the water difficulties observed in the region, part of them related to the
colonization plan that implanted the urban centers in the areas of spikes.
119
INTRODUÇÃO
120
um trabalho de abordagem historiográfica, no qual o procedimento adotado é a revisão
bibliográfica e análise documental.
OBJETIVOS
METODOLOGIA/MÉTODO DE ANÁLISE
RESULTADOS
121
climáticas e geográficas do estado, bem como as geadas intensas ocorridas em 1951 e 1955,
juntamente com uma gradual mudança no uso da terra, convergiram para fatores que alteraram
as dinâmicas das relações de produção e trabalho, tais como:
(I) A eliminação de plantações de café, financiada pelo Governo, entre 1962 e 1967; (II)
A implementação do Estatuto do Trabalhador Rural em 1963, o qual reestruturou
completamente as relações de trabalho no campo e liberou centenas de milhares de
trabalhadores rurais; (III) A extensa mecanização e adoção de insumos modernos, impulsionados
pelas facilidades de crédito (em 1960, havia 5.181 tratores no Paraná, de acordo com o IBGE,
enquanto em 1970 esse número já havia aumentado para 17.190 tratores); (IV) O aumento
notável na produção de soja (de aproximadamente 20.000 toneladas em 1963, para uma cifra
de 4.500.000 toneladas em 1976);(V) A expansão das áreas de pastagem (de 1.060.497 hectares
em 1961 para 2.369.590 hectares em 1971); (VI) A ampliação dos trabalhadores temporários,
anteriormente colonos de fazendas de café ou até mesmo pequenos proprietários, que
passaram a conviver com meeiros, arrendatários, entre outros (FERREIRA, 1975).
Isso levou o Paraná a registrar a mais alta taxa negativa de crescimento da população
rural durante a década de 1970, sinalizando uma migração substancial da zona rural para a área
urbana. Concomitantemente a essas alterações demográficas, o estado experimentou um
notável aumento na atividade industrial, buscando superar o foco na agricultura e expandindo
sua presença de maneira significativa em âmbito nacional. Vale ressaltar que a produção
paranaense dobrou sua contribuição no panorama nacional entre 1970 e 1980 (FERREIRA, 1975).
Da produção de café, que tradicionalmente absorvia uma grande quantidade de mão-
de-obra, o Norte do Paraná fez a transição para uma atividade que demandava menos
trabalhadores, representada pelo cultivo de soja e trigo (na safra 79/80, a área cultivada com
soja alcançou 2.410.000 hectares). Além disso, houve um rápido crescimento na extensão das
áreas de pastagem na região. Essas mudanças não apenas afetaram a estrutura produtiva, mas
também provocaram alterações profundas em toda a configuração social. O crescimento
industrial expressivo dos anos 1970 foi acompanhado por uma modernização na agricultura, que
por sua vez exigia um dinamismo complementar de outros setores. Isso era facilitado pela
presença de uma infraestrutura econômica e de mecanismos institucionais que estavam em
processo de modernização e consolidação (FERREIRA, 1975).
Nos anos 1970, as cidades que faziam parte do eixo entre Londrina e Maringá
possuíram certa relevância como área setentrional do Estado. Com mudanças ocorridas nesse
período na paisagem regional, especialmente a migração das áreas rurais e as aglomerações
agroindustriais geradas pela modernização agrícola, que resultaram em uma progressiva
concentração na rede urbana. Através desse processo, algumas cidades experimentaram um
crescimento notavelmente superior à média das outras aglomerações urbanas da região
(CUNHA, 2007).
Para Beloto (2015), o objetivo da concentração em torno das cidades de Londrina e
Maringá, era estabelecer a construção ordenada e integrada de uma metrópole. Esse plano
envolvia fortalecer os fatores que impulsionavam a expansão urbana e industrial de maneira
linear, direcionando esse crescimento ao longo de um eixo de transporte combinando rodoviário
122
e ferroviário. Esse esforço buscava alcançar um entrelaçamento coeso das áreas urbanas ao
longo desse eixo, com cada cidade, inicialmente autônoma, se transformando em subcentros da
metrópole linear. Por meio da harmonização entre os núcleos urbanos, as zonas industriais e o
eixo de transporte, a intenção era construir uma cidade única e integrada.
A Metrópole Norte do Paraná, denominada Metronor, era composta por um total de
12 cidades e 2 distritos, organizados em uma sequência contínua. Essas localidades eram
Ibiporã, Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas, Apucarana, Pirapó, Cambira, Jandaia do Sul,
Mandaguari, Marialva, Sarandi e Maringá, além de Paiçandu. Naquela época, Sarandi ainda era
um distrito de Marialva, embora fizesse parte da área urbana de Maringá, enquanto Pirapó
permanecia como distrito de Apucarana. Segundo o censo demográfico de 1980, a população
urbana do Eixo Norte somava 702.244 residentes, correspondendo a quase 16% da população
urbana do estado como um todo. Durante a década de 1970, a população aumentou em cerca
de 65% (BELOTO, 2015).
A região situada entre Londrina e Maringá configura-se como o segundo polo industrial
mais significativo do estado. Durante as décadas estudadas, essa área testemunhou a
diminuição da predominância da agricultura que anteriormente a caracterizava. Como já
descrito anteriormente, em seu lugar, surgiu um movimento crescente de ocupação industrial,
com a finalidade de explorar o vasto potencial de desenvolvimento da região. No entanto, para
impulsionar essa ocupação, era essencial que fosse conduzida de maneira a não comprometer
a integridade dos recursos hídricos (PARANÁ,1982).
Como descrito no Plano Diretor do Eixo Londrina-Maringá (PARANÁ, 1980), a
preocupação com a poluição dos recursos hídricos, causados principalmente pela
industrialização era um dos fatores mais importantes do espraiamento industrial da região. Pois
as cidades localizavam-se sobre o principal divisor de águas desse eixo, o que refletiria no
abastecimento de água para as cidades.
123
apresentem os desequilíbrios inter-regionais congêneres, semelhantes em subconjuntos. Isso
desempenhou um papel na determinação das áreas para expansão industrial, como parte de
uma abordagem integrada para organização territorial. Nesse sentido, os municípios que faziam
parte desse Eixo foram subdivididos em quatro subconjuntos ou subsistemas (PARANÁ, 1982).
A seguir, serão apresentados os subsistemas propostos pelo documento e o respectivo
diagnostico realizado a partir dos dados coletados e analisados:
No subsistema 01 (figura 01), formado pelos municípios de Ibiporã, Londrina e Cambé,
ficou constatado que Ibiporã, possui as melhores condições para localização de
estabelecimentos industriais de médio e alto potencial poluidor. Área com características de
receber indústrias de grande consumo de água (PARANÁ, 1982).
Rolândia e Arapongas formam o subsistema 02 (figura 01). Para Rolândia, a área
industrial que se fortaleceu ao longo da rodovia da PR-177, possui um agravante com o descarte
industrial em ribeirões que abastecem a cidade. Já Arapongas desenvolvendo seu parque
industrial ao longo da BR-369, possuindo recursos hídricos superficiais mínimos para seus
efluentes (PARANÁ, 1982).
O subsistema 03 (figura 01) tem Apucarana, Cambira e Jandaia do Sul. Apucarana
possui área bem selecionada com proteção de qualidade ambiental, mas limita-se pela
disponibilidade de água para sua expansão. Cambira e Jandaia do Sul apresentam mais grave a
falta de recursos hídricos (PARANÁ, 1982).
Mandaguari, Marialva, Maringá e Paiçandu formam o subsistema 04 (figura 01), em
que todas as cidades possuem falta de água tanto para o abastecimento, como para
afastamento e diluição dos despejos. Marialva e Maringá apresentam o espraiamento urbano,
próximo as áreas industriais (PARANÁ, 1982).
FIGURA 01 – Mapa referente a divisão por subdivisões de áreas industriais, das cidades que compunham o eixo
Metronor
124
As bacias hidrográficas que abastecem as cidades do eixo, são compostas pelas bacias
dos rios: Tibagi (6,1342m³), Pirapó (2,955 m²), Ivaí (3,4759m³) e Paranapanema 3 (1,1161m³). As
vazões estão difundidas em toda a área do Eixo e nem sempre dentro das regiões desejáveis a
expansão da atividade industrial aconteceu. Com isso, os núcleos urbanos estão sempre
localizados nos divisores de água, evidenciando que os recursos hídricos disponíveis, sejam
mínimos e deficitários, sendo isso consequência do resultado do plano de colonização da
Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP) que adotou os espigões como eixo central
da rede de cidades e do transporte rodoferroviário (PARANÁ, 1982).
Dentre os dados coletados, observa-se claramente que a carência na disponibilidade
de água é o fator primordial que influencia o progresso da atividade industrial na região
compreendida entre Londrina e Maringá. Isso se deve ao fato de que todas as cidades estão
situadas na divisória de águas, sendo frequentemente alimentadas pelas nascentes dos
principais rios que contribuem para as bacias hidrográficas do Ivaí, Tibagi e Pirapó (PARANÁ,
1982).
A bacia do Tibagi recebe a maior carga poluidora, enquanto a do Paranapanema 3
recebe a menor contribuição de dejetos. A carga total incidente equivale a 56,2%
correspondente aos despejos industriais (PARANÁ, 1982).
Considerando a capacidade de geração de água superficial de toda a área do eixo, para
todos os rios, a carga máxima incidente não poderia ultrapassar 5.500 kg DBO/dia, ou seja, o
equivalente a aproximadamente 100 mil pessoas. A observação descrita referencia-se na
distribuição homogênea das cargas em todos os corpos receptores, o que coloca em evidência
as cargas municipais (PARANÁ, 1982).
O mesmo documento, enfatiza a insuficiência de dados fundamentais relacionados à
qualidade ambiental, fornecimento de água e outros estudos, que agregariam análises mais
aprofundadas e detalhadas, visto que a expansão da atividade industrial estava ocorrendo de
forma significativa e esses estudos aprimorariam os trabalhos de conservação e mitigação do
setor. (PARANÁ, 1982).
125
Quadro 1 – Gêneros Industriais
INDUSTRIA QUANT. CORPOS RECEPTORES OBSERVAÇÕES
KG DE DBO/DIA LANÇADO
• Córrego Jurubá (Afluente do Rio Taquara)
– 55kg DBO/dia
Papel e Papelão 1
Representa 0,22% da carga total industrial
lançada nas quadro bacias da região.
• Córrego Jaira – 176 Kg DBO/dia
• Córrego Arlindo – 06 Kg DBO/dia
• Ribeirão Cambé – 150 Kg DBO/dia
Couro, Peles e • Córrego Araranguá – 19 Kg DBO/dia • Total dos curtumes cadastrados 5 são
Produtos 8 • Ribeirão Biguaçu – 783 Kg DBO/dia de médio porte e 3 são de pequeno
Similares • Rio Bandeirantes do Sul – 20 Kg DBO/dia porte.
• Rio Vermelho – 979 Kg DBO/dia
Total: 2133 Kg de DBO/dia.
Carga representa 8,58% do total.
• Córrego Juruba – 01 Kg DBO/dia
• Ribeirão Quati – 253 Kg DBO/dia
• Ribeirão Jacutinga – 39 Kg DBO/dia
• Ribeirão Engenho de Ferro – 144 Kg • Industrias de extração de óleos vegetais
DBO/dia bruto, compõe o gênero de indústrias
Química 10
• Rio Bandeirantes do Sul – 21 Kg DBO/dia químicas, sendo que todas possuem
• Ribeirão Esperança – 04 Kg DBO/dia tratamento de efluente industrial.
• Rio Marialva – 05 Kg DBO/dia
Total: 467 Kg DBO/dia
Carga representa 1,88% da carga total.
• Ribeirão Cambé – 1831 Kg DBO/dia
• As de beneficiamento de rami são
• Ribeirão Quati – 47 Kg DBO/dia
responsáveis por 97% da carga do
Têxtil 2 • Ribeirão Três Bocas – 476 Kg DBO/dia
gênero. É o terceiro maior poluidor do
Total: 2.354 kg de Kg DBO/dia
eixo.
Carga representa 9,47% da carga total.
• Ribeirão Raposa – 28 Kg DBO/dia
• Córrego Ouro Fino – 2.232 Kg DBO/dia
• Ribeirão Cambé – 2.073 Kg DBO/dia
• É o gênero que indica a vocação
• Ribeirão Quati – 3.651 Kg DBO/dia
industrial da região;
• Ribeirão Lindóia – 60 Kg DBO/dia
• Encontram-se cadastradas 1 indústria
Produtos • Córrego Arquibaldo – 45 Kg DBO/dia
14 de óleos vegetais, 5 laticínios, 4
Alimentares • Rio Chapecó – 1.934 Kg DBO/dia
frigoríficos, 1 usina de açúcar, 1
• Córrego Cleópatra – 3.360 Kg DBO/dia
abatedouro de aves, 1 indústria de café
• Córrego Moscados – 1.251 Kg DBO/dia solúvel e 1 farinha de ossos.
• Rio Bandeirantes do Sul – 1.267 Kg
DBO/dia
Total da carga: 63,95%
• 4 fabricas de refrigerante, 1 de
aguardente;
• O gênero de bebidas é o segundo mais
poluidor da região devido à presença
de 2 industrias (cervejaria e
• Ribeirão Cambé – 400 Kg DBO/dia aguardente) responsáveis por 78% da
• Córrego Limoeiro – 2.400 Kg DBO/dia carga total do gênero.
• Ribeirão das Pedras – 378 Kg DBO/dia • A carga poluidora industrial
• Ribeirão Três Bocas – 702 Kg DBO/dia
Bebidas 6 representada pelas industrias
• Ribeirão Esperança – 43 Kg DBO/dia
cadastradas pela SUREHMA, é
• Córrego Buriqui - 29 Kg DBO/dia
responsável por 70% da carga
Total: 3.952 kg de Kg DBO/dia
poluidora industrial. Sendo assim
Carga representa 15,9% da carga total.
restam 30% da carga poluidora, cerca
de 10.655 Kg DBO/dia, a qual é lançada
por pequenas industriais, nos diversos
corpos receptores do eixo.
126
Observou-se que destes gêneros, 50% lançavam mais de 100 Kg de DBO/dia e 9 (nove)
eram responsáveis por lançamentos acima de 1000kg de DBO/dia. Os 30% de carga poluidora
industrial restantes, estavam vinculadas por um grupo grande e relevante de pequenas
indústrias, que apesar de estarem enquadradas nos gêneros de indústrias potencialmente
poluidoras, unitariamente não eram tão representativas. Uma observação de destaque é que
dentro das cadastradas, algumas apresentavam sistemas de tratamento de efluentes
implantados e em funcionamento.
Com o objetivo de refinar ainda mais a análise, foi desenvolvido, a seguir um segundo
quadro comparativo (quadro 2), ilustrando a carga poluidora por municípios, descrevendo os
gêneros industriais e suas respectivas quantidades, por fim algumas observações.
Deste modo, vale a pena reforçar que Londrina e Maringá, as duas maiores cidades da
área em estudo, eram os municípios mais industrializados do eixo, o que tornava preocupante
127
a totalização da carga diária de despejos hídricos. Apresentando índices de poluição industrial
em torno de 12.361Kg DBO/dia (Londrina) e 7.862 Kg DBO/dia (Maringá), ambas cidades
ultrapassavam a carga recomenda, que não poderia ultrapassar 5.500 kg DBO/dia. Em seguida,
o município de Apucarana, que também apresentava número expressivo de indústrias, mas com
carga poluidora ainda dentro do recomendado, em torno de 3.294Kg DBO/dia. Na sequência
tinha-se Cambé, Arapongas, Ibiporã, Rolândia, Mandaguari, Paiçandu e Marialva com cargas
inferiores a 1000kg DBO/dia.
CONCLUSÃO
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
BELOTO, Gislaine Elizete. Da região à metrópole: o território desenhado pelos modelos conceituais. USP. São
Paulo. 2015.
128
CUNHA, Fábio C. A. da. Metronor – Metrópole Linear Norte do Paraná: Um Resgate do Planejamento Regional no
Norte do Paraná nas décadas de 1970 e 1980. Geografia - v. 16, n. 1, jan./jun. 2007 – Universidade Estadual de
Londrina, Departamento de Geociências.
FERREIRA, Yoshiya Nakagawara. A industrialização e urbanização no Paraná. Revista Geografia Londrina, UEL,
Londrina, v. 3 n. 3, p. 113-128, 1985.
PARANÁ. Governo do Estado. Superintendência dos Recursos Hídricos e Meio Ambiente (SUREHMA). METRONOR:
Meio Ambiente e Saneamento. Curitiba, 1982.
129
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( X ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
130
RESUMO
A crescente globalização da urbanização constantemente redefine a interação entre ambientes urbanos e naturais,
um desafio para atingir o desenvolvimento sustentável. A emblemática Lagoa da Conceição em Florianópolis/SC
exemplifica essa complexa situação, onde a expansão urbana se entrelaça intimamente com os desafios
socioambientais. Este artigo tem como objetivo examinar a relação entre o zoneamento urbano e a oferta de serviços
socioambientais, enfocando a delimitação de áreas urbanizáveis e seu impacto na qualidade de vida e
sustentabilidade das cidades. O método adotado buscou integrar na análise a relação do Plano Diretor com o
fornecimento e manutenção de serviços socioambientais à sociedade. Dessa forma, realizou-se uma composição e
quantificação de mapas específicos do Distrito da Lagoa da Conceição. O enfoque esteve nas áreas de Área
Comunitária Institucional (ACI) e Área Verde de Lazer (AVL) e suas contribuições para os serviços
ecossistêmicos/ambientais e sociais. Essas áreas demonstram potencial para melhorar o bem-estar da população e a
sustentabilidade da região. Entretanto, observa-se uma disparidade entre os espaços de convivência social, lazer e
utilidade pública em comparação com os espaços voltados ao uso individual. Isso ressalta a necessidade de reavaliar
o planejamento urbano para preservar a identidade sociocultural ainda presente na área. O estudo ressalta a
importância de áreas públicas acessíveis e verdes para o bem-estar da população e a sustentabilidade urbana. Suas
conclusões têm o potencial de informar políticas urbanas que promovam um desenvolvimento mais harmonioso e
equitativo, considerando a identidade local e a qualidade de vida
ABSTRACT
The growing globalization of urbanization continually redefines the interaction between urban and natural
environments, posing a challenge to achieve sustainable development. The emblematic Lagoa da Conceição in
Florianópolis/SC exemplifies this intricate situation, where urban expansion intricately intertwines with socio-
environmental challenges. This article aims to examine the relationship between urban zoning and the provision of
socio-environmental services, focusing on the delineation of urbanizable areas and their impact on quality of life and
city sustainability. The adopted method sought to integrate the analysis of the Master Plan with the supply and
maintenance of socio-environmental services to society. In this way, a composition and quantification of specific maps
of the Lagoa da Conceição District were carried out. The focus was on the Community Institutional Area (ACI) and the
Green Leisure Area (AVL) and their contributions to ecosystem/environmental and social services. These areas
demonstrate potential to enhance the well-being of the population and the region's sustainability. However, a
disparity is observed between spaces for social interaction, leisure, and public utility as compared to those catering to
individual use. This highlights the need to reevaluate urban planning to preserve the sociocultural identity still present
in the area. The study underscores the importance of accessible public and green spaces for population well-being and
urban sustainability. Its findings have the potential to inform urban policies that promote a more harmonious and
equitable development, considering local identity and quality of life.
131
1 INTRODUÇÃO
2 METODOLOGIA
132
O Distrito da Lagoa da Conceição (Figura 1) apresenta uma área aproximada de 53,83
km² e localiza-se na região centro-leste da Ilha. Por possuir uma conexão com o mar, o Canal da
Barra, permitindo a entrada de água salina, a lagoa é classificada como laguna semifechada. A
região concentra remanescentes da Mata Atlântica, dunas, restingas, além de fauna e flora
características da ilha (VAZ, 2008). Estes fatores, aliados à elevada qualidade de vida, têm
ocasionado um forte contingente migratório na região.
Figura 1 – Localização da área de estudo correspondente ao Distrito da Lagoa da Conceição, sem escala
.
Fonte: AUTORES, 2023
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Urbanização e desenvolvimento sustentável
133
apresentado como capaz de homogeneizar o planeta, quando, na verdade, as diferenças locais
são aprofundadas. Nesse contexto, o ambiente social e natural, fica à mercê dos agentes
hegemônicos da economia mundial (BARBOSA; NASCIMENTO JÚNIOR, 2009).
O planejamento desempenha um papel fundamental na busca por soluções para este
desafio. Sendo definido como processo de coordenação de tarefas em modo sequencial e com
fases distintas, que envolve análises de configurações estruturais e organizacionais, (SOTTO et
al., 2019). Planejar estrategicamente significa pensar antes de agir, levando em consideração o
maior número de variáveis e possibilidades, de modo a adquirir uma visão mais ampla da
realidade e de todas as suas variáveis internas e externas (SANTOS, 2006).
Geralmente, as prioridades do planejamento urbano são influenciadas por um
paradigma linear e reducionista. Esse paradigma prioriza os interesses de figuras empresariais
proeminentes em detrimento dos interesses das comunidades mais desfavorecidas e do meio
ambiente (NARDIN; VAGHETTI; ROMANO, 2021). Segundo Sotto et al. (2019), o planejamento
urbano tradicional considera principalmente os aspectos de curto e médio prazo, com foco
principal para os aspectos econômicos do uso do solo e de infraestrutura, em detrimento do
meio ambiente, que passa a ser reduzido como um mero recurso ilimitado, a fim de atender as
necessidades imediatas do ser humano.
Por outro lado, o planejamento urbano pautado pela flexibilidade e orientado pela
cosmovisão da complexidade urbana é fundamental para atingir o desenvolvimento sustentável.
Portanto, o planejamento urbano integrativo depende de uma perspectiva de longo prazo, visão
holística e multidisciplinar, envolvimento ativo da sociedade, aceitando os limites do meio
ambiente (SOTTO et al., 2019).
Contudo, a visão pré-analítica de que o meio ambiente é neutro e passivo, reagindo de
maneira suave ao avanço agressivo do homem, não se sustenta. Ao longo dos tempos o conceito
de sustentabilidade, muitas vezes associado ao de desenvolvimento sustentável, tem sido
definido e procurado por diversas áreas do conhecimento, de modo a surgir diferentes ideias
associadas ao termo. Uma das definições mais comuns foi documentada pelo Relatório de
Brundtland, ou Nosso Futuro Comum, que propôs o desenvolvimento sustentável como “aquele
que satisfaz às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações
futuras satisfazerem às suas necessidades” (CMMAD, 1991, p.46).
Em suas definições mais modernas, a sustentabilidade sugere interdependência entre
a dimensão ambiental, o desempenho econômico e os aspectos sociais (qualidade de vida/ bem-
estar), o chamado Tripé da Sustentabilidade ou Triple Bottom Line (TBL). Sendo que alguns
autores defendem que a psicologia seria um quarto aspecto a ser considerado, de modo a
considerar o comportamento humano como premissa básica para a desejada mudança na
relação pessoa-ambiente (HIGUCHI; KUHNEN; PATO, 2019).
Desse modo, a sustentabilidade é um conceito sistêmico que assume uma dimensão
socioambiental e rompe com a visão predominante de desenvolvimento ilimitado para buscar
novos modelos fundados na vida como princípio maior e reorientar o processo civilizatório da
humanidade (HIGUCHI; KUHNEN; PATO, 2019). Ainda, para os autores, é compreendido como
um princípio ecológico e de igualdade social ou como um paradigma que pode permitir a
compreensão do mundo e seus problemas e oferecer soluções a eles.
De modo a estabelecer metas para atingir essa nova concepção integrada de
sustentabilidade, 193 países se reuniram em 2015 durante a Cúpula das Nações Unidas para
lançar a Agenda 2030 como um plano global para atingir o desenvolvimento sustentável. A
134
Agenda 2030 elegeu 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), referentes aos
diferentes aspectos da sustentabilidade –econômicos, sociais, ambientais, políticos e culturais–
, capazes de traduzir de forma interdisciplinar um plano global de desenvolvimento, uma
oportunidade única para ações coerentes e de longo prazo, a ser adotada por todas as
sociedades (SOTTO et al., 2019).
Para efetivar os ODS, a existência de instrumentos que apoiem as questões regionais
e locais no processo de interiorização da Agenda 2030 se faz necessário. No Brasil, o conjunto
de instrumentos postos por leis estruturantes de políticas públicas, editadas com fundamento
na Constituição Federal faz este papel (SOTTO et al., 2019).
135
Soma-se a esta problemática, a destituição do valor social e ambiental do solo urbano
em detrimento do seu valor meramente econômico. Nesse viés, o caráter normativo de uso e
ocupação do solo não conseguiu conter a expansão desordenada urbana, que está intimamente
ligada aos interesses particulares de determinados grupos com elevado poder aquisitivo e
político (ANDRADE, 2013).
Dessa forma, cria-se um abismo entre o discurso do Plano Diretor e sua prática de
administração municipal (UGEDA JÚNIOR, 2014), visto que grande parte das tomadas de
decisões não levam em consideração a capacidade natural de suporte dos ecossistemas
afetados pela pressão antrópica.
Em se tratando do município de Florianópolis, seu primeiro Plano Diretor foi aprovado
no ano de 1955, constituindo-se a Lei n.º 246/55, a qual ficou em vigência durante 21 anos até
1976, quando foi aprovado um novo Plano Diretor para a cidade, por meio da aprovação da Lei
Municipal n.º 1440/76, este se tratava, principalmente, do uso do solo da região central da
cidade.
Em 1985, foi lançado o Plano Diretor dos Balneários – Lei n.º 2193/85 (FLORIANÓPOLIS,
1985), que contemplava as demais regiões fora do centro da cidade, até então não
especificadas. Dessa forma, as regiões até então sem um planejamento urbano passaram a ser
ordenadas de modo a evitar ocupações em áreas de importância ambiental como: dunas,
restingas, mangues, topos de morros além das praias, lagoa e sua orla marítima (SILVA, 2002).
O Plano Diretor de 2014 foi instituído pela Lei Complementar n.º 482 de 17 de janeiro
de 2014, o qual dispõe e contempla todas as atualizações feitas até então sobre o
desenvolvimento urbano, uso e ocupação do solo e o sistema de gestão do município.
É através do Plano Diretor que o zoneamento urbano é classificado em áreas
urbanizáveis e não urbanizáveis. Dentre as áreas não urbanizáveis, se destaca as Áreas de
Preservação Permanente (APP), que estão ligadas a questões de preservação e conservação dos
serviços ambientais (ecossistêmicos) da região. O Art. 42 da Lei do Plano Diretor Municipal de
Florianópolis define APP como espaços territoriais protegidos por legislação urbanística
anterior, e com a função ambiental de preservar recursos hídricos, paisagísticos, geológicos,
ecológicos e sociais (FLORIANÓPOLIS, 2014).
Se destacam também as áreas de transição que permitem usos urbanos de baixa
densidade com certa prevalência de proteção ambiental, classificadas como Áreas de
Preservação de Uso Limitado (APL). O Art. 42 da Lei do Plano Diretor Municipal de Florianópolis
as definem como espaços que não apresentam condições adequadas para suportar certas
formas de uso do solo sem prejuízo ecológico ou paisagístico, em decorrência de suas
características de declividade, vegetação ou vulnerabilidade de fenômenos naturais
(FLORIANÓPOLIS, 2014).
Dentre as áreas classificadas como urbanizáveis, estas podem ser tanto de usufruto
privado quanto público. Dentre as áreas urbanizáveis de usufruto privado, se destacam os tipos:
Áreas Residenciais Predominantes (ARP, destinadas ao uso preferencial de moradias, aceitando
pequenos serviços comerciais); Áreas Turísticas Residenciais (ATR, com interesse turístico
priorizando o usufruto de seus visitantes e residentes); e Área Mista Central (AMC, de alta
densidade e complexidade e uso misto) (FLORIANÓPOLIS, 2014).
Em se tratando de áreas passíveis a urbanização caracterizadas por serem de uso e
ganho público, são definidas pelo Plano Diretor como Área Verde de Lazer (AVL) e Área
Comunitária Institucional (ACI). A AVL configura-se por serem espaços urbanos ao ar livre de uso
136
e domínio público destinados ao lazer e recreação, com privilégio de criar ou preservar área
vegetal e sendo permitida apenas a construção de equipamentos de apoio ao lazer ao ar livre
(FLORIANÓPOLIS, 2014). Por fim, a lei ainda define as ACI como espaços destinados a
equipamentos comunitários e institucionais.
4 RESULTADOS
137
Figura 2 – Zoneamento urbano do Plano Diretor do Distrito da Lagoa da Conceição.
Em se tratando do zoneamento definido pelo Plano Diretor de 2014 (lei n.º 482/2014),
para o Distrito da Lagoa da Conceição, temos a predominância das seguintes zonas de uso
ocupação do solo, em ordem decrescente: Áreas de Preservação Permanente (APP); Áreas
Residenciais Predominantes (ARP); Áreas Turísticas Residenciais (ATR); Área Mista Central
(AMC); Áreas Comunitárias Institucionais (ACI) e Áreas Verde de Lazer (AVL).
Desta forma, podemos observar a grande predominância de áreas não urbanizáveis
sobre áreas urbanizáveis, com uma grande área destinada à classificação APP. De modo a
confirmar o mapeamento realizado anteriormente de uso e ocupação do solo, que também
apresentou como sua maior área a expressiva biodiversidade presente na região. Percebe-se,
através do zoneamento, que ao desconsiderar as áreas não urbanizáveis (APP), e as áreas
urbanizáveis de uso “individual/privado” (ARP/ATR/AMC), as áreas restantes destinadas ao uso
138
coletivo à sociedade (ACI/AVL) são pouco expressivas, comparadas ao total de áreas de acesso
limitado.
A valorização de áreas urbanas em contato com a natureza fez da Lagoa uma das áreas
mais valorizadas comercialmente da ilha. Nesse ponto, os territórios antes ocupados pela
comunidade local passaram a receber uma nova conformação urbanística caracterizada por
condomínios de luxo privados com seus muros altos. Desse modo, fica evidente que grande
parte do zoneamento do Distrito se deu para fins particulares.
Assim como o impacto ambiental causado pelo aumento da poluição na lagoa se
relaciona com a perda do serviço ecossistêmico cultural daquele ambiente, pois a mesma
poluição causada pelas casas ao redor da orla, afeta culturalmente um povo que não tem acesso
a práticas de lazer, recreação e pesca artesanal. Desse modo, a lagoa passa a ser aproveitada
somente a partir de vistas de sacadas envidraçadas e lanchas particulares. Enquanto a grande
maioria da população, tem pouco acesso –territorial e financeiro– para usufruir daquele
ambiente, mesmo considerado um dos mais expressivos em cultura da ilha. Percebe-se, assim,
pouco investimento público de manter os serviços culturais e sociais da lagoa vivos, em
detrimento do lucrativo mercado imobiliário elitista.
Ressalta-se a importância das áreas de uso social (ACI/AVL) caracterizadas por serem
espaços livres, áreas públicas de lazer e áreas verdes, no espaço urbano, visto que todos os
habitantes da cidade têm o direito de usufruir dos espaços sociais públicos. Sendo função do
poder público implementar, administrar e promover a manutenção destas áreas e a
implementação destas áreas no zoneamento urbano.
Assim, de modo a analisar estas áreas urbanas ligadas aos ganhos sociais, realizou-se
um recorte com foco no zoneamento das áreas de ACI e AVL, apresentadas na Figura 3 e 4
abaixo, para as duas regiões que mais concentram estes zoneamentos no Distrito, visando
fornecer uma análise qualitativa de seu uso e ocupação.
Figura 3 – Zonas de ACI e AVL localizadas na região central do Distrito da Lagoa da Conceição.
139
Figura 4 – Zonas de ACI e AVL localizadas na região sul do Distrito da Lagoa da Conceição.
Dentre todas as áreas de ACI presentes no Mapa da Área Central, todas estão ocupadas
–e praticamente sem áreas adjacentes para possíveis crescimentos–, com as devidas instalações
públicas: terminal de ônibus, escola, quadras de esportes e cemitério. Desta forma, se destaca
aqui a pouca expressividade de áreas públicas de infraestrutura urbana em relação às áreas
residenciais e comerciais.
Já em relação às suas áreas de AVL, apesar de apresentarem quantidades superiores
às áreas de ACI, poucas apresentam equipamentos públicos de acesso e utilização que
caracterizam e permitem o convívio social urbano. Percebe-se que grande parte das AVL
presentes na região se encontram dentro de condomínios residenciais, com praticamente
nenhum acesso à sociedade.
Segundo o decreto n.º 13.574/2014 do Plano Diretor de Florianópolis, em projetos de
parcelamento de solo o percentual mínimo de AVL deve ser de 10%, e de ACI de 5% do total
parcelável. Contudo, apesar da lei prever a garantia destes espaços no processo de
parcelamento do solo, devido ao parcelamento irregular - característico do município de
Florianópolis e de diversas cidades brasileiras -, essas porcentagens não são cumpridas.
Paralelamente, em se tratando das áreas regulamentadas, mesmo definidos pela lei
como espaços públicos de uso social/coletivo, as áreas de ACI e AVL provenientes do
parcelamento regular do solo, não se caracterizam como espaços de convívio social, visto que
em sua grande maioria não recebem equipamentos e estrutura pública. Para Vaz (2008):
[...] o ordenamento formal da cidade moderna pode ser visto como a expressão física
da moral individualista, voltada para o poder e as regras. Hoje a Lagoa cresce muito
rapidamente, regida por códigos de zoneamento e de edificação, onde se vê uma
crescente valorização do lugar como áreas comerciais e de entretenimento. [...] As
características da economia e da sociedade moderna sugerem a construção de uma
cidade segregada, pois a lógica de mercado indica que a desigualdade social que existe
hoje, tende a se agravar (VAZ, 2008, p. 90).
140
Nesse contexto, os espaços de convivência social, lazer e utilidade pública têm se
mostrado pouco expressivos comparados aos espaços destinados ao uso individual. Manifesta-
se, portanto, a necessidade de reavaliar o espaço urbano visando a proteção e manutenção da
identidade sociocultural ainda presente na região.
Percebe-se, assim, que apesar do compromisso legislativo de implementação de áreas
que permitem a qualidade social do meio ambiente urbano, na prática, o que ocorre é uma
segregação social fruto dos loteamentos, onde a urbanização passa a se desenvolver visando
apenas os ganhos individuais em detrimento dos ganhos coletivos.
5 CONCLUSÃO
6 REFERÊNCIAS
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urbana desordenada. Somanlu: Revista de Estudos Amazônicos, v. 13, n. 2, p. 1-16. 2013. Disponível em:-
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141
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FLORIANÓPOLIS. Lei Complementar nº 482, de 17 de janeiro de 2014. Institui o plano diretor de urbanismo do
município de Florianópolis que dispõe sobre a política de desenvolvimento urbano, o plano de uso e ocupação, os
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Arquitetura e Urbanismo) - Curso de Arquitetura e Urbanismo, Centro Tecnológico, Universidade Federal de Santa
Catarina, Florianópolis, 2008.
142
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
(x) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
143
RESUMO
A acelerada urbanização global reconfigura constantemente a interação entre ambientes urbanos e naturais,
desafiando os padrões convencionais de desenvolvimento. A Lagoa da Conceição, em Florianópolis/SC, ilustra esse
cenário complexo, onde a expansão urbana e os impactos socioambientais se entrelaçam. Este artigo objetiva
investigar a relação entre a expansão urbana e os serviços ecossistêmicos neste distrito, adotando uma abordagem
integrativa que considera desenvolvimento econômico, proteção ambiental e responsabilidade social. Esta pesquisa
adota um estudo de caso combinado com uma abordagem sistêmica para realizar uma análise multidisciplinar.
Visando realizar uma análise temporal do impacto urbano foram elaborados mapas da expansão urbana em três
períodos (1985, 2000 e 2020) usando técnicas de geoprocessamento e imagens de satélite por meio do software
QGIS. Uma análise quali-quantitativa do uso e ocupação do solo foi realizada, e os serviços ecossistêmicos na região
foram identificados e classificados, relacionando-os com a expansão urbana. A análise abrangeu uso do solo e
expansão urbana, destacando a predominância de elementos naturais na Lagoa da Conceição, Florianópolis. A
expansão urbana cresceu 45,47% entre 1985 a 2020. Do ponto de vista teórico, o estudo destaca a importância de
uma abordagem integrada no planejamento urbano, considerando a interligação entre zoneamento e serviços
ecossistêmicos. Metodologicamente, evidencia a viabilidade de combinar análises de zoneamento com estudos de
impacto socioambiental. Este estudo ressalta a necessidade de promover um desenvolvimento urbano mais
equitativo e harmonioso, considerando a preservação da identidade local e a melhoria da qualidade de vida.
ABSTRACT
The rapid global urbanization constantly reconfigures the interaction between urban and natural environments,
challenging conventional development patterns. The Lagoa da Conceição in Florianópolis/SC illustrate s this intricate
scenario, where urban expansion and socio-environmental impacts intertwine. This article aims to investigate the
relationship between urban expansion and ecosystem services in this district, adopting an integrative approach that
considers economic development, environmental protection, and social responsibility. This research employs a
combined case study and systemic approach to conduct a multidisciplinary analysis. To perform a temporal analysis
of urban impact, maps of urban expansion were created for three periods (1985, 2000, and 2020) using geoprocessing
techniques and satellite imagery through the QGIS software. A qualitative-quantitative analysis of land use and
occupation was carried out, and ecosystem services in the region were identified and classified, relating them to urban
expansion. The analysis encompassed land use and urban expansion, highlighting the prevalence of natural elements
in Lagoa da Conceição, Florianópolis. Urban expansion grew by 45.47% between 1985 and 2020. From a theoretical
standpoint, the study underscores the importance of an integrated approach in urban planning, considering the
interconnection between zoning and ecosystem services. Methodologically, it highlights the feasibility of combining
zoning analyses with socio-environmental impact studies. This study underscores the need to promote more equitable
and harmonious urban development, considering the preservation of local identity and the enhancement of quality of
life.
144
1 INTRODUÇÃO
2 METODOLOGIA
Esta pesquisa caracteriza-se por ser um estudo de caso combinado com uma visão
sistêmica multidisciplinar de modo a atingir o conceito de análise integrativa. Como
procedimentos metodológicos foi realizado primeiramente um levantamento bibliográfico a
partir de fontes primárias e secundárias, e a elaboração de três mapas da expansão urbana (dos
anos de 1985, 2000 e 2020) com técnicas de geoprocessamento e tratamento de imagens de
145
satélite através do software QGIS (quantum GIS) e dados oriundos de levantamentos realizados
pelo projeto MapBiomas, para realizar uma análise quali-quantitativa do uso e ocupação do solo.
Adiante foram identificados e classificados qualitativa dos serviços ecossistêmicos existentes na
região e sua relação com a expansão urbana, por meio de uma tabela de modo a contemplar a
relação direta entre os ecossistemas mapeados e seus serviços fornecidos.
3 REFERENCIAL TEÓRICO
3.1 Planejamento urbano e sustentabilidade
146
No ano de 1995, 77,6% da população brasileira já era totalmente urbana; em 2015,
esse valor atingiu o valor de 85,7% (SOTTO et al., 2019). Todavia, esta urbanização segue o
movimento global de aglomeração em espaços reduzidos, considerando que 20% da população
do país encontra-se em menos de 1% do território nacional (OLIVEIRA; NICOLODI, 2012).
Segundo Higashi (2006), a concentração urbana ocorre quase que exclusivamente pelas razões
especulativas de mercado, que, ao ignorarem as reais potencialidades e limitações das áreas a
serem ocupadas, propiciam a ocupação de regiões de alta fragilidade ambiental pela população
de baixa renda.
Planejamento pode ser definido como um processo de coordenação de tarefas que
visa analisar indagações referentes a configurações estruturais e organizacionais, com fases
características e sequenciais (SOTTO et al., 2019). Em sua grande maioria, as prioridades do
planejamento urbano são moldadas pelo paradigma linear e reducionista do prevalecimento do
interesse de grandes empresários em detrimento de classes mais marginalizadas e do meio
ambiente (NARDIN; VAGHETTI; ROMANO, 2021). Segundo Sotto et al. (2019), o planejamento
urbano tradicional considera principalmente resultados de curto e médio prazo, focando nos
aspectos econômicos do uso do solo e de infraestrutura. Desta forma, o meio ambiente é
reduzido a recurso considerado ilimitado a serviço das necessidades humanas imediatas.
O planejamento urbano integrativo depende de uma perspectiva de longo prazo, visão
holística e multidisciplinar, envolvimento ativo da sociedade e aceitação dos limites do meio
ambiente (SOTTO et al., 2019). Um planejamento urbano pautado pela resiliência e orientado
pela visão integrada e complexa da cidade traz uma perspectiva alinhada ao desenvolvimento
sustentável, que se define por ser “aquele que satisfaz às necessidades do presente sem
comprometer a possibilidade de as gerações futuras satisfazerem às suas necessidades”
(CMMAD, 1991, p. 46).
Com raízes etimológicas nas áreas de biologia e economia, a sustentabilidade se
refere, respectivamente, à capacidade de resiliência do ambiente frente às pressões antrópicas
e à necessidade de reverter o consumo irracional da sociedade em detrimento dos recursos
naturais da terra (NASCIMENTO, 2012). Assim, a sustentabilidade vem rompendo barreiras e
passou a permear as mais diversas áreas do conhecimento (econômicas, sociais, ambientais),
uma vez que seus problemas são considerados multidimensionais, polissêmicos e
inexoravelmente associados à relação pessoa-ambiente (HIGUCHI; KUHNEN; PATO, 2019). Desta
forma, é, simultaneamente, um objetivo, um processo e uma disciplina de interesse global,
ultrapassando os limites de uma definição tradicional e servindo como horizonte para a
sociedade em uma era de complexos problemas socioambientais (SOTTO et al., 2019).
147
e energia solar) em seus ambientes físicos e biológicos, apresentando milhares de elementos
estruturais, cada um exibindo variados graus de complexidade, nos quais o homem é parte
integral (MEA, 2003).
Andrade e Romeiro (2009) incluem não apenas as interações entre os organismos,mas
entre a totalidade complexa dos fatores físicos que formam o que é conhecido como ambiente.
Tais interações e comportamentos evolucionários não são lineares, o que faz com que não seja
possível elaborar previsões e intervenções baseadas apenas em conhecimentos fragmentados
de suas partes individuais (ANDRADE; ROMEIRO, 2009), sendo, assim, necessária uma análise
sistêmica e integrativa.
Para Kumar (2008) a vida na Terra só se torna possível devido a contínua capacidade
de fornecimento de serviços ecossistêmicos. Os serviços ecossistêmicos (ou ambientais) são os
benefícios diretos e indiretos obtidos pelo homem a partir do funcionamento dos ecossistemas
numa complexa rede de processos e funções ecológicas (ANDRADE; ROMEIRO, 2009; COSTANZA
et al., 1997; WALTER et al, 2005a, 2005b).
Buscando realçar o valor monetário proporcionado pelos serviços ecossistêmicos ao
sistema econômico, Costanza et al. (1997) estimaram o valor anual dos fluxos globais dos
serviços promovidos pela Terra,mostrando que o capital natural da Terra rende, anualmente um
valor 1,8 vezes superior ao produto bruto mundial (US$33 trilhões versus US$18 trilhões).
Apesar de receber várias críticas por valorar a natureza por seu valor de utilidade e não por se u
valor intrínseco, o conceito de serviços ecossistêmicos contribui, significativamente, para a
compreensão de como a sociedade humana está intimamente ligada e dependente da natureza
(GOMES; DANTAS NETO; SILVA, 2018). Ademais, Gomes, Dantas Neto e Silva (2018) destacam
que esse conceito traduz o esforço de inserir a dimensão ambiental nas decisões políticas e
econômicas, sendo um instrumento capaz de transformar a sociedade ao promover a
sustentabilidade.
Visando facilitar a compreensão da relação pessoa-ambiente, a Avaliação do Milênio
(WALTER et al, 2005a), classificou os serviços ecossistêmicos em quatro categorias: (i) serviços
de provisão (ou serviços de abastecimento, que seriam os produtos obtidos dos ecossistemas);
(ii) serviços de regulação (que abrangem os benefícios obtidos a partir da regulação de processos
naturais); (iii) serviços culturais (os benefícios imateriais obtidos dos ecossistemas); e (iv)
serviços de suporte (que apoia todos os outros, sendo a base para a produção e manutenção
dos outros serviços), sendo esta a classificação mais difundida e seguida pela comunidade
científica.
Os impactos causados pela urbanização no fluxo dos serviços ecossistêmicos afetam
diretamente as dimensões de bem-estar humano, como a qualidade de vida. Para a Organização
Mundial da Saúde essa qualidade é “a maneira pela qual o indivíduo percebe o lugar que ocupa
no ambiente cultural e no sistema de valores em que vive, bem como em relação aos seus
objetivos, expectativas, critérios e preocupações” (WHO, 1996, p. 385, tradução nossa). Essa
definição está intimamente conectada com a qualidade ambiental e a garantia dos serviços
ecossistêmicos, uma vez que para haver a qualidade de uma, necessita-se do fornecimento da
outra, em uma relação complexa. A Figura 2 ilustra as variadas relações entre os tipos de serviços
ecossistêmicos e os componentes de bem-estar humano.
148
Fonte: UNEP, 2006
149
O mapeamento da expansão urbana e da pressão antrópica sobre os recursos naturais
podem ser realizados por meio do Sensoriamento Remoto. O Sensoriamento Remoto pode ser
definido como o processo de aquisição de imagens de um determinado território, através da
radiação eletromagnética gerada pelo sol ou pela terra que é emitida por determinados objetos
que compõem este território (solo, vegetação, hidrografia, edificações e etc.) e captada por
sensores instalados em aviões, satélites e radares (LEITE; ROSA, 2006).
Assim, a junção do Sensoriamento Remoto e das técnicas computacionais do Sistema
de Informação Geográfica, além de apresentarem uma visão panorâmica da área de estudo,
possibilitam uma maior precisão das informações e dos estudos das áreas urbanas, garantindo
bons resultados (FELIZARDO, 2016).
O Mapbiomas, fonte de dados utilizada nesta pesquisa, é um projeto onde há a
participação de uma gama ampla de atores de entidades públicas, privadas, ONGs e OSCIPs,
envolvidos com a área de tecnologia da informação e cartografia, e é responsável por um
mapeamento anual da cobertura e do uso do solo do país e todo ano, em um esforço conjunto,
lança uma nova coleção de dados que demonstram a realidade da transformação das paisagens
do país. Esses dados são provenientes de um pré-processamento baseado em interpretação de
pixel por pixel, de imagens do satélite de tipo LANDSAT que apresenta uma resolução espacial
de 30 metros. Com esse levantamento das imagens o processamento é feito através de
algoritmos baseados em machine learning e operacionalizados dentro do sistema Google Earth
Engine da Google, de onde as imagens pré-tratadas são obtidas para tratamento final dentro do
ambiente QGIS.
Nesse contexto, a análise multitemporal permite analisar a evolução da ocupação
urbana em determinado território de modo a detectar e diagnosticar problemáticas e demandas
socioambientais visando atingir o desenvolvimento sustentável.
4 RESULTADOS
4.1 Análise qualitativa do uso e ocupação do solo
Para cada ano em estudo foi gerado um mapa temático de uso e ocupação do solo que
permite a observação das alterações no território ao longo do tempo. Desse modo, a
apresentação dos dados se dará com a apresentação comparativa dos mapas referentes aos
anos de 1985, 2000 e 2020 (Figura 3), seguida da sua respectiva tabela quantitativa de cada
classe.
150
Figura 3 – Comparação entre os mapas de uso e ocupação do solo no Distrito da Lagoa da Conceição.
151
impulsiona o crescimento da urbanização, bem como a necessidade de moradias devido à
instalação de instituições como a UFSC e Eletrosul (VAZ, 2008).
Portanto, no mapa referente aos anos 2000 (Figura 3), já se percebe uma
predominância de áreas urbanizadas (5,146 km²) sobre áreas de agricultura e pastagem (4,629
km²), confirmando que grande parte desta expansão se desenvolveu em áreas que já possuíam
intervenção humana, de modo a caracterizar a perda da sociedade rural da Lagoa (VAZ, 2008).
Algumas estratégias para conter a expansão urbana foram empregadas, como a
criação das Unidades de Conservação, que estabelece legalmente que áreas com recursos e
características naturais relevantes devem ser protegidas (Lei nº 9.985/2000). No Distrito da
Lagoa, as primeiras unidades foram o Parque Natural Municipal das Dunas da Lagoa da
Conceição e o Monumento Natural Municipal da Galheta (faixa estreita ao leste do mapa),
criados em 1988 e 1990, respectivamente. A mais recente é o Refúgio da Vida Silvestre Municipal
Meiembipe, a maior da ilha, com 59,72 km² (FLORIANÓPOLIS, 2021). Combinadas com áreas de
preservação permanente (APP) definidas pelo Plano Diretor, essas medidas resultaram em um
aumento de 4,24% nas formações florestais, evidenciado no mapa, especialmente próximo à
Galheta. Este ecossistema foi o único a crescer ao longo do período (Tabela 1), destacando a
capacidade de regeneração natural desses espaços quando as condições permitem.
Entre as diversas categorias de uso do solo identificadas, os ecossistemas de restingas,
praias e dunas possuem uma área relativamente pequena no Distrito da Lagoa. No entanto, seu
valor socioambiental supera sua representação quantitativa. Apesar de sua importância crucial
para a integridade do ambiente, esses ecossistemas sofreram as maiores reduções, seguindo as
áreas de Agricultura e Pastagem. As áreas de restingas diminuíram em 13,57%, evidentes no
mapa, devido principalmente à expansão urbana ao longo das margens da lagoa e e m direção
às praias. Muitas regiões de restinga foram convertidas em áreas de agricultura e pastagem, que
gradualmente abriram caminho para novas construções. A perda de restingas teve um impacto
significativo nas praias e dunas, interconectadas com outros ecossistemas, levando a uma
redução total de 16,10%. A degradação das restingas resultou na movimentação das areias das
dunas, que eram caracterizadas por alturas de até 60 metros, devido aos fortes ventos da região
litorânea de Santa Catarina (VENTURIERI, 2013).
Outra alteração significativa foi a expansão da silvicultura, entre as décadas de 1960 e
1970, quando muitas áreas que poderiam ser utilizadas para aumento da formação e
regeneração florestal nativa, foram ocupadas pela silvicultura, que se destaca como o maior
aumento percentual de 7871,95%. Com o avanço científico, verificou-se que a iniciativa se
tornou inadequada devido a perda da biodiversidade local em detrimento das espécies
invasoras, as quais proliferam inúmeras sementes que são carregadas pelos ventos para locais
onde não deveriam estar. Segundo Dechoum (2015), às espécies exóticas invasoras que foram
plantadas na ocasião podem provocar impactos ambientais considerados uma das maiores
ameaças à diversidade biológica em escala mundial.
Por fim, apesar do Corpo d´Água ter sofrido poucas variações ao longo dos anos, o qual
reduziu sua área em 1,84%, seu verdadeiro impacto não se deu pelo aumento ou redução desta
área, como os outros principais ecossistemas mapeados; mas sim, pela redução dos seus
serviços ecossistêmicos, não quantificados em dados, porém altamente afetados pelo aumento
da população e seus inseparáveis resíduos poluentes. Dessa forma, no próximo tópico serão
identificados os principais serviços ecossistêmicos para cada ecossistema mapeado, a fim de
analisar o impacto da urbanização nos ecossistemas.
152
4.2 Identificação e classificação dos serviços ecossistêmicos existentes na região e sua relação
com a expansão urbana
A partir da seleção dos principais ecossistemas mapeados, a análise dos seus serviços
ecossistêmicos partirá da relação direta entre a existência do ecossistema e sua capacidade de
fornecer serviços à sociedade. Assim, nesta pesquisa, destacam-se quatro principais
ecossistemas, além da urbanização: Formação Florestal; Restinga; Praia e Duna; e Ambiente
Aquático Lagunar, conforme mostrados na Tabela 2. Adiante, a partir desta relação e dos dados
quantitativos mapeados, os serviços ecossistêmicos existentes na região foram identificados e
classificados segundo o Quadro 1.
153
em um ecossistema não retrata totalmente seu impacto real, e um entendimento mais preciso
pode ser alcançado por meio de uma avaliação dos serviços ecossistêmicos.
Um exemplo destacado é a discreta diminuição do Corpo d'Água, que não reflete o
real impacto no ecossistema lagunar. Essa área apresenta altos níveis de poluição, que só se
tornam evidentes quando observamos a perda dos serviços ecossistêmicos (SILVA, 2002), u ma
vez que muitas edificações próximas à lagoa não tratam adequadamente os resíduos
domésticos. Devido à insuficiente espessura do solo para instalar fossas sépticas,
frequentemente o esgoto é despejado diretamente na lagoa, apesar da existência de uma rede
de coleta de esgoto em grande parte do Distrito da Lagoa da Conceição (SILVA, 2002).
Dentre os serviços ecossistêmicos afetados pelo aumento da poluição da lagoa, pode-
se listar a perda da biodiversidade aquática (serviço de suporte), a redução de oferta de
alimentos (serviço de provisão) e a consequente diminuição da pesca tradicional (serviço
cultural). Segundo Vaz (2008), com o crescimento urbano a atividade pesqueira na Lagoa tende
à extinção, seja pela crescente poluição, seja pela perda dos costumes tradicionais pesqueiros.
Segundo os primeiros ecossistemas mapeados (Quadro 1), a Formação Florestal foi o
único que apresentou um aumento de sua área, num intervalo de 35 anos. E apesar do seu
crescimento ter sido freado pelo avanço da silvicultura, como já relatado no tópico anterior,
podemos destacar este aumento como um saldo positivo em relação aos serviços
ecossistêmicos proporcionados por esta área de aumento. Como já citado anteriormente, o
estabelecimento de zoneamentos de Área de Preservação e a criação de unidades de
conservação também contribuíram para a manutenção desse ecossistema no Distrito da Lagoa
da Conceição.
A maior perda de ecossistema ocorreu em Praias e Dunas, com uma redução de
16,10%. De acordo com Silva (2002), invasões urbanas, especulação imobiliária, turismo e
recebimento de esgoto nas áreas de Dunas causam problemas ambientais que afetam o
ecossistema e seus serviços. Vianna, Araújo e Vans (2022) afirmam que as ocupações recentes
sobre as dunas na Ilha de Santa Catarina aumentaram a vulnerabilidade e o risco, já que essas
áreas naturalmente propensas à erosão são legalmente designadas como de preservação
permanente. A ocupação das dunas não apenas coloca estruturas e pessoas em risco, mas
também pode agravar a erosão, devido ao bloqueio do fluxo natural de sedimentos nas praias,
aumentando a vulnerabilidade natural.
Outro ecossistema que apresentou redução foram as restingas, esse com percentual
de 13,57%. Grande parte desta perda se deve à ocupação urbana ao longo da beira da lagoa
(Costa e Canto), a qual apresenta grandes marcas de aumento da ocupação sobre a área de
vegetação restinga. Apesar das restingas presentes na costa ao longo da lagoa estarem
associadas a um ambiente mais brando que o oceano, a regulação do serviço ecossistêmico de
proteção da zona pós praia se torna imprescindível num cenário de mudanças climáticas e um
aumento do nível dos mares.
Dessa forma, com o aumento da ocupação urbana ao longo das áreas de restingas,
seus serviços ecossistêmicos ficam comprometidos. Dentre todos, um se destaca no cenário
atual de Florianópolis: os serviços de regulação e proteção da zona pós-praia, visto que tem se
tornado destaque diante dos impactos socioambientais ocasionados pelo aumento das ressacas
na costa leste da Ilha que já atingiu dezenas de casas em áreas de restinga (VIANNA; ARAÚJO;
VANS, 2022).
154
Nesse viés, a redução dos serviços ecossistêmicos encontrados no ambiente costeiro
como as praias, dunas e restingas ocasionadas, principalmente, pela ocupação urbana irregular,
são um agravamento para a incidência e a intensidade destes eventos que impactam, cada vez
mais, a realidade da Ilha de Florianópolis (VIANNA; ARAÚJO; VANS, 2022).
Dessa forma, os impactos ambientais atingem a esfera social, ao desabrigar famílias e
destruir embarcações de comunidades pesqueiras existentes na ilha há séculos. Os aspectos
sociais ligados aos ecossistemas são chamados de serviços culturais e, apesar de não serem
muito estudados, possuem ligação total com o tripé moderno de sustentabilidade, que visa
contemplar o desenvolvimento sustentável com proteção ambiental e social. Os serviços
culturais estão ligados aos aspectos 66 imateriais da relação das pessoas com o ambiente em
que vivem, fato este que está intimamente relacionado com a qualidade de vida.
Ressalta-se, portanto, a importância de levar-se em consideração a importância dos
serviços ecossistêmicos para a gestão e o planejamento urbano atual, de modo a captar e
reconhecer toda variedade de formas pelas quais os ecossistemas sustentam a vida humana e
contribuem para o bem-estar humano (CAVALCANTE; ELALI, 2018).
5 CONCLUSÃO
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157
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
ARCHITECTURE AND FAITH: THE BOM JESUS DO HORTO CHURCH AND ITS
RELATIONSHIP WITH HISTORY, MEMORY AND ARCHITECTURE OF JUAZEIRO DO NORTE,
CEARÁ
158
RESUMO
A Igreja Bom Jesus do Horto, em Juazeiro do Norte, Ceará, destaca-se em nível arquitetônico e cultural, mas faltam
pesquisas e dados referentes ao seu momento atual. Propondo-se a entender a relação histórica entre Igreja e cidade,
o estudo busca contribuir nessa narrativa, investigando a evolução dos momentos pelos quais a Igreja passou e
analisar o projeto em execução. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica e documental associada a visitas e
entrevistas. Antônio Braga, com estudos voltados ao Padre Cícero, e Baker, com sua teoria de análise arquitetônica,
foram autores fundamentais para a realização deste trabalho. Com isso, pudemos apreender o vínculo que a Igreja
possui com o Padre Cícero, importante figura política e religiosa no Ceará, e com a promes sa feita durante a Grande
Seca em 1878. Depois de idas e vindas no processo de construção da Igreja, houve uma mudança para um projeto
moderno adaptado ao clima local e integrado à paisagem. Cercada pela vegetação e implantada no ponto mais alto
da cidade, a edificação é um marco para a arquitetura, cultura e fé. O presente artigo sintetiza e expõe informações
de interesse para os pesquisadores da arquitetura contemporânea caririense, abrindo ainda espaço para a discussão
em cima do que é patrimônio e se a Igreja Bom Jesus do Horto pode ser considerada como tal apesar de não estar
concluída.
ABSTRACT
The Bom Jesus do Horto Church, in Juazeiro do Norte, Ceará, Brazil stands out in terms of architecture and culture, but
there is a lack of research and data regarding its current situation. Proposing to understand the historical relationship
between Church and city, the study seeks to contribute to this narrative, investigating the evolution of the moments
through which the Church passed and analyzing the project in execution. A bibliographical and documentary research
was made associated with visits and interviews. Antônio Braga, with studies focused on Padre Cícero, and Baker, with
his theory of architectural analysis, were fundamental authors for the realization of this work. With that, we were able
to apprehend the bond that the Church has with Father Cícero, an important political and religious figure in Ceará,
and with the promise made during the Great Drought in 1878. During the process of building the Church, there was a
change for a modern project adapted to the local climate and integrated into the landscape. Surrounded by vegetation
and located at the highest point of the city, the building is a landmark for architecture, culture and faith. This article
summarizes and exposes information of interest to researchers of contemporary architecture in Cariri, also open space
for discussion on what is patrimony and whether the Bom Jesus do Horto Church can be considered as such despite
not being completed.
159
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho discorre sobre a Igreja Bom Jesus do Horto e abrange informações
sobre sua história e seu projeto arquitetônico atual. A Igreja está localizada na Colina do
Horto, em Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil, uma cidade considerada ponto de ref erência para
a fé e religiosidade. A conexão direta da Igreja com a história do Padre Cícero, sacerdote
importante da região que atrai anualmente milhares de romeiros, confere à construção uma
importância significativa, apesar de sua construção recente.
160
2 OBJETIVOS
3 METODOLOGIA
4 RESULTADOS
4.1 A História
161
ver a dimensão do problema, enquanto isso, quem acompanhava a situação de perto e tentava
ajudar de alguma forma via-se de mãos atadas.
A concentração de pessoas famintas em péssimas condições sanitárias e
completamente desassistidas pelo poder público, também acarretou o surto de varíola que
matou milhares de pessoas na capital. O volume de mortos era gigantesco: pela fome, pela
exploração da força de trabalho e pela varíola. As consequências deste grave acontecimento
perduraram até o ano de 1889 e, temendo uma nova seca, padre Cícero, juntamente com outros
colegas também padres, fez diversas procissões e promessas, dentre elas a da construção de
uma capela no topo da Serra do Catolé, nomeada também como Colina do Horto.
Com a chegada das chuvas na região, logo a construção da capela foi iniciada, contando
com a colaboração significativa da comunidade. No entanto, a obra foi interrompida devido aos
conflitos que surgiram em decorrência do milagre da hóstia, ocorrido no mesmo ano, quando a
beata Maria de Araújo teve uma hóstia, entregue pelo Pe. Cícero, transformada em sangue em
sua boca. O acontecimento gerou reações controversas: “o padre atraiu devotos de todas as
regiões que acreditavam em sua santidade e, ao mesmo tempo, desencadeou conflitos com a
Igreja, iniciados sobretudo pela ausência de um comunicado por parte do padre acerca do
milagre” (RAMOS, 2014, p.33 – 34).
Tais conflitos culminaram na suspensão do sacerdote, que também enfrentou a
possibilidade de ser excomungado. Após escrever uma carta a Roma, na qual solicitava a revisão
da decisão do bispo Dom Joaquim, o sacerdote não conseguiu obter apoio. Em vez disso, foi
instruído a se afastar da região, levando-o a passar um período em Salgueiro, Pernambuco, até
que o bispo lhe sugeriu uma visita à Roma. Com isso, Pe. Cícero viajou para a Itália em junho de
1898, onde permaneceu por aproximadamente três meses (BRAGA, 2007).
Durante sua estadia em Roma, o padre teve a oportunidade de se manter em contato
com outros membros do clero e autoridades religiosas. Após realizar seu ato de submissão ao
Santo Ofício, recebeu a aprovação das autoridades eclesiásticas para retornar ao Brasil e voltar
a celebrar missas, atribuição essa que havia sido proibida ao padre desde 1896 (GUIMARÃES,
DUMOULIN, 2015, p. 18 – 19). Segundo Braga, Pe. Cícero:
Foi absolvido de quaisquer censuras sofridas nos decretos anteriores, o que excluía a
necessidade de declaração pública em que deveria explicitar formalmente sua
“culpa”, o que era um desejo de Dom Joaquim; Foi restabelecido seu direito de
celebrar a missa, suspenso desde 1896. Essa permissão, válida para Roma, poderia ser
estendida à diocese do Ceará, a critério do seu bispo; Decidiu-se que qualquer
alteração em sua condição de sacerdote seria agora uma prerrogativa do Santo Ofício
Romano, e não do bispo diocesano do Ceará. (BRAGA, 2007, p. 193)
162
A maquete referente a esse projeto se encontra em exibição no Museu Vivo do Pe.
Cícero, em Juazeiro do Norte. O projeto em questão apresenta uma mistura de influências
estilísticas, sobressaindo elementos característicos do estilo neogótico, amplamente dif undido
sobretudo na primeira metade do século XIX. Essa referência mostra-se presente em arcos
ogivais, torres pontiagudas e o trabalho em pedra. O projeto original contava com 25 torres,
uma escolha projetual que provavelmente se deu com o intuito de conf erir à edificação uma
aparência imponente e grandiosa. No entanto, devido à interrupção das obras, apenas três
dessas torres foram efetivamente construídas.
Figura 2 – Maquete trazida da Itália pelo Padre Cícero e ruínas da Igreja na década de 1940
Durante certo período, Pe. Cícero teve contato com os padres da Congregação
Salesiana e sentiu uma forte ligação com a rede. Portanto, quis que os Salesianos continuassem
o seu trabalho educacional e religioso em Juazeiro do Norte. Ele deixou registrado em seu
testamento1 que todo seu patrimônio seria doado à congregação (ALMEIDA, 2013). Além disso,
deixou também um pedido: “que os padres Salesianos continuassem a construção da capela que
ele prometeu e tentou construir duas vezes, utilizando o projeto trazido da Itália” (RAMOS,
2014, p. 364 – 365).
Em 20 de julho de 1934 Padre Cícero faleceu. Seu cortejo ocorreu na rua que recebeu
seu nome e seu corpo foi sepultado na Capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. A crença
na sua ressurreição sobrevive. Conta-se que o Bispo teria tentado roubar seu corpo após o
enterro, mas só encontrou rosas no caixão. Para os romeiros, “Padre Cícero permanece ‘vivo’ e
‘encantado’ no Horto, local considerado sagrado, onde sua presença física s e conecta
diretamente” (BRAGA, 2020. p. 261).
O primeiro lugar que representou a presença do Padre Cícero foi onde ficavam as
ruínas da Igreja de Nossa Senhora do Sagrado Coração, iniciada quando o Padre ainda estava
vivo. Após sua demolição em 1939, o ponto foi transferido para uma árvore, que anos depois foi
1 "Suplico aos mesmos padres que terminem a construção da capela do Horto. Devo dizer, para evitar conceitos
inverídicos e suspeitos, em torno do meu nome, que comecei a construí-Ia para cumprir um voto que eu e os meus
falecidos colegas e amigos, os padres, Manuel Félix de Moura, Francisco Rodrigues Monteiro e Antônio Fernandes
Távora, então vigário do Crato, fizemos. Esse voto fizemos quando, apavorados com os resultados da seca de 1889,
receamos, aliás com razão justificada, que o ano de 1890 fosse também seco – com o povo desta terra, ao Santíssimo
Coração de Jesus” (FILHO, 2002, p.158)
163
substituída pela estátua do Padre Cícero, esculpida em concreto, que permanece até hoje. Esta
foi construída em 1969 pelo então prefeito Mauro Sampaio (IBGE, s.d.)
O fato de existir um ponto específico que solidificasse a presença de Padre Cícero fez
com que a tradição das romarias mantivesse seu sentido em Juazeiro do Norte. A concentração
de fiéis, que pode chegar até dois milhões de pessoas vindas de todos os lugares do Nordeste,
impacta diretamente na economia e na dinâmica do local. A cidade inteira se adapta para
receber os peregrinos que chegam para prestigiar a figura do padre.
Apesar dos investimentos no complexo turístico, que inclui a estátua, museu, jardim
(pertencente ao Geopark Kariri), ruínas da Guerra de Sedição de Juazeiro e o Bondinho
inaugurado em 2022, o poder público não interfere nas obras da Igreja. Por isso, assim como foi
solicitado pelo próprio Padre Cícero em seu testamento, restou aos Padres Salesianos a
responsabilidade da construção da Igreja Bom Jesus do Horto, que recebe auxílio de doações de
fiéis afilhados do “Padim Ciço”.
Mesmo após o falecimento do religioso, sua relação conflituosa com a igreja persistiu
por um longo período. As ruínas da construção, que haviam sido abandonadas há cerca de 31
anos, permaneceram intactas por mais cinco anos antes de serem demolidas e substituídas por
uma torre de televisão. A decisão dos Salesianos de retomar a construção da Igreja, levou
considerável tempo para ser concretizada. Somente em 1999 as obras foram reiniciadas com
um novo projeto e até hoje não foram concluídas.
164
4.2 O Projeto
Com base no método de Baker3, será abordado o projeto em execução da Igreja Bom
Jesus do Horto de forma mais detalhada. Esta se localiza em Juazeiro do Norte, Ceará, Brasil. A
construção do projeto vigente, como já mencionado no texto, iniciou-se no ano de 1999 e segue
em etapas. Atualmente, a construção encontra-se na última, que conta com a instalação das
esquadrias, instalação do piso, iluminação e acabamento das paredes internas. Apesar da obra
ainda estar em andamento, há registros de missas em seu interior desde o ano de 2021. A
capacidade é de 2.500 pessoas, considerando ainda que possui uma capacidade maior devido à
acomodação nas arquibancadas.
A edificação ocupa uma área de 4.000 m², e possui altura de 50 metros e, com o jardim,
compõem o complexo cultural e religioso do Horto do Padre Cícero (estátua, casarão, museu-
vivo, bondinho e jardim). A importância do seu significado se dá pelo uso religioso e pelo marco
que é na narrativa da história do Padre Cícero e do Juazeiro do Norte. De acordo com
informações obtidas em entrevista com uma das guias turísticas do Complexo do Horto, a Igreja
do Bom Jesus do Horto representa a realização de um antigo sonho do Padre Cícero. Para tornar
o projeto mais viável, os Salesianos optaram por não executar o projeto original trazido pelo
Padre Cícero da Itália, em vez disso, criando um projeto completamente novo, moderno e
adaptado às condições climáticas locais.
O projeto atual, cuja maquete está em exibição em frente ao Museu Vivo do Padre
Cícero, foi concebido por arquitetos italianos — cujos nomes não foram informados — no final
do século XX e é um notável exemplo de arquitetura modernista na cidade de Juazeiro do Norte.
A estrutura e a coberta da edificação foram construídas com armação de ferro e concreto,
característica bastante comum aos exemplares da arquitetura modernista. Isso se deve ao fato
de que, na época, esses materiais representavam uma inovação te cnológica, permitindo uma
maior flexibilidade na criação de diferentes formas arquitetônicas. Além disso, o uso desses
3 Dr. Geoffrey Baker, em seu livro “Le Corbusier: uma análise da forma” destrincha a obra de Le Corbusier a partir de
uma análise apontando as características primordiais. No caso da análise presente, foram considerados os seguintes
fatores: genius loci, iconologia, identidade, significado do uso, plástica, geometria e estrutura.
165
materiais era favorecido pela sua plasticidade e pela capacidade de conferir uma estética mais
simplificada à edificação, além do custo-benefício que ofereciam. A vedação das paredes, por
sua vez, utilizou base de pedra e fechamento com blocos de tijolo do tipo solo-cimento.
É notável a preocupação dos arquitetos em relação às condições climáticas da região,
que apresenta clima quente e seco. A Igreja possui um pé direito elevado e aberturas
sombreadas voltadas para o leste. O uso de cores claras, além de dar uma sensação de maior
amplitude, evita a absorção excessiva de calor. O uso de vitrais confere a entrada de luz filtrada
e a planta livre, assim como a posição das aberturas favorece a circulação de ar. Tudo isso
promove um espaço que valoriza a iluminação e ventilação naturais, criando um ambiente
espaçoso e aberto, características comuns em edificações modernas. Algumas dessas
características podem ser encontradas no Guggenheim Museum em Nova York 4 e no Pavilhão
Serpentine 5, por exemplo.
Fora seu design único dentre as edificações modernas locais, um dos destaques do
projeto é sua interação com a paisagem. Ela se destaca em meio à vegetação, trazendo um
caráter etéreo e criando um conceito de leveza e pureza que combina com a natureza ao redor.
Além disso, os vitrais, implantados em 2022, são o contraponto de contraste, equilibrando e
trazendo personalidade para a composição. Eles retratam uma cena de Jesus orando no Horto
das Oliveiras. Além deles, também foram projetados outros vitrais, representando o calvário e
alguns elementos representativos dos romeiros e da região, como o pé de juá, o terço e o
candeeiro, mas estes continuam na fase de arrecadação de recursos para sua implantação.
A implantação foi feita no ponto mais alto da cidade, podendo ser vista de diversos
locais, funcionando como um marco na paisagem. É notável também por ser o primeiro ponto
de referência a ser avistado da Rodovia Padre Cícero, vinda do município de Caririaçu. A Igreja
fica em meio a vegetação serrana e seus vitrais ficam à mostra nessa perspectiva, revelando sua
beleza à noite, quando a iluminação interna é acesa.
166
5 CONCLUSÃO
É notável que a Igreja Bom Jesus do Horto é uma construção marcante para a cidade
de Juazeiro do Norte, sendo uma parte significativa da narrativa histórica da cidade. Além de
suas características arquitetônicas e o fato de a edificação ser uma referência de arquitetura
modernista na cidade, sua importância é destacada devido à sua forte ligação com a
comunidade local, sua vida cultural e religiosa. O que a torna significativa é sobretudo sua
dimensão imaterial, ao exercer um papel importante na relação entre memória e história para
a cidade.
O templo religioso, mesmo inacabado, apresenta-se como um lugar de culto,
constituído por um espaço irradiador de cultura, memória e fé. A sua importância material está
concretizada na forma arquitetônica do templo, que reverbera na paisagem, tornando a igreja
Bom Jesus do Horto um dos principais pontos turísticos da cidade. A sua imaterialidade é
transmitida, pelo rito, cantos, festas e principalmente pelas procissões, sendo o destino de uma
das quatro principais romarias de Juazeiro, onde o patrimônio religioso se articula com as
experiências e vivências relacionadas a um passado e a um presente.
Logo, a importância da igreja fundamenta-se não apenas em aspectos tangíveis, mas
em suas relações históricas e de sociabilidade, que envolvem práticas de saberes, ofícios,
celebrações, formas de expressão, em um lugar de práticas culturais coletivas. Essa perspectiva
se encaixa muito bem na definição de patrimônio imaterial proposta por Pelegrini (2020):
5 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ALMEIDA, Núbia Ferreira. O Colégio Salesiano de Juazeiro do Norte e o projeto educacional do Padre Cícero: os
benefícios da juventude (de 1939 a anos de 1970). 2011. 254f. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade
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BRAGA, Antônio Mendes da Costa. Padre Cícero: sociologia de um padre: antropologia de um santo. 2007. 419f.
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Disponível em: https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/regiao/construcao-da-igreja-do-horto-completa-
duas-decadas-com-atrasos-1.2134392. Acesso em: 24 ago. 2023.
167
COSTA, André; FALCONERY, Lucas. Romarias de Juazeiro do Norte podem se tornar Patrimônio Imaterial; saiba o
que pode mudar. Diário do Nordeste, 2022. Disponível em:
https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ceara/romarias-de-juazeiro-do-norte-podem-se-tornar-patrimonio-
imaterial-saiba-o-que-pode-mudar-1.3208395. Acesso em: 24 ago. 2023.
Estátua de Padre Cícero: Juazeiro do Norte, CE. Biblioteca IBGE. Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/biblioteca-
catalogo.html?id=436438&view=detalhes#:~:text=Terceira%20maior%20est%C3%A1tua%20do%20mundo,milh%C3
%B5es%20de%20visitantes%20por%20ano
FILHO, Manoel Bergström Lourenço. Juazeiro do Padre Cícero. INEP/MEC, 2002. 179 p.
GLOBO Comunicação e Participações S.A. Igreja Bom Jesus do Horto começa a receber vitrais de projeto feito na
Itália. CETV, ed. 1, 12 ago. 2022. Disponível em: https://globoplay.globo.com/v/10843175/. Acesso em: 24 ago.
2023.
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JUNIOR, Roberto. A Igreja do Horto, o Templo Da Missa do Fim Dos Tempos. Cariri das Antigas, 2021. Disponível
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2023.
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d41d9292ee51. Acesso em: 24 ago. 2023.
PELEGRINI, Sandra. A Gestão do Patrimônio Imaterial Brasileiro na Contemporaneidade. In: CARVALHO, Aline;
MENEGUELLO, Cristina (org). Dicionário temático de patrimônio: debates contemporâneos. Campinas, SP: Editora
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RAMOS, Francisco Régis Lopes. O Meio do Mundo: território sagrado em Juazeiro do Padre Cícero. 1ª ed. Fortaleza:
Editora UFC, 2014.
RODRIGUES, Paulo Henrique. Igreja do Horto sonhada pelo Padim está ganhando vitrais com símbolos da romaria.
Diário do Nordeste. 15 ago. 2022. Disponível em: https://l1nq.com/diariodonordeste. Acesso em: 24 ago. 2023
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Disponível em: doi:10.1175/JCLI-D-18-0159.1. Acesso em: 24 ago. 2023.
168
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
(X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Humberto Metello
Professor Doutor, UNIVAG, Brasil
hmetello@univag.edu.br
169
RESUMO
O objetivo deste trabalho é fornecer uma visão geral da parceria no campo da Habitação de Interesse Social (HIS)
durante o ano de 2022. Para atingir esse objetivo, utilizou-se uma metodologia que envolveu revisão bibliográfica
descritiva e exploratória. A revisão descritiva visava apresentar os indicadores das publicações acadêmicas
relacionadas à autoconstrução na área de HIS. Por outro lado, a pesquisa exploratória tinha como objetivo conhecer
a situação dessa área em um determinado estado com base em uma pesquisa bibliométrica. A pesquisa identificou
um total de 115 artigos na plataforma Google Acadêmico e 87 artigos na plataforma Scielo relacionados à Habitação
de Interesse Social. Os resultados revelaram algumas descobertas significativas, incluindo uma sólida definição no
contexto histórico em todos os estudos analisados. Além disso, apenas 19% dos estados brasileiros participaram
desses estudos, com os cursos de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo se destacando como os mais atuantes na
produção acadêmica relacionada à HIS. A Lei 11.888/2008 desempenhou um papel importa nte nesse contexto. Em
resumo, este estudo oferece uma visão abrangente da pesquisa acadêmica relacionada à Habitação de Interesse
Social em 2022, destacando a participação dos estados, a influência dos Cursos de Arquitetura e Urbanismo, de
Engenharias, também os cursos de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo e a relevância da Lei 11.888/2008 para a
produção acadêmica nesse campo.
ABSTRACT
The objective of this work is to provide an overview of the partnership in the field of Social Interest Housing (HIS) during
the year 2022. To achieve this objective, a methodology was used that involved a descriptive and exploratory
bibliographical review. The descriptive review aimed to present the indicators of academic publications related to self-
construction in the HIS area. On the other hand, the exploratory research aimed to know the situation of this area in
a given state based on a bibliometric research. The research identified a total of 115 articles on the Google Scholar
platform and 87 articles on the Scielo platform related to Social Interest Housing. The results revealed some significant
findings, including a solid setting in historical context across all analyzed studies. In addition, only 19% of the Brazilian
states participated in these studies, with Master's courses in Architecture and Urbanism standing out as the most
active in academic production related to HIS. Law 11.888/2008 played an important role in this context. In summary,
this study offers a comprehensive view of academic research related to Social Interest Housing in 2022, highlighting
the participation of states, the influence of Architecture and Urbanism and Engineering courses, as well as Master's
courses in Architecture and Urbanism and the relevance of Law 11.888/2008 for academic production in this field.
170
1 INTRODUÇÃO
171
respostas para a real qualificação e apropriação dos conhecimentos do autoconstrutor nas
periferias urbanas.
As de ordem intelectual, por exemplo, são aquelas nas quais o conhecimento a
respeito de determinado objeto de estudo possui pouca pesquisa sobre o assunto, Gil (1991).
Esta necessidade acadêmica de aprofundar o conhecimento a respeito de
determinados assuntos pode apresentar características muito diferentes em seus métodos de
pesquisa e, algumas vezes é preciso quebrar alguns paradigmas para atingir a atividade fim, que
é produzir um texto dentro das características aceitáveis tanto na academia quanto na
correspondência formal.
Um dos erros ou desafios comuns para o aprimoramento dessa realidade é considerar
que a complexidade do tema ou a suposição de que a autoconstrução deve ser deixada de lado,
por ser uma realidade empírica da população de baixa renda e, por isto, esbarra diante da
hipótese de que a produção acadêmica atual não contempla a autoconstrução como uma forma
tecnológica, já que a produção de habitações para a população de baixa renda, questão que
originou esta pesquisa, é: qual o grau de aplicabilidade atual da produção acadêmica sobre a
autoconstrução visando atender a necessidade de habitações de interesse social no Brasil?
Para responder à questão do objetivo geral são necessários responder às seguintes
questões:
a) A produção acadêmica sobre a autoconstrução tem contribuído com esta
realidade?
b) Quais as lacunas entre a produção acadêmica e a aplicação prática do
conhecimento desenvolvido com vistas a autoconstrução?
c) Quais são as maiores dificuldades para o desenvolvimento das pesquisas sobre
a autoconstrução?
d) Os pesquisadores entendem o contexto histórico dos objetivos da
autoconstrução?
172
cunho exploratório, na forma de levantamento bibliográfico, tem como objetivo proporcionar
maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a constituir
hipóteses. Pode-se dizer que estas pesquisas têm como objetivo principal o aprimoramento de
ideias ou a descoberta de intuições. Seu planejamento é, portanto, bastante flexível, de modo
que possibilite a consideração dos mais variados aspectos relativos ao fato estudado. (Gil, 2002,
p41).
Com bem explica Gil (2002) a pesquisa busca a consolidação dos conhecimentos,
habilidades e hábitos para rever o que já conhece a respeito do assunto para chegar ao tema.
Além disso, o conhecimento do estado atual dos estudos dará melhores condições para decidir
qual caminho seguir no intuito de discutir e implementar soluções? Por isso, faz-se necessário
um estudo que aponte os indicadores sobre produção já que, conforme Rousseau (1998) é
necessário gerar informações de pesquisas que possibilitem análises fundamentadas sobre o
estado da pesquisa de um setor.
Mesmo que a estrutura do artigo apresente uma fundamentação teórica, é importante
definir os conceitos básicos para um melhor entendimento do panorama da produção científica
ligada ao tema da autoconstrução dentro dos trabalhos acadêmicos sobre habitação social no
país podendo ser eles trabalhos de conclusão de curso, artigos e teses dentro dos cursos de
Arquitetura e Urbanismo, Engenharia Civil, Sociologia e Direito. Seguindo com as considerações
necessárias para a definição do método da pesquisa e as etapas metodológicas Escolha da base
mais populares de publicação de artigos, revisão bibliográfica, coleta de dados em tabulação,
análise quantitativa seguindo com a conclusão. Os resultados obtidos através da sistematização
e tabulação da análise dos artigos e discussão estabelecida sobre os mesmos são apontados no
terceiro capitulo, já as considerações finais que tratam da recapitulação sintética dos re sultados
da pesquisa ressaltando o alcance e as consequências contribuições e sugestões para trabalhos
futuros são apresentados na conclusão deste.
3 REVISÃO DE LITERATURA
173
moradias ou cômodos insalubres ao longo de um corredor, sem instalações hidráulicas
(BONDUKI, 1994).
Provavelmente a construção do primeiro grupo de moradias construídas pelo poder
público no Brasil em 1906, foi na cidade de Rio de Janeiro com a construção de 120 unidades
habitacionais com a derrubada de milhares de cortiços para a abertura da Avenida Central. E em
1926 em Recife a construção de 40 unidades habitacionais com caráter social pela Fundação A
Casa Operária. Estas iniciativas tiveram um impacto importante em várias cidades brasileiras,
pois são os primeiros empreendimentos habitacionais de grande porte construídos no país.
São habitações estas construídas pelos próprios moradores com técnicas assimiladas
pela prática do trabalho no dia a dia e ou por método exclusivamente visual do trabalho de
outro, encaixando entendimento dentro da facilidade e dos recursos disponíveis. Comumente
implantadas em geral nas regiões periféricas das cidades e de suas construções de padrão
técnico normatizado entende se como acompanhadas por aqueles arquitetos e engenheiros.
Cavalcanti e Alvim relatam resultado de pesquisa inédita realizada em 2015 pelo
Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU) em parceria com o Instituto Datafolha, onde buscou
se saber a realidade da autoconstrução brasileiras independentemente da faixa de renda:
[...] 2.419 pessoas foram entrevistadas em todo o Brasil. Os
resultados demonstram que 54% da população reformou imóvel
residencial ou comercial e que 85% desse conjunto fizeram o serviço
por conta própria, sem a contratação de profissional habilitado,
possivelmente estas construções estão de alguma forma irregulares
(CAVALCANTI E ALVIM,2020).
Isto dentro da realidade das reformas, mas também existe as das novas construções
pois sem os documentos relativos ao terreno e de comprovação de renda para financiamentos
pelas instituições financeiras a parcela da população de baixa renda muitas vezes é excluída.
Esta parcela é atendida por depósitos de materiais de construção que acabam fazendo o papel
de credor, emprestando dinheiro a juros muito acima dos praticados pelo mercado. A ilegalidade
da autoconstruir fica fortemente evidenciada no momento de legalizar o imóvel, pois sem os
alvarás e projetos aprovados sem as considerações das leis de uso do solo e códigos de obras,
impossibilitam a obtenção do habite-se de conclusão excluindo o direito de registros da
propriedade (BALTAZAR,2012).
Observa-se para esta grande parcela da população em 2008 foi sancionada a Lei
Federal 11.888/2008 (Lei da Assistência Técnica Gratuita) onde profissionais da arquitetura e de
engenharia por intermédio da União, os estados, o Distrito Federal e os Municípios prestam
apoio especializado à população (urbana ou rural) de renda de até 3 salários mínimos,
contribuindo para minimizar parte dos problemas existentes.
Mas a realidade observada mostra que a Lei ainda não funcionou como deveria,
passados 15 anos desde a promulgação da lei a paisagem ainda persiste, moradias
autoconstruídas de forma inadequadas. Neste contexto pretende buscar uma contribuição com
o debate acerca da habitação precária, especialmente a autoconstrução.
174
3.2 Estudos e Produções acadêmicas.
A teoria serve para indicar os fatos e as relações que ainda não estão
satisfatoriamente explicados e as áreas da realidade que demandam
pesquisas - é exatamente pelo fato de a teoria resumir os fatos e
também prever fatos ainda não observados que se tem a possibilidade
de indicar áreas não exploradas, da mesma forma que fatos e relações
até então insatisfatoriamente explicados. Assim, antes de iniciar uma
investigação, o pesquisador necessita de conhecer a teoria já
existente, pois é ela que servirá de indicador para a delimitação do
campo ou área mais necessitada de pesquisas. (MARCONI E LAKATOS,
2003, p.118).
175
universidade de pesquisa, de estudos profundos e avançados, pelos quais possa construir a
cultura brasileira e fazer marchar o conhecimento. (TEIXEIRA apud MOEBUS, 2006, p.16)
A pesquisa é fundamental, uma vez que é por meio dela que se pode gerar o
conhecimento, a ser necessariamente entendido como construção dos objetos de que se precisa
humanamente para a evolução do conhecimento.
Conforme ABREU (2012) a pauta das pesquisas nacionais estava dissociada das
necessidades da iniciativa privada, que acabava balizando seus esforços de inovação com base
mais nas informações de fornecedores e concorrentes do que no conhecimento produzido pela
comunidade acadêmica nacional. Esse era o nó que tinha de ser desfeito, para que os avanços
do País em produção científica se convertessem em fator de crescimento econômico e bem-
estar social.
4 METODOLOGIA
Para a realização desta pesquisa, fez-se um estudo de revisão bibliográfico descritiva
e exploratória. Com relação a descritivo por ter como objetivo apresentar os indicadores das
publicações acadêmicas na área de Habitação de Interesse Social mais especificamente a
autoconstrução e a exploratório por buscar conhecer a área no Estado em que se encontra com
176
base na pesquisa bibliométrica e no mapeamento feito no objeto da pesquisa, o que levará à
construção em panorama sobre a identificação da área.
Das produções de artigos científicos no ano recorrente 2022, no qual descrevendo o
conjunto de dados encontrados utilizando técnica tipo tabulação dos artigos selecionados, da
base de escala das palavras chaves: autoconstrução, ajuda mutua, mutirão. Tendo como
resultado de 202 artigos encontrados, soma de 115 artigos da base Google Acadêmico e 87
artigos da base Scielo, amostras dos estudos coletada até o dia 08 de novembro de 2022.
Após os 202 artigos serem analisados a partir da leitura de seus resumos e das
compreensões das fontes de pesquisa, optando-se por aqueles de origem das Faculdades de
Arquitetura e Urbanismo e Faculdade de Engenharia Civil, foram selecionados 14 artigos dentro
desses parâmetros. Conceituou-se assim este estudo pelas propostas relacionadas aos
resultados práticos dessas 14 publicações científicas, conforme Gráfico 02.
Artigos analisados
50% 50%
177
Tabela 01 - Tabulação da revisão bibliográfica
Artigos Base Autores Universidade/Periodico Nível/Categoria Leis Referenciadas
Universidade de São Paulo.
Cardoso e Lopes
1 Scielo São Carlos/SP- Faculdade de Mestrado/Política Lei 11.888/2008.
(2022).
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade de São Paulo.
2 Scielo Paulillo (2022). São Paulo/SP - Faculdade de Mestrado/Política Lei Municipal nº 38 São Paulo.
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade de São Paulo.
Nakama e Macena
3 Scielo São Paulo/SP - Faculdade de Mestrado/Política Lei n. 11.079/2004 /lei n. 13.334 .
(2022).
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Estadual do
Gomes e Burnett Maranhão. Bacabal/MA -
4 Scielo Tese/Política Lei da Terra.
(2022). Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo.
Universidade de São Paulo.
Lei do Inquilinato/Lei Moura - Lei municipal
5 Scielo Muniz (2022). São Paulo/SP- Faculdade de Tese/Técnica
nº 10.928, de 8 de janeiro de 1991
Arquitetura e Urbanismo.
Universidade Anhanguera de
São Paulo. São Paulo/SP-
6 Scielo Barioni at al. (2022). Mestrado/Política *Não Aplicavel.
Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo.
Universidade Estadual de
Euphrosino at al
7 Scielo Campinas. São Paulo/SP - Mesrado/Técnica Lei 11.888/2008.
(2022).
Faculdade de Engenharia Civil.
Os dados do Gráfico 03 demostra que em ambas das bases de busca com 07 artigos
selecionados de cada, os artigos apresentaram cerca de 71% (5 artigos) trabalharam sobre a
ideia das políticas habitacionais e que 29% (2 artigos) dos artigos se dedicaram a abordagem
técnica das construções das para habitações de interesse social. Faz-se necessário recordar que
os objetivos deste estudo é a análise dos artigos que referenciam em seus estudo a Lei
11.888/2008 - Assistência Técnica Pública e gratuita a habitação de interesse social.
178
Gráfico 03- Distribuição por Área de Estudo- nov.2022.
71% 71%
5
29% 29%
0
Scielo Google academico
Politicas Habitacionais Tecnicas Construtivas
6
Político
4
Técnico
2 Total da Base
Linear (Total da Base)
0
Scielo Google Acadêmico
Base Fonte dos artigos
Fonte: elaborado pela autora (2022).
179
Programas de Pós-Graduação de Engenharia Civil (Graduação e programas de pós-graduação
em Mestrado) também produziram, mas com pouca relevância, visto o um número de trabalhos,
cerca de 3 publicações, sendo elas 2 à nível de graduação e somente 1 a nível de mestrado, sem
nenhuma amostra para teses de doutorado. As Faculdades da Arquitetura e Urbanismo se
mostraram nesta avaliação como as que mais publicam seus estudos sobre a autoconstrução.
64%
21%
79%
180
Destaca-se as seguintes informações, do Gráfico 7:
1.Políticas habitacionais - Resultados de 10 artigos (71%);
2.Tecnicas de Edificação - Resultados de 04 artigos (29%).
Artigos
29%
71%
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como propósito sistematizar a produção científica sobre o atual
panorama da autoconstrução no Brasil, levantando os principais estudos publicados em 2022.
Pelos estudos do tema hoje gira entorno de dois entendimentos o das políticas públicas e de
técnicas de construção no objetivo de solucionar o problema habitacional que está explícito em
todos os trabalhos pesquisados. A produção acadêmica estudada, envolvendo pesquisadores da
Arquitetura e da Engenharia civil em diversas principais instituições de pesquisa do País vem
sendo um indicativo da importância desse tema no contexto nacional.
No Brasil o provimento de moradia para atender a alta demanda de habitações se
concentra, ainda hoje, na autoconstrução, sendo, pois, um motivo plausível de se aumentar no
futuro os números das publicações. Mas faz necessário decisões mais efetivas para a solução
dessa realidade onde a autoconstrução é uma realidade. E ainda persiste a pergunta porque a
Lei 11.888/2008 não se faz ser respeitada? Será que as Faculdades de Arquitetura e Engenharia
não tem entendimento do significado da responsabilidade social junto as suas comunidades?
É preciso direcionar as pesquisas acadêmicas, não somente nas políticas públicas,
como a maior parte dos trabalhos, mas também desenvolver trabalhos em áreas pouco
estudadas e produzir resultados que possam ser utilizados na realidade do país.
A lacuna não gerida entre o meio acadêmico e o Estado, a Lei 11.888/2008 que apesar
de ser o mais citado como responsável pelo processo de produção da habitação autoconstruída
no país como de interesse social, não é alvo do repasse do conhecimento produzido e nem
participa das pesquisas ou estudos ou se beneficia da realização das pesquisas.
Observa-se que as parcerias com entidades ligadas a provisão da habitação, não estão
presentes nos estudos, imaginamos que isso contribuiria realmente com a habitação de
interesse social no país, pois Maricato (2009) afirma que a orientação adequada da pesquisa
acadêmica pode nos conduzir a uma maior compreensão da realidade na busca de solução.
Concluímos que, estudar e refletir sobre os caminhos dos estudos acadêmicos aponta possíveis
181
lacunas e hipóteses. importantes entendimento para os avanços dos estudos, adquirindo
elementos para construir novos rumos. A intenção é que, no espaço acadêmico, este processo
de reflexão contribua oferecendo análises sobre os limites e as possibilidades da pesquisa e da
produção de habitação de interesse social no país.
Agradecimentos
Agradeço ao Profº. Dr. Humberto Metello pela orientação desta temática no qual este
trabalho buscou elucidar. A Profª Dra. Maira Vieira Dias pela oportunidade do artigo como parte
integrante da disciplina Seminários Avançados em Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo da Pós-
Graduação de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo da UNIVAG. Agradecimentos ao CNPq e a
CAPES pelo auxílio financeiro.
7 REFERÊNCIAS
7.1 Livros
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182
7.5 Trabalhos publicados em eventos
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183
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
(X) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
184
RESUMO
Barretos nasceu às margens do Ribeirão Pitangueiras, como recorrente na origem de muitas cidades em sua relação
com o sistema hídrico. Em decorrência do processo de crescimento urbano, a natureza e os córregos da cidade se
tornaram invisíveis e esquecidos, devido ao processo de canalização e retificação de seus perfis originais, como é o
caso do Córrego do Aleixo. Essas modificações acarretaram em desastres ambientais, como enchentes e enxurradas
em períodos de chuvas intensas e no aumento de ilhas de calor. O Córrego do Aleixo, pertencente à Bacia Baixo Pardo
Grande, tem seu perfil em paisagem rurais e urbanas; transpõe a cidade, permeando por áreas com diferentes usos
urbanos e possui vazios nas margens em que seu traçado foi retificado. A situação atual não é composta de espaços
de convívio e de integração do homem com a natureza. Para a mudança deste cenário, é necessária uma análise
territorial multiescalar, visto que as questões ambientais e de recursos hídricos transpõem os limites municipais.
Objetiva-se, neste artigo, compreender as dinâmicas territoriais socioambientais e econômicas de Barretos e região,
a partir do Zoneamento Ecológico-Econômico do Estado de São Paulo (ZEE-SP), como fundamento para subsidiar a
leitura do caso o Córrego do Aleixo, considerando a possibilidade de que venha a exercer um papel estruturador, no
sentido de ponderar novas formas para ter-se a natureza participando da cidade e maior preservação da
biodiversidade, por meio da produção de espaços de convívio no meio urbano e rural. Este artigo, mediante
investigação documental, pretende constituir insumos para reflexão socioterritorial em direção a embasar estes
pressupostos, a serem desenvolvidos futuramente.
PALAVRAS-CHAVE: Rios Urbanos. Zoneamento Ecológico-Economico do Estado de São Paulo. Equilíbrio natural,
urbano e rural.
ABSTRACT
Barretos was born on the banks of Pitangueiras Stream, as a recurring feature in the origin of many cities
in their relationship with the water system. As a result of the process of urban growth, the city's nature
and streams have become invisible and forgotten, due to the process of canalization and rectification of
their original profiles, as is the case of Aleixo Creek. These changes have led to environmental disasters,
such as floods and inundations during periods of intense rain and the increase in heat islands. The Aleixo
Creek, belonging to the Low Pardo Basin, has its profile in rural and urban landscapes; it spans the city,
permeating areas with different urban uses and it has voids on the margins where its layout was
straightened. The current situation is not made up of spaces for coexistence and integration of man with
nature. To change this scenario, a multi-scale territorial analysis is necessary, as environmental and water
resources issues go beyond municipal limits. The aim of this article is to understand the socio-
environmental and economic territorial dynamics of Barretos and the region, based on the Ecological -
Economic Zoning of the State of São Paulo (ZEE-SP), as a basis to support the investigation of the Aleixo
Creek case, considering the possibility that it will play a structuring role, in the sense of ponder new ways
to have nature participating in the city and to improve greater preservation of biodiversity, through the
production of social spaces in urban and rural areas. This article, through documentary research, intends
to provide input for socio-territorial reflection in order to support these assumptions, to be developed in
the future.
KEYWORDS: Urban rivers. Ecological-Economic Zoning of the State of São Paulo. Natural, urban and rural equilibrium.
185
1 INTRODUÇÃO
A história de Barretos, que hoje é uma cidade média, com aproximadamente 122 mil
habitantes (IBGE, 2020), está relacionada com a proximidade de corpos d´água
estrategicamente localizados. Ao longo do Ribeirão Pitangueiras, as famílias Barreto e Marques
se instalaram e, em 1852, seus descentes doaram terras para a formação do arraial
homenageando o Divino Espírito Santo. A proximidade com o Rio Grande fortaleceu a principal
atividade econômica da cidade, a agropecuária, por meio da comercialização das produções do
norte do Estado de São Paulo e do Centro-Oeste com a Região Sul (MEDEIROS, 2020).
Tanto o surgimento do primeiro núcleo urbano como o crescimento econômico da
cidade se fortaleceram devido à presença da água, mas, durante a expansão urbana, a cidade
desconsiderou seus córregos, modificando seus perfis naturais para melhor desenvolvimento da
malha urbana, resultando em córregos retificados e canalizados (Figura 1).
186
a cidade transversalmente no sentido Leste-Oeste e se situar em áreas rurais e urbanas,
simultaneamente (Figura 2). A nascente do córrego está localizada em uma zona de rural, inicia
seu percurso na malha urbana na Região dos Lagos e percorre trechos relativamente
desocupados, setores turísticos, habitacionais e mistos. O curso do córrego segue em área rural,
caracterizada pela presença de chácaras e pesqueiros, até desaguar no Ribeirão Pitangueiras,
sendo que este, por sua vez, deságua no Rio Pardo, na divisa da cidade de Barretos com Guaíra.
187
2 OBJETIVOS
4. RESULTADOS
188
No diagnóstico é realizado um levantamento de dados históricos e atuais, baseado em
três temas, o meio físico-biótico, as dinâmicas socioeconômicas e a organização jurídico-
institucional. Como produto, para as diretrizes Resiliência às Mudanças Climáticas (D1);
Segurança Hídrica (D2); Salvaguarda da Biodiversidade (D3), são elaboradas cartas-sínteses de
cada diretriz, a partir da interpolação de dados relacionados aos indicadores da situação atual,
da pressão de continuidade — caso as tendências se mantenham — e respostas mais urgentes.
Para a Economia Competitiva e Sustentável (D4), é realizado um relatório específico devido à
complexidade das informações e, para a Redução das Desigualdades e Regionais (D5), é
produzida carta-síntese a partir de dez fatores: dinâmica econômica/riqueza; saúde; educação;
comunicação; habitação; cultura; qualidade ambiental; segurança pública; gestão fiscal e
transporte (SÃO PAULO, 2022a; SÃO PAULO, 2022b).
O prognóstico busca, a partir da análise dos dados atuais, criar cenários, ou seja,
projeções futuras. O resultado desta etapa são as projeções para o ano de 2040, compostas por
relatório global de mudanças climáticas (Representative Concentration Pathways – RCP 8.5) e
pelas cartas-sínteses para as diretrizes de Resiliência as Mudanças Climáticas (D1); Segurança
Hídrica (D2); Salvaguarda da Biodiversidade (D3) e Redução das Desigualdades e Regionais (D5)
(SÃO PAULO, 2022a).
189
públicas e planos de ação territoriais multiescalares, relacionados aos itens: unidade de
conservação e áreas protegidas; fauna e flora; fiscalização e gestão da biodiversidade; qualidade
e quantidade de água; gestão e infraestrutura de saneamento; atividade agropecuária; gestão
de riscos e desastres; dinâmica socioeconômica; infraestrutura de comunicação e transporte;
habitação; cobertura e uso da terra; povos e comunidades tradicionais; e energia (SÃO PAULO,
2022g).
A cidade de Barretos, localizada no norte do Estado de São Paulo, integra a Zona 1, que
é composta pelas Regiões Administrativas (RAs) de Barretos, Franca, Ribeirão Preto e Central. A
RA Barretos apresenta índices: intermediário, para as diretrizes de Resiliência às Mudanças
Climáticas (D1) e Redução das Desigualdades Regionais (D5); favorável, para Segurança Hídrica
(D2) e para Salvaguarda da Biodiversidade (D3) (SÃO PAULO, 2022c)
Os resultados das cartas-sínteses são as composições dos indicadores de cada diretriz,
com seus pesos específicos, sendo necessário analisar os indicadores separadamente para que
a compreensão, tanto do espaço regional como urbano, seja assertiva e os dados não se tornem
mascarados (SÃO PAULO, 2022a; 2022c).
A RA Barretos se destaca pelo turismo, sendo a “Festa do Peão de Boiadeiro de
Barretos” o evento mais relevante da região, que impacta diversos setores, como o agronegócio,
o industrial, o comercial, compreendendo hotelaria, bares e restaurantes. Esse evento turístico,
por mais que modifique, estimule e tenha impacto na economia do município e da região, tem
baixa contribuição econômica na RA de Barretos. Em contrapartida, A RA contempla pouca
participação no PIB do Estado, devido à sua baixa tecnologia e pouca diversidade industrial (SÃO
PAULO, 2022g).
Esse cenário de pouca expressividade tecnológica e industrial da região é
compreensível, ao entender a baixa qualidade da mão de obra disponível, em paralelo ao nível
de escolaridade da região. De acordo com o Índice de Responsabilidade Social (IPRS), analisado
nas diretrizes Economia Competitiva e Sustentável (D4) e Redução das Desigualdades e
Regionais (D5), o nível de escolaridade da cidade da RA Barretos é alto, porém a busca pela
inserção no mercado de trabalho é concorrida, visto que todas as Regiões Administrativas da
Zona 1 possuem níveis críticos de matriculas em cursos superiores, mesmo com o incentivo a
cursos técnicos e profissionalizantes, sendo eles oferecidos por três Escolas Técnicas Estaduais
(ETEC) e dois estabelecimentos do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial ( SENAC). Há a
presença de três instituições de ensino superior, sendo estas o Centro Universitário da Fundação
Educacional de Barretos (UNIFEB), a Faculdades Barretos e Faculdade de Ciências da Saúde de
Barretos Dr. Paulo Prata (FACISB) (SÃO PAULO, 2022c; 2022f).
Os setores econômicos da RA Barretos que têm maior crescimento são o de serviços,
relacionados principalmente à saúde — devido à presença da FACISB e do Hospital de Amor,
referência em tratamento oncológico no mundo — e também o agronegócio, que é a principal
atividade econômica da Região Administrativa, sendo a cana-de-açúcar, laranja e café os
principais cultivos, destinados à produção de biocombustíveis, alimentos, sucos e ração, como
também a pecuária, destinada aos frigoríficos Minerva e Friboi, que detém escala internacional
e influência expressiva na América Latina. As práticas utilizadas nos setores econômicos como
o consumo massivo de agrotóxicos, impactam diretamente o ecossistema, a vida humana e o
clima, tornando a situação atual um estado de emergência humanitária na Região (SÃO PAULO,
2018; SÃO PAULO, 2022d; OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2023).
190
O Relatório do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) de
2023 mostrou que, em 2019, houve a maior concentração de CO2 em 2 milhões de anos e a de
oxido nitroso em pelo menos 800 mil anos, sendo que 79% das emissões globais de gases do
efeito estufa foram relativas aos setores de energia, indústria e transporte; 22% relacionadas
aos setores de agricultura, silvicultura e pecuária (OBSERVATÓRIO DO CLIMA, 2023)
O ZEE-SP, para a diretriz de Resiliência as Mudanças Climáticas (D1), apresenta
cenários complexos e alarmantes relacionados à temperatura e às chuvas para o município de
Barretos e sua região, que são resultados da fragmentação da vegetação nativa, dos pontos de
erosão e também da falta de diversidade na produção agropecuária, sendo que estes índices
também fragilizam a conservação da biodiversidade.
As projeções climáticas foram sintetizadas em um mapa que apresenta as situações
negativas e um mapa correspondente às situações positivas, que representam,
respectivamente, os desvios máximos e mínimos, obtendo maior espectro de tendências para o
Estado (SÃO PAULO, 2022d).
As projeções mostram um aumento do período de estiagem, das ondas de calor e da
intensidade das chuvas, provocando dias calorosos e facilitando a ocorrência de enchentes e
deslizamentos de terra. A temperatura média anual (Figura 4) apresenta alto aquecimento em
todo o Estado, sendo, na RA Barretos, o desvio mínimo correspondente a um aumento de 4°C
e, o desvio máximo, ao intervalo de 6°C – 8°C. O município de Barretos está localizado em uma
região onde estão pontuados os maiores índices de aquecimento, podendo dificultar a
sobrevivência de espécies e perda de biodiversidade, bem como afetar a saúde e o bem-estar
humano, resultando em queimadas, baixa na produção de alimentos, prejuízo na germinação
da vegetação nativa e o impacto negativo na segurança hídrica (OBSERVATÓRIO DO CLIMA,
2023; SÃO PAULO, 2022d).
Figura 4 – Mapas da Temperatura Média Anual do Estado de São Paulo. Esquerda: desvio máximo e Direta: desvio
mínimo
191
relacionados à segurança hídrica, perante a disponibilidade, o abastecimento público e a
conservação da biodiversidade, visto que haverá um maior índice populacional em áreas do
Aquífero Bauru e Aquífero Guarani, sendo este último uma das principais reservas subterrâneas
de água doce do mundo (SÃO PAULO, 2022b; SÃO PAULO, 2022h).
Figura 5 – Gastos com água e esgoto na indústria, comércio e serviço no Estado de São Paulo
192
Figura 7 – Remanescentes de vegetação nativa da Mata Atlântica e do Cerrado no Estado de São Paulo.
193
A diretriz Salvaguarda da Biodiversidade (D3) aponta que o uso excessivo dos recursos
naturais prejudica a biodiversidade e impacta na extinção de espécies animais e vegetais,
causando um desequilíbrio ecossistêmico. No Estado de São Paulo, os remanescentes de
vegetação nativa constituem a proporção de 17,5%, sendo 16,6% relativos à Mata Atlântica e
0,9% ao Cerrado, no Estado, o que corresponde, respectivamente, a 12% e 1% da cobertura
original (Figura 7). A bacia do Córrego do Aleixo, na cidade de Barretos, está localizada em uma
área com pouca presença de vegetação nativa, sem Unidades de Conservação instituídas e em
estado de criticidade, relacionado ao número de incêndios, densidade de nascentes e ao risco
de ameaças à biodiversidade. Conforme evidencia o Relatório de Qualidade Ambiental (RQA) do
Estado de São Paulo, a Bacia Baixo Pardo Grande (UGRH-12), à qual pertence o Córrego do
Aleixo, apresenta alto índice de pesca de espécies que deveriam ser preservadas (Figura 8) (SÃO
PAULO, 2018; 2022b; 2022h).
O ZEE-SP, portanto, evidencia o estado de crise ecossistêmica ao qual a RA Barretos
está submetida, aumentando o desequilíbrio social e entre os seres vivos. Essa desarmonia
socioambiental tem impacto no município de Barretos, que apresenta, em seu território, uma
relação complexa, devido à proximidade das paisagens urbanas e rurais, sendo que as últimas
sofrem com a pressão do crescimento urbano e da econômica agropecuária. O Córrego do Aleixo
desloca-se em ambas as paisagens, sobrevivendo às tensões do ambiente rural e da
concentração dos usos em solo urbano. A situação que poderíamos considerar análoga, em
ambas as paisagens, é a priorização na produção de bens e a falta de criação de espaços de
encontros e aprendizado.
Por meio da compreensão do espaço urbano-regional de forma multiescalar e das
situações específicas da cidade de Barretos, fica evidente a importância de ponderar novos
cenários para o Córrego do Aleixo, como elemento estruturador. Como diretrizes preliminares,
pode-se, desde já, apontar para: apoderar-se das qualidades e potencialidades locais, o que
permitiria transformar as margens do córrego em locais de encontro e de produção educacional,
cultural e ecológica, como o resgate de espécies nativas, dosado, eventualmente, à agricultura
orgânica comunitária, que poderia ser realizada no ambiente urbano, com diversidade de
produtos locais, de fácil acesso à comunidade; parcerias com as faculdades e empresas que
incentivam desenvolvimento e pesquisa; e restauração ecológica para a preservação da
biodiversidade. O conjunto desses sistemas poderia formar um corredor verde-azul,
possibilitando que o Córrego do Aleixo e suas margens se tornasse um Córrego-Escola,
abrigando soluções sistêmicas exemplares que, no limite, poderiam apresentar possibilidades
de replicabilidade em situações análogas, por meio do manejo integrado da água e dos espaços
livres, da preservação da biodiversidade e da vivência no meio urbano e rural.
5 CONCLUSÃO
194
resultados e soluções onde a natureza faça parte do meio urbano, constitua novos arranjos no
meio rural, e que a relação homem-natureza possa apontar para paradigmas alternativos de
maior harmonia e equilíbrio.
6 OBSERVAÇÃO
7 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
IBGE. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Panorama. [S. I.]. Disponível em:
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MEDEIROS, K. A. De onde cantam as cigarras: o Grêmio Literário e Recreativo como sala de visitas de Barretos –
1910/1945. Barretos, SP: Edição da Aurora, 2020.
REDE ZEE. Rede de Zoneamento Ecológico-Economico do Estado de São Paulo. Disponível em:
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195
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196
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
197
RESUMO
A cidade de Cáceres está localizada na mesorregião Centro Sul mato-grossense, Microrregião do Alto Pantanal. Tem
uma importância histórica tanto para o estado de Mato Grosso quanto para o Brasil, pois seu início de urbanização
data de 1778, tornando-se peça-chave na colonização do extremo Oeste brasileiro e da capitânia de Mato Grosso e
Cuiabá. O presente trabalho busca analisar algumas obras encontradas no centro histórico da atual cidade de Cáceres.
A caminhada não teve um roteiro preciso, teve apenas a curiosidade como guia. Durante esse trajeto algumas fotos
foram registradas e a partir disso foi comparada a situação atual das casas tombadas com o que é descrito na Carta
de Veneza, na Declaração de Amsterdã e na Carta de Washington. Ao fazer esta comparação, percebe-se que as casas
tombadas na cidade não seguem os princípios que norteiam os documentos. Faz-se necessário um estudo mais
aprofundado para compreender a relação que o município mantém com o centro histórico e quais as medidas de
preservação e incentivos educacionais que deveriam ser elencados fim de reverter o abandono e o descaso com o
patrimônio local.
ABSTRACT
The city of Cáceres is located in the Centro Sul mesoregion of Mato Grosso, Microregion of Alto Pantanal. It has
historical importance both for the state of Mato Grosso and for Brazil, as its urbanization dates back to 1778, becoming
a key player in the colonization of the extreme west of Brazil and the flagship of Mato Grosso and Cuiabá. The present
work seeks to analyze some works found in the historic center of the current city of Cáceres. The walk did not have a
precise itinerary, it was just curiosity as a guide. During this journey, some photos were taken and, from there, the
current situation of the listed houses was compared with what is described in the Venice Charter, the Amsterdam
Declaration and the Washington Charter. When making this comparison, it is clear that the listed houses in the city do
not follow the principles that guide the documents. A more in-depth study is needed to understand the relationship
that the municipality maintains with the historic center and what preservation measures and educational incentives
should be listed in order to reverse the abandonment and neglect of the local heritage.
198
1 FORMAÇÃO HISTÓRICA DE CÁCERES-MT
Inicialmente conhecida como Vila Maria do Paraguai, a cidade de Cáceres foi fundada
como uma simples freguesia no ano de 1778 pelo 4° governador e capitão geral da Capitania de
Mato Grosso e Cuiabá, Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres. Situava-se além das
demarcações estabelecidas pelo Tratado de Madri em 1750 e cinco léguas de distância do marco
do Jauru. Uma das razões desta escolha foi a de melhorar as relações entre a Vila Capital Vila
Bela da Santíssima Trindade e a Vila Real Cuiabá, servindo de apoio aos viajantes e com a
importante função de expandir o território luso (MORAES, 2003, p. 34). João Carlos Vicente
Ferreira (2001) destaca outros importantes fatores pretendidos por Luiz de Albuquerque ao
desenvolver Vila Maria do Paraguai:
[...] Administrador ilustre, formalmente dizia instalar em Vila Maria um registro para
controle das passagens pelo Rio Paraguai, em 1772. Mas o que pretendia era mais do
que isso: queria fortificar um ponto estratégico do Rio Paraguai para a defesa do reino.
Nas aparências alegava a necessidade de cobrar os quintos da Coroa e evitar o
contrabando do ouro catado em Cuiabá e em Vila Bela da Santíssima Trindade. Mais
tarde construiu o posto militar de Vila Maria do Paraguai (FERREIRA, 2001, p. 405-406).
199
No presente trabalho busca-se analisar a conservação de algumas obras do centro
histórico da cidade tendo como parâmetro a carta patrimonial de Veneza (1964), a Declaração
de Amsterdã (1975) e a Carta de Washington (1986). Para delimitação do trajeto, não foi
escolhida uma área específica. O ponto de partida foi a praça central de Cáceres, denominada
Rio Branco e, a partir dela, percorreu-se um trajeto determinado pela curiosidade e pelo desejo
de observação de um conjunto remanescente de grande interesse histórico.
Mas, para prosseguir com a análise que se deseja, é preciso, antes, pensar um método;
caso contrário o devaneio se torna uma atitude vazia e ineficaz de observação do fato analisado.
Recorre-se, portanto a G. BACHELARD (1988), para justificar o devaneio como um método de
análise. Uma análise que pretende entender um fato, consequentemente sua manifestação no
tempo e no espaço, e como se apresenta à consciência, é, por si, um método fenomenológico;
no entanto, aqui, pretende-se dar um salto da fenomenologia para o devaneio.
BACHELARD (idem) fala da exigência que o método fenomenológico impõe ao se
colocar “em evidência toda a consciência que se acha na origem da menor variação da imagem”
(1988, 4), as alterações da imagem levam a uma “ingenuidade primordial”, lembrando que a
“fenomenologia não é uma descrição empírica dos fenômenos. Descrever empiricamente seria
uma subserviência ao objeto...” (Idem, ibidem). Com isso, BACHELARD busca a intencionalidade
poética, que encontra seu lugar na imaginação poética, colocando o paradoxo que existe entre
devaneio e fenomenologia. Se o devaneio é uma fuga do real, uma distensão da consciência que
pode se obscurecer, pela falta de memória, BACHELARD aponta o caminho para uma inclinação
positiva do devaneio, que é o devaneio poético, em que “todos os sentidos despertam e se
harmonizam” (1988, p. 6), tornando-se um devaneio inspirador.
O devaneio com a sua qualidade onírica absorve a fenomenologia, numa unidade de
observação e de criação da imagem poética, tirando o observador do seu egocentrismo. Assim,
da fenomenologia para o devaneio o que se procura entender e desvendar é a alma do
observador, e a intensidade com que o fato observado pode, na sua dissolução do real imediato
para uma reconsideração de uma ambiência de um real acontecido, causar na dimensão onírica
do observador, transformando esse evento urbano em uma inflexão no desenvolvimento da
cidade.
Com essa proposta de método, deve-se ter em consideração que, em um primeiro
momento, a presença do objeto observado é determinante, por causar um certo impacto ao
observador; e após, o devaneio toma conta da observação tirando o observador do lugar da
razão para um estado ampliado de consciência, de onde será feita a análise do objeto, em
“solidão sonhadora” (BACHELARD, 1988), enraizada na alma do sonhador, buscando as imagens
que pertencem à alma daquele que sonha,
(...) o devaneio, no seu estado mais simples, mais puro, pertence à anima. Certamente,
toda esquematização corre o risco de mutilar a realidade; mas ajuda a fixar
perspectivas. Digamos, pois, que para nós, de um modo geral, o sonho noturno
pertence ao animus e o devaneio à anima. O devaneio sem drama, sem
acontecimento, sem história nos dá o verdadeiro repouso, o repouso do feminino.
(BACHELARD, 1988, p. 20).
É na dimensão da anima que serão pensadas as observações desta flânerie pelo centro
de Cáceres, oscilando entre momento de um sonho (em animus), diante daquilo que poderia ser
e do devaneio em anima), daquilo que penetra na alma do observador, sem qualquer ansiedade
200
ou desejo do que se poderia ser. Animus e anima dão a característica andrógina da imagem que
guia este passeio por Cáceres, que busca mais o arquétipo de uma organização socioespacial, do
que a sua forma.
2 DIRETRIZES PATRIMONIAIS
201
Embora as diretrizes digam respeito somente à Europa, o seu conteúdo é uma
profunda reflexão sobre a importância do patrimônio histórico e cultural de qualquer nação; faz
refletir sobre os maiores perigos que sofrem e que estão relacionados com “negligência e
deterioração, demolição deliberada, construções novas em desarmonia e circulação excessiva”
(1975, pp. 1-2.
Como resposta para a proteção dos bens materiais, a Declaração evidencia a força que
a política local e voz dos moradores possuem, ao possibilitar um policiamento que impeça a
degradação tanto natural quanto externa. O texto ressalta a importância da educação cultural
afirmando que “(...) o patrimônio arquitetônico não sobreviverá, a não ser que seja apreciado
pelo público e especialmente pelas novas gerações. Os programas de educação em todos os
níveis devem, portanto, se preocupar mais intensamente com essa matéria” (1975, p. 2). Reforça
ainda a questão da reutilização dos espaços, a importância do desenvolvimento de relatórios
sobre as condições em que se encontram e principalmente a necessidade de se ter recursos
financeiros para que as obras possam ser objetos de manutenções sempre que necessário.
A Declaração de Amsterdã põe em prática e esclarece como deve ser realizado o
processo para preservação do patrimônio europeu. Nota-se, ao lê-la na integra, o detalhamento
de pontos que já tinham sido enunciados na Carta de Veneza ampliando a sua abrangência, ao
mostrar a necessidade de desenvolver, conjuntamente ao planejamento urbano, uma ação que
não exclua a proteção dos bairros, vilas e demais centros históricos além da necessidade de se
prover verbas específicas para a sua manutenção, bem como a importância da educação
patrimonial na formação de uma consciência sobre o tema.
A Carta de Washington de 1986, conhecida como “Carta Internacional para a
Salvaguarda das Cidades Históricas” também complementava a Carta de Veneza de 1964, ao
definir os critérios e os instrumentos de ação necessários para a preservação das cidades
históricas:
202
demolidos, ressaltando que todas as ações devem ser especificamente documentadas. Toda a
rede de infraestrutura urbana moderna deve se adaptar às edificações e não o contrário. O
documento ressalta ainda a importância de a educação patrimonial ser iniciada ainda na pré-
escola.
A análise dessas cartas mostra a sequência evolutiva dos documentos referentes ao
tema, ao ampliar o entendimento das questões patrimoniais, reflexo do aumento da consciência
das sociedades sobre a importância da preservação e a sua responsabilidade ética em garantir a
transmissão desse legado às gerações futuras da melhor forma possível.
Percebe-se que há a repetição de alguns termos nas cartas, como história, tradição,
estética, educação cultural, todos inserindo em sua abrangência o indivíduo ou o grupo
sociocultural como responsável pela manutenção e preservação dos bens patrimoniais, que já
não são de uma única nação, mas são bens culturais do mundo. A história da humanidade
sempre se entrelaça e sempre se relaciona com povos e culturas diferentes, para a construção
de imaginários, base da formação do ser humano, na sua dimensão arquetípica, de tal forma que
os acontecimentos em um determinado local, reverbera em todos os outros, por exemplo, as
estátuas de buda, mais altas do mundo, no vale de Bamiyan, destruídas – para sempre - pelo
taliban. Houve uma reverberação e uma indignação mundial. O que se perdeu foi a cultura, a
educação e empobreceu o imaginário dos afegãos. A alma do povo afegão adoeceu.
A preservação dos patrimônios culturais, arquitetônicos, urbanos, artísticos, permite o
devaneio poético. É diante desses objetos que o indivíduo se abre para experiências que
transcendem a concepção mais comum de cultura, como artefato produzido pelo homem. Há
um sentido transcendente de cultura, que busca a imagem arquetípica dos objetos pela
evocação do imaginário, das dimensões culturais e sensíveis pelo desvelamento do Décor
Mythique (DURAND, 1990), ou seja, a paisagem que forma o cenário onde os fatos acontecem,
permitindo as múltiplas mensagens a posteriori que emanam do objeto artístico. Pode-se
estender esse conceito para os objetos (edifícios) históricos tombados (enquanto componentes
de uma paisagem, ou princípio organizador de um período histórico), considerando essa
paisagem cultural como a base estética dos acontecimentos. Neste momento, anima e animus
se encontram; “dois substantivos para uma única alma” (BCHELARD, 1988, p. 58), expressando
a realidade do “psiquismo humano” (idem, ibidem), e abrindo possibilidades ao devaneio. Assim
é, que considerando o patrimônio histórico como uma ancoragem da cultura e da memória,
como visto nos excertos das Carta Patrimoniais, que ultrapassam barreiras física e limites
geográficos e culturais, transformando-se em interesse mundial – por mais regional que seja -,
integrando uma realidade transcendente (indo até ao inconsciente cole tivo), é que se pode dizer
que com essa postura, toda pesquisa sobre o décor mythique dos objetos será a procura da
anima mundi. Todo objeto restaurado revela a alma do mundo, tornando-se parte da cultura da
humanidade; uma reverberação de saberes e fazeres.
203
Figura 1 - Localização geográfica de Cáceres-MT
Cáceres possui uma grande área tombada que inclui casas datadas do final do século
XIX e início do século XX que se localizam no centro da cidade, e que serão tomadas como objeto
de estudo, sem a preocupação de se ter um roteiro pré-estabelecido, tendo apenas um olhar
atento às construções que chamaram nossa atenção e que se enquadravam nos parâmetros
elencados nos documentos acima descritos. Esclarecendo o procedimento, as obras suscitarão
o que há de um possível evento arquitetônico (HUSKINSON, 2021, p. 51), ou seja, o quanto esses
“edifícios são profundamente evocativos e, portanto, interpretados de forma mais apropriada
como símbolos da identidade humana”, o quanto esses edifícios incitam o inconsciente do
observador, no desvelamento de possíveis arquétipos, que permitam a criação de símbolos. Por
mais que o edifício seja um fato histórico, ocorrido/construído séculos antes, a sua ressonância
permanece atual, na reconstituição de uma ambiência que já não é da atualidade, mas que
compõe o cenário histórico do desenvolvimento da cidade.
A caminhada teve início na Praça Barão do Rio Branco onde está localizada a Igreja Matriz
de São Luiz de Cáceres. Neste ponto da cidade três elementos chamam a atenção, o primeiro é
o rio Paraguai, bem em frente à praça, pode-se chegar na beira do rio por uma escadaria que
dava acesso ao antigo porto, onde hoje ficam aportadas as chalanas; o segundo elemento é o
204
Marco do Jauru, que delimitou as terras de domínio português depois da assinatura do Tratado
de Madri, em 1750; o terceiro elemento é a igreja matriz de características neogóticas (figura 3
e 4).
Ao analisar o marco, nota-se com tristeza pichações em sua face, demonstrando não
somente a falta de respeito, mas faz-se refletir sobre a necessidade de fortalecer a importância
de um patrimônio histórico para a sociedade. Ainda que exista uma grade em seu entorno ela é
pequena não impedindo novos ataques como esse.
205
Figura 4 - Interior da igreja de São Luiz de Cáceres
Legenda: a) vista do lado direito do átrio, escadaria para a torre do sino; b) vista do lado esquerdo do átrio; c) lado
direito do transsepto; d) vista da nave central com ênfase no altar; e) vista da nave central com ênfase para a
entrada principal.
Fonte: AUTOR, 2023.
A igreja matriz existente hoje não é a mesma que foi erigida logo após a fundação de Vila
Maria do Paraguai, a igreja que existia foi demolida, sendo construído este projeto no ano de
1919 e inaugurada em 25 de agosto de 1965. Seu projeto foi desenvolvido pelo arquiteto Leòn
Joséph Louis Mousnier sobre os cuidados do bispo diocesano D. Frei Luiz Marie Galibert, porém
poucos dias após o início da construção da igreja o arquiteto vem a falecer. Sendo assim o frei
João Luis Bourdoux toma a direção da obra. No ano de 1928 o projeto é alterado, devido a sua
complexidade arquitetônica, sua envergadura é diminuída e a construção seria continuada até a
entrada do transepto. Em 1949 a obra sofre um desabamento e a partir disto o arquiteto
Benedito Calixto de Jesus Neto é contratado para dar soluções técnicas ao projeto ainda em
andamento (MATOS, 2012). O arquiteto Benedito não foi o único a ser contratado para finalizar
este serviço, obra também contava com o engenheiro Arnould M. Williuns, um carpinteiro, um
pedreiro e um voluntário francês (KISH, 2020).
O entorno da praça é rodeado por algumas casas do período colonial que apresentam
grandes modificações estruturais (figura 5); em muitos casos, tendo a fachada completamente
modificada; alguns mantêm originais os vãos das portas e janelas, porém com esquadrias
substituídas por modelos atuais, como podem ser vistas nas fotos abaixo.
206
Figura 5 - Construções no entorno da praça.
Ao sair da praça Barão do Rio Branco, o percurso segue pela rua lateral direita,
denominada rua João Pessoa seguindo até a praça Major João Carlos; durante todo o trajeto
nota-se uma grande mistura de estilos arquitetônicos que vão de casas e lojas reformadas com
estilo colonial até obras mais modernas. Muitas abrigam hoje atividades comerciais.
Chegando na praça Major João Carlos o trajeto continua na rua Antônio Maria até a
avenida General Osório. Neste trajeto o senário é semelhante ao anterior, os estilos
arquitetônicos se misturam (figura 7), chamando a atenção ao antigo prédio do museu histórico
de Cáceres, que se encontra abandonado (figura 8).
207
Figura 7 - Construções existentes na rua Antônio Maria
Chegando na avenida General Osório, ao observar para o lado esquerdo da avenida, duas
importantes construções chamam a atenção: a Biblioteca Municipal de Cáceres (antiga sede da
Prefeitura Municipal de Cáceres) que foi reformada em 2022 e a Câmara Municipal de Cáceres
datada de 1893. Ao lado da Câmara existe uma construção que se encontra abandonada, no
entanto nota-se um certo cuidado com ela, pelo menos com a pintura.
208
Fonte: AUTOR, 2023.
O trajeto continuou pela rua Coronel José Dulce até a rua Coronel Faria. Nesta rua
encontra-se uma construção muito interessante possuindo em sua arquitetura uma escultura
batizada como “Anjo da Ventura” (figura 11), trazida em 1890 por José Dulce para compor a
fachada do antigo comercio “José Dulce & Vilanova” que posteriormente em 1942 se tronaria
uma agência bancária (MONTECCHI; MONTECCHI, 2011, p. 152). Durante a caminhada notou-se
o mesmo cenário anterior, casas antigas misturadas com casas novas, algumas reformadas
outras não (figura 12).
O trajeto finaliza na rua Coronel Faria chegando na praça Barão do Rio Branco ponto de
Início da caminhada. A descrição do trajeto tomado aleatoriamente, faz do olhar a sua primeira
tomada histórica, reconhecendo o estado das edificações, mas aponta um devaneio poético ao
apontar os três elementos que remetem à constituição da ambiência da cidade no período
colonial, o porto, a igreja e o marco divisório das do tratado de Madri, de 1750. Ao se caminhar
por esta área da cidade, caminha-se num intervalo de tempo, que transcende o real; pertence
ao real, mas não é o real atual. A percepção do caminhante procura uma relação com os fatos
acontecido anteriormente, para uma melhor compreensão da estrutura urbana e da relação
espaço e sociedade.
209
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A arte de caminhar vai muito além de um simples exercício físico, pois pode-se ir de
encontro aos “vazios urbanos”, áreas e locais que não são percebidos pela maioria das pessoas,
observando-se a beleza esquecida que se encontra dentro de uma cidade em eterna mutação
(CARERI, 2014). Neste contexto, o olhar perambula pelas ruas em busca da vida que ainda se
mantém dentro das edificações antigas que teimam em preservar a história da cidade.
Caminhar pelo centro histórico de Cáceres é simplesmente um mister de
arrebatamento e de pequenas pontadas de dor no peito, dor causada por ver obras
arquitetônicas abandonadas que se deterioram de forma indelével por conta do descaso e do
desconhecimento de sua importância, dor por pressentir o desaparecimento completo de uma
camada da cidade por negligência e descaso. Dor que denuncia a morte de parte da cidade, de
parte da história, de parte da memória e da vida dos que ali viveram; consequentemente, todos
os que vieram depois têm a sua alma mutilada.
Nas ruas tudo se mistura, o novo, o antigo, o abandonado; as cores vivas, dão uma
segunda vida a edificações que ainda resistem ao descaso.
Ao andar pelas ruas, muitas questões são levantadas acerca da preservação e dos
cuidados que as obras deveriam receber. Ao analisar aquilo que é recomendado pelas Cartas
Patrimoniais, percebe-se que no centro de Cáceres, poucas recomendações foram seguidas, o
que demonstra o descompasso entre a teoria e a realidade. As ruas e as calçadas continuam com
as medidas originais, mas as alterações nas edificações foram muitas.
Naturalmente, é necessário um estudo mais aprofundado a fim de se compreender
aquilo que foi considerado quando do tombamento do centro histórico de Cáceres, quais foram
suas diretrizes e princípios e como estes são ou deveriam ser seguidos.
Faz-se necessário analisar quais as medidas educacionais que o governo municipal
pretende inserir na educação escolar (se é que pretende) e quais meios poderiam ser utilizados
para incentivar a população a ter mais interesse pela história desta parte da cidade. Quais as
orientações que poderiam ser dadas aos proprietários, para que eles se sentissem estimulados
a proceder a correta manutenção de seus imóveis? Enfim, esta caminhada permitiu perceber
não só os problemas que ocorrem com as edificações de valor histórico e cultural, mas a
irresponsabilidade do poder público ao não se preocupar com a preservação da história Cáceres.
A cidade não existe apenas no presente; suas bases estão no passado. Sua cultura é
formada a partir de sua fundação. O presente é muito frágil para a constituição de uma memória
histórica. A força do presente é o passado. Daí a irresponsabilidade daqueles que zelam o
presente sem atentar para a importância o dever ético para com as gerações futuras.
As Cartas Patrimoniais serviram de baliza para esta reflexão ao mostrar as
responsabilidades morais e éticas que todos devem ter com relação ao patrimônio cultural.
5 REFERÊNCIAS
210
CARERI, Francesco. Walkscapes: o caminhar como arte estética. Editora Gustavo Gili. Versão digital Kindle, p184,
2014.
CHAVES, O.R. Império português: o marco de Jauru e a povoação fronteiriça de Vila Maria do Paraguai, século XVIII.
In: Chaves, Otávio Ribeiro. Arruda, Elmar Figueredo de. História e Memória Cáceres. Editora Unemat, 2011, p. 11-
35.
DURAND, Gilbert. Le Décor Mythique de la Chartreuse de Parme: les structure figuratives du roman sthendalien.
Paris: José Corti, 1990.
HUSKINSON, Lucy. Arquitetura e Psique: um estudo psicanalítico de como os edifícios impactam nossas vidas. São
Paulo: Perspectiva 2021
KISH, Wilson. Em 100 anos, os principais fatos da história da construção da Catedral São Luiz. Disponível em:
http://www.zakinews.com.br/noticia.php?codigo=12622. Acesso em: 17 de agosto de 2023.
MATOS, Alex de. Templos secretos arquitetura e sagrada das igrejas neogóticas de Mato Grosso. Editora do autor.
Cuiabá, 2012.
MONTECCHI, A. F.; MONTECCHI, I. A. D. Anjo da Ventura: a cidade e o espelho. In: Chaves, Otávio Ribeiro. Arruda,
Elmar Figueredo de. História e Memória Cáceres. Editora Unemat, 2011, pp.147-173.
MORAES, M.de F.M.L. Vila Maria do Paraguai: um espaço planejado para consolidar a fronteira oeste 1778-1801.
141f. Dissertação (Mestrado). Instituto de Ciências Humanas e Sociais – Departamento de História, Universidade
Federal de Mato Grosso, Cuiabá. 2003
FERREIRA, João Carlos Vicente. Mato Grosso e seus municípios. Secretaria do Estado de Educação. Cuiabá, 2001.
211
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( X ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
213
RESUMO
A má disposição e a ausência de tratamento dos resíduos gerados pela população são as principais causas da
contaminação dos recursos naturais, representando ameaças à saúde pública e ao equilíbrio ambiental. Em Sinop -
MT, os resíduos coletados são descartados no lixão municipal sem controle ou monitoramento de sua composição.
Nesse contexto, a coleta de dados é o passo inicial para cumprir as diretrizes do Plano Municipal de Saneamento
Básico, conforme a lei federal Nº 11.445. Esta pesquisa objetiva avaliar a geração e as características dos resíduos das
classes A, B e comercial, desempenhando um papel crucial na definição de métodos de tratamento, coleta e
destinação. A metodologia de caracterização segue os parâmetros da NBR 10.004/2004, abordando a classificação de
resíduos sólidos. A estimativa da geração per capita nas classes e bairros estudados é obtida por meio de cálculos
aritméticos. Os resultados revelam que a classe A produz, em média, 1,95 Kg/Hab/Dia, com cerca de 41% compostos
por materiais orgânicos e 12,12% vidro, possivelmente de embalagens. Na classe B, a média é de 1,70 Kg/Hab/Dia,
com 49% dos resíduos também de fontes orgânicas. Essas conclusões enfatizam a urgência de adotar medidas para
um tratamento responsável dos resíduos, incluindo a separação adequada e a reciclagem, visando a redução do
impacto ambiental e a proteção da saúde pública. Esses resultados são fundamentais para a criação de políticas
municipais voltadas para a gestão de resíduos e o desenvolvimento sustentável de Sinop - MT.
ABSTRACT
Poor disposal and lack of treatment of waste generated by the population are the main causes of contamination of
natural resources, posing threats to public health and environmental balance. In Sinop - MT, the collected waste is
discarded in the municipal landfill without control or monitoring of its composition. In this context, data collection is
the initial step to comply with the guidelines of the Municipal Basic Sanitation Plan, in accordance with Federal Law
No. 11,445. This research aims to evaluate the generation and characteristics of class A, B and commercial waste,
playing a crucial role in defining treatment, collection and disposal methods. The characterization methodology
follows the parameters of NBR 10,004/2004, addressing the classification of solid waste. The estimate of per capita
generation in the studied classes and neighborhoods is obtained through arithmetic calculations. The results reveal
that class A produces, on average, 1.95 kg/person/day, with about 41% composed of organic materials and 12.12%
glass, possibly from packaging. In class B, the average is 1.70 kg/person/day, with 49% of waste also from organic
sources. These conclusions emphasize the urgency of adopting measures for the responsible treatment of waste,
including proper separation and recycling, with a view to reducing the environmental impact and protecting public
health. These results are fundamental for the creation of municipal policies aimed at waste management and
sustainable development in Sinop - MT.
214
1 INTRODUÇÃO
2 METODOLOGIA
2.1 Definição de Área de Estudo
Tabela 1 – Renda Familiar de Acordo com a Classe Social. Fonte: Adaptado de Benatti (2013).
Classe Rendas
15 salários mínimos ou
A
mais.
B 7 a 15 salários mínimos.
C 3 a 7 salários mínimos.
3 salários mínimos ou
D
menos.
Comercial/Industrial Classe comercial/Industrial
Fonte: Adaptado de Benatti (2013).
As amostras utilizadas para este estudo foram coletadas antes da realização do serviço
de coleta municipal. Para garantir uma abordagem imparcial e representativa, as residências
foram selecionadas de forma aleatória dentro dos bairros previamente escolhidos. Esse método
de seleção assegura que a amostragem seja diversificada e abranja diferentes regiões e perfis
demográficos, contribuindo para uma análise mais abrangente e precisa da composição dos
resíduos sólidos urbanos no município de Sinop, MT.
A coleta das amostras antes da passagem do serviço de coleta municipal também
minimiza qualquer potencial interferência ou alteração nos resultados devido à manipulação ou
separação dos resíduos durante a coleta. Portanto, a seleção aleatória das residências e a coleta
prévia das amostras constituem etapas fundamentais para garantir a validade e a
representatividade dos dados obtidos neste estudo de caracterização gravimétrica dos RSU.
216
Figura 1 – Amostras sendo coletadas.
Foram eleitos 2 bairros para classe A (Jardim Maringá I e II, Setor Comercial e Aquarela
Brasil) e 4 bairros para classe B (Jardim Belo Horizonte, Jardim Paraíso, Jardim Bela Suíça e Jardim
Itaúbas). Para cada bairro se realizou 4 coletas, totalizando 48 amostras.
Categoria Descrição
Matéria Orgânica Restos de comida, excremento de animais, resíduos vegetais.
Papel Papéis, revistas, jornais.
Papelão Papelão ondulado, papel cartão, embalagens de ovo de papelão.
Plástico Duro Embalagens plásticas rígidas, plásticos rígidos em geral.
Plástico Mole Sacolas Plásticas, sacos de lixos, copos plásticos, embalagens de plásticos filmes.
Metal Metais ferrosos e não ferrosos.
Vidro Embalagem de bebidas, comida, vidros planos, vidros em geral.
Tetra Pack Embalagem tipo longa vida.
Fraldas e Absorventes Fraldas e absorventes.
Produtos como borracha, espumas, material misto, com mais de uma categoria,
Diversos
latas de tinta, sapatos, lâmpadas, pilhas.
Madeira Madeiras, aglomerados.
Tecido Roupas, panos em geral.
Perigosos Resíduo de banheiro: papel Higiênico usado.
Resíduo de Construção Civil Resíduo de construção, demolição e reforma, como: tijolo, concreto, areia, solo.
Poda Resíduo vegetal separado em saco plástico exclusivo.
Fonte: Benatti (2013).
217
Figura 2 - Separação das amostras de acordo com as categorias .
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
218
Tabela 3 - Composição Gravimétrica média para as Classes A e B.
Classe A Classe B
Categoria
Média DP Média DP
Matéria Orgânica 40,74% 22,12% 48,98% 23,36%
Papel 2,95% 2,56% 2,31% 2,38%
Papelão 6,20% 8,16% 4,22% 3,57%
Plástico Duro 2,29% 2,16% 2,67% 2,20%
Plástico Mole 6,93% 8,81% 4,90% 4,65%
Metal 3,90% 7,00% 2,93% 2,45%
Vidro 12,12% 20,30% 5,65% 7,88%
Tetra Pack 1,65% 1,66% 1,10% 1,13%
Fraldas e Absorventes 6,09% 10,41% 4,45% 10,13%
Diversos 4,75% 8,20% 4,99% 7,18%
Madeira 0,10% 0,32% 0,02% 0,09%
Tecido 0,18% 0,50% 1,36% 2,36%
Perigosos 4,73% 4,25% 7,04% 8,61%
Entulho 0,10% 0,41% 3,51% 13,38%
Coco 0,11% 0,45% 0,07% 0,29%
Poda 7,13% 12,79% 5,80% 19,52%
Fonte: Arquivo Pessoal.
219
Tabela 4 – Geração per capita de resíduos por bairro analisado e a Média Geral.
Classe A Classe B
Geração per
Média Geração per Média
Bairros capita Bairros
Geral capita(Kg/Hab/Dia) Geral
(Kg/Hab/Dia)
Jardim Jardim Belo
1,78 1.4
Maringá I Horizonte
Jardim
2,05 Jardim Paraíso 1,43
Maringá II
Setor 1,95 1,70
1,84 Jardim Bela Suíça 2,05
Comercial
Resid.
Aquarela 2,14 Jardim Itaúbas 1,95
Brasil
Fonte: Arquivo Pessoal.
Os achados derivados da pesquisa realizada por Haubert (2016) oferecem uma visão
abrangente sobre os padrões de geração de resíduos sólidos urbanos (RSU) nas classes C e D,
delineando quantidades de 1,57 e 1,23 (Kg/Hab/Dia), respectivamente. Essa análise, em
conformidade com os dados compilados pela ABRELPE (2014), também evidencia que a região
Centro-Oeste do país possui uma média de produção de RSU de aproximadamente 1,114
Kg/Hab/Dia, enquanto o estado de Mato Grosso se situa em torno de 0,853 Kg/Hab/Dia.
Todavia, essa variação notável nos números não é de natureza isolada, resultando de
uma interseção complexa de fatores intrínsecos. Entre esses elementos, o porte do município
emerge como uma variável influente. Isso é corroborado pelo dado do IBGE (2022), que coloca
Sinop como a quarta cidade mais populosa no estado de Mato Grosso. Além disso, o
impressionante Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,807, categorizado como elevado
segundo o Atlas Brasil (2023), realça o quadro multifacetado dessa localidade.
Essa sinfonia de informações ilustra a interdependência entre tamanho populacional,
padrões de consumo, dinâmica socioeconômica e a quantidade de RSU gerados. A compreensão
desses fatores é crucial para desenvolver estratégias eficazes de gerenciame nto de resíduos,
promovendo práticas sustentáveis e alinhadas aos objetivos de preservação ambiental e
qualidade de vida da população.
220
4 CONCLUSÃO
221
5 REFERÊNCIAS
ABNT - ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004. NBR:10.004/2004 Resíduos Sólidos: Classificação.
ABRELPE - Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais. Panorama Dos Resíduos
Sólidos do Brasil em 2014. São Paulo – SP.
ATLAS BRASIL 2023 – Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Publicação Atlas das Regiões Metropolitanas.
Disponível em: < http://www.atlasbrasil.org.br/2013/> Acesso em: 06 jul. 2023
BENATTI, J. C. B. Estudo da Compressibilidade de Aterros Sanitários: Aplicação ao caso do Aterro Delta a de
Campinas/SP. Tese de Doutorado. UNICAMP – Faculdade de Engenharia Civil, Arquitetura e Urbanismo. Campinas –
SP, 2013.
CETESB - Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, Ministério da Ciência e Tecnologia. Emissões de
metano no tratamento e na disposição de resíduos, São Paulo, 2006.
FRANKENBERG, Claudio Luis Crescente; RODRIGUEZ, Maria Teresa Raya; GRIPPI, Sidney. Lixo: reciclagem e sua
história. Rio de Janeiro: Interciência, 2001. 134 p.
FILHO, L. F. B. Estudo de gases em aterros de resíduos sólidos urbanos. Rio de Janeiro-RJ, 2005. Disponível em:
<http://wwwp.coc.ufrj.br/teses/mestrado/inter/
2005/Teses/FILHO_LFB_05_t_M_int.pdf>. Acesso em: 06 jul. 2023
HAUBERT, J.; BENATTI, J. C. B. Caracterização gravimétrica do RSU do município de Sinop – MT para classes de baixa
renda. Trabalho de Conclusão de Curso em Engenharia Civil. UNEMAT, campus de Sinop. 2016.
IBGE. Censo Demográfico 2023. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 07 jul. 2023.
NASCIMENTO, Maria Cândida Barbosa et al. Estado da arte dos aterros de resíduos sólidos urbanos que aproveitam
o biogás para geração de energia elétrica e biometano no Brasil. Engenharia Sanitaria e Ambiental, [S.L.], v. 24, n.
1, p. 143-155, fev. 2019. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1413-41522019171125. Disponível em:
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MATOS, Francinaldo Oliveira et al. IMPACTOS AMBIENTAIS DECORRENTES DO ATERRO SANITÁRIO DA REGIÃO
METROPOLITANA DE BELÉM-PA: aplicação de ferramentas de melhoria ambiental. Caminhos de Geografia, [S.L.], v.
12, n. 39, p. 297-305, 15 set. 2011. EDUFU - Editora da Universidade Federal de Uberlandia.
http://dx.doi.org/10.14393/rcg123916593. Disponível em:
https://seer.ufu.br/index.php/caminhosdegeografia/article/view/16593. Acesso em: 07 jul. 2023.
PESSIN, N.; CONTO, S. M.; TELH, M.; CADORE, J.; ROVATTI, D.; BOFF, R. E. Composição gravimétrica de resíduos
sólidos urbanos: estudo de caso - município de Canela/RS, 2007. Disponível em:
<http://www.bvsde.paho.org/bvsaidis/
uruguay30/BR05416_Pessin.pdf>. Acesso em: 05 jul. 2023.
SINOP – Secretária de Industria Comercio, Turismo e Mineração. 2014. Caminho Livre para o Desenvolvimento.
Disponível em < http://www.sinop.mt.gov.br/sic/Publicacoes/>. Acesso em: 05 jul. 2023.
222
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
CUIABÁ’S HOUSE AND OPEN SPACES IN THE 18TH CENTURY: ANALYSIS AND
RELATIONSHIP OF COLONIAL RESIDENTIAL BUILDINGS AND OPEN SPACES IN THE CITY
OF CUIABÁ IN THE 18TH CENTURY
223
RESUMO
Este artigo estuda a morfologia urbana de Cuiabá no século XVIII, tratando do traçado urbano e utilizando dos
períodos morfológicos como meio de análise para compreensão da paisagem urbana histórica, desde sua
morfogênese até a contemporaneidade. Os resultados foram desenvolvidos no contexto da pesquisa de Iniciação
Científica “Casa Cuiabana e os espaços livres no século XVIII: Análise e relação das edificações residenciais coloniais e
os espaços livres na cidade de Cuiabá no século XVIII", por revisões bibliográficas sobre a morfologia urbana das
cidades de origem portuguesa e por levantamento de dados na iconografia histórica de Cuiabá. Assim, elaboramos
uma hipótese que pretende identificar uma intencionalidade na implantação urbana relacionada ao traçado –
derivada da tradição urbanística portuguesa - identificado como Rua Direita, que nortearia o desenvolvimento do
tecido urbano de Cuiabá e teria papel fundamental na formação da paisagem urbana. Nesta pesquisa, pôde -se
considerar a intencionalidade de ser adaptada a Rua Direita em Cuiabá, pois é possível demonstrar nessa via os
principais desígnios que esse traçado possui, além de ser reconhecida na história da cidade com a denominação de
Rua Direita, assumida como o provável principal eixo estruturador da gênese e desenvolvimento do tecido urbano da
Cuiabá colonial. Além disso, esse estudo sugere uma extensão das características padrões similares às outras ruas
dessa mesma função, pois também denota, no desdobramento desse caminho, a primeira conexão formal entre os
núcleos urbanos iniciais que futuramente estabeleceria uma continuidade da paisagem no desenvolvimento do tecido
urbano ao longo de seu percurso.
ABSTRACT
This article studies the urban morphology of Cuiabá in the 18th century, dealing with the urban layout and using
morphological periods as a means of analysis to understand the historical urban landscape, from its morphogenesis
to the present day. The results were developed in the context of the Scientific Initiation research "Cuiabá’s House and
open spaces in the 18th century: Analysis and relationship of colonial residential buildings and open spaces in the city
of Cuiabá in the 18th century", through bibliographical reviews on the urban morphology of the cities of Portuguese
origin and by surveying data on the historical iconography of Cuiabá. Thus, we elaborated a hypothesis that intends
to identify an intentionality in the urban implantation related to the route - derived from the Portuguese urbanistic
tradition - identified as Rua Direita, which would guide the development of the urban fabric of Cuiabá and would have
a fundamental role in the formation of the urban landscape. In this research, it was possible to consider the
intentionality of being adapted to Rua Direita in Cuiabá, since it is possible to demonstrate in this street the main
purposes that this route has, in addition to being recognized in history of the city with the name of Rua Direita,
assumed as the probable main structuring axis of the genesis and development of the urban fabric of colonial Cuiabá.
In addition, this study suggests an extension of the standard characteristics similar to other streets of the same
function, as it also denotes, in the unfolding of this path, the first formal connection between the initial urban centers
that would in the future establish a continuity of the landscape in the development of the urban fabric around it. along
your route.
224
1 INTRODUÇÃO
Este artigo surge a partir das investigações e discussões na pesquisa “Casa Cuiabana e
os espaços livres no século XVIII" – possibilitada pela Universidade Federal de Mato Grosso e
desenvolvida no Núcleo de Estudos e Pesquisas Tecnologias Indígenas - que realiza estudos e
análises sobre os períodos morfológicos de Cuiabá no século XVIII, tomando como base
estruturadora dos estudos o traçado urbano colonial e sua relação com a paisagem urbana
histórica na cidade da Cuiabá. Segundo Staël de Alvarenga Pereira Costa e Maria Manoela
Gimmler Netto, os períodos morfológicos são traduzidos na diversidade e força dos conteúdos
sociais e culturais da cidade que resultam na integração de elementos que produzam um arranjo
espacial fruto daquele momento histórico.
Assim, esta pesquisa pretende identificar e caracterizar os períodos morfológicos
encontrados no tecido urbano de Cuiabá a partir da identificação de soluções e elementos
oriundos da tradição urbanística portuguesa que possam ser observáveis e tenham deixado
marcas visíveis na forma urbana dessa cidade. Para tanto, buscamos entender as especificidades
do urbanismo português na América, compreendendo seus métodos de aplicação e adaptação.
Como Manuel C. Teixeira retrata, em A Forma da Cidade de Origem Portuguesa (2012), o
urbanismo erudito, “planejado” (como regulamentações urbanísticas existentes em Portugal ou
as Leyes de Indias na América Espanhola), foi se transformando e recebeu influências e
características de urbanismo vernacular, por tantas vezes tido falaciosamente como “não
planejado”, à medida que o desenho e implantação das cidades coloniais de origem portuguesa
se adaptavam às características do local e tinham o seu planejamento fundamentado na
memória da cultura urbana do descendente português e bandeirante que aqui chegavam. Dessa
forma, foi necessário entender a configuração morfológica das cidades de origem portuguesa
para que fosse possível compreender como esse processo ocorreu em Cuiabá.
Nesse sentido, a metodologia de estudo adotada parte a princípio em conhecer o
processo de Morfogênese, tese preconizada por M. R. G. Conzen e aplicada à realidade brasileira
na cidade de Ouro Preto, MG, pelas autoras Stael de Alvarenga Pereira Costa e Maria Manoela
Gimmler Netto na obra Fundamentos de Morfologia Urbana, 2015. Esse termo consiste na
identificação da configuração inicial das paisagens urbanas, não raramente encontrada nos
centros históricos de uma cidade, uma vez que nesse lugar há maior conteúdo referente à
historicidade, sendo esse o conceito entendido como um atributo da paisagem que reconhece
os ecos materialmente visíveis nas permanências de vários períodos, em ou tros termos, o
acúmulo das formas ao longo do tempo (Laboratório da Paisagem, 2013, apud COSTA, S.A.P. e
NETTO, M.M.G., 2015).
Um outro conceito chave utilizado nesta pesquisa foi o de permanência, proposto por
Aldo Rossi (1995) para definir os fatos urbanos que permanecem na paisagem apesar das
transformações. Ou seja, um alicerce para a compreensão da paisagem capaz de orientar usos,
significados e sentidos, e que, segundo Galdino (2015), ao tratar do traçado urbano, a
permanência nesse caso seria fruto de uma tendência que conduz às soluções mais lógicas na
evolução do território. Assim, o traçado é consequência dos percursos ex istentes – caminhos
rurais, caminhos indígenas, caminhos de outras lógicas territoriais que posteriormente podem
ser observados e entendidos nas vias urbanas (LAMAS, 2007, apud GALDINO, 2015).
225
Desse modo, o principal objeto de estudo nessa pesquisa baseia-se no entendimento
da Rua Direita, uma via que se destaca das demais por seu aspecto estruturador e norteador do
desenvolvimento do tecido urbano e na configuração do uso do solo, pelo fato de conectar
pontos notáveis1 da cidade em seus polos e por apresentar edificações institucionais e religiosas
importantes em seu entorno imediato, além de ser endereço onde se construíam as primeiras
casas (TEIXEIRA, 2012). Em Cuiabá, as características da Rua Direita parecem observáveis
inicialmente na via urbana que durante o período colonial ligava as lavras em frente a Capela do
Rosário e São Benedito à Igreja do Senhor Bom Jesus do Cuyaba, às margens da atual Rua
Galdino Pimentel, percurso esse reconhecido com a denominação de Rua Direita na segunda
metade do século XIX, conforme levantamento de nomes históricos de logradouros realizado
por Barreto (2007) e posteriormente estendida até os limites do núcleo urbano no sentido do
Rio Cuiabá, concebendo a antiga Rua Bela do Juiz, atual Rua 13 de Junho. Não raramente, a
execução de uma Rua Direita pode ganhar gradações no propósito de seu desenho à medida
que tem sua implantação adaptada ao terreno e circunstâncias socioeconômicas da região
(prática comum às cidades de origem portuguesa), criando peculiaridades que necess itam de
um estudo aprofundado a fim de compreender melhor as decisões que conduziram o plano
urbano específico da cidade. À vista disso, na Cuiabá, o entendimento de Rua Direita requer uma
atenção ainda mais composta pois sugere nessa uma adição às suas características padrões e
similares às outras ruas dessa mesma função, uma vez que esse eixo também conduzirá a
estrutura para o desenvolvimento do tecido urbano entre os polos urbanos constituídos pelo
Primeiro Distrito (Vila Real) e Segundo Distrito (Porto Geral).
A partir disso, ao tratar da paisagem urbana histórica da Cuiabá tomando os períodos
morfológicos para o entendimento desse processo e o traçado urbano como elemento
norteador no estudo, identificamos a paisagem originada a partir de um desenho concebido por
uma referência fluvial (GALDINO, 2015) sobre um território que seria marcado pela diversidade
e intensidade nos conteúdos sociais e culturais (MACHADO, 2008, GALDINO et al, 2022),
resultando em tempos, experiências e práticas vividas na interação entre a sociedade e o
espaço, onde um atingiu o outro e deixou marcas visíveis na paisagem urbana. Desse modo,
observa-se que a paisagem urbana de Cuiabá acumulou camadas de significados ao longo do
tempo, a partir das quais é possível introduzir a noção de palimpsesto - entendida como
sobreposições de camadas históricas que se acumulam no mesmo espaço físico - neste presente
estudo a fim de compreender melhor os processos da paisagem urbana histórica. A ideia de
palimpsesto difere-se das permanências de Rossi como algo que se mantem ao longo do tempo,
mas complementa esse conceito por se referir à dinâmica e transformação a partir dos
elementos e fatos no espaço (COSTA e GIMMLER NETTO, 2015).
1Ou edifícios singulares, muitas vezes instituições religiosas ou governamentais que, associados a espaços urbanos
com características de centralidade, desenvolvem praças urbanas.
226
categorias formais. Nesse sentido, tomando como referencial para a Morfogênese de Cuiabá a
base de periodização em 1722, marco do início das atividades de mineração, podemos
identificar o Arraial do Senhor Bom Jesus de Cuyabá formado preliminarmente em
conformidade com o leito curvo do córrego da Prainha e, posterior a isso, instaurado num
esquema de arruamento relacionado às características topográficas do sítio (Figura 1). Assim,
esse modelo aplicado nesse espaço é traduzido em sintonia com os seguintes princípios
norteadores do desenvolvimento de núcleos coloniais de origem portuguesa: a adaptação ao
sítio, a orientação das vias a partir da relação com o curso d´água e a instalação de igre jas nos
pontos elevados (MENDES, et al, 2010; GALDINO, et al, 2022).
Fonte: Arquivo Histórico do Exército, Rio de Janeiro, ca. 1770- 1780. In: Reis Filho, 2000.
227
transversais que as ligavam. Estruturavam-se assim um conjunto de quarteirões de
forma sensivelmente retangular, que se dispunha paralelamente à linha da costa, e
eram prolongadas ou constituidas novas transversais. (TEIXEIRA, 2012, p.47).
228
Figura 2: Análise gráfica da morfologia de Cuiabá a partir da formação da Rua Direita.
Adaptado de mapa original "Plano da Villa de Cuyaba". Original pertencente à Casa da Ínsua, Portugal. 1786.
Figura 2A: O caminho ao longo do Córrego da Prainha polarizado e margeado por edifícios notáveis e
a progressiva agregação de funções e de edifícios regulares; Figura 2B: O caminho como eixo a partir do qual se
organizou o espaço.
Legenda: 1) Córrego da Prainha; 2) Córrego Cruz das Almas; 3) Rua Direita (Rua de Baixo); 4) Igreja Nosso Senhor
Bom Jesus da Cana Verde; 5) Igreja do Rosário; 6) Igreja Nossa Senhora do Bom Despacho; 7) Casa de Câmara e
Cadeia 8) Largo do Rosário; 9) Largo da Sé; 10) Largo da Rua de Cima (atual Praça Alencastro); 11) Largo da
Mandioca; 12) Rua do Meio; 13) Rua de Cima.
Fonte: Próprios autores.
2.2 A Estruturação Urbana entre a Vila Real e o Porto Geral - 3º Período Morfológico
2 ² "Uma área marcada no tecido urbano como um lugar singular, um local de concentração, que indicaria
acumulação histórica e carga simbólica, constituindo-se como a origem e a referência de determinado eixo de
crescimento" (Panerai, 2006, apud Galdino 2015).
229
Figura 3: "PLANO da villa do Cuyabà na Cap.ta do Matto Grosso...".
Legenda:1) Eixo de crescimento entre os polos; 2) Rua Direita.
Fonte: Análise gráfica sobre planta original do manuscrito pertencente à Casa da Insua, Castendo, Portugal. 1777.
In: Imagens de Vilas e Cidades do Brasil Colonial, Nestor Goulart Reis, 2001.
No caso de Cuiabá estes eixos revelam como a formação urbana evoluiu a partir de
explorações minerais vinculadas ao córrego da Prainha, e como o rio Cuiabá foi
importante na consolidação desta paisagem, constituindo-se ao mesmo como polo de
atração e como limite de crescimento, evidenciando lógicas internas e externas ao
núcleo urbano. (GALDINO, 2015, p.60).
230
partido que orientou o desenvolvimento do tecido urbano. Esse delineamento resulta não
somente das interações socioeconômicas, como as atividades de mineração, da influência da
topografia e do curso d'água, fatores intimamente vinculados ao Córrego da Prainha, mas
também parece ser induzido por uma intencionalidade que procura preservar a coesão do
desenvolvimento urbano fundamentado no que seria a sua principal via estruturante.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pôde-se verificar ao longo dessa pesquisa que a paisagem urbana histórica de Cuiabá
está profundamente entrelaçada com a sua Rua Direita, relação essa que foi estruturante para
conceber o tecido urbano no período colonial. Essa percepção é moldada pela gradual
acumulação de camadas de significados que permeiam seu espaço físico ao longo do tempo:
começando no momento em que a Rua Direita emergiu como parte essencial da morfogênese
no traçado urbano, posteriormente norteando a formação do tecido urbano, até ser
estabelecida como a base inicial da conexão formal dos polos urbanos. O percurso dessa rua
reflete a evolução tangível da cidade, trazendo no seu desenho os períodos morfológicos e
proporcionando uma janela singular para a compreensão formação urbana.
Nesse sentido, temos a Rua Direita cuiabana como um exemplo singular desta tradição
urbanística portuguesa, devido ao acúmulo das ideias subjacentes à organização urbana
presentes nesse caminho, que são identificáveis tanto pelo próprio reconhecimento inicial dessa
via com a denominação de Rua Direita (BARRETO, 2007), quanto pelos diversos desígnios
comuns às ruas direitas reconhecíveis nessa via em Cuiabá - como um eixo estruturante que
conecta locais de importância política e social, denotando essa via com centralidade e a
elevando para mais do que uma função prática quanto percurso -, mas também pela gradação
no propósito do seu desenho, conduzindo às decisões do plano urbano da cidade notado no fato
de que, a partir desse caminho, temos a união formal dos primeiros distritos de Cuiabá pelo
traçado urbano.
Portanto, a partir da identificação dessa rua com tamanha relevância histórica,
reconhecemos que há muito o que ser estudado e compreendido sobre essa via, pois
constatando a mesma como fundamentadora da morfogênese do tecido urbano de Cuiabá,
temos um reflexo palpável da história, das dinâmicas sociais e culturais, da estética e do
planejamento urbano, uma vez que como eixo estruturador também em diferentes épocas, não
podemos descartar o fato de que essa rua ladeia diversos estilos e influências arquitetônicas
específicas de cada período histórico, que contam a história da arquitetura da cidade, ainda que
atualmente em notável degradação. Além disso, por permear pontos notáveis, edifícios
singulares e espaços livres públicos com funções centrais, consideramos essa rua como um
espaço vital para a coesão da comunidade com o meio urbano, servindo como agente moldador
do desenvolvimento de uma cidade ao longo do tempo, sendo palco de eventos públicos,
celebrações religiosas, mercados, feiras e atividades culturais. Em suma, a Rua Direita em Cuiabá
é um elemento estruturador que transcende seu status como algo meramente físico, é um
arranjo espacial capaz de, se bem observado, conduzir a leitura sobre a herança rica e
multifacetada da paisagem urbana dessa cidade.
231
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TEIXEIRA, Manoel C. A. A forma da cidade de origem portuguesa. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 177p. 2012.
232
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( x ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
CITY INFORMATION MODELING (CIM) AS A SUPPORT TOOL FOR URBAN PLANNING WITH A
FOCUS ON THERMAL COMFORT
233
RESUMO
Este artigo discute a necessidade de um planejamento urbano que prioriza a qualidade do ambiente construído e o
conforto dos indivíduos, tendo em vista as mudanças climáticas e a necessidade de estratégias de mitigação do efeito
destas. A partir do entendimento de que o espaço urbano se caracteriza por um organismo complexo, definido por
diversas dimensões, faz-se necessário a adoção de ferramentas que possibilitem tratar suas especificidades para o
alcance de um planejamento urbano eficiente e que proporcione um ambiente confortável termicamente. Sendo
assim, o presente artigo tem por objetivo discutir o uso da tecnologia City Information Modeling (CIM) como
ferramenta de apoio ao desenho urbano com foco no conforto térmico. Para esta pesquisa de caráter exploratório
foi adotada como processo metodológico a revisão bibliográfica documental dos temas tocantes ao interesse desta
pesquisa e apresentação de um estudo de caso. O principal resultado desta pesquisa se concentra no papel da
ferramenta CIM como facilitadora na gestão eficiente dos parâmetros e na atuação conjunta dos diversos setores que
atuam no planejamento urbano. Este artigo tem como principal contribuição reforçar o papel dos profissionais
atuantes no planejamento urbano e afirmar a importância de ferramentas que melhorem a gestão do ambiente
construído.
ABSTRACT
This article discusses the need for an urban plan that prioritizes the built environment quality and the individual’s
comfort, considering the climate changes and the need of strategies to mitigate their effect. Based on the
understanding that the urban space is characterized by a complex organism, defined by various dimensions, it is
necessary to adopt tools that make it possible to deal with its specificities in order to achieve an efficient urban
planning and that provides a thermally comfortable environment. Therefore, the aim of this article is to discuss the
use of City Information Modeling (CIM) technology as a tool to support urban planning with a focus on thermal
comfort. For this study with exploratory character, a bibliographical and documental review of the topics of interest
to this research was adopted as the methodological process. The main result of this survey concentrates on the role
of the CIM tool as a facilitator in the efficient management of parameters and in the joint action of the various sectors
involved in urban planning. The main contribution of this article is to reinforce the role of professionals working in
urban planning and to affirm the importance of tools that improve the management of the built environment.
234
1 INTRODUÇÃO
235
2 OBJETIVO
Partindo da problemática acima apresentada, o presente artigo tem por objetivo discutir
o uso da tecnologia City Information Modeling (CIM) como ferramenta de apoio ao desenho
urbano com foco no conforto térmico.
3 METODOLOGIA
Uma vez delineado o objetivo – discutir o uso da tecnologia City Information Modeling
(CIM) como ferramenta de apoio ao planejamento urbano com foco no conforto térmico – foi
definido um roteiro para uma pesquisa exploratória dos temas tocantes ao interesse desta
pesquisa. Foi empregado como método na condução deste artigo a revisão bibliográfica e
documental, a fim de compreender o conceito de paisagem, e entender o emprego deste no
contexto urbano. Dentre os tantos temas e recortes possíveis no que diz respeito à concepção
do espaço urbano, as autoras delimitaram como foco o estudo do conforto térmico aplicado ao
ambiente construído urbano e demais variáveis importantes a serem consideradas. Por fim,
avançamos nossas pesquisas e reflexões, por meio da metodologia estudo de caso, a fim de
compreender como a metodologia CIM pode ser uma facilitadora nos processos de projeto de
concepção da paisagem urbana.
Com isso, foram delineadas as seguintes etapas metodológicas para esta pesquisa: (a)
pesquisa exploratória, em bibliotecas virtuais, a princípio dos materiais produzidos nos últimos
10 anos. Com o desenvolver da pesquisa, sentiu-se a necessidade de uma segunda busca, na
qual os materiais extrapolam o intervalo determinado inicialmente. Em ambas as buscas, no que
toca nossos objetivos, o universo da pesquisa se caracteriza na definição dos seguintes temas:
BIM, projeto urbano, conforto térmico; (b) organização e leitura dos materiais, permitindo
acesso ao conteúdo completo dos temas tocantes a esta pesquisa; (c) tomada de
apontamentos, a fim de destacar os pontos importantes e fazer anotações; ( d) demonstra um
estudo de caso de um projeto em Paris La Défense, na França, que recria e apresenta
virtualmente uma análise do conforto dos usuários no bairro, com o objetivo de demonstrar o
impacto ambiental na cidade, e por último (e) a construção lógica do trabalho visando contribuir
para a adoção da gestão do conhecimento, por meio do CIM, em projetos no ambiente
construído urbano que priorizem o conforto térmico.
4 REFERENCIAL TEÓRICO
De acordo com o relatório mundial das cidades da ONU Habitat (2022), a projeção de
crescimento das cidades pode chegar a 68% até 2050 (tradução nossa). Juntamente com esse
crescimento, diversos aspectos precisam ser levados em consideração, inclusive os impactos da
COVID-19, que a partir do início de 2020, resultou em uma redução significativa da população
das cidades e na evasão de espaços públicos. Apesar disso, um grande consenso é que a
urbanização continua sendo uma grande tendência do século XXI (ONU Habitat, 2022, tradução
nossa). É importante ressaltar que, para uma urbanização que ofereça qualidade ao indivíduo,
é necessário alcançar alguns parâmetros prioritários:
236
Essas prioridades incluem garantir o acesso a um ambiente limpo com
abastecimento de água, saneamento funcional, esgoto adequado e
eliminação de resíduos; proporcionando sustentabilidade e mobilidade
eficiente; promovendo produtos mais compactos, assentamentos seguros e
saudáveis; e aumentar a resiliência contra o clima e mudanças climáticas,
eventos climáticos extremos e transmissão de doenças. (ONU Habitat, 2022,
p. 3-4, tradução nossa)
237
Outro fator importante que influencia o conforto térmico nos espaços urbanos é o
gabarito da cidade ou dos bairros. Segundo Corbella e Yannas (2003), se a proporção entre a
largura das ruas e o gabarito da cidade ou bairro for excessiva, as primeiras se tornarão
verdadeiros cânions, onde haverá uma dificuldade de dissipação do calor, contribuirá para a
formação de ilhas de calor e ainda, devido ao aumento da temperatura, atentará contra o
conforto térmico das pessoas.
Segundo MUNIZ-GÄAL et al. (2018), atualmente a regulamentação do uso e ocupação
do solo já incorpora determinados parâmetros construtivos que impõem limites e estabelecem
diretrizes para a ocupação territorial, incluindo em alguns casos a fixação de quotas mínimas de
permeabilidade. No entanto, essas diretrizes frequentemente carecem de uma base sólida em
investigações climáticas e avaliações das implicações microclimáticas, frequentemente
resultando em propostas que negligenciam a preservação das condições climáticas ideais,
focalizando primordialmente na ordenação do desenvolvimento urbano.
As condicionantes supracitadas relacionadas ao conforto térmico para um projeto
urbano eficiente, são apenas algumas que devem ser analisadas no processo de proj eto. É
importante que esses aspectos relacionados ao desempenho térmico estejam bem definidos
para que as informações possam ser aplicadas como parâmetros de projeto para o desenho
urbano no sistema BIM (Building Information Modeling).
238
equipe de trabalho em diversos setores, tendo como objetivo a elaboração de um modelo
comum para a gestão urbanística (LOPES, 2019).
239
Através da adoção de sistemas paramétricos é possível conceber a criação de modelos
de urbanização e estratégias de arborização, desempenhando assim um papel relevante na
abordagem das questões relacionadas ao microclima urbano (SILVA et al, 2017).
É necessário entender que o conhecimento aprofundado de tecnologias inovadoras,
como as plataformas BIM e CIM, poderão contribuir no desenvolvimento do planejamento
urbano através da velocidade e qualidade do trabalho dos profissionais de forma decisiva
(FREIRE, 2019).
4.3 Aplicação City Information Modeling como ferramenta para o desenho urbano com foco
em conforto térmico
240
reconsiderar a estratégia urbana (DELVAL, 2021). A Figura 2 demonstra como é realizada a
análise do conforto urbano, utilizando a convergência dos dados coletados. O resultado se
apresenta através de uma escala de cores, em que o vermelho é o estado mais crítico e o azul é
adequado.
241
Figura 3 – Mapa de Microclima urbano
5 ANÁLISES E RESULTADOS
Como ponto de partida para análise acerca da problemática apresentada neste artigo,
compreende-se a necessidade de um processo de urbanização que ofereça qualidade ao
indivíduo com foco no conforto térmico. Assim, para um planejamento urbano eficiente
termicamente é necessário incorporar dados meteorológicos e análises climáticas em suas fases
iniciais para tomadas de decisões. Uma vez que em cidades de grande porte o processo de uso
e ocupação do solo ocasiona microclimas, torna-se ainda mais necessário o estudo das
condições térmicas de regiões e bairros de forma específica.
Considerando a especificidade das cidades por se caracterizarem como um organismo
complexo, definido por diversas dimensões, não é condizente a aplicação de um modelo padrão.
Assim, faz-se necessário um diálogo interdisciplinar capaz de gerenciar e sobrepor as
informações das diversas esferas compreendidas no planejamento urbano. Uma forma de se
atingir tais objetivos, é através da ferramenta BIM/CIM junto a atuação de uma equipe de
trabalho interdisciplinar. Por meio da interoperabilidade desta ferramenta é possível gerir
parâmetros e aplicar os dados reais e informações georreferenciadas no projeto urb ano, de
forma que os diversos setores consigam atuar em conjunto no processo. Para que aconteça a
efetiva atuação conjunta, é essencial o investimento financeiro e que haja disponibilidade de
tempo para implementação da ferramenta e capacitação dos colaboradores.
O surgimento da ferramenta BIM/CIM, representa um avanço no processo de
planejamento urbano. No entanto, a implementação não irá substituir o profissional, uma vez
que a ferramenta não é isenta de limitações. Por ser responsável pela criação de parâmetros, o
profissional se torna indispensável no processo de planejamento, e é através da sua
sensibilidade que compreende as impressões que o espaço construído imprime sobre os
indivíduos.
242
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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245
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( X ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
246
RESUMO
Este artigo é desdobramento da pesquisa de doutorado em desenvolvimento. No texto que segue, retratamos o
objeto de estudo, a Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, Salvador – BA, a partir do estatuto legal, tendo
também como foco a discussão do direito à moradia e à cidade. A Rua estudo de caso vive, desde 2018, um processo
de reintegração de posse. Os moradores que ali habitam estão sendo expulsos em prol da construção de um Shopping
Center. De modo a alcançarmos os objetivos propostos, investigamos a legislação urbanística no âmbito federal e
municipal, especialmente as que incidem sobre o território, como o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de
Salvador de 2016, que classifica esse espaço como uma Zona de Interesse Social (ZEIS) e a Lei de Ordenamento do
Uso e da Ocupação do Solo. A determinação do estudo de caso como ZEIS nos leva à discussão da capacidade dos
instrumentos legais em serem efetivos no que tange ao espaço urbano, em suas determinações. Como processo
metodológico, de caráter indutivo, levanta-se, a partir do estudo de caso e referências documentais, uma indagação
a respeito da dicotomia recorrente entre o estatuto legal e o estatuto da realidade, como contribuição para a
compreensão das contradições que envolvem as decisões que pautam o futuro das nossas cidades.
PALAVRAS-CHAVE: Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita. Salvador, Bahia. Direito a cidade.
ABSTRACT
This article is an offshoot of the doctoral research in development. In the text that follows, we portray the object of
study, the Monsenhor Rubens Mesquita Street Community, Salvador - BA, from the legal status, also focusing on the
discussion of the right to housing and to the city. The street that is the case study has been going through a process of
repossession since 2018. The residents who live there are being expelled in favor of the construction of a Shopping
Center. In order to achieve the proposed objectives, we investigated the urban legislation at the federal and municipal
levels, especially those that affect the territory, such as the Director Plan for Urban Development of Salvador, 2016,
which classifies this space as a Social Interest Zone (ZEIS) and the Land Planning of the Use and the Occupation Law.
The determination of the case study as ZEIS leads us to discuss the ability of legal instruments to be effective with
regard to urban space, in their determinations. As a methodological process, of an inductive nature, it raises, from the
case study and documentary references, an inquiry regarding the recurrent dichotomy between the legal statute and
the statute of the reality, as a contribution to the understanding of the contradictions that involve the decisions that
guide the future of our cities.
KEYWORDS: Monsenhor Rubens Mesquita Street Community. Salvador, Bahia. Right do the city.
247
1 INTRODUÇÃO
Fonte: Bahia (2021, p. 25, com base em imagens do Portal SIG – CONDER, c2020).
248
Cabe, também, evidenciar o contexto urbano no qual a Comunidade está inserida. A
Rua Monsenhor Rubens Mesquita faz parte do que é conhecido como o centro expandido da
cidade de Salvador, que se refere ao território adjacente ao Centro Antigo da cidade. A Rua está
localizada imediatamente após a Estação da Lapa, importante estação de transbordo rodoviária
e metroviária da cidade de Salvador, próxima ao Dique do Tororó e à Arena Fonte Nova, como
ilustra a Figura 1, acima. Trata-se de um espaço privilegiado da cidade, próximo a equipamentos
e serviços urbanos, sejam eles de usos cotidianos ou esporádicos.
Como previamente citado, a Comunidade vive um Processo de Reintegração de posse
movido pela Prefeitura Municipal de Salvador (Processo no. 0575098-23.2017.8.05.0001).
Segundo relatado pelos moradores, em 2018 eles vinham percebendo uma movimentação de
funcionários da Prefeitura, que inclusive faziam medições em algumas casas; os funcionários
diziam que a Prefeitura pagaria 80 mil reais por cada andar das moradias. Com certa
desconfiança, o Sr. Evandro se encaminhou até a Defensoria Pública, e, ao consultar o número
do processo, descobriu que se tratava de uma Reintegração de Posse, sem direito a qualquer
ressarcimento. Importante salientar que os moradores não possuem documentação de posse,
no entanto pagam o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU).
Desde então, a Comunidade se organizou, estruturou uma Associação de Moradores
e vinha, de forma ativa, buscando lutar contra a reintegração. Promoveram eventos de
conscientização, como Festivais Gastronômicos e exibições de filmes e, principalmente após a
pandemia, passaram a ter uma presença ativa nas redes sociais, através do perfil @torororesiste
(2019), relatando sua história e a injustiça do processo. Obtiveram o apoio de diversas
instituições, que emitiram notas técnicas repudiando o processo vivido, dentre eles o Conselho
de Arquitetura e Urbanismo da Bahia (CAU-BA), o Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico
(IBDU) e a Nota Técnica elaborada em conjunto, entre o Instituto de Arquitetos do Brasil –
Departamento da Bahia (IAB-BA), o Sindicato dos Arquitetos e Urbanistas do Estado da
Bahia(SINARQ), e o Grupo de Pesquisa da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da
Bahia (LUGAR COMUM -UFBA) (SINARQ et al., 2020).
No entanto, apesar de ter vencido o processo em primeira instância, a Comunidade o
perdeu na segunda instância. Para além disso, no decorrer do processo, os moradores relataram
a constante intimidação realizada pela Prefeitura Municipal. Nesse quadro, inúmeras famílias
desistiram de lutar contra a reintegração e acabaram por aceitar as ofertas de compra da
municipalidade, ainda que por valores significativamente baixos. Assim, a partir do ano de 2021,
vimos se dar as primeiras demolições dessas moradias (Figura 2).
Para além dos relatos de danos estruturais, as demolições assustaram cada vez mais
os moradores (Figura 2); de quarenta e uma, apenas três famílias permaneceram no local,
aguardando o desenrolar do processo de reintegração de posse, que segue para a última
instância. Porém, quando de junho de 2023, o atual Presidente da Associação de Moradores, o
Sr. Roberbal Improta, um dos últimos que permaneciam no local, relatou, por mensagem
dirigida a uma das autoras deste texto, que também estava saindo do Tororó. De modo terrível,
vemos a destruição material e imaterial desse espaço urbano, onde famílias perdem suas
moradias, mas também os laços ali firmados.
249
Figura 2 – Demolições na Rua Monsenhor Rubens Mesquita, 26 de outubro de 2021
Embora não seja o tema central deste artigo, a questão da saúde mental nos centros
urbanos foi tema da dissertação de mestrado, com desdobramento na tese de doutorado. A
primeira pesquisa identificou um espaço bem localizado, com oferta de serviços e equipamentos
urbanos, com elevado capital social e também indicando baixa presença de sintomas
relacionados a transtornos mentais. À época, nossa conclusão era de que a municipalidade
estava caminhando para a extinção de seus espaços saudáveis, e agora vemos essa percepção
concretizada.
Porém, para além da qualidade urbana desse espaço que, pelo seu significado, por si
só mereceria ser preservado, temos o fato legal de que a Rua Monsenhor Rubens Mesquita faz
parte de uma Zona de Interesse Social (ZEIS-1), de acordo com o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano do município de Salvador (PDDU) (SALVADOR, 2016a), atualmente
vigente. Esta determinação legal deveria garantir à Comunidade a sua permanência.
O presente artigo irá, então, analisar as legislações urbanísticas que incidem sob esse
território, em busca da compreensão de como e porque o estatuto legal não foi capaz de
assegurar os direitos dessas famílias. Intenta-se, por decorrência, colaborar na discussão de
que, a despeito dos inegáveis avanços do quadro legal no universo urbanístico brasileiro (BRASIL,
1988; BRASIL, 2001), a garantia de um desenvolvimento sustentável de nossas cidades não se
concretiza (MARICATO, 2011), mantendo-se a espoliação e estratificação urbanas (VILLAÇA,
2001), perante pressões de interesse imobiliário como um problema sistêmico, como buscamos
ilustrar, no estudo de caso.
2 OBJETIVOS
O artigo tem, como objetivo principal, apresentar o estatuto legal que envolve o caso
da Comunidade da Rua Monsenhor Rubens Mesquita, Salvador – BA, e contradições de como se
relaciona com o estatuto da realidade. Como objetivos específicos, pretende-se apontar para o
250
paradoxo do grau de excelência dos instrumentos da legislação urbanística — de modo
particular o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano do Município de Salvador (2016a) e a Lei
de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (SALVADOR, 2016g), em comparação à não
garantia do direito à moradia e à cidade.
4 RESULTADOS
251
Dessa forma, o Estatuto da Cidade materializou os princípios urbanos determinados pela
Constituição de 1988 e estabeleceu as bases do planejamento urbano brasileiro.
Em uma análise dos dez anos do Estatuto, Raquel Rolnik (2012) observa que o
desenvolvimento das cidades brasileiras representa um desafio. Durante esse período,
presenciamos o crescimento urbano sendo impulsionado por grandes obras de infraestrutura
sem um adequado planejamento, ordenamento e gestão que considerassem as questões locais.
Para além disso, os altos investimentos em programas de construção de moradias via
financeirização levaram a um descontrole no processo de especulação imobiliária. Em
contrapartida, projetos urbanos orientados para grandes eventos têm criado espaços
desregulamentados, em prol de atrair investimentos internacionais, ironicamente viabilizados a
partir de instrumentos do próprio Estatuto. Essas obras muitas vezes resultam em remoções,
contradizendo a função social da propriedade (ROLNIK, 2012).
A autora afirma, porém, que os instrumentos do Estatuto foram e são essenciais para
os movimentos de resistência, a exemplo das demarcações das Zonas de Interesse Social, ainda
que estas funcione mais para evitar violações de direitos do que para de fato promover ações
efetivas. Dessa forma, a autora destaca a importância de reafirmar os princípios estabelecidos
pela Constituição, caso contrário o Estatuto da Cidade poderá ser cada vez mais utilizado em
benefício do capital. No entanto, Rolnik (2012) também aponta que o ordenamento jurídico, por
si só, não é suficiente para resolver as questões urbanas.
Em sua análise dos vinte anos do Estatuto da Cidade, Rolnik (2021) ressalta a
importância de uma compreensão mais complexa da sua formulação e implementação, sendo
fundamental considerar sua origem e contexto. Embora a política urbana tenha sido inserida na
Constituição como resultado da pressão dos movimentos sociais, acabou por ser influenciada
por modelos de planejamento tecnocráticos, modernizadores e racionalistas, enraizados no
pensamento colonialista e na indústria imobiliária. Esses modelos moldaram a abordagem do
Estatuto da Cidade e influenciaram sua aplicação ao longo do tempo. Segundo a autora:
252
A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o
atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça
social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes
previstas no art. 2º desta Lei. (BRASIL, 2001, art. 39)
Porém, fica evidente que a legislação por si só não tem sido capaz de garantir o direito
à cidade, à moradia e o bem-estar dos cidadãos, e nem a capacidade de proteger as
comunidades urbanas dos ditames do capital. O estudo de caso aqui apresentado é um exemplo
concreto desse apontamento, em que presenciamos uma negação desses direitos, dado que,
em muitos casos, o resultado é a realocação das pessoas para áreas nas franjas do tecido urbano,
como tende, mais recentemente, a ocorrer com a Comunidade da Rua Monsenhor Rubens
Mesquita, ou Comunidade do Tororó, como é conhecida.
Cabe recordarmos que, de estrato burguês, a cidade de origem industrial, como
unidade de produção de valor, se baseia fundamentalmente na noção de propriedade, que é
também sinônimo de poder econômico e simbólico na disputa socioterritorial, que orienta o que
Villaça (2001) define como valor de localização. Segundo Harvey (2020), a própria cidade é um
agente importante na extração de valor, não sendo somente um palco da luta de classes, ao que
Logan e Molotch (1987) denominam como a política econômica do lugar, da “cidade como
máquina de crescimento”.
Cumpre verificar, até que medida os instrumentos determinados pelo Estatuto das
Cidades — implementados pelos Planos Diretores e pelas leis derivadas de ordenamento, uso e
ocupação do solo — transformaram-se em institutos capazes de promover valorização ou
desvalorização de um dado espaço urbano, na disputa socioterritorial nas cidades, ao ponto de
sua cooptação pelos interesses, na obtenção de valor da terra e dos produtos imobiliários, como
é o exemplos dos casos de operação urbana demonstrados em São Paulo, por Fix (2001; 2007),
onde é ativa a participação do Estado.
Dessa forma, analisaremos o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, vigente na
cidade de Salvador (2016a), dando ênfase a como Comunidade da Rua Monsenhor Rubens
Mesquita se enquadra neste Plano. Em seguida, abordaremos a Lei de Ordenamento do Uso e
da Ocupação do Solo (LOUOS) (SALVADOR, 2016g), analisando quais direitos lhe são garantidos
legalmente e quais os instrumentos que protegem a Comunidade, ou ao menos deveriam, e sua
contradição com as circunstâncias e fatos reais em curso.
253
VI - a gestão democrática da cidade. (SALVADOR, 2016a, art. 10)
[...] o PDDU ora vigente em Salvador só pode ser chamado de “plano” com muito boa
vontade: não define metas nem estabelece prazos para seu cumprimento, não estima
os recursos necessários para que elas sejam alcançadas, nem alinha as estratégias
adequadas a esse fim. Tampouco define prioridades. Sequer estabelece com clareza
as diretrizes urbanísticas que se pretende imprimir ao processo de desenvolvimento
supostamente visado. Projeta-se para períodos exíguos: quatro, oito e 35 anos,
períodos propostos como correspondentes a curto, médio e longo prazo. Carece de
base técnica efetiva: tendo descurado a avaliação crítica dos PDDU de 2004 e 2008,
seus elaboradores sequer atualizaram os dados de que se valeram. Embora pareça
incrível, o fato é que não fizeram qualquer coleta de dados primários: recorreram a
dados inteiramente defasados e os empregaram sem tino crítico. A equipe que
realizou estudos técnicos para o chamado Plano Salvador 500, anunciado como fonte
estratégica do PDDU, foi paga e não entregou o trabalho previsto em contrato.
(SERRA; NUNES, 2019, p. 9)
As análises a respeito do texto da Lei são extensas, porém aqui nos concentramos em
observar o enquadramento da Rua Monsenhor Rubens Mesquita dentro do PDDU e quais
direitos estariam garantidos à Comunidade que ali habita. Para tal compreensão, fizemos uma
análise do texto e dos mapas anexos do Plano e como a área se classifica, no contexto dessa
legislação urbana. Assim, temos o tecido da ocupação correspondente à Rua Monsenhor Rubens
Mesquita, conforme sintetiza o Esquema 1, abaixo:
254
Esquema 1 – Classificação da Rua Monsenhor Rubens Mesquita de acordo com o Plano Diretor de
Desenvolvimento Urbano de Salvador, de 2016
Fontes: Autoral, com base em Salvador, 2016a; 2016b; 2016c; 2016d; 2016e; 2016f.
255
Figura 3 – Zonas Especiais de Interesse Social do município de Salvador conforme o PDDU, assinalando Rua
Monsenhor Rubens Mesquita
O instrumento das ZEIS corrobora com os objetivos e as diretrizes do Plano Dire tor
soteropolitano. Dentre os objetivos assinalamos: “[...] promover a regularização e a urbanização
de assentamentos precários” e “[...] resgatar e fortalecer o sentimento de pertencimento e as
relações sociais e comunitárias” (SALVADOR, 2016a, art. 11, itens X e XVIII); e, dentre as
diretrizes, a “[...] promoção da melhoria das condições de habitabilidade nos assentamentos
precários, compreendidos como necessidades habitacionais relacionadas com os espaços
públicos, a infraestrutura, os equipamentos e serviços urbanos” (SALVADOR, 2016a, art. 12, item
III). O Plano Diretor ainda prevê que programas de assistência técnica deverão ser voltados para
a melhoria da qualidade da habitação, pensada em conjunto com o interessado, e que , para tal,
é, inclusive, possível, a flexibilização de prazos de empréstimos em subsídios, tendo em conta a
realidade socioeconômica das populações envolvidas.
O Plano Diretor entende a moradia como o principal dos elementos integradores que
constituem o tecido urbano, responsável por fixar a população e articular as relações sociais
(SALVADOR, 2016a, art. 127). Nesse sentido, institui que as obras de urbanização devem realizar
o menor número possível de remoções, se atendo à área de intervenção e respeitando a
configuração física dos assentamentos.
A área de estudo também está inserida em território definido como Operação Urbana
Consorciada (OUC Ribeira); tal definição institui um conjunto de intervenções, podendo
modificar parâmetros e índices urbanísticos, características de uso, ocupação e parcelamento
do solo e regularização de construções (SALVADOR, 2016a, art. 326). Observamos ainda que, na
256
Macroárea de Urbanização Consolidada, predica-se, prioritariamente: operação urbana
consorciada; regularização fundiária por usucapião especial de imóvel urbano; demarcação
urbanística e legitimação de posse; concessão de direito real de uso; concessão de uso especial
para fins de moradia e zonas especiais de interesse social (ZEIS), entre outros (SALVADOR, 2016
a, art. 140).
A análise do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador nos indica que a
Rua Monsenhor Rubens Mesquita, em uma perspectiva legal, está protegida em diversos
aspectos e por meio de diferentes instrumentos, predicados pela legislação nacional e aplicados
através da legislação municipal. Para além da manutenção como tal, a lei prevê o
desenvolvimento e a requalificação dessas áreas, em busca da preservação de seu caráter
material e imaterial. No entanto, o que vemos na prática é o contrário do que está instituído no
aspecto legal. Dando continuidade analisaremos, a seguir, a Lei de Ordenamento do Uso e
Ocupação do Solo.
257
● Área de Proteção Cultural e Paisagística (SALVADOR, 2016a; 2016k) — como a
delimitação da área da Comunidade Rua Monsenhor Rubens Mesquita e áreas
envoltórias;
● Gabaritos Máximos - (SALVADOR 2016a; 2016l)sendo, por exemplo, Preservação de
Encostas — como a delimitação da área da Comunidade Rua Monsenhor Rubens
Mesquita; gabarito máximo de 12m (aproximadamente 4 pavimentos), correspondente
à área de entorno da Comunidade a norte e sudoeste; gabarito máximo de 9m
(aproximadamente 3 pavimentos), correspondente à área de entorno da Comunidade a
sudeste e oeste; e gabarito máximo de 18m (aproximadamente 6 pavimentos),
correspondente à área de entorno a leste.
Figura 4 – Ampliação Centralidades do município de Salvador, conforme a LOUOS, assinalando a Rua Monsenhor
Rubens Mesquita e bairros envoltórios
258
A partir da análise da inserção territorial da Comunidade da Rua Monsenhor Rubens
Mesquita, observamos que, assim como o PDDU, o postulado pela LOUOS assegura, mediante
uma série de classificações e parâmetros urbanísticos correspondentes, a salvaguarda da
Comunidade em sua permanência no território original de ocupação, a saber, a Rua Monsenhor
Rubens Mesquita. Em síntese, temos: trata-se de uma ZEIS 1 (ZEIS no° 27 – Tororó) caraterizada,
portanto, como assentamento precário, compreendendo favelas, loteame ntos irregulares e
conjuntos habitacionais irregulares, passível de proteção e regularização. E, de acordo com a
LOUOS, tais zonas são destinadas à regularização fundiária em prol da produção, manutenção
ou qualificação da Habitação de Interesse Social (SALVADOR, 2016g, art. 20). Nesse sentido, a
legislação prevê a possibilidade de submissão a lei específica com parâmetros mais permissivos.
No que diz respeito aos objetivos e estratégias da LOUOS, a Lei prevê que deve-se
assegurar a produção de moradia social, equilibrando a moradia com ofertas de emprego e
serviços. (SALVADOR, 2016g, art. 2).
Já no que concerne ao território adjacente à Comunidade em estudo, estes são
integrantes das zonas de Centralidade Metropolitana ZCMe e da Zona Predominantemente
Residencial ZPR—3 (Figura 4). A primeira, em sua maioria, é definida como parte da Macroárea
de Integração Metropolitana e da Macroárea de Urbanização Consolidada, que são
caracterizadas como áreas com funções diversificadas e às quais se articulam os principais fluxos
urbanos (SALVADOR, 2016g, art. 23). No caso da ZPR, trata-se de área destinada ao uso
residencial, como prioridade; e, com respeito à ZPR-3, especificamente, é uma zona de alta
densidade, tanto construtiva como demográfica (SALVADOR, 2016g, art. 19).
Assinalamos, também, a inserção da Rua Monsenhor Rubens Mesquita no Sistema de
Áreas de Valor Ambiental e Cultural (SAVAM). Nos critérios de ordenação destas áreas,
prevalecem os das macrozonas e macroáreas e, a instalação de qualquer empreendimento, deve
ser observada mediante as restrições estipuladas (SALVADOR, 2016g, art. 34). São estabelecidos
lotes de área mínima de 125m2 e frente mínima de 5m (SALVADOR, 2016g, art. 49).
A Comunidade está localizada em via do tipo local, caracterizada como um setor sem
incomodidade, rodeado por setores de gabaritos máximos entre 12 e 18 metros de altura. Está
inserida em um setor de gabarito de preservação de encostas, que e xige estratégias específicas
de controle. Tal demarcação indica uma situação de vulnerabilidade ambiental, porém é mais
um aspecto sob o qual deveria se encontrar protegida pela legislação urbana, no sentido de
controle e adaptação adequada.
Mais uma vez fica evidente a garantia da salvaguarda da Comunidade da Rua
Monsenhor Rubens Mesquita, e, no caso da LOUOS, tem-se a determinação de diversos
instrumentos que permitem a adequação da área existente com a devida qualificação, de modo
sustentável e com justiça socioambiental, respeitando a função social da propriedade.
5 CONCLUSÃO
259
Estatuto da Cidade, e seus instrumentos, que se propõem a constituir uma política urbana
baseada no bem-estar dos cidadãos. Mais diretamente, é legalmente protegido pela
municipalidade, sobre a qual recai a responsabilidade de implementar a política urbana através
do Plano Diretor e, em complementaridade, pela Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do
Solo.
A partir do momento que a área está classificada como ZEIS 1, e, paralelamente, como
uma Área de Proteção Cultural Paisagística, fica cada vez mais incoerente o Processo de
Reintegração de Posse sofrido por esta Comunidade, perante o estabelecido pelo o estatuto
legal.
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VILLAÇA, Flavio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, FAPESP, 2001.
262
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( x ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
263
RESUMO
O esforço para alterar o modelo fragmentado, segmentado e segregador de cidade capitalista herdada da
Modernidade tem sido alvo de grande parte das atuais políticas públicas. A ONU-Habitat (2019) propõe requalificação
dos espaços públicos abertos das cidades, como praças e parques, para atrair e incluir todos as pessoas, buscando
fortalecer neles a convivialidade social. Entre os diversos parques urbanos implantados em Campo Grande está o
Parque Ecológico do Soter, que vem passando por um processo de requalificação por iniciativa do Poder Municipal.
O objetivo desta pesquisa foi analisar as potencialidades/restrições de convivialidade nas formas de uso e apropriação
coletiva do Parque Ecológico do Soter, em Campo Grande/MS. A pesquisa foi de natureza exploratória e qualitativa,
com método misto, baseado na triangulação entre dados contextuais, objetivos e subjetivos. Foi possível verificar a
recuperação do papel original de conservar e proteger as nascentes do córrego e atender famílias que buscam pelo
lazer e esportes numa área de grande alcance. A falta de manutenção e abandono do parque gerou uma série de
impactos negativos de natureza social, econômica e ambiental. A atual reforma vem contribuindo para sua
revitalização. Ainda que não exista uma forma de governança colaborativa, foi possível avaliar um certo nível de
predisposição por parte dos usuários e gestores do parque à constituição deste processo.
SUMMARY
The effort to change the fragmented, segmented, and segregated model of the capitalist city inherited from Modernity
has been the target of most current public policies. UN-Habitat (2019) proposes the requalification of public open
spaces in cities, such as squares and parks, to attract and include all people, seeking to strengthen social conviviality
in them. Among the many urban parks implemented in Campo Grande is the Ecological Park of Soter, which has been
undergoing a process of requalification at the initiative of the Municipal Power. The objective of this research was to
analyse the potentialities/restrictions of user-friendliness in the forms of use and collective appropriation of the Parque
Ecológico do Soter, in Campo Grande/MS. The research was of an exploratory and qualitative nature, with a mixed
method, based on the triangulation between contextual, objective, and subjective data. It was possible to verify the
recovery of the original role of conserving and protecting the sources of the stream and serving families looking for
leisure and sports in an area of great reach. The lack of maintenance and abandonment of the park generated a series
of negative impacts of a social, economic, and environmental nature. The current reform has contributed to its
revitalization. Although there is no form of collaborative governance, it was possible to assess a certain level of
predisposition on the part of users and park managers to the constitution of this process.
264
1 INTRODUÇÃO
2 METODOLOGIA
265
condições. É contextual, por se considerar as particularidades do contexto histórico e territorial
em que essas condições e percepções se manifestam. A triangulação consiste, portanto, neste
método misto, com resultados advindos de análises quantitativas, qualitativas e contextuais
(FIELDING e SCHREIER, 2001).
Num primeiro momento, buscou-se contextualizar de modo histórico e territorial a
emergência deste parque, mediante fontes bibliográficas e documentais. Num segundo
momento, foi realizado um estudo objetivo e descritivo dos aspectos físicos do referido parque,
com apoio bibliográfico/documental e observação direta. Por fim, procurou-se interpretar,
mediante suporte de entrevistas semiestruturadas, a escuta dos sujeitos desta pesquisa: os
usuários e partes interessadas no parque, mediante Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
por eles.
O objeto de pesquisa foi o Parque Ecológico do Sóter e os sujeitos da pesquisa, os
usuários e demais partes interessadas no desenvolvimento deste espaço público. Os processos
relacionais entre os usuários e os espaços físicos do Parque Ecológico do Sóter foram analisados
a partir de técnicas de observação, mapas comportamentais, entrevistas e questionários
(RHEINGANTZ; DEL RI; DUARTE, 2002).
3 RESULTADOS
266
cidadania. Conforme assinalado pelo Institut d’Amenagement et Urbanisme (IAU, 2019), além
de melhorar o cenário de vida de seus usuários diante do prazer do encontro com as demais
pessoas, do ponto de vista econômico, também pode contribuir para ampliar a frequência aos
empreendimentos já estabelecidos, como pode atrair novos negócios. Para Jan Gehls (2013),
espaços públicos valorizados como áreas de pedestres e local de encontro dos moradores
significa uma forma de contribuir para a construção de cidades mais humanas, vivas, seguras e
inclusivas. A convivialidade é uma forma de potencializar a criação da vida social humana e de
um modo mais equitável e justo (ILLIC, 1978). O estreitamento de laços sociais favorece a
retomada da fala entre si e o agir juntos num ambiente comum para controlar e melhorar seus
meios de vida.
267
expansão de usinas de álcool no Pantanal.
Os diversos parques criados em Campo Grande/MS estão distribuídos entre as seis Regiões
Urbanas de Planejamento. O Parque Francisco Anselmo Gomes de Barros (antes Parque Ecológico
do Soter), situa-se na Região Urbana do Prosa, no Nordeste da cidade de Campo Grande/MS. Ele
é seguido do Parque Linear do Soter. Desta região urbana ainda fazem parte o Parque dos Poderes
e o Parque Consul Assad Trad (ver Mapa 1)
Parques urbanos em
Campo Grande/MS
Localização
do parque
na Região
Urbana do
Prosa
Fonte:
Mapa Agência
1 Localização doMunicipal de Meio
Parque Francisco Ambiente
Anselmo e Planejamento
Gomes de Barros Urbano
no Córrego do Soter (PLANUR B), 2022
Fonte: Planurb, 2022
Adaptado pelos autores
Existe, portanto, uma forte desigualdade social entre esta área Norte e aquela mais
próxima ao Centro (Figura 4) e o entorno do Parque associado ao parque linear do Soter
apresenta uma densa área construída (Figuras 5 e 6). Enquanto a área em direção ao centro
abriga moradores de alto poder aquisitivo e atrai para si um conjunto de investimentos públicos,
na área do Norte no entorno do Parque Ecológico do Soter predominam loteamentos destinados
268
a segmentos sociais de menor poder aquisitivo, tais como loteamentos populares, grandes
conjuntos habitacionais e ocupações irregulares (DUARTE, 2014).
Do ponto de vista ambiental, a ausência de cobertura vegetal e mesmo de mata ciliar,
de acordo com Reynaldo e Barbosa (2019), continuava submetendo a área do Parque Ecológico
do Soter a fortes processos de erosão e assoreamento. Em 2008, quando foi elaborado o Plano
Diretor de Drenagem Urbana de Campo Grande - MS, a galeria de águas pluviais do Parque já
servia de receptáculo para o esgoto sanitário do entorno e contava com um processo de erosão
ativo na formação de uma voçoroca, que contribuiu para o assoreamento do lago.
Figura 4 Entorno Imediato do Parque. Figura 5 Parque Linear do Soter Figura 6 Área construída
Imagens Imagens
OpenStreetMap
OpenStreetMap
CBERS-4A - Municipal - 2022
CBERS-4A - Municipal - 2022 CBERS-4A - Municipal - 2021
CBERS-4A - Municipal - 2021 World View - Urbano - 2020
World View - Urbano - 2019
World View - Urbano - 2020
World View - Urbano - 2017
World View - Urbano - 2019 World View - Municipal - 2017
World View - Urbano - 2017 Ortofoto - Urbano - 2013
World View - Municipal - 2017 Ortofoto - Urbano - 2008
Ortofoto - Municipal - 2008
Ortofoto - Urbano - 2013
Ikonos - Urbano - 2006
Ortofoto - Urbano - 2008 Ortofoto - Urbano - 2002
Ortofoto - Municipal - 2008 Ortofoto - Urbano - 1999
Equipamentos Públicos
Infraestrutura e Serviços
Meio Ambiente
Esporte, Lazer e Turismo
Plano Diretor
200 m
Leaflet | Powered by Esri | © OpenStreetMap contributors
269
àem relativo
via bom estado
de transporte e bempara
e outra iluminadas. Osepostes
a calçada são dotados
ciclovia. de duas
A ciclovia temlâmpadas led, uma
continuidade voltada Nelly
na Avenida
à via de transporte
Martins, ao longo edeoutra
todopara a calçada
Parque e ciclovia.
Linear A ciclovia
até a Avenida MatotemGrosso,
continuidade na Avenida
na região Nelly
do centro urbano de
Martins,Grande.
Campo ao longo de todo Parque Linear até a Avenida Mato Grosso, na região do centro urbano de
Campo Grande.
Figura
Figura 8. Aspecto
8.Fonte:
Aspecto daárea
da área
Autores, 2022externa
externa dodo parque
parque (2022) Figura
(2022) 9. Calçada
9. Calçada
Figura e ciclovia
Fonte:
e ciclovia externaexterna
Autores, 2022(2022)
(2022)
MI
MI SSÃO SALESIANA
SSÃO SALESI ANADE DE MATO
MATO GROSSO
GROSSO DODO SULSUL
- UNI- UNI
VERSI VERSI
DADE DADE
CATÓLI CATÓLI
CA DOMCABOSCO
DOM BOSCO
Av. Ciclovias
Tamandaré,asfaltadas
Av. Tamandaré, 6000
6000 ––
Jardimforam
Jardim
Seminário construídas
Seminário – CEP
– CEP circulando
79117-900
79117-900 – CAMPO este
– CAMPO espaço
GRANDE
GRANDE de
MS –preservação
– MS ––BRASIL BRASIL
CNPJ/MF: 03.226.149/0015-87
CNPJ/MF: 03.226.149/0015-87 – Fone:
– Fone: 55 55 67 3312-3300
67 3312-3300 – Fax:– Fax:
55 6755 67 3312-3301
3312-3301 – www.ucdb.br
– www.ucdb.br
permanente,
Programa
simultâneas
Programa dedeI niciação
I niciação
às vias
Cient
Cient
para
if ica
ifica
caminhadas
– PI– BI
PIC/BIUCDB
C/ UCDB
(Figura 10).3723
◊ 3 3◊1 23-3615/
Na recente
3 1 2 -3615/ ◊3723
reforma, além do
◊ pibic@ucdb.br
pibic@ucdb.br
reparo no piso, elas também foram contempladas com postes de Luz led (Figura 11).
O parque foi fechado com um alambrado de gradil metálico e pilar de eucaliptos, tendo
sido instalado três portões de entrada (Figura 12). A revitalização do parque abrangeu
calçamento, banheiros, portarias, quadras esportivas, parque infantil, pintura e cercamento
externo, vias de deslocamento interno (ciclovia e passarela). Foram organizados três setores
da infraestrutura de esporte e lazer (A, B e C), associados a cada um dos três portões de entrada
270
(Figura 12). O setor C, junto ao portão 3, abriga a administração do parque, com algumas salas
(pilates e judô), sanitários, quadras poliesportivas (vôlei de areia, basquete, futsal) e o campo
de futebol e da academia ao ar livre (esta instalada em 2011 em parceria com a Unimed),
considerado o setor de maior frequência. Já o setor A, junto ao portão 1, diferenciado pelo
pórtico de madeira, conta com o setor integrado pelo play ground, este também bem
frequentado pelo público infantil, além do chamado “Largo dos Encontros”, uma pequena fonte,
guarita e sanitários. Já o portão 2 abriga guarita e sanitários e o espaço menos frequentado. A
meio caminho dos portões 1 e 2, estão ainda a ponte sobre o córrego, um mirante e uma pista
de skate e patinação. Todas estas infraestruturas sofreram reparos após a reforma. Já no quarto
setor, uma área de 250 m2, os quiosques e churrasqueiras para piqueniques pouco utilizados
foram totalmente demolidos durante a reforma (SISEP, 2019).
271
Figura 15 Academia ao Ar Livre Figura 16 Play Ground
272
residir em bairros situados entre 3 até 4 km, enquanto o local de moradia do outro terço chegou
a atingir entre 5 e 6 km. Estas distâncias ajudam a explicar o fato de a grande maioria vir de carro
até o parque, constatado ainda pela ampla área de estacionamento externo e sempre bastante
ocupado no entorno do parque.
Mais da metade dos entrevistados (55%) declarou ser antigo frequentador do parque
(entre 10 e 18 anos), dentre estes, pouco mais da metade entre 15 e 18 anos. Entre 5 e 6 anos
estavam 22 % deles e os frequentadores de uso mais recente representaram um terço do total
(33%).
A frequência cotidiana ao parque era praticada por 70% deles. Entre estes 53% vêm ao
parque de 2 a 3 vezes e mais durante a semana e 17% pelo menos uma vez (Figura 20).
Os entrevistados selecionados também informaram exercer funções variadas. Entre
estes, quatro se declararam estudantes (entre as crianças e jovens), duas senhoras informaram
exercer funções “do lar”, dois deles eram aposentados. As profissões dos demais ligavam-se ao
exercício militar e do funcionalismo público, havendo ainda dois professores, engenheiro,
auxiliar de solda, gerente agropecuário, manicure, profissional autônomo, consultor.
Com exceção das duas crianças (não foram contadas), a renda familiar predominante
entre os entrevistados foi de 5 a 10 salários (44%), sucedidos por aqueles de 3 a 5 salários (31%)
e de mais de 10 salários (19%). Foram apenas 6% que informaram integrar o grupo de renda
familiar de até um salário-mínimo (Figura 21).
Figura 20 Frequência do Parque pelos entrevistados. Figura 21 Renda Familiar dos Entrevistados
273
Figura 22 Formas de uso e convivialidade no Parque
11%
Vem com família
11%
Vem com namorado (a)
56%
Vem com amigos
22%
Vem sozinho
Por outro lado, observou-se entre os entrevistados, que apenas 17% mantinham
contato com algum grupo dentro do parque. Da mesma forma, somente 17% relataram manter
compromisso com alguma atividade ali desenvolvida. Os entrevistados tampouco se referiram a
outros eventos que pudessem atrai-los ao parque. Entre estes, 45% afirmaram nada saber a
respeito de eventos no parque e apenas um deles confirmou conhecer vários, mas porque residia
em frente ao mesmo (Residencial Sóter). Dentre os outros que tinham alguma referência, os
eventos citados foram treinamentos esportivos, ginástica, dança, como também eventos
esportivos, como corrida, futebol, basquete, alguns shows. Neste caso, é importante lembrar
que não foram entrevistados especificamente os participantes das várias oficinas oferecidas no
parque, a exemplo de ginástica rítmica, pilates, judo, capoeira.
Ao ser questionado sobre “o que os levam ao parque”, foi possível deduzir pelas
respostas, que este exerce importante papel de lazer a estas famílias e pequenos grupos que o
frequentam, mencionado por mais da metade (56%) deles. As formas de se referir ao lazer foram
diversas, como se pode apreciar no Quadro 1. As expressões utilizadas referiram-se desde o
espaço amplo com possibilidades de contato com a natureza, tranquilidade, relaxamento, até a
possibilidade de diversão para as crianças, inclusive com sentimento de ligação com a prática
exercida desde criança. A atividade física e esportiva constituiu a atração principal para 27%
(praticamente um terço), embora se tenha constatado que exista um público atraído para ambos
(17%). Observou-se, neste caso, que se tratava, sobretudo de famílias que vinham ao parque,
numa busca de satisfação às diversas necessidades de seus integrantes, desde relaxar, se
exercitar, caminhar (Quadro 2).
Quanto às atividades preferidas dos entrevistados, além da simples satisfação de
relaxar e contemplar a paisagem, forma destacadas as caminhadas e corridas, inclusive para
namorar e passear com cachorro, além de brincar. Entre os esportes, foram destacados o futebol,
vôlei e tênis e os exercícios citados foram aqueles ligados à academia ao ar livre e à barra, assim
como atividades de treinamento. Ao se questionar a respeito das estruturas prediletas dentro
do parque, as quadras poliesportivas forma citadas por praticamente um terço dos entrevistados
(29%), sucedida pelo play ground (25%), além da pista de caminhada (17%) e academia ao ar
livre (17%). Também houve referência aos equipamentos de treino (8%) e pista de skate (4%).
Ver Figura 24.
274
Quadro 2 O que os levam ao parque Figura 24 Estruturas Preferidas
Finalidade Respostas
Espaço amplo e tranquilidade Quadras
Busca de lazer poliesportivas
Espairecer (férias dos filhos) 8% 4% Play Ground
Diversão saudável 56% 29%
Brincar no play ground Pista de
Somente lazer 17%
Trazer crianças para brincar caminhada
Sensação de contato com a Academia ao Ar
natureza Livre
Tranquilidade 17% Equipamentos
Ligação desde a infância 25%
de treino
Lazer e esporte Práticas de exercício e lazer Pista de skate
Lugar calmo para fazer 17%
exercícios e caminhar
Barra/ esporte e lazer
Atividade física Atividade Física 27% Fonte: os autores (2022)
e esportes Praticar esportes
De acordo com o que foi possível observar durante as entrevistas, o Parque Ecológico
do Sóter, tem contribuído para transformar uma antiga área de “lixão” com alto índice de
criminalidade e prostituição (BAÍA e SOUZA, 2008), num espaço apropriado de lazer e esportes
especialmente a famílias de uma ampla área de influência. Neste sentido, vem conseguindo
contemplar em grande parte, necessidades específicas tanto de crianças, jovens, casais,
aposentados, como de amantes do esporte. Entre as formas de convivialidade dentro do parque,
ainda prevalece a da própria família que se desloca para lá, como entre jovens que praticam
esporte e ainda funciona como espaço para ‘namorar”. A área de influência do parque é muito
ampla, de modo que pouco se observa nele o fortalecimento de relações de vizinhança. Mas foi
possível observar durante as visitações, que nele emergem novas oportunidades de convívio
com pessoas que se encontram no parque, em determinadas condições favoráveis. Uma delas,
que se pôde observar durante as visitas ao parque diz respeito ao convívio de alguns parentes
(pais, avós) que se desconheciam, enquanto zelam e aguardam pelas crianças que brincam no
play ground, muitas vezes facilitado pela presença de mesas e bancos. Também se verificou que
algumas das mães já trazem cadeiras dobráveis, para se juntarem nestes espaços, em “rodas de
conversa”. As academias ao ar livre e quadras também ajudam a aproximar os frequentadores.
Também se pôde observar que as oficinas e treinamentos programados pelo Poder Municipal no
Parque estimulam esta aproximação coletiva para o convívio social.
As impressões dadas pelos entrevistados sobre o parque na vida deles foram em todos
os casos, bastante positivas, relacionando o parque a um local de bem-estar e qualidade de vida,
ótimo para conviver, com várias opções de lazer, tranquilo para trazer as crianças. Dentre eles,
22% afirmaram não trocarem este parque por qualquer outro na cidade para frequentar. A
vinculação de boa parte deles com o parque, em suas narrativas, também se associa a memórias
de infância, incluindo elementos da família que já faleceram.
No entanto, a participação na vida e manutenção do parque pelos usuários
entrevistados só foi afirmada por um viúvo aposentado, envolvido com a prática e treinamento
esportivo, que participou da pintura da quadra, bancos e material de esporte e para quem o
275
parque representava uma forma de “tirar a cabeça do luto”. Ao se questionar, se os demais
entrevistados estariam disponíveis a ajudar na manutenção do parque caso houvesse
necessidade, a resposta positiva veio de 85% deles, com expressões como: “no que for possível,
“se houver oportunidade”, “claro que sim”, “desde que haja cooperação”. Outros foram mais
específicos no que poderiam contribuir, tal como pintura, manutenção de quadras, cultivo de
plantas ou depende do que for preciso.
Ao solicitar dos entrevistados os principais problemas apresentados no parque, as
manifestações mais por ordem de maior frequência de citações foram em relação à melhor
manutenção do gramado (roçagem), ao vandalismo que resulta em quebra frequente dos
brinquedos no play ground e necessitam ser repostos, à precariedade do policiamento,
especialmente em duas entradas (portão A e B), à falta de conservação dos portões de entrada,
ao policiamento ainda precário no conjunto do parque, a um número pequeno de áreas
cobertas, além de falta de bancos, lixeiras e de mais pontos de água para beber, assim como à
melhoria da iluminação em algumas estruturas do parque e à melhor sinalização do trajeto na
pista de caminhada.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
276
fossem requisitados para este fim. As iniciativas dos próprios gestores do parque, na criação
grupos whatsApp, envolvendo frequentadores das práticas programadas, também se apresenta
como potencialidade para se construir uma gestão mais colaborativa.
Por outro lado, o Município, por meio da Funesp, vem apontando para novas políticas
em relação aos parques de Campo Grande, que podem favorecer este processo. Torna-se
fundamental neste sentido organizar um sistema de gestão do parque baseado em parcerias,
com uma participação efetiva da coletividade usuária, envolvendo outras partes interessadas.
Esta se apresenta como uma forma de se criar e agir juntos para melhorar os meios coletivos de
vida. O uso e apropriação adequados do parque, como se pode deduzir, constitui um importante
caminho para transformá-lo de forma democrática num espaço de convívio social e numa cidade
mais humana, viva, segura e inclusiva.
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Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
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( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
279
RESUMO
O histórico de instabilidade no Haiti o acompanha desde seu período colonial, porém se acentuou com o grave terremoto
ocorrido em 2010. Após o desastre natural muitos cidadãos passaram a buscar outro local para reconstruir suas vidas. Tendo
como base a mudança na paisagem em que viveram nos últimos anos o presente trabalho busca entender as transformações
do cenário em que estavam inseridos em Porto Príncipe para o atual contexto em Cuiabá – MT, sob a ótica de Richard Forman.
A metodologia apoiou-se na coleta de dados geográficos, econômicos e demográficos, principalmente, para que assim fosse
possível analisar as paisagens e compará-las, atribuindo a elas as características de ponto, corredor e matriz conceituadas
pelo ecologista Forman. A importância deste estudo se dá pelo fato de que não há análises entre tais cidades da forma como
se propõe. Apesar das diferenças apontadas nas paisagens no decorrer da pesquisa foi possível perceber que há aspectos em
que ambas convergem.
ABSTRACT
The history of instability in Haiti has persisted since its colonial period, but it intensified following the severe earthqua ke in
2010. After the natural disaster, many citizens began seeking another place to rebuild their lives. Based on the changing
landscape they experienced in recent years, this present work aims to understand the transformations of the scenario in which
they were situated in Port-au-Prince to the current context in Cuiabá, MT, from Richard Forman's perspective. The methodology
relied on collecting geographic, economic, and demographic data, primarily to enable the analysis and comparison of the
landscapes, assigning to them the characteristics of point, corridor, and matrix conceptualized by ecologist Richard Forman.
The significance of this study lies in the fact that there are no analyses between these cities in the manner proposed. Despi te
the differences highlighted in the landscapes throughout the research, it was possible to perceive aspects in which both cities
converge.
280
INTRODUÇÃO
O Haiti é um país localizado em uma ilha na América Central e faz fronteira com a República
Dominicana. Possui um território de 27.750km² e é banhado pelo Oceano Atlântico (SILVA, 2014).
281
Segundo o Banco Mundial em 2022 a população haitiana era de 11.584.996, sendo que 41,18%
residiam em áreas rurais, enquanto 58,82% residiam em áreas urbanas. Seu IDH (Índice de
Desenvolvimento Humano) em 2021 era de 0,535, ocupando a posição 163º na lista (COUNTRY
ECONOMY, 2021).
Considerando o parâmetro da economia, o Haiti é o 149º maior exportador do mundo, sendo
que seus principais produtos de exportação são têxteis, óleos essenciais e frutas, o setor de serviços e
a agropecuária possuem destaque na economia haitiana (TOUSSAINT, 2022).
O relevo do país é bastante acidentado devido a ações de eventos tectônicos e clima (JEUNE,
2015). A ilha fica localizada no topo da placa tectônica caribenha e é cercada por outras várias placas
que constantemente a empurram e esmagam (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2021). O país inclusive ficou
muito conhecido após eventos tectônicos, como o terremoto de 2010, de magnitude 7,2 na escala
Richter. Apesar dos riscos de terremotos na área serem grandes, antes de 2010 a última grande
catástrofe havia ocorrido 150 anos antes (BBC, 2021). Este terremoto deixou cerca de 230 mil mortos
(ONU, 2023). Em 2021 outro grande terremoto de mesma magnitude impactou o país, porém
ocorrendo a 74 quilômetros a oeste do epicentro de 2010 (NATIONAL GEOGRAPHIC, 2021) em uma
região menos povoada (G1, 2021). A figura 1 ilustra a localização geográfica do Haiti com destaque
também para o Brasil, sendo que os países estão separados pelo Mar do Caribe e alguns países nórdicos
da América do Sul.
Sua capital, Porto Príncipe, é a cidade mais populosa do país com quase três milhões de
habitantes (THE WORLD FACTBOOK, 2023). A cidade fica localizada na costa do país (figura 2) e
apresenta clima tropical, com maiores índices pluviométricos no verão, ou seja, de junho a setembro
(TERRIER, 2016).
282
Figura 2 - Mapa com destaque para Porto Príncipe
Com relação a sua história, o Haiti foi nomeado pelos espanhóis, seus primeiros
colonizadores, como parte ocidental da ilha de Hispaniola (SILVA, 2014). Sua chegada se deu em 1492
de forma brusca, tirando o poder e a identidade da nação, obrigando-os a executarem trabalhos
forçados e os proibindo de falarem sua língua nativa. Um século após sua chegada a população haitiana
encontrava-se quase dizimada em consequência dos extermínios causados pelas doenças trazidas com
os colonizadores, trabalho forçado e fome (JAMES, 2010). Em 1695 a Espanha cede a ilha para a França
(JAMES, 2010), e em 1791, considerado um dos maiores produtores de açúcar do mundo, o Haiti traça
sua luta com a França, a fim de conquistar sua independência. Em 1804 o país conquista tal feito, porém
não é reconhecido por França e nem Estados Unidos, potência em ascensão na época (FIGUEIREDO,
2003).
Além de se encontrar destruído, o país sofria com bloqueios econômicos e por isso não
possuía dinheiro e nem tecnologia para continuar produzindo açúcar, café, algodão e outros produtos
agrícolas (FIGUEIREDO, 2003). Após sua independência são os mulatos proprietários de terras que
assumem o poder do país e acabam por manter a estrutura social, constituindo-se como elite e
mantendo os negros no trabalho das lavouras de produtos primários. Tal situação levou a disputas
internas pelo poder do país (MATIJASCIC, 2009).
Todas estas questões levaram o Haiti a uma vulnerabilidade que facilitava a presença de
outras nações no país, além da instabilidade política e dependência econômica (MATIJASCIC, 2009).
Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) até 2022 o Haiti era o país mais pobre da América
(PEREIRA, 2022).
2. CUIABÁ
A segunda cidade que compõe os objetos de estudo deste trabalho é Cuiabá, capital mato-
grossense, com área territorial de 4.327.448km² (IBGE, 2022), localizada no centro da América do Sul
(IBGE, 2016), com população de 650.912 segundo o censo de 2022 e densidade demográfica é de
150hab/km² (IBGE, 2022).
283
O relevo da região é a depressão (SOARES et. al, 2011), seu clima que segundo a classificação
de Köppen é do tipo tropical semi-úmido (BRASIL, 1997), apresentando maiores precipitações no verão
que no caso do hemisfério sul ocorre de dezembro a março.
A figura 3 destaca principalmente a localização de Cuiabá, dentro do estado de Mato Grosso,
seu perímetro municipal e urbano, além do Centro de Pastoral para Migrantes, a principal casa de
acolhida da cidade.
3. MATERIAIS E MÉTODOS
A análise das paisagens urbanas proposta neste artigo será baseada em referencial
bibliográfico, levantamento documental por meio de textos científicos, noticiários online, imagens
disponíveis na internet e mapas ilustrativos produzidos pelas autoras. Conforme citado anteriormente
os conceitos norteadores da composição da paisagem urbana seguiram os descritos por Forman (1995)
(figura 4).
284
Figura 4 - Padrão espacial de ponto-corredor-matriz segundo Forman
Por meio dos materiais coletados e apontamentos que serão realizados será possível mostrar
as principais semelhanças e diferenças nas paisagens de Porto Príncipe e Cuiabá. Os materiais para a
análise da paisagem de ambas as cidades serão. Para esta abordagem serão levados em consideração
os conceitos da composição da paisagem descritos por Richard Forman (1995). A figura abaixo ilustra
os elementos que compõem a paisagem para Forman, sendo eles o ponto(patch), o corredor (corridor)
e a matriz (matrix). Onde o ponto é a área restrita e distinta, o corredor também distinto, porém linear,
e a matriz a porção dominante.
4. RESULTADOS E DISCUSSÕES
285
Figura 6 - Área residencial de Porto Príncipe
Em algumas regiões da cidade é possível se deparar com o colorido das casas e suas janelas
abobadadas, referências da arquitetura romana e medieval (Figura 7).
Figura 7 - Residências em Porto Príncipe
Devido sua colonização, o Haiti, moldou suas culturas, crenças e arquitetura com
características europeias, como pode ser visto por exemplo no Palácio Nacional (figura 8) que apresenta
características neoclássicas e renascentistas francesa (CRAIN, 1994).
286
Figura 8 - Palácio Nacional antes do terremoto de 2010
Após o terremoto de 2010 a própria paisagem haitiana sofre mudanças, escolas de madeira
são edificadas próximas aos acampamentos, assim como instalações provisórias para os cursos
universitários, visto que a Universidade do Estado do Haiti também tombou. As famílias passam a viver
em abrigos improvisados ou acampam no terreno de suas antigas casas. Devido ao acumulo de
concreto e restos de construções a insegurança e a insalubridade urbana aumentam (SUTTER E MELO,
2012). Onde antes eram vazios urbanos, depois do desastre passaram ser a áreas com abrigos
temporários, como são evidenciados nas figuras 9 e 10.
287
Figura 10 - Região central de Porto Príncipe em 2010
A figura 9 evidencia regiões onde em 2009 eram pontos no mosaico, depois em 2010 (figura
10) tornando-se matriz juntamente com as demais edificações.
Com relação inserção dos haitianos na paisagem urbana de Cuiabá o site G1 divulgou em
2016 que os bairros em que mais se concentravam na capital eram Planalto, Jardim Eldorado, Carumbé,
Bela Vista, Pedregal e Sol Nascente. Todos estes bairros são próximos ao Centro de Pastoral para
Migrantes de Cuiabá, principal casa de acolhida da região que presta apoio aos imigrantes assim que
eles chegam. A classe de renda destes bairros é média-baixa e baixa, segundo dados da Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Urbano (2010).
Em entrevista, o responsável pelo centro de pastoral alegou que a busca por refúgio no Brasil
se deu após as tentativas frustradas de se acessar a França por meio da Guiana Francesa. Alguns
imigrantes começaram, portanto, a deslocar-se para cá adentrando primeiramente pelo estado do
Amazonas. Depois passaram a acessar o território pelo Acre e neste momento começam a mapear as
cidades grandes mais próximas afim de encontrarem melhores oportunidades. Por isso, passam por
Rio Branco, Porto Velho até chegarem em Cuiabá. A capital mato grossense os favorecia no momento
pois encontrava-se em um período de intensa transformação urbana visto que sediaria alguns dos jogos
da Copa do Mundo dois anos depois.
A figura 11 evidencia os bairros apontados como de maior concentração haitiana, a principal
avenida que os liga e o Centro de Pastoral para Migrantes.
288
Figura 11 - Bairros em que residem os haitianos
Analisando a paisagem destacada por meio da figura acima o que fica evidente é o que
Forman chamaria de corredor formado pela avenida Governador Dante Martins de Oliveira,
popularmente conhecida como Avenida dos Trabalhadores, responsável pela ligação entre a parte leste
da cidade e o centro da cidade.
Figura 12 - Lan House de propriedade haitiana Figura 13 - Loja de propriedade haitiana
Para que fosse possível evidenciar a paisagem do antigo território (Porto Príncipe) e do novo
(Cuiabá) traçou-se um comparativo entre a região central da capital haitiana e os bairros onde mais se
concentram em Cuiabá. A figura abaixo destaca a área em que se analisou os conceitos de Forman.
289
Figura 14 - Região central de Porto Príncipe
Tratando-se de Porto Príncipe foram destacadas avenidas estruturadoras da cidade que fazem
a ligação norte/sul e leste/oeste que segundo os conceitos de Forman são os corredores, além delas,
há alguns corpos d’água que também recebem tal classificação. Com relação a matriz, as edificações
cumprem este papel visto que são mais predominantes no mosaico. Existem ainda os pontos, neste
caso, as áreas verdes que em algumas regiões se apresentam mais concentradas e em outras menos.
Seguindo com os aspectos já destacados na paisagem de Porto Principe para Cuiabá, utilizou-
se do mosaico já destacado como local de principal concentração haitiana, em que nele serão
considerados também as características de ponto, corredor e matriz.
290
A figura acima destaca as áreas verdes bem como os córregos localizados próximos aos
bairros de concentração imigrante. É possível analisar por meio da imagem que as áreas de vegetação
encontradas são remanescentes de matas ciliares. A região possui 7 córregos, sendo eles o Córrego do
Barbado, o Córrego Fundo, Córrego do Moinho, Córrego Banguê, Córrego Carumbé, Córrego Guimitá
e Vassoura.
Analisando o mosaico da figura 15 segundo os conceitos de Forman, pode-se destacar a
avenida Governador Dante Martins de Oliveira e os córregos como corredores da paisagem, as áreas
verdes são os pontos e a região urbana, de maior predominância, como matriz.
Quando comparadas as figuras de Porto Príncipe e Cuiabá o primeiro ponto a ser destacado
é com relação ao adensamento, sendo que na capital caribenha o índice é mais elevado, o que impacta
no número de áreas verdes e vazios urbanos. Em Porto Príncipe as áreas verdes são menores e mais
dispersas, enquanto em Cuiabá estão mais próximas devido, principalmente, a mata ciliar formada as
margens dos córregos. A paisagem destacada de Porto Principe apresentou apenas dos corpos d’água
enquanto Cuiabá possui 7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A última década foi um período de grande mudança para o povo haitiano, principalmente ao
que diz respeito ao seu território. Tendo como base conceitos importantes em relação ao estudo da
paisagem elaborou-se o presente trabalho que buscou entender as transformações do meio em que
os haitianos estavam inseridos anteriormente em Porto Príncipe e agora em Cuiabá – MT.
Utilizou-se dos conceitos ecológicos estabelecimentos por Richard Forman para traçar os
parâmetros em que seriam evidenciados em cada paisagem e posteriormente comparou-se as
mesmas.
Após apresentadas as duas paisagens o que fica evidente é que possuem adensamentos
distintos, fator ligado a população, sendo que Porto Príncipe apresenta três vezes mais moradores, o
que afeta diretamente na composição verde da paisagem. Com relação a arquitetura apenas uma
característica pôde ser levantada no que diz respeito as cores vibrantes empregadas nas residências no
Haiti e agora nos estabelecimentos comerciais em Cuiabá.
De modo geral tanto Porto Príncipe quanto Cuiabá apresentaram características semelhantes
quanto a análise segundo os conceitos de Forman. Ambos os mosaicos tem como matriz as edificações,
sendo que as áreas verdes são apenas pontos na paisagem e os pontos são representados pelas vias e
corpos d’água que no caso de Cuiabá este último item é mais recorrente.
291
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293
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( X) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
294
RESUMO
Este artigo discute a relevância do desenvolvimento sustentável nas áreas urbanas, explorando diversos aspectos
relacionados a esse tema. O texto começa com uma introdução à sustentabilidade urbana, enfatizando sua
importância global. Em seguida, são abordados o planejamento urbano sustentável, a mobilidade urbana sustentável,
a eficiência energética nas cidades, a gestão de resíduos urbanos, a participação comunitária e a educação ambiental.
São apresentados princípios de planejamento urbano sustentável, integrando critérios ambientais, sociais e
econômicos para criar cidades equitativas e ambientalmente responsáveis. Também oferece exemplos de melhores
práticas nesse campo. Em relação à mobilidade urbana sustentável, são abordados desafios atuais e alterna tivas de
transporte sustentáveis, ressaltando os benefícios destes. A eficiência energética nas cidades é tratada como uma
estratégia para reduzir o consumo de energia, com a apresentação de iniciativas como edifícios verdes e o uso de
energia renovável. São explorados os impactos positivos dessa abordagem. A gestão de resíduos urbanos destaca os
problemas associados à gestão inadequada e propõe abordagens sustentáveis, ressaltando os benefícios para a saúde
pública e o meio ambiente. A participação comunitária e a educação ambiental são apresentadas como ferramentas
essenciais para promover a sustentabilidade urbana, envolvendo os cidadãos nas decisões e conscientizando-os sobre
práticas sustentáveis. Por fim, são abordados os desafios e oportunidades para a sustentabilidade urbana, incluindo
as barreiras enfrentadas na implementação de práticas sustentáveis e as oportunidades emergentes proporcionadas
pela tecnologia, inovação e políticas públicas. É destacada a importância de adotar práticas sustentáveis nas cidades
para garantir um futuro mais equitativo, resiliente e ambientalmente responsável.
ABSTRACT
This article discusses the relevance of sustainable development in urban areas, exploring various aspects related to
this theme. The text begins with an introduction to urban sustainability, emphasizing its global importance. Then,
sustainable urban planning, sustainable urban mobility, energy efficiency in cities, urban waste management,
community participation and environmental education are addressed. Principles of sustainable urban planning are
presented, integrating environmental, social and economic criteria to create equitable and environm entally
responsible cities. It also provides examples of best practices in this field. Regarding sustainable urban mobility, current
challenges and sustainable transport alternatives are addressed, highlighting their benefits. Energy efficiency in cities
is treated as a strategy to reduce energy consumption, with the presentation of initiatives such as green buildings and
the use of renewable energy. The positive impacts of this approach are explored. Urban waste management highlights
the problems associated with inadequate management and proposes sustainable approaches, highlighting the
benefits for public health and the environment. Community participation and environmental education are presented
as essential tools to promote urban sustainability, involving citizens in decisions and making them aware of sustainable
practices. Finally, the challenges and opportunities for urban sustainability are addressed, including the barriers faced
in the implementation of sustainable practices and the emerging opportunities provided by technology, innovation
and public policies. The importance of adopting sustainable practices in cities is highlighted to ensure a more equitable,
resilient and environmentally responsible future.
295
1 INTRODUÇÃO À SUSTENTABILIDADE URBANA
296
2 PLANEJAMENTO URBANO SUSTENTÁVEL
297
de garantir a participação e o envolvimento da comunidade nas decisões de planejamento (GPS,
2012).
Quanto aos critérios econômicos, deve levar em consideração a viabilidade econômica
das soluções propostas. Isso inclui a análise dos custos de implantação e manutenção das
infraestruturas, a identificação de oportunidades de geração de empregos e o estímulo ao
empreendedorismo local (GPS, 2012).
Podemos citar como exemplos de melhores práticas de planejamento urbano
sustentável:
O planejamento de bairros compactos, com infraestrutura completa e mistura de usos
(residencial, comercial, serviços) promove a redução do tempo de deslocamento, o estímulo ao
uso de transportes sustentáveis e a criação de comunidades mais integradas (GPS, 2012).
A requalificação de áreas urbanas degradadas ou subutilizadas, por meio de projetos
de renovação urbana, contribui para a revitalização de regiões, o aproveitamento de estruturas
existentes e a promoção da sustentabilidade econômica, social e ambiental (GPS, 2012).
O planejamento de parques e áreas verdes é essencial para a qualidade de vida urbana.
Além de oferecer espaços de lazer e contato com a natureza, essas áreas ajudam a reduzir o
impacto das ilhas de calor, melhorar a qualidade do ar e contribuir para a preservação da
biodiversidade (GPS, 2012).
O planejamento urbano sustentável promove o desenvolvimento de infraestruturas
verdes, como sistemas de drenagem sustentável, uso de tecnologias de reuso de água, energia
renovável em edifícios e a implantação de sistemas de transporte público eficientes (GPS, 2012).
A regeneração urbana envolve a revitalização de áreas degradadas ou subutilizadas,
buscando o equilíbrio entre o desenvolvimento econômico, a melhoria da qualidade de vida e a
proteção do meio ambiente. Essas estratégias podem incluir a reabilitação de edifícios
históricos, o aproveitamento de espaços industriais abandonados ou a renovação de áreas
centrais (GPS, 2012).
Esses exemplos demonstram como o planejamento urbano sustentável pode ser
implementado em diversas escalas e contextos, promovendo um desenvolvimento urbano mais
equilibrado, inclusivo e ambientalmente consciente. Ao adotar essas melhores práticas, as
cidades podem enfrentar os desafios do crescimento urbano de forma sustentável, buscando a
melhoria da qualidade de vida de seus habitantes e a preservação dos recursos naturais para as
gerações futuras.
298
3 MOBILIDADE URBANA SUSTENTÁVEL
299
3.3 Benefícios da mobilidade urbana sustentável
300
De acordo com a Agência Internacional de Energia (INTERNATIONAL ENERGY AGENCY
- IEA), "as cidades são responsáveis por aproximadamente 75% do consumo de energia global e
por 80% das emissões de CO2 relacionadas à energia" (IEA, 2019). Esses números ressaltam a
importância de se buscar soluções para o consumo de energia nas áreas urbanas visando à
sustentabilidade e à redução das emissões de gases de efeito estufa.
A eficiência energética nas cidades contribui para a redução das emissões de gases
poluentes e do impacto das mudanças climáticas, ajudando a mitigar os efeitos negativos no
meio ambiente e na saúde humana (EPE, 2020).
A adoção de estratégias de eficiência energética resulta em menor consumo de
energia, levando a economia de recursos naturais não renováveis, como combustíveis fósseis.
Além disso, a redução do consumo energético pode resultar em economia de custos para os
governos, empresas e cidadãos (EPE, 2020).
A eficiência energética nas cidades pode resultar em melhorias significativas na
qualidade de vida dos habitantes. Reduzir a poluição do ar, melhorar o conforto térmico dos
edifícios, garantir uma iluminação adequada e promover o transporte sustentável contribui para
um ambiente urbano mais saudável, seguro e agradável (EPE, 2020).
301
A transição para uma economia de baixo carbono e eficiência energética impulsiona a
inovação tecnológica e cria oportunidades de emprego nas indústrias de energia renovável,
construção sustentável, eficiência energética e desenvolvimento de tecnologias limpas (EPE,
2020).
302
A compostagem de resíduos orgânicos, como restos de alimentos e resíduos de jardim,
permite a produção de adubo orgânico de alta qualidade, reduzindo a quantidade de resíduos
que precisam ser destinados aos aterros sanitários (VIANA; SANTOS, 2021).
A conscientização sobre a importância de reduzir o desperdício é fundamental para
uma gestão eficiente de resíduos. Isso inclui a adoção de práticas, como compra consciente,
planejamento de refeições, evitando o descarte de alimentos e a reutilização de produtos
sempre que possível (VIANA; SANTOS, 2021).
Resíduos perigosos, como produtos químicos tóxicos e eletrônicos descartados, devem
ser tratados de forma adequada, seguindo regulamentações específicas, para evitar a
contaminação do meio ambiente e proteger a saúde pública (ITALO, 2021).
Conforme destacado por Hoornweg, Bhada-Tata e Kennedy (2013): "A gestão eficiente
de resíduos urbanos, por meio de práticas como reciclagem, compostagem e redução do
desperdício, contribui para a proteção do meio ambiente e a preservação dos recursos naturais."
Uma gestão eficiente de resíduos contribui para a preservação do meio ambiente,
reduzindo a poluição do solo, da água e do ar, conservando recursos naturais e evitando a
degradação dos ecossistemas (VIANA; SANTOS, 2021).
A adoção de práticas sustentáveis, como a reciclagem e a compostagem, diminui a
quantidade de resíduos enviados para aterros sanitários, reduzindo a geração de metano e as
emissões de gases de efeito estufa (VIANA; SANTOS, 2021).
A gestão eficiente de resíduos estimula a transição para uma economia circular, na
qual os resíduos são vistos como recursos, promovendo a recuperação de materiais valiosos e a
geração de novas oportunidades de negócios e empregos (VIANA; SANTOS, 2021).
Uma gestão adequada de resíduos reduz os riscos à saúde pública, evitando a
contaminação de água e alimentos, a disseminação de doenças e a exposição a substâncias
tóxicas (VIANA; SANTOS, 2021).
A gestão eficiente de resíduos urbanos é fundamental para promover a
sustentabilidade das cidades. A implementação de abordagens sustentáveis, como reciclagem,
compostagem, redução do desperdício e tratamento adequado de resíduos perigosos, traz uma
série de benefícios, incluindo a proteção do meio ambiente, a redução das emissões de gases
de efeito estufa, a promoção da economia circular e a melhoria da saúde pública.
303
fundamental para promover a sustentabilidade urbana, pois envolve os cidadãos no processo
de tomada de decisões e estimula a cooperação entre diferentes partes interessadas."
6.2 Iniciativas de educação ambiental para conscientizar a população urbana sobre práticas
sustentáveis
304
A criação de hortas comunitárias em espaços urbanos permite que os moradores
cultivem alimentos frescos, promovendo a segurança alimentar, a conexão com a natureza e a
cooperação entre os membros da comunidade (GPS, 2012).
Iniciativas que promovem o uso de bicicletas, o compartilhamento de carros e o
transporte público eficiente incentivam a redução da dependência de veículos particulares,
diminuindo as emissões de gases de efeito estufa e melhorando a qualidade do ar nas cidades
(GPS, 2012).
A criação de programas de reciclagem e compostagem em nível comunitário envolve
os moradores na separação adequada dos resíduos, na coleta seletiva e na produção de adubo
orgânico, contribuindo para a redução do desperdício e a conservação dos recursos naturais
(GPS, 2012).
A participação comunitária e a educação ambiental são elementos essenciais para
promover a sustentabilidade urbana. Ao envolver os cidadãos no processo de tomada de
decisões e conscientizá-los sobre práticas sustentáveis, é possível criar uma cultura de cuidado
ambiental e promover a implementação de projetos comunitários bem-sucedidos, que
contribuam para o desenvolvimento de cidades mais sustentáveis e resilientes (GPS, 2012).
A busca pela sustentabilidade urbana enfrenta uma série de desafios que vão desde
questões socioeconômicas até limitações políticas e culturais. No entanto, também há
oportunidades emergentes que podem impulsionar o avanço da sustentabilidade nas cidades,
por meio de tecnologia, inovação e políticas públicas progressivas. Considerando esses desafios
e oportunidades, é possível traçar perspectivas futuras e recomendações para promover a
sustentabilidade urbana de forma efetiva.
305
Diante desses desafios, é fundamental buscar estratégias que promovam a
conscientização, a superação de barreiras financeiras e a coordenação entre os atores
envolvidos. Ações para educar e engajar a sociedade, incentivar políticas de financiamento e
fomentar a colaboração interdisciplinar podem impulsionar o avanço da sustentabilidade
urbana e superar os obstáculos enfrentados na busca por um futuro mais sustentável e resiliente
(GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
306
O envolvimento de diferentes partes interessadas, incluindo governos, empresas,
academia e sociedade civil, é crucial para impulsionar a sustentabilidade urbana. Parcerias e
colaborações podem facilitar a troca de conhecimentos, recursos e experiências, promovendo a
implementação conjunta de soluções sustentáveis (GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
É importante estabelecer sistemas de monitoramento e avaliação para acompanhar o
progresso na sustentabilidade urbana. Isso permite a identificação de de safios, a correção de
rumos e a obtenção de dados e indicadores que subsidiem a tomada de decisões informadas
(GÜNTHER; DI GIULIO, 2018).
Apesar dos desafios enfrentados na promoção da sustentabilidade urbana, existem
oportunidades emergentes que podem impulsionar esse processo. Por meio de tecnologia,
inovação, políticas públicas progressivas e o engajamento da comunidade, é possível avançar na
direção de cidades mais sustentáveis. No entanto, é necessário um esforço conjunto e
abordagens integradas para enfrentar esses desafios, considerar as oportunidades emergentes
e promover a sustentabilidade urbana de forma efetiva e inclusiva.
8 CONCLUSÃO
307
colaborativo para superar os desafios e aproveitar as oportunidades, visando a construção de
cidades mais sustentáveis e resilientes.
A visão para um futuro mais sustentável nas cidades é otimista. Com a conscientização
crescente e o aumento da pressão por mudanças, pode se esperar uma transformação positiva
em direção a cidades mais verdes, eficientes, inclusivas e saudáveis. À medida que as soluções
sustentáveis são implementadas e adotadas, será possível ver benefícios significativos para a
qualidade de vida das pessoas, a saúde do meio ambiente e a prosperidade econômica.
Portanto, é fundamental que todos nós nos engajemos nesse processo de
transformação, trabalhando juntos para criar um futuro urbano mais sustentável, onde as
necessidades das gerações presentes sejam atendidas sem comprometer as possibilidades das
gerações futuras. A sustentabilidade urbana é um desafio complexo, mas também uma
oportunidade para que sejam moldadas cidades mais justas, equitativas e vibrantes. Juntos,
podemos construir um futuro urbano sustentável para todos.
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2022.
309
310
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( x ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
310
RESUMO
O presente artigo objetiva propor dispositivos metodológicos para o estudo de entornos hospitalares, os quais
buscam contribuir com a compreensão sobre como a paisagem na qual esses edifícios se inserem, assim como os
múltiplos aspectos que a conformam, são percebidos pelas pessoas que a experienciam. A preocupação com a
relação entre os hospitais e a cidade, apesar de não ser nova, persiste carecendo de maior atenção, tendo em vista
que tal tipologia de estabelecimento assistencial de saúde, devido ao seu porte, complexidade, usos e simbolismos,
apresenta grande potencial transformador da paisagem, podendo impactá-la, bem como a forma como essa é
percebida pelas pessoas, de maneiras positivas e/ou negativas. Desse modo, partindo-se dos fundamentos da
Psicologia Ambiental e de conceitos como ambientes restauradores (restorative environments), paisagens
terapêuticas (terapeutic landscapes) e lugares de cura (healing places), defende-se que os entornos hospitalares,
se adequadamente planejados, podem contribuir com a promoção da saúde urbana e favorecer uma percepção
mais positiva dos indivíduos sobre os mesmos. Para tanto, tomando-se como base instrumentos de Avaliação Pós-
Ocupação (APO) existentes, foram formulados três dispositivos - Mapeamento Multissensorial, Entorno Desejado
x Entorno Atual e Anamnese - com cujos resultados almeja-se contribuir com a elaboração de estratégias para o
planejamento de uma paisagem mais positivamente apreensível, que contribua com a qualidade de vida, saúde e
bem estar não apenas dos usuários dos hospitais, mas da população como um todo que a experiencia
cotidianamente.
ABSTRACT
This article aims to propose methodological devices for the study of hospital environments, which seek to contribute
to the understanding of how the landscape in which these buildings are located, as well as the multiple aspects that
make it up, are perceived by the people who experience it. The concern with the relationship between hospitals and
the city, although not new, remains in need of further attention, considering that this type of health care
establishment, due to its size, complexity, uses and symbolism, has great potential transforming the landscape,
impacting it, as well as the way it is perceived by people, in positive and/or negative ways. Thus, starting from the
foundations of Environmental Psychology and concepts such as restorative environments, therapeutic landscapes
and healing places, it is argued that hospital environments, if properly planned, can contribute to the promotion of
urban health and favor a more positive perception of individuals about them. Therefore, based on existing Post -
Occupation Assessment (POE) instruments, three devices were formulated - Multisensory Mapping, Desired
Environment vs. Current Environment and Anamnesis - whose results are intended to contribute to the development
of strategies for planning of a more positively apprehensible landscape, which contributes to the quality of life,
health and well-being not only of hospital users, but of the population as a whole that experiences it on a daily basis.
311
1 INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo propor dispositivos metodológicos para o estudo de
entornos hospitalares, os quais buscam contribuir com a compreensão sobre como a paisagem
na qual esses edifícios se inserem, assim como os múltiplos aspectos que a conformam, são
percebidos pelas pessoas que a experienciam e, consequentemente, possibilitar a busca por
estratégias que as proporcionem maior conforto e qualidade de vida no espaço urbano .
A afirmação de Nassar (1994) de que “para existir, os edifícios afetam a qualidade da
paisagem urbana” (p.377, tradução nossa), evidencia o impacto que estes geram no seu
entorno. Entretanto, não é somente na paisagem que os efeitos da inserção de uma arquitetura
se refletem, mas, também, sobre a percepção das pessoas que experienciam esse espaço
urbano. No caso dos hospitais, os quais recebem enfoque nesse artigo, devido ao seu porte,
complexidade, usos e simbolismos, apresentam grande potencial transformador da paisagem à
sua volta, que “[...] seja pela forma, atividade mais específica do arquiteto, pelas funções e as
práticas sociais, ou ainda pela representação, trarão ao indivíduo mudanças de percepção, de
hábitos, de comportamentos, ou mesmo de sentimentos traduzidos nas mais diversas sensações
[...]” (SOUZA, 2003, p.75).
Por volta da década de 60, a partir do campo da Psicologia Ambiental, definido por
Elali (1997) como o lócus onde a soma entre o conhecimento psicológico e o arquitetônico
possibilitam a produção de um ambiente mais humanizado e coerente ecologicamente, ocorreu
a difusão das pesquisas sobre as relações ambiente -comportamento (FONTES, 2007),
reforçando a visão sobre a importância de elaborar projetos mais conscientes de que a forma e
cada um dos elementos que constituem um determinado espaço, influe nciam nas sensações
despertadas nos seus usuários.
Sob esta ótica, entende-se que a preocupação com a saúde deve ocorrer não somente
dentro do hospital, mas no âmbito da cidade, ao proporcionar condições de conforto, bem estar
e qualidade de vida à população em geral. Tal concepção encontra-se em consonância com a
própria definição do conceito de saúde pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que afirma
que se trata do “estado de completo bem estar físico, mental e social, e não apenas a mera
ausência de doença ou enfermidade” (OPAS BRASIL, online) e, mais especificamente, de saúde
urbana, que prega o entendimento do papel do ambiente físico e social da cidade em moldar a
saúde das pessoas, modulando-a de forma benéfica ou danosa (CAIFFA et al, 2008), o que amplia
a responsabilidade sobre o planejamento e projeto destes espaços.
Nesse sentido, dar voz às pessoas que experienciam os entornos hospitalares é
imprescindível para entender como são percebidos e como se relacionam um com o outro e,
para tanto, a Avaliação Pós-Ocupação (APO) coloca-se como uma metodologia de avaliação de
ambientes com base interdisciplinar, aglutinando conhecimentos e métodos provenientes de
diferentes áreas do conhecimento. Trata-se de um conjunto de procedimentos metodológicos
“[...] que visa aferir, especialmente, o atendimento às necessidades objetivas e subjetivas do
usuário no decorrer do uso do ambiente construído” (ONO et al, 2018, online).
Associada ao campo da Psicologia Ambiental, a APO proporciona métodos e técnicas
que possibilitam “[...] obter respostas sobre comportamento, percepção/cognição,
sentimentos/emoções, atitudes, expectativas e preferências dos usuários e incorporá-las à
avaliação do ambiente construído, de objetos e produtos e seus desdobramentos” (ONO et al,
2018, online). Conforme destaca Souza (2003):
312
Os espaços não são neutros. Eles vão interferir de forma significativa na felicidade ou
infelicidade das pessoas, oferecendo facilidades ou dificuldades, como uma melhoria
significativa no trânsito, nos serviços, na segurança ou desconforto na falta dos
mesmos, o embelezamento dos lugares e até mesmo a valorização do cidadão. Daí a
responsabilidade de quem participa da promoção de reformas e mudanças nos
espaços da cidade. É preciso ter a consciência de que elas trarão reflexos na vida da
população, às vezes muito profundos no seu cotidiano, gerando desdobramentos por
vezes inesperados e imprevisíveis, isto é, fora do controle da ação projetual inicial
(SOUZA, 2003, p.75).
[...] qualquer situação de tensão aguda ou crônica que produz uma mudança no
comportamento físico e no estado emocional do indivíduo e uma resposta de
adaptação psicofisiológica que pode ser negativa ou positiva no organismo. Tanto o
agente estressor como seus efeitos sobre o indivíduo podem ser descritos como
situações desagradáveis que provocam dor, sofrimento e desprazer (MOLINA, 1996,
p.18).
313
de Saúde (OMS) como uma epidemia (IMIP, 2020). Além das consequências físicas, psíquicas e
sociais dele decorrentes, ainda podem contribuir com a manifestação de outras doenças, como
o Alzheimer, o câncer e transtornos mentais, sendo, portanto, motivo de grande preocupação
(RICHET, 2020). Suas causas podem estar relacionadas a uma multiplicidade de fatores, aos quais
as pessoas estão expostas no seu dia a dia e que afetam o seu bem estar e qualidade de vida.
De acordo com Molina (1996), o estresse pode ser classificado em oito tipos, sendo
um deles relacionado aos ambientes nos quais realizamos nossas atividades cotidianas, como os
locais de trabalho, as moradias e a própria cidade. Na cidade contemporânea, caracterizada pela
transitoriedade, pela complexidade, pelo ritmo acelerado e pela constante sensação de
movimento, as pessoas estão permanentemente expostas à um grande volume de informações
e sensorialidades (HAROCHE, 2008), que as condicionam, também, à um constante estado de
estresse. O trânsito, a poluição visual e sonora, a violência, a desordem, dentre tantos outros
aspectos que são inerentes à vida e ao caos urbano, afetam seus moradores em diferentes graus
e de distintas formas, ainda que de maneira silenciosa.
Preocupados com tais consequências potencialmente geradas pelos ambientes
construídos, surgem estudos interessados em compreender seus fatores estressores, mas,
também, as condições capazes de oferecer o oposto aos seus usuários, ou seja, proporcionar
bem estar, conforto e sensações positivas. Nesse contexto, um dos conceitos que podem ser
destacados é o de Ambientes Restauradores (Restorative Environments), que ganhou
visibilidade a partir da década de 1980, fundamentando-se em teorias propostas por Roger
Ulrich e Rachel e Stephen Kaplan, sendo “[...] definido como um processo de restauração,
recuperação e restabelecimento dos aspectos físicos, psicológicos ou da capacidade social,
perdidos pelo esforço contínuo” (GRESSLER; GÜNTHER, 2013, p.488).
Na teoria da Recuperação Psicofisiológica do Estresse (Psychophysiological Stress
Recovery), Ulrich postula que:
314
Outro ponto de concordância entre Ulrich e kaplan & Kaplan diz respeito à capacidade
da natureza, bem como de seus elementos, de promover recuperação psicofisiológica ao
estresse, também destacada em pesquisas de outros autores, como Wilbert Gesler, que cunhou,
na década de 1990, em um contexto de mudanças no campo da geografia da saúde, o conceito
de Paisagens Terapêuticas (Therapeutic Landscapes), o qual compreende estudos sobre como a
paisagem afeta a saúde das pessoas.
Gesler cunhou também o conceito de Lugares de Cura (Healing Places), que consiste
em um subconjunto do termo Paisagem Terapêutica, e afirma que “cura e lugar são
inseparáveis” (p.1, tradução nossa). Segundo o autor:
Existem muitos motivos pelos quais as pessoas se sentem atraídas por um lugar
porque acreditam que ele as curará física, mental, espiritual, emocional e socialmente.
Pode ser a beleza natural ou a tranquilidade que fazem lembrar sobre um local
preferido; ou os edifícios que fornecem uma sensação de solidez e segurança; ou o
significado simbólico de elementos como a estátua de um herói local; ou relembrar o
apoio que alguém teve em um determinado lugar por parte da família e amigos
(GESLER, 2003, p.6, tradução nossa).
No que tange o ambiente natural, Gesler salienta que a maioria das sociedades ao
redor do mundo acredita em seu poder curativo, e “[...] sentem que podem alcançar a cura
física, mental e espiritual simplesmente passando um tempo ao ar livre [...]” (2003, p.8, tradução
nossa). Quanto ao ambiente construído, atribui muitos dos estudos existentes em relação aos
seus efeitos sobre a saúde à Psicologia Ambiental e, com base nela, reforça a ideia de que “[...]
o que as pessoas experienciam a partir de seus arredores afeta seu humor, suas emoções e a
forma como agem” (GESLER, 2003, p.11, tradução nossa).
315
O autor menciona que, no entanto, para compreender como estes ambientes – natural
e construído – se relacionam com a cura, é necessário pensar o que eles significam, e daí decorre
o ambiente simbólico, tendo em vista que “a cura acontece ao longo de um caminho simbólico
de palavras, pensamentos, valores, expectativas, crenças e a maneira como os eventos e formas
se conectam com os processos afetivos e fisiológicos” (GESLER, 2003, p.12-13, tradução nossa).
Por fim, quanto ao ambiente social, assinala que a “cura é uma atividade social, que envolve
interações entre pessoas que desempenham variados papeis socias” (GESLER, 2003, p. 14,
tradução nossa) e que “a qualidade das relações sociais em ambientes de saúde é importante”
(GESLER, 2003, p.15, tradução nossa).
Apesar de em seus estudos Gesler (2003) enfocar em locais de cura tradicionais e de
grande reconhecimento popular, como Epidauros 1, Bath2 e Lourdes3, além de hospitais, ele
destaca que ambientes assim podem ser encontrados em praticamente qualquer lugar, assim
como também podem ser criados. Ademais, mesmo não se estendendo nessa abordagem, inclui
os ambientes voltados para a manutenção da saúde, e não apenas para a cura, como
importantes dentro do contexto estudado.
As contribuições de Wilbert Gesler são inegáveis, entretanto, também são fruto de
diversas críticas por parte de outros estudiosos. Este artigo não tem como objetivo se debruçar
sobre a obra do autor em específico, todavia, de modo a complementar o embasamento da
discussão proposta, algumas das críticas devem ser mencionadas, como o enfoque dado à cura,
ao invés da promoção à saúde; o foco em locais extraordinários e tradicionais (Epidauros, Bath
e Lourdes, por exemplo), no lugar de explorar espaços constituídos em paisagens cotidianas com
potencial de promover o bem estar e a saúde; questiona-se que mesmo locais com potencial de
cura reconhecido, como os estudados pelo autor, podem ser desagradáveis para determinados
grupos, tendo em vista os seus aspectos culturais e individuais, o que aponta para uma visão de
que os lugares possuem, simultaneamente, a capacidade de ferir e de curar (DOUGHTY, 2018).
Sendo assim, sobre as bases constituídas por Gesler, alguns autores ulteriores trazem, então, o
questionamento sobre como a paisagem cotidiana influi no conforto e na saúde, e é nesse
contexto que se enquadram os dispositivos propostos neste artigo.
Com base nos conceitos brevemente abordados nesta seção, reforça-se a alegação de
Hall (2005), de que seria um equívoco projetar considerando o homem e o espaço que o rodeia
isoladamente, tendo em vista que constituem um sistema inter-relacionado. No entorno de
edifícios de saúde, em especial, as relações pessoa-ambiente podem ser ainda mais intensas,
visto que as pessoas que o experienciam costumam estar sensibilizadas e fragilizadas em função
das situações de estresse às quais se encontram submetidas, sejam elas pacientes,
acompanhantes, visitantes ou funcionários. Para além disso, ainda que não se trate de um
usuário do hospital, mas de alguém que experiencia cotidianamente o ambiente urbano à sua
volta, os efeitos decorrentes da relação pessoa-ambiente se farão presentes, afetando seu
estado físico, psíquico e, em última instância, sua própria saúde.
Assim, partindo-se da compreensão da paisagem como um “modo de ver”,
impregnada de simbolismo (COSGROVE, 2004) e também dialética, não podendo ser resumida
1 O Templo de Asclépio (Deus da medicina), em Epidauros, na Grécia, é reconhecido por, antigamente, atrair pessoas
de todo o mundo em busca de cura.
2 As fontes de Bath possuem águas quentes enriquecidas com minerais as quais os povos antigos acreditavam ter um
poder curativo. Baseados nessa crença, ainda hoje viajantes de todo o mundo vão até o local.
3 O Santuário da Virgem Maria na vila francesa de Lourdes tornou-se emblemático em função das curas milagrosas
316
apenas a aspectos morfológicos ou relacionados a percepção isoladamente, traduzindo -se a
partir da complexa interação entre os dois (SILVA, 2014) e considerando que ela faz “[...] parte
do convívio humano, influenciando-o sob os mais variados aspectos, que vão desde o ecológico,
passando pelo econômico, até o social” (FILHO, 2012, p.146), defende-se que elas, de maneira
integrada aos edifícios hospitalares, deveriam ser planejadas de modo a proporcionar entornos
hospitalares mais responsivos, ou seja, concebidos com base na consciência de sua capacidade
de afetar as pessoas.
Para tanto, e com base na discussão aqui levantada, os dispositivos de interlocução
propostos neste artigo visam contribuir com os estudos nos quais se fundamentam,
oportunizando caminhos para se compreender de que modo as diversas pessoas que
experienciam a paisagem na qual se inserem edifícios hospitalares, considerando-se suas
individualidades e contexto sociocultural ao qual pertencem, o percebem. A partir das respostas
obtidas, almeja-se que possam ser identificados os aspectos positivos e negativos da referida
paisagem, seus potenciais e desafios, na busca por subsidiar proposições voltadas para uma
relação pessoa-ambiente mais positiva e, consequentemente, propiciadora de conforto, bem
estar, saúde e qualidade de vida.
Figura 2 – Síntese dos dispositivos para compreensão das percepções da paisagem em entornos hospitalares
Conforme se pode notar, a pergunta central que perpassa todos os dispositivos se trata
de compreender a percepção da população em relação ao entorno de edifícios hospitalares e, a
partir dela, se desdobram questões mais específicas, as quais objetivam identificar as principais
sensações despertadas por essa paisagem quando experienciada de forma direta pelo
transeunte ou de forma indireta pelos usuários do hospital, a partir de seu interior, assim como
317
revelar os elementos da paisagem aos quais tais sensações estão relacionadas. Além disso,
buscam, ainda, estabelecer um panorama dos aspectos considerados como desejáveis em
entornos hospitalares, entrecruzando-os com as características atuais do local estudado.
Para tanto, os dispositivos propostos pautaram-se em outros instrumentos de APO
existentes - o Walkthrough, o Mapeamento Visual, o Poema dos Desejos, os Conceitos
Ilustrados, a Entrevista e o Jogo da memória - os quais encontram-se detalhados nos livros
“Observando a qualidade do lugar: procedimentos para avaliação pós-ocupação” (RHEINGANTZ
et al, 2009) e “Diálogo entre arquitetura, cidade e infância: territórios educativos em ação”
(AZEVEDO, 2019).
O Walkthrough consiste em um instrumento que atrela observação e entrevista,
caracterizando-se como um percurso dialogado ao longo do qual o respondente irá identificar e
descrever aspectos positivos e negativos dos ambientes analisados (RHEINGANTZ et al, 2009).
Fundamentou tanto o dispositivo Mapeamento Multissensorial quanto o Entorno Desejado x
Entorno Atual, tendo em vista o intuito de que o respondente percorresse o trajeto estipulado
pelo pesquisador no entorno hospitalar para, então, responder as perguntas. Entretanto,
considerando-se os questionamentos que tais dispositivos propostos visam responder, foi
necessário que seu embasamento se desse também sobre outros instrumentos existentes.
No caso do Mapeamento Multissensorial, houve também a inspiração no
Mapeamento Visual, que se configura como um instrumento que visa compreend er um
ambiente a partir da percepção dos seus usuários em relação a aspectos que o integram, como
sua localização, apropriações, demarcação de territórios, inadequações existentes,
funcionalidade dos mobiliários, existência de possíveis barreiras, entre outros pontos positivos
e negativos por esses identificados (RHEINGANTZ et al, 2009). Esse instrumento também
fundamentou o dispositivo Anamnese, já que tanto ele quanto o Mapeamento Multissensorial
almejam identificar as percepções das pessoas em relação aos locais estudados e os elementos
aos quais tais percepções se relacionam.
Já o Entorno Desejado x Entorno Atual, adotou como base também o Poema dos
Desejos, através do qual “[...] os usuários de um determinado ambiente declaram, por meio de
um conjunto de sentenças escritas ou de desenhos, suas necessidades, sentimentos e desejos
relativos ao edifício ou ambiente analisado [...]” (RHEINGANTZ et al, 2009, p.43) e os Conceitos
Ilustrados, que por sua vez, “[...] tem a intenção de materializar ideias subjetivas discutidas pelos
participantes, tendo em vista a identificação pelos pesquisadores do que seriam os aspectos
desejáveis que caracterizam os espaços construídos e/ou livres analisados ou propostos”
(AZEVEDO, 2019, online). Isso se deu em razão do dispositivo proposto ter com uma de suas
intenções compreender os aspectos considerados pelas pessoas como desejáveis para se ter
entornos hospitalares mais agradáveis e propiciadores de experiências mais positivas.
Para a elaboração do dispositivo Anamnese, por fim, também se fundamentou na
entrevista, que se trata de uma técnica de amplo uso e conhecimento, que consiste em uma
conversa estabelecida entre o pesquisador e o participante que carrega consigo um
determinado objetivo, e o jogo da memória, que “[...] intenciona verificar a percepção e o
reconhecimento das crianças/jovens em relação a determinados lugares da vizinhança onde
habitam [...]” (AZEVEDO, 2019, online), já que envolve perguntas que demandam que o
participante tente se lembrar de sua experiência em relação ao hospital em estudo e a paisagem
percebida ou não a partir do seu interior.
318
Nos itens 3.1, 3.2 e 3.3 a seguir, os dispositivos propostos nesse artigo – Mapeamento
Multissensorial, Entorno Desejado x Entorno Atual e Anamnese – serão mais detalhadamente
descritos, ficando mais evidente a forma como cada um dos instrumentos de APO existentes
mencionados os influenciaram.
No que tange o público alvo para o qual a aplicação dos dispositivos propostos se
direciona, foram inclusos grupos que experienciam os entornos hospitalares, dentre os quais
estão os usuários do próprio hospital (pacientes, acompanhantes, visitantes e funcionários) e
pessoas que transitam ou se utilizam desses locais cotidianamente. Assim, indica-se que o
Mapeamento Multissensorial e o Entorno Desejado x Entorno Atual sejam aplicados com a
população em geral, que pode englobar ambos os grupos anteriormente mencionados. A
Anamnese, por outro lado, é direcionada especificamente para usuários do hospital em estudo.
Considerando-se a pandemia de Covid-19, iniciada no ano de 2020, que impôs uma
série de desafios e limitações no que diz respeito às pesquisas de campo, os três dispositivos
propostos foram elaborados de modo a possibilitar sua aplicação tanto em um cenário
presencial quanto remoto, mediante algumas adaptações sugeridas na descrição das etapas nos
itens 3.1, 3.2 e 3.3.
Nos itens a seguir, serão detalhados a descrição e etapas de operacionalização dos
dispositivos propostos no artigo, de modo que possam ser adotados em estudos relacionados
aos entornos hospitalares.
319
Figura 3 – Esquema com exemplo de ficha de Mapeamento Multissensorial e indicação do objetivo de cada uma de
suas partes
Na etapa E1, após a definição do hospital e do trajeto em seu entorno que se deseja
analisar (a), deve ser elaborado um mapa (b) com a indicação de ambos, de modo que o
participante possa, na etapa de aplicação (E2), ser situado quanto a área de abrangência da
pesquisa. Outra possibilidade, é que o mapa seja utilizado para que o participante vá marcando
nele os elementos correspondentes aos questionamentos feitos na ficha.
Ressalta-se que, em caso de aplicação do dispositivo de forma remota, a etapa E1 deve
contemplar também a preparação do material audiovisual que será utilizado para que o
participante faça o percurso no entorno do hospital de forma online. Sendo assim, recomenda-
se que haja um cuidado especial na preparação deste material, para que ele possibilite uma
experiência o mais completa possível, englobando vídeos e/ou fotos e áudios, entre outros
320
recursos que se considere relevantes. Inevitavelmente nada substitui a experiência de poder
estar presencialmente no local, quando outros aspectos sensoriais que não podem ser
transmitidos pela tela, como cheiros e temperatura, a enriquecem, entretanto, em situações de
impossibilidade, como a que a pandemia de Covid-19 impôs, torna-se uma possibilidade viável
de aplicação do Mapeamento Multissensorial. Ademais, como o público alvo do dispositivo são
pessoas que conhecem o local, também será possível que façam uso das memórias que tem
sobre o mesmo para responder a ficha.
Após a aplicação do dispositivo junto aos participantes (E2), deve ser realizada a
análise e sistematização dos resultados obtidos (E3), buscando identificar: os elementos que
mais chamam atenção no entorno do hospital; os principais aspectos mencionados como
positivos e negativos no percurso; outros aspectos sensoriais percebidos, como sons e cheiros;
as principais sensações despertadas ao longo do trajeto e os elementos aos quais se relacionam;
as principais impressões geradas pelo hospital e os elementos aos quais são atribuídas. Tais
resultados poderão ser traduzidos a partir de gráficos, mapas, e outras representações que o
pesquisador julgar adequadas à sua pesquisa.
4 Os emojis têm origem no Japão e consistem em ideogramas usados em mensagens eletrônicas e páginas na internet
com o intuito de representar as emoções e sentimentos humanos. Seu uso é muito popularizado nas redes sociais e
aplicativos como o whatsapp.
321
Figura 5 – Exemplo de ficha para aplicação do dispositivo Entorno Desejado x Entorno Atual
322
lo. Sendo assim, recomenda-se que haja um cuidado especial na preparação deste material, para
que ele possibilite uma experiência o mais completa possível, englobando vídeos e/ou fotos e
áudios, entre outros recursos que se considere relevantes. Inevitavelmente nada substitui a
experiência de poder estar presencialmente no local, entretanto, em situações de
impossibilidade, como a que a pandemia de Covid-19 impôs, torna-se uma possibilidade viável
de aplicação do Entorno Desejado x Entorno Atual. Ademais, como o público alvo do dispositivo
são pessoas que conhecem o local, também será possível que façam uso das memórias que tem
sobre o mesmo para responder a ficha.
Após a aplicação do dispositivo junto aos participantes (E2), deve ser realizada a
análise e sistematização dos resultados obtidos (E3), buscando identificar: as principais
características desejáveis citadas pelos participantes e sua ordem de prioridade; a avaliação da
forma como as condições atuais do entorno do hospital são percebidas pelos participantes. Tais
resultados poderão ser traduzidos a partir de nuvem de palavras, mapas, e outras
representações que o pesquisador julgar adequadas à sua pesquisa.
3.3 Anamnese
323
A operacionalização do dispositivo pode ser resumida em três etapas, sendo a primeira
de planejamento, a segunda da efetiva aplicação, e a terceira de sistematização dos resultados
(Figura 8).
Na etapa E1, deve ser definido o hospital cuja paisagem do entorno se deseja analisar
(a). Diferente dos dois dispositivos anteriores, não é necessária a elaboração de um mapa, visto
que a realização do percurso do entorno não faz parte da Anamnese.
Após a aplicação do dispositivo junto aos participantes (E2), deve ser realizada a
análise e sistematização dos resultados obtidos (E3), buscando identificar: os elementos que
mais chamam atenção na paisagem do entorno do hospital; os principais aspectos mencionados
como positivos e negativos em relação a ela; outros aspectos sensoriais percebidos, como sons
e cheiros; as principais sensações despertadas pela paisagem do entorno percebida do interior
do hospital e os elementos aos quais se relacionam. Tais resultados poderão s er traduzidos a
partir de gráficos, mapas, e outras representações que o pesquisador julgar adequadas à sua
pesquisa.
4 RESULTADOS ESPERADOS
Com base nas discussões levantadas na seção dois deste artigo, acredita-se que as
paisagens cotidianas, e não somente aquelas já amplamente reconhecidas como lugares de cura
(Healing Places), podem contribuir para além do processo de restabelecimento da saúde das
pessoas, mas, principalmente, com promoção do conforto e qualidade de vida nos espaços
urbanos. Especialmente na cidade contemporânea, ambiente permeado por elementos e
situações geradores de estresse, desconforto e outras condições patológicas físicas e psíquicas,
pensar e conceber os espaços de uso cotidiano como propiciadores de bem es tar, qualidade de
vida, sensações positivas, torna-se não somente desejável como urgente, considerando-se a
necessidade de se promover a saúde urbana.
Entretanto, de que forma pensar em entornos hospitalares mais responsivos sem
antes compreender como são percebidos e afetam as pessoas que o experienciam? Sem
dúvidas, o caminho mais promissor passar por dar voz a elas e, a partir daí, elaborar diretrizes e
soluções.
Assim, espera-se que o presente artigo possa contribuir com estratégias de
interlocução aplicáveis ao estudo de entornos hospitalares, possibilitando que seus efeitos
324
sobre as pessoas que o experienciam cotidianamente sejam explicitados. Além do mais, almeja-
se que a partir dos resultados obtidos possam ser traçadas estratégias e levantadas discu ssões
sobre o planejamento de paisagens que propiciem experiências mais positivas, especialmente
em entornos hospitalares.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
6 REFERÊNCIAS
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326
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
327
RESUMO
A cidade de Juiz de Fora possui forte ligação com o processo de industrialização brasileiro, atuou por muito tempo
como município de caráter industrial, da cultura e do lazer, proporcionado a implementação e consolidação de
grandes instituições de ensino durante o século XX, que posteriormente tiverem suas edificações históricas protegidas
por decreto de tombamento. O objetivo deste artigo é identificar e analisar as edificações históricas tombadas na
cidade de Juiz de Fora que foram construídas para uso educacional, e continuam com o mesmo uso atualmente. O
método de pesquisa adotado consistiu no primeiro momento, na realização de levantamento dos decretos de
tombamento da prefeitura da cidade, para identificação dos edifícios tombados e que possuem usos educacionais
atualmente. Após a seleção dos edifícios, foi realizada uma filtragem de edifícios que foram construídos para o uso
educacional, descartando assim os edifícios utilizados atualmente para uso escolar, mas que não foram construídos
originalmente para este uso. Para aprofundamento, foi realizada uma breve pesquisa histórica sobre as instituições
educacionais e suas construções, identificando seus estilos arquitetônicos e principais características construtivas.
Foram identificadas instituições como: Colégio Academia; Colégio Granbery; Colégio Santa Catarina e Escola Normal,
importantes para a disseminação da cultura e educação na sociedade juízforana. Ao final, observa -se que seus
edifícios históricos possuem características singulares relacionadas ao comércio, à imigração e à religião, retratando
os aspectos sociais e arquitetônicos de Juiz de Fora no início do século XX.
ABSTRACT
The city of Juiz de Fora has a strong connection with the Brazilian industrialization process, active for a long time as a
municipality with an industrial, cultural, and leisure character, providing the implementation and contributions of
large educational institutions during the 20th century, which later had its historic buildings protected by listing decree.
The objective of this article is to identify and analyze the historic buildings listed in the city of Juiz de Fora that were
built for educational use and continue with the same use today. The research method adopted consisted, at first, of
surveying the city council's listing decrees, to identify listed buildings that currently have educational uses. After the
selection of buildings, a filtering of buildings that were built for educational use was carried out, thus discarding
buildings currently used for school use, but which were not originally built for this use. For in-depth analysis, brief
historical research was carried out on educational institutions and their constructions, identif ying their innovative
styles and main construction characteristics. Institutions were identified as: Colégio Academia; Granbery College;
Colégio Santa Catarina and Escola Normal, important for the dissemination of culture and education in Juiz de Fora
society. In the end, it is observed that its historic buildings have unique characteristics related to commerce,
immigration, and religion, portraying the social aspects and updates of Juiz de Fora at the beginning of the 20th
century.
328
1 INTRODUÇÃO
329
instituições de ensino e se sentem representados, criando uma relação afetiva com estes bens
históricos e uma constante ressignificação.
Conforme evidenciado, devido a importância de se preservar instituições de ensino,
seus edifícios, acervos bibliotecários e documentais, o objetivo deste artigo é identificar e
analisar as edificações históricas tombadas na cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais, que foram
construídas para uso educacional, e que posteriormente tiveram seus edifícios históricos
preservados por decreto municipal de tombamento, e que continuam atualmente utilizando
destes edifícios históricos para suas atividades educacionais.
O espaço escolar é um registro valioso de costumes, das normas, dos hábitos e das
materialidades necessárias para favorecer o processo de ensino e aprendizagem ao
longo das épocas. A criação de edifícios escolares, frequentemente, reflete uma
correlação entre forças nos campos da arquitetura, do urbanismo, da educação e da
política, o que torna esse objeto complexo para além de suas especificidades técnicas,
funcionais, estéticas e espaciais (Alberto; Inham; Monteiro, 2016, p. 139).
2 METODOLOGIA
330
instituições públicas e privadas de níveis básicos e superiores (Oliveira, 2023). A consolidação
destas instituições de ensino contribuíram para a construção de uma imagem positiva de Juiz de
Fora, que se tornaria uma cidade voltada à cultura e ao conhecimento, e que devido sua
infraestrutura, atende as necessidades das pequenas cidades vizinhas.
De acordo com Tourinho et al. (2012), a implementação da Universidade Federal de
Juiz de Fora ocorreu durante a década de 1960 no período de expansão universitária criado pelo
governo federal, sendo a segunda universidade federal do interior do Brasil. A construção da
universidade foi outro importante movimento de consolidação da cidade como polo
educacional, comercial e de serviços, aumentando o movimento de migração de populações nas
cidades da região, que buscam em Juiz de Fora melhores oportunidades de acesso à saú de,
educação e emprego.
A cidade de Juiz de Fora possui atualmente 186 bens imóveis tombados em nível
municipal. Dentre estes, atualmente oito edifícios possuem usos voltados às atividades
educacionais, porém, apenas quatro foram construídos originalmente para receberem
atividades de ensino, o Colégio Academia, o Colégio Granbery, o Colégio Santa Catarina e a
Escola Normal (Quadro 1).
Quanto aos edifícios históricos que não foram concebidos para função educacional,
mas que atualmente recebem este uso são: Colégio dos Santos Anjos; Colégio de Carmo; Escola
Estadual Duque de Caxias e Grupos Centrais. Estes edifícios foram concebidos originalmente
para atenderem à função residencial, em formato de chácaras e palacetes, mas que em
determinado momento foram adaptados para receberem a função educacional (Vale, 1995).
Quadro 1- Edifícios Históricos Tombados e com uso educacional atualmente em Juiz de Fora
Data do
Nome do Edifício/Instituição Decreto Uso original
Tombamento
Colégio Academia 29/12/2000 6949 Educacional
Colégio do Carmo 13/11/2000 6890 Chácara/Residencial
Colégio Granbery 26/07/2002 7476 Educacional
Colégio Santa Catarina 25/02/1988 3918 Educacional
Colégio dos Santos Anjos 14/12/2000 6927 Chácara/Residencial
Escola Estadual Duque de Caxias 21/05/1999 6446 Residencial
Escola Normal 07/12/1990 4406 Educacional
Grupos Centrais 19/01/1983 2864 Palacete/Residencial
Fonte: Do autor, 2023.
De acordo com Antunes (2013), a Academia de Comércio foi fundada em 1891 pelo
empresário Francisco Batista de Oliveira, que após visitar uma escola voltada para estudos
comerciais em Paris, se inspirou para construir em Juiz de Fora uma escola de nível superior que
formasse comerciantes e administradores de negócios, tendo em vista que na época a economia
cafeeira da cidade ia muito bem e seu caráter industrial crescia.
Segundo Albino Esteves (1915), a Academia de Comércio foi idealizada e financiada
por empresários e comerciantes da cidade e ofertava cursos “primários e ginasiais” voltados
331
para crianças e adolescentes, e os cursos superiores de comércio e eletrotécnica, todos
funcionado na esfera privada.
Devido à dificuldades financeiras de manter a instituição em funcionamento e sem
ajuda do poder público, os acionistas optaram pela transferência da instituição para uma
congregação religiosa, a Congregação do Verbo Divino (Albino Esteves, 1915), que se
comprometeu a concluir algumas obras ainda pendentes no edifício e continuar com as
atividades de ensino, porém, nas primeiras décadas do século XX, a instituição optou por se
dedicar apenas ao ensino básico, deixando de lado o ensino superior.
Atualmente a instituição está vinculada à Rede Verbita de Educação, e possui diversos
edifícios em seu complexo educacional, voltados ao ensino superior, médio, fundamental e
infantil. O edifício histórico tombado, recebe atividades do ensino fundamental e médio, e
continua exercendo sua função original, apesar de ser popularmente conhecido até hoje por
Colégio Academia, teve seu nome alterado para Colégio Cristo Redentor.
Estima-se que as obras de construção do edifício histórico ocorreram entre 1891 a
1902 (Antunes, 2013). O edifício foi implantado em uma colina na Rua Halfeld, na região central
da cidade, possui estilo neoclássico, com três pavimentos (Figura 1). Sua notável simetria é
composta por duas alas e um pórtico bem demarcado por frontão com relógio, e sustentado por
colunas dóricas. Possui um grande pátio interno que dá acesso à corredores e à uma grande
escada, possibilitando uma boa ventilação e iluminação das salas de aula, criando um local de
encontro, como em antigas edificações educacionais.
O edifício foi tombado pelo município através do Decreto n° 6949/2000 devido à sua
importância simbólica para a cidade, por ter sediado a primeira escola de nível superior do Brasil
a possuir o curso de Ciências Comerciais na esfera privada (Antunes, 2013). Além disso, por suas
332
características arquitetônicas singulares, como volumetria, adornos internos e externos e
consolidação na paisagem urbana por sua implantação acima do Parque Halfeld e abaixo do
Morro do Imperador. Além do edifício principal, fazem parte do conjunto preservado pelo
tombamento, os edifícios da capela, núcleo artístico e teatro, implantados no mesmo terreno.
O Colégio Granbery foi inaugurado em Juiz de Fora no ano de 1889 por integrantes da
Igreja Metodista oriundos da região sul dos Estados Unidos (Pimenta, 2017). Segundo Ferreira
(2010), a missão metodista enxergou no Brasil uma possibilidade de expansão da religião através
da criação de instituições de ensino e templos de modo a converter membros católicos de classe
média do país. A escolha pela cidade mineira ocorreu devido sua proximidade com o Rio de
Janeiro, e seu constante crescimento econômico representado por parte da elite liberal,
composta por republicanos e maçons, que diferente das cidade s conservadoras, permitiria a
implementação de uma nova religião que não fosse a católica (Ferreira, 2010).
De acordo com Pimenta (2017), no início do século XX o colégio se consolidou devido
sua metodologia de ensino norte-americana voltada para a religião metodista, para a prática de
esportes e para o incentivo dos alunos na atuação política. Atraiu diversas famílias da região
sudeste do Brasil que matricularam seus filhos na instituição devido sua boa reputação e fama
(Pimenta, 2007). No final do século XIX, o Granbery ofertava ensino primário (atual educação
infantil e fundamental), secundário (atual ensino médio) e curso teológico destinado à formação
de pastores metodistas. Em 1904 a instituição criou seu primeiro curso superior, a Escola de
Farmácia e Odontologia, em 1913 foi criada a Escola de Direito (Albino Esteves, 1915), e em 1928
a Faculdade de Pedagogia.
Atualmente a instituição está vinculada à Rede Metodista de Educação, possui um
grande complexo de edifícios e áreas esportivas distribuídos nas ruas adjacentes ao edifício
histórico tombado. Oferece cursos das diversas modalidades de ensino, desde a educação
infantil até o ensino superior e pós-graduação, se consolidando como importante instituição de
ensino para o país, que inclusive possui um museu com acervo de sua própria história. Devido à
sua importância desde o início do século XX, o bairro em que o colégio se inseriu, recebeu o
mesmo nome da instituição, sendo nomeado por bairro Granbery.
Segundo Albino Esteves (1915), a inauguração do edifício histórico sede da instituição
ocorreu em 1890, está localizado em uma região plana próximo ao centro da cidade, em um
terreno de esquina entre as ruas Sampaio e Batista de Oliveira. É possível observar através de
fotografias antigas que o edifício recebeu uma ampliação no início do século XX, com a criação
de alas em torno do primeiro edifício de 1890.
O edifício possui estilo arquitetônico eclético, é composto por três pavimentos, com
pátio interno e jardim em sua fachada principal, sendo recuada da calçada para a rua Batista de
Oliveira. Suas fachadas são marcadas por um equilíbrio e simetria, no centro, um volume
semelhante a uma torre com colunas jônicas e sacadas por balaústres, demarca a hierarquização
da fachada frontal, as janelas são dispostas em pares envolvidas por arcos, se apresentando
como molduras e adornos (Figura 2).
O edifício foi tombado pelo município através do Decreto n° 7324/2002 devido sua
importância histórica e cultural para o município, fica evidente no texto do decreto que a
proteção do bem histórico não está relacionada apenas ao valor estético do edifício, mas
333
também ao caráter simbólico e imaterial da instituição de ensino que representou uma mudança
significativa nas métodos de ensino tradicionais em toda região sudeste do Brasil.
334
na extremidade direita da fachada frontal demarcava a assimetria da edificação, porém, em
1922 foi realizada uma ampliação da escola (Colégio Santa Catarina, 2023), replicando a ala já
existente e adicionando-a na lateral da torre, com isso, a torre passou a ficar no centro do
edifício, tornando a fachada simétrica (Figura 3).
O termo “escola normal” era entendido desde o século XIX como escola e xclusiva para
formação de mulheres, que poderiam atuar como professoras no ensino primário. A cidade de
Juiz de Fora possuiu outras escolas normais durante o século XIX (Albino Esteves, 1915), porém
estas foram desativadas devido às dificuldades financeiras na passagem do século XIX para o
século XX. Segundo Oliveira (2004), após diversas reformas educacionais na maioria dos estados
335
brasileiros durante a década de 1920, Juiz de Fora recebeu no ano de 1928 a implementação da
Escola Normal Oficial da cidade.
A instituição iniciou suas atividades em 1930 e carrega consigo um caráter simbólico,
pois sua implantação ocorreu no terreno onde funcionava a cadeia pública da cidade, na
chegada da Estrada União e Indústria ao centro do município. Políticos e empresários da época
não estavam satisfeitos com a cadeia em um dos acessos à cidade e optaram por sua demolição
para dar lugar à escola (Alberto et al., 2008).
A Escola Normal de Juiz de Fora passou a receber homens a partir de 1948 com a
criação de um curso secundário noturno (Oliveira, 2004). Atualmente a escola é oficialmente
chamada de Instituto Estadual de Educação, de caráter público, continua gerida pelo governo
estadual desde a sua fundação, oferta vagas de ensino fundamental e médio e no período
noturno mantém seu curso normal (atual magistério) para formação de professores da
educação básica.
O edifício histórico implantado em terreno de esquina entre a Rua Espírito Santo e
Avenida Getúlio Vargas (antiga Rua 15 de Novembro), possui quatro pavimentos ( Figura 4), foi
projetado em forma de “v”, com um volume central e duas alas, conformando um pátio interno
(Alberto et al., 2008). Apesar de ser considerado em estilo eclético, a pouca ornamentação do
edifício demonstra um novo pensamento para a época relacionado à edifícios escolares, que
surgiu no Rio de Janeiro partir da década de 1920, que defendia a modernização dos edifícios
com a não utilização de adornos ecléticos, além disso, em alguns elementos de seu sistema
construtivo, foi utilizado o concreto armado, visando uma rápida construção e abandono das
técnicas de alvenaria em tijolos (Alberto et al., 2008).
336
O edifício perdeu parte de sua ala direita em 1968, que foi demolida devido a
construção da antiga Avenida Independência (atual Avenida Itamar Franco), que foi projetada
cortando o lote da escola, modificando a edificação original e suas relações com seu e ntorno
(Alberto et al., 2008). O imóvel foi tombado em nível municipal pelo Decreto nº 4406/1990,
devido suas características arquitetônicas, por fazer parte do conjunto histórico paisagístico da
Praça Antônio Carlos e por representar simbolicamente as políticas públicas de melhorias e
ampliação da educação no estado de Minas Gerais na década de 1920.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
337
É possível identificar que das quatro instituições de ensino analisadas, três são da
esfera privada e possuem forte ligação com congregações religiosas, fato que demonstra como
as práticas religiosas se implantaram no Brasil através de métodos pedagógicos e evidencia a
dificuldade de acesso à educação de populações com menor poder aquisitivo durante o início
século XX em Juiz de Fora.
O Colégio Academia e a Escola Normal foram implantadas no centro da cidade, na
região próxima ao vale, às margens do Rio Paraibuna. Os Colégios Granbery e Santa Catarina
apesar de não estarem implantados efetivamente no centro, estão localizados em bairros
antigos e tradicionais da região central.
A implantação destes edifícios ocorreram em grandes terrenos, com isso, ao serem
construídos no centro do lote, proporcionaram afastamentos laterais, frontais e posteriores
para os lotes vizinhos e logradouros públicos, a única edificação que não seguiu este padrão foi
a Escola Normal, implantada nos limites do lote proporcionando o pátio central, as fachadas
foram voltadas diretamente para as calçadas apresentando maior relação com as ruas.
Quanto aos estilos arquitetônicos, o Colégio Academia inspirado em uma escola
francesa, optou pelo estilo neoclássico, ainda presente nos edifícios da elite europeia no século
XIX. Os Colégios Granbery e Santa Catarina adotaram o estilo eclético que se consolidava no
início do século XX, porém carregam algumas características originárias de seus métodos de
ensino e países de origem, como elementos do eclético norte-americano (Granbery) e
elementos do estilo eclético alemão (Colégio Santa Catarina). O edifício da Escola Normal apesar
de ser considerado em estilo eclético, apresenta algumas características que demonstram a
transição de um eclético carregado de ornamentos para um eclético com menos adornos, o que
pode ser considerado pré-modernismo, principalmente devido à sua construção ter sido
realizada por alguns elementos em concreto armado, reduzindo o uso de tijolos e adornos,
possibilitando que a alvenaria fosse independente da estrutura.
Através dos decretos de tombamento destes edifícios em nível municipal, nota-se uma
preocupação da sociedade juiz-forana em preservar seus edifícios de origem educacional, que
atuaram como importantes instituições de formação de profissionais e que sua necessidade de
preservação vai para além do valor arquitetônico e artístico que esses bens carregam consigo.
Suas arquiteturas são singulares e retratam a sociedade da época, as relações da cidade com
imigrantes, com a cultura e com a educação, evidenciando que estes fatores contribuíram para
o desenvolvimento de Juiz de Fora no primeiro quartel do século XX.
A continuação da atuação destas instituições em seus edifícios históricos na cidade,
contribui para que as memórias afetivas sejam sempre renovadas e que estes bens sejam
preservados. À medida que as crianças e jovens vão crescendo e se formando, carregam consigo
um pouco da história da instituição de ensino e o sentimento de necessidade de preservá-las,
reconhecendo seus valores históricos, arquitetônicos e documentais.
Este estudo demonstra que mesmo com a proteção dos edifícios históricos através do
tombamento, as instituições continuam utilizando destes bens para suas atividades
educacionais, nota-se, que apesar de certos preconceitos acerca do tombamento de edifícios e
possíveis limitações de usos, é possível preservar edificações educacionais históricas sem que
estas sofram obrigatoriamente uma alteração em seu uso original. Além disso, a preservação
destes bens perpassa à esfera material, abrangendo também os valores culturais e históricos
imateriais.
338
6 REFERÊNCIAS
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340
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(x) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
HISTORIC BUILDINGS AND NIGHT LANDSCAPE: LIGHTING AND URBAN VISUAL MEMORY
Douglas Gallo
Professor Doutor, IFSP, Brasil
douglas.luciano@ifsp.edu.br
341
RESUMO
O presente artigo explora duas paisagens urbanas distintas, separadas pelo crepúsculo, uma diurna (definida pela
iluminação natural) e outra noturna (determinada pela iluminação artificial). O objetivo foi analisar e caracterizar as
paisagens urbanas e ambiências características de cada período. A iluminação urbana - de fachada e de monumentos
- contribui diretamente na ampliação do tempo de vivência urbana, gerando ambiências e possibilidades de
sociabilidades que prolongam a vida urbana para o período noturno. Foi realizada uma revisão bibliográfica e uma
análise espacial por meio de registros fotográficos, anotações e descrição da iluminação e ambiência de elementos
edificados históricos da região central da cidade de São Paulo/SP. Os registros foram real izados no mesmo dia, em
momentos distintos, à luz do dia e sob iluminação artificial no período noturno. A análise da ambiência e da paisagem
urbana buscou compreender sua relação com a memória visual e potencialidades dos elementos iconográficos do
ambiente urbano, configuradores de ambiências, paisagens e memórias coletivas.
ABSTRACT
This article explores two distinct urban landscapes, separated by twilight, one daytime (defined by natural lighting)
and the other nighttime (determined by artificial lighting). The objective was to analyze and characterize the urban
landscapes and ambiences characteristic of each period. Urban lighting - facades and monuments - directly
contributes to extending the time of urban living, generating ambiences and possibilities for sociability that prolong
urban life into the night period. A bibliographic review and a spatial analysis were carried out through photographic
records, notes and description of the lighting and ambience of historic built elements in the central region of the city
of São Paulo/SP. The records were taken on the same day, at different times, in daylight and under artificial lighting
at night. The analysis of the ambience and the urban landscape sought to understand its relationship with the visual
memory and potentialities of the iconographic elements of the urban environment, configurators of ambiences,
landscapes and collective memories.
342
1 INTRODUÇÃO
343
2 REFERENCIAL TEÓRICO
344
monumentos significativos, centros históricos, edifícios de valor arquitetônico e histórico e
paisagens de interesse turístico tem possibilitado uma reconexão dos cidadãos com suas
memórias afetivas (MIGUEZ, 2005).
345
que conversa com os sentimentos dos indivíduos, além da iluminação possuir o poder de mudar
a forma e destacar elementos diferentes de uma edificação ou ambiência.
Um conceito importante quando se trata de paisagem urbana é o de memória visual,
quando se visita um local cria-se uma memória ou lembrança das percepções sobre o ambiente,
com base nas vivências individuais de cada pessoa. A iluminação é um instrumento que reafirma
a memória da cidade, a lembrança de seu passado. A luz possui papel didático, na medida em
que reforça o vínculo da população com as raízes culturais da cidade (GONÇALVES, 2005).
Conforme Phoenix (2006), o Plano Diretor de Iluminação deve estar no topo das
decisões estratégicas, dentro de uma hierarquia da luz. Deve-se definir o que se deseja atingir
em termos de luz nos diferentes ambientes urbanos, proporcionando parâmetros para que
designers e engenheiros trabalhem em conjunto e em paralelo com um objetivo comum. Em
sua dissertação, Basso (2008, p. 85), cria um diagrama de influências da iluminação externa e
propõe os principais pontos na iluminação urbana:
[...] estes critérios estão organizados ao longo dos círculos da influência da iluminação
externa que são os três universos da abrangência do tema: a luz, as pessoas e a cidade.
As quatro áreas de interesse organizam as principais problemáticas que a iluminação
deve abordar para atingir seus objetivos: dialogar com a arquitetura do objeto ou
entorno, organizar e melhorar a paisagem da cidade, promover o uso do espaço,
respeitando os critérios de conforto do observador, e respeitar o meio-ambiente.
É impossível discutir arquitetura sem pensar nas pessoas e na relação delas com a
paisagem, na criação de um plano de iluminação é necessário pensar nas interações entre os
indivíduos e o espaço e, ainda, em como a luz auxilia no incentivo do uso noturno do espaço
urbano.
Os urbanistas projetam cidades diurnas, organizam e distribuem da melhor maneira a
movimentação e o crescimento dos centros urbanos. Entretanto, quando chega o momento de
projetar a iluminação noturna, momento esse de pensar em todas as possibilidades que um bom
projeto de iluminação urbana pode proporcionar para a cidade, para dar continuidade a esse
crescimento e desenvolvimento, simplesmente não dão a devida atenção. Aplicam um desenho
em cima do projeto urbano diurno e distribuem de maneira uniforme os pontos de luz
(OLISKOVICZ, 2016). Portanto, é fundamental pensar na cidade noturna e nos usos que ela
possui, com a presença da luz artificial é possível criar diversas perspectivas de um ambiente e
atender as necessidades do espaço, tornando a ambiência noturna mais agradável, valorizando
as edificações e prezando pelo uso dos residentes.
Possuindo uma arquitetura eclética típica do século XIX, o Mosteiro de São Bento foi
projetado em 1906 pelo arquiteto Richard Berndl, professor da Universidade de Munique, com
decoração interna de autoria do monge beneditino belga Dom Edelberto Gressnigt. O edifício é
composto pela Basílica Nossa Senhora da Assunção e o Colégio de São Bento e ainda é um dos
poucos remanescentes no mundo do estilo Beuronense, movimento que se caracteriza por
dispor total integração entre arte e arquitetura. O local é ocupado desde 1598 pelos
beneditinos, uma das primeiras ordens religiosas da cidade, que ergueram no local uma ermida,
substituída em 1634 pela segunda e no início do séc. XX pela construção atual (BASSANI;
ZORZETE, 2014).
A figura 1A, apresenta a construção histórica sob uma grande quantidade de luz
natural, deixando toda a sua fachada à vista. Nesse período uma quantidade média de
transeuntes desloca-se no entorno do Mosteiro de São Bento, a maior parte vinda da estação
de metrô São Bento – Linha 1 – Azul, que se localiza em frente à edificação. A paisagem é
composta também por vegetação arbórea e boa parte do piso é nivelado e impermeabilizado.
346
Já na paisagem noturna (figura 1B) nota-se a mudança que a iluminação de fachada do prédio
aplica sobre a sua superfície, a luz direta amarelada se torna alaranjada ao se misturar com a
parede e esse estilo de iluminação de fachada comparado à paisagem diurna, com luz natural,
deixa o exterior chapado, não valorizando nem ressaltando os volumes da fachada do e difício
histórico.
Figura 1 – Mosteiro de São Bento, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)
As interações sociais noturnas não foram diferentes das diurnas, ao menos no início
da noite, com a presença de uma grande infraestrutura de transporte público (Metrô)
funcionando como pólo de atração de pessoas, mesmo no período noturno. O Mosteiro de São
Bento está presente na rota de muitos turistas que vem à São Paulo e é considerado um ponto
turístico do triângulo histórico do centro, além de que a sua arquitetura eclética atrai olhares e
curiosidade para visitá-lo, tornando-se uma potencialidade para a formação da memória visual
coletiva da cidade.
O Pateo do Collegio é composto pela Igreja e pelo Colégio dos Jesuítas erguidos no
topo da colina central da Vila de São Paulo de Piratininga, em 1554. A localização da edificação,
predominantemente horizontal, no sítio de fundação da cidade de São Paulo caracteriza-o como
importante marco para a história da cidade, um retorno ao passado. A construção primitiva, em
taipa de pilão, sobreviveu até 1640, quando da expulsão dos jesuítas da cidade. Com o retorno
dos religiosos em 1653 o templo foi reconstruído e em 1759, com nova expulsão da ordem, o
imóvel passou ao domínio do Reino. Ao final do século XIX a Igreja desabou em decorrência do
abandono, sendo reconstruída em 1979, para as comemorações do quarto centenário da cidade,
como simulacro da arquitetura colonial, tendo sua base em taipa preservada no subsolo
(CANADO JÚNIOR, 2014).
Na figura 2A, o Pateo do Collegio está iluminado pela luz natural e há poucas pessoas
no entorno do complexo, vale ressaltar que não existem estações de metrô no entorno
imediato, como pólo de atração relevante. Na figura 2B, a fachada se ilumina com luzes amarelas
em wall washing na parte superior da fachada, a iluminação valoriza o conjunto e potencializa a
memória visual dos transeuntes que passam no entorno. Além da própria luminosidade
presente na superfície da edificação, há alguns postes de iluminação pela paisagem que
influenciam na claridade do mesmo. No fundo da imagem é possível observar o edifício da
Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo com uma iluminação arroxeada.
Figura 2 – Pateo do Collegio, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)
347
Fonte: Autores (2021)
Figura 3 – Secretaria da Justiça e Cidadania do Estado de São Paulo, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)
348
em planos diferentes. Os frontões sobre as esquadrias são quase imperceptíveis pois se
camuflam com a superfície branca da parede, a única área em evidência com a iluminação
indireta é onde estão posicionadas as bandeiras da cidade. Outra forma de iluminação vista é a
de um poste de luz de tom amarelado e, que apesar de influenciar o brilho na fachada, não
contribui para o destaque do exterior. Sendo assim, a iluminação natural está mais adequada e
potencializa mais a memória visual do conjunto do que a ambiência criada na paisagem noturna.
Localizada no nº 3 da antiga Rua do Carmo, ao lado do Beco do Pinto, o edifício do
Solar da Marquesa de Santos (Figura 4), é um modelo de uma construção de arquitetura urbana
do século XVIII com características neoclássicas, assim como outras edificações históricas
presentes no centro de São Paulo, ela conta uma parte da história da cidade através da fachada
e seus interiores. Em 1834 Maria Domitila de Castro Canto e Melo, a Marquesa de Santos,
comprou o imóvel da herdeira do Brigadeiro Leme, e devido à intensa e agitada vida social da
marquesa, o Palacete passou a ganhar notoriedade na cidade. Nos anos 1991 a edificação
passou por restauração, descobrindo vários graus de modif icações que não permitiram a
reconstituição das características originais. A intervenção optou por resguardar os elementos
que representassem as diversas fases de seu percurso no tempo (BASSANI; ZORZETE, 2014).
Figura 4 – Solar da Marquesa de Santos, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)
349
iluminação de fachada pensada para valorização do edifício e sua volumetria, sendo a
iluminação do exterior majoritariamente composta pela luz indireta dos diversos postes de
iluminação pública na cor branca que estão posicionados na praça à frente. Apesar da edificação
ser bem iluminada, sua qualidade não é boa, visto que comparada a sua paisagem diurna (Figura
5A) o visual externo noturno não valoriza completamente as formas da catedral. Uma
iluminação focal com refletores seria o ideal para realçar as características e de stacar a estrutura
do edifício histórico. A iluminação é um instrumento que reafirma a memória da cidade, a
lembrança de seu passado. A luz possui papel didático, na medida em que reforça o vínculo da
população com as raízes culturais da cidade (GONÇALVES, 2005).
Figura 5 – Catedral Metropolitana de São Paulo - Catedral da Sé, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)
350
O edifício situado na Rua Álvares Penteado esquina com Rua da Quitanda, onde
atualmente está instalado o Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB (Figura 6) foi construído em
1901 e adquirido pelo Banco do Brasil em 1923, que o reformou sob os cuidados do engenheiro-
arquiteto Hippolyto Gustavo Pujol Júnior como primeira sede própria do banco na capital
paulista. Inaugurado em 1927 esteve em atividade até 1996 quando o banco transferiu suas
atividades para a agência da Rua Líbero Badaró e contratou o arquiteto Luiz Telles para a
restauração, sendo o imóvel inaugurado em 2001, abriga atividades culturais como exposições,
apresentações de teatro, dança, música, cinema e outros (BASSANI; ZORZETE, 2014).
Figura 6 – Edifício Centro Cultural Banco do Brasil - CCBB, São Paulo/SP: paisagem diurna (A) e noturna (B)
O exterior do prédio possui janelas emolduradas por pilastras e também uma claraboia
que ilumina o espaço interno, além de outros elementos estruturais e decorativos (Figura 6A).
Quando se observa a fachada, é notável a presença de diversas esquadrias no desenho da vista.
Na imagem da paisagem noturna (Figura 6B) as janelas e portas do primeiro andar estão
iluminadas pela luz interior e verifica-se que o CCBB tem uma iluminação própria para a fachada
com refletores diretos de coloração branca mesclando com a cor bege da superfície da parede.
Os três andares são destacados pela luz, assim como a estrutura em concreto armado e os feixes
de luz acompanham o desenho dos pilares. O único elemento que se camufla na escuridão é o
coroamento do edifício, sem iluminação de realce.
Analisando o entorno, o CCBB é o único edifício iluminado da via, conformando uma
ambiência sombria, uma vez que, ainda que adequadamente iluminada, a edificação insere-se
num entorno pouco convidativo, percebido como espaço inseguro e sem vitalidade.
Paralelamente, uma fachada fracamente iluminada poderá parecer destacada quando inserida
em um entorno obscuro (MIGUEZ, 2005). O fluxo de pessoas é maior no período diurno e no
noturno é quase zero, já que o edifício fecha por volta das 19h e os prédios comerciais no
entorno também não possuem atividades noturnas. Portanto, um dos diferenciais do edifício é
o trabalho feito na iluminação, assim como comentado anteriormente isso o destaca no meio
de diversos outros e contribui para a memória visual dos indivíduos que se movimentam na área.
351
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Referências
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353
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
354
RESUMO
Este estudo se concentra no contexto do patrimônio cultural, com o objetivo de fornecer percepções sobre a
incorporação de manifestações populares em ambientes tradicionalmente hieráticos, tendo como objeto empírico
da pesquisa o pátio de São Pedro, no Recife-PE. Com o objetivo de compreender em que medida essas atividades
culturais atuam como agentes fomentadores da preservação desse local, essa pesquisa se debruça sobre a história,
festividades e os usos do pátio ao longo de sua existência. Como resultado obtido neste trabalho, elenca -se as
transformações de uso e ocupação do solo através das mudanças e permanências, aqui mostradas desde 1950 até os
dias atuais, como fator determinante para a sustentabilidade futura deste local histórico. O pátio enquanto um lugar
histórico e de memória, além de servir como palco para manifestação da cultura pernambucana, luta contra a ameaça
do apagamento proposto pelo elevado percentual de imóveis vazios ou subutilizados em seu entorno; portanto
demanda uma ação conjunta entre as esferas competentes para que haja uma efetiva e cautelosa intervenção com o
propósito de perenizar essa faceta histórica da identidade da cidade do Recife.
ABSTRACT
This study concentrates on the context of cultural heritage, with the aim of providing insights into the incorporation
of popular manifestations into traditionally hieratic environments, focusing on the São Pedro courtyard i n Recife-PE.
With the aim of understanding the extent to which these cultural activities act as agents that promote the preservation
of this place, this research focuses on the history, festivities and uses of the courtyard throughout its existence. As a
result of this work, the transformations in land use and occupation through change and permanence, shown here from
1950 to the present day, are a determining factor for the future sustainability of this historic site. The courtyard, as a
place of history and memory, as well as serving as a stage for the manifestation of Pernambuco culture, is fighting
against the threat of obliteration proposed by the high percentage of empty or underused properties in its
surroundings; it therefore requires joint action between the competent spheres so that there is an effective and
cautious intervention with the aim of perpetuating this historical facet of the identity of the city of Recife.
355
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa se debruça sobre a área do patrimônio cultural, no que tange às
mudanças e permanências, bem como as transformações, que envolvem a herança, a história e
seus respectivos valores envoltos no pátio de São Pedro em Recife -PE. tem como objetivo geral
compreender de que maneira o referido pátio, enquanto um patrimônio material reconhecido
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), permanece como um polo
de atração de manifestações culturais (patrimônio imaterial), que, embora mutáveis ao longo
do tempo, têm dado sustentação à preservação desse espaço histórico urbano. Tem-se como
hipótese que a perspectiva da conservação desse lugar reside nesta relação simbiótica de uso e
apropriação observados entre o patrimônio edificado e imaterial.
Localizado na área central do Recife, o pátio de São Pedro possui em sua vizinhança
edificações religiosas e comerciais de referência histórico-paisagísticas da cidade, como o
mercado de São José, a Basílica da Penha, a Basílica da Nossa Senhora do Carmo, Igreja de
Nossa Senhora do Livramento, além da Concatedral de São Pedro dos Clérigos, esta última
localizado no próprio pátio e responsável pelo seu surgimento. Concebido inicialmente como
extensão da Igreja e posteriormente consagrado como um espaço público, o pátio é utilizado
cotidianamente para atividades comerciais e de serviços, além de ser um grande palco para os
ciclos festivos, tradicionais e de celebrações populares.
Enquanto concentrador de fluxo e significância, o pátio de São Pedro recebe
atividades culturais de todo o estado de Pernambuco, principalmente nos eventos festivos do
ano (páscoa, festas juninas, carnaval, natal, etc). As relações estabelecidas entre essas
manifestações culturais e o patrimônio edificado do pátio, nos oportuniza analisar sob a ótica
da permanência dessas atividades, sua relevância histórico-artística, bem como a sua
resistência identitária, enquanto cultura popular, como um meio efetivo de promover a
manutenção e preservação dos valores envoltos no local estudado.
Por meio dessas observações empíricas preliminares, constata-se que a dinâmica de
uso do pátio de São Pedro possui alternâncias que o torna um lugar distinto dos demais pátios
da cidade. Os demais pátios do entorno podem ser considerados espaços de destino nos dias
comuns, visto que se configuram como locais tradicionais de comércio e serviços, e pouco
recebem eventos culturais. Esta distinção de uso do pátio de São Pedro em relação aos outros
pátios da cidade nos remete à questão principal da pesquisa, que indaga sobre de que maneira
essas manifestações culturais populares atuam como agentes fomentadores da preservação
do mesmo enquanto patrimônio material e imaterial da cidade do Recife.
Mediante isso, o presente artigo versará inicialmente sobre a história do pátio, desde
sua gênese junto às irmandades, que exercem um papel fundamental na formação e
crescimento da cidade; até as festividades sagradas e profanas promovidas no local. Seus usos
e apropriações, bem como seu alarmante problema envolvendo imóveis vazios ou
subutilizados são elencados ao final com a finalidade de ressaltar a importância da
continuidade de estudos sobre essa temática de forma integrada, hoje constantemente
observada em dissonância, tendo em pauta não somente os fatores visíveis e palpáveis do
monumento ou conjunto, mas também por tudo aquilo que se descobre vivo neles e com um
enfoque especial na manutenção dos valores envolvidos, seus respectivos usos e a preservação
de nossa história, nossa identidade e nossa memória enquanto seres urbanos.
356
1 O PÁTIO DE SÃO PEDRO: DO PRINCÍPIO A ETERNIDADE
Situado no seio histórico da cidade do Recife, o pátio de São Pedro dos Clérigos
consiste num pequeno conjunto urbano, constituído por um casario, com uma linguagem
arquitetônica que reafirma a superposição de tempos, aos olhos mais atentos, conferindo -lhe
uma relevância histórica, social e paisagística para a cidade. O pátio se impõe enquanto
documento-monumento1 do Recife contando histórias dos tempos vindouros, das primeiras
intenções de povoamento da Ilha Antônio Vaz, hoje os bairros de Santo Antônio e São José, do
crescimento como vila, ao que seria posteriormente a cidade do Recife.
A ocupação da Ilha tem sua gênese ainda no século XVII com a construção do convento
Franciscano de Santo Antônio, em 1606, e outras poucas edificações. É, portanto, caracterizado
por um processo lento de crescimento, até o momento da ocupação holandesa, entre 1630 e
1654 (FIDEM, 1978). Observando a igreja de São Pedro dos Clérigos, foco do presente artigo, é
construída a partir de doação de terras por fiéis desta irmandade. Foram seis imóveis ofertados,
além de uma horta, situada no final da igreja em seus primórdios. O pátio situa-se entre a Rua
das Águas Verdes (antiga Rua Lomas Valentinas), Rua de São Pedro (antiga Travessa de São
Pedro) e a Rua Felipe Camarão, antiga Rua Henrique Dias (MENEZES, 2017). Percebemos na
Figura 1, no mapa de 1778, a demarcação espacial desse tecido urbano em construção.
Aponta Moura Filha (2009, p. 367) que existindo a Irmandade dos Clérigos desde o ano
de 1700, somente em 1719 “resolveu construir a sua igreja, iniciada nove anos depois. A pedra
fundamental foi lançada em 3 de maio de 1728, estando a capela-mor concluída, em 1729, e o
corpo da igreja, em 1759”. As obras se prolongaram até 30 de janeiro de 1782, quando foi
realizada a sagração. (MENEZES, 1984, p. 8)
Figura 1 – Plano da Villa do Recife de Pernambuco (recorte), em 1778. Original manuscrito do Arquivo
Distrital de Évora, Portugal.
1 O monumento, enquanto herança de um passado, evoca o que se passou com a finalidade de se perpetuar uma
recordação de corte temporal preciso, feito a partir da manipulação dos pesquisadores envolvidos com as ciências do
passado (LE GOFF, 2013).
357
Numa visão de conjunto, a organização territorial não parece ter sido resultado de
uma ocupação acidental e decorrente de crescimento não previsto. Não deve ser fruto
de nenhum trabalho de prancheta, isto é, de um estudo prévio, apesar de no
Renascimento tal processo ter se instaurado, como ocorrera em 1639… (MENEZES,
2022, p. 25).
A paisagem, outrora bucólica, começa a ser reformada pela iniciativa da Igreja Católica
e com anuência do reinado português, por intermédio das ordens monásticas e das irmandades;
se propõe a instituir um poderio também religioso no local, reafirmado pelas construções de
igrejas, conventos e escolas eclesiásticas.
As ordens terceiras que surgiram em 1696, como a Nossa Senhora do Carmo através
da fundação do convento Carmelita, bem como a irmandade do Santíssimo Sacramento e a de
São Francisco no mesmo ano, desempenharam o papel de reunir e congregar toda a elite da
época. Essas, atraíam desde os ricos mascates e poderosos senhores de engenho, até
2 “Comunidades morais, solidarizadas social, espiritualmente e espacialmente centralizadas por referência a tal ou
qual igreja matriz, as freguesias então se constituíam não apenas pela oferta de serviços religiosos, mas por um
complexo sistema de reciprocidade e vizinhança… inclusive dotada de certo vigor administrativo.”(LIRA, 2021, p. 9-
10)
358
personagens líderes e influentes na política pernambucana, formando assim um elo entre toda
a classe aristocrática daquele período. Além disso:
3 “São espaços multifuncionais e autossuficientes que estão localizados em diferentes pontos da cidade e que buscam
equilibrar a distribuição de equipamentos, emprego, moradia e reduzir custos de deslocamento.” (ALCALÁ, 2019, p.
1)
359
religiosas, cuja centralidade era marcada pela presença de uma ou mais igrejas
(LORETTO, 2008, p. 14).
A importância dessas igrejas e seus pátios para a vida cotidiana da sociedade e, por
consequência, para a formação do traçado urbano do Recife, são temas amplamente abordados
na literatura, a exemplo de Freyre que a ele se reportou em obra datada de 1934:
O Recifense não está ligado às suas igrejas só por devoção aos santos, mas de um
modo lyrico, sentimental: Porque se acostumou à voz dos sinos chamando para a
missa, anunciando incêndio, porque em momento de dôr ou aperreio elle ou pessôa
sua se pegou com nossa senhora, fez promessa, alcançou a graça, porque nas igrejas
se casou, se baptisaram seus filhos e estão enterrados avós queridos. 4 (FREYRE, 2005,
s/p).
A vida comunitária estava centralizada nas igrejas, sendo assim, elas desempenhavam
um papel fundamental ao orientar o desenvolvimento e estabelecer a configuração urbana da
cidade. Desse modo, além de contribuir na formação dessa centralidade urbana, a Concatedral
de São Pedro dos Clérigos, sendo considerada uma joia do barroco brasileiro, foi um dos
primeiros monumentos reconhecidos e tombados pelo antigo Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (SPHAN), atual IPHAN, em função do seu valor histórico e artístico, em 20 de
julho de 19385.
Sendo visto como um dos conjuntos arquitetônicos mais monumentais do Brasil, a
poligonal de tombamento é composta pela igreja e mais 63 imóveis, entre casas térreas e
sobrados que testemunharam o desenvolvimento e expansão da cidade. Extrapolando a
proteção do “monumento artístico” e considerando, também, o patrimônio urbano, os
primeiros passos voltados a preservação do pátio e seu acervo edificado, teve início em 12 de
março de 1965, com medidas voltadas a proteção do entorno do bem tombado pelo conselho
consultivo do atual IPHAN, culminando na inclusão do pátio no livro do Tombo Histórico e das
Belas Artes, através do processo de ratificação do tombamento da Igreja, com o objetivo de
melhor resguardar a integridade do monumento com seus limites de tombamento, por
intermédio da descrição e desenho desta poligonal aprovada e homologada pelo conselho
consultivo na data de 08 de março de 1985.
Ademais, seu imensurável valor é vastamente comentado na literatura da época. O
jornalista pernambucano Antônio Figueiredo, retrata o pátio de São Pedro no século XIX, assim
como os bairros de Santo Antônio e São José; e o “contínuo singular” de suas edificações, bem
como a expressividade barroca de suas igrejas e pátios, estes apoiados em iconografias da
época.
Voltando-se um pouco para trás, nesta rua, entra-se na Travessa de São Pedro, que
conta seis casas, três de dois andares e três térreas; e mais depara-se com o largo do
mesmo nome. Aí está construído o templo de São Pedro, cujo interior tem forma
octógona; é um dos edifícios sagrados desta cidade, onde se encontra uma arquitetura
mais aperfeiçoada, [..] tem este largo dezessete casas, a saber: seis de um andar, duas
de dois e dezessete térreas (FIGUEIREDO, 1992, p. 170).
360
Ferrez (1954) destaca a fidelidade da obra com a paisagem da época e reafirma o
destaque das edificações religiosas no cenário urbano da cidade, fazendo uma análise das
iconografias6 que retratam o Recife em panorama feito por Friedrich Hagedorn em meados do
século XIX.
De modo geral, teóricos especialistas, como Bazin (1983) e Smith (2012), celebram as
igrejas barrocas do Recife do século XVIII como um conjunto unificado e distintivo. Sua
singularidade não se restringe apenas ao estilo, mas também à integração em uma paisagem
urbana de caráter horizontal, uma característica incomum na época colonial brasileira. Nesse
cenário, o Recife se destaca pela convivência marcante entre a genuinidade dos sobrados
estreitos e a opulência das igrejas barrocas.
Essas estruturas faziam parte de um agrupamento de construções sacras, distribuídas
em uma área onde ainda carecia de terreno sólido. Elas testemunharam o elevado status e
influência das irmandades, bem como a significância das ordens religiosas na sociedade,
gerando assim, um impacto significativo no processo de construção e configuração urbana na
cidade do Recife.
É válido reafirmar que os pátios, para além do contexto religioso, conferem às igrejas
uma aura de grandiosidade e solenidade, fazendo com que elas dominem a paisagem local como
um ponto focal na perspectiva do espaço edificado. Além de servirem como locais de trânsito e
interação, os pátios também eram espaços de expressão cultural e pausa na trama urbana. Essas
áreas, eminentemente destinadas à socialização, desempenharam um papel fundamental ao
realçar essa influência da presença religiosa na vida cotidiana da sociedade.
1.1 CAMINHOS DA COEXISTÊNCIA: O SAGRADO E O PROFANO NO PÁTIO
No Recife, assim como nas demais capitais brasileiras, confere às procissões católicas
o objetivo teológico de anunciar o evangelho do Cristo para além da congregação e é uma
prática que remete uma premissa bíblica seguida pela Igreja desde sua fundação. As
irmandades, confrarias e ordens terceiras que realizam as missas e cortejos aos seus santos de
devoção, nesses momentos, se unem numa grande celebração ao divino pelas ruas da cidade.
361
As festividades sagradas que tem sua hegemonia alicerçada pelas igrejas, conventos e
pátios tomam as ruas nos dias santos ou em celebração de acontecimentos cristãos
memoráveis, a exemplo da páscoa e o natal; passam a dividir o espaço público com as
manifestações culturais de cunho popular, como os encontros boêmios e o carnaval a partir dos
anos de 1950.
Ao entrar nos pátios das igrejas, sagrado e profano se realizam em um mesmo espaço
público. Em cada um deles se organiza a procissão em homenagem ao santo ou à santa
para quem foi erguida a Igreja (....). Neles acontecem apresentações musicais, danças
dos ciclos carnavalesco, junino e natalino, da cultura negra. (...) Quem nunca foi
assistir, no Pátio do Terço, na segunda-feira de carnaval, a Noite dos Tambores
Silenciosos, quando se apresentam nações de maracatu do baque virado? São José:
irrefutavelmente espaço sagrado e profano (LACERDA, 2021, p. 143-144).
Esses acontecimentos são vastamente noticiados pelos jornais da época que além de
convocar os fiéis para a festividade, expunha a data e horário (por vezes o itinerário) da
procissão. Em pesquisa na hemeroteca Digital brasileira (Banco Nacional Digital), nos seis
periódicos de Pernambuco presentes no acervo, o termo “procissão” é identificado em 13
menções em 5 dos periódicos, no período entre 1820 e 1829; o mesmo termo no período entre
1830 e 1839 é identificado em 141 menções em 9 dos periódicos, entre os 25 que integram o
acervo. No período entre 1850 e 1859 são apurados 1.213 ocorrências grifadas em 16 dos 36
jornais em acervo. Por fim, nos últimos anos do século XIX, entre 1880 e 1899, o termo
investigado é abordado em 8 dos 34 periódicos em acervo; totalizando 1.881 menções.
Entre 1820 e 1829 as vagas referências ao termo “procissão” nos textos dos jornais
vigentes em Pernambuco se dirigem as poucas atividades publicadas nesses periódicos
relacionadas às igrejas e irmandades da localidade; dentre outras informações, os principais
pontos abordados se dirige a população que reside nas ruas onde passará a procissão tendo
como recomendação a limpeza e ornamentação das mesmas para receber “com cuidado e
asseio” a festividade da fé cristã.
Em contrapartida, no período entre 1850 e 1859 observa-se uma relevante frequência
nessas notificações à população pelos meios jornalísticos. Como destaque lê -se, além das
recomendações feitas às pessoas de enfeitar suas fachadas nos dias de cortejo, a presença de
uma parte do jornal dedicado aos anúncios da igreja católica, seja pelo clero regular ou secular,
com programações dos próximos eventos a serem realizados no contexto semanal. A publicação
do horário, local de partida, chegada e o itinerário passa a ser mais recorrente e é destacado
pelas irmandades que promovem cada procissão.
Os moradores das proximidades se esforçavam por intervir nesse itinerário, para fazer
passar a procissão em suas ruas, inclusive porque ela atraía rendas com o aluguel das
janelas de sobrados. Um anúncio de jornal fazia constar que "Deseja-se alugar uma
casa, para pequena família, no Bairro de Santo Antônio e que seja em rua onde passem
as procissões da Quaresma, dando-se de aluguer até 12$000". Nos dias de procissão,
o aspecto da rua era alterado na sua placidez cotidiana. A cidade recebia grandes levas
de pessoas, dos arrabaldes e das vilas próximas, ansiosas para assistir a essa grandes
festividades religiosas [...] A imponência da matriz e a grandiosidade da procissão que
dela saía irradiavam para as ruas das freguesias por onde o cortejo passava (ARRAIS,
2002, P.183).
362
casos houve até a chamada aos guardas nacionais da capital e sua cavalaria e com toda pompa,
confere a solene festividade esplendor e grandiosidade.
Acentua-se ainda que é retratado em alguns dos periódicos (coluna de compra, aluguel
e venda) o interesse de aquisição de imóveis pelas ruas onde passam as procissões dos bairros
de Santo Antônio e São José. Isto denota uma clara valorização imobiliária em comparação às
outras ruas da cidade.
A variedade das procissões, conforme seu propósito, é evidenciada nas publicações se
diferenciando, inicialmente, em três tipos principais: as procissões sacramentadas, a procissão
de transladação e a procissão de penitência. A primeira se refere às atividades anuais da igreja
e seus fundamentos na fé Cristã; celebrando assim a quaresma, páscoa, advento do natal, além
das festividades de cada santo de devoção (variando conforme a irmandade e a igreja erigida
em sua homenagem). Nesse contexto, a procissão do enterro do Senhor ganha destaque nos
jornais por ser um dos eventos mais marcantes das comemorações da semana santa católica,
por simbolizar o cortejo e sepultamento do Cristo; conforme destacado por ARRAIS, 2002:
363
As novas formas de congregar impostas pelo processo de urbanização vivenciado pelo
Recife no início do século XX reafirma esse fato, uma vez que o movimento de parada das ruas
e avenidas em dias de festejos desagradam a muitos.
A procissão arregimentava as pessoas, parava o trânsito. Hoje você está na rua com a
procissão e ao lado os carros passando. O carro de som cantando, fazendo a pregação,
e a buzinaria fazendo seu curso. Os motoristas ficam irritados e colocam a buzina para
cima (AGÊNCIA BRASIL, 2016, s/p).
364
Com o objetivo de sintetizar o caminho percorrido no que diz respeito às mudanças e
permanência de usos7 no decorrer dos últimos 40 anos (1980-2020), somando-se à observação
da condição atual do pátio, inicialmente pode-se dizer que dos vinte e dois imóveis analisados
68,18% apresentam mudanças em sua dinâmica de uso; enquanto 31,82%, ou sej a, 7 dos
imóveis analisados permanecem com as mesmas funções desde a década de 1980; enquanto
45,45% dos casos de imóveis que mudaram seu uso, encontram-se atualmente enquanto
imóveis sem uso ou fechados.
A permanência de imóveis com função institucional ou cultural representa 18,18% dos
usos que permanecem desde o início dos levantamentos apresentados, além deles, relevantes
27,27% remanescem com uso de comércio, serviços ou restaurantes/bares. No percentual de
novos usos, destaca-se o aumento de 9,09% de imóveis com uso de comércio/serviços e de uso
cultural/institucional respectivamente. Doravante o uso dos referidos imóveis, em suas
adjacências destaca-se também a presença do Centro Cultural Afoxé Oyá Alaxe descendente do
Terreiro de Mãe Amara, esta uma importante matriarca e sacerdotisa do culto aos Orixás de
nação Nagô Egbá.
Mediante esses dados, podemos afirmar que apesar do alto percentual de imóveis
fechados ou sem uso identificados nesse levantamento, observamos uma crescente tendência
de imóveis em novos usos comerciais/serviços, o que, por sua vez, acompanha a coerência
evidenciada na conservação/preservação da ambiência do pátio de São Pedro proporcionada
pela combinação de fatores legais, históricos e simbólicos.
As camadas de proteção legal8 no contexto da área, são de extrema importância para
a conservação urbanística-arquitetônica contribuindo para o bom/regular estado de
conservação das edificações no pátio (a ausência de imóveis em estado precário ou de ruínas).
Entretanto, observa-se a consolidada e crescente descaracterização de seu entorno,
principalmente de seus elementos arquitetônicos das fachadas, por diversas frentes, sendo as
demandas da publicidade comercial o principal fator de intervenções descaracterizadoras.
Outro ponto relevante a ser destacado consiste no alto percentual de imóveis vazios
ou subutilizados presentes no pátio de São Pedro. 12 dos 30 imóveis que contornam o local se
encontram sem uso, representando assim expressivos 40% desse total. Esse cenário
preocupante cria um ambiente propício para a deterioração física dos imóveis, resultando em
estruturas danificadas, infiltrações e desgastes ao longo do tempo. Esse aspecto contribui
significativamente no enfraquecimento da dinâmica social e cultural do pátio, uma vez que são
essas atividades que diferenciam o pátio de seu entorno; além de atrair uma crescente nos
índices de violência urbana, como agravante desse processo de degradação.
A consequência mais triste dessa negligência é o esquecimento desses imóveis e a
perda de suas histórias e significados. Essas edificações possuem um valor cultural, histórico e
arquitetônico de grande relevância, portanto representam parte da identidade do lugar e são
remanescentes de um período específico da história recifense. Contudo, o abandono os priva
de usar seu máximo potencial e com o tempo, a memória coletiva sobre esses espaços
7 Dados extraídos do levantamento realizado pela Autarquia de Urbanização do Recife (URB Recife) realizado na
década de 1980 e levantamento realizado pela Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural da prefeitura do
Recife (DPPC Recife) realizado em 2020.
8 Segundo o Art. 14 da LUOS (1996), o pátio de São Pedro se insere enquanto conjunto antigo de relevante expressão
arquitetônica, histórica, cultural e paisagística, cuja manutenção seja necessária à preservação do patrimônio
histórico-cultural do Município.
365
gradualmente desaparece. A ausência de manutenção e cuidado enfraquece o elo entre as
gerações, podendo resultar na perda de um patrimônio valioso.
A fim de evitar essa conjuntura de ruína e desmemória, é fundamental que sejam
implementadas medidas para revitalizar e reocupar esses imóveis abandonados. A reabilitação
dessas edificações pode trazer benefícios tanto para a comunidade quanto para o
desenvolvimento urbano sustentável, pois, a transformação desse espaço auxilia intimamente
na promoção da cultura local e do turismo, na geração de empregos e na preservação da
memória histórica do lugar. Além disso, incentivos governamentais, parcerias público-privadas
e a conscientização da importância do patrimônio podem desempenhar um papel vital para a
preservação desses imóveis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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366
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367
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368
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( X ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
369
RESUMO
A adoção de estratégias de mitigação de calor em ambientes urbanos contribui para a melhoria do conforto térmico
externo, além de promover a vitalidade do espaço público, a sustentabilidade das cidades e a saúde de seus habitantes.
As cidades em clima tropical serão as mais impactadas pela mudança climática, no entanto, há poucos estudos sobre
medidas aplicáveis especificamente a esse contexto. Através do mapeamento sistem ático da literatura e da revisão
sistematizada de artigos publicados em periódicos internacionais, foi avaliado o estado da pesquisa na área de
mitigação de calor nos trópicos, com o objetivo de identificar estratégias de mitigação de calor em ambientes urbanos,
visando a sua aplicação em área urbanas baseadas no conhecimento e na inovação. Apesar da grande extensão de
países localizados no cinturão tropical, os resultados apontam colaboração incipiente entre os pesquisadores da área
e a maior concentração de estudos conduzidos no Sudeste Asiático. As estratégias voltadas para a vegetação e para
modificações na geometria urbana são as que têm as melhores evidências, com grande potencial de reduzir os
impactos negativos do aumento das temperaturas. Com essa pesquisa, espera-se contribuir para preencher a lacuna
de estudos sobre mitigação de calor em cidades de clima tropical, fornecendo também subsídio para um planejamento
urbano mais consciente em relação ao conforto térmico externo dessas localidades.
SUMMARY
The adoption of heat mitigation strategies in urban environments contributes to improving external thermal comfort, in
addition to promoting the vitality of public spaces, the sustainability of cities and the health of their inhabitants. Cities in
tropical climates will be the most impacted by climate change, however, there are few studies on measures specifically
applicable to this context. Through systematic literature mapping and a systematic review of articles published in
international journals, the state of research in the area of heat mitigation in the tropics was assessed, with the aim of
identifying heat mitigation strategies in urban environments, aiming for their application. in urban areas based on
knowledge and innovation. Despite the large number of countries located in the tropical belt, the results point to incipient
collaboration between researchers in the area and the greater concentration of studies conducted in Southeast Asia.
Strategies aimed at vegetation and changes in urban geometry are those with the best evidence, with great potential to
reduce the negative impacts of rising temperatures. With this research, we hope to contribute to filling the gap in studies
on heat mitigation in cities with tropical climates, also providing support for urban planning that is more aware of the
external thermal comfort of these locations.
370
1 INTRODUÇÃO
Medidas para mitigação de calor são ações que buscam modificar o microclima urbano
por meio de alterações no ambiente físico. Elas devem ser claramente definidas e
implementadas em escala abrangente, envolvendo tanto órgãos governamentais quanto a
população em geral (ALEKSANDROWICZ et al., 2017). O aumento da temperatura média do
planeta, as ondas de calor extremo e a intensificação das ilhas de calor urbanas são fenômenos
que desafiam a manutenção das condições de conforto térmico externo. Estratégias voltadas
para a vegetação, a água, o tratamento das superfícies da cidade e considerações quanto à
geometria urbana podem ser implementadas através do desenho urbano, com grande potencial
de reduzir os impactos negativos do aumento das temperaturas.
Cidades em climas tropicais são particularmente vulneráveis às mudanças provocadas
pelo aquecimento global. Conforme as projeções para o século XXI do relatório do IPCC 2014
(PACHAURI et al., 2014), o maior aquecimento será sentido nos trópicos. Além disso, o
crescimento da população urbana nessas regiões e o aumento de cidades compactas e densas
intensificam as ilhas de calor urbanas, que estão associadas às ondas de calor e ao aumento do
consumo de energia elétrica para resfriamento (JAMEI et al., 2020). Segundo o Relatório
Mundial das Cidades de 2022 da ONU-Habitat, 56% da população mundial já vivia em cidades
em 2021 e, até 2050, essa porcentagem corresponderá a 68%. Espera-se que as cidades
localizadas em climas tropicais tenham a urbanização mais rápida até 2050 (BEDRA et al., 2023).
A Ilha de calor urbana consiste no fenômeno climático de que as cidades apresentam
temperaturas mais altas do que o seu entorno rural (OKE et al., 2017). Enquanto a ilha de calor
é quantificada a partir dessa diferença de temperatura, para determinar as condições de
conforto térmico externo é necessário levar em consideração tanto a percepção subjetiva
individual quanto as variáveis microclimáticas, como temperatura do ar, umidade relativa,
temperatura média radiante e velocidade do vento (BANERJEE et al., 2022). A combinação de
altos valores das variáveis de temperatura do ar, umidade relativa e irradiação solar levam a
condições de baixo conforto térmico externo, como constatado em muitas cidades tropicais
(BANERJEE et al., 2022).
Os baixos índices de conforto térmico externo prejudicam a vitalidade urbana ao
reduzir o nível de interação social e o uso do espaço público. Além disso, as ondas de calor têm
graves consequências na saúde pública. A agência das Nações Unidas reportou que 61 mil
pessoas morreram em decorrência do calor na Europa no verão de 2022. Haddad et al. (2020)
apontam em seu estudo conduzido em Darwin, na Austrália, que o melhor cenário de aplicação
de estratégias para mitigação de calor poderia evitar 9,66 mortes em excesso por ano, para cada
100 mil habitantes do distrito.
Apesar dos desafios impostos pelas condições climáticas e pelo crescimento urbano
nos trópicos, como apontam Kumar e Sharma (2020), a maioria dos estudos sobre conforto
térmico externo têm sido realizados em zonas de clima temperado. Através do mapeamento
sistemático da literatura e de revisão sistematizada de artigos publicados em periódicos
internacionais, foi avaliado o estado da pesquisa na área de mitigação de calor em climas
tropicais. Com essa pesquisa, espera-se contribuir para o preenchimento da lacuna de estudos
direcionados a cidades de clima tropical, fornecendo subsídio para um planejamento urbano
mais consciente em relação ao conforto urbano dessas cidades.
371
2 OBJETIVOS
Este estudo faz parte de uma pesquisa maior destinada a identificar estratégias para
o desenvolvimento urbano sustentável de territórios urbanos baseados no conhecimento e na
inovação. O seu objetivo foi identificar estratégias de mitigação de calor em cidades de clima
tropical, que pudessem ser aplicadas a esses novos empreendimentos, geralmente localizados
em franjas urbanas, e que demandam uma série de equipamentos e infraestruturas para s ua
implementação. O intuito é fornecer subsídios para um planejamento urbano mais consciente
em relação ao conforto térmico externo dessas localidades.
3 MÉTODO
372
A combinação das buscas resultou em 82 artigos não duplicados. Após a leitura dos
resumos, foram excluídos textos que tratavam de casos muito específicos, como tecnologias de
refrigeração ou metabolismo humano. Foram mantidos os textos que abordam diretamente
estratégias de mitigação de calor aplicáveis no desenho urbano ou que forneceram subsídio
essencial para a compreensão dos fenômenos relacionados ao tema. A seleção final foi de 57
artigos, que foram analisados mais profundamente.
4 RESULTADOS
373
Figura 3 – Quantidade de publicações por ano
Dos 57 artigos, 13 não localizaram seus estudos, sendo 9 deles revisões. Na figura 4 é
possível verificar a localização dos estudos conduzidos em mapa esquemático, com a zona
tropical destacada. Dos estudos aplicados a uma localidade, os quatro países com maior número
de publicações foram: Malásia (16,7%), Cingapura (15,2%), China (15,2%) e Índia (13%), que
juntos correspondem a 60,1% dessas publicações. Na figura 5 estão relacionadas as cidades e os
países dos estudos analisados, com a quantidade de vezes que determinada cidade foi estudada.
Aplicando a classificação climática de Köppen-Geiger (ARNFIELD, 2023) às cidades identificadas,
verificou-se que alguns estudos estão em zonas subtropicais, áridas, semi áridas, ou desérticas.
Ainda assim, cerca de 66% dos estudos foram conduzidos em climas Af (Clima equatorial) e Aw
(Clima de savana), considerados tropicais na classificação de Köppen.
Figura 4 – Localização dos estudos em formato de mapa, com destaque à zona tropical.
374
Figura 5 – Relação de países e cidades estudadas nos artigos selecionados.
375
Os estudos delimitaram escalas e ambientes com níveis de especificidade e
abrangência diversos, abarcando desde a escala da zona de planejamento até um ambiente de
teste controlado, como mostra a Figura 7. A maioria dos artigos conduziram análises na escala
do distrito ou bairro (18 estudos). Outros estudos trabalharam especificamente em campi
universitários (5), cânions urbanos (4), entre outros. Uma vez que o fenômeno de ilha de calor
é intensificado em cidades compactas e densas, os estudos se concentram nesse contexto.
376
Figura 9 – Análise bibliométrica das palavras-chave feita com o VOSViewer.
Foram identificados subtemas ligados aos objetivos das pesquisas, além do tema
principal de definir estratégias para mitigação de calor. Na Figura 10 é possível perceber que
muitos artigos apontaram o papel do conforto térmico urbano na saúde e na qualidade do
espaço público (12). A questão da quantificação do conforto térmico também foi recorrente,
estando presente em 9 artigos. A demanda de eletricidade, com suas implicações para a
sustentabilidade, foi um tema importante em 4 artigos. Ainda, 2 estudos definiram métodos
para identificar e quantificar ilhas de calor e áreas de estresse térmico nas quais os métodos de
mitigação de calor poderiam ser aplicados. Por fim, 1 estudo desenvolveu uma ferramenta
computacional para auxiliar na implementação das estratégias.
377
Fonte: AUTORES, 2023.
378
Figura 12 – Quantidade de artigos por categoria de estratégias.
4.2.2.1 Vegetação
379
reduzem a transferência de calor entre o ambiente e o envelope do edifício (SUNAKORN e
YIMPRAYOON, 2011).
Entretanto, fatores como a localização das árvores e as espécies escolhidas interferem
no potencial de mitigação de calor da vegetação (MORAKINYO et al., 2020). Quanto às espécies,
o tamanho da copa e propriedade ópticas de suas folhas afetam a capacidade de resfriamento
e sombreamento (LIN e TSAI, 2017). A possibilidade de queda das folhas de cada espécie
também deve ser considerada, uma vez que a redução do índice de área foliar no inverno
diminui o efeito do sombreamento das árvores (TONG et al., 2017).
Já em relação à localização, é preciso considerar a elevação no nível de umidade do ar
e a queda da velocidade do vento proporcionada pela vegetação, particularmente por maciços
vegetais, o que pode comprometer os níveis de conforto (AKTAS et al., 2020). A vegetação,
então, deve ser bem integrada com a morfologia da cidade. Alguns estudos utilizam o conceito
de Local Climate Zones (LCZs) de Stewart e Oke (2012), analisando o desempenho da vegetação
em diferentes contextos. Por exemplo, Kotharkar, Bagade e Singh (2020) concluíram que, para
os cenários analisados, a vegetação tinha melhor efeito de mitigação de calor em assentamentos
esparsamente construídos (LCZ 9) e planejados com espaços abertos (LCZ 3F).
380
As estratégias voltadas para a utilização de materiais e de corpos d’água foram as
menos estudadas. A utilização de materiais de alto albedo deve ser feita com cuidado, não sendo
recomendada em cânions urbanos para evitar efeitos de ofuscamento (NASROLLAHI et al.,
2020). Além disso, o efeito do uso desses materiais é insignificante para o resfriamento na escala
do pedestre (JAMEI et al., 2020). No entanto, o uso de telhados frios pode contribuir para
aumentar o conforto em edifícios sem ar condicionado e reduzir o consumo de energia elétrica
para os edifícios com ar condicionado (AKBARI e MATTHEWS, 2012).
Como apontam (JAMEI et al., 2020), o efeito de resfriamento de corpos d’água em
climas tropicais não é bem definido, apesar da redução da carga térmica pela transpiração e
pelo alto calor específico da água. Isso é refletido na revisão aqui conduzida, em que não houve
resultados consideráveis e conclusivos sobre esse tema.
5 CONCLUSÃO
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383
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
384
RESUMO
O artigo apresentado foi desenvolvido no projeto de pesquisa Casa Cuiabana: Arquitetura Residencial em Cuiabá
durante o Período Colonial. Visando analisar a morfologia urbana de quadras e lotes do século XVIII, relacionando-a
à tradição das cidades de origem portuguesa. Na análise da forma urbana, admitisse que a cidade resulta de múltiplas
influências, como; acontecimentos históricos, contexto socioeconômico, características geog ráficas e demográficas.
Esses elementos marcam a forma urbana, sobrepondo-se ao longo do tempo, registrando cada momento histórico.
Registros que podem ser entendidos como palimpsestos, conforme Ozo (2009, apud Costa & Netto, 2017) representa
camadas temporais sobrepostas, determinadas por mudanças econômicas e culturais, resultando em alterações no
espaço urbano, revelando diferentes fases históricas da cidade. O centro histórico de Cuiabá inicia seu período de
formação no século XVIII, passando por mudanças em seu espaço urbano. Segundo Rossi (1995) o traçado seria um
dos fatos urbanos mais resistentes às transformações, constituindo muitas vezes em permanências de períodos
históricos anteriores. Desta forma, esta pesquisa visou identificar as características dos quarteirões e lotes coloniais,
sintetizando tipologias que pudessem ser associadas às características da tradição urbanística portuguesa e evolução
urbana do território. Baseando-se na análise da planta de Cuiabá de 1786, e estudos de Teixeira (2012) sobre a
formação do lote urbano na cidade de tradição portuguesa, identificou-se cinco tipologias de quarteirões. Cada um
desses tipos apresenta características específicas, compondo o tecido urbano da Cuiabá setecentista.
SUMMARY
The article presented was developed in the research project Casa Cuiabana: Residential Architecture in Cuiabá during
the Colonial Period. Aiming to analyze the urban morphology of blocks and lots from the 18th century, relating it to
the tradition of cities of Portuguese origin. In the analysis of urban form , it was assumed that the city is the result of
multiple influences, such as; historical events, socioeconomic context, geographic and demographic characteristics.
These elements mark the urban form, overlapping over time, recording each historical moment. Records that can be
understood as palimpsests, according to Ozo (2009, apud Costa & Netto, 2017) represent overlapping temporal layers,
determined by economic and cultural changes, resulting in changes in urban space, revealing different historical
phases of the city. The historic center of Cuiabá began its formative period in the 18th century, undergoing changes in
its urban space. According to Rossi (1995), the route would be one of the urban facts most resistant to transformations,
often constituting remains from previous historical periods. In this way, this research aimed to identify the
characteristics of colonial blocks and lots, synthesizing typologies that could be associated with the characteristics of
the Portuguese urban planning tradition and the urban evolution of the territory. Based on the analysis of the Cuiabá
plan from 1786, and studies by Teixeira (2012) on the formation of urban lots in the city with Portuguese tradition,
five block typologies were identified. Each of these types has specific characteristics, making up the urban fabric of
eighteenth-century Cuiabá.
385
1 INTRODUÇÃO
A formação da cidade de Cuiabá é resultado da exploração promovida pelas monções
que partiam da capitania de São Paulo para a captura de povos indígenas, no entanto, com a
descoberta do ouro, a região ocupada veio a consolidar-se no território, obtendo o título de
arraial em abril de 1719, ocasionando um aumento populacional. Registrando em 1727, segundo
Conte & Freire (2005) uma população total de aproximadamente 3000 mil habitantes. Neste
contexto, houve uma consolidação da região explorada como território urbano, resultadode um
conjunto de influencias, como, acontecimentos históricos, contexto socioeconômico,
características geográficas e demográficas, responsável por moldar a Cuiabá do século XVIII.
Esse conjunto de influencias marcam a forma urbana, sobrepondo-se ao longo do
tempo, registrando cada momento histórico. Registros que podem ser entendidos como
palimpsestos, conforme Costa e Netto (2017) representando camadas temporais sobrepostas,
determinadas por mudanças econômicas e culturais, resultando em alterações no espaço
urbano, revelando diferentes fases históricas da cidade.
O centro histórico de Cuiabá inicia seu período de formação no século XVIII, passando
por mudanças em seu espaço urbano. Segundo Rossi (1995) o traçado seria um dos fatos
urbanos mais resistentes às transformações, constituindo muitas vezes em permanências de
períodos históricos anteriores. Desta forma, essa pesquisa visou identificar as características dos
quarteirões e lotes coloniais, sintetizando tipologias que pudessem ser associadas às
características da tradição urbanística portuguesa e evolução urbana do território.
Para alcançar esses objetivos, foram realizadas análises cartográficas e estudos da
tradição urbana das cidades de origem portuguesa, pois segundo Costa e Netto (2017) a
identificação das modificações no parcelamento do solo, especialmente em relação às divisões
de lotes e quarteirões, permite compreender a evolução urbana de uma cidade.
Para que este estudo pudesse ser elaborado, utilizou-se como material de apoio a
classificações das quadras e lotes, apresentadas no livro A Forma Da Cidade De Origem
Portuguesa de Manuel C. Teixeira (2012), onde o mesmo descreve três principais estruturas de
quarteirões comuns em cidades de influência portuguesa. Adotando como metodologia de
pesquisa, os estudos morfológicos da Escola Inglesa de Morfologia Urbana apresentada em
fundamentos da Morfologia Urbana de Costa e Netto (2017), no que se refere a transformação
temporal da Cuiabá setecentista no período colonial, podendo ser classificada em três períodos,
sendo esses, a morfogêneses, a criação da Vila e a consolidação da Vila, apoiando-se em três
pilares metodológicos: marco histórico, inovação e forma urbana.
Este estudo se faz relevante, pois apesar de existir um vasto campo de pesquisas sobre
o período colonial de Cuiabá, ainda são insipientes as pesquisas sobre a morfologia urbana do
período, em especial os estudos sobre a formação e evolução morfológica das quadras, lotes
urbanos e os estudos sobre uso e ocupação do solo no período colonial.
Por fim, esta pesquisa contribui para a preservação e valorização do patrimônio cultural
arquitetônico da cidade de Cuiabá, que sofre com o desgaste natural e a negligência por parte
da sociedade. Deste modo, a pesquisa investe na valorização e no respeito ao valor cultural
atribuído às cidades históricas, com foco na coleta e análise de dados sobre a morfologia urbana
colonial de Cuiabá no século XVIII e início do XIX.
386
2 MORFOLOGIA URBANA
387
Tabela 1 – Levantamento de eventos históricos que podem ter influenciado na morfologia urbana de Cuiabá
Século 17 1719 8 de abril: Certidão do descobrimento de ouro, lavrada no São Gonçalo Velho. Data usada
oficialmente para a comemoração da fundação de Cuiabá.
Século 18 1722 Outubro: Descoberta das Lavras do Sutil, próximas à atual Igreja do Rosário e São
Benedito. Origem da cidade de Cuiabá.
Século 18 1727 1° de janeiro: Elevação do Arraial do Cuiabá à categoria de Vila pelo Capitão-general da
Capitania de São Paulo, Rodrigo Cesar de Menezes.
Século 18 1751 Chegada a Cuiabá do 1° Capitão-general Antônio Rolim de Moura. Deslocou-se para o Vale
do Guaporé, onde fundou Vila Bela da Santíssima Trindade em 19 de março de 1752.
Século 18 1790 Passagem por Cuiabá da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira. O desenhista
da expedição deixa uma magnífica vista da cidade.
388
3 MORFOGÊNESE DE CUIABÁ (1719 – 1726)
O primeiro período morfológico é identificado a partir da fundação do Arraial de Cuiabá
em 8 de abril, com o descobrimento do ouro no São Gonçalo Velho. Resultando na rápida
ocupação do território explorado. As lavras do Sutil, localizadas próximas a Igrej a do Rosário e
São Benedito foram descobertas em outubro de 1722, ponto esse que originou o arraial colonial.
O plano urbano do Arraial de Cuiabá revela a influência do ambiente natural em sua
estrutura urbana. Desde os primeiros registros de ocupação, o relevo e a hidrografia
desempenharam um papel crucial na configuração dos assentamentos, influenciando os locais
de construção.
Inicialmente, as áreas adjacentes ao Córrego da Prainha foram selecionadas, e
posteriormente os assentamentos se expandiram para as regiões mais elevadas. Esse processo
resultou em uma paisagem que é definida tanto pelo fluxo de água quanto pela topografia do
terreno.
O desenvolvimento da cidade de Cuiabá segue um eixo central, o córrego da Prainha,
onde ocorreram as primeiras ocupações, incluindo construções notáveis, como igrejas e
residência, as residências foram erguidas lado a lado ao longo das ruas, as igrejas foram
estrategicamente posicionadas em pontos elevados do terreno, ressaltando a importância dessa
instituição, segundo Galdino et al, (2022).
As relações de poder e a ordem hierárquica da sociedade colonial estavam impressas na
morfologia urbana de Cuiabá. As três igrejas do período colonial estavam localizadas nos pontos
mais altos do sítio, enquanto a mineração era realizada na parte mais baixa, no Córrego da
Prainha, para onde eram voltados os fundos dos lotes e as atividades periurbanas, como roças
e criação de animais conforme indicado por Galdino et al, (2022).
Tanto as igrejas quanto as residências desempenharam um papel significativo no
crescimento do tecido urbano da cidade, com as igrejas servindo como núcleo das primeiras
ocupações em seu entorno, e as residências impulsionando o desenvolvimento em direção à sua
localização, conforme foi possível observar nos mapas de Cuiabá encontrados em Imagens de
Vilas e Cidade do Brasil Colonial de Reis (2001).
Segundo Vasconcellos (1968), não existiam estruturas de classes sociais distintas, e a
comunidade se congregava ao redor de suas capelas temporárias, construídas por uma única
irmandade, cujos os espaços livres e vias seriam os precursores da malha urbana. Todas essas
estruturas eram erguidas com recursos locais, incluindo barro, madeira e pedra.
A influência mais marcante na configuração urbana foi a tradição urbana portuguesa.
De acordo com Teixeira (2012), essa tradição não buscava replicar um modelo de cidade rígido
e inflexível ao contrário, desenvolvia uma relação orgânica com o espaço, levando em conta suas
características físicas, reconhecimento das áreas adequadas para diferentes usos,
oportunidades econômicas, bem como a seleção das regiões apropriadas para habitação
humana e o estabelecimento de núcleos de povoamento.
Nos estudos de Teixeira (2012) sobre a configuração das cidades de origem portuguesa,
foi notado que uma das características essenciais dessas cidades é a sua concepção intrínseca e
integrada com o ambiente circundante. Mesmo em contextos sociais e geográficos diversos, é
possível identificar uma ligação contínua, uma sensação de familiaridade e uma noção de
durabilidade que unem essas cidades.
389
4 CRIAÇÃO DA VILA DO CUYABÁ (1727 – 1761)
A evolução da paisagem urbana durante o segundo período morfológico da época
colonial foi influenciada pela presença do córrego da Prainha. A cidade se formou a partir de
uma paisagem fluvial e manteve uma forte ligação morfológica com essa característica, desta
forma, o tecido urbano se desenvolveu ao longo de três eixos paralelos ao curso d'água,
conhecidos como Rua de Baixo, Rua do Meio e Rua de Cima, como detalhado por Galdino et al.
(2022). Essa configuração urbana continuou a desempenhar um papel central na formação e
orientação da região ao longo dos períodos subsequentes, sendo definida na morfogênese de
Cuiabá.
O Arraial experimentou um rápido crescimento devido à presença de pedras preciosas
na região. Entretanto, a demanda por organização e a imposição de taxas sobre os recursos
minerais levaram à chegada de Rodrigo César de Menezes, o Capitão-general da Capitania de
São Paulo à qual o povoado estava subordinado, segundo Conte & Freire (2005).
A chegada do Capitão-general provocou uma fuga em massa de garimpeiros em busca
de evitar o pagamento de impostos, resultando na formação de novos assentamentos, como
por exemplo a Vila Bela da Santíssima Trindade, de acordo com Conte & Freire (2005).
Após a chegada de Rodrigo César de Menezes, o arraial foi elevado à categoria de Vila
em 1° de janeiro de 1727, e somente 3 anos após, a fase áurea da exploração do ouro havia
diminuído, mesmo desempenhando ainda um papel significativo na economia local.
Surge no ano de 1748 a Capitania de Mato Grosso, que se encontra sendo separada da
Capitania de São Paulo, devido a expansão territorial. O Capitão-general Antonio Rolim de
Moura, designado para a região escolheu para representar a capitania de Mato Grosso, Vila Bela
da Santíssima Trindade em março de 1752, ocasionando a transferência de todo o aparato
administrativo para Vila Bela, que ocorreu em 1761, segundo Conte & Freire (2005).
390
A configuração urbana desse período se destaca pela concentração predominante do
povoado nas proximidades do córrego da Prainha. De acordo com Galdino e et al (2022), a
estrutura urbana de Cuiabá refletia as relações de poder e a hierarquia social presentes na
sociedade colonial.
A disposição dos quarteirões na região histórica de Cuiabá neste período morfológico se
encaixa na primeira categorização elaborada por Manuel C. Teixeira (2012) para a configuração
urbana originária de colônias portuguesas. Isso é detalhado em seu livro "A Forma Da Cidade De
Origem Portuguesa", onde ele descreve o primeiro tipo de estrutura de quarteirões comuns
encontrados em cidades de influência portuguesa. Segundo essa classificação, o primeiro de
organização de quadras e lotes é um tipo característico de cidades medievais planejadas nos
séculos XIII e XIV, cujo os quarteirões são estreitos e longos, com lotes urbanos dispostos
paralelamente uns aos outros. Há uma hierarquia de ruas, com a rua principal sendo chamada
de "rua de cima" e as ruas "ruas de baixo" são consideradas as ruas de serviço, onde se
encontram os fundos dos lotes.
A despeito da tradição urbana portuguesa, que se caracterizava pela absorção de
influências de diferentes culturas e pela estreita ligação com o ambiente em que estava inserida,
conforme observado por Teixeira (2012), a Vila de Cuiabá adotava o Código de Posturas da
Câmara Municipal de Mato-Grosso que desempenhava um papel crucial na orientação do
desenvolvimento da cidade, na sua configuração urbana e na definição do comportamento dos
cidadãos na sociedade.
De acordo com este código, os terrenos destinados à construção precisavam ser
solicitados à Câmara Municipal, que avaliaria e concederia o terreno se estivesse dentro das
áreas não reservadas para praças, cemitérios, pontes e fontes, e se o solicitante atendesse aos
requisitos necessários. Aqueles que obtivessem permissão, deveriam pagar à Câmara Municipal
uma taxa anual de um mil réis por metro de fachada, tanto para concessões urbanas quanto
rústicas. Além disso, os concessionários de lotes urbanos tinham de construir suas casas
alinhadas com a rua dentro de dezoito meses, sob pena de perderem o direito à concessão.
O Código de Posturas também proibia expressamente várias práticas, como a
construção ou reconstrução de prédios fora do alinhamento das ruas, praças e travessas.
Qualquer construção, reconstrução, reparo ou alteração nas frentes ou laterais dos prédios
durante deveria ser realizada com supervisão de segurança. Os infratores enfrentariam multas
de 20 mil réis ou até oito dias de prisão, além de serem obrigados a demolir a obra, se necessário.
Adicionalmente, as casas ou sobrados construídos nos ângulos das praças e ruas deveriam ter
frentes voltadas para ambos os lados, de acordo com as regulamentações estabelecidas pelo
código.
391
Conforme ilustrado pelos estudos de Costa e Netto (2017), esse período evolutivo está
profundamente enraizado em elementos econômicos, sociais, políticos e cultu rais que
impulsionam inovações e transformações na organização das cidades. Portanto, é possível
perceber que a consolidação da Vila de Cuyabá é um processo que se desdobra de maneira
incremental, refletindo as influências variadas que moldam sua estrutura ao longo do tempo.
Seguindo as considerações de Conte e Freire (2005), a transferência completa do
aparato administrativo para Vila Bela representou um marco significativo na história da região,
enquanto Cuiabá continuou a desempenhar um papel crucial como um ponto de conexão vital
com o sul da colônia. No entanto, o autor apresenta que devido a insalubridade presente na
região de Vila Bela, no final do século XVIII os Capitães Generais optaram por reduzir sua
permanência naquela localidade, gradualmente transferindo as estruturas administrativas de
volta para Cuiabá. Esse processo de realocação alcançou seu ápice em 1821.
Simultaneamente, uma série de melhorias urbanas está sendo implementada, como
resultado do desenvolvimento conforme o tempo avança. Essas melhorias estão diretamente
relacionadas à implementação de políticas públicas destinadas a aprimorar a infraestrutura
urbana. De acordo com as análises do renomado historiador Carlos Rosa (1996, p.314), durante
o período de urbanização e europeização promovido pela política pombalina (1750 – 1777),
Cuiabá testemunhou um extenso processo de desapropriação de áreas de uso comum, como
praças e espaços públicos, para dar lugar à criação e realinhamento de novas ruas.
Nesse contexto, segundo Galdino et al. (2022) notáveis transformações ocorreram na
cidade, incluindo a criação da "Rua Nova do Meio", a Praça Real, situada ao lado da Igreja Matriz,
e a ampliação do largo em frente à Igreja de Nosso Senhor dos Passos, a retificação de vias. Esse
processo de intervenção urbanística representou um marco importante na história da cidade,
moldando sua forma e influenciando na paisagem urbana.
Já no ano de 1808, a Corte Portuguesa foi confrontada com uma decisão crucial diante
da ameaça iminente da invasão napoleônica em Portugal. Essa virada significativa na trajetória
histórica do Brasil desencadeou uma série de impactos profundos e transformadores.
Assim que chegaram, antes mesmo de se estabelecerem definitivamente na capital, Rio
de Janeiro, Dom João VI tomou uma decisão de grande relevância ao abrir os portos brasile iros
392
para nações consideradas amigas. Esse ato emblemático marcou o fim do sistema de monopólio
colonial que vigorava até então, desencadeando uma série de mudanças significativas no
cenário econômico e político da época.
Conforme observado por Fausto (2010), essa abertura dos portos permitiu que
indústrias estrangeiras e seus produtos conquistassem acesso ao mercado brasileiro,
estabelecendo um novo panorama comercial e industrial para o país. Deste modo, todo o
contexto de colônia no Brasil foi alterado.
A mudança das estruturas administrativas de volta para Cuiabá, resultado da falta de
interesse dos os Capitães Generais de permanecer em Vila Bela foi formalmente realizada em
1835, quando Cuiabá já se tornara a capital da Província do Império. Durante esse período,
Cuiabá foi elevada à categoria de cidade em 1818, como documentado por Conte & Freire
(2005).
A transformação na estrutura urbana desse período é notável principalmente pela
retificação de algumas vias e pela consolidação da área ocupada pelos principais eixos de Cuiabá
durante o período colonial, nomeadamente a Rua de Baixo, Rua do Meio e Rua de Cima. O
crescimento da cidade foi caracterizado por um desenvolvimento lento e gradual, com sua
expansão principal direcionando-se em direção ao Distrito 1 de Cuiabá, também conhecido
como a região do porto.
O término do terceiro período morfológico marcou o fim do período colonial brasileiro
e o início da era imperial. Apesar dessa divisão temporal, Cuiabá continuou a se consolidar,
marcando sua presença na história do Brasil.
393
Figura 4: Primeiro tipo de estruturas de quadras e lotes.
394
quarteirões, oferece uma valiosa compreensão da evolução urbana de uma cidade. Essas
análises contribuem para identificar padrões recorrentes na configuração urbana ao longo do
tempo.
Visando conduzir uma análise mais detalhada dos elementos do plano urbano que
mantêm resistência notável às transformações, será elaborado um estudo dedicado aos lotes e
quarteirões do centro histórico de Cuiabá durante o período colonial. Este estudo permitirá a
categorização desses elementos de acordo com suas características distintivas, possibilitando
uma compreensão mais profunda da evolução urbana da região.
395
Uma característica notável desses quarteirões é a conexão com o córrego, que gerava,
em consequência disso, lotes com tamanho e forma irregulares, uma vez que cada lote avançava
até onde o córrego permitia. Área total do tecido urbano ocupada por essa tipologia de 9,03%.
Os quarteirões e lotes classificados na tipologia 2 estão situados entre as Ruas de Baixo
e de Cima, ruas originalmente constituídas por frentes de lote. Os fundos de lote voltam-se para
a Rua do Meio, que era originalmente formada por testadas muradas, assim como nos fundos
de lote voltados para as minas localizadas no Córrego da Prainha.
Como na tipologia 1, os quarteirões da tipologia 2 são formados por vias que seguem o
desenho das curvas de nível, com lotes posicionados perpendicularmente às vias. Os quarteirões
dessa tipologia são longos em comprimento e estreitos em largura, com uma área média de
430m². Os lotes são dispostos paralelamente. Alguns lotes que originalmente iam de um lado a
outro do quarteirão, (conforme mapas de períodos anteriores - 1777), foram subdivididos em
dois lotes, passando a ter frente de ambos os lados do quarteirão, mudando a forma de uso da
Rua do Meio, que passa a ter edificações voltadas para ela e não apenas quintais.
O padrão de ocupação do lote em Cuiabá no século XVIII, segue a tipologia das cidades
coloniais portuguesas, com a edificação ocupando a testada do lote, embora existam alguns
recuos laterais, nos lotes localizados nas bordas do tecido urbano do período. Na tipologia 2, há
11% do tecido urbano sendo ocupado.
A tipologia 3 destaca-se por um traçado mais ortogonal em relação às outras tipologias,
possuindo lotes com área média de 790 m². Como nas tipologias 1 e 2, os lotes são estreitos e
compridos, sendo possível encontrar tanto quarteirões com lotes que atravessam de um lado a
outro a extensão do quarteirão, quanto lotes que fazem fundo com outro lote e possuem apenas
uma face voltada para a rua. A área total do tecido urbano ocupada por essa tipologia
corresponde a 13,85%.
A tipologia 4 possui lotes estreitos e longos, com grandes quintais. O tamanho médio do
lote corresponde a 1.350m², possuindo dimensões muito variáveis. Os lotes são dispos tos
perpendicularmente as vias, indo de um lado a outro do quarteirão. Em alguns casos, ocorrem
quarteirões segmentados, resultando em duas fileiras de lotes. As edificações são implantadas
apenas na frente dos lotes (Rua de Cima). Na parte posterior do quarteirão ocorre uma variação
no tamanho e no alinhamento dos lotes, de modo a não formar, uma via e sim áreas livres,
configurando a parte periférica do tecido urbano. A área total ocupada por essa tipologia é
18,74%.
A tipologia 5 caracteriza-se pelos maiores lotes, com características periurbanas, com
vias descontínuas ou ausência de vias. Nesse padrão urbano, existem 45 lotes, cujo tamanho
médio é 4100m². Esses lotes se assemelham a chácaras e possuem formatos irregulares quando
estão situados em topografias mais acidentadas. A área total do tecido urbano ocupada por essa
tipologia é de 47,38%.
Como nas demais tipologias, as construções são implantadas na parte frontal dos lotes,
porém essas edificações não ocupam todo o limite da testada do lote, deixando grandes áreas
livres, diluindo a percepção dos limites entre área pública e privada, entre logradouro e lote. A
ocupação do solo é menor nessa tipologia, compondo uma área de transição entre a área
urbanizada e a natureza circundante.
396
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo se concentrou na análise da morfologia urbana de Cuiabá ao longo de três
períodos morfológicos distintos, que abrangem os séculos XVII, XVIII e XIX. Através da
abordagem dos conceitos de forma, função e desenvolvimento (história) da morfologia urbana,
sendo possível compreender a evolução da cidade ao longo do tempo.
A morfologia urbana de Cuiabá ao longo desses três períodos morfológicos reflete a
influência do ambiente natural, a tradição urbana portuguesa e os períodos históricos e
evolutivos, evidenciando como esses alteraram a forma urbana. A análise desses períodos
morfológicos nos permite compreender a trajetória de desenvolvimento da cidade ao longo dos
séculos e apreciar a importância de fatores como geografia, economia e cultura na configuração
urbana de Cuiabá.
Esse estudo também realizou uma análise minuciosa da forma urbana das quadras e
lotes coloniais em Cuiabá durante o século XVIII, abordando as influências da tradição
urbanística portuguesa e a evolução ao longo dos diferentes períodos morfológicos do território
urbano, partindo da análise de um mapa datado de 1786, possibilitando identificar cinco
tipologias distintas que compuseram a estrutura urbana da cidade nesse período.
Essas tipologias não apenas destacam a influência da tradição urbanística portuguesa
na cidade de Cuiabá, mas também revelam como as variedade e particularidade presentes na
malha urbana da Cuiabá colonial.
Autores como Costa e Netto (2017) e Teixeira (2012) forneceram importantes
contribuições teóricas e metodológicas para a compreensão da morfologia urbana em Cuiabá.
Suas abordagens e conceitos foram fundamentais para identificar os tipos existentes no tecido
urbano no século XVIII, relacionar as características geográficas e históricas com a organização
das quadras e lotes, e compreender as influências sociais na configuração urbana.
A investigação a respeito da morfologia urbana de Cuiabá baseadas na analises de
quadras e lotes continua em desenvolvimento e visa, nas próximas etapas, compreender a
evolução do quarteirão e do lote, acrescentando investigações mais profundas acerca dos
códigos de postura e os usos do solo dos séculos XVIII e XIX, para que novos entendimentos das
funções e significados deste tecido urbano possam ser revelados. Apesar de existir um vasto
campo de pesquisas sobre o período colonial de Cuiabá, ainda são insipientes as pesquisas sobre
a morfologia urbana do período, em especial os estudos sobre a formação e evolução
morfológica das quadras, lotes urbanos e os estudos sobre uso e ocupação do solo no período
colonial.
Por fim, esta pesquisa contribui para a preservação e valorização do patrimônio cultural
arquitetônico da cidade de Cuiabá, que sofre com o desgaste natural e a negligência por parte
da sociedade. Deste modo, a pesquisa investe na valorização e no respeito ao valor cultural
atribuído às cidades históricas, com foco na coleta e análise de dados sobre a morfologia urbana
colonial de Cuiabá no século XVIII e início do XIX.
397
REFERÊNCIAS
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de Postura de 1832. Revista Espacialidades, [S.l.], v. 4, n. 3, p. 1-17, 31 ago. 2011. Disponível em: <
http://memoria.bn.br/DOCREADER/DocReader.aspx?bib=234869&pagfis=97 > . Acesso em: [03/09/2023].
CONTE, Claudio; FREIRE, Marcus. Centro Histórico de Cuiabá: Patrimônio do Brasil. [S. l.: s. n.], 2005.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. 13. ed. 2. reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2010.
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GIMMLER & NETTO, Maria Manoela; COSTA, Stael de Alvarenga Pereira. Fundamentos de Morfologia Urbana. 1. ed.
Editora C/Arte, 2017.
PEREIRA COSTA, Staël de Alvarenga Pereira; MACEDO, Silvio Soares; UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Transformações,
conflitos, perdas e permanências na paisagem sul-metropolitana de Belo Horizonte. 2004. Tese (doutorado) -
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REIS FILHO, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil Colonial. São Paulo: EDUSP/IMESP/FAPESP, 2001.
Rosa, Carlos Alberto. A Vila Real do Senhor Bom Jesus do Cuiabá: vida urbana em Mato Grosso no século XVIII (1722-
1808). São Paulo: Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. 1996.
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SALGADO, Marina. Ouro Preto: paisagem em transformação. 2010. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) -
Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Arquitetura, Ouro Preto, 2010. Orientadora: Stael de Alvarenga
Pereira Costa.
TEIXEIRA, Manuel C. A Forma da Cidade de Origem Portuguesa. São Paulo: Editora Unesp: Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2012.
398
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
(x) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
399
RESUMO
Este estudo se concentra em aprofundar a compreensão da segurança hídrica como um direito humano essencial,
analisando os desafios globais e nacionais ligados ao acesso à água potável e saneamento. Através de uma abordagem
teórica e analítica, explora marcos internacionais e nacionais relacionados à segurança hídrica, incluindo fatores
geopolíticos e o impacto das mudanças climáticas na disponibilidade de água. Sua originalidade e relevância residem
em preencher uma lacuna teórica ao conectar segurança hídrica e direitos humanos, especialmente diante das
crescentes pressões demográficas e ambientais. Ao identificar desafios como escassez hídrica, mudanças climáticas,
desigualdades e poluição, destaca a importância de estratégias adaptativas e colaborativas para enfrentar essas
questões. Contribuindo tanto teórica quanto metodologicamente, enriquece a compreensão ao vincular segurança
hídrica e direitos humanos, sublinhando a relevância da gestão sustentável e políticas coordenadas. Por meio de uma
abordagem analítica, ilustra a complexa interação entre fatores políticos, ambientais e sociais. As implicações sociais
e ambientais são significativas, pois enfatiza a necessidade de ações concretas e políticas coordenadas para garantir
um acesso equitativo à água e saneamento, promovendo dignidade humana e bem -estar. Além disso, contribui para
a preservação dos recursos hídricos, enfrentando diretamente os desafios globais da sustentabilidade. Este estudo
oferece insights valiosos sobre a interseção entre segurança hídrica, direitos humanos e desafios ambientais,
ressaltando a importância de abordagens colaborativas e políticas sustentáveis. Essas abordagens são vitais para
garantir um futuro em que o acesso universal à água limpa e segura esteja assegurado, promovendo o bem -estar e a
sobrevivência de toda a humanidade.
SUMMARY
This study focuses on deepening the understanding of water security as an essential human right, analyzing global
and national challenges related to access to clean water and sanitation. Through a theoretical and analytical
approach, it explores international and national frameworks related to water security, including geopolitical factors
and the impact of climate change on water availability. Its originality and relevance lie in addressing a theoretical gap
by linking water security and human rights, especially in the face of growing demographic and environmental
pressures. By identifying challenges such as water scarcity, climate change, inequalities, and pollution, it underscores
the importance of adaptive and collaborative strategies to address these issues. Contributing both theoretically and
methodologically, it enhances understanding by intertwining water security and human rights, emphasizing the
significance of sustainable management and coordinated policies. Through an analytical approach, it illustrates the
complex interaction among political, environmental, and social factors. The social and environmental implications are
substantial, as it highlights the need for concrete actions and coordinated policies to ensure equitable access to water
and sanitation, promoting human dignity and well-being. Furthermore, it contributes to the preservation of water
resources, directly addressing the global sustainability challenges. In conclusion, this study provides valuable insights
into the intersection of water security, human rights, and environmental challenges, underscoring the importance of
collaborative and sustainable approaches. These approaches are essential to ensure a future where universal access
to clean and safe water is secured, promoting well-being and the survival of all humanity.
400
1 INTRODUÇÃO
401
responsabilidade de garantir o pleno exercício do direito à água como um direito humano
inalienável.
No terceiro tópico, "Marcos Internacionais Relacionados à Segurança Hídrica como um
Direito Humano Fundamental", exploramos as resoluções e tratados da ONU que reforçam a
importância de proteger a água como um direito humano básico. Esses marcos estabelecem a
necessidade de ações concretas por parte dos países para promover a segurança hídrica e
garantir o acesso universal à água potável.
O quarto tópico, "Legislação Brasileira e o Direito Humano", aborda os desafios
específicos enfrentados pelo Brasil na busca pela segurança hídrica e pelo acesso adequado à
água. As legislações nacionais, e o desdobramento do então Marco do Saneamento. A
distribuição desigual dos recursos hídricos no país e a contaminação decorrente de atividades
industriais e agrícolas são questões que exigem ação imediata para promover a sustentabilidade
e a gestão responsável dos recursos hídricos.
Este artigo se justifica pela relevância do tema da crise hídrica, que afeta diretamente
a disponibilidade e o acesso à água, um recurso vital para a vida humana. Ao abordar a água
como um direito humano, buscamos mecanismos para atender às demandas da sociedade,
garantindo um abastecimento adequado e sustentável. A compreensão da segurança hídrica é
essencial para buscar soluções e políticas que promovam a preservação dos recursos hídricos e
assegurem o acesso universal à água potável, priorizando a saúde e o bem-estar de toda a
população.
Nesse contexto de estudo, o conceito de segurança hídrica deve ser abordado de
maneira detalhada, especialmente pelo sistema social do Direito. O objetivo é buscar
mecanismos para melhor encaminhar as demandas relacionadas à água e garantir o
abastecimento adequado para a sociedade. Dessa forma, é possível buscar soluções e políticas
que promovam a sustentabilidade e a gestão responsável dos recursos hídricos, assegurando o
acesso universal à água potável e a preservação dos ecossistemas aquáticos.
Através de um enfoque interdisciplinar e uma abordagem colaborativa, poderemos
efetivamente enfrentar os desafios da segurança hídrica, proporcionando um futuro mais
resiliente e equitativo, no qual a água seja verdadeiramente reconhecida como um bem comum,
essencial para a vida e para a preservação dos ecossistemas.
2 MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo tem como objetivo abordar a questão da segurança hídrica como um
direito humano fundamental, examinando os desafios tanto em escala global quanto nacional
para garantir o acesso adequado à água. Para a elaboração deste trabalho, foram empregadas
legislações vigentes relacionadas ao tema, além de livros e estudos de autores especializados na
área, por meio de uma revisão criteriosa da literatura.
Coleta de Dados - A coleta de dados para a presente pesquisa foi realizada em duas
etapas principais: a identificação de legislações e documentos relevantes relacionados à
segurança hídrica e ao direito humano à água e a seleção de estudos e livros de autores que
abordam a temática de interesse.
Na primeira etapa, foram consultadas fontes oficiais, como leis, tratados e políticas de
organismos internacionais e governos nacionais, com enfoque especial em documentos que
reconhecem o acesso à água como um direito humano fundamental. Essa abordagem permitiu
402
uma compreensão detalhada das normas legais que regem a segurança hídrica em diferentes
contextos, bem como as obrigações e responsabilidades dos Estados em garantir esse direito.
Revisão da Literatura - A revisão da literatura consistiu em uma pesquisa abrangente
de artigos acadêmicos, livros e relatórios de organizações relevantes que tratam da segurança
hídrica e do direito humano à água. As bases de dados acadêmicas e fontes confiáveis foram
utilizadas para garantir a qualidade e atualidade das informações cole tadas.
Foram considerados estudos que apresentaram dados estatísticos sobre o acesso à
água potável em diferentes regiões do mundo, bem como aqueles que discutiram os desafios
enfrentados na implementação de políticas e programas para garantir a segurança hídrica. Além
disso, foram consultadas publicações que abordam as questões sociais, econômicas e
ambientais associadas ao tema, proporcionando uma visão abrangente dos aspectos
relacionados à água como um direito humano.
Considerações Éticas - Neste trabalho, foram respeitados os princípios éticos da
pesquisa científica, garantindo a devida atribuição de fontes e citações adequadas para todos os
materiais consultados. Além disso, todas as informações pessoais e sensíveis foram tratadas
com confidencialidade e anonimato, visando à integridade dos dados e à proteção dos sujeitos
envolvidos nas pesquisas referenciadas.
Limitações - Cabe mencionar que este estudo pode apresentar algumas limitações
inerentes à disponibilidade de dados e à extensão da literatura revisada. Ainda que todos os
esforços tenham sido empreendidos para abranger uma gama ampla de fontes, é possível que
existam estudos e informações relevantes não incluídos nesta revisão.
Conclusão - A abordagem metodológica adotada neste estudo, com base na análise de
legislações vigentes, revisão da literatura e considerações éticas, proporcionou uma visão
abrangente e fundamentada dos desafios globais e nacionais para garantir a segurança hídrica
como um direito humano fundamental. Os resultados obtidos são fundamentais para uma
compreensão mais profunda da questão e podem servir como base para a formulação de
políticas públicas efetivas e ações concretas em prol do acesso adequado à água em todo o
mundo.
403
Apesar de o estresse hídrico ser uma realidade preocupante e crescente, tem-se
observado um significativo aumento na demanda por água. Conforme relatório da ONU em
2020, o uso de água aumentou seis vezes nos últimos cem anos e continua crescendo a uma
taxa anual de 1%. Nesse cenário, a agricultura se destaca como o setor que mais demanda e
explora a água de forma irracional. Dados citados pela ONU (2020) indicam que em 2010, esse
setor utilizou 64,7% da água disponível. Em contrapartida, o setor municipal, responsável pelo
abastecimento humano, representou 9,0% da demanda; a indústria, 18,0%; e a perda de água
por evaporação de reservatórios, 8,4%.
O Brasil enfrenta um cenário delicado em relação aos recursos hídricos, apesar de
possuir uma das maiores abundâncias de água superficial do mundo. A distribuição hídrica é
notavelmente desigual entre as diferentes regiões do país. Adicionalmente, uma ques tão
preocupante é que a maior parte da população brasileira está concentrada nas áreas onde a
oferta de água é mais escassa e sujeita a variações sazonais. Apesar de o estresse hídrico no país
ser considerado baixo em relação à média global de 2015 (12,8%), existem regiões críticas, como
as Regiões Hidrográficas do Atlântico Nordeste Oriental, onde o Semiárido brasileiro está
inserido, e do Atlântico Sul, que enfrentam desafios significativos devido à exploração intensa
das águas por grandes projetos de irrigação (ANA, 2019).
De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)
referentes a 2019, aproximadamente 92,2% da população brasileira tinha acesso a uma fonte
satisfatória de abastecimento de água, que inclui a rede pública de distribuição e poços
profundos ou artesianos. A cobertura varia entre as regiões, sendo a região Norte a de menor
cobertura, com 79,4%, e a região Sudeste a de maior cobertura, com 96,0%.
No mesmo ano, cerca de 16.419.000 habitantes não tinham acesso a formas seguras
de suprimento de água, dependendo de fontes como poços freáticos, cacimbas, fontes ou
nascentes. Desse total, aproximadamente 40,6% viviam na região Nordeste. Entre a população
com acesso à rede pública de distribuição de água (que corresponde a cerca de 84,7% do total),
aproximadamente 88% tinham fornecimento diário, ou seja, cerca de 21,4 milhões de
habitantes recebiam água de forma intermitente (IBGE, 2020).
Esses dados mostram a relevância de continuar aprimorando o acesso à água potável
em todo o país, especialmente em regiões com menor cobertura e em comunidades que
dependem de fontes alternativas e intermitentes. É fundamental implementar políticas e
investimentos que garantam o fornecimento adequado e contínuo de água para toda a
população, visando a segurança hídrica e a garantia de direitos para o bem-estar de todos os
brasileiros.
A relação entre segurança hídrica e direitos humanos tem sido amplamente discutida
nas últimas décadas, à medida que a escassez de água se torna um desafio cada vez mais urgente
em todo o mundo. A falta de acesso adequado à água potável e saneamento básico afeta
diretamente a dignidade e o bem-estar das pessoas, colocando em risco a realização de outros
direitos humanos fundamentais, como o direito à vida, à saúde, à alimentação e ao
desenvolvimento.
A segurança hídrica pode ser definida como a disponibilidade e o acesso de todas as
pessoas a água limpa e segura em quantidade suficiente para atender às suas necessidades
404
básicas diárias, como beber, cozinhar e higiene pessoal. No que diz respeito à Segurança Hídrica,
conforme explicado por Neves (2018), esse termo é abrangente e engloba diversas questões
relacionadas à água. Ele funciona como um "guarda-chuva" que contempla uma variedade de
desafios, incluindo a escassez de água, dificuldades de acesso, contaminação, má qualidade da
água, secas, inundações e problemas de governança.
No entanto, a água não é apenas essencial para a sobrevivência, mas também para o
desenvolvimento humano sustentável. A exploração adequada da relação entre segurança
hídrica e direitos humanos é fundamental para a compreensão de como o acesso à água está
intrinsecamente relacionado ao desenvolvimento social, econômico e ambiental.
Conforme destacado por Borja e Moraes (2020), o cenário do acesso à água, tanto em
quantidade como em qualidade, está intimamente relacionado com a formação econômica e
social do regime de acumulação capitalista e suas interações com a natureza e a base social que
o sustenta. Os dados revelam um modelo de desenvolvimento que gera desigualdades e
exclusões entre diferentes segmentos sociais, ao mesmo tempo em que resulta na exaustão do
nosso patrimônio ambiental.
Quando há falta de segurança hídrica, as populações podem enfrentar escassez de
água, contaminação, dificuldade de acesso e má qualidade da água, o que afeta diretamente o
exercício dos direitos humanos. As comunidades mais vulneráveis são frequentemente as mais
afetadas, incluindo pessoas que vivem em áreas rurais, assentamentos informais, comunidades
indígenas e grupos marginalizados.
Portanto, as políticas e estratégias de gestão da água devem ser elaboradas e
implementadas de forma a garantir a segurança hídrica e o respeito aos direitos humanos. Isso
requer a adoção de práticas sustentáveis, a proteção dos recursos hídricos e a promoção de uma
gestão participativa e inclusiva, que leve em consideração as necessidades e demandas das
comunidades afetadas. Ao assegurar a segurança hídrica e respeitar os direitos humanos,
podemos contribuir para a melhoria das condições de vida de milhões de pessoas em todo o
mundo e para a proteção do meio ambiente.
405
direito à água pode ser considerado como um direito auxiliar está presente na jurisprudência
internacional dos sistemas regionais de proteção aos Direitos Humanos.
Nas referidas cortes, o direito à água não foi reconhecido de forma autônoma, mas
sim está vinculado aos demais direitos humanos. Essa abordagem reforça a interconexão e a
indivisibilidade dos direitos humanos, reconhecendo que o acesso à água potável é essencial
para a realização plena de outros direitos fundamentais, como o direito à saúde, à vida e à
dignidade humana.
A conscientização sobre a importância desses direitos fundamentais para a dignidade
humana e o desenvolvimento sustentável tem levado a esforços para reconhecê -los e garantir
sua proteção. Neste Quadro 1, apresentaremos de forma cronológica as principais legislações
internacionais relacionadas a esse tema, demonstrando o progresso alcançado e o compromisso
global em assegurar o acesso universal à água potável e ao saneamento básico.
Quadro 1 – A evolução jurídica do direito humano à água e ao saneamento básico em âmbito internacional
Instrumento normativo Detalhe / Incorporação
Art. 3º - determina o direito à vida. Está implícito, já que a água de
boa qualidade tem forte influência no direito à vida.
Declaração Universal dos Direitos Humanos da
Art. 25 estabelece o direito à saúde e bem-estar, incluindo
ONU de 1948
alimentos. Está implícito, já que a água garante saúde e bem- estar
às pessoas.
III Convenção de Genebra da ONU de 1949
Arts. 20, 26, 29 e 46, 54, 55 85, 89 e 127 - Reconhece diretamente o
IV Convenção de Genebra da ONU de 1949
direito à água potável de satisfazer a sede.
I Protocolo Opcional da ONU de 1977
II Protocolo Opcional de 1977 Arts. 5º e 14
Plano de ação - “Todos os povos, independentemente do estágio
Conferência das Nações Unidas para a Água de de desenvolvimento e das condições sociais e econômicas, têm o
1977 direito de ter acesso à água potável em quantidades e qualidade
iguais às suas necessidades básicas”.
Convenção sobre a Eliminação de Todas as Art. 14 - Garante o direito de “gozar de condições de vida
Formas de Discriminação contra as Mulheres da adequadas, particularmente em relação à habitação, saneamento,
ONU de 1979 fornecimento de eletricidade e água, transporte e comunicações”.
Art. 24, 2ª seção “c” - “Combater doenças e desnutrição, inclusive
no âmbito da atenção primária à saúde, por meio, entre outros, da
Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU aplicação de tecnologias prontamente disponíveis e do
de 1990 fornecimento de alimentos nutritivos adequados e água potável,
levando em consideração os perigos e riscos de poluição
ambiental” (UNICEF, 1990, p. 21).
Conferência Internacional sobre Água e Meio Art. 4º - Reconhecimento do direito básico de todos de ter acesso à
Ambiente de 1992 água potável a um preço acessível.
Conferência das Nações Unidas sobre Meio Capítulo 18 da Agenda 21 - Proclamou que todos “os povos têm o
Ambiente e Desenvolvimento de 1992 direito de acessar água potável”.
Resolução 47/193 da Assembleia Geral da ONU Declaração - Declara 22 de março o Dia Mundial da Água (UN,
de 1993 2020).
Art. 12 - Define que o direito ao desenvolvimento envolve os
Resolução da ONU 54/175 de 1999 direitos à alimentação e à água potável, sendo estes fundamentais,
um imperativo moral dos governos.
Resolução da ONU 55/196 de 2000 Define o ano de 2003 como o Ano Internacional da Água Doce.
Declaração Política da Conferência Mundial Define metas - Estabelece metas para acelerar o acesso a requisitos
sobre Desenvolvimento Sustentável, em 2002 básicos como água potável e esgotamento sanitário.
Comentário Geral 15 da ONU, de 2002, do
Páginas 2 – 3 - Estabelece que “O direito humano à água é
Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
indispensável para levar uma vida com dignidade humana”.
Culturais relativos ao Direito à Água
Proclama - Estabelece a Década Internacional de Ação "Água para a
Resolução da ONU 58/217 de 2003
Vida" (2005-2015).
(continua)
406
Quadro 1 – A evolução jurídica do direito humano à água e ao saneamento básico em âmbito internacional
Instrumento normativo Detalhe / Incorporação
Cria - Criada a ONU Água para ser uma agência com a atribuição de
Criação da ONU Água, em 2003
coordenar os esforços das organizações da ONU em relação à água
Art. 28, 2a - “Garantir a igualdade de acesso das pessoas com
deficiência aos serviços de água potável e garantir o acesso a
Convenção sobre os Direitos das Pessoas com
serviços, dispositivos e outra assistência adequados e acessíveis,
Deficiência da ONU de 2006
para necessidades relacionadas à deficiência”
(UN, 2006, p. 21, tradução própria).
Resoluções do Conselho de Direitos Humanos
Reconhece - Os Estados têm a obrigação de resolver e acabar com a
da ONU 1/22 de 2008 e 8/8 de 01 de 2009,
que discriminação em termos de acesso à água e solicita que
relativas ao direito humano à água potável e ao
resolvam com eficiência as desigualdades dessa questão
esgotamento sanitário
Reconhece - “O direito à água potável é um direito humano
Resolução da ONU de 64/292 de 2010 essencial para o pleno gozo da vida e da humanidade” (UN, 2010a,
p. 3, tradução própria).
Afirmar - “Afirma que o direito humano à água potável e ao
esgotamento sanitário é derivado do direito a um padrão de vida
adequado e intrinsicamente relacionado ao direito ao mais alto
padrão possível de saúde física e mental, bem como o direito à vida
e dignidade humana. Reafirma que os Estados têm a
responsabilidade primária de garantir a plena realização de todos
os direitos humanos e que a delegação da entrega de água potável
Resolução do Conselho dos Direitos Humanos e serviços de esgotamento sanitário a terceiros não exime o Estado
da ONU A/HRC/RES/15/9 de 2010 de suas obrigações quanto aos direitos humanos. Reconhece que
os Estados, de acordo com suas leis, regulamentos e normas
públicas políticas, pode optar por envolver atores não estatais no
fornecimento de água potável e esgotamento sanitário e,
independentemente da forma de prestação, deve garantir
transparência, não discriminação e responsabilização” (UN, 2010b,
p. 1-2, tradução própria,
grifos nossos).
Reconhece - Direitos distintos à água potável e ao esgotamento
sanitário: "o direito humano ao saneamento garante que todas as
Resolução A/RES/70/169 de 2015 da pessoas, sem discriminação, tenham acesso físico e econômico ao
Assembleia Geral da ONU esgotamento sanitário, em todas as esferas da vida, e que este seja
seguro, higiénico, social e culturalmente aceitável e que
proporcione privacidade e garanta dignidade".
Agenda 2030 - Definiu o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável
Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2015 6 - Água Potável e Saneamento - assegurar a disponibilidade e a
gestão sustentável da água e esgotamento sanitário para todos
Fonte: Pulido (2015); United Nations (2010a); United Nations (2010b).
407
o acesso sustentável à água é essencial para a qualidade de vida e dignidade da população, visto
que a água é uma parte integrante fundamental do meio ambiente.
Conforme mencionado por Brzezinski (2012), “Embora a água seja um elemento
essencial do meio ambiente e condição para a existência de qualquer forma de vida, não é
possível extrair, do dispositivo constitucional brasileiro, a afirmação explícita de um direito à
água”. A Constituição de 1988 não prevê de forma específica o reconhecimento desse direito
em seu texto.
Com o objetivo de regulamentar o artigo 21, inciso XIX, da Constituição Federal, foi
promulgada a Lei nº 9.433/1997, que estabeleceu a Política Nacional de Recursos Hídricos. Essa
lei reconhece que a água é um patrimônio público destinado ao uso coletivo das pessoas.
Embora a titularidade das águas doces seja da União e dos Estados, é importante ressaltar que
a água não pertence exclusivamente aos governos nem a indivíduos específicos, sendo
considerada “um bem público para que a apropriação identificável não seja aceita, pois é um
direito humano fundamental, caracterizado pela inalienabilidade e não renúncia a direitos”
(IRIGARAY, 2003, p. 309)
A Lei nº 10.257/2001, também conhecida como Estatuto da Cidade, estabelece
diretrizes gerais para as políticas urbanas, com o objetivo de planejar o pleno desenvolvimento
das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Dentre essas diretrizes, a Subseção I do
artigo 2º enfatiza a importância da garantia do direito às cidades sustentáveis. Esse direito
abrange o acesso não apenas à terra urbana e habitação, mas também ao saneamento
ambiental, à infraestrutura urbana, aos transportes, aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer,
tanto para as gerações presentes quanto para as futuras.
De fato, seria esperado que a Lei nº 11.445/2007, conhecida como Lei do Saneamento
Básico, contivesse dispositivos que fornecessem garantias para a realização do direito à água,
ou pelo menos o mencionasse. No entanto, dentro do marco regulatório do saneamento básico,
essa garantia específica não é verificada. Além disso a referida Lei, que trata das diretrizes
nacionais para o saneamento básico e a política federal de saneamento básico, estabelece que
os serviços públicos de saneamento básico, incluindo o abastecimento de água potável,
esgotamento sanitário, drenagem e manejo de águas pluviais, limpeza urbana e manejo de
resíduos sólidos, devem ser prestados de acordo com princípios fundamentais. Esses princípios
incluem a universalização do acesso, a integralidade, a utilização de tecnologias apropriadas e o
controle social (art. 2º).
Uma vez que a Lei também estipula que a prestação desses serviços deve atender a
requisitos mínimos de qualidade, como regularidade e continuidade (art. 43). Dessa forma, o
acesso universal ao abastecimento de água, de maneira regular e contínua, pode ser
interpretado como o reconhecimento, por parte do Brasil, dos compromissos ass umidos nos
atos jurídicos internacionais que estabelecem o direito humano à água.
Embora a continuidade do serviço público seja um princípio importante, a Lei do
Saneamento Básico não o estabelece como absoluto. A lei prevê a possibilidade de interrupção
dos serviços em casos de inadimplência por parte do usuário, entre outras situações, o que já
era prática e aceito pelos tribunais brasileiros. Não há nenhuma disposição específica que
ressalte o fornecimento de uma quantidade mínima diária de água, necessária para a
manutenção da vida, o que poderia caracterizar o conteúdo de um direito à água, mesmo que
não explicitamente mencionado.
408
Conforme Lei nº 14.026/2020 representa uma atualização abrangente do marco legal
do saneamento básico, porém muitos dos conceitos estabelecidos pela lei anterior, Lei nº
11.445/2007, permanecem em vigor. Embora tenha havido alterações significativas, a nova lei
não revoga integralmente a legislação anterior. A nova lei incentiva a concessão da prestação
dos serviços de saneamento básico, o que implica na extinção dos contratos de programa entre
as companhias estaduais e os municípios. Há uma expectativa de abertura do mercado para a
concorrência entre empresas privadas na prestação desses serviços. A lei também estabelece a
exigência de comprovação da capacidade econômico-financeira dos contratos atuais em relação
às metas de atendimento, assegurando a viabilidade financeira para o cumprimento das
obrigações contratuais.
Igualmente a Lei nº 14.026/2020 busca promover a regionalização da gestão dos
serviços de saneamento básico, definindo a titularidade desses serviços nos casos de interesse
comum e interesse local. Com isso, há uma mudança na forma como o controle social é exercido,
perdendo força no nível municipal e passando a ser regional, embora isso apresente grandes
desafios. Nesse sentido, a ausência de avanços na instituição de conselhos e instrumentos de
participação social pode representar um desafio para a efetivação do controle social no contexto
regional.
Autores nacionais também têm abordado o tema da segurança hídrica e o acesso à
água potável como direitos fundamentais. Cabe citar, por exemplo, Pedro Jacobi, que em seu
livro "Gestão Participativa e Integrada de Recursos Hídricos" destacam a importância de garantir
a participação da sociedade na gestão dos recursos hídricos como forma de promover a
segurança hídrica e o acesso à água potável. É necessário promover mecanismos que fortaleçam
a participação da sociedade civil, assegurando a transparência, a prestação de contas e o
engajamento dos cidadãos na tomada de decisões relacionadas ao saneamento básico.
A Lei nº 14.026/2020 representa uma oportunidade perdida ao não incorporar
explicitamente na legislação nacional de saneamento básico o reconhecimento de que o
abastecimento de água potável e o esgotamento sanitário são Direitos Humanos. Essa inclusão
teria sido uma forma de regulamentar em nível nacional a resolução da ONU da qual o Brasil é
signatário. Ao não seguir a resolução da ONU, que reconhece a água e o esgotamento sanitário
como Direitos Humanos, a lei deixa de enfatizar e fortalecer a importância desses direitos
fundamentais para a dignidade humana e o desenvolvimento sustentável. A inclusão explícita
desses direitos na legislação nacional de saneamento básico seria um passo significativo para
garantir a sua proteção e promoção no país.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
409
cada região, ao mesmo tempo em que encorajem a participação da sociedade civil nas decisões
relacionadas à gestão dos recursos hídricos.
O valor econômico da água é uma opção a ser considerada, mas não deve ser a única
abordagem. É fundamental desenvolver uma diversidade de formas de cuidado com os recursos
hídricos, adaptando-se às estruturas de Estado e da Economia. A segurança hídrica requer uma
análise abrangente dos múltiplos fatores contextuais e a aplicação dos elementos técnicos,
econômicos e jurídicos disponíveis.
A garantia do direito humano à água e ao esgotamento sanitário é um processo que
requer a construção coletiva de um futuro sustentável, fundamentado na solidariedade e no
bem-estar geral. Esse caminho envolve a busca por uma distribuição justa da riqueza produzida
pela sociedade, valorizando o trabalho humano e estabelecendo uma relação harmoniosa entre
sociedade e natureza. Além disso, é fundamental que a sociedade, governos e instituições
trabalhem em conjunto, pautados pela cooperação e diálogo, para encontrar soluções que
assegurem a realização do direito humano à água e ao saneamento básico para todos.
A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal Nível Superior - Brasil (CAPES).
Agradeço ao Programa de Mestrado Profissional em Rede Nacional em Gestão e Regulação de
Recursos Hídricos - ProfÁgua, - Código de Financiamento 001, Projeto CAPES/ANA AUXPE Nº.
2717/2015.
5 REFERÊNCIAS
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Nacional de Águas. Brasília: ANA, 2019
AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS (Brasil). Panorama das Águas. Quantidade de Água. Disponível em:
https://www.ana.gov.br/panorama-das-aguas/quantidade-da-agua.
BORJA, Patrícia Campos; MORAES, Luiz Roberto Santos. Direito humano à água e ao esgotamento sanitário: breve
cenário internacional e nacional, princípios, obrigações e critérios de positivação. Disponível em:
https://ondasbrasil.org/direito-humano-a-agua-e-ao-esgotamento-sanitario-breve- cenario-internacional-e-
nacional-principios-obrigacoes-e-criterios-de-positivacao/
BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece
diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/leis_2001/L10257.htm
BRASIL. Lei no 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico;
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /_ato2007-2010/2007/lei/L11445.htm.
BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Estabelece o novo marco legal do saneamento. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/l14026.htm.
BRASIL. Lei no 9.433, de 8 de janeiro de 1997. Institui a Política Nacional de Recursos Hídricos, cria o Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
leis/L9433.htm.
BRZEZINSKI, Maria Lúcia Brzezinski Navarro Lins. O Dirieto à Água no Direito Internacional e no Direito Brasileiro.
Confluências| Revista Interdisciplinar de Sociologia e Direito, v. 14, n. 1, p. 60- 82, 2012.
410
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CAHILL, A. Protecting rights in the face of scarcity: the right to water. In: GIBNEY, M.; SKOGLY, S. (Eds.). Universal
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2010a. Disponível em: https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol
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UNITED NATIONS. General Assembly. Resolution adopted by the Human Rights Council. Human rights and access
to safe drinking water and sanitation. Resolution A/HRC/RES/15/9. 2010b. Disponível em:
https://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbol=A/HRC/RES/15/9.
411
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( x ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Amanda Marques
Aluna de graduação, UnB, Brasil.
entrearqamanda@gmail.com/190023856@aluno.unb.br
Chenia Figueiredo
Professora Doutora, UnB, Brasil.
chenia@unb.br
412
RESUMO
A construção civil ainda é marcada por retrabalhos e ineficiência em seus processos. Quando o assunto é
incorporação, muitos desafios podem ser encontrados ao longo do processo de gerenciamento dos
projetos que devem ser entregues a obra. Contratações, qualidade, aprovações e prazos fazem parte de
alguns dos desafios de uma incorporação. Com o intuito de aprofundar o conhecimento no ramo de
gerenciamento de projetos em incorporações da construção civil, foi realizada a descrição e análise do
fluxograma de gerenciamento de projetos fornecido por uma construtora atuante no Distrito Federal. O
trabalho foi desenvolvido a partir da abordagem metodológica de relato de caso de naturezadescritiva, e
baseado em revisões bibliográficas e levantamento documental. Em decorrência, podemos compreender
o funcionamento de um processo de incorporação, além de constatar a importância do gerenciamento
de projetos no ramo da construção civil.
ABSTRACT
Civil construction is still marked by rework and inefficiency in its processes. When it comes to real estate development,
many challenges can be encountered throughout the project management process that must be delivered to the
construction site. Hiring, quality, approvals, and deadlines are some of the challenges involved in real estate
development. In order to deepen the knowledge in the field of project management in real estate development in civil
construction, a description and analysis of the project management flowchart provided by a construction company
operating in the Federal District were carried out. The work was developed based on a methodological approach of
descriptive case report, relying on bibliographic reviews and documentary surveys. As a result, we can understand the
functioning of a real estate development process and recognize the importance of project management in the field of
civil construction.
413
1 INTROUÇÃO
De acordo com o PMBOK (2008), o ciclo de vida de um projeto pode ser delimitado por
quatro fases: início do produto, organização e preparação, execução do trabalho do projeto e
encerramento. De acordo com o guia PMBOK (2008), um projeto pode ser dividido em fases e
subfases que podem caminhar de forma paralela ou se sobrepondo, ou de forma sequencial, em
que o término de uma fase delimita o início de outra, causando uma relação de
interdependência. Desse modo, cada planejamento deve apresentar um conjunto de fases que
atendam às necessidades listadas, esse planejamento funciona como um documento vivo que
414
pode sofrer alterações de acordo com as demandas e mudanças ao longo do ciclo de vida do
projeto. A fase de preparação e organização tende a diminuir possíveis problemas e
inconformidades que poderiam ser encontradas em etapas mais avançadas caso essa fase não
fosse realizada. Quanto mais se aproxima do término do projeto, maior são os danos causados.
Em contrapartida, o impacto é consideravelmente menor de mudanças e correções nas etapas
iniciais do projeto (PMBOK, 2008).
Para Bertezini (2006), as fases de projeto apresentadas abarcam a definição da norma
ABNT NBR 13532, na qual o projeto de arquitetura é dividido entre as fases: estudo de
viabilidade de arquitetura, estudo preliminar de arquitetura, anteprojeto de arquitetura, projeto
básico de arquitetura e projeto executivo de arquitetura. Para Bertezini (2006), o projeto de
arquitetura é o principal definidor das diretrizes do empreendimento e percussor para o
desenvolvimento das demais etapas e disciplinas, o que comumente leva o arquiteto ao trabalho
de gerenciamento. Dessa forma, sendo o projeto de arquitetura o responsável por ditar o Timing
dos projetos (e produtos do projeto), podemos utilizar suas fases, pré -definidas pela norma NBR
13532, como base para a organização das etapas do gerenciamento na construção civil.
415
Figura 1 – Fluxograma base de gerenciamento de projetos de incorporação de
construtora/incorporadora no DF.
416
entradas e saídas, sendo que a primeira, as entradas, são os documentos necessários para a
realização das atividades e a segunda, as saídas, cujos documentos são gerados ao final da
atividade proposta. No momento em que um novo negócio chega à incorporadora, cabe à
diretoria a análise para definir se é ou não viável a incorporação do empreendimento. A partir
do momento em que se conclui pela viabilidade do empreendimento os gerentes de projetos
passam a cumprir seu papel, iniciando a fase 1, denominada definição do produto.
A etapa de definição do produto se inicia logo após o estudo de viabilidade, nesse caso
realizado pela diretoria, e ainda é composta pela aquisição do terreno (TOGNETTI; LAPO, 2020).
Essa etapa pode ser resumida a uma etapa de organização do projeto e realização do estudo
preliminar, para isso, algumas atividades são estabelecidas (Figura 2).
A atividade de planejamento necessita do termo de abertura do projeto, que é uma
reunião inicial em que o cliente ou a diretoria apresenta seus anseios e necessidades do projeto,
resultando em um Briefing que será utilizado para nortear todo o planejamento (BETERZINI,
2006, p.99).
Figura 2 – Fase 01: Definição do produto
417
planejamento de aquisições; planejamento de riscos e definição das partes interessadas. Ao final
do planejamento, deve ser possível a compreensão de como o projeto será planejado,
executado, monitorado e controlado.
Um ponto importante no planejamento do projeto é a definição de partes
interessadas. De acordo com a ISO 9001 (2015, p. 14), a definição dos requisitos das partes
interessadas possui efeito sobre a capacidade da organização em fornecer um produto
compatível com o desejado. Também é nesse momento que o projetista de arquitetura é
definido (PMBOK, 2006). O projetista de arquitetura será o responsável pelo serviço de criação
e documentação do projeto, sendo o primeiro projetista a ser contratado.
A contratação dos projetistas pode variar de acordo com a construtora/incorporadora.
O fluxograma em questão prevê uma organização na qual os projetistas são contratados
externamente, com exceção de arquitetura. Os projetos desenvolvidos por cada escritório são
enviados para o gerente de projetos da incorporadora, que busca realizar as verificações,
compatibilizações e conexões entre as disciplinas. No caso da disciplina de arquitetura, som ente
a primeira e a segunda fase são contratadas externamente. Quando o projeto entra na etapa de
pré-executivo e executivo um projetista interno de arquitetura é designado para seguir com o
desenvolvimento da disciplina. Isso acontece porque a incorporadora é ao mesmo tempo
construtora, ou seja, é também a responsável pela execução do projeto. Sendo assim, o controle
dos projetos como compatibilização, verificação e comunicação se tornam mais rápidas e
eficientes por ter o projetista de arquitetura mais próximo no cotidiano.
Paralelo ao planejamento do projeto, é possível o desenvolvimento da atividade de
estudo de caso e referências e das atividades de estratégia e conceito além da reunião de
Kickoff. Após as atividades anteriores consolidadas, é possível o início do estudo preliminar (EP)
de arquitetura. A norma NBR 13532 (1995) estabelece os requisitos necessários para o início do
projeto de arquitetura como levantamento topográfico, padrão construtivo da construtora
contratada, escopo de fases, cartas de não interferência (CNIRs), entre outros.
Após a entrega do EP pelo projetista de arquitetura, é necessária a etapa de
verificação. De acordo com o PMBOK (2008, P.89), a verificação é uma atividade de finalização
de etapa, em que o gerente revisará todas as informações fornecidas no projeto a fim de
constatar que todo o trabalho da etapa está completo e de acordo com o solicitado.
A última atividade da Fase 1 é o estudo de viabilidade econômica. Nesse momento, o
quadro de áreas fornecido pelo projetista passa pelo estudo de mercado e viabilidade
econômica, etapa em que se analisará o valor médio de custo de obra para o empreendimento,
além de avaliar a relação de área vendável (área destinada à venda), com a área construída.
Após a aprovação do Estudo de Viabilidade Econômica, o projeto estará apto a seguir para a
Fase 02: Etapa de Aprovação de Projetos.
A fase 02 é uma das mais importantes e intensas de todo o processo. Dentro dos
estudos realizados pela construtora para a criação do fluxograma e mapeamento de
cronograma, é possível constatar que o processo completo de aprovação de projetos para início
das obras pode durar até 365 dias. Dessa forma, podemos caracterizar a fase 02 como sendo o
caminho crítico do fluxograma.
418
Figura 3 – Fase 02: Etapa de aprovação de projetos
Fonte: Autor2023.
419
como normas urbanísticas, afastamentos, altura, taxa de permeabilidade, memorial descritivo,
entre outros. Para isso, o gerente de projetos ou o projetista deve apresentar junto à CAP –
Central de aprovação de projetos, o projeto preliminar de arquitetura, juntamente com o
quadro de áreas e memorial descritivo. Ao final dessa etapa de aprovação, será emitido o
atestado de viabilidade legal tornando o projeto apto a seguir para a etapa de estudo prévio.
Em paralelo com a primeira etapa de aprovação, deve ocorrer a contratação dos
projetistas complementares iniciais. Os projetistas iniciais normalmente são os de estrutura,
verificação de estrutura, fundações, contenções, sondagem e instalações. Esses projetistas são
necessários para as próximas fases de aprovação, porém só devem ser contratados após se ter
o projeto preliminar de arquitetura, documento de entrada indispensável para o início dos
serviços. Essa contratação deve resultar na reunião multidisciplinar. De acordo com Sabino
(2016), reuniões devem ser realizadas a fim de garantir uma comunicação assertiva e eficiente
na hora de transmitir definições à equipe de projetos, além de garantir que todo s estão
alinhados com o projeto.
Nesse momento, os projetos complementares entram em sua etapa inicial, com o
lançamento de pilares, locação e cargas, solução inicial de contenção e fundações, além do
lançamento de Shafts e pontos externos referentes à instalação. Seguindo a metodologia
descrita pelo PMBOK (2008), ao final das entregas preliminares dos complementares, uma
verificação é realizada a fim de constatar se as entregas correspondem ao solicitado.
Após as entregas preliminares e verificação, teremos a primeira compatibilização. O
processo de compatibilização é realizado através da sobreposição de todas as disciplinas
contratadas até então. Se antes a verificação era realizada apenas com a disciplina em si, a
compatibilização consiste na análise da interação de todas as disciplinas juntas, sendo possível
encontrar pontos de incompatibilidade e corrigi-los antes de chegar à obra (SABINO, 2010). Após
a compatibilização, são geradas as ocorrências, pontos de incompatibilidades entre os projetos.
Essas ocorrências devem ser avaliadas e discutidas em uma reunião de análise crítica realizada
entre os projetistas e mediada pelo gerente de projetos a fim de encontrar soluções compatíveis
que devem ser seguidas por todos e atualizado nos projetos.
A próxima etapa proposta no fluxograma é a contratação dos projetistas
complementares secundários. Os projetistas contratados nessa etapa são aqueles que
necessitam do projeto de arquitetura e estrutura minimamente consolidados para começar a
trabalhar, evitando retrabalhos.
Em paralelo com a contratação dos novos projetistas, deve ser iniciado o anteprojeto
de arquitetura. Essa fase é definida como o momento em que “Informações técnicas relativas à
edificação (ambientes interiores e exteriores), a todos os elementos da edificação e a seus
componentes construtivos considerados relevantes” são produzidos (NBR 13532, 1995, p. 6). As
próximas etapas se referem à aprovação de projetos. A segunda aprovação refere-se aos
projetos complementares. No Distrito Federal, a Instrução normativa nº 01, de 11 de junho de
2015 regulamenta que os projetos de arquitetura e instalações devem ser submetidos à análise
pelo Corpo de Bombeiros do Distrito Federal – CBMDF, para verificação das normas de
prevenção contra incêndio e pânico. De forma semelhante, os projetos de instalações devem
ser submetidos à Neoenergia para análise e aprovação.
A terceira etapa de aprovação se refere ao estudo prévio de arquitetura, etapa
normatizada pela lei nº 6.138/2018 no Distrito Federal. A finalização da segunda fase ocorre
com a licença de demolição e o alvará de construção. O alvará está descrito na lei nº 6.138/2018
420
como um documento expedido para o início das obras e está diretamente associado ao proj eto
habilitado. A partir daqui, as obras já podem ser iniciadas e agora cabe ao gerente de projetos a
responsabilidade de preparar os projetos para enviar para obra, iniciando a Fase 03: Projeto Pré-
Executivo.
421
4.4 Fase 04: Projeto executivo e envio dos projetos para obra
422
executivo para a obra. Isso porque esses documentos finais (os detalhamentos), só serão
utilizados em etapas futuras e não irão causar atrasos no cronograma. Há de se relembrar que
o objeto de pesquisa do presente estudo limita-se à etapa de projeto executivo.
5 APLICAÇÃO EM UM EMPREENDIMENTO
423
Aprovada a viabilidade legal e a habilitação do estudo prévio, os projetos de
arquitetura passam a ser controlados, solicitados e organizados pela equipe da empresa
construtora. Dessa forma, as licenças de obra, como alvará de construção ou licença de
demolição, tornam-se incumbência da equipe de gestão. Assim, os projetos executivos de
arquitetura são desenvolvidos por um projetista interno, entrando na fase denominada de
anteprojeto BIM, conforme fluxograma apresentado na Figura 06.
A fase de anteprojeto BIM é curta e tem como principal documento de entrada o
projeto arquitetônico fornecido pelo escritório de arquitetura anteriormente contratado. Nessa
fase, o arquiteto da empresa (interno) recebe o projeto arquitetônico contratado e fica
responsável pela nova modelagem atendendo aos padrões construtivos determinados pela
construtora. A empresa possui padrões de nomenclatura, extração de quantitativo e formas de
modelagem específicas que visam gerar um modelo BIM otimizado capaz de interagir com as
demais disciplinas. Em seguida, o arquiteto projetista recebe os projetos iniciais de estrutura.
Esses projetos são modelados no software escolhido pela empresa, inseridos ao
modelo de arquitetura contratado e, em seguida, encaminhados ao escritório que irá
desenvolver o projeto estrutural. Nem todos os escritórios de projeto trabalham com softwares
BIM ou possuem o padrão de modelagem compatível com os padrões da empresa. A fase é
finalizada quando os arquivos de arquitetura e estrutura estão modelados e previamente
analisados, certificando que estão prontos para ser enviados aos demais projetistas para seguir
com o desenvolvimento dos projetos.
Assim, o arquiteto projetista desenvolve o modelo de arquitetura e realiza as
verificações e compatibilizações juntamente com a gerente de projetos. As verificações têm
como base um checklist desenvolvido internamente pela equipe de processos e implementação
(composta pela gerente e um estagiário), esse checklist possui itens específicos a serem
analisados em cada disciplina, principalmente a disciplina de arquitetura. A checagem do projeto
estrutural é realizada pela equipe de obra juntamente com o engenheiro chefe. Toda a
comunicação é intermediada pela gerente de projetos que garante que estas sejam registradas
e estejam acessíveis para todos os envolvidos, escritório e obra.
Todos os projetos recebidos passam por um processo – já detalhado anteriormente -
de avaliação e checagem, para garantir a qualidade do produto a ser entregue. Considerando
que o empreendimento conta com o envolvimento de cerca de 30 disciplinas, o volume de
documentos e revisões é enorme.
Por isso, para garantir a organização e atualização dos projetos, todos os documentos
são cadastrados na plataforma de gerenciamento de documentos e só podem ser enviados para
obra através dela. Isso garante que os projetos estejam sempre em sua versão correta,
atualizados, permitindo que seja executado de forma adequada, mitigando erros que podem
ocorrer devido a trocas de projeto. Esse controle é detalhado na Figura 23.
As atividades referentes à compatibilização também são realizadas internamente,
tendo como principais responsáveis a gerente de projetos e o projetista de arquitetura. Nela, as
disciplinas são reunidas em um modelo federado (modelo BIM com a união de todas as
disciplinas envolvidas) e analisadas minunciosamente através da utilização de softwares de
compatibilização. O resultado das compatibilizações são as ocorrências (ou apontamentos).
Essas ocorrências são cadastradas em uma plataforma específica de comunicação na qual todos
os projetistas responsáveis estão inseridos, assim todos os envolvidos têm acesso às decisões
424
tomadas para atualizar os projetos. A cada compatibilização os apontamentos diminuem,
chegando a ter poucos ou nenhum apontamento quando serão enviados a obra.
No caso do empreendimento em questão, os projetos estruturais já estão concluídos
e foram enviados para obra permitindo sua execução juntamente com a finalização do projeto
de arquitetura e seus projetos complementares.
A etapa de gerenciamento de projetos do empreendimento tem previsão de ser
finalizada em janeiro de 2024, entregando todos os projetos para a obra, deixando a equipe de
gerenciamento de projetos para eventuais esclarecimentos e acompanhamento executivo.
Enquanto a construção do empreendimento acontece, novos negócios chegam ao
escritório e o fluxograma padrão de incorporação é readaptado para atender as novas
demandas mais uma vez.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A gestão de projetos visa agregar valor ao serviço e assegurar que a obra seja concluída
dentro do prazo planejado. Um projeto bem estruturado permite alcançar maior qualidade e
consequentemente, a satisfação do cliente. Esta é alcançada com a correta metodologia de
gestão, elaboração de projetos, planejamento e monitoramento. A gestão de projetos tem como
objetivo:
“Reduzir desperdícios, minimizar riscos, aumentar a produtividade, além de
estabelecer ações que visam aumentar a eficiência do processo construtivo, constituem o cerne
da gestão de projetos. Segundo Vargas (2009), todo o sucesso de uma gestão de projetos está
em identificar e relacionar as atividades a serem desenvolvidas no momento correto.”
(OLIVEIRA, 2021).
Um sistema de gestão da qualidade busca assegurar a eficiência da obra, a satisfação
dos clientes e a melhoria contínua dos processos produtivos. Através das análises de registros
de obras anteriores é possível gerar melhorias contínuas desde a fase de projeto, buscando o
aprimoramento contínuo.
Analisando o fluxograma da empresa avaliada foi possível constatar as subcamadas
que envolvem a incorporação de um empreendimento, acentuando a necessidade de processos
mapeados e eficientes. Todo o tempo gasto no início do projeto para organização da gestão do
empreendimento pode gerar resultados positivos no produto que será entregue.
O gerenciamento de projetos tem se tornado um diferencial das empresas no
mercado. Isso ocorre devido as entregas de qualidade que a empresa é capaz de fazer ao
estruturar seus processos e desenvolver sistemas de qualidade que garantirão um produto de
acordo com as expectativas. A adoção de sistemas de gerenciamento dentro das construtoras
visa redução de desperdícios, atrasos e ineficiência durante o processo de incorporação de um
empreendimento.
7 REFERÊNCIAS
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Associação Brasileira de Normas Técnicas. Sistemas de gestão da qualidade — Fundamentos e vocabulário – ABNT
NBR ISO 9000. Rio de Janeiro, 2015.
425
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projetos –ISO 10006. Rio de Janeiro, 2000.
Associação Brasileira de Normas Técnicas. Gestão da qualidade – Diretrizes para qualidade no gerenciamento de
projetos – NBR 13.532. Rio de Janeiro, 1995.
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a ótica da gestão da qualidade. 2006. Dissertação para o título de mestre – Escola Politécnica da Universidade de
São Paulo. São Paulo, 2006.
CAMBIAGHI; AMÁ. Manual de escopo de projetos e serviços de Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: AsBEA, 2019.
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https://cbic.org.br/industria-da-construcao-preve-crescimento-de-25-em-2023/.
CRESÇA BRASIL. Como elaborar e gerenciar projetos. 2016. Disponível em: https://www.crescabrasil.com.br/.
Acesso em: 20 abr. 2023.
MARQUES, Luís; PLONSKI, Guilherme. Gestão de projetos em empresas no Brasil: abordagem “tamanho único”.
2010. Departamento de Engenharia de Produção, Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – USP. São
Carlos, 2009.
MATTOS, Aldo Dórea. Planejamento e Controle de Obras. São Paulo: Pini. 2010.
OLIVEIRA, Álisson. A importância do processo de iniciação do ciclo de vida do projeto na gestão da inovação da
construção civil. 2021. Revista Ibero- Americana de Humanidades, Ciências e Educação- REASE. São Paulo, 2021.
SABINO, Jéssica Brenner. Projetos de Gestão na Construção Civil: Análise Crítica. Orientador: Dalmo Lúcio Mendes
Figueiredo. 2016. Monografia (Especialização em Construção Civil) - Escola de Engenharia, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte, 2016.
TOGNETTI; LAPO. Real Estate no Brasil: Guia completo para investimentos imobiliários. São Paulo: CIP. 2020.
SOUSA, Rodrigo Zanata Pereira de. Et al. Gestão de projetos aplicada à construção civil. 2020. Revista Científica
Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Tocantins, 2020.
426
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
(X) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
1
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar o estudo de caso de dois conjuntos habitacionais, um no Brasil e um na Suécia,
e discutir as diferenças na organização no território e a consequente habitabilidade de programas habitacionais
moldados pelas duas realidades. Adotamos duas categorias diferentes de estados de bem-estar social. Na Suécia,
socialdemocrata; no Brasil, meritocrático-clientelista. A abordagem da habitação social como pilar do estado de bem-
-estar social e a comparação com um país social-democrata são incomuns nesse campo de pesquisa, no Brasil, mas
não em pesquisas estrangeiras. A metodologia de análise dos casos foi desenvolvida com base em quatro categorias
que permitem comparações a partir das diferenças. O principal resultado é que, quando comparados à realidade
brasileira, o ambiente urbano e a habitabilidade tendem a ser melhores na Suécia, onde a habitação pública é
construída com base na lógica social-democrata de política pública, como pilar do estado de bem-estar social.
PALAVRAS-CHAVE: Políticas Públicas Habitacionais. Estado de Bem-Estar Social. Habitabilidade da Moradia Social.
ABSTRACT
The purpose of this paper is to present a case study of two social housing, one in Brazil and one in Sweden, and to
discuss the differences in the organization in the territory and the consequent habitability of housing programs shaped
by the two realities. We adopted two different categories of welfare states. In Sweden, social democrat; in Brazil,
meritocratic-clientelist. The approach to social housing as a pillar of the welfare state and the comparison with a social
democratic country are unusual in this field of research, in Brazil, but not in foreign research. The case analysis
methodology was developed based on four categories that allow comparisons based on differences. The main result
is that, when compared to the Brazilian reality, the urban environment and habitability tend to be better in Sweden,
where public housing is built based on the social-democratic logic of public policy, as a pillar of the welfare state.
2
1 INTRODUÇÃO
2 OBJETIVOS
1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior –
Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
2 Agradecemos à inestimável colaboração do Prof. Dr. Luiz Augusto Maia Costa, que realizou a fase inicial de
3
caso sueco, por outro lado, está inserido na dinâmica dos trabalhadores que se deslocam entre
a cidade de Malmö, no sul da Suécia, e Copenhague, na Dinamarca.
As categorias de análise constituem para comparação a partir das diferenças entre os
dois casos, revelando as consequências das políticas públicas habitacionais no processo de
urbanização do Brasil e da Suécia, sendo: (a) política — trata de planos, medidas e leis; (b)
socioeconômica — trata de perfis de beneficiários, tipos de propriedade e financiamentos; (c)
cultural — trata da inclusão urbana, origem familiar, geração de trabalho e renda e padrão
condominial; e (d) tecnológica — trata da qualidade técnica de projeto e construção.
4 ANÁLISE
Fonte: Fotografias capturadas nos locais. Dia 20 jan. 2023, na Suécia; e 02 mar. 2023, no Brasil .
A Figura 1 expõe fotografias das áreas urbanas de cada região. São notáveis diferentes
características na maneira como os empreendimentos foram implantados. No caso da Suécia,
os blocos e áreas comuns são bem integrados e as calçadas e passeios públicos são mais
4
generosos, enquanto no caso do Brasil as torres são cercadas por grades e muros, promovendo
a separação dos espaços.
As características físicas entre os dois estudos de caso constituem o reflexo do caráter
e da envergadura do estado de bem-estar social presente em cada um dos dois países. Essas
dimensões são descritas por Flora e Heidenheimer (2009) da seguinte forma: (a) igualdade de
resultado no acesso equivalente e redistributivo a recursos materiais e físicos; (b) igualdade de
oportunidades em relação a status e renda; (c) segurança; e (d) equidade. A segurança é um
aspecto importante e pode estar relacionada a desigualdades, se a população em menor
vulnerabilidade social tiver mais segurança. O estado de bem-estar social não é apenas sobre
direitos e garantias, mas como esses direitos estão ligados ao conceito de mercados e cidadania.
As regras estabelecidas por essas políticas são importantes, mas como elas funcionam varia
entre países, culturas e sistemas políticos. Empregamos três tipos de estados de bem -estar:
liberal; conservador (meritocrático); e social-democrata (ESPING-ANDERSEN, 1991; FIORI, 1997;
NOGUEIRA, 2001).
As categorias propostas por Esping-Andersen (1991) não são estáticas, se relacionam
e interagem entre si. Contemplam princípios estruturantes, não variações quantitativas de um
denominador comum. O mais importante é a definição de um modelo de constituição política
operária e de consenso político na transição da sociedade rural para a classe média urbana
(NOGUEIRA, 2001). O modelo liberal pressupõe pouca intervenção do Estado e ação limitada,
sempre pontual e temporária, em que o Estado espera que os problemas sejam resolvidos pelas
autoridades tradicionais, famílias e comunidades, e intervém apenas quando as soluções não
estão disponíveis. O risco social do indivíduo decorre ria da incompetência e do desleixo. O
modelo meritocrático (ou conservador) prevê a intervenção governamental como forma de
organizar a proteção, sem subsídios ou financiamentos. A elegibilidade para proteção se aplica
a empregos formais financiados pelo empregador e pelo empregado. O acesso é baseado em
capacidade e produção. Com o emprego viriam os direitos e a segurança. No modelo social-
democrata, a proteção é social e inclusiva, e o bem-estar é visto como um componente do
Estado. Os serviços e benefícios são garantidos e constituem condições equitativas para todos.
A intervenção do Estado deve garantir esses direitos, incluindo financiamento e subsídios,
independentemente da produção individual (DRAIBE, 2006; FIORI, 1997; NOGUEIRA, 2001;
MESA-LAGO; ISUANI, 1991).
Queremos destacar, com essa análise, que os dois empreendimentos analisados, como
resultados de políticas públicas habitacionais nacionais, mostram, em suas características,
diferenças entre os caráteres dos estados de bem-estar social que os conformaram. A nítida
diferenciação entre a qualidade dos espaços urbanos criados na construção dos dois conjuntos,
visível na Figura 1, demonstra essa relação. É perceptível que, no caso sueco, há preocupação e
apuro na construção da cidade, por meio da habitação social, criando áreas que mantém o
padrão de ocupação, garantindo acesso aos espaços urbanos e aos serviços para os moradores.
No caso brasileiro, há o aprofundamento das desigualdades socioterritoriais, já que a primeira
vocação da política pública habitacional tem sido econômica, ou seja, alavancar a economia por
meio da construção civil.
5
4.1 Categoria Política: planos, instrumentos e legislação
6
representa 37% do salário-mínimo brasileiro. Um pouco mais afastado do centro de Malmö,
encontramos um apartamento de 23 m² (vinte e três metros quadrados) ao custo mensal de Kr$
4.525,00 (quatro mil quinhentos e vinte e cinco coroas suecas), 16% do salário-mínimo
estimado, incluídas as taxas.
Na Suécia, o preço e a escassez de moradias levaram ao encortiçamento de áreas
habitadas por trabalhadores de baixa renda e baixos salários (geralmente imigrantes). Os guetos
culturais emergem com certo grau de vulnerabilidade e violência. Este é o caso de Rosengård,
onde está o conjunto sueco analisado. Gustafsson (2022) considera essa área a mais violenta da
cidade e a mais perigosa da Suécia, em se tratando de violência urbana. Em comparação com o
Brasil, esses percentuais são sensivelmente menores. Em ambos os casos em tela, há conflitos
entre gangues envolvidas no tráfico de drogas. Todavia, na Suécia, as gangues são contidas pelo
poder estatal, enquanto no Brasil têm formado um poder paralelo (MANSO; DIAS, 2018).
A Suécia tem filas para comprar ou alugar apartamentos que duram até sete anos
(ENDRIGHI, 2020). O tempo de espera é muito menor em Malmö. É importante destacar a
diferença de acesso ao mercado imobiliário, com filas se formando independentemente da
renda familiar. Mantendo as diferenças acima e reconhecendo as deficiências no acesso
habitacional em ambos os casos, a qualidade urbana produzida pela política habitacional sueca
é caracterizada pela adequação do espaço público, facilidade de circulação e penetração,
sustentando a afirmação de que a qualidade urbana se distingue em segurança. No Brasil, o
padrão condominial com torres de apartamentos e a localização na periferia da malha urbana
fazem com que as áreas comuns se tornem desqualificadas e vulneráveis.
Novamente, as diferenças vistas em ambos os casos são retratos, também, do caráter
do estado de bem-estar social e das políticas públicas geradas por este. Draibe (1993, p. 23)
define o estado de bem-estar social como “[...] uma particular forma de regulação social que se
expressa pela transformação das relações entre o Estado e a Economia, entre o Estado e a
Sociedade, a um dado momento do desenvolvimento econômico”. Entendido desta forma, o
desenvolvimento do estado de bem-estar social no Brasil permanece incompleto desde a
década de 1930. Houve certo desenvolvimento econômico, por vezes muito expressivo, que
trouxe mudanças sociais e laborais e certa mobilidade social. Paradoxalmente, por causa das
medidas excludentes, milhões ainda vivem com baixos salários e subempregos, que
sobrecarrega os sistemas de combate à pobreza extrema. Dada a estrutura da relação entre
capital e trabalho, os recursos disponibilizados são escassos são incompatíveis com as
necessidades práticas da política pública (DRAIBE, 1993).
Segundo diversos autores, o forte desenvolvimento do estado de bem-estar social
escandinavo foi baseado no legado germânico da seguridade social compulsória, no feudalismo
nórdico menos estrito e na era pré-industrial, que gerou classes mais igualitárias em que
emergiu um forte movimento operário e uma postura ativa na luta de classes, resultando em
um firme compromisso político. O governo não era formado pela nobreza, mas sim pelo clero.
A burguesia não adquiriu poder político, o que fortaleceu a posição dos camponeses. O estado
de bem-estar social escandinavo se desenvolveu ao longo de um período semelhante ao de
outros países europeus, mas de forma mais consistente. O modelo nórdico combina alta
tributação, baixa desigualdade socioeconômica, sistemas de bem-estar inclusivos e crescimento
econômico satisfatório (KUHNLE, 2018; KUHNLE; HORT; ALESTALO, 2017).
Em 1990, a Suécia e a Finlândia foram as mais atingidas pela turbulência econômica
global, não sendo coincidência que esses dois países tivessem o IDH mais baixo dos quatro países
7
escandinavos, levando a tendências políticas neoliberais. Em sua defesa do desmantelamento
do estado de bem-estar social como solução para a crise, encontraram resistência pública. A
adesão à União Europeia e a introdução do euro como moeda resultou em estagnação. A taxa
de crescimento diminuiu e atingiu um valor negativo. O desemprego aumentou, mas as políticas
sociais foram mantidas. No final do século XX, os escandinavos experimentaram outro período
de crescimento. No entanto, a crise global de 2008 colocou o sistema de segurança escandinavo
à prova. Desde então, as taxas de crescimento se estabilizaram, demonstrando a superioridade
do modelo de bem-estar escandinavo contra a ameaça da financeirização global e sua
capacidade histórica de reforma ao longo do tempo (KUHNLE, 2018; KUHNLE; HORT; ALESTALO,
2017).
As diferenças, no Brasil e na Suécia, na formação das classes e do estado de bem-estar
social, ajudam a compreender os processos que levam às divergências observadas na realidade
dos estudos de caso em tela. Ainda que exista a preocupação econômica na construção dos
conjuntos habitacionais suecos — e, portanto, das cidades —, o caráter socialdemocrata,
apoiado sobretudo na participação da sociedade, prioriza o padrão de qualidade de ocupação
da cidade, garantindo o direito à moradia e à cidade para aqueles que acessam as unidades
habitacionais.
4.2 Categoria Econômica: perfil dos moradores, fatores de escolha, acessibilidade e modo de
propriedade
Nos dois casos em tela, o perfil da população é desigual, o que pode levar a conflitos
comunitários. No caso da Suécia, verificamos que esses conflitos não foram tão perceptíveis,
pois não há a instituição do condomínio. No caso do Brasil, há necessidade de organizar
condomínios com regras mais rígidas, administradoras e áreas comuns maiores. Essas questões
têm criado problemas para a convivência entre as famílias beneficiárias. Esses conflitos ocorrem
na maioria dos empreendimentos de Faixa 1 do PMCMV. Embora presentes no Sirius, são
minimizados pelo excelente trabalho da Associação de Moradores. A Associação ajuda a
construir uma comunidade unida e participativa, incentivando as comemorações e o
envolvimento significativo dos moradores. Mantém um registro de residentes atualizado, além
de mediar disputas, preservando um relacionamento próximo com os síndicos.
Os dois casos se aproximam na característica de que as famílias não participaram do
processo de projeto das unidades habitacionais e dos conjuntos. As necessidades específicas da
população não são consideradas. Na lógica da produção em massa de unidades, o projeto
arquitetônico dos edifícios e das unidades permanece quase o mesmo. Para a Suécia, algumas
diferenças ainda são observadas, mas ignorando as demandas particulares — os apartamentos
de dois quartos são a regra. Os residentes não foram envolvidos no projeto do conjunto,
tornando distante a relação de familiaridade inicial com o local. No Brasil, embora o PMCMV
tenha financiado e contribuído significativamente para o trabalho social pós-ocupação, a
eficácia desses programas tem variado muito. No caso sueco, existem empresas que oferecem
serviços similares, mas sem obrigatoriedade.
A tendência à neoliberalização da habitação popular também pode ser vista nos dois
casos em tela. No Brasil, a principal solução para habitação popular é a propriedade privada. O
aluguel público com estoque de habitação pública era a norma na Suécia até o início dos ano s
1990. A propriedade pública tem se alterado cada vez mais para a propriedade privada, à medida
8
que a neoliberalização avança. O conjunto residencial Västra Kattarpsvägen foi convertido em
propriedade privada em meados de 2016. No Sirius, a unidade habitacional foi entregue como
propriedade privada em 2012, mas com financiamento vinculado de 10 anos, em que o
beneficiário não poderia vender ou alugar a unidade habitacional durante esse período. No final
de 2022, os primeiros beneficiários quitaram os financiamentos, o que permite vender ou alugar
os imóveis no mercado imobiliário, sem intervenção do governo. Acreditamos que esse direito
pode mudar o perfil dos moradores do Sirius, por meio da especulação imobiliária.
Embora privatizado, o complexo sueco continua com o modelo de aluguel. Gustafsson
(2022) sugere que a privatização pode refletir a potencial perda de controle do governo sobre
os perfis populacionais. À primeira vista, a segurança dos inquilinos não parece estar em risco,
já que os contratos de aluguel, na Suécia, são quase inextinguíveis, protegendo-os de aumentos
sistemáticos e excessivos de preços. Como aponta Endrighi (2020), há potencial de gentrificação
dessas áreas, pois as reformas e melhorias nas moradias levam a aluguéis mais altos e a maior
necessidade de subsídios públicos. Mesmo considerando as privatizações ocorridas na Suécia, a
realidade brasileira parece mais suscetível a alterações no perfil da população. As ameaças à
propriedade imobiliária no Brasil estão relacionadas a financiamentos, aluguéis e taxas de
condomínio e vendas especulativas superfaturadas. A política habitacional sueca se mostrou
mais eficaz em termos de segurança de permanência.
4.3 Categoria Cultural: inserção na cidade, origem das famílias e da comunidade, geração de
emprego e renda, padrão condominial e predial e concepção projetual
9
O conjunto residencial Västra Kattarpsvägen está localizado na região central de
Malmö, na Suécia, e foi construído quando a região ainda não estava totalmente integrada à
cidade. Porém, Malmö desenvolveu a região com planejamento urbano adequado, não
deixando lotes vagos e ocupando a área de maneira mais uniforme. Campinas, por outro lado,
tem espaços livres dentro da malha urbana consolidada. As cidades da Suécia são menos
densamente povoadas, mas possuem linhas de transporte mais eficientes, com maior
capacidade e conectividade. Em Campinas, a urbanização dispersa exige área
proporcionalmente maior, com menos eficiência e conectividade nos transportes.
A diferença de coesão entre as duas cidades se reflete na oferta de comodidades e
serviços próximos aos seus respectivos conjuntos habitacionais. Alta densidade não significa,
necessariamente, bem-estar na cidade. No entanto, Malmö tem um bom equilíbrio entre
densidade populacional, densidade de construção e infraestrutura urbana necessária para o
funcionamento. Campinas não tem o mesmo equilíbrio e sofre, sobretudo, com problemas de
mobilidade. Há uma característica da construção de uso misto no Brasil que a análise identificou
como o aprofundamento da especulação imobiliária urbana. Um dos condomínios que
compõem o Residencial Sirius está mais afastado dos demais blocos e o acesso a este
condomínio fica a cerca de um quilômetro, conforme mostra a Figura 2. Com algumas
modificações, essa distância pode ser significativamente reduzida. Ao prolongar esse acesso,
custeado com dinheiro público, houve ampliação da infraestrutura das zonas adjacentes, que
reduzirá o custo de utilização futuro, caracterizando a especulação.
As Figuras 3 e 4 mostram os dois conjuntos em tela e os equipamentos e serviços
circundantes. Utilizamos os conceitos de boa localização defendidos por Rolnik et al. (2015b)
para analisar a inclusão urbana, considerando os usos cotidiano, eventual e esporádico. O uso
cotidiano se refere às necessidades diárias, como creches, empresas locais, transporte público,
instalações médicas e instalações de lazer. As figuras sintetizam o levantamento dos
equipamentos, em um raio de um quilômetro do centro de cada conjunto. Para o Sirius, o
alcance foi ampliado para indicar a distância de atendimento disponível, pois a maioria dos
equipamentos não está dentro do raio recomendado.
Fonte: Imagem aérea adaptada de Google Earth. Fotografias capturadas no local entre os dias 27 fev. e 03 mar.
2023.
10
Figura 3 – Imagem aérea de entorno do Conjunto Habitacional Sirius, Campinas/SP-BR
Fonte: Elaboração própria, a partir do Google Earth 2020, de acordo com as informações do levantamento de
campo e de pesquisa em fontes primárias.
Fonte: Elaboração própria a partir do Google Earth 2020, de acordo com as informações do levantamento de campo
e de pesquisa em fontes primárias.
11
fornecimento de bens e serviços nas proximidades. A Associação de Comerciantes do Sirius
informou que cerca de 80 empreendimentos foram identificados e cadastrados na área, e que
consultas à prefeitura proibiram novas aberturas. A Associação pretende negociar com órgãos
do governo para regulamentar o direito de propriedade e uso dos estabelecimentos. Entre os
comércios e serviços existentes na área, destacamos: minimercado; assistência técnica de
eletrônicos; bar; restaurante; papelaria; lojas de roupas; e oficinas mecânicas. A Figura 5 mostra
as ocupações dos comércios locais.
Fonte: Fotografias capturadas nos locais. Dia 20 jan. 2023, na Suécia; e 02 mar. 2023, no Brasil.
12
No Brasil, o padrão de condomínio fechado torna os espaços públicos mais inóspitos.
Os muros tornam os espaços públicos menos atrativos, mais vulneráveis e perigosos (CALDEIRA,
1997). Comparando as realidades da Suécia e do Brasil, a primeira é caracterizada por calçadas
mais confortáveis e espaçosas, enquanto a segunda é dominada por calçadas estreitas
compartilhadas com equipamentos como árvores, postes e sacos de lixo. No seguimento das
ações da Associação de Moradores e Comerciantes do Sirius, alguns espaços entre as unidades
de comércios foram dotados de três equipamentos: um parque infantil, uma academia ao ar
livre e a sede da própria associação.
A Associação de Moradores e Comerciantes de Sirius está devidamente constituída e
possui documentos legais. As reuniões são realizadas com certa frequência, e há participação
efetiva dos moradores e comerciantes locais. A atuação do presidente é reconhecida e
vivenciada na área comercial, pois aborda os mais diversos assuntos para atender os mais
diversos tipos de demandas, como instalações, equipamentos, projetos, regulamentos e
arbitragem junto a agentes públicos. A Associação promove festas como o Dia das Crianças, o
Natal e as festas juninas com o apoio de organizações não governamentais. O presidente da
Associação mantém um contato próximo com os síndicos, para apoiar e auxiliar indiretamente
na gestão. Cada condomínio é administrado de forma independente, podendo complementar o
Regulamento Geral. Há participação ativa dos condôminos nas reuniões. As taxas, serviços e
benfeitorias variam conforme a administração, com valores entre R$ 120,00 (120 reais) e R$
180,00 (180 reais) por mês, para cada unidade.
Em habitações populares, as taxas de condomínio representam de 3% a 22% da renda
familiar, o que pode ser um problema. A falta de pagamento do condomínio pode resultar na
perda da unidade, colocando em risco a propriedade do imóvel. No caso sueco, não havia
informação disponível sobre as taxas condominiais, mas como há menos áreas comuns, os
custos de administração tendem a ser significativamente menores, proporcionalmente. Todos
os condomínios do Residencial Sirius são equipados com portaria, segurança eletrônica e
sistema de controle de acesso. Na Suécia, a maior parte da infraestrutura está em espaços
públicos e mantida pelo Estado. Os acessos são controlados por fechaduras eletrônicas.
O ambiente criado nas áreas públicas do Sirius é seguro, mas não tão confortável
quanto na Suécia. Observamos várias operações com de viaturas policiais, uma das quais foi
realizada de forma mais ostensiva na noite de uma sexta-feira, com policiais monitorando de
perto o movimento dos moradores, que confraternizavam no espaço público, perto dos
comércios. Segundo a Associação de Moradores, brigas e roubos são raros, mas o tráfico de
drogas está presente em um dos condomínios. A Associação do Sirius reconhece que esta
atividade existe em uma ampla variedade de ambientes urbanos e mantém relações amigáveis,
dentro de acordos informais pré-estabelecidos. No caso da Suécia, não há registro de violência
dessa magnitude, e o alto desenvolvimento humano e a qualidade de vida urbana podem indicar
que esses atos são controlados pelo Estado.
13
mas os instrumentos urbanísticos deveriam ter fornecido a estrutura necessária para que o
Estado decidisse onde localizar a habitação popular. No entanto, alguns conjuntos construídos
com recursos do PMCMV, como é o caso do Sirius, contribuíram menos com a infraestrutura
urbana e foram escolhidos pela iniciativa privada, devido à disponibilidade de terrenos mais
baratos.
Projetos, como o Residencial Sirius, em geral, requerem aprovações dos seguintes
órgãos: (a) Caixa Econômica Federal; (b) CETESB; (c) concessionárias de serviços públicos; (c)
GRAPROHAB; e (d) pelo menos a prefeitura e/ou as secretarias de urbanismo, habitação,
assistência social, projetos, transporte, saúde e educação. É incompreensível que essas licenças
pudessem ser obtidas sem que fossem feitos os questionamentos que trazemos aqui, sem
planejamento urbano eficaz. As áreas de habitação popular não são consideradas
estrategicamente no planejamento urbano brasileiro. Em muitos casos, medidas como Zonas
Especiais de Interesse Social não estão previstas em planos diretores e leis de uso e ocupação
do solo, deixando espaço para especulação imobiliária, sem que sejam impostos limites ou
restrições de uso ou preço do solo.
Em relação à qualidade do projeto de edificações, reafirmamos a prioridade do
PMCMV com seu impacto quantitativo e econômico (CALDAS, 2018; CARVALHO, 2018).
Portanto, consideramos se, em algum momento da história da habitação popular no Brasil,
houve um programa habitacional federal realmente virtuoso. Nesse sentido, fortalecer o estado
de bem-estar social brasileiro, para incluir a habitação como um de seus pilares, seria um passo
potencialmente importante para a garantia do direito à moradia digna e à cidade.
Uma análise comparativa das condicionantes urbanísticas dos conjuntos estudados
centra-se na implantação. A primeira diferença é o protagonismo das áreas públicas. Na Suécia,
servem como acesso aos edifícios e são bem equipadas para uso e socialização dos residentes.
Em Campinas, a qualidade do espaço não é a mesma, faltam instalações e o desenho é menos
interessante. A posição das torres cria áreas sombreadas durante as horas mais favoráveis do
sol da manhã, e a proximidade pode impedir a passagem dos ventos predominantes, afetando
a ventilação natural das unidades habitacionais da face noroeste. Todo o conjunto é fortemente
exposto ao sol da tarde, pouco interessante para um clima tropical. Esses elementos são
reforçados pela forma 'H' das torres. Uma parte significativa das unidades requer, portanto,
maior uso de iluminação e ventilação artificial, o que impacta nos custos com energia e no
conforto interno.
No caso sueco, essas condições são mais favoráveis. Como as torres são laminares e
amplamente espaçadas, há aberturas nas duas faces do edifício para melhor distribuir a luz do
sol e permitir ventilação mais eficiente. Para evitar sombreamento, as torres, nas bordas das
quadras, são mais baixas e as torres centrais são mais altas. O ângulo das lâminas em relação ao
norte permite que os ventos predominantes e a luz solar atinjam quase todas as superfícies.
Malmö experimenta temperaturas severas durante as estações mais extremas, chegando a 30
°C no verão e -15 °C no inverno. Garantir a exposição ao sol nos meses mais frios é tão
importante quanto a ventilação adequada nos meses mais quentes.
Jardins bem cuidados podem ser vistos nas áreas comuns dos condomínios que
conformam o conjunto brasileiro. Foram entregues aos moradores já gramados, com algumas
árvores. Posteriormente, foram valorizados pelos moradores que os mantêm. A maioria dos
condomínios mudou a padronização dos salões de festas e áreas de lazer fornecidas pelas
construtoras. Na Suécia, as áreas públicas têm boa conservação e limpeza, são mais bem
14
projetadas e equipadas do que no Brasil, e são de responsabilidade do poder público. Existem
lavandarias e garagens nos subsolos, e as áreas comuns são limpas regularmente. Encontramos
maior diversidade de equipamentos e mobiliários, e melhor distribuição dos espaços livres entre
os blocos (Figura 7).
Figura 7 – Fotografias das áreas comuns dos dois residenciais (Esquerda – Sirius; Direita Västra Kattarpsvägen)
Fonte: Fotografias capturadas no local. No Brasil, dia 27 fev. 2023. Na Suécia, entre os dias 16 e 20 jan. 2023.
5 RESULTADOS
6 CONCLUSÃO
No caso da Suécia, as coisas podem parecer melhores do que realmente são. O estado
de bem-estar social, de fato, não pode garantir moradia adequada e imediata para todos. A
Suécia enfrenta grandes problemas no setor habitacional, como a coabitação e a formação de
15
guetos. Outro problema é o tempo de espera por um apartamento, que pode chegar a sete anos,
em algumas cidades. Mas há qualidade na cidade construída e boa inserção do conjunto, que
conta com os serviços e equipamentos públicos necessários. Em comparação com o Brasil, a
política de habitação pública atual e histórica da Suécia é mais eficaz em garantir moradia digna
e o direito à cidade. O cuidado e qualidade dos conjuntos habitacionais e espaços públicos são
claramente superiores, perante a análise dos estudos de caso.
A política habitacional brasileira continua o processo de urbanização dispersa,
priorizando os interesses do capital imobiliário especulativo, agravando as condições urbanas e
excluindo os mais pobres nas periferias. Em ambos os casos, a neoliberalização econômica que
reflete no setor habitacional ameaça os beneficiários de várias maneiras. É provável que haja a
substituição dos ocupantes originais no decorrer do tempo. No Brasil, a venda das unidades
habitacionais no mercado imobiliário formal ou informal é possível. A gentrificação pode
deslocar famílias à medida que as habitações suecas são melhoradas por reformas feitas por
empresas de aluguel. Portanto, os moradores podem ter que mudar de localização dentro da
comunidade e viver em habitações antigas e não reformadas com acesso mais difícil aos serviços
e instalações da cidade, ou depender da coabitação, somando as rendas familiares, para cobrir
o custo do aumento das taxas de aluguel.
Quando se trata de justiça social urbana, a Suécia é mais avançada. O resultado é
sentido em espaços públicos urbanos mais seguros e confortáveis em relação à realidade
brasileira. Apesar dos problemas identificados, o sistema habitacional sueco oferece um melhor
equilíbrio no processo de urbanização em termos de proporcionar um nível mínimo de acesso
para todos. A desigualdade é alta no Brasil, exacerbando a injustiça e a violência urbana. Uma
minoria de pessoas com poder aquisitivo muito alto tem poucas restrições de acesso aos
serviços e comodidades da cidade, enquanto uma grande parcela da população com poder
aquisitivo muito limitado não tem acesso, ou tem acesso dificultado e insuficiente.
7 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
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16
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Criminais, São Paulo, n. 44, p. 341-346, jul./set. 2003.
17
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( X) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Angelo Palmisano
Doutor em Ciências Sociais, UNIVAG, Brasil.
Angelo.palmisano@univag.edu.br
RESUMO
Os atuais modelos de projetos habitacionais de interesse social implantados em muitas cidades ainda são carentes
na abordagem de novos conceitos voltados à sustentabilidade urbana e aplicação de alternativas sustentáveis, e em
Cuiabá/MT isso não é diferente. O objetivo deste artigo é apresentar as possibilidades da aplicação da infraestrutura
verde em projetos urbanos habitacionais de interesse social por meio de estudo de caso do Residencial Alice Novacki
em Cuiabá/MT. A metodologia exploratória envolve revisão bibliográfica e estudo de caso em conjuntos habitacionais
de interesse social na cidade de Cuiabá/MT, por meio de pesquisa, análise documental e observacional. Com a
apresentação das possibilidades da aplicação das tecnologias da infraestrutura verde em futuros projetos urbanos,
especialmente os projetos voltados à habitação de interesse social, espera-se contribuir para a melhoria das políticas
públicas do município na implantação de assentamentos humanos pautados nas premissas da sustentabilidade,
particularmente útil para as propostas de novos assentamentos na cidade de Cuiabá/MT. Ao abordar novas
estratégias que favoreçam a sustentabilidade urbana, busca-se contribuir para a promoção de políticas públicas que
proporcionem de forma efetiva um diferencial no desenvolvimento urbano sustentável para a melhoria da qualidade
das cidades e da vida de seus cidadãos.
PALAVRAS-CHAVE: Infraestrutura verde. Soluções baseadas na Natureza (SbN). Habitação de Interesse Social.
ABSTRACT
The current models of housing projects of social interest implemented in many cities are still lacking in the approach
of new concepts aimed at urban sustainability and application of sustainable alternatives and in Cuiabá/MT this is no
different. The objective of this article is to present the possibilities of applying green infrastructure in urban housing
projects of social interest through a case study of Residencial Alice Novacki in Cuiabá/MT. The exploratory
methodology involves literature review and case study in housing projects of social interest in the city of Cuiabá/MT
through research, documental and observational analysis. With the presentation of the possibilities for the application
of green infrastructure technologies in future urban projects especially projects aimed at social housing it is expected
to contribute to the improvement of the municipality's public policies in the implementation of human settlements
based on the premises of sustainability particularly useful for proposals for new settlements in the city of Cui abá/MT.
By approaching new strategies that favor urban sustainability we seek to contribute to the promotion of public policies
that effectively provide a differential in sustainable urban development to improve the quality of cities and the lives
of their citizens.
444
A infraestrutura verde, assim como as SbN, são recursos que quando implantados
adequadamente na cidade podem reduzir os custos com o tratamento de problemas
recorrentes no meio urbano.
Neste sentido, estudos como o de Benedict & McMahon (2006), Cormier & Pellegrino
(2008), Herzog & Rosa (2010), Ribeiro (2010), Vasconcellos (2015), Rosin (2017), PUB
Singapore’s Water Agency (2018), Pacheco Junior (2018) e Herzog & Rozado (2020) evidenciam
o significativo papel da infraestrutura verde na cidade, como soluções baseadas na natureza
que, dentre os inúmeros benefícios, auxiliam no manejo das águas pluviais por meio da
purificação, detenção, retenção, condução e infiltração, protegendo os corpos d´água urbanos,
removendo poluentes, e controlando as enchentes e erosões.
Para Benedict & McMahon (2006), a infraestrutura verde auxilia na proteção e
conservação de espaços naturais de conexão, e pode prover espaços de lazer e sociabilidade.
Herzog & Rosa (2010, p. 98) apresentam o conceito de infraestrutura verde como
“intervenções de baixo impacto na paisagem e alto desempenho, com espaços multifuncionais
e flexíveis, que possam exercer diferentes funções ao longo do tempo - adaptável às
necessidades futuras”.
As autoras ainda enfatizam a contribuição da infraestrutura verde para “a adaptação
de áreas urbanas para enfrentar ocorrências climáticas ao converter áreas monofuncionais, que
causam impactos ecológicos, em elementos que mimetizam os processos naturais”. Aliado a
isso, também destacam a infraestrutura verde como promotora de “benefícios reais para as
pessoas, ao transformar a paisagem urbana em áreas vivas, que aliam natureza, arte e cultura
local”. (Herzog & Rosa, 2010, p. 112).
Neste contexto, Ribeiro (2010, p. 39) afirma que a infraestrutura verde é uma
alternativa estratégica “que assume diferentes significados, da vegetação ao manejo das águas
pluviais”, e se caracteriza como um sistema que conecta as áreas naturais aos espaços abertos
construídos e se destina “à conservação das características ecossistêmicas da água, do solo, do
ar, das comunidades bióticas animais e vegetais, provê benefícios para as pessoas”, sendo um
sistema planejado e construído tomando como base a natureza no ambiente urbano.
As cidades sustentáveis tem como uma das interfaces a aplicação de elementos da
infraestrutura verde que muitas vezes já estão disponíveis nas cidades, como as áreas verdes,
fragmentos de mata, parques e espaços públicos, e neste sentido, Vasconcellos (2015, p. 35)
afirma ser necessária a criação de redes conectando estes elementos para efetivamente terem
valor por meio “da criação de ruas arborizadas, tetos verdes ou da renaturalização de rios e
canais [...] trabalhem juntos como um sistema funcional”.
Rosin (2017, p. 160) destaca a importância de compreender que preservar e conservar
certos locais também é fundamental para preservar a vida humana, devido a “purificação do ar,
amenização de temperaturas, a dispersão de poluentes, o controle de processos erosivos, além
de toda beleza e riqueza da fauna e flora e de solos férteis”.
É por meio de uma composição adequada dos elementos da infraestrutura verde, que
na concepção de Rosin (2017, p. 165-166), pode haver uma contribuição satisfatória “para um
projeto de cidade onde os recursos naturais e físicos convivam em equilíbrio, trilhando o
caminho da sustentabilidade”, e vão além do valor estético e ambiental dos parques e jardins
“para serem aplicados nos complexos sistemas de drenagem urbana”.
As SbN, bem como a infraestrutura verde, podem oferecer “oportunidades para
desenvolver soluções inovadoras [...], protegendo o que resta de ecossistemas e outras zonas
445
verdes para proporcionar serviços ecossistêmicos explícitos e todos os benefícios conexos”
(Herzog & Rozado, 2020, p. 10).
A infraestrutura verde se apresenta de forma estratégica como uma alternativa valiosa
para minimizar efeitos danosos decorrentes, dentre outros fatores, da urbanização acelerada e
da falta de planejamento urbano adequado nas cidades ao longo dos anos.
Apresentar modelos e possibilidades para a melhoria dos projetos urbanos de
conjuntos habitacionais de interesse social é fundamental, pois não basta disponibilizar somente
a habitação, é primordial pensar no entorno e contexto onde essa habitação está inserida e
proporcionar de fato a melhoria de vida aos cidadãos que vivem nestes conjuntos habitacionais.
2 OBJETIVO
4 RESULTADOS
1 A escala Likert, segundo Silveira et al. (2010), é usada em questionários para pesquisa de opinião, analisando seu
nível de concordância ou não com a afirmação predefinida. Usualmente são usados cinco níveis: discordo totalmente,
discordo parcialmente, indiferente, concordo parcialmente e concordo totalmente.
446
Quadro 1 – Conjuntos habitacionais (MCMV) entregues em Cuiabá (2010-2020).
N° Conjuntos habitacionais Ano Entrega N° UH
01 Residencial Jamil Boutros Nadaf 2010 322
02 Residencial Nova Canaã 2011 508*
03 Residencial Nova Canaã II 2011 493*
04 Residencial Jonas Pinheiro 2011 196**
05 Residencial Alice Novacki 2012 423
06 Residencial Nilce Paes Barreto 2012 500
07 Altos do Parque I 2013 472
08 Altos do Parque II 2014 638
09 Residencial Francisca Loureiro Borba 2016 499
10 Residencial Jonas Pinheiro II 2017 78**
11 Residencial Nico Baracat I 2019 360
12 Residencial Nico Baracat II 2020 443
13 Residencial Nico Baracat III 2020 461
14 Residencial Jonas Pinheiro III 2020 341**
Total de Unidades Habitacionais 5.734
*Número visível no Google Earth e sigcuiabá maior ou menor do que o informado ou noticiado.
**Número extraído do Google Earth, dados informados ou noticiados imprecisos.
UH – Unidade Habitacional; AEU – Área de Expansão Urbana
Fonte: Elaborado pelos autores com dados parciais da Prefeitura de Cuiabá, Biancardini Filho (2014) e sites de
busca.
447
Quadro 3 – Elementos utilizados no Formulário 02 relativos à Infraestrutura Verde.
Nº Elementos Nº Elementos
01 Arborização de vias públicas 09 Bacias biorretentoras ou pluviais
02 Arborização nas calçadas 10 Hortas urbanas
03 Arborização na praça 11 Praça
04 Faixa vegetada na calçada 12 Parque ou área verde
05 Pavimento / calçada porosa ou semipermeável 13 Área de lazer (playground / recreação) permeável
06 Muro vegetal / Parede verde Áreas de esporte (quadra de esporte ou campo de
14
07 Teto verde futebol) permeável
08 Jardim de chuva ou Biovaleta 15 Rua completa (via de uso múltiplo)
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
Quadro 4 – Pontuação dos conjuntos habitacionais obtida no formulário relativo à infraestrutura verde.
Residencial Residencial Residencial Residencial
PARÂMETRO/RESIDENCIAL Jamil Boutros Alice Altos do Nico
Nadaf Novacki Parque II Baracat III
01 Arborização de vias públicas 1 1 1 1
02 Arborização nas calçadas 2 3 2 2
03 Arborização na praça 1 2 1 1
04 Faixa vegetada na calçada 2 2 2 2
05 Pavimento ou calçada porosa ou semi-permeável 1 1 1 1
06 Muro vegetal / Parede verde 1 1 1 1
07 Teto verde 1 1 1 1
08 Jardim de chuva ou Biovaleta 1 1 1 1
09 Bacia biorretentora ou pluvial 1 1 1 1
10 Horta urbana ou Agricultura urbana 1 1 1 1
11 Praça 2 4 1 1
12 Parque ou área verde 2 3 2 2
Área de lazer (playground ou área de recreação)
13 1 1 1 1
permeável
Área de esporte (quadra de esporte ou campo de
14 1 1 2 1
futebol) permeável
15 Rua completa (via de uso múltiplo) 1 1 1 1
PONTUAÇÃO TOTAL OBTIDA 19 24 19 18
Fonte: Elaborado pelos autores (2021).
O Residencial Alice Novacki foi o conjunto habitacional que obteve maior pontuação
no segundo formulário com 24 pontos e dispõe de maior potencialidade para a implantação da
infraestrutura verde. Sendo assim, este conjunto habitacional foi utilizado para exemplificar as
possibilidades da aplicação destas infraestruturas em futuros projetos urbanos voltados à
habitação de interesse social.
448
Os terrenos possuem dimensão média de 180 m2, sendo 9 metros de frente por 20
metros na lateral e as edificações medem em média 40,00 metros quadrados, com afastamento
frontal de 5 metros e lateral de 2,5 metros entre as edificações.
Possui área verde com pouca vegetação arbórea e uma praça, que apesar de
apresentar vários elementos de interação social, como quadras esportivas, playground, bancos,
iluminação adequada, academia ao ar livre, também apresenta pouca arborização, dificultando
a sua utilização durante o dia. Na área pública há um Centro Municipal de Educação Infantil
(CMEI), a caixa d’água para atender o residencial e uma área vazia sem uso e sem arborização.
Durante a visita in loco, além do levantamento das informações e da situação do local,
também foi realizado o registro fotográfico de algumas situações descritas acima (Figura 1).
Figura 1 – Residencial Alice Novacki com a demarcação das áreas e os registros fotográficos no local.
449
Figura 2 – Principais potencialidades do Residencial Alice Novacki.
450
A infraestrutura verde tem potencial significativo para a proteção de sistemas naturais,
manutenção da biodiversidade, provimento de benefícios às pessoas, além de minimizar efeitos
resultantes de ações antrópicas, principalmente relacionadas ao escoamento da água urbana.
Na Figura 3 estão ilustradas algumas destas tipologias.
Fonte: Elaborada pelos autores com adaptação de Cormier & Pellegrino (2008), Vasconcellos (2015); PUB
Singapore’s Water Agency (2018); e Pacheco Junior (2018).
Dentre as tipologias da infraestrutura verde, a arborização se destaca pelas inúmeras
vantagens tanto ao ambiente natural quanto às pessoas, pois é de fácil implantação em cidades
já consolidadas e com custos menos expressivos em comparação à outras alternativas e Herzog
& Rosa (2010) ressaltam esses benefícios:
As árvores, essenciais na infraestrutura verde, têm funções ecológicas insubstituíveis,
como: contribuir significativamente para prevenir erosão e assoreamento de corpos
d’água; promover a infiltração das águas das chuvas, reduzindo o impacto das gotas
que compactam o solo; capturar gases de efeito estufa; ser habitat para diversas
espécies promovendo a biodiversidade, mitigar efeitos de ilhas de calor, para citar
algumas. (Herzog & Rosa, 2010, p. 97).
451
com a implantação de áreas ativas como ciclovias, áreas para circulação e atividades diversas
com espaços mobiliados.
Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).
A existência de vários espaços destinados às áreas verdes e áreas públicas com pouca
vegetação, possibilita a arborização destas áreas, bem como das calçadas que possuem faixa
vegetada, priorizando espécies arbóreas para sombreamento que se adequem à região e que
possuam galhadas e copas de menor diâmetro devido ao limitado espaço e largura das calçadas.
Uma área de mata nativa está presente no entorno do conjunto habitacional que pode
ser ampliada e protegida, potencializando a criação de um corredor verde e a implantação de
um parque linear com algumas áreas aptas para atividades de lazer e esporte, oportunizando à
população local espaços recreativos e de socialização.
Há várias vias por onde transitam os ônibus, no entanto não há pontos de parada,
existem apenas sinalizações verticais indicando o seu local. Pontos de ônibus com cobertura
verde poderiam ser inseridos nestes locais, viabilizando espaços agradáveis para os moradores
aguardarem pelo transporte.
Na Figura 5 está ilustrada a região do quadrante “B”, com destaques às áreas
potenciais para a aplicação das tecnologias da infraestrutura verde e apontadas as tipologias
passíveis de implantação como arborização, ruas verdes, tetos verdes, hortas urbanas,
corredores verdes e parques lineares com áreas ativas como ciclovias e áreas para circulação e
atividades diversas.
452
Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).
Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).
453
O quadrante “C” apresenta a continuidade da área verde do quadrante anterior, onde
já foi implantada pelo poder público uma academia ao ar livre com mobiliários adequados, no
entanto ainda é necessária a arborização do local, uma vez que fica inviável sua utilização
durante o dia devido à ausência de vegetação arbórea para sombreamento.
Em uma área pública mais centralizada do conjunto habitacional está situada a praça
que possui um playground infantil e duas quadras esportivas, porém também não há vegetação
arbórea para sombreamento. A arborização desta praça é extremamente necessária, devido à
alta incidência solar direta e ao intenso calor no local, o que inviabiliza a sua utilização pelos
residentes, principalmente durante o dia.
A Figura 7 ilustra a região do quadrante “D”, evidenciando as áreas com potencial para
a aplicação das tecnologias da infraestrutura verde, se destacando algumas tipologias passíveis
de implantação como ruas verdes, tetos verdes, horta urbana e agricultura verde, corredores
verdes, parques lineares e escola verde.
Fonte: Elaborada pelos autores com base na imagem do Google Earth (2021).
Nesta quadra em destaque se encontra o Centro Municipal de Educação Infantil Aliane
Fátima Monteiro e ao lado uma extensa área pública sem uso e sem vegetação, com potencial
para a implantação da Escola Verde que reúne inúmeras tipologias da infraestrutura verde,
como horta urbana, pomar, teto verde e jardins.
A implantação da Escola Verde oportuniza ações de educação ambiental e social com
as próprias crianças do CMEI, como também com outros alunos e crianças da comunidade, ações
necessárias e importantes para a melhoria da conscientização ambiental e social.
A maioria das possibilidades ilustradas nos quatro quadrantes apresentados são
possíveis de serem aplicadas nos conjuntos habitacionais estudados, no entanto existem
algumas limitações, como a largura das calçadas já implantadas com 2 metros de largura o que
dificulta o plantio de árvores com maior porte e mais favoráveis ao sombreamento. Porém, não
impede que espécies com desenvolvimento e porte mais apropriado sejam adotadas, sendo
preciso um estudo das espécies mais adequadas para esta finalidade.
Nos futuros projetos voltados à habitação de interesse social essas possibilidades de
tecnologias da infraestrutura verde são possíveis de serem implantadas, principalmente se o
problema com a limitação de alguns espaços, como a largura das calçadas, for sanado. Além
454
disso, possibilitaria a arborização de forma mais efetiva sem comprometer a plena acessibilidade
nas calçadas.
Algumas questões culturais também acabam sendo limitadoras de determinadas
ações, e isso tem se evidenciado ao observar a intensa impermeabilização das calçadas nos
conjuntos habitacionais como a concretagem das áreas vegetadas, situação que também ocorre
com a concretagem nas áreas internas dos lotes, situação que ocorreu após a ocupação das
unidades residenciais pelos moradores.
Portanto, um dos desafios está relacionado a essa mudança cultural conscientizando
a comunidade quanto aos benefícios da implantação das tecnologias da infraestrutura verde,
bem como quanto à necessidade de auxílio na manutenção das ações e serviços realizados pelo
poder público, para que possam usufruir de todos os seus benefícios, como conforto térmico,
salubridade, qualidade do ar, interação social, recreação e maior qualidade de vida para toda a
comunidade.
Outro desafio é o poder público perceber que muitas ações como a implantação de
tecnologias da infraestrutura verde nos conjuntos habitacionais, principalmente os voltados à
habitação de interesse social, podem promover uma gama de benefícios que superam a gama
de problemas que hoje existem nas cidades, especialmente em Cuiabá/MT, devido à falta de
tecnologias como estas efetivamente inseridas e aplicadas no meio urbano.
A importância deste estudo está no levantamento destas possibilidades que podem
efetivamente melhorar a qualidade ambiental com a redução das ilhas de calor, promovendo e
melhorando as condições de saúde, de conforto, de lazer, de socialização e aumentando a
qualidade de vida das pessoas.
5 CONCLUSÃO
455
relações com o local também já foram criadas e as mudanças e incorporações que venham a
alterar essas relações podem não ser bem aceitas pelos moradores, comprometendo o objetivo
do projeto intervencionista.
Por este motivo, a atuação do poder público com o envolvimento da população, por
meio de projetos participativos, é extremamente necessária para que os moradores se
identifiquem com as novas propostas e se sintam partícipes e incorporem novos modos de vida,
fortalecendo assim a identidade da comunidade local.
Reside aí a premência em se propor alternativas mais sustentáveis já incorporadas à
novos projetos urbanos habitacionais, sob a ótica de ofertar um produto que se incorpore desde
o início e que faça parte do processo de formação da identidade local, garantindo assim, a
sensação de pertencimento por parte dos moradores e elevando as possibilidades de sucesso
do projeto.
A exacerbada carência na abordagem de conceitos voltados à sustentabilidade urbana,
bem como na aplicação de alternativas sustentáveis como a infraestrutura verde nos conjuntos
habitacionais de interesse social, evidencia a necessidade de um número maior de pesquisas
como esta, que apontem para novas perspectivas na busca de cidades sustentáveis, além do
que, possibilitem identificar alternativas de intervenção para promover melhorias nos projetos
urbanos já instalados.
Com a apresentação das possibilidades da aplicação das tecnologias da infraestrutura
verde nos futuros projetos urbanos, especialmente os projetos voltados à habitação de interesse
social, espera-se contribuir para a melhoria das políticas públicas do município na implantação
de assentamentos humanos pautados nas premissas da sustentabilidade, particularmente útil
para as propostas de novos assentamentos na cidade de Cuiabá/MT.
Ao abordar novas estratégias que favoreçam a sustentabilidade urbana, busca-se
contribuir para a promoção de políticas públicas que proporcionem de forma efetiva um
diferencial no desenvolvimento urbano sustentável para a melhoria da qualidade das cidades e
da vida de seus cidadãos.
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457
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( x ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Luciane Tasca
Professor Doutora, UFJF, Brasil
luciane.tasca@ufjf.br
458
Patricia Nogueira Alves
graduanda, UFJF, Brasil
patricia.nogueira@arquitetura.ufjf.br
459
RESUMO
Com a finalidade de realizar uma revisão bibliográfica das metodologias de análise urbana, a partir das primeiras
críticas ao urbanismo moderno até os dias atuais, objetiva-se refletir sobre questões urbanas, com foco nos autores
que atuavam no campo do urbanismo e da arquitetura nos anos 60 e naqueles autores que retomaram as discussões
sobre os estudos urbanos posteriormente. A intenção é revisitar os mestres que empolgaram as décadas de 60, 70 e
80 do século XX e os que buscaram, posteriormente, cobrir o abismo entre planejamento urbano, projeto de
arquitetura e urbanismo e metodologias de análise da cidade. A temática apresenta grande relevância acadêmica,
tendo em vista a dificuldade em encontrar materiais didáticos que deem suporte aos estudos sobre as transformações
das cidades, entendendo-as, para propor mudanças sustentáveis. Espera-se contribuir para o estudo das cidades,
com este material que fornece uma leitura, conforme elucida a arquiteta e crítica Marina Waisman que busca a
interpretação das questões que envolvem a análise urbana no período selecionado, sistematizando-a em uma linha
do tempo que sobrepõe categorias de análise e considera o contexto no qual estão inseridas. Tal trabalho fomenta
discussões e reflexões sobre o urbanismo, que acarreta também no pensar a cidade em que vivemos atualmente,
visto que, diferentemente da historiografia geral, que tem por objeto de estudo algo que deixou de existir no tempo,
a historiografia da arquitetura e do urbanismo, tem por objeto algo existente no presente.
ABSTRACT
In order to carry out a bibliographic review of urban analysis methodologies, from the first criticisms of modern
urbanism to the present day, the objective is to reflect on urban issues, focusing on authors who worked in the field of
urbanism and architecture in the 1990s. 60 and in those authors who resumed discussions on urban studies later. The
intention is to revisit the masters who excited the 60s, 70s and 80s of the 20th century and those who later sought to
bridge the gap between urban planning, architecture and urbanism design and methodologies for analyzing the city.
The theme has great academic relevance, considering the difficulty in finding didactic materials that support studies
on the transformations of cities, understanding them, in order to propose sustainable changes. It is expected to
contribute to the study of cities, with this material that provides a reading, as elucidated by the architect and critic
Marina Waisman, who seeks to interpret the issues that involve urban analysis in the selected period, systematizing it
in a timeline that overlaps categories of analysis and considers the context in which they are inserted. Such work
fosters discussions and reflections on urbanism, which also entails thinking about the city we currently live in, since,
unlike general historiography, which has as its object of study something that ceased to exist in time, the
historiography of architecture and urbanism, has as its object something existing in the present.
KEY WORDS: Urban analysis methodology. Urban studies. Architecture and urbanism.
460
1 INTRODUÇÃO
Neste artigo inédito, não publicado e não submetido a nenhum outro evento e/ou
revista, atuamos de forma exploratória sobre os estudos no campo dos espaços públicos e as
cidades, que se desenvolveram mais ativamente a partir da década de 60 do século XX.
Buscando compreender a complexidade da vida urbana e elencar ferramentas simples
e pesquisas sistemáticas que possam tornar mais compreensivas as mudanças pelas quais as
cidades passaram ao longo do tempo, nos apoiamos em Gehl (2018), entendendo que uma boa
arquitetura garante uma boa interação entre o espaço público e a vida na cidade, e que a vida
na cidade muda constantemente no decorrer de um dia, semana ou mês, que dirá no decorrer
de anos. Por isso é importante criarmos um ambiente que valha a pena para bilhões de pessoas
que, diariamente, circulam entre edifícios nas cidades em todo o mundo.
Vendo a cidade como um conjunto de ruas, becos, edifícios, praças, marcos, pontos
1
nodais, precisamos compreender também, num sentido mais amplo, tudo que aconte ce entre
esses espaços, revelando o essencial que é a inter-relação entre a vida e o espaço em todos os
seus aspectos.
Sposito (1994) nos mostra que as cidades como formas espaciais produzidas
socialmente, mudam ao longo de sua história, recebendo reflexos e dando sustentação às
transformações estruturais que aconteceram na passagem da manufatura para o modo de
produção capitalista, nos séculos XVIII e XIX. Com o novo ritmo de produção impresso pela
industrialização, ocorreram mudanças que impactaram sobremaneira no crescimento
populacional e no adensamento de núcleos urbanos que viriam a se transformar em grandes
metrópoles no século XX.
A crescente especialização funcional que a industrialização provocou, e a ampliação
dos mercados, reforçou a divisão social do trabalho que se manifestou a nível espacial em
divisão territorial do trabalho. As cidades receberam assim, diretamente as consequências do
rápido crescimento populacional, sofrendo transformações significativas no nível da
estruturação de seu espaço interno.
O interesse em conhecer e atuar na cidade, conforme Corrêa (2004), deriva do fato de
ser ela o lugar onde vive parcela crescente da população. Mas também, de ser o lugar onde os
investimentos de capital são maiores e os conflitos sociais têm grande projeção. Atualmente, a
população mundial está na ordem dos 8 bilhões de pessoas, 2 e somente no Brasil de 2010 a 2022
a população cresceu 6,5% chegando a 203,13 milhões de pessoas em 2022. Neste mesmo ano,
segundo o IBGE (2022) as concentrações urbanas abrangeram 124,1 milhões de pessoas,
representando 61%.
Ainda para Corrêa (2004), o espaço urbano pode ser analisado como um conjunto de
pontos, linhas e áreas, que podem ser elaboradas a partir da percepção de seus habitantes.
1 Ver LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Destaque à 1ª Edição: The Image of the
city. MIT Press, Cambridge, MA, 1960.
2 Disponível em: https://brazil.unfpa.org/pt-br/publications/situacao-da-populacao-mundial-2023-8-bilhoes-de-
vidas-infinitas-possibilidades#:~:text=da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20mundial-
,Situa%C3%A7%C3%A3o%20da%20Popula%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%202023%20%2D%208%20Bilh%C3%B5es
%20de%20Vidas%2C%20Infinitas,defesa%20de%20direitos%20e%20escolhas&text=Novos%20dados%20revelam%2
0que%20o,manter%20as%20taxas%20de%20fecundidade Acesso em: 18 ago 2023.
3 Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/37237-
462
Hall (1996) revela que entre 1949 e 1957, Nova York gastou em renovação urbana o
dobro de todas as demais cidades americanas juntas no mesmo período. A rejeição ao
urbanismo moderno vai estar presente na jornalista canadense, Jane Jacobs, que irá liderar um
movimento local para a preservação do West Greenwich Village, fato que ela exporia em seu
mais famoso livro, Morte e vida de grandes cidades.
Em virtude desses acontecimentos, nos anos 60, vozes críticas começaram a indicar
que havia algo de errado com muitos bairros em construção em números inéditos, durante esse
período de rápido crescimento urbano. Faltava alguma coisa difícil de definir, mas que se
revelava em conceitos como as ‘cidades-dormitório’ e ‘empobrecimento cultural’. A vida entre
os edifícios havia sido esquecida, deixada de lado em função dos automóveis, da visão de larga
escala e dos processos excessivamente racionalizados e especializados. Entre os principais
críticos podemos destacar, segundo Gehl (2018), Jane Jacobs e William H. Whyte em Nova York,
Christopher Alexander em Berkeley e Jan Gehl em Copenhague.
Os pioneiros dos estudos sobre as cidades desempenharam os passos básicos para o
melhor entendimento do conceito efêmero de vida na cidade e sua interação com o espaço
público e as edificações. Seu método era estudar as cidades existentes, em geral pré-industriais,
para obter conhecimentos basilares sobre como seu uso e deslocamento. Muitas obras
publicadas desde os anos de 1960 até meados dos anos de 1980 ainda são consideradas textos
fundamentais para os estudos da vida nas cidades e, apesar dos métodos descritos terem sido
posteriormente refinados e novos interesses e tecnologias terem surgido, os princípios e
métodos básicos foram desenvolvidos naquele período.
Até meados dos anos de 1980, os trabalhos foram efetuados sobretudo por
instituições acadêmicas, mas ao final daquela década, estava claro que as análise e princípios
referentes à vida nas cidades deveriam ser convertidos em ferramentas que pudessem ser
usadas diretamente na prática do planejamento urbano. Por volta dos anos 2000, tornou-se
objetivo estratégico, tanto de arquitetos e urbanistas, quanto de políticos, melhorar as
condições de vida das pessoas para terem vantagens na competição entre as cidades que se
instalou com o processo da globalização e da chamada guerra fiscal. Era preciso criar cidades
sedutoras para as pessoas e atrair novos residentes, turistas, investidores e empregados para
preencher os novos empregos na sociedade do conhecimento e da informação. Para tal, era
imprescindível entender as necessidades e comportamentos das pessoas, fatos que Del Rio
(1990) cita como suscetíveis às próprias qualidades ambientais e ao desenho do espaço urbano,
frisando a importância de compreender tais inter-relações em encaminhamentos como o de
Lang (em 1987).
Ascher (2010) faz uma interessante classificação das revoluções urbanas: 1) a primeira
modernidade, que ele chama de paleurbanismo e as primeiras utopias; 2) a segunda
modernidade que produziu os modelos e deram nome ao urbanismo; 3) a terceira modernidade
que fez emergir novas atitudes diante do futuro, novos projetos, modos de pensar e ações
diferenciadas, que ele chama de neourbanismo ou novo urbanismo. Para esse autor, a terceira
revolução urbana já começou faz tempo, onde podemos notar a evolução considerável nas
práticas dos cidadãos, nas formas das cidades, nos meios, motivos e locais de deslocamento, das
comunicações e das trocas, nos equipamentos públicos e serviços, nas tipologias dos lugares
urbanos, nas atitudes em relação à natureza e ao patrimônio a ser preservado.
Outro ponto que merece destaque, conforme Rogers (2013) é que a sobrevivência da
sociedade sempre dependeu da manutenção do equilíbrio entre as variáveis de população,
463
recursos naturais e meio ambiente. Alertamos que, o descaso atual em relação a estes princípios
vêm causando graves consequências no meio ambiente natural e construído. É preciso lembrar
que estamos sujeitos às leis de controle da sobrevivência, entretanto, somos os primeiros a
constituir uma civilização global e, portanto, os primeiros a enfrentar a expansão da população
a nível mundial e a destruição dos recursos naturais e do meio ambiente. É assim uma ironia que
as cidades, o habitat da humanidade, sejam o maior agente destruidor do ecossistema e a maior
ameaça para a sobrevivência da humanidade no planeta. Farr (2013) nos relembra, que apesar
desse tema ser atualmente um dos mais tratados nos estudos sobre o presente e o futuro das
cidades, o crescimento urbano inteligente (Smart Growth) teve suas raízes no movimento
ambiental dos anos de 1970, que foi reforçado pela pauta legislativa com foco ambiental do
então Presidente dos Estados Unidos Richard Nixon. Já em 1996 o movimento do crescimento
urbano inteligente toma uma pauta mais ampla, com a criação dos 10 princípios do crescimento
urbano inteligente, iniciado por Harriet Tregoning.
Nesse caminho, percebemos que a atualidade oferece uma oportunidade histórica
para que a sociedade repense onde e como vive, trabalha e se diverte, compra e constrói suas
referências na paisagem. O caminho para um estilo de vida sustentável se constrói com base
nos princípios do crescimento urbano inteligente, otimizando os deslocamentos, priorizando os
modais de transporte sustentáveis e de menor impacto na emissão de gases tóxicos,
requalificando os espaços públicos tornando-os atrativos e convidativos às pessoas.
Assim como Rogers (2013) acreditamos piamente que a arquitetura, o urbanismo e o
planejamento urbano podem evoluir ainda mais para nos proporcionar ferramentas cruciais que
garantam nosso futuro através da criação de cidades com ambientes sustentáveis e civilizados.
No Brasil, mais do que em outras nações latino-americanas, importantes estudos
urbanos como o de Campos Filho (2010), ressaltam a importância de buscarmos suprir a enorme
desinformação sobre as questões urbanísticas, para obtermos uma melhor organização de nossa
vida cotidiana no espaço da cidade.
Diante do exposto, neste artigo, entendemos que é de grande importância que
ofereçamos contribuições para a reflexão sobre as questões urbanas, colocando em prática
nossa ação cidadã e participativa, tornada obrigatória pelo próprio Estatuto da Cidade e à qual
pouco ainda fazemos uso. Raciocinando em relação à organização do espaço das cidades,
conhecendo bem as consequências para as nossas vidas cotidianas, podemos buscar
alternativas para a melhoria da qualidade de vida de milhares de pessoas.
2 OBJETIVOS
A pesquisa foi desenvolvida com a finalidade de realizar uma revisão bibliográfica das
metodologias de análise urbana, a partir das primeiras críticas ao urbanismo moderno até os
dias atuais. Objetiva-se refletir sobre questões urbanas a partir de autores diversos, possuindo
a obra Introdução ao Desenho Urbano, de Vicente del Rio em 2001, como principal norteadora
para elencar tais autores, seguindo o recorte temporal estabelecido, visto que
uma seleção é indispensável, ainda que apenas para reduzir a totalidade a uma
dimensão compreensível. Em seguida, virão a organização, as articulações, as
valorizações, por meio das quais se tentará dotar de sentido o panorama traçado.
Porque a história não é uma simples narração: é uma sucessão de juízos. (WAISMAN,
2013, p.3)
464
Conforme elucida a arquiteta e crítica Marina Waisman, o estudo de um tema se trata
de um juízo a todo momento, inclusive na decisão de fazê -lo. Portanto, esta pesquisa se trata
da sucessão de juízos, isto é, decisões, discussões, estudos e análises feitas pelos pesquisadores
acerca do tema, a fim de chegar ao resultado da interpretação das questões que envolvem a
análise urbana no período selecionado, sistematizando-a em uma linha do tempo que sobrepõe
categorias de análise e considera o contexto no qual estão inseridas. Tal trabalho fomenta
discussões e reflexões sobre o urbanismo, que acarreta também no pensar a cidade em que
vivemos atualmente, visto que, diferentemente da historiografia geral, que tem por objeto de
estudo algo que deixou de existir no tempo, a historiografia da arquitetura, e também do
urbanismo, tem por objeto algo existente no presente, de forma que “o historiador tem que
partir dessa realidade presente” (WAISMAN, 2013, p. 11).
O desenvolvimento do presente trabalho caracteriza-se, tendo em vista o objetivo de
compreensão e sistematização dos pensamentos e relações associados ao urbanismo e às
metodologias de análise urbana pós-modernas, pela realização de uma revisão bibliográfica
atrelada, constantemente, ao entendimento holístico do contexto no qual as teorias em debate
estão inseridas. Assim, diante da impossibilidade do estudo das metodologias de análise urbana
na ausência da contextualização histórica, social, geográfica e política, torna-se imprescindível
que a construção deste trabalho se dê de maneira interdisciplinar, abrangendo aspectos
tangentes aos contextos nos quais os autores estão inseridos, e não de forma isolada.
O recorte temporal em questão, portanto, ao abranger o período a partir do qual as
primeiras críticas ao urbanismo moderno se fizeram concretas, no entremeio das décadas de
1950 e 1960 até os dias atuais, traz consigo diversas reflexões sobre as quais este estudo objetiva
entender e abranger no processo de revisão bibliográfica. Dentre esses aspectos decorrentes do
contexto geral em que as obras estudadas se inserem, destacam-se as noções, em boa parte das
teorias, do enfoque numa radical crítica ou contraposição em relação ao Movimento Moderno,
no que tange aos processos urbanos, uma vez que, em boa parte das metodologias de análise,
enfatizava-se uma idiossincrasia e a variedade das formas e percepções da cidade. Esta
característica, decorrente do contexto histórico, fica muito clara, por exemplo, nas concepções
de análise a partir do ‘townscape’ (em 1948 com Thomas Sharp), que é uma categoria de análise
subjetiva, intrinsecamente dependente da capacidade de observação e interpretação do
pesquisador e, consequentemente, permeada e embebida num sistema próprio de valores e
noções.
3 METODOLOGIA
465
conhecimento, e principalmente, remeta e traduza esse saber europeizado para nosso
continente latino-americano, sobretudo o Brasil.
Sabemos que a construção do conhecimento científico passa pelo reconhecimento de
lacunas envolvendo a organização e a discussão de um assunto de pesquisa. Dessa forma, a
revisão narrativa, pareceu-nos apropriada para descrever o estado da arte desse assunto, sob o
ponto de vista teórico ou contextual, possibilitando-nos ainda uma interpretação e análise
crítica, bem como a atualização de conhecimento sobre um determinado tema em curto
período.
Partindo desses preceitos, nosso foco neste trabalho foram os autores que atuavam
no campo do urbanismo e da arquitetura nos anos 60 e naqueles autores que retomaram as
discussões sobre os estudos urbanos na atualidade. A intenção é revisitar os mestres que
empolgaram as décadas de 60, 70 e 804 do século XX e os que posteriormente, atuaram na área
cobrindo o abismo entre planejamento urbano, projeto de arquitetura e urbanismo e
metodologias de análise da cidade. Tratou-se aqui de reconhecer a crise na Arquitetura
Moderna e o criticismo geral que o planejamento urbano atraiu.
Para tal, utilizamos como base os estudos sobre desenho e projeto urbanos do
arquiteto brasileiro Vicente Del Rio, considerado um dos mais destacados pensadores nesta área
no Brasil. Interessa-nos sobretudo, neste autor, a busca de produzir conhecimento sobre as
metodologias básicas no processo de planejamento das cidades, proporcionando um material
didático com objetivos acadêmicos, voltado para profissionais de arquitetura e urbanismo,
geografia, história, ciências sociais entre outros campos.
É interessante também apontar o recorte do objeto de estudo, que aqui é entendido
como um conjunto historiográfico que tem por objetivo compor um quadro do estudo em
‘Análise Urbana’. Isso se torna claro na sistematização de Del Rio (1990), que compõem uma
metodologia de análise a partir de disciplinas complementares como as Ciências Sociais,
Geografia, Psicologia, Antropologia e Sociologia. Assim, o entendimento dos limites desse
objeto são ‘plurais’, inserindo-se aqui Panerai (2006) na sua compreensão de que os
instrumentos de análise detêm uma generalidade necessária, já que eles têm de ser
suficientemente genéricos para que possam ser aplicados a qualquer cidade.
Acreditando que precisamos do conhecimento de diversas teorias, utilizando-as de
forma específica para a visão de um problema, ou fazendo uso delas na sua complementaridade,
partimos do entendimento de que existem alguns manuais de desenho que se configuram como
receitas metodológicas (DEL RIO, 1990). Podemos considerar, nessa caça às referências
principais dos anos 60, que se pautavam pela crítica ao modernismo e a busca por respostas
para uma efetiva melhora na qualidade de vida urbana, o trabalho de Kevin Lynch, em 1962
como o livro Site Planning, onde o autor aborda “o planejamento do sítio e a perfeita
implantação do projeto em seu contexto urbano e natural" (DEL RIO, 1990. p. 67).
Talvez Lynch e Jacobs, tenham sido representantes desse limiar de questionamentos
e insatisfações dos anos de 1960 em diante. Talvez, nessa angustiada busca por procedimentos
metodológicos e sua aplicação, esses autores e outros como, Norberg-Schulz e David Canter
4 Por pura homenagem citamos, nos anos 60: Kevin Lynch, Jane Jacobs, Gordon Cullen, Bernard Rodowsky, Paul
Davidoff, Fraçoise Choay, Christopher Alexander, Robert Venturi, Aldo Rossi, Herbert Gans, Edmund Bacon e Amos
Rapoport. Nos anos 70: Robert Goodman, Jonh Turner, Manuel Castells, Charles Jencks, Christian Norberg Schulz, E.
F. Schumacher, Peter Blake, Rob Krier, Leon Krier e Colin Rowe. E, nos anos 80: Kenneth Frampton, Jonathan Barnett,
Donald Appleyard, Allan Jacobs e David Gosling.
466
tenham ido a fundo nas análises do urbano mais aproximadas da fenomenologia, importante
fortalecedora do embasamento humanístico. Aqui, nos interessa o conceito de espaço
existencial, o ‘genius loci’, o caráter, a identidade, a qualidade de um lugar, juntamente com o
conceito de ‘sentido de lugar’, aquela qualidade indescritível que diz tudo sobre a qualidade
físico-ambiental dos espaços urbanos (DEL RIO, 1990). Nesse aspecto, entendemos que para
possibilitar um enfoque metodológico que contemple essas questões necessárias para a
compreensão dos fenômenos urbanos é preciso buscar dimensões sob a ótica do usuário.
Assim, apoiando-nos em Del Rio (1990) para encontrar os autores e suas metodologias
de análise urbana, nos baseamos no conceito de lugar como aquele que expressa a qualidade
físico-ambiental dos espaços urbanos, sendo gerado pela sobreposição de três esferas da nossa
consciência: 1) atividades ou usos; 2) atributos físicos e 3) as concepções e imagens.
Adotaremos, então, para fins de “facilidade do trabalho e por conformarem teorias e dimensões
de análise bastante distintas”, a divisão da esfera concepções e imagens em 3.1) análise visual
e percepção do meio ambiente e 3.2) comportamento ambiental e morfologia urbana (DEL RIO,
1990).
4 RESULTADOS
467
Ainda mais contemporâneo, Philippe Panerai (1980) desenha um panorama amplo do
campo de estudo, da Análise Urbana em sua publicação de mesmo nome, discutindo Morfologia
Urbana e sua importância tomando parte também da prática administrativa de assentamentos
urbanos, prática que somente compreende o fenômeno de Crescimento de uma cidade a partir
de dados políticos, econômicos e sociais atrelado aos dados morfológicos - já que sua
administração urge em continuamente responder a ‘um novo corpo de cidade’. (PANERAI,
1980).
A segunda abordagem, a Análise Visual (DEL RIO, 1990, p.86) tem como trabalhos mais
importantes os chamados pelo autor, de "Teorias/Métodos de Paisagem Urbana (townscape)".
O termo surge, como é usado hoje, em 1948 empregado por Thomas Sharp. O conceito de “tela
urbana" ou "cena urbana" (townscape) foi ainda introduzido e aprofundado por Gordon Cullen
em sua obra Concise Townscape (1961), considerada uma pesquisa seminal no campo da análise
urbana.
Tendo outros expoentes como David Gosling (1984), Kevin Lynch (1960) e Barry
Maitland (1984), a metodologia de análise urbana a partir da Análise Visual caracteriza-se,
portanto, pela compreensão individual e pela variedade das formas na cidade. A qualidade do
townscape é, segundo essa corrente, fundamental para a qualidade de vida urbana e o design
cuidadoso desses espaços pode ter um impacto significativo na experiência das pessoas. A partir
desses preceitos, consolida-se uma nova maneira de olhar e compreender as cidades,
enfatizando a importância da experiência e percepção visual e particular dos espaços urbanos.
Essencial nesta discussão, Cullen (1961) aborda temas como a escala humana, o ritmo e a
legibilidade dos espaços urbanos, enfatizando a criação de ambientes que sejam compreensíveis
e convidativos para os indivíduos. O objetivo principal desse autor em sua preocupação com os
aspectos visuais do ambiente é “a exploração do drama e dos efeitos emocionais sentidos a
partir de nossa experiência visual dos conjuntos edificados” (DEL RIO, 1990, p. 87).
Em oposição diametral aos conceitos do urbanismo moderno, fica evidente, nesse
momento, a importância da diversidade e variedade nas cidades, bem como a necessidade de
preservar e reutilizar elementos históricos e tradicionais na construção da paisagem urbana.
A terceira abordagem, Percepção do Meio Ambiente (DEL RIO, 1990, p.92), se
desenvolveu a partir de conceitos e métodos de psicologia, inspirando-se na Teoria da Gestalt
(surgida em 1890) e as de Gibson (em 1950) e Piaget (em 1963). Tomando como princípio de
que o homem se comunica através de um processo cognitivo, que é a construção do sentido em
nossas mentes, este processo se caracteriza por fases distintas como a percepção (campo
sensorial), a seleção (campo da memória) e atribuição de significados (campo do raciocínio).
Sobretudo, essa categoria pode ser reconhecida como um processo visual
primordialmente, pois a visão é o sentido mais prevalente em nós.
No nosso trabalho, temos o interesse na compreensão das unidades selecionadas para
compor a experiência visual, como a identificação das imagens públicas e a memória coletiva.
Para nós arquitetos e urbanistas, a linha mais influente, que transita entre a segunda abordagem
e essa, vem de Kevin Lynch (1960), ele próprio discípulo da Gestalt, que expandiu suas fronteiras
e analisou a imagem mental que os habitantes tinham de sua cidade. O referido autor estabelece
sua teoria em torno de três qualidades urbanas como conceitos de referência, sendo eles 1)
legibilidade; 2) identidade, estrutura e significado e 3) imageabilidade. Ao cruzar as informações
em mapas compostos, as imagens públicas que Lynch obteve identificavam claramente
elementos urbanos que se destacavam em seu papel para a imageabilidade. Esses elementos
468
altamente aplicáveis ao desenho urbano se transformaram em prática de uso na academia.
Elencam-se então os percursos, limites, setores, nós, marcos,
Já a quarta abordagem, a do Comportamento Ambiental (DEL RIO, 1990, p.96) se
baseia no preceito que o ambiente e sua configuração físico-espacial é capaz de influenciar
diretamente na maneira como os usuários atuam no espaço e se comportam. Essa categoria,
além de considerar a funcionalidade, ao ir de encontro com a psicologia, engloba outros
aspectos como, por exemplo, questões ligadas à estética e a tecnologia (MOORE, 1984).
469
Figura 1: Linha do Tempo, contemplando os quatro campos de estudo
470
5 CONCLUSÃO
Antes dos anos 60, quando os estudos sobre a cidade não eram um campo acadêmico,
tínhamos o olhar de fora do objeto cidade. As perspectivas se baseavam mais no ponto de vista
intuitivo e estético, como Camillo Site em Construccion de Ciudades Segundo Principios
Artísticos, publicado em 1889. Já em 1923, Le Corbusier com Por uma arquitetura, apresenta
seu manifesto modernista sob o ponto de vista funcionalista, selando esse conceito com a Carta
de Atenas em 1933.
Somente a partir da crise modernista iremos contar com perspectivas de análise
urbana voltadas para a escala do indivíduo e as formas como ele vê, sente, compreende e se
apropria da cidade. Essa é uma mudança importante de paradigma que pudemos visualizar
neste estudo, bem como as partes envolvidas e a origem de seus estudos, compondo um painel
internacional diverso de contribuições ao longo da historiografia. Destaque às contribuições
representativas brasileiras, que entram nessa cronologia por esforço de Del Rio (1990),
localizando a produção intelectual latina frente às produções europeias convencionalmente
referenciadas. Constata-se assim uma contribuição significativa aos estudos historiográficos, na
medida em que reposiciona a produção intelectual, deslocando-a para padrões anti-
hegemônicos.
Pela leitura e análise da linha historiográfica que construímos, podemos perceber que
a partir de uma leitura de base morfológica iniciada em meados nos anos de 1950 com Muratori,
e somada aos estudos da percepção do ambiente de Gibson, forma-se um arcabouço teórico
para embasar a crítica perspicaz de Jane Jacobs em 1961, que dará fôlego para novas pesquisas
e debates em torno da crise da cidade nos moldes modernistas.
Não obstante as ideias dos pioneiros terem influência, ela era limitada. Mesmo assim,
eles plantaram muitas sementes que iram germinar nos anos 1960 e florescer no início
do século XXI quando, finalmente, suas ideias seriam mais amplamente aceitas
conforme mudaram os valores da sociedade (GEHL, 2018).
Lynch e Cullen (em 1960) irão permear seus estudos e proposições de análise tanto da
percepção do ambiente quanto na análise visual, ferramenta de suma importância para
identificar a forma como os indivíduos veem, sentem e experimental o espaço, e assim, formar
as bases de uma verdadeiro manual utilizado até hoje para os trabalhos e projetos no campo do
urbano. Destacamos também nesta linha os trabalhos de Yi-Fu Tuan em 1974 detalhado a
percepção, atitudes e os valores do meio ambiente.
Essencial para fomentar a segunda etapa das discussões sobre as metodologias
aplicadas à leitura e proposições projetuais nas cidades é o trabalho de Panerai em 1980, que
retoma escalas e conceitos urbanos necessários para novas pesquisas. Esse conhecimento
certamente nos proporcionará um caminho para um presente e um futuro baseado em no ssas
boas práticas e experiências do passado, mas contendo instrumentos metodológicos aplicáveis
e que apresentem princípios sustentáveis.
Referência contemporânea de importante relevância é o autor Jan Gehl, que em 1987
já falava nos aspectos do comportamento ambiental dos indivíduos na cidade e na
contemporaneidade (em 2013) veio a publicar Cidades Para Pessoas, onde aborda de forma
aprofundada e bastante didática e objetiva, questões que são fundamentais para a qualidade
471
de vida na cidade e que refletem decisivamente na escala dos espaços, nas soluções de
mobilidade urbana e nas dinâmicas que favorecem a vitalidade, a sustentabilidade (GEHL, 2013).
Esse mesmo autor, nos traz em 2018 uma proposta de como estudar a cidade, mostrando aos
pesquisadores da cidade que ainda temos um longo caminho a percorrer e que precisamos criar
meios eficientes para atuar nos espaços urbanos.
Neste século XXI, os estudos sobre a cidade expandiram o conceito de
sustentabilidade, antes trabalhado com maior ênfase no meio ambiente natural, para uma
perspectiva ambiental, social e econômica, buscando maior conhecimento sobre a dinâmica da
coesão social e econômica do espaço público.
O ponto de partida e o motivo das nossas pesquisas deve ser o desenvolvimento da
vida urbana com qualidade e para tal, precisamos de estudos mais aprofundados.
Sabemos muito pouco sobre o que faz um bom espaço público. [...] No decorrer dos
anos, as atividades urbanas mudaram e novos grupos de usuários surgiram. Se antes,
a vida na cidade no espaço público era dominada pelas atividades necessárias, hoje,
atividades opcionais e recreativas estão no topo da agenda. Trabalhamos, vivemos e
brincamos de maneira a propor novas demandas para as nossas cidades (GEHL, 2018).
Caminhando para uma conclusão, vemos que um planejamento urbano que priorize
as pessoas e a escala humana, manifesta o respeito às mesmas e promove convites para
participarem da vida urbana. Certamente abrimos um leque de possibilidades para
desdobramentos de novas pesquisas sobre como ao longo do tempo entendemos nossos
espaços urbanos e como criamos ferramentas de ação sobre as cidades. Sem dúvida, o ponto
central de todo esse esforço acadêmico e científico é o entusiasmo pela vida e pela cidade.
6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ASCHER, François. Os novos princípios do urbanismo. São Paulo: Romano Guerra, 2010.
CATALDI, Giancarlo; MAFFEI, Gian Luigi; VACCARO, Paolo. Saverio Muratori e a escola Italiana de tipologia projetual.
Portugal: Revista de Morfologia Urbana (2014) 2(1). 25-36. Rede Portuguesa de Morfologia Urbana.
CAMPOS FILHO, Candido Malta. Reinvente seu bairro: caminhos para você participar do planejamento de sua
cidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
CORRÊA, Roberto Lobato. O espaço urbano. São Paulo: Editora Ática, 2004.
CHOAY, Françoise. O Urbanismo. Utopias e Realidades. Uma Antologia. São Paulo: Editora perspectiva, 1992.
DEL RIO, Vicente. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo: PINI, 1990.
FAAR, Douglas. Urbanismo Sustentável: desenho urbano com a natureza. Porto Alegre: Bookman, 2013.
GEHL, Jan. Life Between Buildings: Using Public Space. Van Nostrand-Reinhold, Nova Iorque, 1987.
472
IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: www.ibge.gov.br Acesso em: 18 ago 2023.
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
MORENO, Julio. O futuro das cidades. São Paulo: Editora SENAC São Paulo, 2002.
MOORE, Gary T. Estudos de comportamento ambiental. In: SNYDER, J. Introdução à Arquitetura. Rio de Janeiro:
Campus, 1984. p.65-88
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SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. Capitalismo e urbanização. São Paulo: Contexto, 1994.
WAISMAN, Marina. O interior da história: historiografia arquitetônica para uso de latino-americanos. São Paulo:
Perspectiva, 2013.
473
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
(x ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Douglas Gallo
Professor Doutor, IFSP, Brasil.
douglas.luciano@ifsp.edu.br
474
RESUMO
A mobilidade ativa é uma estratégia fundamental para a garantia de cidades mais saudáveis, sustentáveis, seguras e
humanas. As políticas públicas são fundamentais para a consolidação de um modelo de cidade que privilegia a escala
e a dimensão humanas, possibilitando a configuração de espaços que privilegiem o deslocamento a pé e por bicicleta,
e criando cidades mais ativas. O objetivo do artigo é relacionar a mobilidade ativa com a infraestrutura do
planejamento urbano da cidade de São Paulo, discutindo como o planejamento pode considerar a saúde da
população, contribuindo para uma cidade com mais qualidade de vida. Além disso, procura -se analisar como se deu
o desenvolvimento de políticas públicas relacionadas ao ciclismo urbano na cidade, visto que elas contribuem para
incentivar o uso do transporte ativo. Embora tenham ocorridos avanços com a criação de uma legislação e
planejamento focados na ciclabilidade, a cidade de São Paulo ainda possui grandes desafios e potencial para expansão
da malha cicloviária, particularmente nos territórios mais periféricos e desiguais.
ABSTRACT
Active mobility is a key strategy for ensuring healthier, more sustainable, safer and more humane cities. Public policies
are fundamental for the consolidation of a city model that favors the human scale and dimension, enabling the
configuration of spaces that favor walking and cycling, and creating more active cities. The objective of the article is
to relate active mobility with the infrastructure of urban planning in the city of São Paulo, discussing how planning
can consider the health of the population, contributing to a city with better quality of life. In addition, it seeks to
analyze how the development of public policies related to urban cycling in the city took place, since they contribute to
encourage the use of active transport. Although there have been advances with the creation of legislation and
planning focused on cycling, the city of São Paulo still has major challenges and potential for expanding the cycling
network, particularly in the most peripheral and unequal territories.
475
1 INTRODUÇÃO
As políticas públicas voltadas à saúde até meados dos anos 1970 concentravam suas
ações na construção de hospitais e na formação de profissionais “superespecialistas”, o que
mostrava que a questão da saúde focava no físico do indivíduo, mais especificamente, no
tratamento de doenças. Atualmente a saúde passou a ser relacionada, não somente com um
indivíduo saudável, livre de doenças, mas também com a qualidade de vida desse indivíduo,
visto que a saúde inclui questões como alimentação, habitação, condições de trabalho,
deslocamento, oportunidades educacionais e sociais (GALLO; BESSA, 2018). A própria
Organização Mundial da Saúde define saúde como um estado de bem-estar físico, mental e
social (WHO 2006).
Por isso, cada vez mais procura-se modificar as cidades para que elas sejam mais vivas,
saudáveis, seguras, resilientes e sustentáveis (GEHL, 2013). A mobilidade urbana vem recebendo
mais atenção no planejamento urbano das cidades, visto que a questão do deslocamento do
indivíduo acaba afetando sua saúde. Busca-se mais e mais atingir uma mobilidade sustentável
para ajudar nos problemas de locomoção das grandes cidades, causados por longos
congestionamentos, derivados do modelo rodoviarista que as cidades desenvolveram ao longo
de sua expansão, um bom exemplo é a cidade de São Paulo.
Em relação ao contexto histórico da cidade de São Paulo, o crescimento
automobilístico do século XX junto com a urbanização acelerada da cidade formaram um
desenho urbano que favoreceu o transporte motorizado individual, em detrimento do
transporte coletivo e/ou ativo. Esse tipo de transporte dispara a emissão de poluentes na
atmosfera, que gera sérios problemas de saúde pública, podendo ocasionar doenças
respiratórias e cardíacas, e isso, consequentemente, acaba aumentando os gastos do Estado
com saúde (SOARES, 2015).
Atualmente o aumento da frota de automóveis é intensificado pela má qualidade dos
transportes públicos coletivos, na cidade de São Paulo, aproximadamente 70% das emissões de
gases de efeito estufa são produzidos por automóveis, sendo que esses só são responsáveis pela
mobilidade de 30% da população (CRUZ; PAULINO, 2019). Ao perceber que a mobilidade urbana
está em crise, com congestionamentos cada vez maiores, o desenho de novas políticas públicas
está sendo orientado pela priorização de modos de transportes mais saudáveis e sustentáveis,
como modos ativos, incentivando o uso de bicicletas e o deslocamento a pé. Novas agendas
supragovernamentais apoiam esta reorientação em prol da construção de cidades saudáveis,
por meio de um planejamento urbano focado na promoção da saúde e da mobilidade ativa
(WHO, 2008).
Pensar em cidades mais saudáveis é necessário no cenário atual, para promover mais
saúde e qualidade de vida aos indivíduos e, para isso, é necessária a reorientação de planos de
mobilidade urbana. A mobilidade ativa, priorizada pela Política Nacional de Mobilidade Urbana,
a PNMU (BRASIL, 2012), é uma nova tentativa de alteração da lógica injusta atual, em que não
é pensada a dimensão do indivíduo na cidade e, sim, do automóvel. Essa mudança contribui para
elevar os níveis de saúde urbana, incentivando e facilitando estilos de vida mais ativos. A
promoção da mobilidade ativa visa melhorar a qualidade de vida urbana, incorporando políticas
com potencial de inovação em serviços urbanos (CRUZ; PAULINO, 2019).
O conceito de Cidade Ativa, remete à uma cidade que incentiva o indivíduo a praticar
atividade física todos os dias, pelo menos 30 minutos. A realização dessa atividade impacta, não
476
somente, na vida individual, como também na saúde pública, visto que indivíduos mais
saudáveis ocasionam menos gastos ao Estado. Essa atividade pode ser realizada de diversas
maneiras, como exercícios físicos, caminhadas, uso de bicicleta e até o ato de subir escadas é
contado (BUFFOLI, 2014; WHO, 2008).
De acordo com Buffoli (2014), uma cidade que investe em políticas para o
desenvolvimento de uma Cidade Ativa, além de proporcionar benefícios para a saúde da
população, desenvolve os seguintes benefícios:
● economia com despesas de saúde e transporte;
● aumento na produtividade dos cidadãos e trabalhadores;
● criação de ambientes mais habitáveis e atraentes para residentes,
trabalhadores e turistas;
● melhora na qualidade do ar e na poluição sonora;
● maior acessibilidade às áreas verdes;
● requalificação participativa dos bairros e incremento da coesão social e da
identidade comunitária;
● promoção e alargamento das redes sociais.
Com a ajuda de políticas públicas que incentivem meios mais saudáveis de viver, o
desenho urbano da cidade pode ser reconfigurado para esse propósito, com criação de mais
espaços de lazer para a prática de atividades físicas, criação de ciclovias/ciclofaixas, que
estimulem o uso frequente de bicicletas e mais espaços de qualidade para o deslocamento a pé,
fomentando, assim, uma mobilidade mais sustentável e saudável nas cidades.
Essa pesquisa teve como foco o ciclismo urbano enquanto ferramenta para o
desenvolvimento de cidades mais ativas, levando em conta que a bicicleta surgiu como uma
alternativa para a crise de mobilidade urbana, sendo um meio de transporte sustentável e
eficiente. Procurou-se, então, analisar as políticas públicas cicloviárias e planos de mobilidade
como instrumentos institucionais para promoção de uma mobilidade ativa e,
consequentemente, uma cidade mais saudável. O objetivo do artigo é discutir a mobilidade ativa
como elemento constitutivo de um planejamento urbano saudável que impacte na qualidade
de vida urbana, apresentando a evolução das políticas públicas do setor.
Pretendeu-se relacionar a mobilidade ativa com as políticas e planos cicloviários,
relacionados ao planejamento urbano da cidade de São Paulo, discutindo como o planejamento
pode considerar a saúde da população, contribuindo para uma cidade com mais qualidade de
vida. Além disso, procura-se analisar como se deu o desenvolvimento de políticas públicas
relacionadas ao ciclismo urbano na cidade, visto que elas contribuem para incentivar o uso do
transporte ativo. Como metodologia o estudo realizou uma revisão da literatura e um análise
documental da legislação e das políticas públicas setoriais, bem como uma análise espacial da
infraestrutura cicloviária instalada As hipóteses levantadas inicialmente foram, que o
desenvolvimento das políticas públicas relacionadas à bicicleta favoreceu regiões específicas da
cidade, levando a uma má distribuição da infraestrutura cicloviária da cidade que afeta a saúde
e a qualidade de vida dos indivíduos residentes das regiões periféricas e historicamente menos
desenvolvidas.
477
2 CICLABILIDADE
478
calçadas adequadas e, também, em transporte coletivo, visto que ele incentiva o ato de
caminhar, já que os indivíduos são estimulados a andar até as paradas e destas até seus destinos.
479
possível fazer uma análise de como essas políticas influenciaram a expansão da malha cicloviária
da cidade, e posteriormente analisar a relação dessa expansão com a sua qualidade e
distribuição pela cidade de São Paulo.
Figura 2 – Linha do tempo com as principais Políticas Públicas da cidade de São Paulo/SP relacionadas à mobilidade
por bicicletas
480
Em 1997 ocorreu um marco importante na história da bicicleta, ela foi reconhecida
como veículo no Código de Trânsito Brasileiro – CTB de 1997 (BRASIL, 1997). A partir daí, a
bicicleta teve maior visibilidade, mas, mesmo assim, não recebeu a atenção necessária. Em 2005
a cidade de São Paulo ganhou um novo plano cicloviário, que desta vez teve como motivação
um projeto da Prefeitura do Município de São Paulo que visava a redução da emissão de gases
veiculares. Desde os anos 2000 o uso da bicicleta já tinha aumentado na cidade, alguns
bicicletários tinham sido criados próximos a estações de ônibus e metrô, o que permitia uma
maior integração com o transporte coletivo, e isso foi analisado na Pesquisa de Origem e Destino
do Metrô de 2002, os resultados mostraram um grande uso da bicicleta motivado pelo trabalho,
portanto, o novo Plano de 2005 propunha uma infraestrutura cicloviária que incentivava esse
tipo de uso (MALATESTA, 2012).
Em 2007 a Lei N° 14.266/07 determinou a criação do Sistema Cicloviário do Município
de São Paulo, como contribuição para o incentivo ao uso de bicicletas como meio de transporte
na cidade e à mobilidade sustentável (SÃO PAULO, 2007). Após a aprovação dessa lei, ficou a
cargo da CET – Companhia de Engenharia de Tráfego – a administração das intervenções
propostas para o município, o que incluía o desenvolvimento e aprovação dos projetos. A criação
dessa Lei desencadeou outro marco importante para a bicicleta, visto que devido a demanda de
projetos de intervenções cicloviárias na cidade, em 2009 foi criado na CET um departamento
específico para o Planejamento Cicloviário (MALATESTA, 2012).
Em 2010, foi desenvolvido o 4° Plano Cicloviário da cidade, ele tinha por objetivo
cumprir a Lei N° 14.266/07. Ele se baseou na Pesquisa do Metrô OD de 2007 e abrangia
pequenos setores que não tinham sido incluídos nos planos anteriores, mas não detalhava como
funcionaria as ligações com os outros setores, similar ao plano anterior ele também visava
apoiar as viagens diárias de bicicleta motivadas pelo trabalho (SÃO PAULO, 2020).
O ano de 2012 pode ser considerado um divisor de águas para a infraestrutura
cicloviária da cidade de São Paulo, a Lei Federal N° 12.587/12 instituiu a criação da Política
Nacional de Mobilidade Urbana – PNMU. Ela previa que municípios com população acima de 20
mil habitantes teriam que estabelecer como prioridade dos investimentos públicos os modos
ativos e coletivos de deslocamento, elaborando um plano de mobilidade até 2015, caso
quisessem receber recursos federais para projetos na área de mobilidade (BRASIL, 2012). Em
2013 foi criado o Conselho Municipal de Trânsito e Transporte – CMTT, pelo Decreto N° 54.058
de 2013 (SÃO PAULO, 2013), ele tinha como uma de suas funções, “subsidiar a formulação de
políticas públicas municipais relacionadas à Política Nacional de Mobilidade Urbana”, e
acompanhar o desenvolvimento e implementação do Plano de Mobilidade (SÃO PAULO, 2007).
Em 2014 aconteceu a revisão do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo
– PDE, o Plano era de 2002 e sua revisão já estava atrasada, era pra ter acontecido em 2006,
mas a revisão não foi finalizada (SÃO PAULO, 2014). A revisão de 2014 contou com participação
popular e foi elaborado um modelo novo de desenvolvimento urbano, o PDE visou enfrentar as
desigualdades presentes na cidade de São Paulo relacionadas ao território, dando enfoque para
a inclusão social, melhorias na acessibilidade de mobilidade para a população, ao
desenvolvimento sustentável da cidade e a diminuição de custos nos deslocamentos, que
atingem a população mais vulnerável. Sua intenção era garantir uma cidade mais equilibrada,
com responsabilidade ambiental, inclusiva e, principalmente, qualidade de vida (SÃO PAULO,
2021).
481
Em 2015 a cidade de São Paulo ganhou seu novo Plano de Mobilidade, o PlanMob/SP,
que foi elaborado atendendo os princípios e diretrizes da PNMU e da revisão do PDE.
Novamente foi dada prioridade do uso do espaço urbano para os meios de deslocamento
coletivos e ativos, sendo o deslocamento a pé o que teria prioridade entre os outros, visto ser
uma “atividade básica do ser humano”. A bicicleta é reconhecida como um meio de transporte
mais saudável e de custo mais baixo que os transportes motorizados individuais, portanto o
PlanMob pretendia estimular o uso desse meio, através da implementação de um S istema
Cicloviário que promovesse aos usuários ganhos em relação a quesitos ambientais, econômicos,
sociais e, principalmente, à saúde (SÃO PAULO, 2015).
O PlanMob/SP definiu como meta a implementação de mais de 400km de
infraestrutura cicloviária até 2016 e um total de 1.800 km de cicloestruturas até 2028 (SÃO
PAULO, 2015). Isso fez com que a rede cicloviária de cidade se expandisse de menos de 250 km
de infraestrutura em 2014 para mais de 500 km em 2016. Após essa expansão foi observada
uma estagnação no crescimento das ciclovias e em 2019 um novo plano foi elaborado com a
promessa de mais 173 km de novas vias (SÃO PAULO, 2020). De acordo com a CET (2023),
atualmente, a cidade conta com 722,1 km de vias com tratamento cicloviário permanente,
sendo 690 km de ciclovias/ciclofaixas e 32,1 km de Ciclorrotas. Ainda complementando o
sistema são 7.192 vagas em 72 Bicicletários e 802 vagas em 29 locais com Paraciclos.
Em 2023 o Plano Diretor Estratégico de São Paulo - PDE passou por uma revisão,
atrasada em decorrência da Pandemia de Covid-19, onde não aconteceram grandes
modificações em relação ao tema da mobilidade ativa. A melhoria da mobilidade urbana
continua como uma diretriz importante para a construção de uma cidade mais equilibrada com
a reversão do atual modelo de mobilidade centrado no uso de automóvel individual. Ainda que
o PDE estabeleça recursos mínimos e permanentes para ampliar e rede e qualificar o transporte
público e os meios não motorizados, o único indicador apontado para seu monitoramento é a
“Distribuição dos recursos liquidados do FUNDURB no Sistema de Mobilidade”, o qual
demonstra claramente que o montante de recursos para o sistema cicloviário é insignificante
(Figura 3)
Figura 3 – Distribuição dos recursos liquidados do FUNDURB no Sistema de Mobilidade do Município de São
Paulo/SP, por tipo de intervenção
482
4 INFRAESTRUTURA CICLOVIÁRIA EM SÃO PAULO
Tomando como base a análise da linha do tempo das políticas públicas relacionadas à
bicicleta na cidade de São Paulo (Figura 2), pôde-se concluir que dos anos 1980 aos 1990, a
maioria das políticas públicas para a criação de ciclovias não foram, de fato, efetivadas, mesmo
com a criação de leis e de um plano cicloviário, isso ocorreu até o reconhecimento da bicicleta
como veículo no Código de Trânsito Brasileiro – CTB, em 1997. A partir daí, a bicicleta teve maior
visibilidade, mas, mesmo assim, não recebeu a atenção necessária.
Os planos apresentados no começo do desenvolvimento da infraestrutura para
bicicleta não foram cumpridos, a maioria foi deixada de lado pouco tempo depois de criados. A
cidade de São Paulo iniciou a se desenvolver na temática quando políticas públicas sólidas
começaram a ser implementadas, como a PNMU que impôs a necessidade de um plano de
mobilidade, e desses foram desenvolvidos planos cicloviários. Na figura 4, pode -se observar essa
evolução a partir do ano de 2014, entretanto, foi observada a estagnação que ocorreu no
crescimento da malha entre os anos de 2016 e 2018, que foi quando uma nova gestão assumiu
a prefeitura da cidade e não deu continuidade às ações do antecessor. A malha voltou a se
expandir quando ocorreu uma nova troca de gestão, que foi quando o novo Plano Cicloviário
2019-2020 foi criado para dar continuidade ao que a gestão de 2015 havia iniciado.
Figura 4 – Evolução da malha cicloviária da cidade de São Paulo/SP, entre 2010 e 2021
Fonte: Elaborado pelos autores com base em São Paulo (2020) e CET (2023) .
483
do projeto não receberá os créditos. De acordo com Saldiva (2018), sempre é a sociedade que
acaba sendo prejudicada por essa “visão de lucros imediatos e por uma boa dose de ganância e
falta de espírito público”.
Na figura 5, é possível perceber a distribuição desigual da malha cicloviária, da cidade
de São Paulo, nas diferentes regiões. A região do centro expandido é a que possui maior
concentração de cicloestruturas, mostrando a necessidade de um planejamento mais cuidadoso
na promoção da mobilidade ativa, especialmente nas regiões periféricas da cidade.
484
Essa problemática está relacionada ao contexto histórico da cidade, cuja urbanização
acelerada e o modelo rodoviarista contribuíram para a precarização das infraestruturas
disponíveis. O uso intenso do transporte motorizado individual, incentivado pelo rodoviarismo,
reformulou e reconfigurou o espaço urbano, o que acabou por não priorizar a dimensão humana
na cidade. Os indivíduos de renda mais baixa enfrentam, cada vez mais, uma maior distância
entre sua moradia e seu trabalho, isso dificulta o uso da bicicleta, já que ela é um meio de
deslocamento de curta distância (SOARES, 2015).
O aumento dessa distância é considerado parte do espraiamento urbano, que é
acompanhado pelo aumento dos custos de deslocamento, essas dificuldades somadas à
problemas no sistema público de transporte, acabam desincentivando a mobilidade ativa
(BATISTA; LIMA, 2020). Tudo isso é intensificado pelas políticas públicas de habitação social que
acabam levando os mais pobres para os extremos da cidade, longe do centro, promovendo uma
exclusão social urbana (ROLNIK, 2001).
Essa exclusão impactou, não somente, na mobilidade individual, como também na
saúde urbana. A saúde pode ser relacionada às suas condições de vida, visto que a saúde urbana
pode sofrer influência do local de residência, do local de trabalho e, também, da qualidade e
acesso aos serviços públicos que os indivíduos possuem, o que está atrelado à infraestrutura
que é fornecida ao seu redor. Portanto, o agravamento da pobreza e a exclusão social nas
cidades são consideradas mais um empecilho ao acesso da população a uma infraestrutura
adequada, e isso diminui seu bem-estar urbano (GALLO; MATSUNAGA; BESSA, 2018).
É um fato histórico na cidade de São Paulo que os investimentos públicos priorizam o
setor sudoeste da cidade, Raquel Rolnik comenta em seu livro que isso acontece desde o século
XX, visto que esse era o espaço da elite branca da cidade, e que as periferias com seu
crescimento desordenado são renegadas e deixadas com baixa infraestrutura (ROLNIK, 2001).
Pode-se perceber o quanto isso é atual, reparando a quantidade de conjuntos habitacionais
sendo construídos cada vez mais afastados do centro. A desigualdade nos modos como são
alocados os investimentos acabam, na maioria das vezes, privilegiando as áreas de maior poder
aquisitivo e/ou turísticas, como o centro expandido de São Paulo (BATISTA; LIMA, 2020).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
485
planejamento cicloviário contribui para uma adesão maior a esse tipo de transporte, visto que
uma boa qualidade de infraestrutura ajuda a incentivar sua acessibilidade (SOARES, 2015).
Em outra pergunta, na pesquisa da Ciclocidade, os indivíduos foram questionados
sobre o que os fariam pedalar mais, praticamente metade das respostas focaram em
infraestrutura cicloviária (49%), mais segurança no trânsito apareceu com 18% e mais segurança
contra assaltos com 14%. Esse último dado, foi a segunda opção mais respondida por pessoas
das periferias, o que reflete a necessidade de atenção em relação à segurança pessoal, além,
somente, da instalação de infraestrutura nas periferias (CICLOCIDADE, 2016).
Em relação à frequência na utilização de ciclovias ou ciclofaixas, a porcentagem de
respostas “raramente” ou “nunca”, aumenta conforme os entrevistados se distanciam do centro
da cidade, somente 8% da região central responderam que raramente pedalam fora das
cicloestruturas, já nas regiões periféricas a porcentagem sobe para 33%, refletindo a defasagem
da infraestrutura citada anteriormente (CICLOCIDADE, 2016).
A bicicleta ainda é considerada como um meio de transporte para o lazer, isso é
refletido na falta de estruturas auxiliares ao ciclismo urbano, como bicicletários e paraciclos. O
uso por motivo de trabalho é renegado, visto que, se o indivíduo necessita trabalhar de bicicleta,
não tem onde estacionar e deixar seu equipamento em segurança, por exemplo. Mesmo que
segundo a pesquisa OD de 2017, o principal motivo de viagens com bicicleta tenha sido o
deslocamento para o trabalho (68,2% do total de viagens), essa defasagem de estruturas acaba
sendo um obstáculo a mais ao uso desse tipo de transporte, é necessária uma mudança cultural
para que comecem a enxergar o uso da bicicleta como recurso para a mobilidade cotidiana
(METRÔ, 2019).
É fundamental a implantação de locais apropriados para o estacionamento dos
equipamentos para qualquer tipo de viagem, seja só de bicicleta ou para viagens que fazem
integração com o transporte público coletivo. A possibilidade de intermodalidade é um incentivo
para mais usuários que moram mais distantes de seus destinos e ainda querem utilizar o modo.
O PDE 2014, e sua revisão em 2023, determina que “Novos eixos de Transporte Público Coletivo
a serem implementados deverão priorizar o uso do transporte público, da bicicleta e a circulação
de pedestres, qualificando as condições de mobilidade e a integração entre os meios de
transporte” (SÃO PAULO, 2015). Além disso, bicicletários adequados reduzem a possibilidade de
furto do equipamento, o que retoma a temática da carência de segurança dos atuais usuários e,
ainda, estimula o uso mais constante desse meio de transporte.
A bicicleta, na maioria das vezes é escolhida para viagens pequenas e rápidas. A razão
de escolha de mais da metade das viagens é a pequena distância a ser percorrida, o que pode
ser uma das razões do centro ter mais usuários que nas periferias, visto que o deslocamento
diário de uma pessoa que mora no centro é bem maior do que uma que reside na periferia
(METRÔ, 2019). Esses dados refletem a desigualdade da cidade de São Paulo em relação aos
deslocamentos, afetando diretamente a qualidade de vida dos indivíduos que habitam as
periferias. Os autores Coelho Junior e Saccaro Filho (2017) comentam que “Existe um grande
número de bicicletas no Brasil, o que falta é a infraestrutura para tirá-las da garagem e uma
política industrial e comercial para a produção de peças, comercialização e diminuição dos
custos”, essa fala reflete o grande potencial das cidades do Brasil em relação ao ciclismo urbano,
com investimentos bem direcionados pelas políticas públicas o Brasil pode se tornar uma grande
potência na questão da mobilidade ativa.
486
Pode-se concluir que a cidade de São Paulo possui grande potencial para desenvolver
a mobilidade ativa através do ciclismo urbano, sendo necessário que políticas públicas sólidas
sejam implementadas, assim como a PNMU e o PlanMob/SP, que trouxeram mudanças efetivas
no desenho urbano da cidade. A desigualdade é outra questão que merece mais atenção, visto
que as periferias da cidade são as mais necessitadas de infraestruturas adequadas, seja para sua
mobilidade, convívio, saúde urbana e qualidade de vida. A expansão da malha cicloviária para
2028 é necessária para que sejam cumpridas as diretrizes dispostas no Plano de Mobilidade, de
garantir conectividade entre os bairros e trajetos, assim, melhorando a qualidade da malha para
todas as regiões. É necessário que o planejamento e o projeto urbano estejam em sintonia para
que o ciclismo urbano ajude a construir uma cidade mais saudável, incentivando modos mais
ativos de viver.
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488
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
489
RESUMO
Este artigo pretende analisar brevemente o processo de formação do tecido urbano da cidade de Niterói (RJ) por
meio do estudo de algumas cartografias e iconografias históricas, com ênfase no século XIX, relacionando-as com os
fatos vivenciados pela cidade e utilizando como referencial teórico os conceitos propostos pelo morfologista francês
Philippe Panerai. Desta forma, busca-se identificar através dos mapas e projetos, conceitos como “linhas e polos de
crescimento”, “barreiras” e “limites”, que conformaram a feição da cidade e influenciaram sua atual forma, de
maneira a entender seu processo de ocupação, e suas semelhanças com o ocorrido na cidade do Rio de Janeiro. Para
isto, utilizou-se de acervo iconográfico e cartográfico local, que permitiu a análise desse recorte histórico de Niterói
enquanto capital da Província (1835-1889) e capital do estado do Rio de Janeiro (1889-1975). Assim, por meio do
estudo da evolução urbana retratada nas cartografias e sua comparação com o tecido atual, percebe-se claramente
o crescimento linear de Niterói a partir da região central em direção aos vales permeados por montanhas e pelo mar,
sendo esta ocupação especialmente planejada durante o século XIX, cujos efeitos são visíveis na cidade até os dias
atuais.
ABSTRACT
This article intends to analyze the formation process of the city of Niterói (RJ) through the study of some historical
cartography and iconographies, with emphasis on the 19th century, relating them to the facts experienced by the city
and using as a theoretical reference the concepts proposed by the French morphologist Philippe Panerai. In this way,
it seeks to identify, through maps and projects, concepts such as "growth lines and poles", "barriers" and "limits",
which shaped the city's appearance and influenced its current form, to understand its process of development
occupation, and its similarities with what happened in the city of Rio de Janeiro. For this, a local iconographic and
cartographic collection was used, which allowed the analysis of this time when Niterói was capital of the Province
(1835-1889) and capital of the state of Rio de Janeiro (1889-1975). Thus, through the study of the urban evolution
portrayed in the cartography and its comparison with the current form, it’s possible to comprehend the linear growth
of Niterói from the central region towards the valleys permeated by mountains and the sea, with this occupation being
specially planned during the 19th century, whose effects are visible in the city until the present day.
490
1 INTRODUÇÃO: OBJETIVOS E METODOLOGIA
A análise histórica de um tecido urbano pode ser feita por diversas abordagens
urbanísticas, sendo influenciada diretamente pelo objeto de estudo e pela definição dos
recortes locacionais e temporais. No caso da escolha por um viés morfológico, em que se busca
compreender a cidade em diferentes aspectos por sua forma, existem diversos métodos e
referenciais teóricos que podem ser utilizados com o objetivo de se estudar as diversas camadas
as quais se assentam os núcleos urbanos. Para este artigo, utilizou-se a cartografia como
principal elemento de análise para se entender as transformações urbanas ocorridas na cidade
de Niterói, especialmente as do século XIX, compreendendo os processos de ocupação do
município até as primeiras décadas do século XX, cujos reflexos são observados na atual
configuração da cidade.
Segundo definição do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE), a cartografia
é a “[...] representação geométrica plana, simplificada e convencional de toda a superfície
terrestre ou de parte desta, apresentada através de mapas, cartas ou plantas”. Esta definição
pode ser mais abrangente, incluindo representações gráficas que apresentem o espaço de de
outras maneiras, em diferentes níveis de abstração. No caso das cidades, antes mesmo da
criação do termo “cartografia”, mapas, gravuras, fotografias e imagens já retratavam o espaço
urbano, permitindo analisar suas complexas transformações ao longo do tempo.
A partir da escolha da Morfologia Urbana como campo teórico direcionador, e da
análise da cartografia como método, definiu-se como referencial teórico a obra do morfologista
francês Phillipe Panerai, “Análise Urbana” (2006), com foco nos capítulos relativos aos
“Crescimentos” e aos “Tecidos Urbanos”. Segundo o autor, “conhecer uma cidade não é simples,
sobretudo quando ela é vasta e cada época veio depositar, sem maiores precauções, sua marca
sobre aquela das gerações precedentes” (PANERAI 2006, p.1). Além disso, Panerai afirma que
para uma análise completa é primordial a “elaboração de um corpo de conhecimentos em que
se misturam – de modo impuro – a abordagem histórica, a geografia, o trabalho cartográfico, a
análise arquitetônica, a observação dos sistemas construtivos e dos modos de vida” ( ibid., p.
11).
A escolha por este referencial teórico permite traçar paralelos entre sua linha de
pensamento desenvolvida para a cidade do Rio de Janeiro - conforme descrito na obra “Análise
Urbana” - com Niterói, podendo ser levantada uma hipótese de que ambas apresentariam
semelhanças em seus comportamentos de crescimento urbano, e por consequência, em seus
“tecidos urbanos”.
Em um capítulo dedicado ao tema, o autor afirma que este tecido se forma pela
sobreposição de três conjuntos: a rede de vias, os lotes e as edificações (P ANERAI, 2006, p.78).
As redes viárias seriam os canais de deslocamentos, que conformariam os dois outros conjuntos,
podendo se estruturar de diversas formas, seja linearmente, ou por meio de composições
ortogonais ou mais orgânicas. Os lotes seriam as subdivisões das quadras formadas pela rede de
vias, e as edificações seriam as construções que ocupam os lotes.
No entanto, para este trabalho priorizou-se o estudo das redes de vias, considerando
as limitações das cartografias históricas e o foco em uma visão mais ampla da cidade. Mesmo
com essa restrição, é possível identificar nos mapas os diversos conceitos trabalhados por
Panerai, como “linhas e polos de crescimento”, “barreiras e limites”, “crescimento urbano”,
entre outros. Estes conceitos são pontuados e relacionados no decorrer do texto, de maneira
491
que a metodologia a ser utilizada é sua aplicação ao longo da apresentação das cartografias de
Niterói em ordem cronológica.
A seleção dos mapas, cartas, imagens e pinturas foi realizada a partir de fontes como
o Arquivo Nacional e a Biblioteca Nacional, enquanto as cartografias atuais foram retiradas do
site do ArcGIS Online (Esri).
2 ANÁLISE E RESULTADOS
492
mar, especialmente na região de São Domingos e na Praia Grande (atual Centro), de onde era
mais fácil comercializar com o outro lado da Baía.
Um mapa da cidade do Rio de Janeiro de 1770 adaptado (Fig. 2) permite visualizar essa
ocupação ainda rarefeita e mais próxima ao mar na região leste da Baía (à direita), se comparada
à “Cidade de S. Sebastião” (à esquerda). No caso da atual capital fluminense, por sua importância
no período colonial, é natural que houvesse maior concentração populacional comparado às
áreas vizinhas. Já no lado leste da Baía de Guanabara, a chegada da Família Real ao Brasil e a
instalação da Corte no Rio de Janeiro em 1808 representou um impulso à ocupação, visto que
até então, conforme relato do viajante John Luccock à época (1808), havia apenas pequenas
edificações e grandes extensões verdes: “São Domingos e Praia-Grande, no lado oposto [à
cidade do Rio de Janeiro] eram lindas aldeias pequeninas, constituídas de um punhado de casitas
dispersas e mergulhadas no seio da floresta.” (LUCCOCK, 1942, p.28)
Figura 2 – Plano da cidade do Rio de Janeiro, 1770 [adaptado], em que se destacam a cidade do Rio de Janeiro (à
esquerda) e a futura cidade de Niterói (à esquerda)
Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional Digital [cart309970], 2022.
Contudo, é importante destacar que no século XVIII já eram perceptíveis por meio da
cartografia, alguns caminhos que seriam os cernes de futuros vetores de expansão da área da
Banda d’Além. A Fig. 3 é uma adaptação de um mapa de 1796 em que destacou os pontos de
ocupação urbana mais proeminente à época: pontos A – Praia Grande e B – São Domingos e
alguns caminhos que partiam desta região e permitiram o desbravamento de áreas próximas,
inclusive dando origem a ruas atuais da cidade conforme Fig. 4. O ponto A se tornaria o núcleo
de expansão, no qual a partir dele se iniciaria um “crescimento contínuo”, conforme descrito
por Panerai (2006, p.57): “o crescimento contínuo caracteriza-se pelo fato de que, a cada estágio
do processo, as extensões se fazem pelo prolongamento direto de porções urbanas já
construídas” configurando o atual Centro de Niterói.
493
Figura 3 – Plano da cidade do Rio de Janeiro com a parte mais essencial do seu porto e todos os lugares fortificados,
por José Correa Rangel de Bulhoens, 1796 [adaptado]
Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional Digital [cart209337] , 2022.
Figura 4 – Mapa dos bairros de São Domingos, Boa Viagem e Ingá [adaptado]
494
A região de Jurujuba (ponto I) era de grande relevância militar e vocação pesqueira,
porém não se constata aspectos urbanos relevantes de concentração urbana segundo
documentos históricos. Os pontos C (Forte do Gragoatá) e D (Ilha da Boa Viagem) também eram
equipamentos de defesa importantes enquanto os pontos E, F, G e H da Figura 03 foram
destacados como futuros bairros, ocupados ao longo dos séculos XIX e XX.
Quanto aos percursos coloridos, as figuras 03 e 04 permitem comparar antigos
caminhos que deram origem a atuais ruas. O uso do termo “caminho” vai ao encontro do
conceito definido por Panerai como a “lógica dos caminhos”, em que o autor utiliza para
descrever o crescimento da cidade do Rio de Janeiro:
“[...] Esse é o caso daquelas cidades brasileiras que se estiram ao longo de estradas
alinhavadas pelo cimo dos montes ou serpenteando pelos vales e as colinas. Muitas
delas fundaram por constituir aglomerações de vários milhões de habitantes, cuja
forma global escapa à descrição e não pode ser inserta em algum esquema conhecido
e de fácil memorização. É assim o Rio de Janeiro, cujas sucessivas extensões feitas ao
capricho da sequência de praias e dos bairros elegantes foram uma cidade linear com
núcleos bem identificáveis [...]” (PANERAI, 2006. p.58).
Conforme descrito por Panerai para a capital fluminense, o relevo é fator primordial
para a conformação urbana da cidade, ocorrendo de maneira similar com Niterói, em que a
ocupação das regiões de vale é mais conveniente por conta da dificuldade de ocupação das
colinas, incentivada também pelos traslados e trocas econômicas que ocorriam pelo mar.
Panerai (2006, p.59) chama elementos como este como “reguladores”, podendo ser do tipo que
“organizam a expansão” ou “aqueles que a contêm” (ibid., p.59). A pintura de Jacques Arago de
1825 (Fig. 5) torna mais clara a questão do relevo citada anteriormente.
495
Os caminhos sinalizados pelas cores laranja, vermelho e amarelo do final do século
XVIII (Fig. 3) ao serem comparados com o mapa topográfico atual (Fig. 4), tornam visível a
conformação dos caminhos entre as colinas. Sobre o caminho em vermelho, que liga o atual
bairro de São Domingos ao atual bairro do Ingá, vale frisar que no século XVIII este conectava
dois pontos da orla niteroiense, porém, com o Aterrado realizado no século XX, este caminho
não chega mais ao mar do lado de São Domingos, como visto no mapa atual.
Essa lógica orgânica de expansão orgânica foi alterada com a proposição de dois planos
urbanísticos de grande porte no século XIX, que estruturaram e balizaram o crescimento da
futura Niterói, refletindo a importância que a região galgava ao longo do século. A vinda
frequente de D. João VI à Banda d’Além para fins de lazer e recolhimento mobilizou agentes
locais, contribuindo para a decisão de elevar as freguesias de “S. João B. de Icaraí, São Lourenço
dos Índios, S. Sebastião de Itaipu e São Gonçalo, S. Domingos e Praia Grande” (WEHRS, 1984,
p.57) à condição de Vila Real da Praia Grande em 1819.
A princípio, a sede da Vila e seus edifícios institucionais se localizariam em São
Domingos, local de maior densidade habitacional, porém por questões de falta de espaço,
optou-se por localizar o Pelourinho e outros edifícios administrativos na localidade da Praia
Grande. Sendo assim, em 1820, o primeiro juiz de fora da Vila, José Clemente Pereira, enviou a
D. João o Plano de Edificação da Vila Real da Praia Grande (Fig. 6), cujo desenho é atribuído a
Arnaud Julien Pallière.
O plano era avançado para época, pois além do traçado das vias e da localização dos
espaços públicos e dos edifícios institucionais, também era detalhada a largura mínima de 60
palmos das vias (aproximadamente 13m), alturas das fachadas permitidas (35 e 17 palmos, para
sobrados e casas térreas respectivamente) e o alinhamento das edificações. O traçado segue o
conceito “xadrez” ou padrão da malha reticulada, seguindo o padrão ibérico de ocupação.
Figura 6 – Projeto de Edificação da nova Vila Real da Praia Grande, 1820 [adaptado].
496
Comparando o traçado previsto com a configuração atual da região central (Fig. 7)
percebe-se que a malha cedeu espaço a uma geometria menos rígida, apesar da notória
concordância com o projeto em diversos aspectos, como a largura das vias e a presença de certas
edificações. Destaca-se que parte das mudanças observada também se devem a alterações
operadas no século XX, como aterros, alargamentos e construções de novos caminhos.
Figura 7 –Traçado atual da região central de Niterói com identificação dos pontos destacados do Plano Pallière,
2022 [adaptado]
A Planta Topográfica de 1833 (Fig. 8) permite avaliar melhor essa transição e ntre o
projetado e o executado, além de caracterizar a Praia Grande como “polo de crescimento”, no
conceito descrito por Panerai (2006, p.62): “o polo de crescimento é, ao mesmo tempo, a origem
- a aglomeração a partir da qual vai se dar o crescimento - e a referência desse crescimento,
organizando a constituição do tecido e os crescimentos secundários”. Além disso, conforme
adaptação realizada no mapa original, é possível visualizar as linhas de crescimento “naturais”,
ou seja, “presentes no território ainda antes do processo de urbanização” (ibid., p.60). Estas
linhas foram coloridas conforme a legenda da imagem, e denotam a expansão nas direções
norte e sul (se considerarmos a orientação geográfica usual, tal como a Fig. 7).
As linhas em vermelho, laranja e amarelo que partem de São Domingos (sinalizadas
nas figuras 3 e 4) em direção aos bairros de Boa Viagem, Ingá e Icaraí continuam, porém
evidencia-se que a região da Praia Grande tornou se o polo irradiador dos caminhos, dada a
diversidade dos percursos que partem dali. Na direção ao norte observam-se traçados em
direção aos futuros bairros do Fonseca, do Barreto/São Gonçalo e da Engenhoca, enquanto ao
sul, são perceptíveis os caminhos em direção aos bairros de Santa Rosa, Icaraí e São Francisco.
A questão topográfica é fundamental para o entendimento desses percursos, corroborando com
o conceito de crescimento linear proposto por Panerai para o Rio de Janeiro, e podendo ser
rebatido ao caso de Niterói.
497
Figura 8 – Planta Topográfica da província do Rio de Janeiro, 1833 [adaptado].
Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional, [cart173947], 2022.
Comparando as linhas do mapa de 1833 com o mapa atual, percebe -se que alguns
caminhos mantiveram seu traçado orgânico, adequados ao terreno original permeado de
acidentes naturais. No entanto, as regiões de vale foram bastante modificadas pela ação
antrópica, cabendo ressaltar o Plano para a região da Praia Grande (Fig. 6) e o plano para a
região de Icaraí, projetado em 1844 (Fig. 9)- ponto J na Figura 8.
Este Plano de Arruamento para o areal de Icaraí, chamado de “Cidade Nova”, foi
realizado prevendo a expansão da cidade para além da antiga Praia Grande, e foi desenhado
pelo engenheiro francês Pedro Taulois, incumbido diretamente pelo Presidente da Província do
Rio de Janeiro. Conforme registrado na Figura 9, o plano previa a constituição de uma malha em
formato xadrez, seguindo um padrão parecido ao primeiro plano da cidade. Os caminhos de
ligação ao bairro de Icaraí foram sinalizados para comparação com o traçado atual (Fig. 10) e
com o mapa de 1833 (Fig. 8). Foi destacado também o percurso do rio Icaraí (em azul claro) e
seu projeto de canalização (azul escuro).
Contrapondo com o traçado atual, nota-se que a execução foi mais fidedigna ao
projeto, apesar de serem notáveis algumas mudanças, que podem ter sido ocasionadas por
adaptação ao relevo, falta de precisão técnica, desmembramento de lotes, além de alterações
no próprio relevo terem sido conduzidas e/ou permitidas pela Municipalidade, como desmonte
de parte dos morros, canalização de rios e etc. A largura das ruas se assemelha ao do Plano de
1819, e foi mantida em diversas ruas do bairro até os dias atuais. Quanto ao rio Icaraí, este teve
a maior parte de seu leito canalizado.
498
Figura 9 – Planta da Cidade de Nictheroy, capital da Província do Rio de Janeiro – 1844 [adaptado].
Fonte: Elaboração própria com base em mapa da Biblioteca Nacional, [cart170429], 2022.
Figura 10 – Traçado atual da região de Icaraí com identificação dos pontos destacados na Figura 9, 2022 [adaptado].
499
Destaca-se que tais projetos possuíram grande motivação política e econômica, que
acompanhou a evolução de status da própria cidade. Em 1834, doze anos após a Proclamação
da Independência do Brasil, promulgou-se o Ato Adicional à Constituição de 1824,
transformando a cidade do Rio de Janeiro em Município Neutro para a sede da Monarquia. Em
1835, por meio da lei provincial nº 2 de 1835, determinou-se que a Vila da Praia Grande seria a
capital da província e a lei provincial de nº6, determinou a elevação da Vila da Praia Grande à
categoria de cidade com o nome de Nictheroy (WEHRS, 1984, p.66). Com a elevação à cidade,
em 1835 inaugura-se o transporte regular marítimo entre Niterói e o Rio de Janeiro, com a
implantação de barcas a vapor efetuado pela Sociedade Navegação de Nictheroy (BEZERRA,
2015, p.40). Esta ligação marítima foi essencial para o desenvolvimento de Niterói, sendo
ampliada ao longo do tempo, principalmente com o aporte de recursos estrangeiros, visto que
uma ligação viária só foi concretiza em 1974 com a Ponte Rio-Niterói.
No entanto, apesar do plano de arruamento da chamada “Cidade Nova” datar de 1844,
a ocupação só começou a ser efetivada a partir de 1854, após resolução de imbróglios com os
donos dos terrenos e pela sucessiva melhoria da acessibilidade à região, incluindo a destruição
parcial de uma rocha que impedia a ligação dos bairros do Ingá e de Icaraí pela faixa litorânea
em meados do século XIX. Desta forma, removeu-se um “limite de crescimento” conforme
definido por Panerai (2006, p.66)- “obstáculo a um crescimento linear, um ponto de parada ou
um acidente que impede a extensão” -, fomentando o crescimento linear em direção ao sul da
cidade. Essa rocha é retratada em uma pintura de Antônio Parreiras de 1891 (Fig. 11) e estaria
localizada onde se encontra o ponto “I” da figura 10. A Figura 12 mostra a configuração atual da
ligação entre os dois bairros via orla.
Figura 11 – Formação rochosa original da pedra de Itapuca em Icaraí – pintura de Antônio Parreiras.
500
Figura 12 – Pedra de Itapuca em Icaraí remanescente.
501
uma característica marcante na primeira metade do século XX, fomentada pela expansão da
malha ferroviária nacional que chegava na região por meio da Companhia Ferroviária
Leopoldina. O crescimento do tecido urbano da região central em direção à Ponta da Armação
(vetor ocre) foi ao encontro dessa vocação dessa região, que desde o início abrigou usos
relacionados à pesca e navegação.
Ao Sul, nota-se a consolidação do uso residencial nos bairros litorâneos à medida em
que serviços e infraestrutura eram ofertados. No bairro de Icaraí, o mapa revela uma
conformação do tecido urbano mais próxima à atual, com a consolidação do projeto reticulado
de Taulois. Apesar da lenta ocupação desta parte da cidade à época, e da limitação do mapa em
retratar parcialmente o território de Niterói, é possível perceber vetores na Zona Sul, em direção
ao bairro de São Francisco e Charitas (vetor azul), e a ocupação de parte do bairro de Santa Rosa
e das cotas mais altas, abrangendo os bairros do Cubango e chegando na Engenhoca (vetor lilás).
Figura 13 – Mapa Imprensa Nacional - Planta da cidade de Niterói, cópia revista e aumentada, 1892 [adaptada]
Com relação à situação política e econômica, no entanto, a situação não era favorável:
em 1892 Niterói perdeu as freguesias de São Gonçalo, Nossa Senhora da Conceição de Cordeiros
e São Sebastião de Itaipu para a criação do município de São Gonçalo, e no período entre 1893
e 1894 Niterói sofreu bombardeios devido à Revolta da Armada, movimento comandado pela
Marinha contra o governo republicano de Floriano Peixoto. Todas as fortificações de Niterói
foram bombardeadas, e em 1894, pela lei nº50 de 30 de janeiro, a capital do Rio de Janeiro é
transferida provisoriamente para Petrópolis, longe do alcance dos canhões da Marinha (WEHRS,
1984, p.90). Em 1894 a Revolta é controlada, e é alcunhada a Niterói, o título de “Cidade Invicta”,
apesar do grande rastro de destruição deixado. A capital só retornaria à Niterói em 1903, sendo
o início de uma nova fase para a cidade, chamada de Renascença Fluminense.
502
3 CONCLUSÃO
4 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
AZEVEDO, M. N. S.; REZENDE, V.; COSTA M. S. Um espelho e duas imagens: semelhanças e particularidades entre o
urbanismo e os processos de urbanização das cidades do Rio de Janeiro e Niterói. In: FREITAS.José Francisco
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BEZERRA, M. C. C. Britânicos e alemães em Niterói: um estudo de imigração urbana. 350f. Tese (Doutorado em
História). Programa de Pós-graduação em História, Universidade Federal Fluminense, Niterói. 2015.
CAMPOS, M. C. O governo da cidade: elites locais e urbanização em Niterói (1835-1890).304f. Tese (Doutorado em
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(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo). Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Federal Fluminense, Niterói. 2006.
503
WEHRS, Carlos. Niterói Cidade Sorriso: a história de um lugar. Rio de Janeiro: Soc. Gráfica Vida Doméstica LTDA.,
1984.
504
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( X ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
505
RESUMO
A gestão de riscos de desastres naturais na Colômbia é estruturada com base no Plano Nacional de Gestão de Riscos de
Desastres (PNGRD), criado por meio da lei 1.523 de 2012. Este plano se fundamenta em três pilares essenciais: o
conhecimento, a redução e o manejo do risco. Seu principal objetivo é proteger a população, aprimorar a seguranç a e a
qualidade de vida dos cidadãos e contribuir para o desenvolvimento sustentável do país. Este estudo se propõe a explorar
o papel fundamental das políticas públicas na gestão de riscos de desastres na Colômbia, considerando também a temática
da habitação social. Para realizar essa análise, conduzimos uma revisão bibliográfica abrangente, buscando uma
compreensão aprofundada do assunto e examinando o histórico e as políticas relacionadas à habitação e gestão do risco.
Selecionamos artigos consultando várias plataformas de literatura científica e técnica, incluindo a Scientific Electronic
Library Online (Scielo), a Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e o Google Acadêmico, durante os meses de julho e agosto de
2023. As palavras-chave escolhidas, alinhadas com os objetivos da pesquisa, foram: Habitação de interesse social, Políticas
sobre Habitação Social e gestão de riscos de desastres. A partir da literatura revisada e das discussões realizadas, chegamos
à conclusão de que o envolvimento ativo das políticas públicas desempenha um papel essencial na prevenção de desastres
na Colômbia, especialmente no contexto da habitação social. É fundamental assegurar a integridade das áreas afetadas,
bem como a segurança e a qualidade de vida de seus habitantes. Essas polí ticas não apenas protegem a população, mas
também contribuem para a sustentabilidade do país, promovendo um ambiente mais seguro, resiliente e inclusivo,
especialmente nas comunidades de baixa renda.
PALAVRAS-CHAVE: Habitação de interesse social, Políticas sobre Habitação Social e gestão de riscos de desastres.
SUMMARY
Natural disaster risk management in Colombia is structured based on the National Disaster Risk Management Plan (PNGRD),
created through law 1,523 of 2012. This plan is based on three essential pillars: knowledge, reduction and risk management.
Its main objective is to protect the population, improve citizens' safety and quality of life and contribute to the country's
sustainable development. This study aims to explore the fundamental role of public policies in disaster risk management in
Colombia, also considering the issue of social housing. To perform this analysis, we conducted a comprehensive literature
review, seeking an in-depth understanding of the subject and examining the history and policies related to housing and risk
management. We selected articles by consulting various scientific and technical literature platforms, including the Scientific
Electronic Library Online (Scielo), the Virtual Health Library (VHL) and Google Scholar, during the months of July and August
2023. The chosen keywords, aligned with the research objectives, were: Social housing, Policies on Social Housing and
disaster risk management. From the literature reviewed and the discussions held, we came to the conclusion that the active
involvement of public policies plays an essential role in disaster prevention in Colombia, especially in the context of social
housing. It is essential to ensure the integrity of the affected areas, as well as the safety and quality of life of their
inhabitants. These policies not only protect the population, but also contribute to the country's sustainability, promoting a
safer, more resilient and inclusive environment, especially in low-income communities.
KEYWORDS: Social housing, Social Housing Policies and disaster risk management.
506
Introdução
507
repetidos, artigos indisponíveis em formato completo, resenhas, anais de congresso,
monografias, teses, editoriais e artigos que não se relacionassem diretamente com o tema em
questão. Além disso, também foram excluídos artigos que não abordaram diretamente o tema
deste estudo e artigos publicados fora do período de análise (LUPPETI, 2017).
Para a seleção dos artigos foram consultadas as plataformas de dados de literatura
científica e técnicas: Scientific Electronic Library Online (Scielo), e BVS- Biblioteca Virtual em
Saúde, e Google Acadêmico no período de julho e agosto de 2023. As palavras chaves
selecionadas a partir dos objetivos de pesquisa foram: Habitação de interesse social, Políticas
sobre Habitação Social e gestão de riscos de desastres.
508
precisamente entre 1940 e 1950, a contribuição da indústria como produtora de habitações
sociais foi fundamental, em parceria com o recém-criado Instituto de Crédito Territorial (ICT).
Muitos bairros operários foram construídos por empresas industriais nas proximidades de suas
fábricas. Além disso, entidades de caridade, fundações, sociedades sem fins lucrativos,
cooperativas operárias e profissionais independentes desempenharam papéis importantes
nesse processo.
É importante notar que, nesse contexto, as normas urbanas nem sempre foram
claramente definidas, e muitas vezes o desenvolvimento urbano ocorreu com base na
competição de conhecimentos e no senso comum. Neste contexto, também se teve a ação de
cooperativas obreiras e profissionais independentes. Em todos estes casos a norma urbana,
dificilmente evidente, operava por concorrência de saberes e boas doses de sentido comum
(INURVE 1996: 275). Na maioria dos casos se aplicaram os princípios técnicos e científicos do
Movimento Moderno da arquitetura e do urbanismo.
A década de 1950 é amplamente reconhecida como o período de modernização do
setor agropecuário e o início do desenvolvimento capitalista na Colômbia, incluindo o setor da
construção. Embora este panorama fosse positivo para alguns setores da economia, surgiam
novos problemas: a concentração da propriedade rural no campo, a expansão da fronteira
agrícola, desemprego; e, sobretudo, as migrações rurais pelas quais a população camponesa
fugia da violência gerada pelas diferenças partidárias entre liberais e conservadores (Bejarano
1978).
O rápido crescimento urbano motivado por esses problemas levou as autoridades
municipais a adotarem regulamentações destinadas a "organizar" as cidades. Para alcançar esse
objetivo, a cooperação internacional desempenhou um papel fundamental na introdução dessas
regulamentações, influenciadas pelos princípios da planejamento urbano moderno. Nesse
contexto, o setor de habitação social foi fortemente influenciado pela arquitetura moderna, com
destaque para as contribuições do IV Congresso da CIAM em 1933. É importante observar que,
durante esse período, ocorreu uma transição na economia, passando da regulação privada na
produção habitacional para uma intervenção mais direta do Estado.
O assunto era então como incrementar a produtividade de moradia para resolver o
problema de habitação e como reduzir os custos de produção para que a população pudesse
ascender a fim de pagar sua nova aquisição por parte do ICT. A atuação dos governos deveria
girar em torno de três temas: a construção de moradia diretamente pelo Estado, o
estabelecimento de normas mínimas para a construção e as leis de urbanização (Fique, 2006:
29). Para conseguir adiantar estes intuitos e alcançar a modernização das cidades, foi
fundamental a participação estrangeira, tanto de instituições privadas, quanto governamentais;
pelo qual este período é considerado o estágio das missões internacionais, as quais foram
desenvolvidas no marco do “Frente Nacional” (FN) (1958-1974).
O Frente Nacional tem suas origens no governo militar do 'Teniente General' Gustavo
Rojas Pinilla, que assumiu a presidência após um golpe militar contra o governo do presidente
Laureano Gómez Castro em 1953. Esse golpe de Estado, que se estendeu até 1958, foi uma
tentativa de pacificar o país em meio a uma onda de violência decorrente das profundas divisões
partidárias entre liberais e conservadores. Para restaurar a estabilidade política, esses partidos
políticos concordaram em um acordo histórico, que ficou conhecido como o Frente Nacional.
Sob esse acordo, estes partidos políticos, com o fim de recuperar o poder, chegaram a
um acordo onde alternaram o mandato durante 16 anos, equivalentes a quatro períodos
presidências. Em termos de política internacional, o acordo do Frente Nacional alinhou a
Colômbia com os Estados Unidos por meio da Aliança para o Progresso, modelando muitos de
seus objetivos no contexto da Guerra 478 URBANA, V.6, nº 8, jun.2014 - Dossiê: Cidade e
Habitação na América Latina - CIEC/UNICAMP Fria (Palacios e Safford, 2006: 611)
O Frente Nacional se tornaria o evento político mais significativo e impactante da
segunda década do século XX em diversos aspectos políticos e econômicos do país, incluindo o
desenvolvimento de inúmeros projetos de habitação social na Colômbia. Durante esse período,
509
várias missões internacionais, como as lideradas por Kemmerer, Lebret, Currie e Cepal,
desempenharam papéis importantes no contexto do Frente Nacional, embora este seja um
tema que possa ser ampliado em outro contexto, podemos indicar algumas generalidades .
Tanto a consolidação institucional quanto as missões internacionais desempenharam
papéis cruciais na concretização da habitação moderna, especialmente no contexto da
habitação de interesse social. Na década de 1950, o Instituto de Crédito Territorial (ICT) liderou
a produção habitacional, focando principalmente no crescimento quantitativo em resposta ao
rápido aumento populacional nas áreas urbanas devido às migrações rurais para os principais
centros urbanos. No entanto, após 1960, as missões internacionais contribuíram
significativamente para elevar a qualidade da habitação, pois ficou claro que a mera consecução
de metas quantitativas não resultava automaticamente em melhorias na qualidade de vida da
população. Um dos principais benefícios das missões foi a introdução da planificação urbana
baseada em estudos científicos, em contraposição à abordagem arbitrária ou baseada no senso
comum das autoridades.
As missões lograram conceber a habitação em um contexto mais amplo: tratou-se de
entender a moradia como um fato complexo, − não como um fenômeno físico desconexo – que
deve ser posto em um contexto mais amplo no urbano com olhare s sociais, culturais, políticos e
econômicos. As conclusões dos estudos e diagnósticos internacionais permitiram aos governos
nacionais e locais, a constituição e aplicação de normas para uma melhor regulamentação das
cidades, e o melhoramento institucional dedicado à produção e financiamento de habitação. Do
ponto de vista técnico, as missões também impulsionaram a adoção de procedimentos de
construção em massa, inspirados na era maquinista do modernismo europeu, que visavam
tornar a habitação mais acessível à população menos privilegiada, sem negligenciar os aspectos
humanos relacionados à moradia. De tal forma, se permitiu o acesso a este bem para a
população menos favorecida.
A década de 1960 foi, um período muito movimentado tanto no planejamento urbano,
quanto na construção de habitação social. Porém, não só na Colômbia mas em toda América
Latina, derivado da aceleração na urbanização e do crescimento populacional, se incrementou
o déficit habitacional e os problemas de habitação em geral. Conclui-se que uma boa
planificação, mesmo baseada em experiências internacionais, não é suficiente para aprimorar
as cidades, uma vez que a raiz de seu desarranjo reside em uma estrutura econômica injusta
(Singer, 1973: 79). Portanto, as medidas para abordar essa questão devem transcender o âmbito
físico-espacial e se inserir em um processo global para o desenvolvimento.
Para a década de 1970 a habitação na Colômbia chegou a uns de os seus piores
momentos. Como consequência do fracasso definitivo da Reforma Agraria proposta no marco
de Frente Nacional (1961), pois as áreas rurais de maior desenvolvimento econômico se
converteram em espaços de forte conflito social. A disputa pelos territórios que produziam
divisas − cocaína, petróleo e ouro, principalmente−, foram ocupados por forças armadas ilegais
como paramilitares, guerrilhais e narcotráfico, as quais encontraram respaldo em políticos
clientelistas, pecuários, e as próprias forças militares. Esta situação, completamente agravada
nesta década, produz alta mobilidade geográfica da população camponesa, fragilidade nas
relações sociais dos indivíduos, inseguridade nos direitos de propriedade pelo deslocamento
forçoso, precário aceso da população aos centros de mercado e altos níveis de violência com um
elevado número de mortes. Esta situação ocasionou o deslocamento da população rural
principalmente para as cidades, fenômeno que tem sido particularmente agudo desde então.
A partir de 1972 o Estado priorizou, em detrimento a sua preocupação causada pelas
migrações rurais, a reforma agrária falida nos governos anteriores e a atenção do déficit
habitacional dos anos 1950 e 1960; um problema de desenvolvimento econômico − com a
concentração de recursos no financiamento da construção −, que ficou acima da dimensão social
e cultural do problema (Fique, 2006: 62). O governo acreditava que com este direcionamento
podia dar resposta à difícil realidade que deviam afrontar as cidades ante a elevada migração
rural com todos os problemas que esta situação envolvia (Ceballos, 2008: 128). Assim, o
510
“problema” da habitação se desprendeu definitivamente da sua dimensão sociocultural, se
enquadrando na perspectiva do desenvolvimento da economia.
Na década de 1970, (somado aos problemas de violência sofridos no país), o estado
expressou a sua incapacidade de atender o déficit habitacional pelos altos custos das operações
estatais centralizadas e pela pouca participação do setor privado neste processo. Além disso,
para este período, o ICT se encontrava completamente burocratizado e politizado com uma
produção de habitação de baixa qualidade completamente afastada daquela fabricada entre
1950 e 1960. O ICT repetia indiscriminadamente os projetos de habitação sem importar as
condições climáticas e culturais do lugar, administrava de maneira ruim o subsídio e planejava
desordenadamente os processos internos. Além disso, o sistema principal de financiamento por
parte do Estado UPAC (Unidad de Poder Adquisitivo Constante), se converteu na dor de cabeça
de grande parte dos beneficiários por causa dos elevados pagamentos mensais, assunto que
levou à quebra o ICT. Estes acontecimentos somados a outros mais, criaram no imaginário
coletivo da população um Estado inviável e incapaz de atender os cidadãos mais pobres.
511
habitação e saneamento (MinVivienda, 2016). Com esse novo arranjo governamental, o atual
ministério da Habitação cuida, prioritariamente, das políticas públicas de moradias urbanas,
água e saneamento básico.
Dentro dessa perspectiva da ingerência estatal e do recorte temporal proposto, o
primeiro movimento governamental no intuito de criar mecanismo de financiamento para
aquisição de moradia e incentivo à construção foi a criação do Banco Central Hipotecario (BCH),
criado em 1932, com objetivo de articular política econômica de aquisição da propriedade
privada cuja garantia legal para o financiamento se dava por meio da hipoteca do próprio bem
objeto do contrato. Entretanto, de acordo com Londño et al (2005) essa política não
contemplava as camadas de mais baixa renda da população colombiana, o que ensejou a
criação, em 1939 do Instituto de Crédito Territorial (ICT), cuja finalidade era atender a população
de baixa renda e que, portanto, dada a informalidade e baixa garantia para financiamento,
necessitaram de uma política específica do Estado para garantir o acesso à moradia. Nesse caso,
moradia de interesse social.
Três anos após o início do funcionamento do ICT, o Estado incorporou às suas funções
a de prover não somente a construção e aquisição de habitação, mas também os serviços e
equipamentos de infraestrutura urbana básica, demonstrando a salutar necessidade dessa
camada populacional por insumos governamentais para acender à condição de proprietário de
uma habitação. Na década de 80 a ICT é desarticulada e seu programa de reestruturação amplia
a capacidade econômica de capital destinado à habitação, ampliando o rol de atividades que
podem ser afetadas por estes recursos, surgindo a partir de então o INURBE (Instituto de
Vivienda de Interés Social y Reforma Urbana). De acordo com LONDOÑO (2005) a importância
da criação do INURBE foi que com ele criou-se “el sistema nacional de vivienda, con funciones
de construcción, mejoramiento, reubicación, habilitación y legalización de títulos de vivienda de
esa naturaliza”.
Mais à frente, em 1954, surge a Caixa de Compensação Familiar, para fomentar
serviços urbanos e subsidiar a compra de moradia para os trabalhadores que tivessem renda
variável entre 2 a 4 salários mínimos vigentes à época e que as empresas as quais eles estivessem
vinculados fossem participante dessa Caixa (LONDOÑO, 2005, p. 125). Seguindo a mesma lógica,
em 1968, o governo cria o Fondo Nacional del Ahorro (FNA), destinado a administrar as
poupanças dos empregados estatais e a partir da criação desse fundo de reserva monetária,
conceder financiamento habitacional para compra de habitação.
Entretanto, no cenário das políticas habitacionais colombianas a que mais se destaca
nas políticas habitacionais é a criação da UPAC (Unidade de Poder Aquisitivo Constante), em
1972, que possibilitava o financiamento das moradias através de sistemas de poupança do
Banco da República, e a UPAC tinha como unidade a conta legal que considerava a correção
monetária com a finalidade de ajustar o preço dos contratos aos índices de inflação
(RODRÍGUEZ, 2012). A UPAC então surge como o mecanismo financeiro de Estado que logrou
maior incremento na economia durante as décadas de 70 a 90, cujo aporte financiava também
habitações de interesse social. A UPAC se mostra relevante, pois a reserva do fundo de poupança
destinou milhões de pesos (MinViviendas, 2016) para construtores e adquirentes de moradias,
aquecendo a economia e elevando os índices de arrecadação do país.
Porém, no ano de 1999 o UPAC é encerrado a partir de um Decreto do Ministério da
Fazenda em razão de sua constante defasagem em relação à economia, uma vez que os índices
vinculados para cálculo do valor da unidade estavam em desalinho com as taxas de inflação
praticadas no mercado, o que levou a uma paulatina e crescente soma de dívidas pelos
compradores e construtores e defasagem na receita do fundo de poupança (RODRÍGUEZ, 2012).
Diante do cenário mundial de instabilidade financeira que assolou principalmente os
Estados Nacionais economicamente mais instáveis (LONDOÑO, 2005) e frente às inúmeras
denúncias e escândalos de corrupção e desvio de dinheiro do fundo que compunha a INURBE
(Lo que quedó del INURBE, El Tiempo, 30/11/2002), em 2003, mediante o Decreto Presidencial
554, determinou-se a liquidação do INURBE em até 2 anos, fragmentando a política de habitação
512
e reforma urbana da Colômbia. Porém, durante sua vigência, o INURBE financiava habitação
social com políticas de melhoramento, aquisição de novas ou usadas, com financiamento de até
70 % do valor da habitação, desde que esse valor não ultrapassasse o teto de 135 SML e não
superasse 30% de endividamento da renda do adquirente (VILLA, 1999).
Assim, com o encerramento da UPAC e posterior liquidação da INURBE, ambos
contextualizados em um cenário de crise econômica e problemas de administração da carteira
de poupanças e investimentos em habitação pelo Banco da República (RODRÍGUEZ, 2012), o
investimento público para construção e aquisição de moradia sofreu um considerável
desinvestimento, reafirmando, a partir disso, a lógica liberal para produção habitacional através
de agentes financeiros privados e stakeholders da construção civil.
À guisa de conclusão, pode-se informar que durante o século XX, a Colômbia passou
por quatro fases na produção habitacional (MinViviendas, 2014). A primeira, higienista, foi dos
anos 1918 a 1942, foi quando iniciou o processo migratório campo-cidade, com a construção de
casas precárias e insalubres pelos próprios moradores. É desse período a criação do BCH, ICT e
Banco agrícola. A fase seguinte é conhecida por fase institucional (1942-1965) tem como
principais características a forte presença do Estado nas políticas habitacionais e a criação das
Caixas de Habitação Popular e Popular para promover recursos financeiros para habitação.
As duas últimas fases, de Transição (1965-1972) é marcada pela criação da Habitação
de Interesse Social (VIS), pelo Fundo Nacional de Poupança (FNA) e pelo Conselho Superior de
Habitação e Desenvolvimento Urbano. E por fim, a fase da Corporações Econômicas e de
Mercado (1971-1990) é marcada pela saída gradativa do Estado da execução de políticas
habitacionais e passada tal função ao mercado, como promotor e executor das moradias sociais
e não sociais, características que continua presente até hoje no contex to colombiano.
513
coberturas condicionadas a la tasa de interés: que cuenta con 74.948 mil cupos para Vivienda
de interés social y 30.471 para vivienda entre 135 y 335 salarios mínimos” (MinViviendas, 2016).
514
corretivas. E, finalmente, os esforços voltados para políticas de integração
aumentam a transparência e responsabilidade nas atitudes de diferentes
stakeholders em relação a objetivos diferentes. (WU; RAMESH; SCOTT, 2014,
p. 141-42).
515
Considerando o potencial estratégico deste plano e a integração almejada entre a GRD
e as políticas públicas territoriais, o estudo analisa esta integração com base na ocorrência de
formas (palavras) específicas de GRD no corpo de texto dos Planos Diretores Físicos -Territoriais
dos municípios da Bacia Hidrográfica do Rio Itajaí (BHRI).
Considerações finais
516
melhoria das condições de moradia e na proteção das comunidades contra desastres. Embora
existam obstáculos e complexidades a serem superados, o compromisso do Estado colombiano
em promover habitações de interesse social e investir em medidas preventivas é um passo
significativo em direção a um futuro mais seguro e habitável para todos os cidadãos.
Conclui-se, portanto, que o Estado colombiano, em sintonia com muitos outros países
latino-americanos, possui políticas de subsídios e financiamentos para habitações de interesse
social, com marcos legais bem definidos na Constituição e na Lei de Terras. No entanto, é
importante reconhecer que a produção habitacional muitas vezes é influenciad a pela lógica
imobiliária especulativa do mercado privado, o que pode gerar desafios relacionados à
infraestrutura urbana e à exclusão social, impactando negativamente a vida das famílias
beneficiadas por essas políticas estatais.
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Dissertação (Mestrado em Serviço Social)
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519
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( X) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
520
RESUMO
Este artigo tem por objetivo realizar uma revisão bibliográfica a fim de desenvolver uma reflexão teórica sobre o
papel dos estudos urbanos nas comunidades indígenas, assim como seus desafios e oportunidades. Especificamente,
busca compreender como o território, a cidade e a arquitetura têm sido estudados no campo do planejamento urbano
em relação às comunidades indígenas. A metodologia inclui revisão bibliográfica e documental sobre fatores teórico-
metodológicos e políticos aplicados às comunidades originárias no contexto da arquitetura e urbanismo. Com base
nos objetivos, este trabalho destaca a relevância de visibilizar literaturas sobre dinâmicas espaciais indígenas,
apontando posturas, conceitos aplicáveis e campos de pesquisa que podem auxiliar na atuação nestes espaços. Como
resultado, identificam-se cenários de pesquisa e contribuições para o conhecimento e atuação no campo da
arquitetura e urbanismo relacionado às comunidades originárias, tanto em âmbito universal quanto local. As
Contribuições teóricas/metodológicas deste trabalho evidenciam que, embora os estudos no campo da arquitetura
e urbanismo ainda se concentrem em questões puramente arquitetônicas, remetendo a tempos remotos, a
abordagem multidisciplinar de outros campos se apresenta como um caminho para pesquisas que visam
compreender as consequências e disputas territoriais que afetam as comunidades indígenas na atualidade, sob uma
perspectiva decolonial. Além disso, este estudo busca gerar Contribuições sociais e ambientais ao sistematizar
trabalhos científicos que podem servir como base para ações in loco nas comunidades indígenas. Isso também destaca
a importância da participação coletiva e da perspectiva dos povos indígenas como agentes ativos na construção do
espaço.
ABSTRACT
This article aims to carry out a bibliographical review in order to develop a theoretical reflection on the role of urban
studies in indigenous communities, as well as its challenges and opportunities. Specifically, it seeks to understand how
territory, the city and architecture have been studied in the field of urban planning in relation to indigenous
communities. The methodology includes a bibliographic and documentary review on theoretical-methodological and
political factors applied to original communities in the context of architecture and urbanism. Based on the objectives,
this work highlights the relevance of making literature visible on indigenous spatial dynamics, pointing out positions,
applicable concepts and research fields that can assist in acting in these spaces. As a result, research scenarios and
contributions to knowledge and action in the field of architecture and urbanism related to original communities were
indicated, both at a universal and local level. The theoretical/methodological: methodological contributions of this
work show that, although studies in the field of architecture and urbanism still focus on purely architectural issues,
referring to remote times, the multidisciplinary approach from other fields presents itself as a path for research that
aims to understand the consequences and territorial disputes that affect indigenous communities today, from a
decolonial perspective. Furthermore, this study seeks to generate social and environmental contributions by
systematizing scientific work that can serve as a basis for on-site actions in indigenous communities. This also
highlights the importance of collective participation and the perspective of indigenous peoples as active agents in the
construction of space.
521
1 INTRODUÇÃO
1 Este trabalho é parte de uma pesquisa mais ampla e que está em processo de desenvolvimento no mestrado, sob
orientação da Prof.ª Dr.ª Mariana Bonates.
2 Vale mencionar também as restrições e autorizações para adentrar em comunidades indígenas, que depende de
diversas documentações e solicitação de permissão para entrar na Terra Indígena (TI), encaminhadas via correio para
a sede da FUNAI em Brasília, e a posterior autorização conjunta concedida pelos próprios l íderes indígenas, sendo os
caciques de cada aldeia e o cacique geral da TI.
522
estudos urbanos sobre comunidades indígenas, como eles têm sido abordados e quais são suas
aplicações.
É importante notar que as dinâmicas territoriais ocorrem e variam de acordo com a
localização das comunidades nativas em zonas naturais, rurais e urbanas, dependendo do
contexto e do contato com populações não indígenas. A partir disso, é fundamental observar as
atuações e estudos dedicados aos povos indígenas e como cada estudo de caso pode apresentar
resultados, dinâmicas e disputas tão divergentes.
A realização dessas pesquisas no campo do urbanismo oferece uma relevância
científica notável, pois possibilita a identificação e análise de diversos modos de formação do
espaço, bem como a compreensão da articulação política entre vários agentes envolvidos na
disputa pelo território. Além disso, apresenta uma importância social fundamental ao ajudar a
entender a sistemática de atuação profissional e o tratamento dessas áreas, promovendo uma
contribuição mútua entre conhecimentos tradicionais e científicos.
É claro que o urbanismo está intrinsecamente ligado à disputa pelo poder na
modificação arbitrária do espaço (HARVEY, 2006). A falta de visibilidade e conhecimento desse
contexto de disputa nas comunidades indígenas enfatiza a necessidade de trabalhos que não
apenas viabilizem, mas também deem visibilidade ao registro da resistência desses povos, bem
como de sua representatividade étnica, cultural e socioespacial. Essa abordagem pode ser vista
como um indicativo de um campo de pesquisa promissor e um manifesto do protagonismo
étnico na produção do espaço. É evidente a contribuição valiosa que a atuação profissional pode
ter nessas áreas quando se compreendem as dinâmicas territoriais indígenas.
A metodologia deste artigo é firmemente embasada em uma revisão bibliográfica
abrangente sobre as temáticas e metodologias aplicadas aos estudos urbanos sobre
comunidades indígenas. Além disso, inclui uma revisão documental curta e sintetizada da
amostra de leis indigenistas. A partir disto, é percebido o caráter multidisciplinar do tema,
motivo pelo qual, ao fim do artigo, indica-se cenários de pesquisa e o papel significativo do
arquiteto e urbanista como contribuinte para o conhecimento e a atuação no campo. Além desta
seção, este trabalho está estruturado em uma seção dedicada à Terra Indígena como estudo de
caso no campo disciplinar dos estudos urbanos e regionais, bem como em considerações finais.
3Corrêa (2014, p. 44) identifica agentes sociais do espaço em classes, como: “os proprietários dos meios de produção,
os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado e os grupos sociais excluídos.”
523
luta pelo direito à cidade e pela qualidade de vida. Este cenário representa alguns dos conflitos,
que atuam como fator permanente e inerente à formação de territórios (STUMER e COSTA,
2017).
Não obstante, observa-se que a disputa territorial atribuída às comunidades indígenas
se estabelece entre diversos agentes e não se dissocia das práticas hostis, sejam elas
relacionadas à especulação imobiliária, ao desmatamento, à mineração, ao
subdesenvolvimento, entre outros. A tutela do Estado, nesse sentido, é um dos exemplos de
seus múltiplos papéis e também um exemplo do poder de ação sobre os demais agentes.
4 volume publicado pela FUNAI para auxiliar as consultas de profissionais que precisem intervir em território indígena,
e contempla as principais legislações e diretrizes que norteiam a relação indígenas -sociedade-Estado.
5 Há de se considerar como legislação fundamental para o que o artigo propõe a Declaração das Nações Unidas sobre
os direitos dos povos indígenas que garante o direito de autogoverno e autonomia indígena, também a Constituição
Federal de 1988 e o Estatuto do Índio – Lei nº 6.001, de 19.12.1973, que reconhecem os direitos e as práticas nativas
e a importância da preservação e valorização destes.
6 Contempla a demarcação de terra indígena, que conta com o procedimento administrativo de demarcação
índios Pankará, em Carnaubeira da Penha (PE). Ver documentário dirigido por Larissa Isidoro e Lara Erendira (2014):
https://beirasdagua.org.br/item/tiririca-dos-crioulos-um-quilombo-indigena/.
9 Aldeia urbana que ocupa o antigo Museu do Índio, próximo ao estádio Maracanã, no município do Rio de Janeiro.
Nela habitam famílias de diversas etnias indígenas nacional e internacional, que contam com o apoio das
universidades do estado. Mesmo assim, a comunidade não é reconhecida por lei e permanece resistindo às ordens
de retirada.
524
2.2 Trabalhos encontrados em arquitetura e urbanismo
Pesquisas sobre arquitetura indígena contam com uma quantidade mais expressiva de
volumes em comparação a outros estudos no campo disciplinar da arquitetura e urbanismo.
Destes estudos, depreende-se uma considerável atenção às habitações indígenas. Apesar disso,
a seguir são apresentados estudos recentes relativos às ocupações indígenas como objeto de
estudo no campo disciplinar da arquitetura e urbanismo.
Ao investigar a caracterização da sustentabilidade na arquitetura das habitações
Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul, Prudente (2007) coloca seu trabalho como um desafio e
uma inovação nas áreas da engenharia e arquitetura, ao relacionar as construções indígenas
com questões sustentáveis. A autora descreve a tipologia arquitetônica, materiais, técnicas,
processos e simbologias relacionados à construção no estudo de caso, recorrendo à análise
espacial, às técnicas e referências do campo da antropologia, dada a originalidade do estudo no
campo.
Da mesma forma, Oliveira et al. (2022) propõem ampliar e contribuir com a história da
arquitetura indígena no Brasil por meio de revisão bibliográfica, na qual utilizam textos
referentes aos povos indígenas Mbyá-Guarani (Mata Atlântica), Kuikuro (Cerrado) e Kaigang
(Pampa). Foram observadas as características construtivas de cada caso e suas divergências, e
apontaram a dificuldade em realizar o trabalho, dada a escassez de conteúdo e diálogos
relacionados às comunidades indígenas, fato também destacado por Prudente (2007).
Portocarrero (2010) discute arquitetura habitacional indígena no Brasil a partir de
pesquisas bibliográficas e documentais que exploram diversas tipologias tradicionais indígenas
e disposição e apropriação espacial; também apresenta registros coloniais e modos de
sistematização das observações de campo no período. Em maior escala, Machado, Portocarrero
e Silva (2020) apresentam sistemas e materiais construtivos e suas aplicações e estudam
características tecnológicas destas construções.
Troncarelli (2022) investiga a arquitetura indígena alto xinguana através de
iconografias, sobretudo, utilizando fotografias do povo Kamaiurá. Revela a importância de
entender a construção da identidade indígena no processo de análise e da representação e
memória destes fatores em iconografias, que revelam detalhes construtivos e características de
uso. A autora identifica que estudos arquitetônicos envolvendo povos indígenas desmistificam
o fator cultural da temática, valorizam e difundem os saberes científicos e tradicionais. A
pesquisa apresentou dificuldades relacionadas à pouca informação no campo, sendo necessário
recorrer ao campo de história e antropologia.
Portocarrero (2020) expressa suas preocupações acerca da lacuna presente nos
estudos de caso indígenas e sobre o conhecimento disponível. O autor observa que as
construções são dotadas de soluções tecnológicas capazes de resolver diversas questões de
conforto, função e execução. Além disso, a invisibilidade dessas características remonta à
desvalorização das soluções tradicionais como eficientes no mercado. Apesar de sua experiência
e atuação como professor e pesquisador, Portocarrero (2020) observa que a população indígena
permanece em um cenário de esquecimento e estigmatização nas escolas indígenas e que há
dificuldade em romper esse obstáculo e repercutir estudos desenvolvidos nesta temática,
justificando, por isso, o auxílio do campo da antropologia e da história.
Zanin, Araújo e Modler (2015) narram a experiência de ensino projetual arquitetônico.
Os autores observaram que algumas intervenções arquitetônicas em comunidades indígenas
525
não consideram as necessidades específicas da comunidade indígena, nem representam suas
especificidades culturais.
Wiese e Zanin (2018) narram a experiência obtida em atividade de extensão, que
contou com soluções arquitetônicas aplicadas no alojamento de estudantes e de famílias
indígenas da UFSC. O objetivo foi aproximar os alunos de arquitetura e urbanismo da temática
indígena e desenvolver a competência de posicionamento crítico reflexivo sobre a valorização
da diversidade e da cultura. Com isso, foram considerados aspectos construtivos e culturais,
bem como o fator social das famílias, promovendo uma noção da realidade indígena e da
atuação profissional. Para os autores, tratar das temáticas indígenas amplia as possibilidades de
aprendizado.
As propostas supracitadas trouxeram muitos caminhos de atuação no curso de
arquitetura e urbanismo e inúmeros benefícios em retorno à comunidade, como citado no
trabalho de Zanin, Scotton e Oldoni (2015). No entanto, o mesmo questionamento sobre a falta
de visibilidade e tratamento das temáticas indígenas conduziu pesquisadores, como Dill e Wiese
(2021), a percorrer outros trajetos, como estudar territorialidades indígenas nos centros
urbanos. Os autores admitem que há disputas étnicas em contexto urbano, problematizando a
presença indígena. Utilizando o auxílio de bibliografias de outros campos e de relatos, foi
observado que o projeto participativo é a melhor forma de solucionar os anseios de diversos
públicos, incluindo os povos indígenas.
Nesta mesma perspectiva, Canuto et al. (2018) denotam que, apesar da repercussão
midiática, há grande dificuldade em encontrar estudos sobre indígenas em contexto urbano. Os
autores visibilizam as dificuldades enfrentadas pelos povos indígenas em Belo Horizonte – MG.
É relatado o assessoramento do programa de extensão MORAR INDÍGENA, começando por uma
revisão histórica que narra a violência do Estado contra povos originários durante o período
militar até a atual busca por representatividade política. A falta de reconhecimento desses povos
em contexto urbano é um fator que dificulta a vivência indígena na cidade. Por isso, o MORAR
INDÍGENA gerou mapeamentos que quantificaram essa população, mostrando onde moravam,
trabalhavam, descansavam e circulavam, contribuindo para o entendimento de como utilizam a
cidade e o quanto sua presença é expressiva, legitimando sua presença.
Ainda que no Brasil o estudo de povos indígenas associado ao território e à cidade seja
mais pontual, em outros países, pesquisas envolvendo o estudo de caso indígena têm abordado
a resistência social e os processos de adaptação que estão surgindo. Também abordam a
territorialização como processo de reorganização social a ser tratado na historiografia nacional,
desde o período de colonização. Por exemplo, trabalhos envolvendo sintaxe espacial exploraram
desigualdades espaciais de grupos étnicos e raciais (VAN NES e AGHABEIK, 2015; NELSON, 2022),
assentamentos históricos (ALFATHANI e NURDINI, 2022; KUBAT ET AL., 2012; FERDOUS, 2007) e
dimensão cultural na formação espacial (GRIFFITHS e VAUGHAN, 2020). Todos esses estudos
ocorrem em contextos citadinos.
Raman (2003) estudou a ocupação cultural dos espaços por diversas comunidades
étnicas na cidade de Ahmedabad. O artigo descreveu pesquisas recentes sobre a "cultura
espacial" e a cultura das cidades; examinou as diferenças na morfologia (utilizando sintaxe
espacial) de distintas áreas da cidade murada de Ahmedabad, onde diversas comunidades
étnicas vivem em localidades diferentes.
Ferdous (2007) buscou compreender certas noções fundamentais de espaço cultural
no padrão espacial indígena de Old Dhaka. A partir disso, explorou a origem e o desenvolvimento
526
da forma através de uma comparação ordenada de seu padrão de crescimento com aspectos
sociais e morfológicos, juntamente com os atributos do espaço cultural. Destrinchou os
múltiplos aspectos que fazem os espaços culturais da morfologia indígena se sustentarem ao
longo do tempo.
Castillo (2012) realizou a investigação das continuidades e descontinuidades indígenas
nas formas de urbanismo e construções atualmente na Colômbia. Para isso, o autor faz uma
recapitulação histórica com o auxílio de revisão documental, que ilustra realidades pré -coloniais
e pós-coloniais dos povos indígenas. A pesquisa relacionou etnografia urbana, arquitetura no
desenho e planejamento das cidades. O autor constatou que não existe arquitetura e urbanismo
marginais; o que existe são as formas de narrativa e historiografia que marginalizam. Logo, a
história indígena é uma história marginal, considerando o descrito pelo autor. O domínio das
culturas indígenas, a relação, a influência e a representação do poder marcam os fenômenos
marginais no espaço, na forma e na função urbana. Consequentemente, as práticas de gestão e
planejamento ao longo da história evidenciam as formas arquitetônicas e urbanas que, desde a
realidade e o mito das culturas espanholas, indígenas e negras, refletem o conteúdo da
marginalidade urbana de nossas sociedades atuais, revelando as relações entre os fenômenos
marginais urbanos com a inovação e criação das sociedades e culturas nas cidades e edifícios de
hoje. Embora o foco do trabalho seja sobre a Colômbia, o autor não deixou de correlacionar a
temática e os fatos aos países fronteiriços, trazendo dados cartográficos relevantes sobre os
povos indígenas do Brasil.
527
indígena nas cidades não remete ao desaparecimento dessas etnias. Isso revelou a emergência
de refletir sobre como as políticas públicas dialogam e dão espaço às reivindicações identitárias;
também o desafio em identificar e compreender a fragmentação, dispersão e espacialização das
práticas culturais em contexto citadino. O artigo acompanhou a falta de reconhecimento do
indígena como cidadão, motivo pelo qual as associações formadas reivindicaram oportunidades
de emprego para indígenas, de construção de espaço para suas práticas tradicionais,
regularização de posse e construção de política habitacional pensada para os povos indígenas,
além de valorização e incentivo às práticas culturais por meio do investimento no turismo étnico
e na comercialização do artesanato.
Em condição semelhante, Lima (2020) investigou processos de etnicidade indígena no
contexto urbano da cidade de Crateús (CE), um polo regional distribuidor de produtos e serviços.
A autora identificou a presença municipal de indígenas das famílias Kalabaça, Kariri, Potiguara,
Tabajara e Tupinambá, os quais, em parte, já habitavam a cidade e, em parte, migraram em
busca de uma condição de vida melhor. Todos enfrentavam dificuldades de reconhecimento de
sua indianidade por viverem na cidade. Foram identificadas dinâmicas e conflitos em contexto
urbano, dos quais se ressaltavam as dificuldades vinculadas às oportunidades de trabalho e
condições de salubridade. O volume apresentou esforços de mobilização étnica e articulação
política pela busca de representatividade e reivindicação dos direitos desta parcela de
habitantes.
Depreende-se das informações apresentadas por Lima (2020) que as etnias indígenas
presentes em Crateús tinham consciência sobre sua indianidade, assim como compreendiam
seu papel de articulação com as aldeias mais distantes. Isto é, à medida em que algumas aldeias
urbanas e indivíduos dispersos enfrentavam condições exploratórias de trabalho e outras
dificuldades de pobreza e periferização urbana, as famílias em aldeias e zonas rurais
enfrentavam diversos desafios ligados às condições de trabalho escravo, pobreza extrema e falta
de assistência e infraestrutura, tendo que migrar permanentemente ou temporariamente para
Crateús, onde se alojavam nas residências dos que lá já habitam. Esta dinâmica de apoio
remonta ao período colonial, comprovado por meio de revisão historiográfica. No entanto, o
estudo de campo ressaltou as dinâmicas territoriais entre aldeias e cidade e conduziu à reflexão
de que futuros estudos sobre ser indígena na cidade podem favorece r argumentações que
beneficiem os direitos e necessidades indígenas em contexto urbano.
Por outro lado, a criação de aldeias e a urbanização de Terras Indígenas localizadas
próximas às zonas urbanas mostrou que as tecnologias sociais transitam e são assimiladas às
formas de produzir e viver nos espaços indígenas (SANTOS e SILVA, 2021). Como exemplo,
Palitot (2020) apresentou a territorialidade dos Potiguara de Monte-Mór, a partir dos regimes
de memória, da cosmologia e de tradições de conhecimento. O trabalho apresentou o
argumento desenvolvido em duas perícias judiciais antropológicas que, segundo o autor,
versavam sobre a tradicionalidade da cultura e da ocupação indígena, levando a estereótipos de
exotismo e primitividade. Observou-se que os Potiguara de Monte-Mór teceram densas e
complexas relações ecológicas, econômicas e cosmológicas com os ambientes que constituem
as terras indígenas, assim como encontraram formas urbanas de se ajustar no mercado e de
garantir uma melhor qualidade de vida.
Os estudos que abordam a relação entre povos indígenas e cidades, assim como a
compreensão das dinâmicas espaciais e identidade espacial, trazem à tona uma série de desafios
e questões importantes. Nunes (2010) destaca a dificuldade de identificar aldeias urbanas como
528
cidades indígenas, o que ressalta a complexidade das experiências urbanas indígenas e a
necessidade de uma abordagem mais sensível às particularidades culturais e espaciais.
Lucena (2017) destaca a diferença de escalas, práticas e barreiras enfrentadas pelos
jovens indígenas nas cidades, ressaltando a importância da solidariedade e do apoio mútuo
entre eles para enfrentar os desafios urbanos e manter suas identidades culturais.
A pesquisa de Berg-Nordlie, Dankertsen e Winsvold (2022) questiona o futuro das
nações indígenas em contextos urbanos e como as questões de linguagem, cultura, identidade
e produções tradicionais serão preservadas nesse contexto. Isso levanta preocupações
importantes sobre como as culturas indígenas podem ser mantidas e fortalecidas nas cidades.
O estudo de Nejad et al (2019) em Winnipeg, Canadá, destaca a importância do
envolvimento das comunidades indígenas no planejamento urbano e na produção do espaço,
bem como a necessidade de reconhecer e respeitar suas práticas culturais e dire itos territoriais.
Eles enfatizam a importância de criar espaços urbanos que atendam às necessidades e
autonomia indígenas.
Fawcett (2021) aborda a liminaridade das territorialidades indígenas em contextos
urbanos, destacando como a produção do espaço muitas vezes limita as oportunidades para o
urbanismo indígena. Ele argumenta que as fronteiras coloniais e identitárias continuam a limitar
as experiências e os direitos territoriais dos povos indígenas nas cidades.
No geral, esses estudos destacam a importância de abordar as experiências indígenas
nas cidades de forma holística, levando em consideração suas práticas culturais, necessidades
territoriais e desafios enfrentados em contextos urbanos. Além disso, eles apo ntam para a
necessidade de uma abordagem decolonial que reconheça as relações de poder históricas que
moldaram essas experiências urbanas.
O termo "etnourbanismo," como definido por Estrada (2010), refere -se à coesão e
conformação da etnia na cidade e a partir das práticas étnicas. É uma abordagem que busca
compreender como as identidades étnicas são moldadas e mantidas em contextos urbanos,
considerando as práticas culturais, as relações de poder e as dinâmicas espaciais.
Essa abordagem reconhece que a cidade não é apenas um espaço físico, mas também
um espaço social e cultural onde as comunidades indígenas continuam a praticar suas tradições,
manter suas identidades e lidar com os desafios da vida urbana. O "etnourbanismo" destaca a
importância de considerar esses aspectos culturais e étnicos ao planejar e desenvolver espaços
urbanos que acomodem as necessidades e as aspirações das comunidades indígenas.
Em resumo, o "etnourbanismo" é um conceito que enfatiza a relação entre etnicidade
e urbanismo, destacando como as comunidades indígenas continuam a existir e se adaptar em
contextos urbanos, mantendo suas identidades culturais e étnicas.
O artigo de Irazábal (2012) destaca a importância de repensar as práticas de
planejamento urbano, especialmente em comunidades étnicas nos Estados Unidos, como
exemplificado em Los Angeles. Ela questiona se o Novo Urbanismo Latino (LNU) pode realmente
criar espaços inclusivos e representativos para as comunidades étnicas. O autor reconhece que
o LNU pode mascarar os problemas e a marginalização enfrentados por essas comunidades e,
em vez disso, propõe o conceito de etnourbanismo como uma alternativa para a criação de
espaços que reflitam as identidades étnicas e raciais.
A ideia por trás do etnourbanismo é substituir o modelo tradicional de planejamento
urbano por abordagens que valorizem e incorporem aspectos culturais e étnicos. Irazábal (2012)
argumenta que as estruturas urbanas devem ser capazes de refletir características culturais e
529
criar uma conexão positiva e emocional entre os habitantes e a cidade. Isso implica em repensar
as abordagens dominantes de planejamento urbano, especialmente em áreas urbanas
empobrecidas, onde a sensibilidade do etnourbanismo pode ser particularmente benéfica.
Essa abordagem não apenas melhora a qualidade de vida nas cidades, mas também
pode contribuir para um desenvolvimento mais sustentável, com menor impacto ambiental e
maior valor simbólico. O desafio para futuras pesquisas está em desenvolver estratégias eficazes
para a implementação de políticas e mecanismos urbanos sensíveis em diferentes contextos,
promovendo espaços que transmitam segurança e promovam a inclusão.
3 CONCLUSÃO
10 Define-se como “primitivismo” a “qualidade, caráter ou condição do que é primitivo” (PRIMITIVISMO, 2023).
530
necessidades das comunidades indígenas, respeitando seus atributos étnicos individuais e
contribuindo para a preservação de suas identidades. Essas necessidades podem variar de
acordo com o assentamento e seu contexto cultural e local, seja ele permanente 11 , parte de
processos migratórios e territorialidade cíclica 12, ou migratório esporádico e nômade 13.
É preciso afastar a postura científica da idealização do "indígena genérico" e de seu
contexto de pertencimento vinculado à aldeia e ao espaço rural. Isso é particularmente
importante, dado que muitos povos se encontram dispersos em contextos urbanos e enfrentam
os mesmos problemas de disputas territoriais, falta de reconhecimento e condições de vida
carentes e insalubres. Além das terras demarcadas, é fundamental discutir como o Estatuto da
Cidade e outras políticas se relacionam com essas comunidades tradicionais. A partir disso,
percebe-se que um olhar mais sensível não apenas valoriza a inclusão e a democracia nos
espaços urbanos, mas também gera representatividade e, consequentemente, desconstrói
estigmas e preconceitos, promovendo a decolonização e quebrando padrões de marginalização.
Destacam-se como campos de atuação e de pesquisa: O planejamento sustentável, o
projeto de infraestrutura, a preservação cultural, a participação comunitária, dinâmicas de
paisagem, sustentabilidade e empoderamento local. O arquiteto e urbanista pesquisador pode
investigar/atuar nos espaços indígenas sobre habitação tradicional, dotada de enriquecedoras
técnicas construtivas, assim como inovações tecnológicas (PORTOCARRERO, 2020),
Mapeamento e Planejamento Territorial (CANUTO ET AL, 2018), do turismo sustentável, como
reinvindicado pelos povos indígenas em Manaus (PEREIRA, 2018), além de outros cenários que
podem contemplar gestão de riscos e proteção das áreas naturais, educação/conscientização/
supervisão sobre formas de ocupação e outras dinâmicas territoriais, mediação cultural,
acessibilidade e documentação/registro das produções e usos espaciais indígenas. São inúmeras
as possibilidades diante do ineditismo das temáticas que ainda não foram abordadas e da
diversidade presente em tantas comunidades étnicas indígenas. Este leque se abre quando
consideramos também a articulação às demais comunidades tradicionais nacionais.
Este artigo traz à reflexão a importância de direcionar o olhar científico para as
comunidades tradicionais, em particular as comunidades indígenas, dentro do campo disciplinar
da arquitetura e urbanismo. Isso não deve ser apenas uma investigação arquitetônica de ordem
histórica e remota, mas deve levar em consideração as dinâmicas e conflitos da atualidade, a
partir de uma perspectiva decolonial desses espaços.
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534
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
535
RESUMO
Este artigo aborda a restauração do Edifício Presidente Vargas, antigo hotel do Instituto de Aposentadoria e Pensões
dos Industriários (IAPI), como instrumento de revitalização da paisagem urbana do centro histórico de Vitória, Espírito
Santo. O estudo tem como objetivo destacar a importância da valorização do patrimônio moderno (edificação
construída entre 1949 e 1951) como estratégia de reavivar a área central. A pesquisa baseia -se em revisão
bibliográfica e documental e visitas a campo, discutindo aspectos da relação do edifício com o entorno imediato,
buscando compreender como a intervenção contribuiria para reforçar da identidade e memória coletiva local. Além
disso, o trabalho discute o patrimônio moderno através da relevância da preservação da memória, para o
desenvolvimento do turismo, como também perspectivas sobre habitação temporária e permanente no edifício
histórico. Também é abordada a utilização do patrimônio como forma de impedimento da gentrif icação predatória,
garantindo a preservação das características culturais e locais capixabas.
ABSTRACT
This article seeks in restoration of the Presidente Vargas Building, former hotel of the Industrial Workers Retirement
and Pensions Institute (IAPI), as an instrument for revitalizing the urban landscape of the historic downtown of Vitória,
Espírito Santo. The study shows the importance of the valorization of modern heritage (built between 1949 and 1951)
as a strategy to revive the downtown The research is based on a bibliographical and documentary review and field
visits, discussing aspects of the building's relationship with the immediate surroundings, seeking to understand how
the intervention would contribute to reinforcing local identity and collective memory. Also, the work discusses the
modern heritage through the relevance of preservation of memory, for the tourism, as well as perspectives on
temporary and permanent housing in historical buildings. The use of heritage as a way of preventing predatory
gentrification is also addressed, ensuring the preservation of Espírito Santo's cultural and local characteristics.
536
1 INTRODUÇÃO
537
2001, impulsionou os projetos de reabilitação (Oliveira, 2001, p. 24).
Conforme o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2023): “o
patrimônio cultural é composto por monumentos, conjuntos de construções e sítios
arqueológicos, de fundamental importância para a memória, a identidade e a criatividade dos
povos e a riqueza das culturas”. Desta forma, reconhecem-se como Patrimônio Mundial Cultural
14 sítios nacionais, nenhum deles localizado no Estado do Espírito Santo. No entanto, ao
patrimônio frequentemente atribui-se uma escala de valores, segundo Choay (2001, p. 116): o
primeiro é o valor nacional, fundamental, responsável por legitimar todos os outros, dos quais
é indissociável; o seguinte, cognitivo, relacionado à memória histórica terá o papel efetivo de
memória viva uma vez que mobiliza o sentimento de orgulho e; por sua vez, o valor econômico
é relativo à capacidade de exploração dos monumentos e por fim o valor artístico. No estudo de
caso explorado neste trabalho, identificou-se o segundo e o terceiro valor citados pela autora.
Isso fica evidente nos relatos de historiadores sobre a região central, com imagens que fazem
referência à natureza simbólica da Praça Costa Pereira, bem como na capacidade de explorar o
edifício moderno como habitação social, projeto que foi indicado pela Prefeitura Municip al de
Vitória (PMV) há uma década.
Pode-se afirmar que o início dos anos 2000 foi um período de transformações
significativas, impulsionado pela publicação do Estatuto da Cidade (que instrumentalizou a
política urbana, dos planos nacionais ao planejamento municipal). Os projetos foram iniciados
após a publicação do Plano Diretor Urbano Municipal de 2006 e efetivamente se materializaram
em reabilitações que converteram três hotéis do Centro em habitações sociais. No entanto, o
Edifício Presidente Vargas continua abandonado até hoje, o que enfatiza o foco do presente
trabalho.
O objetivo geral desta pesquisa, é analisar e discutir a importância da Arquitetura
Moderna, no contexto do Espírito Santo - Vitória, com recorte no Centro Histórico e destaque
ao Edifício Presidente Vargas. Essa verificação implicará nos desafios enfrentados na
preservação e reabilitação do patrimônio arquitetônico moderno, ressaltando a importância de
sua recuperação e possível reutilização em diferentes usos, incluindo o habitacional, o turístico
e o comercial, para revitalizar a área central da cidade.
538
e da Revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao poder no Brasil. Em São Paulo, o I
Congresso de Habitação, organizado pelo Instituto de Engenharia, já estava influenciado pelo
debate sobre habitação digna que ocorreu em 1929, no 2º CIAM (Congresso Internacional de
Arquitetos Modernos) em Frankfurt (BONDUKI, 1998, p. 89). Durante o período da intervenção
(1930-1945), segundo Campos Júnior (2002, p. 62), foi realizado um pequeno aterro para a
construção de armazéns e a abertura de uma rua em frente ao Palácio do Governo. Em relação
à situação econômica e financeira, a crise de 1929, que se estendeu até 1933, afetou o estado
do Espírito Santo, causando um caos devido aos desdobramentos da mesma, reduzindo pela
metade as receitas provenientes do comércio de café.
De 1930 a 1943, João Punaro Bley governou o Estado do Espírito Santo, nomeado por
Getúlio Vargas. Segundo Mendonça (2010, p. 3), o Movimento de Trinta no Estado do Espírito
Santo se concretizou com a adesão total das forças políticas e sociais que se reuniram em torno
do grupo de Jerônimo Monteiro, que anteriormente era de oposição. Durante o governo de João
Punaro Bley, o armazém 3 do porto de Vitória foi concluído, aumentando a movimentação de
cargas e passageiros. O porto comercial de Vitória, na configuração atual com cinco armazéns,
só foi concluído em 1959. Conforme Morais (2014, p. 113), em 1945, já haviam sido construídos
quatro armazéns (1, 2, 3 e 5), e o quarto armazém foi finalizado em 1959.
Nesse período, na região central, começaram a ser construídos novos edifícios,
inicialmente na área da Praça Costa Pereira e, posteriormente, na região do Parque Moscoso.
Foi nessa época que se iniciou timidamente o processo de verticalização de Vitó ria, com a
introdução do concreto armado (UFES, 2002, p. 12). Como destacado por Campos Júnior (2002,
p. 81), “Até 1940, em Vitória, a construção de unidades habitacionais sejam elas isoladas ou em
conjunto só se dava por encomenda, ou seja, demanda individualizada do contratante e estas
não eram muitas porque a população era pequena e a cidade vivia do comércio do café. ”
A Arquitetura Moderna foi inserida no Espírito Santo, partindo de premissas do
modernismo desenvolvidas em São Paulo e no Rio de Janeiro. Enquanto o Brasil apresentava
realidades discrepantes entre os anos de 1930 e 1960, o Espírito Santo, tendo o Rio de Janeiro
como modelo, vinha desde as reformulações urbanas do início do século XX, buscando se
desvencilhar da face colonial, pelas políticas urbanas empregadas por Jeronimo Monteiro
(KLUG, 2009). O Modernismo foi executado em sua maior proporção no Espírito Santo por
profissionais que vinham formado no Rio de Janeiro. A difusão significativa dessa arquitetura
ocorreu durante o governo do governador Jones Santos Neves (1951-1955), que buscava criar
condições para a industrialização e modernização do estado. Alinhado aos princípios de
racionalização da Arquitetura Moderna e partidário de Vargas, Jones montou uma equipe
competente de assessores, incluindo os arquitetos Francisco Bolonha, Ary Garcia Roza, Élio de
Almeida Vianna e Marcello Vivacqua (GOMES, 2008).
Dentre os profissionais que atuaram na modernização de Vitória, Jayme Figueira, que
nasceu em 1870 no Rio de Janeiro, foi um arquiteto de grande importância para capital capixaba.
Conforme Sarkis (2019), Jayme era autodidata e desenvolveu ao longo de sua vida uma notável
habilidade para o desenho, o que o levou a seguir a profissão de engenheiro projetista, que
naquela época correspondia à função de arquiteto, uma vez que o curso oficial de arquitetura
só foi criado muito tempo depois.
No início do século XX, Jayme foi selecionado, juntamente com o engenheiro Júlio
Lima, para projetar os pavilhões brasileiros na Exposição Internacional de 1911, realizada em
Turim, na Itália. Além disso, Jayme desempenhou funções na Prefeitura de Vitória, ganhando
539
destaque como o autor do monumento da Colonização Espírito-Santense, localizado em frente
à Praça dos Desejos, na Praia do Canto. Também é atribuída ao arquiteto a autoria do projeto
do famoso relógio, situado no centro da Praça Oito de Setembro, com 16 metros de altura que
foi instalado em 1942 (SARKIS, 2019).
Em terreno no entorno da Praça Costa Pereira, foi construído o Edifício Antenor
Guimarães em 1939, considerado o mais alto da época. Mesmo durante a Segunda Guerra
Mundial, quando as atividades estrangeiras nos portos brasileiros estavam comprometidas, o
edifício seguiu um estilo arquitetônico moderno e não dependeu de importações. Os
ornamentos ficaram limitados ao coroamento, indicando uma revisão na arquitetura brasileira,
na corrente do protomodernismo. A figura 1 apresenta esses dois símbolos capixabas.
Fonte: Biblioteca Central da Universidade do Espírito Santo (UFES) e Arquivo Público do Município de Vitória
adaptado pelos autores (2023).
540
Na planta cadastral atualizada da cidade de Vitória, figura 2, é possível identificar o
Edifício Antenor Guimarães e a Praça Oito de Setembro, mencionados anteriormente. O Edifício
Presidente Vargas também está destacado e será objeto de descrição e análise posterior. Todos
esses edifícios compartilham a mesma autoria do projeto, o arquiteto modernista Jayme
Figueira.
A partir de tratativas realizadas para reformulação urbana, durante a década de 1940,
Vitória passou por um processo significativo de urbanização, especialmente no seu centro,
graças à implementação do Plano Agache, supervisionado pelo urbanista Alfred Agache, que
envolveu diversas intervenções resultando na remoção dos últimos vestígios da antiga Vitória.
Uma das principais propostas do Plano Agache era a realização de um aterro na região da
Esplanada da Capixaba, localizada às margens da Baía de Vitória. Isso levou à expansão do centro
da cidade, possibilitou o crescimento do porto e o desenvolvimento de novas áreas para
construção em Vitória. O aterro foi executado durante o governo de Jones Santos Neves, entre
1951 e 1954. Esse período foi marcado por uma expansão vertical e horizontal radical na cidade,
e o aterro dos manguezais na Esplanada da Capixaba, concluído em menos de dois anos, dobrou
a área previamente conquistada (GOMES, 2008).
O objetivo desse aterro, de acordo com o Plano de Valorização Econômica de Neves,
era conquistar uma área edificável que proporcionasse continuidade à zona comercial de
Vitória. Além da necessidade de regularizar as águas da bacia de evolução do porto, havia uma
demanda por uma área comercial que pudesse suportar o crescimento das atividades
portuárias. Assim, o porto desempenhou novamente um papel central na justificação desse
aterro. O aterro da Capixaba cumpriu seu objetivo ao impulsionar as atividades do comércio no
centro de Vitória, resultando em uma concentração de funções comerciais, administrativas e
residenciais na região. Campos Junior (2002) expôs que a formação da Esplanada da Capixaba
como uma área comercial, estabeleceu o centro de Vitória como o núcleo central, enquanto as
áreas externas a essa região passaram a compor a zona periférica do centro.
A Esplanada da Capixaba também impulsionou o processo de verticalização iniciado
no centro da cidade na década de 1940, com a construção dos primeiros prédios mais altos. A
legislação urbanística, incluindo o Código Municipal de Vitória estabelecido em 1954, incentivou
esse processo na área. Esse código foi o primeiro a propor um zoneamento urbano para Vitória
e designou a Esplanada da Capixaba como um Bairro Comercial Especial, permitindo a
construção de prédios com oito a doze pavimentos (MENDONÇA, 2001). Nas décadas seguintes,
vários edifícios foram construídos na Esplanada, incluindo o Banco do Brasil, três edifícios da
Caixa Econômica Federal, e a sede do Ministério da Fazenda, entre outros. Esses terrenos foram
doados por diversas associações de servidores públicos, todos com o objetivo de modernizar a
capital do Espírito Santo.
541
arquitetônica. Foi com base nesses princípios que surgiram os Institutos de Aposentadoria e
Pensões (IAPs).
A formação dos IAPs ocorreu na década de 1930, visando regular as instituições de
previdência em todo o país. Antes dos IAPs, as Caixas de Aposentadoria e Pensões (CAPs), criadas
pela Lei Elói Chaves, representaram um avanço significativo na legislação previdenciária em
comparação com as antigas Sociedades e Associações de Auxílio Mútuo. Foi o Conselho Nacional
do Trabalho que possibilitou o uso dos recursos das CAPs na construção de habitações para seus
associados após a Revolução de 1930.
De acordo com Varon (1987), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos
(IAPM) foi criado em 1933. No ano seguinte, surgiram os Institutos dos Comerciários (IAPC), dos
Bancários (IAPB) e dos Estivadores (IAPE). O Instituto dos Bancários (IAPB) teve sua criação
impulsionada por uma greve nacional em 1936. O Instituto dos Industriários (IAPI) foi criado no
mesmo ano como uma resposta do Estado às reivindicações dessa classe trabalhadora, com o
objetivo de legitimar suas ações em prol dos direitos sociais, obtendo assim o apoio da
sociedade (VARON, 1987, p. 223-226).
A participação dos trabalhadores nos IAPs era obrigatória, sendo organizada por
categorias profissionais e não por empresas. Além de conceder benefícios e pensões, os
institutos também ofereciam assistência médica. O Decreto 1749 de 1937, foi fundamental para
estabelecer as condições para a atuação dos IAPs no campo habitacional, marcando o início de
sua atuação nessa área (VARON, 1987, p. 231-232).
Os recursos dos institutos passaram a ser aplicados na construção de moradias e na
implantação de infraestrutura industrial. A carteira de investimentos imobiliários dos IAPs
inicialmente previa oito tipos de operações, mas foram os três planos adotados pelo IAPI que
serviram como modelo.
542
estilo Moderno. Os primeiros e segundos pavimentos são revestidos com granito grafite,
enquanto os pavimentos superiores possuem apenas massa com pintura. No terceiro
pavimento, há uma estrutura saliente sobre a calçada da Rua Carlos Gomes, formando uma
galeria composta por pilares de formato retangular. Ao analisar a forma do edifício é possível
afirmar que se trata de um clássico produzido na prancheta de Jayme Figueira.
543
foi vendido para o Governo Federal, renomeado como Edifício Presidente Vargas e subdividido
para abrigar diversos órgãos e institutos públicos, incluindo o IAPI. Durante o período do regime
militar, um dos andares do edifício abrigou o Destacamento de Operações de Informações do
Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Nas décadas de 70 e 80, o edifício serviu
como sede do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e,
posteriormente, como Centro Regional de Especialidades do Governo do Estado. Comerciantes
da Rua do Rosário recordam-se de diversas utilizações do edifício, como consultórios médicos,
distribuição de remédios, Serviço de Proteção ao Consumidor (PROCON) e cartório.
544
Caso a União decida doá-lo à Prefeitura de Vitória, esta ficaria encarregada de realizar a obra.
No entanto, a distribuição das unidades habitacionais seria feita da seguinte forma: metade
delas seria destinada a moradores selecionados pela prefeitura (50%), enquanto a outra metade
seria disponibilizada para membros do movimento.
Figura 5 - Edifício Presidente Vargas fachada posterior, com a inserção dos brises.
Em 2017, ocorreu uma ocupação no prédio. As famílias da ocupação Chico Prego foram
despejadas de um terreno chamado Fazendinha, localizado no bairro Grande Vitória, e
buscaram refúgio na Casa do Cidadão, um órgão da prefeitura. Essas famílias, afetadas pela crise
econômica e incapazes de arcar com o aluguel, exigiram ações da prefeitura para auxiliar os
sem-teto. Como não encontraram soluções para seus problemas, decidiram ocupar o edifício do
IAPI. A União solicitou a reintegração de posse, mas a Justiça Federal negou esse pedido por
meio de uma decisão liminar. As mesmas famílias atualmente estão alojadas na Escola Municipal
de Ensino Fundamental (EMEF) São Vicente, localizada no Centro de Vitória.
Em 2022, essas famílias acamparam por 100 dias em frente à Prefeitura de Vitória,
buscando soluções para suas demandas. Por meio de intervenção judicial, conseguiram obter o
benefício de aluguel social por seis meses devido a esse acampamento, mas o benefício não foi
renovado. Além disso, a prefeitura municipal não garantiu a inclusão dessas famílias em
programas habitacionais (GOBBO, 2023). Atualmente, persiste a incerteza jurídica, e o prédio do
IAPI está em estado de deterioração devido ao abandono e ao desuso, apresentando problemas
como infiltrações e goteiras. Isso representa um risco à integridade física daqueles que estão
nas proximidades, devido aos danos causados pelo passar do tempo.
Além disso, considerando a função turística desempenhada pela região do Centro
Histórico e a recente retomada da atividade hoteleira na área, exemplificada pelo
empreendimento Alice Vitória Hotel, também se vislumbra a possibilidade de realizar uma
restauração e renovação do Edifício Presidente Vargas para essa possibilidade. Essa demanda é
respaldada pelo fato de a Prefeitura Municipal de Vitória (PMV) ter recentemente revitalizado a
Praça Costa Pereira e suas proximidades como parte do Projeto de Mobilidade Urbana para o
Centro da Cidade de Vitória.
545
a fim de recuperar a pavimentação antiga, em paralelepípedos. O objetivo é reduzir a
velocidade dos veículos, o que possibilita a travessia segura dos pedestres, bem como
ordena o tráfego, permitindo melhor percepção do sítio histórico do local. Também
foram feitos o ordenamento das paradas de veículos de transporte coletivo e de
turismo e o tratamento paisagístico para a região. ” (PMV, 2016).
546
urbano e das edificações comuns. Apesar das limitações e equívocos, a atuação oficial nesse
período foi relevante para a preservação de exemplares importantes para a memória nacional.
547
5 CONCLUSÕES
6 AGRADECIMENTOS
7 REFERÊNCIAS
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da Casa Própria. São Paulo: Estação Liberdade FAPESP, 1998.
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Vitória, Fortaleza e São Luís. Revista Eure, Vol. 31, 2005.
548
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Florecultura, 2002.
CARVALHO, Alessandra Tarcsay. Gestão Dos Processos de Revitalização No Centro Histórico da Cidade do Rio de
Janeiro. Dissertação (Mestrado em Engenharia Civil). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2009.
CAVALCANTI, Lauro. Quando o Brasil era Moderno: guia de Arquitetura 1928 – 1960. Rio de Janeiro: Aeroplano,
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(Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2010.
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GOMES, Eduardo Rodrigues. A modernização urbana do centro de Vitória (ES): considerações prel iminares sobre a
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(1930-1940). Dimensões, Vol. 25, pp. 182-195, 2010.
MORAIS, Lívia S. de. Porto de Vitória: Armazéns do Século XX Patrimônio Industrial e memória do Trabalho.
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VARON, Conceição M. F. de. E a História se repete... As Vilas Operárias e os Conjuntos Habitacionais dos IAPs no
Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Urbanismo). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
1987.
549
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( x ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
550
RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar as possibilidades que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) trazem
para a gestão sustentável de Destinos Turísticos Inteligentes (DTI), especificamente em Benidorm, Comunidade
Valenciana, na Espanha. São apresentadas as ações que Benidorm têm realizado neste tema podendo servir de
modelo para demais destinos turísticos. Benidorm é o primeiro destino turístico no mundo a receber a certificação
de DTI, motivo da escolha deste destino relevante para esta pesquisa. Metodologicamente, a pesquisa é qualitativa
e exploratória e utilizou-se a técnica de levantamento bibliográfico e pesquisa documental, em que se pode constatar
que a cidade apresenta algumas ações de aplicação dos ODS. Os resultados permitem concluir que mesmo sendo um
DTI, Benidorm ainda precisa desenvolver mais ações ligadas aos ODS. Observou-se ainda carecer de ações para
atenderem os temas igualdade de gênero, mudança climática, fim da pobreza e educação de qualidade.
ABSTRACT
The purpose of this article is to present the possibilities that the Sustainable Development Goals (SDGs) bring to the
sustainable management of Smart Tourist Destinations (DTI), specifically in Benidorm, Valencian Community, Spain.
The actions that Benidorm has carried out in this area are presented, which can serve as a model for other tourist
destinations. Benidorm is the first tourist destination in the world to receive DTI certification, which is why this relevant
destination was chosen for this research. Methodologically, the research is qualitative and exploratory and the
technique of bibliographic survey and documentary research was used, in which it can be seen that the city presents
some actions for the application of the SDGs. The results allow us to conclude that even though it is a DTI, Benidorm
still needs to develop more actions related to the SDGs. It was also observed that there was a lack of actions to address
the themes of gender equality, climate change, the end of poverty and quality education.
KEYWORDS: Sustainable Development Goals. Smart Tourist Destinations. Tourism recovery. Local development.
Benidorm.
551
1 INTRODUÇÃO
552
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 Destinos Turísticos Inteligentes
553
2.2 Sustentabilidade no Turismo
Diante dessa realidade, para que seja colocada em prática essa sustentabilidade,
torna-se necessário considerar a dimensão econômica, que envolve crescimento, eficiência e
estabilidade; a dimensão social, que envolve empoderamento, inclusão, consulta pública,
instituições e governança; e a dimensão ambiental, que envolve resistência, biodiversidade,
recursos naturais e questões relacionadas a se evitar contaminação ( MUNASINGHE, 2010). O
envolvimento entre a sustentabilidade econômica e social produz equidade intrageracional,
necessidades básicas e o bem viver. O envolvimento entre a sustentabilidade econômica e
ambiental produz valoração, internalização e incidência de impactos. E o envolvimento entre a
sustentabilidade social e ambiental produz equidade intergeracional, valores e cultura
(MUNASINGHE, 2010).
Nessa lógica, os principais aspectos da sustentabilidade são a sua complexidade como
conceito e o fato de ser transdisciplinar, devendo, portanto, ser construído coletivamente. Esse
tripé da sustentabilidade conhecido como Triple Bottom Line, possibilita crescimento e
desenvolvimento, mas não a curto prazo, pois envolvem muitos atores e ações. A fim de buscar
mensuração para as dimensões da sustentabilidade é necessário que se estabeleçam metas e
indicadores, de forma a unir teoria e prática e se poder aferir se os objetivos planejados estão
sendo alcançados.
Diante da realidade de que o Turismo é uma atividade que gera possibilidades de
desenvolvimento socioeconômico, seja local ou regional, sabe -se que gera, por outro lado,
impactos negativos ao meio ambiente, consequentemente, torna-se meritório pensar no
turismo de modo sustentável.
A propósito, interessante apontar a diferença entre Turismo sustentável e Turismo
realizado com a ideia de princípios de desenvolvimento sustentável. Turismo sustentável é
aquele que se desenvolve de forma que possa manter sua viabilidade por tempo indefinido
(BUTLER, 1999), enquanto turismo entendido com a ideia de princípios de desenvolvimento
sustentável é promovido e mantido em uma área, em uma forma e uma escala que pode
permanecer sendo viável por período indefinido, ao mesmo tempo em que não altera o meio
ambiente, seja humano ou físico, o qual se estabelece de modo a não impedir o
desenvolvimento e o bem estar de outras atividades e processos (BUTLER, 1999). Esta segunda
definição é mais sustentável e mais natural, e deve ser colocada em prática nas ações turísticas.
554
Futuro que Queremos, documento que orientou a criação de ações para construção de objetivos
universais de desenvolvimento sustentável.
Inicialmente foram estabelecidos 8 objetivos e o Grupo de Trabalho Aberto para a
elaboração dos ODS (GTA-ODS) foi encarregado de contribuir com esses objetivos e em agosto
de 2014 submeteram a proposta dos 17 ODS com suas 169 metas à apreciação da Assembleia
Geral da ONU, que a aprovou em 2015. Assim foi criado o documento Transformando Nosso
Mundo: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Esses 17 objetivos mesclam as três
dimensões do desenvolvimento sustentável: a econômica, a social e a ambiental. Essa agenda
apoia ações nas seguintes áreas: pessoas, planeta, prosperidade, paz e parcerias.
A fim de buscar adequação nesse sentido, no Turismo esses objetivos podem ser
aplicados conforme apresenta o Quadro 1.
555
ODS 15 - Proteger Paisagens majestosas e rica biodiversidade são razões para os turistas viajarem. Então o
a vida terrestre. turismo sustentável tem papel importante nessa preservação.
ODS 16 - Paz, O turismo trabalha ao mesmo tempo com diversas culturas, então a tolerância e
justiça e compreensão multicultural e inter-religiosa é muito importante.
instituições
eficazes.
ODS 17 - Pela sua natureza multicultural o turismo tem o potencial de fortalecer parcerias público-
Parcerias para a privadas e envolver partes interessadas.
implementação
dos objetivos.
Fonte: a partir de UNWTO (2019).
Esses objetivos merecem destaque neste momento em que desde abril de 2020 o
mundo vivenciava a pandemia causada pela COVID-19. Depois de mais de um ano e meio
tentando sair desta situação sanitária complexa, comprovam-se sinais de que a recuperação do
Turismo é possível. Com efeito, as evidências de que olhar para os ODS aplicados em DTI se
mostram muito promissoras para a criação de planos de recuperação responsável do setor.
Assim, os ODS devem ser colocados em prática pelos gestores públicos, pelos
integrantes da indústria do Turismo, pela sociedade como um todo e pelos viajantes,
envolvendo vários atores, como é solicitado em um DTI.
3 ASPECTOS METODOLÓGICOS
556
A pesquisa aqui apresentada é de abordagem qualitativa, por se tratar de uma
pesquisa que busca relacionar conceitos e métodos para explicar e propor uma nova abordagem
(GERHARDT, 2009).
Quanto aos seus objetivos esta pesquisa é exploratória, pois pretende proporcionar
maior familiaridade com o problema e foi realizada por meio de pesquisa documental
(GERHARDT, 2009).
O início desta pesquisa se deu com uma pesquisa bibliométrica a partir de textos
buscados no portal Periodicos CAPES em setembro de 2021 com as strings "Smart Tourist
Destinations" AND "Sustainable Development Goals". Foram encontrados seis resultados.
Dentre eles, dois eram iguais e dois foram excluídos por não apresentarem relação com o tema.
Dos artigos encontrados, três foram usados como referência nesta pesquisa. Usando “Smart
Tourism Destinations” AND “Sustainable Development Goals” nas buscas, foram encontrados 11
resultados. Ao analisá-los, sete não se relacionaram com o tema e os outros quatro foram
usados como referência nesta pesquisa. Também foi usada a string "Smart Destinations" AND
"Sustainable Development Goals" e obtidos 10 resultados. Ao analisá-los, somente seis puderam
ser aproveitados.
Esta pesquisa bibliométrica demonstrou que o tema ainda é recente e há pouca
publicação sobre ele, o que demonstrou o gap de pesquisa a ser explorado.
Benidorm foi escolhida como locus de pesquisa por ser o primeiro destino a ser
certificado como DTI e possivelmente teria ações relacionadas aos ODS implementadas na
cidade. Na sequência, a pesquisa documental permitiu maior compreensão sobre o fenômeno,
tendo sido analisados, pela técnica de análise de conteúdo, 10 documentos de DTI em
Benidorm. Registre-se que a pesquisa documental foi realizada inicialmente por meio de uso da
internet e posteriormente com visita a Benidorm, o que possibilitou acesso a outros
documentos.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
557
A cidade se mantém como exemplo de inovação até os dias atuais, sendo que em 2018
obteve o título de DTI pela AENOR e SEGITTUR, certificação já renovada, e mantendo-se, até o
fechamento desta pesquisa, como o único destino certificado como DTI (BENIDORM, 2018).
Na linha deste pioneirismo, Benidorm cria seu Plano Diretor de DTI que tem por
objetivos, dentre outros, trabalhar o desenvolvimento econômico, social e ambiental do
município, se antecipando, assim, a ações para cumprir os ODS, pois estas ações para ser um DTI
foram iniciadas em 2012 (BENIDORM, 2018).
Baseado no documento de ODS para Comunidade Valenciana (VALENCIANA, 2019) foi
criado outro documento complementar contendo ações sobre ODS e m Benidorm (VALENCIANA,
2019).
Observa-se que a Comunidade Valenciana foi pioneira e criou um documento com
recomendações para os destinos turísticos a fim de facilitar a aplicação dos ODS em seus
destinos (VALENCIANA, 2019). Esse documento cita que o Turismo pode garantir a proteção do
patrimônio cultural e natural, pode impulsionar o capital humano para o progresso econômico
e social do destino, pode criar cadeia de valor turístico melhorando a competitividade do destino
e impulsionando modelos de governança para que haja eficiência e transparência.
Ainda, esse documento (VALENCIANA, 2019) cita planos de trabalho sugeridos para os
destinos turísticos da Comunidade Valenciana no tema setor turístico local, subdividido em
turismo sustentável e integrado à economia local, contribuindo com os ODS 2, 8 e 9 com
enfoque em pessoas e prosperidade e em inovação; e tecnologia para competir melhor e
diminuir o impacto, contribuindo com os ODS 8 e 9, com enfoque em prosperidade. Também
cita planos para o território subdividido em turismo e proteção do patrimônio natural e cultural,
contribuindo com os ODS 6, 11 e 15 com enfoque em planeta; e prosperidade e uso eficiente
dos recursos e consumo sustentável contribuindo com os ODS 6, 7, 8, 12 e 14 com enfoque em
planeta e prosperidade.
Para pessoas, com a subdivisão e sensibilização como forma de criar consciências
positivas, contribuindo com os ODS 4, 12 e 13 com enfoque em pessoas e planeta, igualdade,
inclusão e gênero em turismo, contribuindo com os ODS 1, 5, 9 e 10, com enfoque em pessoas
e prosperidade; e formação, competências profissionais e emprego digno, contribuindo com os
ODS 4, 8 e 9, com enfoque em pessoas e prosperidade. E ainda governança turística, subdividido
em planejamento do destino, contribuindo com os ODS 11, 13, 16 e 17, com enfoque em
prosperidade, planeta, paz e alianças, alianças e participação, contribuindo com os ODS 12 e 17,
com enfoque em planeta e alianças e gestão turística local sustentabilidade e medição,
contribuindo com os ODS 3, 9, 12, 16 e 17, com enfoque em pessoas, planeta, prosperidade, paz
e alianças.
Em 2020 criam o Plano de Sustentabilidade Turística, onde desenvolvem estratégias
para ser um destino sustentável e seguro, visando melhorar a cidade em termos de
sustentabilidade, mas que seja seguro, pois o momento era de crise pela COVID-19. Nesse
documento descrevem ações ligadas a infraestrutura turística e recursos mais sustentáveis e
acessíveis, gestão planejada e inteligente, transformação competitiva e segurança higiênico -
sanitária (BENIDORM, 2018).
Registre-se que a Generalitat Valenciana se filiou, em 2015, à Agência Valenciana de
Turismo, atual Turisme Comunitat Valenciana e à OMT a fim de criarem planos para colocarem
em prática os ODS. Para este projeto foram tratadas as Províncias de Castellón, Valencia e
558
Alicante, de onde faz parte Benidorm, a fim de facilitar a implantação das ações ( VALENCIANA,
2019).
Para que se pensasse em ações mais efetivas foram realizadas reuniões de trabalho
presenciais e remotas nos municípios e definidas ações para cada um dos ODS, tendo em conta
a capacidade de Benidorm de realizá-las (VALENCIANA, 2019).
Várias ações foram pensadas e colocadas em prática em Benidorm para que cada um
dos ODS fosse atendido. A seguir estão brevemente descritos no Quadro 2 alguns destes
projetos relacionados aos ODS (VALENCIANA, 2019).
ODS 8 – Apresenta projetos inovadores com sua rede. Desenvolve estratégia de comunicação digital.
Trabalho Cria e impulsiona clusters de inovação, entre outras.
decente e
crescimento
econômico.
ODS 9 – Publica no portal da cidade documentos relativos à atividade turística em portais de dados
Indústria, abertos. Põe em andamento projetos de sinalização, interpretação e divulgação do patrimônio
Inovação e cultural e natural, entre outras.
Infraestrutura.
ODS 10 – Incentiva o desenvolvimento e implantação de planos de acessibilidade universal. Implanta
Redução das praias acessíveis.
Desigualdades.
ODS 11 – Vive em Benidorm: trabalhar desde o paraíso. Incentivo a este projeto de lazer e teletrabalho.
Cidades e Desenvolver infraestrutura esportiva e organizar eventos que atendam residentes e cidadãos.
comunidades Atualizar infraestrutura turística e implantar ferramentas tecnológicas para monitoramento.
sustentáveis.
559
Desenvolver projetos inovadores. Implantar planos de mobilidade turística sustentável entre
outras ações.
ODS 12 – Programas de conscientização do consumo de água e energia. Realizar jornadas de
Produção e sensibilização sobre o consumo responsável. Desenvolver projetos inovadores entre outras.
consumo
responsáveis.
ODS 13 – Realizar campanhas de sensibilização com população e turistas sobre meio ambiente.
Mudanças Fomentar pesquisa na área entre outras.
climáticas.
ODS 14 – Vida Realizar campanha de sensibilização com população residente e turistas sobre meio ambiente
marinha. entre outros.
ODS 15 – Vida Realizar campanha de sensibilização com população residente e turistas sobre meio ambiente
terrestre. entre outros.
ODS 16 – Paz, Desenvolver ações com empresas para impulsionar a inovação entre outras.
justiça e
instituições
sólidas.
ODS 17 – Coordenação de ações com parceiros para colocar em prática os itens relacionados a todos os
Alianças para demais ODS.
alcançar os
objetivos.
Fonte: dados da pesquisa (2022).
5 CONCLUSÃO
As ações que Benidorm mais destaca com relação aos ODS são referentes ao ODS 6
que tem excelente grau de contribuição da cidade e da Comunidade Valenciana, seguido dos
ODS 7, 8, 9 e 11. O ODS 2 recebe um bom grau de contribuição de Benidorm e da Comunidade
Valenciana no combate à fome. Os ODS que recebem menor contribuição são os ODS 1, 4, 5 e
13. As únicas ações em que Benidorm estão abaixo da média com relação à Comunidade
Valenciana são referentes aos ODS 1, 5 e 10.
Pode-se concluir que Benidorm está avançando cada vez mais em água limpa e
saneamento, energia renovável, trabalho decente e crescimento econômico, indústria, inovação
e infraestrutura, cidades e comunidades sustentáveis e fome zero. E estas ações promovem o
desenvolvimento local e regional. Constatou-se a necessidade de criação de mais ações para
atenderem as seguintes questões: igualdade de gênero, mudança climática, fim da pobreza e
educação de qualidade.
Criar ações que atendam aos ODS é relevante, principalmente em DTI, que reforça os
quatro objetivos principais do marco da sustentabilidade: fazer gestão do destino por meio de
uma política sustentável e responsável; maximizar os benefícios às comunidades, aos visitantes
e ao patrimônio cultural e minimizar os impactos negativos; maximizar os benefícios para o meio
ambiente e minimizar os impactos negativos; e maximizar os benefícios socioeconômicos para
a comunidade receptora, minimizando impactos negativos.
Considera-se contribuição desta pesquisa o avanço científico em se analisar a relação
entre DTI e os ODS. Considera-se contribuição também a apresentação de políticas, programas
560
e projetos de Benidorm como inspiração para gestores públicos e privados atuarem em prol de
uma forma de desenvolvimento a partir do Turismo que seja mais sustentável.
Reconhece-se, entretanto, como limitação, o fato de esta pesquisa se apoiar em
estudos relacionados a apenas uma cidade, não sendo possível a generalização dos achados da
pesquisa. Nesse sentido, sugere-se para pesquisas futuras que a investigação sobre os
construtos DTI e ODS sejam realizados em outras localidades.
REFERÊNCIAS
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562
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( X ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
563
RESUMO
Os parques urbanos proporcionam um equilíbrio no desenvolvimento das cidades e sua composição arborizada está
aliada às atividades de lazer, o que integra o homem à natureza. Sendo assim, os parques urbanos têm se configurado
como elemento de valorização do espaço urbano com características ligadas ao bem comum de uso público. Com
base nessa contextualização, o presente trabalho tem como objetivo diagnosticar a situação da atual realidade
apresentada pelo Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal) na catalisação do desenvolvimento
sustentável em Campo Grande/MS, além de identificar a estrutura, formas de uso e a apropriação do espaço. O
referencial teórico selecionado abrange a sustentabilidade catalisada por parques públicos e a transformação destes
em lugares (placemaking), buscando a formação deste espaço em um local acessível, ativo, confortável, sociável e de
uso ambientalmente adequado. Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratória, descritiva, qualitativa e contextual
em que se utiliza da triangulação na análise do objeto de pesquisa e da interpretação dos sujeitos envolvidos. Verifica-
se a partir das análises a falta de apropriação da população em um parque que carece de muitas melhorias em sua
infraestrutura. Uma das formas de dirimir tais problemas é a possibilidade de se estabelecer parcerias em um
processo de co-construção entre os diferentes setores da sociedade, a fim de gerar a vitalidade para o parque e,
consequentemente, alcançar o desenvolvimento sustentável.
ABSTRACT
Urban parks provide a balance in the development of cities and their wooded composition is allied to leisure activities,
which integrates man with nature. Thus, urban parks have been configured as an element of valorization of urban
space with characteristics linked to the common good of public use. Based on this contextualization, the present work
aims to diagnose the situation of the current reality presented by the Antônio de Albuquerque Forest Park (Horto
Florestal) in the catalysis of sustainable development in Campo Grande/MS, in addition to identifying the structure,
forms of use and the appropriation of space. The selected theoretical framework covers sustainability catalyzed by
public parks and their transformation into places (placemaking), seeking to form this space into an accessible, active,
comfortable, sociable and environmentally appropriate place. This is an exploratory, descriptive, qualitative and
contextual research in which triangulation is used in the analysis of the research object and the interpretation of the
subjects involved. It is verified from the analyzes the lack of appropriation of the population in a park that lacks many
improvements in its infrastructure. One of the ways to solve such problems is the possibility of establishing
partnerships in a process of co-construction between different sectors of society, in order to generate vitality for the
park and, consequently, achieve sustainable development.
564
1 INTRODUÇÃO
Os espaços públicos são considerados pelo Programa das Nações Unidas para
Assentamentos Humanos (ONU-Habitat), elementos fundamentais na construção da Nova
Agenda Urbana proposta em 2016, comprometida com cidades mais sustentáveis, saudáveis,
seguras, justas e inclusivas (ONU-Habitat, 2016). A Organização internacional intitulada Cidades
e Governos Locais Unidos (CGLU) reconhece a responsabilidade das administrações locais em
propor políticas urbanas que conectem a Nova Agenda Urbana com as realidades locais, em prol
das necessidades das pessoas, assim como o papel que os espaços públicos exercem neste
sentido (CGLU, 2016).
Em função deste compromisso, esta organização também elaborou um documento
marco de políticas estratégicas para o desenvolvimento de espaços públicos a serem conduzidas
pelas administrações locais, com as metas chaves de atendimento dos Objetivos do
Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nestas proposições, os espaços públicos são abordados
pela CGLU como os grandes catalisadores do desenvolvimento das cidades, gerando benefícios
sociais, econômicos e ambientais. Neste sentido e dada a urgência da implementação das novas
políticas, considera-se fundamental que as administrações locais possam contar com o suporte
dos órgãos de pesquisa, seja para construir, manter ou regular espaços públicos. A preocupação
deste trabalho é, portanto, a de buscar proporcionar suportes adequados neste sentido.
O município de Campo Grande, com 8.082,97km², está localizado geograficamente na
porção central de Mato Grosso do Sul, ocupando 2,26% da área total do Estado. Situado no
Planalto da Serra de Maracaju, sobre o eixo divisor das bacias dos Rios Paraná e Paraguai, onde
o relevo é suavemente ondulado proporcionando a formação de um núcleo urbano extenso, é
caracterizado por uma ocupação espraiada entremeada por fragmentos de campos de pastagem
e cerrados.
Diferentes tipos de espaços livres públicos de Campo Grande/MS foram especificados
o
na Lei n 3201/95, a qual dispõe sobre a arborização no município de Campo Grande e dá outras
providências. Tais espaços foram identificados como praças, jardins, bosques, parques,
canteiros de avenidas e ruas arborizadas. As nominações desses locais foram consideradas como
pertencentes a um Sistema de Áreas Verdes do Município. Respeitada as suas dimensões, eles
tinham por função abrigar atividades de lazer e de recreação a serem utilizados para a alocação
de equipamentos sociais, proteger mananciais e promover a harmonização paisagística e
ecológica da área urbana. Compunha ainda, o Sistema de Áreas Verdes do Município as
propriedades particulares que possuíssem uma arborização com extensão significativa, citando-
se como tipos pertencentes ao sistema: clubes esportivos sociais, clubes de campo e
condomínios.
Com base nessa contextualização e a relação com uma cidade dotada de parques
urbanos relevantes, o presente artigo tem por objetivo geral diagnosticar a situação da atual
realidade apresentada pelo Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto Florestal) na
catalisação do desenvolvimento sustentável em Campo Grande/MS. Tem-se como objetivos
específicos estabelecer a caracterização do Parque Florestal Antônio de Albuquerque (Horto
Florestal) em seu devido contexto histórico-espacial, em acordo à sua finalidade construtiva,
bem como a identificação da sua estrutura, suas formas de uso e apropriação do espaço, assim
como a participação de usuários e partes interessadas em soluções criativas na transformação
565
deste espaço em um lugar acessível, ativo, confortável, sociável e de uso ambientalmente
adequado.
Além da introdução, metodologia e considerações finais, o trabalho está dividido em
quatro partes. A primeira visa discutir acerca da importância do parque urbano para a garantia
da qualidade de vida dos indivíduos nas cidades. Já a segunda etapa tem o intuito de caracterizar
os contextos histórico e territorial do Horto Florestal, parque urbano de Campo Grande/MS. A
terceira parte deste trabalho visa descrever os aspectos físicos do Horto a partir dos dados
objetivos encontrados. Por fim, a quarta etapa aborda os dados qualitativos advindo da
percepção dos sujeitos da pesquisa.
2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
566
[...] representam na dinâmica das cidades, um “espaço verde” fundamental no
contexto de crescimento e desenvolvimento econômico e urbano, pois, através
deles, proporcionam para a comunidade dos bairros que os circundam como também
para toda a cidade, um espaço destinado ao lazer, ao contato com a natureza, onde
o homem se encontra totalmente inserido (MELAZO; COLESANTI, 2003, p. 6).
Tais áreas podem ser alvos de representações sociais, percepções e usos distintos,
visto que possuem diferentes significados para cada pessoa. A criação desses espaços em locais
públicos pode representar ao indivíduo o vínculo com o lugar, criando uma identidade, onde o
mesmo se apropria e se sente parte dele. Assim, “o lugar é entendido como um espaço
percebido e vivido, dotado de significado e com base no qual se desenvolve e extraem-se os
‘sentidos de lugar’” (SOUZA, 2013, p. 117).
Nesse sentido, esses parques desempenham um papel importante no espaço urbano,
aproximando as pessoas das condições naturais, atuando nos aspectos físicos e mentais das
pessoas, sendo de extrema importância para garantir a qualidade de vida dos cidadãos. Sua
criação deve fazer parte do planejamento urbano e sua ocupação e conservação devem ser
incentivadas para a obtenção de resultados satisfatórios.
Jacobs (2000) foi capaz de perceber que a dimensão pública das superfícies das cidades
está desaparecendo e, com elas, a urbanidade, responsável pela boa convivência urbana. A
autora destaca que “as cidades têm a capacidade de fornecer algo para todos apenas quando
esse “algo” é criado em conjunto”. Tal citação foi um dos norteadores da criação do conceito de
placemaking - fazer lugares, o qual representa uma forma de planejamento e gestão do espaço
público com a participação da comunidade baseada na identidade, características próprias do
local e das pessoas que ali convivem, propondo sua transformação de maneira criativa,
relacionando as necessidades e desejos aos sentimentos de pertencer e cuidar.
567
Fonte: Autores, 2023.
Fonte: Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano (PLANURB), 2022, adaptado pelos autores,
2023.
568
com o conceito de comunidade como capacidade humana para partilhar o espaço, é, portanto,
uma condição fundamental da interação social e da expressão individual.
Muitos anos se passaram desde a criação do Horto Florestal. Em 2020, por exemplo,
foi anunciado pela Prefeitura Municipal de Campo Grande um contrato de R$ 282 mil para a
revitalização do parque, porém houve o declínio por parte da empresa contratada para
realização da reforma. Devido a pandemia da COVID-19 e o fechamento das áreas públicas, o
parque foi reaberto em julho de 2021. Muitos moradores estranharam as condições que o local
se encontrava e, diante das reclamações dos moradores e frequentadores do local,
a Prefeitura Municipal informou que o Horto Florestal deverá receber nova obra de
revitalização, porém ainda sem data de início definida (MIDIAMAX, 2022).
Fonte: Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (SISEP), 2022, adaptado pelos autores, 2023.
569
Figura 5 - Biblioteca situada no Horto Florestal
570
Figura 7 - Estruturas destinadas ao orquidário
Além de toda a área destinada ao parque, também há uma passarela situada sobre a
Avenida Fernando Corrêa da Costa, que faz a ligação entre o Horto e o outro lado da avenida,
possibilitando a interlocução com um Centro de Convivência do Idoso e Centro de Atividades
Múltiplas. Neste outro espaço existe um parlatório, um teatro de arena e uma pista de skate
(Figura 9).
571
Figura 9 - Ligação entre as duas áreas destinadas ao Horto Florestal e seus respectivos usos
572
Figura 11 - Infraestrutura existente do Horto Florestal
Figura 12 - Descuido e falta de manutenção evidenciados pela infraestrutura existente no Horto Florestal
573
6 AS PERCEPÇÕES AMBIENTAIS DOS USUÁRIOS E DEMAIS PARTES INTERESSADAS
574
Quadro 02 - Perfil dos Entrevistados incluindo a ocupação
Ocupação QTD %
Do Lar 03 25,00
Estudante 04 33,33
Estudante e Menor aprendiz 01 8,33
Enfermeira 01 8,33
Agente comunitário 01 8,33
Ajudante de Serviços Gerais 01 8,33
Estoquista 01 8,33
Total 12 100%
Fonte: Autores, 2023.
Gráfico 1 - Perfil dos Entrevistados incluindo bairro de residência e meio de deslocamento até o Horto Florestal
É notória uma busca de pessoas advindas de localidades distantes do Horto, o que leva
a crer - de acordo com o universo entrevistado - que a utilização de pessoas moradoras do
entorno do parque é bastante pequena. Além disso, para vencer essas grandes distâncias, as
entrevistas apontaram o carro como o meio de transporte mais utilizado.
Assim como já discutido na etapa de referências bibliográficas sobre os parques, o
Horto Florestal também proporciona a socialização das pessoas em diferentes dias da semana,
quer seja para praticar atividades físicas ou para contemplação, passeio e lazer. Conforme
apontado por Macedo (1995), a apropriação dos espaços pelo usuário está intrinsecamente
ligada à sua qualidade e sua duração ao longo do tempo. Assim, quanto mais intensamente e
com mais qualidade um espaço possa ser apropriado maior será sua aceitação social e por mais
tempo permanecerá na identidade morfológica da cidade. No entanto, como se pode observar
no Gráfico 2, é possível verificar que a frequência de utilização dos entrevistados não apresenta
uma periodicidade efetiva.
575
Gráfico 2 - Perfil dos Entrevistados incluindo a frequência ao Parque
Quadro 03 - Perfil dos Entrevistados em relação à estrutura mais utilizada e ao significado/sentimento em relação
ao Horto Florestal
Estrutura que mais utiliza no Horto Florestal Significado/sentimento pelo parque
Pista de Caminhada “É bom, mas poderia melhorar”
Playground “Trocaria pelo Parque das Nações Indígenas”
Biblioteca “Momento de paz com a família”
Academia ao ar livre “União, sossego”
Parlatório “Gosto do balanço e do castelo”
Parque em geral “Abandonado”
Locais para sentar “Liberdade”
“Diversão”
“Conectada com a natureza”
“Espaço para descanso”
“Calmo, remete a natureza”
Fonte: Autores, 2022.
576
Quadro 4 - Perfil dos Entrevistados frente aos problemas do Parque
Quais os Principais Problemas Sugestões para a melhoria do Parque
Falta de banheiro adequado Arrumar os brinquedos e colocar areia no playground
Falta de estacionamento Limpar o chafariz (que está desativado)
Falta de segurança Refazer a pintura
Chafariz desativado Melhorar o paisagismo
Orquidário abandonado Oferecer atrações para crianças e famílias em geral
Falta de limpeza/manutenção em geral Limpar os banheiros
Lanchonete desativada Oferecer atividades voltadas à comunidade,
semelhante ao que se oferece no Belmar (Ex.: Yoga)
Playground com brinquedos quebrados Melhorar a segurança geral do Parque
Não olhar somente para os outros parques da cidade,
mas também para o Horto que precisa de manutenção Oferecer estacionamento
Falta de irrigação adequada Melhorar a manutenção geral do Parque
Fonte: Autores, 2023.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
577
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578
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
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RESUMO
O Theatro Municipal de São João da Boa Vista-SP, um dos maiores palcos culturais da região na atualidade, se viu, no
início da década de 1980, ameaçado de demolição; foi nesse momento que surgiu um movimento popular contrário
ao seu desaparecimento e visando sua proteção. Este artigo visa trazer à luz as discussões e examinar as ações
individuais e coletivas de membros da comunidade que, ao pressionarem o poder público, conseguiram preservar
não apenas um edifício, mas parte de suas histórias, memórias e identidades. Para tanto, foram analisados, à luz de
trabalhos de autores consagrados que trataram do tema da preservação de bens culturais, as crônicas e notícias
publicadas na imprensa local sobre o processo, conjuntamente aos documentos oficiais que possibilitaram o
tombamento do edifício pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico do Estado de São Paulo). Com as análises realizadas, tornou-se evidente que somente com a participação
popular, as políticas de preservação, dever do Estado e amplamente necessárias para o exercício ativo da cidadania,
encontrarão sucesso e cumprirão com sua missão. Neste artigo, portanto, se consolida a visão de que a política
patrimonial não existe sem povo; ela deve ser feita com, para e pelos usuários, e é somente a partir da participação
deles na formulação dessas políticas o que garante a salvaguarda dos bens culturais e a sua permanência para as
futuras gerações.
ABSTRACT
The Municipal Theater of São João da Boa Vista-SP, one of the largest cultural stages in the region today, was
threatened with demolition in the early 1980s; It was at that moment that a popular movement emerged against his
disappearance and seeking his protection. This article aims to bring to light the discussions and examine the individual
and collective actions of community members who, by putting pressure on public authorities, managed to preserve
not just a building, but part of their histories, memories and identities. To this end, in the light of works by renowned
authors who dealt with the topic of preserving cultural assets, the chronicles and news published in the local press
about the process were analyzed, together with the official documents that made it possible for the building to be
listed by CONDEPHAAT (Council of Defense of the Historical, Archaeological, Artistic and Tourist Heritage of the State
of São Paulo). With the analyzes carried out, it became evident that only with popular participation, preservation
policies, a duty of the State and largely necessary for the active exercise of citizenship, will be successful and fulfill
their mission. This article, therefore, consolidates the view that heritage policy does not exist without people; it must
be done with, for and by users, and it is only through their participation in the formulation of these policies that
guarantees the safeguarding of cultural assets and their permanence for future generations.
580
1. À guisa de introdução: os múltiplos usos de um edifício teatral (1914-1982).
O Theatro Municipal de São João da Boa Vista, inaugurado em outubro de 1914, fez
parte de um conjunto de melhoramentos urbanos construídos entre finais do século XIX e início
do século XX na cidade recém-enriquecida pelo cultivo do café. Construído no lugar mais nobre
da urbe, atrás da Igreja Matriz e ao lado da Praça Cel. Joaquim José, aquela construção eclética
era considerada um monumento, símbolo máximo dos valores civilizacionais e da modernidade
em São João da Boa Vista.
Nos seus primeiros quinze anos de funcionamento, foi lugar de apresentações cênicas e
musicais, mas principalmente de exibição de filmes mudos. Passados esses primeiros anos
marcados por sucessos de bilheteria e casa lotada, com a Crise de 1929, o Theatro Municipal
também entrou em crise. Já em 1929, na tentativa de viabilização financeira do espaço, foram
montados espetáculos de grupos amadores locais, tendo também o cinema ganhado mais
espaço em sua programação. Nesse momento, também passaria a funcionar em seu interior um
rinque de patinação e servindo, até meados dos anos de 1930, como salão de bailes para festas
populares. Em 1937, o Theatro Municipal foi adquirido pelo Dr. Joaquim José de Oliveira Neto,
sendo rebatizado como CineTeatro. Ainda em dificuldades financeiras, fecharia pouco tempo
depois e reabriria apenas em 1945, continuando a funcionar como cinema e raramente
recebendo apresentações de palco.
As salas anexas do edifício, que eram alugadas pelo proprietário, também tiveram um
uso bastante variado ao longo dos anos. No andar superior funcionaria a Sociedade Cultura
Artística, fundada em 1930 e substituída pela Sociedade Cultural de Debates, fundada em 1951.
O espaço do antigo bar do andar superior do CineTeatro ainda seria utilizado como sede do
Teatro-Escola, em 1950, e como sede da Rádio Difusora ZYJ-6, entre os anos de 1958 e 1963
(MENEZES, 2014, p. 111). Depois, cederia espaço para o funcionamento da Biblioteca Municipal
Jaçanã Altair, ficando nesse local até o início dos anos de 1980. Ainda no aspecto dos usos
variados, as dependências anexas do CineTeatro não seriam utilizadas apenas para atividades
culturais e de entretenimento: o BarTeatro funcionaria no térreo do edifício desde a sua
inauguração até os anos 1980; na década de 1960, uma das salas do andar superior abrigaria
um laboratório de próteses dentárias e depois, na década de 1970, o escritório da
Transportadora Sertaneja do Dr. Joaquim José de Oliveira Neto, proprietário do edifício.
Frente à concorrência dos cinemas Cine Avenida (inaugurado em 1944) e Cine Ouro
Branco (inaugurado em 1970), o antigo CineTeatro, em seus momentos finais, amargaria
prejuízos com exibições de filmes adultos e de comédias pastelão, além de sessões de exibição
de antigas séries de Far West, voltadas a uma faixa de público mais popular e de menor poder
aquisitivo. Somadas as más condições de manutenção do edifício e a programação sem
atrativos, o CineTeatro foi sendo obliterado como lugar de entretenimento da cidade. Em
meados dos anos de 1970, o lugar passaria a ser conhecido popularmente como “pulgueiro”;
frequentá-lo não era mais interessante, e até mesmo passava a ser desencorajado por uma
sociedade que desconfiava daquela quase-ruína bem no centro de sua cidade. As operações
comerciais do CineTeatro ainda se estenderiam até o ano de 1982, quando fechou suas portas
definitivamente. Sem uso, aquele espaço parecia destinado ao desaparecimento.
Lugar que já tinha sido Biblioteca, rádio, clube literário, cinema, teatro. Múltiplos usos
de um espaço rico de memória, ameaçados pela especulação imobiliária. Parte da história
cultural sanjoanense, então, seria perdida se, durante meados da década de 1980, parte da
581
população sanjoanense não se mobilizasse e buscasse, junto ao poder público, a preservação
daquele edifício.
2. Objetivos.
Tivemos como objetivo geral a análise das discussões sobre a preservação do edifício do
Theatro Municipal de São João da Boa Vista na década de 1980. Por objetivo específico,
buscamos evidenciar a participação popular naquelas discussões, e sua importância para
viabilizar qualquer ação de preservação, visando indicar, utilizando um caso específico, que o
envolvimento da comunidade, que potencialmente fará uso do bem, nas políticas patrimoniais
é causa necessária para que essas mesmas políticas obtenham sucesso.
3. Metodologia.
582
analisou as notícias publicadas, o próprio processo de tombamento, estabelecendo diálogo com
a bibliografia levantada.
Quando [Ronaldo Marin] chegou a São João, logo retornou para o Grupo de Teatro e
Dança e, quando descobriu que o teatro ia ser vendido e demolido, ficou maluco (...)
o Ronaldo, com cabeça europeia, espírito jovem e destemido, encabeçou um
movimento para não deixar isso acontecer... junto com outros jovens, colheu milhares
de assinaturas de porta em porta, fizemos happening em frente ao Theatro... e não
vendo resultado, deu uma entrevista para o jornal da cidade, falando que, se não
tomassem uma decisão ele iria se amarrar no topo do prédio e fazer greve de fome
até decidirem não demolirem o prédio e pedirem seu tombamento. Chamou a
atenção da mídia, o SBT divulgou no jornal televisivo e as coisas começaram a mudar.
(MENEZES, 2014, p. 117)
A declaração de Zeza Freitas é especialmente interessante, uma vez que a partir dela
podemos estabelecer uma relação entre o surgimento da ideia de preservação do teatro e as
discussões sobre o patrimônio ocorridas na Europa: naquela época, essas discussões estavam,
no continente europeu, na ordem do dia, a ponto de se escolher o ano de 1980 como Ano do
Patrimônio na França (NORA, 2008, p. 31). Assim, podemos indicar que as ações de um artista
local visando a preservação do imóvel (até então sem valor algum atribuído pela comunidade)
em São João da Boa Vista foram inspiradas num movimento mais amplo, com raízes na Europa,
de proteção de bens culturais mediante ações envolvendo governos e comunidades; a partir
desse novo pensamento, haveria uma mudança na visão do sanjoanense em relação ao direito
de um proprietário em agir sobre o seu imóvel sem as preocupações referentes à preservação
do mesmo, quando assim conviesse à comunidade.
E diante da situação inusitada de ameaça de greve de fome por um imóvel em quase-
ruína, e da repercussão nos jornais sobre as ações, o prefeito, Sidney Estanislau Beraldo,
prometeu manter e reabilitar o edifício. A partir dessa promessa e visando pressionar mais
fortemente o poder público, Ronaldo Marin e Zeza Freitas protagonizaram, ainda em 1983, a
coleta de assinaturas em abaixo-assinados que declaravam apoio à iniciativa do poder público
em proteger o antigo Theatro Municipal. Esses abaixo-assinados conseguiram reunir 1.026
assinaturas, um número bastante expressivo numa sociedade que estava ainda se habituando,
nos estertores da ditadura militar, às ações populares sem o cerceamento do poder público, que
ocorria desde 1964.
Nesse aspecto, vemos que a participação popular em São João da Boa Vista para se
salvar o edifício teatral não se relacionava apenas às discussões europeias sobre o patrimônio,
583
mas também a um quadro de mobilização popular num contexto político de redemocratização
do país, e que possibilitava o debate sobre o patrimônio e, em certa medida, a conquista da
cidadania pelo povo brasileiro (SILVA E OLIVEIRA, p. 72). Assim, pode-se considerar que as
mobilizações para a preservação e o posterior restauro do edifício fizeram parte de um
movimento muito mais amplo em que o povo se livrava da tutela opressora do Estado e passava
a assumir o papel de protagonista de suas histórias, se transformando em parte fundamental no
processo de preservação dos seus bens culturais, elegendo-os, fazendo pressão nos governantes
e buscando formas de serem ouvidas pelos poderes constituídos.
E sobre os signatários daqueles abaixo-assinados, é interessante perceber a
heterogeneidade das ocupações dos mesmos, que vão desde dona de casa a industrial,
passando por doméstica, ator, estudante; a variedade de ocupações e de classes sociais demarca
bem a existência, neste caso específico, de um desejo francamente difuso pela preservação do
espaço. Essa característica popular das mobilizações foi muito importante e contribuiu
imensamente para o sucesso das iniciativas que culminaram no seu tombamento, anos depois;
isso porque é somente com a ampla mobilização da sociedade que se confere legitimidade às
políticas de preservação e, quanto mais democrática for tal participação, maior a eficácia
daquelas políticas (FALCÃO, 1984, p. 36/37).
Ao mesmo tempo em que se viu uma espontânea reação, a partir dos abaixo-assinados,
de cidadãos favoráveis à causa da preservação, também houve manifestações contrárias. Elas
tiveram eco na imprensa local a partir de um cronista que assinava pelas iniciais JPC; nelas, o
cronista protestava contra o que ele chamava de um movimento não para tombar e proteger o
velho teatro, mas para tomar um bem de um particular, encabeçado por pessoas que ele mesmo
julgava como sendo mentirosos e sonhadores.
Nas crônicas, então, acusava-se o movimento preservacionista de desejar retirar do
proprietário o seu direito de usufruir do bem, tomá-lo à força, a partir de um conluio visando
impedi-lo de exercer o seu direito à propriedade. Além disso, chamava a atenção do leitor para
a dificuldade econômica do município e a falta de recursos disponíveis para serem empregados
numa eventual obra de recuperação do edifício. Para desacreditar o grupo que pedia à
Prefeitura Municipal a compra e restauro do edifício, o cronista até mesmo criou uma frase de
efeito, “é feio tomar o alheio”, e buscou demonstrar a necessidade de outras obras, segundo
suas palavras, de real utilidade a serem feitas pela Prefeitura Municipal, marcando forte posição
contrária ao emprego de recursos públicos na recuperação de um imóvel particular.
Nessas crônicas podemos ver argumentos encontrados até hoje em situações onde os
tombamentos opõem os interesses coletivos, de uma comunidade buscando a preservação de
seus valores, aos interesses privados, de indivíduos temerosos de serem prejudicados
financeiramente. Dois desses argumentos são a falta de verbas para a compra/recuperação do
edifício e a existência de gastos ditos “mais importantes” a serem realizados que aqueles: é
sempre importante considerarmos que ainda que haja (e sempre há) a necessidade de
investimentos em outras áreas, o poder público não pode se furtar da sua obrigação de
empregar recursos para a preservação do patrimônio cultural local; isso porque sem o apoio
financeiro, as já patentes dificuldades de se manter um bem cultural preservado se
multiplicariam e a possível destruição daquele bem impactaria diretamente as identidades da
comunidade, em seus processos de elaboração e em suas variadas manifestações de
diversidade, já que essas identidades não prescindem do seu passado preservado (FERREIRA E
DOMANSKI, 2012, p. 41).
584
Outro argumento é o que coloca o ato de tombamento de um bem imóvel privado como
“tomamento do alheio”, para usarmos a expressão do cronista JPC, pelos cidadãos engajados
nas ações de preservação: a incompreensão por parte de alguns proprietários sobre o valor para
a comunidade de bens culturais edificados, aliado ao desconhecimento do instrumento legal do
tombamento e dos temores relativos à limitação do direito sobre um bem próprio, o que de fato
não ocorre, faz surgir em alguns deles um profundo rechaço ao aludido instrumento de
preservação; por essa razão, é necessário não apenas a sensibilização dos possíveis usuários em
relação à importância de se salvaguardar seus bens culturais, mas também sensibilizar os
proprietários, caso se trate de imóvel particular, para os seus papeis como atores
imprescindíveis no processo de preservação.
Aquelas crônicas contrárias ao tombamento ainda têm um lado muito interessante
dentro desse quadro de mobilização popular em torno do futuro do edifício: elas mostram que
mesmo que tenha havido uma importante mobilização da sociedade pró-preservação, a ideia
de manter o edifício de pé nunca foi unanimidade, e o fato de hoje termos um edifício teatral
preservado se deu a partir de discussões sobre a manutenção daquele espaço. Como falamos
anteriormente, tais discussões sobre a preservação se deram num momento em que o país se
via atingido por uma onda democrática, que aceitava e encorajava a discussão e a exposição de
opiniões que não faziam obrigatoriamente parte de uma corrente majoritária – aqui, no caso, a
da preservação do edifício. Essa não-unanimidade, ocultada em várias outras publicações sobre
a história do Theatro Municipal, portanto, foi uma característica do processo de preservação do
edifício e pode também ser relacionada com a liberdade de expressão que caracterizaria o
período e a contemplação das vozes minoritárias, ainda que os argumentos apresentados
contrários à preservação fossem frágeis. Assim, como aqui pretendemos demonstrar que a
transmutação da sua condição de pulgueiro para a de patrimônio cultural foi um processo que
desde o início foi marcado pelo envolvimento amplo da comunidade, nada mais correto que
trazer à luz as opiniões contrárias, praticamente excluídas da historiografia.
E é interessante apontar que ainda que o desejo de preservação do edifício não fosse
unânime, observamos o estabelecimento cada vez mais consistente de um significado positivo
atribuído àquela construção e de uma sensibilização crescente da população sanjoanense
quanto à importância da preservação da mesma. Isto era salientado nas crônicas dos periódicos
locais a partir do uso das glórias do passado e do potencial uso futuro do edifício, aliado a uma
ideia de pertencimento coletivo do bem a partir do uso do pronome “nosso”, incontáveis vezes.
Assim, aos poucos, o outrora velho teatro com alcunha de “pulgueiro” foi se transformando pelo
povo em “patrimônio cultural”.
A pressão realizada pela ameaça de greve de fome e pelos abaixo-assinados não
resultou, obviamente, no início imediato do processo de tombamento do edifício, como queriam
os artistas envolvidos nas ações. Porém, impactou suficientemente o poder público local a ponto
de o prefeito Beraldo adquirir o edifício, por compra, do Dr. Oliveira Neto, cerca de dois anos
depois do início das discussões. Esta compra, que visava resolver o impasse do tombamento de
um edifício particular, se deu incomumente em duas partes: em janeiro de 1984 foi adquirida a
metade do edifício que compreendia o foyer, plateia e parte da frente do palco, ficando ainda o
fundo do palco, camarins e terreno do fundo para o antigo proprietário.
Essa ação do poder público dividiu a imprensa. Alguns cronistas adotaram um tom
sóbrio, narrando a breve cerimônia de compra de parte do edifício do antigo Theatro Municipal
pela Prefeitura Municipal e fazendo votos para o sucesso da iniciativa de recuperar aquele
585
edifício; também parabenizava o governo do prefeito por cumprir uma das promessas de
campanha, que era justamente a compra do edifício pela municipalidade. Já outros cronistas
usaram a notícia da compra para mais uma vez atacar alguns dos cidadãos que se mobilizaram
para evitar a demolição do edifício, ironizando a vitoriosa campanha de compra do imóvel e o
gasto público envolvido, porém admitiu ter sido melhor a compra em vez do “tomamento” do
edifício.
No mesmo mês da compra da primeira parte, num inédito episódio de consulta popular,
a Prefeitura Municipal disponibilizou, no foyer do edifício, urnas para que a população
depositasse sua opinião sobre o destino do imóvel. Nesta pesquisa, venceu a opção de
transformar o espaço novamente num teatro e a de restaurar o edifício o mais próximo possível
de seu aspecto original; vemos uma crescente sensibilização sobre a importância daquele
espaço enquanto referência, ampla o suficiente para mobilizar 1.026 cidadãos, em abaixo-
assinados, a darem seu apoio ao prefeito para que o mesmo cumprisse sua obrigação para com
sua cidade e incluísse a recuperação do edifício como um programa de governo, e ampla o
suficiente para que 1.651 cidadãos participassem da escolha sobre a destinação e o aspecto que
o novo espaço teria. Além disso, vemos que uma parcela da população acreditava, mesmo com
as dificuldades econômicas do período, na importância em se preservar seu passado, sua
cultura, e fazer daquele espaço um novo lugar e dar-lhe um novo uso, sem os monopólios da
elite (econômica, cultural), mas aberto a todo e qualquer cidadão, refletindo nessa escolha os
desejos mais amplos de uma comunidade ávida de espaços que atendessem a todos os seus
integrantes. Abaixo, uma das chamadas à população publicados na imprensa periódica
sanjoanense:
586
aspecto mais próximos do original, em grande parte perdida pelas sucessivas reformas. E aqui
podemos indicar que essa participação popular passava a ser reconhecida e encorajada pelo
poder público como uma forma de viabilizar os esforços para a própria preservação do edifício;
o desejo espontâneo surgido na comunidade passava, portanto, a fazer parte de políticas
públicas que buscavam a preservação do patrimônio e a participação do cidadão nas suas
formulações.
Antes mesmo da conclusão do projeto de restauro, foi percebida a impossibilidade de
qualquer obra de recuperação ou mesmo de operação do edifício pela faixa comprada em abril
de 1984 – faltava ainda todo o fundo do palco, camarins, etc. Novamente a Prefeitura entrou
em contato com o Dr. Oliveira Neto e se ofereceu para comprar a segunda parte do edifício,
compra essa concluída em maio de 1985. Com a conclusão do processo de compra total do
edifício e do início das obras, outro importante objetivo das mobilizações populares em prol da
preservação seria alcançado.
Nesse aspecto, percebemos que não bastou a compra do teatro pela Prefeitura
Municipal e o desejo de restaurá-lo; era necessária uma garantia de que aqueles esforços que
estavam sendo feitos se perenizassem no tecido urbano, tornando a conservação do edifício
teatral independente da boa vontade de mandatários e assegurado contra as crises financeiras
e a possível protelação de sua restauração em razão de outras obras assim ditas “de real
utilidade”. Para tanto, era necessário tombar o Theatro Municipal.
O tombamento pode ser resumidamente definido como um ato administrativo do poder
público, com ritos próprios, que atua em todos os níveis da esfera administrativa e intervém na
propriedade (qualquer que seja) que é interessante à coletividade, no sentido de salvaguardá-
la do desaparecimento (FARIA, 2010, p. 55/56): com isso, vemos que a proteção legal do
tombamento não influi apenas na materialidade do edifício, mas também na sua imaterialidade,
visto que essas duas dimensões são indissociáveis (TOSTES, 2008, p. 7); ao se proteger
legalmente um edifício, protegem-se igualmente os valores simbólicos que a materialidade
daquele encerra. No caso do teatro sanjoanense, então, não se tombaria o significado do edifício
para a comunidade, mas a materialidade daquela construção novamente conhecida (e utilizada)
como Theatro Municipal para que, nessa materialidade, a identidade, a memória, enfim, todos
os significados e valores que aquela construção carregava fossem salvaguardados. Além disso,
é importante lembrar que além de proteger legalmente o edifício da destruição, o tombamento
ainda proporcionaria maiores chances de concessão de recursos públicos destinados ao seu
restauro, o que seria de vital importância para o sucesso do projeto, visto que a Prefeitura
Municipal não possuía recursos suficientes para custear a totalidade daquelas obras.
O pedido de estudo de tombamento pelo CONDEPHAAT (Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo) foi feito em 8
de junho de 1983, antes mesmo da compra do edifício pela Prefeitura Municipal, solicitado pelo
deputado estadual Nelson Mancini Nicolau (o mesmo que declarou, em 1981, o edifício de
utilidade pública enquanto prefeito). A abertura do Processo de Tombamento se deu em 16 de
outubro de 1984, sob o número 23.125/1984. Foi unanimemente aprovado pelo Conselho em
16 de dezembro de 1985, a partir dos pareceres técnicos dos arquitetos Adauto Morais e Walter
Luiz Fragoni e da historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro.
O tombamento do edifício deve ser examinado mais detidamente para se identificar o
impacto que as manifestações populares tiveram no deferimento do pedido de tombamento e
a influência desse tombamento na ressignificação do espaço.
587
O reconhecimento oficial do valor atribuído ao edifício pelos sanjoanenses se iniciou
quando o deputado estadual Nelson Nicolau enviou a carta ao colegiado do CONDEPHAAT com
o pedido de abertura do processo de tombamento. Nela, baseado no seu entender e
concordando com grande número de cidadãos, afirmava que “o referido prédio trata-se de obra
de inestimável valor histórico e cultural, de importância fundamental na vida artística da cidade”
(SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984, p. 2). Vemos aqui valores históricos e culturais
atribuídos ao edifício, além de indicar uma importância tanto utilitária quanto simbólica para a
comunidade sanjoanense.
Os pareceres dos técnicos e autoridades do CONDEPHAAT também deram destaque à
importância histórica, memorial e cultural do edifício e, também, à importância do próprio
instrumento do tombamento perante a população. O parecer da historiadora Maria Luiza Tucci
Carneiro se concentrou na raridade de exemplos arquitetônicos que evocavam períodos
pretéritos da cidade, bem como no reforço da viabilidade e necessidade do tombamento para a
salvaguarda de um espaço cultural que poderia ser utilizado pelos sanjoanenses. Segundo a
historiadora,
O parecer final, também feito pelo arquiteto Walter Luiz Fragoni, decidiu pelo
deferimento do pedido, fortemente influenciado pelo parecer de Maria Luiza Tucci Carneiro,
onde enfatizou a importância do tombamento para a história local e estadual, além de ressaltar
o aspecto memorial da construção para a cidade:
1Sobre a pressão política das populações locais num processo de tombamento, Ana Maria Marchesan aponta que
“considerando-se a complexidade ínsita aos bens ambientais, qualquer processo de intervenção deve se integrar aos
sentimentos da população local, primeira destinatária dessa política. O poder público não detém o monopólio da
gestão, devendo compartilhá-la com a sociedade. A evolução da gestão patrimonial caminha no sentido da politização
do processo de identificação dos diversos sentidos do patrimônio cultural, ampliando o leque de protagonistas
envolvidos na questão em suas múltiplas etapas: construção, identificação, eleição, gestão, valorização etc. (...)
quanto mais participativa for uma política de preservação, maior seu êxito e sua sustentabilidade” (MARCHESAN,
2015, p. 322).
588
Levando-se em conta a importância da preservação do edifício do Theatro Municipal
de São João da Boa Vista como testemunho objeto vital da Memória da cidade, assim
como para a história do desenvolvimento cafeeiro e suas correlações no Estado de São
Paulo, onde a construção de faustosas casas de ópera é parte integrante (...)
gostaríamos de pedir o exame deste processo para a resolução de tombamento
(SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984, p. 119).
O mesmo parecer final considerava não apenas a importância material do bem, mas o
desejo da comunidade em recuperá-lo e utilizá-lo:
O tombamento torna-se assim mais fortemente justificado, quer por seu valor
intrínseco histórico e arquitetônico que por sua apropriação e significado entre os
moradores da cidade que pretendem não apenas a restauração, mas novamente
utilizá-lo para suas atividades culturais (SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA, 1984,
p. 119).
589
a ideia de restauro estava longe de ser unanimidade e que era novamente contestada,
principalmente sob a justificativa de falta de recursos, utilizando-se ainda o argumento de ser
incerto o número de cidadãos beneficiados pela obra. Novamente aqui chamamos a atenção
para o fato de que um bem cultural nunca tem uma aceitação unânime e que há sempre críticos
a ele, sendo o que o mantém de pé é justamente a quantidade de pessoas que atribuem a ele
aquele valor positivo que proporciona a sua sobrevivência e não um mero ato do poder público.
E a despeito das críticas, esparsas é bem verdade, os responsáveis deram continuidade
aos trabalhos, embora em ritmo bastante lento, com conclusões de partes importantes das
obras estruturais do edifício. Após essa fase difícil e passada mais de uma década do início do
restauro, a situação mudaria. Em janeiro de 1998 as obras ganhariam grande impulso com a
criação da Fundação Oliveira Neto (FON), que visava arrecadar recursos para a conclusão do
restauro. Formada por 70 membros no seu Conselho Consultivo, 11 membros no seu Conselho
Curador e 3 membros no seu Conselho Diretor, a FON contava com grande participação da
sociedade civil e promovia ações no sentido de incentivar o contribuinte sanjoanense, pessoa
física ou jurídica, a reverter parte de seus impostos para a recuperação do edifício através da Lei
Rouanet e da Lei de Incentivo à Cultura. Para tanto, organizava palestras com contadores para
dirimir dúvidas de potenciais contribuintes e realizava campanhas, como a “Dê para São João
parte do Leão”, que contou com show da sanjoanense Badi Assad e de Simone Sou num palco
improvisado no teatro ainda em obras, em 2000 (MENEZES, 2014, p. 171).
Paralelamente às ações promovidas pela FON, outra importante ação junto à população
foi realizada. Em 1999 surgia o movimento chamado “Vestindo a Camisa”, que se constituiu na
mobilização de estudantes sanjoanenses sob a coordenação das professoras Maria José
Moreira, Fafá Noronha e Beatriz Castilho Pinto (todas elas membros da FON), em que se
depositaram urnas para a contribuição livre de passantes das vias do centro, principalmente.
Essa iniciativa do grupo “Vestindo a Camisa” deve ser apontada como mais uma demonstração
de respeito e esforço popular em prol do restauro de um dos mais importantes bens culturais
sanjoanenses; entendemos, ainda, que a importância simbólica dessa ação extrapola em muito
o valor pecuniário das doações e indica a cristalização da ressignificação do espaço, uma vez que
ficava clara que a reabertura daquele edifício, patrimônio cultural sanjoanense, merecia os
esforços das novas gerações.
Com as verbas recebidas através dos esforços da FON e de outras captações, as obras
se concentraram na execução da parte final do restauro, como a aquisição das poltronas e
cadeiras, colocação das divisórias das frisas e camarotes e a aquisição de equipamentos de
mídia, telefonia, ar-condicionado, etc. Após duas décadas do início das discussões sobre a sua
preservação e quase 17 anos em obras, o Theatro Municipal reabriria as portas ao público em
22 de setembro de 2002, abrigando a 25ª Semana Guiomar Novaes, nomeada em homenagem
à pianista sanjoanense que tantas vezes se apresentou em seu palco.
Após o trabalho de restauro, havia ainda outro desafio, talvez maior que as próprias
obras de recuperação: a viabilização do espaço enquanto local cultural e de entretenimento
através de seu uso. Nesse aspecto, podemos apontar que o uso é um dos maiores responsáveis
pela sobrevivência de um espaço restaurado. Não o uso por si só, mas o uso adequado, deve
pautar as ações pós-restauro, para que esse bem seja reinserido na vida cotidiana da
comunidade. Tal reinserção é, pois, a maior garantia de permanência e conservação do bem, já
que a vida cultural é um elemento de contribuição para a própria permanência de vida do
patrimônio (MAGALHÃES, 1997, p. 189); sem a presença da comunidade e sem uso, o bem
590
tombado perde seu valor e, perdendo seu valor, tanto a sua função quanto o seu significado
também se perdem (ASSMANN, 2016, p. 412).
E para a viabilização de um necessário uso plural, democrático e atrativo, surgiria a
Associação dos Amigos do Theatro Municipal – AMITE. Inspirada na bem-sucedida FON, a AMITE
foi pensada como um meio da própria sociedade não apenas contribuir financeiramente com o
bem após a conclusão do restauro, mas geri-lo de forma independente do poder público. Assim,
quando a FON perdeu seu objeto, já que as obras de restauro estavam praticamente concluídas,
a AMITE entrou em seu lugar. Fundada em 28 de abril de 2003, visava a administração,
gerenciamento e manutenção do espaço; de atribuições complexas, a sobrevivência da entidade
sem fins lucrativos era garantida pela venda de ingressos ou locação do espaço para eventos e
por um grupo de sócios contribuintes (cerca de 280 em 2019). E para atender às demandas de
suas atividades, a entidade contava com um corpo administrativo próprio, eleito a cada dois
anos pelos sócios contribuintes.
591
apropriação consciente pela comunidade do seu patrimônio, oportunizado pelas ações da
associação, foram fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desse bem,
assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania (HORTA, 1999, p. 4).
Durante sua gestão, portanto, entregou ao sanjoanense um espaço cultural democrático e
multifacetado, administrado diretamente por membros da comunidade e notório pelo
oferecimento crescente de oportunidades para que os cidadãos se identificassem com o espaço,
criassem laços com o mesmo e viabilizassem a sua sobrevivência.
5. Considerações finais
Após todo o exposto, podemos afirmar que as discussões sobre a preservação do
Theatro Municipal se iniciaram num momento da história da cidade em que a própria
comunidade sanjoanense operou um conhecimento sobre si mesma: primeiramente, conheceu
seu poder de mobilização e o impacto da opinião pública nos programas de governo e nas ações
do poder público; depois, reconheceu que a demolição dos antigos edifícios, acelerada em
meados da década de 1970 pela especulação imobiliária, configurava na perda de importantes
referenciais materiais para suas identidades e de seus lugares de memória, sendo essas perdas
irreparáveis; por fim, conheceu o desejo de legarem ao futuro um espaço cultural que fazia parte
de seu passado e presente.
Esse processo de autoconhecimento gerou um processo marcado por um esforço
coletivo que culminaria num novo e ressignificado Theatro Municipal, patrimônio cultural de
uso democrático: esse processo se iniciou no princípio da década de 1980, quando o
sanjoanense se sensibilizou com a questão da preservação, a partir de um movimento iniciado
por artistas locais, e cobrou do poder público, por meio de abaixo-assinados, as medidas
necessárias para a preservação do teatro; depois, se fortaleceu com a participação ativa da
comunidade na decisão sobre os futuros uso e aspecto material do edifício, antes do início das
obras, e, após o início das obras, com o chamamento do cidadão a fornecer documentos para a
equipe de restauro; por fim, se consolidou com o tombamento e com as entidades criadas e
apoiadas pelos cidadãos, primeiramente a Fundação Oliveira Neto e depois a AMITE –
Associação de Amigos do Theatro Municipal, visando a contribuição financeira direta com o
restauro e com a gestão e administração do seu bem cultural.
Assim, o envolvimento crescente e particular da comunidade por aquele bem coloca o
Theatro Municipal numa posição em que podemos dizer ser ele o caso paradigmático de uma
ação de preservação que teve no povo o seu principal impulsor. Não foi o prefeito, um grupo de
artistas, o órgão estadual de preservação ou a imprensa, mas sim o povo sanjoanense o
responsável pela sua sobrevivência; foi ele quem elegeu e lutou pela sua permanência no tecido
urbano, por meio de amplos movimentos envolvendo grande parte da comunidade. Do exposto
depreende-se que sem o povo, então, não haveria teatro, nem qualquer outro patrimônio
cultural, só amontoados de pedra e cal com um fim inevitável, apenas adiado por instrumentos
legais.
Dessa forma, a única forma de se preservar de fato um edifício é fazer com que o mesmo
tenha ressonância junto à comunidade, ao maior número possível de indivíduos. Aí se encontra
a necessidade de ser constantemente construído e dotado de valores: assim como a identidade
não é fixa, nem o patrimônio de uma determinada sociedade o é. Essa construção constante e
coletiva que aqui tratamos necessitará, sempre, do chamamento de novos atores em novos
grupos sociais para ter sua permanência justificada, visto que quanto mais pessoas atribuírem-
592
lhe um significado, maiores serão as suas chances de sobrevivência. Nessa materialidade
restaurada, portanto, devem se operar os significados simbólicos daquele edifício, os quais
justificaram, justificam e justificarão todos os esforços para preservá-lo, enquanto houver um
sanjoanense que faça dele uso e o utilize como suporte e referencial material de sua identidade,
memória, história.
Por fim, indicamos ainda que, além da necessidade de ser apropriado pelo maior
número de pessoas, também podemos perceber, na história da preservação do Theatro
Municipal, que a pressão popular é o único meio do povo mudar as políticas públicas, dar um
norte de ação aos governos. Isso é bem claro quando vimos que a população em geral apoiou a
aquisição e restauração do edifício teatral mesmo quando a situação econômica era catastrófica
e quando havia fortes justificativas não apenas para sua paralisação, mas para seu fim; a luta e
a coragem da comunidade sanjoanense são um exemplo, no presente, para a reconstrução e
defesa da nossa cidadania e nos ensinam que jamais se pode aceitar o desaparecimento de
suportes materiais de nossas identidades, justificados pela falta de recursos.
Isso porque o investimento em cultura, não o “gasto” em reformas, que essas ações de
restauro representam, contribuem para a emancipação do indivíduo e para uma sociedade mais
justa, com seus direitos devidamente respeitados. Não se define, pois, a pertinência da
existência de uma construção pelos seus custos de recuperação ou pelo seu valor venal, mas
pelos seus possíveis usos e pelos valores simbólicos e documentais que ela carrega e representa
para sua comunidade. Como Dvorák, já em 1916, defendia,
As obras de arte antiga devem possuir para nós uma importância muito superior
àquela determinada por seu valor material. Ainda maior, no entanto, muito maior do
que simples antiguidades, padrões estilísticos ou fontes históricas. Elas precisam ser
interpretadas e sustentadas como uma parte viva e integrada às nossas existências,
ao nosso devir, à nossa pátria, à nossa cultura nacional (...) às nossas aquisições e
prerrogativas espirituais e éticas (...)” (DVORÁK, 2008, p. 107).
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Unicamp, 2016.
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Souza (Orgs.). Direito e Proteção do Patrimônio Cultural Imóvel. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 53-91.
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593
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FALCÃO, Joaquim Arruda. Política Cultural e Democracia: a Preservação do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
In: MICELI, Sérgio (Org.). Estado e Cultura no Brasil. São Paulo: Difel - Difusão Editorial, 1984, p. 21-39.
NORA, Pierre. Entre Mémoire et Histoire, la problématique des lieux. In: NORA, Pierre (Org.). Les Lieux de Mémoire
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SECRETARIA DE ESTADO DA CULTURA – CONDEPHAAT: Estudo de Tombamento do prédio conhecido como Teatro
Municipal, situado à Praça da Catedral nº 22, em São João da Boa Vista – processo 23125 /ano 1984.
SILVA, Rodrigo; OLIVEIRA, Carlos Eduardo França de. Memória da Cidade. História e patrimônio urbano no Brasil. São
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contemporâneo sobre a preservação do patrimônio cultural material. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2008,
p. 7-9.
594
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Nilson Ghirardello
Doutor em Arquitetura e Urbanismo pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo. Prof.
Associado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo na Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESP
nilson.ghirardello@unesp.br
595
RESUMO
A partir de uma visita ao centro histórico de Bauru, testemunhou-se a demolição de edificações em uma quadra
próxima à histórica Estação Ferroviária Noroeste do Brasil. Essas demolições, somadas a outras que ocorreram em
períodos anteriores, resultaram em um grande vazio na paisagem. Autorizada pelo poder público, essa área que já
abrigou um terminal rodoviário agora está fragmentada, expondo a fragilidade da preservação do patrimônio
arquitetônico, incluindo edificações tombadas pela municipalidade que compõem a mesma quadra. A discussão sobre
o tombamento é crucial, uma vez que, embora seja um instrumento valioso para a salvaguarda, a conscientização
histórico-cultural relacionada à preservação também é fundamental. Assim, o objetivo deste trabalho é, por meio de
uma abordagem de caracterização situacional, considerar a consciência coletiva e os aspectos legais para analisar o
processo ocorrido e apresentar discussões que evidenciam a vulnerabilidade de cidades de pequeno e médio porte.
Nestas cidades, os recursos limitados para a preservação precisam ser melhor estudados e aplicados para manter viva
a tradição arquitetônica e a herança da comunidade.
SUMMARY
During a visit to the historic center of Bauru, we witnessed the demolition of buildings in a block close to the historic
Noroeste do Brasil Railway Station. These demolitions, added to others that occurred in previous periods, resulted in
a large void in the landscape. Authorized by the public authorities, this area that once housed a bus terminal is now
fragmented, exposing the fragility of the preservation of architectural heritage, including buildings listed by the
municipality that make up the same block. The discussion about listing is crucial, since, although it is a valuable
instrument for safeguarding, historical-cultural awareness related to preservation is also fundamental. Thus, the
objective of this work is, through a situational characterization approach, to consider collective consciousness and
legal aspects to analyze the process that occurred and present discussions that highlight the vulnerability of small and
medium-sized cities. In these cities, limited resources for preservation need to be better studied and applied to keep
the architectural tradition and community heritage alive.
596
1 INTRODUÇÃO
597
A colaboração público-privada também pode representar um caminho eficaz para
contornar as limitações financeiras e garantir a proteção do patrimônio arquitetônico-cultural,
sendo viável promover maior participação do setor privado em projetos de reabilitação,
oferecendo incentivos como a possibilidade de tornar a edificação um potencial de uso voltado
a educação, a cultura, a arte, ou ainda a um serviço de formação, que seja ligado ao município,
ou ao estado.
Quando o conhecimento do setor privado sobre a importância da preservação
histórica de certas edificações ou conjuntos arquitetônicos é escasso e, ao mesmo tempo, falta
preocupação do poder público em garantir essa salvaguarda, o desejo de renovação muitas
vezes prevalece. Nesse cenário, a remoção da construção existente para dar lugar a um novo
potencial se torna uma opção atrativa. No entanto, essa abordagem pode ou não solucionar os
desafios daquela área específica. Como resultado, assistimos à demolição de patrimônio,
frequentemente sem explorar alternativas que harmonizem a tradição arquitetônica com as
necessidades contemporâneas, perpetuando assim a perda do legado cultural e histórico.
É compreensível que frente ao desejo expansivo, ou de inserção de novos elementos,
para atrair outros investimentos, haja a intenção de naturalizar a demolição como processo de
limpeza, todavia, bem como expressa Paes (2009), quanto ao duelo existente entre o interesse
público, versus o interesse privado em modernizar e trazer outras possibilidades de uso, que
não envolvam a preservação, mantendo identidade e valores históricos e culturais, é preciso
acreditar no potencial local, investindo em melhorias que possibilitem uma leitura uniforme da
área, apesar de ser algo complexo, uma vez que a preservação patrimonial tende a restringir
alterações tanto em sua forma quanto em sua função.
Quando se apresenta a importância em se manter a paisagem urbana tida como
histórica, o mais uniforme e preservada possível, compreende-se que uma série de intempéries
e ações humanas podem e em alguns momentos, vão modificar sua estrutura e sua leitura, mas
ainda assim é necessário intervir e garantir uma compreensão única, ainda que essa paisagem
seja um “lugar onde se sobrepõem, de maneira singular e complexa, várias perspectivas e
diversos símbolos culturais”. (GANDY, 2004, p. 85).
Tornar ou considerar algo patrimônio local, engloba diversas ações, dentre elas, atos
políticos, reivindicações sociais, apelo cultural, necessidade de referência, ou até mesmo
exposição técnico-visual. Logo a conversação e preservação deve ter mantida e somente
permitir a ruína, junto ao esquecimento em casos de dano irreparável, porém, ainda assim é
interessante buscar soluções que ao menos permitam preservar a memória daquele lugar, uma
vez que, para Berdoulay (2007), os lugares de memória são caracterizados por dimensões
espaciais, construídas por meio de imagens e narrativas entrelaçadas.
Quando a prática e o cultivo da memória local são negligenciados, inicia-se
silenciosamente um processo de decadência, que pode se manifestar tanto fisicamente quanto
em termos metafóricos. A ausência de atenção, de uso ativo e do devido investimento propiciam
um cenário de deterioração gradual, levando à ruína. Esse declínio pode ser observado tanto
nas condições físicas dos lugares, que gradualmente se desgastam sem manutenção, como no
aspecto simbólico, à medida que a conexão emocional e histórica entre a comunidade e esses
locais enfraquece. Para reverter esse padrão, é essencial implementar projetos que alinhem as
características originais do patrimônio a novos usos funcionais, garantindo assim a sua
preservação e revitalização contínuas.
Compreende-se e que a ruína é resultado de um processo que combina ação humana
598
e natural, que mesmo quando não há interferência do homem, ele também é responsável por
tal decurso, uma vez que não fazer nada, também é fazer alguma coisa, analisá-la é de grande
valia para a compreensão cultural, social, política e arquitetônica, uma vez que o conjunto
fornece informações, mesmo quando encontra-se olvidado na paisagem. Para Rodrigues (2017),
as ruínas, podem ser em determinados casos as únicas manifestações tangíveis de técnicas
construtivas e conceitos arquitetônicos de um determinado período, além de também serem
“testemunhos históricos dos processos de destruição dos quais são derivados.” (RODRIGUES,
2017, p. 12).
A relação a ser construída com a avaliação de um determinado patrimônio,
caracterizando-o como uma ruína urbana, aparece como um referencial a partir de 1931, na
Carta de Atenas e anos mais tarde, é novamente confirmada, como “monumentos antigos”, na
Carta de Veneza, sendo esses dois documentos de grande relevância ao estudo do patrimônio
arquitetônico. Todavia, apesar de citado, o processo de ruína foi gradualmente sendo melhor
desmembrado, conforme apura Rodrigues (2017), ao discorrer sobre a conceituação de ruína,
predominantemente ligada a um estágio avançado de deterioração.
Das discussões acerca da interação proposta nos edifícios, edificações e monumentos
que findam numa ruína, questiona-se sobre a aplicabilidade de técnicas de resgate, restauro e
revitalização, que para Viollet-le-Duc, arquiteto francês do século XIX, considera que “Os
trabalhos de restauração empreendidos […] não somente salvaram da ruína obras de
incontestável valor, mas prestaram serviço imediato.” (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 64).
Com o avanço da ruína, observa-se um fenômeno contrário em relação à percepção
da edificação. Agora, a construção, que outrora era um marco, passa a ser considerada um
obstáculo potencial, algo que poderia representar um risco à sociedade, uma preocupação que
pode se concretizar. Em algumas situações, a edificação em declínio pode se tornar um refúgio
para grupos vulneráveis, acentuando os desafios sociais. Diante desses cenários, torna-se
provável a ocorrência de processos de demolição, seja por razões de segurança ou pela
necessidade de lidar com as complexas questões sociais e urbanas que emergem em torno
desses espaços degradados.
Ainda que hajam legislações que contribuam com a permanência de determinada
edificação, evitando sua demolição, como o Art. 17 do Decreto-lei, n.º 25 (1937), que diz que as
edificações que são objeto de tombamento estão sujeitas à proibição absoluta de serem
destruídas, demolidas ou alteradas de qualquer maneira, a menos que obtenham uma
autorização prévia e especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Por isso, é
compreensível que o processo de tombamento exista para proteger determinados bens, como
edificações, contra demolições ou descaracterizações que poderiam comprometer seu valor
histórico. No entanto, essa ação, seja voluntária ou imposta, não está isenta de consequências.
Ainda assim, em vez de depender exclusivamente de um tombamento coletivo, seria
mais proveitoso internalizar a importância da preservação histórica e da memória urbana. Nesse
cenário, o ato de tombamento se tornaria um instrumento que é, enquanto a atitude social
assumiria o papel central na conservação das edificações, com exceções apenas quando a
remoção for verdadeiramente necessária, como nos casos em que a manutenção represente
um ônus significativo em relação aos padrões locais. Essa abordagem abraça a responsabilidade
coletiva de preservar o patrimônio, evitando a necessidade excessiva de restrições formais.
A máxima na salvaguarda do patrimônio arquitetônico nas cidades, ainda mais
naquelas cujas edificações estão estritamente ligadas ao período de seu desenvolvimento social,
599
econômico e cultural, pois nela se situa a história, pela qual recobre-se as conforme apura Tuan
(1985), as experiências individuais, assim como as experiências do coletivo, indo além de
questões cronológicas. De modo que revisitar o passado, se torna um exercício para obter
sucesso no futuro, pois desse modo manter-se-á identidades, tradições e ligações com a
essência social local.
600
Figura 01: O resultado do processo de demolição, servindo provisoriamente como estacionamento, ao lado de edificações
tombadas.
601
compreendendo assim as diversas interações e dinâmicas sociais das quais fazemos parte. É
compreensível que novos tempos, adote novas medidas para tentar salvaguardar patrimônios,
tombados ou não. Todavia, faz-se necessário evitar, como saída para driblar condições sociais
que permeiem a insegurança urbana, a ação de arruinar a história, a memória e a arquitetura
de outros tempos, ações de demolição.
Como forma de amostragem visual, optou-se pela demarcação da área em questão.
Essa escolha não só abrange a demarcação física da região em análise, mas também reflete os
acontecimentos recorrentes na área em geral. Embora a demolição tenha sido executada em
um contexto específico, ela poderia ser interpretada como parte de uma estratégia mais ampla,
e como tal, exige uma contenção sensata. Esse controle deve ser aplicado nos casos em que a
preservação se mostra impraticável. Mesmo nessas situações, a demolição requer uma
discussão pública aberta, garantindo que o patrimônio que possuímos, o que, para Choay (2006),
possui a dupla função de oferecer saber e prazer, seja resguardado, perpetuando assim a
memória e a identidade do território. A partir da figura 02, é possível compreender como a
quadra em questão já foi no passado, e com a figura 03, como se deu a mudança gradativa e o
grande vazio existente hoje.
Figura 03: Evolução da quara, bem como sua vulnerabilidade ao longo dos anos.
602
Bauru e região, por isso, conforme atesta Ghirardello, (2021), há o interesse de construção de
novos empreendimentos hoteleiros nessa região e até mesmo a mudança de hotéis que se
encontravam no primeiro núcleo central de Bauru, na Rua Araújo Leite, para a região da Estação
Ferroviária Noroeste do Brasil.
Dentre os hotéis que compreenderam a quadra e que hoje possuem a referência ao
serviço de hospedagem apenas como nomenclatura, a edificação do Hotel Cariani, configura-se
como um edifício que ocupa três faces externas da quadra, em estilo eclético, possui além do
piso térreo, um piso superior. Mantem sua composição arquitetônica preservada, apesar de não
haver um conhecimento concreto de sua estabilidade construtiva, conforme a figura 04. Outra
edificação que no passado também abrigou um hotel, o Estoril, no lado oposto ao Cariani,
defronte a Avenida Rodrigues Alves, tem formato prismático, em dois níveis, formado por térreo
e andar superior, abrigou um dos hotéis mais charmosos da cidade de Bauru, a edificação
centenária, também tombada pelo CODEPAC, também em estilo eclético, com balcões nas
sacadas. Outro imponente edifício, que já foi um dos hotéis de maior prestigio para a cidade e
região, o Hotel Milanese, hoje com todas as suas vistas externadas, em estilo eclético e cores
contrastantes, foi um dos hotéis que mais recebiam visitantes e imigrantes em busca de
desenvolver-se na cidade de Bauru.
Figura 04: Composição da quadra 01, com seus hotéis e demais edificações, bem como vazios que já existiam.
Além dos hotéis citados, a partir da figura 04 também é possível observar outras
edificações, uma edificação com 3 níveis (térreo, mais dois pisos superiores), sendo o piso térreo
abrigando uma loja de móveis, em funcionamento até os dias atuais, enquanto os pisos
superiores, abrigam quartos de pensão, hoje não mais em funcionamento. Além, deste, a quadra
603
abriga o Hotel Imperial, em funcionamento até recentemente, hoje encontra-se lacrado, uma
vez que em outras ocasiões era frequentemente invadido por moradores de rua e pessoas em
vulnerabilidade social. Ao lado do Hotel Milanese, pela Rua Monsenhor Claro, outra edificação
abrigou por bons anos uma loja de materiais de construção e uma loja de roupas usadas.
Defronte à Praça Machado de Mello, compondo a mesma edificação anterior, porém dividida
para abrigar outro estabelecimento, este serviu como loja de ferragens por mais de 70 anos.
Conforme analisa Ghirardello (2020), até a década de 80, quando ocorre a inauguração do
terminal rodoviário de Bauru, a rodoviária, improvisadamente, situava-se inicialmente onde
hoje localiza-se a Praça Machado de Mello e anos mais tarde, situou-se na face da quadra 01,
onde paravam carros de praça, jardineiras (ônibus da época) e veículos a passeio.
A questão patrimonial de Bauru não é um caso recente em termos de pouca eficiência
prática, bem como não é um caso isolado, nem tampouco exclusivo dessa cidade, parece haver
uma tendência que perdura quanto a negligenciar a proteção de edificações com valor histórico.
Em Bauru, desde administrações anteriores, parece haver uma atitude pouco solicita em relação
ao valor patrimonial, o que pode ser evidenciado na condição da “Casa dos Pioneiros”, uma das
primeiras edificações da cidade, localizada próximo de sua fundação, na Rua Araújo Leite. Nos
últimos anos, tem havido tentativas de revitalização desse edifício, porém num ritmo bastante
lento. Ao longo do tempo, infelizmente, perdas estruturais e alterações na fachada já ocorreram,
sublinhando a urgência de um compromisso mais sólido com a preservação do patrimônio local.
Com a exposição acima, fica evidente quão rica e importante seria haver a criação de
uma postura mais presente em defesa do patrimônio, que vai além de tombamentos e de
levantamentos históricos, mas que partam de ações práticas em reconhecer a valiosa condição
histórica e do ponto de vista da memória, que edificações arquitetônicas que individual ou em
conjunto contribuem para uma leitura cronológica do local. Neste decurso, Lefebvre (2006),
enfatiza a importância do patrimônio arquitetônico como uma parte vital do tecido urbano.
Lefebvre argumenta que as estruturas históricas não são apenas testemunhos físicos do
passado, mas também desempenham um papel crucial na formação da identidade cultural de
uma cidade. Ele advoga por uma abordagem de urbanismo que valorize a integração harmoniosa
entre o antigo e o novo, reconhecendo que a preservação do patrimônio arquitetônico contribui
para a qualidade de vida das comunidades urbanas e para a construção de uma cidade mais rica
em história e significado.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
604
maneira eficaz para as gerações presentes e futuras.
Acredita-se firmemente na viabilidade de abordar a preservação da memória local por
meio de iniciativas como oficinas e projetos culturais. Isso envolve não apenas a reutilização das
edificações, mas também a promoção de visitas e explorações históricas, com o intuito de evitar
futuras demolições que possam ser justificadas por objetivos de renovação. Contribuir para o
reconhecimento e conservação da memória arquitetônica local é fundamental para construir
um senso de identidade coletiva e uma compreensão mais profunda da história da comunidade,
evitando que elementos valiosos do passado sejam sacrificados em prol de uma suposta
modernização.
A recente demolição no centro de Bauru expõe a vulnerabilidade enfrentada por
cidades de porte médio e pequeno. Nessas localidades, frequentemente há uma escassez de
recursos direcionados de maneira eficaz, não apenas para a preservação das edificações
existentes, mas também para explorar alternativas de reutilização. Esta fragilidade ressalta a
importância de adotar uma abordagem mais cuidadosa, que considere não somente a
revitalização, mas também a preservação da tradição arquitetônica da época. Ao manter
intactas as características históricas, as cidades podem oferecer um testemunho vivo do passado
para as gerações vindouras, reforçando a identidade e a herança da comunidade de maneira
significativa.
Ao revisitar a área agora dominada por um amplo espaço vazio resultante das
demolições, surge a oportunidade de contemplar tanto o patrimônio tombado, que em teoria
representa estabilidade, quanto o contexto circundante composto por construções de épocas
distintas e elementos arquitetônicos de variados estilos. Essa reflexão lança luz sobre o
horizonte futuro do centro de Bauru sob múltiplas perspectivas: a arquitetura que irá moldar
sua estética, o território que influenciará sua configuração espacial, o patrimônio que guardará
sua memória e a identidade, e finalmente, a própria memória que ajudará a tecer o tecido
coletivo da comunidade. Esse momento de avaliação pode moldar decisões cruciais para
garantir um futuro coeso, equilibrando tradição e progresso na evolução urbana da cidade.
Testemunhar o processo de demolição enquanto se abstém de intervir diretamente
nesse desdobramento estimula a busca por ação e colaboração. Esse momento de observação
desperta um desejo intrínseco de se engajar ativamente na preservação e exploração alternativa
da área. A sensibilização para as potencialidades da reutilização do espaço impulsiona a procura
por grupos e indivíduos que compartilham o compromisso de proteger a herança arquitetônica
e promover soluções inovadoras para revitalizar e reutilizar esse pedaço de chão,
desenvolvendo assim uma visão conjunta para o futuro da região.
Através da caminhada de inventário, foi possível explorar a quadra minuciosamente,
examinando não apenas as fachadas das edificações, mas também os espaços vazios. Esse
percurso possibilita questionar os processos que levaram a mudanças, anotar as modificações
realizadas, capturar por meio de fotografias as novas realidades que emergiram e ponderar
sobre o possível desinteresse ou intenções que direcionam essas transformações em direção a
propósitos diferentes da preservação do patrimônio local.
4 REFERENCIAS
BERDOULAY, Vincent (2007) “Enjeux iconographiques dans l’aménagement des lieux de mémoire”. Cahiers de
géographie du Québec, 16 p., (Contribution à l’ouvrage prévu sur le thème “Lieux de mémoire, commemoration et
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605
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VIOLLET-LE-DUC, Eugène Emmanuel. Restauração. Tradução de Beatriz Mugayar Kühl. Cotia: Ateliê, 2000.
606
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( x ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
607
RESUMO
O objetivo do artigo levanta a questão dos excessos da iluminação elétrica nos espaços urbanos que deveriam ser
direcionados a uma melhor visibilidade noturna, mas causam impactos negativos gerando preocupações à saúde
humana, além de impactar no meio ambiente e sobretudo na visibilidade do céu. Os dispositivos de tecnologia Light-
Emitting Diode (LED) tornaram-se as soluções mais sustentáveis e, por isso, o seu uso é cada vez mais presente nas
intervenções de iluminação pública, no entanto, o excesso desta mesma tem efeito conhecido como poluição
luminosa. O método se aplica em uma revisão teórica e exploratória dos tipos de poluição luminosa, sendo estes
Brilho no céu, Luz intrusa e Ofuscamento e suas consequências devido ao excesso de iluminação elétrica e mal
direcionamento sobre os espaços urbanos, ocasionando impactos negativos a saúde população e qualidade do meio
ambiente. Como resultado, foram apresentados diferentes meios de minimizar o impacto da poluição luminosa com
uma melhor utilização dos dispostos LED. No entanto, se torna complexo o tema quando o poder público exagera na
iluminação elétrica pública em prol de uma melhor visibilidade noturna e em benefício à requalificação do espaço
urbano. Por fim, a iluminação pública demonstrou o uso desmedido na utilização desta tecnologia, tornando-se um
problema em relação ao excesso no mal planejamento de projeto em iluminação. Além disso, tem e requer grandes
responsabilidades para evitar a poluição luminosa e em minimizar os impactos sociais, econômicos e ambientais.
ABSTRACT
The objective of the article raises the issue of excess electrical lighting in urban spaces that should be aimed at better
nighttime visibility, but cause negative impacts, generating concerns for human health, in addition to impacting the
environment and especially the visibility of the sky. Light-Emitting Diode (LED) technology devices have become the
most sustainable solutions and, therefore, their use is increasingly present in public lighting interventions, however,
the excess of this technology has an effect known as light pollution. The method is applied in a theoretical and
exploratory review of the types of light pollution, these being Brightness in the sky, Intrusive light and Glare and their
consequences due to excess electrical lighting and poor direction in urban spaces, causing negative impacts on the
health of the population and quality of the environment. As a result, different ways of minimizing the impact of light
pollution were presented with better use of LED arrays. However, the issue becomes complex when public authorities
exaggerate public electric lighting in favor of better nighttime visibility and to benefit the requalification of urban
space. Finally, public lighting demonstrated the excessive use of this technology, becoming a problem in relation to
excess and poor lighting project planning. Furthermore, it has and requires great responsibilities to avoid light
pollution and to minimize social, economic and environmental impacts.
608
1 INTRODUÇÃO
609
2 OBJETIVO
O objetivo do artigo levanta a questão dos excessos da iluminação elétrica nos espaços
urbanos que deveriam ser direcionados a uma melhor visibilidade noturna, mas causam
impactos negativos gerando preocupações à saúde humana, além de impactar no meio
ambiente e sobretudo na visibilidade do céu.
Fonte: https://codlux.blogspot.com/
610
Os astrônomos foram os primeiros a mostrar interesse nas ações voltadas ao combate
à poluição luminosa, pois, suas observações de objetos distantes só podem ser feitas com
grandes telescópios em locais livres da intensa luz das cidades. Carvalho (2018) coloca que o
pontapé inicial dado pelos astrônomos em relação a poluição luminosa do Brilho do céu
provocou, paralelamente, o surgimento de movimentos, espalhados sobre várias partes do
planeta, avaliando o estabelecimento de medidas que assegurassem a redução do consumo de
energia e combatessem a poluição luminosa como elemento de desconforto humano e agressão
ao meio ambiente.
A Luz intrusa (Figura 2), uma poluição luminosa que não só remete por meio da
iluminação pública, mas também por meio da iluminação decorativa tanto das fachadas de
edifícios quanto dos monumentos, por exemplo. Além disso, a Luz intrusa também se dá por
superfícies polidas e/ou brilhantes das fachadas dos edifícios que, durante o dia, refletem a luz
do sol e suas cores invadem os edifícios próximos e seus ambientes internos e os externos.
Explicado por Gargalioni (2009), a Luz intrusa é conhecida pela invasão de luz nas casas
devido às lojas, shoppings e outros locais com alta iluminação noturna e pode prejudicar a
qualidade do sono das pessoas, podendo ocasionar stress. Nas cidades, os motoristas podem
ter sua capacidade visual reduzida por alterações bruscas de ambientes claros para escuros e
vice-versa. Martau (2016) relata que a Luz Intrusa é o componente da poluição luminosa que
pode ter maior interferência nos indivíduos, caso a luz esteja incidindo em dormitórios sem a
correta vedação, pois a exposição à luz elétrica no período noturno afeta o ciclo circadiano, o
qual pode ser definido como o “relógio biológico” que controla o funcionamento do nosso
organismo, baseado em fatores como o ciclo claro-escuro do ambiente.
A exposição ao excesso da iluminação elétrica pode ser inadequada com efeitos
contrários ao desejado, em vez de trazer mais segurança ao espaço urbano pode resultar em
um ocultamento de obstáculo, devido ao ofuscamento (Figura 3). Santos (2022) enfatiza que a
luz excessiva cria contrastes elevados e reduz a visibilidade, provocando desconforto nas
pessoas ou, em casos extremos, provocando até mesmo efeitos de cegueira temporária.
611
Figura 3 – Ofuscamento
Fonte: https://www.liteleds.com.br/o-que-e-poluicao-luminosa/
4 RESULTADOS
Existem diferentes meios de minimizar o impacto da poluição luminosa com uma melhor
utilização dos dispostos LED. No entanto, se torna complexo o tema quando o poder público
exagera na iluminação elétrica pública em prol de uma melhor visibilidade noturna e em
benefício à requalificação do espaço urbano.
612
No mercado, qualquer modelo de luminária que tenha o dispositivo LED compõe-se de
fluxos luminosos compatíveis, propagando o mínimo de radiação luminosa em áreas nas quais
ela é necessária (Figura 4). Portanto, o primeiro meio para minimizar o impacto é utilizar
luminárias com fluxo luminoso controlado e adequado para sua funcionalidade, ou seja, que não
há um desperdício de luz onde esta não é necessária (Figura 5).
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese/geral-44177666
613
Figura 6 – Calçadão Vilas do Atlântico – Lauro de Freitas / BA
Fonte: http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=3&Cod=1203
1Espectro visível que se inicia na frequência que corresponde à luz vermelha e termina na frequência da luz violeta.
A sequência das cores no espectro visível é: vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Qualquer
radiação que possui frequência menor que a da luz vermelha é denominada de infravermelho.
614
Figura 8 – Espectro de Irradiância
5 CONCLUSÃO
615
6 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
ADOLPHO, Rachel Silveira. Pensar a cidade iluminada: a iluminação pública na área central de Porto Alegre e sua
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616
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( X ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Cristiane Bertoco
Arquiteta e Urbanista Especialista, MUSIBG, Brasil
crisbertoco.arq@gmail.com
617
RESUMO
O município de Bento Gonçalves, um dos berços da colonização européia no sul do Brasil, possui grande acervo
arquitetônico e paisagístico do processo imigratório ocorrido entre a segunda metade do século XIX até metade do
século XX. A integração de colonos camponeses, em uma terra em que somente era possível contar com os recursos
naturais e conhecimentos tradicionais, deram origem a um patrimônio cultural arquitetônico e paisagístico cujas
linguagens transitam do vernacular ao industrializado, integrados por uma paisagem vitivinícola específica. A gestão
e a preservação desse patrimônio não dá conta de ocorrer apenas com os instrumentos tradicionais, como o
tombamento, mas conta com o aporte de um Inventário que abrange todo o município, bem como um planejamento
urbano que prevê instrumentos para a sua gestão, através de zonas de preservação, avaliações de impactos e
conselhos municipais e distritais. O presente trabalho tem o objetivo de avaliar a legislação existente, através da sua
revisão documental e de resoluções do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural, especialmente quanto
aos níveis de preservação dos bens inventariados e regulação das Áreas de Preservação ao patrimônio e à paisagem
cultural. Com isso, propõe-se uma abordagem para esses instrumentos através de uma interpretação do texto legal,
em comparação com intervenções aprovadas ao longo da atuação do COMPAHC e identificadas através do
diagnóstico para atualização do Inventário. O estudo aborda uma política inovadora na preservação da paisagem,
assim como problematiza os diferentes níveis de intervenções possíveis.
SUMMARY
The municipality of Bento Gonçalves, one of the cradles of European colonization in southern Brazil, has a large
architectural and landscape collection from the immigration process that took place between the second half of the
19th century and the middle of the 20th century. The integration of peasant settlers, in a land where it was only
possible to rely on natural resources and traditional knowledge, gave rise to an architectural and landscape cultural
heritage whose languages transit from the vernacular to the industrialized, integrated by a specific wine landscape.
The management and preservation of this patrimony is not only possible with traditional instruments, such as tipping,
but has the contribution of an Inventory that covers the entire municipality, as well as an urban planning that provides
instruments for its management, through preservation zones, impact assessments and municipal and district councils.
The present work has the objective of evaluating the existing legislation, through its document review and resolutions
of the Municipal Council of Historical and Cultural Heritage, especially regarding the levels of preservation of
inventoried assets and regulation of Preservation Areas to the heritage and cultural landscape . With this, an approach
is proposed for these instruments through an interpretation of the legal text, in comparison with interventions
approved throughout the performance of COMPAHC and identified through the diagnosis for updating the Inventory.
The study approaches an innovative policy in the preservation of the landscape, as well as problematizes the different
levels of possible interventions.
618
1 INTRODUÇÃO
1
“MODELO ESPACIAL (ME), instrumento de planejamento de longo prazo, responsável pela determinação
de planos e projetos estruturantes do território municipal” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 2º, Inciso II).
619
Como forma de buscar instrumentos para a construção desses planejamentos busca-
se, a revisão documental dos estudos de diagnóstico para a atualização do Inventário,
Resoluções do COMPAHC e dos instrumentos de gestão do Patrimônio Cultural previstos no
Plano Diretor vigente (BENTO GONÇALVES, 2018), aliada ao relato de experiência da
pesquisadora no processo, como integrante dos conselhos. O artigo é dividido nas seções
referentes ao documento do Inventário e sua atualização, aos novos instrumentos do Plano
Diretor e à proposta de interpretação dedutiva da aplicação dos níveis de preservação.
O inventário vigente possui quase 30 anos, tendo sido publicado através de fichas sob
a sigla do IPHAN (12ª Coordenação Regional), Governo do Estado do Rio Grande do Sul – SEDAC
– Secretaria de Estado da Cultura – e IPHAE – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do
Estado do Rio Grande do Sul. Essas fichas são usadas como referência para identificação e
proteção do patrimônio histórico do município desde a aprovação da Lei Complementar nº 103,
de 26 de outubro de 2006 (BENTO GONÇALVES, 2006), que embasou a proteção da zona de
preservação ao patrimônio histórico através do Inventário e definia a necessidade de atualização
do mesmo, buscando elemento de gestão para o Plano Diretor.
Com o fim de retomar o processo de atualização, bem como racionalizar a identificação
de edificações em análises de processos de autorização de demolição ou de intervenções em
edificações com mais de 20 anos, iniciou-se em janeiro de 2013, no Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano – IPURB, a elaboração de um banco de dados digital e do mapeamento
dos bens inventariados pelo Patrimônio Cultural do Rio Grande do Sul em Bento Gonçalves, com
fins a gerar subsídios à atualização do inventário (BERTOCO, 2013).
A elaboração do banco de dados e mapeamento dos bens inventariados foi realizada
mediante consulta da documentação sobre o Inventário existente, bem como do mapa de
listagem e localização dos imóveis tombados, inventariados e de interesse patrimonial
elaborado para a formulação do Plano Diretor de Bento Gonçalves de 2006; através da
elaboração de tabelas, mapeamento sobre imagens de satélite, utilizando-se o aplicativo
gratuito “Google Earth”, identificação do estado de conservação recente através da ferramenta
“Google Street View” e posteriormente com vistoria ao local.
As etapas de identificação de conjuntos históricos e entornos a serem preservados
visavam atualizar o zoneamento de preservação do patrimônio cultural e os zoneamentos de
preservação da paisagem previstos pelo Plano Diretor, com fins a gerar subsídios à revisão do
Plano Diretor então em andamento, bem como à possível lei de preservação do patrimônio
cultural do município. Foi realizado em paralelo às vistorias locais para alimentação das fichas
de inventário, na escala urbana, distrital e paisagística, tendo em vista a inclusão de regramentos
no novo Plano Diretor que permitissem segurança jurídica na análise de processos. Esse estudo
serviu para a complementação do banco de dados com fotos, identificação das edificações com
valores históricos e paisagísticos a serem incluídas no Inventário, mapa de levantamento de
dados e diagnóstico (IPURB, 2014), elaboração de Resolução no COMPAHC referente a projeto
de lei de preservação (Resolução COMPAHC 002/2016) e definição do mapa dos bens a serem
preservados.
A etapa de visitas aos locais iniciou-se em 2013, para fins de reconhecimento dos
estados de conservação dos bens inventariados, identificação de bens a serem incluídos e dos
620
entornos a serem preservados. Inicialmente foram registradas fotografias externas das
edificações e do seu entorno. Posteriormente, de acordo com a colaboração dos moradores ou
usuários ou através de solicitações de processos administrativos, foram realizadas vistorias mais
completas das edificações, com fotos internas e breves entrevistas, registradas através de
relatórios. Esse material foi utilizado para alimentar o banco de dados, que passou a ser
identificado como diagnóstico dos conjuntos históricos, bem como pastas com os
levantamentos fotográficos completos de cada edificação ou conjunto (BERTOCO, 2019).
Quando do processo de revisão do Plano Diretor, realizado entre 2014 e 2018, os
mapeamentos do Inventário foram encaminhados, junto com outros arquivos e documentos,
para a comissão contratada na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A proposta
legal, entretanto, mostrou-se objetiva a ponto de não representar completamente os anseios
dos Conselhos Municipais e da sociedade civil organizada. Assim, o município, através do IPURB,
convocou as entidades a encaminharem suas análises do material recebido, as quais foram
avaliadas pelo Grupo de Instrução do Plano Diretor do COMPLAN em termos gerais e, mais
especificamente, pela comissão do COMPAHC e pelos Conselhos Distritais.
A participação do COMPAHC na revisão do Plano Diretor no que se refere à atualização
do inventário e regramentos de intervenção se deu através de ofícios, resoluções e pareceres
encaminhados ao IPURB, bem como acompanhamento e aprovação do material técnico
elaborado pelo assessoramento técnico deste. A atuação do conselho se deu principalmente
através das Comissões de Atualização do Inventário e de Desenvolvimento do Patrimônio
Cultural, atendidas por um responsável técnico executivo. Essas comissões participaram da
elaboração e encaminhamento, junto ao IPURB, do mapa das zonas de preservação ao
patrimônio e paisagem cultural, da Resolução referente aos incentivos à preservação e
revitalização do patrimônio cultural (Resolução COMPAHC 002/2016) e de outras resoluções
referentes a critérios de análises de processos, como a de Comunicação Visual (Resolução
COMPAHC 003/2015) e a de Critérios para análise de projetos em solicitações de transferência
do direito de construir (Resolução COMPAHC 001/2017).
Através de Ofícios encaminhados ao IPURB e ao COMPLAN, foi solicitado o
reconhecimento claro do inventário e de diretrizes de preservação como anexo do Plano Diretor,
a inclusão de zonas de preservação, atualização de reconhecimento de edificações antigas com
mais de 50 anos e incentivo às atividades ligadas à uva, ao vinho e ao turismo. Através de
resoluções do COMPAHC, estudadas nas comissões, foram encaminhados ofícios com a
proposta de zoneamento do patrimônio cultural e o projeto de lei referente aos incentivos à
preservação e revitalização do patrimônio cultural, dada pela Resolução COMPAHC 002/2016,
que se tornaram os instrumentos citados na sessão anterior.
A partir da mobilização das entidades e da articulação dos conselhos, o Plano Diretor
resultante mesclou o texto legal proposto pela UFRGS com a revisão de instrumentos do Plano
Diretor de 2006, especialmente no que se refere ao planejamento da paisagem na zona rural e
instrumentos de avaliação de impactos de vizinhança (urbano) e de inovações (rural). Por
articulação do COMPAHC, conceitos atualizados de paisagem e patrimônio cultural passaram a
integrar a redação da Lei, além do mapa e da resolução referente aos critérios de análise de
intervenções ter integrado os Anexos 5.3 e 5.4. do Modelo Espacial (BENTO GONÇALVES 2018).
621
3 O NOVO PLANO DIRETOR DE BENTO GONÇALVES E A PROTEÇÃO AO INVENTÁRIO
O atual Plano Diretor urbano e rural de Bento Gonçalves é regulado pela Lei
Complementar nº 200 de 27 de julho de 2018 (BENTO GONÇALVES, 2018), que insere em seu
aparato legal o Inventário como documento básico de identificação do patrimônio cultural e dos
conjuntos históricos localizados em seu entorno, conceitua os elementos que formam a
Paisagem Cultural, os Itinerários Culturais e o patrimônio histórico e cultural edificado, e cria as
Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), representadas em mapas e diretrizes.
O Patrimônio Histórico e Ambiental é um dos elementos que compõem o Modelo
Espacial, “instrumento de planejamento a longo prazo, responsável pela determinação de
planos e projetos estruturantes do território municipal” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 2 Inciso
II), sendo identificado no Anexo 5 M.E. da Lei (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 15 Inciso V). Entre
os componentes do Modelo Espacial, estão as Áreas de proteção à paisagem cultural (APPAC),
“junto às sedes comunitárias e entorno de bens culturais inventariados, voltadas à
compatibilização da preservação da paisagem cultural e ambiental com a ocupação tradicional
e o desenvolvimento local” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 16 Inciso II Alínea ‘e’).
O patrimônio edificado também é tutelado através da identificação dos elementos
protegidos de cada zona urbana e rural. O Regime Urbanístico, que identifica as prescrições para
ocupação e uso dos terrenos, inclui a definição de Elementos Protegidos, que “identifica os
componentes da paisagem natural, do tecido urbano, do patrimônio histórico, cultural e
arquitetônico notáveis da zona, que deverão ser protegidos mediante a gestão da qualidade
espacial” (BENTO GONÇALVES, 2018, Art. 21 Inciso II).
Uma das contribuições mais relevantes do texto da lei do Plano Diretor é o
mapeamento e a definição das Áreas de Preservação à Paisagem Cultural, determinada pelo
Artigo 90, que insere os conceitos de Paisagem Cultural, Itinerário Cultural e patrimônio
histórico e cultural edificado do município:
Art. 90. Nas Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), identificadas no ANEXO
5.3-ME, os elementos sob proteção podem ser do terreno natural e seu relevo, da
cobertura vegetal nativa ou resultante da atividade agrícola, de vinhedos ou
plantações históricas, das características da ocupação territorial, dos itinerários
culturais, do patrimônio histórico, das edificações e das combinações destes; em que
as condições de sua proteção podem ser referidas a gestão, conservação, manejo,
substituição, reforma ou justaposição, com o objetivo de compatibilização da
preservação da paisagem cultural e ambiental com a ocupação tradicional e o
desenvolvimento local, as quais deverão ser aprovadas pelo COMPAHC, cuja chancela
deverá ser acordada através de normatização específica.
§1º É considerada Paisagem Cultural a porção do território representativa do
processo de interação do homem com o meio natural em que vive, onde a ocupação
por comunidades tradicionais imprimiu marcas ou atribuiu valores através de suas
ações e formas de expressão, passíveis de leituras espaciais e temporais.
§2º É considerado Itinerário Cultural, o patrimônio e a paisagem cultural disposta ao
longo das ferrovias e das estradas tradicionais reconhecidas como linhas,
identificadas conforme ANEXO 5.3-ME e ANEXO 5.4-ME conforme Projeto Paisagístico
das Estradas Turísticas de Bento Gonçalves – RS ANEXO 7.5-PE, cujo perímetro de
preservação deverá ser definido mediante inventário.
§3º É considerado patrimônio histórico e cultural edificado os imóveis integrantes
do inventário do Patrimônio Cultural Edificado do Rio Grande do Sul (1994-1996) e
os conjuntos formados pelas sedes comunitárias e edificações com mais de 50 anos
no entorno de bens culturais inventariados (BENTO GONÇALVES, 2018, Art.90, grifo
nosso).
622
Quanto às Áreas de Preservação da Paisagem Cultural (APPAC), formadas pelos
elementos diversos que compõe a paisagem, destaca-se o objetivo das mesmas, de
compatibilização da sua preservação com a ocupação existente e o desenvolvimento, ou seja,
do antigo com o novo, devendo ser objeto de análise do COMPAHC a sua normatização. Essas
regras precisam ser definidas não através de uma lei imposta pela municipalidade em direção
ao proprietário, mas através de um acordo de chancela, que parte dos detentores desse
patrimônio em direção aos gestores municipais e econômicos (BERTOCO, 2014). Cabe assim, à
municipalidade e aos conselhos municipais, inventariar não apenas as edificações consideradas
patrimônio, mas também as aspirações e ações de preservação e desenvolvimento
comunitárias, transformando o cadastro em um instrumento de gestão participativo.
Já quanto aos imóveis considerados patrimônio histórico e cultural edificado, o Plano
Diretor é claro quanto à proteção às construções integrantes do Inventário, acompanhados dos
conjuntos e edificações com mais de 50 anos do seu entorno. Mas quais são as edificações do
entorno que possuem valores a serem preservados? Todas as edificações a serem protegidas
estão mapeadas no Anexo 5.3 M.E., referente ao Patrimônio e Paisagem Cultural? É necessário
um símbolo para cada edificação ou conjuntos podem estar identificados por um símbolo
polarizador, de um lugar a ser analisado? Embora as edificações inventariadas e de interesse
patrimonial estejam mapeadas através de símbolos com suas respectivas cores, o texto prevê
ainda a análise de edificações com mais de 50 anos no seu entorno. Isso ocorre porque a
paisagem é dinâmica, e assim como o patrimônio cultural imaterial, a sua percepção pode variar
ao longo dos anos de acordo com diferentes visões antropológicas. O que ontem foi considerada
uma casa de “arquitetura menor”, sem valor estético, hoje pode ser identificada como a casa de
uma das primeiras avós ferroviárias da cidade 2 (BERTOCO et al, 2021).
O mapa do Patrimônio e Paisagem Cultural institui o mapeamento das edificações
tombadas, inventariadas e de interesse patrimonial histórico e paisagístico com mais de 50 anos,
bem como delimita Áreas de Preservação à Paisagem Cultural (APPACs) urbanas e rurais, Áreas
de Proteção à Paisagem da ferrovia e Itinerários Culturais (roteiros turísticos e culturais e
turismo em desenvolvimento). Também registra a localização de praças e áreas abertas, visuais,
lugares, que compõem a paisagem, bem como as áreas de proteção à paisagem natural e
referências cartográficas.
Na área urbana, são instituídas quatro Áreas de Interesse Histórico e Paisagístico:
APPAC Cidade Baixa (Centro) e Cidade Alta, APPAC São Roque e Batalhão, APPAC São Valentim
e APPAC Addolorata – Sede Distrital Tuiuty. Na área rural, as Áreas de Proteção à Paisagem
Cultural são delimitadas junto aos itinerários culturais e conjuntos inventariados, geralmente
correspondentes às sedes comunitárias rurais. Essas áreas de proteção correspondem ao
perímetro formado pelos conjuntos históricos formados por edificações tombadas,
inventariadas e de interesse histórico paisagístico com mais de 50 anos.
Já o Anexo 5.4 ME – Incentivos à Preservação e Revitalização de Bens Integrantes do
Patrimônio Histórico e Cultural, define os imóveis objeto de preservação, bem como critérios de
intervenção, de apresentação de projetos e de obtenção de incentivos e benefícios para a
revitalização desses bens. A seguir destacam-se os principais pontos relacionados ao Inventário.
2
Em estudos do projeto “Laços Patrimoniais: construindo um inventário colaborativo para Bento Gonçalves”, foram
identificadas as primeiras ocupações negras em um dos principais bairros da cidade, cujos moradores são
representantes dos trabalhadores braçais da ferrovia, invisibilizados pelo etnocentrismo da história da imigração
italiana na cidade (BERTOCO et al, 2021).
623
Segundo Artigo 3º do referido Anexo, são reconhecidos não apenas os bens tombados e
remanescentes do Inventário existente, mas também
624
permitidas no nível 4 de preservação, em casos excepcionais. (BENTO GONÇALVES,
2018: Anexo 5.4.M.E, Art. 5º, grifo nosso).
O Artigo 7º do Anexo 5.4.M.E. ainda define os incentivos que podem ser concedidos
para a realização de intervenções em imóveis objeto de preservação, tais como concessão de
transferência do direito de construir e majoração de até 50% na indenização por solo criado;
alteração das características de uso e ocupação do solo; emissão de Certidão de Patrimônio
Histórico para fins de regularização, e concessão de desconto de IPTU do imóvel como
contrapartida pela conservação preventiva anual ou durante obras de restauro. Cabe ressaltar
que, conforme §6º do mesmo artigo, cabe ao COMPAHC emitir resolução definindo os critérios
a serem adotados nas análises.
3
Consideremos aqui o estado de preservação relacionado à sua autenticidade, em que são identificados os elementos
construtivos e decorativos originais. Assim, não necessariamente o mau estado de conservação presume o
rebaixamento do nível de preservação, já que este pode receber intervenção conservativa ou de restauro.
625
Entre as edificações preservadas nesse nível identificadas no banco de dados,
geralmente encontram-se edificações religiosas, edificações de uso público, casas de pedra e de
madeira da zona rural e algumas edificações da área urbana que passaram muito tempo sem
uso, que nunca receberam intervenção ou que foram conservadas e restauradas devidamente.
Figura 1: (a) Antigo Banco da Província do Rio Grande do Sul e (b) Palácio da Prefeitura Municipal.
Figura 2: (a)Casa Paroquial Santo Antônio e (b) Confeitaria Primazia (antiga confeitaria Brandas)
626
materiais diferenciados. Entre as edificações identificadas no banco de dados, exemplificam-se
comércios com o térreo alterado, como os do centro da cidade, ou residências cujas paredes
internas foram reformadas para adaptarem-se aos novos usos4.
Como exemplo de edificação inventariada que recebeu intervenção aprovada pelo
COMPAHC, temos a Casa Paroquial Santo Antônio, que foi ampliada e reformada internamente
mantendo a estrutura, a configuração de alguns ambientes e alguns elementos arquitetônicos
como esquadrias e mobiliário originais, porém foi modernizada com escada, forros de gesso e
mobiliário novos. Na Rua Saldanha Marinho, a antiga confeitaria foi reformada para a instalação
de uma nova, em dois andares, onde foram realizadas ações de conservação, recuperação dos
vãos originais do pavimento térreo e integração entre pavimento térreo e superior, com a
retirada de divisórias de madeira do pavimento superior, preservando a estrutura original
através da recuperação do entrepiso e do assoalho em que foi possível e abrindo-se um
mezanino na área onde o mesmo estava apodrecido. Observe-se que, embora o entrepiso e o
telhado tenham recebido obras de recuperação e de uma parte do entrepiso não ter sido
restaurada, não foram demolidas ou descaracterizadas as estruturas da edificação, mantendo-
se a mesma configuração e técnicas de construção originais.
No nível 3 de preservação, em que se preservam as características de
acompanhamento e complementaridade de imóveis classificados como nível 1 e 2, podendo
realizar intervenções internas e externas, mantendo a sua volumetria e ambiência, se deduz que
o seu valor seja de compatibilização com a paisagem, cuja presença no cenário da quadra ou no
conjunto de unidades é necessária para não descaracterizar a ambiência urbana, ou seja, o
entorno de construções inventariadas. Pela possibilidade de alteração de toda a estrutura
interna, mantendo-se a volumetria original, presume-se que não há elementos internos,
inclusive a estrutura, que possam ser prejudicados ou tenham valor de preservação.
4
O mais comum é a retirada de paredes de madeira internas que atendiam ao uso residencial, para possibilitar o uso
comercial de planta livre. Observa-se, entretanto, que a remoção ou reforma de estruturas de madeira como
entrepisos podem gerar riscos à preservação da edificação, sendo possibilitados nesse nível apenas a abertura de
vãos de circulação e a troca de revestimentos, que não descaracterizem a estrutura original.
627
características de sua linguagem arquitetônica externa. Nesse caso foram mantidas as paredes
externas originais, mas a estrutura interna foi totalmente reformulada, sem prejuízo à
estabilidade das fachadas que compõem a volumetria.
Outros casos ocorreram em que a preservação, que era para ser volumétrica em um
prédio ainda não inventariado, ocorreu apenas nas fachadas em sua materialidade original, mas
as demais paredes do volume foram demolidas e reconstruídas, como no caso da Antiga
Cooperativa Riograndense, na Rua 10 de Novembro, reciclada para a construção de um hotel.
Outrora aprovados em edificações inventariadas, pela nova lei, esse tipo de intervenção será
permitido apenas no nível 4 de preservação, em casos excepcionais, salvo casos que tenham
sido objeto de demolição parcial anterior à lei do Plano Diretor, conforme elucidam os
parágrafos 1º, 2º e 3º, do Artigo 5º do Anexo 5.4.ME. Conforme §3º, a preservação volumétrica
é constituída do aspecto tridimensional do edifício em sua materialidade original.
Como exemplos aprovados pelo COMPAHC, tem-se a casa de uma antiga fruteira,
localizada na Rua General Gomes Carneiro, em que foi preservada apenas a fachada principal e
parte de seu volume, reformulando-a com a construção de um novo edifício envidraçado atrás,
destinado a salas comerciais. Já no antigo armazém Giacomazzi, o que era para ser uma
628
preservação parcial acabou mantendo a volumetria e recuperando a ambiência interna,
intervindo apenas na retirada de reboco e na troca de esquadrias, valorizando a paisagem.
Por fim, temos como requisitos definidos em lei, que os bens já inventariados deverão
ser enquadrados nos níveis 1 ou 2 e que os bens de interesse patrimonial com mais de 50 anos
podem ser enquadrados em um dos quatro níveis, de acordo com os valores identificados na
ficha cadastral. Assim, a análise da inclusão no inventário, de edificações com mais de 50 anos
mapeadas no Anexo 5.3.ME, pode dar aos mesmos a proteção do nível de inventário, de
preservação volumétrica ou de fachada, de acordo com suas características e valores
identificados.
Na zona rural, conforme Artigo 3º Inciso III, abre possibilidade de incluir edificações de
interesse patrimonial em áreas de interesse, que se enquadrem nas características
arquitetônicas e históricas, mediante análise técnica do IPURB, alicerçada pelo COMPAHC. Por
outro lado, nada impede que uma edificação não mapeada, mas que possua mais de 50 anos,
possa ser integrada a algum projeto de preservação, solicitando benefícios de acordo com a
proporção preservada, caso que deverá ser avaliado pelo conselho quanto ao seu mérito.
Conforme o Inventário vigente, o patrimônio edificado de Bento Gonçalves é
composto de edificações representativas de diversas épocas da história da cidade,
especialmente a arquitetura remanescente da Imigração Italiana no Rio Grande do Sul, mas
também contando com outros estilos relevantes para o entendimento da evolução
arquitetônica, como os representantes do Ecletismo, Déco, Neocolonial, Protomoderno e
Modernista, cada qual representando um conjunto de fatos históricos de sua época. Cada estilo
ou linguagem arquitetônica é resultado da cultura e da tecnologia construtiva disponíveis em
seu tempo e lugar. Por esse motivo, a atribuição de níveis de preservação e intervenção deve
ser compatível com a real possibilidade e necessidade de preservação de um bem, segundo sua
materialidade, de forma a evitar o risco de seu desaparecimento.
Destacam-se alguns pontos deixados em aberto pelo Plano Diretor no que se refere ao
Patrimônio Cultural Edificado, para análise técnica e definições de critérios mediante resolução.
Referente ao Inventário torna-se necessário:
1º – Elaboração de ficha cadastral de inventário referente aos bens edificados de interesse
patrimonial da zona urbana, caracterizados por edificações ou conjuntos edificados com mais
de 50 anos e às edificações de interesse patrimonial da zona rural, aos quais cabe avaliação das
características arquitetônicas e históricas, mediante análise técnica, alicerçada pelo COMPAHC;
2º – Necessidade de atualização e complementação do Inventário do Patrimônio Cultural
Edificado, tendo em vista a demanda por dados mais completos referentes às fichas existentes,
indicando acervos e características para preservação da paisagem no entorno;
3º – Atribuição dos níveis de preservação aos bens edificados a serem protegidos, que deverá
contar com avaliação do setor de Patrimônio Histórico do IPURB e aprovação do COMPAHC;
Referente às Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), conforme descrição do
Artigo 90, as condições de proteção devem ser definidas mediante chancela acordada através
de normatização específica, devendo ser aprovada pelo COMPAHC. No entanto, a redação do
Plano dá poucas referências aos critérios a serem adotados, embora se identifiquem, condições
previstas em lei, que podem ser adotadas e normatizadas de forma objetiva, como:
629
4º – Os elementos protegidos e condições de proteção do zoneamento rural, avaliados através
da metodologia do Estudo de Impacto de Inovações, conforme Lei Complementar 200/2018;
5º – O incentivo referente à alteração das características de altura prevista no §4º do Artigo 7º
do Anexo 5.4.ME, que “somente poderá ser concedido nas Áreas de Interesse Histórico e
Paisagístico (APPAC), mediante estudo de qualidade espacial e mitigação dos impactos na
paisagem, como compensação à preservação de um bem inventariado”;
6º – A definição do perímetro de preservação mediante inventário, dos itinerários culturais,
conforme Artigo 90 §2º, bem como a definição das condições para as áreas de proteção da
paisagem da ferrovia, conforme Artigo 3º Inciso V do Anexo 5.4.M.E, sejam aplicadas de acordo
com o mapa do Anexo 5.3.M.E, sendo usadas como referência para análise das edificações da
zona rural a serem eventualmente incluídas no Inventário.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, dessa forma, que o Plano Diretor municipal define que as edificações com
mais de 50 anos da zona urbana e rural, mediante estudo técnico, devem ser incluídas no
Inventário, através do mapeamento do Anexo 5.3 M.E., tendo assim respaldo legal para a sua
proteção mediante cadastro e definição de níveis de preservação. Embora os proprietários ainda
não tenham individualmente sido notificados, o mapa previamente aprovado pelo COMPAHC
ficou publicado no site do IPURB e da Câmara de Vereadores, junto ao restante da revisão do
Plano Diretor, por tempo o bastante para haver manifestação dos interessados.
Uma vez que o texto legal (Artigo 4º do Anexo 5.3.M.E.) já prevê levantamento
cadastral do imóvel com a participação do proprietário, observa-se que a elaboração da ficha de
inventário da edificação de forma participativa, é a principal forma de notificação e de diálogo
sobre a sua preservação. Esse instrumento apresenta grande potencial para definição de plano
de gestão do imóvel junto aos interessados, especialmente se os detentores tenham
contribuição ativa no processo de levantamento, de forma que a ficha seja construída com base
nos conhecimentos familiares e comunitários, os quais tenham autonomia na correção de
informações registradas e aprovação final do documento. Para isso, observa-se a importância
do técnico habilitado estar integrado à equipe responsável pela atualização do Inventário, e não
apenas ao IPURB e ao projeto da edificação, como previsto no Plano Diretor.
Quanto às Áreas de Proteção à Paisagem Cultural (APPAC), conclui-se que possuem
alguns elementos já previstos na legislação para as condições de proteção, como a identificação
de elementos da paisagem a serem protegidos (edificações históricas mapeadas, praças e áreas
abertas, itinerários culturais, áreas de vegetação, visuais e lugares), os quais podem ser
avaliados através dos instrumentos de avaliação de impacto e de qualidade espacial previstos
no Plano Diretor, além do resguardo a alguns tipos de publicidade. Já para sua proteção de forma
mais específica, será necessária a realização de estudo próprio, que deverá ser aprovado pelo
COMPAHC, cuja chancela deverá ser acordada através de normatização.
Entende-se que a elaboração de fichas de inventário do roteiro cultural e do conjunto,
como tem sido feitas através da Secretaria Municipal de Cultura (BERTOCO et al, 2021) pode ser
o instrumento mais adequado para a gestão das áreas de preservação. Através da fotografia das
edificações, vias de circulação, eventuais cultivos, demais elementos da paisagem e sua inter-
relação, torna-se possível em análise técnica reconhecer seus principais atributos a serem
preservados. A partir disso, ao elaborar a ficha do conjunto arquitetônico de forma colaborativa,
630
com os proprietários e detentores, identifica-se as suas aspirações quanto ao local e as possíveis
orientações quando aos elementos a serem preservados, níveis de preservação e melhores
ações a serem adotadas. A ficha de conjunto também pode delimitar características a serem
mantidas, como altura, morfologia e tipologia das novas edificações.
O mais importante nessa orientação torna-se o processo, de forma que haja um
diálogo entre os detentores, os responsáveis pelo estudo técnico e pelo Inventário, o COMPAHC
e a municipalidade. Assim, são as expectativas da comunidade, aliada às necessidades físicas
identificadas no estudo, que delimitarão o que e como deve ser preservado em sua
materialidade, além de quais ações devem ser realizadas no processo para ativar a relação da
comunidade com o seu patrimônio.
6 REFERÊNCIAS
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urbano e rural do Município de Bento Gonçalves, institui o novo Plano Diretor de desenvolvimento Integrado do
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Disponível em: http://museudoimigrante.bentogoncalves.rs.gov.br/inventario-municipal/ Acesso em: 1 ago. 2022.
631
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( x) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
Nathália Teixeira
Graduanda em Arquitetura e Urbanismo, IFSP, Brasil
Bolsista de Iniciação Científica, PIBIFSP
n.arcanjo@aluno.ifsp.edu.br
Douglas Gallo
Professor Doutor, IFSP, Brasil
douglas.luciano@ifsp.edu.br
632
RESUMO
Apesar de sua relevância social, não há consenso na literatura especializada sobre o que significa ter qualidade de
vida, porém sabe-se hoje que não pode ser definida apenas por aspectos objetivos. O objetivo deste estudo é analisar
as diferentes conceituações do termo qualidade de vida e suas divergências, e problematizar a aplicação do conceito
na área do planejamento urbano. Além de analisar como esses aspectos são influenciados por condições adversas em
que populações em vulnerabilidade se encontram com foco na cidade de São Paulo. Através de uma revisão
bibliográfica com foco em artigos e livros publicados por estudiosos de diversas áreas sobre a temática da qualidade
de vida urbana e riscos naturais, procurando realizar uma discussão dialética do desenvolvimento das grandes cidades
e a consequente intensificação iniquidades sociais, fatores determinantes na percepção de uma vida com qualidade,
compreendeu-se que aspectos subjetivos e externos ao indivíduo influenciam em sua percepção do estado em que
se encontra.
ABSTRACT
Despite its social relevance, there is no consensus in the specialized literature on what it means to have quality of life,
but it is known today that it cannot be defined only by objective aspects. The objective of this study is to analyze the
different concepts of the term quality of life and their divergences, and to problematize the application of the concept
in the area of urban planning. In addition to analyzing how these aspects are influenced by adverse conditions in which
vulnerable populations find themselves, focusing on the city of São Paulo. Through a bibliographic review focusing on
articles and books published by scholars from different areas on the subject of urban quality of life and natural risks,
seeking to carry out a dialectical discussion of the development of large cities and the consequent intensification of
social inequalities, determining factors in the perception of a life with quality, it was understood that subjective and
external aspects of the individual influence their perception of the state they are in.
KEYWORDS: Vulnerable population. Hydrological risk. Urbanism and health. Urban management. Microplanning.
Public policy.
633
1 INTRODUÇÃO
2 QUALIDADE DE VIDA
634
De acordo com Vitte (2009), ter uma vida com qualidade depende de interesses,
desejos e expectativas individuais, porém culturalmente constituídas. Ao qualificar a vida é
introduzida uma valorização de horizontes desejáveis para determinado grupo social, havendo
diferenças entre níveis de exigência, de aspirações e de satisfação.
Apesar de sua importância social, ainda não há um consenso sobre ao que exatamente
se refere o termo qualidade de vida (GALLO, 2020; 2017). Tema de muitas pesquisas e aplicado
a diversas áreas do conhecimento, possui definições plurais e divergentes mesmo quando
analisado pelo mesmo campo. Estudado pela sociologia, medicina, filosofia, geografia, entre
outros, é justamente a sua multidisciplinaridade, dentre outros fatores, que origina tantas
definições propostas (FARQUHAR, 1995). Além disso, a consideração dada a aspectos subjetivos
e baseados em experiência individuais também auxiliou para a ampliação do conceito. Se antes,
qualidade de vida era usado como sinônimo de saúde e bem estar, hoje passou-se a considerar
situações mais amplas que vão além do controle de sintomas, diminuição da mortalidade e
aumento da expectativa de vida (SANTIN, 2002).
Tendo isso em vista, a pesquisadora Morag Farquhar (1995) formulou uma taxinomia
de definições tanto para demonstrar a falta de consenso quanto para organizar as definições da
literatura especializada e visualizar as semelhanças presentes entre elas. A partir desse estudo,
a autora categorizou quatro grupos de concepções:
1. Definição global: é a mais comum onde é feita uma generalização que diz pouco
sobre os componentes da qualidade de vida incorporando ideias como
felicidade/infelicidade, satisfação/insatisfação etc. Definições que afirmam que
é justamente o prazer e a satisfação que caracterizam a existência humana se
encaixam nesta categoria.
2. Definição de componentes: em que a qualidade de vida é dividida em tópicos
abrangendo aspectos objetivos e subjetivos. Essa subdivisão do tema pode
variar de acordo com o foco de estudo, o que pode indicar resultados
enganosos. A definição indicada pelo Grupo de Qualidade de Vida da
Organização Mundial de Saúde (OMS) se enquadra nessa categoria, pois define
que "a percepção do indivíduo de sua posição na vida no contexto da cultura e
sistema de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos,
expectativas, padrões e preocupações" (FLECK et al, 2000, p. 179) é o que
caracteriza a qualidade de vida. Foi a partir disso, que o grupo estruturou um
instrumento de avaliação da qualidade de vida com seis domínios, sendo eles:
físico, psicológico, nível de independência, relações sociais, meio ambiente e
espiritualidade/religião/crenças pessoais.
3. Definição focalizada: pode ter foco em um ou mais componentes relativos à
qualidade de vida, sendo os mais comuns saúde e habilidade funcional
(CICONELLI et al, 1999). Nem sempre esse destaque a determinados aspectos
está explícito na abordagem, muitas vezes mostrando, do ponto de vista
microeconômico, como a qualidade de vida é dependente das características
físicas e sociais em que o indivíduo está inserido.
4. Definição combinada: reúne as outras definições da literatura especializada que
não podem ser enquadradas nas outras categorias, por exemplo, ao analisar as
outras definições propostas define-se a qualidade de vida como um termo
abstrato e complexo que representa respostas individuais.
635
Portanto, a partir da taxonomia apresentada por Farquhar, percebe-se que além da
multidisciplinaridade atribuída ao termo, também há outras variantes que influenciam no ponto
de vista apresentado por um autor, tal qual o foco do estudo, o grau de importância conferido
a um fator específico e a ambientação cultural (idade, gênero, nacionalidade etc.). Logo, é
inegável a relevância que experiências pessoais possuem na avaliação da qualidade de vida de
um indivíduo ou grupo de indivíduos, ainda que a definição exata do termo possa variar de
acordo com condicionantes externas.
636
transporte, segurança, educação e lazer. Nesse caso, normaliza-se o fato de que pessoas com
renda baixa vivam em situações precárias, uma vez que não possuem poder aquisitivo para
comprar “qualidade de vida”.
Benavides (2011) defende que avaliar e interpretar a qualidade de vida como subsídio
para o planejamento local e a gestão urbana dependem de algumas características importantes
(Figura 1):
Figura 1- Análise da qualidade de vida como elemento de subsídio para o planejamento e gestão urbanas.
637
3 CIDADE E RISCO
638
Figura 2- Esquema com definições de conceitos básicos sobre riscos naturais.
639
3.1 Riscos geológicos e hidrológicos em espaços urbanos
Tomando a cidade de São Paulo como um cenário de exemplo para a análise desses
riscos, é possível perceber que estes grupos de vulnerabilidade surgiram pela sobreposição de
interesses políticos e econômicos que aceleraram seu processo de urbanização sem considerar
barreiras físicas naturais da geografia do sítio (ENTRE RIOS, 2009). Em sua formação, para
acompanhar o intenso aumento populacional que ocorreu, os rios da capital tiveram seus cursos
modificados, desprezando a natureza dos rios de planícies, caracterizados pelo formato sinuoso
com períodos de cheias nos meses chuvosos (SEABRA, 2019). O perfil desses rios urbanos não
mudou com o crescimento da cidade mesmo quando suas várzeas foram aterradas para serem
640
ocupadas pelos novos moradores por influência do mercado imobiliário e das indústrias que
desejavam se instalar na futura metrópole. Esse processo apressado resulta hoje na presença
de habitações em áreas geologicamente frágeis e inadequadas para ocupação.
Vale ressaltar que algumas dessas áreas poderiam ser urbanizadas caso tivessem a
atenção necessária referente a parte técnica das habitações (SANTOS, 2017). Para a ocupação
apropriada é fundamental a adaptação das técnicas urbanísticas e construtivas ao solo do local,
ou seja, uma análise geotécnica para que a estrutura das habitações possam ser adequadas às
condições, porém isso não costuma ser realizado.
Esse problema surge não da falta de material, conhecimento ou profissionais
disponíveis no mercado brasileiro, mas da falta de investimentos e importância dada por parte
tanto do poder público quanto privado (SANTOS, 2017). Além disso, o perfil dos moradores
dessas regiões costuma ser os dos menos favorecidos econômica e socialmente justamente
pelas dificuldades que são típicas desses locais de ocupação não planejada, geralmente nas
periferias afastadas dos centros e superpovoados com defasagem construtiva.
Segundo estudos divulgados em 2022 pela Coordenadoria de Produção e Análise de
Informação (Geoinfo), da Secretaria de Urbanismo e Licenciamento (SMUL) da prefeitura de São
Paulo, atualmente existem 495 áreas de risco na cidade de São Paulo, totalizando 1.725 ha. Essas
áreas estão indicadas na figura 3 e são divididas em 4 grupos sendo eles: R1 (risco baixo), R2
(risco médio), R3 (risco alto) e R4 (risco muito alto).
641
Figura 3- Setores de risco no município de São Paulo.
Leg
end
a:
FONTE: São Paulo, 2023..
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora não haja unanimidade sobre a definição de qualidade de vida, sua importância
é apontada pela literatura especializada, que, paulatinamente, se apropriou e utilizou o conceito
em diferentes áreas do conhecimento. Todavia, a pluralidade de conceituações contribuem para
o esclarecimento do tema em escala multidisciplinar. Portanto, é importante a consideração de
diferentes perspectivas da ciência para a formulação de um conceito integrado.
Apesar disso, estudos recentes que já indicam a relevância de fatores subjetivos para
o julgamento da qualidade de vida de um indivíduo e/ou de uma comunidade, se tornam mais
frequentes no meio acadêmico. Por esse motivo é necessário voltar a atenção para aspectos que
vão além de políticas públicas e questões objetivas da vida em centros urbanos, considerando,
por exemplo, relacionamentos interpessoais, sociabilidade e segurança.
A desassociação de qualidade de vida exclusivamente com bem-estar e saúde, apesar
de uma estar diretamente relacionada com a outra, ainda se faz necessária, porém o termo tão
642
pouco pode ser assumido como contexto de condição, privilegiando aqueles com maior poder
aquisitivo. É considerável o desenvolvimento e aplicação de estudos mais interventivos.
Por fim, a compreensão desses aspectos deve guiar a atenção daqueles que se
encontram em situação de vulnerabilidade devido a deficiência de regulação do poder
administrativo. Assim, é necessário um serviço público que se disponha a estudar, monitorar e
orientar medidas de prevenção a questões urbanas ligadas ao meio físico geológico auxiliando
no melhoramento da qualidade de vida da população.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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644
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
(X ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
THOOSE WHO HAVE NO VISION HIT THEIR FACES AGAINST THE WALL: THOUGHTS
ABOUT GAPS AND HOLES IN THE RAILWAY SUBURBS OF RIO DE JANEIRO
645
RESUMO
As linhas férreas nos subúrbios da região metropolitana do Rio de Janeiro ordenam funcional e socialmente seus
territórios, fato reforçado por seus muros que atuam como limites ou fronteiras e os segregam entre lados “de lá” e
“de cá”. Nesse contexto, investigam-se locais com passados violados por linhas férreas muradas onde a continuidade
de eixos importantes para a experiência de bairro foi interrompida com a passagem do trem. Esses locais são
chamados neste trabalho de lapsos. Como reações subversivas em resposta aos transtornos causados por eles e à
ausência do poder público em solucioná-los, enfatizam-se os buracos, travessias clandestinas sobre os trilhos criadas,
usadas e mantidas por suburbanos. Os buracos desconstroem a natureza divisora dos muros ferroviários e revelam
relações dinâmicas entre corpos e morfologia urbana que recursos predominantes de domínio e representação das
paisagens, como mapas, não são capazes de captar. Por isso, opta-se pela fotografia como método de leitura
paisagística que captura essas relações identificadas em experiências com as paisagens. Essas experiências ocorreram
através de derivas em bairros ferroviários no município do Rio de Janeiro. A abordagem qualitativa etnográfica
utilizada neste trabalho é amparada pelo modo desviante de ver paisagístico de Jacques e Britto em oposição a um
modo categórico de Lynch e Jacobs.
SUMMARY
The railway lines in the suburbs of the metropolitan region of Rio de Janeiro functionally and socially organize their
territories, a fact strengthened by their walls, which act as limits or borders and segregate the territories into "here"
and "there" sides. In this context, this article investigates places which pasts have been violated by walled railway lines
where the continuity of important axes for the neighborhood experience was interrupted by the presence of the train.
These places are called "lapses" in this article. As subversive reactions in response to the inconvenience caused by
them and the absence of public authorities to solve them, this article also investigates clandestine crossings over the
tracks conceived, used and maintained by suburbanites and known by them as "holes". Railway holes deconstruct the
divisive nature of the railway walls and reveal dynamic relationships between bodies and urban morphology that the
predominant resources for mastering and representing landscapes, such as maps, are unable to capture. For this
reason, photography was chosen as a method of landscape reading that captures these relationships identified in
experiences with landscapes. These experiences occurred through drifts in railway neighborhoods in the city of Rio de
Janeiro. The qualitative ethnographic approach used in this article is supported by Jacques and Britto's deviant way of
seeing landscapes, in opposition to a Lynch and Jacobs' categorical way.
646
1 INTRODUÇÃO
Por volta de 1870 até o início do século XX, as linhas férreas do antigo Distrito Federal,
atual município do Rio de Janeiro, menos tecnológicas e com fluxo mais baixo de passageiros,
eram quase todas integradas ao arranjo urbano e às relações de ocupação, inclusive com livre
circulação de pessoas sobre elas (LINS, 2010). Conforme a rede ferroviária era aperfeiçoada,
suas linhas foram sendo isoladas com bloqueios gradeados por motivos operacionais e de
segurança à proporção que os trens adquiriam mais velocidade. Desde a eletrificação da rede
na década de 1950, os gradis, que não bloqueavam a visão entre os lados das linhas férreas,
foram sendo substituídos por muros altos. Embora evitem atropelamentos, os muros
ferroviários instituíram extensas e contínuas barreiras que se tornaram símbolos da segregação
espacial interbairros nos subúrbios no Rio de Janeiro provocada pela presença do trem (LINS,
2010). No entanto, suburbanos não estão completamente reféns do fracionamento de seus
bairros por linhas férreas muradas e criam formas de viver apesar dele. É a partir desta
observação que este trabalho se desenvolve sustentado na hipótese de que afetos suburbanos
identitários e resistentes perante uma sociogeografia desigual no Rio de Janeiro incorporam e
ressignificam seus elementos morfológicos. Foca-se em afetos manifestados coletivamente em
paisagens suburbanas ferroviárias e na incorporação e ressignificação de seus muros.
As paisagens são linguagens, acontecimentos, movimentos e complexidades para além
das dicotomias dos seus diagnósticos sistemáticos: urbano e rural, cheio e vazio, público e
privado, etc. O dinamismo das camadas que estão entre essas dicotomias, como ações
moleculares (DELEUZE; GUATTARI, 2012), não é expressado nos meios hegemônicos de
representação dos elementos das paisagens nos campos da arquitetura e do urbanismo, como
mapas, plantas baixas, cortes e ortofotos. A molecularidade da vida cotidiana, segundo Deleuze
e Guattari (2012), está em práticas individuais ou coletivas fluídas, espontâneas e
transformadoras, capazes de desafiar as estruturas molares. Esta molaridade retrata formas
rígidas e centralizadas de controle que homogeneízam as sociedades. Nesse sentido, Ribeiro
(2016, p. 32) se refere a representação como “uma entidade de ordem molar, que carrega em
si a capacidade de estratificar, enrijecer vetores e definições, propor uma condição
padronizadora de fazer o todo se igualar ao uno”. Por isso, a maneira com a qual este trabalho
se propõe a superar tal ordem molar, potencializando ações moleculares de afeto corpo-
paisagem, é atuando sobre vestígios do que ocorre entre relações molares dicotômicas “para
identificar a capacidade [...] de resistência a processos homogeneizantes de configuração
espacial, e verificar singularidades identitárias [...] através da construção de novos modos de
ação e interação revertidos nas formas urbanas” (MATTOSO, 2019, p. 1). Assim, busca-se
desconstruir uma leitura simplista da forma urbana muro ferroviário, associada à sua natureza
divisora, a fim de revelar marcas que escapam dos meios limitantes de domínio e representação
dela.
Este trabalho é estruturado em dois blocos principais. O primeiro, intitulado “muros
repressores”, dedica-se à influência das linhas férreas muradas na organização territorial
suburbana do Rio de Janeiro, sobretudo a sua capacidade de restringir aspectos da vida
cotidiana associada. Enfatizam-se locais com passados violados por linhas férreas muradas onde
a continuidade de eixos importantes para a experiência de bairro foi interrompida com a
passagem do trem. Esses locais negligenciados por forças molares são chamados neste trabalho
de lapsos. O segundo bloco, intitulado “muros superados”, dedica-se aos buracos, passagens
647
ilegais sobre os trilhos criadas, usadas e mantidas por moradores afetados por lapsos. Entende-
se que muros ferroviários nos subúrbios do Rio de Janeiro são mais do que elementos
morfológicos estáveis das suas paisagens, mas causas de onde partem complexas relações de
corpos suburbanos com elas. Essas relações dinâmicas moleculares, ausentes dos meios
predominantes de domínio e representação paisagísticos, também fazem paisagens.
2 METODOLOGIA
A SuperVia é a concessionária que desde 1998 até o tempo deste texto tem a
concessão para a atividade comercial e de manutenção da rede de trens da região metropolitana
do Rio de Janeiro1. Ela gerencia aproximadamente 270 km lineares de trilhos. Se fosse traçada
uma reta ligando a extremidade oeste do município do Rio de Janeiro, na ponta da Zona
Industrial do bairro de Santa Cruz, até a Praça Mauá, um local turístico em destaque no bairro
do Centro, dividindo o município em hemisférios norte e sul, seria necessário percorrer quase
cinco vezes essa reta para alcançar a extensão da rede metropolitana de trens. Em um plano
hipotético simplista para fins exemplificativos, desconsiderando topografia e os complexos
pretextos políticos e econômicos das trajetórias de ocupação humana, se essa reta fosse
representada por uma primeira linha férrea que viria a ser isolada por muros, é possível imaginar
uma variante do município do Rio de Janeiro cuja evolução morfológica penderia para dois
segmentos urbanos distintos em termos administrativos e econômicos e, sobretudo, sociais. O
hemisfério sul desse Rio de Janeiro seria lugar das camadas mais favorecidas da população onde
a proximidade com as praias e grandes centros comerciais, de serviço e financeiros constituiriam
privilégios ausentes, na mesma escala, no hemisfério norte, onde as baixas camadas cariocas
1 Também chamada de Grande Rio, é composta de 22 municípios: Belford Roxo, Duque de Caxias, Guapimirim,
Itaboraí, Itaguaí, Japeri, Magé, Maricá, Mesquita, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, Paracambi, Petrópolis, Queimados,
Seropédica, São Gonçalo, São João de Meriti, Tanguá, Cachoeiras de Macacu, Rio Bonito e Rio de Janeiro.
648
teriam seu lugar de moradia. No norte, a função econômica, quando não concentrada no sub-
centro de Santa Cruz, estaria adaptada às dinâmicas locais e, por isso, com pouco valor
quantitativo na oferta de emprego comparado à demanda exigida no sul que, por sinal, seria
suprida pela massa nortista. Esta teria que diariamente ultrapassar a fronteira férrea nas viagens
casa-trabalho e trabalho-casa. O município do Rio de Janeiro estaria fragmentado em dois lados
bem definidos que se distinguiriam pelo valor econômico e imobiliário da terra e pelo
discernimento das formas urbanas correspondentes aos seus usos predominantes e efeitos
estéticos e funcionais nos ambientes. Seria observado um claro zoneamento submisso à linha
férrea.
Apesar da hipótese parecer dramática, ela mostra como um elemento da morfologia
urbana com grande capacidade divisora pode ser usado como referência para definir o
funcionamento de uma região. Ao supor o corte do município em dois lados, as consequências
previstas, que podem até soar distópicas, tornam-se mais evidentes e ofensivas sob a ótica
urbana e social por conta da escala. Entretanto, pelo menos 57 bairros 2 suburbanos cariocas são
efetivamente cortados por linhas férreas muradas, muitos deles divididos ao meio, derivando
bairros distintos na percepção coletiva, inclusive em termos classicistas. Por esse motivo, a
leitura das zonas norte e oeste do município do Rio de Janeiro precisa considerar as linhas da
SuperVia que as rompem em lados que desenvolvem experiências urbanas diferentes ou
opostas. Em escala metropolitana, estima-se que 75%3 da extensão das linhas férreas é murada
em pelo menos um lado. É inegável a imensa influência do trem e dos seus muros na organização
dos subúrbios ferroviários no Rio de Janeiro.
Quando fragmentam um bairro em duas ou mais partes e, por consequência,
dificultam a comunicação entre elas, as linhas férreas muradas geram bairros não mapeados
pela administração pública, mas reconhecidos pelos moradores e presentes na linguagem local
e geografia mental. Essa leitura de bairro desvinculada dos seus contornos políticos-
administrativos e marcada por uma identificação visual, alcançável por uma identidade formal
de natureza estética, funcional ou simbólica, já foi discutida por alguns autores, como Lynch
(2011). Em 1960, ele examinou como os habitantes de três cidades norte-americanas percebiam
os ambientes construídos na época e identificou os elementos da morfologia urbana mais
utilizados para se identificar e se orientar nelas. Um desses elementos são os limites (edges) cuja
descrição de Lynch é categoricamente compatível com os muros ferroviários suburbanos:
2 Dado de autoria do autor coletado através de análise de mapas (2022). Foram considerados os traçados dos ramais
da SuperVia e os contornos político-administrativos segundo o aplicativo Bairros Cariocas do Instituto Pereira Passos
(IPP). Os bairros em questão são os seguintes: na zona norte, Anchieta, Ricardo de Albuquerque, Marechal Hermes,
Bento Ribeiro, Oswaldo Cruz, Madureira, Cascadura, Quintino Bocaiúva, Piedade, Encantado, Engenho de Dentro,
Todos os Santos, Méier, Engenho Novo, Sampaio, Riachuelo, Rocha, São Francisco Xavier, Praça da Bandeira, Pavuna,
Costa Barros, Barros Filho, Honório Gurgel, Rocha Miranda, Turiaçú, Engenheiro Leal, Cavalcanti, Tomás Coelho,
Pilares, Del Castilho, Maria da Graça, Jacarezinho, Benfica, Manguinhos, Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Penha
Circular, Brás de Pina, Cordovil, Parada de Lucas e Vigário Geral; na zona oeste, Santa Cruz, Paciência, Cosmos,
Inhoaíba, Campo Grande, Senador Vasconcelos, Santíssimo, Senador Camará, Bangu, Padre Miguel, Realengo,
Magalhães Bastos, Vila Militar e Deodoro.
3 Dado de autoria do autor coletado através de análise de mapas (2022). Foram identificados os seguintes traçados
predominantemente livres de muros: trecho entre a estação Japeri e o limite do bairro Eng. Pedreira (cerca de 5 km);
trecho entre a estação Gramacho e a altura da refinaria Reduc da Petrobrás (cerca de 3,5 km); extensão Paracambi
(cerca de 8 km) do ramal Japeri da SuperVia e as extensões Vila Inhomirim (cerca de 15 km) e Guapimirim (cerca de
40 km) do ramal Saracuruna da SuperVia, somando aproximadamente 71,5 km lineares, apenas 25% da extensão
total da rede ferroviária metropolitana.
649
[...] fronteiras entre duas partes, interrupções lineares na continuidade, [...] cortes do
caminho-de-ferro, paredes [...], barreiras mais ou menos penetráveis que mantêm
uma região isolada das outras, [...] costuras, linhas ao longo das quais regiões se
relacionam e encontram, [...] uma relevante característica organizadora. (LYNCH,
2011, p. 58).
O que mais importa para a vida associada cotidiana são os aspectos dos lugares que os
diferenciam de outros, não suas áreas de planejamento, regiões administrativas e demais
contornos oficiais. Nesse sentido, o aspecto do corte de bairros por linhas férreas muradas em
partes entendidas como pertencentes a bairros distintos é marcante e motivo de tantos
suburbanos não saberem com precisão onde moram. Isso ocorre porque as partes, cuja conexão
entre elas é deficiente, frequentemente se desenvolvem de modo contrastante em termos
funcionais e/ou sociais e, logo, práticos e fisionômicos. Origina-se, daí, o fenômeno linguístico
do “lado de lá” e do “lado de cá”, códigos tão enraizados na comunicação dos suburbanos por
motivos intuitivos derivados da natureza divisora dos muros ferroviários que eles nomeiam as
partes: “eu moro no lado de cá/lá de Brás de Pina”.
Por costumarem se relacionar mais ou apenas com o lado onde moram, é comum
suburbanos desconhecerem a totalidade de equipamentos de serviço e lazer, públicos ou
privados, e opções de comércio oferecidos nos seus bairros. Na ausência de algum deles no lado
“assumido”, preferem procurá-lo nos bairros vizinhos sem ter que atravessar a linha férrea. Isso
resulta em uma ideia de fusão dos mesmos lados de bairros contíguos. Geralmente o “lá” do
“lado de lá” remete a um lugar longe demais, mais imaginado que ocupado por quem é do “lado
de cá” e evitado por razões estritamente cômodas.
Assim sendo, pode-se afirmar que, tratando-se dos subúrbios cariocas ferroviários, há
duas cartografias em disputa: a político-administrativa, oficial e funcionalista, e a popular
mental, não-oficial e espontânea, sujeita ao trem e seus muros-limites.
As interrupções na continuidade de eixos de cidades provocadas por linhas férreas
muradas são notórias nos seus desenhos. No Rio de Janeiro, quando a malha suburbana
começava a tomar forma na segunda metade do século XIX, “no conjunto de ruas de um bairro,
poucas atravessavam a linha do trem. Somente a cruzavam aquelas vias estruturadoras, os
caminhos que ligavam bairros distantes” (LINS, 2010, p. 150). Tais bairros tiveram as estações
de trem como polos estruturadores, fato impresso nos seus desenhos através dos arruamentos
conforme descreve Mattoso (2009):
Cada bairro acaba por ter ao menos uma saída principal para a linha férrea, tendo seu
padrão de crescimento limitado entre a estrada de ferro a sua frente e os bairros
vizinhos, que também limitam seu crescimento tanto para a direita, quanto para a
esquerda, restando apenas um formato de crescimento paralelo à linha do Trem, que
parte das margens da estação, em muitos casos, e dá nome aos bairros, seguindo um
modelo de crescimento retangular. (MATTOSO, 2009, p. 89)
Porém, nos casos de bairros ferroviários que não nasceram a partir das suas estações
onde interrupções na continuidade de eixos foram provocadas pela posterior passagem do trem,
são frequentes ruas sem saída que culminam nos seus muros, antes deles usadas para unir locais
que hoje pertencem a lados distintos. Esses locais podem ser pontos de encontro como praças
ou esquinas que no passado pertenciam a ruas ainda não violadas pelo trem. Não é por acaso
que tais ruas são escolhidas para a implantação de travessias, sejam passarelas, passagens
subterrâneas ou viadutos/pontes, por preservarem a vocação de conexão entre os lados.
650
Os locais com passados violados por linhas férreas muradas são chamados neste
trabalho de lapsos. Como estudos de caso, investigam-se dois trechos de bairros com lapsos
seguidos em recortes lineares curtos dos traçados de trem. Um dos trechos é o do bairro de
Pilares, na zona norte, referente ao ramal Belford Roxo da SuperVia, entre as ruas Soares
Meireles e Luis de Castro. São quatro significativos lapsos em cerca de 550 m lineares de trilhos
(Figura 1). Outro trecho é o da divisa dos bairros de Padre Miguel e Realengo, na zona oeste,
referente ao ramal Santa Cruz da SuperVia, entre a rua do Imperador no lado sul ou Barão do
Triunfo no lado norte (o eixo é o mesmo) e a rua Piraquara. No mesmo recorte linear, outros
três lapsos (Figura 2). Surpreende imaginar a quantidade deles ao longo dos 270 km de extensão
das linhas férreas na região metropolitana do Rio de Janeiro. Essas descontinuidades de eixos
da cidade formal são facilmente identificadas tanto através da visão aérea como através da
experiência do caminhar.
651
Figura 2 – Lapsos em Padre Miguel/Realengo, Rio de Janeiro, RJ.
Figura 3 (Direita) – Lapso da rua Heleodora, Pilares, Rio de Janeiro, RJ. Figura 4 (Esquerda) – Lapso da rua do
Imperador, Realengo, Rio de Janeiro, RJ.
Vale citar que há uma tendência de as linhas férreas muradas operarem como critérios
para segmentar territorialmente classes sociais diferentes. Ao investigar o contexto dos lapsos
no trecho de Padre Miguel/Realengo, por exemplo, constata-se que o lado sul é habitado por
classes sociais de rendas mais elevadas, tendo inclusive um segmento do bairro de Padre Miguel
chamado Parque Leopoldina que é apelidado “zona sul 4 de Bangu” (os bairros do entorno de
Bangu, como o de Padre Miguel, são agrupados no que se conhece como a Grande Bangu), em
contraste com o lado norte caracterizado pela imagem estigmatizada de uma série de conjuntos
habitacionais e da favela da Vila Vintém. Essas realidades díspares não pertencem de forma
rígida aos seus lados exclusivamente. Há, sem dúvida, mistura de classes em um mesmo lado. O
4 A zona sul é uma pequena porção litorânea do município do Rio de Janeiro associada a classes sociais mais abastadas.
652
que se percebe, porém, são padrões de dominância de camadas de classe média em cada lado
das dezenas de bairros suburbanos divididos por linhas férreas muradas.
O entendimento dos subúrbios ferroviários do Rio de Janeiro está em função do trem
e da influência visível dos seus muros, o que lhes confere destaque. Apesar disso, por agirem
como extensas fronteiras, eles frequentemente desestimulam a apropriação dinâmica dos seus
entornos imediatos. Jacobs (2009, p. 295) entendeu essa condição paradoxal das fronteiras ao
afirmar que elas “são quase sempre vistas como passivas, ou pura e simplesmente como limites.
No entanto, [...] exercem uma influência ativa”. Dessa forma, os muros ferroviários são
referências incontestáveis na malha suburbana, como a centralidade de uma praça, mas
também inibidores de uma urbanidade vívida, com diversidade de usos, sobretudo econômicos.
Ao dissertar sobre os efeitos de desconstrução e deterioração dos ambientes públicos pelas
fronteiras, Jacobs (2009) explica que essa urbanidade vívida é diretamente proporcional à
presença humana. Porém, a baixa atratividade de tantos ambientes ligados aos muros
ferroviários, que em muitos casos são paralelos a vias de trânsito rápido ou expresso, torna-os
sem uso. O porte regulador autoritário e a inflexibilidade funcional dos muros, somado ao
caráter anti-humano das vias próximas ou praticamente emendadas neles, fazem sobrar
ambientes intimidadores e calçadas pouco largas ou estreitíssimas que afastam as pessoas.
Entretanto, a situação frágil e estéril dos ambientes ligados aos muros urbanos prevista
por Jacobs (2009) e Lynch (2011) não pode ser generalizada. A generalização, por sinal, é uma
ação molar (DELEUZE; GUATTARI, 2012) a qual este trabalho busca superar. Os próprios autores
afirmam que as fronteiras “tendem [...] a formar hiatos de uso em suas redondezas” (JACOBS,
2009, p. 297) e que “os limites são [...] normalmente, mas não sempre, as fronteiras entre duas
áreas de espécies diferentes” (LYNH, 2011, p. 73). Logo, eles versam sobre os efeitos
degenerativos das fronteiras ou limites nas cidades como predisposições, não como verdades
asseguradas. Nessa perspectiva, a categorização somente, uma decisão de ordem molar
(DELEUZE; GUATTARI, 2012), simplificadora e de controle, do elemento urbano muro ferroviário
como fronteira ou limite se mostra insuficiente para a análise factual das paisagens ferroviárias
suburbanas do Rio de Janeiro porque oculta complexidades inerentes a elas. Para uma devida
leitura paisagística, não basta categorizar seus elementos morfológicos, mas captar o que escapa
dessas categorizações enrijecidas, suas exceções ou ações moleculares (DELEUZE; GUATTARI,
2012) capazes de desconstruí-las. Em vista disso, distanciando-se da leitura bidimensional dos
mapas apresentados (Figuras 1 e 2), ambos os estudos de caso de lapsos apresentam relações
de urbanidade vívida ligadas aos muros ferroviários, inclusive econômicas locais. As reações de
enfrentamento com a natureza divisora deles são dados que os mapas, imparciais, inertes e
indiferentes aos afetos humanos, não mostram. Esses dados são do campo da experiência com
as paisagens.
“Quem não tem visão bate a cara contra o muro”, escreveram Raul Seixas e Paulo
Coelho em 1974. A música Como Vovó Já Dizia destaca o verso “quem não tem colírio usa óculos
escuros” que, diante das divergências sobre as possibilidades de seu significado, pode ser
comparável com o ditado popular “quem não tem cão caça com gato" que expressa a ideia do
improviso em caso de falta de instrumentos adequados para solucionar um problema.
653
A criação de passagens ilegais sobre os trilhos por moradores de bairros ferroviários
dos subúrbios do Rio de Janeiro, geralmente chamados por eles de buracos, é a forma mais
concreta de confrontar os muros-limites-fronteiras das linhas férreas e reagir contra a ausência
do poder público em solucionar os transtornos causados por eles. A presença dos buracos na
rotina de suburbanos de diversos bairros é bem significativa e, partindo da leitura paisagística
de Jacques (2010), aborda o complexo vínculo entre corpos suburbanos e a morfologia dos
subúrbios.
Figura 5 (Direita) – Buraco da rua Lomas Valentinas, Realengo, Rio de Janeiro, RJ. Figura 6 (Esquerda) – Buraco da
rua Luis de Castro, Pilares, Rio de Janeiro, RJ.
Observa-se uma conduta suburbana frente aos trilhos do trem que não os encara como
perigosos, mas como elementos íntimos da cidade. É indispensável ser afetado pelos muros
como obstáculos e ter que chegar a pé até o “lado de lá” diariamente para validar os buracos. A
presença deles também revela o insucesso das passarelas como recurso de travessia das linhas
férreas. Segundo o Plano Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/2012), os pedestres têm
prioridade sobre toda e qualquer obra viária nas cidades. Seria interessante se essa prioridade
se refletisse em soluções que facilitam a mobilidade, compatíveis com a acessibilidade universal
e a prática agradável do caminhar. No entanto, as passagens subterrâneas ou pontes, recursos
mais viáveis do ponto de vista dos pedestres, são raras. Predominam nos subúrbios do Rio de
Janeiro as convencionais passarelas. Muitas pessoas sustentam conflitos com esse modelo
ultrapassado, especialmente as com mobilidade reduzida, portadores de necessidades
especiais, cadeirantes, idosos, usuários de bicicleta ou apenas quem deseja chegar mais rápido
até o outro lado. No trecho de Padre Miguel/Realengo, a passarela não acessível (a maioria delas
são constituídas de escadas) e razoavelmente conservada que conecta os lados da rua Piraquara
não é vista diferente dos muros: também é obstáculo (Figura 8). De fato, não é atrativo
prolongar o percurso e o esforço para fazê-lo a fim de vencer uma distância de cerca de 20 m
quando não há sinal de trem, o que é frequente pois os intervalos entre eles são longos.
“Buraco que dá acesso a trilhos da SuperVia é reaberto horas após concessionária fazer
obra para fechá-lo” (BURACO, 2017) foi manchete do G1 Rio em dezembro de 2017. Por um
lado, a SuperVia alerta sobre os riscos à segurança dos pedestres em trafegar sobre as linhas
férreas. Por outro, diante da clara incapacidade de contê-lo, há falta de investimentos em
melhoria do sistema ferroviário para que ele se adeque às realidades suburbanas. Em 2017,
foram identificados cerca de 180 acessos clandestinos (BURACO, 2017). Não obstante, são
poucas as ocorrências de atropelamentos relacionados a eles se comparadas com a multidão
metropolitana do Rio de Janeiro que diariamente trafega sobre suas linhas férreas. Em uma das
654
derivas realizadas para este trabalho, durante 40 minutos de observação do buraco da rua
Lomas Valentinas, em Realengo (Figura 5), entre 11h10 e 12h50 de uma terça-feira, foram
contabilizadas 68 pessoas atravessando a linha férrea e 7 trens nos dois sentidos. Dados do
Instituto de Segurança Pública (ISP) mostram que, em uma década, entre 2011 e 2021, 409
pessoas morreram atropeladas por trens nos municípios atendidos pela SuperVia, sendo 1⁄3 dos
casos ocorridos nas estações (SAMPAIO, 2021), justamente onde a concessionária deveria ter
mais facilidade para evitá-los.
Apesar da mídia tratar os buracos como depredações, a maioria deles serve para
facilitar o atravessamento entre os lados “de lá” e “de cá”. Há, entretanto, quem os utilize para
“dar calote", isto é, chegar até as estações sem ter que pagar a tarifa do trem. Qualquer ação
que vise reduzir tal prática parece ineficaz, inclusive o fechamento dos buracos. Há nesse
contexto um claro conflito entre os interesses públicos e privados. A partir da perspectiva de
Jacques (2010), enquanto a SuperVia pacifica esse conflito, ocultando os buracos, o morador
resiste, tornando-os visíveis.
Nem a aparência degradante desses cruzamentos clandestinos desestimula a
ocupação deles. Em muitos casos, na verdade, as ambiências são bastante familiares e
despertam inventividade. Eles são lugares de encontro, cooperação e produção econômica. Em
Pilares, no buraco da rua Soares Meireles (Figura 7), enquanto capturava com a câmera
fotográfica as dezenas de corpos passantes sobre a linha férrea, Lígia esbarrou com um carteiro.
Já no buraco da rua Luis de Castro, um desconhecido que vinha do “lado de lá” ajudou uma mãe
a carregar o carrinho do seu bebê. Em Realengo, o curto trecho do lado sul da rua Piraquara,
cuja serventia para o entorno se dá por causa do seu buraco, parece um centro comercial (Figura
8). Há um ponto de mototáxi, de conserto de bicicletas, de hortifruti com feirinha a dois reais e
de venda de capas de celulares, biscoitos e bebidas.
Figura 7 (Direita) – Buraco da rua Soares Meireles, Pilares, Rio de Janeiro, RJ. Figura 8 (Esquerda) – Buraco da rua
Piraquara, Realengo, Rio de Janeiro, RJ.
655
responsáveis tanto pelo empobrecimento atual das experiências corporais no espaço
público quanto pela negação dos conflitos e dissensos nestes espaços e, sobretudo,
pelas tentativas de ocultamento, redução ou eliminação da vitalidade popular dos
espaços opacos das cidades, que dentro da lógica espetacular devem ser devidamente
ordenados, asseptizados e gentrificados pelos projetos urbanos de “revitalização”,
para que estes também se tornem espaços luminosos, midiáticos e espetaculares.
(JACQUES, 2010, p. 108)
5 De acordo com o contrato de concessão da rede ferroviária da região metropolitana do Rio de Janeiro no tempo
deste texto, a responsabilidade da construção e manutenção de viadutos, passarelas ou passagens subterrâneas que
cruzam as linhas férreas cabe ao poder concedente. Neste caso, a administração estadual. Os investimentos nesses
equipamentos, porém, são deficientes.
656
negligenciado pelos poderes hegemônicos: a dificuldade de se atravessar linhas férreas
muradas. Trata-se de uma visão de quem não quer bater a cara contra o muro, parafraseando o
verso de Raul Seixas e Paulo Coelho, ilustrada por Ribeiro (2016):
Como um drible feito à Bangu6, ou a base do partido-alto, ele demonstra que é viável
e legítimo escapar da perspectiva do controle de um modelo de cidade que é
projetada de cima para baixo. No improviso, podemos criar algumas ressignificações
que florescem no campo do vivido e que com o tempo podem afetar o campo do
construído. [...] Cremos [...] que habitam na cidade experiências urbanas que
conseguem caminhar para além dos modelos impostos pelas forças de poder.
(RIBEIRO, 2016, p. 193)
Os buracos são temas do direito à cidade e ainda assim a prática é tida por tantos como
vandalismo, roubo e incivilização, termos típicos da esfera de agentes pacificadores (JACQUES,
2010). Embora pacificação e resistência pareçam esferas coexistentes antagônicas, Jacques
(2010) defende que elas devem ser entendidas como interdependentes. Pacificar e resistir,
portanto, são ações molares e moleculares (DELEUZE; GUATTARI, 2012), respectivamente, que
se tensionam nas cidades. Por essa razão, os buracos são zonas de tensão (JACQUES, 2010) entre
o modo de se fazer travessia sobre as linhas férreas por suburbanos e o de discriminá-los pelas
administrações pública, representada pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, e privada,
representada pela SuperVia.
Destaca-se que suburbanos se fazem travessia porque são os seus corpos em
movimento os responsáveis pela existência dos buracos, desde a derrubada de partes dos muros
até o ato de percorrer o intervalo entre os lados “de lá” e “de cá”. A partir da produção crítica
ao declínio da experiência corporal nas cidades contemporâneas decorrente da negação,
ocultamento, redução e até eliminação dos seus conflitos, Britto e Jacques (2008) lançam o
conceito de corpocidade, uma interdependência entre a vivência de cidade e a origem e
renovação dos seus ambientes. Dessa forma, os corpos experimentam as cidades e elas reagem
a essas experimentações também como corpos e vice-versa: as cidades se encarnam. A
experiência de travessia clandestina sobre os trilhos suburbanos está absolutamente ligada aos
corpos que são tanto os que percorrem esses ambientes opacos (SANTOS, 1996) como os que
os originam e os renovam. Em vista disso, a cartografia suburbana mental, não-oficial e
espontânea, sujeita ao trem e seus muros, em conflito com a política-administrativa, oficial e
funcionalista, mencionada em “muros repressores”, é mais precisamente uma cartografia dos
corpos. Britto e Jacques (2008) chamam-na de corpografia. A corpografia dos buracos está em
constante transformação porque são os habitantes dos seus arredores, corpos em movimento
no Rio de Janeiro suburbano, também em constante transformação, os motivos da sua criação.
6“Locução adverbial que representa o modo desorganizado, sem regras, de se fazer alguma coisa. Originando-se nos
campos de futebol, caiu na linguagem geral. Surgiu, provavelmente, por ocasião das primeiras partidas de futebol
disputadas pelo BANGU ATLÉTICO CLUBE, ainda na primeira infância do futebol brasileiro, quando as regras do jogo
ainda não tinham sido assimiladas", segundo o Dicionário da Hinterlândia Carioca (LOPES, 2012, p. 11).
657
Figura 9 – Transformação do buraco da rua Lomas Valentinas, Realengo, Rio de Janeiro, RJ ao longo do tempo.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
658
6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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relações entre corpo e cidade. Cadernos PPG-AU/UFBA, Salvador, v. 7, 2008. Disponível em:
https://periodicos.ufba.br/index.php/ppgau/article/view/2648/1871. Acesso em: 24 jun. 2023.
BURACO que dá acesso a trilhos da SuperVia é reaberto horas após concessionária fazer obra. G1 Rio, 2017. Disponível
em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/buraco-que-da-acesso-a-trilhos-da-supervia-e-reaberto-horas-
apos-concessionaria-fazer-obra.ghtml. Acesso em: 21 set. 2022.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1 e 2. São Paulo: Ed. 34, 2012.
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Corpocidade: debates, ações e articulações. Salvador: EDUFBA, 2010, pp. 106-119.
LINS, Antônio José Pedral Sampaio. Ferrovia e segregação espacial no subúrbio: Quintino Bocaiuva, Rio de Janeiro. In.
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Mattoso, R. A cultura urbana nos subúrbios cariocas: uma análise das relações de sociabilidade suburbanas ao longo
do século XX. In: Encontro Nacional da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano
e Regional, 18., 2019, Natal. Anais TEMPOS em/de TRANSFORMAÇÃO - UTOPIAS. Natal: UFRN, 2019.
RIBEIRO, Rodrigo Cunha Bertamé. Rizomas suburbanos: possíveis ressignificações do topônimo Subúrbio Carioca
através dos afetos. 2016. Dissertação (Mestrado em Urbanismo) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2016. Disponível em:
http://objdig.ufrj.br/21/teses/863074.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
SAMPAIO, Luize. Risco nos trilhos: 409 pessoas foram atropeladas e mortas por trens do Rio nos últimos 10 anos. Casa
Fluminense, 2021. Disponível em: https://casafluminense.org.br/risco-no-trilhos-em-10-anos-409-pessoas-
morreram-atropeladas-por-trens-no-
rio/#:~:text=Nos%20%C3%BAltimos%20dez%20anos%2C%20409,e%2069%2C7%25%20negros. Acesso em: 25 maio
2022.
SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitec, 1996.
659
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( X) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
660
RESUMO
Os estudos de psicologia ambiental estão cada vez mais adentrando o campo da arquitetura, especialmente no
contexto hospitalar. O objetivo deste artigo é apresentar observações feitas em campo com a aplicação do
mapeamento comportamental centrado na pessoa e centrado no ambiente no contexto das salas de espera da
unidade de urgência e emergência adulto de um hospital público de Santa Catarina, para observar as interações com
o ambiente, a ocupação do espaço pelos pacientes e entender o fluxo dos mesmos no ambiente. Para isso utilizaram-
se técnicas da psicologia ambiental com a abordagem multimétodos: o mapeamento comportamental, tanto
centrado na pessoa, quanto no ambiente, o diário de campo e traços de gravação, no intuito de compreender as
relações entre os comportamentos das pessoas e o ambiente onde aguardam atendimento, desta forma contribuindo
com informações para possível intervenção na situação observada. Com o estudo, ficou evidente que os problemas
de ordem física e tecnológica, como barreiras nos fluxos e na sistematização de informações, bem como carência de
profissionais na unidade são grandes interferentes no tempo de atendimento. Tais obstáculos devem ser
solucionados, a fim de oferecer um melhor atendimento à população.
ABSTRACT
Environmental psychology studies are increasingly entering the field of architecture, especially in the hospital context.
This article aims to present observations made in the field with the application of person-centered and environment-
centered behavioral mapping in the context of the waiting rooms of the adult urgent and emergency care unit of a
public hospital in Santa Catarina, to observe interactions with the environment, the occupation of space by patients
and to understand their flow in the environment. To do this, we used techniques from environmental psychology with
a multi-method approach: behavioral mapping, both focused on the person and the environment, the field diary and
recording traces, to understand the relationships between people's behaviors and the environment where they are
waiting for care, thus contributing information for possible intervention in the situation observed. The study made it
clear that physical and technological problems, such as barriers in the flow and systematization of information, as well
as a shortage of professionals in the unit, are major interferences in waiting times. These obstacles need to be resolved
to offer better care to the population.
661
1 INTRODUÇÃO
2 MATERIAIS E MÉTODOS
662
busca compreender quais fatores influenciam uma situação a ser pesquisada. Utilizando a
abordagem multimétodos: a técnica do Mapeamento Comportamental (MC), tanto centrado na
pessoa, quanto no ambiente, reflete o uso e ocupação do espaço (PINHEIRO; ELALI; FERNANDES,
2008); o diário de campo, onde o pesquisador registra o que está observando em tempo real; e
traços de gravação, onde é possível relatar o comportamento das pessoas por meio de marcas
no ambiente (SOMMER; SOMMER, 1980).
A abordagem multimetodológica com uso do método de observação pode ser
sistematizada em um protocolo com questões a serem levantadas, definição dos locais de
observação, intervalos de tempo entre os levantamentos e registro gráfico relacionando as
atividades das pessoas em um determinado ambiente (RHEINGANTZ et al., 2009).
A partir disso, um roteiro de atividades foi criado para determinar questões a serem
levantadas, definir os locais dentro do hospital e o intervalo de tempo entre as observações. Em
uma planta baixa existente foi desenhado o layout para registro dos fluxos dos pacientes e em
outra demarcada os locais de maior e menor ocupação espacial. Dentre as técnicas de
mapeamento comportamental, as metodologias, centradas na pessoa e centradas no ambiente
foram estabelecidas como ponto de partida da pesquisa. É possível aprender, por meio dessas
técnicas, sobre o comportamento de pessoas ou grupo de pessoas em determinado ambiente
(SOMMER; SOMMER, 1980).
Cabe ressaltar que esta pesquisa foi encaminhada e aprovada pelo Comitê de Ética em
Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina (CEPSH-UFSC), pelo
CAAE n.º 39124920.0.0000.0121.
663
2.2 Mapa Comportamental Centrado no Ambiente
3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
664
um papel de referência estadual em casos de acidentes com animais peçonhentos e
intoxicações, mantendo uma parceria com o Centro de Informações Toxicológicas de Santa
Catarina (CIT-SC). Além disto, o atendimento à população é realizado por meio do acolhimento,
que envolve a "avaliação e classificação de risco, seguindo a Política Nacional de Humanização
das Urgências e Emergências, visando agilizar o atendimento das urgências e fortalecer a
integração com a rede básica de saúde" (HOSPITAL UNIVERSITÁRIO, s.d.).
Constatou-se um aumento na quantidade de atendimentos pelos serviços na unidade
de urgência e emergência adulto, variando conforme os períodos do ano e da situação das
outras áreas da Rede de Urgência e Emergência (RUE). Houve o registro de 17.492 atendimentos
em 2020, com aumento para 33.565 em 2021, chegando a 47.720 em 2022, resultando em uma
média de 133 pessoas atendidas por dia (PRADO, 2022).
A equipe de urgência e emergência é composta por médicos, enfermeiros, técnicos em
enfermagem e auxiliares de enfermagem, totalizando 110 profissionais. Além da equipe
assistencial, também integram a unidade profissionais de apoio técnico (manutenção, segurança
e limpeza, por exemplo).
O espaço físico da unidade de urgência e emergência adulto do hospital em estudo é
constituído pela recepção/atendimento, sala de espera 1, sala de espera 2, triagem 1 e triagem
2. Ressalta-se que outros ambientes compõem a unidade, mas o recorte do estudo se deteve
aos mencionados.
Os pacientes e acompanhantes que chegam à unidade seguem um fluxo de
atendimento definido. Primeiramente, dirigem-se ao balcão de recepção/atendimento onde
são registrados digitalmente (Fotografias 1 e 2). No ambiente há duas estações de atendimento,
no entanto, por vezes, apenas uma pessoa realiza a função.
665
para a sala de espera 1 (Fotografias 3, 4 e 5). Nesta sala as cadeiras estão agrupadas a cada três
e distribuídas em quatro espaços diferentes no mesmo ambiente.
666
feminino, um masculino, ambos acessíveis. Observou-se que devido ao layout do espaço, fluxo
e lotação, muitas vezes pessoas ficaram paradas em frente a porta do banheiro feminino,
dificultando seu acesso, principalmente por cadeirantes. Os ambientes apresentavam-se
higienizados e constantemente uma pessoa encarregada pela limpeza passava pelo local.
667
cadeira de rodas ficam aguardando dentro do carro, até que o acompanhante peça auxílio dos
profissionais.
As cadeiras de rodas estão alocadas na sala de espera 2, fora do campo de visão do
acompanhante, sendo nesse momento necessário o auxílio do vigilante para buscar a cadeira
de locação. No período de observação aproximadamente 54 pessoas passaram pelo
atendimento, sendo que duas delas necessitaram de cadeira de rodas. Foi possível notar que o
fluxo de pessoas é intenso e apresenta diversas áreas conflitantes, a exemplo do local de acesso
à unidade, que é o mesmo para a saída.
668
Em momentos diferentes chegaram pessoas em cadeiras de rodas e os
acompanhantes e funcionários as posicionavam nas circulações, dificultando a movimentação
das pessoas.
As pessoas trocaram de lugares conforme eram atendidas segundo a classificação de
risco. Algumas voltaram para a sala de espera 1, enquanto outras se deslocaram diretamente
para a sala de espera 2.
A sala de espera 2 apresentou baixa ocupação por se tratar do ambiente de espera de
pacientes classificados como urgente ou muito urgente após o atendimento na triagem. Na
sexta-feira, na sala de espera 2, apenas 3 pessoas ficaram aguardando atendimento ao longo do
período de observação. Na segunda-feira, o número aumentou para 5 pessoas. Apesar da baixa
ocupação, existem muitas cadeiras disponíveis e os espaços de circulação são maiores.
669
consulta variou de 40 minutos a 1 hora.
3. A porta de entrada principal era o único meio de circulação de ar, estava muito quente no dia
da observação e o ar condicionado não estava em funcionamento.
4. Paciente é visto usando vestimenta hospitalar, com curativo na perna na sala de espera, ao
ser chamado pelo médico o curativo soltou, ficando na circulação, sendo pisoteado por outros
pacientes. Posteriormente o serviço de limpeza o retirou.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
670
5 AGRADECIMENTOS
6 REFERÊNCIAS
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Disponível em: <https://www.gov.br/casacivil/pt-br/assuntos/noticias/2015/junho/71-dos-brasileiros-tem-os-
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2, n. 2, p. 349-362, 1997. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1413-294X1997000200009>. Acesso em: 13 jul.
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necessidades, projeto e avaliação de edificações. São Paulo: Oficina de Textos, 2013.
671
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( x ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
672
RESUMO
Este artigo faz uma análise a respeito de como o avanço e disseminação da internet culminou em novos padrões de
comportamento. Percebe-se que o desenvolvimento de novas tecnologias possibilita o surgimento de produtos com
certo grau de inteligência que podem otimizar as tarefas diárias dos indivíduos. Por conseguinte, o novo conceito de
smart home apresenta a possibilidade do uso mais eficiente de aparelhos domésticos para economia de energia, por
meio de estratégias que colaboram para a eficiência energética sem grandes compromissos financeiros. O objetivo
deste artigo é apresentar alguns dispositivos com foco nas smart home que possam ser adquiridos de forma acessível
financeiramente, ou seja, com baixo custo e que não exijam um sistema de instalação complexo, como demais
automações que elevam o custo final do produto. O trabalho partiu da pesquisa bibliográfica e documental com base
nas seguintes temáticas: internet das coisas, smart home, eficiência energética e sistemas e dispositivos. Além disso,
foi realizada uma busca mercadológica por tecnologias e produtos inteligentes comercializados no Brasil, com baixo
custo e de fácil instalação. O principal resultado desta pesquisa expõe alguns dispositivos que podem auxiliar na
redução do consumo de energia e que se apresentam acessíveis no mercado com valores variáveis de acordo com
marca e modelo. Posto isso, nota-se a viabilidade de adotar novas estratégias nas residências brasileiras, a partir dos
dispositivos mencionados para corroborar com políticas governamentais que incentivem a eficiência energética, com
o intuito de fortalecer um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, produção e consumo responsáveis.
ABSTRACT
This article makes an analysis about how the internet advancement and dissemination culminated in new behavior
patterns. It is noticed that the development of new technologies enables the emergence of products with a certain
degree of intelligence that may optimize the users’ daily tasks. Therefore, the new concept of smart home presents
the possibility of a more efficient use of household appliances for energy saving, through strategies that collaborate
for energy efficiency without large financial commitments. The purpose of this article is to present some devices
focused in smart homes that can be purchased in an financially accessible way, in other words, with a low cost and do
not require a complex installation system installation, like other automations that raise the final cost of the product.
The work started from the bibliographical research and documents based on the following themes: internet of things,
smart home, energy efficiency and systems and devices. Furthermore, market research was carried out searching for
smart technologies and products commercialized in Brazil, with low cost and easy installation. The main result of this
research exposes some devices that can help reduce energy consumption and are accessible in the market with
variable values according to brand and model. Having said that, the feasibility of adopting new strategies in Brazilian
homes is noted, based on the devices mentioned to corroborate government policies that encourage energy efficiency,
with the aim of strengthening one of the ONU’s sustainable development goals, responsible production and
consumption.
KEYWORDS: Internet of things. Smart home. Residential energy efficiency.
673
1 INTRODUÇÃO
O Brasil tem potencial para economizar cerca de 10% da energia consumida, onde o
maior potencial de economia (eficiência energética) se encontra nas residências, cerca de 15%,
segundo a Associação Brasileira das Empresas de Serviços de Conservação de Energia - ABESCO
(2015). De acordo com o relatório síntese da Empresa de Pesquisa Energética - EPE (2022), a
eletricidade é a principal fonte de energia do setor residencial, representando cerca de 46,2%
em relação às demais fontes, e está diretamente ligada ao uso de iluminação, refrigeração dos
ambientes e ao uso de eletrodomésticos.
Atualmente, é possível se utilizar de diversos meios para contribuir com a redução do
consumo de energia elétrica nas residências. A automação residencial é um recurso capaz de
contribuir, dentre outras coisas, no conforto do usuário e na eficiência energética das
edificações. Os sistemas de automação têm atraído cada vez mais usuários que buscam conforto
e praticidade, gerando uma grande demanda por tecnologias inovadoras e de baixo custo
(SANTOS, 2014). Também segundo Santos (2014), há uma vasta variedade de sistemas no
mercado que, por visar projetos de alto padrão, apresentam custo elevado. Porém, já é possível
encontrar sistemas de automação menos complexos com alto grau de eficácia. A possibilidade
de implementar uma automação residencial de baixo custo que possa trazer mais conforto e
praticidade aos usuários, juntamente com a redução do consumo de energia elétrica, já é uma
realidade em virtude do avanço do desenvolvimento tecnológico.
A internet pode ser considerada um marco civilizatório, pois sua criação e
disseminação mudou o modo como as pessoas pensam e agem, encurtou a barreira de espaço-
tempo e possibilitou entre outras coisas, diversos avanços tecnológicos. Pode-se considerar que
o contínuo avanço do seu desenvolvimento culminou na expressão “internet das coisas” (IoT,
do inglês Internet of Things). De acordo com Azevedo (2016), a internet das coisas tem o objetivo
de conectar os dispositivos a pessoas e a outros dispositivos, além de reforçar a integração entre
o mundo físico e virtual. Para Gomes e Bergamo (2018), com novos atributos e funções dos
objetos, estes são cada vez mais capazes de desenvolver tarefas simples do dia a dia ou até
mesmo mais complexas como monitorar o tráfego de veículos em uma cidade.
A praticidade e conveniência dos dispositivos conectados à internet, juntamente com
a constante escassez de tempo livre, tem levado cada vez mais usuários residenciais a utilizarem
dispositivos que possam facilitar e otimizar suas tarefas domésticas. E, como já citado
anteriormente, uma das formas de se aplicar a usabilidade desses dispositivos nas residências é
através da automação.
2 OBJETIVO
O objetivo deste artigo é apresentar dispositivos com foco nas smart home que possam
ser adquiridos de forma acessível financeiramente, ou seja, com baixo custo e que não exijam
um sistema de instalação complexo, como demais automações que elevam o custo final do
produto. Além disso, cabe destacar que esses dispositivos, bem como a IoT, podem auxiliar na
eficiência energética da residência, diminuindo o consumo de energia elétrica.
3 METODOLOGIA
674
Uma vez delineado o objetivo da pesquisa – apresentar dispositivos com foco nas
smart home que possam ser adquiridos de forma acessível financeiramente, ou seja, com baixo
custo e que não exijam um sistema de instalação complexo, como demais automações que
elevam o custo final do produto – o método empregado na condução da pesquisa foi a pesquisa
bibliográfica, documental e mercadológica.
Para isso, foram delineadas as seguintes etapas metodológicas: (a) identificação das
fontes, tendo como universo deste trabalho todos os materiais referentes aos temas: internet
das coisas, smart home, eficiência energética, sistemas e dispositivos; (b) localização das fontes
nas bibliotecas virtuais como Portal Periódicos CAPES e informações técnicas fornecidas pelo
site dos fabricantes dos dispositivos mencionados. Como amostra da pesquisa serão utilizados
os materiais produzidos nos últimos 10 anos, a destacar o uso de materiais produzidos por
autores relevantes sobre o tema casa inteligente da década de 90; (c) tomada de apontamentos,
a fim de destacar os pontos importantes e fazer anotações; (d) construção lógica do trabalho, e
por último (e) busca mercadológica por tecnologias e produtos inteligentes comercializados no
Brasil, com baixo custo e de fácil instalação.
4 REFERENCIAL TEÓRICO
Ainda que a automação residencial venha sendo discutida desde os anos 80, apenas
recentemente o conceito de casa inteligente vem chamando atenção devido a IoT (HORRIGAN,
1987). Com o avanço da tecnologia, parte das casas possuem hoje algum grau de ‘’inteligência’’.
A presença de sensores e controladores eletrônicos embutidos nos eletrodomésticos se
enquadra na categoria de sistemas de automação, porém, não caracteriza o que se entende
como casa inteligente (do inglês Smart Home) (ALBASTROIU et al., 2021).
Na literatura atual, quando se refere a tecnologia inovadora com certo grau de
inteligência artificial, utiliza-se o termo ‘’inteligente’’. Assim, uma tecnologia inteligente tem
como principal característica adquirir informações do ambiente e capacidade de resposta (CHAN
et al., 2008; BALTA-OZKAN et al., 2014). Como define Aldrich (2003, p.17) casa inteligente é
‘’uma residência equipada com tecnologia da informação e informatizada, que antecipa e
responde às necessidades dos ocupantes, trabalhando para promover seu conforto,
conveniência, segurança e entretenimento por meio do gerenciamento de tecnologia dentro da
casa e conexões com mundo além’’ (tradução nossa). Lutolf (1992, p.00) tem uma abordagem
semelhante, descrevendo casa inteligente como ‘’a integração de diferentes serviços dentro de
uma casa, empregando um sistema de comunicação comum. Garante uma operação econômica,
segura e confortável da casa e inclui um alto grau de funcionalidade inteligente e flexibilidade’’
(tradução nossa).
As definições acima apresentadas pelos autores para o conceito de smart home,
concentram o discurso na componente tecnológica, na função e na satisfação das necessidades
dos usuários. Assim, no conceito smart home IoT os dispositivos estão interligados entre si e
com o consumidor por meio de um controle centralizado (ALBASTROIU et al., 2021), que permite
criar um ambiente que atenda às necessidades e expectativas do estilo de vida deste usuário.
Desta forma, por meio remoto há uma facilitação no gerenciamento das tarefas de uma casa
que poupam tempo e esforço do ocupante.
675
Easthope (2004) e Steward (2000), apontam que a smart home desafia ou expande o
significado de lar, levando a refletir sobre qual o papel de uma casa e para o que ela serve. No
que compreende as tecnologias domésticas inteligentes comercialmente disponíveis no
mercado, podemos destacar os ‘’[...] eletrodomésticos, iluminação, energia e utilidades,
entretenimento, saúde e bem-estar, segurança e proteção, monitores para bebês e animais de
estimação, roupas e acessórios, veículos e drones, robôs domésticos, jardinagem integrados’’,
entre outros (SOVACOOL, DEL RIO, 2023, p. 9).
Visto a variedade de opções de tecnologia doméstica inteligente, estas não
apresentam o mesmo nível de inteligência, como sugere Sovacool e Del Rio (2023) em sua
pesquisa. Segundo o material levantado por estes autores, foi possível identificar cinco níveis de
smart home caracterizados pelo nível de inteligência dos equipamentos (figura 01).
Para esta discussão, partimos do entendimento de uma casa tradicional, que não
possui tecnologias domésticas inteligentes, caracterizando uma casa ‘’burra’’ ou ‘’básica”,
segundo os autores Sovacool e Del Rio (2023). No primeiro nível temos uma casa com algumas
tecnologias não integradas que apresentam dispositivos como monitor de bebê ou sistema solar
fotovoltaico, de forma que os usuários optam por uma forma analógica de resposta e estes
permanecem isolados. No segundo nível, as tecnologias tornam-se agrupadas e programáveis,
fornecendo serviços domésticos como sistemas de aquecimento ou entretenimento por meio
dos dispositivos celulares, notebooks, smart TV, e outros.
No terceiro nível, a residência apresenta maior grau de automação e os sistemas
começam a se conectar, apresentando diversas configurações e antecipando necessidades dos
usuários. Neste nível de inteligência, é possível por exemplo programar o sistema de iluminação
por meio da definição de horários e intensidade das luzes, fazendo com que a casa opere
segundo as necessidades propostas pelo usuário. Diferentemente do nível anterior, no quarto
nível o próprio sistema por si só é capaz de se adaptar ao prestar o serviço, papel desempenhado
pelos sensores e monitores (SOVACOOL, DEL RIO, 2023). Estes podem ser bons aliados na gestão
676
dos sistemas e na resposta para situações de pane, como tempestades ou apagões, ou
configurar e identificar situações mais simples como dia e noite na regulação do sistema de
iluminação.
O último nível estudado pelos autores Sovacool e Del Rio (2023), é identificado como
o mais alto ou avançado, no qual as funções de monitoramento, feedback e aprendizado
configuram sistemas integrados que podem antecipar as necessidades domésticas. Desse modo,
teríamos casas ‘’artificialmente inteligente[s]’’ ou ‘’totalmente inteligente[s]’’ que poderiam
conversar com os ocupantes ou até mesmo entre si (SOVACOOL DEL RIO, 2023).
Segundo entrevistas realizadas por Sovacool e Del Rio (2023), alguns dos entrevistados
apontaram a possibilidade de um sexto nível que extrapola a configuração de uma smart home,
incorporando bairros, comunidades e cidades. Este novo panorama, estende o entendimento
para uma sociedade inteligente, no qual as casas apresentam um nível cinco de inteligência e
estas estão interconectadas.
Embora o conceito smart home pareça se concentrar na promoção de segurança e
comodidade no dia a dia dos usuários através de tecnologias domésticas inteligentes, este
conceito também se coloca como ponto central nas discussões sobre eficiência energética,
mudança climática e inovação.
1
Veja na íntegra o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 12 Consumo e produção responsáveis (ONU, 2023).
Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs/12.
677
possível se alcançar a eficiência energética por meio dos seguintes serviços: (1) monitoramento
dos dados sobre o gasto de energia, (2) controle remoto e/ ou direto dos padrões de consumo
(3) gerenciamento do serviço, visando eficiência e otimização, e (4) suporte (ZHOU et al., 2014;
EL-HAWARY, 2014).
Além dos serviços, fala-se sobre as medidas que influenciam a demanda de
eletricidade no ambiente doméstico, estas incluem tarifas variáveis de eletricidade, medidores
inteligentes, aparelhos inteligentes e automação residencial. Por meio da tarifa variável de
eletricidade, o consumo de energia passa a ser influenciado pela evolução dos níveis de preço
ao longo do dia, ou seja, a variação do custo por dia condicionada a oferta de energia (PAETZ,
DUTSCHKE, FICHTNER, 2011). Sendo assim, tal medida tem potencial para mudar o padrão de
consumo do usuário, cooperando para a diminuição do gasto de energia, em horários de pico.
Consequentemente, diminuindo a utilização de recursos não renováveis para produção de
energia, como centrais nucleares ou de carvão que são acionadas nos horários de alta demanda.
Para auxiliar na gestão das mudanças de padrão de consumo, os medidores
inteligentes são os responsáveis pelo registro do gasto de energia digitalmente, fornecendo
informações mais detalhadas sobre o consumo em tempo real para o consumidor e a
concessionária (PAETZ, DUTSCHKE, FICHTNER, 2011). De modo a ilustrar essa mudança, desde o
primeiro semestre de 2022, a Cemig vem substituindo os medidores residenciais para os que
contam com inteligência. A substituição é realizada de forma rápida e gratuita por eletricistas
credenciados à concessionária (CEMIG, 2022).
Em relação aos aparelhos inteligentes, no Brasil, desde 1984 já são adotadas
iniciativas para incentivar a eficiência energética dos equipamentos domésticos, por meio do
Programa Brasileiro de Etiquetagem (PBE), coordenado pelo INMETRO. Este programa elabora
etiquetas comparativas apresentando o desempenho energético dos equipamentos, de forma a
valorizar os dispositivos com maior eficiência energética no mercado. Além disso, o programa
busca a criação e implementação de normas de desempenho. Assim, a utilização inteligente de
energia elétrica por demanda desempenha papel fundamental para o alcance da
sustentabilidade e conservação de energia nos ambientes domésticos, de forma a afetar
também o padrão de consumo dos consumidores.
Por fim, com o surgimento das tecnologias domésticas inteligentes é possível adotar
estratégias que colaboram para a eficiência sem grandes compromissos financeiros, ou seja, é
possível fazer o uso mais eficiente dos equipamentos existentes em casa economizando energia
(RINGEL, LAIDI, DJENOURI, 2019).
4.3 Dispositivos
Uma boa automação oferece conforto e eficiência para a residência e seus usuários.
Para que sejam instalados dispositivos que transformem a casa em uma casa inteligente, é
necessário um integrador. De acordo com Fernandes (2011), o integrador é uma plataforma de
infraestrutura responsável por promover um sistema de telecomunicação único entre os
sistemas de rede. Ainda segundo Fernandes (2011), os sistemas contidos em uma residência
podem ser: telefonia, informática, rede elétrica, segurança, iluminação, entretenimento e
climatização.
678
Abaixo apresenta-se uma listagem das principais tecnologias de integradores
comercializadas no Brasil, segundo Fernandes (2011), com baixo custo de instalação, sem
necessidade de obras de grande porte na residência para cabeamento específico.
4.3.1 Insteon
4.3.2 Zigbee
O Zigbee é um protocolo aberto caracterizado por um conjunto de especificações para
a comunicação sem fio entre dispositivos eletrônicos (GINJO, 2017). Esta tecnologia utiliza pilhas
comuns e consequentemente apresenta baixo consumo de energia, tem sistema de controle
descentralizado e transporte de dados via wireless (FERNANDES, 2011). Como aponta José Luís
Ginjo (2017):
Esta tecnologia foi pensada para interligar unidades de recolha e controlo de
dados recorrendo a sinais RF não licenciados, diferenciando-se pelo menor
consumo em relação ao alcance reduzido e a comunicação entre duas
unidades pode ser repetida sucessivamente pelas unidades existentes na
rede (mesh) (GINJO, p. 23-24, 2017).
Esse tipo de rede é composto por três tipos de dispositivos: o coordenador (ZC), o router (ZT) e
o dispositivo (ZED), este último se caracteriza como o dispositivo mais completo, sendo capaz
de armazenar todas as informações da rede (GINJO, 2017).
4.3.3 Z-Wave (Segatto)
De acordo com Fernandes (2011), essa é uma rede completamente sem fio que pode
ser considerada uma das tecnologias com maior destaque na atualidade e que, além disso,
possibilita agregar novos dispositivos facilmente e ainda auxilia na economia de energia elétrica.
Dentre os diversos modelos de dispositivos encontrados no mercado atualmente, com
inúmeras funções e conectados diretamente aos smartphones e tablets dos usuários, o presente
artigo apresenta algumas opções que podem auxiliar na redução do consumo de energia e que
são facilmente encontrados no mercado com valores variáveis, tornando o objeto acessível de
acordo com marca e modelo.
679
4.3.4 Lâmpadas e fitas de LED inteligentes
As lâmpadas e fitas de LED inteligentes são capazes de tornar a casa mais inteligente
por meio do controle de intensidade da luz, por exemplo. Segundo a descrição do modelo da
Lâmpada Led Intelbras Ews 410 Smart Wi-Fi, da Intelbras, e da smart fita LED Wi-Fi RGB da
fabricante Positivo, o usuário é capaz de definir através de aplicativos para smartphones e
tablets ou até mesmo por comandos de voz, qual porcentagem de brilho ele deseja em
determinadas ocasiões, hora do dia ou noite. Quanto menor o brilho e a intensidade da luz,
menor o consumo de energia. Além disso, as lâmpadas e fitas de LED inteligentes, por estarem
conectadas aos aplicativos de celulares, permitem que as mesmas sejam apagadas
remotamente, de onde o usuário estiver. Dessa forma, é possível reduzir o desperdício de
energia em ocasiões em que o morador não está em casa e porventura esquece as lâmpadas
acesas. Convém também abordar a questão do conforto lumínico proporcionado pela
possibilidade de alteração de temperatura de cor. Assim, o usuário pode adaptá-la de acordo
com a tarefa que irá exercer sem precisar de uma outra lâmpada ou luminária específica.
680
tem o objetivo principal de possibilitar ao usuário ter o controle do consumo de energia que
determinado aparelho está gerando através de relatórios enviados via aplicativo e conectar ou
parar o funcionamento do aparelho quando desejar e sem a necessidade da remoção do mesmo
da tomada. Uma outra vantagem das tomadas smart plugs é que podem ser configuradas para
interromper a conexão com a rede elétrica em caso de chuva, o que pode evitar que os aparelhos
sejam danificados em casos provenientes de anomalias elétricas na rede de distribuição.
5 ANÁLISES E RESULTADOS
Como ponto de partida para análise dos resultados acerca dos dispositivos inteligentes
considerados nesta produção, faz-se necessário destacar que buscou-se desenvolver o estudo e
realizar as escolhas dos mesmos, a partir da definição da palavra “acessível”. Segundo o
dicionário Michaelis (2023), define-se acessível como o ‘’que se pode obter ou possuir; de preço
módico; barato, razoável, reduzido: mercadoria acessível’’.
Durante a realização da busca pelos produtos, foi possível constatar que existe
681
atualmente uma vasta gama de opções no mercado que podem facilitar a escolha dos usuários.
Os dispositivos apresentados no presente estudo foram considerados acessíveis,
primeiramente, pela facilidade de acesso a diversos sites de compra online que apresentavam,
em alguns casos, diversas marcas e modelos disponíveis e variação de valores. Foi realizada uma
pesquisa de preços em 7 lojas online distintas, sendo elas: Amazon, Kalunga, KaBum, Havan,
Americanas, Shoptime e Intelbras. Uma comparação média de valores nessas lojas
apresentaram os seguintes resultados para os subsequentes produtos:
● Lâmpada Led Ews 410 Smart Wi-Fi, fabricante Intelbras: R$ 81,01
● Smart fita Led Wi-Fi RGB, produto com 2m, fabricante Positivo: R$105,99
● Interruptor touch EWS, fabricante Intelbras: R$140,38
● Interruptor Conector Inteligente Wi-Fi EWS 301, fabricante Intelbras:
R$105,57
● Sensor de presença para iluminação ESP 180, fabricante Intelbras: R$76,52
● Sensor De Temperatura E Umidade Smart Ist 1001, fabricante Intelbras:
R$211,81
● Central De Automação Smart Hub - Ica 1001, fabricante Intelbras: R$304,14
É importante ressaltar que o custo final da automação da residência irá variar de
acordo com o número total de cômodos que serão automatizados e, também, com a quantidade
e modelos de dispositivos escolhidos pelo usuário.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A constante busca dos usuários residenciais para reduzir o valor final do consumo de
energia em suas casas, juntamente com políticas governamentais que incentivam empresas e
fabricantes a produzirem equipamentos mais eficientes energeticamente, são triviais para
promover uma maior eficiência energética nas residências. Finalmente, cabe ressaltar que o
resultado desses dois fatores culmina ainda no fortalecimento da sustentabilidade e corrobora
com um dos objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU, produção e consumo
responsáveis.
Mediante o exposto acima, é indiscutível que a constante evolução tecnológica
promovida pelo avanço da internet e as novas tecnologias inteligentes domésticas afetam as
pessoas e suas atividades. Assim, o conceito de smart home tende a se fortalecer cada vez mais
com o surgimento de novos dispositivos e novas funções desenvolvidas para facilitar e trazer
mais conforto à vida dos usuários domésticos.
Através da metodologia proposta, pesquisa mercadológica, foi possível catalogar
dispositivos que possam ser adquiridos de forma acessível financeiramente, ou seja, com baixo
custo e que não exijam um sistema de instalação complexo, alcançando o objetivo delineado no
presente artigo. A metodologia se mostrou adequada por catalogar os dispositivos disponíveis
no mercado atualmente, permitindo que o método seja replicado novamente de acordo com o
avanço tecnológico. Sugere-se que futuras pesquisas possam analisar o desempenho desses
dispositivos em relação à eficiência energética e a capacidade de auxiliar na redução do
consumo energético das residências.
Além disso, cabe destacar que esses dispositivos, bem como a IoT, podem auxiliar na
eficiência energética da residência, diminuindo o consumo de energia elétrica. Neste artigo
pretende-se que o usuário seja capaz de ter autonomia para adequar o sistema residencial de
682
acordo com suas necessidades e realidade financeira, de forma que isto possa ter um impacto
positivo no seu consumo de energia e consequentemente orçamento mensal.
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684
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
685
RESUMO
Este artigo sugere o uso de alguma metodologia ágil para auxiliar normatização das avaliações de patrimônios
históricos e culturais de uma cidade, buscando promover as suas manutenções, preservações e utilização sustentável
como alavanca para o desenvolvimento econômico local. A preservação de locais de relevância histórica e cultural
não apenas mantém viva a memória coletiva, como também pode contribuir significativamente para o crescimento
econômico de uma cidade, atraindo turistas, gerando empregos e fomentando atividades culturais e criativas.
ABSTRACT
This article suggests the use of some agile methodology to help normalize the evaluation of historical and cultural
heritage of a city, seeking to promote its maintenance, preservation and sustainable use as a lever for local economic
development. The preservation of places of historical and cultural relevance not only keeps the collective memory
alive, but can also contribute significantly to the economic growth of a city, attracting tourists, generating jobs and
fostering cultural and creative activities.
686
1 INTRODUÇÃO
A preservação do patrimônio histórico e cultural de uma cidade desempenha um papel
fundamental na manutenção de sua identidade coletiva, proporcionando uma conexão
significativa com o passado, e moldando o futuro. Além disso, é uma fonte rica de oportunidades
para impulsionar a economia local por meio direto, de maneira mais óbvia no turismo, gerando
empregos e fomentando atividades culturais e criativas. E ainda dos meios indireto relacionados
as empresas e profissionais especializados para se empenharem na manutenção e preservação
desses locais. Neste contexto, o presente artigo sugere que o uso de uma metodologia que
agilize e parametrize essas avaliações de patrimônios e locais de relevância histórica e cultural,
provavelmente irá auxiliar e dar celeridade aos processos de manutenção, preservação e
utilização sustentável, todos esses que agirão como catalisadores para o desenvolvimento
econômico de uma cidade.
Desde tempos imemoriais, as cidades têm sido centros vibrantes de cultura e história,
testemunhando o progresso e as transformações humanas ao longo dos séculos. O patrimônio
histórico e cultural simbolizados pelos monumentos, edifícios, sítios arqueológicos e tradições
culturais refletem as raízes de uma comunidade e transmite uma narrativa única que merece
ser protegida e compartilhada com as gerações futuras. Além de sua importância intrínseca para
a identidade local, esses tesouros patrimoniais podem ir além de meras obras de arte a céu
aberto, e desempenhar um papel crucial no impulso à economia das cidades.
A preservação cuidadosa de locais de relevância histórica e cultural com certeza vai
ajudar a atrair visitantes interessados em vivenciar a riqueza de tradições e histórias presentes
nesses espaços. O turismo cultural pode se tornar, assim, uma força motriz na economia local,
estimulando o setor hoteleiro, restaurantes, transporte e comércio, gerando empregos e
oportunidades para os habitantes locais. Além disso, a preservação responsável do patrimônio
histórico frequentemente abre portas para o florescimento de atividades culturais e criativas,
proporcionando um ambiente propício para artistas, artesãos e empreendedores culturais
desenvolverem seus talentos e negócios. Esta preservação precisa deixar de ser vista como gasto
e sim como investimento para qualquer governo, seja este federal, estadual ou municipal.
Para além da obviedade, projetos de preservação patrimonial em uma cidade irá
agitar, sobremaneira, o setor da construção civil, neste setor profissionais com experiência e
com mais especificidades serão necessários, já que tratamos de obras que precisam ser
preservadas como obras de arte. Assim podemos extrapolar essa “agitação” para o setor de
educação técnica já que nem sempre esses profissionais estariam disponíveis em número
suficiente para quando a demanda estiver presente. Escolas técnicas, faculdades, universidades
e até cursos específicos serão necessários. Materiais para a execução das obras, materiais
especiais, aí podemos ainda pensar em pesquisas e inovação para substituir partes dessas obras
que não mais existem no mercado comum. Ou seja, um projeto de preservação de patrimônio
em qualquer cidade pode afetar positivamente a economia, número de empregos, etc.
Entretanto, a preservação do patrimônio histórico e cultural enfrenta desafios
complexos. Muitas cidades lutam para equilibrar o progresso urbano com a conservação de sua
herança cultural, resultando em conflitos entre o desenvolvimento econômico e a necessidade
de preservar o passado. Além disso, a falta de recursos financeiros e expertise técnica pode
dificultar a manutenção adequada desses locais históricos, levando ao risco de deterioração e
687
perda irreparável.
É nesse contexto que esta pesquisa propõe o uso de metodologia que visa dar
agilidade e parametrização da avaliação do patrimônio histórico e cultural de uma cidade. A
metodologia visa identificar além do valor histórico e cultural de cada local, avaliar sua
integridade física e condições de preservação e, crucialmente, explorar oportunidades para sua
utilização sustentável em benefício da economia local. Através de uma análise criteriosa, espera-
se que esta abordagem permita que gestores públicos, comunidades locais e outros
interessados desenvolvam estratégias eficazes para a manutenção, restauração e
aproveitamento responsável do patrimônio, todas essas ações certamente ativarão outros
setores, trazendo mais recursos para a comunidade.
Ao promover a preservação do patrimônio histórico e cultural, tais ações agirão como
uma espécie de ferramenta para o desenvolvimento econômico, o presente trabalho deseja
ajudar no despertar desse assunto para o enriquecimento da vida urbana, a valorização da
identidade local e a criação de uma herança cultural sustentável para as futuras gerações. Por
meio de uma abordagem equilibrada entre a tradição e a inovação, acredita-se que as cidades
podem encontrar uma maneira próspera e harmoniosa de se projetarem para o futuro sem
perder suas raízes históricas e culturais, e ainda canalizar recursos externos para isso.
Diminuindo a dependência do Estado e aumentando o senso de coletividade.
2 OBJETIVOS
Os objetivos desse trabalho é denotar a relevância, desafios e sugerir os caminhos para
que projetos de preservação e manutenção do patrimônio histórico e cultural tenham sucesso
não somente, de maneira pontual, na continuidade estrutural da obra ou de um monumento
em qualquer cidade, mas também estes funcionarem como mola de impulsão das economias,
para serem sustentáveis para si e para a sociedade onde estão inseridos.
2.1 RELEVÂNCIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL PARA O DESENVOLVIMENTO
ECONÔMICO LOCAL
A relevância do patrimônio histórico e cultural em uma cidade é tema indiscutível em
qualquer sociedade moderna, mas infelizmente somo um país pautado por desigualdades, assim
outros tipos de ação precisam ajudar a “adoçar” o objetivo para que tais projetos sejam vistos
como uma valiosa ferramenta para o desenvolvimento econômico local.
A preservação e promoção de locais de importância histórica e cultural têm um
impacto significativo em diversos setores econômicos. Nesta discussão, exploraremos os
principais aspectos que demonstram a importância dessa relação simbiótica, bem como
exemplos de cidades que alavancaram seus recursos patrimoniais para promover o crescimento
econômico.
TURISMO E ATRAÇÃO DE VISITANTES
Um patrimônio histórico e cultural é um ímã natural para o turismo. Cidades que
preservam e destacam suas ricas heranças históricas e culturais atraem viajantes interessados
em vivenciar essas experiências autênticas. Visitantes em busca de conexão com a história,
arquitetura única, tradições culturais, arte e costumes encontram nessas cidades um ambiente
688
cativante. O turismo cultural não só gera receitas diretamente relacionadas aos visitantes, mas
também estimula negócios locais, como hotéis, restaurantes, lojas de souvenirs e guias
turísticos.
Exemplo: Florença, Itália, é um destino turístico icônico conhecido por seu patrimônio
renascentista, incluindo obras de arte de Michelangelo e Leonardo da Vinci, além de sua bela
arquitetura histórica. O turismo cultural é uma das principais fontes de renda para a cidade e
sua região circundante, contribuindo significativamente para a economia local.
PRESERVAÇÃO DO EMPREGO E DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES
A manutenção e gestão de locais históricos requerem a participação de uma força de
trabalho diversificada. A preservação e restauração de edifícios, monumentos e sítios
arqueológicos geram empregos para arqueólogos, historiadores, engenheiros, arquitetos,
artesãos, profissionais de turismo e outros profissionais. Além disso, a transmissão de
conhecimento sobre a história local e as tradições culturais mantém vivas habilidades
tradicionais e promove a continuidade cultural.
Exemplo: A cidade de Charleston, nos Estados Unidos, é conhecida por sua rica herança
histórica e arquitetura preservada. A indústria de conservação do patrimônio histórico emprega
localmente especialistas em restauração de edifícios antigos e promove o desenvolvimento
contínuo para além das habilidades tradicionais.
REVITALIZAÇÃO URBANA E VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA
O investimento na preservação e restauração de áreas históricas muitas vezes
desencadeia uma onda de revitalização urbana. A restauração de edifícios abandonados ou
deteriorados pode transformar bairros decadentes em espaços vibrantes, atraindo novos
negócios, moradores e investidores. Consequentemente, o valor dos imóveis nas áreas
preservadas tende a aumentar.
Exemplo: O bairro de Le Marais, em Paris, França, passou por um processo de
restauração e revitalização que transformou a área em um dos bairros mais procurados da
cidade. Hoje, é uma região movimentada, repleta de lojas, restaurantes e galerias, atraindo
moradores locais e turistas.
EXEMPLO NO BRASIL
No Brasil, temos vários exemplos de cidades que possuem grande potencial ligado ao
patrimônio histórico. Como um dos seus maiores exemplos, temos a cidade de Brasília que
possui um emblemático impacto do patrimônio histórico e cultural no desenvolvimento
econômico local.
Como capital, fundada em 1960, Brasília foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer
e urbanista Lúcio Costa, com o intuito de ser uma cidade modernista e planejada, que
representasse a essência e a unidade do país. O projeto urbanístico e a arquitetura única de
Brasília foram reconhecidos como Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO em 1987.
A preservação do projeto original e da arquitetura modernista, incluindo edifícios
governamentais icônicos como o Palácio do Planalto e o Congresso Nacional, tornou-se um
importante atrativo turístico para a cidade. Milhares de visitantes, tanto nacionais quanto
estrangeiros, vêm a Brasília para admirar e conhecer de perto sua rica arquitetura modernista e
689
a história política do Brasil.
O turismo cultural em Brasília já tem contribuído significativamente para a economia
local, gerando receitas para hotéis, restaurantes, lojas de souvenirs e serviços turísticos.
Mas mesmo através de uma observação menos profissional é percebido que alguns
prédios e monumentos passam por sérios problemas de conservação. É preciso que o governo
acorde para essa questão e tenha consciência de que tais ações de preservação não são gastos
e sim investimento.
Se o governo local investir ainda mais na direção da preservação e conservação destas
obras (não somente as tombadas), poderá aumentar a criação de novos empregos diretos e
indiretos para profissionais envolvidos na manutenção e promoção do patrimônio histórico e
cultural, além do claro acréscimo da arrecadação de impostos.
2.2 DESAFIOS NA PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL
A preservação do patrimônio histórico e cultural no Brasil enfrenta diversos desafios,
que vão desde questões estruturais e de financiamento até a conscientização e o envolvimento
da sociedade. Abaixo estão alguns dos principais desafios enfrentados:
2.2.1. Escassez de recursos financeiros
A falta de financiamento adequado é um dos principais desafios para a preservação do
patrimônio histórico no Brasil. A maioria dos órgãos responsáveis pela preservação patrimonial
opera com orçamentos limitados, o que dificulta a manutenção e a restauração adequada de
monumentos e edifícios históricos. Executando apenas o essencial, e não tecendo um plano
realmente efetivo de preservação da obra. A degradação é apenas adiada.
2.2.2. Falta de planejamento urbano integrado
Muitas cidades brasileiras enfrentam problemas de planejamento urbano que podem
impactar negativamente a preservação do patrimônio cultural e histórico. O crescimento urbano
desordenado, a especulação imobiliária e a falta de integração entre políticas de
desenvolvimento e preservação podem levar ao descaso e à degradação do patrimônio.
2.2.3. Ausência de conscientização e educação patrimonial
A conscientização sobre a importância do patrimônio histórico e cultural ainda é baixa
em muitas regiões do Brasil. A falta de educação patrimonial contribui para a degradação e
destruição de locais históricos, muitas vezes por falta de compreensão de seu valor histórico,
cultural e social.
2.2.4. cAmeaças naturais e desastres
O Brasil é um país propenso a desastres naturais, como enchentes, deslizamentos de
terra e incêndios, que podem causar danos significativos ao patrimônio histórico e cultural.
Temos exemplos recentes como a cidade de Petrópolis, o incêndio do Museu Nacional no Rio
de Janeiro, simples exemplos onde uma manutenção recorrente poderia ter evitado tais
tragédias. A falta de medidas preventivas e planos de emergência pode tornar esses locais ainda
mais vulneráveis.
690
2.2.5. Falta de incentivos e regulamentações adequadas
A ausência de incentivos fiscais e benefícios para proprietários de imóveis históricos
pode desestimular a conservação e a restauração desses locais. Além disso, a falta de
regulamentações específicas de proteção pode abrir caminho para a descaracterização e
destruição de edifícios e monumentos históricos.
2.2.6. Tráfico e saque de bens culturais
O tráfico ilegal de bens culturais é uma ameaça crescente para o patrimônio histórico
e cultural do Brasil. Artefatos e obras de arte roubados ou contrabandeados são retirados de
seu contexto original, perdendo informações valiosas sobre a história e a cultura do país.
2.2.7. Manutenção e conservação inadequadas
A falta de manutenção e conservação adequadas pode levar à deterioração e
degradação do patrimônio histórico e cultural, onde no máximo, adia sua perda ao longo do
tempo.
3. METODOLOGIAS SUGERIDAS
Esse trabalho foca em chamar a atenção para a importância da manutenção e
preservação do patrimônio histórico e cultural para um país, e que como tais projetos podem se
tornar uma espécie alavanca para impulsionar a economia. E que para isso alguma metodologia
seja utilizada para dar um padrão aos dados e facilitar sua análise. E tão importante quanto essas
informações é mostrar que tais ações de proteção do patrimônio pode assegurar nosso passado,
nosso presente, e principalmente nosso futuro.
Infelizmente a defesa do patrimônio no Brasil não é algo que está enraizado em nossa
cultura, a verdade é bem longe disso.
Assim se a sensibilidade da sociedade não dá, ainda, importância ao tema, o suficiente
para que essas obras sejam preservadas, aqui tentamos mostrar outra abordagem, a que se
projetos de preservação forem ativados, tais atos podem trazer imensos benefícios financeiros
para as cidades e suas populações. Mostrando de maneira inequívoca que projetos relativos à
preservação patrimonial não deveriam ser considerados uma despesa e sim um investimento
valioso da sociedade.
691
* https://repositorio.unb.br/handle/10482/35622
O objetivo da dissertação é apresentar diretrizes para a conservação predial, a partir
do cálculo da depreciação desses imóveis. Através de um modelo matemático multiparâmetro
que será utilizado para calcular a depreciação global de um imóvel, levando em consideração
variáveis qualitativas, como o estado de conservação dos vários sistemas construtivos.
Mostrando que ações de manutenção são fundamentais para o ciclo de vida de um
imóvel, mas são frequentemente atrasadas devido ao grande número de variáveis envolvidas.
Assim o método de Ross Heidecke modificado será usado para analisar a dispersão no cálculo
da depreciação de um grupo de edificações, levando em consideração variáveis qualitativas.
Os resultados obtidos indicam que o método de Ross Heidecke modificado se mostrou
confiável e pode ser usado para apoiar a gestão de investimentos e conservação em qualquer
ambiente construído. Três cenários e análises de investimento foram apresentados como
diretrizes. A reforma total do imóvel comercial foi identificada como a decisão mais vantajosa,
restabelecendo a vida útil e a durabilidade.
Assim tal método, se colocado como padrão e sistematizado, poderá trazer celeridade
e uma maior assertividade no levantamento desses dados com objetivo de ajudar na tomada
das decisões relativas à preservação das obras, por parte dos governantes responsáveis, e para
os executores desses futuros projetos.
Outro trabalho bastante relevante é a dissertação de mestrado de Lilian Rose Nunes
Guimarães:
“Avaliação de bens patrimoniais via modelos acoplados de depreciação e significância
cultural: o caso do CEF-METROPOLITANA, Núcleo Bandeirante DF”**
**https://repositorio.unb.br/handle/10482/43093
No caso de obras de valor histórico e/ou cultural, mesmo que não tombadas, devem
estender a avaliação para além das questões estéticas e estruturais das edificações, com vistas
a sua manutenção e preservação. Existem outros aspectos que precisam ser levados em conta,
conforme esse trecho:
“Baseada nas propostas do Conservation Management Plan – CMP desenvolvido pelo
Getty Conservation Institute – GCI que por sua vez fundamenta suas ações no método proposto
por James Semple Kerr, e com referências à ferramenta proposta pelas professoras Drª Flaviana
Barreto Lira e Drª Virgínia Pitta Pontual foi concebida tabela que relaciona atributos (partes
integrantes do bem) e valores dos bens em estudo (FERREIRA; GUIMARÃES; GALIMI, 2021). Para
a avaliação patrimônio cultural foram adotados nesta pesquisa os seguintes valores:
• Valor de Uso;
• Valor de Polo Econômico;
• Valor Histórico;
• Valor Artístico;
• Valor Cultural;
• Valor de Antiguidade;
692
• Valor de Simbólico
São valores que, segundo a conceituação, apresentam-se mais facilmente
identificáveis no contexto da pesquisa. Cada atributo é descrito e fotografado a analisado de
acordo com os valores listados acima com intenção de determinar se o atributo atende os
critérios de inclusão ou exclusão de cada item. Quanto mais valores estiverem intrínsecos nos
atributos, maior será o índice de significância do bem avaliado.
A determinação do valor inicia-se com os documentos existentes sobre o bem em
estudo, a demonstração da materialidade quando existe, ou a indicação do valor nos
documentos utilizados para a listagem. Desde o primeiro levantamento, método recomenda
especificar ou avaliar os Níveis de Significância relacionado aos mais diversos aspectos materiais
do bem em estudo. Essas atribuições são apresentadas em seis níveis diferentes. Partindo do
nível mais alto de "significância excepcional. Em seguida, temos os níveis de "Significância
Considerável "Alguma Significância", "Sem Significância ", "Intrusão" e "Remoção" (FERREIRA;
GUIMARÃES; GALIMI, 2021).” (GUIMARÃES, L. R. N., 2021, p. 28 e 29).
Muitas das capitais brasileiras, como Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador, assim
como outras cidades que têm o turismo histórico como base, Ouro Preto, Parati, Olinda, e ainda
a capital, Brasília, todas possuem inúmeras edificações de valor histórico e cultural, avaliar e
obter informações de todas as obras através das formas convencionais é possivelmente um
trabalho cansativo e moroso.
Assim esses trabalhos sugerem que se parametrize essas avaliações sob o olhar de um
método que contemple todos os sistemas de uma obra construída, fundações, estruturas,
alvenaria, elétrica, hidráulica etc. Além dos valores intrínsecos relativos ao valor patrimonial,
sugeridos pela dissertação de Lílian Guimarães.
Com isso pode-se estimar com mais precisão as reais necessidades, e principalmente
os recursos que seriam necessários, tanto na parte de serviços quanto material para
operacionalizar um projeto de manutenção e preservação de uma obra.
4. RESULTADOS ESPERADOS
4.1. Preservação do patrimônio com olhos a para a economia local
Parece meio óbvio que projetos de preservação e manutenção de patrimônios
históricos e culturais trariam benefícios diretos para a economia de uma cidade. Mas sabemos
que não é algo de fácil implementação.
Assim sugerimos passos anteriores aos projetos de preservação em si, precisam ser
cumpridos para que os projetos possam alcançar com sucesso seus objetivos.
4.2. Incentivar projetos de Educação Patrimonial
Um aspecto, já descrito neste texto, é a falta de consciência do governo e de sua
população quanto a preservação de seus patrimônios históricos e culturais.
Educação Patrimonial é uma prática pedagógica inspirada na teoria do pedagogo Paulo
Freire, que se serve do patrimônio cultural como fonte primária do conhecimento, fortalecendo
questões como identidade, consciência social e cidadania. (Castro, C., 2005, p. 2).
693
Ações coordenadas e multinível devem ser desencadeadas para expandir este
conhecimento e consciência. Em todas as faixas etárias e níveis escolares, obviamente tentando
ministrar a informação dentro da capacidade da audiência e de sua compreensão.
Os objetivos que precisam ser alcançados nesta etapa é acender, e manter acesa, uma
real consciência quanto a importância da preservação do patrimônio histórico e cultural, e o
quanto isso pode trazer um maior senso de identidade e pertencimento, aumento o orgulho de
pertencer àquele local, e que um maior engajamento pode conduzir a reais benefícios para a
cidade e a sociedade.
4.3. Levantamento de informações completas do patrimônio local
Realização de um estudo detalhado para identificar e listar todos os patrimônios
históricos e culturais da cidade, e suas condições, incluindo edifícios, monumentos, sítios
arqueológicos, tradições culturais e outros ativos relevantes. Não somente prédios tombados,
explorar o conceito de patrimônio e estender buscando relevância da história e da cultura locais.
Esse banco de dados será o ponto de partida para o entendimento do potencial econômico e
priorizar ações de manutenção e preservação. Neste ponto uma metodologia e sistemas
inovadores são ferramentas essenciais para dar agilidade e fidelidade para essas futuras
informações.
4.4. Integração das informações levantadas com a realidade da cidade
Criação de bancos de dados integrados de todas as informações levantadas com as
ações das políticas urbanas já iniciadas. As ações de preservação do patrimônio histórico e
cultural devem estar alinhadas as políticas de desenvolvimento urbano da cidade. O
Planejamento da expansão urbana moderna precisa preservar e integrar os locais históricos ao
tecido das cidades, evitando a descaracterização e isolamento desses espaços, e até mesmo
denotando estes locais, tratando-os como áreas preciosas.
4.5. Elaboração de um plano estratégico
Um plano estratégico de curto, médio e longo prazos para a preservação do patrimônio
histórico e cultural, alinhando-os aos objetivos levantados na etapa anterior de
desenvolvimento econômico da cidade. Esses planos devem considerar medidas para buscar
recursos que serão necessários para que as ações de restauração, conservação, promoção
turística sejam realmente viáveis.
Os recursos podem iniciais podem vir via o estabelecimento de parcerias com o setor
privado, como empresas, instituições financeiras e organizações culturais, que podem ajudar a
financiar e apoiar os projetos de preservação. Os governantes podem pensar em algum tipo de
incentivos fiscais para investidores e patrocinadores, criando um ambiente mais favorável para
o desenvolvimento dessas iniciativas conjuntas.
4.6. Capacitação de profissionais
Investir na capacitação de profissionais especializados em preservação do patrimônio
histórico e cultural, incluindo arquitetos, historiadores, engenheiros, arqueólogos, técnicos em
construção, gestores culturais e outros. Mesmo que tais profissionais estejam presentes em
número suficiente na cidade, a qualificação destes profissionais nas ações de preservação irá
ajudar a condução dos projetos de forma eficiente e garantir a autenticidade e integridade dos
694
locais preservados. Aqui parcerias com as escolas locais (técnicas, faculdades e universidades)
serão muito importantes.
4.7. Uso sustentável dos patrimônios históricos e culturais
Utilizar estratégias para promoção dos patrimônios históricos e culturais como
atrações turísticas, destacando sua singularidade e relevância cultural. Eventos culturais,
festivais e roteiros temáticos podem ser organizados para atrair visitantes e estimular a
economia local. Tão importante quanto a manutenção e preservação, a exploração econômica
desse patrimônio irá garantir que o projeto, como um todo, mantenha o caráter contínuo e
permanente.
4.8. Monitoramento e avaliação dos projetos
Criação de um sistema de monitoramento e avaliação contínua dos projetos de
preservação e seu impacto na economia local. Isso permitirá acompanhar os resultados
alcançados, fazer ajustes quando necessário e demonstrar os impactos do investimento em
preservação.
695
6. REFERÊNCIAS
6.1 Livros
McKercher, B.; du Cros, H. (Eds.). Cultural Tourism: The Partnership between Tourism and Cultural Heritage
Management. Routledge, 2002.
National Trust for Historic Preservation. Economic Benefits of Historic Preservation: A Report from the National
Trust for Historic Preservation's Research & Policy Lab. Washington, DC, 2019.
Schuler, S. Brasília: A City between Utopia and Reality. Built Environment, v. 41, n. 1, p. 81-94, 2015.
United Nations World Tourism Organization (UNWTO). Cultural Heritage and Tourism: A Global Comparison.
Madrid, Spain, 2019.
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO). Cultural Heritage and Sustainable
Tourism. Paris, France, 2017.
696
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
(x ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
697
RESUMO
Este estudo visa investigar o potencial do turismo em Taquaruçu, Palmas/TO, com foco na preservação da identidade
cultural, patrimônio histórico e paisagem da região. Tem por objetivo analisar como a preservação da memória,
patrimônio e paisagem pode transformar o turismo em Taquaruçu - Palmas/TO. Busca compreender como essa
valorização atrai visitantes, impulsiona a economia local e enriquece a experiência turística, ao mesmo tempo que
mantém a identidade cultural e arquitetônica única da região. A metodologia empregada neste estudo é qualitativa
e baseada em pesquisa bibliográfica. Esta abordagem foi escolhida para compreender as percepções, experiências e
práticas locais relacionadas ao turismo, além de analisar os fatores históricos e culturais que moldam o
desenvolvimento local. Isso permite uma análise mais profunda e contextualizada do tema, visando contribuir para o
desenvolvimento turístico responsável da região, valorizando sua herança cultural e promovendo o bem-estar da
comunidade local. A gestão sustentável dos recursos naturais contribui para minimizar impactos negativos, preservar
o meio ambiente e garantir um turismo equilibrado. Incentivos ao empreendedorismo local resultaram no
fortalecimento da economia regional, criação de empregos e valorização da cultura local. Essas ações, baseadas em
parcerias participativas, consolidaram Taquaruçu como um exemplo de turismo responsável, onde o
desenvolvimento socioeconômico pode ocorrer de maneira sustentável, respeitando o meio ambiente e
enriquecendo a experiência dos visitantes e a qualidade de vida da comunidade local. A colaboração entre diversos
atores é necessária para preservar a identidade cultural e ambiental enquanto impulsiona o crescimento,
transformando Taquaruçu em um destino exemplar e próspero.
ABSTRACT
This study aims to investigate the potential of tourism in Taquaruçu, Palmas/TO, focusing on the preservation of
cultural identity, historical heritage, and the region's landscape. Its objective is to analyze how the preservation of
memory, heritage, and landscape can transform tourism in Taquaruçu - Palmas/TO. It seeks to understand how this
valorization attracts visitors, boosts the local economy, and enriches the tourist experience while maintaining the
unique cultural and architectural identity of the region. The methodology employed in this study is qualitative and
based on bibliographic research. This approach was chosen to comprehend the perceptions, experiences, and local
practices related to tourism, as well as to analyze the historical and cultural factors shaping local development. This
allows for a deeper and more contextualized analysis of the topic, aiming to contribute to responsible tourism
development in the region, valuing its cultural heritage, and promoting the well-being of the local community.
Sustainable management of natural resources helps minimize negative impacts, preserve the environment, and ensure
balanced tourism. Incentives for local entrepreneurship have led to the strengthening of the regional economy, job
creation, and the appreciation of local culture. These actions, based on participatory partnerships, have established
Taquaruçu as an example of responsible tourism, where socioeconomic development can occur sustainably, respecting
the environment, and enhancing the visitor experience and quality of life for the local community. Collaboration
among various stakeholders is necessary to preserve cultural and environmental identity while driving growth,
transforming Taquaruçu into an exemplary and prosperous destination.
698
1 INTRODUÇÃO
O turismo tem se revelado como uma força poderosa para estimular o progresso
socioeconômico em diversas regiões ao redor do globo, e o Brasil não fica à margem desse
cenário (BRASILEIRO ET AL., 2012). Dentro desse contexto, este estudo visa explorar o potencial
do turismo como um agente catalisador para o desenvolvimento socioeconômico de Taquaruçu,
situado em Palmas/TO, considerando cuidadosamente as nuances culturais e históricas da
região. Taquaruçu se destaca por suas profundas conexões com elementos naturais, arquitetura
tradicional e práticas agrícolas sustentáveis, formando uma identidade cultural e ambiental
singular que merece ser preservada e celebrada (PEREIRA, 2020).
Contudo, promover o turismo em Taquaruçu requer uma abordagem responsável e
sustentável que leve em consideração sua rica herança cultural e histórica (PEREIRA, 2020).
Torna-se essencial adotar medidas que minimizem impactos adversos no meio ambiente e na
cultura local, assegurando que o desenvolvimento turístico seja equitativo e benéfico para todos
os envolvidos (KÖRÖSSY, 2008). Nesse sentido, propomos estratégias de marketing e divulgação
conscientes, que valorizem a identidade cultural e ambiental de Taquaruçu, promovendo o
turismo de maneira autêntica e sustentável (BRASILEIRO ET AL., 2012).
Nesse contexto, a problemática central deste artigo reside na busca por um equilíbrio
entre o desenvolvimento turístico e a preservação da identidade cultural, patrimônio histórico
e paisagem arquitetônica única de Taquaruçu. O desafio está em como promover o crescimento
do turismo de forma sustentável, garantindo que as atividades turísticas não comprometam a
integridade do patrimônio cultural e arquitetônico da região, mas sim o valorizem e o preservem
para as gerações futuras.
A justificativa para abordar o tema é embasada na relevância de explorar estratégias
sustentáveis de desenvolvimento turístico que garantam a proteção do rico patrimônio cultural
e arquitetônico de Taquaruçu. A região se destaca por sua identidade única, composta por
elementos naturais, históricos e arquitetônicos que merecem ser salvaguardados. Nesse
contexto, a pesquisa busca encontrar maneiras de impulsionar o turismo de maneira
responsável, promovendo o crescimento econômico local sem comprometer a herança cultural
e arquitetônica que faz de Taquaruçu um destino singular. Além disso, considerando a crescente
demanda pelo turismo sustentável e autêntico, este estudo visa contribuir para a discussão
sobre como harmonizar o desenvolvimento turístico com a preservação da memória, patrimônio
e paisagem arquitetônica, beneficiando tanto os visitantes quanto a comunidade local e as
futuras gerações.
2 OBJETIVOS
699
experiência turística e, ao mesmo tempo, preservar a identidade cultural e arquitetônica única
de Taquaruçu.
Deste modo, para se alcançar tal fim, tem-se por objetivos específicos: a) Investigar a
história e a cultura do distrito de Taquaruçu, identificando elementos que conferem uma
identidade única à região. b) Analisar o potencial turístico de Taquaruçu, considerando seus
atrativos naturais, culturais e históricos. c) Avaliar o impacto do turismo na economia local,
destacando sua relevância como gerador de empregos e renda para a comunidade. d) Propor
estratégias de marketing e divulgação consciente que valorizem a identidade cultural e
ambiental de Taquaruçu, promovendo o turismo sustentável e autêntico. e) Identificar desafios
e oportunidades para o desenvolvimento do turismo sustentável em Taquaruçu, buscando
soluções que promovam o crescimento socioeconômico da região sem comprometer sua
riqueza cultural e histórica.
3. MÉTODOS DE ANÁLISE
700
4. EXPLORANDO O POTENCIAL HISTÓRICO-CULTURAL E TURÍSTICO DE TAQUARUÇU
4.1 Trajetória Histórica do Distrito de Taquaruçu: Um Patrimônio em Construção
701
4.2 Diversidade cultural e tradições locais
702
cultura com uma estrutura consolidada. Situada aos pés da serra de Taquaruçu, apesar de
apresentar dificuldades de acesso devido ao relevo e ao trecho não pavimentado que antecede
sua entrada, a Aldeia permanece como um espaço aberto. A área abriga a casa e o ateliê do
artista, e também é palco de oficinas de confecção de bonecos e tambores. Consoante a Miranda
e Anjos (2019), além de sua função como espaço físico, a Aldeia TabokaGrande assume uma
relevância cerimonial ao longo do ano. Esse local torna-se cenário para a realização de diversos
rituais, sendo os mais antigos e populares a Queima dos Tambores e o Corte da Boina, que
acontecem durante o período do carnaval.
Como observado por Santos e Veloso (2021), a Aldeia TabokaGrande possui um
significativo valor simbólico para seus participantes e representa um marcante movimento de
aquilombamento cultural no distrito de Taquaruçu. Esse movimento de reunir-se e buscar
identificação cultural resultou na celebração da festa dos Bonecos Gigantes, envolvendo uma
rica tradição mítica e mitológica em torno dos bonecos e do próprio evento festivo. Neste
sentido, essas práticas culturais estabelecem uma conexão entre a comunidade e suas tradições,
sendo fundamentais para a preservação e fortalecimento da identidade cultural local (MIRANDA
E ANJOS, 2019).
No entendimento de Pereira (2020), a paisagem de Taquaruçu preserva rastros
materiais e imateriais resultantes de práticas tradicionais de construção vernacular e sua relação
com os elementos naturais. Esses elementos atuam como testemunhos da identidade ambiental
e cultural da região. Com base nessa premissa, a paisagem apresenta atributos distintos que a
distinguem da capital Palmas, tornando-se merecedora de valorização e de medidas para a sua
preservação (PEREIRA, 2020).
A paisagem cultural de Taquaruçu é enriquecida pelos elementos naturais, como a
majestosa serra, as deslumbrantes cachoeiras, o sereno ribeirão e as emblemáticas palmeiras,
em especial o babaçu. Esses elementos não apenas possuem um valor ambiental significativo,
mas também se tornaram símbolos característicos do lugar, reforçando sua identidade única e
peculiar (PEREIRA, 2020).
Contudo, a comunidade local parece não estar plenamente consciente das vantagens
comparativas que o diversificado conjunto paisagístico de Taquaruçu oferece em relação a
outros atrativos turísticos do Estado e do Brasil. Isso pode ser atribuído, talvez, ao conhecimento
limitado sobre outros destinos turísticos explorados e à natureza da relação que mantêm com
sua própria paisagem (MILAGRES ET AL. 2010).
703
resultados desse tipo de atividade, onde o aumento do fluxo de turistas pode desencadear
danos em ecossistemas sensíveis, como praias, florestas, recifes de coral e áreas protegidas.
Conforme ressalta Dias (2014), a expansão desordenada da infraestrutura turística, a poluição
atmosférica e hídrica, o consumo excessivo de recursos naturais e o descarte inadequado de
resíduos são fatores que contribuem para a deterioração do meio ambiente.
Além disso, Brasileiro et al. (2012) ressalta que o turismo não sustentável pode causar
a perda de biodiversidade, à medida que habitats naturais são prejudicados e a flora e fauna
nativas são impactadas. A expansão de empreendimentos turísticos e a invasão de áreas
naturais para acomodar as demandas dos turistas podem levar à fragmentação de habitats e à
diminuição da diversidade biológica local.
Outros impactos socioeconômicos também podem ser observados, incluindo o
aumento da pressão sobre os recursos e serviços locais como: água, alimentos e transporte, bem
como a especulação imobiliária que pode resultar em gentrificação e deslocamento de
comunidades tradicionais (BRASILEIRO ET AL., 2012). Partindo desse pressuposto, podemos
entender que a concentração excessiva de atividades turísticas em determinadas áreas pode
levar à superexploração dos recursos disponíveis, aumentando a vulnerabilidade do destino a
crises ou mudanças nas preferências dos turistas.
Outro aspecto importante salientado por Brasileiro et al. (2012) é de que a falta de
envolvimento e participação das comunidades locais no planejamento e desenvolvimento do
turismo pode levar a relações de poder desiguais e à exploração dos recursos e da cultura local.
Além disso, a ausência de mecanismos de monitoramento e controle pode dificultar a
implementação de práticas sustentáveis e contribuir para a continuidade dos impactos
negativos.
Desta forma, é fundamental ressaltar a importância de uma abordagem sustentável
no desenvolvimento do turismo. Autores como Brasileiro et al. (2012) e Damas (2020), destacam
que o turismo deve ser planejado para minimizar os impactos negativos no meio ambiente e na
cultura local. A preservação dos recursos naturais e culturais é essencial para garantir a
sustentabilidade do setor a longo prazo.
704
2010). A falta de planejamento e gestão adequados pode comprometer a qualidade de vida dos
moradores e a experiência dos visitantes.
Conforme as considerações de Pereira (2020), a política de conservação deve ser
orientada pela natureza dinâmica da paisagem, reconhecendo sua característica mutável, com
o propósito de fortalecer a identidade do local. Esse direcionamento é embasado em valores
fundamentados nas referências culturais da região, emergentes dos elementos estruturantes
do território, buscando simultaneamente viabilizar o desenvolvimento sustentável sem
prejudicar a sua concretização.
Um dos desafios em Taquaruçu é encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento
turístico e a preservação dos recursos naturais e culturais. Para isso, consoante ao que sustenta
Possapp (2019), é importante contar com a participação ativa dos diversos atores envolvidos,
incluindo moradores, órgãos públicos, empresários e organizações da sociedade civil. A
integração de esforços e a promoção do diálogo são fundamentais para o desenvolvimento de
estratégias sustentáveis e para a implementação de políticas que garantam a proteção do
patrimônio local.
Deste modo, a preservação e a conscientização são elementos-chave para o
desenvolvimento sustentável do turismo em Taquaruçu. A busca por um turismo responsável e
consciente, que valorize a cultura local, respeite o meio ambiente e beneficie as comunidades,
é essencial para garantir um futuro próspero e equilibrado para o distrito. A adoção de práticas
sustentáveis e a participação ativa de todos os envolvidos são passos fundamentais para
alcançar esse objetivo.
705
dos autores brasileiros sobre esse tema são fundamentais para embasar políticas públicas e
estratégias que promovam o crescimento econômico e social por meio do turismo.
706
6. RESULTADOS E REFLEXÕES NO CONTEXTO DO TURISMO EM TAQUARUÇU
6.1 Estratégias de marketing e divulgação consciente
707
culturais da atividade. Através dessa gestão, pretende-se minimizar os efeitos negativos do
turismo no meio ambiente, preservar a rica cultura local e fomentar o bem-estar das
comunidades envolvidas. Ao considerar esses aspectos em conjunto, Taquaruçu pode garantir
um turismo que beneficie a todos de forma duradoura e responsável.
Um dos aspectos essenciais da gestão sustentável de recursos é o monitoramento e
controle do uso dos recursos naturais como a água, energia e biodiversidade. É importante
adotar práticas de uso eficiente desses recursos, bem como implementar medidas de
conservação e preservação ambiental, visando minimizar o impacto negativo do turismo sobre
o meio ambiente (VILLAC ET AL., 2021).
Além disso, a gestão sustentável de infraestrutura turística envolve o planejamento
cuidadoso e a manutenção responsável das instalações e equipamentos utilizados pelos turistas.
Segundo Körössy (2008), isso inclui a adoção de tecnologias limpas e sustentáveis, a promoção
da reciclagem e a redução do consumo de recursos não renováveis.
Outra prática importante, conforme ressalta Medeiros (2013), é o incentivo ao turismo
de baixo impacto, como o ecoturismo e o turismo comunitário. Essas modalidades turísticas
valorizam a cultura local, envolvem as comunidades no processo e respeitam a integridade do
meio ambiente. A gestão adequada dessas atividades contribui para o desenvolvimento
econômico das comunidades locais, enquanto preserva a identidade cultural e os recursos
naturais da região.
Nesse contexto, Possapp (2019) destaca que a governança participativa é um
elemento-chave na gestão sustentável do turismo em Taquaruçu. Envolver as partes
interessadas, como comunidades locais, empresários, organizações não governamentais e
autoridades públicas, nas decisões relacionadas ao turismo, garante que as políticas e
estratégias adotadas sejam amplamente aceitas e apoiadas, e promove o engajamento e a
corresponsabilização de todos os envolvidos na busca pela sustentabilidade.
Por fim, é importante destacar que a gestão sustentável de recursos e infraestrutura
turística requer uma abordagem de longo prazo, com o comprometimento contínuo das partes
interessadas. Mediante práticas responsáveis e sustentáveis, Taquaruçu pode consolidar-se
como um destino turístico exemplar, respeitando a natureza e a cultura local, e colhendo os
benefícios socioeconômicos do turismo de forma consciente e duradoura.
708
Para Brasileiro et al. (2012), assegurar a efetividade dos incentivos, é imprescindível o
seu desenvolvimento em parceria com a comunidade, levando em conta as necessidades e
particularidades da região. Ao adotar uma abordagem participativa e colaborativa, os incentivos
podem se tornar uma ferramenta poderosa para fomentar o turismo sustentável em Taquaruçu,
gerando benefícios para todos os envolvidos e fortalecendo a preservação e valorização desse
precioso patrimônio local.
7. CONCLUSÃO
Diante das reflexões apresentadas neste artigo, é evidente que essa região possui uma
riqueza singular, capaz de atrair turistas em busca de experiências autênticas e enriquecedoras.
A paisagem exuberante, os elementos culturais e a diversidade de atividades oferecidas
impulsionam o desenvolvimento socioeconômico local por meio do turismo.
No decorrer deste artigo, ressaltou-se o papel do turismo como um fator
impulsionador do desenvolvimento socioeconômico em diversas regiões ao redor do mundo,
incluindo o Brasil. Autores brasileiros têm reafirmado que o turismo desempenha um papel
econômico relevante, capaz de promover a geração de empregos, renda e incentivar o
crescimento de pequenos negócios e empreendimentos locais.
Entretanto, para que o turismo seja uma força propulsora do desenvolvimento
sustentável em Taquaruçu, é imprescindível adotar uma abordagem consciente e responsável.
Estratégias de marketing e divulgação devem ser planejadas para promover o turismo de forma
sustentável, respeitando o meio ambiente e a cultura local. Além disso, a gestão dos recursos e
infraestrutura turística deve ser pautada em práticas sustentáveis, considerando os impactos
ambientais, sociais e culturais da atividade.
Outra medida essencial é incentivar o empreendedorismo local, proporcionando
oportunidades para que os moradores de Taquaruçu se beneficiem diretamente do
desenvolvimento turístico. A participação ativa da comunidade nas decisões e planejamentos é
fundamental para garantir que os incentivos sejam direcionados consoante as reais
necessidades e desafios da região.
Em síntese, para alcançar a promoção do turismo em Taquaruçu, mediante uma
abordagem voltada à preservação da memória, patrimônio e paisagem arquitetônica, é
essencial uma abordagem colaborativa envolvendo o poder público, a comunidade local, o setor
privado e demais atores interessados. Medidas devem ser implementadas para preservar a
valiosa identidade ambiental e cultural do local, enquanto se promove um desenvolvimento
socioeconômico equilibrado e benéfico para todos. Valorizando e protegendo esse tesouro
escondido, Taquaruçu pode se firmar como um destino turístico exemplar, oferecendo
experiências autênticas e enriquecedoras aos visitantes, além de impulsionar a prosperidade e
a qualidade de vida para sua comunidade.
8. REFERÊNCIAS
8.1 Livros
BOFF, Vilmar Antônio. Turismo e desenvolvimento regional: Um Estudo Comparado de Duas Regiões Turísticas do
Estado do Rio Grande do Sul - Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2008.
709
BRASILEIRO, Maria Dilma Simões; MEDINA, Júlio Cabrera; CORIOLANO, Luiza Neide. (Org.). Turismo,
cultura e desenvolvimento - Campina Grande: EDUEPB, 2012.
VILLAC, Teresa; BESSA, Fabiane Lopes Bueno Netto; DOETZER, Gisele Duarte. (Coord.). Gestão pública
brasileira: inovação sustentável em rede/ Teresa Villac, Fabiane Lopes Bueno Netto Bessa, Gisele Duarte
Doetzer (Coord.). Belo Horizonte: Fórum, 2021.
PEREIRA, Marielle Rodrigues. Arquitetura na Rota das Cachoeiras: Casas de terra na Paisagem Cultural do Distrito
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SOARES, Agnelo Rocha Nogueira. Palmas criativa: gestão da cultura e desenvolvimento na capital do Tocantins.
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KÖRÖSSY, Nathália. Do "turismo predatório" ao "turismo sustentável": uma revisão sobre a origem e a
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MARTINS, L. M.; VILAR, J. W. C.; SILVA, R. V. S.; SANTANA, M. de O. Tecnologia Móvel na Gestão de
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710
MIRANDA, A. K. S.; ANJOS, A. C. C. dos. TERRITORIALIZAÇÕES DISCURSIVAS E DISPUTAS NARRATIVAS:
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OLIVEIRA, Ermelinda; MANSO, José. Turismo sustentável: utopia ou realidade? Revista de Estudos Politécnicos
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SANTOS, A. C. dos; VELOSO, J. G. Tradições Inventadas e Criação de Espaço de Pertencimento: Uma revisão de
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https://www.revistas.udesc.br/index.php/urdimento/article/view/20433. Acesso em: 27/07/2023.
711
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
( ) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( X ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
VENDE-SE URBANISMO
712
RESUMO
Este artigo discute a forma como a sensação de insegurança e o sentimento do medo tem sido responsáveis pelao
remodelamento do tecido urbano e por movimentos migratórios observados em cidades brasileiras. Aborda também
a forma de apropriação urbanismo, pela iniciativa privada, através da exploração do medo e da sensação de
insegurança, que resulta na proliferação de condomínios fechados de uso exclusivamente residencial em diversos
municípios brasileiros. Para tanto, com objetivo de analisar a exploração da sensação de insegurança e do medo, para
proliferação de condomínios fechados de uso residencial, é feita uma revisão bibliográfica sobre o tema, com análise
de campanhas publicitárias que ofertam à população ideias de moradia, “afastados da cidade perigosa” e são
abordados temas como segregação social, espacial, mixobofia e a proliferação das fobópoles.
SUMMARY
This article discusses how the feeling of insecurity and the feeling of fear have been responsible for the remodeling of
the urban fabric and for migratory movements observed in Brazilian cities. It also addresses the form of urbanism
appropriation, by the private sector, through the exploitation of fear and the feeling of insecurity, which results in the
proliferation of gated condominiums for exclusively residential use in several Brazilian municipalities. To this end, with
the aim of analyzing the exploitation of the feeling of insecurity and fear, for the proliferation of closed condominiums
for residential use, a bibliographical review is carried out on the subject, with an analysis of advertising campaigns
that offer the population ideas for housing, “away from home”. of the dangerous city” and themes such as social and
spatial segregation, mixobofia and the proliferation of phobópolises are addressed.
713
INTRODUÇÃO
1. OBJETIVOS
714
2. METODOLOGIA/MÉTODO DE ANÁLISE
3. RESULTADOS
715
Figura 01 – Pessoas que se sentem seguras, por tipo Figura 02 – Pessoas que se sentem seguras, por tipo de
de local (%) local (%)
Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação de
de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional
Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, 2021 por Amostra de Domicílios Contínua, 2021
Figura 03 – Pessoas que se sentem seguras ao andar sozinhas nas redondezas ou nos arredores do domicílio, por
período do dia (%)
Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios Contínua, 2021
716
Quando a pesquisa relacionou os dados com as características do entorno dos
domicílios, em relação à existência e qualidade dos serviços públicos, constatou-se que nos
locais onde os serviços públicos eram avaliados como ótimos ou bons havia uma sensação de
segurança maior do que aquela estimada para os domicílios cujo entorno fornecia serviços
considerados regular, ruim ou péssimo. Este dado é mais preocupante, se levado em
consideração o fato de que apesar do Brasil possuir alta taxa de urbanização, chegando a 84,72%
(PNAD, 2015), ela não é acompanhada no que diz respeito ao acesso a serviços urbanos.
Embora existam altas taxas de urbanização, observa-se que as condições desta
urbanização e dos próprios domicílios é extremamente precária. Índices constatados em Feira
de Santana, segundo maior município do Estado da Bahia, infelizmente podem ser observados
em vários outros municípios do País. Em Feira de Santana, segundo dados do IBGE, a taxa de
urbanização atingiu 91,7%, em 2010, mas apenas 59,7% dos domicílios possuem esgotamento
sanitário adequado e apenas 17,1% das vias públicas são urbanizadas.
O processo de urbanização acelerado e sem planejamento adequado agravou
problemas econômicos, ambientais e sociais, acentuando a segregação física e espacial entre
ricos e pobres, em virtude também de um aumento significativo no número de assentamentos
subnormais no país, fato que contribui para a alteração da morfologia urbana. Dados do IBGE
mostram que, entre 1991 e 2010, a população residente em aglomerados subnormais aumentou
em mais de 60%, passando de pouco menos de sete milhões para 11,4 milhões de pessoas,
segundo o Censo Demográfico. De forma ainda mais alarmante, a estimativa de domicílios
ocupados, realizada para a operação do Censo Demográfico de 2020, sugere que o aumento
chegou à ordem de aproximadamente 107%, comparando o período de 2010 a 2019, e pesquisa
do Relatório Anual Brasil 2020, aponta que, em 2020, no Brasil 41,4% da população urbana
estava vivendo em assentamentos precários, assentamentos informais ou domicílios
inadequados.
Figura 4 – Pessoas que se sentem seguras ao andar sozinhas nas redondezas ou nos arredores do domicílio, por
existência e avaliação dos serviços públicos, segundo o tipo de serviço (%)
Fonte: IBGE – Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Pesquisas por Amostra de Domicílios, Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua, 2021
717
iniciativa privada, através de incorporadores e agentes de mercado, que passa a intervir no
tecido urbano das cidades, por vislumbrar neste segmento grandes oportunidades de negócio.
Uma das formas de atuação se dá por meio da construção de condomínios fechados
do tipo residencial, onde são ofertadas à população espécies de ilhas no interior das cidades,
dotadas de habitações padronizadas em ruas pavimentadas, limpas e bem iluminadas, além da
garantia de segurança privada. Com isso, se evidencia uma tendência de remodelamento do solo
urbano, com a injeção de recursos em determinadas áreas da cidade, atraindo pessoas que
anseiam por mais infraestrutura e qualidade de vida, promovendo a especulação imobiliária e
inibindo a mobilidade urbana, ao dificultar a ocupação de tais espaços pela população mais
carente.
A apropriação do urbanismo pelo sistema capitalista, com a proliferação de grandes
enclaves fortificados (CALDEIRA, 2000) urbanos, consolida uma urbanização desigual, onde as
comunidades que mais necessitam da atuação do Estado ou de parcerias público - privadas, são
desprezadas em detrimento de “guetos” de classe média e alta, cujas moradias, ruas e espaços
coletivos passam a ser cada vez mais privilegiados.
Na imagem abaixo, está exposto o resultado desta urbanização desigual, onde áreas
vizinhas ocupam e se apropriam do solo urbano de forma totalmente divergente. É nítido como
possuem “etiquetas de preço” (CALDEIRA, 2000) distintas, em virtude das condições de
habitabilidade, mobilidade e infraestrutura urbana que possuem. A imagem representa a
concentração de renda, a opressão do amontoado de prédios sobre o amontoado de casebres
e é capaz de expressar a “[...] resistência cotidiana dos pobres para permanecer na cidade”
(BARBOSA, 2010).
Figura 05 - A apropriação resultante de uma urbanização desigual.
718
Para debater algumas questões acerca deste modo de habitar, é imprescindível
discutir o sentimento do medo, sentimento que norteia, inibe e promove ações e que vem sendo
exaustivamente explorado em discursos para venda e justificativa de enclaves urbanos.
Souza (2008) apresenta argumentos e induz a uma reflexão acerca da exploração deste
sentimento na sociedade contemporânea. Ao afirmar que o medo e a violência sempre existiram
e há tempos atrás assumiam características ainda mais bárbaras se comparados à atualidade,
ele defende que o fato novo está no uso deste instrumento por construtoras, imobiliárias e
agências de publicidade, que alardeiam e exaltam os dados referentes a crimes contra o
patrimônio, com o intuito de incitar a venda de condomínios fechados, disseminando as
fobópoles, que configuram cidades dominadas pelo medo da criminalidade violenta (SOUZA,
2008, p.9).
Com este propósito, os agentes incorporadores expõem a ineficiência do Estado no
que tange à implementação de políticas de segurança pública eficientes e exploram os princípios
do sistema capitalista - onde tudo vira negócio –, passando a comercializar o urbanismo como
um produto, um modo de viver que adquire valor de uso e troca.
Segundo Lefebvre (2008, p.25), trata-se do urbanismo dos promotores de vendas,
onde o produto principal a ser adquirido deixa de ser a moradia e passa a o próprio urbanismo,
apresentado como imaginário de um habitat, um lugar de felicidade e condição de uma prática
social que não tem necessidade de um sistema.
Ainda fazendo referência a Lefebvre (2008, p.20), este tipo de urbanismo representa
“... para uns a organização racional (na aparência) do espaço. Para outros, a presença do sonho,
da natureza, da saúde, afastados da cidade má e malsã”.
Estas afirmações são fundamentais para o entendimento da questão, no que tange à
proliferação dos condomínios fechados. Diante da vulnerabilidade dos seres humanos e da
facilidade de dominação das massas através do medo, sentimento global que domina e exerce
controle sobre os atos, rapidamente é criada a imagem publicitária do “urbanismo do paraíso”,
que resguarda das incertezas do mundo e garante uma vida entre iguais, distante da
heterogeneidade malévola que se apresenta todos os dias nos meios de comunicação. O mal
paira sobre os indivíduos, não há segurança nas ruas, melhor, portanto, garantir o
distanciamento através do auto enclausuramento. A vida nas ruas vai se esvaindo, deixando de
existir enquanto a vida nos enclaves é enaltecida.
Conforme já mencionado, a fim de facilitar a comercialização e estimular o desejo por
este tipo de moradia inserida em condomínios, são explorados o medo e a sensação de
insegurança, fazendo com que tais sentimentos influenciem decisivamente a vida diária dos
cidadãos, se apresentando como fatores de condicionamento das relações sociais e da
modelagem do espaço nas cidades - inclusive nas cidades médias e pequenas.
Nas fobópoles, os condomínios fechados aparecem como a solução para toda a
problemática urbana vigente, visto que são oferecidos como um habitat totalmente controlado:
um lugar isolado, circunscrito por muros, que fisicamente se situa dentro da cidade, mas social
e idealmente, está fora dela (BAUMAN, 2009, p.39). São autônomos (acreditam não depender
da estrutura da cidade), com infraestrutura completa, prometendo aos habitantes, segurança,
tranquilidade e qualidade de vida. Com este propósito, selecionam os moradores através do
custo das habitações, ofertando possibilidades de “relacionamento entre iguais” em um espaço
dito “socialmente homogêneo”.
719
Este tipo de empreendimento estimula também a mixofobia (medo de misturar-se),
que antevista por Bauman (2009, p.44), “... se manifesta como impulso em direção a ilhas de
identidade e de semelhança espalhadas no grande mar da variedade e da diferença” que são as
cidades. Neste contexto, os indivíduos buscam cada vez mais, um isolamento e distanciamento
da problemática urbana vigente, passando a estabelecer relações virtuais que por vezes
substituem contatos físicos e interações presenciais com outros indivíduos e situações.
Tomados pela mixofobia, os cidadãos passam a vislumbrar nos condomínios o local
ideal para habitar, visto que ao menos nas propagandas, eles são apresentados como territórios
onde existe a garantia de tranquilidade, privacidade e isolamento.
Vale frisar que a prometida uniformidade social do espaço, difundida pelos enclaves
urbanos também favorece a intolerância à diferença, uma vez que ao invés de lidar com as
adversidades, é ofertada aos indivíduos a possibilidade de exclusão do problemático mundo
externo aos condomínios, fazendo com que a vida nas cidades pareça mais perigosa do que ela
de fato é.
A auto-segregação propiciada pelos condomínios fechados provoca uma espécie de
fratura do tecido urbano e representa uma solução escapista (SOUZA, 2008 p.73), por ser uma
fuga e não um enfrentamento das questões sociais e das verdadeiras causas da violência, além
de promover uma segregação social em virtude da existência de comunidades ilhadas.
Alguns estudiosos, a exemplo de Ernest Burgess e Robert Park, provenientes da Escola
de Chicago, defendem inclusive que a desorganização social decorrente da segregação espacial
que marginaliza comunidades carentes, aumenta também a tendência à criminalização, através
de uma análise da relação entre o desenho urbano e a criminalidade. Eles defendem que o crime
é produto da urbanização e da desorganização espacial e mostram como a classe marginalizada,
ao permanecer isolada em áreas nas quais o poder público está ausente ou desorganizado,
possui menos opções de trabalho, educação e lazer, ficando mais suscetível ao contato com
álcool, drogas e armas e aumentando a probabilidade de ocorrer crimes e mortes violentas.
Embora não haja estudos para comprovar que proliferação dos condomínios não é
capaz de combater ou controlar problemas sociais, eles continuam sendo consumidos pela
população como uma forma mágica de se distanciar principalmente da violência urbana. A
segregação passa a ser utilizada como um remédio contra a perturbadora diversidade e
heterogeneidade das cidades. Do ponto de vista urbanístico, observa-se uma espécie de
ressurgimento das cidades medievais, que se apresentam como “cidades protegidas”, contidas
por grandes muralhas, ao se mostrarem a seus habitantes “cidades livres”.
Neste contexto, fica evidente mais uma vez a especulação sobre o medo, que subjuga
o próprio planejamento urbano, alterando não só as relações interpessoais, mas também a
paisagem urbana e todo o ordenamento territorial. E o preocupante é que a paranóia mixofóbica
(BAUMAN, 2009) não necessariamente precisa ser confirmada ou comprovada. O medo é capaz
de se manter e se reforçar sozinho, adquirindo capacidade de autopropulsão, pautada em uma
sensação de perigo que não está necessariamente atrelada à existência de ameaças reais.
A exploração de todas as formas de medo, associada à guerra à insegurança, aos riscos
e aos perigos, faz brotar nas cidades contemporâneas condomínios que são verdadeiros
bunkers, que intimidam e marcam a paisagem urbana com suas grandes muralhas. Muros estes
que têm o propósito de manter distante qualquer estranho, desencorajando-o a ficar por perto
e inibindo a vitalidade e socialização nas ruas, pelo fato de que estas passam a ser meros locais
720
destinados à circulação de automóveis. Os corretores imobiliários valem-se da incerteza de
acontecimentos nas ruas para conseguir vender as habitações dos grandes conjuntos.
Coloca-se ainda uma nova discussão acerca dos riscos e danos decorrentes da
urbanização desigual e dos impactos que estes blocos de condomínios geram na dinâmica das
cidades. Ao criar grandes zonas monofuncionais e expulsar os segmentos menos favorecidos -
que não têm condições de pagar por este novo uso do solo-, se dissolve a organicidade típica
das cidades, que pressupõe encontros e também confrontos. Citando Santos (1994), desta
fratura do tecido urbano, surgem duas cidades: uma dos que têm acesso ao capital e aos serviços
públicos e a dos que não têm.
Na foto a seguir, de autoria de Tucá Vieira, esta fratura fica evidente ao contrapor o
luxo do condomínio fechado com os espaços mínimos e o amontoado de construções precárias
da favela de Paraisópoles, no município de São Paulo.
A imagem acima confirma a teoria de Bauman (2009), que alerta sobre a emergência
de dois mundos de vida, separados e segregados, onde o indivíduo que abriga o primeiro mundo
(dos condomínios), embora esteja fisicamente no local não se sente daquele local. Ele não se
identifica com a terra que o alimenta e não adquire pela cidade em que mora nenhum interesse,
a não ser o de ser deixado em paz.
Assim como Bauman (2009), Jacobs (2000) também considera que este tipo de uso e
ocupação do solo, característico das ilhas de vivência, ao eliminar a fluidez típica das ruas, cria
espaços impessoais, eliminando valores simbólicos de edificações, espaços públicos e fazendo
com que as ruas percam a sua função de sociabilidade urbana. Ela destaca que a multiplicidade
formal arquitetônica atribui identidade aos espaços, que o ambiente multifuncional é atrativo
às pessoas e que desse vínculo espacial nasce o sentimento de vizinhança, a noção de
pertencimento e se estimula a expressão cultural de um lugar. A pluralidade dos lugares dá vida
às cidades.
Ainda tomando como base os princípios de Jacobs (2000), a rua pertence às pessoas e
a permanência de áreas de uso misto e multifuncionais, que tenham funções diversas durante
o dia e a noite, deve ser defendida. Segundo ela, a degradação urbana está ligada à imposição
social de zonas monofuncionais.
721
3.3 As campanhas publicitárias e o conceito de comunidade
O conceito de comunidade está imbuído e faz menção a uma série de sentimentos que
extrapolam a acepção apresentada nos dicionários. Conforme antevisto por Bauman (2003, p.7),
“... as palavras têm significado: algumas delas, porém, guardam sensações. A palavra
comunidade é uma dessas”. Esta declaração tem um enorme poder de síntese, porque ajuda a
explicitar o simbolismo da comunidade e explicar o porquê dele ser tão comumente utilizado e
explorado em anúncios publicitários para venda de condomínios fechados.
Existem muitas formas de abordar a publicidade sobre os condomínios. Aqui será
discutido como ela ajuda a construir um estilo de vida fantasioso, através da utilização de cores,
imagens e valores que remetem à paz, tranquilidade e felicidade, capazes de seduzir
compradores ávidos pela possibilidade de adquirir uma moradia com total infraestrutura de
lazer e serviços, além de protegida da violência e insegurança que ameaçam as cidades. Para
tanto, os anúncios exploram de forma subjetiva, termos como pôr-do-sol, alegria, natureza,
qualidade de vida e outros elementos com grande poder de persuasão.
A construção e propagação desse novo padrão de habitar, além de pretender vender
status social, faz parecer que do lado de fora dos condomínios, na rua, o perigo está à espreita,
ao passo que dentro da comunidade, pode-se relaxar e ter proteção. Os condomínios são
apresentados como verdadeiros oásis de tranquilidade e segurança (BAUMAN, 2009, p.39),
onde o auto enclausuramento permitirá aos habitantes desfrutar de melhor qualidade de vida,
monitorada 24 horas por dia, através de empresas de segurança privada. As propagandas
afirmam que tranquilidade é não precisar sair de casa para ser feliz e que ao adquirir tal
propriedade, o futuro morador terá qualidade de vida.
Combinado ao poder e à força simbólica da palavra comunidade está a ideia dos
“espaços defensáveis”, teoria introduzida na década de 70, pelo arquiteto Oscar Newman que
também é explorada - implicitamente - por construtoras e imobiliárias. Esta teoria simples e à
primeira vista atraente (SOUZA, 2008), afirma que a organização espacial, ao delimitar de forma
clara o espaço público e o espaço privado, consegue inibir ou incitar ações criminosas. Defende
a necessidade de estimular o senso de propriedade da coletividade e facilitar as possibilidades
de um controle comunitário sobre o uso dos espaços coletivos. Para tanto, prevê um
monitoramento conjunto e espontâneo por parte dos moradores a fim de minimizar o
cometimento de delitos. Mas é fundamental informar que este conceito não previa a utilização
de muralhas e de uma brusca segregação espacial, como propagado nos enclaves.
Nas imagens a seguir são apresentadas propagandas de condomínios lançados em
municípios distintos, de pequeno, médio e grande porte, situados em zona urbana, mas também
na zona rural, mas que seguindo um padrão internacional, oferecem aos novos proprietários
exclusividade e enaltecem os equipamentos voltados para o lazer, qualidade de vida e
segurança. Cabe ressaltar que nenhuma delas apresenta de imediato a planta baixa da casa,
comprovando a ideia de que os principais produtos a serem vendidos são o estilo de vida, os
valores e não a edificação, a residência em si.
Se analisados de forma superficial, pode parecer que tais elementos não têm poder de
persuasão, mas conforme alertado por Mello (2010, p.65), quando desconstruído o conjunto,
com identificação e isolamento dos elementos que compõem a imagem urbana, é possível
observar que o efeito da representação faz com que os detalhes, vistos como elementos
722
isolados, sejam tomados como expressão do conjunto, assumindo dimensão simbólica e com
isso, tornando-se capazes de transmitir sensações que ajudam a cativar os clientes e compor a
imagem de uma cidade alegre.
Figura 07 – Panfleto do Condomínio Horto Tropical, Rural, Figura 08 – Panfleto do Condomínio Alameda dos
situado no município de Conceição do Jacuípe / BA Pássaros, Urbano, situado no município de Recife
/ PE
723
Nos enclaves, as antigas relações de vizinhança e amizade decorrentes de uma
convivência respeitosa entre padrões e classes distintas que habitavam uma mesma rua, foram
se transformando em relações mais distantes, frias e até virtuais. A segurança que era ofertada
por meio da proximidade física entre os indivíduos, com conhecimento mútuo de rotinas e
comportamentos, foi dando lugar a um isolamento e distanciamento cada vez maiores.
No que tange à segurança, extremamente valorizada em todos os anúncios
publicitários, também fica evidente o descrédito da população para com o sistema da segurança
pública. Segundo Caldeira (2000) a segurança privada é hoje uma mercadoria vendida de forma
cada vez mais valorizada e sofisticada, que já virou elemento central do padrão de segregação
urbana estabelecido pelos enclaves fortificados. A presença de ronda, vigias, câmeras, alarmes
e cercas elétricas sobre muros cada vez mais altos, são fundamentais para o sucesso de vendas
dos condomínios.
Seguindo os mesmos princípios e confirmando constatações de Mello (2010) e
Bauman (2003), nestas peças publicitárias também são exploradas cores, imagens e palavras,
carregadas de simbolismo e que juntas, tornam-se capazes de compor um ideário que remete à
vida perfeita. Para tanto, valem-se de elementos que sugerem maior integração com a natureza
e consequentemente, distanciamento do caos e do “imenso mar de concreto” que caracterizam
as cidades, além da repetição de termos como lazer, bem-estar e qualidade de vida. Destaca-
se também a alusão a uma nova vida: um novo projeto de vida, uma nova história, onde é
ofertada a possibilidade de uma espécie de recriação da realidade.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
724
Ao circular por vias públicas, as pessoas se deparam com a imprevisibilidade dos fatos
e a falta de controle absoluto sobre tudo que as rodeia. No mundo moderno, com tantas
ferramentas para monitoramento da vida urbana, esta imprevisibilidade é tida como algo
extremamente perigoso, capaz de expor o cidadão ao risco absoluto, que segundo as
propagandas, não existe nos condomínios, que se apresentam como um habitat onde é possível
viver livre do medo.
Bauman (2008, p.8) faz uma reflexão acerca da escuridão, que pode ser facilmente
utilizada como a representação dos sentimentos pelos quais pessoas são acometidas
atualmente, ao circular pelas ruas de uma cidade: “Na escuridão, tudo pode acontecer, mas não
há como dizer o que virá. A escuridão não constitui a causa do perigo, mas é o habitat natural
da incerteza – e, portanto, do medo”.
Ao passo em que é feita uma associação entre a rua e a escuridão, também é válido
fazer um questionamento acerca da vida em condomínio: “... quem pode garantir que todos os
milhares que por direito estão dentro do forte sejam confiáveis no escuro?” (JACOBS, 2000
p.47). É importante levantar esta dúvida porque apesar de se buscar uma homogeneidade
social, ninguém pode assegurar que todos os condôminos, por possuírem condições financeiras
de adquirirem um imóvel em determinado empreendimento, sejam íntegros e incapazes de
cometerem delitos.
Vale frisar que por melhor que seja a organização espacial de um condomínio ou
reestruturada com o propósito de inibir certos tipos de crime, e mesmo que os moradores
exerçam algum controle sobre os seus respectivos espaços, nada poderia ser utilizado como
pretexto para fomentar o preconceito, o bairrismo e a esterilidade dos espaços públicos.
Conforme alertado por Sousa (2008, p.194) “a comunidade não deve ser usada como uma arma
contra a sociedade”.
Apesar de parecer algo palpável, a sensação de segurança ou insegurança está ligada
e varia em função de um sentimento subjetivo, o medo que, como já foi dito, tem o poder de
impedir que qualquer cidadão se sinta seguro, independentemente do local ou circunstância em
que se encontre.
A partir desse pressuposto, vale também discutir sobre a concepção de comunidade,
outra palavra comumente utilizada e explorada pelos agentes imobiliários, para difundir e
justificar a suposta segurança e a qualidade de vida das ilhas de vivência. A pesquisa realizada
demonstra uma mudança significativa no modo de habitar, que provoca a necessidade de
continuidade dos estudos e reflexões acerca deste fenômeno urbano, visto que diante da oferta
de tantas “mini cidades perfeitas”, vale reavaliar algumas escolhas e interrogar acerca do futuro
desta ilusão.
Para tanto, são trazidos à tona alguns questionamentos levantados por Souza (2008;
p.74): “Para os que vivem nesse universo fechado, que novas tensões surgirão devido a um
controle moralístico que tenderá a ser cada vez mais rígido, porque infenso a influências
externas? Que efeitos terá nos jovens? Como se comportará uma sociedade não contaminada?
Que preconceitos e barreiras surgirão? Como será o comportamento e apropriação do espaço
urbano, por parte da geração nascida e criada em um ambiente de comunidade e mini cidade
“autônoma” e homogênea?
Será que a única alternativa ao alto risco é abrir mão de uma visão universalista, de
uma perspectiva mais ampla e generosa da cidade? Ou, então, adotar um arremedo de
comunidade que, ao mesmo tempo em que serve para manter afastado o outro, o diferente,
725
não passa de um aglomerado de indivíduos hiper individualistas que no fundo pouco estão
interessados em uma convivência mais estreita, para além das divisas de suas propriedades?
No que tange ao discurso dos enclausurados, que atribui à violência a razão pela busca
desenfreada por condomínios, não se pode negar que enquanto o problema da falta de
segurança pública não for solucionado, será difícil convencer as classes média e alta a não adotar
a autossegregação como solução para a problemática vigente. Mas é dever alertar sobre a ilusão
instaurada e é assustador imaginar o futuro das cidades (SOUZA, 2008).
Constata-se a disseminação de um medo generalizado, o medo do diferente, a
mixofobia. Fatores que juntos, contribuem para a atribuição, de forma genérica, de que o perigo
se materializa na pobreza, e nos locais de moradia de baixa renda (a favela). Esta população que
se distancia da vida nas cidades, acredita que ao se manterem isolados, mantêm-se distantes
também da insegurança das cidades, por acreditarem que ao residir numa área cercada e
ocupada com indivíduos de padrão econômico equivalente, não estarão suscetíveis aos crimes
que parecem só ocorrer do lado de fora dos muros.
É fato que as cidades também são espaços de experimentações e vulgarização de
modas (MELLO, 2010), mas não é adequado que em virtude disso seja permitida uma
apropriação do solo que consolide a fragmentação do tecido urbano existente e a mixofobia,
em virtude dos preconceitos que são criados e da estigmatização do pobre na sociedade
contemporânea, que “[...] por sua miséria, perturba a alegria de consumir” (SOUZA, 2008, p.91).
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Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal da Bahia –
UFBA.
SOUZA, Marcelo Lopes. Fobópole: o medo generalizado e a militarização da questão urbana. Bertrand Brasil, 2008.
727
Trabalho Inscrito na Categoria de Artigo Completo
Eixo Temático
( ) Arquitetura, Habitabilidade e a Qualidade de Vida
( ) Conforto Ambiental no Espaço Urbano
( ) Empreendedorismo, Governança e Sustentabilidade no Ambiente Construído
( ) Infraestrutura Urbana
( ) Memória, Patrimônio e Paisagem
( ) Mudanças Climáticas e Resiliência Urbana
( ) Planejamento e Ordenamento do Território
(X) Políticas Públicas, Plano Diretor e o Direito à Cidade
( ) Saneamento e Meio Ambiente
( ) Sustentabilidade Urbana
( ) Território e a Segregação Sócio Espacial
( ) Urbanismo Ecológico e Sistemas de Espaços Livres
727
RESUMO
A presente pesquisa realiza uma análise comparativa das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) nos Planos
Diretores de Londrina e Maringá, com o objetivo de se identificar, a partir da perspectiva de Marcelo Lopes de Souza,
as intenções contidas no estabelecimento das ZEIS, se estas retratam um zoneamento includente ou excludente.
Como percurso metodológico, baseia-se numa análise documental dos Planos Diretores e Leis de Uso e Ocupação do
Solo em ambas as cidades, de modo a examinar as legislações existentes para identificar tanto as similaridades quanto
as disparidades nas abordagens de ZEIS implementadas por cada município. Os resultados incluem considerações a
respeito de como as ZEIS, como parte do Estatuto da Cidade, têm potencial para transformar o cenário habitacional
e urbano, mas seu impacto depende da combinação com normas urbanísticas específicas e da promoção de gestão
democrática. A análise demonstrou que a mera produção de habitações não é suficiente para cumprir a função social
da cidade, uma vez que o planejamento urbano nos referidos Planos Diretores perpetua a segregação e distancia o
direito à cidade.
ABSTRACT
This research conducts a comparative analysis of the Special Zones of Social Interest (ZEIS) in the Master Plans of
Londrina and Maringá, with the aim of identifying, from the perspective of Marcelo Lopes de Souza, the intentions
embedded in the establishment of ZEIS, whether they reflect an inclusionary or exclusionary zoning approach. As a
methodological approach, it is based on a documentary analysis of the Master Plans and the Zoning Laws in both
cities, in order to examine the existing legislations to identify both similarities and disparities in the ZEIS approaches
implemented by each municipality. The results include considerations about how ZEIS, as part of the City Statute, have
the potential to transform the housing and urban landscape, but their impact depends on the combination with specific
urban regulations and the promotion of democratic management. The analysis demonstrated that the mere
production of housing is not sufficient to fulfill the social function of the city, as the urban planning in the mentioned
Master Plans perpetuates segregation and distances the right to the city.
728
1 INTRODUÇÃO
2 OBJETIVOS
O objetivo principal deste estudo é realizar uma análise comparativa das Zonas
Especiais de Interesse Social presentes nos Planos Diretores pós-Estatuto da Cidade de Londrina
e Maringá. A investigação visa examinar como essas zonas foram delineadas e determinar se
possuem um caráter includente ou excludente, à luz das diretrizes propostas por Marcelo Lopes
de Souza. Além disso, a avaliação irá verificar se tais zonas estão em conformidade com os
princípios do Direito à Cidade.
3 METODOLOGIA
A metodologia deste estudo consistirá em uma análise documental das Leis de Uso e
Ocupação do Solo de Londrina e Maringá, com foco específico nas seções que tratam das Zonas
729
Especiais de Interesse Social. Será realizada uma comparação das definições, critérios de
delimitação, regulamentações e incentivos previstos em cada legislação. A abordagem proposta
por Marcelo Lopes de Souza será aplicada como um referencial teórico para avaliar se o
zoneamento é includente ou excludente em relação às Zonas Especiais de Interesse Social.
Ademais, a análise levará em consideração as diretrizes do Estatuto da Cidade para verificar se
as zonas especiais estão em conformidade com o Direito à Cidade.
A opção pela abordagem metodológica da análise documental no presente artigo se
baseia na ideia de que, ao trabalhar com fontes primárias, como documentos oficiais e
legislações que ainda não passaram por análise detalhada, torna-se possível compreender
profundamente o assunto em estudo. De acordo com Lima Júnior et al. (2021), a pesquisa
documental é caracterizada pelo uso exclusivo de documentos como fonte de dados, visando a
obtenção de informações contidas neles para uma compreensão mais profunda de um
fenômeno. Essa abordagem emprega métodos e técnicas para coletar, compreender e analisar
um conjunto diversificado de documentos, incluindo bancos de dados heterogêneos (LIMA
JUNIOR et al, 2021, p. 42).
Por meio dessa metodologia de análise das legislações, busca-se obter uma
compreensão aprofundada das políticas de zoneamento includente ou excludente nas Zonas
Especiais de Interesse Social de Londrina e Maringá, bem como sua relação com o Direito à
Cidade e as diretrizes dos Planos Diretores de cada município.
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1 Habitação de Interesse Social e o Direito à Cidade
730
contribui para a construção de um ambiente urbano mais inclusivo, onde as desigualdades são
mitigadas e as oportunidades são equitativamente distribuídas.
Para colocar em prática e implantar as diretrizes propostas pelo Estatuto da Cidade
numa escala local e municipal, é elaborado o Plano Diretor, que poderá amparar as ações do
poder municipal em definir o uso e ocupação do solo urbano. Para se definir o uso e ocupação
do solo de forma que atenda os habitantes urbanos de maneira justa, o Plano Diretor se atenta
à função social da propriedade urbana, impondo limites ao seu uso diante da situação desigual
do acesso à moradia. Além disso, o Plano Diretor também busca aplicar instrumentos de gestão
indicados pelo Estatuto Da Cidade, de forma que se encaixe na realidade do município e possa
atender as demandas necessárias quanto ao acesso a moradia.
O acesso desigual à moradia por parte dos habitantes urbanos, a chamada questão
habitacional ou problemática habitacional, é um assunto que está diretamente ligado ao direito
à cidade e a um zoneamento includente ou excludente.
Assim, o zoneamento, de acordo com Souza (2002), é considerado o instrumento de
planejamento urbano por excelência, sendo, por muitas vezes, utilizado como ferramenta única
ao se planejar as cidades. Para o autor, desde sua origem, o zoneamento se mostra excludente
e funcionalista, de modo que separa a cidade da mesma forma que se separa uma residência –
atribuindo funções à cada parte, não havendo apenas um tipo de zoneamento, mas suas raízes,
ao menos, se dão pelo caráter excludente e funcionalista.
Nesse contexto, a Habitação de Interesse Social, que seria a maneira de amenizar ou
solucionar o problema, acaba por ser pensada e planejada, muitas das vezes às margens da
cidade, evidenciando, o processo de exclusão social a partir do espaço, e que o interesse do
Estado em suprir tais dificuldades de acesso à moradia se mostra ineficaz. Tais fatos ocorrem,
pois, os interesses privados e, por vezes, até públicos se voltam à uma política habitacional
desvinculada de seu real propósito, renegando a democratização da cidade, mantendo a
desigualdade e perpetuando a exclusão sócio territorial.
O direito à cidade deve garantir que diretrizes e legislações sejam consolidadas, para
que sejam garantidos os direitos a abrigo, moradia, equipamentos e serviços que venham a
atender as necessidades da coletividade que habita no espaço urbano, podendo assim, garantir
uma cidade que esteja preparada para atender também as demandas populares, que
atualmente se encontram num contexto desigual.
Diante disso, Souza (2002) apresenta uma visão de zoneamento includente, também
chamado de “zoneamento de prioridades”, assumindo o princípio da inversão de prioridades.
Nesta perspectiva, o Estado deveria priorizar as regiões mais pobres no tocante à infraestrutura
urbana, ao invés de se voltar às já privilegiadas.
A preocupação central de um zoneamento de prioridades e “includente”, em
contraste com a técnica tradicional de zoneamento de uso do solo, não é a separação
de funções e usos, mas sim a identificação dos espaços residenciais dos pobres
urbanos e a sua classificação de acordo com a natureza do assentamento (favela ou
loteamento irregular) e, adicionalmente, conforme o grau de carência de
infraestrutura apresentado. Convencionou-se chamar esses espaços de Áreas de
Especial Interesse Social (AEIS) ou Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Tais
espaços compreendem, principalmente, favelas, loteamentos irregulares e os vazios
urbanos. (SOUZA, 2002, p. 263).
Esse zoneamento, de acordo com Souza (2003), possui objetivos como coibir
especulação imobiliária, reduzir o nível de disparidade socioeconômica e o nível de segregação
residencial, além de democratizar o planejamento e a gestão do espaço urbano. Tais objetivos
731
encontram-se na Constituição de 1988, bem como no Estatuto da Cidade, prevendo, portanto,
sua incorporação por meio dos Planos Diretores.
Um dos instrumentos encontrados no estatuto da cidade e apontado por Souza (2002),
que pode disponibilizar alternativas para a questão habitacional são as Zonas Especiais de
Interesse Social (ZEIS), estas se apresentam como o maior instrumento de utilização pelos
municípios com relação à moradia, visto que são destinadas áreas para regularização fundiária
e urbanística, além de separação de áreas de vazios urbanos para implantação de projetos
habitacionais.
De acordo com Antonello, Veiga e Bertini (2022), as ZEIS são as áreas urbanas
destinadas predominantemente à recuperação urbanística, à regularização fundiária, à
recuperação de imóveis degradados e à produção de Habitação de Interesse Social - HIS e
Habitação de Mercado Popular – HMP, sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e
ocupação do solo.
Segundo Barros, Carvalho e Montandon (2010), é possível utilizar o referido
instrumento tanto para regularizar áreas ocupadas, independentemente da conformidade com
as normas urbanísticas durante o processo de ocupação, como para destinar áreas vazias à
habitação de interesse social. No caso da regularização de áreas ocupadas, ao instituir uma zona
de especial interesse social (ZEIS), demonstra-se viável estabelecer parâmetros urbanísticos
especiais que levem em consideração o modo de ocupação adotado pela comunidade,
permitindo, por exemplo, a utilização de vias mais estreitas em locais de declive acentuado, ou
a consolidação de ocupações em áreas ambientalmente preservadas, minimizando a
necessidade de realocação de moradias no contexto da regularização fundiária.
Além disso, ainda na visão de Barros, Carvalho e Montandon (2010), as ZEIS
possibilitam a implementação de medidas que evitem a expulsão posterior dos residentes de
baixa renda por grupos sociais mais afluentes, atraídos pela valorização desses terrenos. Quando
empregadas em relação a propriedades desocupadas ou subutilizadas, as ZEIS permitem ao
poder público reservar áreas que já contam com infraestrutura, serviços e equipamentos
urbanos para a habitação de interesse social, revelando-se como uma ferramenta significativa
para prevenir a marginalização dos indivíduos de baixa renda para as regiões periféricas
distantes dos centros urbanos.
Antonello, Veiga e Bertini (2022) destacam ainda a importância de defender o Plano
Diretor como um mecanismo orientador que efetiva a implementação de políticas habitacionais
ao estabelecer as ZEIS. Essas zonas, por sua vez, possibilitam o cumprimento da função social da
propriedade urbana, de modo que este instrumento viabiliza a ampliação do acesso da
população vulnerável a áreas urbanizadas. Para alcançar esse objetivo, é imperativo contar com
o apoio e a participação ativa dessa população na formulação de políticas públicas urbanas. O
propósito é de se alterar as orientações que atualmente definem a configuração do território,
com o intuito de ultrapassar os obstáculos que obstruem um acesso imparcial e uma abordagem
equitativa para suprir as necessidades e garantir os direitos dos residentes urbanos,
particularmente no contexto de moradias adequadas.
732
jurídicos e políticos que devem ser instituídos, juntamente com outros instrumentos de
planejamento urbano, pelo Plano Diretor.
Em Londrina, o primeiro Plano Diretor realizado após a promulgação do Estatuto da
Cidade se deu em 2008, com o Plano Diretor Participativo do Município de Londrina - PDPML
(2008 – 2018), decretado pela Lei nº 10.637/2008. Nele, encontra-se, em seu Capítulo VIII,
disposições sobre a Política Municipal de Habitação, com seus objetivos, diretrizes, princípios e
ações estratégicas. Dentre tais diretrizes, em seu artigo 41, inciso V, aparece pela primeira vez
o termo Zona Especial de Interesse Social: “V. instituir zonas especiais de interesse social (ZEIS);”
(LONDRINA, 2008). Posteriormente, em seu inciso XIV, menciona-se o estabelecimento de
parâmetros para a instituição destas zonas.
Em se tratando de ações estratégicas, tem-se, no artigo 42, a necessidade de
regulamentar os instrumentos descritos no Estatuto da Cidade na legislação municipal e, mais
adiante: “XVII. incorporar as zonas especiais de interesse social (ZEIS) como estratégia política e
urbanística para o enfrentamento da problemática habitacional da população de baixa renda;”
(LONDRINA, 2008).
O PDPML de 2008 traz em seu corpo a adoção de instrumentos urbanísticos, seguindo
o Estatuto da Cidade, voltados à garantia da função social da cidade. Dentre seus objetivos
gerais, em seu art. 6º, busca:
I. a promoção humana e a qualidade de vida da população, por meio do combate às
causas da pobreza e da redução das desigualdades sociais, assegurando-se a todos o
acesso aos recursos e serviços públicos que lhes proporcionem meios físicos e
psicossociais indispensáveis à conquista de sua própria autonomia; (LONDRINA, 2008)
Para garantir o bem-estar de seus habitantes, foram apresentados, em seu art. 125,
diversos instrumentos de política urbana, como: Parcelamento, Edificação ou Utilização
Compulsórios; IPTU Progressivo no Tempo, Direito de Preferência, Outorga Onerosa do Direito
de Construir; Operações Urbanas Consorciadas; Transferência do Direito de Construir; Estudo
de Impacto de Vizinhança etc., todos descritos ao longo do capítulo. Por meio destes, objetiva-
se proporcionar recursos, terras ou contrapartidas que beneficiem, em variados níveis, a
Habitação de Interesse Social. Entretanto, tais mecanismos não foram utilizados, apesar de
descritos na principal lei responsável pelo planejamento municipal.
As definições acerca das ZEIS foram atribuídas à lei específica, no caso a Lei de Uso e
Ocupação do Solo (12.236/2015). A Lei de Uso e Ocupação do Solo, muitas vezes referida como
“lei de zoneamento”, é quem define os parâmetros de uso e ocupação para os imóveis
localizados dentro do perímetro urbano municipal. O zoneamento, de acordo com SOUZA
(2002), é considerado o instrumento de planejamento urbano por excelência, sendo, por muitas
vezes, utilizado como ferramenta única ao se planejar as cidades. Para o autor, desde sua
origem, o zoneamento se mostra excludente e funcionalista, de modo que separa a cidade da
mesma forma que se separa uma residência – atribuindo funções à cada parte. Porém, cabe
destacar, que Souza (2002) afirma não haver apenas um tipo de zoneamento, mas suas raízes,
ao menos, se dão pelo caráter excludente e funcionalista.
No Capítulo V da Lei Municipal nº 12.236/2015, foram definidas sete zonas especiais
destinadas à implantação de projetos específicos, com parâmetros de uso e ocupação próprios,
sendo uma delas a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS). Suas especificações são encontradas
no art. 186, onde consta:
Art. 186. A Zona Especial de Interesse Social – ZEIS é a área urbana destinada
predominantemente à recuperação urbanística, à regularização fundiária, à
733
recuperação de imóveis degradados e à produção de Habitação de Interesse Social –
HIS e Habitação de Mercado Popular – HMP e sujeita a regras específicas de
parcelamento, uso e ocupação do solo. (LONDRINA, 2015).
Três foram as subdivisões criadas para as Zonas Especiais de Interesse Social, sendo
elas:
I – ZEIS 1: áreas públicas ou privadas ocupadas informalmente por segmentos
populacionais socialmente vulneráveis, nas quais existe interesse público em
promover programas habitacionais de interesse social e regularização fundiária,
urbanística e jurídica, resultado do Plano de Urbanização – PU, conforme estabelecido
em lei;
II – ZEIS 2: áreas de conjuntos habitacionais irregulares e parcelamentos irregulares e
até clandestinos, de interesse social, e preferencialmente, dos segmentos
populacionais socialmente vulneráveis, executados pelo público ou empreendedores
particulares, que têm disponibilidade de regularização dos imóveis conforme
legislação vigente; e
III – ZEIS 3: glebas e terrenos não parcelados ou não edificados, não utilizados ou
subutilizados para fins urbanos, bem como edificações não utilizadas ou subutilizadas,
localizados prioritariamente em áreas onde há infraestrutura urbana ou em terrenos
nos quais, há interesse de promover programas habitacionais de interesse social,
resultado do Plano de Urbanização – PU, conforme estabelecido nesta lei. (LONDRINA,
2015)
Conforme a lei, em seu artigo 187, havia a necessidade de regulamentação das ZEIS
por meio de lei específica, proposta dentro do prazo de 180 dias após a publicação da Lei
Municipal nº 12.236/2015. Enquanto tal lei específica não fosse publicada – e que, de fato, até
hoje não foi, os critérios e parâmetros adotados nas ZEIS seriam os mesmos da Zona Residencial
3 – ZR-3.
No que se refere à localização das ZEIS no município, dentre os 42 lotes de ZEIS
existentes, nenhum deles se encontra na região central – aliás, com vários lotes de grandes
dimensões muito próximos do limite do perímetro urbano. De acordo com o IPPUL, em seu
Caderno Técnico 7 – Diagnóstico de Zonas da Lei Municipal 12.236/2015 – Usos do Solo, alguns
dos maiores lotes de ZEIS encontrados, especialmente os da zona norte, sequer possuem
parcelamento do solo, encontram-se sem uso ou até mesmo com atividades voltadas ao uso
rural sendo desenvolvidas.
Outras regiões, como as ZEIS presentes na zona leste, já se mostram mais
consolidadas, contudo, há grandes disparidades em relação à infraestrutura dentro da mesma
categoria de zoneamento. Além disso, ainda que todos os lotes estivessem sendo utilizados com
o fim proposto, cria-se uma cidade dispersa e segregacionista, onde a população mais pobre é
posta à margem da cidade, literal e figurativamente. Assim, torna-se facilmente perceptível um
tipo de zoneamento excludente, onde a população mais pobre é colocada distante dos demais
membros componentes da sociedade.
734
Na referida seção, são apontadas estratégias para se alcançar os objetivos de uso e
ocupação do solo sustentáveis, a mobilidade urbana, preservação da paisagem, distribuição
justa dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização, além da promoção do
acesso à habitação, priorizando a população de baixa renda. Para a consecução dos objetivos
apresentados, definem-se estratégias no artigo 24, e cabe destacar, no que se refere à política
habitacional, os seguintes pontos:
a) inciso IX, em que se sugere a redefinição de critérios da política habitacional;
b) inciso X, onde se propõe a articulação da política habitacional de Maringá às dos
demais municípios da região metropolitana;
c) inciso XI, onde apresenta-se a potencialização dos instrumentos do Estatuto da
Cidade para a política habitacional.
Outro inciso que se sobressai diz respeito ao inciso XV, em que se busca definir a
política municipal de habitação, com ênfase na população de baixa renda, contemplando: “a)
destinação de áreas para Habitação de Interesse Social; b) criação de mecanismos de
financiamento; c) moradia rural; d) combate à exclusão socioterritorial;” (MARINGÁ, 2006). No
parágrafo primeiro do presente artigo, define-se a Habitação de Interesse Social como “aquela
destinada à população com renda familiar mensal limitada a 06 (seis) salários mínimos.”
(MARINGÁ, 2006)., contudo, para os fins da política habitacional, tem-se como prioridade a
população com renda familiar de até três salários mínimos, conforme parágrafo segundo.
No Capítulo II do Plano Diretor, encontra-se uma seção específica para a discussão no
que diz respeito às Zonas Especiais de Interesse Social, seção na qual são definidas como porções
do território destinadas prioritariamente à urbanização e produção de habitação de interesse
social, com padrões de uso e ocupação diferenciados. Dentre seus objetivos, constam:
I - permitir a inclusão urbana de parcelas da população que se encontram à
margem do mercado legal de terras;
II - possibilitar a extensão dos serviços e da infraestrutura urbana nas regiões
não atendidas;
III - garantir a melhoria da qualidade de vida e equidade social entre as
ocupações urbanas. (MARINGÁ, 2006)
735
Zona Especial de Interesse Social é identificada como a de número 22 (ZE22), sendo de uso
exclusivamente residencial, com ocupação de residências unifamiliares, bifamiliares ou
multifamiliares, formadas por terrenos designados para a implementação de iniciativas
habitacionais com foco em necessidades sociais.
De acordo com Silva (2013), entretanto, tais áreas destinadas à habitação de interesse
social foram de terrenos públicos desafetados ou nos distritos de Maringá, partindo da
justificativa de que havia um déficit de terrenos aptos em questão de valores à instalação das
habitações, o que fazia com que os valores subissem muito acima da média. Assim, a Macrozona
de Contenção, idealizada de modo a conter a expansão horizontal, foi substituída pela
Macrozona de Ocupação Imediata, permitindo a instalação de novos loteamentos na região
próxima à divisa do perímetro urbano. Silva (2013) afirma que a mudança na lei ocorreu, porém
os preços dos terrenos não diminuíram,
Ao contrário, estão sendo criados novos empreendimentos nas bordas da cidade
favorecidos pelas novas regras de parcelamento, como condomínios para classe alta
e ao mesmo tempo bairros populares do MCMV colados ao novo limite do perímetro,
em regiões quase rurais. São práticas como essa que aprofundam e mantém a
histórica segregação social e o afastamento do direito a cidade que compõe o cenário
regional metropolitano. (SILVA, 2013, p. 13).
Já com relação aos lotes desafetados pelo município em áreas bem localizadas
compõem uma abordagem que, caracterizada pelo espalhamento das ZEIS no município, ainda
segundo Silva (2013), proporciona a inserção da população em bairros já consolidados, próxima
da infraestrutura, evitando a formação de concentrações de regiões formadas exclusivamente
pela população de baixa renda, conforme previsto pelo próprio conceito de ZEIS. Esta forma de
se conceber as ZEIS se mostra bastante distinta da apresentada em Londrina, onde foram
separadas grandes áreas para a habitação social em regiões carentes de infraestrutura, com
grandes bolsões de vazios urbanos entre as ZEIS e o restante da malha urbana etc. Assim, neste
caso, pode-se considerar o zoneamento de Maringá como mais includente, ao passo que
Londrina se mostra mais excludente.
No entanto, quando se analisa o contexto maringaense no que se refere à articulação
dos instrumentos urbanísticos descritos no Plano Diretor, a situação se mostra semelhante à de
Londrina. Brajato (2017) trabalha o caso da aplicação do Parcelamento, Edificação ou Utilização
Compulsórios (PEUC) em Maringá, sendo este um conjunto de instrumentos previsto pela
Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, onde o IPTU progressivo no tempo e a
desapropriação-sanção surgem com o propósito de reduzir a retenção especulativa de imóveis
urbanos bem localizados e com demanda. Conforme a autora, o PEUC estabelece a exigência de
uso, parcelamento ou edificação de imóveis ociosos em prazo definido. Em caso de
descumprimento, o IPTU progressivo no tempo é aplicado, aumentando a alíquota anualmente
até 15%. Se o uso apropriado não ocorrer, a desapropriação-sanção é possível, com pagamento
em títulos da dívida pública. Sua importância com relação às ZEIS se dá de modo que, como
instrumento jurídico-urbanístico, pode favorecer a disponibilização de áreas para a habitação
de interesse social, contribuindo, por consequência, para a democratização do acesso à terra e
à moradia, alinhando-se aos objetivos da Reforma Urbana.
De acordo com Brajato (2017), a despeito de sua capacidade de promover os preceitos
definidos no Estatuto da Cidade relacionados à função social da propriedade, o PEUC carece de
orientações para sua aplicação dentro das Zonas Especiais de Interesse Social e, em Maringá,
torna-se claro que esse instrumento não foi concebido para simplificar a alocação de terras
736
destinadas à Habitação de Interesse Social. A aplicação do instrumento não demonstra estar
conectada a outros dispositivos urbanísticos, o que compromete sua eficácia. Assim sendo,
entende-se que, mesmo com a definição do instrumento, sua aplicabilidade se torna
comprometida quando em desacordo com demais instrumentos, demandando maiores formas
de se garantir a aplicabilidade.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo teve como objetivo realizar uma análise comparativa das Zonas
Especiais de Interesse Social (ZEIS) nos Planos Diretores de Maringá (2006) e de Londrina (2008),
explorando a perspectiva do zoneamento inclusivo ou excludente e sua relação com o direito à
cidade. Nesse sentido, o exame detalhado das legislações vigentes e suas potenciais alterações
permitiu uma compreensão mais profunda sobre como essas cidades abordam a inclusão social
em seus ordenamentos territoriais.
Por meio de análise documental, foi possível comparar as Leis de Uso e Ocupação do
Solo das duas cidades presentes em seus respectivos Planos Diretores, buscando identificar a
presença das concepções de zoneamento inclusivo ou excludente propostas por Souza (2002) e
suas influências na definição das ZEIS. A abordagem se revelou adequada e eficaz ao longo desta
pesquisa, demonstrando sua capacidade de atender integralmente aos objetivos propostos,
proporcionando uma base sólida para as análises críticas e reflexões apresentadas.
O instrumento das ZEIS, entre os diversos mecanismos do Estatuto da Cidade, destaca-
se como aquele que pode efetivamente provocar transformações no cenário do direito à
moradia e à cidade. Sua presença nos Planos Diretores de diversas cidades brasileiras é um passo
positivo, porém, seu impacto pleno depende da combinação com normas urbanísticas que
respeitem as particularidades das áreas a serem regularizadas e da promoção de processos de
gestão democrática.
No entanto, a mera inserção dos moradores no tecido urbano não garante sua
integração na sociedade. Para que essa integração ocorra, é crucial que sejam reconhecidos
socialmente como detentores dos mesmos direitos e oportunidades (SILVA, 2013). Porém, com
a análise das ZEIS dispostas nas Leis de Uso e Ocupação do Solo de Londrina e Maringá, ficou
evidente que, embora os instrumentos delineados pelo Estatuto da Cidade relacionados ao
acesso à terra e à moradia estejam presentes nos Planos Diretores, sua aplicação ainda não
ocorre de maneira coerente e eficaz para promover a apropriação coletiva do território.
Nesse sentido, fica claro que apenas a produção de loteamentos e habitações não é
suficiente para cumprir plenamente a função social da cidade. O cenário ideal requer uma cidade
sustentável que ofereça uma gama de comércios, serviços, indústrias, equipamentos públicos,
áreas de lazer e esportes, com acesso equitativo para toda a população. A prática de um
planejamento urbano incoerente, como a observada em alguns aspectos presentes nas cidades
deste estudo, perpetua a segregação histórica e distancia o efetivo direito à cidade para todos
os cidadãos.
Dessa forma, conclui-se que o desafio reside em transformar os instrumentos legais
em ações concretas que efetivamente promovam a inclusão social, respeitando as
especificidades locais e promovendo uma gestão urbana verdadeiramente democrática e
737
igualitária. Somente mediante esforços conjuntos, é que se poderá aspirar a um cenário onde a
cidade e seus recursos sejam acessíveis e beneficiem a todos os segmentos da sociedade.
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