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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

Reitor: Prof. Dr. Vahan Agopyan


Vice-Reitor: Prof. Dr. Antônio Carlos Hernandes

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO


Diretor: Profa. Dra. Maria Angela Faggin Pereira Leite
Vice-Diretor: Prof. Dr. Ricardo Marques de Azevedo

COORDENAÇÃO: Prof. Dr. Silvio Soares Macedo (FAUUSP)


VICE-COORDENAÇÃO: Prof. Dr. Eugenio Fernandes Queiroga (FAUUSP)

CONSELHO EDITORIAL DO LAB QUAPÁ:


Profa. Dra. Ana Cecília Mattei de Arruda Campos (PUC-Campinas)
Prof. Dr. Eugenio Fernandes Queiroga (FAUUSP)
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Prof. Dr. Silvio Soares Macedo (FAUUSP)
Profa. Dra. Vanderli Custodio (IEB-USP)
Profa. Dra. Vera Regina Tângari (UFRJ)
Profa. Dra. Verônica Garcia Donoso (UFSM)

Catalogação na Publicação
Serviço Técnico de Biblioteca
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

Quadro geral da forma e do sistema de espaços livres das cidades brasileiras


– Livro 2 / organização de Silvio Soares Macedo, Eugenio Fernandes
Queiroga, Ana Cecília de Arruda Campos, Vanderli Custodio.
São Paulo: FAUUSP, 2018.
p. 378

ISBN: 978-85-8089-141-6

1. Espaços livres 2. Morfologia urbana 3. Paisagem urbana


I. Macedo, Silvio Soares, org. II. Queiroga, Eugenio Fernandes, org. III.
Arruda Campos, Ana Cecília de, org. IV. Custodio, Vanderli, org.

CDD 711.52

SERVIÇO DE BIBLIOTECA E INFORMAÇÃO DA FAUUSP: Paola de Marco Lopes dos Santos


CAPA: Eduardo Henrique Tita Lain
REVISÃO: Profa. Dra. Ana Cecília Arruda Campos e Profa. Dra. Vanderli Custodio
FORMATAÇÃO: Rafaela Pavanelli Chaves
FORMATO: e-book

2
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
Ana Cecília Mattei de Arruda Campos ……………………………...................................................................... 5

SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E MORFOLOGIA URBANA DE CAMPINAS


José Roberto Merlin, Denio Munia Benfatti, Jonathas Magalhães Pereira da Silva, Wilson Ribeiro dos
Santos Jr ….……………………………………………………………………………………………………………………………..………… 9

TRANSFORMAÇÃO E PERENIDADE: o legado dos royalties do petróleo


na paisagem de Campos dos Goytacazes/ RJ
Danielly Cozer Aliprandi, Antonio Leandro Crespo de Godoy ……………………………………….………..………… 42

CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA DE GOIÂNIA. Da estrutura


tipológica elementar ao Parque Macambira Anicuns
Wilton de Araujo Medeiros ………………………………………………………………………………………………………...……61

MACEIÓ: SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A FORMA URBANA


Geraldo Majela Gaudêncio Faria, Veronica Robalinho Cavalcanti …………………………………..............….… 93

CONFIGURAÇÃO URBANA DE MANAUS ANALISADA A PARTIR DE SEU


SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
Taís Furtado Pontes, Vládia Pinheiro Cantanhede Heimbecker……………..…………………………………………113

TRANSFORMAÇÕES NA FORMA URBANA DE MARINGÁ-PR. O sistema de


espaços livres e as reconfigurações urbanas recentes
Karin Schwabe Meneguetti, Renato Leão Rego, Gislaine Elizete Beloto, Izabela Bombo Gonçalves,
Samara Soares Braga, Mayara Henriques Coimbra ………………………………………………………………….…… 153

SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NA CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA DE


NATAL
Ruth Ataíde, Amíria Brasil, Maria Dulce Bentes Sobrinha, Francisco Bezerra Junior, Camila Furukava,
Verônica Lima, Alexsandro Silva ………………………….……………………………………………………………….………. 169

3
SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA
CONTEMPORÂNEA: produção e apropriação em Palmas-TO
Lucimara Albieri ………………….………………………………………………………………………………….…………….……… 199

ESPAÇOS LIVRES E FORMA URBANA NO RIO DE JANEIRO: contrastes e


contradições do processo de estruturação do espaço e da paisagem
Mariana V. Moreira, Bruno R. Mendonça, Marco B. Amorim, Alain L. Flandes, Flora O. Fernandez, Carla
G. Oliveira, Aydam de Paula, Camila C. Vianna, Rogerio G. Cardeman, Vera R. Tângari …………………… 237

O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A FORMA URBANA DA CIDADE DE


SANTA MARIA-RS-BRASIL: caracterização das dinâmicas espaciais e funcionais
Luis Guilherme Aita Pippi, Letícia de Castro Gabriel, Helena Reginato Gabriel, Renata Michelon Cocco,
Ana Júlia Breunig de Freitas, Letícia de Fátima Durlo Coutinho, Raquel Weiss ………………….……………. 260

SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E SUA RELAÇÃO COM OS AGENTES


PÚBLICOS E PRIVADOS NA PRODUÇÃO DA FORMA URBANA DE SÃO
CARLOS, SP
Luciana Schenk, Renata Peres, Marcel Fantin …………………………………………………………………………..……. 297

DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA QUAPÁ-SEL NA REGIÃO


METROPOLITANA DE SÃO PAULO. Espaços livres, apropriações e forma
urbana na metrópole paulistana
Eugenio Fernandes Queiroga, Veronica Garcia Donoso …..…….…………………………………………….………… 340

O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NA CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA


DA REGIÃO DE VITÓRIA, ES
Eneida Maria Souza Mendonça, Lorenzo Gonçalves Valfré …………………..……….…………………….………… 357

4
APRESENTAÇÃO

Nestas praticamente duas primeiras décadas do século XXI, intensas e prementes são as
transformações da urbanização brasileira. Segundo estimativas do IBGE, entre 2000 e
2017, a população cresce cerca de 23% e é majoritariamente urbana. Processos como a
implementação de loteamentos fechados e condomínios horizontais, de acesso
controlado, se intensificam apoiados na ampliação da rede viária e rodoviária.
Conjugam-se com maior mobilidade, deslocamentos pendulares, novas possibilidades de
organização do trabalho e consumo do espaço urbano. Centros de distribuição e logística,
núcleos empresariais, estruturas comerciais e de serviços de grande porte reorganizam
os espaços, escapam às classificações usuais e forçam novas reflexões. O próprio IBGE
abriu em 2017 discussão sobre o binômio rural-urbano, alterando seus critérios de
classificação.

O ritmo das transformações reflete as mudanças políticas e econômicas. O crescimento


do agronegócio impulsiona cidades médias e cria outras novas. Investimentos federais
possibilitam obras infraestruturais de porte e o Programa Minha Casa Minha Vida
transforma a realidade de diversas cidades. A nacionalização de incorporadoras
imobiliárias é por vezes associada ao processo de verticalização recente que altera a
conformação de muitas cidades, mas não é sua única vertente.

Se por um lado há um aumento de renda das camadas mais baixas da população, por
outro mantem-se a desigualdade, expressa nos assentamentos precários por todo o País.
A segregação está muito além dos propalados muros e cercamento: está visível nas
distâncias percorridas diariamente por muitos, nas irregularidades fundiárias que
impossibilitam seu acesso a serviços básicos, na precariedade do sistema de espaços
livres resultante. As estruturas naturais sofrem a pressão da urbanização e a ampliação
das redes de esgotamento sanitário e abastecimento de água não é acompanhada na
mesma medida do processo de urbanização, assim são precários o tratamento de esgoto,
a despoluição de rios e a reciclagem de resíduos sólidos.

Com relação aos espaços livres, novos tipos como os parques lineares, qualificados ou
não, são realidade em inúmeras cidades e denotam a força do discurso ambiental
corroborado por legislação específica. Às tradicionais funções como lazer e recreação
realizadas em estruturas projetadas especificamente para estes usos, somam-se o
efêmero, o não controlado, a ação impulsionada por meio das redes sociais. Qual o
desenho destes espaços para os novos usos?

5
Mesmo a mobilidade adquire outros contornos: aos modais motorizados, somam-se as
bicicletas, questiona-se a qualidade das calçadas, fala-se em cicloativismo e
caminhabilidade. Além dos deslocamentos em si, outros parâmetros de apropriação das
cidades entram em discussão.

A forma urbana pode ser analisada segundo abordagem interescalar dos elementos que
constituem os tecidos urbanos. Pode também ser aplicada à mancha urbana dos
aglomerados. Como define Queiroga em palestra no Colóquio da rede nacional de
pesquisa QUAPÁ-SEL (FAUUSP, outubro 2018) “a paisagem é processo (relação entre
processos sociais sobre as dinâmicas do suporte biofísico), a forma urbana é produto,
ainda que mutável e dinâmico, condição para que o urbano se realize”.

Entretanto, apesar da similaridade destes processos, sua materialização se dá de modos


distintos nas cidades brasileiras segundo suas particularidades históricas e
socioeconômicas. Esta diversidade é abordada nos artigos aqui apresentados. Cidades
médias, sedes de regiões metropolitanas, capitais de estado, cada qual se estrutura e
reflete sua própria organização.

Aos autores foi solicitada a análise de itens específicos que balizam a produção dos
artigos: a relação da morfologia urbana com o suporte biofísico, o sistema de espaços
livres, o papel concreto dos agentes produtores dos espaços livres e edificados, os
padrões morfológicos e a legislação urbanística e ambiental pertinente. Estes itens
direcionaram a pesquisa desenvolvida nestes 5 últimos anos no projeto temático de
pesquisa intitulado Os sistemas de espaços livres na constituição da forma urbana
contemporânea no Brasil: produção e apropriação – QUAPÁ-SEL II, que se encerra neste
ano (2018). E que teve na realização de oficinas in loco seu ponto mais relevante
(reconhecimento por terra, sobrevoo com levantamento fotográfico, trabalhos em grupo
e síntese das oficinas em quatro temas: 1) o sistema de espaços livres existentes; 2) a
legislação e os espaços edificados e livres gerados; 3) a identificação dos agentes
produtores do espaço urbano e; 4) os padrões morfológicos existentes). O material
resultante foi muito aproveitado pelos autores dos trabalhos aqui apresentados.

A ocupação dispersa e fragmentada, a desarticulação de espaços livres e tecidos urbanos


que reforçam a segregação socioespacial são abordados em SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
E MORFOLOGIA URBANA DE CAMPINAS, de autoria de José Roberto Merlin, Denio Munia
Benfatti, Jonathas Magalhães Pereira da Silva e Wilson Ribeiro dos Santos Jr.

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Com relação às transformações das cidades médias, a produção de petróleo e seus
impactos na urbanização recente são analisados por Danielly Cozer Aliprandi e Antonio
Leandro Crespo de Godoy em TRANSFORMAÇÃO E PERENIDADE: o legado dos royalties
do petróleo na paisagem de Campos dos Goytacazes/ RJ.

Em CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA DE GOIÂNIA. Da estrutura tipológica elementar


ao Parque Macambira Anicuns, Wilton de Araujo Medeiros parte dos tipos de espaços
livres oriundos do projeto inicial da cidade, confrontando-os com aqueles gerados pela
urbanização recente.

Geraldo Majela Gaudêncio Faria e Veronica Robalinho Cavalcanti discutem em MACEIÓ:


SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A FORMA URBANA, as características dos espaços livres
para que assegurem às formações urbanas condições adequadas de funcionalidade e
organicidade aos subsistemas.

Em CONFIGURAÇÃO URBANA DE MANAUS ANALISADA A PARTIR DE SEU SISTEMA DE


ESPAÇOS LIVRES, Taís Furtado Pontes e Vládia Pinheiro Cantanhede Heimbecker enfocam
o conflito da urbanização frente a paisagem natural, em detalhada narrativa histórica.

Os pesquisadores Karin Schwabe Meneguetti, Renato Leão Rego, Gislaine Elizete Beloto,
Izabela Bombo Gonçalves, Samara Soares Braga e Mayara Henriques Coimbra no artigo
TRANSFORMAÇÕES NA FORMA URBANA DE MARINGÁ-PR. O sistema de espaços livres e as
reconfigurações urbanas recentes cidade de Maringá partem do projeto inicial da cidade
onde a estruturação das formas urbanas se dá através do sistema de espaços livres,
adequando-os ao suporte natural, e verificando sua estrutura atual.

A relação conflituosa dos diversos agentes envolvidos na produção do espaço e a pressão


por ocupação frente às estruturas naturais é discutida em SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
NA CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA DE NATAL por Ruth Ataíde, Amíria Brasil, Maria
Dulce Bentes Sobrinha, Francisco Bezerra Junior, Camila Furukava, Verônica Lima e
Alexsandro Silva.

Lucimara Albieri analisa a constituição da forma urbana de Palmas a partir de seu projeto
urbanístico, evidenciando seus conflitos e contradições em SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
E A CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA CONTEMPORÂNEA produção e apropriação em
Palmas-TO.

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ESPAÇOS LIVRES E FORMA URBANA NO RIO DE JANEIRO: contrastes e contradições do
processo de estruturação do espaço e da paisagem, artigo desenvolvido pelos
pesquisadores Mariana V. Moreira, Bruno R. Mendonça, Marco B. Amorim, Alain L.
Flandes, Flora O. Fernandez, Carla G. Oliveira, Aydam de Paula, Camila C. Vianna,
Rogerio G. Cardeman e Vera R. Tângari, discorre sobre a dinâmica de ocupação e
apropriação do solo e a fragmentação urbana causada por processo desarticulado, com
impactos ambientais.

O crescimento significativo das cidades médias no País e a decorrente intensificação de


problemas como a segregação socioespacial e a desconectividade de espaços
interurbanos são alguns dos destaques do artigo O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A
FORMA URBANA DA CIDADE DE SANTA MARIA-RS-BRASIL caracterização das dinâmicas
espaciais e funcionais de Luis Guilherme Aita Pippi, Letícia de Castro Gabriel, Helena
Reginato Gabriel, Renata Michelon Cocco, Ana Júlia Breunig de Freitas, Letícia de Fátima
Durlo Coutinho e Raquel Weiss.

Em SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E SUA RELAÇÃO COM OS AGENTES PÚBLICOS E PRIVADOS


NA PRODUÇÃO DA FORMA URBANA DE SÃO CARLOS, SP, Luciana Schenk, Renata Peres e
Marcel Fantin analisam historicamente o desenvolvimento da cidade e seus conflitos com
as estruturas naturais, consolidando fragilidades, ambiental e social.

No artigo DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA QUAPÁ-SEL NA REGIÃO METROPOLITANA DE


SÃO PAULO Espaços livres, apropriações e forma urbana na metrópole paulistana,
Eugenio Fernandes Queiroga e Veronica Garcia Donoso abordam a escala metropolitana
para análise da urbanização recente e o sistema de espaços livres, enfrentamento
necessário para compreensão de alguns de seus processos.

Por fim, Eneida Maria Souza Mendonça e Lorenzo Gonçalves Valfré desenvolvem seus
estudos sobre O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NA CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA DA
REGIÃO DE VITÓRIA, ES abordando a escala metropolitana da forma urbana.

Ana Cecília Mattei de Arruda Campos


pesquisadora Lab QUAPÁ, PUC -Campinas
Maio 2018

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SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E MORFOLOGIA URBANA DE CAMPINAS
MERLIN, J. R. (1); BENFATTI, D. M. (2); SILVA, J. M. P. da (3); SANTOS JR, W. R. dos (4)
(1) Professor PUC Campinas, e-mail: jrmerlin@puc-campinas.edu.br
(2) Professor PUC Campinas, e-mail: deniobenfatti@puc-campinas.edu.br
(3) Professor PUC Campinas, e-mail: Jonathas.silva@puc-campinas.edu.br
(4) Professor PUC Campinas, e-mail: wilson@puc-campinas.edu.br

Introdução

Campinas se caracteriza pela ocupação dispersa e fragmentada sobre suporte físico


de relevo ondulado o que acaba por determinar as linhas de drenagens naturais e as
áreas de maior dificuldade de ocupação. O modelo de ocupação acaba por gerar
grandes espaços livres dentro do perímetro urbano dificultando ainda mais aspectos
de mobilidade urbana. Os espaços livres no perímetro urbano resultam, em sua
maioria, do processo de parcelamento do solo e se encontram desarticulados entre
si e com baixa manutenção. Por ser uma cidade com forte segregação sócioespacial,
marcada pelas rodovias Anhanguera e Bandeirantes, os espaços livres recebem
prioritariamente investimentos em locais centrais e a noroeste. A presença do
Aeroporto a sudoeste estabelece uma tensão entre os anseios de transformação
visando chamar novos capitais para a região em contraponto à ocupação de lotes
populares regulares e irregulares quanto à legislação.

Na escala metropolitana o sistema de espaços livres guarda ainda oportunidades de


qualificação dada a continuidade de áreas de preservação estabelecidas pelas
legislações municipais, entretanto, existe um vazio na gestão destes espaços que
tendem a serem transformados e ocupados pela urbanização intensiva.
Recentemente a proposta do município de Campinas em estender seu perímetro
urbano até o limite municipal fragiliza as áreas ainda preservadas a nordeste do
município que facilitam a recarga dos aquíferos.

As primeiras leituras sinalizam que para entender o fenômeno de transformação e


consequentemente a forma urbana do município de Campinas é necessário
compreender as correlações de forças presentes na escala metropolitana e global.

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Caraterização geral: a inserção da cidade no território

O fato de Campinas estar inserida em uma região macro metropolitana dificulta sua
análise apenas na escala municipal. Sua dinâmica deve ser compreendida a partir do
entendimento das dinâmicas que ocorrem entre as regiões metropolitanas de São
Paulo, Sorocaba e da Aglomeração Urbana de Jundiaí. (Figura 01)

Figura 01: Inserção da região Metropolitana de Campinas na Macro metrópole Paulista. Fonte: autor
sobre bases da EMPLASA (2016)

A leitura da região revela um processo histórico de ocupação onde as condicionantes


do suporte físico induzem as ocupações que, ora se amoldam às configurações de
forças existentes, ora buscam romper barreiras, ratificando a ideia de que a leitura
de Campinas deve considerar as diferentes escalas do território.

As rodovias paulistas estruturam caminhos significativos que possibilitam uma


mobilidade logística para o transporte rodoviário de cargas e mercadorias, assim
como favorecem o transporte individual por meio do automóvel. Esta estrutura
potencializa modelos de negócios imobiliários independentes da proximidade do
centro urbano histórico, gerando sobre o território, um processo de segregação
urbana e social, em que a capacidade de mobilidade torna-se um fator determinante,
conforme se observa na Figura 02.

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Figura 02: Estrutura de Caminhos Significativos Rodovias Paulistas: 1. Faria Lima; 2. Washington Luis;
3. Anhanguera; 4. Bandeirantes; 5. Marechal Rondon; 6. Fernão Dias; 7. Castelo Branco; 8. Dom
Pedro I; 9. Presidente Dutra/Carvalho Pinto; 10. Raposo Tavares; 11. Régis Bittencourt; 12
Anchieta/Imigrantes. Fonte: MANETI, 2013.

Ao serem localizadas as infraestruturas logísticas da região (Portos, Portos Secos e


Aeroportos) conseguiu-se identificar a forte presença de setores do capital que vai
além do imobiliário. Reflete-se nos “hubs” que concentram caminhões negociando
cargas próximos aos cruzamentos de rodovias e no eclodir de inúmeros grandes
depósitos vinculados à logística ao longo de todas as estradas que acedem o
aeroporto de Viracopos (Figura 03). Esta dinâmica engendra a fragmentação dos
centros urbanos da região de forma inaudita. As localizações são criadas por grupos
com diferentes resultados no território, por exemplo: um condomínio residencial
vizinho a uma área de pasto, de agroindústria ou de uma grande indústria
manufatureira. O estudo do Sistema de Espaços Livres trabalha, portanto, com
diferentes contextos em que a análise territorial interescalar pode ajudar a
compreender os interesses envolvidos.

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Figura 03: Estrutura de Logística: Portos; Aeroportos; Portos Secos. Fonte: MANETTI, 2013.

Na cidade de Campinas, o principal centro urbano da Região Metropolitana de


Campinas, já se observava nas pesquisas de origem e destino de 2007, que Campinas
estabelecia uma forte atratividade na região, seguida pelo município de Americana,
destacando-se, das demais cidades.

O grupo de pesquisa Requalificação Urbana vem trabalhando com o conceito de


regiões homogêneas na busca de um método que possibilite a análise entre escalas.
Denominaram-se estas regiões homogêneas de Unidades Morfo-Territoriais
(MAGALHÃES, 2013) por serem considerados os aspectos físicos e socioeconômicos
em suas delimitações, fazendo emergir novo conceito como se vê na Figura 04.

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Figura 04. Delimitação das unidades morfo-territoriais por meio do uso do Google Earth em formato
*png. Fonte: MAGALHÃES 2015.

Por exemplo, o processo de delimitação das unidades morfo-territoriais (SILVA,


2014), utilizados para o estudo do Sistema de Espaços Livres, considerou as dinâmicas
de mobilidade da região, delimitando possibilidades de novo conceito. (Figuras 05,
06 e 07)

Figura 05: Delimitação das unidades de Paisagem considerando a dinâmica da mobilidade sócio
espacial da região. Fonte: SILVA, LIMA & MAGALHÂES, 2015.

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A análise na delimitação das unidades morfo-territoriais identifica um setor que está
fortemente relacionado ao eixo da rodovia Anhanguera, assim como, setores que
estabelecem relações com outros vetores de ocupação da região.

Figura 06: D1. Delimitação das áreas urbanizadas, D2. Limite do perímetro urbano. Fonte: Silva, 2013.

As difusões Figura 06: das conurbações são percebidas principalmente ao longo da


Rodovia Anhanguera, que interliga os municípios de Valinhos, Campinas e
Hortolândia e em outras regiões, como é o caso de Sumaré e Paulínia. Também se
observa processos de conurbação conduzida pela Rodovia Santos Dumont, em que o
processo se encontra bastante estruturado, ligando Campinas a Sorocaba, passando
por Indaiatuba, Salto e Itu. Entretanto, cabe esclarecer que, apesar da conurbação
observam-se vários sistemas de espaços livres. As áreas rurais que geram
descontinuidades nos perímetros urbanos possuem invariavelmente grande
fragilidade ambiental pelo seu uso histórico por conjuntos habitacionais, produzindo
áreas urbanas que geram inúmeros conflitos a ponto de envolver ações do Ministério
Público, processando empreendedores imobiliários e a própria municipalidade ao
gerar ocupação do solo em desconformidade com a sustentabilidade e com o Estatuto
da Cidade.

A cidade de Campinas teve seu crescimento urbano condicionado pela dinâmica


regional, especialmente pela presença das linhas férreas substituídas posteriormente
pelas rodovias, protagonistas do desenvolvimento da região quanto a mobilidade,

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que condicionaram a permanência ou a transformação dos grandes espaços livres
públicos.

Figura 07: Estrutura Urbana de Campinas: I) 1940; II) 1970; III) 2010. Fonte: Fonte: MANETTI, 2013

O processo ilustrado acima (Figura 07) possibilita estabelecer relações distintas


entre o sistema de espaços livres existente no centro histórico (1940), a oeste da
rodovia Anhanguera (1970), a norte da Rodovia D. Pedro I e a leste da Rodovia José
Roberto Magalhães Teixeira (1990).

Já na grande escala (Figura 08) percebem-se as diferentes dinâmicas que ocorrem a


noroeste. As forças transversais a este eixo irão imprimir diferentes potencialidades
e consequentemente irão impactar sobre o sistema de espaços livres da região.

Figura 08: Configuração das Porções Territoriais: A. Quadrante de Ribeirão Preto/São José do Rio
Preto/Barretos; B. “Garfo” de Limeira; C. Compartimento Inter Metropolitano. Fonte: MANETTI, 2013.

15
Suporte biofísico e morfologia urbana

O mapa abaixo (Figura 09), resultante da análise das legislações municipais,


identifica as áreas onde constam diretrizes de preservação ou conservação
ambiental. Observam-se dois potenciais corredores que se formam a sudoeste da
Rodovia Anhanguera e leste da Rodovia José Roberto Magalhães Teixeira.

Figura 09: Mapa síntese resultante da analise das legislações municipais. Destacam-se em verde as
áreas que constam diretrizes de preservação ou conservação ambiental. SILVA, 2012.

A ocupação observada no território, assim como as transformações que ocorreram


nas últimas décadas, promoveram uma maior densidade ao redor dos centros
históricos e uma menor densidade nas bordas da área urbana. Entretanto, quando
analisamos os mapas de distribuição de renda e de densidade, torna-se possível
verificar maior verticalização e densidade mais elevada na área central. Também é
possível verificar que no quadrante sudoeste, com os índices de renda mais baixos
do município, a densidade está bem próxima da existente na área central. O
resultado espacial é a predominância da verticalização na área central concomitante
com um processo que intensifica ocupação dentro dos lotes, com ocupação dispersa
caracterizada pela morfologia edilícia horizontal. Os eixos rodoviários são vetores de
adensamento e verticalizações pontuais.

O mapa da Figura 10 caracteriza a região metropolitana de Campinas cruzando a


condição da infraestrutura existente com a situação de consolidação das áreas

16
urbanizadas. A paisagem é fortemente caracterizada pela dispersão urbana e
relações de fronteiras indefinidas entre áreas rurais e urbanas. Entretanto cabe
ponderar que esta dispersão é mais visível e legível quando se trata da região
metropolitana de Campinas, muito mais dispersa do que a região metropolitana de
São Paulo, se tornando mais onerosa ao erário público.

Figura 10: Reagrupamento dos dados do Censo 2010 e rede de infraestrutura: RMC água e esgoto.
Fonte: PERA, 2015.

Podem ser apontados alguns enclaves na área urbana como a fazenda do Exército ou
Fazenda Santa Elisa, entretanto, não são estes elementos que induzem a
descontinuidade urbana, mas sim o interesse do mercado em criar localizações onde
o solo urbano tem menor custo. Este fato afeta tanto as urbanizações ligadas ao
mercado de renda média e alta, como também no que concerne a implantação dos
conjuntos populares do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV).

Com relação às áreas com densidade de vegetação, cabe destacar a presença


concentrada em áreas ainda sem ou com baixa ocupação na região nordeste do

17
município, caracterizada como as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), conforme
mostra a Figura 09, referenciada anteriormente.

Ainda com respeito às relações entre suporte físico e morfologia urbana, a rede
hídrica que corta o município, em função da legislação ambiental, gerou forte
influencia sobre a morfologia urbana. A cidade de Campinas está assentada sobre
cinco bacias hidrográficas: Jaguari, Atibaia, Anhumas, Quilombo, Capivari e Capivari
Mirim. Esses rios, de porte médio, são irrigados por uma densa rede de pequenos
afluentes.

Essa rede hídrica, a partir da nova legislação ambiental, influenciou de forma


significativa o processo de ocupação nas áreas de expansão urbana de ocupação mais
recente.

De propriedade pública ou privada, as áreas lindeiras aos corpos d’água passam a ser
protegidas pela legislação ambiental. Isso implicou, para muitas cidades, em acréscimo
considerável de espaços livres de edificação no meio urbano. Assim, um novo e
importante conjunto de áreas não edificadas estaria sendo incorporado ao conjunto geral
de áreas que compõem o sistema de espaços livres da cidade. (BENFATTI, SILVA, 2013).

No caso de Campinas, a legislação municipal incorporou muito do que foi proposto


pela legislação ambiental. O Plano Diretor de 2006 dividiu o município em nove
Macrozonas e determinou que para cada uma delas fosse elaborado um Plano Local
de Gestão Urbana. Os planos locais definiram uma quantidade bastante expressiva
de áreas de preservação e parques lineares, ao longo de quase todos os rios situados
nas áreas de ocupação recente e nas áreas de expansão urbana. Apesar, desses
planos, via de regra, não detalharem os limites específicos dos parques lineares e
quando propostos, serem carentes de diretrizes urbanísticas e ambientais, o fato é
que temos hoje uma proliferação, definida por lei, de áreas com denominação de
parque linear.

Em contraste com a legislação, a leitura do território nos mostra uma realidade


menos notável sobre esses territórios preservados. Encontram-se áreas de definição
imprecisa, assemelhando-se a terrenos baldios, com trechos ocupados por moradias,
com alguns pontos transformados em depósitos de lixo e entulho. Apenas poucos
espaços livres, em geral situados em áreas ocupadas por população de renda mais
alta, apresentam configurações mais assemelhadas a um parque linear (BENFATTI,

18
LIMA, 2015). Por enquanto, temos na cidade de Campinas a preservação de espaços
com critérios e qualidades ambientais e paisagísticas, mas que ainda se apresentam
como espaços de possibilidades para o futuro.

Com relação à arborização, apesar da escassa arborização viária, ela é mais incidente
e visível na área central, composta basicamente até os anos 1950, e em alguns poucos
bairros já consolidados. É interessante notar que, em Campinas, mesmo nos
loteamentos populares implantados entre as décadas de 1970 e 1990 as calçadas têm
dimensões suficientes para compartilhar a circulação de pedestres com elementos
arbóreos. Portanto, pode-se afirmar que existe um potencial para qualificar a cidade
também quanto ao quesito arborização viária.

Produção dos espaços livres e edificados e impactos da legislação

Entre 2000 e 2015, a população de Campinas cresceu 11,6% e a disponibilidade de


domicílios foi de 25,5%, evidenciando que a área urbana cresceu mais que a
população. Historicamente este crescimento sempre gerou a segregação
sócioespacial, seja conduzida pelo poder público ou pelo mercado. Mas é preciso
reconhecer que neste século, houve importantes ações relacionadas ao Aeroporto de
Viracopos nas regiões sul e sudoeste, em que predominam as populações mais
pobres. Ao norte prevalecem os investimentos em shoppings, em universidades e em
parques tecnológicos. Conectando as regiões norte e sul, o maior investimento foi a
expansão do Anel Viário Magalhães Teixeira.

Os principais agentes produtores do espaço foram identificados como: Governo


(Municipal, Estadual e Federal), empresas de promoção imobiliária proprietárias ou
não de imóveis, empresas sem base imobiliária, pequenos construtores e
proprietários, grandes proprietários de terras e a população excluída do mercado
imobiliário formal, como se vislumbra na Figura 11.

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Figura 11: Mapa síntese dos agentes produtores do espaço e a localização dos principais
empreendimentos. Fonte: Lab QUAPÁ

A legislação também tem influído fortemente na composição da morfologia urbana.


A lei de ocupação e uso do solo (LUOS) vigente em Campinas, está em processo de
revisão em função da elaboração do novo Plano Diretor. A lei vigente apresenta
problemas relativos à qualidade do espaço gerado, já que estabelece controles
apenas através dos Coeficientes de Aproveitamento (CA) e das Taxas de Ocupação
dos lotes (TO) e, tais instrumentos, mostram-se insuficientes para controlar a
qualidade da paisagem urbana.

20
Figura 12: Ensaio com índices da LUOS realizado na Oficina QUAPÁ Campinas, Rodoviária
(QUEIROGA, 2016).

Nas Figuras 12 e 13 podem-se ver em branco as edificações existentes, em vermelho


as novas seguindo as determinações de CA e TO da LUOS vigente em Campinas,
constatando-se graficamente, as possibilidades de inadequação da paisagem
resultante. (QUEIROGA, 2016).

Estes estudos tipo-morfológicos foram feitos como exemplos em dois lugares usando-
se a legislação pertinente, seguindo a legislação de uso e ocupação do solo (LUOS)
vigente, um na Z-17 perto da Rodoviária de Campinas (Figura 12) e outro na Z-11
perto do terminal de ônibus Campo Grande (Figura 13).

Exceção a estas regras são as áreas residenciais unifamiliares, especialmente em


loteamentos fechados ou condomínios para alto e médio-alto padrão, cujas
restrições urbanístico-formais são registradas em cartório e garantem sua
horizontalidade.

21
Figura 13: Ensaio com índices da LUOS realizado na Oficina QUAPÁ Campinas-Campo Grande.
(QUEIROGA, 2016):

O Sistema de Espaços Livres e o processo de crescimento da urbanização

Na oficina QUAPÁ-SEL Campinas, realizada em novembro de 2016, optou-se


metodologicamente por diferenciar o sistema de espaços livres em função da
periodização histórica do processo de formação da cidade. Esta abordagem teve
como ponto de partida a caracterização das diferenças entre a urbanização da qual
derivam os núcleos urbanos tradicionais e a forma de urbanização alargada e dispersa
que vem se consolidando nos últimos trinta anos de nossa história urbana.

Nos derivados dos núcleos urbanos tradicionais, o processo de urbanização consolidou


espaços cuja forma urbana foi determinada por um conjunto de elementos bastante
regulares: tamanho e regularidade dos lotes, continuidade do espaço construído,
definição de alinhamentos, diversidade de usos e uma clara diferenciação entre
espaço público e espaço privado (TÂNGARI, BENFATTI, 2016). Este foi o caso, entre
tantas outras, da cidade de Campinas.

22
O caráter histórico desta forma urbana compacta e regular, sofreu as intervenções
de transformação ocorridas na primeira metade do século XX, que reforçaram essa
tipologia. O plano Prestes Maia para Campinas (1937) pautou a transformação de
todo o centro ampliado da cidade reforçando esses parâmetros, bem como a
formação de um tecido urbano baseado na tipologia claramente diferenciada, em
que a relação entre espaço privado e espaço público apresenta-se, seguindo os
ditames do movimento moderno. A formação do tecido urbano sob esses parâmetros
ocorreu de forma predominante até os anos 1960, cujo ícone de época foi a “Praça
Lago dos Cisnes” (Figura 15) no interior do viaduto Miguel Vicente Cury, hoje
ocupado por um terminal de ônibus. Na porção da cidade de Campinas formada neste
período, o sistema de espaços livres tem como característica básica o espaço aberto
de uso e propriedade públicos, emoldurado e definido pelo espaço construído de
caráter e uso privado. Ruas, avenidas, praças, largos, alguns poucos parques,
definem de forma direta o espaço livre e aberto desta porção da cidade de Campinas.
Também nesta parte da cidade é possível constatar a maior quantidade e qualidade
dos espaços públicos, entre praças e parques.

Figura 14: Crescimento urbano da cidade de Campinas no decorrer do tempo: entre 1940 e 1989.
Fonte: Plano Diretor de Campinas, 2006.

23
No caso da urbanização de características alargada e dispersa, as tipologias e as
características do sistema de espaços livres do período anterior não desaparecem
até que, a partir dos anos 1970, verifica-se a ocorrência de mudanças expressivas no
perímetro urbano. A malha urbana começa a perder seu caráter predominantemente
compacto e passa a se desenhar de forma mais independente, com grandes vazios
em seu interior (anos 1970 e 1980). Coincide com um período de grande crescimento
populacional, com a ocupação urbana associada à migração em direção ao vetor
sudoeste da cidade. Tipologicamente se continua a reproduzir, em parte, os
elementos da cidade tradicional, ao mesmo tempo em que os grandes conjuntos
habitacionais passam a fazer parte da paisagem, isolados nos extremos da malha
urbana. Nas expansões urbanas das décadas de 1970 e 1980, verifica-se, por um lado,
uma extraordinária dilatação da cidade decorrente dos vazios urbanos (Figura 14),
com paisagem agrária entremeada com a urbanizada.

Como decorrência dessa dilatação, ocorre uma certa dissolução do sentido e da


complexidade da cidade tradicional. A descontinuidade, os vazios interiores, a baixa
densidade do conjunto urbanizado, a falta de elementos estruturadores, a carência
de equipamentos públicos indutores de centralidades, esvaziam de sentido os
elementos básicos do sistema de espaços livres públicos. A rua, quando muito, aos
poucos se transforma em via de acesso e enfraquece a complexidade e a dinâmica
verificada nos tecidos mais compactos e mais propícios a realização da esfera da vida
pública (BENFATTI, 2016).

Diferente da cidade compacta que protagoniza até meados do século, diferente


também da cidade dos conjuntos habitacionais e dos vazios urbanos dos anos 1970 e
1980, o processo de produção da cidade transmuta-se, nas últimas décadas, e dá
lugar a um urbano dilatado e disperso, associado de um lado ao aumento da
motorização individual e, por outro, às novas vias expressas, vias de penetração e
de circulação pelo território metropolitanizado.

Desta forma, o processo de produção urbana da cidade de Campinas passa a se


expressar através dessas duas imagens distintas que se complementam, se
entrelaçam e se distanciam: a cidade das formas pré-definidas como descrito acima,
e a cidade-território conectada por grandes estruturas (rodo)viárias e vias expressas,

24
formada por unidades autônomas que se sucedem sem que se consiga construir uma
unidade, uma continuidade homogênea visível (TÂNGARI, BENFATTI, 2016).

Tanto essas redes de ligações expressas, quanto as unidades autônomas a ela


conectadas, não mais respondem a formas tradicionais de ler e de percorrer o
espaço. Como consequência, também o sistema de espaços livres perde suas formas,
funções e também os significados tradicionais e, passa a se apresentar através de
formas, escalas e funções extremamente distintas. Se o que chamamos urbano é
caracterizado por uma adição de fragmentos separados e distantes uns dos outros, o
conjunto de espaços livres em seu entremeio, oriundos da paisagem agrária, tanto
expressivos quanto imprecisos, representam no mais das vezes, algum tipo de
reserva, seja de mercado, seja ambiental. A diferenciação entre o vazio, o público,
o privado é de apreensão extremamente difícil. Trata-se aqui de uma nova versão
dos terrain vagues, onde o significado de vague remete, tanto ao vazio, quanto ao
impreciso. No caso de Campinas a Rodovia D. Pedro I representa a quintessência
deste processo de urbanização e de formação de seus cheios e vazios. Em seu
percurso cortando e segmentando a cidade, encontramos fragmentos dispersos e
distintos em sua natureza: condomínios fechados, condomínios de prédios associados
a Shopping Center, grandes lojas, vastas áreas de estacionamentos, supermercados,
indústrias, equipamentos de logística e distribuição de produtos, todos isolados entre
si e pendurados à rodovia D. Pedro I como a um varal.

Convém esclarecer também que nas raízes do acelerado processo de urbanização que
ocorre na Região Metropolitana de Campinas existem inúmeras causas, dentre as
quais o desenvolvimento do capital e sua pressão do mercado para a aplicação do
chamado “capital excedente” na era da globalização da economia. (HARVEY, 2009)

Os espaços livres na constituição dos padrões morfológicos

Campinas foi fundada em 1774 pelos portugueses de acordo com a Ordenação


Filipina, quando se desenhou a Capela, a Casa de Câmara e Cadeira mediados pelo
Pelourinho, traçados a partir do divisor de águas entre os córregos onde hoje se
encontram a Avenida Orozimbo Maia e a Avenida Anchieta. O divisor de águas entre
os córregos determinava um eixo que combinado com outro a noventa graus,
ordenaram o desenho em malha do rocio. Esta proposição espacial partia portanto,

25
de um espaço de encontro para a vida coletiva daquele núcleo urbano nascente,
evidenciando que os espaços para vida coletiva hoje estão bastante empobrecidos.

Com a implantação do Plano de Melhoramentos Urbanos por Prestes Maia na década


de 1930, Campinas tenta se modernizar, criando avenidas e espaços cívicos
vinculados a organização republicana de convívio comunitário. A cidade investiu até
1970 em espaços de uso coletivo como o Parque Portugal ou Taquaral, o Centro de
Convivência, em prédios de usos institucionais e em inúmeros espaços abertos dentre
os quais se destaca o Largo dos Cisnes, incorporado ao Viaduto Vicente Cury (Figura
15).

Figura 15: Lago dos Cisnes na década de 1960, hoje Terminal Central de Campinas. Crédito a
“Imagens de Campinas”. Acesso 10 jan. 2017. Disponível em < https://goo.gl/tKo4G9 > ou em
<https://goo.gl/Jzz382 >

Os espaços urbanos de Campinas se conformavam oferecendo uma morfologia urbana


bastante atrativa que redundava em qualidade de vida em seus parâmetros espaciais:
cidade arborizada, com espaços de encontro, grandes avenidas, prédios
institucionais adequados ao momento. A cidade crescia de forma
predominantemente concêntrica seguindo os padrões tradicionais estruturados pelas
estradas de penetração na área rural e aquelas que conduziam aos municípios
vizinhos.

26
A globalização da economia e a veiculação da ideologia do verde, trazida
especialmente da forma de ocupação dos subúrbios nos Estados Unidos, têm
incentivado a dispersão urbana, amparada pelo uso intensivo do automóvel, pela
construção de rodovias de qualidade e pelo desenvolvimento da tecnologia da
informação. É um novo sistema pautado pelos objetos técnicos, comunicacionais e
informacionais sustentando um novo modo de vida na busca das amenidades do
campo com maior qualidade de vida para uma classe e possibilidade única de se
transformar em proprietário pelos mais pobres.

O uso e ocupação do solo através do parcelamento, agora cumprindo quase que


exclusivamente os ditames do capital em busca de maior lucratividade com a
cooptação do poder local, criam as áreas de uso coletivo predominantemente ao
longo dos corpos de água, das APPs, usando os terrenos mais ingremes, ou seja, as
“sobras” de espaços de diferentes tamanhos que parecem não serem projetados para
abarcar a vida coletiva da comunidade. Assim, se na fundação da cidade partiu-se
do pelourinho como espaço de uso coletivo, hoje, estes são meros espaços residuais,
sem projeto definido, sem programa claro, respondendo apenas as percentagens
mínimas de áreas públicas exigidas por lei. Este processo influencia fundamente na
morfologia urbana campineira atual e na sua relação com os espaços livres de uso
público, mostrando que agora este processo está dirigido sob a égide da chamada
urbanização dispersa e fragmentada.

27
As principais transformações urbanas de Campinas e padrões morfológicos

Figura 16: Alteração dos perímetros na Região Metropolitana de Campinas. Fonte: Pera, 2015.

A alteração dos perímetros urbanos na Região Metropolitana de Campinas,


identificadas por Silva (2011) e atualizada por Pera (2015) (Figura16), demonstra a
constante pressão existente por ampliar o território urbano apesar da existência de
muitos vazios existentes dentro dos perímetros urbanizáveis. Este fato é um
termômetro do grau de dispersão urbana existente, assim como, indica a pressão de
empresas de base imobiliária na transformação dos territórios e consequentemente
da paisagem.

28
Figura 17: Transformação urbana de Campinas. Fonte: PEGORARO & MACEDO, 2016.

Campinas é composta por duas estruturas notáveis segundo PEGORARO & MACEDO
(2016). O mesmo estudo identifica que as empresas de base imobiliária
aparentemente estão vinculadas a maior quantidade de “áreas de transformação”.
Sendo que:

• “quando gerados por uma demanda de populações de alta e média-alta renda


por terrenos mais próximos de centralidades urbanas e por isso mais caros,
são adotadas estratégias de adensamento, que justifica o fato de produtos
como o edifício comercial, o condomínio-clube, o edifício de médio e alto
padrão serem ligados a processos de verticalização da paisagem.”

• “quando a demanda é pelo afastamento do centro urbano, a estratégia se dá


sobre terrenos maiores que são mais baratos nas bordas destes centros, assim
surgem figuras como o condomínio horizontal e o loteamento fechado, que
partem da estratégia oposta ao adensamento, a da dispersão.”

29
A apropriação de áreas periféricas visando resolver o déficit habitacional segue
sempre um modelo típico. São adquiridas áreas maiores que as necessárias para a
construção do conjunto habitacional proposto, preferivelmente ao longo de uma via
oficial do município, entretanto o empreendimento começa a ser implantado no
lugar mais distante do centro, o que força o poder público a implantar infraestrutura,
passando pelo vazio deixado entre o conjunto e o centro da cidade, supervalorizando
a terra ali existente. É uma forma de especulação que socializa os ônus (investimento
em infraestrutura urbana paga pelos impostos) e privatiza os bônus (lucro da
valorização imobiliária).

Hoje, nas cidades observa-se uma grande parcela da população vivendo de modo ilegal,
entretanto, que tem sido tolerada pelo Estado, como forma de suavizar sua ineficiência
com a falta de infraestrutura e provimento do acesso legal a moradias. Esta ocupação
ilegal tem sido permitida somente em áreas em que não há interesse imobiliário, ou de
outro capital. É regra que em áreas onde há valor imobiliário, aplica-se a lei. Elas são
usadas conforme as circunstâncias, gerando uma segregação ainda maior da população,
para áreas mais distantes da cidade. (MERLIN; RIBEIRO, 2017)

As novas formas de urbanização, quando se considera que Campinas é parte de um


ambiente urbanizado e conectado muito mais amplo, respondem a uma nova e
ampliada escala urbana, metropolitana ou, ate mesmo, megalopolitana, que
traduzem e permitem, ao mesmo tempo o aparecimento deste urbano alargado. As
redes de infraestruturas que asseguram a mobilidade e o funcionamento do território
têm sido definidas, na maioria das vezes, por autoridades centrais (Governo Federal,
Governo Estadual e Grandes Empresas Estatais ligadas à provisão de infraestruturas
e grandes áreas industriais como o Polo Petroquímico da cidade de Paulínia), com
grande autonomia decisória em relação ao município, e regida por lógicas setoriais
e interesses próprios (BENFATTI, 2016).

Entretanto, mesmo com a provisão de serviços públicos mostrando:

(...) cada empreendimento ser de competência privada, ainda cabe ao setor público que
tais serviços sejam disponibilizados aos empreendimentos, como redes de distribuição de
água, energia elétrica, e telecomunicações sem os quais novos empreendimentos não
seriam viáveis. A dependência que o capital imobiliário tem do Estado fica ainda mais
clara quando se trata da produção do PMCMV, que para além de todas as condições de
acesso e serviços também depende do financiamento público. (PEGORARO & MACEDO,
2016).

30
No caso de Campinas, a maioria dos conjuntos do programa MCMV tem sua
localização, quase que exclusiva, nos fundos das macrozonas 5 e 7, promovendo,
mais uma vez, a dilatação da ocupação urbana para áreas distantes e descontínuas
em relação ao tecido urbano existente. Apesar de muitos desses empreendimentos
serem formalmente abertos, a exemplo dos loteamentos fechados, esses conjuntos
habitacionais também se inserem como peças autônomas no fundo do território,
reforçando a segregação espacial (BENFATTI, 2016).

Figura 18: Região de Viracopos (2016), áreas em transformação. Fonte: Google Earth (2016).

A Região Sudoeste de Campinas que enfrenta atualmente em seu território os


impactos de escala metropolitana devido a ampliação do Aeroporto Internacional de
Viracopos é marcada pela presença de assentamentos de populações de baixa renda,
muitas vezes alocados em áreas irregulares, coexistindo junto a sítios, chácaras de
recreio, e áreas tipicamente rurais. Percebe-se na Figura 18 assentamentos
precários de baixa renda, sítios, espaços livres, ampliação das rodovias e marginais,
a implantação de corredores de ônibus, novos condomínios de alta renda,
investimentos em hotelaria e logística.

A valorização imobiliária devido à localização próxima do aeroporto tende à


especulação e rápidas transformações, especialmente nos sistemas de espaços livres
existentes.

Esta região,

31
(...) apresenta em seu território um importante valor rural e ambiental por ser o último
espaço livre em escala metropolitana da porção sul do municipio, localizado entre a
rodovia Santos Dumont e as cidades de Indaiatuba, Monte Mor e os distritos do Campo
Grande e Ouro Verde, onde se encontram comunidades rurais e pequenos agricultores,
numa escala quase familiar e com posse antiga do território como é o caso das
comunidades do Fogueteiro e Friburgo, de descendentes de imigrantes suiços e alemães.
As perspectivas para esta área é a ocorrência de profundas transformações na morfologia
urbana e na paisagem. Nos últimos anos tem crescido o interesse do mercado imobiliário
em paralelo à divulgação de projetos e ações de requalificação da área circunvizinha ao
Aeroporto Internacional de Campinas. Tem sido anunciados investimentos por parte dos
programas de parceria público-privada coordenadas pelo Governo do Estado de São Paulo
e pela Prefeitura de Campinas, tornando a região atrativa, não apenas pelas vantagens
geradas pela localização próxima ao aeroporto, mas também decorrentes investimentos
em infraestrutura. (SANTOS JUNIOR, 2017)

Conjuntos habitacionais MCMV têm sido implantados sem áreas de lazer e seus
moradores invadem APPs, erodindo córregos cuja água é usada por proprietários
rurais produtores de frutas para exportação alocados pela antiga Reforma Agrária da
década de 1960, caso constatado perto de Viracopos, especialmente o conjunto
residencial Vila Abaeté. Resultantes da expansão dos assentamentos urbanos
precários sobre as áreas periféricas, alguns destes lugares que se formaram na
esteira da segregação sócioespacial da cidade de Campinas, mesmo gerando
conflitos, passam a ser objeto de atenção por parte do mercado imobiliário (SANTOS
JR; MACIEL; 2016).

Um fato novo naquela região é a articulação do mercado imobiliário pelos projetos


de requalificação da área circunvizinha ao Aeroporto Internacional de Campinas.
Juntamente com os anúncios de investimentos por parte dos programas de parceria
público-privados coordenados pelo Governo do Estado de São Paulo e pela Prefeitura
de Campinas, como a construção de novas estações de tratamento de esgoto
sanitário na região sul/sudoeste do município, assim como os novos corredores
exclusivos de ônibus e construção de vias marginais na Rodovia Santos Dumont. A
região passa a ser atrativa, não apenas pelas vantagens geradas pela localização
próxima ao aeroporto, mas também decorrentes dos investimentos em
infraestrutura.

Estes investimentos em infraestrutura são demandados há tempos por aquela


população, pois segundo pesquisa do Instituto Trata Brasil, divulgada em 2016,
Campinas possui 245 mil pessoas habitando áreas com saneamento básico
inadequado, ou seja, cerca de 21% da população, concentrada em grande parte, nas

32
regiões sul e sudoeste do município. No entanto, estas obras de melhorias,
principalmente as relacionadas ao abastecimento de água e ao esgotamento
sanitário, que se caracterizam como um sério problema de ordem urbanística e
ambiental, embora fossem necessárias há bastante tempo, foram anunciadas
recentemente no bojo do crescente interesse dos agentes econômicos e imobiliários
pela área próxima aos eixos de acesso ao Aeroporto Internacional de Viracopos.

Sob o aspecto do mercado imobiliário, desde 2012 a cidade passou a apresentar um


crescimento no volume e no valor das transações imobiliárias em comparação à
década passada (SANTOS JR; MACIEL; 2016). Conforme atestam diversas reportagens
publicadas nos veículos de imprensa da região nos últimos anos a valorização
imobiliária em Campinas ultrapassou 200%, alcançando não apenas os bairros
localizados na região central e os da região norte (onde se localizam os condomínios
de alto padrão), mas também os da região sul e sudoeste, especialmente na região
do Ouro Verde, onde foram implantados um novo terminal de transportes e um
Shopping Center. Reportagens a respeito de investimentos projetados para
aproveitar o potencial de Viracopos são publicadas constantemente nos veículos de
circulação regional e nacional. Nestas, a notícia em destaque é sobre a rápida
valorização dos terrenos lindeiros ao aeroporto. Além disso, a demora da Prefeitura
de Campinas, em definir as regras de ocupação das áreas do entorno do Aeroporto
Internacional de Viracopos estimula, ainda mais, a especulação imobiliária
principalmente sobre as áreas rurais e os extensos espaços livres existentes que
tendem a ser incorporados ao perímetro urbano sem políticas públicas adequadas
voltadas para a melhoria das condições urbanas e da qualidade de vida da região.

Imagens que ilustram as transformações na paisagem de Campinas

As imagens selecionadas demonstram as diferentes formas de organização espacial


conforme os períodos da história da urbanização de Campinas, vislumbram o processo
de urbanização da região campineira e são praticamente autoexplicativas.

33
Figura 19: Cidade tradicional. Centro de Campinas. Verticalização. Fonte: Acervo QUAPÁ-SEL.
Sobrevoo realizado por Jonathas Magalhães e Silvio Macedo (2016).

Na Figura 19 se observa o sistema de espaços públicos claramente definidos


representando o urbanismo tradicional em que o público e o privado são
perfeitamente definidos, fruto das proposições modernistas implantadas em
Campinas pelo Plano de Melhoramentos Urbanos de Prestes Maia.

Figura 20: Campinas: área central e entorno verticalizado. Sobrevoo realizado por Jonathas
Magalhães e Silvio Macedo em 2016. Fonte: Acervo QUAPÁ-SEL.

Ao fundo da Figura 20 pode-se ver manchas de verticalização dispersa revelando a


justaposição de processos de morfologia urbana, convivendo na cidade. Aponta certa
dissolução do sentido de complexidade da cidade moderna tradicional. Revela a
gênese da transformação entre a cidade com formas tradicionais e o início da
fragmentação do território.

34
Figura 21: Condomínio Fechado Swiss Park, região sudoeste, ao lado da Rod. Anhanguera. Fonte:
Acervo QUAPÁ-SEL. Sobrevoo realizado por Jonathas Magalhães e Silvio Macedo em 2016.

Imprecisões entre vazios urbanos, áreas ambientais, espaços públicos, espaços


privados começam a aparecer como se vê nas Figuras 21 e 22. Na primeira ficam
nítidas as articulações entre APPs e a formação dos parques lineares, como espaços
livres engendrados pela legislação ambiental.

Na Figura 22 aparecem a rodovia Dom Pedro I, o maior Shopping Center da América


Latina, áreas residenciais de baixa densidade e maciços arbóreos significativos como
áreas de preservação.

Figura 22: Rodovia D. Pedro I, Unidades autônomas diversas Fonte: Acervo QUAPÁ-SEL. Sobrevoo
realizado por Jonathas Magalhães e Silvio Macedo (2016).

35
Figura 23: Rodovia D. Pedro I. Shopping D. Pedro. Fonte: Acervo QUAPÁ-SEL. Sobrevoo realizado por
Jonathas Magalhães e Silvio Macedo (2016).

Observa-se ao fundo, o Shopping D. Pedro contornado por maciços arbóreos, prédios


diversos e habitações conectados pela rodovia. No primeiro plano áreas de cultivo
com utilização de tecnologia agrícola de ponta, típicas da região campineira.

Figura 24: Centro de Campinas, áreas em transformação. Fonte: Acervo QUAPÁ-SEL. Sobrevoo
realizado por Jonathas Magalhães e Silvio Macedo (2016)

Na Figura 24 se observa que o centro da cidade também se transforma e as áreas


ferroviárias desativadas, vias expressas e novas formas de verticalização urbanas que
agora aparecem com conjuntos de edifícios isolados em um mesmo lote, vão
constituindo nova morfologia na área central.

36
Considerações finais

O ensaio feito por Campinas mostra algumas especificidades na conformação urbana,


dentre as quais a paisagem revelando a transição da urbanização tradicional para a
urbanização dispersa e fragmentada. Este estudo demandou ampliar o cenário para
as relações da cidade com a Região Metropolitana de Campinas, com a Região
Metropolitana de São Paulo, a recém-criada Região Metropolitana de Sorocaba e com
o aglomerado urbano de Jundiaí.

A mobilidade de cargas dada pelos “HUBS” e pela instalação de grandes galpões em


todas as rodovias circunvizinhas e o aumento do número de veículos particulares,
possibilitados pelas grandes rodovias foram decisivos neste processo, reforçado e
induzido pelo aeroporto de Viracopos.

Estas novas condições geraram adensamentos pautados pela verticalização do centro


e pela eclosão de lugares pontuais ao longo das rodovias, ao mesmo tempo em que
a periferia crescia de forma horizontal, mas com intensa ocupação interna dos lotes.
Este processo perenizou densidade menor que a de São Paulo, tornando a
implantação da infraestrutura mais onerosa ao erário público.

As formas de urbanização que até a década de 1970 seguiam os moldes tradicionais


com apenas algumas poucas transformações, levaram à descontinuidade urbana,
geralmente sem elementos estruturadores do espaço e com carência de elementos
indutores de centralidades.

Hoje, já não segue os mesmos parâmetros, tendo esvaziado o sentido básico do


sistema de espaços públicos, dificultando o desdobramento efetivo da esfera de vida
pública, requerendo outras ferramentas para que a urbanização possa ser lida e
entendida. Enquanto na cidade tradicional as formas e organizações deixavam claro
e bem delimitados a propriedade e os usos específicos, tanto dos espaços privados e
como dos públicos, atualmente esta separação só ocorre nos loteamentos de
condomínios das classes privilegiadas, como exceção à regra.

A produção urbana da cidade de Campinas se expressa agora através dessas duas


imagens distintas que se fundem e se distanciam, desvelando as formas tradicionais
e agora as características da cidade como território conectada por vias expressas.

37
Esta mescla não permite uma leitura homogênea e única, por formar um amontoado
de fragmentos distantes que resultam em paisagens com espaços urbanos e agrários,
com delimitações bastante imprecisas, impedindo a construção de uma unidade,
embora se constate que a cidade vai lentamente incorporando os espaços do campo.

A urbanização revista pelo Plano Diretor de 2006 propôs nove macrozonas que fariam
seus Planos Locais de Gestão Urbana, dentre os quais só foram elaborados três deles.
A Lei de Uso e Ocupação do Solo por tratar apenas do Coeficiente de Aproveitamento
(CA) e Taxa de Ocupação (TO) tem gerado espaços de baixa qualidade, como se
mostrou nas experimentações gráficas elaboradas na Oficina de Campinas em 2016,
quando foram analisadas uma área central e outra periférica.

As leis ambientais de âmbito federal e estadual têm interferido diretamente na


morfologia das áreas livres especialmente ao longo dos cursos de água, deixando
transparecer parques lineares que, no entanto, não são tratados adequadamente,
permitindo ocorrer usos distorcidos como áreas de deposição final de lixo e entulho.
A arborização, implantada basicamente na década de 1950 ainda prevalece no centro
e em poucos bairros recentes, embora as dimensões das calçadas mais novas
permitam convivências adequadas entre pedestres e vegetações. Aquilo que se vê no
mapa como espaços livres não refletem a realidade, pois perdeu sua função de
acolher diferentes cidadãos, que nos encontros sociais desenvolviam a alteridade e
o enriquecimento dos repertórios culturais.

É regra que as áreas livres se transformem em depósitos de lixo ou sejam invadidas,


passando por dois processos distintos conforme as circunstâncias: quando não
interessam ao mercado são toleradas e aceitas pelo Estado como forma de amainar
sua ineficiência no setor habitacional e; quando interessam ao mercado são expulsas
com a aplicação direta da lei. Isto ocorre porque o custo da terra em Campinas tem
assumido valores astronômicos, sendo o investimento mais rentável de todas as
aplicações nas últimas décadas.

Diante deste quadro, a morfologia urbana de Campinas vai se transformando em


função dos interesses do mercado e seus diferentes agentes, frente à debilidade do
poder local. Após a crise de 2008, o capital começa a protagonizar ainda mais e
recomeça a investir de forma mais efetiva na área urbana com o excedente de outros

38
setores, pressionando as ações urbanísticas que buscam tratar do espaço como
atributo da cidadania e da forma adequada de desenvolvimento da convivência
humana.

Referências

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39
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41
TRANSFORMAÇÃO E PERENIDADE:
o legado dos royalties do petróleo na paisagem de Campos dos Goytacazes-RJ

ALIPRANDI, Danielly Cozer (1); GODOY, Antonio Leandro Crespo de (2).


(1) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense; Professora; Campos dos
Goytacazes (RJ); email: danielly.aliprandi@iff.edu.br
(2) Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense / PROARQ/FAU/UFRJ; Professor
/ Doutorando; Campos dos Goytacazes (RJ); e-mail: antonio.godoy@iff.edu.br

Introdução

Este artigo objetiva traçar um panorama da paisagem da cidade de Campos dos


Goytacazes-RJ, entendendo o papel do Sistema de Espaços Livres (SEL) como
elemento fundamental para a qualidade da vida urbana e para o respeito ao direito
constitucional às cidades sustentáveis.

A cidade estudada, de porte médio, tem por característica marcante o Rio Paraíba
do Sul, que a divide em dois territórios, Guarus e Campos, subdistritos do Distrito
Sede. Esta fronteira natural também marca a diferença no tratamento desses setores
urbanos. Historicamente, o subdistrito Campos recebeu mais investimentos sendo
foco de políticas e ações públicas, que o dotaram de maior infraestrutura e tendo,
com isso, suas áreas mais valorizadas. Porém, o desdobramento dessas ações
provocou a extinção de recursos hídricos, canalizados e aterrados, consolidando uma
planície sem obstáculos naturais à expansão urbana. Por outro lado, Guarus, carente
de ações de planejamento urbano, manteve grande riqueza nesse aspecto, possuindo
inúmeras lagoas e brejos com grande potencial para o lazer e a conservação. Esta
dicotomia entre investimento, preservação, transformação e permanência da
estrutura morfológica da paisagem urbana de Campos dos Goytacazes consolidou o
atual SEL, objeto deste estudo. Por meio de mapeamentos temáticos, seguindo
metodologias desenvolvidas pelos grupos SEL-RJ e QUAPÁ-SEL, apresentamos nossa
análise.

42
Caraterização geral

O Município de Campos dos Goytacazes fica localizado na região Norte Fluminense,


a 290 km da capital do Estado, conforme Figura 1. A região possui uma área de
9.730.443km² e população de 861.084 hab. (IBGE, 2010).

Figura 1: Localização dos municípios da região Norte Fluminense e da capital do estado.


Desenvolvido por Aliprandi (2017), sobre base IBGE (2010).

Com 4.037,7km² de extensão e população de 463.731 habitantes, Campos dos


Goytacazes figura como município de maior território do Estado. Sua população é
predominantemente urbana, 90,30%, e destaca-se na economia da região junto com
Macaé e São João da Barra, devido às atividades portuárias e à produção do petróleo
(IBGE, 2010).

Caetano (2000 apud Aliprandi, 2017) afirma que, a partir de 1995, a riqueza da Bacia
de Campos transformou-o no maior produtor de petróleo do País, 82% da produção e
40% do gás natural do País à época. Indústria, agropecuária e serviços são suas
principais atividades econômicas (IBGE, 2010). Como afirma Aliprandi (2017), esse
contexto atraiu diversas empresas à região, provocando movimento pendular de
trabalhadores, trazendo crescimento populacional e tornando as cidades de Campos
dos Goytacazes e Macaé pólos econômicos regionais.

43
Embora, durante muito tempo, a economia do município tenha se baseado na
produção sucroalcooleira, o recorte deste estudo será a partir do advento dos
royalties do petróleo, estabelecido como marco temporal a lei 9.478/1997,
conhecida como lei do petróleo, que carreou significativo aumento da renda
municipal.

A inserção da cidade no território

O perímetro urbano de Campos dos Goytacazes ocupa menos de 5% da superfície do


município, como podemos observar na Figura 2. O tecido da cidade forma uma
mancha urbana a qual pode ser considerada espraiada, já que continua expandindo
suas dimensões mesmo com uma grande quantidade de espaços livres de
urbanização, reserva de terras voltadas para expansão. Pode ser também
considerada fragmentada, haja vista o resultado que a ação dos proprietários, que
mantêm estas terras para especulação imobiliária, produz na paisagem (Figura 3).

Figura 2: Espaços livres e mancha urbana - município. Aliprandi (2017), IBGE (2010), Crespo et al.
(2010), PDPCG (2008), Macedo et al. (2015, no prelo) e Google Earth (2016).

44
Figura 3: Espaços livres e mancha urbana - cidade. Aliprandi (2017), IBGE (2010), Crespo et al. (2010),
PDPCG (2008), Macedo et al. (2015, no prelo) e Google Earth (2016)

Campos dos Goytacazes, por sua característica histórica, tem, nas mãos de poucos
proprietários de terra, grandes porções das áreas de expansão urbana, pois o núcleo
original de formação da cidade se expandiu, parcelando o solo nas antigas fazendas
de produção de cana-de-açúcar.

A mudança no uso da terra, de produção e comercialização de cana-de-açúcar para a


exploração imobiliária de terras, se relacionou ao declínio da economia sucroalcooleira e
consequente falência de muitas usinas. As terras antes utilizadas por essas indústrias
passaram a fazer parte do perímetro urbano e a serem importantes na expansão do
mercado imobiliário local, compondo um estoque de terras urbanas com fins de
comercialização futura (ALIPRANDI, 2017, p. 32-33).

Para além do Centro, marco de fundação e primeira centralidade da cidade, podemos


explicitar o setor geográfico da Pelinca 1 como extravasamento dessa centralidade.
Atualmente, este setor detém o maior preço da terra da cidade, desdobramento dos

1
Entendemos como setor geográfico, segundo Souza (2013, p. 159): “[...] um conjunto de bairros com
características próprias e ‘personalidade’ definida”. O setor geográfico da Pelinca é composto pelos bairros:
Parques Maria Queiroz, Conselheiro Tomaz Coelho, Avenida Pelinca e Tamandaré.

45
investimentos públicos e privados e do notório status social associado a ele
(ALIPRANDI, 2017).

A maior densidade na Pelinca, observada na Figura 4, pode ser explicada pelo


fenômeno da verticalização, situação diferente para as áreas periféricas, de
densidade semelhante, que são caracterizadas por adensamento construtivo
horizontal, característico de parcelamento do solo e de construções irregulares e de
baixa renda. Essa situação define a paisagem da cidade, predominantemente
horizontal, como ilustra a Figura 5.

Figura 4: Densidade demográfica. Aliprandi (2017) e IBGE (2010).

46
Figura 5: Foto aérea da cidade. Aliprandi (2015).

Assim como o setor Pelinca se adensa como extravasamento do Centro, a partir de


2010, um novo vetor, sudoeste, intensifica a ocupação especialmente por meio de
loteamentos fechados 2 e grandes empreendimentos como hotéis, shoppings,
concessionárias de veículos e hipermercados.

Esse fenômeno aumenta significativamente o valor da terra e torna “indesejável” a


permanência de ocupações irregulares, evidenciando o conflito entre antigos
moradores deste setor, antes considerado periférico, e atuais e pretensos
proprietários e investidores.

Este local, que, naquele período (década de 1960), figurava fora dos limites de interesse
da malha urbana, era ocupado apenas por canaviais, teve posteriormente a pavimentação
da Rodovia do Contorno, que redirecionou a BR-101 objetivando amenizar o trânsito do
centro da cidade. Atualmente, esta área é uma das mais cobiçadas pela especulação
imobiliária na cidade (...) (GODOY, 2015, p. 25).

2
A figura do loteamento fechado, que não era regulamentada pela legislação federal até 2017, integra dois
modelos de parcelamento: o condomínio e o loteamento. Com anuência do município, esses loteamentos são
parcelados seguindo a Lei Federal de Parcelamento do Solo nº 6766/79, e se tornam fechados por um Decreto
Municipal.

47
Características gerais: suporte geobiofísico e morfologia urbana

O território da cidade é formado por extensa planície cortada pelo Rio Paraíba do
Sul, presença fundamental na formação de seu núcleo urbano, representando
elemento estruturante na instalação da Vila de Campos (como era chamada) e de
toda a vida que se deu nela e em seu entorno (ALIPRANDI, 2017). Esta fronteira
natural também divide o Distrito Sede em Guarus e Campos.

Segundo Godoy e Aliprandi (2016), dezenas de lagoas permeiam a extensa planície


em sua formação original. Porém, em vários momentos da história, inúmeras delas
foram drenadas como parte de intervenções urbanísticas, em especial nos planos
urbanos de 1902 e 1944, que intencionavam expandir a cidade. A maioria das lagoas
drenadas localizavam-se na margem sul do rio, situação que hoje é explicitada pela
existência predominante desses corpos hídricos apenas na margem norte que, se por
um lado não foi considerada nas intervenções, manteve elementos do suporte
geobiofísico.

Esses autores ainda apontam que boa parte das bordas das lagoas são palco de
conflitos, considerando as tensões geradas pela ocupação de suas margens por
loteamentos irregulares e a política pública municipal de habitação, que tem por
escopo a remoção dessa população para conjuntos habitacionais.

Embora de grande potencialidade, as margens das lagoas não recebem tratamento


paisagístico. A ação do poder público atua no sentido da implantação de loteamentos
de programas habitacionais nas proximidades das mesmas, conforme Figura 6, sem
a devida orientação e proteção, o que contribui negativamente para a deterioração
desses elementos.

48
Figura 6: Relação ocupação e suporte geobiofísico. Aliprandi (2017), IBGE (2010), PDPCG (2008) e
Google Earth (2016).

Guarus, que não atrai grandes investimentos, possui suporte geobiofísico mais rico
em corpos hídricos e, portanto, áreas de conservação ambiental. Fica claro que a
desproporcionalidade dos investimentos e da atenção dos agentes produtores do
espaço urbano sempre mais voltada para a margem sul é cultural (GODOY E
ALIPRANDI, 2017).

Se, por um lado, este suporte geobiofísico apresenta diversas lagoas e espaços livres
com potencial para lazer e conservação, por outro lado, essas lagoas configuram
encraves naturais, que limitam a expansão, principalmente pela forma desordenada
como suas margens são ocupadas. Já na margem sul, as inúmeras drenagens e aterros
constituíram uma planície desprovida de obstáculos, e favoreceu o espraiamento da
mancha urbana.

49
O Sistema de Espaços Livres

Os espaços que compõem o SEL podem ser categorizados de acordo com a demanda
e o interesse do pesquisador. Neste estudo, foi utilizada a categorização do grupo
SEL-RJ: espaços livres de caráter ambiental, regulados por legislação ambiental; de
caráter urbano, inseridos no perímetro urbano e regulados por legislação urbanística;
de caráter rural, localizados fora do perímetro urbano, podendo ser regulados por
legislações federais e estaduais (TÂNGARI et al., 2012).

A paisagem campista é predominantemente urbana, composta por tecido construído


horizontal, com verticalização apenas na região mais central. O SEL de Campos dos
Goytacazes funciona conforme representado na Figura 7. A área urbana é cortada
pelo Rio Paraíba do Sul e possui algumas lagoas em sua porção norte. Embora não
possua parques urbanos, pode-se identificar a existência de praças e outros
elementos pontuais pulverizados na mancha urbana (localizados na Figura 8).

SÍTIOS

PRAIAS DO ES

PRAIAS SJB

SÍTIOS PORTO AÇU

PRAIA DE CAMPOS

LAGOA DE CIMA PORTO AÇU

SERRA ITAOCA

Figura 7: Funcionamento do SEL da cidade de Campos dos Goytacazes. Aliprandi (2017).

50
Figura 8: Espaços Livres públicos da cidade de Campos dos Goytacazes. Aliprandi (2017), IBGE (2010),
PDPCG (2008) e Google Earth (2016).

O Rio Paraíba do Sul é elemento estruturador desde a formação do primeiro núcleo


urbano até os dias atuais quando se caracteriza como uma fronteira entre Campos e
Guarus, tantas vezes mencionados neste artigo pelas suas diferentes características
de suporte geobiofísico, investimentos e tratamento. Em contradição com outros
períodos históricos, a atual avenida, paralela ao rio a sul, carece de valorização,
especialmente pela expansão da ocupação de outros setores. As práticas esportivas
antes tão presentes, como a canoagem, por exemplo, ocorrem apenas
informalmente.

Também é preciso ressaltar os espaços livres de urbanização que, assim como o Rio
Paraíba do Sul, são fortes estruturadores da paisagem, por serem objeto de
especulação, acabam por determinar o ritmo e a direção da ocupação urbana.
Paradoxalmente, a norte, como já explicitado, os recursos hídricos limitam e

51
estruturam a ocupação desta porção do território, haja vista seu caráter de encrave
natural e os conflitos socioambientais existentes.

Para suprir a ausência de opções de lazer no perímetro urbano, a população se


desloca para fora, para locais como serras, lagoas e sítios. Apesar de estar distante
a pelo menos 40km, a praia figura como grande espaço livre público, tanto a do
município, quanto dos vizinhos.

Os espaços livres de caráter ambiental do município são legalmente instituídos, mas


há problemas gerados na relação ocupação de baixa renda e lagoas. Quanto aos
espaços livres de circulação, são cada vez menos arborizados devido ao adensamento
urbano, a maioria é asfaltada, com calçadas irregulares e poucas ciclovias. Em
relação aos espaços livres privados, há uma tendência à criação de áreas de lazer
privadas coletivas em condomínios (verticais ou horizontais).

Fica claro que: “A característica mais significativa é a ausência de tratamento


paisagístico nos espaços livres da cidade. Isso tem provocado o abandono de muitos
espaços, prejudicando sua conservação e suas possibilidades de uso” (ALIPRANDI,
2017, p. 359).

O papel concreto dos agentes de produção dos espaços livres e edificados

Campos dos Goytacazes viveu, desde o final da década de 1990, forte crescimento
do mercado imobiliário. São característicos os vetores de crescimento e os grandes
investimentos privados que alavancaram esse mercado e redesenharam sua
paisagem. Seguindo essa tendência, investimentos públicos configuram um reforço
desses vetores e uma sincronia com forças do capital imobiliário. Em contrapartida,
a cidade, que se faz desenhar, consolida a fragmentação, na medida em que a
segregação espacial se intensifica pelo movimento das populações de baixa renda
em evidente processo de periferização.

A paisagem urbana se consolida, assim, de forma contrária a princípios


constitucionais do direito à cidade e das funções sociais da propriedade e da cidade.
Grande parcela do tecido urbano se constitui de espaços livres de urbanização que
permanecem à espera de valorização e reforçam os ditames da especulação
imobiliária, enquanto a segregação intensifica o custo da cidade e depõe contra os

52
direitos dos munícipes. Este processo segue a dinâmica que ignora o planejamento
voltado para o bem comum, e orienta-se segundo o lucro imobiliário, como afirma
Maricato (2013, p. 20):

Há uma disputa básica, como pano de fundo, entre aqueles que querem dela melhores
condições de vida e aqueles que visam apenas extrair ganhos. A cidade constitui um
grande patrimônio construído histórica e socialmente, mas sua apropriação é desigual e
o nome do negócio é renda imobiliária ou localização, pois ela tem um preço devido aos
seus atributos. Isso tem a ver também com a disputa pelos fundos públicos e sua
distribuição (localização) no espaço.

Ocorre que, com o advento dos royalties e a chegada de investimentos na região, a


dinâmica de apropriação do solo é diretamente influenciada pelo aumento do PIB
municipal que alavanca empreendimentos e produz significativos impactos na
paisagem. Os diversos agentes de transformação atuam em sincronia com políticas
públicas, estrutura fundiária e especulação imobiliária, que apontam a dinâmica do
crescimento urbano. Esses agentes acabam constituindo uma cidade regida pelo
mercado e distante do ideal de espaços democráticos e de um ambiente construído
de forma sustentável, do ponto de vista socioeconômico.

A paisagem resultante desta dinâmica faz supor que o investimento público,


abundante nos últimos anos, trabalha em sincronia com interesses dos grandes
investimentos das empresas de base imobiliária como agentes de produção da
cidade.

Em resumo, as transformações na paisagem da cidade de Campos dos Goytacazes,


nos últimos 20 anos, é, fundamentalmente, produto da aplicação dos royalties, dos
grandes investimentos imobiliários, da dinâmica de terras disponíveis para a
especulação e das políticas públicas que atuam em sinergia com o capital imobiliário,
tendendo a produzir segregação e fracionamento do ambiente construído.

Principais agentes de produção

O poder executivo municipal, por sua prerrogativa constitucional de ordenador


urbano é, sem dúvida, o principal agente de produção do espaço urbano. Em Campos
dos Goytacazes, talvez, de forma ainda mais explícita, tenha um imenso
protagonismo pela grande receita proveniente dos royalties. Dentre as inúmeras
políticas públicas que impactaram a paisagem urbana, podemos destacar o programa

53
habitacional social denominado Morar Feliz, além de obras de regularização
fundiária, em especial o programa Bairro Legal. Tais programas, se por um lado tem
o diferencial de um programa municipal com recursos próprios, por outro, em uma
constante dinâmica de remoções, intensifica a periferização e a segregação espacial.

Ao mencionar o Programa Bairro Legal, com início em 2010, Aliprandi (2017) aponta
um custo superior a R$200 milhões, contemplando bairros com pouca infraestrutura
urbana, visando à regularização urbanística e fundiária dos loteamentos irregulares
existentes. Esses recursos são essencialmente provenientes dos royalties, mas
também vêm do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Os bairros são, em
geral, localizados na periferia e são atendidos em apenas alguns trechos.

Criado pela prefeitura em 2009, com o discurso de reassentar moradores residentes


em áreas de risco, o Programa Morar Feliz removeu famílias que moravam às margens
de rodovias e ferrovias federais, rios e lagoas. Na primeira fase (2011 a 2012), foram
entregues 5.426 unidades e na segunda (2012 a 2016), 4.500 unidades. Estão
distribuídas em 11 conjuntos, com custo médio por unidade de R$89.006,00,
totalizando aproximadamente R$883.473.556,00 (TERCEIRAVIA, 2015).

Dentre as políticas públicas que influenciam o uso dos espaços livres públicos de
Campos dos Goytacazes, em especial a praia, está o programa Cartão Campos
Cidadão, com o qual o munícipe paga apenas um real pela passagem e a prefeitura
subsidia a diferença, independente da região em que o cidadão reside. Entre 2009 e
2014 foram gastos cerca de R$185 milhões em subsídios nesse programa (CARVALHO,
2016), que resultaria em uma média de quase R$31 milhões ao ano. Embora tais
investimentos tenham aparência de grande vulto, é importante entender a escala
dos recursos municipais campistas, que entre 2009 a 2016, proveniente dos royalties
e participações especiais, foi de, em média, R$2.224.429.838,31 ao ano
(R$17.795.438.706,48 em oito anos), segundo dados do site inforoyalties da
Universidade Cândido Mendes (ALIPRANDI, 2017).

Investimentos diferenciados em espaços livres públicos estão localizados na região


central ou próxima a ela. Há investimentos pequenos e pontuais em outros locais da
cidade, mas nada de grande porte, com exceção dos investimentos em infraestrutura

54
(ALIPRANDI, 2017). Estas e outras informações podem ser identificadas no mapa da
Figura 9.

Figura 9: Investimentos dos agentes produtores do espaço urbano. Aliprandi (2017), IBGE (2010),
PDPCG (2008) e Google Earth (2016).

O Governo Federal também deve ser considerado como importante agente produtor
do espaço urbano, pois atuou com investimentos que duplicaram grandes trechos da
BR-101, que liga Campos dos Goytacazes a Macaé, ao Rio de Janeiro e ao Espírito
Santo. Também é de grande relevância a atuação no fomento à exploração do
petróleo na Bacia de Campos e os investimentos do Programa Minha Casa Minha Vida.
A instalação do Complexo Portuário do Açu e do Complexo Logístico Farol-Barra do
Furado na região atraíram significativos investimentos, estimulando o crescimento
regional.

55
Incorporadoras, construtoras e investidores privados atuam como agentes neste
cenário, principalmente alavancados por ações governamentais. São desses agentes
as ações de: implantação de loteamentos fechados de alto padrão, construção de
hotéis, shoppings centers, hipermercados, concessionárias de veículos (grandes
edifícios horizontais na Figura 9) e equipamentos diversos voltados ao lazer.

Porém, diante disso, concluímos que os grandes proprietários de terras, geralmente,


remanescentes das antigas fazendas de cana-de-açúcar, são os principais agentes na
configuração da forma urbana, haja vista seu papel estruturador por possuírem as
reservas de terra e por suas ações que intensificam a especulação imobiliária.
Também podemos concluir, analisando os processos de remoção e investimentos do
município, que os interesses de quem controla a estrutura fundiária neste território
são constantemente atendidos por ações e políticas públicas que promovem
valorização e manutenção desta reserva de terras e intensificam a fragmentação e o
espraiamento da mancha urbana.

Diante desse quadro, podemos elencar cinco vetores de expansão: sudoeste,


extravasamento do Centro e da Pelinca, principalmente pela implantação de
condomínios e loteamentos fechados de alta renda, relacionados a um único
proprietário de terra; norte e nordeste, desdobramentos de ocupações irregulares e
implantação de conjuntos habitacionais; leste e sudeste, com ocupações de média e
alta renda relacionados à implantação do Porto do Açu e do complexo logístico Farol-
Barra do Furado.

Produção dos espaços livres e edificados e impactos da legislação

O Plano Diretor Participativo de Campos dos Goytacazes (PDPCG), Lei Municipal nº


7.972/08, apoia-se, segundo seu texto, nos princípios gerais do Estatuto da Cidade,
objetivando que a cidade cumpra sua função social, tendo como objetivos mais
específicos os relacionados ao Ordenamento e Desenvolvimento Urbano e à Política
Ambiental Urbana. É um plano que dá ênfase à preocupação com a qualidade
ambiental e vocações econômicas locais e regionais, citando sempre a necessidade
de um desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, cita diretamente a valorização
do patrimônio natural, especialmente os recursos hídricos, com a criação, proteção
e recuperação de áreas verdes.

56
Em relação à preservação ambiental, as áreas de proteção estão majoritariamente
ao norte do Rio Paraíba do Sul, compreendendo especialmente lagoas, brejos e seu
entorno. São áreas já protegidas por lei ou são de interesse para tal, sendo indicadas
pelo plano para criação de novas Áreas de Proteção Ambiental ou equipamentos
públicos, como parque urbano, por exemplo.

O plano determina também a realização de uma série de ações, tais como:


recuperação da vegetação ciliar do Rio Paraíba do Sul, elaboração de plano de
arborização e de áreas verdes urbanas para todo o município e planejamento e
execução de ações de recuperação de lagoas e rios, demarcando as faixas marginais
de proteção. Além disso, o PDPCG possui uma política específica para tratar de
esporte e lazer.

Visando o desenvolvimento urbano, buscando atender à função social da cidade e da


propriedade, o plano estabelece uma série de diretrizes das quais vale destacar o
estímulo à ocupação dos espaços livres de urbanização da cidade. Para isso, o plano
indica a necessidade de definir instrumentos de indução dessa ocupação previstos no
Estatuto da Cidade, indicando critérios e parâmetros especiais, a saber:
Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, IPTU Progressivo no Tempo e
Desapropriação com Pagamento em Títulos da Dívida Pública. O plano traz algumas
definições e diretrizes, sendo necessária a criação de leis municipais específicas, que
ainda não foram criadas.

Como se pode observar, o plano é amplo quanto às questões ambientais e de


desenvolvimento urbano, entretanto a maioria das ações indicadas pelo plano não
foram implantadas ou regulamentadas até o momento. As áreas de conservação não
possuem, em grande parte, planos de manejo. O mesmo ocorre em relação aos
instrumentos do Estatuto da Cidade citados pelo plano, ainda não regulamentados.

De forma geral, percebe-se o PDPCG como um “Plano Discurso”, nos termos usados
por Villaça (2003), pois possui um texto completo e que atende bem a muitas
questões, porém a maioria de suas diretrizes não se constitui em ações normativas,
focando apenas no discurso.

57
Quadro dos espaços livres na constituição dos padrões morfológicos

A ocupação do solo urbano da cidade de Campos dos Goytacazes, como pode-se


observar no mapa da Figura 10, é predominantemente horizontal, contendo um
pequeno núcleo verticalizado na região conhecida como Pelinca (marcada em roxo
no mapa), onde também se verifica uma maior valorização imobiliária.

Ao relacionar o suporte geobiofísico existente aos padrões morfológicos de ocupação,


apresentados na Figura 10, ficam claras as pressões que os recursos hídricos sofrem,
principalmente com ocupações irregulares ou com a proximidade de conjuntos
habitacionais implantados pelo poder público. Esse contexto demonstra um partido
de projeto e planejamento urbano que vê esses recursos como encrave e como
impedimento à ocupação, situação diametralmente oposta ao que se espera de uma
área com um SEL potencialmente tão rico para atender às mais diversas demandas
da sociedade

Figura 10: Padrões morfológicos. Aliprandi (2017), IBGE (2010), PDPCG (2008) e Google Earth (2016).

58
Os loteamentos fechados ao sul do rio atuam como encraves no tecido urbano, como
barreiras à livre circulação na cidade. A simples existência de loteamentos fechados
atentam contra o conceito de espaço público, pois seus espaços livres de circulação
e de lazer, que deveriam ser públicos, são contraditoriamente privatizados, sob a
tutela legal do município.

No mapa da Figura 10, pode-se observar uma quantidade significativa de espaços


livres de edificação e de urbanização no interior do perímetro urbano . Tratam-se de
enormes glebas, reservas de terras voltadas para especulação imobiliária,
remanescentes de grandes propriedades rurais voltadas à produção de cana-de-
açúcar. Verifica-se, como afirma Aliprandi (2017), que essas terras pertencem a um
número reduzido de proprietários e que, principalmente na margem sul do Rio
Paraíba do Sul, encontram-se à espera da “melhor oportunidade de investimentos ou
negociação que envolva tipos construtivos mais rentáveis” (ALIPRANDI, 2017, p. 257).
Esse cenário tem se desdobrado na implantação de grandes loteamentos fechados,
bem como de condomínios verticais, em sua maioria destinados à alta renda.

Diferentemente do processo de valorização do solo urbano, resultante de


especulação, o que ocorre na periferia da cidade, conforme a mesma autora, são
ações de regularização fundiária e implantação de grandes conjuntos habitacionais,
especialmente do programa municipal Morar Feliz, evidenciando o processo de
perifirização da população de baixa renda na cidade.

Considerações finais

Podemos concluir que a cidade que se faz desenhar, como já explicitamos,


espraiada, fragmentada e tendente à segregação e à periferização das populações
de baixa renda, torna-se desnecessariamente extensa, eleva os custos de
infraestrutura e amplia a necessidade de espaços livres públicos voltados para o lazer
e a circulação. Nesse sentido, as transformações que podemos identificar são
diretamente relacionadas à receita pública e aos investimentos privados, porém, à
revelia de tamanha abundância, é a falta de planejamento e de compromisso com
os princípios expressos na legislação que torna perene o processo e a tendência tão
evidente de exclusão social e carência de espaços livres qualificados.

Referências

59
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p.341-346.

60
CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA DE GOIÂNIA
Da estrutura tipológica elementar ao Parque Macambira Anicuns

MEDEIROS, Wilton de Araujo

Universidade Estadual de Goiás; Professor Pós-doutor; Anápolis (GO); wilton_68@hotmail.com

Introdução

O presente trabalho é o resultado da participação na pesquisa temática “Os sistemas


de espaços livres e a constituição da forma urbana contemporânea brasileira”
(FAUUSP/FAPESP/CNPq). Apresentamos as reflexões obtidas após as oficinas
realizadas pelo QUAPÁ/SEL em Goiânia, e, em seguida, desenvolvemos análise sobre
a constituição da forma urbana a partir de uma abordagem sobre o sistema de
espaços livres. Apresentamos o SEL como oriundo de tipologia advinda do projeto
original da cidade, projetada nos anos de 1930, a qual é composta de parques,
praças, rotatórias e avenidas. Esta tipologia, no dizer de Edgar Graeff, configurou
uma determinada “cultura de morar”.

Por outro lado, a análise mostrará que os espaços “potencialmente projetáveis” são
também inerentes à constituição da forma urbana, os quais são resultantes de
rupturas e descontinuidades do suporte biofísico no processo de urbanização –,
muitos deles fragmentos de espaços verdes na cidade formal e espaços verdes
residuais na cidade informal que foram transformados em “unidades de conservação”
no bojo das políticas socioambientais que de um modo ou de outro marcam Goiânia
como cidade contemporânea. Neste caso, veremos que o Programa Urbano
Macambira Anicuns (PUAMA) que reúne quatro parques contíguos, sendo dois
lineares, torna-se epítome deste padrão morfológico na constituição da forma
urbana.

Iniciamos este estudo morfológico em dezembro de 2015, com a realização da Oficina


QUAPÁ/SEL 1. Nesta oficina, para fins de estudo, dividiu-se a cidade em 12 regiões,
a partir dos critérios de localização de parques e bosques, estabelecidos pela Agência
Municipal de Meio Ambiente de Goiânia 2 (AMMA). Em cada uma destas regiões foram

1
Realização conjunta entre o curso de Arquitetura da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e Pontifícia
Universidade Católica de Goiás (PUC/Goiás).
2
Verificável no site da AMMA - http://www.goiania.go.gov.br/shtml/amma/parquesebosques.shtml
analisadas as configurações de quintais, calçadas, arborização nas ruas, parques, e
praças (Figuras 1.a e 1.b).

Figuras 1.a; b: Participantes da Oficina QUAPÁ/SEL em Goiânia e croquis-síntese de Silvio Macedo.

Destacou-se nas imagens aéreas, para além desses parques e bosques, grande
quantidade de áreas verdes fragmentadas remanescentes do entorno de rios e
várzeas – espaços residuais que sinalizam aspectos de segregação social e econômica.
Por outro lado, ressaltou-se o SEL oriundo do projeto urbano original de Goiânia.
Este, ao ser apropriado por seus moradores, conformou uma “cultura de morar”
configurada em parques, praças, rotatórias e avenidas.

Com este quadro geral, delimitamos um grupo tipológico e suas variações, e desse
modo foi possível desenvolver uma abordagem sobre o SEL/Goiânia. Ponderou-se
também que, pensar a forma como se configura essas doze regiões de Goiânia é
intrínseco a pensar a Grande Goiânia em seu espraiamento metropolitano conurbado.
Onde a tipologia dessa “cultura de morar” também se espraia interrelacionada com
os polos, linhas, e barreiras de crescimento, bem como com os subcentros na
conformação do “urbano”.

Caraterização geral de Goiânia e sua inserção no território

Fundada em 1933, a cidade é a capital do Estado de Goiás e sede da Região


Metropolitana. Localizada-se aproximadamente no centro do mapa do Estado e
próximo à Capital Federal, com a qual constitui o eixo Goiânia-Anápolis-Brasília de
desenvolvimento (Figuras 2.a, 2.b e 2.c).

62
Figuras 2.a; b; c: Localização de Goiânia como entroncamento viário e rede urbana
Goiânia-Anápolis-Brasília. Fontes: Prefeitura de Goiânia e Medeiros (2016).

O município de Goiânia é limitado ao norte pelos municípios de Goianira, Santo


Antônio do Descoberto, Nerópolis e Goianápolis; ao sul, pelo de Aparecida de
Goiânia; a leste, pelo de Senador Canedo, e a oeste, pelos de Trindade e Abadia de
Goiás, em uma região metropolitana contendo vinte municípios (Figura 3).

Figura 3: Região Metropolitana de Goiânia (2013). Mapa: Nascimento e Oliveira (2015).

Esta centralidade de Goiânia em relação aos outros municípios contribui com o


aspecto de entroncamento viário. Sendo que esta configuração viária e as vias de
acesso aos municípios que configuram a região metropolitana, conforme Martins e
Oliveira (2010), induziram a expansão de loteamentos e surgimento de novos bairros,
destacando-se três conurbações: a leste com Senador Canedo, a sul com Aparecida
de Goiânia, e a Norte com Trindade.

63
Em levantamento feito em 353 bairros entre 2000 e 2008 por Martins e Oliveira
(2010), é mais acentuada a expansão intraurbana em direção aos municípios vizinhos
a leste, norte e oeste, (Figuras 4a e 4b) mas é ainda visível em direção a sul, já que
a conurbação a sul é anterior aos anos 2000. Essa expansão intraurbana também
encontra dinamizadores externos: seja considerando-se a região metropolitana
criada pela Lei Complementar nº 27 de 30 de dezembro de 1999, seja considerando
a rede de desenvolvimento Goiânia/Anápolis/Brasília constituída ao longo dos anos.

Figuras 4.a; b: Nas quais se visualiza as expansões intraurbanas, mais acentuadamente nas direções
leste, norte e oeste. Fonte: Martins e Oliveira (2010: 4).

Goiânia e Brasília foram projetadas estrategicamente, tendo a proximidade e a


relação entre ambas, origem em estratégias geopolíticas. Anápolis, cidade onde
finalizava a Estrada de Ferro Goiás, antecede aos surgimentos de Goiânia e Brasília.
Mantendo a situação de “capital econômica” até o início dos anos de 1960, deu
suporte à construção das duas cidades planejadas: Goiânia, de 1933 a 1942, e
Brasília, de 1957 a 1961.

Consolidam um processo de mudanças na distribuição territorial da população


regional que já havia sido iniciado com Goiânia – sendo implantada a rede de
transporte e comunicação interligando o Centro-oeste com o restante do País.
Encontra-se, portanto nesta rede uma Metrópole Nacional, uma Metrópole Regional,
e uma “cidade média”, mediando as duas Regiões Metropolitanas.

Características gerais: suporte biofísico e morfologia urbana

A morfologia urbana é interdependente a fenômenos regionais de urbanização. Por


isso que, como diz Oliveira (2005), o padrão territorial de Goiânia tende à forma
circular, correspondente à sua centralidade viária na interrelação com os

64
dinamizadores externos (ver Figuras 5.a, 5.b, 5.c e 5.d). Assim sendo, ao mesmo
tempo em que se processe a expansão intraurbana, tal como preconiza Villaça
(1998), a mesma também está ligada a fluxos regionais e estes interrelacionados aos
polos, linhas, e barreiras de crescimento da cidade.

Figuras 5.a; b; c; d: Expansão tendente à forma circular. Fonte: OLIVEIRA (2005).

A principal zona de contiguidade de Goiânia, surgida entre os anos de 1930 e 1950,


não é a primeira. Não é a primeira, porque a cidade projetada por Atílio Correia
Lima foi implantada próxima a uma aglomeração urbana existente desde o final do
século XIX, denominada Campinas. É a principal, porque dela emana todo o
crescimento urbano, inclusive o do antigo povoado que veio a se expandir
sobremaneira posteriormente, e também porque dela retiramos a tipologia de
espaços livres dominante até os dias atuais, citada inicialmente (parques; praças;
rotatórias; avenidas).

O projeto de Correia Lima incorporou o suporte biofísico, integrando relevo,


hidrografia e vegetação. O desenho da cidade teve íntima relação com a sua
implantação. Como observaram Zárate e Pantaleão (2014), o sítio livre entre os
córregos Botafogo e Capim Puba fora escolhido porque à medida que se afasta dos
veios hídricos, a topografia suaviza, tornando-se propícia a geometrização barroca,
e demais regularidades do plano (Figuras 6.a, 6.b e 6.c).

65
Figuras 6.a; b; c: Área de implantação de Goiânia, localizada por Correia Lima entre os córregos
Botafogo e Capim Puba. Principal zona de contiguidade na origem dos elementos de análise
morfológica. Fontes: arquivos do autor; SEPLAM; MIS (Apud OLIVEIRA, 2015: 119).

Por outro lado, as bordas dessa zona de contiguidade também prefigurarão as


descontinuidades, rupturas e fragmentações morfológicas em relação à cidade
formal/legal/projetada, que também se espraiarão e replicarão por toda a cidade
desde a sua origem até os dias atuais. Na medida em que a cidade foi se expandindo,
os processos originais de rupturas e descontinuidades foram também sendo
replicados. Essa “morfologia de arquipélago” (Figuras 7.a, 7.b e 7.c) nada mais é
do que o resultado de duas descontinuidades.

Figuras 7.a; b; c: Pólos de crescimento de modo aproximadamente circular, replicando as rupturas e


descontinuidades originais, conformando uma “morfologia de arquipélago”. Fontes: intervenções
sobre OLIVEIRA (2005) e Plano Diretor de Goiânia (2007).

As descontinuidades projetuais e seus reflexos na malha urbana, os quais estão


intrínsecamente inter-relacionados às desigualdades sócio-econômicas (SILVA,
MORAIS e NASCIMENTO, 2010); e ao processo de expansão urbana que vai reduzindo
a cobertura vegetal (Figuras 8a e 8b), até por fim serem visualizadas como
fragmentos verdes no mapa.

66
Figuras 8.a; b: Processo de supressão e fragmentação da cobertura vegetal no ano de 1986
(STREGLIO, 2013: 192), e entre 1986 e 2011 – vermelhas suprimidas, verde, restantes (MARTINS
JUNIOR, 2013: 184).

Tais características morfológicas resultam das dinâmicas de ocupação populacional


no processo de metropolização, decrescente no núcleo da metrópole e crescente no
município do entorno imediato (RODRIGUES, 2005; OLIVEIRA, 2005). Como se observa
nas figuras 8a e 8b, as partes com mais reduzida cobertura vegetal correspondem
ao núcleo central e a porção sul, áreas urbanas cuja consolidação foi direcionada
pelos planos originais da cidade, a partir dos quais se depreende o SEL/Goiânia.

O Sistema de Espaços Livres

O SEL/Goiânia conforma tipologia (parques, praças, avenidas e rotatórias) originada


do projeto de Atílio Correia Lima, em 1933, e posteriores modificações feitas pelo
escritório Coimbra Bueno entre 1935 e 1938, e 1946 e 1950, além de diversas
replicações observadas durante o processo de expansão urbana. Edgar Graeff (1985)
vai dizer, que, na medida em que essa tipologia foi sendo incorporada pelos
moradores, resultou em uma “cultura de morar”.

Nestes quatro elementos tipológicos não há uma hierarquia entre si. Os parques,
como se pode ver na Figura 9, abaixo, foram incorporados por Correia Lima das
diversas áreas verdes existentes no suporte biofísico onde a cidade foi implantada.

67
Figura 9: Anteprojeto de Atílio Correia Lima (1933), onde se vê o sistema de espaços livres
integrando paisagismo e suporte biofísico. Fonte: MANSO, 2001: 68.

Na medida em que os parques foram sendo incorporados pelos moradores (Figuras


10.a, 10.b e 10.c), foram configurando-se como tipo. Adquirindo diversas
transformações no decorrer do processo de urbanização, destacam-se, sobretudo, as
ocorridas após os anos de 2.000 – período em que muitas das áreas verdes passam a
ser consideradas legalmente como “unidades de conservação”.

Figuras 10 a; b; c: Paisagísmo de Attílio Correia Lima para o Bosque dos Buritis; integração Parque
Botafogo com a Avenida Araguaia; Parque das Paineiras ao Sul. Fonte: DINIZ, 2007: 140; 142; 143.

Do projeto original, destacam-se também as avenidas arborizadas, ao que Graeff


(1985: 28) ressalta como sendo “a vitória do pitoresco, assegurada pela generosa
arborização prevista para os passeios e canteiros centrais”. Isto seria a subversão do
sentido de monumentalidade, que Correia Lima (Figuras 11.a, 11.b, 11.c, 11.d e
12.a e 12.b) até inicialmente intencionou dar à capital através do traçado barroco.

68
Figuras 11.a; b; c; d; e 12 a; b: Projeto paisagístico de Correia Lima para avenidas comerciais e
residenciais, e avenida monumental Pedro Ludovico (atualmente Av. Goiás); Avenida Goiás (1958) e
atualmente. Fontes: Manso (2001: 114; 125; 127); Pires (2011: 30); Oliveira (2008) e Google Earth.

Então, temos com este aspecto que Graeff chama de “pitoresco”, o surgimento, do
segundo tipo na configuração das características gerais do SEL/Goiânia: as avenidas
arborizadas que foram sendo desenhadas desde os primeiros loteamentos
juntamente com os demais elementos da estrutura tipológica aqui apresentada. Tais
avenidas arborizadas foram sendo replicadas até os dias atuais (Figuras 13.a até
13.j). Isto não significa que todas as avenidas de Goiânia são arborizadas. Contudo,
como a implantação de eixos que articulam o sistema viário veio a posteriori da
estutura tipológica elementar (com o PDIG proposto por Jorge Wilheim em 1968,
como veremos adiante), podemos considerá-los nas partes não arborizadas como
descontinuidade de tais derivações.

Figuras 13.a; b; c; d; e; f; g; h; i; j: Avenidas Vera Cruz; GB05; Antônio M. Borges; 5ª Avenida; Canaã;
Rio Vermelho; Olinda; Alexandre de Moraes; V-003; Hermes Pontes. Fonte: Google Earth.

Graeff (1985) observou que, Correia Lima, ao transpor a visualidade barroca como
materialização da monumentalidade intencionada ao traçado da nova capital, fez
com que “aquelas avenidas que poderiam assumir a feição das esplanadas

69
monumentais, ao modo barroco, [fossem] francamente tratadas como verdadeiras
park-ways” (pág. 27).

Ao estudar pioneiramente o surgimento das tipologias urbanas da cidade de Goiânia,


Graeff também observou, que, a inserção desse paisagismo obstruindo a visualidade
barroca com o plantio de árvores nos canteiros das avenidas, é um elemento estranho
à cultura europeia, mas não à brasileira: “a proposta realmente ecológica de Correia
Lima e Godói teria falecido no seio das boas intenções, se não encontrasse forte
ressonância na cultura de morar da gente que se instalou e se vem multiplicando em
Goiânia” (pág. 28).

A Armando de Godói do escritório de Coimbra Bueno, no caso, é atribuída as


primeiras derivações do terceiro elemento tipológico, também surgido no projeto
original de Correia Lima: o asterisco. Os asteriscos (Figuras 14.a, 14.b e 14.c) em
formatos poligonais e circulares, aparecem em praticamente todos os projetos de
expansão urbana de Goiânia, sendo que alguns são simples organizadores de fluxos e
outros também agregam a função de praça.

No cinquentenário da cidade, Graeff publica a obra comemorativa 1983 – Goiânia:


50 anos. Com o intuito de homenagear os seus moradores fez o seguinte relato:

Quando a cidade continuou a crescer, a se espraiar pelas suaves ondulações dessas


coxilhas, logo um fenômeno de geração e desenvolvimento cultural se manifestou: no
agenciamento dos novos bairros/setores reproduziu-se, quase sistematicamente,
os temas do asterisco e das largas avenidas serpenteantes, muito bem acomodadas no
terreno, com amplos passeios e refúgios centrais arborizados. Ao observador mal
informado parecerá que a repetição desses elementos decorre de alguma norma, alguma
legislação especial, quando, na verdade, eles aí estão, espalhados por toda a cidade, por
"gosto" da população. O comércio imobiliário e a própria especulação já se deram conta
das preferências dos consumidores" e passaram a utilizar nos seus negócios o vigor
promocional contido nesses elementos de composição urbana. Convém atentar para um
fato e refletir: aqui o asterisco não comparece como mero cacoete gráfico, ele se
multiplica como cultura e reprodução de uma situação arquitetônica/espacial não só
vista, mas sentida e vivida na cidade. A população procura reproduzir e cultivar aqueles
valores ambientais que mais lhe agradam. (GRAEFF, 1985: 19-22).

Quando Graeff compôs este relato, muitos dos bairros atuais de Goiânia ainda não
existiam. Contudo, mostrando a validade daqueles estudos tipológicos feitos a trinta
e dois anos atrás bem como a atualidade da análise do autor, as mesmas constatações

70
ainda podem ser feitas: o SEL/Goiânia se reproduziu por ter sido apropriado pelos
seus moradores como “valores ambientais”, e não meros “cacoetes gráficos.”

Figuras 14.a; b; c: O escritório Coimbra Bueno replica os “asteriscos”, derivando desta tipologia
asteriscos como praças, rotatórias, compondo por vezes o paisagismo “pitoresco” com vias
arborizadas. Fontes: <https://goo.gl/27pMMd> (DAHER, 2003: 192); GRAEFF, 1985: 13).

Pela quantidade e variedade de rotatórias implantadas nos desenhos dos bairros da


cidade (Figuras 15.a até 15.i), tipologia que também continua sendo replicada até
os dias atuais com as mais diversas derivações, sem dúvida se constituem como um
dos elementos mais ricos para posteriores estudos sobre a estrutura tipológica de
Goiânia. Até porque em uma dessas variações também ocorrem fusões com um outro
elemento tipológico, a praça.

71
Figuras 15.a; b; c; d; e: Asteriscos (rotatórias; praças; avenidas) anotados por Graeff (1985) sobre o
mapa de Goiânia; rotatórias no Jardim Curitiba/rua JC 10/Praça do CIOPS; no Parque
Amazônia/Rotatória (Praça Francisco A. de Oliveira) e via arborizada (Av. Antônio Fidelis); no Setor
Universitário (Praça Tenente Veríssimo de Souza; Av. Universitária); no bairro Cidade Jardim/vias
arborizadas/Praça Tiradentes. Fontes: GRAEFF 1985 (contracapa) e Google Earth e Street View.

Figuras 15.f; 15.g; 15.h e 15.i: Fotos aéreas do acervo QUAPÁ/SEL e do autor.

Em pelo menos dois casos de destaque, dentre muitos outros desde os anos de 2000
as rotatórias foram transformadas em viadutos. Nestes dois casos foram construídos
ícones da gestão municipal, apelidados posteriormente pelos moradores como
“espeto da avenida T-63” (Figuras 16.a; 16.b) e “espeto da Avenida 85” (Figuras
16.c; 16.d; 16.e).

Figuras 16.a; b; c; d; e: Rotatórias entre as Avenidas T-63 e 85 transformadas em viadutos, sobre os


quais foram construidos ícones da municipalidade. Fontes: < https://goo.gl/uya7v5 >; intervenções
do autor sobre Google Maps; O Popular – Cidades (Acesso: 04 mar. 2015).

Sobre as praças (Figuras 17.a; até 17.e), há uma interessante diversidade de usos e
também de apropriações empregados nesta tipologia do SEL/Goiânia. Nesta
diversidade, há as praças institucionais, as que mantém semelhanças com as praças
tradicionais (onde se tem espaços complementares com a sociabilidade da igreja),
as praças de esportes, dentre diversas outras que se configuram como espaços de

72
sociabilidade e convivência da vizinhança (Figuras 17.f; 17.g). Em muitas praças há
ainda o costume local do “Pit dog” (figuras 17.h;17.i;17.j).

Figuras 17.a até 17e: Fotos aéreas de algumas praças de Goiânia. Fonte e créditos: QUAPÁ/SEL.
Figuras 17.f; g – Espaços complementares de sociabilidade praça/igreja, até praças de esportes.
Fonte: QUAPÁ/SEL.; Acervo do auto. Figuras 17.h; i; j: Costume local do “Pit dog” na praça. Fonte:
Acervo do autor.

Ocorre também em algumas praças de Goiânia disposição espacial dos imóveis


(Figuras 17.l; 17.m; 17.n; 17.o) , produzindo o que Bourdieu chama de “efeitos do
lugar”, semelhantes aos parques, como veremos mais adiante, embora sem o viés da
assimilação do ambientalismo como um produto.

Figuras 17.l; m; n; o: Praças de Goiânia disposição espacial dos imóveis no entorno. Fonte: acervo do
autor e Google Earth.

Quanto aos espaços livres nas áreas de expansão urbana, é marcante a reprodução e
derivação destes quatro elementos tipológicos (parques, avenidas, rotatórias e
praças). Muito embora tenham surgidas novas tipologias, não abordadas no presente
texto, esses elementos, serão associados ao discurso de valorização da imagem
ambientalista da cidade, quando arborizados.

Desse modo, parques, avenidas, rotatórias e praças não são somente elementos
estruturantes do SEL/Goiânia. Aparecem de modo destacado nas transformações da
cidade contemporânea, em que as imagens dos parques ocuparão um lugar destacado
no quadro do paisagismo, como se verá a seguir.

73
Processo atual de produção dos espaços livres e edificados e seus agentes

As transformações mais recentes ocorridas na paisagem urbana de Goiânia referem-


se ao viés político do discurso ambientalista como modo de planejar os espaços
livres. Insere-os muitas vezes na lógica dos fluxos intraurbanos, consubstanciando-os
em centralidades da paisagem contemporânea. Tratando-se de inserção no contexto
das sociedades pós-industriais, em que, como destaca Lipovetsky (2007), todas as
esferas da vida social e individual se encontram reorganizadas segundo a ordem
consumista. Neste caso, o consumo da paisagem.

Os principais agentes dessas transformações subsidiam a temática do consumo da


imagem ambientalista, e das políticas de sustentabilidade urbana. Assim sendo, o
SEL/Goiânia está presente tanto em sua expansão urbana, onde ocorre a replicação
da tipologia estruturante, quanto nas áreas mais centrais da cidade, imprimindo tais
aspectos que irão caracterizar a cidade contemporânea. Tem-se o poder público
como o agente preponderante de sua produção, porém, mais recentemente
pontilham-se diversas iniciativas do setor privado, como também agentes em tal
produção.

Principais agentes de produção

O Estado foi o agente preponderante na produção do espaço urbano de Goiânia até


os anos de 1950. Haja vista que o projeto e a construção da nova capital foi a
principal expressão das mudanças politicas ocorridas na primeira metade do século
XX. Por exemplo, o Lago das Rosas, piscina pública construída na década de 1940
para ser um espaço popular de lazer, foi intensamento apropriado pela população.

Conforme dito acima, focalizamos a tipologia do parque, porque a esta foi dada mais
visibilidade na cidade contemporânea, tendo dela se apropriado tanto o poder
público quanto as iniciativas privadas, embora tenhamos notado também mudanças
importantes nas outras três tipologias. Têm-se no caso do Lago das Rosas
(atualmente Parque Educacional, juntamente com o Zoológico de Goiânia) o caso
pioneiro de apropriação por parte da população, de áreas públicas consideradas
como parque.

74
Assim, tanto o poder público quanto a apropriação por parte da população interagem
na produção do parque como importante elemento tipólogico do SEL/Goiânia. Por
outro lado, como o Lago das Rosas foi um espaço de apropriação popular, prefigurou
também a distinção de classes na produção do espaço urbano e na configuração do
SEL/Goiânia, já que a população de maior renda preferiu voltar-se para o lazer
privado do Jóquei Clube.

Esse aspecto de apropriação popular de espaços de lazer produzidos pelo poder


público em Goiânia na década de 1940, manterá as mesmas característas no último
quartel dos anos de 1960: a Prefeitura Municipal, também com o intuito de propiciar
lazer às classes populares, inaugurou o parque Mutirama (Figuras 18.a, 18.b e 18.c),
retirado da totalidade que compunha o Parque Botafogo.

Assim como o Lago das Rosas, o Parque Mutirama foi intensamente apropriado pela
população. Manteve inclusive a distinção de classe: como diz Dumazedier (1974: 28),
uma concepção de lazer nascida da sociedade industrial, não suprime o trabalho;
antes o pressupõe. Por outro lado, a pesquisa empírica realizada por Ramos (1998)
nestes parques destinados à apropriação popular mostra que a concepção de “lazer”
será atualizada para a noção de “tempo livre”, esta mais propícia aos parques
contemporâneos.

Figuras 18.a; b; c: Parques Mutirama (anos 70) e Lago das Rosas (anos 50) o mapa de Goiânia.
Fontes: Acervo do autor; Oliveira (2008); <http://portalmapa.goiania.go.gov.br/mapafacil/>

Conforme constatado na pesquisa, contemporaneamente alguns parques que outrora


eram segregados para uso popular passam a ser também apropriados por pessoas de
maior renda. Contudo, “não se olham, não se falam; depois de seus exercícios físicos,

75
que duram de uma a duas horas, os membros de classes altas entram em seus carros
particulares para retornar às suas casas, às vezes muito próximas” (Pág. 61).

Contemporaneamente, as classes de maior renda passaram a ter os parques (Figuras


19.a até 19.h) como “objetos de desejo”, no sentido de que tornam tangíveis
comportamentos de consumo, e claras as intenções de lucros dos empreendedores
(MEDEIROS, 2008). Nesse contexto em que as relações são reorganizadas segundo a
ordem de “consumo do tempo livre”, tanto aumentam a quantidade de parques
projetados e construídos em Goiânia, quanto aumenta a interrelação destes com
empreendimentos imobiliários.

Figuras 19.a até 19.h: Parque Cascavel / Abient Park Residencial / Parque Jerivá / Parque Leolidio
Ramos Caiado/Parque Flamboyant / Parque Areião / Parque Vaca Brava / Parque dos Buritis / Parque
do Lago das Rosas. Fontes: Acervo do autor e Google Earth.

Este contexto de “consumo da paisagem” (HARVEY, 1996; MEINING, 2003; ORTIGOZA,


2010) na contemporaneidade, também nos informa de que modo o agente público
municipal passou a atuar após as grandes mudanças ocorridas no planejamento
urbano no Brasil. Com isso, valorizaram-se sobremaneira intervenções pontuais que
pudessem agregar valor à imagem da cidade, como por exemplo, os parques e
bosques concebidos sob a égide da sustentabilidade.

Então, é possível perceber que, muito embora o poder público tenha sido o principal
agente na produção do SEL/Goiânia desde a fundação da cidade, dentre os agentes
atuais podemos constatar a inserção de incorporadores imobiliários agindo
diretamente. Por consequência, a apropriação (usos) desses parques
contemporâneos passa a requerer uma análise cujo corpus teórico aborde de que
modo é possível compreender a adaptação contemporânea de espaços livres,
sobretudo os parques, pela associação das áreas verdes com a temática ambiental,

76
mas há também exemplos em praças e rotatórias, ao “consumo da paisagem”,
“objetos de desejo” e “consumo do tempo livre”.

Segundo Marques (2012), há em Goiânia um sistema de qualificação da estrutura


urbana, e este controla a disposição espacial dos imóveis, produzindo o que Bourdieu
chama de “efeitos do lugar” (1999: 163). Para este autor, um dos principas “efeitos
do lugar” é o espaço de dominação imobiliária que daí resulta na estrutura urbana.
Ou seja, aqueles que utilizam os recursos privilegiados de dominação da disposição
dos elementos sobre a estrutura urbana, capazes de atribuir “distinção” (MARQUES,
2012: 123).

Dentre os parques contemporâneos de Goiânia, uma parte deles foi incorporada para
qualificar diversos empreendimentos imobiliários (Figuras 20.a; 20.b; 20.c). Assim
associa-se local de moradia/consumo da paisagem/objeto de desejo/consumo do
tempo livre, a este recurso tipplógico existente.

Figuras 20.a; 20.b; 20.c – Parques Flamboyant, Vaca Brava e Areião, tendo o seu entorno ocupado
por empreendimentos imobiliários.
Como se vê, há diversas formas de apropriação (usos) dos elementos tipológicos que
estruturam o SEL/Goiânia. Sendo que, dentre eles, mais se destacam os parques
contemporâneos, até porque são vistos como recursos de dominação e distinção. E,
dentre estes se destaca os parques que compõe o Programa Urbano Ambiental
Macambira Anicuns (PUAMA), conforme se verá mais adiante.

Produção dos espaços livres e edificados e impactos da legislação

Projetada por Correia Lima para ser ocupada por 50 mil habitantes (Decreto Lei 90-
A, de 31 de julho de 1938), esse marco vai ser alterado no final da década de 1940
(Código de Edificações de Goiânia – Decreto-Lei n° 574, 12 de maio de 1947). Após
isso, no período que corresponde à construção de Brasília, viu-se o crescimento
vertiginoso, saltando aos olhos, por um lado, o déficit de planejamento urbano, e
por outro a prática de loteamentos. (Figuras 21.a até 21.d).

77
Figuras 21.a até 21.d – Alguns dos loteamentos aprovados nos anos de 1950: Santa Genoveva; Vila
Boa; Vila São José; Crimeia Leste: Crimeia Oeste. Fonte: Prefeitura de Goiânia
<http://portalmapa.goiania.go.gov.br/mapafacil/>

Embora esses loteamentos fossem frutos da especulação imobiliária, praticamente


todos mantiveram, ainda que de forma variada, os elementos tipológicos aqui
referenciados como estruturante do SEL/Goiânia: parques, rotatórias, praças e
avenidas. Nesse período de grande especulação imobilária, ainda que observemos os
elementos tipológicos aqui destacados nos loteamentos, ocorre um hiato urbanístico
por não ter tido planejamento urbano para a cidade como um todo, tal como houve
no projeto original de Correia Lima.

Em 1968, Jorge Wilheim pôs fim a este hiato urbanístico com o PDIG (firma SERETE
Engenharia S/A via SERFHAU/BNH – Leis nº 4523, de 31/12/1971; nº 2525 e 4526).
Em sua visão de conjunto da cidade e em suas diretrizes, Wilheim incorporou dois
elementos que podem ser considerados compatíveis com essa “cultura de morar”
consolidada no SEL/Goiânia, como estruturantes do PDIG: o sistema viário e as áreas
verdes (Figura 19).

É interessante destacar também a continuidade do SEL/Goiânia no PDIG tanto pelas


diretrizes de expansão urbana, como aos espaços edificados a ele associado. Ou seja,
o sistema de espaços livres aparece intrinsecamente correlacionado ao sistema de
espaços edificados. Assim sendo, integra e opera fulcralmente a tecitura urbana.
Dentre outros exemplos, isto ficou muito evidente nas Avenidas propostas como
vetores de crescimento a Oeste (ver Figuras 22.a e 22.b), integradas a conjuntos
habitacionais, e estes a praças internas.

Consequentemente, estes dois aspectos foram potencializados em três outras Leis:


a Lei Municipal 5.019, (de 8/10/1975) que consolida o sistema viário de Goiânia por
eixos que articulariam as áreas delimitadas pelo Zoneamento; a Lei Municipal nº
5.245 (de 16/05/1977) que dispôs sobre a utilização dos fundos de vales; e a Lei
5.735 de 19/12/1980 que trata do zoneamento urbano (Figura 22.c).

78
Figuras 22.a e 22.b – Avenidas e integração com espaços livres e edificados como vetor a Oeste.
Figura 22.c – Mapeamento do sistema de áreas verdes pelo PDIG (1971), onde se destacam fundos
de vales. Fonte: SEPLAM e Prefeitura Municipal <http://www.goiania.go.gov.br/html/amma/>.

A partir disso, consoante às mudanças da sociedade que implicam em mudanças na


cidade contemporânea e nos modos de apropriação de seus espaços livres, as
subsequentes administrações municipais procuraram sempre mais atrelar seu
marketing político à imagem de cidade “ecologicamente sustentável”. Proliferaram-
se as parcerias público-privadas facilitadas pelo licenciamento ambiental,
constatáveis em vários daqueles empreendimentos mostrados nas Figuras 17 acima,
é importante, portanto, frisar, que a tecitura entre espaços livres e espaços
edificados tornaram-se uma forte caraterística, sobretudo na apropriação
contemporânea dos parques.

Sobretudo após a Constituição Federal promulgada em 1988, a municipalidade deixa


de partilhar de um sistema central de planejamento e passa a intervir nas leis e na
cidade através da atuação setorizada da Secretaria Municipal de Meio Ambiente
(SEMMA), e, posteriormente Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA). Com isso,
a partir do final dos anos de 1980, e no decorrer dos anos de 1990 (Lei Orgânica
Municipal n. 7.091, de 12/06/1992; Plano Diretor de 1992 3) e após os anos de 2000,
a valorização dos temas relativos ao meio ambiente culmina em políticas ambientais
em âmbito municipal, adaptadas ao mundo contemporâneo.

Neste contexto, foi criado em 2003 o Sistema Municipal de Unidades de Conservação


(SMUC) (Figura 23). Subdivididas em 12 regiões na malha urbana, contam com um
total de 195 UC, contando dentre diversos tipos de vegetações uma área total de
16.506.677,84m², conforme dados disponíveis em: <https://goo.gl/h9bQdF>.

3 Parte 5 - unidades de conservação e similares: áreas de preservação de vegetações, remanescentes, cursos


d’água, cuja proteção considerava-se imprescindível;

79
Figura 23 – Mapeamento das Unidades de Conservação de Goiânia. Fonte: SEPLAM. Disponível em:
<http://www.goiania.go.gov.br/html/amma/>.

Para Ribeiro (2004: 148) a inserção ambientalista não impede “o curso de


crescimento desordenado, mediado pelos órgãos municipais de planejamento e meio
ambiente que, ao invés de conduzir o processo, correram atrás da cidade de fato,
tentando remediar os danos resultantes das relações estabelecidas”. Desse modo, a
análise do SEL/Goiânia vai se complexificando à medida que se sobrepõe novos
elementos de análises sobre os seus agentes produtores e suas apropriações/usos.

No Site da Agência Municipal de Meio Ambiente (AMMA), podemos observar o


destaque que se dá aos parques e bosques, totalizando em 192 áreas, cfe.
http://www.goiania.go.gov.br/html/amma/ (ícone Parques e Bosques). Contudo,
podemos considerar que o auge de todas as mudanças que se intauraram sobre a
estrutura tipológica do SEL está consubstaciado no Programa Urbano Ambiental
Macambira Anicuns (PUAMA), logomarca na Figura 24, sob a Lei municipal nº 1923,
sancionada em 28 de dezembro de 2011.

Figura 24 – Logomarca constando em todos os documentos e materiais de divulgação, na página


oficial da Prefeitura. Fonte: <https://www.goiania.go.gov.br/shtml/puama/principal.shtml>

80
Fica criado o Parque Linear Urbano Macambira Anicuns, que passará a ser denominado
Parque Linear Macambira Anicuns e os dois Parques Ambientais Urbanos, a serem
denominados Parque Macambira e Parque da Pedreira, todos integrantes do Programa
Urbano Ambiental Macambira Anicuns – PUAMA. (Capítulo I; Artigo 1º - Lei nº 9123, de
28 de dezembro de 2011).

A Lei Municipal nº 1923, consubstancia na forma legal tratativas que duraram seis
anos, entre 2003 e 2009, com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o
qual financiou sessenta por cento do valor total investido no PUAMA. Após isso, entre
2010 e 2012 os arquitetos Rosa Grena Kliass, Maria Cecília Barbieri Gorski, Michel
Todel Gorsk e o Escritório Grupo 4 elaboraram quatro projetos de parques
integrados, espacializando o referido Programa (Figura 25.a).

O teor da proposta de construção dos quatro parques é fundamentalmente


ambientalista e sustentável, e esta foi a principal prerrogativa para que o BID
liberasse a sua parte do valor investido. Observamos que a amplitude conceitual,
provavelmente por suas muitas interdisciplinaridades, em muitos pontos beirando a
imprecisão, é homóloga à amplitude da escala da cidade, haja vista que,
perpassando 136 bairros, abrange um raio de 6km ao norte e 10km ao sul (Figura
25.b). O parque linear como um todo abrange 24km.

Figura 25.a; 25.b – Figuras retiradas do documento oficial do PUAMA. Localização dos quatro
parques, e abrangência destes integrados, na escala da cidade. Fonte: (GOIÂNIA, 2013). Disponível
em: <https://www.goiania.go.gov.br/download/puama/apresentacaonovo.pdf>

É possível questionarmos, como faz Villaça (1995) sobre os dilemas que as leis
urbanas suscitam – mais especificamente os planos diretores –, no que se refere a
efetivamente instituir ou moldar a forma urbana. “Tudo traçado em longas cartas de
princípios e intenções, sem nenhum rebatimento real na prática projetual e
consequentemente na cidade” (RIBEIRO, 2004: 148). O conflito entre a cidade ideal

81
e cidade real, se expressa como “cidade do pensamento único” (ARANTES, 2000),
onde a desigualdade é inerente à sociedade brasileira em sua formação histórica
mesma.

Porém, mesmo sendo desigual, seja na relação entre classes mais abastadas e de
menores rendas, ou na relação com a natureza, as potencialidades dos espaços livres
na constituições dos padrões morfológicos nos levam a convergir com o olhar poético
de Graeff:

Em homenagem à raposa do nosso quase colega Antoine de Saint-Éxupery, o essencial é


invisível aos olhos: [...] desvendar a identidade essencial ou substantiva de uma formação
urbana é tarefa que ultrapassa as limitações de um estudioso escoteiro e requer trabalho
sistemático e bem orientado de equipes interdisciplinares. É tarefa para as universidades,
em íntima colaboração com os moradores da cidade. Embora isso, sempre é possível,
quando não a título de provocação, avançar algumas dicas. (1985: 31).

Graeff atribuía às universidades a tarefa de perquirir sobre a identidade essencial de


Goiânia. Assim, pontuamos a seguir, uma interpretação sobre esta “identidade
essencial” contida na estrutura elementar tipológica, que, mesmo sendo replicada
em padrões morfológicos indutores de rupturas e descontinuidades desde a criação
da cidade, insere esta identidade nas características da cidade contemporânea.

Quadro dos espaços livres na constituição dos padrões morfológicos

Conforme Macedo (1993), as alterações na paisagem ocorrem em sistema,


conjuntamente com as ações que produzem os processos de ocupação e gestão.
Desse modo, o SEL/Goiânia tornou-se um padrão morfológico por meio do que
Magalhães (2007) chama de “expansão indutora”. Trata-se de um padrão
preponderante desde o início da construção da cidade em 1933, até os dias atuais.
Este replica rupturas no suporte biofísico e no espaço urbano, que perpetuam a
ascendência de circulação funcionalista.

Como no exemplo dado por Magalhães (IDEM: 176), em que a nova sede da Prefeitura
Municipal foi construída na parte sudeste da cidade, servindo de vetor de expansão
em uma área ainda não ocupada, promovendo, porém, rupturas com o tecido
consolidado no centro da cidade e outras áreas urbanizadas contíguas. Se nos
detivermos na análise deste vetor de expansão indutora, perceberemos nele o

82
quadro dos espaços livres na constituição deste padrão morfológico (Figuras 25.a;
25.b e 25.c).

Por meio de inúmeras expansões indutoras similares a esta exemplificada por


Magalhães, vigeu o padrão morfológico preponderante desde o início da construção
da cidade em 1933, até os dias atuais. Conforme visto no tópico Características
gerais: suporte biofísico e morfologia urbana, acima, replicou rupturas no suporte
biofísico e no espaço urbano. Assim, perpetuou a ascendência de circulação
funcionalista.

Figuras 25.a; 25.b e 25.c: Expansão indutora. Equipamentos urbanos rompem o tecido consolidado,
tornando-se polo de crescimento. Fonte: Magalhães (2007: 176); Acervo QUAPÁ/SEL

Porém, conforme observou Mongin (2009: 83; 112-127), é precisamente a partir da


circulação funcionalista, que configura-se na cidade contemporânea os sistemas
superpostos de fluxos, um conjunto de redes interconectadas, desencadeando uma
“cultura de falta de limites” (IDEM,148; 154). Nesta, ocorre o quadro da paisagem
contemporânea. Conformando padrões morfológicos não lineares, não seguem
necessariamente o modelo de expansão indutora.

Observa-se, entretanto, que a paisagem contemporânea não se exime de críticas.


Como diz Serpa (2013:64) sobre o Parque La Villete, opera outras formas de rupturas:
“o espaço público se esvazia de sua dimensão política e se torna um espaço de
justaposição de diferentes territórios, todos juntos, mas, de fato, separados”.

Ou, como diz Carvalho (2017: 124) sobre o entorno dos parques que compõem o
PUAMA: “a dinâmica social e econômica das cidades contemporâneas favorece a
formação de regiões socialmente segregadas e o consequente enobrecimento ou
gentrificação de determinadas áreas”. Ou ainda o que diz Silva (2014: 11) sobre o
aspecto ambientalista e de sustentabilidade do PUAMA: “recomenda-se adotar uma

83
metodologia que realmente integre a proposta ambiental e social com aspectos que
propiciem uma qualidade de vida, através de investimentos em saúde, educação,
lazer, segurança, etc”.

Uma forma de compreender o modo como ocorre o padrão morfológico não linear, é
observando o rebatimento do pensamento projetual arquitetônico proposto por
Bernard Tschumi ao Parque La Villete. Neste, Tschumi rompe com o pensamento
linear “a forma segue a função”, e propõe a construção da paisagem não a partir de
um sistema, mas sim de três sistemas superpostos: sistema de superfícies; sistema
de linhas; sistema de volumes. Sendo fundamental observar que tais sistemas
superpostos não são apenas de ordem física (MOHR, 2003; ZONNO, 2017; GUATELLI,
2017).

Um modo um pouco menos complexo de apreendermos sistemas não apenas de


ordem física, é o modo como Magalhães (2007) atribui às partes históricas como
“contrapontos existenciais”, não nostálgicos. O autor cita Ascher (2001, p.81) que
identifica na cidade contemporânea “contrapontos existenciais” a um mundo
profundamente conectado, mas intimamente desintegrado.

Visando a sua construção de médio a longo prazo, os projetos arquitetônicos que


compõem o PUAMA foram distribuídos em onze setores (Figura 26.a), podendo ser
compreendidos como onze etapas de construção. A partir dos projetos, mas
sobretudo a partir das partes já construídas e em uso até o ano de 2017, foram
construídos três desses setores, guardadas as proporções disjuntivas propostas por
Tschumi, podemos pensar o padrão morfológico contemporâneo.

84
Figuras 26.a; 26.b – Setores de projetos dos parques que compõem o PUAMA. Fonte: (GOIÂNIA,
2013). Disponível em: < https://www.goiania.go.gov.br/download/puama/apresentacaonovo.pdf >

Embora não haja qualquer proposta “disjuntiva” por parte dos autores dos projetos
que compõem o PUAMA, a experiência de quem percorre a espacialidade dos parques
é a de presenciar a superposição de três novos sistemas (linhas; superfícies; volumes)
sobre o SEL/Goiânia que anteriormente se expandiu de forma indutora. Desse modo,
podemos experimentar também a superposição de um dos quatro elementos, o
parque, que compõe a estrutura tipológica do SEL/Goiânia, sobre os demais. Além
disso, se sobrepõe também à pré-existências ambientais: além dos principais cursos
d’água, Córrego Macambira e Ribeirão Anicuns, há seis outros córregos que os
alimentam (verde na Figura 27), da malha urbana como um todo, e históricas, a parte
norte do parque linear integra-se à pré-existências históricas de Campinas e de
bairros antigos de Goiânia (cinza na figura 27).

85
Figura 27 – Pré-existências ambientais e da malha urbana. Adaptado do documento de apresentação
do PUAMA. Fonte: (GOIÂNIA, 2013). Disponível em: < https://goo.gl/8SGzNe >

Embora coincida a existência de caminhos (linhas), gramados e vegetações rasteiras


(superfícies) e edifícios (volumes) a compreensão do modo como ocorre o padrão
morfológico contemporâneo, não linear, não está atrelado à transposição de um
“cacoete gráfico”, como se referiu Graeff ao padrão tipológico elementar de
Goiânia. Não é vetor de uma nova área de expansão, mas sobrepõe-se ao território
existente, por isso contrapõe-se existencialmente à compulsão expansiva do urbano.

Assim sendo, ao analisarmos projeto e implantação dos parques que compõem o


PUAMA, podemos admitir que, a experiência disjuntiva como “contraponto
existencial” possibilita ruptura com a compulsão expansiva da cidade. Ao
percorrermos as partes já construídas dos parques, é interessante observar as
contiguidades (físicas e existenciais) e/ou conexões que estes caminhos fazem entre
equipamentos, edifícios construídos, remanescentes da vegetação nativa e áreas
reconstruídas e reflorestadas nos três setores já construídos, mas sobretudo a
sobreposição de tais sistemas às pré-existências. (Figuras 28.a; até 28.d e 29.a até
29.h).

86
Figuras 28.a; b; c; d – Contiguidades e/ou conexões entre caminhos e equipamentos ou edifícios
construídos, remanescentes da vegetação nativa e áreas reconstruídas – ilustrações dos projetos.
Fonte: (GOIÂNIA, 2013). Disponível em: < https://goo.gl/xX2H2W >

Figuras 29.a; b; c; d – Contiguidades e/ou conexões entre caminhos e equipamentos ou edifícios


construídos, remanescentes da vegetação nativa e áreas reconstruídas – fotos in loco. Fonte e
créditos: Unidade Executora do Programa (UEP)

87
Figuras 29.e; f; g; h – Contiguidades e/ou conexões entre caminhos e equipamentos ou edifícios
construídos, remanescentes da vegetação nativa e áreas reconstruídas – fotos in loco. Fonte e
créditos: Unidade Executora do Programa (UEP).

Se as contiguidades em Tschumi caracterizam intensas superposições, ao


caminharmos pela extensão dos três setores já construídos do PUAMA, é possível
percebermos ou experimentar superposições que estendem-se tanto no sentido
longitudinal das pré-existências ambientais, quanto no sentido transversal. Na
tessitura dessas superposições entre as novas formas construídas e as formas pré-
existentes, bem como com os novos adensamentos que já começam a pontilhar, é
que se apresenta o padrão morfológico contemporâneo, sem descurar dos elementos
tipológicos estruturais neste trabalho estudado.

Considerações finais

Sechi (2006: 88; 90) diz, que, paradoxalmente, a cidade contemporânea é o lugar da
não contemporaneidade, que nega o tempo linear, a sucessão ordenada das coisas.
Embora o pensamento de Tschumi remonte aos anos de 1970, o seu modo de
concepção do espaço construído nos serve como chave interpretativa para

88
analisarmos como surgem e como se compõem os padrões morfológicos
contemporâneos.

Assim sendo, podemos considerar que o modo como os padrões morfológicos são
delineados a partir de uma estrutura tipológica podem ser por expansão indutora,
ou por superposições. No caso aqui estudado, um elemento da estrutura tipológica
elementar, o parque, serviu para expressar diversos aspectos da sociedade
contemporânea, inclusive as políticas e gestões da municipalidade calcadas no
ambientalismo e sustentabilidade.

Por fim, se concordamos com Sechi que diz que a cidade contemporânea nega a
sucessão ordenada das coisas, sem qualquer ironia, no caso se Goiânia, a forma de
compreendermos o modo como ocorre o padrão morfológico não linear se deu a partir
do estudo de um parque linear, o Parque Macambira Anicuns.

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91
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Disponível em <https://goo.gl/46gLy7>. Acesso em 17 mar. 2018.

92
MACEIÓ: SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A FORMA URBANA
FARIA, Geraldo Majela Gaudêncio (1); CAVALCANTI, Veronica Robalinho (2);
Universidade Federal de Alagoas; Professor Titular, doutor, Maceió (AL);
e-mail: ggfaria@gmail.com
Universidade Federal de Alagoas; Professora Titular, doutora, Maceió (AL);
e-mail: vrobalinho@gmail.com

Introdução: áreas livres urbanas, conceitos fundamentais

Os estudos realizados sobre os espaços livres de Maceió desenvolvidos pelo Núcleo


de Estudos de Morfologia dos Espaços Públicos (MEP) 1 da Universidade Federal de
Alagoas, partem da seguinte premissa: para assegurar a habitabilidade dos
assentamentos humanos, pouco importa se na forma de lotes, glebas ou qualquer
outro tipo de parcela de solo, no campo ou na cidade, é imprescindível a delimitação
e a conformação de uma determinada extensão de área livre contígua à edificação
(FARIA, 2011). Isto posto, a questão prática a ser formulada é a seguinte: que
forma(s) (dimensões, geometria, partes ou elementos) esses espaços livres devem
possuir para que possam minimamente cumprir as finalidades ou funções que lhe
conferem o valor e o caráter de imprescindibilidade, condição sine qua non para a
sustentabilidade da vida e dos complexos sistêmicos de formação e reprodução da
sociedade nas suas diversas escalas, configurações e historicidades? No aglomerado
urbano, os espaços livres, públicos ou privados, constituem partes da esfera pública,
de sua instância material enquanto domínio público, total ou parcial.

Em síntese, para as formações urbanas, necessita-se definir as características que os


espaços livres devem possuir de modo a assegurar as condições adequadas (ideais)
de funcionalidade e organicidade de cada um dos subsistemas urbanos, para cada
lugar, cultura e condição histórico-social. Essa questão envolve aspectos de ordem
técnica, ética e estética e, sobretudo, a contribuição de diversas áreas do

1
O MEP, vinculado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Ufal, integra a rede QUAPÁ-SEL desde a sua
constituição enquanto rede nacional de pesquisas sobre sistemas de espaços livres (SEL). O grupo de pesquisas
desenvolve estudos sobre a espacialização da esfera pública urbana e sobre as formas urbanas configuradas ao
longo do processo de urbanização do qual Maceió foi gerada. Um acervo digital de projetos de parcelamentos
registrados na Prefeitura e de mapas, um banco de dados descrevendo as características morfológicas dos
empreendimentos além de centenas de fotos aéreas da cidade feitas na ocasião das oficinas locais permitem
que outros estudos possam ser feitos sobre a dinâmica da forma da cidade, tanto sobre os espaços edificados
como sobre os espaços livres.

93
conhecimento, da climatologia à biologia e à economia urbana, além das disciplinas
das ciências sociais e engenharias, em especial as que têm por foco a concepção e o
projeto de espaços urbanos, como a arquitetura e o urbanismo.

Quando se indaga sobre uma forma urbana, arquitetônica ou outra qualquer,


discernível nos seus contornos enquanto individualidade corpórea com
características e propriedades que a constituem como uma totalidade funcional e
informativa (parte identificável de um complexo), deve-se discernir os seus atributos
físicos (dimensões, geometria, composição físico-química) e, também, as suas
propriedades funcionais e (in)formativas, notadamente quando o “objeto” em
questão é um elemento constituinte, articulador e conformador de objetos ou
dinâmicas mais complexos, conjuntos sistêmicos (exemplos: sistema habitacional, de
abastecimento etc.). A percepção sensorial-gnosiológica em nível mais amplo de
complexidade constitui também sínteses dos atributos funcionais das formas num
contexto dinâmico, isto é, “configuradoras” de atividades humanas (os objetos são
“objetos-para-o-ser-humano”), providas de alguma objetividade. Esses objetos,
mesmo sem possuir “massa”, matéria tangível, têm formas, adquirem formas. Tal é
o caso dos espaços ou dos ambientes, sejam externos ou internos às edificações.

O interesse coletivo que, em última análise, expressa a multiplicidade de


apropriações de um mesmo objeto e do espaço que o abriga, ou que ele próprio
institui, parafraseando Hannah Arendt (1958), algo que “inter-essa” a distintos
indivíduos ou coletividades, é condição para a consolidação do tecido social e das
condições materiais de sua reprodução continuada (sustentabilidade). Numa
sociedade de classes, dadas as condições não raras vezes muito diferenciadas de
apropriação dos elementos indispensáveis à sustentação e reprodução da vida, os
acordos formais ou informais de conformação e de compartilhamento dos espaços de
interesse público são sempre temporários e sob tensões. De modo sintético, as
formas arquitetônicas e paisagísticas 2 acabam constituindo repertórios de “padrões”
(ALEXANDER, 1977) de arranjos espaciais recorrentes em cada cultura, na medida

2
As formas da cidade, enquanto complexos de objetos e espaços dispostos organizadamente de modo a
configurar ambientes habitáveis, configuram paisagens, no sentido que Milton Santos (1996) atribuiu ao
conceito.

94
que, além de “refletir” uma dada organização social, contribuem para organizá-la 3.
Esses padrões constituem modalidades de configuração e de disposição, no terreno,
dos objetos (meios materiais) minimamente indispensáveis a uma vida social
ordenada de acordo com suas “leis” de formação e de reprodução. Identificar ou
criar padrões espaciais é um modo genuinamente humano de organização, de
“estabilização” do espaço (da paisagem, das relações) num quadro de vida sempre
em movimentos de criação-recriação-transformação-degradação-destruição.

Num aglomerado urbano, os espaços livres (espaços não-edificados) são,


aparentemente, os de funcionalidade mais complexa e, paradoxalmente, os de
conformação mais simples e flexível, justamente para permitir não apenas a
repetição (continuidade), mas a improvisação, o acaso, o inesperado. São complexos
em sua multifuncionalidade e em seus modos de apropriação e uso, porém simples
em termos de configuração. Com o tempo, tendem a assumir conformações
padronizadas, configurações paisagísticas de variados tamanhos e formatos, de modo
a cumprirem recorrentemente os fins para os quais foram concebidos e produzidos.

Além das determinações locais de configuração de espaços livres (no âmbito da


vizinhança cotidiana), sobre vários deles podem confluir interesses de escala bem
mais ampla, interurbana, regional, nacional ou internacional. Isso ocorre à medida
que cada cidade (ou partes dela) amplia e diversifica seu domínio econômico e
político, passando a exercer polarização territorial e atraindo para si fluxos
interbairros ou interurbanos e, também, à medida que aumentam as necessidades
de insumos (água, energia, etc.) e de descarte de resíduos (lixo, esgoto) obrigando
a ações territoriais extensivas de controle dos recursos naturais (mananciais,
vegetação, bacias, etc.). Esses espaços ganham forma e importância pelos papéis
estratégicos que definem as posições hierárquicas de cada parte do tecido urbano e
da própria cidade na região, ou em territórios mais amplos, e pelo risco de
degradação de suas capacidades de suprimento ou de escoamento.

As formas urbanas dos espaços livres, portanto, definem-se desde o espaço imediato
e contíguo às edificações construídas para abrigar atividades humanas (os recuos

3
LADRIÈRE (1986) atribui função de “indutor existencial” a determinados espaços, ou seja, à semelhança da
indução eletromagnética, o espaço exerceria influências sobre o comportamento dos indivíduos.

95
intra-lotes, os pátios internos), aos espaços que propiciam a intermediação entre
edificações de maneira a permitir o inter-relacionamento e a articulação funcional
das atividades (ruas, praças, largos, estacionamentos), assim como aos espaços livres
apropriados para articulações intraurbanas e interurbanas (portos, aeroportos,
estradas, infraestruturas de modo geral), espaços livres naturais de suprimento de
matérias primas e de preservação de dinâmicas naturais importantes (mananciais,
canais, rios, parques, reservas). O modo como esses espaços livres são constituídos,
configurados e distribuídos pelo tecido urbano resulta das escolhas e decisões dos
indivíduos, instituições e empresas que habitam e gerenciam a cidade, segundo seus
interesses particulares que, com maior ou menor eficácia realizadora, exigem
requisitos paisagísticos de caráter técnico-funcional, simbólico, político, econômico.
A arbitragem do confronto de interesses no âmbito da esfera pública não é imune
aos poderes em confronto, como bem o demonstram os inúmeros casos de segregação
socioespacial e de distribuição desigual em quantidade e qualidade dos espaços livres
no processo de urbanização.

De modo geral, esses são os fundamentos elementares da dinâmica de configuração


dos espaços livres. Vejamos agora o caso de Maceió, cidade de médio porte,
litorânea, polo turístico, capital econômica e política de um território estadual.

Caracterização geral do sistema de espaços livres de Maceió

A cidade de Maceió, com 1 milhão de habitantes, abriga 30% da população de Alagoas


e é responsável por 50% do PIB estadual. A hierarquia urbana do estado é do tipo
primacial, ou seja, a capital concentra os principais serviços públicos e privados e
ramos comerciais, o que lhe confere uma posição de centralidade ímpar e um grau
bem elevado de atratividade para uma vasta região que é quase toda ela voltada
para a agricultura e pecuária. Além de centro político, Maceió é o principal polo
educacional e de saúde de Alagoas. À essas funções, agregam-se também: (1) a
oferta de destinos turísticos (praias) em escala internacional, (2) a exportação de
derivados cloro-químicos produzidos com a exploração dos depósitos subterrâneos
de sal e de produtos da agroindústria açucareira (serviços portuários), (3) a
construção civil. Outros ramos industriais têm menor expressividade. A localização
dessas atividades sobressai no território urbano definindo claramente seus usos
principais e a sua setorização em: a zona portuária, a área da “Salgema” (primeira

96
denominação do complexo industrial Brasken), a orla litorânea hoteleira, a “cidade
universitária”, o centro político-comercial, as periferias habitacionais.

Das funções pioneiras que deram impulso à sua formação, dois séculos passados,
restaram algumas toponímias que aos poucos vão perdendo seu significado original:
Bebedouro, Trapiche, Poço, Farol, Brejal, Jaraguá, do mesmo modo que acontece
com o nome da cidade, inicialmente atribuído em razão dos alagadiços de restinga,
todos eles aterrados ou drenados. Maceió, o núcleo pioneiro, virou bairro do
“Centro” à medida que o povoado foi se expandindo na direção dos arrabaldes
próximos, com estes se entrelaçando e avançando mais além, sempre seguindo os
principais eixos rodoviários de entrada e saída da cidade. As antigas funções
comercial-financeira e política do núcleo histórico se mantêm, porém, as funções de
centralidade e de moradia vêm, desde os anos 1980, dispersando-se, conformando
outras centralidades menores com acréscimos de novos ramos de atividades,
seguindo tendencialmente a forma não mais do “arruado”, mas de “corredores de
atividades múltiplas” (denominação oficial), isto é, comércio e serviços localizando-
se a margem dos principais eixos rodoviários. Algumas dessas localidades possuem
alta densidade de atividades (de lazer, de comércio popular ou de serviços mais
elitizados). Já o comércio de luxo tem preferido adotar o formato “shopping” (a
cidade possui três grandes empreendimentos desse tipo, dois na porção sul e um na
porção norte), salvo as exceções de estabelecimentos com letreiro-e-vitrine abertos
sobre a via pública que contribuem para manter a vitalidade dos espaços livres
urbanos, em alternativa ao modelo cultural mall-shopping. Os impactos ambientais
dessas duas modalidades devem-se aos estacionamentos: na primeira, a apropriação
de faixas das calçadas e a demolição de centros de quadras para abertura de
parkings; na segunda, a criação de imensas e desérticas áreas pavimentadas.

Características gerais: suporte biofísico e morfologia urbana

Maceió formou-se num estuário lagunar, com uma enseada oceânica propícia para
funções portuárias, elementos que conferiram vantagens locacionais para, em
poucas décadas, polarizar a economia da nova província das Alagoas 4. O sítio natural
é delimitado a leste e sul pelo Oceano Atlântico e a oeste pela laguna Mundaú,

4
Alagoas, em 2017, completou 200 anos de sua emancipação da Capitania de Pernambuco.

97
tomando, na sua totalidade, o aspecto aproximado de um triângulo com um dos
vértices voltado para o sul (Figura 1).

Essa conformação corresponde quase exatamente à forma em cunha do território


urbanizável: planícies litorâneas e baixos tabuleiros sedimentares. As margens
adjacentes desse vértice, delimitadas pelas orlas oceânica e lagunar, são solos
quaternários, de restinga, onde se forma a “cidade baixa”. No centro do triângulo
toma forma a “cidade alta”, estendendo-se para o norte sobre um substrato
terciário, sedimentar, do tipo tabuleiro, ou seja, um planalto a baixa altitude (de 40
a 120 metros), suavemente ondulado, com ocorrências de ravinas (grotas) e bacias
endorreicas. Dentre os municípios que lhe fazem fronteira seca, dois deles já
apresentam fortes vínculos de conurbação funcional e territorial: Rio Largo (saída
norte da cidade) e Paripueira (extensão litorânea nordeste). O tecido urbano ocupa
em torno de 50% do território municipal e ocupa toda a porção meridional de modo
que, impedida pelas massas d’água limítrofes, sua expansão imediata se dá em
direção norte e nordeste seguindo os principais eixos rodoviários intermunicipais que
são, também, as principais vias arteriais estruturantes do espaço urbano. A área rural
é predominantemente utilizada para cultivo de cana de açúcar e, em menor
extensão, do coco-da-baía.

98
Figura 1: Maceió: Área urbana com a identificação dos principais “compartimentos” ambientais e
proposta de macrozoneamento. Fonte: Base cartográfica digital da Prefeitura Municipal de Maceió
(2000) e FARIA (2016)

De modo sintético 5, podemos caracterizar a paisagem de Maceió como constituída


de diferentes ambientes ou compartimentos paisagísticos dentre os quais claramente
se destacam (Figuras 2.1 à 2.8): [2.1] as paisagens urbanas litorâneas com grande
adensamento construtivo e verticalidade das edificações; [2.2] a estreita franja

5
A paisagem urbana de Maceió foi objeto de uma descrição detalhada em artigo intitulado “Sistema de
Espaços Livres da Cidade de Maceió”, publicado pela revista Paisagem e Ambiente, nº 26 (FARIA, CAVALCANTI.
2009).

99
urbana da margem lagunar onde prevalecem habitações de baixa renda 6; [2.3] as
encostas de falésias marcando fortemente a descontinuidade entre os dois planos
urbanos: a cidade alta e a cidade baixa; [2.4] as inúmeras ravinas, algumas ainda
florestadas, outras em avançado processo de urbanização precária por
assentamentos populares; [2.5] as paisagens extensivamente urbanas dos tabuleiros,
estruturadas pelos principais eixos de mobilidade e expansão da cidade; [2.6] a
cidade histórica parcialmente conservada no Centro, no porto (Jaraguá) e arrabaldes
pioneiros hoje reconhecidos afetivamente como bairros antigos; [2.7] a nova frente
de empreendimentos imobiliários para alta renda rumo ao litoral a nordeste; [2.8]
os novos, uniformes e gigantescos conjuntos “Minha-Casa-Minha-Vida” (MCMV),
expandindo a periferia norte.

Figura 2.1: Litoral com verticalização. Figura 2.2: Planicie lagunar e falésia.
Foto: J. Silva, 2014 Foto: S. Macedo, 2014

Figura 2.3: Falésia Santa Terezinha. Figura 2.4: Ravinas com ocupação.
Foto: J. Silva, 2014 Foto: S. Macedo, 2014

6
Inclusive duas antigas vilas operárias remanescentes do ciclo do algodão (séculos XIX e XX).

100
Figura 2.5: Urbanização dos tabuleiros. Figura 2.6: Centro histórico. Foto: S.
Foto: S. Macedo, 2014 Macedo, 2014

Figura 2.7: Expansão litoral norte. Figura 2.8: Expansão periférica.


Foto: S. Macedo, 2014 Foto: S. Macedo, 2014.
Em menor escala de abrangência, pode-se dizer que cada empreendimento de
parcelamento do solo em Maceió configura uma paisagem própria em razão,
inicialmente, do partido urbanístico adotado com seu arranjo espacial próprio, em
seguida pelas sucessivas intervenções feitas pelos moradores e, também, das
características dos ambientes naturais onde se localizam. Assim, muitos ambientes
foram adquirindo uma configuração e um significado próprio ao longo da história
particular de cada localidade do espaço urbano, de modo que é simplificador falar
de “uma” paisagem ou de “algumas poucas” paisagens urbanas, mesmo para uma
cidade do porte de Maceió.

Todavia, ainda no esforço de síntese, pode-se dizer que as paisagens de orla são
socialmente identificadas como vocacionadas a um lazer diversificado, sendo
habitadas majoritariamente por população de maiores rendas. Essa porção urbana é
também identificada como o principal polo de empregos terciários urbanos e de
transformações da paisagem. A extremidade sudeste da planície abriga grandes

101
equipamentos coletivos como o estádio de futebol, o hospital geral, e um importante
núcleo de artesãos populares. Já as paisagens de tabuleiro, configuradas pela
sucessão de loteamentos e conjuntos estruturados pelos eixos viários, identifica-se
pela presença de alguns equipamentos importantes como complexos educacionais
públicos, complexo penitenciário, hospitais particulares, aeroporto, polo industrial,
rodoviária, instituições jurídicas. Nos tabuleiros não há uma centralidade marcante,
mas vários polos de atividades em formação, novos subcentros. São localidades
desprovidas de atrações culturais e de lazer, exceto pelos campos de “pelada” 7,
aeroporto, campus da universidade federal e um shopping center que propicia
alternativas de passatempo para os moradores próximos. A urbanização dos
tabuleiros ainda é marcadamente térrea ou de pequenos prédios de 3 a 4 andares,
porém já aparecendo edifícios de 20 andares. Os bairros oficialmente reconhecidos
nem sempre evidenciam claramente os seus limites; eles se prestam para uma
localização em grande escala na cidade, de modo que os nomes dos
empreendimentos imobiliários prevalecem como toponímias identificadoras e
orientadoras precisas dos “lugares” da cidade.

Os estudos e debates empreendidos pelo MEP em distintas oportunidades 8 e com


diferentes públicos, especialmente com a rede QUAPÁ, motivaram a elaboração de
um texto de proposta para o “macrozoneamento” mais adequado da cidade,
enfatizando-se as características e potencialidades naturais, suas tendências de
urbanização, os problemas relacionados aos condicionantes de cada localidade 9.
Uma constatação que não é totalmente nova para nós, que vem se fortalecendo ao
longo dos estudos e debates, mas que ainda é objeto de controvérsias, é a tendência

7
Inúmeros desses campos de futebol de várzea ou “racha” estão desaparecendo face os empreendimentos
imobiliários que expandem o tecido urbano sobre vastas áreas periféricas ou vazios centrais (SANTOS, 2009).
8
As duas oficinas do projeto QUAPÁ-SEL realizadas em Maceió (em 2007 e 2014) contribuíram para consolidar,
em Alagoas, os estudos e debates sobre a caracterização do sistema de espaços livres, em particular o
monitoramento e a avaliação das ações de apropriação e de produção desses espaços e dos parâmetros
urbanísticos utilizados na conformação da cidade. Quatro artigos resultantes desses estudos foram publicados,
sendo três deles em edições da revista Paisagem e Ambiente, referenciados no final deste texto. Outros tantos
artigos foram apresentados e publicados em anais de eventos nacionais e internacionais, especialmente nos
colóquios da rede QUAPÁ-SEL.
9
Esse texto, contendo também proposições de modos e formas de ocupação constituiu uma contribuição
profissional encaminhada através do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Alagoas para os debates da
revisão do Plano Diretor de Maceió. O texto está disponível em: <http://www.caual.gov.br/?page_id=6264>.

102
da cidade em adquirir uma conformação linear (Figura 3), em grande parte devido
à forte relação entre as formas do relevo (por uma parte a estreita e limitada faixa
de planície costeira, por outra parte os tabuleiros longitudinais separados por ravinas
estreitas de drenagem) e as direções de mobilidade, de expansão e de estruturação
do tecido urbano. Assim, Maceió vem gradativamente reforçando uma linearidade no
sentido sul-norte, estruturada pelos dois principais eixos rodoviários de entrada-
saída da cidade (BRs 104 e 316) que também são as principais vias de comunicação
pendular entre os bairros residenciais (tabuleiros) e os bairros que ofertam emprego
(orla e Centro). Problemas sérios de estrangulamento da mobilidade cotidiana vêm
impondo a necessidade de investimentos em transporte público de modo a adequar
o volume de viagens à capacidade limitada do sistema viário assim estruturado. Os
estudos sobre as formas das vias urbanas projetadas e sobre a legislação urbanística
em vigor apontam a persistência de parâmetros e concepções viárias anacrônicas
desde as últimas décadas do século XX.

Farol
Ponta Verde
Centro
Histórico
Jaraguá

PRINCIPAIS ~VETORES
Pontal CRESCIMENTO

Figura 3: Principais vetores de crescimento de Maceió configurando a tendência à linearidade na


direção sul-norte. Fonte: Faria, 2016

Se, por um lado, a hidrologia e o relevo das bacias exorreicas condicionam


severamente a forma espinhal da urbanização dos tabuleiros (ocorrências de ravinas
profundas e íngremes) e da planície (alagadiços), em geral as calhas e canais
delimitam os fundos dos parcelamentos, por outro, as bacias endorreicas não
aparentam ter sido empecilhos para ocupação urbana, lançando-se mão de aterros e

103
de obras de macro e microdrenagem. As consequências aparecem temporariamente
nos períodos de chuva intensa com alagamentos. No longo prazo, com a drenagem
indiscriminada, a recarga dos aquíferos subterrâneos acaba sendo comprometida,
agravada com a intensa extração de água potável do subsolo por meio de inúmeros
poços de profundidade. Outra prática nociva são os sumidouros cloacais em razão da
inexistência da rede de esgoto em 75% dos domicílios. As iniciativas de contenção e
recarga desses aquíferos têm sido modestas e imediatistas, degradando áreas de uso
público (praças) com a implantação de lagoas de retenção sem nenhum tratamento
paisagístico.

O sistema de espaços livres

Além dos imensos espaços livres das massas d’água e biomas dos complexos estuarino
e oceânico que definem os contornos meridional, oriental e ocidental de Maceió, a
cidade dispõe de espaços livres na periferia setentrional da área urbana utilizados,
a maior parte, para o cultivo extensivo da cana e do coco ou, residualmente, como
unidades de conservação privadas, muitas delas localizadas em ravinas impróprias
para a agricultura. Essas unidades funcionam como regularizadoras de mananciais
hídricos e como habitat-refúgio de espécies afugentadas da cidade e pela queima de
canaviais. No interior do perímetro urbano, as ravinas ainda não ocupadas por
assentamentos populares cumprem também alguma função ambiental; algumas são
mantidas por instituições públicas como reservas e parques.

As maiores extensões contínuas de espaços livres urbanos efetivamente incorporadas


à cidade constituem o sistema viário e as faixas de orla (marinha e lagunar). A orla
marinha é a mais importante, por propiciar de maneira relativamente indistinta
acesso a todos para o lazer litorâneo (banho de mar, pesca, brincadeiras, passeios,
esportes, futebol, desfrute da paisagem natural, cultos, passatempos em geral) 10. A
orla lagunar teve importância durante o primeiro século (XIX) de existência da
cidade; hoje, sem investimentos e cuidados, recebe casario precário de população
muito pobre.

10
O acesso ao litoral é dificultado aos moradores da periferia pela distância e custos de transporte.

104
A presença desses espaços faz com que os demais espaços livres urbanos
mencionados, naturais ou construídos, não sejam objeto de interesse público,
sujeitos à administração pública e à apropriação simbólica pelos habitantes, no
sentido de torná-los mais adequados para desempenharem funções econômicas e de
urbanidade.

Duas ocorrências geomorfológicas aguardam maior atenção paisagística dos


maceioenses: as falésias sedimentares e as grotas-ravinas de relevo acentuadamente
íngreme, que diferem entre si apenas pela conformação dos sopés, largos nas falésias
(formando planície), estreitos nas ravinas-grotas (talvegue). As primeiras delimitam
e facejam a cidade alta (tabuleiro) em contraforte à cidade baixa (planícies); as
segundas seccionam o tabuleiro em diversas porções e drenam as águas pluviais e
cloacais para o mar. Tanto umas como outras vêm sendo continuamente ocupadas
por densos aglomerados de habitações de baixa renda em situações de risco,
conformações essas secularmente toleradas pelo poder público. Resíduos de mata e
vegetação de encosta íngreme ainda persistem no interior do tecido urbano, pálidas
lembranças do viço original, hoje encontrado apenas nas matas de ravinas da zona
rural e nas poucas reservas urbanas de mananciais ou de proteção (Ibama, Catolé,
Parque Municipal, cinturão da indústria Brasken), estas com boas potencialidades
para frequentação pelos habitantes da periferia que é desprovida de grandes áreas
livres próprias para usufruto nas proximidades de suas moradias.

Com a ocupação e a impermeabilização de extensas áreas de bacia endorreica


(tabuleiro norte), os espaços livres antes destinados a praças foram utilizados para
a implantação de grandes tanques de retenção pluvial, permanecendo inóspitos ao
usufruto da vizinhança. A inexistência de sistema de saneamento dessas áreas faz
com que os esgotos domésticos e industriais no interior dessa bacia sejam
descarregados também nessas lagoas, hoje interligadas à bacia do riacho Jacarecica
que deságua no litoral nordeste da cidade. Paradoxalmente, nessa bacia ocorrem
grandes investimentos imobiliários, tanto a jusante (prédios de luxo à beira-mar),
como a montante (conjuntos MCMV). Esses espaços livres merecem, sem perder sua

105
função drenante, receber um tratamento paisagístico de modo a transformá-los em
parques de uso recreativo e de atrações para a periferia norte 11.

Desse modo, os espaços livres com alguma significação especificamente urbana são
aqueles criados no processo de urbanização: ruas, servidões, largos e praças. Na
primeira categoria são relevantes as grandes avenidas estruturantes (eixos viários)
da cidade, arborizadas uma parte delas. A quase totalidade do tecido urbano foi
projetada na forma de loteamentos e conjuntos habitacionais, de tamanhos variados
conforme a gleba original, porém semelhantes em vários aspectos. Praticamente
todos os parcelamentos, com algumas poucas exceções, geraram quadras com lotes
para habitações unifamiliares e ruas de dimensões adequadas aos fluxos vicinais,
estreitas (em média 12 metros de largura de caixa: 2 a 3 metros de largura de
calçada). Os esquemas viários foram projetados sem maiores intenções de
conectividade com empreendimentos vizinhos, de modo que globalmente resultou
em traçado labiríntico com ruas-sem-saída ou intersecção em “T”. A exiguidade das
áreas de circulação automotiva e a ocorrência de descontinuidades de traçado,
obviamente por omissão ou descaso na coordenação dos empreendimentos
imobiliários (e, também o descaso dos meios coletivos de transporte) têm, com o
aumento da frota de veículos, gerado pontos e trechos de congestionamentos
cotidianos do tráfego.

Largos e praças, adequadamente configurados no século XIX, só com a imposição da


Lei Federal nº 6.766, de 1979, é que voltaram a ser projetados em maior quantidade.
Mesmo assim, dos mais de 500 empreendimentos implantados durante a segunda
metade do século XX, apenas um quinto desses, têm seus espaços livres de lazer e
reunião vicinal consolidados. Os da zona sul, mais antigos são os melhores
conservados. Os da periferia norte, poucos têm tratamento paisagístico adequado.
Em geral, muitos foram cedidos para uso de associações, escolas, igrejas. É
frequente se ouvir a queixa dos moradores das periferias sobre a ausência de espaços
de lazer e reunião, ou sobre a falta de cuidado para com os mesmos: desse modo, a
rua adquire a função de espaço de sociabilidade vicinal por excelência.

11
“Carta Aberta” nesse sentido –– redigida pelo MEP por delegação de mesa redonda do Congresso Acadêmico
que discutiu os “200 anos de Maceió, problemas e perspectivas”, foi entregue ao Prefeito, em 2014.

106
O papel dos agentes de produção dos espaços livres e edificados e
legislação

Num texto analítico-descritivo das principais transformações que vêm ocorrendo na


paisagem de Maceió, sintetizou-se a dinâmica das ações dos diversos agentes sobre
o espaço urbano (CAVALCANTI et al) 12. Resumimos a seguir os principais aspectos lá
abordados.

A posição capital que Maceió desempenha em Alagoas faz dela, inequivocamente,


um centro de acumulação de ativos financeiros de várias origens e, por isto,
investimentos imobiliários cujo mercado chega a ultrapassar os limites do território
estadual, especialmente nas faixas de renda mais altas, são mecanismos usualmente
utilizados para a acumulação e a realização de rendas fundiárias. Paralelamente,
sendo destino de contingentes migratórios rural-urbano, um enorme e dinâmico
mercado imobiliário de baixa renda prolifera. Ambos os circuitos de acumulação
fundiária são os principais responsáveis pela conformação do espaço urbano, tanto
de modo regular (legal) como irregular (informal) nos quais atuam inúmeros agentes.
Em razão dos valores aplicados e das expectativas de lucro, os grandes
empreendimentos são cuidadosamente planejados, porém raramente coordenados
entre si 13 em termos de conectividade e integração com a cidade existente. Persiste,
portanto, o velho problema da ausência de coordenação geral da forma urbana pelo
poder público.

A disponibilidade farta e fácil de recursos públicos destinados à infraestrutura e à


habitação na segunda década do século XXI permitiu multiplicar os canteiros de obras
em todos os quadrantes da cidade, inclusive em áreas impróprias para a urbanização
e em áreas carentes de infraestrutura, porém mais incisivamente em novas frentes
de expansão: tipos populares e térreos sobre os tabuleiros periféricos, tipos
condomínios-clubes (com grande diversidade de equipamentos) nas faixas litorâneas.
Desse modo, a periferia norte e noroeste da cidade cresceu rapidamente, ampliando
carências e problemas históricos de qualificação dos espaços habitados. Novas vias e

12
O texto resultou da oficina QUAPÁ-SEL realizada em maio de 2014.
13
Tem-se conhecimento de apenas um “master plan” encomendado para a abertura de uma nova frente de
expansão para o litoral nordeste.

107
obras “estruturantes” foram projetadas e iniciadas as suas implantações para
assegurar o acesso a essas novas frentes: avenidas Pierre Chalita, Márcio Canuto,
Josefa de Melo, Ecovia Norte, duplicação da avenida Gustavo Paiva, trechos de vias
paralelas à Fernandes Lima, via do vale do Reginaldo, via litorânea até Jacarecica,
faixa exclusiva de ônibus no corredor BR 104, viadutos do entroncamento das BRs
104 e 316, complementação do serviço de VLT até a área portuária, estudos para
implantação de VLT e de BRT nos eixos urbanos das BRs 104 e 316.

A omissão dos poderes públicos de todos os níveis 14 em atribuir uma racionalidade


paisagística na gestão do processo de conformação e configuração da cidade e de
seu sistema de espaços livres é notória e histórica 15. Os fatos mais evidentes são,
primeiro, a omissão na articulação espacial dos empreendimentos imobiliários;
depois, o quadro caótico, inóspito e generalizado dos passeios e calçadas que
impossibilita a apropriação pedestre das vias públicas; finalmente, a ausência de
obras qualificadoras das condições de vida 16. A preocupante tendência de
proliferação de loteamentos fechados sem uma gestão racional e de controle do
processo de enclausuramento e segregação condominial já suscita sérios problemas
de articulação vicinal e estrutural do tecido urbano. A omissão da Prefeitura também
com relação à penalização da ocupação intra-lote tem resultado num grau elevado
de liberdades para a edificação de “puxadinhos” em espaços livres obrigatórios
(recuos) e, mesmo, a privatização de porções dos espaços livres constituintes de
logradouros públicos (avanços sobre a calçada).

O maior efeito positivo da legislação sobre o sistema de espaços livres foi, repetimos,
propiciado pela lei de parcelamento fundiário (Lei 6766/79) que obrigou agentes
imobiliários e poder público a observar o percentual mínimo para estes equipamentos
de uso público nos novos empreendimentos. Por outro lado, os códigos de urbanismo
e de edificações mantiveram e até ampliaram, influenciados por estudos de

14
A cidade também possui glebas estaduais e federais, vazias ou de uso institucional, assim como trechos de
rodovias importantes sem controle eficaz da ocupação das faixas de domínio e das invasões.
15
Essa constatação é evidente tanto na historiografia como nos tempos presentes. Curiosamente, Maceió
“nasceu” obedecendo um plano ordenador (1821). Outros houveram, como o de 1864, o de 1932 e a sequência
de Planos Diretores dos anos 1970 até o presente. Entretanto, apenas o primeiro foi seguido à risca.
16
À exceção de algumas obras viárias executadas nos anos 1980: via Expressa, calçadão, vias de orlas litorânea
e lagunar, conectoras leste-oeste.

108
climatologia urbana 17 e eficiência energética 18 nas construções, os recuos
obrigatórios das edificações em relação às divisas dos lotes, no intuito de assegurar
padrões aceitáveis de áreas livres. Todavia, de um lado, os agentes do mercado para
altas rendas conseguiram introduzir exceções, tais como a possibilidade de ocupar
100% a superfície do lote com subsolos de garagem que, na prática, desvirtuam
algumas finalidades dos recuos. Por outro lado, a inadequada ou ausente fiscalização
pós-ocupação das edificações faz “vista grossa” aos “puxadinhos” (ampliações)
quase sempre construídos além do que é permitido e convencionado na legislação.
Outro impacto diz respeito aos parâmetros urbanísticos especiais atribuídos aos
“corredores de múltiplas atividades” 19, isto é, as vias de comércio e serviços,
ampliadas em número e em extensão. Para estas, liberou-se indistintamente
determinados parâmetros com impactos negativos sobre a qualidade dos espaços
livres. Um fator positivo limitador do laissez faire urbano foi, até recentemente 20, a
operação do sistema de balizamento noturno de navegação portuária e oceânica,
que obrigou os grandes empreendedores a manter o gabarito dos prédios da planície
com altura não superior a 8 andares, preservando assim, ainda que parcialmente, a
qualidade paisagística das praias urbanizadas com a limitação do perfil do skyline.

Quadro dos espaços livres e padrões morfológicos

Assim como as funções urbanas que a cidade de Maceió desempenha na divisão inter-
regional do trabalho mudaram muito desde sua fundação, também as formas urbanas
e os modos de apropriação do espaço e de mobilidade experimentaram grandes
mudanças. Os tipos de moradia diversificaram bastante a partir da segunda metade
do século XX. A moradia burguesa e de altos e médios funcionários públicos que
animava intensamente sobrados e passeios do Centro Histórico dispersou-se,
migrando inicialmente para os calmos e segregados loteamentos e casarões, na orla
(Pajuçara, Avenida) e chalés, no tabuleiro mais próximo (Farol). Já nos anos 1970-

17
Ver, a propósito, BARBIRATO et al., 2015.
18
Inúmeros estudos sobre o ambiente urbano vêm sendo desenvolvidos por grupos de pesquisas da Fau/Ufal
que enfocam essas temáticas e em dissertações e teses no Programa de Pós-graduação em Arquitetura e
Urbanismo. Mais recentemente foram introduzidos procedimentos de certificação ambiental na construção civil
urbana.
19
Coincidentemente vias onde operam linhas de transporte coletivo.
20
Essa limitação já foi superada com novos dispositivos de balizamento.

109
1980, porém mais fortemente da década de 1990 em diante, implantam-se
“condomínios” fechados, tanto verticais (edifícios com oito pavimentos em média)
como horizontais (loteamentos de acesso restrito). O primeiro tipo, na cidade baixa,
por exiguidade de terras disponíveis, prenunciando o rápido adensamento
populacional que alterou completamente a paisagem e a funcionalidade viária da
orla. O segundo tipo, em amplas glebas de tabuleiro, com acesso praticamente
exclusivo, a uma distância segura dos principais eixos de mobilidade urbana,
margeando ravinas, espaços livres generosos e bem cuidados, ilhas de amenidades
cercadas de carências urbanísticas por todos os lados. O processo de verticalização
das moradias de médio e alto padrão segue concentrado na orla, ocupando lotes
vazios e glebas remanescentes ou ocupando, por substituição tipológica, o lugar de
casas térreas e sobrados pioneiros, porém já avança pelos tabuleiros conquistando
lugares com amenidades paisagísticas (beira de falésias com miradas ao horizonte)
ou próximas a corredores e centralidades. Nesse processo, a fachada oceânica
(waterfront) e o perfil (skyline) da cidade mudaram radicalmente nas últimas
décadas sob a ação do setor do mercado imobiliário e da construção civil.

A moradia dos estratos de baixa renda, que correspondem a mais de dois terços dos
maceioenses, também experimentou mudanças desde meados do século XX. As
formas tradicionais de moradia desses estratos resultam da ocupação de áreas sob
menor controle de apropriações. Das vilas operárias edificadas em Maceió, restam
duas, remanescentes de antigas manufaturas de tecidos, sendo que uma delas
(Fernão Velho) ainda conserva características e moradores. O colossal crescimento
populacional experimentado a partir dos anos 1970 exerceu uma pressão enorme
sobre o suporte físico, especialmente sobre as áreas de preservação permanente
(tais como trechos de faixas de marinha, de encostas de ravinas e de falésias,
margens de riachos) que deveriam permanecer livres de ocupação para cumprirem
suas funcionalidades naturais. Os impactos negativos dessas ocupações sobre os
recursos naturais e sobre as próprias condições de moradia são importantes,
particularmente quando se tem em conta a absoluta carência de infraestrutura
urbana que assegure saneamento, acessibilidade e amenidades. As espacializações
habitacionais desses estratos não apenas se estenderam sobre o território, ampliando
a periferia para bem além das áreas centrais, como experimentam um processo de
adensamento com a adição de lajes, “puxadinhos” laterais, frontais, de fundos, de

110
modo que a verticalização dos assentamentos precários é uma realidade (SANTOS,
2006). Ocorre também a invasão de logradouros públicos, toleradas e consolidadas.
Nesses casos os espaços livres são reduzidos ao indispensável. Uma outra parte das
moradias dos estratos de baixa renda, aqueles melhor inseridos na economia local,
conformaram loteamentos populares, vilas e conjuntos habitacionais, estes
construídos sob auspícios governamentais em diversas fases e programas, seguindo
as mesmas modalidades conhecidas em nível nacional.

Em termos de forma urbana, foi notável a contribuição urbanística dos conjuntos


habitacionais das décadas de 1980 e 1990, cujos programas evidenciam um nível
superior de complexidade formal e funcional em relação aos tradicionais
loteamentos 21. Na virada do milênio, os empreendimentos habitacionais do tipo
Programa de Arrendamento Familiar seguiram uma orientação diferente, de
adensamento, ocupando interstícios e vazios urbanos. Mais recentemente, as
oportunidades instituídas pelo programa Minha Casa Minha Vida fizeram com que a
expansão periférica da cidade avançasse desmesuradamente além dos limites
consolidados, transformando áreas de cultivo em enormes conjuntos fechados de
casas térreas idênticas, com o mínimo indispensável à ocupação (água, luz,
transporte), desprovidos de estabelecimentos de comércio e serviços para o
aprovisionamento cotidiano, os chamados lotes comerciais e de serviços.

Finalizando o quadro dos espaços livres de Maceió e dos padrões morfológicos aqui
esboçado, deve-se reter a rica diversidade dos ambientes naturais e a precariedade
dos espaços livres especificamente urbanos (vias, praças e parques), com suas
diferentes formas e inumeráveis ambientes configurados no processo de urbanização
cujas características e dinâmicas principais procuramos sucintamente descrever. De
modo geral, esses espaços carecem de adequação paisagística e, sobretudo, de
qualidade para as funções de mobilidade e de sociabilidade, mas, também, de
conforto, de segurança e de apuro estético. Deixou-se entrever essa carência como
sendo de natureza tanto gerencial (política) como econômica, dada a situação de
pobreza da maioria da população.

21
Conforme tivemos oportunidade de descrever em artigo publicado pela revista Paisagem e Ambiente (FARIA,
COSTA: 2011).

111
Referências

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1977. Edição brasileira: Uma linguagem de padrões (Trad.: Alexandre Salvaterra).
Porto Alegre: Boorkman, 2013, 1171 p.
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Humana (Trad.: Roberto Raposo). Rio de Janeiro, São Paulo: Editora Forense
Universitária, 1991, 5ª edição, 352 p.

BARBIRATO, Gianna M.; TORRES, Simone C.; BARBOSA, Ricardo V. R. (2015).


Espaços livres e morfologia urbana: discussões sobre influências na qualidade
climática e sustentabilidade urbana a partir de estudos em cidades no estado de
Alagoas - Brasil. In: Paisagem e Ambiente, nº 36. São Paulo: Fau, p. 49-68.

CAVALCANTI, Veronica R.; FARIA, Geraldo M. G.; COSTA, Viviane R.; SILVA, Luiz G.
O. da; MOURA, Luan R. D. de (2015). Empreendimentos e ações públicas e privadas
em Maceió /Al no início do milênio. In: Paisagem e Ambiente, nº 36. São Paulo:
FAUUSP, p. 11-33.

FARIA, Geraldo M. G.; CAVALCANTI, Veronica R. (2009). Sistema de espaços livres


da cidade de Maceió. In: Paisagem e Ambiente, nº 26. São Paulo: FAUUSP, p. 7-27.

FARIA, Geraldo M. G. Notas sobre as determinações dos espaços livres urbanos e a


configuração da esfera pública. In: CAMPOS, Ana C. et al (Org.). (2011). Sistemas
de espaços livres. Conceitos, conflitos e paisagens. São Paulo: FAUUSP, p. 11-21.

FARIA, Geraldo M. G.; COSTA, Viviane R. (2014). Conjunto habitacional popular,


tecido urbano e esfera pública - Maceió, Alagoas: 1950-2000. In: Paisagem e
ambiente, nº 33, p. 181-204.

FARIA, G. M. G.. Proposta de macrozoneamento para Maceió: revisão do Plano


Diretor 2015/2016. Disponível em: <https://goo.gl/aDeyhq>. Acesso: 4 jun. 2017

LADRIÈRE Jean (1986). Ville, chance et liberté. In ANSAY et SCHOONBRODT (1989),


Penser la ville. AAM Editions, Bruxelles, p. 303-314.

SANTOS, Milton (1996). A natureza do espaço - Técnica e tempo. Razão e Emoção.


Editora Hucitec, São Paulo. Edição consultada: 3ª, 1999, 308 p.

SANTOS, Natasha M. dos (2006). A verticalização nas favelas em grotas de


Maceió: um estudo de caso. Trabalho Final de Graduação, FAU/UFAL, 88 p.

SANTOS, Nelcy M. M. e. Campos de Pelada na configuração de espaços livres


urbanos na periferia de Maceió, Alagoas. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo) FAU/UFAL, 2009.

112
CONFIGURAÇÃO URBANA DE MANAUS ANALISADA A PARTIR DE SEU
SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
PONTES, Taís Furtado (1); HEIMBECKER, Vládia Pinheiro Cantanhede (2);
(1) Universidade de Brasília – UNB, PPGFAU, Doutoranda; Brasília/DF
Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Professora Assistente,
Departamento de Arquitetura e Urbanismo; Manaus/AM;
e-mail: taisfurtado@gmail.com
(2) Instituto de Arquitetura e Urbanismo, IAU - USP, Doutoranda; São Carlos/SP;
Universidade Federal do Amazonas – UFAM, Professora Assistente,
Departamento de Arquitetura e Urbanismo; Manaus/AM;
e-mail: vladiacantanhede@gmail.com

Introdução

Manaus, capital do Estado do Amazonas, está assentada sobre um baixo planalto, à


margem esquerda do rio Negro, na confluência deste com o rio Solimões, na
formação do rio Amazonas. Sua área urbana de 377 km² corresponde a 3,3% do
território municipal (BRASIL, 2002). Na rede urbana brasileira, se configura como um
enclave urbanizado no meio da Floresta Amazônica, situada no principal eixo da
navegação fluvial do país (AB´SÁBER, 1996). Sua posição equatorial e sua imensa
massa florestal dificultaram historicamente ligações terrestres, principalmente no
Estado do Amazonas, onde os rios predominam na estruturação da rede urbana como
importantes eixos de penetração e circulação, mas que também contribuem para a
dispersão da urbanização, profundamente afetada pelas intervenções rodoviaristas
estatais ocorridas desde os anos de 1960 (TRINDADE, 2010).

Ainda que isolada por acesso veicular, a cidade de Manaus é um importante nó e


desempenha forte influência na região Amazônica, sendo por isso considerada uma
Metrópole 1. Manaus controla uma das redes urbanas de maior área no país (19% da
área do país) e de menor densidade, com 2,2 hab./km (IBGE, 2008). Sua polaridade

1
A criação atípica da região metropolitana de Manaus foi motivada por razões político-administrativas, para fins
de planejamento e captação, por parte do governo estadual, de recursos federais. Conforme constatou Tiago
Veloso dos Santos, o caráter metropolitano limitado à capital é nela concentrado, ainda que a institucionalização
de uma região metropolitana tenha seguido os critérios utilizados para este fim, com a incorporação de
municípios adjacentes (SANTOS, 2015).

113
se fortaleceu ao longo do tempo, e marcadamente, com a instauração da Zona
Franca de Manaus.

Até o presente, a capital concentra empregos (in) formais, equipamentos públicos,


serviços e administração estadual, também, cerca de 2.130.264 habitantes, o que
corresponde a pouco mais de 50% da população total do estado, estimada em
4.063.614 pessoas 2. Assim como em outras cidades brasileiras, ao forte crescimento
de Manaus, foram incompatíveis as estruturas urbanas criadas para seu suporte, o
que se reflete hoje em problemas urbanos típicos de grandes cidades latino-
americanas como congestionamento, poluição e segregação socioespacial.

A paisagem urbana de Manaus é fortemente marcada pelos cursos de água que,


apesar do alto nível de degradação em sua porção intraurbana, permeiam o
imaginário local, no sentido atribuído por Miranda Magnoli, do imaginário como um
componente imaterial e material das cidades e de suas paisagens (MAGNOLI, 1986).
A esses cursos de água, além dos dois grandes rios (Negro e Solimões) confluentes na
localização da cidade, soma-se uma densa rede de igarapés 3 que constituem o
sistema fundamental das bacias de drenagem urbana. O sistema hídrico, formado
por quatro grandes bacias hidrográficas: São Raimundo, Educandos, Puraquequara e
Tarumã-açu, condicionado pela situação climática e a oscilação decorrente do
regime anual de cheia e vazante, é fator natural que dinamiza a paisagem urbana.
Assim, a rede de igarapés associada às densas massas de floresta primária são os
elementos que conferem o caráter e identidade do lugar.

A incorporação de elementos físicos ao sítio, nos diferentes planos implantados em


Manaus, deu origem a tecidos urbanos que neutralizaram ou negaram a paisagem
natural. A implantação da via limítrofe junto às margens do Rio Negro, na região
central da cidade para interligação da região portuária central ao distrito industrial,
é exemplar desta forma de tratamento da paisagem urbana. Neste caso, o
aterramento nivelador da via junto à construção de um muro de contenção,
produziram alterações da paisagem com vistas à facilitação do fluxo de veículos e
mercadorias, além do distanciamento físico e memorial entre habitantes e o rio.

2
IBGE @cidades. Estimativa 2017.
3
Canal fluvial onde se navega em canoas ou pequenas embarcações.

114
Além do mais, historicamente esta espacialidade tem sido objeto de inúmeras
disputas sociais, políticas e econômicas 4 (SILVA, 2011).

6
3
4 5
Rio Negro

Figura 1: Indicação de trecho do eixo de ligação da avenida beira rio, desde o Porto de Manaus,
situado ao sul da cidade, no centro histórico. Foto: Google Earth (Acesso em 05 de março de 2018).
Legenda: 1- Terminal do porto flutuante de Manaus; 2 – Catedral metropolitana de Manaus; 3 –
Mercado Municipal Adolpho Lisboa; 4 – Feira da Manaus moderna; 5 – Feira da banana; 6 – Igreja de
Nossa Senhora dos Remédios.

Figura 2: Muro de contenção da via situada em nível elevado em relação à parte do período de cheia
do rio Negro. Embarcações em formas livres de atracamento, acesso e ocupação de elementos
estruturais do muro. Foto: Jornal A Crítica, 24 de agosto de 2016. Matéria “Donos de marinas e de
embarcações cobram mais estrutura na Manaus Moderna”.

4
Tal intervenção compôs um conjunto de obras propostas pelo Governo do Estado do Amazonas durante a
segunda metade da década de 1980, que incluía a implantação de feira atacadista e o ordenamento dos fluxos e
atividades da região portuária da cidade no “Programa de melhorias físicas do município de Manaus-AM”, ou
comumente “Manaus Moderna”, uma “proposta do poder público estadual de adequação da cidade de Manaus
às exigências de um modelo de capitalismo que se impunha na região” (SILVA, 2011, p.112)

115
Para Norberg-Schulz (1980), quando um assentamento perde essa identidade com a
paisagem, ele é corrompido e o espaço perde nexos de coerência que possibilitam
a compreensão do lugar, perde assim seu “caráter”. O advento da ciência e da
tecnologia falsamente fez o homem imaginar que se veria livre da influência do lugar,
no entanto a necessidade de orientação e identificação é inerente à espécie humana
e os elementos da paisagem estruturam espacialmente e permitem identificar o local
ou arranjo espacial (LYNCH, 1981).

Na formação da cidade de Manaus os elementos naturais primordiais foram negados


em planos de melhoramento e embelezamento, aterramento de igarapés e
introdução de novas tipologias europeizadas de espaços livres como praças,
bulevares e jardins. Esses espaços livres foram marco inaugural de aspectos
simbólicos novos na paisagem urbana, que a estruturaram e dotaram de certa
coerência, ainda que exóticos e absorvidos de outros contextos sociais.

Em um segundo momento, os espaços livres foram neutralizados e limitados aos eixos


viários e áreas verdes residuais de floresta primária, inter e intra-conjuntos
habitacionais e zonas industriais. O zoneamento das funções urbanas e a
verticalização, herança do urbanismo modernista, foram introduzidos
definitivamente ao repertório do planejamento urbano formal enquanto,
paralelamente, a ocupação do solo de maneira informal aconteceu em proporções
nunca imaginadas. Os espaços livres residuais, florestas, áreas verdes e margens de
igarapés foram ocupados informalmente afetando o atual quadro de desequilíbrios
ambientais e inclusive, sociais.

No presente, o sistema de espaços livres de Manaus adquire novas feições, frente à


inserção da cidade no fluxo da globalização contemporânea, onde a competição
entre territórios é estratégica na prática do planejamento urbano. A noção de que
as cidades estão submetidas aos mesmos desafios que as empresas (VAINER, 2013) 5
justifica práticas associadas ao planejamento urbano estratégico, que compete por
investimentos de capital no mercado internacional.

5
O autor descreve a origem do planejamento estratégico, sistematizado pela Harvard Business School.

116
Um exemplo é a concorrência entre as cidades para sediar os jogos da Copa do
Mundo, ocorrida em 2014. Manaus e Belém foram objetos de uma disputa na qual as
influências políticas e estratégias de marketing foram cruciais para a promoção das
cidades candidatas a sede do megaevento. Os governos das cidades ofereceram em
contrapartida não apenas suporte infraestrutural, mas uma imagem de estímulo ao
consumo, no caso de Manaus, sintetizada na floresta.

A implantação de grandes projetos urbanos e arquitetônicos, como a revitalização


de áreas no centro histórico, recuperação das margens de igarapés pelo PROSAMIM 6
ou pela criação de novos parques urbanos, a inserção de novas infraestruturas viárias
de grande porte como a ponte sobre o rio Negro e as Avenidas das Torres e das Flores,
são exemplos de grandes projetos que buscam atrair investimentos, por meio da
valorização do solo urbano.

A paisagem urbana atual de Manaus é reveladora dessas contradições. Nela é exposta


a segregação social, por meio do confinamento dos condomínios horizontais e
verticais e com a crescente presença de muros na imagem da cidade. Barreiras sutis
são percebidas em áreas em processo de gentrificação, onde pobres urbanos mantêm
suas moradias, resistindo às pressões do mercado imobiliário.

Figura 3: Problemas habitacionais urbanos afetam índios migrados à Manaus, ainda que organizados
em redes de agregação, partilhando de espaços de vivência, carências e aspirações, como na
comunidade consolidada wotchimaücü, composta por 68 indígenas Tikuna originários do alto

6
Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus, implantado pelo Governo do Estado do Amazonas na
cidade de Manaus a partir do ano de 2003.

117
Solimões que habita desde a década de 1990, terreno na zona leste, na “Cidade de Deus” (JIMENES,
2014). Por outro lado, movimentos sociais indígenas permanecem em disputa pela terra urbana,
como no Tarumã, cuja área habitada é alvo de disputa judicial desde o ano de 2014, entre
empresários e moradores locais. Foto: Jornal A Crítica de 22 de janeiro de 2017.

3
4 2
1

5 6 7

Figuras 4: Alguns dos condomínios acessados pela Avenida Efigênio Sales que concentra esta forma de
habitação em tipos verticais ou horizontais, conformando uma paisagem marcada por muros em
continuidade e guaritas voltadas à via. Foto: Google Earth (Acesso em 05 mar. 2018). Legenda: 1 –
Cond. Efigênio Sales; 2 – Cond. Greenwood Park; 3 – Cond. Vila Rica; 4 – Cond. Monte Líbano; 5 –
Cond. Mundi Resort Residencial; 6 – Residencial Florença Park; 7 – Cond. Parque dos Rios II.

2. Cond. Mundi

1. Cond. Efigênio Sales

Figura 5: Condomínios de densidades variadas, em vista aérea. Foto: Google Earth (Acesso em 05
mar. 2018). Legenda: 1 – Cond. Efigênio Sales; 2 – Cond. Mundi Resort Residencial.

Buscando compreender a estrutura morfológica da cidade de Manaus por meio da


leitura de seu Sistema de Espaços Livres (SEL), utilizamos as definições e escalas
adotadas pelo grupo de Pesquisa QUAPÁ/SEL e por pesquisadores da Morfologia
Urbana, como Pereira Costa e Gimmler (2015) e Panerai (1999). A análise em questão
privilegia o aspecto estrutural representado pelo sistema de espaços livres,
apontando algumas intervenções urbanas recentes, importantes para a qualificação

118
do espaço urbano, como de criação de parques urbanos, projetos de saneamento e
recuperação de igarapés realizados nas últimas décadas pelo poder público.

O modo como cidades crescem não obedece a padrões rígidos ou teoremas exatos e
está representado na materialidade dos planos físicos e feições que adquirem no
tempo. Das definições e princípios relacionados ao processo de análise do SEL, pela
sua adequabilidade ao caso em pauta, são destacados duas categorias conceituais,
de polo e eixos de expansão urbanos. A princípio, os polos são lugares singulares,
pelo caráter de origem, local de concentração e carga simbólica (PANERAI, 1999) e
remetem à existência de interseções e congregação de atividades ao seu redor
(PEREIRA COSTA & GIMMLER, 2015).

Quanto às linhas de crescimento, estas são elementos fundamentais na composição


e estruturação do tecido urbano das cidades, sejam caminhos, vias, estradas, ou
elementos naturais, como rios e canais fluviais. Essas linhas somente podem ser
entendidas em seus contextos locais, regionais e globais, pela particularidade com
que é processada a transformação física das cidades.

Além dessas categorias de análise, são considerados três períodos morfológicos


definidos por temporalidades indicativas dos ciclos de estagnação e crescimento
econômico, denominados períodos evolutivos (PEREIRA COSTA & GIMMLER, 2015) 7.
A ênfase na paisagem urbana como produto de ação social será então analisada
frente a duas abordagens: formal e temporal.

Primeiro período evolutivo

A cidade de Manaus nasceu com uma fortaleza, a de São José da Barra. Construída
em 1669, foi estratégica ao domínio territorial português, tendo em vista sua
localização privilegiada, na confluência de dois importantes rios navegáveis, o Negro
e o Solimões. A fortaleza foi elevada à categoria de vila em 1832 e à de cidade, em
1848.

7
As autoras fazem distinção entre período histórico e período evolutivo, sendo o primeiro marcado por
eventos específicos com características ideológicas importantes como os reinados, períodos republicanos,
entre outros; e o período evolutivo é definido por datas mais flexíveis e se baseia em características sociais,
econômicas políticas e culturais e pelas inovações que são refletidas na estrutura urbana (2015, p. 69).

119
Até o século XIX, a cidade manteve uma configuração de vila, com ruínas do antigo
Forte de São José da Barra do Rio Negro e a presença de uma igreja matriz. Os
igarapés entrecortavam platôs e estes, eram unidos por meio de pontes. A ocupação
inicial da barra do rio, ou margem, foi um processo primeiro de adaptação da cidade
amazônica ao sítio natural no qual certa atenção ao regime de cheias e vazantes,
bem como a necessidade de defesa, produziu uma característica primaz da
morfologia de Manaus.

Nesse momento inicial de formação, a Praça da Igreja dos Remédios e a Igreja Matriz
foram importantes espaços livres de Manaus e articulavam a principal rota de acesso
à cidade, pelo rio Negro, ao tecido urbano incipiente na terra firme. A partir de 1850
o crescimento urbano de Manaus refletiu a dinâmica econômica europeia de base
industrial, inclusas novas rotas comerciais transoceânicas e práticas de exploração
da Seringa na Amazônia. O ciclo econômico então iniciado equivale ao primeiro
período evolutivo adotado nesta análise, no qual a cidade adquiriu notórias feições
urbanas.

Entre 1880 e 1920 Manaus recebeu um contingente expressivo de imigrantes, fossem


empresários, comerciantes, trabalhadores, interioranos ou originários de fora do
estado, o que implicou alterações de seu arranjo morfológico. Nesse intervalo, a
cidade foi expandida sobre o platô e as águas, pela primeira vez, não mais exerceram
influência sobre as formas de ocupação que se sucederam.

Sem a influência das águas, Manaus adquiriu uma nova feição, arraigada à terra
firme, foi sendo expandida sobre o platô. As novas ruas implantadas possuíam certa
regularidade ortogonal e posteriormente esse padrão foi imposto aos cursos de água,
alterando profundamente a paisagem. A estrutura primaz do tecido urbano de
Manaus foi então delineada com a ampliação do sistema viário e implantação das
principais vias. As quadras urbanas foram constituídas de estrutura volumétrica
horizontal sem afastamentos das divisas dos lotes, exceto as residências mais
abastadas que ocupavam tipologias denominadas de “palacetes” implantados em
grandes lotes. As praças e largos eram os elementos estruturantes do tecido urbano
e representavam o local de convívio e de práticas sociais tidas como civilizadas.

120
Um projeto de urbanização e melhoramentos, empreendido pelo governador Eduardo
Ribeiro 8, transformou a paisagem urbana de parte da cidade, com a abertura de
avenidas, aterro de igarapés e a instituição de um traçado regular, aos moldes dos
projetos de modernização urbana, como de Haussmann para Paris. Tal plano marca
a paisagem até o presente, em especial o centro histórico da capital.

Uma malha ortogonal que partia do rio Negro em direção ao interior do território
obedecendo ao sentido Sul-Norte foi a característica morfológica mais marcante
deste traçado regulador. Para a implantação do plano ortogonal foram adotadas
medidas extremas como no caso da Avenida Eduardo Ribeiro, construída sobre o
aterro do Igarapé do Espírito Santo. Em outros importantes igarapés como o do
Educandos, da Cachoeirinha, São Raimundo e o de Manaus foram instaladas pontes,
algumas ainda evidentes na paisagem.

Durante a implantação do referido projeto de melhoramento urbano, uma massa de


pessoas que vivia na informalidade ou não se adequava ao padrão imposto pelo
código de posturas de 1904, se deslocou gradativamente para o que denominamos
aqui de primeiro fringe belt, ou “gleba urbana implantada nas bordas da ocupação
formal” (PEREIRA COSTA & GIMMLER, 2015, p. 101), o que correspondeu aos bairros
de São Raimundo e Educandos.

Em gradativo, esses bairros foram sendo absorvidos pela malha urbana,


transformados em fringe belt internos 9. Eles guardam até hoje as marcas da
ocupação não estruturada pela intervenção modernizadora governamental, mas
condicionada pelo sistema viário fluvial, e adaptada à topografia mais acentuada.

8
Governador do Estado do Amazonas entre os anos de 1892 e 1896, responsável por encaminhar obras públicas
referenciais do período de prosperidade econômica experimentada na cidade de Manaus, nos quais “conseguiu
implementar uma grande variedade de projetos, que ainda hoje caracterizam a riqueza e a história do período”
(MESQUITA, 2005, p. 331-336)
9
PEREIRA COSTA & GIMMLER, 2015 sobre definição de fringe belts de M.R.G. Conzen da Escola Inglesa de
Morfologia Urbana.

121
1
2

Figura 6: Mapa da cidade de Manaus de 1893, Governo de Eduardo Ribeiro. (COSTA, 2006, p.82). A
formação do bairro de Educandos, ainda que não registrado no referido mapa, tem como marco o
ano de 1856, com a criação da escola de “Educandos Artífices” para formação profissionalizante, na
outra margem do igarapé da Cachoeirinha, atual igarapé do Educandos (Projeto de Lei n.044, 2014).
Figura 7: Legenda: 1 – Ponte do Educandos, construção iniciada em 1973; 2 – Bairro do Educandos; 3
– Penitenciária Desemb. Raimundo Vidal Pessoa; 4 – Igarapé do Educandos.

3
2

1 4 4

2 3
1

Figura 8: Alguns dos condomínios acessados pela Avenida Efigênio Sales que concentra esta forma de
habitação em tipos verticais ou horizontais, conformando uma paisagem marcada por muros em
continuidade e guaritas voltadas à via. Foto: Google Earth (Acesso em: 05 mar. 2018). Legenda:
1 – Ponte do Educandos (Padre Antônio Plácido de Souza), cuja construção foi iniciada em 1973; 2 –
Bairro do Educandos; 3 – Penitenciária Desembargador Raimundo Vidal Pessoa; 4 – Igarapé do
Educandos.

Por volta de 1920 o Brasil, em especial a Amazônia, perdeu o monopólio na extração


da goma dos seringais e o ciclo de prosperidade econômica, especialmente aquele
experimentado por parte da vida urbana dada em Manaus, entrou em estagnação. A
decadência da economia baseada na comercialização da borracha e o contínuo fluxo
migratório foram, deste modo, fatores que concorreram nas formas de ocupação do
rio Negro e das margens de igarapés nesse período 10.

10
Muitas famílias que chegavam à cidade navegando, se fixaram sobre o rio Negro, em frente ao centro
histórico, ou às margens de igarapés como o São Raimundo e Educandos. A ocupação do rio Negro deu origem
à extinta cidade flutuante, que chegou a abrigar cerca de 30 mil famílias.

122
Segundo Benchimol (1977), um contingente de pessoas dos seringais e outros pontos
do interior migravam mais expressivamente para Manaus e sem que pudessem pagar
por suas habitações estabeleciam-se em “bairros distantes construindo suas favelas
e casas de palha” (p.76). Nesse processo, além das ocupações em margens de cursos
da água, foram consolidados bairros populares próximos ao centro, evidenciando na
paisagem o confronto entre o que fosse formalidade e informalidade. Muitas famílias
que chegavam à cidade navegando, se fixaram sobre o rio Negro, em frente ao centro
histórico, ou às margens de igarapés como o São Raimundo e Educandos. A ocupação
do rio Negro deu origem à extinta cidade flutuante, que chegou a abrigar cerca de
30 mil famílias.

Figura 9: Construções flutuantes extensivas à porção terrestre da cidade de Manaus Fonte:


HEIMBECKER, 2014 (In: ANDRADE, Moacir. Manaus: Ruas, Fachadas e Varandas. Manaus: Humberto
Calderaro, 1984, p.179).

Nas décadas de 1940 e 1950 não houve grande expansão da mancha urbana, mas sim
um processo de compactação do tecido antigo e outro de expansão e consolidação
dos fringe belts. Seria o fenômeno da industrialização, posteriormente à instalação
da Zona Franca de Manaus (ZFM) no final da década de 1970, que traria implicações
sobre a transformação substancial dos limites urbanos noutras direções
(HEIMBECKER, 2014).

Segundo período evolutivo

A instituição legal da Zona Franca de Manaus em 1967, por meio do Decreto Lei no.
288 de 1967, do Presidente Castelo Branco, alterando a Lei no. 3.173 de 1957 que
regulava a Zona Franca de Manaus foi marco de um processo que catalisou o

123
surgimento de novas ocupações e a expansão dos limites urbanos, graças a um
incremento populacional sem precedentes. A produção da habitação popular pelo
Estado 11 e os investimentos em infraestrutura viária que acompanharam o processo
inicial de incentivo estatal à industrialização, foram associados a uma expansão que,
sob o discurso da modernização, fomentou a dispersão das aglomerações urbanas.
Tal crescimento não veio acompanhado de práticas de planejamento, o que
ocasionou uma série de externalidades ainda hoje manifestas nos espaços públicos
da cidade.

As atividades empresariais possibilitadas pela Zona Franca de Manaus e a


implantação de um Distrito Industrial, junto a iniciativas estatais 12, estimularam
direta e indiretamente, a produção de conjuntos habitacionais e bairros novos, a
Norte e Leste do antigo quadrilátero central. Às margens dos conjuntos habitacionais
foram instalados assentamentos informais, ou “invasões” 13.

Após 1967, a construção da Estrada Torquato Tapajós consolidou o eixo de expansão


Norte, dando continuidade aos eixos viários Av. Epaminondas e Av. Constantino Nery.
À Leste, antigos bairros como Educandos foram consolidados e foi implantado um
primeiro conjunto habitacional no bairro da Raiz. Nessa mesma década foi construída
a nova avenida de ligação Leste-Oeste, marginal ao Rio Negro, nomeada de “Manaus
Moderna”, com a finalidade de possibilitar o escoamento da produção do Distrito
Industrial via Porto de Manaus. A oeste a ocupação urbana teve como limites o bairro
de São Jorge e o Hotel Tropical, localizado às margens do rio Negro, a 13 km do
centro 14.

Nesse processo de expansão urbana, grandes áreas foram destinadas a militares,


instituições públicas e ao parque industrial. Desta forma, foram produzidas faixas de

11
As práticas governamentais adotadas em Manaus no campo da habitação acompanharam as medidas
adotadas a partir de 1964 pelo Estado nacional (HEIMBECKER, 2014, p.32).
12
Financiamento estatal de habitações, intervenções em várias cidades brasileiras, geralmente ignorando
especificidades culturais e com ênfase na produtividade.
13
Como passaram a ser denominadas em âmbito local as ocupações subnormais ou favelas. A veiculação do
termo “favela” foi identificada junto a imprensa local nos anos de 1950 (HEIMBECKER, 2014, p.58).
14
Nesse período a ocupação da cidade avançou sobre a floresta com novos bairros, embora tenha mantido
grandes vazios urbanos desocupados no interior do território (HEIMBECKER, 2014, p.151)

124
“hiatos urbanos”, manchas de áreas verdes ou vazias intercaladas na mancha urbana
(PEREIRA COSTA & GIMMLER, 2015). Dessas áreas não ocupadas, são destacadas as
institucionais, implantadas entre 1960 e 1980, que hoje são importantes fragmentos
florestais urbanos. São estas, o Zoológico do CIGs (Centro de Instrução de Guerra na
Selva), o Campus da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e a Sede do INPA
(Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia). 15 Além destas, a área da atual Reserva
Florestal Duke, com 10.000 ha, é outro importante fragmento de floresta tropical
úmida, doada ao INPA pelo Governo do Estado do Amazonas em 1962.

Os espaços livres intraquadra, como praças e parques de pequenas dimensões, não


foram priorizados nos projetos dos novos conjuntos habitacionais, onde têm
prevalecido áreas verdes residuais e grandes massas de floresta primária separando
os fragmentos formados pelos conjuntos. Sua implantação os desarticulou da malha
original da cidade formando tecidos urbanos fragmentados, como um mosaico sem
coerência morfológica aparente. Os conjuntos habitacionais implantados nessa
década de 1960 não receberam pavimentação e saneamento, prejudicando a
eficiência da infraestrutura de mobilidade e a qualidade da água dos igarapés.

Até meados dos anos 1970 muitos espaços verdes no centro da cidade ainda estavam
preservados, quando então começaram a ser retalhados dando lugar a
estacionamentos, garagens e áreas edificadas, evidenciando uma paisagem em
transformação mais intensa. A ampliação das dimensões físicas da cidade, o novo
ritmo urbano, com o aumento expressivo do número de automóveis, a presença de
“favelas” e outras ocupações não ordenadas pelo poder público e os grandes
conjuntos habitacionais, são percebidos como componentes característicos dessa
paisagem em processo de transformação (HEIMBECKER, 2014, p.136).

Período evolutivo atual da paisagem urbana de Manaus

A partir dos anos 1980, com a flexibilização da legislação urbanística e maior


participação do mercado imobiliário na organização do território, passam a ocorrer
duas tendências opostas de ocupação urbana. Por um lado, uma compactação das

15
O CIGs e o INPA mantém um parque aberto à visitação pública e pequenos zoológicos que incluem espécies
em extinção. A UFAM não oferece no Campus o uso recreativo ao público e ao longo dos anos perdeu parte de
sua área.

125
áreas centrais, seja por meio da verticalização ou da subdivisão de lotes no mercado
informal do solo. Por outro, a tendência de expansão pela dispersão do tecido
periférico na direção Norte e em direção ao município de Iranduba, ambos
estimulados pela construção de infraestruturas viárias. As Zonas Norte e Leste se
expandem formando um novo fringe belt externo.

Vetores de expansão – polos (centralidades) e eixos de expansão

O crescimento das cidades ocorre ao longo de vias e caminhos, naturais ou artificiais


(PANERAI, 1999), em um processo que ocorre no seio de um sistema complexo de
conexões espaciais. Este envolve inevitavelmente uma rede regional, nacional e
global na qual a cidade está inserida e pode ser interpretado a partir de dados
relacionados à sua evolução histórica.

Desta forma, as localizações urbanas estão intimamente relacionadas ao grau de


acesso que proporcionam. Kevin Lynch enfatiza a classificação de acessos conforme
a percepção das pessoas ou objetivos a que se destinam na cidade. Assim, para certas
atividades humanas consideradas essenciais, como socializar-se, trabalhar, aprender
e divertir-se, o acesso representa a oportunidade de realizá-las (LYNCH, 1981). Essas
oportunidades variam conforme a localização e sistemas de transporte disponíveis,
o que no Brasil está intimamente relacionado à questão da renda.

Para a articulação dos acessos urbanos, eixos e polos são os elementos reguladores
determinantes de sua lógica estrutural em cidades. Os eixos são linhas, caminhos e
canais destinados ao fluxo, por onde acontecem viagens ou deslocamentos no meio
urbano, seja de pessoas ou coisas. Os polos são localizações fixas que atraem esses
fluxos e viagens, e concentram atividades diversificadas como comércio, serviços,
equipamentos urbanos, entre outras.

Eixos

A relação de Manaus com a rede urbana brasileira é peculiar quando comparada a


cidades de outras regiões. Primeiro, porque não possui acesso rodoviário que permita
sua conexão com outras regiões e, segundo, pela importância do canal hidroviário
para suas relações junto a rede urbana regional. A localização da cidade às margens
do rio navegável impôs a princípio um aspecto configuracional, pois ao contrário de

126
uma cidade interior que pode crescer em todas as direções, ou 360 graus, Manaus
tem um crescimento em 180 graus.

As linhas de força que organizam o território de Manaus são: o Rio Negro; o traçado
regulador do século XIX, que introduz o eixo norte/sul 16; e o eixo que denominaremos
“sudoeste” representado pela ponte sobre o rio Negro. A BR 319, que ligaria Manaus
a Rondônia não é trafegável em toda a sua extensão e não possui acesso por ponte,
por isso não será considerada como um eixo estruturante.

Em Manaus, tal sistema de eixos estruturantes em conformação radial em 180 graus


possui poucas ligações Leste-Oeste, o que dificulta a permeabilidade dos fluxos
urbanos. Este fator é fundamental para explicar o recorrente congestionamento de
veículos nos horários de pico na cidade. As principais vias estão implantadas no
sentido Norte/Sul e com a nova avenida, das Torres, essa estrutura é consolidada.

Ao norte de Manaus, a BR-174 permite a conexão com a Venezuela, passando por Boa
Vista, capital do estado de Roraima. Nesse eixo a 120 km de distância de Manaus
está localizado o município de Presidente Figueiredo. Ao longo da rodovia e
extrapolando a zona urbana de Manaus estão implantadas áreas residenciais em
condomínios fechados de vários segmentos econômico sociais, além de um processo
de divisão de lotes rurais em urbanos.

A AM-010, também ao norte da cidade, conecta Manaus à Itacoatiara, passando pelo


município de Rio Preto da Eva. A AM-010 é um importante eixo logístico e permite o
acesso até o rio Madeira e desempenha o papel de eixo de expansão urbana de
Manaus na direção Norte, reforçando o eixo historicamente consolidado formado
pelas avenidas Djalma Batista, Constantino Nery e Estrada Torquato Tapajós. A
construção da Avenida das Flores, extensão da Avenida das Torres, reforçará ainda
mais o papel da AM-010 nesse processo. Essa obra de infraestrutura permitirá a
expansão significativa da mancha urbana para além dos limites das atuais zonas
urbanas definidas pelo Plano Diretor de Manaus e possivelmente estimulará a
ocupação de áreas de florestas ainda preservadas.

16
Esse eixo foi fortalecido pela implantação das rodovias AM-010 e BR-174.

127
A AM-070 conecta Manaus a Manacapuru passando por Iranduba, na margem oposta
do rio Negro. Em virtude da construção de uma ponte de 3595 quilômetros de
extensão, essa rodovia pode ser considerada outro importante eixo de expansão da
mancha urbana. A referida ponte sobre o rio Negro, inaugurada em 2011, induziu
uma dinâmica urbana metropolitana com as cidades vizinhas de Manacapuru e
Iranduba 17. Nessa ocupação tem prevalecido a tipologia de condomínios e
loteamentos horizontais de baixa densidade, sem uma diretriz de ocupação
socialmente partilhada, configurando uma paisagem produzida junto à devastação
ambiental e do patrimônio arqueológico.

A porção Leste da cidade de Manaus abriga a maior parcela da população, cerca de


22% (IBGE, 2010), em loteamentos residenciais unifamiliares formais e informais.
Esta região abriga uma área de grande extensão que pertence à SUFRAMA
(Superintendência da Zona Franca de Manaus), onde se localiza o parque industrial
e outros equipamentos urbanos de grande porte. Ainda na porção leste se localizam
importantes portos de transporte de cargas e a Reserva Florestal Adolpho Duke. Aqui
predominam ocupações horizontais de baixa densidade em grandes lotes. As vias que
estruturam a Zona Leste são as avenidas Autaz Mirim e Cosme Ferreira.

Na porção Oeste do território, barreiras naturais como o Igarapé Tarumã-Açu,


amortecem o crescimento urbano. Os principais eixos que induzem o crescimento
dessa região são as avenidas do Turismo e Coronel Teixeira. Ao longo da primeira,
predominam os grandes lotes e ocupações horizontais, já no outro eixo, predominam
condomínios fechados verticalizados e empreendimentos de grande porte, como
ilustrado nas figuras 10 a 13.

17
O processo de metropolização da Amazônia Ocidental está em curso desde 2007 quando foi instituída a
Região Metropolitana de Manaus (RMM).

128
Figura 10: Indicação das bacias hidrográficas e área urbana de Manaus. Mapa base com “Pontos de
coleta para a avaliação de balneabilidade das águas – Manaus/2001”. Fonte: IBAM/ DUMA sobre os
dados do INPA, 2002. In: Projeto GEO Cidades. Relatório Urbano Ambiental Integrado, Manaus, 2002,
p.81.

2
3

Figura 11: Foto: Google Earth (Acesso em: 05 mar. 2018). Legenda: 1 – Avenida Coronel Teixeira;
2 – Avenida do Turismo; 3 – Igarapé Tarumã-Açu.

Figura 12: Estrada do Turismo, ocupação horizontal Figura 13: Ponta Negra, encrave de verticalização
em grandes lotes. Fotografia: Eugenio Queiroga, 2015. urbana. Fotografia: Eugenio Queiroga, 2015.

Nessas duas imagens pode ser verificada a distinção fundamental de características


das principais formas de ocupação nos dois eixos principais de ampliação urbana a

129
oeste de Manaus, corredores urbanos 18 que incluem avenidas do Turismo e Coronel
Teixeira. A ocupação ao uso do solo é caracterizada por habitação de alta renda, no
primeiro caso em residências unifamiliares e no outro, edifícios de apartamentos. Na
avenida do Turismo, além desta, há serviços e comércios, predominantemente
voltadas a este eixo viário estruturador.

Polos e centralidades

Uma das principais centralidades de Manaus é exercida pela região do centro antigo,
juntamente com as subcentralidades do “centro expandido”, que compreende os
bairros Nossa Senhora das Graças, São Geraldo, Adrianópolis, Cachoeirinha, Praça 14
e Compensa. Nessa área estão localizados importantes equipamentos urbanos da
cidade, como shoppings, instituições de ensino, hospitais, entre outros.

O centro de Manaus é um local estratégico e polo físico de atração de viagens pela


via fluvial, sendo um importante ponto de convergência de navios de passageiros e
cargas, recebendo diariamente embarcações regionais. Comerciantes de cidades do
interior vêm até a “Manaus Moderna” 19 para abastecimento junto ao comércio
atacadista localizado nas proximidades da Praça dos Remédios e retornam a seus
locais de origem. Esse movimento diário produz uma paisagem cultural única que
varia conforme as diferentes épocas do ano. Ora as embarcações estão no nível da
rua (na cheia), ora estão metros abaixo, e a areia aparece desnudando a praia.

O corredor urbano da Avenida Brasil, no bairro da Compensa, desponta como uma


subcentralidade que se incorpora ao centro expandido. A sede do Governo do Estado
e outros equipamentos públicos, de serviços e institucionais, como secretarias

18
Os corredores, como indutores de crescimento regulados pela legislação urbana, estruturam a expansão
territorial da cidade e os usos de solo. Nos exemplos apresentados, segundo a seção II, artigo 65, do Plano Diretor
Urbano Ambiental de Manaus, a avenida do Turismo é um corredor e a avenida Coronel Teixeira forma com a
avenida Brasil, um outro, nomeado “Corredor Avenida Brasil/ Ponta Negra”. Neles, segundo a seção III, subseção
I, artigo 90, inciso 1º, os corredores urbanos em questão estão inclusos na categoria de “áreas urbanas que
apresentam melhores condições de infraestrutura, com potencial de concentração de atividades de comércio e
serviços e maior capacidade de absorver o processo de verticalização e adensamento” (PDUA, 2014).
19
Via Beira Rio, situada ao sul da cidade, que interliga a região do centro ao Distrito Industrial, este, situado a
leste. O trabalho de Patrícia Rodrigues da Silva aborda este projeto, seu desenvolvimento nos anos de 1970 e
construção na década seguinte, pelo governo estadual, como intervenção modernizadora de adequação da
cidade às demandas da Zona Franca de Manaus. A tese parte de memórias de trabalhadores e de documentação
diversificada para discutir o espaço beira rio em disputa, por distintos grupos sociais (SILVA, 2011).

130
municipais, hospitais, feiras, foram instalados nessa via e a ponte Rio Negro exerce
influência direta sobre essa área. Outras subcentralidades são identificadas na Zona
Leste, em especial nas vias Autaz Mirim, Cosme Ferreira e Grande Circular. Essa
região se relaciona diretamente com o Distrito Industrial e concentra atividades de
comércio, serviço e equipamentos urbanos de grande porte.

Na Zona Norte ocorre duas subcentralidades significativas, uma mais consolidada na


Cidade Nova e outra em vias de enraizamento, nos bairros Santa Etelvina e Monte
das Oliveiras. A Cidade Nova foi um bairro planejado nos anos de 1970, e nele há
importantes terminais de transporte público, equipamentos urbanos de grande
porte, bancos, e serviços diversificados. A outra subcentralidade que está se
consolidando na mesma região, localiza-se mais ao norte e está relacionada ao
processo atual de expansão da mancha urbana nessa direção, impulsionada pela
implantação de infraestrutura viária (Avenida das Flores) e oferta de terra acessível.
Nessa nova subcentralidade foi instalado um grande shopping center, único da Zona
Norte, além de equipamentos comerciais de grande porte.

Tipos morfológicos

Em Manaus predomina o tipo morfológico horizontal de baixa e média densidades.


Alguns bairros como os que compõem o “centro expandido” apresentam alta
densidade com verticalização. A Ponta Negra possui localização geograficamente
privilegiada em virtude das amenidades climáticas e paisagísticas proporcionadas
pela paisagem natural dadas à proximidade com o rio Negro, o que contribuiu para
a instalação de população de alta renda em condomínios fechados verticais na orla
do rio Negro e condomínios horizontais de baixa densidade ao longo da Estrada do
Turismo.

Nas Zonas Leste e Norte prevalece o tipo morfológico horizontal com grandes lotes,
principalmente terrenos e glebas destinados ao uso industrial. Essa tipologia também
está presente na orla do rio Negro, onde estão instaladas grandes estruturas
portuárias e estaleiros. O parque industrial de Manaus, conhecido com o Distrito
Industrial, agora deixa de estar concentrado na zona leste e toma outras direções no
tecido urbano, ao longo dos eixos viários como Estrada Torquato Tapajós e Estrada
do Turismo. Assim, essa tipologia tem sido dispersada e utilizada para ocupação de

131
maiores proporções do território. Este tipo é caracterizado por incluir construções
horizontais em quadras pouco subdivididas, quando a quadra em si, equivale a um
lote (QUAPÁ/SEL, 2015).

Os encraves ou “hiatos urbanos” são recorrentes em Manaus e ocasionam


descontinuidade no tecido. Os maiores hiatos são o Campus da UFAM, as áreas
militares como o CIGS, o Distrito Industrial, os aeroportos. Exemplos de situações
similares são os estaleiros e as áreas industriais, que formam em Manaus, grandes
hiatos, distintos quanto a sua interferência mais direta na preservação de áreas
verdes urbanas ou sua minimização.

Predominam nos bairros de baixa e média densidades os lotes com muros. Nos bairros
de formação mais antiga (primeiro período evolutivo) há tipologias edilícias com
testada voltada para a calçada e é comum a utilização do logradouro para lazer e
convívio coletivos. Os espaços livres na escala das quadras são geralmente privados,
constituem os quintais e afastamentos frontais, raramente arborizados.

Nos conjuntos habitacionais, o plano diretor exige a destinação de 5% da gleba como


área verde de uso público, entretanto, estas áreas verdes, em geral, não apresentam
uso específico. Em alguns conjuntos do segundo período evolutivo podem ser
identificadas praças de bairros com equipamento de ginástica e playground, por
vezes iniciativa dos próprios moradores organizados em associações. Mas a grande
maioria não possui estes equipamentos públicos. Conjuntos como Vieiralves, Campos
Elíseos e Japiim, não possuem praças de bairros.

Figura 14: Setores urbanos e bairros, localização do Japiim. In: Anexo II Plano Diretor Urbano
Ambiental de Manaus. Foto: Google Earth (Acesso em 05 de março de 2018).

132
Às margens de igarapés e entre os conjuntos habitacionais e condomínios fechados,
ocupações subnormais surgem como uma “amálgama” do tecido urbano. Não
contempladas no plano oficial, elas se instalam como resultado da lógica do mercado
e da necessidade. Para Pedro Abramo a produção das cidades latinoamericanas
resulta do funcionamento de duas lógicas modernas: Estado e mercado, mas além
dessas há uma terceira lógica, a da necessidade. E é assim, por meio das “invasões”
que o mercado informal do solo se consolida e promove a compactação do tecido
urbano movido pela lógica da necessidade por moradia (ABRAMO, 2009).

2
1 2

Figura 15: Legenda: 1 - Habitações construídas pelo Prosamim; 2 – Habitações subnormais, Betânia.
Foto: Google Earth (Acesso 05 mar. 2018).

Deste modo, os assentamentos informais consolidados das áreas centrais se


compactam, enquanto loteamentos clandestinos promovem a dispersão do tecido
urbano ao longo dos eixos viários em direção à periferia. Segmentos de média e alta
rendas tendem a se localizar em condomínios fechados, verticais ou horizontais, de
modo geral localizados nas áreas próximas ao centro, zonas centro-sul, centro-oeste
e oeste.

As zonas Centro Sul e Centro Oeste apresentam maiores densidades populacionais e


consequentemente maior volume de tráfego de veículos. O sistema viário é
sobrecarregado por um número crescente de veículos que incrementam a frota local.
Além disso, tais zonas concentram empregos e equipamentos públicos de
atendimento regional, como hospitais e escolas. Adjacente à zona centro sul e zona
leste se localiza o campus da Universidade Federal do Amazonas, imenso fragmento
florestal no coração da cidade.

133
Nos dois diagramas a seguir (figuras 16 e 17) são sintetizadas as informações
relativas à densidades e áreas de verticalização conforme previstas no Plano Diretor
Urbano Ambiental de Manaus.

Figura 16: Mapa de Densidades. Fonte: Diagrama Figura 17: Mapa de Verticalização. Fonte: Diagrama
gerado a partir do Plano Diretor Urbano e Ambiental de gerado a partir do Plano Diretor Urbano e Ambiental
Manaus (PONTES, 2017). de Manaus (PONTES, 2017).

Tipologias das águas

Em Manaus, como em outras cidades da Amazônia, é comum a ocupação às margens


de cursos d’água. Tal realidade é favorecida pelo sistema viário, no caso o fluvial,
que possibilita o deslocamento de pessoas e bens nesse ambiente aquático. Com o
crescimento da cidade sobre o platô de terra firme e a falta de infraestrutura de
saneamento e drenagem adequados, os igarapés foram utilizados para diversas
finalidades e formas de interação com a população, recreativas, para sua circulação,
e como depósito de dejetos e esgotos, implicando a deterioração de muitos destes.

Neste cenário, as ocupações sobre as águas ocorrem em três tipologias. A princípio,


as palafitas às margens dos canais, principalmente nas áreas mais centrais onde os
igarapés desaguam no rio Negro. Além das palafitas, ocupações localizadas no
entorno dos conjuntos habitacionais e hiatos urbanos, na terra firme, conformam
uma tipologia específica. Vazios urbanos do segundo período evolutivo, as áreas onde
estão localizadas essas ocupações são no momento, consideradas centrais.

A terceira tipologia de ocupação informal acontece na periferia distanciada da área


central. São os loteamentos clandestinos geralmente estimulados pela implantação
de infraestruturas viárias. A primeira tipologia (palafitas) tem sido combatida pelo

134
poder público com remoção das famílias e saneamento dos cursos d’água. A segunda
se consolidou e hoje muitos dos bairros que começaram como invasões ou favelas
hoje são assentamentos populares informais (APIs) consolidados, onde o preço da
terra é elevado. O terceiro modelo vem sendo disseminado, inclusive para além do
território de Manaus, como resultado de uma política pública que induz um processo
de metropolização.

Habitações de populares e subnormais urbanas e o Programa Social e


Ambiental dos Igarapés de Manaus - PROSAMIM

No centro de Manaus, o PROSAMIM (Programa Social e Ambiental dos Igarapés de


Manaus), desenvolvido pelo Governo do Estado do Amazonas, foi implantado sob o
discurso do propósito de alteração do quadro de degradação ambiental e
precariedade social ocasionado pela alta concentração de edificações subnormais às
margens dos igarapés, as palafitas.

Quando o projeto começou a ser desenhado no ano de 2003, os igarapés abrigavam


milhares de pessoas morando em palafitas em condições degradantes, do ponto de
vista sanitário. A partir de 2006 foi iniciado o Programa que envolveu projetos de
saneamento e uma intervenção urbanística na qual foi previsto a construção de
habitações, obras de saneamento, sistema viário e paisagismo. A gestão do programa
ficou a cargo de uma “Unidade de Gerenciamento do Programa Social e Ambiental
dos Igarapés de Manaus“, que definiu quatro ações estratégicas: reassentamento da
população da área de intervenção; ampliação da oferta de solo criado; obras de
macro e micro drenagem; construção de vias e parques (AMAZONAS, 2017).

Na primeira fase do programa a intervenção prioritária foi concentrada na bacia do


Educandos/Igarapé do Quarenta. Nessa etapa foram realizadas obras de
macrodrenagem (canal e galeria), unidades habitacionais e intervenções
urbanísticas. Os igarapés foram reintroduzidos na paisagem urbana. A retirada de
palafitas e o aterramento para a construção dos parques habitacionais, apesar de
criticados do ponto de vista sócio ambiental (BATISTA, 2013), fizeram retornar a água
na paisagem urbana em áreas do centro da cidade. 20

20
Não necessariamente em seu curso natural, mas também com a canalização de águas urbanas.

135
Os Parques Desembargador Paulo Jacob, com 40.357,27m² e Senador Jefferson Péres
com 52.000 m², relacionam o tecido urbano do sítio histórico e o Palácio Rio Negro
ao tecido da área portuária e mercado municipal. No igarapé do Quarenta foram
criados os Parques Residenciais Jefferson Péres, Mestrinho e Parque Mestre Chico,
este localizado no entorno da Ponte Benjamim Constant, ponte de ferro construída
no século XIX, marco histórico presente fortemente visível na paisagem urbana do
centro histórico de Manaus.

A Terceira Etapa do programa, ainda em andamento, prevê intervenções em cinco


bairros: Aparecida, São Raimundo, Glória, Presidente Vargas e Centro, a retirada de
famílias da orla do Rio Negro no bairro São Raimundo e a instalação do Parque Rio
Negro. Neste complexo, de aproximadamente 36 mil metros quadrados, serão
construídos equipamentos de lazer urbano, junto às práticas estatais sanitaristas de
remoção dos habitantes locais, em um conjunto de ações amplamente questionadas
sob o ponto de vista ambiental e social, como afirma Selma Batista:

Sobre os igarapés canalizados e aterrados, foram construídas Unidades Habitacionais


possibilitando a valorização do uso do solo, com grave comprometimento ambiental, visto
o lixo acumulado no leito dos igarapés, não ter sido totalmente retirado e, sim,
compactado e, posteriormente, a área concretada. (BATISTA, 2012, p.39)

Nesses parques as obras de saneamento dos cursos d’água têm sido realizadas em
áreas habitadas. Moradores são removidos para que seja possível a implantação de
equipamentos paisagísticos como parques, praças ou a urbanização com passeios e
vias veiculares. A qualidade da água nos igarapés, foco primordial do referido
Programa, ainda é um problema a ser solucionado, que guarda relação direta com a
precariedade do sistema de saneamento e tratamento de esgoto de Manaus.

Figura 18: PROSAMIM, etapas I e II. Fonte: UGP, 2017.

136
Figura 19: Parque Rio Negro, bairro São Raimundo. Fonte: Secretaria de Cultura do Estado do
Amazonas, 2017.

Figura 20: PROSAMIM. Fonte: PROURBI, palestra proferida na oficina QUAPÁ/SEL, Manaus, 2015.

Para além da região central de Manaus, no que diz respeito a outras áreas de
concentração de habitação de populares na cidade, bem como de áreas destinadas
a programas de habitação estatais, com afetação de elementos naturais, são
destacáveis duas outras zonas, a norte e a oeste.

O sistema viário que articula o tecido urbano de Manaus possui uma conformação
radial em 180 graus, na qual as principais vias ocorrem no sentido Norte/Sul. A
Avenida das Torres sugere a consolidação dessa estrutura promovendo a expansão do
tecido urbano na Zona Norte e AM-010. A porção Norte tem sido ocupada por
condomínios residenciais de média e baixa renda e tem sido destinada à implantação
de novos conjuntos habitacionais como o Minha Casa Minha Vida, o “Viver Melhor”,
e outros loteamentos e condomínios populares e de classe média.

137
A Zona Oeste, protegida pela Área de Proteção Ambiental (APA) Tarumã-Ponta
Negra, tem sofrido fortes pressões, frente aos conflitos e disputas judiciais pela
ocupação e posse de terras. Nessa região da cidade é possível identificar ocupações
por loteamentos fechados, e outras não regularizadas de grandes dimensões. No ano
de 2015 a remoção de mais de 3 mil famílias, cerca de 12 mil pessoas 21 em
assentamento subnormal na APA do Tarumã-Açu do “Cidade das Luzes”, por meio de
ação policial, foi um episódio de reintegração de posse sobre a área na qual a
Prefeitura Municipal aventa intervenção para implantação de parque público.

Figura 21: Cidade das Luzes, assentamento subnormal removido em 2015, APA Tarumã-Ponta Negra,
Manaus. Foto: Gonzalo R. N. Melgár, 2015.

Figura 22: Condomínio Eliza Miranda, construído em 2011 em fragmento florestal na Zona Leste.
Foto: Chico Batata, 2014.

21 FANTON, Hugo. "Cidade das Luzes: despejo violento em Manaus". Internacional Tribunal of Envictions.
Envictions Cases. Session on Brazil. Sd. Disponível em: < https://goo.gl/UkLevp > Acesso em 04 mar.2018.

138
Iniciativas governamentais em síntese

Nos últimos 30 anos algumas medidas foram adotadas para a implantação de parques
públicos abertos em Manaus e a recuperação de espaços públicos no centro histórico.
A realização de dois concursos públicos para a implantação de parques, a
desapropriação de áreas de Áreas de Preservação Permanente (APP) e a qualificação
de áreas verdes residuais, demonstram uma tendência de valorização dos cursos
d’água como componentes da paisagem urbana. Enquanto a recuperação de praças
históricas na área central resgata o caráter público desses espaços. Em ambos os
casos as iniciativas qualificam espaços livres para práticas de lazer e convívio social.

Parques, APPs e Áreas Verdes Residuais

Em Manaus tem sido comum a implantação de parques de menores dimensões como


o Parque dos Bilhares e parques do PROSAMIM, tendo em vista a compactação do
tecido urbano central e o alto custo da terra. Algumas medidas de remoção de
edificações de APPs têm resgatado as margens dos igarapés para a inserção de
parques lineares, como pode ser observado no breve histórico da implantação de
parques e espaços livres de uso público em Manaus nesse período, descrito a seguir
e sintetizado nas figuras 23 e 24:

• 1982 – Instituição do decreto federal que cria o Refúgio da Vida Silvestre (RVS)
Sauim Castanheiras, uma Reserva Ecológica com o objetivo de proteger as
populações do Sauim-de-Manaus (Saguinus bicolor) e de Castanhas-do-Brasil
(Bertholletia excelsa). Em 2001 a prefeitura de Manaus assumiu sua gestão. O
refúgio conta com um Centro de Triagem de Animais Silvestres – CETAS e o
Serviço de Resgate de Animais.

• 1990 - Inauguração da Vila Olímpica, com equipamentos e infraestrutura para


atividades desportivas.

• 1992 – Construção do Complexo do Parque de Cultura, Esporte e Lazer, do


Projeto de Urbanização da Ponta Negra, elaborado pelo arquiteto Severiano
Mário Porto.

• 1993 – Criação do Parque Municipal do Mindu, localizado no bairro Parque 10


de Novembro, como resultado de movimento popular, para preservar o habitat

139
do Sauim-de-coleira, com área de 330.000 m², como uma Unidade de
Conservação de Proteção Integral. O parque possui estrutura para eventos,
práticas de educação ambiental e grande extensão linear de área protegida,
equipamentos para lazer coletivo e prática de esportes e trilhas.

• 1995 – Abertura do Bosque da Ciência, de aproximadamente 13 hectares, para


visitação pública. Localizado no perímetro urbano da cidade de Manaus entre
as zonas centro-sul e leste o Bosque integra área de fragmento florestal do
INPA e além de oferecer opções de lazer e contemplação, é compatível ao
interesse institucional de difundir inovações tecnológicas e científicas
voltadas à preservação ambiental.

• 2000 – Criação do Jardim Botânico Adolpho Ducke em parceria com o


Instituto de Pesquisas da Amazônia (INPA) como alternativa para conter o
avanço da franja urbana sobre a floresta. Hoje no Jardim Botânico está
instalado o Museu da Amazônia (MUSA). O museu foi criado em 2009 e é um
espaço aberto para visitação. O conceito de museu vivo a céu aberto, objetiva
divulgar a arqueologia e história dos povos amazônicos além de animais típicos
e a flora por meio de experiência sensorial direta a partir da observação da
natureza. O MUSA oferece trilhas guiadas, acesso à torre de observação de 42
metros de altura, viveiros de espécies nativas, exposição de peixes e répteis
além de laboratórios experimentais. Em 2012 foi oficializada a APA Adolpho
Ducke com cerca de 18 mil hectares, com o objetivo de proteger a área da
Reserva Ducke.

• 2003 – Criação da Unidade de Conservação Parque Estadual Sumaúma, como


resultado de esforços de ativistas, legisladores e moradores do bairro Cidade
Nova com vistas a preservação do fragmento florestal urbano. O parque possui
estrutura mínima para a prática de atividades de educação ambiental e
monitoramento da fauna e flora.

• 2005 – Realização do concurso público para projeto do Parque da Ponte dos


Bilhares, com a proposta de parque temático e ecológico, que resgatasse a
representação da “belle époque” manauara e priorizasse a recomposição da
área urbana natural de mata ciliar.

140
• 2006 – Início das obras do PROSAMIM e implantação do Parque Jefferson
Péres na área central de Manaus. Inaugurada uma nova fase de parques que
associam preservação dos igarapés e soluções de habitação de interesse
social.

• 2006 – Criação do Parque Nascentes do Mindu como Unidade de Conservação


de Proteção Integral. O parque abriga as principais nascentes do igarapé do
Mindu, possui trilhas interpretativas e é aberto para visitações.

• 2008 – Criação da APA Tarumã-Ponta Negra em função do traçado do igarapé


do Tarumã-Açu. Esta possui uma área de 22 mil hectares e abrange grande
parte da porção oeste do território do município. A APA é uma região de
transição entre a área rural e urbana e sofre constantemente pressões de
invasões de terras. Um exemplo foi a Cidade das Luzes, ocupação com 1900
famílias que foram removidas da APA em 2015.

• 2011 – Inauguração do Parque Cidade da Criança na zona centro-sul em uma


área de 2 hectares. O espaço é um parque temático com estrutura de praça
de alimentação e espaços lúdicos com jogos, playgrounds e passeios.

• 2012 – Criação da APA UFAM, INPA, ULBRA, Lagoa do Japiim, Eliza Miranda
e Acariquara, por meio de decreto de lei. Localizada entre as zonas centro-
sul e leste é formada por grandes fragmentos florestais e desempenha papel
fundamental para a preservação da vida silvestre e para a manutenção de
corredores ecológicos na cidade. O Parque Lagoa do Japiim oferece estrutura
para uso de lazer e prática de esportes ao ar livre.

• 2015 – Criação do Parque da Juventude, com a finalidade de integrar a


comunidade com a área verde de loteamento habitacional. Para tanto, o
projeto reintroduziu essa área residual e a destinou a uso público. A ideia
pioneira na cidade busca a recuperação de área degradada com o
envolvimento comunitário.

• 2015 – Implantação do Parque do Rio Negro no bairro São Raimundo, como


parte da terceira etapa do programa PROSAMIM. Com a retirada de famílias

141
nas áreas de riscos às margens do Rio Negro, foi implantado um parque para
a contemplação da paisagem, práticas sociais e de lazer da comunidade.

• 2016 - Recuperação e reforma do Parque da Ponta Negra, com ampliação da


área de caminhada e criação de uma praia artificial.

Figura 23: Mapa de Sistema de Espaços Livres. Manaus – AM. Fonte: Elaborado pelas autoras a partir
do Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus e fotografias aéreas do Google Earth e LAND SAT 8,
2017.

Figura 24: Mapa de Sistema de Espaços Livre: ampliação. Manaus – AM. Fonte: Elaborado pelas
autoras a partir de dados obtidos do Plano Diretor Urbano e Ambiental de Manaus e fotografias
aéreas do Google Earth, 2017.

142
Projeto de recuperação do centro histórico

Na década de 1990 foi desenvolvido o Programa Manaus Belle Époque pelo Governo
do Estado do Amazonas, com o objetivo de fomentar o turismo na cidade como parte
de uma estratégia de inserí-la no mercado global, como polo de atração de
investimentos (VAINER, 2013). O projeto partiu da intervenção na Praça de São
Sebastião, onde foi implantado um Largo, no qual se localizam edificações
representativas do século XIX como o Teatro Amazonas, o Palácio da Justiça e a
Igreja de São Sebastião, com a valorização da centralidade do Teatro na paisagem e
revitalização de seu entorno.

As intervenções compreenderam a retirada de barreiras visuais, a cromatização das


fachadas, a melhoria das condições de acessibilidade, iluminação e paisagismo.
Aliado à intervenção física foi implantado projeto de programação cultural e de lazer
no largo e no Teatro.

Em 2010 a prefeitura realizou intervenção na Praça da Saudade, importante espaço


aberto que se perpetua no imaginário da população manauara e que no segundo
período evolutivo foi descaracterizada integralmente. O traçado original da praça,
datada de 1932, foi resgatado em literalidade e o paisagismo, requalificado.

Em 2012 o Governo do Estado recuperou o traçado original da Praça do Congresso.


As vias do entorno foram fechadas para uso exclusivo de pedestres e foram
incorporados dispositivos para a melhoria das condições de acessibilidade universal.

O centro histórico de Manaus recebe atualmente recursos do governo federal


(Programa de Aceleração do Crescimento - PAC Cidades Históricas) destinados à
requalificação das condições urbanísticas de áreas tombadas. Os projetos devem
priorizar melhorias na acessibilidade, iluminação, drenagem, sinalização e
paisagismo. Algumas áreas contempladas pelo programa são a Praça Adalberto Vale,
Praça Dom Pedro II, Chafariz e Coreto, Praça Tenreiro Aranha, Praça XV de Novembro
com recuperação do Relógio Municipal, escadaria e trecho da Eduardo Ribeiro e
Entorno do Mercado Adolpho Lisboa.

143
Figura 25: Presença de ambulantes no perímetro externo da praça da matriz, 2014. Fonte: IMPLURB,
oficina QUAPÁ/SEL, Manaus 2015.

Manaus e seu Sistema de Espaços Livres – SEL

O centro de Manaus concentra grande número de praças e espaços públicos


reminiscentes do ciclo da borracha. Já os conjuntos habitacionais no segundo período
morfológico não apresentam um padrão de espaços abertos e de lazer integrados ao
tecido urbano. Ali prevalecem as áreas verdes residuais e espaços livres privados em
lotes murados e áreas comuns de condomínios fechados. As ruas de maneira geral
possuem caixa viária estreita, com duas faixas de rolamento e estacionamento em
um dos lados. As calçadas são estreitas, quando existentes, e a presença contínua
de obstáculos, como desníveis para entrada de automóveis, lixeiras, postes e
muretas, não favorece o uso público do espaço aberto.

Uma política pública por parte dos governos do estado e município voltada à
implantação de parques e recuperação de igarapés teve início na década de 1990.
Antes disso, as áreas verdes eram basicamente as intersticiais entre os aglomerados
residenciais e bairros, as áreas verdes 22 dos conjuntos e loteamentos e os grandes
fragmentos institucionais.

22
O PDLI (Plano Diretor Local Integrado) de 1975 definia percentuais diferenciados de áreas verdes levando em
conta a região da cidade em que o conjunto residencial estivesse localizado. Hoje, segundo o Plano Diretor de

144
A partir dos anos 2000 o Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus
(PROSAMIM) promoveu uma grande transformação na paisagem urbana do centro
histórico da cidade de Manaus com a implantação de novos espaços públicos de lazer
e a reintrodução dos igarapés à paisagem urbana dessa região da cidade.

As ruas da área central de Manaus foram por muitos anos utilizadas para a prática do
comércio de ambulantes, o que dificultava o uso do espaço público a até mesmo a
apreensão da paisagem pelo transeunte. Atualmente, a administração municipal
intenta o deslocamento dos vendedores ambulantes para shoppings populares e
galerias comerciais. Ainda no centro da cidade, com outras obras relacionadas ao
PAC Cidades Históricas, praças e avenidas 23 tem sido objeto da intervenção do poder
público.

Recursos orçamentários para manutenção de praças, parques e arborização urbana


são baixos, e a prefeitura vem realizando licitações para concessão de pontos
comerciais em praças e parques como forma de viabilizar economicamente as
melhorias urbanas, em um processo que privatiza o espaço público. Na Ponta Negra,
por exemplo, após a reforma, foi implementado um sistema de concessão de espaços
para venda de comidas e bebidas que substituiu comércios informais.

Transformações recentes da paisagem e seus principais agentes

Hoje se manifesta na paisagem uma dinâmica urbana metropolitana, na qual atuam


entidades públicas, estatais, em suas diversas instancias; o capital privado, de
incorporadoras imobiliárias, construtoras e indústrias, e a sociedade em suas diversas
formas de apropriação do espaço urbano. É importante observar que no tempo atual
os planos e projetos de ocupação urbana, em linhas gerais, seguem as mesmas
fórmulas já experimentadas pelo Estado desde o governo militar.

Estas fórmulas estiveram baseadas, em suma, no incentivo ao financiamento à


indústria da construção, tendo como consequências a baixa qualidade de projetos e
a ocupação de áreas de baixo valor de troca e de recém-expansão, periféricas, pouco

2014, são exigidos no mínimo 15%. A Pesquisa de COSTA, et al. (1991) constatou que cerca de 70% dos conjuntos
residenciais tiveram suas Áreas Verdes ocupadas indevidamente por invasões.
23
Praça Tenreiro Aranha, Praça do Relógio, Avenida Eduardo Ribeiro e Praça da Matriz.

145
alcançadas pelos investimentos públicos. Um exemplo dessa prática é a implantação
de habitações de interesse social, pelo programa federal “Minha Casa Minha Vida”
em Manaus. Um dos maiores condomínios implantados pelo programa foi o
“Residencial Viver Melhor”, na zona norte, com capacidade para receber até 55 mil
pessoas, com renda mensal familiar de até R$ 1,6 mil (faixa 1 do programa
habitacional).

Em 2014, Manaus sediou eventos da Copa do Mundo FIFA e foram construídos alguns
equipamentos desportivos, como centros de treinamento e a Arena da Amazônia que
substituiu o Estádio Vivaldo Lima, este, projeto do Arquiteto Severiano Porto. Tais
obras não trouxeram alterações significativas sistêmicas para a totalidade da
paisagem urbana. Dentre os investimentos previstos para a Copa do Mundo, muito
pouco foi realmente executado.

Deste modo, é possível inferir que o maior agente interventor na paisagem de Manaus
nos últimos anos foi o Governo do Estado por meio do Programa Social e Ambiental
dos Igarapés de Manaus (PROSAMIM). Além deste, a Superintendência da Zona Franca
de Manaus (SUFRAMA) é um importante agente na modificação da paisagem urbana.
Antes as indústrias se concentravam na Zona Leste de Manaus, na área do Distrito
Industrial. Hoje novas indústrias vêm sendo implantadas no eixo Norte, Estrada
Torquato Tapajós, AM-010, entre outras localidades, o que induz a ocupação
residencial no entorno desses equipamentos.

Quanto à infraestrutura viária, vale destacar uma profunda alteração ocasionada


pela ponte sobre o rio Negro, que vem catalisando dinâmicas metropolitanas e
estimulando a dispersão da ocupação urbana nas áreas lindeiras às rodovias,
estimulando a implantação de condomínios horizontais desarticulados dos núcleos
urbanos originais, como é o caso de Iranduba. Além disso, reforça uma tendência de
descentralização e de adensamento dos bairros São Raimundo e Compensa.

Associado à implantação da Ponte, o governo estadual vem empreendendo a


construção de um novo Campus Universitário da Universidade Estadual do Amazonas
(UEA) em Iranduba, o que a médio e longo prazo estimulará ainda mais a ocupação
urbana. Outra obra viária atual e estruturante é a Avenida das Torres, outro eixo
Norte/ Sul que, atravessa a porção leste do território e vem induzindo a ocupação

146
urbana desordenada de novas áreas. A Avenida, quando finalizada, representará um
novo eixo de caráter metropolitano, uma vez que incidirá diretamente na AM-010,
ligação importante para as cidades de Itacoatiara e Rio Preto da Eva.

Nas vias existentes a condição de calçadas e qualificação por meio de projetos de


paisagismo é deficitária. Nesses últimos anos, concomitantemente à Copa do Mundo,
a Avenida Djalma Batista recebeu um projeto de recuperação e padronização de
calçadas. Os projetos cicloviários propostos pela prefeitura nunca saíram do papel,
sendo praticamente irrelevantes as iniciativas nesse sentido, como a pintura de
pavimento na Avenida Álvaro Maia e na Ponta Negra. Em alguns trechos da Avenida
das Flores, foi instalada ciclofaixa, que hoje foi tomada pela areia e por vagas de
estacionamento.

Quanto aos agentes privados, estes atuam diretamente na conformação da paisagem


por meio dos empreendimentos imobiliários. Manaus possui alguns encraves
importantes de verticalização, como o Bairro Nossa Senhora das Graças, Aleixo e
Adrianópolis, sendo que a tendência de verticalização é estimulada pelo Plano
Diretor agora às margens do Rio Negro, como no Setor Especial do bairro São
Raimundo e Compensa.

Ao fim, a sociedade em geral, atua na produção de espaços livres urbanos, quer por
meio de ocupações informais em invasões de áreas centrais, quer pelo loteamento
de áreas periféricas. Além disso, a apropriação dos espaços públicos é outra
característica cultural do manauense, que utiliza a rua para o comércio alimentar
como café da manhã, churrasquinho e vendedores ambulantes. Além disso,
transformam o uso do solo por necessidade de adaptação, instalando o comércio no
térreo da edificação ou fazendo extensões, que por vezes invadem as calçadas.

Considerações finais

Num primeiro período da história de Manaus o SEL desempenhou um papel


estruturador do espaço urbano. Esse momento foi marcado por uma economia
extrativista/mercantil que prevaleceu entre fins do século XIX e 1960, quando então
foi implantada a Zona Franca de Manaus, o que marcou a mudança para um novo
período evolutivo.

147
O segundo período foi marcado pela economia industrial e por uma política de
integração nacional que buscava modificar a posição da Amazônia no contexto do
sistema espacial brasileiro, do qual estava às margens (BECKER, et al. 1974). Nesse
segundo período os SELs deixaram de desempenhar papel estruturador da paisagem
e passaram a elementos coadjuvantes na conformação do espaço urbano. Tal espaço
adquiriu nesse período a feição de constelação, com fragmentos de conjuntos
habitacionais distribuídos na floresta primária, conformando a primeira fringe belt.
Planos de expansão urbana da época, que privilegiavam a expansão da rede viária,
não deram conta das fortes pressões migratórias e expansão urbanas que se
sucederam.

Um terceiro período que vai dos anos de 1980 até os dias de hoje, é marcado pelo
papel determinante do mercado no processo de coordenação social do uso do solo e
da produção da estruturação intraurbana, enquanto o Estado deixa de ser o principal
promotor de habitação e assume o papel de provedor de infraestruturas urbanas.
Nesse período o SEL da cidade de Manaus ganha novas feições, por um lado a
expansão urbana continua a um ritmo acelerado e tem início um processo “induzido”
de metropolização. Os espaços livres assumem novas caraterísticas e ganham
destaque, como em projetos de recuperação de igarapés, novos espaços livres
particulares promovidos pelo mercado imobiliário e por meio da criação de uma série
de parques e Unidades de Conservação.

Há uma tendência acentuada de expansão do tecido urbano na direção norte da


cidade por população de segmentos de rendas média e baixa. Essa tendância tem
sido reforçada pela implantação recente de infraestruturas viárias como as avenidas
das Torres e das Flores e pela promoção de moradia de interesse social nesse eixo,
como as implantadas pelo Programa Minha Casa Minha Vida. A dispersão do distrito
industrial ao longo da estrada Torquato Tapajós e da rodovia AM-010 é outro fator
que promove e atrai a expansão urbana sobre áreas rurais ao norte. Aqui a paisagem
é um híbrido entre zonas rurais e florestais, grandes equipamentos industriais,
loteamentos clandestinos de baixa densidade e conjuntos habitacionais.

A ponte sobre o rio Negro constitui, juntamente com a AM-070, um novo eixo de
expansão urbana na direção sudoeste rumo à outra margem do rio Negro. O município
de Iranduba, antes acessível apenas via fluvial, agora é quase um bairro de Manaus.

148
Sua área rural passa atualmente por um forte processo de subdivisão de lotes rurais
e de urbanização nas proximidades da ponte. O próprio governo do Estado impulsiona
esse processo de dispersão urbana na margem direita do rio ao propor a implantação
do campus universitário da Universidade Estadual do Amazonas – UEA.

A configuraçao espacial de Manaus, assim como de outras cidades brasileiras,


explicita conflitos e segregação social em todos os períodos evolutivos. Atualmente
a cidade é um arquipélago de unidades morfológicas distintas com pouca integração
entre si, seja pela trama do tecido urbano ou pelas linhas de circulação. O sistema
de espaços livres é dominado por grandes hiatos urbanos representados por áreas
institucionais ou de conservação ambiental e por um conjunto disperso de
fragmentos de áreas verdes intra-bairros. Muitas dessas áreas carecem de projeto e
destinação para uso recreativo e de lazer. Na porção central da cidade permanecem
as praças e jardins, testemunhas da época áurea da borracha, com seus traçados
regulares (Praça da Saudade e Praça do Congresso) ou de inspiração romântica (Praça
Heliodoro Balbi) ao lado de intervenções recentes de recuperação de igarapés
(Prosamim). A orla do rio Negro, por muitos anos destinada a infraestruturas de
transporte e carga de mercadoria, vem sendo paulatinamente objeto de projetos de
parques recreativos e de lazer que devolvem ao cidadão a possibilidade de contato
com a água, seja visual (parque Rio Negro, no bairro São Raimundo) ou para balneário
(parque da Ponta Negra).

A visão sistêmica dos espaços livres é de fundamental importância para conferir


coerência e identidade à paisagem urbana, bem como conferir caráter público aos
espaços abertos. Devolver à cidade as áreas verdes, que hoje são espaços residuais,
proporcionar o contato com o rio e conferir legibilidade e qualidade aos territórios
periféricos são hoje os grandes desafios para a gestão da paisagem de Manaus.

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152
TRANSFORMAÇÕES NA FORMA URBANA DE MARINGÁ-PR
O sistema de espaços livres e as reconfigurações urbanas recentes

MENEGUETTI, Karin Schwabe (1); REGO, Renato Leão (2); BELOTO, Gislaine Elizete (3)
GONÇALVES, Izabela Bombo (4); BRAGA, Samara S. (4); COIMBRA, Mayara Henriques (4)
(1) Universidade Estadual de Maringá; Prof. Associada; Maringá(PR); ksmeneguetti@uem.br
(2) Universidade Estadual de Maringá; Prof. Titular; Maringá (PR); rlrego@uem.br
(3) Universidade Estadual de Maringá; Prof. Adjunta; Maringá (PR); gebeloto@uem.br
(4) Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo UEM/UEL. Mestrandas.

Introdução

Os espaços livres têm função primordial na constituição das cidades, e tendem a


configurar tecidos urbanos de mais qualidade se forem os estruturadores dos espaços
edificados. A combinação única desses espaços sobre o território é capaz de produzir
paisagens memoráveis, quer pela integridade na relação entre as várias formas
urbanas, quer pela materialização da produção humana sobre a natureza.

A cidade de Maringá demonstra, no seu projeto inicial, a intenção explícita de


estruturação das formas urbanas através do sistema de espaços livres, articulando
ruas, avenidas, praças e parques, de modo a hierarquizar o tecido urbano, identificar
as distintas partes da cidade e adequar suas formas à base natural.

Esta combinação bem-sucedida é produto dos fundamentos do projeto da cidade,


baseado nos princípios formais da cidade-jardim (Rego, 2009; Rego e Meneguetti,
2008). Na expansão da malha urbana, contudo, os espaços livres públicos passaram
a se submeter ao sistema viário, alterando a essência do que se via no período da
implantação do núcleo urbano. Apesar desta mudança, a cidade manteve, ao longo
de suas expansões, predicados que a diferenciam da maioria das cidades brasileiras,
baseados principalmente na qualidade dos seus espaços livres. Mantiveram-se, com
pequenas exceções, a largura adequada das vias e dos passeios, o que permite que
haja arborização em suas calçadas e nos canteiros centrais das avenidas; a presença
de praças, mesmo que grande número delas esteja conformado como rotatória; e,
fundamentalmente, os corredores de fundo de vale, que atravessam toda a cidade
em direção às áreas rurais. A utilização do sistema viário como base projetual e
referência para o traçado urbano conformou uma paisagem contínua, indiferente ao
sítio, regular e uniforme, nas periferias do projeto inicial.

153
O abandono das relações originalmente previstas entre espaços livres e edificados,
assim como do criterioso posicionamento desses espaços no tecido urbano, causou
um decréscimo na qualidade urbana. São mudanças de ordem estruturais e
tipológicas que vêm produzindo uma paisagem bastante distinta (e inferior) que
aquela percebida na parte central da cidade.

Portanto, este artigo trata de mostrar as mudanças ocorridas na forma da cidade de


Maringá nos últimos anos, baseando-se nas pesquisas relacionadas ao tema
conduzidas pelo Núcleo Maringá do QUAPÁ-SEL e, mais especificamente, nas
constatações das duas oficinas QUAPÁ-SEL realizadas em Maringá, nos anos de 2009
e 2017.

A forma urbana e sua reestruturação

O perímetro do traçado original de Maringá tem se fragmentado nas últimas décadas,


especialmente a partir dos anos 1970. Esta fragmentação decorre de múltiplas novas
áreas urbanas, criadas isoladamente e sem relação orgânica com o sítio ou o traçado
original da cidade. Tal expansão tem se dado sobre uma matriz de parcelamento
rural claramente definida pelas linhas do relevo natural, que acomoda as estradas
vicinais sobre os divisores de águas. São estas estradas as linhas de crescimento da
cidade após a implantação do núcleo urbano original no final da década de 1940. As
parcelas rurais, com formato alongado, definido pela estrada vicinal de um lado e o
curso d’água do outro, foram sendo subdivididas, conformando as expansões
urbanas. Alguns loteamentos foram implantados desconectados da malha urbana
(Figura 1).

Os anos de 2009 a 2017 encerram um período marcado pela complementação de


vazios da mancha urbana, com a intensificação da ocupação da porção sul da cidade
e o parcelamento de áreas encravadas na malha urbana (Beloto et al., 2017) (Figura
2). De toda sorte, as estruturas naturais se sobressaem em um tecido urbano cada
vez mais denso, com alta taxa de ocupação.

154
Figura 1. Borda fragmentada da cidade de Maringá. Figura 2. Mancha urbana de Maringá. Acervo dos
Acervo dos autores. 2009. autores. 2017.

A estrutura polinucleada está na concepção da cidade de Maringá. Projetada


inicialmente com o centro principal e núcleos secundários de comércio e
equipamentos nos bairros, a cidade, de fato, se ocupou das vias estruturais para
localizar o comércio vicinal. Algumas vezes também chamada de “Zona de Comércio”
ou “Vias de Uso Misto”, mas quase sempre referente a uma avenida, os eixos
comerciais presentes no zoneamento da cidade de Maringá desde 1959 marcam uma
peculiaridade em se estabelecer o uso comercial em estruturas urbanas lineares. A
exceção é o centro tradicional, quadrilátero que se manteve como uma zona de
comércio em todas as leis de zoneamento.

Os denominados “Eixos de Comércio e Serviços” ou “Vias de Uso Misto” nascem quase


que concomitantemente à expansão territorial, conforme os novos loteamentos vão
sendo implantados, o que veio a garantir a distribuição de comércio e serviços em
todas as áreas residenciais (Figura 3).

155
Figura 3. Esquema dos principais eixos e zona comerciais, Maringá, 2017. Legenda: mancha em
vermelho - zona comercial central; linha vermelha contínua - espraiamento do comércio central;
linha vermelha pontilhada - espraiamento do comércio central ainda pouco ou nada evidente.
Elaborado por Mayara Henriques Coimbra.

O que se observa entre 2009 e 2017 é o espraiamento cada vez maior do comércio e
serviços de características centrais nas avenidas que conectam os bairros ao centro,
assim como a localização de grandes empreendimentos em vias de conexão regional.
Se, por um lado, estamos falando de um início de dissolução do centro tradicional,
por outro, estamos apontando para equipamentos potencializadores de “novas
centralidades urbanas”, como é o caso dos shoppings centers, hipermercados e
universidades (Figura 4).

Figura 4. Esquema indicativo dos vetores de expansão. Legenda:


vermelho - verticalização predominante em 2009; laranja pontilhado -
expansão da verticalização do centro tradicional; laranja - novas áreas de
verticalização em 2017 conjugadas ao shoppping center e/ou à
universidade. Elaborado pelos autores.

156
Estes equipamentos, por sua vez, também definem vetores de expansão ou
adensamento urbano, sobretudo por meio da verticalização. O equipamento pode
variar, no entanto a conjugação com os edifícios verticais já pode ser observada,
como nas figuras 5 e 6.

Figura 5. Entorno da universidade ainda sem Figura 6. Universidade e verticalização. Acervo


verticalização. Acervo dos autores. 2009. dos autores. 2017.

Parte deste movimento de transformação estrutural ocorre em lotes de antigas


chácaras de produção hortifrutigranjeiras ou industriais inativos. São lotes de
maiores dimensões que possibilitam a construção de conjuntos de edifícios em
contraponto ao entorno horizontal pouco adensado. Ainda permanecem no tecido
urbano grandes áreas cristalizadas, como, por exemplo, as que abrigavam empresas
de armazenagem de grãos da década de 1970 e 1980 nos dois extremos do eixo
rodoferroviário, sobretudo na sua porção oeste. A área encravada na antiga área
industrial prevista no plano original (porção leste do eixo), onde funcionava a
empresa algodoeira SANBRA S/A (1962-1993) (figuras 7 e 8), tem sua verticalização
prevista desde o Plano Diretor de 2006 e reafirmado na lei de zoneamento de 2011
(Lei Complementar 888/2011).

157
Figura 7. Área industrial do plano original. Acervo dos autores. 2009.

Figura 8. Área industrial do plano original. Acervo dos autores. 2017.

Certamente que a ocupação do território e a implantação de novos loteamentos


corroboram com a dinâmica da cidade. Adicionados ao movimento estrutural
observado, temos quatro importantes vetores de expansão no sentido norte e sul e
outro vetor no sentido oeste. Os primeiros são formados pelas avenidas
Morangueira/Kakogawa e Avenida Mandacaru ao norte, e pelas avenidas Cerro
Azul/Carmem Miranda e Avenida Carlos Borges ao sul; o segundo é constituído pela
avenida Colombo/PR317.

Os padrões morfológicos

As recentes dinâmicas territoriais impactam diretamente na forma urbana. Não


somente reestruturam o todo, como, através disso, estabelecem novas variações de
padrões morfológicos existentes. No período destacado por este texto (2009 a 2017)
têm grande impacto duas conformações distintas: a nova verticalização, que
acrescentou um grande número de torres na paisagem da cidade (como pode ser

158
comparado entre as figuras 9 e 10) e a constituição de um tecido de borda, referente
às áreas de ocupação recente e formada por um tipo edilício geminado.

A nova verticalização

Na ocupação da malha pelas formas edificadas, houve, ao longo da história, um


cuidado em concentrar as maiores densidades junto às áreas mais dotadas de
infraestrutura. Dois momentos quebraram esta prática. O primeiro, na década de
1990, em que o Plano Diretor possibilitava a verticalização em qualquer área da
cidade, desde que fosse viabilizada a rede de esgotamento sanitário. O segundo, na
década atual, em que a legislação novamente responde aos interesses do mercado
imobiliário, tanto na aprovação da verticalização em meio às áreas de ocupação
horizontal, quanto na permissão de edificação de torres de até 40 pavimentos nestas
áreas horizontalizadas, através da venda do potencial construtivo.

Como resultado, encontram-se hoje torres ou conjuntos de torres em áreas


periféricas, em localizações que não as justificam tecnicamente e muito menos
paisagisticamente (ver Figura 11). Justificam-se pelos altos preços do solo urbano
praticados na área central e nos seus arredores. Como exemplo temos a distribuição
dos empreendimentos financiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) do
Governo Federal. Até o ano de 2012, dos 27 empreendimentos implantados ou
aprovados, 21 correspondiam a edifícios verticais. Destes, apenas 3 estavam
localizados na porção central da cidade (AMORIM, 2016).

Os ciclos econômicos podem ser visualizados no modo de se desenvolver a cidade,


ora em grandes expansões horizontais, como nas décadas de 1960, 1970 e 1990, ou
na verticalização das áreas já ocupadas, como nas décadas de 1980 e 2010. Os
períodos de grandes expansões da cidade, seja extensivas ou intensivas (horizontais
ou verticais, respectivamente), deixaram evidente a forte presença das construtoras
locais na elaboração de projetos e na incorporação dos empreendimentos
imobiliários, sobretudo quando se tratava de edifícios verticais. Notadamente em
Maringá ocorre a simultaneidade dos atores públicos e privados, uma vez que as
empresas locais foram majoritariamente constituídas em função das obras públicas
de infraestrutura e habitação da década de 1980. Assim, as lideranças municipais
tornaram-se empresários da construção civil e vice-versa (MENDES, 1992).

159
Nos últimos anos, mais especificamente desde 2015, há uma modificação de grande
importância na edificação de edifícios em altura na cidade. Por conta de uma
interpretação de cunho especulativo dos instrumentos do Estatuto da Cidade, a
legislação permite, em praticamente toda a cidade, a multiplicação por três (de 1,5
para 4,5) do Coeficiente de Aproveitamento e a edificação com altura ilimitada com
a compra do potencial construtivo através da Outorga Onerosa. Como consequência,
o que se vê atualmente na cidade é a inserção destes elementos de destaque na
skyline, em proporções inadequadas ao tamanho dos lotes e ao tecido urbano (Figura
12).

Note-se que a elevação das edificações em altura não produz uma melhor inserção
do edifício no terreno. Ao invés de se garantir mais espaço livre intralotes e
equilibrar espaço livre e espaço edificado, esses novos edifícios mantém a prática de
edificação de praticamente todo o lote em seu embasamento, com a ocupação de
áreas edificadas nos primeiros pavimentos para fins de comércio, recreação do
próprio edifício ou estacionamento.

Figura 9. Verticalização de Maringá em 2009. Figura 10. Verticalização de Maringá em 2017.


Acervo dos autores. Acervo dos autores.

160
Figura 11. Verticalização setor leste. Acervo dos Figura 12. Tipo Vertical “D”. Acervo dos
autores. 2017. autores. 2017.

A verticalização na cidade de Maringá obedece basicamente a quatro tipos. O


primeiro deles, denominado Vertical A, corresponde a uma parcela específica
chamada de Novo Centro, cuja principal característica é o embasamento térreo com
taxa de ocupação de 90%, formando uma galeria de lojas de rua. As torres com 15
pavimentos conformam um maciço edificado devido à distância aproximada de 10
metros entre os edifícios. Para a primeira década dos anos 2000, a altura dos edifícios
do Novo Centro correspondia a quase o dobro da média dos demais edifícios
construídos na cidade, que era de 8,6 metros.

O tipo Vertical B concentra-se no quadrilátero central da cidade.


Predominantemente, caracteriza-se por uma alta taxa de ocupação, próxima a 100%
do lote, variadas alturas de torres, resultado de legislações urbanísticas que, no
passado, permitiam coeficiente de aproveitamento 10 e altura máxima livre, e
volumes bastante compactos.

A primeira expansão da verticalização de Maringá compõe o tipo Vertical C.


Ligeiramente diferente do anterior, este tipo morfológico estabelece área não
edificada no interior do lote em torno de 30% e torres, em sua maioria, de 7
pavimentos.

A verticalização recente compõe o Vertical D, que é responsável por moldar uma


nova skyline. Espalha-se por várias áreas da cidade, até então estritamente
residenciais horizontais, sendo que as maiores concentrações se encontram marcadas
na Figura 13. Produzido por construtoras locais e novas empresas vindas de outras

161
localidades, este tipo é muito mais robusto que os demais e destaca-se pela altura.
São torres entre 30 e 40 pavimentos, ou seja, o dobro do que se vinha construindo
em altura até a primeira década dos anos 2000, o que provoca disparidades visuais
em zonas até então exclusivamente de ocupações horizontais. Por se tratar de
condomínios verticais que privilegiam a apropriação coletiva, o espaço livre intralote
é em torno de 30% na maioria destes novos empreendimentos.

Figura 13. Mapa da volumetria vertical intraquadra e esquemas dos tipos-morfológicos. Desenvolvido na II
Oficina SEL Maringá. Elaborado pelos autores. 2017.

162
O tipo horizontal geminado

Entre os anos de 2009 e 2017, a área ocupada da cidade de Maringá se expandiu


territorialmente cerca de 10km², o que corresponde um incremento de 10% em
extensão, aproximadamente. Deste total, uma parte significativa é formada por um
tecido urbano de borda recente que é configurado, basicamente, por residências
geminadas.

Reconhecido como produto e ao mesmo tempo condicionador da forma urbana dos


loteamentos implantados nos últimos vinte anos, as casas geminadas são derivadas
de um tipo horizontal básico, cuja ocupação se dava de lateral a lateral do lote,
tendendo a formar um continuum de edificações. Esta forma de construir se manteve
com a subdivisão dos lotes, dando origem ao tipo-derivado geminado. (MENEGUETTI
et al., 2017a; 2017b).

As áreas de expansão recentemente receberam novos tamanhos de lote com a lei de


parcelamento do solo 889/2011. O denominado lote padrão para a cidade é de 400m²
com testada mínima de 16m e taxa de ocupação de 70%, sendo o lote mínimo de
300m², mediante doação de 3% ao Fundo Municipal de Habitação. Entretanto, apenas
os lotes de dimensão “padrão” são passíveis de serem ocupados por residências
geminadas. O que deveria gerar melhor conformação na ocupação desses foi, na
verdade, um incentivo à bifamiliaridade com a ocupação de duas unidades por lote,
paralelas ao alinhamento predial.

Se esta já era uma realidade nas expansões a partir da década de 1990, com a
alteração da legislação, passou a ser a regra dos novos bairros (Figura 14). Deste
modo, as testadas dos lotes, na prática, passaram a ser de oito metros, o que,
considerando três metros para a entrada de veículos, resulta em pouquíssimo espaço
nas calçadas para as árvores, as faixas permeáveis vegetadas, a permanência de
pessoas, e a manutenção da paisagem urbana que era a característica da cidade.

Contudo, o que ainda predomina nos tecidos de borda da cidade é a bifamiliaridade


em lotes de 300m2, com residências geminadas e espaço livre por lote em torno de
10%. Nestes lotes diminutos, as edificações ocupam toda a área, de lateral a lateral,
e de frente aos fundos, excetuando-se os pequenos recuos frontais obrigatórios, de
três metros, que serão impermeabilizados tão logo as residências sejam ocupadas

163
(Figura 15). Surgem ruas de fachadas contínuas, em que a única aparição de verde
é a presença da arborização de acompanhamento viário, caso esta tenha sobrevivido
às obras.

Figura 14. Conformação do tecido urbano de borda. Acervo Figura 15. Tipo horizontal geminado. Acervo
dos autores. 2017. dos autores. 2017.

A estrutura natural condicionando a forma urbana

As linhas do relevo já foram recorrentemente apresentadas em outros trabalhos


como condicionadores naturais da conformação do território regional do norte do
estado do Paraná e da forma urbana das cidades implantadas (REGO e MENEGUETTI,
2008). Estas linhas também são condicionadoras da forma que a cidade vai adquirindo
com seu crescimento, uma vez que os cursos d’água, cujas matas ciliares têm que
ser mantidas, em conjunto com os divisores de águas, que neste caso são as estradas
vicinais, formam a matriz sobre a qual se implantam os novos loteamentos. Tais
estruturas naturais acabam por configurar os limites dos bairros e compartimentar
os tecidos da cidade.

A permanência dos corredores vegetados de fundo de vale ocorre muito mais pela
força da lei do que por uma vontade social. Desde o plano diretor de 1967 as linhas
de fundo de vale são destacadas como áreas a serem mantidas e preservadas na
forma de parques lineares. A partir de 1979, por meio das Diretrizes Viárias Básicas,
foi instituída a “via paisagística”, que contorna os fundos de vale a uma distância de
60m de cada margem destes (MENEGUETTI, 2009). A faixa de 120m que se forma com
estas vias já foi destinada a chácaras com taxas de ocupação diferenciadas das

164
demais zonas residenciais e a obrigação de preservação dos primeiros 15 metros
junto ao rio com as matas ciliares. Nos últimos 10 anos, por lei, não é permitida a
ocupação nem o parcelamento desta faixa. Com isso, e os programas públicos de
reflorestamento, estes corredores se tornam mais evidentes na paisagem. A mata foi
adensada neste período, como pode ser comparado entre as figuras 16 e 17.

A redução da arborização de acompanhamento viário, aliada ao baixo índice de


permeabilidade do solo intralotes, também colabora para que as linhas verdes
formadas pelos corredores de fundos de vale sobressaiam no tecido urbano.

Figura 16. Fundos de vale em 2009. Acervo dos Figura 17. Fundos de vale em 2017. Acervo dos
autores. 2009. autores. 2017.

Figura 18. Remanescentes florestais. Acervo dos autores. 2017.

165
Nas áreas de expansão horizontal mais recente, a implantação do tecido urbano
tende a destacar a presença dos remanescentes florestais que foram preservados
desde a década de 1970 pelo Código Florestal (Figura 18). Os novos loteamentos,
impedidos de remover estas manchas florestadas, começam a tomar partido da
presença do verde como diferencial de qualidade urbana.

Não se vê, no entanto, nenhuma ação governamental no sentido de incorporar a estas


manchas florestais outras áreas públicas a fim de possibilitar novos parques com
multiplicidade de usos e o atendimento das funções de lazer e recreação tão
necessárias nas áreas residenciais periféricas.

Considerações finais

A cidade de Maringá é conhecida por possuir um padrão projetual no qual os espaços


livres, sistemática e estrategicamente distribuídos pela malha urbana, estruturam
tal paisagem. As áreas de expansão da cidade para além de seu projeto original foram
moldadas sobre uma base regularmente parcelada de lotes rurais. Majoritariamente,
os loteamentos para fins urbanos que então foram implantados responderam tão
somente à rentabilidade quantitativa do solo, ou seja, de modo bastante distindo
daquele visto nas áreas mais centrais da cidade. O abandono das relações
originalmente previstas entre espaços livres e edificados, assim como do criterioso
posicionamento dos espaços livres no tecido urbano, tem causado um decréscimo na
qualidade urbana.

O que este trabalho apresentou foi a transformação que vem ocorrendo na forma de
Maringá devido a duas significativas alterações na ocupação dos lotes urbanos que,
por sua vez, produzem uma paisagem ainda mais distinta do projeto original do que
a redução dos espaços livres vista nas décadas anteriores. Esta transformação é
visível em sua paisagem entre 2009 e 2017, datas das duas oficinas QUAPÁ-SEL
realizadas na cidade.

Na primeira oficina, debateu-se a importância estrutural dos espaços livres públicos


na conformação da cidade. Desde o seu projeto original, o tecido urbano foi
fortemente condicionado pelo desenho de suas praças e parques, a presença
marcante dos corredores de fundo de vale e as vias principais, localizadas nos

166
divisores de águas, que funcionam como linhas de expansão, substituindo as estradas
rurais.

Notou-se na oficina de 2017, porém, que, além da perda gradativa de qualidade


urbanística que caracteriza a expansão da cidade, novos padrões morfológicos foram
produzidos na última década, substituindo tecidos já consolidados ou conformando
as bordas da cidade. Estes padrões atendem aos agentes econômicos, uma vez que
respondem à lucratividade do empreendimento, e a legislação é adaptada para
atender aos interesses imobiliários do momento.

Assim, foram destacados neste trabalho dois padrões morfológicos recorrentes no


período e responsáveis pela grande transformação na paisagem urbana: a nova
verticalização e as edificações geminadas contínuas. Ambos padrões foram
constituídos a despeito da qualidade urbana que provocam, e atualmente constituem
o “novo” modo de morar na cidade.

Outro aspecto que se faz notável na cidade é a presença dos elementos naturais nas
áreas de expansão residencial. Tanto os corredores de fundo de vale quanto as
reservas florestais que foram preservadas nas áreas rurais, permanecem no tecido
agora urbanizado, destacando-se por comparação com o restante do tecido.

Quanto a esta presença marcante e positiva do verde nas áreas de expansão, cabe
alertar para uma grande potencialidade que estas áreas trazem de se incorporar os
espaços livres públicos a estas estruturas para possibilitar a soma das funções sociais
às funções ambientais e garantir espaços livres mais dinâmicos. A legislação
urbanística deve lançar mão das potencialidades do território e voltar a projetar a
cidade, em novas bases, mas com as antigas preocupações de construir espaços mais
habitáveis e amigáveis social e ambientalmente.

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do norte do Paraná. Londrina: Humanidades, 2009.

168
SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NA CONSTITUIÇÃO
DA FORMA URBANA DE NATAL

ATAÍDE, Ruth (1); BRASIL, Amíria (2); BENTES SOBRINHA, Maria Dulce (3);
BEZERRA JUNIOR, Francisco (4); FURUKAVA, Camila (5), LIMA, Verônica (6);
SILVA, Alexsandro (7)

(1) Universidade Federal do Rio Grande do Norte; Prof. Associada; Natal (RN); e-mail: rataide_58@hotmail.com
(2) UFRN; Professora Adjunta; Natal (RN); e-mail: amiriabrasil@gmail.com
(3) UFRN; Professora Associada; Natal (RN); e-mail: dubentes@gmail.com
(4) UFRN; Professor Substituto; Natal (RN); e-mail: arqchicojunior@gmail.com
(5) UFRN; Doutoranda; Natal (RN); e-mail: camilafurukava@gmail.com
(6) UFRN; Professora Associada; Natal (RN); e-mail: verolima04@gmail.com
(7) UFRN; Professor Adjunto; Natal (RN); e-mail: alexsandroferreira@hotmail.com

Introdução

Natal possui característica geofísica que a distingue de outras grandes cidades


brasileiras o que se expressa na presença destacada de espaços naturais em seu meio
urbano. A existência de grandes áreas de dunas, vegetadas ou não, e de um vasto
litoral marcam sua paisagem. A maior parte desses espaços encontra-se hoje
protegida e delimitada como Zonas de Proteção Ambiental (ZPAs), devido à intensa
pressão por ocupação, evidenciando uma relação conflituosa entre os diversos
agentes envolvidos, especialmente os segmentos imobiliários formais e os informais.
Os elementos naturais, associados a outros na microescala como praias, praças,
cemitérios, lagoas de captação, orla, entre outros, ganham relevo na estrutura
urbana quando vistos a partir da perspectiva do Sistema de Espaços Livres (SEL) da
cidade.

O presente artigo aborda esse tema a partir de pesquisas realizadas pelo grupo local
e da síntese das discussões da Oficina Quapá-SEL, que aconteceu em Natal em
setembro de 2016. O marco conceitual e o recorte espacial, embora tenham
estabelecido relações com o seu entorno metropolitano, consideram a cidade de
Natal. O artigo está estruturado em três partes: caracterização geral do município e
sua inserção no território; abordagem geral sobre a forma da cidade e seus espaços
livres; e por fim, reflexões acerca dos agentes que interferem na produção do espaço
e sobre a legislação incidente.

169
Caracterização da cidade de Natal – RN

Natal está localizada no litoral oriental do estado do Rio Grande do Norte, Nordeste
do Brasil e ocupa uma superfície equivalente a 167.264 Km2, com uma população de
877.662 habitantes 1. Considerada polo da Região Metropolitana de Natal – RMNatal
(Figura 1), a cidade possui quatro Regiões Administrativas – RAs.

Figura 1: Natal e Região Metropolitana. Produzido pelo grupo com base em Idema (2006). 2017.

As RAs Leste e Sul respondem por uma maior concentração de atividade turística e
um parque imobiliário destinado às faixas de renda média e alta, com destaque para
o distrito hoteleiro da Via Costeira e as áreas verticalizadas dos principais eixos
viários e da faixa litorânea do bairro Areia Preta e da Avenida Roberto Freire em
Ponta Negra. Contudo, verificam-se igualmente nesses bairros a presença de
assentamentos de origem informal, instituídos no regramento urbanístico como Áreas
Especiais de Interesse Social (AEIS), os quais configuram historicamente o tecido
urbano e a dinâmica de ocupação do solo, entre eles as comunidades de Brasília
Teimosa e Vila de Ponta Negra, além das Rocas e Mãe Luzia. Nas RAs Norte e Oeste,
embora também estejam sob intenso processo de transformação, ainda predomina o
padrão horizontal residencial unifamiliar, população com renda média de até três
salários mínimos e um histórico de ocupação marcado pela presença de conjuntos

1 Estimativa do IBGE, 2016.

170
habitacionais construídos desde os anos 1970, e de assentamentos precários de
origem informal (Figura 2).

Figura 2: Regiões Administrativas de Natal. Produzido pelo grupo a partir de dados da Semurb (2017)
e Fotos: Oficina Quapá 2016. 2017.

Ressalte-se que, mesmo considerada totalmente urbana em termos administrativos,


Natal também apresenta algumas ilhas de ruralidade em seu território que, além de
se constituírem como grandes espaços livres, possuem expressivo potencial
paisagístico, ambiental, cultural, e abrigam também atividades agrícolas de baixo
impacto, localizadas, em sua maioria, nos espaços periurbanos das ZPAs ou em áreas
próximas (MEDEIROS, 2017). Tais zonas extrapolam os limites do município,
articulando Natal com o seu entorno metropolitano do ponto de vista físico e
ambiental.

171
A inserção da cidade no território

Entre os 14 municípios da RMNatal, Natal, com seus 885 mil habitantes, representa
quase 60% de toda a população metropolitana (1,5 milhão de pessoas), com uma
economia (Produto Interno Bruto, para 2014) correspondente a 2/3 de toda a região.
Tal peso demográfico e econômico está concentrado no primeiro “arco
metropolitano”, definido pela contiguidade entre os municípios de Parnamirim, São
Gonçalo do Amarante e Extremoz, onde também ocorrem as dinâmicas sociais, do
mercado de trabalho e os conflitos e contradições do aglomerado metropolitano de
forma mais intensa. Um segundo arco de influência de Natal, na região, dá-se com
os municípios de Macaíba, Ceará-Mirim, São José do Mipibu e Nísia Floresta, com
menores relações funcionais com Natal, embora com crescente dinamismo social e
territorial. Por fim, um terceiro arco, mais externo, integra os municípios
recentemente incorporados à RMNatal (Maxaranguape, Vera Cruz, Monte Alegre,
Ielmo Marinho, Arês e Goianinha), cuja inserção se dá, principalmente, por
conveniências políticas (Figura 3).

Figura 3: Região Metropolitana de Natal e arcos de influência. Produzido pelo grupo a partir de
Idema (2006). 2017.

172
A maior concentração populacional da região, aproximadamente 90%, está em Natal
e no primeiro arco metropolitano, definindo a chamada “metrópole funcional”, fato
que, segundo Clementino e Ferreira (2015, p.26), “implica apontar o enorme
distanciamento entre a RM funcional e aquela institucionalizada, revelando a
ausência de uma governança urbana compartilhada, de diálogo entre atores políticos
na tomada de decisão de ações que deveriam ser conjuntas, visando a construção da
metrópole.”

As dinâmicas metropolitanas ocorrem em três sentidos: a) na expansão do tecido


urbano ao sul e ao norte de Natal, acompanhando as vias de penetração estaduais e
federais; b) na expansão litorânea, provocada pela produção de segundas residências
e produtos imobiliários e turísticos; c) na formação de novas centralidades, fora de
Natal, em áreas de São Gonçalo do Amarante e Parnamirim, atraindo parte do
comércio e serviços regionais. Todo o território metropolitano é marcado por
desigualdades sociais, pela fragilidade ambiental e pelos conflitos estabelecidos
entre a expansão dos distritos industriais, os novos parques residenciais e o turismo.

Segundo o Plano Estratégico da RMNatal 2020 (FADE/UFPE, FUNPEC/UFRN, 2008), a


expansão do setor imobiliário no município, a partir dos anos 2000, se apresentava
para além do filamento do litoral, sentido Norte-Sul, articulando o sentido Leste–
Oeste, na direção dos municípios de São Gonçalo do Amarante e Macaíba, e
evidenciando tensões com as ZPAs que circundam o município de Natal. A partir de
2009, a implementação do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) confirmou a
tendência de expansão imobiliária para o interior da metrópole, afastando-se do
filete litorâneo, com investimentos prioritários na produção habitacional para as
demandas das Faixas 1 e 2 (menores e medianos estratos de renda), que esteve
concentrada, entretanto, no primeiro arco de integração, próximo à cidade-polo,
Natal.

Essa dinâmica intensificou a demanda por terras na região, sendo os


empreendimentos implantados, predominantemente, nas áreas periféricas dos
municípios e notadamente em relação às centralidades da cidade de Natal, que
concentra a maior parte da oferta de empregos, serviços, equipamentos de saúde e
educação, entre outros. Essa dinâmica teve efeitos sobre as transformações da
paisagem e dos atributos físicos ambientais da região.

173
Suporte biofísico e morfologia urbana

O município de Natal está inserido em um sítio geográfico bastante singular, formado


por dunas, com solo permeável, arenoso e relevo irregular, alternado por áreas de
planalto, especialmente nas suas porções centrais e em algumas periféricas. Tal
diferencial encontra-se com uma lógica de expansão urbana horizontal e vertical,
em um processo de supressão, descaracterização e fragilização do ambiente,
evidenciando muitos conflitos na relação com os espaços construídos, assim como a
força dos atributos ambientais na configuração espacial da cidade. A singularidade
do seu sítio geográfico, associada aos aspectos ambientais, condicionou e direcionou
a ocupação urbana, estabelecendo relações específicas entre os espaços naturais e
construídos, por exemplo, o rio Potengi, que divide a cidade em duas grandes porções
territoriais, a RANorte e as demais RAs Leste, Oeste e Sul (Figura 4).

Figura 4: Suporte Biofísico de Natal. Produzido pelo grupo, a partir de dados da Semurb (2017). 2017.

Outro fator importante em relação à ocupação da cidade foi a função estratégica


que ela desempenhou na Segunda Guerra Mundial como base militar americana. Os
espaços ocupados pelos militares estavam localizados, em sua maioria, na RALeste e
contribuíram para induzir o crescimento da cidade, principalmente nas direções

174
Leste, Sul e Oeste, ora como barreira, ora como eixo indutor. Esses espaços ainda
marcam a paisagem urbana, por suas especificidades tipológicas e funcionais. Da
mesma forma, também ao sul e articulada ao entorno metropolitano, destaca-se a
presença de grandes espaços livres como a Barreira do Inferno, antiga área de
lançamento de foguetes, localizada na extensão do Morro do Careca com o município
de Parnamirim (ATAÍDE, ZAAR e SILVA, 2014).

Os loteamentos (regulares e irregulares) e os conjuntos habitacionais marcam a


forma da cidade desde o final dos anos 1960, moldando o tecido urbano com traçado
regular, predominantemente horizontal e residencial (Figura 5). Como quase todos
os loteamentos regulares estavam aprovados até o início da década de 1980
(FERREIRA, 1996) 2, praticamente não houve reserva de áreas livres (institucionais e
verdes) no precoce parcelamento do solo do município, implantado nos bairros
centrais e no seu primeiro anel de expansão das RAs Sul e Oeste.

Figura 5: Loteamentos e Conjuntos Habitacionais. Produzido pelo grupo a partir de dados da Semurb
(2017) e Ferreira (1996). 2017.

2 Antes da Lei 6.766/79, que dispõe sobre o Parcelamento do Solo urbano (Brasil, 1979).

175
Apesar disso e da pressão imobiliária, a ocupação desses loteamentos também
encontrou barreiras no relevo e nas áreas ambientalmente frágeis, fato que permitiu
a manutenção dos grandes maciços naturais, como as Áreas de Proteção Permanente
(APPs) das Dunas e as atuais ZPAs. As áreas livres, reservadas nos conjuntos
habitacionais e em alguns loteamentos para implantação posterior de equipamentos
públicos foram, parte delas, apropriadas pelos próprios moradores, ou por
equipamentos públicos (saúde, educação, etc.), e as áreas verdes ainda existentes
localizam-se nas praças e, muitas delas, em terrenos privados.

A RANorte está delimitada pelo Oceano Atlântico e pelo rio Potengi, que a separa
das outras regiões. Apresenta uma configuração espacial com traçado regular,
sobretudo na porção central da região, resultante, principalmente, da construção
dos conjuntos habitacionais e loteamentos, bem como uma paisagem singular com
destacada presença de espaços naturais protegidos, de alta vulnerabilidade
ambiental, como dunas, lagoas, rios e mangues nas suas porções leste e sul.

A forte presença dos conjuntos habitacionais horizontais e de loteamentos


irregulares desenha uma paisagem com ocupação do solo de baixa densidade
construtiva, com predominância de edificações do tipo unifamiliar de até dois
pavimentos e a presença de muitos espaços livres, principalmente nos espaços
públicos dos conjuntos e nos espaços naturais protegidos, com destaque também
para as atividades rurais, como carcinicultura, agricultura e pecuária, em pequena
escala.

Ao longo de um dos seus espaços naturais protegidos (ZPA9), nos limites com o
município de Extremoz, a RANorte encontra-se com a Área de Proteção Ambiental
de Genipabu (APA de Genipabu), ampliando a sensação da presença de grandes
vazios urbanos nessa direção. Por outro lado, a sua porção noroeste, mais próxima
aos conjuntos e loteamentos, e também com alguns espaços livres privados,
apresenta-se como área potencial para expansão urbana, cujas marcas já são visíveis
com alguns projetos do PMCMV e de eixos viários, decorrentes das demandas do novo
Aeroporto Internacional de Natal, localizado em São Gonçalo do Amarante.

As demais regiões (Leste, Sul e Oeste) possuem relevo, traçado e forma de ocupação
heterogênea. Os bairros da Cidade Alta e Ribeira, que deram origem à cidade

176
(RALeste), apresentam traçado bastante irregular, com ruas sinuosas, quadras e lotes
assimétricos. Parte da orla marítima (Areia Preta), do bairro de Petrópolis, e o eixo
que corta a cidade no sentido norte–sul, envolvendo os bairros de Tirol, Lagoa Nova,
Capim Macio e Ponta Negra são marcados pela verticalização, com poucos vazios
urbanos (Figura 6). Apesar das transformações, todos possuem traçado
marcadamente ortogonal, vias largas, quadras grandes e retangulares, e ainda
reúnem um tecido edificado bastante horizontal, com poucas áreas livres públicas e
verdes.

Figura 6: Eixo de Verticalização. 01) Petrópolis e Areia Preta; 02) Lagoa Nova; e 03) Ponta Negra e
Capim Macio. Produzido pelo grupo a partir de dados da Semurb (2017) e Fotos
da Oficina Quapá, 2016. 2017.

Esse eixo de ocupação, de alto e médio padrão, já transborda os limites sul de Natal,
ocupando parte de Parnamirim, com grandes condomínios horizontais (Alphaville e
Cidade dos Bosques) ou verticais (localizados na Av. Ayrton Senna, Av. Maria Lacerda

177
e Av. Abel Cabral), consolidando o bairro de Nova Parnamirim como extensão da
capital e fortalecendo a relação entre os dois municípios. Na última década, outros
municípios da RMNatal também sofreram impactos das atividades imobiliária e
turística, que transformaram a sua paisagem.

O Sistema de Espaços Livres de Natal – SEL Natal

As condições físico-ambientais e a configuração espacial evidenciada revelam


também como se dá a estruturação do sistema de espaços livres (SEL) de Natal (e
suas franjas metropolitanas), que se expressa em duas escalas e indica algumas
especificidades na classificação adotada pela Rede Quapá-SEL. Na escala macro
evidenciam-se os rios, as praias (com ou sem calçadão) e as grandes frações
territoriais não ocupadas por edificação presentes nas ZPAs, incluindo dunas, áreas
agrícolas, mangues e os dois grandes parques urbanos. Na escala micro destacam-se,
no espaço público, o sistema de vias, as lagoas de captação, as praças e os
cemitérios; e, no espaço privado, as áreas não ocupadas pelas edificações, de forma
parcial (recuos e/ou quintais) ou total (terrenos livres), que também se configuram
como grandes vazios urbanos (Figura 7 e Quadro 1).

Figura 7: Espaços Livres. Produzido pelo grupo a partir de dados da Semurb (2017). 2017.

178
Quadro 1: Espaços Livres. Produzido pelo grupo. 2017.

As dez áreas delimitadas como ZPAs pela legislação municipal correspondem a


grandes frações territoriais, ambientalmente frágeis, e envolvem uma superfície de
cerca de 6.200 hectares, correspondendo a quase 37% da superfície do município
(UFRN, 2011). Parte dessas unidades ambientais, apesar da presença marcante de
dunas, vegetação de Mata Atlântica e corpos d’água (lagoas e rios), com grande
potencial cênico-paisagístico, também abriga uma ocupação horizontal,
principalmente com moradia formal ou informal, quase sempre de baixo padrão
construtivo.

As ZPAs 1, 3 e 5 (RASul) abrigam moradias de maior padrão construtivo, enquanto as


ZPAs 4, 8, 9 (RANorte) e 10 (RALeste) recebem habitações de menor padrão e muitos
assentamentos informais (Figura 8), e as ZPAs 2, 6 e 7 têm marcante ocupação
militar. Na ZPA 8, destacam-se as áreas de manguezal, que se encontram em estágio

179
crítico de degradação pela presença da carcinicultura, e na ZPA 9 o ecossistema de
lagoas e dunas do Rio Doce, com grande potencial paisagístico e turístico, e as
atividades agrícolas que caracterizam o lugar (Figura 9).

Figura 8: ZPAs 3, 4, 5 ,7, 8 e 10. Produzido pelo grupo a partir de dados da Semurb (2017).
e Fotos da Oficina Quapá, 2016. 2017.

Dessas unidades ambientais, oito estão localizadas nas RAs Leste, Sul e Oeste, e
outras duas na RANorte, nas suas franjas Norte e Sul 3. Entretanto, essa distribuição
espacial não reflete, na mesma proporção, a concentração dos espaços livres nelas
existentes. As duas unidades localizadas na RANorte (parte da ZPA 8 e ZPA 9)
envolvem uma superfície aproximada de 37,37% do total das ZPAs, e se caracterizam
pela baixa densidade construtiva e alta concentração de espaços livres contínuos, do
tipo mangues, dunas vegetadas ou não, rios e lagoas. As oito unidades localizadas
nas outras RAs apresentam forma de concentração de espaços livres distintas e com
menores superfícies. Contudo, ocupam juntas aproximadamente 29% do total das
ZPAs e, mesmo pressionadas pelo setor imobiliário para uma ocupação de maior
densidade construtiva, ainda mantêm destacada concentração de espaços livres.

3 Parte da ZPA8 está localizada na RANorte, conforme especifica-se adiante.

180
Figura 9: ZPAs 8 e 9. Produzido pelo grupo a partir de dados da Semurb (2017),
Fotos da Oficina Quapá, 2016, e de UFRN/FUNPEC, 2012. 2017.

Numa configuração distinta em escala e em forma de ocupação, as unidades


correspondentes às ZPAs 01, 02 e 06, cujas superfícies envolvem, aproximadamente,
34% do total das ZPAs, constituem, em sua quase totalidade, grandes espaços livres
na forma de contínuos naturais de dunas vegetadas, com pouquíssima ou nenhuma
ocupação por edificação. As duas primeiras são também identificadas por abrigar,
de forma parcial ou total, os dois grandes parques4 urbanos do município, a saber:
Parque da Cidade Dom Nivaldo Monte e Parque Estadual das Dunas Jornalista Luiz
Maria Alves. A terceira unidade, também conhecida como “Morro do Careca”,
embora ainda não seja parque, é reconhecida pela relevância das suas dunas fixas
contínuas (Figura 10).

4O Plano Diretor (Natal, 2007) define Parque como “área verde com dimensões a partir de 10 (dez) hectares,
destinada ao lazer passivo, à preservação da flora e da fauna ou de outros atributos naturais que possam
caracterizar a unidade de paisagem na qual o parque está inserido, bem como promover a melhoria das
condições de conforto ambiental na cidade.”

181
Figura 10: ZPAs 1, 2 e 6. Produzido pelo grupo a partir de dados da Semurb (2017)
e Fotos da Oficina Quapá, 2016. 2017.

A unidade que abriga o Parque da Cidade envolve o campo dunar dos bairros do
Pitimbu, Candelária e Cidade Nova, correspondente à ZPA1, e cumpre a função de
principal área de recarga do aquífero subterrâneo do município (NATAL, 2008). O
Parque foi criado em 2006 5 e possui 136 hectares, interligando as RAs Sul e Oeste, e
sendo, entretanto, ainda pouco apropriado pela população. O Parque Estadual das
Dunas de Natal corresponde integralmente à ZPA 02, incluindo a área de Tabuleiro
Costeiro da Av. Roberto Freire, sendo quase totalmente coberto por vegetação de

5 O decreto de criação do Parque foi revisto em 2011 (Natal, 2011), redefinindo-o como Parque Natural Municipal

da Cidade do Natal, segundo a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação - SNUC (Lei 9.985 /2000).

182
mata de duna litorânea, com predominância de espécies peculiares da Mata
Atlântica, e algumas espécies de caatinga e tabuleiro.

Entretanto, esses dois parques urbanos não dispõem de uma conexão física direta,
inclusive pela localização (extremo da RALeste e interior das RAs Oeste e Sul).
Também não existem corredores verdes, ciclovias ou faixas exclusivas para pedestres
que permitam caminhadas conectadas entre eles. Registre-se, por outro lado, que a
partir do Parque da Cidade existe um potencial urbanístico e paisagístico ainda não
explorado, nas faixas lindeiras da Av. Omar O’Grady, na extensão da Av. Prudente
de Morais sentido Parnamirim, possibilitando uma conexão entre este parque e a ZPA
03.

Da mesma forma, outros espaços contínuos para caminhadas na margem leste do


Parque das Dunas (Orla marítima) e na Oeste e Sul (Calçadão da Roberto Freire e da
Orla de Ponta Negra), poderiam ser mais bem estruturados nas suas condições de
acessibilidade e arborização, de modo a ampliar as formas de apropriação pela
coletividade. Nesse contínuo também se destaca a Área Non Aedificandi 6, ao longo
da Av. Roberto Freire, que consiste numa sequência de quadras lineares, de onde se
vislumbra a Praia de Ponta Negra e o Morro do Careca, sob constante pressão dos
setores imobiliário e turístico.

Entre os espaços livres de grande escala, cabe ainda destacar a presença das praias
na paisagem da cidade, cujas orlas, apesar da infraestrutura de apoio precária e da
acessibilidade insuficiente, e em alguns casos, inexistente, constituem os principais
espaços públicos de recreação com ocupação contínua por moradores e turistas.

Quanto aos espaços livres na pequena escala, cabe realçar, entre os públicos, as
praças ou áreas assim destinadas, as lagoas de captação, os campos de futebol e
quadras de esportes, os cemitérios públicos, entre outros, estando estes distribuídos
de forma desigual na cidade. As praças, por exemplo, e outros espaços públicos
similares, localizam-se principalmente nas RAs Leste (28,23%), Sul (35,29%) e Norte
(23,53%), ficando a RAOeste com apenas 12,95% (NATAL, 2016). Na RALeste, as
praças se concentram no centro histórico, com carências em outros bairros centrais

6 Decreto Nº 2.236/79, de 19 de julho de 1979 (Natal,1979).

183
(Alecrim, Quintas, Lagoa Nova, Barro Vermelho, entre outros). Os espaços
localizados nas RAs Sul e Norte, estruturados ou não, estão concentrados em
conjuntos habitacionais e loteamentos regulares, realçando que ali reside 67% da
população de Natal, com a presença destacada de favelas e loteamentos clandestinos
que não possuem espaços livres.

No que diz respeito aos espaços privados, cabe destacar as médias e grandes frações
de espaços livres existentes nas áreas ocupadas pelos grandes equipamentos
institucionais, os encraves que marcam a paisagem da cidade, como: os militares,
localizados na RALeste (Alecrim, Tirol, Santos Reis), mas também ao sul (Ponta
Negra), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), o Centro
Administrativo do governo estadual e o Arena das Dunas, esses últimos em Lagoa
Nova (Quadro 1 e Figura 11). Em todos a relação com as áreas livres dos bairros
onde se inserem é alterada, na medida em que também se diferenciam no sentido
do público, por possuírem acesso rigidamente controlado, seja por sua natureza
semipública ou semiprivada (Arena das Dunas).

Figura 11: Enclaves. Produzido pelo grupo a partir de Ataide (2014) e dados da Semurb (2017). 2017.

184
Os vazios urbanos, entendidos como espaços livres não qualificados, localizados no
interior das quadras e decorrentes dos processos de loteamento e/ou da especulação
imobiliária, são encontrados em toda a cidade, com forte concentração nas bordas
das RAs Sul e Norte. A grande quantidade de vazios provoca o espraiamento da cidade
e o seu transbordamento para as franjas metropolitanas, aumentando as distâncias
e dificultando a permeabilidade do tecido urbano.

Os agentes de produção dos espaços livres e edificados

Entender a ação dos agentes de produção do espaço em Natal e no seu entorno


metropolitano pressupõe a identificação dos principais dinamizadores da expansão
urbana e da dinâmica econômica, cujos segmentos mais importantes são: o
imobiliário, o turístico e o setor público, além dos grupos sociais, incluindo os mais
vulneráveis dos assentamentos de origem informal.

Com fraca economia industrial ou tecnológica, Natal e toda RMNatal apresentam uma
base pouco diversificada de setores produtivos que geram, por seu turno, maior
diversidade dos espaços funcionais, resultando na formação de agentes de produção
organizados em três eixos: produção, intermediação e comercialização do imobiliário
(formal e informal); setor de serviços, com ênfase nas atividades de lazer,
alimentação e turismo; e o setor público, em duas frentes: como mantenedor de
parcela importante da classe média local (funcionários públicos, autarquias,
Universidades, etc.), e como demandante de serviços, projetos e investimentos. Nas
vilas, favelas, loteamentos irregulares e demais assentamentos de origem informal,
também ocorrem dinâmicas socioespaciais que amplificam o quadro desigual dessa
produção.

O capital privado (turístico e imobiliário), presente nos investimentos, ocupa os


territórios previamente definidos para um aproveitamento setorial específico (o
turismo na Via Costeira), ou zonas preferenciais de investimento, previstas nos
Planos e Programas específicos, como o Polo Costa das Dunas, que abrange o litoral
metropolitano. Nesses dois territórios (local e metropolitano), o turismo pressiona a
ocupação de dois modos: na concentração em eixos ou subcentralidades em Natal
(Via Costeira, Ponta Negra, entorno do Arena das Dunas), e na dispersão linear pelo
litoral, com a construção de hotéis, resorts ou segundas residências (Cf. SILVA,

185
2010). Nesse território, o planejamento urbano, expresso nas diferentes escalas, tem
reforçado a ideia de espaços predestinados ao investimento do capital turístico
referido.

Por outro lado, esse mesmo território já é ocupado por dinâmicas diversas
(habitacional, serviços, pesca, etc.) que atuam dando singularidade ao sítio, mas
também criando dificuldades sociais e ambientais para sua expansão. A constante
tensão entre o setor produtivo do turismo (entendido como dinamizador de certa
economia distribuidora de renda e geradora de lucro) e o passivo social e ambiental
existente dá a tônica dos conflitos entre turismo e meio ambiente sobre o território
ocupado.

A expressão espacial desse conflito dá-se na forma como esse litoral é construído por
diferentes agentes, não apenas pelo segmento produtivo, mas também nas
estratégias individuais (familiares e institucionais), como, por exemplo, as
sobreposições entre as Áreas de Preservação Permanente (APPs), áreas militares,
resorts e hotéis, equipamentos institucionais, moradia de alto e baixo padrão,
regulares ou irregulares, que podem ser encontradas no eixo que conecta Natal ao
município de Nísia Floresta, ao sul, até as praias de Ceará-Mirim, ao norte. Desse
modo, ainda que se possa atribuir isoladamente aos agentes do turismo a prevalência
de suas lógicas de ocupação territorial, destaca-se a sua dominância enquanto
capacidade de investimento e alteração da paisagem natural (dunas, restingas etc.),
em articulação com a paisagem artificial desenhada por outros agentes,
convertendo-se numa ocupação complexa, o “arco inicial de impacto do turismo”.

Um segundo arco de ocupação ocorre quando transpomos as dunas e adentramos as


principais vias de circulação e penetração do município de Natal, que atuam no
sentido Norte-Sul e Leste-Oeste, ligando os fluxos pendulares da RANorte à RASul
(incluindo o bairro de Nova Parnamirim), com o deslocamento da RALeste (áreas
centrais, com maior renda) à RAOeste (áreas periféricas, com pobreza). Neste arco
estão concentradas as dinâmicas residenciais mais relevantes e de forte influência
do setor imobiliário (produção, comercialização e intermediação).

Na atuação do capital imobiliário, foram identificados loteamentos habitacionais em


áreas com características ambientais ou nas bordas da cidade, com estrutura de

186
expansão horizontal do território, independente dos vazios urbanos em áreas
infraestruturadas e das perspectivas de obras públicas previstas para a área. Exemplo
disso é o loteamento em Emaús, entre Natal e Parnamirim, próximo ao Rio Pitimbu,
que modificou o traçado da ampliação da Av. Omar Grady/prolongamento da Av.
Prudente de Morais, definido desde 1950.

Nesse movimento, percebeu-se o início de uma estruturação de outras regiões, por


iniciativa de agentes públicos e privados, como a inserção do Campus do Instituto
Federal do Rio Grande do Norte (IFRN) e de faculdades privadas na RANorte. Esta
região, ocupada por população pobre e um parque residencial majoritariamente
horizontal, com afirmação de loteamentos irregulares, vilas, e um alto grau de
autoconstrução, recebeu apenas 808 unidades (novas e formalmente registradas) na
última década, enquanto seus domicílios cresceram 26,7 % e a população cresceu em
58,8 mil. Na RAOeste, o padrão periférico prossegue, com uma exceção: o bairro do
Planalto, que respondeu por 10,32% dos alvarás no período 2007 a 2017 7, em grande
parte dinamizado pelo PMCMV, ganhando relevo o papel do terceiro agente
dinamizador do espaço, o poder público.

A arrecadação municipal e estadual, embora inferior às necessidades cotidianas, é


ainda um importante sinalizador do gasto público em áreas com baixa atratividade
ao capital privado. Por um lado, a aplicação difusa (educação e saúde) dos valores
arrecadados compromete a avaliação de quanto do território construído contribui
para o investimento nesse espaço; por outro, a forte dependência do Governo
Federal induz certos tipos de projetos nesse território. No Quadro 02, vê-se que, dos
21 projetos estruturantes (de médio e grande impacto territorial), nove são do
Governo Federal, sete do Estadual e cinco do Municipal.

Os tipos de projetos revelam também a ênfase na conexão territorial (vias, pontes,


aeroporto), indicando uma dinâmica de expansão do espaço edificado e uma maior
pressão na ligação intermunicipal. Isto representa, em parte, o atendimento tardio
de situações metropolitanas historicamente comprometidas com a expansão urbana
das décadas de 1990 e 2000, quando os municípios de São Gonçalo do Amarante e

7 Dados da Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo de Natal (SEMURB) e disponíveis em:


<https://natal.rn.gov.br/semurb/paginas/ctd-1171.html>.

187
Parnamirim impulsionaram a dinâmica demográfica; por outro lado, significa a
preparação desse território, ampliado para constituir novas fronteiras do imobiliário
e do turismo.

Quadro 02: Projetos Estruturantes na RMNatal. Oliveira, 2016.

Tais obras rodoviárias refletiram uma sobrecarga sobre o poder público para
ampliação das redes de infraestrutura, e também contribuíram para a configuração
de um novo circuito de mobilidade urbana, com eixo na mudança de localização do
aeroporto de Parnamirim para São Gonçalo do Amarante.

188
Produção dos espaços livres e edificados e impactos da legislação

O município de Natal e os da RMNatal tiveram os seus regramentos urbanísticos e


ambientais atualizados em 2007, cumprindo determinações nacionais. Talvez por
isso, quase todos se estruturaram segundo um conceito de divisão territorial similar,
apoiado em duas escalas: as macrozonas urbanísticas e ambientais e as microzonas
ou áreas especiais. No tocante a Natal, o seu atual Plano Diretor, Lei complementar
082/2007 (Natal, 2007), estabelece o controle da ocupação do solo segundo os dois
níveis referidos: o macrozoneamento, dividindo o território em três grandes zonas
(Zona Adensável – ZA, Zona de Adensamento Básico – ZAB e Zona de Proteção
Ambiental – ZPA); e o micro, sobreposto ao macro, estabelecendo diversas categorias
de Áreas Especiais (AE) 8, que objetivam a recuperação ou a proteção de conjuntos
urbanos, observando suas especificidades físico-espaciais, socioeconômicas,
ambientais ou culturais, que expressam, muitas delas, características peculiares na
relação entre espaços livres e edificados.

Cabe ressaltar que essa divisão territorial, cujas bases conceituais foram inseridas
no Plano Diretor de 1994 9, orienta para uma ocupação do solo ajustada aos
condicionantes socioambientais e à oferta de infraestrutura. Assim, a ZA envolve
todos os bairros da RALeste (exceto a ZPA7 e o Parque das Dunas), alguns da RAOeste
(Quintas, Dix Sept-Rosado e Nordeste) e da RASul (Lagoa Nova e Nova Descoberta),
limítrofes à primeira, estando os demais classificados como ZAB e distribuídos nas
RAs Oeste, Sul e Norte (Figura 12). Para a ZA, aplicam-se parâmetros urbanísticos
que estimulam o aumento da densidade construtiva, admitindo potenciais
construtivos superiores ao aplicado à ZAB, que é de 1,2 10.

8 Áreas de Interesse Social, de Controle de Gabarito, de Interesse Histórico, de Agricultura Familiar, entre outras.

9 Observando determinações constitucionais (Art. 182 e 183), regulamentadas pelo Estatuto da Cidade (Lei
10.257/2001), as quais estabelecem que os Planos Diretores devem criar as condições para o cumprimento da
função social da propriedade e da cidade. Brasil, 1988 e Brasil, 2001.
10 Coeficientes de Aproveitamento (CA) entre 2,5 e 3,5 (Natal,2007, Anexo 1, Quadro 1).

189
Figura 12: Macrozoneamento e Áreas Especiais do Plano Diretor de Natal. Produzido pelo grupo, a partir de
dados da Semurb (2017) e Natal (2007). 2017.
Além disso, observando o princípio da multiplicidade de usos, esses parâmetros
também têm estimulado a instalação de atividades mais atraentes para o mercado
(shoppings, edifícios multifamiliares de alto padrão, entre outros), ainda que as
respostas estejam se concentrando em alguns bairros, como Tirol, Petrópolis e Lagoa
Nova, que têm, juntos, confirmado a tendência de verticalização, desenhada pelo
Plano. Por outro lado, as dinâmicas da ocupação do solo também têm revelado a
formação de outros territórios verticalizados em alguns eixos viários a exemplo da
BR 101 e da Av. Roberto Freire, e bairros inseridos na ZAB, entre eles Candelária,
Capim Macio e Ponta Negra, na RASul, e Planalto, na RAOeste.

Um olhar sobre a relação entre essas localizações e o parcelamento do solo nesses


bairros nos permite concluir que, tanto na ZA como na ZAB, as áreas preferenciais
do mercado estão localizadas, principalmente, em terrenos planos ou de baixa
declividade. Estes estão inseridos em um tecido urbano que se caracteriza por um
parcelamento ortogonal, regular, com dimensões favoráveis ou em condições de

190
remembramentos11, favorecendo a construção de edifícios multifamiliares ou mistos,
de alto e médio padrão (Figura 6).

Em sentido oposto, nas mesmas regiões e em outros bairros o padrão de ocupação


do solo tem sofrido poucas alterações, mesmo não havendo restrições específicas
quando da sobreposição com alguma área especial. É o caso dos bairros Alecrim e
Quintas (RALeste), bairros populares, com alta concentração populacional, cujo
tecido se caracteriza como do tipo misto, orgânico nas proximidades do rio Potengi
e ortogonal no interior (ocupação a partir dos anos 1940), os quais, mesmo inseridos
na ZA, não têm sido objeto de interesse do mercado (Figura 13).

Figura 13: Ocupação no bairro das Quintas, o permitido e o executado a partir de 1994.
Produzido na Oficina Quapá, 2016.

Ressalte-se ainda que a tendência de verticalização observada nos bairros citados


vem se consolidando desde a década de 1980, confirmando orientações normativas
anteriores (Planos de 1984 e 1994). Do primeiro Plano, que se apoiava no urbanismo
funcional, decorre o estímulo à verticalização em Petrópolis, então classificado
como zona de serviços com a mais alta densidade da cidade (733hab/ha), e a
mudança de usos da Av. Roberto Freire na faixa de 300m a oeste classificada como de

11 Quadras que oscilam entre 150 x 200 x 60 m e lotes de 15 x 30m.

191
comércio e serviço e alta densidade (Figura 14). Do segundo Plano, vem a primeira delimitação
das ZA e ZAB, confirmada pelo Plano de 2007 12.

Figura 14: Ocupação no bairro de Petrópolis, o permitido e o executado a partir de 1994.


Produzido na Oficina Quapá, 2016.

Ainda com relação aos padrões morfológicos resultantes dos parâmetros urbanísticos
estabelecidos pelo macrozoneamento, merecem destaque as ZPAs, definidas como
aquelas zonas que se destinam à “proteção, manutenção e recuperação dos aspectos
ambientais, ecológicos, paisagísticos, históricos, arqueológicos, turísticos, culturais,
arquitetônicos e científicos do município”13, e compreendem um tecido urbano
descontínuo, representado pelas dez frações referidas no item 2.3, estando
distribuído em todas as regiões administrativas do município.

Devido à localização e ao tempo histórico em que foram reconhecidas como espaços


protegidos, a maioria das ZPAs encontram-se sob constante pressão por ocupação
nas bordas e em seu interior, em diferentes intensidades. Para algumas, a ocupação
já é regularizada, observadas as regulamentações específicas concluídas desde 2005
(ZPAs 1, 2, 3 4, e 5). Nas demais, delimitadas pelo Plano Diretor em vigor e com seus

12Este Plano estabeleceu a reinserção do bairro de Candelária e parte de Ponta Negra à ZAB, resultando na
redução do ritmo de verticalização que estava em curso nessas áreas.
13Natal, 2007, (Art. 21) As ZPAs não devem ser confundidas como Unidades de Conservação nos termos do

Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC (Brasil, 2000), mas alguns espaços nela inseridos,
classificados como de preservação permanente podem ser assim constituídos, observados os limites das
competências do município, as determinações do Plano Diretor e os limites das competências entre as esferas
de governo.

192
processos de regulamentação em curso, a pressão por ocupação ocorre de diferentes
formas e intensidades, algumas por se localizarem próximas à ZA, e outras por
abrigarem ou possuírem assentamentos precários (AEIS) em suas bordas (Quadro 3).

Quadro 03: ZPAs Natal. Produzido pelo Grupo a partir de Ataide, 2013. 2017.

No caso das AEIS, mais presentes nas RAs Oeste e Norte, as ZPAs ali existentes
apresentam uma configuração espacial do tipo orgânico, de alta densidade
construtiva, cujo regramento urbanístico estabelecido no Plano Diretor ainda
aguarda regulamentação. Tal configuração espacial mostra diferenças no
parcelamento e na forma de ocupação, as quais estão associadas ao tempo de
consolidação da ocupação e à relação com as amenidades ambientais e os interesses
do mercado. Algumas ZPAs também recebem reforço na proteção quando se
localizam próximo às Áreas Especiais de Controle de Gabarito (ACG), ao longo da orla
ou do próprio Parque das Dunas, nas suas franjas Leste e Oeste.

Outro aspecto a destacar diz respeito à relação das ZPAs de Natal com outros espaços
protegidos do seu entorno metropolitano, incluindo as APPs ali delimitadas. A

193
localização de algumas ZPAs nos limites do município possibilita a formação (e a
ampliação) de um contínuo natural com outros espaços protegidos dos municípios de
Extremoz (ZPA9), São Gonçalo do Amarante (ZPA8) e Parnamirim (ZPAs 5 e ZPA6).
Tal relação também amplia a percepção da prevalência de grandes espaços livres,
protegidos ou não, que estão dispostos no primeiro arco metropolitano e em parcelas
do interior do tecido urbano de Natal (Figura 15).

Figura 15: Espaços Protegidos da Metrópole Funcional. Autoria Própria. 2017.

Nesse sentido, cabe reconhecer que o regramento urbanístico do município de Natal


e dos seus vizinhos metropolitanos tem contribuído para a manutenção de reservas
de espaços livres, protegidos de forma parcial ou integral, que constituem áreas
potenciais de intervenção urbanística e paisagística. Ao contrário, quando se trata
da reserva de espaços livres no interior dos espaços privados, cuja ocupação está
submetida ao regramento urbanístico, essa relação é alterada de maneira notável,
tendo em vista que a taxa de ocupação máxima de 80%, quando observada, é
comumente usada e, às vezes, excedida, ocupando os terrenos em sua integralidade,

194
sem respeito aos recuos, situação observada em muitos bairros consolidados. Outra
relação pode ser encontrada em conjuntos verticais de múltiplos blocos, quando se
reservam áreas para atividades coletivas e de interesse dos condôminos.

Considerações Finais

Pode-se considerar que Natal e seu entorno metropolitano possuem um tecido urbano
essencialmente horizontal, embora apresente um processo de verticalização em
curso. As principais formas de ocupação da cidade, loteamentos (regulares e
irregulares) e conjuntos habitacionais, desenham o espaço de forma que o Sistema
de Espaços Livres (SEL) apresenta como características a existência de poucos
espaços livres (estruturados ou não); que estes se encontram dispersos e com
distribuição desigual no território, sem conexões e, portanto, não pensados como um
sistema. Com relação às áreas livres reservadas, dos conjuntos e/ou loteamentos,
muitas não se encontram vegetadas; as poucas existentes se reduzem a praças,
quintais e jardins dos terrenos privados.

O ordenamento urbanístico e ambiental tem contribuído sobremaneira para a


preservação das áreas de proteção ambiental (ZPAs e APPs), importante elemento
do SEL-Natal, que estão presentes no interior e, principalmente, nas bordas da
cidade, atuando como indutores ou como barreiras à sua expansão territorial.
Ressalte-se que esses espaços livres são objeto de conflitos socioespaciais de diversas
naturezas, em especial pela pressão por ocupação de moradias precárias, e do setor
imobiliário. Na RANorte, esses espaços abrigam usos diversos (agricultura familiar,
carcinicultura e pecuária), e apenas dois deles, localizados nas RAs Leste e Sul, foram
parcialmente transformados em parques urbanos, sendo utilizados para a cultura e
o lazer. Considera-se que essas áreas poderiam ser mais conectadas com a cidade,
se fossem criados outros parques urbanos que estimulassem a sua apropriação. O
turismo também tem um forte impacto no SEL-Natal, pois atrai investimentos para
as áreas de orla marítima, sendo ainda as praias e os espaços localizados nos eixos
viários, os espaços livres de maior interesse para esta atividade. Apesar disso, nem
todas as orlas se apresentam estruturadas, e não possuem infraestrutura para serem
apropriadas à noite, sendo esse potencial subaproveitado, sobretudo no momento
atual, em que se agravam os problemas relacionados à segurança pública.

195
Neste quadro, e a partir de pesquisas desenvolvidas pelo grupo 14, são sugeridas
algumas diretrizes para a estruturação do SEL-Natal: promoção de uma maior relação
entre espaços livres e edificados; criação de espaços articuladores, possibilitando as
conexões entre os elementos constituintes do sistema de diferentes escalas;
requalificação dos espaços que se encontram abandonados ou não estruturados;
resguardo dos corpos d’água (lagoas, rios, canais, etc.); proteção da vegetação mais
frágil com barreiras físicas ao crescimento urbano; manutenção dos processos
naturais nos espaços livres fortemente vegetados, para proteção da biota; afirmação
dos campos visuais mais significativos das paisagens e das continuidades perceptivas;
regulamentação das ZPAs para garantir a proteção dos espaços livres ali existentes;
limitação da ocupação de todos os espaços livres analisados, de modo a garantir a
permeabilidade do solo ajustada aos processos naturais. 15

Ressalte-se ainda ser essencial entender o SEL de uma cidade como protagonista da
estruturação do território, pois este desempenha funções fundamentais para a
qualidade de vida urbana, seja como lugares de respiro na massa construída, seja
como promotores de uma vida urbana mais saudável, seja como balizadores do
crescimento do território.

Referências

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socio-espaciales en los espacios naturales protegidos: los retos de la regularización
urbanística de los asentamientos informales en Natal, RN. Brasil. 2013. 606f. Tese
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RN: consensos e dissensos. Scripta Nova. Revista Eletrónica de Geografia y

14 Referimo-nos à pesquisa intitulada “Os sistemas de espaços livres públicos e a urbanidade – um diagnóstico
da situação dos espaços livres na cidade de Natal”, coordenada pela professora Veronica Lima. Ver também
produtos científicos publicados pelo grupo sobre a evolução do tecido urbano de Natal e os espaços protegidos,
expressos em artigos e relatórios de pesquisas relacionadas, alguns referidos na bibliografia.
15 Texto extraído e adaptado de Lima e Medeiros, 2016, p.53.

196
Ciencias Sociales, Barcelona, vol. XVIII, núm. 493 (20), novembro 2014. Disponível
em: <http://www.ub.edu/geocrit/sn/sn-493/493-20.pdf>.

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BRASIL. Lei 6.766, de 19 de dezembro de 1979. Dispõe sobre o Parcelamento do Solo


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II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de
Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília: MMA/SBF, 2000.

BRASIL. Lei n. 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os artigos 182 e 183 da


Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Brasília: 2001.

CLEMENTINO, M. L. M. e FERREIRA, A. L. (orgs.). Natal: transformações na ordem


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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE / FUNDAÇÃO DE PESQUISA -


UFRN/FUNPEC. Implicações ambientais e urbanísticas decorrentes da proposta de
regulamentação da Zona de Proteção Ambiental 6 (ZPA 6), município de Natal, RN –
Laudo técnico. Natal: UFRN/FUNPEC/MP/RN, 2011.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE / FUNDAÇÃO DE PESQUISA –


UFRN/FUNPEC. Implicações ambientais e urbanísticas decorrentes da proposta de
regulamentação da Zona de Proteção Ambiental 9 (ZPA 9), município de Natal, RN –
Laudo técnico. Natal: UFRN/ FUNPEC /MP/RN, 2012.

198
SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A CONSTITUIÇÃO DA FORMA URBANA
CONTEMPORÂNEA produção e apropriação em Palmas-TO
ALBIERI, Lucimara (1)
(1) Universidade Federal do Tocantins (UFT); Professora Adjunta; Palmas (TO); lucimaraalbieri@uft.edu.br

1. Introdução

A constituição da forma urbana de Palmas, Tocantins, se vincula de maneira


expressiva com a composição de seu Sistema de Espaços Livres devido à diretriz
conceitual do projeto urbanístico. Palmas, a última capital planejada do Brasil, foi
concebida em 1989 demarcando o território com ideários contemporâneos sobre a
qualificação urbana. Seus preceitos de racionalidade projetual foram transgredidos
já em seus primeiros anos, adentrando-se na lógica capitalista de produção do espaço
urbano, tendo a gestão pública como participante fundamental desse processo. Ao
longo de sua breve história, percebe-se a dialética entre a permanência basilar do
traço autoral de seus idealizadores e a sua diluição por meio dos anseios de sua
população e, principalmente, pelos conflitos e contradições de uma sociedade
capitalista no contexto brasileiro. Nesse jogo de sonhos, desejos e interesses, de
contraposição entre o ideal e o real, a sociedade constrói a paisagem de Palmas e é
conformada por ela.

Palmas, capital do Tocantins, nasceu para abrigar a capital desse novo estado
brasileiro criado na Constituição Federal de 1988. Antigo norte de Goiás, o Tocantins
faz parte da nova fronteira agrícola que se expande no interior do Brasil.

Diferentemente de planos precedentes de cidades capitais brasileiras, como Belo


Horizonte, Goiânia e Brasília 1, Palmas incorpora em seu plano questões mais
contemporâneas quanto à sustentabilidade, custos de infraestrutura, escala
humanística e preocupações com especulação imobiliária, sem abandonar preceitos

1 Leme (1999) considera Belo Horizonte como a primeira experiência brasileira de planificação urbana em
grande escala. Teresina e Aracajú são anteriores ao Brasil República, enquadradas em um cenário político-
administrativo anterior. Cf. LEME, Maria Cristina (Coord.). O urbanismo no Brasil: 1895-1965. São Paulo: Studio
Nobel/FUPAM, 1999.
da cidade modernista 2. Do ponto de vista do Sistema de Espaços Livres, o projeto
busca categorizá-los pela diversidade de suas funções e incorporá-los ao desenho da
cidade.

Sua implantação não conseguiu se furtar da produção capitalista do espaço urbano,


contraditória e conflituosa, no contexto brasileiro, produzindo mais do mesmo: uma
cidade com acentuada segregação socioespacial, vazios urbanos expressivos e
periferias com precária infraestrutura. A especulação imobiliária esteve fortemente
presente desde seu nascimento, articulada pelo poder público, desdobrando-se em
uma paisagem urbana peculiar no cerrado brasileiro.

2. Caraterização geral: do plano urbanístico à cidade atual

A implantação da cidade resulta em uma forma urbana alongada no sentido norte-


sul, tendo como limites a Serra do Lajeado a leste e o Lago de Palmas 3 a oeste.
Segundo o GrupoQuatro 4 (1989), a maior pretensão do plano era a integração da
cidade com a natureza “[...] através de um traçado simples e lógico”
(GRUPOQUATRO, 1989, p.2), respeitando os acidentes geográficos naturais. Dos 32
quilômetros de comprimento, o projeto urbanístico ocupou cerca de 15 quilômetros,
deixando suas extremidades norte e sul para futuras expansões. Seu entremeio,
cortado por relevantes cursos d’água que brotam no pé da Serra e deságuam no Lago,
delimitam porções na malha urbana e marcam a paisagem (figura 1).

2 Sobre condiçãomoderna de Palmas, cf. VELASQUES, Ana Beatriz Araújo. A concepção de Palmas (1989) e sua
condição moderna. 2010. 245p. Tese (Doutorado em Urbanismo), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade Federal do Rio de Janeiro – PROURB/UFRJ, Rio de Janeiro, 2010
3 O Lago de Palmas é um alargamento do Rio Tocantins resultante da instalação da Usina Hidrelétrica Luiz
Eduardo Magalhães, concluída em 2002.
4 O plano urbanístico de Palmas é de autoria dos arquitetos Luis Fernando Cruvinel Teixeira e Walfredo Antunes
de Oliveira Filho, sócios-proprietários do escritório GrupoQuatro com sede em Goiânia.

200
Figura 1: Croqui do macrozoneamento do projeto urbanístico de Palmas. Fonte: GRUPOQUATRO.
Plano Diretor de Palmas - TO. Disponível em: <http://www.grupoquatro.com.br/site/>.
Acesso em: 09 mai. 2014.

O elemento definidor do projeto é o sistema viário hierarquizado, ditado por uma


macromalha de largas avenidas em tabuleiro de xadrez que estabelece a estrutura
principal para a distribuição de veículos por toda a cidade. Essas avenidas distam
entre si cerca de 700 metros, abrigando em seu entremeio as unidades de vizinhança
(chamadas de quadras) com aproximadamente 700x700 metros e que, por
conseguinte, abrigam um sistema de vias internas locais e quadras menores
convencionais, formando os bairros residenciais (figura 2).

201
Figura 2: Acima, croqui com demarcação das avenidas estruturantes do projeto de Palmas. Abaixo,
simulação da ocupação. Fonte: GRUPOQUATRO. Plano Diretor de Palmas - TO. Disponível em:
<http://www.grupoquatro.com.br/site/>. Acesso em: 09 mai. 2014.

Um grande eixo central no sentido norte-sul, a Avenida Teotônio Segurado, se


destaca por possuir maior dimensão que as demais e por ter sido previsto maior
adensamento com usos diferenciados em seus lotes lindeiros (figura 3). A leste a
cidade é delimitada pela Rodovia TO-050, a qual faz a ruptura entre a área urbana
e a Serra do Lajeado. A oeste o Lago de Palmas define a orla da cidade.

202
Figura 3: Croqui perspectivado: limites naturais a leste (serra) e a oeste (lago), e verticalização em
vermelho ao longo da Avenida Teotônio Segurado. Fonte: GRUPOQUATRO. Plano Diretor de Palmas -
TO. Disponível em: <http://www.grupoquatro.com.br/site/>. Acesso em: mai. 2014.

A grande área para a ocupação urbana foi definida em três porções. A primeira a ser
ocupada, para a qual foi desenvolvido o projeto urbanístico, teria capacidade de
abrigar até 1.500.000 habitantes que, acrescida de duas áreas de expansão futura
(ao norte e ao sul) passaria para 3.000.000 de habitantes (GRUPOQUATRO, 1989). As
duas expansões futuras não tiveram, a princípio, definições de traçado. Os autores
definiram um plano de ocupação do projeto urbanístico desenvolvido por fases. A
primeira fase de ocupação se daria na região central e conforme ela fosse sendo
ocupada, passar-se-ia à fase seguinte (figura 4).

Figura 4: Plano de ocupação de Palmas por fases, com destaque para a área do projeto urbanístico; a
primeira fase contém o centro cívico e o centro comercial. Fonte: Prefeitura Municipal de Palmas
(2005, p.12).

203
Desde a implantação da cidade, o plano de ocupação foi deturpado duplamente. Em
primeiro lugar, várias quadras em outras fases de ocupação foram disponibilizadas
pelo poder público estadual tanto para alocar os funcionários públicos quanto para
captação de recursos financeiros com sua venda ou troca por implantação de
infraestrutura com empreendedoras. Em segundo lugar, os trabalhadores que vinham
construir a nova capital foram alocados pelo governo estadual em um povoado
existente na expansão sul, chamado de Taquaralto, visando evitar a fixação de
população de baixa renda em Palmas. Esse povoado cresceu rapidamente e, somado
a ele, o próprio governo estadual criou os bairros Jardins Aureny’s, provocando ainda
maior inchaço na região sul, chamada atualmente de ‘Palmas Sul’ (figura 5).

Figura 5: Mapa de evolução da ocupação urbana nos primeiros anos da implantação de Palmas à
esquerda e mapa de densidade urbana à direita. Fonte: Prefeitura Municipal de Palmas (2005).
Adaptado pela autora e por Wanellyse Sousa Menezes.

Como conseqüência, gerou-se duas porções urbanas distintas e contrastantes: Palmas


do plano e Palmas Sul. Segundo dados do IBGE (2010), a região do projeto urbanístico
(que conta com infraestrutura de maior qualidade e maior oferta de emprego),
abriga cerca de 60% da população, enquanto a região sul (com graves carências de
infraestrutura e serviços urbanos) abriga 40% dos habitantes, com tendência à
expansão devido ao menor preço da terra, à aprovação de diversas ZEIS e à
implantação de programas habitacionais para população de baixa renda (figura 6).
Esse quadro gera um movimento pendular diário significativo dos habitantes entre as
duas regiões.

204
Figura 6: Mapa geral das ações da prefeitura frente à política habitacional (destacando locais de
regularizações e implantação de habitação popular) concentradas em Palmas Sul, apresentado na II
Oficina QUAPÁ-SEL Palmas em 2015. Fonte: Secretaria Municipal da Habitação (2015).

A estimativa do plano para 2010 era que 500.000 habitantes estivessem ocupando
apenas as quatro fases da área do projeto urbanístico, porém o IBGE (2017) estimou
atualmente 286.787 habitantes na área urbana do município, a qual é composta por
aquela, somada a Palmas Sul, a expansão sentido norte (mais recente) e a dois
distritos. Segundo Bazolli (2011), há cerca de 9 hab/ha na cidade toda e 34 hab/ha
nas áreas residenciais, acarretando uma dispersão que implica em alto custo de
infraestrutura e serviços públicos e em diluição da esfera de vida pública. Essa
densidade está bem abaixo dos 300 hab/ha previsto pelo plano (figuras 5 e 7).

205
Figura 7: Mapas de densidade urbana à esquerda, em grande parte menos de 80 hab/ha, e mapa de
glebas urbanas não ocupadas à direita, apresentados pela Prefeitura Municipal de Palmas na II
Oficina QUAPÁ-SEL Palmas em 2015. Adaptado por autora e Letícia Bonatto.

2.1 A inserção da cidade no território

Tocantins apresenta uma rede de cidades ainda em consolidação, com fluxos e


dependências especialmente no âmbito da educação e da saúde. Devido ao contexto
histórico de urbanização brasileira, a dinâmica regional do estado é marcada por
grandes distâncias geográficas, baixa densidade populacional e baixo nível de
industrialização.

A implantação da estrutura administrativa da nova capital, por si só, provocou


transformações notáveis na rede urbana. Segundo dados do IBGE, Palmas teve uma
taxa média de crescimento impressionante de 5,21% nos últimos 10 anos, frente aos

206
1,17% de média dos municípios brasileiros, liderando o ranking. Seu crescimento
populacional entre 2016 e 2017 foi de 2,48%, a maior taxa entre as capitais brasileiras
(IBGE, 2017).

Os acessos rodoviários a Palmas se dão no sentido norte-sul pela Rodovia TO-050/010,


interligando-a aos municípios vizinhos de Porto Nacional ao sul e Miracema do
Tocantins ao norte. Ao leste, as ligações viárias se dão pelas Rodovias TO-020,
sentido Aparecida do Rio Negro, e TO-030, articulando-a aos seus dois distritos,
Buritirana e Taquaruçu. A oeste, Palmas se vincula pela rodovia TO-080 a Paraíso do
Tocantins, por meio da Ponte Fernando Henrique Cardoso que transpõe o Rio
Tocantins (figura 8).

Figura 8: Interligações viárias do município de Palmas. Fonte: GEOPALMAS / PREFEITURA MUNICIPAL


DE PALMAS. Arquivos diversos. Disponível em: <http://geo.palmas.to.gov.br/>. Acesso em: jun. 2017.
Adaptado pela autora.

Palmas se situa na margem direita do Rio Tocantins e liga-se diretamente pela ponte
a Luzimangues, distrito de Porto Nacional, localizado na margem esquerda,
estabelecendo articulações relevantes com tal distrito (figura 9). Luzimangues é
considerado um distrito dormitório em franca expansão, uma vez que Porto Nacional

207
tem aprovado sequencialmente vários loteamentos nos últimos anos e seus poucos
moradores (com grande tendência de aumento) buscam emprego e serviços urbanos
em Palmas, gerando movimentos pendulares diários. A dificuldade de planejamento
inicia-se na estrutura político-administrativa, uma vez que pertencem a municípios
diferentes.

Figura 9: Localização dos municípios de Palmas e Porto Nacional e do distrito de Luzimangues.


Fonte: Pinto (2014).

Na sede de Palmas, o desenvolvimento de centralidades urbanas ocorreu consonante


ao processo de estabelecimento da cidade (figura 10). A centralidade principal se
dá no centro cívico e comercial projetado, localizado na primeira fase de
implantação, tendo sido impulsionada pela construção da Praça dos Girassóis com os
edifícios da administração pública estadual, além das infraestruturas e da política
de incentivo à ocupação das quadras comerciais com lotes em comodato. Outra
centralidade importante está na região comercial de Taquaralto ao sul, uma vez que
ela recebeu importante parcela da população desde o início de Palmas. Enquanto
havia ausência de moradores na região do projeto original durante as obras de
implantação da cidade, o comércio em Taquaralto prosperava diante das
necessidades dos trabalhadores e famílias que haviam se instalado ali.

208
Figura 10: Imagem de satélite à esquerda e Mapa Síntese da identificação dos subcentros de Palmas.
Fontes: Google Earth (2018) e Oliveira, Cruz e Pereira (2014, p. 186).

Como o transporte coletivo principal trafegou por muitos anos entre essas duas centralidades
por uma via à leste da Avenida Teotônio Segurado, a porção leste do projeto urbanístico se
consolidou primeiramente, inclusive no centro da cidade (figuras 11 e 12). Com a duplicação
da Avenida Teotônio Segurado e a alteração do sistema do transporte coletivo em 2006 5,
iniciou-se um processo de ocupação da parte oeste da cidade, juntamente com outros
investimentos públicos e privados. Ainda assim, Palmas padece com a difícil consolidação e
articulação de suas centralidades frente à baixa densidade demográfica, às grandes distâncias
e aos vazios urbanos.

5 Em 2006 foi implantando o sistema troncal com linhas alimentadora em Palmas. Um dos eixos principais

passou a circular pela Avenida Teotônio Segurado, mais centralizada na malha urbana, o que possibilitou o
início de desenvolvimento da porção oeste da cidade.

209
Figuras 11 e 12: Diferença de consolidação entre quadras comerciais centrais: na porção leste da
Praça dos Girassóis (imagem à esquerda) e sua “gêmea” a oeste (imagem à direita). Fonte: Acervo da
autora (2015).

2.2 Características gerais: suporte biofísico e morfologia urbana

O município de Palmas é cortado por uma grande Área de Proteção Ambiental (APA
do Lajeado) em um platô elevado, na qual contém um parque estadual, um parque
municipal, duas pequenas reservas particulares de patrimônio natural e um dos
distritos de Palmas (Taquaruçu), famoso por suas cachoeiras e com exploração de
turismo ecológico (figura 13). Tal APA é contornada pela área rural, com um distrito
em seu extremo leste (Buritirana). A sede do município se localiza em sua borda
oeste, entre a APA e o Rio Tocantins. Tal rio obteve um incremento significativo em
sua largura após a construção da Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães em 2001, sendo
conhecido popularmente como Lago de Palmas, onde são desenvolvidas algumas
modalidades de esporte náutico.

210
Figura 13: Macrozoneamento do município de Palmas. Fonte: Fonte: GEOPALMAS / PREFEITURA
MUNICIPAL DE PALMAS. Arquivos diversos. Disponível em: <http://geo.palmas.to.gov.br/>. Acesso
em: 27 jun. 2017.

Segundo o GrupoQuatro (1989), o suporte físico conduziu o projeto urbanístico da


cidade no sentido de respeitar o escoamento de águas pluviais da Serra para o Lago
através das grandes avenidas, e na incorporação dos percursos dos córregos na malha
urbana. Os córregos que cortam a cidade provocaram a adaptação da malha

211
ortogonal com traços orgânicos, evidenciando os contornos que protegem suas águas.
As grandes avenidas teriam o papel de complementação dos corredores verdes
naturais para além de sua função viária, o que de fato tem se consolidado
paulatinamente.

Porém, houve uma subtração de árvores nativas na implantação da cidade, causando


uma redução significativa da densidade arbórea nas avenidas e em espaços públicos
significativos, o que levou a uma dificuldade de recuperação da vegetação que
perdura até os tempos atuais. Um dos remanescentes da vegetação nativa é a Praça
do Bosque, onde se localizou a sede da Prefeitura Municipal até maio de 2013. A
falta de arborização resulta inapropriada para uma cidade com dimensões
exageradas dos espaços livres em um clima de temperatura elevada durante o ano
inteiro.

A região do projeto urbanístico original possui um padrão morfológico que lhe


confere uma característica muito peculiar, resultante do traçado original. As amplas
avenidas ortogonais atribuem uma amplitude espacial e uma organização geométrica
generalizada da paisagem que são rompidas eventualmente pela organicidade das
bordas arborizadas ao longo dos córregos (figura 14). O padrão de construção
horizontal prevalece, inclusive no centro comercial/cívico, mas nos últimos anos os
edifícios verticalizados pontuam de maneira espraiada na região do projeto
urbanístico original, redefinindo o skyline da cidade e atribuindo um aspecto
‘modernizador’ da paisagem de Palmas.

212
Figura 14: Padrão morfológico da área do projeto urbanístico original com as quadras definidas pela
macromalha viária. Fonte: acervo LabQUAPÁ FAUUSP (2015).

Já o padrão morfológico da região sul se assemelha ao de cidades tradicionais


interioranas brasileiras, com um traçado menos pretencioso e uma organização que
vai sendo construída paulatinamente ao longo do tempo por meio de acréscimos
sucessivos de loteamentos (figura 15). Os espaços mais comedidos e aconchegantes
ao percurso dos pedestres sofrem descaso com a falta de qualificação. Os córregos
não foram incorporados devidamente à malha urbana, ora destruídos pelo
aterramento e construções, ora sofrendo invasões irregulares em suas bordas. A falta
de relação entre os cursos d’água e os eixos viários implicou na delimitação
inexistente ou deficiente de seus contornos.

213
Figura 15: Padrão morfológico de Palmas Sul. Fonte: acervo LabQUAPÁ FAUUSP (2015).

2.3 O Sistema de Espaços Livres Públicos

As diretrizes do plano original de Palmas moldaram as características do SEL públicos


na atualidade, sobretudo na região do projeto urbanístico, onde fundamentou-se
claramente quatro categorias: (i) as áreas de preservação ao longo dos rios,
compondo-se com os parques urbanos, (ii) os eixos estruturantes do sistema viário
com seus amplos canteiros e rotatórias, (iii) as áreas de escala gregária para o lazer
no cotidiano (praças de bairro) e (vi) o espaço iconográfico dos centros cívicos
estadual (Praça dos Girassóis) e municipal (Praça do Bosque) (COCOZZA et al. 2009).
Com isso, o projeto da cidade institui uma categorização que procura abranger várias
escalas e funções, se apropriando deste sistema na composição mórfica da cidade e
na articulação urbana.

As áreas de preservação ao longo dos rios formam canais ambientais importantes e,


em alguns pontos, recebem infraestrutura para apropriação pela população. Como
comentado anteriormente, as avenidas possuem também o papel de corredores
verdes que se conectam aos parques, colaborando para amenização do clima e
atração de pássaros. Importante destacar que a implantação da arborização urbana
pelo poder público tem se dado no canteiro central das avenidas desde a implantação

214
da cidade, o que precarizou o sombreamento nas calçadas, nas bordas das vias.
Recentemente, a gestão municipal tem tentado avançar quanto às ações voltadas ao
conforto do pedestre e ciclistas, implantando calçadas, ciclovias e arborização ao
longo de seus percursos. Porém, por ser uma cidade espraiada e segregada
socialmente, essas ações são onerosas e ocorrem de forma lenta e desigual na
cidade.

O parque mais antigo é o Cesamar, localizado na região central da cidade, com boa
infraestrutura e bastante frequentado. Seu potencial paisagístico e bom estado de
conservação implicam em uma valorização imobiliária, o que tem provocado mais
recentemente a construção de edifícios residenciais verticais de alto padrão em seu
entorno. Há o Parque Sussuapara na região norte, próximo a bairros populares de
menor renda, com estrutura extremamente precária e baixa utilização. Em 2017 foi
inaugurado o Parque dos Povos Indígenas na Unidade de Conservação que delimita a
região central da região norte de Palmas, suprindo em parte a carência da região.
Em Palmas Sul, não há nenhum parque significativo implantado.

Palmas possui várias praias nas margens do rio com estrutura de lazer, as quais são
bem frequentadas, mas a maioria de sua orla não está urbanizada. As praias com
melhor infraestrutura e manutenção são as de localização central.

Outros Espaços Livres significativos para práticas sociais, além das praias e parques,
são as praças de bairro (ou no interior das quadras 6), umas mais do que outras,
dependendo de sua inserção urbana. No âmbito do projeto original, seriam os
espaços livres de escala gregária (figura 16). Cada quadra possui basicamente uma
praça em seu miolo, implantada ou prevista, com precária articulação destas com as
bordas das quadras, o que reforça sua característica introspectiva e restringe a
apropriação de seus espaços públicos por pessoas advindas de outras localidades.

6 As quadras seriam simulacros de bairros tradicionais, reiterados e padronizados devido à macromalha


viária,
apresentando-se, teoricamente, como pseudo-bairros com dinâmica semi-independente voltada ao pedestre.
Na prática, essa realidade não tem se consolidado, uma vez que as quadras possuem baixa densidade,
comércio precário ou especializado e pouca atratividade ao pedestre.

215
Figura 16: Croqui propositivo para as quadras. Fonte: Prefeitura Municipal de Palmas (2005, p. 09).

Na região sul, especificamente, a configuração dos bairros proporciona maior


articulação das praças com seu entorno, ampliando a possibilidade de uso pelos
moradores dos bairros vizinhos. Além das praças, as ruas comerciais são importantes
locais de trocas sociais, ao contrário da região do plano urbanístico onde o centro
comercial/cívico não se mescla a uma quantidade significativa de residências e é
extremamente dependente do deslocamento por veículos (OLIVEIRA, 2016) (figura
17).

216
Figura 17: Uso do solo no centro comercial/cívico do projeto urbanístico original (à esquerda) e na
região comercial de Taquaralto em Palmas Sul (à direita). Fonte: Oliveira (2016, p.264 e 270).

Espaços informais também são apropriados, principalmente no período noturno,


pelos food trucks em bolsões de estacionamento, ou ainda pelos “espetinhos’’ em
espaços não edificados e estrategicamente localizados próximos às avenidas. Tais
espaços podem ser lotes que ainda não foram construídos, públicos ou privados,
áreas verdes non aedificandi ou áreas residuais do sistema viário.

Práticas esportivas ao ar livre, como caminhadas, corridas e ciclismo, são


significativas em Palmas. Ocorrem principalmente a noite ao longo de avenidas na
área central, na via de acesso ao aeroporto e no perímetro da Praça dos Girassóis.

A Praça dos Girassóis é o espaço iconográfico mais significativo por, pelo menos, três
motivos: sua dimensão, sua localização e sua função cívica (figura 18). Com 632.184
metros quadrados, abriga estrategicamente o centro cívico estadual, dando-lhe
visibilidade e compondo com as quadras comerciais ao seu redor o centro da cidade.

217
Figura 18: A Praça dos Girassóis ao centro da imagem aérea, interrompendo a Avenida Teotônio
Segurado. Fonte: Acervo LabQUAPÁ FAUUSP (2015).

A área do aeroporto é um Espaço Livre infraestrutural de significativa dimensão


localizado ao sul de Palmas. Seu isolamento se dá por meio do Ribeirão Taquaruçu
Grande, porém isso não tem impedido a expansão urbana, que segue contornando-o
(figura 19).

218
Figura 19: Imagem satélite de Palmas. Fonte: GoogleEarth (2017). Adaptado pela autora.

219
Frente ao cenário de segregação socioespacial e de diferenciação morfológica
evidente entre a área projetada originalmente e as demais ocupações, aquela
consegue manter as características previstas do SEL em seu plano, resguardando a
qualidade ambiental do espaço urbano sob diversos aspectos, enquanto outras
regiões são ocupadas sem as preocupações que nortearam o projeto original da
cidade. A região sul, de ocupação mais antiga e já consolidada, possui uma
quantidade significativamente menor de Espaços Livres públicos e apresenta invasões
em áreas de fragilidade ambiental. Ocupações irregulares estão surgindo nos últimos
anos com certa amplitude ao norte do plano urbanístico, caminhando para uma
consolidação urbana sem os cuidados ambientais pertinentes, sendo
recorrentemente alvo de regularização fundiária (figura 20). Apesar da precariedade
ambiental e urbanística de Palmas Sul, a intensidade das relações sociais que
ocorrem em seus Espaços Livres públicos parece se sobressair à qualidade projetual
de seus espaços (OLIVEIRA, 2016).

Figura 20: Ocupações urbanas ao norte de Palmas, extrapolando o perímetro urbano original
demarcado em vermelho. Fonte: Google Earth (2017). Adaptado pela autora.

220
A Segunda Oficina QUAPÁ-SEL de Palmas (2015) teve como um dos resultados a caracterização
do SEL de Palmas constante no Quadro 1 a seguir.

Quadro 1: Caracterização do SEL de Palmas. Fonte: II Oficina QUAPÁ-SEL de Palmas (2015).

221
*Inserido posteriormente na tabela, o Parque dos Povos Indígenas foi inaugurado em 09/08/2017.

222
3. O papel dos agentes de produção dos espaços livres e edificados

3.1 Principais agentes de produção

Os poderes públicos estadual e municipal foram agentes definidores da produção do


espaço urbano de Palmas desde o nascimento da cidade. A desapropriação das
fazendas para sua implantação foi realizada pelo governo estadual, já que a esfera
municipal ainda era incipiente. Isso levou o Estado a reter áreas por muitos anos e
negociá-las com as empreiteiras para fins de implantação das infraestruturas
principais e consolidação da nova cidade. Além disso, muitos lotes foram doados ou
disponibilizados em concessão para estimular a ocupação urbana. Vários
proprietários, inclusive empreiteiras, deixaram as terras sem ocupação visando à
especulação imobiliária. Com o passar dos anos, frente a estruturação da esfera
municipal e pressões para implantação de equipamentos públicos e programas de
habitação social, o governo estadual doou algumas terras de sua posse para que o
município fizesse sua gestão.

A posse pública da terra proporcionou articulações com a iniciativa privada nem


sempre com interesse público de fato. Silva (2009) enfatiza que a diferença fundiária
de Palmas em relação aos padrões tradicionais de propriedade privada da terra
propicia ganhos econômicos no mercado imobiliário urbano, pois “o poder público
estadual, em Palmas, especula a terra por meio da segregação socioespacial” (SILVA,
2009, p.130).

Como conseqüência, o vetor de expansão se mantém nas extremidades, mantendo a


retenção de terras para a especulação imobiliária na área do plano. Nos últimos anos,
há uma movimentação articulada entre poder público e proprietários de terra
visando a mudança de uso do solo rural para urbano, principalmente ao norte e na
borda leste (entre a cidade e a Serra), justificado pela dificuldade de fiscalização
pelo órgão federal. Há duas categorias de agentes de produção nessa dinâmica: os
loteadores irregulares que vendem lotes para lazer próximos ao Lago ou à Serra e a
ocupação irregular para moradia de baixa renda nas bordas da cidade, que também
gera uma comercialização ilegal (figura 21).

223
Figura 21: Imagem aérea de loteamentos irregulares na beira do Rio Tocantins no extremo norte do
município de Palmas (à esquerda) e mapa destacando loteamentos clandestinos (em amarelo) e
irregulares (em vermelho) apresentado na II Oficina QUAPÁ-SEL Palmas em 2015 (à direita). Fonte:
Google Earth (2017) e Secretaria Municipal da Habitação (2015).

Em palestra na II Oficina QUAPÁ-SEL Palmas (2015), a prefeitura destacou 116 Áreas


Públicas Municipais ocupadas irregularmente e 43 loteamentos irregulares, sendo 36
deles na área rural e 7 na área urbana, dentre os quais 5 estavam em processo de
regularização.

Há tentativas de expansão do perímetro urbano desde 2011 pelos proprietários de


terra que possuem força política e se articulam aos gestores públicos (alguns são
proprietários e ocupam cargos públicos), voltando à pauta na revisão do Plano Diretor
de Palmas em curso, iniciada em 2016. Houve um enfraquecimento dos movimentos
de luta por moradia daquela época para cá, repercutindo em baixa capacidade atual
de resistência quanto à expansão urbana e periferização precária.

Há também ações públicas e privadas na porção oeste da cidade, entre a orla e o


centro. A ocupação dessa região foi mais atrasada em relação à região leste e, mais
recentemente, tem-se realizado vários investimentos para ocupação e valorização
imobiliária da região. No caso do poder público, foram realizados investimentos
viários, como transposição de córregos, abertura de avenidas e implantação de
calçadas, ciclovias e arborização, além de reformas na Praia da Graciosa. Implantou-

224
se nessa região o maior shopping da cidade, uma grande loja de departamentos,
edifícios residenciais de alto padrão e clínicas e hospitais particulares (figura 22).

Figura 22: Evolução de implantação do sistema viário e de equipamentos específicos.


Fonte: Oliveira (2016, p. 170).

Atualmente há um projeto em curso para a urbanização da orla e implantação do


paço municipal nessa mesma região oeste (mais ao sul), onde há um grande vazio
urbano, nos moldes Parceria Público Privada (PPP), justificado pela gestão municipal
pela tentativa de potencialização da ocupação urbana e desenvolvimento de seu
entorno. Não há nenhuma diretriz quanto à oferta de ZEIS ou preocupações sobre a
valorização imobiliária em decorrência de tal investimento. Nas palavras do atual
prefeito Carlos Amastha,

Este será um grande investimento, com estimativa de mais de R$ 10 bilhões, e terá


capacidade para receber 500 mil pessoas, e vai acontecer de forma planejada, em fases,
o que vai provocar o desenvolvimento desta região e sua ocupação. A cidade certamente
terá muitos ganhos com a implantação deste projeto nesta área que hoje se encontra
desabitada (PREFEITURA MUNICIPAL DE PALMAS, 2016).

O poder público continua com articulações junto à iniciativa privada que são
questionáveis aos olhos da função social da propriedade. Segue abaixo o Quadro 2
com síntese dos agentes de produção do espaço urbano elaborado conforme
discussões na II Oficina QUAPÁ-SEL Palmas (2015).

225
Quadro 2: Agentes de produção do espaço urbano de Palmas. Fonte: II Oficina QUAPÁ-SEL Palmas
(2015). Adaptado pela autora (2017).

3.2 Produção dos espaços livres e edificados e impactos da legislação

A lei de uso e ocupação do solo de Palmas nasceu coordenada ao desenho original da


cidade. Já Palmas Sul foi contemplada com uma legislação específica apenas em
2004, mesmo tendo surgido concomitante à área do projeto urbanístico. Tal lei foi
elaborada para regularizar o que já existia.

Em 2007 foi aprovada a revisão do Plano Diretor de Palmas (PALMAS, 2007),


ampliando sua leitura para a área rural, distritos, definições sobre ZEIS e apontando
claramente dois grandes problemas: baixa densidade populacional e acentuada
segregação socioespacial. Um de seus itens foi a determinação de 12 Unidades de
Conservação, porém elas não foram regulamentadas, dificultando a aplicação de
investimentos para o seu manejo (figura 23).

226
Figura 23: Unidades de Conservação de Palmas. Fonte: Fonte: GeoPalmas / Prefeitura Municipal de
Palmas. Arquivos diversos. Disponível em: <http://geo.palmas.to.gov.br/>. Acesso em: 20 jun. 2017.

Como fruto do Plano Diretor, regulamentou-se a cobrança de IPTU progressivo em


2009 e, posteriormente, a Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Mudança de
Uso em 2012. Os desdobramentos práticos se voltaram aos fins arrecadatórios, pois
pouco se tem avançado sobre o acesso à terra bem localizada pelas pessoas de menor
renda e ao incremento da densidade populacional. Ambos os instrumentos não são
aplicados de maneira sistêmica ao planejamento urbano e à política habitacional,
provocando parcelamentos do solo e verticalizações para pessoas de alta renda.

227
A Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Mudança de Uso tem desencadeado
importantes mudanças na paisagem da cidade e também tem gerado polêmica, uma
vez que beneficia o capital com a valorização imobiliária em mudanças de uso do
solo de alguns lotes, além de estar estimulando uma verticalização desenfreada em
edifícios residenciais de alto padrão, sem contrapartidas sociais claras, sem uma
política de habitação concatenada a tal instrumento e sem a exigência de Estudo de
Impacto de Vizinhança ou de saturação da infraestrutura (OLIVEIRA, MENEZES, 2017).

A Política de Habitação Social tem avançado a passos muito lentos (com produção
bem abaixo do necessário) e sem profundidade quanto ao acesso à terra urbanizada
e bem localizada, tendo sido aplicada claramente nas franjas da cidade, tanto para
implantar unidades habitacionais quanto para regularizar invasões dentro e fora do
perímetro urbano.

Há uma fragilidade em relação à legislação de condomínios, o que tem permitido


murar quadras microparceladas e regularizá-las como condomínios fechados,
restringindo o acesso aos espaços públicos. Com isso, acentua-se a característica
urbana de uma cidade fechada por muros ao redor das quadras, que dá as costas
para as avenidas, anulando possibilidades de articulação entre os espaços públicos
intraquadras.

O Ministério Público Estadual apontou vários problemas sobre o processo corrente de


revisão do Plano Diretor quanto à participação popular e ao acesso a informações.
As propostas atuais destacam questões muito diferentes das que haviam sido
apontadas até então, como a permissão da expansão urbana com ocupação
controlada ao norte e a leste da cidade e a mobilidade urbana solucionada pela
implantação do BRT, o qual a prefeitura vem tentando implantar desde 2014, com
questionamentos de viabilidade pelo Ministério Público Federal que levou à
paralisação do processo.

Como comentado anteriormente, há também esforços da gestão municipal atual em


fomentar a urbanização da região sudoeste da região do projeto urbanístico original,
que possui pouca ocupação e é banhada por uma extensa faixa pelo Lago de Palmas,
em parceria com a iniciativa privada. As notícias são que a Prefeitura implantará seu

228
paço municipal e urbanizará a orla, mas sem previsão de contrapartidas sociais
(PREFEITURA MUNICIPAL DE PALMAS, 2016).

Esse quadro tem desencadeando vetores de expansão, pressões imobiliárias por


ocupação, valorização da terra e modificações de usos e de perfil social da
população, provocando modificações substantivas na paisagem de Palmas (figura
24). Importante destacar a força impulsionadora do capital nessas definições e
transformações, seja diretamente no mercado e nas preferências de produção
imobiliária, seja articulada ao Estado para moldar leis e investimentos públicos.

Figura 24: Mapa síntese da II Oficina QUAPÁ-SEL Palmas (2015). Adaptado pela autora e Raíssa Sousa
e Silva (2017).

229
4. O quadro dos espaços livres na constituição dos padrões morfológicos

Palmas possui uma paisagem singular e profundamente marcada pelo projeto


urbanístico e pelo seu contraste com Palmas Sul. No primeiro, o padrão morfológico
é singular, imperativo e de difícil modificação, ao mesmo tempo que colabora para
a reserva de Espaços Livres públicos para futuras gerações. Na escala do pedestre, a
falta de articulação entre quadras é de difícil solução justamente pela
impossibilidade de alteração do padrão morfológico de origem. Já em Palmas Sul e
na expansão norte, o padrão morfológico é menos rígido geometricamente e mais
voltado à escala do pedestre, porém modifica a estrutura ambiental com maior
impacto, acarretando danos ambientais de maior proporção (figuras 25 e 26).

Figura 25: Avenida J.K. no centro de Palmas. Foto: acervo da autora (2015).

Figura 26: Avenida Tocantins em Taquaralto, Palmas Sul. Foto: acervo da autora (2015).

230
A região do projeto urbanístico original apresenta uma amplitude e organização
viária que define certa monumentalidade paisagística, o que não ocorre em Palmas
Sul. Embora ambas as regiões tenham predominância de edificações horizontais, a
do projeto original tem passado por um processo de verticalização que também a
difere de Palmas Sul, atribuindo-lhe ares de ‘modernização’ e de atualização
simbólica da paisagem em relação às demais capitais brasileiras. Não há uma
concentração de edifícios verticais, geralmente presentes em centros urbanos
(antigos ou novos), em contraste aos bairros horizontais. A verticalização é espalhada
e rarefeita, compondo-se com padrões horizontais. Isso se deve, dentre outras
coisas, aos desenhos internos das quadras que conjugam lotes uni e multifamiliares
(figura 27).

Figura 27: Skyline da área do projeto urbanístico original de Palmas com a Serra ao fundo.
Fonte: acervo de Yasmine Nery Gonçalves (2018).

Grandes equipamentos com significativos Espaços Livres privados geralmente se


instalam na região do projeto urbanístico de Palmas e se adequam à macro malha
viária. É o caso dos dois shoppings centers de Palmas, que se situam na região central
em quadras moldadas previamente pelo desenho original da cidade. A oferta de
grandes lotes desocupados combinada à pré-determinação do desenho urbano
acabaram por colaborar com a não periferização dessa tipologia construtiva. Os
shoppings tem provocado a valorização imobiliária de seu entorno, mas poucas
transformações da paisagem pré-estabelecida pelo plano (figuras 28 e 29).

231
Figura 28: O Palmas Shopping inserido em uma quadra de comércio e serviços. Fonte: acervo
LabQUAPÁ FAUUSP (2015).

Figura 29: O Shopping Capim Dourado, à direita na imagem, incorporado à macromalha viária do
projeto original. Fonte: acervo LabQUAPÁ FAUUSP (2015).

232
Os loteamentos fechados são padrões morfológicos recorrentes nas regiões
periféricas das capitais brasileiras e em cidades de grande e médio portes,
impactando significativamente em suas paisagens. Em Palmas, esses padrões foram
acomodados na macromalha viária, adaptando-se ao desenho estipulado (figura 30).

Figura 30: Condomínio fechado inserido na macromalha viária, configurando-se como uma quadra
com perímetro murado. Fonte: acervo LabQUAPÁ FAUUSP (2015).

Há também loteamentos fechados periféricos em regiões predominantemente rurais,


porém ainda são de pequeno vulto. Há de se destacar uma tendência de aumento
desse padrão morfológico em área rural, regulares ou não, transformando a relação
campo-cidade com condomínios para moradia ou veraneio, sobretudo nas margens
do Lago de Palmas e próximos à Serra (figura 31).

233
Figura 31: Loteamento fechado de alto padrão à esquerda da imagem, na área de expansão norte de
Palmas, à beira do Lago e ao lado de uma Estação de Tratamento de Esgotos. Fonte: acervo
LabQUAPÁ FAUUSP (2015).

O Lago de Palmas demarca a paisagem e é aspiração para o lazer e contemplação,


induzindo transformações em sua orla, principalmente quanto à verticalização. A
serra também tem ocupado espaço no desejo e na memória do palmense, provocando
apropriações e assentamentos irregulares ao seu redor.

A qualidade ambiental se vê ameaçada pela expansão urbana em área rural e em


áreas de proteção ambiental no entorno de Palmas, pois faltam ações efetivas para
se ocupar e densificar a área urbana, a qual já sofreu impactos pela implantação de
infraestruturas, mas está aquém da sua capacidade de ocupação. A consolidação da
cidade se faz lenta enquanto a transformação nas bordas da cidade se acelera a cada
ano, provocando um espraiamento exagerado que desfigura a intenção projetual
original.

234
5. Considerações finais

Palmas tem duas peculiaridades a serem destacadas: (i) ter nascido a partir de um
plano urbanístico de ampla abordagem em um momento histórico recente,
considerando-se o avanço do capitalismo e da globalização no Brasil, e em um
período de existência de análises e críticas intelectuais sobre exemplos anteriores
de novas capitais e amplas produções científicas na área do urbanismo; (ii) das terras
terem sido desapropriadas visando maior controle do Estado sobre a produção do
espaço urbano, o que teoricamente minimizaria a especulação imobiliária que gera
a segregação socioespacial e implica em mazelas urbanas, porém o efeito foi seu
inverso.

A gestão pública tem um papel extremamente vigoroso e contraditório na produção


do espaço urbano de Palmas. Ela se articula ao capital para produzir a cidade, com
legislações e projetos de grandes proporções como o BRT, o paço municipal e a
urbanização da orla em área de baixa ocupação, acarretando uma valorização de
localizações sem a definição de contrapartidas sociais para recuperação e
redistribuição da mais-valia. A política de combate à segregação socioespacial é
precária e teve poucos avanços. Os custos de infraestrutura são altíssimos devido à
baixa densidade e extensão exagerada da área urbana, repercutindo na
precariedade da oferta de serviços públicos. Mesmo assim, a prefeitura se apóia na
possibilidade da expansão urbana juntamente aos interesses privados, ainda que isso
amplie suas obrigações em oferecer infraestrutura e serviços e, consequentemente,
aumente os gastos públicos, dificultando a consolidação da cidade e provocando
alterações em seu padrão morfológico.

A conjugação entre um traçado urbano imperativo, marcante, e um processo de


produção e ocupação urbana complexo e conflituoso moldam a paisagem de Palmas
de maneira singular, retratando tramas da dialética entre sistema de objetos e
sistema de ações 7.

7
Sobre sistema de objetos e sistema de ações, cf. Santos, Milton. (1996). A natureza do espaço: técnica e tempo,
razão e emoção. 4.ed. 7.reimp. São Paulo: Edusp, 2012b. 392p. (Coleção Milton Santos, 1).

235
Referências

BAZOLLI, João Aparecido. A dialética da expansão urbana de Palmas-TO. Minha


Cidade/Vitruvius. Ano 12, out. 2011. Disponível em: <https://goo.gl/KsTF6y>.
Acesso em: 12 abr. 2012.

COCOZZA, Glauco de Paula; OLIVEIRA, Lucimara Albieri; SANTIAGO, Artur Alvarenga;


SOUSA, Diego de Araújo; COELHO, Joanice Silva. Palmas: por um sistema de espaços
livres. Revista Paisagem e Ambiente: ensaios, São Paulo, n.26, p. 73-87, 2009.

GRUPOQUATRO. Memorial do projeto da capital do estado do Tocantins:


Palmas/Plano Básico. Goiânia, 1989 (Mimeo).

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTAGÍSTICA – IBGE. Disponível em:


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236
ESPAÇOS LIVRES E FORMA URBANA NO RIO DE JANEIRO:
contrastes e contradições do processo de estruturação do espaço e da paisagem

MOREIRA, Mariana V.(1); MENDONÇA, Bruno R.(2); AMORIM, Marco B.(3); FLANDES,
Alain L. (4); FERNANDEZ, Flora O. (5); OLIVEIRA, Carla G. (6); PAULA, Aydam de (7);
VIANNA, Camila C. (8); CARDEMAN, Rogerio G. (9); TÂNGARI, Vera R. (10)

(1) PROARQ-UFRJ; mestranda; Rio de Janeiro/RJ; mvalicente@gmail.com;


(2) PROARQ-UFRJ; mestrando; Rio de Janeiro/RJ; brunoragiarq@gmail.com;
(3) PROARQ-UFRJ; mestrando; Rio de Janeiro/RJ; blancodeamorim@gmail.com;
(4) PROARQ-UFRJ; mestrando; Rio de Janeiro/RJ; alflandes@gmail.com;
(5) PROURB-UFRJ, mestranda; Rio de Janeiro/RJ; flora.fernandez@gmail.com;
(6) PROURB-UFRJ, mestre; Rio de Janeiro/RJ; cgvo2000@gmail.com;
(7) SEL/RJ-PROARQ, arquiteto; Rio de Janeiro/RJ; aydamdepaula@gmail.com;
(8) SEL/RJ-PROARQ, arquiteta; Rio de Janeiro/RJ; camcva@gmail.com;
(9) PROARQ-UFRJ; pesquisador; Rio de Janeiro/RJ; rcardeman@gmail.com;
(10)PROARQ-FAU/UFRJ; docente; Rio de Janeiro/RJ; vtangari@uol.com.br;

Introdução

Ocupando uma superfície de 1.199,828 km2, com uma população de 6.320.446


habitantes e uma densidade bruta de 53 hab/ha em 2010, segundo IBGE (IBGE, 2011),
o município do Rio de Janeiro é sede da Região Metropolitana do Rio de Janeiro
(RMRJ), que contava, em 2010, com 11.808.021 habitantes, 74% da população do
Estado do Rio de Janeiro e 6% da população brasileira. Em termos de perímetro
urbano, seu território está totalmente inserido em zona urbana, não apresentando
zona rural. O Município é conurbado de oeste a leste com os municípios de Itaguaí,
Nova Iguaçu, Mesquita, Nilópolis, São João de Meriti e Duque de Caxias. É separada
pela Baía da Guanabara dos outros municípios que compõem a região: Niterói e São
Gonçalo (Figura 1).

Tem a ocupação de seu território caracterizada por uma urbanização compacta,


entremeada por unidades de conservação do domínio montanhoso (Maciços da Tijuca
e Pedra Branca) e lagunar (Lagoas Rodrigo de Freitas, Tijuca, Camorim e Marapendi)
e limitadas pelo Oceano Atlântico e baías de Guanabara e Sepetiba. Seu território se
configura por setores urbanos com graus diversificados de consolidação, padrões
distintos de ocupação e de densidade construída e algumas regiões reservadas para
expansão. Apresenta renda concentrada nas populações que se localizam em
determinados setores da cidade (sul, sudeste, sudoeste e na área central), onde
estão situados os bairros residenciais com maior valor imobiliário do solo. As rendas
médias se distribuem pelas regiões a norte e nordeste, com menores rendas a
noroeste e oeste (Figuras 2 e 3).

Figura 1: Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Fonte: CEPERJ, 2014.

Figura 2: Renda da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.


Fonte: Jonathas Magalhães Pereira da Silva, 2015.

238
Figura 3: Renda do Município do Rio de Janeiro . Fonte: Jonathas Magalhães Pereira da Silva, 2015.

As conexões viárias são condicionadas às condições de relevo conformando-se às


planícies costeiras e de fundos de vale ou aos terrenos resultantes de aterros.
Apresentam também túneis que interligam os setores isolados pelos maciços
montanhosos. Além dos túneis, as conexões transversais atravessam encostas e
interligam os diversos setores urbanos através de vias de circulação expressa. As
centralidades, objeto de pesquisa do Grupo SEL-RJ, se concentram ao longo dos eixos
viários principais, que apresentam a maior concentração de comércio, serviços e
atividades industriais. As ocupações residenciais se concentram nos miolos de tecidos
urbanos, segregados por renda e condições de valorização do solo urbano. De forma
geral, a cidade apresenta uma mancha urbana descontínua, limitada a norte por
cadeia de morros que pertencem a Serra do Mar, e a sul e leste, pelo Oceano
Atlântico e Baía da Guanabara.

A mancha urbana é entrecortada por maciços montanhosos florestados (Tijuca e


Pedra Branca) e é definida por uma área central, situada a partir da localização do
porto junto a Baía da Guanabara, e de setores urbanos que se desenvolvem ora
margeando a Baía e o Oceano, a nordeste, sudeste e sudoeste, ora se espraiando em
planícies costeiras e fundos de vale entre maciços, a oeste e noroeste. Tem como

239
principais vetores de crescimento vias urbanas que circundam os maciços e, em
alguns bairros, os cruzam, interligando-se a rodovias na direção do Estado de São
Paulo, a oeste, na direção do interior do Estado do Rio de Janeiro, a nordeste, e na
direção da orla litorânea de Niterói, a leste. As áreas de expansão localizam-se a
oeste, noroeste e nordeste, impulsionadas por investimentos representados por
complexos industriais (COMPERJ, CSA), portuários (Porto de Itaguaí) e de transportes
(Arco Metropolitano e vias urbanas expressas para transporte em ônibus-BRT).

A mancha urbana se distribui de forma diferenciada nos setores descritos acima e


apresenta distintos tecidos e densidades. Devido às condições do suporte físico, as
áreas planas são compostas em diversas situações de solo arenoso e brejoso e são
resultantes, em determinadas situações, de solos muito transformados por
desmontes e aterros. São ocupadas, de forma geral, de forma intensiva, com tecidos
diferenciados, e usos mistos, devido a distintos índices de valorização do solo e a
normas urbanísticas.

Os itens a seguir apresentam o cruzamento entre as condições de relevo, mobilidade


urbana, padrões morfológicos e valorização do solo, descritas de forma geral
anteriormente, com os objetos de análise do QUAPÁ-SEL.

Agentes e a produção do espaço urbano

A urbanização é uma das ações antrópicas que geram maiores impactos ambientais,
principalmente em grandes metrópoles e especialmente devido às consequências
advindas das mudanças geradas pela ocupação e uso do solo urbano. Na cidade do
Rio de Janeiro, a avaliação do incremento de domicílios e pessoas no período entre
os anos 2000 a 2010, demonstra que a população teve um crescimento de
aproximadamente 8% (IBGE, 2011). Em contrapartida, no mesmo período, o
incremento de domicílios foi consideravelmente mais acelerado, chegando à marca
de 18,7%. Ao analisarmos esses dados percebe-se uma discrepância da relação
extensão territorial versus incremento populacional. Chega-se então à conclusão de
que a cidade comportou, na década analisada, um número de 337.780 novos
domicílios distribuídos ao longo de seu território.

240
Dessa forma, o mapeamento realizado pelo Grupo de Trabalho 1 durante a Oficina
QUAPÁ-SEL é uma tentativa de compreender a maneira com que essa dinâmica de
ocupação e apropriação do solo acontece, quem são os principais agentes
responsáveis pela produção do espaço urbano, quais os produtos gerados e os
montantes de investimentos gastos por esses agentes. Esses atores materializam no
espaço os processos e os fenômenos sociais no local onde atuam. A grande
preocupação em torno dessa questão é a resultante fragmentação urbana causada
por esse processo desarticulado, que acarreta o aumento dos custos de implantação
e operação de serviços e infraestrutura, inviabilizando-os ou tornando-os
ineficientes, comprometendo a sustentabilidade. Apesar desta característica local,
o que se observa é a gradativa ocupação das áreas “intermediárias” de forma não
planejada, acarretando novos problemas urbanos e ambientais. O mapa síntese
elaborado (Figura 4) demonstra as intervenções realizadas e a distribuição espacial
dos agentes, que são confrontadas com as informações existentes de suportes físico,
social e ambiental.

Figura 4: Principais investimentos e seus agentes públicos e privados no Município do Rio de Janeiro.
Fonte: Participantes do Grupo Agentes de Produção do Espaço Urbano, 2016

241
Através dessa análise e do entendimento de atividades complexas como a gestão e o
planejamento do território e sua ocupação, é possível chegar a algumas observações.

Apesar de a zona oeste estar localizada segundo parâmetros do Plano Diretor, na


Macrozona de Ocupação Condicionada, com restrições à ocupação devido a seu
caráter de fragilidade ambiental e com limitações de infraestrutura, conseguimos
perceber a grande incidência de investimentos de agentes públicos nos bairros aí
localizados, principalmente em mobilidade urbana, demonstrando a
intencionalidade de expansão para áreas ambientalmente sensíveis. Isso pode ser
justificado pela grande oferta de grandes áreas passíveis de parcelamento, gerando
interesse do mercado imobiliário.

Entre esses investimentos públicos temos a implantação do BRT (Bus Rapid Tansit),
Programa Minha Casa Minha Vida faixa 1 (responsabilidade do governo federal), além
de obras estruturantes para os megaeventos sediados na cidade. Com relação aos
investimentos privados, eles se distribuem na zona oeste e norte, primordialmente.

Na zona norte, contida na Macrozona de Ocupação Incentivada, há interesse pelo


poder público municipal de consolidação da ocupação e aproveitamento da
infraestrutura existente. Entre esses investimentos privados temos, em sua maioria,
empreendimentos imobiliários condominiais, residenciais, de comércio e serviços.
Um dos principais eixos economicamente estruturantes da cidade, portanto, está
localizado na zona norte, centro e zona sul, porém o que mais recebeu investimentos
públicos e privados foi a zona oeste, demonstrando a intencionalidade e
potencialidade de consolidação desse fator apesar de suas explícitas limitações
infraestruturais e ambientais.

Somente ao conhecer os desequilíbrios e as reais problemáticas presentes no tecido


urbano, será possível propor diretrizes de planejamento e gestão do território que
busquem soluções sistêmicas através de intervenções bem distribuídas no solo
urbano.

Padrões e Tipos Morfológicos

Para Argan o tipo seria a redução de uma série de variantes formais a uma suposta
estrutura comum (ARGAN, apud NESBITT, 2006), também definida por outros autores

242
como um padrão (TÂNGARI, 1999). Porém estas variantes formais podem representar
diversos aspectos, podendo-se separá-las por uso, forma, gabarito, ocupação do solo,
dentre outros aspectos. Nessa direção, Habraken afirma que para o estudo tipológico
é necessário sempre a eleição de um tema (HABRAKEN, 1998).

Para a oficina em debate, este tema foi definido pelo estudo realizado previamente
pelo laboratório QUAPÁ-SEL da FAUUSP, que estipulou os tipos pela leitura do bloco
urbano levando em conta a relação entre a volumetria, o parcelamento e os espaços
livres intra-quadra (Figura 5 a 12). Os tipos identificados são variações de padrões
pré-estabelecidos e são exemplificados em imagens de sobrevoo produzidas durante
a oficina.

Figura 5: Volumetria construída-Município do Rio de Janeiro. Fonte: QUAPÁ-SEL-FAUUSP, 2016.

243
Figura 6: Padrão horizontal/Tipo Horizontal 1: edificações horizontais, construídas em conjunto, com
um mesmo partido arquitetônico e, produzidas ao mesmo tempo, e separadas do seu entorno
imediato por muro e portarias, com uso residencial, comercial, industrial ou misto. Fonte: QUAPÁ-
SEL-FAUUSP, 2016

Figura 7: Padrão horizontal/Tipo Horizontal 2: o parcelamento da quadra em lotes não é expressivo


em termos de quantidade, sendo parcelada em poucos lotes, de grandes dimensões ou mesmo se
constituindo em um único lote. Fonte: QUAPÁ-SEL-FAUUSP, 2016

Figura 8: Padrão vertical/Tipo torre: configuração comum na grande e média cidade brasileira
contemporânea caracterizada pelo predomínio de construções com mais de quatro andares, de
funções diversas. Fonte: QUAPÁ-SEL-FAUUSP, 2016.

Figura 9: Padrão misto-tipo vertical/ horizontal: contido em quadras cujos lotes são ocupados por
diferentes tipos e portes de edificações, de prédios de apartamentos e escritórios, até casas térreas,

244
sobrados, lojas, vilas de pequeno porte, etc. sem nenhum predomínio aparente. Fonte: QUAPÁ-SEL-
FAUUSP, 2016

Figura 10: Padrão conjunto habitacional/Tipo bloco vertical: gerado tanto pela iniciativa privada
como pelo Poder Público, com implantação de edifícios com cerca de 4 ou 5 pavimentos, com
repetição de volumetria construída e disposição regular dos volumes. Fonte: QUAPÁ-SEL-FAUUSP,
2016.

Figura 11: Padrão condomínio/Tipo vertical: contendo duas ou mais torres residenciais, comerciais
ou de serviços, dispostas em terreno de grande porte isolado do tecido ao redor por muros e no
geral com não mais de dois acessos. Fonte: QUAPÁ-SEL-FAUUSP, 2016.

Figura 12: Padrão encrave tipo vertical/ horizontal: corresponde a um trecho de território urbano,
que pela sua dimensão equivale a áreas de diversas quadras tradicionais (adota-se como dimensão
padrão da quadra urbana 10.000m²). Sempre será uma porção do território da cidade que propicia
tipos diferentes de descontinuidade do tecido urbano ou da malha viária do entorno. Fonte: QUAPÁ-
SEL-FAUUSP, 2016.

Com base neste mapeamento, durante a Oficina foi elaborado um mapeamento


preliminar dos tipos encontrados com os temas descritos acima (Figura 13), tendo
ao final um mapa síntese (Figura 15): as manchas amarelas representam o Padrão
horizontal/Tipos 1 e 2 (Figuras 6 e 7); a cor roxa representa o Padrão misto-tipo
vertical/ horizontal (Figura 9); a cor azul representa o Padrão vertical/Tipo torre
(Figura 8); a cor vermelha representa Padrão encrave tipo vertical/horizontal

245
(Figura 12); a cor verde representa os maciços montanhosos (Maciços da Tijuca, da
Pedra Branca e de Gericinó). Os desenhos de perfil e diagrama (Figuras 14 e 15)
auxiliam no entendimento da morfologia nesse escala de análise, complementando
o mapa síntese.

Figura 13: Mapa Morfologia Urbana.


Fonte: Grupo de Trabalho Padrões Morfológicos-SEL-RJ, 2016

A síntese elaborada inclui o resumo dos padrões morfológicos com a análise de uma
possível tendência de expansão e retração destes (Figura 15). As cores azul e roxa
representam os tecidos urbanos mais verticalizados (basicamente o centro, a zona
sul e a zona norte) e sua tendência de ocupação nos perímetros do Parque da Tijuca
e na região das Vargens e algumas áreas da Baixada Fluminense. A cor amarela
representa os tecidos urbanos menos verticalizados (basicamente a Baixada
Fluminese e a zona oeste) enquanto a cor vermelha representa os encraves urbanos
de maior tamanho (a área do aeroporto do Galeão, a área do Exército em Realengo
e Guaratiba e o Porto de Santa Cruz).

246
Figuras 14 e 15 – Perfil e diagrama sínteses da análise de morfologia urbana.
Fonte: Grupo de Trabalho Padrões Morfológicos-SEL-RJ, 2016

Sistema de espaços livres

O mapa síntese apresentado na Figura 16 foi elaborado durante a oficina a partir da


leitura dos mapas produzidos pelo Laboratório QUAPÁ-SEL que identificou e
contabilizou (Quadro 1) os espaços não edificados como vias, parques, praças,
praias, rios, florestas, vazios urbanos, quintais, ruas, Unidades de Conservação,
dentre os mais importantes.

247
Figura 16: Mapa síntese dos Espaços Livres Públicos.
Fonte: Grupo de Trabalho Espaços Livres/SEL-RJ, 2016

Conforme discutido anteriormente, o Município do Rio de Janeiro é atravessado por


três maciços, Pedra Branca, Tijuca e Gericinó, que dividem o território em três
bacias hidrográficas: Baía de Sepetiba, Baía de Guanabara, Baía Oceânica (Figura
17). Esta estrutura física tem um papel significativo na ocupação sócio espacial do
Rio de Janeiro, sendo que a população mais rica se encontra nas bacias que desaguam
no Oceano Atlântico. Consequentemente os investimentos e as diferentes ofertas de
espaços livres também se distinguem ao longo do território.

248
Figura 17: Maciços montanhosos e matas (cor verde) e áreas consolidadas (cor marrom).
Fonte: QUAPÁ-SEL e SEL-RJ, 2016

De forma, a partir da análise realizada nos mapas produzidos pelo Laboratório


QUAPÁ-SEL e pelo Grupo SEL-RJ, o território foi dividido em oito unidades que
possuem problemáticas e potenciais diferentes em relação aos espaços livres (Figura
18):

Figura 18: Unidades de análise quanto à distribuição de espaços livres. Fonte: SEL-RJ, 2016

249
1. Centro/ Tijuca: tecido consolidado, com média/alta densidade, com uma
oferta de parques urbanos maior do que nas outras áreas. A área sofreu
grandes intervenções hídricas de canalização. Há potencial de requalificação
dos corpos hídricos.

2. Caju/Bonsucesso/Penha: tecido consolidado com média/alta densidade


populacional. Déficit de espaços livres para a população. Tem uma
concentração de lotes industriais que já não são utilizados.

3. Ilha do Governador: território insular, parcialmente ocupado por espaços


livres de uso dominial, parcialmente ocupado por tecido consolidado, com
média densidade populacional. Com relação aos espaços livres públicos,
apresenta uma oferta considerável de espaços livres, porém mal aproveitada,
sendo a requalificação destes espaços uma diretriz de intervenção.

4. Bangu/Realengo/Acari/Pavuna/Madureira: área consolidada, de alta


densidade populacional. A demanda de espaços de lazer e a falta de espaços
livres na malha urbana fazem com que a alternativa por atividades de lazer
se concentre em áreas desmatadas das encostas das maciços. Há demanda por
parques urbanos e requalificação das praças existentes.

5. Sepetiba/Guaratiba/Bangu/Campo Grande/Santa Cruz: apresenta um tecido


pouco consolidado, com baixa densidade populacional. O sistema de espaços
livres atende a uma demanda do lazer diário, principalmente em Campo
Grande, com uma concentração de praças maior do que na Zona Sul. Porém
não há oferta de parques urbanos. Nesta região, há grande potencial de se
desenvolver mecanismos de forma que os sistemas de espaços livres estejam
mais presentes como estruturadores no planejamento urbano.

6. Jacarepaguá: região com baixa densidade populacional e tecido consolidado,


com um padrão de renda médio/baixo. Apresenta uma grande oferta de
praças. Encontra-se entre os Maciços da Pedra Branca e Tijuca, com potencial
de áreas de lazer nas bordas dos maciços.

7. Barra da Tijuca/Recreio dos Bandeirantes: tecido em processo de


consolidação, com baixa densidade populacional, com alto padrão de renda.

250
Possui uma organização diferente com uma concentração de praças menor,
porém um número de parques considerável. A orla marítima se configura como
um grande estruturador do sistema de espaços livres.

8. Bairros da zona sul: tecido urbano consolidado, com alta densidade


populacional e elevado padrão de renda. Possui uma oferta generosa de
praças, parques urbanos e parques naturais. A orla marítima é um grande
elemento estruturador desta área, sendo necessárias manutenção e
requalificação em alguns pontos.

Quadro 1: Distribuição de espaços livres públicos por unidade de análise – Fonte: Fonte: QUAPÁ-SEL
e SEL-RJ, 2016.

A partir da análise dos mapas e tabelas foi possível realizar uma aproximação à escala
da cidade, e o melhor entendimento da distribuição dos espaços livres públicos no
Rio de Janeiro. Foi possível visualizar diretrizes na macro-escala urbana para o
planejamento de intervenções no sistema de espaços livres considerando as

251
necessidades, os problemas e as potencialidades de cada unidade de análise
observada.

Legislação Urbana

A legislação urbanística no Município do Rio de Janeiro é um dos elementos que


influencia diretamente na produção da paisagem urbana, assumindo um importante
papel na estruturação, qualificação e na dinâmica da cidade. A paisagem da cidade
sempre foi um reflexo direto das legislações urbanísticas: desde o final do século
XIX, com a entrada em vigor de parâmetros edilícios que tinham como objetivo a
melhoria das condições sanitárias das edificações, passando pelo século XX, com os
diversos momentos políticos da cidade e do Brasil que refletiram diretamente na
produção da paisagem urbana da cidade, chegando às duas primeiras décadas do
século XXI onde instrumentos do estatuto das cidades começam a surgir na legislação
urbana. (CARDEMAN e CARDEMAN, 2004).

Outro fator que influenciou na transformação e na construção de uma paisagem


urbana distinta da maioria das cidades brasileiras foi o perfil fundiário, com o
tradicional traçado colonial português com lotes estreitos e profundos onde se
construíram edificações encostadas umas as outras forjando um modelo que se
perpetuou na cidade onde, mesmo se alterando as legislações edilícias, o perfil
fundiário se manteve.

Planos diretores e demais figuras de lei oferecem um rico material que expressa a
leitura espacial do território municipal, onde se inscrevem os espaços livres de
edificação. A compreensão dos diferentes conceitos e parâmetros utilizados nessas
figuras de lei refletem uma forma de pensar e modelar a cidade, com repercussões
diretas e práticas na vida cotidiana (REGO et al., 2008).

As análises feitas pelo Grupo de Trabalho Legislação, dentro da Oficina QUAPÁ-SEL,


buscou entender como tais conceitos e parâmetros urbanísticos estão de fato
traduzindo uma modelagem da forma urbana, bem como respondendo aos aspectos
ambientais de cada região. Nesse sentido o grupo destacou dentro do território da
cidade algumas regiões que representam, através de suas legislações edilícias, o
perfil de suas paisagens. Sabe-se que a produção do espaço urbano é múltipla e em
constante transformação. As diretrizes e prioridades do Estado, que detém o
252
controle normativo para sua construção física, deveriam atender às demandas
específicas de cada caso, levando em consideração seu desenvolvimento
socioambiental.

CRITÉRIOS E MÉTODOS DE ANÁLISE E SIMULAÇÕES

O estudo levou em consideração a compartimentação do território segundo o


planejamento administrativo do Município que é dividido, desde 1977, em cinco
Áreas de Planejamento. Tendo com parâmetro o zoneamento predominante de cada
trecho escolhido, foi possível analisar a dinâmica de ocupação da cidade e identificar
padrões tipológicos, descritos anteriormente, além de possibilitar o questionamento
sobre a eficiência do controle do Estado (Figura 19).

Figura 19: Mapa com destaque as áreas mais representativas do território e seus principais
parâmetros urbanísticos. Fonte: QUAPÁ-SEL e SEL-RJ, 2016.

Como metodologia de análise, estudaram-se algumas quadras-tipo mais


representativas de cada área urbana selecionada, levantando dados sobre a
capacidade máxima construtiva permitida. Os índices utilizados levantados para
cada área foram: Área de Planejamento (AP), Região Administrativa (RA),
Zoneamento, Gabarito, Afastamento frontal, Taxa de ocupação, Taxa de
Permeabilidade, Índice de Aproveitamento Máximo (IAA). Também foi identificado
se o padrão edilício era vertical ou horizontal além da permissão de embasamento
253
para garagem. Para estas áreas selecionadas foram feitas simulações edilícias que
permitiram entender como a legislação reflete na paisagem em cada área analisada
(Quadro 2).

As simulações usaram como parâmetro quadras de 100x100m em áreas próximas aos


eixos viários de grande porte, com estruturas urbanas distintas: Porto Maravilha,
Engenhão, Parque Madureira, Av. Brasil, Parque Olímpico, Vargens, Santa Cruz.

Para fins de comparação, estabeleceram-se como critério unificado em todos os


trechos as tipologias residenciais. Para a região de Santa Cruz, foram realizadas duas
simulações, sendo uma com padrão residencial e a outra para a tipologia do Programa
Minha Casa Minha Vida, esta última devido à grande incidência de empreendimentos
na região.

A seguir apresentaremos o Quadro 2 com o resumo de cada simulação onde constam


os parâmetros edilícios, já destacados anteriormente, e uma volumetria para uma
quadra de 100 x 100 metros. O quadro de simulações e parâmetros edilícios
estudados exemplificam como poderá transformar o tecido urbano em diversas
regiões urbanas do Município.

254
255
Quadro 2: Simulações urbanísticas . Fonte: QUAPÁ-SEL e SEL-RJ, 2016

A paisagem urbana da cidade do Rio de Janeiro apresenta um mosaico bastante


complexo, visto sua topografia, distribuição de renda e infraestrutura, conforme
discutido anteriormente. Esta característica é reforçada pela legislação urbanística
quando analisamos o Decreto 322/1976, que tem em seus parâmetros edilícios uma
clara associação à topografia, estabelecendo relações entre gabarito e cota de nível
do mar.

Cabe destacar que os mecanismos propostos no Estatuto das Cidades também vêm
sendo cada vez mais utilizados. A região do Porto Maravilha, nesse contexto, se
coloca como um excelente estudo de caso de emprego desses instrumentos e, apesar
256
de a região necessitar uma análise mais aprofundada ao longo do tempo, para que
se verifique a real eficácia na prática desses parâmetros, pode-se dizer que há
potencial de recuperação da ‘mais valia’ do solo frente aos investimentos feitos em
obras públicas, caso o poder público municipal estabeleça um controle efetivo dos
mecanismos previstos.

Entretanto, a aplicação dos parâmetros urbanísticos conforme apresentada através


das simulações revela afastamento da questão ambiental devido às altas taxas de
ocupação do lote e ineficiência do controle de órgãos específicos. Os tipos edilícios
previstos indicam uma elevada incidência de impermeabilização do solo no
aproveitamento dos espaços livres intraquadra. As novas posturas da legislação
estabelecem a taxa de permeabilidade em lote privado o que vem se mostrando
insuficiente pela ineficácia de controle desta condição após a ocupação dos lotes.

Os novos planos urbanísticos e suas legislações carecem de um maior


aprofundamento quanto ao seu impacto na ocupação do território que poderia ser
abordado com a aplicação de alternativas de desenho urbano anterior às ocupações,
sendo possível determinar as áreas públicas, permeáveis e de proteção ambiental
antes de sua edificação. Acreditamos que a dimensão ambiental da legislação
poderia ser melhor aplicada, tanto em termos de eficiência quanto em termos de
controle e fiscalização, nos espaços livres públicos. Praças, parques, orlas fluviais,
áreas de preservação permanente (APPs) e infraestruturas viárias atenderiam melhor
aos índices se associadas a infraestruturas verdes e azuis respondendo a questões
como inundação, conectividade biológica e controle microclimático.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Devido à histórica pressão por ocupação de setores com elevado índice de valorização
da terra urbana, localizados em áreas servidas por infraestrutura e dotadas de
investimentos públicos em transporte, saneamento e serviços, foram crescentes as
pressões pela alteração de parâmetros da legislação urbanística, especialmente na
direção de investimentos em mobilidade urbana, em locais disponíveis à urbanização
por preços acessíveis ao mercado.

Além de revisões no Plano Diretor, sendo a última aprovada em 2011, foram


promulgados diversos Planos de Estruturação Urbana para setores urbanos
257
específicos da cidade, visando a regulamentação urbanística condicionada às
características locais de cada setor. A partir da década de 1980, junto a esses planos
locais para conjunto de bairros da cidade, convivem um zoneamento municipal geral
em vigor desde 1976 (Decreto 322) e algumas normas específicas de cunho federal
(lei de loteamento e parcelamento) e estadual (leis de proteção ambiental).

A superposição dessas sucessivas alterações normativas, condicionada pela valoração


seletiva do solo urbano, pelos processos históricos de segregação social e pelo perfil
de suporte físico característico de áreas costeiras entremeadas por maciços,
manguezais, baías e mangues, gerou a conformação de tecidos urbanos em diversos
estágios de consolidação, no seu perfil horizontal e vertical (densidade construtiva
e verticalização) e a distribuição desequilibrada de sistemas de espaços livres
públicos.

Os agentes que atuam mais diretamente na transformação da paisagem incluem as


alterações normativas, descritas acima, o poder público com grande volume de
investimentos em mobilidade urbana, alterando a lógica de localização residencial,
e setor privado que através das iniciativas do mercado imobiliário investe nas áreas
de expansão na direção oeste.

Contribuíram para essas ações a concentração de empreendimentos do Programa


Minha Casa Minha Vida, a oeste, os equipamentos construídos para os eventos de
grande impacto como Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, a nordeste e sudoeste, as
novas linhas de transporte por metrô e ônibus, a oeste, norte e sudoeste. Esses
investimentos foram resultantes do aporte de recursos de grande monta oriundos do
PAC-Plano de Aceleração do Crescimento, do governo federal, com contrapartidas
dos governos estadual e municipal.

Compete a pesquisadores, profissionais e moradores do Município, a medida que


obtêm informações detalhadas e acessíveis sobre seu território, alterar as decisões
que, conforme esse artigo se propôs a mostrar, busquem aprofundar as contradições
e os contrastes que o processo de urbanização consolidou, ao longo do tempo,
trazendo segregação espacial e desequilíbrios socioambientais presentes e
pregnantes na paisagem urbana.

258
Referências:

CARDEMAN, D. CARDEMAN, R.G. O Rio de Janeiro nas alturas. Rio de Janeiro:


MAUAD, 2004.

HABRAKEN, J. Structure of the ordinary. Cambridge and London: MIT Press, 1998.

IBGE. Censo Demográfico do Brasil. Brasília: IBGE, 2011.

NESBITT, Kate (org.). Uma Nova Agenda para a Arquitetura. Antologia Teórica
1965-1995. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

REGO, Andrea Q. et al. O sistema de espaços livres do estado do Rio de Janeiro


projetado nos planos diretores municipais: fronteiras político- administrativas
modelando a paisagem territorial. In: Anais do IX Encontro de Ensino de Paisagismo
em Escolas de Arquitetura e Urbanismo no Brasil. Curitiba: UFPR, 2008.

TÂNGARI. Vera R. Um outro lado do Rio. (Tese de doutorado). São Paulo: FAUUSP,
1999.

259
O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E A FORMA URBANA DA CIDADE DE
SANTA MARIA-RS-BRASIL:
caracterização das dinâmicas espaciais e funcionais

PIPPI, Luis Guilherme Aita (1); GABRIEL, Letícia de Castro (2); GABRIEL, Helena Reginato (3);
COCCO, Renata Michelon (4); DE FREITAS, Ana Júlia Breunig de Freitas (5); COUTINHO, Letícia
de Fátima Durlo (6), WEISS, Raquel (7)
(1) Universidade Federal de Santa Maria; Professor Adjunto; Coordenador QUAPÁ-SEL Núcleo
Santa Maria; Santa Maria (RS); guiamy@hotmail.com;
(2) Universidade Federal de Santa Maria, Professora Assistente, Campus Cachoeira do Sul;
Professor Adjunto; Cachoeira do Sul, RS; leticia.gabriel@ufsm.br;
(3) Universidade Federal de Santa Maria; Graduanda; Santa Maria (RS);
helena.reginato@gmail.com;
(4) Universidade Federal de Santa Maria; Graduanda; Santa Maria (RS); E-mail:
renata.cocco@yahoo.com.br
(5) Universidade Federal de Santa Maria; Arquiteta e Urbanista; Santa Maria, RS; E-mail:
anajuliabrf@gmail.com;
(6) Universidade Federal do Rio Grande do Sul; Graduanda; Porto Alegre (RS);
leticiadurloc@gmail.com;
Católica de Santa Catarina Professora Adjunta do Curso de Arquitetura e Urbanismo; Joinville, Santa
Catarina, RS; E-mail: rweissarqui@gmail.com;

1. Introdução: o papel e as relações das cidades de médio porte

Santa Maria é caracterizada como uma cidade de médio porte localizada na porção
central do Rio Grande do Sul. Destaca-se pela distribuição de bens e serviços e,
assim, se constitui como um importante polo militar, educacional, de saúde e
serviços para o interior do Estado. A cidade não possui conurbações, visto sua
expansão territorial ter se desenvolvido de maneira isolada e gradual em relação aos
demais municípios do entorno (estes cujo processo de urbanização amparou-se em
colônias de imigração europeia (italiana, judaíca e alemã), diferente das demandas
solicitadas no processo de formação da região metropolitana de Porto Alegre.

Para uma melhor compreensão da realidade intra-urbana e regional da cidade de


Santa Maria, o estudo e reflexões sobre as cidades médias e suas dinâmicas são
fundamentais para enriquecer e ampliar a discussão e a visão acerca do fenômeno
260
urbano: espacializações, conectividades, interatividades, intervenções territoriais,
transformações da paisagem e do sistema de espaços livres e políticas públicas (Silva
e Sposito, 2017).

Algumas questões se fazem necessárias para o entendimento do papel das cidades


médias na dinâmica das cidades brasileiras (SILVA e SPOSITO, 2017):

• Qual o papel das cidades médias no processo de urbanização contemporâneo


das cidades brasileiras?

• Como contribuir com o fundamento teórico-metodológico quanto à


compreensão do papel e dinâmica das cidades médias na realidade
contemporânea das cidades brasileiras?

• Como analisar e espacializar as dinâmicas contemporâneas das cidades médias


em termos de transformações, permanências e possíveis cenários atuais e
tendências futuras?

• Qual o papel das cidades médias no desenvolvimento urbano, econômico,


paisagístico, ambiental e social contemporâneo?

• Quais os potenciais das cidades médias enquanto as relações entre paisagem,


espaços livres intraurbanos, recursos naturais, usos antrópicos e densidade
populacional?

• Como as cidades médias se configuram no processo de desenvolvimento


territorial como promovedoras de centros de oferta de bens, serviços,
equipamentos e infraestruturas coletivas de utilidade pública, bem como de
mercado, organização socioeconômica e a conservação dos recursos naturais?

• Como se caracterizam as cidades médias no papel da produção e estruturação


urbana?

• Quais os problemas mais emergentes das cidades médias em termos das


transformações e impactos sobre sua paisagem, sistema de espaços livres e
dinâmica estruturação espacial urbana e natural?

• Quais os conflitos, potencialidades e articulações encontradas nas cidades


médias (comuns e específicos)?

261
• Qual o tamanho (porte e tamanho), dimensões territoriais e número
populacional aplicável para a denominação da categoria de cidade média?

• Em esfera regional, como as cidades médias se articulam com as cidades


pequenas e metropolitanas?

• Como as cidades médias contribuem para a dinâmica, integração e coesão


territorial das regiões do entorno enquanto promotoras do sistema de fluxos
e relações espaciais da paisagem, sistema de espaços livres, mobilidade,
morfologia urbana e usos antrópicos?

• Como potencializar as cidades médias brasileiras, de forma a contribuir nos


processos de urbanização de forma mais eficiente, equilibrada, igualitária e
sustentável?

• Como fomentar políticas públicas diretas, eficientes e aplicadas as


necessidades locais das cidades médias?

Conforme Correa (2017, p. 29) “a noção ou conceito de cidade média é de natureza


relacional, envolvendo relações com centros menores e maiores do que ela. Nesse
sentido, a cidade média só pode ser compreendida como parte integrante de uma
rede urbana. Esta é entendida como o conjunto de centros, hierarquizados ou
funcionalmente especializados e com diversas dimensões demográficas, articulados
entre si via fluxos materiais e não materiais, originando redes geográficas ou de
interação espacial do tipo solar, dendrítica, christalleriana, axial, circular ou em
múltiplos circuitos. É neste contexto que se situam as cidades médias, incluso Santa
Maria como cidade de intermediação no âmbito da rede urbana e regional.

Segundo Brandão (2017, p. 100) “seria interessante pensar o papel que a cidade
média poderia cumprir, pelo seu porte, dimensão territorial, centralidade e escala
de complexidade, sobretudo no contexto regional interiorização do brasileiro, na
provisão e suporte de bens e serviços coletivos essenciais” para a construção de
cidadania, de direitos, de conservação dos recursos e também como promovedora da
funcionalidade e conectividade dos processos dinâmicos e interativos da paisagem e
do sistema de espaços livres intraurbanos.

262
2. Caracterização geral da paisagem de Santa Maria: suporte biofísico,
morfologia e usos urbanos

Santa Maria está localizada na região central do Rio Grande do Sul. O município
possui área de 1.781,8 km² (FEE, 2015), tendo perímetro urbano de 13.092 ha e
população total de 276.108 habitantes (IBGE, 2015). Dentre as características gerais
da paisagem urbana, em termos geomorfológicos, localiza-se na Depressão Periférica
Sul-rio-grandense, mas pela situação de transição em relação ao Planalto Meridional
Brasileiro, possui como característica marcante na paisagem os morros do Topo do
Planalto localizados ao norte do perímetro urbano, os quais atingem em torno de
400m de altitudes, abrangendo o norte da sede do município além dos distritos de
Boca do Monte, Santo Antão e Arroio Grande (Figura 1). Uma segunda unidade de
altitudes significativas situa-se no sentido centro-sudeste, composto por uma área
de transição entre o Planalto e a Depressão Central do Rio Grande do Sul.
Denominado Rebordo do Planalto, apresenta vales e morros, destacando-se os morros
testemunhos do Cerrito e Mariano da Rocha que atingem de 220 à 390m, conforme a
Figura 1. Demais áreas em sua maioria, incluindo o centro da cidade, tem seu sítio
entre 50 a 137m de altitudes.

Figura 1: Mapa de Hipsometria. Fonte: WEISS, 2012.


Modificado pelo Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2016.
263
Juntamente às altitudes elevadas, encontram-se as áreas com maiores declividades.
De acordo com a Figura 2, os trechos mais íngremes da área urbana localizam-se nos
Topo do Planalto e nos morros do Rebordo do Planalto, superando inclinações de
30%. Segundo a Lei de Parcelamento do Solo (Nº 6766/79), áreas com declividades
iguais ou superiores a 30% devem sofrer restrições quanto ao uso, sendo proibida a
ocupação urbana. No caso de Santa Maria, somada a isso, há a existência de
cobertura vegetal densa nessas áreas, reforçando substancialmente o fator
preservacionista e limitador quanto ao uso e exploração. Destacam-se pela riqueza
de flora, fauna, pelo valor paisagístico e pela identidade como marcos do município.
Já as demais áreas do perímetro urbano apresentam relevo plano, com declividades
de até 5% e relevo suave ondulado à moderadamente ondulado, variando de 5,01% a
12% de inclinação.

Nessas regiões com a morfologia plana, as características pedológicas, conforme


Reckziegel, Robaina e Oliveira (2005), configuram-se pelo solo alissolo com
profundidade mediana e que se situa em altitudes de no máximo 120 metros e não
apresenta restrições quanto ao uso e ocupação (Figura 3), correspondendo a cerca
de 44% do território urbano (WEISS, 2012). Ainda, a partir da Figura 3, conformando
os campos sulinos do município, tem-se o solo planossolo, encontrado nas regiões
planas e suavemente planas (em sua maioria até 12% de declividade), por apresentar
deficiências quanto a drenagem, constitui as áreas de várzea da cidade com planícies
periodicamente inundáveis. Em contrapartida, na porção norte e no Rebordo do
Planalto, encontram-se os tipos argissolo e neossolo. Por tratarem-se de solos
encontrados em áreas que agregam os fatores de elevadas altitudes e declividades
acentuadas (Figura 1, 2 e 3), caracterizam-se pela suscetibilidade a processos
erosivos. Entretanto, neste caso, por haver considerável cobertura vegetal, seus
fatores de riscos são amenizados.

264
Figura 2: Mapa de Declividade. Fonte: WEISS, 2012.
Modificado pelo Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2016.

Figura 3: Mapa de Pedologia.Fonte: WEISS, 2012.


Modificado pelo Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2016.

265
Além disso, pela ocupação sobre essa zona com variações geomorfológicas, além de
suas próprias características físico-ambientais, Santa Maria apresenta diversos sítios
paleontológicos em seu perímetro urbano, zona rural e nas imediações regionais.
Apesar do reconhecimento científico e turístico deste patrimônio paleontológico, o
crescimento urbano de Santa Maria ocorreu sobre estas formações de rochas
sedimentares. Assim torna-se necessário a efetiva proteção dos vinte e um sítios
fossilíferos mapeados na área urbana, em especial os encontrados em propriedades
privadas, sujeitos, portanto, ao uso e ocupação do solo, e junto às faixas de domínio
das rodovias, as quais atualmente passam por um processo de duplicação.

Em termos da vegetação, a zona dos morros, como anteriormente mencionado,


destaca-se na paisagem local por apresentar, na maior parte de sua área, cobertura
vegetal do Bioma da Mata Atlântica a qual composta pela floresta estacional
decidual, constituindo assim uma passagem ao bioma do Pampa (Figura 4).

Figura 4: Panorâmica da área urbana de Santa Maria com o Rebordo do Planalto ao norte.
Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2008.

Santa Maria também apresenta como destaque seus recursos hídricos, os quais
contribuem para rios representativos do Rio Grande do Sul (Rio Guaíba e Rio dos
Arroios Cadena, Ferrera tanto para o abastecimento de água de Santa Maria quanto
para a irrigação rural. Integrando esta bacia e incidentes na área urbana, estão as
sub-bacias dos Arroios Cadena, Ferrera, Passo das Tropas e Vacacaí-Mirim (Figura 5),
conformando uma vasta rede de nascentes e de drenagem. Todavia, visto
compreenderem quase 70% da área urbana e devido ao processo de urbanização, as
sub-bacias dos Arroios Cadena e Vacacaí-Mirim sofreram significativas

266
canalizações/retificações em seus cursos, dificultando o controle da qualidade das
águas superficiais, da conservação das áreas de preservação, da drenagem etc.

Figura 5: Mapa Hidrografia da área urbana de Santa Maria - RS. Fonte: WEISS, 2012.

Santa Maria apresenta diversos atributos ambientais, estes integrantes de uma rica
biodiversidade visto a variabilidade do meio físico e biológico. Todavia, é
fundamental reconhecer estes atributos como qualificadores paisagísticos e
ecológicos e entendê-los enquanto paisagem e um sistema de espaços livres
interdependentes do meio socioeconômico.

De acordo com o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano e Ambiental de Santa


Maria (PDDUA), vigente desde 2006, o distrito-sede (área urbana) é formado por oito
macrozonas com determinadas características (Figura 6) e, portanto, com legislação

267
e índices urbanísticos específicos. Algumas características ambientais, somadas ao
peculiar desenvolvimento urbano, sofreram com a ação antrópica, em geral os
recursos hídricos e suas Áreas de Preservação Permanente (Figura 7) bem como a
região dos morros do Rebordo do Planalto (ao norte da área urbana) e seus
respectivos morros testemunhos (Morro Cechella, da Alemoa, Cerrito e Mariano da
Rocha).

Figura 6 : Diferentes características da paisagem e do sistema de espaços livres de Santa Maria.


Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2008.

Figura 7: Mapa do Sistema Viário Principal, Hidrográfico e Topográfico de Santa Maria e Aplicação da
Legislação Ambiental. Fonte: WEISS, 2012. Modificado pelo Grupo QUAPÁ-SEL, Santa Maria, 2016.
268
Nesse cenário as sub-bacias do Arroio Cadena e Vacacaí-Mirim que incorporam 70%
da zona urbana passaram pelas principais e mais impactantes mudanças nas suas
características morfológicas, como, por exemplo, a canalização de partes do arroio,
como ocorreu junto ao Parque Itaimbé, e modificações no curso d’água para a
retificação, como no Arroio Cadena, e para a contenção para o abastecimento
d’água, como na Barragem DNOS (WEISS, 2012). Além disso, sofrem com as
degradações decorrentes das ocupações urbanas e das áreas agrícolas que exercem
pressões sobre as áreas de preservação e sobre as áreas úmidas de influencias fluviais
de várzeas e banhados. Reiterando esse fato, de acordo com levantamento efetuado
por Weiss (2012), aproximadamente 63% das áreas de APPs dos rios do perímetro
urbano diagnosticam usos como campo, solo exposto e urbano, e apenas 37% ainda
preservam a mata ciliar.

Como resultado, há a fragmentação das áreas remanescentes da Mata Atlântica ao


norte e centro-sudeste da cidade, configurando manchas de vegetação isoladas e
desconexas, prejudicando a interação e o fluxo gênico. Estas, ainda existentes,
compõem 18% da área total do perímetro urbano, e mantêm-se devido às
adversidades naturais impostas, onde há significativas declividades as quais se
somam a elevadas altitudes e solos suscetíveis a movimento de massas (WEISS, 2012).

Figura 8: Mapa de Uso do Solo e da Terra. Fonte: WEISS, 2012. Modificado pelo Grupo QUAPÁ-SEL
Santa Maria, 2016.
269
3. O Sistema de Espaços Livres (SEL)

Santa Maria apresenta as seguintes categorias tipológicas do Sistema de Espaços


Livres Intra Urbanos (ELIUs): Áreas de Lazer e Recreação; Circulação;
Conservação/Preservação; Institucionais; Produção e Serviços; Não Utilizadas, e Com
Potencial de Utilização.

Na categoria das Áreas de Lazer e Recreação (LR) foram identificadas conforme seu
tipo de utilização: público e/ou privado. Dessa forma, os ELIUs foram classificados e
categorizados conforme seu domínio público (parques, praças, ruas, passeios
públicos, campos de futebol/pelada e quadras poliesportivas) e privado (sedes
campestres, balneários, condomínios fechados, parques temáticos e centros
desportivos). No total foram registrados, levantados e analisados pelo grupo de
pesquisadores do núcleo QUAPÁ-SEL: 139 ELIULRs na cidade, sendo 80 públicos e 59
privados.

Para o levantamento e identificação dos ELIULRs públicos e privados de Santa Maria,


formulou-se uma planilha para o registro de dados via observação direta pelos
pesquisadores. Dentre os aspectos que foram analisados podemos listar: situação,
localização e raio de atendimento; caracterização dos condicionantes físico-
ambientais; caracterização das estruturas físicas; identificação dos impactos e
potencialidades do sítio; caracterização do entorno imediato (altura, densidade,
insolação, acessibilidade, relações de apropriação e utilização dos usuários (registros
referentes ao valor simbólico e/ou relação sentimental); forma de apropriação e
utilização dos usuários (espontânea, recriada, construída, dirigida); tipo de
atividades envolvidas (preferência de usos e faixas etárias), tempo de permanência
e relatos espontâneos pelos usuários.

Os ELIULRs públicos ainda foram analisados conforme sua localização e distribuição.


Para tanto espacializou-se a categoria de Espaços Livres lntra-Urbanos de Lazer e
Recreação existentes e pertinentes à realidade da cidade de Santa Maria: parque
setorial (raio de atendimento de 5.000m), parque de bairro (raio de atendimento de
1.000m), parque de vizinhança (raio de atendimento de 500m) e praça (raio de
atendimento de 250m), sendo esta última categoria a mais incidente na cidade,

270
tendo como papel promover as unidades de vizinhança e um raio de atendimento de,
no máximo, 250 m, com recantos para o estar e pequenos playgrounds.

Em relação ao uso, pode-se inferir que os ELIULRs localizados na área central são
geralmente frequentados por toda a população santa-mariense devido à maior
facilidade de acesso. Já os localizados em bairros são utilizados pela população local
devido, principalmente, à função que exercem e por serem direcionados às
necessidades da comunidade na qual se inserem.

Na área central, o calçadão Salvador lsaia, a Rua Alberto Pasqualini, o canteiro


central da Avenida Rio Branco e as praças Saldanha Marinho, Saturnino de Brito,
Professor Mello Barreto (Bombeiros), Roque Gonzáles e o Parque ltaimbé são os
ELIULRs mais simbólicos da cidade, tanto pelo teor histórico quanto pela localização.
Porém, com relação ao projeto compositivo e paisagístico, constituem-se como
fragmentados, embora cumpram com sua função de lazer e recreação. São usados
como ponto de encontro, local de reuniões e manifestações políticas, apresentações
culturais, contemplação, estar, descanso e comércio (fixo e/ou temporário), no dia
a dia e em fins de semana, comprovando, assim, a dinâmica da vida pública nos
mesmos. Ainda assim, todos carecem de intervenções de requalificação e
funcionalidade paisagística.

No que tange à região leste, caracteriza-se pelo predomínio do uso residencial e de


serviços (UFSM e Base Aérea), pela horizontalidade de suas edificações, sendo a
maioria habitações unifamiliares de um a dois pavimentos e algumas habitações
multifamiliares de quatro pavimentos. Está em curso um processo de substituição e
de verticalização no entorno do campus da UFSM, resultando em um adensamento
de média densidade e em baixa altura. Como condicionante à sua configuração
espacial, há a demarcação de Áreas de Conservação Natural e de Preservação
Permanente que coincidem com grandes vazios urbanos. Todavia, o regime
urbanístico para o parcelamento do solo nesta região exige para a zona 17.f (Área
de Conservação Natural - Parque São José) 15% de área verde (para os demais
parcelamentos, exige-se 35% da área total da gleba para instalação de equipamentos
urbanos e comunitários, sistemas de circulação e espaços livres de uso público), e
para a zona 17.g (Área de Conservação Natural – Parque Produtivo Vacacaí Mirim) de
área mínima dos lotes de 2400 m² e índice de ocupação de 0,3 (para outras zonas na
271
região leste, exige-se área mínima dos lotes de 350 m² e índice de ocupação de
0,55). Sobre as intervenções pelo poder público nos ELIULRs nessa área da cidade, a
exemplo da praça Alduino Dalla Corte, apresentam projetos de baixa qualidade
paisagística, de modo que os resultados restringem-se a meros "terrenos baldios"
circundados por pista de caminhada sem revestimento de piso adequado,
playground, vegetação e mobiliário (incluso academia de ginástica) inseridos de
modo aleatório e insuficiente, não obedecendo critérios claros de composição e/ou
demanda. Por outro lado, existem algumas praças, como a Fiori Di' Itália, Santa Lúcia
e Jardim Lindóia, as quais, pelas pressões sociais advindas da comunidade e pela
ação de seus centros comunitários, buscaram meios alternativos de garantir uma
melhoria dos espaços livres. Na praça Fiori Di' Itália, localizada em um loteamento
próximo ao campus da UFSM e cuja classe socioeconômica dos moradores é de média
renda, implantou-se playground, quadra de vôlei de areia, mini quadra de basquete,
campinho de futebol, bancos e salão de festas com churrasqueira para 40 pessoas.
Na praça Santa Lúcia, localizada no loteamento Santa Lúcia, também próximo ao
campus na UFSM, fruto de projeto de extensão elaborado em 2007 pelo curso de
Arquitetura e Urbanismo da UFSM, executou-se playground, pista de caminhada,
mesas e bancos, área de alongamento e área de estar sob pergolado. A praça Jardim
Lindóia, localizada no loteamento de mesmo nome, porém afastado do campus da
UFSM e de configuração espacial isolada de outros loteamentos, transformou-se em
um recanto utilizado para lazer, recreação e esportes, contando com expressiva
arborização nativa e um galpão rústico para encontros e festas dos moradores.

Ainda em Camobi, o campus da UFSM é caracterizado como um parque setorial (raio


de atendimento de 5.000m), suprindo a carência de espaços livres na porção leste
da cidade. É considerado um grande pólo atrator pelas facilidades tecnológicas-
científicas, ambientais e culturais que apresenta, tais como: Centro de Eventos,
Parque de Exposições, Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), Planetário,
praça das Nações, praça das Esculturas, extensa área gramada em frente ao
Restaurante Universitário, Biblioteca Central, Bosque com pista de caminhada e
lago, Jardim Botânico, Pista Multiuso etc. Todos esses espaços, construídos e livres,
são significantemente utilizados pela comunidade acadêmica, santamarienenses e
também turistas.

272
Na porção oeste da cidade, caracteriza-se pelo predomínio do uso residencial, de
serviços (29º Batalhão de Infantaria Blindado) e industrial (Distrito Industrial e Santa
Maria Tecnoparque), pela horizontalidade de suas edificações, sendo a maioria
habitações unifamiliares de um a dois pavimentos. Apresenta como condicionante à
configuração espacial, a demarcação das Áreas de Conservação Natural do Arroio
Ferreira (zona 17.a) e do Aquifero Arenito Basal (zona 18.d) sobre as quais o regime
urbanístico para o parcelamento do solo impõe área mínima dos lotes de 2400 m²
(para outras zonas na região oeste, exige-se área mínima dos lotes de 300 m²).

Apresenta grandes encraves urbanos junto a áreas institucionais de propriedade


privada militar, além de ELIULRs públicos representados por praças consolidadas
como a Jornalista Petrônio Cabral (bairro Tancredo Neves) e Pedro Custodio Barbosa
(bairro Juscelino Kubitschek) e os não dotados de qualquer tipo de infraestrutura ou
arborização, sobretudo os inseridos no bairro Nova Santa Maria, loteamento
regularizado fruto de ocupação irregular na década de 90 pelo Movimento Nacional
de Luta pela Moradia. Outra categoria de ELIULR incidente na região vem a ser o
Parque Jockey Club, antigo hipódromo do município que comportava corridas de
cavalo. Área de 24 ha desapropriada pelo poder público em 2012, o Jockey Club
conta com pista de caminhada, caminhos principais e secundários, quadras de
futebol e basquete, playground e lago. Porém, as demais etapas de execução de
pistas de skate, ciclovia, iluminação, inserção de mobiliário e arborização não foram
concluídas, interferindo na utilização e apropriação do espaço livre pelos moradores
locais. Além disto, a prática esportiva historicamente inerente ao jóquei, não foi
contemplada pelo projeto paisagístico, excluindo aqueles usuários que antes ali
desenvolviam suas atividades de trabalho e lazer e recreação.

A zona Oeste é uma região ocupada por uma classe socioeconômica de baixa renda.
Porém, recentemente, vem sendo considerada como área de expansão urbana, visto
a incidência da macrozona do Corredor da Urbanidade nas margens da BR 287, a
implantação do Hospital Regional de Santa Maria e do Santa Maria Tecnoparque, o
que desencadeou um processo de parcelamento do solo nas imediações destes
empreendimentos de caráter privado e público. Ainda possui áreas potencialmente
significativas as quais deveriam ser planejadas, projetadas e implantadas pelo poder

273
público a fim de alcançar maior oferta e diversificação de categorias de espaços
livres para utilização da comunidade.

A porção norte é a região da área urbana que possui as maiores altitudes, sendo
conformada pela situação de transição de declividades dos topos e vales de morros
do Rebordo do Planalto a condições topográficas planas. As altimetrias acima de
200m revelam um relevo bastante íngreme, com declividades superiores a 45°, e
dotado de cobertura vegetal correspondendo à Reserva da Biosfera e morro
testemunho do Cechella. É uma região menos populosa (Salgado Filho, 9.801 hab.,
Chácara das Flores, 3.939 hab., Nsa. Sra. do Perpétuo Socorro, 6.151 hab., Itararé,
7.300 hab., Campestre do Menino Deus, 2.697 hab. e Carolina, 3.356 hab., IBGE,
2010), porém com densidade habitacional suficiente para incidir sobre os recursos
naturais de maior valor ambiental, patrimonial e simbólico da cidade.

As limitações ao crescimento urbano ao longo dos anos foram impostas pela linha
férrea, barragem do DNOS e pelas áreas alagáveis do Rio Vacacaí Mirim. Neste mesmo
sentido, o regime urbanístico previsto pelo PDDUA prevê faixas gradativas de
amortecimento à ação antrópica no ambiente natural, como a zona 15 que incentiva
somente os usos recreativos e institucionais e índices pouco permissivos como 0,2
para a ocupação e 0,3 para o aproveitamento. Para a zona 17.d (Área de Conservação
Natural sub-bacia do Rio Vacacaí Mirim), área limite ao parcelamento do solo, impõe
área mínima dos lotes de 2400 m² e índice de ocupação de 0,3. Ainda assim, apesar
das restrições das legislações urbana e ambiental, há uma ascensão, facilitada por
um sistema viário traçado de modo perpendicular às curvas de nível do terreno, de
ocupações irregulares, as quais expõem o ambiente às fragilidades de exposição do
solo a desmoronamentos.

A porção sul é delimitada pelo Arroio Cadena, pelo morro testemunho Mariano da
Rocha além de constituída por um grande estoque de áreas naturais e de preservação
permanente, as quais oriundas das APPs dos inúmeros cursos d’água, de áreas de
banhado contribuintes à recarga do aquífero e por usos agropastoris de caráter
rururbano, visto que apresenta características dos campos sulinos do Pampa Gaúcho,
através dos tipos morfológicos de sítios e chácaras. Caracteriza-se pelo predomínio
do uso residencial, sendo a maioria habitações unifamiliares de um único pavimento.
Trata-se da região menos populosa (bairros Tomazetti, 2.039 hab., Urlândia, 8.967
274
hab., Lorenzi, 5.621 hab., IBGE, 2010), ocupada por uma classe socioeconômica de
baixa renda, mas que também passou a ser considerada como área de expansão visto
a incidência da macrozona do Corredor da Urbanidade nas margens da BR 392 e pela
implantação do Shopping Praça Nova. Como condicionante à configuração espacial,
há o reconhecimento das características de uso do solo rural e urbana já existentes
pela demarcação da zona 18.b e 18.c sobre as quais o regime urbanístico para o
parcelamento do solo impõe área mínima dos lotes de 2400 m² (para outras zonas na
região sul, exige-se área mínima dos lotes de 300 m²). Salienta-se que não há ELIULRs
públicos significativos na zona sul, ao contrário de ELIULRs privados, tendo destaque
a Associação Tradicionalista Estância do Minuano.

Com relação a uma análise dos ELIUs privados, observa-se que representam um
domínio fortemente implantado para atender classes socioeconômicas de média a
alta renda, inicialmente disponibilizados por clubes e atualmente junto a
condomínios fechados de lotes. No entanto, esse tipo de medida, por vezes em nome
de conforto, segurança e privacidade, acaba por agravar uma situação de isolamento
dos espaços de lazer e recreação e de segregação socioespacial dos agentes sociais.
Dentre os principais espaços livres privados analisados até o momento, destacam-se
os diversos clubes fechados de acesso restrito e controlado, tais como as Sedes
Central e Campestre do Clube Recreativo Dores, AABB, ASSUFSM, APUSM, Avenida
Tennis Clube, Professor Gaúcho, além de espaços desportivos como campos de
futebol (Escola de Futebol Ronaldinho Gaúcho), pista de kart etc. Esses espaços livres
estão dispersos por toda a área urbana, oferecendo diferentes atividades aos
associados e/ou possíveis pagantes, e os deslocamentos podem ser feitos por ônibus,
veículos, motocicletas e bicicletas.

Dentre os conflitos encontrados nos ELIUs públicos estão: invasões, segregação social
e espacial; fragmentação; má distribuição; falta de planejamento, manutenção,
gestão e investimento; tendência de padronização e/ou pouca variabilidade
tipológica; inacessibilidade; falta de equipamentos e infraestrutura; baixa qualidade
estética; falta de vegetação; insegurança; poluição, degradação e poluição visual.
Com relação aos ELIUs privados, os conflitos encontrados foram: segregação espacial
e social, fragmentação da paisagem, falta de relação no âmbito da unidade de
vizinhança, não comportando usuários do(s) bairro(s) e/ou comunidade(s). Por outro

275
lado, a cidade apresenta grandes estoques de Áreas de Preservação Permanentes
(APPs), presença de vazios urbanos e não incremento de espaços livres públicos de
lazer e recreação de grande porte, bem como de conservação ambiental e
paisagística, fazendo-se imprescindível a implantação de parques e corredores
verdes de forma a garantir o seu atendimento socioambiental nas diversas áreas e
escalas da cidade, e assim potencializando a paisagem, os EL e a apropriação pela
comunidade.

Em decorrência da ausência de restrições mais rigorosas pelo poder público para o


uso e ocupação do solo nas imediações das áreas de conservação natural e/ou
permanente, tem se intensificado na cidade a criação de loteamentos em áreas
vulneráveis ou ambientalmente sensíveis, gerando uma série de problemas
ambientais. Um destes problemas é a ocupação das áreas de encosta dos morros,
onde a população, ao se instalar inapropriadamente, se expõe a riscos de
desmoronamentos. Outro problema está relacionado à ocupação, supressão das
matas ciliares e o despejo de lixo urbano das margens dos arroios, sendo que são
estas APP as responsáveis pela depuração da poluição, manutenção dos escoamentos
superficiais e, infiltração de água em intensidade normal.

A impermeabilização do solo também compromete a infiltração da água, que se


agregada à falta de esgotamento sanitário, pode provocar a poluição dos solos e
mananciais hídricos da cidade. Em meio disso, o descaso com a manutenção da
vegetação campestre e arbórea presente no município, a especulação imobiliária
sobre as áreas de distintiva beleza paisagística, vem influenciando negativamente na
qualidade de vida da população e dos recursos ambientais. Desta forma, uma parcela
dos atributos que compõem a paisagem natural de Santa Maria já foi alterada, tanto
pela falta de conhecimento/descaso da população, como pela ineficiência da
aplicação das políticas públicas, a exemplo das Políticas Nacionais de Meio Ambiente
e de Recursos Hídricos, além da importância da Constituição Federal do Brasil como
referência para a criação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Discute-
se também, como medidas de proteção à degradação ambiental, a conceituação de
áreas protegidas e unidades de conservação, bem como estas são fundamentais para
que exista a proteção das paisagens e dos patrimônios naturais.

276
Neste contexto, a efetivação do ordenamento territorial não considera as
necessidades de proteção das Áreas Especiais Naturais do município, sendo uma das
causas a não inserção do subsistema antrópico como agente de conservação por meio
de atividades geradoras de renda que possam perpetuar os princípios da
sustentabilidade socioambiental. Ressalta-se que, mesmo com problemas quanto aos
limites e a efetiva implantação, as Áreas Especiais Naturais estão contempladas,
visto a sua importância ambiental, no projeto RS Biodiversidade (área prioritária 1:
Região da Quarta Colônia e municípios de Santa Maria e Itaara) que define as áreas
prioritárias para conservação no Estado do Rio Grande do Sul (SEMA); no zoneamento
da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica que inclui a parte norte do município
(RBMA, 2008) e; em proposta lançada pelo IBAMA no ano de 2005, na criação de uma
Área de Proteção Ambiental (APA) no território de Santa Maria.

A inserção do município de Santa Maria, no cenário estadual e federal, como


prioritário para conservação ambiental, em grande parte coincide com o recorte
espacial definido pelas Áreas Especiais Naturais. Entretanto, muitas destas áreas
estão manejadas de modo incompatível com as normativas de proteção ambiental.
A associação dos atributos do meio físico ao subsistema antrópico faz de Santa Maria
um município com potencial de conservação ambiental, mas há de se analisar a
ocupação urbana a fim de também definir as fragilidades envolvidas.

Com relação à categoria de espaços livres conforme a conectividade, por meio das
áreas de conservação, preservação e proteção dos recursos naturais, culturais e
históricos, a análise deve ser efetuada nas escalas macro, meso e micro,
compreendendo as esferas do âmbito local, municipal e regional. A conectividade
pode ser analisada e constatada em maior escala (macro e meso escalas), pelo estudo
de unidades e sub-unidades da paisagem, nas quais a estrutura da paisagem e seus
valores territoriais são mais expressivos (análises de matrizes, corredores e
manchas). Os espaços relacionados às análises de microescala (praças, jardins
residenciais, terrenos baldios remanescentes intra-lotes e corredores de alta
tensão), destacam mais os valores formais, estéticos e funcionais, e, geralmente,
não conformam espaços propícios de conectividade devido à fragmentação urbana.
O ideal seria a existência de um sistema conectado nas três escalas. Com o
entendimento e estudo de espacialização das unidades de paisagem e suas sub-

277
unidades, busca-se a valorização das matrizes naturais, minimizando a fragmentação
das mesmas, pelo fomento à criação de redes ecológicas e corredores que tragam
sua interligação efetiva, garantindo, assim, a manutenção e perpetuação dos
ecossistemas naturais envolvidos.

Para a categoria de espaços livres conforme a produtividade urbana, destinados à


produção e serviços urbanos, foram enumeradas questões referentes ao sistema
funcional de infraestrutura urbana, como, por exemplo, áreas industriais (Distrito
Industrial), escoamento e destino dos mesmos, como lixões e locais para tratamento
da água (CORSAN) todos localizados na porção Oeste da cidade.

Para a categoria de espaços livres conforme a necessidade educacional, apresentada


como espaços institucional-educacionais destinados a qualquer tipo de educação e
capacitação comunitária, bastante representada pelo ensino de escolas, centros
profissionalizantes e culturais, centros comunitários, entre outros, que, de certa
forma, contribuem para demanda de equipamentos urbanos e estão relacionados, de
certa maneira, com a utilização dos espaços livres intramuros.

Com relação à categoria de espaços livres conforme a potencialidade, por meio das
áreas com potenciais de utilização, foram enumeradas áreas de uso especiais, como
os friches industrielles e urbaines. Os friches industrielles, termos oriundos das
teorias urbanas francesas, também conhecidos por brownfield nos EUA, não possui
uma clara tradução para o português, consistem em terrenos localizados dentro da
malha urbana que abrigavam indústrias e foram abandonados por essas, seja por
motivos de relocação, seja pelo cessar de suas atividades. Já os friches urbaines se
apresentam como terras livres e abandonadas, isto é, vazios urbanos inseridos no
tecido urbano, onde houve demolições de edifícios, fábricas ou instalações
provisórias, nas quais não há interesse maior em implantar novas construções nem
pelo cultivo e/ou utilização (públicas ou privadas) das terras. Apresentam-se como
exemplos de friches industrielles e urbaines em Santa Maria a Gare, assim como as
Oficinas do Km 3. Tais espaços apresentam alto potencial futuro para se tornarem
áreas de lazer e recreação.

278
4. Agentes de produção e transformação da paisagem urbana:
concentração de população x áreas de fragilidade ambiental emergentes

A região central da cidade, historicamente pioneira para a formação e estruturação


de Santa Maria tanto pela importância econômica dos primeiros comércios e serviços
quanto pela presença da estação ferroviária (marco zero das linhas férreas do Rio
Grande do Sul), atualmente se caracteriza como a mais densa e frequentada da
cidade. O centro urbano é o local de maior oferta de comércio, serviços, cultura e
moradia de grande parte da população flutuante de Santa Maria, ou seja, dos
estudantes universitários que aí residem pela disponibilidade de estoque imobiliário
(a verticalização é mais acentuada no bairro centro), além da proximidade e
facilidade de infraestrutura e transporte público que a região central oferece. Por
outro lado, os bairros periféricos e mais populosos da cidade, principalmente nas
regiões leste (Camobi, 21.882 hab., IBGE, 2010) e oeste (Nova Santa Marta e
Tancredo Neves, 24.178 hab., IBGE, 2010), antigamente eram ocupados por classes
socioeconômicas de média e baixa renda. Atualmente, a periferia vem se
modificando bastante, visto o crescimento demográfico e de provisão de
infraestrutura com a instalação de novos serviços nessas áreas, atraindo grandes
investimentos do capital imobiliário, principalmente na forma de loteamentos e
condomínios privados e do Minha Casa, Minha Vida. Em vista disso, as zonas
periféricas tem sofrido o impacto da especulação por parte dos agentes imobiliários
como também significativas mudanças físico-espaciais que impactam a paisagem, a
mobilidade urbana, a infraestrutura disponível e a diversidade sociocultural das
comunidades locais.

O sistema de mobilidade da cidade de Santa Maria se dá, principalmente, ancorado


num sentido axial leste-oeste através da coexistência de vias estruturantes, isto é,
de rodovias federais e estaduais. O processo de urbanização ocorreu
espontaneamente ao longo desse eixo também denominado de Corredor de
Urbanidade, segundo o Plano Diretor de 2005, por onde ocorrem diariamente os
deslocamentos da população urbana e do fluxo rodoviário intermunicipal.

No que concerne à interface de áreas de proteção versus usos/interferências no meio


por ações antrópicas e seus reflexos sobre a paisagem, há a identificação de áreas
de fragilidade ambiental emergente. Conforme as Figuras 9 e 10, configuram-se em
279
mapeamentos de áreas com diferentes níveis de fragilidade quanto a enchentes e/ou
desmoronamentos a partir da pré-disposição natural da geomorfologia somada e,
consequentemente, agravada pelos usos e formas de ocupação do território.
Considerando os aspectos de classificação do relevo de ondulado à montanhoso e
declividades acentuadas juntamente com a apropriação dessas áreas por usos
agrícolas, urbanos e extração de vegetação e solo exposto, criam-se áreas com
sensibilidades a desastres ambientais, oriundas das alterações na estabilidade
inerente ao sistema natural.

Contrapondo os mapeamentos das características físicas agregadas às ações


humanas, identificou-se que o perímetro urbano apresenta consideráveis áreas de
categoria instável a muito instável. Sobretudo, por áreas de transição, ou seja, que
estão no limiar do caráter de estabilidade, bastando algum uso incoerente e
inapropriado para gerar a instabilidade ambiental.

As regiões centro-oeste e sul, devido às áreas de cultivos e descampados e à


propulsão do crescimento urbano incentivado pelo PDDUA no sentido Leste-Oeste,
juntamente com solos sensíveis à erosão hídrica das camadas superficiais, sofrem
maior exposição devido aos usos da terra, tendo sua estabilidade comprometida,
gerando espaços que demandam restrições de uso.

Confrontados com dados populacionais, nota-se a existência das maiores


concentrações populacionais da cidade assentadas sob as áreas de instabilidade,
levando à insegurança pública, pois estão sujeitos a desmoronamentos e enchentes.
Conforme a Figura 9, a mancha populacional situada no sentido centro-norte ocupa
parte dos morros do Rebordo do Planalto onde o cenário é de instabilidade
ambiental, visto que apresenta pedologia imprópria, fragmentação das áreas
vegetadas e áreas expostas, bem como grandes altitudes e inclinações.

Já nas áreas a sul e sudeste, há outros focos de grandes números populacionais da


cidade. Nestes, há a configuração de locais propícios à incidência de enchentes, uma
vez que são as áreas com relevo plano a suavemente ondulado, declividades menos
acentuadas, solos com baixa infiltração ou baixa resistência e, principalmente,
existência de cursos hídricos das sub-bacias do Arroio Cadena, Ferrera, do Passo das
Tropas e do Vacacaí-Mirim (Figura 10). Todas essas características fazem com que o
280
perímetro urbano apresente grande número de zonas sujeitas à invasão de águas
agravadas pelos usos indevidos das APPs e inexistência de mata ciliar. Inerente à
situação, a infraestrutura, como ruas e calçadas, diversas vezes sucumbem e/ou
cedem devido à dinâmica do solo que foi impermeabilizado ou sofreu com a
tamponagem dos cursos d’água.

Figura 9: Mapa de Fragilidade Ambiental Emergente, concentração de população e localização do


maior número de habitantes. Fonte: WEISS, 2012. Modificado pelo Grupo QUAPÁ-SEL
Santa Maria, 2016.
281
Figura 10: Mapa de Fragilidade Ambiental Emergente, Viário Principal, Hidrográfico e Topográfico de
Santa Maria. Fonte: WEISS, 2012. Modificado pelo Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2016.

Com relação à Lei de Uso e Ocupação do Solo de Santa Maria (LUOS, Lei
Complementar Nº 72, de 2009), esta criou uma categoria adicional para as áreas
naturais e de preservação permanente. A seguir, estão mapeadas e listadas as Áreas
Especiais Naturais e as Áreas de Preservação Permanente de Santa Maria (Figura 11).

Figura 11: Mapa das Áreas Especiais Naturais – Anexo 12 – LUOS – PDDUA. Fonte: Prefeitura
Municipal de Santa Maria, 2006.

282
• Área de Conservação Natural – Reserva da Biosfera (REBIOS) (situada ao
norte do Distrito Sede e de áreas rurais, a partir da altura igual ou superior a
cota 100 m);
• Área de Recarga do Aquífero Arenito Basal Santa Maria (localizada no oeste
da área urbana e a sudoeste em área rural).
• Área Especial de Conservação Natural – Arroio Ferreira (situada no setor
oeste da cidade, conformada pelas áreas adjacentes à delimitação do
perímetro urbano; nascentes localizam-se próximas ao antigo depósito de lixo
da cidade e os cursos d’água apresentam-se impactados por efluentes
domésticos advindos de ocupações de classe socioeconômica de baixa renda);
• Área Especial de Conservação Natural – Arroios Cadena-Cancela
(conformada pelos Arroio Cadena e seu tributário Arroio Cancela, Parque
Itaimbé, Parque Municipal Ferroviário, Parque Medianeira e outros espaços
livres; a maior parte da rede hidrográfica localiza-se na área urbana da
cidade, o Arroio Cadena sofreu impacto ambiental pela alteração do seu leito
original, pelo aterro das suas áreas alagáveis adjacentes e ainda alteração da
drenagem por construções irregulares, além de poluição; já o Arroio Cancela
foi canalizado e fechado ao longo de 1,5 km de seu curso d’água sob o Parque
Itaimbé);
• Zona dos Morros (conformada ao leste pelos Morros Mariano da Rocha,
Cerrito, Alemoa e áreas adjacentes);
• Eco-Parque da Montanha Russa (constituída por área com largura mínima de
70 m medida a partir da faixa de 30 m de Preservação Permanente no entorno
do reservatório artificial da Barragem DNOS);
• Área da Sub-bacia do Rio Vacacaí Mirim (constituída por parte da área total
da sub-bacia, que compreende a porção norte e nordeste da zona urbana;
destaca-se pela existência de um reservatório artificial cujas nascentes do
Vacacaí Mirim, que se encontram no rebordo planalto, contribuem junto à
conformação topográfica para a drenagem das águas da barragem que
abastece 40% da cidade e também é utilizada para práticas esportivas de
caiaque, canoagem, stand uppaddle e natação);
• Área Natural de Camobi (constituída por áreas localizadas entre a Ferrovia e
a RS 287 que, por ainda não serem ocupadas em sua grande maioria, devem,
283
preferencialmente, ser destinadas a parques e loteamentos com exigência de
15% de destinação à área verde);
• Área de Preservação Permanente – Morros (Morros Testemunhos Cechella,
Cerrito e Mariano da Rocha, além do Morro do Monumento aos Ferroviários);
• Área de Preservação Permanente – Recursos Hídricos;
• Área de Preservação Permanente da Barragem do Rio Vacacaí-Mirim;
• Área Produtiva do Rio Vacacaí Mirim (constituída por áreas contíguas ao Rio
Vacacaí Mirim);

Embora sem um diagnóstico criterioso dos elementos da paisagem e do sistema de


espaços livres, para as delimitações das áreas naturais e de preservação foram
considerados, ao sul, os limites de recarga do Aquífero Arenito Basal Santa Maria, ao
norte, os limites da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e da Sub-Bacia do Rio
Vacacaí-Mirim, ao centro, os limites dos principais recursos hídricos ainda
superficiais (ou seja, não canalizados). Todavia, apesar das indicações do Código
Florestal, das resoluções do CONAMA, e do Estatuto da Cidade, as definições das
áreas de conservação natural e de preservação permanente em Santa Maria não
levaram em consideração, por exemplo, os seguintes casos:

• A garantia, através da infraestrutura verde, da adequada drenagem urbana


como da recuperação dos estratos das matas ciliares junto às margens dos
arroios, mananciais e locais sujeitos a inundações temporárias;

• A formação de faixas de proteção ao longo de estradas vicinais, rodovias e


ferrovias;

• A promoção da conservação dos componentes da biodiversidade e dos


ecossistemas pela implantação de corredores ecológicos (verdes e azuis) e/ou
outras formas de conectividade de paisagens e/ou espaços livres em áreas não
estabelecidas como unidades de conservação;

• A definição, somente se declarados de utilidade pública, interesse social ou


baixo impacto ambiental, da regularização fundiária (devendo ser
acompanhado da declaração de ZEIS), de Áreas Verdes de Domínio Público
(desde que desempenhe função ecológica, paisagística e recreativa) e da

284
realização de atividades e/ou empreendimentos turísticos sustentáveis junto
às unidades de conservação natural.

Corroborando ainda para a conformação de um cenário urbano de fragilidades


ambientais, após onze anos de vigência, o Plano Diretor produziu resultados
explícitos na paisagem, resultando em significativas inserções morfológicas as quais
atendem aos parâmetros do regime urbanístico. Assim, para além do zoneamento de
áreas especiais de conservação natural e de preservação permanente, as
características físico-ambientais destas acabaram por ser “interceptadas”, por
exemplo, pelas verticalizações de altura livre no Corredor da Urbanidade (Zonas 1.1,
1.2 e 1.3), desconectando as Zonas dos Morros das áreas da Reserva da Biosfera da
Mata Atlântica (Figuras 12, 13 e 14).

Figura 12: Regime Urbanístico de um dos trechos do Corredor de Urbanidade na macrozona Oeste de
Santa Maria, junto à BR 287. Fonte: Anexo 8, LUOS, PDDUA. Fonte: Prefeitura Municipal de Santa
Maria, 2009.

285
Figura 13: Processo de Verticalização do Corredor de Urbanidade – Royal Plaza Shopping e
edificações multifamiliares em altura. Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2015.

Figura 14: Skyline Parcial de Santa Maria e simulação da verticalização do corredor de urbanidade.
Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2014.

Quanto à ocupação urbana, percebe-se intensificação na área central, enquanto há


dispersão nas regiões periféricas, acarretando na segregação socioespacial através
do parcelamento do solo via loteamentos populares e condomínios fechados de lotes,
estes últimos de até 5 ha porém em grande número nas macrozonas Leste (sub-bacia
Vacacaí-Mirim) e Sul (sub-bacia Passo das Tropas). Como consequências, a incidência
do PDDUA acarretou a mobilização de agentes privados, sobretudo aqueles do setor
imobiliário, os quais ao aplicar os requisitos urbanísticos, geraram um gradativo
adensamento no sentido leste-oeste, incluso o centro, e ocupação das áreas
periféricas, assim desencadeando sobrecarga sobre o sistema viário existente, que
286
apesar das duplicações das rodovias atualmente em curso, ampara-se em vias que
comportam tanto o fluxo intra quanto interurbano, e pressões sobre áreas
ambientalmente sensíveis.

Sobre a produção tipo-morfológica do tecido urbano de Santa Maria, pode-se apontar


o predomínio de três padrões de tecido urbano, a saber: Central, Corredor da
Urbanidade e Periférico (composto pelas macrozonas Leste, Oeste e Sul), sendo que
a configuração destes se reflete, e muito, nos espaços livres intra urbanos (ELIUs).
Tendo em vista os onze anos de vigência do PDDUA, algumas questões devem
levantadas:

• delimitação do perímetro urbano maior que a demanda de crescimento urbano


e previsão de parcelamento do solo de áreas rurais através de loteamentos e
condomínios fechados de lotes;
• possibilidades de agregar, nos padrões de tecido urbano das macrozonas
Centro e Corredor da Urbanidade, índices de aproveitamento os quais se
mostram “fracionados” mas, quando somados, comprometem a carga da
infraestrutura instalada, a preservação de determinados eixos visuais, o
conforto ambiental na escala urbana, a mobilidade e a urbanidade;
• tendo em vista a acumulação de um modo de parcelamento do solo, do perfil
fundiário resultante e da definição das APP, espaços livres privados intra-lotes
foram consolidados na macrozona Centro e Corredor da Urbanidade. Estes não
necessariamente configuram-se enquanto rede ou sistema visto a
fragmentação físico-espacial com relação aos espaços livres públicos;
• amortecimento do déficit habitacional a partir de loteamentos horizontais e
de condomínios verticais do Minha Casa Minha Vida (MCMV), todavia em
inserções nas “bordas” no tecido urbano das macrozonas Leste, Oeste e Sul
(Figura 15);

• na macrozona Leste, proliferação de loteamentos e condomínios fechados de


lotes, os quais se configuram como encraves urbanos e, quando somados a
sedes campestres de clubes privados, retêm significativo estoque de APPs
(Figura 16 e Figura 17).

287
Figura 15: Condomínio vertical do MCMV inserido na macrozona Centro sem a efetiva integração ao
tecido urbano pré-existente. Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2015.

Figura 16: Condomínios horizontais do MCMV na macrozona Leste em oposição à macrozona urbana
Centro e Corredor de Urbanidade. Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2015.

288
Figura 17: Sede Campestre do Clube Recreativo Dores e condomínio horizontal fechado de lotes com
estoque de APPs intramuros. Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2015.

No tecido urbano periférico na macrozona Leste da área urbana, mais precisamente


no bairro Camobi, inicialmente predominavam loteamentos convencionais em função
da implantação do campus da UFSM, da Base Aérea e do Aeroporto. Visto a expansão
do campus e com o acréscimo do comércio e dos serviços oferecidos na região, houve
o parcelamento no solo via loteamentos e condomínios horizontais de lotes fechados
(Figura 18), os quais visam, em sua maioria, um público de classe socioeconômica de
média e alta renda. Neste contexto, agentes privados, na figura de empreendedores
imobiliários, parcelam o solo ao mesmo tempo em que instauram situações de falta
de conectividade e urbanidade através, por exemplo, da baixa integração viária e/ou
pela segregação socioespacial.

289
Figura 18: Condomínio horizontal de lotes fechado e a constituição de enclaves urbanos. Fonte:
Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa Maria, 2015.

Com relação à macrozona Oeste, trata-se de uma área urbana na qual se encontram
o Distrito Industrial de Santa Maria e loteamentos horizontais populares aos moldes
das COHABs (Tancredo Neves e Santa Marta). Além disto, há significativa pressão,
seja via ocupações tanto regulares quanto irregulares, junto aos recursos naturais
tais como áreas alagáveis e APPs dos Arroios Ferrera e Cadena (Figura 19). Em
paralelo, porém intramuros, há glebas privadas do exército brasileiro as quais
representam grande estoque de espaços livres.

290
Figura 19: Arroio Cadena na porção oeste da cidade. Fonte: Acervo do Grupo QUAPÁ-SEL Santa
Maria, 2015.

As doze categorias de Áreas Especiais de Conservação Natural e de Áreas Especiais


de Preservação Permanente possuem falhas quanto à incoerência na demarcação dos
seus limites, problemas de conectividade além da não consideração dos usos da terra
e do solo urbano.

Sendo assim, apesar do gravame legal, atualmente existe uma falta de efetividade
da aplicação de políticas públicas municipais em termos de proteção ambiental. Em
decorrência disso, as áreas em potencial da paisagem e do sistema de espaços livres
têm sido impactadas de forma negativa pelas ações antrópicas, já que estas zonas
de preservação e/ou conservação ainda não foram efetivamente demarcadas in loco,
como também ainda não há fiscalização e penalização ambiental. E mesmo que haja
um grande estoque representado pelos recursos hídricos, pelo bioma da Mata
Atlântica e pelo Aquífero Arenito Basal, só o planejamento, projeto e gestão da
paisagem e do sistema de espaços livres podem garantir o funcionamento
socioambiental e cultural nas diversas escalas da cidade e da comunidade.

Considerando ainda que Santa Maria vem progressivamente sofrendo um crescimento


urbano significativo, o que implica em transformações e utilizações dos recursos

291
ambientais como forma de suprir as necessidades dos habitantes, cabem ações
preventivas e reguladoras. Visto que o grau de desenvolvimento de uma cidade é
mensurado pela qualidade de vida da sua população, dessa forma, é imprescindível
que haja vigência e efetividade das políticas definidas pelo poder público local, como
as Áreas Especiais Naturais e Áreas de Preservação Permanente, de modo a garantir
a seguridade de seu território, valorização e preservação de seus bens naturais.

5. Considerações Finais

Em Santa Maria, a partir tanto da caracterização da paisagem e dos sistemas de


espaços livres quanto da análise dos aspectos biofísicos, da morfologia, dos usos e
dos agentes produtores e transformadores, pode-se apontar que os gravames da
legislação urbana e ambiental, sobretudo na figura do plano diretor, na prática não
atuam para:

- conservar e preservar as áreas com fragilidade ambiental de ocupações ou


usos do solo incompatíveis com a peculiaridade dos aspectos e funções da
geomorfologia, da cobertura vegetal e dos recursos hídricos incidentes na área
urbana e rural do munícipio;

- reconectar e/ou primar pela relação integradora das diferentes categorias


tipológicas dos espaços livres intraurbanos e da paisagem e suas sub-unidades.

Além disto, os principais agentes no processo de produção e transformação dos


padrões espaciais em Santa Maria se manifestam pela ação de empresas do setor
imobiliário, tanto de caráter local quanto internacional, por inserções tipo-
morfológicas deslocadas de exigências que contemplem e/ou mitiguem aos processos
ecológicos e as funções sociais e culturais da paisagem.

Neste sentido, pode-se destacar quais são as principais modificações na paisagem


urbana e ambiental de Santa Maria:

- Corredor Urbanidade: pela duplicação viária das rodovias federais e


estaduais, mas que não comporta modais alternativos de mobilidade ao primar pelo
fluxo, concomitante, intraurbano e intermunicipal de veículos leves e transporte de
cargas, e pelo incentivo à verticalização através da lei de uso e ocupação do solo,

292
fragmentando áreas de conservação natural (entre Rebordo do Planalto e morros
testemunhos Cechella, Alemoa, Cerrito e Mariano da Rocha) e de preservação
permanente dos recursos hídricos (sub-bacias do Arroio Arroio Cadena e Vacacaí-
Mirim);

- Regiões leste e sul: pela atuação de agentes privados implantando


condomínios fechados de lotes, havendo impacto sobre áreas com fragilidade
ambiental emergente muito instável, fragmentação do sistema de espaços livres
intra-urbanos e segregação socioespacial;

- Região oeste: pela instalação de grandes equipamentos (Santa Maria


Tecnoparque, Hospital Regional e Shopping Praça Nova), os quais se configuram
como polos atrativos industriais, de serviços e comerciais geradores de demanda de
tráfego, de esgotamento sanitário, de abastecimento de água etc. em zonas
residenciais de população de baixa renda e infraestrutura precária;

- Região sudoeste: pela expansão militar com a instalação do 1º Centro de


Treinamento e Combate do Brasil com capacidade para aproximadamente 40.000
soldados;

- Região leste: pela inserção e pela qualidade paisagística do parque setorial


no campus da UFSM, o qual se tornou um pólo atrator para o lazer, a recreação e a
mobilidade alternativa, mas que por ser mantido e gerido pela instituição de âmbito
federal (em detrimento da falta de manutenção e conservação de outros ELIUs
inseridos nas demais regiões da cidade), acaba por sofrer uma ampla demanda de
utilização da população, assim sobrecarregando a capacidade de infraestrutura e de
serviços do bairro Camobi.

É, portanto, fundamental e emergente a formulação de diretrizes ambientais e


paisagísticas as quais sejam contempladas pelo planejamento da paisagem e do
sistema de espaços livres, isto para que novas demarcações e/ou conectividades
venham a garantir que os meios físicos, biológicos, ecossistêmicos e socioambientais
sejam além de criteriosa e indissociavelmente planejados, também implantados e
geridos de modo integrador e sistêmico. Para tanto, é preciso considerar os principais
aspectos:

293
• Mitigar a fragmentação da paisagem;
• Considerar a estrutura morfológica e as funções da paisagem e do sel;
• Conectividade das áreas urbanas, rururbanas e naturais;
• Promover controle das ocupações e usos do solo a fim de garantir a
permeabilidade do solo e a recarga do lençol freático;
• Indicar as áreas em potencial ou prioritárias para a conectividade das
diferentes categorias tipológicas dos espaços livres intraurbanos e da
paisagem e suas sub-unidades via, por exemplo, a implantação de redes de
corredores ecológicos com usos multifuncionais.

6. Referências

BRANDÃO, Carlos. Cidades Médias como promovedoras de bens e serviços públicos e


coletivos e como construtoras de cidadania e de direitos. In: Perspectivas da
Urbanização: reestruturação Urbana e das Cidades. Organizadores: William R. da
Silva; Maria E. B. Sposito - 1. Ed.- Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2017.

CORRÊA, Roberto Lobato. Cidades médias e rede urbana. In: Perspectivas da


Urbanização: reestruturação Urbana e das Cidades. Organizadores: William R. da
Silva; Maria E. B. Sposito - 1. Ed. - Rio de Janeiro: Consequência Editora, 2017.

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RS (2015). Disponível em: <https://goo.gl/irHgKe>. Acesso em: 23 mai. 2016.

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296
SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES E SUA RELAÇÃO COM OS AGENTES
PÚBLICOS E PRIVADOS NA PRODUÇÃO DA FORMA URBANA DE
SÃO CARLOS, SP

SCHENK, Luciana (1); PERES, Renata (2); FANTIN, Marcel (3)

(1) Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo; Professora Soutora;


São Carlos - SP; e-mail: lucianas@sc.usp.br
(2) Dep. de Ciências Ambientais, Universidade Federal de São Carlos; Professora Doutora;
São Carlos – SP; e-mail: renataperes@ufscar.b r
(3) Instituto de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo; Professor Doutor;
São Carlos - SP; e-mail: mfantin@sc.usp.br

1. Introdução

Figura 01: Cartografia de São Carlos, primeiro registro da implantação da cidade.


Fundação Pró-Memória de São Carlos, s/d.

297
A cidade de São Carlos, que em seu plano original de meados do Século XIX, desenhou
no vale, junto ao Córrego do Gregório, seu primeiro conjunto de praças, cresceu
estabelecendo conflito com a presença de corpos hídricos e nascentes em seu
território. Ao longo do tempo, muitos foram canalizados, receberam obras de
retificação e avenidas marginais como parte da solução das questões de mobilidade
urbana. Além da excessiva impermeabilização ocorrida nesse processo que terminou
por tornar as áreas centrais no vale sujeitas a enchentes, no que diz respeito ao
conflito com o ambiente físico, a ocupação das áreas periféricas ocorreu ao Sul sobre
solos frágeis do ponto de vista geotécnico, numa prática que consolidou e acentuou
a sobreposição de fragilidades, ambiental e social. Por sua vez, as áreas rurais e as
áreas de mananciais de abastecimento de água, adjacentes aos limites urbanos, vem
sendo pressionadas crescentemente nos vetores de expansão, com a presença de
novos loteamentos, condomínios habitacionais, chácaras de recreio e eixos
comerciais e industriais.

Contudo, isso não significa que a cidade não tenha sido objeto de planejamento
urbano. Determinados processos históricos relacionados à gestão urbana de São
Carlos marcaram esforços voltados à regularização do uso e da ocupação do solo. Um
primeiro momento ocorreu na década de 1960, em um contexto no qual grande parte
das cidades médias paulistas apresentava um cenário de acentuada ilegalidade e
irregularidade urbanística. Foi nesse período em que a Prefeitura de São Carlos
elaborou um projeto de Plano Diretor e um Código de Loteamentos para o município.
Embora a estrutura almejasse contornar uma situação de ocupações e loteamentos
irregulares, o plano enfatizou o embelezamento da cidade, desconsiderando os
problemas relativos ao seu processo de expansão das periferias. Em 1962, seu
conteúdo foi finalizado, mas não foi aprovado nas instâncias legislativas.

O segundo momento que fomentou novamente a discussão acerca do ordenamento


urbano ocorreu entre 1968 e 1970, quando novo plano foi elaborado com a
denominação de Plano Diretor de Desenvolvimento Integrado. Diferentemente do
primeiro plano, este segundo foi aprovado em 1971 trazendo também, como
consequências, a aprovação de algumas leis, como a Lei de Zoneamento, que, de
certa forma, conseguiria minimizar, embora não completamente, processos de
especulação e irregularidade urbanística (LIMA, 2008).

298
Aos poucos, os loteamentos foram sendo regularizados e os bairros receberam
melhoramentos urbanos. No entanto, a lógica de geração de loteamentos afastados
não foi alterada e novos espaços periféricos foram se reproduzindo em localidades
ainda mais distantes e, muitas vezes, em locais com significativas fragilidades
ambientais.

Foi somente no ano de 2001 que a temática do Plano Diretor foi apresentada como
sendo uma das prioridades da gestão pública recém-eleita. Nessa época, as
informações básicas sobre a cidade eram raras e, tampouco, estavam compiladas.

A etapa de leitura e diagnóstico do Município de São Carlos, que embasou as


proposições do Plano Diretor aprovado em 2005, percorreu quase três anos de
geração e síntese de informações existentes. O trabalho foi fruto de uma parceria
entre as Universidades, (USP e UFSCar) e Prefeitura Municipal. Nesse momento de
redescobertas e leituras técnicas, percebeu-se o acentuado grau de transformações
e impactos negativos advindos dos processos especulativos de ocupação do solo e
que não contemplaram os elementos presentes e as características físicas do
município. Os impactos evidentes apontavam para a relevância da temática
ambiental, sobretudo nas relações entre os processos inadequados de ocupação
urbana e suas consequências, como ocupações irregulares em áreas de preservação,
formação de áreas de risco à população, pressão antrópica nos mananciais
comprometendo a qualidade das águas urbanas, entre outras.

No Plano Diretor do Município de São Carlos de 2005, a dimensão ambiental e, em


específico, a questão da proteção dos recursos hídricos foram elementos que
contribuíram na definição das unidades de planejamento e gestão para o
ordenamento territorial urbano, principalmente para áreas localizadas fora do
perímetro urbano, contemplando o território do município como totalidade. Tais
evidências, que se encontram nas diretrizes gerais para o ordenamento territorial do
município do documento, enfatizam que o macrozoneamento e o zoneamento do
município deveriam delimitar, proteger e recuperar áreas de preservação ambiental
(PDMSC, 2005).

No macrozoneamento, nas áreas consideradas de transição entre o meio rural e o


meio urbano, e de maior tendência para a expansão urbana, foram propostos
299
parâmetros diferenciados de ocupação e instrumentos de regulação da alteração de
uso. Nas áreas de mananciais foi prevista a possibilidade de existência de atividades
compatíveis com a manutenção e a preservação do patrimônio ambiental, bem como
o estabelecimento de parâmetros mais restritivos de parcelamento, uso e ocupação
do solo que garantissem a integridade ambiental.

Enquanto a questão ambiental e a delimitação por bacias hidrográficas estiveram


presentes na definição de zonas localizadas no meio rural, esses aspectos não foram
os fatores prioritários que embasaram a definição do zoneamento urbano. As
temáticas norteadoras nesse caso focaram, sobretudo, os aspectos relacionados à
capacidade de infraestrutura instalada, a concentração e a densidade populacional,
e a presença de acessos, barreiras e transposições viárias. Em consonância com essa
perspectiva, a tônica do adensamento urbano pautou a priorização de uma cidade
mais compacta tentando evitar o histórico de implantação de loteamentos dispersos
e descontínuos e estimular o preenchimento dos vazios urbanos e a diversidade de
usos.

Em paralelo ao macrozoneamento e ao zoneamento urbano, uma segunda


classificação territorial foi construída para o município de São Carlos estabelecendo
as Áreas de Especial Interesse (AEIs). Essas áreas compreendem porções do território
que exigem tratamento especial por destacar características particulares
(ambientais, sociais, históricas), cumprindo funções específicas no planejamento e
no ordenamento do território, complementando o zoneamento por meio de normas
especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo.

As Áreas de Especial Interesse Ambiental tiveram seu foco na proteção das áreas de
fundo de vale como as Áreas de Preservação Permanente, nascentes e corpos d’água.
Foram priorizadas áreas próximas aos mananciais, áreas com vegetação significativa
e paisagens naturais notáveis, áreas de reflorestamento e de conservação de
parques. Outra categoria de AEIs associou dados, aproximando-se do debate
contemporâneo do significado de Ambiente, valorizando os atributos Turísticos,
Históricos e Ecológicos. Tais áreas procuraram incentivar a preservação de
propriedades históricas relacionadas ao ciclo cafeeiro localizadas em regiões com
características turísticas e ecológicas relevantes.

300
A principal qualidade do documento produzido em 2005 era sua potencial
organicidade. Em primeiro plano destacava-se a qualidade das cartografias e textos
produzidos, que procuravam expressar os dados de forma que não apenas
pesquisadores, gestores ou governantes pudessem ter acesso às informações, mas
que os cidadãos pudessem participar desse movimento de esclarecimento acerca de
sua cidade e município. A perspectiva era aquela na qual a geografia física, relevo,
hidrografia, vegetação e a ocupação urbana participavam do processo de leitura e
compreensão do território como informações relevantes, sendo transformados em
norteadores de decisões e políticas públicas relacionadas ao Município de São Carlos.

Havia, por parte desse documento, que expressa disposições de um agente público,
clara intenção de modelar a forma urbana. No que tange aos aspectos ambientais,
vale ressaltar que o processo de elaboração do Plano Diretor Municipal, (PDMSC,
2005) evidenciou importantes elementos para a proteção ambiental em escala
urbana e municipal.

Nesse momento, o planejamento e projeto de um Sistema de Espaços Livres, que não


era assim nominado, mas que em sua estratégia ensaiava essa disposição,
apresentava-se como importante meio na adequação e convergência do original
embate entre meio físico e ocupação urbana.

No decorrer desses anos da vigência e aplicação do PDMSC 2005, avanços se tornaram


visíveis, principalmente relacionados à chamada gestão do cotidiano: pela ausência
histórica de vigência de um Plano que fosse parâmetro para a ocorrência de
ocupações, a prática resolvia caso a caso os parcelamentos num regime de trocas e
favorecimentos; o disciplinamento do parcelamento rompeu a lógica de descontrole
e demandas parciais sobre o uso e ocupação do solo.

Embora estivesse evidente a grande parte da opinião dos segmentos que atuam na cidade
essa presença inovadora de um controle legal sobre o território, as lacunas e
ambiguidades presentes e, em especial, a pressão exercida pelo poder econômico
ligado aos proprietários de terra provocou a retomada do poder pelos setores mais
comprometidos com o capital, o que resultou em um retrocesso na gestão do uso e
ocupação do solo de São Carlos.

301
Dez anos se passaram da aprovação do PD 2005 e a exigência de Revisão do Plano
Diretor Municipal, que se tornava evidente e necessária; o prazo máximo previsto
estava se extinguindo em acordo com o artigo 39 do Estatuto da Cidade (Lei Federal
10.257/2001). Contudo, nesse momento, o cenário da gestão pública era muito
diferente do relatado em 2005. Em 2015, as pressões dos setores ligados ao capital
imobiliário são mais intensas e os agentes privados se articularam para participar
ativamente do modelar da forma urbana.

Em 2011, havia sido firmado através do Processo Administrativo entre a Prefeitura


Municipal e o Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
(PA 12.278/2011) uma parceria para realizar um estudo base para a revisão. O
resultado foi entregue, mas havia ocorrido alteração política nas eleções, e o
trabalho não seria incorporado ou levado adiante para aprovação em Camara, pois
ele não representava os anseios e interesses da gestão agora no poder.

O processo de revisão é iniciado uma vez mais e ocorrerá de fato, agora liderado
pela Prefeitura Municipal e seu corpo técnico. Contudo, seu desenvolvimento se
mostrou pouco comprometido com a totalidade dos cidadãos e, graças à pressão da
sociedade civil e do Ministério Público, medidas são tomadas para que ocorra de
forma participativa e pactuada. Este processo acarretou a formação do Núcleo
Gestor Compartilhado (NGC), instância representativa e participativa, que buscou
contribuir e qualificar o debate sobre o desenvolvimento e as consequências e
impactos socioambientais na paisagem urbana e municipal, tendo em vista aspectos
relacionados em especial à morfologia e ao sistema de espaços livres. Certamente
este foi um espaço de inúmeros conflitos e jogos de interesses ancorados por fortes
pressões dos setores do capital privado.

Em 19 de dezembro de 2016 é publicada a Lei 18.053 que estabelece o novo Plano


Diretor do Município de São Carlos, trazendo uma lógica de ocupação e expansão
urbana, contrária ao discurso de uma cidade mais compacta e favorável ao
espraiamento e descontinuidade urbana e periurbana, que poderão, em muito,
alterar a paisagem e agravar as consequências socioambientais na forma urbana do
território.

302
Esse trabalho procura analisar a qualidade desse movimento, tendo como fio
condutor o Sistema de Espaços Livres, (SELs), e sua relação com os agentes, públicos
e privados, na produção da forma urbana. Para compor, num primeiro momento,
esse quadro de análise crítica da cidade de São Carlos busca-se conhecer suas
características físicas e processos históricos e, a partir das interações, conflitos ou
convergências, entre a natureza física e a ocupação desse território construídas ao
longo do tempo, contextualizar e desvendar o desenvolvimento urbano aqui
recortado. Para tanto, alguns elementos-chave serviram de base para a investigação,
especialmente relacionados à gestão municipal e ao processo de Revisão do Plano
Diretor Municipal: 1. O Plano Diretor Municipal de 2005 (SÃO CARLOS, 2005); 2. O
documento produzido pelo Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo, IAU – USP, em parceria com técnicos da Prefeitura de São Carlos
(PMSC/FUSP, 2011 e 2012). 3. Os documentos produzidos pelo Núcleo Gestor
Compartilhado; 4. O Plano Diretor Municipal de 2016 (SÃO CARLOS, 2016).

2. Caracterização geral

2.1. A inserção da cidade no território e suas características gerais:


suporte biofísico, morfologia e fragilidades ambientais

O Município de São Carlos está situado no planalto que se segue à Depressão


Periférica indo para o interior do Estado de São Paulo, a 236 km da capital. Contando
com 1.140,9 km2 de área, apresenta aproximadamente cerca de sete por cento de
seu território urbanizado. A cidade está cercada de terras rurais e dista
aproximadamente 10 km de Ibaté e 30 km de Araraquara, cidades mais próximas na
direção Oeste. O zoneamento do atual Plano Diretor da cidade, na revisão aprovada
em 2016, aponta para uma possível conurbação com o município de Ibaté, tendo em
vista o vetor de expansão urbana no sentido noroeste consolidado ao longo desses
últimos dez anos a partir do Plano de 2005.

Com altitudes médias variando entre 700 e 900 metros o Município tem seu território
localizado em um dos divisores de águas do Estado de São Paulo, sendo caracterizado
por importante rede hídrica. As qualidades físicas do território distinguem especiais
características de ocupação e revelam uma geografia que torna a paisagem desse
trecho do Estado uma experiência memorável. Importantes fragmentos de

303
preservação ambiental e áreas de turismo ecológico estão presentes na região, como
a Área de Proteção Ambiental Corumbataí, a Represa do Broa e Estações Ecológicas.
As formações vegetais encontram-se em área de transição entre o Cerrado paulista
e a Floresta Estacional Semidecidual. Nelas ocorrem diversas espécies de flora e
fauna ameaçadas de extinção, sendo que sua porção centro-sul foi classificada pelo
programa BIOTA/FAPESP como prioritária para a restauração e conservação de
biodiversidade no Estado de São Paulo (MMA, 2003).

Figura 02: Áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, com destaque para a região de
São Carlos. MMA, 2003.

Trata-se de território com grande quantidade de afloramentos hídricos, e, embora


estando sobre o aquífero Guarani, essas nascentes são pouco caudalosas merecendo,
portanto, grande cuidado em sua conservação e manutenção.

304
Figura 03: Bacias Hidrográficas do Município de São Carlos. PDMSC, 2005.

Essa condição geográfica revela, justamente por existirem áreas de recarga de


aquífero, características dos solos em geral frágeis e terrenos facilmente sujeitos à
erosão. Os mapeamentos geotécnicos realizados mostram grande parte do vetor sul,
sudeste e sudoeste da cidade, como inadequados para o assentamento urbano,
(PDMSC, 2005).

305
1970 2005

2017

Figuras 04, 05 e 06: Processo de ocupação da região sul da cidade de São Carlos em 1970, 2005 e
2017. Teia-casa de criação, 2002 e imagem Google Earth Pro, 2017.

306
Figuras 07 e 08: Padrões periféricos e transformações da paisagem: descontinuidade, vulnerabilidade
social e ambiental. Teia-casa de criação, 2002.

Figuras 09 e 10: Loteamentos sociais e córregos assoreados e loteamentos sociais e fragmentos de


cerrado. Teia-casa de criação, 2002.

2.2 Desenvolvimento econômico e expansão urbana: morfologia e


centralidades

A cidade de São Carlos teve seu desenvolvimento original associado à economia do


café, ocorrida no Brasil a partir de meados do século XIX. A morfologia em grade
proposta originalmente para a cidade denota a presença de um plano elaborado a
partir de paradigmas da época: a engenharia e a técnica traçavam malha ortogonal
sobre terreno com aclives e declives, com intenção de ordenamento do território.

Essa característica de relevo acidentada, os córregos presentes nesse sítio, assim


como o limite imposto pela linha férrea que serpenteava buscando cotas apropriadas,
contribuíram para uma solução de desenho urbano de morfologias justapostas. Os
rios e os trilhos, limites natural e artificial, alteravam a disposição das ruas,

307
truncando a continuidade do traçado regular, contribuindo assim na conformação de
bairros com distintas ocupações.

Figura 11: Cidade de São Carlos. Praças centrais e Córrego do Gregório.


Fundação Pró Memória, 1956.

Contudo, e a despeito do relevo, um grande eixo estrutura a cidade e dá à sua


morfologia singularidade, a Avenida São Carlos, que corta de Norte a Sul o território
urbano e tem em três pontos eixos transversais que compõem uma estrutura
reconhecível.

308
O primeiro deles, a Sul, é um dos acessos à cidade, vindo pela Rodovia Washington
Luís numa situação de cumeeira: a Avenida Getúlio Vargas, que termina no que seria
uma das pontas da Avenida São Carlos. O segundo dos eixos, indo para Norte e numa
situação de vale, reúne a presença do Córrego do Gregório e suas marginais e a
sequência de praças históricas do desenho urbano original da cidade, que ainda
permanece como principal centralidade da cidade.

Figura 12: Em vermelho os principais eixos viários urbanos e periurbanos: 1. Rodovia Washington
Luiz (SP-310); 2. Rodovia Thales de Lorena Peixoto Júnior (SP-318) ; 3. Avenida São Carlos; 4. Linha
férrea; 5. Rodovia Luiz Augusto de Oliveira (SP-215) . Em amarelo os principais eixos estruturantes da
cidade de São Carlos: 1. Avenida São Carlos-Getúlio Vargas; 2. Córrego do Gregório; 3. Binário Rua
Carlos Botelho e Rua XV de Novembro; 4. Córrego Tijuco Preto; 5. Avenida Miguel Petroni.

Novas centralidades surgiram no decorrer das últimas décadas, alicerçadas às novas


vias que estruturam a expansão urbana. Uma destas centralidades situa-se no binário
entre as Ruas Dr. Carlos Botelho e XV de Novembro, divisor de águas entre os
309
Córregos do Gregório e do Tijuco Preto, demarcando o terceiro eixo transversal à
Avenida São Carlos. Esse binário apresenta o eixo mais significativo de verticalização
da cidade e é composto por edifícios residenciais e estabelecimentos comerciais e
de prestação de serviços. É também importante eixo de ligação entre bairros de elite
e instituições da cidade como a Santa Casa e a Universidade de São Paulo, Campus
1.

Há um quarto eixo transversal, no que seria novamente a situação de vale provocada


pelo Córrego do Tijuco Preto, mas que permanece truncado em sua percepção uma
vez que a situação de descida foi alterada pela construção de um viaduto por onde
passa a Avenida São Carlos, o rio remanesce canalizado e tamponado nesse trecho.

Um nova centralidade distante da Avenida São Carlos que se consolidou nas últimas
décadas, e que estabelece uma ligação direta com o eixo do Córrego Tijuco Preto,
localiza-se em outro eixo viário composto pela Avenida Miguel Petroni que vem sendo
cada vez mais utilizada por fazer a única ligação com o principal vetor de expansão
noroeste da cidade, abrangendo o acesso a duas universidades (o do Campus 2 da
USP e a UNICEP), hipermercados, novos loteamentos e condomínios fechados.

O sistema viário se apresenta desarticulado em relação a ligações transversais e


termina por concentrar o tráfego em eixos que passam pela área central.

Tendo em vista essa questão, por ocasião da feitura do Plano Diretor de 2005, PDMSC
2005, foi proposto um anel perimetral, que procurava realizar ligações sem passar
pelo centro. Esse anel foi construído parcialmente através de longas negociações,
uma vez que se articulava pelas marginais dos córregos da cidade. Trechos de sua
implantação foram inviabilizados pelo Ministério Público por ferirem a legislação
ambiental, sendo objeto de TACs, (Termo de Ajustamento de Conduta), que
resultaram em trocas de grande interesse para a cidade com projetos de parques e
a implantação de um deles, o Parque do Kartódromo.

310
Figura 13: Expansão Urbana e Áreas de Preservação. SÃO CARLOS, 2002.

Na atualidade, tendo em vista a pressão pelo deslocamento ainda pautado no


transporte individual de carros, existiu a retomada pelo poder público eleito de obras
de construção de vias marginais aos córregos, tendo como argumento fundamental a
questão do desenvolvimento e as avenidas marginais serem condição necessária para
estruturar a mobilidade da cidade. Essas ações foram denunciadas por agentes da
sociedade civil e embargadas pelo Ministério Público.

O que se assiste é o já clássico embate entre legislação ambiental e ocupação


urbana, numa formulação que só poderá ser equilibrada se o papel do planejamento
for restaurado como peça fundamental do desenvolvimento.

Ainda o que se pode observar, a respeito dessa forma urbana que hoje se espraia e
expressa a ausência de um planejamento engajado às questões ambientais presentes
na urbanística contemporânea diz respeito à relação adensamento e morfologia.

Historicamente, até 1940 a cidade se mostrava compacta, com uma grande


facilidade de deslocamentos gerada por distâncias curtas. De 1950 em diante, no
entanto, ela recebe ampliação sem precedentes.
311
Com as eleições livres em 1947, o prefeito passou a exercer a gestão urbana, tendo
no setor industrial o representativo controle dos poderes públicos municipais. Essa
parceria induziu o crescente processo de expansão territorial urbana. Grandes
incentivos públicos aos emergentes setores urbanos e industriais foram feitos e
começaram a surgir novos loteamentos de propriedade dos agentes sociais
representantes da indústria e do comércio. Na década de 70, os “parcelamentos
espontâneos” foram o lugar comum dos processos de loteamento, cujo processo de
implantação não dependia da aprovação de órgão competente claramente
designado.

Especialmente nas décadas de 80 e 90 houve cumplicidade e conivência entre poder


público e empreendedores imobiliários, sob o ponto de vista das condições urbanas,
o que evidenciava a desresponsabilização informal da Prefeitura para com as
necessidades sociais expressas no âmbito do processo de produção e distribuição dos
meios de consumo coletivos urbanos. Esse período caracterizou-se por um momento
de aumento significativo da população e expansão descontínua rumo à periferia em
um quadro morfológico já descrito e que reúne fragilidades ambientais e
vulnerabilidades sociais.

Assim, a expansão físico-territorial da cidade teve como lógica uma ocupação


pautada na implantação de loteamentos em áreas descontínuas que beneficiavam os
interesses dos grandes donos de terras, a atuação especulativa do mercado
imobiliário e do próprio governo. A imagem resultante desse processo é bastante
comum às cidades brasileiras que sofrem processos acelerados de expansão, uma
colcha de retalhos com morfologias em grade muitas vezes em conflito com o relevo,
com a presença, em maior, ou menor tamanho, de glebas ainda por lotear.

312
Figura 14: Expansão da Área Urbana de São Carlos. TÃO, 2017.

313
O crescimento urbano a partir do traçado primeiro também parece ter seguido a
lógica de expansão da maior parte dos municípios brasileiros: glebas de terra postas
a parcelamento quando da proximidade com a cidade; trechos de terra deixados no
meio do caminho à espera de valorização para entrada no jogo urbano em melhores
condições de valor, (ROLNIK, 2003). As cidades sendo construídas pela decisão de
parcela da população, notadamente aquela que possui o poder e as terras,
(MARICATO,2000).

Em termos morfológicos cumpre ainda mencionar, em relação ao fenômeno de


expansão urbana, as diferentes periferias da cidade atual, consolidando a segregação
sócio espacial apontada no Plano Diretor de 2005: a região Norte da cidade vem
sendo ocupada por empreendimentos de alto padrão, notadamente condomínios
fechados, cujo desenho muitas vezes acompanha a consagrada morfologia de ruas
curvilíneas, mas observa-se também a presença de outro padrão morfológico em
condomínio fechado, com arruamento de parcelamento retilíneo para maior
otimização da terra, fruto do financiamento do Programa Minha Casa Minha Vida,
PMCMV faixas 2 e 3.

Figura 15: Limites da cidade de SC ao Norte, PMCMV faixa 3.


Oficina QUAPÁ, 2014.
314
Ao Sul, nos espaços distinguidos como de grande fragilidade ambiental, (PDMSC
2005), localizam-se os loteamentos populares consolidados desde a década de 70, e
o PMCMV faixa 1, cujo padrão morfológico se repete nas periferias de muitas cidades
brasileiras.

Figura 16: Vista aérea da região Sul da cidade de São Carlos.


Oficina QUAPÁ, 2014.

2.3. O Sistema de Espaços Livres

A quase totalidade da área urbana de São Carlos se inscreve na bacia hidrográfica


do Monjolinho, rio central que atravessa a cidade e que por sua vez recebe uma
significativa rede de córregos urbanos. Esta rede, que conforma a cidade e dá forma
a boa parte de seus espaços livres, apresenta-se fundamentalmente sob dois
registros: ou os córregos foram canalizados e receberam vias às suas margens, ou
foram além de canalizados, tamponados. Há ainda os que permanecem como pontos
cegos, (LEFEBVRE, 2008), a espera de visibilidade e possível projeto que, no mais das
vezes, a partir da prática cultural, implica na canalização, a despeito das
potencialidades de criação de espaços livres qualificados que representam.
315
Figura 17: Canalização do Córrego do Gregório. Fundação Pró Memória, década de 50.

Estudos realizados acerca do processo de expansão urbana e áreas de proteção


ambiental ligadas a esses córregos (PDMSC, 2005; FELICIO, 2014), atestam aquilo que
a historiografia da paisagem já consolidou como invisibilidade dos rios urbanos,
(SPIRN, 1995; HOUGH, 2003; BARTALINI, 2006).

O processo de urbanização da cidade de São Carlos ao canalizar e tamponar boa


parte dos cursos de água e tornar invisíveis seus córregos, referendando modelos de
uma prática em planejamento, solucionou problemas de circulação e transporte
realizando vias ao longo, ou por sobre rios, que de modo geral, eram historicamente
os espaços livres que restavam no processo de urbanização consolidada, (SOMEKH &
CAMPOS, 2008).

Porém, os fatos testemunham que outros problemas surgem no período das chuvas:
desastres, enchentes e alagamentos. A ação que resolvia os problemas de
mobilidade, criava outros relacionados às enchentes e drenagem. Essa realidade
mostra aos cidadãos que as águas ainda permanecem na cidade e que os modelos
adotados precisam ser revistos.

316
Figuras 18, 19, 20 e 21: Enchentes na área central em diferentes anos em São Carlos,
Fundação Pró Memória.

O que se pode observar em relação aos espaços livres em geral, que não os ligados
aos Córregos, protegidos pela legislação de Proteção Ambiental na cidade de São
Carlos é a constatação daquilo que é comum a muitas cidades brasileiras submetidas
ao processo de desenvolvimento em curso há décadas no País: a norma federal, (Lei
Federal no 6.766/1979), versa sobre a quantidade de espaços que devem ser
destinados a determinados usos.

Parece ser estratégico que a quantidade imposta pela Lei, seja desdobrada em
qualidade a partir de diretrizes específicas aos diferentes territórios urbanos:
diretrizes inclusive para que a disposição desses espaços na cidade possa receber um
olhar que os articule como um sistema. Desse modo as questões técnicas de
mitigação dos problemas poderia receber tratamento de maior fôlego, articulando
espaços e constituindo uma rede de lugares que operassem nas duas dimensões que
fundamentam o campo disciplinar da paisagem: infraestrutural e de convívio social,
fruição e contemplação.
317
O Plano Diretor aprovado em 2005 pretendia, a partir de seu discurso, inaugurar
novos modelos para os espaços livres na cidade: em termos de gestão pública
municipal houve a proposta da criação de um sistema de espaços verdes e
revalorização das águas urbanas, fazendo uso do instrumento relacionado às Áreas
de Especial Interesse Ambiental.

Essa perspectiva que pretendia instalar novos espaços verdes qualificados na cidade
procurava atenuar o impacto causado pela ocupação de fundos de vale com Avenidas.
Associados aos espaços verdejados estariam lugares de recreação e descanso, os
parques mencionados anteriormente, numa clara intenção de aliar lazer e
preservação. Contudo a efetividade dessa ação deveria contar com a manutenção
das ações implantadas e a construção dos projetos contratados, o que não se
consolidou.

Em relação aos parques, a cidade conta com apenas dois intra-urbanos e


relacionados ao PDMSC de 2005, que inaugura o Parque do Kartódromo e incentiva o
uso do Parque do Bicão, construído na década de 1980, que passa nesse período por
reformas e recebe eventos para reativar a frequentação. O Parque Ecológico da
Federal está na periferia da cidade e tem acesso mais restrito, embora seja bastante
visitado nos finais de semana.

A qualidade do desenho urbano dos espaços livres relacionado às praças em São


Carlos parece estar ligada a uma época, um período histórico no qual o espaço livre,
notadamente público desempenhava importante papel social na cidade. Esses
espaços, históricos de memória e patrimônio, permanecem com grande uso na sua
maioria, especialmente os relacionados às centralidades.

Ruas e Avenidas compõe um sistema de espaços livres com foco no transporte viário
expressando o acompanhamento da lógica nacional de ampliação do uso de carros.
Esse uso estrutura a cidade, mas suas potencialidades ainda não estão plenamente
exploradas, especialmente em termos ambientais e socioculturais. Suas condições
de impermeabilização e arborização urbana, que vem ao longo dos anos sendo
suprimida, podem ser alteradas e associadas à rede de reservas ligadas aos Córregos
da cidade de modo a constituir um Sistema de Espaços Livres de maior complexidade
ambiental.
318
Figura 22: Avenida São Carlos. Oficina QUAPÁ, 2014.

Recentemente, ocorreu uma iniciativa do poder público que pode potencializar a


criação deste sistema a partir da articulação de espaços livres. A promulgação do
Decreto 170, de julho de 2017, criou sete Parques Urbanos de Proteção, Lazer e
Educação Ambiental com área total 2.256.500 m² (dois milhões, duzentos e
cinquenta e seis mil e quinhentos metros quadrados) localizados em área urbana e
periurbana de São Carlos. O decreto descreve as finalidades destes parques que são:
a proteção dos remanescentes de Mata Atlântica e Cerrado; a realização de pesquisa
científica e capacitação técnica; a formação de corredores regionais de
biodiversidade; a realização de atividades de educação ambiental e o uso público
para atividades culturais e educacionais, recreação e lazer.

O decreto cria a ideia, mas não instala os lugares, a exceção dos dois já existentes.
Há todo um trabalho de leitura das áreas e articulação, associada à investigação de
outras áreas necessárias para a consolidação do sistema que demandam intensa
pesquisa, especialmente no que diz respeito à programação dos lugares, a partir de

319
aptidões e demandas. Como desdobramentos desta iniciativa, foi criado o Grupo de
Trabalho de Planejamento dos Parques Urbanos, coletivo de voluntários ligados às
Universidades e instituições que procurará, sobretudo, elaborar uma proposta de
Sistema de Espaços Livres para São Carlos.

3. O papel dos agentes na produção dos espaços livres e edificados

3.1. Industrialização e crescimento urbano: principais agentes de


produção da forma urbana

A cidade de São Carlos participa do movimento explicitado pelos índices urbanísticos


colhidos pelo Censo nas últimas décadas e que mostram que a rede urbana brasileira
vem passando por mudanças significativas desde a década de 1980. A despeito das
evidências de diminuição do ritmo de crescimento da população brasileira, (de 2,48%
em 1980, e 1,89% em 1991, em escala mais acentuada nas regiões metropolitanas),
a população ainda cresce, e vem ocupando novos espaços no território: como
contraparte da redução do ritmo de crescimento da Região Metropolitana de São
Paulo, o crescimento das cidades do interior.

Segundo a Revisão do Plano Diretor do Município de São Carlos realizada no ano de


2012 pelo FUSP/PMSC, os Censos de 2000 e de 2010 reafirmariam o processo; a taxa
de crescimento populacional do Brasil alterou-se de 1,63 % em 2000 para 1,17 % em
2010, e a de São Paulo teve números mais expressivos na diminuição, 0,96 em 2000,
e 0,75% em 2010.

ANO 1950 1960 1970 1980 1991 2000 2010

Municípios/
De 100.001
número de 35 57 83 124 162 193 245
a 500.000
população

Número de
municípios 1889 2766 3952 3991 4491 5507 5565
no Brasil

Tabela 01: Censo demográfico 1950 a 2010. IBGE.

320
A participação do Estado de São Paulo no total da população nacional vem se
mantendo em torno de 21%, manutenção deste patamar associa a queda no ritmo de
crescimento na metrópole, ao aumento do crescimento nas cidades do interior, em
especial as com população entre cem e quinhentos mil habitantes.

Esses números relacionados ao crescimento demográfico podem ser associados ao


desenvolvimento sócio-econômico da cidade de São Carlos, atualmente com 246.000
habitantes, (IBGE, 2017), e que teve precoce alteração em relação à passagem do
modelo agrário para o industrial.

Mesmo antes da instalação de uma política nacional de desconcentração da indústria,


ocorrida no Plano Nacional de Desenvolvimento, o II PND da década de 1970, a cidade
apresentava iniciativas por parte da elite, na implantação de bases industriais
importantes em termos nacionais. Data desse período, que se inicia na década de
1950 com a fundação da Escola de Engenharia da Universidade de São Paulo, a
intensa relação que se estabelecerá entre indústria e universidades, materializada
sob a forma de importantes instituições de ensino e pesquisa instaladas no território
da cidade.

O SENAI viria para São Carlos em 1951; a Universidade Federal de São Carlos seria
fundada em 1967, e o primeiro Parque Industrial da cidade data de 1972. Esse
desenvolvimento seria ampliado através do Plano Nacional de Cidades Médias de
1976, que fomentou a criação de uma rede de infraestruturas que procuraria
alicerçar e conduzir esse processo; o fomento incluía então, a ampliação e melhoria
da malha rodoviária; em nível urbano a disponibilização de verbas para a construção
de indústrias, pavimentação de ruas e criação de escolas técnicas.

Ainda acerca da investigação das instituições presentes em território urbano cabe


ressaltar a fundação da EMBRAPA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária em
1984, no mesmo ano em que a CNPq escolhe e convida a cidade de São Carlos para
integrar a rede de polos tecnológicos do Estado de São Paulo. Em 1988 caberia ao
poder público criar o Centro Empresarial de Alta Tecnologia, o CEAT.

A partir de 2007 teve início o processo de concepção e implantação do projeto


denominado “Cidade da Energia”, um complexo que deveria abrigar centros de

321
pesquisa em energia limpa, pavilhão de exposições, centro de convenções e áreas
para cultivos experimentais destinados a testes de equipamentos e máquinas
agrícolas. Em 2008, o poder público participa da criação do São Carlos Science Park,
às margens da Rodovia Washington Luís.

Porém, todo esse desenvolvimento técnico, cultural e econômico não encontra


paralelo em relação à cidade e sua estrutura, como atestam os movimentos
relacionados à pretensa instalação e falência de processos de planejamento e gestão
do território urbano ao longo dos anos.

Historicamente, diversos agentes públicos, produtores da forma urbana planejaram


e geriram por décadas esse território, desconsiderando a presença dos atributos
naturais no desenho da cidade, promovendo em determinados momentos um modelo
de cidade dispersa, com incentivo à periferização e segregação. Articuladas a essas
ações, constata-se a presença do patrimonialismo urbano, fundado na coalizão de
interesses presentes nos circuitos da acumulação urbana, representados pelas
empreiteiras de obras públicas, concessionárias dos serviços públicos e as empresas
do mercado imobiliário (RIBEIRO, 2011).

Configurou-se assim, uma realidade urbana sob a generalização de um padrão de


moradia para as camadas da população de menor poder aquisitivo associado a uma
modalidade de agir dos investidores imobiliários, consubstanciados na figura dos
empreendedores imobiliários, dos proprietários de grandes glebas suburbanas e
rurais e também de capitalistas industriais locais.

A decisiva instauração de um padrão de acumulação do capital acabou gerando uma


dinâmica de ocupação urbana calcada no aprofundamento da segregação sócio
espacial, pela geração de bolsões periféricos, e na definição de um padrão de
habitação popular baseada no trinômio: loteamento periférico irregular, casa
própria, autoconstrução (DEVESCOVI, 1985). A produção de loteamentos para a
população de baixa renda passou a crescer rapidamente, e tornou-se um
investimento lucrativo, desde que realizado de forma precária em terras baratas.

Foi somente na segunda metade da década de 1950, que os reflexos negativos do


desenvolvimento urbano da cidade começaram a interferir na administração e na

322
opinião pública do município que procuraram exigir mecanismos necessários para os
poderes públicos intervirem nas atividades imobiliárias (ABREU, 2000).

Contudo isso não se dá forma linear, como não existia nenhum impedimento legal e
instrumento de controle até 1970, os loteamentos realizados próximos aos limites da
área urbana tornaram-se cada vez mais comuns, (LIMA, 2008). A omissão do agente
público através da não distinção de órgão competente para aprovação participou
ativamente na construção da forma urbana de modo vicioso.

Houve cumplicidade e conivência do poder público com os empreendedores


imobiliários, sob o ponto de vista das condições urbanas, que evidenciava a
desresponsabilização informal da Prefeitura para com as necessidades sociais
expressas no âmbito do processo de produção e distribuição dos meios de consumo
coletivos urbanos.

Esse período caracterizou-se por um momento de aumento significativo da população


e expansão descontínua rumo à periferia.

Figura 23: Vista aérea da região central para o Sul da cidade de São Carlos. Oficina QUAPÁ, 2014.

3.2. Produção dos espaços livres e edificados e impactos da legislação

O cenário histórico de conflitos e ambiguidades é o motor que une esforços de


institucionalização do planejamento urbano em São Carlos, vinculando-se ao
momento em que se constitui o cenário para a elaboração de um Plano Diretor que
pudesse orientar o crescimento futuro e embasar o conjunto de leis sequenciais
relativas ao parcelamento, uso e ocupação do solo.

323
O Plano Diretor Municipal, PDMSC, aprovado em 2005, apresentou estratégias e
instrumentos urbanísticos que procuravam valorizar as funções sociais da cidade e
da propriedade, bem como a promoção de um modelo de ocupação do solo que
considerasse aspectos ambientais no planejamento urbano.

Uma ação que pode ser relacionada à qualidade urbanística pretendida, uma vez que
implicava na gestão da terra urbana através de índices e análise do tipo de ocupação,
bem como na sua destinação social, foi aquela, relacionada ao incentivo à ocupação
de vazios urbanos e contenção do espraiamento territorial (instrumento
urbanístico outorga de alteração de uso do solo).

Outras duas ações podem ser ressaltadas, e que desempenharam importante papel
nas características ambientais do município: a primeira delas diz respeito à
contenção da ocupação de chácaras de recreios, cuja realidade demonstrava ser
potencialmente capaz de gerar novos bairros, afastados da malha urbana original. A
segunda delas procurava constranger a permissividade na lógica de implantação de
condomínios fechados, que até finais da década de 1990 eram poucos, mas que a
partir de 2000 tornam-se modelo de ocupação de grande procura.

A orientação e o crescimento urbano efetivamente ocorrido evidenciaram e


reforçaram duas tendências que vinham apresentando indícios na cidade: uma
expansão sentido Norte e Noroeste, tendo como principal mercado uma faixa de
população de alto poder aquisitivo na busca por moradia em novos bairros ou
condomínios fechados e, no sentido Sul, uma maior concentração de loteamentos
para população de baixa renda (PERES, 2012).

A cidade atual é fenômeno que se expande em várias direções. O vetor Sul,


desaconselhado no Plano Diretor de 2005 como ambientalmente frágil, recebe
loteamentos e a periferia se amplia sobre área de recarga do Aquífero; grandes
empreendimentos privados, sob a forma de condomínios fechados e parques
tecnológicos são consolidados no vetor norte; hipermercados e grandes lojas são
construídos ao longo dos eixos como avenidas estruturais e da própria rodovia
Washington Luís, que já participa da trama viária como meio de deslocamento.
Vazios urbanos são deixados em meio a esse processo, o modelo de desenvolvimento
se atualiza, referenda lógicas antigas e apresenta novas complexidades.
324
A partir de meados de 2009, novos agentes começaram a surgir no cenário regional
e municipal de São Carlos; o território urbano, na contramão das prerrogativas do
Plano de 2005, se expandiu fortemente financiado inclusive pelo Estado, em especial
através dos financiamentos do Programa Minha Casa Minha Vida do Governo Federal,
agente que participa da consolidação da segregação sócio espacial entre Norte e Sul
constatada à época.

O governo, um dos agentes de maior impacto na alteração do território da cidade


nos últimos anos é algo que vem sendo revelado não apenas como “parceria” público-
privada, mas, propriamente: uma fronteira de indistinção entre as formas de
produção destinadas à produção da habitação de interesse social e aquelas voltadas
para a habitação de mercado, formando uma zona intermediária híbrida: a
habitação social de mercado (SHIMBO, 2012, p.3).

325
Figura 24: Vista aérea da região Sul da cidade de São Carlos. PMCMV, faixa 1, conjuntos Abdelnur e
Zavaglia. Imagem trabalhada por Renan Santos Gomez a partir do Google Earth, 2017.

326
A percepção de que o Programa Minha Casa Minha Vida incorpora a lógica mercantil
à produção de Habitação Social inaugura um período de crítica às possíveis soluções
para o problema do seu planejamento e construção em nosso País: o Estado, e toda
uma ordem de razões, escolhe financiar e facilitar a atuação e fortalecimento de
incorporadores e construtores privados. A vinculação entre o Programa Minha Casa
Minha Vida e grandes empresas de âmbito nacional, a produção regional do programa
que engloba o território que vai das cidades de Ribeirão Preto a São Carlos revela o
protagonismo dos agentes públicos federais no planejamento, construção e expansão
da cidade; de fato, a vinculação das ações entre o governo e o Capital.

A área Norte da cidade, com maior infraestrutura e renda, recebe implantações do


Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV faixas 2 e 3); e a área Sul, onde se
implantam os conjuntos de Habitação de Interesse Social, locais de alta
vulnerabilidade social, fragilidade ambiental, distantes do centro e carentes de
infraestrutura, recebem os aportes do PMCMV, faixa 1.

Figura 25: Espaços livres, PMCMV, faixa 1, região Sul da cidade de São Carlos.
Luciano Bernardino da Costa, 2017.

327
Em relação ao Sistema de Espaços Livres que vem sendo produzidos a partir desse
processo, alguns aspectos podem ser observados. As implantações realizadas na
periferia sul da cidade, constrói modelos bastante conhecidos da Habitação Social:
casas isoladas em pequenos lotes, ruas que se resumem ao leito carroçável. Aquilo
que aparece nos projetos como praça são espaços livres desqualificados a espera de
projeto ou construção. O principal fato geográfico desse território, em
descontinuidade com a cidade, desvela um vale vegetado de grande potencial
paisagístico, que remanesce à espera de um projeto de parque que reuniria, dada
sua escala, qualidades de conservação, desempenho infraestrutural e de recreação.

No outro extremo, ao Norte, são construídas benfeitorias como a implantação do


Hospital Escola, por Agentes Públicos, realizada com verbas federais e municipais,
que carreia toda uma modificação na paisagem, provocando a valorização do
entorno. A esse movimento se alinham as escolhas realizadas não apenas por outros
capitais de natureza privada, como os condomínios e parques tecnológicos
mencionados, mas também as ampliações das Universidades Públicas presentes no
município. A Universidade de São Paulo, USP, consolida, a partir de 2002 a
construção do Campus 2, na franja do território urbano a Noroeste, em bairro
originalmente legado às classes com menor poder aquisitivo, mas que a partir de
então apresenta a vizinhança dos condomínios de maior padrão fruto da articulação
de grupos empresariais e donos de terras agora em boa localização

Os Espaços Livres desses empreendimentos são de dois tipos: os intramuros, bem


tratados e os extramuros, comumente em abandono, e vazios.

4. O papel dos agentes no processo de revisão do PDMSC

Uma das principais diretrizes do Plano Diretor de São Carlos, aprovado em 2005, foi
estabelecer uma cidade compacta que apresentava o adensamento com qualidade
urbana: essa estratégia se pautava em urbanística contemporânea e buscava
assegurar a proteção, a valorização e o uso adequado do meio ambiente natural e
construído e da paisagem urbana e rural. Passados dez anos dessa diretriz, uma
cidade menos espraiada e fragmentada territorialmente apareceria resultado da
aplicação de alguns instrumentos contidos no PD.

328
A análise realizada pelo documento de Revisão do Instituto de Arquitetura e
Urbanismo da USP – PMSC, (2012), demonstrou que, de fato, alguns processos de
ocupação mais pulverizados do território foram contidos e os vazios urbanos
começaram a ser ocupados por novos projetos de parcelamentos do solo
intraurbanos, evitando a dispersão da ocupação urbana.

O preenchimento dos vazios urbanos foi garantido, principalmente, com a aplicação


de um instrumento denominado Outorga Onerosa de Alteração de Uso do Solo. Tal
instrumento, ao onerar a transformação de terra rural em terra urbana, incentivou
a ocupação dos vazios urbanos existentes, que não demandavam outorga para serem
loteados. Dos 1.400 hectares que estavam sob a condição de vazio urbano em 2003,
sete anos depois, em 2011, essa área sofreu uma redução de 40% (PMSC/FUSP, 2011).
O que permitiu abrigar mais 80 mil habitantes no município sem a necessidade de se
ampliar os limites da área urbana.

A partir disso, outros conjuntos de análises foram organizados pelas universidades


para que pudessem subsidiar o processo de revisão do PD contratada em 2011. Um
primeiro grupo de propostas, de caráter territorial, recaiu sobre a determinação
estratégica do uso da bacia hidrográfica para o macrozoneamento e o zoneamento
municipal possibilitando a articulação intermunicipal e a incorporação de elementos
ambientais e de recursos naturais para o ordenamento rural. Essa perspectiva,
segundo os autores, garantiria a integração da região, ampliando assim a articulação
entre políticas municipais e regionais. Produziu-se um macrozoneamento pautado
pelo instrumento de zoneamento ambiental, que contemplava a totalidade do
território, áreas urbanas e rurais num ordenamento que se alinhava às Diretrizes de
Desenvolvimento Nacional e Regional, permitindo o detalhamento de aspectos que
não foram considerados por ocasião da elaboração do Plano Diretor de 2005. Esse
avanço em termos de metodologia revelava um olhar atento às prerrogativas
contemporâneas de promoção de um desenvolvimento ambientalmente equilibrado
articulado à região e território nacional.

O segundo conjunto de propostas buscou a incorporação efetiva dos espaços rurais e


as fronteiras urbanas no processo de planejamento e gestão municipais e de
ordenamento territorial por meio da aplicação de instrumentos contidos no Estatuto
da Cidade assim como da atualização de instrumentos já contidos no PD 2005. O
329
terceiro grupo de propostas, de caráter operacional, visou inserir na administração
municipal a ideia de planejamento como processo contínuo, no sentido de elevar a
capacidade administrativa do governo municipal no campo das políticas urbanas
(PMSC/FUSP, 2012).

Ao tomar posse no início de 2014, a gestão reorganiza o quadro de profissionais e a


Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano de São Carlos e passa a produzir
novas peças gráficas que ajustavam o perímetro urbano e as áreas de expansão para
limites superiores aos propostos pela revisão elaborada pelas Universidades.

Do conflito gerado por essa e outras ações à instalação por parte da Prefeitura do
Município do Núcleo Gestor Compartilhado (NGC), foram decorridos quase seis
meses, que comprometeram o cumprimento dos prazos previstos em lei. Desde esse
período, destaca-se a atuação do Ministério Público que contestou o processo
participativo proposto pela nova administração, assegurando o instalar de um Núcleo
Gestor Compartilhado (NGC) e a realização de um processo que congregaria diversas
representações da sociedade civil organizada.

A importância do Núcleo Gestor Compartilhado pôde ser percebida desde as


primeiras reuniões. Dentro da perspectiva de um processo participativo, o NGC
estimula reflexões sobre equidade e direitos, coíbe interesses particulares e
desvenda interesses. Essa instância potencialmente permite que os agentes
produtores da forma urbana possam ser melhor distinguidos e é possível, a partir
dessa distinção, ponderar e escolher acerca dos destinos de uma cidade.

Contudo, os movimentos não se estabelecem de modo linear, e nem sempre os


interesses são expostos claramente; assim, a descrição desse processo se faz
necessária, de sorte que documentá-la é aproximar-se de um fenômeno urbano
complexo, expondo seus perfis e relacionando-os, contribuir na produção de uma
possível interpretação, num esforço que procura unir campos teóricos e fenômeno,
a cidade.

Em termos de periodização, em agosto de 2015 uma situação de conflito se agravou


a partir do momento em que um pequeno grupo de representantes apresentou uma
proposta de expansão urbana radicalmente contrária à proposta que estava sendo

330
construída coletivamente, o que gerou uma forte polarização dentro do Núcleo
Gestor. Após a realização de diversas reuniões, estabeleceu-se um pacto social
através de um processo de votação pública, no qual todos os representantes do
Núcleo elegeriam as propostas, estruturadas em quatro eixos estratégicos, que
seriam encaminhadas pelo executivo, como uma proposta coletiva de revisão do
Plano Diretor à Câmara Municipal de São Carlos.

Em 1º de setembro de 2015 ocorreu um primeiro conjunto de votações que envolveu


os temas: Princípios Fundamentais de Ordenamento Territorial e Zoneamento
Municipal. Os princípios fundamentais foram pactuados obtendo a aprovação integral
dos 30 representantes presentes. A proposta de Zoneamento Municipal apresentada
pela Comissão Executiva foi votada e aprovada. De forma inesperada, nos dias
posteriores à votação houve a notícia da demissão da Secretária Municipal de
Habitação e Desenvolvimento Urbano, coordenadora das atividades do Núcleo Gestor
Compartilhado. O ocorrido demonstrou ser uma articulação política entre o prefeito
da cidade e alguns representantes comprometidos com interesses privados que
procuraram deslegitimar o papel e a representatividade do Núcleo Gestor
Compartilhado no processo de revisão do Plano Diretor de São Carlos.

331
Figuras 26, 27 e 28 - Localização de São Carlos e comparação entre as denominadas “zonas
urbanizáveis” dos Planos Diretores de 2005 e 2016 do município de São Carlos. PERIM, 2017.

332
Figura 29: Comparação das áreas relativas às “zonas urbanizáveis” do PD 2005 e 2016,
apontando um crescimento de 68,1%. PERIM, 2017.

Diante da iminente derrota dentro do processo de nova votação das zonas de


expansão urbana em face da nova correlação de forças que se colocava, os
integrantes das universidades, de algumas Associações de Bairro e ONGS optaram
por, através de um acordo, apoiar as propostas de expansão urbana para o setor sul.
Como contrapartida, conseguiram inserir um parágrafo no texto do projeto a ser
encaminhado à Câmara de Vereadores que define a exigência de um Plano Integrado
de Ocupação para uma zona urbanizável (Zona 6C), que deverá apontar as diretrizes
de ocupação e de resolução dos passivos ambientais, sociais e de infraestruturas de
cada uma dessas regiões e que tome em consideração as questões da mobilidade e
de acesso, bem como a demanda de projetos e de programas de intervenção que
garantam qualidade ambiental e de vida para a população residente nesse setor do
município.

Uma das questões fundantes que permeia todo o percurso que a cidade de São Carlos
viveu junto à Revisão do Plano Diretor é aquela que percebe nos limites entre o rural
e o urbano uma tensão que alimenta os processos de parcelamento. Fruto da
ausência de Políticas Públicas consistentes, a fragilidade dos pequenos proprietários
rurais termina por apresentar na solução do loteamento, a saída possível para a
condição de invasões, estagnação e impossibilidade de sustento.

Esse contexto de ausência de políticas públicas participa da construção de um


perímetro urbano ampliado significativamente: a proposta atual do PD amplia a Zona
Urbanizável para uma área de 102,5 km², sendo que o perímetro urbano possui 87,8
km², em outras palavras, o urbanizável proposto equivale a outra São Carlos.

333
Na fala dos incorporadores, proprietários de terra e mercado imobiliário, o
parcelamento periférico no setor sul garante a possibilidade de moradia para as
classes menos abastadas, uma vez que, argumentam, a terra ao norte e oeste está
nas mãos de poucos proprietários, o que gera especulação e aumento de preço. Além
disso, esses mesmos agentes alegam que a maior disponibilidade de terra urbanizável
nas bordas da mancha urbana existente tende a baixar os preços dos terrenos,
tornando a terra urbana mais acessível para a população de baixa renda.

Entretanto, tais ponderações desconsideram a tarefa social complexa que é construir


cidades, incluindo o conjunto de investimentos públicos e privados necessários para
dar qualidade aos espaços públicos. Não basta abrir ruas e parcelar glebas em lotes,
é preciso introduzir qualidade ambiental e urbanística na forma de ocupar o
território, garantindo a disponibilidade de água, a infraestrutura de saneamento
ambiental, qualidade do transporte público, bem como os equipamentos sociais e de
serviços (GROSTEIN, 2001).

A forma como vem sendo construído o espaço urbano em São Carlos, atrelado às
alianças entre os setores imobiliários e o poder público, sob o discurso da geração
de empregos e das oportunidades sociais, vem potencializando a segregação
socioespacial no território que foge ao conceito de justiça urbana e ambiental
preconizado pelo texto constitucional e pelo Estatuto da Cidade, (POLIS, 2002).

Esse é o momento que a cidade de São Carlos vive. A gestão eleita para o período de
2017 a 2020 têm em seus quadros parte dos proprietários de terra e incorporadores
que tiveram papel ativo durante a revisão.

5. CONCLUSÃO

Um dos grandes desafios colocado na atualidade consiste em se construir um projeto


de política e de economia urbana articulado a uma plataforma da reforma urbana
brasileira que possa competir com as motivações pautadas apenas pelo
desenvolvimento econômico. Essa construção deve partir de argumentos alicerçados
em valores que apresentem outros perfis, especialmente ambientais e relacionados
à vida. Esse esforço tem, entre suas tarefas, o desvendamento de questões
ideológicas, uma vez que o projeto econômico é hegemônico e está ancorado nesse

334
conjunto de interesses internacionalizados que aprofundam a mercantilização da
cidade. É preciso repensar formas e estratégias, uma vez que os espaços de
participação foram esvaziados ao longo dos últimos anos.

Portanto, é de estratégica importância, refletir acerca da forma pela qual a


dimensão ambiental participa desse processo de transformação, tendo em vista seu
fundamental papel ligado à vida presente e ao futuro.

O fenômeno urbano e o processo de desenvolvimento e crescimento da cidade de


São Carlos, SP, vêm sendo investigado por um grupo de pesquisadores tendo como
questão fundamental o Sistema de Espaços Livres, (SELs), e sua relação com os
agentes, públicos e privados, na produção da forma urbana.

Quando se explora a ideia dos potenciais agentes, públicos e privados, o que se tem
no horizonte é a produção social do espaço urbano, fato teoricamente consolidado a
partir de teóricos como Milton Santos, (1994; 1996) e David Harvey, (HARVEY, 2005),
e que relacionam mudança social, desenvolvimento econômico e urbanização. Os
desdobramentos dessas relações alcançam contemporaneamente complexidade
elevada, não apenas pelas alterações dos mecanismos estruturais do Capital, mas
também pela expressão que essas alterações têm na fisionomia dos territórios, em
suas paisagens, e, especialmente, na vida das populações.

Uma importante questão no que diz respeito a investigações sobre cidades e


municípios é a distância entre campos teóricos, que incluem os processos de
planejamento e a realidade concreta, expressão de conflitos e disputas. Como
questão, essa distância não é novidade, mas comparece contemporaneamente com
maior complexidade que em momentos anteriores, em especial no que diz respeito
à entrada em cena do capital financeiro e seu papel no que diz respeito à produção
urbana.

O horizonte metodológico dessa investigação buscou, ao longo de cinco anos,


elaborar a partir das interações, conflitos e convergências, entre natureza física e a
ocupação desse território, acerca de processos construídos ao longo do tempo que
alteraram a fisionomia da paisagem, ou seja, como estratégia, a prática de pesquisa
conspirou na aproximação de campo teórico e fenomênico, espacializando as

335
ocorrências, e revelando a partir dessas formas concretas, camadas de informações
que se mostraram capazes de construir novos significados relevantes.

A pesquisa procurou especialmente apresentar um movimento que reuniu avanços,


relacionados a uma mudança no que diz respeito às questões do planejamento do
Município em sua aproximação de paradigmas contemporâneos associados ao
Ambiente, e retrocessos, quando do retorno a modelos de gestão comprometidos
com expedientes de uma elite associada ao capital fundiário e ao mercado
imobiliário.

Nesse contexto, duas ações parecem se apresentar em termos de estratégias de


abordagem futuras: a primeira delas de desvendamento de campos hegemônicos e
suas espacializações, o significado dos interesses consubstanciados em ações
políticas na construção da forma urbana. Essa ação é transversal, reunindo inclusive
diferentes campos disciplinares e do conhecimento, pois trata de apresentar relações
na cidade que são expressão material e imaterial desses interesses.

A segunda busca investigar o Sistema de Espaços Livres, sua reflexão e


potencialidades relacionadas à complexidade de constituição da forma urbana. Como
proposição metodológica de planejamento e projeto, o Sistema de Espaços Livres se
mostra como possibilidade de adequação e convergência do conflito entre meio físico
e processo de urbanização e de expansão, daí sua relevância frente à questão do
desenvolvimento urbano.

De fato, a investigação sobre o Sistema de Espaços Livres na cidade, que se apresenta


como potencial ação sobre o território participa da dimensão teórica e crítica de um
campo disciplinar, o da Paisagem, e como tal traz em sua gênese questões técnicas,
éticas e estéticas que se atualizam sem perder o vigor. A dimensão da vida em geral
e a salvaguarda dos chamados recursos naturais, a equidade e construção da vida
pública urbana foram e são, historicamente, a tônica das ações desse campo
disciplinar.

A Paisagem guarda em seus perfis, provenientes de suas distintas abordagens por


diferentes campos disciplinares, possibilidades de leitura e aproximações.
Metodologicamente o contato com outros campos disciplinares e do conhecimento

336
auxilia na qualidade de espacialização que o campo da Arquitetura e Urbanismo é
capaz de produzir: o horizonte é investigar e apresentar alternativas, de modo que
as ordens de razão se revelem e que as decisões sejam tomadas à luz dessas
alternativas.

As ações não estão dissociadas entre si, é justamente na construção desse processo
que se estabelece o desafio: a espacialização dos interesses e a defesa de um
desenvolvimento justo e equilibrado a partir dos Espaços Livres. Então, o modo de
planejar se coloca em primeiro plano, a proposição de planejar com a paisagem como
alternativa possível e sua dimensão política como pauta se apresentam como
contribuição fundamental.

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339
DESDOBRAMENTOS DA PESQUISA QUAPÁ-SEL NA REGIÃO
METROPOLITANA DE SÃO PAULO
Espaços livres, apropriações e forma urbana na metrópole paulistana

QUEIROGA, Eugenio Fernandes (1); DONOSO, Veronica Garcia (2);

(1) Universidade de São Paulo; Professor Associado; São Paulo-SP; queiroga@usp.br


(2) Universidade de São Paulo; Pesquisadora Lab QUAPÁ; São Paulo-SP; vgdonoso@yahoo.com.br

Introdução

O Laboratório Quadro do Paisagismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da


Universidade de São Paulo – Lab QUAPÁ realiza cartografia temática de diversas
cidades brasileiras, compilando dados que auxiliam na análise da forma e sistema de
espaços livres. Os estudos realizados para a área conurbada da RMSP foram apoiados
principalmente em dados cartográficos censitários, em amplo acervo de fotos de
sobrevoos realizados pelo laboratório e através de consultas no Google Street View.

As mais recentes cartografias permitem observar a forte conurbação da metrópole,


sua construção densa, de predomínio horizontal, e um sistema de espaços livres com
fragmentos significantes de Mata Atlântica remanescente. Os mapeamentos também
permitem reflexões sobre a apropriação pública do SEL e sua fragilidade no
atendimento às demandas sociais.

Caracterização geral

A Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) (Figura 01, adiante) foi instituída por
lei federal de 1973, a partir de estratégia desenvolvimentista do governo militar,
que criou nove regiões metropolitanas brasileiras nesse período. É composta por
trinta e nove municípios divididos em sub-regiões, com o município de São Paulo,
principal metrópole nacional e uma das quatro maiores metrópoles do planeta,
integrando-a.

Sua população já superou os 21 milhões de habitantes em 2016, aproximadamente


10% da população do Brasil. Apesar de abrigar contingente considerável de
habitantes em relação à população do país, os limites externos da metrópole, pouco
precisos, delineiam uma área de quase 8 mil km², equivalente a apenas 0,093% do
território nacional (QUEIROGA, 2016), formado por uma multiplicidade de processos
de expansão urbana, e que se caracteriza pela presença de áreas urbanizadas muitas
vezes entremeadas por espaços livres que estruturam e são estruturados pela
metrópole (DONOSO, 2017).

Figura 01: Região Metropolitana de São Paulo. Crédito/Fonte: Donoso (2017), a partir de mosaico de
imagens Google Earth (2016).

A inserção das cidades da metrópole no território

Os desafios do cotidiano da RMSP são diversos, como a questão da mobilidade de seu


território e de maior compreensão e respeito às paisagens existentes, que
representam os diferentes cotidianos dos grupos sociais que vivenciam a metrópole.

Com um Produto Interno Bruto (PIB) da ordem de 18% do PIB Brasileiro (EMPLASA,
2016), a RMSP abriga municípios com dinâmicas urbanas e econômicas variadas.

A capital paulista, por exemplo, tem mais de 12 milhões de habitantes e representa


cerca de 60% do PIB da RMSP, concentrando tanto riqueza quanto desigualdades, que
se expressam por abrigar 12,3% das habitações subnormais do país (IBGE, 2016),
entre outros contrastes sociais.

341
Enquanto isso, alguns municípios da RMSP têm economia predominantemente rural
ou mesmo se configuram como cidades-dormitório, com população que se desloca
diariamente para municípios vizinhos mais dinâmicos da própria RMSP. Como
representação da heterogeneidade demográfica da metrópole, dos trinta e nove
municípios da RMSP oito não chegam sequer a 50 mil habitantes, enquanto que
Guarulhos apresenta 1,3 milhões de habitantes (IBGE, 2016).

Também nos contrastes do desenvolvimento estão as dinâmicas cidades do ABC


(Santo André, São Bernardo e São Caetano do Sul), com São Caetano liderando o
maior IDH do país, 0,862 (IBGE, 2010), similar ao IDH estimado da República Tcheca
para 2013 (0,861), enquanto outros municípios apresentam IDH que não chegam nem
a 0,75, como Cajamar, de 0,728 (IBGE, 2010), um pouco melhor que o IDH estimado
da Albânia para 2013 (0,716).

A paisagem da RMSP mistura áreas industriais, serviços e habitação em regiões


urbanas de perfil socioeconômico diverso, com as regiões leste e extremo leste que,
em termos gerais, foram formadas historicamente por bairros de setores de renda
média e baixa. Nos extremos de quase todas as regiões da mancha urbana se reúnem
expansões urbanas marcadas por habitações informais, muitas vezes em regiões
inadequadas à urbanização e ambientalmente frágeis, que impactam no meio
biofísico.

Apesar de todos os seus contrastes internos, a dinâmica da RMSP extravasa para um


território ainda mais vasto, interagindo com outras aglomerações urbanas e
constituindo o Complexo Metropolitano Expandido do Estado de São Paulo, que inclui
oficialmente as Regiões Metropolitanas de Campinas, Sorocaba, Vale do Paraíba,
Baixada Santista e Litoral Norte, além dos Aglomerados Urbanos (AUs) de Jundiaí e
Piracicaba. Além disso também estrutura a megalópole, que inclui, além do
Complexo Metropolitano Expandido, as Regiões Metropolitanas de Ribeirão Preto e
do Rio de Janeiro, avançando também para outras regiões, como o Sul de Minas e
outras cidades dos estados de São Paulo e Rio de Janeiro (QUEIROGA, 2001).

342
Retornando à RMSP, para os estudos do Lab QUAPÁ adota-se, por fins operacionais,
os estudos da metrópole observando a mancha urbana contínua, que envolve vinte
dos trinta e nove municípios da RMSP, de modo a observar principalmente a dinâmica
da principal aglomeração urbana e dos municípios que interagem fisicamente com a
capital.

Características gerais: suporte biofísico e morfologia urbana

Localizada sobre um rico sistema hídrico, mas ingnorando-o enquanto paisagem e


elemento estruturador, a RMSP se situa quase que inteiramente na bacia do Alto
Tietê, formada pelo rio homônimo, que nasce em Salesópolis, município da região
leste da metrópole, e se estende ocupando quase que integralmente seu suporte
biofísico, urbanizando as várzeas, colinas, morros e morrotes, muitas vezes de forma
agressiva, descontínua e descontrolada, que culmina em consequências sociais e
econômicas que fazem parte do cotidiano da metrópole, como enchentes e
desmoronamentos periódicos.

A ocupação e, consequente, degradação do meio biofísico da RMSP, ocorreu


principalmente a partir dos anos 1960, com o simultâneo processo de crescimento
urbano periférico e urbanização com retificação, canalização e tamponamento de
diversos cursos d’água, como Tietê, Pinheiros, Tamanduateí, entre outros, criando
avenidas de fundo de vale em um modelo pouco exemplar de urbanização sem
atenção ao futuro do meio ambiente urbano (JACOBI, 2004), mas que, infelizmente,
foi seguido por diversas cidades brasileiras. Nesse processo de urbanização, parte
dos cursos d’água foi transformada em meros condutores de esgoto,
impermeabilizando o solo para aumento de área urbanizável, eliminando a vegetação
ciliar e criando convivências urbanas de risco, devido ao suporte biofísico fragilizado
por uma ocupação sem condicionantes ambientais.

Os rios que atravessam a RMSP ficaram particularmente comprometidos pela


contaminação, e as obras realizadas causaram grande impacto na drenagem urbana
e nas áreas de mananciais, o que é sentido cotidianamente, principalmente em
períodos de crise hídrica e de má administração dos recursos hídricos, como ocorreu
em 2014 e 2015 (CUSTODIO, 2015).

343
A expansão urbana da RMSP se deu, sobretudo, ao longo do sentido Leste-Oeste, já
que as limitações físicas à Norte e Sul, com as Serras da Cantareira e do Mar,
respectivamente, limitam o processo de urbanização dos municípios, embora
também recebam impactos pela urbanização pouco adequada à sua paisagem.

Nessa expansão de contexto físico-ambiental frágil e urbanização baseada em vias


expressas a mobilidade ficou fortemente dependente de veículos automotivos: em
2014, a RMSP possuía cerca de 12 milhões de veículos, com São Caetano do Sul com
o maior número de automóveis particulares, com 99.921 (636 automóveis por mil
habitantes), enquanto que a capital apresentou 5.160.727 (434 automóveis por mil
habitantes). Parte da mobilidade urbana é também atendida pelas motos, de menor
custo de aquisição, e que representam boa parte da mobilidade dos municípios de
menor renda per capita, como Salesópolis, com 116 motos por mil habitantes
(DONOSO, 2017, DENATRAN, 2014).

Nesse contexto de ocupação urbana e de impermeabilização de parte considerável


do suporte biofísico o sistema de espaços livres tem elementos em maioria mal
dimensionados ou mal distribuídos, insuficiente para diminuir os impactos da
ocupação urbana e que, tão pouco, consegue atender as demandas do cotidiano da
população.

O Sistema de Espaços Livres

O mapeamento mais recente da mancha urbanizada da área metropolitana de São


Paulo demonstra que, apesar da crença popular de que a metrópole é muito
verticalizada, isso não ocorre (Figura 02), e o predomínio é de edificações de
pequeno porte, em que a maioria ocupa grande parte do lote urbano, deixando pouco
espaço livre intralote.

344
Figura 02: Padrões morfólógicos. Fonte: Lab QUAPÁ, FAUUSP, 2016.

Também se verificam lotes horizontais de maiores dimensões, correspondentes a


galpões de lojas, indústrias e outros, nos eixos das principais avenidas, estradas e
marginais, identificadas no mapa acima como Horizontais tipo 2 (H2). As áreas
verticalizadas se concentram principalmente no centro expandido da cidade de São
Paulo, além de alguns outros bairros, como Vila Andrade, Vila Olímpia, Campo Belo.

345
Também é possível observar concentração de edifícios em Guaianases, na zona leste
de São Paulo, correspondentes a conjuntos habitacionais populares e sociais.

Em relação às praças e parques na principal mancha urbana da RMSP, destacam-se


os extremos norte e sul com suas reservas ambientais e alguns parques urbanos de
maior porte, como: Parque Estadual da Cantareira e Parque Anhanguera, na zona
norte; Ibirapuera na região centro-sul; Parque do Carmo e Parque Ecológico do Tietê
na zona leste; Parque do Estado e Parque Ecológico do Guarapiranga na zona sul,
entre outros.

São cerca de 200 parques de diferentes escalas na RMSP, mais de 90% deles
municipais, sendo muitos deles subaproveitados. Apesar do número expressivo, não
é possível falar em sistema de parques da metrópole, já que não há um planejamento
metropolitano para os espaços livres públicos.

Na capital estão 125 dos parques da metrópole1, enquanto que Mogi das Cruzes tem
apenas 3. A maioria desses parques foi criada a partir dos anos 1990, momento em
que as questões ambientais se faziam mais presentes nas discussões políticas, que
culminaram com legislação e agenda ambiental específica. Também nesse período
aumentou a demanda por espaços para atividades físicas e cultivo de um modo de
vida mais “saudável”.

Esse número de parques não é a porcentagem mais representativa dos espaços livres
da metrópole, e o maior porcentual de espaços livres de acesso público, nas cidades
brasileiras, é destinado ao sistema viário. Em São Paulo, apesar de grandes áreas de
conservação ambiental nos extremos do município, é no espaço de circulação que
está o maior percentual de espaços livres efetivamente. Os espaços livres públicos
somam 27,4% do território do Município de São Paulo, mas quase metade deste
percentual é destinado ao sistema viário (segundo levantamento realizado no Lab
QUAPÁ – FAUUSP). Tomando a área de todos os espaços livres de acesso público da
capital paulista, aí somados os cemitérios jardins, sejam de propriedade pública ou
privada (dado que sua acessibilidade ao público é bastante similar), o município

1 Dos 125 parques da capital paulista cem são municipais e os demais estaduais. Há controvérsias sobre o

número real de parques municipais, dado que algumas áreas são oficialmente assim denominadas, mas não
efetivamente implantadas. Cf. SAKATA (2018) e CASIMIRO (2018).

346
possui 41.695 ha de espaços livres de acesso público, distribuídos da seguinte
maneira:

• Sistema viário: 47,9%;


• Parques: 30,3%, sendo 27,4% em unidades de conservação ambiental (parques
estaduais ou parques naturais municipais) e somente 2,9% em parques
urbanos;
• Rios e represas: 14,9%;
• Canteiros e rotatórias: 2,4%;
• Praças: 1,2%;
• Cemitérios jardins: 1,0%;
• Praças ocupadas (por edificações públicas ou privadas): 0,6%;
• Praças não implantadas: 0,6%;
• Cemitérios comuns: 0,3%;
• Espaços livres remanescentes de parcelamento (implantados): 0,3%;
• Espaços livres remanescentes de parcelamento (não implantados): 0,2%;
• Canteiros com pista para pedestres e bicicletas: 0,2%;
• Ruas de pedestres: 0,02%.

Apesar de pouco representativas frente ao todo, algumas apropriações de ruas da


capital (Figura 03) marcam a retomada do uso das ruas pelos pedestres, com a
utilização das vias para lazer nos fins de semana, manifestações, festividades, e
mesmo algumas mais atividades mais cotidianas, como os parklets, as ciclovias,
pistas cicláveis e calçadas ocupadas por ciclistas e praticantes de atividade física,
assim como o lazer de frequentar bares e restaurantes que ocupam o espaço da
calçada com mesas e cadeiras.

347
Figura 03: Manifestação em apoio à presidente Dilma na Avenida Paulista,
São Paulo. Foto: Queiroga, 2016.

Essas formas de apropriação, por serem carregadas de visibilidade cotidiana, política


e cultural, acabam por estruturar uma relação de uso dos espaços livres, e que, em
passos lentos, podem ser reproduzidas em outras áreas da cidade ou mesmo em
outros municípios, a exemplo do que ocorre na capital.

Sobre as praças, os números podem enganar. De um total de 7.256 logradouros


oficialmente denominados como praças na capital paulistana, identificou-se no Lab
QUAPÁ 1.106 praças de fato. 3.900 logradouros oficialmente denominados como
praças são apenas canteiros e rotatórias, 835 são remanescentes de parcelamento
com algum tipo de tratamento, com possibilidades de apropriação pelo público, mas
de área muito diminuta para serem plenamente praças públicas e ainda 508 “praças”
que nada mais são do que remanescentes de parcelamento sem nenhum tratamento
paisagístico. Há 464 “praças” ocupadas ou por prédios públicos, ou por favelas.

As áreas de praças, na cidade de São Paulo, são menos expressivas até que a área
total dos canteiros e rotatórias, possuem cerca da metade da área dos canteiros e
rotatórias, espaços que, via de regra, são utilizados apenas para orientar o tráfego
veicular, em que pese algumas rotatórias terem também importante papel como
referência urbana.

348
As praças paulistanas, em sua grande maioria possuem projetos e manutenção
bastante modestos, regra que se verifica também nos demais municípios da RMSP.
Encontram-se razoavelmente distribuídas pelas 32 subprefeituras da capital, ainda
que internamente a elas, nos seus 96 distritos, observe-se maior heterogeneidade na
presença ou ausência de praças. Fato este que se agrava diante da enorme
desigualdade socioespacial do município. As praças mais importantes da cidade são,
ao menos, centenárias, reafirmando sua importância simbólica e de uso para a
cidade, são objeto de novos projetos com grande recorrência, sobretudo devido o
alto grau de visibilidade que possuem como “obra pública”. Algumas poucas praças
em bairros nobres mais recentes (anos 1970 em diante, tais como a Praça Vinicius de
Moraes no Morumbi) são mais bem tratadas que suas congêneres dos bairros de
padrão médio, mas não se constituem em regra.

Em relação aos espaços livres da RMSP as maiores extensões são de unidades de


conservação ambiental (UCs), em propriedades públicas ou privadas, que ocupam as
bordas da mancha urbana contínua. Destas (UCs), as Unidades de Produção Integral
(UPIs) fazem parte dos espaços livres de importância para a escala metropolitana.

Similarmente, representam importante parte dos espaços livres metropolitanos os


reservatórios destinados à captação de água e, em alguns casos, uso misto, para
abastecimento de água e geração de energia. Infelizmente, a metrópole dá as costas
para as suas represas, cujas margens são de difícil acesso para o lazer mais geral da
população e cujo entorno se encontra urbanizado em boa medida de forma indevida,
com grande número de esgotos clandestinos poluindo águas de abastecimento da
RMSP.

As represas e as UPIs são exemplo de espaços livres de grande potencial ambiental e


social, mas subaproveitados e até mesmo negados no momento presente, apesar da
grande demanda dos moradores de cotidianos relacionados à água, exemplificados
pelo excesso de congestionamento das rodovias para o litoral a cada fim de semana
e feriado prolongado ou mesmo pelo uso intenso do singelo trecho de orla aberto
para uso público na represa Guarapiranga.

Em relação aos espaços livres privados da metrópole, a leitura do mapeamento do


QUAPÁ que tratam da existência de arborização intraquadra demonstra que quintais

349
e pátios arborizados são exíguos, e subentende-se que há um excesso de
impermeabilização do solo urbano, inclusive na escala do lote, com pátios e quintais
pouco permeáveis. Tal limitação ocorre mesmo em bairros que concentram renda
mais elevada, ou lotes de maior dimensão para habitação, com quadras muitas vezes
ultrapassando os 50% de ocupação do lote.

Essa falta de espaço livre intralote também repercute na arborização intraquadra,


com níveis baixos em quase todas as áreas de urbanização consolidada da mancha
urbana. O excesso de impermeabilização e a falta de arborização intralote
constituem fatos pontuais que se somam em escala metropolitana, e que contribuem
para as enchentes nas épocas de chuva, assim como para as ilhas de calor.

O mapeamento da arborização intraquadra (Figura 04) realizado no Lab QUAPÁ


mostra o predomínio do mínimo de arborização dentro do lote, de 0 a 10%, mesmo
em bairros que concentram população de alta renda, como comentado. Com a densa
ocupação dos lotes, fica ainda mais evidente a importância das reservas vegetais e
espaços livres remanescentes da Região Metropolitana.

350
Figura 04: Arborização intraquadra. Fonte: Lab QUAPÁ, FAUUSP, 2016.

351
O papel concreto dos agentes de produção dos espaços livres e edificados

Os estudos do Lab QUAPÁ sobre os agendes de produção dos espaços livres e


edificados identificaram três tipos diferentes de processos de produção do espaço
urbano, sendo:

• Aqueles referenciados por políticas públicas e instrumentos de planejamento


e regulamentação;
• Aqueles baseados em procedimentos de desenho ou projeto urbano gerados
tanto pelo Poder Público quanto pela iniciativa privada;
• Aqueles realizados de maneira informal, como assentamentos irregulares,
favelas, autoconstruções, fechamentos de loteamentos e ruas, entre outros.

Grande parte das mudanças na forma e produção das cidades se deve à ação do
Estado, a incentivos, como subsídios, e também normas e legislações específicas que
direcionam a produção dos espaços urbanos. Ao lado, está a ação e influência dos
agentes privados, como grandes corporações. Conjuntamente, Estado e iniciativa
privada atuam no processo de criação de novas formas urbanas e em grandes projetos
urbanos, como revitalizações, mudanças nos transportes, operações urbanas, e
outros.

Principais agentes de produção

Dentre os fatores e agentes que definiram ou se destacaram na produção dos espaços


urbanos (livres e edificados) neste início de século, vale destacar:

• o Plano Diretor do Município de São Paulo de 2002 que conseguiu induzir, junto
com o zoneamento urbano de 2005, ao adensamento de áreas centrais e do
anel intermediário da capital;
• os financiamentos habitacionais, retomados principalmente entre os anos de
2006 e 2007; a capitalização de grandes incorporadoras, com abertura de
capital em bolsa de valores entre 2005 e 2007;
• o Programa Minha Casa Minha Vida e o novo marco regulatório do Sistema de
Financiamento Habitacional, com maior presença em municípios periféricos
da RMSP do que na cidade de São Paulo;

352
• A crescente valorização e aplicação da legislação ambiental desde a década
de 1990.

As menores densidades de ocupação urbana da capital estão, ainda, nas faixas ao


longo dos rios Tietê, Pinheiros e Tamanduateí, com diversos resquícios de antigas
áreas industriais que vêm sendo estimuladas pelos Planos Diretores desde 2002 para
maior adensamento e verticalização.

Já os principais vetores de expansão da RMSP, a partir dos anos 2000, foram em


Osasco, Guarulhos e a região do ABC, já que o Plano Diretor da capital (2002)
procurou desconcentrar os empreendimentos da região mais consolidada da mancha
urbana metropolitana (região sudoeste), restringindo o adensamento dessa área, o
que estimulou o crescimento de empreendimentos para o restante da RMSP. Esse
redirecionamento do adensamento foi parcialmente atingido, sobretudo pela não
efetivação de algumas Operações Urbanas Consorciadas previstas e também pelo
rápido esgotamento do potencial construtivo das novas fronteiras de adensamento
definidas pelo PDE de 2002.

O boom imobiliário dos anos seguintes foi contido, com a tentativa de adensamento
de regiões e antigas zonas industriais, mas com um estoque de área construída que
se esgotou rapidamente, e também com operações urbanas regulamentadas em
áreas industriais, que limitaram o adensamento. Parte desse adensamento foi,
então, direcionado à periferia e às cidades do entorno imediato da capital, com uma
grande expansão de empreendimentos verticais, como condomínios clubes, em
terrenos com espaços livres murados e controlados.

Ao Plano Diretor de 2002 seguiu-se uma revisão iniciada em 2013, onde se procurou,
entre outras ações, conter o crescimento periférico e diminuir a mobilidade pendular
da periferia para os empregos centrais, através da geração de mais polos de
empregos e moradia próximos ao sistema de transporte estrutural. Também se
propôs concentrar o adensamento no entorno dos principais corredores de transporte
coletivo e em antigas áreas industriais.

Esses resultados foram devido à mudança no cenário econômico do País e às


alterações nas regras de uso e ocupação do solo na capital paulista, entre outros
fatores.

353
Produção dos espaços livres e edificados e impactos da legislação

Especialmente na capital paulista, o planejamento urbano foi pouco atento ao


sistema de espaços livres e às formas urbanas resultantes das leis de uso e ocupação
do solo criadas nos últimos 50 anos, e a cidade se definiu essencialmente pelas
disposições do zoneamento urbano.

O PDE de 2002 discutia algumas questões do sistema de espaços livres, mas


restringindo a análise à importância da rede hídrica, e a necessidade de considerá-
la para novos espaços livres públicos para lazer e contenção de águas pluviais, o que
orientou grande parte das ações públicas até 2012, com a realização de parques e
“piscinões" dentro de uma meta municipal da capital bastante ambiciosa de criação
de 100 parques.

Faz-se relevante, para este artigo, ressaltar a participação do Lab QUAPÁ durante a
Revisão do PDE. O QUAPÁ teve a oportunidade de participar em algumas das
audiências públicas, apresentando algumas propostas de alteração para
aperfeiçoamento do Plano, que foram em parte consideradas. As propostas se
baseavam nos conceitos e leituras do SEL, propondo, entre outros aspectos: aumento
dos espaços livres de fruição pública e correlacionando-os ao aumento de densidades
demográficas e construtivas; maior controle da forma urbana em empreendimentos
de grande porte, garantindo uma urbanidade mais adequada entre os espaços de
propriedade privada (controlados) e os de propriedade e uso público.

O Lab QUAPÁ, na ocasião, também propôs a alteração do conceito SMAV – Sistema


Municipal de Áreas Verdes, para SMEL – Sistema Municipal de Espaços Livres,
colocando a importância da leitura dos espaços livres e não apenas das áreas verdes,
já que muitos espaços livres de uso público e de importância para o cotidiano urbano
não apresentam vegetação. Os espaços verdes, de grande importância para as
questões ambientais e sociais, são parte dos espaços livres, e o Plano Diretor (2014)
considerou parcialmente a abrangência do conceito SEL em sua revisão. Essa
alteração de conceito foi aceita na Revisão do PDE.

354
O SEL da RMSP em síntese

Em síntese o que se observa na RMSP é uma estrutura de espaços livres em grande


medida subaproveitada pela população, pois se localizam em bordas dos processos
de urbanização, voltadas à preservação ambiental. Tais áreas, de matas, morros,
rios e represas, se constituem em espaços vitais para a metrópole, ainda que
paradoxalmente sejam pouco valorizadas para o cotidiano das populações, situando-
se em conflito e pressão por ocupação, seja pelos estratos sociais mais favorecidos
quanto pelos desfavorecidos, e em ambos através de um modelo periférico de
urbanização que segue padrões morfológicos de pouca atenção ao SEL, onde
praticamente os únicos espaços livres são as ruas mal traçadas e tratadas.

O sistema viário é o subsistema do SEL mais significativo, tanto por sua coesão quanto
pela área que ocupa. Entretanto, pedestres e ciclistas tem, ainda, menos espaço que
automóveis e caminhões em todo o sistema viário.

Vale também destacar:

• O conjunto de praças, quase sempre mal mantidas, que representam em


muitos municípios parte importante do SEL cotidiano;
• O conjunto de parques de todos os portes, com importância para lazer e
conservação ambiental na metrópole;
• O conjunto de espaços livres privados, sobretudo sobre lajes de garagens, dos
empreendimentos realizados a partir dos anos 1970, e prédios isolados e
afastados da via e da vida pública;
• O conjunto de espaços ligados a infraestruturas urbanas, onde a
monofuncionalidade impede maior apropriação pela população.
Há, evidentemente, bons projetos e boas intenções em planos diretores, mas diante
da riqueza desigualmente acumulada, somada à dimensão da metrópole, os avanços
são poucos, ainda que fundamentais.

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da FAPESP ao Projeto Temático de Pesquisa “Os


sistemas de espaços livres na constituição da forma urbana contemporânea no Brasil:
produção e apropriação – QUAPÁ-SEL II”, assim como à FAPESP pela bolsa de pesquisa

355
de Doutorado concedida à autora e ao CNPq pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa
concedida ao autor. Agradece-se também aos colegas do Lab QUAPÁ da FAUUSP pelas
interlocuções acadêmicas e trabalho de sistematização e cartografia de dados.

Referências

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paulistano: um olhar sobre a produção municipal. 2018. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
Presbiteriana Mackenzie, São Paulo.

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Metropolitanas de São Paulo e Santiago do Chile. 2017. Tese (Doutorado em
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<http://cidades.ibge.gov.br/v3/cidades/home-cidades>. Acesso em: 2 jan. 2017.

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Frota de veículos, 2014. Disponível em: < https://goo.gl/oCbzp6>. Acesso em: 2 dez.
2016.

JACOBI, Pedro. O futuro do meio ambiente urbano. In: CAMPOS, Candido Malta;
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públicas na metrópole paulistana. PARC - Pesquisa em Arquitetura e Construção.
Campinas, SP, v. 7, n. 3, out. 2016. ISSN 1980-6809.

_____. A megalópole e a praça: o espaço entre a razão de dominação e a razão


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Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo.

SAKATA, Francine. Parques urbanos no Brasil: 2000 a 2017. 2018. Tese (Doutorado
em Arquitetura e Urbanismo), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade
de São Paulo, São Paulo.

356
O SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES NA CONSTITUIÇÃO DA FORMA
URBANA DA REGIÃO DE VITÓRIA, ES

MENDONÇA, Eneida Maria Souza (1); VALFRÉ, Lorenzo Gonçalves (2)


(1) Universidade Federal do Espírito Santo; Professora; Vitória (ES); eneidamendonca@gmail.com
(2) Universidade Federal do Espírito Santo; graduando; Vitória (ES); lorenzo934@gmail.com

Introdução

Vitória, capital do Espírito Santo, e os municípios vizinhos, Vila Velha, Cariacica


e Serra, apresentavam, já na década de 1960, áreas conurbadas consolidadas
(MENDONÇA et al., 2011). A continuidade urbana da capital com estes
municípios corresponde à delimitação da área de estudo sobre o sistema de
espaços livres na constituição da forma urbana, cujos resultados apresentados
por Mendonça e Valfré (2017), encontram-se aqui complementados. Ressalta-
se que a Região Metropolitana da Grande Vitória (RMGV) conta com área mais
ampla do que a aqui definida (Figura 1). Criada pela Lei Complementar 58 de
21 de fevereiro de 1995, a RMGV foi instituída incluindo os municípios de
Vitória, Vila Velha, Cariacica, Serra e Viana, recebendo a inclusão de Guarapari,
pela Lei 159 de 8 de julho de 1999, e de Fundão, pela Lei 204 de 21 de junho
de 2001 (ESPÍRITO SANTO, 2005).

Figura 1: Região Metropolitana da Grande Vitória com mancha urbanizada em cinza.


Fonte: FREIRE, 2007.

357
A região é marcada, historicamente, por uma variedade de padrões de expansão
de sua área de ocupação, devido aos distintos momentos em que tais ações
ocorreram. Consequência disso, a região apresenta forma urbana diversificada,
resultado das várias camadas de sua história urbana, iniciada, para efeito da
pesquisa, no século XVI, com a colonização portuguesa. A área de estudo
apresenta também, como característica, extensas áreas de espaços livres,
constituídos principalmente pelas áreas protegidas de relevo acentuado e faixas
de praia, sendo elementos marcantes na paisagem, além de representarem
importantes elementos constituinte da forma urbana. Nota-se, no entanto, que
estes espaços livres naturais, embora protegidos, vêm sofrendo risco de
ocupação urbana, pela característica do processo de urbanização em curso.

Caracterização geral
A inserção da cidade no território

A área urbanizada em questão está diretamente integrada a eixos de conexão


nacional importantes como as rodovias federais BR-101, que atravessa o Espírito
Santo e o Brasil no sentido norte–sul, e BR-262, de sentido leste-oeste, que
estabelece a ligação entre Vitória e Belo Horizonte, além da rodovia estadual
ES-010, conhecida como Rodovia do Sol, responsável por integrar,
principalmente, as partes litorâneas (MENDONÇA et al., 2013). As articulações
físicas entre Vitória e os municípios vizinhos se realizam então, pela conexão
destes eixos nacionais e estadual com as principais vias intermunicipais e,
considerando a característica insular da capital, também com as diversas
pontes, como a Deputado Darcy Castello de Mendonça (3ª Ponte), a Ponte do
Príncipe (2ª Ponte) e a Ponte Florentino Avidos (Cinco Pontes), além da própria
Baía de Vitória (MENDONÇA et al., 2012).

Estes ramais de integração entre Vitória e municípios vizinhos conectam


dinâmicas centralidades de comércios, instituições e serviços, cada qual, porém
apresentando especificidades (MENDONÇA, 2005). Na capital, tem destaque o
Centro de Vitória, centro histórico com marcas da colonização portuguesa no
Brasil, apresentando ocupação bastante densa, e os bairros Enseada do Suá e
Praia do Canto, que apresentam ocupação menos densa que o Centro e juntos,
vêm se caracterizando como novo centro. Em Vila Velha, além do Centro,

358
comercial e de serviço, nota-se especialmente o polo de confecções do bairro
da Glória. Em Cariacica, registram-se as atividades comerciais do bairro de
Campo Grande e em suas proximidades o CEASA; enquanto na Serra, além do
centro administrativo na sede municipal, sobressaem a polarização de comércio
e serviço no bairro de Laranjeiras. A localização destas centralidades no
território metropolitano e a crescente dinamização das mesmas, contribuíram
ao longo do tempo para neutralizar o caráter hegemônico mantido pelo Centro
histórico até algumas décadas atrás e para propiciar melhor atendimento à
população residente distante deste Centro, na Região Metropolitana que se
configurou (MENDONÇA, 2005).

Características gerais: suporte biofísico e morfologia urbana

No que diz respeito à paisagem urbana, nota-se que Vitória é composta tanto
por parte insular quanto continental, além de agregar diversas ilhas menores
em seu entorno. A capital conta, também, com ilhas oceânicas, o arquipélago
de Trindade e Martim Vaz, que embora não participem da dinâmica urbana,
pertencem à delimitação político-administrativa municipal (VITÓRIA,2018a).

A ilha de Vitória apresenta relevo montanhoso (Figura 2), com destaque para o
Maciço Central e a Pedra dos Olhos; a área continental do município com o
predomínio de áreas planas, conta com praias a leste e sudeste e manguezal a
norte e noroeste. Este extenso manguezal abrange ainda, o norte da ilha, e os
municípios vizinhos de Cariacica e Serra, constituindo-se a Estação Ecológica
Ilha do Lameirão. (VITORIA, 2018b)

Figura 2: Vitória vista do Morro do Moreno, em Vila Velha. Fonte: Giovani Goltara, 2017.

359
Vitória e os municípios vizinhos conurbados contam então, com extensa área
litorânea e grande quantidade de maciços rochosos florestados, resultando em
diversas áreas de equilíbrio ambiental.

Deste modo, é importante também citar elementos marcantes pelo relevo, na


paisagem de Vitória, situados nos municípios vizinhos, como os Morros do
Moreno, do Convento de Nossa Senhora da Penha e o Penedo, em Vila Velha,
bem como o Mestre Álvaro, na Serra, e o Moxuara, em Cariacica. Estes
elementos formam articulações paisagístico-ambientais com a capital,
fortemente presentes no imaginário da população, especialmente os que se
situam às margens da Baía de Vitória, como os localizados em Vila Velha.
Contribuindo com essa articulação paisagística, há espaços livres em Vitória,
que preservam visuais para esses elementos, como a vista da avenida Nossa
Senhora da Penha em relação ao Morro e ao Convento de Nossa Senhora da
Penha, ainda que, localizados em outro município (VITÓRIA, 2006).

Cabe assinalar que até o final do século XIX, a ocupação da cidade se adequava,
de modo geral, aos limites naturais impostos pelo sítio, constituídos pelo Maciço
Central, as áreas alagadiças e o mar (KLUG, 2009). Com o tempo, tais limites
foram se flexibilizando e a expansão urbana aconteceu, portanto, por meio de
extensos aterros, como os do Centro de Vitória e da Enseada do Suá, entre
outros (FREITAS, 2004), e também, pela ocupação de áreas de manguezal, como
São Pedro em Vitória e Aribiri em Vila Velha, e de relevo acentuado, em muitos
casos, classificadas como de preservação ambiental, como o morro do Forte de
São João, em Vitória e o Morro do Moreno, em Vila Velha.

A região estudada é também marcada pela intensa verticalização em áreas


próximas ao mar, nos municípios de Vila Velha e Vitória. Como ocorre em outras
cidades litorâneas deste porte, isso se relaciona com o fato de que os bairros
costeiros contam com o interesse da indústria imobiliária em maximizar a
quantidade de unidades residenciais e obter lucro em função da valorização
acerca da proximidade e da vista para o mar. É o caso de regiões como a Praia
da Costa e Praia do Canto, por exemplo, localizadas, respectivamente, em Vila
Velha e Vitória. Embora o município de Serra também possua área litorânea, a
forma urbana dessa região não segue o mesmo padrão de Vitória e Vila Velha.

360
Também se apresentam verticalizadas e com elevada densidade de
construções, as centralidades antes comentadas, especialmente os Centros de
Vitória, Enseada do Suá e Praia do Canto, de Vila Velha e Campo Grande, em
Cariacica. A verticalização de construções vem se tornando um marco de outra
centralidade, como Laranjeiras, na Serra, mesmo que de modo menos
adensado.

Nas demais áreas, especialmente nas mais interiorizadas, não se observa a


mesma intensidade de verticalização, predominando, então, edificações de
baixa altura.

O Sistema de Espaços Livres

Com base nos estudos realizados e tendo como principal referência Carneiro e
Mesquita (2000), os espaços livres da área em questão podem ser classificados
em três categorias: Espaços Livres de Equilíbrio Ambiental; Espaços Livres
Públicos de Práticas Sociais e Espaços Livres Potenciais (MENDONÇA et al., 2012)
(Figura 3).

Figura 3: Mapemanto das tipologias de espaços livres. Fonte: MENDONÇA et al.,2012.

361
Constituem os Espaços Livres de Equilíbrio Ambiental, as Unidades de Conservação,
como o Morro do Moreno (Figura 4, detalhe b), em Vila Velha e a reserva florestal de
Duas Bocas (Figura 4, detalhe a), em Cariacica, além de campi universitários, cemitérios
e espaços de valor paisagístico-ambiental. Mesmo considerando que tais áreas
devessem ter seus recursos naturais preservados, algumas delas vêm recebendo forte
pressão imobiliária, contribuindo para a perda do patrimônio paisagístico, bem como da
identidade local (MENDONÇA et al., 2012).

Figura 4: Reserva florestal de Duas Bocas (a) e Morro do Moreno (b).


Fonte: Prefeitura Municipal de Cariacica e Prefeitura Municipal de Vila Velha.

Foram incluídos nesta classificação, espaços considerados de valor paisagístico-


ambiental, mesmo que não protegidos por legislação, visto que contribuem,
assim como as unidades de conservação, para a manutenção do patrimônio
paisagístico do local, além de serem importantes para o equilíbrio ambiental
(MENDONÇA et al., 2012).

Na área de estudo, foram também, classificados como Espaços livres de


Equilíbrio Ambiental, as margens de rios e canais, orlas oceânicas e terrenos
livres com cobertura vegetal considerável. Um exemplo importante é o Morro
do Convento de Nossa Senhora da Penha, já mencionado, localizado em Vila
Velha às margens da Baía de Vitória (Figura 5).

362
Figura 5: Convento da Penha. Fonte: Prefeitura Municipal de Vila Velha.

Os Espaços Livres Públicos de Práticas Sociais são constituídos pelas praças,


parques urbanos, “calçadões”, faixas de praia, quadras de esportes, mirantes
e clubes (MENDONÇA et al., 2012). Nesta categoria, é possível destacar espaços
de grande uso e importância para a região, como o Parque Moscoso, em Vitória
(Figura 6, detalhe a). Outros espaços dessa categoria a serem destacados são
a Praça dos Namorados (Figura 6, detalhe b), também em Vitória, onde há
intenso uso pela população, especialmente nos dias de feiras e em Vila Velha,
as faixas de praia. Este último tipo é o maior atrativo das áreas de práticas
sociais de Vila Velha e, tanto de dia quanto à noite, o uso pela população é
intenso.

Figura 6: Parque Moscoso (a) e Praça dos Namorados (b).


Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória.

363
Os terrenos vazios, espaços livres associados a equipamentos de grande porte,
recantos e espaços de transição constituem a categoria dos Espaços Livres
Potenciais (MENDONÇA et al., 2012). Foram incluídos nessa categoria, entre
outros, dois grandes espaços livres privados. É o caso dos antigos parques
temáticos Yahoo Family Park, na Serra, e o Parque das Águas, em Vila Velha.
Atualmente estes espaços se encontram abandonados e de portas fechadas,
resultando, portanto, em áreas que guardam grande potencial para serem
integrados ao sistema de espaços livres de práticas sociais da região, podendo
também, por outro lado, receber algum tipo de empreendimento imobiliário.
Existem ainda, nesta categoria, extensos espaços livres, remanescentes da
implantação de grandes equipamentos industriais, que guardam importante
potencial, a depender do tratamento e do uso que venham receber, diante da
possibilidade de se integrarem de forma contínua ao sistema de espaços livres
da região (MENDONÇA, 2014).

Principais agentes de produção dos espaços livres e edificados e


impactos da legislação

Vitória e municípios vizinhos, desde meados do século XX, vêm passando de


modo intenso, por processos de transformação do território. Mesmo que em
escalas distintas são diversos os agentes que participam da dinâmica urbana,
com influência sobre esse processo de transformação. Como principais agentes
da produção da forma urbana nestes municípios, destacam-se a atuação do
poder público, expressa na legislação urbanística e ambiental e nas obras de
infraestrutura, sobretudo, viária e o setor imobiliário, a partir de suas diversas
subdivisões. Com significado menos incisivo, há também a participação de
movimentos sociais, seja de modo institucionalizado em audiências públicas
obrigatórias, seja também por iniciativa popular em torno de questões
específicas.

No entanto, a legislação, representada principalmente pelos subsequentes


Planos Diretores e reconhecida como fator de grande impacto sobre as
transformações do território, é porém, resultado não só da ação do poder
público, mas de diversos outros agentes, incluindo representação de
moradores, com destaque, para os representantes do setor econômico.

364
Ainda assim, mesmo que de forma pontual e fragmentada, e portanto,
insatisfatória, é possível constatar, na legislação dos municípios da área de
estudo, alguma preocupação com a preservação das articulações paisagísticas
na Grande Vitória.

Figura 7: Av. Nossa Senhora da Penha, em Vitória, planejada visando a manutenção do visual
para o Convento da Penha. Fonte: Prefeitura Municipal de Vitória, s/d.

Deste modo, cabe dar destaque ao Plano Diretor Urbano (PDU) de Vitória,
instituído em 2006 pela Lei 6.705, ao apresentar, como um de seus objetivos,
a garantia de visibilidade para o Morro e Convento de Nossa Senhora da Penha
(Figuras 5 e 7) localizado em Vila Velha. Para tanto, o plano define modelos
urbanísticos específicos para a área considerada comprometida com esta
visibilidade, atingindo especialmente parte do bairro Enseada do Suá (VITÓRIA,
2006). O PDU prevê também, que as edificações a serem construídas em
determinadas zonas urbanas tenham seus projetos arquitetônicos submetidos
ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN-ES), para
análise e anuência‘’[...] quanto à sua volumetria e altura da edificação.’’
(VITÓRIA, 2006, p. 85). Dessa forma, a Enseada do Suá vem recebendo tanto
transformações de grande escala com edifícios de altura elevada, como
também, limitação do gabarito de edificações em parte do bairro, para alcançar
volumetria compatível à manutenção das articulações paisagísticas
mencionadas. A Figura 8 permite observar uma das edificações construídas com
o propósito de manter a visibidade do referido Convento, demonstrando o
mérito deste plano, mesmo que deixe de tratar de outras articulações
paisagísticas também relevantes.

365
Figura 8: Exemplo de edifício com volumetria de modo a manter articulações paisagísticas e
destaque para as edificações de baixa altura no limite do mar. Fonte: Skyscrapercity.

Além de situações específicas, como a descrita, os Planos Diretores, ao


definirem zonas e indicar usos, modelos de ocupação e de parcelamento, vêm
moldando a forma urbana e, por conseguinte, o sistema de espaços livres. Tal
zoneamento contribui também, para a criação de diferentes padrões
morfológicos em áreas específicas da cidade que, por sua vez, contrastam com
as ocupações espontâneas.

O zoneamento é, dessa forma, importante fator na constituição dos sistemas


de espaços livres e da forma urbana, mesmo com a ressalva de que as intenções
do setor imobiliário incidem fortemente sobre sua determinação em detrimento
da manutenção dos valores paisagísticos. Como exposto na Figura 9, além das
Zonas de Ocupação Preferencial, Zonas de Ocupação Limitada, Zonas de
Ocupação Restrita, Zonas Especiais de Interesse Social e Zonas de Equipamentos
Especiais, encontram-se também delimitadas, as Zonas de Proteção Ambiental,
que buscam a preservação, pela limitação de construções em importantes
espaços livres naturais da cidade (VITÓRIA, 2006).

366
Figura 9: Zoneamento de Vitória proposto pelo Plano Diretor Urbano de 2006. Fonte:
Prefeitura Municipal de Vitória, 2006.

Por outro lado, acompanhando-se o histórico de alterações do plano diretor,


verificam-se em diversas situações, alterações nos limites das zonas de
proteção ambiental, de modo a tornar permitidos empreendimentos destinados
a usos diversos, como condomínios residenciais, atividades industriais e
logísticas. Em determinadas situações desta natureza, verificou-se a
participação do Ministério Público, como no “impedimento da vigência do novo
Plano Diretor Urbano de Vila Velha, que apresentava várias irregularidades
relacionadas à mudança do uso do solo e à ausência de proteção de áreas
ambientalmente frágeis” (MENDONÇA et al., 2013, p. 22). Ainda assim, nem
sempre conta-se com a ação deste órgão; áreas que, deveriam ser unidades de
conservação e, portanto, terem seus recursos naturais preservados, como o
Morro do Moreno em Vila Velha, o Morro do Guajuru em Vitória, às margens das
lagoas Juara e Jacuném na Serra, vêm recebendo empreendimentos, em alguns
casos a partir de alteração específica na legislação, sem impedimento jurídico.

A atuação do poder público com relação às obras de infraestrutura pode ser


indicada como importante ação na produção espacial da Grande Vitória,
destacando-se a Rodovia Leste-Oeste, o Contorno do Mestre Álvaro e o Contorno

367
de Jacaraípe, ainda que não concluídas, “caracterizadas como redes viárias de
trânsito rápido, que conectam loteamentos imobiliários, shoppings e
empreendimentos logísticos. Identificou-se que na maioria dos casos, essas vias
percorrem terrenos estratégicos, grandes propriedades, contribuindo para
ampliar o valor da terra de latifundiários, figura presente na Grande Vitória”
(MENDONÇA et al., 2013, p. 22), com destaque para os municípios de Serra e
Vila Velha, onde a posse de grande parte das terras concentra-se sob o poder
de poucos, que detêm o domínio do território e exercem forte influência sobre
as decisões que recaem sobre uso e ocupação do solo.

Nota-se assim, que o setor privado interfere decisivamente na produção do


espaço urbano, tanto com “empresas com base imobiliária (grandes
construtoras e grandes proprietários de terra), quanto com empresas sem base
imobiliária (empresas produtivas, com destaque para siderúrgicas de grande
porte)” (MENDONÇA et al., 2013, p.22).

Como produtos do mercado imobiliário de destaque recente, na Grande Vitória,


podem ser mencionados os condomínios fechados de grande extensão
localizados principalmente no município da Serra (Figura 10), caracterizados
tanto por luxuosos empreendimentos, como por construções do Programa do
Governo Federal Minha Casa Minha Vida (MCMV) (MENDONÇA et al., 2013).
Constatou-se que geralmente, os dois tipos de empreendimentos vêm sendo
implantados, distantes de rede de serviços, mesmo ocupando vazios
intersticiais deixados a partir da dispersa e desarticulada ocupação realizada
no passado. Estes empreendimentos diferenciam-se bastante entre si, quanto
às dimensões e qualidades de espaços livres, visto que nos conjuntos MCMV, os
espaços livres são de pequena dimensão e com pouco ou nenhum equipamento
de lazer, enquanto os condomínios destinados à renda mais elevada contam
com amplos espaços livres, servidos com equipamentos de recreação, esporte
e lazer. Ocorre em ambos os casos, de serem espaços segregados em relação à
rua, que em muitas situações não apresenta condições favoráveis de
acessibilidade e nem atrativos à sua utilização e permanência.

Como elemento complementar a estes dois tipos de empreendimentos, os


shopping centers vêm se destacando no espaço urbano da Grande Vitória, com

368
localização relativamente próxima aos condomínios residenciais,
acompanhando lógica do mercado imobiliário de valorização da terra. Esta
lógica, entre outros aspectos, contribui para afastar continuamente os grupos
sociais mais pobres para as franjas urbanas, para as áreas ambientalmente
frágeis, e sem infraestrutura.

Neste sentido, sobre as áreas de moradias, pode-se destacar que as áreas a


leste, próximas da costa, como em grande parte das cidades brasileiras, são as
de maior valor imobiliário, e de modo geral, verticalizadas, ou ocupadas com
bairros unifamiliares exclusivamente residenciais e para alta renda. Portanto,
bairros como Praia da Costa e Praia de Itapoã, em Vila Velha e Praia do Canto
e Mata da Praia, em Vitória, são marcados pelo predomínio de edificações
residenciais, principalmente de alto valor, enquanto áreas mais interiorizadas
e, por conseguinte menos valorizadas, concentram variados tipos de funções e
serviços. Cabe assinalar que no extremo oposto a esta supervalorização
imobiliária encontram-se áreas densamente ocupadas em morros e em aterros
sobre manguezal e outras áreas de ocupação rarefeita em loteamentos
regulares ou não, em bairros periféricos. Notou-se então, que na Grande
Vitória, a população mais pobre está sendo levada a ocupar áreas cada vez mais
afastadas dos serviços urbanos, sendo muitas vezes áreas ambientalmente
frágeis. Também, em áreas periféricas, verifica-se como tendência recente, o
lançamento de condomínios residenciais de alto luxo, e outros para classes de
média e baixa renda, como já comentado.

Figura 10: Alphaville Jacuhy, Serra (ES). Fonte: Google Earth, 2018.

369
Empresas de grande porte e parques industriais concentram-se ao norte de
Vitória e no município de Serra, “com destaque para a Vale (antiga Companhia
Vale do Rio Doce) e a Arcelor Mittal (antiga Companhia Siderúrgica de Tubarão
e antiga Belgo Mineira), fortemente atuantes na produção e na configuração
espacial da Grande Vitória, uma vez que necessitam de extensas áreas para
exercer suas atividades” (MENDONÇA et al., 2012, p. 23). Além disso, estas
empresas ocupam extensa dimensão contígua do território, e apesar de
representarem significativa parte da riqueza e de empregos da Grande Vitória,
são responsáveis também, por sérios danos ambientais, motivos de diversas
ações de órgãos fiscalizadores e de pressão popular, mas ainda, sem resultado
plenamente efetivo.

As diversas formas de participação da população devem ser inseridas aqui como


ações de agentes relevantes na produção do espaço, e consequentemente, no
planejamento dos espaços livres, verificando-se, porém, que esta inserção na
prática, não adquire o mesmo alcance, em termos de resultados, do que a ação
de agentes que representam o poder econômico. De todo o modo, cabe
ressaltar a participação de representantes de associações de moradores nos
orçamentos participativos, em audiências dos planos diretores municipais e em
seus conselhos e ainda em movimentos diversos, específicos, diante de
situações de forte impacto.

Quadro dos espaços livres na constituição dos padrões morfológicos

Moudon (1997), entre outros autores, afirma que a forma urbana é definida por
elementos físicos fundamentais: as construções e os espaços livres
remanescentes destas, as vias e os lotes e quarteirões. Ruas e, de modo geral,
todos os espaços livres de edificação, como lotes vazios e outros espaços
remanescentes de quadras, são considerados espaços livres, como definido por
Magnoli (1982). Dessa forma, é possível considerar os elementos constituintes
da forma urbana como uma conjunção entre espaços edificados e espaços
livres. O sistema de espaços livres, portanto, é importante fator na constituição
dos padrões morfológicos das cidades. Ainda segundo Moudon (1997), a forma
urbana só pode ser compreendida se analisada historicamente, já que seus
elementos constituintes estão em constante transformação e substituição.

370
Observa-se, na área objeto de estudo, que os espaços livres, além de
constituírem padrões morfológicos distintos, denunciam, e refletem, por
exemplo, a diversidade de períodos de ocupação da cidade.

A ocupação adensada do Centro de Vitória, por exemplo, com vias estreitas e


implantação das edificações de modo a ocupar grande parte do lote,
evidenciam o caráter pioneiro de sua ocupação (Figura 11). Embora tal bairro
apresente, também, áreas conquistadas ao mar com padrão morfológico
destoante, com vias largas e espaços livres mais extensos, a imagem de área
densa é predominante no local.

Figura 11: Cheios e vazios do Centro de Vitória. Fonte: VALFRÉ e MENDONÇA, 2017.

Em outras áreas, como a Enseada do Suá, bairro projetado sobre aterro na


década de 1970 (ESPINDULA, 2014), e a Praia do Canto, projetado aos moldes
higienistas no final do século XIX, atualmente caracterizados como novo centro,
os espaços livres se encontram mais presentes, devido à ampla extensão de
espaços livres públicos para práticas sociais, como a Praça do Papa, Praça dos
Namorados e as faixas de praia, às implantações de construção de modo a
liberar considerável parte dos lotes, às largas vias e mesmo à presença de
espaços livres de interesse ambiental.

É observado que espaços livres privados estão relacionados, também, ao


projeto urbanístico, às normas previstas na legislação, às características
socioeconômicas da população e à condição geográfica do sítio. Nas Ilhas do
Frade e do Boi, em Vitória, é observada forma urbana de ocupação menos densa

371
do que no Centro. Tratam-se de bairros residenciais unifamiliares projetados,
com edificações e lotes amplos, mantendo amplas áreas livres, destinados à
população de alta renda e com previsão de espaços livres públicos de práticas
sociais.

Por outro lado, em bairros periféricos, em determinados morros e em aterro


sobre manguezal, como na Baía Noroeste de Vitória, a ocupação é mais densa
do que em bairros projetados, as ruas são também mais estreitas, com
edificações e lotes pequenos. Tratam-se em geral, de bairros ocupados por
população de baixa renda e construídos por meio de autoconstrução, sendo
comum não apresentarem previsão de espaços livres públicos. (MENDONÇA,
2013)

Bairros próximos à praia, em geral, apresentam-se verticalizados e voltados


para a residência de classe socioeconômica elevada, como Mata da Praia e Praia
do Canto em Vitória, e Praia da Costa em Vila Velha, mesmo que com densidade
de ocupação diferentes entre si, com amplos espaços livres privados no primeiro
e mínimos no último. Trata-se como já indicado, de resultado da ação
imobiliária buscando maior proveito monetário da localização e suas
características ambientais aprazíveis.

Com base em resultado de oficina (MENDONÇA et. al., 2013) complementado


por Rossi (2016), pode-se dizer que a área de estudo apresente 13 padrões
morfológicos indicados a seguir, cujas características encontram-se expressas
de modo esquemático no Quadro 1 e sua localização indicada na Figura 12: P1
Conjuntos Habitacionais, P2 Condomínio Vertical, P3 Condomínio Horizontal, P4
Vertical Tipo 1 (Orla), P5 Vertical Tipo 2 (Orla), P6 Vertical Tipo 3 (Área
Central), P7 Vertical Tipo 4 (Vertical Baixo), P8 Loteamento Isolado, P9
Galpões, P10 Padrão Horizontal Tipo 1 (Relevo), P11 Padrão Horizontal Tipo 2
(Aterro), P12 Padrão Horizontal Tipo 3 e P13 Padrão Horizontal Tipo 4.

Acompanhando-se o resultado expresso em mapa (Figura 12) e Quadro 1,


percebem-se, quanto às características morfométricas, destaques para a
diversidade de padrões horizontais, a presença de verticalização de construções
na orla e a extensa área de conjuntos habitacionais. Nota-se a consolidação de

372
diversos padrões e a expansão de outros, como os condomínios fechados. Nota-
se também, como comentado a partir de determinados exemplos, que relações
entre padrões morfológicos e espaços livres são diversificadas, do mesmo modo
como podem ser caracterizadas como de elevada e de baixa qualidade estética.

Neste sentido, deve-se observar que grande parte do conteúdo do quadro indica
características negativas. Isso porque são comuns a insuficiência de parques,
praças, além de falta de tratamento adequado, quanto aos projetos,
equipamentos e manutenção, em bairros de população de menor renda,
especialmente fora de Vitória.

Por outro lado, o Quadro 1 expressa também o reconhecimento de


potencialidades de transformação das más características citadas, a depender,
em sua maioria, de ações relacionadas ao poder público (ROSSI, 2016).

Figura 12: Mapeamento dos padrões tipológicos da Grande Vitória. Fonte: Digitalizado por
Rossi, 2016, a partir de mapeamento realizado na 4ª Oficina Vitória (MENDONÇA et al., 2013).

373
Quadro 1, Parte 1: Padrões morfológicos da Grande Vitória. Fonte: ROSSI, 2016.

Quadro 1, Parte 2: Padrões morfológicos da Grande Vitória. Fonte: ROSSI, 2016.

374
Quadro 1, Parte 3: Padrões morfológicos da Grande Vitória. Fonte: ROSSI, 2016.

Considerações Finais

O estudo demonstrou que Vitória e os municípios vizinhos, ao mesmo tempo em


que revelam intenso processo de urbanização, apresentam extensos espaços
livres de equilíbrio ambiental e também extensos espaços livres com potencial
de expansão urbana ou de transformação de uso. A despeito dos planos
diretores vigentes demonstrarem preocupação ambiental e paisagística, nota-
se também que constantes alterações de seus conteúdos, favorecem a
urbanização sobre áreas até então protegidas, indicando assim a
vulnerabilidade do instrumento. Na área estudada, o sistema de espaços livres
não é planejado de modo conjunto, embora se reconheça importantes
articulações paisagístico-ambientais garantidas por lei.

Observou-se então, que a expansão urbana da Grande Vitória vem se


caracterizando, principalmente, pela ocupação de vazios intersticiais, gerados
por ocupação dispersa em décadas anteriores, de acordo com os interesses dos
atores hegemônicos, com destaque para grandes empresas e latifundiários, que

375
detém o controle da posse da terra, configurando-a sempre de modo mais
rentável. Esta ocupação se revela sobre o formato de extensos condomínios
para alta renda ou para média e baixa renda em programa habitacional,
desarticulados do sistema de vias e distantes de serviços. Como parte desta
ação imobiliária, houve aumento do número de shopping centers. A
verticalização de edificações em determinados bairros da orla intensificou-se e
estendeu-se, realçando esta característica de cidades litorâneas. Por outro
lado, mantêm-se a localização periférica da população mais pobre, que também
ocupa morros e manguezais em áreas mais centrais.

Notou-se, ainda, pela ação do conjunto de agentes envolvidos com a produção


do espaço na Grande Vitória, que o constante confronto, entre os interesses do
capital imobiliário e o de manutenção de elementos significativos da paisagem,
dificultam a construção de um sistema de espaços livres mais adequado ao
ambiente e à população.

É visível, portanto, a influência de processos políticos e socioeconômicos na


constituição dos sistemas de espaços livres, que por sua vez influenciam na
constituição dos diferentes padrões morfológicos da região. Alerta-se, no
entanto, para a importância de ampliar e fortalecer as possibilidades de
participação de outros agentes, além dos de interesse exclusivamente
econômico, que atuem sobre o planejamento e gestão do sistema de espaços
livres, de modo a atribuir ao mesmo, caráter coletivo e público.

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