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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
BRASÍLIA 2020
VI ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA
E PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO
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ISSN 2358-6214
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COMISSÃO ORGANIZADORA
C O O RD E NAÇÃO GE R AL
C O O RD E NAÇÕE S AD JUNTAS
C O O RD E NAÇÃO F I NANCEIR A
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C O O RD E NAÇÃO DE PR O DUÇÃO
C I NE MA U RBANA
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D I S C ENTES
PARC EI RO S
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APOIO
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DIRETORIA DA ANPARQ
Gestão 2019-2020
P R E SI DE NT E
ANGELA MARIA GORDILHO DE SOUZA (UFBA)
T ES OU RE I R A
NAIA ALBAN SUÁREZ (UFBA)
D I R E TORE S
RICARDO TREVISAN (UNB)
MARTA SILVEIRA PEIXOTO (UFRGS)
MARIA DE LOURDES ZUQUIM (FAUUSP)
SUPLENTE: ANDRÉA DE LACERDA PESSÔA BORDE (UFRJ)
C O NSE L H O F I SCAL
CARLOS EDUARDO DIAS COMAS (UFRGS)
MARIA ANGELA DIAS (UFRJ)
CARLOS ALBERTO FERREIRA MARTINS (IAU-USP-S.CARLOS)
SUPLENTE: ANA CLÁUDIA DUARTE CARDOSO (UFPA)
DIRETORIA DA ANPARQ
Gestão 2021-2022
P R E SI DE NT E
RICARDO TREVISAN (FAU-UNB)
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T ES OU RE I R A
LUCIANA SABOIA FONSECA CRUZ (FAU-UNB)
D I R E TORE S
ANA CLÁUDIA DUARTE CARDOSO (UFPA)
ETHEL PINHEIRO SANTANA (PROARQ-UFRJ)
MIGUEL ANTONIO BUZZAR (IAU-USP)
SUPLENTE: ANA GABRIELA GODINHO LIMA (UPM)
C O NSE L H O F I SCAL
ANGELA MARIA GORDILHO SOUZA (FAUFBA)
MARGARETH APARECIDA CAMPOS DA SILVA PEREIRA (PROURB-UFRJ)
SERGIO MOACIR MARQUES (PROPAR-UFRGS)
SUPLENTE: GEORGE ALEXANDRE FERREIRA DANTAS (UFRN)
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
R E I TO R A
MÁRCIA ABRAHÃO MOURA
V I C E-RE I TOR
ENRIQUE HUELVA
D I R E TOR
MARCOS THADEU QUEIROZ MAGALHÃES
V I C E-RE I TOR A
CLÁUDIA DA CONCEIÇÃO GARCIA
C O O RDENADOR A DO PPG-FAU-UNB
LUCIANA SABOIA FONSECA CRUZ
P R O J E TO GR ÁF I CO E EDITO R AÇÃO
ANDRÉ VICTOR E GABRIEL ALMA
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VI ENANPARQ
Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo
01.MARÇO.2021
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FAPERN. O III ENANPARQ ocorreu em São Paulo (SP), entre 20 e 24 de outubro de 2014, com
o tema “Arquitetura, cidade e projeto: uma construção coletiva”, sendo organizado pelo
PPGAU da Universidade Presbiteriana Mackenzie e POSUR/PUC-Campinas da Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, com a colaboração de todos os Programas de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo do estado de São Paulo, com patrocínio Mack
Pesquisa; FAPESP, CNPq, CAPES e PUC-Campinas. O IV ENANPARQ ocorreu em Porto Alegre
(RS), entre 25 e 29 de julho de 2016, com o tema “O Estado da Arte”, sendo organizado
pelo PROPAR da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com apoio do PROPUR-UFRS
e do PPGAU-Mestrado Associado UniRitter/Mackenzie, com patrocínio: CAPES, CNPq e
FAPERGS. O V ENANPARQ foi realizado em Salvador (BA), entre 13 e 19 de outubro de 2018,
com o tema “Arquitetura e Urbanismo no Brasil atual: crises, impasses e desafios”, sendo
organizado pelo PPGAU/UFBA (Mestrado e Doutorado, Mestrado Profissional - CECRE e
Residência Profissional AU+E/UFBA) da Universidade Federal da Bahia, com patrocínio
CAPES e CNPq.
O VI ENANPARQ seria realizado na cidade de Brasília (DF), entre os dias 12 e 16 de
outubro de 2020. Contudo, devido à pandemia de COVID-19 e consecutivas medidas res-
tritivas e cenários incertos atuais, a organização do evento em conjunto com a direção
da ANPARQ decidiu pelo adiamento do evento para 1º a 5 de março de 2021 (formato
100% virtual), com oferta de evento preparatório, o “Seminário Virtual – Limiaridade:
processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo” realizado entre 13 e 16 de outubro de
2020 (formato virtual). É organizado pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo – PPG-FAU/UnB, com a colaboração de outras instituições de ensino superior
da região: Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Universidade Estadual de Goiás
(UEG) e Universidade Federal de Goiás (UFG), e vem dar continuidade aos encontros nacio-
nais homônimos. Complementarmente, atividades de extensão – oficinas e práticas
urbanas – ocorrerão tendo diferentes áreas da Região Metropolitana de Brasília como
campo de trabalho, promovendo interação entre participantes e a comunidade; assim
como exposições de projetos de arquitetura e urbanismo – concurso.
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Cabe nesse Eixo explorar a história do ambiente construído como operação crítica.
A pesquisa histórica vem transitando para abordagens não lineares, diante dos limiares
da decolonialidade e do reconhecimento do papel das redes na produção do espaço.
Atentamos para novas possibilidades de construção de narrativas que, perante obras de
caráter canônico, sejam voltadas para a revisão de periodizações, de enquadramentos
conceituais, de delimitações geográficas e de trocas culturais, de modo a rever a tempo-
ralidade e historização de teorias e manifestos e garantir a inclusão de grupos sociais e
objetos marginalizados. Busca-se estimular a exploração de questões de caráter teórico,
tecnológico ou operativo atinentes à documentação da cultura material, às fontes docu-
mentais e iconográficas e aos acervos patrimoniais. Pelo viés da escrita, cabe considerar
ainda os aspectos científicos, literários e políticos do discurso da história dos territórios,
das cidades e das edificações.
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Para esse Eixo é privilegiado o debate sobre transições e trocas inerentes aos proces-
sos sociais, por meio de pesquisas, experiências e eventos. Tais transições, deslocamentos
e permutas ocorrem em diferentes tempos e espaços mediante uso dos mais diversos
meios, tensionando as escalas local, regional, nacional, transnacional e internacional,
criando interlocuções e redes. As inúmeras possibilidades de interação, bem como os
ambientes em que elas transcorrem, podem ser exploradas para conhecer e reconhecer o
protagonismo de agentes e entidades em constante contato, por entre múltiplas limiari-
dades. Cabem trabalhos que explorem as relações que se estabelecem entre instituições
de ensino, grupos de pesquisa, setor público e iniciativa privada, associações de classe,
representações da sociedade civil e organizações não-governamentais; a contribuição
de agentes que se destacam por meio de sua atuação e expertise; as interações em expo-
sições, feiras, bienais, congressos e outros eventos; as conexões com suportes artísticos,
cinematográficos ou multimidiáticos e as novas fronteiras das tecnologias digitais.
Além disso, tivemos um eixo dedicado a trabalhos sobre a Pandemia de SARS-Cov
19 que assola o mundo desde 2020; Sessõe livres, Mesas Especiais e Oficinas.
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COMISSÃO CIENTÍFICA
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FOTOGRAFIAS
A R Q UI VO P Ú BL I CO DO DISTRITO FEDER A L
ANDRÉ COSTA
ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL
AYA VILLENA
BRASÍLIA RETROFUTURISTA / THIAGO FREITAS
CALCIFER ZECAIÊ
DIEGO BRESANI
ELAINE SOARES
GABRIEL LYON
JOANA FRANÇA
JOSÉ ROBERTO BASSUL
LEONARDO WEN
LUISA ZUCCHI
MARCEL GAUTHEROT / INSTITUTO MOREIRA SALLES
PETER SCHEIER / INSTITUTO MOREIRA SALLES
THOMAZ FARKAS / INSTITUTO MOREIRA SALLES
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EIXO TEMÁTICO 4
PATRIMÔNIO,
ESCALAS E
PROCESSOS
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EIXO TEMÁTICO 4
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SUMÁRIO
38 APROPRIAÇÕES COLETIVAS DE ESPAÇOS
PÚBLICOS: UM ENFOQUE NO PATRIMÔNIO
CULTURAL (CIDADE DE GOIÁS COMO ESTUDO DE
CASO)
OLIVEIRA, Irina
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DETZEL, Carolina
TONDELO, Patrícia Geittenes
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SOBRE PATRIMÔNIO CULTURAL E APROPRIAÇÃO
SILVA, Ana
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EM BELO HORIZONTE/MG: OS INTERESSES
MERCADOLÓGICOS QUE INCIDEM SOBRE A
REGIÃO E A SUA IMPORTÂNCIA ENQUANTO
LUGAR DE MEMÓRIA
BERNARDES, Brenda Melo
GONÇALVES, Raquel Garcia
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APROPRIAÇÕES COLETIVAS
DE ESPAÇOS PÚBLICOS: UM
ENFOQUE NO PATRIMÔNIO
CULTURAL (CIDADE DE
GOIÁS COMO ESTUDO DE
CASO)
COLLECTIVE APPROPRIATIONS OF PUBLIC
SPACES: A FOCUS ON CULTURAL HERITAGE
(TOWN OF GOIÁS AS A CASE STUDY)
OLIVEIRA, Irina
Doutoranda; Programa de Pós-Graduação -
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília
irinaoliveira@gmail.com
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RESUMO
Essa pesquisa toma o núcleo histórico da cidade de Goiás, Patrimônio da Humanidade desde
2001, como estudo de caso e volta o olhar para as apropriações coletivas observáveis em âmbito
urbano pela comunidade local, com destaque para os espaços públicos patrimonializados. Para
analisar esses elementos, adota-se conceitos como espaço, lugar e práticas sociais cotidianas,
assim como, as relações que estabelecem entre si a partir da perspectiva de autores como Henri
Lefèbvre, Michel de Certeau, David Harvey, etc. Em apoio a esse aporte teórico, utiliza-se diversos
tipos de imagens da cidade, que vão de mapas do século XVIII a fotografias de época, especial-
mente, do século passado até a atualidade, por apresentarem maior quantidade e diversidade.
Conclui-se destacando a importância dos diferentes modos de apropriações coletivas na cidade
e sua perpetuação para as próximas gerações, de modo a permitir a construção de uma con-
sistente preservação do patrimônio cultural, ainda que se verifiquem constantes e complexos
conflitos entre os diversos atores nesse cenário.
ABSTRACT
This research takes the historical center of the Town of Goiás, a World Heritage Site since 2001,
as a case study and focus on the collective appropriations observed in the urban environment by
the local community, especially on historical public spaces. To analyze these elements, concepts
like space, place and daily social practices are used, as well as the relationships they establish
between themselves from the perspective of authors: Henri Lefèbvre, Michel de Certeau, David
Harvey, etc. Supporting this theoretical contribution, different types of images of the city are
analyzed, from 18th century maps to last century and recent photographs, as per their quantity
and diversity. Ending with the emphasis on the importance of the different modes of collective
appropriation in the city and its perpetuation for the next generation, allowing a consistent
preservation of the cultural heritage, despite the constant and complex conflicts between the
different actors in this case.
RESUMEN
Esta investigación toma el núcleo histórico de la ciudad de Goiás, Patrimonio de la Humanidad
desde 2001, como un estudio de caso y analiza las apropiaciones colectivas que la comunidad
local logre hacer con la ciudad, con énfasis en los espacios públicos patrimoniales. Para ana-
lizar estos elementos, se utilizan conceptos como espacio, lugar y prácticas sociales cotidianas,
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así como las relaciones que establecen entre ellos desde la perspectiva de autores como Henri
Lefèbvre, Michel de Certeau, David Harvey, etc. Juntamente con esa contribución teórica, se
utilizan diferentes tipos de imágenes de la ciudad, que van desde mapas del siglo XVIII hasta
fotografías de época, especialmente desde el siglo XX hasta el presente, ya que presentan una
mayor cantidad y diversidad. Concluye destacando la importancia de los diferentes modos
de apropiación colectiva urbana y su perpetuación para las próximas generaciones, a fin de
permitir la construcción de una preservación constante del patrimonio cultural, aunque hay
conflictos constantes y complejos entre los diferentes actores en este escenario.
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INTRODUÇÃO
[1] Torna-se Patrimônio Mundial em 2001, tendo alguns monumentos e edifícios tombados
isoladamente pelo IPHAN na década de 1950 e seu conjunto arquitetônico e urbanístico, em 1978.
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Figura 3: Imagem aérea localizando os lugares e os bens patrimoniais analisados, 2019. Fonte:
Google Maps.
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guês no Brasil, que passa a ser inexpressivamente endereçada como Rua Moretti Foggia;
a Praça do Coreto, atualmente nomeada como Praça Dr. Tasso de Camargo; e o largo do
Chafariz, transformado em Praça Brasil Caiado.
Acerca do tema, Certeau (1998, p. 185) considera a toponímia como uma forma de
apropriação, pois os nomes próprios têm seu valor original desgastado com o tempo,
mantendo ainda sua “capacidade de significar”. Assim, abrem-se a polissemias atribuídas
por seus usuários, que os descolam de seus locais físicos e passam a abranger “encontros
imaginários para viagens que, mudadas em metáforas, determinam por razões estra-
nhas ao seu valor original mas razões sabidas/não sabidas dos passantes”, de modo que
pairam sobre a cidade como uma nuvem de sentidos latentes e também de memórias.
O autor afirma ainda que, nesses espaços vazios “ocupáveis”, surgem três diferen-
tes dispositivos simbólicos indicadores das relações entre práticas espaciais e práticas
significantes: o crível, o memorável e o primitivo, que se articulam entre si. Tais práticas
representariam aquilo que viabiliza as apropriações espaciais, o que se repete e se recorda
de uma “memória silenciosa e fechada” (Certeau, 1998, p. 186) e o que ali se estrutura e
permanece marcado por suas origens primárias. Esses três elementos organizam os
lugares-comuns dos discursos sobre/da cidade (lendas, lembranças e sonhos), sendo
reconhecíveis na própria função dos nomes de tornar “habitáveis” ou “críveis” esses
locais, e impõe uma história vinda do outro, alterando sua identidade funcionalista.
O historiador define também as chamadas formas ou artes de fazer[2] como “mil
práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado”, de modo a burlar
o que entende por uma “rede de vigilância” [3] que está por toda parte. Utiliza para tanto
procedimentos populares “minúsculos” e “cotidianos” que “jogam com os mecanismos
da disciplina e não se conformam com ela a não ser para alterá-los” (Certeau, 1998, p.
41). Refuta, assim, a teoria de passividade e disciplina dos consumidores culturais e a
massificação dos comportamentos, defendendo a necessidade de se parar de interpretar
as práticas como “fundo noturno da atividade social” (Certeau, 1998, p. 37).
Certeau desenvolve, então, a teoria das práticas cotidianas, afim de estudar as “for-
mas de fazer”, consideradas majoritárias na vida social, às quais surgem, geralmente,
apenas como resistências nas técnicas de produção sociocultural. Complementa que os
[2] Podem ser atos como caminhar, cozinhar, falar, etc., sendo uma de suas principais caracte-
rísticas a apropriação, destacada enquanto “a cultura comum e cotidiana” (Certeau, 1998, p. 13).
[3] Para Michel Foucault, as instituições que exercem o poder sobre a sociedade estariam
sendo “vampirizadas”, de modo que o funcionamento desse poder estaria sendo “reorganizado
clandestinamente” através de seus detalhes em uma “microfísica do poder” (Certeau, 1998, p. 41).
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mecanismos de tais resistências são os mesmos de uma época para outra e de uma ordem
para outra, pois a distribuição desigual de forças permanece vigorando. Desse modo,
semelhantes formas de resistir ou “processos de desvio servem ao fraco como últimos
recursos, como outras tantas escapatórias e astucias, vindas de ‘imemoriais inteligências’,
enraizadas no passado da espécie, nas ‘distâncias remotas dos viventes’, na história das
plantas ou dos animais” (Certeau, 1998, p. 19), conforme exemplos indicados a seguir.
Ao lançar essa perspectiva sobre as cidades, Certeau (1998, p. 172) defini-as como
uma “vista perspectiva e vista prospectiva (que) constituem a dupla projeção de um
passado opaco e de um futuro incerto numa superfície tratável” e aberta à observação.
Através delas, busca analisar as “práticas microbianas” existentes no sistema urbano, as
quais este deveria “administrar ou suprimir”, mas que “sobrevivem a seu perecimento”.
Observa, ainda, os procedimentos que organizam a cidade (os quais considera deterio-
rados como a própria está) e que
se reforçam em uma proliferação ilegitimada, desenvolvidos e insinua-
dos nas redes de vigilância, combinados segundo táticas ilegíveis mas
estáveis a tal ponto que constituem regulações cotidianas e criativida-
des sub-reptícias que se ocultam somente graças aos dispositivos e aos
discursos, hoje atravancados, da organização observadora. (Certeau,
1998, p. 175)
Trata-se, em suma, de distinguir essas operações que se “proliferam” dentro das
estruturas tecnocráticas e “alteram seu funcionamento por uma multiplicidade de
‘táticas’ articuladas sobre os ‘detalhes’ do cotidiano”, buscando resgatar formas ocultas
criadas pelos indivíduos ou grupos presos nessas “redes de vigilância” e consideradas
como “criatividade dispersa, tática e bricoladora” (Certeau, 1998, p. 41). Na cidade de Goiás,
poderiam ser vistos como exemplos os vendedores informais de produtos rurais, que se
espalhavam por alguns pontos da cidade como a Praça do Coreto, conforme indicado
na Figura 5.
Já Lefèbvre (2008, p. 87) defende que o urbano não se restringe à morfologia mate-
rial, sendo também “uma forma mental e social, a forma da simultaneidade, da reunião,
da convergência, do encontro”. Ele configura um campo de relação entre espaço (iso-
topias-heterotopias) e tempo (ritmos cíclicos e durações lineares) estabelecido através
dos usuários, indivíduos e grupos em uma organização socioeconômica, sempre consi-
derando a crescente complexidade e diversidade das sociedades contemporâneas. Em
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consonância com Certeau, conclui que “a cidade não é apenas uma linguagem, mas uma
prática” (Lefèbvre, 2008, p. 101), por poder se encarregar da junção do que está disperso,
dissociado e separado. Defende, por fim, que “as qualidades humanas da cidade emergem
de nossas práticas nos diversos espaços da cidade, mesmo que eles sejam passíveis de
cercamento, controle social e apropriação, tanto pelos interesses privados como pelos
público-estatais” (Lefèbvre, 2014, p. 143), concluindo que ela representa uma “modalidade
superior da liberdade” (Lefèbvre, 1999, p. 131).
Retorna-se a Certeau (1998, p. 179) com a definição de uso como um “fenômeno
social pelo qual um sistema de comunicação se manifesta de fato”, remetendo a deter-
minadas normas. O cruzamento do uso com o estilo gera uma maneira de fazer e de ser,
compreendendo-se o primeiro como “tratamento singular do simbólico” e o segundo
como “elemento de um código”. A partir do que denomina de “retórica habitante”, busca
modelos e hipóteses para analisar diferentes formas de apropriação dos lugares. Utiliza
relatos temáticos, considerando-os como práticas e percursos do espaço que “atravessam
e organizam lugares”, selecionando-os e reunindo-os em um único conjunto, de modo
que se tornam “frases e itinerários” (Certeau, 1998, p. 199-200). Em última instância, são
“em seu grau mínimo uma língua falada, isto é, um sistema linguístico distributivo de
lugares sendo ao mesmo tempo articulado por uma ‘focalização enunciadora’, por um
ato que o pratica” (Certeau, 1998, p. 217).
Sendo a fala um importante exemplar das práticas sociais, destaca-se que, na Lin-
guística, esse ato (como uma performance) não se resume ao simples conhecimento da
língua como enunciação. Ela apresenta as seguintes características: opera no campo
linguístico; apresenta uma apropriação ou reapropriação da língua pelos interlocuto-
res; instaura o presente, relativo a um momento e lugar; estabelece um contrato com
o outro (interlocutor) em uma rede de lugares e relações. Em uma perspectiva mais
ampla, compreende a fala do homem ordinário como uma espécie de “murmúrio das
sociedades” (Certeau, 1998, p. 57), já que provérbios e discursos afins são marcados por
usos, o que permite a análise dos vestígios de seus atos ou processos, ou seja, configuram
rastros de sua historicidade social. No caso de Goiás, os diversos “causos” contados pelos
sertanejos locais podem ilustrar essa prática, apresentando históricas fantásticas e,
muitas vezes, cômicas, a exemplo do fantasma da lendária Maria Grampinho (Figuras 4),
amiga e moradora do porão da casa de Cora Coralina, ainda hoje usado para repreender
crianças indisciplinadas.
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Figura 5: Vendedor informal de produtos agrícolas e carro-de-boi na Praça do Coreto entre 1906
e 1908. Fonte: Cidinha Coutinho.
Acerca dos percursos no espaço, Certeau (1998, p. 177) designa o caminhar como
uma apropriação do sistema topográfico pelo pedestre e como uma realização espacial
do lugar que “implica relações entre posições diferenciadas” (ou “contratos pragmáticos”
como movimentos). Explica que cada passo é qualitativo e um “inumerável de singula-
ridades”, tornando-se “um estilo de apreensão tátil de apropriação cinésica”, cujos jogos
moldam os espaços e tecem os lugares. Sendo assim, os passos podem ser definidos como
uma “série de deslocamentos e de efeitos entre os estratos partilhados que o compõem”
e um “jogar com essas espessuras em movimentos”. Extrapolando-se o âmbito material,
seriam “histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à legibilidade por
outro, tempos empilhados que podem se desdobrar mas que estão ali antes como histó-
rias à espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas, enfim simbolizações
enquistadas na dor ou no prazer do corpo” (Certeau, 1998, p. 189). Enfim, o movimento
dos pedestres, “praticantes ordinários da cidade” (Certeau, 1998, p. 171), forma sistemas
reais cuja existência constrói efetivamente a cidade, transcrevendo traços e trajetórias.
Assim, a localização implicada pelo andar indica uma “apropriação presente do
espaço”, instaurando uma paradoxal “articulação conjuntiva e disjuntiva de lugares”,
reunindo-os e separando-os ao mesmo tempo (Certeau, 1998, p. 178). Em uma analogia
com a fala, a partir da enunciação dos pedestres, pode-se analisar “os tipos de relação que
mantém com os percursos”, atribuindo-lhes valores de verdade, cognitivo e um dever-fa-
zer relativo ao obrigatório, proibido, permitido, etc. (Certeau, 1998, p. 179), possibilitando,
então, a criação de vínculos afetivos ou não com os lugares.
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Figura 6: Apropriações e usos cotidianos da Praça do Coreto pela comunidade local em meados
do século XX. Fonte: Maria Dulce Loyola.
Figura 7: Ilustração de uma procissão no antigo Largo da Matriz (atual Praça da Coreto), 1743.
Fonte: Francis de Castelnau.
Com um olhar marxista, David Harvey (2014, p. 197) trata a apropriação de forma
mais politizada, como uma espécie de direito a usos diversos (espaciais, culturais, etc.)
ao qual o corpo social deveria ter acesso, mas que pode ser controlado ou tolhido pelo
capitalismo. É observável em várias modalidades como as presenças políticas nas cida-
des e os chamados “comuns culturais” (Harvey, 2014, p. 206), traduzidos em costumes e
tradições culturais locais sob domínio comunitário, por exemplo. Apresenta também
alguns tipos de ocupações como forma de resistência, ilustrando-as com o movimento
“Occupy Wall Street”, no qual espaços públicos centrais (parques ou praças próximos a
“alavancas do poder”) são ocupados por pessoas para “transformar o espaço público em
comuns políticos - um lugar para debates e discussões abertas sobre o que esse poder
está fazendo e qual seria a melhor maneira de se opor a ele” (Harvey, 2014, p. 280).
Em ambos os olhares, verifica-se uma clara vinculação com o conceito de “direito
à cidade” de Lefèbvre (2001, p. 134), que se desdobra nos direitos a liberdade, individu-
alização na socialização, habitat e habitar, dando também ao usuário acesso “à obra (à
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Figura 8: Celebração comunitária nas ruas do Dia do Vizinho, idealizado por Cora Coralina, 1982.
Fonte: Cidinha Coutinho.
Figura 9: Exemplo de apropriação coletiva em festa popular na Praça do Coreto, 2015. Fonte:
Ines Santos.
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Figura 10: Artista plástica Goiandira do Couto retratando a cidade. Fonte: Cidinha Couti-
nho.
Nesse contexto em que a arte é vista como forma de apropriação, retoma-se Certeau,
que apresenta a cultura e a literatura populares como outros exemplos de práticas/artes
cotidianas, entendendo-as como “consumos combinatórios e utilitários”, maneiras de
pensar aplicadas ao agir, enfim, uma “arte de combinar indissociável de uma arte de
utilizar” (Certeau, 1998, p. 42). Em oposição à cultura erudita, que articula conflitos e
“legitima, desloca ou controla a razão do mais forte”, as manifestações culturais popu-
lares buscam um equilíbrio simbólico em meio às tensões e à violência corrente, através
de uma “politização das práticas cotidianas” (Certeau, 1998, p. 45). A extensa produção
de artesanato em cerâmica, retratando temáticas relativas ao patrimônio cultural e às
tradições locais na cidade de Goiás (como as lavadeiras no Rio Vermelho e os antigos
tropeiros desfilando pelas tortuosas ruas locais com seus cavalos e mulas), destinada
ao consumo turístico, ilustram bem o conteúdo dos imaginários urbanos observados
na região (Figuras 11 e 12).
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Figura 13: Tradicional Procissão do Fogaréu pelas ruas da cidade de Goiás, 2015. Fonte: Jornal
Populacional.
Figura 14: Registro das extintas Cavalhadas na cidade de Goiás, 1913 . Fonte: Cidinha Coutinho.
Castro (2012, p. 39) introduz a questão conflituosa das diferentes formas de apro-
priação dos bens culturais pelas populações locais, gestores e consumidores, sobretudo,
em locais com forte caráter turístico e segregacionista, remetendo aos enfretamentos
e disputas em relação aos usos dos espaços sociais e culturais trazidos por Lefèbvre e
Harvey. Além dos estranhamentos e não reconhecimentos de parte da sociedade local
acerca do patrimônio que a cerca, no que Villaschi (2014, p. 161) chama de “descolamento”
da comunidade de suas raízes, “sobretudo quando a história de vida da população atual
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REFERÊNCIAS
CORALINA, Cora. Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais. São Paulo: Círculo
do Livro, 1989.
____. O direito à cidade. Trad. de Jeferson Camargo. São Paulo: Centauro, 2001.
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RESUMO
Este artigo busca a abordar de maneira breve o enfrentamento de questões metodológicas do
ensino artístico na educação básica no Distrito Federal, pensando a partir da perspectiva da
localidade e da inserção da história e vivência urbanas. Diante da questão da central da pesquisa,
que consiste em buscar conhecer meios, linguagens e processos que tornem a educação artística
interesse para os alunos do ensino básico brasileiro. A presente investigação é elaborada a partir
de uma análise do projeto educacional de Brasília de Anísio Teixeira, olhando também para
as diretrizes curriculares e outros documentos oficiais que pautam os conteúdos e atividades
ministrados nas disciplinas de artes, de forma a identificar como o ensino artístico tem sido
tem sido tratado, da década de 1950 aos dias de hoje. Somado a isso, apresenta-se a trabalho de
campo realizado pela pesquisadora em uma escola de ensino fundamental em Ceilândia. Essa
experiência constitui fonte de pesquisa uma vez que permite avaliar como o plano de Anísio
Teixeira evoluiu ao longo do tempo e alcançar criticamente proposições e verificações de resulta-
dos de materiais didáticos e atividades elaborados visando a história e a vivência urbana local.
A BSTRACT
This article seeks to discuss the confrontation of methodological questions of artistic
education in basic education in the Federal District, thinking from the perspective
of locality and the insertion of urban history and experience. Based on the central
question of the research that consists in seeking to know the means, languages and
processes that make artistic education an interest for Brazilian elementary school
students. The present research is based on an analysis of the educational project of
Brasília by Anísio Teixeira, also looking at the curricular guidelines and other official
documents that guide the contents and activities taught in the arts disciplines, in order
to identify how artistic education has been treated, from the 1950s to the present
day. In addition to this, a fieldwork conducted by the researcher at a primary school
in Ceilândia is presented. This experience is a source of research since it allows us to
evaluate how Anísio Teixeira’s plan evolved over time and critically reach propositions
and verifications of results of didactic materials and activities elaborated considering
the local history and urban experience.
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RESUMEN
A partir de esta página, Este artículo busca abordar brevemente la confrontación de los pro-
blemas metodológicos de la educación artística en la educación básica en el Distrito Federal,
pensando desde la perspectiva de la localidad y la inserción de la historia y la experiencia
urbana. Frente a la pregunta del centro de investigación, que consiste en buscar conocer los
medios, los lenguajes y los procesos que hacen que la educación artística sea de interés para
los estudiantes de educación básica brasileña. La presente investigación se basa en un aná-
lisis del proyecto educativo en Brasilia por parte de Anísio Teixeira, que también analiza las
pautas curriculares y otros documentos oficiales que guían los contenidos y actividades que
se enseñan en las disciplinas artísticas, con el fin de identificar cómo la enseñanza artística
ha sido tratado, desde la década de 1950 hasta la actualidad. Además de esto, se presenta con
el trabajo de campo realizado por el investigador en una escuela primaria en Ceilândia. Esta
experiencia constituye una fuente de investigación, ya que nos permite evaluar cómo el plan
de Anísio Teixeira ha evolucionado con el tiempo y alcanzar propuestas críticas y verificar los
resultados de los materiales didácticos y las actividades diseñadas con vistas a la historia local
y la experiencia urbana.
INTRODUÇÃO
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Brasília foi concebida como uma cidade modernista, reunindo em seu plano uma
ruptura na forma das cidades tradicionais como resposta aos problemas de circulação e
organização espacial que os novos sistemas econômico, social e político impunham. As
soluções surpreendentes de seus edifícios e eixos consolidava-se em meio à um projeto
otimista de modernização. Esse espírito inovador mostrava-se nos diversos planos de
seus idealizadores, entre eles o plano educacional, visto como “(...) a oportunidade, a
esperança de uma educação mais democrática e coerente com nossas necessidades e
com as ideias de uma “educação criadora[2].” (DUARTE, 2011, p.22)
[2] Educação criadora: termo utilizado por Maria de Souza Duarte em seu livro A Educação
pela Arte – O caso de Brasília. Designa um conceito de educação onde a escolarização iria além
das atividades curriculares tradicionais, sendo complementada com atividades socializantes,
recreativas e artísticas. Nota da autora.
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O primeiro trecho destaca algumas das ideias centrais que sintetizam a atuação na
educação nacional e no Distrito Federal de Anísio Teixeira nas décadas de 1950 e 1960. O
segundo coloca parte dos objetivos dos Parâmetros Curriculares Nacionais para a Arte
no Ensino Fundamental, as quais regulam o ensino básico brasileiro atualmente. O
texto de Anísio Teixeira demonstra caráter inovador no sentido de ampliação do acesso
à educação e discussão de temas até então incomuns aos conteúdos básicos do ensino
básico. As diretrizes de 1998 reafirma em âmbito nacional uma série de formulações de
pluralidade cultural (MEC, 1998, p.9) e práticas pedagógicas que envolvem novos temas
e maneiras de abordagem. Educação ambiental, consciência política, regras de trânsito,
entre outros. Muitos desses temas originaram pesquisas e experiências práticas que
conduzem de forma cada vez mais embasada o despertar da conscientização, seguida de
ações e mudanças de mentalidade. A educação artística entra igualmente nesse campo de
explorações práticas e intelectuais recentes, indo desde pesquisas e desenvolvimento de
teorias, materiais didáticos e reflexões mais aprofundadas e integradas com a realidade
social circundante, até atividades e programas escolares.
Contudo, é preciso entender o histórico da arte e educação no Brasil no período
analisado, assim como as legislações que regem o ensino artístico atual de forma a
ultrapassar as formulações conceituais em direção às aplicações práticas. Isso porque,
apesar de aparente relevância nas políticas públicas, a educação artística entendida, de
modo geral, como uma prática com potencial emancipatório para a vida cultural e social,
enfrenta grandes desafios. Ações recentes como a reforma nacional do ensino médio[3] e
a militarização das escolas públicas no Distrito Federal[4] impõem uma condição em que
a formação técnica parece sobrepor-se à humanística, com um ensino exclusivamente
[3] Reforma do Ensino Médio: Lei 13.415/2017 – “Altera as Leis nºs 9.394, de 20 de dezembro
de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho
2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de
[4] O atual governador do Distrito Federal anunciou um plano de militarização das escolas
públicas do DF. Quatro escolas foram selecionadas para que suas gestões sejam compartilhadas
por militares. Como esclarece Max Maciel, consultor da rede Urbana de Ações Socioculturais, a
opção pela militarização das escolas é veiculada de forma a sugerir que elas seriam equipará-
veis aos colégios militares, prestando-se a supor uma melhoria de qualidade do ensino. Mas,
isto não se dá no real. As escolas militares contam com orçamento superior ao das escolas
submeter-se a um rigoroso exame, para o qual os adolescentes se preparam por quase todo um
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Para a formulação prática das considerações aqui apresentadas, assim como para a
formação das linhas e fontes de pesquisa da dissertação de mestrado em desenvolvimento,
considerou-se uma experiência prévia realizada no Centro de Ensino Fundamental 19 (CEF
19), situado na cidade-satélite de Ceilândia, desenvolvida durante o ano letivo de 2018.
Nos primeiros momentos da pesquisa, dedicou-se a entender melhor a cidade, seu
projeto, sua história e suas dinâmicas atuais. Isso foi feito através de um mapeamento
da cidade, seguido da identificação das escolas de ensino fundamental e suas respectivas
caracterizações (número de estudantes, performance escolar, relação residência e local
de estudo, etc). Optou-se por trabalhar com estudantes na faixa etária de 14 a 16 anos,
uma vez que esses possuíam autonomia para circular no espaço urbano.
Isso feito, a pesquisa seguiu na elaboração em conjunto com a professora de artes de
um programa para a disciplina que contemplasse os conteúdos exigidos pela Secretaria
de Educação do Distrito Federal em convergência com as orientações do Plano Político
Pedagógico da escola. O programa proposto alicerçou-se na crença de que o conheci-
mento se constrói a partir de vivências sendo o lugar dos sujeitos o ponto de partida
para a exploração do mundo; na preocupação de buscar um envolvimento dos jovens
com a escola, lançando mão de recursos e métodos pedagógicos utilizando instrumen-
tos e linguagens contemporâneos. A formulação do plano de curso buscou acrescer aos
conteúdos previstos a dimensão da experiência urbana dos estudantes, contemplando
Ceilândia e o Plano Piloto de Brasília. “Tornando Ceilândia o ponto central, vislumbra-se
abolir a clássica antinomia entre centro-periferia. ” (RIBEIRO, 2018.)
Com isso em mente, buscou-se a elaboração de atividades capazes de unir conhe-
cimentos e práticas artísticas no sentido expandido do conceito, englobando conteúdo
programático da disciplina, visando o patrimônio cultural e a história urbana. Um
programa capaz de estimular o engajamento e o pensamento crítico a respeito da arte,
em um movimento onde os alunos constroem o conhecimento artístico e de outras
disciplinas estabelecendo conexões entre a obra de arte e a vida de deles.
Essas formulações teóricas e práticas foram construídas a partir do referencial
teórico proposto pela pesquisadora Elane Ribeiro, o qual contava com as formulações
de Aldo Rossi e Michel de Certeau para a ‘exploração’ da cidade.
Intercalando aulas expositivas e atividades práticas, elaboramos maquetes, diários
de visita, visitas guiadas à Ceilândia e ao Plano Piloto, redações, tudo isso de forma a
entender melhor a cidade quanto de sua gente, atividades, manifestações, temporalidades,
memórias, espaços e volumetrias. Para melhor compreensão e desenvolvimento dessas
atividades, foram elaborados materiais didáticos como guias das visitas, mapas, textos
e aulas que também podem ser utilizados posteriormente para aplicação do projeto em
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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partilharam histórias comuns. (RIBEIRO, 2018). Todavia, é preciso também alertar sobre
os efeitos deletérios desses tipos de esquecimentos que amputam a dimensão política,
capaz de fazer valer as demandas por justiça social e o cuidado com a própria cidade,
pois cuida-se do que se estima.
As atividades desenvolvidas com o CEF 19 e o estudo dos referenciais teóricos aqui
utilizados e das formulações de Anísio Teixeira para Brasília, permitem perceber como
a cidade, em especial Brasília enquanto cidade modernista com suas obras de arte inte-
gradas, podem ser ferramentas de ensino preciosas, porque existem no mesmo espaço
físico que nós. “Não são específicas de um grupo etário ou audiência e, ao contrário
da palavra escrita, nos convidam a usar todo os sentidos. Uma boa arte-atividade vai
encorajar os alunos a se envolver diretamente com a obra de arte e fazer interpretações
e hipóteses com base em evidências sensoriais. ” (MoMA, 2019.) Conexões entre obras e
atividades, sob temas como Identidade, Espaços & Lugares, Sociedade & Política ou Nar-
rativa & Arte “suporta múltiplos resultados e colabora no objetivo de formar cidadãos
mais críticos e articulados.
A vivência em Ceilândia estabeleceu uma troca ainda em andamento entre pes-
quisadores, professores e estudantes. Novas cidades foram descobertas no caminho,
e nos levaram a pensar nessa ação com o CEF19 como um projeto a ser continuado. A
possibilidade que consideramos agora, após uma revisão crítica das atividades realiza-
das, é de que a disciplina de artes e história incorporem as aulas sobre história urbana,
e que outras como Língua Portuguesa utilizem a temática em atividades de produção de
texto. Assim, o projeto segue sendo ampliado em ações conjuntas, que articulam conte-
údo e atividades que subvertem o ambiente da sala de aula, como a proposta para que
os alunos elaborem um guia da cidade com os locais de interesse e representatividade
para eles. O patrimônio e a história urbana são colocados em foco por meio da vivência
e das narrativas dos alunos que são parte integrante e transformadora desse espaço.
Os jovens participantes se tornam agentes na construção de seus caminhos e expe-
riências urbanas; não somente interagem com a cidade; produzem-na e aprendem com
e a partir dela. O alcance desses resultados para alunos e pesquisadores, assim como a
descoberta constante de novas cidades a partir de vivências e histórias, nos convoca a
perceber este como um projeto a ser continuado - na dissertação de mestrado, no CEF 19,
em outras escolas do Distrito Federal e sobretudo nos estudantes capazes de reconhecer
e representar a cidade, seus monumentos, suas expressões culturais de forma a debater
e agir sobre a ideia de patrimônio cultural e suas implicações.
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Referências
BRASIL. Lei Darcy Ribeiro (1996). LDB: Diretrizes e Bases da Educação Nacional:
Lei 9394, de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional; e
legislação correlata. 2. Ed. – Brasília: Câmara dos Deputados. Coordenação de
Publicações, 2001.
Base Nacional
Comum Curricular. Brasília: MEC; CONSED; UNDIME, 2018. Disponível em: http://
basenacionalcomum.mec.gov.br
DUARTE, Maria de Souza. A educação pela arte – o caso Brasília. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2011.
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TOLSTÓI, Leon. O que é arte? A polêmica visão do autor de Guerra e Paz. São Paulo:
Nova Fronteira, 2016.
TRISTÃO, Marta. “Educação Ambiental e a descolonização do pensamento”. Revista
Eletrônica do Mestrado em Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul. Porto Alegre: Editora UFRGS, v.22, n.25, jan. 2016, p. 12-19.
WAISMAN, Marina. O interior da história – Historiografia Arquitetônica para uso
de latino-americanos. São Paulo: Perspectiva, 2013.
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O BANCO HIPOTECÁRIO
LAR BRASILEIRO E SUAS
URBANIZAÇÕES EM SÃO
CONTRIBUCIONES A LA HISTORIADE LA
ARCHITECTURA Y EL URBANISMO.
EIXO TEMÁTICO: HISTÓRIA, HISTORIOGRAFIA E CRÍTICA.
BEDOLINI, Alessandra
Doutora; Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
albedolini@gmail.com
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RESUMO
A experiência do Banco Hipotecário Lar Brasileiro (1925 – 1965) como produtor de moradias
coincide com um período da história nacional em que se registrou um grande aquecimento
em termos de políticas habitacionais, implementadas por iniciativas tanto públicas quanto
privadas. A lógica financeira praticada pelo Banco, especializado em empréstimos hipotecários,
e a liquidez de dinheiro propiciada pelos depósitos dos correntistas fizeram com que muitos dos
conjuntos por ele realizados, apesar de destinados às classes de média e baixa renda, apresen-
tassem uma surpreendente qualidade tanto em termos de proposta arquitetônica, aprazível
do ponto de vista formal e construtivo, quanto em relação à concepção urbanística. Principal
objetivo deste artigo será, justamente, ilustrar os méritos do Banco no que diz respeito a esta
dúplice vertente. Portanto, após repercorrer as principais etapas que marcaram a trajetória do
BHLB, o artigo apresentará dois casos de urbanizações realizadas pela instituição na Capital
paulista ao longo da década de 1950: o conjunto residencial Parque Lar Brasileiro em Perdizes
e o conjunto residencial Jardim Ana Rosa.
A BSTRACT
The experience of Banco Hipotecário Lar Brasileiro (1925 - 1965) as a housing producer coinci-
des with a period of national history in which there was a great increase in terms of housing
policies, implemented by both public and private initiatives. The financial logic practiced by
the Bank, which specializes in mortgage loans, and the liquidity of money provided by depo-
sits made by account holders, meant that many of the sets made by it, although destined for
the middle and low income classes, showed surprising quality both in terms of architectural
proposal, pleasant from the formal and constructive point of view, as in relation to the urban
design. The main objective of this article will be, precisely, to illustrate the merits of the Bank
with respect to this double aspect. Therefore, after reviewing the main stages that marked the
BHLB’s trajectory, the article will present two cases of urbanization carried out by the institu-
tion in the São Paulo capital during the 1950s: the Parque Lar Brasileiro residential complex
in Perdizes and the Jardim Ana Rosa residential complex.
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LIMIARIDADE
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RESUMEN
La experiencia del Banco Hipotecário Lar Brasileiro (1925 - 1965) como productor de vivienda
coincide con un período de historia nacional en el que hubo un gran aumento en términos de
políticas de vivienda, implementadas tanto por iniciativas públicas como privadas. La lógica
financiera practicada por el Banco, que se especializa en préstamos hipotecarios, y la liquidez
del dinero proporcionado por los depósitos realizados por los titulares de cuentas, significaron
que muchos de los conjuntos que realizó, aunque destinados a las clases de ingresos medios y
bajos, mostraron una calidad sorprendente tanto en términos de propuesta arquitectónica,
agradable desde el punto de vista formal y constructivo, en relación con el diseño urbano. El
objetivo principal de este artículo será, precisamente, ilustrar los méritos del Banco con respecto
a este doble aspecto. Por lo tanto, después de revisar las etapas principales que marcaron la
trayectoria de BHLB, el artículo presentará dos casos de urbanización llevada a cabo por la
institución en la capital de São Paulo durante la década de 1950: el complejo residencial Parque
Lar Brasileiro en Perdizes y el complejo residencial Jardim Ana Rosa.
No Brasil dos anos 40 e 50, ao lado dos órgãos governamentais que, já a partir da
década de 1930, empenhavam-se na implementação de políticas habitacionais, obser-
vava-se também uma presença maciça da iniciativa privada investindo no segmento
residencial. Entre as mais prolíficas e reconhecidas instituições ativas na época, podem
ser citados a Casa Bancária A. E. Carvalho (Banco E. E. Carvalho após 1954), a Sulacap, a
Ítalo-brasileira de Seguros Gerais, a Prudência Capitalizações e o Banco Hipotecário Lar
Brasileiro (BHLB). A intensa atividade de financiador de moradias do BHLB, ativo a partir
da metade da década de 1920, chegou ao fim em meados dos anos 60. O BHLB representava
uma verdadeira potência no ramo do crédito imobiliário e seu alcance estendeu-se a
quase todas as maiores cidades do território nacional, tendo tido grande relevância na
promoção da política da casa própria.
O Banco Hipotecário Lar Brasileiro foi fundado em 19 de agosto de 1925. Segundo
Watanabe (1981), sua atividade básica era o financiamento de empreendimentos habi-
tacionais. Seus objetivos, em acordo com os debates que estavam no auge naqueles anos,
eram “contribuir para a solução do problema da casa própria” e “estimular o espírito
de providência” (ACRÓPOLE 1951, n°158, p. 49). O BHLB se especializou em empréstimos
hipotecários, bastante raros naquele período, possibilitando a oferta de um capital de
empréstimos e de crédito ao setor imobiliário em todo País (BOTELHO 2007). Em 1961 o
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Governo brasileiro, presidido por Jânio Quadros, aconselhou o banco norte americano
Chase Manhattan de abrir as negociações com o Grupo Sul América para a compra do
BHLB. Até então, a família Larragoiti detinha 98% do capital acionário. As negociações,
concluídas em 1962, resultaram na passagem de 51% das ações para o Chase Manhat-
tan Bank: a partir daquele momento começou uma progressiva conversão do Banco, de
Hipotecário para comercial.
Apesar deste processo gradual de mudança estrutural, o Banco continuou finan-
ciando moradias durante mais alguns anos. O que decretou o término definitivo das
atividades dos bancos hipotecários foi a reforma bancária de 1964, que promulgou sua
exclusão do setor imobiliário. As Caixas Econômicas Estaduais, principalmente a Caixa
de São Paulo e a Caixa do Rio de Janeiro, passaram a ter exclusividade no ramo da cons-
trução de imóveis. Em seguida o setor se tornou de competência do BNH (Banco Nacional
de Habitação), fundado através da Lei n° 4.380/64. Finalmente, em 1986, esta alçada foi
atribuída à Caixa Econômica Federal.
A conversão do BHLB em banco comercial se tornou definitiva em 1965. Nas realiza-
ções posteriores a esta data, ao item “proprietário” corresponde o nome “Banco Lar Brasi-
leiro S.A.”: tendo sido o termo “Hipotecário” removido da razão social, que foi modificada
para ter a sigla própria das Sociedades Anônimas com capital social dividido em ações.
[1] Todos colaboradores, em tempos diversos, do BHLB, juntamente a outros nomes significa-
tivos dentro do panorama arquitetônico brasileiro da época, como Eduardo Kneese de Mello,
Salvador Cândia, Plínio Croce, Hélio Duarte, Roberto Aflalo,Jacques Pilon, José Bina Foyant.
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Uma das características mais marcantes do projeto é disposição das lâminas, que
surgem desalinhadas em relação às ruas, criando um rico jogo de recortes no nível térreo
e proporcionando a abertura de amplas nesgas. Outro traço característico é a intenção
de deixar a quadra acessível por todo o seu perímetro: a circulação propiciada pelos
pilotis presentes nos níveis térreos dos blocos seria estendida por meio de marquises,
conectando os diversos edifícios. Todavia, a vontade de criar um quarteirãopermeável
foi logo abandonada. Desta primeira proposta, realizaram-se apenas dois edifícios:
o Ed. Ministro Godoy (Figura 2) e o Ed. Franco da Rocha (Figura 3). De fato, os prédios
efetivamente implantados nesta fase e nas versões sucessivas nunca funcionaram em
conjunto, mas sempre como condomínios independentes.
Fase 2 – A segunda versão (1954-56) foi elaborada por Salvador Cândia, Roberto
Aflalo e Plínio Croce, e teve que levar em consideração os dois volumes já existentes
na quadra. Esta solução manteve o partido dos blocos em lâmina e dos alinhamentos
norte-sul/leste-oeste, mas visou otimizar o aproveitamento do terreno aumentando
o gabarito dos edifícios, que passaram dos 14 pavimentos do Ed. Ministro Godoy (13
no Ed. Franco da Rocha) aos 16 dos novos prédios. Seriam implantadas uma lâmina
simples, com dois blocos de circulação vertical, e duas lâminas duplicadas, com quatro
blocos de elevadores e escadas, reduzindo assim a sensação de fragmentação dentro
da quadra. Nesta segunda proposta, as 250 vagas de estacionamento seriam inseridas
criando um “conjunto de planos horizontais” (SAMPAIO in SAMPAIO 2002, p. 209), aloca-
dos aproveitando o desnível natural do terreno: quase 20 metros entre a cota mais alta,
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situada na esquina entre as Ruas João Ramalho e Ministro Godoy, e a cota mais baixa,
em correspondência da esquina entre as Ruas João Ramalho e Dr. Franco da Rocha. De
acordo com o Memorial Descritivo do projeto, os veículos deveriam ter “fácil e própria
maneabilidade, com saídas e entradas localizadas em ruas e níveis diversos permitindo
assim um tráfego fácil” (SAMPAIO in SAMPAIO 2002, p. 209 apud Memorial Descritivo do
projeto, 26/07/1956 – Arquivo Salvador Cândia). Outro elemento retomado da primeira
versão era o bloco comercial, desta vez, constituído por um tímido volume em forma
de hexágono alongado, com seis lojas dispostas paralelamente à Rua Ministro Godoy. O
projeto não previa a implantação de equipamentos condominiais, como a piscina e a área
fechada para a recreação das crianças ideadas por Abelardo de Souza. Todo o pavimento
térreo do empreendimento apresentaria total permeabilidade e seria coberto por jardins,
que se estenderiam acima das lajes de estacionamento configurando um grande terraço.
O único edifício realizado desta segunda proposta foi a lâmina mais simples, que
recebeu o nome de Edifício João Ramalho (Figura 4), próxima à esquina entre as Ruas
João Ramalho e Ministro Godoy. O jardim ao nível da rua, que recebeu um tratamento
paisagístico de autoria de Waldemar Cordeiro, apresenta uma alternância de trechos
pavimentados e gramados, com presença de espécies vegetais variadas, canteiros de
concreto e bancos de madeira.
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Fase 3 – Entre 1959 e 1960 Salvador Cândia, Roberto Aflalo e Plínio Croce elabora-
ram uma terceira versão do projeto. O partido dos edifícios em lâmina foi abandonado,
optando-se pela implantação de quatro torres com base quadrada, sendo duas delas
localizadas próximo da esquina entre as Ruas Ministro Godoy e Dr. Homem de Mello,
e outras duas situadas no canto oposto da quadra. Cada par de torres desfrutaria de
equipamentos coletivos no nível térreo e de subsolos para estacionamento de automó-
veis. Esta proposta, além de aumentar consideravelmente a densidade do quarteirão
(cada torre contava com 16 pavimento, tendo 4 apartamentos por andar), abandonou
o conceito de permeabilidade da quadra, proporcionando uma mais fácil segregação
entre os diversos blocos.
Foram construídas apenas duas das torres, que atualmente constituem um con-
domínio único: os Edifícios Barão de Laguna e Barão de Ladário (Figura 5). O fato de
se articularem em quatro apartamentos por andar prejudicou o aproveitamento da
iluminação natural, pois existem fachadas inteiramente viradas ao sul. O desejo de
aumentar a densidade habitacional do empreendimento acabou afetando parcialmente
a qualidade destes edifícios mais tardios.
Completamento da quadra – A porção de quarteirão que havia permanecido livre foi
preenchida em seguida, por iniciativa de outros empreendedores. Foram realizadas três
torres caracterizadas por uma excelente qualidade arquitetônica e formal, complemen-
tadas por equipamentos de lazer e jardins no nível do térreo e estacionamentos cobertos
que se acomodam em acordo com o desnível natural do terreno. Próximo à esquina
entre as Ruas João Ramalho e Dr. Franco da Rocha, também aproveitando o desnível do
terreno, foi implantado um estabelecimento comercial (um pequeno supermercado)
que atende os edifícios da quadra e os arredores.
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o Jardim Aclimação, acomodado no fundo do vale. A gleba, que media 55.248,70m2, era
caracterizada por um desnível natural de mais de 25m, muito acentuado. Os objetivos
primários do primeiro estudo foram a definição do novo traçado viário e a implantação
de residências de diversas tipologias, destinadas à classe média e formuladas de acordo
com a linguagem preconizada pelo Movimento Moderno.
...foi estabelecida ligação entre o Largo Dona Ana Rosa e a Rua Paulo
Ney, por uma rua [Rua n.1, em seguida nomeada Avenida Lar Brasileiro e
atual Rua Dr. José de Queirós Aranha] de 16m de largura, e prolongadas
as Ruas Gregório Serrão e Gaspar Lourenço até essa principal. Além
disso, conforme recomendado pela Prefeitura na planta das diretrizes,
foi estabelecida boa ligação entre a via principal e a Rua Dr. Nicolau
de Souza Queiroz, pela Rua n.2 [atual Rua Alceu Wamosy] de 12m de
largura (BARBARA, 2004, p. 80 apud Memorial Descritivo contido no
Processo n.0.162.277-9).
Figura 6: As etapas de elaboração do Conjunto Residencial Jardim Ana Rosa. Fonte: BEDOLINI
(2014, p. 50).
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A Rua n.3, atual Rua Barão de Anhumas, de 9m de largura, foi traçada para unir as
ruas n.1 e n.2 e assim articular de maneira mais eficiente a circulação local. As obras de
implantação das infraestruturas foram consistentes[2] e definiram o arranjo definitivo
do bairro, até hoje tão peculiar.
O fato de o projeto não revelar uma distinção precisa dos seus limites
de intervenção, reforça nossa hipótese de que se trata de um padrão de
ocupação, carregado, portanto, de uma proposta de urbanização, de
algo que poderia ser um embrião de bairro, e não simplesmente o que
se chamou um «conjunto residencial» (BARBARA, 2004, p. 80).
Os espaços foram ocupados por edifícios residenciais variados, projetados ao longo
de quase uma década em três versões sucessivas. O arranjo final do conjunto Ana Rosa foi
aprovado só em 1960, tratando-se, portanto, de uma experiência de longo prazo (Figura 6).
Fase 1 – Abelardo de Souza elaborou o primeiro estudo em 1950. Além de definir
o desenho do viário, o arquiteto propôs a implantação de alguns blocos destinados à
habitação coletiva (Conjunto Rodrigues Alves, Figura 7), caracterizados por um programa
misto e situados nas cotas de nível mais altas do terreno. Os edifícios alinhados com a
Rua Vergueiro - um dos mais importantes eixos de circulação da cidade - e com a Rua n.1
teriam seus pavimentos térreos ocupados por comércio, enquanto nos dois pavimentos
acima haveria residências. Nesta fase também foram projetados os edifícios Vergueiro
(Figura 8) e Biacá (Figura 9), projetos estritamente residenciais, respectivamente de
Abelardo de Souza e de Plínio Croce com Roberto Aflalo, e o Edifício Aruan (Figura 10),
de autoria desconhecida, caracterizado por um programa misto. Todos os edifícios
mencionados apresentam gabarito baixo e feições modernas.
O resto da gleba, nas quadras mais internas e nas bordas do empreendimento, seria
ocupada por residências unifamiliares, projetadas pelos arquitetos Nelson Pedalini e
Walter Kneese (Figura 11), por um total de 55 casas isoladas e 80 sobrados geminados.
Talvez devido à densidade demasiado reduzida, incompatível com o patamar mer-
cadológico desejado, foram realizadas apenas as residências situadas às margens do
conjunto. Algumas das casas projetadas por Pedalini e Kneese permanecem até hoje no
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lugar, junto com outros exemplares de autoria de Plínio Croce, Roberto Aflalo, Salvador
Cândia e Walter Russo.
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Fase 3 – A terceira versão concluiu o preenchimento dos espaços ainda não edifi-
cados. As quadras centrais do empreendimento foram ocupadas por diversos prédios,
projetados por profissionais ligados à Faculdade de Arquitetura da Universidade Presbite-
riana Mackenzie. Nesta fase foram realizados o Conjunto Umary (Figura 13) e o Conjunto
Urahy (Figura 14),ambos articulados em três blocos, e os Edifícios Gregório Serrão e Gaspar
Lourenço (Figura 15). Todos os blocos, com exceção do Ed. Gaspar Lourenço, apresentam
vagas de estacionamento no pavimento térreo. Os espaços livres são ocupados por áreas
ajardinadas extremamente aprazíveis, que ainda hoje proporcionam massas arbóreas
de grande valorização ambiental.
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Figura 15: Edifícios Gregório Serrão e Gaspar Lourenço. Autoria: Alessandra Bedolini (2013).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
de 19/04/1951
Balanço Financeiro. 31 de
dezembro de 1981, p. 9
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BENTO RODRIGUES/MG: UM
LUGAR DE MEMÓRIA
BENTO RODRIGUES/MG: A PLACE OF MEMORY
PESSOTTI, Luciene
Doutora em Arquitetura e Urbanismo; Professora do Curso de Graduação em Arquite-
tura e Urbanismo/Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Universidade
Federal do Espírito Santo (UFES)
luciene.pessotti@terra.com.br
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RESUMO
Este artigo aborda o contexto do crime ambiental de Bento Rodrigue, distrito de Mariana/MG.
O rompimento da Barragem de Rejeitos de Fundão, ocorrido em 5 de novembro de 2015, tem
forte vinculação com a formação do povo brasileiro, cujos fundamentos estão na relação de
subserviência com o mercado externo em detrimento do valor de seus recursos naturais, direitos
cíveis e valoração do patrimônio cultural. O atual modelo político-econômico, de viés necroca-
pitalista e neoliberofascista, nega as relações das populações mais frágeis com seu território.
Reflete-se sobre a proteção legal de Bento Rodrigues, considerado Sítio de Memória Sensível e
Sítio de Consciência, que suscita reflexões sobre a memória coletiva. Aborda-se a manifestação
dos atingidos, através do jornal A Sirene, sobre a reestruturação do sítio destruído pelo mar de
lama tóxica que expõe seus sofrimentos e lutas pela sobrevivência pós-catástrofe.
A BSTRACT
This article addresses the context of environmental crime in Bento Rodrigue, Mariana / MG dis-
trict. The breach of the Fundão Tailings Dam, which took place on November 5, 2015, is strongly
linked to the formation of the Brazilian people, whose fundamentals are in the relationship of
subservience with the foreign market to the detriment of the value of their natural resources,
civil rights and valuation of cultural heritage. The current political-economic model, with a
necrocapitalist and neoliberal-fascist bias, denies the relationships of the most fragile popula-
tions with their territory. It reflects on the legal protection of Bento Rodrigues, considered Site
of Sensitive Memory and Site of Conscience, which raises reflections on collective memory. The
manifestation of those affected is addressed, through the newspaper A Sirene, on the restruc-
turing of the site destroyed by the sea of toxic mud that exposes their sufferings and struggles
for post-catastrophe survival.
RESUMEN
Este artículo aborda el contexto del delito ambiental en Bento Rodrigue, distrito de Mariana
/ MG. La violación de la presa de relaves de Fundão, que tuvo lugar el 5 de noviembre de 2015,
está fuertemente vinculada a la formación del pueblo brasileño, cuyos fundamentos están en
la relación de subordinación con el mercado extranjero en detrimento del valor de sus recursos
naturales, derechos civiles y valoración del patrimonio cultural. El modelo político-económico
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actual, con un sesgo necrocapitalista y neoliberal-fascista, niega las relaciones de las pobla-
ciones más frágiles con su territorio. Reflexiona sobre la protección legal de Bento Rodrigues,
considerado Sitio de Memoria Sensible y Sitio de Conciencia, que plantea reflexiones sobre
la memoria colectiva. La manifestación de los afectados se aborda, a través del periódico A
Sirene, sobre la reestructuración del sitio destruido por el mar de lodo tóxico que expone sus
sufrimientos y luchas por la supervivencia posterior a la catástrofe.
INTRODUÇÃO
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nova gente que ainda se encontra em seu processo de formação enquanto povo levando
a herança do torturador, na qual “[...] incandesce, ainda hoje, em tanta autoridade bra-
sileira predisposta a torturar, seviciar e machucar os pobres que lhes caem às mãos”
(RIBEIRO, 1995, p.108).
O desejo de riqueza da classe dominante, segundo Ribeiro (1995), está pautado na
exploração dos recursos naturais do território de forma predatória e perpassa o período
colonial chegando à atualidade. Essa assertiva é observada por Bosi (1992), quando destaca
a continuidade dessa relação nas décadas que sucederam os anos de 1990:
A barbarização ecológica e populacional acompanhou as marchas
colonizadoras entre nós, tanto na zona canavieira quanto no sertão
bandeirante; daí as queimadas, a morte ou a preação dos nativos. Diz
Gilberto Freyre, insuspeito no caso porque apologista da colonização
portuguesa no Brasil e no mundo: ‘o açúcar eliminou o índio’. Hoje
poderíamos dizer: o gado expulsa o posseiro; a soja, o sitiante; a cana, o
morador. O projeto expansionista dos anos 70 e 80 foi e continua sendo
uma reatualização em nada menos cruenta do que foram as incursões
militares dos tempos coloniais (BOSI, 1992, p.21) (grifo nosso).
Em contrapartida, ao exposto, o Brasil se encontra em uma posição de destaque
no quadro de leis ambientais rígidas. No entanto, o problema da preservação ambiental
encontra-se na fiscalização altamente ineficiente que acaba por gerar perdas do acervo
natural e socioeconômicas sistêmicas ao território. A exemplo temos o estudo de caso
desse trabalho, no qual os autores Espíndola e Guerra (2017), atribuem a essa fiscalização
deficitária a responsabilidade do crime ambiental ocorrido em Mariana (Figura 1), com
o rompimento da Barragem de Rejeitos de Fundão, quando afirmam que a SAMARCO
contava com a leniência da fiscalização por parte dos órgãos responsáveis (Fundação
Estadual do Meio Ambiente - MG e Departamento Estadual da Produção Mineral) tratando
com descaso os sinais de problemas já detectados.
Cita-se como exemplo a mineração, forma de exploração dos recursos minerais
no Brasil, que ocorre desde o período colonial. As relações de trabalho desta atividade
são promiscuas, e ressalta-se, que mão de obra e território sempre se encontraram em
uma posição de degrado. Na atualidade, se percebe o mesmo tipo de tratamento dado
a ambos, reforçando a ideia de que tragédias como a de Bento Rodrigues/MG é cíclica
na história brasileira.
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Figura 1: Imagens captadas por satélite do antes (à esquerda) e o depois (à direita) do rompi-
mento da Barragem de Fundão, Bento Rodrigues. Fonte: G1 Minas Gerais 2015
SUBSERVIÊNCIA E NECROPOLÍTICA
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As políticas neoliberais são políticas de morte, baseadas não na morte direta, mas
nas ações indiretas, através de políticas de austeridade e de exclusão, que provocam a
morte dos corpos tidos como não rentáveis para a economia neoliberal (VALVERDE, 2017).
Segundo Mbembe (2016), a necropolítica e o necropoder estão associadas as formas
de subjugações contemporâneas relacionadas ao poder da vida e da morte. Segundo o
autor na contemporaneidade existem os chamados “mundos de morte” que conferem
um status de mortos vivos a população tida como corpos não rentáveis ao sistema.
A partir da análise histórica crítica da formação da identidade forjada na subservi-
ência ao mercado externo e da apresentação das noções de necropolítica e necropoder,
podemos inferir que este mesmo “mundo de morte” e “status de mortos vivos” é conferido
à população brasileira, conforme é colocado pelo autor Ribeiro, quando afirma que:
[...] o Estado brasileiro e o capital neoliberal a ele inerente estão engen-
drando tarefa amparada pelos setores ou organizações mais reacioná-
rios da sociedade: a de implantar no Brasil um ciclo histórico necroca-
pitalista e neoliberofascista. (RIBEIRO, 2017, p.8)
O caso de Bento Rodrigues exemplifica de forma singular a dinâmica da necro-
política, no qual, claramente, as perdas ambientais, territoriais e das vidas no curso da
lama tóxica, foi considerada mais lucrativa do que medidas preventivas para se evitar
tamanha destruição natural, territorial e humana por quem detém o poder.
Concluindo esse tópico trataremos do território e das suas perdas frente a crimes
ambientais como o de Bento Rodrigues. O território, segundo Claude Rafestin (1993,
p.73), se,
[...] forma a partir do espaço, e o espaço, é resultado de uma ação con-
duzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em
qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente
(por exemplo, plena representação), o ator ‘territorializa’ o espaço.
Essa territorialização é comprometida no cenário da necropolítica. A economia
nacional se abre ao capital estrangeiro permitindo que as corporações internacionais
utilizem de medidas atrozes contra o território e a população. Esse infortúnio é bem
expressivo no campo da extração mineral no Brasil. Os impactos gerados pela atividade
mineira são uma,
[...] questão de injustiça ambiental: geralmente, são mais atingidas
aquelas populações que já são historicamente excluídas e desprotegi-
das... as que têm menos acesso ao capital econômico, menos atenção e
influência sobre os processos de decisão política, que moram em zonas
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das empresas. Mesmo havendo uma ocorrência sistêmica e gerando grandes catástrofes
socioambientais, esses crimes caem no esquecimento. Em grande parte, esse esqueci-
mento se dá ao esforço conjunto do poder público brasileiro e das empresas em apagar
os acontecimentos promovendo a manutenção do sistema de subserviência engendrado
na identidade do povo brasileiro, conforme exposto anteriormente.
Figura 2: Sequência de fotos Ensaio “Mariana” e “Lágrimas do Rio Doce”. Fonte: KINCH, 2017.
Figura 3: Sequência de fotos Ensaio “Mariana” e “Lágrimas do Rio Doce”. Fonte: KINCH, 2017.
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Entendendo as noções de Lugar de Memória e Meio de Memória por meio das defi-
nições de Pierre Nora (1984), o qual conceitua Meio de Memória como sendo um local
onde a vida social existe garantida por uma existência espacial e temporal. Portanto, um
local em que a memória se cria e se afirma constantemente. E Lugar de Memória, quando
um sítio abriga somente fragmentos circunstanciais de uma vida social arruinada. A
importância do Lugar de Memória é descrita por Nora, quando afirma que:
Nosso interesse no lugar de memória onde a memória se cristaliza
e se secreta ocorre em um momento histórico particular, um ponto
de inflexão em que a consciência de uma ruptura com o passado está
ligada ao sentimento de que a memória foi rompida – mas rompida
de tal maneira que coloca o problema da incorporação da memória em
certos locais onde persiste um sentido de continuidade histórica. Há
lugares de memória, sítios de memória, porque não há mais meios de
memória, ambientes reais de memória (NORA, 1984, p. 7) (grifo nosso).
Mediante ao exposto reiteramos a importância do papel da Nova História, assim
como, da preservação dos Lugares de Memória e dos Meios de Memória que dão base para
a criação de uma memória coletiva democrática. Desta forma, entendemos a importân-
cia de se preservar o sítio de Bento Rodrigues - MG como um Lugar de Memória, afim de
ancorar fisicamente a memorarão das relações territoriais rompidas pelo crime ambien-
tal, marcando-as na história e na memória coletiva. Tal anseio é suscitado no Dossiê
de Tombamento do Sítio de Bento Rodrigues coordenado pelo Prof. Dr. Leonardo Barci
Castriota, docente da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e membro do ICOMOS.
Com receio de que a tragédia de proporção nacional e as perdas territoriais dos
moradores daquele sítio fossem esquecidas uma medida de proteção provisória de
tombamento de remanescentes de Bento Rodrigues foi adotado pelo COMPAT - Conselho
Municipal do Patrimônio Cultural de Mariana, que acionou o ICOMOS - Comitê Brasileiro
do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios para realizar a proteção definitiva,
culminando na elaboração do Dossiê de Tombamento e suas diretrizes (CASTRIOTA, 2019).
A proteção de Bento Rodrigues se fundamenta na conservação baseada em valores,
onde, o primeiro paradigma da conservação foi:
[...] a referência vai ser, por um lado, construção e subjetividade, que,
no entanto, só poderá ser construída por diversos indivíduos, grupos e
intérpretes, porque esses encontram no objeto ou sítio em questão um
índice, um sinal. (CASTRIOTA, 2019, p. xiii).
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[2] Segundo o Prof. Willian Menezes do Departamento de Letras – UFOP, o conceito de atingido
é o “[...] sujeito de direitos- um cidadão- que sofreu perda (material, psicológica, simbólica,
ambiental etc.) em decorrência de um fenômeno externo e cujo responsável é um outro sujeito
(no caso a Mineradora) ” (A SIRENE, 2016, p.8).
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CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.
Área conhecida como Lavoura deverá abrigar o novo distrito. Comunidade foi
destruída pelo rompimento da barragem da Samarco. G1: Minas Gerais. Minas
Gerais, 7 maio 2016. Disponível em: http://glo.bo/1UIe130. Acessado em: 30 de
Agosto de 2019.
GIFFONI, Raquel; COELHO, Tadzio; MAIA, Maiana. A Mineração vem aí... E agora?
Um guia prático em defesa dos territórios. Rio de Janeiro: FASE - POEMAS,2019.
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PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 43. ed. São Paulo: Ed.
Brasiliense, 2012.
SANTOS. Antônio.” Nem na minha casa eu mando mais”. A Sirene. N.7, pp.16.
Disponível em: https://issuu.com/jornalasirene/docs/sireneoutubro_issu.
Acessado em: 30 de agosto de 2019.
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RESUMO
O artigo busca explicitar os valores patrimoniais do calçadão de Copacabana, entendido a partir
da noção de objeto patrimonial urbano dentro de uma paisagem cultural específica. Trata-se
de um caso excepcional de associação entre qualidades urbano-paisagísticas com uso intenso,
constituído a partir de uma base material relativamente simples e, por isso mesmo, de conser-
vação e apropriação bastante delicadas. O exame histórico da constituição do bem patrimonial
serve para apontar como seus valores de interpretação se construíram ao longo do tempo.
PALAVRAS-CHAVE: Copacabana. Burle Marx. século XX. cultura de praia. valores patrimoniais.
A BSTRACT
The article seeks to explain the heritage values of the Copacabana boardwalk as an urban
heritage object within a specific cultural landscape. It is an exceptional case of association
between urbanistic and landscape qualities with intense use, constituted from a relatively simple
material base – and, for this very reason, of very delicate conservation and appropriation. The
historical examination of how this heritage object was constituted serves to point out how its
key interpretation values were built over time.
KEYWORDS: Copacabana. Burle Marx. 20th century. beach culture. heritage values.
RESUMEN
El artículo busca explicar los valores patrimoniales del paseo marítimo de Copacabana, enten-
dido desde la noción de objeto de patrimonio urbano dentro de un paisaje cultural específico. Es
un caso excepcional de asociación entre cualidades de paisaje urbano con uso intenso, constituido
a partir de una base material relativamente simple y, por esta misma razón, de muy delicada
conservación y apropiación. El examen histórico de la constitución del bien patrimonial sirve
para señalar cómo se construyeron sus valores de interpretación a lo largo del tiempo.
PALABRAS-CLAVE: Copacabana. Burle Marx. siglo XX. cultura de la playa. valores patrimoniales.
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INTRODUÇÃO
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ção posterior do ambiente sobre essa preconfiguração de elementos. Para aqueles que
lidam com edificações e documentos históricos, o patrimônio, entendido como uma das
maneiras de lidar com o passado, um modo diretamente disponível aos sentidos, como
nota Lowenthal (2005, p. 245), refere-se à utilização, gerenciamento e transmissão social
de objetos selecionados desse passado, incluindo a sua interpretação social segundo
os valores do presente. O patrimônio cultural concentra-se na transmissão de valores
sociais, visando à coesão da coletividade e ao estabelecimento de identidades, ainda que,
segundo Lynch (1972, p. 53), inclua as interpretações conflitantes.
O patrimônio é um desenvolvimento moderno do conceito de monumento (CHOAY,
2001). Enquanto o monumento pode ser visto como uma invariante cultural, em especial
na forma de marcos físicos fúnebres, mas em ambos será difícil encontrar sociedade
humana sem algum tipo de mecanismo de produção monumental – o patrimônio é
um tipo de objeto cultural bastante mais específico e localizado no tempo e no espaço.
O patrimônio é fruto das Revoluções Francesa e Industrial – podemos traçar suas ori-
gens na França, em 1837, com a Primeira Comissão dos Monumentos Históricos (CHOAY,
2001) – quando as mudanças na sociedade ocidental criaram uma ruptura na percepção
temporal cotidiana e na própria hierarquia de valores sociais.
Gonçalves (1996, p.89) considera a retórica da perda como estratégia discursiva
essencial para a constituição de uma cultura nacional, em especial a partir do patrimô-
nio. Mais do que implicar que só pode existir a perda uma vez constituído o patrimônio,
é preciso reconhecer que a iminência da perda faz parte de sua essência. Freire (1997, p.
101) considera mesmo que a visibilidade do monumento aumenta – ou só é possível –
com seu desaparecimento.
Se, de acordo com Fonseca (2005, p.25), a noção de patrimônio artístico e histórico
emergiu no contexto da formação dos estados-nações e da ideologia do nacionalismo, o
patrimônio cultural responde simultaneamente a organizações internacionais e comu-
nidades locais. Ele provê elementos para a comunicação simbólica entre os membros da
coletividade, uma base comum pela qual ela própria pode se identificar, e criando um
sentido de estabilidade (LYNCH, 1972, p.40).
Em 1903, Alois Riegl apresentou “O Culto Moderno dos Monumentos” (Der moderne
Denkmalkultus), uma sistematização da classificação de monumentos a partir de suas
reflexões como historiador da arte. Nessa obra, Riegl (1993) discorre sobre valores que
atribuímos aos monumentos, que se tornam portadores, mais do que de informação, de
significados. Os monumentos têm um poder de comunicação que precede suas eventuais
atribuições, e é relativamente independente da formação cultural do observador: eles
transmitem o senso de passado, ou, na descrição de Riegl, o valor de antiguidade (1993,
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p.46); ou, nas palavras de Lowenthal, sobre os objetos sagrados: “Para a maioria das pessoas,
as relíquias tornam o passado mais importante, mas não mais conhecido ” (2005, p.249).
Quando o aparato da designação é posto em movimento ou simplesmente quando
há uma necessidade afetiva de nomeá-lo e de lhe conferir uma narrativa, ainda que
imaginada, esses objetos se tornam recipientes de versões qualificadas do passado. De
acordo com Riegl (1993), esses valores são de duas ordens: valores de rememoração, que
incluem os valores de antiguidade, de rememoração intencional e histórico-documental;
e valores de atualidade, compreendendo os valores de uso e de arte, este último ainda se
subdividi em valores de novidade e de obra de arte relativa. Esses objetos patrimoniais
não possuem significados fixos, sendo seus sentidos atribuídos pelas diferentes socie-
dades que entram em contato com eles.
Após a Segunda Guerra Mundial, de acordo com Figueiredo (2014, p.417), a noção
de monumento foi ampliada para conjuntos urbanos, levando em conta diversas carac-
terísticas morfológicas, históricas e funcionais, possibilitando à criação e proteção dos
centros históricos. Essa mudança acarretou a necessidade de se incluir as políticas patri-
moniais no planejamento urbano dos municípios, como explicita Castriota (2007), sem
o que tais políticas estarão sujeitas a interrupções ou mesmo a nem serem aplicadas.
Em 1975, a Declaração de Amsterdã definiu o conceito de reabilitação ou revitali-
zação. As principais inovações desse documento estão relacionadas com a explicitação
da necessidade de evitar alterar a composição social dos habitantes dos bairros antigos,
assegurando que todas as camadas da sociedade se beneficiem das operações financia-
das por fundos públicos – o que inclui ainda a ajuda financeira direta ou por renúncia
fiscal aos proprietários de imóveis nesses locais (IPHAN, 1975). Na conclusão, a Declaração
aponta para a necessidade de preservação dos conjuntos edificados: “cidades históri-
cas, os bairros urbanos antigos e aldeias tradicionais, aí incluídos os parques e jardins
históricos”, entendendo que são as áreas e seus moradores, que devem ser preservadas,
tanto ou mais do que os objetos isoladamente.
No que se refere à paisagem, segundo Cauquelin (2007, p.35-36), alguns autores
creditam a origem do termo ao poeta Francisco Petrarca que, em 1336, ao subir o Monte
Ventoux, na Provence, haveria se entregado ao prazer do olhar contemplativo. Outros
situam o conceito por volta de 1415, com o aparecimento do manuscrito Horas de Turim,
atribuído a Hubert van Eyck, na Holanda. Seja como for, temos o surgimento de um con-
ceito de paisagem entre os séculos XIV e XV, em um contexto renascentista, relacionado
ao prazer da contemplação e à fruição da natureza, como um exercício estético a partir
do olhar humano.
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1999). Desta forma, Corner retoma a Teoria dos Fatos Urbanos de Aldo Rossi (1995, p.17-19),
que compreende a cidade como artefato coletivo no tempo, antes de tudo, uma imagem
de elementos permanentes, fatos urbanos constituídos a partir da individualidade, do
lócus, da memória e do desenho da cidade. Nesses fatos urbanos, de acordo com Rossi,
estaria contida a “alma da cidade”.
No Brasil, depois da instituição da chamada “Chancela da Paisagem Cultural Brasi-
leira”, em 2009, quase todas as cidades estão revendo suas legislações urbanas com vistas
a estabelecerem algum tipo de política patrimonial. Assim, segundo Figueiredo (2014,
p.13), encontramos três tipos de gestão adotados pelas administrações públicas: “uma
referenciada na concepção de monumento, outra, na de patrimônio cultural e a terceira
na de paisagem cultural”, ainda que esta última mais indique um caminho de valori-
zação do patrimônio imaterial do que uma gestão pública mais específica (2014, p.429).
Constatamos que a evolução dos conceitos ainda não está acompanhada pelas
políticas de gestão patrimonial que, em sua maioria, seguem presas ao conceito tradicio-
nal de monumento, numa relação direta entre preservação e tombamento (CASTRIOTA,
2007, p.13). Nesse sentido, o conceito contemporâneo de Patrimônio Ambiental Urbano,
desenvolvido em meados do século XX, foi fundamental para a prática do Patrimônio,
pois ampliou o conceito tradicional de monumento isolado, alcançando as paisagens
urbanas como um todo, inclusive com seus espaços públicos, até então desconsiderados,
passando da preservação à conservação. No dizer de Castriota (2007, p.17), “pensar a cidade
como um ‘patrimônio ambiental’ é pensar, inicialmente, no sentido histórico e cultural
que tem a paisagem urbana em seu conjunto, valorizando não apenas monumentos
‘excepcionais’, mas o próprio processo vital que informa a cidade.”
Essa ampliação no conceito, que passa a incluir o ambiente, seja o entorno urbano,
seja a natureza, gera uma importante mudança de postura na salvaguarda, até então
matéria exclusiva do Poder Público. Quando falamos em ambiente, é preciso entender
que se trata não de um objeto isolado, mas de um conjunto espacial vivo, que, devido à
sua complexidade, necessita tanto de conservação contínua como da inclusão de atores
provenientes das mais diversas áreas. É interessante perceber ainda que, no que se refere
aos atores envolvidos, como no modelo da conservação, o Estado continua sendo o pro-
tagonista, apesar de já se perceber a necessidade de participação das comunidades e da
iniciativa privada. A ação estatal, no entanto, vai ser diferente, deixando de ser apenas
uma reação especial a casos excepcionais e passa a ser uma ação contínua, parte integral
de um processo de planejamento urbano (CASTRIOTA, 2007, p.19).
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importante levantamento das espécies arbóreas usadas por Burle Marx para compor
aquela paisagem.
O Decreto Municipal nº 30.936, de 4 de agosto de 2009, homenageia o centenário
de nascimento de Burle Marx, e, com apenas 7 páginas, busca a salvaguarda provisória
de todas as obras paisagísticas do artista na cidade do Rio de Janeiro, essencialmente
estabelecendo que alterações nessas obras devem ser previamente submetidas aos órgãos
de tutela. O Calçadão aparece como uma das 84 obras listadas, descrito brevemente
como “Paisagismo do calçadão da Praia de Copacabana, localizado na Avenida Atlântica”.
O título de Patrimônio Mundial da Unesco foi obtido pela cidade do Rio de Janeiro
em 2012, na categoria paisagem cultural, apresentando três setores da cidade com
características que justificam o título. A orla de Copacabana é mencionada tanto como
exemplo de “Paisagem desenhada intencionalmente” quanto de “Paisagem associativa”,
neste último caso sendo destacado o paisagismo realizado por Burle Marx na Praia de
Copacabana e no Parque do Flamengo. Esta categoria é especialmente importante por-
que envolve áreas de mar e montanha que “fazem parte do imaginário social sobre a
paisagem da cidade em representações literárias e pictóricas realizadas por brasileiros
e estrangeiros” (LODI, 2011, p. 9). Ressalte-se que a chancela da Unesco não implicou no
tombamento nacional, de maneira que o IPHAN não tem responsabilidade sobre o sítio.
De acordo com o IPHAN, a primeira tentativa de candidatura ao título, formalizada
entre 2001 e 2003 incluiu três áreas: o Parque Nacional da Tijuca, o Jardim Botânico e
os morros Pão de Açúcar, Urca e Cara de Cão, apresentado na categoria “sítio misto”. A
segunda tentativa, entre 2004 e 2005, embora tenha sido acrescentado um plano de
gestão e conservação, não foi apresentada à UNESCO por decisão do Ministério das
Relações Exteriores e da Presidência devido a conflitos sociais e ambientais de um lado
e interesses financeiro-especulativos de outro.
Na terceira e última tentativa, entre 2008 e 2012, houve uma considerável mudança
de postura, onde, apesar das áreas escolhidas continuarem “elegíveis”, elas tiveram seus
elementos permanentes ressaltados. Assim, a estátua do Cristo Redentor, no Corcovado,
e o Jardim Botânico se destacaram como pontos relevantes na área do Parque Nacional
da Tijuca, além de terem sido incluídas a enseada de Botafogo, a praia de Copacabana e
o Parque do Flamengo, transformando aquele “sítio misto” em “sítio cultural” e, assim,
passando a concorrer na categoria “paisagem cultural” em plena sintonia com a iden-
tidade nacional. Há que se ressaltar o momento favorável do Brasil na UNESCO e o
empenho do poder público na aquisição do título, divulgando amplamente as paisagens
inscritas, além de promover várias melhorias urbanas e sociais nessas áreas. Inúmeros
instrumentos legais foram desenvolvidos e inclusos na revisão do Plano Diretor com
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Esses valores encontram ressonância até os dias de hoje, entre os mais distintos
grupos de usuários do espaço, como corroborado pela pesquisa de campo. O contato com
moradores, turistas, ambulantes e donos de estabelecimentos da Avenida Atlântica nos
indicou que, se por um lado, há tensão entre a apropriação e a proteção do Calçadão,
por outro, os valores a ele associados estão bastante internalizados na comunidade, e de
forma razoavelmente homogênea e atenta. De forma geral, moradores e comerciantes não
apenas ressaltaram os elementos de iconicidade do calçadão, como souberam identificar
os pontos deficitários em sua manutenção, salientando, principalmente, o descaso com
a execução dos reparos nas pedras portuguesas por parte do poder público e o declínio
da qualidade dos serviços relacionados ao paisagismo, antigamente, concentrados na
Fundação Parques e Jardins e hoje, por razões políticas, fragmentado em vários órgãos, de
forma desarticulada, gerando, em muitos casos, retrabalho às expensas do setor privado.
Curiosamente, no entanto, uma das questões que notamos diz respeito ao pró-
prio reconhecimento do objeto protegido: a maior parte das pessoas reconhece como
“Calçadão de Copacabana” apenas o trecho junto ao mar, sem levar em conta o trabalho
de Burle Marx nos outros dois trechos (canteiro central e junto às edificações). Alguns
dos entrevistados do setor de hotelaria reconhecem as três faixas como patrimônio,
mas entendem a faixa das ondas como sendo mais significativa, e de maior procura e
reconhecimento pelos turistas. Nem sempre os mistérios da Arte e da Estética são ime-
diatamente visíveis aos olhos da maioria.
CONCLUSÕES
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Por outo lado, a população mostrou reconhecer sua paisagem como um valor a ser
protegido e usufrui ativamente desse bem numa dinâmica paradoxal que ao mesmo
tempo que garante sua vitalidade o expõe a constantes modificações.
O desafio que se apresenta agora vem a ser: como se preservar essas paisagens
culturais e, ao mesmo tempo, satisfazer as pressões especulativas? Eis uma tarefa que
envolve não apenas o caráter estético, mas ambiental, econômico e social dessas paisa-
gens, responsáveis por estabelecer os vínculos afetivos que as tornaram culturais. Essa
responsabilidade resulta em ações contínuas e permanentes, onde a construção das
políticas públicas de proteção deve estar diretamente ligada à maneira como a paisa-
gem e o espaço público são tratados e como os usos e tradições são a eles incorporados,
respeitados e potencializados.
Bem precioso na urbanidade contemporânea, o espaço público deve ser preservado
na integridade de seu tecido urbano, repudiando toda ação especulativa e gentrificadora
em prol das comunidades e de suas dinâmicas cotidianas que mantêm a vitalidade e
garantem sua existência.
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REFERÊNCIAS
Espaço e Cultura, v.
0, n. 29, p. 7–21, 1 jun. 2011.
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DETZEL, Carolina
Acadêmica da nona fase de Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário para o
Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí.
carolinadetzel@unidavi.edu.br
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RESUMO
A cidade de Rio do Sul originou-se da expansão da Colônia Blumenau por meio de filhos de
imigrantes alemães e italianos. Em 1930, o distrito de Bela Alliança, foi desmembrado de Blu-
menau, tornando-se sede do município de Rio do Sul. Neste local está localizada a Casa da Força
e Luz, construída em 1946, também conhecida como Casa do Transformador, com o propósito de
potencializar a distribuição de energia elétrica em Rio do Sul e região. O objetivo deste artigo
é analisar aspectos arquitetônicos, históricos e também não históricos da primeira edificação
tombada em Rio do Sul. Para tanto foram realizadas pesquisas bibliográficas em acervos his-
tóricos, visitas in loco, levantamentos fotográficos e entrevistas com pessoas envolvidas. Com
relação aos aspectos históricos, constatou-se que a significância da edificação está vinculada
a fatos históricos que refletem a memória coletiva da população de Rio do Sul como o Ciclo da
Madeira e o Ato de Tombamento em 2004. Quanto aos aspectos arquitetônicos, pode-se afir-
mar que a edificação em estilo Art Déco se encontra mal conservada com danos que interferem
na leitura e composição arquitetônica, levando a concluir que ao longo do tempo não houve
tratamento compatível com o valor da edificação.
A BSTRACT
The city of Rio do Sul originated from the expansion of Blumenau Colony through the chil-
dren of German and Italian immigrants. In 1930, the Bela Alliança district was dismembered
from Blumenau, becoming the headquarters of the municipality of Rio do Sul. In this place is
located the Casa da Força e Luz, built-in 1946, also known as Casa do Transformador, with the
purpose to enhance the distribution of electricity in Rio do Sul and the region. The aim of this
article is to analyze architectural, historical and also non-historical aspects of the first listed
building in Rio do Sul. For this purpose, bibliographic research was conducted on historical
collections, on-site visits, photographic surveys and interviews with people involved. Regarding
historical aspects, it was found that the significance of the building is linked to historical facts
that reflect the collective memory of the population of Rio do Sul, such as the Madeira Cycle
and the Tombing Act in 2004. As for the architectural aspects, it can be affirmed that Art Deco
style building is poorly maintained with damages that interfere in reading and architectural
composition, leading to the conclusion that over time there was no treatment compatible with
the value of the building.
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RESUMEN
La ciudad de Rio do Sul se originó a partir de la expansión de Colônia Blumenau a través de los
hijos de inmigrantes alemanes e italianos. En 1930, el distrito de Bela Alliança fue desmembrado
de Blumenau, convirtiéndose en la sede del municipio de Rio do Sul. En este lugar se encuentra la
Casa da Força e Luz, construida en 1946, también conocida como Casa do Transformador, con el
propósito de para mejorar la distribución de electricidad en Rio do Sul y la región. El propósito
de este artículo es analizar aspectos arquitectónicos, históricos y también no históricos del
primer edificio catalogado en Rio do Sul. Para este propósito, se llevó a cabo una investigación
bibliográfica sobre colecciones históricas, visitas in situ, encuestas fotográficas y entrevistas con
personas involucradas. Con respecto a los aspectos históricos, se descubrió que la importancia
del edificio está vinculada a hechos históricos que reflejan la memoria colectiva de la población
de Rio do Sul, como el Ciclo de Madeira y la Ley de Tumbas en 2004. En cuanto a los aspectos
arquitectónicos, si se afirma que el edificio de estilo Art Deco está mal conservado con daños
que interfieren con la lectura y la composición arquitectónica, lo que lleva a la conclusión de
que con el tiempo no hubo un tratamiento compatible con el valor del edificio.
INTRODUÇÃO
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ASPECTOS HISTÓRICOS
A região na qual a Casa da Força e Luz está instalada é uma área privilegiada sob
aspectos históricos e espaciais, por se tratar do local onde surgiram os primeiros núcleos
urbanos, sendo hoje o centro da cidade de Rio do Sul (Figura 1). A edificação está loca-
lizada em área denominada “Encontro dos Rios”, Itajaí do Sul e Itajaí do Oeste, onde se
forma o Rio Itajaí- Açú. Este rio possui grande importância histórica, econômica, social e
ambiental para todo o Vale do Itajaí, por atravessar várias cidades até chegar a sua foz no
Oceano Atlântico, na cidade de Itajaí. O mesmo rio também é conhecido nacionalmente
pelos desastres naturais vinculados às enchentes, e também por comportar o segundo
maior Porto em movimentação de containers do Brasil.
A colonização agrícola adotada em Rio do Sul nos primeiros anos de colônia teve
êxito efêmero, apenas o tempo suficiente para que os imigrantes arrecadassem algum
capital. Porém, segundo Hering (1987), a agricultura compreendeu grande importância
por anteceder e preparar a industrialização e se manteve presente como fator decisivo nas
etapas posteriores do desenvolvimento econômico municipal. Com o enfraquecimento
da agricultura, as atividades mercantis ganharam força, conduzindo o comércio para
importação/exportação, que deram origem a indústria. Com o aumento da demanda
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Figura 1: Localização da Casa de Luz e Força junto ao encontro dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do
Oeste. Fonte: Adaptado pelas autoras de Mapa Cadastral de Rio do Sul (2013).
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Rio do Sul, a principal centralidade, desenvolveu-se como tal e ficou conhecida como
capital do Alto Vale do Itajaí após o período áureo da extração madeireira entre as
décadas de 1940 e 1950.
O Ciclo da Madeira modificou o estilo e as necessidades de vida da comunidade
presente, trazendo uma demanda de fornecimento de energia elétrica, que se iniciou
antes mesmo da construção da Casa do Transformador, mais precisamente no ano de
1923, na serraria do colonizador Rudolfo Odebrechdt, na proximidade do encontro dos
rios e onde atualmente é o Parque Universitário Norberto Frahm - PUNF (Figura 2). De
acordo com Alves (2004), o Ciclo da Madeira marcou da pujança industrial com a insta-
lação de uma potente máquina a vapor na confluência dos rios Itajaí do Sul e Itajaí do
Oeste, na serraria do senhor Rudolfo Odebrechdt. A máquina funcionava 24 horas por
dia, servindo de dia à indústria e à noite acionando o dínamo que iluminava a cidade. Em
1930, esse sistema de iluminação foi assumido pela Empresa Força e Luz de Blumenau,
mais tarde encampada pelas Centrais Elétricas de Santa Catarina - CELESC.
de Força e Luz.
Fonte: Arquivo Histórico de Rio do Sul.
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No ano de 1946 foi construída a Casa de Luz e Força com a finalidade de abrigar uma
nova fonte de energia, o transformador e o capacitor da empresa Força e Luz, que seria
responsável por fornecer mais energia à cidade, bem como uma área para os funcioná-
rios realizarem plantões (Figura 3). Segundo Dagnoni (2000), “a Casa do Transformador
está representada como exemplo de um momento histórico que reflete a organização
social, política e econômica da sociedade. Trata-se do marco inicial da energia elétrica
em Rio do Sul, um símbolo da vida cultural da cidade”.
A região do Alto Vale do Itajaí dependia exclusivamente de energia elétrica produzida
pela usina de Salto Weissbach de Blumenau, sendo destinada até a Casa do Transformador,
que retransmitia a energia para outros distritos próximos. Segundo Arlindo Sumariva[1]
(2017), o equipamento era importado, possuía grandes dimensões, cerca de 3 metros
de largura e 2,80 metros de altura, alto valor comercial na época e exigia mão de obra
qualificada para operar e fazer as manutenções necessárias. Isto fez com que Rio do Sul
vivenciasse um novo patamar de desenvolvimento e progresso (FELÁCIO JÚNIOR, 2017).
Figura 3: Ponte Curt Hering em construção e aos fundo a Casa de Força e Luz. Fonte: Acervo
Bolinha.
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O local funcionou por cerca de 20 anos, até o momento em que a empresa Força
e Luz foi adquirida pela empresa Centrais Elétricas de Santa Catarina, que optou pelo
desligamento do capacitor que funcionava no espaço da Casa de Luz e Força. Em 1964 o
capacitor foi desativado, suspendendo o uso do espaço, a partir deste momento o imóvel
foi leiloado e passou a ser utilizado como estabelecimento comercial (Figura 4). Poste-
riormente o capacitor foi transportado para Trombudo Central, devido à insuficiência
energética no município (FELÁCIO JÚNIOR, 2017).
Figura 4: Rua Carlos Gomes na década de 1950 com a Casa de Força e Luz aos fundos.
Fonte: Acervo Bolinha.
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escadaria externa. A estimativa é que a ampliação começou a ser feita em 2017, no entanto
em 2019 foi possível encontrar a estrutura de tijolos ampliada abandonada no local
(informação verbal) [2]. A estrutura referenciada pela antiga proprietária é composta
por dois cômodos no mesmo nível do subsolo que funciona como residência (Figura 5).
Até o ano de 2019, o edifício estava sem uso e servia de abrigo para sujeitos que
comercializam produtos ilícitos, o que tornava o ambiente perigoso para o meio urbano.
“O puxadinho permite que as pessoas se escondam da polícia, já que bloqueia a visão
para a parte de baixo do PUNF” (informação verbal)[3]. Atualmente o pavimento térreo
do edifício foi alugado para funcionar com um centro de beleza. A Figura 6 apresenta
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uma síntese da história da edificação desde sua construção até a atualidade incluindo
os principais acontecimentos e seus respectivos proprietários.
A Casa do Transformador teve seu uso destinado a empresa Força e Luz durante três
décadas. Após esse período, o edifício pertenceu a CELESC e mais recentemente a outras
pessoas que a utilizaram para fins comerciais. O grande marco da edificação histórica
ocorreu no ano de 2002, quando foi iniciado o processo de tombamento com intuito de
frear a demolição do imóvel, como é possível observar na Figura 7, para “criação” de um
acesso alternativo ao Parque Universitário Norberto Frahm, uma vez que este já possui
um acesso pela rua Marconi “[...] no momento “as pessoas” pensavam em abrir um novo
acesso que passaria a partir deste local” (FELÁCIO JÚNIOR, 2017, grifo nosso). “Até o tom-
bamento da Casa de Luz e Força, não havia uma “política” que auxiliasse a preservar as
edificações antigas das cidades, assim como não havia nenhuma edificação tombada
em Rio do Sul (informação verbal)[4].
[4] Informação verbal de Maristela Macedo Poleza concedida a Jéssica Odorizzi, 10 de out. 2019.
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preceder qualquer novo projeto de construção, não só para definir o carácter geral do
conjunto, mas também para se apurar as suas dominantes: harmonia das alturas, cores,
materiais e formas, constantes na composição das fachadas e dos telhados, relações dos
volumes construídos e dos espaços, bem como as suas proporções médias e a implantação
dos edifícios. Deverá prestar-se uma especial atenção à dimensão dos lotes individuais,
pois qualquer alteração sem critério pode ter um efeito de massa prejudicial à homo-
geneidade do conjunto (UNESCO, 1976, grifo nosso). ”
A edificação da Casa da Força e Luz é composta por volume único que respeita
a composição clássica: embasamento, corpo principal e coroamento. A edificação em
estilo Art Déco é formada por planos geométricos fortemente marcada por linhas orto-
gonais que sugerem que o estilo sofreu influências do cubismo (Figura 9). A edificação
apresenta sistemas construtivos da arquitetura tradicional brasileira, tais como fun-
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dação em pedras, paredes autoportantes de tijolo maciço e telhado de duas águas com
platibanda (Figura 10).
Segundo Frank Dieter[7], na parte superior do imóvel, em um dos lados não foi
colocada janela, por causa da questão dos cabos e da finalidade de funcionamento. As
aberturas mesclam vidro e madeira pintados. As janelas são folhas duplas com vene-
zianas no pavimento superior e madeira e vidro no térreo. A porta principal possui
três folhas de madeira e vidro, sendo uma fixa e duas de abrir. Nos primeiros anos de
funcionamento, a Casa do Transformador não contava com uma escada com degraus,
apenas uma escada de ferro na parede, utilizada para chegar ao pavimento superior.
Posteriormente modificada para uma escada com degraus, o que possibilitou a implan-
tação de um escritório para atender aos clientes no piso superior. O assoalho do edifício
se manteve original em tábuas de madeira, enquanto que o forro do pavimento térreo
e superior foi revestido com PVC. A escada atual em madeira maciça é estreita e possui
0,92 metros de largura (FELÁCIO JÚNIOR, 2017).
Por um período de 33 anos não foram feitas modificações relevantes na parte
arquitetônica. No entanto, nos últimos anos, a edificação passou por algumas mudan-
ças em suas fachadas, que prejudicaram sua composição estética e descaracterizaram a
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arquitetura e a historicidade do edifício, bem como geram danos a estrutura das vedações.
(Figura 11 e 12). De acordo com a carta de Atenas de 1931, recomenda-se “sobretudo a
supressão de toda a publicidade, de toda a presença abusiva de postes ou fios telefônicos,
de toda a indústria ruidosa, incluindo as chaminés altas, na vizinhança dos monumentos
artísticos ou históricos. ” (ESCRITÓRIO INTERNACIONAL DOS MUSEUS E DAS NAÇÕES, 1931).
Dentre os principais danos destacam-se o toldo na fachada principal em desacordo com
as normativas do Iphan, a estrutura metálica que serve como suporte para publicidade
na fachada noroeste, os fios telegráficos, assim como outros elementos metálicos que
descaracterizam visualmente a fachada. Soma-se a isso as ampliações de dois ambientes
de tijolo ao nível do subsolo.
No que tange a paleta de cores, observa-se que esta também foi alvo de modifica-
ções ao longo dos anos. Até o ano de 2002 apenas duas cores predominam, branco na
edificação e cinza claro para as esquadrias. Em 2002 as cores foram modificadas para
um tom rosa pastel no corpo do edifício e marrom escuro nos detalhes e esquadrias.
Em 2011, o corpo da edificação passou a ser bege e os detalhes e as esquadrias perma-
neceram em marrom. Em 2014 a edificação passou pela sua última alteração de cores,
sendo a que a que permanece até o momento, bege no corpo da edificação e azul nas
esquadrias e detalhes (Figura 13). Com a realização da prospecção estratigráfica, obser-
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CONCLUSÕES
O fornecimento de energia em Rio do Sul teve início no ano de 1923, e em 1930, com
o Ciclo da Madeira despontando, gerou-se maior demanda de fornecimento de energia
elétrica. Com esse aumento na demanda, em 1946 foi construída a Casa da Força e Luz,
abrigando uma nova fonte de energia, o transformador e o capacitor da empresa Força
e Luz, que permitiu a região maior produção industrial. O fato de Rio de o Sul ter sido
contemplado com esta unidade geradora de energia atesta a importância do Ciclo da
Madeira e firma a cidade como uma grande praça de negócios na década de 40.
Anos mais tarde, outra questão importante envolveu a edificação, a tentativa de
demolição seguida do seu tombamento. Neste caso específico, um pequeno grupo formado
pelo um Conselho Municipal de Cultura levou a questão da demolição para discussões no
mais diversos setores da cidade, o que resultou em um decreto que protege legalmente
a deificação. Neste com contexto, a significância da Casa de Luz e Força A significância
da edificação está vinculada a dois fatos históricos que refletem a memória coletiva da
população de Rio do Sul: Ciclo da Madeira, pois se trata de um marco inicial da distri-
buição da energia elétrica na cidade, e o Ato de Tombamento da primeira edificação na
cidade, devido à tentativa de demolição em 2002.
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No entanto, observa-se que falta de valorização dos edifícios históricos é algo comum
em Rio do Sul, tanto por falta de conhecimento e incentivos, como pela crescente espe-
culação imobiliária. Esta falta de incentivo em preservação das edificações históricas
em Rio do Sul também é evidenciada no atual estado de conservação da Casa da Força
e Luz, no qual as fachadas apresentam diversos danos, tais como estruturas metálicas
ancoradas nas alvenarias, os fios telegráficos e um toldo em desacordo com a norma
poluindo visualmente a fachada principal, assim como uso de cores em desacordo com
as cores primitivas. No que tange o entorno, observou-se que escada lateral está cedendo
e que a edificação possui anexos inacabados em alvenaria de bloco cerâmico que a des-
caracterizam. Outro ponto observado, diz respeito ao gabarito do entorno, uma vez que
a edificação histórica é suprimida por um edifício multifamiliar de nove pavimentos.
Neste sentido, este artigo em especial, demostra a grande dificuldade vivida em
cidades do interior do país, para tratar da preservação do patrimônio histórico e arqui-
tetônico. Conforme citado no decorrer deste texto, todos esses pontos vão contra as
políticas internacionais de preservação do patrimônio histórico e arquitetônico, bem
como refletem a falta de conhecimento e incentivo por parte da população em preservar
a história e a memória coletiva da cidade de Rio do Sul.
AGRADECIMENTOS
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REFERÊNCIAS
NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. São Paulo:
Projeto História, n. 10, 1993.
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CENARIZAÇÃO DE SÍTIOS
HISTÓRICOS:
REVERBERAÇÕES DO
“ESTILO PATRIMÔNIO” EM
MUCUGÊ
SCENARIZATION OF HISTORICAL SITES:
REVERBERATIONS OF THE “HERITAGE STYLE” IN
MUCUGÊ
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RESUMO
Idealizadas por importantes personagens do movimento moderno brasileiro, as ações de seleção,
conservação e restauração durante a “fase heroica” do SPHAN, de modo geral, encaravam a cidade
em si como uma obra de arte, negligenciando seu crescimento e pautando as decisões sob um viés
estético-estilístico. Na ausência de regulações específicas e com a contradição entre o discurso
e a prática, sedimentou-se uma prática de preservação que, por vezes, ocasionou a criação de
uma arquitetura artificiosa, pautada nas expressões arquitetônicas do período colonial. Esta
prática, interligada à falta de valorização das pessoas e seus modos tradicionais de produção
do espaço, reflete na cenarização vista em muitos sítios históricos brasileiros, especialmente
naqueles formados, inteiramente ou em grande parte, por uma arquitetura essencialmente
vernacular. Desta forma, este trabalho se propõe a verificar e analisar as reverberações desta
prática de preservação em intervenções no conjunto edificado de Mucugê.
A BSTRACT
Idealized by important characters of the Brazilian modern movement, the actions of selection,
conservation and restoration during SPHAN´s “heroic phase”, in general, dealt with the city
itself as a work of art, neglecting its growth and guiding decisions under an aesthetic-stylistic
approach. In the absence of specific regulations and with the contradiction between discourse
and practice, a preservation practice was established, which sometimes led to the creation of
artificial architecture, based on architectural expressions of the colonial period. This practice,
linked to the lack of appreciation of people and their traditional ways of producing space,
reflects the scenarization seen in many Brazilian historical sites, especially those formed,
entirely or in large part, by an essentially vernacular and trivial architecture. Thus, this work
aims to verify and analyze the reverberations of this preservation practice in interventions in
Mucugê´s built ensemble.
RESUMEN
Idealizadas por personajes importantes del movimiento moderno brasileño, las acciones de
selección, conservación y restauración durante la “fase heroica” de SPHAN, en general, vieron
a la ciudad como una obra de arte, descuidando su crecimiento y orientando las decisiones
bajo un sesgo estético-estilista. En ausencia de regulaciones específicas y con la contradicción
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entre el discurso y la práctica, se estableció una práctica de preservación, que a veces condujo
a la creación de una arquitectura artificial, basada en las expresiones arquitectónicas del
período colonial. Esta práctica, vinculada a la falta de apreciación de las personas y sus formas
tradicionales de producir espacio, se refleja en los escenarios vistos en muchos sitios históricos
brasileños, especialmente aquellos formados, en su totalidad o en gran parte, por una arqui-
tectura esencialmente vernácula, del cotidiano. Por lo tanto, este trabajo tiene como objetivo
verificar y analizar las reverberaciones de esta práctica de preservación en intervenciones en
el conjunto construido de Mucugê.
INTRODUÇÃO
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[1] Sobre as expressões do patrimônio arquitetônico de Mucugê, ver Nery e Amaral (2020).
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Figura 1: Casario da rua Direita do Comércio em Mucugê, Bahia, 1978. Fonte: Acervo Digital do
IPHAN[2].
Paulo Ormindo Azevedo (In: BAHIA, 1980, p.20) destaca, no Inventário de Proteção do
Acervo Cultural da Bahia, a semelhança com o padrão arquitetônico mineiro, através da
prevalência dos vazios sobre os cheios, da sua trama irregular e da estrutura em madeira
com vedação em pau-a-pique ou adobe. As edificações possuem outros traços comuns
aos encontrados nas cidades mineradoras precedentes, característicos da arquitetura
brasileira do período colonial segundo Lemos (1979, p. 11), como residências construí-
das sobre o limite das vias e laterais dos terrenos, salas voltadas para frente e locais de
permanência das mulheres e das pessoas que foram escravizadas para o fundo, telhado
em duas águas, cumeeira paralela à rua e paredes grossas de pedra e cal, ou terra.
Relevante palco da sociedade baiana do diamante, no século XIX, a cidade de Mucugê
adquire enorme valor principalmente pela associação do seu conjunto edificado com
o meio natural em que é inserido. Esta adequação ao meio se dá não somente pela sua
implantação, se acomodando suavemente àquela topografia acidentada ao ponto de
parecer brotar da terra, mas também pelo uso de materiais disponíveis na região. Evi-
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dentemente havia uma enorme dificuldade de acesso aos materiais dos grandes centros
urbanos, mas a boa qualidade dos materiais locais fez destes os principais promotores
da simbiose entre o conjunto e o ambiente rochoso, além da harmonia entre cada nova
edificação que surgia e as preexistentes, característica apontada por Lemos (1979, p. 10)
como uma tradição vernácula de construir harmonizando-se.
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[3] Rodrigo Melo Franco de Andrade comandou o SPHAN entre 1937 e 1967, quando se apo-
sentou. Rodrigo contou com intenso apoio do Ministro Gustavo Capanema, congregando um
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[4] Caminhando numa direção mais próxima do projeto de Mário de Andrade, não imple-
mentado na década de 1930, a criação do Centro Nacional de Referência Cultural – CNRC, em
1975, incorporado mais tarde ao IPHAN, presidido por Aloísio Magalhães entre 1979 e 1981 – ano
de sua morte –, e a criação da Fundação Nacional Pró-Memória – FNPM, possibilitaram que o
[5] Após a Constituição de 1988 estabelecer como patrimônio cultural brasileiro não somente
os bens de natureza material, mas também imaterial, relativos aos “diferentes grupos formadores
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esta ainda é uma conduta recorrente. A linha de ação notada nas intervenções sugere,
mesmo que por ventura não se comprove em alguns casos direta influência da institui-
ção, pelo menos a apropriação de tais normas e critérios pela população, até mesmo em
áreas de ocupação mais recente, talvez entendida como a forma mais apropriada de se
construir em sítios desta natureza.
Como apontado por Motta (1987), o IPHAN atribuía maior importância para as
fachadas das edificações, na maioria das vezes sequer exigindo desenhos das laterais
ou do fundo para aprovação. Ao analisar as fotografias dos anos precedentes ao tomba-
mento, podemos notar algumas destas controversas intervenções. A edificação n. 59 da
rua Dr. Rodrigues Lima, por exemplo, possuía uma outra lógica de implantação, recuada
em relação à testada do lote, sendo a casa antecedida por um pequeno jardim. Poste-
riormente a edificação passou por uma reforma, buscando retomar a continuidade das
fachadas e dos beirais, mas remetendo a um passado que não mais existe, se mostrando
aos transeuntes como um exemplar de um tempo que não testemunhou. (Figuras 2-4).
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Não sabemos ao certo quando a edificação foi construída de forma recuada em rela-
ção às outras, porém nota-se com a reforma, realizada já após o tombamento da cidade, o
intuito de conferi-la feições características às edificações mais antigas, frequentemente
citada em processos como o “estilo colonial da região”, de modo que esta edificação possa
se adequar ao conjunto. Entretanto, fica evidente para quem tem o olhar mais apurado
a desarmonia com as edificações vizinhas. Mesmo com a tentativa de adequação com o
uso da janela em guilhotina, os vãos das janelas são desproporcionais quanto à largura
da casa, não seguem o mesmo ritmo equilibrado das outras, e, para além disso, também
contrasta sua moldura mais grossa na parte superior e o uso de cimalha ao invés do beiral
em cachorro – mais comum nas edificações térreas. Ademais, embora se tenha implan-
tado a edificação rente à testada do lote, a altura do beiral, situada entre a dos beirais
vizinhos, e a inclinação mais suave do telhado impedem a continuidade das coberturas.
No caso do sobrado n. 45, sede do antigo Snooker Bar, localizado na praça Coronel
Propércio, profundas alterações foram feitas em seu anexo, que se encontrava em péssimo
estado de conservação. Embora já compusesse uma relação nada usual com a edifica-
ção principal, o anexo teve sua cobertura profundamente alterada para se adequar a
este estilo descrito em diversos processos como “tradicional da região”. Também foram
modificados o tipo de verga das portas e da janela, abertos novos vãos e instaladas novas
janelas, todas no característico estilo em guilhotina, além de novos basculantes ao fundo
(Figuras 5-8). O resultado foi qualquer coisa próxima à arquitetura híbrida verificada
por Motta (1987) em Ouro Preto, utilizando-se os mesmos elementos para abertura de
novos vãos sem o ritmo e o equilíbrio de composição usual.
Figuras 5, 6, 7 e 8: Sobrado nº 45 da praça Coronel Propércio. Fonte: Acervo Digital do IPHAN (5),
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vezes de feições e elementos construtivos tradicionais – o que, para nós, não é uma con-
tinuação do vernáculo, visto que as intervenções são patrocinadas em grande parte por
novos personagens da cidade, sejam novos moradores ou aqueles que adquirem as resi-
dências para fins de veraneio, e capitaneadas por arquitetos e/ou técnicos da instituição.
Tal atuação engessada acaba, na maioria das vezes, afastando dos sítios históricos
uma arquitetura honesta em seus princípios, uma vez que respeitosa para com a pree-
xistente, que harmonizaria, desta forma, com muito mais propriedade com a antiga. A
partir da compreensão destes conjuntos como uma fonte documental das sociedades
que os originaram, acreditamos não nos caber mais uma atuação engendrada a fim de
imitar determinadas feições ou estilos do passado, mas sim uma atitude que possibilite
o surgimento de novas manifestações arquitetônicas, sejam a partir de técnicas con-
temporâneas ou de técnicas tradicionais e produções populares, tanto para reinserir os
objetos em outra temporalidade quanto para conceber novos espaços e edifícios próprios
do nosso tempo – desde que em harmonia com o que herdamos. Dada a complexidade
do tema, acreditamos que seria presunçosa quaisquer diretrizes e soluções por ventura
sugeridas aqui. A definição de normas e critérios de intervenção, que promovessem
maior coordenação e integração entre normas e projetos na escala arquitetônica e na
escala urbana, a partir do entendimento de todos os objetos como conjunto, seria um
bom e possível caminho. O que nos fica latente a partir desta investigação, contudo, é a
necessidade de revisitarmos e renovarmos a nossa prática de preservação, muitas vezes
em descompasso conceitual com a contemporaneidade, em vistas de evitar a frequente
cenarização dos nossos sítios históricos.
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
REFERÊNCIAS
Praça Coronel
Propércio nº 88 (175.400-4772):
Praça Coronel
Propércio nº 100 (175.340-4824):
Processo nº
48/96-36:
Inventário de proteção do
acervo cultural: monumentos e sítios da Serra Geral e Chapada Diamantina.
Salvador, 1980.
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Os arquitetos da memória:
preservação do patrimônio cultural do Brasil 1930 a 1940. Rio de Janeiro: Editora
UFRJ, 2009.
Revista
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 22, p. 108-122, 1987.
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
A CIDADE, O PATRIMÔNIO E
SEU ENTORNO: DIÁLOGOS E
DESAFIOS NAS POLÍTICAS
URBANAS
THE CITY, THE HERITAGE AND ITS
SURROUNDINGS: DIALOGUES AND CHALLENGES
IN URBAN POLICIES
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RESUMO
A discussão sobre a relação entre cidade preexistente e preservação aparece desde os primeiros
textos sobre valor histórico e cultural de bens materiais, tendo recebido diferentes enfoques de
acordo com sua trajetória conceitual. Entre as abordagens há a figura do “entorno” ou “vizi-
nhança” como um instrumento de restrição de uso para a preservação de bens tombados. Amplia-
ram-se significativamente as potencialidades e significações do entorno como instrumento de
preservação urbana, ganhando jurisprudência e importância nas políticas empreendidas pelo
Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (Iphan). Este artigo tem como objetivo
refletir sobre a história das políticas de entorno de bens tombados pelo Iphan junto à história
das cidades brasileiras e suas relações na atualidade. Pretende-se contribuir ao entendimento
da política de patrimônio brasileira nas cidades como parte da política urbana.
A BSTRACT
The discussion about the relation between the preexisting city and conservation appears since the
early writings of the historical and cultural value of buildings, with different foci according to
its conceptual trajectory. Among the usual approaches, there is the figure of the “surroundings”,
“neighborhood” or “buffer zone” as an instrument of usage restriction for the preservation of
listed buildings and spaces. The potentialities and meanings of the surroundings widened
significantly as an instrument of urban preservation, gaining jurisprudence and importance
in policies enacted by the Institute of Historic and Artistic Heritage (Iphan). This paper aims
to reflect on the history of policies surroundings of listed buildings by Iphan along with the
history of brazilian cities and their relations today. We aim to contribute to the understanding
of brazillian heritage policy in cities as part of urban policy.
RESUMEN
La discusión sobre la relación entre la ciudad preexistente y la preservación aparece desde los
primeros textos sobre el valor histórico y cultural de los bienes materiales, habiendo recibido
diferentes enfoques según su trayectoria conceptual. Las potencialidades y significados del
entorno se han ampliado significativamente como un instrumento de preservación urbana,
ganando jurisprudencia e importancia en las políticas emprendidas por el Instituto Nacional
del Patrimonio Histórico y Artístico (Iphan). Este artículo tiene como objetivo reflexionar sobre
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la historia de las políticas que rodean los bienes enumerados por Iphan junto con la historia
de las ciudades brasileñas y sus relaciones actuales. Su objetivo es contribuir a la comprensión
de la política patrimonial brasileña en las ciudades como parte de la política urbana.
PALABRAS-CLAVE: Entorno de los bienes inmuebles de interes cultural. urbanismo. Iphan. Brasil.
INTRODUÇÃO
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Quadro 1: Periodização do entorno no Iphan com base nos estudos de Motta e Thompson (2010).
O primeiro período, com nomenclatura de “memoráveis batalhas judiciais”,expressão
cunhada por Márcia Sant’Anna, é caracterizado pelo cenário de maior intervenção do
Estado, das ideologias no planejamento urbano e de novas formas de organização social
que promovem outras formas de organização do espaço (Feldman, 2001). As práticas de
preservação do patrimônio na cidade, na aplicação de sua política e de seus conceitos,
entram na concorrência na produção do urbano. Às cidades é atribuído um valor de
uso mais expressivo, no qual a verticalização assume sentido e se revela a potência do
binômio urbanização e industrialização (Somekh, 1996; Souza, 1994).
Caso emblemático do primeiro período do Quadro 1 foi o entorno do Outeiro da
Glória no Rio de Janeiro/RJ que se prolongou de 1949 a 1965, acumulando processos judi-
ciais, com sentença final favorável ao Iphan. Um dos processos resultou na demolição
de quatro andares de um edifício que comprometeria a apreensão topográfica da área,
baseado no conceito de visibilidade não limitada a relação física (Motta; Thompson,
2010). Para Nascimento, não conseguindo impedir as modificações urbanas e a vertica-
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lização, o patrimônio tornou-se fonte de acordos na cidade, tendo o Iphan como “ente
de negociação entre os vestígios do Rio de Janeiro colonial e imperial e a transformação
da cidade no século XX” (2018a, p. 304).
Nas décadas de 1960 a 1980, as práticas de preservação por meio do entorno se
relacionaram com o alargamento do conceito de patrimônio, devido ao “monumento ser
inseparável da história e do meio em que se situa”, como postulado na Carta de Veneza,
de 1964 do Icomos. A preocupação com a proteção por meio de outros critérios para além
da monumentalidade era evidente. Essa perspectiva foi potencializada no Brasil ao se
agravarem as críticas sobre os efeitos do tombamento aplicado a conjuntos urbanos
(Sant’Anna, 2015. p. 288). Dessa forma o Iphan, mesmo não sistematicamente, procurou
articular suas políticas de preservação com as novas questões urbanas e os desafios que
as cidades impõem ao patrimônio.
A questão urbana torna-se primordial nessa época em decorrência da industriali-
zação e do intenso fluxo migratório campo-cidade. Segundo Rolnik (2000), os dados do
IBGE apontam que a população urbana em 1960 era de 44,7% e dez anos depois passa a
ser 55,9% da população brasileira. Para Milton Santos (2018), o processo de urbanização
que ocorre a partir de 1970, alcança outro patamar com o aumento do número de cidades,
principalmente as médias, e da metropolização. O aumento dos índices de urbanização
e da escala urbana é acompanhado por uma disparidade em relação aos instrumentos
e métodos de intervenção pública sobre o espaço urbano, que estavam em seu auge de
criação[1], indicando um processo de urbanização excludente (Rolnik, 1997; Villaça, 2001).
O processo de redemocratização do país nos anos 1980 acarretou na organização
de segmentos da classe média urbana para reivindicação aos setores públicos de ações
que visassem melhor qualidade de vida urbana pelo patrimônio. Essa mobilização
ocorreu em contraposição ao crescimento e à verticalização excessiva das cidades,
decorrentes da valorização do solo urbano (Fonseca, 1996. p.158). A política de entorno
era visto como uma alternativa de preservação junto à gestão urbana e pautado como
uma política urbana que ainda estava se formulando. O entorno era entendido não
como um instrumento que restringe a expansão urbana da cidade, mas como indutor
pelo Serviço Federal de Habitação e Urbanismo (SERFHAU) (Cymbalista; Santoro, 2009). Feldman
(2005) questiona os tratamentos simplistas geralmente atribuído a esses planos e instrumentos
apontados como tecnocráticos. A autora revela que eles precisam ser mais estudados, como
exemplo, Nascimento (2018b) destaca como o Plano Urbanístico Básico da Cidade do Rio de
Janeiro de 1976 era sensível às preexistências urbanas da cidade e seu valor a qualidade urbana.
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Sant’Anna (2015, p. 294 e 295), isso corroborou com o poder discricionário de atuação do
Iphan, que manteve sua atuação em áreas urbanas.
No final da década de 1980, a adoção de novos instrumentos legais para promoção
do desenvolvimento urbano que contemple a preservação só seria possível a partir de
outro regime jurídico da propriedade urbana. A política urbana só é concretizada nos
Artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988. Da mesma forma, é a Carta Magna
que dá alicerces às práticas ampliadas de preservação, pelos Artigos 215 e 216, reconhe-
cendo o patrimônio imaterial e o papel fundamental da sociedade civil na proteção do
patrimônio cultural.
Porém, segundo Sant’Anna (2015), na década de 1990, a adoção de novos instrumentos
e políticas de desenvolvimento urbano que contemplem a preservação não registraram
nenhum avanço. De acordo com a autora, apesar do avanço das discussões conceituais, a
preservação do patrimônio nas cidades se voltou para investimentos grandes e pontuais,
voltadas apenas à restauração de imóveis. Para Scifoni (2017) a realidade do patrimônio
na gestão urbana no Brasil é marcada por constantes demolições e pela degradação de
edificações que são pensadas como atrativos para projetos de revalorização imobiliária.
Isso ocorreu devido ao modelo neoliberal que se configurou no final do século XX, no
qual o padrão urbano de segregação socioespacial transforma as cidades em locus de
exploração intensiva do capital, em geral favorecendo as classes sociais dominantes.
(Deák, 1991; Maricato, 1997).
Já em âmbito internacional, o destaque ao entorno é firmado com especificidades
ampliadas como fator integrador dos aspectos materiais e imateriais contribuintes de
significado e caráter ao bem tombado, conforme a Convenção do Patrimônio Imaterial
de 2003, da Unesco, e a Declaração de Xi’An[2], específica sobre entornos, de 2005, do Ico-
mos. Junto à percepção visual e aos aspectos paisagísticos e formais da cidade, também
destacam-se as dimensões sociais e econômicas, como elementos importantes para a
preservação. Ao englobar mais condicionantes na preservação por meio do entorno, tra-
ta-se de um conjunto de ações presentes no espaço urbano que ganha outro sentido se
somado ao desenvolvimento das políticas urbanas brasileiras. Esses avanços nas políticas
urbanas ocorrem com a aprovação do Estatuto da Cidade, Lei Federal 10.257/01; a criação
do Ministério das Cidades em 2004; e a retomada de investimentos federais em larga
escala (como o Programa de Aceleração do Crescimento). Sant’Anna (2015 [1995] e Meneses
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terreno do Grupo Silvio Santos, no caso do Teatro Oficina, em São Paulo/SP (Baratto, 2007;
Cury, 2017; Nito, 2019); e as obras do edifício La Vue, vinculadas ao ministro Geddel Vieira
Lima, no entorno do forte e farol de Santo Antônio da Barra, do forte de Santa Maria,
e o conjunto arquitetônico e paisagístico da Igreja de Santo Antônio, em Salvador/BA
(Simono, 2016; Fisherman, 2016).
O patrimônio tombado dos exemplos citados possuem localizações estratégicas
de acesso aos centros urbanos, onde o zoneamento incentiva a verticalização da área,
sem apresentar diálogo com os bens tombados e ignorando suas áreas de entorno como
parte da historicidade desses. Para Meneses (2006, p. 41), se por um lado é constatada a
dificuldade de incorporar as dimensões sociais da cidade nas práticas de preservação,
por outro, políticas urbanas se distanciam de questões patrimoniais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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fazer a política de patrimônio brasileira em sua relação com a política urbana e com as
demandas da sociedade civil.
REFERÊNCIAS
DEÁK, Csaba. Acumulação entravada no Brasil e a crise dos anos 80. Espaço &
Debates, São Paulo, v.11, n.32, p.32-46, 1991.
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Estudos
urbanos e regionais
ICOMOS.
Áreas Do Patrimônio Cultural
ICOMOS/BRASIL, mar. 2006.
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MELO, Carina Mendes dos Santos. Novos conceitos, velhas práticas na proteção
de áreas de entorno de bens federais. In: Encontro da Associação Nacional de
MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. A cidade como bem cultural. Áreas envoltórias
e outros dilemas, equívocos e alcance na preservação do patrimônio ambiental
urbano. In: Patrimônio: Atualizando o Debate. São Paulo: IPHAN, 2006.
Rey, 2014.
Histórico De Natal. In: ARQUIMEMÓRIA, 4., 2013, Salvador. Anais… Salvador: IAB,
UFBA, PPG-AU/ UFBA, 2013.
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Revisitando o instituto do
tombamento. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2010. p. 37 a 49
modelo em construção.
e Habitação de Interesse Social, PUCCAMP, 2000.
SANTOS, Antônio Silveira Ribeiro dos. Área de entorno do imóvel tombado. In:
Gazeta Mercantil (Legal & Juris.); Correio Brasiliense (Direito & Justiça); Tribuna
do Direito, 2002.
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O CONCEITO DE
INTEGRIDADE NA
CONSERVAÇÃO DA
ARQUITETURA MODERNA
THE CONCEPT OF INTEGRITY IN THE
CONSERVATION OF MODERN ARCHITECTURE
EL CONCEPTO DE INTEGRIDAD EN LA
CONSERVACIÓN DE LA ARQUITECTURA MODERNA
EIXO TEMÁTICO: PATRIMÔNIO, ESCALAS E PROCESSOS
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RESUMO
A conservação do patrimônio arquitetônico envolve um processo de análise do bem no decorrer
do tempo e tem como objetivo a manutenção do seu valor patrimonial. Os conceitos contem-
porâneos de significância cultural, autenticidade e integridade têm atuado como aspectos
balizadores das ações de conservação sobre o patrimônio. Dentro desse contexto, percebe-se
que algumas obras da arquitetura moderna têm apresentado problemas que impactam dire-
tamente a significância, a integridade, a autenticidade e, consequentemente, a manutenção das
suas características às quais valores patrimoniais são atribuídos. Observa-se, muitas vezes, a
existência de conflitos entre as condições de degradação do bem e a manutenção do seu valor
patrimonial, indicando dificuldades quanto à proposição de ações conservativas que possam
gerar um menor impacto possível sobre tais valores. Apesar da importância do conceito de
integridade no processo de conservação do patrimônio, ainda não há um consenso claro quanto
ao sentido exato de sua aplicação ou ao estabelecimento de parâmetros específicos que possam
guiar a sua avaliação na prática. O objetivo do presente trabalho é apresentar a importância
do conceito de integridade dentro do contexto das ações de conservação e intervenção sobre os
edifícios da arquitetura moderna e os principais desafios inerentes à sua aplicação prática no
processo de conservação. Conclui-se que a integridade deve ser operacionalizada como aspecto
central do processo de conservação do patrimônio moderno, podendo apontar a necessidade
de realização de intervenções e ações de manutenção em momento anterior à necessidade
realização de intervenções de maior impacto, quando já se observa um avançado processo de
degradação sobre o bem.
A BSTRACT
The conservation of architectural heritage involves a process of analyzing the property over
time and aims to maintain its heritage value. Contemporary concepts of cultural significance,
authenticity and integrity have acted as guiding elements of conservation actions on heritage.
Within this context, it can be seen that some examples of modern architecture have presented
problems that directly impact significance, integrity, authenticity and, consequently, the
maintenance of their patrimonial value characteristics. It is often observed the existence of
conflicts between the degradation conditions of the buildings and the maintenance of its
patrimonial value, indicating difficulties regarding the proposition of conservative actions
that can generate the least possible impact on such values. Despite the importance of the
concept of integrity in the heritage conservation process, there is still no clear consensus on
the exact meaning of its application or the establishment of specific parameters that can
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guide its assessment in practice. The objective of this work is to present the importance of the
concept of integrity within the context of conservation and intervention actions on buildings
of modern architecture and the main challenges inherent to their practical application in the
conservation process. It is concluded that integrity must be operationalized as a central point
in the process of conservation of modern heritage, and may point to the need for interventions
and maintenance actions prior to the need for interventions of greater impact, where there is
already an advanced degradation process.
RESUMEN
La conservación del patrimonio arquitectónico implica un proceso de análisis de la propiedad
a lo largo del tiempo y tiene como objetivo mantener su valor patrimonial. Los conceptos con-
temporáneos de importancia cultural, autenticidad e integridad han actuado como elementos
guía de las acciones de conservación del patrimonio. Dentro de este contexto, se puede ver que
algunas obras de arquitectura moderna han presentado problemas que afectan directamente
la importancia cultural, la integridad, la autenticidad y, en consecuencia, el mantenimiento de
sus características de valor patrimonial. A menudo se observa la existencia de conflictos entre
las condiciones de degradación de la propiedad y el mantenimiento de su valor patrimonial,
lo que indica dificultades con respecto a la proposición de acciones conservadoras que pueden
generar el menor impacto posible sobre dichos valores. A pesar de la importancia del concepto
de integridad en el proceso de conservación del patrimonio, todavía no existe un consenso claro
sobre el significado exacto de su aplicación o el establecimiento de parámetros específicos que
puedan guiar su evaluación en la práctica. El objetivo de este trabajo es presentar la importancia
del concepto de integridad dentro del contexto de las acciones de conservación e intervención en
edificios de arquitectura moderna y los principales desafíos inherentes a su aplicación práctica
en el proceso de conservación. Se concluye que la integridad debe operacionalizarse como un
punto central en el proceso de conservación del patrimonio moderno, y puede señalar la nece-
sidad de intervenciones y acciones de mantenimiento antes de la necesidad de intervenciones
de mayor impacto, donde ya existe un avance proceso de degradación en la obra.
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INTRODUÇÃO
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de seus pedaços, ou seja, cada um de seus fragmentos deve possuir uma conexão direta
com os traços formais remanescentes da obra de arte original. A intervenção que busca
resgatar a unidade potencial originária deve fazê-la a partir da unidade potencial dos
fragmentos do todo, ou seja, das sugestões implícitas nos fragmentos remanescentes,
testemunhos autênticos do estado original da obra.
Dessa forma, a integridade poderia ser entendida, buscando como referência as
instâncias estética e histórica do bem, de forma que a consistência física e material do
bem possa expressar a imagem como um inteiro diante da percepção dos sujeitos que
atribuem valor a ele. Se esse inteiro passa a ser representado de forma incompleta nos
sentidos estético e histórico inerentes à valoração do bem diante da passagem do tempo
e da análise atribuída pelos sujeitos que a percebem enquanto obra de arte, haveria perda
de integridade do bem por quebra do sentido de sua unidade potencial.
Considera-se que os escritos mencionados já apontam questões essenciais para
a avaliação contemporânea da integridade, tais como o entendimento do que seria a
completude da obra, o entendimento da obra enquanto unidade com valoração histórica
e estética e a importância da passagem do tempo no processo de valoração, podendo ser
reinterpretada diversas vezes pelos sujeitos fruidores do bem.
Segundo o Operational Guidelines for the Implementation of the World Heritage Con-
vention (2005), portanto, “a integridade é uma apreciação da completude e do caráter
intacto do patrimônio e de seus atributos”. Avaliar a integridade de um bem significa,
portanto, avaliar até que ponto ele possui os elementos necessários para expressar o
seu Valor Universal Extraordinário (Outstanding Universal Value) e se esses elementos
possuem dimensão suficiente para expressar a significância. (STOVEL, 2007; SILVA, 2012).
Stovel (2007) aponta que, para avaliar o grau de integridade de um edifício, é preciso
observar se os atributos que se relacionam com a significância do edifício permanecem
existindo de forma completa (completude), se possuem condições de continuar a existir
(caráter intacto) e se podem ser compreendidos em seu contexto (continuidade do cenário).
Dessa forma, a avaliação da integridade possui relação direta com a identificação
dos atributos do bem e da análise destes quanto às suas condições de existência diante
da passagem do tempo, considerando se estes representam a significância do bem de
forma completa e se possuem meios de permanecer representando esse valor ao longo
do tempo e diante de novos contextos e eventuais ameaças.
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No caso do Finlândia Hall (1967-1971) em Helsinki, de Alvar Aalto (Figura 2), com
seis anos de sua construção, os painéis de mármore carrara que revestiam as fachadas
passaram a apresentar deformações por conta de fatores como a fina espessura do
material, a poluição da cidade e o sistema de ancoragem ineficiente, além da escolha
inapropriada do material.
A intervenção optou por substituir os painéis existentes através da utilização de
um mesmo tipo de mármore, entendendo que a aparência do edifício possuía uma
importância significativa para a significância e para a memória do público. Dessa forma,
a significância estaria mais relacionada ao aspecto externo do material do que com o pró-
prio material, mantendo a significância e a integridade em detrimento da autenticidade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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pela ação da passagem do tempo, o que pode afetar sua autenticidade e a forma como
se valora o bem em questão.
Entende-se que a integridade deve ser considerada em conjunto com os conceitos
de significância cultural e autenticidade, mas deve ser operacionalizada como ponto
central do processo de conservação do patrimônio moderno, pois pode apontar a neces-
sidade de intervenções e ações de manutenção que possam restabelecer a integridade
do bem em momento anterior à necessidade de intervenções emergenciais que exijam
ações de maior impacto sobre a significância e a autenticidade do bem, como é o caso
da substituição de materiais originais degradados pela ação do tempo.
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REFERÊNCIAS
Restauração
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
CONSERVAÇÃO
PREVENTIVA: ESTUDO
DE CASO DO MUSEU
INTERNACIONAL DE ARTE
NAIF DO BRASIL
PREVENTIVE CONSERVATION: CASE STUDY OF
THE INTERNATIONAL MUSEUM OF ART NAIF OF
BRAZIL
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
RESUMO
O trabalho em questão trata do tema conservação preventiva, e sua relevância para a salva-
guarda de um bem patrimonial. Evidencia-se através do estudo de caso do Museu Internacional
de Arte Naif do Brasil (MIAN), a importância da construção de um diagnóstico específico sobre
a edificação, com o intuito de identificar, tratar e eliminar os riscos iminentes e os que possam
vir a degradar o bem, a curto, médio e longo prazos. Para situar o leitor na temática, foram rea-
lizadas vistorias no local e análises em documentos e registros, a fim de serem apresentadas as
características gerais da edificação, a nível histórico, legislativo e físico (sistemas construtivos);
bem como seu estado de conservação atual, apontando as principais patologias observadas.
Como forma de aplicação da teoria na prática, foram utilizados um manual de conservação
preventiva e um roteiro de avaliação e diagnóstico em conservação, relacionando-os com as
patologias e materiais encontrados no MIAN, e atentando para os danos e riscos que cercam a
edificação analisada. A simulação do plano de ações de conservação preventiva foi realizada
somente para algumas esquadrias do bem, elementos mais degradados, a título de exemplo
e com o intuito de tornar possível uma compreensão clara de como lidar com os problemas
advindos da falta de conservação. De forma conclusiva, diante das análises realizadas, cons-
tata-se que fator determinante para a perpetuação de um bem na sociedade está na existência
de uma educação patrimonial, em que faça parte do cotidiano, um plano de gerenciamento
de conservação preventiva, visando a preservação da edificação, e evitando que se chegue ao
estágio da restauração, de natureza tão invasiva ao patrimônio.
A BSTRACT
The work in question deals with the preventive conservation theme, and its relevance for the
safeguarding of a patrimonial asset. It is evidenced through the case study of the International
Museum of Naif Art of Brazil (MIAN), the importance of building a specific diagnosis about
the building, in order to identify, treat and eliminate the imminent risks and those that may
degrade the good, in the short, medium and long terms. In order to situate the reader on the
theme, on-the-spot inspections and analysis of documents and records were carried out to
present the general characteristics of the building, at the historical, legislative and physical
level (construction systems); as well as its current state of conservation, pointing out the main
pathologies observed. As a way of applying the theory in practice, a preventive conservation
manual and a conservation assessment and diagnosis script were used, relating them to the
pathologies and materials found in the MIAN, and paying attention to the damages and risks
that surround the analyzed building. The simulation of the preventive conservation action
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
plan was performed only for some doors, the most degraded elements, as an example and in
order to make possible a clear understanding of how to deal with the problems arising from
the lack of conservation. In a conclusive way, in view of the analyzes carried out, it is found
that a determining factor for the perpetuation of a good in society is the existence of heritage
education, in which a preventive conservation management plan is part of everyday life, aiming
at the preservation of the building , and avoiding reaching the stage of restoration, which is
so invasive of heritage.
RESUMEN
El trabajo en cuestión aborda el tema de la conservación preventiva, y su relevancia para la pro-
tección de un bien patrimonial. Se evidencia a través del estudio de caso del Museo Internacional
de Arte Naif de Brasil (MIAN), la importancia de construir un diagnóstico específico sobre el
edificio, a fin de identificar, tratar y eliminar los riesgos inminentes y los que pueden degradar
lo bueno, a corto, mediano y largo plazo. Para ubicar al lector sobre el tema, se llevaron a cabo
inspecciones in situ y análisis de documentos y registros para presentar las características
generales del edificio, a nivel histórico, legislativo y físico (sistemas de construcción); así como
su estado actual de conservación, señalando las principales patologías observadas. Como una
forma de aplicar la teoría en la práctica, se utilizó un manual de conservación preventiva y
un guión de evaluación y diagnóstico de conservación, relacionándolos con las patologías y
materiales encontrados en el MIAN, y prestando atención a los daños y riesgos que rodean el
edificio analizado. La simulación del plan de acción de conservación preventiva se llevó a cabo
solo para algunas puertas del edificio, elementos más degradados, como un ejemplo y para
hacer posible una comprensión clara de cómo abordar los problemas derivados de la falta
de conservación. En conclusión, en vista de los análisis realizados, está claro que un factor
determinante para la perpetuación de un bien en la sociedad es la existencia de educación
patrimonial, en la cual un plan de gestión de conservación preventiva es parte de la vida coti-
diana, con el objetivo de preservar el edificio. y evitando alcanzar la etapa de restauración, que
es tan invasiva por naturaleza.
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INTRODUÇÃO
Os bens culturais estão sujeitos ao modo como uma sociedade e seus governantes
o enxergam, ficando a cargo de um olhar mais atento, que em grande parte das vezes,
quando acontece, é em momentos em que o patrimônio tem algo a perder. Enquanto
memórias vivas da história da sociedade, e no papel de formadores de uma identidade,
tais bens deveriam ser compreendidos e estudados em sua magnitude, para que per-
manecessem na função de relatores para as gerações futuras da forma mais íntegra e
verdadeira possível.
O presente trabalho tem como intuito apresentar uma análise acerca da importância
da conservação preventiva em edificações de valor patrimonial, com o estudo de caso do
Museu Internacional de Arte Naif[1] do Brasil, representativo de um bem que caminha
para o descaso por questões legislativas, econômicas, dentre outras. Pretende-se que
sejam evidenciadas, através da criação de um diagnóstico para o caso específico e atual
do MIAN[2], a necessidade de ações prévias de avaliação e gerenciamento de edificações
para a salvaguarda do bem; assim como as vantagens que a compreensão dos aspectos
gerais e específicos de uma edificação e seu entorno representam para a adoção de solu-
ções mais eficazes, garantindo a existência da mesma, e a permanência de seus valores.
Atualmente, no Brasil e em tantos outros locais onde a educação patrimonial
ainda é precária, a atenção só é voltada para o bem quando o mesmo atinge um estágio
de comprometimento avançado, em que há a necessidade de intervenções sob ações
visíveis aos olhos da sociedade, que não atenta para a importância que a manutenção
e a conservação representam para a permanência da unidade potencial da edificação,
sente-se beneficiada por tal feito. As ações de conservação promovem a preservação,
prevenindo as edificações das intervenções mais invasivas advindas da restauração,
que em muitos casos, se não fundamentadas e analisadas caso a caso, podem provocar
danos irreparáveis ao patrimônio.
O artigo será desenvolvido através de pesquisas bibliográficas em livros, trabalhos
acadêmicos, artigos e sites oficiais pertinentes ao tema, bem como por visitas ao local;
de forma a reunir as informações necessárias para um diagnóstico geral do bem, e o
reconhecimento das dificuldades e deficiências relacionadas à edificação. Serão levan-
[1] Arte da espontaneidade, da criatividade autêntica, do fazer artístico sem escola nem
orientação, portanto é instintiva, e onde o artista expande seu universo particular.
[2] Museu Internacional de Arte Naif do Brasil, fundado pelo francês Lucien Finkelstein em
1995 no bairro de Cosme Velho - RJ. O local encontra-se fechado desde 2016.
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Edificação de estilo eclético, datada do final do século XIX, a antiga sede do Museu
Internacional de arte Naif do Brasil - MIAN, trata-se de um dos casarões remanescentes
do bairro de Cosme Velho, no Rio de Janeiro; que desde 1991 apresenta-se como um bem
preservado pela APAC[3] Cosme Velho e parte de Laranjeiras. Localizado na rua Cosme
Velho, 561, o objeto de estudo está inserido em uma região de vocações turística, comercial,
residencial e institucional; rodeado pela bela paisagem da Mata Atlântica, e a menos de
100 metros da estação de trem que leva os turistas ao Corcovado.
Com as características predominantemente residenciais do bairro, o casarão foi
destinado inicialmente ao uso residencial; posteriormente, após um acréscimo de área
a sua direita, assumiu a função de ateliê de artes; e mais tarde, com as mudanças de
necessidades da contemporaneidade, foi consolidado como um museu.
O MIAN teve origem em 1995, quando o francês Lucien Finkelstein[4], residente no
Rio de Janeiro e portador da maior coleção da arte referida em todo o mundo, optou por
compartilhá-la com a sociedade. Em 1988, Finkelstein realizou uma exposição denomi-
nada “O mundo fascinante dos pintores Naifs”, que anos depois resultaria na abertura do
museu. O casarão cumpriu fielmente sua função até 2016, quando foi fechado por falta
de verbas e pela impossibilidade de uma expansão que gerasse um suporte de renda.
Atualmente, a edificação, portadora dos valores histórico, estético e funcional, sofre
por consequência de uma legislação engessada no que diz respeito ao uso e ocupação
do solo, permitindo apenas o uso residencial unifamiliar para o local; fato que por ser
inviável, poderá ocasionar no aumento gradativo das patologias por falta de manuten-
ção, conservação e de uso.
[3] Área de proteção do ambiente cultural, instituída pelo Plano Diretor Decenal, Lei Comple-
mentar 16/1992. Trata-se de um instrumento utilizado para a proteção do ambiente construído.
[4] Joalheiro e colecionador francês, fundador do Museu de Arte Naif no Rio de Janeiro, Brasil.
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A sede do museu é composta pelo casarão e seu anexo, localizado na parte pos-
terior do terreno e conectado diretamente à edificação principal pelo andar superior.
Através de visitas ao local, foi possível observar alguns materiais e sistemas construtivos
presentes nas edificações, que servirão de base para o entendimento das patologias, o
futuro diagnóstico e o plano de ações de reparos, reforços e conservação preventiva. Para
a melhor compreensão dos materiais e sistemas construtivos, optou-se por dividi-los
nos subitens: coberturas, sistema estrutural, vedações verticais, vedações horizontais,
esquadrias e escadas.
a) Coberturas: ambas as edificações possuem sistema tradicional de telhado con-
feccionado com estrutura de madeira, contendo tesouras, caibros e ripas. O tipo de
fechamento se diferencia, sendo utilizadas telhas francesas com arremate em cimalha
de alvenaria para o volume do casarão (Figura 1) e telhas portuguesas com beiral em seu
anexo. As coberturas apresentam sinais de degradação como algumas telhas quebradas,
ocasionando manchas de umidade no interior da edificação, e excrementos de pombos
nas calhas (Figura 2).
Figura 1: Telhado do MIAN com telhas francesas. Fonte: Clarissa Senna, 2019.
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Figura 3: Parede de tijolos maciços com perda de argamassa - MIAN. Fonte: Clarissa Senna, 2019.
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c) Vedações verticais: são configuradas pelo mesmo tijolo maciço observado nas
paredes externas. As paredes internas e externas são revestidas de argamassa com pintura
branca lisa na parte interna, e azul e branca lisa na parte externa. No embasamento da
fachada frontal é observado o uso de cantaria (Figura 5). As degradações mais observadas
nas vedações verticais são a perda de argamassa, deixando à mostra os fechamentos em
osso, contudo não há vestígios de umidade ascendente na edificação.
Figura 5: Embasamento em cantaria na fachada frontal - MIAN. Fonte: Clarissa Senna, 2019.
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Figura 6: Piso da varanda em ladrilho hidráulico com peças quebradas - MIAN. Fonte: Clarissa
Senna, 2019.
e) Esquadrias: todas de madeira, são originalmente da cor azul (Figura 7), tratan-
do-se dos elementos mais degradados na edificação. As esquadrias apresentam desde
pequenas perdas volumétricas até a degradação do material.
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Figura 7: Esquadria da fachada lateral esquerda com elementos faltantes e perda da argamassa
da moldura.
Fonte: Clarissa Senna, 2019.
CONSERVAÇÃO PREVENTIVA
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satisfazer tão bem todas as necessidades que exige essa destinação, que não haja modo
de fazer modificações.” (VIOLLET-LE-DUC, 2000, p. 65)
Sob outra perspectiva, de acordo com a Fundação Casa de Rui Barbosa:
A conservação preventiva pode ser definida como um conjunto de ações
para mitigar as forças responsáveis pela deterioração e pela perda de
significância dos bens culturais, e a formulação de um plano de conser-
vação preventiva é a concepção, coordenação e execução de um conjunto
de estratégias sistemáticas organizadas no tempo e espaço, desenvolvidas
por uma equipe interdisciplinar com o consenso da comunidade a fim
de preservar, resguardar e difundir a memória coletiva no presente e
projetá-la para o futuro para reforçar a sua identidade cultural e elevar
a qualidade de vida. (FUNDAÇÃO CASA DE RUI BARBOSA, c2019)
Tal preocupação com a significância da edificação, atenta para a diferença entre
um plano de conservação comum, e o relacionado com o patrimônio, em que além de
questões materiais e funcionais, preza-se também pelos valores que a edificação possui.
A habilidade de previsão de futuros problemas, mencionada, é também de suma impor-
tância para a salvaguarda de uma edificação, ao se pensar nas consequências catastró-
ficas que a ausência de preservação, conjugada com uma restauração mal elaborada, e
de natureza mais invasiva, podem representar.
Com base nessas definições, entende-se que o ato de proteção ao patrimônio tem
como premissa a perpetuação de uma memória da forma mais verdadeira possível para
as gerações futuras, prezando pelos valores atribuídos a ela pela sociedade contempo-
rânea. Visa-se um resultado advindo de uma reorganização de prioridades, em que a
conservação seja a diretriz de um plano cujo objetivo seja a preservação; e que somente
em último caso se aplique a restauração, que quando necessária deve ser cuidadosa-
mente fundamentada.
De acordo com Froner (2008) apud Machado (2015), ao se tentar definir um plano
de conservação, é fundamental que a ciência da conservação não se limite apenas a
questões técnicas, é necessário tratá-la como um conhecimento estruturado, fomentado
a partir de um desenvolvimento histórico e intelectual. Tal premissa carrega consigo
a necessidade de compreender o edifício para que seja possível desenvolver métodos
para o tratamento de suas patologias através de um plano específico de conservação
para o mesmo.
Acerca do desenvolvimento de um plano estratégico de conservação, o manual de
conservação preventiva para edificações, de Klueppel (1999), considera que os bens devem
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Metodologia
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Resultados
O bem encontra-se em um estágio de degradação médio, que poderia ter sido facil-
mente evitado com medidas básicas de manutenção e conservação; sendo os principais
danos, observados exatamente nos elementos expostos às intempéries.
Os agentes externos atuantes na edificação são: tubulações expostas apresentando
rupturas nas conexões; excremento de pássaros na parte alta das paredes, nas calhas e
nos beirais; e as intempéries, comuns a todas as edificações.
Na edificação são encontrados danos como: telhas e peças de pisos quebradas e
danificadas, rejuntamento danificado, apodrecimento de peças de esquadrias devido à
umidade, esquadrias empenadas, ferragens danificadas, dentre outros.
Seguindo as fases específicas para a realização do diagnóstico básico de conservação
para o MIAN, tem-se as seguintes informações:
Primeira fase - preparação: Museu Internacional de Arte Naif do Brasil com acervo
com mais de mais de oito mil obras de cerca de 1.500 artistas, de mais de 130 países,
incluindo em sua maioria obras brasileiras; cuja meta é ser requalificado para o uso
através de condições funcionais mais adequadas e salubres;
Segunda fase - coletas de informações: a edificação encontra-se em estado degradado
em maior parte pelas ações das intempéries e da falta de conservação advinda da falta
de uso ao qual está submetida; sendo destaques em termos de elementos deteriorados, a
cobertura, as esquadrias, as paredes externas, os pisos e os forros, conforme a descrição do
edifício anteriormente mencionada. As condições internas para o acervo são favoráveis;
Terceira fase - análise conjunta e estratégias: As condições de deterioração das
áreas-chave mencionadas são em geral causadas por obras malfeitas aliadas à ação do
tempo, intempéries e a falta de conservação, facilmente resolvida com uma rotina de
manutenção adequada e bem elaborada, bem como pelo tratamento e impermeabilização
de elementos da cobertura e esquadrias;
Quarta fase - elaboração do relatório do diagnóstico: serão utilizadas as esqua-
drias como exemplo para a aplicação de estratégias de conservação recomenda-
das.
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Figura 8: Mapeamento de danos das esquadrias localizadas na fachada frontal do MIAN. Fonte:
Clarissa Senna, 2019.
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Figura 9: Estratégias para o tratamento dos danos das esquadrias localizadas na fachada
frontal do MIAN.
Fonte: Clarissa Senna, 2019.
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para a melhor harmonia do edifício, e o reconhecimento da obra de arte como tal foi
documentada e assimilada pela população.
c) Para os vidros: de natureza opaca, decorados com desenhos geométricos, os vidros
da fachada frontal e alguns das laterais encontram-se quebrados, de forma que uma
possível opção seria a substituição das peças danificadas por novos vidros laminados
com película interna opaca leitosa clara com proteção de raios UV. A reprodução da
decoração poderia ser realizada em coloração diferenciada para que fosse facilmente
identificada de perto e discreta de longe, não sobressaindo no objeto e mantendo sua
unidade potencial pautada no conceito de Brandi que diz que:
A integração deverá ser sempre e facilmente reconhecível; mas sem que
por isso se venha a infringir a própria unidade que se visa a reconstruir
[...], a integração deverá ser invisível à distância de que a obra de arte
deve ser observada, mas reconhecível de imediato, e sem necessidade de
instrumentos especiais, quando se chega a uma visão mais aproximada.
(BRANDI, 2004, p.47)
O intuito, de fato, é evidenciar sua natureza e manter a linguagem das demais
fachadas, promovendo e agregando valor no que diz respeito ao conforto térmico.
d) Manutenção: segundo o manual de conservação preventiva para edificações,
devem ser realizados periodicamente os seguintes procedimentos de manutenção:
Para evitar ataques de cupins - observar todo o terreno, cuidadosamente a cada 6
meses, procurando panelas de cupim; observar árvores que se encontram no terreno.
Se encontrar cupim tratar de eliminar o ninho e efetuar podas e cortes dos ramos de
árvore; instruir as pessoas que trabalham na limpeza e manutenção diária do imóvel,
que ao encontrarem pó branco, bolinhas de cor marrom, asas de inseto ou furos nas
peças avisem imediatamente, etc.;
Roteiro de limpeza: a limpeza das esquadrias deve ser realizada a cada 7 dias, sendo
no caso das folhas de madeira, retirado ao máximo a poeira e sujidade. Recomenda-se que
a cada dois anos a esquadria seja repintada ou envernizada. Para os vidros, é necessária
a limpeza com esponja macia embebida em água e sabão neutro ou produtos específicos
para limpeza de vidro existentes no comércio. Para as ferragens deve ser utilizado um
pano seco e periodicamente lubrificar com grafite as dobradiças e fechaduras. No caso
dos peitoris de madeira, devem ser adotados os mesmos procedimentos utilizados para
as folhas de madeira, além de realizar a desobstrução das pingadeiras. Para os peitoris
de mármore, a limpeza deverá ser feita com um pano ou esponja macia embebidos em
água e sabão neutro, enxaguando depois com água limpa e secando imediatamente após.
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REFERÊNCIAS
Restauração
Ediorial, 2000.
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DESENVOLVIDA NO CURSO
DE ARQUITETURA E
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RESUMO
O artigo apresenta uma experiência didático-pedagógica relacionada à leitura e à análise do
patrimônio urbano e da paisagem cultural, aplicadas junto aos alunos do 3º período, semes-
tre 2019.2, do Curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do
Rio Grande do Norte. A experiência didático-pedagógica se deu através da integração entre os
componentes curriculares, História e Teoria da Arquitetura e do Urbanismo 01, Planejamento
e Projeto Urbano e Regional 01 e Comunicação Visual, e teve por temática a cidade colonial, em
especial a cidade barroca brasileira, pautada em uma viagem de estudos realizada na cidade
de Olinda, Pernambuco. Os discentes deveriam confecção de material didático destinado aos
jovens entre 13 e 18 anos, abrangendo o tema da educação patrimonial, visando ensinar, de
forma lúdica, a relevância desses conjuntos urbanos e destacar suas características, relacio-
nando-as com o período em que foram implantados, bem como atentar para a necessidade da
preservação do patrimônio cultural das cidades. A atividade in loco objetivou construir quadros
de memória durante a estadia em Olinda com a utilização de um diário de viagem com todas
as informações apreendidas durante o “estar no lugar”, para posterior produção de material
didático a ser usado em educação patrimonial. Neste sentido, esse artigo se baseia no conceito
de lugar e memória, fundamentais para uma maior aproximação com o universo de estudo e
da educação patrimonial. Ao final, os discentes desenvolvem os produtos a partir do que regis-
traram, servindo então, os cadernos como memórias coletivas da visita. Para o desenvolvimento
dos produtos, além da visita, dos registros feitos nos cadernos, do levantamento de dados
sobre a cidade, os discentes participaram de mesa redonda sobre Educação Patrimonial com
uma pedagoga especialista em atividades com adolescentes, e se apropriaram dos conteúdos
apresentados e discutidos anteriormente nas disciplinas envolvidas na atividade integrada.
A turma apresentou um número total de cinco propostas, com produtos diversificados, que
contemplaram adequadamente o que foi solicitado.
A BSTRACT
The article presents a didactic-pedagogical experience related to reading and analyzing urban
heritage and cultural landscape, applied to students in the 3rd semester of 2019.2, from the
Undergraduate Course in Architecture and Urbanism at UFRN. The didactic-pedagogical expe-
rience took place through the integration between the curricular components, History and
Theory of Architecture and Urbanism 01, Urban and Regional Planning and Design 01 and
Visual Communication, and had as its theme the colonial city, especially the Brazilian Baroque
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city, based on a study trip held in the city of Olinda, Pernambuco. Students were asked to make
didactic material for young people between 13 and 18 years old, covering the theme of heritage
education, aiming to teach, in a playful way, the relevance of these urban groups and highlight
their characteristics, relating them to the period in which were implemented, as well as paying
attention to the need to preserve the cultural heritage of these cities. The ‘in loco’ activity aimed
to build memory tables during the stay in Olinda with the use of a travel diary with all the
information learned during “being in place”, for later production of didactic material to be used
in heritage education. In this sense, this article is based on the concept of place and memory,
fundamental to a closer relationship with the universe of study and heritage education. At
the end, when returning to UFRN, the students develop the products based on what they have
registered, then serving the notebooks as collective memories of the visit. For the development
of the products, in addition to the visit, the records made in the notebooks, the collection of
data about the city, the students participated in a round table on Heritage Education with a
pedagogue specialized in activities with adolescents, as well as, they appropriated the contents
presented and discussed previously in the disciplines involved in the integrative activity. The
class presented a total number of five proposals, with diversified products, which adequately
contemplated what was requested.
RESUMEN
El artículo presenta una experiencia didáctico-pedagógica relacionada con la lectura y el
análisis del patrimonio urbano y el paisaje cultural, aplicado a los estudiantes en el tercer
semestre de 2019.2, del Curso de Licenciatura en Arquitectura y Urbanismo en la UFRN. La
experiencia didáctico-pedagógica tuvo lugar através de la integración entre los componentes
curriculares, Historia y Teoría de la Arquitectura y el Urbanismo 01, Planificación y Diseño
Urbano y Regional 01 y Comunicación Visual. La experiência, y tuvo como tema la ciudad
colonial, especialmente la ciudad barroca brasileña, basada en un viaje de estudios realizado
en la ciudad de Olinda, Pernambuco. Se pidió a los estudiantes que hicieran material didác-
tico para jóvenes entre 13 y 18 años, que cubriera el tema de la educación patrimonial, con el
objetivo de enseñar, de manera lúdica, la relevancia de estos grupos urbanos y resaltar sus
características, relacionándolos con el período en el que se implementaron, además de prestar
atención a la necesidad de preservar el patrimonio cultural de las ciudades. La actividad en el
sitio tenía como objetivo construir tablas de memoria durante la estadía en Olinda, utilizando
un cuaderno de viaje con toda la información aprendida durante “estar en su lugar”, para la
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producción posterior de material didáctico para ser utilizado en la educacion del patrimonio.
En este sentido, este artículo se basa en el concepto de lugar y memoria, fundamental para una
relación más cercana con el universo de estudio y educación patrimonial. Al final, al regresar
a UFRN, los estudiantes desarrollan los productos en función de lo que han registrado, y luego
los cuadernos sirven como recuerdos colectivos de la visita. Para el desarrollo de los productos,
además de la visita, los registros realizados en los cuadernos, la recopilación de datos sobre
la ciudad, los estudiantes participaron en una mesa redonda sobre Educación del Patrimonio
con un pedagogo especializado en actividades con adolescentes, y se apropriaron de los con-
tenidos presentados y discutidos previamente en las disciplinas involucradas en la actividad
integradora. La clase presentó un total de cinco propuestas, con productos diversificados, que
contemplaban adecuadamente lo solicitado.
INTRODUÇÃO
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Em aula que antecede a visita, os alunos são orientados a montar seu caderno de
viagem – adquirido ou confeccionado pelo próprio discente – e a começar a organizá-lo
a partir do material disponibilizado pelos professores (mapas e textos, por exemplo).
Nesta aula também são apresentadas as três questões norteadoras que deverão ser
observadas pelos alunos em suas anotações:
1. Podemos identificar, na atualidade, a presença da cidade barroca no quadro
urbano da cidade de Olinda?
2. A sinalização turística auxilia na compreensão/identificação desta cidade
barroca?
3. Como se configura, na atualidade, essa cidade barroca?
Como atividade precedente à viagem solicita-se aos discentes que organizem em
síntese as leituras das obras adotadas como referencial teórico-conceitual, utilizadas
nas unidades anteriores. Durante a viagem utiliza-se a metodologia da análise serial
(CULLEN, 1996), através de percursos, e apropriando-se das surpresas, próprias da cidade
barroca (BAETA, 2010). (Figura 1)
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
solicitou-se que cada aluno fizesse o registro detalhado de tudo que foi observado em
cada rota percorrida a partir do que foi estabelecido como “questões principais”. Estes
registros, que poderiam ser fotografias, desenhos, relatos, vídeos, etc., compuseram o que
chamamos de “diário de viagem” (um caderno de anotações e de registro) preparado por
pelos próprios alunos, e se tornou o primeiro produto da atividade.
Por se tratar de uma atividade que prioriza pela integração e a apropriação percep-
tiva e visual da cidade e sua paisagem cultural, utilizamos como suporte teórico-concei-
tual, o livro Desenho Urbano e Morfologia da Cidade (LAMAS, 2010), particularmente com
relação à definição de forma urbana como sendo o conjunto de formas arquitectónicas
ligadas entre si por relações espaciais, e complementada pela definição dos elemen-
tos morfológicos como “as unidades ou partes físicas que, associadas e estruturadas,
constituem a forma” (LAMAS, 2010, p.38). Na análise das cidades coloniais brasileiras
identificamos, sob o ponto de vista morfológico, a existência de um sistema aberto e arti-
culado entre exemplares de arquitetura religiosa, como focos, ou pontos fixos, a irradiar/
propagar/transbordar seu poder por suas imediações. Corroborando com Baeta (2002),
atestamos o caráter relacional dessa condição, na qual a cidade, enquanto apreensão
artística se conforma como uma unidade indivisível, definida a partir da relação entre
todo e partes (traçado, monumentos, espaços públicos, preexistência natural e arquite-
tônica). A temática da arquitetura colonial é abordada do ponto de vista da arquitetura
e dos elementos urbanos considerados pioneiros nesse estilo arquitetônico, dessa vez,
rebatendo a caracterização do estilo artístico nas edificações, o sistema viário e o cenário
das cidades. Neste sentido, torna-se fundamental a apresentação e discussão acerca da
identificação dos elementos caracterizadores do sistema articulado barroco (percursos
e focos; visão panorâmica; visão localizada), bem como da relação entre os elementos
que compõem a morfologia urbana do núcleo (traçado viário, monumentos, espaços
públicos, espaços construídos).
No final da viagem é, então, apresentado aos alunos o que deve ser o produto final
e o acompanhamento por parte dos docentes. A partir da experiência da viagem eles
deveriam entregar o caderno da viagem no primeiro momento de orientação com os
docentes (Figura 2). Estes deveriam ser elaborados de forma individual. Como produto
final, as equipes deveriam produzir um material voltado à educação patrimonial acerca
do sítio histórico de Olinda/PE.
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Figura 4: Mesa redonda com a Pedagoga Anízia Soares. Fonte: Autores (2019).
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Diante do desafio de criar um conteúdo que fosse utilizado paro o ensino de estu-
dantes cuja faixa etária estivesse compreendida entre 13 e 18 anos, a turma foi motivada
e produzir material que pudesse articular os assuntos ministrados de cada uma das
disciplinas envolvidas na atividade integrada, buscando a inserção da temática educação
patrimonial, em um único produto.
O material produzido pela turma incorporou os desenhos, os registros fotográficos
e informações colhidas pelos alunos durante a viagem extraídos de seus cadernos grá-
ficos. Os produtos produzidos pelos discentes de Arquitetura e Urbanismo retrataram
fielmente as impressões obtidas ao observar a cidade visitada, seu casario e os elementos
que compõem a paisagem. Os produtos também continham dicas acerca de características
culturais e locais das cidades visitadas. Tal fato extrapolou os limites da compreensão dos
aspectos inerentes a uma cidade colonial barroca, mas igualmente importantes para os
visitantes, sob o ponto de vista turístico e sob o ponto de vista do patrimônio imaterial.
Ressalta-se que os produtos apresentados por todas as equipes foram propos-
tas interativas voltadas para as mídias digitais e o uso materiais gráficos. A turma foi
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Parte das equipes apresentaram material digital informativo, que continha aspec-
tos gerais, históricos, da configuração urbana e arquitetônica da cidade de Olinda, com
sugestão de percursos, constando exatamente dos trajetos realizados pela turma durante
a viagem de campo.
Observa-se que os conteúdos ministrados pelos componentes curriculares ao longo
do semestre se encontram contemplados nas “abas” dos aplicativos propostos, sobretudo
os aspectos concernentes às temáticas trabalhadas na atividade. Nos produtos criados
por essa parte da turma, também é possível identificar a inserção de dicas acerca da
cidade, que extrapolam a temática do barroco, mas que são importantes para quem vai
usufruir da cidade, sob o ponto de vista turístico.
Cerca de três grupos optaram por trabalhar usando os recursos tecnológicos. Um
deles criou um aplicativo nominado por “Quatro Cantos”, que estaria conectado às
escolas da rede pública do Estado de Pernambuco, e a partir dessa parceria, poderiam
promover gincanas em que os alunos usariam o celular como fonte de informações
sobre a atividade e as informações relativas ao patrimônio histórico de Olinda. Outro
grupo criou seu produto voltado para uma revista eletrônica chamada “Redescobrir”
baseada no Plano Diretor de Olinda, que pudesse ter vários quadros de passatempos e
curiosidades, e atrelada a esta, um aplicativo que conduz o usuário a um jogo. O terceiro
grupo propôs um produto interativo que buscou unir um jogo denominado “Ctrl + H;
Resgatando a História” a um aplicativo de perguntas e respostas sobre o acervo histórico
e patrimonial de Olinda. (Figuras 6 e 7)
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Figura 6: Apresentação dos trabalhos: equipes com produtos interativos. Fonte: Autores (2019).
Figura 7: Apresentação dos trabalhos: equipes com produtos interativos. Fonte: Autores (2019).
Produtos “lúdicos”
Dois grupos optaram por criar um material mais lúdico, através da proposição de
jogos físicos. O primeiro grupo propôs um jogo de tabuleiro com perguntas e possíveis
percursos, que foi “testado” pela própria turma, convidada a jogá-lo durante a apresen-
tação da equipe.
O jogo denominado “Olinda Descoberta” se utiliza da estratégia do percurso, condi-
zente com o universo de estudo, faz uso também dos referenciais teóricos trabalhados na
disciplina, tanto no estabelecimento das paradas durante o percurso, como nas questões
elaboradas, a serem respondidas durante o referido percurso. Chamamos atenção tam-
bém para a maneira criativa como se inseriu as dicas acerca da cidade, que extrapolam
a temática do barroco, mas que são importantes para quem vai usufruir da cidade, sob
o ponto de vista turístico. (Figura 8)
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Figura 8: Apresentação dos trabalhos: Equipe do Jogo Olinda Descoberta. Fonte: Autores (2019).
O último grupo optou por trabalhar para um público ainda mais seleto e com
necessidades especiais: jovens entre 13 e 18 anos autistas. Dessa forma, o grupo propôs
uma caixa com vários jogos físicos, chamada “Espectro Jogos Educativos”. Pensando
nos níveis de autismo, indo do mais leve ao mais severo, as componentes deste grupo
criaram 04 tipos de jogos diferentes.
Para os níveis mais brandos e médios do autismo, elas propuseram um jogo de
memórias e também um quebra-cabeça feito em relevo, contemplando as fachadas das
principais igrejas do Centro histórico de Olinda. Para os jovens com um nível mais de
autismo, a proposta consistiu em um jogo de percursos com pequenas maquetes de papel
das principais obras religiosas de Olinda e um jogo de tabuleiro. (Figura 9)
Figura 9: Apresentação dos trabalhos: Equipe do Espectro Jogos Educativos. Fonte: Autores (2019).
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Figura 10: Apresentação de música barroca ao término do semestre. Fonte: Autores (2019).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nota-se que a avaliação feita por meio de uma única atividade envolvendo pro-
cesso criativo é algo positivo e que contribuiu para nível de aprendizado excelente por
parte dos alunos envolvidos na atividade integrada. Assim como, adotar uma atividade
permita ao aluno trabalhar a observação, reflexão e análise e exercitar seu senso crítico
corroboram para uma melhor compreensão da importância em preservar o patrimônio
e paisagem cultural das cidades com valor histórico. Nesse sentido, as viagens de campo
reforçam a possibilidade essa condição de observador in loco.
Por outro lado, incentivar à criatividade e a adoção de recursos de uso contempo-
râneos acabam por trazer atrativos ao processo pedagógico. Em relação aos alunos da
graduação, acaba sendo um meio mais dinâmico e motivador para o processo ensino-
-aprendizagem vivenciado por eles. Por parte dos adolescentes, a quem os produtos se
destinariam, também se oferece ferramentas interativas e mais fácies de compreensão
por parte desse público específico. No que se refere às disciplinas voltadas para o patrimô-
nio histórico, essa possibilidade estimula mais ainda e dinamiza o processo de ensino/
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REFERÊNCIAS
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EMBATES E DIÁLOGOS
CENTRAL DO RIO DE
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RESUMO
O campo de disputas entre a preservação patrimonial e a renovação urbana tem na Cidade do
Rio de Janeiro um excepcional laboratório de estudos. Capital nacional entre os anos de 1763 e
1960, sua Área Urbana Central destaca-se pela sua riqueza e pluralidade arquitetônica, sendo
constituída a partir de fragmentos heterogêneos de diversas propostas urbanísticas em sua
história. Neste trabalho, focamos nos embates e diálogos entre as ações de proteção patrimonial
do SPHAN e os anseios transformadores da Prefeitura do Distrito Federal na Área Central da
Cidade do Rio de Janeiro, entre os anos 1938 e 1964, tomando a Av. Presidente Vargas como eixo
condutor da análise que procura explicitar os efeitos desses conflitos no seu tecido urbano.
A BSTRACT
The field of disputes between heritage conservation and urban renewal has an exceptional
laboratory for studies in the city of Rio de Janeiro. National capital between the years of 1763
and 1960, its urban city center stands out for its architectural richness and diversity, made up
of heterogenous fragments of the many urban projects in its history. In this paper, we focus on
the conflicts and dialogues amid the heritage protection initiatives of SPHAN and the Federal
District Municipal Government’s yearning for transformation in Rio de Janeiro’s city center,
between the years of 1938 and 1964, using Presidente Vargas Avenue as a common thread of
análisis that seeks to highlight the effects that these conflicts have in its urban fabric.
RESUMEN
El campo de disputa entre la preservación del patrimonio y la renovación urbana tiene en Río de
Janeiro un laboratorio de estudio excepcional. Capital nacional entre los años 1763 y 1960, su
Área Urbana Central destaca por su riqueza y pluralidad arquitectónica, formándose a partir
de fragmentos heterogéneos de diversas propuestas urbanísticas en su historia. En este artículo,
nos enfocamos en los enfrentamientos y diálogos entre las acciones de protección patrimonial
de SPHAN y las aspiraciones transformadoras del Ayuntamiento del Distrito Federal en el
Área Central de Río de Janeiro, entre 1938 y 1964, tomando a Av. Presidente Vargas como su eje
conductor del análisis que intenta explicar los efectos de estos conflictos en su tejido urbano.
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INTRODUÇÃO
ANTECEDENTES DA PRESERVAÇÃO
[1] Este trabalho compõe parte de capítulo da tese de doutorado “Leituras de um passado,
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Figura 1: Planta da Cidade do Rio de Janeiro, em 1866. Fonte da Base: GOTTO, 1871. Disponível
na BN Digital.
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Figura 2: Plano Agache: Planta de Remodelação, 1930. Fonte da Base: AGACHE, 1930.
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
que corresponde aos núcleos urbanos do século XIX: a cidade colonial, que se estendia
até o Campo de Santana, e a Cidade Nova, construída sobre o terreno conquistado com
o aterro do Mangal de São Diogo. Nessa primeira leva de tombamentos, foram prote-
gidas bens como a Igreja da Candelária, o Paço Imperial, e edifícios do século XIX em
estilo neoclássico, como a Praça do Comércio, a Casa da Moeda, e o Palácio do Itamarati.
Figuram-se também os conjuntos paisagísticos, como o Passeio Público; os Jardins do
Valongo, e seu conjunto arquitetônico e o Campo de Santana.
Essas ações de preservação passariam por momentos turbulentos quando con-
frontadas com os afãs transformadores da Prefeitura e do Governo Federal em imprimir
as marcas do regime autoritário do Estado Novo na forma urbana carioca. Na XI Feira
Internacional de Amostras, realizada na cidade, em dezembro de 1938, meses após as
homologações dos primeiros tombamentos do SPHAN [2], as propostas urbanísticas
apresentadas pelo “Serviço Técnico” na “Exposição Novo Brazil” desconsideravam as
proteções do órgão de tutela, como pode ser visto no projeto apresentado em maquete
para a Avenida 10 de Novembro, que retoma as ideias de Agache da Avenida do Mangue.
Com mais de 80 metros de largura, e quatro quilômetros de extensão, a 10 de Novem-
bro teria seu início no Cais dos Mineiros, próximo à Igreja da Candelária, integrada ao
projeto no meio da caixa de rolamento da avenida (Figura 3). No seu eixo seriam arrasa-
dos os quarteirões entre as ruas General Câmara e São Pedro, até a Praça Onze de Junho,
que seria igualmente demolida e substituída por um grande obelisco. No cruzamento
com as principais artérias viárias existentes, como a Av. Rio Branco, o trânsito segue em
níveis separados, com o fluxo de automóveis da avenida passando por baixo do eixo das
vias transversais através de mergulhões.
Com relação às propostas arquitetônicas, os quarteirões adjacentes à nova avenida
dariam lugar a lotes urbanizados. O trecho entre o Cais do Mineiros e o Campo de San-
tana seguiria o padrão agachiano das quadras fechadas, com vazios internos, e galerias
de pedestres contornado o térreo das fachadas. No trecho seguinte, até o seu fim nas
proximidades da Praça da Bandeira, a implantação dos edifícios seria semelhante às
propostas do urbanismo modernista, com quarteirões em redent.
O presidente Getúlio Vargas, ao ver a maquete para a avenida cujo nome era uma
alusão à data do golpe do Estado Novo, supostamente teria dito ao então prefeito da
cidade, Henrique Dodsworth, a seguinte frase: “Vamos fazê-la”. A proposta, com nome
[2] As homologações de tombamento desses primeiros bens protegidos pelo SPHAN na cidade
do Rio de Janeiro foram realizadas entre os meses de março e julho de 1938, antecedendo,
portanto, o PAA nº 3022 e a XI Feira Internacional de Amostras da Cidade do Rio de Janeiro.
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outros bens públicos. Já o Projeto Aprovado de Loteamento (PAL) é o instrumento que consiste
no projeto de parcelamento da terra por meio de loteamento, ou de desmembramento e/ou
remembramento dos de lotes já existentes.
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Figura 4: Igreja de São Pedro dos Clérigos, Igreja do Bom Jesus do Calvário e Palácio da Prefei-
tura. Fonte: BN Digital.
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Figura 5: Gabarito proposto no entorno da Igreja da Candelária, 1940. Prancha Anexa ao Decreto
nº 6897 de 1940. Fonte: RME.
A proposta seria revisada, em 1944 com os PAA nº 3923/PAL nº 8837, e PAA nº 3924/
PAL nº 8838 referentes ao loteamento das quadras 5 e 6 do projeto de urbanização da
avenida, limitando o gabarito no entorno da Igreja da Candelária a 12 pavimentos, e
garantindo a dominância vertical do bem tombado.
Essa sensibilidade à patrimônio, contudo, não foi rebatida para as demais igrejas
tombadas localizadas no eixo da avenida. No processo[5] instaurado para a proteção
da Igreja de São Pedro dos Clérigos documenta-se o debate pela preservação desses
bens tombados, sugerindo o então diretor do SPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade,
a possibilidade de uma inflexão no caminho da avenida. Em estudo submetido por
intermédio do engenheiro José de Oliveira Reis, chefe da Comissão do Plano da Cidade,
à Edison Passos, Secretário Geral de Viação e Obras Pública da municipalidade, o SPHAN
propõe que a nova avenida siga o eixo da Av. Marechal Floriano (Figura 6). No ofício
enviado por Andrade, em setembro de 1940, o diretor busca a proteção do Campo de
Santana, cujo “traçado tradicional” seria alterado pela avenida, e aponta a preciosidade
dos monumentos de arquitetura religiosa, cuja perda seria “um atentado irreparável ao
patrimônio histórico-artístico da cidade”, com especial atenção à Igreja de São Pedro,
obra de significação para a arquitetura nacional. No mês seguinte o Dr. Rodrigo envia
ofício ao Ministro Capanema, pedindo que este pleiteie pelo SPHAN ao presidente Getú-
lio Vargas que as obras de execução da avenida não fossem autorizadas “sem a prévia
audiência desta repartição”.
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Figura 6: Mapa registrando o desvio do eixo da Avenida Presidente Vargas, proposto por Rodrigo
Melo Franco de Andrade à PDF em 1940. Fonte da Base: Planta da Cidade do Rio de Janeiro (1935).
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Figura 7: Propostas de Agache para preservação das igrejas de São Pedro dos Clérigos e Bom
Jesus do Calvário. Fonte: IPHAN, Processo nº 017-T-38, 1938.
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-
TELBAUM, 2010.
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Figura 10: Parte do PAA nº 8052/PAL nº 24410 de 1963. Proposta revisada para a Quadra 17-A.
Fonte: SMU-PCRJ.
[8] Conforme apresentam Motta & Thompson (2010, pp. 85-90), a proposta da praça arbori-
zada foi questionada, e o SPHAN, na década de 1980, recomendou a reconstituição da volu-
metria original do entorno da Casa de Deodoro, com objetivo recontextualizar historicamente
o imóvel. Nenhuma das duas alternativas foi implementada, continuando o entorno do bem
por estacionamentos.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Av. Presidente Vargas foi, contudo, apenas umas das propostas que compôs a
complexa trama de projetos urbanísticos previstos pela Prefeitura do Distrito Federal
para a área central da cidade do Rio de Janeiro. Sua conjuntura atual é o resultado da
articulação de seu projeto original com outras propostas renovadoras que a intercep-
tavam, tais como as Avenidas Diagonal e Norte-Sul, executadas de forma fragmentária e
pontual, e produzidas com distintas, e muitas vezes divergentes, idealizações de futuro
para a cidade.
Na década de 1960, uma nova conjuntura administrativa e política dá nova forma
à cidade do Rio de Janeiro, que perde sua condição de capital, transferida para Brasília,
sendo o antigo Distrito Federal reconfigurado no Estado da Guanabara. Tal como 1938
fora decisivo no projeto de futuro da cidade, igualmente seria o ano de 1964. Em âmbito
nacional, o ano marca o início de uma mancha na democracia brasileira, com a deflagra-
ção do golpe do dia 31 de março, que instaurou no país o regime de ditadura militar que
perduraria por duas décadas. No contexto local, o governador Carlos Lacerda contratou o
escritório do arquiteto grego Constantino Doxiadis para realizar um novo plano diretor
o Estado da Guanabara, em substituição às revisões malsucedidas do Plano Agache em
fins da década de 1930.
No campo da preservação, o patrimônio tombado em esfera federal no Estado da
Guanabara ganha um novo aliado no seu reconhecimento legal pelo aparato estatal,
com o surgimento da DPHA, a Divisão do Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria
de Estado da Educação e Cultura da Guanabara, primeiro órgão de salvaguarda em esfera
estadual no país, e precursor do atual INEPAC (Instituto do Estadual do Patrimônio Cul-
tural). Com demandas diferenciadas da DPHAN, suas iniciativas juntamente ao órgão de
esfera federal iriam mais uma vez contra os anseios renovadores, confirmando a relação
dialética entre a preservação e a transformação que configura o rico tecido urbano da
Área Central Carioca.
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REFERÊNCIAS
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
ENTRE CONSERVAÇÃO
E PROJETO DO NOVO:
LUCIO COSTA, ERNESTO
NATHAN ROGERS E LINA
BO BARDI. O CONCEITO DE
CONTINUIDADE
CALABRESE, Federico
Doutor em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal
da Bahia- FAUFBA
fedecal@hotmail.com
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
RESUMO
O presente artigo é parte de uma pesquisa mais abrangente que visa investigar a fronteira
sutil que divide ou une, o projeto do novo e a conservação do existente. Investiga-se as questões
teóricas que esse dualismo traz, que podem ser consideradas como palavras-chave: tradição,
continuidade, história e que se condensam na prática projetual através do modus operandi
do construir no construído. Isso é feito a partir da experiência projetual e da especulação
teórica de três mestres do século passado, que representam, em primeiro lugar, as duas áreas
geográficas da pesquisa, que são a Itália e o brasil, com três protagonistas: Lucio costa para
o brasil, Ernesto Nathan Rogers para a Itália e Lina Bo Bardi como ponte entre os dois países.
Nas páginas a seguir será aprofundado o conceito chave de tradição.
A BSTRACT
The present article is part of a more comprehensive research that investigates the subtle frontier
that divides or unites, the project of the new one and the conservation of the existing one. We
investigate the theoretical questions that this dualism brings, which can be considered as key
words: tradition, continuity, history and that are condensed in the design practice through
the modus operandi of building in the constructed. This is done from the projectual experience
and theoretical speculation of three masters of the last century, which represent, firstly, the
two geographic areas of research, which are Italy and Brazil, with three protagonists: Lucio
Costa for Brazil , Ernesto Nathan Rogers for Italy and Lina Bo Bardi as bridge between the two
countries. In the following pages the key concept of tradition will be deepened
RESUMEN
Este artículo es parte de una investigación más completa que tiene como objetivo investigar el
límite sutil que divide o une, el proyecto de lo nuevo y la conservación de lo existente. Se inves-
tigan las preguntas teóricas que trae este dualismo, que se pueden considerar como palabras
clave: tradición, continuidad, historia y que se condensan en la práctica del proyecto a través
del modus operandi de construir en lo construido. Esto se realiza en base a la experiencia de
proyecto y la especulación teórica de tres maestros del siglo pasado, que representan, en primer
lugar, las dos áreas geográficas de investigación, que son Italia y Brasil, con tres protagonistas:
Lucio costa para Brasil , Ernesto Nathan Rogers para Italia y Lina Bo Bardi como puente entre
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los dos países. En las siguientes páginas, se profundizará el concepto clave de la tradición.
INTRODUÇÃO
Este artigo faz parte de uma pesquisa mais ampla sobre a delicada relação entre o
projeto do novo e a conservação do existente e entre a teoria e a prática projetual. Esta
pesquisa abrange dois países: Itália e Brasil. Alguns arquitetos e estudiosos, em geral,
mais do que outros, ajudaram a fomentar o debate entre o projeto do novo e a conser-
vação do existente, que, começa a ocorrer e tornar-se necessário após a Segunda Guerra
Mundial, particularmente na Itália, mas também em outros países.
Alguns desses arquitetos podem ser considerados mestres, pois formaram e influen-
ciaram muitas gerações de arquitetos até a atualidade.
Os três mestres da arquitetura do século XX escolhidos pertencem às duas áreas
geográficas da pesquisa (Brasil e Itália): Lucio Costa (Toulouse, 1902 - Rio de Janeiro, 1998),
arquiteto brasileiro e urbanista; Ernesto Nathan Rogers (Trieste, 1909 - Gardone Riviera,
1969), arquiteto italiano, urbanista, escritor e educador; Lina Bo Bardi (Roma, 1914 - São
Paulo, 1992), arquiteta nascida e formada na Itália, que se transfere para o Brasil, e cria
um elo cultural muito importante entre os dois países.
São mestres do século passado que estudaram e se identificaram com as obras dos
grandes mestres do Moderno e que, de maneiras diferentes, tentaram superá-los, mas
sem nunca perdê-los de vista.
De modos diferentes, os três mestres sempre trabalharam estabelecendo uma
relação entre a prática arquitetônica e o pensamento teórico. Essa relação é talvez mais
evidente nas obras de Lina e Rogers, e, no caso do último, deve-se muito à sua conexão
com o filósofo Enzo Paci. Ambos possuem uma grande produção, tanto de projetos arqui-
tetônicos como de obras construídas, além de escritos que, em alguns casos, tornaram-se
verdadeiras teorias (como no caso das preexistências ambientais de Rogers). O último
também foi professor universitário durante anos.
Costa, mesmo tendo um número mais limitado de obras arquitetônicas, deixou,
com seus poucos projetos, um legado muito significativo, que contribuiu para a cons-
trução de um pensamento forte ao redor da arquitetura moderna brasileira, mediante
a sua importante participação no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
(Sphan), que, seguramente, trouxe uma contribuição fundamental sobre como valorar
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e atuar nas preexistências arquitetônicas de valor histórico, mesmo que tenha recebido
críticas pelas suas escolhas.
É necessário compreender o desenvolvimento histórico das reflexões realizadas
pelos três mestres, e colocá- los em relação com seus contextos. É importante, antes de
considerar seus pensamentos, entender os climas culturais nos quais estão inseridos,
que é aquele pós-bélico, compartilhado por Rogers e Lina, mesmo que a última tenha
decidido emigrar para o Brasil, com um clima cultural que permeia o Brasil de Costa,
nos mesmos anos.
Transcorrem os anos 1950, logo após as grandes devastações da guerra, nos quais
se desenvolve o debate, por vezes duro, mas sempre intelectualmente honesto, sobre as
preexistências ambientais e sobre como atuar nos contextos históricos destruídos pelas
bombas. Tal debate envolve muitos intelectuais, não apenas arquitetos e especialistas
da conservação, que se posicionam em lados opostos.
Lina deixa a Itália em 1946 e, portanto, vive o início desse debate, e deixa os escom-
bros da Itália para redescobrir valores novos e renovados na terra brasileira. O contexto
cultural brasileiro nesses anos foi de efervescência e modernização, com grandes trans-
formações urbanas consolidadas nos anos seguintes. Forma-se uma sociedade mais
urbana e industrial, sustentada por uma política de desenvolvimento, com um novo
estilo de vida difundido por revistas e especialmente pelo cinema norte-americano.
É claro que, por razões óbvias, que não existe no Brasil daqueles anos um debate
semelhante ao italiano, mas são os anos nos quais, após um início incerto, o arquiteto
Costa se comprometeu a construir uma reflexão teórica que une a tradição popular com
a sobriedade da arquitetura internacional moderna (WISNIK, 2004).
Se, no início, Costa se liga culturalmente às figuras conservadoras como José Mariano
Filho, defensor da arquitetura neocolonial, posteriormente, sua trajetória se conecta com
a de intelectuais modernos, como Mário de Andrade, mas que elegem as manifestações
culturais populares, coletivas, rurais e anônimas como ponto de partida para a criação
de uma cultura brasileira moderna e erudita. Mesmo Lina, que chegou ao Brasil e se
instalou em São Paulo, olha esse tipo de manifestação cultural com grande interesse,
estudando- o profundamente e apropriando-se de muitas das suas características.
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tituem. A experiência é o lugar desse encontro, onde a dimensão lógica se funde com aquela
prática. O instrumentalismo gnosiológico sustentado por Dewey nega o caráter puramente
passivo do processo cognitivo, sublinhando, pelo contrário, como o último seja já, em si, uma
todas as suas obras pedagógicas, Dewey critica a escola dogmática, verbal, livresca e repetitiva,
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[2] COSTA, Lúcio. Tradição local. In: COSTA, Lúcio. Arquitetura. Rio de Janeiro: José Olympio, 2002.
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[3] BARDI, Lina Bo. Sem título. Primeira conferência na EBA. Salvador, 17 abr. 1958. Texto não
publicado.
[4] BARDI, Lina Bo. Sem título. Primeira conferência na EBA. 17 abr. 1958. Texto não publicado.
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passado é capaz de iluminar o presente, dando as chaves para a sua leitura e o presente
é capaz de iluminar o passado.
Costa move-se também no sulco já escavado pelos grandes mestres, sobretudo por
Le Corbusier, conseguindo usar as margens de manobra deixadas pela teoria do mestre,
fazendo uma releitura da arquitetura colonial de Minas Gerais a partir da sua essência,
das lógicas intrínsecas subjacentes às suas construções, das relações funcionais entre
os seus elementos (COSTA, 2011, p.105).[5]
Costa constrói uma linguagem que é capaz de integrar o passado com uma perspec-
tiva voltada ao futuro, por meio da consciência de que existem coisas que permanecem e
podem ser transportadas, no sentido da continuidade, de um período a outro, dando-lhe
a certeza de aceitar novas situações (COSTA, 2010, p. 230).
Torna-se necessário tecer um fio que integre o sentido da continuidade na realidade
contemporânea, complexa e variada, com o imenso patrimônio da experiência herdada.
Não existe uma fratura entre o velho e o novo, pelo contrário, é necessário compreender
a continuidade histórica dentro do âmbito da cultura, através de um processo que é de
pesquisa incessante e continuação dinâmica e não uma simples cópia passiva: não um
axioma a seguir, mas uma exploração sempre nova e livre que, produzida de maneira
sistemática, torna-se um método. Evidenciam-se outros dois aspectos que a continuidade
mostra e que são comuns aos três arquitetos: a firme rejeição da arquitetura falsa, da
cópia passiva; e a necessidade de construir um modus operandi, um método.
Lina (BO BARDI, 1957, p. 39), em sua tese apresentada em 1957, para um concurso
para docência na Universidade de São Paulo (USP), sublinha a importância da continui-
dade como consciência crítica que serve para dar respostas a instâncias do presente,
descrevendo um método a ser seguido:
A tarefa do professor deveria ser a de despertar a consciência crítica,
dando ao estudante o sentido da continuidade da história, não como
elegância cultural, mas como fonte viva de contribuições reais. O jovem
arquiteto não encontrará destarte, sua segurança em noções aparente-
mente certas e provadas, mas, em sua incerteza, [...] encontrará, naque-
les princípios, a força para se orientar, a lucidez crítica necessária ao
profissional de hoje, consciente de que não lhe é lícito abandonar-se
[5] Lucio Costa sobre Aleijadinho. In: NOBRE, Ana Luiza (Org.). Encontros/Lucio Costa. Rio de
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[7] COSTA, Lúcio. Intermezzo. Catas Altas do Mato Dentro. In: COSTA, Lúcio. Arquitetura. Rio
de Janeiro: José Olympio, 2002.
[8] NOBRE, Ana Luiza. Fontes e colunas: em vista do patrimônio de Lúcio Costa. In: NOBRE,
Ana Luiza; KAMITA, João Masao; LEONÍDIO, Otávio; CONDURU Roberto (Org.). Lúcio Costa, Um
modo de ser moderno. São Paulo: Cosac & Naify Edições, 2004.
[9] ROGERS, Ernesto Nathan. Le preesistenze ambientali e i temi pratici contemporanei, 1955. In:
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Para Costa, a linha traçada da continuidade parece ser linear, e as coisas se sucedem
uma depois das outras, como ele mesmo afirma. Para Lina isso não é verdade. A linha
do tempo para ela não é linear, é um grande emaranhado do qual podem ser escolhidos
eventos em qualquer momento, se uma necessária dependência cronológica: é uma
linha descontínua.
Lina (BO BARDI APUD FERRAZ, 1993, p. 66) tem uma visão mais ampla, em contradição
com o Sphan, e dessa forma, com Costa, quando afirma:
A arquitetura contemporânea brasileira não provém dos jesuítas, mas
do pau-a-pique, do homem solitário. [...] Provém da casa do seringueiro.
[...] Possui em sua resolução furiosa de fazer, uma sabedoria e uma poesia
do homem do sertão que não conhece as grandes cidades da civilização
e os museus [...] mas suas realizações [...] fazem deter o homem que vem
de países de cultura antiga. [...] Essa falta de polidez, esta rudeza, este
tomar e transformar sem preocupações, é a força da arquitetura con-
temporânea brasileira.
Não são apenas as igrejas coloniais e barrocas e as grandes casas portuguesas,
segundo a versão da historiografia hegemônica, mas existem as pequenas capelas
construídas e dispersas por todo o território, as pequenas casas coloridas, os edifícios
e os bairros operários. O Brasil, para Lina (BIERRENBACH, 2001), compõe-se de um rico
mosaico multicolor de experiências arquitetônicas que são frequentemente anônimas
e coletivas.[10]
Continuidade é o nome que escolhe Rogers para anexar ao título da revista Casabella,
que dirigirá entre 1953 e 1965, após a direção de Eduardo Persico e Giuseppe Pagano,
além dos anos escuros da guerra. Rogers recolhe os frutos da revista de Pagano e Persico,
afirmando a própria originalidade e coerência com os tempos, como tinham feito seus
predecessores.
Continuidade refere-se, embora não exclusivamente, ao título da nova revista que
quer dizer consciência histórica. Continuidade como a verdadeira essência da tradição,
que, já para seus predecessores, e agora para ele, significa aceitar uma tendência que se
concretiza na eterna variedade do espírito avessa a todo formalismo passado e presente
(ROGERS,1954a, p.2).
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[12] BO BARDI, Lina Bo. Tempos de grossura: o design no impasse. São Paulo: Instituto Lina
Bo e Pietro Maria Bardi, 1994.
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ciclo, mas abre outro, que se soma ao precedente com autonomia, mas sem negá-lo.
(ROGERS,1956, p.4)
É necessário percorrer a estrada da continuidade no caminho traçado, mas com
plena autonomia, tendo aprendido a essência do ensinamento que é, sobretudo, de
liberdade. Para não cair na armadilha da imitação passiva, é necessário, segundo Rogers
(1997, p.43), historicizar as obras do passado recente com o devido afastamento, para ser
verdadeiramente autônomo e para continuar a desenvolver alguns princípios ainda
válidos, afastar aqueles que já estão exauridos e descobrir outros. Rogers está falando
da importância do ato criativo, daquela liberdade descrita anteriormente por Lina.
Rogers (1956) refere-se aos mestres usando a expressão estrelas, esclarecendo que
poderia ter usado a palavra planetas, já que as suas luzes eram em parte devidas ao reflexo
de outros astros que tinham anteriormente iluminado o céu, como aqueles luminosís-
simos de Sullivan; Van de Velde; e Perret. Referências muito importantes para Wright;
Gropius; e Le Corbusier, em ordem cronológica. Na base do nosso edifício cultural, estão
esses quatro arquitetos, mestres diretamente conectados com a geração dos arquitetos
formados em torno dos anos 1930.
Falando sobre o legado fundamental deixado por esses grandes mestres, Rogers
(1956) os descreve como lutadores intrépidos, cujas metas ultrapassam as da arte pela
arte e se tornam uma regra de vida. De maneiras diversas, os modos de vida desses arqui-
tetos foram transferidos nas suas arquiteturas, que tendem a uma igual moralidade.
Reunir o exemplo de luta iniciada pelos mestres em nome dessa humanidade teorizada
é a tarefa das novas gerações. É necessário prosseguir a batalha sobre o mesmo campo,
mas se a bandeira erguida pelos predecessores se chamava Vanguarda, aquela pela qual
é necessário lutar agora é a da Continuidade.
A continuidade será concretizada na boa administração do legado dos mestres e
no prosseguimento do sentido das suas mensagens e, dessa forma, em dar uma estru-
tura sempre mais real à cultura arquitetônica. Ao explorar simultaneamente o sentido
profundo da tradição e do futuro, as visões do presente serão esclarecidas em benefício
sempre mais amplo dos contemporâneos. Impossível fechar os balanços ou encerrar as
contas quando ainda há muito o que fazer (ROGERS,1956, p.5).
Para examinar o fenômeno arquitetônico além das convenções, da cronologia ou
do idealismo abstrato, é necessário superar o academicismo, da nostalgia e do folclore
demagógico para acolher uma linguagem verdadeiramente internacional e contempo-
rânea, em que possam convergir as diversas contribuições culturais características das
diferentes áreas geográficas, de certa forma antecipando o conceito de regionalismo crí-
tico. Uma linguagem da continuidade, feita de mútuas compreensões (ROGERS,1954a, p.3).
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Costa (1995, p. 116) o faz sublinhando que a arquitetura moderna, “tanto aqui como
alhures, resultou de um processo com raízes profundas legítimas e, portanto, nada tem
a ver com certas obras de feição afetadas e vazias – essas sim modernistas” e com a
finalidade de estabelecer uma continuidade bem precisa e funcional para a construção
de uma arquitetura nacional.
Para Lina (BO BARDI, 1957, p. 69) é de fundamental importância fazer uma revisão
crítica da herança deixada pelos mestres do moderno quando afirma:
Para se eliminar a cisão entre o presente e o passado, necessária se torna
a consideração histórica do resultado arquitetônico ao qual chegamos
hoje. Desenvolvimento histórico não significa conciliação, e sim exame
crítico profundo.
Nessa pesquisa contínua, reconhecem-se as obras completadas pelos grandes
mestres seguidos como exemplos, mas sem renunciar à ruptura necessária dos precon-
ceitos cristalizados, que representam novos brotos, desejos e esperanças (ROGERS,1954a).
Rogers (1957b) introduz o conceito oposto ao de continuidade, que é o da ruptura
ou crise. Pergunta-se se há continuidade ou crise. Partindo do conceito de história refe-
rido por Enzo Paci, para quem a história é um processo dinâmico, chega à conclusão
de que esse movimento é de continuidade ou crise, segundo a intenção de marcar as
permanências ou as emergências.
A continuidade, para Rogers, é um fenômeno ligado à tradição, que implica uma
mutação na sua ordem; a crise, pelo contrário, implica um momento de ruptura ou des-
continuidade para a chegada de novos elementos que tendem a revolucionar o status
quo. Novos fatores que não estão presentes em momentos precedentes, que nascem por
oposição e procuram novidade.
Em Razões de uma Nova Arquitetura, Costa explica quais são tais razões, em um
momento histórico que ele define de transição e no qual o advento de novas tecnologias
está produzindo, também, uma revolução arquitetônica. Costa esclarece que esse cenário
não é novo, mas é algo que já se repetiu no curso da evolução da arquitetura.
Descreve a introdução do neoclassicismo, com a chegada da Missão Francesa no
Rio de Janeiro, como uma dessas rupturas, especificamente em uma época que “esse
barroquismo todo estava nas últimas”, mas pouco depois, segundo Costa (1934), acontece
uma pacificação e conciliação entre as duas tradições, até outra ruptura provocada pelo
ecletismo, para depois chegar à revolução do Movimento Moderno, em grande parte
devida à introdução de novas tecnologias.
Também Lina (BO BARDI, 1974, p. 260) usa palavras análogas. Não acredita
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[13] BO BARDI, Lina. Lina Bo Bardi sulla linguistica architettonica. In: L’Architettura, n. 04, p.
259- 261. Roma, 1974.
[14]ROGERS, Ernesto Nathan. Presentazione ai progetti di laurea di BBPR,luglio 1932. 1957. In:
MOLINARI, Luca (a cura di). Ernesto Nathan Rogers, esperienza dell’architettura. Milão: Skira, 1997.
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para Rogers (1955), quando se coloca o problema do ponto de vista do método, não se
pode dizer que tenha acontecido uma crise.
Como visto, também sobre o tema da tradição e da história dos três mestres, se cruza,
em alguns pontos coincide, e em outros diverge, e é possível extrair desse emaranhado
alguns pontos comuns: a importância da experiência, o tema da reciprocidade, a clara
recusa da cópia a favor da criação de uma linguagem autônoma e contemporânea que
pode ser alcançada através do uso de um método.
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REFERÊNCIAS:
. Ao limite da casa popular. Mirante das Artes, n. 02, São Paulo, 1967.
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medida. , São Paulo, n. 48, jun./jul. 1993, p. 69-80. DE FUSCO, Renato. Storia
dell’architettura contemporanea. Roma: Laterza, 1988.
ELIOT, S. Tomas. Tradição e Talento Individual. In: Ensaios. São Paulo: Art Editora,
1989. p. 37-48
Cidadela da
Liberdade. São Paulo: Sesc/Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, 1999, p 105.
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RESUMO
O trabalho apresenta os principais aspectos da paisagem da favela de Rio das Pedras, localizada
no Rio de Janeiro. É reconhecida como a segunda maior favela do Estado do Rio de Janeiro e
pela sua grande diversidade comercial. Em seu entorno uma paisagem natural sofre com as
intervenções espontâneas e desenfreadas, que ocorrem principalmente no entorno da Lagoa
da Tijuca, Floresta Nacional da Tijuca e Pedra da Panela - bem natural tombado. Para o desen-
volvimento deste trabalho foi preciso analisar os dados do local, como a legislação e processo
de formação, contemplando os aspectos que tratam da relevância para o ambiente natural.
Objetiva-se compreender como esta paisagem foi conformada e qual cenário atual, apresentando
a relação com os bens naturais existentes próximo ao local e as consequências derivadas da
falta de fiscalização e ações de órgãos responsáveis pela preservação desses bens. Nesse sentido,
almeja-se ampliar o debate sobre a atuação do poder público frente a Rio das Pedras, tratando
das problemáticas urbanas e do ambiente natural, compreendendo a importância de preservar
tais áreas e resguardar a qualidade de vida dos moradores.
PALAVRAS-CHAVE: Rio das Pedras. paisagem. favela. meio ambiente. bens naturais.
A BSTRACT
The work presents the main aspects of the landscape of the Rio das Pedras slum, located in Rio
de Janeiro. It is recognized as the second largest slum in the State of Rio de Janeiro and for it is a
great commercial diversity. In it is surroundings a natural landscape suffers from spontaneous
and unrestrained interventions, which occur mainly in the surroundings of Lagoa da Tijuca,
Tijuca National Forest and Pedra da Panela - a natural heritage site. For the development of
this work it was necessary to analyze the local data, such as the legislation and the training
process, contemplating the aspects that deal with the relevance to the natural environment.
The objective is to understand how this landscape was shaped and what the current scenario is,
presenting the relationship with the existing natural assets near the site and the consequences
derived from the lack of inspection and actions by agencies responsible for the preservation
of these assets. In this sense, the aim is to expand the discussion on the performance of the
public authorities in relation to Rio das Pedras, dealing with urban problems and the natural
environment, understanding the importance of preserving such areas and safeguarding the
quality of life of residents.
KEYWORDS: Rio das Pedras. landscape. shanty town. environment. natural goods.
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RESUMEN
El trabajo presenta los aspectos principales del paisaje del barrio marginal Rio das Pedras,
ubicado en Río de Janeiro. Es reconocido como el segundo barrio marginal más grande del
Estado de Río de Janeiro y por su gran diversidad comercial. En sus alrededores, un paisaje
natural sufre intervenciones espontáneas y sin restricciones, que ocurren principalmente en
los alrededores de Lagoa da Tijuca, Bosque Nacional de Tijuca y Pedra da Panela, un sitio de
patrimonio natural. Para el desarrollo de este trabajo fue necesario analizar los datos locales,
como la legislación y el proceso de capacitación, contemplando los aspectos relacionados con
la relevancia para el entorno natural. El objetivo es comprender cómo se formó este paisaje y
cuál es el escenario actual, presentando la relación con los activos naturales existentes cerca del
sitio y las consecuencias derivadas de la falta de inspección y acciones por parte de las agencias
responsables de la preservación de estos activos. En este sentido, el objetivo es ampliar el debate
sobre el desempeño de las autoridades públicas en relación con Rio das Pedras, abordando los
problemas urbanos y el entorno natural, entendiendo la importancia de preservar dichas áreas
y salvaguardar la calidad de vida de los residentes.
PALABRAS-CLAVE: Rio das Pedras. paisaje barrio pobre medio ambiente. bienes naturales
INTRODUÇÃO
A favela de Rio das Pedras localiza-se na Zona Oeste da cidade do Rio de Janeiro. Em
seu entorno observa-se a paisagem natural que é marcada pelas cadeias de montanhas,
compostas pelos maciços da Tijuca e pela Pedra da Panela[1] – bem tombado natural com
processo de tombamento correspondente ao número 03/300.021/69,Dec.”E”2715 (Figura 1).
Quanto a Barra da Tijuca, percebe-se a ligação em função da proximidade física e visual,
sendo uma paisagem da desigualdade social em função da priorização que a área tem
em função da favela. Essa área antigamente não era vista como forte potencial devido
as suas barreiras naturais no decorrer do processo de expansão desenfreada da cidade.
Todavia, a ocupação ocorreu e agora é preciso pensar como estruturá-la em meio as
barreiras e paisagem natural.
[1] A pedra da Panela possui não somente importância como bem natural – o que por si só
já lhe garantia a devida e real necessidade de tombamento – mas, esse bem natural serviu
como referência para que Lucio Costa, ao desenvolver o Plano Piloto para Barra da Tijuca e
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Figura 1: Localização dos principais bens naturais próximo a Rio das Pedras, com delimitação
do zoneamento da Pedra da Panela e indicação da localização próxima da Floresta Nacional
da Tijuca sobre ortofoto de 2013. Fonte: Os autores, 2020.
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METODOLOGIA
HISTÓRICO
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Figura 2 e 3: Plano Piloto da Barra da Tijuca. Fonte: Coordenadoria Geral dos Programas de
Interesse Social/ Pousos, 2013
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Figura 4: Delimitação da subárea criadas pelos moradores de Rio das Pedras. Fonte: Pesquisa
de doutorado 2018-2020, sob base vetorial do IPP (2013), 2018-2020.
A subárea “Pinheiros” é o núcleo original com uma formação mais espontânea, que
consolidou-se na década de 1970 com a desapropriação do terreno junto ao governador
Negrão de Lima. Este decretou que a área seria de utilidade pública voltada para fins de
colônia agrícola e integração com a reserva biológica de Jacarepaguá (Mendes, 2006, p.
165-166). Todavia nesta área de grandes lotes os moradores iam dividindo-os e repassando
essas parcelas (Burgos, 2002,p. 36), tais aspectos em meio a uma política habitacional de
remoções na cidade tornava a área mais atrativa para morar por tratar-se de um terreno
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público, além da abertura de vias na década de 1970 com a expansão da Barra da Tijuca
(Mendes, 2006, p. 166).
Posteriormente, a subárea intitulada Vila Darcy/ Vila dos Caranguejos veio a ser
ocupada em 1983, sendo esta a primeira ocupação com orientação das dimensões do lote.
Todavia, o proprietário da área veio a requerer seus direitos sobre o terreno e a ocupação
acabou por ser limitada a uma faixa de recuo com 20 metros.
Já a subárea chamada de Areal I é origina-se da doação de um terreno de 400 mil m²
da Prefeitura para a Associação no ano de 1988. Neste trecho foram respeitados os parâ-
metros sugeridos por profissionais da Prefeitura, com lotes de 50 m² e vias de 5 metros de
testada a testada. Subsequentemente, o grupo Delfim que construía um condomínio de
classe média na área requereu parte desta área doada. Após negociações ficou decidido
que metade da área ficaria para a Associação e metade para o grupo. Contudo, tal ques-
tão não foi respeitada e os moradores invadiram os edifícios em construção em 1990.
Nesse cenário o poder público interviu e afirmou que construiria um conjunto
habitacional para estes moradores que participaram do ato de protesto e também ficam
salvaguardadas as subáreas Areal 2, Areinha e Curva do Pinheiro. Os participantes fica-
ram alojados na subárea Areal 2, em caráter provisório. Entretanto, esta situação acabou
tornando-se uma definitiva. A terra conquistas foi chamada de Areinha e possui uma
morfologia parecida com a da Areal I, ambas apresentam os mesmos critérios com a
delimitação das vias e lotes. Em paralelo a ocupação da Areinha, ocorre a da Curva do
Pinheiros entre 1991 e 1993 que foi negociada com a Secretaria de Habitação durante
o governo Brizola.
No que refere aos serviços básicos, durante o governo Brizola (1983-1986) realizou-se
o programa “Cada família um lote” da Cehab-RJ, no qual foi feito um aterro hidráulico em
parte da área em função de enchentes. Em 1986, o programa Proface da Cedae implantou
um sistema de esgotamento sanitário e uma elevatória. Em relação a água foi inserida
uma adutora e uma derivação. Posteriormente, os moradores substituíram o sistema de
esgoto e distribuíram internamente a água, ambos os processos sem supervisão técnica
(Mendes, 2006, p. 167).
Outro marco no processo de formação de Rio das Pedras foi o Favela - Bairro (2002)
que tinha 5 objetivos principais: abrir vias, instalar infraestruturas, implantar creches,
áreas de lazer e novas residências. No tocante a do ambiente natural o projeto contem-
plava a canalização dos rios e reflorestamentos da vegetação próxima a lagoa, além da
arborização de vias internas da comunidade, a fim de melhorar as condições de conforto.
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Figura 5: Trecho do projeto do Programa Favela-Bairro. Fonte: Atelier Rio Metropolitano, 2019.
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BENS NATURAIS
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Figura 8: Ocupações próximas ao limite da Floresta Nacional da Tijuca. Fonte: Os autores, 2019.
Figura 9:Lagoa da Tijuca e Barra da Tijuca ao fundo. Fonte: Os autores, 2019.
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Figura 10: Localização das áreas de riscos de escorregamento. Em verde apresenta-se onde
há menor risco enquanto o vermelho apresenta-se o maior risco, bem na encosta do morro.
Fonte: Prefeitura do Rio de Janeiro, 2013.
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CENÁRIO ATUAL
Figura 11: O cenário atual de Rio das Pedras. Fonte: Os autores, 2019.
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Figura 12: Apresentação das novas áreas AEIS anexada ao projeto de lei. Os polígonos são a
localização das novas AEIS.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao observar o histórico de Rio das Pedras, identifica-se uma área de pouca atrati-
vidade para o mercado imobiliário dos anos 1950 e 1960 devido a suas barreiras físicas,
porém isso não impediu que a área se tornasse “casa” para populações carentes. A favela
inicialmente expandiu seus limites horizontalmente balizada pelos morros, pelo rios e
limites naturais que a circundam. E quando achava-se que não era mais possível expan-
dir-se, bem como as grandes cidades, se elevou verticalizando-se e chegando a ter prédios
com mais de 7 pavimentos. Todavia as barreiras naturais a cada dia são reduzidas, a beira
do rio ocupada por uma nova edificação, o mesmo acontece próximo a mata, a lagoa e
a Pedra da Panela. Esta deveria servir de limitante para os gabaritos da Barra da Tijuca,
o que não veio a acontecer, inclusive na favela.
A ocupação ocorre, expandindo-se a cada dia e uma nova área de entorno de um
bem natural é ocupada. Para mudar isso é preciso resgatar alguns aspectos que já pas-
saram por Rio das Pedras durante o projeto do Favela-Bairro. No programa buscava-se
reflorestar trechos realizando mínimas remoções, intervir no rio canalizando-o e definir
limites claros nas áreas de borda. Esses trechos deveriam ter uma grande importância
no projeto em função de resguardar áreas para o futuro. Além de uma reurbanização
e reflorestamento, deve-se trazer para a favela uma redefinição dos balizadores para
ocupação, assegurando novas bordas através de instrumentos de projeto como espaços
públicos, uma orla de lagoa que contemple aspectos visualmente marcantes para que
futuras ocupações não ocorram.
Ressalta-se a urgência de fiscalização das condições estruturais das edificações
pelo poder público. As diversas ocupações irregulares e próximas aos corpos d’água tem
resultados como movimentações no solo com baixa resistência do entorno da lagoa. Tal
problemática leva a afundamentos e inclinações das edificações existentes, frequentes
enchentes e um cenário insalubre propiciado pela falta de uma infraestrutura voltada
para o saneamento ambiental. Outra questão está ligada a redução das áreas de mata
e avanço sobre a lagoa. Isso implica na qualidade de vida, do ar, qualidade hídrica e
também na paisagem local.
É preciso uma atuação contínua do poder público tratando de problemas urbanos
e da paisagem natural. Nessa intervenção deve-se aprender com os erros do Programa
Favela - Bairro no qual apenas trechos foram executados. Outro aspecto importante é a
presença e contínuo diálogo com a Associação de moradores em função de estabelecer
medidas, limites mais claros, fiscalização e uma atuação duradoura que perpassa as fases
de projeto e entrega da obra. Por fim entende-se a importância de resgatar a presença e
atuação do poder público, nesse sentido os POUSOS - Postos de Orientação Urbanística
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e Social - foram uma solução anteriormente aplicada que tratava desta questão. Através
dessa iniciativa poderia-se auxiliar tecnicamente, fiscalizar e também funcionar como
ATHIS - Assessoria Técnica em Habitação de Interesse Social. Para implementação o custo
é relativamente baixo, inclusive pois existia na favela um edificacao anteriormente
usada para tal, que atualmente encontra-se fechada. Além disso, o local seria um posto
avançado do poder público para auxílio aos assentamento informais.
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REFERÊNCIAS
BURGOS, Marcelo. A utopia da comunidade: Rio das Pedras, uma favela carioca.
2a edição.Rio de Janeiro: Loyola, 2002.
a legislação urbanística: o caso da pseudo AIES de Rio das Pedras”. Sonia Rabello
- A Sociedade em Pauta, 2020. Disponível em: <http://www.soniarabello.com.
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br/o-coronavirus-cronico-na-camara-de-vereadores-do-rio-infecta-a-legislacao-
urbanistica-o-caso-da-pseudo-aies-de-rio-das-pedras/>. Acesso em: 29 mar
2020.
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HIRAO, Hélio
helio.hirao@unesp.br
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RESUMO
O cultivo do café no território paulista, estruturada no modelo agrícola voltada à exporta-
ção, impulsionou São Paulo ao patamar econômico nacional, fez surgir cidades, interligou o
estado por ferrovias e estruturou a sociedade da época. Nesse cenário, as fazendas cafeeiras
desempenharam um importante papel: era onde se realizava todo o cultivo e beneficiamento
do grão, como também, se desenvolvia a vida social. Essa próspera economia atraiu para a
região da Alta Paulista, a implantação de um empreendimento de capital estrangeiro, a Com-
panhia Agrícola Rio Tibiriçá. A propriedade, especializada na produção de café, possuiu em seu
auge mais de dois milhões de cafeeiros e contava com uma completa infraestrutura tanto no
amparo da produção, quanto para o convívio e lazer dos moradores. A Companhia findada em
1956, vendeu suas terras em pequenas propriedades e seus edifícios foram aos poucos sendo
desmatelados ou arruinados. Atualmente, localizada na zona rural de Gália-SP, a propriedade
ainda concentra alguns poucos edifícios remanescentes, testemunhos materiais de um período
de extrema importancia na história do estado de São Paulo. O artigo tem como objetivo fazer o
reconhecimento desse patrimônio rural arruinado e discutir sua preservação, tocando em temas
como a inventariação, a educação patrimonial e o turismo rural. O procedimento metodológico
baseou-se em levantamento bibliográfico, fotográfico e visita de campo. Aponta que a preserva-
ção de patrimônios rurais pode ser potencializada através de projetos que integrem medidas
tanto de educação patrimonial quanto aquelas que visam o turismo rural, reconhecendo as
especificidades locais e regionais com seu contexto espacial, político e cultural.
A BSTRACT
The cultivation of coffee in the territory of São Paulo, structured in the agricultural model aimed
at export, boosted São Paulo to the national economic level, gave rise to cities, connected the
state by railways and structured the society of the time. In this scenario, coffee farms played an
important role: it was where all the cultivation and processing of the grain was carried out,
as well as social life. This prosperous economy attracted the implantation of a foreign capital
venture, Companhia Agrícola Rio Tibiriçá, to the Alta Paulista region. The property, specialized
in coffee production, had at its peak more than two million coffee trees and had a complete
infrastructure both in terms of production, as well as for living and leisure for residents. The
Company ended in 1956, sold its land on small properties and its buildings were gradually
being deforested or ruined. Currently, located in the rural area of Gália-SP, the property still
concentrates a few remaining buildings, material testimonies of a period of extreme importance
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in the history of São Paulo state. The article aims to recognize this ruined rural heritage and
discuss its preservation, touching on topics such as inventory, heritage education and rural
tourism. The methodological procedure was based on a bibliographic, photographic survey
and field visit. It points out that the preservation of rural heritage can be enhanced through
projects that integrate measures of both heritage education and those aimed at rural tourism,
recognizing local and regional specificities with their spatial, political and cultural context.
KEYWORDS: rural heritage. coffee farms. preservation. heritage education. rural tourism.
RESUMEN
El cultivo de café en el territorio de São Paulo, estructurado en el modelo agrícola orientado
a la exportación, impulsó a São Paulo al nivel económico nacional, dio origen a las ciudades,
conectó el estado por ferrocarril y estructuró la sociedad de la época. En este escenario, las
fincas cafeteras desempeñaron un papel importante: era donde se realizaba todo el cultivo y
procesamiento del grano, así como la vida social. Esta economía próspera atrajo la implan-
tación de una empresa de capital extranjero, Companhia Agrícola Rio Tibiriçá, en la región de
Alta Paulista. La propiedad, especializada en la producción de café, tenía en su apogeo más de
dos millones de cafetos y tenía una infraestructura completa tanto en términos de producción
como de vida y ocio para los residentes. La Compañía terminó en 1956, vendió sus terrenos en
pequeñas propiedades y sus edificios fueron gradualmente deforestados o en ruinas. Actualmente,
ubicada en la zona rural de Gália-SP, la propiedad aún concentra algunos edificios restantes,
testimonios materiales de un período de extrema importancia en la historia del estado de São
Paulo. El artículo tiene como objetivo reconocer este patrimonio rural en ruinas y discutir su
preservación, tocando temas como el inventario, la educación del patrimonio y el turismo rural.
El procedimiento metodológico se basó en una encuesta bibliográfica, fotográfica y visita de
campo. Señala que la preservación del patrimonio rural se puede mejorar a través de proyectos
que integren medidas tanto de educación patrimonial como de turismo rural, reconociendo las
especificidades locales y regionales con su contexto espacial, político y cultural.
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INTRODUÇÃO
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longamento da São Paulo Railway. Em 17 de abril de 1873 era a Ituana inaugurada, esten-
dendo os trilhos de Jundiaí a Itu. Movimento semelhante ao ocorrido em Itu ocorrera em
Sorocaba com a inauguração da Sorocabana em 1875. O ano de 1872 assistiu à fundação
da terceira ferrovia paulista desta fase inicial da expansão: a Mogiana, fundada em
Campinas. As ferrovias paulistas configuraram-se como verdadiras estradas “cata-café”
segundo Matos (1974, p. 77).
Nem sempre, no sistema ferroviário paulista, se atendeu a um plano,
facilmente criticável hoje, foi o responsável pelo ‘envelhecimento’ relati-
vamente rápido das estradas de ferro, que, muitas vezes, perderam a sua
função tornando-se obsoletas, pela simples itinerância do café, uma vez
que a maior parte delas foi construída para atender às necessidades do
desenvolvimento da cultura cafeeira (MATOS, 1974, p. 59).
A expansão das fazendas cafeeiras impulsionadas agora à oeste do estado devido
o transporte ferroviário fez com que se demandasse por mão de obra para a lavoura,
tendo em vista que o tráfico negreiro fora proibido em 1850, os fazendeiros experientes
já previam a falta de trabalhadores para o cultivo do grão, recorrendo assim à mão de
obra imigrante. Dessa forma, as ferrovias que levavam à Campinas, Itu, e Moji-mirim e
a crescente produção cafeeira nessa região direcionou a imigração para essas fazendas,
sendo que, a partir da década de 1880 esse fluxo de imigrantes – a maioria italianos - só
viera a aumentar.
Segundo Matos (1974, p. 42), “de 1886, ao final do século assistimos, ainda, o incentivo
da substituição do escravo pelo braço assalariado, o que permitiu que São Paulo sofresse
menos que as outras províncias do Brasil a crise provocada pela abolição da escravidão
em 1888”. No entanto, na região do Vale do Paraíba, os fazendeiros não souberam lidar
com a mão de obra livre e as terras já cansadas fizeram declinar a produção cafeeira
dessa região.
No final do século XIX, a economia cafeeira paulista apresentava bons números e
representava todo um progresso relacionado à ampliação das linhas férreas e o surgi-
mento de novas cidades.
Seguindo esse forte movimento de interiorização, novos ramais das
ferrovias – como a Estrada de Ferro Araraquarense, Estrada de Ferro
Douradense, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, além de novos ramais
da Companhia Paulista e da Sorocabana – iniciaram seu avanço para
essas regiões, onde o início do cultivo do café se deu entre fins do século
XIX e início do século XX, e, ao contrário das zonas Mogiana e Paulista,
foi acompanhado pela estrada de ferro, quase nunca a precedendo.
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Chega-se à fazenda através de uma estrada em terra batida, acessada por uma estrada
vicinal que liga os municípios de Garça e Gália. Conforme a implantação da Figura 1, o
Rio Tibiriçá corta a propriedade e na vertente norte localiza-se remanescente ainda hoje
a Capela de São João e era também onde localizava-se no passado a escola, o cinema, o
teatro, o campo de futebol e os conjuntos de colônias. Na vertente sul localizavam-se os
demais edifícios: casarão; as casas do fiscal, administrador, agrônomo e encarregado;
as casas dos funcionários do escritório, farmacêutico e professores da escola; escritório;
fábrica de seda; almoxarifado; garagem; casa de torrefação do café; tanque de combustível;
balança; casa de farinha; alambique; tulha; casa de máquinas; terreiros para secagem do
café; pocilga dentre outras pequenas instalações.
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Figura 1- Localização e implantação da Fazenda São João do Tibiriçá em 2002. Fonte: Base
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Grupo Escolar
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Figura 3- Grupo Escolar da Companhia Agrícola Rio Tibiriçá na década de 1990. Fonte: Biblioteca
Municipal de Gália, 2019.
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Figura 4- Vista parcial do conjunto dos edifícios que abrigavam o cinema e teatro, década de
1990. Fonte: Biblioteca Municipal de Gália, 2019.
Colônias
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Figura 6- Vista parcial dos terreiros com as tulhas ao fundo, Casa de torrefação de café e Vista
parcial das tulhas. Fonte: Biblioteca Municipal de Gália, 2019.
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Casa principal
Segundo Pontes e Barnezi (2001, p. 52) a maior das casas, com vinte e oito cômodos
serviu de residência ao gerente geral, Mr. Fraser (Figura 8). Localiza-se na parte mais alta
da vertente, afastada das demais edificações. Cercada, conta com piscina no quintal e um
enorme gramado para a prática de golfe e outros esportes britânicos. Apresenta planta
em “U”, cobertura por vários planos em telha francesa com a presença da chaminé na
fachada frontal. Difere das demais residências pela dimensão e por ser a única embasada
em porão utilizável. Erguida em alvenaria de tijolos, possui amplo alpendre contínuo
em toda face da fachada principal e as tradicionais “bay windows” inglesas. O alpendre
é revestido com ladrilho hidráulico em mosaico, forrado por madeira trabalhada em
refinada carpintaria e acessado por uma pequena escadaria, resultante da elevação da
residência devido o porão utilizável.
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potencial dos inventários como um meio de produção e acesso à informação, que funda-
mentam e viabilizam as novas concepções de bens culturais como patrimônio, baseado
em “critérios e procedimentos que permitam compartilhar o saber, refletindo o movi-
mento da sociedade e fidelidade ao texto constitucional em prol da democratização dos
processos de seleção e construção do patrimônio cultural” (MOTTA; REZENDE, 2016, p. 33).
A ativação do patrimônio através da potencialização de práticas existentes é uma
metodologia eficaz na preservação patrimonial pelo fato de ser sensível o bastante para
reconhecer aspectos e usos do espaço promovidos por quem o utiliza. Trazendo como
exemplo a Capela de São João, que hoje encontra-se em um estado de arruinamento;
parte destelhada, com as peças de madeira apodrecendo, vatrais quebrados, rachaduras
em algumas paredes, remetendo a um contexto de completo abandono. Duas aferições
é possível estabelecer pela análise de seu estado atual: o sentimento de pertencimento
e expressão de um significado é ausente por parte dos moradores da fazenda, pelo fato
de não existir qualquer evidência de que tem-se um cuidado com aquele edifício; outra
aferição é de que hoje o edifício foi transformado em um cenário, fotógrafos realizam
books e ensaios naquele edifício, igualmente se tornou um cenário por despertar a
curiosidade dos moradores da região que a visitam pelo aspecto misterioso daquela
arquitetura isolada na zona rural.
Emerge nesse discurso o papel do turismo rural na preservação desse bem. Para
Dias (2006) o turismo cultural apresenta um duplo aspecto: pode ser um meio pelo
qual se obtem fundos à preservação cultural ou como “ferrementa para proporcionar o
desenvolvimento econômico local, regional e até mesmo nacional” (DIAS, 2006, p. 36). No
entanto o autor pondera que se o bem não for atrativo aos visitantes é possível que “o
recurso sofra uma transformação a fim de tornar-se um produto turístico de qualidade
para ser ofertado ao mercado” (DIAS, 2006, p. 36); e é esse fator que mais ameaça a exis-
tência do patrimônio rural, pois é necessário um caráter de excepcionalidade que faça
com que os visitantes sintam-se atraídos a visita-los, e isto acaba por vezes alienando o
patrimônio à mercadoria, atribuindo-lhe aspectos que destitui de seu caráter original.
O turismo rural deve ser pensado como uma política de baixo para cima, conside-
rando as características locais e regionais para estabelecer os parâmetros e abrangências
desse recurso, além disso, considerar os impactos e os interesses sobre o patrimônio:
Afinal – já não é novidade – o património, entendido enquanto recurso
turístico serve os propósitos do desenvolvimento local e sustentável,
constituindo ao mesmo tempo a memória colectiva da população e um
potencial recurso para o seu futuro. Porém, só quando devidamente
planeada e inserida em estratégias integradas de desenvolvimento
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merece uma reflexão cuidadosa: se por um lado, nos parece mais coerente preserva-la
para os moradores da zona rural, do entorno próximo na qual se implanta, é preciso ter
consciência sobre qual a relação daquelas pessoas com o espaço: “Elas utilizam aquela
Capela?”; tendo em vista que a maioria das pessoas que vivenciaram aquela fazenda,
hoje não habitam mais aquele espaço. Outro ponto, “Restaurar-se-á a Capela para per-
manecer como um edifício ao culto religioso para os moradores locais?” Essa questão é
igualmente polêmica, tendo em conta que o edifício era destinado ao catolicismo e em
nossa sociedade contemporânea há uma diversidade religiosa muito grande. Por outro
lado, a restauração que visa atrair as pessoas da cidade para a zona rural, com o intuíto de
visitação, pode ser danoso ao patrimônio ao passo que o alienará a um objeto de turismo,
museificando um tempo e podendo desprender a Capela de sua significação original.
Ressalta-se portanto a fragilidade que os métodos institucionais de salvaguarda,
baseados no tombamento e restauro, podem expor ao patrimonio rural, principalmente
os arruinados. Ademais, vislumbra-se essencial a integração com as práticas baseadas
na educação patrimonial, visando a aproximação e a criação de vínculos das pessoas
com aquele patrimônio, aliando às politicas de turismo rural pensado na escala local e
regional e integrando projetos de criação de uma agenda cultural municipal voltadas
à conscientização e valorização daquele patrimônio rural.
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REFERÊNCIAS
Fazendas Paulistas
II. 2007. 667f. Tese (Doutorado-Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e
Urbanismo) - Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo,
São Carlos, 2007.
33.
Turismo e patrimônio
cultural: recursos que acompanham o crescimento das cidades. São Paulo:
Saraiva, 2006. pp. 35-66.
Revista de História,
São Paulo, v. 19, n. 40, p. 435-438, dez. 1959. Disponível em: <http://www.revistas.
usp.br/revhistoria/article/view/119804>. Acesso em: 18 fev. 2020.
MATOS, Odilon Nogueira de. Café e Ferrovias. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1974.
139p.
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Doces lembranças de
outrora
Joarte, 2001.
UZAI, Marcelo Nivaldo. O fascínio do sonho inglês nos trópicos: Memórias sobre
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RESUMO
O presente artigo, originado das reflexões encaminhadas no ambito da pesquisa de doutoramento
em urbanismo, tem o objetivo principal de debruçar-se sobre o tema dos limiares e fronteiras
segundo as noções benjaminianas, contando com o auxílio de alguns de seus comentadores,
tradutores fundamentais para a compreensão do contexto de vida e do método de trabalho,
e construção do conhecimento do filósofo. O esforço é, portanto, o caminho de uma reflexão
sobre os conceitos que, transpostos para a cidade, deverão conduzir a leitura da morfologia das
áreas de estudo elencadas, as quais se localizam no encontro entre tecidos tradicionais e áreas
que passaram por grandes operações urbanas. Fixamos a atenção tanto sobre as “sobras” do
tecido urbano tradicional, fraturado pelos grandes projetos urbanos, quanto sobre as “sobras”
do novo projeto idealizado que não se constituiu por completo, em um jogo de forças e tensões
que se alonga pelo tempo e resulta em descontinuidades no tecido urbano.
A BSTRACT
The present article rose from the reflections carried out in the scope of the doctoral research
in urbanism. Its main objective is to address the theme of thresholds and borders according
to Benjamin’s concepts, with the help of some of its commentators, important translators for
understanding the context of life and work methods, and the structure of the philosopher’s
knowledge. The effort is, therefore, the way to reflect on the concepts that, transposed to the
city, should lead the reading of the morphology of the listed study areas, which are located in
the meeting between traditional fabrics and areas that have undergone great urban renewing
interventions. We focus our attention both on the “leftovers” of the traditional urban fabric,
fractured by the great urban projects, and on the “leftovers” of the new idealized project that
was not fully constituted, in a game of forces and tensions that stretches over time and results
in discontinuities in the urban fabric.
RESUMEN
Este artículo, resultante de las reflexiones realizadas en el ámbito de la investigación doctoral
en urbanismo, tiene como objetivo principal abordar el tema de los umbrales y las fronteras, de
acuerdo con las nociones de Benjamin. Contamos con la ayuda de algunos de sus comentaristas,
traductores fundamentales para la comprensión del contexto de la vida y el método del filósofo
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de trabajar y construir conocimiento. El esfuerzo es, por lo tanto, la forma de una reflexión sobre
los conceptos que, transpuestos a la ciudad, deberían conducir a la lectura de la morfología de
las áreas de estudio enumeradas, ubicadas en la reunión entre tejidos urbanos tradicionales y
áreas que han sufrido grande renovación urbana. Centramos nuestra atención en los “restos”
del tejido urbano tradicional, fracturado por grandes proyectos urbanos, y en los “restos” del
nuevo proyecto idealizado que no estaba completamente constituido, en un juego de fuerzas y
tensiones que se extiende con el tiempo, y da como resultado discontinuidades en el tejido urbano.
INTRODUÇÃO
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[1] Importante destacar que, para a autora, a regulamentação de área pode, também, gerar
vazios normativos quando essa mesma regulamentação não responde à vocação do lugar,
como no caso dos Planos de Alinhamento vigentes na cidade do Rio de Janeiro a partir de
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Figura 02 – Plano Aprovado de Loteamento – PAL nº 40.256, de 1985. Uma das inúmeras modi-
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Figura 3 – Esplanada do Castelo inserida na malha urbana atual. Em amarelo, marcação apro-
ximada do perímetro do antigo Morro do Castelo evidenciando as áreas de fronteiras criadas
entre a ocupação tradicional e a nova urbanização.
Fonte: Google Earth, Mar/2020. Tratamento sobre imagem: Letícia von Krüger Pimentel
Figura 4 – Esplanada do Castelo poucos anos após o desmonte do Morro, por volta de 1930.
Acervo: Biblioteca Nacional.
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Figura 5 – Esplanada de Santo Antônio inserida na malha urbana atual. Em amarelo, marcação
aproximada do perímetro do antigo Morro de Santo Antônio evidenciando as áreas de fronteiras
criadas entre a ocupação tradicional e a nova urbanização.
Fonte: Google Earth, Jul/2019. Tratamento sobre imagem: Letícia von Krüger Pimentel
Figura 6 – Aspecto geral dos remanescentes do Morro de Santo Antônio e a urbanização que
o rodeia nos dias atuais, destacando-se os jardins de Burle Marx ocupando a área entre o
Convento e o BNDES.
Fonte: Google Earth, acesso em Jul/2019
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Figura 9 – Tecido urbano tradicional nas imediações da Igreja da Candelária com demarcação,
em vermelho, do trecho previsto para demolição para abertura da Avenida Presidente Vargas.
Acervo: Biblioteca Nacional.
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Figura 10 – Panorama do Centro do Rio de Janeiro tendo por foco a área de demolição para
a abertura da Avenida Presidente Vargas com a Igreja da Candelária em destaque à frente.
Acervo: Museu Aeroespacial
Disponível em http://multirio.rio.rj.gov.br/index.php/estude/historia-do-brasil/rio-de-janei-
ro/66-o-rio-de-janeiro-como-distrito-federal-vitrine-cartao-postal-e-palco-da-politica-nacio-
nal/2920-as-realizacoes-de-pedro-ernesto-e-de-outras-administracoes, acesso em Abr/2019.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fronteira, limite, margem, limiar. Gagnebin (2010, pp. 14) pontua que todos aludem
à separação entre dois domínios do real. Entretanto, “esquece-se facilmente que o limiar não
significa somente separação, mas também aponta para um lugar e um tempo intermediários
e, nesse sentido, indeterminados [...]” (idem, pp. 14-15).
Os tecidos separados sobre os quais nos debruçamos, surgidos de um embate de
visões de mundo opostas, em um período que refletia, ainda, a vigência das dicotomias,
das especialidades, quando se buscava a delimitação assertiva de fronteiras e campos
de conhecimento, acabaram por justificar práticas que favoreceram a permanência dos
fragmentos contrastantes na área central do Rio de Janeiro.
Entretanto, considerando que já nos afastamos o suficiente no tempo para superar
os confrontos e a negação que tais disputas representaram no momento de sua enun-
ciação, não há porque não considerar as possibilidades de tais vazios configurarem
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Passagens
________ Rua de Mão Única. Obras escolhidas, volume II, 2ª edição, São Paulo:
Editora Brasiliense, 1987;
In
Magia e Técnica, Arte e Política. Obras escolhidas, volume I, 7ª edição, São Paulo:
Editora Brasiliense, 1994;
Limiares e
Passagens em Walter Benjamin. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010;
Revista Redobra,
ROSA, Thais Trocon. Pensar por margens. In [JACQES, Paola Berenstein & PEREIRA,
Margareth] : tomo I – modos de pensar.
Salvador: EDUFBA, 2018, pp. 176-204
13-33;
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LIMIARIDADE
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O urbanismo
Paulo: Editora Perspectiva, 2003 [1965];
LARKHAM, Peter. Conservation and the city. 1ª ed. Londres: Routledge, 1996;
LUNGO, Mario. “Grandes Proyectos Urbanos: desafíos para las ciudades latino-
americanas”.
________ A cidade do século XXI. Tradução: Marisa Barda. São Paulo: Perspectiva,
2016 [2005];
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
SITTE, Camilo. A construção das cidades segundo seus princípios artísticos [1ª
edição austríaca: 1889]. Tradução Ricardo Ferreira Henrique. São Paulo: Ática,
1992.
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LIMIARIDADE
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INSERÇÕES: REABILITAÇÃO
E CENOGRAFIA NA OBRA DE
JOÃO MENDES RIBEIRO
INSERTIONS: REHABILITATION AND CENOGRAPHY
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RESUMO
A reabilitação, enquanto prática arquitetônica, ocorre a partir da leitura atenta e do reconhe-
cimento da preexistência, entendida aqui como o pressuposto e a premissa do projeto. Este
ensaio pretende analisar, a partir do projeto de João Mendes Ribeiro (Coimbra, 1960), como
o arquiteto reconhece o edifício e estabelece diretrizes, com base na relação entre arquitetura
e cenografia. Busca-se, dessa forma, investigar como é possível, com base no questionamento
do espaço previamente dado, lidar com tempos sobrepostos. Para tanto, foi escolhida a obra
Centro de Artes Visuais (1997-2003, Coimbra), projeto de intervenção que enfrenta essa ques-
tão, mantendo reconhecível a preexistência. A análise se dá atenta à repercussão do raciocínio
empregado na cenografia sobre a materialidade do projeto de arquitetura, tendo em vista as
estratégias que distingue as ações desta intervenção. Nesse contexto, o ensaio busca tatear e
compreender os recursos teóricos e metodológicos que possibilitaram a relação e influências
recíprocas entre esses campos – restauro, arquitetura e cenografia. Recorrendo aos escritos de
João Mendes Ribeiro (2008, 2018), bem como a autores que analisam essa intervenção, Manuel
Graça Dias e Susana Ventura (2003) e Désirée Pedro (2011), busca-se reconstituir o percurso de
elaboração do projeto, reconhecendo a estratégia que reinterpreta o que está previamente dado.
A BSTRACT
Rehabilitation, as an architectural practice, occurs through careful reading and the recognition
of pre-existence, understood here as the project’s premise and premise. This essay intends to
analyze, based on João Mendes Ribeiro’s project (Coimbra, 1960), how the architect recognizes
the building and establishes guidelines, based on the relationship between architecture and
scenography. In this way, we seek to investigate how it is possible, based on the questioning
of the space previously given, to deal with overlapping times. To this end, the work Centro de
Artes Visuais (1997-2003, Coimbra) was chosen, an intervention project that addresses this
issue, keeping the pre-existence recognizable. The analysis is attentive to the repercussion of
the reasoning used in the scenography on the materiality of the architectural project, conside-
ring the strategies that distinguish the actions of this intervention. In this context, the essay
seeks to grasp and understand the theoretical and methodological resources that enabled
the relationship and reciprocal influences between these fields - restoration, architecture and
scenography. Using the writings of João Mendes Ribeiro (2008, 2018), as well as authors who
analyze this intervention, Manuel Graça Dias and Susana Ventura (2003) and Désirée Pedro
(2011), we seek to reconstruct the project’s development path, recognizing the strategy that
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RESUMEN
La rehabilitación, como práctica arquitectónica, ocurre a través de la lectura cuidadosa y del
reconocimiento de la preexistencia, entendida aquí como la premisa y premisa del proyecto.
Este ensayo pretende analizar, basándose en el proyecto de João Mendes Ribeiro (Coimbra,
1960), cómo el arquitecto reconoce el edificio y establece pautas, basadas en la relación entre
arquitectura y escenografía. De esta forma, buscamos investigar cómo es posible, a partir del
cuestionamiento del espacio dado anteriormente, lidiar con tiempos superpuestos. Con este fin,
se eligió el trabajo Centro de Artes Visuais (1997-2003, Coimbra), un proyecto de intervención
que aborda este tema, manteniendo reconocible la preexistencia. El análisis está atento a la
repercusión del razonamiento utilizado en la escenografía sobre la materialidad del proyecto
arquitectónico, considerando las estrategias que distinguen las acciones de esta intervención.
En este contexto, el ensayo busca comprender y comprender los recursos teóricos y metodológi-
cos que permitieron la relación y las influencias recíprocas entre estos campos: restauración,
arquitectura y escenografía. Utilizando los escritos de João Mendes Ribeiro (2008, 2018), así
como los autores que analizan esta intervención, Manuel Graça Dias y Susana Ventura (2003) y
Désirée Pedro (2011), buscamos reconstruir el camino de desarrollo del proyecto, reconociendo
La estrategia que reinterpreta lo que se ha dado previamente.
INTRODUÇÃO
[1] O seu trabalho foi reconhecido e premiado em diversas instâncias, entre as quais se
destacam: AR awards for emerging architecture, 2000 (Londres); Prêmio Diogo de Castilho
2003, 2007, 2011 e 2017 (Coimbra); Prêmio FAD 2004 na categoria Interiorismo e Prêmio FAD
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(Praga); Prêmio BIAU – Bienal Ibero Americana de Arquitectura e Urbanismo - 2012 (Cádiz)
e 2016 (São Paulo); RIBA Award for International Excellence 2016 (Londres); foi selecionado
no European Union Prize for Contemporary Architecture – Mies Van Der Rohe Award 2001 e
2015 (Barcelona); recebeu, em 2007, o prêmio AICA da Associação Internacional de Críticos de
Arte/Ministério da Cultura, atribuído pelo conjunto da sua obra. Foi também objeto de várias
Projectos 1996/03” (ASA, 2003), “Stop and Start Again” (XM, 2003), “JMR 92/02, Arquitectura e
Mendes Ribeiro”, colecção “Arquitectos Portugueses” (Quidnovi, 2011), “João Mendes Ribeiro,
[2] Este projeto recebeu diversos prêmios e distinções: Prêmio Municipal de Arquitectura Diogo
de Castilho, edição 2003, Coimbra; Primeiro Prêmio FAD d’Arquitectura i Interiorisme (Barcelona,
2004); Finalista da IV Bienal Iberoamericana de Arquitectura e Enxeñería Civil, Lima (Peru, 2004);
Nomeado para o European Union Prize for Contemporary Architecture – Mies Van Der Rohe
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[3] Existem divergências sobre a história e o projeto original do Colégio das Artes. Supõe-se
que o primeiro projeto tenha sido executado por João de Ruão, a pedido do erudito André de
Gouveia (DIAS, 2008, p.212), mas que o mesmo tenha sido negado pelos arquitetos da Corte
e a obra entregue ao arquiteto Diogo de Castilho, a quem se atribui a autoria das arcadas
(VETRONE, 2018, p.40) e das colunatas de ordem jônica. Segundo Maria de Lurdes Craveiro
(2006, p.53), parece haver evidências, a partir de coleta documental, de que o projeto de João
de Ruão tenha sido em grande parte seguido por Diogo de Castilho.
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habitações por particulares (RIBEIRO, 2008, p. 186). Em 1935, parte do imóvel foi recuperado
para instalação da Casa dos Pobres, que aí permaneceu até final do século XX, quando o
piso térreo passou a funcionar como estacionamento e garagem.
Nesse sentido, pode-se perceber que a preexistência se caracteriza como um palimp-
sesto, cuja história é fragmentada e difusa e da qual a nova intervenção de JMR faz parte,
a partir de diversas alterações que foram ocorrendo ao longo do tempo para atender às
demandas de cada período e aos programas que o edifício incorporou.
Em 1996, JMR teve seu primeiro contato com o edifício, na ocasião de uma insta-
lação nas Celas do Pátio da Inquisição para a exposição “Céu e Inferno” de Joel-Peter
Witkin, no âmbito dos Encontros de Fotografia de Coimbra (PEDRO, 2011, p. 32), insta-
lação que se relacionava diretamente com as descobertas arqueológicas e vestígios do
período em que o Tribunal da Inquisição ocupou o edifício. Nessa ocasião, o arquiteto
projetou um plano com gradil, permeável e leve, que permitia a visualização das áreas
de escavações, pavimento em que se encontravam as fotografias do artista em questão
(VETRONE, 2016, p.34).
Em 1997, a Câmara Municipal de Coimbra propôs o concurso para a reabilitação
do edifício do Colégio das Artes, com um programa que se limitava ao piso térreo e
abarcava usos ligados ao Centro de Artes Visuais e à Companhia de Teatro Escola da
Noite (VETRONE, 2018, p.35). Diante disso, Mendes Ribeiro e sua equipe identificaram que
o programa e os objetivos da intervenção pedida não eram compatíveis com o espaço
físico preexistente (RIBEIRO, 2018 in DURAN, 2020, p.56-57), constatação que partiu do
levantamento físico e histórico da edificação. E, como consequência dessa releitura,
definiram as estratégias e propuseram uma readequação do programa: o alargamento
das áreas do CAV, que passaria a ocupar o piso térreo e também o superior, e a sugestão
de transferência do programa da Companhia de Teatro Escola da Noite[4] para outro
local (VETRONE, 2018, p.35).
Posição de interpretação e questionamento sobre a correspondência do programa
pedido ao edifício que evidencia o papel do antigo edifício e de suas características físicas
[4] A companhia de Teatro Escola da Noite, criada em 1992, foi transferida para o Teatro da
Cerca de São Bernardo, em setembro de 2008, depois de ter adaptado a antiga garagem do
Pátio da Inquisição, durante o processo de projeto e obra do CAV (onde permaneceu entre
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(RIBEIRO, 2018, entrevista in DURAN, 2020, p.56-57), ajuste e adequação que tem síntese
e distinção típica recomendada pelos pensadores de patrimônio, tais como explicita
Beatriz Kühl, para quem:
Deveriam, pois, ser analisadas as características da obra a serem respei-
tadas e conservadas, para, depois, definir funções e programas compa-
tíveis com elas, e não o contrário, adaptar um dado edifício a um novo
uso preestabelecido ou submetê-lo a transformações massificadas,
na maioria das vezes em desacordo com suas particularidades, cuja
implementação será feita em prejuízo do próprio monumento histórico
(KÜHL, 2007, p.204).
Essa reinterpretação do programa permitiu uma releitura dos espaços do antigo
edifício e a inclusão de outros usos pertinentes. A intervenção procura, dessa forma,
rever a linguagem e a escala das construções anteriores, reconhecendo seus valores
intrínsecos, no contexto de uma ação contemporânea (Figuras 01 e 02). O novo programa
é composto por uma galeria para exposições temporárias, sala para projetos em vídeo,
biblioteca, reservas para a coleção, laboratório digital, laboratórios de fotografia, salas
de formação, escritórios, ocupando uma área de 1500 m2 no total[5].
A adequação do edifício ao novo programa museológico ocorre mediante a operação
de inserção, estratégias ligadas a flexibilidade e um volume cuja presença é, simultane-
amente, plástica e funcional (RIBEIRO, 2008, p.195).
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Figura 1: Planta térreo Centro de Artes Visuais, Coimbra. Fonte: João Mendes Ribeiro, 2018.
Figura 2: Planta primeiro pavimento Centro de Artes Visuais, Coimbra. Fonte: João Mendes
Ribeiro, 2018.
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[6] Quarteladas são os tampos de madeira que compõe o piso de um palco, permitindo que
se possa abrir para dar acesso a alçapões. Fonte: <http://www.ctac.gov.br/teatro/sosgloss.htm>
Acesso em 15 de julho de 2018.
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C R OS S -S E C T ION OF T HE S T A IR WE L L / S K Y L IG HT A ND A C C E S S T O T HE T E C HNIC A L G A L L E R Y
0 1 2m
Figura 5: Corte transversal, com os desenhos do elemento autônomo do lanternim. Fonte: João
Mendes Ribeiro, 2018.
Este projeto realiza a reconversão por meio de novos aparatos (Figura 06), que
são próximos da ideia de mobiliários. Dispositivos autônomos, considerados, aqui,
elementos independentes, volumes quase que autossuficientes que, quando colocados
em um determinado contexto, articulam os espaços e os usos, reinventando a potência
desses espaços previamente dados e que, por outro lado, deixam claras as relações com
a reversibilidade. Essa ressignificação decorrente da inserção desses elementos, cria
uma nova relação possível com a preexistência, matéria para releitura e cruzamentos.
A unidade deste projeto é alcançada mediante uma linguagem que se constitui pelo
conjunto desses novos elementos.
Esses elementos podem ser considerados uma matriz comum à concepção ceno-
gráfica e arquitetônica deste arquiteto (PEDRO, 2011, p. 21), determinada pela escala e
inserção. Na concepção desses objetos e dispositivos cênicos, JMR visa uma coerência
e busca uma forma elementar, partindo de uma linguagem abstrata (TÉRCIO, 2007 in
RIBEIRO, 2007, p.47), volumes prismáticos que se desdobram e que tangenciam a escala
do mobiliário, marcados sempre pela autonomia. Aparentemente removíveis, estes novos
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Figura 6: Perspectiva isométrica do projeto do Centro de Artes Visuais. Fonte: (RIBEIRO, 2008,
p.687)
[7] Reconhecimento tratado aqui a partir da noção de Cesare Brandi (2004), tratada por Beatriz
Kühl (2017, p.23). O reconhecimento tem papel fundamental na teoria brandiana e deve ser
fundamentado em análises e leituras críticas sobre a obra arquitetônica previamente dada, em
seus aspectos formais, históricos, simbólicos, memoriais e culturais, levando em consideração
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do Restauro Crítico[8] e da teoria proposta por Cesare Brandi (2004), ao estabelecer uma
relação dialética com o edifício dado. Os princípios da reversibilidade e da distinguibi-
lidade permeiam o raciocínio deste projeto, em que a intervenção transforma o novo
espaço, com a possibilidade de retorno ao contexto inicial. Preceitos configurados pela
escolha de materiais que destacam a nova intervenção, pela configuração de frestas, que
descolam a nova arquitetura da antiga e pela inserção de elementos autônomos, que
tangenciam a escala de mobiliário e que podem eventualmente ser retirados. A interven-
ção contemporânea aparece com uma nítida legibilidade. Além da opção do arquiteto
por uma metodologia científica embasada numa análise crítica e histórica do edifício.
Acredita-se que antes de qualquer proposição, são essenciais a análise crítica e o
domínio sobre as partes – física e imaterial, como defendido pelo próprio arquiteto
(RIBEIRO, 2018 in DURAN, 2020, p.55); só a partir do entendimento é possível intervir sobre
a preexistência e abranger possibilidades outras suscitadas pela própria obra (KÜHL, 2017,
p. 24). Dessa forma, a ação arquitetônica que decide lidar com a preexistência assume
o desvelar de significados já presentes de modo latente, ressignificando-os a partir da
leitura e subsequente intervenção, como é o caso deste projeto. Pode-se verificar essa
tendência na proposta do novo lanternim, redesenhado no contexto da intervenção a
partir de dois preexistentes encontrados durante a obra.
Olhar e perceber o espaço é importante para determinar a relação com o novo pro-
grama e a resposta às novas necessidades. Este projeto reconhece os valores intrínsecos,
materiais e imateriais, do edifício e a leitura do mesmo interfere sobre a materialidade
da proposta, como aponta JMR:
[...] no Centro de Artes Visuais, utiliza-se a preexistência como matéria
de projeto, valorizando a leitura do edifício no seu todo, incluindo a
nova intervenção e clarificando a sua evolução histórica. As diferentes
camadas que compõem a sua história ficam visíveis e o ambiente resulta
[8] O Restauro Crítico foi fundamentado, nos anos 40, pelos autores Roberto Pane e Renato
Bonelli, partindo da noção de que o restauro é considerado um ato crítico perante a preexis-
mas deve ser reinventado com originalidade, de vez em vez, caso a caso, em seus critérios e
métodos” (CARBONARA, 1997, p.285).
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REFERÊNCIAS
2017.
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. Revista
Tectónica: Rehabilitación (I) Estructuras. Madrid: A.T.C. Ediciones, p. 48- 61,
jan/2005
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TOSTÕES, Ana. João Mendes Ribeiro: obras e projectos, 1996-2003. 1ª ed. Porto:
Asa, 2003. ISBN 972-41-3631-0
LISTA DE IMAGENS
Figura 1
Ribeiro, 2018. Desenho concedido pelo arquiteto para a pesquisa de mestrado
realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo. © João Mendes Ribeiro.
Figura 2
Mendes Ribeiro, 2018. Desenho concedido pelo arquiteto para a pesquisa de
mestrado realizada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo. © João Mendes Ribeiro.
Figura 3
Figura 4
com um dos antigos lanternins em primeiro plano. Fonte: DURAN, 2020, p.215.
Figura 6
RIBEIRO, 2008, p.687.
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Res umo
O presente artigo trata do estudo de caso das ruínas setecentistas da Serra da Calçada, Minas
Gerais, Brasil tombadas como conjunto paisagístico em 2008 pelo Instituto Estadual do Patri-
mônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG), desconhecidas para grande parte
do povo mineiro, remanescentes do maior complexo de exploração de ouro do século XVIII no
Brasil. O estudo busca entender o porquê da desvalorização desse patrimônio, como também os
conceitos, as análises e as formas de revalorização do mesmo, entendendo a intervenção como
meio de conservação e visibilidade das ruínas. Busca-se uma reinterpretação do discurso his-
tórico, revisitando vestígios do passado e entendendo este em constante movimento. Fundado
em exemplos de intervenção arquitetônica em sítios arqueológicos, como o do Forte Fuentes, em
Lecco, Itália e do Castelo de São Jorge, em Lisboa, Portugal sugerem-se ações contemporâneas
intencionando a reinserção das ruínas na vida atual.
This article deals with the case study of the eighteenth century ruins of the Serra da Calçada,
listed as a landscape in 2008 by the State Institute of Historical and Artistic Heritage of Minas
Gerais (IEPHA-MG), unknown to most of the people from Minas Gerais, remanants of the largest
gold exploration complex of the 18th century on Brazil. The study seeks to understand why the
devaluation of this heritage, as well as concepts, analyzes and ways of revaluing it, understanding
the intervention as a means of conservation and visibility of the ruins. An interpretation of the
historical discourse is sought, revisiting vestiges of the past and understanding it in constant
motion. Based on examples of architectural intervention in archaeological sites, such as Fort
Fuentes, Lecco, Italy and São Jorge Castle, contemporary actions are suggested aiming at the
reinsertion of the ruins in current life.
Res umen
Este artículo aborda el estudio de caso de las ruinas de la Serra da Calçada del siglo XVIII, cata-
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logadas como paisaje en 2008 por el Instituto Estatal de Patrimonio Histórico y Artístico de
Minas Gerais (IEPHA-MG), desconocido para gran parte de las personas en Minas Gerais, restos
del mayor complejo de exploración de oro del siglo XVIII em Brasil. El estudio busca comprender
por qué la devaluación de este patrimonio, así como los conceptos, las análisis y las formas de
revalorizarlo, entendiendo la intervención como un medio de conservación y visibilidad de las
ruinas. Se busca una interpretación del discurso histórico, revisando vestigios del pasado y
entendiéndolo en constante movimiento. Basado en ejemplos de intervención arquitectónica en
sitios arqueológicos, como Fort Fuentes, Lecco, Italia y el Castillo de San Jorge, Lisboa, Portugal
se sugieren acciones contemporáneas para reintegrar las ruinas a la vida actual.
Introdução
No Estado de Minas Gerais, Brasil, dentre suas diversas ruínas testemunhas dos remo-
tos processos de formação e de organização dos primeiros núcleos urbanos, encontram-se
também as ruínas da chamada Serra da Calçada. As ruínas setecentistas remanescentes
da exploração de ouro em mina a céu aberto, estão localizadas na região metropolitana
de Belo Horizonte, entre os munícipios de Brumadinho e Nova Lima.
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Figura 1 Visada da Serra da Calçada a partir do mirante para a cava a céu aberto e as ruínas
do complexo aurífero Forte de Brumadinho.
Fonte: Arquivo Pessoal, 2018.
Figura 2 Mapa esquemático com vista superior do complexo aurífero Forte de Brumadinho, com
suas ruínas em pedras formadas pelas trilhas calçadas, Forte, tanques, plataformas arrimadas,
mundéus e estruturas para canais. Ao centro, o talho aberto (cor ocre) resultado do método
de escavação para exploração dos veios auríferos através do desmonte da rocha com o uso
da água que era captada pelo córrego Bernardino (acima, cor azul).
Fonte: Adaptado do GOOGLE Earth (20°07’05”S 43°59’37”W), em 29 de setembro de 2020.
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Hoje, seja por pichações, deslocamento das pedras, formação de fogueiras, depreda-
ções pela ação humana no uso pelos seus frequentadores, as ruínas da Serra da Calçada
estão ameaçadas. Não se encontra naquela região nem fiscalização, nem acautelamento
efetivo, nem intervenção para que aquele lugar, através de ações que indiquem e valo-
rizem o que ele significa, se estabeleça de forma potente.
Aberto a prática de esportes de baixo impacto, como caminhadas contemplativas,
yoga, e ciclismo, o sítio da Serra da Calçada tem entre seus usuários um público inte-
ressado em ecoturismo, como também em turismo contemplativo, sem tanta ênfase
quanto ao turismo cultural.
Entendendo seu desconhecimento, sua desvalorização, é preciso pensar em novas
abordagens críticas para as ruínas da Serra da Calçada, pensando em intervenções através
de ações conjuntas com aqueles envolvidos no sítio, definindo métodos de inserção do
novo e de reinserção das ruínas na vida atual, situando-as da dimensão potencial em
uma condição real.
A ruína é figura insubstituível da cultura humana (BAGNATO, 2017). Seria seu valor
apenas estético ou se reconhecem outros valores intrínsecos a ela? Situados, geralmente,
em sítios arqueológicos, estão em lugares com configuração particular carregados de
elementos com diferenças tipológicas, culturais e cronológicas.
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comércio de ouro e moedas na região. A presença da mão de obra escrava maciça naquele
lugar traz a figura do negro em relevância como parte presente da nossa história que
precisa ser rememorada.
Apenas para citar algumas estimativas quanto ao número de cativos importados
durante o Ciclo das Minas, Maurício Goulart (1949), por exemplo, calcula que, entre 1725
e 1727 dos 5.700 que entraram anualmente pelo porto do Rio de Janeiro, 2.300 foram
transferidos para as zonas de mineração, e, durante o século XVIII, 350 mil oeste-africanos
foram desembarcados no Brasil, a maioria enviada para Minas Gerais, cuja população,
em 1786, constava de 274.135 negros entre os seus 352.847 habitantes (DE CASTRO, 2002).
As relações que se dão naquele lugar não são apenas materiais, mas também filo-
sóficas, históricas, mágicas. Além da paisagem testemunha das rotas dos primeiros
povoamentos de Minas Gerais, o sítio da Serra da Calçada com seu patrimônio arquite-
tônico não envolve apenas a materialidade de suas ruínas, mas também aqueles que
fizeram parte da sua construção, daquele modo de viver, de trabalhar que se encontra
testemunha na paisagem. Elas configuram testemunhas de um tempo, de um sentimento
do distanciamento de um passado, porém ainda presente na profundidade temporal
do mineiro hoje.
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[1] O termo decolonização designa aspectos insurgentes que resistem, questionam e buscam
mudar padrões coloniais do ser, do saber e do poder (Maldonado-Torres, 2007). Fanon conclama
que se leve a sério o papel que o colonialismo e o racismo antinegro têm desempenhado
na formação da subjetividade moderna (Maldonado-Torres, 2015). Consideramos que – diz
Fanon – diante da convivência das raças branca e negra, pensamos que existe uma assunção
em massa de um complexo psicoexistencial. Ao analisá-lo, visamos sua destruição [...]. As a
tudes que pretendo descrever são verdadeiras. Eu as encontrei um número incalculável de
vezes (Fanon, 2009: 45).
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cipais razões que levaram sítios arqueológicos a cair em condições muito graves de
abandono e decadência.
Interessa refletir sobre a diversidade dos modos de intervenção em ruínas situadas
em sítios arqueológicos, com seus significados enquanto forma de conservação e valo-
ração da materialidade, como também, da imaterialidade da memória do patrimônio
construído.
Não se discute aqui em reconstruir a ruína. Reitera-se o que Brandi (2004), defende
em sua Teoria ao entender que seria uma ilusão “poder fazer a ruína retomar a forma”
e que devemo-nos limitar a aceitar na ruína o resíduo de um momento histórico ou
artístico que só pode permanecer aquilo que é, caso em que a restauração não poderá
consistir de outra coisa a não ser sua conservação, com os procedimentos técnico que
exige (BRANDI, 2004). Vale salientar que a restauração não seria o único modo de intervir
no corpo de uma ruína. Assim como, constatamos intervenções que criam novas obras a
partir dos antigos fragmentos arquitetônicos, escavações que colocam a mostra ruínas
perdidas e reconfiguram lugares (BAETA, 2017).
A intervenção arquitetônica faz-se necessária, sendo a importância da
transformação elemento de preservação. Essencial pensar que a gestão
dessa transformação esteja em sintonia e respeitosamente à preexis-
tência e não esvazie nem rompa a continuidade de seus significados
(CARSALADE, 2009, p.489)
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Esse poder de fazer interagir esses dois fatores (memória individual e memória
coletiva), a ponto de chegarem a sua “sobredeterminação recíproca”, repousa na estrutura
complexa dos lugares de memória que acumulam os três sentidos da palavra: mate-
rial, simbólico e funcional. O primeiro fixa os lugares de memória em realidades que
consideraríamos inteiramente dadas e manejáveis; o segundo é obra de imaginação e
garante a cristalização das lembranças e sua transmissão; o terceiro leva o ritual, que
no entanto, a história tende a destituir, como se vê com os acontecimentos fundadores
ou com os acontecimentos espetáculos, e com os lugares refúgios e outros santuários
(RICOEUR, 2007)
Para Huyssen (2014, p.96), o interesse pelas ruínas no Século XXI já está distanciado
do que chamou de “[...] ruínas autênticas” nas quais “[...] o componente de decadência,
erosão e retorno à natureza, tão central nas ruínas setecentistas e em seu atrativo nos-
tálgico” foi eliminado na transformação das ruínas em commodities pelo capitalismo
avançado. Essa transformação para ele se evidencia quando a capacidade de relembrar
“[...] o presente de sua transitoriedade” é perdida através da eliminação da condição de
decadência e erosão da matéria capaz de “[...] rememo rar algo que não mais o é”.
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Figura 8: Forte Fuentes, em Lecco. No sentido horário, a ruína antes da intervenção arquitetônica
das lacunas.
Fonte: JURINA, 2012.
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Figura 9: Castelo de São Jorge, Lisboa. Intervenção buscando a musealização das ruínas internas
do Castelo, marcando os três diferentes momentos de sua ocupação ao longo dos séculos.
Fonte: Carrilo da Graça, 2010.
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caráter massivo, dramático e se desenvolve a partir dos muros de aço corten, em conti-
nuidade, como um espiral, sugerindo movimento de circulação em seu entorno. Possui
um rasgo horizontal ao longo de sua superfície que convida o visitante a apreciar os
vestígios abrigados em seu interior. A escolha dos materiais buscou o contraste e a
contemporaneidade dos elementos utilizados, assim como o uso de tecnologia. Cita-se
o uso do aço corten, as placas brancas de aglomerado de cimento e madeira, estruturas
em treliça de aço (DE ALMEIDA, 2012).
Calçada
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Figura 11: Planta do Forte de Brumadinho/ Casa de Pedras com localização das sondagens
estruturas de ruínas localizadas ao fundo do Forte, como também duas plataformas de pedra
localizadas em cada lateral interna.
Fonte: BRANDT (FAFICH-UFMG), 2016.
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Considerações Finais
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CAMPOS, Luana Cristina da Silva Campos. Sítio Arqueológico. In: GRIECO, Bettina;
Dicionário IPHAN de Patrimônio
Cultural. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro, Brasília: IPHAN/DAF/Copedoc, 2018.
(verbete). ISBN 978-85-7334-299-4.
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NORA, Pierre. Entre Memórias e História: a problemática dos lugares, In: Projeto
História. São Paulo: PUC, n.10, dez.1993, p.07-28.
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INTERVENÇÃO NO CENTRO
HISTÓRICO: ENTRE
PALAVRAS E DESENHOS
INTERVENTION IN THE HISTORICAL CENTER:
BETWEEN WORDS AND DRAWINGS
CONSTANTI, Andressa
Mestranda em Arquitetura e Urbanismo; Universidade de Brasília
andressaconstanti@hotmail.com
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RESUMO
O objetivo desse artigo é analisar o discurso, as ideias projetuais desenhadas e a interven-
ção concretizada para a Ladeira da Misericórdia em Salvador, pela arquiteta Lina Bo Bardi
e colaboradores. Trata-se de uma tentativa de interligar os escritos da arquiteta com seus
desenhos arquitetônicos, realizados para uma intervenção no Centro Histórico da primeira
capital brasileira, entre os anos de 1987 e 1991. Ao analisar o caso da Ladeira da Misericórdia
se revelam abordagens sobre contrapontos e inovações que essa intervenção estabeleceu para
a salvaguarda do patrimônio cultural. A arquiteta descreve e justifica suas ações e intenções
projetuais referente a Ladeira da Misericórdia em duas obras escritas e em seus desenhos dis-
ponibilizados pelo Instituto Bardi. Assim, este estudo, permite a construção de um panorama
no qual a teoria, o processo criativo e o projeto interventivo compõem uma intricada rede
atrelados à questão patrimonial.
A BSTRACT
The purpose of this article is to analyze the discourse, the design ideas designed and the inter-
vention carried out for Ladeira da Misericórdia in Salvador, by architect Lina Bo Bardi and
collaborators. It is an attempt to link the architect’s writings with her architectural drawings,
carried out for an intervention in the Historic Center of the first Brazilian capital, between 1987
and 1991. When analyzing the case of Ladeira da Misericórdia, approaches on counterpoints
are revealed and innovations that this intervention has established to safeguard cultural heri-
tage. The architect describes and justifies her actions and design intentions regarding Ladeira
da Misericórdia in two written works and in drawings made available by the Bardi Institute.
Thus, this study allows the construction of a panorama in which the theory, the creative process
and the interventional project compose an intricate network linked to the patrimonial issue.
RESUMEN
El propósito de este artículo es analizar el discurso, las ideas de diseño diseñadas y la interven-
ción llevada a cabo para Ladeira da Misericórdia en Salvador, por la arquitecta Lina Bo Bardi
y sus colaboradores. Es un intento de vincular los escritos de la arquitecta con sus dibujos
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INTRODUÇÃO
[1] O CAB é um complexo público no qual está incorpora boa parte das secretarias e órgãos
do Governo do estado da Bahia. (Assembleia Legislativa, TRE-BA, Tribunal de Justiça do Estado
da Bahia e Secretaria de Turismo)
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Trata-se de um projeto que foi denominado por Maurício Chagas como sendo
“um experimento concretamente realizado, que teve por objetivo testar a viabilidade
técnica da proposta para a posterior definição de um partido de intervenção de maior
amplitude”(CHAGAS, 2002, p.13), sendo “tão ou mais polêmico que a sua autora”. (CHAGAS,
2002, p.14) Dantes, a Ladeira da Misericórdia, à vista disso, já era uma rua composta por
“casas assobradadas que vieram a desabar em consequência de fortes chuvas”. (BAHIA-
TURSA, 1992,s.p.)
Figura 2 - Desenho Livre de Lina Bo Bardi: Vista panorâmica da ladeira a partir de montagem
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[2] Lina Bo Bardi nasceu em Roma, em 1914, formou-se em 1939 como arquiteta na Faculdade
de Arquitetura Roma. Em 1940, se muda para Milão onde trabalha com Giò Ponti na revista
Lo Stile até 1943 com seus escritos, suas diagramações e suas ilustrações. Em Milão também
abre o estúdio “Bo e Pagani”, em parceria com o arquiteto Carlo Pagani, o qual teve sua sede
sua inclinação ao Partido Comunista Italiano, no qual conheceu seu marido, o crítico de arte
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em aquarela que parecem contar uma história, uma narrativa minuciosa. Seus croquis
representavam suas reflexões e intenções projetuais e, aliados a eles, uma característica
peculiar: seus escritos minuciosos.
A interpretação da confluência entre o projeto e ideias de Lina Bo Bardi, presente em
suas perspectivas a mão livre e escritos, abrem um leque de possibilidades analíticas ou
especulativas, que farão parte desse trabalho. Além de facilitar a sua visualização, serve
como um registro documental. O processo criativo do projeto é baseada em um fluxo
contínuo entre e abstração presente na mente do profissional (ideia) e a representação
gráfica (desenho), um constante exercício de representar no papel a imaginação do
arquiteto. (BORGES, NAVEIRO, 2001, p. 19-23)
O projeto-piloto para a Ladeira da Misericórdia em Salvador espelha a consolidação
de um discurso que privilegiava: a preservação de uma totalidade urbana em detrimento
de apenas um fragmento isolado; um serviço público e social ao propor uma solução
utilitária voltada para as classes de baixa renda; a mútua influência entre o macro e
micro na composição do projeto; e a utilização de tecnologia inovadora que possibili-
tasse utilizar as mesmas estruturas pré-fabricadas na composição de variadas funções,
como vedação, sustentação e laje.
Além de analisar a intervenção do ponto de vista dos seus resultados físicos e
aspectos conceituais, pretende-se avaliar também a contribuição do projeto-piloto para
a preservação dos núcleos históricos. Assim, ao realizar essa associação entre a pensa-
mentos e desenhos, o caso da Ladeira da Misericórdia (Figura 3) possibilita a construção
de um panorama sobre seu discurso acerca de projetos interventivos para a salvaguarda
do patrimônio edificado brasileiro.
Figura 3 - Ladeira da Misericórdia. Fonte: UFBA. Ladeira da Misericórdia Fonte: Foto disponível
em:_https://ladeiradamisericordia.ufba.br/it. Acesso: jan. De 2020.
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Figura 4 - Planta geral das intervenções propostas para o Centro Histórico de Salvador. Fonte:
FERRAZ,1993 (Adaptado pela autora).
Essa proposta urbana não se concretizou em sua totalidade pois não saiu do papel
a nova sede da Fundação Pierre Verger, a Casa de Cuba da Bahia, além os projetos desen-
volvidos paralelamente da Casa da Bahia, no Benin, e da Casa da Bahia em Cuba que
não se realizaram. Por conseguinte, esse projeto engloba e une edifícios e suas variadas
funções institucionais, culturais, habitacionais e comerciais. Se distingue, também, ao
se colocar contra um projeto com propósitos majoritariamente voltados ao turismo
e visa sobretudo uma reconstituição da primitiva função do centro : “um ponto de
encontro, trabalho, moradia e lazer da população”. (OLIVEIRA, 2014, p.142). Assim como
escrito pela arquiteta:
Não é um trabalho turístico, feito com a intenção de transformar o
Pelourinho numa cidade sorvete. (...) O “caso” do Centro Histórico da
Bahia é: não a preservação de arquiteturas importantes, (como seria em
Minas) mas a preservação da Alma Popular da Cidade. (...) Para evitar
isso estamos procurando juntar o trabalho à habitação (é a... Idade
Média ao contrário) e a um pequeno comércio: uma espécie de economia
subterrânea. (BARDI, apud FERRAZ, 1993, p.270)
A intenção era conectar pontos estratégicos internos do centro histórico para que
fosse possível a reconexão com o tecido urbano restante de Salvador, a viabilização das
diversas escalas dos edifícios e seus diferentes usos estarem em “vida”, ou seja, estarem
presentes no cotidiano dos soteropolitanos, em dinamismo de usos. (BIERRENBACH,
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ROSSETTI, 2004, p.2) Este plano apresenta uma complexidade social e econômica, Ferraz
diz que se se tratava de uma sucessão de projetos-pilotos que atraíram uma “recuperação
rápida, econômica e de qualidade”. “Rápida” pela tecnologia da estrutura pré-fabricada
utilizada; “econômica” pela produção em massa das peças que constitui a configuração
construtiva; e a “qualidade” pela precisão no planejamento e efetivação construtiva.
(FERRAZ, 2008)
Observando-se a figura acima (Figura 5), se é revelado que o processo criativo pro-
jetual persiste em torno de uma relação contínua entre o macro e micro, que é refletida
nos desenhos de Lina Bo Bardi, quando apreende o desenho geométrico dos telhados
(grifo amarelo e vermelho), do escalonamento ocasionado pelo desnível do terreno
(grifo roxo), das curvas geradas ao ligar os pontos dos escalonamentos. Apreende tam-
bém a irregularidade das alturas e das aberturas, dos cheios e vazios. Assim, ao visitar a
Fábrica de Equipamentos Comunitários (FAEC), da Prefeitura de Salvador, e observar os
projetos de componentes construtivos realizados e desenvolvidos em argamassa armada
pelo arquiteto João Filgueiras Lima, o Lelé, a arquiteta sugere um desenho geométrico
apreendido dos telhados (grifo amarelo), o zig-zag . Os painéis em argamassa plissada
possibilitaram construir edifícios cilíndricos e retangulares, dentre outros.
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A TÉCNICA
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O projeto-piloto foi constituído a fim de ofertar habitação popular com uma inter-
venção em edifícios antigos aplicando uma novidade técnica em grande escala, seme-
lhante à reconstrução após uma destruição em massa. (CHAGAS,2002, p.161) A arquiteta,
aliada aos seus colaboradores e ao Lelé, trouxeram ao projeto uma industrialização
erudita para atender as classes menos favorecidas, transformando algo considerado
exclusivo em algo popular, na tentativa de resolver um problema, além dos imóveis em
ruínas, detectado pela Lina Bo Bardi:
“(...) outro problema muito sério, talvez mais importante do que a própria
restauração arquitetônica, é o problema social. Em geral, as pessoas são
tiradas das habitações, são providenciados outros abrigos na periferia
das cidades.” (BO BARDI, 1990. p.50)
A arquiteta tinha o cuidado de realizar desenhos explicativos do uso de cada espaço
como na, além de pensar em cada detalhe no projeto de interiores, como observado
abaixo (Figura 7), na qual ela separa um espaço para costura.. Os três antigos casarões
agora abrigam 9 apartamentos e 3 áreas de comércio no térreo. Os arquitetos também
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Figura 7 - Casa nº 07: Corte indicando usos e planta com indicação das divisórias pré-fabricadas.
Fonte: ILBPMB,2019
O projeto combina uma solução que engloba o serviço público e social com preser-
vação do patrimônio histórico. Dessa maneira, propõem uma solução utilitária voltada
para as classes de baixa renda, agregado ao seu valor histórico e cultural. Até porque
para Lina Bo Bardi o valor do patrimônio histórico está em ser utilitário para as classe
populares, permitindo sua ressignificação, recuperação de sua materialidade, assim
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CONCLUSÃO
O Centro Histórico de Salvador em sua gênese era o núcleo central da cidade con-
siderado um lugar nobre, porém com o passar dos anos se transforma em uma área
periférica, habitada pela classe menos favorecida. Agora, como Patrimônio Cultural, o
projeto interventivo prevê utilizar um sistema construtivo considerado nobre e tecno-
lógico para a construção de habitações sociais em escala serial.
A proposta de Lina Bo Bardi para a Ladeira da Misericórdia apresenta para a época
um princípio inovador relacionado a proporção almejada. A ambição era produzir um
sistema de elementos pré-fabricados industriais a fim de efetivar uma intervenção não
apenas pontual, mas na totalidade do Centro Histórico. Além disso, havia um valor social
agregado na destinação dos edifícios finalizados a favor da habitação econômica para
a população local, devolvendo o patrimônio aos próprios moradores, na tentativa de
requalificar a vivência cotidiana e a chamada cultura popular.
A tecnologia de ponta é utilizada como um recurso a favor de benefícios sociais, na
tentativa de suprir as necessidades da massa populacional. Os arquitetos colaboradores,
Lina Bo Bardi e Lelé, reconhecem a industrialização, a economia e os recursos naturais
como instrumentos de mediação na busca de uma arquitetura inclusiva. trouxeram ao
projeto uma industrialização erudita para atender as classes menos favorecidas, trans-
formando algo considerado exclusivo em algo popular.
Essa inovação estrutural acarretou um ceticismo quanto a fragilidade estrutural
do sistema construtivo proposto. Mesmo com todos os anos de abandono, a estrutura
em teste não foi a causa do fracasso, como os céticos acreditavam. Contudo, a inefici-
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ência do projeto se deu por razões políticas, pois sua continuidade era dependente do
poder administrativo local. Assim, em 1989, com a posse do novo presidente eleito, é
encerrado o auxílio à efetivação dos planejamentos associados ao governo anterior.
(CHAGAS,2002, p.161)
As maiores contribuições do projeto-piloto se baseiam em um pensamento que
almeja uma abrangência maior que um único monumento, uma única função ou utili-
dade. Primeiro, pelo pensamento de que aquela área fazia parte de um contextualizado
centro histórico com uma dinâmica de fluxos. Onde poderia ser implantado uma dinâ-
mica nova ao inserir no final da ladeira um Restaurante e um Bar, além de comércios
locais no térreo de cada edifício. Segundo, pela inovadora tecnologia em que possibilitava
utilizar as mesmas estruturas pré-fabricadas na composição de variadas funções, como
vedação, sustentação e laje, além de compor variadas formas arquitetônicas como as
paredes escalonadas do Bar dos Três Arcos e os cilindros do Restaurante Coaty. Terceiro,
pelo serviço público e social que almeja alcançar em favor da massa populacional menos
favorecidas.
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REFERÊNCIAS
ARGAN, Giulio Carlo História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins
Fontes, 1995.
BARDI, Lina Bo. Ladeira da Misericórdia: Plano piloto. Revista Projeto, São Paulo,
n. 133, 1990.
BARDI, Lina Bo. Ladeira da Misericórdia. Jornal da Bahia, Salvador, 25 abr. 1991.
FERRAZ, Marcelo (org.). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi,
1993.
FERRAZ, Marcelo Carvalho (coord). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo
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Blau, 2000.
br//tde_busca/ arquivo.php?codArquivo=2775.
1998.
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Res umo
O texto apresenta um conjunto de notas sobre intervenções em patrimônios construídos frente
aos princípios estabelecidos por Cesare Brandi na teoria do restauro. São examinados impasses
e controvérsias presentes nestas operações, que se concentram nas dimensões do tempo e da
materialidade. A recente ampliação do conceito de patrimônio determinou o crescimento acen-
tuado do acervo protegido, que passou a incluir bens com reduzido valor histórico-artístico (e
arqueológico), na categoria dos “lugares de memória”: além dos parâmetros técnicos e eruditos
rigorosos, começaram a ser utilizados critérios subjetivos, contribuindo para a relativização
da hierarquia patrimonial e a valorização indiscriminada da materialidade dos bens. Neste
contexto é superestimado o risco de incidência do “falso histórico”, ocasionando a utilização
acrítica do “princípio da diferenciação das partes novas”, aplicado indistintamente à ampliações
e reparos de todas as categorias e dimensões; um recurso que recebe a atribuição questionável
de datar a intervenção, o que deriva claramente do vício moderno presente na interpretação
dos princípios que norteiam a atividade, como também se busca demonstrar.
A BSTRACT
This paper presents a set of notes on interventions in built heritage, before the principles esta-
blished by Cesare Brandi in his theory of restoration. It discusses impasses and controversies
present in these operations, focusing on the dimensions of time and materiality. The recent
expansion of the concept of heritage leaded to a substantial growth of the collection of works
to be protected, in order to include items of small historical-artistic (and archaeological) value,
in the category of “places of memory”. In addition to strict technical and academic parameters,
subjective criteria also started to be used, contributing to the relativization of the patrimonial
hierarchy and to an indiscriminate overestimation of the material aspects of a piece of work.
In this context, the risk of incidence of the “historical faux” (il falso storico) is inflated, which
may imply the acritical use of the “principle of differentiation of new parts”, when indistinctly
applied to additions and repairs of all kind and length. Consequently, this resource is misun-
derstood as a demand for dating the intervention, which clearly derives from a modern bias
attached to the interpretation of the principles that guide the activity.
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Resu men
El texto presenta un conjunto de anotaciones sobre intervenciones en patrimonios construi-
dos frente los principios establecidos por Cesare Brandi en la teoría del restauro. Se examinan
impases y controversias presentes en esas operaciones, que se concentran en las dimensiones
del tiempo y de la materialidad. La reciente ampliación del concepto de patrimonio determinó
el crecimiento acentuado del acervo protegido, que pasó a incluir bienes con reducido valor
histórico-artístico (y arqueológico), en la categoría de los “lugares de memoria”: además de
los parámetros técnicos y eruditos rigurosos, comenzaran a ser utilizados criterios subjetivos,
contribuyendo para la relativización del rango patrimonial y la valorización indiscriminada
de la materialidad de los bienes. En ese contexto es sobrestimado el riesgo de incidencia de lo
“falso histórico”, ocasionando la utilización acrítica de lo “principio de diferenciación de las
partes nuevas”, aplicado indistintamente a ampliaciones y arreglos de todas las categorías e
dimensiones; un recurso que recibe la atribución cuestionable de datar la intervención, lo que
deriva claramente del vicio moderno presente en la interpretación de los principios que nortean
la actividad, como también se busca demonstrar.
Introdução
[1] Vale lembrar que o valor “histórico-artístico” surge da associação dos termos atribuída
a Riegl (2014) em “O Culto Moderno dos Monumentos” (1903). É utilizado aqui para apartar o
representativo do bem.
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[3] Piéce urbaine foi o termo cunhado nos anos setenta por arquitetos franceses, destaca-
da conformação de lugares.
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Entretanto, parece supérfluo lembrar que sua teoria do restauro é a revisão e com-
pletamento do conjunto de princípios que vinha sendo constituído de modo teórico-
-prático pelos envolvidos nesse campo desde Camilo Boito, cujas eventuais contradições
de sua obra não diminuem a importância de seu legado, ao estabelecer de forma pre-
cursora princípios instituídos pela disciplina, como a ênfase no valor documental dos
monumentos, o respeito pela pátina e sinais da passagem do tempo, a minimização de
intervenções e o princípio da distinguibilidade, que juntos delineavam o princípio da
reversibilidade (Beatriz Kühl in BOITO, 2014, p. 27). Ao que se poderiam somar outros
aportes mencionados por Carbonara (In Brandi: 2004, p. 9), como a “dívida implícita
no que concerne à contribuição teórica de Alois Riegl”, a definição de restauro como
“ato de cultura”, efetuada por Renato Bonelli, e a afirmação do “restauro crítico” deste e
Roberto Pane.
Como é conhecido, Carbonara se destaca no cenário atual estabelecendo a referida
continuidade com a teoria brandiana através do “restauro crítico-conservativo”, no qual
defende que cada intervenção é um caso específico, incapaz de ser enquadrado em
classes e, como consequência, ser submetido a regras pré-estabelecidas: a conservação
e intervenção devem ser solucionadas caso a caso pelo restaurador, através do “juízo
crítico”. A posição de Bardeschi é radical em defesa da conservação integral – a “pura
conservazione” – com a manutenção de todas as estratificações da obra, mesmo que isso
resulte numa leitura fragmentada: a decisão do que deve permanecer e ser removido não
pode apoiar-se em “juízo crítico” por sua relatividade, mas na história. Há, entretanto,
a corrente de preservação representada por Marconi, a “manutenzione-ripristino”, que
diferencia réplica de falsificação, defendendo a reconstrução de monumentos desapare-
cidos de modo traumático (figura 1). E isto diverge da hegemonia instituída pela teoria
de Brandi, cujos princípios são interpretados de modo equivocado com frequência; o
que parece estar na raiz da valorização indiscriminada da materialidade das obras, tra-
tada como documento sem distinção de classe patrimonial, causando o uso acrítico do
“princípio da diferenciação das partes novas” em diferentes categorias de ampliações,
reparos e até conservação, sob o argumento de evitar o “falso histórico”. Vale destacar a
superação do conceito de Restauro restrito a obras de arte, como defende Muñoz Viñas e
o próprio texto mostra; e que revisões necessárias vêm sendo efetuadas na continuidade
estabelecida por Carbonara.
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Figura 1: A Ponte Pietra de Verona, destruída na Segunda Guerra, cujo repristino foi defendido
por Marconi. Fonte: autor, 2015.
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[4] É bom lembrar que os materiais possuem valor arqueológico quando apresentam excep-
cionalidade, auxiliando o estudo das diferentes culturas através do tempo.
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Mas devemos prospectar também o caso das obras de arte para as quais
o artista não tenha necessariamente previsto o envelhecimento como
um modo de concluir-se no tempo da sua obra, um completamento à
distância. (Brandi, 2004, p. 72)
A afirmação parece remeter à síntese formulada por Riegl exatas seis décadas antes
da teoria, em “O culto moderno dos monumentos” (1903), ao abordar a relação dos valores
de memória envolvidos. Segundo ele, “a antiguidade de um monumento apresenta-se,
a um primeiro olhar, pelo seu aspecto inatual”, o que não se deve tanto “ao estilo fora
de moda”, mas à incompletude do bem, “à falta de coerência, por certa tendência à
dissolução da forma e da cor, que constituem características claramente opostas às do
objeto moderno, ou seja, criações recentes” (Riegl: 2014, p.50). E conclui que isso torna
o “valor de antiguidade” de fácil reconhecimento, acessível às massas, prescindindo do
conhecimento de história da arte necessário à identificação do “valor histórico”. Por fim,
lembra que, a partir do momento que o objeto elaborado pelo homem ou natureza é
formado, passa a sofrer a destruição das forças da natureza: “a antiguidade se exprime
mais pelo efeito óptico da decomposição da superfície – influência do tempo, pátina
–, do desgaste de ângulos e cantos, que revela, portanto, a inexorável e implacável ação
de dissolução provocada pela natureza”. Opostamente, o “querer da arte moderno” não
admite sinais de degradação, constituindo o “valor de novidade”:
[...] uma casa recém-construída, com o revestimento desmoronando
ou oxidando, perturba o observador, que exige de uma casa nova uma
perfeição no acabamento da forma e da policromia. Naquilo que foi
criado novo, os sinais de ruína não agem de forma expressiva, mas de
forma irritante. (Riegl, 2014, p. 50)
É consensual que a arquitetura moderna “envelhece mal”, o que aqui não se refere
à qualidade construtiva, mas ao efeito que lhe causam “os sinais de ruína” e a pátina que
testemunha o tempo transcorrido, sendo esta admitida apenas de modo sutil. É fato que
construções com a linhagem das vanguardas construtivas europeias se demonstram mais
vulneráveis ao deterioro, tanto em extensão de casos quanto rapidez do revés, mas isso
não constitui uma regra: há edifícios modernos “bem construídos”. Entretanto, o que
está se examinando neste momento é seu difícil convívio com a avaria que “perturba o
observador”: a recepção da obra desgastada pelo público é negativa, e isso define o valor
de novidade estabelecido por Riegl, mas não explica o fenômeno. As obras modernas
necessitam manter-se “jovens”, admitindo limitados sinais do tempo (figura 2), diferen-
temente das construções antigas de cidades como Roma, onde o desgaste das formas e
da pintura das edificações pode acentuar sua beleza: é realçado o “valor de antiguidade”
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riegliano, que dispensa erudição para ser usufruído, o que o torna acessível ao público
mais amplo (figura 3).
Figura 2: Obras modernas como a Vila Savoye admitem uma margem muito baixa de sinais do
tempo. Fonte: autor, 2014.
Figura 3: O desgaste dos velhos edifícios na Via dei Coronari, em Roma, complementa o cenário
pitoresco. Fonte: autor, 2017.
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Figura 4: O restauro recente da Penthouse Le Corbusier manteve a idade legível nos elementos
desgastados. Fonte: autor, 2018.
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Tempo e cronologia
Patricia Nahas afirma “que ainda é muito incipiente no Brasil a compreensão dos
princípios basilares do restauro por parte dos arquitetos” (2017, p. 73), ao examinar a
experiência empreendida no país entre 1980 e 2010. Em seu recorte de obras significativas
realizadas durante três décadas, detecta oito tendências de intervenção representativas:
Autonomia, Diferenciação, Repristino, Reinterpretação, Apropriação, Completamento,
Conservação e Reintegração. Conclui que “a maior parte dessa produção se afasta dos
critérios prescritos pelo campo disciplinar do restauro, onde a prática dá lugar ao arbítrio
e experimentação sem o rigor e juízo crítico pautado na significação da obra preexistente”.
A autora adverte que sua análise interpreta o pensamento de Brandi e Carbonara, sendo
um dos casos examinados o Completamento da Catedral da Sé, em São Paulo, onde foram
concluídos os torreões e agulhas não executados durante a obra, cinquenta anos antes:
O arquiteto Paulo Bastos havia apresentado uma proposta, em 2000, de
construir os torreões e agulhas na mesma posição prevista no projeto
original, mas com técnicas e materiais modernos, utilizando uma del-
gada estrutura metálica e fechamentos em vidro. Dessa forma, ele criaria
a volumetria almejada, mas com um olhar contemporâneo, promoveria
a releitura e a reinterpretação do projeto inacabado. Todavia, essa pro-
posta não foi aceita pelo cliente que queria “terminar” a construção 50
anos depois através de seu completamento. (Nahas, 2017, p. 71)
Considerando o tempo prolongado de construção das igrejas e que as práticas cons-
trutivas evoluíram no Brasil nos últimos cinquenta anos, mas as técnicas tradicionais
continuam vigentes, é questionável opor-se à conclusão do projeto original qualificando
a ação como “falso histórico”. É indefensável que as obras tenham tempo predeterminado
para conclusão ou que o projeto possua “prazo de validade”: o juízo de que a arquitetura
corresponde a momentos específicos e deve utilizar “formas representativas” destes não
resiste à apreciação com o necessário rigor, é uma interpretação do problema com vício
moderno, pela expectativa de contínua superação formal. E o mesmo ocorre quando
se atribui às partes novas a função de datar a intervenção, estabelecendo uma escala
cronológica incompatível com períodos breves, como se a arquitetura permitisse pre-
cisá-los com exatidão.
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Importante mencionar que nem todos os exemplos analisados haviam sido reco-
nhecidos como patrimônio até a data da intervenção; o que não significa compactuar
com a desfiguração de uma obra com qualidade arquitetônica e autoria a respeitar: bens
exemplares sem salvaguarda também merecem interferências criteriosas com devida
excelência arquitetônica. E deve ser considerada a possibilidade de intervenções atuarem
no sentido oposto, transformando obras comuns em patrimônio, como ocorreu com os
galpões que originaram o SESC Pompéia a partir da intervenção de Lina mencionada.
Portanto, é contestável a ideia de que “o novo deve ser colocado a serviço do antigo, como
continuidade de sua história, para valorizar e explicar o monumento, e não o contrário”
(Nahas, 2017, p. 74). As partes novas não parecem destinadas a assumir protagonismo
ou subordinar-se, mas adotar postura adequada a cada caso, apresentando padrão
correspondente aos patrimônios. Como defendia Lucio Costa, “a boa arquitetura de um
período vai sempre bem com a de qualquer período anterior, o que não combina com
coisa alguma é a falta de arquitetura”.[5]
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Figura 7: Primeira intervenção de Scarpa na Ca’Foscari, a Aula Magna, 1935. Fonte: Università
album-72157712601067816/
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abolida na pintura, sob risco de lesar o bem patrimonial; o que exclui igualmente “mar-
cas autorais” e “narcisismos” do extremo oposto. E, conforme defendido aqui, as “partes
novas” também recebem a atribuição equivocada de datar a intervenção, como se cada
breve período tivesse uma arquitetura correspondente; e esta é uma “regra” subjacente
instituída pela “livre interpretação” – equivocada, diga-se – da teoria brandiana, expondo
a crença moderna na superação plástica contínua, de genética formalista.
De fato, a teoria do restauro segue demonstrando o rigor e vigência das ideias e
princípios ali propostos. Na verdade, o que merece cautela são suas interpretações, pelo
risco que oferecem: o uso acrítico do princípio de diferenciação das partes, por exemplo,
traz a ameaça de intervenções espetaculosas próprias do personalismo midiático que
assola nossos tempos.
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Referências
56-79.
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RESUMO
Almejando compreender como se dá o processo de patrimonialização de bens arquitetônicos
levado a cabo pelo órgão federal de preservação do patrimônio cultural, este artigo analisa as
normas jurídicas que amparam a atuação do IPHAN. Buscou-se, dessa forma, identificar como,
por quem e a partir de quais critérios se dá a construção do patrimônio cultural preservado em
esfera federal. O estudo foi realizado a partir do levantamento e análise da legislação vigente,
bem como de documentos internacionais como cartas patrimoniais, convenções, declarações e
recomendações que dialogam com referido repertório jurídico. A fim de aprofundar a reflexão,
buscou-se não apenas elencar as normas existentes, mas estabelacer relações entre os diferentes
dispositivos surgidos ao longo do tempo.
A BSTRACT
This article analyses the laws that base Iphan´s actions. It aims to understand how the herita-
gization process of architectural structures is conducted by the federal preservation organ. It
investigates how, by whom, and with which criteria the federal heritage list is constructed. The
reflection was developed through the current legislation assessment and analysis, as well as
with international charters, conventions, declarations and recommendations. In order to set a
wider framework, the study did not only list the existing norms but it also stablished relations
between the different laws created over time.
RESUMEN
Con el objetivo de comprender el proceso de patrimonialización de bienes arquitectónicos
ejecutado por la organización federal de preservación del patrimonio cultural, esto artículo
analiza las normas jurídicas que respaldan el desempeño de IPHAN. De esta manera, buscamos
identificar cómo, por quién y apartir de cuales criterios se produce la construcción del patrimonio
cultural preservado en la esfera federal. El estudio se realizó a partir de la investigación y del
análisis de la legislación vigente, así como de documentos internacionales como cartas patri-
moniales, convenciones, declaraciones y recomendaciones que dialogan con dicho repertorio
jurídico. Para profundizar la reflexión, se buscó no solo enumerar las normas existentes, sino
también establecer relaciones entre los diferentes dispositivos que surgieron con el tiempo.
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INTRODUÇÃO
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[1] Pesquisa em desenvolvimento na FAU-USP, sob supervisão da Profa. Dra. Beatriz Mugayar
Kühl, processo nº 2017/24504-9, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
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tico e dos museus brasileiros”. Considerando o Plano, é promulgada a Portaria Iphan no.
375/2018, que institui a Política de Patrimônio Cultural Material do Iphan (PPCM). Nela,
é possível identificar um esforço de integração e revisão dos documentos que balizam
as políticas de preservação.
A PPCM têm como fundamento a abordagem constitucional de patrimônio cultu-
ral, que enfatiza o compromisso com a diversidade e pluralidade e caminha pari passu
com o princípio de integração de atores diversos nas ações do Iphan, abarcando desde a
articulação entre entes federados e demais órgãos do Estado, até a participação ativa da
sociedade em diversas etapas do processo – da elaboração de estratégias de preservação
ao direito ao controle social. A ideia contemporânea de bem cultural foi progressiva-
mente formulada a partir da atualização e ampliação da noção de patrimônio histórico
e artístico inicial do Iphan. Essas transformações, todavia, não se restringem ao contexto
brasileiro, elas amadureceram no País em diálogo com as discussões internacionais.
Em 1964, a Carta de Veneza já sinalizava a ampliação da noção de monumento histó-
rico para além das obras monumentais e excepcionais. Na década de 1970, a prática
internacional se materializou em cartas e convenções que firmaram “os conceitos de
patrimônio cultural, bens culturais e naturais” (FREITAS, 1999, p. 84). A ampliação desse
debate confere destaque à expressão da diversidade e da multiplicidade, transparecendo
em documentos como a Convention on the Protection and Promotion of the Diversity
of Cultural Expressions (2005), ratificada pelo Brasil em 2007 e as declarações on the
Responsibilities of the Present Generations Towards Future Generations (1997) e on the
Rights of Indigenous Peoples (2007).
Com base nessa noção de patrimônio, a PPCM apresenta as ações de patrimonializa-
ção de bens culturais materiais: identificação, reconhecimento e proteção. A identificação
é compreendida pelo documento como ato de “localizar, conhecer e caracterizar os bens
culturais”, conforme aponta seu Artigo 11. Essa ação tem por finalidade identificar a pre-
sença de bens significativos para grupos da sociedade brasileira, produzir conhecimento
sobre eles e seu contexto sociocultural, bem como subsidiar sua gestão e as políticas
de preservação e pode ser desenvolvida por meio dos seguintes instrumentos: estudos
temáticos ou técnicos, dossiês de candidatura, pesquisas arqueológicas, cadastro de
bens arqueológicos e inventários de conhecimento. É apontada, ainda, a possibilidade
de utilização de outros instrumentos, quando for mais adequado.
Enquanto os inventários de conhecimento, regulamentados pela Portaria Iphan
n º 160/2016, são mobilizados para compor o conjunto de instrumentos nas ações de
identificação, a metodologia de inventários participativos desenvolvida pelo IPHAN
(2016) é inserida na PPCM exclusivamente como ferramenta de educação patrimonial.
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(FONSECA, 2005, p.157). Nesse período, a questão da participação popular nas políticas
culturais figurava também no cenário internacional. A Recommendation on participa-
tion by the people at large in cultural life and their contribution to it (UNESCO, 1976)
considera que a participação do maior número possível de associações e pessoas – de
diferentes idades e classes sociais – em atividades culturais de sua própria escolha é
fundamental para o desenvolvimento de valores humanos e que a criação de condições
sociais e econômicas é a única maneira de garantir o acesso de “people at large” aos valores
culturais e a um papel ativo na vida cultural, bem como no processo de desenvolvimento
cultural (UNESCO, 1976). Assim, a abordagem antes centrada na figura do arquiteto como
mediador exclusivo se ampliou para a inserção da sociedade e de outros profissionais,
como os cientistas sociais, o que levou à inclusão de novas culturas locais e comunitárias
no quadro da preservação. A diversificação dos mediadores implicou na atualização da
composição do patrimônio, antes limitado a uma vertente formadora da nacionalidade.
Essa diversificação tomou corpo na atuação do Centro Nacional de Referência Cultural
(CNRC), que surgiu em 1975 ligado ao Ministério da Indústria e do Comércio (MIC) e,
posteriormente, se expande no órgão de preservação, porém, como visto acima, ainda é
uma questão que demanda reflexões mais aprofundadas.
A Portaria Iphan n º 375/2018 não é o primeiro documento a explicitar a ação de
identificação como etapa do processo de patrimonialização. Esse processo já estava
presente no Artigo 7º da Portaria Iphan n º 200/2016, que dispõe sobre a regulamentação
do Programa Nacional do Patrimônio Imaterial (PNPI). Antes mesmo da regulamentação
desse programa, a questão da identificação de referências culturais já figurava em um dos
principais instrumentos que viria integrar o PNPI, o Inventário Nacional de Referências
Culturais (INRC) (IPHAN, 2000). Esse instrumento, tratado no Artigo 8º, Parágrafo 1º, Inciso
II da Portaria Iphan no. 200/2016, aborda tanto a identificação de bens imateriais como
de edificações e lugares. O INRC apresenta, inclusive, metodologias para a identificação
dessas tipologias em sua especificidade. Sobre as peculiaridades das edificações, o Manual
de Aplicação do INRC aponta que
As edificações serão identificadas por uma combinação de duas técni-
cas básicas. Como bens arquitetônicos, elas serão analisadas por um
arquiteto, seguindo as solicitações do campo do questionário dedicado
à “descrição arquitetônica”; as representações sociais e usos associados
serão investigados por este ou outro pesquisador, que utilizará os mes-
mos procedimentos criados para os demais itens. (IPHAN, 2000, p.59).
Tal abordagem dirige esforços no sentido de viabilizar a integração entre o patri-
mônio de natureza material e imaterial. Conforme Meneses, “se todo patrimônio mate-
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rial tem uma dimensão imaterial de significado e valor, por sua vez todo patrimônio
imaterial tem uma dimensão material que lhe permite realizar-se” (Meneses, 2012, p.31).
Enquanto no campo teórico há, cada vez mais, uma abordagem conjunta dessas duas
naturezas de bens, nota-se uma cisão entre elas nos textos legais, ainda que recentes.
Mesmo considerando em sua metodologia os bens arquitetônicos, o INRC não é mencio-
nado dentre os possíveis instrumentos de identificação ou reconhecimento na PPCM.
A segunda etapa do processo de patrimonialização é o reconhecimento, que tem
como objetivo “explicitar os valores e a significação cultural atribuído aos bens mate-
riais”, conforme Artigo 19 da PPCM. Esse processo decorre da identificação e orienta a
compreensão de bens como referenciais às comunidades locais. É uma etapa crucial do
processo de patrimonialização, pois é nesse momento que devem ser trazidos à tona e
analisados os valores atribuídos ao bem pela sociedade, levando em conta sua hetero-
geneidade e a consequente divergência de percepções. A construção da declaração de
valores, inclusive, extrapola os limites das ações de reconhecimento. Ela possui papel
determinante na seleção dos instrumentos protetivos, no estabelecimento da chancela
oficial, bem como na formulação de diretrizes específicas para a preservação de um bem,
se inserindo, assim, nas ações de proteção e normatização.
Cinco instrumentos de reconhecimento são indicados na PPCM: (1) o tombamento,
aplicável a qualquer bem de natureza material, (2) o cadastro de bens arqueológicos, (3)
a valoração de bens ferroviários da antiga Rede Ferroviária Federal SA, (4) a chancela da
paisagem cultural e (5) a declaração de lugares de memória. Em função do recorte esta-
belecido, cabem algumas considerações sobre o tombamento e a valoração.
A regulamentação do tombamento não especifica as ações relacionadas ao processo
de reconhecimento. O Decreto Lei nº 25/1937, que institui esse instrumento, aponta os
critérios para a definição do patrimônio histórico e artístico nacional, porém não aborda
como se dá o reconhecimento dessas características. Analisando a trajetória do Iphan,
nota-se que, inicialmente, o discurso autorizado dos técnicos, em sua maioria arquitetos,
constituía o elemento de validação da importância de um bem. Durante as três primei-
ras décadas de atuação do órgão, os referenciais selecionados, majoritariamente bens
arquitetônicos, remetiam a narrativas sobre construção da nação, elegendo o barroco
como tradição cultural brasileira.
Posteriormente, a Portaria Iphan nº 11/1986 normatiza os procedimentos para os
processos de tombamento e aponta, em seu Artigo 4º, a apreciação do mérito do valor
cultural como parte do estudo, introduzindo, assim, a necessidade de explicitação dos
valores que amparam a preservação do bem. Interessante notar que essa norma se insere
em um período de atuação do Iphan caracterizado pela diversificação dos bens protegidos
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e pela ampliação da participação popular, questão tratada pela Ordem de Serviço Iphan
nº 2/2002, que estabelece instruções complementares à Portaria nº 11/1986. O documento
recomenda, em seu Artigo 4º, “o compartilhamento da instrução processual com quantas
instituições e pessoas sejam interessantes para melhor avaliação do bem cultural”. O
Artigo 5º da norma aprofunda os direcionamentos com relação ao processo de atribuição
de valor lançados pela portaria de 1986 ao colocar que os dados técnicos devem se basear
no estudo tanto da constituição quanto da inserção cultural do bem, ou seja, em suas
relações com a sociedade. Nesse sentido, a ampliação do enfoque destinado ao processo
de reconhecimento na PPCM pode ser entendida como mais um avanço na esteira das
transformações já em curso nas normas anteriores. Cabe aqui notar que a PPCM, em
suas Disposições Finais, estabelece, no prazo de três meses, a publicação da revisão da
Portaria Iphan nº 11/1986, que, todavia, não foi localizada no levantamento realizado.
Com relação ao instrumento de valoração, a explicitação dos atributos que justi-
ficam a compreensão de bens como portadores de valor cultural permeia a norma que
dispõe sobre o estabelecimento de parâmetros e procedimentos de inscrição na Lista
do Patrimônio Cultural Ferroviário, a Portaria nº 407/2010. Nas considerações iniciais,
esse documento aponta a necessidade de criação de um cadastro contendo, entre outros
itens, a “indicação da espécie de atributo” para possibilitar o controle e gerenciamento
dos bens ferroviários de valor cultural, enquadrados no Artigo 9º da Lei n.º 11.483/07.
A mesma portaria, em seu Artigo 5º, define que no processo de listagem deve constar
parecer técnico que aponte “conclusivamente se a instância local recomenda ou não a
inclusão do(s) bem(ns) na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, especificando qual
(is) inciso (s) do artigo 4º justifica (m) a inclusão”. Assim, essa norma coloca a necessidade
da formulação dos valores atribuídos ao bem, partindo de critérios que serão mencio-
nados à frente, bem como trabalha em diálogo com diferentes esferas governamentais,
oportunizando maior capilaridade e aproximação com a sociedade. A necessidade de
ação supletiva dos Estados e Municípios à atuação em esfera federal na preservação já
estava presente no Compromisso de Brasília (IPHAN, 1970).
A busca pela integração das diferentes esferas governamentais e de sujeitos diversos
também permeia a PPMC, sobretudo nos processos de reconhecimento e proteção, ao
longo dos quais é recomendada a elaboração de um Pacto de Preservação. Desse docu-
mento devem decorrer os princípios para balizar a elaboração ou atualização de instru-
mentos de atuação, os papéis dos diversos sujeitos envolvidos na gestão compartilhada
e as diretrizes que subsidiem as ações de normatização e conservação, que integram o
processo de vigilância do patrimônio cultural. Cabe reforçar que o pacto não é colocado
como uma exigência, mas algo cuja construção deve ser buscada.
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A ação de proteção faz uso, praticamente, dos mesmos instrumentos mobilizados nas
ações de reconhecimento, a não ser pela chancela e a declaração de lugares de memória,
que correspondem apenas a instrumentos de valoração e não de preservação. Na seção
da PPCM referente à proteção, são tecidas considerações a respeito do tombamento,
normatizado. É interessante notar que na seção anterior, dedicada ao reconhecimento,
o instrumento do tombamento também é mencionado, porém sem nenhuma ressalva
a seu respeito.
O Decreto-Lei nº 25/37 remonta a um período institucional, no qual o conceito
de patrimônio estava ligado à construção da identidade nacional. Eram considerados
patrimônio bens vinculados a fatos memoráveis da história do Brasil ou de excepcional
valor arqueológico, etnográfico, bibliográfico ou artístico. A definição de patrimônio
histórico e artístico nacional, inclusive, se dava somente a partir da inscrição nos Livros
do Tombo, conforme consta em seu Artigo1º, Parágrafo 1º. Apesar de incorporar em seus
instrumentos o Decreto-Lei no. 25/37, a noção de patrimônio cultural adotada na PPCM
tem suas bases no conceito apresentado pela Constituição Federal de 1988.
Têm-se, então, um ponto de tensão entre essas duas abordagens. Buscando atualizar
a definição trazida pela norma de 1937, a PPCM, em seu Artigo 29, menciona que serão
salvaguardados os bens previstos no Decreto-Lei nº 25/1937, “desde que possuidores de
representatividade, significação ou importância nacional; e resultantes de processos
culturais”. No Artigo seguinte, aponta que deve ser evitada a preservação (1) de bens mão
passiveis de fruição cultural, (2) de conjuntos completos de obras de arquitetos ou artis-
tas e (3) de bens relacionados à memória ou vida de personalidades, não relacionados
a processos sociais de interesse coletivo. A ampliação dada ao escopo do Decreto-Lei 25,
bem como as restrições apontadas em seguida, buscam compatibilizar o instrumento
do tombamento com a noção dada pela Carta Magna, estabelecendo uma base contem-
porânea para sua aplicação.
O instrumento de valoração, regulamentado pela Portaria no 407/2010, identifica
os valores que determinam a inscrição de bens na Lista do Patrimônio Ferroviário e
aponta a exigência de parecer técnico que especifique os valores identificados e justi-
fique a inclusão do bem na lista. Dessa forma, opera na mesma lógica da PPCM, na qual
a explicitação de valores e a seleção a partir de critérios bem definidos constitui uma
ação fundamental do processo de patrimonialização.
Para além dos critérios apontados na legislação específica de cada um dos instru-
mentos de preservação, a PPCM aponta que as atividades de proteção devem atender
ao menos um dos oito critérios de seleção por ela apontados, todos eles diretamente
relacionados com a abordagem constitucional do patrimônio cultural.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
CUREAU, Sandra. Bens culturais e direitos humanos. São Paulo: Edições SESC,
2015.
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JUSTAPOSIÇÕES
CONTRASTANTES EM
MEIO A PROCEDIMENTOS
ANALÓGICOS COM O
PASSADO: UM OLHAR
PANORÂMICO NAS
INTERVENÇÕES DE
LINA BO BARDI SOBRE O
CONSTRUÍDO
ANALOGICAL PROCEDURES WITH THE PAST:
A PANORAMIC LOOK AT LINA BO BARDI›S
INTERVENTIONS IN OLD BUILDINGS
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RESUMO
Lina Bo Bardi, arquiteta italiana de origem e formação, dispensa maiores apresentações. O seu
envolvimento com o restauro e a reciclagem de velhos edifícios tem reconhecida contribuição no
contexto da arquitetura brasileira. Entretanto, a falta de estudos analíticos que sistematizem
esse inegável legado talvez se explique pela relativa recente atenção dispensada ao construir no
construído: uma ação modificadora que vem carregada de critérios que relacionam a arquite-
tura existente, com seus significados atribuídos ao longo da história, e nova intervenção, com
suas interpretações sobre esse material histórico. Esse artigo tem como objetivo identificar os
principais procedimentos de projeto que embasaram as intervenções de Lina sobre o construído,
considerando o recorte daqueles projetos que efetivamente se edificaram. A pesquisa identifica
dois grupos dentro dessas operações: Solar do Unhão (1968), a Fábrica SESC (1974), a Ladeira
da Misericórdia (1987), e a Casa do Benin (1987) pertencem ao tipo que obedece a um conjunto
de edifícios - em que o todo edificado é elemento-chave da intervenção; Teatro Oficina (1982-
93), Teatro Gregório de Mattos (1986-87), e Casa do Olodum (1988) compõem outro polo - em
que a intervenção se restringe ao interior da caixa murada. Um olhar panorâmico sobre essas
operações de restauro e reciclagem evidencia uma postura interpretativa da arquiteta italiana,
focando-se muito mais nos problemas de arquitetura, ou seja, no conhecimento da lógica for-
mal e física do edifício. Através do procedimento analógico, Lina Bo Bardi ultrapassa a postura
exclusivamente preservacionista das Cartas de Conservação em geral restrita ao contraste entre
o existente e o novo. Nos edifícios restaurados, há justaposições contrastantes entre partes velhas
e novas, como convém às preocupações de Camillo Boito e Gustavo Giovannoni, mas também ao
modernismo que ela própria subscreve, quer pela noção avant-garde da colagem cubista, quer
por encontros de feições quase surrealistas entre componentes construtivos. Nesse conjunto
de obras urbanas com diversidade de programa e sítio, o olhar abrangente nas composições
revela sempre dois elementos-chave: parede estrutural e estrutura independente; telhado de
palha e telhado plano; paredes de pedra ou barro e paredes de concreto armado; o erudito e o
primitivo; o evolucionário da recuperação e o radicalismo das novas inserções. Entretanto, esse
jogo de dualidades não é antitético à operação analógica. Ao contrário, relações entre seme-
lhanças e diversidades se reforçam e se complementam face à interpretação das características
essenciais do edifício antigo.
A BSTRACT
Lina Bo Bardi, architect, born and trained in Italy, needs no further introduction. His involvement
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with the restoration and recycling of old buildings has been recognized as a contribution in the
context of Brazilian architecture. However, the lack of analytical studies that systematize this
undeniable legacy may be explained by the relative recent attention paid to the intervention
in buildings: a modifying action that comes loaded with criteria that relate to the existing
architecture, with its meanings attributed throughout history, and a new intervention, with its
interpretations of this historical matter. This article aims to identify the main design procedures
that supported Lina›s interventions in old building, considering the outline of those projects
that were actually built. The research identifies two groups within these operations: Solar do
Unhão (1968), Fábrica SESC (1974), Ladeira da Misericórdia (1987) and Casa do Benin (1987)
belong to the type that obey a set of buildings - in that the whole is a key element of the interven-
tion; Teatro Oficina (1982-93), Teatro Gregório de Mattos (1986-87), and Casa do Olodum (1988)
pertain to another pole - where the intervention is restricted to the interior of the walled box. A
panoramic look at these restoration and recycling operations shows an interpretive posture by
the Italian architect, focusing much more on architectural problems, that is, on the knowledge
of the building›s formal and physical logic. Through the analogical procedure, Lina Bo Bardi
goes beyond the exclusively preservationist stance of the Conservation Laws in general restricted
to the contrast between the existing and the new. However, in the restored buildings, there are
contrasting juxtapositions between old and new parts, as befits the concerns of Camillo Boito
and Gustavo Giovannoni, but also to the modernism that she subscribes to, either due to the
avant-garde notion of the cubist collage, or by meetings of features almost surrealistic between
constructive components. In this set of urban works with a diversity of program and site, the
transversal look in the compositions always reveals two key elements: structural wall and
independent structure; thatched roof and flat roof; stone or clay walls and reinforced concrete
walls; the erudite and the primitive; the evolution of the recovery and the radicalism of the new
insertions. However, this game of dualities is not antithetical to analogical operation. On the
contrary, relationships between similarities and diversities are reinforced and complemented
by the interpretation of the essential characteristics of the old building.
KEYWORDS: restoration and recycling of old buildings. Lina Bo Bardi. Brazilian modern archi-
tecture.
RESUMEN
Lina Bo Bardi, arquitecta italiana de origen y formación, no necesita más presentación. Su
participación en la restauración y reciclaje de edificios antiguos ha sido reconocida como una
contribución en el contexto de la arquitectura brasileña. Sin embargo, la falta de estudios ana-
líticos que sistematicen este legado innegable puede explicarse por la atención reciente que se
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INTRODUÇÃO
Na arquitetura moderna brasileira, muitos edifícios feitos juntos por Oscar Nie-
meyer e Lúcio Costa conformam séries (COMAS, 2009, p.179). No primeiro, o conjunto da
Pampulha, conforme reiterado por Carlos Eduardo Comas em diversos escritos, é formado
por uma sucessão de edifícios laicos com estrutura independente como elemento de
caracterização, contraposto à capela resolvida com abóbadas que singularizam o pro-
grama religioso. Com o segundo, o projeto da Universidade do Brasil é rico de conjuntos:
o grande Auditório, Planetário, Teatro e Sala de Música de Câmera formam uma série de
caráter especial e de construção excepcional na composição, os demais edifícios formam
um amplo e variado catálogo formado pela construção generalizada. Museu e Clube
formam um par de edifícios especiais e opostos: o primeiro é centroidal, subtrativo; o
segundo, linear, aditivo. (BAHIMA, 2015, pp. 85-86). Nesse sentido a obra de Lina pode
ser vista sob esse ponto de vista. Os conjuntos edificados e as intervenções intramuros
formam séries que permitem uma observação geral e abrangente dos elementos e das
estratégias empregados pela arquiteta italiana.
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O SOLAR
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Figuras 3 e 4: vista do conjunto (esquerda) e vista do mar ao Solar e novas aberturas da fachada
(direita). Fontes: OLIVEIRA (2018, p.81) e FERRAZ (2015, p.27).
A FÁBRICA
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vista interna pavilhão de lazer laguinho (esquerda abaixo) e vista do deque, preexistência
e blocos esportivos (direita). Fonte: OLIVEIRA (2018, p.114 - alterado pela autora, p.132 e p.117).
Figuras 8 e 9: Vista do teatro com os pilares ao fundo (esquerda) e vista foyer do teatro (direita).
Fontes: OLIVEIRA (2018, p.130) e FERRAZ (2015, p.38).
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A LADEIRA
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A CASA
A Casa do Benin (1987) foi idealizada pelo etnólogo Pierre Verger para promover
um espaço de trocas e encontros, que mantivesse a memória e tradições da origem da
maioria dos escravos que entraram na Bahia (OLIVEIRA, 2018, p.160). Trata-se de uma
importante esquina do centro histórico de Salvador. A construção datada do século XIX
foi quase inteiramente destruída por um incêndio em 1973. O sítio da casa do Benin é
composto por dois lotes; o de esquina com preexistência em todo o perímetro de fachada
e lote adjacente com apenas a fachada no alinhamento da rua (Figuras 12, 13).
Quando Lina Bo Bardi recebe o casarão, já havia sido executada uma intervenção
pela administração municipal: a substituição da estrutura anterior em madeira pela
atual de concreto armado (OLIVEIRA, 2018, p.160). O que justificaria a proximidade e o
número de pilares, adequados à madeira, mas notadamente excessivos às características
do concreto armado (FERRAZ, 1996, p. 282). Lina se depara com essa construção antece-
dente: uma linha de pilares complementa o suporte de lajes e vigas em concreto armado
à vista. O recuo dos pilares em relação ao muro periférico é favorável a permitir que os
pavimentos superiores se apoiem no balanço, sem amálgama com a parede em ruína
preexistente e permite a arquiteta a realocação das escadas nessa faixa entre muro e
suporte. A escada, que comunica os pavimentos de exposições, conferências e hospedaria
para estudantes e pesquisadores africanos, é executada em estrutura independente em
concreto e tem apoio nos patamares intermediários de cada pavimento (Figura 14). O
acesso ao terceiro e último pavimento é por meio de uma escada metálica. Os andares
foram unidos do térreo ao sótão pelo recorte nas lajes.
Lina propõe para a segunda intervenção da edificação de esquina, o centro de
estudos e intercâmbio cultural, o descascamento do “muro” de pedras e terra, deixando
exposto o primitivismo da construção. Na “tira” de céu (FERRAZ, 1996, p.282) entre a parede
histórica e a estrutura preexistente, é aplicado um fechamento em vidro que protege e
evidencia a intervenção (Figura 14). Os pilares circulares de concreto foram revestidos
com palmas de coqueiro remetendo aos trabalhos africanos (LIMA, 2013, p.196).
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Figuras 12 e 13: Planta baixa do conjunto, em vermelho a adição (esquerda) e vista fachada
Casa do Benin (direita). Fontes: Acervo Instituto Lina Bo e P. M. Bardi Desenho 128ARQd0186
(alterado pela autora), Instituto Lina Bo e P.M. Bardi Foto 128ARQd0134 e OLIVEIRA (2018, p.161).
Na nova edificação que requadra o pátio interno, a arquiteta faz uso dos elemen-
tos pré-fabricados em concreto armado utilizado nas demais intervenções no centro
histórico. Ali, a Casa do Representante do Benin da Bahia é projetada com o uso de
paredes estruturais curvas em concreto (Figura 15). No conjunto, as fachadas históricas
foram restauradas e os acessos da menor fachada foram descascados e sua estrutura
exposta (Figura 13). No miolo de quadra resultante é executado o restaurante (Figura
16): uma edificação elíptica em alvenaria de barro e cobertura de palha remetendo aos
sistemas tradicionais africanos (OLIVEIRA, 2018, p.160) e apresenta certa semelhança
com a cobertura da varanda da Casa Valéria Cirell (Figura 17) e a casa do Chame-Chame,
ambas projetadas por Lina em 1958.
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Figuras 14 e 15: Vista da escada inserida no vão de pilares e detalhe da “tira” de céu (esquerda)
Figuras 16 e 17: Vista do pátio e restaurante do Benin (esquerda) e vista da Casa Valéria Cirell
(direita). Fonte: FERRAZ (1996, p.287 e p.117).
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O TEATRO OFICINA
O projeto do Teatro Oficina (1982-93) em São Paulo foi desenvolvido com o arquiteto
Edson Elito para uma edificação de meio de quadra, construída em 1920, ocupada pela
companhia em 1961 e incendiada em 1966. Em 1981, a construção é tombada pelo Con-
dephaap (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico)
por seu valor histórico para o teatro brasileiro (Figura 18). Lina Bo Bardi é apresentada
ao diretor José Celso Martinez Corrêa e, juntamente com o arquiteto Elito (FERRAZ, 2015,
pp. 8-10), propõe um espaço de teatro ainda menos convencional que a Fábrica SESC.
Entretanto, tanto quanto na Fábrica, os rebocos das paredes são removidos, expondo
a textura e fábrica da caixa murada. Esta recebe reforço estrutural e um importante vão
de iluminação é aberto na lateral. Todas as adições foram executadas com elementos
metálicos, oferecendo a reversibilidade como qualidade adicional à intervenção (Figura
19). As galerias longitudinais são desmontáveis e a abóboda de cobertura deslizante
permite que o teatro se abra para o céu (FERRAZ, 2015, pp. 12-16).
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Figuras 20 e 21: Escada do teatro (esquerda) e abertura criada no teatro (direita). Fonte: OLIVEIRA
(2018, p.146 e p.149).
CASA DO OLODUM
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Figuras 22 e 23: Fachada Casa do Olodum (esquerda) e interior do terceiro pavimento da casa
do Olodum (direita). Fonte: OLIVEIRA (2018, p.173 e p.175).
Figuras 24 e 25: Planta baixa terceiro pavimento da Casa do Olodum (esquerda) e Planta baixa
mezanino Casa Valéria Cirell (direita). Fonte: OLIVEIRA (2018, p.174 e p.44).
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o radicalismo das novas inserções. Entretanto, esse jogo de dualidades não é antitético
à operação analógica. Ao contrário, relações entre semelhanças e diversidades se refor-
çam e se complementam face à interpretação das características essenciais do edifício
antigo. Conforme Comas corrobora, é provável que uma melhor apreciação de sua obra
construída do zero seja dependente do entendimento desses encontros, muitas vezes
inusitados, emprestados pelo restauro e reciclagem de velhos edifícios.
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REFERÊNCIAS:
COMAS, Carlos Eduardo Dias. “Lina 3x2”. ARQTEXTO, v. 14, pp. 146-189, 2009.
FERRAZ, Marcelo C. Lina Bo Bardi. 2.ed. São Paulo: Instituto Lina Bo Bardi e Pietro
M. Bardi, 1996.
FERRAZ, Marcelo Carvalho (org.). Sesc Fábrica da Pompeia. São Paulo, Sesc/
IPHAN, 2015.
Instituto Lina Bo e P. M. Bardi. São Paulo. Acervo online disponível em: http://
www.institutobardi.com.br/busca_banco.asp.
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KM3:EDIFÍCIO DE
HABITAÇÃO COLETIVA E
O CONTEXTO URBANO NA
CONTEMPORANEIDADE
KM3: HOUSING BUILDING AND CONTEMPORARY
URBAN CONTEXT
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RESUMO
A habitação tem sido um tema de destaque no debate do campo disciplinar, não apenas esta-
belecendo a prática profissional do arquiteto e urbanas, mas sobretudo por ter sido tema
central de manifestos modernos e objeto de experimentação. Repensar o modo de compreender
sua inserção na cidade como elemento morfológico e participe da paisagem urbana é um dos
alicerces da contemporaneidade à medida que, superada a crise do Movimento Moderno, tem-se
a sobreposição de escalas e processos diagramáticos como critérios projetivos. Notadamente,
observa-se, num primeiro momento, as propostas utópicas dos edifícios em altura, nominados
arranha-céus e, mais recentemente, as discussões relativas à integração edifício e cidade. Este
artigo aponta as mudanças na relação do edifício de habitação coletiva e a cidade, a partir da
análise de momentos chaves da história recente do campo disciplinar. Como ponto de partida,
é apresentada a ideia do Movimento Moderno: a habitação como máquina de morar, relatada
nos debates dos quatro primeiros Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna (CIAM)
(1928-33) e forte presença de Corbusier. No entanto, a crise do Movimento Moderno perpassa por
novos apontamentos acerca do edifício de habitação coletiva e o sentido de habitat, demarcando
o período pós II Guerra Mundial. Entre 1947 e 1959, tem-se mudanças de posturas nos CIAM
em que a participação do Team X ao destacar como tema o Habitat e a noção de pertencimento,
adotando-se a escala humana em contraponto ao edifício monumental e isolado. Desdobram-se
desta postura as discussões do grupo holandês MVRDV a partir de seus textos sobre adensamento,
o edifício de habitação coletiva é tratado como espaço tridimensional, se relacionando com a
cidade e incorporando seus espaços. Ao longo do século XX, o tema habitação é fundamental
para compreender as práticas projetuais e os processos de constituição do espaço urbano,
levando a formação de edifícios híbridos, ou seja, a articulação de diversos usos com espaços
complementares à unidade habitacional.
A BSTRACT
Housing has been a prominent topic in the debate in the architecture disciplinary field, not
only establishing the professional practice, but above all it has been a central theme of modern
manifests and an object of experimentation. Rethinking the way of understanding the inser-
tion the housing as a morphological element and participating in the urban landscape is one
of the foundations of contemporary architectural practice, when overcoming the crisis of the
Modern Movement, schematic scales and processes overlap as design criteria. In particular,
at first, the utopian proposals for tall buildings, called skyscrapers, and, more recently, the
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discussions on the integration of the building and the city are observed. This article points out
the changes in the relationship between the collective housing building and the city, based on
the analysis of key moments in the recent history of the disciplinary field. As a starting point,
the idea of the Modern Movement is presented: housing as a machine, informed in the debates
of the first four International Congresses of Modern Architecture (CIAM) (1928-33) and the
presence of Corbusier. However, the crisis of the Modern Movement permeates new notes on
the construction of collective houses and the sense of habitat, demarcating the period after the
Second World War. Between 1947 and 1959, there were changes in positions at CIAM in which
the participation of Team X in highlighting Habitat and the notion of belonging as a theme,
adopted the human scale instead of the monumental and isolated building. The discussions
of the Dutch group MVRDV are developed from this position based on their texts on density,
the collective housing building is treated as a three-dimensional space, related to the city and
incorporating its spaces. Throughout the 20th century, the topic of housing is fundamental to
understanding design practices and the processes of constitution of urban space, which leads
to the formation of hybrid buildings, that is, the articulation of different uses with comple-
mentary spaces to the housing unit.
RESUMEN
La vivienda ha sido un tema destacado en el debate en el campo disciplinario, no solo estab-
leciendo la práctica profesional del arquitecto, sino sobre todo ha sido un tema central de los
manifiestos modernos y objeto de experimentación. Repensar la forma de entender su inserción
en la ciudad como un elemento morfológico y participar en el paisaje urbano es uno de los
fundamentos de la contemporaneidad ya que, al superar la crisis del Movimiento Moderno,
se superponen escalas y procesos esquemáticos como criterios de diseño. En particular, se
observa, al principio, las propuestas utópicas de edificios en altura, llamados rascacielos y,
más recientemente, las discusiones sobre la integración del edificio y la ciudad. corte y su posi-
ble densificación. Este artículo señala los cambios en la relación entre el edificio de viviendas
colectivas y la ciudad, basado en el análisis de momentos clave en la historia reciente del campo
disciplinario. Como punto de partida, se presenta la idea del Movimiento Moderno: la vivienda
como máquina, informada en los debates de los primeros cuatro Congresos Internacionales de
Arquitectura Moderna (CIAM) (1928-33) y una fuerte presencia de Corbusier. Sin embargo, la crisis
del Movimiento Moderno impregna nuevas notas sobre la construcción de viviendas colectivas
y el sentido del hábitat, demarcando el período posterior a la Segunda Guerra Mundial. Entre
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1947 y 1959, hubo cambios en las posturas en el CIAM en las que la participación del Team X
al destacar a Hábitat y la noción de pertenencia como tema, adoptó la escala humana en lugar
del edificio monumental y aislado. Las discusiones del grupo holandés MVRDV se desarrollan a
partir de esta postura basada en sus textos sobre densidad, el edificio de viviendas colectivas se
trata como un espacio tridimensional, relacionado con la ciudad e incorporando sus espacios.
A lo largo del siglo XX, el tema de la vivienda es fundamental para comprender las prácticas
de diseño y los procesos de constitución del espacio urbano, lo que lleva a la formación de
edificios híbridos, es decir, la articulación de diferentes usos con espacios complementarios a
la unidad de vivienda.
INTRODUÇÃO
De acordo com Mies Van der Rohe, “[...] a habitação de nosso tempo não existe. Con-
tudo, a transformação do modo de vida exige sua realização”[1]. Na abertura da Exposição
da Construção (Berlim, 1930), o arquiteto sugere que a habitação é algo que deve estar
em constante discussão, desenvolvimento e elaboração, visto que é um relevante tema
da prática profissional da arquitetura, além de permitir acompanhar as constantes
mudanças socioculturais. Destaca-se que sua fala demonstrava as reflexões dos arqui-
tetos modernas e as necessidades de mudança do campo disciplinar, principalmente
pela defesa dos arranha-céus ou edifícios em alturas. A questão da habitação coletiva e
sua inserção na cidade foi amplamente discutida durante o Movimento Moderno. Entre
os arquitetos modernos, o papel de Le Corbusier é destacado, dada sua proposta para o
plano da Ville Radieuse (1935).
Em confrontação ao domínio de Le Corbusier, Cohen (2012) descreve a posição dos
urbanistas alemães que viam nos arranha-céus americanos a expressão e referência
para as modernizações da cidade. Um novo modelo de cidade emergia fora dos limites
europeus – a cidade vertical. Zucconi (2009) comenta que as relações entre volume e
superfície apontam tipos urbanos distintos que conformam a paisagem das metrópo-
les norte-americanas: habitações isoladas nos subúrbios e os arranha-céus no centro.
A função das áreas de baixa densidade destinava-se à habitação e era favorecida pelos
meios de transporte, corroborando para o espraiamento das metrópoles; os arranha-céus
[1] Publicado em Die Form nº 7, junho de 1931 apud SILVA e VILA, 2005, p. 240.
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tem a cidade 3D: uma cidade vista como espaço tridimensional, que está em constante
desenvolvimento, construção e adensamento.
Diante disso, este artigo tem como objetivo geral estudar e analisar as soluções
para habitação coletiva e sua relação com a cidade a partir do final da década de 1980,
a fim de compreender e refletir sobre as contribuições que essas soluções e perpassam
novos processos projetivos ao debruçarem nas dinâmicas de transformação do mundo
contemporâneo.
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do século XIX e os primeiros anos do século XX. Para Calabi (2008), por volta de 1910, o
urbanismo foi institucionalizado como campo profissional de atuação.
Os modelos utópicos organizaram as cidades entre a segunda metade do século XIX
e início do século XX (CHOAY, 1965). Até os CIAMs, os enunciados visavam definir a cidade
ideal para o futuro, capaz de corrigir os males provocados pelo crescimento desenfreado
e modelar o comportamento social. Os CIAMs propunham-se a regulamentar e delimitar
as premissas do Movimento Moderno tanto em arquitetura quanto na prática urbanís-
tica, consolidando-se como formação teórica e prática dos modelos utópicos, seja para
a implantação de áreas habitacionais, cidades-satélites ou cidades novas.
O principal objetivo dos CIAMs era reunir pensadores cuja missão em comum era
definir os fundamentos da arquitetura moderna, tendo por referência a cidade do futuro.
Os idealizadores dos CIAMs intencionavam persuadir o público a respeito de uma lingua-
gem artística conforme as mudanças do século XX. Por essa razão buscavam estratégias
formais e técnicas para a elaboração de um programa coletivo de transformação social
por meio da arquitetura, vinculado ao planejamento urbano regional. Para eles, a forma
de tornar reais suas intenções era o envolvimento e adesão das instituições e adminis-
trações públicas, possibilitando a propagação internacional do ideário modernista.
Em síntese, os quatro primeiros CIAMs foram marcados pelo embate entre alemães
e franceses, prevalecendo o pensamento de Le Corbusier. Esses encontros permitiram
difundir e consolidar o Movimento Moderno, apresentando à sociedade a estética da
máquina e a cidade do futuro. Os principais manifestos do período são: a Declaração
de La Sarraz (1928) e as publicações de Le Corbusier – La Ville Radieuse (1935) e La Charte
d’Athènes (1943).
Le Corbusier apresenta a divisão da cidade por zonas, onde o centro, tanto comercial
quanto residencial, seria composto por edifícios altos e de alta densidade, enquanto que
a área residencial, que constitui o cinturão verde, as cidades-jardim, teria predominância
residencial com a inserção de atividades comerciais e de serviço locais, a fim de suprir
a necessidade de seus moradores.
Além da presença de Le Corbusier, o grupo alemão trouxe diversas questões ao
debate. Gropius (1997) acenou para as mudanças na estrutura familiar, que se tornava
cada vez menor devido ao controle de natalidade, fator que, consequentemente, reduziria
as dimensões da moradia. Além disso, Gropius ressaltava que, através da industrialização,
seria possível a produção em série e a padronização de elementos construtivos, dimi-
nuindo o custo das construções. Para ele, a solução para o urbanismo se baseava numa
habitação mínima e econômica; na verticalização que proporcionava maior acesso à ilu-
minação e à ventilação e nos subúrbios horizontais, mais adequados à escala do homem.
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[2] A Ville Radieuse incorpora princípios da Ville Contemporaine e do Plan Voisin. No entanto,
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espaço edificado. Os encontros abordaram a temática urbana não mais pela arquitetura
a ser proposta, mas pelas condições entre permanências e rupturas necessárias para o
desenvolvimento das cidades. As inter-relações dos espaços e as condições do vivido
passaram a ser objeto de discussão.
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O VIII CIAM consolidou as fissuras dos dois encontros anteriores, ao propor a ava-
liação do núcleo urbano dotado de significados e que expressa fisicamente o senso de
comunidade em oposição à visão científica defendida nos quatro primeiros congressos.
Abarcava desde os interesses de pedestrializar os centros das novas cidades holandesas,
suecas e britânicas até projetos urbanos para o Peru e a Colômbia, além de satisfazer o
grupo italiano que se interessava pelos centros históricos. A discussão desse encontro
legitimou as posturas divergentes dos arquitetos participantes dos CIAMs, distancian-
do-os de Le Corbusier. Com isso, a partir de 1951 instala-se uma crise disciplinar, que
culmina com a dissolução do CIAMs em 1956 e a consolidação do historicismo como
aporte teórico para a arquitetura e o urbanismo.
Essa discussão está fortemente ligada à ideia do genius loci, o espírito do lugar, de
Norberg-Schulz. Segundo Nesbitt (2006), Norberg-Schulz discorre sobre como o homem
moderno viveu, durante muito tempo, sob uma crença ilusória de que a ciência e a
tecnologia o haviam libertado da dependência direta dos lugares. “Habitar” passaria a
designar a relação entre o homem e o lugar. Segundo o arquiteto, a liberdade pressupõe um
sentimento de pertencer, e o “habitar” confere esse sentimento ao homem, pois quando
o homem habita um determinado local, ele passa a pertencer a um ambiente concreto.
As discussões de Norberg-Schulz referentes ao habitar, tem forte relação com o tema
do X CIAM (1956) que se dedicou à discussão do “Habitat Humano” e foi de responsabi-
lidade do grupo denominado por a nova geração. Segundo Montaner (2001), nos dois
últimos CIAM houve o princípio da sua ruptura, uma vez que surgiu um grupo, o Team
X, que apresentava características muito diferentes.
O Team X surgiu a partir do X CIAM e de 1959 e 1962 e “[...] buscava resgatar a força
moral heroica do modernismo do passado, e ao mesmo tempo canalizá-la em formas
relevantes a um mundo profundamente transformado [...]” (Curtis, 2008, p. 442). O tema
do Habitat, discutido nos dois últimos CIAM, foi fundamental para a consolidação do
grupo, pois foi a partir dos debates levantados naquele momento que foram revelados
os interesses dos vários membros do grupo em se discutir uma arquitetura baseada
nas inter-relações humanas no espaço. Dessas inter-relações, surgiu a importância de
se incorporar os espaços complementares e áreas comuns às unidades residenciais,
uma vez que se ressaltou a importância da uma socialização entre os usuários e para a
manutenção de seus valores culturais.
Segundo Frampton (2008), o Team X retomava a questão de múltiplas escalas de
intervenção da arquitetura e do urbanismo que era constituída pela casa, seguida pela
rua, pelo bairro e, finalmente, pela cidade. A rua ou o espaço, entre as formas construídas,
eram os elementos geradores da segunda escala, a partir das relações entre os moradores
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e o espaço urbano. O bairro constituía uma terceira escala, esta por sua vez se compor-
tava como escala intermediária entre a arquitetura e o urbanismo. Para os membros do
Team X, essa sucessão de escalas preenchia o vazio deixado pelas teorias propostas pelo
Movimento Moderno relativas à relação entre a arquitetura e urbanismo funcionais.
Segundo Montaner (2001), a partir desse momento começaram a surgir novas
teorias que iam contra os ideais propostos pelo Movimento Moderno, denominadas
pós-modernas. Segundo o autor, essas novas teorias pensavam em projetar a cidade em
escala macro, cujas soluções eram elaboradas a partir de um todo e não por partes frag-
mentadas como era feito anteriormente no modernismo. Nesse período destacaram-se o
Archigram, os metabolistas japoneses, o populismo de Robert Venturi e o racionalismo.
Ao suplantar seus ideais nos avanços tecnológicos, o Archigram propôs uma arqui-
tetura descartável, substituível, um objeto de consumo. Com isso, o mundo artificial e a
ainda incipiente tecnologia informacional (computadores e naves espaciais) imperavam
no imaginário do grupo, expresso em projetos radicais de inovação tecnológica, com-
preendendo desde pequenas células às cidades no espaço. Ao contrário de Le Corbusier,
o Archigram não buscava uma relação entre homem, natureza e máquina. O aparato
tecnológico associado à capacidade comunicativa da cultura de massa serviu de pano
de fundo para a elaboração de suas propostas.
Plugin City (1964), cidade conectável (Figura 3), de Peter Cook, representa o paradigma
formal da cidade imaginável no espaço, descolada de quaisquer paisagens preexistentes.
Como afirma Montaner (2001, p. 115), a arquitetura deveria abandonar suas aspirações
artísticas, artesanais e históricas para assumir-se como produto da era industrial. Segui-
ram-se outras propostas do grupo Walking City (1963-1964) e Instant City (1968-1970)
(Figura 4).
A cidade do futuro e seu modelo utópico foram paulatinamente rejeitados à medida
que posturas mais radicais possibilitaram a renovação das ideias modernistas e também
com a valorização da história, do lugar e da memória, visto que a cidade histórica existente
possibilitaria a revisão e crítica ao Movimento Moderno de modo mais contundente.
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Ele se insere em contextos urbanos distintos de forma adequada, pois é flexível e agrega
as características e funções da cidade já existente, em que as informações da realidade
colaboram para a integração com o entorno e com o contexto urbano. Segundo Montaner
(2009), MVRDV se caracteriza por projetar através de uma ousada pesquisa formal, onde
é feita uma busca que leva ao extremo da fragmentação e da disjunção e que explora
sem barreiras todos os tipos de mecanismos:
O grupo desenvolveu uma tipologia de edificações que são relacionadas à soma
de fragmentos na vertical, em uma espécie de edifício massa que se converte em um
arranha-céu, dando a ele dois aspectos simultâneos: o da verticalidade e o da diversi-
dade. Tal diversidade pode ser observada através da configuração de cada planta e da
disposição das várias funções dentro do edifício de acordo com suas características e os
condicionantes do local em que está inserido. Nesse sentido, afasta-se das proposições
modernistas de buscar um protótipo e aproxima-se da ideia de habitat dos anos 1960.
A disposição das funções e usos dentro da edificação, juntamente com os jogos for-
mais propostos pelo grupo, são feitos através de mecanismos racionais e sistematizados
como o programa de computador “Functionmixer”. Para esse grupo de arquitetos, os dados
de determinado local e edifício são lançados no programa e, a partir das informações
fornecidas, são geradas diferentes propostas de implantação e organização espacial do
edifício. O “Functionmixer” tem como objetivo auxiliar no processo de projeto do edifício,
e a partir da geração de várias possibilidades, chegar à solução otimizada para a confi-
guração da edificação, partindo de módulos tridimensionais..
Segundo Montaner (2009, p. 165), o edifício Silodam (1995-2002) é “[...] o exemplo
mais brilhante do mecanismo de somar módulos em três dimensões” utilizado pelo
MVRDV. A edificação localiza-se em Amsterdã, Holanda e consiste em um complexo de
157 unidades habitacionais que se comporta como uma interpretação pós-moderna
da Unidade de Habitação de Marselha de Le Corbusier. Para o autor, a rua-corredor de
Le Corbusier é convertida em um “labirinto de elevadores, escadas e corredores”, além
de apresentar unidades de vizinhança menores a partir do agrupamento de vizinhos
propostos, que são expostos na fachada com o emprego de diferentes materiais na
fachada (Figuras 5, 6, 7, 8, 9 e 10).
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Figura 7 – Silodam – Planta do 5º pavimento e as diferentes circulações propostas, articuladas a espaços públicos. Fonte:
www.aplust.net/
Figura 8 – Silodam – esquema do posicionamento das unidades residenciais no volume do edifício. Montaner, 2009.
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Figura 10 – Silodam – Planta do terceiro pavimento composto por diferentes tipos de unidades habitacionais. Fon
aplust.net/
De acordo com Montaner (2009, p. 165), “essa ênfase radical na individuali-
dade dos usuários expressa-se ainda nos distintos espaços destinados ao uso
coletivo presente em cada uma das quatro partes do edifício”. A sobreposi-
ção de fragmentos é denominada, pelo autor, como um megaobjeto, confi-
gurando uma cidade vertical, à medida que proporciona relações urbanas a
cada pavimento, distintos entre si.
O edifício Celosia (2009) foi pensado como um bairro poroso, onde o bloco
é definido como um tecido tridimensional e intertravado – espaços públicos
e privados, com áreas abertas e estruturas construídas diversas (figuras 11 e
12).
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por meio desse estudo, foi possível compreender como a habitação e a cidade
foram tratadas ao longo do século XX aos dias atuais. O edifício de habitação coletiva
no Movimento Moderno foi tratado como objeto isolado, que era disposto em faixas
lineares contínuas e só se relacionava com seu entorno imediato. Era tido como peça
fundamental na organização da cidade funcional, proposta pela Carta de Atenas, que
apresentava quatro funções: habitação, trabalho, lazer e circulação.
Resultada em uma organização racionalista, devido zoneamento funcional que
pode ser observado no plano da Ville Radieuse de Le Corbusier. Além disso, os arquitetos
modernistas acreditavam que a habitação mínima, a produção em série a generalização
do usuário seriam a solução para a problemática da habitação. Dessa forma, a Unidade
de Habitação de Marselha, projetada por Le Corbusier é vista como protótipo do edifício
de habitação coletiva, onde a edificação poderia ser inserida indiscriminadamente em
qualquer contexto urbano e poderia ser destinada a qualquer usuário.
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REFERÊNCIAS
BARONE, Ana Carolina Castilho. Team 10: Arquitetura como crítica. São Paulo:
Annablume: Fapesp, 2002.
FERRE, Albert; SALIJ, Tihamer. Total Housing: alternatives to urban sprawl. Nova
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.
In: Seminário Mato-grossense De Habitação De Interesse Social, 2005, Cuiabá.
Disponível em:
Acessado em: 21/04/2018.
ZUCCONI, Guido. A cidade do século XIX. São Paulo: Editora Perspectiva, 2009.
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LE HAVRE: DE CIDADE
RECONSTRUÍDA A
PATRIMÔNIO MODERNO
LE HAVRE: FROM REBUILT CITY TO MODERN
HERITAGE
SILVA, Jéssica
Doutoranda; Universidade de Brasília
jessica.arq3@gmail.com
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RESUMO
A cidade francesa de Le Havre, hoje Patrimônio Cultural da Humanidade reconhecido pela
UNESCO no ano de 2005, teve o seu centro urbano praticamente todo reconstruído após os
bombardeios da Segunda Guerra Mundial. O longo processo que separa essas duas datas, de
1944, ano da destruição, até 2005, data do reconhecimento, foi marcado por inúmeras ações,
discussões e agentes que envolveram a sua patrimonialização. Este artigo aborda esse percurso,
lançando luz sobre a Le Havre do passado que foi reconstruída até a cidade listada na UNESCO,
mantendo o foco no campo do patrimônio e da preservação.
A BSTRACT
The French city of Le Havre, today a World Heritage Site recognized by UNESCO in 2005, had
its urban center practically rebuilt after the bombings of World War II. The long process that
separates these two dates, from 1944, the year of destruction, until 2005, the date of recognition,
was marked by countless actions, discussions and agents that involved its patrimonialization.
This article addresses that path, shedding light on Le Havre from the past, which was rebuilt to
the city listed on UNESCO, keeping the focus on the field of heritage and preservation.
RESUMEN
La ciudad francesa de Le Havre, hoy Patrimonio de la Humanidad reconocido por la UNESCO
en 2005, tuvo su centro urbano prácticamente reconstruido después de los bombardeos de la
Segunda Guerra Mundial. El largo proceso que separa estas dos fechas, desde 1944, el año de la
destrucción, hasta 2005, la fecha de reconocimiento, estuvo marcado por innumerables acciones,
debates y agentes que involucraron su patrimonialización. Este artículo aborda exactamente
ese camino, arrojando luz sobre Le Havre del pasado, que fue reconstruido en la ciudad incluida
en la lista de la UNESCO, manteniendo el foco en el campo del patrimonio y la preservación.
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INTRODUÇÃO[1]
[1] Este artigo é parte de uma pesquisa de doutorado em andamento junto à linha de pesquisa
Patrimônio e Preservação, área de Teoria, História e Crítica do Programa de Pós-graduação da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília.
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mais específicas e detalhadas em outros debates. Pode-se citar como exemplo a questão
pós-reconhecimento pela UNESCO e os cuidados de cada gestão para manter suas cidades.
A discussão da preservação de cidades modernas, sobretudo Brasília, parte do
contexto brasileiro, se faz presente hoje nas mesas de discussões. Porém, verifica-se a
necessidade de ampliar esse debate, ao introduzir outras cidades modernas que também
são reconhecidas pela UNESCO. Além de Brasília (1987), Tel-Aviv (2003) e Le Havre (2005).
No presente artigo pretende-se olhar especificamente para Le Havre, lançando luz sobre
essa cidade, sem a intenção de excluir Brasília e Tel-Aviv que aparecem em determinadas
discussões. Os aportes necessários para dar suporte às intenções deste artigo provêm
sobretudo de livros e escritos que abordam especificamente Le Havre.
Em suma, pretende-se responder à seguinte questão: como o processo de reconstru-
ção de Le Havre auxiliou para que a cidade se tornasse Patrimônio Cultural da Humani-
dade como um sítio moderno? Sendo assim, a abordagem aqui pretendida diz respeito
a uma parte do processo, certamente possuindo outras possibilidades de discussão. A
partir dessa proposta, o artigo se estrutura em duas partes: uma discussão inicial sobre
o período de reconstrução e o debate relativo ao momento de candidatura perante a
UNESCO, encerrando com algumas considerações finais.
DA DESTRUIÇÃO À RECONSTRUÇÃO
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Figura 2 - Vista dos Imóveis sem uso individual (ISAI). Fonte: Etienne-steiner (1999, p. 19).
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1. As grandes vias subsistentes, que criam com o Bassin du Commerce dois eixos
ortogonais, servirão de base à trama geral;
2. A trama será constituída de duas grelhas perpendiculares de circulação prin-
cipal formando malhas quadradas com 100 m de lado;
3. Cada malha poderá ser recortada por uma rede de circulação secundária;
4. O traçado das vias, a largura, as dimensões das ilhas e dos imóveis serão ins-
critos em uma trama geral invisível, tendo um módulo base de 6,24m;
5. A disposição dos volumes construídos em relação à rua deverá garantir a
todos os apartamentos a insolação máxima, amplas visuais e proteção contra
os ventos dominantes;
6. A disposição dos edifícios, uns em relação aos outros, dentro de uma mesma
ilha, deverá considerar os mesmos imperativos;
7. A altura das edificações não será uniforme, sendo definidas localmente em
função das condições particulares enunciadas nos itens 5 e 6;
8. Considerando a proximidade com o lençol freático, será desejável elevar a rede
de vias de circulação. (ETIENNE-STEINER, 1999, p.11, tradução nossa)[2]
Esses princípios apresentados por Perret trouxeram diretrizes básicas para a recons-
trução de Le Havre, mencionando soluções para o urbanismo e para a arquitetura. Além
disso, houve a preocupação em seguir certos princípios de cidades modernas, como o
higienismo, a relação com o meio ambiente, a interação entre veículos e pedestres e a
organização do espaço urbano. Sem esquecer dos aspectos sociais e econômico como
soluções para a situação no pós-guerra. (PANTET; ELETA-DEFILIPPIS; SOLIGNAC, 2019)
Essa visão elencada pelos autores permite observar referências à Carta de Atenas de 1933,
[2] No original: “1– Les grandes voies subsistantes qui créent avec le bassin du Commerce
deux axes orthogonaux serviront de base à la trame générale. 2 – La trame sera constituée de
deux réseaux perpendiculaires de circulation principale formant des mailles carrées de 100 m
de côté. 3 – Chaque maille pourra être recoupée d’un réseau de circulation secondaire. 4- Le
trace des voies, leur largeur, les dimensions des îlots et des immeubles s’inscriront dans une
trame générale invisible dont le module de base est de 6,24 m. 5- La disposition des volumes
bâtis par rapport à la rue devra assurer à tous les appartements un ensoleillement maximum,
des vues dégagées et une protection contre les vents dominants. 6- La disposition des bâtiments
les uns par rapport aux autres dans un même îlot devra tenir compte des mêmes impératifs.
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Brasília, Tel-Aviv e Le Havre são referências claras ao movimento moderno, e por isso
é natural que sejam estabelecidas comparações entre elas, através de suas edificações ou
do desenho urbano, ou simplemente no uso dos materiais. Se existiram conexões entre
as cidades no momento de seus projetos, ou mesmo de construção, não há uma resposta
até o momento. Tendo como foco o processo de candidatura, Brasília foi a primeira em
1987, seguida de Tel-Aviv em 2003, e Le Havre em 2005. De certa forma, como parte de um
pré-requisito da UNESCO para a candidatura, as cidades posteriores foram brevemente
comparas às suas antecessoras, principalmente como uma forma de validação do pro-
cesso de reconhecimento como cidades modernas patrimônio cultural da humanidade.
Além desses aspectos já citados que são caros aos representantes da arquitetura
moderna, a reconstrução de Le Havre perpassa uma noção inicial de que o ponto de par-
tida seria uma tábula rasa, ideia que no campo da arquitetura é comumente associada
a uma condição do projeto em que se parte do zero. Na cidade francesa essa noção diz
respeito aos 150 hectares destruídos pelas bombas da guerra (Figura 3). Essa visão foi
reforçada no seu Dossiê de candidatura perante à UNESCO, quando afirmou:
A cidade reconstruída é, portanto, sobreposta à cidade destruída de
acordo com dois modos simultâneos, virtual e concreto, que constroem,
além da tábula rasa, sua real profundidade histórica. A Le Havre nova
também cobre a Le Havre antiga a partir de um aterro de um metro de
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Apesar do Dossiê assumir essa noção, Perret buscou na cidade antiga referências ao
seu traçado original como é explicitado em Le Havre – Auguste Perret et la reconstruction:
“[...] a tábula rasa é um efeito ilusório e Perret [...]teve pelo menos que restituir o traçado
das vias principais, o “Triangle D’Or”, e reestabelecer a beira-mar para conter os ventos”.
[3] No original: “La ville reconstruite se superpose donc à la ville détruite selon deux modes
simultanés, virtuel et concret, qui construisent, par-delà la table rase, sa réelle profondeur his-
torique. Le Havre neuf recouvre également Le Havre ancien (d’une manière très émouvante) sur
un remblai d’un mètre d’épaisseur constitué des décombres nivelés des bâtiments bombardés”.
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(ETIENNE-STEINER, 1999, p.7, tradução nossa)[4] Também contrapõe a ideia da tábula rasa
algumas edificações que permaneceram, exemplos como a Catedral de Notre-Dame, a
Maison de l’armateur, o Hôtel Dubocage de Bléville e o Museu de História Natural. Todas
passaram por restauros após a guerra, mas, de diferentes formas, se mantiveram de pé.
Um caso particular que envolveu a reconstrução de Le Havre pode ser visto no
Quartier Saint-François, um bairro que não seguiu o planejamento de Auguste Perret,
sendo reerguido com base em sua concepção original do século XVI (Figura 4). O local
recebeu o projeto de arquitetos locais seguindo a justificativa de que se encontravam ali
monumentos dos mais importantes da cidade, alguns classificados como monumentos
históricos pela França. (DOCOMOMO, 2002) Além de contar hoje com uma aparência dife-
rente do centro moderno de Le Havre, Saint-François é cercado pelos Bassin de la Barre e
Bassin du Commerce, trazendo um ambiente particular, onde o traçado e as edificações
lembram a Le Havre do passado.
[4] No original: “[...] la table rase s’est en effet avérée illusoire et Perret [...] il a fallu au moins
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O primeiro passo oficial para tornar Le Havre um patrimônio foi através da cria-
ção dessa ZPPAUP, significando que o governo local, com o apoio do nacional, estavam
à frente desse processo. Em seguida a cidade foi inscrita na lista de bens franceses para
submissão à UNESCO em 2001. Também foi nesse mesmo ano que o Ministério da Cultura
da França concedeu a Le Havre o título de “cidade da Arte e da História”. Através dessa
iniciativa a cidade recebeu exposições e eventos com objetivo de divulgá-la não só para
os locais, mas também para o restante da França e outras partes do mundo. A associação
dessa ação com o turismo favoreceu um aporte para que diferentes olhares se voltassem
para Le Havre. A condição de cidade portuária, somada à de “cidade da Arte e da História”
deram uma significância diferente ao centro reconstruído, atraindo investimentos e
criando um circuito turístico em que se destacavam o urbanismo e a arquitetura de Perret.
Auguste Perret não apenas teve o papel de projetar a reconstrução da cidade, o
arquiteto “transformou Le Havre em uma cidade-monumento, com espaços icônicos,
capazes de serem comparados à grandiosa metrópole parisiense, tornando-a a porta
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de se mesurer à la grandiose métropole parisienne dont elle est devenue la porte sur l’océan”.
[7] No original: “Bien qu’il s’agisse d’un bien culturel récent, il convient de tenir compte des
recommandations du Comité intergouvernemental relatives aux centres historiques anciens
dont la densité et la qualité monumentales révèlent un ensemble d’intérêt majeur”.
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tal, mas também ao evocar o passado vivido durante a guerra, poderia ser legitimada a
candidatura à UNESCO.
Após a inscrição na lista de bens franceses para submissão à UNESCO em 2001, já
em 2002 encontram-se registros das primeiras versões do dossiê de candidatura de Le
Havre. Esse documento, intitulado Le Havre: a cidade reconstruída por Auguste Perret, além
de preencher os requisitos obrigatórios que constam na ficha de inscrição, traz um deta-
lhado panorama da história da cidade, incluindo seus históricos no pré e pós-guerra. Tudo
isso serviu como um reforço para a sua inscrição na lista de bens da UNESCO segundo os
critérios II e IV. Também no dossiê houve a tentativa de inscrição sob o critério I. Segundo
consta na descrição da própria entidade os critérios correspondem a:
i. representar uma obra-prima do gênio criativo humano, ou
ii. ser a manifestação de um intercâmbio considerável de valores huma-
nos durante um determinado período ou em uma área cultural espe-
cífica, no desenvolvimento da arquitetura, das artes monumentais, de
planejamento urbano ou de paisagismo, ou [...]
iv. ser um exemplo excepcional de um tipo de edifício ou de conjunto
arquitetônico ou tecnológico, ou de paisagem que ilustre uma ou várias
etapas significativas da história da humanidade, ou [...]. (UNESCO, 2018)
A justificativa para a tentativa de inclusão do critério I faz referência ao trabalho
de Auguste Perret e sua expressão com o concreto armado. Porém, segundo o ICOMOS
(Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), esse critério foi recusado pelos seguin-
tes motivos:
Critério i: O centro da cidade reconstruído de Le Havre é caracterizado
- mais do que por sua estética - pelo uso em larga escala de técnicas
inovadoras de construção baseadas em concreto armado e um projeto
modular. Embora reconheça a importância disso, o ICOMOS considera
que, no caso de Le Havre, esses temas são cobertos de forma mais ade-
quada pelos critérios ii e iv. (UNESCO, 2003, p. 116, tradução nossa)[8]
[8] No original: “Criterion i: The reconstructed city centre of Le Havre is characterised – more
than by its aesthetics - by the largescale use of innovative building techniques based on rein-
forced concrete and a systematic modular design. While recognising the importance of this,
ICOMOS considers however that, in the case of Le Havre, these themes are more appropriately
covered by the criterion ii and iv”.
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Essa é uma descrição um tanto quanto genérica e apenas descarta o critério sem
maiores explicações. A Cidade Branca de Tel-Aviv também está inscrita sob os mesmos
critérios de Le Havre, II e IV. Já Brasília foi listada pelos critérios I e IV, tendo como justifi-
cativa os trabalhos de Lucio Costa com o urbanismo e Oscar Niemeyer com a arquitetura.
A discussão envolvendo a valoração de cada cidade poderia entrar em outro debate
mais específico. Aqui cabe destacar que Le Havre foi reconhecida por trazer aportes da
arquitetura moderna e ao mesmo tempo referências à arquitetura do século XVI, tam-
bém a questão da reconstrução no pós-guerra e seus métodos construtivos inovadores
e eficientes para aquela situação. (UNESCO, 2003)
Assim, no ano de 2005 Le Havre se tornou a terceira cidade moderna a ser reconhe-
cida pela UNESCO como Patrimônio Cultural da Humanidade. Se considerar a década de
1980 como os momentos finais de sua reconstrução, cerca de 20 anos separam essas duas
datas, o que significa ver na cidade um percurso para a sua valorização e reconhecimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A trajetória de Le Havre, desde uma cidade destruída após a Segunda Guerra Mundial,
até o momento de seu reconhecimento como patrimônio, implicou uma longa jornada
de reconstrução e construção de edificações e de significados. Já nos primeiros momen-
tos para reerguer a cidade, os governos local e nacional tiveram papéis essenciais ao
organizar a situação e criar diretrizes claras para uma obra de tamanho porte. Ademais,
foi necessário lidar com uma população desabrigada e em choque pelos anos de guerra.
Além do apoio e incentivo do governo, Le Havre teve como arquiteto escolhido
Auguste Perret, responsável pelo planejamento do centro urbano e de algumas edifica-
ções mais importantes. O arquiteto, seguindo um estilo próprio, agregou a sua estética
do concreto armado à arquitetura moderna pretendida para a cidade. Assim, houve uma
associação de funcionalidade e estética, criando uma Le Havre única. A monumentali-
dade hoje vista no conjunto urbano, e que certamente foi uma das justificativas para a
sua patrimonialização, já estava presente nos planos iniciais de Perret. Como discutido
anteriormente, o seu planejamento trazia vias largas, edificações pensadas para o conforto
e a salubridade, além da intenção de valorização da sua condição de cidade portuária e,
mais recentemente, o papel do turismo como forma de divulgação.
Assim como Brasília e Tel-Aviv, Le Havre já nasce com princípios e diretrizes que a
tornaram um centro urbano diferente. Sua arquitetura moderna ao mesmo tempo traz
semelhanças com essas cidades, e também apresenta traços únicos, por infinitos fato-
res. A partir dessa constatação, outras discussões podem ainda ser tecidas sobres essas
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cidades, de forma comparativa ou não, o que significa ver que não se encerra aqui esse
debate acerca da preservação de cidades modernas que são patrimônio e especialmente
o caso de reconstrução.
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REFERÊNCIAS
A Alegoria do Patrimônio
São Paulo: Editora UNESP, 2001.
CIAM. Carta de Atenas. Atenas: Assembleia do CIAM, 1933. Disponível em: < http://
20 jan. 2020.
1999.
jan. 2020.
CEREMA, 2019.
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LOS INICIOS DE LA
RESTAURACIÓN DE
MONUMENTOS EN CUBA.
LA RESTAURACIÓN
DEL PALACIO DE LOS
CAPITANES GENERALES EN
1930.
HERNÁNDEZ, Maite
Mestra em Desenvolvimento Urbano pelo Programa de Pós-Graduação em Desenvol-
vimento Urbano da UFPE. Laboratório de Urbanismo e Patrimônio Cultural da UFPE –
LUP-UFPE.
maitehernandezalfonso@gmail.com
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RESUMEN
El presente artículo aborda el estudio de los inicios de la restauración de monumentos en Cuba
a partir del análisis del trabajo de los arquitectos cubanos Evelio Govantes y Félix Cabarrocas en
el Palacio de los Capitanes Generales. En la actualidad, estos trabajos constituyen una referencia
relevante al ser las primeras labores de su tipo en la isla y permitir la conservación de uno de
los edificios coloniales más importantes de la Plaza de Armas; una de las más importantes del
Centro Histórico de La Habana. Entre 1920 y 1950 se sentaron las bases del proceso de forma-
ción de una concepción de restauración en Cuba. Para el estudio de dicho proceso se tuvo en
cuenta el contexto cultural en el que se desenvolvieron estos trabajos, así como la formación,
las referencias y el pensamiento de los arquitectos en materia de restauración. El análisis
detallado de estas intervenciones permitió identificar algunos de los principales preceptos de
restauración empleados, un punto de partida para dilucidar la idea que sobre esta disciplina
se tenía en Cuba por aquellos años.
INTRODUCCION[1]
[1] Este trabajo constituye parte de los resultados obtenidos en la disertación de maestría “La
formación de una concepción de restauración en La Habana, Cuba, de 1920 a 1950. La obra de los
arquitectos Evelio Govantes y Félix Cabarrocas”, defendida en junio de 2020 dentro del Programa
de Pos-graduación y Pesquisa en Desarrollo Urbano de la Universidad Federal de Pernambuco;
con autoría de Maite Hernández Alfonso bajo tutoría de Natalia Miranda Vieira-de-Araujo.
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materia de rehabilitación urbana (RIGOL y ROJAS, 2012, p.73). De esta forma, se dio inicio
a una misión “modernizadora” que transformaría varios sectores de la vida en la isla.
Entre otros aspectos, este empeño puso énfasis en la organización y reestructuración
de la educación, muy abandonada dadas las circunstancias de la guerra de independencia
librada contra España. Fue así que se llevó a cabo una Reforma de la Enseñanza y, como
parte de las reformas en la enseñanza superior, el 30 de junio de 1900 se dictó la Orden
Nro. 266 que anunciaba la creación de la Escuela de Ingenieros, Electricistas y Arquitectos
de la Universidad de La Habana; institución que sentó las pautas en la formación de los
profesionales de la construcción que modelarían el futuro inmediato de la arquitectura
en Cuba (ROSADO, 2009, p. 228).
Durante los primeros cincuenta años de creada esta escuela, la necesidad de alcanzar
una madurez y estabilidad en la formación de los arquitectos cubanos marcó las pautas
principales de los planes de estudio. Desde sus inicios, la formación fue estrictamente
academicista sin margen a reflexiones que rebasaran la enseñanza de presupuestos
técnicos y artísticos para la realización de proyectos. Durante esta etapa, los cambios
más significativos introducidos en la enseñanza de la arquitectura correspondieron
al momento en el que se voltearon las miradas al estudio de la arquitectura colonial
cubana; un movimiento que fue novedoso no solo para el contexto cubano, sino también
para las naciones latinoamericanas en plena definición de su identidad. Cabe recordar
que lo que estaba naciendo como patrimonio arquitectónico cubano era parte de una
historia reciente, permeada por un contexto de “modernización” y actualización a la
usanza europea o norteamericana. Con todo esto era de esperar que, cuanto más, se
comenzaran a estudiar las características de dicho patrimonio colonial antes de pensar
siquiera en intervenirlo.
Aun cuando la historia de la arquitectura colonial cubana comenzaba a tener un
peso fuerte en la formación universitaria de los arquitectos a partir de un nuevo plan
de estudios aprobado en 1925, algunos profesores y otros profesionales (historiadores,
escritores, intelectuales, etc.) iniciaron el camino hacia el reconocimiento de sus valo-
res patrimoniales. Algunas de las figuras destacadas en la defensa y el estudio, no sin
tropiezos, del patrimonio colonial cubano fueron Alberto Camacho (1900-1929), Joaquín
Weiss (1894-1968), Pedro Martínez Inclán (1883-1957), Evelio Govantes (1886-1981), Luis
Bay Sevilla (¿?) , José María Bens Arrate (¿?) y Emilio Roig de Leuchserning (1889-1964). El
trabajo de estos arquitectos e historiadores se vio impulsado por la labor de promoción
de las publicaciones especializadas y las organizaciones profesionales como la Sociedad
de Ingenieros y Arquitectos (1907) y el Colegio de Arquitectos de La Habana (1916).
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se inició un debate, de la mano de Pedro Martínez Inclán, que podría decirse también
constituyó caldo de cultivo para estas iniciativas restauradoras.
En 1926, Martínez Inclán había hablado sobre la necesidad de reivindicar la imagen
de La Habana y potenciar su “singularidad” (SEGRE y SAMBRICIO, 2000, p.3). Con ello, se
refería Martínez Inclán a la necesidad de rescatar la singularidad arquitectónica de la
ciudad colonial en la cual el estilo español de sus calles y plazas se correspondía con
el de sus edificios barrocos. Para él, el barroco hispanoamericano tenía ese carácter
completamente individual,
[...] por ser la arquitectura tradicional de América Latina; por ser capaz
de producir bellos y originales monumentos, tratados por artistas
como verdadera inspiración; porque es el que mejor conserva nuestra
apariencia de pueblo latino [...] (MARTINEZ, 1926, p. 17-18).
Así, en medio de la fascinación por los elementos de la arquitectura colonial, los
estudios en la Universidad de La Habana y las batallas en favor del rescate de construc-
ciones coloniales se inició lo que Carlos Sambricio (2000) denominara como “el primer
debate teórico en la historia de la arquitectura cubana”: la necesidad de definir un “estilo
nacional”. Como referencia principal para este “estilo nacional” se adoptó el barroco
que, en el caso de Cuba, encontraba sus más importantes ejemplares en la arquitectura
barroca del siglo XVIII (SEGRE y SAMBRICIO, 2000).
Al parecer, esta era una idea consensuada entre los arquitectos, historiadores e
intelectuales volcados al estudio de la arquitectura colonial cubana. La Dra. Alicia García
Santana (2011) en su texto El neocolonial a lo cubano de Govantes y Cabarrocas, expone
cómo varios autores también consideraban el barroco como la expresión “cubana” por
excelencia. En ese sentido, sobresalían los palacios del Segundo Cabo y de los Capitanes
Generales como exponentes de un barroco tardío, según sus palabras “con permanente
influencia sobre la conciencia cultural acerca de lo cubano” (GARCIA, 2011, p. 10).
A esta tradición se le sumó el empleo de “lo colonial” amparado en el debate que,
por aquellos años, tenía lugar en Estados Unidos y en otros países de Latinoamérica
que comenzaban a tomar la arquitectura colonial como símbolo de identidad. En este
punto es necesario recordar que numerosos arquitectos cubanos se formaban en Uni-
versidades norteamericanas y llegaban a la isla cargados con aquellas referencias (SEGRE
y SAMBRICIO, 2000).
El contexto de valorización de la arquitectura colonial cubana contribuyó al auge
del estilo neocolonial en el escenario arquitectónico de la isla. No obstante, cabe acotar
que este contexto también propició la realización de las primeras obras de restauración
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Refiere el historiador Emilio Roig de Leuchserning (2017) que en los primeros días
de la villa de La Habana los señores capitulares no tenían donde reunirse y celebrar sus
sesiones, por lo que utilizaban los bohíos en los que residía el gobernador. Después de
un largo período de peregrinar por diferentes locales, hacia 1768 se decidió construir
un edificio para el Ayuntamiento (ROIG, 2017, p.187). La autoría del proyecto definitivo
correspondió a Antonio Fernández de Trevejos, y su ejecución correspondió al arquitecto
Pedro de Medina. Las obras comenzaron en 1776, y hacia 1790 ya se había instalado en el
palacio, aun inacabado, el Capitán General Don Luis de las Casas. Sin embargo, el edificio
no se consideró terminado sino hasta 1834. Cada una de las salas del palacio a lo largo
de su historia albergó diferentes funciones, manteniendo siempre en el piso superior,
hacia la fachada principal, las habitaciones de la Capitanía General (ROIG, 2017).
En 1863, en el Diccionario Geográfico, Estadístico, Histórico de la Isla de Cuba, el
historiador Jacobo de la Pezuela así lo describió:
El edificio es un cuadrilátero de 80 varas exteriores por cada uno de
sus lados, todo de zócalos graníticos, y en su mayor parte de gruesa y
solidísima mampostería [...] El frente de la Plaza de Armas, cuenta 9
elegantes huecos, de los cuales son miradores los dos más inmediatos
a los ángulos; y por el piso inferior presenta una galería o portal de 10
columnas de piedra bien labradas [...] Pasada esta entrada, se encuentra
una vasta galería de arcos y columnas [...] A la izquierda de esta galería,
desde su entrada abre entre columnas una espaciosa escalera [...] que
conduce a los entresuelos ocupados por la secretaría militar, y más arriba
al piso principal todo cerrado en lo interior, por una simétrica galería
cuadrilonga que mira al vasto patio interior [...] (PEZUELA, 1863, p. 151).
Según esta descripción, podría considerarse la hipótesis de que dicho edificio
en 1863 no tenía revoco. Pezuela (1863) hace énfasis en su “aspecto granítico”, en la
gruesa y solidísima mampostería, así como en el labrado de las piedras. En 1935, Emilio
Roig reseñó varias de las transformaciones que sufrió el edificio en los primeros años
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del siglo XX. Sus salones fueron despojados de los cuadros, las estatuas y los muebles.
Según palabras del historiador, “fueron realizadas por los sucesivos presidentes diversas
antiartísticas modificaciones, como cielos rasos y zócalos de yeso y horribles pinturas
de colores chillones con el fin de modernizar el edificio” (ROIG, 2017, p.193).
Desde su construcción, el palacio de los Capitanes Generales ha sido considerado
uno de los edificios más importantes en La Habana Vieja. Los arquitectos Maria Elena
Martín y Eduardo Luis Rodríguez (1998) alegan que dicha construcción es reconocida
de manera unánime como “el máximo exponente de la arquitectura cubana del siglo
XVIII, solo comparable en interés con la fachada de la Catedral”. El estilo barroco que
ostenta es bastante sobrio, mayormente apreciable en los detalles de las molduras en
las ventanas, en los arcos del portal y del patio interior, y en las columnas adosadas a la
fachada de la planta alta (MARTÍN y RODRÍGUEZ, 1998, p.75) (Figura 1).
En 1925, el arquitecto Pedro Martínez Inclán comentaba que este palacio era el
mejor edificio que había legado la colonia y que sería el que representara a la ciudad
“por razones de antigüedad e historia” (MARTÍNEZ, 1925, p. 91). Con todo esto, una vez
realizado el encargo, la restauración de las obras comenzó en 1927.
En un artículo publicado por esta fecha en la revista El Arquitecto, Evelio Govantes
dio a conocer los objetivos y algunas de las obras que se llevarían a cabo en el palacio,
basado en una profunda investigación histórica y en la consulta de los planos de las
intervenciones y testimonios sobre las características del mismo. Así comentó:
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para las personas cultas como lo son para los moradores los de otras
ciudades [...] (MARTINEZ, 1925, p. 241).
Una vez más, Inclán hace referencia a lo que los arquitectos cubanos consideraban
que debía ser restaurado y los valores de los edificios, no obstante, poco a nada comenta
Martínez Inclán sobre la forma de intervenir sobre estas construcciones. La importan-
cia de estos edificios así como los valores históricos que serían revelados o rescatados
con estas restauraciones parecían ser el motivo de atención principal para cualquier
reflexión. Hacia finales de los años veinte los arquitectos estaban más preocupados en
promover el por qué y el para qué de la restauración de monumentos, que en discutir
el cómo restaurar e intervenir los mismos.
En su artículo La tradición en el Ornato y la arquitectura Urbana, publicado por la
revista Colegio de Arquitectos, Govantes realiza una completa y muy particular diser-
tación sobre los valores de la arquitectura colonial cubana, destacando sobre todo la
necesidad de preservar la tradición, así como los edificios y plazas más importantes
de la ciudad (GOVANTES, 1929). Ahora bien ¿qué era la tradición según Evelio Govantes?
Para Govantes la tradición era la herencia manifestada en la forma de construir y en la
historia de los monumentos. En este artículo, se hace evidente la importancia que, para
él, tenía la historia de una calle, un balaustre de madrera o una portada de mármol. Tales
aspectos, sin dudas, no eran apreciables en una sola obra o en un monumento aislado. De
esta reflexión partió entonces para denotar el valor de la arquitectura colonial cubana
en su conjunto (GOVANTES, 1929).
Con esto, parece claro que existía un consenso general entre los arquitectos e his-
toriadores de la época en relación a la necesidad de conservar y proteger el patrimonio
cubano como conjunto, sus valores y elementos tradicionales. Ahora bien, la forma, el
modus operandi mediante el cual debían ser restaurados e intervenidos estos edificios
aún constituía, como veremos a continuación, un tema plagado de no pocas incerti-
dumbres y contradicciones. Por las reflexiones que hace y cita Martínez Inclán en su
texto La Habana Actual de 1925, es de suponer que también eran conocidas en Cuba las
discusiones que se daban Europa sobre la restauración de monumentos.
[...]
El autor ha leído quejas muy amargas de Victor Hugo contra los restau-
radores franceses aunque se hayan llamado Violet le Duc. Victor Hugo
ha tenido después muchos imitadores entre ellos, Anatole France. Sin
negarles razón algunas veces, el autor entiende que no siempre la han
tenido (MARTINEZ, 1925, p. 244).
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estilística, aun cuando conocían las referencias y las polémicas suscitadas en Europa
entorno a este tema.
Como se ha podido apreciar, las concepciones restauradoras en Cuba hacia finales
de los años veinte reprodujeron prácticas y criterios empleados en países de Europa
como España. Sin embargo, llama la atención que aun cuando ya existían, y eran cono-
cidas en la isla, las críticas y polémicas suscitadas entorno a muchas de estas prácticas,
la reconstrucción, sustitución y la búsqueda de una “unidad de estilo” fueron asumidas
conscientemente en las restauraciones cubanas. Así, Cuba estaba en sintonía con algunas
de las prácticas restaurativas empleadas durante los años veinte en países como Estados
Unidos o Argentina[2]. El propio Evelio Govantes, en más de una ocasión, citó las obras de
restauración realizadas en Fairmount Park, Filadelfia. Tales experiencias probablemente
hayan sido legitimadoras para las acciones llevadas a cabo por los profesionales cubanos.
Ya en el contexto cubano, es válido destacar que al terminar las obras de restaura-
ción en estos edificios, hacia 1930, numerosos profesionales elogiaron dichos trabajos
y hasta consideraban loable el hecho de que los edificios fueran “liberados” de las capas
de repellos y pinturas que cubrían sus paredes. Tales trabajos fueron premiados en el
IV Congreso Panamericano de Arquitectos, celebrado en Rio de Janeiro; en el cual le fue
otorgada la Medalla de Oro a Evelio Govantes y Félix Cabarrocas, y la Medalla de Plata al
entonces Alcalde de La Habana, Dr. Miguel Mariano Gómez y al Municipio de La Habana
por el Plan de Obras Públicas Municipales que desarrollaron, el cual contempló dichas
obras de restauración (CRÓNICA, 1930, p. 28).
Aun cuando era claro el entusiasmo que despertaron dichas labores entre los
profesionales interesados por la historia y el desarrollo de la ciudad, a partir de lo ana-
lizado hasta el momento es apreciable que no existía en Cuba claridad sobre la forma de
intervención en las construcciones antiguas. Ni siquiera había surgido una discusión
teórica o polémica al respecto. La preocupación con una forma, un modus operandi o
una metodología de restauración en Cuba llegarían con posterioridad, al calor de la
creación de nuevas instituciones reguladoras y protectoras del patrimonio cubano.
Sin embargo, el análisis de estos trabajos en medio de aquel contexto permite
apreciarlos también como una conquista, “un triunfo alcanzado por un intenso movi-
miento intelectual que, desde los inicios de la República, comenzó a perfilarse en pro de
la conservación y estudio del pasado” (GARCÍA, 2011, p.9). Con estos trabajos aumentaron
[2] En países como Brasil, durante estos años, también existía una postura restaurativa basada
en la unidad estilística, no obstante para esta investigación nos concentramos en los países
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las exigencias para la protección de los monumentos. A partir de ellos surgieron las
primeras entidades encargadas del estudio del patrimonio y las primeras declaratorias
de Monumentos (Plaza de Armas y la de la Catedral, declaradas como tal en 1934). Con el
reconocimiento del carácter patrimonial de estos lugares se le dió un nuevo sentido a
la restauración de los edificios en la plaza de Armas lo cual propició la creación, el 24 de
julio de 1928, de la primera ley que autorizaba al presidente de la República para hacer
declaratorias de Monumentos Nacionales.
En la actualidad, la restauración en función de una unidad de estilo parece una
práctica pretérita por lo que, visto a la luz de nuestros días, las formas de restauración
en Cuba durante aquellos años suscitan diversas críticas basadas, esencialmente, en el
respeto a la verdad histórica y a las marcas del tiempo en los edificios; algo que defen-
dieran teóricos como John Ruskin desde el siglo XIX. Igualmente, algunos arquitectos
restauradores cubanos también señalan las dificultades generadas en la conservación
exterior de las construcciones a las cuales se les retiró el repello, dejándosele la piedra
conchífera y porosa expuesta a las inclemencias del tiempo.
Aunque la imagen de dichos edificios cambió de forma reconocible, arquitectos
como el Dr. Orestes del Castillo señalan que dichas modificaciones no desvirtuaron la
digna apariencia “original” de los edificios ni alteraron la composición arquitectónica en
forma lesiva[3]. Otros autores como la Dra. Isabel Rigol destacan, como otro de sus valores,
la magistral ejecución de dichas obras de restauración (RIGOL y ROJAS, 2012, p.96); algo
que también destacó el actual Historiador de la ciudad de La Habana, Dr. Eusebio Leal
Spengler, quien a finales de la década de 1960 realizó nuevos trabajos de restauración
en el Palacio de los Capitanes Generales.
Al ser cuestionado sobre las críticas realizadas en la actualidad a las restauraciones
realizadas por Govantes y Cabarrocas, Leal Spengler respondió:
Polémicas siempre existirán, pero los cánones empleados en la restau-
ración llevada a cabo por la firma de arquitectos en el Palacio de los
Capitanes Generales y Segundo Cabo se atuvieron a los conceptos de
aquella época, no obstante se descubre en la ejecución de los trabajos
la mano delicada de quienes poseían una cultura medular.
Cuando pregunté a Govantes sobre pinturas murales cuyo vestigio
hallé en una de las salas de los Capitanes Generales, o de las cerámicas
mayólicas encontradas en las excavaciones, se sorprendió muchísimo,
y esto no resulta extraño, ambas relevaciones pertenecen por completo
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[4] Testimonio ofrecido por el Historiador de la Ciudad de La Habana, Eusebio Leal Spengler
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Cuba, Tomo III. Madrid: Imprenta del establecimiento de Mellado, 1863, p. 154
2006, p.8-13.
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2009.
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PARA UM CONCEITO DE
ESTILO PATRIMÔNIO NA
ARQUITETURA BRASILEIRA
FOR A CONCEPT OF HERITAGE STYLE IN
BRAZILIAN ARCHITECTURE
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RESUMO
Na construção de referenciais identitários nacionais, alguns órgãos foram criados e mobilizados
na consolidação do ideário de nação almejado pelas políticas públicas brasileiras da primeira
metade do século vinte. Na busca pela compressão da efetiva ação de um destes órgãos no for-
talecimento do imaginário arquitetônico, este artigo se debruça sobre a ação do Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na cidade de São João del-Rei, Minas Gerais.
Entendendo, pois, a prevalência do gosto pessoal dos arquitetos à frente do órgão de preserva-
ção sobre os aspectos arquitetônicos do centro histórico da cidade, esta pesquisa também visa
entender os atravessamentos ideológicos na desvalorização da arquitetura eclética, alvo maior
na transformação dos núcleos setecentistas após seu tombamento federal. Nas intervenções
em São João del-Rei as platibandas eram as maiores inimigas dos agentes do IPHAN, e o beiral,
endeusado, significava o ‘retorno ao estado original’ da edificação, ou a consolidação de uma
feição idealizada pelos modernistas. Assim consolidou-se o estilo patrimônio: primeiro com
modificações nas edificações ecléticas pré-existentes, em prol de dar-lhes o aspecto ‘colonioso’;
depois adotando as características da arquitetura residencial setecentista como pré-requisito
para novas obras e intervenções no núcleo tombado. A partir do levantamento e identificação
das edificações analisadas nos arquivos do IPHAN, o cruzamento dos dados possibilitou traçar
o panorama das modificações realizadas na criação da ‘cidade-cenário’ atualmente existente.
Tais critérios, empregados até hoje, agora pelo Conselho Municipal de Patrimônio, além de con-
figurar um perfil urbano excludente e sem pluralidade, ocasiona a perda do fazer arquitetônico
contemporâneo (plástico, tecnológico e estrutural), nessa busca equivocada pela preservação.
A BSTRACT
In the construction of national identity references, some organs were created and mobilized
in the consolidation of the ideals of the nation aimed by Brazilian public policies of the first
half of the twentieth century. In an attempt to compress the effective action of one of these
organs in strengthening the architectural imaginary, this article focuses on the action of the
National Institute of Historical and Artistic Heritage (IPHAN) in the city of São João del-Rei,
Minas Gerais. Understanding, therefore, the prevalence of the personal taste of architects at the
head of the preservation organ over the architectural aspects of the historical center of the city,
this research also aims to understand the ideological crossings in the devaluation of eclectic
architecture, the major target in the transformation of the eighteenth century centers after its
federal tipping. In interventions in São João del-Rei platbands were the greatest enemies of
IPHAN’s agents, and the eave, deified, meant the ‘return to the original state’ of the building,
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or the consolidation of a feature idealized by the modernists. By this way the heritage style was
consolidated: first with modifications in the pre-existing eclectic buildings, in order to give
them the ‘colonial’ aspect; later adopting the characteristics of eighteenth-century residential
architecture as a prerequisite for new works and interventions in the historic center. From the
survey and identification of the buildings analyzed in the IPHAN’s archives, the crossing of
the data made it possible to trace the panorama of the modifications made in the creation of
the currently existing ‘city scenery’. These criteria, employed until today, now by the Municipal
Heritage Council, besides configuring an exclusionary urban profile without plurality, cause
the loss of contemporary architectural practice (plastic, technological and structural), in this
mistaken search for preservation.
RESUMEN
En la construcción de referencias de identidad nacional, se crearon y movilizaron algunos
organismos para consolidar el ideal de nación buscado por las políticas públicas brasileñas de
la primera mitad del siglo XX. En la búsqueda de comprimir la acción efectiva de uno de estos
cuerpos para fortalecer las imágenes arquitectónicas, este artículo se centra en la acción del
Instituto Nacional del Patrimonio Histórico y Artístico (IPHAN) en la ciudad de São João del-Rei,
Minas Gerais. Entendiendo, por lo tanto, la prevalencia del gusto personal de los arquitectos
al frente del cuerpo de preservación sobre los aspectos arquitectónicos del centro histórico de
la ciudad, esta investigación también tiene como objetivo comprender los cruces ideológicos
en la devaluación de la arquitectura ecléctica, un objetivo importante en la transformación de
los núcleos del siglo XVIII después de su propinas federales. En las intervenciones en São João
del-Rei, las plataformas eran los mayores enemigos de los agentes de IPHAN, y el alero, deificado,
significaba el “retorno al estado original” del edificio, o la consolidación de una característica
idealizada por los modernistas. Así, el estilo patrimonial se consolidó: primero con cambios en
los edificios eclécticos preexistentes, para darles el aspecto ‘colonial’; luego, adoptar las caracte-
rísticas de la arquitectura residencial del siglo XVIII como requisito previo para nuevas obras e
intervenciones en el núcleo mencionado. A partir de la encuesta e identificación de los edificios
analizados en los archivos de IPHAN, el cruce de los datos permitió rastrear el panorama de los
cambios realizados en la creación de la ‘escena de la ciudad’ actualmente existente. Tales criterios,
utilizados hasta hoy, ahora por el Consejo del Patrimonio Municipal, además de configurar un
perfil urbano exclusivo y sin pluralidad, provocan la pérdida de obras arquitectónicas contem-
poráneas (plásticas, tecnológicas y estructurales), en esta búsqueda errónea de preservación.
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INTRODUÇÃO
[1] O genius loci, ou espírito do lugar, segundo Marisa Barda (2009), é um conceito romano,
existente desde a Antiguidade. Cada ser possui seu genius, como um espírito guardião, que
determina seu caráter ou essência.
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zação estilística de São João del-Rei. Essencial nesse projeto foram os estudos do técnico do
IPHAN Arthur Arcuri, em especial o mapa que elaborou objetivando explicitar as “casas
novas e reformadas (modernizadas)”[2] dentro do perímetro sugerido inicialmente por
Alcides da Rocha Miranda (também técnico do órgão) para o centro histórico.
Arcuri foi enfático na tentativa de comprovar que o núcleo tombado de São João
del-Rei estava por demais ‘descaracterizado’, isto é, sem a configuração de conjunto
harmônico, homogeneamente colonial, reverenciado pelos modernistas na afirmação
da eleita arquitetura
genuinamente nacional. Das edificações identificadas nesta pesquisa[3], que apresen-
tam algum grau de modificação em seu aspecto eclético, mais de dezoito foram marcadas
por Arcuri em seu mapa, de meados de 1946. Classificadas como descaracterizadoras do
conjunto, elas comprovam a atuação constante do IPHAN em prol da modificação da pai-
sagem heterogênea encontrada pelo órgão quando voltou seus olhos à cidade mineira. O
levantamento e identificação das edificações analisadas se deu, num primeiro momento,
a partir da observação de fotografias antigas da área central de São João del-Rei e sua
comparação com o aspecto atual do núcleo urbano. Em seguida buscou-se respaldo na
documentação técnica do IPHAN: no Museu Regional, em São João del-Rei; no Centro de
Informação e Documentação (CDII/BH), em Belo Horizonte; e no Arquivo Central (ACI/
RJ), no Rio de Janeiro, de modo a comprovar a interferência dos agentes do órgão nas
intervenções, assim como deliberar sobre os critérios que adotavam. Esses documentos
são de acesso livre e encontram-se disponíveis nos arquivos das instituições citadas.
O cruzamento dos dados, fragmentados entre os diversos acervos, possibilitou traçar
o panorama das modificações realizadas na criação do cenário em estilo patrimônio
(DIAS, 2019) atualmente encontrado na cidade. Além disso, foram elaborados arranjos
documentais com fins de pesquisa.
[2] Essa citação está escrita na legenda do mapa citado. Mapa São João del-Rei Área tombada
- 1:2000. ACI/RJ - Caixa 0283, Pasta 0812.
[3] Pesquisa desenvolvida com bolsa concedida inicialmente pela Coordenação de Aperfei-
çoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), e posteriormente pela Fundação de Amparo
à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
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[4] Para mais informações a respeito da intervenção de Lucio Costa no Liceu de Artes e Ofícios
de Ouro Preto, conferir DIAS, 2019.
[5] COSTA, Lucio. Informação nº. 46. Rio de Janeiro, 27 de março de 1958. Plano Especial de
Ouro Preto. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0203, Pasta 0885.2.
[6] COSTA, Lucio. Carta a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Assunto: Grande Hotel de Ouro Preto.
Rio de Janeiro, s/d. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0226, Pasta 0980. Mesmo estando o documento
sem data, sabe-se que os trâmites em torno do Grande Hotel acontecerem entre 1938 e 1944,
e como é neste documento que Costa sugere a Andrade a escolha do projeto de Niemeyer,
supõe-se aqui que foi escrito entre 1938 e 1940.
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[7] Para mais informações a esse respeito, conferir DIAS, 2019, Capítulo 3.
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das obras em Ouro Preto, colocava-se a par de quais critérios adotar nas intervenções
pelo estado. E logo tratou de aplicá-los em São João del-Rei.
À frente do cargo de superintendente do IPHAN em Minas, Vasconcellos se fez
presente nas duas primeiras fases, aprovando projetos, ditando pareceres e sugerindo
reformulações tanto em prol da limpeza daquilo que considerava “espúrio” ao ambiente
colonial, quanto na implementação de um modelo de construção desprovido do fazer
arquitetônico (plástico, tecnológico e estrutural) de seu tempo. Aplicando o preconizado
pelos modernistas (se obra grande, de destaque, arquitetura modernista; se obra ordiná-
ria, sem vulto, intervenção que integre ou camufle a edificação no ambiente predomi-
nantemente colonial), e voltando sua atenção ao entorno imediato dos bens tombados
individualmente, o arquiteto deu prioridade às intervenções nas imediações da Igreja
do Carmo, da Matriz de Nossa Senhora do Pilar, do sobrado à rua Marechal Deodoro nº.
12 e da Igreja de São Francisco, conformando três grandes perímetros, conforme a Figura
2. Do conjunto arquitetônico e urbanístico aos bens tombados individualmente, todos
foram inscritos no livro do Tombo e Belas Artes, sendo apenas as Igrejas do Carmo e
de São Francisco e o sobrado à rua Marechal Deodoro nº. 12 inscritos também no livro
Histórico. Enfatizando mais uma vez o caráter prevalente da obra de arte na justificativa
de preservação, é exatamente no entorno desses bens que as intervenções homogenei-
zadoras tomam lugar, objetivando a constituição da cidade-cenário colonial.
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Da mesma forma que em Ouro Preto, nas intervenções em São João del-Rei as plati-
bandas eram as maiores inimigas dos agentes do IPHAN, e o beiral, endeusado, significava
o “retorno ao estado original” da edificação, ou a consolidação de uma feição idealizada
pelos modernistas. No processo histórico da Arquitetura brasileira, tanto a beira-se-
veira[8] quanto a platibanda, cada uma em sua época, remetiam ao status financeiro do
proprietário do imóvel. No século dezoito, a quantidade e elaboração das beiras-seveiras
se relacionava às posses dos moradores; já entre a segunda metade do século dezenove
e a primeira metade do século vinte a condição financeira do proprietário era exposta
a partir da presença de platibanda à frente do telhado, acrescida de ornamentação. A
seguir serão explicitados alguns casos referentes às categorias 1 e 3 da primeira fase
elencada nesta pesquisa, de modo a elucidar o estilo patrimônio e a transformação de
São João del-Rei, de cidade histórica a cidade-cenário.
[10] ARCURI, Arthur. Planta “São João del-Rei, área tombada”, Meados de 1946. ACI/RJ - Caixa
0283, Pasta 0812.
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[11] ROSSITO, Maria P. Carta a Rodrigo Melo Franco de Andrade. São João del-Rei, 3 de abril
de 1960. CDII/BH - Assunto: São João del-Rei, Pasta Relatórios 1946-1958.
[12] VASCONCELLOS, Sylvio de. Ofício nº. 262 a Geraldo Rodrigues Ferreira. Belo Horizonte, 13
de abril de 1960. CDII/BH - Assunto: São João del-Rei, Pasta Relatórios 1946-1958.
[13] ROSSITO, Maria P. Carta a Sylvio de Vasconcellos. São João del-Rei, 6 de setembro de 1960.
CDII/BH - Assunto: São João del-Rei, Pasta Relatórios 1946-1958.
[14] TELLES, Augusto Carlos da Silva. Informação nº. 64. Assunto: área tombada da cidade
de São João del-Rei - MG. Belo Horizonte, de 16 de fevereiro de 1967. CDII/BH, Pasta Cidade de
São João del-Rei.
[15] Ibid.
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apenas no livro do Tombo de Belas Artes (em oposição às outras igrejas, que também
foram inscritas no livro do Tombo Histórico). A negativa da inscrição da igreja no livro
do Tombo Histórico talvez possa ser justificada pelas diversas transformações pelas
quais passou sua fachada ao longo dos anos, assim como a fachada da igreja do Rosário,
que não possuía torres e as recebeu no início do século vinte, fato que talvez tenha a
contribuído para que não fosse nem cogitado seu tombamento. Uma atitude que coloca
em dúvida as reais intenções do IPHAN nas décadas iniciais de atuação: tombar pra
preservar a história ou selecionar a história a ser preservada?
Arthur Arcuri (AA186), em 29 de julho de 1949; e atualmente. Fontes: ACI/RJ - Série Obras, Caixa
0294, Pasta 1240; Foto do autor, 2019.
Na rua Getúlio Vargas, uma das principais ruas da cidade, antiga rua Direita, onde
figuram três das principais igrejas setecentistas, a edificação de número 170 possui his-
tória peculiar. A proprietária do imóvel, eclético (Figura 5) entrou com requerimento para
modificação da fachada[16] em treze de março de 1960. Sylvio de Vasconcellos prontamente
acatou o pedido, listando no despacho as características que deveriam figurar no projeto:
A DPHAN nada tem a opôr, desde que seja observado o seguinte:
a) telhado com contrafeito e cobertura em telhas tipo colonial;
b) beiral em cachorros de madeira;
[16] PERRILI, Regina Anhel. Requerimento s/nº. a Sylvio de Vasconcellos. São João del-Rei, 13
de março de 1960. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0799.
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[18] REIS, José de Souza. Informação nº. 143. Rio de Janeiro, 28 de abril de 1960. ACI/RJ, Série
Obras, Caixa ____, Pasta 1235.
[19] SOEIRO, Renato. Parecer à Informação nº. 143 de José de Souza Reis. Rio de Janeiro, 28
de abril de1960. ACI/RJ, Série Obras, Caixa ____, Pasta 1235.
[20] VASCONCELLOS, Sylvio de. Ofício nº. 312 a Rodrigo Melo Franco de Andrade. Belo Horizonte,
9 de maio de 1960. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0799.
[21] REIS, José de Souza. Resposta ao Ofício nº. 312 de Sylvio de Vasconcellos. Rio de Janeiro,
18 de maio de 1960. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0799.
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madeira e a parte superior dos vãos das janelas, agora em guilhotina. Este caso, sendo
a própria moradora a solicitante das alterações de fachada, exemplifica as primeiras
repercussões a partir das intervenções iniciadas pelo IPHAN. O projeto apresentado foi
aprovado rapidamente, em pouco mais de um mês, por centrar-se no objetivo principal
do órgão federal para com o conjunto urbano são-joanense naquele momento. A Figura
7 exemplifica o resultado após as obras.
aprovadaspelo IPHAN. Fontes: ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0799; Foto do autor, 2019.
à rua Resende Costa nº. 56, em São João del-Rei. São João del-Rei, 9 de novembro de 1964. ACI/
RJ – Série Obras, Caixa 0282, Pasta 0806.
[23] REIS, José de Souza. Informação nº. 212. Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1964. ACI/
RJ - Série
Obras, Caixa 0280, Pasta 0797.
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do projeto aprovado para a reforma da fachada, com vito de Rodrigo Melo Franco de Andrade.
Fontes: ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0282, Pasta 0806.
Arcuri, após visitar a cidade e fotografar a edificação e o entorno, constata que “a
casa existente é térrea e está confinada por outras duas idênticas, números 64 e 50, tam-
bém térreas e naquela rua os prédios são todos térreos”[24]. Esta edificação também é uma
das marcadas pelo arquiteto em seu mapa como descaracterizadora do núcleo central.
Ainda no Rio, Silva Telles informa, em quatorze de janeiro de 1965:
1 - Apesar de como informa o arquiteto José de Souza Reis e confirma o
arq. Arthur Arcuri, a rua ser composta de casas térreas, essas construções
com exceção de muito poucas acham-se completamente deturpadas por
reformas sucessivas a que foram submetidas, inclusive a casa existente
na área em questão.
2 - Por sua vez, a rua Rezende Costa que sai da praça onde se encontra
a Igreja da Ordem 3ª do Carmo não é rua eixo da área tombada, e sim,
lateral, de menor importância, e a casa de esquina da praça com esta
rua é assobrada. Por estas razões, julgo, salvo melhor juízo, não haver
motivo de relevância para impedirmos essa edificação. Será, isto sim,
indispensável uma fiscalização ativa por parte do Sr. Geraldo Rodrigues
Ferreira, para que o projeto apresentado seja rigorosamente seguido,
com os detalhamentos certos.
[24] ARCURI, Arthur. Ofício s/nº. Juiz de Fora, 11 de dezembro de 1964. ACI/RJ - Série Obras,
Caixa 0280, Pasta 0797.
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[25] TELLES, Augusto Carlos da Silva. Informação nº. 8. Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1965.
ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0797.
[26] SOEIRO, Renato. De acordo com o despacho de Augusto Carlos da Silva Telles. Rio de
Janeiro, 18 de janeiro de 1965. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0797.
[27] ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. De acordo com o despacho de Augusto Carlos da
Silva Telles. Rio de Janeiro, 28 de abril de 1965. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0797.
[28] FERREIRA, Geraldo Rodrigues. Carta nº. 42 a Rodrigo Melo Franco de Andrade. São João
del-Rei, 10 de outubro de 1965. ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0280, Pasta 0797.
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de intervenção guiadas pelo IPHAN. Ressalta-se a quebra com a linearidade antes existente no
conjunto da rua. Fontes: ACI/RJ - Série Obras, Caixa 0282, p. 0806; Foto do autor, 2019.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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BIBLIOGRAFIA
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de abril de 2020.
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MECANISMOS DE
SALVAGUARDA DO
PATRIMÔNIO RURAL:
VALORIZAÇÃO E RESTAURO
DA FAZENDA SALTINHO
SAFEGUARD MECHANISMS OF RURAL HERITAGE:
VALUATION AND RESTORATION OF THE SALTINHO
FARM
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RESUMO
Os monumentos históricos são reveladores de valores artísticos, históricos e simbólicos, pois
constituem a essência e identidade humana, são expressões das manifestações da sociedade ao
longo da história. O restauro, quando realizado, pode contribuir ou prejudicar a salvaguarda
desses valores. A Fazenda Saltinho, localizada no município de São Manuel (SP), é uma das
expressões acerca do estilo eclético durante a economia cafeeira, constituindo em um exemplar
relevante para o patrimônio histórico/rural do interior de São Paulo. Recentemente, a Fazenda
passou por um processo de restauro e reabilitação de sua casa-sede. Esse estudo pretende avaliar
se o restauro realizado na Fazenda Saltinho corroborou para a preservação de seus valores.
A análise será realizada comparando o cronotopo original da fazenda com a restauração
efetuada, tendo como base as teorias e princípios da restauração de Ruskin, Le Duc, Beltrami,
Giovannoni, Boito e Brandi. As informações serão coletadas em fontes iconográficas e levanta-
mentos fotográficos realizados em visitas “in loco”. Os resultados apontam que poucos valores
se mantiveram ao decorrer dos cronotopos, após o restauro, contatou-se que o valor simbólico
não foi considerado, o que promove a falta de identidade da população local com o bem.
A BSTRACT
Historical monuments reveal artistic, historical and symbolic values, as they constitute the
essence and human identity, they are expressions of the manifestations of society throughout
history. Restoration, when carried out, may contribute or hinder the safeguarding of these
values. Saltinho’s Farm, located in the city of São Manuel (SP), is one of the expressions about
the eclectic style during the coffee economy, constituting a relevant example for the historical
/ rural heritage of the interior of São Paulo. Recently, the farm underwent a process of restora-
tion and rehabilitation of its headquarters. This study aims to assess whether the restoration
carried out at Saltinho’s Farm corroborated the preservation of its values. The analysis will be
carried out comparing the farm’s original chronotope with the restoration carried out, based
on the theories and principles of restoration by Ruskin, Le Duc, Beltrami, Giovannoni, Boito and
Brandi. The information will be collected from iconographic sources and photographic surveys
carried out during visits “in loco”. The results show that few values were maintained during the
chronotopes, after the restoration, it was found that the symbolic value was not considered,
which promotes the lack of identity of the local population with the property.
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RESUMEN
Los monumentos históricos revelan valores artísticos, históricos y simbólicos, ya que consti-
tuyen la esencia y la identidad humana, son expresiones de las manifestaciones de la sociedad
a lo largo de la historia. La restauración, cuando se realiza, puede contribuir o dificultar la
protección de estos valores. Fazenda Saltinho, ubicada en la ciudad de São Manuel (SP), es una
de las expresiones sobre el estilo ecléctico durante la economía del café, y constituye un ejemplo
relevante para el patrimonio histórico / rural del interior de São Paulo. Recientemente, la granja
se sometió a un proceso de restauración y rehabilitación de su sede. Este estudio tiene como
objetivo evaluar si la restauración realizada en Fazenda Saltinho corroboró la preservación
de sus valores. El análisis se realizará comparando el cronotopo original de la granja con la
restauración realizada, en base a las teorías y principios de restauración de Ruskin, Le Duc,
Beltrami, Giovannoni, Boito y Brandi. La información se recopilará de fuentes iconográficas y
encuestas fotográficas realizadas durante las visitas “in loco”. Los resultados muestran que se
mantuvieron pocos valores durante los cronotopos, después de la restauración, se descubrió
que no se consideraba el valor simbólico, lo que promueve la falta de identidad de la población
local con la propiedad.
INTRODUÇÃO
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REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
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zar deliberadamente uma cópia exata sem a menor alteração, com iguais significados
simbólicos, artísticos e urbanos, com os materiais mais parecidos que pudessem encon-
trar, com iguais ornatos (BLANCO, 2008, p. 156 apud SALCEDO, 2015, p. 35). Apesar disso,
Beltrami busca enfatizar a ideia de que reconstituições e intervenções seguindo o estilo
original da obra, somente seriam realizadas com base em documentos.
Giovanoni, através do Restauro Científico, é o primeiro teórico a abordar contribui-
ções relacionadas diretamente a conservação do patrimônio urbano. Reconhece a dúbia
visão patrimonial: o monumento enquanto documento histórico e obra de arte. Segundo
o restauro científico, o restauro defenderia as ideias de consolidação, recomposição,
liberação, complementação e inovação. Na prática, é a favor da mínima intervenção e
do mínimo acréscimo e aborda em seus estudos a questão da Anatilose.
Césare Brandi, é o responsável pela visão teória do restauro que traçamos atualmente,
propagada na Carta de Veneza, seus princípios eternizaram-se nas recomendações e no
trato com o patrimônio. Em termos efetivos, o Restauro Crítico, deverá ser facilmente
reconhecível, mas sem infringir a própria unidade que se visa reconstruir. Desse modo, a
integração deverá ser invisível à distância de que a obra de arte deve ser observada, mas
reconhecível de imediato, e sem necessidade de instrumentos especiais (BRANDI, 2004, p.
47-48). Parte imporante de sua teoria, Brandi alega haver duas instâncias de análisa da
obra: histórica e estética. Em síntese, destacam-se os princípios de fácil reconhecimento,
fácil remoção, visando futuras intervenções.
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OBJETIVO
METODOLOGIA
RESULTADOS
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das por famílias e trabalhadores rurais; o casarão foi vendido para iniciativa privada e
desde 2007 encontra-se em estudo de tombamento (Processo 00966/2007) pelo Conselho
de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT).
A partir da aquisição, a família de empresários passou a restaurar o casarão a fim de
reabilitá-lo como um espaço de eventos.
Cronotopo Original
Em seu auge, foi uma das maiores produtoras de café do município, com 275 alquei-
res de terra roxa e 54 mil arrobas do grão. Era reconhecida pelas modernas infraestrutu-
ras que possuía como: Luz elétrica, água encanada, aparelhamento sanitário, telefone,
torrador mecânico de café, moinho hidráulico de fubá, etc. (CALDEIRA, 1928, p. 153). De
acordo com Caldeira (1928, p. 153): “O interior era de tamanha magnitude, que ali haviam
recursos desejados em uma vivenda fidalga”.
Bem avaliando o concurso eficiente que os colos prestam para a pros-
peridade da fazenda, os srs. Viúva Simões, Filhos & Cia, não deixam de
procurar oferecer toda a comodidade possível a esses humildades e
devotados cooperadores de sua grandiosa obra, pelo que funcionam na
fazenda um bem sortido armazém, excelente pharmacia e estando ali
domiciliado distinto clínico. Nem os filhos dos colonos foram esquecidos.
Conseguida a creação de escola estadual mista, foi oferecido gratui-
tamente o prédio em que a mesma funciona (CALDEIRA, 1928, p. 153)
Destaca-se da citação alguns edifícios que compõe a implantação da fazenda: Arma-
zém, Farmácia, Capela, Escola, Casa dos Colonos e Casa-Sede, além dos equipamentos que
estão vinculados a produção do café.
A casa-sede, construído em 1872, foi implantado sob a enconsta, possuia os jardins
afrancesados sob platôs que recortam o declive original da fazenda. A implantação segue
o costume da época, e separa o espaço aristocrático do espaço do trabalhador, arrimando
a casa em um denso muro de pedra, interrompido apenas pela escadaria que leva ao
platô do jardim. A técnica tijoleira, típicamente introduzida nos palacetes republicanos,
será aplicado nesse casarão; vidro e ferro também farão parte dos materiais utilizados.
A fachada é dotada de ornamentos neoclássicos, combinados simetricamente com as
aberturas em madeira e vidro, por sua vez repletas de almofadas decoradas.
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Figura 2: Planta pavimento principal da Casa-sede Fazenda Saltinho. Fonte: ANTUNES (2017)
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Figura 3: Aspectos externos da casa-sede antes e após o restauro. Fonte: BENINCASA (2008, p.
271) e ANTUNES (2017).
A figura 4 revela que o espaço interno, apesar de degradado, resguardou alguns ele-
mentos característicos, como as portas e suas respectivas bandeiras. A escada helicoidal
de madeira, o fogão a lenha e os revestimentos originais, supõe-se que tais permanências
também estejam ligadas asos aspectos simbólicos de modo de vida rural. A manutenção
da residência despertou atenção da iniciativa privada, devido ao grande impacto de seu
valor de uso, que poderia ser adquirido com base no restauro e reabilitação do edifício.
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Figura 4: Detalhes da casa sede antes e após o restauro respectivamente. Fonte: BENINCASA
(2008, p. 271) e ANTUNES (2017).
Análise do Restauro
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com/Fazenda-Saltinho-S%C3%A3o-Manuel-433164947261526/.
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projeto de reabilitação e restauro. A cozinha, área onde boa parte das relações sociais se
desenvolviam, foi severamente alterada: com o acréscimo de porcelanato na cozinha e
da supressão do fogão a lenha, para maximizar as funções do espaço, perde-se a conexão
histórica do edifício e se adentra ao ambiente totalmente modificado. O que aumentou
ainda mais as divisas com a memória daqueles que realmente detém a história desse
espaço. O simbolismo do casarão, com relação ao proprietário foi alterado, visto que a
relação cultural antes estabelecida era reflexo de um contexto sócio-econômico hoje
inexistente, este porém não está associado ao restauro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após análise, podemos considerar que prevalecem as ideias de Beltrami sob outras
intervenções realizadas com base nos teóricos. Tais medidas não condizem com as
recomendações atuais da UNESCO que mais se assemelham aos princípios de Brandi,
que visa proteger a intergridade e autenticidade do bem, tendo em vista a conservação
do bem às futuras gerações.
O casarão sofre com os efeitos perversos descritos pela Choay. Um feito da indústria
patrimonial, produto cultural que passa a ser consumido não mais pela sua população
local e suas atividades tradicionais, mas sim por pessoas privilegiadas e dissociadas de
sua memória original. Os valores artísticos e de uso mantiveram-se ao longo das inter-
venções, e o valor histórico, apesar de ter seu aspecto vestuto reduzido ainda é capaz de
ser observado pela tipologia arquitetônica conservada na fachada. Já o valor simbólico,
foi totalmente descaracterizado, criando assim um cenário de consumo e sem identidade.
É preciso considerar que não somente o patrimônio edificado compõe a identidade
de um local, e por essa razão, caso o usuário não se reconheça no restauro, não será ele um
agente motivado a consrevar as estruturas da edificação posteriormente. Respeitando
os valores históricos, artísticos e simbólicos o projeto poderia também ter agregado as
expectativas de todos os usuários envolvidos nesse processo, sem falsear uma percepção
do espaço e daquilo que ele significou. Fica claro a necessidade de embasamento e de
reconhecimento de um contexto, antes de serem realizadas obras de intervenções patri-
moniais, nenhum projeto acontece como ponto isolado, mas compõe parte de relações
sociais, culturais, históricas, econômicas e urbanas.
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REFERÊNCIAS
Teoria do Restauro
Editorial, Coleção Artes & Ofícios, 2004.
CUNHA, Claudia dos Reis e. Alois Riegl e o culto moderno dos monumentos. In:
Vitruvius, ano 05, n. 054.02. São Paulo: 2006 Disponível em: https://www.vitruvius.
com.br/revistas/read/resenhasonline/05.054/3138. Acesso em: 23/04/2020.
urbanismo. In Revista Arquitectonic: Mind, land & Society, n. 19-20, Edicions: UPC,
2010, p. 26-63.
ZÁRATE, Marcelo.
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Barcelona, 2014.
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MODELAGEM DA
INFORMAÇÃO DA
CONSTRUÇÃO APLICADA
À PRESERVAÇÃO
DO PATRIMÔNIO
ARQUITETÔNICO: UMA
PRIMEIRA EXPERIÊNCIA
PARA A ESTAÇÃO
FERROVIÁRIA DE PATOS,
PARAÍBA, BRASIL
MODELING OF CONSTRUCTION INFORMATION
APPLIED TO THE PRESERVATION OF
ARCHITECTURAL HERITAGE: A FIRST
EXPERIENCE FOR THE PATOS RAILWAY STATION,
PARAÍBA, BRAZIL
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BRASIL
EIXO TEMÁTICO: PATRIMÔNIO, ESCALAS E PROCESSOS
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RESUMO
Atualmente o campo da preservação do patrimônio conta com um grande número de tecnologias
capazes de garantir o levantamento, documentação, gestão e conservação do legado histórico
das cidades. Dentro dessa perspectiva, pode-se destacar o Building Information Modeling
(BIM), uma importante plataforma capaz de auxiliar arquitetos em todo o ciclo de vida de uma
edificação. Assim, levando em consideração o panorama da preservação com todos os desafios
a vencer e consonante com as afirmações que apresentam as tecnologias digitais como ferra-
mentas importantes para os processos de manutenção e salvaguarda do legado patrimonial
das cidades, a presente pesquisa teve como objetivo geral o desenvolvimento da modelagem
BIM da Estação Ferroviária de Patos/PB e explorar as potencialidades dessa tecnologia para a
preservação do patrimônio arquitetônico. A partir desse experimento foi possível enxergar a
capacidade que essa tecnologia tem de aperfeiçoar e tornar mais eficaz os processos de docu-
mentação, conservação e difusão dos edifícios históricos.
A BSTRACT
Currently, the field of heritage preservation has a large number of technologies capable of gua-
ranteeing the research, documentation, management and conservation of the cities’ historical
legacy. Within this perspective, we can highlight BIM (Building Information Modeling), an
important platform capable of assisting architects throughout the life cycle of a building. Thus,
considering the panorama of preservation with all the challenges to be overcome and aligned
with the statements that present digital technologies as important tools for the processes of
maintenance and safeguarding the historical heritage of cities, the present research had the
general objective of developing BIM modeling from the Patos / PB Railway Station and explore
the potential of this technology for the preservation of the architectural heritage. From this
experiment, it was possible to perceive the capacity of this technology to improve and make the
processes of documentation, conservation and diffusion of historic buildings more efficient.
RESUMEN
Actualmente, el campo de la preservación del patrimonio tiene una gran cantidad de tecnologías
capaces de garantizar la encuesta, documentación, gestión y conservación del legado histórico
de las ciudades. Dentro de esta perspectiva, podemos destacar el Building Information Modeling
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(BIM), una plataforma importante capaz de ayudar a los arquitectos a lo largo del ciclo de vida
de un edificio. Así, teniendo en cuenta el panorama de preservación con todos los desafíos a
superar y en línea con las declaraciones que presentan las tecnologías digitales como herra-
mientas importantes para los procesos de mantenimiento y salvaguarda del patrimonio de las
ciudades, la presente investigación tuvo como objetivo general el desarrollo El modelado BIM
de la estación de tren Patos / PB y explorar el potencial de esta tecnología para la preservación
del patrimonio arquitectónico. A partir de este experimento, fue posible ver la capacidad que
tiene esta tecnología para mejorar y hacer que los procesos de documentación, conservación y
difusión de edificios históricos sean más eficientes.
INTRODUÇÃO
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Amorim (2017) expõe que na atualidade o uso das novas tecnologias tem se difun-
dido devido as suas características relativas ao acesso fácil e velocidade na coleta e no
tratamento dos dados, além dos custos baixos na divulgação e distribuição das informa-
ções, dessa maneira, essas inovações têm colaborado com as mais diversas atividades de
registro, restauro, preservação e gestão do patrimônio arquitetônico.
Ao longo das últimas duas décadas foram realizadas diversas experiências que bus-
cam estudar e propor metodologias que garantam a utilização de softwares e hardwares
nas atividades de documentação, conservação e disseminação do patrimônio cultural.
Iniciativas como a do projeto Syrian Heritage Archive Project surgem como soluções
propostas para documentar através da modelagem virtual os monumentos históricos
destruídos ou ameaçados por guerras e eventos naturais, dessa maneira é possível através
reconstruções digitais contribuir com a preservação da herança cultural e ter a dispo-
sição materiais de alta qualidade que poderão auxiliar em atividades de restauração e
intervenção (CANUTO, 2017).
Além dessa experiência pode-se destacar também as experiências do departamento
de Arquitetura do MIT, com o projeto que visa a documentação digital do santuário
histórico de Machu Picchu, através de elaboração de mapeamento 3D e integração com
a realidade virtual e aumentada visando a disseminação do sítio histórico através da
internet facilitando o seu reconhecimento.
No Brasil pode-se destacar as pesquisas que são desenvolvidas pelo Laboratório de
estudo avançados em cidade, Arquitetura e tecnologias Digitais (LCAD) da FAUFBA, cujos
trabalhos desenvolvidos visam o desenvolvimento e apropriação do uso de tecnologias
digitais no aprimoramento e agilização do registro documental de bens integrados
(TOLENTINO, 2018).
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história social e evolução urbana do município, sendo possível constatar com frequ-
ência nas áreas centrais da cidade, edificações de diferentes tipologias e estilos serem
demolidas e nos seus lugares serem construídas novas, geralmente para suprirem as
demandas do setor comercial dessa localidade.
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Pode-se perceber que esse tipo de plataforma é adequada para a modelagem (figura
04) da tipologia estudada, projetada com programa simples e linhas gerais da geometria
em estilo art déco, assim foi possível desenvolver um fluxo de trabalho coerente, sem
retrabalhos ou necessidade de recorrer a outros métodos para elaboração do protótipo,
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além disso, foi possível observar que esse produto mostra-se eficaz para a ampliação de
estudos e ensaios em processos de intervenção e restauro.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
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MODOS DE SIGNIFICAR O
PATRIMÔNIO: AMEAÇA À
PERMANÊNCIA OPERÁRIA
1990)
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RESUMO
Com o objetivo de apresentar novos caminhos para a formulação de um patrimônio operário,
o artigo em questão traz narrativas presentes na memória operária do Rio de Janeiro que indi-
cam como a classe trabalhadora atribui significados ao espaço urbano de modo atrelado à sua
luta pela permanência na cidade. Investigadas em pesquisas acadêmicas ou reconstituídas a
partir de documentos históricos e/ou em jornais da época, as narrativas trazem a experiência
dos operários da América Fabril nas unidades de Magé, de Vila Isabel e do Jardim Botânico,
especialmente na década de 1980, período de encerramento das atividades da companhia. Além
delas, são relembradas outras experiências de trabalhadores na cidade, como a demolição em
1973 da Vila Rui Barbosa, no centro, e a demolição parcial do bairro do Catumbi, em 1980. Tais
experiências, conduzidas a partir da metodologia adotada pelo materialismo histórico, cons-
tituem uma leitura integrada do processo de ocupação do Rio de Janeiro ao logo do século XX,
demonstrando que existe uma memória da classe trabalhadora que ultrapassa os limites até
então definidos pelo patrimônio industrial.
A BSTRACT
In order to present new paths for the formulation of a working-class heritage, this article brings
narratives from the working-class memory of Rio de Janeiro that indicate how workers attribute
meanings to the urban space in a way linked to its struggle for staying in the city. Investigated
in academic research or reconstructed from historical documents and/or old newspapers, the
narratives bring the experience of the workers of América Fabril units located in Magé, Vila
Isabel, especially in the 1980s, when the company was closed. Besides them, other experiences
of workers in the city are recalled, such as the demolition in 1973 of Vila Rui Barbosa, in the city
center, and the partial demolition of the neighborhood of Catumbi, in 1980. Such experiences,
conducted from the methodology adopted by historical materialism, constitute an integrated
reading of the occupation process in Rio de Janeiro throughout the 20th century. It demonstrates
a working-class memory that goes beyond the limits previously defined by industrial heritage.
RESUMEN
Con el objetivo de presentar nuevos caminos en la formulación de un patrimonio obrero, el
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artículo en cuestión trae narraciones presentes en la memoria obrera de Rio de Janeiro que
indican como la clase trabajadora atribuye significados al espacio urbano, de una manera
vinculada a su lucha por la permanencia en la ciudad. Buscadas en investigaciones académicas
o reconstruidas a partir de documentos históricos y/o periódicos de la época, las narrativas
traen la experiencia de los operarios de América Fabril en las unidades de Magé, Vila Isabel y
Jardim Botânico, especialmente en la década de 1980, periodo del cierre de las actividades de
la compañía. Además de ellas, son recordadas otras experiencias de trabajadores en la ciudad,
como la demolición en 1973 de la Vila Rui Barbosa en el centro, y la demolición parcial del barrio
Catumbi, en 1980. Tales experiencias conducidas a partir de la metodología adoptada por el
materialismo histórico, constituyen una lectura integrada del proceso de ocupación de Rio de
Janeiro a lo largo del siglo XX, lo que demuestra que existe una memoria de la clase trabajadora
que supera los límites hasta entonces definidos por el patrimonio industrial.
INTRODUÇÃO
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[1] A atividade fabril, de modo geral, foi decisiva para a popularização do futebol no Brasil, uma
vez que diversos times do país foram originados por grupos de operários, não raro estimulados
pelos patrões. O Bangu Atlético Clube, por exemplo, foi fundado através da Fábrica de Bangu,
assim como o America Football Clube, na Grande Tijuca, onde havia grande concentração de
fábricas e operários. Há também casos de clubes já extintos nessa mesma localidade, como
Jorge dos. Um “clube da fábrica” e um “clube de fábrica”: o futebol nos arrabaldes de Bangu
e Andaraí (1910). Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte – v.12, n. 12, 2013, p. 100-117.
[2] A partir da década de 1940 a produção de moradia operária no Rio de Janeiro, até então
explorada pela iniciativa privada, passa a ganhar destaque nas políticas governamentais, dando
início a um período de intensa produção de conjuntos habitacionais através dos Institutos
de Aposentadoria e Pensões, especialmente nos subúrbios da cidade, e de modo vinculado
ao processo de remoção de favelas. Para saber mais: BOTAS, Nilce Cristina Aravecchia. Entre o
progresso técnico e a ordem política: arquitetura e urbanismo na ação habitacional do IAPI.
Tese (Doutorado em Planejamento Urbano e Regional) – FAUUSP. São Paulo. 2011.
[3] No Rio de Janeiro, por exemplo, as antigas fábricas Bangu e Nova América foram trans-
formadas em shopping
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[4] Cabe destacar que o início de tombamentos de conjuntos fabris no estado do Rio de
Janeiro é anterior aos anos 2000, período em que o patrimônio industrial passa a ser difundido
como categoria para valoração cultural de bens.
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brasiliana/handle/20.500.12156.1/7463>
No entanto, lembrada como um saudoso tempo que não volta mais, o período de
influência das companhias na vida do trabalhador e na gestão do espaço urbano não
remonta apenas às primeiras décadas do século XX ou ao auge de suas atividades, mas
se faz presente quase um século depois, mesmo após o fechamento de seus fábricas. É o
caso da América Fabril, responsável por fábricas instaladas em Magé, como a Fábrica Pau
Grande e a Fábrica Sant’Anna, e no Rio de Janeiro, como: a Fábrica Cruzeiro, no Andaraí;
a Carioca, no Jardim Botânico; a Mavilis, no Caju; e a Deodoro, em bairro homônimo.
A década de 1980 – momento em que a Companhia encerra definitivamente suas
atividades, depois de ter demolido a Fábrica Carioca, em 1962 – elucida essa influên-
cia. Com efeito, como demonstram os documentos de negociação de encerramento da
Companhia[5], após nove anos de atividades fabris custeadas através de financiamento
[5] Dados obtidos na “Proposta de encerramento das atividades da Companhia America Fabril”,
produzido em 1981 pelo Banco Central do Brasil (BACEN). Para mais informações, consultar:
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Um operário retira parte do volume de tecidos destinado aos trabalhadores da América Fabril,
a anotação: “Fechada a América Fabril, coube a cada operário, com salário em atraso, essa
montanha de tecidos de pano que eles teceram até longas noites de serão.”. Fonte: Arquivo
Nacional [ Código de Referência: BR_RJANRIO_PH_0_FOT_04469_008]
[6] A Comissão Especial de Desestatização foi criada a partir do Decreto nº 86.215 de 15/07/1981,
com o intuito de estabelecer “o fortalecimento do sistema de livre empresa, a consolidação da
grande empresa privada nacional, a contenção da criação indiscriminada de empresas estatais
e, quando recomendável, a transferência do seu controle para o setor privado”, conforme texto
-
zação (PND), em 1990, e o consequente processo de privatização desenvolvido nessa década.
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A Fábrica Cruzeiro, por sua vez, localizada na Rua Barão de Mesquita e parcialmente
desativada em 1965[8], teve seu terreno colocado à venda logo após a divulgação da lista de
empresas sob controle estatal que poderiam ser privatizadas. Dessa forma, o emprego e a
moradia de operários eram colocados em risco, em um plano traçado pelos proprietários
da companhia e interpretado pelo Banco Central como uma tentativa de “desativação
paulatina”. Ainda sobre esse último caso, em esclarecimento sobre o destino das casas
do Andaraí, o Banco Central define como estratégia “a preferência aos empregados para
a aquisição das vilas operárias em que residem mediante transação dos seus direitos, inde-
nizáveis” (ARQUIVO NACIONAL, 1981, p. 68, grifo nosso). Na década de 80, seria inaugurado
em parte dos terrenos da fábrica adquiridos pelo Estado um conjunto habitacional des-
tinado a famílias de classe média, popularmente conhecido como Tijolinho, em alusão
à fachada de tijolos aparentes de seus edifícios que remeteria à arquitetura fabril, ainda
que, das construções da Fábrica Cruzeiro, só tenha restado a chaminé.
Além disso, o fechamento da Companhia reacenderia também outra discussão: a
posse da Chácara do Algodão. Após recorrer judicialmente à decisão federal de desapro-
priar[9] em 1964 a antiga vila pertencente à América Fabril em prol de seus moradores,
ex-operários da Fábrica Carioca, a Companhia ganha a causa em 1986. De fato, no momento
de seu fechamento, uma das pendências citadas no relatório se refere à posse da área
conhecida como Chácara do Algodão, no Jardim Botânico, adquirida em 1920, onde de
1886 a 1962 a Fábrica Carioca esteve em atividade. Na verdade, em 1986 o que estava
em disputa era o que havia restado de todo o complexo fabril ali presente até o início
dos anos 60, demolido sob as ordens da própria Companhia, e que deu lugar a novos
empreendimentos, como os estúdios da Rede Globo. O antigo operário Dorival Malagrice,
em entrevista cedida em 1990 a Claudio Antonio S. L. Carlos, arquiteto do Departamento
Geral do Patrimônio Cultural da Cidade do Rio de Janeiro que participou do processo
de tombamento da vila operária, relata a transformação do local onde antes ficava o
Clube Musical da fábrica:
Aquilo, quando começaram a lotear os terrenos ali, o clube já estava
todo estragado, não existia mais quem cuidasse daquilo, nem diretoria,
[8] Ainda segundo o documento, a fábrica teve o setor de tecelagem desativado em 1964-65,
estando o setor de bordados ainda em atividade em 1981, com 84 operários, ocupando aproxi-
madamente 3000 m² dos 12380 m² disponíveis (ARQUIVO NACIONAL, 1981, p. 23).
[9] A desapropriação se deve à mobilização dos moradores, que resultou na Lei Federal 4106
e no Decreto 53.977/64, que garantiram a posse aos operários até 1986, momento em que, após
o ganho da causa pela Companhia, a disputa foi retomada.
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[10] Trecho da entrevista de Dorival Malagrice, morador da vila operária desde seu nascimento
e ex-operário da Fábrica Carioca, onde começou a trabalhar aos 9 anos. Disponível em: CAR-
LOS, Claudio A. S. L. Chácara do Algodão – A Permanência da Vila. In: Cadernos de Patrimônio
Cultural/Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral do Patrimônio Cultural, Rio de
Janeiro: SMCT, 1992, v. 1, n. 1, pp. 55-76.
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cidade, seria colocada em prática pela Construtora Erg Ltda. e financiada pela COPEG[11].
A despeito desse projeto, entretanto, no terreno da antiga vila encontra-se atualmente
o Centro Empresarial Senado, composto por duas torres envidraçadas, interligadas
por passarelas. Antes da sua construção, em 2011, a área passou anos como um amplo
terreno baldio no centro da cidade[12], o que então seria usado como justificativa para o
empreendimento, uma vez que, segundo o arquiteto Edo Rocha, autor do projeto, “uma
das preocupações foi a transformação daquela área totalmente decadente, que em tese
não tinha um futuro em termos de urbanismo”[13] (grifo nosso).
Em relação às favelas da zona sul, se nas décadas de 60 e 70 seria colocado em prá-
tica de forma sistêmica o objetivo de remover os trabalhadores das áreas valorizadas da
cidade, deslocando-os para áreas distantes do centro, dos locais em que haviam traçado
sua trajetória de vida até então e onde muitas vezes continuavam a trabalhar, as décadas
antecedentes teriam sido tão ou mais penosas. Dessa maneira, a favela, solução habi-
tacional tida como provisória, mas que se perpetuou ao longo do século XX diante das
condições da exploração do trabalhador, assim como a luta deste para sua permanência
no espaço urbano, configura-se também como parte da memória da classe trabalhadora.
O projeto que propunha a mudança de favelados para alojamentos provisórios, os
chamados Parques Proletários Provisórios, e posteriormente para conjuntos habitacio-
nais nos subúrbios cariocas, foi encaminhado em 1940, durante a gestão de Henrique
Dodsworth, pelo médico Victor Tavares de Moura, intitulado como “Esboço de um plano
de estudo e solução do problema das favelas do Rio de Janeiro”. Em 1970, 160 famílias
do Parque Proletário nº1, inaugurado em 1942 na Gávea, seriam transferidas para um
conjunto habitacional na Penha. Antes de serem transferidos para o Parque Proletário
da Gávea, seus primeiros moradores residiam nas favelas da Olaria, do Capinzal e do
[11] As informações foram obtidas no Jornal do Brasil que, além de dar detalhes do empre-
endimento que seria construído, traz relatos do cotidiano da vila segundo seus moradores.
Publicações consultadas: Centro perde vila bucólica e ganha prédios modernos. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 12 jun. 1972, 1º Caderno, p. 5. Ou: Os últimos dias da vida quieta em casas de
vila. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º jul. 1973, 1º Caderno, p. 20.
[12] Isso pode ser constatado pelas imagens de satélite antigas do Google Maps, com registros
a partir de 2001, que demonstram o desuso do terreno até 2011, quando o centro empresarial
começa a ser construído.
[13] A fala do arquiteto foi consultada em matéria publicada na Revista Finestra, em 2013, que
descreve o projeto. GELINSKI, Gilmara. Átrio une torres e cria prisma de vidro. Revista FINESTRA,
2013, v. 79, mar-abr., pp. 34-45.
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Largo da Memória – esta última, parte da Praia do Pinto (BITTENCOURT, 2012, p. 27). Não
apenas esta remoção, que tinha como justificativa a construção do Planetário da Cidade
em área ocupada por habitações do Parque, mas também outras foram realizadas na
zona sul da cidade nesse mesmo período.
Por último, vale lembrar que na área central da cidade, que já havia sido palco de
reformas urbanas nas primeiras décadas do século XXI, também aconteceria ao longo dos
anos 70 a implementação de parte do Plano Doxiadis, resultando na demolição parcial
do bairro do Catumbi para a construção da Linha Lilás, que, por sua vez, conectaria o
centro e a zona sul através do Túnel Santa Bárbara. A obra, mais uma vez alicerçada em
um projeto de modernização que declarava trazer benefícios à população, seria, então,
responsável pelo desaparecimento de quadras inteiras de um bairro operário constru-
ído em área valorizada e que, a despeito do que era alegado entre as justificativas para
a renovação urbana, apresentava dinâmica e identidade locais consolidadas.
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Por isso, e como demonstra o estudo desenvolvido por Carlos N. F. Dos Santos e Arno
Vogel em 1980, não foi sem a resistência dos moradores, centralizada na Associação de
Assistência e Orientação aos Moradores do Catumbi, que o projeto se concretizou. Em meio
ao levantamento etnográfico e ao caráter descritivo por vezes bucólico resultantes desse
estudo, o impulso da resistência – que encontra sua razão de ser no cotidiano registrado
pelos pesquisadores através das categorias elaboradas em torno da casa e da rua – se
deve à busca por uma permanência que só poderia ser concretizada espacialmente.
Faixas de protesto no Catumbi. Fonte: Fotógrafo França para o Correio da Manhã, em 28-01-
1967, disponível no Arquivo Nacional. [Código de referência: BR_RJANRIO_PH_0_FOT_00127_
d0059de0105-1]
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Pensar a memória operária e o patrimônio para além dos limites que costumei-
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Proposta de
encerramento das atividades da Companhia America Fabril
GNC.AAA.81020298. Rio de Janeiro: 01-10-1981.
GELINSKI, Gilmara. Átrio une torres e cria prisma de vidro. Revista FINESTRA, 2013,
v. 79, mar-abr., pp. 34-45.
Notícias de Jornais:
Os últimos dias da vida quieta em casas de vila. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
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RESUMO
Este trabalho aborda as intervenções realizadas em duas igrejas católicas localizadas no interior
do estado de São Paulo (Brasil), construídas em estilo neocolonial: a Catedral Nossa Senhora
das Dores de Limeira e a Igreja Santa Gertrudes de Cosmópolis. A versão atual de ambos os
edifícios é de autoria do arquiteto Mario Penteado e data da década de 1950, culminando uma
trajetória construtiva conturbada, marcada pela constante escassez de recursos. Trata-se de
elementos fundamentais da história urbana regional, além de contribuir para a compreensão
da produção arquitetônica de meados do século XIX até meados do século XX no Brasil em
geral, e no estado de São Paulo em particular. Ações de embelezamento, reformas aleatórias e
a mudança nos espaços sagrados determinadas pelo Concilio Ecumênico Vaticano II (1964),
fizeram com que esses espaços sofressem, ao longo do tempo, mudanças substanciais em suas
estruturas e seus acabamentos. Nestes processos destacam-se ausência de estudos e políticas
públicas voltadas à preservação e à conservação do arcabouço construído. Ainda, nota-se o não
reconhecimento do bem como patrimônio, documento importante da história das respectivas
cidades, tanto por parte dos próprios cidadãos, como dos próprios profissionais arquitetos-ur-
banistas. A presente comunicação pretende contribuir para inserir esses edifícios em políticas
preservacionistas adequadas, capazes de reconhecer a sua importância material e simbólica
para suas respectivas cidades e seus habitantes.
A BSTRACT
This article comprehends the two interventions made in two catholic churchs placed in São
Paulo (Brazil), built in neocolonial style: the Cathedral of Nossa Senhora das Dores de Limeira
and the Church of Santa Gertrudes de Cosmópolis. The actual project of both buldings belongs
to the architect Mario Penteado and were finished around the 50th decade, mainly characterised
by the lack of resourses. These churches represent fundamental elements of the urban history;
moreover, they contribute to the comprehension of the architecture production developed
from the midlle of the nineteenth century until the midlle of the twentyth centuty, especially
in São Paulo. Actions of embellishment, random renovations and the change in sacred spaces
determined by the II Vatican Ecumenic Counsil (1964), resulted in substancial changes in those
structures and workmanships. About this process, we can emphasise the lack of studies and
public politics directed to the preservation and conservation of the buildings. Furthermore, we
can also highlight theier exclusion as a heritage and an important document of the cities history,
promoted by the citzens and architects. The present communication intends to contribute for
the insertion of those buindings in suitable preservation politics, capable of recognize theier
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RESUMEN
Este trabajo aborda las intervenciones realizadas en dos iglesias católicas, que se encuentran
ubicadas en el interior del estado de São Paulo (Brasil), construidas en estilo neocolonial: la
Catedral Nossa Senhora das Dores de Limeira y la Iglesia Santa Gertrudes de Cosmópolis. La
versión actual de ambos los edificios, es de autoría del arquitecto Mario Penteado y fecha de la
década de 1950, que culminó con una trayectoria constructiva problemática, que se caracteriza
por la constante escasez de recursos. Se Trata de los elementos esenciales de la historia urbana
regional, además de contribuir a la comprensión de la producción arquitectonica de mediados
del siglo XIX hasta mediados del siglo XX en Brasil en general, en el estado de São Paulo en par-
ticular. Acciones de embellecimiento, reformas aleatorias y el cambio en los espacios sagrados,
determinado por el Concilio Ecuménico Vaticano II (1964) han hecho con que estes espacios
sufrieran, al largo del tiempo, cambios sustanciales en sus estructuras y en sus acabados. En
estos procesos, se destacan la falta de estudios y políticas públicas orientadas a la conservación
y al mantenimiento de un marco construido. Todavía, se nota que el no reconocimiento de un
bien como patrimonio, un documento importante para la historia de las respectivas ciudades,
tanto por parte de los propios ciudadanos, como de los propios profesionales arquitectos-ur-
banistas. El objetivo de esta comunicación es contribuir a insertar estes edifícios en políticas
preservacionistas adecuadas, capaces de reconocer la importancia material y simbólica para
sus respectivas ciudades y a sus habitantes.
INTRODUÇÃO
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Dentre os novos estilos empregados, cabe destacar o Neocolonial, que teve sua
origem no Brasil a partir do movimento iniciado pelo engenheiro português Ricardo
Severo, que, na palestra intitulada “A arte tradicional no Brasileira” proferida em 20 de
julho de 1914, propôs a valorização do passado arquitetônico brasileiro. Permeada por
um viés arqueológico, sua leitura da arquitetura colonial brasileira - por ele denomi-
nada “arte tradicional” – enfatizava sua capacidade de adequação ao meio, bem como
a natureza dos materiais e da técnica construtiva empregada, gerando uma produção
arquitetônica nova e peculiar, que alcançou grande popularidade durante boa parte da
primeira metade do século XX (PINHEIRO, 2011, p. 78).
Adotado por diversos arquitetos e engenheiros, o neocolonial foi utilizado em
construções das mais variadas tipologias arquitetônicas e para os mais diversos progra-
mas. Essa arquitetura ornamentada, com forte apelo em valores identitários, foi muito
bem aceita na construção de edifícios religiosos, e seu emprego foi preconizado em
ofício circular aos bispos brasileiros datado de 1924 por Dom Sebastião Leme, eminente
arcebispo do Rio de Janeiro, capital do país à época (PINHEIRO, 2011, p.255).
Muitas cidades do interior do Estado de São Paulo também passaram por transfor-
mações urbanas e arquitetônicas de monta, análogas àquelas da cidade de São Paulo,
porém posteriores. Aqui, é importante lembrar que a gênese da maior parte das cidades
brasileiras está vinculada à ereção do primeiro templo católico, dada a intrínseca relação
estado-igreja vigente no Brasil até o período imperial. As questões referentes à doação
do patrimônio religioso, ao pagamento do foro anual e à construção do templo – e suas
respectivas ações de embelezamento - colocaram a Igreja em situação central, espacial e
administrativamente, transformando assim o edifício em elemento fundamental para
a compreensão da cidade e sua história, e essencial para a manutenção da identidade
daquela urbe, o que justifica – em parte – as sucessivas ações de construção, reconstrução
e embelezamento deste signo local.
As cidades analisadas neste estudo estão situadas na região de Campinas, no Estado
de São Paulo, distantes da capital aproximadamente 144 km. A cidade de Limeira remonta
ao período de doação e concessão de sesmarias no interior, quando o Capitão Luiz Manoel
da Cunha Bastos adquire o Engenho do Tatu naquela região, no início do século XVI.
Em 1826, Cunha Bastos realiza a doação do patrimônio religioso para a construção da
Capela de Nossa Senhora das Dores, que em 1832 é elevada ao grau de freguesia. Com
o estabelecimento da paróquia, o patrimônio passou a ser arruado, loteado e aforado
para a população que desejava se estabelecer neste sitio. O aumento populacional e a
relevância da produção agrícola das propriedades vizinhas fizeram com que a freguesia
fosse elevada ao grau de vila em 1844.
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Figura 1: A nova Matriz de Limeira. Fonte: Acervo Catedral Nossa Senhora das Dores
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Figura 2: Projeto de Ramos de Azevedo para a Fachada da Matriz de Limeira. Fonte: Biblioteca
da FAU USP
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Figura 4: Fachada do projeto Neocolonial de Mario Penteado para Limeira. Fonte: CAD PUC
Campinas
A nova Igreja Matriz de Limeira foi inaugurada em 1970 (Figura 5), sem os acaba-
mentos externos, sendo que a Diocese de Limeira foi criada apenas em 1976. Na fachada
principal, os dois grandes lampiões e a imagem da Virgem das Dores não foram colocados.
Nas portas é possível identificar a ausência de elementos decorativos, principalmente
nas laterais. No interior a construção só foi completada em 1990, porém nem tudo
foi executado conforme o projeto original, devido às mudanças no espaço litúrgico
promulgadas pelo Concilio Ecumênico Vaticano II (1962-1965), principalmente no que
diz respeito à posição do altar principal com a nova de acordo liturgia. O altar passou a
assumir a posição central da capela-mor, e concomitante a isso, a grade de comunhão e
os altares laterais foram suprimidos.
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responsável pelas obras e levantar fundos para sua conclusão. Foram realizados os aca-
bamentos internos e externos, como a colocação de elementos decorativos nas janelas,
colunas, na porta principal e na torre. O acabamento interno da Igreja se deu no ano de
1967 com o auxílio financeiro da Prefeitura Municipal de Cosmópolis.
Em março de 1970 foram iniciados os trabalhos para o acabamento da fachada da
Matriz, novamente com a colaboração da prefeitura municipal. É interessante notar o
paulatino distanciamento da iniciativa privada e a gradativa aproximação da iniciativa
pública no financiamento desta obra religiosa. A Igreja não foi totalmente concluída
segundo o projeto original (Figura 8), sendo suprimidos inúmeros detalhes da orna-
mentação proposta pelo arquiteto. O interior da Igreja nunca foi totalmente concluído
e os espaços que se tornaram ociosos devido às mudanças litúrgicas receberam outras
funções. Novos elementos foram incorporados à decoração ao longo do tempo, como a
construção de um grande baldaquino no presbitério.
No ano de 2015, todo o mobiliário do presbitério foi refeito em mármore para a
comemoração do centenário da Paróquia e uma nova Capela do Santíssimo foi reinau-
gurada, sendo todas as novas peças de caráter moderno. Um novo sistema de iluminação
substituiu o antigo, e uma nova paleta de cores foi introduzida na pintura interna das
paredes e elementos decorativos. Os espaços obsoletos, como os vãos para a instalação
dos confessionários na nave principal e a antiga Capela do Batismo, foram objeto de
novas intervenções e completamentos, sem muito critério.
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O caso das duas igrejas em questão apresenta alguns pontos em comum, como o
período em que foram construídas e as interferências exercidas por fatores externos
durante os processos decisórios relativos aos respectivos, e sucessivos, processos de
construção, reforma e reconstrução. Ressalta inicialmente a coincidência de autoria e
de estilo arquitetônico na última versão de ambas as igrejas: o neocolonial adotado por
Mário Penteado – que, tendo seu período áureo nos anos 1920, estava ainda em voga no
interior do Estado de São Paulo em data tão tardia como a década de 1950. Esse neocolo-
nial tardio sofre as consequências de recorrentes dificuldades financeiras ao longo da
construção dos templos, que atrasam a conclusão das obras possibilitando alterações
de todo tipo nos projetos originais – desde a eliminação de ornatos para barateamento
dos custos até mudanças programáticas impostas pela mudança na liturgia católica.
Tais aspectos dificultam o reconhecimento destes bens como documentos impor-
tantes da história local, capazes de transmitir conhecimentos de natureza multidiscipli-
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nar para o futuro, além de seu caráter simbólico para a cidade e seus habitantes. Sendo
assim, apontadas as questões que levaram ao cenário atual, pretendemos contribuir
para a inserção desses edifícios em políticas preservacionistas capazes de tratar esses
edifícios com a sua devida importância.
A PRESERVAÇÃO
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REFERÊNCIAS
CATEDRAL, Nossa Senhora das Dores. Livro Tombo II (1870-1903), Livro Tombo III
(1905 – 1914), Livro Tombo IV (1914 -1921), Livro Tombo V (1921 – 1949), Livro Tombo
VI (1949 -). Limeira
1898-
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LIMIARIDADE
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SILVA, Ana
Mestranda em Arquitetura e Urbanismo; Universidade Federal da Bahia.
Analuizats.arq@gmail.com
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RESUMO
Esse artigo pretende tensionar uma reflexão sobre patrimônio cultural e apropriação. O con-
teúdo faz parte de um processo de dissertação de mestrado com a proposta de abordar como
movimentos sociais e associações de moradores, que lutam por permanência no Centro His-
tórico de Salvador (CHS) e ocupam edificações de valor patrimonial, lidam com a questão do
espaço, problematizando as condições das edificações que habitam, bem como, enfatizando as
práticas construtivas de adaptação, de manejo e salvaguarda dessas edificações. O material
exposto no presente artigo é um recorte de um referencial teórico-metodológico que alimenta
a pesquisa. Incialmente, é discutido sobre a apropriação social do patrimônio cultural, como
também, da possibilidade dessa apropriação proporcionar a emersão das bases da construção
do comum. Em seguida, é apresentado uma série de autores e estudos na pretensão de criar um
método análitico das apropriações e intervenções realizadas. O estudo pretende ampliar os
estudos de habitações populares na preexistência de valor patrimonial, contribuindo assim na
compreensão das atribuições de valores, das formas de apropriação, adaptação, substituição
e manutenção realizadas pelos moradores das edificações ocupadas.
A BSTRACT
This article intends to tension a reflection on cultural heritage and appropriation. The content
is part of a master’s thesis process with the proposal of addressing how social movements and
residents’ associations, which fight for permanence in the Historic Center of Salvador (CHS)
and occupy buildings of patrimonial value, deal with the issue of space, problematizing the
conditions of the buildings they inhabit, as well as, emphasizing the constructive practices of
adaptation, management and safeguarding of these buildings. The material exposed in this
article is an excerpt from a theoretical-methodological framework that feeds the research.
Initially, it is discussed about the social appropriation of cultural heritage, as well as the pos-
sibility of this appropriation providing the emergence of the bases of the construction of the
common. Then, a series of authors and studies are presented in order to create an analytical
method of the appropriations and interventions carried out. The study intends to expand the
studies of popular housing in the pre-existence of patrimonial value, thus contributing to the
understanding of the attribution of values, the forms of appropriation, adaptation, replacement
and maintenance carried out by the inhabitants of occupied buildings.
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RESUMEN
Este artículo pretende tensar una reflexión sobre el patrimonio cultural y la apropiación.
El contenido es parte del proceso de tesis de maestría con la propuesta de abordar cómo los
movimientos sociales y las asociaciones de residentes, que luchan por la permanencia en el
Centro Histórico de Salvador (CHS) y ocupan edificios de valor patrimonial, abordan el tema
del espacio, problematizando las condiciones de los edificios que habitan, así como enfatizando
las prácticas constructivas de adaptación, gestión y protección de estos edificios. El material
expuesto en este artículo es un extracto de un marco teórico-metodológico que alimenta la
investigación. Inicialmente, se discute sobre la apropiación social del patrimonio cultural,
así como la posibilidad de que esta apropiación proporcione el surgimiento de las bases de la
construcción de lo común. Luego, se presentan una serie de autores y estudios para crear un
método analítico de las apropiaciones e intervenciones realizadas. El estudio pretende expandir
los estudios de vivienda popular en la preexistencia de valor patrimonial, contribuyendo así a
la comprensión de la atribución de valores, las formas de apropiación, adaptación, reemplazo
y mantenimiento que realizan los habitantes de los edificios ocupados.
INTRODUÇÃO
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A leitura das apropriações e condições das edificações ocupadas passa pelo enten-
dimento destas frente ao processo de produção do espaço e do seu processo histórico,
assim como, do contexto socioeconômico e das práticas e formas de habitar o espaço por
seus usuários. Esse contexto se desenvolve numa dimensão local e em outra global, como
aborda Milton Santos (1997;2002), “a relação social, por mais parcial ou mais pequena que
pareça, contém parte das relações que são globais [...] A história da produção de um fato
desencadeia um processo bem mais abrangente, que insere o fenômeno em contextos
cada vez mais amplos” (SANTOS, 1997, p.57). Esse condicionamento entre uma realidade
localizada e outra mais abrangente é apresentado através de uma categoria analítica
do espaço, baseada no conceito de totalidade.
Segundo o autor, a definição de espaço é indissociável dos fatores políticos e sociais,
assim como, dos sistemas de objetos e ações, já que “cada pessoa, cada objeto, cada relação
é um produto histórico” (SANTOS, 1997, p.58). A totalidade não é vista apenas como uma
soma das partes para se ter o entendimento do total, ao contrário, é a totalidade que
explica todas as partes, sendo uma noção fundamental para o conhecimento e análise
da realidade em sua integridade. Sendo a totalidade uma “realidade fugaz”, que está
em constante mutação, desfazendo-se, renovando-se e transformando-se numa nova
realidade, seu processo de apreensão pressupõe sua divisão, a sua cissiparidade e esfa-
celamento. O movimento irá transformá-la em multiplicidade e, por meio das formas,
ela se individualiza. Então, os fragmentos, por mais que se tornem objetivos, ocupando
objetos com sua essência e atividade, continuam a integrar a totalidade (SANTOS, 2002).
Então, a totalidade se realiza por impactos seletivos, nos quais algumas das possibi-
lidades tornam-se realidade. Os lugares são definidos e particularizados em consequência
dos impactos que acolhem, a seletividade acontece tanto no nível das formas, como no
nível do conteúdo. É esse o próprio princípio da diferenciação entre lugares, produzindo
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res, por englobar a maior soma de dados ainda não bem interpretados
ou compreendidos, além daqueles com certeza ainda desconhecidos e
nebulosamente suspeitados; o que não acontece com o enfoque técni-
co-construtivo, que nos dá um quadro claro da situação presente das
possibilidades materiais de concretização de planos em geral (LEMOS,
1978, p.11).
Quanto ao comportamento do operário dentro de casa [...] Tal compor-
tamento evidentemente é responsável por certas soluções de composição
arquitetônica e, também, é acomodado a certas contingências econô-
micas e moldado ou adaptado à precariedade ou exiguidade do espaço
abrigado (LEMOS, 1978, p.13).
Carlos Lemos (1978), sem seu livro “Cozinhas, etc.”, traça um importante estudo
da evolução histórica da moradia popular no Brasil. O autor buscou definir o que seria
efetivamente uma casa popular, entendendo-a como aquela em que acontece uma
“superposição de quase todas as funções habitacionais, sendo constante a superposição
da zona de serviço com a zona de estar” (LEMOS, 1978, p.16).
Os cortiços instalados nos palacetes antigos certamente compõem amon-
toados de moradias populares, onde, necessariamente, houve processos
de adaptação. Esses processos chegam a recorrer inclusive, a reformas
decorrentes de desvirtuamentos de funções, de troca de atividades dentro
das acomodações: salas se fragmentam em alcovas, vestiários e salas
de banho transformam-se em cozinhas, os corredores em verdadeiras
vias públicas, os jardins em coradouros de roupa lavada, as garagens
em oficinas (LEMOS, 1978, p.15).
Nesse sentido, a apreensão do estado de conservação da materialidade, passa,
também, por uma observação das transposições e substituições realizadas no espaço (ou
edificação) pela ação dos atores sociais no processo de apropriação. Logo, a morfologia
espacial e os processos de uso e ocupação do espaço têm uma relação indissociável,
inviabilizando a análise em separado (ALBANO, WERNECK, 1988 apud ARAUJO, 1990).
Carlos Nelson Santos (1985), em “Quando a Rua vira Casa”, afirma que para compre-
ender as formas de apropriação de espaço - de uso coletivo, no caso de seu estudo - deve-se
entender os processos de desenvolvimento da cidade. E, para além da materialidade dos
espaços e dos processos que neles se desenvolvem, apreender as dimensões simbólicas
existentes. Estas dimensões apresentam a percepção que “em qualquer sociedade há
códigos culturais que viabilizam a leitura, apropriação e aproveitamento dos lugares” e
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que “as noções de localização, de territorialidade e do que lhes seja pertinente e adequado
são constituídas através do recurso a estes códigos” (SANTOS, 1985, p.13).
Enrico Guidoni (1980), em “L’architettura Popolare Italiana”, investiga a arquitetura
popular a partir dos aportes culturais específicos de povos e comunidades, compreen-
dendo a casa popular como um produto cultural vinculado à história, portanto, não é
apenas um resultado de processos de adaptação ao ambiente ou a modelos externos
dominantes. A “arquitetura popular” seria então, um conjunto de “manifestações – refe-
rentes a grupos e comunidades organizadas (principalmente rurais ou artesanais) que
desenvolvem atividades produtivas em condições de relativa autonomia cultural com
relação à sociedade urbana e aos órgãos do Estado – inerentes à construção, à transfor-
mação e ao uso do espaço habitado, à interpretação abrangente do mundo físico local e
da paisagem, ao usufruto do território e à sua reapropriação ritual” (GUIDONI, 1980, p. 3-4).
Contudo, as apropriações e intervenções realizadas, além de estarem relacionadas
às práticas cotidianas referentes à cultura e ao modo de vida dos moradores, também
estão totalmente atreladas à condição de vulnerabilidade socioeconômica e ao processo
de produção da cidade, como já mencionado. Logo, as observações e leituras da situação
tem abordagens quantitativas, no que se refere às condições físicas internas e externas do
espaço habitado, como também abordagens qualitativas, já que é necessário apreender
os fatos humanos e sua significação, através de relatos que identifiquem os costumes,
comportamentos, relações e o que isso implica na configuração espacial.
Entretanto, carecem de estudos suficientes e sistemáticos sobre esses tipos de apro-
priações em edificações de valor patrimonial, que possibilitem a compreensão entre o
espaço construído (a preexistência) e o espaço vivido pelos habitantes das ocupações.
Em Salvador (BA), são conhecidas duas grandes contribuições: a dissertação de Anete
Araújo (1989), cujo a pesquisa é o uso e a apropriação do espaço em três sobrados com
função habitacional pluridomiciliar no Pelourinho; e o livro de Urpi Montoya Uriarte
“Entra em beco, sai em beco” (2019), cujo objetivo é a apreensão etnográfica das formas
de habitar que se desenvolvem no centro das cidades de Salvador e Lisboa. A autora
descreve e analisa alguns tipos habitacionais específicos – fileiras de casas em becos,
casas ao redor de um pátio, cortiços, habitações em casarões ocupados – e as formas
como neles se habita.
Posto isto, a dissertação pretende analisar as apropriações das edificações ocupa-
das e como essas rebatem no espaço, através do reconhecimento das práticas na vida
cotidiana das pessoas que as habitam e as utilizam, da sistematização de um material
sobre a condição física existente associada à pesquisa documental (levantamentos
arquitetônicos e fotográficos, coleta de dados em arquivos públicos e privados e coleta
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legislação existente). Entendendo que essa leitura do espaço faz parte de um contexto
que extrapola a edificação, envolvendo conjunturas urbanas, políticas e econômicas.
Conta-se com a colaboração de dois movimentos sociais, o Movimento em Defesa
da Moradia e do Trabalho (MDMT) e Movimento dos Sem Teto da Bahia (MSTB). Ambos
realizam ou realizaram ocupações em edifícios localizados no Centro Histórico, consi-
derados de valor patrimonial, tanto em razão do sítio urbano em que estão inseridos,
como pelas características da própria edificação. O fase atual da pesquisa seria de coleta
de dados em campo, infelizmente, interrompida provisoriamente devido pandemia
do COVID-19, uma doença respiratória aguda causada pelo coronavírus da síndrome
respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
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. Salvador: v. 1, n. 2, p. 35-51 .
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
SANTOS, Carlos. Quando a rua vira casa: apropriação de espaços de uso coletivo
em um centro de bairro. São Paulo, SP: Projeto, 1985.
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
PAISAGEM CULTURAL
E ECONOMIA CRIATIVA:
CAMINHOS E DESAFIOS
PARA A PRESERVAÇÃO DO
PATRIMÔNIO NO CENTRO
HISTÓRICO DE BELÉM
CULTURAL LANDSCAPE AND CRIATIVE ECONOMY:
PATHS AND CHALLENGES TO THE PRESERVATION
OF THE HISTORICAL HERITAGE IN THE
HISTORICAL CENTER OF BELÉM
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
RESUMO
Na segunda metade dos anos 1990, os governos Municipal e Estadual de Belém travaram um
embate de duas visões diferentes para renovações urbanas, algumas delas no Centro Histórico
de Belém. Por um lado, as iniciativas do município buscaram nas raízes caboclas símbolos
para as intervenções no patrimônio, dentre as quais a mais emblemática foi a do Complexo do
Ver-o-Peso. Já a gestão estadual promoveu a concepção de uma paisagem cultural baseada na
herança do Ciclo da Borracha, sendo o projeto Estação das Docas o principal destaque. Passa-
dos 20 anos, é percebida uma terceira paisagem cultural ligada a relação entre preservação e
economia criativa, emergente da interação entre a população e o legado das ações pregressas
de renovação urbana. O presente artigo busca explorar os elementos que compõem esta “nova”
paisagem cultural em Belém, discutindo as alterações nas relações entre sociedade e patrimô-
nio neste contexto. Para tanto, foram identificadas regiões associadas à paisagem cultural a
partir do mapeamento de projetos para renovação de edificações históricas e suas correlações
com iniciativas de economia criativa. Os resultados apontam a presença de empreendimentos
de economia criativa que usam o simbolismo do ambiente local como valor agregado às suas
atividades, e indicadores de mudanças nas relações espaciais que podem ser um caminho para
a preservação do Centro Histórico de Belém.
A BSTRACT
The Brazilian Amazonian city named Belém lived a conflict between the Municipality and the
State governments in the second half of the 1990s. On the one hand, the municipality’s urban
interventions were inspired by the forest roots and Its most emblematic project was the Ver-o-
-Peso Complex renovation. In contrast, the State of Pará government promoted the conception
of a cultural landscape based on the inheritance of the Rubber Cycle, where the Estação das
Docas project was the highlight. After 20 years, a third cultural landscape is emerging from the
interaction between the population and the legacy of previous actions of urban renewal relating
preservation with creative economy initiatives. This article seeks to explore the elements that
make up this “new” cultural landscape in Belém, discussing the changes in the relationship
between society and historical heritage in this context. In order to achieve it, regions associated
with the cultural landscape were identified from the mapping of architectural projects for the
renovation of historical buildings and their correlations with creative economy initiatives.
The results point to the presence of creative economy enterprises that use the symbolism of the
local environment as an added value to their activities, and indicators of changes in spatial
relations that may be a way to preserve the Historical Center of Belém.
LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
RESUMEN
La ciudad amazónica brasileña llamada Belém vivió un conflicto entre el municipio y los
gobiernos estatales en la segunda mitad de la década de 1990. Por un lado, las intervenciones
urbanas del municipio se inspiraron en las raíces del bosque y su proyecto más emblemático
fue la renovación del Complejo del Ver-o-Peso. En contraste, el gobierno del Estado de Pará pro-
movió la concepción de un paisaje cultural basado en la herencia del Ciclo del Caucho, donde el
proyecto Estação das Docas supuestamente fue lo más destacado. Después de 20 años, un tercer
paisaje cultural está emergiendo de la interacción entre la población y el legado de acciones
previas de renovación urbana. Este artículo busca explorar los elementos que componen este
“nuevo” paisaje cultural en Belém, discutiendo los cambios en la relación entre la sociedad y el
patrimonio en este contexto. Para lograrlo, se identificaron regiones asociadas con el paisaje
cultural a partir del mapeo de proyectos arquitectónicos para la renovación de edificios históricos
y sus correlaciones con iniciativas de economía creativa. Los resultados apuntan a la presencia
de empresas de economía creativa que utilizan el simbolismo del medio ambiente local como
un valor agregado a sus actividades, e indicadores de cambios en las relaciones espaciales que
pueden ser una forma de preservar el Centro Histórico de Belém.
INTRODUÇÃO
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[2] Mesmo sendo uma área muito anterior à Belle Époque paraense, pois remete à primeira
colonização da cidade (PENTEADO, 1973), o Feliz Lusitânia é uma das iniciativas mais impor-
tantes de renovação urbana, pois possui o marco de fundação da cidade (Forte do Presépio),
e prédios de clara herança da arquitetura portuguesa que foram foco das intervenções do
governo estadual.
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cultural com as ações promovidas pela prefeitura, detentora de outra visão para a cidade,
mais alinhada com simbolismo e imagens de inspiração indígena e cabocla. A cerâmica
marajoara, por exemplo, inspirou a padronização visual dos ônibus que compunham o
transporte coletivo. Praças e equipamentos públicos, como bancos e pontos de ônibus,
passaram a ter o design também compatível com esta identidade. A área de entorno do
Centro Histórico de Belém recebeu em uma antiga edificação de traços ecléticos o Memo-
rial dos Povos, que valorizava todas as raízes da população da Amazônia e não apenas
a europeia. A cidade também recebeu um concurso público nacional para a renovação
do Complexo Ver-o-Peso, com o qual a feira e os mercados sofreram marcantes inter-
venções infraestruturais e de grande apelo estético. Ao contrário das ações estaduais,
em boa parte das ações de iniciativa do Município havia a preocupação de manter uma
gestão participativa: seja pela promoção de cursos de capacitação para trabalhadores
dos espaços criados, fóruns para eleição de prioridades e de orçamento participativo.
Apesar das diferenças, ambas propostas de paisagem cultural foram determinantes
para tornar o Centro Histórico de Belém (CHB) mais dinâmico, de tal forma que outras
ondas de renovação urbana colaborassem para a emergência de uma terceira paisagem
cultural a partir da interação entre a sociedade e aquelas duas primeiras. Nos anos
recentes no CHB, há uma paisagem cultural emergente com o surgimento de diversos
empreendimentos culturais que abrigam no simbolismo do centro histórico elementos
que agregam valores às suas atividades econômicas. Mais recentemente, a área recebeu
estabelecimentos como estúdios de design, moda, joalheria, etc., empreendimentos que
são denominados pelo Ministério da Cultura como “Economia Criativa”, e que crescem
mundialmente na forma das “cidades criativas” (MIRSHAWKA, 2017).
Do exposto, o presente artigo analisa os elementos do que pode ser considerada
a mais recente paisagem cultural e que contribuem para um ambiente de empreende-
dorismo que se apresenta, buscando discutir de que forma a dinâmica resultante desta
relação se relaciona com a preservação do patrimônio histórico. É importante ressaltar
que há tanto impactos positivos, como a restauração de imóveis por parte da iniciativa
privada, como negativos, como a elitização de algumas atividades e espaços que antes
eram considerados populares e agora passam por um processo de estratificação social,
por vezes tornando o espaço e serviços inacessíveis a camadas da população que por
séculos usaram o CHB para fins de moradia e geração de renda.
A primeira sessão do artigo busca contextualizar o que é o empresariamento urbano
e como este se relaciona com a produção artística e cultural, uma vez que esta é capaz
de agregar capital simbólico aos espaços que passam por processos de renovação. Já
a segunda sessão explana sobre o CHB, explorando a sua formação e o histórico das
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intervenções de renovação urbana pelos quais a área passou desde a década de 1990,
que até então eram alinhadas com práticas internacionais de empresariamento (HAR-
VEY, 1996). Em boa parte das chamadas “cidades criativas” essas práticas deram lugar a
novos métodos de interação e renovação urbana, o que inicia a terceira parte do artigo,
na qual se analisa de que forma as iniciativas de empresariamento contribuíram para
a formação de uma nova paisagem cultural no CHB. Por fim, o artigo busca apontar
caminhos possíveis para o Centro Histórico de Belém, diante de práticas que geraram
impactos relevantes na preservação e na dinâmica econômica, com o estímulo à pro-
dução e valorização da cultura local.
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Figura 01: Conjunto de casarões históricos e edifício do Banco Central ao fundo, na Av. Bou-
levard Casti
lhos França. Fonte: Google Street View, 2019.
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Apenas em 1994 o CHB veio a ser tombado pelo poder público municipal, por
meio da Lei n° 7.709/1994. No entanto, anteriormente a essa data, alguns conjuntos
arquitetônicos isolados já vinham sido tombados. Em 1964, por exemplo, o Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) tombou o Conjunto Arquitetônico e
Paisagístico da Praça Frei Caetano Brandão, área que remete a formação de Belém e que
inclui em seu perímetro a Igreja da Sé, a Igreja de Santo Alexandre, o Forte do Castelo e o
Hospital Militar (atual Casa das 11 Janelas). Seguiu-se o tombamento do Conjunto Arqui-
tetônico e Paisagístico Mercado Ver-o-Peso e suas áreas adjacentes em 1969, incluindo
a Praça Pedro II e Boulevard Castilhos França, o Mercado de Carne e o Mercado Bolonha
de Peixe (GODINHO, 2017).
A partir da década de 1990, como parte dos processos que marcaram anos depois
as iniciativas de intervenções do Governo do Estado e da Prefeitura, passou a se mani-
festar em Belém um discurso acerca da necessidade de abrir “janelas para o rio”, ou seja,
espaços de lazer e contemplação às margens da Baía do Guajará e do Rio Guamá. Essas
discussões acompanhavam um movimento internacional que se manifestou em diver-
sas cidades ao redor do mundo, onde as zonas portuárias passaram por um processo de
obsolescência decorrentes da promoção de novos meios de transporte e de mudanças
técnicas no sistema portuário (BONDUKI, 2010). Dentro desse contexto, o Plano Diretor
de Belém de 1993 propunha a implantação de projetos voltados para o desenvolvimento
turístico na orla da cidade, podendo, para isso, fazer uso de instrumentos como zonea-
mentos especiais, IPTU progressivo no tempo e operações urbanas consorciadas (LIMA;
TEIXEIRA, 2009). Datam dessa época algumas das principais intervenções que ocorreram
na orla de Belém, como a criação do Espaço Feliz Lusitânia e da Estação das Docas e a
requalificação do Ver-o-Peso.
A Estação das Docas, inaugurada em 2000, é um dos exemplos mais representativos
das intervenções realizada nesse período. De iniciativa do Governo do Estado, o projeto
utilizou-se de três armazéns cedidos pela Companhia das Docas do Pará, abrangendo
uma área de 32.000 m² que foi utilizada para a instalação de restaurantes voltados para
a gastronomia regional e internacional, comércio, exposições de arte, um teatro de 400
lugares e espaço para eventos como feiras e exposições. O espaço faz uso de sua proximi-
dade com a Baía do Guajará para criar uma paisagem passível de contemplação e que,
ao mesmo tempo, tenta se mostrar atraente para o clima de negócios e investimentos
econômicos, especialmente no setor de turismo (TRINDADE JR; AMARAL, 2011).
O projeto para a Estação das Docas teve grande apelo para atrair o setor privado desde
o início, quando o governo estadual investiu 19 milhões de reais e a iniciativa privada,
5 milhões. Esperava-se que o empreendimento fosse capaz de se auto sustentar um ano
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após sua inauguração, no entanto, passados alguns anos, o projeto não teve o retorno
econômico que se esperava e apresentou um alto índice de inadimplência condominial,
de modo que o governo precisou injetar recursos mensais para manter o funcionamento
pelo menos até o ano de 2010 (LIMA; TEIXEIRA, 2009). Apenas em 2018 o déficit com as
despesas de energia elétrica e ar-condicionado pôde ser resolvido após a implantação do
parque de energia solar no estacionamento do Hangar Centro de Convenções, o qual é
operado pela mesma Organização Social que gere a Estação das Docas, a Pará 2000 (FLEXA,
2018). Hoje em dia, o complexo turístico abriga 13 empreendimentos de gastronomia, 14
empreendimentos de economia criativa e mais 4 de serviços turísticos.
O Complexo do Ver-o-Peso também é um importante “cartão postal” de Belém que
passou por intervenções empreendidas pela prefeitura ao longo das últimas décadas,
tendo sido a primeira delas em 1985, quando houve a requalificação da feira, com padro-
nização das barracas e nova iluminação, mas três anos depois de concluído já apresentava
sinais de descaracterização (FORTE; SANJAD, 2016). Após um período de abandono, foi
convocado um concurso público nacional para uma nova requalificação do complexo,
sendo o projeto vencedor de autoria de arquitetos cariocas. A execução foi iniciada em
2001 e contou com forte participação popular, ocorrendo em diferentes etapas, pois a
prefeitura não dispunha da totalidade dos recursos necessários. Foram realizadas a
requalificação das barracas, que passaram a contar com coberturas em lona tensionada,
um novo sistema de iluminação e captação de águas pluviais, além de obras de restauro
no Mercado da Carne e no Solar da Beira.
Além da intervenção no Complexo do Ver-o-Peso, a prefeitura também buscou rees-
truturar a Rua João Alfredo, um importante eixo comercial no CHB. Foram implantadas
novas redes de infraestrutura, o cabeamento elétrico passou a ser subterrâneo, as calça-
das foram alargadas para permitir a permanência dos ambulantes e foram instalados
trilhos para a circulação de bondinho. Em contrapartida, os proprietários dos imóveis se
comprometeram a restaurar as fachadas das edificações e a retirar as placas que contri-
buem para a poluição visual, o que não chegou a ocorrer de fato e, como consequência,
o projeto acabou sendo descaracterizado (LIMA; TEIXEIRA, 2009).
Por sua vez, o Espaço Feliz Lusitânia foi o último projeto de iniciativa do governo
estadual que teve como foco a revitalização de uma área de 50.000 m² onde se deu a
fundação da cidade de Belém. A intervenção, finalizada em 2002, incluiu o restauro
da Igreja de Santo Alexandre e do Palácio Episcopal, onde passou a funcionar o Museu
de Arte Sacra do Pará; a revitalização de oito edificações na Rua Padre Champagnat; a
revitalização do Forte do Presépio, que passou a incluir um museu; e, em um último
momento, o restauro da Casa das Onze Janelas, onde atualmente funciona o Museu de
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Arte Moderna (TRINDADE JR.; AMARAL, 2011). Assim como a Estação das Docas, o Espaço
Feliz Lusitânia também se localiza em uma área circundada pelos rios e a intervenção
teve como um dos principais objetivos o fomento a economia e ao turismo, sendo o
próprio espaço um objeto de consumo que busca se mostrar moderno e competitivo.
Assim, o período entre o fim dos anos 1990 e início dos anos 2000, pode ser con-
siderado como uma época de grandes intervenções urbanas na cidade, sobretudo na
revalorização do CHB, com vistas ao seu desempenho econômico e preservação de seu
patrimônio. Após essa fase, um marco importante é a revisão do Plano Diretor ocor-
rida em 2008, que trouxe diretrizes que incluíam a requalificação do centro histórico,
o estímulo ao uso habitacional e à atividades de lazer e turismo e a reabilitação das
condições de mobilidade na área. No entanto, pouco do que foi previsto teve alguma
efetivação, merecendo destaque o fato de que diversos imóveis no CHB permanecem
subutilizados sem ter havido alguma regulamentação que pudesse mudar esse quadro
(TOURINHO; LIMA, 2015).
Atualmente, as iniciativas do poder público no CHB são pontuais e voltadas para a
recuperação de alguns imóveis de valor histórico, sendo, em geral, financiadas pelo PAC
Cidades Históricas, que, até o momento, abrange 15 obras em Belém, sendo algumas das
mais relevantes o restauro do Mercado do Peixe e da Igreja do Carmo. Ademais, percebe-se
algum volume de eventos realizados no CHB que buscam valorizar a cultura alimentar,
o que passou a ocorrer principalmente após Belém ser escolhida como Cidade Criativa
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pela Unesco em 2015, tendo como foco a cultura alimentar e suas variações, como a
gastronomia. É importante notar que muitos desses eventos ocorrem nos espaços que
receberam requalificações por parte do poder público, como o Festival Fartura, que ocorre
em janeiro na Estação das Docas; o Festival Ver-o-Peso da Cozinha Paraense, que ocorre
na feira homônima; e Circuito Gastronômico de Belém, que ocorreu pela primeira vez
em novembro de 2018 no Espaço Feliz Lusitânia. Esse movimento dá sinais de um novo
momento no CHB, no qual o fomento a economia se dá muito mais através de incenti-
vos a eventos e setores culturais específicos (principalmente a gastronomia) do que por
meio de grandes obras.
O panorama geral de intervenções realizadas no CHB a partir da década de 1990
mostra que, apesar de acompanharem um movimento internacional de requalificação
de zonas portuárias que seguem uma lógica de empresariamento das cidades, elas tam-
bém foram capazes de fomentar atividades econômicas e culturais do centro histórico,
apesar de não terem sido capazes de alterar profundamente o comércio popular bem
como o perfil socioeconômico do CHB (TOURINHO; LIMA, 2015), que ainda possui no
comércio a principal atividade econômica. Atualmente, o centro histórico permanece
tendo vitalidade, abrigando as sedes de instituições importantes (como a da Prefeitura
de Belém e a da Assembléia Legislativa), apresentando um intenso fluxo de atividades
comerciais e mantendo um número considerável de imóveis com uso residencial. No
entanto, também é possível notar um movimento crescente de produção cultural no CHB,
distinto do que terias sido as intenções das intervenç ões do estado e da prefeitura. Suge-
re-se que as iniciativas agora apresentam novas possibilidades para o encaminhamento
de políticas de preservação enquanto valores sociais que hoje são compartilhados por
iniciativas operadas pelo setor público e privado na área.
URBANA DO CHB
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compõem o trajeto do Círio de Nazaré é um indicativo da cultura local, pois inclui alguns
dos elementos mais relevantes da paisagem cultural da cidade: a Avenida Nazaré por
exemplo, abriga algumas das edificações mais emblemáticas, como a sede social dos dois
principais times de futebol da cidade (Clube do Remo e Paysandu Sport Club); instituições
de ensino tradicionais; órgãos estaduais e municipais, e algumas das principais igrejas
da cidade. A procissão segue pela Avenida Presidente Vargas, chegando à Estação das
Docas, ao Ver-o-Peso e, por fim, à Igreja da Sé. É um trajeto “cenográfico” e em boa parte
inserido no Centro Histórico.
A presença dos equipamentos urbanos voltados à cultura, associados à um calen-
dário de uso desses espaços, tornou-se um campo fértil para o surgimento de outras
manifestações, como o Arrastão do Arraial do Pavulagem, que ocorre semanalmente no
mês de junho; o Auto do Círio, que ocorre anualmente na sexta-feira anterior à procis-
são do Círio de Nazaré; o Projeto Circular Campina-Cidade Velha, que abraça uma série
de ações culturais em estabelecimentos localizados no CHB; além de ações singulares
e eventos promovidos por grupos artísticos independentes. É o caso do grupo musical
e folclórico Arraial do Pavulagem, cuja sede se situa em um dos casarões históricos da
Avenida Marechal Hermes, o qual anualmente promove o arrastão do Boi Pavulagem,
que conta com centenas de pessoas no trajeto entre a Avenida Marechal Hermes no porto
e a Praça da República, principal espaço público do centro de Belém. Ao lado da sede
do Arraial, fica o Point do Açaí, restaurante baseado na culinária local que igualmente
ocupa outro casarão histórico. Restaurantes como o Rubão e a Portinha se situam no
CHB há mais de 20 anos, fomentando a cultura alimentar e promovendo eventos ligados
à agenda cultural da cidade.
Esse calendário de eventos tem repercussões sobre o setor de turismo em Belém.
Dados da Secretaria de Turismo (SETUR)[3] apontam que entre 2000 e 2010, a rede hoteleira
duplicou o número de leitos na cidade, alcançando em torno de 8 mil leitos com taxa
média de ocupação de 50%, não apenas no período do Círio de Nazaré, momento em que
há maior fluxo de pessoas de fora na cidade. O próprio Círio teve uma grande alteração
no perfil do público: até o ano 2000, a maior parte das pessoas que vinham para Belém
por conta do Círio de Nazaré possuíam algum vínculo com alguém da cidade, mas a
partir desse ano o número de turistas aumentou consideravelmente, repercutindo no
aumento de leitos nos hotéis.
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CONCLUSÕES
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é uma ameaça considerável, que ainda não se consolidou devido à regulação que impos-
sibilita frentes imobiliárias de destruição criativa, mecanismos de controle social que
impediram projetos indesejados, como a transformação do Ver-o-Peso em um grande
mercado em 2016, e o processo de empresariamento ter ocorrido de forma incompleta,
sem fornecer por exemplos serviços de limpeza pública e mobilidade urbana.
Muito embora o uso da Economia Criativa seja um caminho promissor para o
desenvolvimento urbano sustentável da região, é notório que não existe nenhuma
política realmente ligada ao assunto e, portanto, o estímulo à essa atividade baseia-se
na conjuntura global das tecnologias de informação, no espírito empreendedor dos
produtores culturais de Belém e no legado deixado pelos equipamentos culturais das
gestões públicas desde a década de 1990. Nos anos 2000 o governo federal chegou a
implantar uma Incubadora de Economia Criativa na cidade, mas este empreendimento
não logrou resultados por conta de atropelos institucionais do Ministério da Cultura, que
acabava por não repassar suas cotas à Incubadora e consequente abandono do projeto.
Mais recente, uma parceria entre o Chef Alex Atala e a SECULT tencionou a criação de um
polo gastronômico no Feliz Lusitânia, que não foi adiante por ignorar a classe artística
local e destes terem feitos uso de articulações políticas para impedir mais uma iniciativa
top-down[4] no Centro Histórico.
Hoje, a economia criativa é amplamente discutida no meio acadêmico, mas muito
pouco é trabalhado para tornar o conhecimento intelectual em ações de desenvolvimento
e preservação da área. Há iniciativas como o Circular Campina-Cidade, que movimenta a
cidade em torno dos empreendimentos culturais do CHB, mas é uma política de governo e
não de Estado, que precisa ser usado com mais cuidado em eventuais mudanças de gestão.
Portanto, apesar de Belém possuir várias prerrogativas para torna-se uma cidade
criativa, ela esbarra no sentido da tolerância e democracia espacial, ao criar uma cidade
justa para todos. Assim, é importante que as iniciativas geradas para a preservação do
Centro Histórico através do viés econômico explorem o lado humano e justo das políti-
cas públicas, pois o peixe frito e o gourmet, pelo menos neste momento, encontram-se
em extremos muito distantes, apesar de compartilharem o mesmo Centro Histórico.
[4] Termo empregado para gestão pública feita de cima para baixo, sem levar em consideração
a comunidade impactada pelo projeto.
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Long-Term Investment And Community Interests Align. Master in City Planning &
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Anais do 1º Colóquio Ibero-americano Paisagem Cultural, Patrimônio e Projeto, p.
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ARQUITETÔNICO
OS PROCESSOS DE
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RESUMO:
O presente artigo trata da natureza da arquitetura dos terreiros de Candomblé, que se caracte-
rizam pela eterna transformação, movimento e devir, regidos pelo sistema dinâmico do Axé e o
tempo espiralado - Tempo-Okotó - de Exu, o senhor de todo o movimento, que tem nas árvores
sagradas que furam barracões, Ilê Orixás, e Casas de Caboclos, nos terreiros da Nação Nagô-
-Vodum da Bahia, o seu elemento de permanência (através do valor de culto, ancestralidade e
parentesco), constituindo o elemento geratriz dessa arquitetura a partir da qual toda arquitetura
se movimenta, seguindo o ritmo do Xirê, dos atabaques, e das cantigas do quebrado, fazendo
desses templos arquiteturas em transe.
A BSTRACT:
The present article deals with the nature of the architecture of the Candomblé terreiros, cha-
racterized by the eternal transformation, movement and becoming, governed by the dynamic
system of Axé and the spiral time - Tempo-Okotó - of Exu, the lord of the whole movement, who
has in the sacred trees that sticks sheds, Ilê Orixás, and Casas de Caboclos, in the terrariums of
the Nagô-Vodum Nation of Bahia, its element of permanence (through the value of worship,
ancestry and kinship), constituting the generative element of this architecture from which all
architecture moves, following the rhythm of the Xirê, the atabaques, and the cantigas of the
broken, making these temples architectures in trance.
RESUMEN :
El presente artículo trata de la naturaleza de la arquitectura de los terreros de Candomblé,
que se caracterizan por la eterna transformación, movimiento y devenir, regidos por el sistema
dinámico del Axé y el tiempo espiral - Tiempo-Okotó - de Exu, el señor de todo el movimiento, que
en los terrazos de la Nación Nagô-Vodum de Bahía, su elemento de permanencia (a través del
valor de culto, ancestralidad y parentesco), constituyendo el elemento generatriz de esa arqui-
tectura a través de los árboles sagrados que perforan barracones, Ilê Orixás, y Casas de Caboclos,
desde la cual toda la arquitectura se mueve, siguiendo el ritmo del Xirê, de los atabaques, y de
las cantigas del quebrado, haciendo de esos templos arquitecturas en trance.
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Exu nos conduz até a Rua Três Riachos, próximo da atual delegacia municipal, lugar
por excelência de sua morada, uma encruzilhada. Encruzilhadas da vida que Exu abre
ou fecha, guardião dos caminhos, geralmente tortuosos, de vidas desafortunadas que
ele ajuda e acolhe desde que não esqueçam dele. Nessa encruzilhada ele nos apresenta
uma casa, morada de uma velha senhora que teve muitos filhos biológicos e tantos
outros adotivos, cuja vida esteve em muitas encruzilhadas, mas que com o auxílio de
Exu conseguiu cruzá-las a contento, ele nos diz que estamos no Ilê Axé Itaylé, a ‘’Casa de
Mãe Filhinha’’. O Ilê Axé Itaylé (ver Fig. 01), da nação Nagô-Vodum, foi fundado por Mãe
Filhinha[1] , com a ajuda de seu pai-de-santo do Terreiro do Lama, em 1935. Tem como
Orixá regente, Iemanjá Ogunté, e o Orixá patrono Ogum. Presença que acontece nas
cores das construções do templo, assim como em suas bandeirolas, em azul e branco, em
homenagem a Iemanjá e Ogum. Localiza-se na Rua da Delegacia em Cachoeira. Uma casa
composta por uma varanda, uma sala, dois quartos, e uma cozinha, seguida lateralmente
e ao fundo por um estreito e comprido quintal. A casa foi comprada por Mãe Filhinha
em 1928. Depois de sete anos fazendo caridade na casa, obteve a permissão de Iemanjá
Ogunté para começar a trabalhar no Candomblé, fundar seu terreiro e fazer trabalhos
e serviços espirituais, tornando-se a médica dos desvalidos.
[1] Nadir Santos da Conceição, conhecida como Mãe Filhinha é a Ialorixás do Ilê Axé Itaylé.
Mãe Filhinha nasceu em Conceição de Feira, povoado de Feira de Santana, e foi para Cachoeira
ainda na condição de criança de colo. Foi iniciada, ainda na adolescência, nos segredos do
axé no Terreiro do Lama, da nação Nagô-Vodum no município de São Gonçalo, no Recôncavo
a casa no ciclo das festas do calendário litúrgico. Filha de Iemanjá Ogunté, Mãe Filhinha, é uma
mulher guerreira, forte, determinada, teve uma vida de muito trabalho. Começou a trabalhar,
ainda criança, pegando no cabo da enxada nas roças de mandioca da região, e fazendo farinha
para venda na feira da cidade. Em seguida, foi trabalhar fazendo utensílios de cerâmica: potes,
gamelas, jarros, panelas, telhas. Depois trabalhou nas fábricas de fumo da região, fazendo
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Fig.01: Fachada do Ilê Axé Itaylé A casa de Mãe Filhinha, com um nicho com a imagem de Nossa
Senhora Conceição. Data: 2009.
[2] Ilê Axé Itaylé obedece ao seguinte calendário: janeiro ocorre às festas de todos os Orixá,
têm a festa dos Cablocos, principalmente, a festa de Pixixi, no dia de 02 de julho; e, a festa a
Iemanjá Ogunté, no dia de aniversário de Mãe Filhinha, com missa pela manhã na igreja do
Monte, seguida, à noite, por um cortejo com a imagem de Nossa Senhora da Conceição pelas
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com hastes da palha de palmeira, e coberto, também, com folhas de palmeira, tendo
todo o seu perímetro protegido pelo Mariô, feito com o ‘’olho’’ do dendê, protegendo o
espaço dos maus espíritos.
Fig.02: Ilê Axé Itaylê:1-varanda, 2-sala, 3-quarto de Mãe Filhinha, 4-corredor, 5-quarto dos orixás,
6-cozinha, 7-barracão de palha, 8-mata sagrada, 20-Obaluaiê, 21-caboclo Taquara. Data: 2010.
Tornou-se um abrigo temporário dos deuses e Caboclos que durava apenas o tempo
das festas, ou seja, apenas, em dois momentos do ano: o primeiro, no ciclo de festas do
mês de janeiro em dedicação aos Orixás, e o segundo ciclo, em julho, em homenagem
aos Caboclos, na ocasião das comemorações da Independência da Bahia. Constituía uma
arquitetura transitória, efêmera, montável e desmontável, feita especialmente para a
festa, para a dança do Quebrado dos Orixás e Vodum, uma indumentária de palha, que
cobria o corpo do povo-de-santo do Ilê Axé Itaylé, da mesma forma que a veste de palha
do Orixá Obaluaiê cobre o corpo de seus filhos, palhas em movimento.
Nessa arquitetura transitória se potencializa o sistema dinâmico do axé, na medida
em que a comunidade terreiro passa a ter um espaço para a realização de suas festas, o
seu Xirê, que durante o mês de janeiro batem os atabaques para todos os Orixá da casa,
alimentando-os através das obrigações, oferendas de comidas e sacrifícios de animais
votivos. Tem na festa o seu ápice, onde e quando – espaço-movimento – vêm ao encontro
dos mortais em transe. O barracão de palha dá um abrigo à dança dos filhos-de-santo
em êxtase, possibilita o habitat, a instauração de uma instância e circunstância da qua-
dratura: deuses, egbé, Orum e o Aiê.
Nesse primeiro movimento da arquitetura ocorreram, também, as alterações na
casa de Mãe Filhinha, onde os espaços foram adaptados para abrigar algumas atividades
essenciais do culto. Uma alcova foi transformada em quarto dos Orixás, todos reunidos
num mesmo recinto, tendo como destaque o assento de Iemanjá Ogunté que além do
seu otá Orixá, quartinhas para o ossé e o assento de seu Exu, há, também, um pequeno
nicho nas cores azul e branco, com a imagem de Nossa Senhora da Conceição, que no
dia do aniversário de Mãe Filhinha sai em um cortejo pelas ruas do bairro. Na sala de
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visitas foi instalado um oratório católico, com jarros para flores e diversas imagens de
santos católicos, tendo ao centro, também, a imagem de Nossa Senhora da Conceição,
evidenciando o paralelismo afro-católico no templo, onde cada um têm o seu lugar,
‘’cada qual’’ em seu ‘’cada qual’’, porque as duas imagens diferenciam-se. Nossa Senhora
da Conceição, no quarto dos Orixás, é na realidade Iemanjá Ogunté. E, é essa imagem, e
não a imagem católica, que desfila pelas ruas do bairro em homenagem, louvor e come-
moração a Mãe Filhinha, no dia do seu aniversário.
Nesse movimento da arquitetura, foi construído, ainda, junto ao corpo arquitetô-
nico inicial, a Casa de Mãe Filhinha, um quarto do Orixá Ogum, porque Mãe Filhinha é de
Iemanjá com Ogum na frente, Iemanjá Ogunté, onde foi posto seu pepelê e seu assento,
tendo como ante-sala um espaço com imagens de santos católicos (estatuária, fotos,
quadros, pinturas, cruzifixos, etc...), e imagens de Caboclos; e, de um roncó para o recolhi-
mento dos iniciados, que começavam a ser então cada vez mais numerosos (ver Fig. 03).
Fig. 03: Ilê Axé Itaylê:1-varanda, 2-sala, 3-quarto de Mãe Filhinha, 4-corredor, 5-quarto dos orixás,
6-cozinha, 7-barracão de palha, 8-mata sagrada, 9-quarto de Ogum, 10-ronco, 20-Obaluaiê,
21-caboclo Taquara. Data: 2010.
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Fig. 04: Ilê Axé Itaylê:1-varanda, 2-sala, 3-quarto de Mãe Filhinha, 4-corredor, 5-quarto dos
orixás, 6-cozinha, 8-mata sagrada, 9-quarto de Ogum, 10-ronco, 11-barracão, 20-Obaluaiê,
21-cabloco Taquara.
Data: 2010.
O barracão de tijolos e telhas artesanais feitas pela própria Mãe Filhinha foi cons-
truído paralelo à sua casa. O barracão apresenta agora a forma retangular, aberta a meia
altura, para a melhor apreciação das assistências que ficam do lado de fora, num ‘’bar-
racão ampliado’’, e, também, para uma melhor ventilação dos que ficam dentro durante
as festas. O barracão apresenta em seu interior duas árvores sagradas que ‘’furam’’ o
telhado, a primeira é o assento do Caboclo Taquara, e a segunda, é o assento do Orixá
Obaluaiê. O barracão é todo pintado em azul claro e branco (em homenagem a Iemanjá
Ogunté), e essas, também são as cores das bandeirolas que enfeitam o barracão. Iemanjá
se faz presente, além da cor que compõe o ambiente, em duas imagens: uma imagem
de Iemanjá na forma latinizada de uma sereia; e, na imagem de Iemanjá na Umbanda
ressignificada no universo do Candomblé.
A assistência encontra-se no fundo do barracão, em uma arquibancada que chega
muito próximo ao telhado. Diferencia-se dos terreiros Ketu e Jêje, em que os homens
sentam a direita e as mulheres à esquerda, sentando todos juntos como no Candomblé
de Angola, Congo e Candomblé de Caboclo. O barracão foi feito em mutirão pelos filhos
da casa, teve seu telhado fabricado artesanalmente pelas mãos de Mãe Filhinha, que
usou suas coxas como molde para as telhas, aproveitando sua experiência de trabalho
em olarias da região. O terceiro movimento da arquitetura do templo, outra transfor-
mação, regido pelo tempo espiralado de Exu, ocorreu pouco tempo após a finalização
do barracão. Foi construído nos fundos do barracão uma cozinha ritual, um quarto de
Exu, e um cercado para proteger o Inquice Tempo, que se encontra no início da mata
sagrada assentado numa jovem gameleira (ver Fig. 05).
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Fig.05: Ilê Axé Itaylê:1-varanda, 2-sala, 3-quarto de Mãe Filhinha, 4-corredor, 5-quarto dos orixás,
6-cozinha, 7-sanitário, 8-mata sagrada, 9-quarto de Ogum, 10-ronco, 11-barracão, 12-cozinha
ritual, 13-quarto de Exu, 14-despensa, 15-Tempo, 20-Obaluaiê, 21-caboclo Taquara. Data: 2010.
Fig.06: Ilê Axé Itaylê:1-varanda, 2-sala, 3-quarto de Mãe Filhinha, 4-corredor, 5-quarto dos orixás,
6-cozinha, 7-sanitário, 8-mata sagrada, 9-quarto de Ogum, 10-ronco, 11-barracão, 12-cozinha
ritual, 13-quarto de Exu, 14-despensa, 15-Tempo, 16-quarto, 17-casa, 18-galinheiro, 20-Obaluaiê,
21-caboclo Taquara. Data: 2010.
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Fig.07: Ilê Axé Itaylê:1-varanda, 2-sala, 3-quarto de Mãe Filhinha, 4-corredor, 5-quarto dos orixás,
6-cozinha, 7-sanitário, 8-mata sagrada, 9-quarto de Ogum, 10-ronco, 11-barracão, 12-cozinha
ritual, 13-quarto de Exu, 14-despensa, 15-Tempo, 16-quarto, 17-casa, 18-galinheiro, 20-Obaluaiê,
21-cabloco Taquara. Data: 2010.
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Fig.08: Ilê Axé Itaylê:1-varanda, 2-sala, 3-quarto de Mãe Filhinha, 4-corredor, 5-quarto dos orixás,
6-cozinha, 7-sanitário, 8-mata sagrada, 9-quarto de Ogum, 10-ronco, 11-barracão, 12-cozinha
ritual, 13-quarto de Exu, 14-despensa, 15-Tempo, 16-quarto, 17-casa, 18-galinheiro, 19-barracão
de Caboclo, 20-Obaluaiê, 21-cabloco Taquara. Data: 2010.
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Exu nos indica os lugares peculiares e singulares da permanência no Ilê Axé Itaylê,
a brincar, com a permissão de Iroco entre as árvores sagradas que nascem dentro do
barracão furando o telhado e a pular entre as estrelas do chão. O barracão apresenta algo
inusitado: duas árvores frondosas furam e rompem o telhado, imprimindo a sensação de
que o telhado é sustentado por elas, pelas árvores da vida sob o zelo de Iemanjá Ogunté,
que acolhe e conforta a todos os seus filhos, nas mazelas e infortúnios da vida, em sua
mão-barracão (Fig. 09):
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porque foi em volta delas que se organizaram o culto, era o local onde os membros do
povo-de-santo realizavam obrigações anuais a Obaluaiê e aos Caboclos, foi ao seu redor
que se estruturou a egbé, a comunidade terreiro do Ilê Axé Itaylé, sob a liderança de Mãe
Filhinha. Essas árvores sagradas foram os elementos de escolha do sítio de edificação do
templo, de construção do terreiro e gerador da arquitetura do Ilê Axé Itaylé. As árvores
sagradas de Obaluaiê e do Caboclo Taquara, com a realização das suas respectivas obri-
gações anuais - fundam o lugar - a partir do qual se territorializa a comunidade terreiro
com a posterior edificação do templo que ocorre a partir do plantio do axé do terreiro.
São os elementos simbólicos sagrados que originam o terreiro, a egbé (comunidade
terreiro), o templo e a sua arquitetura. Em frente a essas duas árvores, após a fundação
do terreiro, era montado durante as festas dos Orixás em janeiro, e nas dos Caboclos
em julho, o barracão de palha de palmeira. Barracão temporário, efêmero, todavia, que
instaurava uma instância e circunstância a quadratura, ao jogo em espelho do mundo,
entre os Orixás, os filhos-de-santo, o Aiê e o Orum, fortalecendo ali, o lugar. Lugar cujo
simbolismo é fortalecido, agora, pelas festas, o Xirê, dos Orixás, Vodum e Caboclos que
convidam os mortais em transe a compartilharem com os seus deuses as dádivas do Orum.
No segundo movimento da arquitetura foi edificado o barracão de tijolo cozido e
telha cerâmica artesanal. Entretanto, ao construí-lo a comunidade terreiro não optou
em fazê-lo no quintal do fundo onde até hoje há a mata sagrada do templo; nem na
outra lateral da casa de Mãe Filhinha, área que foi doada por ela aos filhos-de-santo do
templo para construírem suas casas que hoje constitui um correio de casas, uma vila,
voltadas para a rua; e, nem na área do terreiro em que hoje há uma casa de hospedagem
dos filhos-de-santo voltada para a rua principal ao lado da casa de Mãe Filhinha. Todas
elas constituíam áreas amplas, espaçosas, propícias a construção de um barracão que
comportasse as festas e seus filhos. Entretanto, apesar da existência de áreas mais gene-
rosas para edificação do barracão Mãe Filhinha e a egbé do Ilê Axé Itaylê optaram em
edificá-lo no mesmo lugar onde se levantava o barracão de palha, aos pés das árvores
sagradas, aos pés de Obaluaiê e do Caboclo Taquara, no lugar da quadratura, do encontro
dos deuses e mortais, do Orum com o Aiê, o lugar de origem do terreiro, e atual lugar da
festa. O barracão, logo, é o mesmo, ele permanece como lugar, enquanto espaço simbólico.
A festa, o Xirê, fortalece e alimenta o simbolismo do lugar, onde e quando o sistema dinâ-
mico do axé atinge seu ápice. Os deuses a dançar envolta do Itoto (ver Fig. 10), do templo
composto por duas estrelas: a estrela de Salomão (cinco pontas), simbolizando Iemanjá
(regente), e a de Davi (seis pontas), simbolizando a presença de Ogum (patrono), no Ilê
Axé Itaylê; sob o ritmo do Quebrado ao som do Nagô-Vodum, manifestados nos corpos
dos filhos-de-santo em transe, edificam uma arquitetura, um lugar singular, próprio,
peculiar, onde as árvores nascem de dentro da construção e irrompem seus telhados.
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O Xirê, aos pés das árvores sagradas, ao edificar o lugar cria uma relação própria que
diferencia os terreiros da nação Nagô-Vodum.
Fig. 10: Itoto, simbolizado pelas estrelas de Davi (seis pontas), Ogum; e de Salomão (cinco
pontas), Iemanjá, Cachoeira, Bahia.
Data: 2009.
Ali está o encontro do Orum com o Aiê, das estrelas do céu com as estrelas do chão
do barracão, as estrelas dos deuses e as estrelas dos homens, onde a arquitetura e a natu-
reza não constituem dois predicados opostos, polares, binários. Naquele lugar não há
dicotomia entre natural x artifício, natureza x homem, mas uma imbricação no sagrado.
A árvore sagrada torna-se arquitetura, natureza que compõe e cria uma arquitetura afro-
-brasileira particular, e a arquitetura do barracão torna-se natureza sacralizada, fazendo
parte da mata ritual. O sagrado e o profano combinam-se, interpenetram-se, tornando-se
uma coisa só. Estando, as duas árvores ali, sempre a abrir e fechar as festas no Xirê.
O barracão, ao ser feito, abraçou as árvores sagradas, como se fosse um grande ojá.
O abraço do barracão convida, terminantemente, os deuses a se abrigarem ali, a estarem
ali acolhidos constituindo a arquitetura, sendo a própria arquitetura. O lugar perma-
nece, transformando-se, do barracão de palha ao barracão de tijolos e telhas, mas sendo
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o mesmo barracão, porque ali se dá a aparição dos deuses, ali eles dançam, envolta das
estrelas aos pés das árvores sagradas de Obaluaiê e do Caboclo Taquara. Lugar peculiar,
singular que permanece na transformação porque a comunidade terreiro do Ilê Axé
Itaylê lhe atribui os valores de culto, ancestralidade e parentesco que possuem na festa de
aniversário de Mãe Filhinha o seu ponto máximo. A festa de aniversário de Mãe Filhinha
comemorado no dia 25 de outubro constitui, também, uma comemoração para Nossa
Senhora da Conceição e, sobretudo, para Iemanjá Ogunté, nesse dia reverencia-se a ances-
tral viva, a divindade católica e a africana no espaço do terreiro. Segundo Mãe Filhinha
e Dona Lúcia, Mãe Pequena do terreiro, os preparativos começam na véspera, no dia 24
de outubro, ocasião em que os filhos-de-santo da casa realizam a limpeza do templo.[3]
Prepara-se a sala de visita de Mãe Filhinha onde fica o oratório católico com a ima-
gem de Nossa Senhora da Conceição retirando o pano de renda do oratório, descobrindo
todos os santos católicos, lavam os jarros, os castiçais e ascendem as velas; no barracão
são dispostas as bandeirolas nas cores azul e branca de Iemanjá Ogunté, e os mariô nas
aberturas; e, por fim, preparam a imagem de Iemanjá Ogunté que está no quarto dos
Orixás na casa de Mãe Filhinha para o cortejo do dia seguinte.
No dia da festa, logo cedo, por volta das 7:00hs da manhã são realizadas preces e
orações católicas, assim como louvores a Nossa Senhora da Conceição, em frente a imagem
da santa que se encontra cercada pelas imagens dos demais santos católicos no oratório
da sala de visitas de Mãe Filhinha. As pessoas presentes enchem a sala, e dispõem-se nas
portas e na varanda da casa. Às 9:00hs, ao fim das orações, todos dirigem-se para tomar o
café da manhã no barracão onde encontram uma mesa com diversas iguarias da região.
Ainda durante a manhã, os filhos-de-santo realizam a obrigação de Iemanjá Ogunté com
o sacrifício de animais votivos a ela consagrada, e mais tarde a oferenda das comidas
sagradas da divindade em seu assento no quarto dos Orixás. Após o almoço, no início da
tarde, os homens trabalham nos preparativos do cortejo, e as mulheres trabalham nos
preparativos da missa em homenagem a Mãe Filhinha na Capela da Irmandade da Boa
Morte. As 17:00hs é realizada a missa católica encomendada pelo povo-de-santo do Ilê Axé
Itaylé em homenagem a Mãe Filhinha, com a presença das mulheres da Irmandade da
Boa Morte. Com o termino da missa Mãe Filhinha juntamente com suas filhas-de-santo
e com o corpo das mulheres da Irmandade da Boa Morte retornam para o terreiro Ilê
Axé Itaylé onde estão dezenas de pessoas na porta, a espera do início do cortejo. Com
a presença de Mãe Filhinha tem início o cortejo que sai do barracão e toma as ruas de
Cachoeira. O cortejo têm a frente a Filarmônica Minerva entoando a música em louvor
[3]Ver, também, a programação da festa no Programa Alzira Costa da jornalista Alzira Costa da
rádio Paraguaçu FM, em www.paraguassufm.com.br , em 26/10/2011.
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a Nossa Senhora da Conceição, seguida dos Ogãs que carregam a imagem de Iemanjá
Ogunté retirada do quarto dos Orixá, logo após vêm Mãe Filhinha em volta das mulheres
da Irmandade da Boa Morte em seus trajes característicos, e, finalmente, a comunidade
terreiro do Ilê Axé Itaylé e pessoas do bairro.
Ao som de fogos de artifícios, foguetes, aplausos e cânticos católicos em louvor a
Nossa Senhora da Conceição e de cânticos do Candomblé em homenagem a Iemanjá
Ogunté o cortejo desenvolve-se pela Rua da Delegacia, Rua Três Riachos e no largo dos
Três Riachos decorada com bandeirolas branca e azul em frente ao terreiro. Ao voltar ao
templo à imagem de Iemanjá Ogunté é posta no barracão, a esquerda dos alabés, e têm
início a festa de Iemanjá Ogunté, a Orixá de Mãe Filhinha e dona do terreiro. Os filhos e
filhas-de-santo recolhem-se para trocar de roupa, colocam suas saias rodadas e regres-
sam para o barracão para o Xirê ao som do Nagô-Vodum, e no ritmo do Quebrado, ao
entrarem reverenciam as árvores sagradas do barracão, batem cabeça no Itoto reveren-
ciando as estrelas e compõe a roda para a realização do Xirê. Até a chegada de Iemanjá
Ogunté que dança lentamente ao redor das estrelas sob a saudação de seus filhos. A
festa de aniversário de Mãe Filhinha com rituais católicos em louvor a Nossa Senhora
da Conceição, e rituais afro-brasileiros com as obrigações a Iemanjá Ogunté no espaço
singular do barracão com as duas estrelas do Itoto, e as duas árvores sagradas que furam
o telhado condensam os valores de culto, ancestralidade e parentesco da comunidade
terreiro do Ilê Axé Itaylé.
O valor de culto no barracão desvela-se com a presença e a relação das árvores de
Obaluaiê e do Caboclo Taquara com o Itoto, com suas estrelas, moradas de Iemanjá e
Ogum, os Orixá regente e patrono respectivamente. Divindades que são os pares indis-
sociáveis do terreiro, que possuem cada um o seu quarto de santo no templo: Ogum em
seu quarto em frente ao barracão; e, Iemanjá a reinar no espaço do seu quarto dentro da
Casa de Mãe Filhinha, cercada pelos assentos dos demais Orixás. Terreiro de Iemanjá com
Ogum na frente, templo de Iemanjá Ogunté, cuja presença guia os mortais a dançarem
ao redor das estrelas e em frente às árvores. O Itoto do Ilê Axé Itaylé, com o conjunto
de suas estrelas cria simbolicamente, durante a temporalidade do Xirê, o axi mundi, o
opô-orum aiê, o eixo de ligação entre o Orum e o Aiê. Durante o Xirê, dançando o Que-
brado, os mortais saúdam os deuses e caboclos, batendo, inicialmente, a cabeça no chão
em frente às árvores sagradas, em sua reverência e respeito; depois, antes de entrar na
roda dirigem-se ao Itoto, nas duas estrelas e, também, batem a cabeça, reverenciando
as divindades da casa. Estabelece-se aí a relação Itoto (estrelas), árvores sagradas (atis-
sás), deuses e mortais unidos pelas festas: movimentos dos corpos em transe; músicas
e cânticos do Nagô-Vodum. A festa, o Xirê, ao estabelecer a conexão e relação entre os
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elementos da quadratura fortalece o lugar, cria uma relação originária. Essas relações
constroem e conservam a singularidade do lugar, da relação indissociável, formada por:
elementos temporais, Xirê; e, espaciais, o Itoto: estrelas de Iemanjá (Salomão), de Ogum
(Davi), e, árvores sagradas (atissás): Obaluaiê e Caboclo Taquara; possibilitam a parição
única de uma coisa distante, os deuses. Itoto com suas estrelas em relação com as árvo-
res sagradas, na temporalidade das festas do Nagô-Vodum em seu Quebrado, constitui
algo único, irreprodutível, autêntico, concebido como o aqui e o agora da obra de arte na
esfera do sagrado. Sua existência única no lugar onde ela se encontra, constituem-se no
sentido de tudo o que foi transmitido pela tradição. Permanece, nesse lugar, composta
por essas relações, o sistema dinâmico do axé.
O valor de ancestralidade emerge da presença simbólica de Mãe Filhinha, fun-
dadora e zeladora do terreiro, que passa suas tardes no barracão aos pés das árvores
sagradas (atissás), envolta das estrelas fazendo seus chalés de renda. Ancestral vivo, cuja
idade avançada (a atual Juíza Perpétua da Irmandade da Boa Morte), conhecedora de
muitos feitiços e, sobretudo, de diversos remédios que curaram muitos desvalidos, lhe
conferiu prestígio entre o povo-de-santo do Candomblé cachoeirano. Ela impõe com sua
disciplina, autoridade, carisma e gentileza à conservação da tradição do Nagô-Vodum.
Tradição caracterizada pela forma de dançar durante o Xirê, reverenciando as árvores
sagradas batendo a cabeça, e no rodopio lento dos corpos em transe em volta das estre-
las de Iemanjá e Ogum do Itoto no ritmo do Quebrado do Nagô-Vodum de Cachoeira,
seguida a risca pelos filhos-de-santo do templo, sob o olhar atento de Mãe Filhinha. Ao
se conservarem o rito, através da forma de dança singular, e sua relação com o lugar
particular do Xirê compostas pelas duas estrelas e as duas árvores sagradas (atissás), e
da maneira de realizar as obrigações da casa, se conserva o lugar e a memória da casa, a
tradição, legada por Mãe Filhinha. Conservar a tradição do Nagô-Vodum, os ensinamen-
tos de Mãe Filhinha, é conservar, também, o teor de respeito, prestígio e legitimidade
da comunidade terreiro do Ilê Axé Itaylé entre os demais terreiros de Cachoeira e São
Félix que acompanham e atestam o rigor das obrigações ensinadas por Mãe Filhinha.
O termo ‘’Casa de Mãe Filhinha’’, extrapola a espacialidade e materialidade do terreiro,
subjuga o nome do templo - Ilê Axé Itaylé - e passa ser o próprio Candomblé. A egbé tem
no cuidado aos rituais ensinados por Mãe Filhinha, a maneira de fazer de Mãe Filhinha,
a manutenção do sistema dinâmico do fluxo de axé do templo, a conservação da tradição
do Nagô-Vodum do Ilê Axé Itaylé.
O valor de parentesco emerge do compromisso e comunhão dos filhos-de-santo do
terreiro que moram em outras cidades do Recôncavo, Salvador e Região Metropolitana,
que em sua maioria, também são membros da família biológica de Mãe Filhinha. Filhos
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de Filhinha que se juntam para a realização das obrigações com os Orixás e Caboclos
durante o ciclo das festas, notadamente, nos meses de janeiro, julho e no aniversário
da fundadora, quando passam a habitar no Ilê Axé Itaylé, e aqueles que moram em sua
volta, nas circunvizinhanças, passando a frequentá-lo diariamente, e a dormir dentro
do terreiro, em certos rituais. Durante esse período a egbé junta esforços financeiros e
materiais, mantendo as relações de ajuda mútua, e os laços de cooperação tanto para
as obras de conservação e ampliação do templo, em suas transformações contínuas, no
tempo espiralado, quanto para a conservação da tradição da casa, dos rituais e obrigações.
Festas que tecem, tal como Mãe Filhinha tece suas rendas, as relações de parentesco: de
sangue e de santo. E, tem no lugar singular da festa no Itoto, com suas estrelas envoltas
das árvores sagradas o lugar de aglutinação da família, o lugar da tessitura da família do
Ilê Axé Itaylé. O lugar da festa, da relação originária, cria na temporalidade do Xirê o ápice
da tessitura familiar, que possibilita o pleno desenvolvimento do sistema dinâmico de
axé. Essa peculiaridade em que as árvores sagradas que são moradas de Orixás, Vodum,
Inquices e Caboclos constituindo lugares onde se realizavam obrigações e rituais anu-
ais, e em torno dos quais se organizaram os cultos afro-brasileiros no recôncavo baiano
dando origem a egbés, aos terreiros e suas arquiteturas criando a relação singular entre
as estrelas do Itoto com essas árvores sagradas (atissás), que nascem do chão e furam os
telhados dos barracões, compondo o espaço da festa, do Xirê, acontece, além do Ilê Axé
Itaylé, também, em outros terreiros de Candomblé de Cachoeira e São Félix, como: Raiz
de Airá; Capivari-Pé da Cajá, ambas da nação Nagô-Vodum (ver Fig. 11 e 12):
Fig. 11: Árvores sagradas, assentos de Obaluaiê furando o telhado do barracão do Capivari, São
Félix. Data: 2011.
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Fig. 12: Árvores sagradas, assentos de Obaluaiê furando o telhado do barracão do Raiz de Airá,
São Félix. Data: 2011.
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ção própria, uma relação indissociável, onde o pepelê e a árvore sagrada são uma coisa
só. As árvores sagradas (atissás) podem emergir tanto de um pepelê circular que abraça
e envolve as árvores sagradas com os diversos elementos simbólicos característicos do
assento da divindade, como ocorre nos terreiros do Capivari-Pé da Cajá, Raiz de Airá e o
próprio Ilê Axé Itaylé da nação Nagô-Vodum, quanto, as árvores sagradas podem emer-
gir, também, em frente aos pepelês dentro dos Ilê Orixá e Casas de Caboclos, rasgando,
também, seus telhados, como acontece nos terreiros: Raiz de Airá, Lobanekum, da nação
Nagô-Vodum; e, o Rosarinho, Ilê Axé Ogunjá, da nação Ketu. Essas duas situações na reali-
dade são manifestações de uma mesma e peculiar relação entre assentos de divindades
nos pepelês e assentos de divindades nas árvores sagradas (atissás), que podem estar
juntos, concomitantes, inter-relacionados, criando uma relação, construindo um lugar
próprio, através de uma particular instância da quadratura, uma morada peculiar dos
Orixás, filhos-de-santo, Orum e Aiê.
No Lobanekum, na Terra Vermelha, localidade rural de Cachoeira o assento de
Ogum e seu respectivo pepelê no Ilê Orixá de Ogum cuja árvore sagrada furava o telhado,
foram, recentemente, transferidos para quarto dos Orixás dentro do templo, onde estão
reunidos todos os assentos dos Orixás, porque, segunda a Ialorixá do Lobanekum, Mãe
Maria Lúcia Barreto dos Santos, foi construído ao lado do templo de Ogum a Casa de Exu,
e segundo a tradição desse templo, o Ilê Orixá de Exu têm que ficar sozinho, isolado no
espaço do terreiro. Existe hoje em dia apenas as ruínas das fundações da Casa de Ogum.
Os terreiros de Cachoeira e São Félix, principalmente, os da nação Nagô-Vodum têm
nas árvores sagradas (atissás) que furam os telhados dos barracões, Ilê Orixá e Casa de
Caboclos um aspecto espacial simbólico que os diferenciam, que lhes atribui particula-
ridade, peculiaridade, singularidade, que lhes é próprio, o elemento de ‘’permanência’’ da
arquitetura dos terreiros, e a partir dos quais toda a arquitetura se movimenta, cresce e
transforma-se regida pelo sistema dinâmico do fluxo de Axé, pelas festas e ritos, e pelo
tempo espiralado de Exu, tornando-se arquiteturas em eterno movimento e devir, em
arquiteturas de árvores e árvores arquitetônicas, em atissás arquitetônicos.
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PATRIMÔNIO CULTURAL
EM TERRITÓRIOS
METROPOLITANOS: NOVOS
APORTES PARA SUA
COMPREENSÃO
CULTURAL HERITAGE IN METROPOLITAN
TERRITORIES: NEW CONTRIBUTIONS FOR YOUR
UNDERSTANDING
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RESUMO
A Região Metropolitana de Campinas (RMC), cuja sede é Campinas, é formada por um conjunto
de cidades médias e pequenas, onde as relações de identidade e pertencimento não mais se
estabelecem dentro de divisas municipais, ressaltando-se a ocorrência de uma rede de relações
sociais em estreita vinculação com a especialização/concentração de atividades no território.
Há uma semelhança nos processos de constituição física, do tecido social e da dinâmica atual
das cidades que entrelaçam, de forma complexa e diacrônica, uma variedade de referências
culturais (materiais e imateriais). Disso decorreu a hipótese de que a compreensão de um
conjunto de cidades alinhadas por vetores de crescimento e expansão da região, historicamente
constituídos, possibilitariam novas perspectivas para a discussão do patrimônio cultural. Os
métodos são o histórico-cultural, o empírico e o analítico de conteúdos e de discursos. Nesse
artigo são apresentados os resultados do estudo de um dos sete vetores, onde foi possível revelar
uma nova estruturação baseada nas relações de identidade e pertencimento e suas referências
culturais associadas.
A BSTRACT
The Metropolitan Region of Campinas (RMC), whose main city is Campinas, is formed by a group
of medium and small cities, where the relations of identity and belonging are no longer esta-
blished within municipal boundaries, with emphasis on the occurrence of a network of social
relations closely connected to the specialization / concentration of activities in the territory.
There is a similarity in the processes of physical constitution, the social fabric and the current
dynamics of cities that interweave, in a complex and diachronic way, a variety of cultural refe-
rences (material and immaterial). This led to the hypothesis that the understanding of a set of
cities aligned by vectors of growth and expansion in the region, historically constituted, would
enable new perspectives for the discussion of cultural heritage. The methods are historical-cul-
tural, empirical and analytical content and discourse. In this article, the results of the study of
one of the seven vectors are presented, where it was possible to reveal a new structure based on
the relations of identity and belonging and their associated cultural references.
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RESUMEN
La Región Metropolitana de Campinas (RMC), cuya sede es Campinas, está formada por un
grupo de ciudades medianas y pequeñas, donde las relaciones de identidad y pertenencia ya
no se establecen dentro de los límites municipales, dónde ocurre una red de relaciones sociales
en estrecha relación con la especialización / concentración de actividades en el territorio. Hay
una similitud en los procesos de constitución física, el tejido social y la dinámica actual de las
ciudades que entrelazan, de manera compleja y diacrónica, una variedad de referencias cultu-
rales (materiales e inmateriales). Esto llevó a la hipótesis de que la comprensión de un conjunto
de ciudades alineadas con vectores de crecimiento y expansión en la región, históricamente
constituidas, podría ofrecer nuevas perspectivas para la discusión del patrimonio cultural.
Los métodos son los de la historia cultural, el método empírico y el analítico de contenidos y
discursos. En este artículo, se presentan los resultados del estudio de uno de los siete vectores,
donde fue posible revelar una nueva estructura basada en las relaciones de identidad y perte-
nencia y sus referencias culturales asociadas.
INTRODUÇÃO
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Iniciar a descrição da formação do território por Santa Barbara d’Oeste pode ser
ilustrativo da forma de ocupação das primeiras comunidades na região: negros, ame-
ricanos, russos, italianos.
Margarida da Graça Martins (1782 - 1864), veio para o local entre a Vila de São Carlos
(atual Campinas) e Vila Nova da Constituição (atual Piracicaba) no ano de 1818 para a
sua sesmaria (SILVA, 2004). Sendo devota de Santa Bárbara, Margarida doou terras para
a construção de uma capela em homenagem à santa. Isso explica o nome da cidade,
que pertencia inicialmente ao território da cidade de Porto Feliz. Somente quando
Piracicaba emancipou-se de Itú é que a Vila passa a pertencer à área de Piracicaba. Com
a vinda dos primeiros imigrantes americanos em 1886, a cidade passa a ser chamada
Vila de Santa Bárbara.
A história dos americanos em Santa Barbara D’Oeste iniciou-se na Fazenda Macha-
dinho, adquirida pelo Coronel William Hutchinson Norris, que pertencia a Vila Nova
da Constituição (Piracicaba). Com a chegada de novas famílias, 26 ao todo, formou-se o
primeiro núcleo de imigrantes norte-americanos. Vindos, em sua grande maioria, em
decorrência do fim da Guerra Civil Americana, os sulistas/confederados haviam per-
dido grande parte de suas propriedades (GONÇALVES E RAMOS, 2008). Para tal, enviavam
mensageiros pagos para o Brasil e outros países como observadores, os quais, ao retor-
narem aos EUA, publicavam relatos detalhados das formas de vida local, dos recursos
disponíveis para o cultivo, para o trabalho. Havia escritórios do Brasil em alguns estados
norte-americanos. Muitos destes mensageiros eram pastores, como o reverendo J. C. B,
que escreveu o livro “Brazil and the brazilians”, publicado e republicado, respectivamente,
em 1866, 1867 e 1868 (BRYAN, 1967).
Com o crescimento do núcleo criaram-se escolas e igrejas. O Coronel Asa Thompson
Oliver, com a morte de sua esposa sem ter na época um cemitério destinado aos batistas,
enterrou-a no quintal de sua fazenda. Outros colonos solicitaram ao Coronel a permissão
para que enterrassem seus entes em sua fazenda. Assim surgiu o Cemitério do Campo
(fig2), que conta também com uma capela batista (ANDRADE, 2002), cujo conjunto, mais
tarde, tornou-se um dos principais patrimônios dos descendentes dos imigrantes ame-
ricanos que ajudaram a fundar Americana e Santa Bárbara D’Oeste.
Para sua administração foi criada a “Fraternidade Descendência Americana”, uma
associação filantrópica destinada a preservar os interesses do patrimônio do Cemitério
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Figura 1. Santa Bárbara D’Oeste. À direita, o Cemitério do Campo (1867-71); à esquerda, Capela de
Santo Antônio de Sapezeiro, no bairro rural de Sapezeiro (1922). Fonte: Acervo da pesquisa, 2019.
Santa Bárbara D’Oeste, contou com quatro importantes usinas, Usina Cillos (1903),
Usina Furlan, Usina Azanha (1935) e Usina Santa Bárbara (1914) (Cillos e Azanha, 2011,
p.14). Estas usinas cederam terras para a construção da Estrada de Ferro, para que pudes-
sem escoar suas produções (USINAS E IMIGRANTES, 1997). Uma das mais importantes, a
Usina Santa Bárbara, criou a Companhia de Estrada de Ferro e Agrícola de Santa Bárbara
para a construção de um ramal para o escoamento de sua produção (SILVA, 2004). A
área da usina e seu entorno era um importante lugar de vida social neste período, pois
possuía escola, igreja e vila operária, além de edifícios administrativos, que ainda estão
preservados. A Usina está desativada e, mesmo em mau estado de conservação, celebra
anualmente, em suas dependências, a Festa da Negadinha, organizada e frequentada
por ex-moradores e ex-funcionários.
Americana
Americana fazia parte do território de Santa Bárbara, que, por sua vez pertenceu ao
município de Nova Constituição (hoje Piracicaba) e também ao de São Carlos (hoje, Cam-
pinas). Isso demonstra como as histórias dos territórios hoje pertencentes a diferentes
municípios estão entrelaçadas, sendo importante o conhecimento e interpretação destes
para além das divisas municipais (Fig.2). Sua origem está relacionada à implantação de
três principais fazendas: Salto Grande, Machadinho e Palmeiras, a partir da Sesmaria de
Domingos da Costa Machado I, no século XVI.
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Figura 2. Mapeamento das referências culturais entre os municípios de Santa Bárbara D’Oeste
e Americana. Fonte: Acervo da pesquisa, 2020.
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dores afirmaram que havia negros que trabalhavam principalmente em Salto Grande.
Quando os irmãos Wilmot eram seus proprietários, os negros saíam da fazenda e iam
até a fábrica conversar com os empregados. Porém, quando a família Müller assumiu
o controle da fábrica, os negros já não a frequentavam mais. Muitos deles procuraram
outros centros urbanos para manter sua subsistência após a abolição.
O auge da Fábrica Carioba foi na década de 1930, quando a vila, de mesmo nome,
já possuía inúmeras residências operárias e patronais e vários equipamentos institu-
cionais, sociais e esportivos. Ou seja, tornou-se um núcleo autônomo, onde inclusive a
população de outras cidades podia encontrar recreação.
O declínio da produção da fábrica se deveu ao início da produção dos tecidos de
fibra sintética (rayon), consideravelmente mais baratos no mercado nacional. Já nos
últimos anos da década de 1930, começou a surgir em Villa Americana a “indústria têxtil
façonista”. Formou-se a partir da união de famílias tecelãs de Carioba, que adquiriam
teares antigos de empresas maiores e passaram a produzir tecidos em suas residências
(COLLI, 1997). Esse processo de produção façonista, que tem suas raízes nos diversos
ciclos de crise da tecnologia de produção das indústrias têxteis da região, não marcou
somente o território de Americana, mas também o de Santa Bárbara e Nova Odessa, com
a formação de bairros suburbanos onde se dispersou esta produção doméstica, que até
os dias atuais abrigam micro empresas de produção à fação.
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Figura 4. Nova Odessa. À esquerda, planta original do Núcleo Colonial Nova Odessa; à direita,
mapa de abairramento do Município de Nova Odessa com sobreposição da planta do Núcleo
Colonial, onde foi possível constatar que tanto os nomes quanto as divisas dos bairros atuais
ainda guardam relação com as sessões do núcleo original. Fonte: Acervo da equipe, 2019.
A vinda de letos está relacionada à crise gerada pela longa dominação russa na
Letônia, que teve seu ápice na Revolução de 1905. Com a ajuda de Carlos Botelho, então
secretário da Agricultura, deu-se início à imigração para o Brasil. Parte do interesse dos
letos em relação ao Brasil se deu por influência de uma publicação no diário “Baltijas
Wehstnesis” (o mensageiro báltico) em 1889, e um pequeno livro editado em Riga (Letô-
nia) no início de 1890 denominado “Brasilija” (Brasil). As publicações tratavam da “[...]
fertilidade da terra brasileira, flora e fauna, as facilidades dadas pelo governo para a
vinda do imigrante, assim como o incentivo à formação de aglomerados de imigrantes
de mesma nacionalidade, para evitar a nostalgia, e os problemas culturais” (HISTÓRIA
DE NOVA ODESSA, s/d)
Carlos Botelho também dá início ao primeiro traçado da cidade, bem como à ins-
talação da estação ferroviária, que passava pela Fazenda Velha, implementando-o nos
mesmos nos moldes urbanísticos que a cidade de Odessa na Ucrânia.
O núcleo colonial instalado em Nova Odessa já era composto, em pontos distintos,
por portugueses e italianos, que se encontravam em sua maioria na Fazenda Pombal e
Fazenda Velha (bairros Cachoeirinha e Filipada) (LIMA, 1999).
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A primeira Igreja Batista foi erguida em 1906 no bairro chamado Fazenda Velha, e é
uma das principais referências culturais da comunidade. Um templo maior inaugurado
em 1918, é utilizado até os dias de hoje, em local que ainda conta com amplo refeitório,
churrasqueiras, edifício de educação religiosa, casa residencial, quiosque, prédio com
classes infantis e um palco para shows musicais (PETERLEVITZ, s/d). A terceira Igreja
Batista foi construída para as celebrações em português para os novos imigrantes. Como
não havia na cidade um cemitério batista, muitos letos foram enterrados nas cidades
vizinhas como Santa Bárbara e Americana (NOVA ODESSA, 1977).
A ferrovia, que fazia o trajeto de Campinas a Rio Claro, em 1873, foi a primeira a
atravessar o município de Nova Odessa, porém não havia uma parada no local. Com o
crescimento da população que se formou na região e para atender as necessidades do
núcleo colonial foi necessária a instalação de uma linha telegráfica, em 1905, denomi-
nada Posto Telegráfico de Pombal. Dois anos mais tarde, esse posto tornava-se a Estação
de Nova Odessa. A primeira parada, Recanto, foi inaugurada em 1907, próxima à Vila
Americana. No ano de 1948 foram implantadas várias tecelagens na cidade, como a
Indústria Têxtil Cooperativa Nova Odessa. Em 1939 tornou-se distrito de Americana e
em 1958 é elevada a Município (LIMA, 1999).
As duas principais festas típicas da cidade de Nova Odessa, consideradas patrimô-
nios turísticos culturais são a “Feira das Nações”, na qual se reúnem várias barracas com
comidas típicas de vários países e a Festa do Ligo, que é organizada pela comunidade dos
descendentes da Letônia e tem como objetivo resgatar a cultura do país do leste euro-
peu, celebrando o solstício de verão. Durante a festa são feitas apresentações de danças,
músicas e armadas barracas com comidas típicas (DESCENDENTES DA LETÔNIA, 2017).
TERRITÓRIO
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Figura 5. Bairro Jardim Mollon. Imagens dos mosaicos das calçadas das ruas do bairro: à esquerda,
o símbolo de Americana e à direita, o símbolo de Santa Bárbara. Fonte: Acervo da pesquisa, 2019.
Esse aspecto se reflete na gestão desses territórios, a tal ponto que gerou duas
propostas específicas no Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metro-
politana de Campinas, que está sendo elaborado pela AGEMCAMP, as propostas nº 47
e 48, dentro dos aspectos relacionados à “Governança e Identidade Metropolitana”. A
primeira, cujo título é “Ajustes nos limites municipais” e a segunda, com o título “Gestão
de áreas conurbadas”, que propõe “Equacionamento dos problemas das áreas conurbadas,
articulando políticas integradas entre os municípios”. Entretanto, o problema foi registrado
apenas sob o viés administrativo pois ambas as propostas ignoraram outros níveis
de abordagem demandados por essa discussão como, por exemplo, os de identidade e
pertencimento no contínuo rural-urbano já tratado (PDUI, CADERNO DE PROPOSTAS DA
SOCIEDADE CIVIL, 2018).
Há, por outro lado, um consenso entre planejadores de que a urbanidade é um valor
a ser considerado na medida do desenvolvimento social das cidades, porém, isso não é
tão notável no caso da ruralidade, quase sempre associada à precariedade de condições
de vida, decorrente de certo desconhecimento, segundo Abramovay (2000, p.25-26), para
quem a “A ruralidade não é uma etapa do desenvolvimento social a ser superada com
o avanço do progresso e da urbanização. Ela será cada vez mais um valor para as socie-
dades contemporâneas”.
Ambos os contextos apresentam valores e formas de vida de distintos grupos sociais
que implicam a identificação e seleção dos objetos e práticas locais. Contudo, como esta-
belecer um nivelamento valorativo entre diferentes populações, com distintos interesses?
Segundo Poulot (2009, p.229-230), instituições internacionais como a Unesco, Ico-
mos e Getty Conservation Institute admitem que para a gestão do patrimônio a partir
da noção de significação cultural é necessário que o valor de determinado patrimônio
seja estabelecido por suas “comunidades de interpretação”:
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resulta em memórias fragmentadas e, ao mesmo tempo, faz com que nenhum grupo
tenha a possibilidade de construir essa unificação, posto que encerrado em sua esfera
de especialização (HERVIEU-LÉGER, 1993 apud CANDAU p. 184).
Formas de abordagem do patrimônio - paisagem, itinerários, redes culturais e inven-
tários participativos - em simultâneo ou em associação, e seus respectivos instrumentos
de preservação, indicam um caminho para se pensar uma estratégia de preservação dos
remanescentes da RMC, que configuram-se como um patrimônio regional, metropolitano,
cuja escala transcende a atuação de órgãos municipais de preservação. Porém,
[...] aceitar ter que fazer escolhas em nossas heranças, reconhecer que
a totalidade das memórias nos é inacessível, admitir nossa radical
individualidade e a impossibilidade definitiva de um compartilha-
mento absoluto com o Outro é, talvez, a única maneira de reconstruir
as memórias que não serão mais hegemônicas, mas pelo menos sólidas
e organizadoras de um laço social em condições de repudiar toda ideia
de submissão (CANDAU, 2019, p. 195).
Faz-se com essa citação uma conclusão, com a qual é importante retornar à epígrafe
inicial, que enuncia a ideia de que no futuro será necessário saber o que destruir e que o
próprio ato de preservar, não atento a essas mudanças na forma de definição de valores
a partir das transformações nas formas de vida e nas formas de apreensão, transmissão
e salvaguarda das memórias, pode ser um ato de destruir.
AGRADECIMENTOS
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REFERÊNCIAS
Família de cidades
entorno. Dissertação (Mestrado). IG/Unicamp, Campinas, 2004.
Circolo Italiano será formado ainda esse ano na cidade. s.n, Santa Bárbara
d’Oeste: FUNDAÇÃO ROMI, s.d.
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PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Da Itália para o Brasil. 100 anos de imigração da família Angolini. Jornal Diário de
Santa Bárbara, Santa Bárbara D’Oeste. 15 dez. 1996.
Descendentes da Letônia fazem festa típica em Nova Odessa. S.n., Portal G1, 23
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Revista
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arquivos/Edital_de_Chamamento_Publico_Congadas_de_Sao_Paulo-Anexo4.pdf>
Acesso em 30/abr/2020.
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POULOT, Dominique.
Do monumento aos valores. Tradução João de Freitas Teixeira. São Paulo: Estação
Liberdade, 2009.
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. Bairros rurais paulistas. São Paulo: Livraria
Duas Cidades, 1978.
abril/2020.
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CONSERVACIÓN Y REUTILIZACIÓN
EIXO TEMÁTICO: PATRIMÔNIO, ESCALAS E PROCESSOS
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RESUMO
Interessa discutir neste artigo a conservação das estruturas industriais de enormes dimensões
que estão desocupadas ou subocupadas na área portuária do Rio de Janeiro e que constituem
exemplares de grande valor cultural, não só pelo sistema construtivo e qualidade estética, mas
pela própria construção da significância cultural na história urbana da cidade. Defende-se
que os galpões portuários desativados podem vir a representar relevante papel na gestão da
conservação do patrimônio industrial carioca. Investigando experiências bem-sucedidas no
Brasil e no exterior, a pesquisa examina a proposta de ocupação de antigos prédios indus-
triais com base nas teorias de Henri Lefebvre e Michel de Certeau sobre o “lugar praticado”,
adotando, paralelamente, os conceitos de Beatriz Kühl sobre a restauração e a reutilização do
patrimônio industrial. A proposta de uso é que tais galpões sejam recuperados e ocupados por
grupos artísticos que se formem nas adjacências e que sejam verdadeiramente apropriados
pela população local.
A BSTRACT
This paper aims to discuss the conservation of huge industrial structures that are unoccupied
or under-occupied in the Docklands Area of Rio de Janeiro and that constitute examples of
great cultural value, not only for their building system and aesthetic qualities but for the very
construction of cultural significance in the urban history of the city. We sustain as the main
argument that deactivated warehouses may play an important role in the management of
the conservation of Rio’s industrial heritage. Investigating successful experiences in Brazil
and abroad, the research examines the possible occupation of old industrial buildings in the
Docklands Area based on the theories of Henri Lefebvre and Michel de Certeau on the ‘practiced
place’, adopting, in parallel, the concepts of Beatriz Kühl on the restoration and reuse of indus-
trial heritage. The proposal is that such warehouses should be rehabilitated and occupied by
artistic groups formed in the neighborhoods so that they become truly appropriated by the
local population.
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RESUMEN
Es interesante discutir en este artículo la conservación de estructuras industriales de enormes
dimensiones que están desocupadas o poco ocupadas en el área portuaria de Río de Janeiro
y que constituyen ejemplos de gran valor cultural, no solo por el sistema de construcción y la
calidad estética, sino por la construcción misma de importancia cultural en historia urbana
de la ciudad. Se argumenta que los almacenes portuarios desactivados pueden desempeñar un
papel importante en la gestión de la conservación del patrimonio industrial de Río. Investi-
gando experiencias exitosas en Brasil y en el extranjero, la investigación examina la ocupación
propuesta de edificios industriales antiguos basada en las teorías de Henri Lefebvre y Michel
de Certeau sobre el “lugar practicado”, adoptando, en paralelo, los conceptos de Beatriz Kühl
sobre La restauración y reutilización del patrimonio industrial. El uso propuesto es que dichos
almacenes son recuperados y ocupados por grupos artísticos que se forman en las cercanías y
que son realmente apropiados para la población local.
INTRODUÇÃO
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[1] Decreto nº 7.351, de 14 de fevereiro de 1988, que estabeleceu a APA do SAGAS (transformada
em APAC pelo Plano Diretor de 1992).
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Pedro II situado na rua Barão de Teffé, foi tombado provisoriamente pelo IPHAN em 2012,
existindo também um processo sendo analisado para tombar o galpão pelo município.
Interessa discutir neste artigo, especificamente, a conservação das estruturas indus-
triais de enormes dimensões que estão desocupadas ou subocupadas na área portuária
do Rio de Janeiro e que constituem exemplares de grande valor cultural, não só pelo
sistema construtivo e qualidade estética, mas pela própria construção da significância
cultural na história urbana da cidade. Defende-se que os galpões portuários podem vir a
representar relevante papel na gestão da conservação do patrimônio industrial carioca.
Mas sabe-se que sem uso, as edificações perdem suas características e se deterioram. A
proposta é que tais galpões sejam recuperados e ocupados por grupos artísticos que se
formem nas adjacências e que sejam verdadeiramente apropriados pela população local.
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globo.com/rio/os-armazens-da-zona-portuaria.html
[2] Segundo o Censo do IBGE de 2010, a renda domiciliar per capita nas áreas do Porto e Caju
era de R$ 506,00, enquanto no município do Rio era de R$ 1.414,00.
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Figura 2 - A tipologia dos galpões ao longo da costa. Foto Natalia Gadiolli, 2019.
A maior parte dos galpões erguidos na área portuária apresenta estrutura de ferro
e paredes em alvenaria de tijolo deixada aparente. Internamente, duas linhas de colunas
de ferro auxiliam a estrutura externa a suportar três séries de tesouras de ferro, que
dispõem de lanternins, armados lateralmente com venezianas fixas de vidro, de modo a
garantir ventilação e iluminação naturais ao amplo interior dos armazéns. Os telhados
sobre as estruturas são de telhas francesas. As alvenarias e os pilares se apoiam em fun-
dações de concreto armado e o piso original era de paralelepípedos de pedra, assentado
a 0,90m acima do capeamento do cais para facilitar o movimento de carga e descarga.
Um dos mais representativos galpões ainda existentes situava-se nas antigas Docas
Pedro II, naquela ocasião, beirando o mar. Construído em 1875, ao longo do que na época
era o litoral do bairro da Saúde entre a Pedra do Sal e a Praça Municipal, com projeto
de André Rebouças[4], este grande armazém de três pavimentos, com área de 4.650m²,
recentemente tombado pelo IPHAN, era inicialmente um empório de café, sendo mais
[4] As Docas dispunham de cais de 160m de extensão com profundidade para 3m e duas
pontes de madeira de 110m por 12,5m para 6m de profundidade média.
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tarde utilizado como depósito de alfafa e produtos agrícolas, nacionais e estrangeiros [5].
(Figura 3). Mas este patrimônio já está sendo estudado pelo governo municipal.
-
tente entre o tecido anterior ao aterramento do porto. (Mapeamento constante do Processo
02.000.542/2017). Cortesia do IRPH)
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[6] Ocupações que se abrem ao grande público, mas não se destinam à população local, tais
como os eventos esporádicos do Salão da Gastronomia, que tem ocupado os galpões 3 e 4
implementou sua 6ª edição nos galpões 2,3 e 4, não interessam a esta pesquisa.
[7] Segundo dados do SEBRAE (2016), 55% da população na Área Portuária é afrodescendente.
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[8]
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[9] A história deste grupo teatral e de como foi proveitosa a cessão de uso do Armazém da
Utopia para o teatro e para a ocupação do patrimônio industrial está sendo investigada pela
bolsista IC/FAPERJ Natália Gadiolli.
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Figura Custard Factory - A fábrica original construída pelo empresário Bird e recentemente
Birmingham.JPG
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Figura 4 - Fábrica de Chocolates Bhering – estado atual do imóvel ocupada por artistas plásticos
e segmentos da indústria criativa que resistiram à expulsão. Foto Evelyn Lima, 2012,
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ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
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meio eficaz neste diálogo com a cidade. O desafio para aqueles que estão preocupados
com um teatro socialmente engajado é abrir o caminho entre os impasses do capita-
lismo contemporâneo por meio de práticas culturais no espaço da cidade de maneira
a garantir o exercício pleno de nossa cidadania.
A pesquisa apontou as seguintes estruturas industriais em desuso para proceder aos
trabalhos de conservação dos imóveis e possíveis aproveitamentos por grupos teatrais
dos bairros adjacentes: Galpões da Avenida Rodrigues Alves números 303, 241 e 509, rua
Santo Cristo 70/74, Rua Santo Cristo 148 e rua da Gamboa 120, sugerindo ampla consulta
às populações locais para a ocupação do patrimônio industrial desativado por coletivos
e grupos teatrais ou por grupos de artistas visuais.
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REFERÊNCIAS
Dialética do Esclarecimento.
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RAHBA, Nina. Centro do Rio: Perdas e ganhos na história carioca, Tese (doutorado
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RESUMO
A cidade de Belo Horizonte/MG tem lidado, frequentemente, com propostas de parcerias estabe-
lecidas entre o poder público e investidores privados que, em geral, privilegiam a condução de
intervenções subordinadas à lógica de mercado. Nesse cenário, os lugares vem se transformando
em produtos, de tal modo que prevalecem as relações de consumo ao invés da importância
na constituição de memórias afetivas ou de relações sociais. O Bairro Lagoinha, um dos mais
antigos da capital e que concentra relevante patrimônio cultural, a partir do ano de 2014, tem
sido foco de pesquisas conduzidas pelo poder público culminando na divergência de interesses
de renovação e recuperação urbana do bairro: de um lado representado pela proposta da Ope-
ração Urbana Consorciada Antônio Carlos/Pedro I – Leste-Oeste (OUC ACLO) e, do outro, pelo
interesse na manutenção da sua importância patrimonial por meio da instituição do Conjunto
Urbano Lagoinha, Bonfim e Carlos Prates (Deliberação Nº 193/2016). Diante disso, o objetivo
desse artigo[1] é de compreender os desafios na condução de diretrizes para o desenvolvimento
urbano do Bairro Lagoinha, considerando a Operação Urbana Consorciada proposta em 2014
em contraponto à recente política de proteção patrimonial.
A BSTRACT
The city of Belo Horizonte, Minas Gerais, Brazil MG has often dealt with proposals for partner-
ships between the government and private investors that usually favor urban interventions
aligned with the market. In this instance, places have been transformed into products, in such
a way that consumer relations prevail instead of the construction of affective memories or
social relationships. The Lagoinha Neighborhood is one of the oldest in the city and which has
many relevant cultural heritage. As of 2014, it has been the focus of research conducted by the
government in which culminated in the divergence of interests in urban renewal and recovery
of the neighborhood: on the one hand represented for the proposal of the Urban Consortium
Operation Antônio Carlos/Pedro I – Leste-Oeste (OUC ACLO) and, on the other, for the interest
in maintaining its patrimonial importance through the institution of the Urban Complex
Lagoinha, Bonfim and Carlos Prates (Deliberation Nº 193 / 2016). Therefore, the objective of this
article is to understand the challenges in conducting guidelines for the urban development of
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the Lagoinha neighborhood, considering the Urban Consortium Operation proposed in 2014
as a counterpoint to the recent property protection policy.
KEYWORDS: urban consortium operation. protected urban complexes. special guidelines zones.
Lagoinha neighborhood.
RESUMEN
La ciudad de Belo Horizonte / MG ha tratado, a menudo, de propuestas de asociaciones estable-
cidas entre autoridades públicas e inversores privados que, en general, favorecen la realización
de intervenciones subordinadas a la lógica del mercado. En este escenario, los lugares se han
transformado en productos, de tal manera que prevalecen las relaciones con los consumidores
en lugar de la importancia en la constitución de recuerdos afectivos o relaciones sociales. El
Barrio Lagoinha, uno de los más antiguos de la capital y que concentra el patrimonio cultural
relevante, a partir de 2014, ha sido el foco de la investigación realizada por las autoridades
públicas que culminó en la divergencia de intereses en la renovación urbana y la recuperación
del barrio: por un lado representado por la propuesta del Operación Urbana Consorciada
Antônio Carlos / Pedro I - Leste-Oeste (OUC ACLO) y, por el otro, por el interés en mantener su
importancia patrimonial a través de la institución del Conjunto Urbano Lagoinha, Bonfim y
Carlos Prates (Deliberación Nº 193 / 2016) Dado esto, el objetivo de este artículo es comprender
los desafíos en la conducción de pautas para el desarrollo urbano de Barrio Lagoinha, conside-
rando la Operación Urbana Consorciada propuesta en 2014 como un contrapunto a la reciente
política de protección del patrimonio.
INTRODUÇÃO
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secundários como livros, teses, dissertações e artigos para análise das transformações
urbanas presenciadas na região e das propostas institucionalizadas que têm sido dire-
cionadas para o bairro.
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Figura 1: Contextualização do Bairro Lagoinha. Mapa-base: Google Earth, 2011. Montagem pro-
duzida por Brenda Melo Bernardes.
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-
ponde à otimização da infraestrutura existente em corredores viários considerados prioritários
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(Via Expressa, Avenida do Contorno, Avenida dos Andradas e Avenida Tereza Cristina), em vias
prioritárias para o transporte coletivo (Pedro I e Antônio Carlos) e no entorno das estações
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Figura 3: Área contemplada na OUC ACLO. Fonte: Prefeitura de Belo Horizonte. Plano urbanístico
e Estudo de Impacto de Vizinhança. COMPUR, 2015 – Adaptado por Brenda Melo Bernardes.
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Ademais, entende-se que a noção de patrimônio não deve ser vinculada ao obje-
tivo de se garantir a conservação de modo intransigente – como forma de preservar
somente os atributos físicos de objetos, edificações ou de se congelar paisagens, mas se
atentando para a necessidade de sua inserção na dinâmica urbana (CHOAY, 2001), bem
como, para sua capacidade de despertar valor afetivo ou como formador da memória
coletiva, o que engloba o seu reconhecimento e a participação da sociedade no processo
de legitimação enquanto produto social. Assim, atualmente o conceito de patrimônio
cultural abrange tanto bens materiais quanto imateriais, em suas diversas categorias, que
sejam representativos da riqueza social e cultural de um lugar, verificando-se, inclusive,
em uma abordagem mais ampla, a articulação de políticas de âmbito urbano com as
políticas de interesse patrimonial (CUNHA, 2010), sobretudo vinculado ao interesse de
proteção de paisagens culturais.
Logo, em relação aos mecanismos que tem sido adotados como meio de proteção de
paisagens culturais, presencia-se em Belo Horizonte, cidade foco de estudo desse artigo,
além da identificação e proteção de bens isolados como formadores do patrimônio cultu-
ral, o tombamento de Conjuntos Urbanos representativos da história da capital. As ações
pioneiras ocorreram em 1994, onde foram reconhecidos 10 conjuntos inseridos na área
central de Belo Horizonte (CUNHA, 1997). Segundo a Diretoria de Patrimônio Cultural de
Belo Horizonte, conceitualmente entende-se como Conjunto Urbano as: ‘‘[...] áreas definidas
com o objetivo de se proteger lugares representativos da cidade, denominados espaços
polarizadores, onde são encontradas ambiências, edificações ou mesmo conjuntos de
edificações que apresentam expressivo significado histórico e cultura’’(BRANDÃO; SOA-
RES, 2017, p. 3). Nesse sentido, os Conjuntos Urbanos constituem áreas com complexos
valores culturais, históricos, simbólicos e funcionais que estruturam o espaço urbano.
Em relação aos Conjuntos Urbanos reconhecidos em Belo Horizonte, um dos que se
destacam é o Conjunto Urbano Lagoinha, Bonfim e Carlos Prates (Figura 4), que teve seu
tombamento efetuado pelo Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural do Município
de Belo Horizonte (CDPCM-BH), por meio da Deliberação Nº 193/2016, bem como, sua
inscrição nos livros do Tombo Histórico e no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico
e Paisagístico (BELO HORIZONTE, 2016). Situados fora dos limites da Avenida do Con-
torno, os bairros Lagoinha, Bonfim e Carlos Prates apresentam processos de ocupação
vinculados ao período de construção de Belo Horizonte, o que define aspectos peculiares
em relação ao traçado urbano e na constituição de referências simbólicas e edificações
representativas do patrimônio municipal.
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-
-base: Google Earth, 2020. Adaptado por Brenda Melo Bernardes.
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[4] O instrumento de Área de Diretrizes Especiais foi instituído por meio do Plano Diretor de
Belo Horizonte, Lei nº 7165 de 27 de agosto de 1996, revisada em 2010. Recentemente foi apro-
vado novo Plano Diretor (Lei n° 11181/2019) que dá continuidade à utilização desse instrumento
como forma de proteção de áreas de interesse ambiental, histórico ou cultural.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
valores que são constituídos pela memória coletiva, a partir dos laços sociais que
marcas do passado.
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REFERÊNCIAS
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CUNHA, Claudia dos Reis e. Restauração: diálogos entre teoria e prática no Brasil nas
experiências do IPHAN. Tese (Doutorado em direito do Estado ) – Universidade de
São Paulo. São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/disponi-
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VILLAÇA, Flávio. Espaço intra–urbano no Brasil. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel/
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RESUMO
Este artigo propõe uma breve reflexão sobre o habitar da superquadra brasiliense na contem-
poraneidade. O enfoque de estudo foi dado à SQS 108, a primeira superquadra a ser concluída
em Brasília, cujos onze blocos residenciais, de autoria de Oscar Niemeyer, propunham ser um
modelo para a habitação na cidade. A partir da leitura prévia de textos sobre a superquadra,
de Costa, Serapião, Cavalcanti, Guimaraens e Holston, produziu-se uma crônica não fictícia
a partir da observação dos usos e espaços da SQS 108 em 2019, sessenta anos depois de sua
inauguração. As observações foram feitas durante diferentes dias da semana e em horários
variados, em busca de uma descrição que pudesse parcialmente responder como se dá a apro-
priação do modelo. A análise não se limitou aos blocos de apartamentos, também foi abarcada
sua relação com os equipamentos como escolas, comércio local, igreja e clube, que compõem
as dinâmicas sociais em torno da superquadra. O retrato obtido, apesar de limitado, tanto em
tempo de análise quanto de aprofundamento teórico, descreve uma realidade multifacetada,
complexa e, por vezes, contraditória e inesperada.
E X TRACT
This study is a brief reflection on how people live and occupy Brasilia’s superquadra in con-
temporary times. The model chosen for analysis was SQS 108, the first superquadra to be fully
completed in Brasília, whose eleven residential blocks, designed by Oscar Niemeyer, intended
to be a housing model for the the rest of the city. Based on previous readings of texts about the
superquadra, written by Costa, Serapião, Cavalcanti, Guimaraens and Holston, and also on the
observation of the uses and spaces of SQS 108 in 2019, a non-fictional chronicle was produced
sixty years after its inauguration. The observations were made on different week days and
at different hours, in search of a description that could partially answer how the model was
appropriated. The analysis was not limited to the apartment blocks, but it also included the
relation with equipments such as schools, local shops, church and club, which are important
elements to build the social dynamics around the superquadra. The portrait of SQS 108 obtained,
although limited, both in time of analysis and theoretical support, describes a multifaceted,
complex and, at times, contradictory and unexpected reality.
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RESUMEN
Este trabajo pretende investigar cómo las personas viven y ocupan la superquadra de Brasilia
en los tiempos contemporáneos. El modelo elegido para el análisis fue SQS 108, la primera
superquadra que se completó en Brasilia, cuyos once bloques residenciales, diseñados por Oscar
Niemeyer, pretendían ser un modelo de vivienda para el resto de la ciudad. Basado en lecturas
previas de textos sobre la superquadra, escritos por Costa, Serapião, Cavalcanti, Guimaraens y
Holston, y también en la observación de los usos y espacios de SQS 108 en 2019, se produjo una
crónica no ficticia sesenta años después de su inauguración. Las observaciones se realizaron
en diferentes días de la semana y en diferentes horas, en busca de una descripción que pudiera
responder parcialmente cómo se apropió el modelo propuesto. El análisis no se limitó a los
bloques de apartamentos, sino que también incluyó su relación con edificios como escuelas,
tiendas, iglesia y clube, elementos esenciales para la dinámica social en torno a la superquadra.
El retrato de SQS 108 obtenido, aunque limitado, tanto en tiempo de análisis como de soporte
teórico, describe una realidad multifacética, compleja y, a veces, contradictoria e inesperada.
ARGUMENTO
O urbanista Lucio Costa, ao conceber o plano para a cidade de Brasília, define que
um de seus eixos principais, o residencial, seria configurado por meio da organização de
uma célula de 300 metros de lado: a superquadra. A lógica do lote desapareceria, o chão
seria público e de livre circulação. Cerca de onze blocos de, no máximo seis pavimentos,
estariam emoldurados por densa massa arbórea e, assim, amortecidos pela paisagem.
(COSTA, 2018, pág. 292) [1]
A concepção da superquadra é parte do modelo de Unidade de Vizinhança proposto
pelo urbanista e objetivava promover o convívio social a partir de relações de proximi-
dade física. Costa propunha que cada Unidade de Vizinhança, a ser configurada por um
conjunto de quatro superquadras, fosse dotada de certa autonomia, com a presença
de clube, igreja, escola, cinema e comércio local variado. Seus habitantes resolveriam
as principais necessidades da vida cotidiana a uma distância acessível ao pedestre,
dar-se-ia a interação e coexistência entre habitantes de diferentes níveis econômicos
e propunha-se, inclusive, o controle do poder público para impedir o surgimento de
[1] A referência diz respeito ao texto de Costa de 1957, aqui consultada em edição de 2018
de “Registro de uma Vivência”
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Figura 1: Bloco de apartamentos da SQS 108 em seus anos de construção. Fonte: Autor desco-
nhecido, Arquivo Público do DF.
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Figura 2: Planta tipo de bloco de apartamentos dois dormitórios da SQS 108. Fonte: FERREIRA
e GOROVITZ (2007, p.145)
[2] A referência não traz indicação de páginas por se tratar de artigo de jornal, publicado
posteriormente na internet: SERAPIÃO, Fernando. Consequências de uma utopia residencial.
com.br/revistas/read/minhacidade/10.117/3418
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[3] A referência não traz indicação de páginas por se tratar de artigo de jornal, publicado
posteriormente na internet: SERAPIÃO, Fernando. Consequências de uma utopia residencial.
com.br/revistas/read/minhacidade/10.117/3418
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15.05.19, quarta-feira
19:33 Estaciono o carro logo em frente à generosa escada de acesso à Igreja Nossa
Senhora de Fátima. Uma missa é celebrada. O vigia de carros me pede um trocado. Não
tenho. O homem curva-se ao chão agarrando o tornozelo e pergunta se não posso com-
prar-lhe um “Dorflex”, no cartão. Seu corpo todo dói. Ao lado esquerdo, próximo à Igreja, há
uma pequena barraca de comida, Shawarma´s do Habib: comida árabe e mexicana. Senta-
dos em cadeiras de plástico, um casal conversa, enquanto um dos funcionários descansa
e o outro assa a carne. Em frente à Igrejinha, esparramados no banco longo e sinuoso
estão seis guardadores de carros. São cinco homens e uma mulher. Fumam, gargalham
e gesticulam. Uma velha cadeira de rodas está encostada ao lado deles. Ao pé da escada-
ria, duas amigas conversam. Uma apresenta algo à outra na tela de seu telefone. Poucas
crianças, acompanhadas dos pais e em uniformes de escolas particulares, atravessam as
calçadas. Meia dúzia de patinetes motorizados estão à disposição para serem alugados
mediante aplicativo de celular, me explica um rapaz em roupa esportiva. Vejo ao longe
um pai e uma menina dividindo o mesmo pequeno veículo. Eles riem.
Subo as escadas em direção à igreja. Estou embaixo da grande cobertura curva e
branca. A iluminação vinda do alto é forte e quase ofuscante. Duas crianças brincam,
rodopiando repetidamente embaixo da marquise e logo se despedem. A missa acabou.
Poucas pessoas, não mais de meia dúzia, seguem conversando embaixo da cobertura de
acesso. Dois homens de jeans desfazem a dobradura em sanfona da grande porta em
madeira treliçada pintada de branco. A igreja se fecha. Apaga-se a luz. Circundo a parede
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curva recoberta por azulejos de pássaros que encerra o espaço de culto. Encontro ainda
na lateral da igreja uma seteira vertical e alongada, ainda aberta e iluminada. Espio e vejo
enquadrada, ao fundo, a escultura de um santo segurando uma criança. Abruptamente,
a pequena janela se fecha. Sigo o movimento curvo da parede. Atrás da igreja, ao abrigo
da marquise, há alguns colchões velhos e papelões estendidos, um velho carrinho de
supermercados cheio de cobertores, caixas de pizza abertas e vazias. Atirada à grama, uma
garrafa plástica cujo rótulo com ilustração erótica diz: “Catuaba Selvagem”. Vejo uma
peça de roupa íntima feminina jogada. Está escuro, mas algo brilha na grama: pedaços
de papel prateado. Do lado direito da igreja, alguns homens desmontam a estrutura
metálica de uma grande festa, a Quermesse de Nossa Senhora de Fátima, festa popular
que durou mais de dez dias. Leio alguns dos dizeres nas barracas que estão sendo des-
montadas: “artigos religiosos”, “canjica de milho e derivados”.
Volto para a escadaria de acesso - dois homens fotografam, quase que simulta-
neamente, a fachada principal da igreja. O primeiro usa um aparelho grande e outro
enquadra o edifício na tela do celular. Desço os degraus. De novo, sou abordada por uma
vigia de carros. Ela me pede dinheiro. Estou fazendo um trabalho para a faculdade, digo.
“Aqui a gente trabalha com Deus”, ela me responde.
19:58 Ao pé da escada, um grupo de moças bem vestidas come cachorro-quente. O
Raimundo Hot Dog, o dog da Igrejinha, está bastante movimentado e instalado à direita
e abaixo do templo, perto da calçada. Há homens de gravata e camisa social sentados nas
mesinhas de plástico ou aguardando os pedidos. O movimento dos cozinheiros é ágil e
coreografado. Ouço o ritmo quase regular da espátula arranhando a chapa. A produção
é organizada. Os funcionários utilizam toucas nos cabelos, máscara protetora na boca
e nariz e luvas plásticas ao manipular a comida. Eles gritam os pedidos uns aos outros:
“completo com bastante bacon! Completo na 25!” Na parte do caixa, há fichas, um laptop
e máquinas de cartão.
20:00 Entro na 108 sul, a quadra está silenciosa. Escuto apenas o ruído dos meus
passos que amassam as folhas secas das árvores. Um automóvel circula tranquilamente.
Ouço o bater das portas dos carros. Uma mãe e duas crianças carregando mochilas
escolares entram na portaria do bloco D. Alguns suaves latidos de cães ao fundo. Um
casal de namorados passa. À noite, os caminhos de pedestre e os jardins da quadra são
escuros. Enxerga-se a rua suavemente iluminada, a luz vinda dos apartamentos e pilotis.
À noite, a fachada de cobogós revela a silhueta de algumas pessoas circulando e bicicletas
encostadas no interior do edifício.
20:11 O silêncio é interrompido pelos chinelos arrastados no chão por um adoles-
cente. Vestido com o uniforme de uma escola particular, o jovem canta alto a letra de um
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rap em inglês, que escuta em seus headphones. Ouço o barulho de uma motocicleta. É
uma entrega da empresa Uber Eats. Uma mulher sozinha passeia tranqüila com o seu
cachorro.
A placa abstrata, retangular e vertical, que traz as letras F e G juntas a uma seta
apontando para o alto, e as letras H, I, J e K acompanhadas de seta voltada para a esquerda
é elegante, mas me provoca certa desorientação.
Chego ao pilotis recém reformado do bloco G, que ganhou novo projeto de ilu-
minação e revestimentos. A luz é clara e quase ofuscante, os pontos de iluminação são
refletidos no piso de granito preto, tão bem polido a ponto de parecer um espelho. Nas
prumadas de acesso, azulejos decorados e um painel de mármore branco em relevo exi-
bem motivos geométricos. Foram instalados grandes espelhos. Dentro de um aquário
envidraçado, o porteiro vestido de calça preta, camisa social e gravata, assiste à novela
em uma diminuta tela, enquanto batuca dedilhando no balcão de sua guarita. Uma
moradora chega do trabalho: “boa noite, seu Cláudio!”,“boa noite!”
20:30 Aproximo-me da fachada de cobogós, para a qual está voltada a zona de
serviço dos apartamentos . Ouço o barulho agudo de pratos e talheres. É hora do jantar.
Vejo passar, através dos cobogós, uma mulher de véu cobrindo os cabelos. Ela entra em
um dos apartamentos.
Em frente, está o Jardim de Infância da 108 sul, uma construção baixa, cercada
por um muro não muito alto com arames farpados. Na entrada, no toldo azul em que
algumas partes do letreiro estão faltando, leio: “ardi de Infância”.
20:45 Caminho por entre os blocos. À noite, é possível ver através das janelas, seus
interiores iluminados. Sentados ao sofá, os rostos de um casal se iluminam e apagam
conforme mudam os quadros do programa da televisão. Em outro apartamento, é pos-
sível enxergar na sala, as poltronas de aço cromado e linhas puras da Bauhaus, junto a
um quadro de São Francisco de Assis. Em um cômodo quase vazio, um cachorro da raça
Shitsu parece me observar da janela.
16.05.19, quinta-feira
9:00 Duas imensas árvores unidas em suas copas criam uma espécie de portal para
a Banca Cultural da 108, com os dizeres: “Brasília começou aqui”. Vejo passar atrás das
árvores duas senhoras de idade, levando nas mãos uma Bíblia e uma rosa vermelha. Em
mesas de plástico perto da banca, um pai toma água de coco com a filha.
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Olho para o pilotis do bloco A, vejo apenas as pernas do porteiro sentado, cujo
tronco está oculto pela sequência de pilares trapezoidais. Em seguida, uma senhora
idosa caminha ao lado de sua cuidadora, vestida de branco.
9:20 A grande área do parquinho em frente ao bloco B está desértica. Não há nin-
guém. Há alguns solitários balanços e um brinquedo de escalada, com um pequeno
escorregador. A área da praça apresenta um canteiro de contornos sinuosos coberto de
grama, onde um dia houve uma pequena piscina para as crianças (Figura 3). Logo ao
lado, um pequeno púlpito inteiramente recoberto de tinta branca, sem nenhuma placa
comemorativa ou dizer. Qualquer que fosse a informação que trazia, já não está mais
ali. Um grande mastro de bandeira, na mesma área, está vazio. Um funcionário retoca a
pintura branca da pequena mureta, agora cercada, que hoje fecha um dos lados do parque.
Figura 3: Parque infantil da SQS 108 sul em seus primeiros anos. Fonte: Autor desconhecido
em KIM e WESELY.
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Olho para a grande fachada transparente do bloco B, em que janelas de vidro ocu-
pam toda a extensão dos quartos e sala, de parede a teto. Alguns apartamentos estão
cobertos por cortinas de tecidos pesados, outros por leves tecidos de voal ou persianas.
O tratamento dado aos grandes panos de esquadrias é o mais variado possível. Há
janelas inteiramente tapadas com papel pardo, outras em que se criou, internamente,
meia parede de madeirite, deixando a porção superior livre. Em algumas, a aplicação
de películas de diferentes tonalidades resguarda um pouco do seu interior. Em alguns,
é possível enxergar absolutamente tudo.
Em um apartamento do sexto andar do bloco H, a funcionária doméstica, espre-
mida entre cama de casal e o exterior, esfrega com vigor um pano úmido ao vidro. Em
outro, pode-se ver um varal de roupas aberto ao lado do sofá na sala de estar. Uma moça
trabalha concentrada em frente ao computador, cuja mesa está encostada à janela.
Embaixo do bloco, dois funcionários caminham com grandes rodos de limpeza,
puxando a água acumulada nos pilotis. O porteiro espera em sua guarita, onde um
grande relógio redondo, de aparência antiga, com moldura de madeira envernizada e
algarismos romanos, está parado na hora sete.
No bloco D, vejo outra funcionária doméstica com o corpo inclinado para fora da
janela do quarto andar, limpando com um rodo as janelas do apartamento.
Uma moça bem vestida carrega no colo um cachorro de pelo impecavelmente branco,
enquanto leva um segundo animal caminhando na coleira. A seu lado, a babá vestida de
branco empurra um carrinho com uma criança. As duas conversam.
20.05.2019, segunda-feira
17:00 Uma menina negra, de não mais de seis anos, corre descalça e livremente, de
um lado para o outro, entre os pilotis dos blocos A e B e o estacionamento que os separa.
Uma moradora idosa no pilotis do bloco A para e brinca com a menina. Pergunta se
não é perigoso que ela brinque sozinha por aí. O porteiro responde que não. A menina
é esperta, filha de funcionária do bloco B e todos os porteiros a conhecem.
Um casal de namorados ocupa o banco de madeira na calçada em frente ao bloco D.
No pátio externo da escola Classe 108 sul, duas professoras ensaiam com seus
alunos uma coreografia de festa junina. O pequeno edifício está cercado por um portão
de grades coloridas com algumas pequenas aberturas que são atravessadas por árvores
que resolveram crescer para além dos limites dos portões. As árvores estão cercadas por
pavimentação. Toda a área da escola está hoje cimentada. Mesmo que esteja dentro de
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uma cidade-parque, na área interna aos seus limites, não há mais um centímetro de
grama. Ali perto, sentadas em um banco embaixo de uma árvore, duas moças conversam.
No Bloco J, contei dezesseis câmeras de segurança instaladas no pilotis. Há um
salão de festas fechado e vazio. Leio a placa: “Para a segurança de todos, este local está
sendo filmado.”
Estacionados na quadra, alguns ônibus e muitas vans escolares esperam as crian-
ças na saída da escola classe. No vidro traseiro dos veículos, pode-se conhecer alguns de
seus destinos: Jardins Mangueiral, Paranoá, Itapoã, Condomínio ESAF e São Sebastião.
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Brasília. Junto deles, uma cadeira de rodas e várias sacolas amontoadas. Sentado em um
banco logo ao lado, um homem observa tranquilamente a tela do celular.
Três rapazes jovens cruzam, em bicicletas a grande velocidade, a praça da Igreji-
nha. Ao fundo, ouvem-se os gritos animados de crianças e adolescentes na quadra de
esportes da Escola Parque.
A fumaça com cheiro de churrasco vinda dos restaurantes da comercial invade a
praça de acesso à Igrejinha. A rua está movimentada neste final da manhã de sábado.
Na entrada da superquadra, um automóvel pequeno, com porta-malas aberto,
anuncia: “Lava Jato Superbrilho”.
Caminho ao longo do desértico pilotis do bloco C, sinto o cheiro da comida que é
preparada em um dos apartamentos. Na faixa arborizada entre os blocos residenciais e os
edifícios de comércio, um bar estende mesas, cadeiras e toldo para a área gramada. Alguns
grupos de amigos conversam enquanto na parede lateral do bar um grande telão exibe
uma partida de futebol. Na marquise de ligação entre dois blocos comerciais, noto um
burburinho: trata-se de uma feira de doação de cães e gatos que acontece aquele sábado.
Um grupo de empregadas domésticas conversa embaixo do bloco B. Um bebê dorme
no carrinho. Uma menina pergunta à babá se podem ir brincar no parquinho em frente
ao bloco. A babá desconversa, diz que a mãe da criança não quer que ela brinque lá.
Um casal de idosos no estacionamento do bloco J descarrega as compras do por-
ta-malas do carro em um carrinho de supermercados. O pilotis do bloco K está vazio.
Nele, uma grande área foi gradeada, onde estão guardadas as bicicletas, triciclos e motos
infantis. Uma pequena placa grudada à grade informa: monitoramento por câmera de
segurança. Mais adiante, uma mesa e quatro cadeiras de ferro muito ornamentadas e
pintadas de branco esperam ser ocupadas (Figura 4). Folhetos de propaganda de uma
clínica estética foram deixados sobre os móveis.
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14.06.2019, sexta-feira
9:20 Quatro homens de terno e gravata, entre eles o porteiro, gargalham próximos
à guarita do bloco F. Dois estão sentados relaxadamente em um banco de madeira.
Quando pergunto se todos trabalham naquele edifício, um deles, prontamente me res-
ponde: “este edifício é demais, aqui tem porteiro, zelador, motorista e segurança”. E, em
resposta à minha expressão de surpresa, ouço: “é que aqui mora autoridade, doutora!”
11:00 Avisto um grupo de quinze jovens sentados em roda nos pilotis do bloco A.
Dois professores, com desenhos da quadra nas mãos, explicam aos alunos o conceito de
Unidade de Vizinhança, proposto para a área residencial de Brasília. Pergunto se são da
cidade. Não. Trata-se de um grupo de estudantes de uma escola parque, privada e situada
na Gávea, bairro nobre da zona sul do Rio de Janeiro. Fazem uma viagem de estudos para
conhecer Brasília. Não podiam, é claro, deixar a 108 de fora.
CONCLUSÃO
A apreensão que se fez dos temas de análise propostos na parte introdutória deste
trabalho é carregada de contradições. O retrato da SQS 108 obtido descreve uma realidade
multifacetada, complexa e, por vezes, contraditória e inesperada.
Constatou-se que os generosos espaços e equipamentos públicos concebidos como
extensão natural das unidades dos apartamentos são frequentemente subutilizados.
Ainda assim, apesar da observação da monotonia quase que constante nas áreas dos
pilotis, parques infantis e caminhos internos à quadra residencial, a vida urbana se faz
intensa em alguns momentos, especialmente na área da praça da Igrejinha e adjacências.
É o caso da Quermesse de Nossa Senhora de Fátima, do burburinho próximo às barracas
de comida, do movimento dos restaurantes e bares aos finais de semana, da circulação
dos ciclistas e mesmo das crianças que, em massa, invadem a quadra ao final das aulas.
A atmosfera silenciosa no interior da superquadra é vizinha dos ruídos do movimento
constante dos carros no Eixo Rodoviário e dos engarrafamentos de carros particulares
que tomam a rua comercial nos horários de pico.
Apesar da intenção explicitada por NIEMEYER (1959, pág. 13) de que os blocos
atendessem a níveis econômicos variados, a SQS 108 é majoritariamente ocupada pelas
classes média e alta. A interação com outros níveis sócio-econômicos se dá pelas relações
entre moradores e prestadores de serviços, como funcionários domésticos, porteiros,
zeladores e pequenos comerciantes.
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Figura 5: Foto de placa comemorativa pela inauguração no pilotis do bloco K da SQS 108.
Autora: Ana Palhas, 2019.
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REFERÊNCIAS
COSTA, Lucio. Lucio Costa: registro de uma vivência. São Paulo: Edições SESC, 2018
KIM, Lina; WESELY, Michael. Arquivo Brasília. São Paulo: Cosac Naify, 2010.
NIEMEYER, Oscar. “IAPB em Brasília”. Revista Módulo. Rio de Janeiro, vol. n° 12,
fevereiro de 1959, pp. 12-19
WEN, Leonardo. Apto: a moradia moderna de Brasília. Fortaleza: Ed. Tempo de Ima-
gem, 2011.
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TEMPORALIDADES E
INTERVENÇÕES EM
CENTROS HISTÓRICOS:
CONTRASTE ENTRE
PRAÇAS E RUAS DO BAIRRO
TEMPORALIDADES Y INTERVENCIONES EN
CENTROS HISTÓRICOS: CONTRASTE ENTRE
PLAZAS Y CALLES DEL BAIRRO CENTRO EN
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RESUMO
O crescimento das cidades alia-se a uma dinâmica de expansão da malha urbana, exploram
outras áreas e desenvolvem novos núcleos. Sendo assim, os centros considerados históricos que
possuem uma parcela da memória daquele lugar, perdem espaço e são desvalorizados. Diante
desse fato, o artigo tem como objetivo registrar as análises, discussões e proposições acerca de um
sítio histórico na cidade de Maceió, o bairro do Centro, e pretende englobar a comparação entre
como os espaços públicos são habitados atualmente e a apresentação de possíveis intervenções
urbanísticas para a área. Desse modo, o estudo foi realizado com base na metodologia SWOT,
um sistema utilizado para elaborar o planejamento de ações estratégicas através da análise
de fatores positivo-negativos sobre a temática abordada em diversas escalas, com a intenção
de propor melhorias para a mesma. Constataram-se alguns resultados, tais como: problemas
relacionados à infraestrutura, um número significativo de imóveis abandonados/subutilizados,
esvaziamento de moradores, sinalizado pela diminuição do número de residências e o evidente
contraste entre as praças e as ruas do bairro. Portanto, essa pesquisa visou contribuir para
a reflexão acerca dos centros históricos voltados a diferentes usos e apropriações, admitindo
a habitação no bairro do Centro como princípio norteador das propostas, com a intenção de
ativar diferentes usos nas praças.
A BSTRACT
The growth of cities is combined with a dynamic expansion of the urban network, exploring other
areas and developing new centers. Thus, the areas considered historic which have a portion of the
memory of that place, lose space and are devalued. Given this fact, the article aims to record the
analyzes and discussions about a historic site in the city of Maceió, the neighborhood of Centro,
and intends to encompass the comparison between how public spaces are currently inhabited
and presentation of possible urban interventions. In this way, the study was carried out based
on the SWOT methodology, a system used to elaborate the planning of strategic actions through
the analysis of factors on the theme addressed at different scales, with the intention of propo-
sing improvements to it. Some results were found, such as: problems related to infrastructure,
a significant number of abandoned /underutilized properties, emptying of residents, signaled
by the decrease in the number of homes and the evident contrast between squares and streets
in the neighborhood. Therefore, this research aimed to contribute to the reflection about the
historic centers aimed at different uses and appropriations, admitting housing in the Centro
neighborhood as the guiding principle of the proposals, with the intention of activating dif-
ferent uses in the squares.
LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
RESUMEN
El crecimiento de las ciudades se combina con una expansión dinámica de la red urbana, explo-
rando otras áreas y desarrollando nuevos centros. Así, los centros considerados históricos que
tienen una parte de la memoria de ese lugar pierden espacio y se devalúan. Dado este hecho, el
artículo tiene como objetivo registrar los análisis, las discusiones y las propuestas sobre un
sitio histórico en la ciudad de Maceió, el barrio del Centro, y pretende abarcar la comparación
entre cómo los espacios públicos están habitados actualmente y la presentación de posibles
intervenciones planificación urbana de la zona. De esta forma, el estudio se realizó en base
a la metodología FODA, un sistema utilizado para elaborar la planificación de acciones a
través del análisis de factores sobre el tema abordado a diferentes escalas, con la intención de
proponerle mejoras. Se encontraron algunos resultados, tales como: problemas relacionados
con la infraestructura, un número significativo de propiedades abandonadas, el vaciado de
residentes, señalado por la disminución en el número de viviendas y el evidente contraste entre
plazas y calles. Por lo tanto, esta investigación tuvo como objetivo contribuir a la reflexión sobre
los centros históricos destinados a diferentes usos y apropiaciones, admitiendo la vivienda
en el barrio del Centro como el principio rector de las propuestas, con la intención de activar
diferentes usos en las plazas.
INTRODUÇÃO
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LIMIARIDADE
PROCESSOS E PRÁTICAS EM ARQUITETURA E URBANISMO
Figura 1: Planta da cidade de Maceió por Américo László (1932), adaptada por Andrade Lima
(2004). Fonte: Maceió 200 anos.
Data-se que por volta do início do século XVIII, o povoado tenha surgiu no pátio de
um engenho de açúcar (COSTA, 1981), nos arredores de onde hoje se encontram a Praça
Dom Pedro II e a Catedral Metropolitana de Maceió. Por estar situado em uma rota de
escoamento de produtos agrícolas o, então, povoado passou a progredir e a se desenvol-
ver, marcado por uma forte dinâmica mercantil. Consequentemente, tornou-se Vila em
1815 e posteriormente capital do estado de Alagoas em 1839. De fato, a história da cidade
de Maceió está intrinsecamente ligada à história do bairro Centro, o qual foi cenário
para diversos acontecimentos históricos e determinantes para o desenvolvimento da
cidade (Figura 2).
Atualmente, o bairro Centro ainda se conforma como um lugar de suma impor-
tância no âmbito municipal e estadual, pois, articula diversos atores e atividades, abriga
uma importante área comercial, de serviços e de órgãos institucionais, como a sede do
governo estadual, diversas secretarias estaduais e municipais, assim como, equipamentos
de saúde, de educação e de cultura. A área em estudo é definida como Zona de Especial
de Preservação (ZEP) 2 no plano Plano Diretor Municipal (2005) do município e apresenta
27 Unidades de Especiais de Preservação (UEPs).
Algumas edificações do bairro Centro também são tombadas pelo estado, com as
Igrejas de Nossa Senhora do Livramento, de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos e Bom
Jesus dos Martírios, a Catedral Metropolitana, o Instituto Histórico e Geográfico de Ala-
goas, o Sobrado dos Irmãos Brêda, o Museu Théo Brandão, o Tribunal de Justiça do Estado
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O caráter comercial, marca da história do bairro, reverbera até os dias atuais, sendo
um dos principais pólos comerciais do estado, conta com cerca de 600 estabelecimentos
comerciais, dentre os quais empregam direta e indiretamente aproximadamente 7.000
pessoas. A área em estudo apresenta um vasto número de comerciantes informais, como
ambulantes e feirantes, distribuídos regular ou irregularmente entre nas ruas de maior
tráfego de pessoas e veículo e na área do atual Calçadão.
Ademais, o número de moradores do bairro Centro é bastante resumido se com-
parado com outras regiões da Cidade, alcançando um valor inferior a 0,5% do total de
habitantes do município de Maceió (IBGE, 2010). Consequentemente, as dinâmicas terri-
toriais do bairro, assim como o uso e proveito dos seus espaços públicos livres, estejam
atrelados estritamente ao funcionamento comercial e de serviços, apresentando um
fluxo sazonal de pessoas e atividades, fazendo que as praças do Centro se configuram
como locais de passagem.
É interessante observar que os distritos que apresentam os maiores
percentuais de redução no número de moradores são aqueles que con-
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METODOLOGIA
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Figura 3: Mapa do percurso realizado pela equipe durante as visitas de campo. Fonte: Acervo
da equipe, 2019.
Como eixo norteador do processo da coleta de dados e parte essencial para o desen-
volvimento do estudo, as visitas de campo ocorreram em grupo em diferentes dias e
horários. Auxiliaram, entre outras coisas, no desenvolvimento de questões pertinentes
sobre a área em estudo, entre elas: a grande quantidade de prédios abandonados e em
estado depreciativo, a situação das calçadas, o grande potencial do sítio e principalmente,
a notoriedade dos contrastes entre ruas e praças no centro da cidade, que norteou a
proposta do trabalho. Para a análise dos fatores levantados nas visitas a campo foi
utilizado o método SWOT.
O método SWOT (Strengths,Weakness,Opportunities,Threats) é um sistema que
pode ser utilizado para elaborar o planejamento de ações estratégicas É uma sigla
oriunda do inglês e é um acrônimo de forças, fraquezas, oportunidades e ameaças. Este
procedimento torna-se uma ferramenta ideal no processo de gestão e monitoramento
de uma determinada localidade, pois possibilita obter um diagnóstico mais preciso
da realidade através da análise dos fatores positivo-negativos e das perspectivas dos
fatores externo-internos, visto que propicia a contextualização da temática abordada
em diversas escalas. (DANTAS E MELO, 2008).
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Figura 4: Exemplo da tabela de análise da Praça Sinimbú. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
Esta etapa do trabalho visa apresentar cada uma das seis praças analisadas ao
longo do percurso estudado, demonstrar as criticidades, os riscos e as potencialidades. De
maneira geral, apresenta-se nessa etapa uma síntese dos conteúdos analisados durante
as visitas a campo e das discussões acerca da situação atual das praças. Para demonstrar
as potencialidades, foram concebidas sínteses gráficas com propostas norteadoras dentro
das áreas de infraestrutura, moradia, comércio e serviços, uso misto, turismo, hotelaria
e educação. De forma geral, essas propostas têm como objetivo ativar os usos das praças
do Centro de acordo com suas as características históricas, geográficas e ambientais.
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A Praça Sinimbú surgiu de um lago existente logo após a travessia do Riacho Maceió,
atual Riacho Salgadinho. O lugar passou por diversas mudanças de forma e de nome, até
que em 1910, após uma grande reforma, recebeu um monumento em homenagem ao
Visconde de Sinimbú, que passou a nomear a Praça. Nos anos de 1960, a Praça Sinimbú
sofreu intervenções marcantes do Prefeito Sandoval Caju, como a implantação painel
de Jorge de Lima e da icônica estátua do “Mijãozinho”.
Durante as visitas a Praça Sinimbú, dentre as criticidades e os riscos verificou-se um
aspecto de abandono na praça e seu entorno, apesar de que no decorrer da construção
deste trabalho deu-se início a uma obra de reforma na praça. Observou-se também que
bancos, estátuas e demais mobiliários, apresentam-se danificados (Figura 5) e algumas
edificações próximas encontram-se fechados. A praça é bastante arborizada, se com-
parada às demais praças do Centro (Figura 6), ainda assim, quase não foi visto o uso de
pessoas tomando proveito de seu sombreamento. Além disso, notou-se que um trecho
da praça é usado como estacionamento de veículos motorizados.
Figura 4: Praça Sinimbú arborizada, mas pouco frequentada. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
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Figura 7: Proposta de intervenção na Praça Sinimbú. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
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Figura 10: Proposta de intervenção na Praça D. Pedro II. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
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Desde 1820, o largo descampado que originou a Praça dos Martírios tinha uma
importância estratégica nas rotas comerciais que ligavam a Estrada de Bebedouro à
Enseada de Jaraguá. Em 1836, foi construída a Capela do Bom Jesus dos Martírios e o
largo passou a ser conhecido como Largo dos Martírios. Em 1880, a Capela deu lugar à
atual Igreja dos Martírios e a partir daí o Largo passou a ocupar as festividades relacio-
nadas à Igreja. Várias edificações importantes foram sendo construídas no entorno da
Praça, como o Palácio Marechal Floriano Peixoto, o Museu Pierre Chalita e a Intendência
Municipal, evidenciando o seu caráter político e histórico.
Atualmente, a falta de manutenção da praça é bastante marcante (Figura 11).
Durante as visitas de campo foram encontradas valas abertas e parte do piso quebrado,
contribuindo com o risco de acidentes. Além disso, percebeu-se poucos mobiliários
urbanos, como bancos para permanência ou contemplação, muitas edificações histó-
ricas fechadas e abandonadas no entorno e diversas pessoas utilizando colchões para
dormir na praça (Figura 12).
-
ras, 2019.
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Figura 52: Pessoas dormindo e revestimento quebrado na Praça dos Martírios. Fonte: Acervo
das autoras, 2019.
Desse modo, o principal aspecto levantado na visita à Praça dos Martírios foi a
presença de muitos moradores de rua ao mesmo tempo em que há muitos edifícios sem
uso, inclusive alguns notificados pela Prefeitura. Então, as ideias propostas para essa
praça seriam transformar as edificações abandonadas em moradia social. Além disso,
notou-se que muitos carrinhos de feira ocupam as calçadas da Rua do Sol e do comércio,
dificultando a circulação de pedestres, por isso, propõe-se a realocação desse comércio
informal para a Praça dos Martírios, como uma forma de trazer usos na praça. (Figura 13)
Figura 13: Proposta de intervenção na Praça dos Martírios. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
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Praça Deodoro
O lugar onde hoje é a Praça Deodoro já foi um terreno circundado por casebres onde
havia um lago chamado Cotinguiba. Alguns anos depois, a área passou a ser chamada de
Largo das Princesas e após a Proclamação da República, passou a homenagear o Marechal
Deodoro da Fonseca. Em 1990, a Praça foi reurbanizada com projeto do artista plástico
alagoano Rosalvo Ribeiro e ganhou elementos neogóticos.
Embora esteja localizada em uma área de muito movimento comercial, atual-
mente, a Praça Deodoro também apresentou um reduzido número de transeuntes e
pessoas utilizando-a de maneira geral. Suas árvores apresentaram falhas nas copas e,
consequentemente, pouco sombreamento (Figura 14). Como visto anteriormente em
outras praças, esta também dispõe em seus arredores de edificações fechadas e/ou
abandonadas (Figura 15).
Figura 14: Árvores mal cuidadas e pouca circulação de pessoas na Praça Deodoro. Fonte: Acervo
das autoras, 2019.
Por outro lado, no entorno da Praça Deodoro, encontram-se dois edifícios de grande
relevância cultural, o Teatro Deodoro e a Academia Alagoana de Letras. Além disso, há o
edifício do Tribunal de Justiça e a Câmara Municipal de Maceió. O entorno da praça tem
um comércio diurno ativo e diversificado, gerando um grande fluxo de pessoas. Para
essa praça, propõem-se a implantação de moradia em alguns edifícios abandonados
do seu entorno, a utilização da travessa Dias Cabral para uma feira livre e o incentivo à
comércios noturnos que se integrem com as atividades do teatro, como cafés, livrarias
e galerias de arte (Figura 20).
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Figura 16: Proposta de intervenção na Praça Deodoro. Fonte: Acervo das autoras, 2019
A Praça Bráulio Cavalcante, conhecida como Praça Montepio, foi fundada pela
Sociedade Montepio dos Artistas, primeiro Clube Republicano, localizado no entorno
da Praça. O edifício do Montepio dos Artistas, mantém-se preservado, além dele, há no
entorno outras edificações importantes, como o antigo Hotel Lopes, a antiga Faculdade
de Direito e o Edifício Brêda.
Durante as visitas, notou-se que a praça sequer parecia ser notada pelos transeuntes,
completamente abandonada e pouco convidativa. Entre as criticidades e riscos apontou-se
a ausência de paisagismo para promoção de sombreamento e/ou contemplação, assim
como, de mobiliário para descanso e/ou lazer (Figura 17). Além disso, em seu entorno
percebeu-se várias edificações históricas fechadas ou utilizadas como depósitos de lojas.
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Figura 17: Situação da Praça Montepio dos artistas. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
Devido a relação da praça com o Edifício Montepio dos Artistas, a ideia proposta
baseia-se em reativá-lo como equipamento cultural, uma galeria de artes ou um centro
de exposições. Propõem-se também recuperar e reativar o antigo Hotel Lopes e inserir
moradia nas áreas de estacionamento do entorno. Além disso, no estacionamento ao
lado da Praça, sugere-se a implantação de uma área de lazer que atenda às novas mora-
dias (Figura 18).
Figura 18: Proposta de intervenção na Montepio dos Artistas. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
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A Praça dos Palmares tem uma localização privilegiada devido à proximidade com
a estação ferroviária e desde o século XIX configura-se como um dos principais pontos
de acesso à cidade. Algumas edificações do seu entorno são icônicas para a cidade de
Maceió, como o Edifício Palmares, o antigo Bella Vista Palace Hotel e o Arcebispado.
Diferentemente das demais, a praça Palmares é bastante frequentada em um
devido à existência um ponto de ônibus e uma de suas faces, o que juntamente com a
sua dimensão um pouco menor acaba ocasionando uma aglomeração de pessoas que
os esperam o transporte coletivo e comerciantes (Figura 19). Apesar disso, a praça está
com seus mobiliários em situação precária, com necessidade urgente de recuperação e
manutenção. Dispõe de uma boa localização como continuidade do comércio, e além
dos ônibus que passam por ali, existe uma estação do VLT nas proximidades. Assim como
as demais praças, existem muitas edificações em situação de depredação e abandono
em seu perímetro.
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Figura 20: Proposta de intervenção na Praça dos Palmares. Fonte: Acervo das autoras, 2019.
CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
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RESUMO
O conceito apresentado por Gilles Clément em seu manifesto da Terceira paisagem(2004), tenta
construir uma cultura da paisagem que busca a preservação e o respeito à diversidade. O autor
é um dos nomes mais proeminentes do paisagismo contemporâneo, tanto por sua atividade
profissional quanto por suas reflexões teóricas acerca da transformação das paisagens, questio-
nando sobre o desenvolvimento da cidade contemporânea para além dos limites e delineamentos
do patrimônio cultural. A partir da revisão na literatura, objetiva-se ampliar as abordagens
do estudo da Terceira paisagem em relação à paisagem cultural brasileira e criar instrumentos
teóricos que auxiliem na construção de uma outra cultura da paisagem. A Terceira paisagem
vem como uma provocação aos sistemas de patrimonialização, com o intuito de contribuir
acerca de novas possibilidades e estratégias de preservação da paisagem cultural a partir de
estratégias que valorizem a memória social presente na cidade contemporânea.
A BSTRACT
The concept presented by Gilles Clément in his manifesto of the Third Landscape (2004), tries to
build a landscape culture that seeks preservation and respect for diversity. The author is one
of the most prominent names in contemporary landscaping, both for his professional activity
and for his theoretical reflections on the transformation of landscapes, questioning about
the development of the contemporary city beyond the limits and outlines of cultural heritage.
From the literature review, broaden the approaches of the study of the Third Landscape in
relation to the Brazilian cultural landscape and create theoretical instruments that help in
the construction of another landscape culture. The Third landscape comes as a provocation to
patrimonialization systems, in order to contribute about new possibilities and strategies of
preservation of the cultural landscape from strategies that value the social memory present
in the contemporary city.
KEYWORDS: urban landscape. third landscape. memory. cultural landscape. cultural heritage
RESUMEN
El concepto presentado por Gilles Clément en su manifiesto del Tercer Paisaje (2004), trata
de construir une cultura del paisaje que busque la preservación y el respeto de la diversidad.
El autor es uno de los nombres más destacados del paisajismo contemporáneo, tanto por su
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actividad profesional como por sus reflexiones teóricas sobre la transformación de los paisajes,
cuestionando el desarrollo de la ciudad contemporánea más allá de los límites y esquemas del
patrimonio cultural. A partir de la revisión de la literatura, ampliar los enfoques del estudio
del Tercer Paisaje en relación con el paisaje cultural brasileño y crear instrumentos teóricos que
ayuden a la construcción de otra cultura del paisaje. El Tercer Paisaje viene como una provoca-
ción a los sistemas de patrimonialización, con la intención de aportar nuevas posibilidades y
estrategias de preservación del paisaje cultural a partir de estrategias que valoren la memoria
social presente en la ciudad contemporánea.
PALABRAS-CLAVE: paisaje urbano. tercer paisaje. memoria. paisaje cultural. patrimonio cultural.
INTRODUÇÃO
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mente são vistos a partir de uma perspectiva negativa e também sobre como facilitar a
integração de espaços urbanos em direção a uma cidade mais durável.
A dinâmica urbana resulta da multiplicidade de processos que problematizam
o pensamento arquitetônico sobre a cidade e a compreensão de uma construção da
memória a partir do presente, essa premissa implica em assumir que o passado não
se conserva nem mesmo ressurge de maneira idêntica. A complexidade da sociedade
contemporânea e os conflitos potenciais de interesses de diferentes grupos sociais e
econômicos exige um outro posicionamento de proteção e preservação, visto que esses
aspectos se tornam menos eficazes se sustentados apenas por dispositivos legais e
administrativos. Da mesmo maneira, um posicionamento meramente restritivo pode
gerar obstáculos que conduzem a fortes pressões econômicas e sociais, as quais áreas
de grande interesse cultural e natural estão sujeitas.
As experiências de políticas de planejamento urbano que foram destinadas a recon-
figuração dos espaços patrimoniais são estabelecidas a partir de uma padronização da
paisagem, bem como dos usos, possibilitando a seleção de quais grupos devem ou não
frequentar certos locais e restringindo o acesso da herança social para as futuras gera-
ções. O artigo se direciona para a relevância e urgência da discussão referente a paisagem
cultural reconhecendo as dificuldades enfrentadas pelos profissionais em compreender
e intervir na cidade a partir de projetos que dão espaço para a construção heterogênea.
As tendências urbanas atreladas a políticas de preservação patrimoniais vistas
por uma perspectiva gentrificadora, manifestam sintomas que resultam em paisagens
urbanas cada vez mais homogêneas. Nesse contexto, o conceito da Terceira paisagem[1],
desenvolvido por Gilles Clément[2], aparece como possibilidade de reflexão acerca dos
direcionamentos da nova proposta de paisagem cultural. É fundamental repensar o
papel das políticas patrimoniais considerando as necessidades atuais a fim de construir
uma outra cultura da paisagem. Objetiva-se fomentar a discussão a respeito do termo
“paisagem cultural” para a elaboração de estratégias de gestão baseadas em perspec-
tivas mais amplas e integradoras, em que os processos de construção são estudados e
acompanhados a longo prazo.
[2] Gilles Clément é considerado um dos nomes mais proeminentes do paisagismo con-
temporâneo.
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De acordo com Frehse, a memória e o espaço possuem uma relação direta que é
nutrida através do passado e também dos espaços múltiplos. Dentro destes, os físicos
podem ser caracterizados por não trazem “em si” a memória. Nessa perspectiva, como
a “realidade urbana de materialidade física periodicamente cambiante interfere na
memória que a seu respeito é socialmente produzida?” (2017, p.241)
A autora Tali Hatuka explica que “a memória é uma questão de como as mentes fun-
cionam juntas em sociedade” (2017, p. 49). Visto isso, nota-se que o significado da memória
vai além dos espaços criados para a preservação histórica, se preocupando sobretudo
em manter vivas manifestações culturais e tradições de grupos sociais. Entretanto, a
manutenção depende das motivações ou intenções do que se é construído a cada dia, já
que os significados simbólicos e manifestações físicas se encontram no tempo presente.
A partir da década de 70, o conceito de patrimônio cultural passou a ser mais amplo,
de “uma apreciação existencial de artefatos materiais para um complexo processo mul-
tidimensional de produção de valor a partir tanto de edifícios tangíveis como de formas
culturais intangíveis” (Zukin, 2017, p.25). A autora também aponta que, atualmente, o
patrimônio é construído através de valorização cultural que é formada por ciclos de
investimentos e destruição.
No âmbito da cidade, considera-se a memória cultural como um dos aspectos mais
decisivos no momento da escolha de um lugar verdadeiramente notável (Bruno, 2010).
Diante disso, observamos a importância da memória social para o reconhecimento
dos patrimônios históricos. Nas relações entre o ser humano e os objetos, ou ainda, ser
humano e ambiente construído, a memória que gera a apropriação do espaço pode ser
modificada de acordo com o tipo, “se individual, a apropriação será privada; se social,
pública; se compartilhada, semipública ou semiprivada” (Bruno, 2010). Quando essa
memória não gera a apropriação, há o reconhecimento de um conflito ocasionado por
fenômenos urbanos ou intervenções, que são reconhecidas como tragédias ou traumas
de acordo com Hatuka:
Se o trauma é percebido como ausência, a urbanidade torna-se um pro-
blema sociopolítico, uma busca interminável pelos habitantes por um
retorno a um senso de unidade tanto do lugar como da comunidade. Essa
situação trivializa ou até mesmo elimina as práticas cotidianas no local
do trauma e, portanto, simplifica a história passada e em andamento
do lugar. Essa eliminação suspende o presente (práticas cotidianas)
e o futuro (intervenções ou planos para modificar o lugar), fundindo
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como preservar as espécies e de que maneira manter a diversidade. Esse conceito exige,
portanto, “um posicionamento entre o homem sensível e o prático perante a natureza”
(APPEL, 2018, p. 2484).
Compreendendo as dificuldades enfrentadas pelos profissionais do planejamento
em intervir a partir de projetos que dão espaço para a heterogeneidade e a multiplicidade
presente nos modos de vida urbanos da contemporaneidade, tem-se a necessidade de
repensar outros modelos de planejamento que possam operar gestões de ambiências
vistas a apenas a partir de uma perspectiva normalmente negativa (GARCÍA-ODIAGA, 2016).
Apesar do conceito da Terceira paisagem não pensar na patrimonialização como
local de preservação da memória, essa maneira de apreensão da paisagem pode ser
considerada como instrumento para ampliar a compreensão da paisagem e apresentar
outros caminhos alternativos quando nos referimos ao termo sustentabilidade, ou ainda,
na cidade que queremos para o futuro. Contudo, para que isso seja possível, a leitura da
paisagem urbana contemporânea deve ser transformada de maneira prática.
Na cidade de Montpellier - França, a potencialidade da Terceira foi utilizada para
investigar e definir possibilidades que aparecem como suporte do desenvolvimento e
da biodiversidade na região, por meio do Estudo Estratégico para a Gestão dos Terrenos
Abandonados. Nesse caso, as questões apresentadas são consideradas de âmbito ecológico,
urbanístico e da propriedade, e os espaços são organizados por tipologias, verificando
o papel de cada uma no sistema urbano. Posteriormente, as considerações em relação
à manutenção dos parques e jardins da cidade se conectam com a rede de vegetação
espontânea e os terrenos abandonados e negligenciados da cidade (MARTINS, 2010).
A partir da compreensão do sistema urbano em conjunto são desenvolvidas pistas
para intervenções concretas com o objetivo de definir o caráter e a capacidade de evolução
destes terrenos e estabelecer conexões entre eles. Desse modo, tem-se a possibilidade dos
territórios se articularem a partir de “uma malha favorável à manutenção e à recepção
da diversidade animal e vegetal” (MARTINS, 2010, p. 83).
Para que essa estratégia de gestão funcione a longo prazo é fundamental a coope-
ração entre os atores institucionais e profissionais. Além disso, o engajamento da popu-
lação é considerado uma condição prevista e desejada, tendo como parte do processo
sessões de trocas e esclarecimentos que auxiliam na manutenção do projeto a partir da
construção social (MARTINS, 2010).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
Paulo, 2017.
2004.
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LIMIARIDADE
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us.es/index.php/ppa/article/view/2693>
HATUKA, Tali. A obsessão com a memória: O que isso faz conosco e com as
chancela da paisagem cultural brasileira. Revista CPC. São Paulo, n.13, p. 51-73,
nov. 2011/ abr. 2012.
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O TERRITÓRIO (E SUA
MEMÓRIA) PELO OLHAR
DOS MORADORES A
PARTIR DE DOCUMENTOS
CONSTRUÍDOS POR ELES:
OS ALMANAQUES DE
PATROCÍNIO PAULISTA.
THE TERRITORY (AND ITS MEMORY) THROUGH
PATROCÍNIO PAULISTA.
EIXO TEMÁTICO: PATRIMÔNIO, ESCALAS E PROCESSOS
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RESUMO
Este artigo faz parte de uma pesquisa de mestrado em desenvolvimento que busca ressaltar a
importância da participação da população na preservação do patrimônio em cidades pequenas.
Ainda pouco abordadas, estas cidades sofrem com carências específicas, como ocorre também
quando se trata da falta de fontes documentais que revelem sua história a partir de uma abor-
dagem especializada. Dessa forma, reconhece-se nos Almanaques Históricos, geralmente escritos
por pessoas que tenham alguma relação com o local, um instrumento que permite analisar a
construção de uma memória da cidade, feita em grande parte pelos próprios moradores, e assim,
reconhecer a ocupação do território a partir de seus relatos. Para isso, toma-se como estudo a
cidade de Patrocínio Paulista, interior de São Paulo, que conta com dois Almanaques e que os
têm como principal referência documental.
AB STR ACT
This article is part of a master’s research in development that seeks to highlight the importance
of population participation in preserving heritage in small cities. Still little approached, these
cities suffer from specific needs, as also occurs when it comes to the lack of documentary sources
that reveal its history from a specialized approach. Thus, it is recognized in the Historical Alma-
nacs, usually written by people who have some relationship with the place, an instrument that
allows analyzing the construction of a memory of the city, made in large part by the residents
themselves, and thus, recognizing the occupation of the city territory from their reports. For
this, the city of Patrocínio Paulista, in the interior of São Paulo, is taken as a study, which has
two Almanacs and which have them as the main documentary reference.
RESUME N
Este artículo es parte de una investigación de maestría en desarrollo que busca resaltar la
importancia de la participación de la población en la preservación del patrimonio en las
ciudades pequeñas. Aún poco tratada, estas ciudades sufren de deficiencias específicas, como
también ocurre cuando se trata de la falta de fuentes documentales que revelen su historia de
un enfoque especializado. Así, se reconoce en los Almanaques Históricos, generalmente escritos
por personas que tienen alguna relación con el lugar, un instrumento que permite analizar la
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construcción de una memoria de la ciudad, realizada en gran parte por los propios residentes,
y así, reconocer la ocupación del território de sus informes. Para esto, se toma como estudio la
ciudad de Patrocínio Paulista, en el interior de São Paulo, que cuenta con dos Almanaques y
que los tienen como referencia documental principal.
INTRODUÇÃO
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Tratando-se da relação dos moradores com a cidade e o que eles próprios definem
como parte de sua memória e história – a partir da relação de sua origem territorial
com a água e a religião –, Patrocínio Paulista é descrita (afetivamente) dessa forma no
primeiro Almanaque:
E, terminando este singelo e despretensioso esboço sobre as origens
de nossa cidade e de nossa gente, é com certeza que reafirmamos que o
chão de estrelas do nosso saudoso e querido Pai continua pelos leitos
dos rios e córregos, nas “grupiaras e manchões”, à espera de quem queira
desvirginá-los e catar as gemas, dádivas do céu que nossa terra guarda
com tanto carinho para aqueles que, como os garimpeiros, sonham e
crêem que um sonho pode se tornar realidade. E foi o que aconteceu com
uma menininha caipira e mal vestida, que nasceu às margens do Rio
Sapucaizinho, fruto do sonho colorido de um punhado de garimpeiros.
Com o correr do tempo ela foi crescendo, tomou corpo, enfeitou-se com as
jóias e riquezas que Deus lhe deu, tornou-se linda e admirada e passou
a ser chamada Cidade Presépio, a nossa querida Patrocínio Paulista.
(ANDRADE, 1986, p. 172)
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Figura 1: Mapa do perímetro urbano atual de Patrocínio Paulista com destaque a ser detalhado
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Deve-se atentar ao fato, de que como foi escrito por pessoas que não necessaria-
mente eram especialistas nos assuntos relatados, alguns deles são abordados de maneira
subjetiva e, em alguns casos, apresentam imprecisões nos dados. Além disso, por ser um
compilado de vários artigos, eles não possuem uma ordem claramente definida, e alguns
são revisões ou transcrições de textos escritos em épocas diferentes, ainda que, em sua
grande maioria, tenham sido elaborados para o próprio almanaque.
Essas questões são sabidas, mas o documento não deixa de ser muito relevante
para a história da cidade (mesmo que não seja precisamente técnico), pois apresenta a
mentalidade e o conhecimento das pessoas sobre o lugar e seus componentes, como é
característico dessa tipologia de publicação, que são os Almanaques Históricos de cidades.
Tais publicações, em especial, possuem uma estrutura bem diversificada,
abordando desde os calendários, dias de santos, dicas para o dia a dia,
literatura e biografias até dados estatísticos, históricos e geográficos
da cidade que representam. À época de sua disseminação eram, muitas
vezes, a única fonte de informações que a população tinha a respeito
da localidade que habitava. (CARVALHO; GRAZZIOTIN, 2018, p. 183)
Mais do que analisar os temas abordados a partir dos artigos, é possível reconhecer
quem foram os responsáveis por escrevê-los – portanto, importantes na construção dessa
memória- e quais as relações dessas pessoas com a cidade. Todos os textos possuem em
sua estrutura um título e, logo abaixo, o nome de quem o escreveu vinculado a uma nota
de rodapé com uma pequena biografia. Por exemplo, alguns foram escritos por profes-
sores que marcaram gerações locais, como a “Dona Izar” (Izar Garcia de Andrade, autora
dos capítulos “O cinema e seus administradores” e “Clubes Recreativos”), estudantes de
História, Direito e Geografia, também por parentes de pessoas importantes na história
da cidade, ou por pessoas que trabalhassem nos setores que seriam descritos, etc.
Sendo assim, o primeiro texto é uma revisão feita pelos organizadores sobre o que
um padre austríaco, primeiro vigário da paróquia, lançou no livro do Tombo da Igreja
Matriz na primeira década do século XX, abordando questões relacionadas ao “nome,
posição geográfica, orografia, hidrografia; divisas; população; desenvolvimento histó-
rico da comarca; fazendas mais antigas; fundação da paróquia; Igreja Matriz; Capelas,
cemitérios; vigários, coadjutores, fabriqueiros; irmandades; visitas pastorais, missões, e
outras notícias” (GOETTERSDORFER, 1905 apud MATOS; COSTA, 1986, p. 10)
Nota-se desde o início, tanto no texto supracitado (contemporâneo às primeiras
décadas de fundação de Patrocínio Paulista), quanto nos outros textos contidos no
Almanaque, a forte relação até então da Zona Rural com o município. O primeiro, des-
creve as fazendas mais antigas, suas datas, se possuía ermida, seus sucessivos donos,
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etc., sendo que na maioria dos casos, os nomes das famílias ou pessoas mais influentes
eram acompanhados dos nomes das fazendas pertencentes a eles.
A maior parte dos assuntos abordados, como: escolas, principais famílias do local,
comércios, indústrias, dentre outros, não se restringe à zona urbana. Além disso, pelo
capítulo “Dados atuais”, percebe-se que a população urbana e rural era bem equilibrada
nos anos 1985, sendo que no total de 9.013 habitantes, 4.928 concentravam-se nas cidades
e 4.085 distribuíam-se no campo.
É claro que essa questão está muito presente nos textos sobre a origem do povoado,
que se distribuem aleatoriamente no compilado de artigos. Diferentes abordagens, prin-
cipalmente vinculadas às atividades do garimpo, relacionam os elementos geográficos
e hidrográficos com as origens da ocupação. Alguns textos são bastante técnicos, como
o de Neuza Machado Vieira intitulado “O Meio Ambiente do Município de Patrocínio
Paulista”, que dentre aspectos geomorfológicos, aponta os locais de exploração de dia-
mante no município, com suas respectivas técnicas (Figura 2):
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Cândido Rosa (que ajudou a angariar terras para a freguesia), e também, o Cônego Pere-
grino (Cônego Pe. Ernesto Augusto Peregrino Ferreira), angrense que tomou posse da
paróquia em 1891 e até a sua morte em 1899 foi responsável pela construção da Igreja
Matriz (anteriormente havia apenas uma simples capela de adobe e cobertura de palha
datada entre 1872 a 1875) e da casa paroquial.
Além disso, fundou a conferência de São Vicente e a confraria do Rosário e, conforme
os transcritos de Goettersdorfer: “finalmente achou o seu jazigo terrestre no centro da
Matriz que ele construíra, sendo talvez o único sacerdote Paulista que fez a si mesmo
um tão grandioso mausoléu. A sua sepultura é até hoje religiosamente venerada e é
um fato que ninguém pisa na campa que cobre seus restos mortais” (GOETTERSDORFER,
1905 apud MATOS; COSTA, 1986, p. 28). Atualmente essa prática já não é um fato, mas em
uma das laterais da igreja, encontra-se uma estátua do Cônego Peregrino, ainda hoje
muito recordado.
Assim como descrito no histórico da cidade, a construção da Igreja também foi
responsável por impulsionar as primeiras construções residenciais ao seu entorno,
formando assim o núcleo urbano em continuidade ao que vinha se desenvolvendo no
entorno do rio Sapucaizinho por conta das atividades do garimpo. É possível entrar em
contato, a partir de um dos capítulos, denominado “Dura Lex” (escrito pelo juiz Carlos
Alberto Bastos de Matos, organizador do Almanaque) com a análise de um “Código de
Posturas Municipaes de Patrocínio do Sapucahy” elaborado em 1921, quando o prefeito
municipal era Antônio Joaquim de Alvarenga.
A partir da descrição feita sobre ele, pode-se compreender o perímetro urbano
nos anos 1920, que limitava-se às primeiras quadras adjacentes ao quarteirão da Igreja
Matriz e da praça em sua frente, fazendo apenas um adendo à Praça do Centenário, já que
por ali passava a Avenida Guarany (denominação feita na época do Código de Posturas,
atualmente Avenida Carlos Gomes) que convergia da estrada na qual as comitivas de
boiadeiros cruzavam o município, conhecida como “Rua da porteira” (Atual Quintino
Bocaiúva).
O perímetro urbano era diminuto (circunscrito pela “rua do Commercio,
Avenida Guarany, rua Cel. João Vilella, travessa José de Alencar e tra-
vessa Major Goulart”) [...]. E a cada vez que os carros de boi “com rodas
chapeadas de menos de 6 centímetros” cortassem a cidade, pagariam
uma taxa de 3$000. (MATOS, 1986, p. 186)
Foi possível identificar esse perímetro destacado em Marrom no Mapa (Figura 3)
a partir de um capítulo (“História das vias públicas patrocinenses”) que com uma breve
descrição, permitiu comparar os nomes antigos que aparecem no Código de Posturas com
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os atuais. Duas ruas apareceram como antiga “Rua do Commercio”, porém, acredita-se
que na descrição do perímetro, trata-se da atual Rua Pio Avelino. Já a Avenida Guarany
corresponde à Avenida Carlos Gomes; a travessa José de Alencar à Rua Voluntários pau-
listas; e as ruas Cel. João Vilella e Major Goulart que continuam assim denominadas.
O autor do texto, ao analisar o documento do Código de Posturas de 1921, que tra-
tava sobre diversos aspectos sanitários, de segurança, de “normas fiscais e urbanísticas”
(MATOS, 1986, p. 186), considera-o severo, por isso, intitulando seu artigo como “Dura Lex”.
“Assim, num só Código, há curiosos preceitos da mais variada ordem, tratando de matéria
constitucional, administrativa, processual, tributária e, mesmo, penal (!).” (MATOS, 1986,
p. 187). E em relação às questões urbanas:
Já as moradias (obrigatoriamente cobertas de telhas ou de outro material
incombustível) deveriam obedecer ao alinhamento, à exceção das “casas
boas ou chalets, os quais deverão ficar 3 metros pelo menos para dentro
da linha travessa ou praça”. De qualquer forma, para “aformoseamento”
da cidade, todos os proprietários eram compelidos a “mandar caiar e
pintar as suas casas, pelo menos de 2 em 2 anos, e bem assim os muros”.
(MATOS, 1986, p. 187).
O Capítulo “História das vias públicas patrocinenses” também permite compreen-
der o aumento do perímetro urbano de 1921 até o ano de 1985 (do desenvolvimento do
primeiro Almanaque), visto que aborda todas as ruas da cidade no período (destacadas
em cinza na Figura 3).
Mais uma vez, nota-se a partir da morfologia urbana a relação entre a ocupação no
território, o Rio Sapucaizinho (pela proximidade dos bairros já consolidados em relação
às suas margens), as rotas principais (ex: “Rua da Porteira”), e os marcos religiosos. Em
relação aos marcos religiosos, há um destaque para a Capela da Santa Cruz, que teve sua
construção começada em 1889 e aparentemente, importante também para solidificar a
aglomeração e criação do Bairro Santa Cruz.
Nota-se a predominância da religião católica até o período em que o primeiro
Almanaque foi escrito, mas há um pequeno trecho tratando-se Congregação Cristã no
Brasil, que teve início em Patrocínio Paulista em 1934 em uma sala de oração construída
próxima ao perímetro urbano, e que desde 1969 encontra-se em uma construção na
área urbana próxima ao rio (Rua Treze de Maio, Bairro Tabatinga), e da Igreja Evangélica
Assembleia de Deus que começou em 1974 em uma residência no Bairro Santa Cruz, e em
1975 passou para a Rua Expedicionários Sapucaienses, Bairro da Porteira.
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Há também um capítulo para a “Igreja e suas festas religiosas”, que conta sobre
tradições que mesmo um pouco modificadas, ainda se mantém até os dias atuais, como
as procissões e quermesses. Relatam-se algumas características das quermesses realiza-
das pela Igreja e pela comunidade (geralmente na rua Major Goulart, atrás da Matriz).
Como muito frisado, o objetivo deste Almanaque, era principalmente “preservar a
memória do local”, então, além das tradições e dos nomes importantes na cidade, nota-se
a atenção de registrar também o que fez parte de seu cotidiano, apontando construções
que ainda existem ou que já existiram e foram de certa forma marcantes, tanto ante-
riormente à data de sua publicação, quanto contemporaneamente.
Dessa forma, há Capítulos com suas especificidades (considerados importantes para
o desenvolvimento do Almanaque, e portanto, expressavam significado para a comuni-
dade) que podem ser encontrados no índice como: “O cinema e seus administradores”,
“Correios e telégrafos”, “Clube Hípico”, “Centro de Saúde de Patrocínio Paulista”, “Clubes
Recreativos”, “Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista”, “Empresa Telefônica”,
“As Cooperativas patrocinenses” (muito fortes no local, principalmente as que envolviam
laticínios e café), “Casas Comerciais”, “Indústrias”, “Bancos e Casas Bancárias”, etc.
Além da abordagem histórica sobre como esses equipamentos se originaram na
cidade, percebe-se que há também um anseio por apontar a maneira como eles se desen-
volveram, atingindo certo “progresso”. Mostravam uma dinâmica tipicamente urbana,
presente mesmo em um pequeno povoado, que se espelhava nos grandes centros.
Sob termos como “progresso” e “moderno”, os almanaques expressam
visões de mundo e sensibilidades de sujeitos seduzidos pelos encantos
do que intitulo de modernidade, movimento que não se faz sem a relação
com o sistema capitalista. (VIEIRA, 2011, p. 03)
Deve-se observar que muitas vezes o que é citado relaciona-se ao uso do edifício
no momento, e não à construção em si. Porém, considera-se que sua localização no
espaço urbano também faça parte da dinâmica do cotidiano, e por isso são representa-
dos através do mapa. Além disso, ressalta-se que muitos locais destacados não existem
mais, e como forma de mapeá-los, muito se contou com a colaboração de alguns idosos,
principalmente de Maria Aparecida Martins Alves, de 88 anos, que mora na cidade desde
que nasceu e é avó de uma das autoras.
Observa-se também que principalmente em relação ao artigo das “Casas Comer-
ciais”, foram encontradas dificuldades de mapeamento, visto que ou o endereço descrito
divergia do que os colaboradores (deste artigo) se lembravam, ou eles eram anteriores
ao seu nascimento.
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Observa-se também que principalmente em relação ao artigo das “Casas Comerciais”, foram
encontradas dificuldades de mapeamento, visto que ou o endereço descrito divergia do que os
Entendendo a importância
colaboradores (deste desses espaços
artigo) se lembravam, descritos/apresentados
ou eles eram no Almanaque
anteriores ao seu nascimento.
como representante/reflexo do que era Patrocínio Paulista por uma parcela da comunidade
Entendendo a importância desses espaços descritos/apresentados no Almanaque como
naquele momento, busca-se
representante/reflexo apresentar
do que graficamente,
era Patrocínio Paulista porauma
partir de interferências
parcela da comunidadenos mapas da
naquele
cidade,momento,
a localização dos
busca-se principais
apresentar pontos citados
graficamente, a partirno
de Almanaque, de forma
interferências nos a documentar
mapas da cidade, a a
localização dos principais pontos citados no Almanaque, de forma a documentar a ocupação do
ocupação do território,
território, e adomemória
e a memória do3)local. (Figura 3)
local. (Figura
Figura 3: Mapa com pontos indicados pelos Almanaques (Recorte do perímetro urbano atual mostrado na Figura 1)
Fonte: Adaptado do mapa base da Prefeitura Municipal de Patrocínio Paulista (2020) e Almanaques Históricos.
Figura 3: Mapa com pontos indicados pelos Almanaques (Recorte do perímetro urbano atual
mostrado na Figura 1) Limiaridade: processos e práticas em Arquitetura e Urbanismo
Fonte: Adaptado do mapa base da Prefeitura Municipal de Patrocínio Paulista (2020) e Alma-
naques Históricos.
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48. Novo clube 15 (1963), Sociedade Recreativa X de Março (1972 – ampliação para
área com piscinas)
49. Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista (1957)
50. Clube 60 (1960)
51. Primeira Santa Casa de Misericórdia de Patrocínio Paulista (1908), Hotel São
José (1970)
52. Primeiro Lar de Idosos “Conferência do Sagrado Coração de Jesus da Sociedade
de São Vicente de Paulo” (déc. 1920), Prefeitura Municipal, “Orfanato” “Associação
Patrocinense de Assistência Social- APAS” (déc. 1960), Creche Municipal (1984)
53. Possível Casa Novato (1915)
54. Oficina de Conserto de Automóveis do Ismael Chimelo (1968)
55. Casa São Cristóvão (1929)
56. Segundo prédio dos Correios (1913), Postal telefônica/Telegráfica (1939 e 1953),
Dr. Carlos Dentista
57. Primeira Empresa/ Centro telefônico (1904)
58. Primeiro Posto de Assistência Médico-Sanitária – PAMS (1950)
59. Confeitaria do “Chefe” (1915)
60. Primeira edificação da Câmara dos vereadores/ Casa de Câmara e Cadeia (1892
-demolida em 1927) no “Largo Municipal”, Praça Ruy Barbosa, Praça São Paulo
(1956), hoje Praça do Garimpeiro (1976).
61. Máquina de Beneficiar café (1951)
62. Fábrica de móveis (1951)
63. Serraria
64. Empório Santa Rita (1953)
65. Grupo Escolar “Irmãos Mattos” (1922)
66. Casa Nogueira (1937)
67. Primeiro Prédio dos Correios (1884/1913)
68. Pensão de Pedro Martins Ribeiro “Perico” (1950)
69. Oficina Mecânica Everardo de Andrade & Cia (1950)
70. Casa São José (1950), Bar São Vitor
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A .Loja do Akira
B. CREDICOONAI (onde se localizava quando foi escrito o Almanaque)
C. Sindicato Rural de Patrocínio Paulista
D. Prédio do SAEPP (Serviço de Água e Esgoto de Patrocínio Paulista)
E. Árvore Sapucaia em frente ao Fórum (origem do nome do rio Sapucaizinho e
da cidade)
F. Centro de Referência de Assistência Social – CRAS
G. Centro Espírita Cristo Consolador
H. Escola Municipal de Ensino Infantil Gercyra de Andrade
I. Escola Estadual Juca de Andrade (APAE)
J. Comunidade Evangélica Adonai
K. Rede Mário Roberto
L. J.A. Saúde Animal
M. Igreja do Evangelho Quadrangular
N. Fábrica Queijos Mama
O. Restaurante Rancho JP
P. Usina de Laticínios Jussara
Q. Loja Maçônica Fênix
R. Estátua garimpeiro
S. Sindicato dos Trabalhadores Rurais
T. Zona Rural (Premix, Usina CEVASA,Cachaçaria Santa Elisa, etc.)
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pessoas relacionadas à Patrocínio Paulista. Apesar de os nomes não estarem mais logo
após o título do artigo, a maioria deles (não mais todos) tem sua autoria explicitada no
final de cada um. Deve-se observar que não mais existem as notas com a biografia sobre
cada autor, o que foi considerado interessante no primeiro, justamente para conhecer
melhor quem estava escrevendo sobre a cidade.
Interessante também notar a importância dada à publicação do documento, assim
como no de 1985/86, como uma forma de “preservar a memória” do local:
Por acreditar que um povo sem história é um povo sem cultura, louvo o
resgate e a reconstrução da identidade pessoal e cultural do nosso povo,
feitos por meio deste projeto educacional. Este livro deixará registrado
nosso passado e nosso presente, para que a atual população patroci-
nense e as futuras gerações conheçam e respeitem suas origens. Este é
mais um passo que Patrocínio Paulista dá em busca do registro de sua
história e da preservação da nossa memória, construindo, assim, o que
queremos para nós, para nossos filhos e descendentes, que é um futuro
honroso, altaneiro e brilhante. (BARCELLOS, 2012, p. 4)
A especificação de casas comerciais, nomes das ruas, famílias, dentre outros assuntos,
é bem menos detalhada, e isso se percebe também no tamanho e formato da publicação.
Porém, nota-se certa atualização em relação ao lançado em 1986, com adição de outros
pontos considerados importantes quase duas décadas depois. A diferenciação no mapa
(Figura 3) se dá pela legenda, na qual tudo que foi citado no primeiro almanaque está
em ordem numérica e o que foi adicionado no segundo, em ordem alfabética.
Além de construções, casas comerciais, indústrias, dentre outros usos, são desta-
cadas algumas festas folclóricas que são consideradas parte da conformação da cidade
e de sua memória, como: “Folia de Reis (desde 1989), Congada (desde 1995), e o Grupo de
Catira “Sola de Ouro”, e também alguns eventos, como as celebrações do aniversário da
cidade, a Festa do Peão, as corridas hípicas, o show “Sonho de Criança”, o Torneio Municipal
de Futsal e o Torneio Leiteiro. Atualmente muitos deixaram de acontecer, ou mudaram
muito, porém, reconhece-se que grande parte da população ainda mantém lembranças
e afetividade para com eles.
Mesmo que nessa segunda publicação não haja um capítulo para explicar o nome
das ruas, ou mesmo citá-las, é possível, a partir dos novos pontos que apareceram, ter
uma ideia dos novos bairros que foram surgindo, e assim traçar uma perspectiva do
desenvolvimento territorial de 1985/86 até 2012 pela comparação entre os dois Alma-
naques. Assim, constrói-se uma representação do espaço e seu desenvolvimento a partir
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Figura 4: Mapa da área urbana de Patrocínio Paulista com destaque para os bairros que com-
preendem pontos citados.
Fonte: Adaptado do mapa base da Prefeitura Municipal de Patrocínio Paulista (2020) e Alma-
naques Históricos.
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REFERÊNCIAS:
In: Educar em Revista, Curitiba, Brasil, v. 34, n. 70, jul./ago. 2018, p. 179-195.
Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/er/v34n70/0104-4060-er-34-70-179.pdf.
Acesso em: 05 mar. 2020.
Paulista. In: MATOS, Carlos Alberto Bastos de; COSTA, Alfredo Henrique (org.).
Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista: 1885-1985. Patrocínio Paulista: Edição
da Prefeitura Municipal, 1986., pp. 80-92.
Almanaque
Histórico de Patrocínio Paulista: 127 anos de história. Patrocínio Paulista:
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MATOS, Carlos Alberto Bastos de; COSTA, Alfredo Henrique (org.). Almanaque
Histórico de Patrocínio Paulista: 1885-1985. Patrocínio Paulista: Edição da
Prefeitura Municipal, 1986. 304 pp.
MATOS, Carlos Alberto Bastos. Dura Lex. In: MATOS, Carlos Alberto Bastos de;
COSTA, Alfredo Henrique (org.). Almanaque Histórico de Patrocínio Paulista: 1885-
1985. Patrocínio Paulista: Edição da Prefeitura Municipal, 1986., pp. 186-188.
In: MATOS, Carlos Alberto Bastos de; COSTA, Alfredo Henrique (org.). Almanaque
Histórico de Patrocínio Paulista: 1885-1985. Patrocínio Paulista: Edição da
Prefeitura Municipal, 1986., pp. 141- 16.
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RESUMO
A Lei denominada Estatuto da Cidade procurou, dentre outros, regulamentar instrumentos
jurídicos e urbanísticos que estimulassem a preservação do patrimônio histórico brasileiro.
Destaca-se para esse fim a Transferência do Direito de Construir. Em Belo Horizonte, as edi-
ficações históricas, dentro da região central de importantes avenidas, constituem um bem
precioso e, como tal, necessitam de mecanismos que desestimulem sua descaracterização ou
demolição devido à ação do mercado imobiliário. Este artigo pretende avaliar a eficácia da
Transferência do Direito de Construir como instrumento na proteção de imóveis tombados em
Belo Horizonte, tomando como base de estudo o significativo conjunto urbano e arquitetônico
da Avenida Afonso Pena. Conclui-se, dentre outros, a efetividade do instrumento na preservação
de edificações onde os valores imobiliários são maiores, a necessidade de seu aperfeiçoamento
e de tornar o processo menos burocrático e mais acessível.
A BSTRACT
The Law called the City Statute sought, among others, to regulate legal and urbanistic instru-
ments that encourage the preservation of the Brazilian historical heritage. To this end, the
Transfer of the Right to Build stands out. In Belo Horizonte, historic buildings, within the central
region of important avenues, constitute a precious asset and, as such, need mechanisms that
discourage their mischaracterization or demolition due to the action of the real estate market.
This article intends to evaluate the effectiveness of the Transfer of the Right to Build as an ins-
trument in the protection of properties listed in Belo Horizonte, based on the significant urban
and architectural complex of Avenida Afonso Pena. It concludes, among others, the effectiveness
of the instrument in preserving buildings where real estate values are higher, the need for its
improvement and making the process less bureaucratic and more accessible.
KEYWORDS: Transfer of the Right to Build. Belo Horizonte. Historic and urban architectural
heritage.
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RESUMEN
La Ley denominada Estatuto de la Ciudad buscaba, entre otros, regular los instrumentos
legales y urbanísticos que fomentan la preservación del patrimonio histórico brasileño. Para
ello, destaca la Cesión del Derecho a la Edificación. En Belo Horizonte, los edificios históricos,
dentro de la región central de importantes avenidas, son un bien preciado y, como tales, nece-
sitan mecanismos que desalienten su caracterización errónea o demolición por la acción del
mercado inmobiliario. Este artículo pretende evaluar la efectividad de la Cesión del Derecho a la
Edificación como instrumento de protección de las propiedades catalogadas en Belo Horizonte,
con base en el significativo conjunto urbanístico y arquitectónico de la Avenida Afonso Pena.
Se concluye, entre otros, la efectividad del instrumento en la preservación de edificios donde
los valores inmobiliarios son más altos, la necesidad de su mejora y hacer el proceso menos
burocrático y más accesible.
INTRODUÇÃO
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dessas edificações estão tombadas pelo patrimônio histórico municipal e fazem parte
de grandes conjuntos urbanos e arquitetônicos.
Considerando a importância da preservação como uma política pública, este artigo
objetiva verificar a efetividade da utilização da TDC na preservação do patrimônio tom-
bado em Belo Horizonte. Para tanto, pretende-se analisar imóveis individuais e coletivos
tombados na Avenida Afonso Pena que utilizaram esse instrumento. Essa avenida possui
significativos conjuntos urbanos e arquitetônicos e constitui um dos principais eixos
viários da cidade, possuindo forte referência simbólica para sua população, devido, dentre
outros, ao seu traçado urbano e características geométricas, por conter um expressivo
conjunto de edificações que datam do final do Século XIX, bem como, em razão da sua
posição central na cidade, o que a torna muito valorizada pelo mercado imobiliário para
a viabilização de grandes empreendimentos.
Como embasamento teórico para este artigo, realizou-se uma ampla pesquisa
bibliográfica e documental em publicações de livros, teses, artigos, periódicos, legislações
informações jornalísticas e entrevistas em órgãos técnicos responsáveis. Procurou-se,
além de identificar nos registros públicos os imóveis individuais e coletivos tombados
na Avenida Afonso Pena que utilizaram a TDC como instrumento urbanístico de pre-
servação, selecionar um que poderia ser utilizado como estudo de caso neste artigo.
O artigo faz parte de uma pesquisa realizada desde 2017, sobre “Os des(caminhos) da
Outorga Onerosa e da Transferência do Direito de Construir como instrumento jurídico e
urbanístico de indução do desenvolvimento urbano belorizontino”, que objetiva verificar
as possibilidades da utilização dos instrumentos frente à indução do desenvolvimento
urbano socialmente incluso em Belo Horizonte. Essa pesquisa é financiada pelo ProPic/
FUMEC, CNPQ e Fapemig. Os pesquisadores são professores e alunos dos cursos de Arqui-
tetura e Urbanismo e do Direito das Universidades UFMG e FUMEC.
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Junto com a própria cidade de Belo Horizonte, a Avenida Afonso Pena promoveu
o papel indutor de desenvolvimento já previsto em sua implementação. Já em 1910,
apresentava grande diversidade de estabelecimentos comerciais e prestação de serviços
como lojas, bares, cafés e cinemas, e, em seus entornos, edificações de um pavimento
eram destinadas a moradias (ARREGUY; RIBEIRO, 2008). Tais estabelecimentos passaram
a ser pontos de referência e de encontro da população da nova capital, intensificando-se,
assim, a movimentação na avenida (CAMPOS, 2008 e ALMEIDA, 2017).
A partir de 1930, edificações construídas no surgimento da cidade foram demolidas
dando lugar a diversos prédios modernos, o que se sucederia também nas próximas
décadas. Já na década de 40, no final da Avenida Afonso Pena, nas proximidades da
Praça Rio Branco, o Terminal Rodoviário Governador Israel Pinheiro passa a funcionar
nos fundos do terreno da Feira de Amostras, elevando a região para uma importância
metropolitana (FREITAS, 2006).
Nas décadas de 1940 e 1950, com o estímulo do governo brasileiro, incentivou-se a
prática da industrialização e a implantação de projetos de grande porte, permitindo a
verticalização e a construção de edifícios e arranha-céus que remetiam às metrópoles
industriais (ALMEIDA; NIZZA; MONTEIRO JUNIOR, 2017).
Palco de diversas transformações espaciais com o passar de mais de 120 anos, a
Avenida Afonso Pena ainda apresenta diversos edifícios históricos e conjuntos urbanos.
Para manter a identidade e a integridade dos imóveis históricos sob a compilação das
diretrizes de proteção dos conjuntos urbanos, estabelecidos pela deliberação Nº 01/2005,
determina-se que os volumes das edificações históricas existentes devem ser preservados
e qualquer alteração de elementos construtivos e decorativos deverá ser submetido e
aprovado pelo CDPCM-BH.
Segundo dados do CDPCM-BH (2018), atualmente, dos aproximados 450 imóveis
localizados em toda extensão da Avenida Afonso Pena, cerca de 70 estão tombados pelo
patrimônio municipal e mais de 10 estão em processo de tombamento compulsório.
Dos tombados, existem edificações com estilos diversos, passando do Art Decó ao moder-
nismo da década de 1950. Devido à forte valorização dos terrenos da avenida, parte des-
ses imóveis vem passando por um processo de descaracterização, uma vez que o valor
financeiro torna-se prioridade em relação à importância da preservação, fazendo com
que os proprietários modifiquem os imóveis visando maior valorização no mercado.
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A TDC, prevista no Pano Diretor Municipal e nas leis de uso e ocupação do Solo e
Lei Orgânica do município, é bastante útil para a preservação dos bens tombados da
Avenida Afonso Pena. No entanto, seu uso se faz restrito aos imóveis que apresentam
bom estado de conservação, uma vez que os imóveis desgastados pelo tempo requerem
de seus proprietários reforma e regularização prévia, para só depois, serem passíveis de
uso da TDC, mediante solicitação aos órgãos responsáveis.
O parecer deliberativo para o uso da TDC, assim como todo o processo de vistoria
do bem tombado, podem demorar de 3 até 5 anos e, somente ao final desse processo,
está o proprietário apto a utilizar o instrumento e a negociar o potencial construtivo
não edificado (CDPCM-BH, 2018).
Tal processo administrativo é lento e bastante burocrático, o que induz a um gasto
elevado inicial por parte dos proprietários, que devem, primeiramente, adequar o imóvel
às características do bom estado de conservação. Assim, aqueles que não possuem tal
recurso financeiro para requalificação de suas edificações, são obrigados a buscarem
formas de financiamento prévio para viabilizar as obras de restauro. Outras vezes, por
desconhecerem o instrumento jurídico, acabam mantendo as edificações em caracte-
rísticas depredatórias.
Muitas empresas de construção civil belorizontina auxiliam os proprietários dos
imóveis tombados na obtenção do benefício da TDC, financiando previamente suas
reformas e assessorando tecnicamente na elaboração da documentação a ser apresentada
ao órgão legal. Posteriormente, quando o imóvel estiver apto a comercializar a TDC, tais
empresas serão reembolsadas com a transferência de até cinquenta por cento do índice
do coeficiente de aproveitamento do local, para outro imóvel a ser por ela construído,
capitalizando, dessa forma, os potenciais construtivos oriundos dos imóveis históricos.
O valor venal no mercado imobiliário do metro quadrado dos imóveis próximos à
Avenida Afonso é elevado, já que estes estão situados em área nobre de Belo Horizonte,
com fácil integração com a malha urbana e onde se concentram as principais atividades
comerciais e culturais da cidade. Em razão disso, tais imóveis geram elevadas quantias
de UTDC para a proteção e recuperação do meio ambiente construído e dos conjuntos
tombados, servindo, assim, de grande estímulo à preservação do patrimônio cultural,
histórico, artístico e paisagístico da própria avenida. A relação de preço das UTDC é
determinada exclusivamente pelo preço venal do mercado imobiliário, sem interação
dos órgãos municipais.
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Figura 2: Vista de parte do Conjunto Urbano e Arquitetônico da Avenida Afonso Pena, com
destaque para o imóvel que utilizou a TDC. Fonte:Os Autores, 2019.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
[1] Até a data de elaboração deste artigo, os processos públicos de aquisição e implemen-
tação da TDC foram todos baseados na Lei n° 9959/10. Os possíveis efeitos da Lei n° 11.181/19
estão sendo analisados na continuidade da pesquisa.
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e institucional, tem grande importância por ser palco de diversas atividades culturais
da cidade. Possui um rico acervo arquitetônico, constituído por edificações ecléticas,
representativas das diversas fases de construção da capital mineira. Apresenta, portanto,
em seu percurso, ambiências e edificações de relevante significado histórico e cultural,
que desempenharam uma função estratégica e simbólica na estruturação urbana da
cidade, devendo, por isso, ser protegidas, para que as gerações futuras possam também
usufruir desse cenário.
Apesar de todo um escopo legal, referendado pelo Estatuto da Cidade e pelas legis-
lações municipais, as políticas de preservação dos conjuntos urbanos e do patrimônio
arquitetônico tombado em Belo Horizonte têm sido eficazes apenas em algumas regiões
de Belo Horizonte, principalmente, no caso dos Conjuntos Urbanos da Avenida Afonso
Pena, onde o coeficiente de ocupação é alto. Em outras regiões, contudo, onde o potencial
construtivo é pequeno, o uso da TDC tem sido menor.
Em relação aos imóveis de características de tombamento específico da Avenida
Afonso Pena, com relevância e significado arquitetônico para a cidade, o uso da TDC
contribui para a manutenção e proteção do imóvel. O proprietário, com auxílio finan-
ceiro proveniente do uso de tal instrumento jurídico, consegue manter as características
originais da edificação, reintegrando o imóvel à paisagem urbana da avenida. Dessa
vez, sob os cuidados adequados de preservação, ressaltando-se a valorização dos seus
elementos arquitetônicos característicos para a compreensão da paisagem e ocupação
da cidade, bem como da trajetória histórica construtiva do imóvel.
A prática da TDC se faz bastante útil nos Conjuntos Urbanos da Avenida Afonso Pena
como estímulo para a preservação dos bens tombados da avenida, mesmo que aplicados
apenas àqueles em bom estado de conservação. O processo para utilização do instru-
mento jurídico e sua restituição financeira por parte do proprietário é lento e bastante
oneroso, acarretando ao proprietário do imóvel tombado elevados gastos iniciais para
reformas e adequações das edificações, a fim de tentar conseguir o benefício da TDC.
A prefeitura, como órgão fiscalizador, deveria criar um banco de reservas munici-
pais para o armazenamento da TDC, concedido pelos imóveis tombados, de forma que os
proprietários dos imóveis receptores pudessem negociar diretamente com a prefeitura
tal coeficiente de aproveitamento apto para a criação do solo criado. Os lucros, que por
hora são intermediados pelas empresas imobiliárias, seriam exclusivamente municipais
e poderiam ser destinados às práticas e políticas de preservação do patrimônio histórico
e cultural. O poder público municipal faria o controle de armazenamento, estocagem e
vendas da UTDC, não necessitando de serviços terceirizados.
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O benefício do uso do TDC poderia ser expandido também para os imóveis histó-
ricos que não estão em um bom estado de conservação. O recurso financeiro originado
com esse uso seria destinado à recuperação do bem tombado. Atualmente somente os
imóveis em bom estado de conservação ou recuperados podem pleitear o TDC. Muitas
vezes faltam recursos para reformas iniciais.
Por fim, por ser uma avenida influente no cenário belorizontino, com elevados
valores dos seus imóveis no mercado imobiliário, a utilização da TDC vem sendo favorável
à preservação dos imóveis tombados. Os proprietários conseguem ressarcir os gastos
com a restauração devido à utilização do TDC, o que não acontece em outras regiões da
cidade, menos valorizadas, que possuem conjuntos urbanos tombados, onde a restituição
financeira não é tão atraente.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Política de Proteção ao
Patrimônio de Belo Horizonte. Belo Horizonte.1984.
Regulamenta A
Transferência Do Direito De Construir No Município De Belo Horizonte e dá Outras
Providências. Belo Horizonte. 1994.
. 2010.
CAMPOS, L. C. M. (2008). Instantes como este serão seus para sempre: Práticas
. Dissertação de
(Mestrado), FAFICH/ UFMG, Belo Horizonte.
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A alegoria do patrimônio
São Paulo: Estação Liberdade: Ed. UNESP, 2001.
.
2ª edição. Belo Horizonte. 2017.
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A TRANSFORMAÇÃO
DA PAISAGEM URBANA
TRADICIONAL
NO CONTEXTO
METROPOLITANO
BRASILEIRO: O CASO DE
UM ANTIGO CAMINHO DE
EXPANSÃO URBANA DE
FORTALEZA
THE TRANSFORMATION OF TRADITIONAL URBAN
LANDSCAPE IN A BRAZILIAN METROPOLITAN
CONTEXT: THE CASE OF AN OLD PATH OF URBAN
EXPANSION IN FORTALEZA
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RESUMO
O presente trabalho busca explorar a questão da permanência de núcleos urbanos tradicionais
frente o processo de transformação da paisagem urbana num contexto metropolitano brasileiro.
Para isso, utiliza-se como estudo de caso a Avenida Visconde do Rio Branco, localizada na área
central de Fortaleza. Originária de uma antiga estrada de ligação entre a capital cearense e o
interior do estado, a avenida caracteriza-se como um eixo histórico de expansão urbana, contando,
ainda hoje, com imóveis antigos. Apesar da resistência de sua arquitetura histórica, a Visconde
do Rio Branco não motivou políticas públicas de proteção de seu patrimônio cultural edificado.
Atualmente, a avenida encontra-se inserida em uma porção do território urbano definida pelo
Plano Diretor Participativo de Fortaleza como uma Zona de Ocupação Preferencial, o que atraiu
uma maior atuação do mercado imobiliário, bem como o avanço da demolição e do abandono
de imóveis antigos. Em vista disso, esta pesquisa propõe uma reflexão acerca do atual quadro
da política urbana de conservação do patrimônio cultural ao apontar um cenário de iminente
desaparecimento de exemplares arquitetônicos de interesse cultural na paisagem fortalezense.
Como resultado, estabelece-se um cenário local em que tradições urbanas não possuem lugar.
A BSTRACT
The present work seeks to explore the question of the permanence of traditional urban nucleus
in the face of the transformation process of urban landscape in the great Brazilian metropolises.
For this purpose, the Visconde do Rio Branco Avenue, located in the central area of Fortaleza,
is used as a case study. Originating from an old road of connection between the capital of the
Ceará state and its interior, the avenue is characterized as a historic axis of urban expansion,
which still counts to this date with old buildings along its extension. Despite the resistance of its
historical architecture, the Avenue’s urban ensemble did not motivate public policies to protect
its built cultural heritage. Currently, the avenue is inserted in a portion of the urban territory
defined by the Participative Master Plan of Fortaleza as a Preferred Occupation Zone, which
has attracted a greater presence of the real estate market, as well as the onrush of demolition
and abandonment of old properties. In view of this, the present research proposes a reflection
on the current urban policy framework for the conservation of cultural heritage by pointing
out a scenario of imminent disappearance of architectural examples of cultural interest in
Fortaleza’s landscape. As a result, a local scenario in which urban traditions can take no place
is on the verge of being established.
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KEYWORDS: urban cultural heritage. urban landscape. historic residential architecture. cultural
heritage conservation policy.
RESUMEN
El presente trabajo busca explorar la cuestión de la permanencia de los núcleos urbanos tra-
dicionales frente al proceso de transformación del paisaje urbano en las grandes metrópolis
brasileñas. Para este fin, se utiliza como caso de estudio la Avenida Visconde do Rio Branco,
ubicada en el área central de Fortaleza. Originada desde una antigua carretera de conexión
entre la capital del estado de Ceará y su interior, la avenida se caracteriza como un eje his-
tórico de expansión urbana, aun contando con edificios antiguos. A pesar de la resistencia
de su arquitectura histórica, el complejo urbano de la avenida no motivó políticas públicas
para proteger su patrimonio cultural construido. Actualmente, la avenida se inserta en una
parte del territorio urbano definido por el Plan Maestro Participativo de Fortaleza como una
Zona de Ocupación Preferida, lo que atrajo una mayor presencia del mercado inmobiliario, así
como el avance de la demolición y del abandono de propiedades antiguas. En vista de esto, la
presente investigación propone una reflexión sobre el marco actual de política urbana para
la conservación del patrimonio cultural al señalar un contexto de desaparición inminente de
ejemplos arquitectónicos de interés cultural en el paisaje urbano de Fortaleza. Como resultado,
se establece un escenario local en el cual las tradiciones urbanas no tienen lugar.
INTRODUÇÃO
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É sob esta perspectiva que o presente artigo tem como objeto de estudo o núcleo
urbano tradicional da Avenida Visconde do Rio Branco, localizado no setor centro-su-
deste da cidade de Fortaleza (Figura 1). Originária de uma histórica estrada de ligação
entre a capital cearense e o sertão, a avenida caracteriza-se como um eixo histórico de
expansão urbana, contando, ainda hoje, com exemplares arquitetônicos de interesse cul-
tural remanescentes da virado dos séculos XIX para o XX. Durante esse período histórico,
consolidava-se ao longo da Visconde do Rio Branco uma ocupação urbana linear, cujos
exemplares de arquitetura tanto erudita quanto popular espalhavam-se de um lado e do
outro dos trilhos da antiga linha de bonde do Calçamento de Messejana, denominação
pela qual a área era então conhecida. Constituía-se, assim, um contínuo casario de feições
ecléticas, que veio a tornar-se um bairro no imaginário da população.
Figura 1: Localização da Avenida Visconde do Rio Branco na área central de Fortaleza. Fonte:
Mapa elaborado pelas autoras (2019).
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Figura 2: Contraste entre casas antigas e torres de apartamentos na Avenida Visconde do Rio
Este artigo encontra-se estruturado em três grandes partes. A primeira delas apre-
senta o estudo acerca da formação histórica do núcleo urbano do Calçamento de Messe-
jana, que atraiu, ainda, a ocupação urbana de uma área conhecida como Piedade, histori-
camente marcada pelo contraste com o casario formado ao longo da antiga estrada que
deu origem à Avenida Visconde do Rio Branco. Logo em seguida, analisa-se a arquitetura
histórica produzida a partir do estabelecimento do Calçamento de Messejana como
um bairro, comparando-se, assim, um exemplar arquitetônico remanescente do antigo
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casario da Visconde do Rio Branco com uma residência característica da Piedade. Por
fim, examina-se o processo de transformação da paisagem urbana da Avenida Visconde
do Rio Branco, investigando a produção de novos padrões arquitetônicos de ocupação
do solo em contraponto à tipologia habitacional tradicional da casa histórica.
A Vila do Forte, assentamento urbano que deu origem à atual Fortaleza, era descrita
até o século XVIII como apenas “um forte, um riacho e poucos moradores” (COSTA, 2014,
p. 44). Foi somente com a emancipação do Ceará em relação à capitania de Pernambuco,
em 1799, que Fortaleza tornou-se a capital da província, adquirindo, assim, o status e
as características de um centro urbano (COSTA, 2014). No entanto, “a vila não passava
de umas poucas ruas arenosas, formadas por um casario de baixa qualidade material,
ruas nascidas ao pé do Forte e cujo desenvolvimento acompanhava as curvas do Riacho
Pajeú”, com casas térreas justapostas umas às outras (CASTRO, 1994, p. 44).
No início do século XIX, Fortaleza estabelecia-se como um espaço geográfico pri-
vilegiado na jovem província do Ceará, tornando-se, dessa forma, um ponto de conver-
gência de diversas estradas que conectavam a capital ao sertão. A partir de Fortaleza, e
mais especificamente do Forte, saíam as estradas, “radiais nascidas no centro da cidade,
todas velhos caminhos de comunicação com o interior da Província” (CASTRO, 1994, p.
58). A “Planta da Villa de Fortaleza e seu porto” (Figura 3) ilustra algumas dessas vias de
saída da cidade.
Figura 3: Planta da Villa de Fortaleza e seu porto em 1818. Fonte: Biblioteca Nacional (2020)[1].
[1] CARTA da Provincia de Ceará. [18--]. 1 mapa ms, col., aquarelado, 27,7 x 27,7cm em f. 34 x
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Havia, nesse contexto, a aspiração de ordenar a malha viária da capital, o que levou
à elaboração de sucessivos planos urbanos. A solução urbana adotada foi a imposição de
um traçado ortogonal, indo de encontro com o sentido natural do crescimento da vila,
“que tendia a acompanhar as tortuosidades do Pajeú. Daí em diante, as novas edificações
passaram a ser guiadas pelo traçado urbano de ruas paralelas” (COSTA, 2014, p. 93-94).
Posteriormente, o perímetro da cidade foi demarcado por um sistema de boulevards,
enquanto algumas das antigas estradas que partiam do Forte foram incorporadas ao
traçado urbano, conformando um sistema viário radial-perimetral. Os eixos radiais esta-
beleceram-se, assim, como caminhos de expansão urbana de crescimento linear. Nesse
cenário, persistia o “sistema de divisão fundiária caracterizado por lotes profundos e
estreitos, de velha herança colonial portuguesa”, que levou ao predomínio da ocupação
do solo urbano por meio da tipologia da casa-corredor, formando um casario contínuo
ao longo dos eixos viários de saída da cidade (CASTRO, 1994, p. 68).
Segundo Castro (2014, p. 50), “perto do fim do século, muitas famílias abandonam o
trecho compacto da Cidade”, buscando “viver em arrabaldes tranqüilos, onde pudessem
desfrutar das vantagens da vida urbana em meio às delícias do campo”. Nesse contexto
urbano, as famílias mais abastadas concentravam-se nos caminhos de saída do Centro
e nos bairros bucólicos e afastados — porém acessíveis por linhas de bonde, como o
Jacarecanga e o Benfica —, enquanto a população mais carente dependia da autocons-
trução de suas choupanas nos arredores da área central, mais urbanizada (COSTA, 2014).
Quanto ao caminho que seguia em direção à antiga vila de Messejana, a sua forma-
ção teve origem a partir da trama de veredas que conectavam o Forte à vila de Aquiraz
durante o período colonial. Em 1835, o antigo caminho era oficialmente transformado
em uma estrada, passando a receber melhorias viárias como retificação e implantação
de calçamento de pedra. No entanto, a ocupação ao longo do eixo viário viria a inten-
sificar-se apenas a partir da segunda metade do século XIX, quando a área passou a ser
contemplada com uma linha de bonde (RIBEIRO, 1982). Consolidava-se, ali, um casario
contínuo a partir do antigo Açude do Garrote — atual Parque da Liberdade —, que
dispersava-se aos poucos até atingir a área alagável do Riacho Tauape, onde hoje tem
início a BR-116. Assim, formou-se, nesse trecho, uma ocupação urbana linear popular-
mente conhecida como Calçamento de Messejana, que ganhava moldes de bairro e
tornava-se um intenso corredor comercial e residencial. Sampaio (2009, p. 3) descreve o
então bairro, “que não tinha tantos palacetes, mas sim uma uniformidade no casario,
residências simples, geminadas, que se espalhavam de um lado e do outro dos trilhos
da linha de bonde” (Figura 4). A área mostrava-se, portanto, mais procurada pela classe
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média, “que não podia ocupar os lugares mais nobres da cidade, como Jacarecanga e
Benfica” (SAMPAIO, 2009, p. 4).
A leste do Calçamento de Messejana, surgiu ainda um outro núcleo urbano, conhe-
cido como Piedade (Figura 5). De acordo com a descrição de Magalhães (2009, p. 13), “por
trás do casario, a gente abaixo da linha da pobreza também começava a povoar as exten-
sões de terra, fincando na areia frouxa os seus barracos de taipa, cobertos com palhas de
carnaúba”. Essa descrição revela um forte contraste entre os núcleos do Calçamento de
Messejana e da Piedade: por um lado, o primeiro presenciava a formação de um contí-
nuo casario em alvenaria atraído pelas melhorias viárias da pavimentação e do bonde;
por outro, a Piedade, tão próxima, enfrentava dificuldades materiais e mazelas sociais.
Ao longo de sua formação como um núcleo urbano, o Calçamento de Messejana
contou com diversos espaços dedicados à arte e à cultura, como teatros, cinemas e biblio-
tecas. Dentre estes, destacavam-se o Grêmio Dramático Familiar do dramaturgo Carlos
Torres Câmara, o Teatro da Piedade, o Cine Atapu e a biblioteca do musicólogo Abraão de
Carvalho. Para além desses lugares, existiam no bairro diversas manifestações da cultura
popular que ganhavam o espaço público, como as procissões relacionadas às celebrações
da Igreja da Piedade, que percorriam as principais ruas do bairro com cânticos. Além
das festas religiosas, as ruas do bairro do Calçamento de Messejana viram nascer o pri-
meiro bloco de maracatu do carnaval de rua de Fortaleza com a fundação do Maracatu
Az de Ouro, em 1936. Outros blocos também surgiram no bairro, como o Maracatu Rei de
Paus, formado em 1954, e o Maracatu Vozes da África, fundado em 1980. Os três blocos
continuam a existir, ainda que apenas o último deles continue no bairro. Todos os anos,
os três grupos de maracatu desfilam no carnaval de rua da Avenida Domingos Olímpio,
que ocorre nas proximidades da Avenida Visconde do Rio Branco.
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Figura 4: Núcleo urbano do Calçamento de Messejana no início do século XX. Fonte: Arquivo
Nirez (2018).
Figura 5: Núcleo urbano da Piedade no início do século XX. Fonte: Arquivo IPHAN/CE (2019).
Já por volta da metade do século XX, iniciava-se, em Fortaleza, o processo de implan-
tação de um modelo rodoviarista de cidade, que teve grande impacto sobre os núcleos
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urbanos tradicionais. Em 1947, os bondes deixavam de circular pela cidade, sendo subs-
tituídos por linhas de ônibus (SAMPAIO, 2009). No ano seguinte, o antigo Boulevard do
Visconde do Rio Branco era asfaltado, levando à intensificação da circulação de automóveis
por meio de seu eixo viário, transformado em uma rodovia. Já em 1972, surgia, paralela
à Visconde do Rio Branco, a Avenida Aguanambi, que canalizou o riacho homônimo. Em
1981, inaugurava-se a BR-116, que deu lugar à antiga estrada de ligação de Fortaleza com
Aquiraz, conectando-se à já existente Avenida Aguanambi. Como resultado, o Calçamento
de Messejana perdia a sua função como um eixo de ligação com o interior do estado, fator
que inconscientemente resguardou o antigo casario de maiores impactos decorrentes
do rodoviarismo. Não obstante, até por volta dos anos 1990 (NIREZ, 2001), a abertura e o
alargamento de avenidas resultou em novas demolições de pequenos trechos do casario
da Visconde do Rio Branco. Já neste século, os exemplares arquitetônicos de interesse
cultural que resistiram às mudanças viárias dos séculos XIX e XX passaram a sofrer
com maior intensidade as ameaças de descaracterização e de demolição decorrentes
das dinâmicas de valorização do solo urbano e de atuação do mercado imobiliário na
produção de novos prédios de apartamentos verticalizados.
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(2018).
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uma vez que há uma reduzida disponibilidade de lotes vazios de grandes dimensões ao
longo da Visconde do Rio Branco. Ainda assim, os parâmetros urbanísticos ali vigentes
aproximam-se mais deste último modelo arquitetônico, incentivando, portanto, uma
produção imobiliária alinhada ao modelo da urbanização dominante, distanciando-se
tanto do contexto morfológico e fundiário local quanto da demanda habitacional exis-
tente no contexto metropolitano.
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CONCLUSÃO
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REFERÊNCIAS
SAMPAIO, Jorge Henrique Maia. Onde o bonde faz a curva: o progresso chega aos
“arrabaldes”. In: SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
HISTÓRIA, 25., 2009, Fortaleza. Anais... Fortaleza, 2009.
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ARQUITECTÓNICO DE PATOS / PB
EIXO TEMÁTICO: PATRIMÔNIO, ESCALAS E PROCESSOS
GOMES, Raisa
Especialista em Gestão e Prática de Obras de Conservação e Restauro do Patrimônio
Cultural
raisagomes96@gmail.com
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RESUMO
O Brasil vivenciava nas décadas de 1930 e 1940 avanços no campo da tecnologia, experimentou
com igual entusiasmo os trabalhos de ampliação na área de transporte de carga e de passageiros
através da expansão da malha ferroviária, tirando do isolamento localidades economicamente
potenciais da Região Nordeste do país. Essa força da interligação das linhas férreas contribuiram
substancialmente para a transformação do cenário das cidades brasileiras, entre elas a cidade
de Patos, na Paraíba, que nos últimos anos do primeiro período de governo de Getúlio Vargas
teve a implantação do complexo ferroviário (1944). Além de revolucionar a forma de integra-
ção socioeconômica, carrega a dimensão imaterial na memória fruto do imaginário coletivo,
patrimônio intangível. O artigo intensiona refletir sobre os processos históricos de surgimento
e decadência, assim como os impactos que o sistema ferroviário trouxe para município do sertão
paraibano. A análise dos aspectos arquitetônicos do patrimônio ferroviário, sublinhado pelo
Prédio da Estação, em relativo estado de conservação, oferece uma exemplificação de edificios
de conjuntos ferroviários pelo interior do pais.
A BSTRACT
Brazil experienced in the 1930s and 1940s advances in the field of technology and, with equal
enthusiasm, experienced also the expansions of work in the cargo and passenger transportation
area through the expansion of the railway network, wich removed from isolation potential
economical localities from the Northeast region of the country. This strength of interconnec-
tion of the railway lines contributed substantially to the transformation of some Brazilian
cities, like Patos, in Paraíba that towards the end of Getulio Vargas first period of government,
was implemented with the railway. In addition to revolutionizing the form of socioeconomic
integration this intangible patrimony carries an imeasurable dimension in the memory of the
collective imagination. This article intends to reflect on the historical processes of decadence and
emergence, as well as the impacts that the rail system has brought to the municipality of the
interior of Paraíba. An analysis of the architectural aspects of the patrimonial railway systems,
highlighted by the Estação building, in a relative state of conservation, offers an example of
the joint railway buildings in the interior of the country.
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RESUMEN
El Brasil experimentó en los decenios de 1930 y 1940 avances en el campo de la tecnología y, con
igual entusiasmo, experimentó también la expansión del trabajo en el área del transporte de
carga y de pasajeros mediante la ampliación de la red ferroviaria, que sacó del aislamiento a
posibles localidades económicas de la región nordeste del país. Esta fuerza de interconexión de
las líneas ferroviarias contribuyó sustancialmente a la transformación de algunas ciudades
brasileñas, como Patos, en Paraíba, que hacia el final del primer período de gobierno de Getu-
lio Vargas, se implementó con el ferrocarril. Además de revolucionar la forma de integración
socioeconómica, este patrimonio intangible tiene una dimensión inapreciable en la memoria
del imaginario colectivo. Este artículo pretende reflexionar sobre los procesos históricos de
decadencia y emergencia, así como sobre los impactos que el sistema ferroviario ha traído al
municipio del interior de Paraíba. El análisis de los aspectos arquitectónicos de los sistemas
ferroviarios patrimoniales, puestos de relieve por el edificio Estação, en un estado relativo de
conservación, ofrece un ejemplo de los edificios ferroviarios conjuntos del interior del país.
INTRODUÇÃO
O presente estudo[1] faz parte de uma pesquisa maior desenvolvida com a finali-
dade de atender as medidas de regularização, mitigação e compensação relacionadas
a instalação de um empreendimento comercial, localizado no Município de Patos, no
Estado da Paraíba. O trabalho foi objeto de um termo de compromisso firmado no ano de
2014, entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN/PB, através
da Superintendência Regional do Estado da Paraíba e a parte empresarial envolvida.
No curso da análise do presente artigo foram avaliados, a partir dos eventos diagnos-
ticados, fatores que levaram a decadência das ferrovias, especialmente no Nordeste, e a
consequente degradação dos bens móveis e rodantes que formavam o acervo da empresa
ferroviária. Esse processo auxiliou a apreensão do conjunto arquitetônico ferroviário
de Patos, em específico o prédio da estação, único em melhor estado de conservação.
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Figura 1: Marcação em vermelho das linhas Férreas na Paraíba, Ramal Campina Grande. Fonte:
Relatório do Inventário de Conhecimento do Patrimônio Ferroviário da Paraíba, 2009.
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o divisor de águas entre o pretérito, marcado pelo atraso e o futuro representado pelo
progresso, pela ideia de modernidade.
Parâmetros de proteção
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O município de Patos, distante 310 km de João Pessoa, faz parte do centro comercial
da região sertaneja, em virtude da sua proximidade e das relações comerciais com os
estados do Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará, alcançou a condição de 3ª cidade
polo da Paraíba pela expressiva contribuição na balança econômica estadual. Como
demonstração dessa localização estratégica que Patos possuía no cenário comercial,
destaca-se a inauguração, em 19 de abril de 1944, da Estação Ferroviária do município,
resultado do prolongamento do ramal Paraíba, sob a administração da Rede de Viação
Cearense - CVR proveniente do estado do Ceará, além de entrar no programa da Inspetoria
Federal de Obras contra as secas do governo de Getúlio Vargas (TARGINO, 2001).
Figura 2: Mapa da Paraíba com destaque para o município de Patos. Fonte: Elaborado pelos
autores, 2016.
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[2] A preocupação com o emprego econômico dos materiais também se expressa na com-
posição estética e tipologia volumétrica. O detalhamento foi mantido de forma simples, elimi-
nando-se os adornos, mas não se descuidou do desenho geral da composição.
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-
cações do Conjunto e dos principais pontos referenciais da área. Fonte: Elaborado pelos
autores, 2016.
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Prédio da Estação
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Figura 5 e 6: Vista da fachada de acesso principal do prédio da Estação voltada para a plata-
forma de embarque e desembarque e Vista da fachada de acesso principal (Rua Peregrino de
Carvalho) do prédio da Estação, voltado para a Praça dos Pombos. Fonte: Daniella Lira, 2016
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Figura 7: Planta baixa do Prédio da Estação de Patos, localizado à Rua Frei Caneca nº 05, Centro
Patos/Paraíba. Fonte: Elaborado pelos autores, 2016.
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Percebe-se que a edificação está abandonada, muito embora esteja em estado regu-
lar de conservação, com problemas pontuais na cobertura, infiltrações, crescimento de
vegetação incrustada na alvenaria, mofo, sujidades e desprendimento do revestimento
de paredes e esquadrias, precariedade de conservação dos pisos e forros e precariedade
no sistema elétrico, hidráulico e sanitário. Portanto, ela necessita de urgente interven-
ção, a fim de garantir a integridade e a conservação de seus elementos arquitetônicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS
2001.
A Gretoeste
Brazil. João Pessoa: Ideia, 2016.
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O VALOR AFETIVO
NA PERSPECTIVA DO
PATRIMÔNIO CULTURAL: UM
ESTUDO SOBRE AS FESTAS
DE AGOSTO DE MONTES
CLAROS (MG)
THE AFFECTIVE VALUE FROM THE CULTURAL
HERITAGE PERSPECTIVE: A STUDY ON THE
AUGUST PARTIES IN MONTES CLAROS (MG)
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RESUMO
As Festas de Agosto são festividades populares, tradicionais e religiosas, constituintes do cenário
da Congada, que ocorrem na cidade de Montes Claros (MG), e que têm fortes raízes no catoli-
cismo popular. Apesar de não ser um bem registrado por órgão de preservação, a celebração,
enquanto manifestação cultural, apresenta aproximações com o diálogo de preservação do
patrimônio imaterial por meio de seus valores afetivos para a comunidade, valores estes que
abrangem aspectos históricos, sociais e arquitetônicos, uma vez que, anualmente, ao longo de
seus 180 anos de realização, as comemorações ocupam as ruas e espaços públicos da cidade,
atraindo atividades inusitadas para o lugar e, consequentemente, deixando um legado de
memória e identidade para a cidade através dos tempos. O objetivo desse estudo é estabelecer
um debate sobre valor afetivo, analisando-o como uma variante para consideração das Festas
de Agosto como patrimônio cultural da cidade de Montes Claros, identificando tais aspectos e
relacionando-os à discussão levantada em revisão bibliográfica.
A BSTRACT
The August Parties are popular, traditional and religious festivities, which are part of the Con-
gada scene, which take place in the city of Montes Claros (MG), and which have strong roots in
popular Catholicism. Despite not being a registered asset by a preservation agency, the celebra-
tion, as a cultural manifestation, presents approximations with the dialogue of preservation
of the intangible heritage through its affective values for the community, values that include
historical, social and architectural aspects, since, annually, throughout its 180 years of cele-
bration, the celebrations occupy the streets and public spaces of the city, attracting unusual
activities to the place and, consequently, leaving a legacy of memory and identity for the city
through the ages. The aim of this study is to establish a debate on affective value, analyzing it as
a variant for considering the Festas de Agosto as cultural heritage of the city of Montes Claros,
identifying such aspects and relating them to the discussion raised in the literature review.
KEYWORDS: affective value. intangible heritage. popular parties. August Parties. Montes Claros.
RESUMEN
Las Festas de Agosto son fiestas populares, tradicionales y religiosas, que forman parte de la
escena Congada, que tienen lugar en la ciudad de Montes Claros (MG), y que tienen fuertes raíces
en el catolicismo popular. A pesar de no ser un activo registrado por una agencia de preserva-
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INTRODUÇÃO
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O amplo debate sobre novos valores, novos instrumentos e novos objetos no âmbito
do patrimônio cultural, que diz respeito a práticas que englobam o tombamento de
espaços ligados ao modo de vida, atividades relacionadas aos modos de fazer, o registro
de práticas culturais tradicionais, e a chancela de conjuntos que constituem paisagens
culturais, já não causa tanto estranhamento, apesar de ainda não ser tão comum quanto
a discussão sobre o tombamento de edificações. A inclusão de itens como esses no
universo do patrimônio cultural demonstra a presença de outros valores que vão além
do excepcional e monumental, expandindo os critérios tradicionais que circulam nos
órgãos de preservação.
Essa mudança no olhar sobre a valorização e a preservação está relacionada à tran-
sição do conceito de “bens culturais na cidade” para o de “a cidade como bem cultural”
(MAGNANI, 2018), cujo qual tem como ponto de partida o pensamento de Ulpiano Bezerra
de Meneses, ao considerar o patrimônio cultural como fato social. Conforme afirmado por
Bezerra de Meneses, o patrimônio é, antes de mais nada, um fato social: ou seja, em suma,
os valores culturais não são criados pelo poder público, e sim pela sociedade (MENESES,
2012). Seu argumento se constrói sob a perspectiva da cidade como um artefato, e este,
uma representação, dotado de sentido e inteligibilidade – feita, fabricada, porém não
num nível abstrato, e sim no interior de um campo de forças, o que supõe relações, trocas,
conflitos entre os atores sociais nos planos econômico, político, cultural. (MAGNANI, 2018).
Dessa maneira, Ulpiano (2012) retrata que a definição do valor cultural de um bem
(e seus componentes cognitivos, formais, afetivos, pragmáticos e éticos) não deve ser
definido pelo poder público, e sim pela sociedade. Tais elementos integrantes de uma
totalidade (o valor) não devem ser considerados fatos isolados pois coexistem entre si,
gerando combinações e sobreposição, apesar de, eventualmente, um aspecto se sobressair
dentre os demais – o chamado de valor dominante.
E dentre esses valores tem-se o valor afetivo, ao qual se direcionará um foco para
tratar sobre o objeto desse estudo. A importância do valor afetivo encontra-se difundida
e consolidada em nosso país enquanto um dos parâmetros a serem observados no que
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Essa breve discussão anterior tem como intuito direcionar o olhar desse estudo para
a cidade de Montes Claros, localizada no norte de Minas Gerais (Figura 01). Considerada
polo regional e a quinta maior em número de habitantes no estado, foi fundada em 1707
como Fazenda Montes Claros e elevada à categoria de cidade em 1857. Em seus 162 anos
de história, Montes Claros tem acumulado um vasto patrimônio cultural, composto não
apenas de conjuntos edificados, mas também de objetos litúrgicos, acervos, sítios natu-
rais, celebrações e tradições que fazem parte da cultura popular – esta que foi mantida e
transmitida principalmente de forma oral por décadas. Tais elementos contribuíram (e
ainda contribuem) para o conhecimento da sociedade a cada época vivenciada, uma vez
que o processo o patrimônio cultural é um reflexo da expressão coletiva. (CANAN, 2006).
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Figura 01: Localização da cidade de Montes Claros, MG. Fonte: Google Maps, adaptado pelo autor.
Sua história a fez ser reconhecida dentro de Minas Gerais como “cidade da arte e
da cultura”, não só pelos espaços culturais que a compõem, como o Museu Regional do
Norte de Minas, o Centro Cultural Hermes de Paula e o Armazém Montes Claros (antigo
Armazém de Cargas da Rede Ferroviária), com também pela série de eventos e manifes-
tações culturais que integram o calendário de festas da cidade ao longo do ano, como
a Folia de Reis, a Festa do Pequi, as Festas de Agosto e o Festival Folclórico, consideradas
atualmente as maiores e mais importantes festividades do município.
Contudo, faz parte do contexto da cidade não apenas a paisagem natu-
ral e edificada, as manifestações culturais também são produtos da
sociedade. Neste sentido, Montes Claros destaca-se por suas tradições
do folclore, festas religiosas e música, fato que a faz garantir o título
como “cidade da arte e da cultura”. Dentre as mais tradicionais estão as
festas de agosto que enchem as ruas da cidade de alegria e constituem
a maior manifestação cultural tradicional e popular do município.
(CANAN, p. 109)
Montes Claros abriga uma mistura de diversas culturas e, principalmente, de festas
populares, as quais antigamente eram caracterizadas por seu contexto rural, e se apre-
sentavam como palco de socialização e vivência religiosa (Costa, 1997). Contudo, já no
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século XIX, a cidade torna-se ponto de intersecção de relações funcionais de outra espécie.
A vida urbana é cada vez mais mediada por “conexões sistêmicas não configuráveis” e
“as aglomerações urbanas emanciparam-se do velho conceito de cidade (Costa, 1997),
dando um outro olhar sobre essas manifestações culturais no espaço urbano, e trazendo
modernização junto a uma onda desenvolvimentista na cidade.
Dentre a rica cultura do popular montesclarense, as Festas de Agosto (Figura 02), uma
celebração de matriz africana e que faz parte do universo das Congadas – ocupam lugar
de principal manifestação cultural tradicional do município, e de maior engajamento
comunitário, sendo uma das mais antigas festividades na cidade. Nascida como uma
tradição religiosa – e que com o passar do tempo expandiu-se também para uma fes-
tividade “profana” – as Festas de Agosto constituem parte expressiva e significativa do
catolicismo popular da cidade de Montes Claros, em homenagem a Nossa Senhora do
Rosário, a São Benedito e ao Divino Espírito Santo, sendo um dos principais elementos
que contribuíram para o desenvolvimento urbano e cultural local, além de símbolo
representativo de identidade, memória coletiva, e do patrimônio cultural da cidade.
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Figuras 03 e 04: Comparação de uma rua do centro da cidade antes (à esq.) e durante (à dir.)
as Festas de Agostos, em Montes Claros (MG). Fonte: Google Street View, 2018.
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Figura 05: Praça ocupada durante as Festas de Agosto. Fonte: PMMC, 2019
É importante ressaltar que, nas Festas de Agosto, o sincretismo se faz presente não
em seu sentido “pejorativo” de confusão e de uma mistura contraditória, ou até mesmo
como uma descaracterização da tradição nas Festas, mas sim, como destaca Ferretti,
O sincretismo pode ser visto como característica do fenômeno religioso.
Isto não implica em desmerecer nenhuma religião, mas em constatar
que, como os demais elementos de uma cultura, a religião constitui
uma síntese integradora englobando conteúdos de diversas origens. Tal
fato não diminui, mas engrandece o domínio da religião, como ponto
de encontro e de convergência entre tradições distintas (FERRETTI,
1997, p 01)
A performance dos ternos, somada ao festival que ocorre paralelamente, podem ser
vistas como um verdadeiro evento: com estrutura e características definidas pelos rituais
e adequadas aos espaços e contextos sociais que as acolhem. Essas práticas, sob a ótica da
manifestação cultural, se estabelecem a partir de diferentes processos que constituem
e vão se moldando em dimensões identitárias e “geradoras” de memória, tendo como
referências as perspectivas de época, lugar e momento em que ocorrem. (QUEIROZ, 2005).
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Diante disso, torna-se possível identificar alguns traços e elementos os quais seriam
considerados aspectos históricos, arquitetônicos e sociais que reforçariam uma justi-
ficativa das Festas de Agosto como uma referência afetiva para a população da cidade
de Montes Claros.
O engajamento popular
A localização
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Um outro elemento que induz uma referência afetiva das Festas pela população
é a característica decoração dos espaços nas ruas do centro da cidade onda a mesma é
sediada. A cidade, nestes espaços, se enfeita com fitas, luminárias e gravuras inspiradas
nos representantes do Congado, isto é, os Caboclinhos, os Marujos e em especial os
Catopês (Figuras 08 e 09).
Figuras 08 e 09: ornamentação das ruas da cidade durante as Festas de Agosto. Fonte: acervo
do autor.
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Apesar de não haver um dado que afirme com precisão a quantidade de pessoas
que viajam para Montes Claros, sejam nascidos na cidade, ou apenas como turistas, com
o intuito de prestigiar as Festas de Agosto, é notável a presença de pessoas que visitam
ou retornam ao município com esse objetivo. De acordo com Marques e Brandão (2015)
“é possível observar que em muitas comunidades o retorno dos ‘filhos da terra’ se dá,
sobretudo, em função da festa e que mesmo enraizados em outros espaços, estes indi-
víduos mantém vínculos afetivos nos seus lugares de origem, ou seja, no lugar da festa.”
(MARQUES; BRANDÃO, 2015, p. 23)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As práticas culturais sempre têm muito a falar da ambiência onde elas se manifes-
tam. Montes Claros é uma cidade que festeja tradições nas Festas de Agosto. Nas Festas
se estabelece o locus das práticas populares organizadas tradicionais de boa parte da
região norte do estado cuja principal manifestação está relacionada ao Congado.
Em 2019, as Festas de Agosto completaram 180 anos, segundo a Secretaria Municipal
de Cultura de Montes Claros (2018), responsável pela organização do evento, viabilizado
por meio da Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Tradicionalmente, ela é uma celebração
de pertencimento à comunidade local e um campo onde se encenam relações sociais e
econômicas, atraindo cada vez mais visitantes regulares, comerciantes e investidores
para as principais atividades da festa.
As Festas de Agosto assumem, na contemporaneidade, uma posição de destaque e
são amplamente legitimadas e reconhecidas, constituindo um cenário a céu aberto das
manifestações do Congado no norte de Minas. (MALVEIRA, 2002) Os Catopês nas ruas se
“espetacularizam” e chamam a atenção de muitas pessoas que saem nas janelas, portas
e sacadas cantando e aplaudindo os ternos.
Atualmente, as festas ganharam visibilidade também pelo incentivo às políticas
públicas que permitiram que a população de Montes Claros percebesse a ressonância
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dessas memórias. Pode-se dizer que as Festas se tornaram o locus de práticas populares
tradicionais organizadas de toda a região.
Alguns espaços da cidade de Montes Claros carregam rastros material e imate-
rialmente formados e representados para os sentidos afetivos, o que quer dizer que as
funções sociais dos espaços ocupados pela Festa, enquanto intervenção na ruptura do
cotidiano da vida urbana podem ser vivenciados e percebidas num âmbito temporal e
espacial, justificando assim os aspectos pelos quais as Festas podem serem consideradas
patrimônio da cidade. Segundo Mendonça (2017) as Festas de Agosto já tiveram, junto
ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), quando tinha como
superintendente o historiador montesclarense Fabiano Lopes de Paula, um pedido
para que que fossem registradas como “Bem Cultural Imaterial da União”. Entretanto,
o processo nunca se firmou.
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REFERÊNCIAS
antropol.
www.scielo.br/scielo
.php?script=sci_arttext&pid=S0104-71831998000100182&lng=en&nrm=iso>. Acesso
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CIDADES MODERNAS: O
CASO DE BRASÍLIA
THE PLANNED EMPTINES OF MODERN CITIES:
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RESUMO
O presente artigo parte da análise dos anseios dos pioneiros do movimento moderno em incluir
na arquitetura e no urbanismo espaços livres, como soluções de fluidez, salubridade e bem estar
social. São trazidos para a discussão autores contemporâneos que fazem estudos sistemáticos
acerca do que passa a ser chamado “vazio planejado” e, a partir dessa conceituação, busca-se
entender a importância do termo para a construção da identidade da cidade moderna. Brasília
é tomada como arquétipo desta discussão, por ser cidade símbolo, modelo utópico do desejo
moderno, que permite a observação clara das intenções de seu projetista. Além disso, a capital
é também arquétipo de intervenções sugeridas às cidades modernas – cujas consequências,
não há ainda distância temporal que permita avaliar – como, por exemplo, os riscos de aden-
samento, verticalização e perda de sua estrutura baseada na predominância do vazio sobre o
cheio. Essas discussões levam à conclusão que preservar a identidade das cidades modernas
pressupõe preservar também o vazio e as configurações que dele se constituem.
A BSTRACT
The present article is based on the analysis of the aspirations of pioneers of the modern movement
to include free flowing spaces as a solution of fluidity, wholesomeness and social well-being in
architecture and urbanism. Contemporary authors who make systematic studies about what is
called “planned emptiness” are brought to the discussion and, from this conceptualization, we
try to understand the importance of the term for the construction of the identity of the modern
city. Brasília is taken as the archetype of this discussion, because it is a symbolic city, an utopian
model of modern desire, which allows the clear observation of the intentions of its designer.
Moreover, the capital is also archetype of interventions suggested to modern cities - whose
consequences, there is not yet a temporal distance that allows evaluation - as, for example,
the risks of densification, verticalization and loss of its structure based on the predominance
of the void over the full. These discussions lead to the conclusion that preserving the identity
of modern cities presupposes preserving also the emptiness and the configurations that are
constituted from it.
RESUMEN
Este artículo analiza las aspiraciones de los pioneros del movimiento moderno para incluir
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INTRODUÇÃO
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O uso do espaço livre não esteve presente somente na inversão da ordem dos cheios
e vazios denunciada por Holston. Ao analisar o depoimento de Lucio Costa (2018) em
“Brasília Revisitada”, percebe-se nas recomendações do autor o esforço da manutenção
dos vazios planejados por meio da defesa a permanência da volumetria da cidade.
Nesse documento, além da reinvindicação da manutenção do sistema dos pilotis, dos
gabaritos e taxas de ocupação que favorecem o céu desimpedido e a predominância dos
espaços livres e permeáveis, o urbanista também defendeu a escala bucólica como forma
de manutenção do caráter de cidade-parque dado à capital. Tal escala será mais bem
discutida em parágrafos seguintes, mas, no momento, é importante entender que ela,
juntamente com os outros elementos descritos, é parte daquilo que constitui o conceito
do vazio planejado essencial à identidade da cidade.
Assim, conclui-se que Brasília sem o vazio de seu plano piloto, não é Brasília. A
manutenção desses espaços livres é o que confere ao plano piloto matéria prima para
a construção de sua identidade enquanto cidade de traçado moderno. É também por
meio do vazio que a cidade alcança a sua singularidade enquanto projeto urbanístico
de cidade-parque e sua monumentalidade enquanto capital.
Até meados do século XIX, a cidade era vista como o local de abrigo para monumentos
arquitetônicos. Somente a partir da revolução industrial e da transformação da cidade
antiga que se iniciou a proliferação do interesse pela investigação do traçado urbano
como patrimônio. Foi também nesse momento que surgiu o movimento moderno e sua
crítica às cidades históricas. Para os modernos a cidade antiga era obsoleta e, portanto
poderia abrir mão de sua existência para dar lugar a novas configurações urbanas e
arquitetônicas que, segundo eles, seriam periodicamente reinventadas e atualizadas, com
o olhar voltado para o futuro e para as necessidades humanas. Por meio dessa concepção,
a cidade moderna não só propôs resolver os problemas típicos das urbes realizadas até
então como também assumiu para si a característica da efemeridade. Entendeu que sua
existência e função seriam finitas assim como traçados anteriores foram. (CHOAY, 2017)
Parece, portanto, incoerente falar em preservação de uma tipologia de cidade que
foi fundamentada na crença da obsolescência e da superação como consequência do
transcorrer do tempo. Porém, essa pauta levantada pelos arquitetos e urbanistas moder-
nos ocorreu paralelamente, ainda que em sentindo contrário, às discussões acerca da
cidade como objeto ao qual é atribuído valores históricos, artísticos e educacionais, ou
seja, o reconhecimento do patrimônio urbano e a busca por sua conservação. O ama-
durecimento dessa temática proporcionou não somente a preservação das cidades
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históricas tradicionais – ponto precursor dos debates acerca do tema – mas também
criou a base para a posterior inclusão dos recentes debates acerca da conservação das
cidades modernas. Essas, muitas vezes reconhecidas por simpatizarem com um espí-
rito efêmero, provam hoje que os valores atribuídos a um bem são mutáveis e tendem
a se transformar podendo dar nova significância a ele e, inclusive, contrariar a própria
proposta original do objeto. Assim, a cidade que antes era moderna e se propunha
momentânea, transforma-se e passa a ser reconhecida por valores que levam a vontade
de sua preservação para gerações futuras.
Figura 2 - Escala Bucólica permeando a Escala Residencial. Créditos: Bento Viana/ MTur
A herança moderna a ser transmitida pode variar de acordo com o bem. No caso
das suas cidades, os valores atribuídos atualmente são por vezes semelhantes àqueles
que antes eram reservados apenas às cidades anteriores ao século XX como, por exemplo,
Salamanca, Florença e Praga. Portanto, são valores ligados a transmissão da história, ao
modo de se habitar de um período e a necessidade de compreensão do contexto urbano
de sociedades anteriores. Dessa forma a vontade de preservação do patrimônio urbano
moderno começa a surgir e ser reivindicada, mas com um desafio singular: a curta dis-
tância temporal entre o período das suas construções e o período do seu reconhecimento
como bem patrimonial.
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CONCLUSÃO
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contorno, mas também aquilo que guarda a essência do moderno ainda que hoje não
possamos defini-lo, apenas identifica-lo.
Figura 3 - Escala Bucólica permeando a Escala Residencial. Créditos: Bento Viana/ MTur
Na introdução deste artigo foram expostos três pontos propostos por Macdonald
(2009), que agora podem ser retomados e colocados em diálogo com o que foi discutido
até aqui:
1. Ampliar o escopo do patrimônio do século XX: ao mudar o foco do tradicional patri-
mônio arquitetônico para se apropriar do urbanismo do século 20, buscou-se diversificar
a retórica da conservação do patrimônio moderno provocando a reflexão de problemas
nem sempre existentes no campo da arquitetura.
2. Integrar a identificação das conquistas do século XX em estudos regionais: ao escolher
Brasília como estudo de caso, tentou-se escapar do eixo europeu já amplamente explo-
rado e divulgado para dar enfoque ao cenário local.
3. Desenvolver iniciativas de conscientização e participação popular: ao escolher um
tema próximo do cotidiano da população do Plano Piloto, julgou-se que o texto deveria
ser interessante não somente ao meio acadêmico, mas a todos aqueles que usufruem
da cidade.
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Tratar do vazio planejado foi a forma escolhida para se avançar no debate, sempre
atual, sobre a preservação de Brasília. Como o apontado por Macdonald (2009), o debate
acerca do moderno não deve permanecer cíclico, já que o esforço da identificação de
novas formas de avanço é intrínseco à sobrevivência da cidade moderna. Desse modo,
espera-se que as informações aqui colocadas sirvam ao fomento do tema e, principal-
mente, à ampliação da conscientização dos valores atribuídos ao Plano Piloto.
Além disto, foi proposto um olhar mais demorado sobre a ausência da matéria
e a beleza da sua função no cenário moderno. A cidade que hoje possui mais de três
décadas do seu reconhecimento como patrimônio mundial, compõe um cenário maior
e merece a perpetuação do seu espírito que, assim como seu vazio, não possui matéria,
mas é preenchido de significado.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A alegoria do patrimônio
6 ed. São Paulo: Editora UNESP, 2017. 288 p.
CORBUSIER, Le. A carta de Atenas. Tradução de Rebeca Scherer. 1 ed. São Paulo:
HUCITEC, EDUSP, 1993. 95 p.
COSTA, Lucio. Registro de uma vivência. 1 ed. São Paulo: Editora 34/ Edições Sesc
São Paulo, 2018. 656 p.
, n.
16, p. 51-62, 2016.
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RESUMO
O modelo de desenvolvimento urbano atualmente empregado nas cidades resultou, devido a
ação de diversos agentes – sociais, econômicos e políticos, no surgimento dos vazios urbanos.
Os vazios urbanos figuram como espaços remanescentes da dinâmica urbana, podendo variar
entre a propriedade fundiária ou edificada, embora os espaços vazios sejam vistos ao longo de
toda cidade, sua maior concentração é vista nos centros antigos das urbes. As cidades brasileiras
passaram por um processo de expansão urbana em meados do século XX que resultou numa série
de obras urbanas influenciadas, dentre outros, pela industrialização tardia do país. Em João
Pessoa, capital paraibana, ocorreu um processo semelhante ao visto nacionalmente. Reformas
de infraestrutura urbana foram executadas nas primeiras décadas do século XX, o que permitiu
o avanço da cidade para eixos outrora não explorados, esse processo desencadeou a perda signi-
ficativa do contingente habitacional do centro da cidade o que, no decorrer dos anos, fez surgir e
consolidar os vazios urbanos nesse recorte. Embora os vazios urbanos centrais sejam comumente
tidos como indicadores negativos de urbanidade, há quem defenda que os vazios encontrados
em áreas consolidadas do espaço intraurbano, providas de infraestrutura urbana a exemplo dos
centros das cidades, sejam espaços com grande potencialidade de transformação urbana, isso se
dá devido a possibilidade de intervenção e mudança na dinâmica urbana já estabelecida. Esse
trabalho, portanto, busca refletir sobre como os vazios urbanos centrais são decisivos na reabi-
litação de áreas centrais, a partir de um novo modelo de desenvolvimento urbano, o sustentável.
PALAVRAS-CHAVE: vazio urbano, centro antigo, desenvolvimento urbano sustentável.
ABSTRACT
The currently urban development model’s employed in cities resulted, due to the action of
several agents - social, economic and political, in the emergence of urban voids. The urban
voids appear as spaces remaining from the urban dynamics, varying between the landed or
built property, although empty spaces are seen throughout the city, its greatest concentra-
tion is seen in downtown. Brazilian cities underwent a process of urban expansion in the
mid-20th century that resulted in a series of urban modifications influenced, among others,
by the country’s late industrialization. In João Pessoa, capital of Paraíba, a similar process
to that seen nationally took place. Urban infrastructure reforms were carried out in the first
decades of the twentieth century allowed the city advance to previously unexplored axes, this
process triggered the significant loss of the housing contingent of downtown which, over
the years, has led consolidate the urban voids in this area. Although the central urban voids
are commonly seen as negative indicators of urbanity, there are those who argue that the
voids found in consolidated areas of intra-urban space, provided with urban infrastructure
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such as city centers, are spaces with great potential for urban transformation, due to the
possibility of intervention and change in the urban dynamics already established. This work,
therefore, seeks to reflect on how the central urban voids are decisive in the rehabilitation
of cities central areas, based on a new model of urban development, the sustainable one.
KEYWORDS: urban void, downtown area, sustainable urban development.
RESUMEN
El modelo de desarrollo urbano actualmente empleado en las ciudades resultó, debido a la
acción de varios agentes, sociales, económicos y políticos, en la aparición de vacíos urbanos.
Los vacíos urbanos aparecen como espacios que quedan de la dinámica urbana, variando
entre la propiedad de tierra o construida, aunque los espacios vacíos se ven en toda la ciudad,
su mayor concentración se observa en los centros antiguos de las ciudades. Las ciudades bra-
sileñas experimentaron un proceso de expansión urbana a mediados del siglo XX que resultó
en una serie de obras urbanas influenciadas, entre otras, por la industrialización tardía del
país. En João Pessoa, capital de Paraíba, tuvo lugar un proceso similar al visto a nivel nacio-
nal. Las reformas de la infraestructura urbana se llevaron a cabo en las primeras décadas del
siglo XX, lo que permitió que la ciudad avanzara a ejes previamente inexplorados, este proceso
desencadenó la pérdida significativa del contingente de viviendas en el centro de la ciudad
que, a lo largo de los años, ha llevado consolidar los vacíos urbanos en este corte. Aunque los
vacíos urbanos centrales se ven comúnmente como indicadores negativos de la urbanidad, hay
quienes sostienen que los vacíos encontrados en áreas consolidadas del espacio intraurbano,
provistos de infraestructura urbana como los centros de las ciudades, son espacios con un gran
potencial para la transformación urbana. debido a la posibilidad de intervención y cambio
en la dinámica urbana ya establecida. Este trabajo, por lo tanto, busca reflexionar sobre cómo
los vacíos urbanos centrales son decisivos en la rehabilitación de las áreas centrales, basado
en un nuevo modelo de desarrollo urbano, el sostenible.
No decorrer dos percursos diários realizados nas cidades, é comum nos depararmos
com espaços silenciosos. Esses espaços quietos que se encontram vazios, seja porque
não possuem nenhuma construção edificada ou porque apresentam edificações num
estado de obsolescência e abandono, são chamados de vazios urbanos. Os vazios urbanos
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destoam da malha urbana pelas suas condições de uso e ocupação (BORDE, 2006) e são
produtos de uma série de fatores que tiveram papeis decisivos ao longo da formação
das cidades contemporâneas, que adotaram o modelo desenvolvimentista da lógica
capitalista do valor do solo urbano.
Os primeiros casos de análise desse fenômeno urbano têm origem na Europa, na
década de 1970, quando o advento da pós-industrialização resultou na migração de
parques fabris europeus para países subdesenvolvidos, terceirizando a produção. Esse
movimento de desfuncionalização industrial acarretou no abando de edifícios e zonas
industriais. Tais espaços fomentaram os primeiros estudos sobre os vazios urbanos.
Embora os vazios urbanos sejam um fenômeno urbano comum a qualquer cidade
como apontado por Rosa (2008), o contexto nacional de formação dos vazios urbanos
difere do que é visto na Europa, ao passo que esse processo acontece juntamente com a
industrialização das cidades brasileiras.
A industrialização das cidades brasileiras provocou uma expansão urbana acelerada,
e desnorteada, em meados do século XX, marcada por um padrão de ocupação periférico,
com crescimento no sentido centrífugo que apresentava baixa densidade habitacional e
pouca diversidade funcional, o que resultou na migração da população das áreas centrais
formadoras da cidade para as novas centralidades de desenvolvimento urbano (CLE-
MENTE, 2012). Esse processo de espraiamento urbano resultou em vazios em diferentes
porções da cidade, as áreas periféricas da cidade, com pouca ou nenhuma infraestrutura
urbana, sofreram com o surgimento de loteamentos “salteados”, resultando em áreas de
propriedades e tamanhos variados vazias (CLICHEVSKY, 2000), mas o centro antigo das
urbes foi o grande palco de atuação dessa problemática urbana, sofrendo uma perda
significativa de parte seu contingente habitacional, o que desencadeou, ao longo dos
anos, o abandono e a subutilização dessa área (VAZ e SILVEIRA, 2007).
É necessário destacar aqui, que embora haja vazios urbanos em diversas localida-
des da cidade, esse estudo evidenciará os vazios urbanos centrais. Para tanto, adota-se o
conceito de Fausto e Rábalo (2001) e Borde (2006) de vazios urbanos como espaços rema-
nescentes na dinâmica urbana, sendo aquelas terras urbanas que permaneceram vazias
ou subutilizadas, atendidas diretamente ou muito próximo à infraestrutura urbana já
instalada, e que devido seu estado de falta de uso contraria o princípio da função social
da propriedade, podendo variar entre a porção fundiária do lote e a edificação que se
encontra vazia, sem uso.
No contexto de João Pessoa, a narrativa do fenômeno vazio urbano ocorre seme-
lhante ao visto nacionalmente. Uma série de reformas urbanas iniciadas nas primeiras
décadas do século XX, promovidas pelo Estado e impulsionadas pelo capital financeiro,
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Figura 1: “Frederica Civitas”, mapa da cidade de João Pessoa, a época Frederica, em 1647. Fonte:
<http://www.sudoestesp.com.br>, acesso em 27/010/2019 – Edição da autora.
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Figura 2: Mapa da cidade da João Pessoa, a época, Parahyba em 1855. Fonte: OLIVEIRA, 2006.
Entretanto, Corrêa (2011) aponta que a produção do espaço não pode ser exclusiva-
mente creditada ao capital e ao Estado, sendo também consequência da ação de agentes
sociais concretos, históricos, que possuem interesses, estratégias e práticas espaciais
próprias, portadores de contradições e geradores de conflitos entre eles mesmos e outros
segmentos da sociedade.
É sabido que a área central da cidade desempenhava, predominantemente, o uso
residencial e que esse contexto foi mudando conforme foram sendo executadas as refor-
mas urbanas do século XX. Todavia, ainda nos dias atuais, (re)existem moradores nas
áreas centrais da cidade, embora seja um número menos expressivo do que era visto no
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início do século passado, o que mudou foi a condição social e financeira do grupo que
continua habitando o centro resultando no estigma de que esse seria um espaço margi-
nalizado. Teriam então, os grupos sociais um papel importante na formação do vazios
urbanos centrais da cidade de João Pessoa? Poderiam os vazios urbanos serem espaços
de integração dos agentes sociais ao invés de um espaço de segregação socioespacial?
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espaço e a vitalidade vista apenas durante o horário comercial, são fatores que tornam
as áreas centrais da cidade marginalizada, causando o estranhamento dessas áreas em
parte da população, o que acarreta em negligência do espaço e, assim, nos vazios urbanos.
Os proprietários fundiários e os promotores imobiliários atuam através da especu-
lação imobiliária nessas áreas. A maioria dos vazios urbanos centrais, principalmente
aqueles edificados, são de domínio privado, de acordo com o levantamento desenvolvido
por Clemente (2012) 93,92% dos lotes que representam os vazios urbanos no cerco de
tombamento do IPHAN em João Pessoa – PB são de domínio privado, ou seja, o abando
é causado precisamente pelos proprietários da terra. Há de se convir que parte desses
exemplares sofrem em situações de litígio, quanto a heranças familiares, no entanto, a
porção mais significativa dos mesmos padecem com a falta de interesse na propriedade
e a especulação sobre o valor da terra urbana em si, resultando em descaso quanto a
conservação das vacâncias urbanas.
A relação dos grupos sociais excluídos com os vazios é, talvez, a mais pessoal pois
é uma relação de sobrevivência. O déficit habitacional nacional é de aproximadamente
6,18 milhões de habitações segundo o último censo do IBGE (2014), esse mesmo levan-
tamento apontou também a existência de cerca de 6,07 milhões de domicílios vacantes
no país – o que equivalia a aproximadamente 98,2% do déficit habitacional do país.
Atualmente estima-se que o número de domicílios vacantes no Brasil tenha superado
o número do déficit habitacional, ou seja, no país existe mais casa sem gente do que
gente sem casa. Ocupar as edificações vazias do centro é uma das principais alternativas
adota por quem sofre desse problema social, isso se dá devido ao fato de que o centro
possuí inúmeras qualidades de habitabilidade atrativas, a exemplo da proximidade de
locais de trabalho, boa conectividade do sistema viário e acesso a infraestrutura urbana.
É importante destacar que os vazios urbanos não desempenham a função social da
propriedade, prevista nos artigos 182 e 183 da Constituição Brasileira de 1988 (BORDE,
2006), sendo assim, a ocupação desses espaços, ainda que ilegal, é de certa forma legítima
pois os confere um direito constitucional (CLICHEVSKY, 2000). Para Corrêa (2011, p.47)
“A terra urbana e a habitação são objetos de interesse generalizado,
envolvendo agentes sociais com ou sem capital, formal ou informalmente
organizados. Estabelece-se uma tensão, ora mais, ora menos intensa,
porém permanente, em torno da terra urbana e da habitação. ”
Por fim, o Estado, agente que desempenha múltiplos papeis na dinâmica da pro-
dução do espaço urbano. Essa multiplicidade comportamental é proveniente do fato de
que o Estado atua como um palco onde diversos interesses que entram em conflito entre
si (CORRÊA, 2011). É inerente ao Estado o poder da implementação de políticas públicas
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desuso. Segundo a autora, essa abordagem de desenvolvimento urbano deve ser a utilizada
pelo urbanismo contemporâneo, já que não se pode, nem se deve desperdiçar toda uma
rede de infraestrutura urbana já consolidada. É necessário que haja uma conscientiza-
ção de um novo modelo de produção urbana e o pensamento do novo através do reuso.
“Na discussão acerca da dispersão urbana, pergunta-se por que estender e cons-
truir a cidade em locais fora dela se existem vazios, ruínas e imóveis subutilizados nos
centros. ” (MASCARÓ, 2001 apud PAIVA 2011, p.6). Os vazios urbanos centrais se encaixam
perfeitamente nessa condição de desenvolvimento urbano sustentável por serem um
estoque de glebas que não desempenham função social, mas que ficam se localizam
em áreas que já possuem uma forte infraestrutura urbana e conectividade viária. É de
suma importância destacar que as áreas centrais urbanas são localidades complexas e
requerem intervenções com abordagens específicas e respeitosas. Todavia, é inegável
considerar a pertinência e a necessidade de repensar os vazios urbanos como lugar do
possível, levando em consideração que a reutilização de espaços do tecido urbano é a
suma interpretação de uma cidade mais igualitária e sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
2000. Disponível
em:<http://www.rio.rj.gov.br/smu.> Acesso em: 18 de novembro de 2019.
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Pessoa. In: Encontro Nacional dos Geógrafos, 18, 2016, São Luís. 12f.
2011, p. 97 - 108.
Pergamon
Press.
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ZONEAMENTO CULTURAL
COMO INSTRUMENTO
DE PRESERVAÇÃO E
DESENVOLVIMENTO:
OS CASOS DE
PARANAPIACABA E
CAMPINAS
CULTURAL ZONING AS AN INSTRUMENT OF
PRESERVATION AND DEVELOPMENT: THE
CASES OF PARANAPIACABA AND CAMPINAS
DE PARANAPIACABA Y CAMPINAS
EIXO TEMÁTICO: PATRIMÔNIO, ESCALAS E PROCESSOS
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RESUMO
A prática da preservação de sítios histórico-culturais vem mostrando que o tombamento, embora
cumprindo seu papel essencial na outorga de valor, é um instrumento insuficiente diante das
necessidades de preservação sustentável do patrimônio compreendido como paisagem cultu-
ral. Conceito adotado pelo Comitê do Patrimônio Mundial da UNESCO (1992) e pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (2009), as paisagens culturais vislumbram uma
abordagem integral e integrada dos patrimônios culturais (naturais, materiais e imateriais) no
território. Partindo da visão sistêmica e simbiótica proposta, tal abordagem considera essencial
a interdisciplinaridade, bem como a ação integrada do planejamento e gestão territoriais com
as políticas ambientais, socioeconômicas e culturais. A preocupação volta-se em conjugar a
política de preservação ao processo dinâmico de desenvolvimento das cidades, o que implica em
não impedir as mudanças, mas direcioná-las a favor dos patrimônios e, portanto, trabalhar na
perspectiva do desenvolvimento sustentável. Nesse sentido, a estratégia mais adequada baseou-
-se na utilização de instrumentos do planejamento urbano, como o zoneamento e os planos
diretores. Pretende-se, pois, debater as necessárias interfaces entre essas políticas a partir de
duas experiências distintas realizadas em Paranapiacaba, em Santo André – SP, entre 2005 e
2008, e durante a revisão do Plano Diretor e Lei de Uso e Ocupação do Solo de Campinas – SP,
entre 2014 e 2016.
A BSTRACT
The practice of preserving historical-cultural sites has shown that classification, while ful-
filling its essential role in granting value, is an insufficient instrument in view of the needs
of sustainable preservation of heritage understood as cultural landscape. A concept adopted
by the UNESCO World Heritage Committee (1992) and the National Institute of Historical and
Artistic Heritage (2009), cultural landscapes envision an integral and integrated approach to
cultural heritage (natural, materials and immaterials) in the territory. Based on the systemic
and symbiotic vision proposed, this approach considers interdisciplinarity essential, as well
as the integrated action of territorial planning and management with environmental, socio-
economic and cultural policies. The concern is focused on combining the preservation policy
with the dynamic process of development of cities, which implies not hindering changes, but
directing them in favor of heritages and, therefore, working from the perspective of development
Sustainable. In this sense, the most appropriate strategy was based on the use of urban planning
instruments, such as zoning and master plans. It is therefore intended to discuss the necessary
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interfaces between these policies from two distinct experiences carried out in Paranapiacaba,
in Santo André - SP, between 2005 and 2008, and during the review of the Master Plan and Land
Use and Occupation Law of Campinas - SP, between 2014 and 2016.
KEYWORDS: cultural zoning. cultural landscapes. integrated territorial policies. master plan.
RESUMEN
La práctica de preservar los sitios histórico-culturales ha demostrado que la clasificación, si
bien cumple su papel esencial en la concesión de valor, es un instrumento insuficiente en vista
de las necesidades de preservación sostenible del patrimonio entendido como paisaje cultural.
Un concepto adoptado por el Comité del Patrimonio Mundial de la UNESCO (1992) y el Insti-
tuto Nacional del Patrimonio Histórico y Artístico (2009), los paisajes culturales prevén un
enfoque integral e integrado del patrimonio cultural (natural, materiales e inmateriales) en
el territorio. Sobre la base de la visión sistémica y simbiótica propuesta, este enfoque considera
esencial la interdisciplinariidad, así como la acción integrada de planificación y gestión ter-
ritorial con políticas ambientales, socioeconómicas y culturales. La preocupación se centra en
combinar la política de preservación con el proceso dinámico de desarrollo de las ciudades, lo
que implica no obstaculizar los cambios, sino orientarlas en favor de los patrimonios y, por lo
tanto, trabajar desde la perspectiva del desarrollo Sostenible. En este sentido, la estrategia más
adecuada se basó en el uso de instrumentos de planificación urbana, como la zonificación y los
planes maestros. Por lo tanto, se pretende discutir las interfaces necesarias entre estas políticas
a partir de dos experiencias distintas llevadas a cabo en Paranapiacaba, en Santo André - SP,
entre 2005 y 2008, y durante la revisión del Plan Maestro y la Ley de Uso y Ocupación de Las
Campinas - SP, entre 2014 y 2016.
INTRODUÇÃO
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Nacional (IPHAN, 2007 e 2009), as paisagens culturais vislumbram uma abordagem integral
e integrada dos patrimônios culturais (naturais, materiais e imateriais) no território.
O progressivo alargamento daquilo que é considerado objeto de interesse para a
preservação, que passou do monumento, como elemento isolado e destacado (natural
ou construído), aos conjuntos arquitetônicos e urbanos, centros e cidades históricas
reconhecidos em seus valores estéticos e históricos – e, recentemente, aos patrimônios
imateriais e à paisagem em diversas escalas territoriais (unidades intraurbanas e siste-
mas regionais de paisagem), agregando outros valores (antropológicos e de uso) rumo
ao reconhecimento da diversidade cultural – cria novas questões e, portanto, novos
desafios ao reconhecimento e à gestão.
O conceito de paisagem cultural propõe congregar estes vários aspectos e abordagens
correntes no campo da preservação cultural, considerando sua interdisciplinaridade
e a necessidade de superação da fragmentação ainda praticada. Partindo-se de uma
concepção mais alargada e integradora entre a ação do homem e a natureza e entre os
patrimônios material e imaterial, adotar a paisagem como patrimônio promove, ao passo
que admite, o constante movimento e as relações inseparáveis e complementares entre
conceitos e abordagens de diversos campos do conhecimento – da história, da arqueo-
logia, da arte, da arquitetura, do urbanismo, do planejamento territorial, da sociologia,
da antropologia, da cultura, da geografia (RIBEIRO, 2007), da etnografia, da ecologia, da
biologia, do turismo, da ciência política – e suas correspondências no meio físico, seja
nos objetos móveis, na edificação ou no território – urbano, rural ou natural. Tal como
coloca a Recomendação R(95)9 do Conselho de Ministros da Europa (1995), deve pressupor
a ação integrada do planejamento e gestão territoriais com as políticas ambientais e
sociais, sobretudo em suas dimensões culturais e econômicas. Deve também conjugar
a política de preservação ao processo dinâmico de desenvolvimento das cidades, o que
implica necessariamente em não impedir as mudanças, mas em direcioná-las a favor dos
patrimônios e, portanto, trabalhar na perspectiva do planejamento e desenvolvimento
sustentáveis (FIGUEIREDO, 2014).
Partindo da visão sistêmica e simbiótica proposta por esta nova abordagem, con-
sidera-se essencial a visão e metodologias interdisciplinares. Nesse sentido, a estratégia
mais adequada baseou-se na utilização de instrumentos do planejamento urbano, como
o zoneamento e os planos diretores. Pretende-se, pois, debater estas necessárias interfaces
entre as políticas de planejamento territorial integrado, preservação cultural, ambiental
e participação social, a partir das experiências desenvolvidas em Paranapiacaba, em
Santo André – SP, entre 2005 e 2008, e durante a revisão do Plano Diretor e Lei de Uso e
Ocupação do Solo de Campinas – SP, entre 2014 e 2016.
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FIGURA 1. Vila Ferroviária de Paranapiacaba: a Vila Nova (em primeiro plano); o pátio ferroviário
(ao lado); a Vila Velha (ao fundo), 2006. Fonte: LUME FAU USP/PMSA.
[1] Informações mais completas sobre o programa ver FIGUEIREDO, 2014 e FIGUEIREDO&RO-
DRIGES, 2014, pois este artigo trata resumidamente apenas da experiência da Lei da ZEIPP.
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modificados, permitindo assim que nos demais imóveis de uso residencial e comercial
fossem realizadas intervenções de adaptação. Vale destacar que o projeto original das
casas dispõe de sanitários externos à edificação. Na fase em que a Vila foi administrada
pela Rede Ferroviária Federal houve uma adaptação generalizada e centralizada dos
sanitários no interior dos imóveis em madeira. Estes são atualmente utilizados pelos
moradores e assim foram mantidos na lei, apenas com correções técnicas estabelecidas
nos manuais de arquitetura. Desta forma, superou-se a adoção dos tradicionais níveis de
tombamento, compreendidos como uma gradação hierárquica incoerente à concepção
de paisagem cultural.
Estes exemplares foram destinados à visitação pública e, por isso, passaram a abri-
gar os espaços expositivos que compõe o roteiro do Circuito Museológico, apresentando
o diversificado patrimônio de Paranapiacaba. Baseado na concepção de “museu a céu
aberto” ou ecomuseu, a casa de tipologia C, conhecida como “Castelinho” ou “Casa do
Engenheiro-Chefe”, abriga uma exposição sobre a história da Vila. O patrimônio natural
era exposto no Centro de Visitantes do Parque, um exemplar de Casa de Engenheiro.
O patrimônio humano estava na Casa da Memória, um exemplar da casa Tipo A (para
famílias pequenas de operários). Um conjunto de casas Tipo E (para operários menos
graduados) trata do patrimônio arquitetônico e urbanístico, cujo espaço denomina-se
CDARQ – Centro de Documentação de Arquitetura e Urbanismo. As Casas Tipo D inte-
gram o conjunto do Antigo Lyra da Serra, local onde funcionou o segundo cinema do
Brasil. Estes estavam em processo de restauro para abrigar novamente o cine-teatro
e um espaço para educação patrimonial, com brinquedoteca e desenvolvimento do
turismo pedagógico, mas a obra foi paralisada pelo governo subsequente em 2011. Este
projeto museológico, que articula espaços expositivos diversos ao percurso que envolve
a paisagem cultural local, foi premiado em maio de 2007 pelo IPHAN no “Concurso de
Modernização de Museus”.
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FIGURA 3. Paranapiacaba: Tipologias residenciais. Fonte: LIMA, 2008. Mapa: elaboração da autora.
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uma casa de engenheiro incendiada que foi recomposta com o programa de biblioteca
pública; os cercamentos de um conjunto de quadras e a Antiga Padaria, finalizada em
2010. Em 2011 foram recontratados pela empresa que ganhou a licitação para a restau-
ração do Antigo Lyra da Serra, executada com financiamento do Ministério do Turismo
em 2008. Além disso, a cooperativa produzia elementos construtivos das casas, como
portas, janelas, mãos francesas, beirais e cercas, visando à constituição de um banco de
materiais centralizado para reposição adequada de elementos arquitetônicos degradados,
já cumprindo uma das diretrizes específicas de preservação constante na lei da ZEIPP.
Tipo E-CDARQ. Fonte: LIMA, 2008. Fotos: Gilson Lameira de Lima, 2007.
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[2] Para informações sobre a revisão da legislação de Campinas ver (JORGE et all, 2018).
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reconhecidos; 4. dos bens materiais e imateriais de interesse cultural ainda não reco-
nhecidos, inclusive aqueles identificados pela população em processos participativos;
5. da legislação urbanística, ambiental e de preservação cultural vigentes; 6. da sobre-
posição cartográfica destas informações em sistema GIS, conforme ilustram algumas
imagens a seguir.
Livres e Patrimônios Naturais; Processo de urbanização. Fonte: FUPAM FAU USP/PMC, 2015.
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FIGURAS 10,11,12. Bens tombados (concentrados na área central); Patrimônio Imaterial: Folia de
Reis; Festa da Comunidade Alemã e Suiça do Friburgo e Fogueteiro. Fonte: FUPAM FAU USP/
PMC, 2015.
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FIGURA 13. Sistema de paisagens culturais em Campinas. Fonte: FUPAM FAU USP/PMC, 2015.
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Não será possível, no curto espaço deste artigo, caracterizar cada uma destas paisa-
gens, tampouco as diretrizes de preservação e gestão desenhadas para cada uma delas.
No entanto, destacaremos algumas diretrizes gerais propostas.
FIGURAS 16, 17. Paisagens culturais: Pátio Ferroviário da Fepasa, Centro e Vila Industrial; Estação
Fepasa.
Fonte: FUPAM FAU USP/PMC, 2015. Imagem aérea de Campinas em 1975. Fonte: MIS/PMC. Foto:
Leonel Albuquerque.
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FIGURA 20. Zoneamento ordinário e a sobreposição do zoneamento cultural das ZEPPACs. Fonte:
FUPAM FAU USP/PMC, 2015.
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Em que pese os percalços das disputas políticas, das trocas de governo e das carências
e limitações da gestão pública no Brasil, as experiências aqui apresentadas contribuíram
para o debate e para a área de conhecimento da preservação cultural, do planejamento
territorial e da administração pública, na medida em que avançaram conceitualmente,
metodologicamente e no planejamento e gestão integrada e participativa. O que se
espera, como possibilidade de futuro, é que elas sejam capazes de inspirar outras ações
que busquem trilhar o caminho da sustentabilidade onde a cultura seja um dos pilares
fundamentais das políticas territoriais e socioeconômicas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Arquitextos
abr. 2018 <https://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/18.215/6959>.
COPEDOC, 2007.
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