Você está na página 1de 124

Um Banho de Sol

para o Brasil
O que os aquecedores solares
podem fazer pelo meio ambiente
e a sociedade
Copyright © 2004 by Vitae Civilis Instituto para o
Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra por


quaisquer meios sem a autorização expressa, prévia e por
escrito do Vitae Civilis

Preparação e edição de textos


Délcio Rodrigues & Roberto Matajs

Revisão
Ana Lúcia Horn

Capa
Roberto Galian

Projeto gráfico
Ivan Ribeiro

Tradução para inglês


Mark Lutes

Apoio ao projeto
Blue Moon Fund

Apoio Institucional
Fundação Ford

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Rodrigues, Délcio & Matajs, Roberto

Um banho de sol para o Brasil: o que os aquecedores solares podem


fazer pelo meio ambiente e sociedade / Délcio Rodrigues & Roberto
Matajs

São Lourenço da Serra: Vitae Civilis, 2004.

1. Desenvolvimento sustentável
2. Energia renovável
3. Meio Ambiente

Índices para catálogo sistemático

1. Desenvolvimento sustentável
2. Energia renovável
3. Meio Ambiente
4. Energia solar e aquecimento de águas

Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz


Caixa Postal 1980 – São Lourenço da Serra – SP – Brasil – 06890-000
www.vitaecivilis.org.br
e-mail: vcivilis@vitaecivilis.org.br
Um Banho de Sol
para o Brasil:
O que os aquecedores solares
podem fazer pelo meio ambiente
e a sociedade

Délcio Rodrigues e Roberto Matajs


Instituto Vitae Civilis
Janeiro de 2005

Com apoio do Blue Moon Fund


Vitae Civilis Instituto para o Desenvolvimento,
Meio Ambiente e Paz
Caixa Postal 1980 – São Lourenço da Serra – SP – Brasil
06890-000

www.vitaecivilis.org.br
e-mail: vcivilis@vitaecivilis.org.br

Conselho Deliberativo
Júlio Wainer – presidente
Percival M. Maricato
Neide Y. Takaoka
Francisco Luiz Rodrigues

Coordenação executiva
Rubens Harry Born

Coordenação Institucional
Gemima Cirilo Cabral Born
Cristina Orphêo

Coordenação do projeto
Délcio Rodrigues

Equipe de execução do projeto


Délcio Rodrigues
Roberto Matajs

Equipe de apoio à execução


Mark Lutes
Rubens Harry Born
Simone Silva Jardim
Edmilson Soares
Dênio Lupinacci
Angela Bonavita
Cristina Orphêo
Silvana Macedo

Consultor para projeto gráfico


Roberto Galian

Vídeo:
Um banho de sol para o Brasil
Altermídia Produções

Parcerias
Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado,
Ventilação e Aquecimento - ABRAVA

Apoio
Blue Moon Fund

Apoio institucional
Fundação Ford

\\Servidor\c\coord proj\Projetos em Realização\Blue Moon energia


solar\produtos\Proposta de ficha técnica.doc

6 Um banho de sol para o Brasil


Um banho de Sol para o Brasil é parte integran-
te do projeto “Mudando o curso do uso
doméstico de energia: ações para a promoção
do mercado de coletores solares e de
políticas públicas pela energia sustentável”,
desenvolvido por Délcio Rodrigues e Roberto
Matajs para o Instituto Vitae Civilis com
financiamento do Blue Moon Fund.

Um banho de sol para o Brasil 7


8 Um banho de sol para o Brasil
O Instituto Vitae Civilis é uma organização não-governa-
mental sem fins lucrativos que, desde sua criação em
1989, tem trabalhado pela construção de uma sociedade
sustentável. Sua missão é catalisar, mobilizar e mediar
processos sociais, além de agir diretamente neles, lutando
pela melhoria da qualidade de vida com respeito pela
diversidade cultural e biológica. Como sua base, o Vitae
Civilis acredita nos sistemas democráticos para o
gerenciamento dos interesses humanos.
No seu Programa para a Cidadania e Sustentabilidade no
Contexto da Globalização, o Vitae Civilis busca contribuir
com transparência e efetividade a formulação e a gestão
democrática de políticas públicas para o desenvolvimento
sustentável, do nível local para o global, e vice-versa.
Conseqüentemente, o instituto tem participado dos
processos que levaram aos acordos internacionais relacio-
nados com mudanças climáticas, biodiversidade, Agenda
21 e Carta da Terra, disseminando informação e contribuin-
do para a capacitação de muitas outras organizações da
sociedade civil.
O Vitae Civilis é membro de vários movimentos sociais e
de redes de ONGs e monitora organizações multilaterais,
como a ONU e o Banco Mundial; coordenou a delegação do
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais em Meio
Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS), as conferências da
ONU: Rio-92 e Rio+10/WSSD (Cúpulas do Rio e de
Johannesburg); é membro fundador de várias redes nacio-
nais e internacionais e membro do Conselho Internacional
do Climate Action Network (CAN), do GT Clima Brasil do
FBOMS e do GT Agenda 21, entre outros.

O Blue Moon Fund é uma fundação sem fins lucrativos


devotada à elevação da condição humana pelo mapeamento
da rede de conexões entre o consumo humano, o mundo
natural e o avanço econômico. Seu fundo apóia abordagens
práticas que combinam inovações culturais, tecnológicas,
econômicas e ambientais para a melhoria da qualidade da
vida humana. Procurando maneiras de melhorar comunida-
des rurais e urbanas, o fundo está particularmente preocu-
pado com a interface entre os habitats humanos, as
mudanças climáticas e a biodiversidade.
(www.bluemoonfund.org)

Um banho de sol para o Brasil 9


Vitae Civilis
Instituto para o Desenvolvimento, Meio Ambiente e Paz
Praça 10 de Agosto, 51
06890-000 - São Lourenço da Serra - São Paulo - Brasil
Caixa Postal: 1908
06890-970 - São Lourenço da Serra - São Paulo - Brasil
Tel.: +55(11) 4686 1814 ou 4686 1965
Fax: +55(11) 4686 1851
E-mail: vcivilis@vitaecivilis.org.br
Internet: www.vitaecivilis.org.br

10 Um banho de sol para o Brasil


ÍNDICE

APRESENTAÇÃO 13

SUMÁRIO EXECUTIVO 16

Barreiras encontradas 19
Oportunidades legais 31
Conclusões 33

1. O MERCADO TERMOSSOLAR E A REDUÇÃO DOS


IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DA ENERGIA
ELÉTRICA 35

1.1. Mercado internacional 48

2. BARREIRAS ENFRENTADAS PELA TECNOLOGIA


TERMOSSOLAR 51

2.1. Alto custo inicial de instalação


dos aquecedores solares 53
2.2. Prevalência do uso
de chuveiros elétricos 59
2.3. Códigos de obras municipais
pouco amigáveis ao termossolar 63
2.4. Dificuldades para obtenção de
financiamento para instalação
de coletores solares 74
2.5. Impossibilidade do uso do kW
evitado como ferramenta de planejamento
e gestão no modelo do setor elétrico 80
2.6. Falta de cultura tecnológica e
dificuldades inerentes à tecnologia 93

3. OPORTUNIDADES PARA A DIFUSÃO DA


TECNOLOGIA TERMOSSOLAR 99

3.1. Geração de certificados de redução


de carbono (CREs) 99
3.2. Normatização 106
3.3. Oportunidades legais 111

4. CONCLUSÕES 116

REFERÊNCIAS 120

Um banho de sol para o Brasil 11


12 Um banho de sol para o Brasil
APRESENTAÇÃO

Para investigar as barreiras ao desenvolvi-


mento do mercado de aquecedores solares no
Brasil, e para desenhar e implementar alter-
nativas de superação destas barreiras, o Ins-
tituto Vitae Civilis (VC), com financiamento
do Blue Moon Fund (BMF), desenvolveu ao lon-
go do ano de 2004 as primeiras duas fases do
projeto “Mudando o curso do uso doméstico
de energia: ações para a promoção do mer-
cado de coletores solares e de políticas públi-
cas pela energia sustentável”.
A motivação para o desenvolvimento do pro-
jeto partiu das seguintes constatações: (1)
que o uso de chuveiros e aquecedores de acu-
mulação elétricos representa cerca de 8% do
consumo brasileiro de energia elétrica, sendo
os chuveiros responsáveis por 18% da deman-
da de pico do sistema; (2) que a geração de

Um banho de sol para o Brasil 13


energia para suprir esse consumo tem sido
feita principalmente por meio de empreendi-
mentos hidrelétricos que pressionam fortemen-
te a biodiversidade e o mundo natural, além
de deslocar grandes contingentes
populacionais, e que a expansão do sistema
de geração tem sido pensada em termos de
investimentos em mais projetos hidrelétricos
de grande porte e em termelétricas a gás – e
a carvão mineral –, que aumentarão as emis-
sões de carbono para a atmosfera, contribu-
indo para as mudanças climáticas, além de
aumentar a poluição e a incidência de doen-
ças conseqüentes, e (3) que a tecnologia de
coletores solares não consegue “decolar” no
país, apesar de apresentar amplas vantagens
ambientais, econômicas e sociais.
A partir dessas constatações, o VC buscou,
nas duas primeiras fases deste projeto, (1) iden-
tificar os entraves financeiros, tecnológicos, bu-
rocráticos, institucionais e de capacitação exis-
tentes na sociedade brasileira para a penetra-
ção da tecnologia termossolar, a partir do ponto
de vista dos diferentes atores envolvidos, por
meio de entrevistas dirigidas e em profundida-
de, e debates com grupos de discussão setorial,
e (2) definir estratégias de promoção da
tecnologia termossolar no mercado de serviços
de aquecimento de água dos setores residencial
e comercial em conjunto com esses atores. Numa
terceira fase, o VC colaborará na implementação
dessas estratégias. Os atores envolvidos na pes-
quisa são fabricantes de equipamentos
termossolares, financiadores da habitação e do
consumo, agentes reguladores, distribuidores de

14 Um banho de sol para o Brasil


energia elétrica e pesquisadores.

Na primeira fase, o VC identificou as barrei-


ras para a difusão em larga escala da tecnologia
termossolar e as possibilidades de superação
desses obstáculos. Para isso, foram levantadas
hipóteses de trabalho sobre essas barreiras,
identificados os atores institucionais relevantes
e buscadas as opiniões de pessoas que pudes-
sem caracterizar a visão dessas instituições, por
meio de entrevistas abertas realizadas em pro-
fundidade. Na segunda fase, e com base na sis-
tematização da pesquisa e no diálogo com es-
ses atores, o VC buscou construir
participativamente estratégias de superação das
barreiras à tecnologia.

Este livro reúne análises desenvolvidas a par-


tir de entrevistas, estudo de casos e diálogos
com os diferentes atores no decorrer do ano de
2004, além de informações e estudos pessoais
dos autores. As recomendações sugeridas cons-
tituem elementos para a construção de estraté-
gias de ações e de incentivos para a criação de
um mercado sustentado para a tecnologia
termossolar, considerando as amplas vantagens
socioambientais da utilização dessa tecnologia.

Um banho de sol para o Brasil 15


SUMÁRIO EXECUTIVO

O Brasil é um país com um enorme potencial


solar: praticamente em todo o território encon-
tram-se mais de 2 200 horas de insolação, com
um potencial equivalente a 15 trilhões de MWh,
correspondentes a 50 mil vezes o consumo na-
cional de eletricidade. A infra-estrutura para
aquecimento de água na maioria das cidades é
baseada nos chuveiros, equipamento de baixo
custo inicial, mas de grande consumo de ener-
gia ao longo de sua vida útil, o que representa
importantes demandas de capital para o setor
elétrico e altos custos ambientais e sociais. Os
chuveiros elétricos consomem 8% de toda a ele-
tricidade produzida no país e são responsáveis

16 Um banho de sol para o Brasil


por 18% do pico de demanda do sistema.

Os sistemas de aquecimento solar são uma


alternativa excelente aos chuveiros, já que po-
dem prover a água quente desejada nas habi-
tações, no comércio e nos serviços e têm muito
a contribuir para a mitigação dos impactos
socioambientais do setor elétrico brasileiro. A
tecnologia termossolar apresenta amplas van-
tagens ambientais, econômicas e sociais: por
substituir hidroeletricidade e combustíveis fós-
seis, cada instalação termossolar reduz de uma
vez e para sempre o dano ambiental associado
às fontes de energia convencionais, não produz
emissões de gases tóxicos, que contribuem para
a poluição urbana, não afeta o clima global, por
não emitir gases estufa para a atmosfera, e não
deixa lixo radiativo como uma herança perigosa
para as gerações futuras. Essa tecnologia apre-
senta também vantagens sociais, como a redu-
ção da conta de energia elétrica e a geração de
um grande número de empregos por unidade de
energia transformada: a produção anual de um
milhão de m² de coletores gera aproximadamen-
te 30 mil empregos diretos.

Entretanto, a tecnologia termossolar não con-


segue competir com os chuveiros no fornecimen-
to de água quente: em 2002, a área instalada
per capita de coletores solares no país era de
1,2 m 2/100 habitantes, consideravelmente me-
nor que aquela instalada em Israel (67,1 m 2/100
habitantes), na Áustria (17,5 m 2/100 habitantes)
e na China (3,2 m 2/100 habitantes). Para alcan-
çar a média de área instalada de coletores sola-
res dos países filiados à Agência Internacional
de Energia (IEA), a área instalada no Brasil, que

Um banho de sol para o Brasil 17


hoje é pouco maior que dois milhões de m², de-
veria ser de sete milhões de m²; para atingir os
valores apresentados por Israel e Grécia, paí-
ses recordistas no uso dessa tecnologia, a área
instalada no Brasil seria de entre 35 e 167 mi-
lhões de m² de coletores.

O país está longe de desenvolver um merca-


do dessa proporção: a produção brasileira de
coletores termossolares cresceu de menos de
50 mil m², em 1985, até o pico de pouco menos
de 500 mil m² em 2001, ano da crise de oferta
de energia elétrica. Já no ano seguinte, e com o
afastamento da possibilidade de racionamento
de eletricidade, a produção caiu para pouco mais
de 300 mil m² por ano. Durante esse período de
crescimento, alguns fabricantes puderam ter
idéia de qual seria o reflexo, em sua produção,
de uma demanda de crescimento constante: a
necessidade observada de ampliar suas linhas
de montagem para garantir a entrega dos pedi-
dos. Tal experiência serviu para se conhecer o
limite de sua capacidade de produção e admitir
que o crescimento do mercado deve se dar de
forma gradativa.

18 Um banho de sol para o Brasil


Barreiras encontradas

Foram exploradas sete barreiras à implanta-


ção e utilização de aquecedores termossolares,
tomadas como hipóteses de trabalho:

1 a barreira – Alto custo inicial:

Apesar do custo inicial de instalação de aque-


cedores termossolares no Brasil ter caído consis-
tentemente nos últimos 20 anos, período no qual
passou de US$ 500/m2 para algo em torno de US$
100/m2, seu valor continua alto se comparado ao
preço da principal tecnologia concorrente, os chu-
veiros. Essa afirmação pode ser verificada pelo
tempo de retorno do investimento em coletores
termossolares na substituição de chuveiros, que
varia de 2 a 12 anos, dependendo das condições
de insolação da região e do dimensionamento do
sistema termossolar.

As possibilidades de redução dos custos da


tecnologia termossolar apontadas nas entrevis-
tas foram a substituição de materiais e os gan-
hos de produtividade por economia de escala.
Entre os materiais alternativos mais citados en-
contram-se o galvalume (aço revestido de zinco
e alumínio) e os termoplásticos. Esses últimos vêm
sendo utilizados em vários componentes e tam-
bém na construção de todo o sistema, situação
em que propiciam forte automação de processos.

Os entrevistados ligados ao modo tradicional


de fabricação de aquecedores termossolares no
país, que utiliza materiais como cobre, vidro e alu-
mínio, acreditam que os custos de produção difi-
cilmente terão uma redução, já que identificam

Um banho de sol para o Brasil 19


tendência de aumento nos custos das matérias-
primas. Alguns relatam experiências de
automação que não chegaram a ter impactos sig-
nificativos na redução dos custos de produção.
Outros entrevistados, que trabalham com proces-
sos mais automatizados e com termoplásticos, ou
ainda que atuam na academia ou em órgãos go-
vernamentais e reguladores, vêem uma tendên-
cia de redução desses custos.

É praticamente consensual entre os entrevis-


tados que o preço ao consumidor terá de cair mais
para a difusão da tecnologia em larga escala, o
que só poderá ser atingido com aumento de es-
cala e se fabricantes, agentes financiadores, ins-
titutos de pesquisa e outros atores encontrarem
um ambiente propício para investir no desenvol-
vimento de alternativas tecnológicas e gerenciais
de produção, comercialização e instalação capa-
zes de ter impacto efetivo no custo final para o
consumidor.

2 a barreira – Competição com os chuveiros


elétricos:

Os chuveiros estão presentes em 67% das re-


sidências brasileiras, sendo que no Sul e Sudes-
te estão em quase 100% destas. O equipamen-
to é barato, varia de cerca de R$ 20,00, para os
mais simples e de menor potência (4,4 kW), até
cerca de R$ 350,00 para os de controle eletrôni-
co e maior potência (8,2 kW). A grande difusão
dos chuveiros está fortemente ligada a esses mo-
destos custos de aquisição, acompanhados da
disponibilidade, nas edificações, da infra-estru-
tura hidráulica e elétrica necessária à sua insta-

20 Um banho de sol para o Brasil


lação e também da ausência de regulamentação
para seu uso. Não há limitação para instalação
de chuveiros em função de parâmetros
socioeconômicos da habitação; não há regras para
potências máximas, nem para a regionalização
destas em função das diferentes temperaturas
médias das várias regiões do país.

No entanto, os entrevistados não visualizam


a regulação do uso dos chuveiros como ferramen-
ta efetiva de promoção da difusão de sistemas
termossolares. Foram propostos dois caminhos
para a regulação do mercado de chuveiros: a res-
trição regional da potência dos chuveiros
comercializados e a restrição da sua instalação
em função da condição socioeconômica da habi-
tação.

A primeira proposta procurava tomar partido


da variação climática existente num país da ex-
tensão do Brasil, onde a média anual de tempe-
raturas exige equipamentos de relativamente alta
potência no Sul e em algumas regiões do Sudes-
te, enquanto permite o uso de equipamentos de
relativamente baixa potência no Centro-Oeste,
no Norte e no Nordeste. A segunda proposta pro-
curava restringir o uso de chuveiros nas
edificações de padrão médio e alto.

A regulação socioeconômica foi descartada


pela maioria dos entrevistados, classificada como
interferência na liberdade de escolha. Já a pro-
posta de regulação geográfica da potência dos
chuveiros recebeu reações contraditórias, com o
apoio de alguns entrevistados – que sugeriram
estudos de clima regional para a definição das
faixas de potência a serem comercializadas –, a

Um banho de sol para o Brasil 21


oposição de outros ou, ainda, a indiferença de
alguns – por interferir minimamente, ou não in-
terferir, no mercado. Houve também a rejeição
por princípio – sob a justificativa de que as op-
ções devem ser apresentadas aos consumidores,
que devem ter o direito de escolher aquela que
melhor lhes convier (convencimento pelo lado
positivo).

O uso do chuveiro como complemento ao


aquecedor termossolar em geral foi elogiado como
solução simples, barata e inteligente, mas foram
apontadas limitações ao seu emprego, que o co-
locam como opção somente para alguns nichos
de mercado. Algumas das limitações apontadas
foram: não deslocar dos momentos de pico do
sistema elétrico grande parte da demanda por
potência, beneficiar mais o usuário que a con-
cessionária e não ter uma boa imagem junto aos
consumidores de moradias de médio e alto pa-
drão, que buscariam, segundo alguns entrevis-
tados, maiores fluxos e temperaturas, o que é
permitido pela complementação por boilers, mas
não por chuveiros.

3 a barreira – Códigos de obras municipais


não amigáveis ao termossolar:

Ao não exigirem a instalação ou a preparação


para instalação de coletores solares na constru-
ção e em reformas de edificações residenciais e
comerciais, os códigos de obras municipais não
encorajam os futuros moradores a instalar aque-
cedores termossolares. Eles acabam optando por
chuveiros ou aquecedores de passagem a gás
ou elétricos. A adaptação dos códigos de obras

22 Um banho de sol para o Brasil


municipais pode ser uma importante política pú-
blica para a promoção da tecnologia termossolar,
como mostram os casos de Israel e das cidades
de Berlim e Barcelona. Essa última, depois de
obrigar, em agosto de 2000, a instalação de co-
letores termossolares em novas edificações ou
em reformas de porte, viu a instalação destes
saltar de 1,1 m2 /1 000 habitantes para 13 m 2/
1 000 habitantes em pouco mais de 3 anos.

Para a maioria dos entrevistados, é de funda-


mental importância introduzir a obrigação de co-
locação de tubulação de água quente, e até mes-
mo de coletores solares, nos códigos de obras
municipais para a difusão da tecnologia
termossolar, já que essas alterações seriam
indutoras de crescimento sustentado do merca-
do, de geração de empregos na construção civil,
nas indústrias de equipamentos, no comércio e
no setor de serviços. As cidades de Salvador,
Bahia, e Varginha, Minas Gerais, foram citadas
como exemplo de municípios que já aprovaram
ou estão considerando alterações no seu código
de obras para incorporar o aquecimento
termossolar.

No entanto, foram apontadas dificuldades


para a introdução dessas mudanças nos códigos
de obras nos municípios brasileiros advindas do
grande número de cidades existentes no país,
mais de 5 500, número que, combinado com o
fato de as alterações acontecerem caso a caso,
mostra a extensão do esforço necessário para a
implantação da medida. Foi citada a possibilida-
de de atualização do modelo de código de obras
elaborado pelo Instituto Brasileiro de Administra-
ção Municipal (Ibam) como uma maneira de ace-

Um banho de sol para o Brasil 23


lerar a transformação desses instrumentos mu-
nicipais. Foi ressaltado que são necessárias a cri-
ação de salvaguardas que respeitem as condi-
ções socioeconômicas da habitação e a revisão
dos códigos de obras de maneira participativa,
para que se garanta a aceitação das medidas.

Os entrevistados mais ligados ao setor de


construção civil destacaram que os consumido-
res ainda não estão dispostos a pagar por van-
tagens ambientais, e que o caminho é convencê-
los de que custos adicionais iniciais contribuem
para a redução de taxas de condomínio e/ou de
energia.

4a barreira – Problemas com financiamento:

A maioria dos entrevistados não percebe o


possível papel indutor de padrões e regulações
para o financiamento da construção civil na difu-
são ou criação de barreiras à disseminação de
tecnologias sustentáveis, particularmente da
termossolar. As vantagens e necessidades da
tecnologia são desconsideradas por parte dos
agentes financiadores. Até mesmo vantagens di-
retas que os agentes financiadores poderiam
auferir são desconsideradas, como a possível re-
dução da inadimplência de tomadores de baixa
renda propiciada pela redução das contas de luz
mensais.

Alguns entrevistados mencionaram que os


agentes financeiros deveriam obrigar que em todo
projeto novo esteja previsto pelo menos a tubu-
lação de água quente, particularmente no finan-
ciamento de conjuntos habitacionais populares.

24 Um banho de sol para o Brasil


A maioria dos entrevistados apontou que exis-
tem no mercado financiamentos diretos de com-
pra e instalação de coletores termossolares, como
as linhas de crédito do Banco Real e da Caixa
Econômica, mas que estas são burocratizadas.
Exemplos citados foram: a linha de crédito
socioambiental do Banco Real que só está dispo-
nível para correntistas do banco, e que são ori-
entados a comprar um equipamento das empre-
sas associadas à Abrava que tenham passado
pelos testes de etiquetagem do Inmetro; e a da
Caixa Econômica, que embora seja aberta a não
correntistas, tem procedimentos que levam o in-
teressado a visitar uma agência da instituição
pelo menos três vezes. Essas linhas de financia-
mento são pouco requisitadas devido à falta de
divulgação e também pelo alto valor das taxas
de juro embutidas nas linhas de crédito existen-
tes.

5 a barreira – Falta de capacitação pro-


fissional:

A não difusão plena da tecnologia termossolar


gera barreiras na medida em que muitos cons-
trutores consideram-na cara ou de difícil manu-
seio; arquitetos não estabeleceram repertório de
possibilidades estéticas de incorporação de co-
letores e acumuladores nos projetos; projetis-
tas têm dificuldade de acesso à informação so-
bre insolação e outros parâmetros técnicos ne-
cessários. Muitas vezes construções populares
não são projetadas com telhados e lajes que per-
mitam a instalação correta de aquecedores
termossolares. Um exemplo é o caso de Varginha,

Um banho de sol para o Brasil 25


Minas Gerais, onde foi necessário prolongar os
telhados ou adaptar os coletores a estruturas
apropriadas em um conjunto de residências po-
pulares. Em um exemplo citado pela Sociedade
do Sol, a solução encontrada para não alterar as
características arquitetônicas da casa modelo de
um conjunto habitacional foi montar os coletores
com tamanho menor e elevar a caixa-d’água para
permitir o funcionamento do sistema.

Para superar essas dificuldades, os entrevis-


tados citaram a necessidade de incluir no currí-
culo de cursos superiores de engenharia civil e
arquitetura conteúdos relativos à conservação de
energia, arquitetura bioclimática e tecnologia
termossolar. Nos cursos técnicos voltados à for-
mação de mestres-de-obras e encanadores da
construção civil, e vendedores, instaladores e pro-
jetistas para o comércio e serviços, foi sugerida
a inclusão de conteúdos relativos ao
dimensionamento e à instalação de circuitos hi-
dráulicos aplicados à tecnologia termossolar.

Foram citadas iniciativas de capacitação exis-


tentes ou em planejamento, como os cursos a
distância oferecidos pela PUC-MG, os cursos ofe-
recidos pelo Centro de Treinamento Praça do Sol
e o curso básico em aquecimento solar via rede
de TV “Energia Solar na TV – curso intensivo de
aquecimento solar de água”, oferecidos pela
empresa Soletrol, o programa de capacitação pro-
movido pela Abrava e coordenado pela PUC-MG,
atualmente em negociação com a Eletrobrás, e
os cursos oferecidos pela ONG Sociedade do Sol
e pelas escolas técnicas do Senai, iniciativas que
já atingiram alguns milhares de capacitandos.

26 Um banho de sol para o Brasil


6a barreira – Desinteresse do setor elétrico:

Com a desverticalização das empresas elétri-


cas, ocorrida no Brasil a partir de 1995, quando
da desregulamentação e privatização do setor elé-
trico, as atividades de geração, transmissão e dis-
tribuição de eletricidade foram organizadas em
empresas separadas. Nesse contexto, as empre-
sas de distribuição de eletricidade não têm moti-
vação econômica relevante para a implementação
de programas de conservação ou substituição de
tecnologias de uso final de energia, que em últi-
ma instância implicam perda de faturamento.

Entretanto, alguns dos entrevistados ressal-


taram o caráter de serviço público das atividades
do setor elétrico, que obrigaria as concessionári-
as a defenderem o direito constitucional da popu-
lação brasileira a um ambiente equilibrado, o que
implicaria promoção da conservação de energia e
do uso de fontes renováveis. Dessa maneira, a
disseminação da tecnologia termossolar, por meio
de programas de gerenciamento da demanda, de-
veria ser parte integrante das responsabilidades
das concessionárias, que passariam a ter seus
contratos revisados em períodos mais curtos e sob
a luz de critérios ambientais.

Os entrevistados ligados a distribuidoras com-


provaram que o marco regulatório do setor difi-
culta às distribuidoras efetivar programas de con-
servação em larga escala. Estes afirmaram que
as concessionárias só promoverão aquecedores
termossolares mediante compensações e que,
para isso, seria necessário desenvolver mecanis-
mos negociais, entre os beneficiados por eventu-
al expansão do mercado termossolar e as con-

Um banho de sol para o Brasil 27


cessionárias, para manter a receita das distribui-
doras. Devemos considerar que é provável que a
receita da distribuidora permaneça estável, mes-
mo com a introdução do termossolar, já que a lon-
go prazo os consumidores acabarão adquirindo
novos equipamentos eletroeletrônicos, utilizando
os recursos da economia conseguida na redução
dos gastos com o chuveiro elétrico. Foi o caso da
experiência do conjunto residencial de Contagem,
onde famílias atendidas pelo programa
implementado pelo Green Solar da PUC-MG opta-
ram pela compra de eletrodomésticos como a má-
quina de lavar roupas popular (tanquinho), que
passou a consumir parte da energia elétrica eco-
nomizada pelo chuveiro.

No entanto, esses mesmos entrevistados per-


cebem vantagens da promoção de coletores
termossolares em casos específicos, por exemplo,
para se explorar vantagens secundárias potenci-
ais para as distribuidoras, como a possível dimi-
nuição da inadimplência e do pagamento de im-
postos sobre a energia fornecida e não recebida
de consumidores de baixa renda, a melhoria da
qualidade de serviço em regiões sobrecarregadas,
a melhoria da imagem das empresas por meio de
investimento em projetos de caráter
socioambiental, que pode ser explorada no
marketing institucional, e o deslocamento de
carga do pico de demanda. De fato, os chuvei-
ros elétricos provocam um aumento de 121%
na potência média instalada e elevam em 365%
a demanda média (estima-se que o potencial
de redução da ponta de demanda nas regiões
Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil seja da
ordem de 2 000 MW).

28 Um banho de sol para o Brasil


Vários entrevistados destacaram a obrigação
determinada pela lei n o 9.991/00, de aplicação
de 1% da receita líquida operacional das em-
presas do setor elétrico em ações de combate
ao desperdício de energia e em pesquisa e de-
senvolvimento tecnológico, como uma ferramenta
do marco regulatório do setor elétrico que per-
mitiria impulsionar a tecnologia termossolar. Um
exemplo importante de ação originada dessa
percepção, e também da aplicação da lei acima
citada, é dado pela distribuidora Light Rio, que
está instalando gratuitamente, na baixada
fluminense, Rio de Janeiro, 2 570 sistemas de
aquecimento solar em comunidades de baixa
renda. A empresa espera melhorar o fornecimen-
to de energia em comunidades onde normalmen-
te há grande incidência de ligações clandesti-
nas e conseqüente sobrecarga no sistema, além
de diminuir o imposto que é pago sobre a ener-
gia fornecida e não recebida dessas comunida-
des.

A “tarifa amarela” foi citada como um outro


mecanismo de gerenciamento da demanda exis-
tente no marco legal do setor elétrico que pode
impulsionar o mercado de coletores
termossolares. Esse sistema tarifário busca re-
duzir a utilização de energia elétrica por parte
de pequenos consumidores dos setores
residencial e comercial nos períodos de pico, pela
oferta de descontos para a energia consumida
fora desse período e pelo incremento de custos
para a energia consumida nele.

Um banho de sol para o Brasil 29


7 a barreira – Ausência ou inadequação
normativa:

Alguns entrevistados se referiram ao estabe-


lecimento, em 1997, da Etiqueta Nacional de Con-
servação de Energia (ENCE) para coletores sola-
res, do Instituto Nacional de Metrologia, Norma-
lização e Qualidade Industrial (Inmetro), como um
marco de mudança de qualidade dos equipamen-
tos termossolares no mercado brasileiro. Segun-
do estes, a ENCE permite que os consumidores
tenham informação sobre a qualidade dos equi-
pamentos, algo que vai além do objetivo inicial
do programa de etiquetagem, de “informar o de-
sempenho térmico de sistemas e equipamentos para
aquecimento solar de água”.

O sistema, porém, não é livre de críticas. En-


trevistados observaram que a etiquetagem exis-
tente é frágil por ser não vinculante, e pelos tes-
tes não destrutivos utilizados serem inadequa-
dos, já que podem ser fraudados por fabricantes
inescrupulosos. Outros observam que o sistema
atrapalha a difusão de coletores com propostas
tecnológicas alternativas, pois comparam propos-
tas diferentes sem levar em conta custos de aqui-
sição e instalação. Segundo esses entrevistados,
um sistema que levasse em consideração o cus-
to–benefício dos equipamentos seria mais ade-
quado ao mercado brasileiro, que é bastante sen-
sível a custos e opera num ambiente com alta
insolação, permitindo performance adequada para
equipamentos de relativamente baixa eficiência.
Também foi levantada a inexistência de normas
de instalação como uma barreira para a expan-
são do uso de sistemas termossolares por
incorporadoras e construtoras.

30 Um banho de sol para o Brasil


Oportunidades legais

Foram citadas algumas oportunidades de pro-


moção da tecnologia termossolar existentes no
marco legal para o setor elétrico. Entre elas, a
reestruturação do Conselho Nacional de Políti-
ca Energética (CNPE), que definiu o objetivo do
Comitê Técnico de Gestão da Demanda de Ener-
gia e Fontes Renováveis como sendo o de pro-
por uma política de utilização racional de ener-
gia e dos recursos energéticos disponíveis, em
particular das fontes renováveis. O trabalho
desse comitê ainda deixa a desejar, mas a pres-
são do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos
Sociais (FBOMS) para nomear um representan-
te da sociedade civil organizada no CNPE pode
ser um importante fator dinamizador dos tra-
balhos.

A já citada lei n o 9.991/00, que obriga as em-


presas do setor elétrico a aplicar anualmente
entre 0,75% e 1% de sua receita operacional
líquida em pesquisa e desenvolvimento e em
programas de eficiência energética, pode se
transformar num dos mais importantes instru-
mentos para a promoção do uso de aquecedo-
res termossolares, sendo importante, para isso,
que os interessados no mercado termossolar
apresentem projetos concretos e relevantes de
acordo com o mecanismo legal.

Também mereceriam serem analisadas pos-


sibilidades ainda não exploradas pelo Progra-
ma de Desenvolvimento Energético de Estados
e Municípios (Prodeem), já que dentre os obje-
tivos desse programa constam “o aproveitamen-
to das fontes de energia descentralizadas no su-

Um banho de sol para o Brasil 31


primento de energéticos aos pequenos produto-
res, aos núcleos de colonização e às populações
isoladas” e a complementação da “oferta de ener-
gia dos sistemas convencionais com a utilização
de fontes de energia renováveis descentralizadas”,
demandas que a tecnologia termossolar tem
plena capacidade de atender.

Dentre os incentivos diretos existentes à


tecnologia termossolar, é importante citar a
isenção de IPI e ICMS, estabelecida pelo de-
creto n o 4.070/01 e por outros decretos esta-
duais, como o decreto n o 46.654/02, do estado
de São Paulo.

Existem também em tramitação no Congres-


so Nacional pelo menos cinco projetos de lei que
buscam incentivar o uso de aquecimento
termossolar no país, com objetivos que vão des-
de a obrigação de instalação de aquecedores
termossolares em projetos de construção de ha-
bitações populares (PL 3.680/04), passando
pela isenção de IPI e II (imposto de importa-
ção) para equipamentos e matéria-prima para
aproveitamento da energia solar (PL 4.783/01),
e chegando à constituição de fundos de finan-
ciamento da instalação de coletores solares, de
financiamento de programas de pesquisa, de-
senvolvimento e demonstração e de financia-
mento da produção de insumos e equipamen-
tos para geração de energia termossolar (PL
4.138/01, PL 630/03, PL 3.259/04).

32 Um banho de sol para o Brasil


Conclusões

Interessa à sociedade brasileira desenvolver


um grande mercado para aquecedores
termossolares, dadas as vantagens
socioambientais da tecnologia advindas do des-
locamento da hidroeletricidade na matriz
energética , da geração de empregos qualifica-
dos e da redução de recursos para investimen-
tos em geração, transmissão e distribuição de
energia elétrica. No entanto, os relativamente
altos custos iniciais de instalação da tecnologia
e a ausência de crédito a juros baixos para fi-
nanciamento dessa instalação, aliados à possi-
bilidade da alternativa de baixo custo inicial e
grande disponibilidade representada pelos chu-
veiros, inibem fortemente a difusão da tecnologia
termossolar.

Os entrevistados apresentaram, de modo ge-


ral, a visão de que, no contexto atual de preços
e financiamentos, a expansão do mercado pode
ser induzida por:

1. Alterações nos códigos de obras municipais


que obriguem a instalação ou a pré-instalação de
sistemas termossolares em novas construções e
em reformas de porte;

2. Aplicação em tecnologia termossolar de par-


te dos recursos provenientes da obrigação das em-
presas do setor elétrico de investir 1% de sua re-
ceita líquida em P&D e em programas de conserva-
ção de energia;

Um banho de sol para o Brasil 33


3. Desburocratização e divulgação maciça das
linhas de financiamento específicas existentes;

4. Criação de mecanismos de incentivo à utili-


zação da tecnologia termossolar nos financiamen-
tos de casa própria e de habitações populares;

5. Comercialização de Certificados de Redução


de Emissão de carbono.

Foi praticamente consensual que, com o pos-


sível aumento de escala de produção de siste-
mas termossolares induzido pelas medidas ci-
tadas, o preço ao consumidor dessa tecnologia
tende a cair, retroalimentando positivamente o
processo de crescimento do mercado. Nessas
condições, foi apontada a necessidade da am-
pliação da normatização e da criação de pro-
gramas de capacitação para que problemas de
construção e instalação não abortem um possí-
vel ímpeto de mercado. Como provável conse-
qüência da substituição pelo aquecedor
termossolar, a participação do chuveiro no
aquecimento de água residencial e comercial
deve cair, mas vários entrevistados prevêem
que o equipamento deve vir a ser utilizado como
complemento ao aquecimento termossolar em
alguns nichos de mercado.

34 Um banho de sol para o Brasil


1. O MERCADO TERMOSSOLAR E A REDU-
ÇÃO DOS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DA
ENERGIA ELÉTRICA

O Programa Nacional de Conservação de


Energia Elétrica (Procel) realizou em 1988 uma
pesquisa de posse de eletrodomésticos e hábi-
tos de consumo, que contribui para o entendi-
mento da importância do principal equipamento
concorrente dos aquecedores solares, o chuvei-
ro. O objetivo da pesquisa, que abrangeu todo
o país e o dividiu por região e concessionária,
foi determinar a participação dos principais ele-
trodomésticos no consumo e na curva de carga
do setor residencial. Para permitir várias possi-
bilidades de análise, a pesquisa agrupou os ele-
trodomésticos conforme a sua categoria de uso.
O Quadro 1 apresenta as categorias de uso
adotadas e sua participação no consumo de ele-
tricidade no setor residencial, para a região Su-
deste, no ano de 1988. Pode-se concluir que o
aquecimento de água foi um dos grupos que mais
consumiu energia elétrica.

Um banho de sol para o Brasil 35


Quadro 1. uso final de eletricidade no setor
residencial – região sudeste, 19881

Categoria de uso Participação


(%)
Refrigeração/Climatização 41,6
Aquecimento 33,0

Lazer 14,4
Limpeza/Serviços auxiliares 7,5

Cocção/Auxiliar alimentação 2,8

Uso pessoal 0,5

Os equipamentos utilizados para aquecimen-


to de água possuem diferentes graus de difu-
são em função da região, entretanto, pode-se
verificar no Quadro 2 que o chuveiro elétrico era
o equipamento mais utilizado na região Sudes-
te à época da pesquisa.

Quadro 2. Difusão dos equipamentos de


aquecimento de água – região Sudeste, 1988 2

Equipamento Domicílios %

Chuveiro 9.230.040 83,5


elétrico
Aquecedor de 127.907 1,1
Acum. Elétrico
Aquecedor de 85.461 0,7
Pass. Elétrico
Outros 1.813.590 14,7

Total 11.051.630 100,0

36 Um banho de sol para o Brasil


O chuveiro elétrico apresentava, e provavel-
mente continua apresentando, um grau de difu-
são elevado quando comparado aos demais equi-
pamentos. Esse alto grau de difusão repercute
diretamente no consumo de energia elétrica da
região Sudeste, devido à grande concentração
populacional desta. O Quadro 3 mostra a parti-
cipação do chuveiro no consumo de energia elé-
trica de cada região.

Quadro 3. Consumo de energia do chuveiro


elétrico por região3

Regiões Consumo %
(GWh/dia)

Sudeste 14,2 65
Sul 5,0 23
Centro-Oeste 1,3 6
Nordeste 0,8 4
Norte 0,4 2
Total 21,7

Pode-se observar que, juntas, as regiões Sul e


Sudeste representavam aproximadamente 90%
do total de energia elétrica consumida no aqueci-
mento de água em chuveiros elétricos no país.

A utilização do chuveiro elétrico acontece du-


rante todo o dia, mas concentra-se no período
entre 18 e 19 horas. Esse intervalo de uma hora
coincide com o período de ponta do sistema elé-
trico do setor residencial. Dados da pesquisa do
Procel4 de 1988 indicam que nesse período, em

Um banho de sol para o Brasil 37


50% das residências, pelo menos uma pessoa
está com o chuveiro ligado. No gráfico apresenta-
do na Figura 1, observa-se a participação
porcentual do chuveiro elétrico ao longo de um
dia útil na região Sudeste, na época da pesquisa.

Figura 1. Uso do chuveiro elétrico ao longo


do dia nas residências - região Sudeste

O uso de chuveiros e aquecedores de acu-


mulação elétricos representa cerca de 8% do
consumo brasileiro de energia elétrica e é res-
ponsável por 18% da demanda de pico do siste-
ma.

As hidrelétricas são responsáveis por mais de


82% da capacidade de geração de eletricidade
instalada no Brasil, sendo o restante de
termelétricas convencionais (15,1%), basicamen-
te a combustíveis fósseis, com pequena contri-
buição de biomassa e termonucleares.

38 Um banho de sol para o Brasil


Quadro 4. Capacidade instalada de geração
de eletricidade – Brasil 2001 5

Tecnologia 103 MW
Hidrelétricas (c/ PCH)* 63,7
Termelétricas** 9,3
Nuclear 2,0
Eólica 0,022
Biomassa 1,5
TOTAL 76,5

Importação 6,7
*PCH 1 690 MW; **Gás: 3 994 MW, Petróleo: 3 848 MW, Carvão: 1 461 MW

O novo modelo para o setor elétrico brasilei-


ro, aprovado pelo Congresso Nacional no ano
de 2004, prevê que a fonte hídrica deve preva-
lecer majoritária na geração de eletricidade, ape-
sar da participação crescente prevista para fon-
tes térmicas, principalmente a partir do gás na-
tural. Nas palavras do documento que apresen-
ta o modelo: “a geração hidrelétrica é atualmente
a fonte mais competitiva; logo, deverá predominar
na expansão de menor custo”6.

Claro que num contexto como esse


preocupam os impactos socioambientais da
hidroeletricidade. Um documento assinado por
centenas de ONGs brasileiras e internacionais,
e encaminhado em junho de 2004 à Conferência
Internacional Pelas Energias Renováveis,
sintetiza os impactos sociais das grandes
hidroelétricas na visão da sociedade civil
organizada. Citando a Comissão Mundial de

Um banho de sol para o Brasil 39


Barragens, o documento afirma que “as grandes
barragens são responsáveis pelo desalojamento de
40 a 80 milhões de pessoas (no mundo), com
muitos dos deslocados recebendo nenhuma ou
inadequada compensação. Milhões de pessoas têm
também perdido suas terras e modos de vida e têm
sofrido por causa dos efeitos à jusante e de outros
impactos indiretos das grandes barragens” 7 . O
documento também alerta para os impactos
ambientais das grandes hidroelétricas, por estas
serem emissoras de gases estufa, já que “a
decomposição da matéria orgânica nos
reservatórios das hidrelétricas causa a emissão de
metano e gás carbônico”, e por serem “ u m
importante fator no rápido declínio da biodiversidade
fluvial no mundo todo” 8. O mesmo documento
alerta para a possível alteração hidrológica
motivada pelas mudanças climáticas globais
causadas pelo aquecimento global, que ao
alterar o regime de chuvas pode implicar redução
notável da geração hidroelétrica.

A tecnologia termossolar é uma possibilidade


factível e competitiva de substituir a parte da
eletricidade que é usada para aquecimento nos
setores residencial, comercial, industrial e de
serviços e, conseqüentemente, de minorar a pre-
ocupação ambiental relativa à geração de ener-
gia elétrica. Por substituir hidroeletricidade e com-
bustíveis fósseis, cada instalação de aquecedo-
res solares reduz de uma vez e para sempre o
dano ambiental associado a essas fontes con-
vencionais, não produz emissões de gases tóxi-
cos, que contribuem para a poluição urbana, e
não deixa lixo radiativo como uma herança peri-
gosa para as gerações futuras.

40 Um banho de sol para o Brasil


O uso de aquecedores solares também não
afeta o clima global por não emitir gases estu-
fa para a atmosfera. Por não emitirem gases
estufa durante sua operação e por desloca-
rem a hidroeletricidade e os combustíveis fós-
seis majoritários na matriz energética brasilei-
ra, os aquecedores solares são candidatos à
obtenção de recursos do Mecanismo de Desen-
volvimento Limpo (MDL) do Protocolo de Quioto,
que promove o uso de fontes renováveis de
energia, fornecendo recursos como
contrapartida a reduções de emissão de ga-
ses estufa, o que pode vir a ser um impulso
adicional à penetração dessa tecnologia no
mercado brasileiro.

Além das vantagens ambientais, a


tecnologia termossolar apresenta aspectos
positivos no âmbito social advindos da
modularidade de suas aplicações, da
descentralização da sua produção, com a pos-
sibilidade de ser desenvolvida por pequenas e
médias empresas, e de geração de mais em-
pregos por unidade de energia transformada.

O Quadro 5 mostra o número de postos de


trabalho na instalação, operação e na manu-
tenção de equipamentos de geração de fon-
tes de energia distintas.

Um banho de sol para o Brasil 41


Quadro 5. Postos de trabalho gerados por
diferentes fontes de energia9

Postos de
trabalho anuais
Fonte por Terawatt-hora
Nuclear 75
PCHs 120
Gás natural 250
Hidroeletricidade 250
Petróleo 260
Petróleo offshore 265
Carvão 370
Lenha 733 - 1 067
Eólica 918 - 2 400
Álcool 3 711 - 5 392
Solar (fotovoltaica) 29 580 - 107 000

Claramente muitas das chamadas novas fontes


renováveis (solar, eólica, biomassa moderna) geram
mais postos de trabalho por unidade de energia pro-
duzida que as fontes convencionais, normalmente
produzidas em larga escala e em usinas que de-
mandam grandes concentrações de capital. Segun-
do os autores do estudo, a explicação para a gran-
de geração de empregos na energia fotovoltaica é
esta ser usualmente gerada em pequenos módulos
de 100 watts, de maneira que a geração de 1 TWh
requer tipicamente 10 milhões de módulos que pre-
cisam ser instalados e mantidos10.

42 Um banho de sol para o Brasil


A tecnologia termossolar segue a mesma lógi-
ca da fotovoltaica, sendo de se esperar que gere
números semelhantes de postos de trabalho. Da-
dos do Departamento de Energia Solar da Asso-
ciação Brasileira de Refrigeração, Ar Condiciona-
do, Ventilação e Aquecimento (Abrava) mostram
que a produção anual de 1 milhão de m² de cole-
tores no Brasil gera aproximadamente 30 mil em-
pregos diretos, sendo 8 mil na indústria, inclusi-
ve em micro e pequenas indústrias de produtos
agregados e afins, 14 mil na instalação, 4 mil no
comércio e mais 4 mil técnicos de nível médio.

O Brasil tem uma média anual de 280 dias de


sol, o que pode possibilitar retornos relativamente
rápidos e garantidos para os consumidores de
aquecedores de água solares (ver Figura 2), e a
energia solar que incide no Brasil em um ano é
de 15 trilhões de MWh, correspondente a 50 mil
vezes o consumo nacional de energia elétrica re-
gistrado em 1999.

Figura 2. Média anual da insolação diária


(em horas) no território brasileiro 11

Um banho de sol para o Brasil 43


Para aproveitar esse potencial, o país precisa-
ria desenvolver um grande mercado para aquece-
dores solares, mercado que está diretamente re-
lacionado com a área de coletores solares a se-
rem instalados nos diferentes setores residenciais,
comerciais, industriais e em segmentos rurais da
agricultura e da pecuária, que em algum momen-
to utilizam a água aquecida. O mapeamento dos
usos finais que requerem água aquecida nos di-
ferentes setores e segmentos pode servir como
base para um levantamento prévio do mercado
solar térmico. O Quadro 6 apresenta os principais
usos finais da água quente em cada setor. Nele
se pode observar que em todos os setores exis-
tem aplicações para o aquecimento de água que
poderiam serem feitas com facilidade por meio da
utilização de aquecedores solares.

Quadro 6. Setores da economia e usos finais


de água aquecida

Setor Usos finais

Residencial Água para banho, pias e


aquecimento de piscinas

Comercial Aquecimento de água


para banho de funcionários

Industrial Aquecimento de água


para banho de funcionários
Preaquecimento no processo
de produção de bens

Serviços e Aquecimento de piscinas


lazer
Rural Aquecimento de água
para trato de animais

44 Um banho de sol para o Brasil


Para chegar a resultados que permitam esti-
mar a área de coletores necessária para aten-
der aos usos finais desses setores é necessário
fazer algumas considerações com base em ce-
nários de mercado. No setor residencial, a utili-
zação dos aquecedores solares é possível em
banhos, pia e piscinas, apresentando grande po-
tencial de mercado para aquecedores solares.
O setor comercial se caracteriza pela venda de
produtos sem grande manipulação nos estabe-
lecimentos; assim, mesmo admitindo a possibili-
dade de aquecimento de água para higiene de
funcionários, a área de coletores a ser potenci-
almente instalada não é significativa. Já o setor
industrial pode apresentar, em alguns de seus
subsetores – como o de alimentos e bebidas –
grande potencial de aplicação para calor de pro-
cesso e higiene de funcionários. Finalmente, o
setor de serviços e lazer, que abrange, por exem-
plo, hotéis, motéis e clubes, pode também apre-
sentar um grande mercado para os aquecedo-
res solares.

Uma estimativa grosseira do potencial do mer-


cado brasileiro para aquecedores solares pode
ser conseguida com base em indicadores inter-
nacionais. Segundo o Programa de Aquecimen-
to e Refrigeração Solar da Agência Internacio-
nal de Energia (IEA)12, Israel, Grécia e Chipre são
os países de maior penetração da tecnologia
termossolar para aquecimento de água. Israel
tem cerca de 0,95 m² de coletores por habitan-
te e a Grécia 0,2 m² por habitante. Ainda se-
gundo a IEA, a média atual desse indicador para
os países filiados à agência é de 0,04 m² por
habitante. Para alcançar a média dos países afi-

Um banho de sol para o Brasil 45


liados à IEA, a área instalada no Brasil deveria
ser de sete milhões de m², e para atingir os va-
lores apresentados por Israel e Grécia o merca-
do potencial brasileiro teria de estar entre 35 e
167 milhões de m² de coletores.

Quadro 7. Área de coletores por habitante


em países selecionados13

País m2/100
habitantes
Israel 67,1
Áustria 17,5
Japão 7,9
Alemanha 5,1
China 3,2
Brasil 1,2
EUA 0,1

A área instalada hoje é bem menor que os va-


lores estimados para o potencial do mercado bra-
sileiro. Em 2002, a área total instalada de cole-
tores solares no Brasil era de 2,1 milhões de m²
(Figura 3), ainda muito abaixo dos valores indi-
cados acima, o que sugere que um grande cres-
cimento do número de instalações de aquecedo-
res solares pode ser esperado no futuro.

Para suprir essa demanda potencial por aque-


cedores solares, a produção brasileira teria de
crescer significativamente. Esta cresceu de me-
nos de 50 mil m² em 1985 até o pico de pouco

46 Um banho de sol para o Brasil


menos de 500 mil m² em 2001, ano da crise de
oferta de energia elétrica, que ficou conhecida
como “apagão”. Já no ano seguinte, e com o
afastamento da possibilidade de racionamento
de eletricidade, a produção caiu para pouco mais
de 300 mil m² por ano14.

Figura 3. Produção anual e instalação


acumulada de coletores solares – Brasil15

Um banho de sol para o Brasil 47


1.1. Mercado internacional

Segundo vários estudos conduzidos pela IEA


e pela Comissão Européia, o mercado internaci-
onal para aquecedores solares é grande e apre-
senta tendência de crescimento, embora tenha
comportamento bastante variado de país a país.

Essas variações são claramente mostrados


por um estudo da E u r o p e a n S o l a r T h e r m a l
Industry Federation16. Vários países apresentam
grandes e crescentes mercados. A China, por
exemplo, é o maior mercado de coletores sola-
res do mundo, com 5,5 milhões de m 2 de coleto-
res em 2001, a maioria com sistema de tubos de
vácuo. Cerca de 75% dos sistemas são instala-
dos em residências unifamiliares, 20% em
edificações multifamiliares e 5% em edificações
comerciais e industriais. Mais de 1 000 empre-
sas fabricam e vendem aquecedores solares,
sendo as 33 maiores responsáveis por 50 mil
empregos diretos, com mais 100 mil empregos
na comercialização, instalação e serviços pós-
venda.

Em Israel, 80% das residências são equipa-


das com aquecedores solares, o que é em gran-
de parte devido a uma legislação de já 20 anos
que requer aquecedores solares no teto de cada
nova construção acima de certa área.

Na Turquia, instalam-se anualmente perto de


630 mil m2 de coletores, que são manufaturados
localmente por cerca de 12 empresas de porte
médio e um grande número de pequenas em-
presas e oficinas.

48 Um banho de sol para o Brasil


Na Índia, o mercado termossolar, com 50 mil
m 2 instalados em 2001, ainda é pequeno se com-
parado ao tamanho do país, embora seja cres-
cente, como mostra a Figura 4 a seguir, dada a
promoção ativa do governo, que oferece baixas
taxas de juro a consumidores domésticos e be-
nefícios fiscais a consumidores comerciais e in-
dustriais.

Figura 4. Área de coletores solares


instalada na Índia (1 000 m2), 1988-2000 17

No Japão, o mercado entrou em declínio de-


pois do fim dos subsídios oferecidos até 1997.
Em 2001 foram instalados 314 mil m 2 de coleto-
res, menos da metade do que foi vendido em
meados dos anos 1990. Quinze por cento das
habitações japonesas são equipadas com aque-
cedores solares.

Um banho de sol para o Brasil 49


O mesmo tipo de retração é observado na
Austrália, onde o mercado cresceu rapidamente
depois da primeira crise do petróleo de 1973,
mas se retraiu posteriormente, sendo que a
maioria dos 20 fabricantes ativos no final dos
anos 1970 deixou o mercado. A área de coleto-
res envidraçados em operação no país é esti-
mada em 1,2 milhões de m2. O mercado para co-
letores não envidraçados para aquecimento de
piscinas é maior, com uma superfície acumulada
estimada em 2 milhões de m2.

Nos EUA o mercado é dominado por sistemas


de baixa temperatura usados para aquecimen-
to de piscinas, cerca de 900 mil m 2 anuais. O mer-
cado de coletores envidraçados é pequeno, cer-
ca de 25 mil m2 por ano.

50 Um banho de sol para o Brasil


2. BARREIRAS ENFRENTADAS PELA
TECNOLOGIA TERMOSSOLAR

Para identificar as barreiras para a difusão


em larga escala da tecnologia termossolar e as
possibilidades de superação destas a partir do
ponto de vista dos diferentes atores envolvidos
no setor (fabricantes, comercializadores e
instaladores, consumidores, agentes
financiadores, agentes reguladores, companhi-
as de geração e distribuição de eletricidade, pes-
quisadores etc.) foram levantadas hipóteses de
trabalho sobre essas barreiras, identificados os
atores institucionais relevantes e buscadas pes-
soas que pudessem caracterizar a visão dessas
instituições, às quais foram aplicadas entrevis-
tas abertas realizadas em profundidade. Foram
entrevistados representantes da associação dos
fabricantes do setor – Abrava – e dos fabrican-
tes Heliotek, Unipac e Soletrol; dos Bancos Real

Um banho de sol para o Brasil 51


Amro Bank, Caixa Econômica Federal e Banco do
Brasil; da Câmara Municipal da cidade de São
Paulo; da Câmara Federal dos Deputados; da
FEM-Unicamp, da Faculdade de Arquitetura, da
Escola Politécnica e do Instituto de Eletrotécnica
e Energia da USP, da Universidade Federal de
Santa Catarina; do Cresesb/Cepel; da AES
Eletropaulo e da Light Rio; das ONGs Iclei, Idec,
Sociedade do Sol e Ibam; dos ministérios do Meio
Ambiente e de Minas e Energia; da Secretaria
de Energia do Estado de São Paulo; do Senai; e
de alguns consultores empresariais.

Abaixo se analisam os conceitos envolvidos


em torno de algumas categorias de barreiras to-
madas como hipóteses de trabalho para o de-
senvolvimento do questionário aplicado na pri-
meira fase do projeto, bem como o resultado das
entrevistas.

52 Um banho de sol para o Brasil


2.1. Alto custo inicial de instalação dos aque-
cedores solares

O custo inicial de instalação de coletores


solares para aquecimento de água no Brasil
caiu consistentemente nos últimos 20 anos,
período no qual passou de US$ 500/m 2 para
algo em torno de US$ 100/m 2 , mas seu valor
continua alto se comparado ao preço da prin-
cipal tecnologia concorrente, os chuveiros 18 .
Sem dúvida, para a difusão da tecnologia
termossolar em larga escala esse custo terá
de cair mais, o que só poderá ser atingido se
fabricantes, agentes financiadores, institutos
de pesquisa e outros atores do setor encon-
trarem um ambiente propício para investir no
desenvolvimento de alternativas tecnológicas
e gerenciais de produção, comercialização e
instalação capazes de ter impacto efetivo no
custo final para o consumidor.

Para a criação desse ambiente, o desen-


volvimento de um mercado crescente e madu-
ro para a fonte renovável joga papel funda-
mental. Num artigo sobre a evolução dos pre-
ços pagos ao produtor de etanol no Brasil,
José Goldemberg discute a importância de cri-
ar um mercado para uma fonte de energia
renovável para que, na prática de um proces-
so de aprendizado por parte dos atores do
mercado, desenvolvam-se mecanismos
gerenciais, novas tecnologias, redes de
interação etc que resultem na queda de pre-
ços ao consumidor em função do volume acu-
mulado de produção, relação conhecida por

Um banho de sol para o Brasil 53


“curva de aprendizado” (learnig curve) 19 . O au-
tor mostra que em 20 anos a partir do início
do Pró-álcool, enquanto a produção do com-
bustível renovável crescia mais de três vezes,
seus preços caíram em mais de 30%.

Para explorar esse assunto, foram formu-


ladas as seguintes questões:

- Qual a tendência de evolução do custo


de instalação de coletores solares?

- Quais fatores devem contribuir


para essa tendência?

- Tem conhecimento de programas


que visem a redução desse custo? Quais?

- Qual é a importância do fomento


à pesquisa para reforçar essa tendência?

- Qual é a importância de ações


de fomento e incentivo ao mercado
para reforçar essa tendência?

- Existe papel para a regulação


na ampliação desse mercado?

A análise dos resultados das entrevistas re-


alizadas permite observar que a percepção so-
bre a evolução futura dos custos da tecnologia
termossolar é variada e, aparentemente, dife-
renciada em função da posição profissional do
entrevistado. Assim, aqueles relacionados ao
modo tradicional de fabricação de aquecedores
solares no país – coletores planos fabricados
com materiais como cobre, vidro e alumínio –

54 Um banho de sol para o Brasil


acreditam que os custos de produção dificilmen-
te terão uma redução e podem até apresentar
aumentos futuros em função da tendência que
identificam de aumento nos custos das matéri-
as-primas – embora o preço internacional do
cobre tenha caído significativamente ao longo
da última década, e os preços do alumínio te-
nham apresentado pequeno aumento no mes-
mo período20. Outros, que trabalham com pro-
cessos de produção mais automatizados e com
materiais como termoplásticos, ou ainda aque-
les que atuam na academia ou em órgãos go-
vernamentais e reguladores, vêem tendência
de redução dos custos.

Um banho de sol para o Brasil 55


O funcionamento da maioria dos aquecedores solares fabrica-
dos no Brasil é baseado na transmissão de calor entre os materiais
do sistema, que é bastante simples e composto por dois itens
básicos: a placa coletora solar e o reservatório térmico (boiler).

Na sua maioria, os coletores são construídos conforme a figura


abaixo. A placa de vidro superior provoca o efeito estufa no interior
do coletor, permitindo a entrada de energia solar na forma luminosa
e impedindo a saída dessa energia na forma de radiação
infravermelha. Além disso, a placa de vidro impede que água de
chuva, poeira etc. entrem no coletor. As paredes da serpentina de
cobre absorvem a energia solar e a transferem na forma de calor
para a água que circula no seu interior. A chapa de alumínio
enegrecida que envolve a serpentina auxilia no aquecimento do
coletor. Além disso, usa-se poliuretano expandido ou lã de vidro
como isolantes térmicos do coletor. Os materiais podem variar de
fabricante a fabricante, sendo muitas vezes utilizadas alternati-
vas como o galvalume ðe termoplásticos.

O boiler, que é colocado na parte superior, serve para armaze-


nar água quente para consumo. Em geral os boilers possuem resis-
tências elétricas para aquecimento da água em dias em que não há
luz solar suficiente. Comandada por um termostato, ela liga e des-
liga de acordo com a temperatura da água. Em dias com grande
luminosidade, a água quente fica armazenada por várias horas sem
que a resistência precise ser acionada.

A água de alimentação do sistema entra no boiler, segue para


as placas coletoras, onde é aquecida, e retorna ao boiler, ficando
armazenada até o seu consumo. Existem dois processos para a
circulação de água dentro do sistema: natural (termossifão) ou
forçada. No sistema termossifão, a circulação é provocada pela
diferença de densidade entre a água fria e a quente. A água fria,
mais densa acaba empurrando a água quente que é menos densa
realizando a circulação. A vantagem desse processo é dispensar
energia elétrica para a movimentação da água. Para o efeito
termossifão funcionar, é necessário que as placas estejam mais
baixas que a base do boiler. No caso da circulação forçada, uma
microbomba elétrica instalada no circuito é responsável pela circu-
lação. Esse tipo de instalação consome eletricidade e demanda
alguma manutenção.

Também se encontram no mercado brasileiro coletores solares


de baixa temperatura para aquecimento de piscinas, manufatura-
dos em polipropileno e EPDM, um polímero sintético com proteção
anti-raios ultravioleta.

56 Um banho de sol para o Brasil


De modo geral, as possibilidades apontadas de
redução dos custos da tecnologia foram a substi-
tuição de materiais e os ganhos de produtividade
por economia de escala. Foram citadas possibili-
dades de redução de custos por meio do desen-
volvimento de novos projetos e de novos proces-
sos de produção.

A pesquisa sobre novos materiais também foi


apontada quase que unanimemente como neces-
sária à redução de custos. Entre os materiais al-
ternativos mais citados encontram-se o galvalume
e os termoplásticos. O galvalume é um aço reves-
tido com 80% de alumínio e 20% de zinco, três
vezes mais resistente que o galvanizado tradicio-
nal, com 100% de zinco, e mais barato que o alu-
mínio, destinado principalmente a aplicações na
construção civil sob intempéries21. A Companhia Si-
derúrgica Nacional colocou em operação em 2003
a primeira linha de produção do material no Brasil
com investimentos de US$ 325 milhões numa plan-
ta em Araucária, Paraná22.

Já os termoplásticos vêm sendo utilizados em


alguns componentes de aquecedores solares –
caso de vários fabricantes brasileiros – e na cons-
trução de todo o sistema, situação na qual propi-
ciam forte automação de processos.

Foram lembrados alguns programas governa-


mentais que contribuem para o desenvolvimento
do mercado e para a pesquisa, entre eles o
Prodeem, o Procel-Eletrobrás, o PBQPH – Progra-
ma brasileiro de Produtividade no Habitat, do Mi-
nistério das Cidades e o Fundo CT-Energia do MCT,
que apóia o desenvolvimento de tecnologias volta-
das à energias renováveis, mas não foram formula-
das propostas concretas para esses programas.

Um banho de sol para o Brasil 57


Coletores solares populares

Podem ser considerados coletores populares aqueles equi-


pamentos que apresentam baixo custo em função dos materiais
utilizados em sua produção e da simplificação dos processos
de fabricação. Outra característica que é atribuída aos coletores
populares é a complementação de temperatura para a água do
banho ser feita por chuveiro elétrico de baixa potência ou por
uso de um dimmer eletrônico interligado a um chuveiro de po-
tência tradicional.

Em 1995, Jannuzzi e sua equipe desenvolveram um protótipo


de um aquecedor de baixo custo, com fonte complementar de ener-
gia feita por um chuveiro elétrico de potência máxima de 2 kW, o
que permitia que o chuveiro elétrico fosse utilizado no período de
pico de demanda sem elevar drasticamente a curva de carga. Na
época foram instalados 10 protótipos na região de Campinas, con-
cessão da CPFL. Atualmente os testes com esses coletores não
estão mais sendo feitos, existindo somente uma patente de inven-
to registrada para esse modelo de coletor popular.

A partir de 2001 a Sociedade do Sol, uma ONG incubada no


Centro Incubador de Empresas Tecnológicas da USP (Cietec), de-
senvolveu um modelo de coletor popular que integra um sistema
de aquecimento solar chamado ASBC – Aquecedor Solar de Baixo
Custo. O ASBC é montado em processo de autoconstrução, com
base em manuais de montagem disponibilizados gratuitamente no
site da ONG e utilizando-se peças plásticas encontradas em lojas
de materiais de construção23. Esse aquecedor utiliza um dimmer
eletrônico em série com o chuveiro elétrico, que fornece a energia
complementar para aquecer a água do banho.

Algumas empresas também desenvolveram equipamentos que


podem ser classificados como populares, considerando a fácil ins-
talação e a utilização do chuveiro como fonte complementar de
energia. Recentemente a Soletrol lançou um seu chuveiro solar, em
que o coletor acoplado a um boiler com capacidade de 125 litros
fornece água para o chuveiro elétrico tradicional. Outro fabricante,
a Unipac, desenvolveu o aquecedor Solarfort. Esse modelo também
tem o coletor acoplado a um reservatório (de 110 litros) e necessita
de um chuveiro elétrico para a complementação de temperatura da
água do banho. Ambos os modelos têm valores finais instalados
próximos a R$ 1.000,00 e podem ser encontrados em lojas de
materiais de construção ou em revendedores especializados, sen-
do necessária a ajuda de um especialista de hidráulica para realizar
sua instalação.

58 Um banho de sol para o Brasil


2.2. Prevalência do uso de chuveiros
elétricos

Segundo a Eletrobrás os chuveiros estão pre-


sentes em 67% das residências brasileiras, sen-
do que no Sul e no Sudeste estão em quase
100% destas. O equipamento é barato, varia de
cerca de R$ 20,00, para os mais simples e de
menor potência (4,4 kW), até cerca de R$ 350,00,
para os de controle eletrônico e maior potência
(8,2 kW)24. A grande difusão dos chuveiros está
fortemente ligada a esses modestos custos de
aquisição, à disponibilidade na maioria das ha-
bitações da infra-estrutura elétrica necessária
à sua instalação e à ausência de regulamenta-
ção para o equipamento. Não há limitação para
a instalação do equipamento em função de
parâmetros socioeconômicos relativos à habita-
ção, não há regras para potências máximas nem
para a regionalização destas em função das di-
ferentes temperaturas médias das várias par-
tes do país.

Restrições à implantação de chuveiros a partir


de certa área de habitação, ou algum outro
parâmetro descritivo da condição socioeconômica
da habitação, por exemplo, poderiam criar con-
dições extremamente favoráveis à difusão da
tecnologia termossolar. Esse tipo de regra daria
resposta aos defensores do chuveiro como uma
forma de inclusão social, que advogam que essa
tecnologia permite acesso à água quente com
baixos custos de instalação.

Com o intuito de discutir a hipótese de o chu-


veiro ser o principal concorrente da tecnologia

Um banho de sol para o Brasil 59


termossolar por seu baixo custo de instalação e
por não sofrer praticamente nenhuma restrição
de mercado, de discutir algumas linhas possí-
veis de regulação do uso de chuveiros, além de
verificar a percepção sobre o uso do chuveiro
como complemento a aquecedores solares, foi
perguntado aos entrevistados:

- Vislumbra ou já ouviu falar


de alguma proposta de regulação
de uso de chuveiros?

- Acredita que se deva restringir


geograficamente a potência
dos chuveiros?

- Acredita que se deva restringir


o uso dos chuveiros em função
da condição socioeconômica da habitação?

- Qual sua opinião sobre a aceitação


no mercado do uso de chuveiros
como complemento ao aquecimento solar?

A análise dos resultados obtidos com as en-


trevistas realizadas permite observar que o chu-
veiro ou não é visto como um concorrente direto
dos aquecedores solares, ou, quando assim o é,
não se visualiza a restrição ou a regulação de
seu uso como ferramenta efetiva de promoção
da difusão de aquecedores solares.

Foram propostos aos entrevistados dois ca-


minhos para a regulação do mercado de chuvei-
ros: a restrição da potência em função da área
geográfica e a restrição da sua instalação em fun-
ção da condição socioeconômica da habitação.

60 Um banho de sol para o Brasil


Na primeira proposta iria se procurar tomar
partido da variação climática existente num país
da extensão do Brasil, onde a média anual de
temperaturas exige equipamentos de relativa-
mente alta potência no Sul e em algumas regi-
ões do Sudeste, enquanto permite o uso de equi-
pamentos de relativamente baixa potência no
Centro Oeste, no Norte e no Nordeste.

Na segunda proposta se procuraria restringir


o uso de chuveiros nas edificações de padrão
médio e alto, proposta que chamamos de
regulação socioeconômica.

A regulação socioeconômica foi descartada


pela maioria dos entrevistados, tendo sido clas-
sificada como interferência na liberdade de es-
colha, ou por ir contra a legislação estabelecida
nos códigos de obras municipais. Já a proposta
de regulação geográfica da potência desses
equipamentos sofreu reações contraditórias,
merecendo apoio de alguns entrevistados, que
inclusive sugeriram estudos de clima regional
para definição das faixas de potência a serem
comercializadas, enquanto outros tiveram uma
reação negativa. Houve, ainda, aqueles que a
recebem com indiferença – por interferir minima-
mente, ou não interferir no mercado. A rejeição
por princípio – sob a justificativa que as opções
devem ser apresentadas aos consumidores, que
devem ter o direito de escolher aquela que me-
lhor lhes convier (convencimento pelo lado posi-
tivo) também esteve presente. Pelo menos um
entrevistado falou da possibilidade de criação
de uma taxa sobre o uso de chuveiros com po-
tência elevada.

Um banho de sol para o Brasil 61


O uso do chuveiro como complemento de
aquecedores solares em geral foi elogiado
como solução simples, barata e inteligente, mas
foram apontadas limitações ao seu emprego
que o colocam como opção somente para al-
guns nichos de mercado. Algumas limitações
apontadas ao uso complementar do chuveiro
foram o fato de não deslocar do pico grande
parte da demanda por potência, ou beneficiar
mais o usuário que a concessionária, ou, ain-
da, pelo seu emprego não ser visto com bons
olhos por consumidores de moradias de médio
e alto padrão, que buscariam, segundo alguns
entrevistados, maiores fluxos e temperaturas,
o que é permitido pela complementação por
boilers, mas não por chuveiros. Também foi le-
vantada uma possível reação negativa por par-
te dos fabricantes de chuveiro.

62 Um banho de sol para o Brasil


2.3. Códigos de obras municipais pouco ami-
gáveis ao termossolar

Os códigos de obras são instrumentos apro-


vados por lei municipal reguladores dos espaços
edificados e do entorno. Tratam das questões re-
lativas a estrutura, função, forma, segurança e
salubridade das construções, especialmente das
edificações, e estabelecem normas técnicas para
a execução dos diversos tipos de construção, ob-
servando as características de cada tipo de
edificação.

Os códigos de obras podem recomendar o uso


de alternativas tecnológicas, como aquecedores
solares para edificações específicas, motivados
por questões ambientais e pela redução do con-
sumo de energia elétrica.

Já os cadernos de encargos para edificações


municipais são conjuntos de discriminações téc-
nicas, critérios, condições e procedimentos esta-
belecidos para contratação, fiscalização e contro-
le e serviços e/ou obras (ABNT – 1992). Abran-
gem projetos e obras públicas de arquitetura e
urbanismo (Projeto Básico e Executivo) e são
voltados para os profissionais envolvidos na ela-
boração de projetos, na execução e na compra
de materiais e equipamentos. Os cadernos de en-
cargos dimensionam os sistemas, estabelecem o
detalhamento técnico do sistema e dos equipa-
mentos e a integração com o projeto
arquitetônico.

Os critérios tradicionais, funcionais e econô-


micos, usados normalmente na elaboração dos
códigos de obras não consideram o uso eficiente

Um banho de sol para o Brasil 63


da energia elétrica. Ao não exigirem na constru-
ção de novas edificações e em reformas de porte
de habitações e edificações comerciais a instala-
ção, ou mesmo a preparação para a instalação,
de coletores solares, os códigos de obras muni-
cipais não deixam opção de escolha aos futuros
ocupantes, que acabam optando por chuveiros,
aquecedores de acumulação ou de passagem, a
gás ou elétricos. A adaptação dos códigos de
obras municipais é uma importante política públi-
ca para a promoção da tecnologia termossolar e
do desenvolvimento sustentável25 ,26, como mos-
tram os casos de Berlim, Barcelona27 e Israel28.

Com o intuito de verificar a percepção sobre a


importância desse tipo de medida, foi pergunta-
do aos entrevistados:

- Medidas assemelhadas às implantadas


no Rio de Janeiro, em São Paulo e em
Curitiba, que obrigam a captação de
água de chuva em edificações de mais
d e 500 m 2 , podem contribuir para a
aprovação de projetos de adaptação
das edificações à tecnologia termossolar?

- Qual seria a aceitação desse tipo


de medida?

- Qual seria o impacto da obrigatoriedade


da instalação de tubulações de água
quente e outros equipamentos em
construções e reformas a partir de
certa metragem na expansão do
mercado termossolar?

- Tem conhecimento de projetos desse


tipo em alguma cidade brasileira?

- Tem conhecimento de algum programa


governamental com esse objetivo?

64 Um banho de sol para o Brasil


A análise dos resultados das entrevistas rea-
lizadas permite observar que a maioria dos en-
trevistados considera de fundamental importân-
cia introduzir a obrigação de colocação de tubu-
lação de água quente, e até mesmo de coletores
solares, nos códigos de obras municipais para a
difusão da tecnologia termossolar, já que essas
alterações seriam indutoras de crescimento sus-
tentado do mercado, de geração de empregos
na construção civil, nas indústrias de equipamen-
tos e no setor de serviços, tanto de comércio
quanto de instalação. Segundo alguns entrevis-
tados, a revisão teria de ir além dos aquecedo-
res solares propriamente ditos, tendo de consi-
derar também a questão do acesso ao sol.

Observa-se que os entrevistados entendem


os instrumentos de planejamento municipal ex-
pressos nas leis de uso e ocupação do solo e
nos códigos de obras como possíveis instrumen-
tos de promoção da eficiência energética. As leis
de uso e ocupação do solo podem regular, por
exemplo, o acesso ao sol, ou que se verifique
quais as áreas mais propícias para determinar
o traçado das ruas e qual a melhor inclinação
dos prédios com a preocupação de melhorar o
aproveitamento da ventilação e da iluminação
naturais e, conseqüentemente, aumentar a efi-
ciência do uso de energia. Essas leis também
determinam as áreas de preservação, incluídas
as áreas de manancial e a vegetação, respon-
sáveis pela manutenção de um clima mais ame-
no, que garantam um menor custo energético.
Já nos códigos de obras, o detalhamento é ain-
da maior, permitindo sinalizar à população e aos
construtores que o uso racional da energia é

Um banho de sol para o Brasil 65


um dos objetivos do planejamento urbano, ao
determinar, por exemplo, o tamanho mínimo de
janela nos prédios, o pé-direito adequado, o
emprego de persianas, que protegem da luz,
mantendo a ventilação, e o emprego de aque-
cimento solar. O Instituto Brasileiro de Adminis-
tração Municipal (Ibam), ONG que realiza estu-
dos e pesquisas sobre problemas municipais e
urbanos, e a Rede Cidades Eficientes em Ener-
gia Elétrica foram citados como organismos que
promovem ações nessa direção 29. O Ibam tem
disponível, desde 1997, um modelo para ela-
boração de código de obras e edificações, con-
cebido por um convênio com o Procel-Eletrobrás,
que aborda iluminação, refrigeração, motores
e edificações. A entidade pretende atualizar o
documento, inserindo medidas de eficiência
energética para outros usos finais, inclusive
aquecimento de água.

No entanto, foram apontadas dificuldades


para a introdução dessas mudanças nos códi-
gos de obras nos municípios brasileiros. A pri-
meira advinda do próprio número de municípios
existentes no país, mais de 5 500, número que
combinado com o fato das alterações terem de
acontecer caso a caso, por si só mostra a ex-
tensão do esforço necessário para a implanta-
ção da medida. De fato, não se pode reprodu-
zir automaticamente os planos diretores, as leis
do perímetro urbano e os códigos de obras de
um município em outro, de maneira que as al-
terações desejadas dependem da sensibilização
de prefeitos, planejadores e vereadores para
as situações urbanas em que é possível evitar

66 Um banho de sol para o Brasil


o desperdício de energia e a promoção do uso
de fontes renováveis.

Também foi lembrado que a busca da efici-


ência energética como um objetivo da gestão
municipal é fato recente, que nasceu com a
consciência ambiental e a preocupação com o
desenvolvimento sustentável, de maneira que
a visão integrada que o desenvolvimento sus-
tentável das cidades requer ainda é um desa-
fio àqueles que criam as leis que regulam o pla-
nejamento urbano e as edificações nesse es-
paço.

Foi ressaltado que é necessário criarem-se


salvaguardas que respeitem as condições
socioeconômicas da habitação e que é neces-
sário revisar os códigos de obras de maneira
participativa para que se garanta a aceitação
das medidas. Além disso, um entrevistado ci-
tou a necessidade de criarem-se incentivos eco-
nômicos, como a eventual redução de IPTU, para
viabilizar a medida.

Entretanto, pelo menos um entrevistado ob-


servou que toda imposição é contrária à liber-
dade de escolha do cidadão, e os entrevista-
dos mais ligados ao setor de construção civil
ressaltaram que os consumidores ainda não
estão dispostos a pagar por serviços
ambientais e que o caminho é convencê-los de
que esses custos adicionais iniciais contribuem
para a redução de taxas de condomínio e/ou
de energia. Pelo menos um entrevistado men-
cionou a possibilidade de pressão das constru-
toras sobre os vereadores como um obstáculo
à inclusão da obrigatoriedade de aplicação da

Um banho de sol para o Brasil 67


tecnologia termossolar nos códigos de obras,
por esta implicar aumento dos custos de pro-
dução da habitação.

Algumas barreiras para a incorporação da


exigência de aquecedores solares em
edificações seriam a falta de informação e sen-
sibilidade por parte dos técnicos e tomadores
de decisões municipais e do setor de constru-
ção civil. A Prefeitura de Salvador (BA) revisou
o seu Código de Obras e Edificações do Municí-
pio e incluiu no artigo 36 da lei 3.903/88 a obri-
gação de todas as instalações prediais das
edificações multifamiliares e de hospedagem
contemplarem a existência de encanamento de
água quente isolado termicamente e de um
ponto de espera para aquecimento solar para
atender a pontos de consumo de água, tais
como chuveiros e torneiras. Esse artigo do Có-
digo de Obras de Salvador até hoje não foi im-
plantado, aparentemente por oposição do
Sinduscon daquele estado. Consultado sobre
sua posição em relação ao assunto, o Sinduscon
de São Paulo enviou carta ao VC com objeções
baseadas na preocupação com o possível in-
cremento nos custos dos projetos.

O parágrafo VI do artigo 38 do Código de


Obras do Município de Salvador diz que “(o alvará
de habite-se só será concedido quando...) for
identificado o ponto de espera para futura ins-
talação do sistema de aquecimento solar de
acordo com o artigo 136”. O artigo citado diz
que “nas instalações prediais das edificações
multifamiliares e para hospedagem, (...) é obri-
gatória a existência de encanamento de água
quente isolado termicamente com resistência

68 Um banho de sol para o Brasil


térmica mínima de 0,16 W/m 2K – equivalente a
uma espessura de 5 mm e condutividade térmi-
ca de 0,03 W/m 2K – e de ponto de espera para
aquecimento solar para atender pontos de con-
sumo de água, tais como chuveiros e torneiras”.
O inciso 1 o diz que “a coluna vertical de água
quente pode ser substituída por um shaft de
fácil acesso, desde que o encanamento esteja
instalado nas unidades consumidoras de água
dos pontos de saída da água quente até ao
shaft. O inciso 2 o diz que “... são excetuados do
caput deste artigo campings e colônias de féri-
as”, e o inciso 3 o diz que “... são incluídos no
caput deste artigo pontos de consumo de água
que atendam a cozinhas de estabelecimentos
comerciais com grande afluência de público tais
como restaurantes e bares”.

Além de Salvador, a cidade de Varginha, Mi-


nas Gerais, foi citada como exemplo de municí-
pio que está considerando alterações no seu
código de obras para incorporar o aquecimento
solar. Outro exemplo citado foi o de São Luis
(MA), cuja Câmara Municipal se prepara para
votar projetos de código de obras e edificações
e de código de posturas elaborados pelo Ibam
que trazem como novidade elementos que ex-
pressam preocupação com se evitar o desper-
dício de energia elétrica 30.

A Prefeitura do Rio de Janeiro tornou obriga-


tória a adoção de eficiência energética em pré-
dios públicos por todos os órgãos da adminis-
tração direta e indireta, contemplando o aque-
cimento de água solar (recomendações para o
Projeto Básico e Executivo) pelo decreto n o .
21.806, de 16 de julho de 2002.

Um banho de sol para o Brasil 69


O exemplo de Barcelona foi citado e deve ser
analisado com atenção. A cidade aprovou lei que
obriga, a partir de agosto de 2000, novas
edificações ou edificações em reabilitação, re-
forma integral ou em processo de mudança de
uso a instalarem aquecedores solares para a
produção de água quente para fins sanitários.
A lei obriga a instalação desses equipamentos,
seja para edifícios residenciais (quartéis e pri-
sões incluídos), comerciais ou industriais (se
água quente for necessária para processos ou
para vestiários, cozinhas e copas) seja para
qualquer outra edificação que tenha refeitóri-
os, cozinhas ou lavanderias coletivas, piscinas
cobertas ou descobertas. Na legislação apro-
vada, os serviços municipais têm autoridade ple-
na de fiscalização, sendo que foram previstas
multas que, dependendo do grau de infração,
variam de 6 mil a 60 mil euros. O objetivo maior
do projeto foi atender às especificações da
União Européia em reduzir as emissões de car-
bono, de acordo com os compromissos estabe-
lecidos pelo Protocolo de Quioto. Calcula-se
que, ao instalar um aquecedor solar, uma famí-
lia de Barcelona evita a emissão de 400 kg a
760 kg de carbono por ano 31. Antes da aprova-
ção da legislação, a cidade contava com 1,65
mil m2 de coletores solares, uma média de 1,1
m 2 /1 000 habitantes; já em abril de 2004, 3 anos
e meio depois da entrada em vigor da lei, esta-
vam instalados 19,6 mil m 2, uma média de 13
m 2 /1 000 habitantes 32.

O sucesso da medida em Barcelona e em ou-


tras cidades da Espanha levou o governo da-
quele país a estender a proposta a toda a na-

70 Um banho de sol para o Brasil


ção. Em novembro de 2004, o ministro da indús-
tria anunciou que a partir de 2005 qualquer pes-
soa que planeje construir uma edificação será
obrigada a incluir aquecedores solares nos seus
planos, com o objetivo de transformar o país em
um líder europeu no uso de fontes renováveis
de energia. As novas regras para a construção
afetarão mais de 500 mil novas casas por ano,
se o atual ritmo de construção se mantiver 33.

Foi citada também por entrevistados a opor-


tunidade de proporem-se leis de acesso à radi-
ação solar e a outras modificações nos códigos
que possibilitassem um maior conforto ambiental
e uma redução da conta de energia elétrica.

Mas não é somente por meio do código de


obras que os municípios podem ser promotores
da difusão da tecnologia termossolar. Leis mu-
nicipais podem também criar incentivos econô-
micos para conservação e promoção de fontes
renováveis de energia. A Câmara Municipal de
Campina Grande, Paraíba, por exemplo, aprovou
um projeto de lei que concede desconto de até
15% do IPTU, divididos em dois exercícios fis-
cais, aos contribuintes cujo imóvel seja equipa-
do com coletores solares para suprimento parci-
al ou total de suas necessidades. O projeto tam-
bém prevê mais 10% de desconto para os casos
em que os coletores solares instalados sejam
desenvolvidos na Universidade Federal de Cam-
pina Grande e fabricados, ou comercializados,
no município de Campina Grande 34.

A legislação municipal pode também atrapa-


lhar: na cidade de Campinas, São Paulo, o cál-
culo do IPTU é baseado em características do

Um banho de sol para o Brasil 71


padrão de construção, com um sistema de pon-
tuação dos vários elementos que caracterizam
a construção definidos pela lei municipal 9.927/
98, sendo que quanto maior a pontuação, mai-
or o IPTU. Absurdamente, por esse sistema, o
cidadão que investir na instalação de coletores
solares é mais penalizado que aquele outro que
instalou um aparelho de ar condicionado cen-
tral: enquanto a residência com coletor solar
recebe 63 pontos, outra com ar-condicionado
central recebe 61 pontos, de maneira que uma
residência que usa energia solar em lugar de
um chuveiro elétrico é considerada mais luxuo-
sa que uma outra que possui um sistema de ar
condicionado e deve pagar um IPTU maior 35.

72 Um banho de sol para o Brasil


Programa Qualihab

Uma parceria entre os fabricantes de aquecedores solares e


o Programa da Qualidade da Construção Habitacional do Estado
de São Paulo (Qualihab) pode dar um impulso importante para o
mercado solar, principalmente com a recente decisão do progra-
ma de atuar diretamente na área de meio ambiente. O Qualihab
tem por objetivo otimizar a qualidade das habitações (envolven-
do materiais e componentes empregados, projetos e obras reali-
zadas) por meio de parcerias com segmentos do meio produtivo,
estabelecidas a partir de acordos que abordem a implantação de
programas setoriais da qualidade, a maximização da relação cus-
to–benefício, a agregação de valores sociais visando a satisfa-
ção do usuário e a abordagem do custo total da habitação (custo
inicial + custo de operação e manutenção). Além disso, o progra-
ma visa otimizar o dispêndio de recursos humanos, materiais e
energéticos (água/energia) nas construções habitacionais, pre-
servando o meio ambiente.

As parcerias estabelecidas colocam desafios aos setores pro-


dutivos e estabelecem um relacionamento significativo com um
grande agente empreendedor, com possibilidade de desdobra-
mentos nacionais, representando uma importante oportunidade
para a Abrava. O programa já estabeleceu parcerias, entre outras,
com a Associação Brasileira de Cimento Portland, a Associação
Brasileira das Indústrias de Lajes, a Associação Brasileira da
Indústria Elétrica e Eletrônica, a Associação das Empresas dos
Produtores de Cal, a Associação dos Fabricantes de Lajes de São
Paulo, a Associação Nacional dos Comerciantes de Materiais de
Construção, a Associação Brasileira dos Fabricantes de Materiais
e Equipamentos para Saneamento, o Instituto Brasileiro de Side-
rurgia, o Sindicato Ind. de Esquadrias e Construções Metálicas do
Estado de São Paulo, o Sindicato da Indústria Cerâmica, o Sindica-
to Ind. de Condutores, Trefilação e Laminação de Metais não
Ferrosos do ESP, o Sindicato Ind. de Produtos de Cimento do ESP.

Um banho de sol para o Brasil 73


2.4. Dificuldades para obtenção de financia-
mento para instalação de coletores solares

O principal agente financiador da habitação


no país é a Caixa Econômica Federal, instituição
que opera políticas públicas do governo federal,
com foco no financiamento da habitação das clas-
ses sociais menos favorecidas, com renda até
5 salários-mínimos, buscando atuar em diferen-
tes regiões do Brasil e combater a desigualda-
de. O orçamento da instituição para esse fim é
formado principalmente por recursos oriundos do
FGTS e do FAT, recursos que são disponibilizados
em diferentes programas, como o Programa de
Subsídio à Habitação (PSH), o Programa de Ar-
rendamento Residencial (PAR) e o Programa Car-
ta de Crédito (CCFGTS), dentre outros.

No PSH, a produção de unidades habitacionais


beneficia a faixa de renda familiar mensal de até
três salários-mínimos. No caso do PAR, a renda
familiar mensal é de até seis salários-mínimos,
e os valores disponíveis para a produção de uni-
dades habitacionais são de até R$ 32.200,00,
para as regiões metropolitanas do Rio de Janei-
ro e de São Paulo, e de até R$ 25.800,00, para
as demais regiões metropolitanas.

A CEF aplica critérios e estimula procedimen-


tos que incorporem o conceito de eficiência
energética nos investimentos habitacionais. Nos
cadernos de especificação de empreendimentos
e de construção/reforma de imóveis do
patrimônio da empresa estão sendo incorpora-
das diretrizes sobre a eficiência energética nas
edificações.

74 Um banho de sol para o Brasil


Na área da energia termossolar, todas as li-
nhas de crédito habitacional operadas pela CEF
permitem o financiamento do item aquecedor so-
lar. Assim, a CEF tem usado aquecedores sola-
res em diversos empreendimentos, principalmen-
te nos estados de Minas Gerais, Santa Catarina
e Bahia. O Solar Buona Vita, em Florianópolis, é
um desses empreendimentos. Nele, 60 unida-
des são dotadas de aquecedores solares (placa
coletora integrada ao reservatório de 100 litros
de capacidade e chuveiros eletrônicos) e 30 uni-
dades somente com chuveiros eletrônicos. O
Conjunto Habitacional Maria Eugênia, em Gover-
nador Valadares, com 107 casas, e o conjunto
Sapucaia, também são exemplos em Minas Ge-
rais. Além disso, outras ações com a Cohab-MG
estão em curso para a implantação de sistemas
em empreendimentos habitacionais populares.

Segundo a CEF, está prevista no Planejamen-


to Plurianual do Governo Federal (PPA 2004-
2007) a ação da CEF na Difusão de Inovações
Tecnológicas em Desenvolvimento Urbano, para
“proporcionar aos poderes públicos e à popula-
ção em geral o acesso às tecnologias inovadoras
para o saneamento ambiental e a construção
habitacional que incorporem um desempenho
adequado, que sejam sustentáveis, com custo
compatível com a realidade regional e de simples
operação e manutenção”. Para isso, a CEF está
implementando um conjunto de procedimentos e
estratégias que visam garantir a utilização de
soluções ambientalmente sustentáveis e o con-
forto do usuário, como o cumprimento dos com-
promissos do Protocolo Verde, a implementação
da Agenda 21 e a incorporação da variável

Um banho de sol para o Brasil 75


ambiental nos procedimentos de análise e acom-
panhamento de empreendimentos.

A CEF, em parceria com a Financiadora de Es-


tudos e Projetos (Finep), apóia o Programa
Habitare, que financia pesquisas na área de
tecnologia do ambiente construído. Em um edital
lançado em 2004 por esse programa, foi incorpo-
rada uma linha de estudo que desenvolve o con-
ceito de eficiência energética na edificação.

Em parceria com o Procel, a CEF está


desenvolvendo um plano de trabalho para ações
de estímulo à construção de edificações que
incorporem o conceito de eficiência energética,
com ações voltadas para capacitação e
treinamento, desenvolvimento de estudos,
estabelecimento de critérios e parâmetros de
projeto e elaboração de referências técnicas.

A CEF enfrenta algumas barreiras para adotar


a tecnologia termossolar nos seus
financiamentos. Uma delas refere-se ao custo dos
equipamentos ofertados no mercado, o que, na
maioria das vezes, dificulta a implantação em
empreendimentos direcionados à população de
baixa renda.

76 Um banho de sol para o Brasil


Para explorar as idéias dos entrevistados so-
bre as relações entre financiamento habitacional
e mercado de energia solar, foi perguntado:

- O marco regulatório do financiamento


à construção civil ajuda ou atrapalha
a difusão da tecnologia termossolar?

- Qual ou quais modificações no sistema


de financiamento seriam desejáveis
para a difusão dessa tecnologia?

- Quais as possibilidades de implementação


dessas idéias?

- Na sua opinião, o que seria necessário


para implementá-las?

A análise das entrevistas realizadas permite


observar que a maioria dos entrevistados não
ligados à CEF não percebe ainda o papel indutor
de padrões e regulações para o financiamento
da construção civil na difusão ou criação de bar-
reiras à difusão de tecnologias sustentáveis, par-
ticularmente da termossolar, embora alguns en-
trevistados tenham mencionado que os agen-
tes financeiros deveriam obrigar, em todo proje-
to novo, a previsão pelo menos da tubulação de
água quente, especialmente no financiamento
de conjuntos habitacionais populares.

A maioria dos entrevistados apontou que exis-


tem no mercado financiamentos diretos a com-
pra e instalação de aquecedores solares, como
as linhas de crédito do Banco Real e da CEF, mas
que estas são burocratizadas. Exemplos citados
foram que a linha de crédito socioambiental do
Banco Real só está disponível para correntistas

Um banho de sol para o Brasil 77


do banco, enquanto a da Caixa Econômica, em-
bora seja aberta a correntistas de outros ban-
cos, depende de se visitar uma agência da insti-
tuição “pelo menos três vezes”. Também foi co-
mentado o ainda alto valor das taxas de juro
embutidas nas linhas de crédito existentes como
um fator desmotivador de seu emprego.

Alguns entrevistados sugeriram a realização


de workshops para discussão da relação entre
financiamento à habitação e uso de aquecedo-
res solares e de campanhas junto a agentes de
governo e financiadores. Um entrevistado suge-
riu que o BNDES e a Eletrobrás deveriam formu-
lar um produto temporário indutor de mercado,
para mostrar aos agentes financiadores as van-
tagens de participar desse mercado.

Representantes da CEF preocuparam-se com


regulações que obriguem a utilização de
tecnologias como o termossolar porque qualquer
obrigação legal dificulta o deslanche da ação de
financiamento, por tornar mais complexa a
análise destes. Afirmaram também que é
possível alterar critérios de financiamento para
incorporar o termossolar e que a alteração
destes deve ser discutida junto ao Conselho
Curador do FGTS.

78 Um banho de sol para o Brasil


Financiamento para a compra de aquecedores solares

O consumidor interessado em adquirir um aquecedor solar


conta hoje com a possibilidade de financiamento via alguns ban-
cos. Para isso o interessado deve ser cliente ou tornar-se um e
atender a algumas exigências básicas. No Banco Real, o interes-
sado, após tornar-se cliente, deverá comprovar renda, com holerite
ou Declaração de Imposto de Renda, para estimar o valor a finan-
ciar, sendo que a prestação mensal não pode ultrapassar 30% de
sua renda bruta. Deve ainda pagar uma taxa de abertura de fi-
nanciamento de R$ 50,00 e apresentar um avalista que tenha
condições de renda compatíveis com a prestação assumida. Após
a aprovação do crédito, o cliente deve escolher um equipamento
com certificação pelo Inmetro, produzido por uma empresa filiada
à Abrava, além de ter de apresentar a nota fiscal de compra do
produto. O prazo entre a abertura da conta e a liberação do finan-
ciamento é de, em média, duas semanas.

Na Caixa Econômica Federal a aquisição do equipamento solar


pode ser feita com a utilização do Construcard. Nesse sistema, o
interessado deve ter conta na CEF há pelo menos um ano. É
necessário comprovar renda apresentando os três últimos
holerites e a prestação não pode exceder 30% de sua renda bru-
ta. Esse financiamento tem uma taxa de operação mensal de R$
25,00 inclusa nas prestações, sendo que o prazo máximo para o
financiamento é de 30 meses. O cliente tem a sua disposição um
limite de crédito que pode utilizar durante um período de seis
meses e, a partir dessa data, começa a pagar as prestações do
valor utilizado.

Nesses dois agentes financeiros, a taxa de juro é menor que


a apresentada, por exemplo, em bancos que não possuem nenhu-
ma linha de crédito específica, como é o caso do Banco do Brasil.
Nesse último, cumprindo as exigências bancarias básicas, o in-
teressado pode fazer um Crédito Direto ao Consumidor (CDC),
com taxas de mercado em torno de 3% ao mês, enquanto no
Banco Real a taxa é de 1,5% ao mês, e na CEF é de 1,65% ao mês.

Uma outra possibilidade de financiamento é adquirir o equi-


pamento de aquecimento solar em lojas de materiais de constru-
ção, quando se pode utilizar a linha de crédito das financiadoras
que atuam em cada loja, caso em que, normalmente, as taxas de
juro são ainda mais elevadas que nos financiamentos bancários.

Um banho de sol para o Brasil 79


2.5. Impossibilidade do uso do kW evitado
como ferramenta de planejamento e gestão no
modelo do setor elétrico

Programas de gerenciamento da demanda de


eletricidade (DSM – Demand Side Management)
consistem de atividades de planejamento,
implementação e monitoramento, realizadas por
parte das concessionárias do serviço público e
projetadas para encorajar os consumidores a
modificar seu nível e seu padrão de uso de ele-
tricidade. A sigla DSM refere-se a atividades que
visam modificar a demanda de energia e a curva
de carga realizadas no interior do setor, não se
referindo a ações com esses objetivos realiza-
das na operação normal do mercado ou por ações
regulatórias governamentais.

O objetivo primário da maioria dos programas


de DSM existentes é o de criar condições de ofer-
ta de energia e potência com custo–benefício ade-
quado para protelar o investimento em novas
plantas de geração, linhas de transmissão e dis-
tribuição. Mais recentemente e devido a mudan-
ças ocorridas no interior do setor, as concessio-
nárias estão também usando o DSM para melho-
rar os serviços prestados aos consumidores.

Nos EUA, em 1999, 848 utilities declararam ter


programas de DSM, que totalizaram investimen-
tos da ordem de US$1,4 bilhão. Considerando
somente as grandes utilities, esse investimento
obteve uma economia de energia da ordem de
50,6 bilhões de kWh, cerca de 1,5% da venda
anual de eletricidade, que foi de 3 312 bilhões
de kWh. A redução real acumulada no pico de de-

80 Um banho de sol para o Brasil


manda conseguida por esses programas é de
26,5 mil MW, sendo que, somente em 1999, a re-
dução incremental no pico de demanda obtida foi
de 2,3 mil MW36.

Programas de DSM podem ter uma grande va-


riedade de objetivos:

- Programas de eficiência energética ou de re-


dução de consumo, para períodos durante ou fora
do pico de demanda. Em geral, esses programas
substituem equipamentos por outros
tecnologicamente mais avançados, para produ-
zir o mesmo (ou melhor) serviço de iluminação,
refrigeração, aquecimento, motorização etc., com
menor consumo de energia. Ao longo de sua exis-
tência, o Procel utilizou-se de várias dessas
ações, como a substituição de lâmpadas na ilu-
minação pública, por exemplo;

- Programas de redução do pico de demanda,


focados na redução de carga nos períodos de pico
de consumo ou, fora destes, em áreas
selecionadas das redes de transmissão ou dis-
tribuição. Essa categoria de programas inclui as
tarifas “azul” e “verde”, para grandes consumi-
dores, a “tarifa amarela”, que está em testes em
algumas distribuidoras, para consumidores
residenciais, controles diretos de demanda etc.;

- Programas de modificação da curva de car-


ga, que atuam sobre preços, ciclos de uso de
equipamentos ou que interrompem fornecimento
em resposta a mudanças específicas dos custos
de potência ou energia ou, ainda, disponibilida-
de de recursos. Essas abordagens incluem
precificação em tempo real e taxas de tempo de
uso com horários flexíveis. Esses programas po-

Um banho de sol para o Brasil 81


dem também incluir tarifas de carga interruptíveis,
controles diretos de carga, e outros programas
de gerenciamento aplicáveis em situações fora
do pico de demanda;

- Programas que visam o aumento do uso de


eletricidade nos períodos de “vale” da curva de
demanda ou que buscam deslocar consumo dos
momentos de pico para momentos fora do pico,
dessa maneira aumentando as vendas totais de
eletricidade. Essa categoria inclui programas de
preenchimento de vales, que aumentam a carga
nos períodos fora do pico e programas que in-
troduzem novas tecnologias e processos elétri-
cos, como a promoção da venda de energia elé-
trica para processos térmicos industriais reali-
zada nos anos 1980 no Brasil, quando o setor
elétrico se viu com grande excedente de gera-
ção de energia.

O processo de desregulamentação e
privatização do setor elétrico, implantado no Bra-
sil a partir de 1995, desverticalizou grande par-
te do setor, separando em empresas diferentes
as atividades de geração, transmissão e distri-
buição e afetou o interesse das empresas que
atuam no setor elétrico por programas de DSM,
tornando mais difícil a adoção de programas de
conservação de energia elétrica. Na análise do
FBOMS, “algumas empresas do setor elétrico bra-
sileiro estavam incorporando alguns instrumen-
tos do Planejamento Integrado de Recursos
(PIR) quando o processo de privatização prati-
camente desarticulou as possibilidades de su-
cesso desse tipo de iniciativa, na medida em que,
no novo contexto, as empresas de distribuição
de eletricidade não possuem nenhuma motiva-

82 Um banho de sol para o Brasil


ção para a implementação de programas de con-
servação” 37.

O novo modelo para o setor elétrico brasilei-


ro, aprovado recentemente pelo Congresso Na-
cional, ressalta a desverticalização das ativida-
des setoriais como algo conveniente, não res-
peitando a sinergia natural das atividades, e
aprofunda o desequilíbrio atualmente existen-
te na apropriação das rendas, impossibilitando
que a receita auferida nas atividades de distri-
buição seja transferida para investimentos na
expansão da oferta. Cabe ressaltar que a ati-
vidade de distribuição é exercida como mono-
pólio natural no atual estágio de desenvolvi-
mento tecnológico, submetendo os consumido-
res cativos presentes nas áreas de concessão
às necessidades de remuneração ditadas pelo
mercado.

Com o intuito de explorar as possibilidades


identificadas de uso de ferramentas de DSM para
a difusão da tecnologia termossolar, foi pergun-
tado aos entrevistados:

- Vislumbra no atual marco regulatório


do setor alguma vantagem para
as distribuidoras adotarem programas
de substituição de chuveiros
por aquecedores solares?

- Tem conhecimento de programas


desse tipo?

- Como introduzir mecanismos de


compensação para distribuidoras que
adotem medidas de gestão de demanda
no novo modelo do setor elétrico?

Um banho de sol para o Brasil 83


Alguns dos entrevistados ressaltaram o ca-
ráter de serviço público das atividades do setor
elétrico, que seria expresso legalmente, por
exemplo, pelo decreto 2.335, de 6 de outubro
de 1997, que constitui a Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) e que diz “que o desen-
volvimento do mercado de energia elétrica (deve
ocorrer) com equilíbrio entre os agentes e em
benefício da sociedade”, que a agência deve “in-
centivar o combate ao desperdício de energia
no que diz respeito a todas as formas de produ-
ção, transmissão, distribuição, comercialização
e uso da energia elétrica” e que deve “estimu-
lar e participar de ações ambientais voltadas
para o benefício da sociedade, bem como
interagir com o Sistema Nacional de Meio Ambi-
ente em conformidade com a legislação vigente,
e atuando de forma harmônica com a Política Na-
cional de Meio Ambiente” 38.

Esses entrevistados entendem que o caráter


público da concessão do serviço elétrico obriga
as concessionárias a defenderem o direito cons-
titucional da população brasileira a um ambien-
te equilibrado39 e que isso implica promoção da
conservação de energia e promoção do uso de
fontes renováveis, de maneira que a promoção
da tecnologia termossolar por meio de progra-
mas de DSM deveria ser parte integrante das
responsabilidades das concessionárias, que de-
veriam ter seus contratos revisados sob os cri-
térios ambientais citados e em períodos meno-
res de tempo que os atualmente obrigados e
que deveriam buscar alternativas de DSM em
suas matrizes internacionais (aquelas afiliadas
a transnacionais).

84 Um banho de sol para o Brasil


Alguns mecanismos para criar um ambiente
que obrigue ações desse tipo foram citados, en-
tre eles o estabelecimento de um teto para o
fornecimento de energia elétrica para as distri-
buidoras, que seria flexibilizado na exata pro-
porção da economia que estas obtiverem com a
instalação de aquecedor solar e a criação da pos-
sibilidade de as concessionárias venderem utili-
dades (água quente, por exemplo) em vez de
energia elétrica.

As entrevistas realizadas com pessoas liga-


das a distribuidoras comprovam que o marco
regulatório do setor dificulta às distribuidoras uti-
lizarem-se de ferramentas de DSM para efetivar
programas de conservação em larga escala. Es-
sas pessoas afirmaram que as concessionárias
só promoverão aquecedores solares contra com-
pensações e que, para isso, seria necessário de-
senvolver mecanismos negociais entre os bene-
ficiados por eventual expansão do mercado
termossolar e as concessionárias, para manter
a receita das distribuidoras.

No entanto, são percebidos pontos positivos


da promoção de aquecedores solares em casos
específicos para se explorar vantagens secun-
dárias potenciais para as distribuidoras, como a
diminuição da inadimplência e do pagamento de
impostos sobre a energia fornecida e não rece-
bida de consumidores de baixa renda, a melhoria
da qualidade de serviço em regiões
sobrecarregadas, a melhoria da imagem das em-
presas por meio de investimentos em projetos
de caráter socioambiental que pode ser explo-
rada no marketing institucional e o deslocamen-
to de carga do pico de demanda (estima-se que

Um banho de sol para o Brasil 85


o potencial de redução da ponta nas regiões Sul,
Sudeste e Centro-Oeste do Brasil seja da or-
dem de 2 000 MW)40.

Vale aqui algum detalhamento sobre a ques-


tão do pico de demanda. O principal parâmetro
para o dimensionamento dos sistemas de gera-
ção, transmissão e distribuição de energia elé-
trica é a demanda máxima exigida, sendo que
quanto maiores a capacidade de geração e as
redes de transmissão e distribuição, maiores os
investimentos necessários, os custos de manu-
tenção e os impactos socioambientais.

Esses sistemas são mais eficientes e econo-


micamente viáveis quanto mais constante forem
suas curvas de carga, sendo que a situação ide-
al é aquela em que o consumo médio é o mais
próximo possível da capacidade nominal do sis-
tema. No entanto, as curvas típicas de consumo
diário das concessionárias do país apresentam
picos bastante elevados no horário entre 18 e
22 horas, o pico de demanda, como exemplificado
na figura abaixo, em que se pode observar cla-
ramente a importância da curva de carga do se-
tor residencial para o formato da curva de carga
geral do sistema.

O uso do chuveiro elétrico é um forte fator de


elevação desse pico, pela alta potência dos equi-
pamentos e pelo uso restrito a horários deter-
minados e comuns a grande parte dos usuários.
Os chuveiros elétricos provocam um aumento de
121% na potência média instalada e elevam em
365% a demanda média, o que significa que, no
período em que são utilizados, aumentam em
4,5 vezes o consumo médio 41.

86 Um banho de sol para o Brasil


Figura 5. Desagregação da curva de carga
do sistema CPFL – 2004

Vários entrevistados destacaram a obrigação


de aplicação de recursos das concessionárias em
ações de combate ao desperdício de energia e
em pesquisa e desenvolvimento tecnológico
como uma ferramenta do marco regulatório do
setor elétrico que permite impulsionar a
t e c n o l o g i a t e r m o s s o l a r. E s s a o b r i g a ç ã o é

Um banho de sol para o Brasil 87


estabelecida pela Lei Federal no 9.991, de 24/7/
00, que obriga as concessionárias a aplicar 1%
de sua receita líquida operacional anual em pro-
jetos de eficiência energética (50%) e de pes-
quisa e desenvolvimento (50%), ação regulada
pelas resoluções 271 e 492 da Aneel42. Nas pa-
lavras da própria agência: “o contrato de conces-
são firmado pelas empresas concessionárias do ser-
viço público de distribuição de energia elétrica com
a Aneel estabelece obrigações e encargos perante
o poder concedente. Uma dessas obrigações con-
siste em aplicar anualmente o montante de no
mínimo 0,5 % de sua receita operacional líquida,
em ações que tenham por objetivo o combate ao
desperdício de energia elétrica” 43. A resolução 492
da Aneel define os programas de eficiência
energética como “aqueles que resultam em eco-
nomias e benefícios diretos para o consumidor, com
ações implementadas nas instalações da unidade
consumidora”44.

Um exemplo importante de ação originada des-


sa percepção, e também da aplicação da lei acima
citada, é dado pela distribuidora Light Rio, que está
instalando gratuitamente, na baixada fluminense,
Rio de Janeiro, 2 750 sistemas de aquecimento
solar destinados a comunidades de baixa renda,
por meio de um projeto de eficiência energética,
aprovado pela Aneel, que visa melhorar as condi-
ções de fornecimento de energia elétrica para co-
munidades de baixo poder aquisitivo. Com a inici-
ativa, a empresa espera melhorar o fornecimento
de energia em comunidades onde normalmente
há grande incidência de ligações clandestinas e
conseqüente sobrecarga no sistema, além de di-
minuir o imposto que é pago sobre a energia

88 Um banho de sol para o Brasil


fornecida e não recebida dessas comunidades. A
empresa investirá R$ 2 milhões no projeto e arca-
rá com todos os custos de instalação e manuten-
ção. Dependendo dos resultados, a empresa pre-
tende estender o projeto a outras regiões45.

O projeto da Light Rio é uma aplicação prática


da percepção manifestada pela concessionária
CPFL, que atua em áreas importantes do interior
do estado de São Paulo. Em texto de 1999, a
empresa afirmava que o aquecimento solar de
água pode e deve ser contemplado como uma das
alternativas de DSM por modular a carga do siste-
ma elétrico de distribuição. O mesmo texto apon-
tava como uma ferramenta para isso a existência
dos Programas Anuais de Combate ao Desperdí-
cio de Energia Elétrica das Concessionárias46.

Outro exemplo é a parceria entre a Cemig e a


Cohab-MG, que desde 2001 busca instalar gra-
tuitamente aquecedores solares em residências
de baixa renda, com o objetivo principal de dimi-
nuir a conta de energia elétrica dessas
edificações sem agregar nenhum custo extra para
o usuário e sem alterar suas condições de con-
forto. Com essa doação, a Cohab espera dimi-
nuir a inadimplência e a concessionária procura
eliminar a utilização do chuveiro elétrico no perí-
odo da ponta, uma vez que a rede elétrica desse
usuário passa a ser monitorada por meio de um
dispositivo elétrico que restringe a corrente elé-
trica ao máximo de 15 amperes durante o perío-
do de ponta. Segundo a Cohab, a instalação não
altera a estética da casa e não necessita de in-
tervenções significativas na alvenaria, uma vez
que em obras prontas tais reparos podem che-
gar até a R$ 400,00 por unidade.

Um banho de sol para o Brasil 89


As vantagens sociais do uso da tecnologia
termossolar em substituição ao chuveiro são cla-
ramente ilustradas pelos resultados do Projeto
Contagem, desenvolvido no bairro Sapucaias,
em Contagem, na região metropolitana de Belo
Horizonte, Minas Gerais, com apoio do Procel,
das Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobrás). Os
sistemas de aquecimento solar propiciaram aos
moradores do bairro Sapucaias uma economia
média de energia da ordem de 25,5%, proporci-
onal ao uso do chuveiro elétrico. Com base nes-
ses resultados, a Caixa Econômica Federal criou
uma nova opção na linha de financiamento para
a casa própria popular, na qual a prestação de
R$ 50,00 de uma casa financiada passa a custar
de R$ 6,00 a R$ 9,00 a mais, por mês, com a
instalação do sistema de aquecimento solar47.

Figura 6. Implantação de aquecedores


solares no conjunto habitacional Sapucaias,
em Contagem, Minas Gerais

90 Um banho de sol para o Brasil


A “tarifa amarela” foi citada como um outro
mecanismo de DSM existente no marco legal do
setor elétrico que pode impulsionar o mercado
de coletores solares. Nessa modalidade tarifária,
em teste em áreas de diversas distribuidoras,
busca-se reduzir o consumo efetivado nas ho-
ras de pico por pequenos consumidores dos se-
tores residencial e comercial pela oferta de des-
contos para a energia consumida fora desse pe-
ríodo e pelo incremento de custos para a ener-
gia consumida nesse período. O sistema deman-
da medidores computadorizados. Segundo al-
guns entrevistados, o uso de sistemas de aque-
cimento solar seria a melhor opção para o con-
sumidor adaptar-se ao regime tarifário propos-
to.

Também foi citada por alguns entrevistados


a concessão de descontos na conta de luz para
os consumidores que atingirem certa meta de
redução de consumo, como mecanismo de pro-
moção de instalação de aquecedores solares. A
concessão desses descontos (rebates) foi apli-
cada, por exemplo, na Califórnia durante a crise
de oferta de 2002. O programa (20/20 Rebate
Program) ofereceu um desconto de 20% sobre
as contas mensais de julho a outubro de 2002
para consumidores residenciais e dos setores de
serviços e comércio da Utility Pacific Gas and
Electric and Southern California Edison que eco-
nomizassem pelo menos 20% da eletricidade
consumida nos meses de julho a outubro de
200048. Também os consumidores residenciais da
San Diego Gas and Electric que reduzissem seu
consumo em 15% se qualificaram para o des-
conto mensal de 20%49.

Um banho de sol para o Brasil 91


O uso dessa ferramenta de DSM, normalmen-
te e também no caso californiano acima citado,
se dá em situações de crise de oferta nas quais
as concessionárias aceitam perder parte de seu
faturamento para evitar uma crise aguda nos
seus serviços. É o caso de programa similar pro-
posto pelo governo do estado de São Paulo que,
frente à séria possibilidade de ter de implantar
um racionamento no fornecimento de água à
Região Metropolitana da Grande São Paulo, im-
plantou o Programa de Incentivo à Redução de
Consumo de Água, válido de março a outubro
de 2004, para “premiar a economia e, com isso,
minimizar o risco de um racionamento de água”.
No programa, foi estipulada para cada imóvel
atendido pela Sabesp uma meta de consumo
equivalente a 80% da média registrada de mar-
ço a setembro de 2003. Para os consumidores
que atingissem a meta, a empresa concedeu um
desconto de 20% no valor final da conta 50.

92 Um banho de sol para o Brasil


2.6. Falta de cultura tecnológica e dificulda-
des inerentes à tecnologia

A não difusão plena da tecnologia implica bar-


reiras na medida em que muitos construtores
consideram-na cara ou de difícil manuseio, ar-
quitetos não estabeleceram repertório de pos-
sibilidades estéticas de incorporação de cole-
tores e acumuladores nos projetos, projetistas
têm dificuldade de acesso à informação sobre
insolação e outros parâmetros necessários etc. 51

Os entrevistados foram questionados sobre:

- Quais são os setores sociais


que deveriam ser alvo de ações
de capacitação para a difusão maciça
da tecnologia termossolar?

- Quais são as capacidades-chave


para a difusão da tecnologia?

- Quem deveria liderar esse processo?

- Como alavancar recursos para


um programa de capacitação
em larga escala?

O resultado obtido com as entrevistas reali-


zadas está sistematizado no quadro a seguir.

Um banho de sol para o Brasil 93


Quadro 8. Formulações para um plano de
capacitação em termossolar

Capacitandos Capacidades Agentes Recursos


capacitadores

Arquitetos e Termodinâmica, Universidades. Inclusão em


engenheiros conservação de currículos e
atuantes ou que energia, arquitetura nos esquemas
atuarão na bioclimática, normais de
construção civil. tecnologia. financiamento
da atividade.

Mestres-de-obras Dimensionamento e Senai, escolas Recursos


e encanadores da instalação de técnicas, indústria. provenientes
construção civil; circuitos hidráulicos da indústria e
Vendedores, aplicados à do comércio
instaladores e tecnologia solares;
projetistas termossolar. Recursos
atuantes no provenientes
comércio e em das empresas
serviços. do setor
elétrico;
Recursos do
FAT.

Jovens Atitudes ambientais Escola Inclusão no


estudantes. e de cidadania. fundamental. currículo e nos
esquemas
normais de
financiamento
da atividade.

Algumas iniciativas de capacitação citadas pe-


los entrevistados merecem destaque:

& A Diretoria de Ensino a Distância da Pontifícia


Universidade Católica de Minas Gerais oferece, sem
periodicidade definida, o curso “Energia solar térmi-
ca – Instalações solares de pequeno porte”, para
engenheiros, arquitetos, profissionais e estudan-
tes universitários, no site www.virtual.pucminas.br/

94 Um banho de sol para o Brasil


curso/curso_index.htm, com os objetivos de pro-
mover a divulgação da tecnologia solar térmica e a
capacitação de pessoal técnico em aquecimento so-
lar; incrementar e difundir o uso de aquecedores
solares; motivar a implantação de programas
institucionais de substituição do chuveiro elétrico,
por meio do Gerenciamento pelo Lado da Demanda
(GLD), em todas as concessionárias de energia elé-
trica do país; e aumentar a competitividade indus-
trial e mercadológica dos produtos brasileiros.

& A Abrava desenvolveu um programa de


capacitação em energia solar, liderado pelo
G e e n s o l a r , d a P U C - M G 52, q u e “ v i s a d a r
sustentabilidade a projetos de substituição intensi-
va de chuveiros elétricos, programas de capacitação
e atualização de profissionais nas diferentes áreas
de atuação requeridas pelo aquecimento solar, como
instaladores e bombeiros hidráulicos, técnicos em
manutenção, projetistas e consultores, fabricantes
e empreendedores etc.”. A meta é promover a qua-
lificação de 2 000 profissionais no período de dois
anos, em todas as regiões do país, seguindo um
cronograma de 4 etapas: (1) cursos de capacitação
em energia solar; (2) implantação e viabilização da
sustentabilidade da Rede Brasileira de Profissionais
em Energia Solar e manutenção do Sistema de In-
formação e Credenciamento destes, por meio da im-
plantação de um grupo de trabalho coordenado pelo
Inmetro; (3) criação na Web do Portal de Gestão de
Conhecimento do Programa Rede de Capacitação em
Energia Solar – propõe-se a criação de um ambien-
te único de colaboração e gestão de conhecimento;
e (4) realização de workshops técnicos e criação de
espaços virtuais de amplo acesso para apoiarem a
disseminação e a difusão das soluções tecnológicas

Um banho de sol para o Brasil 95


eficientes obtidas na capacitação de agentes de de-
senvolvimento para a implantação e manutenção
de sistemas de aquecimento solar. O programa está
em negociação com a Eletrobrás, que deve financi-
ar parte dos custos de implantação.

Figura 7. Concepção da Rede Brasileira de


Profissionais em Energia Solar

& A Soletrol oferece diversas modalidades de cur-


sos para engenheiros, arquitetos, encanadores,
revendedores de produtos da empresa, estudantes,
etc. em seu Centro de Treinamento “Praça do Sol”,
inaugurado em 1998, junto à sede da empresa em
São Manuel – SP. A empresa estima que cerca de 6
mil pessoas já passaram pelos cursos oferecidos
no centro de treinamento. Além disso, a empresa
produziu e divulgou na Rede Vida de Televisão o
curso básico em aquecimento solar “Energia Solar
na TV – curso intensivo de aquecimento solar de
água”, composto por uma série de 16 programas,
apoiado por informações adicionais disponibilizadas

96 Um banho de sol para o Brasil


no site www.energiasolarnatv.com.br.

& A ONG Sociedade do Sol, que tem como obje-


tivo a disseminação da tecnologia termossolar para
todo o território brasileiro e para países de clima
tropical ou nações que queiram utilizar tecnologia
intermediária para aquecimento de água, disponibiliza
gratuitamente em seu site diferentes manuais téc-
nicos que orientam como montar um aquecedor solar
de baixo custo. Assim, qualquer pessoa com algum
conhecimento de hidráulica e habilidade com ferra-
mentas pode manufaturar seu equipamento. Caso
esse usuário tenha dificuldades, ele pode entrar em
contato com a Sociedade do Sol, por meio eletrôni-
co, telefônico ou pessoalmente, e esclarecer suas
dúvidas. Se preferir, ou necessitar de uma atenção
mais contínua, ele pode entrar em contato com um
dos monitores da Sociedade do Sol que estiver mais
próximo de sua região e solicitar uma visita. Os
monitores são voluntários não remunerados pela
ONG que em algumas situações colaboram na mon-
tagem de aquecedores solares para outros usuári-
os. A Sociedade do Sol disponibiliza em seu site o
endereço e o telefone dos monitores.

Para a população que não tem acesso à


Internet, a organização iniciou, em março de
2004, um programa de treinamento para pro-
fessores da rede estadual e municipal de ensi-
no público do estado de São Paulo. Durante o
treinamento, os professores recebem a doação
de um Kit Didático de Aquecedor Solar para utili-
zarem em sala de aula. A ONG espera que os
professores utilizem esses kits e disseminem o
conhecimento aos alunos por meio de experi-
mentos sobre a energia do Sol. O aluno, após

Um banho de sol para o Brasil 97


vivenciar essas experiências e participar da aula
teórica, poderá levar essas informações aos seus
pais e responsáveis, atingindo assim parte da
população desprovida de Internet e outros mei-
os de comunicação.

O manual para a confecção do kit didático tam-


bém é disponibilizado gratuitamente no site da
SoSol. Esse manual, além de conter as informa-
ções necessárias para a manufatura do kit, tem
sugestões de experimentos para serem realiza-
dos com os alunos.

A Sociedade do Sol oferece também cursos


na sua sede e em outros locais para atender as
pessoas que desejam adquirir maiores conheci-
mentos sobre a manufatura, instalação, opera-
ção e manutenção do Aquecedor Solar de Baixo
Custo. Desde 2002 já participaram do curso
aproximadamente 200 pessoas.

98 Um banho de sol para o Brasil


3. OPORTUNIDADES PARA A DIFUSÃO DA
TECNOLOGIA TERMOSSOLAR
3.1. Geração de certificados de redução de
carbono (CREs)

O uso de aquecedores solares pode contri-


buir para a redução da emissão de CO 2 por par-
te do setor elétrico brasileiro, emissão que ocor-
re, mesmo com o perfil relativamente “limpo” que
esse setor aparenta ter. Uma análise de ciclo de
vida de quatro diferentes alternativas de aque-
cimento de água para residências no país – chu-
veiros elétricos, aquecedores de passagem a
gás natural, aquecedores de passagem a GLP e
aquecedores solares – mostrou que os aquece-
dores solares emitem menos de 60% do CO 2 e
do CH4 emitidos pelos chuveiros, mesmo consi-
derando ASA complementados com eletricidade 53.

Um banho de sol para o Brasil 99


Nesse contexto, recursos adicionais obtidos
por meio de pagamentos de serviços ambientais
da tecnologia seriam uma importante ferramen-
ta de promoção de aquecedores solares no país.
A oportunidade de obter esses recursos surge
com a Convenção Climática da ONU (UNFCCC, na
sigla em inglês), assinada em 1992 no Rio de
Janeiro, e seus desenvolvimentos subseqüen-
tes, especialmente os mais de 45 mercados de
Certificados de Redução de Emissão de Carbo-
no (CREs) existentes, em planejamento ou em
propositura54. Um dos mais importantes desses
mercados é o Mecanismo de Desenvolvimento
Limpo (MDL), estabelecido no Protocolo de Quioto
da UNFCCC para ajudar as nações industrializa-
das (conforme estabelecido no Anexo I da
UNFCCC) a diminuírem os custos do atendimen-
to de suas metas de redução de emissão, to-
mando proveito de oportunidades menos custo-
sas existentes em países em desenvolvimento
(ou não incluídos no Anexo I da UNFCCC). As re-
gras e os procedimentos desenvolvidos pelo Co-
mitê Executivo do MDL (CE MDL) estabelecem um
marco para todos os outros mecanismos de co-
mércio de CREs55.

Projetos do MDL precisam satisfazer vários


requisitos para criar CREs, sendo a adicionalidade
um dos mais importantes. Adicionalidade signifi-
ca que os projetos do MDL devem levar a redu-
ções reais e mensuráveis no total de emissões
de gases estufa (GE) no país que hospeda o pro-
jeto e que os proponentes do projeto precisam
provar como as emissões de GE serão reduzi-
das abaixo dos níveis antecipados na ausência
do projeto. Uma componente principal do aten-

100 Um banho de sol para o Brasil


dimento do requisito de adicionalidade de pro-
jetos do MDL é o estabelecimento de uma
metodologia para a estimativa de linhas de base.
A linha de base é uma projeção das emissões
que ocorreriam na ausência das atividades pro-
postas no projeto em questão, que é usada para
estimar as reduções totais produzidas pelo pro-
jeto. O valor total dos CREs é uma função, por-
tanto, da projeção da linha de base. Proponen-
tes de projetos MDL precisam também apresen-
tar informação sobre os limites do projeto, re-
duções de emissões e planos de
monitoramento . 56

O CE do MDL permite que proponentes de pro-


jetos de pequena escala (menos de 15 MW no
caso dos aquecedores solares) usem linhas de
base e metodologias de monitoramento
simplificadas, se eles demonstrarem que a ativi-
dade proposta não seria implementada sem o
projeto devido à existência de uma ou mais das
seguintes barreiras 57:

(a) Barreira de investimento – uma alternativa


financeiramente mais viável à atividade proposta
levaria a maiores emissões de GEs. Os aquecedo-
res solares produzidos no Brasil submetem-se a
esse critério, já que a tecnologia é vista no país
como uma fonte de energia renovável com alto
valor ambiental e altos custos iniciais para os
consumidores. Mesmo com a queda acentuada
desses custos iniciais, de US$ 500/m 2 para US$
100/m2 nas duas últimas décadas, o preço inici-
al ao consumidor do aquecedor solar permane-
ce alto se comparado com seu maior competi-
dor, o chuveiro.

Um banho de sol para o Brasil 101


(b) Barreira tecnológica – uma alternativa
tecnologicamente menos avançada às atividades
propostas envolve riscos menores devido a incerte-
zas relativas à performance da proposta ou ao bai-
xo market share da tecnologia adotada no projeto
e, portanto, levaria a maiores emissões. De fato,
os aquecedores solares ainda precisam ganhar
a confiança dos consumidores, que vêem os chu-
veiros como uma tecnologia mais acessível e pro-
vada para o aquecimento de água, apesar do alto
consumo de energia do equipamento e das mui-
tas vezes inseguras condições de uso.

(c) Barreira devido à prevalência de práticas an-


teriores – uma prática prevalente ou políticas públi-
cas e regulações existentes levam à expansão do
uso de uma tecnologia com maiores emissões. No-
vamente, os baixos custos iniciais dos energo-
intensivos e arriscados chuveiros – vendidos a
preços entre R$ 20 (4,4 kW) e R$ 300 (8,2 kW) –
certamente contribuem para a extensiva pene-
tração dessa tecnologia. Mas um outro fator é a
existência de tubulações e infra-estrutura elétri-
ca limitada à instalação de chuveiros em pratica-
mente todas as casas, sem a dupla tubulação
necessária à distribuição de água quente gera-
da pelos aquecedores solares. Esse padrão tem
sido reforçado por anos de prevalência dessa prá-
tica e por códigos de obras municipais adapta-
dos aos chuveiros.

(d) Outras barreiras.

O financiamento dos aquecedores solares é


um aspecto sub examinado da tecnologia, com
um papel potencial importante no desenvolvimen-
to do mercado solar. As instituições que financi-

102 Um banho de sol para o Brasil


am projetos habitacionais têm falhado em levar
em consideração a segurança que os aquecedo-
res solares podem trazer ao sistema de financia-
mento habitacional para as classes populares,
para as quais contas de fornecimento de eletrici-
dades menores podem facilitar o pagamento das
prestações da casa própria. Quanto ao financia-
mento de aquecedores solares direto ao consu-
midor, as taxas de juro praticadas no país são
extremamente altas, e as linhas de crédito
socioambientais disponíveis são de baixa acessi-
bilidade, por razões institucionais, burocráticas
ou ainda por falta de divulgação adequada.

Outra barreira que deve ser considerada é a


falta de capacidade profissional, de formação ade-
quada e de experiência entre os profissionais que
atuam ou potencialmente poderiam vir a atuar
nesse mercado. Porque os aquecedores solares
têm sido considerado caros e difíceis de manejar,
arquitetos não estabeleceram um repertório de
possibilidades estéticas de incorporação dos co-
letores, projetistas têm dificuldade de acessar a
informação correta sobre insolação, encanado-
res cometem muitos erros de instalação etc.

De acordo com o CE do MDL, um projeto capaz


de superar uma ou mais dessas barreiras pode-
ria gerar CREs. O Quadro 9 apresenta uma esti-
mativa do valor potencial dos CREs gerados por
aquecedores solares no Brasil. Os resultados
mostram que esses rendimentos podem ser um
importante incentivo adicional ao mercado no
país, podendo contribuir com valores de até mais
de 20% do valor inicial dos aquecedores.

Um banho de sol para o Brasil 103


Quadro 9. Possíveis recursos de crédito de
carbono para coletores solares

Período Toneladas % do % do
de de C02 Renda em custo de Renda em custo de
tempo abatidas/ CREs por C02 CREs por C02
100 l/ sistema a a US$ sistema a a US$
período* US$ 5/t 5/t US$ 10/t 10/t

10 anos 4,6 46,00 5,5 92,00 11,0


14 anos 6,4 64,40 7,7 128,80 15,3
21 anos 9,7 96,60 11,5 193,20 23,0

*fator de emissão de 0,604 kg de CO 2 por kWh aprovado


pelo CE do MDL para a rede interligada do Sul e Sudeste e para
o Cento-Oeste brasileiros; produção equivalente de eletrici-
dade de 127 kWh/mês para um aquecedor solar médio de 200
litros58, com preço de venda ao consumidor de US$ 840, para
um sistema de 200 litros, incluindo custos de instalação59.

Um projeto capaz de incentivar o uso de


aquecedores solares no Brasil atinge os requi-
sitos para a emissão de CREs de CO2 enquanto
promove o desenvolvimento sustentável. É pos-
sível adotar as linhas de base e a metodologia
de monitoramento simplificadas aprovadas pelo
CE do MDL e demonstrar que o crescimento do
mercado buscado não seria atingido devido à
existência das barreiras acima mencionadas. A
questão que permanece é relativa ao desenho
do projeto em si e sobre quem poderia ser o
proponente.

No contexto particular, existem quatro dife-


rentes atores sociais capazes de articular um
projeto como esse: um consórcio de produto-
res de aquecedores solares, um organismo fi-
nanceiro, uma distribuidora de eletricidade ou

104 Um banho de sol para o Brasil


uma administração municipal.

Produtores de aquecedores solares poderi-


am organizar novos modelos de negócios usan-
do ferramentas como venda de serviços
energéticos ou leasing de equipamentos. Insti-
tuições financeiras poderiam oferecer novas li-
nhas de financiamento para alavancar a venda
desses equipamentos e distribuidoras estão em
ótima posição para oferecer serviços
energéticos a seus consumidores. Administra-
ções municipais poderiam coordenar pacotes de
financiamento habitacional, incorporar aquece-
dores solares em projetos habitacionais e/ou
mudar requisitos em códigos de obras para re-
querer ou ao menos facilitar o uso de aquece-
dores solares e usar recursos dos CREs para,
por exemplo, subsidiar o cumprimento do requi-
sito para as habitações de baixa renda. Proje-
tos desenvolvidos a partir dessas idéias inici-
ais poderiam atender aos requisitos esperados
para alavancar o uso de aquecedores solares
no mercado brasileiro e lançar CREs no merca-
do internacional.

Um banho de sol para o Brasil 105


3.2. Normatização

Vários entrevistados se referiram ao esta-


belecimento, em 1997, da Etiqueta Nacional de
Conservação de Energia (ENCE) para coletores
solares, do Instituto Nacional de Metrologia, Nor-
malização e Qualidade Industrial (Inmetro),
como um marco de mudança de qualidade dos
aquecedores solares no mercado brasileiro. Se-
gundo estes, a ENCE permite que os consumi-
dores tenham informação sobre a qualidade dos
equipamentos, algo que vai além do objetivo
inicial do programa de etiquetagem, que tem o
objetivo expresso de “informar o desempenho
térmico de sistemas e equipamentos para aque-
cimento solar de água (...) segundo normas bra-
sileiras específicas e/ou internacionais, e que a
medição desse desempenho está sendo feita pelo
fabricante de forma contínua e segundo critérios
e procedimentos de ensaios e controle conforme
as disposições deste Regulamento Específico” 60.

No programa ENCE, etiquetas (Figura 8) são


utilizadas para fornecer aos consumidores in-
formações relativas ao desempenho térmico dos
sistemas e equipamentos para aquecimento
solar de água, de acordo com a classificação de
desempenho do equipamento. Tais informações
são fornecidas pelos fabricantes e verificadas
pelo Inmetro, por meio de um sistema de aferi-
ção, medição e controle. A medição é feita pe-
los fabricantes segundo normas específicas per-
tinentes – brasileiras e/ou internacionais –, me-
diante a realização de ensaios por laboratório
credenciado e/ou com o acompanhamento de

106 Um banho de sol para o Brasil


técnicos do Inmetro após aferição dos sistemas
de medição dos fabricantes e do laboratório de
ensaios credenciado (Quadro 10). Especifica-
mente, o que se verifica é a informação presta-
da pelo fabricante quanto à Produção Média de
Energia e/ou à Eficiência Energética de coleto-
res solares planos, abertos ou fechados, para
aplicação em banho ou piscina com área míni-
ma de 1 m 2 , para sistemas acoplados e para
reservatórios térmicos com volumes padroniza-
dos de 100, 150, 200, 250, 300, 400, 500, 600,
800 e 1 000 litros.

Figura 8. Modelos de etiqueta de


comparação (esquerda) e de aprovação
(direita)

Um banho de sol para o Brasil 107


Quadro 10. Normas e seqüência dos
procedimentos para ensaios dos coletores
solares
(As aplicações para banhos e piscinas são similares,
tendo apenas a norma de teste para Eficiência Térmica Ins-
tantânea, no caso de piscinas, alterada para a norma AINSI/
ASHRAE 96-1980 RA1989.)

Grupo 1:
- Ensaio de exposição não-operacional (ASTM 823-81)
- Pressão hidrostática (FSEC–GP–5-80)
- Choque térmico (ASTM 823-81)
- Inspeções (ASTM 823-81)

Grupo 2:
- Constante de tempo (ANSI/ASHRAE 96-1986 RA91)
- Eficiência térmica instantânea
- aplicação banho: ANSI/ASHRAE 96-1986 RA91
- aplicação piscina: AINSI/ASHRAE 96-1980 RA1989
- Fator de correção para ângulo de incidência (ANSI/
ASHRAE 96-1986 RA91)
- Inspeções (ASTM 823-81)

O ENCE prevê também a emissão do Selo de


Eficiência Energética e do Selo Procel-Inmetro de De-
sempenho. Os coletores aprovados em ensaios e
etiquetados com classificação A, conforme disposto
no regulamento do Inmetro, estão aptos a rece-
ber o Selo Procel de Economia de Energia, conce-
dido pelo programa da Eletrobrás, podendo divul-
gar esse selo nas suas propagandas individuais.
Os reservatórios térmicos aprovados em ensaios
e etiquetados, conforme disposto nesse regula-
mento, recebem o Selo Procel-Inmetro de Desem-
penho, que é concedido por Procel/Eletrobrás e
pelo Inmetro, conjuntamente, a equipamentos sub-
metidos a ensaios de aprovação.

108 Um banho de sol para o Brasil


O Selo de Eficiência Energética foi criado por
Decreto Presidencial em 1993, para diplomar os
equipamentos elétricos utilizados em grande es-
cala pela população que apresentem os melhores
níveis de eficiência energética e/ou o menor con-
sumo de energia elétrica. O selo é concedido anu-
almente aos equipamentos que estejam
etiquetados pelo Programa Brasileiro de
Etiquetagem na classificação A.

Figura 9. Aplicação do Selo Procel de


Eficiência Energética

O Selo Procel-Inmetro de Desempenho foi de-


senvolvido por Procel/ Eletrobrás e pelo Progra-
ma Brasileiro de Etiquetagem PBE/Inmetro para
atestar o desempenho de produtos e equipa-
mentos energeticamente eficientes, a partir do
uso conjunto das marcas “Este Produto Conso-
me menos Energia” e “Procel”.

Um banho de sol para o Brasil 109


Figura 10. Aplicação do Selo Procel-Inmetro
de Desempenho

Apesar do respeito dos entrevistados ao sis-


tema de etiquetagem do Inmetro, este não fi-
cou livre de críticas. Alguns fabricantes obser-
varam que a etiquetagem existente é frágil por
ser não vinculante, e os testes são inadequa-
dos, por não serem destrutivos e poderem ser
fraudados por fabricantes inescrupulosos. Al-
guns consultores empresariais observaram que
o sistema atrapalha a difusão de coletores com
propostas tecnológicas alternativas, pois com-
param propostas diferentes sem levar em con-
ta custos de aquisição e instalação. Segundo
esses últimos, um sistema que levasse em con-
sideração o custo–benefício dos equipamentos
seria mais adequado ao mercado brasileiro, que
é bastante sensível a custos e opera num am-
biente com alta insolação, permitindo
performance adequada para equipamentos de
relativamente baixa eficiência.

110 Um banho de sol para o Brasil


3.3. Oportunidades legais

O marco legal brasileiro para o setor elétrico


apresenta algumas oportunidades e possíveis
avanços que devem ser aproveitados para a
promoção de aquecedores solares. No âmbito
das macro-políticas para o setor, a resolução
do Conselho Nacional de Política Energética
(CNPE) n o 7/01 61 , que reestrutura os Comitês
Técnicos que compõem o conselho, define que
o objetivo do Comitê Técnico de Gestão da De-
manda de Energia e Fontes Renováveis é pro-
por uma política de utilização racional de ener-
gia e dos recursos energéticos disponíveis, em
particular das fontes renováveis, como um fa-
tor de promoção socioeconômica e ambiental do
país. Esse objetivo deve ser atingido por meio
da aplicação de novas tecnologias e técnicas
otimizadas de gestão da demanda de energia,
em programas de fomento ao crescimento do
mercado de serviços energéticos, a curto, mé-
dio e longo prazos, e de geração distribuída de
eletricidade. O trabalho desse comitê ainda
deixa a desejar, mas a pressão do FBOMS para
nomear um representante da sociedade civil or-
ganizada para o conselho pode ser um impor-
tante fator dinamizador dos trabalhos.

A lei no 9.991/00 62, que obriga as empresas


do setor elétrico a aplicar anualmente 1% de sua
receita operacional líquida em pesquisa e desen-
volvimento e em programas de eficiência
energética, pode se transformar num dos mais
importantes instrumentos para a promoção do
uso de aquecedores solares, sendo importante

Um banho de sol para o Brasil 111


para isso que os interessados no mercado
termossolar apresentem projetos concretos e re-
levantes de acordo com o mecanismo legal.

Também mereceriam ser analisadas possibili-


dades ainda não exploradas pelo Programa de
Desenvolvimento Energético de Estados e Mu-
nicípios (Prodeem)63, já que dentre os objetivos
desse programa constam “promover o aproveita-
mento das fontes de energia descentralizadas no
suprimento de energéticos aos pequenos produto-
res, aos núcleos de colonização e às populações
isoladas” e “complementar a oferta de energia dos
sistemas convencionais com a utilização de fontes
de energia renováveis descentralizadas”, deman-
das que a tecnologia termossolar tem plena ca-
pacidade de atender.

Dentre os incentivos diretos existentes à


tecnologia termossolar é importante citar a isen-
ção de IPI e ICMS, estabelecida pelo decreto n o
4.070/01 e por outros decretos estaduais, como
o decreto no 46.654/02 do estado de São Paulo.

Existem em tramitação no Congresso Nacio-


nal pelo menos cinco projetos de lei que bus-
cam incentivar o uso de aquecimento solar no
país, com objetivos que vão desde a obrigação
de instalação de aquecedores solares em pro-
jetos de construção de habitações populares
(PL 3.680/04), passando pela isenção de IPI e
II (imposto de importação) para equipamentos
e matéria-prima para aproveitamento da ener-
gia solar (PL 4.783/01) e chegando à constitui-
ção de fundos de financiamento da instalação
de coletores solares, de financiamento de pro-
gramas de pesquisa, desenvolvimento e de-

112 Um banho de sol para o Brasil


monstração, e de financiamento da produção
de insumos e equipamentos para geração de
energia termossolar (PL 4.138/01, PL 630/03,
PL 3.259/04).

O PL 3.680/04 obriga os projetos de cons-


trução de habitações populares realizados com
recursos oriundos de programas de habitação
federais a aproveitar a energia solar.

O PL 4.783/01 isenta do II e do IPI os equi-


pamentos e as matérias-primas para energia
solar sem similar nacional.

O PL 4.138/01 cria o Programa Nacional de


Instalação de Coletores Solares – Prosol, para
financiamento da instalação de coletores sola-
res em imóveis residenciais e comerciais, com
recursos de um Fundo Nacional de Fomento ao
Uso de Energia Solar — Funsol, a ser formado
com recursos provenientes de taxa de 0,1% a
ser aplicada sobre o faturamento bruto anual
das concessionárias de energia elétrica.

O PL 630/03 altera o art. 1 o da lei n o 8.001/


90, que define os percentuais da distribuição
da compensação financeira de que trata a lei n o
7.990/89, destinando 8% dessa distribuição ao
Ministério de Minas e Energia para a constitui-
ção de um fundo especial para o financiamento
de pesquisa e produção de energia elétrica e
térmica a partir da energia solar e da energia
eólica. Esses recursos serão reservados para
o financiamento de projetos e programas de
pesquisa científica e tecnológica, bem como para
o financiamento da produção de insumos e equi-
pamentos para a geração dessas fontes alter-
nativas de energia, devendo ser administrados

Um banho de sol para o Brasil 113


por regulamento aprovado pelo Comitê Gestor
constituído no âmbito do Ministério de Minas e
Energia (MME). Segundo o projeto, o Comitê
Gestor será composto por um representante do
MME, um do Ministério do Meio Ambiente, um
do Ministério da Ciência e Tecnologia, um do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social (BNDES), um do Conselho Nacional de
D e s e n v o l v i m e n t o C i e n t í f i c o e Te c n o l ó g i c o
(CNPq), um da Financiadora de Estudos e Pro-
jetos (Finep), dois representantes das univer-
sidades públicas, dois representantes da comu-
nidade científica, três representantes do setor
produtivo e três representantes de entidades
e movimentos da sociedade civil, a serem indi-
cados pela Associação Brasileira de Organiza-
ções Não Governamentais (Abong).

O PL 3.259/04 cria o Programa de Incentivos


a Energias Renováveis – Pier, de promoção das
energias termossolar, fotovoltaica e eólica, com
recursos provenientes da alienação de empre-
sas de energia elétrica sob controle acionário,
direto ou indireto, da União, ou de ativos
patrimoniais destas, no montante de 10% (dez
por cento) do apurado em cada parcela e com
recursos provenientes do retorno das aplica-
ções feitas sob a forma de empréstimos. O
agente financeiro desse fundo será o BNDES,
que operará sobe a gestão feita pelo Conselho
Diretor, composto por seis membros indicados
pelo Poder Executivo e 6 representantes da so-
ciedade. A destinação dos recursos do fundo
será de:

114 Um banho de sol para o Brasil


& 25% (vinte por cento) para programas de
pesquisa, desenvolvimento e demonstração de
uso de energias termossolar, fotovoltaica e
eólica;

& 25% (vinte e cinco por cento) para proje-


tos de energias fotovoltaica e eólica destina-
dos a sistemas isolados de pequeno porte;

& 30% (trinta por cento) para projetos de


energia termossolar destinados ao aquecimen-
to de água em habitações populares;

& 15% (quinze por cento) para projetos de


energias termossolar, fotovoltaica e eólica a se-
rem desenvolvidos por cooperativas de produ-
tores ou usuários, em área rural;

& 10% (dez por cento) para o Programa de


Desenvolvimento Energético dos Estados e Mu-
nicípios – Prodeem.

Um banho de sol para o Brasil 115


4. CONCLUSÕES

Interessa à sociedade brasileira desenvolver


um grande mercado para aquecedores solares
dadas as vantagens socioambientais da
tecnologia advindas do deslocamento da
hidroeletricidade na matriz energética, da gera-
ção de empregos qualificados e da redução de
recursos para investimentos em geração, trans-
missão e distribuição de energia elétrica. No en-
tanto, os relativamente altos custos iniciais de
instalação da tecnologia e a ausência de crédito
a juros baixos para financiamento dessa insta-
lação, aliados à possibilidade da alternativa de
baixo custo inicial e grande disponibilidade re-
presentada pelos chuveiros, inibem fortemente
a difusão da tecnologia termossolar.

Os entrevistados apresentaram de modo ge-


ral a visão de que, no contexto atual de preços e
financiamentos, a expansão do mercado pode ser
induzida por:

116 Um banho de sol para o Brasil


1. Alterações nos códigos de obras municipais
que obriguem a instalação ou a pré-instalação de
sistemas termossolares em novas construções e
reformas de porte;

2. Aplicação em tecnologia termossolar de par-


te dos recursos provenientes da obrigação das
empresas do setor elétrico de investir 1% de seu
faturamento em P&D e em programas de conser-
vação de energia;

3. Desburocratização e divulgação maciça das


linhas de financiamento específicas existentes;

4. Criação de mecanismos de incentivo à utili-


zação da tecnologia termossolar nos financiamen-
tos de casa própria e de habitações populares;

5.Desenvolvimento de projetos de
comercialização de Certificados de Redução de
Emissão de carbono.

Foi praticamente consensual que, com o possí-


vel aumento de escala de produção de aquecedo-
res solares induzido pelas medidas citadas, o preço
ao consumidor dessa tecnologia tende a cair,
retroalimentando positivamente o processo de
crescimento do mercado. Nessas condições, foi
apontada a necessidade da ampliação da
normatização e da criação de programas de
capacitação para que problemas de construção e
instalação não abortem um possível ímpeto de
mercado. Como provável conseqüência da substi-
tuição pelo aquecedor solar, a participação do chu-
veiro no aquecimento de água residencial e co-
mercial deve cair, mas vários entrevistados pre-
vêem que o equipamento deve vir a ser utilizado
como complemento ao aquecimento solar em al-
guns nichos de mercado.

Um banho de sol para o Brasil 117


Não nos parece razoável esperar para um
futuro próximo a construção de uma estratégia
unificada para a promoção do uso de aquecedores
solares no Brasil. Entretanto, a pesquisa aqui
apresentada e um w o r k s h o p realizado com
representantes dos setores entrevistados
geraram algumas idéias, propostas e instrumentos
relevantes, que potencialmente podem contribuir
para o progresso do setor.

Uma visão alternativa para uma estratégia para


a tecnologia termossolar no Brasil poderia ser
continuar a promoção da tecnologia no futuro
próximo por meio de iniciativas pontuais, que
testariam abordagens e metodologias e que
proveriam os interessados de histórias de sucesso,
necessárias para iniciativas de maior escala e mais
abrangentes.

Dado o estágio da discussão e a natureza frag-


mentada das iniciativas atuais, uma possibilidade
é a criação de um menu de idéias e instrumentos
desenvolvidos pelas diferentes iniciativas para o
desenvolvimento de suas próprias estratégias.
Uma vez que esse menu esteja criado, será mais
fácil desenvolver uma estratégia baseada em ele-
mentos específicos dele ou que adicione novos
elementos ao cardápio.

O quadro a seguir sintetiza as propostas de


promoção do uso da tecnologia termossolar fei-
tas pelos participantes do workshop para o go-
verno federal, para governos municipais, agentes
financeiros, distribuidores de eletricidade, indús-
trias de sistemas termossolares, agências de
regulação, universidades e ONGs quanto a
regulação e estabelecimento de padrões, financi-
amento e incentivos, educação e conscientização.

118 Um banho de sol para o Brasil


Quadro 11. Elementos para uma política na-
cional de promoção de aquecedores solares
Atores Regulação/ Financiamento/ Educação/
Padrões Incentivos Conscientização
Criar, unificar a harmonizar Campanha de conscientização da
Governo ações dos Ministérios das

importância econômica e ambiental dos
Federal Cidades, de Minas e Energia e do aquecedores solares como energia
Meio Ambiente, da Aneel, da limpa, farta e renovável, ressaltando o
Eletrobras e de concessionárias e amplo domínio da tecnologia pela
da ANP em torno da promoção do indústria brasileira;
uso de aquecedores solares; Disponibilizar banco de dados de
Dar mandato legal à agência informações solarimétricas para correto
federal para promoção do uso de dimensionamento dos equipamentos.
aquecedores solares; 
Incluir uso de aquecedores
solares nas “compras verdes” do
governo federal;
Elaborar projetos de códigos de
obras e cadernos de encargos
que os municípios possam adotar
(MCid, MMA), respeitando
particularidades regionais.

Requerer que toda edificação Reduzir o IPTU das habitações Distribuir panfletos sobre aquecimento
Municípios acima de certa área instale equipadas com aquecedores solar para empreendedores que
tubulação específica para água solares. submetam projetos de construção e
quente, ou ainda mais, instalação 
reforma.
de aquecedores solares.

Criação de diretriz para CEF Desburocratização e promoção de Capacitar agentes bancários para
Agências obrigar a utilização de linhas especiais de crédito ao promoção do financiamento de
financeiras aquecedores solares em seus consumidor para aquisição de aquecedores solares.
financiamentos de projetos aquecedores solares.
habitacionais. 

Promover convênio entre Destinar 0,25% do fundo da Promover o uso de aquecedores


Distribuidores Abrava, Procel e Ibam para a Aneel para conservação e P&D solares nas contas de luz mensais.
de elaboração de guias para para projetos de instalação de
aplicação específica de aquecedores solares em
eletricidade
energia solar (hospitais, habitações de baixa renda;
escolas, asilos etc.). Criar novo produto pela venda
ou pelo leasing de aquecedores
solares com pagamento na
conta mensal de energia.
Investir em pesquisa para a Investir em novos sistemas de Capacitar instaladores e qualificar
Indústrias de redução do custo de instalação negócio, como venda de serviços de projetistas e revendas do produto;
aquecedores dos aquecedores solares. aquecimento de água para (Verif. revendedores?)
solares condomínios e grandes Implantar o Observatório Solar,
consumidores e leasing de incluindo site, para informar
equipamentos. consumidores, reunir e produzir
estatísticas, fornecer educação
continuada e a distância para quem
trabalha com o produto;
Difundir junto a distribuidoras de
eletricidade as vantagens da promoção
da utilização de aquecedores solares
para essas empresas.
Criar normas para instalação e
Agências de dimensionamento de sistemas de
regulação aquecimento solar de água
(Inmetro).
Pesquisa de novos materiais e de Capacitação de arquitetos, engenheiros
Universidades 
processos mais eficientes e mais e instaladores para o mercado
baratos para desenvolvimento de termossolar.
sistemas solares. (Verif. sistemas
de utilização de energia solar ?)
Desenvolvimento de projetos de Campanha de conscientização da
ONGs 
comercialização de Certificados de importância econômica e ambiental dos
Redução de Emissão de carbono em aquecedores solares como energia de
parceria com outros atores do geração descentralizada, limpa, farta e
mercado termossolar. renovável.

Um banho de sol para o Brasil 119


REFERÊNCIAS
1
Pesquisa de Posse de Eletrodomésticos e de Hábitos
de Consumo. Procel, Eletrobrás, 1989.

2
Jorge Wilhein Consultores. Consumos Residenciais
de Energia – Relatório Final. São Paulo, 1986.

3
Matajs, R. R. Demanda, Consumo e Custo de Alter-
nativas ao Chuveiro Elétrico no Estado de São Paulo.
Dissertação de mestrado, USP–IEE. São Paulo, 1997.

4
Pesquisa de Posse de Eletrodomésticos e de Hábitos
de Consumo. Procel, Eletrobrás, 1989.

5
Balanço Energético Nacional, 2002.

6
Documento do Fórum Brasileiro de ONGs e Movi-
mentos Sociais sobre o novo modelo para o setor
elétrico. Março, 2004. www.vitaecivilis.org.br.

7
Doze Razões para Excluir as Grandes Barragens
das Iniciativas para Energias Renováveis. Documento
disponível em www.irn.org.

8
Idem referência anterior.

9
Goldemberg, J.; Coelho, S. T.; Nastari, P. M.; Lucon,
O. Ethanol learning curve – the Brazillian experience.
Disponível em Pergamon – www.sciencedirect.com.
Elsevier Ltd.; 2003.

10
Goldemberg, 2003.

11
Atlas Solarimétrico do Brasil. Grupo de Pesquisas
em Fontes Alternativas (FAE/UFPE). 1998.

12
www.iea.org.

13
Comunicação pessoal da diretoria do Departamen-
to Nacional de Aquecimento Solar da Abrava.

14
Os fabricantes brasileiros de aquecedores solares
podem ser encontrados no portal da Associação do
setor: http://www.portalabrava.com.br/

120 Um banho de sol para o Brasil


quadros2.asp?varLink=Setoriais/das.htm&mn=das.

15
Comunicação pessoal da diretoria do Departamen-
to Nacional de Aquecimento Solar da Abrava.

16
Sun in Action II – A Solar Thermal Strategy for
Europe. Vol. 1. Market Overview, Perspectives and
Strategy for Growth. European Solar Thermal
Industry Federation. Abril 2003.

17
Status of Solar Thermal Technologies and Markets
in India and Europe – an OPET international action –
Enhancement of Market Penetration of Solar Thermal
Technologies. Tata Energy Research Institute (Índia)
e CRES – Centre for Renewable Energy Sources
(Grécia).

18
Pereira, E. M. D. Energia Solar Térmica in “Fontes
Renováveis de Energia No Brasil”. (organizado por
Tolmasquim,M. T.). Green-PUC-Minas, Cenergia-
Coppe-UFRJ, Edit. Interciência, 2003.

19
Goldemberg, J.; Coelho, S. T.; Nastari, P. M.;
Lucon, O. Ethanol learning curve – the Brazillian
experience. Disponível em Pergamon –
www.sciencedirect.com. Elsevier Ltd; 2003.

20
Trends in monthly market prices for selected
commodities. UNCTAD Handbook of Statistics 2003.
www.unctad.org/Templates/
WebFlyer.asp?intItemID=2085&lang=1.

21
http://an.uol.com.br/2003/nov/12/0joe.htm.

22
www.bndes.gov.br/noticias/financia/not427.asp.

23
www.sociedadedosol.org.br

24
Pereira, 2003.

25
Puig, Josep. The Barcelona Solar Ordinance.
BarnaGEL – Barcelona, Barlcelona Local Energy
Group. www.eurosolar.org/
solarzeitalter;solarzcit_3_01-3.html.

Um banho de sol para o Brasil 121


26
Sawin, Janet L. National polices instruments: policy
lessons for the advancement and diffusion of
renewable energy technologies around the world.
Worldwatch Institute, Dec 2003. Thematic
background paper for the Conference for Renewable
Energies, Bonn 2004.

27
Captación solar térmica de la ordenanza general
de meio ambiente urbano de Barcelona 20-7-99;
www.uniseo.org/wordpdf/barcelonalaw.pdf

28
Pereira, 2003.

29
www2.ibam.org.br.

30
www2.ibam.org.br/rcidades/noticias.asp

31
Puig, BarnaGEL.

32
The Barcelona Solar Thermal Ordinance:
evaluation and results. Apresentação feita por Toni
Pujol da Barcelona Energy Agency, na 9th Annual
Conference of Energie-Cités, Abril de 2004.

33
www.timesonline.co.uk/article/0,,3-
1350946,00.html.

34
Projeto beneficia usuários e fabricantes de energia
solar. www.camaracg.com.br/proposit4.html.

35
Jannuzzi, Gilberto De Martino. Energia Solar: um
luxo para os Campineiros? Correio Popular de
Campinas. 15/7/2002.

36
Electric Utility DSM 1999. www.eia.doe.gov/cneaf/
electricity/dsm99/dsm_sum99.html.

37
FBOMS, 2004.

38
Decreto no 2.335, que cria a Aneel.

39
Art. 225 do Capítulo VI (Do Meio Ambiente) da
Constituição Brasileira de 1988.

40
http://www.ttcompany.com.br/stc.html.

122 Um banho de sol para o Brasil


41
Mazzon, Lucio Cesar de Souza Mesquita; Mazzon,
Luis Augusto Ferrari; Campos Filho, Marcelo de
Moura. O Aquecedor Solar de Água para o Setor
Elétrico e para o Usuário Final. Procel, 1996.

42
Lei no 9.991, de 24/7/00, e resolução 271 da Aneel.

43
www.aneel.gov.br.

44
Resolução 492 da Aneel.

45
www.light.com.br/institucional/noticias/campanhas/
energia_solar/faq/tefaq.shtml.

46
Oliva, George Andrew. Utilização de aquecedores
solares de baixo custo em programas de
gerenciamento pelo lado da demanda (GLD). CPFL.
Apresentado no XV Seminário Nacional de Transmis-
são e Distribuição de Energia Elétrica, 1999.

47
http://revista.fapemig.br/8/energia.html.

48
The 20% solution. http://savepower.lbl.gov.

49
Goldman, Charles A.; Eto, Joseph H.; Barbose,
Galen L. California Customer Load Reductions during
the Electricity Crisis: Did they Help to Keep the Lights
On? Energy Analysis Department. Ernest Orlando
Lawrence Berkeley National Laboratory, em http://
eetd.lbl.gov/ea/EMS/EMS_pubs, May 2002.

50
http://www.saopaulo.sp.gov.br/sis/
lenoticia.asp?id=50466.

51
Pereira, 2003.

52
Programa Rede de Capacitação em Aquecimento
Solar. Abrava, 2003.

53
Taborianski, Vanessa M. Avaliação da contribuição
das tipologias de aquecimento de água residencial
para a variação do estoque de gases de efeito estufa
na atmosfera. Tese de mestrado. POLI-USP, 2002.

Um banho de sol para o Brasil 123


124 Um banho de sol para o Brasil
Um banho de sol para o Brasil 125

Você também pode gostar