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AS RELACOES ENTRE O ESTRESSE E A DEPRESSAO: EXPLORANDO UM ENDOFENOTIPO Andrea A. Feijé de Mello ‘Mario Francisco Juruena José Alberto Del Porto Marcelo Feijé de Mello Este capitulo apresenta uma revisdo tradicional da literatura sobre as altéragées do eixo Tuan ee eae Le ee eee ee eae historico sobre © tema, demonstra a retomada do interesse por seu estudo opés uma déca- da de esquecimento, com o aperfeicoamento dos testes de avaliagéo do eixo HHA. Além Ce eR Re a ree Ce aoc ‘ges com outros fatores, como histéria de trauma precoce, certos genétipos e temperamen- to. Séo apresentados, assim, os resultados mais atuais nesse campo, em que a procura por um endofenétipo pode estar correlacionada aos varios fatores associados para o desenvol- Se ete na 0 eixo hipotalamico-hipofisério-adrenal (HHA), também chamado hipotalamico- hipofisdrio-suprarenal, é o principal res- ponsavel pela resposta de um organismo a um estimulo estressante. A hiperatividade desse eixo na depressao ¢ um dos achados mais consistentes em psiquiatria. Uma par- cela considerdvel de pacientes com trans- torno depressivo apresenta: concentragées aumentadas de cortisol (0 glicocorticéide endégeno em humanos) no plasma, na urina, no liquido cerebrospinal (LCS); uma resposta exagerada do cortisol ao horménio adrenocorticotréfico (ACTH); e um aumen- to das glandulas hipéfise e adrenais, que confirmam essa evidéncia cientifica (Hols- boer; Barden, 1996). Tais achados levam a crer que existe uma associagao entre 0 estresse e a depresstio, porém nem todos 0s pacientes com depressio apresentam es- sas alteracées. A controvérsia nos achados de estudos iniciais com o teste de supres- sio da dexametasona (TSD) fez com que, durante alguns anos, essa linha de pesqui- sas tenha sido deixada em segundo plano. No entanto, recentemente, uma onda de pesquisas abriu uma nova perspectiva para a compreensio da hipercortisolemia em pa- cientes com depressdo, que est ligada a alguns casos especificos e depende do tipo e da gravidade da doenca, do gendtipo, da histéria de trauma durante a infancia e, provavelmente, de um conjunto de fatores chamado resiliéncia. Esses fatores, prova- velmente, determinam um endofenstipo para a depressao. 226 Lacerda & Cols HISTORICO Na década de 1970, foram publica dos achados a respeito da hipercortisolemin fem pacientes com depress. Naquela épo a, Carroll ¢ colaboradores (1976) const taram que pacientes geavemente ceprimi dos nao apresentavam diminuigio do or tisol citculante elevado em resposta ain gestio da dexametasona (DEX), sendo, endo, consideradas no responsivos 8 su pressio, A euforia inicial com esses restl taxlos fee com que se acreditasse que esse teste serviria como um marcador para 0 diay o de depressio, Entre supres exclusiva da lepressio e, ao mesmo tent po, nao ocorria em todlos os pacientes, © que fez com que a avaliagio do eixe HHA perdesse stir importaineia. “Mais tarde, avalingbes mais minueio- sas permitizam chegar @-algumas conclu in esses cha, to de que a dex sticas. Farmacoei niéticas ¢ farmacodindmicas diferentes do cortisol endogeno © mio attavessa ba reira hem falica, proxtuzind bloque jos petifer'cos, porem nao centrais, Alem xluitam pacientes sem disso, os estudos tuniformidadte de diagnosticn, com dite tes subuipos de depressao, liferentes gras dle gravidade da dloenga © cosmorbidades diversas. Retomando essa linha de pesyuisas 10 anos apds © desenvolvimento do TSD, Holsboer e colaboradtores (1996) desenvol: vera un teste da fungae neuroenddctina mais sensivel para deteetar 0 desequilibio do ein HHA, Esse testedombina 0 TSD ¢ f© teste dle estimulagio de horménio Uiberaslor de corticotrofina (CRI) € € cha mado de teste de desatio DEX’CRH (von. Bardeleben et al, 1985; von Bardeleben; Holsboer, 1991), O teste envolve ristragio oral de uma dose ing de DEX As 23 horas, seguida de um bolo renoso de 100 jg de CRH as 3 horas do dia seguinte, Desde entio, esse grupo tem publicado resultados interessantes so- bre hipercortisolemia e depressio. Recentemente, o teste DEX/CRH foi avaliado para saber se reveladistirbios su tis dlo eixo HHA, nao detectados pelo TSD, fem pacientes com transtornos do humor € controles (Watson etal, 2006). Encontrou se uma estreita cortelagio entre as respos tas de cortisol nos dois testes e o diagns tico de cepressio, A sensibilidade do DEX/ CRH foi de 61,9%, e a especificidade de 71.49%, A sensibilidade do TSD foi de (66,69, especificidade, de 47,6%. Os mque os dois aval resultados sug rmyesmas alteragdes, mas o teste DE Um teste de supressao utilizande ou » glicocorticoide si a predaisolo ininetalocorticoites (RMD, foi des lo recentemente pelo grupo ato Institue dle Psiquiatria de Londres, comiandado por Pariante (Pariante et al., 2002). Os gic corticdides medeiam suas ag6es, ineluin: do a regulagio do eixo HHA, por meio de dois subtipos de receptores de corticos- terdide intracelulares distintos, denomina. dos Tipo 1, ou receptor de mineralocort chides, e Tipo I, ou receptor de glicocortics ddes (RG). Ao contritio do RM, © RG pos su uma alta afinidade pela DEX e wma ai nidade mais baixa pelos carticoesterdides endogenos. No dos da dos da literatura sa examinou 0 RG. Os primeitos resultados com 0 teste de prednisolona em pacientes deprimidos parecem confirmar a idéia de que 0 Jeedback negative mediado pelo RM na depressio esta intacto nos pacientes depri fos (Juruena etal, 2006). ‘Ainda que diferentes testes tenham sido utilizados e que resultados confltantes tenham sido publi guns rest tados convergentes no caso especitico da depressao. 4 hipercortisolemia acorre, com frequéncia, em sso _grave, de tipo melancolico, com ou sem sin tomas psicéticos, ¢ esta vinculada a pre senga de polimorfism especitco na reg promotora do gene do transportador da serotonina, 2 historia de abuse. lo ‘no na infincia, ou a outtas experiéncias «le um genitor ragDeS NA TespOsta ao estkESsE (Gurwena et al,, 2004), Todos esses juntos se relacionam a um endotenstipo considetado vulneravel 8 clepressio GRAVIDADE E TIPO DE DEPRESSAO A hiperfungao do eixo HHA pode ser cearacterizada por hiperativagio de CRH, feedback negativo reduzide 0 cortisol € hipercortiso anormalidades foram observadas em pa cientes com transtorno unipolar (episéeio Linico ou episscios recorrentes d depres __Depressin _227 so maior), mas podem, também, estar pre sentes na fase depressiva, maniaca ede ve ‘missio.em pacientes com transtomnaafetivo bipolar (com episddios recortentes de de pressio maior e episddios de mania ou hipomania). Em um estudo, Young e cola boradores (2004) verificaram que os trans tornos de ansiedade ocorrem em aproxima: damente 30% dos individuos com trans torno depressive maior e coneluiram que os pacientes deprimidos com transtomo de an- siedade co-mdrbido apresentam um prejui 20 do feedback negativo do eixo HHA ainda ‘maior do que 0 observado nos deprimidos, sem essa co-morbidade. Nas tiltimas dead: relataram que a depressio maior psicétiea (DMP) tem caracteristicas tnieas, inclu do diferengas neuroenddcrinas em relagio ddepressao maior nao psieética (DMNP), Muitos estuclos encontram hiperatividade do eixo HHA em pacientes com DMP (Schatzberg et al., 1983; Coryell, 1996; Belanoff et al., 2001). Mais recentemente, Gomez ¢ colabo: radores (2006) examinaram 29 pacientes ‘coin DMR, 24 com NDMP ¢ 26 eontroles sauliveis, que foram reerutados no Cen: to Médico da Universidade de Stanford. varios estudos CObtiveram:-se as avalingdes psiquistrieas, os niveis de cortisol entre 18 ¢ 9 horas, € 08 ddados de testes neuropsicoldgicos. Os te sultads demonstraram que pacientes com DMP tiveram niveis de cortisol elevados centre 18 € 1 hora, Contreras ¢ colaboradores (2006) também estudaram 40 pacientes hos lizadlos, que satisfaziam os eritérios do DSNCULR para episédio depressive mi com melaneolia (21 niio-psiesticos € 19 psicdticos). Dor meio de testes de supres silo da dexametasona e outros que avalia amos eixos hipotaldmico-hipotisiio: titeoidiano ¢ hipotaldmico:hipofisirie gonadal, notaram que até 809% dos pacien tes com dey silica apresenta vam alteragies do eixo HHA (tanto os 228 Lacerda & Cob psicoticos como os nito-psiesticns), que es tavam relacionadas h presenga de sintomas melancdlicos. Keller © colaboradores (2006) est daram pacientes com DMR DMNP e con oles saudavets, utilizando escalas de ava Aingho de depressio e psicase e medidas da atividade do eixo HIIA, incluindo cortisol nnoturno e dosagem de adrenocorticotrofi ina. Os resultados demonstrarain que o§ pa fentes com sintomas psicticos (DMP) pas sam niveis mais altos de cortisol durante noite do que os que tinham NDMP ou os controles, sendo que estes dois tikimos no diferiam entre si. Anilises de regressive ‘mostraram que a depressio e @ combina- so de sintomas depressivos € psiesticos contribuiram cle forma importante para a variagio nos niveis de cortisol noturno, A DMP esti associada a niveis aumentados. de cortisol durante as horas de repouso. A atividade aumentada de cortisol, partic: larmente modificando © ponto mais baixo da curva, esta relacionada & gravidade da depressio eA interagio de sintomas depres sivos e psicdticos. Essa modificagio sugere uum defeito na agio do sistema temporiza dor circadiano e do eixo HHA, eriando um. ambiente hormone! similar ao que & en- contrado em casos de sindrome de Cushing. {nical ede desequilibrio da ativagio de RM eRG. GENETICA 0s estudos sobre um polimorfismo specific na regido promotora do gene do transportador de serotonina (SLC6A4) e 0 risco de depressiio mgstram resultados conflitantes (Taylor et al., 2006). Apds a publicagio do estudio de Caspi e colabora- ores, em 2003, muitos estudos eplicaram (0s resultados encontrados e alguns outros no. O estudo da equipe de Caspi desta cou que maus-tratos na infancia aumen- tam a chance de indivicuos que 18 pelo os uma edpia de alelo curto desenvol ver depressio na vida adulta, Esse polimor- fismo do gene do transportador de seroto. tina (S-HTELPR) consiste em uma sequen. cia do par de primers 20-23, que est tepe- tid 14 vezes quando o alelo &curto, 04 16 vezes quando € longo, A presenga do alelo ccurto (8) supostamente representa maior risco para depressio, em particular em pes. soas que vivenciaram estresse recente ou pprecoce na vida, Também constataram que pessoas com um ou mais alelos (s) que es- tiveram expostas a eventos estressantes na vida adulta tinham maior probabilidade de desenvolver depressio do que os homoui- _oticos para o alelo longo (I). Muitos est dlos replicaram esses achados (Eley et 2004; Kaufman et al, 2004; Grabe et al, 2008; Kendler et al, 2005), Wilhelm ¢ colaboradores (2006) ava- liaram 127 individuos e investigaram as sociagdes entre © gendtipo S-HTTLPR, eventos de vida positives e adversos ¢ teragio gene-ambiente, Os resultados de rmonstraram que os eventos de vida adver 0s tinham impacto mais significativo no cio da depressio em individuos com 0 gendtipo s/s do que naqueles com os {endtipos s/1 ou /I. Concluiu-se que 0 endtipo S-HTTLPR é um preditor do ink cio da depressio maior apés miltiplos eventos adversos. Zalsman e colaboradores (2006) exa- :minaram a relagao do polimorfismo trial lico S-HTTLPR (com a divisio do alelo 1 tem alelo longo com fungio de alelo longo |, alelo longo com fungio semelhante 0 alelo curto Lg) com eventos estressan- tes da vida, gravidade da depressio maior fe tendéncia a0 suicidio. Foram compara- dos 191 individuos com transtornos do hhumor a 125 voluntarios saudaveis. Todos 6s individuos foram genotipades para 0 polimorfismo trialélico 5-HTTLPR e sub- ‘metidos a entrevistaselinieas estruturadas para.a determinagio do diagnéstico, se do 0 DSM:1V.a quantifieagio da psicopato logia, a avaliagao de eventos de vida estressantes, « histdria de desenvolvimen foe 0 comportamento suicida, Os resu viram, de forma indepenclente, maior gra- vidade da depressio. Além disso, esses clos se relacionaram a maior gravidade de depressio apés traumas moderados agraves do que o alelo semelhante ao alelo Tongo (14). 0 grupo de pesquisa concluit ue 0s alelos transportadores com menor expressio explicam 31% da varidincia na gravidade de depressio maior, de forma diteta ou via aumento do impacto das even- tos de vida estressantes No entanto, Surtees e colaboradores (2006) relataram que trauma na infaincia ena idade adulta estavam associndos a0 transtorno depressive maior, definide pe- los critérios do DSM-IV Todavia, essas re: lagées nao se vinculam ao genstipo 5 HTTLPR. Gillespie e colaboradores (2005) também relataram a nio-replicagao do ppadrio identificado por Caspi ESTRESSE DURANTE A INFANCIA Uma extensa literatura, que remonta ‘a0 trabalho de Freud, descreve observagbes € teorias em relagdo & importincia do eu dado materno no inicio da vida e ao im- ppacto da privagdo de contato maternal no desenvolvimento da satide psicoldgica do adulto. Muitos trabalhos descrtivos foram. publicados sobre relagio entre psicopato- logia em adultos e adversidades vividas precocemente, como perda de genitores na Infancia, cuidado parental inadequado, di- Vvércio, educagio "sem afeto” ou disfuncio- nal por parte dos pais, abuso fisicoe sexual, © outros traumas ocorridos na infancia Esses estudos definiram, de forma consis- Deprenso 229 tente, que a vivéneia de estressores no int cio da vida se assocta a maior rsco de trans tomos do humor, de ansiedade e da perso- nnalidade na idade adulta (Mello et al., 2008). 0 desequilibtio do cortisol ea regula- ‘io deficiente do feedback de glicocort ‘cide tém sido repetidamente identficados ‘como correlatos biolégicos de transtornos depressivos e de ansiedade em adultos (Burke et al,, 2005; Yehuda, 2005), ¢ a audversidade no inicio da vida esta consis: tentemente associada a esses transtomnos ‘emestudos epidemiol6gicos (Kendler eta. 2004). Uma vasta literatura elinica earae- terizou 0 transtorno depressive maior (IDM) como uma condigio associada a secrecio de cortisol basal excessiva e regulagio inadequada de feedback inibité- tio dos componentes do eixo HHA (Han. sen-Grant, 1998). Maus-tratos na infancia so outro exemplo de fator de rico para a depressdo, o qual foi examinado em amos- tras ndo-elinicas Em um estudo de Heim e Nemeroff (2001), a comparagdo entre mulheres com «sem hist6ria de abuso sexual ou fisico de- monstrou, naquelas que sofreram abuso, aumento do ACTH, mas respostas normais dde cortisol a um teste de estresse social (tier Social Stress Test - TSST). Nessetes-

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