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O GLOBETROTTER
DAS ESTRELAS
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
S. PEREIRA MAGALHÃES
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Ele infringe as leis, mas presta auxílio
aos náufragos no planeta vivo.
Se naquele dia, 16 de março do ano 2.102, alguém estivesse por perto, haveria de
ouvir uma voz berrando, xingando e blasfemando em todas as tonalidades. Fosse um
qualquer, certamente ficaria branco de medo e se afastaria. Mas aquela jovem senhora,
que descera do táxi e com passos firmes se dirigiu para o edifício, parecia não ter nada de
um qualquer.
Estava com um vestido leve de verão, chapéu de aba larga, uma linda bolsa de couro
e um tipo de sandálias muito em voga naquela época. Suas feições podiam ser
consideradas suaves, caso seus olhos não falassem de grande iniciativa, se bem que neles
residia também um tom de admoestação.
Realmente, Ludmila Graybound, nascida McBain, não era de brinquedo. Seu marido
sabia muito bem disso. Era ele quem estava esbravejando atrás das paredes da
“Globetrotter das Estrelas”, Companhia de Navegação Espacial, sem suspeitar da
aproximação de sua esposa.
O Capitão Samuel Graybound deu um pulo da cadeira, como se tivesse sentado em
cima de pregos pontudos.
— Você tem que me contar isto direito, Rich; talvez, então, eu possa acreditar em
suas palavras. Instituto para aprendizagem de cosmonáutica! Que besteira é esta? O que é
que eles querem de nós? Estes idiotas! Que o diabo os carregue!
Seu interlocutor era a calma personificada; achava-se acomodado numa cadeira atrás
da mesa que, com toda certeza, era um móvel ainda de dez séculos atrás.
— Meu caro Samuel, a excitação aumenta a pressão arterial — disse em tom de
conselho. — Vá lá e você ficará sabendo de tudo o que pretendem com você. Eu também
não lhe posso dizer o que seja.
— Aprendizagem cosmonáutica! — Samuel Graybound não conseguia tranqüilizar-
se. — Como se tivesse que aprender ainda alguma coisa? Estes idiotas, que os diabos os
levem para os quintos dos infernos.
— Calma, meu amigo! — tentou tranqüilizá-lo seu interlocutor e diretor da firma,
capitão da ativa Richard Flexner. — Não se deve nunca agir com precipitação. Afinal de
contas, este instituto de aprendizagem está subordinado à Administração Solar. É preciso
levar isto em consideração.
— Levar em consideração? Puxa! Somos uma companhia particular, com seis
cargueiros próprios. O que que há ainda para aprendermos, homem de Deus? Será que
vamos comerciar futuramente para o governo? Era só o que faltava. Haveriam de ficar
com os cabelos arrepiados se soubessem o que muitas vezes transportamos escondido.
— Tenha mais cuidado — sussurrou Flexner assustado, olhando em volta, como se
tivesse medo de alguém que pudesse ouvir uma frase daquela. — Não fale tão alto! Você
grita tanto que lá em Terrânia poderão ouvi-lo.
— Por mim, que ouçam até nos confins de Árcon — trovejou novamente o Capitão
Graybound, quase que possesso, alisando a barba ruiva, que não dava grande realce a seu
rosto.
Seu nariz tremia, o que servia geralmente para calcular o grau de sua cólera. As
bochechas caídas, quase sempre flácidas, tornavam-se agora rígidas. Sinal evidente de
que a ira de seu dono atingia o clímax.
— Quem é, hoje em dia, que não faz contrabando? Quem não o fizer é um idiota.
Flexner ficou branco.
— Pelo amor de Deus, Samuel, cale a boca agora. Você quer a desgraça de todos
nós? Nosso nome não é o mais limpo da praça, mas, de qualquer maneira, temos que
protegê-lo. Você é meu sócio, pelo menos no que diz respeito às ações, que estão em
poder de seu venerando sogro. Portanto, se continuar gritando assim, vai prejudicar a ele
e a você.
Graybound estava ofegante, queria responder alguma coisa, quando ouviu passos
atrás de si, no corredor. Soltou um muxoxo, virou-se para trás e viu a velha maçaneta
começando a girar.
O próprio Flexner não escondeu o medo.
“Uma visita?”, pensou. “Tomara que ela não tenha ouvido nada que este maluco
falou.”
Flexner, porém, respirou tranqüilo ao reconhecer a elegante figura de Ludmila
Graybound. Ela entrou no recinto, fechou a porta atrás de si e pôs as mãos na cintura.
— Que está havendo aqui? Por que esta gritaria? — queria saber, olhando para seu
marido inquisitivamente. — Vamos, desembuche! Perdeu a língua?
Samuel Graybound tinha cinqüenta e dois anos, Ludmila estava com suas vinte
primaveras. É verdade que, após o casamento, ela negligenciara um tanto a conservação
da juventude. Mesmo assim, a diferença de idade entre os dois era grande demais para
não dar na vista de qualquer um. O capitão não tinha medo de nada neste mundo. Não
existia perigo que fosse suficiente para impedi-lo de fazer o que queria. Arrancaria até os
cabelos do diabo, fio por fio, se alguém lhe tivesse solicitado isto e se ele soubesse onde
encontrar o diabo. Mas, diante de sua frágil mulher, capitulava sempre, sem impor
condições.
— Mas, meu anjo — sussurrou carinhoso, apontando-lhe uma cadeira para sentar.
— Não quer se acomodar primeiro? Terminamos agora nossos acertos de rotina...
— Quantas vezes tenho de lhe dizer que você não deve mentir para mim — disse
firme, afastando a mão dele. — Pode deixar que eu sento sozinha. E desde quando é que
meu pai e contrabando pertencem aos “acertos de rotina?”
— Temos que construir paredes à prova de som — disse Graybound em voz mais
baixa, puxando uma cadeira para si.
Quando se sentou, confiando seu peso-monstro à frágil madeira, parecia que Flexner
estava rezando escondido para que a cadeira não quebrasse. Graybound era baixote, mas
de compleição muito forte e com uma barriga respeitável. Mas a cadeira acabou
resistindo.
— Quem é que está fazendo contrabando? — insistia Ludmila, com os olhos
faiscantes.
Graybound se encolheu todo na cadeira.
— Estávamos apenas comentando a situação — disse Flexner numa tentativa de
salvar as aparências. — O que é muito mais importante é o fato de que seu marido, minha
querida, recebeu uma citação para comparecer...
— ...perante o tribunal? — completou apavorada Ludmila.
— Não, para comparecer ao Instituto de Aprendizagem de Cosmonáutica. O
documento oficial foi entregue hoje cedo. Como você sabe, seu marido partiria hoje com
a Lizard para o sistema de Tuglan.
— Sei sim. Levaria brinquedos de criança e ursinhos de pelúcia para a garotada de
Tuglan. Ele me contou.
— E é verdade, senhora Graybound. Principalmente os ursinhos de pelúcia, que lá
são muito procurados e muito caros — deu uma risada feliz. — Os ursinhos da Terra
pertencem aos artigos de exportação mais rendosos.
A julgar pela expressão fisionômica de Ludmila, não estava acreditando nada
naquela história de ursinho de pelúcia. Não tinha nada contra os bichinhos e brinquedos,
mas não podia compreender por que tais artigos não podiam ser fabricados lá mesmo em
Tuglan.
— E então chegou esta incômoda citação, não é? — fixou-se em Samuel
Graybound, que tentava fugir do seu olhar. — O que eles querem? Será que você já
aprontou mais alguma, Gray?
Por um momento, Graybound perdeu o autodomínio:
— Como posso adivinhar? Sei lá o que estes burros pretendem? — gritou
esbravejando. Pouco depois voltou à calma. — Perdoe-me, querida, apenas não consigo
imaginar o que seja.
— Aprendizagem? — disse pensativa. — Na sua idade, você não vai aprender mais
nada, não é?
Graybound estremeceu. Não tolerava alusões à sua idade, e quando estas vinham de
sua esposa, menos ainda. Fez um esforço doido para se dominar.
— A idade — disse dogmático — não tem a menor importância. A gente é velho ou
moço, conforme nós mesmos nos sentimos.
— Vou lembrá-lo disso, no momento oportuno — disse Ludmila com um sorriso
especial, e logo depois voltou a ficar séria.
— Sim, se você não sabe, então vá até o Instituto. Lá ficará sabendo de tudo. E
quando é que vai voltar?
— Logo após o almoço.
Ludmila se ajeitou, buscando acomodar-se melhor na poltrona.
— Vou esperar por você aqui no escritório do senhor Flexner.
— Oh! É um grande prazer — falou Flexner, olhando de soslaio para seu sócio.
— Assim, certamente, o tempo passará mais rápido.
— Não tenho dúvida disso — resmungou Graybound, fitando pensativo o chefe da
firma.
Flexner tinha a mesma idade que ele, parecia, porém, muito mais jovem, devido a
seu porte mais atlético. Era solteirão e tinha fama de ser um terrível dom-juan.
Conheciam-no pelos bares de Terrânia como um freguês generoso e um excelente
cavalheiro.
Graybound não estava muito tranqüilo, não por ter de deixar Ludmila em companhia
de Flexner, mas pelo fato de ela estar ciente das novidades. Aliás, inquietantes novidades.
— Quer dizer que vou voltar aos bancos da escola, outra vez! — disse ele. —
Aprendizagem... Este pessoal ficou maluco. Quem sabe até vão me rebaixar para fuzileiro
naval?
Falou mais alguma coisa e se encaminhou para a porta.
— Controle-se e não cometa nenhuma burrice — era a voz de sua esposa. — Pense
sempre que há pessoas que são mais poderosas e fortes que você.
— Bobagem! — disse Graybound, batendo a porta atrás de si.
No corredor, e também ao ar livre lá fora, deu expansão aos seus sentimentos,
falando consigo mesmo e se censurando por dar atenção à citação do tal instituto.
Quando já estava a uns cem metros do escritório, começou a altear a voz.
Felizmente ninguém o poderia ouvir, a não ser ele .mesmo.
— Estes idiotas! Podem entender alguma coisa teoricamente, mas o que sabem fazer
na prática? Nada. Absolutamente nada. Funcionários públicos, burocratas, parasitas da
nação!
Em largas passadas, dirigiu-se ao estacionamento à beira do campo, onde estava seu
carro. Abriu-o, movimentou o segredo da chave de ignição e sentou-se resmungando
alguma coisa. Antes de dar a partida, olhou para os hangares.
Lá estavam as três naves da “Globetrotter das Estrelas”. Eram espaçonaves velhas,
cargueiros esféricos, de oitenta metros de diâmetro, ainda funcionando com o antigo
sistema dos supersaltos de transição. Em seu interior, além de algumas cabinas e as
máquinas de propulsão, todo o espaço restante era depósito para mercadoria. Não havia
luxo, nem conforto. Mas o que a Lizard transportava às escondidas não era da conta de
ninguém, excluindo seu capitão Graybound e seus dezoito tripulantes.
— Aprendizagem...! — repetia furioso e um pouco preocupado. — Mas esta gente
vai se arrepender!
E seu carro disparou na direção de Terrânia.
***
***
***
Não era muito diferente a situação de Perry Rhodan e de sua gente a bordo da nave
experimental Fantasy.
Saindo de Ácon, a mais de quarenta mil anos-luz da Terra, haviam se perdido no
Universo. O vôo linear funcionava a contento, mas acontece que, depois de fugirem
precipitadamente de Ácon, ficaram sem saber onde estavam.
A Fantasy, uma nave esférica do tipo dos cruzadores pesados da série Terra, com
duzentos metros de diâmetro e parcialmente reformada, acolhia o novo tipo de propulsão
linear.
Não realizava mais as transições de hipersaltos, mas voava tranqüilamente com uma
velocidade milhões de vezes superior à da luz. A base técnica desta invenção viera dos
druufs, mas já estava muito alterada e substancialmente melhorada.
Quando voavam para Ácon, a Fantasy atravessou o núcleo de um sol, formando
assim um campo energético próprio, semelhante ao envoltório de proteção azul de Ácon.
O planeta atuara como um pólo de atração, puxando a Fantasy contra si. Desta maneira, a
descoberta do planeta-pátrio dos arcônidas, não foi obra do acaso, mas de uma lei
inflexível da natureza, depois do choque com o sol desconhecido.
E agora o vôo de regresso. Perdidos no espaço! Onde estava a Terra?
Vários tripulantes achavam-se na cabina de Rhodan, ligados com o comandante Jefe
Claudrin pelo videofone. No momento, Claudrin dirigia a câmara de tal maneira que se
podia ver todo o espaço lá fora. A descomunal densidade de estrelas indicava que
estavam no centro ou próximos do centro da Via Láctea. A Terra, porém, devia estar mais
para fora, na região mais pobre em estrelas. Era para lá que se devia orientar qualquer
tentativa de descoberta da direção do sistema solar. Um alarme de emergência já fora
transmitido por hiper-rádio, mas não ia adiantar muito, pois a Fantasy não podia dar sua
própria localização.
— Sir, já determinamos a posição de uma estrela, que nos servirá de ponto de apoio
— comunicou o Major Claudrin. — Estamos voando a uma velocidade de um milhão de
vezes superior à da luz. Quando nos aproximarmos mais, acho eu, poderemos fazer outras
medições de posicionamento.
Sentado ao lado de Rhodan, Reginald Bell disse:
— Não sou muito fanático pela nova tração linear. É verdade que a gente pode viajar
vendo as estrelas, mas é só! Temos maior velocidade do que antes? A propulsão é
melhor? Não, ainda prefiro as transições.
— E as dores na rematerialização? — lembrou-lhe Rhodan.
— Eram suportáveis, Perry. Sempre melhor do que se perder.
Rhodan olhou pensativo para o fogo de artifício galáctico das grandes concentrações
de estrelas.
As constelações se deslocavam lentamente, mas se deslocavam. Portanto, estavam
voando. Como o Major Krefenbac afirmara, encontravam-se em qualquer ponto entre
Árcon e a Terra, não podendo no entanto dar a posição exata.
E Hunt Krefenbac era um cosmonauta experimentado. Em situação mais favorável,
haveria de reconhecer uma das constelações, que naturalmente estavam em constante
alteração, conforme o ponto do observador. Krefenbac ainda conseguiria se orientar.
— Todo invento tem de ter sua fase, às vezes longa, de experimentação — falou
Rhodan. — Nós fomos as cobaias. Mas já sabemos quais são as coisas que devem ser
modificadas, isto é, melhoradas. Assim, por exemplo, os compensadores kalupianos...
— Como, por favor? — perguntou um homenzarrão numa poltrona ao lado.
Devia ter um metro e noventa, uma careca de brilho fosco e bochechas esponjosas.
Exteriormente, ninguém diria que ali estava o hiperfísico mais competente da Terra.
— O que tem o senhor a criticar nos meus compensadores?
— Meu querido Kalup, não tenho nada a criticar, mas o senhor não acha que devem
ser feitos alguns melhoramentos? As manobras ainda me parecem muito complicadas.
Nada tenho a dizer quanto à eficácia dos conversores, mas estaríamos perdidos, se eles
enguiçassem. Qualquer conserto só pode ser realizado com a nave aterrissada.
O professor Amo Kalup se refestelou tranqüilo no espaldar da poltrona.
— Graças a Deus que o senhor não tem outras reclamações.
— No momento, ainda não — disse Rhodan, olhando novamente para a tela
panorâmica.
Bell esticou as pernas, olhando de soslaio para Kalup. Embora não deixasse
perceber, Bell via nisso uma pequena derrota de Kalup, aliás, coisa sem importância que
não empanaria o brilho do grande cientista. Mas o gorducho não gostava muito do modo
cínico e um tanto arrogante do cientista; por este motivo, fugia de discussões mais longas.
Achou, pois, melhor não dizer nada.
Mais para o fundo, entretinham-se o matemático Carlos Riebsam e o médico Dr.
Gorl Nkolate. Já que conversavam muito baixo, ninguém podia saber do que estavam
falando. Mas o assunto não era mesmo da conta dos demais.
Um abalo percorreu a espaçonave, repetindo-se mais duas vezes com a mesma
intensidade, até desaparecer por completo. Em todos os cantos, soava o sinal de alarme. A
voz do oficial, engenheiro-chefe, se fez ouvir:
— Atenção! Explosão no setor BN-8. Extensão dos danos ainda ignorada. Isolar
todos os setores de máquinas fechando as portas automaticamente. Rompimento do
vácuo.
Rhodan deu um pulo e já estava ao lado de Kalup:
— Seu setor, professor! Os conversores.
— Homem de Deus! Nunca se deve pintar o diabo na parede, senão ele aparece —
disse Kalup calmo, antes de se levantar.
Novamente os sinais de alarme.
— Rompimento do vácuo confirmado — anunciou o alto-falante. — Permaneçam
em seus postos. Colocar o uniforme espacial e aguardar novas ordens.
Rhodan hesitou por uns instantes, mas acabou reconhecendo que, em última análise,
lhe cabia toda a responsabilidade, embora no momento quem estivesse dando as ordens
era Slide Narco, o engenheiro-chefe. O lugar de Rhodan era no posto de comando, ao
lado do comandante, o Major Claudrin.
— Os senhores fiquem aqui — disse ele e saiu porta afora.
— Seu traje espacial, Perry! Rompimento do vácuo.
Bell correu nervoso para os armários embutidos onde estavam guardados os leves
uniformes de emergência. Eram mais do que suficientes para proteger um homem das
conseqüências do vácuo.
— Não dá mais tempo — disse Rhodan, já no corredor.
Dali ao posto de comando não era longe, mas apesar da proibição, encontrou muitos
tripulantes que corriam para seus abrigos à procura do traje espacial. Rhodan não lhes
deu atenção, pois não tinha tempo. Além de tudo, era o mais razoável que podiam fazer.
O Major Claudrin, com seu corpo pesa-dão, lembrava um pouco os superpesados da
estirpe de Topthor. Tinha um metro e sessenta de altura e quase o mesmo de largura, de
pele morena e cabelos avermelhados. Como um assim chamado “adaptado ao ambiente”,
estava acostumado a viver com uma pressão de dois gravos e se movimentava com
agilidade admirável, apesar do peso de seu corpo, fato que Rhodan sempre admirava.
— Como está a situação, major?
— Ruim, sir. Não chega nenhuma notícia da seção de máquinas. Tenho medo do que
pode acontecer...
Rhodan tinha a impressão de que uma mão de ferro estava comprimindo seu
coração. Não era medo de qualquer perigo, nem do seu próprio destino. Nada disso o
assustava. Mas começou a pensar, de repente, na vida de sua gente. Pessoas, cujos nomes
talvez ele nem soubesse, mas que se apresentaram voluntariamente para aquela arriscada
missão.
— Ligação da imagem no intercomunicador!
— Cortada, sir, não temos mais ligação.
Parecia o fim.
— Qual é a velocidade?
— Já estamos abaixo da velocidade da luz, sir, com a propulsão comum. Acho que a
explosão deve ter vindo dos conversores kalupianos.
Rhodan sabia que Kalup não era o culpado.
— Você ainda consegue manobrar?
— Infelizmente, não. A nave não me obedece mais.
A depressão tornava-se visível no rosto de Rhodan.
— Quer dizer, então, que nos encontramos bem perto do fim: sem propulsão, sem
direção, estamos perdidos!
O Major Claudrin apenas balançou a cabeça.
— Instantes antes do acidente, fiz as medições de rotina. A três horas-luz de
distância há um sol amarelo, semelhante ao nosso. Deve ter planetas. Estamos voando
mais ou menos naquela direção.
— E daí? Você acha que com a Fantasy neste estado, conseguiremos fazer uma
aterrissagem?
— Com os Space-Jets, sir. Acho que nem todos eles foram destruídos. Podemos
aproveitar estes aparelhos salva-vidas.
Rhodan notou que as palavras calmas de Claudrin lhe fizeram bem aos nervos. E
exatamente agora, o raciocínio calmo lhe seria absolutamente indispensável.
— O senhor tem razão, major. Por favor, mande investigar quantos barcos de
emergência estão disponíveis. Vou ver se posso fazer alguma coisa pelos tripulantes.
Antes que o comandante pudesse responder, Rhodan já deixara o posto de comando.
Disparou pelo corredor e pulou para o elevador antigravitacional, que o levou até
próximo ao coração da nave. Pelos alto-falantes, que ainda funcionavam, ouvia-se a voz
do Capitão Slide Narco, dando mais instruções. O engenheiro-chefe cuidava para que os
sobreviventes da catástrofe não se expusessem a novos perigos. Ordenou primeiro aos
grupos de salvamento que corressem até o local do acidente e prestassem auxílio. Pelas
instruções expedidas, Rhodan pôde medir a extensão da catástrofe. Todo o setor das
instalações das máquinas devia estar destruído. Poucas haviam sido as partes poupadas. O
fornecimento de energia estava ainda funcionando, como também o sistema de aeração.
Mas, e o rompimento do vácuo? O setor das máquinas abrangia todo o rebordo
central da nave!
Orientando-se pelas instruções dadas por Narco nos alto-falantes, Rhodan continuou
penetrando mais para a parte central da nave, até ser detido por um oficial. Era o Tenente
Mahaut Sikhra, chefe do comando de ação para casos especiais. O pequeno e rígido
nepalês de cabelos negros era conhecido por sua intransigência. Estava comandando a
ação de salvamento.
— Não pode passar daqui para frente, sir.
Rhodan lhe deu razão. A violência das explosões destruiu mais do que se imaginava.
Portas foram arrancadas de seus batentes e havia destroços por toda parte. O vazio do
Universo teria penetrado ali, não fossem as escotilhas blindadas de aço e de Vedação
hermética. Eram a única coisa que estava entre eles e a morte.
— Como está a situação, tenente?
— Meu pessoal está tentando ter uma idéia geral dos estragos. Um pequeno grupo
penetrou pela escotilha de emergência até as máquinas. Estou esperando uma
comunicação a qualquer momento.
Abriu quase todo o volume de seu receptor de pulso que estava em contato com o
grupo avançado.
— Será que foi atingida apenas a parte das máquinas? — indagou Perry.
— Infelizmente, não, sir. A compressão de ar provocada pela explosão procurou
uma saída: o lado mais fraco dos depósitos. Esta compressão rebentou as paredes
divisórias, provocando novas explosões nos aparelhos salva-vidas e no arsenal de
munições. Depois veio o rebordo de propulsão. Explodiu na periferia mais fraca,
provocando um rombo. Nesta parte não se salvou nada. Tenho pressentimento de que o
rompimento do vácuo foi o que causou a morte do maior número de tripulantes, e não a
explosão.
Rhodan nada respondeu. Não se sabia ainda o número de mortos, mas devia atingir
mais de cem pessoas, talvez mesmo duzentas. Haveria ainda alguma saída daquela
catástrofe? Daquela situação desesperadora?
O receptor de pulso de Sikhra estava dando sinal e ele aumentou ainda mais o
volume.
— Aqui fala Sikhra. O que há?
— Sargento Radler, tenente. Não há sobreviventes. Todos mortos. Se o rompimento
do vácuo não se desse tão depressa assim, muitos teriam posto o uniforme espacial e não
morreriam. Mas o acidente aconteceu de repente.
Sikhra olhou para Rhodan, mudo e de cabeça baixa. Depois falou no pequeno
microfone:
— Está bem, Radler, pode voltar, assim que terminar a vistoria. Vedação! Talvez
existam cabinas onde ainda haja ar. Proceda com muita cautela.
— Pode ter confiança em nós, tenente.
Sikhra desligou e disse muito acabrunhado:
— No momento, mais não podemos fazer, sir.
Rhodan apenas meneou a cabeça. Sentia um vazio enorme na alma.
Teria ele culpa naquela catástrofe? Ou seria natural que invenções avançadas
exigissem tantas vítimas assim? Poderia ter evitado aquele morticínio?
Virou-se e percorreu o mesmo caminho de volta. Quase que derrubou Gucky, que
acabara de rematerializar-se à sua frente. Como teleportador, nada era mais fácil para
Gucky do que pular de um lugar para outro. Desta vez, descobrindo telepaticamente a
localização de Rhodan, o encontrou.
— Você não poderia ter evitado a catástrofe — disse o rato-castor, com voz bem
firme. — Não se acuse pelo que aconteceu. Ninguém é responsável pela explosão,
ninguém, nem mesmo Kalup.
— Não coloquei a culpa em ninguém, mas a gente pode imaginar como as coisas
poderiam ter sido — e, dizendo isto, continuou seu caminho.
Mas Gucky foi atrás dele:
— Você sabe quantos homens morreram?
— Não sei não. Mas sei que só nos resta um único Space-Jet. Todos os outros
aparelhos salva-vidas foram destruídos. Estavam exatamente na direção das explosões
dos gases.
Os Space-Jets eram aparelhos de reconhecimento tipo Gazela, naturalmente, mais
avançados, em forma de um disco. Com seus trinta metros de diâmetro, não ofereciam
muito espaço, mas em caso de necessidade, todo o lugar seria aproveitado.
— Temos que convocar todos os sobreviventes, Gucky. Acho que o salão dos
oficiais não foi atingido. Você pode cuidar disso?
— Pode deixar por minha conta.
Sentiu-se feliz por lhe ter cabido uma missão de relevo. Sorriu e desapareceu.
Rhodan caminhou apressado para o posto de comando. Somente agora lhe veio a
idéia de transmitir um pedido de socorro pelo hiper-rádio. Infelizmente, por alguns
minutos, tarde demais.
A vinte passos da porta da cabina de rádio, o chão se levantou sob seus pés e ele
cambaleou. Apoiou-se com as mãos na parede. Neste mesmo instante, a luz se apagou e
desapareceu a última vibração dos reatores em funcionamento.
Um silêncio fúnebre tomou conta de tudo. Rhodan se aprumou e saiu caminhando
pelo corredor escuro, mas que conhecia bem. Sua mão achou a maçaneta da porta e a
comprimiu. No mesmo instante, acendeu-se a iluminação de emergência, alimentada por
baterias. Ao menos esta fora poupada. Para sua grande surpresa, viu o Dr. Riebsam, o
grande matemático. Que podia ele estar fazendo por ali? Rhodan julgava que ele estivesse
ainda em sua cabina, onde o deixara.
— O senhor aqui?
— O senhor desapareceu e ninguém sabia onde se encontrava. Aí me veio a idéia de
transmitir uma mensagem de socorro pelo hiper-rádio. Estava tudo pronto, mas o reator
energético explodiu. Cheguei atrasado por um minuto.
O raio de esperança, que ainda havia em Rhodan, desapareceu.
— Quer dizer que o senhor também não conseguiu, não é?
Riebsam fez um gesto negativo, enquanto Rhodan olhava para os instrumentos de
radiotelegrafia.
— Será que as baterias não dão para isto?
— Só para transmissão de curta distância, e isto não nos interessa.
— Por que que não nos interessa? — indagou Rhodan, pensativo. — Nossas
patrulhas de vigilância andam também neste setor da Galáxia. Quem sabe está uma delas
aí por perto? Portanto, vamos lá, tente enviar a mensagem.
Rhodan tinha certeza de que podia confiar em Riebsam, pois sabia haver coisas mais
importantes a fazer. Tinha que tentar tudo para conservar a vida dos que lhe restavam.
Quando chegou ao posto de comando, surgiu novamente Gucky. Bell já estava ao lado de
Claudrin, falando com ele. Interrompeu a conversa, quando viu Rhodan e foi para ele.
— Como é que é, Perry? Ainda há esperança?
Rhodan preferiu o caminho da evasiva:
— Enquanto se vive e se pensa, há sempre uma esperança — e, virando-se para
Gucky: — Conseguiu alguma coisa?
— Estão se reunindo no salão dos oficiais, como foi determinado. Até agora, são
mais ou menos cinqüenta.
— Cinqüenta? — repetiu Rhodan, empalidecendo. — Cinqüenta... antes eram
trezentos! Santo Deus!
O rato-castor nada respondeu. Seu olhar denotava grande tristeza e não parecia mais
aquele tipo brincalhão.
— Devem ser certamente mais — interveio Claudrin. — Vou pedir a Narco para
fazer uma contagem mais precisa. Acho que muita gente ainda deve estar paralisada de
medo ou mesmo inconsciente.
— Diga a este pessoal que se dirija diretamente para o hangar B. Partiremos com o
Space-Jet, dentro de meia hora.
Claudrin transmitiu a ordem. Um minuto depois, todos os alto-falantes não
danificados repetiam esta instrução.
Os homens, oficiais, tripulantes e cientistas, davam impressão de estarem
atordoados. Eram os sobreviventes de uma catástrofe, que infelizmente pontilhava as
duras rotas do progresso da Cosmonáutica. Sobreviveram, mas o caminho para a
segurança total ainda seria longo.
— As escotilhas foram danificadas — dizia Rhodan — o ar vai se volatizando
devagar, mas progressivamente, pois as baterias estão com pouca carga. Não há, portanto,
outro meio: somos obrigados a abandonar a Fantasy, o mais depressa possível. Temos à
disposição apenas um Space-Jet. Partiremos daqui a vinte e cinco minutos. Todos devem
se dirigir para o hangar B, usando o uniforme espacial, isto é, o traje de emergência.
Entendido? Armas e alimento encontram-se em abundância a bordo do Space. Apressem-
se e não percam tempo!
Depois, Rhodan e Gucky vestiram seus uniformes e atarraxaram os capacetes
plásticos transparentes. No mesmo instante começou a aeração.
Foi muito simples para Gucky fazer uma teleportação com Rhodan. Bastou para isto
um contato físico. O rato-castor pegou a mão de Rhodan e pulou.
Cinco minutos antes da partida, estavam já no hangar B oitenta homens reunidos.
Eram os únicos sobreviventes da catástrofe. A eles se somaram Rhodan e Gucky. O
Space-Jet tinha normalmente uma tripulação de quatro homens, mas a casa de máquinas e
os depósitos davam para abrigar mais gente.
Foi uma sorte a parte da nave, onde estava o hangar B, não ter sido danificada.
Sem o aparelho auxiliar, Rhodan e o restante de sua gente estariam perdidos.
O embarque e a acomodação se deu sem dificuldade. Como piloto, funcionaria de
novo o Major Claudrin, que ocupou logo a poltrona do comandante, esperando a ordem
de partida de Rhodan. Abriu-se a grande escotilha externa do hangar. O ar saiu num forte
sibilo e o vácuo invadiu o ambiente.
Quando Rhodan deu o sinal de partida, houve mais uma explosão no interior da
Fantasy. O abalo foi tão forte que o jato balançou. Depois, o aparelho deslizou nos largos
trilhos para fora da comporta, atirando-se no confuso amontoado de estrelas, onde era
impossível obter um ponto de referência.
Somente o sol amarelo parecia dar vazão a um certo otimismo, se bem que o tempo
fora muito exíguo para serem feitas melhores observações a respeito de sua natureza.
Mesmo a suposição teórica de que possuía planetas, não tinha apoio em nada positivo.
O professor Arno Kalup se mantinha calado e reservado, se bem que seu cérebro,
por demais inteligente, não deixasse de trabalhar. Via-se claramente em sua fisionomia
que ele, em vão, quebrava a cabeça, tentando descobrir como podia ter surgido tal
catástrofe. Rhodan sentia pena dele, mas preferiu calar, sem lhe dizer uma palavra de
consolo. O cientista teria primeiro que superar seus problemas psicológicos.
As pessoas mais importantes e todos os mutantes a bordo da Fantasy estavam no
meio dos sobreviventes. Era um dos motivos pelo qual Rhodan podia levantar a mão para
o céu e agradecer ao destino. E ele de fato o fez.
Quando Claudrin tentou fazer uma alteração na rota, o jato só obedeceu a muito
custo. O major olhou intranqüilo para Rhodan, que estava acompanhando tudo e lhe
perguntou:
— Que está havendo com o Space-Jet? Diga francamente.
Claudrin estava indeciso.
— Não sei, não. Dá a impressão de que não foi tão poupado assim, como nós
supúnhamos. A direção...
Hesitou um pouco e pegou com mão firme nos controles. Seus dedos tocaram nos
botões e interruptores. Os ponteiros nos mostradores quase não se moveram. Vibraram
um pouco e voltaram ao ponto de partida.
— Alguma coisa não está em ordem — disse Claudrin. — Não podemos arriscar um
salto de transição, sir. Temos de voar em velocidade inferior à da luz e nada mais. Mas,
quem sabe existem naves terranas por perto?
— Talvez — respondeu Rhodan, pensativo.
Achavam-se numa parte completamente desconhecida da Via Láctea, e a Terra
poderia estar a uns vinte mil anos-luz, caso o registrador de rota da Fantasy estivesse de
fato funcionando bem.
— Não podemos confiar exclusivamente nisso. Que tal tentarmos um radiograma de
emergência? — indagou Perry, depois de algum tempo.
O posto de radiotelegrafia era logo ali ao lado. O pessoal já o estava testando. Um
oficial ainda jovem ouviu a sugestão de Rhodan. Pela porta aberta, esticou o pescoço para
dentro da cabina de comando:
— O aparelho de hiper-rádio não funciona, sir. É possível apenas o rádio comum.
Rhodan fez um esforço para se dominar.
Por que tudo tinha que estar contra eles? Nada de hiper-rádio! Parecia-lhe quase
impossível que uma nave estivesse tão próxima que pudesse captar as ondas comuns de
simples velocidade da luz!
— Use-o — ordenou ele.
O experimentado Claudrin conseguiu alterar a rota de tal maneira que o jato voava
agora na direção do sol amarelo. Dali a cinco horas, estariam em condições de constatar
se o referido sol tinha ou não planetas.
E o que seria se não possuísse nenhum? Rhodan nem queria aventar tal hipótese.
***
— Quatro planetas, sir! — anunciou Krefenbac, o primeiro-oficial.
— Obrigado, major. Boas perspectivas?
— O planeta interno é incandescente. Os dois externos são gigantes de metano.
Agora, o segundo planeta parece ser favorável. Atmosfera respirável, não há mar. Uma
única extensão de solo sem vegetação.
Rhodan voltou-se para Claudrin.
— Dirija-se ao segundo planeta e procure um lugar para aterrissagem. Não nos resta
outra possibilidade.
Nas últimas cinco horas, Rhodan chegara a esta conclusão. O Space-Jet era pequeno
demais para os oitenta e dois sobreviventes. Os gêneros alimentícios e a água ainda
dariam para mais tempo, mas o homem precisa também de espaço para esticar as pernas.
Além disso, os últimos solavancos produzidos pela sucção do ar, devido à abertura
repentina da escotilha do hangar B, haviam acarretado mais prejuízos, que não podiam
ser negligenciados. O mecanismo de direção era um deles.
Houve, no entanto, uma surpresa: o jovem tenente da radiotelegrafia conseguiu
obter um curto impulso de emergência no aparelho de hiper-rádio. Infelizmente, segundos
depois, a alimentação elétrica falhou outra vez. O impulso fora muito curto e fraco. Só
poderia ser captado por receptores de alta sensibilidade e isto só mesmo com muita sorte,
caso houvesse alguma nave próxima. Mas nem todos os cruzadores da Terra possuíam
aparelhos tão sensíveis assim. A esperança subira, pois, alguns graus, mas continuava
ainda muito frágil.
Enquanto se aproximavam do segundo planeta, o sol amarelo lhes estava à direita.
Podiam ver agora na tela detalhes de sua superfície.
— Parece um pouco monótono — observou Bell, que, aos poucos, se recuperava do
grande choque. — Nada de água! Tudo cinzento... nem florestas, nem campinas.
— Você está querendo demais — respondeu Rhodan. — Podemos nos dar por
satisfeitos, caso consigamos aterrissar sem acidente. A propulsão do jato está fraca
demais. Quem sabe descobriremos a causa lá embaixo? Pelo menos, teremos chão firme
sob os pés.
Deram duas voltas em torno do planeta, a baixa altura, sem ver nada de importante.
Nenhuma grande saliência, nem serras, nem vales. Apenas uma superfície levemente
ondulada, sem nenhum característico.
— Que planeta esquisito! — constatou
Bell, em voz baixa.
Rhodan era da mesma opinião, mas não disse nada. Não queria distrair Claudrin,
durante a arriscada manobra de aterrissagem, que estava por acontecer. O major deve ter
percebido o pensamento de Rhodan.
— Podemos descer em qualquer lugar.
Lá embaixo, o solo apresenta-se apenas ondulado. Vamos tentar?
Rhodan fez sinal que sim. — Preparar para aterrissagem — ordenou ele ao
primeiro-oficial. — O planeta parece ser desabitado, mas distribuam armas leves. Todos
devem usar uma pistola energética. O Tenente Sikhra, com os rapazes de seu comando
especial, devem ser os primeiros a pisar no solo deste mundo desconhecido. Só depois
que ele avisar não haver perigo, é que os outros poderão abandonar o jato. Não nos
devemos expor a uma outra catástrofe.
— O senhor quer dizer que...
— Eu quero dizer que há alguma coisa que não está dando certo com o nosso jato.
Vamos acampar bem longe do Space-Jet. Só depois os técnicos irão ver onde é que está o
defeito. E, certamente, o descobrirão.
Embora a direção lhe causasse dificuldades, o Major Claudrin fez uma descida
suave, muito mais suave do que se podia supor. Ninguém sentiu o solavanco do contato
com o solo. Era como se este fosse de molas. As telas mostravam o chão em seus
mínimos detalhes: cinza e sem vegetação, como já haviam constatado antes. Não se
podia, porém, saber se era rocha pura.
Com cinco dos seus homens, o Tenente Sikhra deixou o jato. Estavam em contato
com Rhodan e os demais tripulantes através do rádio. Sikhra era um nepalês, que, apesar
de conhecido por corajoso e temerário, só agia com cautela, principalmente quando não
podia saber o que ia encontrar no caminho.
A escotilha externa se abriu. O ar do planeta era fresco. O sol estava alto no céu,
mas não irradiava muito calor. Parecia que seus raios não eram suficientes para aquecer a
superfície do planeta. Ao menos, o solo não refletia nada daquele calor, que talvez
estivesse sendo sugado pela superfície.
Sikhra foi o primeiro a descer pela escada metálica e a pisar no solo do novo mundo,
que ainda não constava de nenhum mapa dos terranos. Ainda não tinha nome, mas isto
não demoraria a acontecer. O chão pareceu a Sikhra macio demais, mas ainda não
desconfiava de nada. Pôde parar de pé, e não avistou nenhum adversário. No momento,
isto lhe bastava. Fez um sinal para os seus, pedindo que o seguissem.
Caminharam um trecho para frente. Sikhra tinha a impressão de estar andando sobre
as ondas de um mar solidificado. Assim também parecia toda a paisagem, ondulada até o
horizonte, sem nenhuma saliência maior. Uniforme, monótona.
— O ar é bom — comunicou ele a Claudrin. — Nada de vida até agora e não há
muito calor. O solo... é de couro!
Sikhra se agachou e tocou outra vez no solo com a mão, para ter certeza da
informação que prestara. Era duro, mas de qualquer maneira não era rocha, parecia
mesmo com um couro bem grosso.
— Couro? — repetiu o comandante, espantado.
— É um tipo de solo desconhecido. Não é terra, nem pedra. Acho melhor o senhor
mandar um especialista.
— Continue observando, tenente.
Quando Sikhra, por mera coincidência, se virou para trás, a fim de ver o Space-Jet,
ficou abismado!
Será que a espaçonave estava numa depressão? Ou havia afundado neste intervalo?
Percebeu também que seus pés estavam entrando demais no chão. Chegou então a uma
conclusão:
— O solo não tem estabilidade, capitão! Está cedendo. O disco já afundou bastante.
— Volte, imediatamente, Sikhra, depressa!
Começou a correr. Tinha a impressão de que centenas de garras puxavam seus pés.
Quando se aproximou do jato é que notou seu erro.
Os apoios telescópicos estavam completamente afundados no chão escuro. Deixou
que seus homens subissem antes dele.
Mal se fechara a escotilha externa, ouviu-se o ronco da propulsão. Sem se preocupar
com isto, correu até a central de comando, para fazer pessoalmente seu relatório. Nos
corredores entupidos de gente, não sentiu nenhum movimento do disco voador. O ronco
dos motores continuava.
Ao chegar ao posto de comando, viu Rhodan de pé ao lado de Claudrin. Os dois
observavam a tela de bordo, onde se descortinava a monótona paisagem do planeta.
O primeiro-oficial, Major Krefenbac, veio ao encontro de Sikhra.
— Tenho a impressão de que sua constatação nos veio muito tarde. Aterrissamos
num planeta de lama.
— Não, major. Não é lama. É algo muito diferente, tem boa consistência. Os
sustentáculos telescópicos do jato afundaram devido ao imenso peso do disco voador.
Não se esqueça de que está carregado com oitenta e dois homens. Acho que agora ele não
afunda mais.
— É, mas não podemos decolar. A força de que dispomos não dá. Alguma coisa
retém o jato e não nos permite sair daqui.
— Não posso compreender isto — disse Sikhra, perplexo. — Em menos de cinco
minutos, que estive fora...
— Sikhra, é claro que você não tem culpa nenhuma — disse Rhodan, intervindo na
conversa. — Ninguém tem culpa da nossa situação. Acho que estamos diante de um
fenômeno. Uma pergunta, Sikhra: o solo sustenta bem o peso de um homem?
— Certamente, sir. Só depois de ficar parado por algum tempo num mesmo lugar,
foi que percebi o solo ceder.
— Não é, portanto, um barro comum — falou Rhodan, pensativo.
Depois de alguns segundos de silêncio, ordenou:
— Não desista de sua tentativa, major. Vou providenciar agora para que os homens
recebam a ração de alimentos e de água. As armas já foram distribuídas. Devemos contar
com a possibilidade de termos que ficar mais tempo neste planeta, onde acamparemos.
Todos deixaram o jato. O sol estava descambando no poente e as sombras se
alongavam, sombras estas que pouco se destacavam do chão escuro. Rhodan caminhava
na frente com Claudrin. Ninguém temia por qualquer tipo de ataque. Este mundo tinha
que ser mesmo despovoado, pois não havia o menor sinal de vida. Isto em plena
contradição com aquela agradável atmosfera. Era pensando na atmosfera que Rhodan
quebrava sua cabeça.
Como poderia um planeta, com uma camada de ar tão boa, deixar de produzir
qualquer tipo de vida? E como ou de onde era renovada esta atmosfera?
Um dos tripulantes, que caminhava mais para o fim da fila, soltou de repente um
grito assustador. Rhodan parou e virou-se. Viu então uma coisa que jamais podia ser
realidade, talvez fosse um pesadelo, ou uma alucinação devido ao estado em que se
encontravam.
Do lusco-fusco da tarde avançada, seguia-os um grupo de seres antropóides, com
pernas e braços... mas sem a cabeça! Eram do mesmo tom do solo, escuros, e
caminhavam lentamente em direção aos homens de Rhodan.
3
— Tenente Sikhra!
O corpulento nepalês veio correndo.
— Pronto, sir.
Rhodan apontou para os vultos lá embaixo, que se distinguiam muito pouco na
meia-luz do horizonte. No momento, estavam parados, imóveis.
— Pegue sua gente e procure averiguar quem são ou talvez o que é aquilo.
— O senhor está se referindo...?
— Não tenho nenhuma certeza. Eu mesmo me pergunto como é possível terem
surgido de repente seres humanos nesse planeta. Mesmo sendo um tanto parecidos com
homens têm um aspecto estranho. Vá, por favor, mas ao menor, sinal de ataque, usem as
armas.
Bell, de pé junto de Rhodan, esperou até que Sikhra partisse, para depois falar:
— O que houve, Perry? Até hoje você nunca se havia recusado entrar em contato
com inteligências desconhecidas. Quem sabe elas podem nos ajudar!?
Rhodan continuava olhando na direção do grupo. Abanou a cabeça e apontou para o
solo lá embaixo.
— Você já imaginou o que pode ser aquilo? Você acredita mesmo que se trata de
pedra? Ou de barro ou lama? Quando nosso Space-Jet afundou, você não reparou em
nada?
— No que devia eu ter reparado?
Rhodan deu de ombros e olhou inquisitivamente para Claudrin, que estava também
de pé ao lado de Bell.
— Também o senhor não percebeu nada, major?
— Que eu saiba, não. Rhodan aspirou profundamente.
— Quando o disco estava pousando, não me passou despercebido um fato. Reparei,
então, num funil sob o bojo do disco. Abriu-se numa gigantesca garganta, como que para
engolir o aparelho. Compreenda-me bem, major. O barro ou lama, ou como o queiram
chamar, recuou ainda antes que o peso do disco pudesse afundá-lo. Portanto, recuou por
si, independente de qualquer compressão de cima.
O major olhava atônito para Rhodan, enquanto Bell, nervosamente, mudava o apoio
do corpo de uma perna para outra.
— Isto me levou a uma suposição muito doida, mas eu não queria assustar ninguém.
O brejo, e agora estou certo disso, tem vida própria. Pode até pensar e agir. Foi ele quem
afundou o disco para nos cortar toda possibilidade de fuga.
— Perry... isto é uma coisa absurda... Não... Horrível!
Bell estava branco como cera. O círculo dos ouvintes aumentara de repente. Todos
se esqueceram do comando de ação de Sikhra.
— Não é nada de absurdo, Bell. É uma coisa possível, real. Mais tarde, os
especialistas poderão nos explicar melhor. No momento, temos de aceitar a realidade,
aliás a terrível realidade, de que nos encontramos com uma inteligência estranha,
originada da conjunção de todas as células existentes neste planeta. Uma espécie de
ameba gigantesca. Através dos relatos de expedições de exploradores, sabemos que um
fato como este já foi constatado mais de uma vez, com a diferença de que nenhuma
destas expedições teve a coragem de aterrissar num mundo assim e, para nós, não houve
opção.
— Uma única inteligência, tão grande que pode abranger um planeta — falou Bell,
balançando a cabeça e olhando para o chão, num misto de horror e curiosidade. —
Realmente, não consigo acreditar nisso. Por que que ela não nos devora?
— Como devorou nosso jato? — refletiu Rhodan, hesitando. — Francamente, não
sei. Além disso...
Foi interrompido. Na extremidade da fila humana, alguém estava gritando. Depois,
ouviu-se os disparos energéticos e um clarão vivo se espalhou pelo ar. Rhodan arrancou
sua arma do cinturão e saiu correndo na direção do comando de ação do Tenente Sikhra.
Alguns homens corajosos o seguiram.
Conforme lhe relatou Sikhra, o que aconteceu foi o seguinte:
Os seis homens do comando se aproximaram do grupo dos desconhecidos, que no
momento havia parado. Os vultos tinham traços humanos, mas nada de comum com os
homens. Constituíam-se do mesmo material que o amorfo protozoário. Não reagiram a
nenhum apelo. Então, Sikhra apanhou um farolete e dirigiu o jato de luz de encontro aos
seres estranhos. No mesmo instante, um fluxo de vida lhes penetrou. Vagarosamente,
colocaram-se em movimento e se dirigiram contra os seis homens. Quando o primeiro
deles alçou o enorme braço em torno de um cadete e começou a querer afundá-lo no
chão, Sikhra teve que abrir fogo.
Rhodan chegou a ver, pessoalmente, o cadete gritando desesperado. Seria
completamente sem sentido atirar no atacante, pois com isso o terrano poderia ser
atingido.
A massa cinzenta do tal barro já lhe havia chegado até o peito. O monstro amorfo,
que ainda agarrava com os dois braços o pobre cadete, foi se unindo de novo com a
massa comum do solo, de onde se originara. Acabou se dissolvendo no chão mole,
levando consigo sua vítima.
No mesmo instante, Rhodan compreendeu a gravidade da situação. Sabia que aquele
seria o destino de todos, caso não ocorresse um milagre.
O monstro do planeta orgânico não possuía apenas uma determinada inteligência,
mas também um notável poder de imitação. Viu nos homens uma presa fácil e logo se
moldou num corpo semelhante ao deles. Não havia nenhuma vantagem em destruir estas
imitações, pois surgiriam outras iguais: milhares ou mesmo milhões, se necessário fosse.
De qualquer maneira, teriam de lutar. Levaria algum tempo para que o monstro
plasmasse outras imitações. E não havia tempo a perder!
Os pensamentos atropelavam-se no cérebro de Perry.
— Gucky!
O rato-castor se materializou junto de Rhodan.
— Meu amigo, puxe o cadete para fora. Por telecinésia, hein! Não se aproxime
muito.
Gucky compreendeu. Concentrou-se na sua missão e emitiu o fluxo energético de
seu cérebro. As forças telecinéticas agarraram o jovem cadete e o foram erguendo
lentamente do “brejo”, que fazia tudo para retê-lo.
— Sikhra! — disse Rhodan ao tenente — destrua todas estas imitações, para que
elas não ataquem mais ninguém.
Os cinco elementos restantes do pelotão abriram um fogo mortal. Seu escrúpulo já
havia acabado à vista do que acontecera com um colega. Os raios energéticos
dissolveram aquelas figuras horrendas e a massa incandescente foi absorvida pelo solo.
Naquele momento, sentiu-se um forte movimento vibratório, como aquele
provocado por uma pedra ao cair na água, com a única diferença de que as ondas são
mais lentas.
Será que o monstro inteligente estaria sentindo dores?
Rhodan não o sabia. E mesmo não lhe interessava saber. Tinham é que salvar a
própria vida, pois estavam sendo atacados por um ser materialmente muito superior a
eles.
Nesse meio tempo, Gucky, sem sair do lugar, acabara de arrancar o jovem cadete
das entranhas daquele chão misterioso. Os últimos pedaços da massa cinzenta caíam no
chão. E Gucky entregou o rapaz aos seus colegas.
— Vamos — disse Rhodan. — Não podemos ficar parados no mesmo lugar, para
não permitir que o monstro tenha tempo de fazer outras imitações. Acho que ele precisa
de algum tempo para isto.
Puseram-se a caminho. O fim da fila era fechado por Sikhra e seus rapazes, que
constantemente estavam olhando para trás, para descobrirem a tempo qualquer tentativa
de ataque.
O primeiro encontro fora bem superado.
***
Já estava ficando escuro. As luzes fortes dos faroletes lhes mostrava o caminho. Mas
podiam também andar sem iluminação. Não havia nenhum empecilho à sua frente. A
paisagem era aquela monotonia de sempre.
Rhodan caminhava na frente. A seu lado, Claudrin e Bell. Gucky seguia com os três
mutantes e, geralmente, era carregado por Ivã Goratchin. Ajeitava-se comodamente entre
as duas cabeças do gigante. John Marshall e Tama Yokida conversavam em voz baixa
sobre as últimas experiências. Mas a conversa mais animada era a do grupo da frente,
Rhodan, Claudrin e Bell.
— Como é que nós podemos sair daqui?
— perguntou Bell, que não estava apreciando muito aquela longa caminhada. — O
monstro é onipresente, isto é, acha-se em toda parte. Estamos sempre correndo de
encontro a ele.
Rhodan concordou.
— É verdade. Mas enquanto permanecermos em movimento não haverá ponto de
apoio para o ataque. Temos que estar em fuga constante, até que alguém nos venha salvar.
Meu caro Bell, nunca estivemos numa situação tão desesperadora como esta.
— Mas a inteligência do monstro não é como a nossa — tentou Claudrin amenizar o
pessimismo que havia no olhar de todos.
— Fosse ele igual a nós, ter-nos-ia devorado.
— Acho que não pode fazer isto — ponderou Rhodan, que há pouco tempo tivera
uma longa conversa com o médico Gorl Nkolate. — Este ser coletivo deve pensar muito
lentamente e age de igual maneira.
Quando ele engoliu o jato, sentimos isto. Se ficássemos mais tempo no mesmo
lugar, certamente nos aconteceria a mesma coisa.
— E enquanto estivermos em movimento, não nos poderá acontecer nada? —
perguntou Bell, visivelmente aliviado. — Não podemos ficar andando a vida toda.
— Somos obrigados a isso, Bell. Não nos resta outra opção.
— E quando é que vamos dormir?
— Já pensei nisto. Podemos arranjar um período para dormir. Enquanto cinco ou
dez homens descansam, os outros carregam-nos. Mas, esperemos até o clarear do dia.
Com a luz do dia, talvez surjam outras possibilidades.
E continuaram caminhando. Acima deles, aquela infinidade de estrelas; abaixo,
aquela pele elástica de um ser vivo... faminto.
***
O dia começou a raiar. E então aconteceu o que há tanto tempo temiam: formando
forte silhueta contra o sol da manhã, surgiram bastante nítidas as primeiras imitações!
Durante toda a noite, nada acontecera. Dormiram tranqüilamente, sendo carregados
em revezamento constante. Enquanto caminhavam, alimentaram-se. E, agora que estava
claro, o monstro reiniciava seus ataques. Eram pelo menos duzentos vultos, que
caminhavam lentamente de encontro à gente de Rhodan. Eram maiores que os do dia
anterior, mas não portavam armas. Tinha-se a impressão de que o ser inteligente não
podia copiar nenhuma matéria anorgânica.
— À direita também há alguns! — exclamou alguém das últimas fileiras, — Eles
nos cercaram.
Vinham também da esquerda e de trás. Centenas, milhares.
Rhodan sentiu uma fraqueza nas pernas. A princípio, pensou ser sinal de
esgotamento físico, mas depois constatou com terrível clareza que se tratava mesmo de
medo. Ele, Perry Rhodan, tinha medo. E não lhe era nenhum consolo saber que todos os
demais também estavam com medo. A situação era de desespero e cada um via a morte
diante de si, tão horrenda, tão nojenta. Podiam adiá-la por uns momentos, mas até
quando?
Bell estava branco e seu cabelo vermelho, hirsuto. Mas desta vez não havia ninguém
para achar a cena engraçada. Nem mesmo Gucky.
— Vamos ser tragados? — perguntou o rato-castor, que ainda continuava sendo
carregado por Ivã, o mutante de duas cabeças.
Rhodan sentia os olhares de todos convergirem para ele.
— Ainda não, meu amigo — disse ele. — Se tivermos que morrer, não será de
braços cruzados.
Olhou em volta e enfrentou firme a inquietação de sua gente. Havia determinação no
semblante do administrador.
— Vamos forçar uma passagem por entre eles, e até que se reúnam de novo, já
estaremos longe. Não sei se vai dar resultado. Mas enquanto houver um sopro de vida em
nós, temos que tentar e não podemos desanimar.
Balançaram a cabeça afirmativamente e tiraram a arma do cinturão. Rhodan não
esperava outra coisa. Olhou pensativo para Ivã Goratchin. O “detonador” seria um trunfo
de reserva.
— Ainda não sei com clareza — continuou Rhodan — por que razão o monstro
orgânico faz questão de imitar nossos corpos, quando nos quer atacar. Quem sabe é
porque nunca viu outra forma de corpo, outra forma de vida e acha que só nos pode
vencer, usando nossa própria imagem? Parece-me que deve “pensar” que, isoladamente,
somos pequenos e fracos para resistir. Mas tudo isto não passa de um palpite meu.
Virou-se de repente para Gucky e John Marshall.
— Vocês, telepatas, não conseguem captar nenhum impulso mental emanado desse
monstro?
Os dois fizeram um gesto que não.
— É pena! Teremos então que agir como nos manda o instinto de conservação.
Tenente Sikhra, o senhor comanda a segurança na retaguarda. Major Krefenbac, cubra o
lado esquerdo e o senhor, Claudrin, o lado direito. Bell e eu ficamos na linha da frente.
Tenho a impressão de que o monstro está disposto a atacar. Na direção que seguimos, até
agora sem interrupção, deve existir alguma coisa que nos possa proteger. Por que razão,
pois, que o monstro nos quer cortar este caminho? Acho que vocês estão me
compreendendo.
Continuaram caminhando. As imitações de trás não se aproximaram. Mas as outras,
as laterais e as da frente, duplicaram sua velocidade.
— Fogo! — ordenou Rhodan, decidido. Seu medo não existia mais. O frio metal de
sua arma lhe aumentou a confiança. O mesmo devia estar acontecendo com toda sua
gente. Até os cabelos de Bell estavam assentados, sendo que também seu rosto tinha o
vermelho “sadio” de quem está zangado.
De vinte armas pesadas jorravam jatos Incandescentes encontrando facilmente seu
alvo. Os monstros em forma humana quedavam parados, assim que eram atingidos. Era
como se algo dentro deles desligasse. Ficavam incandescentes e iam derretendo e, ao
mesmo tempo, imergindo na massa cinza do solo, para se unir a ela. Será que se
tornariam matéria morta?
Já estava aberta a passagem. Quando alcançou a largura desejada, os terranos
irromperam. No momento em que o Tenente Sikhra atingiu o fim da passagem e olhou
para trás, viu que os monstros se preparavam para persegui-los.
— Vamos tomar uma boa dianteira — explicou Rhodan — pois só assim teremos
uma pausa. Durante o dia, isto não pode ser perigoso.
Os monstros ficaram para trás e depois de algum tempo sumiram no solo escuro.
Caminharam uma hora sem parar. Só então Rhodan ordenou uma parada para o
repouso. A maioria dos homens caiu exausta. Estavam muito cansados. Fecharam os
olhos e tentaram dormir. Rhodan foi o único que, apesar de não ter pregado o olho um
instante, não quis descansar. Não conseguia se livrar de um pressentimento de que novas
surpresas o esperavam, embora o monstro se mantivesse “calado” na última hora. Assim
pensando foi fazer uma ronda em companhia de Bell e de Claudrin.
Víveres existiam em abundância, como também cargas para as armas energéticas.
Estas últimas, porém, talvez não fossem suficientes para mais cinco ou seis ataques.
Depois disso, só restava mesmo Ivã Goratchin. O mutante de duas cabeças tinha o
estranho dom de, mesmo a grande distância, poder transformar qualquer matéria em
energia atômica.
Depois, Rhodan sentou-se no chão e sentiu a leve vibração do solo enganador. Não
chegou a afundar, mas não estranharia se isto acontecesse. A ondulação continuava até se
perder de vista no horizonte. Aquela massa orgânica do monstro cobria o planeta. Será
que todo o planeta? Ou havia lugares não cobertos pela massa orgânica? Talvez os
píncaros das montanhas?
Rhodan maldisse sua afobada aterrissagem. Deviam ter dado várias voltas pelo
planeta para examiná-lo mais atentamente. Teriam, pelo menos, uma resposta para esta
pergunta.
Seu olhar se deteve num ponto no horizonte. Parecia uma corcova, baixa e
arredondada. Se a distância não o estivesse enganando, aquela saliência tinha o diâmetro
de uns cem metros. Era uma coisa fora do comum, pois, até então, o monstro, ou melhor,
o solo não formara nenhuma elevação maior.
Seria uma armadilha?
Rhodan recusou a idéia. A inteligência daquela massa amorfa não era suficiente para
tanto. Até agora ela só conhecia uma arma contra os terranos: imitação de seus corpos.
Como teria chegado então à idéia de plasmar uma falsa elevação? E com que finalidade?
Um grito agudo arrancou Rhodan de seus pensamentos. Levantou-se de um salto.
Ao lado de um tenente — o bravo oficial artilheiro da Fantasy, Brazo Alkher —
surgiu lentamente uma bolha que se transformou numa figura humana, com braços, mãos
e pernas. Apenas, sem o rosto.
O Major Krefenbac reagiu com incrível agilidade, arrancando a arma e pulando
entre Alkher e o monstro. Seu disparo liquidou a massa cinza, antes que ela pudesse agir.
Rhodan respirou aliviado. O ser misterioso não era um perigo direto, mas suas
constantes investidas deixavam o pessoal de Rhodan, por causa do desgaste emocional,
extenuado.
Ao aparecer o segundo monstro, Rhodan ordenou a retirada.
O sol já estava mais alto e conseqüentemente sua luz bem mais forte. Depois de
outra marcha de uma hora, Rhodan parou e pediu que Claudrin lhe passasse um binóculo.
Estudou demoradamente a saliência surgida uma hora atrás, que não podia distar mais de
cinco quilômetros. O que lhe chamou a atenção de início foi a coloração mais clara. A
“pele” do ser orgânico era mais escura. A luz do sol se refletia muito melhor na “corcova”
do que na superfície normal. Já esta constatação vinha confirmar a seguinte suposição de
Rhodan: a saliência era feita de um outro material.
— Vamos continuar — disse apontando para frente. — Pode ser que, na próxima
noite, já possamos dormir tranqüilos. Depois, passou-lhe pela cabeça uma idéia, que, por
incrível que fosse, tinha ficado no esquecimento. Era Gucky, o rato-castor!
Bastou o pensamento de Rhodan e, no mesmo instante, Gucky se rematerializou ao
lado de seu chefe.
— Gucky, você está vendo aquela colina? Dê um pulo até lá e veja de que é feita.
Mas não demore.
O rato-castor estava feliz por ter recebido uma missão. Confirmou o pedido de
Rhodan com um movimento de cabeça, concentrou-se para o salto de teleportação e
desapareceu. Não demorou dez segundos, estava de volta.
— Uma ilha, Perry, uma ilha de pedra. Mas a altura dela, a partir do mar do plasma
cinzento, não vai além de vinte metros.
— Dentro de alguns anos, ou talvez antes, vai acabar também desaparecendo —
disse Rhodan. — Ótimo, Gucky! Assim, todos já sabem a direção de nossa marcha.
Tiveram que se defender mais duas ou três vezes de ataques do monstro e atingiram
o alto do rochedo duas ou três horas depois do meio-dia. Media mais ou menos trezentos
metros de comprimento por cem de largura. Não muito grande, completamente árido, sem
vestígio de vegetação. Mas era chão firme, rochedo de fato. Rhodan imediatamente
escalou guardas, formando um anel de vigilância em torno da ilha de pedra. Podia-se
presumir que as imitações humanas tentariam invadir a ilha, assim que o ser descobrisse
que ela oferecia abrigo para os terranos. E, como a experiência demonstrava, ele não
demorava muito para descobrir certas coisas.
O sol já estava se inclinando no horizonte, quando se deu o esperado ataque. Muito
tempo antes, Rhodan e sua gente puderam observar como as imitações foram se
levantando do solo, em volta da ilha de pedra. Estas imitações talvez fossem a única
maneira que o monstro tinha para atacar a ilha. O solo continuava com a aparência de
sólido e imóvel, talvez apenas se abrindo, a fim de receber suas vítimas, se houvesse
tempo para isto.
No alto do rochedo estava Rhodan, como um general-de-campo. A visão de lá era
excelente para todos os lados. Distribuíra os setores de defesa entre seus oficiais.
Conservou Gucky ao seu lado, pois precisava dele para transmitir suas ordens.
A legião de imitações se pôs a caminho. A uns três metros de Rhodan, estava o
mutante de duas cabeças, Goratchin. O russo era propriamente um aleijado de nascença e
sofrera muito em sua pátria, devido às duas cabeças, até que Rhodan o admitiu no
Exército de Mutantes. Nos cérebros de suas duas cabeças é que Goratchin produzia as
terríveis centelhas de detonação, que permaneciam inofensivas e ineficazes, enquanto não
se reunissem num determinado foco. Neste momento, então, dava-se invariavelmente a
explosão nuclear.
Rhodan fez um sinal para o “detonador”.
— Ali no outro lado, aquela aglomeração, Goratchin. Destrua aquilo tudo.
O mutante compreendeu a ordem. Um de seus rostos mostrava um sorriso tranqüilo,
enquanto o outro continuava sério. Nem sempre as duas cabeças estavam de acordo.
A cabeça direita estava se concentrando na mira e aos poucos também a outra
cabeça se virou para o ponto visado, até que os dois pares de olhos se concentraram no
mesmo alvo, e os impulsos detonadores se encontraram no foco escolhido.
Os homens, ofuscados com o descomunal clarão, levaram as mãos aos olhos.
Explodiu uma bola de fogo no meio das imitações do corpo humano, crescendo
rapidamente e dissolvendo todas as figuras, que penetravam no solo, em forma de um
líquido escuro. Na “pele” do ser inteligente se abriu uma grande vala, quando recebeu a
matéria incandescente e líquida.
O cogumelo atômico se ergueu no céu, como um sinal de advertência de que havia
ali uma inteligência superior: a inteligência humana, que era capaz de se defender.
A bola de fogo se extinguiu, mas a vala cavada na superfície do planeta continuou.
Gucky, que Rhodan enviara para investigar o local da explosão, informou que a massa
incandescente desaparecera, mas a vala não se tornara a encher.
Goratchin desencadeou mais três explosões. Depois dessas detonações, o plasma
inteligente desistiu de outros ataques. Foi realmente inteligente para compreender a
inutilidade de seus esforços. Levaria agora muito mais tempo para inventar outra tática de
ataque.
Rhodan estava mais tranqüilo. Na segunda batalha, também foram os terranos os
vitoriosos. Apesar do justo regozijo pelo sucesso alcançado, a situação não melhorara em
quase nada. Estavam ainda presos num planeta deserto e sem nenhuma esperança de
serem salvos. Os víveres não poderiam ser renovados e a água estava escasseando. Se
alguém não tivesse captado o pedido de socorro, seu fim seria trágico. O pior era esta
clara evidência dos fatos.
5
***
— Acho que isto não tem sentido — disse Rex Knatterbul resignado, quando o sol
estava se levantando pela quarta vez.
— Agora sou eu que não vou desistir — disse o capitão irritado. — Perdemos quase
dois dias de viagem. E agora faço questão de ver com meus olhos estes bonecos
bobalhões sem cabeça, lá de baixo. Quero ver também estes oficiais idiotas que desceram
num planeta, sem estudar primeiro sua superfície. Quero dizer a eles como são estúpidos
e que, da próxima vez, devem ficar em casa e deixar a cosmonáutica para gente mais
experimentada, como eu, por exemplo. Acho que devem criar gado e tirar leite de vaca.
Graybound estava muito inspirado e prosseguiu:
— E o governo da Terra ainda gasta dinheiro com estes bestalhões. Mandam
cabeças-de-vento dirigir naves caríssimas nestas regiões da Galáxia e depois se admiram
de que eles não regressam. Puxa! E a mim é que eles queriam botar em reciclagem? Os
coitados não sabem nem manejar os velhos aparelhos. Miseráveis gargantas, e cheios de
prosa fiada.
— Vagabundos! Burros quadrados! — era o papagaio que estava aplaudindo com
entusiasmo, talvez para poder sair da gaiola.
Mas Graybound não tinha tempo para ele.
— Vamos continuar — ordenou o capitão. — Vou tirar uma soneca. Daqui a duas
horas, me chame.
O navegador estava contente por ficar algum tempo sozinho. Ligou o automático,
para que a nave continuasse na mesma rota, e foi para o posto de observação do seu
comandante e capitão.
Não conseguiu ver a ilha de pedra à direita, no horizonte, e os restos do cogumelo
de fumaça, pois estava mesmo exausto. Quando Graybound o substituiu, falou com
consciência tranqüila:
— Nenhum fato importante, capitão.
Dizendo algo ininteligível, o capitão assumiu seu posto. Para não ficar tão sozinho,
tirou Toureiro da gaiola. O louro se expandiu numa alegria louca e barulhenta, pulando
para o ombro de seu amo. E os dois juntos ficaram olhando para a tela.
O radiotelegrafista Smith havia ido também descansar um pouco. Mas, depois de
uma ligeira refeição, voltou para seu, trabalho. Ligou para a escuta e percorreu todas as
freqüências de onda, sempre na esperança de captar um sinal. É claro que seu primeiro
objetivo era tornar patente aos olhos do chefe a importância do seu serviço, aliás
indispensável a bordo de uma espaçonave. E o destino veio ajudá-lo...
O Capitão Graybound estava com os olhos fixos naquela superfície monótona,
procurando alguma coisa que se movesse, quando o telegrafista irrompeu em sua cabina
de comando, quase que lhe causando um susto.
— Uma mensagem do rádio, senhor, com texto claro. Estão nos chamando.
Graybound deu um tremendo salto. O pobre louro perdeu o equilíbrio e foi ao chão,
batendo as asas.
— Texto claro! — disse depois de meia dúzia de palavrões e se encaminhou para a
minúscula cabina de radiotelegrafia.
Afastou com um pontapé o banquinho que estava na frente, onde, aliás, Smith se
sentava nas pacientes horas de trabalho.
— Onde está o microfone?
Meio desarvorado, Smith chegou logo atrás de seu chefe. O pobre coitado imaginara
bem diferente seu triunfo. Contava com uma paternal batidela no ombro, acompanhada
naturalmente de uma frase mais ou menos assim: “bravo, rapaz, é assim que se trabalha
com eficiência”. Mas, nada disso.
— Quero saber onde está o microfone! — gritava o capitão enraivecido, sem saber
por quê. — Como é que vou me arranjar nesta confusão de fios?
Com movimentos rápidos, Smith transferiu a ligação para o ramal externo.
Com muito pouco volume, ouviam-se palavras em inglês. Graybound se aproximou
bem do alto-falante para poder entender.
— Passaram a três graus. Necessitamos auxílio. Comunique-se conosco. Não
aterrissar. Perigo de vida.
— Isto eu sei, seus idiotas! — gritou Graybound com toda força no microfone, que
já fora encontrado. — Dêem sua posição.
A voz do alto-falante desapareceu. A pessoa que estava falando devia ter sofrido
algum choque. Voltou de novo, mas já era outra voz. Calma e segura, dizia ela:
— Posição desconhecida. Transmitimos apenas com aparelho de pulso. Entendemos
bem.
— Isto é o principal — respondeu o vozeirão de Graybound. — Continue falando
suas bobagens, que nós vamos determinar sua posição — depois, dirigindo-se a Smith: —
Vá acordar o primeiro-oficial, mande-o vir correndo para cá.
Depois que Smith saiu, continuou o diálogo com o desconhecido.
— O senhor é o comandante da nave acidentada? Ou aterrissou por que quis? O
senhor bem que merecia que a gente o deixasse onde está...
A resposta só veio depois de alguns segundos.
— O senhor me dá a impressão de ser um gozador, que gosta de se divertir à custa
dos outros, tenho razão?
Graybound pareceu perder a fala por uns momentos. Mas logo depois resolveu
soltar a língua com franqueza.
— Que é isto, seu macaco pretensioso!? Foi burro demais, quando fez a sua
aterrissagem! E ainda por cima atrevido! Estou gostando — fez um sinal com a cabeça
para Rex que estava entrando na cabina às pressas. — Estou estranhando o senhor.
— Nós também o estranhamos — veio pronta a resposta, num tom quase afável.
Graybound olhou zangado para o microfone, depois começou a sorrir. Quando seus
interlocutores não se assustavam com seu modo de falar, gostava. Mas ficava furioso
assim que notava qualquer pretensão de superioridade do outro lado.
— Fale, excelentíssimo, fale bastante para que possamos localizá-los.
— Basta simplesmente que o senhor circunvoe o planeta em maior altura para ver os
cogumelos de poeira atômica, que circundam uma pequena ilha de rocha, onde
conseguimos nos abrigar. Nela estamos livres do plasma.
— Ah! Os senhores também já conseguiram perceber isto? — continuou Graybound
no seu modo irônico. — Estava pensando que os senhores iam imaginar que se tratava de
um pudim especial. Pessoal inteligente, hein? Parabéns!
Depois se lembrou do “cogumelo atômico”.
— Cogumelo atômico? O senhor gastou bombas atômicas com estas desgraçadas
figuras de barro? É muita honra para o brejo.
— É, foi mais ou menos assim.
Rex, que estava ouvindo a conversa, já havia feito a Lizard subir o suficiente para
começar a procura. Levou, talvez, dois minutos até serem localizados os cogumelos
atômicos. A seguir, a nave do Capitão Graybound desceu naquela direção.
— Suponho que o senhor seja comandante de um cruzador patrulha — continuou o
Capitão Graybound, querendo saber com quem estava lidando, para tomar as devidas
precauções. — Quantos vocês são?
— Somos oitenta e um, gente modesta, sem nenhuma exigência. Ficaremos
contentes se nos conseguir abrigar nos seus depósitos ou nos corredores.
— Isso não! Nos depósitos não — recusou-se o capitão, muito assustado.
Depois prosseguiu, sem mudar o tom da voz:
— Ah! Bobagem! E por que não? Mas eu lhe fiz uma pergunta e ainda não recebi
resposta. Quem é o senhor? Como se chama sua nave?
— Não temos mais nave e quem sou eu, o senhor vai saber logo.
Graybound teve que engolir este atrevimento. Neste meio tempo a Lizard estava
descendo no sentido da ilha de pedra e quedou imóvel a uns cem metros de altura.
Toureiro voara para a parte superior de sua gaiola. Empoleirou-se lá, sem dizer uma
palavra. Seus olhos inteligentes acompanhavam tudo que se passava no posto de
comando, como se entendesse alguma coisa. E quem sabe, entendia mesmo?
— Agora, seria bom se o senhor aterrissasse — propôs a mesma voz pelo alto-
falante. — É um rochedo maciço e firme.
Rex Knatterbul apontou para a tela do videofone.
— A ilha está cercada pelos monstros de barro. Surgem do solo e estão caminhando
para o rochedo. Se não nos apressarmos, o pessoal lá embaixo está perdido.
— Vamos mostrar a eles o que a Lizard pode fazer.
Depois, pegando o microfone, falou com mais seriedade:
— Uma aterrissagem agora seria muito perigosa. Protejam-se que nós vamos
primeiro destruir estes monstros.
— São lentos demais, e até que se aproximem da gente, teremos tempo mais do que
suficiente para embarcarmos. O senhor compreendeu?
— Compreendi, sim, mas esperem um pouco.
Graybound foi para o posto de comando e deu ordens para a artilharia ficar atenta.
Fez um sinal para Rex e gritou:
— Vamos embora!
A Lizard se precipitou num vôo rasante sobre os monstros, abrindo um tremendo
fogo. A velha nave parecia um dragão de dez cabeças vomitando raios energéticos contra
o solo cinzento, enquanto os vultos incandescentes se desfaziam numa massa fumegante.
— Acho que chega — disse Rex. Graybound contemplava orgulhoso sua obra de
destruição e fez um sinal para o tenente.
— É verdade que não se consegue destruir o monstro, mas aqueles bobos lá
embaixo sabem agora com quem estão lidando. Vão ter um pouco mais de respeito para
comigo.
No posto de rádio, Smith se entretinha com os avisos do interlocutor desconhecido.
Algumas palavras chegaram até a cabina de comando e penetraram nos ouvidos de
Graybound. Sua barba ruiva começou a tremer e, bufando de raiva, pulou para fora da
poltrona. Em dois galeios chegou até o franzino telegrafista. Empurrou-o estupidamente
para o lado, tirando-lhe o microfone das mãos.
— E agora, cale a boca, seu imitação de auxiliar de cosmonauta! — disse, gritando
indignado. — Quer nos dar conselho, quando o senhor mesmo está sentado num
formigueiro? Não fosse tão bobo, não estaria preso aí. A minha vontade seria sair daqui
sem levá-los.
— Felizmente, sei que o senhor diz isto de brincadeira — respondeu o
desconhecido, parecendo não levar tão a sério as ofensas do temperamental capitão. —
Agora, por favor, desça até a rocha.
Furioso, Samuel Graybound bateu com o pé no chão, deu um sinal de consentimento
para Knatterbul e pegou novamente o microfone, para mais umas bravatas:
— Quero lhe dizer mais uma coisa, seu sabichão intrometido, e preste bem atenção
nisto. Com o velho Capitão Samuel Graybound não se deve brincar. Jamais se esqueça
disto. Está bem, vou recebê-los a bordo de minha nave, porque é um dever humano. Mas
os senhores vão ficar nas cabinas que lhes forem determinadas. Se eu pegar alguém
bisbilhotando por aqui, eu o jogo no espaço. Está claro assim?
— Claríssimo. Mas por que tudo isto? O senhor tem alguma coisa para esconder?
Graybound ficou vermelho, prendeu a respiração, mas não teve mais tempo de
iniciar outra catilinária. Enquanto seu primeiro-oficial descia a Lizard suavemente sobre a
rocha, o ar começou a cintilar na estreita cabina de rádio e do nada surgiu a figura de
Gucky, bem na frente do capitão, em cima da pequena mesa.
O capitão olhou estupefato para o estranho animal de um metro de comprimento,
pensando tratar-se de alucinação. Mas então, aconteceu algo que o fez mudar de idéia.
Com voz chiada, Gucky começou a soltar o verbo:
— Oh! Seu monstro sem-vergonha, seu mal-educado brutamontes! Seu traficante de
trabalhadores forçados! Como se atreve a falar assim com o chefe? Seu verme nojento,
pedaço de nada.
Os pêlos da nuca de Gucky estavam eriçados. Dos seus olhos, aliás tão calmos e
sinceros, saíam chispas de cólera.
Graybound dera dois passos para trás e sua barba ruiva tremia de excitação. O
animal furioso, que se achava em cima da mesa, devia ser realidade, embora o capitão
não compreendesse como ele havia chegado até ali.
Além de tudo, ainda falava! Verdadeiro mistério.
— Sabe com quem você dialogou o tempo todo? Com Perry Rhodan, o
Administrador do Império Solar...
Parece que o mundo desabou para Samuel Graybound. Presente, futuro, planos e
negócios, tudo foi água abaixo. Estava acabado. Era uma vez o Capitão Graybound, sócio
da firma “Globetrotter das Estrelas”... E não havia nada para responder. Quebrado de
corpo e alma, foi cambaleando para sua poltrona no posto de comando. Sentou-se,
esquecido do mundo e de tudo.
— Fui atingido por um raio! — lamentava-se desesperado. — Tudo que está
acontecendo é verdade ou estou sonhando? Sim, acho que estou sonhando. Isto não pode
ser verdade. Perry Rhodan, exatamente Perry Rhodan?
— Sim, exatamente — confirmou Gucky, pulando da mesa para depois ficar
pairando bem na frente do capitão.
Neste intervalo, Rex, que não se deixara perturbar em seu trabalho, desligou os
motores da nave e, virando-se para trás, contemplou admirado o rato-castor.
— Este desgraçado do Smith, telegrafista vagabundo! — comentou Graybound,
tentando jogar a culpa no pobre rapaz. — Onde está ele?
Sob a mesa dos mapas de navegação, ouviu-se um gemido. Depois alguém disse em
voz sumida:
— Não estou me sentindo bem, senhor. Toda esta excitação...
— Covarde — respondeu Graybound, e passando a observar melhor o fantástico
animal na sua frente, perguntou: — Como é que você entrou aqui na nave?
— Por teleportação, meu amigo. Você ainda não ouviu falar em Gucky? Sou eu.
Graybound começou a puxar nervosamente a barba.
— Meu Deus! Gucky, você é, portanto, o prodígio que...
— Como? Sou o quê? — perguntou Gucky, desconfiado.
— Nada, deixa pra lá.
O velho capitão já estava mais manso, procurando uma solução para o problema em
que se envolvera.
— Vamos ver então o que se pode fazer. Rex, você vai dar um jeito de esvaziar um
dos depósitos. Os ursinhos de pelúcia podem ser estocados no compartimento sete. Acho
que, com camas de emergência e cobertores, se pode fazer uma espécie de dormitório. E
para Rhodan e seus oficiais... hein?
Graybound ficou pensativo. Gucky sorriu compreensivo. Sabia com que tipos de
problema o velho estava lutando. Naturalmente o temperamental capitão se esquecia de
que estava diante de um telepata.
Rex saiu apressado do posto de comando, enquanto Graybound se agachou, a fim de
acariciar o pêlo sedoso de Gucky.
— Então, você é o corajoso e inteligente Gucky. É-me uma honra estar perto de
você. Vamos andando, parece que o chefe nos espera.
E com sentimentos desencontrados, entraram no corredor que dava para a escotilha.
Se conseguisse arranjar uns trinta minutos, tudo daria certo. Até lá, Rex teria conseguido
uma acomodação garantida para a tripulação acidentada. Os demais depósitos estavam e
ficariam trancados. Ninguém desconfiaria de nada.
Deixou todas as portas atrás de si bem abertas. De mãos dadas com Gucky, passeava
ele garboso pelos corredores como que desfilando perante seus poucos tripulantes, que
olhavam para ele de boca aberta, sem dizer uma palavra.
Foi aí que ele notou que Gucky já havia desaparecido há tempo e ele continuava
andando pelo corredor como um demente de braço levantado. Seus homens deviam de
fato pensar que ele estava caducando, ou talvez ensaiasse um novo tipo de dança.
6
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