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Luto Elaboração PDF
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Goiânia
2008
JANIA ALVES DOS SANTOS
Goiânia
2008
JANIA ALVES DOS SANTOS
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Prof. Dr. Manoel Dias Reis
Psicoterapeuta de aluno e professor supervisor da SOGEP
A morte é um fenômeno considerado cheio de mistérios e temido pelo homem; diante dela
fica evidente toda a fragilidade do ser humano. O indivíduo apresenta uma grande dificuldade
de falar e aceitar a morte como algo natural, pois ela traz consigo a quebra de um vínculo,
algo foi arrancado, deixando no lugar um vazio, uma solidão e, também, um sentimento de
perda que, em alguns casos, torna o processo de luto muito doloroso. Este trabalho
monográfico tem por objetivo aprofundar o conhecimento e a compreensão da teoria
psicodramática na elaboração do luto. Para tal compreensão se faz necessário trazer algum
conhecimento específico sobre os temas morte, perda e luto. O desenvolvimento desta
monografia se dá com a utilização do referencial teórico-metodológico do psicodrama e do
relato de um caso clínico de uma paciente com dificuldade de elaboração do luto.
RESUMO ........................................................................................................................ 05
INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 07
REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 43
INTRODUÇÃO
De acordo com Bowlby (1985) perder uma pessoa que se ama é uma das
experiências mais dolorosas que o indivíduo pode sofrer. É complicado não só para quem a
experimenta, mas também para quem a observa, principalmente pelo fato de o ser humano ser
tão impotente diante de algo tão temido. A perda é algo inerente à condição humana. Através
dela os indivíduos precisam enfrentar seus limites, o que simboliza sua própria morte. As
perdas podem ser concretas ou simbólicas, resultando em privações e mudanças, trazem a
sensação de estar sem controle e abalam o sentimento de segurança (KOVÁCS, 2002).
Segundo Bromberg (2000), a morte de uma pessoa querida provoca um
sofrimento ainda maior quando agravada por circunstâncias como a surpresa, a violência ou a
idade precoce. Não há, obviamente, respostas fáceis e aceitáveis, mas, com certeza, ignorá-la,
sufocar as lágrimas e abafar o luto são as piores maneiras de lidar com esse evento.
Do ponto de vista físico, a morte ocorre quando cessa a vida de um indivíduo, seja
por causas naturais (senilidade), seja por motivos acidentais ou causas externas (doenças). É
um fato considerado cheio de mistérios, e é daí que vem o estímulo para estudá-la, para
refletir como as pessoas a vêem e a aceitam. Segundo Scott (1993), à medida que as pessoas
procuram entender o mistério da sua morte descobrem o significado da sua vida.
Ao estudar sobre morte é importante que se entenda como ocorrem os sentimentos
e sensações no vivenciar do luto. Enlutar-se é um processo de mudança de comportamento
que provavelmente todos experimentarão em algum momento. Um acontecimento estressante
como o luto envolve sempre uma perda. O medo e a dor fazem com que o indivíduo se sinta
desamparado. Esse medo, o desamparo e outros sentimentos podem ocorrer como
preocupação transitória, após a perda, durante o luto. Normalmente, esse fato é considerado
como resolvido quando o sujeito retoma uma sensação de segurança.
Outro sentimento comum é o sentimento de culpa. Neste, começam a pensar em
tudo aquilo que podiam ter feito ou dito e que já não podem ou mesmo naquilo que podiam
ter feito para impedir essa morte. Em alguns casos, quando ela é vista como solução para
alguém que está sofrendo muito, pode surgir esse sentimento e um arrependimento por não ter
podido evitar tal sofrimento; a pessoa se sente incapaz diante da situação real da perda. A
culpa também pode surgir depois de se sentir alívio pela morte de alguém que era muito
querido, mas que estava sofrendo muito. Esse sentimento é normal, compreensível e muito
comum.
O estado de agitação é geralmente mais forte nas duas semanas seguintes à morte
do ente querido, mas é rapidamente substituído por períodos de grande tristeza, depressão e
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silêncio. Essa mudança súbita de emoções pode deixar amigos e familiares confusos, mas faz
parte do processo natural de luto.
Os indivíduos apresentam grande dificuldade de elaborar essas perdas, que pode ir
além da morte da pessoa em si. Ela traz consigo várias outras perdas, como a situação
financeira, mudanças de comportamento, dentre outras. Parkes (1998) considera que a
extensão do luto pela morte de uma pessoa se assemelha às reações a outros tipos de perdas,
como o divórcio, o desemprego, a migração forçada, a morte de um animal de estimação, a
esterilidade/infertilidade e as perdas envolvidas na recuperação de um câncer.
Todos esses sintomas e sensações fazem com que o indivíduo deixe de
desempenhar seus papéis de forma satisfatória. De acordo com a teoria moreniana, quanto
maior for o número de papéis desempenhados pelo indivíduo, mais saudável este se apresenta.
Conforme Gonçalvez, Wolff e Almeida (1988, p. 67), “O papel é a forma de funcionamento
que o indivíduo assume no momento específico em que reage a uma situação específica, na
qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos”.
A experiência de viver o luto pode se transformar em uma situação traumática,
construída por uma rede de silêncio em torno da morte e do morrer, necessitando de auxílio
externo por meio da busca de apoio profissional. Partindo do interesse de se entender o
vivenciar do luto surgiu a necessidade de aprofundar o conhecimento, verificar como o
psicodrama contribui na elaboração do luto.
De acordo com Moreno (2003), o nascer é o primeiro ato espontâneo do bebê,
resultante de um longo período de aquecimento, a gestação. Com base nessa idéia, Perazzo
(1986) questiona-se se viver pode ser um processo de aquecimento para o que seria o último
ato espontâneo, a morte.
Moreno (2003) refere-se à espontaneidade como a capacidade do homem agir de
forma adequada e criativa. Deve-se perceber, nessa adequação, um sentimento reforçador da
liberdade inata, onde o homem vai buscar a espontaneidade adequada em si mesmo,
permitindo a manifestação de seu potencial criativo, possibilitando respostas adequadas a
situações novas ou antigas, tornando-se agente de seu próprio destino.
Acredita-se que o indivíduo encontra-se em constante desenvolvimento e
transformação e a terapia psicodramática pretende prepará-lo para desenvolver seu potencial
espontâneo e criativo mesmo em situações difíceis, como no caso da perda e do luto. Fox
(2002) esclarece que, para Moreno, o objetivo do psicodrama, desde seu princípio, era o de
construir um espaço terapêutico que utilizasse a vida como modelo e integrar nele todas suas
modalidades, começando pelas universais, como tempo, espaço e realidade.
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BASES TEÓRICAS
O Psicodrama pode ser definido como uma ciência que busca a verdade por meio
de métodos dramáticos e usa a ação como uma forma de investigar a alma humana
(MORENO, 1999). É um método de pesquisa e intervenção das relações interpessoais nos
grupos, entre grupos ou em terapia bipessoal. Mobiliza o indivíduo para vivenciar a realidade
a partir do reconhecimento das diferenças e dos conflitos. Facilita a busca de alternativas para
a resolução do que é revelado, expandindo os recursos disponíveis. Através da metodologia
psicodramática, é possível ir além da fala, o que possibilita ao sujeito a visualização de seus
conflitos e dificuldades, colocando-o em contato consigo mesmo.
De acordo com Moreno (2003, p. 47), “o psicodrama procura, com a colaboração
do paciente, transferir a mente “para fora” do indivíduo e objetivá-la dentro de um universo
tangível e controlável”. O autor esclarece que é um método de diagnóstico, bem como de
tratamento. Uma de suas características é incluir a representação de papéis, que pode ser
aplicada a qualquer tipo de problema, pessoal ou de grupo, crianças ou adultos.
O homem moreniano é um ser social. Desde que nasce, diante de sua fragilidade
biológica, precisa pertencer a um grupo para suprir suas necessidades básicas; precisa do
outro para nascer, crescer e se reproduzir, ou seja, necessita de ajuda externa para se adaptar
ao seu novo mundo. A sobrevivência do bebê está ligada diretamente ao fator e, a
espontaneidade, que é o que lhe garante plasticidade e mobilidade. Moreno (2003, p. 101)
propõe que “deve existir um fator com que a natureza generosamente dotou o recém-chegado,
de modo que possa desembarcar com segurança e radicar-se, pelo menos provisoriamente,
num universo inexplorado”.
A concepção moreniana entende que o existir humano é um viver em coletividade,
onde o indivíduo se realiza pelo desempenho de papéis na sociedade. É assim que o ambiente
afetivo-emocional estabelecido entre a criança e o mundo, através da família, pode agir
positivamente, ou, ao contrário, dificultar seu desenvolvimento.
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Moreno descreve cinco etapas dessa formação da matriz, que depois resume em
três fases:
1. Fase do duplo: fase da indiferenciacão, onde a criança precisa sempre de alguém que faça
por ela aquilo que não consegue fazer por si própria, necessitando, portanto, de um ego-
auxiliar;
2. Fase do espelho: reconhecimento do eu, onde existem dois movimentos que se mesclam:
o de concentrar a atenção em si mesma, esquecendo-se do outro, e o de concentrar a
atenção no outro, ignorando a si mesma. Exemplo disso pode ser o de quando a criança
olha a sua própria imagem no espelho e não se identifica como ela mesma, apenas diz:
olha o nenê;
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3. Fase da inversão: existe a tomada de papel do outro para depois haver a inversão de
papéis.
do confronto com a situação presente, ela é, ao mesmo tempo, ação que se lança na própria
situação para transformá-la tornando-se então espontaneidade – criativa.
No psicodrama, a espontaneidade opera não só na dimensão das palavras, mas em
todas as outras dimensões de expressão, como, por exemplo, a atuação, a interação, a fala e o
desenho. A vinculação da espontaneidade à criatividade foi um importante avanço, a mais
elevada forma de inteligência de que se tem conhecimento. O papel dinâmico que a
espontaneidade desempenha não deve implicar que o desenvolvimento e a presença da
espontaneidade constituam a cura do indivíduo.
Só quando se treina a espontaneidade é que o sujeito fica livre das conservas
culturais, comportando-se de forma mais autêntica e satisfatória, o que pode caracterizar a
espontaneidade como possuidora de características biológicas e sociais (FOX, 2002). Por isso,
pode-se afirmar que a falta de espontaneidade pode deixar o indivíduo ansioso e com
dificuldades para enfrentar conflitos e a perda de algo importante.
Gonçalvez, Wolff e Almeida (1988) consideram que mesmo o homem nascendo
espontâneo, deixa de sê-lo quando entra em contato com os padrões sociais, as coerções
morais e as exigências determinadas pela sociedade. Esses valores, impostos como regras que
fazem com que o indivíduo perca a espontaneidade e se cristalize, são chamados por Moreno
de conserva cultural, cristalização de um processo de criação.
Explicam, também, que quando o indivíduo recupera ou luta por sua liberdade,
reafirma sua essência, ou seja, a espontaneidade. De acordo com esses autores, resgatar a
espontaneidade-criatividade é o principal objetivo do psicodrama. É esse resgate que irá
permitir que o indivíduo haja adequadamente frente às novas situações que a vida possa lhe
apresentar.
Para Martin (1996), é preciso que aconteça a união do novo com o adequado para
que ocorra a manifestação da espontaneidade, ou seja, lutar contra as conservas culturais leva
ao falso pensamento de que é necessária uma total originalidade a todo momento, sendo que
esta estaria alheia às manifestações culturais. Segundo o mesmo autor, viver preso às
conservas é tão inadequado quanto o desprendimento total das mesmas.
Assim, Gonçalvez, Wolff e Almeida (1998) esclarecem que a revolução criadora é
a proposta de recuperação da espontaneidade e da criatividade, através da ruptura com os
padrões de comportamento estereotipados e do rompimento com os automatismos que o ser
humano adquire no contato com os padrões sociais.
Quando a ansiedade diante da dor pela perda de algo ou alguém toma maiores
proporções, tornando-se prolongada e profunda, um estado quase constante de preocupação,
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medo e tensão pode surgir, prejudicando o desempenho espontâneo criativo e trazendo grande
sofrimento. Além de angústia e ansiedade, pode produzir também problemas físicos tais como
dores de cabeça, náuseas, dores no corpo e até problemas de estômago.
Essa ansiedade aparece devido à falta de respostas adequadas às situações
cotidianas da vida de um indivíduo e diminui à medida que este consegue resgatar sua
espontaneidade-criatividade. Esse resgate possibilita ao indivíduo o melhor desempenho dos
seus papéis.
Moreno (2003) definiu papel como uma forma de funcionamento que o indivíduo
assume no momento específico em que reage a uma situação dada, na qual outras pessoas ou
objetos estão envolvidos. O conceito de papel estende-se a todas as dimensões da vida: pode
estar ligado desde o nascimento ao desenvolvimento da pessoa enquanto experiência
individual e enquanto modo de participação na sociedade.
Os vários papéis que os indivíduos podem desempenhar não existem isolados uns
dos outros, apresentam semelhanças em suas estruturas e tendem a se aglutinar, formando um
conglomerado ou cachos de papéis, os quais mantêm uma relação funcional entre si. Assim,
se um papel de autoridade como a relação professor-aluno adquire uma maior dose de
espontaneidade, outros papéis do mesmo cacho como patrão-empregado, pai-filho, podem
receber uma transferência de espontaneidade e também se transformarem (GONÇALVEZ,
WOLFF E ALMEIDA, 1988)
Nesse sentido, todos os papéis são complementares. Os indivíduos agem a partir
de uma série de papéis adquiridos em sua cultura e que o ajudam a desempenhar seu próprio
papel. Seu modo de ser e sua identidade decorrem dos papéis que complementa ao longo de
sua vivência e de suas experiências, com respostas obtidas na interação social, por papéis que
complementam os seus.
Entre algumas de suas definições, Moreno (2003, p. 25-26) conceitua:
toma o papel do morto e depois faz a troca de papel com ele, podendo, assim, compreender
melhor como ocorre esse processo e liberar suas emoções, represadas pelo luto não concluído.
No espaço do “como se”, o indivíduo pode vivenciar a maneira como responderia
ao contato, realizando um treinamento antes de atuar na realidade, o que pode deixá-lo mais
espontâneo e adequado em suas relações. Ao entrar em contato com sua subjetividade através
da ação dramática, desenvolve seu papel e inverte papéis, ampliando suas possibilidades.
Para Zerka Moreno (2001), os psicodramatistas tornam-se artistas quando
trabalham as relações humanas. Segundo essa autora, o objetivo do psicodrama é estabelecer a
tele entre as pessoas. Uma das técnicas para alcançar esse objetivo é a inversão de papéis: “A
inversão de papéis significa olhar para si mesmo pelo olhar de outra pessoa, ou a partir da
perspectiva de outra pessoa” (idem, p. 41). É uma técnica de absoluto envolvimento, da
capacidade de ver a trama do outro ponto de vista, qualquer que seja ele.
Entretanto, sabe-se que não é possível assumir o papel de outra pessoa. Não se
pode fazer uma troca entre corpos, mas, psicodramaticamente, é possível se aproximar
(perceber) dos sentimentos do outro. A percepção que se tem da outra pessoa muda quando
você põe de lado o seu próprio eu.
equilíbrio alterado. Quando se consegue isso sem deformar demasiadamente a realidade, fala-
se em luto normal. Caso contrário, quando há alterações no processo de juízo da realidade, o
luto é patológico.
De acordo com Parkes (1998), o tratamento das reações patológicas do luto segue
os mesmos princípios presentes nas indicações para o apoio às pessoas enlutadas em geral.
Assim, o tratamento adequado para o luto adiado ou inibido pode tomar a forma de
psicoterapia, na qual o paciente é encorajado a expressar seu pesar e a superar as fixações ou
bloqueios para que possa perceber o que acontece e, então, ressignificar seu mundo.
As pessoas que passaram por uma perda importante podem estar bem mais
qualificadas para ajudar outras pessoas enlutadas, pois conseguem entender melhor aquilo que
elas estão vivendo e sabem que o luto não é o fim da vida.
Kaplan e Sadock (1985, citados por Freitas, 2000) esclarecem que os termos
perdas, pesar e luto são, muitas vezes, empregados de forma confusa. Uma das razões para
esse acontecimento é que a maioria das pessoas tem dificuldade para comparar respostas
emocionais diante da morte. O pesar, por exemplo, é uma manifestação que surge depois da
perda, sendo tal termo empregado com mais freqüência do que o luto. É mais crônico e custa
mais a passar. O luto termina, mas o pesar continua. Esse termo designa apenas a seqüência
de estados subjetivos que se seguem à perda e acompanham o luto (PARKES, 1998).
De acordo com os autores citados acima, durante o processo mais agudo do luto
pode surgir um sofrimento ainda maior, acompanhado por insônia, anorexia, ansiedade, raiva
e inquietação motora.
Para Bromberg (2000), é importante considerar o luto como um processo dividido
em fases; essa compreensão é relevante na detecção de uma possível patologia e de grande
importância para a avaliação do luto familiar. Dentre os estudos feitos sobre luto, Bowlby
(1985) apresenta quatro fases durante a elaboração do mesmo:
• Fase de entorpecimento: nesta fase, a pessoa entra em choque, não consegue acreditar na
morte do ente querido, podendo negar o ocorrido e tentar continuar a viver como se nada
estivesse acontecido. Dura algumas horas ou semanas e pode vir acompanhada de
manifestações de desespero e de raiva; o sujeito pode parecer desligado, embora
manifeste um nível alto de tensão;
• Fase de anseio e protesto: existe a expressão do desejo da presença e busca da pessoa
perdida. A raiva pode estar presente quando há percepção de que houve realmente uma
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perda. Fase de bastante inquietação onde mais acontecem os sonhos com a pessoa
perdida;
• Fase da desorganização e desespero: ocorre em decorrência do enlutado não poder reviver
o morto. Fase de apatia e depressão;
• Fase de recuperação e restituição: nesta, o enlutado começa a aceitar gradualmente a
perda, pensando na reconstrução da própria vida. A depressão se mistura aos sentimentos
bons, a pessoa se adapta melhor às mudanças ocorridas em sua vida.
É importante citar que elaborar o luto não se faz necessário somente quando há
perdas em situações de morte, mas também em outros tipos de perdas. De acordo com Zerka
Moreno (2001), as pessoas precisam passar por um processo de luto quando sofrem uma
perda significativa. Elas podem acusar Deus pela privação. Trata-se também de uma acusação
dirigida à vida, por assim dizer. Em seu livro Realidade Suplementar e a Arte de Curar a
autora escreve que teve de fazer um luto pela perda do braço direito que teve de ser amputado
em decorrência de um câncer e que passar por essa fase fez parte de seu processo de cura.
família, pois deixam uma lacuna no funcionamento desta, difícil ou impossível de preencher,
como, por exemplo, a morte de um pai com filhos ainda pequenos. Em contrapartida, as
mortes que causam mais estresse nas famílias são, sem dúvida, aquelas em que o paciente
sofre de uma doença prolongada, pois elas jamais estão seguras, nunca sabem o curso em
relação à doença. Momentos de esperança são desfeitos com o medo, a todo instante, da
morte.
Ver um membro da família morrer de dor esgota totalmente os demais, mesmo
aqueles que se esquivam de participar do processo como, por exemplo, filhos que se mantém
à distância justamente para não sofrerem. O apego à esperança e à fé é muito grande nesse
período. Conforme Scott (1993), ao reconhecer e encarar a importância da morte as pessoas
que se tornam religiosas podem de fato se tornarem as mais corajosas, pois acreditam na
imortalidade da alma, no fato de o espírito ir para um lugar melhor. Segundo estudos, ter fé
diminui a dor. O apego a algum tipo de sobrevivência espiritual é consideravelmente elevado
entre os moribundos.
Cada indivíduo percebe a morte, sua e do outro, de acordo com suas próprias
experiências de vida, suas preocupações éticas, intelectuais, religiosas, profissionais,
ideológicas e as experiências vividas no grupo familiar. A morte é difícil em qualquer
situação, porém quando ocorre dentro do seio familiar é algo que se torna mais sofrido, mais
amargo, como se fosse um pouco do indivíduo que está indo embora.
Werlang e Oliveira (2006) esclarecem que a vivência da perda na família mobiliza
interações reforçadoras das quais todos os indivíduos participam. Os processos colocados em
ação para o enfrentamento dessa crise têm impactos imediatos. A crise desencadeada pela dor
da perda pode constituir-se em um catalisador de criatividade e realizações. Quando as
famílias conseguem se unir e compartilhar a experiência (o sofrimento) há a possibilidade de
poder buscar ajuda para amenizar seu sofrimento.
Para Fonseca (2004), diante da perda a família pode ser levada a tomar uma série
de atitudes e, dependendo de seus valores e crenças, estas variam de apatia à passividade, até
mesmo uma exagerada preocupação em busca dos mais variados recursos para superação da
dor.
Rando (2000, citado por FONSECA, 2004) refere-se a seis pontos importantes
que precisam se completar para que a perda ocorra de modo saudável.
uma representação da morte que vai evoluindo gradualmente, em concomitância com seu
desenvolvimento cognitivo. Sendo assim, deve-se comunicar à criança o falecimento de um
ente querido, fazendo-se necessário conhecer a concepção que ela tem sobre a morte.
A criança, segundo Kovács (2002), não conseguirá expressar a sua dor se não
souber que uma morte aconteceu. Entretanto, ela percebe que algo acorreu, pois todos estão
agindo de uma forma diferente. A morte da mãe, do pai ou de um irmão provoca uma dor
imensa, e falar dela não significa criar ou aumentar a dor, pelo contrário, pode aliviar a dor da
criança e facilitar a elaboração do luto.
Nesse sentido, a autora destaca que a conduta mais valiosa ao se comunicar a
morte de um ente querido à criança seria a da escuta, ou seja, estar atenta às perguntas que a
criança fizer e detectar seus sentimentos, compartilhando e trabalhando, dessa forma, a dor
pela perda.
A infância é o período em que ocorre o maior número de experiências espontâneas
e criativas. As necessidades primárias como comer, andar, falar, dentre outras, impulsionam a
criança rumo a um processo de aprendizagem sem antecedentes na vida adulta. Para Moreno
(2003, p. 139), “a proximidade da criança em relação ao status nascendi da experiência
mantém-na em uma atmosfera de espontaneidade e criatividade que raramente é
experimentada em períodos posteriores da vida”.
Partindo da idéia de que a criança é espontânea e criativa e que estes são recursos
inatos, pode-se pensar na idéia de uma necessidade de se fazer uma educação para a morte,
como coloca Kovács (2002). Provavelmente ela, dotada de todo seu potencial espontâneo,
conseguiria perceber a morte como algo menos traumático.
De acordo com Martin (1996, p. 84), “o estágio da vida em que melhor se
cumprem estas condições é a infância, quando a criança, ainda não saturada de experiências e
normas, acha novo tudo o que acontece diante dela”.
CAPÍTULO 2
De acordo com a mesma autora, o tempo que o indivíduo leva para elaborar o luto
pode variar ou até durar anos. Pode-se dizer que, em alguns casos, ele nunca acaba, pois surge
uma tristeza profunda, um desespero e um desânimo muito grande quando o indivíduo
recorda-se do morto, sendo uma de suas características mais relevantes o sentimento de
solidão.
De acordo com Werlang e Oliveira (2006), a experiência do luto pode se
transformar em uma situação traumática quando a família faz silêncio sobre essa dificuldade,
em torno da morte e do morrer, o que configura uma necessidade de um auxílio externo que
pode ser através da ajuda de um profissional.
A partilha das emoções do luto permite às pessoas vencerem seu isolamento.
Através do relato daqueles que já vivenciaram a situação de luto é provável que o indivíduo
consiga, mais facilmente, tomar consciência que os comportamentos e sensações que vive no
momento fazem parte de um processo natural e, até, saudável, de cicatrização da ferida
deixada pela perda de alguém que lhe era muito querido. Desse modo, sentem-se apoiadas
para percorrerem o caminho sempre muito tortuoso do luto, encontrando na família e na
sociedade respostas para seus conflitos internos.
o sentirem-se acolhidas pela cultura em que estão inseridas, pois cada cultura tem seus
próprios rituais, que simbolizam a partida e podem amenizar ou clarificar, para quem fica, o
não-retorno da pessoa que morreu.
Kovács (2004) considera importante que se abra espaço para a compreensão da
função dos rituais, que abrem possibilidades de se exercitar coletivamente, favorecendo o
compartilhar dos sentimentos de quem fica. Os funerais elucidam a realidade, pois a crença na
vida após a morte pode trazer certa ambivalência: talvez a morte não tenha ocorrido e
reencontros são possíveis. O funeral pode ajudar a compreender a separação do corpo,
comunica o fim, esclarece que após o término a vida de quem fica não será a mesma, sendo
esta uma tarefa imprescindível no processo de luto.
A necessidade de o enlutado vivenciar seu sentimento de perda é importante para
que ele possa externalizar a sua dor, o que proporciona as condições necessárias para uma boa
elaboração do luto e possibilita a retomada de sua vida, ao lado das recordações da pessoa
perdida (CASSORLA, 1998).
De acordo com Parkes(1998), as técnicas utilizadas em psicoterapia oferecem uma
interação livre de julgamentos entre paciente e terapeuta, de maneira a permitir àquele
exprimir os sentimentos que inibiu. O psicoterapeuta, por aceitar o paciente sem criticismo,
raiva, angústia, desespero ou ansiedade pelo que o paciente expressa, implicitamente lhe
reassegura de que esses sentimentos, apesar de dolorosos, não vão destruir a relação
terapeuta-paciente. Após descobrir que há segurança em expressar sentimentos, o paciente
fica, então, livre para desenvolver o trabalho de elaboração do luto.
Segundo Fonseca Filho (1980), é no espaço psicodramático que o paciente pode
exteriorizar suas experiências internas, pois quando dramatiza uma situação por ele vivida ou
imaginada vem à tona todas as experiências mais significativas, constituindo, assim, a
verdadeira ação psicodramática.
CAPÍTULO 3
Apresentação do caso
Caso clínico:
Nome: Lara1
Estado Civil: solteira
Religião: Espírita
Escolaridade: Superior completo
Residência: Goiânia
Queixa: ansiedade que dificulta seus relacionamentos com a família e com os amigos;
insegurança e necessidade de resolver todos os problemas relacionados ao trabalho.
1º sessão:
Motivo da entrevista: queixa e a história da paciente.
A paciente chegou muito ansiosa, com grande necessidade de falar. Trouxe como
queixa o fato de precisar se auto-conhecer. Disse que mora com a avó e com o irmão mais
novo, usuário de drogas.
1
Nome fictício utilizado para preservar o anonimato da paciente.
32
Compreensão terapêutica
que, para Moreno (2003), é a placenta social do indivíduo, o locus nascendi (o lugar do
nascimento), pois a placenta estabelece a comunicação entre a criança e o sistema social da
mãe, incluindo aos poucos os que dele são mais próximos.
A matriz de identidade proporciona segurança e orientação para que a criança
consiga desenvolver sua autonomia. No caso de Lara, o desenvolvimento da personalidade foi
prejudicado, houve a quebra de um vínculo. Além da morte da mãe aos seis anos de idade,
também há a ausência do pai, que se entregou ao alcoolismo depois da perda da esposa,
dificultando o desenvolver de uma matriz de identidade saudável.
[1]
Lara - [entrou no consultório e disse] Hoje eu decidi que vou te contar tudo, não agüento
mais viver, com tudo isso dentro de mim, me sufocando.
T - Fale o que está te sufocando.
Lara - Quando eu era criança aconteceram coisas que eu não gosto de lembrar, mas que
ultimamente estão me atormentando.
T - Que coisas são essas ?
Lara - Você sabe que a minha mãe morreu eu só tinha 6 anos.
T - Sim, eu sei.
Lara - Mas o que você não sabe como é que minha vida virou um inferno depois dessa
morte. É muito difícil para uma criança de apenas seis anos ouvir e ver a mãe (suja de
sangue) como eu vi. Minha mãe me fez prometer que eu iria ser forte e que cuidaria do
meu irmão para ela.
T - E você tem conseguido?
Lara - É isso, eu vivo para cuidar de todo mundo. Tenho que cuidar do meu irmão, da
minha avó. E até no meu trabalho, tenho que resolver tudo sozinha. Mas eu sei que sou
forte, consigo.
T - Como é ser forte o tempo todo?
Lara – [choro] Na verdade, eu finjo que sou forte, se fosse mesmo não estaria aqui assim,
do jeito que eu estou. Hoje, eu vejo que não entendia direito o que era um velório.
Lembro de como eu brincava, passando embaixo do caixão da minha mãe. Eu achava que
ela estava dormindo, que poderia se levantar a qualquer hora. Eu brincava com o meu
irmão. Tinha que cuidar dele, minha mãe me fez prometer. Mas eu não quero mais cuidar
dele. Não estou conseguindo cuidar nem de mim. Tem tanta coisa que eu gostaria de falar
para a minha mãe.
34
[2]
T - Lara, aqui está sua mãe, ela veio para te ouvir, conversa com ela agora.
Lara - Mãe, eu não consigo viver sem você, não consigo ser forte como você. Tento mas
não consigo cumprir tão bem o que você me pediu.
T - É, mãe, parece que seu pedido foi pesado demais para Lara, ela só tinha 6 anos.
Lara [tomando o papel da mãe] - Mas eu só podia contar com ela, eu estava para morrer,
e sabia que meu marido não teria suporte para cuidar de duas crianças. Eu precisava que a
Lara cuidasse do irmão para mim.
T – [fala para Lara no papel da mãe] Mãe, percebe que a Lara está querendo ser absolvida
da promessa que fez?
Lara - Eu não quero mais cuidar de ninguém, eu quero cuidar um pouco de mim.
T - Percebe que você não está querendo mais cumprir o que prometeu para sua mãe?
Lara - Sim, e estou espantada com isso.
T - Como está se sentindo ?
Lara - Bem.
T - Podemos ficar por aqui, então.
Lara - Sim, até semana que vem.
Compreensão Terapêutica
2
Técnica da cadeira vazia: propicia ao paciente a possibilidade de confrontar partes opostas de conflitos internos
ou pessoas com quem se tem algo a acertar (CUKIER, 1992).
3
Tomada de papel: técnica em que o paciente ocupa o lugar de outro personagem ou outro papel, expressando o
mais parecido com ele.
35
Quando criança foi lhe delegado, pela mãe, o papel de cuidadora, deixando de vivenciar,
naquele momento, sua fase criança. A psicoterapia psicodramática veio para romper com toda
essa rigidez e proporcionar-lhe a chance de vivenciar outros papéis.
Ao final da sessão, Lara percebeu que vivendo para cuidar dos outros e não
conseguia cuidar de si própria, deixando de ser espontânea e criativa. Moreno (2003) afirma
que a espontaneidade-criatividade são recursos inatos, fundamentais para o desenvolvimento
saudável do homem. Nesse sentido, ela se permite ressignificar seu potencial espontâneo-
criativo.
Relato da 26 º sessão
Nessa sessão, Lara chegou muito ansiosa e irritada, falando de uma briga que
havia tido com sua patroa. Esta havia gritado com ela e ela não havia conseguido se defender,
como se fosse obrigada a aceitar tudo calada. É nesse momento que a terapeuta convida Lara
para que montem essa cena.
A terapeuta se levanta e convida Lara: “Vamos”. Ambas levantam-se e começam
a caminhar pela sala. Percebendo que Lara já estava muito aquecida para a cena, solicitou-lhe
que montasse a cena que havia descrito.
Lara montou a cena com as almofadas4 (de tamanhos e cores variadas) que
estavam dispostas sobre o tapete. Colocou primeiro a patroa, depois ela e duas outras
funcionárias do local.
[3]
T - A cena é essa mesmo?
Lara - Sim.
T - Como está se sentindo olhando, agora para essa cena?
Lara - Pequena, como algo insignificante.
T - Toma aqui o seu papel, entre no seu lugar e me diga como se sente?
Lara - Me sinto estranha, não gosto que as pessoas fiquem me olhando.
T - Quem está te olhando?
Lara - Elas [aponta para as duas almofadas à sua frente]. Elas estão vendo a minha patroa
brigar comigo. E isso eu não admito, porque eu não fiz nada de errado. Eu só queria
ajudar.
T - O que você fez?
Lara - A Mariana5 queria que eu descontasse o dia de serviço de uma funcionária que
chegou atrasada e eu não quis, foi um atraso tolerável.
T - Tolerável para quem?
Lara - Para mim! Uai! A Mariana é muito má.
4
São objetos utilizados em psicoterapia individual, para demarcar posições de objetos ou pessoas presentes,
simbolicamente.
5
Nome fictício utilizado para preservar o anonimato da patroa da paciente.
36
A paciente pega uma almofada bem grande, a maior da sala e coloca numa
posição de destaque em relação a ela.
[4]
T - Como está se sentindo em relação a sua mãe?
Lara - Cobrada
T - Cobrada como?
Lara - Minha mãe era uma mulher bonita, vaidosa, trabalhadora e acima de tudo forte,
minha mãe era uma mulher muito decidida.
T - E você, como é?
Lara - Eu tento ser como minha mãe, mas nem sempre eu consigo.
T - O que você consegue Lara?
Lara - Não sei, só sei que não chego aos pés, da minha mãe.
T - [Nesse momento, realiza o duplo6 da paciente] Eu tento ser forte como a minha mãe, o
tempo todo preciso ser forte mas eu não consigo ser como ela, eu não preciso ser como
ela.
Lara - É isso mesmo sempre quero ser melhor. Ser forte!
T - Será o que sua mãe acha disso?
A terapeuta solicita-lhe que tome o papel da mãe e pergunta a ela o que acha da filha:
[5]
Lara - [no papel de mãe] Acho minha filha muito sofrida, ela vive para os outros, não foi
isso que eu sonhei para ela.
T - O que você sonhou para sua filha?
Lara [no papel de mãe] - Que ela fosse uma mulher bonita forte e decidida, para que
ninguém pudesse duvidar da sua capacidade.
T - Você conseguiu o que queria?
6
Duplo: possibilita ao paciente entrar em contato com sua emoção não-verbalizada e, às vezes, até mesmo não
consciente, para que este possa expressá-la.
37
Lara - [no papel de mãe] Não, infelizmente fiquei doente e fui embora muito cedo,
deixando a Lara desprotegida e cheia de responsabilidades. Queria ter ensinado mais a
minha filha.
Nesse momento, a terapeuta solicita à mãe que diga algo que Lara gostaria de
ouvir naquele momento tão difícil:
[6]
Lara [no papel de mãe] - Minha filha, tudo o que eu quero é que você seja feliz, ser forte
é uma conseqüência dos seus atos, eu quero que você seja feliz, seja feliz.
[A terapeuta, nesse momento, pega Lara pela mão e pergunta como ela está se sentindo]
Lara - Aliviada, leve, parece que saiu um bloco de concreto das minhas costas.
T - Como foi ouvir sua mãe?
Lara - É como se a minha mãe ainda estivesse entre a gente.
T - É essa a sensação que você tem?
Lara - Eu já te falei, embora já tenham se passado mais de 20 anos, eu ainda não consegui
me desligar da presença física da minha mãe, eu era criança quando ela morreu e, mesmo
assim, ainda sinto o cheiro do perfume dela.
T - Então podemos encerrar essa cena?
Lara - Sim.
T - Ok! Então até a semana que vem.
Compreensão Terapêutica
Nessa sessão foi possível perceber que Lara apresenta muita dificuldade de se
impor, o que vem prejudicando-a. Falar o que pensa e sente causa sofrimento, como tudo em
sua vida, porém, refere-se a si própria como uma pessoa forte, que não vai se deixar abater.
A terapeuta utiliza, nessa sessão, da técnica do duplo para que a paciente entre em
contato com sua emoção não-verbalizada, expressando seus sentimentos de dor, tristeza e
raiva diante da perda da mãe. De acordo com Kovács (2002), a morte como perda fala de um
vínculo que se rompe de uma forma irreversível, sobretudo quando ocorre a perda real e
concreta. Na questão da morte estão envolvidas duas pessoas: uma que é perdida e a outra que
lamenta e sofre com essa perda, pois um pedaço seu que foi perdido.
De acordo com a teoria moreniana, a criança necessita de um ego auxiliar7 para
que consiga sobreviver: “Assim como algumas crianças precisam de ajuda para nascer,
também necessitam de auxiliares para comer, dormir ou deslocar-se no espaço a sua volta”
7
Ego auxiliar: “o ego-auxilar tem duas funções – a de retratar papéis e a de guia. A primeira função é a de
retratar o papel de uma pessoa requerida pelo sujeito; a segunda função é a de guiar o sujeito, mediante o
aquecimento preparatório, para suas ansiedades, deficiências e necessidades, com o objetivo de orientá-lo no
sentido da melhor solução de seus problemas” (MORENO, 2003, p. 109).
38
(MORENO, 2003, p. 109). Embora Lara tenha perdido sua mãe (primeiro ego-auxiliar) cedo
demais, ela internalizou a idéia de que precisava ser forte como a progenitora.
No decorrer dessa sessão, percebeu que, embora sinta muita falta da mãe, não tem
a obrigação de cumprir o que foi pedido. A tomada de papel propiciou à paciente se imaginar
no lugar de sua mãe, refazendo um contrato interno e libertando-a da obrigação de cuidar de
tudo e do irmão. Para Lara foi gratificante passar por esse momento, pois percebeu que não
tem a obrigação de ser forte, de cuidar de tudo e que pode sim ser feliz.
Lara parece ter passado toda sua vida tentando provar para ela e para o mundo que
conseguiria ser forte, porém sempre se viu em um contexto onde não lhe era permitido
manifestar sua espontaneidade, dificultando, assim, o desempenho de seus papéis. Agora,
durante o processo de psicoterapia, está se permitindo mais, treinando sua espontaneidade-
criatividade.
Lara chegou para a sessão dizendo que se sentia bem, que estava conseguindo se
colocar mais em relação às pessoas, porém que estava tendo insônia, estava com dificuldade
para dormir e havia ficado pensativa sobre a sessão anterior, na qual foram trabalhadas as
possibilidades para superação da sua dor.
Segue o diálogo:
[7]
T - O que precisamente te deixou pensativa?
Lara - O fato de saber que existe a possibilidade de eu conseguir superar minhas
dificuldades.
T - Como assim?
Lara - Estou cansada de tudo, principalmente dessa solidão que sinto, dessa falta de
carinho, queria tanto ser “ninada” um pouco. Preciso de carinho.
T - Que tipo de carinho?
Lara - Da minha família, queria tanto ter uma família normal, pai, mãe e irmãos. Estou
cansada dessa vida que levo.
T - Que vida é essa? Me mostra.
Nesse momento, a terapeuta convida Lara para caminhar pela sala com o intuito
de aquecê-la para a ação dramática. Percebendo que a paciente já estava aquecida, a terapeuta
lhe pede para montar a cena:
39
[8]
Lara - Vou trazer meu pai e minha mãe [pega três almofadas, uma grande para
representar a mãe, uma pequena para o pai e uma de tamanho mediano para representá-
la].
T - Escolha um dos papéis para você tomar.
Lara [toma o papel da mãe e diz] - Estou aqui minha filha.
T - Lara, sua mãe está aqui disponível, o que você quer falar para ela?
Lara - Sinto muito a sua falta mãe, do pai também, mas sua sinto mais, sinto falta do
carinho de mãe, alguém para acariciar meus cabelos [enquanto diz, acaricia o próprio
cabelo]. Eu sei que se a senhora estivesse aqui estaria cuidando de mim.
[A terapeuta faz, nesse momento, um duplo da mãe] - Minha filha você precisa aceitar
que eu não estou mais aqui junto de vocês.
Lara [toma o papel da mãe] - Me perdoa filha, por ter deixado você.
Lara - Mãe, eu que tenho que te pedir perdão, por não te deixar descansar em paz [choro].
T - Lara, você quer dizer mais alguma coisa para sua mãe?
Lara - Não, acho que já disse tudo!
T - Como é que você está agora?
Lara - Bem, tranqüila. “O que eu queria mesmo era ter uma mãe”.
Compreensão terapêutica
partir de outra ótica, retornando, logo em seguida, à sua própria. Com isso, acaba produzindo
alterações sutis de consciência, provocando bem estar.
Lara começou a tomar consciência que não poderá mais esperar pelos carinhos de
sua mãe, que precisará lançar mão de toda espontaneidade possível no momento para que
possa começar a dar respostas adequadas quando solicitada. Moreno (2003) propõe a
existência de um homem espontâneo ao deixar de lado os padrões estereotipados e
automatizados de viver. Com isto, seria possível agir com mais conveniência nas situações
novas, encontrando respostas que atendam tanto às solicitações da vida, como também às suas
próprias necessidades.
A paciente chegou à sessão sorrindo, bem cuidada e muito falante. Relatou que
estava muito feliz, pois havia conseguido dizer para o irmão que não iria mais ficar cuidando
dele, que ele era adulto e que se quisesse se cuidar procurasse sozinho o tratamento adequado.
Compartilhou com a terapeuta que estava muito feliz porque essa foi a primeira
vez que havia conseguido falar o que sentia para o irmão sem se sentir culpada depois. Nessa
sessão foram trabalhados os motivos que Lara tinha para deixar de se sentir culpada. A sessão
foi encerrada com a paciente agradecendo por estar descobrindo que pode sim ser uma nova
mulher.
Compreensão Terapêutica
percebendo que não só seria possível como também necessário. Através desse trabalho
poderia começar a dar um novo significado à sua vida.
Assim, considerando o já dito, apresento, a seguir, uma parábola budista, Grão de
Mostarda, citada por Perazzo (1986, p. 58):
Conta que uma mulher, tendo aos braços o filho morto, acorre a Buda e suplica que
o faça reviver. Buda lhe diz que consiga em qualquer casa alguns grãos de mostarda,
que devolverão a vida à criança. No entanto esses grãos terão que ser obtidos numa
casa onde nunca ninguém morreu. Esta casa não é encontrada pela mãe e ela
compreende uma das lições fundamentais do budismo: a de ter que contar sempre
com a morte.
REFERÊNCIAS
KOVACS, M. J. Educação para a Morte: Temas e Reflexões. São Paulo: Casa do Psicólogo,
2004.
PARKES, C. M. Luto: estudos sobre a perda na vida adulta. São Paulo: Summus, 1998.
PERAZZO, S. Descansem em paz os nossos mortos dentro de mim. 2. ed. Rio de Janeiro:
Francisco Alves, 1986.
WERLANG G.; OLIVEIRA, S. (Orgs.). Temas em Psicologia Clínica. São Paulo: Casa do
Psicólogo, 2006.
WORDEN, J. W. Terapia do luto: um manual para profissional de saúde mental. 2. ed. Porto
Alegre: Artes Médicas, 1998.