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Verde que te quero ver

Reginaldo Marinho
Na década de sessenta, o escritor José Américo de Almeida havia chegado com bastante antecedência para uma cerimônia
na Reitoria. Wilson Marinho e outros professores presentes tiveram a iniciativa de convidá-lo para ver a cidade do alto do
prédio da antiga Reitoria da UFPB, no centro da cidade.

O homem permaneceu calado por muito tempo. Olhava calmamente de um lado e de outro da cidade. Dali podia avistar
Cabedelo, do lado esquerdo, Tambaú bem à sua frente e o Cabo Branco à direita. A mata do Buraquinho, para onde estava
sendo transferida a UFPB, se destacava naquele cenário. Tudo verde. As casas se perdiam no meio dos quintais
arborizados. Depois de uma longa observação ele disse: “João Pessoa é mais vegetal do que urbana.” José Américo
prenunciou o destino de João Pessoa, uma cidade construída para ser verde.

A cidade crescia. O êxodo rural decorrente da pobreza no campo e da ausência de políticas públicas eficientes, para
manter o homem em seu meio e fortalecer a economia rural, resultou no inchamento das capitais; João Pessoa sofreu essa
pressão migratória, expandindo suas fronteiras.

A idéia de fazer estas fotos está desvinculada de qualquer estudo ou proposição sociológica, arquitetônica, histórica ou
mesmo turística. Ao fazer essas imagens, tive a intenção de registrar em fotografias o que as minhas retinas fixaram em
meu olhar desde a infância e, agora, quero compartilhar com você o que os meus olhos vêem. São imagens que evocam um
tempo romântico, em que a gente tinha prazer e liberdade de andar pela cidade, de sentir cada rua, cada ladeira e
apreciar cada monumento dessa preciosa urbe. São fotos da Lagoa, da Bica, do Varadouro, do Cabo Branco, da Arte Sacra,
do Sanhauá...

Um passeio visual pela cidade que se estende entre o rio Sanhauá e o oceano Atlântico é apaixonante. O patrimônio
histórico nos remete a um tempo longínquo que sugere a dimensão da nossa capacidade de criar nas várias linguagens
artísticas, tudo com muita qualidade; com destaque para o barroco rico em preciosos ornamentos encontrados na
arquitetura religiosa. Os edifícios compostos pelos conjuntos do convento de Santo Antônio e igreja de São Francisco, o
convento e igreja de São Bento e o conjunto Carmelita são monumentais. Sem qualquer disciplina, atendi apenas aos meus
sentimentos. Às imagens desse repertório latente somam-se às mais modernas, com a inclusão dessa rica arquitetura
contemporânea que se faz na Paraíba. Confesso que esse trabalho se transformou em puro deleite, é isso que pretendo que
você experimente agora. Aprecie essa cidade.
Pela Geografia, a Ponta do Seixas é o ponto mais oriental da América. Bem ali no quintal de Marcus Aranha. Um lugar sagrado
que ainda guarda as emanações telúricas de Atlântida, o continente lendário perdido nos confins do oceano. Esse marco
geográfico, teoricamente, aproxima a Paraíba da África e da Europa. Um território que convida à meditação e contemplação,
embaladas pelo sopro suave dos alísios, as folhas dos coqueiros cantam os seus mantras que nos fazem viajar pelos universos
ancestrais.

Entretanto, a alguns metros dali na direção Norte e outros a Oeste, surge o monumento natural que simboliza a capital da
Paraíba, a terra dos Tabajaras. Constituído de argilas e areias multicoloridas, o Cabo Branco avança bravamente sobre o mar e o
continente se derrama suavemente no oceano Atlântico.

O Cabo Branco enriquece o imaginário paraibano. Uma falésia atrevida que desafia a força das marés e impõe uma beleza
plástica rara, que diferencia a paisagem urbana daqui das outras capitais brasileiras. A falésia é soberana e a força mágica que
emana de seus minerais fortalece a têmpera do caráter paraibano.

Coberta por seu manto verde, a falésia acompanha a orla por alguns quilômetros, uma paisagem que deve ser preservada para
sempre, assegurada por dispositivo da Constituição do Estado, um patrimônio paisagístico que a natureza nos oferece
generosamente. O convite à meditação é irrecusável. Daquele templo natural, a nossa mente navega entre oceanos e
civilizações, sem precisar tirar os pés do chão.

De sua parede argilosa brotam cores que tingem harmoniosamente esse singular monumento da terra, uma pintura viva e
dinâmica que se altera com as intervenções das marés desde o começo de Universo. Fala-se em projetos fabulosos para
interromper esse processo natural e espetacular que a natureza nos ofereceu, cujo único tributo que ela cobra é o respeito pela
sua preservação que seria prejudicada por qualquer dessas sandices.

A cada dia ficam mais evidentes os grandes desatinos praticados em nome do progresso que deixa atônita toda a humanidade.
Permita que o Cabo Branco interaja com a sua natureza, pise naquele chão e sinta o cheiro do mar. Se perca por alguns
momentos em seu próprio universo.
Até a década de 50, a praia de Tambaú era praticamente um bairro de veraneio. As famílias com maior poder aquisitivo tinham
uma casa no centro e outra em Tambaú para passar as férias. As praias de Cabedelo eram mais usadas por famílias de outras
cidades. A partir da década de 60 e 70 esse hábito começou a mudar e algumas casas foram sendo construídas para uso
definitivo. Nessa mesma época, o arquiteto Acácio Gil Borsói radicado no Recife influenciou bastante as tendências e as
construções residenciais daquela época. Era o modernismo que encontrava abrigo no gosto paraibano, embalado pela
consolidação arquitetônica na construção de Brasília.

Mário Glauco di Láscio, Carlos Alberto Carneiro da Cunha, Leonardo Stuckert Filho e Roberval Guimarães tiveram atuações
destacadas. Quase todas as residências dessa fase se encontram totalmente descaracterizadas, em sua maioria abrigando
estabelecimentos comerciais. Como essas alterações agridem os projetos originais, tornando-os absurdamente feios,
irreconhecíveis.

A vocação residencial de Tambaú fora descoberta. Mais e mais famílias passaram a adotar as casa de praia como residência
definitiva e a arquitetura modernista foi avançando em direção da orla. Foi um rico período. Belas casas foram construídas à
beira-mar. As residências que conservam o seu estilo original permitem a observação de uma arquitetura que considerava a
integração ambiental como fator essencial, percebe-se a intenção de aproveitamento da luz e da ventilação litorânea. O uso de
geometrias arrojadas, grandes vãos com confortáveis varandas e colunas em formas de “V” deixaram uma marca inconfundível
da época, tendo Brasília como símbolo nacional desse estilo. Os móveis pés de palito acompanhavam esse estilo, arquitetura e
mobiliário falavam a mesma linguagem.

Somente nos anos 80, com a formação dos primeiros arquitetos da UFPB e o boom imobiliário de João Pessoa que a arquitetura
moderna paraibana ganhou as feições atuais. Os jovens arquitetos esbanjaram ousadia, particularmente nas cores. Observando-
se à distância, os edifícios da orla, percebe-se uma combinação cromática aleatória que resulta em um gigantesco painel de
efeito fractal. Certamente que a escolha dessas cores não é submetida a nenhum programa, pois os pontos de observação são
infinitos e o resultado é sempre alegre. Essa jovialidade arquitetônica multicor se amplia com a luz tropical incidente em todas
as estações. A arquitetura moderna paraibana é muito alegre e colorida, reflete a diversidade cultural e étnica presentes em
nossa sociedade.
O Parque Arruda Câmara, conhecido por Bica, localizado em Tambiá, a menos de quinhentos metros do centro da cidade, é uma
justa homenagem ao médico e botânico brasileiro Manoel de Arruda Câmara, nascido na cidade de Pombal, a mesma onde
nasceu outro ilustre paraibano o economista Celso Furtado, é um parque zoobotânico que abriga dezenas de animais em 43
hectares de Mata Atlântica.

Arruda Câmara que era um frade carmelita que estudou medicina em Montpellier na segunda metade do século XVIII e adotou os
princípios da Revolução Francesa de liberdade, igualdade e fraternidade, voltando ao Brasil fundou a primeira loja maçônica do
Brasil denominada Aerópago de Itambé. Ali, os ideais revolucionários germinaram com muita força eclodindo em seu seio a
Revolução de 1817. A contribuição científica e política de Arruda Câmara deixam uma marca indelével na História do Brasil.

A fonte do parque foi urbanizada na mesma época em Arruda Câmara atuava nos movimentos revolucionários de Pernambuco,
em 1782 a Provedoria da Fazenda Real autorizava a edificação da fonte que até hoje inspira os visitantes com a lenda de dois
apaixonados membros de tribos rivais. Aipé era filha do cacique potiguar que se apaixonou pelo guerreiro cariri Tambiá que foi
aprisionado e ferido de morte teve seus ferimentos cuidados por Aipé. Com a morte dele, Aipé teria chorado cinqüenta luas
sobre a tumba do amado e desse pranto nasceu a fonte Tambiá.

Não tem o glamour do Parque Trianon, em plena Avenida Paulista, ou do Central Park, em Nova York, mas Bica é sempre um
ambiente que desperta momentos românticos. Suas alamedas são percorridas por casais apaixonados absorvidos pela
cumplicidade da exuberante natureza. O ar puro liberado pela mata torna o passeio muito agradável, principalmente para as
crianças que se divertem com os animais selvagens de várias procedências em recintos limpos e seguros.

João Pessoa que já mereceu os títulos de Capital das Acácias, cidade mais verde, que abriga o ponto mais oriental da América,
agora, eu proponho Cidade dos Jequitibás. Essa árvore magnífica, símbolo da Mata Atlântica, cujo nome significa em tupi-guarani
gigante da floresta, tem um fuste que pode atingir 50 metros de altura. No perímetro urbano da capital vamos encontrar a maior
concentração dessa espécie em uma cidade brasileira. A mata do campus da UFPB abriga dezenas delas, a Mata do Buraquinho
mantém uma quantidade ainda maior dessa maravilha botânica. A Bica tem apenas dois exemplares, um deles tem um tronco
com dois metros de diâmetro no colo do caule.
A locação do convento da ordem franciscana foi privilegiada. Em seu terreno foi encontrada uma jazida de calcário com densidades
variadas, sendo uma delas muito densa, macia, com cristais finos, próprias para esculturas como descreveu o Frei Antônio de Santa
Maria Jaboatão, conservando a grafia original, em Crônicas dos Frades Menores da Província do Brasil, em meados do século XVIII:
“Nesta ...pedreira... do Convento se tirou, e tira, ainda que já hoje com algum trabalho de desmontar a terra pelos seus altos, toda
a pedra, assim de cantaria, como a mais, que He necessária a qualquer obra ou edifício. Consta de vários bancos, como explicão os
mestres da arte.

Do primeyro que se cobria ao principio, e pelas bayxas de pouca terra, e em muitas partes descuberto, se tira a pedra tosca, e dura
de alvenaria, do segundo outra menos áspera mas forte, de que se faz perfeita e forte cal, do terceyro cabeços para fortalecer as
paredes e do quarto a que serve para se lavrarem portaes, e outras semelhantes peças, não tão dura, e áspera, como as primeyras,
mas muito mais alva, sólida e Liza da qual se fazem lavragens.

Toda sérvio de grande conveniência e menos custo para as obras do convento que muito depois se levantou de novo, tirando-se de
dentro da sua cerca todo o material de pedra e cal e tãobem o saibro, que serve em lugar da areia, e He huã terra algum tanto
vermelha que depois de tirada alguã, se segue esta athe se dar com o primeyro banco da pedreira, e tudo isto se tira do terreno da
cerca, sem a moléstia de o pedir, e comprar fora.” Foi mantida a grafia original do documento.

O conjunto franciscano é sem dúvida o monumento mais notável e os que planejaram a obra trabalharam com a visão de
contemplação no grau mais elevado. Tem-se a sensação de que a igreja, com seus ricos adornos barrocos, tem o apogeu de
visualização com a passagem do equinócio de primavera. Até a passagem dessa efeméride, a luz solar não incide diretamente na
fachada principal do monumento, mas com a chegada da primavera, com a luz recortando os entalhes e os detalhes arquitetônicos,
aquela jóia da arquitetura ganha realce e esplendor. O imenso adro fica todo iluminado após o meio-dia. Na entrada, um de cada
lado, percebe-se os cães de Fo - Fo é um dos nomes de Buda nos idiomas falados na China - essas esculturas tradicionais, usadas como
guardiões dos templos budistas revelam a influência asiática na arquitetura religiosa portuguesa. Além dessa ligação com a Ásia,
podemos notar sobre os mesmos muros que limitam o adro, na união com a fachada frontal, uma máscara indígena de cada lado,
figuras representativas das etnias locais.

Uma curiosidade que convém destacar nessa obra magnífica é o crucifixo que fica no coro, esculpido ao modo renascentista,
representando Jesus com os pés separados, emoldurado por raios luminosos revestidos de folhas de ouro.
Fundada em cinco de agosto de 1585, a localização para a fundação da cidade atribuiu a Filipéia de Nossa Senhora das Neves
qualidades estratégicas. O lugar foi escolhido como se fosse para guardar uma pérola, longe dos olhos da cobiça. Distante 20
milhas da foz do rio Paraíba, numa curva do rio Sanhauá, o ponto foi definido. Ali deveria ser edificada a cidade. Um lugar cheio
de verde e florestas densas que se estendiam a Leste até o mar. Com uma topografia surpreendente, as colinas que antes
proporcionavam segurança; agora, as suas ladeiras oferecem uma ginga, com um movimento ondulado nas vias públicas e um
desenho, cheio de sinuosidades que quebra a monotonia de quem precisa transitar pela cidade.

A partir do Porto do Capim, a cidade foi subindo a colina e se projetou por uma faixa de terra plana que passa pela Igreja de
São Francisco, se estende até Cruz das Armas, de um lado, e do outro, esse altiplano acompanha a cidade em direção ao litoral
até a aproximação do rio Jaguaribe, quando ocorre a ruptura para voltar ao nível do mar. Esse desnível que existe nos bairros de
Miramar e Jardim Luna, oferece uma linda paisagem do mar. Foram escolhidos os pontos cardeais para a construção dos
conventos e igrejas das quatro ordens religiosas, exceto o conjunto carmelita, os três outros ocuparam localizações estratégicas
sempre na linha de ruptura do lado Oeste do altiplano, de onde os colonizadores passariam a comandar a cidade e observar o
movimento de embarcações pelo rio até Cabedelo.

Até a década de trinta, a cidade terminava em Cruz do Peixe, onde hoje se encontra a Usina Cultural da Energisa. A
implantação da Av. Epitácio Pessoa permitiu a ampliação urbana até o litoral, cuja consolidação só veio ocorrer nos anos oitenta
com a disparada da construção de edifícios. Os bairros litorâneos se firmaram e o Centro Histórico foi praticamente esquecido,
até que o ministro da Cultura Celso Furtado indicou a cidade de João Pessoa para sediar as comemorações do quinto centenário
do descobrimento da América, evento de grandes dimensões promovido pelo governo espanhol. Esse convênio resgatou a
importância do acervo histórico da cidade, trouxe nova leitura para a compreensão de nosso patrimônio histórico, cultural e
artístico.

A ocupação dos bairros litorâneos e o prolongamento urbano se expandindo na direção do município de Cabedelo é irreversível,
embora seja necessário o desenvolvimento de atividades no Centro Histórico para impedir o esvaziamento desse espaço tão
notável para a compreensão do passado e a valorização dos referenciais históricos que permitem enxergar a nossa condição
cultural e as perspectivas de nossa trajetória ancoradas na História.
A Lagoa, nome popular do Parque Solon de Lucena, é um dos emblemas da cidade. Uma depressão do altiplano que forma a
cidade de João Pessoa e se estende pelos bairros centrais. O local era conhecido por Lagoa dos Irerês, espécie de marrecos que
viviam ali até os anos 60. O alegre canto dessas aves “fi-fi-fi” ecoava pelo centro da cidade, foram cenas inesquecíveis. A Lagoa
era o centro de tudo. Antes que a cidade se expandisse em direção à orla, era ali que as paqueras ocorriam nas tardes
domingueiras.

Era um hábito romântico em uma província que não oferecia alternativas de lazer. Todas as tardes de domingo, após as sessões
de cinema no Cine Plaza ou Municipal os rapazes e as moças convergiam para a Lagoa. Eram momentos agradáveis de flerte e
sedução. Era na Lagoa que as paqueras das saídas de colégio se confirmavam e surgiam os namoros e casamentos.

Os mais afoitos “fugiam” e os pais obrigavam a casar, era muito diferente. Fugir era equivalente a ficar, com a diferença de que
ficavam definitivamente ou por longos anos. Quando a tarde terminava era a hora de esvaziar o local para outro público.
Chegava a hora de buscar outras alternativas que eram ora no jantar dançante do Clube Cabo Branco ou do Clube Astrea. Assim
era a vida da província que se repetia a cada domingo. Com a noite chegavam as mulheres que ofereciam prazer e sexo para os
mesmos rapazes que estavam antes com as garotas “de sociedade”.

Isso tudo faz parte apenas das lembranças de quem viveu nessa época. A Lagoa só perdia essa vitalidade quando chegava o verão
e as famílias mais abastadas que dispunham de residência de veraneio em Tambaú passavam a residir, temporariamente na
praia. A paquera era transferida para a calçadinha da praia. Na volta das aulas, todos retornavam e a vida de sedução voltava
para a Lagoa.

A Lagoa perdeu esse encanto, mas não perdeu a beleza. Um magnífico espelho d’água, quase natural, rodeado de palmeiras
imperiais e ipês-amarelos que conferem ao Parque uma beleza singular e que atinge o apogeu com a floração desses ipês. A
floração das cerejeiras no Japão é um fenômeno de rara beleza, mas não se aproxima da intensidade das flores do ipê, mesmo
assim o dia da floração das cerejeiras é, por tradição, feriado para que todos possam apreciar a esplendor da natureza.

Para a nossa sorte, as garças substituíram os marrecos e adotaram a Lagoa como o seu ambiente porque conseguem alimento nos
peixes que vivem na Lagoa. Elas emprestam a beleza de seus vôos ao local, enquanto não decidem recuperar esse valioso
patrimônio urbano. Para conservar essa paisagem é necessário que o recinto seja mantido sem os efluentes que podem alterar o
equilíbrio ambiental.
Legendas

Vista do Cabo Branco a partir da praia de Tambaú.

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