Você está na página 1de 2

ENTREVISTA A ALICE VIEIRA

Nascida em Lisboa, em 1943, Alice Vieira licenciou-se em Filologia Germânica


pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1958 iniciou a sua
colaboração no Suplemento Juvenil do Diário de Lisboa, e dedicou-se posteriormente
ao jornalismo profissional. Desde 1979 publica regularmente livros, tendo recebido,
nesse ano, o Prémio de Literatura Infantil Ano Internacional da Criança com Rosa,
Minha Irmã Rosa.
Recebeu, em 1983, o Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura Infantil pela
obra Este Rei que Eu Escolhi e, em 1994, o Grande Prémio Gulbenkian veio distinguir
a autora pelo conjunto da sua obra.
Lote 12, 2.º Frente, Chocolate à Chuva, A Espada do Rei Afonso, Graças e
Desgraças da Corte de El-Rei Tadinho, Flor de Mel, Águas de Verão, Viagem à Roda
do Meu Nome, Se Perguntarem por Mim Digam que Voei, Eu Bem Vi Nascer o Sol são
alguns dos títulos da obra de Alice Vieira, uma das mais importantes escritoras
portuguesas para jovens.
Recentemente escreveu Livro com cheiro a baunilha e, em 2008, publicou, na
colecção “Histórias Tradicionais Portuguesas”, Se Houvesse Limão, O Coelho
Branquinho e a Formiga Rabiga e ainda Livro com Cheiro a Caramelo.
Tendo ganho grande projecção nacional e internacional, várias das suas obras
foram editadas no estrangeiro.

Educação - Ao longo de muitos anos de contacto com os mais novos, em


encontros em escolas ou através das mensagens que lhe chegam, apontaria
diferenças no discurso e nas preocupações dos jovens leitores?
Alice Vieira (A.V.) - Comecei esta vida há trinta anos. Há trinta anos, os jovens
eram outros, eu era outra, o mundo era outro. Mas, de qualquer modo, tirando o acessório e
o efémero, há coisas que não mudam: as angústias, os medos, os sonhos, etc. E os meus
romances, para lá das estórias que relatam, é nesses sentimentos imutáveis que têm raízes.
Daí que os jovens continuem a ler hoje, por exemplo, Rosa, Minha Irmã Rosa, o meu primeiro
livro, escrito em 1979, pensando que eu o escrevi agora.
Educação - Os estudos realizados no âmbito do Plano Nacional de Leitura têm
revelado níveis razoáveis de leitura entre as crianças e os jovens portugueses. Crê
que estamos no bom caminho para incentivar o gosto pela leitura cada vez mais
cedo?
A.V. - A questão não é saber se eles lêem. Claro que, enquanto estão na escola, todos
eles lêem. A questão é saber se, uma vez terminada a escola, eles continuarão a ler. Será
que estes jovens leitores irão transformar-se em adultos leitores? Essa é que é, ainda hoje, e
apesar do optimismo dos números, a minha dúvida.
E temos sempre de batalhar para que os livros cheguem às crianças o mais cedo
possível. E o mais cedo possível não é quando elas entram na escola: é muito, muito antes.
Se calhar, ainda antes de nascerem… A música da língua, a voz que conta histórias, a história
contada antes de adormecer — é aí que se consegue plantar a semente do gosto pela leitura.
Educação - Crê que, em Portugal, a literatura infanto-juvenil é ainda vista
como um parente pobre da dita “grande literatura”?
A.V. - A situação está hoje bastante melhor, mas ainda não é a ideal. Por vezes ainda
lá vem a expressão “continuas a escrever para as criancinhas”… Ninguém diz “continuas a
escrever para os adultozinhos”, pois não? Os diminutivos deviam ser banidos dos dicionários!
Educação - Se “perguntarmos por si”, em tempo de concepção de uma nova
obra, como a veríamos nesse processo de criação?
A.V. - O meu processo de criação é o mais anárquico possível. Sento-me diante do
computador… e escrevo o que me vem à cabeça. Não tenho nunca um tema, uma história já
na ideia, nada. Tudo se processa à medida que vou escrevendo. A história vai-se
desenvolvendo à medida que as frases me saem dos dedos. Por isso apago imenso, mudo
imenso, transformo imenso. Ao contrário do que pode parecer, a minha escrita não me sai
com facilidade. E sou muito perfeccionista…
Acho que a literatura juvenil é literatura, e por isso tem de ter muita qualidade. Não
abdico disso. Se calhar é por isso que não tenho um rol imenso de títulos, se calhar é por isso
que demoro a pôr cá fora um romance… Paciência. Um romance – juvenil ou não – não é
uma pastilha elástica, que se masca, masca, até não saber a nada. Um romance – juvenil ou
não – deve ser capaz de desencadear leituras diferentes, emoções diferentes, de cada vez
que é lido. Por isso, um dos maiores elogios que me lembro de ter ouvido foi de uma jovem
leitora que, a propósito de ter lido três vezes, e em idades diferentes, o Chocolate à Chuva,
me dizia: “este livro parece que cresce comigo”.
Educação - Acredita que a Internet, como meio de divulgação e de leitura,
poderá motivar os jovens não só para a comunicação e o conhecimento mas
também e, em particular, para a escrita?
A.V. - Acredito que a Internet é um excelente auxiliar de trabalho – no dia em que os
professores ensinarem aos seus alunos como é que se trabalha um texto… É que copiar o que
vem na net e assinar por baixo é uma coisa muito feia que se chama “plágio”. E que é preciso
pensar pela nossa cabeça. E que isso dá trabalho.
A net pode realmente motivá-los – mas não pode ser o instrumento exclusivo dessa
motivação.
Educação - Para terminar, proponho um pequeno desafio: como imaginaria,
muitos, muitos anos, após a “revolução digital”, naquela que seria uma história
tradicional, a Internet contada aos mais pequenos?
A.V. - Não faço a mínima ideia, mas muito possivelmente começaria assim: “Era uma
vez, no tempo em que os homens falavam…”.
Entrevista de Alexandra Aguiar
Maio de 2008

Você também pode gostar