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Kurt Pahlen colt eh KURT PAHLEN HISTORIA UNIVERSAL DA MUSICA Traducgéo de A. Della Nina 5.2 Edicaéo Revista e anotada pelo Dr. JOSE DA VEIGA OLIVEIRA Membro efetivo da Associagio Paulista de Criticos Teatrais e do Instituto Brasileiro de Filosofia Critico musical e de discos classicos do ‘‘Suplemento Literdrio’’ de “O Estado de Sao Paulo”, ‘‘Divulgacgio’’, ‘‘AABB Bandeirante", ‘‘Misica’’ Ex-critico de ‘‘Anhembi”’ é EDIGOES MELHORAMENTOS Prefacio Mostra-nos Paul Bekker que o ano de 1750 constitui uma “cesura na historia da musica e na historia da literatura do século. H4 uma geracdo de grandes artistas que produz suas obras antes de 1750 e, uma outra, que as produz sensivelmente depois; as duas geracg6es se acham na relacgio de idade de avdés para netos”, FE 1750 o ano da morte de Bach, de quem se pode dizer que estatui, na pratica, os fundamentos da linguagem harmonica, a cuja evolucgdo e conseqiiente dissolucao atonal assistimos, no decorrer de dois séculos. Vir, portanto, desde os primdérdios da musica, e mesmo da pré-histéria musical, como Kurt Pahlen, neste seu livro, para atingir os Apices bachianos, e continuar até os tempos modernos — equivale a surpreender o longo processo histérico que culmina em fazer precipitar, entre as margens rigidas da tonalidade, caracterizada por um sé tipo de escala, 0 rio da musica, sempre vdrio, onde o nosso espirito se abebera; e o vemos, por fim, des- pencar, tumultuoso, em saltos e diregdes imprevisiveis, talvez para ganhar, no fu- turo, novos leitos mais tranqitilos. E vasta, portanto, essa visio panoramica que Kurt Pahlen nos oferece, e nao ne- cessariamente revestida de complexidade progressiva, pois lanca éle a sugestiva hi- potese de que talvez ocorresse ja a pratica da polifonia em civilizagdes recuadas, cuja musica, na realidade, desconhecemos, mas cujos meios de fazer musica eram extraordinariamente ricos. Se éste livro de Kurt Pahlen, ao condensar os fatos que se encadeiam da Histéria da Musica, permite concebé-la como tendo em Bach um marco limitrofe — do qual, desde ent&éo, se vem afastando, sempre com maior intensidade, também nos concede o direito, ao dar balanco 4 enorme série de material que aqui se ordena — material de diversidade estonteante, como é prdéprio da substancia da Histdéria, e colorido, por vézes, de vivos tragos de pitoresco — de buscar novos angulos para o espetdculo das metamorfoses continuas da cultura da musica, através dos tempos. Entre os varios sentidos que se desprendem do curso histérico ha também o que nos faz caracterizar a musica, nado sé dos primitivos, mas de tédas as culturas que evolveram até o século XVIII, como atividade eminentemente interessada; sé depois de Bach é que atinge a gratuidade artistica; e embora, a partir de Beethoven, se reforce ao extremo sua repercussao social, trata-se, sempre, de manifestagdes artfs- ticas puras, que comovem, afetivamente, pelo influxo estético da beleza. Houve, sem duvida, antes de Bach, muita musica que hoje qualificariamos de pura. E depois de Bach tem havido muita musica que persegue objetivos extramu- sicais. Esquematica que seja, mas no arbitrdria, aquela linha que se desprende do contexto histérico nao deixa, por isso, de indicar um dos grandes rumos que a musica vem seguindo, no transcurso dos séculos. E é significativo que Bach, voltado para o passado, o arauto do futuro, retina ésses dois aspectos: o de consagrar sua obra a Deus e de representar, hoje, um modélo, pela férca abstrata das suas cons- trugdes, do musico puro por exceléncia. Uma questéo excessivamente controvertida da musica, de fato, tem sido a do seu conteudo expressivo — quanto 4 possibilidade ou nao de o definirmos com clareza. Ha4 os que consideram parasitaria téda a significagéo emocional da musica, suscetivel de formular-se verbalmente: proclamam que a musica vale e deve ser aceita sé pelo puro prazer da contemplagéo sonora. Ha, ao contrario, os que estabelecem com a musica téda a sorte de paralelos, nado sé verbais, ou seja, literdrios, mas até com as céres, € mesmo com os perfumes, como no caso de Baudelaire... Essas analogias sido, por vézes, irrecusaveis, ou, ao menos, sugestivas. Parece-me, no entanto, que as duas opinides contrarias podem conciliar-se em um certo plano, pois um equivoco total existe em pretendermos que a musica represente diretamente determinados senti- 5

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