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Rita de Cássia Cavalcante Lima

TRAÇOS DO MARXISMO OCIDENTAL

Trabalho final da Disciplina


Paradigmas de Análise de
Conjuntura do Curso do Doutorado
da Escola de Serviço Social da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro.

Professor: José Paulo Netto

Rio de Janeiro
Maio de 2007

0
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 02

1. ANTECEDENTES DO MARXISMO OCIDENTAL ........................................................ 04


1.1 Tradição clássica do marxismo ....................................................................... 05
1.2 Primeira e segunda gerações do marxismo .................................................... 07

2. TRAÇOS DO MARXISMO OCIDENTAL ...................................................................... 13


2.1 MARXISMO E PSICANÁLISE: A ESCOLA DE FRANKFURT ........................ 15
2.2 DA EPISTEMOLOGIA À ONTOLOGIA EM LUKÁCS: A QUESTÃO DO
MÉTODO .......................................................................................................................... 22

CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................. 26

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 30


Hemerografia ........................................................................................................ 30

1
1. INTRODUÇÃO

O presente papper vem atender a exigência de avaliação da disciplina eletiva


Paradigmas de Análise de Conjuntura (SSP 716), ministrada em 2005.2, no Curso do
Doutorado da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), a qual teve como eixo de debate o
marxismo ocidental – os possíveis traços que particularizam a história dessa tradição e a
produção teórica de alguns de seus principais expoentes.
O amplo espectro dos autores e temáticas abordadas no âmbito do marxismo no
Ocidente a partir da Revolução de Outubro, em meio às restrições estruturais que estarão
se conformando no período entreguerras, através do stalinismo e do fascismo, implicarão
em um conjunto de traços heterogêneos para o que Anderson trata como tradição do
marxismo ocidental. Serão esses traços o objeto deste papper, dando-se especial ênfase
à conjuntura histórica daquele período até as duas décadas após a 2ª Guerra Mundial; a
discussão do marxismo ortodoxo com Lukács, um dos protagonistas centrais do
marxismo ocidental e, ainda, outra expressão dessa tradição o Institut fuer
Sozialforschung, de Frankfurt, reunindo a partir de 1930, pesquisas sob o substrato
marxista e freudiano.
O interesse por essas ênfases – conjuntura histórica; discussão do método em
Lukács e da subjetividade com a Escola de Frankfurt – se deu considerando a
possibilidade de sistematizar, ainda que, de forma exploratória, dados sobre a história de
parte das preocupações do marxismo no século XX, em meio ao desenvolvimento
capitalista que encontrava meios para entrar em uma onda longa de estabilização no pós
2ª Guerra Mundial, declinando as expectativas deterministas sobre a queda eminente do
capital.
A opção por aprofundar o estudo da lógica dialética e da totalidade como requisitos
do método marxiano, através de Lukács, faz-se mister já que esse autor ao evocar Hegel
como referência de Marx, identifica um dos pilares centrais para as dimensões
gnosiológica e histórico-ontológica1 da obra marxiana, cujo percurso também é
confirmado pela tradição marxista.

1
Coutinho (1996) discorre sobre as dimensões gnosiológica e histórico-ontológica ao tratar das questões de
método, e sua condição em Marx de construir as múltiplas determinações através do processo de elevação do
abstrato ao concreto. Esse processo conteria as duas dimensões: a gnosiológica, referente ao nível maior ou
menor de abstração conceitual no qual se situa o pesquisador para analisar o seu objeto; e a histórico-
ontológica, referente ao maior ou menor grau de complexificação da própria realidade objetiva com a qual o
pesquisador se confronta (pp. 14).

2
Como se sabe, Marx (na trilha de Hegel) concebe a dialética como um
método de articulação categorial que procede mediante a elevação do
abstrato ao concreto, do menos complexo ao mais complexo; essa
elevação tem como meta a construção progressiva de uma “totalidade
concreta”, de uma “síntese de múltiplas determinações”, na qual as várias
determinações abstratas (parciais) aparecem repostas e transfiguradas na
totalidade que as mediatiza e, precisamente por isso, as concretiza.
(Coutinho, 1996: 14).

Essa atenção ao método já foi objeto do papper de minha autoria, intitulado O


problema da objetividade científica na teoria social: a questão do método (2006, mimeo),
o qual revisou de forma exploratória autores clássicos das linhas do pensamento das
Ciências Sociais, delimitando suas principais diferenças quanto ao método em pesquisa,
porém, sem ainda trabalhar com parte da produção de Lukács. Como intenciono ancorar
a pesquisa do Doutorado no método marxiano e esse autor também é central para se
apreender os principais traços do marxismo ocidental, dentre esses a preocupação com o
método, considero oportuno sua recuperação neste texto.
Por fim, a difícil interlocução entre marxismo e psicanálise, iniciada com o
movimento freudo-marxista dos anos de 1920 a 30, o qual, de certa forma, foi
contemporâneo ao trabalho teórico da Escola de Frankfurt, parece-me igualmente
relevante. Pode-se afirmar que a motivação para incluir de forma introdutória elementos
do debate do Institut fuer Sozialforschung, foi influenciada por dois eventos: primeiro, o
curso de outra disciplina eletiva nomeada Tópicos Especiais em Processos Culturais
(SSM 740) – Cultura e Subjetividade – também em 2005.2, no Curso de Doutorado da
ESS/UFRJ, cuja ementa aludia uma das tematizações que se tornará problema para o
marxismo ocidental já no período entreguerras:
Introdução histórica panorâmica ao campo das teorias de subjetividade e
das abordagens psicossociais modernas e contemporâneas,
particularmente em relação ao processo histórico de formação e ao debate
entre as teorias do inconsciente, o pensamento de Marx e aos
desdobramentos posteriores no campo do marxismo ocidental (UFRJ /
Pós-Graduação em Serviço Social, 2005.2).

Quanto ao segundo evento, refere-se à própria construção do objeto da pesquisa


do Doutorado, que requer, orientado pelo método marxiano, construir o problema drogas
como fenômeno moderno, portanto, histórico, no qual entrecruzam lógicas de natureza
complexas: econômica, geopolítica, antropológica e, de forma transversal, subjetiva. Se
por um lado há uma requisição no plano gnosiológico e histórico-ontológico, a partir de
Marx, de articular dialeticamente os momentos parciais de abstração oriundos da análise

3
do modo de produção e seu exame particular com as determinações mais concretas que
resultam do exame da formação sócio-econômico e política enquanto nível mais
complexo da totalidade societária2 (Coutinho, 1996:15), o problema drogas nesse circuito
anuncia profundos desafios. Um deles poderá ser a interface do debate entre abordagens
do marxismo e outras que tratam da subjetividade – esta como elemento categorial e,
portanto, concreto na realidade objetiva.
Parece-me, então, que o esforço em dialogar com áreas do conhecimento distintas
– marxismo e psicanálise, por exemplo, inaugurado com o freudo-marxismo – será um
dos recursos metodológicos ao longo da pesquisa do Doutorado para uma aproximação
das múltiplas determinações atuais do problema drogas, o qual, inclusive, recebe forte
aporte de linhas da psicanálise. Esta será uma posição assentada na defesa do
pluralismo, porém, atenta a não incorrer nos riscos aparentemente mais confortáveis do
ecletismo.
Assim, o debate entre as diferentes teorias e paradigmas não pode se
restringir aos dilemas internos da produção do conhecimento e das
ciências, mas deve ampliar-se no sentido de explicitar claramente esses
diferentes interesses e projetos subjacentes a cada teoria, paradigma ou
projeto de pesquisa particular. Só assim as diferenças ganham plena
inteligibilidade de um posicionamento mais crítico e consciente de suas
implicações. (Vasconcelos, 2002: 55).

1. ANTECEDENTES DO MARXISMO OCIDENTAL

De forma mais sistemática, podemos observar o esforço de se apreender uma


possível tradição para o marxismo desenvolvido no Ocidente após a Revolução de 1917
com Merleau-Ponty (1955), em seu texto Les aventures de la dialectique; Merquior (1989),
em Western marxism, e na língua portuguesa, o livro de Anderson, Considerações sobre
o marxismo ocidental, também, com primeira edição em 1989. As tentativas de se realizar
um balanço histórico da unidade do marxismo ocidental por esses autores se deram em
meio às profundas dificuldades para precisar qualquer identidade sobre o termo.
Maurice Merleau-Ponty (1908-1961), filósofo de formação fenomenológica, sob
influência de Husserl, trará o termo marxismo ocidental, e será um dos responsáveis por
2
As obras de Caio Prado Jr., Florestan Fernandes e Octávio Ianni são referências fundamentais para apreensão
do que se pode chamar de determinações concretas no estudo da formação sócio-econômica e política
brasileira. Sobre essas e com essas determinações, a pesquisa de temas atuais e próximos ao Serviço Social
brasileiro como seguridade social, controle social, movimentos sociais, família, etnia, gênero, fundamentos e
historiografia da profissão etc. ganham níveis de complexificação, que permitem do ponto de vista categorial
reproduzir no âmbito reflexivo o movimento que tem sua origem e dinâmica primariamente no próprio objeto.

4
sua publicização na década de 1950. Já Perry Anderson, historiador, analisou o marxismo
ocidental como uma tradição, através de Lukács, Gramsci, a Escola de Frankfurt; os
estruturalistas franceses e pós-estruturalistas, dentre outros. Ele a conceberá como uma
sofisticada elaboração teórica, porém, sem ser produzida e acompanhada por uma prática
política de massa a partir dos idos de 1920, gerando no marxismo uma fratura entre a
teoria e a prática política revolucionária. Nesse mesmo autor é possível encontrar as
divergências internas e históricas dessa tradição, quando ele cita os exemplos de Rosa
Luxemburgo e Gramsci, ambos com trabalho teórico e com militância política
relacionados. Quanto ao texto de José Guilherme Merquior (1941-1991), sua principal
contribuição foi oferecer de forma mais detida atenção à produção dos marxistas
americanos do período.
Assim, para atender ao objeto desse ensaio – os traços do marxismo ocidental –
frente à revisão bibliográfica realizada, optou-se por acompanhar as trilhas da
conformação de uma tradição a partir do texto de Anderson (2004), o qual caracteriza os
antecedentes históricos e os expoentes do marxismo antes do fim da 2ª Grande Guerra
quando, a partir daí, a feição do marxismo ocidental melhor se delineia. Trata-se, portanto,
de uma estratégia do método de exposição do autor, o qual, também, será aqui adotada.
No entanto, como a produção bibliográfica é extensa e complexa sobre os fundadores do
marxismo e não se configura objeto desse papper, mas somente alusão para melhor
aclarar o que Anderson defende como tradição do marxismo ocidental, encontrar-se-ão
dados biobibliográficos sobre os principais protagonistas daquela fase e do
desenvolvimento imediato do marxismo que permitam observar o legado dos fundadores
dessas gerações e, sobretudo, dos principais expoentes daquela tradição.

1.1 TRADIÇÃO CLÁSSICA DO MARXISMO

Ao contrário das divergências e heterogeneidades encontradas para o período do


marxismo ocidental, um esboço retrospectivo do percurso inicial do materialismo histórico
apresenta certos traços de unidade e, portanto, mais facilmente para se delinear uma
tradição. Permite debitar sua fundação com a obra de Karl Marx (1818-83) e Friederich
Engels (1820-95), ambos nascidos na década seguinte às guerras napoleônicas, na
Renânia, de prósperas famílias burguesas das regiões mais desenvolvidas e

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ocidentalizadas da Alemanha: o primeiro, filho de um advogado de Trier e, o segundo,
filho de um industrial de Barmen.
Do ponto de vista dos marcos sociais do trabalho teórico dos fundadores, que nos
interessam como referência para comparação com o desenvolvimento dos posteriores
expoentes do marxismo, uma observação desatenta poderia identificar uma relação
estreita e permanente entre o trabalho intelectual de ambos e a sua participação nas lutas
mais relevantes da classe operária da época, considerando a produção do Manifesto
Comunista às vésperas da rebelião continental de 1848; a participação e liderança de
Marx na fundação da Primeira Internacional enquanto movimento socialista organizado e
na celebração da Comuna de Paris; a sistematização por Engels no Anti-düring e seus
complementos, no final da década de 1870 e ao longo da de 1880, elaborando o
materialismo histórico, o qual se converteu em doutrina oficial dos principais partidos
operários da Europa frente ao crescimento da Segunda Internacional.
No entanto, a influência teórica e política dos fundadores do marxismo sobre a
organização da classe operária também foi operada por limitações conjunturais, seja pela
inconclusa experiência da passagem da classe em si para a classe para si3, seja pela
destinação tardia das obras de Marx4.
A extraordinária unidade entre teoria e prática alcançada nas vidas de Marx e
Engels, apesar de todas as adversidades, nunca foi uma identidade ininterrupta ou
imediata. O único levante revolucionário de que participaram pessoalmente foi, por
seu caráter de massas, predominantemente um movimento de artesãos e
camponeses (rebelião continental de 1848) (...). O verdadeiro surgimento de
partidos operários ocorreu após a morte de Marx. A relação entre teoria de Marx e
a prática proletária sempre foi irregular e indireta: muito raramente havia uma
coincidência direta entre ambas. A complexidade da articulação objetiva entre
“classe” e “ciência” nesse período refletiu-se por sua vez na natureza e no destino
dos próprios escritos de Marx. (Anderson, 2004: 25).

3
Os termos classe em si e classe para si são encontrados em Miséria da Filosofia (1972: cap. II, 5), quando
Marx descreve o aparecimento da classe trabalhadora:
As condições econômicas transformaram, em primeiro lugar, a massa do povo em trabalhadores. A
dominação do capital sobre os trabalhadores criou a situação comum e os interesses comuns dessa classe.
Assim, essa massa já é uma classe em relação ao capital, mas não ainda uma classe para si mesma. Na luta,
da qual indicamos apenas algumas fases, essa massa se une e forma uma classe para si. Os interesses que
ela defende tornam-se interesses de classe.
4
Do conjunto da obra de Marx, pelo menos três quartos, ainda eram inéditos quando de sua morte em 1883.
As obras póstumas de Marx foram: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (1843); Manuscritos econômico-
filosóficos (1844); Teses sobre Feuerbach (1845); A ideologia alemã (1846); Grundrisse (1857-8); Teorias
da mais-valia (1862-3); O capital (volumes II e III); Crítica do Programa de Gotha (1875); Notas sobre
Wagner (1880).

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Apesar da inexperiência política do proletariado da época, esse limite externo ao
pensamento de Marx, não impede de delimitar o legado de sua obra, o qual, para
Anderson (2004) se refere à:
uma coerente e elaborada teoria econômica do modo de produção capitalista,
exposta em O capital; contudo, sua teoria política sobre as estruturas do Estado
burguês ou sobre as estratégias e táticas da luta socialista revolucionária para sua
derrubada por um partido operário não está no mesmo nível. (idem, grifos do
autor).

E, o autor comenta: Marx não poderia caminhar mais rapidamente do que o ritmo
histórico real das massas na invenção de seus próprios instrumentos e modalidades de
auto-emancipação (ibidem, 26).
Nesse circuito, um dos traços da tradição clássica do marxismo será o
internacionalismo, presente na relação entre o trabalho teórico de Marx e Engels e as
lutas do proletariado da época, bem como na própria análise categorial da acumulação
capitalista e da auto-emancipação dessa classe. Embora desvinculados de organizações
nacionais da classe operária após 1848, é sabida a extensa correspondência trocada com
militantes e dirigentes de toda a Europa e América do Norte, bem como a atenta análise
de experiências revolucionárias em regiões distintas, que permitiram-nos apreender a
natureza e a dinâmica de emergência, consolidação e conflito entre as classes sociais no
modo de produção capitalista: burguesia e o operariado.

1.2 PRIMEIRA E SEGUNDA GERAÇÕES DO MARXISMO

A geração que sucedeu os fundadores do marxismo foi profundamente influenciada


por Engels, com quem se corresponderam e se apropriaram de sua elaboração do
materialismo histórico. Do ponto de vista biobibliográfico, a primeira geração, diferente
dos fundadores, foi oriunda das regiões mais atrasadas do leste e do sul da Europa e
formados por quatro homens:
 Labriola (1843 – 1904) – filho de um proprietário de terras da Campânia – filósofo
hegeliano de renome em Roma quando aderiu ao marxismo, em 1890, e publicou
Ensaios sobre a concepção materialista da história (1896). Morreu com 61 anos de
idade.
 Mehring (1846 – 1919) – filho de um junker da Pomerânia; democrata liberal e
publicista na Prússia, antes de entrar para o Partido Socialdemocrata alemão em

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1891 e publicou a obra Sobre o materialismo histórico (1893). Morreu com 73 anos
de idade.
 Kautsky (1854 – 1938) – filho de um pintor da Boêmia; entrou para o movimento
operário na condição de jornalista socialista; participou do Partido Socialdemocrata
alemão e publicou A concepção materialista da história (1927); As origens do
cristianismo (1908); A questão agrária (1899). Pode ser considerado o principal
teórico da social-democracia. Morreu com 84 anos de idade.
 Plekhanov (1856 – 1918) – filho de um proprietário de terras de Tambov;
converteu-se ao marxismo quando exilado na Suíça na década de 1880; participou
do Partido Trabalhista Socialdemocrata russo e publicou O desenvolvimento da
concepção monista da história (1895). Morreu com 62 anos de idade.
Essa geração compôs um cenário político de formação das primeiras experiências
partidárias proletárias, porém, não desempenhou papel importante na liderança dos
partidos nacionais de seus países, apesar de trabalhar integrada às orientações política e
ideológica e, por vezes, ocupar cargos oficiais, sendo a exceção Labriola.
Para Anderson (2004), o legado dessa geração se caracteriza e se dá em meio à
sistematização e recapitulação de uma herança ainda muito recente e próxima ao
movimento socialista: retoma temas inicialmente postos por Engels, sobretudo o
materialismo histórico, e dá início à publicação crítica dos manuscritos de Marx e ao
estudo de sua vida.
Pode-se afirmar que o substrato histórico desse período foi marcado por importante
transformação no modo de produção capitalista, já que o último quartel do século XIX,
trata-se do período em que ele se preparava para assumir feições imperialistas e de
monopolização das economias dos países industrializados, acompanhadas de crescentes
inovações tecnológicas, elevação das taxas de lucro e de rivalidades militares entre as
grandes potências, o que abriria um novo cenário para a acumulação do capital.
Essas condições objetivas eram muito diferentes daquelas da fase,
comparativamente mais tranqüila, do desenvolvimento capitalista durante a longa
recessão de 1874-94 que se seguiu à derrota da Comuna e antecedeu os
primeiros conflitos interimperialistas (...). Os herdeiros imediatos de Marx e Engels
se formaram em um período de relativa calmaria. A geração seguinte de marxistas
atingiu a maioridade em um ambiente muito mais turbulento, quando o capitalismo
europeu começava a navegar na direção da tormenta da Primeira Guerra Mundial.
(Anderson, 2004: 29).

A segunda geração desempenhou um papel muito mais importante e ativa nos


respectivos partidos nacionais do que sua antecessora, e foi precoce em seu

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desenvolvimento: todas as figuras mencionadas escreveram um trabalho teórico
fundamental antes de completar trinta anos (idem, 30). Trata-se de uma geração que do
ponto de vista geográfico, expressou o deslocamento do eixo da cultura marxista para a
Europa central e oriental e a cronologia, de forma sumariada, de seus principais
expoentes, segundo Anderson, pode ser apresentada da seguinte forma:
 Lenin (Simbirsk / Volga, 1870 – 1924) – filho de funcionário público de Astrakhan;
criador do Partido Bolchevique na Rússia; publicou O desenvolvimento do
capitalismo na Rússia (1899); Imperialismo: etapa superior do capitalismo (1916),
no qual resume de forma descritiva o debate econômico anterior e, pela primeira
vez, o articula com uma análise política entre o belicismo imperialista e a
exploração colonial, baseado na lei geral de desenvolvimento desigual do modo de
produção capitalista. Morreu aos 54 anos de idade.
 Rosa Luxemburgo (Zamosc / Galícia, 1871 – 1919) – filha de um comerciante de
madeira da Galícia; mentora intelectual do Partido Socialdemocrata da Polônia e,
mais tarde, fundadora de maior autoridade do Partido Comunista Alemão; publicou
A acumulação do capital, em 1913; Reforma social ou revolução (1899). Foi morta
aos 48 anos de idade.
 Hilferding (Viena, 1877 – 1941) – filho de um agente de seguros; tornou-se um
importante deputado pelo Partido Socialdemocrata Alemão; publicou em 1910, O
capital financeiro. Morreu aos 64 anos de idade.
 Trotski (Kherson / Ucrânia, 1879 – 1940) – filho de fazendeiro da Ucrânia; figura
central nas disputas entre as facções da socialdemocracia russa; sobre a
revolução russa de 1905 produziu a primeira análise política estratégica de
natureza científica na história do marxismo: Resultados e perspectivas, em 1906;
foi isolado do Partido Bolchevique a partir de 1907, e exilado por Stalin em 1929.
Foi morto aos 61 anos de idade.
 Bauer (Viena, 188.1 – 1938) – filho de um fabricante de tecidos da Áustria;
comandou o secretariado do grupo parlamentar do Partido Socialdemocrata
Austríaco; publicou A questão das nacionalidades e a socialdemocracia, em 1909;
Entre duas guerras?, em 1936. Foi o maior expoente da escola austromarxista;
criou a teoria das crises capitalistas dentro da linha do subconsumo; nessa obra,
registrava sua desilusão final com o reformismo gradualista que praticara por tanto
tempo como líder do partido e clamava pela reunificação dos movimentos

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socialdemocrata e comunista na luta contra o fascismo (ibidem, 43). Morreu aos
57 anos de idade.
 Preobrajenski (Orel / Rússia Central, 1886 – 1937) – filho de um sacerdote em
Orel, economista, foi um bolchevique da velha guarda do partido. Junto com
Nicolai Bukhárin, foi co-autor do livro O ABC do Comunismo, uma cartilha para
divulgar o marxismo na Rússia. Também publicou A Nova Economia. Foi
executado durante o Expurgo, aos 51 anos de idade.
 Bukharin (Moscou, 1888 – 1938) – filho de um professor de Moscou; estudou
economia; foi jornalista e colaborador com Lenin já antes da Primeira Guerra;
escreveu O imperialismo e a economia mundial, em 1915; publicou sua crítica à
Rosa Luxemburgo na obra Imperialism and the Accumulation of Capital, em 1924;
publicou ainda Teoria do materialismo histórico, em 1921. Foi condenado à morte
no terceiro falso processo de Moscou e executado nesse mesmo ano. Morreu aos
50 anos de idade. Tanto esse autor quanto Preobrajenski se destacaram somente
depois da Primeira Guerra Mundial.
Quais eram, então, as novas tendências dos textos da segunda geração marxista, que
teve como solo de produção o capitalismo monopolista?
Para Anderson, eles aceitavam a premissa de que era de importância vital decifrar as
leis fundamentais de movimento do capitalismo na nova fase de seu desenvolvimento
histórico (ibidem, 32). O imperialismo e suas tendências tornaram-se um dos eixos
centrais do debate, atentando-se para a reprodução ampliada do capital; a relação
econômica mundial periferia e centro para a realização da mais-valia e a expansão militar
de natureza estrutural. Chama-se a atenção que a fase monopolista do capitalismo vinha
se desenvolvendo desde a segunda metade do século XIX, e teve como um de seus
marcos a luta por mercados e áreas de investimento fora da Europa, dando origem, a
partir de 1870, à corrida imperialista que resultou na partilha da Ásia, África e América
entre as potências imperialistas.
A ênfase de Rosa Luxemburgo no papel indispensável da periferia não-capitalista
do capitalismo na realização da mais-valia, e conseqüentemente à necessidade
estrutural de expansão militar-imperialista pelas potências metropolitanas nos
Bálcãs, na Ásia e na África, marcou seu trabalho – apesar dos erros analíticos –
como o esforço mais radical e original de repensar e desenvolver o sistema
conceitual de O capital em escala mundial, à luz dos novos tempos (...). Esse
trabalho foi criticado por Bauer, que desde 1904 estudava o problema dos
esquemas de Marx para a reprodução ampliada do capital. (ibidem, 31-2).

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Outro eixo do debate foi a demanda por uma teoria política marxista para a
revolução proletária, em função da própria situação concreta em que se encontravam –
baseada na onda das lutas da massa do proletariado europeu, integradas às
organizações partidárias e a própria Revolução Russa de 1917. Tratava-se de um dos
traços iniciados nessa geração, tendo em Lenin um de seus principais expoentes, pois,
preocupou-se em elaborar de forma sistemática uma teoria política marxista da luta de
classes de uma perspectiva organizacional e tática, demonstrando que pensamento e
ação políticos agora se fundiam rapidamente em uma unidade sem paralelo na história
(ibidem, 35). Porém, Lenin atento à história russa, não se debruçou sobre a formação
sócio-econômica de outras nações do continente europeu, equivocando-se em
generalizar certas posições políticas para outras regiões.
O desenvolvimento global do marxismo nas décadas que antecederam a Primeira
Guerra Mundial havia logrado uma unidade entre teoria e prática muito mais
estreita do que no período precedente, graças à ascensão dos partidos socialistas
organizados da época. (ibidem, 34).

Essa unidade entre teoria marxista e militância política lograda na segunda


geração marxista, em contexto histórico favorável, teve a Segunda Internacional (1889-
1914) como um palco relevante do debate e polêmica internacionais. Ela conformava um
campo de formação e direção política em meio às correntes distintas da organização dos
trabalhadores do período.

O contato entre os movimentos operários dos diversos países europeus


amadureceu a idéia da criação da II Associação Internacional de Trabalhadores,
que se concretizou no Congresso de Bruxelas, em 1891. As questões das
conquistas políticas e econômicas do proletariado e de como se posicionar frente
ao imperialismo marcaram o funcionamento dessa Internacional. Bastante diferente
da primeira, ela viu-se dividida em três grupos: a direita o grupo revisionista de
Bernstein, no centro os marxistas moderados (social-democratas) de Kautsky e à
esquerda os marxistas revolucionários liderados por Lênin e por Rosa
Luxemburgo. Aparentemente dominada por estes, na prática os grupos social-
democratas e revisionista apresentavam-se cada vez mais influentes. (Wikipédia,
Internacional Socialista, 24/04/2007).

A Primeira Guerra Mundial precipitou a ruptura da tensa unidade da II


Internacional. A orientação dos dirigentes da AIT, nos Congressos realizados a partir de
1907, era para que os trabalhadores tentassem ao máximo, junto aos governos de seus
países evitar a deflagração do conflito. No entanto, caso isso não fosse possível,
deveriam aproveitar o momento para precipitar com uma guerra civil a queda do
capitalismo. Quando em 1914, teve início a Grande Guerra, os principais partidos filiados
à II Internacional apoiaram seus respectivos governos e, em nome do nacionalismo, foram

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à luta, provocando o colapso da Associação. Somente os partidos russo, sérvio e húngaro
– justamente com pequenos grupos dentro de outros partidos – permaneceram fiéis aos
princípios repetidamente enaltecidos pela Internacional. Mas, conforme anunciou Lênin ao
eclodir a guerra: “A Segunda Internacional está morta, vencida pelo oportunismo”.

Nas demais regiões da Europa, contudo, foi derrotada a grande onda


revolucionária irrompida em 1918, ao final da guerra, e encerrada em 1920. O
capital provou ser decisivamente mais forte em todos os países, à exceção da
Rússia. (Anderson, 2004: 37).

A zona de influência marxista do pré-guerra – Alemanha, Áustria, Hungria e Itália –


enfraqueceu-se antes que a recém Revolução Bolchevique estivesse suficientemente livre
da intervenção imperialista para poder exercer uma influência direta organizacional ou
teórica no curso da luta de classes naqueles países.
A Terceira Internacional (1919-1943) – também conhecida como Internacional
Comunista ou Comintern – foi fundada em 1919, por iniciativa dos bolcheviques, ainda no
período de grande agitação revolucionária na Europa Central, mas sua criação efetiva
deu-se no seu Segundo Congresso, em julho de 1920. Àquela altura, já era tarde demais
para a revolução Russa ter qualquer impacto sobre as batalhas decisivas da conjuntura
do pós-guerra... Uma dessas expressões foi o fracasso da esperada revolução alemã, em
outubro de 1923. Para Anderson (2004), a Terceira Internacional representa tanto a
culminação da experiência histórica anterior do movimento operário na Europa como o
seu ponto de ruptura.
Em seus congressos merece referência parte do roteiro das discussões no período
entreguerras:
 Reconhecimento de que o capitalismo iniciava um período de relativa
estabilização;
 Fortalecimento do stalinismo e insulamento da Revolução Russa, após a morte de
Lenin em 1924, tornando o Comintern agência da política externa soviética e apoio
total aos expurgos stalinistas;
...o pensamento leninista foi esterilizado pelo stalinismo da Terceira Internacional, que
progressivamente subordinou as políticas dos partidos que a constituíam aos
objetivos da política externa da URSS (idem, 42).
 Denúncia da social-democracia como social-fascismo.
Nesse último ponto merece menção a intervenção de Dimitrov no sétimo, e último,
congresso do Comintern, em 1935, pois, enfatizou que a escolha era, agora, não entre a

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ditadura do proletariado e a democracia burguesa, mas entre a democracia burguesa e as
ditaduras burguesas aberta e terroristas, representadas pelo fascismo. (Bottomore, 1988:
198).
Portanto, o sucesso provisório da reestabilização do capitalismo com a voracidade
imperialista, acrescida do processo de stalinização do movimento comunista e da
amordaça e terror fascista sobre a classe operária européia, foram as principais
condições para romper a unidade revolucionária entre teoria e prática, inseparáveis na
teoria marxista e na prática dos seus primeiros expoentes. De forma mais acelerada, o
período entreguerras, reúne as condições para ir se dissolvendo essa tensa unidade,
separando e diferenciando a intelectualidade crítica da prática política e os militantes e
partidos políticos da teoria marxista. Cria-se, portanto, a trilha para se conformar a
tradição do marxismo ocidental.

2. TRAÇOS DO MARXISMO OCIDENTAL

Como já afirmado antes, a definição de uma tradição do marxismo ocidental indica


dificuldades para precisar espaço e tempo.
Em 1945, com a derrota do fascismo em toda a Europa – com exceção da Península
Ibérica – assiste-se o final da 2ª Guerra Mundial com a criação de dois blocos: o
socialista, com a URSS na liderança e fortalecida em poder e prestígio internacionais; e o
capitalista, liderado pelos EUA. Serão os vinte anos seguintes após esse conflito que o
panorama final da metamorfose da teoria revolucionária marxista estará concluída no
chamado marxismo ocidental.
No bloco dos países capitalistas, observa-se que os regimes políticos das principais
nações da Europa ocidental foram marcados pelas democracias parlamentares baseadas
no sufrágio universal pleno e suas economias entraram em nova onda de expansão e
estabilidade, não se identificando fomentos revolucionários da classe operária similares
as das décadas de 1920 e 1930 no continente.
Enquanto isso, no bloco socialista, vivenciava-se a ditadura imputada por um
estamento burocrático na União Soviética, garantindo seu domínio para a Europa Oriental
com o uso do terror de Estado, o qual só foi denunciado após a morte de Stalin. Porém,
as revoltas populares naquela região continuavam sendo reprimidas por meio da coerção
armada. Do ponto de vista econômico, o socialismo apresentou comparativamente

13
crescimento menor em relação ao outro bloco e não representou uma ameaça política
real à estabilidade do bloco capitalista, apesar das revoluções em Cuba e na China.
Com o marxismo ocidental, constituiu-se uma configuração intelectual inteiramente
nova no desenvolvimento do materialismo histórico. Em suas mãos, o marxismo se
tornou um tipo de teoria que, em certos aspectos críticos, era muito diferente de
tudo o que o precedera. Em particular, houve um drástico desdobramento dos
temas e preocupações característicos de todo o grupo anterior de teóricos que
chegaram à maturidade política antes da Primeira Guerra Mundial, numa evolução
que era ao mesmo tempo de geração e região geográfica. (Anderson, 2004: 46).

Como buscar, então, identificar as coordenadas estruturais que definem sua unidade,
que o constituem como uma tradição intelectual comum 5, apesar das divergências e
oposições internas?
Para tal, pode-se observar que ele é caudatário do fracasso das revoluções
proletárias nas áreas avançadas da Europa capitalista depois da Primeira Guerra Mundial,
e para Anderson (2004), ele se desenvolveu em meio a uma gradativa e crescente cisão
entre a teoria socialista e a prática da classe operária.
O abismo entre elas, originalmente aberta pelo isolamento imperialista do Estado
soviético, foi institucionalmente aprofundado e fixado pela burocratização da URSS
e do Comintern sob o governo de Stalin. Para os expoentes do novo marxismo que
surgiu no Ocidente, o movimento comunista oficial representava a única
corporificação real da classe operária internacional – quer a ele se tenham filiado,
aliado, ou mesmo contestado. O divórcio estrutural entre teoria e prática inerente à
natureza dos partidos comunistas desta época impediu o trabalho político-
intelectual unificado do tipo que definiu o marxismo clássico (2004:112).

Como conseqüência, houve a reclusão dos teóricos do marxismo nas


universidades, distantes do proletariado e de seus próprios países, e uma especialização
da teoria, concentrando-se na filosofia em detrimento da economia e da política, áreas da
atenção das gerações anteriores. O autor chama atenção para um crescente hermetismo
da linguagem diante das inovações temáticas exploradas pelo marxismo ocidental,
desdobrando-se em mais uma barreira técnica-política no processo de vinculação teoria-
prática de massas.
Anderson avalia, ainda, que o traço do internacionalismo presente nas gerações
iniciais do marxismo foi substituído por um paroquialismo, diminuindo o nível de

5
Como referência dos intelectuais da tradição do marxismo ocidental, Anderson cita: Lukács (1885 – 1971,
Budapeste); Korsch (1886 – 1971, Todstedt / Saxônia ocidental); Gramsci (1891 – 1937, Ales / Sardenha);
Benjamin (1892 – 1940, Berlim); Horkheimer (1895 – 1973, Stuttgart / Suábia); Della Volpe (1897 – 1968,
Ímola / Romanha); Marcuse (1898 – 1979, Berlim); Lefebvre (1901 – 1991, Hagetmau / Gasconha); Adorno
(1903 – 1969, Frankfurt); Sartre (1905 -1980, Paris); Goldmann (1913 -1970, Bucareste); Althusser (1918 –
1990, Birmandreis / Argélia); Colletti (1924 – 2001, Roma).

14
conhecimento internacional ou de comunicação entre os próprios teóricos de diferentes
países.
Este paroquialismo e a ignorância generalizados em relação a sistemas de
pensamento estrangeiros acabaria impedindo qualquer autoconsciência coerente
ou lúcida do marxismo ocidental como um todo. O desconhecimento mútuo dos
teóricos manteve em opaca obscuridade o sistema real de relações e diferenças
entre eles. (ibidem, 89).

Por sua vez, com a perda de qualquer contato dinâmico com a prática da classe
operária, parece ter ocorrido uma autonomização da teoria marxista em relação ao sujeito
histórico da práxis: o operariado. Para o autor, a ruptura da organicidade do vínculo teoria
e prática política de massas constituída nas gerações anteriores permitiu, ainda, uma
aproximação da teoria marxista com sistemas de pensamento não-marxistas e idealistas
contemporâneos, com os quais se desenvolveu em estreita simbiose, ainda que
contraditória (ibidem, 113).
Nesse momento, Anderson parece estar se referindo ao diálogo do marxismo com
a psicanálise e com autores filosóficos da tradição idealista, o que para ele propiciou
arranjos temáticos e teóricos desconhecidos até então na história do desenvolvimento das
idéias marxistas.

2.1 MARXISMO E PSICANÁLISE: A ESCOLA DE FRANKFURT

No trânsito para esse cenário, em 1923, foi fundado na Alemanha, o Institut fuer
Sozialforschung, o qual se encontrava vinculado à Universidade de Frankfurt. Seu
primeiro diretor Carl Grünberg (1891-1972), nascido na Transilvânia, em 1861, historiador
austromarxista, era um membro típico da geração mais velha dos estudiosos marxistas da
Europa Oriental. Sob sua direção, nos seis primeiros anos do Instituto, Grünberg imprimiu
como eixo de estudo, pesquisas sobre o movimento operário europeu, mantendo contato
regular com o Instituto Marx-Engels de Moscou.
o instituto dedicou-se durante a década de 1920 a problemas tradicionais do
movimento operário, combinando trabalho empírico sólido e análise teórica séria.
(...) O periódico do instituto publicava tanto trabalhos de Korsch e Lukács quanto
ensaios de Grossmann ou Riazanov, formando assim o ponto de junção em que
correntes “ocidentais” e “orientais” do marxismo se encontraram durante os anos
1920. Conseqüentemente, sua trajetória seria de importância crítica para a
evolução da teoria marxista como um todo na Europa de entreguerras mundiais.
(ibidem, 53).

Em 1929, Grünberg afastou-se e Horkheimer o substituiu na direção do Instituto no


ano seguinte. Tratava-se de uma conjuntura adversa na Europa tanto para o bloco

15
capitalista quanto para o socialista: no primeiro, inflação, deflagração da Crise de 1929 e
fortalecimento do fascismo; enquanto no segundo, assistiu-se ao fortalecimento da
burocracia soviética com Stalin e o uso da III Internacional para o exercício do domínio da
política externa stalinista junto aos Partidos Comunistas europeus, gerando o
silenciamento de intelectuais como Lukács e Gramsci - esse censurado mesmo na prisão
para garantir sua segurança.
Em seu discurso inaugural, Horkheimer – um filósofo, em vez de historiador como
Grünberg – definiu os termos de uma importante reorientação nos trabalhos do
instituto, distanciando-se da preocupação pelo materialismo histórico como
“ciência” em favor do desenvolvimento da “filosofia social” suplementada por
pesquisas empíricas. Em 1932, o instituto parou de publicar os Arquivos da
História do Socialismo e do Movimento Operário; a nova revista tinha o
inocente título de Revista de Pesquisa Social. No curto período até a contra-
revolução fascista de 1933, Horkheimer reuniu no instituto um variado e talentoso
grupo de intelectuais jovens, entre os quais se destacaram Marcuse e Adorno.
(ibidem, 53, grifos do autor).

Para Rouanet (1998), os principais porta-vozes do Institut fuer Sozialforschung a


partir desse período foram o próprio Max Horkheimer (1895-1973), Theodor Adorno (1903-
1969), Herbert Marcuse (1898-1979) e Jürgen Habermas (1925-). Do ponto de vista
administrativo, o Instituto estará sofrendo um processo de descentralização com
“escritórios” em Paris, Londres e Genebra. No entanto, esse movimento pode ser
entendido como uma resposta da direção do Instituto frente ao recrudescimento do
nazismo, sobretudo após a eleição de Hittler, em 1933. Com a repressão nazista,
Horkheimer inicialmente transfere o Instituto para Paris, mas fecha convênio com a
Universidade de Colúmbia, nos EUA, em 1934, território longe do conflito da eminente 2ª
Guerra Mundial.
Contudo, não se pode creditar às obras dos quatro intelectuais o início da
interlocução entre marxismo e psicanálise. O movimento freudo-marxista dos anos de
1920-30 foi contemporâneo desde a primeira fase do Instituto, quando ainda sediado em
Frankfurt. Tratava-se de um movimento que intencionava elucidar os mecanismos da
capitulação proletária na Europa pela burguesia.
...como explicar a força da ideologia, que aparentemente não se deixava dissolver
nem pela experiência objetiva da pauperização, que deveria impulsionar a classe
operária para posições crescentemente avançadas, nem pela verdade “irrefutável”
da doutrina marxista, que encontrava, nessa pauperização, a prova histórica de
uma de suas leis imanentes? (Rouanet, 1998: 14).

Era um período em que a psicanálise gozava do respeito do Estado soviético,


participando da fase da “revolução cultural”, cujas experiências foram cessadas com a

16
morte de Lênin. Com a III Internacional, o “marxismo soviético” baniu a psicanálise e
substituiu a apreensão dos fenômenos psíquicos pela reflexologia de Pavlov.
Ao incluir o marxismo entre as ciências naturais, anula seu potencial subversivo. E
no mesmo movimento que exorciza o marxismo enquanto teoria crítica exorciza a
psicanálise – ideologia “burguesa” – que não se enquadra, como a reflexologia, no
universo estático das ciências naturais. (idem, 16).

Como o método do marxismo e da psicanálise não pode ser apreendido no campo


das ciências naturais, Fenichel estima ser possível historicizar as categorias psicanalíticas
e tornar essa corrente um núcleo de uma futura psicologia materialista dialética. Defende
que tanto a psicanálise quanto o materialismo histórico são ciências desmistificadoras,
que suspeitam da aparência, do manifesto e buscam revelar o que está oculto,
subjacente.
Por isso, parece-me que a exigência do psicanalista de procurar o inconsciente
atrás dos fenômenos psíquicos conscientes é a aplicação, no terreno psíquico, do
mesmo princípio que leva o marxista, no campo sociológico, a buscar, atrás dos
pretextos históricos, sua verdadeira causa, radicada nas relações de produção.
(Fenichel apud Rouanet, 1998: 19).

Fenichel (1897-1946) e Bernfeld (1892-1953), partícipes do movimento freudo-


marxista, responderão que somente seria possível explicar a submissão da maioria frente
à opressão de uma minoria através da influência da ideologia burguesa. A razão da ação
contrária aos interesses de classe seria mais profunda na consciência proletária não só
em função de sua educação deficitária, mas, também, pela conformação de aparelhos
ideológicos que modificariam o sistema psíquico do indivíduo de forma a internalizar os
valores da moral dominante, levando a um respeito cego pela autoridade. Para eles, essa
operação se daria através do recalque e da sublimação, ambas categorias teóricas da
psicanálise utilizadas pelo movimento freudo-marxista para apreender os mecanismos da
derrota do movimento operário no final do período entreguerras.
A ideologia vai se enraizando no curso do processo de socialização, através das
sucessivas privações pulsionais que a instância familiar, e posteriormente outras
instâncias, vão impondo ao indivíduo. O processo pelo qual os diferentes objetos
de amor vão sendo abandonados, no curso do desenvolvimento psicossexual, em
que o indivíduo transita da fase oral para a fase genital, é acompanhado, em cada
caso, de prescrições e proscrições, de imperativos éticos, de normas negativas e
positivas, que correspondem, invariavelmente, aos valores sociais vigentes. O
momento estratégico dessa evolução é alcançado quando surge, na fase fálica, o
conflito edipiano. Sua dissolução supõe, por um lado, a renúncia à mãe como
objeto de amor, e por outro, a identificação com o pai. Com a incorporação do Pai
incorpora-se, ao mesmo tempo, o sistema de valores que o Pai encarnava.
Constitui-se o Superego. A partir desse momento, a autoridade se internaliza. A
força externa se torna desnecessária. Como os valores do Pai são os valores da
ordem social, deixa de haver contradição entre os objetivos do sistema de poder e

17
os impulsos do indivíduo. A ideologia se torna intrapsíquica. Está concluído o longo
processo de penetração da ideologia nas consciências individuais. (Rouanet, 24).

Sob formas de apropriação distintas da psicanálise, os expoentes do movimento


freudo-marxista – incluem-se, aqui, as fases de 1920 a 34 de Wilhelm Reich (1897-1957)
e Erich Fromm (1900-1980) – intuíram sobre a existência de uma relação entre
mecanismos subjetivos e objetivos para a eficácia da ideologia sobre a classe operária,
cuja ideologia não dependia de uma adesão consciente aos seus conteúdos, mas de uma
obediência automática aos seus imperativos. Pode-se observar que o conceito de
ideologia para o movimento freudo-marxista foi profundamente influenciado com a
divulgação no período do texto de Marx, A Ideologia Alemã.
No processo de ideologização da classe trabalhadora, a família 6, a escola e a
religião são tomadas como aparelhos responsáveis para a formação de uma tradição que
permite produzir cidadãos adaptados à ordem burguesa.
É por isso que a proteção da família é o objetivo explícito de todos os regimes
totalitários, e constitui um dos elementos mais fundamentais da ideologia nacional-
socialista. É a base da política cultural da burguesia. (...) A política ideologia
burguesa é portanto um conjunto coordenado e interdependente de políticas
setoriais, desdobradas nos diversos aparelhos da sociedade. (Rouanet, 1998: 44-
5).
A tarefa política da família nessa ação de políticas setoriais é relevante e primária
no aprendizado da autoridade que encaminhará o indivíduo à crença na legitimidade ética
do poder. Na revisão que Rouanet possibilita sobre o debate da família em Fromm, ela é
tomada como agência psíquica mais importante na ação de modelar as consciências e
produzir os traços de caráter individual mais próximos do caráter social desejado pelos
interesses das classes dominantes do período.
Assim, a teoria do caráter social se completa com uma teoria da política cultural.
Se a socialização consiste em produzir estruturas caractereológicas individuais
tendencialmente idênticas ao caráter social, esse resultado é alcançado, em
primeira instância, através da família, como agência psíquica da sociedade, e mais
tarde pelos diversos aparelhos culturais, que funcionam como instrumentos
complementares da família, como mandatária do social. A família gera o caráter,
que por um lado é ideologia ossificada, e por outro constitui o solo para a recepção
das ideologias difundidas pelos demais aparelhos, cuja ação de conjunto consolida
o caráter social, ao mesmo tempo em que nele se enraíza. (idem, 65).

Esse debate levará a cabo a idéia de uma dupla determinação da ideologia,


articuladas e constituídas entre si: diretamente, através de sua situação social e
econômica, e indiretamente, através da estrutura ideológica da sociedade (Reich apud

6
Fromm citado por Rouanet irá advertir que o processo de socialização impetrado pela família não transmite
opiniões e pontos de vistas, mas produz as estruturas psíquicas socialmente desejadas. (1998: 63).

18
Rouanet, 1998: 43)7. Serão esforços do movimento freudo-marxista que colocarão
questões para o movimento socialista, pois, este teria concentrado seus esforços na
análise e intervenção da política econômica, negligenciando a luta no terreno da vida
cotidiana.
Contudo, dado à tentativa de integração e de síntese entre psicanálise e marxismo
de forma linear e até antidialética – de sociologizar o freudismo e de psicologizar o
marxismo – além do contexto de abertura para a dominação do “marxismo soviético”, os
freudo-marxistas sofrerão o rechace tanto do lado do socialismo quanto da psicanálise.
Conforme proseia Rouanet, apesar de considerar a geração dos freudo-marxistas
formados por homens iluministas, foram colocados sob silêncio tumular, e os demais
expoentes do marxismo ocidental não creditaram a eles muito de suas idéias – um
exemplo bem característico será com Louis Althusser (1918-1990) com sua categoria de
aparelhos ideológicos do Estado.
Portanto, as pesquisas encaminhadas por Horkheimer, Adorno, Marcuse e Habermas
sob um substrato do marxismo e da psicanálise não foram pioneiras nesse campo, e nem
se pode afirmar que deram seguimento ao esteio aberto pelos expoentes dos freudo-
marxistas. Além de aqueles buscarem no diálogo entre essas correntes delimitar a
identidade e a natureza distinta delas, suas obras se deram em momentos diferentes do
capitalismo monopolista. Se a voracidade do imperialismo no capitalismo estava em pleno
curso ao longo nas décadas do entreguerras, e a classe operária em luta se confrontava
com sua existência material pauperizada – solo da problematização dos freudo-marxistas
–, o término da 2ª Guerra Mundial possibilita novas condições materiais de existência ao
proletariado nas nações com economias avançadas.
O “cassetete” da polícia deixou de ser usado de forma indiscriminada sobre todos os
trabalhadores diante da eficácia da fábrica de ideologias (Reich apud Rouanet, 1998: 44).
Passou a incidir somente sobre aqueles que construíam sua consciência de classe, e
especifica o autor: Para a massa dos operários social-democratas, é preferível outro
instrumento, infinitamente mais perigoso: a ideologia pequeno-burguesa, em todas as
esferas (idem).
... no início do capitalismo, a (...) autodeterminação do homem parecia possível.
(...) o capitalismo liberal oferecia um mínimo de possibilidades de ascensão, e em
que as classes dominantes justificavam sua autoridade por critérios relativamente
objetivos, como o desempenho econômico, as classes subalternas podiam, mesmo
7
Pode-se observar que será essa mesma logicidade, embora não referendando claramente à psicanálise, a base
do trabalho do movimento da educação popular no Brasil, a partir de final da década de 1950: uma intricada e
complexa teia de determinações na produção da alienação, que requer para sua ruptura e superação uma
intervenção política estratégica e educativa com os iletrados.

19
ilusoriamente, julgar-se livres. (...) O capitalismo monopolista altera os dados da
realidade. A concentração econômica crescente reduz a grupos cada vez mais
reduzidos os detentores do poder. (...) A realidade da estratificação é tão visível
que a ilusão da mobilidade se dissipa, por falta de qualquer fundamento objetivo
capaz de dar plausibilidade ao mito. Ao mesmo tempo, o capitalismo monopolista
não consegue eliminar a irracionalidade inerente ao sistema. (Rouanet, 1998: 57).

A fase seguinte após a 2ª Guerra Mundial ampliará os desafios para essa classe:
como fomentar uma consciência crítica à realidade de opressão, se as próprias
expressões da questão social nos países avançados são minimizadas? Como manter um
movimento organizado e politizado da classe trabalhadora em contexto de
empregabilidade e de melhora das condições materiais imediatas de existência?
Na sociedade afluente, as autoridades raramente se vêem forçadas a justificar seu
domínio. Fornecem os bens; satisfazem a energia sexual e agressiva de seus
súditos. (...) a mercadoria que tem de ser comprada e usada traduz-se em objetos
da libido; e o Inimigo nacional, que tem de ser combatido e odiado, é destorcido e
inflado a tal ponto que pode ativar e satisfazer a agressividade na dimensão
profunda do inconsciente. A democracia de massa fornece os apetrechos políticos
para efetuar-se essa introjeção do Princípio de Realidade 8; não só permite às
pessoas (até um certo ponto) escolherem seus próprios senhores e amos, e
participarem (até um certo ponto) no Governo que as governa, como também
permite aos senhores e amos desaparecerem por trás do véu tecnológico do
aparelho produtivo e destrutivo que eles controlam, e esconderem o preço humano
(e material) dos benefícios e conforto concedidos àqueles que colaboram. O povo,
eficientemente manipulado e organizado, é livre; a ignorância e a impotência, a
heteronomia introjetada, é o preço de sua liberdade. (Marcuse, 1999: 14).

Nesse contexto, após a Segunda Guerra, assistiu-se ao arrefecimento do movimento


operário e os Partidos Comunistas se tornaram partidos de massas e fortalecidos,
considerando sua resistência ao nazi-fascismo. A relação desses partidos com a
intelectualidade marxista, já vinha desde final da década de 1920, sob imperiosa
exigência de fidelidade aos cânones de sua direção. Nesse quadro, os teóricos do
marxismo começam a apresentar certos traços que combinavam fidelidade à censura do
Comintern e tática para fugir dela. Para Anderson (2004), o resultado foi:
...lealdade política com um trabalho intelectual suficientemente desvinculado dos
problemas centrais de estratégia revolucionária para evitar o controle ou censura
do partido. (...) os textos mais importantes (...) eram essencialmente de caráter
filosófico, com um nível de abstração que lhe permitia manter-se dentro dos limites
da disciplina do partido. (2004: 57)

8
Reich já havia se apropriado do conceito psicanalítico princípio da realidade e demonstrado sua
variabilidade histórica e sua vinculação aos interesses das classes dominantes: O princípio da realidade da
era capitalista exige do proletário um máximo de restrição de suas necessidades, apelando para princípios
religiosos que impõem a humildade e a modéstia... A classe dominante tem um princípio de realidade que
serve à manutenção do seu poder. Se se educa o proletário para esse princípio de realidade... isto significa
que ele deve dizer sim à exploração e à sociedade capitalista. (Reich apud Rouanet, 1998: 48).

20
A trajetória do Institut fuer Sozialforschung confirma e acompanha essa conjunção,
pois, a emigração do instituto para os Estados Unidos ofereceu-lhe um ambiente político
desprovido de efervescência do movimento operário de massas mesmo que apenas
formalmente comprometido com o socialismo e sem qualquer tradição acadêmica e
partidária marxista substancial. Seu regresso a Frankfurt entre 1949-50, entretanto, não
conseguiu alterar a mudança fundamental em sua produção e orientação acumulada nos
Estados Unidos. Ademais o início da Guerra Fria, recrudesceu e ampliou a extrema
intensificação dos controles culturais dentro dos partidos comunistas.
... tendo em vista que a Alemanha Ocidental do pós-guerra era agora, entre os
países capitalistas mais importantes da Europa, o mais reacionário política e
culturalmente – suas tradições marxistas extirpadas pelo chauvinismo nazista e
pela repressão anglo-americana, e seu proletariado temporariamente passivo e
mudo. (...) A despolitização do instituto foi completada: enquanto nos Estados
Unidos sua posição era de enclave isolado na vida acadêmica, na Alemanha
Ocidental passou a ser oficialmente festejado e patrocinado (Anderson, 2004: 54).

Em 1958, Adorno se tornou diretor do instituto e a “teoria crítica” defendida por


Horkheimer desde a década de 1930, já rejeitava explicitamente qualquer ligação com a
prática socialista. Segundo Anderson, o próprio Horkheimer, após aposentar-se, acabou
por se desmanchar em ignominiosas apologias do capitalismo (idem). Já Marcuse
permaneceu nos EUA e manteve uma posição efervescente e crítica ao longo das
décadas de 1950 e 1960.
Na América, Marcuse, comprometido com os ideais políticos do marxismo clássico,
mas afastado de qualquer força social ativa que lutasse por eles, acabou por
teorizar uma “integração” estrutural da classe operária no capitalismo avançado e,
portanto, a impossibilidade de se superar o fosso que separa o pensamento
socialista – que agora voltara a ser inevitavelmente “utópico” – e a ação proletária
na história contemporânea. (ibidem, 55).

O conceito marxista de classe social tão central na abordagem teórica dessa


corrente; presente na pergunta do movimento freudo-marxista e até certo ponto na
primeira fase dos frankfurteanos se esvai de parte da problematização marxista após a
Segunda Guerra. Anderson chega a delimitar o deslocamento da pergunta da seguinte
forma:
“Como é possível que a classe operária pense e aja contra os seus próprios
interesses?” A pergunta correspondente, para a Escola de Frankfurt, passou a ser
a seguinte: ”Como é possível que a maioria da população, nos países
industrializados do Leste e do Oeste, pense e aja num sentido favorável ao
sistema que a oprime?” (Rouanet, 1998: 72).

Mais uma vez, a resposta se volta para o conceito de ideologia, porém, diferente
da função de negar a dura realidade da crise da Grande Depressão – cenário do

21
movimento freudo-marxista –, assiste-se com o pleno emprego relativo nos Estados
Unidos durante a guerra e nas duas décadas seguintes, uma alteração qualitativa do
conceito de opressão e de ideologia. Esta assume uma forma afirmativa: a tensão entre
realidade e ideologia do primeiro momento teria sido absorvida na aparência, na medida
em que, para os frankfurteanos, a própria realidade assumia a função de mistificação
antes atribuída à ideologia. A mentira assume a última de suas máscaras, que é a da
verdade (idem, 71).
A relação dialógica entre marxismo e psicanálise inaugurada, então, com os
freudo-marxistas, não será desenvolvida da mesma forma pelos frankfurteanos. Para
Rouanet, na essência, a teoria crítica em Adorno e Horkheimer não pode ser acusada de
reduzir o freudismo ao marxismo ou o marxismo ao freudismo.
...sua essência está, justamente, nessa relação dialógica entre Marx e Freud, em
que as duas doutrinas funcionam como limites negativos uma da outra,
relativizando-se, e relativizando qualquer pretensão totalizante, inclusive a
totalização absoluta do freudo-marxismo. (ibidem, 76).

2.2 DA EPISTEMOLOGIA À ONTOLOGIA EM LUKÁCS: A QUESTÃO DO MÉTODO

Uma das preocupações e, de certa forma, um traço da tradição do marxismo


ocidental será uma investigação retrospectiva geral dos antecedentes intelectuais para o
marxismo no pensamento filosófico europeu, dando-se forte ênfase à epistemologia 9. A
tardia descoberta do mais importante trabalho do jovem Marx – os Manuscritos
econômico-filosóicos de Paris, de 1844, os quais só foram publicados pela primeira vez
em Moscou, em 1932, encontrou uma conjuntura refratária à sua ampla divulgação.
Assim, fascismo e stalinismo, as duas grandes tragédias que, de maneiras tão
diferentes, se abateram sobre o movimento operário europeu no período
entreguerras, se somaram para dispersar e destruir os potenciais expoentes de

9
Obras com predomínio dos temas epistemológicos na tradição do marxismo ocidental: Korsch – Marxismo e
filosofia; Lukács – O que é marxismo ortodoxo?, A destruição da razão; Marcuse – Razão e revolução; Della
Volpe – Questão de método; Sartre – A crítica da razão dialética; Adorno – Dialética negativa; Althusser –
Ler O Capital. A linguagem em que foram escritas adquiriu um caráter crescentemente especializado e
inacessível. Marx: criou conceitos novos, mais claros e mais próximos da realidade material: menos
“hipostasiados” (no vocabulário do jovem Marx) e menos “teleológicos” (nas palavras do Marx da
maturidade). (...) Marx, depois de 1848, sempre procurou apresentar seu pensamento na forma mais simples
e lúcida possível, a fim de maximizar sua inteligibilidade pela classe operária, à qual se destinava.
(Anderson, 2004: 73).

22
uma teoria marxista nativa vinculada à prática das massas do proletariado
ocidental. A solidão e morte de Gramsci na Itália, o isolamento e exílio de Korsch e
Lukács nos EUA e na URSS, respectivamente, marcaram o fim da fase em que o
marxismo ocidental ainda estava próximo das massas. A partir daquele momento,
passaria a falar sua própria linguagem cifrada, cada vez mais distante da classe
que formalmente procurou servir ou articular. (Anderson, 2004: 52).

Lukács, por exemplo, participou com Rizanov da preparação dessa obra, a qual o
influenciará definitivamente. O prólogo de 1967 escrito na primeira reedição autorizada de
História e Consciência de Classe (1923) e a entrevista concedida a Perry Anderson, em
1967, demonstrarão que o contato, em Moscou, com a obra marxiana, permitirá a Lukács
um giro intelectual.
Desde então, na obra lukacsiana, a questão da efetividade, da gênese e da
historicidade concretas do ser social passou a constituir o núcleo irradiador e
articulador da reflexão teórica, implicando conseqüentemente, para retomar a
formulação derradeira de Lukács, numa explícita “oposição entre gnosiologia e
ontologia”; em poucas palavras, desde então a direção ontológica determinou o
deslocamento do trato epistemológico, agora destituído do privilégio de operação
intelectiva fundante e disposto na arquitetura teórica num nível distinto daquele que
lhe cabia na filosofia ocidental especialmente desde Kant (e que, antes deste giro,
também desfrutara de privilégio na obra do próprio Lukács). (Netto, 2004: 146).

A busca por uma reinterpretação da própria origem do materialismo histórico sob


bases filosóficas tornou-se, então, objeto para parte significativa dos marxistas do
período. Essa marca pode ser encontrada nas obras do jovem Lukács, de Karl Korsch ou
de alguns membros da Escola de Frankfurt em sua primeira fase.
Essa posição de Anderson (2004) também é compartilhada por Coutinho (1996),
quando afirma que a concentração da pesquisa no marxismo sob o nível da filosofia sem
o aporte de pesquisas empíricas implicou em uma valorização das conexões mais gerais
da totalidade dissociada de um quadro de análise histórica de referência. Para Coutinho,
uma exceção dessa tendência teria sido Gramsci. E, a obra História e Consciência de
Classe pode ser considerada o marco inicial da produção teórica do marxismo ocidental
considerando dois elementos: sua ênfase na centralidade da categoria da totalidade e o
resgate do legado da dialética hegeliana, quando esta se encontrava preterida no âmbito
dos teóricos da Segunda e, depois, da Terceira Internacional.
Parece que o desenvolvimento da obra de Marx foi paradoxalmente invertido pelo
marxismo ocidental, pois, enquanto aquele se deslocou progressivamente da filosofia
para a política e então para a economia como terreno central de seu pensamento, os
expoentes da tradição que apareceram depois de 1920, gradualmente, distanciaram-se
da economia e da política para se aproximar da filosofia. Porém, essa ênfase não pode

23
ser tratada como mera inversão, considerando não só a heterogeneidade interna da
produção do marxismo ocidental, como as próprias condições históricas que a permitiram
conformar.
Nesse circuito e como sua conseqüência, outra característica comum da pesquisa
teórica do marxismo ocidental será discernir as regras do método elaborado por Marx.
Para eles, essas regras estariam insuficientemente explicitadas e, portanto, a
responsabilidade dessas pesquisas seria aclará-las e, se necessário, completá-las. O
resultado disso foi que uma significativa parcela da produção do marxismo ocidental se
constituiu em um prolongado e intrincado Discurso sobre o Método (Anderson, 2004: 73).
Como se pode depreender, a concentração dos teóricos na filosofia profissional tornou-se
um esforço estranho a qualquer fase do desenvolvimento da obra de Marx.
No que se refere à ênfase filosófica e sua preocupação com o método, a Escola de
Frankfurt também ofereceu suas contribuições, sobretudo diante da recusa à síntese
unidimensional entre as obras de Marx e de Freud. Quando houve a possibilidade
histórica no pós Segunda Guerra de fundir ideologia com realidade, os frankfurteanos
estarão infirmando que só por uma falsa consciência essa operação se daria, pois, a
razão clássica desconfia da aparência, das manifestações empíricas do real.
A razão clássica (Vernunft) trabalha sobre essências (...); seus instrumentos são
conceitos e não fatos brutos; seu objetivo é a verdade, e não a adequação
instrumental de meios a fins. Em sua generalidade, os conceitos sempre
transcendem o aqui e agora que constitui o objeto da percepção imediata, e
apontam, por sua lógica interna, para a dimensão do possível, em oposição à
dimensão do existente. Em contraste, a razão do Iluminismo em sua última etapa
se degrada no mero entendimento (Verstand), incapaz de integrar em sínteses
verdadeiras a pluralidade das percepções parciais, incapaz de escapar à pura
facticidade e imediaticidade do existente, e reduzido por isso mesmo, à deificação
desse Existente, convertido em sua própria norma.(...) A síntese unidimensional
(...) repousa, assim, sobre a unidade repressiva de uma pseudo-racionalidade e de
uma pseudo-realidade. (Rouanet, 1998: 72-3).

A crítica marxista da cultura elaborada pelos frankfurteanos incluiu, ainda, o


questionamento ao postulado da identidade, em Hegel, cujo pressuposto era de que o
sujeito do conhecimento e seu objeto se fundiam, pois, o conhecimento seria o
autoconhecimento do Espírito absoluto. Essa unidade de substrato idealista conduziu a
um sistema de totalidade abstrata, o qual foi apropriado em grande medida pelo jovem
Lukács, em seu texto História e Consciência de Classe.
Somente quando a função histórica da teoria consistir no fato de tornar esse passo
possível na prática; quando for dada uma situação histórica, na qual o
conhecimento exato da sociedade tornar-se, para uma classe, a condição imediata
de sua auto-afirmação na luta; quando, para essa classe, seu autoconhecimento
siginificar, ao mesmo tempo, o conhecimento correto de toda a sociedade, quando,

24
por conseqüência, para tal conhecimento, essa classe for, ao mesmo tempo,
sujeito e objeto do conhecimento e, portanto, a teoria interferir de modo imediato e
adequado no processo de revolução social, somente então a unidade da teoria e
da prática, enquanto condição prévia da função revolucionária da teoria, seria
possível. (Lukács, 2003: 66).

No entanto, se esse fragmento reedita a presença de um idealismo neo-hegeliano


ao propor o proletariado como sujeito e objeto do processo histórico e do conhecimento,
há o risco de reduzir ou anular o princípio permanente da contradição do método
marxiano. Mas, merece menção que esse mesmo fragmento contém a direção tomada
pela função da teoria na dialética marxiana, pois, trata de uma expressão pensada do
próprio processo revolucionário (idem).
Apesar da forte presença de traços de um certo idealismo neo-hegeliano na obra
do jovem Lukács, cabe destacar a posição autocrítica e crítica do autor ao legado
determinista do marxismo do período, permitindo-lhe dispor de um método de exposição
em que gradativamente vai aclarando suas posições sobre o método.
Com efeito, o ponto de partida metódico de toda tomada de posição crítica consiste
justamente na separação entre método e realidade, entre pensamento e ser. Ela
vê justamente nessa separação o progresso que lê deve ser atribuído como um
mérito, no sentido de uma ciência de caráter autenticamente científico, por
oposição ao materialismo grosseiro e acrítico do método marxista. (ibidem: 69).

Parece que a recusa de uma síntese anti-dialética torna-se intenção dos autores
mais complexos do marxismo ocidental, que combinam razões teóricas e ídeo-políticas
como orientadoras de suas obras. Não serão, no entanto, orientações de mesmo
conteúdo e, até, de mesma natureza, mas estabelecem certos níveis de interseção
fundantes para a defesa de uma tradição do marxismo ocidental. Nesta relação de pontos
compartilhados por alguns autores dessa tradição assentados no princípio da não-
identidade, incluiria a defesa da verdade, e da não dissolução do particular no universal.
O particular vale, em sua irredutível especificidade, como representante do
universal, através da categoria da Vermittlung, da mediação, pela qual a parte é
índice do todo, mas não pode ser absorvida pelo todo. A totalização é uma utopia
necessária, para impedir o imobilismo da razão, mas qualquer tentativa de realizá-
la, conceitual ou praticamente, nas condições atuais, é necessariamente
repressiva. (Rouanet, 1998: 75).

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente papper apresentou uma possível historiografia do pensamento de


alguns expoentes do marxismo ocidental, dando-se especial ênfase à produção da
interlocução dos estudos de Marx e Freud, e à preocupação com o método.
Como acréscimo ao exposto, pode-se ainda de forma sumariada apontar que os
principais porta-vozes da tradição do marxismo ocidental não possuíam diferenças
relevantes entre as origens sociais de seus predecessores – com exceção de Gramsci –,
mas, geograficamente, vinham de regiões mais ocidentais, excetuando Lukács e seu
discípulo Goldmann. O sudeste alemão parece ter desenvolvido papel importante como
zona cultural e de formação diferenciada desta tradição. Lá nasceram Adorno e
Horkheimer, e estudaram Lukács e Marcuse.
Para Anderson, nesta tradição pode ser identificadas duas divisões. Uma geração cuja
experiência marcante em suas formações políticas foi ou a própria Primeira Guerra ou a
influência da Revolução Russa: Lukács, Korsch, Gramsci, Benjamin e Marcuse. E, a
segunda geração de intelectuais teriam amadurecido influenciada pelo contexto bem mais
tardio após a Primeira Guerra Mundial, em especial sob o terreno do avanço do fascismo
e da Segunda Guerra Mundial: por ordem cronológica de aproximação do marxismo,
temos Lefebvre, Adorno, Sartre e Althusser, Goldmann, Della Volpe e Colletti.
Essas duas gerações conformarão os principais traços essenciais do “marxismo
ocidental”, os quais lhe permitiriam defini-lo e demarcá-lo enquanto uma tradição
integrada. Quando se infere que o marxismo entre 1918 e 1968 sofreu um divórcio
estrutural com a prática política na Europa ocidental, deve-se mencionar que Lukács,
Korsch e Gramsci – os três primeiros teóricos importantes da geração surgida após a
década de 1920 e os verdadeiros criadores do modelo do marxismo ocidental, segundo
Anderson (2004: 50) – foram, em princípio, importantes líderes políticos em seus
respectivos partidos.
Cada um deles foi, também, participante ativo e organizador das insurreições de
massa da época; o surgimento de suas teorias, portanto, não pode ser compreendido
senão à luz desse passado político (idem).
Pode-se depreender que o marxismo na Europa de 1924 a 1968 sofreu com algumas
determinações de natureza externa:

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a. Efeitos do fascismo: ausência de qualquer levantamento revolucionário depois
de 1920, excetuando-se aqueles que ocorreram em países periféricos, como
Espanha, Iugoslávia e Grécia;
b. Resultado da stalinização dos partidos comunistas, impedindo qualquer
trabalho genuíno dentro da política;
c. Boom do desenvolvimento do capitalismo ao longo das décadas de 1950-60:
consolidação de sua fase monopolista
d. Dominação política burguesa via democracia representativa baseada no
sufrágio universal como o sistema normal e estável de Estado nos principais
países capitalista.
Merece menção que, com o desfecho da Segunda Guerra Mundial, ocorrem
mudanças no padrão geopolítico do marxismo:
 desaparecimento do comunismo na classe trabalhadora da
Alemanha Ocidental;
 emergência dos partidos comunistas de massa na França e na
Itália;
 crescente “academização” da teoria produzida na nova fase.
Os intelectuais marxistas da geração anterior à Primeira Guerra Mundial nunca
fizeram parte dos sistemas universitários da Europa central ou oriental. A forma de
unidade política entre teoria e prática que eles representavam era incompatível
com qualquer posição acadêmica. Em compensação, era comum que ensinassem
nas escolas do partido ou em cursos livres para trabalhadores, como mais uma
entre as várias atividades que exerciam numa vida de militância (ibidem, 69).

O abismo de quase cinqüenta anos entre o pensamento socialista e o terreno da


revolução popular propiciou uma linguagem hermética e marcada pelo especialismo
no marxismo ocidental. Essa censura histórica funcionou, ainda, como pólo
magnético, a agulha da bússola de toda essa tradição tendia a apontar cada vez mais
na direção da cultura burguesa contemporânea (ibidem, 75).
Para Anderson, a vitalidade do pensamento burguês com seu epistemologismo
neopositivista, marcadamente de correntes irracionalistas, se deu sob o sucesso –
provisório – da restabilização do imperialismo e da stalinização do movimento
comunista pós Segunda Guerra. O novo relacionamento aberto entre teoria marxista e
teoria burguesa se deu não só por falta da prática revolucionária das massas no
Ocidente, mas pelo bloqueio de qualquer avanço socialista nas nações capitalistas
avançadas.

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O mais notável aspecto do marxismo ocidental como uma tradição comum talvez
seja, portanto, a presença e influência constantes de sucessivos tipos de
idealismos europeus. A natureza do relacionamento entre os dois sempre foi
complexa, envolvendo assimilação e rejeição, apropriação e crítica. (...) Estas
correlações culturais – que deram as linhas gerais do pensamento de Lukács,
Gramsci, Marcuse, Sartre e Althusser – são apenas as mais importantes e
expressivas dentro do marxismo ocidental, já que em todos os seus representantes
encontram-se relações semelhantes (ibidem, 76-7, grifos meus).

A influência do idealismo, em especial, sob a feição do idealismo alemão pode ser


encontrada nas seguintes relações:
 Lukács – História e consciência de classe (1923) – influenciada pela sociologia de
Weber (categorias de “racionalização” e “consciência atribuída”) e Simmel
(“reificação”) e pela filosofia de Dilthey (hostilidade às ciências naturais) e Hegel;
 Gramsci – Cadernos do cárcere – diálogo com Croce e Maquiavel;

 Escola de Frankfut: a partir dos anos 1930, seria permeado pelos conceitos e
teses da Psicanálise. Em Eros e civilização, de Marcuse, ver-se-á os conceitos de
“repressão”, “sublimação”, “princípio da realidade”, “princípio do desempenho”,
“Eros” e “Tânatos”. Marcuse publicou Razão e revolução, em 1941, com o
subtítulo Hegel e o advento da teoria social. Para Anderson, esse texto foi a
primeira tentativa de uma análise marxista de todo o pensamento hegeliano, em
todas as suas fases, como preparação e pré-condição da obra de Marx (ibidem,
81).
 Sartre – antes de passar para o marxismo, ele era o mais eminente filósofo
existencialista da França, formado por Heidegger e Husserl: passagem de muitos
dos conceitos presentes em “O ser e o nada” para “A crítica da razão dialética” –
“facticidade” para “escassez”; “inautenticidade” para “serialidade”; “para si e em si”
para “grupo em fusão”. Sartre citado por Anderson teria afirmado que
...o marxismo do século XX tendia a se tornar um neo-hegelianismo petrificado,
revalidando desse modo o protesto do existencialismo em nome da experiência
individual e contra um sistema objetivista universal (ibidem: 82).
 Althusser – Bachelard (filósofo: “problemática”); Canguilhem (historiador da
ciência: “corte epistemológico”), ambos com tendência psicologista; Lacan e Freud
(“sobredeterminação”).
Deve-se registrar, no entanto, que a influência de um único pensador idealista podia
se capilarizar a vários teóricos marxistas diferentes e ser adaptado ou interpretado em

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direções distintas. Anderson parece demonstrar preocupação no âmbito das inovações
temáticas do marxismo ocidental com a interlocução realizada com Marx e Freud e cita:
Esta contínua junção com sistemas de pensamento contemporâneos alheios ao
materialismo histórico, e muitas vezes confessadamente antagônicos a ele, era algo
inédito na história da teoria marxista de antes da Primeira Guerra (ibidem, 78).
No entanto, se sínteses unidimensionais reduzem o caráter dialético tanto da obra de
Marx como a de Freud, os desafios postos na realidade após o segundo grande conflito
mundial exigem problematizações responsivas aos problemas construídos na formação
sócio-econômica e política da qual fazem parte, a partir de uma posição metodológica
plural e histórica, assentada nos princípios da totalidade e da contradição. A evocação da
dialética para a ancoragem de qualquer problematização contemporânea parece-me
requerer uma ênfase às categorias teóricas que tenham condições de exprimirem formas
e condições de existência (Marx apud Lukács, 2003: 69).
Para Anderson, então, o lema geral do marxismo ocidental na fase posterior à
Segunda Guerra será o teoricismo que, efetivamente, omite todo o problema material da
unidade entre teoria e prática como vínculo dinâmico entre o marxismo e a luta
revolucionária de massas. Cada sistema individual dessa tradição recebeu uma
pluralidade de determinações, produzindo assim uma ampla heterogeneidade de teorias.
O quadro mais amplo das inovações de temas substantivas ao marxismo ocidental
também deve ser avaliado de forma positiva, pois, refletiram ou anteciparam problemas
reais e centrais, como a estabilização política no Estado capitalista, discutida por Gramsci;
a ecologia com a contribuição da Escola de Frankfurt; e a burocracia, em Sartre.
Desta forma, para Anderson, ajustar contas com esta tradição – aprendendo e
rompendo com ela – é um dos pré-requisitos para uma renovação da teoria marxista hoje.
(2004: 114)

29
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