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Teoria e Metodologia do Serviço Social A construção do conhecimento

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Metodologia
do Serviço Social
Teoria e

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Cap.I.p65
Neila Sperotto

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Teoria e Metodologia do Serviço Social A construção do conhecimento
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Metodologia
do Serviço Social
Teoria e

25/1/2011, 16:25
3
Cap.I.p65
ISBN 978-85-7697- 128-3
1ª Edição.
© 2009, ULBRA.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro poderá ser


reproduzida por qualquer meio, sem autorização prévia da autora, por
escrito. O Código Penal Brasileiro determina, no Artigo 184, pena e san-
ções a infratores por violação de direitos autorais. Qualquer semelhança
é mera coincidência.

S749t Sperotto, Neila


Teoria e metodologia / Neila Sperotto. – Porto Alegre :
Imprensa Livre, 2009.
Neila Sperotto

152 p. ; 22 cm.

ISBN 978-85-7697-128-3

1. Normalização. 2. Metodologia científica. I. Título

Obra coletiva organizada pela Universidade Luterana do Brasil.

4 Informamos que é de inteira responsabilidade dos autores a


emissão de conceitos.

CDU 001.8

Catalogação elaborada por: Evelin Stahlhoefer Cotta – CRB 10/1563

Coordenação Editorial
Karla Viviane

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Porto Alegre/RS – CEP 90830-530
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Teoria e Metodologia do Serviço Social
Apresentação

Nesta obra vamos destacar os fundamentos teórico


práticos do trabalho social, com a finalidade de demonstrar
a construção dos conhecimentos produzidos no Serviço
Social, que fornecem as condições teórico-metodológicas
para o estudo da realidade social e apreensão da questão
social como produtora da exclusão social e das
desigualdades de renda.
Estes conhecimentos teóricos são materializados na
7
prática profissional quando da intervenção junto à população
usuária dos serviços sociais. Historicamente, a realização A construção do conhecimento
do trabalho do assistente social se deu pelo conjunto de
ações realizadas diretamente com os indivíduos, as famílias,
os grupos e as comunidades, bem como na necessária, e
cada vez mais solicitada aos assistentes sociais,
administração e gestão de organizações, serviços,
programas e projetos sociais.
A estrutura da obra está organizada para que, de
forma didática, você apreenda como a teoria e a
metodologia da profissão foi sendo construída ao longo do
tempo. É necessário ter em mente que esta construção
não está acabada e encontra-se permanentemente em
processo de elaboração, de críticas e reconstrução de
saberes. Isso revela a condição de provisoriedade desses
saberes.
Algumas informações conceituais vocês já possui e

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pode (e deve) relembrá-las na leitura do material das obras
sobre Introdução ao Serviço Social e História do Serviço
Social.
Em um primeiro momento você pode pensar que é uma
repetição de alguns conteúdos que você já estudou em
outras obras, mas leia com mais atenção que logo
identificará os aprofundamentos. E lembre-se também que
a história se inscreve em um movimento, é construída e
reconstruída. Estamos sempre voltando ao passado, com
condições mais bem formuladas para compreendê-lo, o que
Apresentação
possibilita uma apreensão do presente e um projeto em
evolução que, certamente, coexiste com saberes
preexistentes. Feitas estas considerações acredita-se que
descobrirá muitas outras especificidades desses
conhecimentos teórico-práticos dessa ação profissional.
Neila Sperotto

Vamos iniciar discutindo o papel da teoria e da


metodologia na construção do conhecimento científico,
analisando a sua influência na constituição da teoria e
metodologia no Serviço Social.
Exploraremos um pouco mais os antecedentes
metodológicos por meio da análise dos três métodos
8 tradicionais de Serviço Social que você já conhece: o
Serviço Social de Caso, o Serviço Social de Grupo e o
Serviço Social de Comunidade.
Esta análise pretende evidenciar a abordagem realizada
pelos profissionais do Serviço Social em cada período no
Brasil e no mundo. A opção por uma compreensão política/
história pretende dar espaço às discussões realizadas pelos
principais autores do Serviço Social em cada época, isso
certamente dará uma noção das bases que norteiam as
práticas profissionais dos Assistentes Sociais hoje.

Neila Sperotto

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
Sumário

Capítulo I
A construção do conhecimento,11

Capítulo II
A construção da Ciência Social nos séculos XIX e XX,23

Capítulo III
A precursora,41
9
Capítulo IV A construção do conhecimento
O método de caso,57

Capítulo V
O método de grupo e de comunidade,69

Capítulo VI
A teoria do Serviço Social,79

Capítulo VII
Uma concepção teórica da reprodução
das relações sociais,95

Capítulo VIII
A metodologia dos Serviço Social,105

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Capítulo IX
Ciência e contemporaneidade,125

Capítulo X
A construção do conhecimento do Serviço Social na
contemporaneidade,133
Neila Sperotto

10

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. I
A construção do
conhecimento

1 Introdução
O conhecimento pode ser definido, grosso modo, como a
capacidade que o ser humano tem de pensar e compreender a
relação existente entre si e o objeto a ser conhecido. Ninguém 11
inicia o ato de conhecer desprovido de instrumentos, pois

A construção do conhecimento
existem muitas formas de conhecimentos, umas mais elaboradas
e complexas, outras menos.
O ato de conhecer é simultâneo à transmissão da cultura
pela educação social a qual todos somos acolhidos a partir de
nossa aparição no mundo. Nossos pais e familiares vão, pouco
a pouco, nos introduzindo ao mundo dos conceitos e teorias.
Quando nos ensinam, por exemplo, que o fogo queima,
aprendemos algo sobre a temperatura, embora ainda não
conheçamos as Leis da Termodinâmica e não sabemos o porquê
que isso acontece. Da mesma forma quando nos ensinam que
caímos quando pulamos da cadeira, utilizam um conceito físico
conhecido por Lei da Gravidade.
A história tem nos mostrado que, no decorrer dos tempos,
a forma como o ser humano entrou em contato com o mundo
foi modificando-se, isso nos faz acreditar que a capacidade da
razão ou do raciocínio humano se deve às condições de
identificar as semelhanças e diferenças existentes nos objetos

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que o rodeiam. Isso vai possibilitando que novos saberes sejam
construídos.

2 A construção do
Conhecimento Teórico
Em qualquer situação do cotidiano de nossas vidas
experimentamos um ato de conhecer que se encontra primeiro
no nível da intuição, da experiência vivida. Aqui a intuição está
sendo entendida como forma de conhecimento imediato, sem
intermediários, e não como popularmente se costuma atribuir o
significado: de algo transcendental, mágico.

A intuição pode ser de vários tipos:


Neila Sperotto

• Intuição sensível – é o conhecimento imediato que


nos é fornecido pelos órgãos dos sentidos, é o que nos qualifica
para sabermos que faz calor ou frio, para vermos que as folhas
das árvores são verdes ou secas, para ouvirmos se uma criança
12 está chorando ou rindo, para sabermos se a água do mar é
doce ou salgada, para sentirmos o cheiro das flores, para
sentirmos a maciez da pele de um bebê.
• Intuição inventiva – é o conhecimento do artista
quando, repentinamente, descobre uma nova maneira de fazer
o seu trabalho, ou mesmo em sua vida, quando, subitamente,
diante de certa situação ou adversidade, encontra uma solução
não usual. Existem ainda os inventores que criam novos produtos
ou objetos sem possuírem uma formação específica para tal.
• Intuição intelectual – é a que resulta de uma atitude
intencional de capturar a essência de um objeto de investigação
ou estudo, do cientista que percorre um caminho metodológico
ainda não testado.

A intuição é uma forma de conhecer o mundo em que


vivemos, mas consideramos que a Razão supera as formas
intuitivas que só correspondem às experiências concretas e
imediatas que são produzidas pela experiência. Este
conhecimento também pode ser chamado de conhecimento

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
tácito.
Outro tipo é o conhecimento teórico, aquele que é
mediato, ou seja, é construído por meio de conceitos. Neste
processo, o pensamento ou a razão operam pela articulação
de um conjunto de saberes previamente existentes e que,
geralmente, são confirmados pelas experiências.
O conhecimento racional busca realizar abstrações que
permitem ao sujeito afastar-se de sua experiência concreta a
fim de capturar a essência do objeto, em uma tentativa de
separá-lo da representação deste objeto, pois certamente já
temos a imagem do objeto ou uma representação mental sobre
o fenômeno.
A título de exemplo, podemos lembrar dos primeiro anos de
escola, quando aprendemos a realizar adições, subtrações e
divisões com enunciados como: João tinha seis maçãs,
encontrou sua prima Maria e lhe deu duas maçãs, quando
chegou à escola deu uma maçã para a professora de ciências e
uma maçã para o professor de futebol, no recreio comeu uma
maçã. Quantas maçãs João levou para casa?
Note que no inicio tínhamos que ter uma ideia concreta
sobre a operação matemática. O enunciado do problema trazia
informações concretas de situações vivenciadas por nós no 13
cotidiano. O personagem tinha um nome e a ação ocorria em
A construção do conhecimento
um local onde concretamente existia a possibilidade da situação
ocorrer. Quando ainda não temos consolidado os conceitos que
regem as operações matemáticas precisamos de informações e
imagens concretas para sermos capazes de materializar a
subtração, ao passo que, quando já somos capazes de abstrair,
podemos somente considerar a quantidade. Entretanto, ainda
assim continuamos com uma representação mental sobre a
subtração que foi construída pelo conhecimento racional. Isso
possibilita a generalização e a possibilidade de construir uma
forma de se comunicar mundialmente. Onde estiver escrito o
enunciado: 6-2-1-1-1 = 1 sabemos que João voltou para casa
com 1 maçã, sem a necessidade de representá-lo
concretamente e pessoalmente.
Quanto mais nos dedicamos ao estudo dos conceitos
matemáticos, mais somos capazes de realizar operações
complexas, como por exemplo, as utilizadas para os cálculos

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de estruturas realizados na engenharia civil, que possibilitam a
construção de edifícios, pontes e viadutos.
A capacidade de abstração é o que nos possibilita
transformar conhecimentos teóricos em práticas que são
construídas a partir de metodologias. No Serviço Social não é
diferente da Matemática, pois primeiro devemos apreender
conhecimentos ou saberes da realidade social e cultural de
cada sociedade, aliado aos conhecimentos de socialização e
de relações sociais construídos historicamente pelo ser humano.
São saberes científicos advindos de várias ciências que nos
possibilitam compreender o homem como um ser biológico e
social.
O conhecimento científico é passível de abstração e diz se
que ele é fruto de uma complexificação da razão. A ciência
pretende superar o conhecimento intuitivo, buscando
Neila Sperotto

transcender a experiência concreta, para oferecer uma


representação do real, que pode ser considerada para fins de
transformação da realidade. Este esforço se justifica pela
possibilidade de conhecer sem passar pela experiência concreta,
não sendo preciso cometer sempre os mesmos erros para
acertar, e isso nos possibilita evoluir rapidamente.
14 Imagine se todos ainda precisassem queimar as mãos para
saber que o fogo queima. E pensem agora em todas as formas
que já foram desenvolvidas para aproveitar a energia do fogo,
que no inicio dos tempos servia simplesmente para a preparação
de alimentos, passando depois a ser utilizado para a fundição
de metais, ainda na pré-história e utilizado também para este
fim até a atualidade.
Espera-se que este exercício de abstração desperte em
você a curiosidade para saber mais sobre a construção do
conhecimento e que evidencie a importância do conhecimento
científico para a vida cotidiana. Isso porque, como futuro
profissional do Serviço Social, o conhecimento científico é
fundamental para ajudá-lo a compreender as diversas visões
de homem e mundo que se evidenciam na prática profissional
junto aos indivíduos, famílias e comunidades. Você vai precisar
estudá-los. Sabendo identificar qual é esta visão, saberá com
certeza propor uma transformação na realidade social de cada
cidadão ou cidadã, que esteja em sintonia com as possibilidades

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
de concretização e, ainda, identificar concepções que precisam
ser iluminadas e crenças que devem ser desestimuladas, para
que o novo possa fazer parte da realidade social vivenciada
pela população, trazendo melhorias na qualidade de vida.

3 A Teoria do
Conhecimento
Para compreender a teoria do conhecimento é necessário
que se visite novamente alguns expoentes da filosofia, que é
uma disciplina que investiga os problemas que se originam da
relação do sujeito com o objeto do conhecimento, ou seja, do
homem com o mundo.
Conhecer a trajetória histórica do conhecimento científico
possibilita a você identificar, na sociedade do século XXI, ainda
influências do pensamento e da forma de compreender o mundo
dos filósofos da Antiguidade e da Idade Média. Lembre-se de
que, como faz parte da sociedade, você possivelmente
reproduza ou utiliza bases desse conhecimento no cotidiano.
Estas ideias geralmente estão arraigadas nos nossos hábitos,
15
nos clichês, nos preconceitos, nas ideologias.
Frases como “pau que nasce torto morre torto”, “mulher A construção do conhecimento
deve ficar em casa cuidando dos filhos”, “é um absurdo o
casamento de homossexuais”, “só não trabalha quem não quer”,
“filho de peixe peixinho é”, “se Deus quiser”, “Deus dá o frio
conforme o cobertor”, enfim, estes e muitos outros ditos nos
colocam diante da constatação de que o pensamento e a
compreensão do mundo em que vivemos ainda estão poluídos
pelo pensamento dos séculos passados.
Sugerimos o livro “O Mundo de Sofia”, de Jostein Gaarder,
pois é uma leitura leve e que retrata com precisão e com
exemplos do cotidiano a história da filosofia, dedicando um
capítulo para cada grande filósofo da antiguidade. Neste livro o
autor inicia discutindo a existência do Jardim do Éden dizendo
“... afinal de contas, algum dia alguma coisa tinha de ter surgido
do nada”1 onde nos convida a responder perguntas como:
1
GAARDNER, 1995, p. 13.

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• “Quem é você?”
• “De onde vem o mundo?”

Esta proposta do autor se deve a sua crença de que “... a


única coisa de que precisamos para nos tornarmos bons filósofos
é a capacidade de nos admirarmos com as coisas...”2 e de que
existem questões que interessam a todos os seres humanos
independentemente de onde vivem. Esta questão refere-se a
que “nós temos a necessidade de descobrir quem somos e por
que vivemos”3.
Muitas respostas já foram dadas no decorrer da história e
estas convivem na sociedade até hoje, dependendo do acesso
ao conhecimento e as experiências que cada grupo social teve.
Nos primórdios da civilização, as perguntas eram respondidas
pelas religiões por meio dos mitos. A filosofia é a forma nova de
Neila Sperotto

pensar e compreender o mundo, surgida na Grécia antiga por


volta de 600 a.C. Desde então foram formuladas inúmeras
respostas e explicações. O conjunto de respostas que damos
para estas questões chamamos visão de homem e mundo.
Basicamente, as principais diferenças nas respostas filosóficas
são as que constituem as bases de uma teoria e, por
16 conseguinte, norteiam o processo metodológico.
Entender como esses aspectos são relevantes para a
construção das teorias e metodologias construídas em cada
uma das profissões é fundamental, não só para identificá-las,
mas principalmente para reconhecermos em nós a necessidade
de modificar nossa forma de compreender o mundo, pois a
diferença existente entre um profissional técnico e a opinião
de um cidadão comum é a capacidade que os técnicos
constroem para “enxergar” além das aparências, compreendendo
um fenômeno social a partir da abstração do conhecimento
científico e sendo capaz de proferir uma explicação diferente
das do senso comum.
Esta compreensão diferenciada do fato social4, respaldada
pela ciência, é o que vai permitir com que seja um Assistente
Social. Você mesmo vai poder identificar quando estará se

2
Ibid., p. 22.
3
Ibid., p. 24.
4
Devemos considerar os fatos sociais como “coisas”. Para Durkheim, “coisa” é algo

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
tornando um profissional. Este processo só se inicia no momento
em que não se contentar em repetir simplesmente o que sempre
pensou, no momento em que você começar a questionar as
verdades que você cresceu aprendendo, quando suas certezas
forem abaladas e você não encontrar no conhecimento do senso
comum respostas satisfatórias para a ocorrência dos fatos
sociais. Neste momento você estará se tornando um profissional.
O processo de questionar a ordem existente, a postura de
escutar de forma livre de preconceitos as situações vivenciadas
no cotidiano, vão permitir que você, quando for Assistente
Social, compreenda o que ocorre com um marido quando este
bate em sua esposa. Não para aceitar ou justificar o ato que
precisa ser erradicado da nossa sociedade, mas para conseguir
identificar formas de proteger essa mulher, responsabilizar esse
homem e libertá-los do aprendizado social que receberam e
vêm reproduzindo na sociedade, onde a violência de gênero
era justificada e aceita.
Os Assistentes Sociais precisam compreender a violência
doméstica de forma diferente dos vizinhos ou de pessoas da
família, pois se continuar acreditando nas explicações do senso
comum, que geralmente colocam a mulher que sofre violência
como “uma pessoa que gosta de apanhar” ou “que em briga de 17
marido e mulher ninguém bota a colher” – explicações e certezas
A construção do conhecimento
que certamente já ouviram – que mudança social os profissionais
podem promover? Uma compreensão diferente do senso
comum para a compreensão da violência doméstica é
possibilitada pelo conhecimento teórico produzido pelas ciências
sociais que se tem à disposição no processo de formação dos
cursos de Serviço Social e ainda na metodologia do trabalho
profissional. Este conhecimento nos possibilita promover na
prática a transformação desta realidade social, visto que a
violência doméstica, por exemplo, não é um problema privado
específico de um único lar, mas se constitui como um fato
social, pois possui as três características descritas por Émile

Sui generes, ou seja, é dotado de uma lógica própria. Precisamos limpar toda a
mente de prenoções antes de analisarmos fatos sociais. Essas “noções vulgares”
desfiguram o verdadeiro aspecto das coisas e que nós confundimos com as
verdadeiras coisas. As prenoções são capazes de dominar o espírito e substituir a
realidade. Esquecidas as prenoções devemos analisar os fatos sociais
cientificamente (extraido de http://pt.wikipedia.org/wiki/fato social em 02 de janeiro
de 2009).

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Durkheim:

• Coercitividade – característica relacionada com a força


dos padrões culturais do grupo que os indivíduos integram.
Estes padrões culturais são de tal maneira fortes que obrigam
os indivíduos a cumpri-los.

• Exterioridade – esta característica transmite o fato


desses padrões de cultura serem exteriores aos indivíduos, ou
seja, ao fato de virem do exterior e de serem independentes
das suas consciências.

• Generalidade – os fatos sociais existem não para um


indivíduo específico, mas para a coletividade. Podemos perceber
a generalidade pela propagação das tendências dos grupos
Neila Sperotto

pela sociedade.

Esperamos que tenha ficado clara a importância de se


conhecer a trajetória da construção do conhecimento teórico
para que fique mais fácil o entendimento de como a visão de
homem e mundo interfere em nossa vida profissional e pessoal,
18 e a importância da ruptura da compreensão de senso
comum que temos para incorporar uma postura científica.
Você quer ser um Assistente Social? Comece agora mesmo
o exercício de encontrar várias explicações para um mesmo
fato social e identificar qual é uma concepção de senso comum
e uma compreensão teórica deste mesmo fato social. Você vai
se surpreender com as descobertas.
Marilena Chauí, uma importante filósofa brasileira de nosso
tempo, no seu livro “Convite à Filosofia”, em uma linguagem
muito clara nos ensina como assumir uma atitude crítica. Convida
a questionar as evidências do cotidiano para conseguirmos
romper com esta atitude de aceitação passiva diante das crenças
e explicações causais lineares. Diz que as perguntas inesperadas
oportunizam tomar uma distância de si mesmo e da vida
cotidiana para atingir uma atitude filosófica que requer indagar,
perguntar, investigar, estudar para compreender.

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
As indagações filosóficas se realizam de modo sistemático.
Que significa isso? Significa que a filosofia trabalha com
enunciados precisos e rigorosos, busca encadeamentos
lógicos entre os enunciados, opera com conceitos ou ideias
obtidos por procedimentos de demonstração e prova, exige
a fundamentação racional do que é enunciado e pensado.
Somente assim a reflexão filosófica pode fazer com que nossa
experiência cotidiana, nossas crenças e opiniões alcancem
uma visão crítica de si mesmas.5

O caminho proposto pela autora para chegar ao pensamento


sistemático, onde não existe lugar para o “acho que” ou um
“eu gosto de”. O pensamento sistemático que é dotado da
postura de incerteza utiliza-se de um método Socrático, onde
guia-se pelo princípio da célebre frase: “Sei que nada Sei”,
sendo esta, segundo Sócrates, a única verdade filosófica.

19
A construção do conhecimento

5
CHAUÍ, 1994, p.15.

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Crenças (relações casuais) «» evidências (não são questionadas)

»
Perguntas (inesperadas) «» tomar distância de
si mesmo/da vida cotidiana

»
Atitude filosófica
(Indagar, perguntar, investigar para compreender)
O que? Natureza, significação
Como? Estrutura, relações
Por que? Origem, causa
Negativa » Positiva

Dizer Não O que são?


senso comum Coisas, ideias, fatos, situações
preconceito comportamentos, valores, nós-
prejuizo mesmos
Estabelecido
Neila Sperotto

Atitude crítica
pensamento crítico
Sócrates: sei que nada sei
Platão: admiração
Aristóteles: Espanto
20
»

Perguntamos ao próprio pensamento o pensamento


volta para si mesmo
»

Reflexão filosófica
»

Motivação, razões, causas Pensar


conteúdo, sentido, Dizer
intensão/finalidade Fazer
»

Eu penso que
(Eu acho que: opinião, crença)
»

Pensamento sistemático
Demonstração, prova racionais
(rigor do pensamento)

Figura 1 – Quadro Resumo de Marilena Chauí

Cap.I.p65 20 25/1/2011, 16:25


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Uma dica: diante de qualquer fato social que você já possui
uma opinião faça sempre as perguntas sugeridas por Marilena
Chauí. Observe a sequência do encadeamento lógico, de onde
vem e para onde leva o raciocínio. As relações horizontais e
verticais nos levam a desenvolver um raciocínio lógico dentro
do método científico.

4 Conclusão
Neste primeiro capítulo a aproximação com a teoria do
conhecimento pretendeu levar ao entendimento de que, mesmo
existindo teorias e metodologias, essas não devem simplesmente
ser “aplicadas na prática” como comumente se vê dizer. Um
profissional de nível especializado, como o Assistente Social,
tem o compromisso social de também produzir conhecimentos
a partir da sua intervenção na realidade social, que inicia com
o estudo de cada situação que se apresenta no cotidiano do
trabalho social.
Para tanto, há de se ter em mente que existem teorias
nas Ciências Humanas e Sociais que, mesmo tendo sido
construídas nos séculos XIX e XX, são ainda fundamentais 21
para iniciar o processo de compreensão da realidade social na

A construção do conhecimento
qual desenvolve-se o trabalho do Assistente Social, com vistas
à consolidação de um conhecimento sistemático. Basicamente,
no Serviço Social você encontrará muitas referências às teorias
filosóficas e às ciências sociais. Algumas serão destacadas no
capítulo seguinte.

Cap.I.p65 21 25/1/2011, 16:25


Neila Sperotto

22

Cap.I.p65 22 25/1/2011, 16:25


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. II
A construção da Ciência
Social nos séculos XIX e XX

1 Introdução
Como já vimos no capítulo anterior, o conhecimento foi
sendo produzido ao longo dos séculos, a partir da inserção do
ser humano no mundo, e se perpetuou por meio das crenças e 23
processos de socialização nos quais todos somos educados
nos séculos XIX e XX
A construção da Ciência Social
até chegar a um nível de maturidade em que a forma de conhecer
transcendeu a experiência e a intuição e elevou-se ao status
de ciência, produzindo o que hoje chamamos conhecimento
científico ao conjunto de enunciados e teorias que embasam
as ações profissionais.
Partindo do princípio de que a ciência se constroi a partir
da observação do real, os referenciais teóricos contribuem de
forma fundamental para a construção das ciências humanas e
sociais que, pela observação do contexto sociohistórico do
século XIX, clamava por explicações que pudessem dar uma
esperança de organização. Este século foi marcado por grandes
rupturas e instauração de novos hábitos resultado do processo
de industrialização. As instituições sociais tradicionais se
encontravam enfraquecidas, havia muitos questionamentos,
valores tradicionais eram rompidos, este cenário era frutífero
para a emergência de novos conhecimentos científicos e a
sociedade estava necessitada destes.

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Uma teoria geral possibilita ao profissional parâmetros e
métodos eficazes para a observação do real. Assim, o referencial
teórico ajuda na codificação do conhecimento concreto
existente no real, que pode orientar a formulação de hipóteses
gerais para o estudo dos acontecimentos, ideias e situações
concretas que se colocam no cotidiano da prática profissional.
Isso ajuda a acumular conhecimento sobre os aspectos mais
frágeis e fragmentados do fato social estudado, o que dá
respaldo para produzir as propostas de transformação da
situação e evidencia quais os pontos onde deve ser focado e
intensificado o trabalho social.
Percebemos que a teoria é um guia para a investigação e
estudo nas ciências sociais, é o ponto de partida que facilitará
o controle das distorções e interpretações do pesquisador na
hora de analisar os dados.
Neila Sperotto

A pesquisa só se encaminha de forma científica se possuir


um referencial teórico que direcione os seus passos, para que
não tome outro caminho e que não cometa vieses no tratamento
dos dados que estão sendo coletados e trabalhados.

Se, por um lado, as teorias são construídas a partir da


24 observação do real, por outro, o real só é conhecido através
do emprego de métodos científicos rigorosos.6

Podemos verificar na história que a preocupação pela


sistematização do conhecimento do homem vem desde o
princípio, até evoluir para a necessidade de se produzir um
conhecimento mais exato, mais fidedigno e livre de vieses. Mas
as divergências sobre a origem do homem, sua possibilidade ou
não de pensar e raciocinar, fizeram com que o problema por
muito tempo fosse visto apenas enquanto constituição do ser,
considerado em si mesmo, sem levar em conta o modo pelo
qual se manifestava e como se relacionava com os outros.
Kant foi o primeiro a limitar-se à observação do
comportamento humano, suas relações, concebendo o homem
como um ser que dispõe de um aparato mental, que o qualifica
como ser consciente.

6
HAGETTE, 1995, p. 12.

Cap.II.p65 24 25/1/2011, 16:20


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Mesmo com essas discussões epistemológicas, somente
no século XIX, com o positivismo de Comte e o materialismo de
Marx, inicia-se a discussão sobre a problemática política que
se reflete nas ações dos homens uns sobre os outros.

2 A Concepção Positivista
A concepção positivista de Auguste Comte, propositor da
Sociologia e o fundador do Positivismo (1789–1857), defendia
um modelo único de ciência. O positivismo de Comte propôs
refutar a ciência especulativa, a visão evolucionista e linear da
história. A filosofia positiva de Comte nega que a explicação
dos fenômenos naturais, assim como sociais, provenha de um
só princípio. A visão positiva dos fatos abandona a consideração
das causas dos fenômenos (Deus ou natureza) e torna-se
pesquisa de suas leis, vistas como relações abstratas e
constantes entre fenômenos observáveis. No quadro a seguir
encontra-se um fragmento do texto apresentado em http://
pt.wikipedia.org sobre August Comte. Sugerimos o acesso ao
hipertexto em sua integra.
25
Tendo por método dois critérios, o histórico e o sistemático,

nos séculos XIX e XX


A construção da Ciência Social
outras ciências abstratas antes da Sociologia, segundo Comte,
haviam atingido a positividade: a Matemática, Astronomia, a
Física, a Química e a Biologia. Assim como nestas ciências, em
sua nova ciência chamada de física social e posteriormente
Sociologia, Comte usaria da observação, da experimentação,
da comparação, da classificação e da filiação histórica como
método para a obtenção dos dados reais. Comte afirmou que
os fenômenos sociais podem ser percebidos como os outros
fenômenos da natureza, ou seja, como obedecendo a leis
gerais. Pode-se dizer que o conhecimento positivo tem como
fundamento “ver para prever, a fim de prover” – ou seja:
conhecer a realidade para saber o que acontecerá a partir de
nossas ações, para que o ser humano possa melhorar sua
realidade. Dessa forma, a previsão científica caracteriza o
pensamento positivo. O espírito positivo, segundo Comte, tem
a ciência como investigação do real. No social e no político, o
espírito positivo passaria o poder espiritual para o controle

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dos “filósofos positivos”, cujo poder é, nos termos comtianos,
exclusivamente baseado nas opiniões e no aconselhamento,
afastando-se a ação política prática desse poder espiritual –
o que afasta o risco de tecnocracia. O seu método em termos
gerais caracteriza-se pela observação, mas deve-se perceber
que cada ciência, ou melhor, cada fenômeno tem suas
particularidades, de modo que o método de observação para
cada fenômeno será diferente.
Além da realidade, outros princípios caracterizam o
Positivismo: o relativismo e o espírito de conjunto (hoje em
dia chamado de “holismo”). Na verdade, na obra “Apelo aos
conservadores”, Comte apresenta sete definições para o
termo “positivo” a saber: real, útil, certo, preciso, relativo,
orgânico e simpático.
Neila Sperotto

A sociologia de Comte promoveu o destaque para o papel


das elites intelectuais, esclarecidas e defendeu a imparcialidade
científica, condenando a influência da ideologia política,
interferindo na construção da ciência, na busca de construir
um método e uma doutrina política capaz de dotar o cientista
de uma imparcialidade absoluta. Para evitar as influências da
26 igreja, defendeu a ciência como nova religião.

Estes princípios, segundo Comte, proporcionariam:

• Exatidão científica x imprecisão filosófica


• Fundamentação x especulação
• Real x quimérico
• Útil x inútil
• Verdade x ilusão
• Eficaz x diletante
• Empírico x abstrato
• Objetivo x opinativo

Tendo o Positivismo inaugurado o status de Ciência para


as Ciências Humanas e Sociais que até então estavam igualadas
as artes, em função de não ter uma metodologia que garantisse
o tão exigido rigor científico já conquistado pela ditas ciências
exatas, a sociologia moderna foi inaugurada pelo Funcionalismo

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
de Durkheim. Esse foi um dos métodos muito difundidos e
utilizados na construção das ciências sociais ao longo destes
anos, que seguiu as premissas e doutrinas positivistas, aliados
a outros que inauguravam novas concepções e visões de homem
e mundo.
Acredita-se que o estudo do Funcionalismo, do
Estruturalismo e do Marxismo, referenciais teóricos que tem
contribuído para a construção das ciências humanas e sociais,
nos séculos XIX e XX, se estabelece em condição necessária
para verificarmos de que maneira cada um contribuiu e continua
contribuindo ainda hoje para a construção da ciência nas áreas
Humanas e Sociais e, consequentemente, nas metodologias do
Serviço Social. Para tanto, a seguir veremos cada uma delas.

3 O Funcionalismo
O funcionalismo tem interesse em verificar e apreender as
conexões funcionais. Para verificar estas relações é necessário
conhecer o conceito de função e do método de interpretação,
ou seja, a análise funcionalista.
A evolução do pensamento funcionalista passa por três 27
períodos: organizacionista – da constatação dos conceitos,
nos séculos XIX e XX
A construção da Ciência Social
período das orientações interpretativas e o período da visão
crítica e sistematização teórica.

1 – Período organizacionista – é marcado pela


transferência da conotação biológica da palavra “função” para
o campo da sociologia. O termo função é usado tanto para
definir função de nutrição, de relação e de reprodução, quanto
para exprimir a relação de correspondência entre estes
movimentos e as necessidades do organismo. O sistema não
era objeto de muitas preocupações e Spencer definiu a
sociedade como uma “entidade, composta de unidades discretas,
os indivíduos, mas possuidora de existência regulada” 7,
concluindo ainda com uma frase que respaldou logicamente
toda a sua produção organizacionista “as relações permanentes
que existem entre as partes de uma sociedade são análogas às

7
FERNANDES, 1972, p. 188.

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relações permanentes que existem entre as partes de um corpo
vivo”8.
Florestan Fernandes destaca de Spencer cinco itens da
teoria das funções: funções sociais, estrutura e função, princípio
da integração funcional, princípio da reversibilidade das funções
e princípio da vitalidade das funções.

• As funções sociais: são predominantemente descritas


a partir dos resultados alcançados pelas instituições, grupos e
estruturas sociais;

• Estrutura e função: são concebidas como parâmetros


independentes na dinâmica social;

• Princípio da integração funcional: as partes de uma


Neila Sperotto

sociedade são unidas por uma relação de dependência tão


rigorosa quanto às partes de um corpo vivo;

• Princípio da reversibilidade das funções: quando as


partes têm poucas diferenças, elas podem desempenhar
as funções de outras, entretanto sendo muito diferentes,
28 elas não podem desempenhas as funções de outras;

• Princípio da vitalidade das funções: a vitalidade


aumenta à medida que as funções se especializam.

2 – Período da construção dos conceitos e das


orientações interpretativas – Durkheim é o autor que mais
se destaca neste período em função de ter escrito duas obras
nas quais crítica a influência organizacionista, no que se refere
à definição de função social, pela analogia (organismo e
sociedade) sem que ao menos se preocupassem com as suas
consequências.
As preocupações deste teórico eram com o que ele
considerou uma patologia social. Descreveu a sociedade do
século XIX como doente de anomia, ou “anomana”. A anomia9
era a grande inimiga da sociedade, algo que devia ser vencido,

8
Ibid., p. 189.
9
A anomia é um estado de falta de objetivos e perda de identidade, provocado pelas

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
e a sociologia, segundo ele, era o meio para isso. O papel do
sociólogo seria, portanto, estudar, entender e ajudar a
sociedade. No trecho apresentado no quadro a seguir encontra-
se um fragmento do texto apresentado em http://
pt.wikipedia.org. Sugere-se o acesso no hipertexto com a
entrada “Émile Durkheim”.

Na tentativa de “curar” a sociedade da anomia, Durkheim


escreve “Da divisão do trabalho social”, onde ele descreve a
necessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânica
entre os membros da sociedade. A solução estaria em,
seguindo o exemplo de um organismo biológico, onde cada
órgão tem uma função e depende dos outros para sobreviver,
se cada membro da sociedade exercer uma função na divisão
do trabalho, ele será obrigado por meio de de um sistema de
direitos e deveres, e também sentirá a necessidade de se
manter coeso e solidário aos outros. O importante para ele é
que o indivíduo realmente se sinta parte de um todo, que
realmente precise da sociedade de forma orgânica,
interiorizada e não meramente mecânica.

Na obra “A Divisão Social do Trabalho”, o autor limitou-se 29


a estabelecer conexões de ordem sociológica, conexões
nos séculos XIX e XX
A construção da Ciência Social
funcionais existentes de fato entre os fenômenos, justificando

intensas transformações ocorrentes no mundo social moderno. A partir do


surgimento do Capitalismo, e da tomada da Razão, como forma de explicar o mundo,
há um brusco rompimento com valores tradicionais, fortemente ligados à concepção
religiosa. A Modernidade, com seus intensos processos de mudança, não fornece
novos valores que preencham os anteriores demolidos, ocasionando uma espécie
de vazio de significado no cotidiano de muitos indivíduos. Há um sentimento de se
“estar à deriva”, participando inconscientemente dos processos coletivos/sociais:
perda quase total da atuação consciente e da identidade. Este termo foi cunhado
por Durkheim em seu livro O Suicídio. Durkheim emprega este termo para mostrar
que algo na sociedade não funciona de forma harmônica. Algo desse corpo está
funcionando de forma patológica ou “anomicamente”. Em seu famoso estudo sobre
o suicídio, Durkheim mostra que os fatores sociais – especialmente da sociedade
moderna – exercem profunda influência sobre a vida dos indivíduos com
comportamento suicida. Segundo Robert King Merton, anomia significa uma
incapacidade de atingir os fins culturais. Para ele, ocorre quando o insucesso em
atingir metas culturais, devido à insuficiência dos meios institucionalizados, gera
conduta desviante. Seu pensamento popularizou-se em 1949 com seu livro:
Estrutura social e Anomia. A teoria da anomia de Merton explica porque os membros
das classes menos favorecidas cometem a maioria das infrações penais, explica
os crimes de motivação política (terrorismos, saques, ocupações) que decorrem de
uma conduta de rebeliões e explica comportamentos como os do alcoolismo e
tóxico-dependência (evasão). Obtido em “http://pt.wikipedia.org/wiki/Anomia.

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que a escolha do termo função se deu pelo fato de qualquer
outro ser inexato ou equívoco.
Durkheim apresenta as ideias de que é necessário
“determinar se há correspondência entre o fato considerado e
as necessidades gerais do organismo social e em que consiste
essa correspondência”. Assim “deve ser procurada a função de
um fato social na relação que ele mantém com algum fim
social”10.
Durkheim crítica o período organicista pelo fato de reduzir
a análise em termos de função aos seus limites explicativos. A
solução encontrada por ele aponta para a realização de pesquisa
separada: “quando, pois se pretende explicar um fenômeno
social, é preciso pesquisar, separadamente, a causa eficiente
que o produz e a função que ele preenche.11
O esforço é reconhecido como o passo decisivo na
Neila Sperotto

conceituação sociológica de função social e na fundamentação


da interpretação funcionalista dos fenômenos sociais.

3 – Período da visão crítica e de sistematização teórica –


este período é muito importante para o amadurecimento do
funcionalismo porque é criticado por um dos seus próprios
30 membros.
Merton fez a melhor crítica ao funcionalismo. Não
necessitamos recorrer a autores marxistas, por exemplo, para
identificar lacunas e fragilidades do funcionalismo. O próprio
Merton faz isso com conhecimento profundo.
A obra de Merton12 é preocupada com a teoria e a pesquisa
voltada para a operacionalização. Propõe uma reformulação do
funcionalismo apontando os riscos e prejuízos do método.
Os problemas do método:

• Os vocábulos da análise – categoria função pode ser


encontrada com vários conceitos. Esta fragilidade prejudica a
pesquisa, uma vez que fica a mercê de diversas concepções
do termo (um só termo, diversos conceitos), deixam margem
que impedem a lógica do procedimento (um só conceito, diversos

10
Ibid., p. 191.
11
Ibid., p. 193.
12
MERTON, 1968, p. 104.

Cap.II.p65 30 25/1/2011, 16:20


Teoria e Metodologia do Serviço Social
termos).
• Os postulados com bases falsas – postulado da
unidade funcional, o fato dos pesquisadores trabalharem com
sociedades simples, deram muita ênfase à integração, não
necessariamente todas as sociedades sejam funcionais. Merton
chama a atenção para o fato de nem a biologia ter este tipo de
postulado, pois acredita que a função e disfunção convivem,
além da possibilidade de existir fatos que não tenham função
nenhuma dentro do recorte que se faça.
• Postulado do funcionalismo universal – este
pressuposto de que função sempre se refere a resultado também
está equivocado.
• Postulado da indispensabilidade – supõe que existem
certas funções que são indispensáveis, dá origem a toda espécie
de problemas teóricos. Este postulado inviabiliza todo o processo,
além de ser reacionário e conservador.
• A análise funcional como ideologia – a questão da
análise funcional como elemento conservador, se dá pelo fato
de afirmar a invariabilidade entre os interesses. Este “perigo”
só ocorre se for estabelecido o postulado da indispensabilidade
que Merton também aponta como conservador e reacionário.
• A análise funcional como elemento radical – Merton 31
não prega a neutralidade, mas coloca que a análise funcional é
nos séculos XIX e XX
A construção da Ciência Social
neutra no sentido de que ela não vem em nome de (nada). O
marxismo sim vem em nome do socialismo.
“O fato da análise funcional ser entendida por uns como
inerentemente conservadora e por outros como intrinsecamente
radical, sugere que a análise funcional pode não implicar em
nenhum compromisso ideológico intrínseco, embora, como outras
formas de análise sociológica, ela possa estar imbuída de uma
extensa variedade de valores ideológicos”.13

• A ideologia e a análise funcional da religião – para


Merton é prematuro dizer que a religião garante a apatia do
povo, pois o sistema de religião é também revolucionário. As
diferenças das crenças fazem com que você perceba que não
é possível ter controle, uma vez que possuem diversas diferenças

13
Ibid., p. 106.

Cap.II.p65 31 25/1/2011, 16:20


entre elas.
• Funções manifestas e latentes – o real é pôr si só
embaralhado. Podemos ter uma visão equivocada do real, pois
mostra em sua aparência as coisas desarrumadas.

Note que o funcionalismo não estuda a disfunção ou não


função, ele estuda é como funciona. A busca é de como
funciona para saber o que tem se mantido para garantir o
funcionamento.
Preste bastante atenção para não se equivocar na
compreensão do pressuposto funcionalista, pois este aceita e
tem como pressuposto a existência de funcionalidades e
disfincionalidades, mas só se constitui seu objeto de estudo o
que é funcionalidade. Isso demonstra uma opção pelo estudo
da funcionalidade e não uma “cegueira” do cientista social. A
Neila Sperotto

questão que precisa ser colocada no nosso tempo é a


determinação e a certeza de que aqueles que não estão
“funcionando”, ou aquilo que se mostra disfuncional precisa ser
adaptado ao modelo funcional. Isso pode impedir a
transformação da realidade social e até mesmo o progresso,
destacado como a finalidade da sociedade pelo positivismo.
32 A análise funcional possui muitas possibilidades, uma vez
que privilegia o estudo de fenômenos recorrentes: família, escola,
organização, enfim, tudo o que vem garantindo a manutenção
da sociedade.
A expressão “produção social” leva em conta a produção
e reprodução, privilegiando a mudança para a continuidade,
não permite a mudança revolucionária, usando para explicar a
necessidade da mudança para continuidade a expressão “reforma
social”.
Para fazer uma observação a partir do método funcionalista
é necessário seguir alguns passos:

• Vínculo claro com o empírico.


• Decomposição por intermédio de processo analítico, o
contexto empírico em seus aspectos nucleares. Esta
decomposição se dá pela necessidade de agrupamentos
para possibilitar a construção de instrumentos apropriados
para o estudo de cada uma.

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
• Por meio de do desvelamento do como funciona,
percebem-se as consequências, pelo processo de
interpretação das conclusões alcançadas pelo estudo.
• Isto possibilita o planejamento da mudança, pois o
planejamento é funcional e a melhor forma de dar
continuidade ao fenômeno é fazendo uma mudança
planejada. Para tanto é importante estar atento para as
funções manifestas e latentes.

Segundo Merton14, é necessário que se identifique para o


estudo as funções manifestas (evidentes) que se referem às
consequências objetivas para uma unidade específica, que
contribui para o seu ajustamento ou adaptação, sendo esta
intencionada.
As funções latentes não são intencionadas, tendo a
possibilidade de incluir questões latentes – ideia da contingência,
de um imprevisto.
Por intermédio das análises interpretativas, o funcionalismo
pode ampliar o conhecimento do fenômeno, diminuindo os juízos
morais ingênuos, pois eliminar estruturas sociais existentes pura
e simplesmente sem a proposição de novas estruturas para
substituí-las, é desconsiderar o seu caráter de manutenção da 33
sociedade. Este é o risco que Merton chama a atenção.
nos séculos XIX e XX
Procurar a mudança social sem o devido reconhecimento das A construção da Ciência Social
funções manifestas e latentes desempenhadas pela
organização social que está sofrendo a mudança, é contentar-
se com o ritual social em vez de lançar mão da engenharia
social”.15

Ambos, função social e estrutura social, interagem


completando o ciclo de funcionamento do sistema social. Assim
não podemos deixar de considerar que um afeta o outro e é
afetado por ele, produzindo relações sociais, latentes e
contingenciais, que requerem mudanças estruturais. A estrutura
afeta a função e a função afeta a estrutura.

14
Ibid., p. 119.
15
Ibid., p. 149.

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4 O Estruturalismo
Destaca-se Lévi-Strauss como teórico que colocou o
estruturalismo como método, perspectiva, posição ou prisma
pelo qual pode ser encarado o social. Para tal:

Estruturalismo, estrutura, não é só método, mas visão


sociológica, modo de compreender o social, não pelo que
apresenta exteriormente, mas pelo que oculta, pelo que não
revela, que, entretanto, efetivamente, o acomoda.16

Qualquer estrutura precisa se situar em uma parte profunda


da realidade social, pois não está na aparência do fenômeno,
está profundamente dada pelo tempo.
Coloca estrutura sob dois aspectos: estruturas
Neila Sperotto

contingentes (que variam) e invariantes. O homem tem um


componente cultural que é contingente, e um natural que é
invariante. Biologicamente, homens brasileiros e franceses têm
estruturas invariantes, ao passo que os homens franceses são
geralmente mais galantes e românticos do que os homens
34 brasileiros. O comportamento amoroso possui uma estrutura
contingente. O método estruturalista consiste em encontrar
formas invariáveis em conteúdos diferentes.
A sociedade não é composta de uma única estrutura, mas
se estabelece a partir da interligação de diversas estruturas
que a constituem, obedecendo a um complexo de ordens. Assim
podemos admitir que o social seja composto por diversas
camadas de estruturas.
Esse todo social, segundo Lévi-Strauss, é formado por
três pilares: parentesco, totenismo e mito.

• O parentesco, em sua essência, é o que protege o


incesto, logo são invariantes, pois apenas modificam-se as
formas de relacionamento familiar, mas a base continua a mesma;
• O totenismo capta os signos que os homens usam para
se comunicar, captando as formas desta comunicação, que
são invariantes;

16
LEVI-STRAUSS, 1972, p. 191.

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
• O mito é o meio de extensão da cultura que é contingente.

Levi-Strauss era muito radical. Pelo seu método ficava


impossível haver movimento, pois admitia que o código em sua
essência seja igual em todos os tempos.
Somente após, Levi-Strauss considerou que o movimento
social se estrutura, desestrutura e se reestrutura, admitindo-
se que na pesquisa é importante o estudo das descontinuidades
e das rupturas.
É preciso capturar a essência do fenômeno para enxergar
sua estrutura, pois a estrutura não é nem uma verdade da
“coisa” nem sobre a “coisa”; a estrutura é a “coisa”. Assim
podemos dizer que no estruturalismo a estrutura é a essência
do fenômeno, aquilo que podemos chamar objeto de estudo.
No estruturalismo admite-se que existe uma parte da história
que o homem não faz, uma parte que o homem faz, mas não
pode se deixar levar pelo roldão, sob pena de não fazer sequer
uma parte da história. Isso porque tem que levar em conta que
o homem, para fazer história, necessita de sua parte biológica
por uma questão de sobrevivência.
O enfoque estruturalista tende a captar apenas o fenômeno
que é invariante a partir da base das relações sociais. Estas se 35
desencadeiam sempre pelas mesmas bases. O parentesco é
nos séculos XIX e XX
A construção da Ciência Social
uma base invariante, o homem tem características biológicas
para relacionar-se sexualmente. O parentesco é uma base
cultural, varia enquanto se refere às formas de se estabelecer
este parentesco, se monogâmico, poligâmico, matriarcal ou
patriarcal. Mas o que é essencialmente invariante é a proteção
ao incesto, pois não possuímos repulsa natural para não
relacionarmo-nos com parentes, apreendemos culturalmente
que este tipo de relacionamento sexual não promove a dinâmica
necessária para a perpetuação da sociedade.
Esse aspecto da inexistência de uma “repulsa” natural para
não nos relacionarmos sexualmente com pessoas de nossa
família foi frequentemente tratada na literatura de romances e
novelas, que mostravam, por exemplo, os casos de paixão e
amor entre irmãos de sangue que, separados na infância e não
sabendo da existência deste irmão, ao encontrá-lo na vida
adulta acabam por apaixonarem-se. Este é o mote que leva a

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necessidade da revelação de um segredo familiar. A concepção
de que o incesto é proibido e repulsivo é cultural, aprendido
socialmente. Concordamos que a prática do incesto é
antissocial e que deve ser erradicada da sociedade, mas estas
informações e teorias são muito úteis para compreendermos
muitas situações de abuso sexual de crianças e adolescentes
por familiares, situações que cada vez mais são objeto de
intervenção do Assistente Social.
O método estruturalista se constitui na materialização para
capturar a teia de relações que se estabelece no social, que
se apresenta para sistematizar a sua construção, a partir do
modelo que o constitui, como vem se constituindo e como vem
se mantendo.
Esse processo é que vai nos permitir reconhecer a
estrutura, a essência. Essa captura do processo demonstra o
Neila Sperotto

constante embate entre o real e o racional, compostos por


múltiplas hierarquias.

5 Marxismo
36 O Marxismo surgiu com a sociedade moderna, com a grande
indústria e o proletariado fabril. Apresenta-se como a
concepção do mundo que exprime este mundo moderno, as
suas contradições, os seus problemas, e que propõe, para
tais problemas, soluções racionais.17

Segundo Lefebvre, o marxismo é a corrente filosófica mais


influente da nossa época, construída a partir da filosofia clássica
alemã, a economia política inglesa e o socialismo utópico francês,
Marx expôs sua ideia generosa de possibilitar ao homem uma
sociedade igualitária. Por meio do pensamento de Hegel, maior
influência de Marx, que mesmo criticando seu idealismo,
consegue substituí-lo pelo materialismo.
Para construir este referencial, Marx apoiou-se em três
pilares fundamentais: a práxis, a alienação e o homem novo.
A práxis – pressuposto fundamental da concepção marxista
do homem, constituído de um conjunto de trocas antropológicas

17
LEFEBVRE, 1974, p. 17.

Cap.II.p65 36 25/1/2011, 16:20


Teoria e Metodologia do Serviço Social
que determina que o sistema de produção produz o homem, e
esta se dá pelo trabalho. O homem se realiza transformando as
relações sociais e de produção.
Alienação – é a segunda categoria básica da antropologia
marxista. Segundo Marx o homem, ao longo da história, perdeu
sua própria identidade, vítima do processo de produção que
era desumano.
Em Marx, a alienação de caráter econômico da sociedade
capitalista é radical, primordial e fonte de alienação social,
política, filosófica e religiosa, que se concretiza em quatro níveis:
alienação com respeito ao produto de seu trabalho, ao ser
genérico do homem, com respeito à própria atividade e em
relação a outro homem.
Além de descrever a situação alienada do homem da
sociedade capitalista, forneceu as condições de mudança futura
para um “homem novo”.
Homem novo – para que este homem novo apareça é
necessário que se crie a necessidade de uma nova sociedade.
Para isso sugere a superação de toda a alienação, da
propriedade privada, da divisão do trabalho e a possibilidade de
desfrutar um tempo “livre” para espiritualizar-se. Assim, o homem
novo é “total”, “pleno”, “universal”, “completo”, “multilateral” e 37
“espiritualmente dotado”.
nos séculos XIX e XX
A construção da Ciência Social
O marxismo promoveu:

O encontro da dialética Hegeliana com o real e,


consequentemente, com o postulado empirista de que o
conhecimento não pode prescindir dos sentidos, distanciando-
o do princípio cartesiano das ideias inatas. O materialismo
histórico, pedra angular do marxismo, propunha que não é a
consciência do homem que determina a sua existência mas,
ao contrário, é sua existência social que determina sua
consciência”18

O método dialético aborda o real de forma a compreender


e apreender a historicidade antropológica do homem, por meio
de das suas realizações no campo do trabalho e das relações

18
HAGETTE, 1995, p. 15.

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de produção, a partir da luta de classes e da luta dos homens
contra a exploração dos sistemas de produção, sobre a venda
da força do trabalho, com a proposta de uma “nova sociedade
igualitária”.
O conteúdo político e humanista da teoria marxista tem
atraído os cientistas sociais comprometidos com a justiça e a
equidade social, o que tem levado, por vezes, a um viés na
coleta de dados do real, pelo apelo intervencionista que este
conteúdo político sugere ao pesquisador. Esta teoria, como
você poderá perceber nos capítulos subsequentes, tem grande
influência na construção teórico-metodologica do Serviço Social
pós Movimento de Reconceituação do Serviço Social, que você
já estudou nas obras de História do Serviço Social e Introdução
ao Serviço Social.
No quadro a seguir destacam-se algumas ideias chave para
Neila Sperotto

a compreensão. O texto pretende ser de caráter informativo e


não explicativo.

O marxismo é o conjunto de ideias filosóficas, econômicas,


políticas e sociais elaboradas primariamente por Karl Marx e
Friedrich Engels e desenvolvidas mais tarde por outros
38 seguidores. Baseado na concepção materialista e dialética
da História interpreta a vida social conforme a dinâmica da
base produtiva das sociedades e das lutas de classes daí
consequentes. O marxismo compreende o homem como um
ser social histórico e que possui a capacidade de trabalhar e
desenvolver a produtividade do trabalho, o que diferencia os
homens dos animais e possibilita o progresso de sua
emancipação da escassez da natureza, o que proporciona o
desenvolvimento das potencialidades humanas. A luta
comunista se resume à emancipação do proletariado por meio
da liberação da classe operária, para que os trabalhadores
da cidade e do campo, em aliança política, rompam na raiz a
propriedade privada burguesa, transformando a base
produtiva no sentido da socialização dos meios de produção,
para a realização do trabalho livremente associado – o
comunismo –, abolindo as classes sociais existentes e
orientando a produção – sob controle social dos próprios
produtores – de acordo com os interesses humanos-naturais.

Cap.II.p65 38 25/1/2011, 16:20


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Uma classe social é um grupo de pessoas que têm status
social similar segundo critérios diversos, especialmente o
econômico. Diferencia-se da casta social na medida em que
ao membro de uma dada casta normalmente é impossível
mudar de status.
Segundo a óptica marxista, em praticamente toda sociedade,
seja ela pré-capitalista ou caracterizada por um capitalismo
desenvolvido, existe a classe dominante, que controla direta
ou indiretamente o Estado, e as classes dominadas por aquela,
reproduzida inexoravelmente por uma estrutura social
implantada pela classe dominante. Segundo a mesma visão
de mundo, a história da humanidade é a sucessão das lutas
de classes, de forma que sempre que uma classe dominada
passa a assumir o papel de classe dominante, surge em seu
lugar uma nova classe dominada, e aquela impõe a sua
estrutura social mais adequada para a perpetuação da
exploração.
Luta de classes foi a denominação dada por Karl Marx,
ideólogo do comunismo juntamente com Friedrich Engels, para
designar o confronto entre o que consideravam os opressores
(a burguesia) e os oprimidos (o proletariado), consideradas
classes antagônicas e existentes no modo de produção
39
capitalista. A luta de classes se expressa nos terrenos
nos séculos XIX e XX
A construção da Ciência Social
econômico, ideológico e político.

6 Conclusão
Neste capítulo, de forma breve você pôde tomar contato
com as principais correntes teóricas de influencia social, cada
uma a seu tempo desvelou aspectos importantes da construção
das relações socias.
As Ciências Sociais estão permanentemente em formulações
e reformulações teóricas em função da dinâmica de seu objeto
de estudo.
Para a compreensão do conhecimento produzido na área
do Serviço Social, estas correntes teóricas representam a
possibilidade de abstração e compreensão racional da realidade
social.

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Neila Sperotto

40

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. III
A precursora

1 Introdução
É preciso ter em mente a historicidade e o contexto sócio
político de cada período, para evitar o risco de pensar a
“evolução” deste conhecimento como algo linear e cronológico.
A trajetória percorrida pela profissão em quase um século de 41
sistematização de sua prática profissional é fruto de embates

A precursora
políticos e ideológicos.
Pensar a inserção de uma disciplina profissional no seio da
sociedade pós-industrial revela a complexidade e os reflexos
gerados na sociedade pelas transformações no mundo do
trabalho. Na esfera política as guerras mundiais e os conflitos
étnicos raciais produziram um contingente de pessoas que
necessitavam de assistência.
O berço histórico da profissão revela a dificuldade em tornar
técnica uma ação que, por milênios, vinha sendo realizada pela
ação de benevolência e pela caridade. Aceitar que a providência
divina e a compaixão humana não davam mais conta de assistir
os necessitados era também um pesadelo, já que isso colocava
em questão os valores da caridade difundidos pelo cristianismo.
Esta tarefa foi aceita por Mary Richmond, em 1917, que, com
sua sistematização fez nascer a profissão de Serviço Social,
que estava sendo gerada no inicio do século XX.
Estudar os precursores só tem sentido se nossa perspectiva

Cap. III.p65 41 25/1/2011, 16:21


de leitura histórica obedecer a um olhar contextualizado, uma
postura crítica diante das determinações e tendo em mente
que existe uma limitação espaçotemporal. Nas palavras de
Faleiros:

Quando se fala de Mary Richmond, por exemplo, ela se situou


num contexto liberal e negou uma forma muito mais empiricista
que os assistentes sociais desenvolviam, articulou um
pensamento, uma crítica àquela outra prática, anterior a ela.
A negação de Mary Richmond se dá num confronto com o
marxismo, com o debate mais articulado que pode, ao mesmo
tempo, destruir alguns aspectos colocados por ela, negar a
positividade, reconstruir alguns aspectos que ela reconstruiu,
num outro contexto. À medida que há uma negação, há
também uma retomada. À medida que estamos com os alunos,
Neila Sperotto

na prática, criticando o funcionalismo, que está presente no


dia a dia, estimula-se à crítica e desenvolve-se um
pensamento teórico.19

Esta proposição revela a necessidade de criticar e


contextualizar. Admitindo que as teorias coexistem no contexto
42 histórico social, não podemos pensar que, na atualidade, não
existem práticas funcionalistas, elas existem. Nossa tarefa, como
pesquisadores e profissionais competentes, é problematizar
estas práticas a fim de superá-las.
Existem outras perspectivas que dão conta de analisar os
primórdios da profissão de Serviço Social sem considerar estes
aspectos da história. Esta perspectiva teórica, filiada ao
marxismo, considera o surgimento do Serviço Social a partir da
divisão sóciotécnica do trabalho, que igualmente está limitada
por uma realidade histórica determinada. Nas palavras de José
Paulo Neto:

Na segunda alternativa – aquela que concebe o Serviço Social


como profissão fundada na divisão social do trabalho –, o
encaminhamento da relação sistematização (da prática)/teoria
é diverso. Aqui, o que se cancela é uma teoria do Serviço
Social: interdita-se um saber teórico constituído e construído
19
FALEIROS, 1989, p. 155.

Cap. III.p65 42 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
pela profissão. O suposto é que o Serviço Social opera com
um conjunto de representações teóricas e ideais que extrai
das chamadas Ciências Sociais ou da tradição marxista –
rearticuladas sincreticamente em função de suas demandas
de intervenção. Assim, a sistematização (da prática) mostra-
se, de uma parte, como urgência para localizar os seus pontos
de estrangulamento, para indicar a necessidade de novos
aportes teóricos, para sinalizar a existência de lacunas no
acervo de conhecimentos e de técnicas, para sugerir a
emergência de fenômenos e processos eventualmente
inéditos, isto é, como momento pré-teórico a ser elaborado
pelas Ciências Sociais ou pela tradição marxista.20

Não é nosso interesse apontar uma ou outra perspectiva.


Acreditamos que você já está incorporando o “espírito” filosófico
e está seguindo as pistas oferecidas por Marilena Chauí, no
Capítulo 1. Esta atitude certamente irá propiciar a você um
caminho, uma escolha teórico-metodológica particular no futuro.
Isso posto, apresentaremos, nos próximos capítulos, tanto
a análise das teorias e metodologias mais atuais quanto aquelas
dos primórdios, alertando-os para o fato de que exigem
igualmente uma apreensão crítica e comprometida com princípios 43
ético políticos da profissão. Com este intuito é que vamos

A precursora
estudar, neste capítulo, a metodologia do diagnóstico social,
sistematizada por Mary Richmond, a precursora do Serviço
Social.

2 Mary Richmond
Como você já estudou anteriormente, Mary E. Richmond
escreveu o livro intitulado “Diagnóstico Social” que, segundo a
declaração no prefácio, foi resultado da sistematização de 15
anos de anotações e pesquisas feitas com outros trabalhadores
sociais, a fim de “transmitir aos novos que viessem a trabalhar
em instituições de caridade a explicação dos métodos que nós,
os velhos, julgávamos mais úteis”.21
Quando Mary Richmond iniciou as notas ainda não existia
20
NETO, 1989, p. 151.
21
RICHMOND, 1917, p. IV.

Cap. III.p65 43 25/1/2011, 16:21


um curso de formação em Serviço Social, que só foi criado em
Nova Yorque, nos Estados Unidos, em 1898, depois de seguidos
apelos de Mary Richmond e colaboradoras que já praticavam o
Serviço Social, mas “apreendiam fazendo”.
Diante da emergência das mazelas de uma sociedade
industrializada, crescia o número de pessoas necessitadas de
ajuda, não sendo mais possível o auxílio aos pobres ser realizado
somente pelos princípios da caridade. A complexidade da
questão social exigia um tratamento mais científico e sistemático
e Mary Richmond, preocupada com esta necessidade, passou
a sistematizar o conhecimento produzido no cotidiano da prática,
alimentado pelo conhecimento de outras áreas complementares,
como as Ciências Sociais, a Medicina e o Direito.
As primeiras escolas estavam ligadas à faculdade de
Medicina e destinavam-se ao trabalho de visitação social e a
Neila Sperotto

organização dos serviços das agências de caridade.


Destacaram-se da obra fragmentos do prefácio escrito por
Mary Richmond, em 1917, data de publicação do livro, para
você ter uma ideia da motivação da autora. Certamente é
recomendada a leitura desta obra, mas infelizmente o livro está
esgotado e são poucos os exemplares existentes nas bibliotecas
44 brasileiras, pois a obra só foi editada em língua portuguesa em
Lisboa, em 1950, pelo Instituto Superior de Higiene Dr. Ricardo
Jorge. A Editora Século XXI, de Madri, publicou em 2006 este
livro em Castelhano. Certamente é um exemplar digno de uma
biblioteca pessoal de um Assistente Social.

Prefácio

Há 15 anos, comecei a tomar notas, a juntar elementos


informativos e a esboçar mesmo certos capítulos de um livro
sobre o trabalho social nas famílias.
Nele esperava transmitir aos novos que viessem a trabalhar
em instituições de caridade a explicação dos métodos que
nós os velhos, julgávamos mais úteis.
Pareceu-me logo, contudo, que não haveria objetivo ou
método que pudesse ser característico e exclusivo desse
campo de trabalho, pois que, em última analise, os objetivos
e métodos para se solucionaram os casos sociais eram ou

Cap. III.p65 44 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
deveriam ser os mesmos, qualquer que fosse o tipo de
necessidade que havia a atender, quer se tratasse dum
paralítico sem casa onde viver, duma criança abandonada
por pais alcoólicos ou de uma viúva com filhos pequenos e
sem recursos.
Para outros profissionais, como os médicos e os advogados,
por exemplo, existe sempre uma base de conhecimentos
gerais comuns. Se um neurologista e um cirurgião têm de
decidir juntos seja o que for sobre determinado caso, um e
outro servem-se, alem da experiência adquirida no seu ramo,
de certos elementos basilares de ordem técnica que ambos
conhecem.
Em circunstâncias semelhantes, que noções básicas e
comuns haverá que possam orientar às trabalhadoras
sociais?
Entretanto, havia já que pensar na circunstância de se ter
alargado o campo da averiguação das realidades sociais,
do diagnóstico social e do respectivo tratamento, tanto no
domínio do verdadeiro trabalho social como para conseguir
outros que já não eram os da correção de necessitados ou
delinquentes, pois seria necessário que o Serviço Social dos
casos individuais viesse também a servir de complemento à
45
ação médica, educativa e judicial.22

A precursora
A obra está imbuída de difundir a necessidade de produzir
conhecimentos e métodos mediados pela ciência. A preocupação
em sistematizar o conhecimento da prática e colocar a ação
do Serviço Social em sintonia com o espírito científico da época
revela com precisão a produção de um conhecimento próprio
da área, mesmo que ancorado nos saberes de outras áreas
como a Medicina e o Direito.
O forte apelo do funcionalismo de Durkheim, visto no
Capítulo 2, aparece na obra, uma vez que o Diagnóstico
destinava-se principalmente para respaldar a eficácia do
tratamento social. Lembre que neste momento não devemos
“julgar” (atribuir um valor) a pertinência do método funcionalista,
mas conhecer, fazer as questões que aprendemos com Marilena
Chauí. Assim podemos compreender como a teoria e a
22
Ibid., p. VII.

Cap. III.p65 45 25/1/2011, 16:21


metodologia do Serviço Social foi sendo construída, levando
em conta o que Mary Richmond escreveu no inicio dos anos do
século XX. Segundo ela, as trabalhadoras sociais nos Estados
Unidos:

(...) na sua maioria estão ocupadas no Serviço Social dos casos


individuais, isto é, em atividades que tem como objetivo
imediato a melhoria dos indivíduos ou das famílias, uma a
uma, independentemente da sua melhoria coletiva, no
conjunto do agregado social. A melhoria do agregado social
e a melhoria do indivíduo são, porém, interdependentes e
por isso, o trabalho de reforma social e o dos casos individuais
devem necessariamente caminhar a par.23

O livro Diagnóstico Social foi dividido em três partes. Sendo


Neila Sperotto

apresentados na primeira parte cinco capítulos que tratam do


estudo do que Mary Richmond chamou “Realidades Sociais”. A
segunda parte foi destinada aos Métodos que Conduzem ao
Diagnóstico, com 14 capítulos, e a terceira parte foi intitulada
“Modalidades Nos Processos a Seguir”, com nove capítulos,
totalizando 455 páginas.
46 Para o Diagnóstico Social devem ser consideradas a
natureza das realidades sociais e a utilização do seu
conhecimento que possibilita a organização de um plano de
tratamento social, esse podendo ser dividido em duas partes:

Primeiro a coleta dos dados para averiguar a situação, depois


as conclusões que dessa averiguação se podem tirar. A coleta
de dados faz-se logo nos primeiros contactos que a
trabalhadora social tiver: 1.° – com o interessado ; 2.° – com
a família deste; 3º – com outras fontes de informação que
não pertençam ao grupo familiar.24

Segundo Mary Richmond, o conhecimento minucioso que


envolvem o indivíduo é o que dá sustentação para o bom
diagnóstico. As condições existentes para o tratamento também
devem ser identificadas para um prognóstico de sucesso. O

23
Ibid., p. 4.
24
Ibid., p. 16.

Cap. III.p65 46 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
envolvimento da família e de outras agências de assistência,
escolas, prontuários médicos, as informações dos patrões e
vizinhos constituíam-se em fontes significativas para a análise
dos dados. As realidades sociais definidas pela autora revelam:

1° – As realidades sociais podem ser definidas como


consistindo em todos os fatos da história pessoal e familiar
que, tomados em conjunto, indicam a natureza das
dificuldades sociais de um necessitado e dos meios de as
remover.
2° – Dependendo como o fato sucede, menos de atos
visíveis do que da tendência para um certo procedimento,
as realidades sociais comprem-se de uma série de fatos,
cada um dos quais podendo ter valor insignificante, mas
que, juntos, têm grande valor.
3º – As realidades sociais diferem das legais porque são
mais minuciosas e utilizam questionários mais complexos.
Por isso exigirão que a segurança dos dados colhidos seja
maior.
4° – A utilização da investigação das realidades sociais
fora do Serviço Social fez-se necessário para ajudar o
diagnóstico médico ou mental nos processos dos tribunais, 47
para certos defensores, para estudar o método a preferir

A precursora
no ensino de certas crianças e para apurar qual a vocação
profissional. Quando os testes que garantirão a sua
segurança estiverem mais bem formulados e aceitos, mais
extensa ainda se tornará a aplicação da investigação das
realidades sociais.
5° – O Serviço Social tem por principal finalidade a
investigação das realidades sociais, mas com respeito, a
avaliação perfeita das noções que a investigação traz tem
muito que aprender com a Medicina, o Direito, a História,
a Lógica e a Psicologia.25

Diante destes destaques, cabe ressaltar que existem


diferentes tipos de realidades sociais, sendo que essas possuem
caráter objetivo, testemunhal e circunstancial, e obedecem ao
critério dos tribunais, uma vez que o diagnóstico social era
25
Ibid., p. 56.

Cap. III.p65 47 25/1/2011, 16:21


principalmente utilizado para auxiliar em decisões judiciais de
proteção das crianças. Aqui as realidades sociais nesta corrente
teórica dizem respeito somente às relações diretas como a
família e as estabelecidas com algumas instituições. Ela não
considera o todo social como elemento significativo.
Para Richmond, a realidade objetiva é aquela que se
apresenta aos nossos sentidos. A testemunhal é a que se obtém
de afirmações de seres humanos; a circunstancial é a que
aceita tudo, engloba tudo o que não proveio de afirmações
diretas e, sendo verdadeira, estabelece base para deduções.

3 O Método
de Diagnóstico
Neila Sperotto

Embora se defenda a importância do estudo e do uso de


várias fontes de informação sugerindo levar em conta o
depoimento de testemunhas, a autora destaca que existem
riscos e que são necessários cuidados para não cometer enganos
levados por informações inadequadas. A preocupação com os
48 critérios de verdade é característica do tipo de postura. Mesmo
na época não existindo um código de ética formal, já poderia
ser identificado na obra princípio condutor de posturas éticas e
morais.
As preocupações com a cientificidade e com a técnica
estavam ligadas na possibilidade de construir um corpus de
saber que revelasse unidade para o trabalho social. Esta tarefa
foi sendo perseguida por um método analítico sustentado pelos
critérios da ciência e objetivava reconhecer os elementos
presentes no processo que eram gerais e generalizáveis.
O método diagnóstico permite que a realidade apresentada
pela pessoa seja estudada e verificada. A importância dada à
documentação do processo igualmente é notável, a minúcia
dos questionários, instrumentos construídos para cada situação
de carência apresentada (viuvez, gravidez de solteiras,
delinquência, mendicância, incapacidades de trabalho, doença
de tuberculose, loucura, feridos de guerra e velhice, cegueira,
emigrantes) revelam um conjunto de variáveis sobre as quais
estava sustentada a análise constituindo-se no “objeto” definido

Cap. III.p65 48 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
para o estudo. Documentação que possibilitou a ela a
sistematização dos processos, resultando na obra.
A orientação fornecida para a realização de um bom
diagnóstico evidencia larga experiência, mas também um
tratamento analítico do dado. A orientação vem sempre seguida
de explicação e da necessidade de planejar o futuro, e evitar
os equívocos, postura atribuída ao conhecimento técnico. Como
destaque os principais cuidados que a autora revela à
trabalhadora social ao elaborar o diagnóstico:

O diagnóstico social é a tentativa para conseguir definir o


mais exatamente possível a situação social e a personalidade
de um certo necessitado. A coleta dos dados de investigação
ou das realidades constituem elementos inicias do
diagnóstico, fazendo-se a seguir o exame crítico e a
comparação das realidades apuradas e, por fim, a sua
interpretação, definindo as dificuldades sociais existentes.
Para usar uma só palavra que compreenda todos os tempos
dessa operação é preferível o termo diagnóstico ao termo
investigação, ainda que o diagnóstico seja, na realidade, o
que se faz em último lugar.
49
A ideia de “diagnóstico social” inclui a de este ter de se fazer

A precursora
em um tempo limitado (podendo contudo ser revisto em
qualquer ocasião e a de que tem em vista sempre uma ação
beneficente).
A palavra fato não é aqui limitada ao que é tangível. Os
pensamentos e acontecimentos também são fatos. A questão
de uma coisa ser ou não um fato está antes em se determinar
se pode ou não ser afirmada com certeza.
As três espécies de realidades são de aplicação geral,
podem distinguem-se pelo sentido das deduções que delas
se possam fazer. Na realidade objetiva não há dedução a
fazer; na testemunhal a base da dedução é uma asserção
humana, e na circunstancial pode ser qualquer a base da
dedução.
Na realidade circunstancial é preciso distinguir
cuidadosamente entre quem viu ou ouviu o fato suposto e
quem afirma o que outros lhe disseram. Esse último caso é

Cap. III.p65 49 25/1/2011, 16:21


a realidade do diz-se e deve ser ponderada cuidadosamente
para o que será preciso uma experiência segura para lidar
com testemunhas, a fim de descobrir em toda a extensão
possível o fundamento pessoal das asserções que elas
fizeram e a parte em que utilizaram afirmações dos outros
ou simples boatos.
Há ainda a considerar uma diferença importante entre
realidade direta e indireta. A realidade circunstancial é
sempre indireta e caracterizadamente cumulativa. Na
realidade direta, as provas únicas a obter a confiança que
mereçam são aplicadas aos elementos que definem o caráter
humano, como a honestidade, as tendências, a atenção, a
memória, a sugestibilidade (...).26

Desta forma entende-se que o diagnóstico social é


Neila Sperotto

composto por fases onde, em um primeiro momento, se coleta


os dados e, na sequência, com base nas informações coletadas
até o momento, o profissional está apto a fazer algumas
deduções. As deduções são orientadas por processos racionais,
portanto utilizam um conhecimento previamente construído.
Lembre-se de que já estudamos sobre como acontece esse
50 processo nos capítulos iniciais. Agora, os conceitos e saberes
filosóficos e a postura crítica, característica fundamental de
um Assistente Social, se fazem necessários. Assim, de posse
do conjunto de informações e do método analítico-dedutivo, o
profissional pode iniciar a sua análise compreensiva do problema
social e concluir o diagnóstico social.
Para Richmond, uma dedução consiste na possibilidade de
passar de fatos conhecidos para fatos que não se conhece até
o momento. Para ela, “é um processo de uso do raciocínio que,
na sua forma mais comum, se traduz por tirar uma conclusão
da relação existente entre os fatos. (...) pode partir de muitos
casos particulares para uma regra geral. Assim como de uma
regra verificada em fatos novos, aplicando-se a um caso
particular”27. Ou seja, do geral para o particular e do particular
para o geral, esse é o movimento realizado na síntese do
conhecimento científico, conhecido por método indutivo-

26
Ibid., p. p.60.
27
Ibid., p. 55.

Cap. III.p65 50 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
dedutivo.
Uma dedução é o que possibilita a formulação de hipóteses
que serão confirmadas ou não ao longo do processo de estudo
da situação apresentada. Segundo Mary Richmond “(...) a
trabalhadora social hábil formula muitas hipóteses, reservando
umas até sua confirmação, aceitando outras”.28
Na segunda parte do livro estão apresentados os métodos
que conduzem ao diagnóstico, onde a autora apresenta a
sequência de quatro processos que a trabalhadora dos casos
individuais emprega no cotidiano, a saber:

• Uma primeira e longa entrevista com o necessitado;


• Os primeiros contatos com sua família mais chegada;
• A busca de cooperação fora da família para que o estudo
esteja amplo;
• O exame cuidadoso de cada dado obtido e das relações
desse com outros para a sua devida interpretação.

Com estas considerações a autora propõe utilizar métodos


que caracteriza por:

• Aproximação; 51
• Indicações a aproveitar e perguntas a fazer;

A precursora
• Apontamentos a tirar;
• Conselhos e promessas prematuros;
• Condução da entrevista para a intimidade.

Com o intuito de explicitar e generalizar estes processos,


a autora relacionou condicionamentos de duas ordens. Os
relacionados aos interesses da instituição e os relacionados à
postura profissional. Estes encontram-se transcritos:

1° – Há muitas circunstâncias que podem modificar o


método a seguir na primeira entrevista. Entre elas contam-
se: a) A natureza da diligência a realizar tal como trabalho
de documentação, trabalho familiar, de proteção contra maus
tratos etc; b) A origem do pedido ou requisição do Serviço
Social, quer da parte de outra instituição ocupada já no
28
Ibid., p. 57.

Cap. III.p65 51 25/1/2011, 16:21


caso ou feita pelo próprio interessado, em seu beneficio; c)
O lugar em que se realiza a entrevista, quer seja no domicilio
do necessitado, quer no gabinete de uma agência social; d)
Os conhecimentos já anteriormente adquiridos, registrados
nas fichas de qualquer instituição sobre o necessitado ou
pessoas da sua família (a pesquisa destes dados a pedido
doutras instituições deve ser feita antes da primeira
entrevista, sendo repetida depois de tudo apurado).
Quaisquer outras fichas anteriores arquivadas noutras
instituições sociais que digam respeito ao necessitado (quando
houver troca de notas confidenciais,devem ser consultadas
antes da primeira entrevista e no final).
2º – A primeira entrevista deve: a) ser uma audiência
essencialmente delicada e paciente, escutando-se largamente
o necessitado; b) procurar estabelecer uma boa compreensão
Neila Sperotto

mútua; c) procurar indicações junto de outras instituições e


quaisquer outros elementos de cooperação; d) desenvolver,
dentro da mentalidade do necessitado, um sentimento de
confiança em si próprio e nas suas possibilidades. A entrevista
não deve ser apressada, tem de se fazer na intimidade, com
52 toda a consideração pela sensibilidade do entrevistado,
embora sempre mantendo o fim em vista.
3° – Para muitas perguntas são dadas respostas, mesmo
sem terem sido feitas. E, se o interlocutor é inteligente, nem
sequer é preciso fazê-las. Perguntas devem ser orientadas
de certa maneira para se lograr uma resposta verdadeira.
Não se devem fazer ao necessitado perguntas que nós
sabemos que podem ter melhor resposta por outra via.
4° – As indicações que mais frequentemente se procuram
obter na primeira entrevista são as que se referem a: a)
parentes; b) médicos e instituições sanitárias; c) escolas;
d) patrões atuais e antigos; e) residências anteriores e
vizinhanças.
5° – As próprias esperanças, disposições e planos que
um necessitado têm para sua vida são mais importantes do
que certos pequenos pormenores da informação.
6° – Não é aconselhável tomar notas durante a conversa,
embora se possa recorrer a elas, o que depende da natureza
da necessidade a resolver e o lugar em que a conversa está

Cap. III.p65 52 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
sendo realizada.
7º – Deve haver toda a cautela em dar conselhos e
opiniões e ser parcimonioso nas promessas até haver tempo
para melhor conhecimento do caso e para estabelecer plano
mais sólido.
8° – Nos últimos cinco ou 10 minutos da entrevista a
trabalhadora social deve realçar seu desejo de ajudar
dedicadamente o necessitado e preparar convenientemente
as conversas futuras.
9° – As entrevistas por motivos urgentes reclamam certa
habilidade especial porque, embora o tempo urja, há certas
indicações que apresentam, nestas hipóteses, grande
importância que não existem quando se está na labuta
normal29.

4 Conclusão
Mesmo tendo sido escrita há tanto tempo e se sustentado
no funcionalismo, a essência da orientação de como se faz a
apreensão da realidade social a ser estudada a partir das
solicitações do individuo ou da família, quando referem-se ao 53
instrumental utilizado (entrevista, questionário, estudo da

A precursora
documentação e informações de outros profissionais e agências)
são atuais. O que muda radicalmente quando definimos o objeto
da análise para a questão social, por exemplo, são as bases e
os fundamentos de compreensão da realidade e a abstração
possível no processo analítico. Sendo assim, os princípios e a
postura ético política e, consequentemente a construção da
metodologia de intervenção também se alteram radicalmente.
Para planejar uma intervenção é preciso conhecer a fundo
a realidade social em que o indivíduo se encontra. Esta premissa
ainda é utilizada hoje. Basicamente, na atualidade, a diferença
está em nossa concepção e visão de homem e mundo, da
realidade social que vem se alterando, uma vez que hoje
considera-se bem mais importante os determinismos construídos
socialmente pelas estruturas de mercado que geram exclusão
social. Uma compreensão que retira do individuo o centro da

29
Ibid., p. 102.

Cap. III.p65 53 25/1/2011, 16:21


questão e coloca na relação sócio político econômica a causa
principal da exclusão, identifica no espaço público as estratégias
de enfrentamento necessárias.
No funcionalismo, ou seja, construindo uma análise
fundamentada nos princípios funcionalistas, a demanda por
intervenção acontecia sobre uma disfunção social que é
atribuída ao indivíduo. Portanto, revela uma alteração
significativa no encaminhamento e na metodologia utilizada na
intervenção. Ainda hoje existem várias práticas alicerçadas nessa
concepção. Quando vista fora do contexto, uma expressão da
questão social pode ser atribuída unicamente ao comportamento
inadequado de um indivíduo, que precisa de tratamento ou de
internação como, por exemplo, o caso da superlotação dos
presídios no Brasil, que pode ser analisada dentro de um
contexto determinado historicamente ou funcionalmente –
Neila Sperotto

concebendo: que os presos são “maus”, que é uma


característica da índole da pessoa.
A compreensão feita dentro de perspectivas diferentes
gera planejamento de ação e tomada de decisão e intervenção
opostas. Continuando no exemplo, a análise funcional justifica
as ações do governo de construir mais presídios para “solucioná-
54 las” e o trabalho realizado pelos técnicos (assistentes sociais,
psicólogos, médicos, psiquiatras, enfermeiros, entre outros) do
sistema prisional junto à população privada de liberdade centrar-
se no tratamento social e a (re)socialização do preso, sem
questionar as estruturas sociais que estão determinando
historicamente o crescimento da violência e, consequentemente,
gerando a superlotação dos presídios.
No diagnóstico social era proposto um tratamento
geralmente direcionado para o individuo, com recursos e apoios
vindos da beneficência. Hoje trabalhamos com o princípio de
que a assistência social é um direito do cidadão e um dever do
estado, e deve ser operacionalizada por intermédio das políticas
públicas. O foco deve sair do tratamento individual e ser
remetido à esfera da política. Esta postura é a orientada pelo
projeto ético político que é também resultado de uma escolha
da categoria profissional e, por isso, revela uma concepção
teórico metodológica não funcionalista.
Concluindo, o método de diagnóstico social construído por

Cap. III.p65 54 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Mary Richmond possui um conhecimento acumulado na área
sobre os instrumentos de apreensão da realidade social e da
documentação, bem como a importância da cooperação entre
as diversas instituições de atendimento que são ainda muito
importantes para a realização do estudo da situação
apresentada.

55

A precursora

Cap. III.p65 55 25/1/2011, 16:21


Neila Sperotto

56

Cap. III.p65 56 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. IV
O método de caso

1 Introdução
A literatura americana influenciou muito o Serviço Social
brasileiro, e teve como uma das principais autoras a Assistente
Social Gordon Hamilton, que escreveu sobre o método de caso.
Encontramos no prefácio do livro escrito por Gordon Hamilton 57
as melhores considerações feitas sobre a obra, uma vez que a

O método de caso
autora se refere ao contexto social e as influências teóricas
que o método sofreu. Assim, destacamos um pequeno trecho
do prefácio:

A primeira edição de “Teoria e Prática do Serviço Social de


Casos”, publicada em 1940, foi escrita durante uma época
de grandes modificações, como a crise financeira, o advento
da Lei de Seguro Social (Social Securíty Act) e o trágico
acontecimento da Segunda Grande Guerra. Por esses motivos,
tornou-se necessária uma revisão radical deste livro. Os
progressos da psiquiatria e das ciências sociais vieram tornar
mais claros os conceitos de caso psicossocial, da interação
do meio e fatores emotivos e conflitos e ainda a necessidade
imperiosa de reunir os conhecimentos científicos e os valores
humanos. O assistente social, que sempre se preocupou com
as condições do meio social, é hoje impelido não somente a
compreender a estrutura e a dinâmica da personalidade, mas

Cap. IV.p65 57 25/1/2011, 16:21


também a redescobrir a utilização do ambiente, ou a
terapêutica social. Um período de aprofundamento e
esclarecimento requer uma integração mais íntima das
ciências sociais e do Serviço Social, como sucedeu com
as ciências físicas e a Medicina e outros ramos da ciência
entrelaçados com as profissões humanísticas, cujo
conteúdo exige a colaboração de várias disciplinas.30

Esta síntese apresenta com propriedade as alterações


ocorridas em tão pouco tempo, a emergência das novas teorias
e a influência que estas revelam no método no Serviço Social.

2 A Metodologia
A autora professa que o Serviço Social baseia-se em alguns
Neila Sperotto

postulados, que orientam os métodos e objetivos da ação que


versam sobre as condições da vida social. Dentre outros
princípios a autora elenca:

• o aperfeiçoamento humano como objetivo da sociedade;


58 • os esforços no sentido de desenvolverem-se tanto a
assistência como a educação para melhoramento das
condições de vida humana quanto à saúde física e mental;
• a solidariedade humana deve caminhar no sentido da
fraternidade universal.

Estes princípios revelam forte influência dos princípios da


Declaração Universal dos Direitos Humanos31 que sustentavam
e ainda sustentam estas premissas, em um pacto social até
então sem precedentes na história. Estes fundamentos teóricos
fazem parte até hoje dos princípios da profissão. Além da adesão
explicita por esses fundamentos a autora atribui distinções entre
o Serviço Social e as outras profissões humanísticas, sendo
uma delas o entendimento de que todo ato humano consiste

30
HAMILTON, 1987, p. 12.
31
A Declaração Universal dos Direitos Humanos foi adotada pela ONU em 10 de
dezembro de 1948 (A/RES/217). Esboçada principalmente por John Peters
Humphrey, do Canadá, mas também com a ajuda de várias pessoas de todo o mundo
– Estados Unidos, França, China, Líbano entre outros, delineia os direitos humanos
básicos.

Cap. IV.p65 58 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
em “dois elementos: pessoa e situação”. Ou seja reconhece as
realidades subjetiva e objetiva.
A outra distinção refere-se ao método característico do
Serviço Social que, segundo ela, “incorpora em seus processos
básicos tanto conhecimentos científicos quanto valores sociais,
para realizar seus objetivos”.32
Essas características revelam a forte influência do
estruturalismo e da psicanálise nas suas concepções. O Serviço
Social de Caso admite que o homem é um ser biopsicosocial e,
assim, as influências são tanto internas quanto externas quando
se observa um problema para tratamento.
A autora ainda defende que os casos sociais possuem
estruturas externas e internas e que isso os assemelha, em
face às condições do tratamento social, que leva em
consideração elementos materiais e imateriais. Assim, por
exemplo, não importa se o caso social está em uma clínica ou
em uma agência assistencial, abrange sempre pessoas e suas
relações, além dos sentimentos em relação a estas. Isso
demonstra que o Serviço Social não busca somente mudanças
externas, mas também internas. Para a autora, existem
vantagens e desvantagens nesse tratamento pois:
59
O Serviço Social tem a desvantagem de tratar com as relações
humanas, que são intangíveis, invisíveis e complexas, e com
O método de caso
os sentimentos que cada um projeta nas mesmas. Por outro
lado, o Serviço Social goza de uma vantagem, a de que os
clientes possam exprimir por palavras os seus problemas,
devendo os assistentes sociais aprender a ouvi-los. O
aproveitamento dos recursos sociais torna possível ao
assistente social dar assistência concreta e o conhecimento
psicológico permite-lhe ajudar de maneira menos concreta,
porém não menos real, auxiliando o cliente a esclarecer o
problema e a agir em relação ao mesmo. A angústia, a miséria
e a incapacidade são fatores pessoais e podem melhor ser
compreendida através das relações humanas. Qualquer
relacionamento deve ser individualizado, a fim de se tornar
útil.33

32
IBID, p. 17.
33
IBID, p. 19.

Cap. IV.p65 59 25/1/2011, 16:21


No processo do tratamento social, o Serviço Social de
caso almeja o encontro da ciência e dos valores do método.
Como valor o respeito aos direitos das pessoas devem vir em
primeiro lugar. Não se pode impor os valores e ideais próprios,
as aspirações políticas ou religiosas aos clientes. A autora
defende que a assistência deve ser dada àqueles que precisam
dela, assim como a medicina, não por apresentarem um
determinado padrão de comportamento. Assim, os serviços
concretos e a assistência material devem ser igualmente dados
àqueles que precisam, conforme a autora: “Os direitos do homem
pressupõem que também os métodos de aplicação sejam
democráticos e a natureza humana, pela sua própria estrutura,
favorece a sua participação ativa como membro responsável
dentro da comunidade, colaborando nos processos sociais que
ali se desenvolvam”.34
Neila Sperotto

Estas indicações referem-se a rupturas com os primórdios


da caridade, que por sempre se relacionar com a ordem cristã,
acabou por influenciar ainda por um certo tempo os “critérios
de eleição do necessitado”. Nesse sentido, a autora defende a
necessidade da cientificidade para o Serviço Social “moderno”.
A missão do Serviço Social não é de caráter moralista,
60 mas está assentada sobre valores de justiça social e de
democracia. Estes são os valores que devem estar a passo
com os conhecimentos das ciências humanas e sociais.
Destacam-se fragmentos do texto de Gordon:

O fato de não ter a justiça social sido realizada de maneira


integral e de ter-se desenvolvido mais sob o aspecto legal
do que da justiça econômica e cultural, não altera seu papel
como o mais importante objetivo da civilização. O que o torna
parte do ideal democrático é a preocupação pelas
necessidades, direitos e liberdade do homem. De fato, a
crença no valor do ser humano é a base sobre a qual
repousam vários princípios fundamentais: a igualdade de
oportunidades para todos, o direito das minorias e o direito
à liberdade de opinião. Para que um governo seja realmente
democrático é preciso que seja, essencialmente, um governo

34
IBID.p.21

Cap. IV.p65 60 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
com autonomia, e a autonomia é impossível, a menos que
se reconheça que o indivíduo é o melhor juiz dos seus
próprios interesses, do mesmo modo que nunca terão sentido
a liberdade de reunião, o contrato coletivo de trabalho e
outras atividades grupais de finalidade social, se os
participantes não forem homens livres. Somente se o
indivíduo é respeitado e tem oportunidade de desenvolver-
se pela educação, pela instrução e pelo contato com
instituições livres, será capaz de criar condições favoráveis
à vida humana. O Serviço Social de Casos tem por objetivo
capital fazer com que o indivíduo participe plenamente do
processo de sua própria sociabilização.35

A autora deixa claro quais objetivos e por quais valores se


norteia o Serviço Social de casos. Podemos perceber claramente
sua defesa aos direitos humanos e uma concepção da assistência
como uma disciplina científica.
A dificuldade de explicitar o objeto do Serviço Social era
atribuído à complexidade e a diversidade dos problemas com os
quais trabalhava, além da compreensão estar alicerçada também
sobre os fatores internos ou subjetivos ou materiais e objetivos.
A autora descreve os tipos mais comuns de situações atendidas 61
e sua conexão com as mudanças estruturais da sociedade. Ao
nosso modo de ver, na atualidade os assistentes sociais O método de caso
continuam debruçando-se sobre as mesmas situações sociais,
com objetivos igualmente sintonizados com os valores
democráticos e de participação da população. As alterações
ficam ainda sobre as condições nas quais acontecem esta
participação e os meios para se efetivar. Você pode constatar
o que fazia o assistente social na década de 1940 e, assim,
comparar com o que você percebe da aparência do trabalho
realizado do Serviço Social nos dias de hoje. Tente identificar
se algumas ações ainda existem, se foram reproduzidas e qual
a consequência disso para a representação da profissão na
atualidade.

35
IBID, p.24

Cap. IV.p65 61 25/1/2011, 16:21


Não é fácil compreender os problemas com os quais lida o
Serviço Social – família, habitação, trabalho, recreação e
educação – pois todos passam por essas experiências; mas,
como sabemos, ter experiência não é necessariamente estar
consciente daquilo que representam, ou saber traduzi-la em
programas sociais adequados. A situação individual é a
lâmina que deve ser observada ao microscópio. No correr
de cada caso social encontram-se os elementos de um
processo educativo completo. A ação social atua suavemente,
apoiando-se em observações individuais, feitas com
paciência e objetividade. Assim como o indivíduo é a pedra
de toque da família, também a família é a pedra de toque da
comunidade, e assim por diante, até chegarmos ao âmbito
nacional e ao internacional. A sociedade não favoreceria a
Neila Sperotto

guerra se realmente visasse o bem do indivíduo e de seu


grupo familiar (...).

(...) O Serviço Social, nos primeiros tempos, levou demasiado


em conta as causas íntimas de desajustamento, porém
sabemos, por experiência, que para compreender
62 profundamente um conjunto de relações humanas temos
de ir às causas longínquas, a fim de chegarmos às próximas.
Sabe-se que o progresso individual depende, em primeiro
lugar, de obter meios de subsistência, de aproveitar as
oportunidades e, finalmente de encarar as realidades
imediatas, de aceitar responsabilidades e trabalhar não
somente contra as limitações, mas também com elas e apesar
delas.
Ninguém pode compreender a pobreza sem conhecimento
do comportamento humano, e ninguém pode tratar de um
problema de comportamento, inteligentemente, sem ligá-lo
à estrutura econômico-social.36

As referências utilizadas já apresentam a incorporação de


elementos das estruturas sociais como importantes para a
realização da compreensão, mas o objetivo continua sendo o
do tratamento social. Assume a perspectiva de que o individuo

36
IBID, p. 24-25.

Cap. IV.p65 62 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
necessita primeiro garantir as suas condições de subsistência,
mas atribui ao comportamento humano a forma de conhecer a
pobreza. Aqui pode ter duplo sentido na perspectiva da
apreensão das estruturas da realidade ou ainda identificar os
fenômenos invariantes no processo. O fato de trabalhar com
as limitações e, apesar delas, revela um componente de reforço
individual do ser para absorver e adaptar-se as dificuldades. O
objeto continua sendo o homem em suas relações sociais.
O método é operacionalizado pelo uso do relacionamento
do profissional por meio de do processo da entrevista. A
entrevista possui características semelhantes às elencadas por
Mary Richmond com referência a paciência do profissional e o
uso da comunicação e construção de relação de confiança
entre o entrevistador e o cliente.
O aspecto teórico metodológico a considerar é a
necessidade do profissional observar aspectos subjetivos e das
estruturas internas (ego, id, super ego)37, as estruturas de
pré-consciente, elaboradas por Sigmund Freud na teoria
psicanalista e, ainda, na construção do relacionamento entre o
assistente social e o cliente ficar atento aos aspectos de
transferência e contratransferência.
A transferência e a contratransferência são conceitos 63
centrais na compreensão da relação terapêutica nas diversas
vertentes da psicanálise. A transferência é um conjunto de O método de caso
sentimentos positivos ou negativos que o paciente dirige ao
psicanalista, sentimentos estes que não são justificáveis em
sua atitude profissional, mas que estão fundamentados nas
experiências que o paciente teve em sua vida com seus pais
ou criadores. Portanto, a característica da transferência é
repetir padrões infantis em um processo pelo qual os desejos
inconscientes se atualizam na pessoa do analista. E a
contratransferência refere-se ao processo inverso: é quando o
analista dirige o seu conjunto de sentimentos para o cliente.
A influência da teoria psicanalítica fica evidenciada
principalmente nos exemplos de casos que a autora apresenta
37
A psicanálise surgiu na década de 1890, com Sigmund Freud, um médico
interessado em achar um tratamento efetivo para pacientes com sintomas neuróticos
ou histéricos. Conversando com os pacientes, Freud acreditava que seus problemas
se originaram da inaceitação cultural, sendo assim reprimidos seus desejos
inconscientes e suas fantasias de natureza sexual. Desde Freud, a psicanálise se
desenvolveu de muitas maneiras e, atualmente, há diversas escolas.

Cap. IV.p65 63 25/1/2011, 16:21


no livro como complementaridade. O trabalho do serviço social
de caso estava muito ligado ao trabalho dos psiquiatras, esse
fato também justifica a aproximação com a teoria psicanalítica.
A concepção e o objetivo da intervenção para o
melhoramento individual ocorrem sustentados pela premissa de
que “cada um fazendo sua parte o social muda”, mas a suposta
relação existente entre as estruturas internas e externas fica
logo explicitada que estão em níveis hierárquicos diferenciados.
Estes níveis referem-se à existência de problemas individuais,
grupais e comunitários, em um entendimento de que cada um
necessita ser enfrentado distintamente. Para tanto, a autora
faz referências à necessidade de outros métodos de
intervenção: o de grupo e o de comunidade, além de destacar
a importância da utilização dos recursos sociais na colaboração
entre as agências, a esta ação chamou de ação social. Nas
Neila Sperotto

palavras da autora, os postulados básicos e métodos do Serviço


Social de casos seguem os seguintes métodos e processos:

Métodos e processos

Tanto existem necessidades em massa quanto


64 soluções em massa, necessidades da comunidade e
soluções da comunidade, necessidades do grupo e
soluções do grupo, necessidades individuais e soluções
individuais. O Serviço Social, ao organizar-se como
profissão, definindo seus objetivos para conseguir a
elevação moral e material do nível de vida humano, e
estabelecer relações humanas satisfatórias – passou a
distinguir três métodos diferentes de ação: “Planejamento
do bem-estar social” ou “Organização da Comunidade”;
“Serviço Social de Grupo” e “Serviço Social de Casos”. O
movimento no sentido de procurar solucionar os problemas
do bem-estar social é, em geral, chamado de “reforma
social” e, mais recentemente, de “ação social”.
A ação social não é absolutamente prerrogativa
exclusiva do Serviço Social. A ação social abrange a
atividade de todas as pessoas que utilizam técnicas de
educação de adultos, publicidade, legislação social,
cooperativismo e iniciativas em conjunto. Quando o

Cap. IV.p65 64 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
assistente social se volta para as forças vivas da
comunidade e para os recursos governamentais, a fim de
conseguir seus objetivos, de preferência a valer-se da
iniciativa individual ou de grupos voluntários, utiliza o
processo chamado de “ação social”.
Os assistentes sociais têm se esforçado para melhorar
as condições de habitação, para reformar o sistema penal,
melhorar as instituições e tornar mais eficientes os
métodos de administração da assistência. Seus líderes
têm desempenhado papel decisivo nas campanhas de
previdência social, como sejam o amparo à maternidade
e infância, o auxílio à velhice e à cegueira, a difusão da
assistência médica e harmonia das relações entre
empregadores e empregados. Os assistentes sociais
consideram que a ação social abrange um vasto campo:
assistência médica, trabalho, indústria, assistência
pública, recreação, educação social, prevenção da
delinquência e assimilação das diferentes culturas.38

Diante desta necessidade de complementar e distinguir as


necessidades, classificando-as em níveis, sugere o planejamento
da ação social a fim de ter maior eficácia. A perspectiva de um
65
O método de caso
planejamento social como norteador do processo interventivo
retira a centralidade no tratamento da disfunção e atribui um
caráter mais político e de participação do sujeito no processo
de mudança planejada. Este é um dos pontos de ruptura
importantes a considerar como o funcionalismo, caracterizando
a influência estruturalista e a centralidade na mudança
institucional.

Existem dois ângulos a considerar, em todo planejamento de


bem-estar social; de um lado a sociedade e, de outro, o
indivíduo. As instituições sociais devem basear-se em relações
mútuas e significativas, o que implica em uma análise e
compreensão de valores. É engano pensar-se em resolver
problemas individuais mediante soluções em massa, do
mesmo modo que seria pueril pretender reformar a estrutura

38
IBID, p. 29-30.

Cap. IV.p65 65 25/1/2011, 16:21


social através do método de casos.39

Assim, o método de caso serve a questões individuais, e o


de grupo e comunidade como alcance de outros níveis de
mudanças almejados.
Percebe-se ainda que o reconhecimento das influências
do agravamento da crise econômica passou a fazer parte do
processo de compreensão da realidade social do individuo que
busca assistência. Exige medidas de médio e longo prazo, mas
a dificuldade econômica tem um papel de amplificação das
situações do cotidiano. Por essa razão, o auxilio material é
muito importante.
O serviço social não se restringe a trabalhar com situações
de miserabilidade. Uma pessoa pode momentaneamente estar
precisando de auxilio, até poder se reorganizar. Mas as
Neila Sperotto

dificuldades não são só econômicas, muitas vezes a fragilidade


das pessoas diante da gestão da sua renda impede que se
auto-organize, pode estar necessitando de ajuda para superar
essas dificuldades. Por exemplo, em caso de viuvez precoce, a
mulher pode não se sentir capaz para administrar sozinha os
negócios da família. Isso se constitui em uma ação mais pessoal,
66 que é objetivo do Serviço Social de caso, estando ou não
presente o fator da carência econômica.
Existem fatores no ambiente que são incontroláveis, e o
Serviço Social nunca os poderá controlar; somente a
reorganização da estrutura total será capaz de fazê-lo. Os
direitos humanos requerem definição, classificação e tratamento
uniforme; as necessidades humanas não reclamam apenas
serviços de previdência, mas também, dentro das classificações
gerais, individualização e tratamento específico. No momento,
o Serviço Social de Casos não se limita, felizmente, a dar auxílios
materiais, mas é utilizado quando a capacidade do próprio
indivíduo está diminuída momentaneamente, ou quando ele
apresenta deficiências na satisfação de suas relações sociais
normais.40
A sociedade é compreendida aqui como um conjunto de
relações que possuem causas individuais e gerais, mas credita

39
IBID. p. 31
40
IBID. p. 33.

Cap. IV.p65 66 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
ao indivíduo uma potência de mudança do geral. Não existe
aqui uma concepção mais ampla dos determinantes estruturais
como os pregados pelo marxismo, mas uma mudança no
reconhecimento de que não é só uma causa individual que gera
disfincionalidades como no funcionalismo.

3 Conclusão
Esta concepção de que existe uma interdependência entre
as realidades é que favorece o desenvolvimento do método de
grupo como complementar ao tratamento dos casos individuais.
Em síntese, o processo do Serviço Social de Casos objetiva
um crescimento individual e o consequente melhoramento das
condições sociais. Mary Richmond refere-se ao Serviço Social
como processo pelo qual se desenvolve a personalidade por
meio de ajustamentos realizados conscientemente entre os
indivíduos e o seu meio; ou o Serviço Social de Casos pode
definir-se como a arte de ajudar as pessoas a ajudarem-se a si
mesmas, cooperando com elas a fim de beneficiá-las e, ao
mesmo tempo, à sociedade em geral. Estas nos parecem
conceituações bastante apropriadas para as finalidades do 67
trabalho realizado pelo método de caso.

O método de caso
Mesmo já tendo feito progressos no caminho de
sistematização do conhecimento, é visível a maturidade dos
textos, e o seu caráter teórico-metodológico permeia sua
construção. Ainda é difícil a conceituação pura e simples da
prática do serviço social. Note que ela geralmente vem acrescida
de seu processo de realização e, por essa razão, é que agora
se refere aos métodos utilizados para classificá-los. Existe ainda
uma forte tendência na especialização, característica da época
e resultado do método cartesiano de ciência, que dividia para
classificar, com a crença, de que assim se conheceria melhor o
todo. Esta tendência – da especialização – perdurou por muito
tempo e só foi superada pelo movimento de reconceituação
que você já estudou, chegando a definição de serviço social
genérico.
Ainda é importante salientar que, já neste período,

Cap. IV.p65 67 25/1/2011, 16:21


almejava-se a mudança nas estruturas sociais, dentro daquilo
que se convencionou chamar reforma social. A reforma social
buscava a garantia dos chamados direitos sociais que deveriam
prover, por meio da previdência social, as condições dignas de
sobrevivência.
Nessa tendência da interrelação existente entre o indivíduo
e seu meio, e a crença de que a mudança de estruturas sociais
não se faz só pelo método de caso, mas que existe a necessidade
destas mudanças, é que se desenvolveu o método de grupo e
o de comunidade abordados no capítulo seguinte.
Neila Sperotto

68

Cap. IV.p65 68 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. V
O método de grupo
e de comunidade

1 Introdução
Seguramente os métodos de grupo e de comunidade
representam um grande salto tanto no processo de concepção
da realidade social, pois passa a reconhecer a interdependência 69
das situações e a influência das diferentes estruturas sociais,

O método de grupo e de comunidade


quanto pela incorporação de saberes de outras áreas e o
desenvolvimento de metodologias de caráter pedagógico, que
introduzem no cotidiano da profissão a ação social de cunho
preventivo e educativo.

2 Método de grupo
Na perspectiva da solução dos problemas considerados
pelo Serviço Social, na época, acreditava-se que existiam duas
formas para a resolução de problema: por meio de uma
reorganização da estrutura social ou por meio de um trabalho
individualizado, com as pessoas ou grupos, por intermédio de
processos educativos. Nesse sentido que o método de grupo
foi amplamente difundido no Serviço Social, nas décadas de
1940 e 1950.
Gordon Hamilton definiu que:

Cap. V.p65 69 25/1/2011, 16:21


É animador ver-se que o Serviço Social de Casos e o Serviço
Social de Grupo, que desenvolveram os mesmos, princípios
quanto à independência do indivíduo e da sociedade e a
importância das atividades motivadas por iniciativa individual
de grupos ou de pessoas, unem-se para atuar sobre o
dinamismo da ação social. O Serviço Social necessita de uma
certa unidade, como o próprio processo de Serviço Social de
Casos. Por isso não somente os clientes precisam agir na
solução de seus problemas, como os assistentes sociais
devem utilizar métodos democráticos que venham beneficiar
suas atividades profissionais e, por conseguinte, as condições
de seus semelhantes. Do mesmo modo que o amor próprio e
a dignidade pessoal são incentivos, para a pessoa, também
o amor ao próximo é o incentivo normal para a vida em grupo.41
Neila Sperotto

Nesta perspectiva, o método de grupo foi igualmente


influenciado pela psicanálise e incorporou-se ao Serviço Social
o tratamento das angústias, geradas principalmente pela
dificuldade de grupos sociais adaptarem-se às rápidas
transformações sociais. Estas transformações foram
desencadeadas pelas perdas de poder aquisitivo, decorrente
70 da crise de 1929 que, até 1932, deixou milhões de norte-
americanos desempregados, e posteriormente, às demandas
decorrentes da Segunda Guerra Mundial, como a invalidez e
viuvez precoce.
Foi dada também ênfase aos trabalhos educativos e
preventivos, com os imigrantes e viúvas, mediados por uma
orientação profissional capaz de mobilizar as energias individuais,
potencializando-as pela troca grupal, permitindo a
contextualização do seu problema individual dentro da estrutura
social.
Note que, neste período histórico, as ideias liberais
começavam a difundir-se, e a crise econômica e o desemprego
deixou sem poder de compra uma significativa parcela da
sociedade. Nesse sentido, as habilidades e a criatividade dos
indivíduos passaram a ser exaltadas, e as primeiras noções de
empreendedorismo, que se centram nas competências
individuais, fazia com que estes buscassem cada vez mais se
41
HAMILTON, 1987, p. 36.

Cap. V.p65 70 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
qualificar para os novos tempos.
Os trabalhos coletivos desenvolvidos por profissionais
oportunizaram ajuda pela ação social, com base em
conhecimentos sólidos sobre o campo em que atua, e, também,
em métodos científicos, os quais permitem ver a relação entre
o problema em foco e os outros problemas sociais.
Relacionar o problema individual com os problemas sociais
e dar visibilidade para o fato de que muitas pessoas têm o
mesmo problema possibilita um processo de abstração de
sentimentos de hostilidade e de agressividade, tornando o sujeito
mais capaz de conseguir a cooperação social. O fato de
identificar-se com os outros no processo grupal oportuniza,
acima de tudo, a construção de uma relação de reciprocidade.
Basicamente o fim almejado era uma adaptação pacífica
dos indivíduos frente às expressões de desigualdades reais.
Trabalhava-se com a ideia do mérito, e a maior prova disso
está expressa na Declaração dos Direitos Humanos. Uma vez
colocadas no mérito às possibilidades de crescimento e sucesso,
os indivíduos mobilizavam esforços para alcançá-los.
Estas ideias são altamente carismáticas, pois desafiam o
ser humano a lutar pela sua propriedade, transformando esta
em um “fim que justifica os meios” e os meios geralmente 71
referem-se a fazer sacrifícios para prosperar. Como o objetivo
faz parte de um plano, o processo constitui-se em algo possível O método de grupo e de comunidade
de suportar.
O Serviço Social de Grupo é também um processo
psicossocial relacionado não somente com a capacidade de
liderança e com o sentido de cooperação, mas também, com o
aproveitamento dos interesses dos grupos em benefício da
sociedade.
A experiência da participação democrática na livre
associação é uma técnica essencial, tanto no aproveitamento
das reservas latentes da comunidade, quanto no âmbito da
política e da sindicalização. A participação da população nos
processos de planejamento e de socialização oportuniza o
desenvolvimento e modernização dos processos do estado.
A essência do Serviço Social de grupo é a mobilização de
condições para a realização das potencialidades de cada
indivíduo, o que, pela ação de interdependência, acaba

Cap. V.p65 71 25/1/2011, 16:21


contribuindo para a elevação da experiência de vida social de
todo o grupo. Esse movimento é observado em regimes de
administração política democráticos.
O processo democrático sugere a importância do cidadão,
onde devem ser satisfeitas as necessidades fundamentais e
protegidos os seus direitos. Estes princípios estimulam a
capacidade de assumir responsabilidades que favorecem o meio
cultural e político em que vive. Os indivíduos agem por meio da
interação com outros indivíduos e grupos, dentro de várias
instituições, o que favorece o equilíbrio da sociedade. Nas
palavras de Gordon Hamilton:

O Serviço Social de Grupo, em nossos dias, desenvolve


técnicas especiais não somente em relação a indivíduos que
encontram facilidade de viver em grupo ou de educar-se
Neila Sperotto

através da ação em grupo, mas também para os de


personalidade mais fora do comum, que podem,
incontestavelmente, ser auxiliados para associar-se ao grupo,
aperfeiçoando-se mais e adaptando-se melhor ao seu meio.
Os assistentes sociais de grupo têm desenvolvido e definido,
recentemente, com mais precisão os processos característicos
72 de sua profissão, focalizando os aspectos administrativo,
educativo e reeducativo, pondo em prática novas conquistas
no terreno da terapêutica de grupo”.42

Basicamente os objetivos do método de grupo referem-se


ao respeito pelas diferenças individuais, preparam as pessoas
para as diferenças e semelhanças, evidenciando que a
uniformização de padrões de comportamento, quer sejam
individuais quer culturais, diminuem as capacidades do humano.
A disseminação da ideia de que as diferenças podem potencializar
e até complementar as capacidades dos indivíduos em
associação é um dos grandes resultados dos trabalhos com
grupos.
Reconhecer o valor da contribuição de várias culturas
possibilita desmistificar crenças infundadas e educa para uma
convivência sem preconceitos. Isso resulta em ações de
convivências sociais mais harmônicas e solidárias.
42
Ibid., p. 40.

Cap. V.p65 72 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
O trabalho com grupos busca ainda uma qualificação nas
relações sociais estabelecidas com grupos secundários. Se até
então a família era o principal grupo de relações e de
convivência, com o advento das grandes emigrações e o
esfacelamento das famílias, em decorrência das guerras, era
preciso inaugurar novas formas de agregação, não mais por
afinidades sanguíneas, mas, e principalmente, por afinidades
afetivas e interesses comuns. Neste processo difundiram-se
os grupos de convivências, conselhos de bairro, grupos de
oração, de voluntários e círculos de pais e mestres, que
perduram até hoje.
Os princípios que norteiam a aposta no trabalho de grupo,
a fim de garantir uma adequada socialização e a importância
de conviver com as diferenças, de modo a tolerá-las, revelam
conhecimentos vindos da experiência empírica, como afirma a
autora:

Várias experiências no campo da educação juvenil, para


promover a formação de atitudes positivas em relação ao meio
social e à religião, demonstram claramente que uma formação
puramente intelectual é insuficiente para combater os
preconceitos da criança. Se, no entanto, se facilitam as
73
ocasiões de associar-se com outras crianças, em ambiente
fraterno, sem discriminação de raça, cor ou credo, então os
O método de grupo e de comunidade
esforços educacionais convergentes atingirão efeitos
duradouros, vendo desabrochar ideais de tolerância. Se as
crianças compartilham de uma experiência de vida cheia de
afeição e com certa liberdade e, se a satisfação causada por
esse modo de viver se torna consciente, a atitude de tolerância
será para sempre integrada na sua personalidade.43

As experiências realizadas com grupos de convivência e


de socialização entre crianças mostravam que estas não
possuíam preconceitos raciais. Não se tratavam de formas
diferentes os negros e os brancos católicos ou judeus. Isso
reforçava a ideia de que eram preconceitos construídos
socialmente e, como tais, poderiam ser destruídos também no

43
Ibid., p. 43.

Cap. V.p65 73 25/1/2011, 16:21


campo social.
É importante salientar que os conflitos e confrontos pela
opção religiosa e as discriminações raciais e étnicas constituíam-
se nos principais conflitos da época, visto que, na Segunda
Guerra acirravam-se essas disputas pelas ideias difundidas por
Adolf Hitler sobre a hegemonia da raça ariana, que resultou na
tortura e morte de milhões de judeus.
O trabalho realizado pelo Serviço Social com grupos obteve
sucesso nas ações de intervenção de caráter educativo. Nesse
sentido ficou evidenciada a forte característica pedagógica da
ação social do Serviço Social de grupo, que culmina com a
incorporação de técnicas de organização da comunidade no
cotidiano da profissão, a fim de alcançar um número maior de
pessoas.
Neila Sperotto

3 O Método de
Organização da
Comunidade
74 O trabalho realizado com a comunidade desenvolveu–se
no serviço social a partir da incorporação de técnicas
profissionais aos trabalhos que já eram desenvolvidos por grupos
voluntários de obras particulares.
A necessidade de incorporar técnicas de estudos sociais
nos trabalhos com a comunidade se deve aos programas de
bem estar social destinados à recreação, parques e jardins
para a infância, que passaram a ser administrados por órgãos
do Governo. Estas ações anteriormente eram realizadas somente
por obras sociais ligadas a grupos religiosos.
Com a ampliação dos serviços prestados pelo estado, com
a vigência do estado de bem estar social nos Estados Unidos,
os programas de assistência econômica, de habitação e de
aproveitamento do lazer tiveram grande alcance,
desenvolvendo-se quase que integralmente com os auxílios
governamentais.
A base metodológica do trabalho em comunidade obedece
aos princípios do cooperativismo, onde cooperar é trabalhar

Cap. V.p65 74 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
com outras pessoas, visando um objetivo comum. Provém da
palavra latina: “cooperare”, ou seja, “cum” “operare”, ou
trabalhar com outro ou outros na busca de um objetivo comum.
Os valores das cooperativas estão baseados nos valores
de autoajuda, responsabilidade própria, democracia, igualdade,
equidade e solidariedade. Com base na tradição de seus
fundadores, os membros da cooperativa acreditam nos valores
éticos de honestidade, sinceridade, responsabilidade social e
preocupação com os outros.
Os métodos cooperativos baseiam-se em sete princípios
registrados na Declaração da Aliança Cooperativa Internacional
Sobre a Identidade Cooperativa.
Estes princípios eram os que norteavam o processo de
organização das comunidades que, juntamente com o estudo
social e as pesquisas, buscavam alternativas para otimizar os
recursos para a melhoria da qualidade de vida da população,
pela promoção da educação social, por meio da divulgação de
ações preventivas, de saúde e planejamento familiar etc. Os
programas eram promovidos tanto pelo Governo quanto pelas
organizações não governamentais, aliando interesses, já que o
objetivo maior era a comunidade. Isso fazia com que todos os
esforços fossem direcionados para tal. 75
Gordon Hamilton, a respeito das técnicas de organização
diz: “As técnicas da organização da comunidade estão sendo O método de grupo e de comunidade
constantemente modificadas para atender a todos estes
programas, não se tendo alterado, no entanto, os princípios
básicos de coleta de dados, de determinação de necessidades
fundamentais e de participação integral do público nos
empreendimentos que reverterão em seu benefício”.44
O processo de desenvolvimento de comunidade busca a
participação ativa da população. O envolvimento desta, desde
o planejamento das atividades, é um dos principais momentos
do trabalho. As pesquisas realizadas com os moradores para
identificar as necessidades precisam também ser reconhecidas
como fazendo parte do planejamento das ações.
O serviço social, assim como a Medicina, buscava a
implantação e disseminação das ideias de prevenção em saúde

44
Ibid., p. 36.

Cap. V.p65 75 25/1/2011, 16:21


e de promoção de educação. As melhorias de habitação e
saneamento básico estavam também relacionadas aos principais
programas desenvolvidos nas comunidades.
A ideia destes trabalhos comunitários obedeciam a um plano
com etapas, que se processava por meio de da pesquisa
periódica com cada comunidade para identificação de suas
necessidades e, posteriormente, implementação de programas
e recursos para a resolução dos problemas. O trabalho
profissional dedicava-se à educação do público para o melhor
aproveitamento destes recursos. Toda base do trabalho está
na concepção de que o indivíduo tem responsabilidade não
somente para consigo mesmo, mas também para com toda a
sociedade.
A sociedade igualmente é compreendida como responsável
em criar condições e oportunidades de progresso e de realizações
Neila Sperotto

positivas, além de garantir a segurança protegendo as vidas e


os interesses de todos os seus membros.
O assistente social, no exercício do método de comunidade,
realizava seu trabalho no sentido de:

Através de seu trabalho, o assistente social auxilia o cliente


76 a ter um sentido mais realista de suas próprias
responsabilidades para com a comunidade, encorajando-o
no esforço em seu próprio benefício e na integração no seio
de sua família e no da sociedade.
Os assistentes sociais que trabalham no campo do Serviço
Social de Casos resistem às tentativas de classificação dos
problemas com que lidam diariamente. Sabem que não há
casos idênticos, e que é sempre um esforço intelectual
separar os atributos comuns. Por outro lado, aqueles que
se dedicam a atividades de reforma social impacientam-se
com o processo de individualização que, segundo sabemos,
é mais lento.
Entretanto, a organização da comunidade considera de modo
inteligente, exige tanto uma classificação quanto uma
individualização quer se trate de problemas de saúde, de
trabalho ou de programas de bem-estar social.
O Serviço Social cria, aos poucos, atividades decorrentes da
prática dos processos básicos de Servido Social de Grupo e

Cap. V.p65 76 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Serviço Social de Casos. As pessoas esclarecidas veem que
o emprego de táticas revolucionárias para substituírem tudo
que se sabe ou que se aprenderá sobre os seres humanos
não contribuirá mais para a cultura de um povo do que os
programas que compreendem planejamento adequado,
pesquisa científica, métodos de apuração e o bom senso
aplicado ao conhecimento de cada situação”.45

4 Conclusão
As dinâmicas apresentadas pelo desenvolvimento dos
métodos de caso e comunidade revelam a importância do
trabalho de educação para a mudança social. Embora ainda
revele uma perspectiva de mudanças paulatinas, incorpora a
necessidade do planejamento dessas mudanças ocorrer a partir
do estudo da realidade social e com a participação ativa da
comunidade durante todo o processo.
Esta pode ser considerada a grande contribuição da área
quando devolve para os sujeitos o direito e a possibilidade de
expressar suas necessidades, além das carências com as quais
historicamente vinha trabalhando o Serviço Social de caso.
77
O método de grupo e de comunidade

45
Ibid., p. 40.

Cap. V.p65 77 25/1/2011, 16:21


Neila Sperotto

78

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. VI
A teoria do
Serviço Social

1 Introdução
Este capítulo está dedicado a percorrer os caminhos
realizados na construção dos saberes do Serviço Social, a fim
de que seja possível compreender como se constituiu o quadro 79
teórico metodológico do Serviço Social.

A teoria do Serviço Social


Como já estudado na história do Serviço Social, esta
profissão possui um marco de ruptura teórico-metodologica
denominado Movimento de Reconceituação do Serviço Social,
sistematizados nos documentos de Araxá, Teresópolis e Sumaré,
e analisado por autores contemporâneos já estudados na história
da profissão.
Uma teoria pode ser comparada, grosso modo e para fins
didáticos, com uma “lente” com a qual é possível “ver” um
dado objeto com outros parâmetros que não mais os percebidos
só pelo olho. Estudar um fenômeno social sem a ajuda de uma
lente teórica impede que o observador seja capaz de identificar
elementos de complexidade, levando-o a permanecer apenas
com os conhecimentos intuitivos, diretos, sem a mediação da
razão. Conhecer o fenômeno social sem o uso do conhecimento
teórico não qualifica para uma ação profissional.
A produção de teoria e metodologia no Serviço Social é
um tema bastante importante e controverso para problematizar.

Cap. VI.p65 79 25/1/2011, 16:21


Como já estudado, a categoria profissional preocupa-se muito
com a construção de saberes teóricos - metodológicos, iniciando
as transformações e rupturas no Movimento de Reconceituação.
Embora hoje a construção do conhecimento no Serviço Social
possua uma maturidade e um status importante dentro das
ciências sociais, as divergências não acabaram e, felizmente,
a categoria profissional vem se empenhando na construção e
reconstrução destes conhecimentos teóricos.
Embora não exista “a” teoria do Serviço Social, a prática
científica e a produção de conhecimentos e saberes dão
movimento e dinamicidade ao fazer profissional, evidenciando
que o Serviço Social vem participando e promovendo
transformações na realidade social a partir das suas construções
teórico-metodológicas.
O trabalho cotidiano do Assistente Social exige estudo
Neila Sperotto

constante da realidade social. A postura crítica e o espírito


investigativo garantem a este a compreensão da realidade em
seu movimento histórico.
Para apreender o estado da arte desta produção é
importante conhecer os passos e os caminhos teóricos e
metodológicos que foram até aqui percorridos. Para orientar
80 esse estudo, destacamos artigos publicados na Revista Serviço
Social e Sociedade e nos Cadernos ABESS, textos de alguns
autores que, a partir de seus estudos e discussões em
seminários e outros espaços democráticos de participação e
produção de conhecimentos, elaboraram um farto material onde
problematizam a produção teórica metodológica, os saberes da
profissão, a partir da também necessária crítica às chamadas
Ciências Sociais. Neste capítulo apresentam-se estas discussões
que compõem o quadro teórico metodológico do Serviço Social.

2 A Construção da Teoria
do Serviço Social
Vamos partir de um artigo de João Bosco Pinto46 intitulado
“A Pesquisa e a Construção da Teoria do Serviço Social”,

Professor do Departamento de Serviço Social e do curso de Mestrado em Serviço


46

Social do CSA/UFPE.

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
publicado em 1986, na Revista Serviço Social e Sociedade nº
21, para iniciar a discussão, uma vez que este coloca uma das
questões de fundo deste debate.
Neste artigo o autor parte da questão: “poderia existir (se
é que já não existe) uma teoria do Serviço Social ?”47. Para
responder a esta provocação faz referências a construção do
conhecimento científico em geral e inicia sua resposta
evidenciando que o conceito de teoria também depende de
posições epistemológicas divergentes, que podem ser descritas
a partir de duas acepções básicas:

a) no método hipotético dedutivo, dominante nas ciências,


inclusive nas sociais, e cujo posicionamento epistemológico
baseia-se no empirismo, por teoria entende-se um conjunto
sistemático de proposições gerais, inter-relacionadas e que
se referem (explicam) a um conjunto determinado de fatos
científicos;
b) numa posição dialética, a teoria é uma representação
mental, de processos reais, que leva à compreensão de uma
totalidade estruturada mediante a identificação das relações
de determinação, reveladoras do seu movimento.48
81
O autor explica que, na primeira concepção, a teoria
reveste um caráter formal de acumulação de conhecimentos, A teoria do Serviço Social
que são resultado das observações empíricas (dados e fatos
científicos) a níveis de abstração e generalizações cada vez
maiores. A segunda é o resultado de uma representação mental
de um processo real, com toda a riqueza de suas determinações,
mas não vistas formalmente ou de modo abstrato, mas como
um todo estruturado, rico e em movimento. Destas
compreensões o autor anuncia que:

Creio poder afirmar, com muitos assistentes sociais, que o


Serviço Social não constitui uma disciplina científica, com um
objeto especifico diferenciado e diferenciável dos objetos de
outras disciplinas científicas; apoiando-se de fato na
acumulação de conhecimentos de outras disciplinas

47
PINTO, 1986, p. 47.
48
Ibid., p. 47.

Cap. VI.p65 81 25/1/2011, 16:21


(psicologia, antropologia, sociologia, economia), o Serviço
Social pode ser caracterizado como uma prática profissional,
ou talvez, como diria Boris Lima, uma ciência técnica,
comparável quiçá a outras, como a arquitetura e a própria
engenharia. Como ciência técnica é uma área de aplicação
cujo objeto não difere das disciplinas matrizes, mas que se
diferencia pêlos seus objetivos práticos, isto é, pelo tipo de
transformação específica do objeto com outras compartido.49

A questão sobre a cientificidade ou não do Serviço Social


foi por muito tempo um dilema para a produção do conhecimento,
uma vez que não possuía ainda uma clareza sobre o seu objeto.
A compreensão de que o objeto de estudo era de domínio de
uma área do saber, dificultava ainda mais sua definição, uma
vez que os Assistentes Sociais não concordavam com a existência
Neila Sperotto

de um objeto, mas sim de vários objetos de estudo.


A premissa utilizada pelo autor revela sua concepção de
ciência e de cientificidade embasada no paradigma clássico de
ciência, onde a prática é vista de forma divorciada da teoria.
Das suas conclusões indica que a pesquisa cientifica é o caminho
que irá possibilitar as construções claras de um objeto, que
82 possa promover a ruptura com os objetivos socialmente
determinados para o Serviço Social em sua origem. Estas
afirmações são resultado do estado atual da teoria e da produção
de conhecimentos da área, no ano de 1986. Destaca-se que
esse autor não tinha formação em Serviço Social, mas como
ele mesmo afirmou, essa concepção era compartilhada com
muitos profissionais na época. Caracterizar o Serviço Social
como uma prática profissional revela uma concepção de ciência
dicotômica, pois ao retirar o status de disciplina científica e
promover a prática, como faz o autor, evidencia um status
inferior à atividade profissional.
Aqueles que compartilham dessa visão não reconhecem o
processo de trabalho realizado pelo profissional com um objeto
que é construído e reconstruído a partir do reconhecimento
dos dados da realidade social que está sendo estudada. O não
reconhecimento dessa condição, necessária à realização da

49
Ibid., p. 48.

Cap. VI.p65 82 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
prática, gera um equívoco na compreensão da metodologia de
intervenção e da cientificidade desse saber construído.
Não é possível, diante da complexidade da realidade social,
realizar uma intervenção sem conhecer e apreender as
especificidades da situação. Isso prova a inviabilidade de, na
prática profissional, aplicar modelos previamente estabelecidos.
Para realizar a prática profissional é necessário que o assistente
social esteja embasado por teorias científicas que lhe permitam
materializá-las no processo interventivo.
Com a concepção de ciência sendo de domínio de algumas
áreas, era reforçada a ideia de uma ação meramente executora
de modelos pensados e elaborados por outras áreas do
conhecimento. A tradição de pesquisa no processo de formação
dos profissionais ainda não era uma realidade naquela época, o
que explica e justifica a conclusão, indicada pelo autor, de ser
a pesquisa científica o que irá possibilitar a definição clara de
um objeto.
Nesse sentido, entende-se que sim, ou seja, somente a
pesquisa e a instrumentalização para esta dimensão da prática
profissional, desde o inicio da formação dos assistentes sociais,
é que possibilitará o avanço da categoria e a qualificação das
práticas, materializadas na instauração de um “novo espírito 83
científico” na visão de Bachelard.50
A teoria do Serviço Social
3 Produção Cientifica
do Serviço Social
Com o intuito de reclamar para a área o direito de constituir-
se com um corpo teórico cientifico que possibilitasse a
construção do objeto no Serviço Social, encontra-se na Revista
Serviço Social e Sociedade, nº 14, um texto de Safira Bezerra
Ammann intitulado: “A produção Científica do Serviço Social
no Brasil”. O texto originou-se de um trabalho elaborado para
o CNPq51 como parte do documento “Avaliação e Perspectivas
– 82: Serviço Social”. Este documento foi elaborado com a

50
Consultar Bachelard, Gaston. O novo espírito científico. Lisboa: Edições 70,1971.
51
Conselho Nacional de Pesquisas, hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico.

Cap. VI.p65 83 25/1/2011, 16:21


colaboração de Vicente de Paula Faleiros, de Nobuco Kameyma
e da Comissão Executiva da ABESS 52 com o objetivo de
apresentar o estado da arte produzido na área do Serviço
Social nos últimos anos, evidenciar a falta de apoio à produção
científica na área do Serviço Social e a insuficiência de bolsas
para pessoal docente e discente e, ainda, recomendar: “que o
CNPq constitua um Comitê Assessor ao Serviço Social – a
exemplo dos demais ramos do conhecimento – bem como
estruture uma garantia orçamentária destinada à área,
oferecendo apoio técnico e financeiro aos seus centros de
ensino e pesquisa”.53
Esse documento representa a posição de vanguarda desses
profissionais, apresentando a produção da área e o crescimento
dos cursos de graduação e pós-graduação à agência de
financiamento público para a pesquisa, em um esforço
Neila Sperotto

intencional de garantir as condições materiais e legitimas para


a continuidade da produção de conhecimento na área.
No texto, a autora, ao problematizar a construção do objeto
nas ciências sociais, revela a tendência nas ciências sociais de
admitir um único objeto de estudo. Esta característica resulta
do método científico que prega a separação de um objeto de
84 análise, isolando-o para, por intermédio do método cartesiano
de análise, separar em quantas partes forem necessária para
apreender o todo. Esta concepção de metodologia científica
resulta da definição apriorística de um objeto exclusivo para
cada ramo das ciências.
Esta concepção, segundo a autora, apresenta uma
dicotomia entre a teoria e a prática, fundada no positivismo
que “separa os que produzem conhecimentos dos que aplicam
esses conhecimentos, tal tendência vinha responder a interesses
sociais e relações de poder reforçadores da divisão social do
trabalho54 no seio da sociedade”.55
Essa divisão resultou na classificação das áreas, sendo o
Serviço Social caracterizado como disciplina de aplicação (ainda
hoje o Serviço Social é classificado como ciência social aplicada)

52
Associação Brasileira de Ensino de Serviço Social hoje; hoje ABEPSS –
Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social.
53
AMMANN, 1984, p. 176.
54
Para compreender melhor (re)consulte o capítulo 2.
55
Ibid., p. 144.

Cap. VI.p65 84 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
o que, segundo a autora, é a razão para o traço pragmático
encontrado na produção da área do Serviço Social. Sem um
status científico, o Serviço Social ficou limitado a aplicar modelos
metodológicos precariamente sustentados em conceitos
advindos das ciências sociais, mas que nem sempre eram
compreendidos em sua totalidade.
Com a emergência de correntes teóricas que aceitam as
transformações e dinâmicas da realidade social, o Serviço Social
passou a assumir a responsabilidade de debruçar-se sobre sua
prática profissional a fim de produzir conhecimentos sobre os
fenômenos em que vinha intervindo. A emergência de situações
mais complexas decorrentes das transformações sociais geradas
pela industrialização, forçou os profissionais a rever seus métodos
e concepções de abordagem que, em face de situações
complexas, exigiam-se respostas também complexas. No Serviço
Social é necessário construir um saber que, para além de explicar
e compreender as situações, ofereça possibilidades de
transformação dessas situações, assim é possível construir e
reconstruir metodologias de ação.
Esse processo ocorre ao longo da institucionalização da
profissão e, portanto, não está acabado. Nesse sentido, é de
fundamental importância estudar as diversas concepções teórico 85
metodológicas dos autores da área.
Foram transcritas partes do artigo citado que dão destaque A teoria do Serviço Social
às concepções de autores sobre a gênese do Serviço Social. A
opção pela transcrição se deve pela excepcional qualidade da
síntese.

A institucionalização do Serviço Social como profissão não


partiu de um paradigma explícito e nem mesmo de um projeto
prévio e precisamente estabelecido. Ela decorreu da própria
prática profissional frente aos problemas mais prementes
de cada momento histórico. Processou-se a partir da atuação
do profissional em face de problemas que passaram a se
configurar como campos específicos de atuação, dificultando
a estruturação de um marco de referência geral da ação
profissional. Num determinado momento da evolução do
Serviço Social, os profissionais sentiram, entretanto, que era
imprescindível a explicitação do marco de referência geral

Cap. VI.p65 85 25/1/2011, 16:21


da ação profissional. Esta preocupação ganhou maior
expressão nos Estados Unidos a partir de 1955, que instituiu
uma “Comissão sobre a prática do Serviço Social”. Para a
elaboração do quadro de referência geral da ação
profissional, a Comissão partiu da concepção do Serviço
Social como uma disciplina de intervenção na realidade
humano-social. Este quadro de referência engloba um
conjunto de elementos (objeto, objetivos, conhecimentos,
valores e método), que constituem a base comum da ação
profissional e encontram-se presentes em qualquer campo
ou subárea de atuação.
Numa primeira fase (1930-1945), o Serviço Social sofre uma
influência indireta da corrente neotomista de caráter
conservador, ortodoxo e tradicionalista, resumindo-se sua
prática à assistência e orientação ao “cliente”, através do
Neila Sperotto

método de Serviço Social de caso, grupo e comunidade. A


partir dos anos 60, quando as contradições se tornam mais
agudas na América Latina e quando se assiste ao
fortalecimento da consciência e da organização dos
intelectuais e das classes subalternas, o Serviço Social passa

86 a questionar seu papel na sociedade, seu atrelamento às


classes dominantes, sua teoria e sua prática corretora de
“disfunções” sociais. Nasce, então, na América Latina o
Movimento de Reconceituação, que assume orientações
distintas em contextos sociopolíticos diversos. Dentre elas,
a corrente que postula a libertação social toma vulto nos
países da América Latina onde a maturação do movimento
social permite um salto qualitativo na reflexão e na proposta
do Serviço Social.
Tal corrente surge como resultante do posicionamento e da
ação coletiva das forças sociais, vindo o Serviço Social a
representar uma força que contribui, com sua proposta
específica de ação profissional, para o processo global de
libertação dos povos oprimidos.56

O movimento histórico geralmente é resgatado nos textos


teóricos do Serviço Social. É uma característica que resiste ao

56
Ibid., p. 146.

Cap. VI.p65 86 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
tempo, pois até hoje você vai identificar esta necessidade dos
autores iniciarem seus textos contextualizando esta trajetória.
Essa necessidade geralmente aparece quando os autores
dedicam-se a fazer propostas novas. É quase um ritual
necessário para escrever o novo, mas a explicação mais aceita
se dá pela necessidade de assumirem uma perspectiva teórica,
visto que, desde o movimento de reconceituação, é comum a
filiação desses autores em uma ou outra corrente teórica, ou
ainda, exige-se que deixe explicita a sua concepção de homem
e mundo, para que seja compreendida dentro de um contexto
sócio histórico e político determinado. Até a década de 1990
esta característica pode ser reconhecida como traço comum
dos textos. Entretanto, nos últimos anos, desde o que se tem
denominado como “Crise do Paradigma Clássico de Ciência”
esta tendência vem paulatinamente desaparecendo.
Nas discussões mais recentes, essa concepção tradicional
vem sendo substituída por uma que conhece a dinâmica do
tempo presente, e parte do princípio que já está instituída a
ideia de que a produção do conhecimento se constroi
historicamente e está inserida em um processo mais amplo de
produção, onde os saberes não são mais de propriedade dessa
ou daquela área do conhecimento. 87

4 A Corrente de A teoria do Serviço Social

Libertação Social
A referência ao Movimento de Reconceituação é um divisor
de águas para marcar o “antes” e o “depois” na produção do
conhecimento da área e, seguramente, você vai se deparar
ainda muito com isso.
Estas noções são importantes para que você consiga
identificar a essência do conhecimento novo que é apresentado.
Neste capítulo é a emergência da corrente de libertação social,
anunciada no artigo citado.
Esta corrente buscou construir uma proposta de ação com
uma orientação para o que denominou libertação dos povos
oprimidos. A metodologia buscava capturar na realidade social
concreta as formas de opressão vividas, opondo-se a uma

Cap. VI.p65 87 25/1/2011, 16:21


definição a priori do objeto de análise, proposta pelas teorias
globalizastes que constroem o objeto a partir de uma abstração
teórica. A proposta continha uma possibilidade de construir e
reconstruir o objeto a partir da análise da realidade global, mas
contextualizada dentro de um espaço temporal determinado.
A construção do objeto para a corrente da libertação social
constitui-se em uma produção científica do Serviço Social de
grande relevância. Destacou-se do texto de Safira Bezerra
Ammann a descrição da metodologia da corrente da libertação
social que se apresenta.

A Corrente de Libertação Social

Do ponto de vista metodológico, o objeto se concebe


como uma construção teórica e sistemática que surge da
Neila Sperotto

análise do contexto global e, mais especificamente, de


contradições concretas e reais que a sociedade apresenta
em um determinado momento histórico. Não se trata de
definir o objeto a partir de um esquema abstrato ideal, e
nem do ponto de vista pragmático, mas a partir da
realidade concreta, especificamente a realidade social.
88 Nesta linha, quando se fala do objeto do Serviço Social,
está-se referindo também ao sujeito que se constroi
historicamente. Neste caso, a abordagem metodológica
proposta diz respeito à relação sujeito/objeto. O que
interessa são as relações estabelecidas pelo Serviço
Social com os objetos de sua ação no processo de
conhecimento e de intervenção, das quais a teoria é o
ponto de partida, e a realidade, sua referência
fundamental. As regras, as técnicas não têm valor em si
mesmas; elas se valorizam a partir da perspectiva teórica
que lhes dá feição e sentido.
As relações sociais constituem, assim, segundo essa
corrente, o objeto do Serviço Social, diferindo – segundo
as posturas teórico-metodológicas – quanto ao modo de
entender essas relações e de encaminhar a prática que
se funda nesse entendimento.
Na perspectiva da libertação social, as relações sociais
são entendidas como relações de poder, relações do homem

Cap. VI.p65 88 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
com a natureza e com os outros homens, das quais podem
resultar a alienação, a exploração e a dominação, que
fazem do homem um ser manipulador e manipulável.
A transformação da sociedade opressora e a realização
do homem constituem um processo histórico que se
fundamenta no movimento mesmo da realidade social.
Assim, a libertação social não se realiza nem pelo, nem
para o homem, mas através de da ação organizada dos
grupos dominados, no jogo das forças sociais. Este é o
objetivo geral e amplo da transformação social, na dialética
da situação e da ação.
A libertação social, no entanto, não é um fenômeno
espontâneo e confuso das populações, senão um processo
que supõe conscientização, mobilização, organização e
ação política.
O Serviço Social busca, nas últimas décadas, um modelo
teórico-metodológico de intervenção que efetivamente
contribua para um maior grau de conscientização,
mobilização, organização e ação política da população
com quem se relacionam os profissionais da área, na sua
tentativa de transformações sociais mais amplas.
Nesta tarefa de elaboração de um modelo teórico-
89
A teoria do Serviço Social
metodológico de intervenção, é conveniente e necessário
que o Serviço Social recorra a todos os conhecimentos
produzidos pelo conjunto das ciências. Esta conveniência
e necessidade já estão ganhando ampla aceitação nos
meios acadêmicos e profissionais, ao proporem a inclusão
de novas disciplinas no Currículo Mínimo do Curso de
Serviço Social, assim como a mudança do conteúdo
programático das disciplinas, garantindo a pluralidade de
correntes teórico-metodológicas e o avanço da
cientificidade da área.57

A síntese realizada pela autora sobre a construção do


objeto do Serviço Social revela também a concepção de gênese
do Serviço Social que, para a autora, “institucionalizou-se como
profissão através da própria prática”. Esta perspectiva é

57
Ibid., p. 148.

Cap. VI.p65 89 25/1/2011, 16:21


importante, uma vez que dela derivam as formulações teóricas
metodológicas do Serviço Social na contemporaneidade, que
ainda serão mais bem abordadas nesta obra.
Reconhecer as relações sociais como sendo o objeto do
Serviço Social, para a corrente que postula a libertação social,
revela a possibilidade de realizar escolhas teóricas.
Esta concepção apresenta uma perspectiva pluralista para
a construção de conhecimentos na área, reconhecendo a
necessidade de coexistência de correntes teóricas divergentes.
Nesse sentido, as diferentes teorias que abordam as relações
sociais geram diversas posturas teórico-metodologica que se
refletem na forma como se compreende essas relações sociais,
orientando a prática que se fundamenta no principio teórico.
Este enunciado que revela as relações sociais como sendo
o objeto do Serviço Social, resolveu por um período o problema
Neila Sperotto

da falta de um objeto do Serviço Social. Não se trata de


entender a proposta desta corrente como sendo uma apologia
ao ecletismo ou a falta de uma postura teórica, mas a
possibilidade de conceber um objeto único, garantindo a
pluralidade de correntes teórico-metodologicas e o consequente
avanço da cientificidade da área anunciado no texto.
90 A corrente da libertação social introduziu as noções teóricas
das relações sociais serem de poder exercidas “pelos homens
em relação à natureza e dos homens em relações aos outros
homens”. Destas relações de poder resultam as transformações
sociais que alimentam um processo histórico, em uma relação
dialética de disputas e conquistas, que garantem a libertação
da situação de opressão social por meio de da ação organizada.
Com este objetivo em mente, a ação do Serviço Social se
amplia em uma proposta que transcende a intervenção direta e
pontual que caracterizou o trabalho historicamente, e introduz
uma nova missão política que vislumbra uma proposta teórico-
metodologica de intervenção que contribua para elevar o grau
de conscientização, organização e mobilização da população,
qualificando sua ação política.
Este tipo de proposição revela o caráter pedagógico da
metodologia de ação, uma vez que confere a teoria um ponto
de partida, não uma determinação sobre a realidade social.
Ainda que não evidenciada em nenhum desses textos, mas

Cap. VI.p65 90 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
a título de referência, destaca-se que a teologia da libertação
também influenciou muito, do ponto de vista teórico e
metodológico, as práticas realizadas pelos assistentes sociais.
Existem registros de trabalhos de assistentes sociais junto às
comunidades eclesiais de base que desenvolviam ações de
organização da comunidade. Especialmente as metodologias
pedagógicas de caráter comunitário, realizadas pelos assistentes
sociais, estavam em sintonia com as teorias e metodologias da
educação popular, que se baseavam no conhecimento da
realidade, inspiradas pela teologia da libertação e da prática
profissional transformadora, crítica, consciente, participativa.
A concepção teórica da educação popular e da teologia da
libertação se pauta por uma postura profissional como agente
de mudança, não mais de filiação pela caridade, mas uma prática
associada à libertação e conscientização.
Na análise de alguns textos fica evidenciada (ainda que
não devidamente referenciada) a influência da pedagogia do
oprimido difundida por Paulo Freire58 na América Latina.
A influência da teoria fica marcada na prática. Isso revela
a unidade teórico-metodologica. Mesmo compreendendo esta
unidade, optou-se por separar, nesta obra, a teoria e a
metodologia para efeitos didáticos e, especialmente, em função 91
dos autores da época terem construído dessa maneira. Os
autores utilizam esta forma dicotômica quando analisam a A teoria do Serviço Social
produção do conhecimento do Serviço Social. Nosso interesse
é apresentar o que existe sistematizado nessa área. Por essa
razão, ainda destacamos para você fragmentos da
sistematização do conhecimento feitos por Leila V. Magalhães,
que anuncia a existência de uma crise no conhecimento do

58
Paulo Freire, educador brasileiro. Destacou-se por seu trabalho na área da
educação popular, voltada tanto para a escolarização como para a formação da
consciência. É considerado um dos pensadores mais notáveis na história da
pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado pedagogia crítica.
O Método Paulo Freire consiste numa proposta para a alfabetização de adultos
desenvolvida pelo educador Paulo Freire, que criticava o sistema tradicional que
utilizava a cartilha como ferramenta central da didática para o ensino da leitura e da
escrita. As cartilhas ensinavam pelo método da repetição de palavras soltas ou de
frases criadas de forma forçosa.1. Etapa de Investigação: busca conjunta entre
professor e aluno das palavras e temas mais significativos da vida do aluno, dentro
de seu universo vocabular e da comunidade onde ele vive.
2. Etapa de Tematização: momento da tomada de consciência do mundo, através
da análise dos significados sociais dos temas e palavras.
3. Etapa de Problematização: etapa em que o professor desafia e inspira o aluno a
superar a visão mágica e a crítica do mundo, para uma postura conscientizada.

Cap. VI.p65 91 25/1/2011, 16:21


Serviço Social quando diz: “Quando o Serviço Social, com a
reconceituação, começa a sacudir a tutela do positivismo lógico,
configura-se, progressivamente, a crise metodológica do Serviço
Social”.59 Esta crise pode ser pensada de forma promissora, no
sentido de que o novo vai surgir, ou de forma pessimista, onde
se se estabeleça uma luta de forças para ver quem está mais
certo. Este é um risco que se corre quando se coloca um saber
em questão. No Serviço Social pode ter ocorrido exatamente
essa dimensão de luta, pois em muitos textos as diferenças de
concepções teóricas e as propostas metodológicas apresentadas
pelos autores são expressas como um embate. Podemos
identificar esta percepção em vários textos, dentre eles os
referenciados abaixo.
Leila Magalhães optou por classificar e separar os autores
e as escolas de Serviço Social em dois blocos a saber:
Neila Sperotto

• Autores que analisam a estrutura básica do método


dentro do paradigma do Serviço Social tradicional: Escola
de Serviço Social ‘Eivira Matte de Chuchaga’, da
Universidade de Valparaizo, Chile (1969). José Lucena
Dantas (1970), Ricardo Hill (1970) e Natálio Kisnerman
92 (1972), em processo de transição.

• Autores que propõem novas alternativas metodológicas


para o Serviço Social: a equipe da Escola de Serviço Social
da Universidade Católica de Minas Gerais (1973), a
Universidade de Concepción del Chile (1973), Maria Angélica
Gallard Clarch (1973), Boris Lima (1974) e Anna Augusta
de Almeida (1977), Nobuco Kameyama e Leila Santos”.60

Ainda nesta mesma perspectiva de classificação por blocos


encontra-se no livro Objeto e Especificidades do Serviço Social,
de Josefa B. Lopes61 que, após analisar as propostas de autores
de relevância, agrupou-os em duas perspectivas teórico-práticas
a saber:

• A da Integração Social, representada pelos autores


59
MAGALHÃES, 1982, p. 14.
60
Ibid., p. 30.
61
LOPES, 1980.

Cap. VI.p65 92 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
classificados por ela como positivistas, funcionalistas e
estruturalistas como: Tecla M. Soeira, Lucena Dantas,
Natálio Kisnerman.

• A da Libertação Social onde classificou os autores em


materialistas históricos 62 e materialistas dialéticos,
representados por: Vicente Faleiros, Bóris Lima e Leila
Santos.

Existe ainda uma perspectiva teórica de concepção


fenomenológica que tem como representante Anna Augusta de
Almeida. Embora seja considerada nos textos dos documentos
dos seminários que você já estudou na obra de História do
Serviço Social, não encontramos referências a sua proposta
nos cadernos ABESS que tratam da produção teórico-
metodologica, nem mesmo na contemporaneidade. Isso pode
representar ou uma adesão pouco significativa da categoria a
esta corrente ou um não reconhecimento desta proposta como
legitima pelas organizações da categoria, ou ainda a fragilidade
teórico-metodologica. Fica aqui o registro desse trabalho.

93
5 Conclusão
Em síntese, estas teorias apreendidas sobre a ótica do A teoria do Serviço Social
Serviço Social constituíram-se na base das formulações
metodológicas do Serviço Social reconceituado.
O salto qualitativo que representam para a acumulação de
saberes deve-se, principalmente, pela incorporação de um
numero maior de elementos a ser considerado pelo profissional,
bem como a introdução da ideia de que é a visão de homem e
mundo do profissional que orienta a escolha teórica que
possibilita a construção da metodologia de ação.

62
Os dois elementos principais do marxismo são o materialismo dialético, para o
qual a natureza, a vida e a consciência se constituem de matéria em movimento e
evolução permanente (interdeterminação das coisas reais, unicidade e
indivisibilidade do real); e o materialismo histórico, para o qual o modo de produção
é a base originária dos fenômenos históricos e sociais, inclusive as instituições
jurídicas e políticas, a moralidade, a religião e as artes. Vários marxólogos
demonstram que o termo materialismo dialético, esboçado por Engels e desenvolvido
por Lênin e Trotski, é uma expressão inexistente na obra de Marx, que, por sua vez,
utilizara apenas o termos dialética e método dialético.

Cap. VI.p65 93 25/1/2011, 16:21


Esse aspecto admite o movimento dialético da sociedade
e revela o caráter científico da disciplina profissional, rompendo
com a ideia de um fazer mecânico de reprodução de modelos
metodológicos e uma formação baseada do treinamento de uso
de técnicas, inaugurando a construção do conhecimento a partir
do contato com a realidade empírica.
Este marco evidencia a peculiaridade de um fazer pautado
por uma postura analítica e crítica das relações existentes na
sociedade e a influência das transformações da ação humana
nos rumos da história.
Neila Sperotto

94

Cap. VI.p65 94 25/1/2011, 16:21


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. VII
Uma concepção teórica
da reprodução das
relações sociais
1 Introdução
Neste capítulo introdutório serão abordados aspectos
teóricos e conceituais necessários, principalmente para a
compreensão mais apurada do esforço dos autores em construir 95
metodologias em sintonia com as teorias de orientação marxistas
da reprodução das relações sociais
Uma concepção teórica
próprias da época e exigidas pelo movimento de reconceituação.
É importante salientar que esses esforços em traduzir os
conceitos teóricos da corrente marxista nem sempre foram
bem sucedidos, em parte pelas limitações impostas pelo regime
de ditadura militar que dificultava o acesso as obras de Marx,
em parte por terem muitas vezes adotado um “tom” político e
ideológico que os afastava da produção de metodologias e
aproximava-os de um discurso panfletário.
As tentativas de exemplificar apresentam-se como uma
simplificação da teoria e dos conceitos e da realidade social
existente, a fim de tornar visível no cotidiano dos alunos alguns
elementos relacionados à análise marxista, e devem ser lidas
no contexto didático para o qual foram construídas.

Cap. VII.p65 95 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. VIII
A metodologia
do Serviço Social

1 Introdução
O texto revela as principais problematizações realizadas
no seio da profissão a cerca da metodologia do serviço social.
Para tanto, é necessário compreenda-las de forma não 105
dissociada da teoria, embora para efeitos de didáticos e

A metodologia do Serviço Social


obedecendo a uma característica da ciência que na época
fazia esta divisão.
Na atualidade, você não verá mais formulações só teóricas
ou só metodológicas. Ao passo que o processo de formação
avance você poderá perceber que os aspectos teórico-
metodológicos serão apresentados de maneira a não dissociar
esse processo em um esforço de materializar a teoria na prática.
A importância do capítulo está no desvelamento de como
acontece o movimento de uma produção científica na área,
que não se restringe somente na ação direta e solitária do
profissional, mas que se processa na ocupação dos espaços
políticos e democráticos existentes na categoria profissional
para ser validado como uma prática que revela sintonia com o
projeto ético político da categoria, além de revelar a existência
de organismos representativos que exercem a função de mediar
e sistematizar os conhecimentos produzidos.

Cap. VIII.p65 105 25/1/2011, 16:22


2 A Construção da
Metodologia
Os esforços em qualificar a produção do conhecimento da
área estão expressos ainda na publicação do Caderno ABESS
nº 3, de 1989, em uma edição destinada à discussão da
Metodologia no Serviço Social. Na primeira parte deste caderno
são apresentados os resultados de uma pesquisa, realizada
num esforço conjunto entre o Programa de Estudos Pós-
Graduados em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo e a Associação de Ensino de Serviço Social
(ABESS), para analisar as principais tendências presentes na
compreensão da metodologia do Serviço Social e seus
desdobramentos no processo de ensino e formação profissional
Neila Sperotto

dos Assistentes Sociais. Este tipo de iniciativa evidencia a


preocupação da categoria profissional em monitorar e identificar
as lacunas existentes nesta disciplina, constituindo-se em temas
de relevância cientifica e social para futuros estudos e pesquisas
nos programas de pós-graduação.
106 Na segunda parte do caderno estão registradas as
contribuições de diversos autores da área e os debates ocorridos
no “Seminário Nacional sobre Ensino de Metodologia no Serviço
Social”, realizado na PUC-SP, no período de 11 a 15 de abril de
1998.
Destacam-se destes textos o de Nobuco Kameyma
intitulado: “Metodologia: Uma Questão em Questão”, onde
escreve sobre a concepção de teoria e metodologia, seguindo
um caminho de explorar alguns pontos que identifica como
relevantes, uma vez que têm sido abordados em diversas
discussões, quais sejam:

• A mediação;
• A concepção de teoria e metodologia;
• A existência de teoria ou teorias no Serviço Social;
• A diferença entre especificidade, identidade e
particularidade do Serviço Social.

Outro ponto importante do texto é onde o autor faz

Cap. VIII.p65 106 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
considerações sobre a compreensão da teoria ser diferente da
prática, expressa na “velha” frase: “na teoria é uma coisa e,
na prática, outra”, tão proferida ainda hoje pelo senso comum,
o que evidencia as condições ainda incipientes sobre a apreensão
das teoria e da metodologia como resultados de uma totalidade.
O autor destaca que esta totalidade é uma especificidade da
teoria marxiana:

A teoria marxiana tem uma especificidade na medida em que


é a única teoria que resgata a totalidade e que também coloca
a questão da transformação. O que vem a ser essa teoria?
Pode-se dizer que a teoria é a forma de organização do
conhecimento científico que nos proporciona um quadro
integral de leis, de conexões e de relações substanciais num
determinado domínio da realidade. É um sistema de
representações, ideias, referentes à essência do objeto, a
suas conexões internas, às leis do seu funcionamento e aos
processos e operações no domínio teórico e prático da
realidade. A teoria consiste também num conjunto de princípios
e exigências interligadas que norteiam os homens no processo
de conhecimento e na atividade transformadora. Por isso,
então, na teoria marxiana a questão do conhecimento está
107
internamente ligada com a questão da transformação. O

A metodologia do Serviço Social


conhecimento visa a transformação que é a prática social. A
prática social, aqui entendida num sentido do mais amplo,
não se reduz à prática profissional, pois esta constitui uma
dimensão da práxis70 entendida como totalidade. No entanto,
a teoria em si não transforma o mundo. Ela pode contribuir
para a transformação desde que seja assimilada por aqueles
que, através de atos reais e efetivos, visem tal transformação.
Esta ação efetiva de transformação é a prática entendida como
atividade racional e social dos homens na transformação da

70
De acordo com Vasquez (1977) a práxis compreende prática produtiva, prática
política e a prática do conhecimento ou investigativa. Existe no entanto uma
distinção entre essas três práticas. A prática na produção material, ou seja, a
práxis produtiva, é a práxis fundamental, porque nela o homem não só produz o
mundo humano e humanizado, mas transforma a si mesmo. É o trabalho que o
homem realiza sobre a natureza – relação homem/natureza. Trata-se portanto de
um “processo de transformação material da natureza e deve-se entender, também,
que ao final do qual” se produz um resultado que já existia idealmente (cf. Marx,
1980).

Cap. VIII.p65 107 25/1/2011, 16:22


natureza e da sociedade. Essa prática se efetiva na produção
material, na atividade social e política e na investigação (o
que chamamos de prática de conhecimento)”71

Os principais esclarecimentos que o autor faz neste artigo


são a respeito da unidade indissolúvel da teoria e prática, a
compreensão e aceitação dessa premissa da totalidade evita
que seja reproduzida a dicotomia fundada pelo funcionalismo.
A importância da teoria marxista para o avanço do saber na
área é indiscutível, face ao sentido existente nas suas
explicações dos fenômenos sociais admitirem a ação do homem
e a possibilidade da transformação social ser realizada pela
ação política na prática social. Além dessas explicações,
apontava um caminho, uma proposta de futuro onde as
condições de vida do homem caminhariam para a liberdade.
Neila Sperotto

Chama a atenção ainda para o equívoco existente no seio


da profissão quando se dedica à articulação entre a teoria e a
prática, um esforço empreendido por muitos profissionais no
intuito de romper com a dicotomia. O autor revela que o
importante é conceber essas dimensões de forma indissolúvel,
reconhecendo o movimento dialético na ação do homem na
108 sociedade e sobre a natureza. Esta postura garante a unidade.

Nesse sentido pode-se dizer que a prática é o fundamento


da teoria, ou seja, o ponto de partida e a base principal e
substancial do conhecimento. O próprio conhecimento se
desenvolve com base na prática, pois o conhecimento e as
ciências surgem e se desenvolvem devido às necessidades
da prática, às necessidades da vida. Na 8ª tese sobre
Feurbach, Marx afirma: “Toda vida social é essencialmente
prática. Todos os mistérios que induzem a doutrina do
misticismo encontram sua solução racional na práxis humana
e na compreensão dessa prática”. Quando se afirma:
“Devemos partir da prática”, essa prática deve ser entendida
a partir de categorias mais globais. Na prática colocam-se à
prova os conceitos e as teorias, estabelecem-se a sua
veracidade ou falsidade, precisam-se e sistematizam-se os

71
KAMEYMA, 1989, p. 100.

Cap. VIII.p65 108 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
conhecimentos.72

A condição de processo contínuo no desenvolvimento do


conhecimento forja o caráter provisório das teorias e
metodologias em função dessa unidade teoria-prática.
Embora a teoria tenha na prática a sua essência e o mote
da sua dinâmica, a teoria também alimenta a prática social por
meio de da condição de anunciar os caminhos promissores para
a transformação social. Admitindo essa unidade, garante-se
que “se na prática a teoria é outra” conforme referimos
anteriormente, a teoria precisa voltar a alimentar-se da prática
para ser capaz de apreender o processo de transformação que
ocorreu pelo movimento da ação social.

3 O Método Dialético
As considerações do autor sobre a metodologia referem-
se à distinção que deve ser feita entre a metodologia do
conhecimento e metodologia de ação, necessária a compreensão
de que “a prática do Serviço Social é diferente da práxis, dentro
da concepção marxista”.73 Estas distinções são necessárias, 109
visto que existe um risco de se abordar como se fossem a

A metodologia do Serviço Social


mesma coisa. É fundamental compreender que a prática
profissional também faz parte da práxis social.
A metodologia, ou método do conhecimento, é analítico e
sistemático utilizando os critérios da indução e da dedução,
como já foi referido anteriormente, o que revela a forma de
obter o conhecimento. A indução é o movimento que vai do
particular para o geral, ao passo que a dedução faz o caminho
inverso, do geral ao particular, que gera a teoria.
Na metodologia da ação, o método utilizado também é
analítico, e está imbuída da teoria, das “lentes”, que possibilitam
ao profissional apreender as particularidades e as singularidades
de uma determinada situação. Acontece que a teoria se
materializa na prática quando ocorre um trabalho de mediação.
Em síntese, o que o autor defende é que:

72
Ibid., p. 101.
73
Ibid., p. 101.

Cap. VIII.p65 109 25/1/2011, 16:22


Há um método do conhecimento que cria uma teoria, mas
essa teoria precisa ser transformada em prática, através das
mediações adequadas. O que vem a ser mediação? É exata-
mente a relação entre o mediato e o imediato. Como se faz
essa mediação? Há todo um procedimento que seria a
organização dos materiais, organização das consciências,
plano concreto de ação, reconhecimento das condições
materiais, pesquisa, análise de conjuntura. Feita a análise
de conjuntura entra-se com a estratégia e tática e com os
procedimentos metodológicos ou as formas pedagógicas que
pode se chamar de instrumentalização. Isso é o método de
conhecimento. Na teoria marxista o método de conhecimento
só tem razão de ser quando há relação com a prática. E a
própria transformação vira uma nova realidade a qual precisa
se conhecer de novo. Então, é um processo dialético. A prática
Neila Sperotto

fundamenta a teoria e a teoria orienta a prática.74

A escolha do método está condicionada à realidade social


e aos objetivos, isso conecta o método á teoria. A análise é
mediada pelo conhecimento abstrato que, no caso da teoria
marxista, está relacionado ao movimento histórico da realidade
110 social. A realidade social é dada, determinada pelas relações
de produção no processo no capital x trabalho. O que possibilita
a mediação é o processo que envolve a prática social e seu
objeto.
O método dialético possibilita uma análise critica, a medida
em que não aceita o fenômeno a partir das aparências imediatas,
vai mais além, e compreende o fenômeno dentro de uma
perspectiva histórica, admitindo as contradições como parte
deste fenômeno. Os condicionamentos históricos são
evidenciados por meio de da prática social que contém a teoria
e a prática indissociavelmente, uma vez que ela, no confronto
da realidade social, se transforma.
Note que a realidade histórica não é estática, ela
potencialmente pode ser transformada, pois os determinismos
históricos não se referem a todos os tempos, e a todas as
dimensões da realidade. Existe a realidade social objetiva, mas
ainda existe uma realidade social subjetiva, onde a ação do
74
Ibid., p. 105.

Cap. VIII.p65 110 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
homem sobre os homens e sobre a natureza, garantindo a
transformação. O homem é o agente de mudanças, pois ele é o
seu criador. A realidade que existe foi criada pelo homem, o
que oferece a ele a possibilidade de romper com o que está
feito e instaurar uma nova determinação, que é institucionalizada
por meio de da prática social, os seja, pelas estruturas que
garantem a operacionalização das ideias.
Outro aspecto fundamental para o método é ter no objeto
de sua ação a realidade social com toda a sua complexidade e
dimensões. A compreensão da prática social e da realidade
social como uma totalidade significa dizer que em diferentes
objetos a totalidade existe. Sendo assim, não importa qual
conjunto de relações vamos delimitar como o objeto de análise,
pois a totalidade da realidade social está contida em todas as
relações sociais manifestadas, sejam elas familiares, de trabalho,
religiosas, de amizade ou as relações econômicas, sociais e
políticas.
Kameyma explicita o objeto do Serviço Social em uma
perspectiva marxista como sendo:

“na perspectiva marxista, quando se fala no objeto do Serviço


Social, estamos referindo-nos também ao sujeito que se
111
constroi historicamente. A abordagem metodológica, neste

A metodologia do Serviço Social


caso, diz respeito à relação sujeito/objeto. O que interessa
são as relações que o Serviço Social estabelece com o objeto
de sua ação no processo de conhecimento e da intervenção,
dos quais a teoria é o ponto de partida e a realidade sua
referência fundamental. As regras, as técnicas, não têm valor
em si mesma, elas se valorizam a partir das perspectivas que
lhes dão feição”.75

O destaque principal fica na definição do objeto que diz


respeito às relações sujeito/objeto. Esta perspectiva, por
conceber o sujeito histórico, permite alcançar um nível abstrato
maior, o que possibilita a compreensão da realidade social em
um movimento dialético onde a teoria/prática resulta em uma
síntese de nova concepção teórica-prática da realidade.
Ainda na segunda parte do caderno, o texto de Vicente de
75
Ibid., p. 106.

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Paula Faleiros intitulado: “A Questão da Metodologia em Serviço
Social: Reproduzir-se e Representar-se” é uma importante
contribuição para a apreensão da concepção teórico-
metodologica do Serviço Social.
Faleiros tem uma abordagem distinta da de Kameyma e
está destinada, segundo suas palavras, a “fazer uma reflexão
do desdobramento das condições e das práticas de trabalho
dos assistentes sociais num contexto histórico determinado”.76
Curiosamente, o inicio do texto registra uma situação de
encaminhamento de uma criança para uma unidade da FEBEM
e o registro das impressões dela sobre a forma de como foi
atendida pelos profissionais do Serviço Social. Na sequência, o
autor faz uma ressalva quanto a quem não se destina o texto:
“não é dirigido à tribo dos filósofos que considera o núcleo
metodológico como hardware, como equipamento disponível para
Neila Sperotto

processar qualquer realidade”. 77 Este início, um tanto


controverso, parece sugerir uma “resposta ou provocação” a
outros autores.
Na sequência do texto o autor se propõe “a compreender
e explicar o processo de trabalho social nas relações complexas
em que se dá a prática”78. Defende a necessidade de uma
112 reflexão dialética que tem a crítica como instrumento de
penetração “nos meandros da produção de uma atividade
profissionalizada, institucionalizada e organizado no contexto
político das relações capital e trabalho”79.
Sua abordagem parte da necessidade de se conhecer o
específico da profissão, uma dimensão que, segundo ele, não é
levada em conta pelos marxistas, quando define que: “o
específico da profissão só se torna específico na medida em
que é visto nas relações mais globais da sociedade, onde adquire
presença na dinâmica dos conflitos de manutenção e
transformação da ordem social capitalista”80. Aponta em uma
direção que fala de dentro da profissão, mas considerando o
quanto esta contém a representação social da sociedade como
um todo. Não existe específico sem consentimento do geral.

76
FALEIROS, 1989, p. 132.
77
Ibid., p. 132.
78
Ibid., p. 133.
79
Ibid., p. 133.
80
Ibid., p. 134.

Cap. VIII.p65 112 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Note que nesta definição de específico, o que é do Serviço
Social não está descolado da realidade global, pelo contrário,
só se constitui na especificidade se a sociedade aceita como
representação este específico. Grosso modo, o específico é
dado pelo conjunto da sociedade e não definido a priori,
teoricamente. Para ilustrar Faleiros exemplifica:

Com relação à questão de mediações, é a sociedade que


articula todas essas relações para apreender as suas
especificidades. Na prática de um arquiteto, a sociedade
articula a construção de uma casa, através de inúmeras
mediações que não exigem a presença do arquiteto, nem do
engenheiro, a saúde não precisa do médico. Ao pensar em
estruturar a mediação, há uma formulação consistente de
alternativas que o profissional pensa. O assistente social não
vai constituir essa mediação mas vai intervir nela, pensando-
a e fundamentando alternativas. O assistente social não vai
sozinho mudar a política, assim como o arquiteto não muda a
pedra, mas vai trabalhar as mediações de tal forma que traga
ao interesse do usuário as alternativas não só eficazes, mas
autogestionárias, mais articuladas com a vida social e mais
vantajosas em termos de reprodução.81
113

A metodologia do Serviço Social


A menção da especificidade do Serviço Social é um ponto
importante, pois, diante da complexidade da realidade social,
para compreender como ocorrem as relações do homem com a
natureza e com os outros homens, considerando que o objeto
do Serviço Social seja as relações sociais, é preciso demarcar
uma especificidade que precisa ser mediada pela realidade.
Considerando a existência de especificidade, concebe-se
também a existência de uma generalidade. Sobre a generalidade,
o autor posiciona-se diante de que esta se “constitui no modo
de produzir o mundo e de se reproduzir a si mesmo”82:

A generalidade é construída como categoria histórica negada,


e realizada no particular, superada nas mediações das

81
Ibid., p. 135.
82
Ibid., p. 135.

Cap. VIII.p65 113 25/1/2011, 16:22


relações, na maneira de ser singular. Assim, é preciso que a
reflexão sobre a metodologia supere tanto o formalismo das
etapas preconcebidas, dos elementos preestabelecidos numa
estrutura rígida, como o empirismo do “vamos-ver o que é
que dá.83

Sugere ainda rejeitar o ecletismo84 que considera como


uma perspectiva que retira a vida a e dinâmica da realidade.
No seu entendimento, o ecletismo não possibilita uma direção
ou ainda representa um fazer desprovido de critica. Reconhece
que o “empirismo tem consistido em uma experimentação
inspirada nas situações pessoais, na projeção de cada caso a
cada hora”85, no sentido de desencorajar esta abordagem, que
reforça o caráter pragmático da área e enfraquece a construção
do conhecimento teórico.
Neila Sperotto

Em um esforço de evidenciar os obstáculos que ainda


existem para a formulação de uma metodologia mais consistente,
faz referências aos resultados da pesquisa realizada sobre o
ensino da Metodologia, destacando desta a dificuldade de
superação das concepções de caso, grupo e comunidade no
processo de formação profissional, ainda em 1987, creditando
114 ao ecletismo que “posiciona lado a lado, sem crítica,
funcionalismo, fenomenologia e dialética”86 a responsabilidade
pela manutenção desta visão tripartite no ensino da
metodologia.
Sua preocupação é com a falta de postura crítica quando
se aborda cada uma das teorias sociais, que se refletiram na
produção do conhecimento do Serviço Social. Como já foi
explicitado, o Funcionalismo e o Materialismo (muitas vezes
referido como marxismo ou marxista ou materialismo dialético
na produção do Serviço Social e das ciências sociais em geral)
são as correntes que mais são citadas devido ao fato de que o
funcionalismo está na base de todo o conhecimento produzido
antes do movimento de reconceituação e foi justamente esta
83
Ibid., p. 136.
84
Ecletismo é uma proposta que busca a conciliação de teorias distintas. Pode ser
considerado também uma reunião de elementos doutrinários de origens diversas
que não chegam a se articular em uma unidade sistemática consistente. Abordagem
filosófica que consiste na apropriação das melhores teses ou elementos dos diversos
sistemas quando são conciliáveis, em vez de edificar um sistema novo.
85
Ibid., p. 136.
86
Ibid., p. 137.

Cap. VIII.p65 114 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
corrente a mais “atacada” em contraposição a “nova” teoria,
que é a marxista.
O que se pode perceber desta postura beligerante em
relação ao conhecimento produzido com base no funcionalismo
é que este foi deixado de lado, negado. Por um bom tempo ler
um livro dito funcionalista era motivo para desprezo. Isso fez
com que a produção da gênese do Serviço Social e,
consequentemente, sua especificidade, aquela reconhecida pela
sociedade, tenha sido negligenciada. O fato é que, mesmo
sendo negada no seio da profissão, continua sendo atribuída a
profissão historicamente e, assim, passa a ser reproduzida pelos
profissionais no exercício da intervenção.
Como a intervenção (prática) ainda utiliza os mesmos
instrumentos e técnicas, não constroi um simbolismo novo capaz
de superar a aparência do seu fazer. Na aparência, a profissão
fica reduzida ao uso dos instrumentos. Não é incomum quando
se pergunta para um usuário dos serviços o que o Assistente
Social faz e ele responder que faz entrevistas, visitas domiciliares
e grupos, e que atende muito bem, diferentemente do restante
dos funcionários. Os usuários não conseguem alcançar um nível
de entendimento sobre o que é que faz a diferença no atender
bem. Não fica evidente que é uma postura de reconhecimento 115
de direitos, não fica explicita a mediação no acesso ao direito
A metodologia do Serviço Social
a assistência. Isso reforça na generalidade e,
consequentemente, no específico de que a “Assistente Social
é ainda a moça boazinha que ajuda os pobres”.
A proposta de Faleiros é de que seja feita a leitura
contextualizada, crítica destas obras, para evitar a reprodução
do caráter ideológico existente em toda a teoria. Chama a
atenção para o risco de simplesmente adotar uma teoria como
verdade absoluta sem crítica e operacionalizá-la mecanicamente.
Nesse sentido, defende que tanto o funcionalismo quanto a
dialética são resultado de uma determinação histórica e foram
concebidos claramente em oposição e que, por esta razão,
orientam para resultados opostos. O fato de identificar essas
contradições não resulta na produção do novo, sendo apenas
a constatação do óbvio.
A construção de conhecimentos novos que deem conta de
desenvolver novas metodologias requer um movimento mais

Cap. VIII.p65 115 25/1/2011, 16:22


profundo, onde os fundamentos das teorias sejam colocados
em discussão, sejam falseados, não concebidas como verdades
absolutas, teorias certas ou erradas. O autor sugere romper
com o predefinido e propor novas estratégias possibilitadas
pela “análise da conjuntura, das forças, do objeto do Serviço
Social e da instituição, tanto teórica como pratica”.87
Faleiros defende também a ideia de que o objeto precisa
ser construído e reconstruído a partir do estudo da realidade
social imediata, mediada pela teoria.
Feita esta advertência, o autor passa a apresentar a sua
proposta de metodologia a partir do seguinte questionamento:
– Como desenvolver, então, esta reflexão do objeto, da
conjuntura, das forças sociais no capitalismo?
A resposta a esta questão tão pertinente foi parcialmente
transcrita no quadro a seguir, dada a relevância do conteúdo e
Neila Sperotto

da proposição metodológica de Faleiros ainda na


contemporaneidade.

(...) Nas relações capitalistas de exploração e de dominação


existem inúmeras mediações para a produção articulada da
estrutura e dos sujeitos, da totalidade, das condições gerais
116 e dos cenários específicos. Não cabe aqui discursar, ainda
mais, sobre a relação de exploração, mas sobre a mediação
exercida pelo Serviço Social neste contexto. Como produto
da sociedade o Serviço Social consiste na mediação entre a
produção material e a reprodução do sujeito para esta
produção, e na mediação da representação do sujeito nesta
relação. A mediação da reprodução implica o trabalho e o
processo de se manter a sobrevivência da força de trabalho
no cotidiano. Esta manutenção, no entanto, se apresenta
de forma separada entre as condições da produção e a
sobrevivência, pela disjunção realizada entre trabalho e
condições de vida (Grevet, 1976). Esta disjunção decorre
da forma capitalista de apropriação dos meios de produção
que transforma o trabalhador em vendedor da força de
trabalho e comprador de bens de consumo. Embora não
consuma sem trabalhar nem trabalhe sem consumir, a esfera
da produção lhe aparece separada da reprodução, no

87
Ibid., p. 119.

Cap. VIII.p65 116 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
espaço, nas suas organizações, no dia a dia. Além disso,
esta disjunção se manifesta na atribuição de recursos para
a sobrevivência fora do processo de pagamento do trabalho,
aparecendo este como manutenção do não trabalho, ou seja,
do excluído da produção. Tanto pode ser pelo desemprego,
como pela doença, pelo acidente, pela velhice, pela
separação conjugal, pela migração, pela “menoridade”. O
não trabalho, no capitalismo, entretanto, não dá “direito” à
sobrevivência, apesar de o sistema não absorver a todos
que queiram trabalhar e estigmatiza-os como vagabundos.
A sobrevivência do “não trabalhador” (deve-se entender a
expressão “não trabalhador” como o excluído da produção
pelas condições impostas pelo capital em cada conjuntura)
no capitalismo deve ficar às custas da família ou sob a forma
de ajuda temporária inferior ao salário (Faleiros, 1987). Sua
transformação em direito é um processo econômico e político
de mudanças no capitalismo e nas relações de força. As crises
de produção/consumo e as lutas sociais dos trabalhadores
forçaram a garantia de uma prestação mínima através de
formas variadas como seguro, subvenções, prestações de
emergência, transferências a fundo perdido (Faleiros, 1987).
Se a sobrevivência do trabalhador pelo salário é dura e difícil,
117
a do “não trabalhador” não se mediatiza no mercado de

A metodologia do Serviço Social


trabalho e de consumo, mas num “mercado político”, que o
coage a trabalhar, sem podê-lo fazer, ou a submeter-se à
obtenção de recursos fora das relações de trabalho, através
de instituições. A mediação da sobrevivência se constroi num
processo político complexo, combinando benefícios e coerção,
que avançam e recuam conforme conjunturas, lutas e crises.
O benefício aparece como separado da produção, como ato
apenas de reprodução.
Esta mediação do benefício é um processo de relações de
força, pois pode assumir a forma autoritária da outorga
(quem dá, ostenta e define o que dá) ou a forma da
conquista. Outorga e conquista, no entanto, não são
categorias cíclicas simplificadoras das relações de força, mas
formas de relações que atravessam a mediação da
reprodução.
Nesta mediação a dinâmica da reprodução não se reduz ao

Cap. VIII.p65 117 25/1/2011, 16:22


gesto de doação, que é uma estratégia do dominante que
doa diante da fraqueza do dominado. Este, então, pede,
implora, demanda, se submete à espera e ao resultado. A
estratégia do dominado é resultante de sua força ou de sua
fraqueza. A sobrevivência no cotidiano implica assim relações
complexas tanto com o Estado, como com diversos
organismos privados de assistência. O intelectual que
organiza, que conecta o “não trabalhador ou o
temporariamente excluído da produção” com o Estado e os
organismos de assistência é o Assistente Social. Ele ou ela
recebe ou informa, seleciona, encaminha, aceita, rejeita,
administra um lugar, um dinheiro, uma informação, um
procedimento, um prontuário. Ela, por sua vez, se encontra
submetida a normas de políticas, e não controla as principais
decisões sobre recursos, em geral reduzidas. A reprodução
Neila Sperotto

é desvalorizada frente à produção. Reproduzir-se é meio


para produzir na lógica do capital; já na lógica do sujeito o
produzir é meio para reproduzir-se.88

A produção e reprodução problematizada por Faleiros refere-


se à necessidade do ser humano de produzir (gerar produtos)
118 para ser capaz de se reproduzir (continuar vivo, criar os filhos).
A produção da vida material se dá na sociedade capitalista
pela relação capital x trabalho que se materializa por meio do
assalariamento.
Simplificando, na sociedade capitalista o valor está
colocado como mediador da relação de forças existentes. O
dono do meio de produção possui a máquina, mas precisa do
operário para realizar o processo de trabalho, e o operário
precisa da máquina para realizar trabalho e gerar um produto
que, para o operário é o salário, e para o capitalista, o lucro. A
interdependência está colocada e o equilíbrio parece possível,
mas no cotidiano sabemos que tal equilíbrio está longe de existir.
As formas de se operacionalizar o jogo capitalista é perverso
e faz desaparecer a importância do trabalhador nesse processo.
O desemprego não é mais um fantasma que assombra o
trabalhador, e sim uma realidade. Este processo impõe um ritimo
acelerado nas perdas e precarização do trabalho que força os
88
Ibid., p. 120 – 125.

Cap. VIII.p65 118 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
trabalhadores excluídos do mercado formal a acessar os
programas assistenciais, que são operacionalizados na sua
maioria por assistentes sociais. Novamente a realidade evidencia
o trabalho junto às condições de pobreza e de miserabilidade.
As mediações possíveis ficam por conta de realizar um
trabalho de forma a atender o cidadão com dignidade e mediar
a informação e a aceitação da assistência como um direito
concedido num contexto de exclusão, junto à população que
acessa o direito de forma mais ampla na sociedade, difundindo
a concepção de assistência como um direito e não como uma
benesse, uma esmola. Muitas pessoas ainda olham o trabalhador
desempregado como vagabundo, e não como um trabalhador
que foi descartado pelo perverso jogo do capitalismo.
A mediação, assim concebida, também vai sendo
transformada, a medida em que mudam as relações sociais e
as nossas representações sociais em relação ao objeto da
mudança. Nas palavras de Faleiros:

“A mediação da sobrevivência nas condições dadas pelo capital


varia de acordo com a conjuntura política e as relações de
força condicionadas tanto pela formação do bloco dominante
como do bloco dominado e pelas crises do sistema e
119
subsistemas capitalistas. Em época de crise também se

A metodologia do Serviço Social


agudiza a questão da sobrevivência. A organização do bloco
dominante também vai definir o direito e o dever do não
trabalhador, ou do excluído do trabalho no confronto com a
organização do bloco dominado. Este confronto é mediado
pela formação de associações, grupos, elaboração de
estratégias de pressão e contrapressão, alianças e
mobilizações mais ou menos fundadas em estudos e teorias
que orientam estratégias e táticas”.89

As estratégias e táticas referem-se às formas que cada


grupo social “dominante” e “dominado” apresentam-se diante
do “jogo”. Estas estratégias apresentam-se de forma
contraditória, em uma luta ora da negação, ora da identificação.
No cotidiano isso aparece representado por discursos

89
Ibid., p. 122.

Cap. VIII.p65 119 25/1/2011, 16:22


meritórios que são proferidos tanto pelos dominados quanto
pelos dominantes. A melhor representação são os chamados
“casos de sucesso” que narram histórias de sujeitos pobres,
que acenderam socialmente por meio de muito trabalho e de
uma atitude empreendedora. Nesta narrativa existe uma
identificação do trabalhador com este empresário. O sujeito
não se dá conta de que as condições que cada um tem são
diferentes, faz uma identificação pelo que aparentemente os
assemelha, sem uma mediação.
A mediação é possível quando podemos construir uma
compreensão do imediato com o mediato90. Esta é uma ação de
reflexão que precisa ser orienta por um método capaz de traduzir
para a realidade aquilo que se apresenta abstratamente. “O
intelectual que trabalha a mediação da representação articulada
à reprodução é o Assistente Social. É uma de suas tarefas
Neila Sperotto

desafiar e retraduzir a representação do dominado na visibilidade


do dominante”.91
Nas greves ou invasões as estratégias são outras, assim
como no pacto social onde todos estão lutando pela mesma
“causa”. Assim, as classes se representam por meio de processos
contraditórios de identificação e de resistências que são
120 perpetuados por intermédio de diversas manifestações. Estas
podem ser da cultura familiar, cultura empresarial, cultura
étnica, dos valores individuais, coletivos, religiosos, do modo
de vida cotidiano, das músicas, novelas. São múltiplas as formas
e apresentam-se de maneira heterogênia. A este conjunto
denomina-se ideologias das classes sociais. Estas vão pouco a
pouco construindo identidades, que não são reconhecidas de
imediato, sem uma mediação política que implica tomar parte
do poder para si ou capturar a existência do seu poder na
relação de forças.
A identidade, seja de classe ou de categoria social, não é
mecânica. O sujeito precisa de mediações para compreender-
se como parte desse processo. Não são todas as mulheres que
se engajam na luta pela igualdade de gênero, por exemplo. Ser
mulher não credencia o sujeito para a luta pela igualdade; é
necessário que ela se reconheça fazendo parte desta luta,

90
Recorde o capítulo 1 sobre a construção do conhecimento.
91
Ibid., p. 124.

Cap. VIII.p65 120 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
garantindo-lhe o poder para o enfrentamento da desigualdade.
Este “fazer parte” outorga aos sujeitos sociais o poder
que foi retirado da relação. Com o poder “de volta” para o
sujeito de direito, este então lança mão das estratégias e
táticas para expressar-se, aliar-se, refletir, recusar, dispor de
si, definir demandas, explicitar o adversário e marcar um campo
de disputas políticas resultando nas posições heterogêneas do
cenário social.
A mediação realizada pelo Assistente Social está assim
ligada à necessidade de conhecer profundamente como a cultura
e a ideologia de uma determinada comunidade, de uma família
e da sociedade como um todo vai sendo reproduzida a fim de
absorver as mudanças. Nesse processo, é importante identificar
o que não está variando, quais as estruturas que estão
comandando a aceitação sem luta, o que faz com que a sociedade
continue pensando, acreditando e reproduzindo esta ideologia.
Por exemplo, a ideia de que “para quem quer trabalhar sempre
tem serviço” é uma frase que ouvimos com muita frequência.
Quando se discute o direito a assistência para o desempregado
ou os investimentos em políticas de redistribuição de renda (os
famosos programas “bolsa”), estas representações são
“ahistóricas”, ou seja, não concebem o processo de exclusão 121
gerado e intensificado pelo poder do capital, não concebem a
A metodologia do Serviço Social
necessidade das garantias de seguridade, a aposentadoria, o
seguro doença, enfim, conquistas da classe trabalhadora
enquanto se reconhece como trabalhadora. Estes estatutos
são o que conferem um status de classe trabalhadora.
A medida em que o emprego (usado normalmente como
sinônimo de trabalho) vai sendo extinto da nossa sociedade
(uma realidade presente), as concepções sobre trabalho
igualmente precisam ser reconsideradas. Isso envolve a
instituição de uma nova concepção de trabalho, uma nova
identidade para os trabalhadores. Este trabalho de mediação
na cultura e com a cultura no regate da identidade é referido
por Faleiros como:

O resgate da identidade se produz através de um processo


socioafetivo de relações complexas envolvendo mitos, valores,
sentimentos, poderes, discriminações. Estas relações não se

Cap. VIII.p65 121 25/1/2011, 16:22


esgotam nas relações de classe e de exploração, mas
constituem reforços a elas ou forças de superação das
mesmas. Existe uma superposição intrincada de dominações
que faz com que, por exemplo, se torne muito mais difícil
encontrar emprego para um negro do que para um branco,
para um nordestino do que para um gaúcho, para um
homossexual do que para um heterossexual.
Os mitos da sociedade capitalista são formas de se
despolitizar (Barthes, 1982: 163) a fala, purificando,
inocentando as relações sociais e dando-lhes um caráter
natural e eterno.
No cotidiano as relações entre ricos e pobres, brancos e
negros, mãe e filho, religioso e ateu são transformadas em
mito quando naturalizadas, simplificadas, sem mediações
políticas, culturais, econômicas, ideológicas. O mito do
Neila Sperotto

conquistador, do sábio, do “representante de Deus” influi e


perpassa o mundo cotidiano servindo à estagnação, ao
congelamento da ordem vigente.
Desmistificar é um processo de politização: desordenar o
naturalizado pelo socializado e pelo histórico e o congelado
pelo pôr-se em ação e pelo ver-se na ação histórica, na
122 transformação das relações sociais.92

4 Conclusão
A proposta metodológica de Faleiros revela a função do
assistente social como sendo o mediador do processo de
desmistificação. Para tanto, existe a necessidade de identificar,
nas situações do cotidiano, que é objeto da intervenção direta
do assistente social, formas de materializar esta desmistificação.
Logo, é fundamental que o Assistente Social, ao atender uma
situação de violência doméstica, por exemplo, possa ser capaz
de compreender esta situação para além do aparente, do mito
de que é por ciúme que o homem bate, e ainda do mito de que
o ciúme é prova de amor. Se esta compreensão não se fizer
presente no processo e não forem mediados pela necessidade
de enfrentamento político desta violência, à situação será

92
Ibid., p. 126.

Cap. VIII.p65 122 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
classificada como mais uma briga entre “o senhor e a senhora
x”.
A mediação existe como potência à medida que o sujeito
passa a identificar as conexões existentes entre uma dada
situação histórica (a violência de gênero) e a situação vivida
por si próprio. Este processo é capaz de construir uma conexão
entre a “senhora x” e a luta pela igualdade de gênero.
Essa compreensão da potência existente para a
transformação por meio da mediação revela as condições de
emergência de estratégias e táticas que vão servir aos
interesses dos diferentes grupos sociais, revelando as condições
de transformação da realidade social imediata.
A análise do texto de Faleiros possibilita que se identifique
tanto o aspecto teórico, que é expresso pela explicação do
processo da realidade apreendida, quanto o metodológico, que
são as mediações realizadas metodologicamente. Chama a
atenção o papel atribuído ao assistente social pelo autor, o
fato de explicitar a prática, traduzindo com exemplos o fazer
cotidiano do assistente social nesta metodologia. Refere-se ao
que, no inicio, ele caracterizou por falar de dentro sem prescindir
do fora ou incorporando o dentro e o fora, em uma concepção
de que um não existe sem o outro. Evidenciando o erro de 123
desconsiderar as metodologias que geraram o Serviço Social,
A metodologia do Serviço Social
nos seus primórdios, esta postura pode estar ancorada na
compreensão da totalidade dos fenômenos, categoria esta
marxista.

Cap. VIII.p65 123 25/1/2011, 16:22


Neila Sperotto

124

Cap. VIII.p65 124 25/1/2011, 16:22


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. IX
Ciência e
Contemporaneidade

1 Introdução
Os anos 1990 foram marcados pelo que se chama Crise da
Ciência ou do Paradigma Clássico de Ciência. Esta crise revela-
se pelo reconhecimento da complexidade existente nos 125
fenômenos sociais emergentes e a dificuldade do conhecimento

Ciência e Contemporaneidade
científico cartesiano em dar respostas a estas novas formas
de expressão do real, dadas as suas características binárias.
Existe também outra problematização que diz respeito à
origem dos conhecimentos produzidos nas ciências sociais ser
representativa de um modelo de sociedade do norte, ao passo
que nós nos constituímos como sociedades do sul.93
Alguns autores defendem a ideia de que o embasamento
teórico e científico das ciências sociais alicerçados na produção
do norte seja incapaz de compreender e explicar os fenômenos
sociais emergentes no sul, face às diferenças culturais,
geográfica, e as condições de subjugação da ciência face ao
processo de colonização.
Quanto à questão binária, se problematiza a divisão do
conhecimento e, portanto, o poder, na forma como são
representadas na sociologia e na antropologia, quando se

93
Refere-se aos países de primeiro mundo (norte) e terceiro mundo (sul).

Cap. IX.p65 125 25/1/2011, 16:23


assume uma determinada teoria de explicação do real,
subentende-se que este real seja representativo a fim de se
proceder as generalizações. Uma vez o real estudado, possuindo
características diversas do real pesquisado, será que esta teoria
é mesmo representativa?
Outra questão significativa é o fato dos pesquisadores ou
mesmo representantes dos colonizadores enxergarem nossa
cultura sob o ponto de vista deles. Por exemplo, o Brasil foi
estudado por Levis-Strauss94, que apreendeu as estruturas
existentes, dentro de um modelo teórico produzido na
perspectiva do eurocentrismo (conhecimento europeu como
sendo o certo ou o melhor). Estes estudos geram um
conhecimento que classifica e categoriza os grupos e
comunidades da nossa sociedade, o que possibilita a
homogeneização e a criação de regras de interesse dos países
Neila Sperotto

dominantes.
Outra questão para a crise refere-se ao fato do
conhecimento das ciências sociais clássicas ter sido produzido
em períodos em que não existia a globalização. Assim, como
essas perspectivas poderão responder ao desafio da
globalização?
126 Diante destas questões estabeleceu-se um amplo debate
nas ciências sociais, de crítica aos limites da concepção
bachelardiana, como paradigma delimitante da ciência moderna.
O reconhecimento das dificuldades da teoria crítica se
estabelece face à sua vinculação teórica e política à totalidade,
que passou a alimentar a necessidade de uma ruptura
epistemológica e a favorecer a emergência de novas
perspectivas.
A crise das ciências sociais afetou seu status e modificou
a forma de representação social do seu papel. Nas palavras de
Ruben Alves:

“E aqui estamos nós, com esta sugestão estranha de que a


ciência é uma, dentre muitas outras atividades com que se
ocupam as pessoas comuns. E que, portanto, não existe

94
Claude Lévi-Strauss (Bruxelas, 28 de novembro de 1908) é um antropólogo,
professor e filósofo francês, considerado o fundador da Antropologia Estruturalista,
em meados da década de 1950, e um dos grandes intelectuais do século XX.

Cap. IX.p65 126 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
motivo para orgulho.
As teorias nascem com os sonhos, as fantasias, os poemas,
as sonatas, em meio das visões mais místicas, do prazer dos
charutos, do lazer das caminhadas, do amor intelectual pelos
objetos”. 95

O orgulho, ao que o autor se refere, evidencia o caráter


“indolente” do conhecimento científico, que costumava
apresentar-se como verdade e certeza, desconsiderando outras
formas de conhecer. A ciência, por conhecer a verdade e as
certezas, possuía igualmente um poder de superioridade e, como
tudo na sociedade capitalista, era terreno para poucos: os
“escolhidos”, ou melhor, para aqueles que possuíam condições
de acessar o conhecimento. Para o senso comum, a
representação assemelhava-se como um poder de superioridade
e de inacessibilidade. Ainda podemos encontrar posturas assim,
mas foi exatamente contra este tipo de postura que a crise se
consolidou.
Os tempos de crise são também tempos de superação das
crises. Nesse sentido, inauguram-se os primeiros passos ao
paradigma da complexidade. Este se concentra na necessidade
de problematizar a crise do paradigma clássico de ciência, que 127
utiliza o método cartesiano de análise (decomposição das partes)
Ciência e Contemporaneidade
para propor a transição para o paradigma da complexidade,
que admite a necessidade de (re)compor os fenômenos para
melhor conhecê-los.
A proposta fundamenta-se pelo entendimento de que as
partes contêm características diferentes quando são isoladas
do todo. Assim, o paradigma da complexidade propõe não que
se abandone o método cartesiano de análise, ou o conhecimento
especializado, mas que se possa articular estes princípios a
outros mais amplos. Não podemos correr o risco de cairmos
nessas armadilhas reducionistas, pois o objetivo do pensamento
complexo é integrar e não descartar; a lógica é permeada por
um processo de associação.
Segundo Edgard Morin:

95
ALVES, 1986, p. 167

Cap. IX.p65 127 25/1/2011, 16:23


“Certamente não é possível conhecer tudo sobre o mundo,
nem apreender suas multiformes transformações. Mas, por
difícil que seja, o conhecimento dos problemas chave do
mundo deve ser tentado, para não cairmos na imbecilidade
cognitiva”.96

Abandonar a ideia de que complexo é algo indecifrável,


para incorporar o princípio da complexidade requer o que Edgard
Morin denomina “Reforma do Pensamento”:

“De uma parte, é preciso complementar o pensamento que


separa por um pensamento que une. Complexus significa o
que está tecido junto. O pensamento complexo é um
pensamento que busca ao mesmo tempo distinguir - mas sem
separar - e unir. De outra parte, é preciso lidar com a incerteza.
Neila Sperotto

O dogma de um determinismo universal foi superado. O


universo não está submetido a soberania absoluta da ordem,
ele é o campo de uma relação dialógica (ao mesmo tempo
antagônica, concorrente e complementar) entre a ordem, a
desordem e a organização. Portanto o objetivo da
complexidade é, de uma parte, unir (contextualizar e
128 globalizar) e, de outra, enfrentar o desafio da incerteza”.97

A ideia da complementaridade e da pluralidade de olhares


está expressa no pensamento complexo. Morim aponta como
possibilidade de enfrentar o desafio da incerteza, a
complementaridade das três teorias (da informação, a sistêmica
e a cibernética), cada uma complementando a outra numa
tentativa de (re)composição do pensamento dissociado.
Na esteira da crise do paradigma clássico de ciência temos
ainda as formulações de Boaventura de Souza Santos de
construir uma epistemologia do sul, para criar uma relação de
“conhecimento para a emancipação”. Propõem a presença da
sociologia das emergências para construir um trabalho de
tradução. Parte da ideia de que a razão crítica moderna, entre
outras dificuldades, concebe a sociedade como uma totalidade
e, assim, não consegue visualizar e propor senão uma alternativa

96
MORIN, 1996, p. 10.
97
Ibid., p. 10-11.

Cap. IX.p65 128 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
total à sociedade que existe, esquecendo que no momento
atual de transição em que vivemos tal alternativa não existe.
Esta tese é apresentada no artigo de Boaventura de Sousa
Santos: “Por que é tão difícil construir uma teoria crítica?”
Ainda aponta para a esperança de utopia na teoria crítica:

A esperança não reside, pois, num princípio geral que


providencia por um futuro geral. Reside antes na possibilidade
de criar campos de experimentação social onde seja possível
resistir localmente às evidências da inevitabilidade [dos
riscos], promovendo com êxito alternativas que parecem
utópicas em todos os tempos e lugares, exceto naquelas em
que ocorreram efetivamente. Esse é o realismo utópico que
preside às iniciativas dos grupos oprimidos”.98

A proposta de soluções locais para questões locais sugere


a importância da produção do conhecimento não se pautar em
teorias eurocêntricas ou elaboradas pelos colonizadores. A
possibilidade de libertação do oprimido encontra-se na produção
de conhecimentos e identificação das potencialidades existentes
em cada cultura. Precisa partir dela, segundo o autor, “A teoria
crítica não reduz a realidade ao que existe, vê a realidade 129
como um campo de possibilidades e trata de definir e avaliar a
Ciência e Contemporaneidade
natureza e o âmbito das alternativas ao que está empiricamente
dado”99.
Para concluir, podemos nos inspirar nos princípios utópicos
de Ernest Bloch, publicado no livro “A Outra Economia”, de
Antônio Cattani, que anuncia: “verdadeira utopia é uma
antecipação criativa que conjuga a corrente fria do
conhecimento científico com a corrente quente da
esperança”100.
Estas transformações geradas pela crise nas ciências
sociais refletem diretamente na construção do conhecimento
científico do Serviço Social, como poderemos ver nos próximos
tópicos.

98
SANTOS, 1999, p. 213
99
Ibid. p. 197.
100
CATTANI, 2003, p. 272.

Cap. IX.p65 129 25/1/2011, 16:23


2 Anunciando tendências
O papel da Ciência é anunciar as tendências por meio da
construção do conhecimento teórico. A possibilidade das
ciências anunciar as tendências societárias não implica em fazer
adivinhações, mas por intermédio do estudo das questões que
estão colocadas no presente, apontar tendências que podem
se estabelecer ou não, na esfera da dinâmica social. Tendências
estas que afetam diretamente o conjunto da vida social, e
incidem fortemente sobre as relações sociais. Isso acontece
pela possibilidade da mesma partir do real, para analisar as
transformações, funcionalidades e bases das estruturas que
se apresentam pela leitura do período histórico determinado.
A ciência não se apresenta de forma linear, e as
reformulações científicas são rompimento, negação, passagem
Neila Sperotto

de um paradigma101 a outro, mas nunca eliminação, descarte


do conhecimento produzido em um determinado espaço tempo.
O fato de um paradigma teórico superar o outro, significa
que é mais claro, mais provável, que oferece melhores condições
de conhecer as relações existentes no real, mas não que é
130 certo ou o último.
As ciências humanas e sociais, hoje, não pretendem atingir
um grau de maturidade capaz de sustentar uma teoria de forma
definitiva, a maturidade pretendida pelas ciências humanas está
na busca incansável do rigor científico metodológico da pesquisa,
a fim de capturar as realidades sociais e as relações existentes
nesta realidade, de forma a contribuir com o avanço do
conhecimento e a consequente melhoria nas condições de vida
da população.
Nesta busca é que as questões de caráter
epistemológicos102, filosóficos e ontológicos103 ainda fazem parte

101
Paradigma (do grego Parádeigma) literalmente modelo, é a representação de um
padrão a ser seguido. É um pressuposto filosófico, matriz, ou seja, uma teoria, um
conhecimento que origina o estudo de um campo científico; uma realização científica
com métodos e valores que são concebidos como modelo; uma referência inicial
como base de modelo para estudos e pesquisas.
102
A epistemologia estuda a origem, a estrutura, os métodos e a validade do
conhecimento (daí também se designar por filosofia do conhecimento). Ela se
relaciona ainda com a metafísica, a lógica e o empirismo, uma vez que avalia a
consistência lógica da teoria e sua coesão fatual, sendo assim a principal dentre as
vertentes da filosofia (é considerada a “corregedoria” da ciência).
103
Ontologia (<grego ontos+logo = “conhecimento do ser”) é a parte da filosofia que

Cap. IX.p65 130 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
do seu dia a dia, ao lado das teorias explicativas e das visões
de homem e mundo, como já trabalhado em capítulos anteriores.

Entendemos que as questões epistemológicas e


metodológicas nas ciências sociais estão, por definição,
subordinadas às teorias explicativas que o pesquisador elege
como responsáveis pelo funcionamento da sociedade. Por trás
delas situa-se em última instância, sua visão de mundo, ou
sua ideologia, que fornecerá o substrato da sua crença na
forma como a sociedade se mantém, na inevitabilidade desta
manutenção ou na possibilidade e necessidade de uma
transformação.104

3 Conclusão
As contribuições que os referenciais teóricos: funcionalismo,
estruturalismo e marxismo trouxeram às ciências sociais e,
especificamente, na produção do Serviço Social, constitui-se
no próprio saber acumulado.
Estas teorias e seus postulados, seus enunciados, as
descobertas e a compreensão que se têm hoje da sociedade e 131
das relações existentes no seu seio são frutos fecundos destes

Ciência e Contemporaneidade
referenciais, que possibilitam aos pesquisadores analisar fatos
sociais sob pontos de vista diversos, utilizando-se das mais
variadas técnicas e instrumentais de pesquisa, com a
possibilidade de conhecer o real a partir do modo como ele se
constitui. Isto possibilita, igualmente, a conceber a crítica a
estas mesmas teorias e os conhecimentos por elas gerados.
A possibilidade de captar a teia de relações sociais, de
estudar suas estruturas e identificar a hierarquia destas, que
possibilitam ao ser social compactuar ou não com a ordem
estabelecida, se deve a esses referenciais.
O papel do pesquisador, seja ele orientado por qualquer
referencial teórico, constitui-se em tarefa árdua, pois analisar,
interpretar e protagonizar as transformações sociais na dinâmica

trata da natureza do ser, da realidade, da existência dos entes e das questões


metafísicas em geral. A ontologia trata do ser enquanto ser, isto é, do ser concebido
como tendo uma natureza comum que é inerente a todos e a cada um dos seres.
104
HAGETTE, 1995, p. 18.

Cap. IX.p65 131 25/1/2011, 16:23


da sociedade moderna não nos parece tarefa fácil de esgotar,
a partir de um único referencial. Nesse sentido, a transição
paradigmática e a epistemologia do sul podem auxiliar muitas
disciplinas científicas, como o Serviço Social, que produzem
um conhecimento que se aplica na sociedade. A
complementaridade dos saberes é promissora à medida que
estão a serviço da qualidade de vida da população.
Aos pesquisadores cabe conhecer a fundo este real, suas
tramas, suas especificidades, seus mecanismos de sustentação
e mudanças, a fim de responder as demandas postas ao Serviço
Social. A pesquisa é uma das dimensões da prática do
Assistente Social, ela não pode estar em níveis diferentes,
setorizada, dicotomizada na ideia de que existem os que pensam
e os que fazem.
É pela postura e disciplina de estudo que o profissional
Neila Sperotto

pode explorar o real, pesquisando e observando o movimento


local-global, reconhecendo o conhecimento científico e
valorizando o saber produzido pela comunidade. Assim será
capaz de formular as respostas, mesmo que transitórias, ao
enfrentamento da questão social.
Nesse sentido que o estudo do conhecimento produzido
132 na contemporaneidade está mais concentrado na produção de
saberes que materializem as práticas do cotidiano, como veremos
a seguir.

Cap. IX.p65 132 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
Cap. X
A construção do
conhecimento
do Serviço Social na
contemporaneidade

1 Introdução 133
Social na Contemporaneidade
A construção do conhecimento do Serviço
Diante da crise do paradigma clássico de ciência, observou-
se uma modificação radical na orientação das pesquisas em
Serviço Social. Os esforços da categoria profissional em definir
uma perspectiva teórica metodológica única para o Serviço
Social reconceitualizado cedeu lugar à multiplicidade de saberes.
Na atualidade, a concepção teórico-metodologica está
construída como uma unidade sem necessidade de fazer a
distinção. O mundo está repleto de teorias que são materializadas
nas práticas sociais do cotidiano e também nas práticas
profissionais, que cada vez mais exigem respostas complexas.
A dimensão da prática de pesquisa precisa ser incorporada
como condição para o enfrentamento das demandas postas à
profissão. O desafio de consolidar o projeto ético político da
profissão, igualmente precisa ser compreendido como parte da
concepção teórica da categoria profissional.
É preciso reconhecer que o conhecimento está em
constante construção. Trata-se de um processo dinâmico que

Cap. X.p65 133 25/1/2011, 16:23


é determinado por crises e transições que incidem na realidade
social e provocam a necessidade de buscar no real novas
explicações que resultam novas estruturas do saber. Por essa
razão, o conhecimento teórico metodológico do Serviço Social
não está pronto, e sim permanentemente em construção.
Imagine um movimento de reconceituação permanente; esta
certamente é a imagem que você deverá ter em mente quando
pensar sobre a construção do conhecimento do Serviço Social.
A controvérsia existente entre os alunos, geralmente, é querer
saber qual é a melhor teoria ou qual metodologia dá mais certo.
Felizmente não existe esta teoria mágica ou este método certo
em nossa profissão. Nos cercamos de uma postura de
investigação, temos uma atitude crítica diante das contradições
existentes na realidade e usamos a pesquisa como instrumento
capaz de nos fornecer condições de trilhar caminhos em busca
Neila Sperotto

de respostas, mesmo que transitórias.


Nessa dinâmica dialética de permanente construção e crítica
na produção do conhecimento é preciso ter em mente a
transitoriedade do saber e a coexistência de correntes teóricas
diversas.
Os embates teóricos continuam e devem ser pensados
134 como necessários para a superação, nunca para a depreciação
do trabalho realizado. As diferenças teóricas, de visão de homem
e mundo, precisam encontrar espaços para serem expressas
respeitando a individualidade de cada um e resguardando os
princípios de uma ética respaldada nos direitos humanos.

2 Serviço Social
e a Pluralidade
Você vai encontrar em muitos textos produzidos no Serviço
Social expressões e afirmativas sobre a “hegemonia do
pensamento marxista” na produção teórico-metodológica. Esta
é uma questão importante a ser esclarecida, logo, buscamos
um texto de Myrian Veras Baptista, publicado no caderno ABESS
nº 5, intitulado “A produção do Conhecimento Social
Contemporâneo e sua Ênfase no Serviço Social”, que faz
referência a esta afirmativa. No quadro a seguir apresentam-

Cap. X.p65 134 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
se fragmentos do referido texto.

Vamos encontrar conhecimentos cuja produção se faz sob a


hegemonia de um determinado paradigma, mas que sofre a
impregnação de outros modos de pensamento. Por exemplo,
na tradição do pensamento marxista, vamos encontrar
autores que têm uma formulação epistemológica de leitura
do real muito aproximada do estruturalismo positivista pela
sua ahistoricidade, muito embora a perspectiva da história
seja um dos pilares desse paradigma.

O conhecimento do Serviço Social detém as mesmas


características do todo do qual é uma particularidade: é uma
totalidade estrutural, parcial, histórica, complexa, com
dominantes. Nós não temos um único Serviço Social. Temos
um conhecimento do Serviço Social que é complexo,
diferenciado, o qual, historicamente, sofre a dominação de
determinados modos de pensamento: houve um momento,
por exemplo, em que o pensamento social da igreja católica
foi dominante, o que não significou, necessariamente, que
outros modos de pensamentos - tal como o funcionalismo
norte-americano - não convivessem com este, mas sim que
135
o modo de pensar da igreja determinava novos conteúdos
Social na Contemporaneidade
A construção do conhecimento do Serviço
e novas características àqueles outros modos de pensar.
Em um outro momento, a situação se inverteu e tivemos a
dominação do pensamento funcionalista, com a permanência
da perspectiva doutrinária, mas já, esta, na condição de
subordinada aos requisitos daquele.
Hoje, podemos dizer que temos, no Serviço Social, a
hegemonia de um pensamento forjado na tradição marxista.
No entanto, isto não quer dizer que o Serviço Social brasileiro
(ou, mesmo, latino-americano) seja, em termos numéricos,
predominantemente marxista. Não significa que a maior
parte dos assistentes sociais se posicionem como marxistas,
mas sim que aquelas pessoas reconhecidas pela categoria
como representantes do avanço de seu saber se filiam as
correntes de pensamento predominantemente marxistas.
Também, mesmo aqueles profissionais que professam outros
modos de pensar têm o seu horizonte de apreensão do real

Cap. X.p65 135 25/1/2011, 16:23


e de intervenção impregnado por ideias e polêmicas
gestadas pelo marxismo.
A especificidade que particulariza o conhecimento produzido
pelo Serviço Social é a inserção de seus profissionais em
praticas concretas. O assistente social se detém frente às
mesmas questões que outros cientistas sociais, porém o que
o diferencia é o fato de ter sempre em seu horizonte um
certo tipo de intervenção: a intervenção profissional. Sua
preocupação é com a incidência do saber produzido sobre a
sua prática: em Serviço Social, o saber crítico aponta para o
saber fazer crítico”105.

Estas considerações de Myriam Veras Batista puderam ser


Neila Sperotto

identificadas na pesquisa de Maria Dalva Casimiro da Silva, que


pesquisou a produção do conhecimento no Serviço Social, tendo
como objeto para a análise os documentos gerados nas várias
edições do Congresso Brasileiro de Assistência Social.
Os resultados foram publicados no artigo “A produção do
136 conhecimento no Serviço Social e sua Relação com os Princípios
Éticos”, na Revista Serviço Social e Sociedade nº 77. Vamos
destacar deste artigo os “achados” da autora na década de
1990, embora suas análises tenham sido feitas desde a primeira
edição.
Segundo Maria Dalva, a profissão ingressou na década de
1990 como uma categoria amadurecida em termos de
representação políticocorporativo e como pesquisadora. A
década é marcada pela necessidade da produção do
conhecimento passar a ser condição para uma abordagem da
realidade para além da sua aparência.
As transformações sociais geradas pelo acesso às políticas
de saúde como direito universal renovam as lutas por melhores
condições de vida. O contexto global, marcado pela crise
internacional do capitalismo, acabou por gerar efeitos na prática
profissional que, por meio de mobilizações organizadas com o
fim da garantia de direitos sociais, estão influenciadas pela
aproximação, cada vez mais engajada, do Serviço Social com
105
BAPTISTA, 1995, p. 88-89.

Cap. X.p65 136 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
as correntes do marxismo. Se a corrente teórica confirmou-se
com a hegemonia do marxismo, a década de 1990 ficou também
marcada pelas intervenções práticas.
A emergência do trabalho com comunidades foi realizada
com uma intencional busca de organização do coletivo com
metodologias de caráter pedagógico e uma orientação política
de estímulo às reivindicações pela garantia de direitos sociais,
pela melhoria na qualidade dos serviços prestados à população
e na forma do atendimento às necessidades, não mais como
demandas individualizadas, mas contextualizadas na realidade
social.
Com a realidade da Lei Orgânica da Assistência Social, as
funções do Serviço Social começam a ser pensadas para além
da prestação de serviços, estendendo-se à promoção e a
capacitação, sem deixar de lado e aprofundando contato com
a população usuária dos serviços se saúde e assistenciais.
As transformações advindas do contexto global reforçam
a necessidade de aprofundamentos na área do conhecimento
dos aspectos econômicos da realidade social, a fim de garantir
uma compreensão mais ampliada dos processos de exclusão e
agravamento da Questão Social.
O aprofundamento do estudo das leis da sociedade no 137
neoliberalismo garante um conhecimento das contradições e
Social na Contemporaneidade
A construção do conhecimento do Serviço
negações ocorridas nesse estágio avançado do capitalismo, e
revela o enxugamento das obrigações do estado para com a
população.
A problematização da prática profissional passa a ser objeto
de estudo e fonte de pesquisa em busca de respostas aos
desafios da contemporaneidade. Este movimento resultou no
crescimento dos cursos de pós-graduação marcado pela volta
dos profissionais para as universidades, o que colocou a produção
do conhecimento em franca expansão.
Segundo a autora, as produções apresentadas nos
congressos até finais de 1998 evidenciam uma preocupação
com a reinserção social, não mais como enquadramento, mas
como conquista de cidadania, pela obtenção de direitos.
Destacam-se, particularmente, o trabalho realizado com
familiares e doentes mentais, que já desfrutam das novas leis
da reforma psiquiátrica.

Cap. X.p65 137 25/1/2011, 16:23


A década é marcada pelo agravamento da crise econômica
e pela emergência e novas formas de prestação de serviços de
assistência social. O enxugamento das funções do estado e o
crescimento do chamado 3º setor impõem um ritmo de trabalho
associado. A realidade dos trabalhos em equipes
interdisciplinares, nos serviços de saúde e assistência, realizados
pelo setor emergente, gera novas demandas de saberes que
possam ser articulados e compartilhados.
As novas exigências e a complexidade do mundo do trabalho
inauguram uma nova visão de concepção da ciência e das
áreas do saber. As mudanças ocorrem especialmente na área
da saúde que, historicamente, era dominada pelos profissionais
médicos orientados pelo binômio saúde-doença.
Esta compreensão da necessidade da prática do Serviço
Social estar articulada a projetos interdisciplinares se reflete
Neila Sperotto

na identificação e elaboração de projetos sociais, de trabalhos


voltados a práticas e posturas interdisciplinares e da necessidade
de acompanhamento técnico, como meios viáveis para perceber
resultados importantes na qualidade de vida dos pacientes e
sua inserção na sociedade.
A pesquisa revela que “existe uma importante contribuição
138 da profissão nos trabalhos interdisciplinares manifestada
principalmente nas avaliações e análises das situações tendo
como referência a vida do paciente em seu conjunto. Tal
situação aparece associada à concepção de saúde não como
ausência de patologias”106.
Percebe-se, como resultante do trabalho associado, uma
preocupação em estimular os setores populares a se
fortalecerem; a coletivização do saber a serviço da população;
o confronto cotidiano com relação à ética e a posturas de
outros profissionais.
Ainda como resultantes dessas transformações, a pesquisa
evidenciou a percepção/vivência de choques entre objetivos
profissionais e institucionais, ocasionando a supressão do
primeiro; denúncias com relação ao SUS, acompanhadas de
uma análise crítica da sociedade; desenvolvimento de trabalhos
na mobilização da comunidade para melhorias nas condições

106
SILVA, 2004, p. 140.

Cap. X.p65 138 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
de vida e práticas de captação de recursos para o financiamento
dos projetos de organizações não governamentais, além de
associações sem fins lucrativos.
A autora ainda identificou uma “vinculação do Serviço Social
a uma ação de caráter preventivo/educativo, assistencial e de
apoio psicossocial, com práticas voltadas à intervenção psico-
pedagógica, de terapia família, intervenção psicossocial,
atendimentos psicoterápicos individuais e grupais, psicoterapia
e psicodrama. Em síntese, convivência da concepção de
sociedade e de indivíduo como sujeito, juntamente com práticas
ainda voltadas para o psicologismo da década de 1970”107.
O cenário da década de 1990 mostrou-se particularmente
próspero na multiplicidade de práticas e de espaços do Assistente
Social que, historicamente, foi sempre um profissional absorvido
pelo Estado. A emergência do terceiro setor, sem sombra de
dúvidas, é o grande responsável por esta mudança no perfil do
profissional, mas as alterações no mercado de trabalho não
afetaram somente os assistentes sociais, mas também o
conjunto dos trabalhadores brasileiros pela precarização do
trabalho.
Essas descobertas evidenciam a tendência de construir
conhecimentos localizados, em um primeiro momento, para 139
qualificá-los no confronto com o real. Os princípios expressos
Social na Contemporaneidade
A construção do conhecimento do Serviço
no projeto ético político profissional estão presentes
abundantemente nos trabalhos, o que pode sugerir uma adesão
da categoria e uma atitude intencional de materializá-los no
processo de intervenção.
As principais questões sobre o objeto do Serviço Social
não estão mais sendo problematizadas no conjunto da produção
do conhecimento da categoria profissional, como ficou
evidenciado pela pesquisa dos trabalhos apresentados nos
congressos nacionais. Estes trabalhos expressam o saber
produzido pelo conjunto de profissionais que não estão ligados
permanentemente aos espaços acadêmicos. São resultados das
pesquisas realizadas por assistentes sociais em seus estudos
de pós-graduação, e que refletem preocupações de outra ordem
que não as específicas relativas à definição de um objeto do

107
Ibid., p.142.

Cap. X.p65 139 25/1/2011, 16:23


conhecimento, como exigido pelo método cartesiano de ciência.
A categoria provou, pela quantidade e qualidade dos
trabalhos apresentados, que assumiu para si a missão de realizar
pesquisas e construir conhecimentos. O exercício da pesquisa
como dimensão da prática profissional revela a maturidade da
categoria profissional, quando à pesquisa e à produção do
conhecimento da área, não estão mais atrelados aos espaços
acadêmicos que, historicamente, foram definidos como os locais
onde se produz conhecimento científico. Podemos identificar
que foi superada a fase dicotômica na produção da área, onde
existiam os que pensavam e os que faziam, que alimentaram
tantos debates nos anos passados, como vimos nos capítulos
anteriores.
Esta realidade evidencia a mudança nas perspectivas
teórico-metodologica proposta pelo paradigma da complexidade
Neila Sperotto

que valoriza o conhecimento produzido no cotidiano como válido.


Nesse sentido, o conhecimento gerado na atualidade está
construído por uma unidade e não é mais possível separar a
teoria da metodologia, assim como não é mais possível dizer
que na teoria é uma coisa e na prática é outra. O que ocorre é
que existe uma coexistência teórico-metodologica plural.
140 Contudo, é importante destacar que o objeto teórico-
metodológico do serviço social é a Questão Social.

3 Questão Social
e Serviço Social
Segundo José Paulo Netto, o estudo da vasta bibliografia
da área do serviço social evidencia que sua emergência teve
uma íntima relação com a chamada Questão Social108.
Como ficou explicitada nos capítulos anteriores, a gênese
da profissão está representada por duas teses opostas, que
foram formuladas por Iamamoto e Netto, como visão endógena
ou “de dentro” e a tese de que a profissão nasce na divisão
sócio técnica do trabalho. Estas teses defendidas por José
Paulo Netto e Marilda Iamamoto são analisadas por Carlos

108
NETTO, 1992.

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Teoria e Metodologia do Serviço Social
Montaño que as reforça e problematiza sobre o ponto de vista
da sua relação com a chamada Questão Social109.
Para Iamamoto:

O Serviço Social tem na questão social a base de sua fundação


como especialização do trabalho. Questão social apreendida
como o conjunto das expressões das desigualdades da
sociedade capitalista madura que tem uma raiz comum: a
produção social e cada vez mais coletiva o trabalho torna-se
mais amplamente social, enquanto a apropriação dos seus
frutos mantém-se privada monopolizada por uma parte da
sociedade” 110.

Para Montaño, a existência de uma perspectiva endógena


não impede que esta também reconheça a Questão Social como
objeto de sua ação, mas que nesta perspectiva, quando elege
a questão social como objeto, o faz de forma linear,
acompanhando passivamente o movimento histórico,
preocupando-se em elevar a eficácia de seus métodos. Esta
visão, preocupada com a prática interventiva, aborda as
expressões da Questão Social e seu agravamento a partir das
manifestações que se apresentam no cotidiano da vida social, 141
tendo no método hipotético dedutivo, centrado no empirismo,
Social na Contemporaneidade
A construção do conhecimento do Serviço
a base para a construção das metodologias de intervenção na
realidade social.
Os destaques feitos na análise de Montaño sobre a
perspectiva histórico-crítica, como oposta a endogenista,
apresentam o Serviço Social como uma profissão inscrita na
divisão sociotécnica do trabalho e cujo surgimento se deve as
necessidades de reforma conservadora da ordem capitalista no
estágio de monopólio.
Esta perspectiva oferece uma visão da profissão como
produto histórico e não como um desenvolvimento e evolução
interna das formas de ajuda e filantropia, assim explicada, não
pode ser compreendida de forma endógena, de dentro de si
mesma.
A necessidade de conceber a questão social em um

109
MONTAÑO, 1998.
110
IAMAMOTO, 2001, P. 27.

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movimento histórico e determinado se deve ao estágio de
desenvolvimento do capitalismo, que alcança níveis
surpreendentes de exclusão, exigindo cada vez mais a presença
dos profissionais de serviço social, que têm neste conjunto de
contradições seu espaço de ocupação profissional. Iamamoto
apresenta o paradoxo desigualdade e resistência da seguinte
forma:

Questão social que, sendo desigualdade é também rebeldia


por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela
resistem e se opõem. É nesta tensão entre produção da
desigualdade e produção da rebeldia e da resistência que
trabalham os assistentes sociais, situados nesse terreno
movidos por interesses sociais distintos, aos quais não é
possível abstrair ou deles fugir porque tecem a vida em
Neila Sperotto

sociedade. Exatamente por isso, decifrar as novas mediações


por meio das quais se expressa a questão social, hoje, é de
fundamental importância para o Serviço Social em uma dupla
perspectiva: para que se possa tanto apreender as várias
expressões que assumem, na atualidade, as desigualdades
sociais - sua produção e reprodução ampliada - quanto
142 projetar e forjar formas de resistência e de defesa da vida.111

O trabalho dos assistentes sociais, diante da emergência


dessas novas formas de enfrentamento da questão social, ocorre
em espaços tradicionais como os serviços públicos, exigindo
saberes relacionado à elaboração e a gestão de políticas públicas
e emergentes, como as organizações do 3º setor e as práticas
de responsabilidade social e ambiental disseminadas no discurso
das empresas. Para Iamamoto, estas práticas estão voltadas á
gestão da pobreza, à medida em que as empresas estão
assumindo uma parcela do seu atendimento, como vem sendo
amplamente divulgado pelo marketing social. O risco dessa
substituição do papel do estado é a volta ao clientelismo em
detrimento da garantia da universalidade no acesso, tal como
o previsto pela Constituição vigente no país.
Para tanto, requer que as contradições sejam identificadas

111
Ibid., p. 28.

Cap. X.p65 142 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
e transformadas em práticas pela ação profissional, realizada
por sujeitos com competências para propor, para negociar com
a instituição os seus projetos, para defender o seu campo de
trabalho, suas qualificações e funções profissionais. Requer,
pois, ir além das rotinas institucionais e buscar apreender o
movimento da realidade para detectar tendências e
“possibilidades nela presentes passíveis de serem impulsionadas
pelo profissional” 112. Estas competências estão ligadas à
formação continuada e o compromisso com a construção e
sistematização do conhecimento resultado de pesquisas.
Segundo Iamamoto, “Os assistentes sociais trabalham com
a questão social nas suas mais variadas expressões quotidianas,
tais como os indivíduos as experimentam no trabalho, na família,
na área habitacional, na saúde, na assistência social pública
etc”113. Estes exigem respostas profissionais articuladas ao novo
modelo globalizado de relações socias de reprodução da vida
social e também aos projeto ético político da categoria,
requerendo mediações cada vez mais complexas.

143
Social na Contemporaneidade
A construção do conhecimento do Serviço

112
Ibid., p.21.
113
Ibid., p.29.

Cap. X.p65 143 25/1/2011, 16:23


4 Conclusão
Neste cenário de rápidas mudanças sociais, que exigem
novas formas de organização das tradicionais instituições
políticas e sociais, é fundamental que as práticas profissionais
não percam de vista sua opção pela defesa da classe
trabalhadora e da manutenção e ampliação dos direitos,
conquistados ao longo de muitas disputas no campo político
social.
A gestão competente e a formulação de políticas publicas,
que garantam renda mínima de sobrevivência, têm se revelado
importantes no processo de resistência ao avanço da pobreza.
Mas identifica-se ainda uma necessidade de voltar a investir
na mobilização das comunidades a fim de demarcar o direito a
assistência, e não retirar o poder de reivindicação da população
Neila Sperotto

por meio de de práticas coercitivas, que revelam o


conservadorismo.
O papel do Assistente Social junto à mobilização e
organização das comunidades parece ser um caminho promissor
para o resgate de uma postura de participação mais efetiva da
144 população no planejamento e controle social.
Neste processo de transição, para a garantia da pluralidade
teórico-metodologica, podem ter ficado um pouco esquecidas
as ideias de democracia e do direito à participação efetiva,
não uma participação burocrática e de um controle social
coercitivo, como se vê nas ações de muitos conselhos de
Assistência Social e da Criança e Adolescente, que passaram a
realizar práticas de meros “angariadores e redistribuidores” de
fundos das entidades não governamentais, mas de uma
participação efetiva na vida em comunidade. Este talvez seja
o grande desafio desses tempos contemporâneos no que tange
às construções teóricas e metodológicas.
Para tanto, se sugere a leitura de Boaventura de Souza
Santos, principalmente dos livros da coleção produzir para viver.
Alguns artigos deste autor podem ser acessados no site do
Centro de Estudos Socias da Universidade de Coimbra, em
Portugal, no link Revista de Ciências Socias.
Para finalizar, queremos reforçar a ideia de que o
conhecimento teórico-metodológico do Serviço Social é

Cap. X.p65 144 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
construído e reconstruído no movimento histórico, tendo na
Questão Social seu objeto de abstração e nas expressões da
questão social a realidade empírica demandando intervenções,
que precisam ser permanentemente construídas e reconstruídas
num esforço de síntese dialética.
As respostas são transitórias e revelam condições limitadas
pelos espaços sócio ocupacional e temporal. As incertezas são
próprias do nosso tempo, mas não devem ser encaradas como
ausências, mas como possibilidades de construção do novo.

145
Social na Contemporaneidade
A construção do conhecimento do Serviço

Cap. X.p65 145 25/1/2011, 16:23


Neila Sperotto

146

Cap. X.p65 146 25/1/2011, 16:23


Teoria e Metodologia do Serviço Social
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A construção do conhecimento do Serviço


Teoria e Metodologia do Serviço Social Social na Contemporaneidade

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