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MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE BAURU


Rua Alberto Segalla, 1-45, quadra H, Jardim Infante Dom Henrique, Bauru/SP – CEP: 17012-634 – (14) 3235-4300

Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Federal da ª Vara Federal em Bauru – 8ª


Subseção Judiciária do Estado de São Paulo

Inquérito Civil nº 1.34.003.000019/2017-49

OBS: A numeração de folhas mencionadas ao longo desta petição inicial refere-se aos autos do procedimento em
epígrafe, que segue em anexo, contendo 1 (um) volume e 1(um) apenso.

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, por seu


Procurador da República que esta subscreve, no uso de suas atribuições legais e
constitucionais, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com
fundamento nos artigos 127, caput, e 129, inciso III, ambos da Constituição Federal,
bem como nos dispositivos pertinentes da Lei nº 7.347/85 e da Lei Complementar
nº 75/93, e com base em documentos extraídos dos autos do Inquérito Civil n°
1.34.003.000019/2017-49, vem, perante Vossa Excelência, propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PEDIDO LIMINAR


DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

em face da

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – CEF, empresa pública federal, com


endereço na Rua Siqueira Campos, S-07, Centro, CEP 17280-000, em
Pederneiras/SP.

Contra esta pesam os fundamentos de fato e de direito a seguir


descritos.
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I – DO OBJETO DA PRESENTE AÇÃO

Com a presente demanda, objetiva o Ministério Público


Federal compelir a Caixa Econômica Federal, por meio de provimento judicial, a
proceder a elaboração e, em ato contínuo, a devida execução do projeto
arquitetônico para garantir acessibilidade na sede da Agência em Pederneiras/SP
(Rua Siqueira Campos, S-07, Centro, Pederneiras) nos ditames da legislação
vigente, assegurando, assim, o direito das pessoas com deficiência ou que tenham
sua mobilidade reduzida.

II - DOS FATOS

Foi instaurado no âmbito do Ministério Público Federal em


Bauru/SP o Inquérito Civil nº 1.34.003.000019/2017-49, com o fito de apurar as
condições de acessibilidade das instalações da Agência da Caixa Econômica Federal
em Pederneiras/SP.

Com efeito, o procedimento instrutório apresenta um conjunto


de informações aptas a desencadear a presente ação, uma vez que, ao compulsar os
autos, diversas irregularidades são observadas na estrutura da referida agência,
localizada na Rua Siqueira Campos, S-07, Centro, bem como o transcurso de tempo
considerável sem que houvesse quaisquer providências contundentes para o
deslinde do feito.

Veja-se (!).

No curso do inquérito civil em epígrafe, expediu-se ofício ao


Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA (fl. 08) para que fossem
tomadas as medidas necessárias para a realização de vistoria técnica no prédio em
apreço, tendo em vista a existência de Termo de Mútua Cooperação Técnica,
Científica e Operacional, firmado entre a PRDC/SP e o CREA/SP nos autos do
Inquérito Civil nº 1.34.001.004427/2006-26.

Em resposta, o Conselho Regional de Engenharia e


Arquitetura – CREA informou que, atendendo à solicitação da Procuradoria da
República no Estado de São Paulo, no ano de 2013, realizou inspeções em diversas
agências da Caixa Econômica no Estado de São Paulo (dentre as quais se incluía a

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agência de Pederneiras), cujos relatórios de fiscalização estariam disponíveis no


Google Drive, conforme link informado (fls. 10/11).

Às fls. 16/48, foram juntadas cópias do TAC firmado, no ano


de 2008, entre o Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual de São
Paulo e Minas Gerais, a Federação Brasileira de Bancos e os bancos aderentes
(dentre os quais se inclui a Caixa Econômica Federal), tendo por objeto a adequação
das agências bancárias para cumprimento das normas de acessibilidade.

Considerando que não houve o cumprimento das obrigações


assumidas, o termo de ajustamento de conduta retrocitado foi objeto de execução
judicial – no que tange ao pagamento de multa –, cujos embargos à execução
opostos pela Caixa Econômica Federal foram julgados procedentes, extinguindo-se
a ação executória por falta de liquidez e certeza na execução. Atualmente, os citados
embargos encontram-se aguardando julgamento de recurso no Egrégio Tribunal
Regional Federal da 3ª Região. Frise-se que a sentença proferida nos referidos
embargos não tornou sem efeito o compromisso firmado, mas deixou claro que
deveria ser realizada fiscalização pontual de cada prédio, apontando todas as
irregularidades, para que o citado termo de ajustamento de conduta se torne certo,
líquido e exigível.

Exatamente por isso, o arquivamento formulado às fls. 50/50v,


não foi homologado pela Colenda Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão
(NAOP junto à PRR da 3ª Região). Ao reverso, dada a inexecutabilidade direta do
referido termo de ajustamento de conduta, houve determinação de investigação
pontual de cada agência, bem como a adoção particularizada de todas as medidas
necessárias – inclusive judiciais (fls. 94/95).

Em razão disso, os autos retornaram ao Ministério Público


Federal para continuidade das investigações, tendo o feito sido redistribuído a este
subscritor, conforme fls. 96/98.

Ato contínuo, retomou-se a investigação.

O relatório de vistoria técnica (que data de 06/01/2014),


explicitando todo o conteúdo referente à acessibilidade no prédio da agência da
Caixa Econômica Federal em Pederneiras, bem como as fotografias que lhe dão
suporte constam das fls. 55/93, valendo destacar, dentre outras, as seguintes
irregularidades:

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a) ausência de espelho vazado;

b) falta de sinalização contrastante em todos os degraus;

c) irregularidades verificadas na rampa de acesso à edificação (ausência de guia de


balizamento);

d) corrimão sem sinalização em braile;

e) ausência de corrimão em duas alturas;

f) ausência de corrimão em ambos os lados da rampa;

g) ausência de piso tátil de sinalização antes e após o término da escada.

Instada a promover, no prazo de 60 (sessenta) dias, as


adequações técnicas à plena acessibilidade da referida agência (fl. 101), a empresa
pública afirmou ter implantado adequações técnicas para atendimento integral da
Norma NBR9050, reconhecendo, no entanto, a necessidade de outras adequações e
reparos e manutenção de alguns dos itens implantados, tendo em vista o desgaste do
material, vandalismo e reparos anteriores mal executados (fls. 105/106).

Considerando as informações prestadas, este órgão ministerial


concedeu mais 30 (trinta) dias para que as adequações finais e os reparos fossem
providenciados, a fim de agência da Caixa Econômica Federal em Pederneiras se
enquadrasse nas normas de acessibilidade estabelecidas na NBR 9050 (fl. 108).

Contudo, em ofício encaminhado a esta Procuradoria da


República no dia 15 de março de 2018, a Caixa Econômica Federal, mesmo
notificada a adotar todas as providências cabíveis, ofertou manifestação
evasiva (fl. 110), em que genericamente informa que as ações de manutenção
referentes à sinalização da agência foram realizadas e que os itens de acesso
estão em fase de contratação.

Ocorre que, apesar das alegações da Caixa Econômica


Federal de que teria realizado as ações de manutenção e de que seria realizado
certame público para a execução dos serviços, com conclusão das obras no
prazo de 60 (sessenta) dias, o fato é que nenhum documento comprobatório das

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referidas alegações foi juntado aos autos. Isto é, a empresa sequer apresentou
os editais que supostamente abriu para a realização das obras e serviços,
tampouco o projeto arquitetônico e de engenharia que irá embasar referidas
obras.

Como se vê, no hiato transcorrido entre a realização da


vistoria (06/01/2014), a instauração deste inquérito civil e a presente data, e apesar
das reiteradas solicitações de implementação de projeto que atendesse às exigências
legais, as respostas prestadas pela Caixa Econômica Federal, ao longo desse lapso
temporal, foram todas protelatórias, não tendo havido, até o momento, qualquer
ação contundente para sanar as irregularidades remanescentes, permanecendo o
prédio da agência da Caixa Econômica Federal em Pederneiras em desacordo com
as normas de acessibilidade vigentes.

Logo, denota-se a inércia contumaz do órgão estatal em


proceder com a elaboração e conclusão do projeto, restando ao público que
frequenta o edifício arcar com as agruras da atual conjectura.

A partir da intelecção dos fatos supramencionados, os quais


demonstram a clara dificuldade em obter avanços no âmbito meramente
administrativo, a única alternativa que resta é a judicialização da presente demanda
em face do ente público em comento.

Por arremate, supérfluo dizer que a busca pela resolução da


demanda pelo viés judicial se dá, mormente, por tratar-se da busca da efetivação da
tutela das pessoas portadoras de deficiência e/ou com mobilidade reduzida, que
estão sendo literalmente desrespeitadas em virtude da desídia da Administração
Pública.

III – DO DIREITO

3.a – Da acessibilidade

Inicialmente, cabe ressaltar que o conceito de acessibilidade


contido no inciso I do artigo 3º da Lei nº 13.146/2015 diz respeito à:

“possibilidade e condição de alcance para utilização, com


segurança e autonomia, de espaços, mobiliários, equipamentos
urbanos, edificações, transportes, informação e comunicação,

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inclusive seus sistemas e tecnologias, bem como de outros serviços


e instalações abertos ao público, de uso público ou privados de uso
coletivo, tanto na zona urbana como na rural, por pessoa com
deficiência ou com mobilidade reduzida”.

Com efeito, será considerado acessível o "espaço, edificação,


mobiliário, equipamento urbano ou elemento que possa ser alcançado, acionado,
utilizado e vivenciado por qualquer pessoa, inclusive aquelas com mobilidade
reduzida", implicando o termo tanto acessibilidade física como de comunicação
(ABNT NBR 9050, item 3.2). A inobservância, portanto, das regras de
acessibilidade nos acessos e dependências de prédios públicos impede e/ou restringe
que pessoas portadoras de deficiência obtenham atendimento nos órgãos e serviços
públicos, com segurança e autonomia.

Em outras palavras, no campo da acessibilidade é imperioso


permitir a todas as pessoas o mesmo acesso. Para tanto, a adoção de medidas
visando a adequação são inegavelmente necessárias.

Atualmente, regulamentando a temática, encontram-se em


vigor, além das convenções internacionais das quais o Brasil é signatário
(especialmente a Convenção de Nova York, incorporada ao ordenamento jurídico
pátrio com status de Emenda Constitucional), as Leis Federais nº 7.853/89, nº
10.048/2000, nº 10.098/2000 e também a recém publicada Lei nº 13.146/2015, bem
como o Decreto Federal nº 5.296/2004 e a NBR 9050/2004 (norma técnica expedida
pela Associação Brasileira de Normas Técnicas), que estabelecem parâmetros
arquitetônicos capazes de tornar prédios e espaços públicos compatíveis com os
reclamos da acessibilidade em seu sentido mais amplo.

Os dados do Censo realizado pelo Instituto Brasileiro de


Geografia e Estatística (IBGE) no exercício de 2010 apontam para a existência de
45,6 milhões de brasileiros com alguma deficiência, o que representa 23,9% da
população.

Os dados demonstram, ainda, a existência de,


aproximadamente, 35,7 milhões de pessoas com alguma deficiência visual; 9,7
milhões de pessoas com alguma deficiência auditiva; 13,2 milhões com alguma
deficiência motora; e 2,6 milhões de pessoas com alguma deficiência mental ou
intelectual.

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Num primeiro momento, poder-se-ia até imaginar que se está


diante de uma situação em que não existe instrumento legal a tutelar os interesses
desse grande número de pessoas, tendo em conta a permanente omissão do INSS.
Contudo, a realidade é outra, existindo instrumentos legais não só de âmbito
nacional (constitucional, legal e infralegal), como também de âmbito internacional
que amparam os direitos das pessoas com deficiência.

A Organização das Nações Unidas, em 13 de dezembro de


2006, adotou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, nos
termos da resolução da Assembleia Geral nº 61/106, que entrou em vigor em
03/05/2008. No Brasil, a Convenção foi ratificada em 01/08/2008, pelo Decreto
Legislativo nº 186/2008, nos termos do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, já
com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 45/2004, e ratificada pela
Presidência da República por meio do Decreto nº 6.949, de 25/08/2009. Trata-se do
primeiro tratado internacional sobre direitos humanos com status de Emenda
Constitucional.

A mencionada Convenção estatui em seu artigo 3º, “f”, a


acessibilidade como princípio geral da convenção e, ainda, no artigo 20, que Os
Estados Partes tomarão medidas efetivas para assegurar às pessoas com
deficiência sua mobilidade pessoal com a máxima independência possível.

Dessa forma, há que se reconhecer densidade constitucional à


norma que se extrai de seu artigo 9º, a qual deve balizar o proceder de instituições
públicas e privadas:

“Artigo 9
Acessibilidade
1. A fim de possibilitar às pessoas com deficiência viver de forma
independente e participar plenamente de todos os aspectos da vida,
os Estados Partes tomarão as medidas apropriadas para
assegurar às pessoas com deficiência o acesso, em igualdade de
oportunidades com as demais pessoas, ao meio físico, ao
transporte, à informação e comunicação, inclusive aos sistemas e
tecnologias da informação e comunicação, bem como a outros
serviços e instalações abertos ao público ou de uso público,
tanto na zona urbana como na rural. Essas medidas, que
incluirão a identificação e a eliminação de obstáculos e
barreiras à acessibilidade, serão aplicadas, entre outros, a:

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a) Edifícios, rodovias, meios de transporte e outras instalações


internas e externas, inclusive escolas, residências, instalações
médicas e local de trabalho;
b) Informações, comunicações e outros serviços, inclusive serviços
eletrônicos e serviços de emergência”. (g. n.).

Ainda no plano de convenções internacionais sobre Direitos


Humanos das quais o Brasil é signatário, a Convenção Interamericana para
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência, a qual possui status normativo supralegal (RE 466.343-SP, rel. Min.
Cezar Peluso), estabeleceu em seu artigo III, 1, “b”, como obrigação dos Estados
Partes tomar as medidas necessárias para garantir o acesso das pessoas com
deficiências aos prédios públicos:

“Artigo III
Para alcançar os objetivos desta Convenção, os Estados Partes
comprometem-se a:
1. Tomar as medidas de caráter legislativo, social, educacional,
trabalhista, ou de qualquer outra natureza, que sejam necessárias
para eliminar a discriminação contra as pessoas portadoras de
deficiência e proporcionar a sua plena integração à sociedade, entre
as quais as medidas abaixo enumeradas, que não devem ser
consideradas exclusivas:
(...)
b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que
venham a ser construídos ou fabricados em seus respectivos
territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das
pessoas portadoras de deficiência”; (g. n.)

Cabe ressaltar que a Constituição brasileira de 1988 determina


a incorporação automática dos tratados internacionais de direitos humanos
ratificados pelo Brasil, os quais detêm aplicação imediata. Portanto, desde que
ratificados, os tratados internacionais irradiam efeitos imediatos e asseguram
direitos exigíveis imediatamente em todo o ordenamento pátrio.

Na ordem jurídica nacional, a densidade normativa não destoa


da internacional. Com efeito, a ausência de condições que garantam as condições
mínimas de acessibilidade de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida,
na Agência da Previdência Social em São Manuel/SP, antes de transgredir qualquer

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norma, atenta, sobretudo, contra o próprio Estado Democrático de Direito


Brasileiro, o qual de fundamenta, entre outros alicerces, no princípio da dignidade
da pessoa humana, conforme preceitua o artigo 1°, III, da Constituição da
República.

Este princípio determina a observância dos direitos que


proporcionam aos seres humanos condições mínimas para uma existência digna e
em harmonia com os demais. Aliás, o mínimo existencial traduz os pressupostos
para o execício da liberdade das pessoas com deficiência sem qualquer tipo de
discriminação, garantindo-lhes a dignidade como seres humanos, reduzindo, assim,
o sofrimento que as acompanham hodiernamente em razão da deficiência que lhes
impõe limitações.

O Estado, portanto, deve garantir a elas uma vida digna, como


forma de prover a tão sonhada a justiça social. E foi nesse contexto que o Estado
Brasileiro adotou o princípio da não discriminação, insculpido no art. 3º, IV da CF,
estabelecendo que será papel do Estado promover o bem de todos, sem preconceitos
de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Indiscutivelmente, o tema ACESSIBILIDADE guarda


intrínseca relação com o princípio da dignidade do ser humano, concebido, na atual
ordem constitucional, como fundamento da República Federativa do Brasil (artigo
1º, III, da Constituição Federal de 1988).

Considerando o disposto no artigo 5º, caput, da Carta Magna,


segundo o qual todos são iguais perante a lei, o direito pleiteado na presente
demanda visa garantir a igualdade de fato para as pessoas com deficiência e/ou
com mobilidade reduzida no que diz repeito ao acesso aos prédios públicos,
concedendo-lhes um mínimo de dignidade possível.

Notadamente, sob a ótica da acessibilidade, a deficiência que


acomete alguns indivíduos é um fator que naturalmente os diferencia das demais
pessoas não deficientes, razão pela qual, para alcançar a real isonomia, o tratamento
distinto é imprescindível.

O grupo de pessoas cujos direitos essa ação coletiva busca


tutelar é dotado de distinta peculiaridade na medida em que a deficiência traz, em si,
diferentes necessidades.

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Basicamente, as pessoas com deficiência visual atravessam


dificuldades relacionadas à orientação. As pessoas quem tem mobilidade reduzida
enfrentam dificuldade de locomoção. Por fim, as pessoas com deficiência auditiva
encontram obstáculos na comunicação.

O Constituinte, percebendo que certos grupos da sociedade –


em especial, as pessoas com deficiência – necessitam, por sua própria condição, de
uma proteção específica, indispensável para que possam se integrar à sociedade,
dela participando em condições de igualdade, traçou as diretrizes na Carta Magna
para garantir tal direito.

A Constituição Federal brasileira, em seu artigo 23, inciso


II, determina ser competência comum da União, Estados, Distrito Federal e
Municípios zelar pelo respeito às pessoas com deficiência.

Adiante, em seu artigo 203, inciso IV, define constituir


objetivo da assistência social “a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de
deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária”.

Em continuação a esse caráter protetivo do jus libertatis, o


Constituinte garantiu, por meio de norma de eficácia limitada definidora de
princípio programático, o pleno direito de acesso das pessoas com deficiência aos
edifícios públicos:

“Art. 227. Omissis. § 2º A lei disporá sobre normas de construção


dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de
veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado
às pessoas portadoras de deficiência”. (g. n.)

“Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos


edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo
atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas
portadoras de deficiência, conforme disposto no art. 227, §2º.” (g.
n.)

Interpreta-se, dos dispositivos constitucionais supra, que a lei


disporá sobre normas de construção dos edifícios de uso público, a fim de garantir
acesso adequado às pessoas com deficiência, devendo ser adaptadas as
construções já em uso, na forma da lei.

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O legislador constituinte, ao consagrar o princípio da


isonomia, estabeleceu que a legislação explicitaria a forma de remoção de todas e
quaisquer barreiras físicas que porventura possam impedir e/ou dificultar o acesso
de pessoas com deficiência ou ainda dificuldades de locomoção (idosos, gestantes,
crianças em tenra idade etc.) junto aos prédios, logradouros e veículos públicos, a
fim de que elas possam exercer plenamente os seus direitos de cidadão.

Nesse plano, o artigo 227, § 2º, da Constituição Federal


encontra-se regulamentado desde a promulgação da Lei nº 7.853/89 que, em seu
artigo 2º, parágrafo único, inciso V, alínea “a”, com relação às obrigações do poder
público para com as pessoas com deficiência na área das edificações, dispõe:

“adoção e a efetiva execução de normas que garantam a


funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou
removam os óbices às pessoas com deficiência, permitam o acesso
destas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte”. (g. n. )

O legislador pátrio continuou atendendo à determinação


constitucional programática, densificando o direito fundamental ao acesso universal
por intermédio das Leis nºs 10.048/00 e 10.098/00, as quais foram regulamentadas
pelo Decreto Federal nº 5.296/04.

O artigo 11 da Lei nº 10.098/00 fixa critérios para a garantia


da acessibilidade de edifícios públicos e privados de uso coletivo, definindo, dentre
outras exigências, a reserva de vagas em estacionamentos, a eliminação de barreiras
arquitetônicas no acesso ao interior da edificação e da manutenção de, pelo menos,
um sanitário acessível em cada um de seus patamares.

Regulamentando a legislação supra, no uso do poder


regulamentar, o Chefe do Poder Executivo da União editou o Decreto Federal nº
5.296/04, com o objetivo de impor a adoção de medidas de acessibilidade mais
eficazes, condicionando a edificação, adaptação e reforma dos prédios públicos à
observância das instruções expedidas pela Associação Brasileira de Normas
Técnicas – ABNT conforme previsto no artigo 11, § 1º:

“Art. 11. A construção, reforma ou ampliação de edificações de


uso público ou coletivo, ou a mudança de destinação para estes
tipos de edificação, deverão ser executadas de modo que sejam

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ou se tornem acessíveis à pessoa portadora de deficiência ou


com mobilidade reduzida.

§ 1º As entidades de fiscalização profissional das atividades de


Engenharia, Arquitetura e correlatas, ao anotarem a
responsabilidade técnica dos projetos, exigirão a responsabilidade
profissional declarada do atendimento às regras de acessibilidade
previstas nas normas técnicas de acessibilidade da ABNT, na
legislação específica e neste Decreto.” (g. n.)

Impende realçar que o direito ora tutelado nesta ação é de tal


magnitude que, não bastassem todas as disposições constitucionais, tratados
internacionais e normas infralegais aqui expostas, na recente data de 6 de julho de
2015 entrou em vigor a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Lei
nº 13.146/2015), mais uma vez ratificando de modo explícito a proteção dos direitos
das pessoas com deficiência.

Assim dispõe o artigo 53 de referida norma:

“A acessibilidade é direito que garante à pessoa com deficiência ou


com mobilidade reduzida viver de forma independente e exercer
seus direitos de cidadania e de participação social.”

Com relação aos prédios públicos, a nova lei não destoa das
antigas, impondo ao poder público a obrigação de adequá-los, sejam aqueles ainda
não construídos, sejam os já conclusos, conforme expresso nos artigos 56 e 57
respectivamente:

“Art. 56. A construção, a reforma, a ampliação ou a mudança de


uso de edificações abertas ao público, de uso público ou privadas
de uso coletivo deverão ser executadas de modo a serem acessíveis.

Art. 57. As edificações públicas e privadas de uso coletivo já


existentes devem garantir acessibilidade à PcD em todas as
suas dependências e serviços, tendo como referência as normas de
acessibilidade vigentes.” (g. n.)

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Portanto, é indubitável a necessidade e urgência dos pedidos


elencados nesta ação civil pública, restando assim claro que o ordenamento jurídico
atribui ao Poder Público obrigação de derrubar todas e quaisquer barreiras que
impeçam, de alguma forma, o desenvolvimento autônomo das pessoas com
deficiência ou com mobilidade reduzida.

Diante da omissão estatal, caberá ao Poder Judiciário


assegurar a implementação das normas internacionais e nacionais de proteção aos
direitos humanos.

3.b – Da violação às normas de proteção às pessoas com deficiência ou


mobilidade reduzida

Apresentada a disciplina legal acerca da acessibilidade de


prédios públicos, pertinente é apontar a absoluta disparidade entre o dever ser
normativo e o ser que efetivamente se observa nas instalações da Agência da Caixa
Econômica Federal objeto desta ação (Rua Siqueira Campos, S-07, Centro,
Pederneiras).

A notoriedade do descumprimento ao ordenamento jurídico


não é fato que possa ser negado pela empresa pública que, no transcorrer do
presente inquérito civil, demonstrou ciência das irregularidades, embora tenha se
mostrado incapaz de assumir o dever legal de corrigi-las.

Não resta dúvida, portanto, quanto a viabilidade da ingerência


judicial na situação em comento, visto que se trata de efetiva negação, por omissão
estatal, do direito ora reclamado. Não se vislumbrou, no decorrer da apuração
realizada no âmbito do inquérito civil público, o interesse ou, ao menos, a
capacidade da Administração na efetivação das reformas necessárias para o prédio
objeto destes autos.

Importante reconhecer que a mora em se dar efetividade às


normas de proteção às pessoas com deficiência e/ou mobilidade reduzida não se
deve a problemas estruturais insanáveis do prédio que abriga citada agência, mas
sim ao desinteresse administrativo dos responsáveis por tais adequações.

Analisando detidamente os autos do Inquérito Civil anexo a


esta inicial, sobretudo o relatório da vistoria realizada in loco, é facilmente

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perceptível que o prédio aqui criticado apresenta dificuldades que obstam o acesso
autônomo de pessoas com deficiência, o que retrata a omissão estatal no
atendimento de todo o arcabouço legislativo vigente.

As leis que regem a matéria não deixam dúvida de que os


prédios devem proporcionar o acesso das pessoas deficientes com AUTONOMIA,
vale dizer, que não dependam de outras pessoas para exercer seu direito de ir e vir.
In casu, são exemplos da falta de acessibilidade: ausência de espelho vazado; falta
de sinalização contrastante em todos os degraus; irregularidades verificadas na
rampa de acesso à edificação (ausência de guia de balizamento); corrimão sem
sinalização em braile; ausência de corrimão em duas alturas; ausência de corrimão
em ambos os lados da rampa; ausência de piso tátil de sinalização antes e após o
término da escada. Tais inadequações são exemplos de constrangimentos e
dissabores a que são submetidos as pessoas detentoras de necessidades especiais.

É de se observar, ainda, que o artigo 19, § 1º, do Decreto nº


5.296/2004, estipulou prazo máximo para a adaptação dos prédios já em uso, nos
seguintes termos:

“Art. 19. A construção, ampliação ou reforma de edificações de uso


público deve garantir, pelo menos, um dos acessos ao seu interior,
com comunicação com todas as suas dependências e serviços, livre
de barreiras e de obstáculos que impeçam ou dificultem a sua
acessibilidade.

§1º No caso das edificações de uso público já existentes, terão


elas prazo de trinta meses a contar da data de publicação deste
Decreto para garantir acessibilidade às pessoas portadoras de
deficiência ou com mobilidade reduzida.” (g. n.).

Ultrapassado, em muito diga-se de passagem, o limite


temporal fixado pela norma, ainda hoje a Caixa Econômica Federal impõe
inescusáveis barreiras arquitetônicas à acessibilidade de sua agência em
Pederneiras/SP.

Nesse passo, justifica-se o pleito de obter provimento


jurisdicional que imponha à Caixa Econômica Federal a obrigação de promover a
adequação da agência aqui citada, a fim de que atenda às normas de acessibilidade
de acordo com os padrões técnicos, legitimado pela existência de normas nacionais

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e internacionais de direitos humanos cogentes, impondo a tal ente público o dever


de adotar as medidas necessárias a conferir tal direito.

Como se observa, sobram preceitos no ordenamento jurídico a


tutelar os direitos das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida. Mas, se
existem os preceitos, porque continuam a ser violados? Por que as pessoas com
deficiência, com mobilidade reduzida ou idosas, ao chegarem na agência da Caixa
Econômica Federal em Pederneiras, continuam a se deparar com instalações que os
impedem de ter mobilidade plena?

A resposta, lamentavelmente, é a ausência de vontade


política/administrativa para cumprir tais preceitos, flagrantemente desrespeitados,
realidade que se pretende alterar com a propositura desta ação. Afinal, se para os
que caminham normalmente as condições de acessibilidade podem parecer
irrelevantes, para outros representam limites intransponíveis para o exercício de
seus direitos.

Quanto ao tema, vejamos também o que dizem os Tribunais:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DEFICIENTE


FÍSICO. Nos termos do art. 2º da Lei nº 7.853/89 e do art. 23 da
Lei nº 10.098/00, as entidades públicas devem assegurar, por meio
de prestações positivas, o direito à acessibilidade do portador de
deficiência às suas dependências.” (TRF-5ª Região, Apelação em
Mandado de Segurança AMS 80808 CE 2002.05.00.014731-9,
Relator Desembargador Federal José Baptista de Almeida Filho,
Julgamento 17/03/2003, Publicação DJ 22/05/2003, p. 566).

3.c – Da não invasão do mérito administrativo ou dos limites orçamentários

Embora não se ignorem as tramitações burocráticas inerentes


à disponibilização de verbas públicas, constitui obrigação legal do Poder Público a
destinação de dotações orçamentárias para a garantia da acessibilidade em edifícios
de uso público, consoante o art. 23, caput e parágrafo único, da Lei nº 10.098, de 19
dezembro de 2000:

“Art. 23. A Administração Pública federal direta e indireta


destinará, anualmente, dotação orçamentária para as
adaptações, eliminações e supressões de barreiras

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arquitetônicas existentes nos edifícios de uso público de sua


propriedade e naqueles que estejam sob sua administração ou uso.
Parágrafo único. A implementação das adaptações, eliminações e
supressões de barreiras arquitetônicas referidas no caput deste
artigo deverá ser iniciada a partir do primeiro ano de vigência
desta Lei.” (g. n.).

Interessante notar que, nos termos da norma transcrita, as


medidas deveriam ser adotadas a partir do primeiro ano da vigência da lei, isto é, a
partir de 2001. Hoje, após mais de 17 (dezessete) anos de vigência do dispositivo,
nenhuma medida de maior efetividade foi tomada por parte da Caixa Econômica
Federal para a adequação das instalações do prédio aqui referido. Mesmo que se
adote o parâmetro temporal fixado pelo já transcrito artigo 19, § 1º, do Decreto nº
5.296/2004, o termo final para a conclusão das medidas de acessibilidade está
esgotado há, no mínimo 10 (dez) anos.

Afastam-se, assim, possíveis alegações das contingências


inerentes à “reserva do possível” ou da discricionariedade administrativa no
emprego de verbas públicas, porquanto é cogente a necessidade de disponibilização
de dotações orçamentárias para a correção das irregularidades aqui demonstradas,
além de, há muito, ter-se esgotado qualquer prazo razoável para o seu saneamento.

É coerente apontar que a gravidade da situação que aqui se


visa corrigir se deve à ineficiência e ao descaso do Poder Público em relação às
pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Mesmo diante de inúmeros ofícios e requisições desta


Procuradoria da República, nenhuma atitude mais efetiva foi tomada até o
momento, sendo forçoso reconhecer que a situação de mora da Caixa Econômica
Federal é imputável, tão somente, à desídia e descompromisso com a correção dos
agravos que comprometem a acessibilidade de suas instalações.

Ademais, a legislação vigente vincula o interesse de agir do


administrador, cujo desvio, subentenda-se, também inércia, pode e deve ser
corrigido pelo Poder Judiciário, quando provocado.

O princípio da legalidade impõe ao administrador público, no


âmbito da atividade administrativa, a observância das normas legais, sendo
imperioso frisar que não se deve admitir que argumentos baseados exclusivamente

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em normas orçamentárias, ou quadro funcional reduzido, sejam arguidos como um


entrave para a efetivação de um direito fundamental considerado prioritário pela
Constituição Federal de 1988 e um sem número de tratados internacionais.

Assim, constatada a existência de normas cogentes impondo à


Administração o dever de adotar as medidas necessárias a conferir acessibilidade às
pessoas com deficiência, impende reconhecer que não se cuida, simplesmente, de
mero juízo de conveniência e oportunidade, pois esse espaço de liberdade para o
administrador agir diante de uma situação concreta deve guardar consonância com a
Constituição Federal, e é função precípua do Poder Judiciário a análise da
constitucionalidade do ato administrativo.

Em recente voto proferido em medida cautelar da ADPF


347/DF, na qual se reconheceu o dever de o Poder Judiciário atuar positivamente
para fazer cessar o “estado de coisas inconstitucional” vivenciado no sistema
prisional brasileiro, o Ministro Marco Aurélio Mello enfatizou a necessidade de o
poder judiciário, em casos tais:

“...retirar os demais poderes da inércia, catalisar os debates e


novas políticas públicas, coordenar as ações e monitorar os
resultados. Isso é o que se aguarda deste Tribunal e não se pode
exigir que se abstenha de intervir, em nome do princípio
democrático, quando os canais políticos se apresentem obstruídos,
sob pena de chegar-se a um somatório de inércias injustificadas.
Bloqueios da espécie traduzem-se em barreiras à efetividade da
própria Constituição e dos Tratados Internacionais sobre Direitos
Humanos. Repita-se: a intervenção judicial mostra-se legítima
presente padrão elevado de omissão estatal frente a situação de
violação generalizada de direitos fundamentais. Verificada a
paralisia dos poderes políticos, argumentos idealizados do
princípio democrático fazem pouco sentido prático.” (g. n.)

A mencionada decisão, merecedora de destaque por sua


recenticidade e importância, todavia, não representa inovação, pois ao julgar a
ADPF 45/DF, o Rel. Min. Celso de Mello, abordando a possibilidade da intervenção
judicial em políticas públicas e a questão da “reserva do possível”, assim decidiu,
nos pontos que interessam para o caso da presente ação civil pública:

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“[...] DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE


COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER
PÚBLICO. O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer
mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. (…)
É certo que não se
inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do
Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a
atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ
CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, 'Os Direitos Fundamentais na
Constituição Portuguesa de 1976', p. 207, item n. 05, 1987,
Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside,
primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal
incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais,
poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos
estatais competentes, por descumprirem os encargos político-
jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com
tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos
individuais e/ou coletivos impregnados de estatura
constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de
conteúdo programático. (…) A negação de qualquer tipo de
obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais
Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como
verdadeiros direitos.
(...) Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os
princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como
fonte de direitos e obrigações e admitem a intervenção do
Judiciário em caso de omissões inconstitucionais.' [...]” (g. n.)

Seguindo este entendimento, em julgado análogo ao tema que


aqui se discute, o Supremo Tribunal Federal, em 2013, ao julgar o Recurso
Extraordinário (RE) 440028 determinou ao Estado de São Paulo que realizasse
reformas e adaptações necessárias na Escola Estadual Professor Vicente Teodoro de
Souza, em Ribeirão Preto, de forma a garantir o pleno acesso de pessoas com
deficiência.

Naquele julgamento, o Supremo Tribunal Federal assentou os


requisitos para a intervenção do judiciário nas políticas públicas:

“(…) Segundo a jurisprudência do Supremo, são três os requisitos


a viabilizar a incursão judicial nesse campo, a saber: a natureza
constitucional da política pública reclamada, a existência de

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correlação entre ela e os direitos fundamentais e a prova de que há


omissão ou prestação deficiente pela Administração Pública,
inexistindo justificativa razoável para tal comportamento.”

Portanto, no caso tratado nesta ação civil pública,


indubitavelmente estão presentes os três requisitos jurisprudenciais, em breves
comentários, saber:

1) Natureza constitucional do direito a acessibilidade das pessoas com


deficiências: nesse ponto, qualquer argumentação tornar-se-á repetitiva de tudo o
que fora exposto nesta exordial;

2) Correlação da política pública e os direitos fundamentais: a adequação dos


prédios públicos às normas de acessibilidade tem por principal escopo garantir os
direitos fundamentais das pessoas com deficiência: liberdade de ir e vir com
autonomia, igualdade, dignidade, entre outros;

3) Prova da omissão pela Administração Pública: aqui nem se menciona a


omissão desde 1988, quando da promulgação da Constituição Federal, mas sim a
omissão comprovada adstrita aos autos do inquérito civil em epígrafe.

Em relação à intervenção do judiciário em políticas públicas,


assim trilha a jurisprudência dos Tribunais Regionais Federais:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL


PÚBLICA. PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA
FÍSICA. ACESSIBILIDADE A PRÉDIOS PÚBLICOS.
POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. DEVIDA
INGERÊNCIA DO JUDICIÁRIO NO ÂMBITO
ADMINISTRATIVO. 1. Revela-se juridicamente possível o
pedido deduzido pelo Ministério Público em ação civil pública,
com o escopo de compelir o Poder Público a assegurar aos
deficientes físicos efetivo acesso a edifícios utilizados na prestação
dos serviços públicos, como é o caso de Delegacia Regional de
Trabalho, máxime porque a Constituição e a legislação
infraconstitucional preveem a proteção das pessoas portadoras de
deficiência. Preliminar rejeitada. 2. É cabível a intervenção do
Judiciário na Administração, com vistas a assegurar o direito à
acessibilidade de pessoas portadoras de deficiência, cujas
peculiaridades físicas demandam a adequação dos locais onde

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se prestam serviços públicos […]” (negrito nosso) (TRF/1ª


Região, 5ª Turma, AC 2005.38.03.001708-2, Rel. Renato Martins
Prates, j. em 16/06/10, e-DJF1 de 09/07/10, p. 176).

“CONSTITUCIONAL. DIREITO À ACESSIBILIDADE.


PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. PRÉDIO PÚBLICO QUE NÃO
POSSUI CONDIÇÕES DE ACESSO ADEQUADAS. OFENSA
AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.
INOCORRÊNCIA. REGRAS ORÇAMENTÁRIAS.
POSSIBILIDADE DE INCLUSÃO DE DESPESAS. 1. É direito
fundamental das pessoas com deficiência a acessibilidade a
edifícios públicos, entendida esta como a possibilidade e
condição de alcance para utilização, com segurança e
autonomia. Daí a necessidade de que o Estado promova a
adaptação de suas repartições à acolhida adequada desses
indivíduos, sobretudo com a promoção de sua autonomia.
Interpretação que decorre dos artigos 227, §2º, e 244 da
Constituição da República, 1, 3, f, e 9 da Convenção Internacional
sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, 2º, caput e
parágrafo único, V, a, da Lei n.7.853/89, 2º, I, e 11 da Lei n.
10.098/2000 e 8º, I, e 11, caput, do Decreto n. 5.296/2004. 2. A
eventual determinação judicial ao cumprimento dessas
obrigações não traduz ofensa ao princípio da separação dos
Poderes, por invasão do mérito administrativo, na medida em
que a ordem no sentido de que se proceda à adaptação de
repartição pública encontra esteio em diplomas normativos,
por meio dos quais reconhecidos direitos fundamentais de
aplicabilidade imediata e que, nessa toada, reclamam atuações
positivas do Estado, por ora ainda carentes de implementação.
3. A ausência de recursos orçamentários para a concretização
desses direitos no caso em apreço não restou de forma alguma
comprovada. 4. A ausência de atual previsão orçamentária pode vir
contornada mediante alteração na lei orçamentária (Lei n.
12.798/2013) ou, ainda, mediante a abertura de créditos
suplementares, para atendimento de despesas decorrentes de
sentenças judiciais (art. 4º, IV, da Lei n. 12.798/2004). 5.
Improvimento da apelação e da remessa oficial.” (negrito nosso)
(TRF4, APELREEX 5003247-15.2011.404.7001, Terceira Turma,
Relator p/ Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, D.E.
08/08/2013).

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Ademais, oportuno trazer à baila o entendimento


sedimentado do Pretório Excelso no que diz respeito a intervenção judicial em casos
similares:

“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. IMPLEMENTAÇÃO DE
POLÍTICAS PÚBLICAS. INSTALAÇÕES DE INSTITUIÇÃO
PÚBLICA DE ENSINO EM CONDIÇÕES PRECÁRIAS.
DETERMINAÇÃO DE REFORMA PELO PODER
JUDICIÁRIO. POSSIBILIDADE. INEXISTÊNCIA DE
VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES.
GARANTIA DO DIREITO À EDUCAÇÃO E À SEGURANÇA.
PRECEDENTES.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no
sentido de que, em casos emergenciais, é possível a
implementação de políticas públicas pelo Judiciário, ante a
inércia ou morosidade da Administração, como medida
assecuratória de direitos fundamentais. Precedentes. Para
dissentir da conclusão firmada pelo Tribunal de origem no sentido
de que houve, ou não, inércia do Poder Público estadual em
relação à manutenção de instituto de educação, seria necessário
nova apreciação dos fatos e do material probatório constantes dos
autos. Incidência da Súmula 279/STF. Precedentes. Ausência de
argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. Agravo
regimental a que se nega provimento.” (negrito nosso) (STF, ARE
845392 RS, Primeira Turma, Relator Min, Roberto Barroso D.E.
30/0/012015).

Por fim, esclareça-se que o Poder Judiciário, ao determinar


eventualmente que a CEF promova as adaptações em seu prédio público, visando
garantir o acesso das pessoas com deficiência a eles, não estará criando uma nova
obrigação para a entidade, mas, tão somente, exigindo que ela cumpra a
legislação pertinente.

IV - DA MEDIDA LIMINAR DE TUTELA DE URGÊNCIA

Conforme já relatado, a Caixa Econômica Federal há mais de


4 (anos) anos tem se mostrado desinteressada em promover voluntariamente as
obras para permitir acessibilidade aos portadores de deficiência ou mobilidade

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PROCURADORIA DA REPÚBLICA NO MUNICÍPIO DE BAURU

reduzida. Frente a sua desídia em promover as adequações, é imprescindível a


imediata concessão de medida antecipatória para que sejam realizados os ajustes
necessários à eliminação de qualquer barreira ao trânsito dessas pessoas.

Os artigos 11 e 12 da Lei nº 7.347/85 e os artigos 139, IV, 300,


497, caput, e parágrafo único, 536, § 1º, e 537, todos do CPC, permitem o
deferimento da tutela antecipada quando há verossimilhança e perigo da demora.

Presentes no caso vertente o fumus boni iuris e o periculum in


mora, que são os requisitos desta medida cautelar, há necessidade de sua concessão
que ora se requer.

O fumus boni iuris encontra-se presente na fundamentação


jurídica acima apresentada e, em especial, no relatório de vistoria elaborado pelo
CREA-SP (fls. 55/56), razão pela qual são desnecessários maiores esclarecimentos.
A verossimilhança está presente, eis que a matéria é quase que exclusivamente
jurídica, tendo o autor demonstrado a forte plausibilidade da tese levantada.

No que concerne ao perigo ou inconveniente da demora, está


claro que as condições atuais do prédio da agência da Caixa Econômica Federal em
Pederneiras colocam em risco a mobilidade e integridade física dos usuários
portadores de necessidades especiais, bem como pessoas idosas que utilizam os
serviços lá prestados.

Por outro lado, há que se lembrar que a tutela antecipada é


uma técnica de distribuição do ônus “tempo processual” entre as partes. Se a tese
levantada pelo autor, junto com os elementos de fato demonstrados, levam a crer na
maior probabilidade de êxito da demanda, injustificável negar a tutela antecipada e
fazer-lhe aguardar o tempo do processo. O tempo do processo há que ser suportado
pela parte que apresenta menos chances de vitória.

É acurada a percepção de Luiz Guilherme Marinoni, definindo


a tutela antecipada como “técnica de distribuição do tempo do processo”:

Como se vê, diante da evidência de que o tempo do processo


sempre prejudica o autor que tem razão, não há outra alternativa,
quando se deseja iluminar o processo comum com a luz do
princípio da isonomia, do que se pensar em técnicas que permitam
uma distribuição igualitária do tempo do processo entre as partes.
Lembre-se que a tutela antecipatória nada mais é do que uma

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técnica de distribuição do ônus do tempo do processo, já que não


há sentido em ver o autor que evidencia ao seu direito ser
prejudicado pelo tempo necessário à definição do litígio. (in Novas
Linhas do Processo Civil. 3ªed. São Paulo:Malheiros, p. 158).

Então, não é necessária a demonstração de uma situação


gravíssima a exigir o provimento antecipado. Basta demonstrar que há fundamento
jurídico idôneo e forte a justificar a antecipação.

No caso, procura-se evitar a não discriminação assegurada a


pessoa com deficiência e com mobilidade reduzida e garantir o direito ao livre
acesso a edificações e logradouros públicos, em igualdade de oportunidades com as
demais pessoas.
Por estas razões, a tomada de providências aqui requerida pelo
Ministério Público Federal encontra amparo legal, bem como faz-se necessária, uma
vez que a omissão da Caixa Econômica Federal em adaptar seu prédio contraria as
normas legais e princípios constitucionais que asseguram à pessoa com deficiência e
com mobilidade reduzida o direito a não-discriminação e ao livre acesso a
edificações e logradouros públicos.

V – DOS PEDIDOS

Ante o exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL


respeitosamente requer a este Nobre Juízo:

1. A concessão de medida antecipatória dos efeitos da


tutela, para determinar à Caixa Econômica Federal que:

1.a) apresente, em até 60 (sessenta) dias, cronograma


específico das obras e serviços necessários para garantir
acessibilidade plena aos usuários e empregados do
prédio da Caixa Econômica Federal em Pederneiras
(Rua Siqueira Campos, S-07, Centro), a ser protocolado
perante esse Juízo. O cronograma deve estar
acompanhando de laudo técnico firmado por engenheiro
responsável, explicitando, item por item, o que é preciso
fazer para que sejam cumpridas todas as exigências

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constantes na legislação que rege a matéria em questão


(ABNT NBR 9050);

1.b) planeje e execute, em até 180 (cento e oitenta) dias,


observados todos os regramentos licitatórios, as obras e
serviços necessários para garantir acessibilidade plena,
conforme o cronograma específico apresentado (item
precedente), devendo, ao final do prazo, juntar laudo
técnico firmado por engenheiro responsável, o qual deve
atestar o cumprimento de todas as exigências constantes
na legislação que rege a matéria em questão;

1.c) a título cominatório, requer a imposição de multa


diária em valor não inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil
reais), por obrigação descumprida (itens “1.a” e “1.b”),
sem prejuízo, e cumulativamente, da adoção de todas as
medidas necessárias à efetivação do provimento
específico ou de seu resultado prático equivalente, nos
moldes do que preconiza o art. 536 do CPC.

2. Ao final, após regular processamento do feito, sejam


julgados procedentes os pedidos desta ação civil pública, confirmando-se a
antecipação da tutela, para condenar a Caixa Econômica Federal, em
definitivo, nos pedidos formulados no item 1 e seus subitens;

3. Requer também:

a) a citação da Caixa Econômica Federal, para que


apresente contestação no prazo legal, sob pena de revelia
e confissão quanto à matéria de fato;

b) a destinação dos valores decorrentes da eventual


aplicação das multas para o fundo a que se refere o art.
13 da Lei nº 7.347/85;

c) a condenação da ré ao pagamento das custas


processuais e demais ônus da sucumbência, a serem

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igualmente revertidos ao referido Fundo Federal de que


trata a Lei nº 7.347/85;

d) a dispensa do pagamento de custas, emolumentos e


outros encargos, desde logo, à vista do que dispõe o art.
18 da Lei n.º 7.347/85;

e) seja deferida a produção de todas as provas em Direito


admitidas, notadamente a juntada de documentos, a
realização de perícias e inspeções judiciais, além da
oitiva de testemunhas.

Considerando que a presente ação civil pública versa sobre


direito indisponível e extremamente sensível e caro para a sociedade civil (a plena
acessibilidade de prédios públicos), este Parquet Federal desde já manifesta que, no
seu entender, seria desnecessária e infrutífera qualquer designação de audiência de
conciliação versando sobre a transação ou concessão de obrigações de tal natureza,
nos termos do art. 334 do CPC.

Eventuais solicitações de prazo para o efetivo cumprimento


do que dispõe o arcabouço de normas voltadas à acessibilidade podem ser
realizadas de modo formal pela ré (peticionamento), mas desde que amparadas em
provas que demonstrem o efetivo início das medidas de acessibilidade ora
requeridas nesta exordial civil.

Dá-se à causa, para efeitos legais, o valor de R$ 1.000,00 (mil


reais).

Bauru, 26 de março de 2018.

ANDRÉ LIBONATI
Procurador da República

S4/Tutela Coletiva/ACP/IC 19-2017-49 - Acessibilidade – CEF Pederneiras

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