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CAPITULO vir O OUVINTEEO ESPECTADOR or Charles Segal Visio, monumento, memoria 0s Gregos S20 um povo de espectadores, C outros, atentos as diferengas entre eles 0 Outro sio bons observadores ¢ hibeis narradores toda a obra dos dois grandes natradores que se sitwn é arcaica: Homero, que compas ¢ recitou oralmente os seus ermine co ge Pe fon ralmente os seus grandes cantos épicos em finais do século Viti a, C...e Herédoto, com a narragao das Guertas Pétsieas cen ay 490-879 ¢ a ampla resent cas eivilizagdes que rodeavam a eivilizagao grewa, Ambos se sentem fascinados com as imagens que flutuam a superficie do ‘0s por natureza em relagdo aos 08 ndo Gregos, os «bairbaros» —, as duas qualidades sobressaem em mundo, ambos gostam cle fxar nas palavras a infinita variedade dos comportamen- tos humanos: 0 modo como os homens se vestem, falam, adoram os seus deuses; 0 sexo, 0 casamento, a familia, a guerra, a arquitectura, etc. Ambos conhecem também 0 poder de sedugtio da curiosidade, 0 desejo de ver e de conhecer. A Odisseia inicia-se com 0 herdi que «de muitos homens viu as cidades e conheceu os Pensamentos» (1.2). No inicio das suas Historias, Herédoto narra a histéria de Candaules e Giges, uma narrativa centrada no poder da visio, na observagao secreta do corpo de uma mulher, através do qual o rei da Lidia, Candaules, pretende mostrar a da sua amada esposa (1.8.2). De facto, afirmar que «os homens créem menos a0 seu lugar-tenente a extraordinaria bele7: Herddoto inicia a histéria com Candaules & Leer naquilo que ouvem do que naquilo que veem» (18.3). poe ee vera ae assim se inicia, é a visio que esté na origem de um oe he en feminina ¢ igualmente poderoso € igualmente portador ¢ Nee mna a Una deusa, e por um instante talvez chegue™ @ pel &uerra por causa dela (Jliada, 3.154-60). Em cenas deste género, n6s, leitores: ° ® PrSprio poder da visio. Limitando-n0® Or aj {mo Herddoto tendem a estimulat © 2 20 angi &uerreiro homérico esté diante eM a .ctivamente espectadores xemplos, tanto Homero 40 visual dos leitores. ma idésthai, tornamo-nos efe os nossos dois & imaginags a do a vista», thaun so épica recorrente. Imagina-se visualmente a sua fore... Sete ee eee pela terrivel crista e pelas Dumas iggy mnuitas vezes deserito em movimento rapido, gerando comparacdes com gy extrafdos do mundo da hatureza e que impressionam a vista, como Brandes anes fssaros velozes, 0 fogo, 0 raio no céu. Também HerSdoto selecciona ¢ desert r nilo jue € «digno de ser visto», axiothéeton. O conjunto da sua obra g we exposigdon, ou adeseri¢io», apddeixis (1.1). O que interessa a Herédoto, og Homero, éa conservagio dos grandes feitos dos homens por intermédio de pet verbalmente possa equivaler ao monumento. ae 7 Com Herédoto, estamos perante um dos primeiros exemplos de Prosadores Qu foram autores de obras de grande envergadura, e que deixaram, POF escrito essay memi6rias do passado. Contudo, para 0 poeta oral, a Conservagao dos grandes feitos também se pode fazer tanto através da visio como através do ouvido. Heitor, desq. fiando os chefes gregos no sétimo livro da Iliada, promete que a meméria do seu adversério viverd sob a forma de um «timulo», 0 seu monumento fiinebre (sma) no Helesponto. Af inspirard outras palavras, como as que serio ditas POF «alguns dos homens futuros / navegando com nave cheia de remos 0 livido mar: / “gig 4 tdmulo de um her6i que morreu outrora: / matou-o —e era um valente — o gloriosg Heitor”. / Assim dird alguém, e a minha fama nao Perecera» (7.88-91), Todavia, o monumento, ainda que «visivel de longe», nao pode falar, Precisa da voz de um homem, e neste caso 0 Poeta serve-se das palavras Pronunciadas por Heitor. A situagao & andloga a das antigas estétuas. A insc: igdo d4 voz a pedra nua, dizendo: «Bu sou o tiimulo, o monumento ou a taga de fulano de tal». Um mon. mento que nao possua essa voz nfio pode ser recordado: nao tem uma historia para contar, nao tem kléos (fama, de kliein, ouvir) a que os homens possam «dar ouvidos» nos tempos futuros, Nao Passa de uma coisa inerte, como o sinal que serve Para delimitar 0 campo para as corridas de carros nos funerais de Patroclo, «ttimulo de um homem morto outrora» (Jliada, 23,331), A expressiio € a mesma usada por Heitor no sétimo livro, mas aqui o sinal nada tem a dizer, nao pode provocar nenhuma recordagao, e Por isso permanece mudo, nada mais do que uma coisa Odisseu tivesse morrido em Troia, porque, nesse caso, «todos os Aqueus Ihe teriam jrito um timulo /e também teria proporcionady grande gloria (kleos) a seu fi tho. / Mas agora levaram-no ingloriamente (akleids) as Harpias». Assim, «aquilo Ae se dir» de um homem na sua cidade tambén, Pode tornar-se o critério primsrio Patan ane, Com na fatal deciséo tomada por Hew oe desafiar Aquiles para

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