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espelho

o fragmento da imagem

gabriel martinho
espelho
o fragmento da imagem
O óbvio é genial;
ser genial não é ser óbvio.

03
Quando me entojo
no espelho das águas,
sou mar devastador
em priori perfeição,
sou espalhado
para o outro se ver
à minha interpretação,
pois sou espelho destilado.

Encaracolo cada imagem


até virar pó
em garrafa de areia
córrega pelo riacho,
até a origem - a nascente -,
onde nasce a cor,
a vida só,
ou só imagem.

10/08/2007

imagem de Sofia Figueira


04
PASSEIO

Da janela, observo minha carência a passear,


tão inocente,
tão ingênua...
desliza sobre vento
sem ao menos borrar seu encanto
ou perder sua pureza,
na tristeza de uma nuvem cinzenta,
que passa escondendo a lua.
Por um instante achei que fosse perdê-la,
indolente, por descaso,
desatento à natureza grandiosa;
repousa lenta em uma rosa.

Escorre indecente,
distraída...
como sem começo,
evapora.

Um espectador mudo,
aceito de graça
a judiação imatura
dessa criança,
que passeia sozinha pela noite
e sequer me sacia.

12/09/2006

imagem de Sofia Figueira 06


CEGOS ANALFABETOS POETAS

Que mania tem o poeta


de falar bonito,
de tentar, aflito, expressar
todo o seu sentimento.
Seu tempo divaga em silêncio,
perfurando o ócio
cristalizado pelo vício de existir.

Estranho esse poder de percepção -


entorno do caos, a contemplação.

Só ele pode ver


as folhas secas do outono
no chão da primavera
e se lembrar da aurora,
sem o mofo
do passado eterno.

17/09/2006

imagem de Júlia Jacobina

08
Quero dissolver no ar,
poluir o incerto,
experimentar ozônio,
vagar pelos hemisférios,
encontrar o nada esperto,
seco, a me esperar.

Quero fazer do meu ser


o mais desprezível notado,
despertar nos sonhos,
em forma de antologias,
o prazer encarcerado.

Depois de muito viajar,


espero assim voltar,
poento,
com presença em fragmento.

05/03/2007 AVESSO

Seja eu o homem
seja ela também
seja ela o homem da história
seja a história invertida
seja eu uma coisa ou outra.

Serás, de partida,
o avesso da vida.

06/01/2007

10
Oh, Anfitrião Sublime,
Após esse enxame de insetos
decerto não quererás voltar
para contar
esta história da besta
ou de eclipse lunar.
Não mais guiarás as ovelhas
e teu pasto será divdido,
como foi e será;
mas não haverá guerra pelo senhor,
não haverá mente de doutor,
dr. Sabe-Tudo que rege mandamentos
em troca de sofrimentos de milênios.
Onde estás, oh Luz?
Na caverna de Osama
ou eternamente na cruz?
Como uma praga,
estás em toda parte
e, por isso, os insetos
e, por isso, desafeto.
Meu coração é grande,
mas não te faz caber.
Nos deixe em paz,
lembre-te que já foi
e agora jaz.

08/10/2007

11
DUELO

Licença poética
se faz sem pedir licença,
entre o gramático e o poeta
que o melhor vença.

29/01/2007
em San Marcos, Califórnia

Quanto mais eu faço,


poesia,
menos eu penso,
sabia?

12/07/2006

12
Sou um porra de um mentiroso,
pois falo de mil coisas,
digo-as como verdade invariável...
digo que sou e por isso já minto;
foda-se que isso admito,
continuo a ser um babaca,
talvez idiota,
por me preocupar à toa com minha falácia.
Peço que cortem meus dedos,
fritem com minhas guelas
e nomeiem o prato de "abobrinhas sedentas".
Ainda assim, continuarei a pensar
em como morrer sem ser execrado
pela falta de utilidade indizível
e limitação apreciável.

Sou um poeta tolo,


que mata a vida
ao invés de amá-la.

06/02/2007
em Nova Orleans

13
A angústia é uma sensação indigna
que, por latejar inquieta,
acaba por entorpecer
emagrecer
e enrijecer.
De nada adianta arredondar vozes
em dó maior ou lá menor,
se a cabeça já não mais aguenta
o sino desafinar
e chorar gorjeta.
É tanta besteira
que o mal-estar almeja,
que levanto da sarjeta
e assobio à renovação:
a canção da sinceridade.

29/08/2007

14
Olá, meu nome é covarde.
Espero que tudo se vá
para enfim lamentar
e mais tarde contigo sonhar,
destemido de prazer.

Sem a dor de uma agulha,


os poros se dilatam
em fragmentos de suor;
retratam a perfeição ilustre
dos ensejos forjados.

Tudo se foi,
ou não foi,
mas passou,
passou tarde,
enganou todavia...
na verdade,
meu nome não varia.

25/09/2006

15
PARTO NO CÉU

Te vi nascer
te vejo

Te peço
te esconda

Te seco
te esqueço

Te durmo
te amanheço

30/12/2006
em São Pedro da Aldeia
(observando um belo nascer do sol)

O verde pede chuva,


pois tem sede.
E o céu cede
quando chora de pena da aridez,
mas só de quando em vez...
31/01/2007
em San Marcos, Califórnia

16
DOCE MANHÃ
Venha, doce manhã,
me acorde pelos olhos
e puxe-me pelos pés.
És doce, sei que és,
pois tens gosto refinado de sobremesa
temperada pelo orvalho amargo,
no forro que traz ao estômago com seu afago.
És doce ao amanhecer,
pois vens da madrugada serena,
carinhosa por demais -
diz-se na roça, assim que o galo cante -
e logo te tornas arrogante.
Como toda autoritária,
sacrifica a vida de quem a contraria -
teus súditos trabalham o dia inteiro,
enquanto permaneces acordada.
Tens sono e te fraquejas ao adormecer...
É festa grega à luz da vigia de prata,
charmosa, que ousa engordar para enfeitiçar
toda a tropa de guerreiros.
Boêmios cumprem religiosamente
seu dever de aparição ao bar,
ou a um lugar que possam namorar o céu
e pedir à cadente que a noite volte
para sempre...
mais doce que a manhã.

06/02/2007
em Nova Orleans

17
...o velho cachimbo
grudado nos lábios do senhor,
um antigo contador de história.
Espia o desenho livre da fumaça
extraída do velho oco de madeira,
compete com um incenso
corroído pela metade,
repousado no canto da janela
para espantar os mosquitos.
insetos voadores aniquilados
sobrevivem por pouco tempo.
Dedos amolecidos,
unhas falecidas...
eis que coça sua barba branca,
lento, arrasta alguns passos,
uma baforada opaca,
e calmo estaciona assentado,
perante ao paisagístico Nada.
O Nada monocromático que o emociona,
faz-se, pois, necessário olhá-lo sem pudor,
romântico, descrente de um tempo iminente,
prestes a mudar de cor
e de semântica...
esfria com seu balanço firme,
estica as mangas de seu casaco,
apoia seu braço na cadeira,
morno, com sono,
dorme...

13/09/2006

18
Se é por castigo,
me intrigo ao respirar pelas ventas,
indeciso de tanto mastigar.
Mastigo sim,
mastigo o vento,
que sobe e borbulha,
borbulha em bolhas de ar,
e ainda assim eu tento,
mas não cabe,
eu não consigo exprimir
o meu vazio.
Crio, então, idéias,
idéias tias, primas, sobrinhas,
parentes de meu penar;
o sangue quente,
ainda em bolhas de ar,
fermenta o que é doce.
Antes fosse
esse
o gosto da saudade.

23/12/2006

19
POEMA PRIMÁRIO
o mato está seco
o vento está frio
o sol está fraco
a lua está sumindo
o céu está o mesmo
o rio está correndo
o mar está calmo
o som está sem assobio
a natureza está má...
RELATO DO POETA o tempo está sadio.
DESESPERADO
29/01/2007
em San Marcos, Califórnia
Socorro,
perdi minha pena,
perdi minha tinta,
como quem nega
e navega sem vela.

Socorro,
sem ela,
minha poesia,
eu morro.

13/07/2006
imagem de Carla Dutra

20
O palhaço não pode sorrir,
tem de gargalhar,
mesmo rouco
no inverno de moscou,
onde o frio jamais hesitou
em zombar.

12/07/2006

ADULTÉRIO

Um mendigo com frio


se cobre com papel.
Esse sou eu,
trocado,
em plena lua-de-mel.

31/07/2006

21
SANIDADE INÚTIL

Loucos conspiradores cochicham à meia voz:


"fragrancias incolores,
gestos indolores.
Já fungou dolores?"

Traduzem assuntos manjados:


circulos, bacalhau,
quiçá o primo debil mental.
como é que ninguém compreende?
Seriam todos dementes mal-articulados?

Dizem eles que já viram duendes,


diziam pelo menos,
antes daqueles gritos loucos, poucos e roucos,
feito cocóricós no cio.

O velho gemeu.
Gemeu porque era velho, senão gritava,
pudera, pura visão de insanos.

Gestos humanos desconstruídos, animais falidos,


o velho: um fodido.
Migalhas como alimento, ventilando ao por do sol.
Sabe-se lá o que eles estão tramando.

27/10/2005
com João Maia
imagem de Renan Barbosa

22
AULA DO POETA

Cantarei a céu aberto,


perante um poema soturno
que engasga o pulmão.

Morrerei a céu aberto,


perante uma estátua de saturno
que engana o coração.

Queimarei à panela aberta


o resto em restrito atrito triturado
do caldeirão do poeta aluno.

Saberei;
aí, sim,
serei.

15/07/2007
em São Pedro da Aldeia

imagem de Renan Barbosa

24
Quando eu fico doido,
tento desmembrar o que é por ser,
tento explicar o agora esquecido.

O que me faz moído,


soterrado está.
Por vício cavo,
por isso esqueço do pobre
na rua insalubre,
vesgo de socorro.

De novo uma neblina


e vossa sina permaneceis intacta.

Basta um trago
para que o vago
seja outorgado.

28/10/2006

26
O tempo todo,
eis que me deparo
na fronteira intrínseca
entre ser e viver.
Quando reparo, pois,
o tempo
passou os dois.

25/02/2007

Se catarse esgarçasse,
arrebentaria
por falta de espaço no exagero,
ao acaso.

11/12/2006

27
Ouço mais um clarear do meu Rio,
o riacho inteiro que não é meu
só porque nele habito.
Madrugada essa orvalhosa de frio
sendo que na passada
fora fervorosa de janeiro.
Até os grilos se agitam a cantar,
significa que as idéias estão no ar
cheirando a chuva que veio da dança
sonsa e mansa.

Discreto, na janela,
o El Niño está a passar
longe de pasárgada,
em minha terra,
onde sonho o gorjear.

24/07/2007

28
DAMA DA NOITE
Hoje é dia,
na Lapa já é noite.
À luz do luar,
o murmúrio dos cantos,
nos cantos escuros,
encantai-vos, eufóricos,
queridos boêmios.
No tocar das palmas,
tristes melindrosas
sambais o novo milênio;
gostosas de carne e osso.
Aos que viveis em esboço,
dentro de sacos, aconchegante leito,
protegidos pelos arcos,
fugis ao nosso respeito.
Sobrevivei-vos!
Charmosa de encantar,
abusais do sereno,
deturpando o clima ameno de faces esquisitas,
alimentando o cerne de pestes parasitas,
e aconchegais no gorjear.
Hoje foi dia
e a Lapa adormeceu.

17/05/2006

29
Enfim começo
pois-então
como meço o fim?

25/10/2006

30
SALVE, SALVE!

Quero amolar essa faca


e cortar esse papel em partes,
só pra poder grudar uma fita com tinta de cabelo
e dizer que fiz arte.
Sou contemporâneo dessa desgraça milenar,
que não se cansa de renovar
e ser despercebida pela massa
por uma questão óbvia:
ser condicionado ao gado,
sufocado pelas vias respiratórias.

Olhos ignorantes,
estúpidos ouvidos,
cérebros viciados
- eis a famosa teoria da conspiração,
que rima com bobo.
Claro que não...
é porque, realmente, tem de ser assim,
simpático e sorridente.
Uma discussão sem mérito,
uma alienação indiscreta,
um ciclo que tende ao infinito.

01/09/2006

31
O ignorante é feliz,
por isso finjo que sou sabido
e escrevo poesia
na foz do rio
sobre a atriz do mundo.

Na passarela em córrego,
a belíssima Hipocrisia.

29/01/2007
em San Marcos, Califórnia
Quero-quero!
Quero-quero!
Ouço sempre seu pio.

É claro,
é vero,
jamais conseguirei dormir!

Canto o encanto,
que conto
esta sonata de encontro:

quero-quero -
dissonante foi o jato -;
parou de piar
antes do meio-dia.

06/02/2007
em Nova Orleans

imagem de Carla Dutra


32
Um tanto quis te amar,
mas esperei tanto
que não pude,
perdi o adeus
e fui tão rude
quando te deixei só, ao mar,
para buscar os versos meus,
já submersos,
em baixa altitude.

27/02/2007

Conquistar um amor
para depois deixá-lo
é o mesmo que me dizes
quando me calo
a pensar que sem encanto dói...

e o que ouço me destrói.


Sem nós, novamente a dor.

25/02/2007

33
O gato em silêncio
pensa na distância
entre a eloqüencia
e a essência.

Frio ele permanece


como o frio é,
mexe a orelha
e lambe o pé.

O gato mia,
mas não pensa,
degusta com sede
o que te resta
no instante da noite:
o reflexo na poça.

Julho/2007

34
GORDA ELEGANTE

Você, tão gorda


e extravagante,
meia-noite protagoniza,
meio-dia é figurante,
lua cheia
ou minguante,
quero vê-la atuar
no céu,
brilhante.

17/09/2006

Te quero, noite
Te dia, quero
Quero-te tarde.

24/07/2007

35
PAIXÃO NOBRE
Vulnerável,
a beleza exotérica de seus cachos
entorpece o coração excêntrico do senhor.
Senhor amável,
desfruta de seu poder idolatrado,
castiga um fugido qualquer,
porém carece de força
quando a morena surge.
Morena saudável,
desfruta de seu poder castigável,
conquista um qualquer,
que foge com medo de ser enfeitiçado.
Como o nobre é arrogante...
antes mesmo que mande que plante,
colhe sozinho o veneno adocicado.
Diz o tratado:
"com a mulata
de olhos castos
o senhor há de casar."
E jura que há de fazê-la enroscar,
ao cheiro de suor destilado,
no fino pano,
já rasgando,
antes mesmo desse dia raiar.

22/04/2006
em Tiradentes
36
Quero nascer
num pôr-do-sol em preto e branco,
e escolher uma cor.

02/01/2007
em São Pedro da Aldeia

imagem de Carla Dutra

37
VULGO AMOR

O amor, esse amor, aquele amor,


tantos amores mal amados
inflamam desejados
por outros amores não amados.
Amor que se condena não sabe amar,
amor que não se sente,
visto que se sente na ausência de amar,
se sufoca por se calar e de agonia chorar,
provoca derrame de vermelho
no coração machucado,
infame estuprado.
Amor sem rima é amor sem dor
e a verdadeira essência está no odor.

Se já amei?
Não me pergunte, por favor.

29/01/2007
em San Marcos, Califórnia

imagem de Renan Barbosa

38
VINGANÇA LASCADA

No caminho da pedra,
tinha uma senhora, sem mira, que caíra.
Foi a pique em plena praça;
publica sua afeição fervorosa
e agora caça,
sem medo algum da raça da rocha atrevida.

Essa sim devia estar sentida.


Contemplava a poeira,
quando, de súbito, foi agredida
por uma bengala esfolada,
perdeu até uma lasca.

O reencontro fez sair faísca:


pobre pedra deslascada,
era arrastada com toda pouca força,
feita quando espreguiça.
Eis uma delícia de vingança
saindo do forno para o almoço.

Com direito a sobremesa estilo rapadura,


há metros dalí, outro súbito deveras impróprio:
a velha jura não ter visto a sepultura.

24/04/2006

40
Domingo,
no momento em que a noite chega,
sinto costurar um vazio no peito,
uma estampa leviana que dói
de um jeito agressivo,
impulsivo ao meu tempo,
forçando a naturalidade cotidiana.
Não sou o único a senti-la
e compartilhá-la não diminui minha aflição,
pois dor em bifurcação se multiplica.

Domingo,
a noite vem para complicar
o controle de suas ações,
vem para alfinetar o bordado
e misturar o trio perfeito:
vazio, solidão e medo.

11/09/2006

41
SUICÍDIO

Que o mundo gira,


decerto não é novidade,
mas sim o débil
que desafia a gravidade.

12/07/2006

DOR DE DOMINGO

Boa noite...
Péssima noite!

Domingo à noite
eu desejo a morte de todas as manhãs.

15/05/2006

42
Adormeço quando provo do veneno
e adoeço por esquecer de injetar
uma dose dupla de antígeno;
enveredo à podridão de meu sangue,
incapacitado de me curar.
Não há vírus que navegue
por este congelado,
exposto pela traição de um tecido virgem
que deixou-se abrir,
na escuridão, desprevenido.

Tortura em forma de degradação lenta,


derreto-me ao sol.

O médico pergunta:
- como se sente?
Apenas vomito nele um dente.

31/08/2006

43
A alma calma e lenta
acalanta meus pêsames
ante aos olhos que ignoro
o que vêem;
é a morte, pois bem,
que vem sem soro
para curar ou inverter.

Sem tristeza, ela se aproxima


fria e sonolenta,
desfruta do corpo
pasmo e pesado -
um peso sem alma,
um chumbo.
Afasto-me
consciente de que estou parado
sendo usufruído.
Meu desfrutar é poder dormir,
ser dormir,
acabar dormindo...
e continuar dormindo.

27/04/2007

44
As formigas são umas mortas de fome,
mendigas nômades a devastar restos,
de barro à doce ou catarro,
visto que tudo se come,
ora por vontade, ora por costume.
Sedentas imperativas
trabalham em silêncio na fila,
numa trilha com início, meio e fim.

E nesse meio morrem,


quando um covarde vem
(homem invejoso)
e de propósito esbarra
para jocoso cantar,
feito uma tal cigarra.

03/03/2007

45
ATEU

Clamo o que desejo,


enquanto Ele,
lá de cima,
me vigia
pastando no brejo.

Se eu digo que não ligo


é porque só quero saber do meu umbigo,
se eu aceito sorridente
é porque eu sou crente,
prefiro, então, fingir que nem existe,
quem sabe assim,
de mim,
ele desiste?!

10/08/2006

46
A lua se cansou de invadir,
de tanto persuadir a janela
a deixá-la entrar.
Deve ter ido visitar outro jardim,
ou foi dormir,
longe da esfera, à beira-mar.
Pediu licença à noite,
e a noite se esbaldou
no embalo profundo das estrelas
ao norte do sol.
Estrela-mãe do sangue quente,
inceideia os astros que dela se aproximam,
jorrando-se ao toque visceral das plantas,
outras eternas - as flores;
num plano inverso de água em chuva.
Ainda assim, sol,
antes assim, lua,
sempre assim, escravos.

04/05/2007

47
O POETA E A PROSA

O poeta rosa
envergonha-se ao despir-se à prosa,
embora sinta a pureza no volume das palavras
extensas a purezas sinestésicas.
Em sua mais perfeita essência,
estas femininas assexuadas se entrelaçam
e se integram a teus dedos vivos,
eu diria rosas,
exaustos pelo prazer.

Escravidão eterna
do simples escrivão,
o poeta ensina
proeza em prosa.

02/01/2007
em São Pedro da Aldeia

48
Preguiça que enguiça a noite,
fatalmente,
apunhala-me com uma foice.

Assobio vadio,
à luz da noite vibrante,
ao luar escoltado pelo sereno,
ao canto da viola renitente.
Salgada em minha boca,
a brisa resseca o que acompanha a preguiça,
e o que me faz imperativo
me insiste em existir.

Peço clemência à viola


por soar indolente
nesta noite orgulhosa.

30/12/2006
em São Pedro da Aldeia

49
Quando a cabeça está vazia,
é difícil pensar;
ela pensa sozinha.

Abril/2007
em Cabo Frio

imagem de
Renan Barbosa
CLICHÊ
Agradeço à minha idéia,
escultura,
às margens plácidas!
Metade da hora
é mais do que o suficiente.
Quando a gente mente,
confunde a mente doente,
dormida
e dormente.
Lá vem o rei Salomão, sentar-se ao trono,
com uma cocada à mão,
mandando em todos em torno.
Liga o forno e induz os irmãos:
Oh, irmãos!
Tudo extremamente calculado.
Aqui dentro do calabouço,
calado,
penso no que ouço. Até mais tarde
Escrevo mastigado, não vai ter nada de diferente,
instigado, ente de novo não!
fingindo ser bom moço. Nem ão; aguarde...
o melhor vem do covarde,
sua arte arde.
O melhor é assumir,
fazer o quê?
Melhor do que fugir.
Estático, como um faquir,
degusto um saquê.
Melancolia...
o clichê é você.
03/05/2005
51
FUSO

O fuso é outro
dinheiro é ouro
vá ao Texas
enlace o touro
e volte rico
da terra de Malboro.

29/01/2007
em San Marcos, Califórnia.

imagem de Carla Dura


52
Nessa chuva com vento,
de folhas ao vento,
enxergo a beleza da cidade vazia
e no vazio que assim se faz.
Grandiosa é a natureza,
acesa e esbravejante
distante daqui
ademais presente até o fim,
nos engana com sua tolerância inconstante.
Desarmônica,
uma espécie equivocada tenta ser,
diz que pensa,
ouve menos,
tanto menos,
até que crê nos que pensam que ouvem.
Sua pele,
um tecido bobo,
bege
cor do medo,
rege um ciclo superficial de tempo;
e o tempo todo fomos nós.
Sou agora um anti-horário em desvario,
junto do verão com jeito de outono,
com vontade de não exatamente ser.

26/12/2006

53
De que maneira o navio chega ao porto,
se não pelo cais das docas?
De que maneira eu escrevo certo,
se não pelo que ouço sair de bocas?
De onde vem a graça,
se o riso não se paga?

Voe longe, acompanhe a garça que passa


e sinta o frio da língua amarga.

29/01/2007
em San Marcos, Califórnia

imagem de Diogo Brandão


CONTEÚDO
Fixado, encostado, calado,
rimados apenas pelo sufixo;
mas nada tem sentido,
então, por que usá-los?
Grande besteira, a rima é um detalhe,
se não tiver conteúdo nada vale,
por isso, também acho inútil aprender braile.
Olhe só, acabei de rimar três versos
com palavras distintas.
Sinto um tom irônico,
nem um pouco cômico,
no futuro o homem será biônico.
Analisando criticamente
e pondo um ponto final:
enfie esta merda via anal.

30/05/2004

LÍQUIDO AMNÉSICO
Enfim,
dessa água não mais beberei,
no fim do copo
já não me lembro mais...
onde parei?
11/09/2006

56
ENCANTO NA FOLIA

Tão inocente ela


de gatinha à fantasia
com a família
na folia de carnaval
mal me via passar
ao lado da bateria
mal sabia dançar
mas sorria...
não pra mim.

11/02/2007

Hei de encontrá-la em algum quintal


antes que feneça.

Antes que eu me esqueça,


usarei de suas pétalas
para curar-me de algum mal.

16/03/2007

57
NOITE EM NOVA ORLEANS

A noite tem sorte e canta


no asfalto infestado;
é festa de carnaval
em plena terra de Tio Sam!
Quem diria...
algo que inspira,
faz transpirar alegria,
navega frio, mas serelepe
abaixo do rio, lindo Mississipi.
Um bando de gente encantada,
inclusive eu,
quem diria...
um romântico esfarrapado,
metido a sedutor de mim mesmo
dos desejos sem lar.

Venham todos!
Venham conhecer e se apaixonar,
venham servir de voodoos,
venham reconstruir...
chez moi, un petit chateau,
avec du jazz.
Tout les jours, ce soir,
pardon, tout le monde,
mais je suis en retard.

06/01/2007
em Nova Orleans

58
imagem de Paula Santa Rosa

Saudade,
não se esqueça
que tenho uma faca
e um coração de verdade.
Tens o direito de calar-te
enquanto escrevo;
atrevo-me a cavalgar
num estalo de sorte.
Um beijo, meu amor,
até a morte!

29/08/2007

imagem de Eduardo Pisani


[...]
AGRADECIMENTOS

Primeiramente à mamãe Vera e ao papai Alfredo;


aos autores dos desenhos, uma bonita parceria;
à Sofia, por me aturar e, ainda assim,
me ajudar a realizar a obra;
à Fábrica de Livros pelo incentivo;
ao que me inspira e faz transpirar poesia.

sincero obrigado.

62

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