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Quando em Glasgow, vire uma Badger!

Finnieston Bridge, Glasgow, Escócia


Maíra Leal
06.10.2010

Esse é um artigo sobre como encontramos pessoas bacanas nas nossas vidas através do rúgbi
e como eu me sinto a pessoa mais sortuda do mundo. Eu me tornei uma jogadora de rúbgi de uma
maneira estranha: comecei treinando com os caras do time dos Potiguares de Natal e treinei com eles
por mais de um ano antes de conseguir juntar meninas suficientes para jogar rúgbi comigo.
Quando eu conheci o rúgbi eu estava no último ano da universidade (hoje sou professora de
filosofia) e já era tarde demais para conhecer o esporte, mas sempre fui do grupo que dizia que se é
amor, não importa a idade com o rúgbi não podia ser diferente. Então, joguei o quanto pude dentro das
circunstâncias que se apresentavam, como já foi falado em outros lugares, o rúgbi aqui no nordeste
esta se desenvolvendo lentamente, e igual ao que acontece em todos os lugares, aqui sempre foi difícil
juntar 10 meninas pra treinar.
Enfim, depois treinar e capitanear várias formações diferentes, em 2009 o Rúgbi Potiguar
Feminino se dissolveu e eu larguei de mão a idéia de jogar rúgbi, ainda cheguei a jogar uma etapa do
circuito nordestino de seven´s desse ano passado com um terço do preparo físico ou da preparação
técnica que eu já tive.
Daí, fui visitar meu irmão mais velho que mora em Glasgow na Escócia e também adora rúgbi.
Antes de viajar conversando com o meu antigo técnico, e bom amigo Davide, me animei com idéia de
levar a chuteira, Just in case como diriam em inglês, pro caso de rolar alguma coisa.
Depois de assistir a final da Copa do Mundo feminina de XV ao vivo, aquela febre de rúgbi ba-
teu em mim novamente, eu mal podia me conter, lembrei quanto eu adoro o esporte. Daí conversando
com uma amiga via chat ela me disse: “o pessoal do rúgbi é le-
gal Maíra, não precisa ter vergonha, procura esse time aqui...”
e me mandou o link. Eu engoli seco e escrevi com o melhor
inglês que eu podia: “posso assistir um treino de vocês” e uma
mulher chamada Sindy me respondeu: “olá, é claro que você
pode, pode até se juntar a nós e jogar no domingo”.
Fiquei tão animada com o email, mas tive vergonha
de não jogar no mesmo nível das meninas do time, por isso,
fui no primeiro momento dia só assistir. Mas francamente, só
assistir é muito chato. Quando apareceu a oportunidade, eu
engoli a vergonha, apanhei as chuteiras e fui treinar. O time é
da universidade de Glasgow (Glasgow University Women´s
Rúgbi Footbol club, GUWRFC) mas elas se dizem, Badgers,
ou seja, Texugos.
Eu então, fui participar da Taster Session, quer dizer do
primeiro treino do ano, onde todo mundo que tá começando a
universidade e quer começar a treinar rúgbi vai. Quando en-
trei em campo vi mais de 40 meninas - Amigas de todo Brasil,
não tem nada que entusiasme mais uma jogadora de rúgbi do
que ver outras 40 jogadoras. A partir daí minha experiência
com as Texugos pode ser resumida em três palavras: diversão,
diversão e diversão.
Passei 20 dias com elas e gostaria que eles tivessem
sido 200. A primeira diversão é a diversão de você ir pro tre-
ino e encontrar nele nada menos do que 30 meninas. Eu sei
que é início de temporada e tudo, mas poxa, pra quem não
conseguia juntar 7 meninas, na maioria das vezes, 30 é o mais
próximo que podemos chegar do céu. Eu tava totalmente-su-
per-animada, parecia uma sósia: fortemente medicada e dez
anos mais jovem de mim mesma. Isso senhoras e senhores é o
que eu chamo de diversão.
Além de tudo, treinar com uma mulher como treinado-
ra é muito bacana. Ela acabou dando a maioria dos treinos que
presenciei, e pode não parecer muito, mas depois de menos de
4 treinos, eu acredito que sou melhor jogadora do que antes.
A segunda diversão, que eu gostaria de chamar de di-
versão² é O terceiro tempo, como nós o conhecemos, mas feito
a maneira Badger de ser: para elas, o terceiro tempo pode ser
divido em duas ou três etapas (provavelmente 4 ou 5 também,
mas não espalha). Se a comemoração é uma reunião após o
primeiro treino, como a Taster Sessions, são duas etapas: pub
e Viper (uma casa noturna) Se o terceiro tempo é depois do
jogo contra uma equipe, são três etapas: confraternização, pub
e Viper. Nos dois casos trata-se de beber umas pints (o equiva-
lente a 600ml de cerveja), brincadeiras alcoólicas e aprender
os apelidos alcoólicos de todo mundo (que todas tem, e que
uma novata só passa a ter depois de um evento memorável) e
depois ir a uma casa noturna dançar.
Tão interessante quanto jogar com elas é se divertir
com elas. Ainda melhor do que isso é receber no dia seguinte
o MAR (morning after report – as notas de todo mundo sobre
a noite anterior) e o MAR é um email perturbador, porque em-
bora você estivesse lá e se divertisse você nunca sabe de tudo
o que aconteceu, até o MAR chegar no dia seguinte.
A terceiro lugar e tão importante quando as outras, che-
gamos a diversão final. O topo da cadeia da diversão: nada é
mais divertido do que jogar rúgbi com essas mulheres. Qualquer
minuto passado com elas dentro do campo é incrível. Acho que
no total joguei uns 50 minutos entre os dois jogos, contra Mel-
rose e contra Cartha. Joguei de Ponta (nunca tinha jogado na
vida de ponta) e tenho absoluta certeza que nas minhas costas
fui responsável pelo time levar um bom número de tries. Mas
você acha que gritaram comigo ou esculhambaram? Não. Quer
dizer gritar elas gritaram, Jenny e Lily especialmente : “Maíra,
volta pra sua posição” ou “Maíra, o que é que você esta fa-
zendo aqui?”
Perdendo feio, apanhando muito, as coisas mais lindas
no rúgbi acontecem dentro de campo. São aqueles momentos
únicos em alguém que inspira você, do seu lado. Quando o
jogo é interrompido. Todo mundo chama todo mundo. Diz:
“esse jogo não acabou” ou “levanta a cabeça”, “tá tudo bem” e
mais do que isso, alguém grita do lado de fora com você, como
a Sindy faz, isso inspira sabe, dá força e é lindo. Tem gente que
te inspira sem dizer uma palavra: Karen, a capitã do time, é
essa pessoa. Fora de campo ela não joga muita conversa fora,
sabe? É calada na dela mal faz contato visual com você. Den-
tro do campo ela joga tudo, absolutamente tudo o que ela tem.
Ela derruba no chão qualquer uma que apareça na sua direção,
se apresenta sempre pra receber a bola. Ela é feroz e não se
acha.
Então, na minha visita à Escócia, não encontrei nenhum
James McAvoy como queriam as minhas amigas de casa. Não
trouxe um estoque de Whiskey para durar o ano todo. O que eu
trouxe foram boas lembranças: dos lugares, das comidas, das
pessoas, a amizade sempre crescente com o meu irmão. Mas
meu presente mais precioso, o que vou guardar pra mim de
Glasgow, não é uma foto, um ticket de trem, nem um objeto: é
um sentimento.
O rúgbi é um esporte que te faz sentir parte de algo
maior que você, e eu tive a sorte de poder me sentir, graças as
graciosas mulheres do GUWRFC, como uma Badger, mesmo
que por pouco tempo. O que não está escrito nos panfletos
turísticos, o que não está entre as grandes atrações de Glasgow
é o realmente imperdível na cidade, por isso, quando estiver
em Glasgow, seja por qualquer razão for, experimente ser
uma Badger você também, porque ser Badger é o melhor de
Glasgow.
Mil vezes obrigada ao Will, o Davide e a Karlla, por me ensinarem a jogar rúgbi e mil vezes obrigada às
Badgers por me receberem e me incluírem em toda a sua diversão.

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