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E
ste Correio abre espaço para uma forma de articular as dimensões
heterogêneas que compõe o humano.
O heterogêneo implica as relações entre Real, Simbólico e Imaginá-
rio, que colocam em questão corpo, palavra e imagem em suas complexas
articulações. Os textos desta edição privilegiam “o corpo posto em cena”,
seja através da dança, da performance, do teatro, ou das narrativas que
tentam dar conta das transformações corporais. Trabalho sempre impossível
de completar como nos lembrou Freud; uma vez que as articulações entre o
significante e o real apresentam singularidades que o imaginário não conse-
gue recobrir totalmente.
Além disso, o corpo em cena joga com consistência e evanescência,
termos com os quais a prática psicanalítica se ocupa ao escutar o sintoma,
que é sempre sinal do sujeito. Sujeito do inconsciente, dividido, com um
desejar intransitivo.
*****
ASSEMBLÉIA
Data: 23/03/2007
Local: Sede da APPOA
JORNADA DE ABERTURA
“ANGÚSTIA”
Data: 24/03/2007
Local: Santander Cultural
MUDANÇA DE E-MAIL
C
onvido-os a seguir comigo neste narrar/dançar de um grupo de baila-
rinos que, como psicanalista, acompanhei de perto desde o seu
início, ao longo do processo de criação, até o surgimento da obra.
Este trabalho, que inicia para homenagear a mulher contemporânea, teve a
inspiração inicial na obra de Marcel Duchamp: “A noiva despida por seus
celibatários”. A idéia não foi retratar a obra, mas deixar-se associar e recriar
sob os efeitos da sua inspiração. Esta obra de Duchamp foi iniciada em 1915
e definitivamente inacabada em 1925, quando, por acidente, um pedaço do
vidro que a envolve fica rachado. A fragilidade e a transparência do suporte, o
aspecto mecânico das imagens, o tema erótico-delirante e a incorporação
do acaso na (ir)realização do trabalho foram detalhes de grande importância
na composição da obra performática deste grupo.1 A idéia de uma noiva que
representa o sonho romântico, ao mesmo tempo que fragmentada pela ra-
chadura do vidro, por um véu que se despedaça, pelo sonho que não conse-
gue encobrir o real, nos dá os elementos da obra de Duchamp naquilo que foi
inspiração para compor esta performance. A idéia dos vidros no jogo de
encobrir e revelar remeteu à função do véu em Lacan. Bailarinos e coreógrafo
imbuíram-se do conceito lacaniano em seminários de estudo que se alterna-
vam com a composição coreográfica.
1
O grupo Meme produz coreografias que se integram com dança, teatro e artes plásticas
numa proposta que se aproxima de um processo de performance. É coordenado pelo
coreógrafo Paulo Guimarães (Laco). Esta obra está sendo apresentada em Porto Alegre
durante o mês de dezembro/2006.
2
Lacan, J.Jacques. O seminário 4 - A relação de Objeto. Rio de Janeiro: Ed. Zahar, 1995.
3
Idem.
4
(Lacan, 1957)
5
Becker, Ângela. “Narrativas em cena: desejo e criação no processo da performance” in
Narrar, construir, interpretar. Revista da APPOA nº 30, junho/2006.
6
Os artistas que trabalharam respectivamente nesta composição foram: Margarida Rache
(artista plástica), Arthur Barbosa (trilha sonora) e Marisa Rotenberg (preparadora vocal)
que tudo sabe, um olhar que não sabe tudo e que está, por isto mesmo,
disposto a poder não reconhecer o que há de invisível no sujeito.”(p.24)7
Este é um processo onde o ator/bailarino produz uma entrega diferen-
te daquele do romantismo ou do academicismo, em que era preciso identifi-
car-se ao sublime de tal forma que tudo o que dizia respeito ao sujeito devia
estar encoberto. A entrega era fazer-se objeto de uma idéia, o sujeito estava
fora. O que está em jogo, na dança contemporânea não é propriamente uma
idéia, mas o próprio sujeito. Ele está entregue ao processo de refazer-se, de
ser outro propriamente, de fazer da sua vida cada vez um novo romance,
como referiu M. Rita Kehl8, quando caracterizava o sujeito contemporâneo.
Neste caso, fazer-se a cada nova obra, a cada novo espetáculo. As histórias
de mulheres, descobertas tão parecidas e de saídas tão diferentes, resulta-
vam, muitas vezes, num empréstimo de traços identificatórios, através de
um processo mimético que possuía ritmo próprio de criação. A cada relato
pessoal, percebiam-se os efeitos na composição coreográfica e a cada core-
ografia composta, a escuta de novo relato. Um processo de dançar e falar,
isto é, narrar de si próprio, através do corpo e da palavra num entrelaçamento
que buscava cada vez menor distância entre um e outro.
A proposta é permiti-lo inacabado e que seu (in)acabamento a cada
apresentação seja diferente, por força do público. O público é o Outro que se
dá a ver. Mas este também é chamado a compor o espetáculo, não na forma
de uma abordagem direta ou agressiva, como alguns estilos de performances
propõem, mas na forma de uma intensa identificação com a coreografia que
não apenas expõe o cotidiano, mas o belo naquilo que o trágico sustenta de
beleza. No desenrolar dos fios aparecem os enredos amorosos, os emara-
nhados da vida que sufocam, mas também os fios dos tecidos que protegem
o sono, o descanso, o aconchego. Os fios são lavados, como se fossem
roupas, fios também são os fios dos cabelos, em que a lavagem é quase um
7
Didier-Weill, Alain. A Nota Azu”. Ed. Contracapa. Rj, 1997.
8
Kehl, M. Rita. “Minha Vida daria um Romance” In: Psicanálise, Literatura e estéticas da
Subjetivação. Rio de Janeiro : Imago, 2001.
9
Didier-Weill, Alain. Invocações. Rio de Janeiro: Cia de Freud ed., 1999. (p.18)
10
Lacan, Jacques. “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”. In: Escritos. Rio
de Janeiro : Zahar ed., 1966.
seu rumo, mas que possa estruturar-se, mesmo na costura de tantos reta-
lhos, esvaziando-se de tantas certezas, deixando-se compor pelo dentro e o
fora, num rumo desconhecido cuja composição final é reconhecida sempre
como inacabada.
Luciana Paludo1
A
tentativa que se estabelece nesta escrita é a de tecer uma relação
entre dança e psicanálise. Adianto que o texto foi escrito por alguém
que muito mais sabe de dança do que do tema proposto para a rela-
ção. No entanto, alguns estudos têm permitido, há algum tempo, um
entrecruzamento entre os dois assuntos. Penso a dança, – e aí preciso falar
na primeira pessoa – realmente, como uma emergência da carne, como
meio de expressão. Na forma mais bruta e, paradoxalmente, mais sutil, de
expressão. A expressão em sua configuração primeira, onde o empenho de
corpo todo era pressuposto para que os significados expressivos se consti-
tuíssem.
1
Bailarina e diretora do grupo “Mimese cia de dança-coisa”, de Porto Alegre. Bacharel e
Licenciada em Dança - PUC/PR e Fundação Teatro Guaíra; Especialista em Linguagem e
Comunicação - UNICRUZ e Mestre em Artes Visuais – UFRGS.
2
Merleau-Ponty, Maurice. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2003; p. 140.
3
BERGSON, Henri. Matéria e Memória – Ensaio da Relação do Corpo com o Espírito. São
Paulo: Martins Fontes, 1999. p. 162.
4
SCHILDER, Paul. A Imagem do Corpo – As energias constitutivas da psique. São Paulo:
Martins Fontes, 1999; p. 274.
6
Merleau-Ponty, Maurice. O visível e o invisível. São Paulo: Perspectiva, 2003; p. 145-146.
não vale um beijo.” 7. Então vou parar de falar em imagens de dança, vou
parar de instigar imagens em palavras... Melhor seria ver uma dança; signos
rítmicos de uma expressão que solicita o corpo todo. Vejamos o que Foucault
nos diz sobre os signos:
José Gil nos diz: “A escrita abre a ameaça de uma distância: é signo
de um signo, a palavra. (...) A palavra enche-se das forças do corpo (do
fígado, das entranhas, do estômago) e das forças da coisa nomeada.” 9 Digo
que cada palavra escrita está impregnada das forças de meu corpo, uma vez
que é resultado de pura experiência. Nesse sentido, este breve artigo foi feito
numa intenção contígua à minha dança, ou seja, chamar-lhes atenção ao
corpo, à experiência desse corpo que, como o passar dos anos deixamos de
ter. Deixamos de ter a experiência corpórea mais efetiva, pela “acomodação
do sofá” e o corpo em si, pois a carne é matéria finita. Como sugestão, ficam
os conselhos de que possam realizar coisas simples como rolar no chão,
andar descalços, virar algumas cambalhotas (o que podemos fazer em uma
aula de dança). Uma maneira singela de agir, que pode nos restituir, aos
poucos, a experiência de “ser corpo”.
A capacidade de ter ou perceber experiências corpóreas se inscreve
como uma vontade. Está, virtualmente, como uma potência no corpo; pode
7
Machado de Assis. Contos Definitivos / Machado de Assis. 3ª.ed.rev.ampl. Porto Alegre:
Novo Século, 2000; p.36.
8
FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 44.
9
Em Metamorfoses do corpo. Lisboa: Relógio D’Água, 1997. p. 117-118.
ser atualizada e realizada. Talvez uma imagem gerada por um corpo em ato,
na arte, possa desencadear em outros corpos a vontade de ser/estar no
mundo de maneiras não usuais; o querer ter experiências “simples”, capa-
zes de devolver maior mobilidade ao corpo, como uma metáfora do próprio
existir... Utopia, sim, pois se crê que essa imagem possa funcionar como
um corte nas acomodações, ou no fluxo de discursos sobre o corpo, vigen-
tes na sociedade de consumo. A dança, no sentido do presente estudo, se
realiza no desejo de “falar diferente” dessas imagens de corpo cristalizadas,
empacotadas e terceirizadas... Pré-moldadas.
As reflexões feitas a partir de minha experiência com a dança, de
estar presente numa estrutura de uma obra de arte, me fizeram ter uma
consciência plena da finitude e dos limites do corpo. A obra em dança exis-
te, mas, a cada apresentação deve ser remontada, naquele instante! Parece
óbvio, mas é aterrorizante essa idéia. Quantas vezes tive de atuar em estado
de não tão perfeita saúde... E os estados de debilidade corporal sempre me
trazem a questão do limite e do fim. E cresce, paradoxalmente, o desejo da
expressão, no seu silêncio interior, no seu anseio de sair, em direção ao
outro e, enfim, se constituir.
No momento em que realizo uma dança meu corpo se estende até o
limiar do corpo de outrem... Pelo olho, sim. É assim que se traduz. Sendo
assim,
Maira F. Brauner
A
s condições neurofuncionais possibilitam o funcionamento orgânico
e o movimento, porém não o determinam. Em termos lacanianos, é a
partir do desejo do Outro primordial que o bebê humano pode ser
inscrito na rede significante da filiação que o constitui e, portanto, deixar de
ser um simples “bife com olhos” para poder vir a ocupar um lugar na sua
história, como sujeito desejante com um corpo em movimento. Neste senti-
do, e segundo Molina, “o bebê tem de ser inserido nas histórias míticas das
linhagens familiares pelos psiquismos parentais; por isto é designado com
um nome e também significado em função dos personagens do mito familiar
que ele terá de encarnar. Encarnar estes significantes familiares, imaginári-
os e simbólicos, que conformam a trama da ficção familiar a qual está in-
gressando é o preço que tem de pagar para estar sujeitado e atingir o status
psíquico, além do somático”.
E, tamanha é a incompletude e prematuridade de um ser humano ao
nascer, que tal construção, segundo Molina, “tem de continuar a ser produzi-
da no psiquismo parental enquanto aquele continue o processo de desenvol-
vimento, pois eles terão de lhe sustentar projetos simbólicos assim como
lhe oferecer todos os suportes imaginários necessários para que o desenvol-
vimento se organize na sincronia e na diacronia”. Suportes imaginários que
possibilitem ao sujeito um processo de reconstrução das versões do si mes-
mo, com as necessárias ressignificações dos mitos familiares e fundadores
de sua história para, através dessa reconstrução, fabricar um lugar possível
para si no social.
1
Trata-se de uma pesquisa interdisciplinar, interdepartamental e interinstitucional, numa
parceria que está sendo proposta entre FAPA – Faculdades Porto Alegrenses e APPOA,
cuja coordenação está a cargo de Ângela Becker e Maira Brauner.
1
Trata-se de uma pesquisa interdisciplinar, interdepartamental e interinstitucional, numa
parceria que está sendo proposta entre FAPA – Faculdades Porto Alegrenses e APPOA,
cuja coordenação está a cargo de Ângela Becker e Maira Brauner.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COSTA, A.M.M. Corpo e escrita: relações entre memória e transmissão da expe-
riência. Rio de Janeiro: Redume Lumará, 2001.
______. A ficção do si mesmo. Rio de Janeiro: Cia de Freud, 1998.
DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha, SP: Editora 34, 1998.
FREUD, S. [1905] Três ensaios sobre a sexualidade. In: ___. Obras Completas.
São Paulo: Imago, 1996. v. VII.
GAGNEBIN, J.M. Sete aulas sobre linguagem, memória e história, Rio de Janeiro:
Imago, 1997
JULIEN, P. Abandonarás teu pai e tua mãe, Rio de Janeiro: Cia de Freud, 2000.
MOLINA, S. A representação da vida e da morte no laço mãe-bebê. Texto inédito.
Élcio Rossini
O
“ bjetos para ação” é uma série de performances nas quais forma e
movimento do corpo interceptam-se. Esses trabalhos vivem da tran-
sitória efemeridade do instante, respiram e animam-se com o movi-
mento do corpo. Quando separados, objeto e movimento, o que podemos ver
são apenas potencialidades, latências.
A idéia de relacionar o movimento do corpo a um objeto inventado para
esse fim veio inicialmente através da observação e das experiências que eu
vinha fazendo com coisas que podem conter o ar. A partir daí surgiram os
objetos “Infláveis”. Feitos com tecidos finos e leves, esses objetos são reci-
pientes que podem reter o ar, mas o ar neles aprisionado escapa sempre e
para enchê-los o corpo do performer precisa movimentar-se, agitar os bra-
ços, deslocar-se pelo espaço. Conduzido pelo performer, o objeto engole o
ar e é ele, o ar, que dá ao objeto um corpo transitório que se ergue pleno no
espaço, para em seguida achatar-se contra o chão.
O movimento está em todas as coisas, os sólidos vibram em sua
ordem molecular, os pensamentos fluem em imagens. O movimento não
cessa. O ar toca minha pele, o som que vem de longe atravessa a sala e o
meu corpo, e segue seu trajeto. Meu pensamento não pára, imagens estão
sendo construídas e desconstruídas, às vezes, como agora, adquirem corpo
(?) pelo movimento dos meus dedos sobre o teclado, falsa ilusão. As ima-
gens mentais são mais rápidas que os dedos. As palavras, depois de im-
pressas no papel, adormecerão por um tempo. Talvez, em outro momento,
lidas, animem-se, provocando uma outra imaginação.
Corro e encho um recipiente de tecido com ar. O ar, aprisionado, atra-
vessa a superfície do tecido e dela escapa para o espaço aberto. Provoco
movimentos desnecessários que são acolhidos no tempo e no espaço dos
lugares. Por quê? Para satisfazer meu corpo que não se aquieta, que não
repousa nunca? Ar que entra e sai, sangue que corre pelas veias, suor que
brota dos poros. Talvez, para oferecer as imagens interiores que, assim como
o corpo, jamais interrompem seu fluxo, existência no mundo apenas para
serem tocadas pelas mãos, para serem vistas pelos olhos.
Para o teatro e a dança, o corpo é a origem do movimento, é a partir
do corpo que todo o espaço é articulado. O gesto que surge espontanea-
mente é repetido até a justa medida desejada. Mas a precisão planejada
para a repetição de todas as noites, repetição que a dança e o teatro quase
sempre exigem, não pode retirar da ação sua natureza efêmera, sua cons-
tante novidade. O movimento do corpo, por mais preciso e planejado, nunca
é exatamente o mesmo, está sempre se dissipando no tempo e no espaço,
para ser reinventado a cada nova apresentação.1
Para definir o movimento, Jacques Lecoq2 estabelece uma relação
entre movimento e imobilidade: “tudo que se move é reconhecido em função
1
O teatro e a dança sempre estiveram associados ao corpo, surgiram no corpo e através do
corpo. Mas, nas artes visuais, o corpo humano por muitos séculos figurou apenas como
algo para ser representado pela pintura e pela escultura. Rosselee Godberg, em seu livro
“Arte da performance”, apresenta um detalhado levantamento da história da arte da
performance. Os futuristas tiveram papel importante para o desenvolvimento de uma ex-
pressão que tem o corpo como suporte. Foi nos encontros promovidos pelos artistas defen-
sores do movimento que surgiram as primeiras experiências que dariam origem à arte da
performance. As seratas futuristas apresentações caóticas que, procurando redefinir os
valores artísticos vigentes, valiam-se dos mais diversos meios para propagarem suas idéi-
as. Participavam dessas apresentações poetas, pintores, atores, músicos. Defensores do
teatro de variedades, os futuristas trabalharam com conceitos como o distanciamento e o
teatro sintético. Não apenas os futuristas realizaram experiências no campo do que hoje
denominamos “arte da performance”, mas todos os movimentos de vanguarda que se segui-
ram desenvolveram práticas semelhantes.
No final dos anos 50 início dos anos 60, trabalhos individuais e em colaboração trarão para
arte o corpo não apenas como algo do mundo para ser representado, mas como instrumento
e veículo da obra de arte.
2
LECOQ, Jacques. “O movimento com M maiúsculo”. Disponível em www.grupotempo.com.br/
tex _lecmov.htm.
3
Idem, ibidem, pág. 1.
4
Idem, ibidem, pág.1.
5
LECOQ, Jacques. Op. cit., pág 2.
6
LABAN, Rudolf. Dança educativa moderna. São Paulo: Ícone, 1990.
7
Idem, ibidem, pág. 85.
8
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Martins Fontes,
1999.
9
Idem, ibidem.
10
Idem, ibidem.
11
A pausa pode funcionar como ênfase de uma ação passada ou precedente. A pausa
dramática é um recurso bastante utilizado no teatro.
corpo assim exigir, como uma interrupção do esforço com o objetivo de rela-
xar a musculatura, recuperar as forças ou ainda para esperar o ar entrar no
objeto.12 Por isso venho utilizando a noção de tarefa13 para realizar as
performances com os “Objetos para ação”.
Mesclando diferentes linguagens como música, dança, teatro e vídeo,
a arte da performance é um híbrido no qual o desempenho corporal e a pre-
sença do performer são elementos fundamentais. Nos anos 60 e 70, os
artistas ligados à dança e às artes visuais, passaram a trabalhar em colabo-
ração propondo tarefas aos participantes de seus happenings e performances.
Esse procedimento tinha por objetivo não estruturar as performances sob os
mesmos princípios que a dança e o teatro vinham fazendo até então. A tarefa
é um procedimento que pode ser encontrado em muitos trabalhos de artistas
que hoje são referência para o estudo da performance.
A noção de tarefa colabora no sentido de enfatizar a trajetória objetiva
da ação, porque para sua realização o supérfluo deve ser descartado. A
tarefa não exige elementos decorativos ou qualquer tipo de acessórios; para
12
Quando o ar entra no objeto, sua velocidade, algumas vezes, é menor que a velocidade
dos movimentos corporais que provocaram sua entrada. Quando essa diferença de veloci-
dades acontece, é preciso esperar que o ar se distribua dentro do objeto de tecido, sendo
então necessária a pausa.
13
Uma série de experiências utilizando a noção de tarefa foram realizadas nos anos 60 e 70
em especial pelos Happenings de Alan Kapprow, Geroges Brechet, Wolf Wostel e pelos
artistas da Juddson Church. Encontramos inúmeros relatos de danças, performances e
happenings que utilizaram essa noção de diversas maneiras. Kapprow, Wostel e Brecht
propuseram tarefas para serem realizados por uma única pessoa ou convocando grandes
grupos de participantes. Já, Trischa Brawn propôs para seus bailarinos escaladas nas
paredes de edifícios.
As tarefas propostas pelos artistas das décadas de 60 e 70, em especial os artistas norte
americanos, apontavam, em sua maioria, para as questões surgidas na arte naqueles anos,
como por exemplo, o interesse pelas ações cotidianas e elementares do corpo, a inclusão
do acaso e ainda as questões envolvendo arte e vida.
14
A formulação de uma tarefa, na maior parte das vezes, não delimita “como” a tarefa deve
ser realizada. Não esclarecendo o “como”, a trajetória da ação torna-se matéria maleável,
podendo adquirir modulações que estarão de acordo com a experiência e a preparação
corporal do performer. A “interpretação” da tarefa terá sem dúvida escolhas subjetivas, que
contudo não estarão subordinadas a uma lógica de representação e sim às capacidades do
corpo do performer.
V
TIQUÊ E AUTÔMATON *
Jacques Lacan
Tradução: Claudia Berliner
V
ou prosseguir hoje com o exame do conceito de repetição, tal como
aparece no discurso de Freud e na experiência da psicanálise.
Pretendo frisar o fato de que, à primeira vista, a psicanálise tem o
feitio apropriado para nos conduzir a um idealismo.
Deus sabe o quanto a acusaram disso – reduz a experiência, dizem
alguns, que nos incita a encontrar nos apoios duros do conflito, da luta, até
da exploração do homem pelo homem, as razões de nossas deficiências –,
ela conduz a uma ontologia das tendências, as quais considera primitivas,
internas, todas já dadas pela condição do sujeito.
Basta nos reportarmos ao traçado dessa experiência desde seus pri-
meiros passos para ver que, ao contrário, nada nela permite nos resolvermos
em um aforismo tal como a vida é sonho. Não há práxis mais orientada para
o que, no coração da experiência, é o núcleo do real do que a análise.
1
Esse real, onde encontramos com ele? De fato, é de um encontro, de
um encontro essencial, que se trata no que a psicanálise descobriu – de um
*
Tradução da aula do Seminário “Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise”.
1
Estenografia: É de fato da estrutura desse encontro, da função nodal, da função repetitiva
de um encontro essencial, de um encontro marcado ao qual somos sempre chamados com
um real que escapole, que se trata em tudo o que a psicanálise descobriu.
2
Estenografia: esta frase não consta da estenografia.
3
Estenografia: Além do autômaton, do retorno, da volta, da insistência, [ele] designa o que
[nos] impõe o princípio do prazer.
4
Estenografia: É isso que sempre jaz por trás, e toda a investigação de Freud evidencia que
é isso o que o preocupa.
5
Estenografia: arrastando consigo o sujeito e pressionando-o.
6
Esta frase é a da estenografia. Versão Miller: A repetição é algo que, por sua verdadeira
natureza, está sempre velado [voilé] na análise, por causa da identificação na conceituação
dos analistas da repetição e da transferência.
7
Estenografia: O que se repete, como de fato nos mostra toda a experiência da análise, é
sempre algo cuja relação com a tiquê nos é suficientemente designada pela expressão que
melhor figura aquilo diante de quê, a todo instante, nos vemos detidos e que nos retém, de
onde quer que isso aparentemente venha na experiência, não só de dentro, mas também de
fora: o que se produz “como que por acaso”. Pelo que nós, analista, nunca nos deixamos,
por princípio, digamos, enganar (ou: no que, nós, analista, nunca caímos, por princípio,
digamos, feito patinhos.).
8
A palavra em francês é accroc, que é um rasgão feito por um prego, um espinho; aquilo que
engancha e provoca o rasgão; e, em sentido figurado, o que retarda, impede a conclusão de
um negócio, de um projeto, em suma, um empecilho. Poderíamos dizer que é algo que fisga
e rasga, idéias contidas na palavra fisga.
9
Estenografia: determinando tudo o que vem depois como algo que impõe ao desenvolvi-
mento uma origem aparentemente acidental.
10
Estenografia: É isso que temos de sondar, essa “realidade” por assim dizer, que represen-
ta para nós sob uma forma capital essa presença supostamente exigível – para que o
desenvolvimento, o encadeamento, o desencaixe, por assim dizer, da teoria mais recente da
análise (aquela que Melanie Klein por exemplo concebe como dando o movimento do desen-
volvimento) não seja redutível ao que chamei agora há pouco “a vida é sonho”.
2
Apreender esse processo primário é algo que podemos fazer a todo
instante.
Outro dia, fui despertado de uma soneca em que buscava descanso
por algo que batia à minha porta já antes de eu acordar. Porque13 com aque-
las batidas apressadas eu já tinha formado um sonho, um sonho que mani-
festava para mim algo diferente daquelas batidas. E quando acordei, se to-
mei consciência das batidas – dessa percepção – foi por ter reconstituído
em torno delas toda a minha representação. Sei que estou ali, a que horas
11
Unterlegen, literalmente pôr debaixo, pôr em baixo, calçar; untertragen, literalmente carre-
gar por baixo, suportar, suster.
12
Do latim sufferre, sofrer, sustentar, suster. O Dicionário Aurélio consigna para “sofrer” a
acepção de padecer com paciência. Em francês, a expressão “en souffrance” tem sentido
de sofrimento, mas também de algo que está à espera de algo indeterminado, pendente, em
suspenso. Uma carta (lettre) en souffrance é aquela que fica na posta-restante à espera de
ser buscada.
13
Este “porque” não está na estenografia, a frase começa em “Com aquelas batidas”.
14
Batido, despertado por um chamado (gíria inglesa).
15
Estenografia: Nesse momento, eu sou, que eu saiba, antes que eu desperte (avant que je
ne me réveille), esse “ne” expletivo, dito expletivo, que já em algum de meus escritos
designava o modo mesmo de presença desse “eu sou” de antes do despertar.
16
Na estenografia há uma nota de rodapé nesse trecho, em que há também uma diferença
quase homofônica: a expleção [explétion] de minha impleância: cf. Damourette e Pichon.
[Autores de Des mots à la pensée. Essai de grammaire de la langue française (1911-
1940)].
vizinha? Por essas palavras, não passa a realidade faltosa que causou a
morte da criança? O próprio Freud não nos disse que nessa frase devemos
reconhecer algo que, para o pai, essa frase, essas palavras perpetuam, pa-
lavras para sempre separadas do filho morto (e que lhe terão sido ditas,
supõe Freud, “talvez por causa da febre”, quem sabe?)17, no pai perpetuam a
pergunta, a angústia, o remorso de que aquele que ele pôs perto do leito do
filho para zelar, o ancião, talvez não esteja “à altura de cumprir a contento
sua tarefa”, die Besorgnis dass der greise Wächter seiner Aufgabe nicht
gewachsen sein dürfte, talvez não esteja à altura de sua tarefa. De fato, ele
pegou no sono.
Essa frase dita sobre a febre não remete vocês ao que, numa de
minhas últimas falas18, chamei a causa da febre? A ação (por mais premente
que seja ao que tudo indica) de acudir ao que está acontecendo na peça ao
lado, não será talvez também sentida como sendo de todo modo, agora,
tarde demais relativamente àquilo de que se trata, a realidade psíquica que
se manifesta na frase pronunciada? O sonho perseguido não é essencial-
mente, por assim dizer, a homenagem à realidade faltosa, a realidade que já
não pode se dar exceto repetindo-se indefinidamente, em um indefinidamen-
te nunca alcançado despertar? Que encontro pode haver doravante com esse
ser para sempre inerte – mesmo que seja devorado pelas chamas – senão
aquele que se passa justamente no momento em que a chama, por aciden-
te, como que por acaso, vem ao seu encontro? Onde está ela, a realidade,
nesse acidente, senão que algo se repete19, mais fatal em suma, por meio
da realidade – de uma realidade onde aquele que estava encarregado de
17
Esta última frase é da estenografia. Na versão de Miller há algo que perpetua as palavras,
ao passo que na estenografia, são as palavras que perpetuam – é a diferença, em francês,
entre um qui (reconnaître ce qui perpétue pour le père ces mots) e um que (reconnaître ce
que, pour le père, perpétue cette phrase, ces mots).
18
Lição 2 deste seminário.
19
Miller: sinon qu’il se répète quelque chose = senão que algo se repete; estenografia: sinon
qu’il [l’accident] répète quelque chose – senão que ele [o acidente] repete algo.
velar junto ao corpo continua adormecido, aliás mesmo quando o pai apare-
ce depois de ter despertado.
Assim o encontro, sempre falhado, se deu entre o sonho e o desper-
tar, entre aquele que ainda dorme e de cujo sonho não ficaremos sabendo, e
aquele que só sonhou para não acordar.
Se Freud maravilhado vê nisso a confirmação da teoria do desejo é
porque se trata de algo diferente de uma fantasia preenchendo um anseio.
Não é nem mesmo que no sonho se afirme que seu filho ainda vive,
mas que essa visão atroz designe um além que nele se faz ouvir. É que o
desejo ali se presentifique, da perda imajada no ponto mais cruel do objeto.20
É que no sonho se dê o encontro verdadeiramente único. Depois disso, o
desejo não pode subsistir exceto como luto, depois disso, a realidade não
tem mais sentido do que limpeza de escória [opção de tradução: não tem
outro sentido senão a limpeza da escória].21 Somente um rito, um ato sem-
pre repetido, pode comemorar esse encontro imemorável, pois ninguém pode
dizer o que é a morte de um filho, exceto o pai enquanto pai –, isto é, ne-
nhum ser consciente.
Pois a verdadeira fórmula do ateísmo não é que Deus está morto (mes-
mo quando funda a origem da função do pai no seu assassinato, Freud está
protegendo o pai), a verdadeira fórmula do ateísmo é que Deus é inconscien-
te.
22
O despertar nos mostra o acordar da consciência do sujeito na re-
presentação do que aconteceu – o deplorável acidente da realidade, ao qual
20
Frase de difícil interpretação, recebeu muitas traduções. Original: C’est que le désir s’y
présentifie, de la perte imagée au point le plus cruel de l’objet. Traduções: En él, el deseo se
presentifica en la pérdida del objeto, ilustrada en su punto más cruel [Paidós, Mauri e Sucre];
O desejo aí se presentifica pela perda imajada ao ponto mais cruel, do objeto [Jorge Zahar,
Magno]; Desire manifests itself in the dream by the loss expressed in an image at the most
cruel point of the object. [??, encontrado na internet].
21
Esta última frase não consta da versão Miller. Todo este parágrafo foi traduzido diretamen-
te da estenografia.
22
Estenografia (salto em Miller): Mas o que se revela, é preciso buscá-lo, vê-lo na realidade
antes do despertar.
nada mais resta senão acudir! Mas, que acidente foi este, quando todo o
mundo dormia, aquele que quis descansar um pouco, aquele que não conse-
guiu manter a vigília e aquele sobre quem, sem dúvida, diante de seu leito,
alguém bem intencionado deve ter dito: Ele parece estar dormindo, quando a
única coisa que sabemos é que, nesse mundo todo ele adormecido, somen-
te a voz se fez ouvir: Pai, não vê que estou queimando? A própria frase é um
facho – por si só, põe fogo onde cai – e não vemos o que queima, pois a
chama nos cega para o fato de que o fogo pega no Unterlegt, no Untertragen,
no real.23
É bem isso o que nos leva a reconhecer nessa frase do sonho desta-
cada do pai em seu sofrimento [souffrance] o avesso do que será, quando
ele acordar, sua consciência, e a nos perguntar qual o correlativo, no sonho,
da representação. Essa questão é tanto mais impressionante por vemos
aqui o sonho verdadeiramente como o avesso da representação – é a imagética
do sonho, e a oportunidade de sublinharmos o que Freud, quando fala do
inconsciente, designa como sendo aquilo que o determina essencialmente,
o Vorstellungsrepräsentanz. O que quer dizer, não, como traduziram de
maneira monótona, o representante representativo, mas o lugar-tentente
[tenant-lieu] da representação24. Veremos sua função em seguida.
Espero ter conseguido fazer vocês captarem o que, do encontro como
encontro para sempre falhado, é nodal aqui e realmente sustenta, no texto
de Freud, o que lhe parece ser absolutamente exemplar nesse sonho.
O lugar do real, que vai do trauma à fantasia – na medida em que a
fantasia nunca é mais que a tela que dissimula algo totalmente primeiro e
23
Estenografia: A própria frase é um facho. Por si só, põe [porte] fogo onde cai, não vemos
o que queima, pois a chama cega para o que ele carrega [porte], para o unterlegt, para o
υποκειµενον (upokeimenon), para o real. É bem isso o que nos leva [porte] a reconhecer
nessa frase, nessa peça destacada do pai em seu sofrimento [souffrance]...
24
Outras possibilidades: o que faz as vezes/ o representante/ a representância / o suplente/
o substituto/ o deputado. Vide verbete “representação” de Josiane Thomas-Quilichini no
Dicionário de Psicanálise Freud & Lacan, vol. 2, trad. Marcos do Rio Teixeira, Ed. Ágalma.
3
Freud encontra assim a solução para o problema que, para o mais
arguto dos questionadores da alma antes dele – Kierkegaard – já se centrava
na repetição26.
25
Estenografia: Esse ponto do lugar do real que vai do trauma à fantasia, na medida em que
a fantasia nunca é outra coisa senão a tela que o dissimula, tem algo de totalmente primeiro,
determinante na função da repetição.
*25
A expressão que Lacan usa – fait double emploi –, foi traduzida literalmente em várias
traduções como “tem duplo emprego” ou equivalentes, mas é uma expressão dicionarizada
com sentido claro. Cf. Dictionnaire de l’Académie française: No domínio da contabilidade
– Double emploi, o que foi empregado, registrado duas vezes na coluna de entradas ou de
saídas numa contabilidade. Diz-se também, na linguagem corrente, de tudo o que se repete
inutilmente: Cela fait double emploi.
26
Kierkegaard, S. La reprise. Tradução, introdução e notas de Nelly Viallaneix. Paris:
Flammarion, 1990. Mais informações: http://www.ifen.com.br/
index.php?arq=artigo2001leo.htm ; http://sorenkierkegaard.org/kw6b.htm
27
Estenografia: Sim, mas quem começou? E tudo não começa essencialmente pelo engano?
A quem se endereçaria o primeiro que, dizendo o encantamento do amor, fez passar esse
encantamento por exaltação do outro, fazendo-se prisioneiro dessa exaltação até perder o
fôlego, aquele que com a oferta criou a mais falsa das demandas, a da satisfação narcísica,
seja ela a do ideal do eu ou do eu que se toma por ideal?
28
Estenografia: ... alienação de sua essência. [Essa diferença de escuta deve-se à homofonia:
de son sens/de son essence.]
história contada seja sempre a mesma, que sua realização narrada seja
ritualizada, isto é, textualmente a mesma. Essa exigência de uma consis-
tência distinta dos detalhes de seu relato significa que a realização do
significante nunca conseguirá ser suficientemente cuidadosa em sua
memorização para chegar a designar a primazia da significância como tal.
Logo, desenvolvê-la variando as significações é aparentemente evadir-se dis-
so. Essa variação faz esquecer a meta da significância transformando seu
ato em jogo e proporcionando-lhe felizes descargas do ponto de vista do
princípio do prazer.
Embora Freud, ao perceber a repetição na brincadeira de seu neto, no
fort-da reiterado, sublinhe que a criança abafa o efeito do desaparecimento
da mãe fazendo-se o agente deste, esse fenômeno é secundário. Como
sublinha Wallon, não é de primeiro que a criança vigia a porta por onde a mãe
saiu, marcando assim que espera revê-la ali; antes disso, é para o próprio
ponto em que ela o deixou, para o ponto próximo que ela abandonou perto
dele que ele dirige sua vigilância. A hiância introduzida pela ausência dese-
nhada, e ainda aberta, fica sendo causa de um traçado centrífugo onde o que
cai não é o outro enquanto figura onde o sujeito se projeta, mas esse carretel
ligado a ele próprio por um fio que ele segura – onde se exprime o que dele
se destaca nessa experiência, a automutilação, a partir da qual a ordem da
significância irá se pôr em perspectiva. Pois o jogo do carretel é a resposta
do sujeito a o que a ausência da mãe criou na fronteira de seu território, na
borda de seu berço, ou seja, um fosso, em torno do qual nada mais resta a
fazer senão o jogo do salto.
Esse carretel não é a mãe reduzida a uma bolinha por meio de não sei
que jogo digno dos jivaros29 – é uma coisinha do sujeito que se destaca
embora continue sendo dele, continue sendo segurada. Cabe dizer, imitando
Aristóteles, que o homem pensa com seu objeto30. É com seu objeto que a
29
Indígenas sul-americanos que praticavam a redução de cabeças.
30
Estenografia: ... o homem pensa com sua alma, é com ela que salta as fronteiras...
31
Na edição Jorge Zahar, há um erro nesta passagem: no lugar de “uma das primeiras
oposições” está “uma das primeiras aparições”.
32
Estenografia: Pois, se for verdade que o significante é a primeira marca do sujeito, como
não aplicá-lo aqui e pelo simples fato de que esse jogo vem acompanhado do surgimento de
uma das primeiras oposições fonêmicas que escandem seu ato involutivo (isto é, de
alternâncias restitutivas), como não reconhecer que (aquilo a que essa oposição se aplica
em ato) é ali que devemos designar o sujeito! – Nomeadamente no carretel a que, posterior-
mente, daremos seu nome na álgebra lacaniana com o termo lacaniano a.
33
Estenografia: [oração omitida]: ... , um vel que é um velle, [vel =ou; velle = querer].
Vocês verão que esse desenho que hoje lhes fiz da função da tiquê
nos será essencial para retificar qual o dever do analista na interpretação da
transferência.
Contento-me em destacar hoje que não é à toa que a análise se pro-
põe a modular de maneira mais radical essa relação do homem com o mun-
do que, por muito tempo, foi tida por conhecimento.
Se, nos escritos teóricos, é tão freqüente ver o conhecimento remeti-
do a algo análogo à relação entre a ontogênese e a filogênese, é por uma
confusão, e mostraremos a próxima vez que toda a originalidade da análise
está em não centrar a ontogênese psicológica nas supostas fases, que não
têm literalmente nenhum fundamento discernível no desenvolvimento observável
em termos biológicos. Se o desenvolvimento é todo ele animado pelo aciden-
te, pelo tropeção da tiquê, é na medida em que a tiquê nos leva de volta ao
mesmo ponto no qual a filosofia pré-socrática buscava motivar o próprio mun-
do.
Ela precisava encontrar em algum lugar um clinâmen. Demócrito, ao
tentar designá-lo, já se pondo como adversário de uma pura função de
negatividade para nela introduzir o pensamento, nos disse: não é o midhén
[midhén] que é essencial, e ele acrescenta – mostrando-lhes que, desde o
começo do que uma de nossas discípulas chamou de a etapa arcaica da
filosofia, o jogo de palavras, a manipulação das palavras era utilizada tal
como no tempo de Heidegger –: não é um midhén, é um dhén [dhén], o que,
em grego, é um palavra inventada. Ele não disse (en [en = o um] para não
falar do (on [on = ser], disse o quê? – disse, respondendo à questão que nos
interessou hoje, a do idealismo. – Nada, talvez? Não – talvez nada, mas não
nada.
RESPOSTAS
F. DOLTO: Não vejo como poderíamos prescindir das fases para des-
crever a formação da inteligência antes dos três ou quatro anos. Acho que no
que diz respeito as fantasias de defesa e de velamento da castração, de par
com as ameaças de mutilação, precisamos nos referir às fases.
PÓS-ESCRITO À TRADUÇÃO
CONTINUAÇÃO DO DEBATE SOBRE A TRADUÇÃO DO TERMO
“PARLÊTRE”, INICIADA NO CORREIO DE DEZEMBRO/2006
(SESSÃO NOTÍCIAS)
Ricardo Goldenberg
Q
“ uerida Claudia Berliner e demais appoetas a propósito do “parlente”
sugerido no último correio. Foi a primeira tradução circulando na
Escuela Freudiana de Bs As lea nos idos de 1979. Embora seja
inegavelmente elegante, carrega consigo um problema conceitual serissimo.
Muito resumidamente, Lacan entra da mão de Heidegger, desde 1954, na
crítica feroz à metafísica moderna, que consiste no esquecimento, devido a
Descartes, da pergunta pelo ser do ente que estava em pauta desde os
pressocráticos via aristóteles até o sec.xvii. Trata-se de mostrar q confundir
o ser com o ente tem sido a catástrofe metafísica da modernidade. Lacan
concorda e entende q a experiência freudiana deveria entrar no debate intro-
duzindo seu sujeito dividido pela fala. Parlêtre, que aliás vem substituir o
problemático conceito de inconsciente, está chamado a relembrar a esque-
cida pergunta que o ente que somos faz sobre seu ser (o que Heidegger
denomina Dasein) no interior de toda a problemática da falta-para-ser que a
metonimia impõe. Portanto, traduzir por “parlente” não é apenas uma traição
que apaga com o cotovelo o que se escreve com a mão, como a verdadeira
criação do anti-conceito de parlêtre; ou seja, fazer com que o conceito em
português diga exatamente o contrário que o conceito (porque se trata de um
conceito,não só de poesia) em francês tenta dizer. Em suma, seria uma
verdadeira operação de recalque.”
A
experiência dessa leitura foi um exem-
plo de diálogo intenso que a relação com
os livros pode nos oferecer. A sensibili-
dade dessa produção narrativa, que não cessa
no seu registro textual, me conduziu tanto a ex-
periências vividas quanto a novas que virão – pelo
menos no “espaço” que abriu em mim. Interes-
sante esse movimento de “ler” a experiência hu-
mana num texto tão próximo que até parece nos-
so. De repente é por isso que o autor começa dizendo da idéia de um livro
diferente. Em suas palavras: “Não nasceu como livro”. Questão posta no
título da obra “Vida e Arte” em que é difícil definir onde estão os limites de
origem. Sem dúvida a abordagem do autor sobre a expressão humana é a
arte. É a vida. É a arte da vida. Como a nossa criação e como a criação
desse livro.
No início da obra, ganhamos uma surpresa: o relato da experiência
contada da introdução dos acadêmicos de medicina nos ensinamentos so-
bre a pessoa, em que recebem ao invés da esperada anatomia, um bebê. O
impacto da vida é fantástico. As lições que seguem no capítulo dois, sobre
as intervenções precoces pais-bebês, são tão ou mais complexas que qual-
quer outro ensinamento. Mas esteticamente me arriscaria a dizer que se
trata da mais bela. Elucidar-se a respeito das formas da vida e das experiên-
cias éticas e estéticas da responsabilidade da família, dos adultos e dos
cuidadores (incluindo os profissionais da saúde) é o que tão bem qualifica o
nosso lugar, sejamos pais ou profissionais. De forma ainda surpreendente, o
autor propõe a sua definição de “elaborar” uma receita para um terapeuta de
crianças, como um “bruxo” bom que põe num caldeirão ingredientes de sa-
1
Psicóloga, Professora ULBRA Cachoeira do Sul.
JANEIRO – 2007
PRÓXIMO NÚMERO
JORNADA DE ABERTURA
NOME: ______________________________________________________
ENDEREÇO _________________________________________________
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INSTITUIÇÃO: ________________________________________________
Data: ______/_____/2007
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2. O comprovante deve ser enviado por fax, juntamente com o cupom, ou via
correio, com cheque nominal à APPOA.
O MAIS NOVO LANÇAMENTODA APPOA:
EDITORIAL
TEXTOS
Conceitos em psicanálise e fundação de um campo – Ana Costa
ENTREVISTA
VARIAÇÕES
A Psicanálise entre o peso e a leveza – Abrão Slavutzky
Capa: Manuscrito de Freud (The Diary of Sigmund Freud 1929-1939. A chronicle of events
in the last decade. London, Hogarth, 1992.)
Criação da capa: Flávio Wild - Macchina
EXPEDIENTE
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Karam, Liz Nunes Ramos, Márcio Mariath Belloc, Maria Cristina Poli, Marta Pedó,
Norton Cezar Dal Follo da Rosa Júnior, Robson de Freitas Pereira,
Rosane Palacci Santos e Tatiana Guimarães Jacques
S U M Á R I O
EDITORIAL 1
NOTÍCIAS 2
SEÇÃO TEMÁTICA 3
NARRAR, SUBJETIVAR, DANÇAR
Ângela Lângaro Becker 3
A DANÇA COMO UM MOVIMENTO
EM DIREÇÃO A OUTRO
Luciana Paludo 10
CORPO E PRODUÇÃO DE NARRATIVAS
NA FORMAÇÃO DOCENTE
Maira F. Brauner 20
MOVIMENTO, AÇÃO E TAREFA
NAS PERFORMANCES DA SÉRIE
Élcio Rossini 27
SEÇÃO DEBATES 33
SEMINÁRIO XI - CAPÍTULO V
Jacques Lacan 33
COMENTÁRIO “PARLENTE”
Ricardo Goldenberg 49
RESENHA 50
VIDA E ARTE: A EXPRESSÃO
HUMANA E A SAÚDE MENTAL 50
AGENDA 52
N° 154 – ANO XIV JANEIRO – 2007
CORPO EM MOVIMENTO