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Outubro 2018

Copyright
c 2018 Narciso Gomes/Crispiniano Furtado

P UBLISHED NARCISO G OMES

Este documento é a compilação da teoria referente à Bibliografia apresentado neste presente docu-
mento. Encontra-se no sítio unicvmath.edublogs.org/. É de acesso livre.

Versão preliminar - Outubro 2018


Conteúdo

I Introdução a Análise Complexa

1 Números Complexos: Operações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7


1.1 Números Complexos 7
1.2 Operações básicas 8
1.3 Representação geométrica 8
1.4 Representação polar de um número complexo 10
1.5 Argumentos de um número complexo 10
1.6 Potências (inteiras) e raízes 11
1.7 Noções topológicas em C 11

2 Introdução ao estudo de funções em C . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13


2.1 Noção de funções em C 13
2.2 Funções complexas elementares 14
2.2.1 Função exponencial complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
2.2.2 Funções trigonométricas complexas e hiperbólicas complexas . . . . . . . . . . . 14
2.2.3 Funções logarítmicas complexas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.3 Representação de funções complexas na forma f (z) = u(x, y) + iv(x, y). 15
2.4 Sucessões complexas 16
2.5 Séries complexas 17
2.5.1 Condição necessária para convergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.5.2 Teste do n-enésimo termo para divergência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.5.3 Convergências absoluta e condicional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.6 Limite de funções complexas 18
2.6.1 Propriedades de limites complexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.6.2 Partes real e imaginária de um limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.6.3 Critério de não existência de um limite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20
2.7 Continuidade de funções complexas 21
2.7.1 Critério de continuidade de uma função num ponto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.7.2 Propriedades de funções complexas contínuas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22

3 Funções analíticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.1 Diferenciabilidade e analiticidade 25
3.1.1 Diferenciabilidade de uma função complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.1.2 Funções analíticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.1.3 Funções holomorfas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
3.1.4 Funções inteiras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.2 Equações de Cauchy-Riemann 28
3.2.1 Condição necessária para analiticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
3.2.2 Condição suficiente para analiticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.2.3 Equações de Cauchy-Riemann - Coordenadas polares . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
3.3 Funções harmónicas 29
3.3.1 Conjugadas harmónicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
3.4 Curvas paramétricas no plano complexo 31
3.5 Arcos e contornos 32
3.5.1 Curvas e caminhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4 Integração complexa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.1 Integração Complexa 37
4.1.1 Integral de uma função complexa de variável real . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.1.2 Integral de caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.1.3 Teoremas e propriedades do integral de caminho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
I
Introdução a Análise
Complexa

1 Números Complexos: Operações . . . . . 7


1.1 Números Complexos
1.2 Operações básicas
1.3 Representação geométrica
1.4 Representação polar de um número complexo
1.5 Argumentos de um número complexo
1.6 Potências (inteiras) e raízes
1.7 Noções topológicas em C

2 Introdução ao estudo de funções em C 13


2.1 Noção de funções em C
2.2 Funções complexas elementares
2.3 Representação de funções complexas na forma
f (z) = u(x, y) + iv(x, y).
2.4 Sucessões complexas
2.5 Séries complexas
2.6 Limite de funções complexas
2.7 Continuidade de funções complexas

3 Funções analíticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.1 Diferenciabilidade e analiticidade
3.2 Equações de Cauchy-Riemann
3.3 Funções harmónicas
3.4 Curvas paramétricas no plano complexo
3.5 Arcos e contornos

4 Integração complexa . . . . . . . . . . . . . . . 37
4.1 Integração Complexa
1. Números Complexos: Operações

1.1 Números Complexos


A ideia do número imaginário, o i, deveu-se a necessidade de introduzir novos números que sejam
raízes de certas equações. Por exemplo, a equação x2 + 1 = 0, é impossivel em R, pelo simples facto
de não existir √ raiz quadrada negativa de −1. Após atribuir-se um valor artificial à raiz quadrada
de −1 i = −1 , a equação x2 + 1 = 0 passou a ser possível, admitindo raízes ±i. O número
imaginário atende as seguintes propriedades, i2 = i × i = −1, i3 = i2 × i = −i, i4 = i2 × i2 = 1, i5 =
i4 × i = i, . . .
Por outro lado, i−1 = 1i = iii = −i, i−2 = i12 = −1, i−3 = i13 = i12 1i = −1(−i) = i, i−4 = 1.
De um modo geral,

i±2n = (−1)n
i±(2n+1) = ± (−1)n i, para n = 0, 1, 2, . . . .

Os números complexos foram introduzidos formalmente há sensivelmente 300 anos e têm-se


revelado bastante úteis na matemática com aplicações diversas. Estas aplicações abrangem ainda, a
física, a biologia, a estatística... Em particular, têm aplicações em problemas como
• Cálculo de integrais definidos;
• Inversão de séries de potências;
• Cálculo de produtos infinitos;
• Obtenção de soluções de equações diferenciais para grandes valores da variável (soluções
assimptóticas);
• Investigação da estabilidade de sistemas potencialmente oscilatórios;
• etc.
Algumas destas aplicações serão abordadas na disciplina de Análise Matemática III.
Os números complexos podem ser definidos de duas formas equivalentes.
Os números complexos podem ser definidos de duas formas equivalentes.
8 Capítulo 1. Números Complexos: Operações

Definição 1.1.1 — Número complexo. Um número complexo z é qualquer número da


forma z = x + iy onde x, y ∈ R. Ou ainda, um número complexo pode ser definido como pares
de números reais, (x, y), tais que:

1. (x1 , y1 ) + (x2 , y2 ) = (x1 + x2 , y1 + y2 )


2. (x1 , y1 ) · (x2 , y2 ) = (x1 x2 − y1 y2 , x1 y2 + x2 y1 )

NB Tem-se que:

• x + iy = a + ib ⇔ x = a e y = b;
• Em geral x + iy 6= y + ix, a igualdade só se verifica se x = y;
• x é a parte real e representa-se por Re (z);
• y é a parte imaginária e representa-se por Im (z).
Definição 1.1.2 Designa-se por conjunto C ao conjunto que contém todos os números comple-
xos.
Proposição 1.1.1 O conjunto C munido das operações da adição e multiplicação conforme a
definição (1.1.1) é um corpo.

Demonstração. (Exercício) 

Proposição 1.1.2 O conjunto C com a operação da adição e multiplicação por escalar λ (x, y) =
(λ x, λ y) é um espaço vetorial de dimensão 2.

Demonstração. (Exercício) 

Definição 1.1.3 Chama-se corpo dos números complexos ao conjunto C = R × R, munido das
operações usuais de adição e multiplicação.

1.2 Operações básicas


Adição Sejam z1 = x1 + iy1 ∈ C e z2 = x2 + iy2 ∈ C então tem-se que

z1 + z2 = (x1 + x2 ) + i(y1 + y2 ).

Multiplicação Sejam z1 = x1 + iy1 ∈ C e z2 = x2 + iy2 ∈ C então

z1 z2 = (x1 x2 − y1 y2 ) + i (x1 y2 + x2 y1 ) .
z1
Divisão Para dividir z1 por z2 , multiplicamos o numerador e o denominador de de pelo conju-
z2
gado de z2 , ou seja,
z1 z1 z2
= .
z2 z2 z2

1.3 Representação geométrica


Como um número complexo escreve-se na forma z = a + ib, a, b ∈ R que é uma representação do
par ordenado (x, y), pode-se representar esse número complexo no plano cartesiano xOy (figura
1.3). Procede-se tomando o eixo do x como eixo dos números reais (os múltiplos de 1 = (1, 0)), e o
eixo y como eixo do imaginário que representa os múltiplos de i = (0, 1) .
1.3 Representação geométrica 9

Figura 1.1: Representação geométrica de um complexo z = a + ib.

 Exemplo 1.1 O número complexo z = −1 + 2i está representado na figura seguinte. 

z = −1 + 2i 2.

1.

−3. −2. −1. 0 1.

−1.

Definição 1.3.1 — Módulo ou valor absoluto de z. Seja z = x + iy oq


módulo ou valor abso-
luto de z, é a distância de z à origem do referencial e é denotado por |z| = (Re (z))2 + (Im (z))2 =
p
x2 + y2 .
√ q √ 2 √
 Exemplo 1.2 Seja z = 1 + i 3 então o módulo de z é |z| = 12 + 3 = 4 = 2. 

Definição 1.3.2 — Complexos conjugados. Dois números complexos dizem-se conjugados


quando têm partes reais iguais e partes imaginárias simétricas.
Seja z = x + iy, o conjugado de z é o complexo que se representa por z tal que z = x − iy.

Figura 1.2: O número z e o seu conjugado, z.

√ √
 Exemplo 1.3 Seja z = 1 + i 3 então z = 1 − i 3. 
10 Capítulo 1. Números Complexos: Operações

NB Ao contrário dos números reais, não há uma relação de ordem entre os números complexos.
Ou seja, não tem significado z1 < z2 (salvo se forem números reais).

1.4 Representação polar de um número complexo


Análogo ao caso de R2 , dado um número complexo z = x + iy, não nulo, podemos exprimir x e y
na forma polar. A distância do ponto à origem, que em R2 chama-se raio representado por r = |z| e
tem a designação de módulo de z ou valor absoluto de z. Assim,
p
|z| = |x + iy| = x2 + y2

onde o x = r cos (θ ) e y = r sin (θ ) .

Figura 1.3: Forma polar de um complexo z = x + iy.

1.5 Argumentos de um número complexo


O ângulo θ é designado por argumento de z = x + iy e representa-se por arg(z). Para tornar uma
representação unívoca considera-se ]0, 2π] (argumento positivo mínimo) ou intervalo de ] − π, π]
(argumento principal). No que se segue considera-se o intervalo ] − π, π] e denomina-se θ , um
ângulo desse intervalo, por argumento principal de z = x + iy; mais concretamente, seja z 6= 0, e
r = |z|, então θ =Arg(z) é único valor para o qual

x = r cos(θ ), y = r sin (θ ) , −π < θ ≤ π. (1.1)

NB O número complexo z = 0 não tem argumento definido.

 Exemplo 1.4 O número complexo z = −1 − i, é do terceiro quadrante e tem como representação


na forma polar
√ √
         
3π 3π 3π 3π
z = 2 cos − + i sin − = 2 cos − i sin
4 4 4 4



NB Note que um argumento poderia ser qualquer θ = − 4 + 2kπ, k = 0, ±1, ±2, . . . , no entanto,

o argumento principal é único, Arg(z) = − 4 .
1.6 Potências (inteiras) e raízes 11

Exercício 1.1 Represente na forma polar z = 1 − i. 

Proposição 1.5.1 Para quaisquer que sejam z, w ∈ C tem-se que:


1. |z| = |z|
2. z=z⇔z∈R
3. z + z = 2Re (z)
4. z − z = 2iIm (z)
5. z=z
6. z1 + z2 = z1 + z2
7. ∀ λ ∈ R, λ z = λ z
8. |z|2 = zz.
9. z 6= 0 então z−1 = z
|z|2
10. |zw| = |z||w|

Demonstração. (Exercício) 

1.6 Potências (inteiras) e raízes


Sendo z = reiθ tem-se que

zn = rn einθ , (1.2)

para qualquer n ∈ Z.

NB Caso tome-se r = 1 em (1.2) tem-se que


 n
eiθ = einθ = cos(nθ ) + i sin (nθ ) , n ∈ Z. (1.3)
A equação (1.3) é conhecida por fórmula de Moivre.
Teorema 1.6.1 — Fórmula de Moivre generalizada. Seja n ∈ N. Todo o número complexo
z = reiθ , r 6= 0, tem precisamente n raízes de índice n distintas:
1 θ +2kπ
wk = r n ei n k = 0, 1, 2, . . . , n − 1.

Demonstração. (exercício) 

A fórmula de Moivre é extremamente útil quando se pretende resolver equações polinomiais. A


nota seguinte (que é um teorema) garante a existência do número de soluções igual ao grau do
polinómio (incluindo as múltiplas).

NB Toda a equação polinomial de grau n, cujos coeficientes são reais ou complexos, têm exata-
mente n raízes reais ou complexas.

1.7 Noções topológicas em C


Definição 1.7.1 — Espaço métrico dos complexos. A função

d :C×C → R
(z1 , z2 ) 7→ d(z1 , z2 ) = |z1 − z2 |
12 Capítulo 1. Números Complexos: Operações

define uma métrica em C uma vez que se verificam algumas propriedades, para quaisquer
z1 , z2 , z3 ∈ C, teremos:
Positividade d (z1 , z2 ) ≥ 0 e d (z1 , z2 ) = 0 ⇔ z1 = z2 ;
Simetria d (z1, z2 ) = d (z2 , z1 ) ;
Desigualdade triangular d (z1 , z3 ) ≤ d (z1 , z2 ) + d (z2 , z3 ) .

NB Diz-se que (C, d) é um espaço métrico e que o número real d (z1, , z2 ) é a distância (euclidiana)
entre z1 e z2 .

Exercício 1.2 Determine a distância dos números complexos z1 = 1 − 2i e z2 = 2 − 3i. 

Definição 1.7.2 Sejam z ∈ C, r > 0 e X um subconjunto de C, ou seja, X ⊆ C.


1. O conjunto Br (a) = {z : |z − z0 | < r} é chamado por bola aberta (ou disco aberto) de centro
z0 e raio r.
2. O conjunto Br (z0 ) = {z : |z − z0 | ≤ r} é chamado por bola fechada (ou disco fechado) de
centro z0 e raio r.
3. X ⊂ C, X é aberto ⇔ ∀ z0 ∈ X ∃r > 0 : Br (z0 ) ⊂ X.
4. X é fechado ⇔ C \ X é aberto.
5. X é convexo ⇔ dados dois pontos quaisquer de X, o segmento de reta que os une ainda está
em X.
6. Um conjunto X, não necessariamente aberto, é conexo se e somente se dados 2 pontos
quaisquer de X, é sempre possível uni-los por uma curva totalmente contida em X.
7. Um ponto z0 ∈ X é ponto interior de X, se existir r > 0 tal que Br (z0 ) ⊂ X. O conjunto de
todos os pontos interiores de X denomina-se Interior, e representa-se por Int(X).
8. Um ponto z0 ∈ X é ponto exterior de X, se pertencer ao interior do seu complementar, ou
seja, se z0 ∈ X c . O conjunto de todos os pontos exteriores de X denomina-se Exterior, e
representa-se por Ext(X).
9. Um ponto z0 ∈ X é ponto fronteiro de X, se não pertencer nem ao Interior nem ao Exterior
de X. O conjunto de todos os pontos fronteiros de X denomina-se Fronteira, e representa-se
por Fr(X) ou ∂ (X).
10. Um ponto z0 é ponto de acumulação de X se (Br (z0 ) \ {z0 }) ∩ X 6= 0./
11. Um ponto z0 é ponto isolado de X se Br (z0 ) ∩ X = z0 .

NB Considere um conjunto X ⊆ C. Então


• Int(X) ∪ Ext(X) ∪ Fr(X) = C.
• Int(X) ∩ Ext(X) ∩ Fr(X) = 0.
/

 Exemplo 1.5 A bola aberta de centro em z = i e raio r = 1 é o conjunto {z ∈ C| |z − i| < 1}. 

Exercício 1.3 Represente geometricamente cada um dos seguintes subconjuntos de C. Classifique-


as quanto à convexidade, conexidade, fechado, aberto... 

1. |z − 1 − i| < 2,
2. |z + 1| ≤ |z + i|,
3. |z|2 > z + z.
2. Introdução ao estudo de funções em C

2.1 Noção de funções em C


Definição 2.1.1 Denomina-se função complexa de variável complexa a toda a correspondên-
cia f definida num subconjunto de C e tomando valores em C ou seja,

f : D ⊆ C → C.

O conjunto D é o domínio da função f e o contradomínio de f é constituído por todos os pontos de


C que são imagem de algum ponto de D e representa-se por f (D).
Observação 2.1.1 Quando um objeto tiver mais que uma imagem associada, dizemos que as
funções são multívocas. Por exemplo, a função que a cada número complexo z ∈ C \ {0} faz
corresponder um argumento de z,
arg : C \ {0} → R,
é multívoca, diferindo cada dois valores de arg(z) de um múltiplo de 2π. Já a função argumento
principal é Arg : C \ {0} →] − π, π] é unívoca. Contudo, nesta disciplina apenas abordaremos
funções unívocas, ou seja, que cada objeto corresponde a uma única imagem.

NB O facto da função argumento principal ser unívoca implica que outras funções também o
sejam.

De uma forma geral, de seguida, definiremos algumas funções em C:


Definição 2.1.2
1. A função f (z) = z é a função identidade definida no conjunto dos números complexos;
2. A função definida por f (z) = z é a função conjugação e representa uma reflexão relativamente
ao eixo real no plano complexo;
3. A função p(z) = a0 + a1 z + · · · + an zn com ai ∈ C, i = 0, . . . , n e n ∈ N, é a função polinomial.
4. A função
p(z)
f (z) = ,
q(z)
14 Capítulo 2. Introdução ao estudo de funções em C

onde p e q são funções polinomiais em z sem zeros em comum, denominada de função


racional.

2.2 Funções complexas elementares


Nesta secção abordaremos algumas funções complexas elementares.

2.2.1 Função exponencial complexa


A função ez é exponencial complexa gozando de seguintes propriedades.
Proposição 2.2.1 Sejam z e w números complexos. Então:
1. ez+w = ez ew .
z
2. ez 6= 0, (ez )−1 = e−z e eew = ez−w .
3. Se z = x + iy então ex eiy = ex (cos(y) + i sin (y)) .
4. ez = ez̄ .
5. |ez | = eRe(z) .
6. arg (ez ) = {Im(z) + 2kπ, k ∈ Z} .
7. ez é periódica de período 2π i.

z1 z2 z1 z2
NB No geral (e ) 6= e , com z1 , z2 ∈ C.

2.2.2 Funções trigonométricas complexas e hiperbólicas complexas


É fácil deduzir o cos(z) e o sin(z) a partir da fórmula de Euler. De facto,

eiz = cos(z) + i sin(z), (2.1)

onde também tem-se que o conjugado de (2.1)

e−iz = cos(z) − i sin(z). (2.2)

Desta forma podemos obter as funções cosseno e seno somando e subtraindo as equações (2.1)
e (2.2), respetivamente, onde obtemos

eiz + e−iz eiz − e−iz


cos(z) = e sin(z) = .
2 2i

Definição 2.2.1 Para z ∈ C, então o cosseno hiperbólico de z é definido por

ez + e−z
cosh(z) =
2
e o seno hiperbólico de z é definido por,

ez − e−z
sinh(z) = .
2
2.3 Representação de funções complexas na forma f (z) = u(x, y) + iv(x, y). 15

Exercício 2.1 Verifique que cos (z) = cosh (iz) , sin (z) = 1i sinh (iz) e mostre que

cosh2 (z) − sinh2 (z) = 1.

2.2.3 Funções logarítmicas complexas


Definição 2.2.2 Seja z ∈ C\{0}. Então

ln (z) := ln |z| + i arg (z)

é denominado de logaritmo complexo de z.

NB Usaremos por defeito o logaritmo na base e, isto é: ln(z) := loge (z).

Observação 2.2.2 Quando o argumento for principal, usamos a notação da função logarítmica
principal como

Ln(z) := ln |z| + i Arg(z).

Note ainda que, por definição, eln(z) = z e ln(ez ) = z, sendo que a função logarítmica principal e
função exponencial são funções inversas.
 Exemplo 2.1 ln(−1) = ln (1) + i(2k + 1)π, k ∈ Z. Enquanto que Ln(−1) = ln (1) + i π = i π. 

Exercício 2.2 Calcule os seguintes logaritmos: 

1. ln (i) e Ln(i).
2. ln (e) e Ln(e).
3. ln (1 − i) e Ln(1 − i).
Proposição 2.2.3 Sejam z1 , z2 números complexos não nulos e n ∈ N.
1. ln (z
 1 z2 ) = ln (z1 ) + ln (z2 ) .
2. ln zz21 = ln (z1 ) − ln (z2 ) .
3. ln (zn1 ) = n ln (z1 ) .

2.3 Representação de funções complexas na forma f (z) = u(x, y) + iv(x, y).


Seja uma função complexa de variável complexa

f : D ⊆ C → C,

para cada z ∈ D. Podemos considerar funções que estão apenas definidas no subconjunto do plano
complexo.
Definição 2.3.1 Define-se então as funções reais parte real de f por u(x, y) := Re[ f (x + iy)] e
a parte imaginária de f por v(x, y) := Im[ f (x + iy)] onde f será representado como

f (z) = u(x, y) + iv(x, y).

Observação 2.3.1 Toda a função complexa de variável complexa pode ser abordada como uma
função de R2 para R2 , sendo a topologia usual de C exatamente que a topologia euclidiana de R2 .
16 Capítulo 2. Introdução ao estudo de funções em C

 Exemplo 2.2 Determinemos a parte real e parte imaginária de f (z) = z2 e de g(z) = |z|2 , respeti-
vamente. Sendo z = x + iy, a função f (z) = f (x + iy) = (x + iy)2 = x2 − y2 + i(2xy). Assim a parte
real de f , Re[ f (z)] = x2 − y2 e a parte imaginária, Im[ f (z)] = 2xy. Analogamente para a função g
teremos, g(z) = |z|2 = x2 + y2 . Então Re[g(z)] = x2 + y2 e Im[ f (z)] = 0. 

Exercício 2.3 Determine a parte real e parte imaginária da função f (z) = ez . E da função
g(z) = eiz ? 

2.4 Sucessões complexas


Uma sucessão (ou sequência) complexa {zn }n∈N é uma função cujo domínio é o conjunto de
inteiros positivos e cuja imagem é um subconjunto dos números complexos C. Isso quer dizer que
para cada inteiro n = 1, 2, 3, . . . associamos um único número complexo zn .
Definição 2.4.1 Sejam n ∈ N e L ∈ C. Dizemos que a sucessão (ou sequência) {zn }n∈N é
convergente se lim zn = L, ou seja, uma sucessão {zn }n∈N em C, então lim zn = L se e somente
n→∞ n→∞
se, para todo o ε > 0 existir N ∈ N tal que n > N então |zn − L| < ε.

6.

5.

4.

3.

ε
2.

1.

0 1. 2. 3. 4. 5.

NB Uma sucessão que não é convergente é denominada divergente.

 Exemplo 2.3 A sucessão {2 − in } é

n 1 2 3 4 5 6 7 ···
{2 − in } 2-i 3 2+i 1 2-i 3 2+i ···

Tabela 2.1: Sucessão {2 − in }

A sucessão {2 − in } ilustrada na Tabela 2.1 é divergente, pois o termo geral zn = {2 − in }


não se aproxima de um número complexo fixo quando n → ∞. De facto, verificamos a repetição
indefinidamente dos quatro primeiros termos desta sucessão à medida que n aumenta. 

i2n+1
 
Exercício 2.4 A sucessão converge? 
n
2.5 Séries complexas 17

Proposição 2.4.1 Sejam duas sucessões {zn }n>1 e {wn }n>1 em C tais que lim zn = z e lim wn = w,
então
1. lim(zn ± wn ) = z ± w.
2. lim(zn wn ) = zw.
3. Se w 6= 0, então lim(zn /wn ) = z/w.
4. lim zn = z.
5. lim |zn | = |z|.
Proposição 2.4.2 — Critério de Convergência. Uma sucessão {zn } converge ao número com-
plexo L = a + ib se e somente se Re(zn ) convergir a Re(L) = a e Im(zn ) convergir a Im(L) = b.
 
2 + ni 2 + ni 2 + ni 2n − 3ni
 Exemplo 2.4 Consideremos a sucessão . De zn = = =
2n + 3ni 2n + 3ni 2n + 3ni 2n − 3ni
(2 + ni)(2n − 3ni) 4n + 3n2 + (2n2 − 6n)i 4n + 3n2 2n2 − 6n
= = + i, vemos que
4n2 + 9n2 4n2 + 9n2 13n2 13n2
4n + 3n2 3 3 3 2n2 − 6n 2 6 2
Re(zn ) = 2
= + → e Im(z n ) = 2
= − →
13n 13 13n 13 13n 13 13n 13
3 2
quando n → ∞. Assim, a sucessão dada converge a a + ib = + i.
13 13
 n 2
1 2n − 7 2
 Exemplo 2.5 Seja zn = 1+ +i 2
. Aqui lim zn = e − i. 
n −3n + 5n n→∞ 3

2.5 Séries complexas


Uma série infinita ou uma série de números complexos

∑ zn = z1 + z2 + · · · + zn + · · ·
k=1

é convergente se a sucessão de termos parciais (ou soma parcial) {Sn }, com


n
Sn = ∑ zn = z1 + z2 + · · · + zn ,
k=1
for convergente. Se Sn → L quando n → ∞, dizemos que a série converge a L ou que a soma da
série é L.

n n n
NB A soma parcial complexa é representada por Sn = ∑ zk = ∑ ak + i ∑ bk . Assim, a série
k=1 k=1 k=1
∞ n n
∑ zk converge se e somente se as somas parciais reais ∑ ak e ∑ bk convergirem simultane-
k=1 k=1 k=1
amente.

2.5.1 Condição necessária para convergência



Teorema 2.5.1 Se lim zn = 0.
∑ zk convergir então n→∞
k=1

Demonstração. Ver [2]

NB O recíproco do Teorema 2.5.1 nem sempre é verdadeira.


18 Capítulo 2. Introdução ao estudo de funções em C

2.5.2 Teste do n-enésimo termo para divergência



Teorema 2.5.2 Se lim zn 6= 0 então ∑ zk diverge.
n→∞
k=1

Demonstração. Ver [2]



3 + ki (3 + ni)
 Exemplo 2.6 Seja a série ∑ . Esta série diverge, pois zn = lim = i 6= 0.
k=1 k n→∞ n

1
Observação 2.5.3 Uma série real da forma ∑ k p é denominada série-p. Esta série converge se
k=1
p ≥ 2 e diverge se p < 2, p ∈ R+ .

2.5.3 Convergências absoluta e condicional


∞ ∞
Definição 2.5.1 Uma série infinita ∑ zk converge absolutamente se ∑ |zk | convergir. Uma
k=1 k=1
∞ ∞
série infinita ∑ zk converge parcialmente se for convergente e ∑ |zk | divergir.
k=1 k=1

ik
 Exemplo 2.7 — Convergência Absoluta. A série ∑ k2 converge absolutamente, pois a série
k k=1
∞ ∞
i 1
∑ 2 é igual a série-p real convergente ∑ k2 , com p = 2.
k=1 k k=1

NB Convergência absoluta implica convergência.

2.6 Limite de funções complexas


A identificação do plano complexo com o R2 confere a mesma noção de limite e continuidade de
análise real para as funções complexas de variáveis complexas.
Definição 2.6.1 Sejam f : D ⊆ C → C e L um ponto de acumulação de D, diz-se que f tem
limite L quando z tende para z0 e escreve-se

lim f (z) = L
z→z0

se somente se, ∀ε > 0, ∃δ > 0 tal que

| f (z) − L| < ε

sempre que
|z − z0 | < δ ,
∀z ∈ D.
 Exemplo 2.8 Pretendemos mostrar que o limite lim (2 + i)z = 1 + 3i. Ora, pela definição de
z→1+i
limite em Definição 2.6.1, segue

∀ε > 0, ∃δ > 0 : |z − z0 | < δ ⇒ | f (z) − L| < ε, ∀z ∈ D.


⇔ ∀ε > 0, ∃δ > 0 : |z − (1 + i)| < δ ⇒ |(2 + i)z − (1 + 3i)| < ε.
2.6 Limite de funções complexas 19

A prova de que este limite existe requer que determinemos um valor adequado de δ para um dado
valor de ε. Em outras palavras, para um dado valor de ε, devemos determinar um valor positivo
δ tal que se |z − (1 + i)| < 0, |(2 + i)z − (1 + 3i)| < ε. Uma forma de determinar δ consiste em
trabalhar no “sentido inverso”, ou seja, a idéia é iniciar com a desigualdade:

|(2 + i)z − (1 + 3i)| < ε. (2.3)

Assim, usando as propriedades de número complexo e de módulo em (2.3), obtemos



1 + 3i
|2 + i| · z −
< ε. (2.4)
2+1
√ 1 + 3i
Como |2 + i| = 5e = 1 + i, então a desigualdade (2.4) é equivalente a:
2+1
√ ε
|z − (1 + i)| 5 < ε ou |z − (1 + i)| < √ . (2.5)
5
ε
Logo, a desigualdade (2.5) indica que devemos tomar δ = √ . Note-se, entretanto, que este valor
5
de δ não é único. Desta forma, provamos que lim (2 + i)z = 1 + 3i. 
z→1+i

Exercício 2.5 Mostre que lim (2 + i)z = 1 + 3i 


z→1+i

NB O limite quando existe é único.

2.6.1 Propriedades de limites complexos


A seguir apresentaremos alguns teoremas, os quais deixaremos em aberto as provas ou consultar
[2].
Proposição 2.6.1 Sejam f e g duas funções complexas e seja ainda uma constante complexa, ou
seja, λ ∈ C. Se lim f = L e lim g = M, então:
z→z0 z→z0
1. lim λ = λ .
z→z0
2. lim λ f (z) = λ L.
z→z0
3. lim ( f (z) ± g(z)) = L ± M.
z→z0
4. lim ( f (z) · g(z)) = L · M.
z→z0
f (z) L
5. lim = , M 6= 0.
z→z0 g(z) M

2.6.2 Partes real e imaginária de um limite


Teorema 2.6.2 Sejam f (x, y) = u(x, y) + iv(x, y), z0 = x0 + iy0 e L = u0 + iv0 . Então lim f (z) =
z→z0
L se e somente se

lim u(x, y) = u0 e lim v(x, y) = v0 .


(x,y)→(x0 ,y0 ) (x,y)→(x0 ,y0 )

O Teorema 2.6.2 além de várias outras aplicações, permite o cálculo de vários limites complexos a
partir do simples cálculo de um par de limites reais.
20 Capítulo 2. Introdução ao estudo de funções em C

z2 + i . Ora, z0 = (x0 , y0 ) = (1, 1)



 Exemplo 2.9 Usemos o Teorema 2.6.2 para determinar lim
z→1+i
e a função f (z) = z2 + i = x2 − y2 + i(2xy + 1), então u(x, y) = x2 − y2 , v(x, y) = 2xy + 1. Assim
segue

u0 = lim x2 − y2 = 0 e v0 lim 2xy + 1 = 3,


(x,y)→(1,1) (x,y)→(1,1)

de modo que L = u0 + iv0 = 0 + 3i. Logo lim z2 + i = 3i.




z→1+i

2.6.3 Critério de não existência de um limite


Critério de não existência de um limite
Se f se aproximar de dois números complexos L1 6= L2 ao longo de duas curvas ou percursos
diferentes que passam por z0 , então lim f (z) não existe.
z→z0

z
 Exemplo 2.10 Mostremos que lim não existe. Para mostrar que este limite não existe determi-
z→0 z
naremos dois caminhos diferentes para z se aproximar de 0 e que levam a valores diferentes para
z
lim . Primeiramente consideremos z = x + 0i onde o número real x tende a 0.
z→0 z

z x + 0i x
lim = lim = lim = 1.
z→0 z x→0 x − 0i x→0 x

De seguida, façamos z tender a 0 pelo eixo imaginário, ou seja, z = 0 + iy, onde o número real y
tende a 0. Neste caso, obtemos
z 0 + iy
lim = lim = −1.
z→0 z y→0 0 − iy
z
Logo provamos que lim não existe considerando que o limite quando existe é único.
z→0 z
Observação 2.6.3 Para mostrar que limite de uma função não existe num ponto basta determinar
um limite diferente de pelo menos um percurso diferente para esse ponto. Contudo, para provar
que existe recorreremos sempre à Definição 2.6.1.

Exercício 2.6 Estude a existência do limite seguinte


 5
z
lim .
z→0 z

Exercício 2.7 Use o Teorema 2.6.1 para determinar os limites seguintes:


1. lim z2 .
z→i
(3 + i)z4 − z2 + 2z
2. lim .
z→i z+1
2
z − 2z + 4
3. lim√ √ .
z→1+ 3i z − 1 − 3i

2.7 Continuidade de funções complexas 21

Exercício 2.8 Use o Teorema 2.6.1 para determinar os limites seguintes:


1. lim z2 .
z→i
2. lim eπz .
z→i
3. lim sinh(z).
z→iπ


2.7 Continuidade de funções complexas

A continuidade de função complexa é semelhante ao conceito de continuidade de funções reais de


variável real.
Definição 2.7.1 — Continuidade de uma função complexa em um ponto. Uma função
complexa f é contínua em um ponto z0 se

lim f (z) = f (z0 ).


z→z0

2.7.1 Critério de continuidade de uma função num ponto

Critério de continuidade de uma função num ponto


Uma função complexa f é contínua em um ponto z0 se cada uma das três condições forem
atendidas:
1. O lim f (z) existe.
z→z0
2. A função f é definida em z0 , e;
3. lim f (z) = f (z0 ).
z→z0

NB Se uma função f não for contínua no ponto z0 dizemos que f é descontínua em z0 . Um


função f é continua no seu domínio se o for em todos os pontos do seu domínio.

 Exemplo 2.11 Consideremos a função f (z) = z2 − iz + 2. Verifiquemos se f é contínua no ponto


z0 = 1 − i. Aqui facilmente verificamos que lim z2 − iz + 2 = f (1 − i) = 1 − 3i.
z→1−i

1
 Exemplo 2.12 Consideremos a função f (z) = 2 . Aqui, por sua vez, a função f é contínua
z +1
no conjunto de todos os números complexos z tais que z 6= ±i.

 Exemplo 2.13 Seja agora a função f (z) = z1/2 . Mostremos que a função f é descontínua em
z0 = −1. Comecemos a analisar o limite lim z1/2 . De acordo com o Teorema 1.6.1, a função raiz
p z→−1
quadrada principal z1/2 = |z|eiArg(z)/2 . Consideremos agora que z se aproxima −1 através dos
percursos θ = π ou θ = −π, como mostra a Figura 2.1.
22 Capítulo 2. Introdução ao estudo de funções em C

Figura 2.1: Aproximações z → −1.

Sendo |z| = 1 e θ → π, obtemos


p
lim z1/2 = lim |z|eiArg(z)/2 = lim eiθ /2 .
z→−1 z→−1 θ →π

Através de Fórmula de Euler (2.1) eiθ /2 = cos (θ /2) + i sin (θ /2), obtemos

lim z1/2 = lim eiθ /2 = cos (θ /2) + i sin (θ /2) = cos (π/2) + i sin (π/2) = i. (2.6)
z→−1 θ →π

Analogamente para θ → −π, obtemos

lim z1/2 = lim eiθ /2 = cos (θ /2) + i sin (θ /2) = cos (−π/2) + i sin (−π/2) = −i. (2.7)
z→−1 θ →−π

Como os valores complexos em (2.6) e em (2.7) são diferentes, concluindo assim que lim z1/2
z→−1
não existe. Por conseguinte, a função raiz quadrada principal f (z) = z1/2 é descontínua no ponto
z0 = −1.

Exercício 2.9 Seja a função f definida por


 2
 z + 1 , se z 6= i
f (z) = z−i

λ, se z = i

Determine λ de modo que f seja contínua no seu domínio. 

2.7.2 Propriedades de funções complexas contínuas


Teorema 2.7.1 Se as duas funções complexas, f e g, são contínuas no ponto z0 , então as
seguintes funções são também contínuas no ponto z0 :
1. λ f , λ ∈ C.
2. f ± g
3. f · g
f
4. , desde que g 6= 0.
g

Demonstração. Ver [2].

Teorema 2.7.2 As funções polinomiais complexas

p(z) = an zn + an−1 zn−1 + · · · + a1 z + a0


2.7 Continuidade de funções complexas 23

são contínuas em todo o plano complexo.

Demonstração. Ver [2].

p(z)
NB As funções racionais (funções do tipo f (z) = , quociente entre as funções p q, com
q(z)
q(z0 ) 6= 0) são contínuas em seus domínios.

Teorema 2.7.3 Seja a função f denotada por f (z) = u(x, y) + iv(x, y) e seja z0 = x0 + iy0 . Então
a função complexa f é contínua no ponto z0 se e somente se ambas as funções u e v o forem em
(x0 , y0 ).

Demonstração. Ver [1].


3. Funções analíticas

3.1 Diferenciabilidade e analiticidade

3.1.1 Diferenciabilidade de uma função complexa


Definição 3.1.1 — Derivada de uma função complexa. Uma função complexa f : D ⊆
C → C é diferenciável (ou derivável) num ponto interior de D se e somente se existir o limite
seguinte

f (z + h) − f (z)
lim =: f 0 (z), (3.1)
h→0 h
d f (z)
onde f 0 (z) = , portanto representação da derivada (usual) de f num ponto arbitrário z.
dz

 Exemplo 3.1 Usemos a fórmula (3.1) da Definição 3.1.1 para determinar a derivada das funções
seguintes
1. f (z) = z.
f (z + h) − f (z) z+h−z
Aqui, f 0 (z) = lim = lim = 1.
h→0 h h→0 h
2. f (z) = z2 − 3z.
f (z + h) − f (z) (z + h)2 − 3(z + h) − (z2 − 3z)
Analogamente, f 0 (z) = lim = lim
h→0 h h→0 h
z2 + 2zh + h2 − 3z − 3h − z2 + 3z h2 + 2zh − 3h h(h + 2z − 3)
= lim = lim = lim
h→0 h h→0 h h→0 h
= lim (h + 2z − 3) = 2z − 3.
h→0

As familiares regras de diferenciação no cálculo com variáveis reais se aplicam ao cálculo com
variáveis complexas. Se f e g forem diferenciáveis em um ponto z e λ uma constante complexa, a
fórmula (3.1) pode ser usada para mostrar:
26 Capítulo 3. Funções analíticas

Regras de diferenciação
d d
1. λ = 0 e λ f (z) = λ f 0 (z) - Regras envolvendo constantes.
dz dz
d
2. [ f (z) ± g(z)] = f 0 (z) ± g0 (z) - Regra para a Soma.
dz
d
3. [ f (z) · g(z)] = f 0 (z) · g(z) + f (z) · g0 (z) - Regra para o Produto.
dz 
f 0 (z) · g(z) − f (z) · g0 (z)

d f (z)
4. = - Regra para o Quociente.
dz g(z) [g(z)]2
d
5. [ f (g(z))] = f 0 (g(z)) · g0 (z) - Regra da Cadeia.
dz

NB A regra de potência para a diferenciação de potências de z também é válida:


d n
z = nzn−1 , n inteiro. (3.2)
dz
Ainda através da regra da cadeia e regra de potência (3.2), resulta na regra de potências
para funções:
d
[g(z)]n = n[g(z)]n−1 · g0 (z), n inteiro.
dz

Exercício 3.1 Usando as regras de diferenciação, determine as derivadas das funções seguintes:
1. f (z) = 3z4 − 5z3 + 2z.
z2
2. g(z) = .
4z + 1 
5
3. h(z) = iz2 + 3z .


Exercício 3.2 Mostre que a função f (z) = z não é diferenciável, qualquer que seja o ponto z. 

Exercício 3.3 Mostre que a função f (z) = x + 4yi não é diferenciável, qualquer que seja o
ponto z. 

3.1.2 Funções analíticas


Definição 3.1.2 Uma função complexa f é analítica num ponto z0 se f for diferenciável em
z0 e em todo ponto em alguma vizinhança de z0 .

Observação 3.1.1 Uma função f é analítica num domínio D se for analítica em todo ponto em
D.

3.1.3 Funções holomorfas


Definição 3.1.3 Uma função f que é analítica em todo o seu domínio D é denominada de
função holomorfa ou função regular.

NB A analiticidade em um ponto não é o mesmo que diferenciabilidade em um ponto. A


analiticidade em um ponto é uma propriedade de vizinhança, ou seja, analiticidade é uma
3.1 Diferenciabilidade e analiticidade 27

propriedade definida em um conjunto aberto. Deixemos como exercício mostrar que a função
f (z) = |z|2 é diferenciável em z = 0, mas não é diferenciável em qualquer outro ponto.
Embora a função f (z) = |z|2 seja diferenciável em z = 0, a função não é analítica nesse ponto,
ou seja, não existe uma vizinhança de z = 0 em toda a qual f é diferenciável. Por sua vez, a
função polinomial quadrática f (z) = z2 é diferenciável em todo o ponto z no plano complexo.
Logo, f (z) = z2 é analítica em todo ponto z ∈ C.

3.1.4 Funções inteiras


Definição 3.1.4 Uma função que é analítica em todo o z no plano complexo é denominada
função inteira.

Teorema 3.1.2 Se as duas funções complexas, f e g, são contínuas no ponto z0 , então as


seguintes funções são também contínuas no ponto z0 :
1. uma função polinomial complexa f , p(z) = an zn + an−1 zn−1 + · · · + a1 z + a0 , sendo n um
inteiro não negativo, é uma função inteira.
p(z)
2. Uma função racional complexa f (z) = , sendo p e q funções polinomiais, é analítica
q(z)
em qualquer domínio D que não contenha um ponto z0 para o qual q(z0 ) = 0.

Demonstração. Exercício.
Analiticidade de Soma, Produto e Quociente
Se as funções f e g forem analíticas num domínio D, a soma f (z) + g(z), a diferença
f (z) − g(z), o produto f (z) · g(z) são analíticos em D. O quociente f (z)/g(z) é analítico,
desde que g(z) 6= 0 em D.

Teorema 3.1.3 — Diferenciabilidade implica continuidade. Se f for diferenciável num


ponto z0 de domínio D então f é contínua em z0 .

Demonstração. Ver [2].

NB O recíproco do Teorema 3.1.3, no entanto, não é verdadeiro. A continuidade de uma função


num ponto não garante a diferenciabilidade de f no ponto.

A regra de L’Hôpital para o cálculo de forma indeterminada (0/0) também se aplica à teoria de
funções complexas. Assim, como generalização em domínio complexa, relembremos esta regra
através do teorema seguinte.

Teorema 3.1.4 — Regra de L’Hôpital. Se f e g forem funções analíticas em um ponto z0 , e se


f (z0 ) = 0, g(z0 ) = 0, e g0 (z0 ) 6= 0, então

f (z) f 0 (z0 )
lim = 0 . (3.3)
z→z0 g(z) g (z0 )

Demonstração. Exercício.
z2 − 4z + 5
 Exemplo 3.2 Determinemos o lim . De acordo com (3.3), a função f (z) = z2 −
z→2+i z3 − z − 10i
4z + 5 e a função g(z) = z3 − z − 10i. O limite neste caso tem a forma indeterminada (0/0) tendo em
conta, neste caso, f (z0 ) = f (2 + i) = 0, g(z0 ) = g(2 + i) = 0. Estas duas funções, f e g, entretanto,
28 Capítulo 3. Funções analíticas

são funções polinomiais, ambas são necessariamente analíticas no ponto z0 = 2 + i. calculando as


derivadas para cada uma das funções e depois as derivadas no ponto z0 = 2 + i, teremos

f 0 (z) = 2z − 4, g0 (z) = 3z2 − 1, f 0 (2 + i) = 2i, g0 (2 + i) = 8 + 12i.

Assim, da regra L’Hôpital (3.3) do Teorema 3.1.4, obtemos

z2 − 4z + 5 f 0 (2 + i) 2i 3 1
lim = = = + i.
z→2+i z3 − z − 10i g0 (2 + i) 8 + 12i 26 13


z2 − 2z + 4
Exercício 3.4 Determine lim √ . 
z→2+i z − 1 − 3i

3.2 Equações de Cauchy-Riemann


3.2.1 Condição necessária para analiticidade
Apresentaremos através do teorema seguinte a condição necessária para a analiticidade. Este
teorema mostra que se uma função f (z) = u(x, y) + iv(x, y) for diferenciável num ponto arbitrário z,
as funções u e v devem satisfazer um par de equações que relacionam suas derivadas parciais de
primeira ordem.

Teorema 3.2.1 — Equações de Cauchy-Riemann. Se a função f (z) = u(x, y) + iv(x, y) for


diferenciável num ponto z0 = x0 + iy0 , então em z0 as derivadas parciais de primeira ordem de u
e v devem satisfazer as Equações de Cauchy-Riemann

∂u ∂v ∂u ∂v
(x0 , y0 ) = (x0 , y0 ) e (x0 , y0 ) = − (x0 , y0 ). (3.4)
∂x ∂y ∂y ∂x

Demonstração. Exercício (ver [2]).


 Exemplo 3.3 Consideremos a função polinomial f (z) = z2 − z. Verifiquemos que a função
f é analítica para todo z e pode ser escrita na forma f (z) = (x2 − y2 − x) + (2xy − y)i. Assim
u(x, y) = x2 − y2 − x e v(x, y) = 2xy − y e para qualquer ponto arbitrário (x, y) no plano complexo,
as equações de Cauchy-Riemann são satisfeitas:

∂u ∂v ∂u ∂v
(x, y) = 2x − 1 = (x, y) e (x, y) = −2y = − (x, y).
∂x ∂y ∂y ∂x


Critério para a não analiticidade


Se as equações de Cauchy-Riemann não forem satisfeitas em todo o ponto z no domínio D,
então a função f (z) = u(x, y) + iv(x, y) não pode ser analítica em D.

 Exemplo 3.4 Consideremos agora a função f (z) = 2x2 + y + (y2 − x)i. Neste caso a função f
não é analítica em qualquer ponto. Ora, u(x, y) = 2x2 + y e v(x, y) = y2 − x e para qualquer ponto
arbitrário (x, y) no plano complexo, as equações de Cauchy-Riemann seguem:

∂u ∂v ∂u ∂v
(x, y) = 4x 6= (x, y) = 2y e (x, y) = 1 = − (x, y).
∂x ∂y ∂y ∂x
3.3 Funções harmónicas 29

Verificamos então que ∂ u/∂ y = −∂ v/∂ x, contudo a igualdade ∂ u/∂ x = ∂ v/∂ y, só é satisfeita na
reta y = 2x. No entanto, para qualquer ponto z na reta não existe uma vizinhança em torno de z em
que as equações de Cauchy-Riemann sejam satisfeitas. Logo, a função f não é analítica em todos
os pontos. 

3.2.2 Condição suficiente para analiticidade


As equações de Cauchy-Riemann apenas não garantem a analiticidade de uma função f (z) =
u(x, y) + iv(x, y) num ponto z = x + iy. É possível que as equações de Cauchy-Riemann sejam
satisfeitas em z e, ainda assim, f pode não ser diferenciável em z ou f pode ser diferenciável em z
e não diferenciável em todos os outros pontos. Em qualquer dos casos f não é analítica em z.

Teorema 3.2.2 — Critério para analiticidade. Sejam as funções reais u(x, y) e v(x, y) de pri-
meira ordem contínuas num domínio D. Se u e v satisfazem as equações de Cauchy-Riemann (3.4)
em todos os pontos em D, então a função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y) é analítica em D.

Demonstração. Exercício.
x y
Exercício 3.5 Estude a diferenciabilidade de f (z) = 2 −i 2 . 
x + y2 x + y2

Condições suficientes para a diferenciabilidade


Se as funções reais u(x, y) e v(x, y) forem contínuas e tiverem as derivadas parciais de
primeira ordem contínuas em alguma vizinhança de um ponto z, e se u e v satisfazem as
equações de Cauchy-Riemann (3.4) em z, então a função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y)
é diferenciável em z e f 0 (z) é dada por (3.1).

NB A analiticidade implica diferenciabilidade, mas a recíproca não é verdadeira.

3.2.3 Equações de Cauchy-Riemann - Coordenadas polares


Se a função complexa é expressa em termos de coordenadas polares, f (z) = u(r, θ ) + iv(r, θ ), então
as equações de Cauchy-Riemann ficam escritas como

∂u 1 ∂v ∂v 1 ∂u
(r, θ ) = (r, θ ) e (r, θ ) = − (r, θ ).
∂r r ∂θ ∂r r ∂θ

3.3 Funções harmónicas


De uma forma geral, se uma função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y) é analítica em um ponto
arbitrário z então todas as derivadas de f : f 0 (z), f 00 (z), · · · são também analíticas em z e, consequen-
temente, concluir que todas as derivadas parciais das funções reais u(x, y) e v(x, y) são contínuas
em z. Da continuidade das derivadas parciais, é facto que as derivadas parciais mistas de segunda
ordem são iguais. Esta última afirmação, em conjunto com as equações de Cauchy-Riemann, será
útil para demonstrar que existe uma relação entre as partes real e imaginária de uma função analítica
f (z) = u(x, y) + iv(x, y) e as funções ditas harmónicas definidas de seguida.
Definição 3.3.1 Seja uma função real de duas variáveis φ definida por φ : D ⊆ R2 → R,
(x, y) 7→ φ (x, y). Denominamos de equação de Laplace a equação diferencial parcial de segunda
30 Capítulo 3. Funções analíticas

ordem
∂ 2φ ∂ 2φ
+ 2 =0 (3.5)
∂ x2 ∂y

2
NB A equação de2Laplace (3.5) ainda pode ser denotada de forma abreviada por ∇ φ = 0 onde a
quantidade ∇ φ é denominada de laplaciano de φ .

Definição 3.3.2 Uma função real de duas variáveis reais φ , da Definição 3.3.1, que possui
derivadas parciais de primeira e segunda ordem contínuas em um domínio D e satisfaz a equação
de Laplace (3.5) é dita função harmónica em D.

NB As funções harmónicas são importantes em vários estudos e aplicações. São abordadas


principalmente no estudo de temperatura e potenciais.

Teorema 3.3.1 Sejam as funções reais u(x, y) e v(x, y) de primeira ordem contínuas num do-
mínio D. Se u e v satisfazem as equações de Cauchy-Riemann (3.4) em todos os pontos em D,
então a função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y) é analítica em D.

Teorema 3.3.2 Seja uma função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y) analítica em um domínio D.
Então as funções reais u(x, y) e v(x, y) são harmónicas em D.

Demonstração. Ver [2].


 Exemplo 3.5 Seja a função f (z) = z2 . Verifiquemos que f é necessariamente harmónica con-
siderando que é uma função inteira em qualquer domínio D no plano complexo. Isso pode ser
vefificado diretamente através da equação de Laplace
∂ 2u ∂ 2u ∂ 2v ∂ 2v
+ = 2 − 2 = 0 e + = 0 + 0 = 0.
∂ x2 ∂ y2 ∂ x 2 ∂ y2


3.3.1 Conjugadas harmónicas


Observação 3.3.3 Se uma função complexa f (z) = u(x, y) + iv(x, y) for analítica em um domínio
D, as suas partes real e imaginária são necessariamente harmónica em D. Suponhamos que u(x, y)
seja uma dada função função real que é harmónica em D. Se for possível encontrar uma outra
função harmónica v(x, y), de modo que u e v satisfaçam as equações de Cauchy-Riemann em todo
o D, então a função v(x, y) é denominada de conjugada harmónica de u(x, y).
 Exemplo 3.6 Seja a função real de duas variáveis u(x, y) = x2 − 3xy2 − 5y.
1. Comprovemos que u é harmónica em todo o plano complexo.
∂ 2u ∂ 2u
+ = 6x − 6x = 0.
∂ x2 ∂ y2
2. Determinemos a função conjugada harmónica de u, a função v. A função conjugada harmó-
nica v deve satisfazer as equações Cauchy-Riemann ∂ u/∂ y = −∂ v/∂ x e ∂ u/∂ x = ∂ v/∂ y.
Ora,
∂v ∂v
= 3x2 − 3y2 e = 6xy + 5. (3.6)
∂y ∂x
3.4 Curvas paramétricas no plano complexo 31

A integração parcial de primeira equação em (3.6) em relação a y segue v(x, y) = 3x2 y − y3 +


h(x). Assim, a derivada de v em relação a variável x será
∂v
= 6xy + h0 (x).
∂y
Da segunda equação de (3.6), obtemos assim h0 (x) = 5. Então h(x) = 5x +C, C ∈ R. Portanto,
a conjugada harmónica de u é v(x, y) = 3x2 y − y3 +C. Como f (z) = u(x, y) + iv(x, y) obtemos
finalmente a nossa função
f (z) = x3 − 3xy2 − 5y + (3x2 − y3 + 5x −C)
que é uma função analítica em todo o domínio D, neste caso, em todo o plano complexo,
portanto, uma função inteira.


3.4 Curvas paramétricas no plano complexo


Muitas vezes o conhecimento de transformação complexa é adquirida através de análise de imagens
de curvas(subconjuntos unidimensionais do plano complexo), e esse processo é simplificado com o
uso de equações paramétricas. Sendo x(t) e y(t) forem funções de valores reais da variável real t, o
conjunto C de todos os pontos (x(t), y(t)) , com a ≤ t ≤ b, é denominado curva paramétrica. As
equações x = x(t) e y = y(t), com a ≤ t ≤ b, são denominadas equações paramétricas de C.
Definição 3.4.1 Se x(t) e y(t) forem funções de valores reais da variável real t o conjunto C
que consiste em todos os pontos z(t) = x(t) + iy(t), com a ≤ t ≤ b, é denominado uma curva
paramétrica ou uma curva paramétrica complexa. A função de valor complexo da variável
real t, z(t) = x(t) + iy(t), é denominada parametrização de C.

Propriedades de curvas no plano cartesiano, como a continuidade, diferenciabilidade, suavidade,


podem todas ser reformuladas como propriedades de curvas no plano complexo. Essas propriedades
são importantes no estudo de integrais complexas e serão discutidas no Capítulo 4.
Os dois tipos mais elementares de curvas no plano complexo são retas e circunferências.
Curvas paramétricas frequentes no plano complexo
Reta Uma parametrização da reta que contém os pontos z0 e z1 é:

z(t) = z0 (1 − t) + z1t, −∞ ≤ t ≤ ∞.

Segmento de Reta Uma parametrização de segmento de reta que contém os pontos z0 e z1


é:
z(t) = z0 (1 − t) + z1t, 0 ≤ t ≤ 1.
Raio Uma parametrização de raio que provém de z0 e contém z1 é:

z(t) = z0 (1 − t) + z1t, 0 ≤ t ≤ ∞.

Circunferência Uma parametrização da circunferência com centro z0 e raio r é:

z(t) = z0 + r(cos(t) + i sin(t)), 0 ≤ t ≤ 2π.

Em notação exponencial, esta parametrização é:

z(t) = z0 + reit , 0 ≤ t ≤ 2π.


32 Capítulo 3. Funções analíticas

3.5 Arcos e contornos


Um arco contínuo é um conjunto parametrizado

C = {z(t) = x(t) + iy(t), com a ≤ t ≤ b},

onde z(t) é contínua. Observamos que z(t) é contínua se, e somente se, x(t) e y(t) são contínuas.
 Exemplo 3.7 Faça o esboço dos arcos de curva parametrizados por
1. z1 (t) = 1 + it;
2. z2 (t) = t + i;
3. z3 (t) = t + it;
4. z4 (t) = t 2 + it;
5. z5 (t) = t + it 2 ,
todos no intervalo 0 ≤ t ≤ 1.

Figura 3.1: Exemplos de curvas z1 , . . . , z5 .

NB Nesta disciplina, as notações seguintes de curva são semelhantes:


• z(t);
• γ(t);

3.5.1 Curvas e caminhos


Definição 3.5.1 Chama-se curva no plano complexo a uma aplicação contínua γ : I =
[a, b] → C onde a, b ∈ R.

NB Vamos usar a notação tr (γ) para representar o traço de uma curva γ (i.e, a imagem da curva).

Definição 3.5.2 Uma curva γ : I = [a, b] → C diz-se simples se a ≤ t < s ≤ b implica γ (t) 6=
γ (s) , a menos que t = a e s = b. Ou, equivalente, γ diz-se curva simples sse ∀t1 ,t2 ∈ Int(I),
γ (t1 ) 6= γ (t2 ) .
3.5 Arcos e contornos 33

Figura 3.2: Segmento de origem em z0 e extremidade z1 .

Figura 3.3: Curva fehada e que não é simples - Cardióde.

 Exemplo 3.8 γ (t) = z0 + (z1 − z0 ) t, 0 ≤ t ≤ 1, z0 , z1 ∈ C, z0 6= z1 , representa o segmento no

plano complexo cujas extremidades são z0 e z1 .




Definição 3.5.3 Uma curva γ : I = [a, b] → C diz-se fechada sse γ (a) = γ (b) .

 Exemplo 3.9 A circunferência γ (t) = eit , 0 ≤ t ≤ 2π é uma curva


 fechada
 simples (circunferência
1
centrada na origem e raio 1). Já a curva da Figura 3.3 γ (t) = 2 + sin (t) eit , 0 ≤ t ≤ 2π é fechada
mas não é uma curva simples.


Definição 3.5.4 O sentido da curva descrita pode ser entendido, intuitivamente, como sendo
o de A = γ (a) para B = γ (b) . Quando consideramos caminhos fechados, dizemos que o seu
sentido é directo, se for sentido contrário ao dos ponteiros de um relógio (positivo), e indirecto
(negativo) caso contrário.
Seja γ : I = [a, b] → C e γ(t) = x (t) + iy (t) com x (t) , y (t) ∈ R. Dizemos que γ é suave
se as funções de valores reais x, y : [a, b] → R possuem derivadas contínuas. Se γ 0 (t) 6= 0,
∀ a ≤ t ≤ b, dizemos que γ é uma curva regular.
3 2
 Exemplo 3.10 A curva γ(t) = t3 + i t2 , −1 ≤ t ≤ 1, é suave (pois γ 0 (t) = t 2 + it ), mas não é
regular (γ 0 (0) = 0).


Reparametrização
34 Capítulo 3. Funções analíticas

Definição 3.5.5 Seja γ : [a, b] → C uma curva suave. Seja φ : [c, d] → [a, b] uma função suave
cuja inversa φ −1 também é suave. A curva γ̃ (t) = γ (φ (t)) é uma reparametrização da curva
γ e φ é uma mudança de parâmetro.

 Exemplo 3.11 A curva γ (t) = eit , 0 ≤ t ≤ 2π, e γ̃ (t) = e2it , 0 ≤ t ≤ π, têm exactamente o
mesmo traço mas percorrido de forma diferente. 

Definição 3.5.6 Seja γ : [a, b] → C então chama-se curva oposta (ou inversa) de, representa-se
por − γ, à curva


γ : [a, b] → C

t 7→ γ (t) = γ (a + b − t) .

− − −
NB Note que γ(a) = γ (b) e γ(b) = γ (a) . Além disso tr (γ) = tr ( γ) .

 Exemplo 3.12 A curvaγ(t) = eit , 0 ≤ t ≤ 2π, descreve o arco da circunferência percorrido no


sentido anti-horário. Já a curva − γ (t) = γ(0 + π −t) = ei(π−t) possui o mesmo traço mas percorrido
no sentido inverso. 

 Exemplo 3.13 Seja a curva γ(t) = t + it 2 , 0 ≤ t ≤ 2. Obtenha a curva − γ(t) tal que tr (− γ) = tr (γ)
mas pecorrido no sentido inverso. 

Definição 3.5.7 A curva γ : [a, b + d − c] → C definida por



γ1 (t) ,
 se a ≤ t ≤ b
γ (t) = (3.7)

γ2 (t + c − b) , se b ≤ t ≤ b + d − c

onde γ1 (b) = γ2 (c) é uma justaposição de curvas, γ1 e γ2 .

NB Vamos adoptar γ = γ1 + γ2 para designar γ como justaposição de γ1 e γ2 .

Definição 3.5.8 Um curva γ : [a, b] → C e γ(t) : x (t) + iy (t) , a ≤ t ≤ b, diz-se de classe C1


se cada componente for de classe e seccionalmente de classe C1 se cada x (t) e y (t) forem
contínuas em [a, b] e existir uma sequência finita a = t0 < t1 < t2 < · · · < tn = b, tal que x (t) ,
y (t) ∈ C1 (]a,t1 [ ∪ ]t1 ,t2 [ ∪ · · · ∪ ]tn−1 , b[) .

1 0
NB Recordemos que x (t) ∈ C (]ti ,ti+1 [) se x (t) for contínua em ]ti ,ti+1 [ .

Caminhos e contornos
Definição 3.5.9 Sejam γ j : [a j , b j ] → C, j = 1, 2, . . . , n, curvas suaves tais que γ1 (t) = γ2 (t) =
· · · = γ (bn−1 ) = γn (an ) . A justaposição das curvas γ1 , γ2 , . . . , γn é chamada de caminho.

NB Definem-se caminhos fechados e caminhos simples de forma análoga à definição


de curvas fechadas e simples.
3.5 Arcos e contornos 35
Definição 3.5.10 Um contorno é um caminho fechado e simples.

 Exemplo 3.14 γ(t) = eit , 0 ≤ t ≤ 2π é um caminho fechado e simples. Portanto é um contorno.




Conjuntos simplesmente conexos


Definição 3.5.11 Seja D um aberto conexo. Dizemos que D é simplesmente conexo se o
interior de qualquer contorno contido em D, está em contido em D.

 Exemplo 3.15 Identifique os conjuntos simplesmente conexos. 

1. D1 = {z ∈ C : |z| < 1}
2. D2 = {z ∈ C : 1 < |z| < 2}
3. D3 = {z ∈ C : 0 < |z| < 2}
4. D4 = {z ∈ C : 1 < |z| < 2} ∩ Re (z) < 0.

Teorema 3.5.1 Todo contorno γ divide o plano em duas regiões conexas disjuntas R1 e R2 com
as seguintes propriedades:
1. A fronteira de R1 coincide com a fronteira de R2 e é igual ao tr(γ);
2. R1 é limitada (é o interior da curva γ);
3. R2 é ilimitada.

Demonstração. (Exercício) 

 Exemplo 3.16 Mostre que o traço do caminho γ (t) = z0 + reit , t ∈ [0, 2π] é uma circunferência
de centro z0 e raio r e obtenha a sua curva oposta(− γ(t)) . 
4. Integração complexa

4.1 Integração Complexa


Enquanto os integrais de funções de variável real definem-se em intervalos, nos integrais de funções
de variável complexa tomam-se caminhos de classe C1 (ou também seccionalmente de classe C1 )
para integração. O conceito de caminho desempenha um papel fundamental no estudo de funções
complexas de variável complexa. A generalização do integral real faz-se usando o integral de uma
função complexa sobre um intervalo real.

4.1.1 Integral de uma função complexa de variável real


Definição 4.1.1 Seja f (t) = u (t) + i v (t) , t ∈ [a, b] uma função contínua em I = [a, b] . O
integral de f ao longo do intervalo I = [a, b] é o número complexo
Z b Z b Z b
f (t) dt = u (t) dt + i v (t) dt. (4.1)
a a a

NB Note que o facto de f ser contínua implica que u e v também a sejam e portanto
Rb
dt e ab v (t) dt existem e são finitos. (Toda a função real de variável
R
a u (t)
real contínua num intervalo fechado e limitado é integrável nesse intervalo.)

Exemplo 4.1 Vamos usar a definição (4.1.1) para calcular 0 eit dt. Resolução:

 

Z π Z π Z π
eit dt = cos (t) dt + i sin (t) dt
0 0 0
= 0 + 2i
= 2i

Proposição 4.1.1 O integral complexo de variável real goza de algumas propriedades


Rb Rb
1. Se c = a + ib ∈ C tem-se: a c f (t) dt = c a f (t) dt
38 Capítulo 4. Integração complexa

2. Se f e g foremR funções contínuas (ou seccioalmente contínuas) em I = [a, b] então, é fácil


b Rb Rb
verificar que: a [ f (t) + g (t)] dt = a f (t) dt + a g (t) dt
Rb Rb
3. Denotando
R  R conjugada de f por f tem-se que:
a função a f (t) dt = a f (t) dt.
4. Re a f (t) dt = ab Re ( f (t)) dt
b
R  R
5. Im ab f (t) dt = ab Im ( f (t)) dt
R R
6. ab f (t) dt ≤ ab | f (t) |dt.

Demonstração. (Exercício) 

Exemplo 4.2 Vamos verificar a proposição 4.1.1 (6) para 0 eit dt = 2. Resolução:

 

Z π
|eit |dt = π,
0

por outro lado,

Z π Z π
it
|eit |dt.

e dt = 2<π =
0 0

4.1.2 Integral de caminho


Definição 4.1.2 Seja γ (t) = x (t) + iy (t) um caminho de classe C1 , seja f : D ⊆ C → C uma
função contínua tal que tr (γ) ⊆ D. Então a função

( f ◦ γ) γ 0 = f (γ (t)) γ 0 (t) (4.2)

é continua em [a, b] . O integral

Z Z b
f (z) dz = f (γ (t)) γ 0 (t) dt. (4.3)
γ a

é o integral de f ao longo do caminho γ.


Definição 4.1.3 Seja γ(t) = x(t) + iy(t), a ≤ t ≤ b, um caminho seccionalmente de classe C1 ,
onde γ = γ1 + γ2 + · · · + γn , com γi de classe C1 , para cada i, define-se
Z n Z
f (z) dz = ∑ f (z) dz. (4.4)
γ i=1 γi

NB Podemos também considerar os integrais de caminho com respeito a z,


Z Z Z b
f (z) dz = f (z)dz = f (γ (t)) γ 0 (t)dt
γ γ a

e os integrais com respeito ao comprimento de arco,


Z Z
f (z) |dz| = f (γ (t)) |γ 0 (t) |dt.
γ γ
4.1 Integração Complexa 39

Proposição 4.1.2 Se c for uma constante complexa e f e g forem contínuas em tr (γ) ⊆ D, então

Z Z
c ( f (z)) dz = c f (z) dz,
γ γ
Z Z Z
( f (z) + g (z)) dz = f (z) dz + g (z) dz.
γ γ γ

Demonstração. (Decorrem da definição) 

 Exemplo 4.3 Consideremos o caminho γ que descreve o segmento de recta orientado de z0 para
z1 , 

γ (t) = z0 + (z1 − z0 )t, t ∈ [0, 1]. (4.5)


1. Seja f (z) = 1,
Z Z 1
f dz = γ 0 (t) dt
γ 0
Z 1
= (z1 − z0 ) dt
0
2. Seja f (z) = |z|, z0 = −1 e z1 = 1 então γ (t) = −1 + 2t, t ∈ [0, 1],
Z Z 1
f dz = | − 1 + 2t|2dt
γ 0
"Z 1 Z 1
#
2
= 2 (1 − 2t) dt + 1
(2t − 1) dt
0 2

= 1
 Exemplo 4.4 Consideremos o caminho γ, com γ (t) = z0 + reit , t ∈ [0, 2π] , o qual descreve a
circunferência de centro z0 e raio r, no sentido directo. 

1
1. Seja f (z) = z−z0 ,
Z 2π
1
Z Z
f dz = dz = f (γ (t)) γ 0 (t) dt
γ γ z − z0 0
Z 2π
1
= ireit dt
0 reit
= 2πi.
 Exemplo 4.5 Seja f (z) = |z| e γ (t) = ei(π−t) , t ∈ [0, π] , calcule
Z
f dz.
γ

4.1.3 Teoremas e propriedades do integral de caminho


Teorema 4.1.3 (Majoração do módulo de integral de caminho) Seja

γ : [a, b] → C (4.6)

um caminho de integração e f contínua em tr (γ) . Então,


Z

f dz ≤ MLγ , (4.7)

40 Capítulo 4. Integração complexa

onde M = max | f (z) | e Lγ o comprimento da curva γ.


z∈tr(γ)

Demonstração. Da definição de integral de caminho vem que


Z Z b
0

I = f dz =
f (γ (t)) γ (t) dt (4.8)
γ a

Da proposição 4.1.1 (6) , resulta que


Z b Z b
| f (γ (t))| γ 0 (t) dt ≤ M γ 0 (t) dt = MLγ

I≤ (4.9)
a a

com M = sup | f (z)| . Para completar a demonstração, como f é continua e tr (γ) é compacto (i.e,
z ∈tr(γ)
fechado e limitado) segue-se que sup | f (z)| = max | f (z)| . 
z ∈tr(γ) z ∈tr(γ)

Exemplo 4.6 Seja γ (t) = 2eit , t ∈ 0, π2 e f (z) = z2 1+1 vamos majorar o módulo de γ f dz.
  R


Temos que 

1
max 2 ≤ max 1 = 1
=
1
. (4.10)
z ∈tr(γ) z + 1
z ∈tr(γ) |z|2 − 1 2
|2 − 1| 3

onde, aplicando o teorema anterior, vem

Z
1 π
γ z2 + 1 dz ≤ 3 .

Proposição 4.1.4 (Propriedades do integral de caminho)


• Seja γ um caminho de integração e γ1 uma sua reparametrização (que não inverte o sentido
pelo qual o traço é percorrido) . Então, para toda a função f contínua em tr(γ) = tr(γ1 ),
tem-se
Z Z
f dz = f dz. (4.11)
γ γ1

Demonstração. Seja γ1 : [c, d] → C uma reparametrização de γ : [a, b] → C. Então existe uma


função λ : [c, d] → [a, b] , de classe C1 , bijectiva e com derivada positiva, tal que γ1 = γ ◦ λ . Assim,
Z Z d
f dz = f (γ1 (t))γ10 (t) dt
γ1 c
Z d
= f (γ (λ (t)))γ 0 (λ (t)) λ 0 (t) dt
c
Z b
= f (γ (s)) γ 0 (s) ds
a
Z
= f dz
γ

considerando a mudança de variável s = λ (t). 

• Para toda a função f contínua em tr(γ) = tr(− γ), tem-se


Z Z
f dz = − f dz. (4.12)
−γ γ
4.1 Integração Complexa 41

Demonstração. Seja γ : [a, b] → C.Então, − γ(s) = γ (a + b − s) = γ ◦ λ , onde λ : [a, b] 7→ [a, b]


definida por λ (s) = a + b − s. Assim,
Z Z b Z b
0
f dz = f (γ ◦ λ (s)) (γ ◦ λ ) (s) dt = f (γ ◦ λ (s)) γ 0 (λ (s)) λ 0 (s) ds (4.13)
−γ a a

Fazendo t = λ (s) , tem-se dt = λ 0 (t) dt e então

Z Z a
f dz = f (γ (t)) (γ)0 (t) dt
−γ b
Z b
= − f (γ (t))γ 0 (t) dt
a
Z
= − f dz
γ

Algumas convenções
A propósito da orientação das curvas. Vamos adoptar o seguinte:

Z
f (z) dz (4.14)
|z−z0 |=r

representará o integral de f ao longo da circunferência de centro z0 e raio r, orientada no sentido


directo

γ (t) = z0 + reit , t ∈ [0, 2π] , (4.15)

Z
f (z) dz (4.16)
[z0 ,z1 ]

representará o integral de f ao longo do segmento de recta orientado de z0 para z1 , correspondendo


ao caminho

γ (t) = (1 − t) z0 + tz1 , t ∈ [0, 1] . (4.17)

 Exemplo 4.7 Verifique que 

Z
|z| dz = −1
γ

ao longo de γ = γ1 + γ2 , sendo

γ1 (t) = 2t − 1, t ∈ [0, 1] ,

o caminho que descreve o segmento de recta orientado de −1 a 1 e

γ2 (t) = eit , t ∈ [0, π] ,

o caminho que descreve o arco da circunferência do semiplano superior.


Bibliografia

[1] N. B. lda Providência, Análise Complexa, 2.a edição, grádiva, 2012

[2] F. Zill & P.D. Shanahan, Curso introdutório à Análise Complexa com aplicações, LTC, 2.a
edição, 2011.

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