Você está na página 1de 1

ANÁLISE DE COMO NOSSOS PAIS (Volmir Cardoso Pereira)

Seguindo a perspectiva de Lukács, é preciso observar a forma da obra artística (canção), e não
somente seu conteúdo (significado da letra). Para Lukács, a forma artística adquire
particularidade quando fica entre o singular e o universal, ou seja, quando o artista é capaz de
expressar as demandas coletivas (universais) a partir de sua experiência no mundo (singular).
Assim, a poética de Belchior, ao valer-se de melodias simples (folk, blues, repente, etc.),
insere-se bem como mercadoria na indústria cultural, ao mesmo tempo em que propõe letras
de conteúdo pessimista, melancólico, filosófico, etc. Assim, compreender a forma poética da
canção de Belchior é fundamental para ler a dialética da particularidade em sua obra. No caso
de “Como nossos pais”, a contradição se expressa por meio de uma melodia blues facilmente
assimilável, ao mesmo tempo em que a letra revela um lamento complexo sobre a falência das
utopias políticas da contracultura. Essa falência não significa conformismo diante da
constatação “ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”. Ao contrário, a
constatação choca-se com o desejo do eu-lírico que insiste em afirmar “pois vejo vir vindo no
vento cheiro da nova estação/ Eu sei de tudo na ferida viva do meu coração”. Das contradições
expressas na singularidade individual, chegamos ao universal (coletivo), pois a constatação da
falência dos ideais políticos revolucionários aponta a crise de utopias coletivas na pós-
modernidade e como os valores capitalistas (individualismo e enriquecimento pessoal)
penetram profundamente a existência do indivíduo “guardado por Deus, contando o vil
metal”. Por fim, é na própria forma da canção, no contraste entre melodia simples (blues) e
letra complexa que as contradições se expressam de maneira particular, denotando a
potencialidade estética da obra e, claro, a sua força revolucionária nas artimanhas do discurso.

Você também pode gostar