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O meu amigo Kemushi

O meu amigo Kemushi vive no jardim do palácio das ameixoeiras e das cerejeiras.
No inverno, as árvores lutam contra o frio. O vento, a rodopiar, atira-lhes bolas de neve.
Na casa de Kemushi, ele tira as proteções das janelas e deixa que os flocos entrem
inesperadamente.
É aborrecido, mas também é divertido.
Às vezes, o que nos surpreende também nos faz rir.
Bem aconchegado na sua cama, Kemushi ouve as rajadas de vento a assobiar.
As portadas das janelas batem. Mas ele não tem medo,
pois está bem protegido debaixo da sua manta de folhas.

De manhã, bate com as varinhas de metal para avivar o


lume no seu fogão. E assim o tempo passa, dia após dia, sem
que ele se aborreça.
A pouco e pouco, uma estação inteira...
O tempo de crescer...A menos que seja a sua cama que
esteja a encolher?!?

Quando a geada derreteu e escorreu gota a gota ao longo


das caleiras do palácio das ameixoeiras, Kemushi já tinha
sofrido uma grande transformação.
Mal consegue ficar deitado: já não cabe debaixo da
manta fofinha que não chega para o tapar.
Acabaram-se as fantasias!
Em breve, vai ser preciso ir para outro lugar.

Hoje, Kemushi acorda muito cedo.


Que alarido lá fora!
Os jardineiros andam numa azáfama: é a chegada da
primavera.
Correm sobre o cascalho, e as tranças dos cabelos saltam
nas suas costas. Armados de tesouras de podar, lançam para o
fundo dos seus carrinhos de mão os ramos partidos que
apanharam nas alamedas.

Kemushi ouve-os durante todo o dia.


Resmungam com o excesso de trabalho.
Também ele tem de andar depressa. Dobra a sua manta de
folhas, arruma as varinhas de metal. O fogo está apagado, não vai
precisar mais dele.
Ai! Bateu em qualquer lado.
Isto aqui está a ficar muito apertado!

Ao anoitecer, já os jardineiros se tinham ido embora,


Kemushi sai de casa.
A lua passeia-se no céu. Pôs-se toda bonita.
E, para admirá-la, as flores mostram a pontinha do seu nariz.
Todos os anos é sempre a mesma coisa.
E nem foi preciso passar por outras primaveras para o adivinhar!

A noite enche-se de perfumes.


À volta de Kemushi, as árvores florescem.

Flor de ameixoeira, branca e doce.


A sua pétala é uma pérola pisada por um gigante.
A flor da cerejeira treme ao vento.
Quando a brisa agita os seus ramos,
as pétalas soltam-se
e prendem-se aos cabelos
como se fossem confettis.
Como o tempo passa!
Flores da ameixoeira, flores da cerejeira, mal
desabrocham e já se espalham por todo o lado!

Depressa! Kemushi bate as asas.


E, enquanto as ameixoeiras e as cerejeiras se agitam, ele
lança-se a voar.
As pétalas caem, ele voa.
Que linda metamorfose sofreu o meu amigo Kemushi!

Nem tive tempo de lhe perguntar...


Acaso as borboletas se lembram de terem sido lagartas
quando eram pequeninas?

Nathalie Dargent ; Mandana Sadat (ill.)


Mon ami Kemushi
Arles, Picquier Jeunesse, 2012
(Tradução e adaptação)

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