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Revista de Economia Politica, vol. 9, n.* 4, outubro-dezembro/ 1989 Uma critica 4 refutagio légica da macroeconomia neoclassica ALEXANDRE SCHWARTSMAN* LUIZ FERNANDO ELEUTERIO LOPES* SAMUEL DE ABREU PESSOA* INTRODUCAO Em artigo publicado recentemente (Revista de Eco- nomia Politica, vol. 9, n. 1, jan-mar/89) Gilson Schwartz promoveu uma tentativa de refutagio légica da macro- economia neocléssica. Ao contrario das criticas usuais (“externas”, no seu entender), Schwartz pretende ter rea- lizado uma critica “interna” 4 macroeconomia neoclassi- ca, procurando atingir seus fundamentos ldgicos. O per- curso desta critica pode ser dividido em duas partes. Na primeira delas, apoiado na obra de Schmitt, Schwartz faz uma breve andlise da teoria dos pregos, afirmando inicialmente que a nogdo de preco esta necessariamente ligada a efetivagdo de um ato de troca. Apenas nestes instantes — “ti” —, entdo, € que se verificaria a “iden- tidade” entre oferta e demanda. Nos demais instantes “tj” —, no intervalo entre os instantes finitos da troca, oferta e demanda sao “fatores” distintos, podendo ai se consta- tar eventuais excessos de demanda ou oferta, ocorrendo © ajuste via precos. © segundo passo de sua critica é examinar a analogia entre a teoria dos precos e a teoria da renda. Nesta ultima Do Instituto de Pesquisas Econémicas da Universidade de Séo Paulo — IPE-USP. 112 afirma, baseado em Schmitt, que a “identidade” entre oferta e demanda ocorre em todos os instantes de tempo (ti € t;), em virtude da identidade macroeco- némica basica, ao contrério do que ocorre na teoria microecondmica dos pregos. Nao hé espaco, portanto, para a ocorréncia do excesso de demanda e para que opere 0 mecanismo dindmico de ajuste via quantidades. Logo, segundo Schwartz, a analogia com a teoria dos precos ¢ falsa e hd um erro légico em postular Y = C +I como condigéo de equilibrio, quando Y=C +1 é a identidade macroecondmica basica. Um mesmo objeto nao pode ser, simulta- neamente, uma tautologia ¢ uma condigao de equilibrio. Esta é, em linhas gerais, a démarche de Schwartz. Cremos, no entanto, que este autor cometeu alguns equfvocos teéricos basicos que inviabilizam o seu esforco. Neste ensaio procuraremos destacar estes problemas, bem como indicar caminhos alternativos de criticas & macroeconomia. TEORIA DOS PRECOS Em sua anélise da teoria dos pregos, quando se refere a temporalidade do equilibrio, Schwartz afirma que “(...) quando se fala em ‘prego’, subenten- de-se a efetivagio de um ato de troca. Uma sucesso de atos de troca define uma seqiiéncia de instantes em que ocorre a troca. A cada ato de troca corres- ponde a igualdade entre oferta e demanda. Uma mesma transagio pode ser chamada de oferta ou demanda” (Schwartz, 1989, p. 90, grifo nosso). Ha nesta passagem duas confusces conceituais de grandes proporcées e uma afirmagao que nao possui validade geral e que, portanto, precisa ser correta- mente qualificada. A primeira confusio é acreditar que a nogdo de pregos esté vinculada & efetivagao de um ato de troca, como quer Schmitt, de modo que s6 seria pos- sivel associar relagdes numéricas a bens no ato da troca, inexistindo comensura- bilidade entre oferta e demanda fora dela (Schmitt, 1988, p. 178). Supo- nhamos, porém, que o individuo “i” v4 ao mercado onde se troca o bem A (exemplares do Compéndio dos Elementos de Economia Politica Pura, de Walras) pelo bem B (exemplares do Macroeconomic Theory: a Fundamental Revision, de Schmitt) e onde o preco de B em termos de A sea Pra = 2. Isto significa que dois exemplares do Compéndio séo trocados por um tnico exemplar do Macroeconomic Theory. Dado Pus, “i”, que € detentor do Macroeconomic Theory, decide demandar Da = 10 exemplares do Compén- dio, 0 que vem a ser a mesma decisdo de ofertar On = 5 exemplares do Macroeconomic Theory. “Mas se, por exemplo, estivesse impedido de ir ao mercado, ou se, por uma razio ou por outra, tivesse que fazer uma enco- menda a um amigo, ou dar suas ordens a um agente, deveria prever todos os valores possiveis de Psa, desde zero até o infinito, e determinar, em conseqiién- cia, todos os valores correspondentes de Da, exprimindo-os de alguma maneira {em nosso caso em termos de B]” (Walras, 1983, p. 42, grifo nosso). Fica claro, portanto, que a nogo de prego ou termos de troca define-se independen- temente da efetivagao de um ato de troca. Pregos representam meramente 113 proporgées possiveis de troca entre dois bens, segundo as quais determinado agente estaria disposto a realizar a troca. Mantendo nosso exemplo, suponhamos agora que hé dez pessoas ofertando 10 exemplares do Compéndio em troca de 5 exemplares do Macroeconomic Theory e sete pessoas ofertando 5 unidades do Macroeconomic Theory em troca de 10 exemplares do Compéndio. Neste caso temos: Ox = 100; Da = 70 > Ox > Da Os = 35; Ds = 50 + Os < Dp Temos af duas possibilidades. Num primeiro caso podemos supor que sete entre os dez demandantes do Macroeconomic Theory (ou ofertantes do Compéndio) encontram os sete demandantes do Compéndio (ou ofertantes do Macroeconomic Theory) e realizam suas trocas na proporgio Ps, = 2. Neste caso podemos dizer que a troca foi efetuada pelo “lado curto do mer- cado” (ofertantes do Macroeconomic Theory), enquanto os ofertantes do Compéndio esto “racionados”. Temos assim a troca efetivada, embora oferta e demanda sejam diferentes, caracterizando 0 chamado “equilfbrio nao-wal- rasiano”. Nao necessariamente, portanto, “um ato de troca corresponde a igual- dade entre oferta e demanda”, cabendo ai a qualificagao a que nos referfamos quanto & passagem supracitada de Schwartz. No segundo caso pode ocorrer, entretanto, que os agentes (ou um leiloeiro central) percebam que O,>Da e tenha inicio um processo de ajuste de precos, no qual Psa deverd diminuir até que O, = Da. FE necessério, pois, algum mecanismo coordenador para que haja a igualdade entre oferta e de- manda no ato da troca tal como referida por Schwartz. O outra confuséo refere-se & relacéo entre venda/compra e oferta/ demanda. Como j4 vimos em nosso exemplo, 0 total de compras de um produto € necessariamente idéntico ao de suas vendas, independente de sua oferta ser igual & sua demanda. Como jé dizia Walras, “toda troca de duas coisas, uma pela outra, compée-se de uma dupla venda e uma dupla compra” (Walras, 1983, p. 33), repetindo, alids, o que j4 haviam afirmado James Mill, Marx etc. Oferta e demanda sao, no entanto, conceitos diversos. No caso do consu- midor, sua demanda é fruto de um programa de maximizagéo de utilidade sujeito a restricéo posta por sua dotacéo de fatores e pelos precos destes fatores. Jé a oferta das firmas ¢ obtida a partir de um programa de maximi- zagéo do lucro. Ambas envolvem, portanto, um cardter de planejamento ou desejabilidade. Sao, desta forma, fungées comportamentais. Sob algumas con- digdes (Debreu, 1959, caps. 3 ¢ 4) as ofertas e demandas sao fungdes continuas cujo argumento é 0 vetor de pregos (Debreu, 1959, cap. 5). Nao hd sentido, pois, na afirmagao de Schwartz que “uma mesma transacdo pode ser chamada de oferta ou demanda” ou que “as transagGes oferta e demanda confundem-se numa mesma entidade” (Schwartz, 1989, p. 90), permanecendo como “fa- tores” distintos nos demais instantes. Oferta e demanda siéo sempre “fatores” 114

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