Você está na página 1de 7
Revita de Antopoogia Soil do lunes do PPGAS-UPSCas, vn p.9-15, 2008 Aaventura estruturalista’ Uma breve exposigo da histéria e do funcionamento do método estrutural, em homenagem aos cem anos de seu inventor Patrice MANIGLIER Claude Lévi-Strauss ndo quis apenas construir uma obra, Fle encamou um ‘movimento, um método, ou pelo menos o espirito de um método: 0 estruturalismo, A ‘questio da atualidade de Lévi-Strauss envolve, portanto, a atualidade do estruturalismo. Certamente, j4 se foi o tempo em que 0 téenico de futebol da equipe francesa buscava trangiiilizar seus torcedores prometendo-Ihes uma “reorganizacao estruturalista” dos jogadores. Michel Foucault, em As palavras e as coisas (1966), tinha acabado de fazer do estruturalismo a nova filosofia parisiense, que deveria obscurecer 0 existencialismo: es: filosofia afirmava que 0 sujeito nfo é aquilo que da sentido a0 universo (pela angiistia de sua liberdade); 0 sujeito apenas se limita a realizar possibilidades ja inscritas em cédigos tdo inconscientes quanto as regras gramaticais. Althusser ensinava assim que Marx era estruturalista; Lacan reinventava a psicandlise pelo estruturalismo; Barthes mostrava que até mesmo a moda obedecia a um “sistema”; em resumo, o estruturalismo conicedia uma completa visio do homem ¢ de mundo. Seu principal incentivador, contudo, ndo enxergava essa popularidade com bons olhos: Claude Lévi-Strauss, cuja obra Estruturas elementares do parentesco (1949) pode ser considerada a certiddo de nascimento do estruturalismo, defendia acima de tudo um novo méfodo para as ciéncias humanas. O futuro Ihe deu razio: 0 estruturalismo, assim como essas estrelas que apagam por conta de seu priprio colapso gravitacional, foi contestado apés maio de 1968 de mancira tio violenta quanto sua popularidade. Foi duramente criticado por negar a dimensio politica da condigo humana, por desdenhar o valor da histéria. Era afinal um método promissor ou apenas ideologia efémera? A Comisso Editorial da Revista R@U agradece Patrice Maniglicr pela gentile atenciosa acothida & solicitago de publicasio deste texto, o que muito nos honra sobretudo por propiciar que esta primeira cedigdo seja também uma homenagem ao centenrio de Claude Lévi-Strauss. Também agradecemos 20 estimulo dos professores Marcos Lanna (ppgas-ufvcar) ¢ Débora Morato (Filosofia-ufscar), © a Fdardo Socha,responsivel pela tadugdo para o portugues. | astizos Revita de Antopoogia Soil do lunes do PPGAS-UPSCas, vn p.9-15, 2008 A expressdo foi inventada pelo lingtiista russo Roman Jakobson em um artigo de 1929, Jakobson designava certa “tendéncia da ciéncia russa”, oposta a ciéneia ocidental atomista, reducionista e mecanicista (ou seja, cega a importéncia da finalidade), ineapaz, de mostrar que os fatos culturais, para além de causalidades fisicas ou biolégicas, obedecem a leis que Ihes sdo préptias. Um ano depois, o autor identificava essa tendéncia na cién: modema, oposta a0 velho “positivismo”, entio obcecado pela coleta de dados particulares © pela tentative de estabelecer entre eles regularidades devidamente observiveis. Mas a definicdo continuava vaga: se 0 estruturalismo consiste de apenas em pensar que o todo determi as partes, que as relagdes importam mais do que os termos, ¢ que no se constroem leis a partir da generalizagio de observagdes, no deveriamos dizer entio que Aristételes, Espinosa, Leibniz, Goethe, Hegel ou Bergson (sem mencionar os biélogos, fisicos contemporiineos e todos os ‘mateméticos) seriam também estruturalistas? Ampliar a definigdo ndo traz o risco de clarecer um método? perder a esséncia do movimento? Pior: essa d io € capaz de e: © impasse levaria muitos pensadores a primeiramente se reconhecer no estruturalismo para, em seguida, na prépria confusdo, se afastar dele 0 quanto antes. Para compreender efetivamente do que se trata € melhor deixar de lado as definigdes explicitas e retomar as operagdes que os lingiiistas “estruturalistas” — como Jakobson e seu compatriota e amigo, Nicolai Troubetzkoy — procuravam introduzir em sua disciplina; assim poderemos mostrar porque € como Lévi-Strauss acreditou ser possivel estender esse método ao estudo de todos 0s fatos culturais, desde regras de parentesco, ritos, narrativas miticas construgo de vilas, inaugurando assim programa que dominou os anos 50 e 60, Sabemos que o século 19 foi o século da histéria: a lingbistica indo curopéia viu a possibilidade de reconstruir, a partir da diversidade de linguas atuais (francés, alemo, hindu et |, a lingua desaparecida e otigindria, a partir da qual teriam surgido todas as, demais como se fossem dialetos. A mudanga lingdstica era o que existia de mais objetivo no fenémeno da linguagem, pois escapavam da vontade ¢ da consciéncia dos sujeitos: € de maneira gradual ¢ continua que latim virou francés, Contra essa interpretagdo, Jakobson e Troubetzkoy sustentavam que era imitil tentar explicar a 3| Astigos Revita de Antopoogia Soil do lunes do PPGAS-UPSCas, vn p.9-15, 2008 historia das linguas a partir de imposigGes fonéticas (em iiltima instincia, fisiol6gicas) ‘que gradualmente condicionaram os falantes a mudar seus jeitos de falar. Na verdade, a linguagem tem uma funedo: 0 estigio atual de uma lingua nfo depende apenas de sua historia, mas principalmente das imposigées colocadas pelas necessidades de comunicagao. E por isso que nao se pode desconsiderar a finalidade e o uso no estudo dos fenémenos culturais, Com isso, os autores elaboraram um método que possibilitava eter apenas aquilo que era portador de significagio, na performance verbal dos individuos. © método consiste, primeiramente, em propor um teste aos falantes de uma lingua, teste dito de Jomutag4o” ou “permutagdo”, que permite separar dentre as variagdes fonicas aquelas que provocam uma variagdo de significado, Por exemplo, em portugués, a palavra “carro” pode ser pronunciade com um “r” mais “forte” (velar surda) ou mais “fraco” (glotal surda), sem que um falante perceba diferenga de sentido (0 que nio acontece, por exemplo, no alemo). No entanto, a pronincia de “calo” em ver de “carro” modifica completamente o sentido (lembremos que o falante nao precisa definir cada um desses termos separadamente para perceber a diferenga), Induzimos a partir daf que “I” © “r” possuem particularidades fonéticas significativas para alguém ‘que fala portugués. Cruzando os testes, mostrando, por exemplo, que ha diferengas entre 170”, “calo” ¢ “aldo”, decompde-se a massa fonoldgica em fonemas (“I", “tr”, “d” ete,), ou seja, em unidades distintivas, que aparece entio como a soma ou o feixe de particularidades fonéticas distintivas (labial/ndo labial, velar/ndo-velar etc.) O fonema & assim uma entidade puramente diferencial. Aqui, os fonélogos russos encontraram as teses de um autor na época pouco conhecido, o lingiista suigo Ferdinand de Saussure, que afirmava justamente que “na lingua, sé hé diferengas” e que “os fonemas so antes de tudo entidades opositivas, relativas e negativas” (Curso de lingiifstica geral). 108 distintivos No segundo momento do método, pereebe-se que os mesmos tra separam vérios fonemas ao mesmo tempo: assim, b-d, m-n, por exemplo, formam uma série, opondo-se entre si da mesma maneita. Um fonema, entdo, nao se define apenas pela soma dos tragos distintivos que ele atualiza, mas também por sua posiedo em um. sistema de séries de oposicées. E & precisamente o esquema desse sistema que se chama estrutura: “A definigao do contetido de um fonema depende do lugar que ele ocupa no sistema de fonemas (...). Um fonema sé possui contetdo fonolégico porque o sistema enta uma estrutura, uma ordem das oposigdes fonolégicas ao qual pertence apres | cue

Você também pode gostar