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Será que a tropicália vive mesmo?

Aí vai a entrevista, em que respondo algumas perguntas do


jornalista Marcos Lauro.

1- você se lembra do seu primeiro contato com alguma obra tropicalista? Qual foi? O que sentiu,
inicialmente?

Primeiro contato, considerando o tropicalismo, é tão complicado quanto ler pela primeira vez
Ulysses. Mas tenho uma reminiscência da minha infância: havia o programa do Roberto Carlos,
havia os tropicalistas (Caetano e Gil), havia Tim Maia que morava na minha rua, e havia Taiguara,
que foi a minha primeira paixão musical e pra quem eu escrevi uma carta quando ele esteve exilado
em Londres. Claro que, dentro desse contexto, eu devia ter uns 12 anos, os tropicalistas eram os
mais distantes. Algum tempo depois, eles voltam do exílio, e a dupla vai cantar no Teatro Municipal
do Rio de Janeiro (soube dessa notícia pela minha irmã que era universitária e tava ligada à UNE).
Eu desconfiava que eles eram foda. Senti muita vontade de ver esse show, mas eu era muito
novinho. Vi apenas algumas imagens desse show pela TV: o Gil cantando e tocando violão e o
Caetano implicando com ele. Fiquei maravilhado com aquela irreverência do Caetano.

2- qual o objetivo dessa sua produção de textos sobre a Tropicália (e outros assuntos)? Você tem
formação acadêmica nesse sentido ou é um interesse de estudos sem comprometimento
acadêmicos?

Eu sou formado em filosofia, mas não sou ligado à academia. De qualquer maneira, a minha vida
sempre foi ligada aos estudos, às pesquisas. Escrever um ensaio é como escrever uma música. Eu,
de fato, não vejo diferença.

3- estamos partindo do pressuposto de que a Tropicália ainda reflete sobre as obras de artistas
contemporâneos, considerados novos. Você concorda com essa afirmação? Consegue ver rastros do
movimento na música que é produzida hoje?

Esse é o maior absurdo que já li. Realmente, é preciso pouca intimidade com a música e nenhuma
curiosidade com as questões culturais pra ser levado a pensar que o tropicalismo ainda esteja
presente na produção contemporânea. Caetano dizia que o tropicalismo tinha morrido em 69 e, em
Verdade Tropical, ele sugere que "Araçá Azul", de 72, completaria o ciclo, a partir do qual, ele,
Caetano, daria andamento a sua carreira. Claro que alguns ecos você pode encontrar aqui e acolá.
Mas há uma historicidade nesse processo. A própria década de 70 já está fundada em outros
princípios. No texto que escrevi sobre Torquato, e esse é um dos personagens que mais depõe a
favor dessa mudança, fica muito claro que os anos 70 expressam uma nova paisagem. Novos
Baianos, Secos e Molhados, Djavan..., a industria fonográfica amadurecida, a MPB como gênero já
estabelecida e muito longe do início turbulento de sua constituição, via festivais e programas
televisivos... É um outro processo histórico. Acho perigoso essa boa vontade em ver semelhanças.
Lembra uma noção de progresso da história, própria do iluminismo, como se o futuro já estivesse
estabelecido, cabendo apenas apressar o processo histórico. Arrigo Barnabé achou que o
desenvolvimento da música popular brasileira, via tropicalismo, fosse desaguar na vanguarda
paulistana - que esse era um desenvolvimento natural. Você também pode pensar que essa turma
Metá Metá, Rômulo Fróes, Passo Torto, Rodrigo Campos, é um desenvolvimento natural da
Vanguarda Paulistana, e, consequentemente, do tropicalismo. Enfim, você naturaliza um processo
que é histórico e não é um progresso linear. A minha alternativa, no entanto, seguindo Gumbrecht,
não é de superação do passado, como aparentemente pode dar essa impressão. Pensar na evolução
da música brasileira, como Caetano chegou a pensar num determinado momento, é que tem essa
perspectiva de progresso e superação do passado. Mas estará sempre fadado a frustração porque o
nosso horizonte de perspectivas estará sempre distante, seja do presente, seja do passado. Em outras
palavras, o futuro não é previsível e nem está aberto a nossa vontade. É inevitável a frustração
porque o passado não passa, enquanto sentido de latência, ainda que seja uma latência presente,
visível e indefinível, ao invés de velada num futuro e previsível. Enfim, o que está presente nos
contemporâneos não é o "tropicalismo", mas alguma coisa indefinível.

4- a sua obra, como Rogério Skylab, tem algo tropicalista?

Eu não posso dizer que a minha obra tem alguma coisa de tropicalista porque aí eu estaria entrando
na tua premissa que me parece equivocada.

5- já em 1969, Caetano afirma para uma TV portuguesa, num programa feito lá, que o tropicalismo
não existia mais porque “eles não estavam mais no Brasil”. Você concorda com essa afirmação? O
exílio de Caetano, Gil e outros acabaram com o movimento?

Não é porque eles não estavam mais no Brasil que o tropicalismo não existia mais. Ao que me
consta, Torquato, assim como Tom Zé, assim como Rogerio Duprat, permaneciam no Brasil. Vamos
imaginar uma hipótese: Caetano e Gil não são exilados. Ainda assim, seria uma configuração
cultural diferente da que vigorava no final dos anos 60 - é essa mudança de configuração que leva o
movimento tropicalista ao fim.

6- para finalizar, você consegue nomear diretamente quem são os filhos do tropicalismo?

Mas pensar nos herdeiros do tropicalismo é de uma aberração que não tem mais tamanho porque
você elimina toda a possibilidade de diferença, de mudança histórica - estaríamos ainda sob o signo
do tropicalismo? alguém poderia ser herdeiro direto numa linha contínua? Por outro lado, o
desligamento, a superação do passado, foi o grande equívoco dos modernos, porque o passado
permanece presente - é a noção de latência. Só que é uma latência visível, está no presente, e não
escondida num futuro. Quero apenas sublinhar a noção de experiência e do presente. Mais
importante que dar um sentido ou interpretar, é sentir a presença, ainda que indefinível, do passado
no presente. Cabe aos filhos bastardos do tropicalismo essa presença que resiste à interpretação.

abs
skylab

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