Você está na página 1de 6

USO E OCUPAÇÃO DO SOLO NA REGIÃO OCEÂNICA:

A BAIXADA ALUVIONAR
ARTIGO 12 – PARTE 2
Pelo Geólogo Josué Barroso

1-INTRODUÇÃO

Na Parte 1 deste artigo, apresentou-se uma breve caracterização geológico-geotécnica


dos sedimentos que compõem as baixadas aluvionares, com destaque para os das
vizinhanças das lagunas, além de uma descrição individualizada de causas e efeitos dos
impactos ao meio ambiente. Nesta Parte 2, faz-se uma análise conjunta desses impactos,
associando-os, em face da interdependência entre eles, e comenta-se o elenco de leis
ignoradas que se ocupam do uso e ocupação do solo.

2- EFEITOS DE UMA URBANIZAÇÃO DESORDENADA

Ao longo desta série de artigos, tem-se destacado a interdependência dos processos


geológicos de superfície. Na Região Oceânica não é diferente, os processos atuantes nas
áreas elevadas refletem-se nas baixadas aluvionares, o que decorre da história geológica
de formação dessas unidades. As baixadas aluvionares são produtos das serras e morros
que as circundam e os processos geológicos de superfície que atuaram no passado
geológico são mantidos no presente (Art.6 – Figuras 1 e 2) e vêm sendo acelerados pela
ação do homem, em particular pela urbanização.

Uma sucessão de causas provocadas pelo homem nos morros e serras da Região
Oceânica tem seus efeitos transmitidos para as áreas de baixada, como a seguir:
-nas serras e morros: desmatamento e cortes/aterros→aumento e concentração do
fluxo das águas→ aceleração da erosão (Art.12-Parte 1- Fotos 2 e 3).
-nas áreas de baixada: assoreamento→redução da capacidade de fluxo dos
rios→redução da lâmina d´água das lagunas e, por conseqüência, de seus perímetros. A
esses efeitos, somam-se aqueles provenientes da ação direta do homem, praticada
preponderantemente nas baixadas: lixo, lançamento de efluentes sanitários e
impermeabilização (Art.12-Parte 1-Figura 1 e Foto 4)

Ao conjunto de causas e efeitos acima relacionados associam-se as inundações, com


séria tendência de agravamento se o processo de urbanização continuar nos moldes
atuais. São abundantes os exemplos de outras cidades brasileiras vítimas de inundações
catastróficas. São Paulo, por exemplo, a cidade mais rica do Brasil, vem sendo vítima
de enchentes freqüentes, apesar das grandes e caríssimas obras civis realizadas para
minimização do problema, entre as quais os imensos piscinões de retenção das águas
pluviais e rebaixamento da calha do Rio Tietê.

As agressões à Mata Atlântica, a eliminação da mata ciliar, os cortes, os aterros e o lixo


sólido inerte constituem veículos de assoreamento dos rios e, por extensão, das lagunas
da Região Oceânica. Acrescente-se que o assoreamento é coadjuvante da inundação, um
efeito natural fortemente intensificado pelos erros da urbanização, com destaque para as
impermeabilizações.(Art.12-Parte 1 – Figura 1). Os dados numéricos abaixo mostram os
efeitos do assoreamento nas lagunas (Alves, M.G., 2000) e a Figura 1 deste artigo é uma
representação esquemática dos efeitos conjugados que afetam as baixadas: balanço
hídrico, escoamento e ampliação das áreas inundáveis (Tucci, C.E.M.,2002)
Laguna de Piratininga

Assoreamento Fotos de 56 e 76 Foto de 93


Ilhas do Modesto, Desapareceram
do Pontal e do Tibau Contornos nítidos como ilhas
Imagens de sensoriamento remoto mostram que, entre 76 e 94, houve redução de
14% da área da laguna.
Laguna de Itaipu
Levantamentos aerofotogramétricos entre 76 e 86 levam a estimativa de redução
de 31 a 35% da área da laguna.

Figura 1-a-Balanço hídrico-Urbanização:forte crescimento do escoamento superficial


b-Escoamento-Redução do tempo de pico e de vazão.
c-Resposta da geometria-Aumento da abrangência da inundação
Fonte: Tucci, C.E.M.(2002)

O efeito do despejo dos efluentes sanitários reside na insalubridade que atinge a fauna
(inclusive a saúde do homem) e a flora de rios e lagunas. O assoreamento reduz a
lâmina d’água das lagunas, aumentando a concentração proveniente dos efluentes
sanitários e, consequentemente, a eutrofização.
3-DE QUE VALEM AS LEIS?

É muito comum a existência de leis que não se impõem (“leis que não pegam”) e, no
desenvolvimento da urbanização, é farta a legislação ignorada, inclusive as que se
destinam a ordenar o uso e ocupação do solo. O aspecto negativo que assume esta
questão é agravado pela grande diversidade de tipos e dimensões das obras civis no
crescimento das cidades.

Neste texto não cabe uma análise minuciosa das leis e seus artigos, o que se apresenta
resume-se às questões temáticas abordadas pelas leis, sequenciando-as, segundo uma
ordem cronológica e comentando-as brevemente, como a seguir.

3.1- Proteção dos corpos d’água: rios, lagos e lagoas ou reservatórios d’água e
nascentes.

-A Lei Federal 4771/65 (Código Florestal), alterada pela Lei 7803/89 e coadjuvadas
pelas leis municipais 1468/95 (Parcelamento do Solo) e l968/02 (PUR da Região
Oceânica) preconizam, de forma abrangente, a preservação das matas vizinhas aos
corpos d’água continentais (Lei Federal) e as leis municipais preconizam a proteção, em
particular, da mata ciliar ao longo dos rios.

.Comentários. Na Região Oceânica, essas leis ainda não “pegaram”. Os rios e lagunas
são agredidos sistematicamente, ao longo dos anos e ainda hoje, apesar de se ter um
Código Florestal com cerca de 50 anos der vigência (Art.12 – Parte 1 – Foto 5)

3.2-Terrenos alagadiços e sujeitos a inundações.

-A Lei Federal 6776/79 (Lei Lehman), alterada pela Lei 9785/99 (Parcelamento do Solo
Urbano), proíbe o parcelamento dos terrenos sujeitos aos efeitos das inundações, sem
que sejam tomadas as providências necessárias ao escoamento das águas (Art.12–
Parte1- Foto 1).

.Comentários. Projeto de macro drenagem para a Região Oceânica é luta antiga do


CCRON e o que se tem observado é uma ação, no sentido contrário, da Administração
Municipal, ao priorizar o revestimento asfáltico de ruas de áreas inundáveis, num
processo crescente de impermeabilização.

3.3-Terrenos onde as condições geológicas não aconselham as edificações.

-A Lei Federal 6776/79 (Lei Lehman), alterada pela Lei 9785/99 (Parcelamento do Solo
Urbano), coadjuvadas pela Lei Municipal 1468/95 (Parcelamento do Solo), não
permitem o parcelamento e recomendam a não edificação nesses terrenos, que devem
ser destinados ao uso como áreas verdes (Art.12 – Parte 1 – Foto 1 e item 2)

.Comentários. Grande parte das áreas dos entornos das lagunas de Piratininga e Itaipu
encaixam-se neste caso e no do item 3.2- conforme mostram as fotos 1 e 2.. No entanto,
este autor não tem conhecimento da existência dos estudos geológicos necessários à
liberação dessas áreas. No caso da Laguna de Itaipu, o CCRON vem desenvolvendo
esforços para inclusão no PESET-Parque Estadual da Serra da Tiririca de grande
área de seu entorno, em que se incluem áreas aqui apontadas.
Foto 1 – Área aterrada, inundável, situada no lado oeste da Laguna de Itaipu, em rua
transversal à Av.Dr. José Geraldo B. de Menezes. Vê-se no lado esquerdo da foto um
canal de drenagem artificial (tentativa de solução para as inundações) e, na parte central
da foto, uma retro-escavadeira da Prefeitura de Niterói, usada na manutenção do canal
de drenagem. Os fragmentos de postes de concreto atravessados na rua são para evitar a
entrada de caminhões de aterro que, segundo o operador da escavadeira, realiza-se
durante a noite. Foto de 30/11/09.

Foto 2 – Área aterrada, inundável, situada no lado oeste da Laguna de Itaipu, em rua
paralela à Av. Dr. José Geraldo B. de Menezes, na altura da rua transversal de nº 66.
Vê-se a escavação de uma vala para instalação de redes de água e de esgoto. A vala tem
profundidade menor que 1,0 metro e, imediatamente abaixo da camada de aterro,
alcançou uma camada de argila orgânica mole, como mostra o material proveniente da
escavação. Foto de 07/12/09.
3.4-Taxa de impermeabilização

-A Lei Municipal 1968/02 (PUR da Região Oceânica) estabelece o índice de 70%, como
taxa máxima de impermeabilização, para as construções de prédios multi-familiares em
quase toda Região.

.Comentários.Os diferentes índices de permeabilidade e profundidades do lençol


freático nos terrenos da Região Oceânica, invalidam a adoção de uma taxa única de
impermeabilização.

Pela Lei, não são computáveis para o cálculo da taxa da impermeabilização, as áreas
pavimentadas com blocos intertravados, as áreas de coberturas ajardinadas e as áreas
cobertas por piscinas. São exceções que não levam em conta o reabastecimento do
lençol freático e, no caso dos pavimentos com blocos intertravados, a medida pode
tornar-se inócua, porque a permeabilidade é dependente da base de assentamento de tais
blocos.

A fiscalização para o cumprimento da taxa máxima de impermeabilização é muito


deficiente, conforme comprovam diversos edifícos construídos, pátios de
estacionamento e outras construções (Art.12 – Parte 1 – Figura 1)

3.5 - Armazenamento de águas pluviais.

-A Lei Municipal 2630/09, recém promulgada, estabelece a obrigatoriedade de captação


das águas pluviais em construções que tenham impermeabilizado áreas superiores a
500m².

.Comentário. É uma iniciativa importante, auxiliar no retardamento e na vazão


correspondente ao pico de cheia (V. Figura 1). Em face da gravidade do problema,
poderia ser mais rigorosa, no entanto, a multiplicação de captações de água trará efeito
benéfico importante, desde que seja cumprida.

4-RECOMENDAÇÕES

As sugestões, a seguir apresentadas, não constituem solução isolada para o problema


das inundações. É um problema que só se resolve por enfrentamento de suas múltiplas
faces. A solução isolada não existe e aí se incluem as caras estruturas construídas para
drenagem das águas pluviais, na medida em que são concentradoras das águas e muito
falíveis aos processos de assoreamento, que acabam por levá-las a serem fatores de
inundação pela redução da capacidade de escoamento.

Destaca-se a necessidade de manutenção e recuperação da Mata Atlântica que ocupa as


serras da Região Oceânica, como escudo protetor contra a erosão, além de se constituir
em valiosíssima captadora de águas pluviais. Na medida em que essa mata for
restringida, caminha-se para o agravamento das enchentes já existentes, tornando-as
catastróficas.

A enchente urbana tem características de alto pico que se acentua em áreas de quebra
brusca do gradiente dos rios, como se verifica na Região Oceânica. Desse modo o
armazenamento temporário de pequenos volumes d’água podem ser suficientes para
aumento do tempo de pico e significativa redução da vazão máxima (V.Figura 1). A
construção de pequenas barragens de contenção da água, constituídas pelo
empilhamento de gabiões, nos primeiros trechos dos rios, pode ser instrumento
importante no retardamento do pico de cheia e melhor distribuição temporal das vazões,
além da contenção de sedimentos.

Gabiões são caixas de fio de aço, protegidos contra a corrosão, preenchidas por
fragmentos de rocha sã (10 a 20 cm de dimensão maior). As caixas arrumadas
transversalmente à calha de rios, constituem barramento que aceita deformações e tem
alta permeabilidade. Coberturas com mantas de geotexteis adicionam a propriedade de
contenção de sedimentos e, portanto, constituem redutores do assoreamento para
jusante.

A lei municipal de obrigatoriedade de coleta da água da chuva constitui também uma


providência auxiliar no retardo do pico e volume de cheia. Por si só, não resolve o
problema, como as demais, mas é importante na formação de uma infra-estrutura de
convívio com a água.

É fundamental fazer-se cumprir as taxas máximas de impermeabilização, conforme


prevê a lei, e adequá-las aos diferentes meios físicos da Região Oceânica. Os limites
municipais não constituem limites naturais, portanto, cada um tem características físicas
próprias, a serem tratadas conforme as propriedades geotécnicas de cada unidade.
Porém, a Região Oceânica tem uma característica simplificadora para o enfrentamento
do uso e ocupação do solo: é constituída de pequenas bacias hidrográficas, inteiramente
incluídas nos seus próprios limites.

Outra medida importante é a que venha privilegiar a infiltração das águas, aplicando
pavimentos permeáveis, pelo menos nas ruas de trânsito secundário, bem como o
incentivo para construção de calçadas com faixas longitudinais permeáveis
(jardins).Esta medida pode tornar-se um passo importante na urbanização da Região
Oceânica, extremamente carente de acessibilidade, por falta de calçadas.

5-REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Alves, M.G. (2000) – Mapeamento Geológico-Geotécnico nos Municípios de Niterói e


Maricá-RJ – Tese de Doutorado – Departamento de Geologia da UFRJ - Rio de Janeiro.

Tucci,C.E.M. (2002) –Água no Meio Urbano, in: Água Doce no Brasil-Capital


Ecológico, Uso e Conservação-Escritura Editora – São Paulo

Você também pode gostar