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Abstract. This article, of historical and essayistic nature, aims to revisit di-
dactically some aspects presents in the US context of psychoanalytical ideas
that influenced Carl Rogers, during the composition of client centered-ther-
apy, in the years of 1920 – 1950. Rogers specifically indicated Neo-Freudian
influences of Otto Rank and Karen Horney. Thus, the historical moments of
the rise of American Psychoanalysis are discussed. Then, some conceptions
from the Neo-Freudian psychoanalysis of Rank and Horney are probed. Fi-
nally, what Rogers contacted and appropriated from those Psychoanalysts
Este é um artigo de acesso aberto, licenciado por Creative Commons Atribuição 4.0 Internacional (CC BY 4.0), sendo
permitidas reprodução, adaptação e distribuição desde que o autor e a fonte originais sejam creditados.
Influências da Psicanálise neofreudiana na psicoterapia de Carl Rogers
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Após se aposentar, em 1963, Rogers deixou de exercer e pesquisar a terapia centrada no cliente, interessando-se pelos
fenômenos grupais, familiares e educacionais. Ao perceber que o alcance de suas ideias excedia o espaço clínico, Rogers
(1983, 2001), em 1977, nomeou sua prática de abordagem centrada na pessoa (ACP), indicando uma definição mais ampla,
que envolvia outros âmbitos das relações humanas que não apenas a psicoterapia. Alguns colaboradores, como Maria
Bowen, desenvolveram a ACP na clínica, mantendo interlocução com Rogers.
Esse primeiro momento também caracte- Carvalho (1999), a terapia desenvolvida por
rizou-se pela militância de um grupo de mé- Rogers teve grande impacto por ser um tipo
dicos estadunidenses que leram as obras de de intervenção que era “[...] simples, informal,
Sigmund Freud, até então publicadas em ale- breve e requeria pouco treinamento (p. 142,
mão. Entre eles, destaca-se Abraham Brill, que, tradução nossa). Foi nesse esteio que se deu
em 1907, foi a Zurique visitar Eugen Bleuer e o desenvolvimento de uma Psicologia Clínica
Carl Gustav Jung. Em 1909, Brill colaborou (Capshew, 1999). Com a escassez de médicos
com a tradução da obra de Jung intitulada The psicanalistas, restritos a consultórios, muitos
psychology of dementia praecox e, posteriormen- órgãos sociais se aproveitaram de psicólogos
te, traduziu diversos livros de Freud para o in- com o título de doutorado para executar fun-
glês. Freud (1996a) credita o trabalho de Brill ções na clínica (Oberndorf, 1953). Embora o
como difusor da Psicanálise nos EUA. ofício de psicoterapia naquela época não fosse
No segundo momento (Millet, 1981), de- uma atribuição do psicólogo clínico, muitos
corrido nas décadas de 1910 – 1920, ocorreu se apropriaram da prática psicanalítica, ou de
uma efervescência de associações e sociedades elementos dela, para executar o trabalho. Eis
psicanalíticas em terras ianques. Ao retornar por que muitas ideias psicanalíticas se torna-
para a Europa, Freud e Jung fundaram, em ram populares em diversos centros sociais e
1910, a International Psychoanalysis Association. educacionais.
Esta inspirou a formação da Sociedade Psica- Em decorrência dos três momentos histó-
nalítica de Nova Iorque, fundada em 1911, por ricos acenados, observa-se que o desenvolvi-
Brill, que recém retornara de uma formação mento da Psicanálise nos EUA foi caracteriza-
psicanalítica em Zurique e Viena. No mesmo do por uma heterogeneidade de perspectivas
ano, Ernest Jones estabeleceu a Associação Psi- freudianas e neofreudianas que incorporaram
canalítica Americana. Tal internacionalização outros problemas relacionados ao novo con-
da Psicanálise culminou, em 1920, na criação texto cultural (Dunker, 2007).
do International Journal of Psychoanalysis. Alguns aspectos podem diferenciar a Psica-
O terceiro momento, procedido nas déca- nálise europeia da Psicanálise americana. Um
das de 1930 – 1940, foi ensejado pela assun- deles está no fato de que, na Europa, houve
ção do nazismo na Alemanha e consequente uma tendência de apropriação da Psicanálise
migração de vários médicos analistas para os por etologistas, psicofisiologistas e neurologis-
EUA. Curiosamente, enquanto a Europa ex- tas. Nos EUA, tal apropriação foi mais patente
portava psicanalistas para os EUA, este país por parte de psiquiatras, assistentes sociais e
enviava os seus analistas nativos para servir psicólogos (Figueiredo, 1991).
ao exército na ocasião da Segunda Guerra Outro ponto reside na concepção funcio-
Mundial. Minuta-se que, naquela época, em nalista que distingue a Psicanálise europeia
certos locais, como Nova Iorque, o número de da americana. Conforme elucida Figueiredo
analistas europeus ultrapassava a quantidade (1991), existe um aspecto funcionalista na Eu-
de analistas estadunidenses com formação lo- ropa que aponta para o entendimento de que o
cal (Oberndorf, 1953). Com efeito, esse aconte- organismo é regido por impulsos da ordem do
cimento tornou a Psicanálise mais popular em instinto, que endogenamente se aglomeram e
diversos centros de formação clínica, à medida o fazem buscar no ambiente exógeno alguma
que criava uma tensão com os profissionais forma de descarregar a energia acumulada.
locais. Ressalta-se que muitos psicanalistas Essa liberação enseja padrões de comporta-
dissidentes de Freud participaram da aludida mentos normais e patológicos. Nesse âmbito, a
migração e popularização. Psicanálise freudiana possui uma relação am-
Ainda no terceiro momento, houve um ad- bígua com esse modelo, porque, de um lado,
vento social de solicitação governamental para foca-se no conflito decorrente das forças pul-
que a Psicologia transcendesse suas práticas sionais antagônicas e da função do aparelho
experimentais com intuito de se tornar mais psíquico em libertar-se das tensões que isso
aplicada a diversos contextos profissionais. produz, mas, de outro, substitui a ideia de ins-
Vale dizer que a demanda pelo desenvolvi- tinto por pulsão, diminuindo a força de uma
mento de uma psicologia mais voltada para ênfase biológica.
problemas práticos está diretamente vincula- O desenvolvimento da Psicanálise em solo
da à ocorrência da Segunda Guerra Mundial estadunidense, por outra via, desenvolve
e ao retorno de veteranos daquele combate uma concepção funcionalista, oriunda daque-
(Capshew, 1999). Nesse sentido, segundo De- le contexto, de impulso, em que os conflitos
Sob essa perspectiva, Rank (1934) reconhe- amparo e reconhecimento, o que motivou a
ce que a relação terapêutica “[...] não é uma criação da Associação para o Avanço da Psica-
compreensão interpretativa; é uma experiên- nálise e da Associação Americana de Psicaná-
cia imediata, uma forma de criação [...] Temos lise, ambas presididas por ela.
procurado, a todo o momento, um meio de A tese de Horney, em epítome, consiste
escapar a esse constrangimento interpretati- em negar a universalidade do Complexo de
vo onde vontade e consciência se torturam Édipo, ressaltando que existem certos aspec-
mutuamente” (p. 26-27). No entendimento de tos etnológicos que demonstram a não exis-
Rank (1934), essa tendência consciente e cria- tência de tal complexo em condições culturais
dora se manifesta em todos, com formas dife- diversas (Natterson, 1981). Horney (2007) se
rentes e tem, ao mesmo tempo, algo de “[...] afinou ao contexto americano de Psicanálise
superindividual, de primitivo, de cósmico, ao questionar as primazias etiológicas das
que possui um valor geral humano ou uni- forças instintivas que compõe o psiquismo
versal” (p. 45). O problema da interpretação humano e a neurose, repensando-as segundo
reside, pois, em perder esse caráter micro e suas funções culturais.
macrocósmico que pertence ao indivíduo. Por Horney, assim como Rank, aspira a eliminar
isso, o autor ressalta que, na psicoterapia, “[...] o que entende por falácias biológico-mecanicis-
devemos evitar introduzir julgamentos defini- tas de Freud, para focar em uma Psicanálise da
tivos de valor, porque não lhe conhecemos a realização das plenas capacidades do indiví-
origem psicológica” (p. 45). duo. O pensamento de Horney tenta superar,
Cabe à psicoterapia, portanto, trabalhar a pois, as teorias instintivas e sexuais freudianas,
adaptação do indivíduo à sua vontade real, dando maior destaque aos relacionamentos in-
fazendo-o suportar a própria personalidade. terpessoais, que não são somente permeados
Isso ocorre somente quando o indivíduo aceita por impulsos sexuais, pois também trazem pa-
sua vontade, em vez de negá-la (Rank, 1934). drões culturais e sociais que se internalizam nos
A flexibilidade da técnica psicanalítica de indivíduos. Esses padrões internalizados po-
Rank possibilitou a circulação de sua terapia dem trazer alienações intrapsíquicas e interpes-
relacional entre psicólogos, assistentes sociais soais. Quando acontecem alienações decorren-
e educadores. tes dessas internalizações, o indivíduo começa
Saindo do percurso rankiano para adentrar a ter perturbações psíquicas, havendo reações
o decurso de Horney, salienta-se que esta foi neuróticas de desamparo e busca pelo reconhe-
uma analista alemã de formação médica que cimento dos outros (Hall et al., 2000).
desenvolveu o seu trabalho em Berlim, du- Segundo Horney, a neurose ocorre em ra-
rante os anos de 1919 – 1932. Embora tenha se zão de carência e do medo de perder o amor
vinculado ao Instituto Psicanalítico de Berlim, desejado. Essa ansiedade básica enseja neces-
desde o início, Horney exerceu a Psicanálise sidades excessivas de afeição. Quando elas
com um viés crítico a certos elementos cabais à não são satisfeitas, surgem impulsos de hosti-
teoria freudiana (Natterson, 1981). Especifica- lidade, autorrepressão e sentimentos de inse-
mente, aproximou-se de uma reflexão cultura- gurança, inferioridade e desamparo. Tudo isso
lista para refutar a tese freudiana, que genera- produz no indivíduo um quadro irrealista e
liza a inveja do pênis por parte das mulheres, idealizado de si (Hall et al., 2000).
acusando-a de ser oriunda de um preconceito Em conformidade com o pensamento de
masculino comum à cultura germânica. Rank, Horney (1959) compartilha a ideia de
Diante dessas críticas, Horney, assim como que a natureza humana não é escrava dos ins-
Rank, foi severamente excluída do circuito psi- tintos primitivos e que sua essência não é des-
canalítico freudiano, ao passo que, em 1932, truidora. No pensamento da autora, existem
ela aceitou o convite de migrar para os EUA forças construtivas que permitem aos huma-
e se tornar diretora do Instituto de Psicanáli- nos realizarem suas potencialidades criativas
se de Chicago. Ao se mudar para lá, Horney na luta pela autorrealização. Segundo ela, a
igualmente não encontrou aceitação e interlo- neurose desvia as forças construtivas para ca-
cução, situação que a fez mudar-se para Nova nais inertes e destrutivos, no entanto, há uma
Iorque, em 1934, na busca de continuar o seu força autorrealizadora que funciona como im-
trabalho (Natterson, 1981). No ano seguinte, as pulso autônomo e direcionador de forças para
ideias culturalistas e psicanalíticas de Horney superar a neurose.
a fizeram conferencista na New School for Social Para isso ocorrer, é necessário que a psico-
Research. Nesse contexto, Horney encontrou terapia priorize uma compreensão consciente
a respeito de nós próprios, a fim de conseguir Europa, a abertura dos EUA para receber psi-
a libertação dessa força de crescimento es- canalistas europeus e o advento da persegui-
pontâneo. Destarte, conforme Horney (1959, ção nazista foram fatores que influenciaram
p. 16), “[...] o ideal, para nós e para os outros, a migração de Rank e Horney para o conti-
consiste, sempre, na libertação e no cultivo das nente americano. Em Nova Iorque e Chicago,
forças que levam a autorrealização”. Assim, predominantemente, havia um contexto ins-
“[...] o indivíduo sempre crescerá no sentido titucional de associações e sociedades psica-
de sua autorrealização” (p. 119). Essa crença nalíticas favoráveis à difusão do pensamento
em uma força autorrealizadora é sustentáculo desses autores, que obtiveram maior aceita-
das questões teórico-práticas da psicoterapia ção entre psicólogos, psiquiatras, assistentes
de Horney. No que concerne à autorrealiza- sociais e educadores.
ção, Horney (1959) se remete aos estudos de
Kurt Goldstein, apesar de se diferenciar dele, Relação de Carl Rogers com as
por investigar o eu. Conforme o raciocínio de
Psicanálises neofreudianas
Horney (1959), a expressão eu real se refere ao
crescimento do indivíduo no sentido de sua de Otto Rank e Karen Horney
autorrealização, ou seja, de sua força interna,
central, comum a todos os indivíduos e, ao Após obter o seu título de doutor em Psi-
mesmo tempo, singular a cada um. O eu real cologia Clínica e Educacional na Universidade
se desenvolve em favor das condições internas de Columbia, Carl Rogers trabalhou em Nova
e valores do indivíduo. Iorque com crianças desajustadas no Rochester
A expressão eu ideal (Horney, 1959), por Institute for Child Guidance, de 1927 a 1928, e na
seu turno, vincula-se às imagens alheias que The Society for the Prevention of Cruelty to Chil-
o indivíduo adota como suas, funcionando de dren, de 1928 a 1938. Naquela época, Rogers
modo a manter ou a atingir essa idealização. (2001) lidou com a impossibilidade de atuação
Ocorre que tal autoidealização se transforma no campo da psicoterapia, dada a sua forma-
em um ponto de referência em que o indiví- ção em Psicologia. Segundo ele, não cabia ao
duo a adota como se lhe fosse real. Uma idea- psicólogo o emprego da psicoterapia, devido
lização, contudo, pode se tornar real quando o a sua restrição ao campo da Psiquiatria. Ro-
indivíduo busca atingir seus desejos com base gers atendia sob a égide do aconselhamento
em suas necessidades próprias. São caracterís- psicológico para exercer intervenções clínicas,
ticas do eu ideal: o afastamento dos próprios a partir de entrevistas. Evitando enfrentar a
sentimentos, desejos e crenças; a perda da sen- questão de frente com o campo da Medicina,
sação de ser um todo orgânico; e o alheamento ele acumulou significativas experiências clíni-
do eu verdadeiro. É próprio da neurose o des- cas e diversas pesquisas, que demonstraram a
vio de energias autorrealizadoras, destinadas possibilidade de atuação do psicólogo em ní-
ao desenvolvimento do eu real, para potencia- vel de psicoterapia.
lidades fictícias de um eu ideal ou idealizado. Esse contexto decorre do terceiro movi-
Quanto maior for o consumo de energia pelo mento psicanalítico nos EUA, mencionado an-
sistema do eu ideal, menores serão os impul- teriormente. Contudo, a despeito da questão
sos em favor da autorrealização e menor será a política envolvida em relação ao domínio da
capacidade do indivíduo de assumir a respon- psicoterapia na clínica, Rogers aproximou-se
sabilidade por si mesmo (Horney, 1959). das concepções de Otto Rank e Karen Horney,
As ideias de Horney foram bastante po- devido à abertura que eles tinham com profis-
pulares nos EUA entre psicólogos e psiquia- sionais não médicos.
tras, ao contrário do que lhe aconteceu na Após ter o seu trabalho clínico reconheci-
Europa. Muitos de seus livros se tornaram do, em 1938, Rogers partiu para a docência
best-sellers, em razão da sua didática e da na Universidade de Ohio, onde desenvolveu
alegação de que pessoas leigas poderiam re- pesquisas e intervenções sob a égide de acon-
ceber formação analítica para resolver ques- selhamento psicológico. Contudo, nessa atua-
tões específicas, caso guiadas por um psica- ção, Rogers (2005) se aproximou do campo da
nalista (Horney, 1976). psicoterapia, argumentando que uma relação
Em comum, Rank e Horney apresentam de aconselhamento bem facilitada produz
proposições teóricas e clínicas que repensam efeitos semelhantes aos resultados de uma
e divergem da Psicanálise freudiana. As di- psicoterapia. Tal proposição culminou, em
ficuldades de circulação de pensamento na 1942, na obra Counseling and Psychotherapy,
que promoveu uma aproximação do campo modo conceitualmente mais denso de que
do aconselhamento psicológico com a Psico- modo foi impactado por seu pensamento e
logia clínica (Scorsolini-Comin, 2014) e levou que seu contato pessoal com Rank num semi-
Rogers a ser contratado pela Universidade de nário ocorrido em Rochester no início de sua
Chicago, em 1945, com o intento de desen- carreira não durou mais que dois ou três dias.
volver pesquisas em psicoterapia. Ressalta-se Nesse sentido, Kirschenbaum (2007) assegura
que, naquele período, a American Psychologi- que não foi Rank que diretamente influenciou
cal Association (APA) estava interessada em Rogers, mas a escola rankiana que se desen-
financiar os estudos de Rogers para legiti- volveu nos EUA e o contato que Rogers teve
mar um lugar de psicoterapia para a Psico- com estudiosos dessa escola. DeCarvalho
logia (Rogers e Russell, 2002). Não por acaso, (1999), também, compartilha desse ponto de
por exemplo, Rogers foi eleito presidente da vista. Salienta-se que, a despeito do que foi ex-
APA, em 1946 (Capshew, 1999). posto, existe uma linha de argumentação que
Nas obras de Rogers oriundas desse con- defende a terapia tal como desenvolvida por
texto fértil de trabalho e pesquisa, é possível Rogers como fundamentalmente uma elabora-
encontrar diversas menções à Psicanálise neo- ção da terapia rankiana (Ellingham, 2011).
freudiana. Por exemplo, ao caracterizar sua Sollod (1978) concorda com os pontos de
proposta teórica de psicoterapia, Rogers (2005, vista de Kirschenbaum e DeCarvalho e afirma
p. 27) reconhece suas raízes a partir das no- que rankianos que desenvolveram a terapia da
vas perspectivas clínicas críticas aos métodos relação, como Jessie Taft, tiveram impacto so-
freudianos, aludindo às teorias de Rank, mo- bre a prática de Rogers. Tal influência se deu
dificadas por Taft, Alen e Robison (o chamado quanto: à ênfase no presente; à valorização da
Grupo da Filadélfia), e ao trabalho de Horney. expressão de emoções e sentimentos; ao foco
Nos anos em que trabalhou na Universidade no potencial de crescimento do cliente; à rela-
de Chicago, ao alcunhar sua proposta clíni- ção terapêutica desprovida do lugar de autori-
ca de terapia centrada no cliente, Rogers (1992, dade do terapeuta; ao não julgamento; a uma
p. 10) reconhece que esta apresenta fontes nos atitude mais compreensiva e menos interpre-
pensamentos psicanalíticos de Rank, do Gru- tativa; à concepção de relação como um encon-
po da Filadélfia e de Horney. Discorre-se, pois, tro real entre terapeuta e cliente; à aposta no
o que foi contatado e apropriado por Rogers fato de o cliente saber mais de si do que o tera-
em relação à Psicanálise neofreudiana de Rank peuta; e ao enfoque no autodesenvolvimento
e Horney. e na responsabilidade do cliente perante sua
Rogers revelou que as concepções de Rank situação e busca por autorrealização.
exerceram profunda influência no seu pensa- Devido às características acima, presentes
mento, com ideias que possuía apenas em es- tanto na terapia da relação quanto, posterior-
tado embrionário. Em 1928, Rank chegou a mi- mente, na terapia centrada no cliente, Sollod
nistrar alguns cursos na Pennsylvania School of (1978) afirma que Rogers não desenvolveu
Social Work, organizados por Rogers e alguns algo tão original no campo da psicoterapia,
terapeutas rankianos da Escola de Filadélfia, senão que tomou para si ideias da terapia da
como Jessie Taft, Virginia Robson e Frederick relação, simplificou-as “[...] e, o mais impor-
Allen (Rogers e Russell, 2002). tante, trouxe-as para o reino da Psicologia
Segundo Rogers (1992, p. 17), a abordagem acadêmica, onde poderia ser objeto de uma
rankiana o influenciou pelo fato de esta ser avaliação experimental” (p. 100, tradução nos-
“[...] a extensão das experiências práticas com sa). DeCarvalho (1999) não chega a tanto, mas
uma orientação terapêutica baseada principal- reconhece que a noção não biológica de cres-
mente na capacidade do cliente”. A despeito cimento, a valorização da experiência imedia-
de não ter dado importância ao modelo teó- ta da relação terapêutica e sua representação
rico de Rank, Rogers (1978) reconheceu que a como não invasiva e passiva constituem o fun-
terapia rankiana influenciou o seu pensamen- damento do que viria a ser a terapia centrada
to, por se focar mais em atitudes e emoções no cliente.
do que em técnicas e racionalizações clínicas, Mesmo que consideremos a originalidade
possibilitando maior autorrealização (DeCar- da obra de Rogers, é notório que ele se apro-
valho, 1999). priou de alguns aportes rankianos. De acordo
Kirschenbaum (2007), contudo, pondera com Kirschenbaum (2007), de todas as carac-
que Rogers não chega a citar textualmente terísticas que Rogers assimilou do pensamen-
Rank em suas obras ou mesmo explicitar de to rankiano, talvez a mais importante tenha
sido a ênfase na autocompreensão e autoacei- sa). Para ambos, portanto, a experiência clínica
tação do cliente no momento da relação tera- serviu de fundamento para suas reflexões a
pêutica. Ainda segundo Kirschenbaum, para respeito das condições de valores que moldam
os rankianos, “[...] se o paciente pode desen- a assimilação da experiência na relação com os
volver a capacidade de viver como um indi- outros.
víduo saudável na hora terapêutica [...], isso Em relação à teoria do eu, de Horney, Ro-
poderia ser transposto para a vida diária” (p. gers (1992, 1977) se aproxima dela ao reco-
88, tradução nossa). nhecer como hipótese central a noção de que
Rogers (1978), todavia, criticou a terapia de o indivíduo possui uma capacidade latente
Rank, devido a seus critérios não serem passí- para compreender os aspectos de si mesmo. O
veis de investigação científica e pelo seu suces- indivíduo tem, potencialmente, recursos para
so estar mais relacionado à sustentação de um desenvolver um direcionamento à autorreali-
ponto de vista relacional que não estabelece zação e à maturidade de um eu mais integrado
uma ordem do processo psicoterápico e me- com as suas experiências organísmicas, auto-
dição dos seus resultados. DeCarvalho (1999) conceitos e valores próprios. Para DeRobertis
acrescenta as seguintes diferenças entre Rogers (2006), Horney tem concepção semelhante a
e Rank: o uso de terminologia psicanalítica no respeito do eu, uma vez que, para a aludida
trabalho de Rank, como a importância da re- autora, o eu se move em direção ao crescimen-
lação mãe-bebê e o trauma do nascimento, é to – concepção muito cara à de autorrealização
ausente na obra de Rogers; a noção de cresci- postulada pela Psicologia Humanista. Para
mento em Rank ainda se ancora num quadro Paris (1998), a ênfase que Horney dá à self-
psicanalítico de organização da personalidade, -realization tendency (tendência à autorrealiza-
enquanto Rogers a simplifica, apresentando-a ção ou atualizante – a depender da tradução
como autorrealização; finalmente, ao contrário brasileira) como fonte de valores saudáveis e
de Rank, Rogers explicitou minuciosamente as meta de vida a torna uma das fundadoras da
condições para uma relação terapêutica efetiva. Psicologia Humanista. Em outro trabalho, Pa-
Kirschenbaum (2007) ainda menciona que, ris (1999) aproxima Maslow, expoente da Psi-
embora Rank condenasse as técnicas de instru- cologia Humanista, e Horney quanto à aposta
ção e interpretação, muitas passagens de sua na self-actualization mesmo diante de eventuais
obra trazem uma forte carga interpretativa. dificuldades encontradas no cotidiano.
Kirschenbaum acredita que isso se justifica na Nota-se que a teoria da personalidade e do
medida em que “[...] enquanto está proibido comportamento de Rogers (1992) baseia-se na
de interpretar o significado do conteúdo pas- relação do eu real e do eu ideal com as autor-
sado do paciente [...] é possível interpretá-lo regulações do organismo e a autorrealização
segundo o significado do seu comportamento da personalidade. Conforme expressa o autor,
presente na relação terapêutica” (p. 87, tradu-
ção nossa). Definitivamente, esta não é uma [...] a noção do ‘eu’ – elemento importante a nos-
característica da qual Rogers se apropriou na sa teoria – não é um ‘agente especializado’ que
construção de seu pensamento. funcionaria em conjunção com a tendência atua-
No que concerne à teoria de Karen Horney, lizante. O ‘eu’ nada faz; representa simplesmente
é interessante notar como Rogers (1977) a ela uma expressão de tendência geral do organismo
para funcionar de maneira a se preservar e se va-
se assemelha pela noção de condições de valia
lorizar (Rogers, 1992, p. 160).
(valores). Quando um indivíduo se ajusta em
favor das condições de valores que lhe foram [...] Considerando-se que a tendência atualizante
impostas, pode desenvolver estratégias para rege todo o organismo, ela se exprime igualmente
pleitear uma não perda de amor, mesmo que no setor da experiência que corresponde à estru-
para isso tenha que assumir um eu ideal (Hall tura do ‘eu’ – estrutura que se desenvolve à me-
et al., 2000; Paris, 1999). dida que o organismo se diferencia. Quando há
Segundo DeRobertis (2006), tanto Rogers acordo entre o ‘eu’ e o ‘organismo’, isto é, entre
quanto Horney elaboraram concepções de a experiência do ‘eu’ e a experiência do organis-
mo’, na sua totalidade, a tendência atualizante
desenvolvimento a partir do mesmo método:
funciona de maneira relativamente unificada. Ao
“[...] um estilo de coleta de dados retrospecti- contrário, se existe conflito entre os dados expe-
vo, baseado em casos, significando que cada rienciais relativos ao ‘eu’ e os relativos ao ‘orga-
um deles revela temas do desenvolvimento nismo’, a tendência à atualização do organismo
infantil por meio da reconstrução das infân- pode ser contrária à tendência à atualização do
cias de seus pacientes” (p. 178, tradução nos- ‘eu’ (Rogers, 1992, p. 161).
Nessa ótica, destaca-se a influência de Hor- é mais claro e preciso – especialmente no que
ney. Convém mencionar que Rogers (1992) diz respeito ao fato de ser uma diferenciação
utiliza as noções eu real e eu ideal para fazer do organismo como um todo (Rogers, 1992).
alusões às autorregulações que o comporta- O segundo ponto de discordância entre Ro-
mento pode esboçar mediante o eu e as neces- gers e Horney, ainda de acordo com DeRobertis
sidades do organismo. Salienta-se que Esselyn (2006), diz respeito à maneira como eles reagem
Rudikoff (1954), em uma obra organizada por a relações parentais que não facilitam seu de-
Carl Rogers e Rosalind Dymond, apontou so- senvolvimento. Para Rogers, em nome da ma-
bre essa semelhança com a teoria de Horney e nutenção do amor de pessoas significativas, em
comentou que as pesquisas empíricas rogeria- relações de consideração positiva condicional, a
nas a comprovam. criança passa a adotar comportamentos rígidos,
Destarte, é possível perceber que os apor- buscando cumprir as expectativas alheias a seu
tes de uma personalidade que funciona me- respeito. Horney, por sua vez, afirma que, dian-
diante os impulsos da autorrealização e um te de tais relações, a criança pode adotar uma
ajustamento em função do eu real ou eu ideal de três possíveis formas de se relacionar com o
têm raízes em Horney. Para Horney, segundo outro: ou vai em sua direção, ou foge dele, ou
DeRobertis (2006), o eu real tem em si a po- vai contra ele. Na teoria de Horney, essa forma
tencialidade de resolver conflitos e de ser mais de relação adotada pela criança soma-se às re-
espontâneo. Rogers faz, no entanto, uma re- gras (ou aos shoulds, como a autora chama) para
leitura da teoria do eu de Horney, incluindo moldar um eu idealizado.
alguns elementos funcionalistas, como a noção Rank, Horney e Rogers, ao assumirem uma
de autorregulação. posição de destaque para a autorrealização,
Para DeRobertis (2006), as aproximações para as adaptações do eu e ao papel da cons-
entre Rogers e Horney no que se refere à teoria ciência, distanciam-se de Freud, quando de-
do eu permitem que se vislumbre uma con- fendem a ideia de que os conflitos psíquicos
cepção comum a ambos acerca do desenvolvi- advêm de determinadas condições sociais e
mento humano. Segundo esse ponto de vista, ambientais, não se limitando somente a ques-
“Individualidade é uma expressão do desejo tões de ordem sexual, pulsional e instintiva.
inerente de crescer e se desenvolver em todas Rank, Horney e Rogers reconhecem a influên-
as crianças humanas, o qual é essencialmente cia do contexto social em que o indivíduo vive,
vivido, sentido, profundamente pessoal e in- detendo-se a seus aspectos íntimos em intera-
terpessoal em vez de intelectual” (p. 189, tra- ção com os fatores que moldam e afetam a per-
dução nossa). A força que motiva o desenvolvi- sonalidade. Indica-se, pois, que as teorias dos
mento, tanto para Rogers quanto para Horney, três autores em tela, em comum, cultivam uma
é a self-actualization, mediada pela relação com visão positiva do ser humano, com suporte em
os outros, que podem ou não facilitar esse pro- suas forças interiores e criativas, bem como
cesso. Nesse sentido, o self não é uma entidade sublinham a possibilidade de o indivíduo se
fixa e individualizada, senão que se apresenta estabelecer como único e criativo ante as con-
como um processo que se atualiza no conta- dições sociais e culturais.
to com os outros (Paris, 1999). É interessante No que se verifica, é notório que Rogers se
destacar que, a despeito da nítida similitude apropriou de alguns elementos da Psicanálise
entre as concepções a respeito da constituição neofreudiana desenvolvida nos EUA. Embora
do self em Rogers e Horney, não há menções esses elementos psicanalíticos o tenham in-
específicas a influências desta sobre aquele em fluenciado na composição de certos aspectos
duas das mais relevantes biografias de Rogers de sua teoria clínica, é equivocado afigurar
(Rogers e Russel, 2002; Kirschenbaum, 2007). Rogers exclusivamente como um expoente
Conforme DeRobertis (2006), Rogers e Hor- ou representante do movimento psicanalítico
ney se diferenciam em dois aspectos princi- neofreudiano, dado que ele não o continuou.
pais. O primeiro diz respeito ao fato de que, de Em outros termos, nos EUA, as ideias psica-
acordo com o referido autor, a concepção de nalíticas eram populares em um circuito de
Horney a respeito do self é pouco precisa, ca- formação composto por associações, institutos
racterizando-se como uma força quase mística e consultórios, alheios às exigências universi-
que impulsiona a pessoa ao crescimento. Já o tárias de ciência psicológica, com as quais Ro-
entendimento de Rogers sobre o mesmo con- gers se deparou. Seja freudiana ou neofreudia-
ceito, embora não entre em choque com aque- na, em comum, as vertentes psicanalíticas de
le apresentado pela psicanalista neofreudiana, psicoterapia não dialogam com os tradicionais