Você está na página 1de 55
Alexandre Almeida Marcussi DIAGONAIS DO AFETO TEORIAS DO INTERCAMBIO CULTURAL NOS ESTUDOS DA DIASPORA AFRICANA A FAPESP Intermeios 3. O retorno a cultura Asambiguidades presentes em Q nascimento da cultura afro-americans, de Mintz ¢ Price, tornaram bastante confuso o debate que se seguiu A sua Publicagao, pois seus criticos raramente discriminaram de forma precisa a que aspectos da argumentacéo dos autores faziam referencia em cada contexto|Como vimos, Mintz e Price recorreram simultaneamente a uma matriz tedrica sociolégica ¢ uma culturalista para entenderem a formacio das culturas afro-americanas, atingindo 4s vezes conclusées potencialmente contraditériasJTentemos, ento, compreender a polémica sobre o ensaio: a0. final, veremos que aleitura culturalista do processo tendeu a prevalecer sobre a abordagem sociolégica, minimizando_a importanci: roblemiticas a_respeito_das instituiches ¢ agudizando ainda mais os problemas da perspectiva herdada de Herskovits ‘Apesar de Mintz e Price quase nao terem empregado a expressio “cultura crioula’” endo terem usado, em nenhum momento do ensaio, otermo “crioulizagao” (exceto para se referirem a formacao das linguas crioulas), é fato que b conceito de “crioulizacao” acabou ficando fortemente associado & obra dos dois autores. [Em parte, isso se deve 4 importancia geral do termo nos estudos afro-americanistas em 1973] ano em que o ensaio foi publicado, ainda com circulagao restrita, © livro de Kamau Brathwaite,’ que trazia a expresso “sociedade crioula’ no titulo, era entao bastante recente, e(as discusses historiogrificas encontravam-se, 4 época, articuladas com as 1 Kamau. The development of creole society in Jamaica: 1770-1820. Kingston, Jamaica/Miami, USA: Tan Randle Publishers, 2005, 132 DUAGONAKS DO AFETO discuss6es linguisticas sobre a formagao das linguas crioulas no Caribe. Num_ contexto social marcado pelo florescimento de movimentos com politicas de afirmagao da negritude nos Estados Unidos) essas reflexdes ganharam bastante visibilidade, ea obra de Mintz e Price foi lida e discutida nesse contexto de ideias. 0 livro de Brathwaite exerceu, fora do Caribe, influéncia mais restrita do que o ensaio de Mintz e Price, que acabou, entao, associado As reflexdes sobre a “crioulizagao”. AsreagSes obra foram heterogéneas. Alguns autores saudaram o ensaio como uma grande renovasio na area, em grande parte devido ao esgotamento do projeto herskovitsiano de identificagao dos “africanismos’ nos Estados Unidos.’ Outros receberam a obra com bastante ceticismo, considerando: que Mintz e Price estariam minimizando a tenacidade das culturas africanas za América. Os debates em torno do tema continuam acalorados até hoje Alguns autores tentaram elaborar posigdes intermediérias de consenso, que, no entanto, minimizaram questées que permanecem centrais para outros autores, apresentando, dessa forma, uma perspectiva parcial da discussio, Neste capitulo, buscarei analisar os argumentos de alguns dos mais importantes representantes das principais correntes historiograficas que debateram a questdo, com foco na historiografia norte-americana, De uma forma geral, é possivel afirmar que os historiadores que se seguiram. ‘a Mintz e Price encaminharam a discussdo sobre a formagao das culturas afro-americanas ¢ sobre 0 conceito de crioulizagio enfatizando uma abordagem culturalista do tema, num retorno a modelos interpretativos que podem ser relacionados aos de Herskovits, mas contando com uma massa de informagées empiricas muito mais abrangente ¢ sofisticada do que as disponiveis em meados do século XX. 3.1. A critica afrogenética a Mintz e Price ‘A maior parte dos criticos da obra de Mintz e Price cobrou dos autores uma maior atengio as culturas étnicas dos escravos africanos, que, em sua concepsio, teriam sido recriadas na América ¢ teriam se mantido atuantes por bastante tempo, em vez de darem lugar a uma “cultura crioula’ desde 0 principio, Para eles, a obra de Mintz e Price parecia nao valorizar de forma 2 PALMIE, Stephan. Is there a mode in the muddle? “Creolzation’ in African Americans History and Anthropology. In: STEWART, Charles (Ed). Creolization: History, ethnography, theory. Walnut Creek, EUA: Left Coast Press, 2007, p. 186,

Você também pode gostar