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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO

Autor:
Fernando Cesar Negrini Minto

Dissertação de Mestrado:

A EXPERIMENTAÇÃO PRÁTICA CONSTRUTIVA NA


FORMAÇÃO DO ARQUITETO.

Orientador:
Reginaldo Luiz Nunes Ronconi

SÃO PAULO
2009
FERNANDO CESAR NEGRINI MINTO

A Experimentação prática construtiva na formação do


arquiteto.

Dissertação apresentada ao curso de Pós-


Graduação da Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo,
para a obtenção do título de mestre em
Arquitetura e Urbanismo.

Área de Concentração: Tecnologia


Orientador: Prof. Dr. Reginaldo Luiz Nunes Ronconi

SÃO PAULO
2009
AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR
QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA,
DESDE QUE CITADA A FONTE.

E-MAIL: fernandonegrini@usp.br

Minto, Fernando Cesar Negrini


M667e A experimentação prática construtiva na formação

do arquiteto / Fernando Cesar Negrini Minto. --São Paulo,

2009.
223 p. : il.

Dissertação (Mestrado - Área de Concentração: Tecnologia) -

FAUUSP.
Orientador: Reginaldo Luiz Nunes Ronconi

1.Arquitetura – Estudo e ensino 2.Arquiteto - Formação

I.Título

CDU 72:37
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS........................................................................................................................ 4
RESUMO. ....................................................................................................................................... 6
ABSTRACT. ..................................................................................................................................... 7
1. INTRODUÇÃO. ....................................................................................................................... 8
1.1 A Arquitetura em seu contexto. .................................................................................. 14
1.2 Quanto às escolas........................................................................................................ 17
2. ANÁLISE DE ALGUNS PRECEDENTES HISTÓRICOS. .............................................................. 23
2.1 Algumas colocações iniciais: ....................................................................................... 24
2.2 A figura social do arquiteto e suas atribuições ........................................................... 30
3. NO BRASIL. .......................................................................................................................... 59
3.1 Desde o início... ........................................................................................................... 61
4. QUANTO AO PROJETO E A CONSTRUÇÃO. .......................................................................... 69
4.1 Um capítulo à parte..................................................................................................... 72
4.2 O fazer e o pensar e a inteireza dos projetos.............................................................. 76
4.3 Breve reflexão sobre o cenário atual. ......................................................................... 83
4.4 Sobre Escolas de arquitetura: Algumas questões. ...................................................... 87
5. QUESTÕES REFERENTES AOS CANTEIROS DAS ESCOLAS DE ARQUITETURA....................... 95
5.1 Formação e ensino de arquitetura. ............................................................................. 96
5.2 Os canteiros experimentais nas escolas de arquitetura ........................................... 100
5.3 Canteiros experimentais: O que esperar?................................................................. 110
6. CONCLUSÃO (ÕES)............................................................................................................. 121
7. Referências Bibliográficas. ................................................................................................ 124
ANEXOS ..................................................................................................................................... 129
ENTREVISTA: Prof.ª Érica Yukiko Yoshioka– FAUUSP. ............................................................... 135
ENTREVISTA: Prof.ª Anália Amorim – FAUUSP.......................................................................... 149
ENTREVISTA: Eduardo Salmar Nogueira e Taveira – FAUUNIMEP ............................................ 168
ENTREVISTA: Maria Amélia Devitte Ferreira d’Azevedo Leite – PUCCampinas ........................ 188
ENTREVISTA: Yopanan Rebello – UNIVERSIDADE SÃO JUDAS .................................................. 208
AGRADECIMENTOS.

A realização deste trabalho não seria possível sem a importante participação de

alguns.

Inicialmente, gostaria de agradecer ao Professor Maxim Bucaretchi, por me iniciar nos

conhecimentos deste incrível universo que é a arquitetura.

Agradeço ao professor Reginaldo Ronconi que, além de ter sido incansável orientador,

me convidou para esta deliciosa aventura de escrever este trabalho.

Aos professores e amigos, João Marcos Lopes e Érica Yoshioka, pelos conselhos na

banca de qualificação. Fase fundamental para a transformação daquele texto, nesse.

Agradeço a todos os amigos da USINA, em especial Jade, Tiarajú, Heloísa, Beatriz,

Isadora, José Eduardo, Pedro, Paula, Taís e Mário, pela ajuda e pelo companheirismo.

Aos amigos e colegas da Prefeitura Municipal de Taboão da Serra, que

compreenderam minhas angústias e minhas ausências.

Agradeço à FAPESP pela bolsa concedida.

Agradeço aos entrevistados, por me emprestarem seus conhecimentos e seu tempo.

Agradeço aos meus pais e irmã, por sempre permanecerem torcendo e apoiando,

principalmente ao meu pai, pela revisão e à minha mãe, pelas traduções.

Agradeço à minha querida Laura, por estar ao meu lado, haja o que houver!
O que eu ouço, esqueço

O que eu vejo, lembro

O que eu faço, aprendo.

Confúcio
RESUMO.

Pensar e fazer arquitetura são ações concomitantes da criação que tem como resultado

um objeto construído. Este objeto, seja ele perene ou efêmero, se comunica com o ambiente e

traduz os desejos e valores daqueles que o construíram. O autor da obra deve ter o domínio e

a habilidade de executá-la com sucesso, seja nos domínios da significação, seja nos domínios

da concreção.

A história da arquitetura demonstra o contínuo desenvolvimento da técnica de se

construir refletindo e significando sempre as manifestações de maior importância numa

determinada cultura. O ensino da disciplina sempre promoveu a transferência dos

conhecimentos importantes em cada período da história para que estas manifestações fossem

possíveis. No momento atual, as escolas de arquitetura têm operado segundo o modo de

produção das cidades que segue modelo econômico vigente. Neste processo, os currículos das

escolas abandonam a experimentação prática em canteiros de obra e concentram suas

atividades exclusivamente em disciplinas teóricas e na atividade prática de projetação.

Nesta dissertação, alguns apontamentos levarão à reflexão da importância de se

retomar a capacidade de entendimento da arquitetura em sua plenitude, retomando o

canteiro de obras como espaço privilegiado para a apreensão destes conhecimentos. Aponta

para a importância de conhecer a realidade dos canteiros de obra e dos trabalhadores que

operam em ambientes inapropriados, alienantes e que são alvos fáceis para a exploração.

Enfim, o trabalho busca trazer contribuições para a compreensão do ensino de arquitetura que

dá ênfase à experimentação prática na formação do arquiteto.

Palavras chave: Canteiro Experimental, Ensino da arquitetura, Formação do arquiteto.


ABSTRACT.

To think and to make architecture are concomitant actions of the creation that have as a

result a constructed object. This object being either everlasting or ephemeral, it communicates

itself with the environment and translates the desires and values of those who constructed it.

The author of the work must have the domain and the skill to perform it with success, whether

in the domains of the signification as in the domains of the realization.

The History of Architecture shows the continuous development of the technique of

constructing always reflecting and signifying the manifestations of major importance in a

certain culture. The teaching of the discipline has always promoted the transfer of important

knowledge of each period of History for these manifestations to be possible. In the current

moment, the schools of architecture have been operating according to the way of production

of the cities which follow the standing economical model. In this process, the curricula of the

schools abandon the practical experimentation in job sites and concentrate their activities

exclusively on theoretical disciplines and on practical activities of planning.

In this paper, some notes will take to the reflection of the importance of retaking the

capacity of understanding architecture in its fullness, retaking the job sites as a privileged

space for the apprehension of this knowledge. It points to the importance of knowing the

reality of the job sites and of the workers who operate in an inappropriate and alienating

environment, who are easy target for the exploitation.

Finally, this work searches to bring contributions to the understanding of the

architecture teaching that gives emphasis to the practical experimentation in the formation of

the Architect.

Key words: Experimental Job Sites, Teaching of Architecture, Formation of the Architect
1. INTRODUÇÃO.

“Não se projeta nunca para, mas sempre contra


alguém ou alguma coisa: contra a especulação
imobiliária e as leis ou as autoridades que a protegem,
contra a exploração do homem pelo homem, contra a
mecanização da existência, contra a inércia do hábito e
do costume, contra os tabus e a superstição, contra a
agressão dos violentos, contra as adversidades das
forças naturais; sobretudo, projeta-se contra a
resignação ao imprevisível, ao acaso, à desordem, aos
golpes cegos dos acontecimentos, ao destino.”
Giulio Carlo Argan – Projeto e Destino.
O projeto, como ato criativo, requer prerrogativas, premissas e está sujeito a

contingências e a imprevisibilidade. Há sempre um contexto específico, uma razão

específica, e, principalmente, lugares e pessoas envolvidas com suas peculiares

especificidades. Isto faz do projeto algo vivo e passível de transformações e de citações

no decorrer do seu desenvolvimento.

Projeta-se, geralmente, prevenindo-se de todas as possíveis surpresas

imagináveis. Prevenindo-se de possíveis mudanças de programa que poderiam

acarretar na destruição da arquitetura, prevenindo-se de possíveis alterações nos

quadros sociais que venham a impossibilitar algum tipo de uso. Projeta-se se

prevenindo contra danosas mudanças climáticas ou intempéries que possam arruinar

um edifício. Previne-se de possíveis faltas de algum tipo de material ou da

impossibilidade de concretizar algum tipo de estrutura por falta de técnica ou de

tecnologia para a execução de alguma operação num determinado lugar. Projeta-se

conhecendo a realidade dos esforços necessários para a execução dos trabalhos no

canteiro.

O arquiteto tem de exercitar o raciocínio a fim de “prever” surpresas. Tem que

desenvolver habilidades para conhecer a realidade das construções e ter liberdade ao

projetar. Para que ele conheça com propriedade as contingências inerentes à função

de uma dada arquitetura, basta exercitar o projeto, basta conhecer a sociedade com a

qual está trabalhando e quais os desejos e as demandas daqueles que vão usar tal

edificação. Mas para conhecer a fundo as possíveis surpresas decorrentes da

concreção, tem que praticar a construção propriamente dita.

Para que o arquiteto, sujeito da ação criativa do projeto, esteja pronto para as

devidas “tomadas de decisão” no projeto, ele deve percorrer um caminho muito bem
trabalhado de maturação e de labor na sua formação. Este caminho deve levá-lo a um

estado de emancipação e equipá-lo com intuição suficiente para que suas obras

respondam, com sucesso, a tais solicitações.

O mercado da construção como se encontra hoje, gera uma espécie de

fracionamento do trabalho – e também da vida – que faz com que o homem opere,

cada vez mais, partes isoladas das atividades em momentos – tão “específicos e

inteiros” – que não se relacionam com o todo coeso. Afastado dos canteiros de obra, o

profissional vive uma espécie de isolamento nas pranchetas e nas telas de seus

computadores.1 Este contexto configura um cenário no qual o profissional está sujeito

a previsibilidades que, por muitas vezes, acabam por castrar sua capacidade

imaginativa. Quando colocadas frente a frente estas duas questões – o cenário atual

no qual opera o profissional da arquitetura e a necessidade do estado da emancipação

e da devida munição intuitiva do profissional – vê-se uma contradição.

Em sua obra “Pedagogia da Autonomia” (1996), Paulo Freire enfatiza a

necessidade da não completude do homem, de dar margem às descobertas e de negar

a inércia do hábito para provocar as transformações. Para que o homem assuma uma

postura crítica frente aos problemas e frente à vida, este deve assumir a sua

incompletude enquanto ser, precisa se descobrir incompleto para que possa,

avançando em suas descobertas particulares, evoluir nas invenções concretas do

mundo. Mais uma a contradição entre a necessidade e a realidade, já que o arquiteto

tem a necessidade de se ajustar aos modelos vigentes e ao apontamento dos

1
Sérgio Ferro, ao escrever o Programa para Pólo de Ensino Pesquisa e Experimentação da Construção,
considera que “... se a dimensão do projeto constitui hoje um autentico saber fazer (bem visível nas
escalas dos concursos, por exemplo), a construção ainda continua amplamente subestimada na formação
arquitetônica e desacreditada entre os jovens profissionais”. In: FERRO, Sergio. Arquitetura e trabalho
livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006. Pág. 222.
materiais, equipamentos moldes e bitolas existentes no mercado. Em resumo, a

indústria da construção não dá margem a esta tão necessária assunção da

incompletude, já que tudo está mastigado, pronto, dado.

Jung quando escreveu2 seu livro “Memórias sonhos e reflexões”, percebeu que,

ao fazê-lo, se surpreendia diariamente com o que acabava descobrindo. A própria vida

estava apagada de sua memória que foi sendo despertada pelo exercício. Enquanto

escrevia, sua memória passeava por novas possibilidades que se abriam no ato

daquela criação e aquele contexto lhe provocava novas descobertas. Tratou sua

redação como uma grande surpresa para si mesmo e chegou a afirmar, sobre esta

obra, que “existe no ato da criação alguma coisa de imprevisível que é de antemão

impossível fixar nem prever”. 3

O lugar pode ser uma nova descoberta. O olhar, atento e crítico, para a cidade

pode despertar e disparar o raciocínio voluntário de transformação. O problema é que

a observação e o uso dos espaços públicos são tratados com cada vez mais

ingenuidade. Os habitantes usam a cidade com uma perigosa indiferença, com uma

naturalidade de quem olha sem estar atento “Do mesmo modo que a

reprodutibilidade técnica da obra de arte provoca a dissolução da aura, a repetição do

choque-vivência vai disciplinando o aparelho perceptivo do habitante da grande

cidade. A atrofia moderna da experiência é o avesso de uma crescente organização de

estímulos ou neutralização de situações ameaçadoras e traumáticas”.4

É fundamental que o arquiteto – além de se colocar pronto para conseguir

operar da melhor maneira suas capacidades intelectuais para projetar – saiba

2
Na verdade ele não escreveu este livro, mas sim o ditou a Aniela Jaffé em encontros semanais.
3
JUNG, C. J. Memórias, Sonhos e Reflexões. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1996.
4
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da Arquitetura depois dos Modernos. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2000.
entender os contextos e as experiências proporcionadas por cada situação, por cada

lugar. As formas próprias de uma determinada arquitetura são intimamente ligadas à

experiência do lugar. Esta é uma das razões que faz da arquitetura algo, por muitas

vezes, única.

Desta forma, o lugar e o programa são algumas das contingências, são as cartas

dadas para o projeto e assim dá-se o tabuleiro para que as “surpresas” aconteçam. Há

inúmeros elementos disparadores da criação: A demanda, a técnica, o sistema

construtivo. Todos eles são determinantes para uma resolução adequada que não é

tão somente um impulso imaginativo que decorre do nada, mas sim fruto da

capacidade de estar aberto para que a sensibilidade e a intuição do autor criem a

partir do problema, da somatória.

O arquiteto deve estar devidamente instrumentalizado para dar as respostas –

que no caso configuram a própria obra arquitetônica. Esta instrumentalização é o

espírito seguro do artista que o torna apto a dar as melhores respostas a tais

demandas. Portanto, a análise pormenorizada das características da demanda, somada

à prontidão projetual e à abertura intuitiva para a criação são elementos fundamentais

para o trabalho de arquitetura. Obviamente que estes elementos fundamentais devem

estar presentes e serem explorados durante a formação do arquiteto. É no momento

de sua formação que se faz possível este percurso emancipado que aguça a percepção

da não inteireza do ser, que faz com que o saber evolua de ingênuo para crítico.

Nesta dissertação, a análise de alguns trechos da história da formação do

arquiteto, mostrará que o canteiro de obras por muito tempo foi o espaço privilegiado

para o aprendizado da arquitetura. A figura do arquiteto, que sempre esteve

relacionada à construção, se formava e aprendia o seu ofício nos canteiros de obra,


construindo. A comprovação de suas capacidades – ou até mesmo sua promoção a

arquiteto – era atribuída pela constatação de que era capaz de conceber, gestar a

produção e erigir. Ou seja, o arquiteto era reconhecido como tal na medida em que

pudesse realmente projetar e construir alguma coisa, e que ficasse bom. É somente no

Renascimento – por questões políticas, filosóficas e sociais – que o aprendizado passa

a se bastar somente com a apropriação de conhecimentos técnico-científicos que

pudessem comprovar matematicamente a erigibilidade da obra.

De lá prá cá muita coisa aconteceu, muitas transformações ocorreram – inclusive

a criação da “Académie Royale d’Architecture” em 1671 – e muito se evoluiu na

construção do conhecimento em arquitetura. Mas, neste ínterim, cada vez mais o

aspirante a arquiteto se distanciou da construção e dos canteiros de obra. E este

distanciamento desfavoreceu o entendimento pleno de toda a complexidade da

criação na arquitetura. Além disso, o próprio mercado da construção passa a exercer

pressões fazendo com que o profissional de arquitetura pouco a pouco vá perdendo

suas manifestações generalistas e passe a se especializar.

No processo evolutivo de assunção da incompletude, tomada de consciência e

critização do saber, é praticamente impossível deixar de perceber a importância de se

conhecer a condição do trabalhador que constrói o que foi projetado. Como afirma o

arquiteto e incansável crítico, Sérgio Ferro, é preciso que se mostre e se conheça “a

questão da casa popular” e que esta “não será nunca resolvida se não atingirmos o que

está mais embaixo ainda, que é o sistema de exploração global do trabalhador”.5 A

situação dos trabalhadores deve ser conhecida para que se compreenda como

funciona a divisão e a distribuição das forças que operam na construção civil. A partir

5
FERRO, Sergio. Op. Cit.
daí é que o arquiteto pode compreender – como fica explícito na crítica de Sergio

Ferro em “O canteiro e o desenho” – quais as conseqüências do seu desenho na

exploração do trabalho do construtor e na transformação da “manufatura” 6,

encontrada nos canteiros de obra, em “mercadoria”. Esta percepção fica praticamente

impossível se não houver uma reaproximação do aluno de arquitetura do ambiente da

construção.

Há aqui, então, mais dois pontos fundamentalmente importantes a serem

explorados na ocasião da formação do arquiteto: O binômio e a contradição canteiro x

desenho, e a dimensão econômica e social na qual se coloca a arquitetura nos dias de

hoje.

1.1 A Arquitetura em seu contexto.

Principalmente nos países centrais – mas também no terceiro mundo em menor

escala – a arquitetura de referência, ou de ponta, é construída dentro de um modo de

produção que é regido pelo capital financeiro. Neste modelo, a arquitetura assume

uma função que é a de ser espetáculo para se transformar em imagens fortes que

representem – ou signifiquem – o sucesso de grandes incorporações. O objetivo de

engrandecer um nome ou uma marca é mais evidente que o da boa resolução

construtiva. Ficam, com isso, marginalizadas as concepções como a de Vittorio Gregotti

que afirma que “A arquitetura se nos apresenta,..., como uma resposta significativa, ou

6
Para Sérgio Ferro, atualmente nos canteiros de obra há um modo de produção do trabalho que está entre
a industrialização e o trabalho do artesão – a manufatura.
seja, poética, ao problema do habitar, projetando e construindo todo o ambiente físico

de acordo com este objetivo”.7

Tais modos de produção, não são exclusivos do capital privado. Muitas das

municipalidades e poderes públicos disputam por estas magníficas “esculturas” já que

estas representam, na maioria das vezes, um incremento para a cidade que passa a

receber enormes quantidades de turistas e para apreciar estas “jóias”, estas “obras de

arte”.

Há uma infinidade de características e conseqüências deste modelo que serão

muito sucintamente abordados neste trabalho (inclusive o fato de que por detrás de

uma obra cuja “pele” esconde os processos, há a história do material e do imaterial, há

as diversas histórias dos trabalhadores e trabalhadoras que por lá estiveram edificando

aquela estrutura), mas o que é mais importante para a pesquisa é compreender como

a academia pode estabelecer novas relações com a construção civil tendo como pano

de fundo esta mobilização da indústria da construção para a produção de imagens que

são, muitas vezes, mais importantes que a própria estrutura, beleza ou programa. 8

Surge a necessidade de se reavaliar a formação da classe de arquitetos que se

insere anualmente no mercado. A profissão do arquiteto adquire, hoje, funções muito

mais emergenciais e de importância social muito maior do que na época em que este

estava preocupado somente com as suas aspirações e intelecções.

O aluno inexperiente e muitas vezes com o olhar ingênuo e desinformado sobre

a paisagem e a inércia do pano de fundo financeirizado é induzido a reproduzir

7
GREGOTTI, Victorio. Território da Arquitetura. (tradução de Berta Waldman-Villá e Joan Villá) São
Paulo: Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975 – Pág. 49
8
“A relação clássica de forma e função expressa na tectônica do objeto arquitetônico parece estar sendo
liquefeita para que a arquitetura possa circular mundialmente com imagem de si mesma”. In: ARANTES.
Pedro Fiori. O Grau Zero da Arquitetura na Era Financeira. In: Novos Estudos. CEBRAP 80. Março
2008. Pág. 195.
imagens sem que se dê conta – muitas vezes – do que é que realmente ele está

fazendo. É necessário que o aprendiz perceba a importância de “desconfiar de tudo” e

para isso é necessário que ele eduque e aguce a sua percepção. Isto significa que o

aprendiz tem, a seu favor, contra esta fumaça que seduz o olhar, a sua intuição. É

importante que o aluno desenvolva a percepção e a intuição9, elementos de grande

valia no processo de sua emancipação dentro deste cenário dominado pelas grandes

marcas e guiado pelas grandes empreiteiras.

O aprendizado está centrado, hoje, nas escolas. A experimentação e vivência da

arquitetura está nas cidades e isto faz do processo de formação do aluno uma

experiência esquizofrênica. O aluno que passa a conhecer os canteiros de obra, com o

olhar crítico, desnaturaliza-o e passa a refletir sobre o seu papel real na construção da

cidade. Passa a refletir sobre os efeitos e conseqüências de seu desenho.

O objetivo deste trabalho é entender de que maneira um ambiente de

experimentação prática de construção facilita e incentiva estas reflexões nas

faculdades de arquitetura e urbanismo. Para tanto se vê necessário o reconhecimento

das atuais manifestações arquitetônicas e suas relações com o contexto. É mais

importante para este trabalho a questão relacionada à experimentação na formação e

o “canteiro” como ambiente privilegiado para aspectos importantes para a formação

do arquiteto-urbanista.

9
Numa entrevista à Revista da Pós da FAUUSP, o arquiteto João Figueiras Lima diz o seguinte: “(...) A
perda da intuição para o ser humano é a destruição de uma bagagem incrível, construída com tanta
dificuldade por tantas gerações, e uma coisa predominante e mais importante para o ensino de arquitetura
deveria ser estimular essa questão da percepção (...)”. in: PÓS – Revista do Programa de Pós Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP/ Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Comissão de Pós-Graduação – v.21. São Paulo: FAU, 2007
1.2 Quanto às escolas...

Por contingências históricas, – que serão abordadas neste trabalho – os

arquitetos foram condicionados a manterem-se na prancheta, fazendo projetos

alienados dos afazeres diários da obra, projetos estes que são enviados para que sejam

calculados e que tenham suas estruturas dimensionadas por engenheiros que não

participaram do momento conceptivo/ criativo deste. Este mesmo projeto é orçado e

executado por empreiteiras que nem sequer haviam visto o projeto antes de sua

conclusão, criando, assim, uma espécie de ‘linha de produção da arquitetura’ que se

desdobra em uma ‘linha de produção do espaço’.

Este processo de produção possui no cume de sua pirâmide, as grandes

incorporadoras que mantém sólidos lastros em mercados financeiros. Estes mercados,

por sua vez, ditam as tendências e programas deste espaço, enquanto o realizador/

operador final destas construções continua alienado e massacrado na base desta ‘linha

de montagem’.

Neste processo histórico, as demandas externas “moldaram” os cursos de

arquitetura de forma que estes formam arquitetos que desenvolvem operações

inerentes a uma parte de uma cadeia produtiva na construção das nossas paisagens,

esta especialização nega a concepção generalista da profissão e mutila o profissional.

“O paulatino distanciamento da cadeia produtiva, fez com que o arquiteto perdesse

parte importante de sua autonomia. Nesse processo abriu mão, durante a sua

formação, de conhecimentos essenciais para o ofício e criou então uma falsa dicotomia

entre a técnica e a arte”.10

10
RONCONI, Reginaldo Luis Nunes. Inserção do Canteiro Experimental nas Faculdades de Arquitetura
e Urbanismo. São Paulo, 2002. Tese de Doutorado FAU USP. Pág. 1
Na recente publicação dos “Anais do Seminário Ensino e Arquitetura” – que

aconteceu na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP em Maio de 2007 –

encontra-se alguns artigos nos quais seus autores estavam manifestando a

necessidade de “salientar e enfatizar as atividades práticas do arquiteto” que devem

ocupar uma maior parte das cargas horárias nos currículos das faculdades. Apóiam-se

as discussões em análises comparativas que contrapõem questões teóricas e práticas

questionando qual possui melhor eficiência na formação. Porém, as citações destas

discussões, tratam as atividades práticas do arquiteto apenas no que diz respeito

àquelas de ateliê. Para alguns professores preocupados com a re-configuração do

ensino da arquitetura e do urbanismo, “a prática mostra que falar de ensino/

aprendizagem de arquitetura é falar de ensino/ aprendizagem da atividade distintiva

da arquitetura que é o projeto11”. 12

A preocupação legítima de alguns professores com o distanciamento entre as

vivências diárias das escolas e o quotidiano do profissional de arquitetura, considera a

importância da sua re-aproximação. Esta reflexão é muito útil e pertinente, porém é

falha no sentido de não mencionar a construção como parte desta prática. A

continuação deste trecho do artigo escrito pelo professor Minoru Naruto diz o

seguinte:

“Ao invés de tarefas programadas pelas disciplinas, que afastam os alunos de

um real aprendizado de projeto e da própria realidade social e profissional, o ateliê

deve e pode resgatar a vocação original com que foi concebido e implantado nas

11
Grifo do autor, com a intenção de enfatizar a afirmativa que indica o projeto como atividade „distintiva‟
do arquiteto, sem que se mencione a construção.
12
NARUTO, Minoru. O questionamento da disciplinaridade do ateliê como fundamento para a discussão
da formação do arquiteto. In: Seminário Ensino Arquitetura e Urbanismo (2007: São Paulo) – Anais do
Seminário Ensino Arquitetura e Urbanismo/ São Paulo: FAUUSP, 2007. 151pp. Pág.13.
escolas de arquitetura: a preparação para a dimensão prática da arquitetura. Preparar

para a prática significa proporcionar aos alunos a vivência de situações reais desta

prática, isto é, elaborar projetos para a solução de problemas concretos13. Ou, no

mínimo, elaborar projetos em situações as mais próximas da realidade, o que hoje

acontece em casos somente excepcionais”.14

Toda a preocupação com a vivência de situações reais desta prática deve ser

considerada tendo como princípio a plena atividade profissional do arquiteto. Do

arquiteto que pensa o projeto, projeta o sistema, reflete sobre a construção. É

importante que o aluno da escola de arquitetura entenda a dimensão que tem os

traços que ele produz. É importante que ele entenda que cada traço daquele

representa horas e horas de trabalho de operários que estarão executando

exatamente o que aquele desenho mandou.

O afastamento do arquiteto dos canteiros de obra é abordado na tese de

doutoramento de Reginaldo Ronconi. Preocupado em instruir e, principalmente, criar

no aluno uma visão crítica das questões relativas à construção, o arquiteto comenta:

“Sabemos que a formação escolarizada do arquiteto centrada no ateliê é

relativamente recente. Essa forma de organização do ensino procurava estimular a

síntese e a concentração no projeto”. O autor ainda acrescenta: “Porém percebemos

que esse processo afastou o arquiteto do longo caminho entre o projeto e a obra

pronta”.15

A possibilidade de trabalhar a síntese global das atividades de arquitetura em

atividades pedagógicas de projeto é presente no ambiente de canteiro experimental. É

13
Grifos do autor.
14
NARUTO, Minoru. Op. cit.
15
RONCONI, Reginaldo... Op. cit.
neste lugar que passa a acontecer – dentro de uma proposta pedagógica que

considere os assuntos necessários e relevantes – o entendimento do processo de

construção. Em outras palavras, o ambiente de canteiro experimental é um espaço

onde o aluno de arquitetura se fortalece e amadurece o seu discernimento.

Porém, para que a síntese seja realmente global, deve haver a participação de

todas as áreas da faculdade de arquitetura neste canteiro.

Uma questão importante que deve ser considerada, é que os canteiros

experimentais que existem hoje nas faculdades de arquitetura – além de serem muito

escassos16 – trabalham de maneira muito isolada em relação ao restante do curso. É

como se no meio das disciplinas houvesse uma ‘atividade paralela’ ou ‘extra’ que é as

experiências de canteiro. O aluno visita este espaço, trabalha um pouco, assenta uns

tijolos, concreta uma viga, acerta algumas vezes, erra outras, sorri, lava as mãos, volta

à aula.

Esta é a freqüente relação que se tem com as atividades práticas de construção

nas faculdades de arquitetura. Uma relação cindida com o resto do curso.

Na verdade, a necessidade é que haja uma integração de todo o curso, e que as

atividades de canteiro sejam parte de um todo. Não se podem separar atividades de

canteiro e atividades de ateliê. São atividades de projeto que hora se expressam em

desenhos e hora se materializam, tirando a prova de questões do desenho, no

canteiro. Esta deve ser a freqüente relação do aluno com a arquitetura, desenho e

construção numa relação moto-contínua freqüente e não dividida.

16
Na tese de doutorado do professor Reginaldo Ronconi, existe uma tabulação onde é possível se
conhecer o quadro, na época, das escolas de arquitetura em relação à presença de canteiros experimentais
e das atividades neles desenvolvidas. Hoje em dia não difere muito, embora importantes novos canteiros
tenham sido criados, como é o caso do canteiro da USP em São Carlos, o da Federal de Santa Cactarina e
o daPUC do Rio de Janeiro.
Maria Inês Sugai, professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da

Universidade Federal de Santa Catarina, assim escreve:

“... essa necessária maior participação do Canteiro Experimental no ensino só

poderá ocorrer se for fruto de um anseio e de um trabalho coletivo. Deve-se

considerar, ainda, que um canteiro experimental envolve custos, exigindo apoio de

infra-estrutura, espaço físico, oficinas, laboratórios e um corpo técnico especializado,

incompatíveis com o sistema de ensino empresarial, centrado, sobretudo, no espaço

físico das salas de aula e ateliês, como ocorre na maior parte dos cursos de arquitetura

que se alastram pelo país afora – o que reforça uma necessária postura crítica e

reivindicadora”.17

Fica claro que para o sucesso deste trabalho de inserção das atividades de

canteiro no cotidiano dos alunos vai muito além da ação única e exclusiva dos

profissionais que atuam diretamente neste espaço. Este deve, na verdade, ser um

esforço coletivo de todo o corpo docente e administrativo das instituições de ensino.

Enfim, a experimentação prática da construção nas escolas de arquitetura e

urbanismo possibilita ao aluno, enxergar as contradições inerentes ao atual modelo;

atuar de forma crítica na análise do sucesso (ou insucesso) do seu projeto no momento

da construção; entender como o desenho muitas vezes é responsável por certa dose

de desequilíbrio na distribuição do poder de decisão nos canteiros de obra. Mostrando

a verdade nua e crua dos materiais e dos sistemas construtivos – experimentando-os,

inclusive – denunciam-se os efeitos danosos de se mascarar as marcas do trabalhador,

de tornar o trabalho e o material abstratos, facilitando a atribuição de outros valores

simbólicos e fetichizados à arquitetura.

17
SUGAI, Maria Inês. O Olhar do Visitador. In: Canteiro Experimental – 10 anos na FAUUSP/
Apresentação de Reginaldo Ronconi. São Paulo, FAUUSP, 2008. Pág. 37.
Para que seja possível entender o momento atual, a atual condição em que se

encontram as escolas de arquitetura é que se faz necessária a investigação dos

caminhos pelos quais percorreu o ensino da arquitetura e do urbanismo na história.

No capítulo a seguir há um pequeno apanhado de alguns trechos da história, não

no intuito de reconstruir a história nem no intuito de uma catalogação sistemática,

mas tão simplesmente o apontamento de alguns trechos e características importantes

que possibilite o melhor entendimento de algumas situações nas quais se encontram,

hoje, as escolas e também os profissionais da arquitetura.


2. ANÁLISE DE ALGUNS PRECEDENTES HISTÓRICOS.

“A informação histórica é, sem dúvida, infinitamente mais ampla

que no passado, mas a história não é mais uma construção fundada

em juízos de valor, e em vez de fornecer modelos, continua a

colocar, com urgência, problemas e mais problemas”.

ARGAN, Giúlio Carlo. Projeto e Destino. São Paulo: Ed. Ática, 2001.
2.1 Algumas colocações iniciais:

Uma das maneiras de se entender a história da produção da arquitetura – e a

história dos respectivos modos de transferência dos conhecimentos para a realização

desta arte – é reconhecendo que, para cada período, são criadas novas referências e

que o modo de produção desta arquitetura se altera significativamente a fim de

acompanhá-las.

Para esta adaptação contínua há a criação de ferramentas, suportes para

direcionar a construção no sentido das respostas aos anseios de uma época. Sejam

eles ‘elementos reguladores’, ou então modelos que regulamentem e direcionem o

artista na realização dos seus trabalhos. Como por exemplos a criação de “ordens”,

manuais ou tratados.

Estes dispositivos ou ‘ferramentas’ podem ser compreendidos ou identificados

como simples suportes, aqueles que indicam um caminho para uma criação coerente

com uma dada realidade. Ou então, podem ser interpretados como instrumentos de

criação de símbolos para a manifestação de poder das classes dominantes.

O parágrafo a seguir foi extraído do livro “Território da Arquitetura” escrito pelo

arquiteto italiano Vittorio Gregotti, na intenção de explicitar a necessidade da “criação

de instrumentos de controle projetual”:

“O conjunto das operações projetuais tem sido objeto, ao longo da história, de

uma contínua institucionalização, seja como summa concreta das experiências práticas

ao construir, seja como teorização tratadística. Aquela se desenvolveu essencialmente

segundo duas direções: uma relacionada ao modo de conceber e conduzir a operação

projetual; a outra, tendendo a utilizar a experiência arquitetônica precedente,


racionalizando-a em esquemas que resumam e comuniquem teorias, formas,

tipologias e técnicas enquanto noções culturais semi-elaboradas através das quais se

procura garantir previamente um justo resultado”.18

Existem razões e motivos para que em determinada época e em determinado

momento da história, uma comunidade ou um grupo de pessoas criem algum tipo de

“controle preventivo sobre o valor global da resposta arquitetônica", ressaltando

muito mais o controle que o preventivo. Entende-se este preventivo como a

sistematização de informações e operações imprescindíveis, informações estas

adquiridas através de erros e de acertos, acumuladas com o passar dos anos, e

compiladas em tratados ou manuais. O controle é a sistematização daquilo que faz

com que a arquitetura seja exatamente aquilo que algum grupo pretende que ela seja.

O projeto de arquitetura se reconhece como o polarizador de problemáticas

complexas e com desdobramentos na esfera espacial, social e econômica de um dado

território. Tais desdobramentos estão relacionados com as atividades sociais e

produtivas, portanto, devem ser minuciosamente previstas e estudadas. A atividade de

construir acarreta numa nova constituição espacial fruto do interesse e do desejo de

alguém ou de alguma classe. Estas transformações devem ser muito bem estudadas do

ponto de vista da complexidade das suas influências. Para tanto, o projeto se mune de

artifícios técnicos e científicos que auxiliam no entendimento mais completo desta

ação. A “racionalidade e a cientificidade do procedimento projetual” se manifestam

como ferramentas úteis para aqueles que projetam neste contexto.

O cientificismo na produção de um projeto pode ser abordado sob dois aspectos:

o primeiro, sob uma análise crítica das disposições e da eficiência nos processos de

18
GREGOTTI, Victorio.Op. cit.
construção e de criação deste projeto. O segundo, sob a análise do seu significado e de

como este projeto abraça e responde ao que ele se pretende. A análise e a

interpretação dos dados da realidade podem ser executadas com maior eficiência se

feitos com rigor técnico e científico. Para Gregotti, o projeto pode fazer uso da ciência

tanto do ponto de vista analítico, como do ponto de vista produtivo.

Do ponto de vista analítico, o projeto conta com ferramentas e dispositivos para

entender e avaliar as conexões internas e externas ao projeto. Além disso, é possível

também adotar métodos de execução de serviços, como a racionalização, que

possibilite a melhor qualidade do produto.

Do ponto de vista produtivo, o projeto necessita de outras ferramentas de

controle para suas operações no que diz respeito aos resultados cognitivos ou de

significado.

Para a aplicação destes significados as ferramentas das quais se refere é a

relação entre projeto e o processo plano-programa, isto é, na falta de alguma imagem

inspiradora para a realização do significado científico na produção do arquiteto, ele

injeta a ciência em seus processos. É “o instrumento científico como modelo estético”.

“Porém, a própria tradição científica da cultura moderna indicou-nos o objeto não

como forma fechada, mas como campo possível, como forma do fenômeno em sua

construção, não somente no sentido da ambigüidade perceptiva a que este nos

introduz de modo quase provocativo, mas na polivalência de suas conexões, na

flexibilidade de seu uso, na contínua contestação de si mesmo, sobre a qual ele cresce

e se afirma”. 19

19
GREGOTTI, Op. Cit.
Mas com todas estas ferramentas, dispositivos e controles, o projeto, como

operação completa e coesa, não traz a arquitetura em si. A arquitetura é a obra

pronta. O que se faz aqui não é a crítica aos modelos e ferramentas que controlam e

dão ao arquiteto instrumentos reguladores para a sua operação projetual. A crítica é

ao erro que se incorre ao bastar a atividade do arquiteto tão somente na prática

projetual. O estudo da história revela que houve momentos em que a atividade do

arquiteto era a plenitude na concepção da obra. Desde a criação, até a finalização da

obra pronta.

É bem verdade que os modos de produção mudam, as realidades sociais e

econômicas mudam com o passar do tempo, os valores se alteram e a maneira de se

fazer a arquitetura também deve mudar. Só que esta mudança deve considerar e levar

em consideração a essência da atividade do arquiteto. Em sua plenitude.

Os profissionais que atualmente projetam a arquitetura de ponta prevêem um

resultado construído que seja desmaterializável. Para a economia do capital financeiro

o que importa na arquitetura é que ela ‘mostre’ muito mais do que ‘seja’. É mais

importante a representação espetacular de construções frutos de mega-investimentos

que devem retornar muito capital para o investidor em forma de valorização de sua

“marca” ou de sua representação. Mas, como ressalta o arquiteto Pedro Arantes em

um artigo publicado na revista Novos Estudos do CEBRAP (março de 2008), alcançar o

imaterial com a mais tectônica das artes, “... é produzir um valor intangível

socialmente mensurável, como o valor de representação de um poder corporativo (de

um governo, de uma empresa, de uma igreja ou de um país)” 20.

20
ARANTES. Pedro Fiori. O Grau Zero ... Op. Cit.
Na análise histórica que se segue, há muitos apontamentos que indicarão que

esta prática de criação de uma arquitetura de representação corporativa sempre

existiu. A diferença é que antes este tipo de estratégia adotada por líderes políticos

absolutistas, líderes religiosos que necessitavam se impor e se valorizar frente a

Reforma, industriais que buscavam alavancar a produção. Agora, os principais gestores

destas estratégias são os diretores de marketing das empresas ligadas ao ramo do

turismo, da diversão, do lazer e da cultura.

As escolas são hoje o local, por excelência de formação dos arquitetos. É lá que

se preparam os profissionais que serão atores nesta linha de produção dos espaços e

das cidades. Esta condição é resultante de um processo histórico. Como afirma a

professora Maria Amélia Leite, “Já em sua origem no século XVII, o ensino institucional

de Arquitetura apresenta uma ênfase no caráter estético e formal da obra

arquitetônica, em detrimento de sua resolução construtiva e de suas decorrências

econômicas e sociais”.21

Mas a Universidade é, também, a instituição que confere ao arquiteto o direito

de exercer sua profissão no meio. Logicamente que há as entidades de classe que

regulamentam a profissão e sob as quais se guardam os direitos e deveres do

profissional, porém, a Universidade é quem avalia o aluno e dá a ele o título que

permite que ele ingresse ou se matricule nestas entidades. Em última análise, a

Faculdade de arquitetura é aquela que dá o aval para que o profissional possa ou não

ter um certificado das entidades de classe, tornar-se responsável.

21
LEITE, Maria Amélia Devitte Ferreira D‟Azevedo. O Ensino de Tecnologia em Arquitetura e
Urbanismo. – Dissertação de mestrado – FAU USP – São Paulo, 1998. Pág. 01.
Portanto, se há alguma distorção que faz com que os papéis se invertam, se há a

necessidade de reparo numa classe que se forma para um determinado mercado em

um determinado momento da história, esta reparação só é possível na universidade.

Neste capítulo há alguns apontamentos no sentido de caracterizar a profissão do

arquiteto no decorrer da história sob dois aspectos, separados em duas categorias

diferentes: A posição social e as atribuições dadas ao arquiteto e a maneira como os

conhecimentos eram transmitidos em cada fase. Desta maneira, ficam evidentes as

conexões existentes entre a arquitetura produzida e a representação do poder em

cada um dos momentos históricos investigados.

A preocupação de se retratar a maneira como os conhecimentos de arquitetura

são transferidos em cada um destes momentos é tão somente para mostrar que – na

maioria das vezes – estes modos também estão relacionados a condições sociais da

classe e a relação destes com os donos do poder. Como afirma o arquiteto Pedro

Arantes discorrendo acerca da atual ação do arquiteto que produz para o capital

financeiro das grandes incorporações: “a associação histórica da arquitetura sempre

foi com os donos do poder e do dinheiro, sobretudo com a propriedade privada, da

terra e do capital...” 22

22
ARANTES. Pedro Fiori. O Grau Zero ... Op. cit.
2.2 A figura social do arquiteto e suas atribuições

Os primeiros indícios de arquitetura e de transferência de tecnologia e

conhecimentos da construção que se tem registros – embora escassos – são da época

do Antigo Império Egípcio. Não que não se tenha outros registros em cavernas do sul

da França ou entre índios norte-americanos, mas é no Egito que se manifesta o início

de “uma tradição direta, transmitida de mestre a discípulo, e de discípulo a

admiradores ou copista, a qual vincula a arte do nosso tempo, cada construção ou

cada cartaz, à arte do vale do Nilo de uns cinco mil anos atrás”.23 Em outras palavras,

se há uma linha coerente da história da arquitetura que gerou o quadro no qual se

encontra hoje o mundo globalizado, o seu início é no Antigo Império Egípcio.

Aquela região era governada por faraós, uma espécie de imperador divino, “...

reis que eram tão ricos e poderosos que puderam forçar milhares e milhares de

trabalhadores ou escravos a labutar para eles, ano após ano, a cortar pedras nas

cantarias, a arrastá-las ao local da construção e a deslocá-las com recursos sumamente

primitivos...”.24 Explicitamente a força que motivara os construtores e impulsionaram a

construção das grandes pirâmides foi o poder exercido pelos faraós. As principais

construções da época, as pirâmides, eram seus túmulos e, portanto, sua construção

além de ser trabalhosa, requeria grande dose de genialidade na concepção.

Estas pirâmides eram obras de arquitetos. Os arquitetos construtores ocupavam

posições que – no dizer da professora Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite25,

23
GOMBRICH E. H. A história da arte. Rio de Janeiro: Ed. Guanabara Koogan, 1993.
24
GOMBRICH E. H.
25
Arquiteta e pesquisadora do ensino da tecnologia em escolas de arquitetura e urbanismo. A professora
será várias vezes citada neste trabalho por ter sido uma forte referencia na produção desta pesquisa.
em sua dissertação de mestrado – eram “excepcionais no contexto global de sociedade

por terem sido iniciados pelos livros sagrados”. Os arquitetos possuíam um status

importante, pois eram eles as pessoas iluminadas que recebiam os conhecimentos

para a construção de lugares sagrados.

Quanto às atribuições dos arquitetos, estes tinham a responsabilidade de

conduzir “não apenas a concepção, mas também a supervisão e a organização de


26
grandes obras públicas...” . Constata-se que desde essa época as três instâncias –

concepção, organização e supervisão – já compunham o rol de atuações do

profissional de arquitetura. Toda a inteligência que pensava em técnicas de transporte

de material bem como na lapidação e acomodação de gigantescos blocos de pedra

esculpida, vinha dos arquitetos.27 Este é um ponto interessante e digno de nota para o

estudo aqui apresentado já que se constata que, desde tão remota data, as ações de

projetar e de construir estão contidas no profissional de arquitetura. Ou melhor

dizendo, a profissão de arquitetura no início da sua história não é caracterizada por

nenhum tipo de separação ou distinção no que diz respeito às suas funções, desde o

início o arquiteto já estava presente em todas as fases da obra.

Naquela época o arquiteto era algo que só podia ser ‘consumido’ pela elite, mais

uma vez confirmando a assertiva feita no início deste capítulo quando se afirma que a

arquitetura, na história, está intimamente ligada aos donos do poder. No Egito antigo

havia alguns arquitetos estreitamente ligados aos faraós, estes homens eram

26
LEITE, Maria Amélia Devitte Ferreira D‟Azevedo. O Ensino ... Op. Cit.
27
Maria Amélia Leite conta que “O título „supervisor de obras‟, ou ainda, „capataz dos capatazes‟, como
se descreveu a si próprio em sua tumba Ineni, chefe das obras de Karnak, leva ao entendimento de que o
arquiteto no Egito estivesse envolvido também no acompanhamento dos trabalhos de obtenção e
transporte dos materiais, além da concepção e da construção das obras”. in: LEITE. Idem.
escolhidos para a realização de grandes obras públicas. Há registros de alguns

arquitetos de verdadeiro destaque e prestígio, entre eles o arquiteto Imhotep.

Mas a maioria dos registros acabou se perdendo ou então nunca foram feitos

por questões de segurança. Isto faz com que muito do que poderia se saber sobre

estes profissionais se perdeu.

Figura 01 – A pirâmide de Sakara, obra do arquiteto arquiteto Imhotep,


por volta de 2630 a.C. –
FONTE: www.geocities.comathensMarble4341sakara.htm

Havia aprendizado, não escolarizado para a formação profissional, mas a

transferência dos conhecimentos se bastava na relação mestre-aprendiz. O arquiteto

aprendia o ofício e se tornava uma figura célebre por seus conhecimentos.

Conhecimentos sagrados, quase ritualísticos “como que passados de pai para filho”.

Ou seja, o conhecimento era praticamente todo ele técnico e era transmitido na

prática. Outro ponto que se deve prestar atenção, já que, além da atividade

profissional, o aprendizado da arquitetura, já naquela época, se fazia levando em

consideração o aprendizado pleno da execução da obra.


Em suma, o arquiteto egípcio projetava e construía e nesta época era uma figura

respeitada e próxima das lideranças e dos donos do poder.

Já numa outra civilização, a da cultura helenística na Grécia, que teve o seu auge

entre os séculos V a.C. e I a.C., a classe dos arquitetos, do ponto de vista social –

embora a sua procedência fosse das classes mais abastadas – não teve o mesmo

destaque que tiveram os iluminados arquitetos egípcios. Por causa disso, também são

escassas as informações sobre os arquitetos da Grécia Antiga. Desta vez, não por

proteção ou segurança, mas por falta de interesse dos relatores.

Esta civilização tinha uma concepção de mundo muito mais voltada para a

observação do homem e da natureza e muito menos sacralizada, em comparação aos

egípcios. Possuíam valores mais calcados nas relações humanas e necessitavam de

sinais ou códigos que representassem as importantes significações de suas

construções. Criaram, para isso, as chamadas ordens. Estas ordens constituem uma

espécie de ‘regra’ ou de instrumento regulador no qual se baseava o construtor ao

erigir algo, demonstrando claramente que aquilo faz parte de uma determinada classe,

seja ela social, política ou religiosa.

Não eram ferramentas que levavam em consideração o cientificismo, como

aquele apontado por Gregotti, mas tão somente uma espécie de acordo comum para o

entendimento e apreensão do que era belo.

Estas ordens traziam as informações necessárias para que alem de belas, as

obras de arquitetura também comunicassem sua função, seu papel e importância

dentro da sociedade. Além de caracterizar e definir os desenhos dos capitéis das

colunas, as Ordens estabeleciam, previamente, as proporções da edificação, suas

principais dimensões e as disposições.


Figura: 02 – Ordens Clássicas da Grécia Antiga.

Em outras palavras, as ordens já ‘resolviam parte do programa’ das edificações.

Com o estabelecimento destas ordens, já era possível saber o que haveria em cada

edifício, qual seu exato programa e qual a disposição ideal das partes deste programa.

Deste modo, sobrava pouco para que o arquiteto projetasse, não havia muitas
decisões ou escolhas de projeto. Sobrava mesmo era muito trabalho para pensar sobre

a sua construção e coordenar seus executores e artesãos28.

Há registros de que nesta época os próprios canteiros de obras eram

identificados como espaço central da prática e da formação do arquiteto na Grécia. Os

conhecimentos de arquitetura e a ‘inspiração’ eram transmitidos dentro das estruturas

das relações familiares, de parentesco ou de proximidade, compondo uma relação

sólida de mestre-aprendiz. Havia lugares, uma espécie de espaços apropriados para a

transferência de conhecimentos e para a formação adequada de profissionais da

arquitetura.29Nestes locais se educava e se formava para que o aprendiz tomasse

conhecimento das ordens clássicas, da existência dos ornamentos, das nomenclaturas

e teorias afins. Tal como no Egito, na Grécia os conhecimentos práticos também eram

incorporados pelo arquiteto no canteiro de obras, no convívio diário do aprendiz com

o mestre.

O período de cem anos, entre 500 e 400 a.C., é marcado por um tipo de

“despertar da arte para a liberdade”. Antes disso a arte desempenhava as funções de

representar a própria divindade para que ela pudesse desfrutar com integridade sua

existência após a morte, como era o caso dos egípcios, ou então as artes geravam

imagens para a adoração religiosa.

28
“Além das atividades administrativas, o arquiteto dirigia integralmente as ações no canteiro –
nivelamento do terreno, instalações de oficinas e depósitos, assentamentos das peças pré-conformadas na
pedreira, polimento, acabamentos – o que significava possuir, entre outros atributos, a capacidade de
comandar um verdadeiro destacamento de artesãos especializados nas diversas artes e ofícios envolvidos
com a construção na época, tais como a decoração escultórica e pintura mural.” In: LEITE, op. Cit.
29
Há alguns indícios sobre a existência de escolas privadas de arquitetura (ou ateliês estruturados para um
ensino de arquitetura) na Grécia, como a que parece ter sido conduzida por Teodoro de Samos em
Esparta, destinadas a promover a formação dos jovens pretendentes com base em monografias e tratados
escritos por arquitetos, os quais continham tanto elementos de teoria – as proporções e propriedades das
Ordens, ornamentos, etc. – quanto questões técnicas de construção.
A partir desta data, a arte passa a ser admirada pelo simples motivo de ser arte,

passam a ser admiradas pela sua boniteza.30 Um passo importante.

Eram vários os campos de ação do arquiteto naquele período. A classe tinha

muito trabalho que era proveniente das ações político-militares, pois elas

demandavam a execução de muitas obras públicas. Havia muitas solicitações para a

construção de obras religiosas, como por exemplo, a construção de templos para os

deuses sagrados. E também havia os casos nos quais os arquitetos eram contratados

para a construção de obras civis para particulares.

A partir do século I d.C., iniciam-se as grandes conquistas do Império Romano, e

com estas conquistas surge a necessidade de se realizarem novas construções, em

grande número. Há, por exemplo, na história, destaque para a construção de arcos que

marcavam o triunfo dos imperadores quando conquistavam novas terras.

Foram construídas muitas obras de infra-estrutura para o abastecimento e

conforto. Foram aquedutos, estradas, banhos públicos, pontes, arenas gigantescas,

edificações públicas para os políticos e para os religiosos. Havia a necessidade de se

construir para que ficassem evidentes os sinais das conquistas. Ou seja, durante este

período, a arquitetura se ocupou em servir ao império e, por conseqüência, a ficar

muito próxima, novamente, dos donos do poder. Esta proximidade fez com que a

arquitetura nesta época fosse considerada, segundo Maria Amélia Leite, uma “arte

mestra”, e os arquitetos se manifestavam na sociedade com um considerável “grau de

importância”.

30
“Embora os artistas ainda fossem olhados como meros artífices e, talvez, desprezados pelos esnobes,
um número crescente de pessoas começou a se interessar pelo trabalho deles como obras de arte e não
apenas por suas funções religiosas ou políticas”. In: GOMBRICH, op. Cit.
No Império Romano viveu um importante profissional da arquitetura – Vitrúvio

(70 – 25 a.C.). Ele escreveu a sua obra “De Architectura” (40 a.C.) na qual deixou

registradas suas orientações, tanto para a condução dos trabalhos de arquitetura para

o Imperador, como na formação do arquiteto. Estes livros exerceram e exercem fortes

influencias até hoje no ensino da arquitetura e do urbanismo. Mas, importante para a

reflexão sobre a formação do arquiteto, é que nestes livros Vitrúvio registra para o

imperador quais são as habilidades necessárias para que um arquiteto seja

competente em suas empreitas. Dentre estas habilidades, muitos são os

conhecimentos afinados da arte de se construir.

Assim como na Grécia e no Egito, nesta época a formação do arquiteto também

era através do aprendizado das técnicas de construção apreendidos no convívio de

mestres.31

Os valores estéticos adotados pelos Gregos em suas ordens foram também

incorporados pelos romanos. Data deste período a construção da arena romana

conhecida como Coliseu, uma obra que mistura as três ordens clássicas num único

edifício cujas arquibancadas eram sustentadas todas sobre uma contínua sucessão de

arcos. Esta simbólica (e gigantesca) construção demonstra um pouco do espírito

daquela época. Os construtores daquele período usavam as técnicas que lhes eram

inerentes, tais como a estruturação de uma edificação com arcos, mas também não

tinha problema nenhum em copiar tudo o que lhes agradava na cultura helênica. Era

muito comum nesta época a contratação de artistas especializados em copiar obras

31
“Aparentemente havia três caminhos para atingir-se o status profissional de arquiteto no Império
Romano: uma carreira privada, constituída preliminarmente de um treinamento nas artes liberais, e
completando com o trabalho junto a um „mestre‟, aos moldes da formação encontrada na Grécia; um
treinamento militar, principiado com rudimentos de engenharia, construção e experiência com artilharia, e
a partir daí evoluindo por promoções a um posto de engenheiro /arquiteto „sênior‟; ou uma ascensão
social, através dos níveis profissionais do serviço civil imperial, sendo esta categoria, a princípio, a única
possibilidade para escrevos libertados”. In: LEITE. Op. Cit.
interessantes para o deleite de alguém. Esta prática funcionou muito bem na pintura e

na escultura, na arquitetura não foi diferente.

Esta característica não encobre as importantes conquistas dos arquitetos

romanos que atingiram um grau impressionante de técnicas construtivas. Graças à

adoção do uso de arcos32 como recurso para a estruturação de suas edificações, foi

possível avançar muito na invenção de novas estruturas e na edificação de tetos

abobadados.

Figura 03 – Interior do Panteão de Roma, construído por volta de 130


d.C. Pintura do século XVIII, de autoria de G. P. Pannini. Washington,
Galeria Nacional de Arte. FONTE: GOMBRICH. Op. Cit.

32
“A mais importante característica da arquitetura romana é,..., o uso de arcos... Uma vez dominada essa
arte, o construtor pode utilizá-la para projetos cada vez mais ousados. Pode multiplicar os pilares de uma
ponte ou de um aqueduto, ou até fazer uso desse recurso a fim de construir um teto abobadado”. In:
GOMBRICH. Op. Cit.
Nesta época, a atividade profissional dos construtores funcionava assim: Existiam

as chamadas “firmas” (como se fossem as empreiteiras de hoje). Estas “firmas” eram

grandes grupos de profissionais que concorriam entre si para a execução das obras.

Existia, também, o “collegium” que era uma espécie de sindicato da época, mas que

funcionava mais como um grupamento de profissionais que possuíam atividades afins

e que podiam, juntos, garantir condições melhores de trabalho e de manutenção dos

conhecimentos.

Ou seja, a arquitetura e os arquitetos do império romano, embora inspirados na

cultura Grega, trouxeram inúmeros avanços tanto na produção da arquitetura como

na organização da classe.

No ano de 311d.C. o Imperador Constantino estabeleceu a “Igreja Cristã como

um poder no Estado”, fato este que viria a mudar o quadro geral da sociedade e por

conseqüência da arquitetura e das construções. “O período que sobreveio a queda do

Império Romano, é geralmente conhecido pelo nada lisonjeiro epíteto de Idade das

Trevas”.33 Isto porque todas as guerras, invasões, migrações e mudanças faziam com

que as pessoas tivessem pouco acesso aos conhecimentos e as informações, ficando

na “escuridão”. Esta falta de informação e de conhecimento das pessoas fez com que

se perdessem (ou que não se fixassem) os registros e as memórias, e com eles se perde

boa parte da história. Felizmente havia algumas pessoas, homens e mulheres amantes

da arte antiga, que admiravam e preservavam os tesouros e as obras preservadas em

mosteiros. “Muitas vezes, esses monges cultos e educados, que ocupavam posições de

poder e de influência na corte dos poderosos, tentaram ressuscitar as artes que tanto

33
GOMBRICH. Op. Cit.
admiravam” 34. Graças a eles, algumas coisas se preservaram e se mantiveram. Mas a

grande maioria das obras foi destruída em saques, conseqüência das freqüentes

invasões de godos, vândalos, saxões, suevos e vikings.

Naturalmente que, neste novo cenário, o principal ‘cliente’ dos arquitetos passa

a ser a Igreja.

Durante a então Idade Média, no Império Bizantino, Pappus de Alexandria deixa

um tratado, escrito em meados do século IV d.C. que fala das habilidades que

deveriam ser incorporadas pelo arquiteto em formação naquela época. O interessante

de se observar em tal tratado é que, novamente, o arquiteto em sua educação deveria

dominar conhecimentos teóricos e, também, ter habilidades manuais “... envolvendo

trabalhos com metais, construção, carpintaria, e a pintura, bem como a execução

prática dessas matérias”. O termo usado para o profissional da arquitetura da época

era o ‘Mechanikos’, uma espécie de conhecedor geral dos ofícios que se formava, ou

formal ou informalmente. O mechanikos ocupava lugar de destaque na sociedade da

época e ocupavam, inclusive, “cargos governamentais e títulos de mérito” por terem o

‘domínio de elevadas disciplinas’.

Neste mesmo período (entre os séculos VI e VIII), a arquitetura medieval cristã

passou a operar suas obras sem o trabalho escravo, diferente de como ocorrera na

época do Império Romano. Desta maneira, as construções passaram a se inserir no

contexto de uma economia ‘de pequena escala’. Os trabalhadores da construção

passaram a ser contratados localmente e os materiais eram usados com parcimônia.

34
GOMBRICH. Op. Cit.
Estes profissionais se organizavam num agrupamento ao qual se denominou guildas.35.

Era uma situação social e econômica caracterizada por uma economia de transição e

por um modo de produção que a acompanhava. A classe de trabalhadores da

construção civil contava com trabalhos menos pungentes que na época do Império

Romano e era organizada em corporações de ofício. O arquiteto foi uma figura

fundamental na organização destes trabalhadores e principalmente na condução dos

trabalhos que garantiam o uso racional dos materiais de construção.

“Em resumo, desse período inicial de três séculos, entre os anos 500 e os 800,

pode-se dizer que, em termos de evolução da profissão perdura uma situação

intermediária entre a antiga noção de arquiteto como ‘planejador-supervisor’ e o

conceito medieval do arquiteto como ‘mestre-construtor’”.36

A partir de 800 d.C., inicia-se uma nova fase na história da Europa. Depois de

tantas invasões, conquistas, migrações e destruição, há uma “calmaria”, que propicia

uma maior consolidação das cidades. A Europa começa então a entender e estabelecer

certa estabilidade em seu território. Esta é uma mudança que propicia o aumento na

escala das construções.

No início da Idade Média, eram construídas, na maioria das cidades e vilarejos,


37
igrejas para a reunião de todas as pessoas, as chamadas “basílicas” . Estas eram

grandes o suficiente para abrigar um bom número de pessoas, mas simples como

deveriam ser devido aos modos de produção daquele período. Suas coberturas eram

sustentadas por traves de madeira.

35
“Imagina-se que o „collegium‟ tenha sido mais uma das heranças romanas no período medieval,
originando as guildas ou corporações de ofício como forma de organização profissional… As guildas de
pedreiros e de carpinteiros comparecem no período medieval como aparentemente os espaços principais
de aprendizado da arquitetura, onde os „mais inclinados‟ a esta arte adquiriam conhecimento e o
transmitiam às gerações subseqüentes”. GOMBRICH. Op. cit.
36
LEITE. Op. cit.
37
Para Vitruvio, as basílicas serviam para operações comerciais e atos jurídicos.
Mas neste período de consolidação, as cidades se organizavam e cresciam ao

redor dos mosteiros e abadias. Desta vez, diferente das “basílicas” estes mosteiros

eram imponentes e grandiosos, construídos de grandes maciços de pedras cobertos

com abóbadas, também de pedra. Uma tecnologia que resultava em uma tipologia

pesada e uma obra complicada.

Coube aos arquitetos normandos uma invenção que tornara definitivamente

mais leves as estruturas e as próprias abóbadas. Ao invés de construir as abóbadas

lançando as pedras sobre pedras que formavam uma casca contínua sobre formas de

madeira que sobrecarregavam as paredes estruturais, optou-se por se construir

primeiramente arcos ou “nervuras” transversalmente sobre os pilares para somente

depois preencher os triângulos vazios.

Figura 04: Catedral de Durham, Construída entre 1093 e 1128.


FONTE: GOMBRICH. Op. cit.
Com este aumento no porte das construções, volta o arquiteto a tomar o posto

de destaque dentre os construtores, como uma figura célebre e de destaque. Sua

formação era dentro das próprias corporações. A atenção que se deve ter para com

estes profissionais deste período, é que mais uma vez era fundamental que o arquiteto

soubesse construir.

“Em verdade, um arquiteto encarregado da construção de igrejas, ou mesmo

outro tipo de obras de porte significativo no período pós-milenio D.C., deveria ser

experiente na arte de construir. Sua origem poderia ser uma educação monástica

acrescida de experiência prática na condução das próprias obras eclesiásticas, ou uma

vivência prática das várias especialidades artesanais da construção, acrescida de uma

iniciação nos segredos de ofício, tais como princípios de geometria transmitidos dentro

das regras das corporações” 38

Uma característica interessante que se observa ao se estudar a história e a

evolução da arquitetura e dos arquitetos é o fato de que na Europa os construtores,

quando evoluíam para uma nova descoberta tecnológica que evolui para um desenho

e que solucionavam os problemas da demanda, parecem nunca estar satisfeitos. Estes

estão em uma constante procura de novos desafios e tratam de se debruçar sobre os

problemas até achar uma nova solução, que por sua vez muda o desenho e a lógica

construtiva das construções e assim vai-se alterando paulatinamente, mas sem parar, a

“cara” da arquitetura.

É assim que, na França Setentrional, surge o que se passou a denominar

arquitetura Gótica.

38
LEITE. Op. Cit.
Depois de se trocar as pequenas igrejas por igrejas maiores com suas coberturas

apoiadas sobre estruturas de madeira, pelas abóbadas de pedra; depois de se evoluir

na construção das abóbadas com a invenção das nervuras; é a vez dos arquitetos

góticos criarem soluções inteligentíssimas para tornar as construções mais leves, muito

mais altas e mais versáteis. É criado o arcobotante 39e o arco ogival. 40

No período denominado como Gótico, o arquiteto, mais uma vez, tem prestígio e

importância, pois, mais uma vez, relaciona-se com a classe dominante. Os arquitetos

passam a ter intensos acordos de trabalho com as abadias e com a igreja em geral para

a construção de novos templos.

Neste período, a formação do arquiteto era completa num período de sete anos

(a partir dos quatorze) seguido por mais três anos como operário (para que adquirisse

experiência prática). Todo o saber do arquiteto era adquirido neste período e ao

terminar, o que comprovava que ele estava pronto para assumir a profissão de

arquiteto, era a comprovação de que ele possuía habilidades técnicas. “Para ser

reconhecido e qualificado... o arquiteto após esse percurso de aprendizado deveria

apresentar um trabalho comprobatório de sua capacidade técnica, que poderia ser

uma obra recente concluída satisfatoriamente, ou um modelo demonstrativo de suas

habilidades”.

Os arquitetos estão investidos de grandes responsabilidades, entre elas o do

gerenciamento da obra e o da inteligência na interface entre projeto e obra. Como o

material era muito caro e a mão-de-obra muito barata, cabia aos arquitetos

39
“... os pilares não eram suficientes para, sozinhos, suportarem a pressão de dentro para fora... Para isso,
os construtores tiveram que introduzir os arcobotantes, os quais completam a armação externa da abóbada
gótica.” In: GOMBRICH. Op. Cit.
40
“Os arcos redondos do estilo românico, ... , eram inadequados aos objetivos dos construtores góticos. A
razão é a seguinte: Se eu quisesse uma altura maior, teria que fazer o arco mais profundo. Nesse caso, a
melhor solução não é ter um arco redondo mas unir dois segmentos de arco. Foi essa a idéia que presidiu
á criação do arco ogival”, idem.
encontrarem soluções interessantes e inteligentes que resultassem em custos finais da

obra reduzidos. Ou seja, cabia ao arquiteto a racionalização do uso de materiais na

obra. Cabia também aos arquitetos a preparação dos gabaritos, que era executada na

chamada “sala de traços” e posteriormente entregue ao mestre. Constata-se que o

arquiteto projeta, pensa a tecnologia para se construir, racionaliza o canteiro e a obra

inteira em função da melhor relação entre consumo de material e uso da mão-de-

obra. Além disso ele está presente na obra, na sala de traços. Ainda é o arquiteto que

domina todas as fases da construção, desde a concepção até a edificação.

Portanto a atividade do arquiteto ainda se encontra plena e, ainda neste período

o arquiteto projeta e constrói sem fazer qualquer distinção destas atividades. “... A

performance progressiva do arquiteto ao longo do milênio medieval demonstra uma

atuação profissional completamente comprometida com a concepção e a execução

dos espaços construídos, contrariando as opiniões que lhe creditam uma dissociação

entre o projeto e a obra”41 Essa divisão somente irá acontecer no período

subseqüente. Na Renascença.

Nos séculos XIV e XV, os italianos consideravam que tudo o que era bom e belo

na arte havia sido criado no período clássico. Os italianos sempre atribuíram aos godos

a culpa pela queda do império Romano, portanto a arte que surge no período

intermediário entre a Idade das Trevas e o período da retomada dos valores clássicos

ficou denominado – até os dias de hoje – como “gótico”.

A ruptura das tradições construtivas do período gótico, sugerida pelo

renascimento, revela o então novo papel da perspectiva renascentista em oposição à

alegoria gótica. São novos símbolos para novas significações.

41
LEITE. Op. cit.
Os tratados técnicos acerca da forma pautam o fazer e o desenho do arquiteto

renascentista que responde a demandas de proporção e belezas formalmente

estabelecidas independente das questões culturais ou de lugar. Os artistas

renascentistas valorizam a beleza racional, aquela que é fruto da apreciação e do

estudo das proporções clássicas, dos ajustes do ser humano com o espaço e com as

obras de arte e das leis matemáticas e de relações áureas entre os elementos

constitutivos da obra. Não se desvencilha desta concepção a leitura de espaço humano

que de maneira similar é tratado com a regularidade presente nas obras de arte e no

projeto de arquitetura.

Em vista disso, os arquitetos do renascimento recorriam ao artifício da criação de

elementos reguladores. Estes elementos não eram mais simplesmente – ou não eram

tão somente – as Ordens que serviram muito bem aos gregos e aos romanos, estes

elementos eram agora livros e tratados de arquitetura que – além de recuperar as

ordens – indicavam aos arquitetos que viriam depois deles, como se faz a arquitetura.

A seguir, há uma pequena descrição dos principais livros, tratados e cadernos de

anotações que foram escritos neste período, iniciando pelos nomes de seus autores:

Bruneleschi – Produziu anotações de viagens. Com o intuito de entender o

raciocínio e a lógica das construções do Império Romano, vai a Roma e produz uma

descrição das ruínas, com desenhos das proporções das construções clássicas e

apontamentos comparativos às regras sugeridas por Vitrúvio.

Alberti – Escreve seu famoso De re aedificatoria. São diretrizes para uma cidade

ideal baseadas nos escritos de Vitrúvio. Nelas, Alberti afirmava que os artífices
encarregados de executar os desenhos do arquiteto, eram apenas ‘instrumentos para

o arquiteto’.

Andréa Palladio – I quattro libri dell’ architectura, Veneza 1570 – Estes quatro

livros, ao invés de levantar informações sobre a antiguidade clássica, era uma memória

de suas próprias obras, sejam suas proporções e desenhos, sejam suas escolhas e

decisões.

Sebastiano Serlio – bolonhês escreve seis livros sobre ordens clássicas, geometria

e perspectiva, igrejas e detalhes arquitetônicos

Vignola – Escreve a obra ‘Regolla delli cinque ordini d’architettura’.

Philibert de l’Orme (1510 – 1570) – tratadista Frances. Mais uma vez é escrito um

tratado, com inspirações vitruvianas, que visa indicar o papel e a formação da classe

dos arquitetos. Novelles inventions pour bien Batir e Premier tome de l’architecture.

Este período também é marcado pela reativação das trocas comerciais com o

Oriente e pela busca dos conhecimentos teóricos. Começam a surgir cidades

mercantis, cidades com grande circulação de dinheiro.

Em particular na arquitetura, a retomada dos valores clássicos é catalisada pelo

fato de ter sido encontrado um manuscrito de Vitrúvio na biblioteca de um

monastério. A leitura deste manuscrito pelos arquitetos da época impulsiona a busca

pelo entendimento das ordens clássicas.

Os arquitetos passam a estudar e a conhecer melhor as ciências. Observam a

natureza e dela buscam extrair conhecimento. Porém, passam a se interessar muito

mais por estes conhecimentos teóricos e deixam os conhecimentos práticos

relacionados à construção em um “segundo plano”, configurando uma situação muito

diferente da dos arquitetos da Idade Média. Os arquitetos renascentistas, preocupados


com a ciência, preocupados com a resolução projetual, solicitavam o auxílio e da

consultoria de muitos práticos da arquitetura.42

As atividades e a relação de trabalho – organização cooperativa43 – no canteiro

de obras neste período são muito parecidas com as do período medieval. A diferença é

que no período medieval, o arquiteto era egresso desta classe de trabalhadores

práticos da construção, se formando na prática diária de canteiros de obra. Quando

formado arquiteto, ele mesmo trabalhava no canteiro, dando as instruções

diretamente da sala de traços que ficava na obra, diferente do que ocorreu na

renascença.

A formação de grande parte dos arquitetos era acompanhada da contemplação e

dos estudos das obras da antiguidade clássica. Em viagens para Roma e outras cidades

que ainda preservavam algumas ruínas, os arquitetos esboçavam desenhos para

compreender e conhecer as proporções das ordens clássicas, conhecerem o detalhado

desenho dos ornamentos e formas. Este processo desencadeou uma clara ‘divisão do

trabalho’ na época.

Os arquitetos que viajavam para conhecer as ruínas da antiguidade e voltavam

para Florença a fim de projetar as construções com referencias clássicas, mas

adaptadas as necessidades da época, esbarravam na limitante técnica. Este entrave, a

construção, era resolvido pelos práticos da construção. Notadamente é neste período

que se inicia a relação de separação entre o arquiteto e o construtor. “... Na Idade

42
“Supõe-se... que Brunelleschi tenha consultado um amigo, o matemático Paolo Toscanelli, sobre os
problemas estáticos resultantes da construção da cúpula da catedral de Sta. Maria Del Fiore... “.in:
LEITE, Op. Cit.
43
“... assim que as cidades ganharam em importância, os artistas, como todos os artesãos e artífices,
organizaram-se em corporações. Estas eram, sob muitos aspectos, semelhantes aos nossos atuais
sindicatos. Competia-lhes zelar pelos direitos e privilégios dos seus membros e assegurar um mercado
para os seus produtos. Para ser admitido numa corporação, o artista tinha que se mostrar capaz de atingir
determinados padrões, que era, de fato, um mestre em seu ofício.” In: GOMBRICH. Op.Cit.
Média, o arquiteto como ‘capomaestro’, conduzia e liderava as diversas equipes de

obra, notadamente através de seus desenhos e moldes produzidos na sala de traços

no próprio canteiro, e por sua efetiva presença física na orientação e mesmo execução

das operações – era eminentemente um técnico; na Renascença, o arquiteto

necessitava contar com a colaboração das equipes de construção para solucionar os

problemas técnicos colocados pelos novos padrões formais – era eminentemente

‘designer’, um artista”.44

Os arquitetos da renascença também almejavam algo mais do que o simples

conhecimento das proporções e das formas clássicas, buscavam um ‘status’ mais

elevado. Buscavam por um mecenato sensível ao ‘valor artístico’ da arquitetura. Para

isso, enfatizavam a sua qualidade de artista liberal, diferenciando-se do restante da

classe de construtores.

Entendendo esta questão – a necessidade da diferenciação entre os arquitetos e

os artistas que exercitavam as artes mecânicas – compreende-se o porque de os

profissionais desta época deixarem claro que eles são artistas liberais. Era uma espécie

de ascensão, uma posição mais elevada. E é por isso que nesta época aparece, pela

primeira vez, o arquiteto sem construção.45

Como superação do Renascimento, no século XVII o novo movimento artístico

que se manifesta é o Barroco.

Este é um período marcado pela livre apropriação dos elementos usados pelos

Renascentistas como modo de retomar os modelos clássicos (colunas, meias-colunas,

44
LEITE, Op. Cit.
45
“A Renascença, particularmente o século XVI, trouxe à cena uma figura profissional até então
desconhecida, a do arquiteto sem a construção, isto é, o arquiteto que tinha no desenho da edificação seu
trabalho principal, sua especialidade. Mais ainda, esta nova conceituação da profissão foi facilmente
absorvida pelos arquitetos pelos motivos já apontados de ascensão social, levando-os a conferir-se-lhes
uma noção de superioridade, de ascendência em relação às categorias profissionais ligadas à construção”.
In: LEITE. Op. Cit.
pilastras, arquitraves, áticos, etc.), porém, sem o preciosismo de se respeitarem as

proporções dimensionais e de distribuição. Todos os elementos da ordem clássica

estão muito bem representados e fielmente aplicados, porém com programas e

disposições diferentes daquele dos gregos ou romanos da antigüidade.

O fato é que, com a reforma protestante, a igreja católica teve que criar uma

espécie de ‘espetáculo teatral’ com o intuito de ‘conquistar’ seus fiéis como que num

encanto pela magnitude e pela beleza. O nome “barroco”, que significa grotesco, foi

atribuído devido a esta “mistura” interpretada por críticos dos períodos que vieram

depois deste.

Também as autoridades políticas manifestaram sua simpatia pelo espetáculo

sugerido por este tipo de arquitetura que auferia ao edifício certo poder, a dimensão

espetacular e rica podia transmitir a noção do poder investido àquela autoridade.

Na França, é encomendada uma nova ala para o Louvre. Muitos arquitetos e

muitos projetos foram contratados, mas nenhum a contento.

Foram envolvidos vários arquitetos e vários anos decorreram até que o Rei Louis

XIV, na pessoa de Ministro das Finanças, Jean-Baptiste Colbert, fundou, em 1671, a

Académie Royale d’Architecture, que pode ser considerada como a primeira instituição

formal para o ensino da arquitetura. Esta escola servia, principalmente para a

composição do quadro de arquitetos que projetariam as construções públicas para o

império.

O funcionamento da academia era basicamente o seguinte: Os alunos

ingressavam na academia e passavam a ter aulas – palestras – sobre assuntos


referentes à teoria46 da época. Porém, o conhecimento prático só era apreendido

depois que estes saíam da academia, quando migravam para os ateliês dos mestres da

época para aprenderem sobre os procedimentos práticos do projeto. Nitidamente a

escola primava por questões referentes à estética e a simbologias de grandeza e

magnitude, já que os profissionais egressos desta academia construiriam os palácios e

obras reais e – como manda o figurino – estas deveriam dar significado e dimensão ao

poder real. Não muito diferente do período atual, os arquitetos eram treinados para

produzir imagens que dissessem mais do que a própria construção. Eram treinados

para erigirem símbolos de grandeza e de poder.

O século XVIII é descrito por Maria Amélia Leite como sendo um século de

“produção de um certo tipo de massa crítica”, um período que está entre o modo de

produção com máquinas de madeira e energia hidráulica e o da indústria do século

XIX.

Para a arquitetura a grande mudança que se percebe é nas relações de trabalho.

Este é o século em que os engenheiros – que antes somente se ocupavam com a

construção de máquinas – passam a atuar na construção de edificações e a trabalhar

na infra-estrutura urbana, em parceria com os arquitetos.47

Ainda na opinião de Maria Amélia Leite, outra característica fundamental deste

período é a institucionalização do ensino da Arquitetura e das Engenharias. Até

meados do século XVIII, praticamente permanece o mesmo modelo de ensino de

46
“... não é surpreendente que constituída a Académie, logo em seu primeiro ano de funcionamento
viesse a tornar-se o principal tópico de discussão „a definição de beleza em Arquitetura‟. A seguir, sempre
com base em discussões de problemas específicos e em um aprendizado abstrato de princípios de projeto,
o aluno estudava „as Ordens Romanas, obras de arquitetos famosos do passado e do presente, as
edificações reais e tratados de Arquitetura.”. in: LEITE. Op. Cit.
47
“... os engenheiros progressivamente foram afirmando-se como os responsáveis pela produção dos
ambientes construídos, apoiados por um discurso ideológico de utilidade, necessidade de mudança,
conquista da natureza, progresso social e exclusividade do saber técnico, acabando por ocupar um espaço
profissional antes exclusivo dos arquitetos”. idem.
arquitetura e de construção que era praticado. Somente após esta data, é que

começam a aparecer novas escolas de engenharia na França. 48

É tempo da Ciência Moderna, do empirismo, do conhecimento teórico verificado

pela prática. O ensino vai se tornando cada vez mais matemático e comprovado

cientificamente do que prático no que diz respeito à construção. Passa a ser

considerado desnecessário que se construa para que se aprenda sobre a construção já

que a viabilidade da mesma, desde então fica passível de ser certificada e comprovada

cientificamente, através de desenhos e de cálculos matemáticos.

No Barroco, as idéias e descobertas de Copérnico e de Galileu trazem para a

manualística construtiva que se debruça, agora em princípios que possam estar

totalmente descolados do local de referencia, ou melhor, policêntrica. A paisagem a

partir deste momento se vê fragmentada como que numa espécie de globalização

prematura.

No século XIX surge uma nova sociedade e com ela novas carências e novas

necessidades. Crescem as cidades, cresce a sociedade burguesa e também –

conseqüentemente – a construção para o mercado. São novas velocidades, novas

relações de trabalho e novas quantidades. Surge a necessidade de um novo modo de

se fazer as construções e fica impossível de se ter o domínio total dos processos. Cada

vez mais, cresce a dificuldade de se controlar e de conhecer todas as operações e

materiais necessários para a construção. Por isso a “(...) manualística oitocentista tem

em mira, essencialmente, duas esferas de ação: catalogar o esforço empregado ao

48
“... O modelo de ensino instituído pela Académie Royale d’Architecture permaneceu o único
relacionado à Arquitetura, e de certa forma à construção de edificações até meados do século XVIII
quando foram criadas as primeiras escolas de engenharia na França: École de Ponts et Chaussées em
1747. École Du Génie de Mezières em 1748, École des Mines em 1783; e a École Polytechnique em
1794. As três primeiras eram subordinadas a um ensino bem prático... “ in: LEITE, Op. Cit.
afrontar o problema das novas tipologias (dos mercados aos teatros, às grandes

exposições, aos edifícios públicos) e o domínio das técnicas construtivas (...) Tanto a

Enciclopédia como o manual de Rondolet e o Precis des leçons d’architecture de

Nicolas Durand intentam reassumir, controlar e, sobretudo difundir uma série de

experiências cada vez mais complicadas tecnológica e tipologicamente, ao mesmo

tempo em que a formação de uma ciência da construção separa o conhecimento do

cálculo estrutural das possibilidades de concreta competência do arquiteto49”.

É neste momento que a manualística assume o papel não só de controle, mas

também de legislação urbana e regulador que garante as regras comerciais entre

cliente e arquiteto. É um tipo de regulamentador da profissão do arquiteto.

No período romântico e eclético, o padrão estilístico está a cargo do arquiteto.

Não existem tratados de beleza, proporção ou forma. Nas palavras de Gregotti, “(...)

simetricamente ao liberalismo político, cada arquiteto responde aos problemas com

uma livre escolha entre os modelos da história”. No final do século XIX, a solução para

a formação de arquitetos para trabalhar conforme a demanda crescente, está nas

escolas de arquitetura. Não se transmite mais os conhecimentos com a velocidade da

apreciação manualística nos ateliês, “a escola torna-se, de uma certa forma, a

codificadora dos parâmetros e dos instrumentos da projetação”. Em resumo, a

velocidade crescente dos meios de produção exige um incremento das instituições

responsáveis pelo ensino da arquitetura a fim de se alcançar uma equanimidade entre

a demanda de mercado e a capacidade do profissional.

Com o aperfeiçoamento do conhecimento empírico das estruturas e com o

conhecimento dos cálculos para o dimensionamento das construções, foi possível

49
GREGOTTI. Op. cit.
experimentar novas possibilidades, com novos materiais. Foi o que aconteceu quando

se começou a explorar o ferro no lugar das estruturas.

“A interação entre o domínio destes profissionais sobre as técnicas tradicionais

da construção, especialmente alvenarias e estruturas de madeira, com os recursos de

cálculo matemático aplicado às ciências físicas, incrementado a partir de 1600, embora

caracterizada durante décadas por um intenso empirismo, desencadeou um processo

inexorável de transposição de uma ação técnica para uma ação tecnológica sobre o ato

de construir”.50

A partir dos anos 1900, com o surgimento de uma nova ordem mundial e de uma

nova luta de classes, a humanidade tenta se manifestar e se fazer inteira e coesa. A

arte se força a dar as respostas ou, pelo menos, a propor manifestações que intentam

a reelaboração das estruturas sociais. “Entre 1910 e 1930, a cultura dos arquitetos

estrutura-se segundo um determinado número de grupos de pressão, desde o

neoplasticismo ao surrealismo, do futurismo às vanguardas construtivistas soviéticas e

ao purismo, oficialmente instituídos ou constituídos de fato, que operam segundo um

plano de total radicalização de suas relações com a sociedade em que se movem”. 51

No movimento moderno, a descrição dos parâmetros projetuais se torna ainda

mais difícil frente à complexidade e frente ao problema da fundamentação de uma

teoria geral da projetação e da definição geral da matéria operável da arquitetura. No

que diz respeito à história, ou ao uso de regras clássicas de proporções, os arquitetos

do movimento moderno mantiveram uma postura de adoção de princípios como

forma de releitura e de crítica, tal como no maneirismo.

50
LEITE. Op. cit..
51
GREGOTTI, Op. cit.
“A relação inusitada do homem com um meio-ambiente mecanizado não poderia

deixar de ter reflexos no universo da produção arquitetônica, a qual embora já viesse

de alguns processos revolucionários no século XIX, que atingiram de frente as técnicas

e materiais construtivos seculares com o advento do ferro e do vidro como alternativas

estruturais e de vedos, não havia ainda sentido o impacto da disseminação da

tecnologia no meio social, pelos produtos industriais, pela comunicação, pelos

transportes e pelas obras de engenharia”.52

“Enfim, o que se pode depreender como característica básica do padrão

estipulado para o ensino institucional da Arquitetura a partir do século XVII até o início

do século XX, é que apesar das heranças das práticas anteriores de aprendizado em

canteiro, este ensino consagrou-se pela execução de projetos paradigmáticos, levados

às últimas conseqüências dentro dos limites literais do papel”.53

“Em relação especificamente ao ensino de Tecnologia, na forma como o

conceituamos anteriormente, percebe-se que as escolas de Arquitetura existentes na

época seja nos cursos de Beaux-Arts, seja nos politécnicos, permanecem afastados do

universo real da construção, da materialidade da Arquitetura”.54

No século XIX a Inglaterra se torna a maior produtora de produtos

industrializados do mundo. John Ruskin, escritor inglês e crítico de arte, se opõem à

situação na qual se encontrava a sociedade e propõe uma reforma. Para ele, a beleza e

riqueza das coisas estavam em seu modo de produção espontâneo e criativo. Alegava

que o atual modo de produção, com o uso das máquinas, alienava e desconsiderava o

trabalhador.

52
LEITE, op. cit.
53
Idem.
54
Idem.
Seu aluno, Willian Morris inicia um movimento de produção manufaturada e

artesanal “Arts and Crafts”.

Também outros movimentos semelhantes aconteciam em outras partes da

Inglaterra. Nas instituições de ensino e de formação dos artistas e dos artesãos, os

alunos tinham que ser “autocriativos” e não podiam somente “reproduzir modelos”.

Nas escolas de artes e ofícios, havia a aproximação da arte com o artesanato e, a

produção fruto desta fusão, concorria com a produção inteiramente mecanizada da

época.

Arts and Crafts é notadamente uma renovação sábia que soube aproveitar todas

as oportunidades da época e se impor como movimento sólido e reconhecido. Do

ponto de vista social, foi capaz de revalorizar o trabalhador que não necessitava mais

se alienar em operações mecanizadas, além de atribuir valores de uso muito maiores

que os valores de troca aos produtos da época. Uma das grandes bandeiras dos

movimentos de renovação cultural seguia o lema de “criar uma cultura do povo e para

o povo”.

Este modelo inspirou a Alemanha, que, com algumas particularidades55,

começou um processo de introdução de oficinas nas escolas de artes.

Este cenário levou à criação da Deutsche Werkbund, uma associação alemã de

artes e ofícios que se tornou a ”associação econômica mais importante e de maior

sucesso antes da Primeira Guerra Mundial”.

55
“... Seguindo o modelo inglês, por toda a Alemanha proliferava a criação de pequenas oficinas privadas
que fabricavam utensílios domésticos, mobiliário, têxteis e objetos em metal. Uma das mais importantes
foi a Dresdner Werkstätten für Handwerkskunst, que posteriormente associado às Münchner Werkstätten
criaram a Deutsche Werkstätten. Mas enquanto as oficinas Arts and Crafts inglesas tinham recusado a
produção mecanizada, na Alemanha, defendia-se incondicionalmente este modo de produção”. In:
DROSTE, Magdalena. Bauhaus – 1919 – 1933. Publicado pela Bauhaus-Archiv Museum für Gestaltung.
Berlin, 1994. Pág. 11.
“A pré-história da Bauhaus remonta ao séc. XIX. Ela inicia-se com as

conseqüências devastadoras que a industrialização crescente teve nas condições de

vida e nos produtos manufaturados dos artífices e dos operários.” 56

Do ponto de vista que mais interessa a este trabalho, a pedagogia destas escolas

de artes e ofícios se baseavam nos princípios da fusão entre “arte ideal” e

”artesanato”. Além disso, é importante ressaltar que, numa espécie de contra resposta

ao academicismo abstrato e aprendizagem puramente abstrata das escolas de

arquitetura, a reforma das escolas de artes previa o princípio da formação em oficinas,

oficinas de aprendizagem.

Numa Alemanha que se via em fase de importante reestruturação social e

econômica, é que surgiu a necessidade da criação de um lugar para a formação de uma

classe e artistas que se adequassem às novas realidades. Quando aventado para ser o

novo diretor da Escola de Artes e Ofícios, Walter Gropius declarou: “Vamos criar juntos

a nova estrutura do futuro que será tudo numa única forma. Arquitetura, pintura e

escultura.” 57

“Deste universo de idéias, pressupostos e inquietações, que obviamente não se

restringiu às referências acima mencionadas na Inglaterra e Alemanha, mas também

teve movimentos vigorosos na Itália (Futurismo), na Holanda (De Stijl) e França

(Cubismo), bem como as influências das propostas dos expoentes arquitetônicos

norte-americanos, notadamente Frank Lloyd Wright, emergiu a Bauhaus Estatal de

Weimar em 1919, baseada no ideal expresso por Gropius de uma academia única de

arte livre e aplicada”58

56
DROSTE, Op. Cit.
57
idem.
58
LEITE. Op. cit.
“Mas a Bauhaus queria ser mais do que a fusão de uma academia com uma

escola de artes e ofícios: a sua formação foi, pelo contrário, dominada pelo objectivo

simbólico e prático de Bauen.” 59

O que fica muito nítido nesta breve descrição, é o fato de que a figura do

arquiteto sempre esteve ligada aos donos do poder. O seu “status” muda, mas a

ligação sempre existe. No Egito e na Grécia, vem das Classes ricas, no Império Romano,

vem das classes mais baixas (“embora com amplas oportunidades para ascender

socialmente por seu desempenho” afirma Maria Amélia Leite) o período medieval se

mistura com o povo das artes mecânicas. Na Renascença, auxilia a profissão a se tornar

arte liberal. No século XVII, é institucionalizada a sua formação e o mesmo é educado

para produzir edificações que denotem o poder e a influência política dos governantes

(além de produzirem os “espetáculos teatrais” que eram as igrejas da época, que

competiam contra a Reforma), no século XIX, junto aos engenheiros, estão ocupados

com o desenvolvimento e com a eficiência da industrialização. No início do século XX,

os arquitetos iniciam um novo processo de formação que os leva a conhecer de perto

os processos de fabricação, pré-fabricação e industrialização da construção.

Finalmente, no final século XX e início do sáculo XXI, estão se formando, mais

uma vez, para compor uma cadeia produtiva do espaço que é gerido pelo capital,

agora financeiro, produzindo grandes miragens midiáticas que representam marcas de

sucesso que buscam, incansavelmente, uma versão de renda advinda da valorização

delas mesmas.

59
DROSTE. Op. cit.
3. NO BRASIL.
Conhecendo um pouco dos contextos históricos mundiais nos quais esteve

inserido o ensino da arquitetura, é possível se fazer um paralelo de que estava

ocorrendo no Brasil na mesma época.

O período atual do ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil é marcado

por um significativo número de faculdades e cursos, principalmente na região sudeste.

De maneira sucinta, neste capítulo, foram colhidas algumas informações históricas que

relatam desde a vinda dos colonizadores até os dias atuais. Neste processo, houve

influências e imbricações da história que auxiliaram na formação do quadro.

A figura do ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil tem origem em ações

que foram fruto de intenções militares de proteção. Posteriormente as intenções que

alteraram o perfil destes cursos, foram políticas. As intenções políticas e culturais

deram lugar para as industriais e comerciais. O que é importante é saber que durante

este período histórico de quase meio milênio, houve reformas e principalmente

manifestações de resistência aos sistemas vigentes. Há que se conhecer quais foram

estas manifestações e entendê-las a fim de, revisitando suas intenções – seja possível

desenhar um quadro ideal para o momento atual. Lembrando que todo este resgate

visa qualificar a maior ênfase para uma experimentação prática em cursos de

arquitetura e urbanismo.
3.1 Desde o início...

Na precisa e detalhada descrição histórica de Adolfo Morales de los Rios, toma-

se conhecimento da fundação, por D. Henrique, em 1416 da “Escola Náutica de

Sagres”, que tinha como objetivo formar homens com conhecimentos suficientes em

navegação, matemática, desenho e arquitetura naval para a travessia do Atlântico.

Estas escolas formaram homens que em seus barcos viajam pelo mundo à procura de

novas terras, ouro e especiarias, coisas estas encontradas em abundância no Brasil.

Pode-se dizer que estas são as escolas que inspiraram a formação dos primeiros

construtores do Brasil.

Com a descoberta do Brasil, era necessária a ocupação do território como

medida de proteção e para que fosse possível a extração das riquezas. A ocupação das

terras brasileiras fez-se por portugueses de toda a sorte de poderes e conhecimentos,

alguns poucos destes com conhecimentos em construção. As construções executadas

por estes homens foram as primeiras manifestações de arquitetura dos colonizadores

no Brasil, construções executadas por homens com formação na Europa.

“... Vieram no século XVI e nos seguintes, da península à terra dos brasilienses –

para a conquista de novos campos, do ouro cobiçado, ou das tão necessárias

especiarias – bastantes homens de rija têmpera, tão rija que somente dela tinham

medo. E entre os mesmos, acotovelado ao oficial de algum terço, junto ao frade ou

fazendo companhia a um circunavegador, chegava à América Portuguesa um mestre

das obras do Rei, algum pensionista de arquitetura e, de raro em raro, um arquiteto de


El-Rei. E também não faltava, vez por outra, um ex-aluno de Belas Artes da Irmandade

de São Lucas de Lisboa”.60

De pouco em pouco, vinham de Lisboa construtores de fortificação egressos da

“Aula de Fortificação e Arquitetura Militar”, fundada por D. João VI em Lisboa em

1647, com o objetivo de reforçar a proteção contra invasores. Com as constantes

ameaças de invasão em terras brasileiras, o contingente de construtores de

fortificações no Brasil aumentou progressivamente.

Como a necessidade de proteger as terras brasileiras (que eram alvo de diversas

invasões) nesta época era crescente, a decisão foi pela formação da classe de

construtores de fortificações no próprio país e, em 1699, foram construídas, a “Aula de

Fortificação do Rio de Janeiro” e a “Aula de Fortificação e Artilharia da Bahia”.

Outras aulas de fortificação vão se instalando no Brasil enquanto as já existentes

vão se transformando e melhorando seus conteúdos. A “Aula de Fortificação do Rio de

Janeiro” se transforma em “Aula do Regimento de Artilharia”, e em 1792, (inspirada e

influenciada pela fundação, em 1790, da “Academia Real de Fortificação, Artilharia e

Desenho”, em Lisboa) em “Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho”, na

qual se tem noticia ter sido o primeiro ensino da arquitetura civil no Brasil. Em 1795

esta Real Academia passa a ser a “Academia de Aritmética, Geometria Prática,

Fortificação, Desenho e Língua Francesa”.

Por intermédio do Conde de Linhares foi fundada no Rio de Janeiro, em 1810, a

“Academia Real Militar”, onde se aprimoravam os conhecimentos gerais de

matemática, desenho, geometria e arquitetura civil.

60
RIOS, Adolfo Morales de los. Evolução do Ensino da Engenharia e da Arquitetura no Brasil. In:
ASBEA – Sobre a História do ensino da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Associação Brasileira de
Escolas de Arquitetura, 1977. Pág. 10
Foram várias as reformas ocorridas até então para a melhoria na transferência

dos conhecimentos destas escolas. Porém, estas mudanças sempre tiveram o foco

preciso da formação de profissionais com uma importante ênfase nas questões

relativas às fortificações e questões militares.

Uma importante mudança acontece no século XIX.

Com a transferência da sede do Reino de Portugal, a família real se instala no

Brasil e, como conseqüência, instala-se aqui a Missão Artística Francesa, em 1816. Esta

missão foi uma ação política que visava formar profissionais aptos a criar obras com

qualidades que garantissem todo o reconhecimento do poderio do Império e do

requinte da nobreza.

Esta missão possibilitou a construção da “Escola Real das Ciências, Artes e

Ofícios”, que tinha como mestres os brilhantes Taunay, Grandjean de Montigny e

Debret. Em 1826, D. Pedro I inaugura a “Academia de Belas Artes” que posteriormente

passa a se chamar “Academia Imperial de Belas Artes”.

Os acadêmicos egressos desta escola vão se aprimorar por anos em escolas de

arquitetura da Europa e voltam ao Brasil para lecionar, fato que possibilitará a

formação de um curso de arquitetura na Academia Imperial de Belas Artes que neste

momento da história já passa a ser denominada Escola Nacional de Belas Artes. Neste

curso, preservou-se muito do que até então havia sido o ensino da arquitetura no

Brasil, inclusive algumas antigas cadeiras das remotas escolas militares.

A partir desta data de 1826, está oficialmente institucionalizado o ensino da

arquitetura no Brasil. Esta é a data da inauguração da academia.

Depois desta escola, outras foram inauguradas, entre elas, na Escola Politécnica

de São Paulo, o curso de engenheiro arquiteto. Logo depois é lançado em curso


semelhante na Escola de engenharia Mackeinzie. Estas escolas seguiam os padrões de

ensino que vinham desde as origens das Escolas e com o tempo foram sendo

incorporados conteúdos novos relativos à arquitetura.

Na década de 40, aparece uma nova figura institucional de ensino de arquitetura

que são as Faculdades de Arquitetura61. Entre elas: Faculdade Nacional de Arquitetura

no Rio de Janeiro, em 1946; Escola de Arquitetura Mackenzie, em 1947 e Faculdade de

Arquitetura e Urbanismo da USP, em 1948.

Na análise do quadro do ensino da arquitetura e do urbanismo no Brasil, Flávio

Motta – assim como Adolfo Morales de los Rios, como João Baptista Vilanova Artigas,

assim como o próprio Lúcio Costa, entre outros –, divide o ensino da arquitetura e do

urbanismo em duas claras correntes: Politécnica de São Paulo e Belas Artes no Rio de

Janeiro62. Em seu texto, MOTTA escreve: “O exame das condições históricas, mostra

que, no Brasil, o ensino de arquitetura tem duas vertentes principais, consideradas,

inclusive, as atuais condições de desenvolvimento populacional e industrial. São elas:

uma originária da Escola Nacional de Belas Artes (antiga Academia Imperial), no Rio de

Janeiro, e outra, da Escola Politécnica, em São Paulo.” 63

Na visão de Adolfo Morales de los Rios, as escolas de Belas Artes seguiam

tradicionalmente todos os padrões formais das escolas de formação em arquitetura e

urbanismo instituídos pela missão francesa, enquanto a “inovação ficou por conta de

61
A criação destas faculdades pioneiras de arquitetura data da década de 40. Porém, já em 1930 foi criada
a Escola de Arquitetura de Belo Horizonte, compondo o grupo as 4 faculdades pioneiras de arquitetura
62
Também a professora Maria Amélia Leite se posiciona sobre o assunto: ”... é possível se compreender
o processo de implantação do ensino de arquitetura no Brasil como uma derivação direta da prática do
ensino de Arquitetura e Engenharia no século XIX na Europa, o qual se caracterizava por uma partição
principal entre o sistema “Beaux-arts” e o sistema “Politécnico” – grandes matizes de influência francesa
– e o ensino dos Liceus de Artes e Ofícios, considerado como uma prática de instituições marginais”. In:
LEITE. Op. Cit.
63
MOTTA, Flávio L. Subsídios para Relatório sobre ensino de Arquitetura UIA – UNESCO 1974. In:
ASBEA – Sobre a História do ensino da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Associação Brasileira de
Escolas de Arquitetura, 1977.
São Paulo”, cujas escolas reformaram as linhas pedagógicas mudando a maneira de se

ver os cursos de arquitetura. Da mesma maneira, a abordagem de MOTTA tira parte de

uma análise histórica na qual aponta traços e heranças de características distintas em

ambas. A Escola Nacional de Belas Artes traz como característica principal o traço

originário da Missão Francesa que, por sua vez, manifesta os princípios e ações

praticadas na Beaux Arts de Paris. Enquanto que na politécnica de São Paulo, a palavra

de ordem é a especificidade de se fazer a arquitetura de maneira seriada, como que

numa linha de produção que responde a uma cada vez mais crescente demanda

habitacional.

Outro ponto abordado por MOTTA é o desligamento entre a arte e a técnica,

técnica esta que vinha se aprimorando nas escolas que se instalaram no país em

meados do século XIX: “A própria instalação da Academia Imperial, dada a influência

da Missão Francesa de 1816 (Lebreton), já estabelecera a distinção entre trabalho

artístico e fabril. A instalação dos Liceus de Artes e Ofícios (Rio de Janeiro, São Paulo,

Bahia), no século XIX, apontou a necessidade de uma reaproximação da arte com o

fazer (técnica), a fabricação, embora houvesse ênfase na atividade artesanal.” 64

Flávio Motta considera que no momento em que houve a guinada dos meios de

produção da construção nas cidades, fruto de mudanças sociais, para a realidade

moderna no Brasil, foi estabelecida a necessidade de se formular um novo

agrupamento das linhas de pensamento da arquitetura. E foi na faculdade de

arquitetura e urbanismo da USP, fundada em 1948 que se fez este novo arranjo.

Segundo o autor, “para atuar na implantação de novas escolas de Arquitetura, a

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo subdividiu o

64
MOTTA. Op. cit.
campo de trabalho, sem anular as áreas de interesse recíproco, necessárias a uma

visão de totalidade da atividade do arquiteto.” 65 Em sua redação, Flavio Motta revela

estas áreas e as classifica como: Comunicação Visual, Desenho Industrial, Edificações e

Urbanismo. Paralelamente a esta classificação, foi preciso reforçar as discussões

referentes à Habitação, Projeto, História e Técnica, discussões que poderiam abarcar

qualquer uma das áreas supracitadas, portanto estas foram classificadas em

Departamentos enquanto que aquelas continuaram como áreas. Os departamentos

são: Projeto, Tecnologia e História da Arquitetura e Estética do Projeto. Estes

departamentos e áreas devem participar da vida do estudante de maneira que lhe

traga a noção de ser social transformador das coisas da natureza em prol de um bem

estar coletivo, num movimento contínuo entre a atividade criativa e o fazer

propriamente ditos.

Numa descrição feita por Reginaldo Ronconi é dada a ênfase nas práticas

profissionais dos arquitetos nos períodos em que se vão mudando as formas de se

ensinar a arquitetura. Tais formas são concomitantes às mudanças de modelos

econômicos vigentes em cada época. Sobre as reformas ocorridas nos cursos entre as

décadas de 30 e de 40 – épocas em que são criados os cursos de arquitetura e

urbanismo da USP e do Mackenzie – Reginaldo comenta: “Aparentemente, é um

período onde os arquitetos amadurecem uma crítica em relação ao decreto de

regulamentação da profissão e discutem o exercício e a formação profissional. (...) O

Primeiro Congresso Nacional de Arquitetura, ocorrido em 1944, recomenda que as

faculdades de arquitetura sejam organizadas, fundadas e criadas separadamente das

Escolas de Engenharia. (...) Nesse movimento pela autonomia vão sendo criadas mais

65
MOTTA, Op. cit.
escolas, e lentamente, vai se instalando um setor mais organizado para o estudo e

formação dos arquitetos. (...) Em 1947 é criada a faculdade de Arquitetura do

Mackenzie College, e em 1948 é criada a faculdade de Arquitetura da Universidade de

São Paulo.” 66

Nas duas décadas posteriores são criadas mais algumas faculdades

(principalmente dentro das Universidades federais).

Com o Golpe Militar de 64 (e suas diversas operações políticas) e com o “milagre

econômico” da década de 70, cresce muito o número de investimentos em infra-

estrutura e também a demanda por profissionais. É neste período que o número de

faculdades de arquitetura no Brasil começa a crescer numa proporção muito grande. A

demanda nova de profissionais para a assessoria técnica em projetos de hidrelétricas,

rodovias, etc. resultou em operações que tinham por objetivo alavancar o

desenvolvimento. Segundo Ronconi, a Reforma Universitária de 1969 tinha como

princípio a expansão das universidades no Brasil67, sem que este processo gerasse

significativo ônus para os cofres públicos. Obviamente que com um significativo

aumento, barato, do número de universidades, o resultado foi o sucateamento das

instituições de ensino – sendo que, a reboque das escolas públicas, as particulares

também criaram as suas novas faculdades com qualidade discutível.68

66
RONCONI, Reginaldo Luis Nunes. Inserção do Canteiro Experimental nas Faculdades de Arquitetura
e Urbanismo. São Paulo, 2002. Tese de Doutorado FAU USP. Pág. 5
67
O autor também indica como nota a lei n° 5.540 de Novembro de 1969.
68
Quanto a este assunto, manifesta-se o arquiteto João Figueiras Lima em entrevista concedida ao autor
em 2007 “(...) toda formação, do doutorado ou do mestrado, proporcionam essa oportunidade de você
desenvolver uma determinada tese, em uma determinada área, é importante. Mas a formação é
fundamental, não adianta ter uma formação complementar de mestrado ou doutorado, se você não tiver
uma formação sólida e isso, no Brasil, infelizmente está sendo muito desvalorizado no momento,
principalmente com a proliferação de faculdades de arquitetura, às vezes muito mal aparelhadas e sem
uma consciência crítica dos problemas envolvidos (...)”. PÓS – Revista do Programa de Pós Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP/ Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo. Comissão de Pós-Graduação – v.21. São Paulo: FAU, 2007.
No decorrer dos anos as leis vão se tornando mais flexíveis e aos poucos vão

dando brechas para a criação de cursos isolados de Arquitetura, além da criação de

Centros Universitários.

A falência da qualidade do ensino em detrimento da quantidade de escolas no

Brasil é comentada por Lelé em entrevista concedida a revista PÓS: “(...) toda

formação, do doutorado ou do mestrado, proporcionam essa oportunidade de você

desenvolver uma determinada tese, em uma determinada área, é importante. Mas a

formação é fundamental, não adianta ter uma formação complementar de mestrado

ou doutorado, se você não tiver uma formação sólida e isso, no Brasil, infelizmente

está sendo muito desvalorizado no momento, principalmente com a proliferação de

faculdades de arquitetura, às vezes muito mal aparelhadas e sem uma consciência

crítica dos problemas envolvidos (...)” 69.

69
Entrevista: João Figueiras Lima in: PÓS – Revista do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da FAUUSP/ Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão
de Pós-Graduação – v.21. São Paulo: FAU, 2007
4. QUANTO AO PROJETO E A CONSTRUÇÃO.
As formas de produção da arquitetura, na história, mudam e se transformam,

consideram as contingências dos respectivos momentos históricos e se moldam

conforme os quadros e as necessidades de cada tempo. Houve tempos em que

escravos, conduzidos por arquitetos, construíram pirâmides. Houve tempos em que

arquitetos egressos de classes de operários conduziam os artesãos, membros de suas

distintas guildas, na execução criativa de seus trabalhos, houve tempos em que todos

os trabalhos se fracionaram e se dividiram – inclusive os dos arquitetos – em nome de

uma possível industrialização do canteiro de obras.

O desafio atual é identificar qual a forma de produção da arquitetura no

momento presente. Para iniciar uma análise que possa criar base para este

entendimento, há que se voltar aos textos de Sérgio Ferro.

Segundo Sergio Ferro, a produção da arquitetura, hoje, é um sistema que se

encontra entre aquele sistema cujos trabalhadores são artesãos e criam seus trabalhos

do início ao fim – com o domínio completo das operações –, e aquele suposto sistema

no qual é possível identificar a industrialização do canteiro de obras – no qual as

máquinas são fundamentais para a realização das operações. Para ele, os canteiros de

obra funcionam à base de um modo de produção manufatureiro.

Há ainda que se identificar qual o papel e qual os limites da atuação do arquiteto

neste modelo. Com o auxílio do texto de Victório Gregotti, é possível se entender o

arquiteto como produtor de uma fase do trabalho – que é o projeto. Este, o arquiteto,

não participa mais de todas as fases da obra de arquitetura – desde a leitura do

espaço, até o término do projeto, até o término da obra. O trabalho do arquiteto fica

limitado e fracionado a fim de responder à necessária velocidade e às demandas atuais


do mercado da construção, um mercado refém do sistema financeiro, no qual a

própria arquitetura se liquefaz e “tende ao imaterial”, adaptando-se ao novo modelo.

Outra característica importante da ação do arquiteto neste modelo é, em muitos

casos, o desconhecimento da prática construtiva, o desconhecimento de qual a

realidade na distribuição do poder de decisão dentro de um canteiro de obras, o

desconhecimento das dificuldades de muitas operações que, dentro deste modo

manufatureiro de produção, significam grande dose de sacrifício para os operários.

Ainda: grande parte dos arquitetos ignora o tamanho do prejuízo que significa a

inacessibilidade dos operários às tomadas de decisões na concepção e na execução

dos projetos, bem como desconhecem o benefício de uma produção mais coletiva, da

participação do operário na concepção e da participação do arquiteto no canteiro de

obras.70

Cabe aqui uma análise mais pormenorizada dessa relação.

70
Quanto a esta caracterização do papel do arquiteto, Sergio Ferro escreve: “A mediação conflitante dos
negócios, no caso da manufatura, é responsável pela inércia das forças produtivas, pela conduta
estereotipada, pelo know-how imutável, e pela exploração violenta da força de trabalho. O arquiteto tem
tendência a atribuir a responsabilidade a fatores secundários, na medida em que leis irracionais ou quase
obscuras existentes, sob o ritmo cego de operações concretas, tornam-no incapaz, muitas vezes, de
detectar com clareza os disfarces do poder que domina. Quase sempre favorável à técnica em abstrato,
seu discurso não é suficiente para esconder um desconhecimento e um desprezo pela prática – o que é
reforçado objetivamente pelas formas muitas vezes obtusas das técnicas aplicadas, vítimas também da
mesma tirania. Uma falsa dicotomia se estabelece e desabrocha entre a arte e a técnica. A arquitetura,
então, faz sobressair exageradamente seus traços irracionais (a opção plástica, a escolha que vai além do
conhecimento possível) por uma espécie de vingança ou compensação; transfigura assim os seus traços
numa irracionalidade regressiva. Esta hipótese afasta a técnica ainda mais da arquitetura e reforça uma
batalha deslocada, enquanto a verdadeira causa se mantém imune”.
4.1 Um capítulo à parte
Para a compreensão de parte das dificuldades em se tratar as questões

referentes à experimentação prática nas faculdades de arquitetura, é necessário fazer

um recorte importante que é quanto ao entendimento de um momento específico em

que se fez uma severa crítica à produção arquitetônica e à forma que esta produção

tomara, diferente daquela imaginada nas décadas de 20 e 30. Esta crítica é muito

centrada na prática diária do profissional da arquitetura, mas ela se inicia dentro da

universidade.

A arquitetura moderna trouxe consigo uma lógica que mudou as relações de

trabalho dos profissionais. Antes dela, os artesãos que trabalhavam nas obras

possuíam certo tipo de autonomia e podiam criar de acordo com os apontamentos e

com as diretrizes do projeto do arquiteto. Cada um era o criador em seu ofício. Como

descreve Artigas em “A função social do Arquiteto” (1989), o responsável pelos

telhados daria a melhor resolução técnica para o madeiramento de uma determinada

cobertura, o responsável pelas escadas, idem, e assim por diante numa relação que – a

partir do movimento moderno – passa a ser mediada por desenhos técnicos. Deste

momento em diante, cada um destes artesãos deve seguir as especificações do

desenho e não mais as suas livres criações.

Para Artigas, a grande revolução que ocorre nos canteiros de obras no Brasil

moderno, é justamente esta transferência da capacidade criativa que sai do poder dos

artesãos e passa para a mão dos arquitetos. Porém estes, a partir de então, passam a

dominar todas as operações do canteiro – através do seu desenho – criando situações

nas quais os trabalhadores passam a desempenhar atividades alienadas e sem

qualquer tipo de envolvimento. Este é um quadro no qual o desenho, além de dividir


os trabalhos e fragmentar as operações em uma obra, também dá plenos poderes de

decisão ao arquiteto. Isto ocorria justamente no desdobramento da arquitetura

moderna que se pretendia progressista.

A crítica que Sérgio Ferro e os arquitetos da chamada “Arquitetura Nova”71

iniciaram com o artigo que foi publicado em 1966 na revista Teoria e Prática, n°172, era

que os arquitetos de sua geração, acanhados por um “toque de recolher” ocorrido em

função da ditadura militar, não mais correspondiam às expectativas de uma geração

que estaria comprometida com os interesses coletivos. Nos textos produzidos pelo

grupo é possível reconhecer a clara preocupação em se trabalhar as tensões entre a

força desenvolvimentista do capital e as reais necessidades dos grupos de demanda

social.

Com a consciência da grandeza dos problemas e das contradições das suas

ações, o grupo acreditava na possibilidade da criação de uma nova linguagem e de um

paradigma capaz de organizar a produção das habitações de maneira equilibrada e

contrária à chamada “Economia política da construção como alegoria do crescimento

desigual e combinado”;

Sergio Ferro aponta em seus artigos os sinais e os símbolos expressos na

produção dos arquitetos daquela geração73. Caracteriza a produção como sendo ela

sombra de si mesma, uma arquitetura de falsos matizes que escondiam a frágil

ausência de significados de si mesmas criando com isso um quadro patológico e

circunscrito numa malha de ações que se retro alimentava. Sérgio atribui esta falta de

71
Grupo de arquitetos formado por Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre.
72
O artigo também tinha o mesmo nome: “Arquitetura Nova”
73
“... as propostas anteriores que caracterizavam a arquitetura brasileira, feitas para um desenvolvimento
que parecia provável, são retomadas com ênfase exagerada decorrente da consciência de sua
impraticabilidade presente e do desaparecimento de suas tênues bases efetivas, desaparecimento selado
pelo truncamento irracional do nosso lento processo social”. In FERRO, Op. Cit.
significado à distância da possibilidade de transformação. Para ele, os sinais são

enfáticos e “verdadeiros” quando próximo daquilo que se pretende alcançar ou

atribuir significado. Com o descrédito vem a distância, com a distância, a frustração e,

finalmente, com a frustração surge a necessidade de se ‘velar as ausências’ criando

recursos e pirotecnias que trazem para si a atenção do observador.

A atitude fetichizada da produção de arquitetura por incentivo da mídia e do

mercado cultural fez com que aquilo que era um conhecimento coletivo se tornasse

privado, a arquitetura produzida e acumulada, agora concentrava sua atenção e

técnica em centros comerciais e/ ou nas casas burguesas.

“Desfeita aquela perspectiva orientadora, sobram as propostas quase isoladas,

reorganizadas somente se vistas como parte da contraditória posição que

examinamos”.74

Em seu livro “Arquitetura e Trabalho Livre”, no capítulo denominado “esboço”,

Sérgio enumera uma grande quantidade de conceitos, frutos de análises referentes à

atual condição do mercado da construção civil no Brasil. Com este texto, anotações de

aulas que ministrava na FAU USP. O texto descreve as características e os efeitos dos

processos e dos meios de produção da casa feita para a classe média no Brasil. Sua

análise é empreendida através de uma síntese de conceitos extraídos diretamente de

“O Capital” de Marx, e refletidos nos pormenores do modo de produção manufaturado

da construção civil. A análise final da casa produzida em grande escala pela indústria

da construção, a residência da classe média, é precedida de uma primeira

caracterização da casa popular produzida em regimes de quase que absoluta auto-

construção e que tem importante valor de uso, porém baixíssimo valor de troca.

74
FERRO, Sergio. Arquitetura e trabalho livre. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
Posteriormente o texto se volta para a caracterização da produção das casas burguesas

que são uma espécie de alta-costura da construção civil, usadas com parcimônia (para

que não seja depreciada), e possuem altíssimo valor de troca (por isso mesmo a

preocupação e o zelo pelo patrimônio). Por último é que se faz a análise da casa de

classe média que é aquela realmente produzida pela indústria da construção e que é

donde se faz possível a abusiva extração da mais-valia através da exploração

inescrupulosa da mão-de-obra e da manutenção do “status quo” arcaico dos modos de

produção e do “exército de reserva de força de trabalho”.

O estado de arcaísmo no qual se mantém a indústria da construção, não é mais

do que o próprio desejo dos donos dos meios de produção. O investimento em

incrementos e/ou desenvolvimento tecnológico para uma maior produção, com

relativo aumento da matéria prima e da produção sem o proporcional aumento da

mão de obra, onera o proprietário e diminui a taxa de mais valia. Daí a importância em

se manter este sistema de “manufatura”.

Na verdade, num arrazoado geral da questão, o fato é que a arquitetura

moderna, de início, inspirada na revolução russa, procurava resolver os problemas

sociais. Os arquitetos que vinham tratando estas questões em sua produção foram

calados e inibidos durante a ditadura militar. Este recuo provocou os arquitetos deste

novo grupo que se empenharam em levantar criticamente as questões relativas à

separação resultante do desenho e das novas atribuições que este desenho passa a ter

dentro da arquitetura moderna. Enquanto que no canteiro de obras, do qual o

arquiteto foi apartado, as relações de trabalho propiciam a extração de mais valia e a

formação do exército de reserva de força de trabalho.


4.2 O fazer e o pensar e a inteireza dos projetos.

Trocando em miúdos...

As artes em geral, todas elas, passam por processos semelhantes no momento

de sua criação e materialização física. Porém estes processos semelhantes são

característicos e distintos em cada uma destas artes. Na pintura, na música, no cinema,

no teatro, na escultura, na dança, enfim, em todas as artes há o momento da

concepção e o momento da materialização.

Inicialmente há o desejo, há a manifestação de uma vontade de que algo se

torne a obra. Posteriormente, a obra acontece. Ou – como nas palavras de Gregotti –

há a “satisfação de desejo”.

Cada uma destas artes tem um tempo ou uma “distância” entre o desejo (a

vontade), e a satisfação do desejo (a materialização da obra de arte). Estas duas

instâncias podem ser desde simultâneas, como é o caso de algumas criações musicais,

por exemplo, ou então como alguns happenings de dança ou de escultura, ou então

podem conter um grande intervalo entre elas que é o espaço da transformação do

desejo em obra concluída.

Gregotti avalia, justamente, o tamanho das distâncias entre o desejo e a

satisfação no trabalho do arquiteto em relação a outras atividades de criação e, para

ele, é nítida a diferença. Na arquitetura tanto as operações como as matérias possuem

escalas diferentes daquelas encontradas em outras realizações de desejos intentados:

“A arquitetura, deste ponto de vista, apresenta-se numa situação um tanto especial. A

complexidade técnico-econômica dos fatores que concorrem em sua formação é tal


que se faz necessária uma previsão pormenorizada dos elementos do projeto: uma

grande distância entre desejo e satisfação”. 75

Esta característica especial da arquitetura em relação a outras artes cria um

dificultador quando o desejo da concreção da obra vem dos donos do capital cuja

palavra de ordem é velocidade. Na estruturação da sociedade do capital industrial que

necessitava crescer rápido, num tempo em que foi necessária uma enorme quantidade

de habitações novas para responder a crescente demanda, fruto de migrações para os

centros urbanos, o que se esperava da arquitetura era rapidez para que se tivesse uma

resposta ágil aos investimentos feitos em tais estruturas. O dinheiro empregado tinha

que retornar rápido.

Para que isso fosse possível, houve uma reestruturação na lógica de

funcionamento dos escritórios de arquitetura. O que era antes uma operação

totalmente centralizada nas decisões e escolhas do arquiteto divide-se em projeto de

arquitetura e “projetos complementares”, executados por escritórios terceirizados que

recebem a arquitetura pronta para ser calculada. Desde então, não há – na maioria dos

casos – uma interface satisfatória entre estes “terceirizados” e os criadores de projeto

no momento de sua concepção. É como se estes terceirizados fossem contratados

simplesmente para resolver alguns problemas.

Não é nisso que se baseia o trabalho de arquitetura. Este sistema de produção de

projetos que opera como parte de uma ‘linha de produção do espaço’ desconsidera

todas as complexidades e contingências e emergências necessárias para a realização

plena de uma obra de arquitetura.

75
GREGOTTI, Victorio. Território da Arquitetura. (tradução de Berta Waldman-Villá e Joan Villá) São
Paulo: Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975. - Pág. 12
Na tese do arquiteto Luís Saia, apresentada ao concurso para provimento da

cadeira nº 14 da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,

escrita em 1956, o autor coloca sua visão do processo na criação do fenômeno

arquitetônico.

Novamente o que se vê é a afirmação da necessidade de todos os domínios do

arquiteto e de seu envolvimento completo para o sucesso da obra. Num percurso que

parte do macro (tese) para o micro (elementos que constituem o programa), Saia

descreve todo o complexo caminho que precede (ou que forma, compõe) o fenômeno

arquitetônico. Em seu texto, mostra a incontestável complexidade e a diversidade de

entes ao qual se está sujeito. Apresenta e discorre acerca dos componentes da criação

na arquitetura e suas relações entre si e com o produto final, a obra pronta. Sempre

apontando, no processo analítico propositivo, as obrigatoriedades e funções

necessárias de uma e de outra criando uma grande trama onde “tudo se completa e

nada pode faltar”.

Saia apresenta o conjunto dos elementos formadores da arquitetura numa

dissertação que define este processo como simultâneo e irreversível onde "... tudo

está irremediavelmente comprometido: o todo com o detalhe e o detalhe com o

todo.”. O autor afirma ainda que a tese seja uma “forma abstrata de inteligência” e

que sozinha não se basta para assumir o papel de entidade de arquitetura, para tanto,

deve assumir uma ligação intrínseca e particular com o objeto, algo que seja próprio

daquela situação em particular.

Para que o arquiteto conheça o todo e o detalhe, numa obra onde tudo se

completa e nada pode faltar, é evidentemente importante sua presença em todas as

fases do processo.
É evidente, então, a importância no trabalho do arquiteto durante o projeto e

para a construção da obra. Mas há que se entender aqui o papel do projeto e o papel

da obra no trabalho do arquiteto. No primeiro capítulo do livro de Gregotti – “Os

materiais da arquitetura” – o autor procura evidenciar a inteireza e a particular força

que adquire o projeto, deixando de ser mediador para ser o objeto.

No caso específico da arquitetura, é digno de nota o fato de que no nosso atual

contexto sócio-econômico o profissional produz projetos, e não o objeto final. Ou seja,

produz o projeto como ‘coisa’. Do ponto de vista da produção do arquiteto, o projeto

deixa de ser uma ferramenta para ser o produto final. Nas palavras de Gregotti: “..., no

caso do projeto de arquitetura, aquele conjunto de notações possui uma vasta e

importante ação significativa porque se institucionalizou em certos aspectos, segundo

certas conotações a tal ponto complexas e precisas que acabaram por se converter

numa operação (ou melhor, numa fase de operação arquitetônica) dotada de uma

particular inteireza (...) Não obstante as limitações, cremos na possibilidade e validade

de um discurso legitimamente autônomo acerca da projetação arquitetônica, tanto

assim que esta atividade corresponde de qualquer modo a uma precisa função

produtiva do arquiteto que, em nosso contexto sócio-econômico, não produz casas

mas projetos de casas, intervindo essencialmente na qualidade de projetista diferente

daquela de construtor” 76.

Esta afirmação provoca a reflexão das contradições que existem entre algumas

análises das vantagens e das desvantagens do arquiteto que se coloca distante de

algumas operações e se concentra em outras. A diferença entre o projeto e a coisa

construída é que o projeto ainda não é objeto da ação, mas o mediador, o que está

76
GREGOTTI, Victorio. Território da Arquitetura... Op. cit.
entre. O projeto é tão somente uma somatória de símbolos técnicos que podem

transferir para o executor, informações que se tornarão ações e que por fim

promovem a existência da coisa. É arriscado investir num “discurso legitimamente

autônomo acerca da projetação arquitetônica” já que este pode significar ônus e

precarização ao seu ofício, bem como à arquitetura enquanto profissão.

O fato é que o projeto – e o arquiteto – está cada vez mais isolado em relação à

concreção e à obra pronta. O projeto, que por muitas vezes é o produto final do

trabalho do arquiteto, virou algo que não é mais os apontamentos necessários para

que ele com a equipe de trabalhadores e artesãos construam a obra aos moldes de

outrora, como registra a história. O projeto é um conjunto de notações fracionadas e

divididas que dita para o executor como deve ser cada operação. A figura do arquiteto

se distancia da obra e fica cada vez mais ligada a imagem do arquiteto de escritório

que se preocupa com minúcias e nuances das indicações de seu projeto. Algo diferente

do que esperava Artigas ao declarar que “... arquitetura é obra feita. O arquiteto devia

ser o homem que construísse a sua própria obra, se possível com suas próprias mãos,

como um grego faria...” 77

Como se constatou no capítulo 2 deste trabalho, o arquiteto possui,

originalmente, uma especificidade em seu trabalho que é a construção. Quando, por

questões de gestão do trabalho, ou até mesmo, por agenciamentos externos das

forças de produção do capital, o profissional da arquitetura deixa de lado sua

habilidade de construtor para executar apenas as atividades de ‘desenhador’,

abandona parte importante do momento criador e intuitivo. O pensamento se

77
ARTIGAS, João Baptista Vilanova. Caminhos da arquitetura; organização José Tavares Correia de
Lira, Rosa Artigas. São Paulo: Cosac Naify, 2004. Pág. 205
‘fragmenta’ e se ‘divide’, ficando o profissional à deriva de suas intelecções de

atelier. Quando o arquiteto constrói, ele intui e trabalha outras intelecções e junções.78

Se o saber e o fazer da arquitetura se expressam numa “cultura construtiva”,

indissociável das limitantes geográficas, sociais, políticas, econômicas com as quais se

alinham os futuros usuários desta arquitetura a ser criada, é praticamente inaceitável

o isolamento do arquiteto nessa operação produtiva.

Analogamente, Pedro Arantes ao descrever os fazeres diários de Flávio Império

em seu estúdio descreve também as dificuldades do arquiteto em transformar o fazer

em ato que acontece junto com o pensar do projeto: “Fazer com as próprias mãos o

que pensava, e ao fazer, instruir o pensar (...) ‘o momento do fazer, tanto na pintura

quanto no teatro, é o momento mais rico, é o momento mais produtivo’. Mas na

arquitetura não é bem assim: o desenho surge como mediação entre o pensamento do

arquiteto e o fazer do operário, pois há uma cisão que impede a contigüidade entre o

fazer e o pensar...”.79

Obviamente não se espera do arquiteto que ele esteja presente em todas as

operações da construção, tampouco se espera que o projeto aconteça junto com a

obra. Mas o que se espera é o domínio destas linguagens e destas tecnologias por

parte do arquiteto. Espera-se a participação do construtor no pensamento e na criação

de tais obras, espera-se – já que a arquitetura se difere das outras artes pela grande

distância entre o desejo e a concreção – que o corpo produtivo de uma obra de

78
Em seu texto “Programa para o Polo de Ensino, Pesquisa e Experimentação da Construção”, Sérgio
Ferro defende a necessidade da não disjunção das operações de praticar e pensar: “Hegel, Leroi-
Ghourhan, Prouvé e muitos outros insistiram na estrita imbricação que liga fazer e conceber, praticar e
pensar, experimentar e antecipar. Hoje, essa idéia é conhecida, aceita e preconizada em toda parte... O
saber teórico e a simulação, certamente indispensáveis, são, entretanto, insuficientes para alimentar,
apoiar e inspirar a criação. A qualidade pensada do edifício é indissociável de sua qualidade realizada e,
necessariamente, nessa área, a compreensão do conceito parece também da compreensão do fazer”.
79
ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura Nova: Sergio Ferro, Flávio Império, e Rodrigo Lefèvre, de
Artigas aos mutirões – São Paulo: Ed. 34, 2002. Pág. 53
arquitetura possa operar em conjunto, usando os desenhos como elemento de

registro das criações.


4.3 Breve reflexão sobre o cenário atual.

“... a recepção da arquitetura, como outrora da poesia


épica e hoje a do cinema, se dá coletivamente e na
forma de distração”.80

O que se observa na análise do capítulo 2 “Análise de alguns precedentes

históricos”, é que no decorrer da história a arquitetura tende a enaltecer e valorizar

aquilo que tem significado mais proeminente na sociedade em um determinado

momento histórico.

No Egito Antigo, as pirâmides certamente evidenciaram o poder e a influência

dos Faraós; na Grécia Antiga, os templos sagrados; no Império Romano, foi a vez das

instituições políticas; na Idade Média, as Igrejas, e assim sucessivamente – passando

pelo capital industrial – até chegar na época atual quando a arquitetura favorece a

valorização do capital financeirizado e a atração principal é o espetáculo midiático da

indústria “do entretenimento e da nova economia do acesso”.

Antes de continuar com o texto, cabe aqui a reflexão sobre algumas categorias.

Ao termo “forma” se propôs uma dualidade: forma enquanto disposição dos

elementos constitutivos (sua organização e as inter-relações intrínsecas ao objeto

construído); e forma no sentido de “poder de comunicação” desta disposição (o que é

que o objeto nos diz). “É, portanto, a partir da figura que podemos descobrir o sentido

do fenômeno e reconstruir sua totalidade, a pluralidade de seus elementos

80
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da Arquitetura depois dos Modernos. São Paulo: Editora da
Universidade de São Paulo, 2000.
constitutivos, de sua proposta” 81. Isolando este aspecto fundamental da projetação (o

aspecto figurativo) Gregotti chega à conclusão de que qualquer outro aspecto é

somente material. Ou seja, a “estrutura de relações entre as matérias” que orienta o

arquiteto na operação da produção do objeto arquitetônico, nunca muda, seja qual for

o nível histórico de privilégios, enquanto que os aspectos materiais, em sua

significação, dependem do fundo.

Em outras palavras, pode-se afirmar que a relação entre as partes de uma obra

arquitetônica permanece sempre a mesma, ainda que se mudem as relações sociais,

culturais ou econômicas de uma determinada sociedade. Por outro lado, o seu

significado pode mudar de tempos em tempos, conforme as mudanças de valor desta

sociedade.

Hoje a arquitetura vive um momento no qual a produção de imagens é o

principal motor da economia. O atual mercado da construção segue as mesmas

diretrizes originais do sistema econômico, ou seja, o que antes era um sistema

atrelado a produção, agora se alinha a uma nova economia de circulação e consumo

do capital.

As formas apropriadas para esta arquitetura, chamada “arquitetura líquida” –

tão líquida quanto o próprio capital –, fruto de uma “liberdade inventiva” e da

necessidade de fazer da obra apta a desenvolver seu papel midiático, contrastam com

as formas “limpas” e de geometria Euclidiana do modernismo, que produziu obras que

foram fruto do investimento do capital dos setores produtivos. Enquanto o movimento

moderno construía a representação de sucessivas vitórias da fase do capitalismo

vigente na época (da indústria e do Estado), a arquitetura atual visa a exclusividade e

81
GREGOTTI, Victorio. Território da Arquitetura. (tradução de Berta Waldman-Villá e Joan Villá) São
Paulo: Perspectiva, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1975 - Pág. 28
formas como garantia de uma renda de monopólio. Ou seja, a produção da arquitetura

se basta, ou se garante, tão somente na produção de uma imagem exclusiva e que não

será repetida. Esta imagem é que será consumida, e não a arquitetura.

As imagens de cidade, que no modernismo tendia a uma “limpeza” de formas,

tende agora a uma incrível exposição de formas inusitadas que – porque novas e

exclusivas82 – garantem a atenção. A versão moderna de uma construção explicitadora

e real dá lugar à cegueira produzida pela quantidade excessiva de signos e imagens.

Não se vê mais a arquitetura, pois esta está diluída em pacotes de miragens produzias

para se estabelecer relações diretas com marcas. Numa frase encontrada na obra de

Otília Arantes, a arquitetura se revela como “a extroversão do consumo explícito, da

exposição plena, que cega, ao invés de seduzir. A obscenidade é o reino chapado da

superfície”.83

O exame mais aprofundado destas colocações nos alerta para a importância da

ação presencial do arquiteto, tanto na produção do conjunto de notações como na

tradução material da própria obra – no caso da arquitetura, no canteiro de obras – já

que a obra enquanto significado traduz não só a intenção final, mas também culturas

construtivas, modos de produção, informações sociológicas no funcionamento daquela

determinada comunidade. A obra é símbolo na sua concepção final: do que é, e de

como foi feita.

82
“... Os arquitetos da era financeira, ao contrário dos modernos, não procuram soluções universalistas,
para serem reproduzidas em grande escala – o que anularia o potencial de renda monopolista da
mercadoria. O objetivo é a produção da exclusividade, da obra única, associada às grifes dos projetistas e
de seus patronos. O sucesso estrondoso de algumas obras e seus arquitetos, contudo, acaba estimulando a
repetição das mesmas formulas projetuais, reduzindo a cada “duplicação” de volumetrias similares sua
competência em gerar “rendas de exclusividades”. A arquitetura de marca tem assim, um limite comercial
que a obriga a adotar soluções inusitadas e sempre mais chamativas: se diversas cidades almejarem uma
obra de Frank Gehry, por exemplo, perderão progressivamente a capacidade e capturar riquezas por meio
de projetos desse tipo.”in: ARANTES, Pedro Fiori. “O grau zero...”. Op. cit.
83
ARANTES, Otília Beatriz Fiori. O lugar da Arquitetura depois dos Modernos... Op. cit.
Para que a imagem criada pela obra arquitetônica seja forte, precisa ser inédita,

não seriada, não repetível. Para isso, a arquitetura de ponta busca, nas suas criações, o

“limite físico” dos materiais para a concreção de formas inusitadas e novas. Procura-se

o limite da técnica e dos materiais sem qualquer tipo de restrição. A questão que surge

aqui é saber como devem ser os canteiros de obra nos quais se opera esta tecnologia

de ponta, donde se extrai tamanha solicitação material e física, onde tudo é novo e

inventado... Uma das questões principais é ainda a questão das relações de trabalho

do profissional de arquitetura com o canteiro de obras e com o do trabalhador da

construção civil. Segundo Sérgio Ferro, mesmo com toda a tecnologia empregada a

fórmula para o engrandecimento das empreiteiras ainda é a extração exagerada de

mais valia nos canteiros. A arquitetura de ponta contribui para que se apaguem as

marcas do trabalho já que o que se vê são as “peles” e não as estruturas. A visão que

se tem é da imagem coesa da obra como marca, e não a “marca” da expressão

construtiva.

Com toda esta distorção das reais funções da arquitetura, ou, melhor dizendo,

com esta re-significação do papel da arquitetura nas cidades, os arquitetos recém

egressos das escolas se inserem facilmente no mercado como produtores de matéria

para os imaginados grandes trunfos publicitários.

Nessa lógica, o arquiteto pode ser visto como mais um elemento duma cadeia

produtiva de objetos-imagem. Um terceirizado. Enquanto que no coração das grandes

corporações, outros profissionais estão ocupados em transformar aquela imagem em

dinheiro. Por uma renda daquela marca – que por exclusiva – é monopolizada.
4.4 Sobre Escolas de arquitetura: Algumas questões.

Este é um trecho do documento escrito pela Comissão de Especialistas de Ensino

de Arquitetura e Urbanismo (CEAU), em 1994, sobre a qualidade do ensino da

arquitetura e de urbanismo no Brasil.

“... A educação do arquiteto e urbanista vem sendo limitada às aulas teóricas,

muitas vezes ‘cuspe e giz, e a prática de projeto se resume a desenhar papel. Qualquer

tipo de espaço oferecido é aceito para a instalação de cursos: os laboratórios de

experimentação construtiva, gráfica e projetual inexistem ou são espaços ‘retóricos’

pois, se não possuem os equipamentos necessários ou pertencem a outros cursos, o

acesso é dificultado aos estudantes de arquitetura e urbanismo; as bibliotecas não

possuem os títulos e periódicos essenciais e muitas vezes nem mesmo aqueles que são

de uso constante das disciplinas: os estudantes de graduação não têm acesso a

computadores...” 84

O quadro descrito é fruto de uma linha histórica marcada por um ensino que

migra da educação do arquiteto para a construção do desenvolvimento e chega num

ensino do tipo “produção em série”. Hoje, o que se tem, é um simples acúmulo de

escolas (a maioria dela instaladas no sul e sudeste do país) sem o respectivo acúmulo

de conhecimento ou de melhorias na pedagogia.

Nos períodos históricos que antecederam o renascimento o aprendizado se dava

no canteiro de obras, no contato com o real. O arquiteto convivia com seus mestres e

aprendia o ofício da construção, observando a extração dos materiais, seu transporte

até a obra, o estoque, conhecia os valores de cada um e o trabalho que se tinha para a

84
CEAU- Comissão de Especialistas de Ensino de Arquitetura e Urbanismo. Amorim, L. M. E.; Claro,
A.; Meira, M. E.; Silveira, R. P. G. Ensino de Arquitetura e Urbanismo, Condições & Diretrizes. Brasília:
SESu/MEC, 1994.
extração, e por isso mesmo percebia a necessidade de se adotar uma ou outra técnica

a fim de poupar tempo ou capital. O reconhecimento de que o arquiteto realmente era

de fato “um arquiteto” acontecia quando ele era capaz de conceber, conduzir a

execução e concluir a edificação de uma obra com sucesso. Assim se transferia o

conhecimento da arquitetura e assim se formava o arquiteto.

Quando o ensino se institucionalizou, a ênfase dada foi à composição estético-

formal (imagem/ símbolo) enquanto que as outras atribuições foram sendo

transferidas para outras categorias de profissionais (engenheiros e outras categorias

de construtores). Agora, as escolas de arquitetura e urbanismo, institucionalizadas

dentro de um padrão, compõem o quadro descrito no capítulo anterior da atual

condição da própria arquitetura e de seus profissionais.

Para que se atendam as necessidades dos alunos das faculdades de arquitetura e

para que se responda às demandas atuais da sociedade na construção das cidades, é

necessário que se faça uma reavaliação destas instituições. E para uma reformulação

das práticas profissionais do arquiteto, é necessária a observação e a análise das atuais

condições das escolas de arquitetura e de seus currículos.

A descrição do panorama geral das faculdades na data em que a tese de

RONCONI foi produzida85 apresentava um Brasil com uma distribuição disforme de

escolas de arquitetura por estados. Não por acaso os números revelam uma maior

concentração de escolas no estado de São Paulo – com números menores, porém com

participação significativa, encontram-se os estados do Rio Grande do Sul, Minas Gerais,

Paraná e Rio de Janeiro. Mesmo com uma considerada massa de pessoas ocupando as

85
Este trabalho, datado de 2002, traz o número fornecido pelo Ministério da Educação e cultura de 2001
que contava 130 escolas de arquitetura no Brasil.
áreas urbanas, ainda assim existem estados com insuficientes números de escolas de

arquitetura.

Mais do que simples números, estes dados são a constatação da relação direta

que existe entre o desenvolvimento (crescimento econômico), fruto de

desenvolvimentos industriais e que acarretam em necessidades imediatas de novas

moradias para abrigar o contingente de trabalhadores destes setores (os industriais, os

da economia, os dos setores terciários, e o da conseqüente construção civil). O que se

observa, então é a formação da demanda na formação de novos profissionais para o

mercado da construção civil, em função do “desenvolvimento”.

Comparando-se, o número de escolas de arquitetura por estados e o número de

obras executadas por estados, evidencia-se o fato de existirem mais escolas em

estados com mais obras, proporcionalmente. É digno de nota que numa escala

internacional, a disputa por obras de infra-estrutura e principalmente de edificações

para o mercado do turismo e do entretenimento se dá entre todos os arquitetos do

“main stream”, não se restringindo aos profissionais da própria região.

Mas quantidade não significa necessariamente qualidade. Quando analisada, no

trabalho de Reginaldo Ronconi, a avaliação destas escolas, percebe-se que só existem

quantidades expressivas, em alguns estados e quantidades insuficientes em outros,

mas não muita qualidade. A questão é que os números podem enganar um pouco.

Quando analisados os números de escolas de arquitetura em relação ao PIB do estado,

e posteriormente, cruzando estes dados com a relação entre escolas públicas e escolas

privadas, revela-se outra questão: o que está crescendo é o mercado de vagas de

arquitetura e não necessariamente a demanda de postos para profissionais que

exercem a arquitetura.
Muitas das escolas particulares de arquitetura fazem parte de grupos

empresarias de ensino que desejam aproveitar este filão para comercializar o seu

direito de oferecer diplomas.

Para propor novas formas de se pensar as estruturas nas escolas de arquitetura,

Maria Amélia se debruça em pesquisas com a intenção de caracterizar as condições do

ensino da tecnologia em escolas de arquitetura e urbanismo. Nas análises realizadas

pela pesquisadora, ainda em fase de mestrado, pode-se observar que “em pelo menos

metade dos currículos analisados não havia menção explícita de tais recursos

didáticos. Por outro lado, nos currículos onde constavam referências a ‘aulas de

laboratório’, não se verificava a pormenorização da natureza dos espaços pedagógicos

disponíveis, nem tampouco o tipo de atividade desenvolvida. Os programas de

Tecnologia apresentavam, em geral, uma listagem de aulas teóricas e respectivos

conteúdos, eventualmente intercaladas com aulas denominadas ‘práticas’, destinadas

à resolução de exercícios de dedução matemática, do que se pode aventar que o

conceito de atividade experimental (laboratório), quando existia, era bastante restrito

voltado à demonstração e comprovação das teorias científicas transmitidas e não à

experimentação e prospecção, revelando um ensino pouco voltado à problematização

como método de aprendizagem”. 86

Analisando os dados descritos pela professora Maria Amélia, o problema das

escolas se aproxima ainda mais do objeto principal desta dissertação.

Este quadro problemático mostra que a maioria das escolas não possui o mínimo

necessário para o que se espera em um ambiente de formação profissional para a

arquitetura. Quando se fala de experimentação prática no ensino da arquitetura, o que

86
LEITE, Maria Amélia Devitte Ferreira D‟Azevedo. A aprendizagem tecnológica do arquiteto. – Tese
de doutorado – FAU USP – São Paulo, 2005. Pág. 14
se espera é que as escolas tenham um mínimo de aparato em suas instalações para

que o estudante consiga entender os fenômenos que acontecem dentro de uma

estrutura. Estes métodos de análise teórica e de comprovação matemática para a

compreensão das forças e dos momentos é insuficiente. Quanto às questões de

emancipação do aluno, criação de espaços para o desenvolvimento de sua intuição e

para o reconhecimento da condição social do trabalhador e do funcionamento das

obras, isto ficou ainda mais distante de se conseguir.

Para Ronconi, a iniciativa para a transformação deste quadro deveria partir da

própria classe. Para a melhoria do ensino da arquitetura e para o incremento nas

benfeitorias e na qualidade pedagógico das escolas, deveria acontecer uma

sensibilização que partisse dos próprios arquitetos. Para ele “(...) Seria muito

importante que a categoria dos arquitetos promovesse uma discussão sobre a

qualidade dessas escolas e seus compromissos com a sociedade, pois o país, ao abrigar

a maioria da sua população no ambiente urbano, deveria responder melhor aos

problemas relativos ao ambiente construído e suas múltiplas inserções com as demais

questões do desenvolvimento social, já que parte dessa resposta deverá ser construída

pelas ações dos profissionais especializados formados nesse sistema (...)”. 87

Levando em consideração o principal objeto deste trabalho que é a ênfase em

atividades de canteiro experimental, as escolas terão de ser analisadas com o foco

mais fechado no que diz respeito ao aprendizado tecnológico.

Na tese de doutoramento da professora Maria Amélia Leite, sobre a

aprendizagem tecnológica do arquiteto, os apontamentos referentes à formação

87
RONCONI. Op. cit.. Pág. 17
tecnológica do arquiteto são certamente considerações que abonam a discussão

acerca das atividades de canteiro experimental.

Aqui estão algumas das colocações de Maria Amélia:

“1 – As deficiências de formação tecnológica verificadas nas escolas de

Arquitetura e Urbanismo no Brasil têm forte correlação com a ausência de metas

pedagógicas claras de ensino-aprendizagem e estratégias didáticas adequadas nesta

área, o que gera percursos curriculares fragmentários, desprovidos de uma lógica

estrutural para a elaboração do conhecimento trabalhado, desestimuladores da

inventividade e sem compromisso com os resultados da aprendizagem;”

“2 – As deficiências de formação tecnológica originam-se, também, do

entendimento implícito nas concepções curriculares de que a finalidade da formação

do arquiteto seja a elaboração do projeto arquitetônico em lugar da elaboração da

obra arquitetônica, sentido amplo, e, portanto, revelando uma fragilidade destas

concepções quanto a função social da profissão, definida, minimamente, pelas

atribuições legais estabelecidas;”

“3 – O Ensino de Arquitetura e Urbanismo no Brasil, embora venha vivenciando

transformações desde a promulgação das Diretrizes Curriculares em 1994, tende a

manter o quadro de deficiências da formação tecnológica, sendo que a permanência

deste quadro deve-se, fortemente, à manutenção dos paradigmas curriculares

estruturais adotados desde a implantação do ensino autônomo, a partir dos anos 40

do século passado e consolidados progressivamente pelos processos reguladores

oficiais posteriores, quais sejam: a prevalência do ideal de arquiteto “desenhador”,


dissociado fundamentalmente do arquiteto “construtor”, o currículo entendido como

apenas grade de disciplinas: e o entendimento de tecnologia como mercadoria”.88

Para a professora, o entendimento da profissão do arquiteto como simples

projetista que está distante da construção, faz com que se crie um isolamento invisível

que é responsável pela disjunção no entendimento dos fenômenos da arquitetura.

Para ela, a fragmentação dos conceitos e princípios adquiridos nas aulas de estruturas

e ciências correlatas torna o processo enfadonho e desestimulante, já que não há a

aplicação prática destes conhecimentos nas aulas de projeto e – principalmente – não

se ensaia praticamente, com substratos físicos, tais conteúdos.

O que se está discutindo aqui é a importância da interface necessária entre as

disciplinas. Mesmo que estas interfaces sejam todas estabelecidas com sucesso, ainda

assim há uma cisão que divide as “aulas teóricas” das “aulas de canteiro”. Esta

dissociação é muito perigosa, pois cria a imagem errada de uma disjunção entre as

duas atividades, sendo que, como já se viu, o fazer e o pensar devem ocorrer juntos,

simultaneamente. Criação e resolução material têm de ocorrer simultaneamente,

como que numa espécie de jogo. O projeto e a obra são comprovações um do outro.89

Outro documento importante que comprova a existência destacisão no que diz

respeito às atividades práticas e atividades teóricas é os anais de Seminário Ensino

Arquitetura e Urbanismo, que ocorreu na FAU em Maio de 200790. Nele não se

encontram menções sobre a experimentação prática ou a prática como processo

88
Estes parágrafos se referem aos apontamentos contidos em: LEITE, Maria Amélia Devitte Ferreira
D‟Azevedo. A aprendizagem tecnológica do arquiteto. – Tese de doutorado – FAU USP – São Paulo,
2005.
89
Paulo Freire aponta diversas vezes a necessidade da relação dialógica entre a prática e a teoria, e chega
a afirmar que: “A reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a
qual a teoria pode ir virando blábláblá e a prática, ativismo”.
90
Seminário Ensino Arquitetura e Urbanismo (2007: São Paulo) – Anais do Seminário Ensino
Arquitetura e Urbanismo/ São Paulo: FAUUSP, 2007. 151pp.
didático-pedagógico para o aprendizado da tecnologia. Em vários dos artigos se fala

em teoria e prática, mas curiosamente esta teoria e prática para nas paredes dos

estúdios como que numa assunção da renúncia do arquiteto como construtor. 91

Maria Amélia, em seu texto, expressa ainda uma queixa que tem como

refêrencia o seminário de 30 anos da Pós-Graduação na FAUUSP, que ocorreu em

outubro de 2002. Sua queixa é de que foram priorizadas as preocupações com setores

tradicionalmente desenvolvidos como é o caso de Conforto Ambiental, Racionalização

da Construção, Qualidade e Avaliação pós-uso, entretanto pouco se falou em

aprimoramento docente. Algo que a professora julga necessário para a melhoria do

ensino.

O que é importante de se fixar nesta dissertação, portanto, é a atual condição do

ensino da arquitetura no pais: O crescimento desproporcional e desqualificado das

escolas de arquitetura pelo Brasil; a má qualidade do ensino tecnológico destas

instituições; a falta de insumos para a adequada transferência dos conhecimentos; a

dissociação dos momentos da teoria e da prática construtiva e a falta de espaços

privilegiados para o ensino e experimentação desta prática. Este último, será o foco

das discussões daqui para frente

91
“Embora o temário mostre, por vezes, o preconceito, é em toda atitude artística que encontraremos a
significação mais profunda. O neoclassicismo correspondia assim à organização social daquele período,
marcado pela distância entre o pensar e o fazer. Um se recolhia no idealismo; o outro, confinados aos
aspectos negativos do trabalho, nos desvios econômicos, na mecanização do homem, na coisificação do
trabalhador, na orientação, não raro, repressiva e predatória. Assim, a sociedade exibe, objetivamente, a
dicotomia entre o pensar e o fazer, o que vale dizer, embora de forma radical, a distinção entre o poder e o
trabalho”. In: MOTTA, Flávio L. Subsídios para Relatório sobre ensino de Arquitetura UIA – UNESCO
1974. In: ASBEA – Sobre a História do ensino da Arquitetura no Brasil. São Paulo: Associação
Brasileira de Escolas de Arquitetura, 1977. Pág. 25.
5. QUESTÕES REFERENTES AOS CANTEIROS DAS ESCOLAS DE
ARQUITETURA.

“Por que o homem, já que pensa e opera conforme o

pensamento, não consegue repetir-se com exatidão?

Porque não foi educado para fazê-lo, foi educado para

não fazê-lo, para fazer sempre algo diferente daquilo que

fez. A vida é experiência e repetição é bloqueio da

experiência”. 92

92
ARGAN Giulio Carlo. Projeto e Destino. São Paulo: ed. Ática, 2001. Pág. 21
5.1 Formação e ensino de arquitetura.

O entendimento e a aceitação de que “ensinar não é transferir conhecimento,


93
mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” éo

assunto principal tratado pelo pedagogo Paulo Freire em sua obra “Pedagogia da

Autonomia: saberes necessários à prática educativa”. Este conceito é apresentado e

reforçado constantemente em sua obra temperada por alertas contra as adversidades

do neoliberalismo e pautada na não aceitação das fatalidades.

Escrito numa época em que a globalização se impõe como forma hegemônica do

sistema econômico, social e político, “Pedagogia da Autonomia” é um alerta para

educadores que formarão a composição humana para viver neste novo modo de

produção que tem como principal foco o mercado financeiro no qual o grande

contingente de trabalhadores é formado para alimentar o exército de reserva de

mercado. Em sua obra, Paulo consolida uma somatória de preceitos e de práticas

indispensáveis para todos que assumem o papel de educador. Ao abordar as

particularidades e necessidades de um professor, passeia por diversos conceitos e

princípios que extrapolam as cartilhas e/ou métodos pedagógicos e disseca a

caracterização de um ser humano ideal para a prática do “bem ensinar”.

“Pedagogia da Autonomia” é uma obra que elenca de forma enfática e com

metodologia crítica, as ferramentas que, na visão do autor, são fundamentais na

prática do educador. Neste exercício de sintetizar muitos dos conceitos abordados em

suas principais obras, Paulo dinamiza e entrelaça sucintamente os conceitos para ele

embutidos na visão progressista do ensinar aprendendo. Numa espécie de

93
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e
Terra. 1996. Pág. 47
enciclopédia da prática do docente, explica os preceitos e as qualidades esperadas

naqueles que “ousam ensinar aprendendo” 94.

Partindo do pressuposto que o aluno de arquitetura compõe uma sociedade que

é movida pelos interesses do capital, ele deve estar preparado para as “armadilhas”

que tendem a torná-lo um objeto de produção. Um sujeito pronto para o treino e para

o aperfeiçoamento do que já lhe é cristalizado, sem evolução. Neste processo, as

gerações de arquitetos que se formam nestas últimas duas décadas, tendem a ter seu

repertório chapado com preceitos e fórmulas que direcionam seu veio criativo para

um caminho diferente daquele para onde sua intuição poderia levá-lo.

Os ambientes de ensino e de formação do arquiteto necessitam de espaços

privilegiados para o livre exercício da sua intuição. Necessita preparar seu aparato

sinestésico afinando-se com as questões referentes à obra de arquitetura a ponto de

prever as contingências e criar soluções pelo “faro”. Ana Maria Araújo Freire, escreve

na apresentação do livro de Paulo Freire e acrescenta que: “(...) A perda da intuição

para o ser humano é a destruição de uma bagagem incrível, construída com tanta

dificuldade por tantas gerações, e uma coisa predominante e mais importante para o

ensino de arquitetura deveria ser estimular essa questão da percepção (...)”. 95

Ao invés disto, o empresariado que detém as máquinas de ensinar dos tempos

atuais faz questão de bancar o “treino técnico” ao invés da formação emancipatória. E

não é somente o arquiteto que sofre com este problema de precarização da formação.

94
Assim escreveu Ana Maria Araújo Freire na orelha do livro “Pedagogia da Autonomia” de Paulo
Freire.
95
Entrevista: João Figueiras Lima in: PÓS – Revista do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da FAUUSP/ Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão
de Pós-Graduação – v.21. São Paulo: FAU, 2007
Os participantes da construção civil têm a sua formação capacitada para compor a

cadeia produtiva fracionada que se configura atualmente.

Outra temática que é insistentemente tratado por Paulo Freire, é a necessidade

de se ensinar a forma de evoluir do pensamento ingênuo para o pensamento crítico,

ou como o próprio autor define, para o pensamento epistemológico. Para o pedagogo,

é muito mais importante o exercício do livre pensar ao invés do simples treinamento

do estudante. Admitindo que esta visão de abrangência geral na formação também se

aplica ao arquiteto e urbanista, o que se verifica é a falta e a necessidade de espaços

que criem a curiosidade do aluno desconfiar, questionar, criticar.

O que acontece é que com os métodos atuais de produção da obra de

arquitetura e de transferência dos seus conhecimentos, os projetos – e todo o seu

arsenal de ferramentas científicas de verificação e de controle previstas na análise “à

La Gregotti” – fazem do estudante um simples cumpridor de tarefas. Um elemento a

mais que compõe a cadeia produtiva que leva à criação das cidades como elas estão

sendo criadas hoje.

Daqui, partimos para uma discussão acerca dos precedentes vitais para que não

se sofra com tais perdas: a necessidade da tomada de consciência e da critização do

conhecimento.

O abandono das descobertas e da criação de novos saberes pelo conhecimento

depositário e cumulativo é execrado por Paulo Freire e considerado como ensino

bancário. Um ensino onde se deposita saberes pré-estabelecidos e sem relação alguma

com contextos ou aplicações. Aqui entende-se o enfoque ideológico que é dado aos

métodos convencionais de pedagogia já consagrados no atual panorama da educação,

os formalismos e as formatações dos métodos prontos a que são submetidos os


estudantes, tendem a produzir um aluno que passa a ser um simples depositório de

informações cristalizadas ao invés de serem eles “criadores” de reflexões e de

formulações. Para o aluno em formação, mais importante que conhecer as soluções

das equações e dos problemas, é equacionar e problematizar as questões e os

assuntos. O aprendiz eficiente é aquele que tem a capacidade de formular as

perguntas.

Voltando às escolas de arquitetura o que se pretende com esta discussão a

respeito do pensamento crítico é mais uma justificativa para que se discuta com mais

profundidade a experimentação prática. Se as questões colocadas até agora aqui neste

trabalho fazem sentido, fica evidente que esta emancipação – da qual fala o professor

Reginaldo Ronconi – que se adquire em exercícios de canteiro experimental tende a

provocar maior liberdade no ato de projetar. Aumenta a relação multidisciplinar na

execução da obra, incorpora o arquiteto nas discussões de desenvolvimento

tecnológico, insere o arquiteto na atividade econômica da construção. Como crítico, e

não como expectador passivo.96

96
Numa entrevista concedida ao autor, o engenheiro civil Yopanan Rebelo conta: “Acabo de ler um livro,
“Minds Engeneering”, e o autor manifesta a necessidade de se repensar o ensino da prática no campo das
ciências do “bem construir”. Diz este autor, que nas escolas de engenharia estão se perdendo as maneiras
ancestrais de fazer projeto. Hoje os alunos estão até mais acostumados - nas escolas americanas como ele
dá de exemplo - a preferir fazer uma análise matemática e chegar a um resultado que por muitas vezes
não tem nada que ver com realidade do que fazer, ver como é que se faz, do que ver como foi que pensou
o sujeito que chegou a um produto. Por isso o nome “Minds engeneering”, porque ele diz que a pessoa
deve formar em sua cabeça a coisa pronta” ver anexo.
5.2 Os canteiros experimentais nas escolas de arquitetura

A tese de doutorado da arquiteta Maria Amélia Devitte Ferreira D’Azevedo Leite,

tem como temática principal a busca de caminhos para uma pedagogia nas escolas de

arquitetura que proporcione ao estudante o “desenvolvimento de habilidades e a

aquisição de competências que lhe permitam dominar e articular os conhecimentos

técnicos e científicos necessários à resolução material dos bens arquitetônicos e


97
urbanísticos”. Para a autora, o ensino focado na hegemonia do projeto dificulta o

entendimento da criação conceptiva na medida em que, dividindo os saberes, o

profissional fica à mercê dos apontamentos técnicos terceiros que pouco estão

envolvidos com o projeto em si. Como é o caso de calculistas que recebem os projetos

arquitetônicos para calcular e os devolvem com o caderno pronto de estruturas sem

conhecer a fundo as particularidades conceptivas deste projeto. Do mesmo modo, o

arquiteto muitas vezes ‘aceita’ cegamente as indicações do calculista sem o domínio

técnico para a devida discussão.

Na visão da autora, a formação dos arquitetos urbanistas se faz, atualmente, de

maneira a tornar insuficiente e incapaz o repertório técnico deles. Afirma ainda que

“verificou-se a inexistência de um ensino verdadeiramente tecnológico, mas apenas

‘proto-pedagógicas’, dadas as concepções curriculares adotadas, caracterizadas por

extrema fragmentação e abstração nos conteúdos, comportamento didático-

pedagógico ‘enciclopédico’ e reprodutivo, e ausência de contato com a realidade,

entre outros fatores”.

97
LEITE. Op. cit.
De fato, o ensino da arquitetura – e mais particularmente o ensino de estruturas

– que somente se fixa na teoria, torna-se um trabalho etéreo, metafísico. Estes

conceitos quando acompanhados de modelos e de experimentações práticas

possibilitam ao aluno a capacidade de enxergar ou de perceber os fenômenos. Todos

os exercícios vividos praticamente e com o uso de modelos trazem ao aluno a

possibilidade de realmente “sentir” as forças. Esta percepção “liga” o aparato

sinestésico do estudante que passa a viver as realidades físicas do espaço agindo sobre

as estruturas no fértil ambiente da vida real, do tempo real.

Na entrevista concedida ao Prof. Dr. Reginaldo Luis Nunes Ronconi, o arquiteto

João Figueiras Lima afirma que a ética na profissão ainda é a maior virtude que

podemos esperar de um profissional da arquitetura, principalmente daqueles

envolvidos com as questões públicas como é o seu caso. Como profissional ele destaca

a necessidade de se fazer o trabalho de arquitetura na sua dimensão mais plena e em

equipe. O trabalho desenvolvido coletivamente tem o poder de contar com a

subjetividade individual potencializada pela contribuição dos outros e aguçadas pela

própria sensibilidade. O desenvolvimento da sensibilidade é que faz com que, ao

projetar – com todos os detalhes que o projeto pode prescindir, sejam eles desenhos,

esboços, orçamentos ou cronogramas – o arquiteto tenha o domínio do real esforço

necessário para se desenvolver uma determinada tarefa. Com esta sensibilidade

desenvolvida, o arquiteto se previne dos erros muito freqüentemente encontrados no

dimensionamento de tempo e capital em determinadas operações. Geralmente quem

paga por este erro é a própria qualidade da obra e o esforço redobrado dos

trabalhadores.
Em favor da sensibilidade, o arquiteto João Figueiras Lima deixa clara a sua

posição que defende a necessidade de uma maior ênfase ao ensino em canteiros e na

experimentação prática dos alunos de arquitetura e urbanismo. Para ele, as condições

precárias em que se encontram as universidades se devem ao fato de as escolas terem

perdido o caráter formador, com criticidade e passou a ser uma indústria de diplomas.

Acrescenta, inclusive, que é papel da universidade a experimentação já que os outros

participantes da construção civil – como é o caso das empreiteiras – somente estão

interessados no lucro imediato, e não no desenvolvimento de técnicas.

Nesta mesma entrevista, o arquiteto ainda afirma: “O trabalho do arquiteto é

essencialmente em equipe. Creio que pensar o arquiteto como profissional solitário é

um equivoco total. Esse laboratório, ao contrário, já induz, de antemão, a um trabalho

de equipe no qual os técnicos participam, os arquitetos, os engenheiros também,

existe toda uma equipe envolvida, a qual já faz com que o arquiteto e o estudante se

sintam um pouco mais parte do trabalho desenvolvido em conjunto”.

Ora, este trabalho em conjunto pode, sim, ser executado com os técnicos de

laboratório, arquitetos e engenheiros. Mas o que é ainda melhor é se este for um

trabalho interdisciplinar. Todas as disciplinas das escolas de arquitetura estão aptas a

participar dos acontecimentos dos canteiros experimentais, assim como os canteiros

estão aptos a fazer a síntese dos conhecimentos teóricos e práticos da arquitetura

criando uma teoria própria e coesa para o curso. O problema é que nas faculdades de

arquitetura e urbanismo há uma danosa disjunção dos saberes que dificulta esta

prática.

Flavio Motta, comentando a evolução do estudo da arquitetura no Brasil enfatiza

a divisão das disciplinas e a departamentalização do ensino. A intenção era de


melhorar, mas, no entanto o resultado foi de disjunção e de distância entre as áreas.

Segundo Ronconi, “o procedimento de separar teoria e prática, justificado como

ferramenta didática, deve ser revisto e aplicado com muito mais cuidado. A utilização

do canteiro experimental como um dos elementos articuladores da Arquitetura e do

Urbanismo pode renovar o perfil do arquiteto que sairá da faculdade, e certamente irá

impactar positivamente a faculdade que o adotar”. 98

À luz destas constatações é que a tese de doutorado do Prof. Reginaldo Ronconi,

propõe maior ênfase na prática de exercícios em canteiros experimentais nas

faculdades de arquitetura e urbanismo, uma tentativa de reorientar o fazer do

arquiteto para a construção. A intenção principal não é acabar com as aulas de ateliê e

trabalhar apenas no canteiro como único local de ensino da arquitetura, mas fazer de

todos os espaços pedagógicos, inclusive ateliê e canteiro, espaços de experimentação

prática da arquitetura. As premissas para a proposição destas práticas – mais a título

de “volta” de uma prática do que de uma adoção inovadora – decorre do afastamento

do arquiteto de uma prática que foi corrente e que deve ser parte do seu fazer diário,

a construção.

Do ponto de vista propositivo – em resposta à provocação do arquiteto João

Figueiras Lima, quando afirma que o desenvolvimento tecnológico é papel da escola,

pois este não é interesse das empreiteiras99 – os canteiros experimentais devem

possibilitar experimentações executando grandes estruturas a fim de ensaiar a

industrialização em alguns setores produtivos da arquitetura. Ao executar tais grandes

98
RONCONI, Reginaldo Luis Nunes. Inserção do Canteiro Experimental nas Faculdades de Arquitetura
e Urbanismo. São Paulo, 2002. Tese de Doutorado FAU USP. Pág. 157
99
“O empreiteiro tem de ganhar dinheiro de uma forma imediatista, não pode pesquisar, De forma que
quem pode mudar o mundo, a atuação da construção civil, ainda é o poder público” in: PÓS – Revista do
Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUUSP. Op. cit.
estruturas, o canteiro não pode incorrer no erro de “imitar” os canteiros tradicionais.

Deve sim, ao invés disso, criar um novo modelo, uma nova maneira de se construir.

Existe um problema complicadíssimo no mercado da construção que é a

compatibilização das dimensões dos produtos. Cada bloco de alvenaria estrutural de

cada fabricante tem uma modulação diferente. A mesma coisa acontece com os

fabricantes de caixilhos, com os fabricantes de batentes e de contra-marcos. Não há

uma padronização no sistema de medidas para a fabricação dos componentes da

construção. Esse é um grande problema para a industrialização da construção e será

necessário muita pesquisa e muito tempo para que estas questões sejam superadas.

Novamente um problema do setor privado que pode ser abarcado e estudado nos

canteiros. Além disso, os estudantes que passam pelos canteiros experimentais

poderão entrar em contato com esta problemática e, mesmo que os padrões não se

unifiquem, poderão aprender a projetar e construir levando em consideração esta

defasagem. O que acarretaria em economia de material e principalmente economia

em retrabalho.100

Nos canteiros experimentais, as contribuições e inserções na comunidade

externa são importantes, mas não se deve confundir “canteiro experimental” e


101
“escritório modelo” . Há que se compreender que existe um espaço de

experimentação prática e existem disciplinas específicas de sensibilização e de

100
Sergio Ferro cita este problema que ocorre na construção do convento de La Tourette. Sua queixa é
quanto ao critério adotado para o desenho das janelas que levam em consideração a proporção e a forma,
e não os tamanhos de peças de vidro disponíveis no mercado: “Nas mãos de Jeanneret, elas eram
dimensionadas a partir das medidas dos vidros disponíveis, para diminuir custos de cortes e de peras.
Xenakis, ao contrário, as desenhou seguindo o ritmo das batidas de seu lápis na prancheta e com o
“modulor” ao lado. Venustas musical em vez de lógica construtiva – mas que rendeu quilos de artigos
encantados”. in: FERRO. Op. cit.
101
“(...) É certo que o Canteiro Experimental pode ser também um grande instrumento para apoiar os
relacionamentos da instituição com a comunidade externa, porém não deve ser confundido com os
Laboratórios de Habitação ou Escritórios Modelo, pois estes tendem a assumir obrigações dos prestadores
de serviço. O canteiro experimental deve priorizar a formação do arquiteto”. In: RONCONI. Op. cit.
formação do aluno. Aqui reside uma questão importante. O canteiro experimental

como exercício de síntese, é importante, assim como as práticas ‘modelo’ também o

são, assim como o desenvolvimento empírico de novas tecnologias também o são. Não

é necessário que se tenha um em detrimento do outro. As atividades e disciplinas de

sensibilização e de emancipação devem ser mantidas e focadas. Mas o canteiro deve

ser ambiente privilegiado para a execução de ‘todas’ as atividades inerentes à

construção, ao desejo, ao projeto.

Outra importante questão que se levanta é a pertinência das discussões das

políticas públicas para a construção de habitações e de pequenos postos de saúde ou

escolas para a periferia, obras de circulação e de infra-estrutura urbana, obras estas

que não possuem a escala monumental como a de teatros, museus, hospitais e prédios

públicos, mas representam a grande parte, em números, do ambiente construído e da

paisagem das metrópoles (pelo menos no que se refere à periferia). A experimentação

prática nas escolas faz com que, muitas vezes, se provoque, se instigue a vontade de

trazer de volta estas obras às demandas do trabalho do arquiteto. No espaço da

universidade, também é possível abrir discussões para se conhecer mais a fundo as

iniciativas de sucesso de trabalhos de pesquisa que, atrelados às políticas públicas,

construíram equipamentos públicos de excelente qualidade. É importante resgatar o

trabalho dos profissionais que participaram do programa Funaps Comunitário, da

Superintendência de Habitação da Prefeitura de São Paulo. Os profissionais de

arquitetura envolvidos neste processo eram, em sua maioria, egressos e entusiastas de

canteiros experimentais na formação do arquiteto. É interessante ressaltar que a

prática em canteiros experimentais para estes profissionais possibilitou as intersecções

e contribuições mútuas neste, que foi um trabalho em equipe. Se estas práticas são
estudadas e reorganizadas em ambientes de canteiros experimentais, esta revisitação

pode apontar para proposições interessantes do ponto de vista urbano.102

O que se deve buscar, de fato, nos trabalhos de canteiro nas escolas de

arquitetura é a sensibilização do aluno para que ele perceba todas as relações

inerentes ao fazer da construção e possa ter o seu próprio discernimento sobre as

coisas. A esperança é que, trabalhando nestes canteiros o aluno experimente “um

pouco de tudo” e entenda as dificuldades intrínsecas a este fazer. Este entendimento é

que pode desmistificar as obras de construção e trazer ao aluno toda a realidade

destes ambientes.

Ronconi traça o perfil de uma experiência que além de crítica, pode também ser

emancipadora. Na experimentação prática em ambiente de formação o estudante

deve reconhecer o sucesso, ou não, de sua inventividade, materializada. Esta

experiência pode – e deve – construir a devida segurança de que se tomou a decisão

correta para determinada operação, diz o autor: “O trabalho em um canteiro

experimental para arquitetura não pode ser visto apenas como um local privilegiado

de instrução. Fundamentalmente, é um local de formação. O trabalho de construir, a

partir de um projeto, com pesquisa de referências e decisões coletivas; procurando

atingir uma escala intermediária que configure ambientes onde os estudantes possam

entrar e sentir o resultado da sua construção passa para os estudantes uma

‘segurança’ vivenciada do seu futuro ofício. Uma segurança construída também pela

sua própria ação”.103

102
Quanto a este assunto, conhecer melhor os trabalhos dos arquitetos Mayumi e Sérgio Souza Lima,
Siegbert Zanettini, entre outros
103
RONCONI, Reginaldo Luis Nunes. Inserção do Canteiro Experimental nas Faculdades de
Arquitetura e Urbanismo. São Paulo, 2002. Tese de Doutorado FAU USP. Pág. 157
O ensino institucionalizado da arquitetura é fruto de uma evolução histórica que

foi sucintamente abordada neste trabalho. Nesta evolução o ensino, além de se

fracionar, tornou-se um simples processo pelo qual tem que passar o profissional que

precisa de um diploma para adquirir sua certificação para o exercício da profissão, seu

CREA104. Figueiras Lima afirma que “toda a formação profissional está sendo

gradualmente distorcida, devido a uma amarração extremamente acadêmica do

ensino, pela falta de laboratórios, pela falta de locais de pesquisa em que estas

técnicas que a gente usa para a construção do edifício possam ser testadas e onde os

alunos participem disso”.105

Os canteiros experimentais como complementação dos espaços pedagógicos

devem ser implantados em sua plenitude de possibilidades. Uma das mais

interessantes é dar margem às contingências, que são – muitas vezes – frutos dos

erros. As contingências só ocorrem em um meio físico real e na maioria das vezes é

imprevisível na dimensão do projeto, o que torna a experimentação prática de

fundamental relevância.

Uma constante nos exercícios que englobam os canteiros experimentais é a

comprovação do sucesso ou da competência do projeto.

O projeto, quando intransitivo, quando acabado nele mesmo, não revela

possíveis fracassos ou insuficiências. Mesmo com os instrumentos e ferramentas

preventivas e de regulação ativados, às vezes várias coisas ainda escapam. O projeto

não é infalível e a constatação desta infalibilidade é presente na obra.106

104
CREA – Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia.
105
Entrevista: João Figueiras Lima in: PÓS – Revista do Programa de Pós Graduação em Arquitetura e
Urbanismo da FAUUSP/ Universidade de São Paulo. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Comissão
de Pós-Graduação – v.21. São Paulo: FAU, 2007
106
“(...) Não é raro, o estudante comentar sobre a insuficiência das informações contidas no desenho que
ele mesmo elaborou. Essa constatação abre caminho para se pensar nos diversos tipos de desenho que são
A vivência e o cotidiano de um canteiro experimental deve ser a metáfora de

uma obra real. Com a apropriação desta metáfora, o aluno se coloca no lugar do

profissional e assume suas responsabilidades, acertos e revezes: “Aflora em todo gesto

uma responsabilidade pessoal e intransferível que alicerça um sentimento de

liberdade. Trata-se da liberdade obtida pelo reconhecimento de possuir um

conhecimento e pela possibilidade de sua aplicação. A junção dessas duas coisas

estabelece uma condição de segurança, uma condição de vitória frente às dificuldades.

É um sentimento que o curso todo deveria buscar em cada momento, em cada

disciplina, para que o futuro arquiteto saísse da escola com mais confiança em sua

capacidade e com menos bravata em seu discurso”.107

Após a análise crítica de algumas bibliografias, é possível se apontar para uma

resposta às fortes demandas de criticidade no aprendizado e na formação do

estudante, é possível que se tenha uma síntese conclusiva na experimentação prática

da arquitetura em ambientes de ensino. Há que se reverter o atual quadro da maior

ênfase em aulas teóricas e aulas em estúdios e ateliês para uma maior dimensão da

‘prática’ na arquitetura.

O estudo mais aprofundado da história das escolas de arquitetura e urbanismo

aponta para uma proposta nova de ensino mais eficaz no que diz respeito ao

conhecimento complexo e erudito, sem que se perca a intimidade das propriedades e

dos processos da construção.

necessários para construir um projeto de arquitetura que ele julgava completo e definitivo”. In:
RONCONI. Op. cit.
107
RONCONI, Reginaldo Luis Nunes. Inserção do Canteiro Experimental nas Faculdades de Arquitetura
e Urbanismo. São Paulo, 2002. Tese de Doutorado FAU USP. Página 220.
Em suma, como é possível de se observar no trabalho de RONCONI, não é

possível dimensionar todos os ganhos ao se trabalhar com canteiros experimentais,

pois o profissional padrão ainda não está suficientemente apto a percebê-los. Mas é

importante que se questione e se proponha novos modelos de ensino da arquitetura

aventando novas possibilidades e criando novos cenários.

É importante esperar coisas novas em atitudes inovadoras.


5.3 Canteiros experimentais: O que esperar?

O engenheiro civil Yopanan Rebelo conta que a necessidade da experimentação

prática em ambientes de formação do arquiteto é uma necessidade e que esta

necessidade não é exclusiva das escolas no Brasil. Ele afirma que em muitas escolas no
108
mundo inteiro – inclusive na MIT (Massachusetts Institute of Technology) – a

discussão da necessidade de se conhecer todas as dimensões da profissão do arquiteto

– da teoria e da prática, do desenho e do canteiro – leva a concluir que é hora de uma

reestruturação no ensino da matéria a fim de se incorporar novos mecanismos e novos

recursos para a capacitação e excelência na formação do aluno. Para isso, é necessário

que se conheçam as realidades atuais nos campos de projeto, obra e suas relações.

Para o aluno, o canteiro experimental como lugar da síntese criadora e de

compreensão da arquitetura, mostra a possibilidade de se reavaliar as atuais condições

de se fazer arquitetura. Aquela dimensão de projeto da qual se tratou na introdução

deste trabalho, do projeto que enquanto processo para a criação necessita estar

devidamente aberto para que as prerrogativas e contingências possam exercer

influência no produto final, deve ser sempre presente na escola. Não é possível prever

contingências, corrigir problemas, criar estratégias, sem que se conheça como se

constrói e quais são os problemas inerentes a esta prática.

Portanto os canteiros experimentais devem ser lugares de construção em todos

os sentidos. Deve ser o lugar da concreção dos projetos que comprovam, ou não, as

108
Em entrevista concedida ao autor – que se encontra em anexo – Yopanan Rebelo, citando a MIT,
destaca: “Já faz anos que se está rediscutindo o ensino por lá. Na análise deles, estavam formando
profissionais que, saindo da escola, não sabiam fazer nada. Não conseguiam se inserir no mercado e já
começar a produzir, a criar coisas. Porque sabiam muito de análises matemáticas, formavam de maneira
muito intensa a questão matemática na cabeça das pessoas e ficando presos àquilo, não conseguiam
transferir nada daquilo para a realidade.”
expectativas iniciais, deve ser o lugar da construção de significados, do entendimento

de que toda obra é fruto de um trabalho e que este trabalho deve ser valorizado e

exposto para quem vê. A faculdade de arquitetura tem que ser o lugar da construção

de um discurso no qual o conhecimento e a prática fazem a crítica e problematizam,

formando um arquiteto autônomo e dono de suas capacidades.109

O canteiro experimental tem que ser um lugar para o reconhecimento da

arquitetura e do urbanismo enquanto profissão.

A arquitetura enquanto construtora de coisas tem de considerara a importância

do lugar no momento da concepção destas obras. O canteiro experimental pode

manifestar no aluno esta premissa de observar a cidade, do ponto de vista da

construção, do ponto de vista das lógicas que levam à realização de muitas destas

obras. Novamente o canteiro é apontado como um espaço para a sensibilização, para

que o aluno conheça o que lhe é amputado. Se o aluno está distante da construção na

academia, é porque o profissional da arquitetura também está. O fracionamento do

trabalho do arquiteto que o mantém no desenho e o afasta da obra, é fruto das

crescentes pressões exercidas pelo mercado. Estas mesmas pressões levam as escolas

a preparar os alunos da maneira que melhor lhes convém. É um processo ininterrupto

de causa e conseqüência no qual o maior beneficiário não é o aprendiz da arquitetura.

Como disse o Sérgio Ferro, arquitetura é práxis, comunhão de teoria e prática. E

se na escola o aluno só se mantiver nos limites da teoria, as suas realizações serão

109
RONCONI, em seus apontamentos sobre os canteiros experimentais afirma que: “uma „nova‟
sensibilidade será estimulada. Talvez pelo peso do tijolo, quem sabe pelo cansaço ao misturar a
argamassa, na conversa com o técnico que auxilia o trabalho. Ou então viverá, na repetição infinita do
gesto na construção da parede, o cotidiano do outro, nunca antes imaginado. E essa sensibilidade é que
está ausente na formação do nosso jovem arquiteto (...) Portanto, ao falar de um canteiro na escola de
Arquitetura e Urbanismo, não propomos um lugar para o exercício das habilidades construtivas, apenas,
nem um laboratório para ensaios de corpos de prova. Deve ser um espaço onde o exercício da síntese
possa acontecer. Não um canteiro de tecnologia, mas sim um canteiro da arquitetura”
“metafísicas”. A prática completa a formação no sentido de, com o conhecimento das

realidades, com o reconhecimento das relações de trabalho, com o domínio e

sensibilização, se possa com facilidade e vontade, fazer a negação. O arquiteto que

desenvolve o conhecimento crítico e que conhece a realidade da construção, não fica

confortável ao se perceber como “ator passivo” dentro de um sistema de exploração.

Mas não só de críticas é que deve viver o espaço do canteiro. O espaço de

canteiro deve ser aberto para a inventividade e para solução de equações. Os canteiros

experimentais têm que procurar desenvolver no aluno a capacidade do

reconhecimento de conhecimentos pregressos e da aplicação dos mesmos para o

equacionamento das questões. Mais uma vez a ênfase dada é para que se torne este

um espaço com aptidão para aguçar a intuição e a sensibilidade. Desta vez para que o

aluno perceba os conhecimentos que lhe foram passados em outras ocasiões, em

outros momentos e que podem ser usados para uma determinada atividade da qual

ele nem desconfiava que estivesse aparelhado para desenvolver. Em outras palavras, o

canteiro pode ser um espaço que sirva como disparador de conhecimentos recalcados.

Em toda a história da arquitetura a percepção dos problemas na construção e o

olhar do arquiteto para a possibilidade de avançar na tecnologia a ponto de criar novas

técnicas só foi possível enquanto o arquiteto esteve livre para ativar a intuição.

As formas inusitadas que muitas vezes são encontradas nos ambientes de

canteiros experimentais auxiliam no despertar desta sensibilidade. Quando os

exercícios de canteiros tratam de temas e formas que são do quotidiano do aluno,

como vigas e pilares de concreto armado ou então alvenarias convencionais de tijolos

ou então pisos de cimento queimado, estas não aguçam a curiosidade inventiva. Estas

representam apenas desafios de ordem operacional e que necessitam apenas de


algumas habilidades para que sejam realizadas. Já os exercícios que partem de formas

e de técnicas que não são do conhecimento ou do repertório diário do aluno, faz com

que este se aventure no desafio de “reinventar” a técnica. Em outras palavras, o

exercício que trata de formas e técnicas inusitadas, que não são comumente

reproduzidas, traz de volta a “aura” e a apreciação da obra. Incentiva e provoca o

aluno.

Para que a proposta de integração no ensino da arquitetura e do urbanismo seja

plena, os canteiros experimentais devem oferecer/ proporcionar atividades criativas

que sejam diferentes daquelas encontradas em centros de comprovação científica e

institutos de pesquisa. O canteiro deve sim ser suporte para tais interfaces quando

estas forem objetos de pesquisas de grupos e de laboratórios que necessitarem

ensaiar seus estudos. Mas na formação do arquiteto, o canteiro não simula os

canteiros de obra convencionais, ele é um instrumento de preparação, sensibilização e

de emancipação. Espaço que funciona junto aos ateliês, e não separado.

A área de abrangência das propostas destes espaços de canteiro experimental

deve sempre extrapolar os limites dos muros da universidade. Para que a apreensão

da realidade do mercado da construção seja possível, é necessário que haja

intervenções e ações nestes canteiros convencionais da construção. É preciso que

estas atividades estejam acompanhadas de visitas à periferia da cidade para a tomada

de conhecimento dos seus principais problemas. Se possível, seria interessante que as

pessoas da periferia, os trabalhadores da construção civil, pudessem freqüentar o

canteiro e trabalhar junto com os alunos para que se conhecessem ainda melhor os

problemas da profissão atrelados aos problemas sociais.


Os canteiros experimentais poderiam, nesta linha, trabalhar novas relações de

trabalho e novas relações do trabalhador com a cidade. Poderia ser criado um espaço

que proporcionasse incubadoras de cooperativas de produção compostas por

trabalhadores da construção. Esta possibilidade pode estabelecer novos contatos

entre os estudantes e os trabalhadores com atividades analítico-propositivas entre

todas as partes. Todos, e não só os alunos, os envolvidos com a estrutura do canteiro

teriam o mesmo entendimento técnico-construtivo das obras de arquitetura.

Conheceriam os comportamentos estruturais de cada material, as técnicas possíveis de

se operar com este e quais as melhores maneiras de se gestar um canteiro que usa

estas técnicas.

Os canteiros experimentais ainda têm uma missão que não é somente teórica.

Estes espaços precisam se constituir e iniciar um inventário. Há a necessidade de se

registrar as atividades executadas nos canteiros para que se construa um repertório de

experiências que torne possível a consulta e a pesquisa. Este repertório pode vir a ser

inclusive uma boa ferramenta para a sua própria auto-avaliação. É através do acúmulo

das experiências que os canteiros experimentais poderão construir a sua história e se

estabelecer. Além disso, os canteiros experimentais precisam construir a sua teoria.

Uma teoria que seja a sua justificativa e seu embasamento para que a atuação dos

alunos nestes espaços não se esvazie em práticas alienadas. Esta teoria é necessária

para que se criem os parâmetros e as medidas para as discussões de sua importância.

Felizmente, durante a produção desta dissertação, no dia vinte de novembro de

2008, foi inaugurada uma exposição que tinha como tema os dez anos de existência da
atual versão do canteiro experimental da FAU USP110. Nesta ocasião, foi lançada uma

publicação comemorativa que contava com fotos que retratavam um pouco do que

foram estes 10 anos de canteiro, e também contava com alguns textos de profissionais

e estudantes que tinham alguma ligação com aquela história.

Alguns trechos de alguns dos textos desta publicação foram selecionados para

que fiquem aqui registrados. Na maioria deles, os autores deixam explícitas quais são

as suas esperanças para os canteiros experimentais das faculdades de arquitetura e

urbanismo. A intenção é de que estes sejam sugestões e subsídios para a continuação

desta reflexão, num próximo trabalho.

01 “Há (...) algumas atividades nas escolas de arquitetura que não podem (e não

devem) ser reduzidas a uma das suas categorias: exclusivamente produtoras dos bens

cotidianos (martelo, anzol, cadeira, mesa) ou produtoras de palavras. São elas, aquelas

que combinam uma ação física para produzir um bem que simultaneamente são

palavras”. Prof. Júlio Roberto Katinsky.

02 “Assim o professor Mário Franco, inicialmente produzia modelos para

“explicar” o comportamento estático das cargas e sua transmissão para os suportes.

Mas depois ele evoluiu para propor aos alunos o projeto de estruturas materializado

em modelos tridimensionais. Minha interpretação é que os alunos não aprendiam a

projetar grandes estruturas, inicialmente. O que eles aprendiam era o comportamento

da cartolina, dos fios de aço, da madeira compensada, dos tecidos esticados. Como um

desenhista que precisa tirar da folha em branco o desenho de uma folha: ele tem que

construir sua imagem do nada.” Idem.

110
Canteiro Experimental – 10 anos na FAUUSP/ Apresentação de Reginaldo Ronconi. São Paulo,
FAUUSP, 2008.
03 “... O “Canteiro Experimental”, não é nem uma cópia diluída dos laboratórios

de construção civil da EPUSP ou IPT, nem persegue seus objetivos: estes são a

maximização tecnológica e construtiva dos projetos já definidos. E essa maximização

numérica e física é necessária para o esgotamento das possibilidades de atuação do

projeto”. Idem.

04 “Na mesma seqüência, o canteiro experimental, conduz os alunos,..., a travar

contactos com os problemas da periferia, na sua mais completa indigência dos

recursos estatais...”. Idem.

05 “Um canteiro instrumental precede a obra, prepara o futuro profissional para

as surpresas do sub-solo, as imposições do fluxograma que envolve diferentes

trabalhadores e materiais, as caprichosas estações de ano. O nosso canteiro não visa

apenas ensinar o drible dos lençóis freáticos ou dos veios d’água, do humo ou do

matacão, do atraso na entrega da areia, cimento, ferragem, da madeira ou tijolos, dos

pré-moldados ou perfis metálicos... Um canteiro experimental impõe o senso crítico,

zomba da indecisão, leva à busca da alternativa”. Prof. Murillo Marx.

06 “O ovo de Colombo foi muito antes de Brunelleschi, a cúpula das mesquitas

otomanas revela o oriente e o ocidente na opção sincrética do grande arquiteto Sinan,

o pleno sentido espacial de uma época advirá da crítica a um vocabulário bimilenar por

Borromini. Nos três, a compreensão dos materiais, a tomada firme de partido diante

das técnicas, a audácia em inventar sistemas alternativos de construção”. Idem.

07 “Sempre pensei que o pólo determinante de uma escola de arquitetura

deveria ser o ciclo de mestrado e doutoramento, organizado a partir de laboratórios

de pesquisa. Sua missão essencial seria o desenvolvimento teórico-experimental da

atividade arquitetônica”. Prof. Sergio Ferro.


08 “... Nenhuma teoria da arquitetura pode mais valer, sair da abstração, sem

que seja envolvida numa práxis, sem que mergulhe no processo de sua transformação

crítica. Por isso, as escolas de arquitetura devem intervir prática e criticamente, no

campo da arquitetura efetiva. Esta é a pesquisa autêntica que deveria alimentar seu

ensino. E a experiência, no caso, não é mais somente a que verifica a teoria: passa a

ser o seu contraponto indispensável na simbiose da práxis”. Idem.

09 “Uma escola que prepara agentes de modificação concreta do espaço

construído não pode recusar a pesquisa prática nem a iniciação do estudante à

intervenção real”. Idem.

10 “O que, na verdade, incomoda em qualquer experimentação crítica e

conseqüente é seu potencial desmistificador. Colocar os arquitetos em formação ou já

con-formados em contato com a realidade do canteiro, com o peso das coisas e,

sobretudo, com a fertilidade inventiva do fazer, é subverter a profissão. A missão

desta, para a maioria, é prescrever em nome de um suposto saber cujas categorias

têm a virtude de não ter nenhuma relação com a construção: só assim cumpre sem

consciência pesada seu papel de auxiliar da exploração. A pesquisa racional e crítica,

não puramente instrumental, é perigosa”. Idem.

11 “Nota-se de passagem que, segundo esse modelo, a maioria absoluta das

“teorias” em arquitetura são “metafísicas”, na terminologia de Karl Popper, pois não

passam pelo momento experimental”. Idem.

12 “... Arquitetura é práxis, comunhão de teoria e prática, ação racional crítica”.

Idem.

13 “A tenda branca que abriga o Canteiro Experimental já é, em si, o primeiro

sinal de dissonância. Ela transmite a idéia de efêmero, imprevisto, espontâneo –


sugere a teatralização de algo novo, que se anuncia. Quem se aproxima dela e observa

as obras executas pelos alunos percebe algo diferente... São materiais e pesquisas

construtivas discrepantes em relação aos cânones da faculdade”. Pedro Fiori Arantes.

14 “O peso da repressão, a transferência para a Cidade Universitária e a

emergência de outras agendas políticas e temas acadêmicos colaboram para que o

debate fosse, a bem dizer, extinto. A despeito das iniciativas de alguns professores, a

dimensão política da prática de construir – e com ela a evidência do canteiro – foi

recalcada na FAU, posta para fora da sala de aula. O projeto tornou-se intransitivo e

sem o seu outro, o ensino na FAU viu-se refém de uma forma autonomizada: o

desenho-fetiche”. Idem.

15 “... o Canteiro Experimental da FAU não simula um canteiro de obras

convencional, em miniatura, onde são treinadas habilidades construtivas e testados

materiais e técnicas. Sua proposta pedagógica apóia-se justamente na crítica ao

canteiro convencional, enquanto espaço de opressão e alienação do trabalho”. Idem.

16 “A pedagogia do Canteiro Experimental é... um método de conscientização,

como o concebia Paulo Freire: pretende instituir-se como um espaço de unidade entre

o saber e o fazer, como lugar de problematização e de autonomia dos sujeitos na

definição de sua ação no mundo”. Idem.

17 “... o arquiteto que passa por essa formação estará apto a desnaturalizar e

transformar os canteiros de obra convecionais – e por extensão, será capaz de pensar

e se posicionar diante dos dilemas sociais mais amplos”. Idem.

18 “... o Canteiro Experimental vive o dilema de ser assimilado (e esterilizado)

pela estrutura da Faculdade, como prática desvinculada e secundária no curso, ou


aceitar o enfrentamento histórico que lhe corresponde: disputar o sentido do ensino e

lhe restituir a possibilidade da práxis crítica e transformadora...”. Idem.

19 “Isso significa tomar a lógica da separação em sua determinação histórica e

social para ensaiar sua negação determinada em favor de uma possível síntese

superadora”. Idem.

20 “Declarar uma aliança com os trabalhadores da construção (que compõem,

historicamente, a maior camada profissional urbana) é um dos caminhos para levar até

o limite a sua proposta pedagógica e conduzi-la, conseqüentemente, para fora da

Universidade, intervindo na cidade e pensando o país”. Idem.

21 “... trata-se justamente de se contrapor à privatização do saber e as

estruturas acadêmicas, a favor do uso público do conhecimento, para estabelecer

novas técnicas e processos de trabalho...” Idem.

22 “Seria possível, num primeiro momento, já testar algumas mudanças na

forma de produção em obras públicas e, em especial, da própria universidade pública”.

Idem.

23 “... O Canteiro precisa construir uma teoria correspondente À sua prática. Só

assim ele se constituirá, de fato, como práxis crítica, como reflexão e ação dos

indivíduos sobre o mundo, para transformá-lo. Como primeira iniciativa, é preciso

definir referências conceituais e fundamentos metodológicos, realizando um estudo

criterioso da teoria, que relacione pedagogia, produção do espaço e ação política”.

Idem.

24 “É necessário empreender uma revisão da história das técnicas e dos

materiais de construção, da organização da produção e da divisão do trabalho, da

forma arquitetônica e de sua ideologia, olhando agora pelo ângulo do canteiro e de


seus construtores (dos escravos aos assalariados, dos mestres italianos paulistas aos

candangos de Brasília)”. Idem.

25 “É preciso conhecer criticamente a situação atual dos canteiros capitalistas

convencionais, da autoconstrução nas favelas e periferias, e dos canteiros alternativos,

descrevê-los em detalhes, verificar as estratégias de projeto, produção e gestão, seus

resultados urbanos, políticos, econômicos e sociais”. Idem.


6. CONCLUSÃO (ÕES)

Este trabalho incita algumas questões, mas o objetivo não foi esgotar o assunto.

Ainda há muito que se estudar, o trabalho tão somente propõe que se voltem as

atenções para estas discussões. É necessário ainda que se saibam quais são e se

existem limites para estes espaços pedagógicos. Há que se procurar conhecer quais

são os empecilhos e entraves para a sua manifestação real e institucionalizada nas

escolas de arquitetura, é necessário que se verifique quais foram os casos mais

emblemáticos de canteiros experimentais nas escolas de arquitetura no Brasil, quais

são as condições atuais destes canteiros e porque não exercem influências

significativas.

Fica clara para o leitor a importância da percepção da história como uma

possibilidade e não como determinismo. Se as pessoas são elementos atuantes no

mundo onde vivem, se é da vontade destes seres humanos deixarem a sua marca,

sonharem e imaginar um mundo melhor, para nele continuarem vivendo, é necessário

que primeiramente estes homens e mulheres se assumam como seres históricos. É

necessário que se assumam como seres viventes numa realidade na qual se

enquadram como incompletos – condição primeira para a transformação. Devem estar

“preparados para serem sujeitos da mudança”. Ao ensinar as premissas da discussão

do ensinar aprendendo, Paulo Freire mostra a importância de sermos estes “seres

históricos”, e também evidencia que para sermos históricos, deveremos

primeiramente nos assumir enquanto ‘inconclusos’.

Para que esta ‘inconclusão’ ou o ‘inacabamento’ sejam assumidos, é necessária a

tomada de consciência. Neste trabalho se falou insistentemente na sensibilização


possível em ambientes de aprendizagem em canteiros experimentais. É preciso que se

assuma com maior rigor e seriedade esta importante peça que compõe a formação, e

que este espaço deve formar graduandos, mestrandos, doutorandos e, também,

professores.

Os canteiros experimentais precisam adquirir uma postura ideológica para

responderem as demandas de um cenário que ainda não foi explorado.

O canteiro deve incorporar em suas atividades um maior entendimento do

cenário atual a fim de trabalhar com o fortalecimento do desenvolvimento social. Há

que se construir e enriquecer um temário, buscar mais discussões, entender todo e

qualquer processo que está ocorrendo atualmente. Há que se trabalhar a fim de se

construir uma conceituação teórica e o acervo do acúmulo de experiências nos

canteiros experimentais.

O canteiro deve manter sempre uma ponte entre suas atividades e as atividades

em canteiros de obras convencionais. Através de uma análise comparativa, é possível

perceber quais são as defasagens nas relações de trabalho de quem constrói e as

condições pós-uso de quem vive nas construções.

O canteiro experimental pode explorar e fortalecer a noção de universalização

de usos da arquitetura e da construção, a universalização dos conhecimentos. Para

que se compreendam com clareza as coisas das quais se fala nesta dissertação, é

necessária a vivencia construtiva. Para o fortalecimento do arquiteto como indivíduo

autônomo e dono de suas idéias, para a formação de um arquiteto com a plenitude de

seus conhecimentos é necessária a vivência construtiva.


É fundamental para a evolução da ciência e para o crescimento dos homens e

mulheres enquanto indivíduos, a sua total liberdade criadora e a vontade de fazer com

que seus desejos sejam satisfeitos.


7. Referências Bibliográficas.

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ANEXOS
UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

ENTREVISTAS

Fernando Cesar Negrini Minto

Orientador: Prof. Dr. Reginaldo Luiz Nunes Ronconi

SÃO PAULO
Estas entrevistas são fruto de um trabalho programado para o programa de

Pós-Graduação que compôs as atividades desenvolvidas no primeiro semestre

de 2008 e é parte do programa de pós-graduação da Faculdade de Arquitetura

e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

A experimentação prática nas escolas de arquitetura e de urbanismo, por

razões as mais variadas, são hoje diminutas, quando existentes. Reflexo da

realidade do profissional de arquitetura que concentra as suas atividades

práticas em projeto, as escolas de arquitetura, em sua grande maioria, ignora

umas das atividades mais importantes para o arquiteto, a construção.

O principal objetivo deste trabalho foi levantar as impressões e a atuação dos

profissionais que estão envolvidos com as atividades de canteiro experimental

a fim de obter fontes primárias para a constituição das argumentações

propostas na dissertação final deste mestrado.

O que se pretendeu conhecer foi a opinião dos entrevistados quanto ao papel

dos canteiros experimentais nas faculdades de arquitetura e urbanismo.

Levantar dados que descrevessem como esta ferramenta pedagógica pode

auxiliar e complementar a formação e que tipo de retorno estas práticas podem

trazer para a sociedade civil como um todo.

Também se tentou conhecer a atual condição do docente em se apropriar das

pedagogias aplicadas ao canteiro. As suspeitas eram de que os professores

que estão hoje lecionando nas faculdades já compõem um quadro que é fruto

de uma geração formada pela idéia da hegemonia do desenho e da prancheta

sobre a experimentação prática e que, portanto, seria difícil a apropriação desta

pedagogia, num plano no qual o próprio conteúdo programático não é do

conhecimento destes professores.


Os profissionais escolhidos para serem entrevistados estão todos no estado de

São Paulo e este recorte foi feito pela dificuldade de locomoção que acarretaria

ao se visitar outros estados. Estes profissionais trabalham com as questões de

canteiro experimental – direta ou indiretamente – e são representantes notórios

em suas abordagens. Foram selecionados profissionais que possuem

reconhecidos trabalhos sobre o tema.

A professora Érica Yukiko Yoshioka graduou-se pela Universidade de São

Paulo, e completou sua pós-graduação (mestrado e doutorado) em Ètudes

Urbaines de Paris111. A pertinência desta profissional para a pesquisa é o seu

envolvimento no Canteiro Experimental da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da USP desde os primeiros passos. Com a sua contribuição, será

possível compreender passo a passo as operações realizadas para se chegar

no canteiro com o formato no qual se apresenta hoje. Também foi intenção

desta entrevista investigar qual é a dimensão dos trabalhos de canteiro

experimental – e quais as suas reais aplicações no curso – intentadas pelos

professores que estão envolvidos nesta prática, bem como levantar quais as

disciplinas e áreas que se interessam pelas atividades da experimentação

prática.

A professora Anália Maria Marinho de Carvalho Amorim, graduada pela

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do

Pernambuco, completou seu doutoramento na Universidade de São Paulo e

desde 1996 é presidente da Associação de Ensino de Arquitetura e Urbanismo

de São Paulo, mantenedora da Escola da Cidade e demais Núcleos 112.

111
Estas referências forma levantadas na plataforma Lattes – http://lates.cnpq.br/629426486143063.
112
Estas referências forma levantadas na plataforma Lattes – http://lates.cnpq.br/01786779883414343.
Como a professora é uma entusiasta dos canteiros experimentais como prática

pedagógica em escolas de arquitetura e urbanismo, a intenção foi de refletir

uma alternativa possível de espaços para estas práticas em escolas que têm

suas instalações em grandes centros como é o caso da Escola da Cidade.

Tendo Anália imensa afinidade com os trabalhos do arquiteto João Figueiras

Lima (Lelé), foi de interesse desta pesquisa entender qual a visão da

professora sobre um canteiro-escola que pudesse formar no mesmo espaço

físico profissionais da construção civil, estudantes das escolas técnicas e

estudantes das faculdades de arquitetura e urbanismo.

O professor Eduardo Salmar Nogueira e Taveira, professor da disciplina de

sistemas construtivos da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UNIMEP,

que está instalada em Santa Bárbara d‟Oeste, interior de São Paulo, foi o

responsável por dimensionar e equipar o canteiro experimental daquela escola

que por alguns anos foi Cátedra da UNESCO em arquitetura de terra e

referencia de laboratórios didáticos para as escolas particulares do estado.

Eduardo Salmar é especialista em arquiteturas que tem a terra crua como

matéria prima para construções, acredita que o melhor ambiente para o

entendimento das questões relativas à sensibilização do estudante e da

necessidade de ambientes sustentáveis é o canteiro experimental. Eduardo

afirma ainda que o ambiente de experimentação prática do estudante de

arquitetura é o espaço ideal para a retro-alimentação de conteúdos das

disciplinas construtivas projetuais e correlatas.

A professora Dra. Maria Amélia desenvolve há anos suas atividades didáticas

em ambiente de canteiros experimentais tendo produzido sua dissertação de

mestrado e sua tese de doutoramento tendo como tema principal o ensino e a


aprendizagem da tecnologia nas escolas de arquitetura e urbanismo. 113

Atualmente é responsável, junto com o professor Maxim Bucaretchi, pelo

canteiro experimental da PUC Campinas, onde leciona.

O professor e engenheiro civil Yopanan Rebello participou de inúmeras das

iniciativas que se relacionam com as questões da experimentação prática da

arquitetura e do urbanismo. Esteve presente no Laboratório de Habitação da

Faculdade de Arquitetura de Belas Artes de São Paulo, esteve na posterior

experiência do laboratório de habitação da UNICAMP, foi professor em várias

escolas, foi responsável técnico da assessoria técnica USINA e atualmente

leciona na Faculdade São Judas, onde coordena um canteiro experimental.

113
LEITE, Maria Amélia Devitte Ferreira d´Azevedo. O ensino de Tecnologia em arquitetura e
urbanismo. Dissertação de mestrado – FAUUSP – São Paulo, 1998, e LEITE, Maria Amélia Devitte
Ferreira D‟Azevedo. A aprendizagem tecnológica do arquiteto. Tese de doutorado – Área de
concentração: Tecnologia da Arquitetura – FAUUSP – São Paulo, 2005.
ENTREVISTA: Prof.ª Érica Yukiko Yoshioka– FAUUSP.

São Paulo, 19 de maio de 2008.

F.M.: Professora Érica, gostaria que você iniciasse falando um pouco sobre a sua

experiência aqui na FAU, desde o início dos trabalhos com o canteiro experimental.

E.Y.Y.: Na realidade o início de tudo foi com o Batalha mesmo, foi com o Batalha que

tudo teve início e depois veio também a Elisabeta Romano. Ela tinha sido contratada

pela FAU para trabalhar numa área mais ligada à informática – inclusive ela tem umas

publicaçõezinhas nesta área aqui pela FAU – mas, por ela ter trabalhado com o

Silvio114, na prefeitura, e por ter editado uma cartilha animada e em formato pequeno e

que, salvo engano, se chama “cartilha da terra”, veio trabalhar com a gente, também.

Então quando ela soube que eu e o Batalha estávamos preparando a possibilidade de

direcionar as nossas aulas de primeiro ano para este enfoque da prática enquanto, na

época, “mão na massa”. Então a Elisabeta acabou entrando neste processo e foi muito

bom porque ela dinamizou, ela tem um espírito muito prático, de ir tocando a toque de

caixa. Neste período, coincidiu de a FAU estar construindo o anexo, aquele triângulo.

E no triângulo, havia um espaço – uma faixa – que seria uma fatia para outros

laboratórios além do LAME. E a topografia do terreno era tal que propiciava um nível

mais elevado (com uma cobertura única em treliças espaciais) onde poderíamos

ocupar. Tínhamos, então, esta faixa de chão batido totalmente liberada com esta tal

cobertura protegendo. Requisitamos provisoriamente esta área e a resposta foi:

“Ótimo, podem usar!”. Isso foi na época em que a Gilda era diretora. Isso foi no ano de

1993, 1994...

114
Silvio Barros Sawaia, atual diretor da FAUUSP.
Fizemos como uma primeira experiência, com o primeiro ano, no espaço que

posteriormente veio a se chamar “Canteiro Experimental”, como espaço de ensino. A

idéia era realmente experimentar o processo “pondo a mão na massa”. No fundo tinha

muito mesmo “a mão na massa”. A preocupação ainda não era pedagógica no sentido

de desenvolver uma cultura – acho que até já tinha de uma maneira subjacente, mas

não estava claro. Não dava para explicitar que a idéia era esta – a vontade principal

era a de liberar o aluno de alguns preconceitos. Não da parte dos alunos, mas da

formação interna, aqui mesmo.

Voltando um pouco – estou lembrando agora de um outro fato – tinha um outro

professor preocupado com a coisa da mão na massa porque ninguém tem contato

com o canteiro, com o canteiro de obras, ninguém sabe como é que se amassa um

cimento, coisas assim... Ele tinha pensado que ele deveria trazer o curso do SENAI –

o curso de formação de pedreiros que tem lá no SENAI Tatuapé. A idéia era essa,

trazer o pessoal do SENAI para a formação de pedreiros. Pegar na colher de pedreiro,

aprender a assentar tijolos, era isso.

Então a idéia era essa de iniciar os alunos no contato com as obras, mas sem a

preocupação pedagógica, pelo menos não naquele momento. Era apenas um “vamos

introduzir”, “vamos fazer a meninada ter contato com obra”. Era ainda uma visão

bastante inicial. Mas, posteriormente com o Batalha nós implantamos uma nova visão,

e esta visão era uma visão – como complementação de uma visão já bastante

trabalhada de o que é realmente o projeto – do processo e da experimentação do

canteiro, do entendimento das operações de obra e da fabricação dos componentes,

de ver como é fabricado um tijolinho, ver como é processado, quais as suas

dimensões e o porquê delas, como se assenta o tijolinho. Ou seja, com o

conhecimento da técnica, o conhecimento das ferramentas e da prática, o aluno

desenvolveria mais livremente o processo de elaboração do projeto. Na prática de

ensino não foi possível se levar a termos dessa maneira, pois era uma fase muito
transitória, o espaço era totalmente transitório, a gente estava sem espaço... A

primeira experiência, que está registrada numa publicaçãozinha, era com um grupo

muito grade, que foi dividido em pequenos grupos e os temas de trabalho foram

elaborados pelos professores. Fixamo-nos num material que era o tijolinho de barro

queimado, e a técnica de assentamento era a alvenaria simples. Propusemos algumas

formas: Paredes curvas, paredes vazadas, paredes desenhadas com tramas

específicas, paredes em arco, etc. Muito na linha da forma como elemento

estruturante. Por ser alvenaria simples, a própria forma teria de dar conta de

estabilizar e sustentar o conjunto. Portanto era diferente de como é exercitada hoje a

prática no canteiro. Naquela época nós já fornecíamos o dado da forma, garantíamos

que com aquela forma seria possível se construir, e que o conjunto pararia de pé.

Assim foi se levando inicialmente. E assim começou o canteiro.

A contribuição do aluno, dele para ele e dele para a disciplina, foi a de, a partir da

forma, já apresentada para a disciplina, pelos professores, o aluno poderia criar em

cima. Poderia trabalhar com textura, paredinhas vazadas, tramas cruzadas, até que

deu um resultado esteticamente bem interessante, bem bonito. Uns abriram buracos

redondos, tiveram que perceber como é que se constrói aquilo. A gente acaba

percebendo que o aluno possui um potencial intuitivo, que lhe proporciona uma

descoberta da simplicidade e da possibilidade da criação. Não no sentido de

complicar, mas de descobrir que há potencial dentro do que o professor está

propondo. O professor ofereceu um caminho que parece inicialmente “resolvido”, mas

que no final se revela com lacunas a serem preenchidas, havia ainda questões a se

trabalhar em cima daquela proposta, daquele exercício. Foi uma primeira experiência.

Eu vivi isso de uma maneira bastante emocionante. Eu mesma participei, pus a mão

na massa, todas essas coisas que a gente gosta de fazer... Eu acho que foram

relatadas as impressões dos alunos nesta publicaçãozinha. Como primeira experiência

ela foi muito interessante.


Lógico que se a gente tivesse tido a possibilidade de continuar, não sei onde

poderíamos ter chegado, mas foi um primeiro embriâozinho onde, tanto o professor –

estou agora falando em meu nome – como também os alunos, descobrimos que ali

existe um caminho, era um caminho novo, e isto ficou patente. Visualmente era um

caminho novo, ainda mais enfatizado por aquele chão de terra batida, com aquele

monte de pequenas construções surgindo. Como o calendário era limitado, chega uma

hora em que fazíamos mutirões – inclusive aos sábados e domingos – levávamos

nossos radinhos e terminamos os trabalhos. Este realmente foi o embrião que revelou

a necessidade de um espaço definitivo.

No ano seguinte fizemos outra experiência onde é hoje o atual espaço do canteiro,

que era um gramado, um mato, esta segunda experiência não deu muito certo, não

deu muito resultado. Nesta época o Batalha havia falecido e ficamos somente eu e a

Elisabeta, e de fato a figura do Batalha115 era muito importante. Pelo menos no meu

itinerário e no comecinho, com a implementação do canteiro experimental a figura do

Batalha era muito importante. A FAU havia conseguido outra área ali na direção da

veterinária, da farmácia, neste lado das biomédicas, e chegamos a fazer um exercício

integrado com o pessoal de projeto. Ainda me lembro que havia alguns professores: o

Minoru e o Zanettini... Tinha mais algum outro professor... Chegamos a fazer um

projeto para o canteiro experimental, em cujo programa tinha um espaço tipo o LAME,

e um espaço de experimentação, mas ainda não era o que é hoje, como proposta

pedagógica. Em seguida, a FAU negociou o espaço onde é hoje o canteiro, que

anteriormente era da geociência. De fato a única experiência que podemos considerar

embrionária, é a experiência desta turma, que está registrada nesta publicaçãozinha

da qual eu falei. Mas tudo isso valeu para que se tivesse um espaço físico, um local,

um endereço.

115
A professora Érica ministrava junto ao professor Batalha a disciplina AUT-152, cuja ementa era
materiais de construção.
Antes do Reginaldo116 vir, quem era o chefe de departamento era o Marcelo117, e eles

estavam negociando o espaço e fazendo o projeto, e me pediram para fazer um

levantamento para ver quanto é que custaria para se fazer um espaço como se fosse

um abrigo – já naquela época se pensava na possibilidade de uma estrutura leve, de

lona tencionada – e eu fiz. Tive que montar rapidinho, sem inventar muita coisa, afinal

só tinha uma semana para fazer e apresentar. O contato foi feito diretamente com a

empresa, para ter uma base de qual seria a ordem de grandeza. Estimou-se um valor

“x” para uma área coberta de tantos metros quadrados – acho que na época se

imaginava algo em torno de 300 a 400 metros quadrados – e dava uns cinqüenta mil

reais ou qualquer coisa assim, e esse foi o dinheiro que eles conseguiram no

orçamento, entrou no orçamento da FAU. Foi nesta época que houve a contratação do

Reginaldo assumindo o compromisso de montar o canteiro, e a verba já estava

separada para isso. Então daí, o Reginaldo pega isso e realmente “toca a coisa”. Aí

surge esta estrutura, a cobertura, e nesta fase o Reginaldo foi realmente a peça

chave. Trouxe inovação, não só como proposta, mas como prática, a prática de

ensino, desde o primeiro ano, a disciplina optativa, etc. Todo o resultado físico disso a

gente vê lá no Canteiro.

Mas dessa época que antecede, a contribuição importantíssima é do Batalha – não só

aqui como em outras escolas, como é o caso da UNIMEP. Didaticamente, os

primórdios, são estes. Foi uma experiência de curta duração, muito em função do

Batalha ter se adoentado e não ter conseguido dar continuidade. Aí o grupo que ficou

foi desmantelado, ficamos eu e a Elisabeta, ela migrou para outra área, houve um

período em que eu fiquei sozinha, sem ter grandes conhecimentos práticos e

experiências deste tipo, e foi aí que chegou o Reginaldo. E essa vinda do Reginaldo

foi realmente fundamental.

116
Prof. Dr, Reginaldo Luis Nunes Ronconi, atual coordenador do Canteiro Experimental da FAU USP
117
Prof. Dr. Marcelo Romero, atual vice-diretor da FAUUSP.
F.M.: Na mesma época destas experiências embrionárias, talvez um pouco antes,

havia experiências de canteiros em outras faculdades118. Talvez sem a preocupação

pedagógica de sensibilização do aluno, mas eram experiências. Havia alguma relação

com estes trabalhos aqui na FAU, ou era um trabalho novo totalmente independente?

E.Y.Y: Bom, no período em que eu vivenciei esta experiência, não tinha nenhum

vínculo, era a prática construtiva e ponto. Poderia ser para habitação de interesse

social poderia ser para uma unidade uni familiar ou para qualquer coisa. Era prática

construtiva e ponto final. Este curto período de experiência em canteiro era isso,

prática construtiva. Na verdade antes era ainda mais complicado porque nem prática

construtiva era, tinha uma disciplina que era “Materiais”, e que envolvia as

características e as propriedades, quando muito, a aplicação. Não acho que estes

conhecimentos são inúteis, mas acho que eles têm que caminhar junto com a

construção de conhecimentos e junto com a produção do espaço. O espaço social,

nesta disciplina, nem se pensava. Tinha o pessoal da história, que tratava destas

questões, não que aqui não houvesse, mas aqui não havia nenhum cruzamento. Nem

por intermédio de professores, nem por departamentos. Estas questões eram

apreendidas numa esfera totalmente técnica, sem nenhuma abrangência social, às

vezes econômica, mas não social.

F.M.: Faço esta pergunta porque tenho uma preocupação: Lendo os trabalhos do

Rodrigo119, principalmente na década de oitenta, e lendo a entrevista que o Lelé deu

118
Refiro-me aos laboratórios de habitação da Faculdade de Belas Artes e das experiências com canteiros
experimentais na UNICAMP.
119
Lefèvre, Rodrigo. Projeto de um acampamento de obra: Uma utopia. Dissertação de Mestrado, FAU-
USP, 1981.
para vocês na revista da Pós, descubro que a iniciativa privada não tem o interesse

em fazer pesquisas e experimentações para que se tenha a capacitação das pessoas

envolvidas na produção do espaço. Para estes autores esta iniciativa deve vir das

escolas públicas. Na sua opinião, aqui na escola existe a possibilidade de se

desenvolver tecnologias, e se sim, você acredita ser o canteiro experimental o lugar

para isso? Ou este tipo de atividade prejudicaria a evolução pedagógica?

E.Y.Y.: Esta é uma questão de difícil resposta porque ela envolve tantos aspectos...

Tentemos imaginar nós aqui, arquitetos, como um dos agentes do processo de

produção de um espaço físico, onde estão embutidos vários outros conceitos – não só

conceitos mas também outros valores. No meu caso eu não tenho muita experiência

em espaço social, produção de espaços de uso coletivo, de uso social. Mas pode-se

situar o canteiro experimental como um possível espaço pedagógico e de ensino

tentando verificar que vínculo ele teria hoje, ou que poderia vir a ter nessa questão do

espaço produzido. Mas às vezes ficamos tão preocupados com a produção do espaço,

e a gente esquece que está produzindo um espaço para o uso. Afinal o uso é

importante, porque junto com o uso, existe o usuário. E nós somos os agentes disso

tudo, deste processo. E, pensando neste itinerário, eu situaria estas questões em

vários grupos. Nenhum deles maior que os outros. Um deles é realmente a questão

construtiva, o projeto e a construção. Até hoje, a nossa formação é muito carente em

relação a estes conhecimentos relacionados à prática construtiva, ao processo, não só

como técnica construtiva, mas como todo o procedimento para que se executem as

tarefas e os serviços e que aquilo resulte em uma obra enquanto edificação. Existe

todo um contexto em volta disso e nós não fazemos a mínima idéia de que contexto é

esse quando a gente sai de uma escola de arquitetura, que é o que poderíamos

chamar de gestão. A escola, a formação que conseguimos dar, é truncada, é uma

somatória de muitos pedacinhos de inúmeras informações, mas não há um espaço,


ainda, onde o aluno possa juntar todos estes pedacinhos. As coisas não podem

simplesmente ser colocadas lado a lado e formar um pacote. A junção deve ser feita

num sentido dinâmico, deve-se vivenciar o processo para, inclusive, ir se

questionando, questionando o processo e a você mesmo dentro disso tudo. Ao

elaborar um projeto, o exercício de um projeto, no limite um TFG, parece que o aluno é

levado a fazer este tipo de exercício, mas ele ainda é parcial, na medida em que o

aluno faz todos os esforços de simulação desta situação – inclusive até de gestão –

mas ainda é muito teórico. Isso é uma coisa que, pela prática profissional de escritório

e de canteiro de obra, onde é envolvida uma série de agentes, inclusive o usuário que

está lá no fim da linha, com toda a expectativa que ele tem, faz com que o arquiteto

seja levado a traduzir tudo isso e dar a resposta para todas as ansiedades. E estas

respostas não são explícitas, e você tem que decodificar tudo isso e traduzir em

atuação. E atuação não é sempre o traço. Quando falo em gestão, não me refiro em

gerir só o processo construtivo, não é só isso... É toda uma relação com o seu cliente,

seja ele pessoa física, ou seja, ele quem for, tem que se estabelecer uma relação.

De qualquer forma, hoje nós não temos espaço onde se possa realmente exercitar

isso, de uma forma não simulada. Inclusive a proposta que se tem hoje no caso

concreto da FAU, seria de se aproximar ao máximo desta experiência, antes, na

formação. Como exatamente isso deve ser feito, se numas experiências que estão

sendo levadas, como na disciplina optativa120, por exemplo, eu acho que ainda não

ficou claro, continua ainda sendo uma experimentação pelo grupo todo, tanto dos

professores como dos alunos. Acho que ainda tem um longo caminho a se percorrer.

Também não sei qual é que poderia ser a questão... Você me colocou uma questão e

eu estou te respondendo com a mesma questão. Ou seja, a resposta ainda não está

clara e eu não sei se existe. Mas, que há uma busca no sentido de achar uma

120
A referida disciplina optativa é a AUT 131 – Técnicas alternativas na construção.
resposta, há. E o canteiro experimental como equipamento, como meio, ele é

adequado, não há dúvidas.

Na prática lá fora, lá onde os agentes são reais e não simulações, a ansiedade é real e

presente, e a gente tem que contornar e equilibrar, para chegar num resultado

esperado. Muitas vezes o resultado esperado é um no começo e no final você vai

trabalhando aquelas expectativas e vai chegando num equilíbrio.

Nós arquitetos, temos um papel a desempenhar, temos uma carga grande enquanto

prestadores de serviço. Ou seja, temos uma formação, um saber específico – que não

é exclusividade – mas é a partir desta especificidade que você participa de um

processo onde há uma dinâmica, para chegar em um determinado resultado. E tem

grupos determinados de pessoas que solicitam um resultado e esperam obter aquela

resposta. Nesse processo é que eu acho que a resposta demandada não é fornecida

só por nós, é uma equipe, é um conjunto de pessoas, é uma comunidade, existe

inclusive uma interação desse grupo todo, tanto de um lado, de um pessoal que

demanda, com participação ou sem participação, essa realidade não é obrigatório que

ela seja trazida para este ambiente de formação. Mas se na medida do possível,

pudesse vivenciar isso, seria realmente um dos aspectos. Não considero que seja o

único.

É muito difícil de se imaginar o espaço de ensino como o canteiro, onde temos que

atender a todas as situações, não só enquanto profissional, mas enquanto um ser

social que teria que vivenciar em função de demandas, internas e externas.

Dentro desta prática chamada construtiva, muitas questões – como a angustia e

ansiedade – têm como ser decodificada dentro da prática construtiva. O canteiro,

enquanto espaço onde, de uma maneira privilegiada, você estabelece a prática

construtiva como o exercício principal, é um espaço que permite a síntese. Permite

estabelecer esta dinâmica, vivenciar e crescer dentro deste processo. Agora, em


relação a comunidade ou a demanda externa, a relação com grupos externos, acho

que, se ela não ocorrer de uma maneira direta e imediata, em tempo real, ela

acontecerá em tempo posterior. Na medida que conseguimos criar um espaço didático

onde o aluno ou um grupo de alunos consegue estabelecer esta relação e crescer

dentro dela, eu acho que num tempo posterior, ele conseguirá estabelecer esta

relação com o mundo externo. Isso na seqüência. Em tempo real, significa que há uma

demanda – estou tentando interpretar a questão – há uma demanda e esta demanda,

a escola enquanto instituição, você pergunta se deveria ou não ter o papel de

responder, ou atender... Existem vários níveis – não é uma questão de hierarquia – e

enquanto não for possível estabelecer um processo que realmente consiga formar, na

graduação, um profissional com tudo o que ele deva conter como valor humano, valor

social e tudo mais, não sei em que medida a gente consegue fazer uma ligação com

esta demanda externa. Ao mesmo tempo, se conseguirmos estabelecer esta relação,

pode ser que este ser cresça, ou adquira determinados valores... Existe esta

dicotomia. Ao mesmo tempo em que a escola participa da formação, fica esta

pergunta. Deve ou não ter contato com o mundo externo? Não tenho ainda uma

opinião totalmente formada... Devemos na realidade direcionar para que não se perca

o foco, mas ora, para que se atinja este objetivo, de uma formação de um ser em

crescimento, com os dados reais, dá medo de abrir as porteiras...

F.M.: Pode-se criar sistemas no acúmulo de experimentações. Eu penso que o

acúmulo de conhecimento pode ser uma resposta para estas demandas e a

construção paulatina deste acúmulo é didática...

E.Y.Y.: Pois é, por exemplo, quando eu penso em como poderia ser, na realidade, se

conseguíssemos montar uma estrutura a mais completa possível, onde você consegue
desenvolver todo um processo do começo ao fim – como na disciplina AUT 131 –

pode existir a oportunidade da continuidade. Se esse grupo que esta participando

dessa disciplina puder continuar o processo até conseguir dizer: “bom, estou me

sentindo forte o suficiente – como diz o professor Reginaldo – agora eu posso tomar

uma iniciativa a partir de uma demanda”. Este canteiro, ele é uma escola. Não que

seja auto-suficiente e que não precisamos de mais nada, não é isso. Mas é uma

escola inteira, dentro de um caminho traçado, um projeto e um objetivo traçado,

pedagógico, de formação. Ela não prescinde, é lógico, da formação de outras áreas

desse mesmo aluno.

A demanda externa não precisa ser necessariamente formalizada. Ela de alguma

maneira já está presente no quotidiano da universidade. Ou via pesquisa, ou via

estudos específicos, ela está presente. Afinal de onde é que surgem as linhas de

pesquisa? Surgem de algumas preocupações e estas preocupações ou questões vêm

em questão de uma vivência desse contato que a gente tem com o mundo. E esse

mundo pode ser a história de cada um, ou toda a história de vida profissional de cada

um e a vida que está passando aí fora... Para os grupos de pesquisa que se monta por

aí, existe uma proposta que acaba se contrapondo ao „status quó‟ atual, e isso vem

em função da observação de como é que o mundo vem caminhando. O que queremos

é ajudar a direcionar este caminho. Isto pode parecer um pouco evasivo, mas eu acho

que está presente. Não precisa ser algo formatado. Esta carência de trabalhos surge

como oportunidade de, a partir daí desenvolver processos de análises e de

proposições, que podem ser sistemas construtivos, podem ser qualquer coisa. Então

eu acho que esta demanda está presente ainda nos dias de hoje. Nas pesquisas e no

olhar que a gente tem sobre estas questões todas.

A minha resposta está muito vinculada a minha realidade aqui da USP e eu não sei de

que maneira isso tudo vem formatado e como é que o canteiro – este espaço

pedagógico, mas que também é de pesquisa – como é que ele pode se vincular sem
perder seu principal objetivo que é o da formação. Temos realmente que atender a

estas tais demandas, mas sem nos sobrepor a este objetivo principal que é o de

formação. Ao mesmo tempo, estas demandas estão sempre presentes e elas

participam da formação do aluno, não só com contextualização mas como

preocupação mesmo, compromisso social.

F.M.: A maneira como entendo o canteiro nesta pesquisa de mestrado, é numa

perspectiva de amparar o estudante com um objeto que é instrumento de

aprendizagem e não uma disciplina complementar, ou treinos esparsos. Não é uma

disciplina de ensinar a construir, mas é um aporte da experimentação prática para

complementação – ou na tentativa de criação do todo coeso da ação do arquiteto.

Desse modo, quais as contribuições, na sua opinião, que este canteiro tem para as

disciplinas dos departamentos de história e de projeto?

E.Y.Y.: Quando pensamos em projeto enquanto processo e enquanto momento de

formulação de alguma idéia ou de um objetivo, existe um momento em que se faz

necessária a tradução – no nosso caso da produção do espaço – em alguma coisa

que seja concreta para que se chegue, portanto, no espaço idealizado e que passa a

ser um espaço real, o canteiro é a ferramenta para se validar, testar, experimentar.

Momento de permissão para que tudo isso seja realizado. Se para ser realizado

deverão ser dados os passos vários, então o projeto estaria intrinsecamente ligado ao

canteiro enquanto ferramenta de experimentação para validar a idéia proposta. Se o

projeto decidiu por uma série de contingências que o sistema estrutural é tal, mas na

fase de formação, sobretudo, e na fase de proposta de novas possibilidades que

sejam mais construtivas, o canteiro é uma ferramenta que indubitavelmente permite

isso. O canteiro passa a ser ferramenta na medida em que a ação estiver embasada
com esta proposta. E se o canteiro possui esta proposta, ele estará equipado para

tanto, para validar o projeto, a idéia que está sendo proposta.

Isto tudo ainda está muito abstrato, mas existem as traduções concretas, onde não

seria só fazer testes e ensaios de carga, de rompimento, etc. Mas onde se faria ensaio

de processos construtivos, experimentar introduzir certa fibra, com uma determinada

carga, junção de alguns sistemas e de alguns materiais e formas. Enfim, todos

aqueles elementos que vão compondo o espaço dentro deste processo todo. Então, o

canteiro sendo interpretado como ferramenta, e portanto, estar equipado para

experimentar todas essas situações, sem dúvida o projeto teria que estar

acontecendo, inclusive, no canteiro. Seriam as soluções de projeto enquanto

formulação de espaços e decisões de sistemas estruturais e de instalações elétricas,

hidráulicas ou o que for.

Já do ponto de vista da história da arquitetura, sem entrar no mérito da história

enquanto retrospectiva, mas na história enquanto projeção – para traz ou para frente,

mas num ponto do tempo – também acho que essas experimentações podem se

reportar a situações em relação a construções vernaculares, podem ser simuladas e

ser pensadas contemporaneamente. O canteiro pode servir de ferramenta para se

experimentar a aproximação para o tempo e hoje aquilo que se praticou.

Por exemplo: Este exercício de reproduzir a abóboda núbia, do Hassan Fathy, um

exercício no qual, de repente, o aluno inverte a posição. A referencia que era vertical,

e ele transforma em referencia horizontal. Parece ser uma mera transposição, mas por

detrás disso existe uma visão contemporânea, visão enquanto atitude contemporânea.

Todas as experiências que podem ser feitas no canteiro a partir de técnicas

vernaculares, a partir, inclusive, de técnicas steel frame.

Não sei se são experiências que como teoria ou do ponto de vista da história, faria

algum sentido. Mas eu acho que essa transposição, essa releitura, tem sempre uma
carga de ontem ou de hoje. Essas experimentações têm uma carga histórica e de

novos conhecimentos.

Não tenho nenhuma dúvida que todas as preocupações na formação e no ato de se

projetar, o canteiro serve como ferramenta de avaliação e de experimentação. O que

não são dados meramente técnicos. Em relação ao projeto, há uma relação de projeto

enquanto instrumento de elaboração, devemos considerar alguns quesitos que ficam,

muitas vezes no „acho que‟ e logo então você traça e resolve. Se pudéssemos ir ao

canteiro, fazer determinados testes, como faz o Renzo Piano – que tem um laboratório

no seu ateliê – acho que se tivesse condições ele teria feito um canteiro mesmo para a

construção de um protótipo.

Acho que a escola deveria levar em conta – a gente acaba falando da escola por ser o

centro mesmo de formação – mas se pudéssemos realmente fazer um esforço de

tentar integrar todas essas questões e usar o canteiro como ferramenta, seria ótimo!
ENTREVISTA: Prof.ª Anália Amorim – FAUUSP

São Paulo, 24 de Abril de 2008.

FM: Professora Anália... De cara, vamos mergulhar no assunto. Quais as tuas

impressões acerca do canteiro ou dos exercícios de experimentação prática nas

faculdades de arquitetura e urbanismo?

AA: Este é um assunto no qual eu venho pensando desde que eu comecei a dar aulas

de estrutura – deve fazer em torno de uns doze a treze anos – e costumo pensar

sobre este assunto da seguinte maneira:

Existem duas vertentes principais, a estrutura e a tecnologia. Deve estar claro que no

futuro é o arquiteto que terá que responder pela estrutura, e respondendo pela

estrutura ele vai ter que entender de canteiro de obras. Não tem outro jeito.

A experiência de canteiro dentro da universidade, destes primeiros cinco anos, por

mais que você aprofunde o quanto puder neste período, ela ainda é muito tênue, ela é

muito incipiente, no sentido mesmo de principiante, dentro da experiência que você vai

ter fora da universidade, na sua vida profissional. Por mais que se tenham disciplinas,

hoje, uma, duas ou três, em que se acompanhem obras, ainda assim a experiência é

incipiente. Então por isso, eu comecei a dividir um pouco as minhas preocupações

com o canteiro.

Um segmento, que é o segmento que nós estamos tentando montar na escola da

cidade, é o acompanhamento sistemático de obras existentes. Como a gente está em

São Paulo, e as obras têm um caráter institucional, são conjuntos habitacionais,

bibliotecas, e então nós temos esta facilidade de poder eleger a obra e ir conhecer o
arquiteto, conhecer o engenheiro, conhecer o grupo que faz todos estes projetos, e os

que complementam o funcionamento da estrutura, e, além disso, levar grupos

pequenos e seletos de estudantes que façam este acompanhamento sistemático. Que

não atrapalhem tanto a obra, mas que sejam somente observadores, que perguntem...

Isso ajuda muito, no processo didático, ao aluno ter uma noção e atualizar-se em o

que é que temos como uma realidade. Isso é algo que nos ocupa bastante. A escolha

das obras, por mais que preferíssemos que fossem obras muito bem acabadas, muito

bem detalhadas, para que se pudesse mais facilmente entender o processo todo

através do desenho, ficou flexível às nossas possibilidades de acesso a elas. O

objetivo é que se entenda o processo através do desenho e também através da

construção, mas pela escassez de obras tão bem detalhadas ou pela dificuldade de se

acessar obras de metrô, limpeza de rio, ou de obras de infra-estrutura, a gente abriu o

flanco para ter obras que não sejam tão exceção, nem tão bem detalhado para que

eles possam também continuar tendo a noção de o que é o mercado imobiliário, a

habilitação da mão de obra. Quando se introduz o aluno no mundo das obras de uma

maneira monitorada – Não é só ir por ir, não. Os grupos são reduzidos, as obras muito

bem escolhidas e tudo sistemático. Isso facilita muito – com acompanhamentos e

desenvolvimentos dos assuntos em aulas, há retorno. Sempre tem uma aula que

apresenta o projeto, vem o engenheiro, apresenta a obra, depois eles descem para a

obra com estes profissionais, e isso facilita um bocado. Essa é uma das visões.

Outro segmento, de como vejo o canteiro nas escolas de arquitetura e de urbanismo, e

todos são complementares, e tentar projetar espacialmente já com certa preocupação

quanto ao peso, quanto às questões de movimentação dos materiais dentro do

canteiro, de acesso e de disponibilidade no meio. O importante é que este tema já faça

parte do universo de concepção projetual do aluno. Isso só é possível de se fazer com

alunos que estejam cursando o quarto ou quinto ano, quando o aluno já tem a

liberdade de ficar preocupado com questões tecnológicas que, aparentemente, tem


uma lógica em si – e que por muitas vezes é enganatória por que ele resolve tão bem

o detalhe do transporte e da especificação que ele se esquece de produzir o espaço

agradável.

Este “canto da sereia” que é a tecnologia, com todos os seus solfejos, é um canto com

o qual nós temos que tomar muito cuidado, porque o nosso aluno que está com 18, 19

ou 20 anos, possui um raciocínio lógico que tem que ser orquestrado com a poética do

espaço, se não ele passa a ser um propositor tecnológico de pouca emoção. E não é

isso que nós pretendemos. O que nós queremos é que o fazer se junte à arte, e não

se justifique somente pelo fazer. Queremos que volte a ser de novo técnica e arte.

Esta parte de conceber o projeto já com a noção construtiva é outra maneira de se

enfocar o canteiro. Ela complementa a primeira, e dá um pouco a noção de que o

aluno tem que passar, sim, a ser responsável pela materialidade do que ele imagina. E

essa materialidade passa pelo sistema estrutural, passa pela forma e passa pelo

sistema construtivo, passa pela tecnologia. Essa conjunção nasce desde os primeiros

anos do ponto de vista da concepção estrutural e depois já nasce na preocupação, de

fato, construtiva. É possível se fazer esse tipo de coisa lá pelo terceiro ou quarto ano,

pode até ser no quinto. No TFG pode imperar esta preocupação porque o aluno tem

os seis meses, às vezes um ano, para desenvolver um projeto no qual, com certeza,

ele vai pensar na capacidade de construção.

O terceiro enfoque, e é sobre este que eu mais gostaria de investir, é o seguinte: O

aluno tem uma vivência de cinco, seis às vezes sete anos, na faculdade e quando sai

enfrenta um mercado onde a mão de obra é pouco capacitada, pouco treinada, onde a

indústria da construção civil é extremamente limitada, e se fosse possível se enfocar o

canteiro não mais como uma experiência que este aluno tenha que estudar o que

existe, mas muito pelo contrário, seja uma idéia propositiva de canteiro e aí retomar

toda a questão da pré-fabricação. A proposta seria de começar a transformar o

material construtivo. Se fosse possível fazer uma fábrica, e esta fábrica fosse uma
fábrica-escola e se esta fábrica tivesse a conexão com a universidade. Quando eu

conheci a experiência do CTRS, com o Lelé – que é uma pessoa que realmente você

vai ter que vivenciar um pouco mais de perto, entrevistar, visitar o CTRS, pedir

permissão para estudar um pouco mais o sistema e se aprofundar nisto tudo – eu vi

que era possível mudar visceralmente a construção civil. E não estou afirmando isso

por conta da argamassa armada ou disso ou aquilo. Ele tem a capacidade de pensar

com qualquer material que seja: madeira, plástico, aço, argamassa armada, com uma

responsabilidade que vem do esboço até a montagem, mesmo, no canteiro. E aí

passa por toda a fabricação da peça. Se for possível aliar numa fábrica – e aí é um

trabalho de design, um trabalho de arquitetura e de urbanismo, no sentido mesmo de

aquilo ter mobilidade e viabilidade na sociedade que ele está inserido – a escola

técnica, por um lado, com alunos que nunca nem ouviram falar de arquitetura, estes

alunos que vão à escola técnica e que vão ser treinados para a marcenaria, para a

carpintaria, desenho, todos os desenhos correlatos, serralheria. Ou seja, se estas

pessoas que estão neste segmento e que nem sabem direito o que é arquitetura,

tomarem conhecimento de um desenho que vem de uma universidade e de uma

sociedade que ao mesmo tempo em que o forma, o habilita a entrar numa faculdade

de arquitetura. Por quê? Porque sim. Porque não é assim tão impossível de entrar em

um curso superior. Ou então ele pode continuar e se estabelecer como um excelente

técnico, treinado a fazer com que as esquadrias não entrem mais água, entendam que

a impermeabilização não precisa ser refeita de ano em ano, se for extremamente bem

detalhada, porque também ela vem de uma concepção bem detalhada. Então se for

possível fazer a união destas três pontas: O aluno de arquitetura e urbanismo que está

se formando, esta ponta que vem da escola técnica, e a ponta da sociedade que

necessita deste serviço, e aperfeiçoa de um ponto de vista técnico e metodológico,

mesmo, como ensino prático e teórico, que vai da escola técnica ao nível superior, e

faz estes segmentos conviverem, este seria o canteiro ideal para um país como o

Brasil. Que fique bem claro que não é a primeira vez que se lança esta idéia, mas a
gente, na verdade nunca consegui efetivá-la. O que a gente consegue fazer é:

construir fábricas para fazer SIEPS, fazer fábricas para fazer rede SARAH, mas não

estuda a pré-fabricação do ponto de vista de ter uma fábrica que tem um respaldo, que

não é uma escola. Você, como estudante de mestrado e como estudioso de canteiro,

pode conferir que o ensino superior em uma cota de responsabilidade, mas o ensino

médio está extremamente enfraquecido e debilitado, e essa formação é de extrema

importância para a intuição propositiva, que é o que diferencia o “homus faber” e o

“homus propositor”. Teríamos a constante do homem que faz e que, ao fazer, cria, não

é ele um reprodutor. O principal objetivo é investir nesta intuição propositiva e ao

mesmo tempo esta proposição de estabilidade, a pessoa tem que entender que ele

tem matéria, que ele tem conexão, que tem uma resistência térmica, que tudo tem

uma beleza a transmitir e que esta beleza custa-lhe raciocínio integral que vem desde

o detalhe do parafuso, do pino, da cavilha, a dimensão da junta, a espessura dos

materiais, a aparência e a textura dos materiais, e isso está em um só pensamento

muito rico, mas que funciona como num móbile que, quando mexemos em uma peça,

isto reflete noutra.

São essas, então, as três visões de canteiro que a gente pode implementar dentro da

universidade. A última, um pouco mais ousada, mas é por aí mesmo que tem que ir se

realmente quisermos aperfeiçoar.

F.M.: Quando você fala sobre esta escola-fábrica, eu considero que existem dois

pontos a serem levantados. Uma diz respeito ao tempo neste espaço, e a outra a

continuidade. O trabalho que estou desenvolvendo investiga a missão didática dos

canteiros nas escolas muito mais desenvolvida que o potencial criador de tecnologia

ou de comprovação científica nestes espaços de ensino e aprendizagem. Dentro desta

sua sugestão vejo o trabalho como evolutivo, ou seja, não se poderia partir do zero
toda vez que se começasse um novo semestre, mas sim, este seria um trabalho

cumulativo de resultados e por sua vez evolutivo. Ainda assim, dentro deste processo

evolutivo, é possível se manter o tempo necessário para a aprendizagem?

AA: Todo objeto possui a concepção e a fabricação. Então por mais que a gente diga

que existe uma evolução – e é mesmo um conhecimento acumulado – a verdade é

que o conhecimento, ao ser fabricado, ele se mostra. Então ele tem uma didática na

própria essência, ele não é uma filosofia feita de idéias que você vai ter que estudar e

que a cada vez que você estuda exige um maior estudo para o seu entendimento. A

materialidade tem esta benesse, quase mecânica, de ser um universo aparente,

palpável. Isso ajuda muito na pedagogia e no tempo. O cara pose desmontar um

foguete, desmontar um computador e, desde que ele tenha os princípios, ele vai

ganhando intimidade tal qual para desmontar uma cadeira. A arquitetura pela sua

peculiaridade se resolve muito em um universo mecânico, isso facilita muito, na

estática e no universo mecânico. A gente não trabalha com foguetes. O máximo que a

gente faz é a pista de pouso, ou cidades... Na verdade a complexidade vai

aumentando, mas o nosso fabril é de uma escala possível de ser desvendado sem

grandes caixas pretas, o que é um pouco distinto da concepção pela concepção que

você não sabe como é que o arquiteto tem seus lampejos e como é que ele acumula e

vai digerindo todo aquele universo. A parte mesmo do canteiro, tem esta

característica... Não sei se isso responde a sua questão sobre o tempo. Realmente o

processo vai ser evolutivo.

Algo que você falou e que revela uma preocupação que devemos aprofundar é o

seguinte: É uma fábrica de objetivo didático ou uma fábrica de objetivo comercial

mercadológico? Só se justifica haver uma fábrica destas se existe uma demanda na

sociedade. Essa pode ser uma grande encrenca... A universidade afinal trabalha para
quem? Ele vai se remeter como lugar de consulta, ou ele vai ser como uma

EMBRAPA, que é um lugar que é particular e que é uma empresa mista? Como é que

se resolve a questão do ensino?

Acho que na verdade nós teremos que redesenhar uma sociedade civil que possa

produzir conhecimento e que possa produzir riquezas. O que vai nortear tudo isso é a

natureza dos programas e as demandas que eles recebam. Não vejo nenhum

problema da universidade trabalhar em cima das redes de escolas, das redes de

drenagem, das contenções de encosta, e de se fazer a interface. Realmente este é um

desenho que ainda vai ter que se fazer, não é nada que já se tenha montado e que se

resolva juridicamente, politicamente e didaticamente com facilidade, é uma coisa que a

gente vai ter que se dedicar como foram os desenhos destas sociedades civis. São

essas conjunções pelas quais já passou a EMBRAPA, o próprio PT, quando fez uma

cooperativa para prestação de serviços. Como desenhar esta constituição, é um

desafio. De qualquer maneira, do ponto de vista do seu trabalho de mestrado, que eu

estou vendo que você está indo para o lado da verificação, da especulação, da análise

e da crítica e ao mesmo tempo da proposição... Você não deve sair daqui sem uma

proposta, embora seja um mestrado, eu não encerraria este trabalho sem uma

proposta... Este desenho, então, ele tem que ser de algum modo questionado, pelo

menos esboçado, para que não receba uma rajada que te mate o feto antes mesmo

dele nascer, não é? A universidade tem que ser pública. E a gente tem que ter a

noção clara de que público é tudo aquilo que realmente interessa a sociedade como

questão, e não só como condição. É público porque a gente não paga. Se a gente

começar a fazer uma série de programas que dizem respeito à sociedade micro a um

capital extremamente restrito ele perde a conotação de público. Há, da mesma

maneira, a possibilidade de se fazer uma empresa privada de características e com

preocupações extremamente públicas. É privado porque só pode sobreviver sem a

ajuda do estado, porque o estado tem uma limitação financeira. E você não está no
bolso do estado, paciência, você constrói outra opção financeira, mas isto não te

impede, muito pelo contrário, pode até te impelir a uma preocupação pública de só

fazer obra que tenha o poder de fazer transformação social. E aí? Você é menos

público? Você é mais privado? Desenhar esta fábrica, de sorte a ela começar a

colocar a mão nas grandes preocupações. Nas enchentes, nas áreas de encostas... A

arquitetura tem que ter também a preocupação de criar territórios, não é só uma

preocupação em fazer belos edifícios, tem também que fazer belos territórios e

resolver os problemas reais. Como se fazem represas? Qual é a paisagem de uma

represa, qual é o impacto? Como é que a prefeitura pode interfacear com todas as

outras atividades para mover e comover de sorte que tudo aquilo adquira uma escala

humana. Temos que pensar em todas estas grandes obras, pontes, viadutos, as

grandes contenções, mostrando como é que isso adquire a escala humana. Podemos

trabalhar com edifícios, escolas... Pode até ser, tudo depende da demanda, mas

devemos nos abrir, também, a todo o tipo de construção, podemos fazer cisternas,

obras para obtenção de águas nas rodovias, e sua posterior distribuição, obras para

limpeza de água, de saneamento, tudo isso é projeto construtivo. Quando pensamos

em canteiro, abrimos muito mais o leque, porque canteiro é tudo isso. Construção

envolve todas estas instâncias, percebemos que podemos fazer tudo isso e ainda

assim dá para ser bonito, isso amplia assustadoramente a arquitetura do ponto de

vista programático. Projeta-se um bueiro e este bueiro é possível de ser construído,

com prática, com leveza, com beleza, com tudo. E aí este bueiro já tem um banco,

uma jardineira, quer dizer, uma coisa que vai puxando a outra e você começa a

perceber diferenças na maneira de se desenhar uma catedral porque a sua catedral já

é um sistema de drenagem que possibilite que aquela cidade não enche de água e

você possibilita que a vida naquela cidade virar uma coisa mais fácil. Esta é a função

desta catedral.
F.M.: A discussão que tenho lido é a respeito da formação de desenhistas da

arquitetura egressos de escolas de tradição politécnica e que, em cujos produtos – os

projetos – podemos perceber uma preocupação muito maior com o desenho que com

a construção. O que eu acho curioso é que nesta entrevista eu pude ver esta questão

pelo viés invertido. Ao invés de provocar o desenhista para que vá ao canteiro

aprender a construir, me parece que você incita os construtores a irem aprender a

desenhar...

AA: A arquitetura não deveria nunca ter sido tirada da engenharia. Deve ter sido por

uma questão estratégica, política, corporativa ou econômica, sei lá. Tenho a certeza

de que o fizeram por algum bom motivo, mas eu não consigo compreender porque é

que a gente persiste e não muda. Eu estava conversando com um geotécnico de

formação em engenharia civil, e ele faz tudo o que você imaginar com a terra que ele

achar, faz sondagens, análises, etc. Um dia eu perguntei a ele se ele já tinha visto

aquele desenho do Hotel Imperial, do Frank Lloyd Wright, que foi feito em Tóquio

contra os tremores de terra, e ele me respondeu que não. Este é um dos três famosos

exemplos que a gente dá em arquitetura... Outro exemplo é a fundação da FAU, de

como era para ela aflorar do chão e encontrar com a cobertura sem que houvessem

pilares propriamente ditos, A execução do prédio não foi como projetada por motivo do

exílio do Artigas, então o Figueiredo Ferraz fez de outra maneira. Mas era o desenho

da fundação que subiria e receberia a grande cobertura.

F.M.: A idéia é que não existissem pilares... A idéia era a fundação aflorando e

encontrando a cobertura...
A.A.: Exatamente. E aquele ponto de encontro onde há o movimento, os pontos de

apoio, deveria ser uma coisa de outra natureza. Aparentemente em muito semelhante

a esta, vê-se, inclusive, que eles mantiveram o friso, mas um pouco diferente. É como

se eu lhe desenhasse assim como você é, mas lhe fizesse de barro. Parece você, tem

tudo a ver com você, mas não é você. Mas de qualquer maneira, aparentemente, se

resolveu. Conclui-se com isso que devemos voltar a estudar as coisas através dos

fenômenos, do desenho da forma através dos fenômenos. Isso realmente seria um

ganho muito grande para o propositor, para o arquiteto.

Eu acho que exige uma maturidade não sei se isso seria uma disciplina que se daria

logo no começo, nos cinco anos... Talvez numa disciplina de pós... Por causa do tal

“canto das sereias”, que às vezes atrapalha. Como eu estou há doze ou treze anos –

já nem me lembro mais quanto tempo – estudando isso, às vezes eu vejo uns meninos

extremamente hábeis de raciocínio lógico e técnico, e que aí vão fazendo umas coisas

que são monstruosas. Muito bem arquitetadas, do ponto de vista mecânico, mas muito

pouco arquitetado do ponto de vista espacial, e é aí que eu entendo o perigo de um

cara que tem o fascínio tecnológico um pouco pronunciado, que são os tecnocratas.

Tudo tem que ser dosado, às vezes eu tenho que falar pros caras para esquecerem

um pouco tais coisas e fortalecer um pouco outros elos. Enquanto outros elos já estão

bem maturados e resolvidos, minha preocupação é com o etéreo. Por que o que

interessa realmente para a arquitetura é o que não se vê, esta luz, este espaço em

que estamos conversando, este silêncio urbano, isso é o que nos interessa! Essa

mesa nesta altura apropriada de tal sorte que a gente tenha como colocar os trabalhos

em cima e trabalhar. Mas para fazer isso você tem que dominar a matéria, de qualquer

modo você tem que ter este colóquio com a matéria.


F.M.: Voltando um pouco a nossa discussão para as questões de experimentação

prática nas faculdades. Você acha que existem assuntos que não são da alçada do

ambiente de canteiro? Você considera que há assuntos que só devem ser tratados em

disciplinas outras como história da arquitetura ou sociologia do trabalho?

A.A.: Eu nunca fui partidária de separar nada de nada, você já deve ter percebido que

eu gosto de pensar a coisa da maneira mais integrante possível. É claro que não é a

sociologia isoladamente que tem que resolver o problema, porque se não eles vão

continuar a só criticar e nós continuaremos a responder que tudo isso é o ônus

sociológico das construções. A gente tem que fazer uma arquitetura em que os

impactos, os esforços e os sofrimentos sejam os menores possíveis, a gente já

entendeu isso, tanto do ponto de vista humano, como do ponto de vista do meio. Por

isso é que eu acho que você tem que focalizar como ponto nevrálgico do projeto a

diminuição do sofrimento do trabalhador. O bom projeto que resolve um bom canteiro

é o projeto que diminui o sofrimento do trabalhador, não se tem nem a menor sombra

de dúvida quanto a isso. Mesmo que ele se dê com barro, mesmo que ele se dê com

areia, mesmo que ele se dê com madeira, um dos pontos dele é a otimização da força

humana ou da força mecânica.

Outra coisa que se deve atentar é a realidade de se trabalhar num país que tem uma

quantidade imensa de mão de obra. Como é que eu vou formar e operacionalizar este

exército – embora não se goste de usar este termo, mas é um exército de mão de obra

expulsa do campo e sem nenhuma cultura construtiva – de mão de obra? A arquitetura

jamais poderia se esquecer disso. O que você não pode é ficar somente neste

discurso porque a você não compete este discurso como arquiteto. Você tem que ter o

senso crítico disso tudo, e tem que ir atrás da ponta e resolver isso, e não dizer que

isto é uma questão sociológica ou uma questão econômica, dizer que isto é o ônus da
construção civil para construção de uma sociedade e que quem morreu, morreu, e é o

preço. Não. O quanto a gente puder diminuir este tipo de enfoque, é obrigação do

arquiteto com certeza. Criar peças um pouco mais possíveis de serem içadas,

carregadas, produzidas, e que o cara passe a ser de alguma maneira um propositor

junto. Porque ele fez o seu trabalho corretamente, limpou o local, tem orgulho daquilo,

e possa responder por aquilo com a dignidade de quem fabrica e não se dana, não se

danifica. A parte humana é essencial! Não é só por parte do usuário que pagou pela

obra que damos a atenção, a parte humana é essencial do começo ao fim, ou a

arquitetura é humanista do começo até o fim ou então ela deixou de ser arquitetura,

vai ser outra coisa. É claro que ao sociólogo cabe a crítica veemente porque é o que

ele sabe fazer, como a você cabe ser arquiteto. E aí faça o seu trabalho de maneira

humana, de maneira mais humana possível. Nunca dissocie, jamais!

F.M.: Nos canteiros experimentais que temos hoje nas faculdades de arquitetura – dos

poucos que temos – existem exercícios de reprodução, pura e simples de peças ou de

construções ou até de estruturas sem qualquer demanda. Puro exercício. Isso, no seu

ponto de vista, é útil?

A.A.: Esta prática não é tão completa. Existem exercícios mais completos. Os

exercícios têm a característica de terem finitudes, porque eles não são vida, ainda.

Para descobrir uma determinada doença você faz uma série de exames, põe a mão

aqui, põe a mão ali, aquilo não é a experiência completa, não é o fenômeno inteiro, e

nem mesmo o usufruto, mas o exercício tem a característica da finitude, de ser finito.

Eu adoraria que o nosso canteiro fosse algo que tivesse um plano antes, mesmo que

se fizesse e desmanchasse mais vezes. Nisso os japoneses são extremamente

interessantes... Ele desmancha o todo e refaz o todo, desmancha o todo e refaz o


todo. Quando eles aprisionaram os portugueses, na época em que Portugal fez

colônias no mundo asiático, eles aprisionaram uma nau e fizeram com que os

portugueses desmanchassem a nau inteira, e eles desmancharam. Então eles fizeram,

depois disso, que os portugueses montassem a nau inteira, e eles foram observando e

desenhando. Mesmo assim eles não aprenderam, tinham dúvidas, e fizeram, de novo,

com que os portugueses desmontassem a nau inteira e refizessem aí então eles

partiram. Alforriaram os caras porque com isso se passaram dez anos a construir e

desconstruir a nau... Essa talvez seja uma maneira de exercício de canteiro com uma

maior completude. Há exercícios mais completos e há exercícios menos completos.

Mas é sempre mimético. Claro que depois de anos que você ganhar vivência, tiver a

sua vida profissional estabelecida, você tenha condições de fazer a coisa o mais

completa possível. Eu já ouvi muitas críticas sobre o canteiro aqui da FAU por não ter

desenho, por serem repetições de um monte de coisas que não tem demanda. Eu

acho que a gente tem que estar apto a, quando houver demanda, saber responder. E

para isso a gente tem que ir lá ao canteiro e fazer todos os exercícios. Os lógicos, os

ilógicos, até mesmo os aparentemente estúpidos, para quando houver demanda você

estar pronto isso é o que é difícil. Porque os exercícios não são complexos entre si.

F.M.: Uma das maiores deficiências que tenho observado nos exercícios de prática

experimental é a falta de conclusão dos exercícios. Para mim os exercícios de canteiro

se pretendem a ter início, meio e fim e por fim eu entendo a sistematização dos

conhecimentos ali construídos, só assim consigo entendê-lo como histórico e

evolutivo. O exercício deve ser propositivo, deve conter a ação da construção, e

depois, desmontando ou não, deve haver uma análise de tudo o que aconteceu lá,

gerando com isso um produto daquele exercício... Uma análise matemática, que seja...
A.A.: O arquiteto tem que voltar a trabalhar em equipe, concorda? É um trabalho tão

extenso que você vai ter que responder com um grupo, e tem que, ou capitaneando,

ou participando, tem que voltar a conseguir sintetizar. O projeto por si já é um

exercício muito poderoso de síntese e o objeto que está se mostrando atualmente

exige sínteses de todas as naturezas. Não só conceituais e materiais, mas de opinião,

de estudos de impactos, de estudo das áreas correlatas que vem e colaboram. Um

trabalho pode ser feito segundo todas as regras do conforto térmico e acústico, isso

seria um desastre total! Por exemplo, se fosse pelos critérios de insolação a FAU não

precisaria deste beiral, porque a orientação leste-oeste... Não importa! Você tem que

fazer aquilo, suprir aquilo e ultrapassar. Porque se você começar a fazer o mundo das

tabelas como é atualmente, a arquitetura vai ficar muito restritiva, ela tem que ter uma

beleza na qual todas estas outras coisas estejam embutidas, mas ela tem que se

expressar. Caso contrário a vida seria somente tomar banho e comer vitaminas e

aminoácidos, e não é. A gente tem demandas de todas as ordens.

F.M.: Do ponto de vista das associações de classe, estas questões da prática

experimental no ensino da arquitetura é tratada? Existem normativas ou diretrizes que

norteiam os canteiros?

A.A.: É ainda uma questão muito aberta, existem muitas posições a respeito. Eu estou

ainda muito próxima por causa da fabricação da escola, mas não existe nada que está

fechado, não. Eu me lembro de quando a gente montou no centro da cidade a escola

num edifício e que era um edifício residencial e que depois passou a ser escola,

imagine a encrenca... Lá não tem espaço físico para se fazer um canteiro, infelizmente

não tem mesmo. O que a gente faz agora é o acompanhamento das obras e a largo

prazo, se tivermos uma equipe forte, fazer a história da fábrica, venho sonhando com
isso e tentando arranjar uma alternativa para que isso seja possível. A discussão foi

longa porque eles não achavam que a gente poderia ter canteiro, mas quando eu fui

pegar a lista dos canteiros era pá e picareta! Depois até doamos as ferramentas para

o MST porque não tínhamos nada o que fazer com tudo aquilo, e não era isso o

canteiro que a gente queria. Pode até ser que agora eles estejam mais evoluídos, mas

eles não têm uma palavra final, é uma questão aberta. Até porque a arquitetura não se

dá sem a construção e a construção legitima muita coisa da arquitetura, mas ela ainda

é uma parcela de tudo o que você tem que compreender entender, estudar dentro de

uma formação de cinco anos. Cinco anos é muito pouco. Seis ainda seria pouco

tempo para tamanha tarefa. Hoje eu fui pegar uma sobrinha e a irmã dela, outra

sobrinha está estudando arquitetura e ela me perguntou: “Tia, você precisou trabalhar

dias e dias para entregar um projeto?” Eu corrigi e disse que eram dias e noites. Acho

que você está certo em centrar, estudar as questões de canteiro, porque você

detectou que é ali que você pode evoluir, é ali que está o elo fraco que você quer

fortalecer, mas você nunca pode perder a idéia da corrente inteira que ele une para

fazer alguma coisa na sociedade. Ele é um segmento importantíssimo, mas ele faz

parte de um todo. Talvez seja por isso que a AsBEA não fecha um modelo único já

que eles vão ter que fazer canteiro no Acre, na Amazônia, em Rondônia, imagina que

confusão que é isso. Que confusão é resolver um modelo distinto em meio a tanta

diversidade.

F.M.: Penso só na ênfase maior as práticas construtivas...

A.A.: É muito interessante a leitura da vida do Brunelleschi. O Brunelleschi, que foi o

cara que mais desenhou, o que mais previu, o que mais escondeu, e todas as

conquistas que ele fez foi porque ele sabia construir. Quando ele era pequeno, ele viu
a Catedral de Santa Sofia e ele entendeu que uma hora aquilo ia ter que ser coberto, e

que era um vão enorme, e que a gente não tinha mais conhecimento, pois, com o

gótico, a gente tinha parado de fazer cúpula. Ele, jovem, foi a Roma e passou sete

anos em Roma e na Grécia e em outros países do império Romano que fizeram

cúpulas. Aí ele estuda as cúpulas, volta, participa do concurso e ganha o concurso.

Quando, no concurso, perguntaram como é que ele ia construir a cúpula, ele

respondeu: “Não conto!” porque se ele contasse, qualquer um poderia fazer. Então

eles insistiram e pediram para saber como ele faria a cúpula, e então ele pediu para

que os homens daquela mesa colocassem um ovo em pé. Ninguém conseguiu deixar

o ovo em pé. Então ele pegou o ovo, quebrou um pedacinho em baixo e deixou o ovo

de pé, porque ele tinha estabilizado uma área. E então ele completou dizendo que se

ele tivesse dito como fazer para deixar o ovo em pé, qualquer um conseguiria. Então

ele é a pessoa que vai afastar o projeto do canteiro porque ele vai ser o dono do

traçado, mas todo o traçado dele é legitimado pela construção. E com isso o traçado

foi ficando tão afastado, tão afastado, a ponto de a gente afirmar que toda a

composição é fruto das leis da estética. E não é! As composições respondem, e muito,

a nossa possibilidade e a nossa impossibilidade de construir. A simetria é filha da

construção, é filha da estática, e não filha da vontade estética ou do retângulo áureo.

Tudo isso está junto, mas ela é muito mais filha da capacidade de ser construída. Até

mesmo porque quando nós pudemos ser assimétricos, a gente foi. E a gente só

conseguiu ser assimétrico depois que surgiu o aço, e o concreto armado.

F.M.: Falando um pouco sobre a capacidade de construção de uma coisa que

responda a uma geometria orgânica. Você considera que as escolas, como se

encontram, tecnologicamente, estão aptas a trabalhar com experimentações deste

tipo?
A.A.: Esta é uma questão que é uma esparrela. É quase um paradoxo de grande

riqueza. Qualquer forma de natureza geométrica, orgânica ou inorgânica, é fabricada

dentro do computador na escala um para um. Então, sendo assim, ela é factível. Só

que a gente ainda não sabe com que material defini-la, nem com que conexão

executá-la, nem com que canteiro experimentá-la, se é através das nervuras, se é

através dos tecidos, de redes, de linhas, se através de superfícies... Esta procura é

muito bonita porque eles estão fazendo a forma e até agora ninguém sabe como é que

se vai fazer a forma. Esta forma, assim, tentacular, cárdica, venosa é bonita porque

ela desmonta o lote. Não dá para executar esta forma em nosso loteamento trivial,

normal. Isto eu posso afirmar que já é uma grande conquista do ponto de vista

fundiário, urbano, do desenho. O problema é que eles estão fazendo de tudo para não

transformar isso numa funilaria trivial que, quando você tira a pele, vê uma funilaria de

quinta, nunca admitida em alguma Ferrari. Estamos vivendo um problema de

insipiência só que não mais por ser principiante, mas agora como ignorantes. As

estruturas estão muito ruins, inclusive as conexões e as deformações.

F.M.: Talvez estejamos esperando um canteiro de ponta para resolver este problema e

ficaremos espantados ao descobrir que estas geometrias são mais simples de

trabalhar do que imaginamos...

A.A.: Frei Otto já fazia estas estruturas! Acho que o que vai sair é uma reedição das

estruturas leves. Essa mudança da pré-fabricação que não é mais a standartização do

material, mas sim das operações isto é uma evolução bonita de se ver, porque é outro

canteiro. Os paradigmas estão mudando e estudar os diversos tipos de modos de se

trabalhar pode dar uma beleza de capítulo. O canteiro por conta das questões políticas
se tornou uma discussão ranheta, de se discutir quem é que está explorando quem,

esforços, doenças cardiovasculares, que são questões que a gente vai ter que encarar

dar um salto e o salto vai ser humano, tecnológico, urbano, atual...

F.M.: Quer dizer que o salto deve se dar quando se enfatizar a tecnologia, ao invés de

se concentrar em modos de produção?

A.A.: Sim, eu acho, tem que ser técnico, principalmente no ponto de vista da

capacitação. É por isso que eu insisto nas questões da finitude dos materiais, na

questão do aquecimento global, da fome, da superpopulação do planeta, E eu me

pergunto: Como é que podemos formar estas pessoas? Com que exercícios?

F.M.: O grande problema destas questões relevantes que tratam o meio ambiente, é

que elas são tratadas em ambientes viciados e totalmente encharcados da ideologia

da sustentabilidade, ao invés de estarem ancoradas no paradigma ecossistêmico...

A.A.: Existem várias armadilhas, e é importante que estejamos atentos para todas

elas. Uma é a própria questão sociológica de estarmos lidando com um segmento de

trabalho, que é o trabalhador da nossa construção civil que é extremamente carente. A

outra é justamente este discurso da sustentabilidade. Outra é como a construção civil

é usada para as obras eleitoreiras e políticas e por isso tem prazo extremamente

exíguo, tanto de projeto como de execução, e por isso nós estamos com a arquitetura

literalmente mostrando defeitos do tempo. Existem várias armadilhas e temos sempre

que indicar os problemas que elas contêm, mas o foco tem que estar centrado, não na

crítica, apenas, mas no veio principal, se não você se dilui e qualquer armadilha te
consome. O seu desafio está muito claro: Como fazer com que o aluno, o estudante

ou o arquiteto volte a ter a intimidade conceptiva através, inclusive, da construção, e

através da matéria. Saiba ler a matéria tão bem como saiba ler a alma humana e o

desejo de um cliente da sociedade. É isso, pelo que eu entendi que você quer inserir

dentro da concepção arquitetônica. E só isso.


ENTREVISTA: Eduardo Salmar Nogueira e Taveira – FAUUNIMEP

Professor da cadeira de Sistemas Construtivos da Faculdade de Arquitetura e

Urbanismo da UNIMEP.

Santa Bárbara d‟Oeste, 03 de Abril de 2008.

O arquiteto Eduardo Salmar Nogueira e Taveira, em sua entrevista, evidencia a

preocupação que tem com as questões ligadas ao meio ambiente e, sobretudo,

com sua abordagem na formação dos estudantes de arquitetura. Na sua

leitura, para que o estudante entenda o mundo e seus fenômenos, para que

perceba as transformações e as conseqüências da ação do homem no meio

em que vive, é necessário que, a priori, esteja sensibilizado.

O canteiro experimental da Faculdade de Arquitetura da Universidade

Metodista de Piracicaba (UNIMEP) foi construído no ano de 1996, sob a

coordenação do entrevistado. A faculdade possuía, nesta época, uma proposta

pedagógica que dirigia as atividades das disciplinas com enfoque para a

experimentação prática. Para o sucesso desta proposta foram firmadas

parcerias com escolas da Europa e da América do Sul, que passaram a

mandar professores experientes em práticas de canteiros em escolas de

arquitetura.

Até o ano de 1999 o canteiro manteve uma freqüente produção de protótipos e

pesquisas tecnológicas, porém, após a troca da coordenação, mesmo

mantendo-se a proposta pedagógica, o canteiro perdeu forças e hoje conta

com apenas alguns modestos exercícios, fruto de propostas de algumas

disciplinas.
F.M.: Esta escola, a UNIMEP, tem importância no cenário das escolas de arquitetura

no Brasil, pois no início possuía uma proposta pedagógica elaborada por professores

que tinham a preocupação com a prática no ensino da arquitetura121. Este curso se

iniciou, eu participei da primeira turma, se desenvolveu, teve a importante participação

de profissionais que estudam a arquitetura que usa a terra crua como matéria-prima,

tornou-se cátedra da UNESCO em arquitetura de terra, participou e venceu concursos

nacionais de habitação, firmando-se como um curso com uma proposta séria e voltada

principalmente às questões da prática da construção, ou seja, preocupada com a

formação do arquiteto-construtor. A minha pergunta é: Como você caracteriza, hoje,

2008, este curso, que atualmente é a Faculdade de Engenharia e Arquitetura e

Urbanismo da UNIMEP.

E.S.: Bom, hoje, 2008, ela continua sendo a mesma escola conhecida como a escola

com enfoque muito forte com tecnologias alternativas e, de sobremaneira, com as que

usam a terra crua como material de construção. Continua sendo, herança deste

passado por você citado, herança que se concretizou na forma física de laboratórios.

Em 1996, eu fui, a convite do prof. Maxim Bucaretchi, o responsável por listar

maquinários para a montagem do LABSIS122. Esta experiência de elencar os principais

componentes para a realização deste laboratório teve um custo de soma grande e que

foi totalmente bancado pela instituição e o laboratório passou a ser um espaço que

necessitava de uso. Inicialmente, líamos da seguinte forma: É impossível você

desenvolver uma tecnologia se você não possui o equipo necessário. Este raciocínio

nos criou uma responsabilidade muito marcante.

121
A proposta pedagógica do curso de arquitetura e urbanismo da UNIMEP foi elaborada pelos
professores Maxim Bucaretchi, da PUC Campinas e Domingos Batalha, da FAU USP.
122
LABSIS: Laboratório de Sistemas Construtivos.
Em primeiro momento a responsabilidade de ter usado capital para a aquisição de

uma série de equipamentos para o desenvolvimento de tecnologias, eliminava a

possibilidade da prática se resumir no simples experimento pelo experimento, o

simples manusear pelo manusear, mas possibilitava, pela presença do equipo

adequado, a produção de um bloco, ensaios mecânicos para aferição de

características deste bloco, e, amparado por normas existentes em nossa biblioteca,

dominar todo o processo. Este é o nível de responsabilidade com a qual iniciamos lá

atrás. As nossas experiências nasceram atreladas junto com a experiência de

profissionais, como eu, que vinha já, desde a década de 80, construindo

profissionalmente com técnicas alternativas, e com o incremento de equipamentos

para a verificação da qualidade do produto obtido, de verificações comparativas dos

resultados que se obtém.

Esta responsabilidade foi muito bem lida pelas outras escolas de arquitetura, nas

propostas de convênio firmadas... Para você ter uma informação, no início do curso,

logo após a visita do primeiro professor convidado, o professor Pascal Odul, nós

tivemos uma espécie de uma auditoria, uma verificação das condições que a escola

possuía para a produção de tecnologia em construção com terra, e nós tivemos um

relatório produzido por um francês, que era um assessor do CraTerre. Visitou obras

dos professores, estas obras foram relatoriadas e fotografadas e este relatório, que

temos até hoje, corroborava lá fora, o nosso potencial para o desenvolvimento de

tecnologias. Então, toda esta somatória de talentos, a vinda de professores europeus

e de outros países da América latina, a entrada na cátedra e todas estas outras

coisas, a ênfase com os trabalhos em terra, são estas as responsabilidades que nos

diferenciavam de outros centros que trabalhavam tecnologias alternativas. E nós

tínhamos, por isso, a obrigação de produzir, e produzir respondendo a demandas

técnicas a questões normativas, a questões de viabilidade de emprego destas na

arquitetura e no meio.
Tudo isto trouxe um respaldo muito forte. A sua turma, por exemplo, passou a crer em

técnicas que antes nunca tinha conhecimento, e fatalmente muitos de vocês passaram

a empregar com certa garantia, pois tinham o respaldo. É importante salientar o

enfrentamento que tivemos não era motivado apenas pela idéia freqüente nos anos 80

e 70, que era a idéia de entrar pelo universo das técnicas alternativas, mas sem

nenhum compromisso. Era entrar apenas para manipular, botar a mão na massa,

entrar para conhecer somente por conhecer, mas sem levar para um plano mais

comprometido de se perguntar: O que eu faço com isso em termos de arquitetura?

Como se aplica? Quais as conseqüências disso no meio? Comparar a outras

realidades no universo do conforto, da viabilidade econômica e de exeqüibilidade.

Hoje, a nossa escola, de certa forma perdeu um pouco essa força, mas por outro lado,

enquanto ela perdeu a força por uma questão tática, uma questão operacional, pois

nós perdemos professores com toda essa visão, ela se mantém porque ela fez lastro.

A escola fez lastro. Com toda esta colocação inicial sua e estes novos elementos que

pontuei que nós temos fisicamente um espaço invejável por muitos professores que

vem aqui nos visitar. Então a gente fez um lastro, este lastro é visível, os alunos de

hoje muito embora não tendo participado no passado, encontram visibilidade, entram

nos laboratórios e sentem certo “status” técnico, que está colocado aí, com alguns

elementos ainda daquela época... Os alunos sentem isto! Sentem que a escola está

falando de um assunto do qual ela construiu lastro.

F.M. E quando você fala dos profissionais que faziam os canteiros de experimento na

década de 60, neste período havia uma demanda real que era voltar a entender os

sistemas construtivos como operações industrializadas ou industrializáveis, entender

os métodos e as maneiras de se fazer as coisas com maior rigor e com maior domínio

porque havia um problema a ser resolvido. O problema da falta de moradia. Hoje, aqui

na sua escola, qual é a real demanda para a produção desta tecnologia, aqui na
UNIMEP? Você acaba de falar em ensaios laboratoriais, em operação e manipulação

de materiais, em responsabilidade pelo capital investido, então eu volto a perguntar,

para que e para quem produzimos esta tecnologia?

E.S.: Ah... A arquitetura é uma ciência que não consegue caminhar completamente

autônoma e só. Ela precisa apoiar suas patas em outras ciências e isso fatalmente e

cientificamente gera uma necessidade de evolução em várias frentes. A arquitetura

considera as mudanças do ambiente físico, atreladas a política e aos contextos

sociais, considera as mudanças do espaço físico as mudanças de comportamento da

sociedade. Obviamente que na década de 60 nós tínhamos comportamentos sociais

completamente diferentes dos comportamentos de hoje. Com relação a tudo! Álcool,

sexo, hábitos, relacionamento, tudo. E a arquitetura não consegue ficar alheia e ser

pontual enquanto resposta. Ela fatalmente se apóia em momentos, estes momentos

vão cambiando, e ela á obrigada a rever seus posicionamentos. Quando nos

colocamos há quatro décadas e vamos caminhando com o gérmen de técnicas

alternativas com objetivos grandes, porque, a geração dos anos 60 é entendida por

alguns teóricos – como Fritjof Kapra, quando ele prevê em sua obra, que a geração da

década de 60 é responsável pelo que ele chama de mudança solar. Por mudança

solar, ele quer se referir, justamente, ao tamanho da mudança. Das mudanças de

paradigmas. E esta geração, que se inicia na década de 60 e vem vindo com estes

aportes elegendo grandes problemas como o foco das discussões. É típico, desta

geração, ter como um deles o “déficit habitacional”.

O que acontece, no entanto, é que questões como a ecologia, questões como a

natureza, questões como o aproveitamento de matérias-primas, aproveitamento de

energia, eram questões que estavam colocadas de uma maneira muito diferente do

que é colocado hoje. Porque, nos anos 60 e anos 70, você nota que toda a sociedade
e, de certa forma, o mundo, tem um incentivo muito grande ao crescimento do

intelecto, da lógica, das questões matemáticas e cartesianas, é quando cresce em

todo o mundo, sobretudo aqui no mundo do sul, o conceito de industrialização que é

atrelado à produção de maquinário, e a idéia de produção em massa. A idéia de

produção em grande quantidade vem atrelada ao fato do desenvolvimento do

intelecto.

Este intelecto desenvolvido encontra hoje questões muito sérias. Anteriormente

se pensava muito em produção em massa, mas não se preocupava com a

extração da matéria-prima, não se pensava no comportamento do ambiente,

nas conseqüências destas extrações fabulosas que abasteceriam esta

gigantesca produção. O desenvolvimento intelectual desta fase descobre uma

brecha que são as questões da ecologia. Eu perguntaria, por exemplo, o que

fazer com ciências que ainda não conseguiram incorporar as questões de

ecologia? O que fazer com as brechas que deixam? A advocacia, por exemplo,

ignorava... Hoje podemos conferir alguns temas que tratam as questões de

direito do ambiente. A advocacia ficou presa aos preceitos antigos da economia

e do crescimento individual e os meios lícitos para a sua viabilização, e pouco

se incomodou com as questões maiores de entendimento destes grandes

pensadores. Então as questões centrais neste início do desenvolvimento eram:

desenvolver máquinas, desenvolver a indústria, produzir muito, e não se

preocupar muito com o estoque da matéria-prima. O grande ganho deste

período é que esta geração viu os buracos que tudo isso criou, viu os

problemas na escala maior, em relação à poluição. E hoje, recentemente eu

tenho lido em renomados teóricos de projeto, pessoas que participaram todos

estes anos projetando canteiros e vendo enormes montanhas se

transformarem em blocos de concreto, estes pensadores atribuem a


responsabilidade de um prédio inteiramente revestido por vidro e gerador de

uma conta mensal de consumo elétrico de milhões de reais, como

responsabilidade do arquiteto. E lutam para que hajam leis que

responsabilizem estes arquitetos. Então hoje a questão se encontra ampla e

séria. Colocado no plano da ética e no plano jurídico. Construir mal pode dar

cadeia! Eu acredito que em muito pouco tempo, se você como arquiteto

construir um edifício “energívoro”, você poderá ser preso!

Portanto, a questão é você pensar que um edifício construído e a efetivação desta

construção vai gerar um complicador para toda uma comunidade, mesmo que não

seja usuária direta deste produto final, são eles que estarão sofrendo as

conseqüências e respirando o ar em volta, são eles que estarão “pagando o pato”!

Esta correlação de responsabilidade, hoje, é muito maior. É assim que eu enxergo a

arquitetura e a mudança de preocupação e, portanto com isso o surgimento de outros

sistemas, leis e paradigmas. É assim que vejo o surgimento de novos sistemas

construtivos que comungam deste mesmo ideal de preservação e de consciência

ecológica.

A própria ciência e os cientistas se dão conta disso e, mesmo aqueles que não sujam

a botina com barro, mesmo aqueles que fazem a leitura da releitura da produção dos

outros, procuram se adequar em termos de um português correto. Dificilmente, hoje,

veremos um teórico escrever sobre a nossa arquitetura e chamar de alternativa.

Certamente usará termos como: apropriada, adequada, ecologicamente correta... O

vocabulário mudou para se adequar à amplitude do tema.

Você me pergunta qual a demanda... Já que a arquitetura não é um elemento

isolado que vai sozinho e cria um desenvolvimento linear, focado e isolado. Já

que não permite recortes e especificidades, a arquitetura se relaciona com o

meio e o meio, mutável como é, exige dela. Portanto a demanda é crescente.


Hoje o meu cliente está preocupado com as questões de conforto, de economia

de energia, de reservação de água da chuva... Questões que há um tempo não

eram do interesse do leigo. E eu tenho que dar respostas a isso. Como

economizar a conta de energia? Como aquecer a água gastando menos

energia? Ou aproveitando outras energias? Meu cliente hoje solicita esse tipo

de coisa. Se eu voltar à primeira casa que fiz em 1981, meu cliente sequer

pensou nisso. E, obviamente, a gente funciona no cutucão dos nossos clientes.

Se o cliente te pede, “fuçadores” como somos, ficamos incomodados e vamos

à procura das tais reivindicações. Então esta demanda por essas coisas que

são mais do que material e mais do que técnica, mas, postura, é muito

crescente. Sendo específico em relação à arquitetura com terra, existem dados

que venho acompanhando, troco e-mails e converso muito com alemães, que

possuem uma produção em altíssimo nível de blocos de terra, australianos com

uma invejável produção de arquitetura com solo-cimento, americanos como

David Easton, até hoje me comunico com ele e trocamos informações. Vejo

que estes países (Alemanha, Austrália e Estados Unidos) trabalham com a

questão de arquitetura de terra com o que há de mais contemporâneo possível.

Há demanda sim! Há demanda em todos os níveis.

F.M.: Falando mais um pouco sobre esta demanda, retomando as questões de

didática e de ensino referentes aos canteiros experimentais das faculdades de

arquitetura, o apelo eco-sistêmico toma proporções muito interessantes e importantes.

Segundo seu depoimento, questões estas muito mais presentes nas discussões de

vanguarda que a própria questão da habitação. Falamos então sobre o “o que”, eu


gostaria que você falasse, agora, um pouco sobre o como... Como um canteiro

experimental responde a estas solicitações ou, como falamos, a esta demanda?

E.S. Este é um tema muito rico que você levanta... É um tema que eu considero

pouco estudado. Eu conversava ainda há pouco com você sobre a alegria que tive

quando li pela primeira vez uma abordagem sua sobre o assunto. Fiquei pensando em

quais os estudos que já havia lido que fazia esta costura entre os canteiros e a escola.

Quem escreve sobre isso? Acho muito interessante este enfoque tratado em primeiro

lugar porque você, de certa forma, você vai separar o homem da sua história. Ou,

seja, a gente vai se lembrar, no futuro, de cúpulas arcos e abóbadas sem precisar se

lembrar de Vitor Lotufo, nos lembraremos de taipa de pilão, solo-cimento, sem

precisarmos lembrar-nos do nome Eduardo Salmar, conheceremos bem os blocos de

adobe sem que precisemos nos lembrar de Javier Bonifaz. Então, acho que seu

trabalho eleva a discussão a um âmbito maior que é o da escola em si. Passamos a

pensar a escola e sua tendência formadora e esquecemos um pouco dos sujeitos da

formação. A escola passa a ser a somatória das qualidades destes sujeitos e não mais

os próprios sujeitos. Acho que este enfoque é muito precioso. Este trabalho agrega

dados para possíveis discussões coletivas sobre novos planos de ensino e propostas

pedagógicas. Este aspecto me alegra nestas discussões.

Por esta razão é que eu acho que, sumindo valores individuais, entra em cena a

escola! Passa a ser a USP, a UNICAMP, a PUC, a UNIMEP... E também serão dados

os recortes temporais. Entrando em cena a escola, entram em cena as estruturas da

escola, as suas espinhas dorsais, planos de ensino, e só então será perceptível a

ligação, ou não, desta escola com o mercado, e como é que se dá esta ligação desta

escola com o mercado. A escola forma este ou aquele aluno para trabalhar como

arquiteto do concreto porque o mercado está pedindo pessoas especializadas em


concreto, ou a escola forma este elemento para ser crítico da própria produção do

mercado? Esta questão é o grande ganho. Este será o grande trunfo da escola.

Você então me pergunta: “E dentro da escola, como o canteiro faz isso?”, repito, o

canteiro age se ele fornece ao aluno visões claras de contemporaneidade, se ele dá o

devido respeito ao aluno, na produção de uma arquitetura com os alicerces da

intuição, da emoção. Estou voltando no tempo e pinçando coisas que acontecem no

canteiro.

F.M.: Existe um tempo próprio e particular do canteiro...

E.S. Exatamente! A grande crítica, hoje, é, retomando nosso tema anterior, é a

necessidade de se desenvolver conhecimentos outros além do intelecto. Se você só

desenvolve o intelecto, você joga fora questões que são fundamentais na produção da

arquitetura. Isto eu não digo sozinho, estou repetindo as palavras do primeiro arquiteto

que pisou na terra. O corpo é a nossa casa. Então, se eu partir desta premissa, eu

como arquiteto, ao projetar, e se o meu corpo é minha casa, qual a minha linha? Se

minha casa, meu corpo está bagunçada, se está sofrendo, se está poluída, se está

ruidosa, barulhenta, que tipo de arquitetura eu vou produzir? Este elemento é muito

valorado hoje e a cada dia mais.

Falávamos ainda há pouco das demandas e das arquiteturas que vem,

obrigatoriamente interpretando paradigmas porque ela não consegue ser linear e

sozinha. Não consegue ser horizontal e independente. O canteiro de obras ou o

canteiro presente na escola, ele é o elemento desse conjunto de coisas que o aluno

tem que participar com a intenção e com a descoberta. O aluno tem que se sensibilizar

e perceber que as coisas contraem que as coisas retraem, o aluno é forçado a


presenciar as leis da física, da mecânica, sem ser engenheiro mecânico ou físico, sem

ter disciplinas exaustivas, principalmente hoje, quando tudo são softwares. Mas o

aluno precisa descobrir coisas. Precisa descobrir que quando você encosta duas

matérias-primas de corpos físicos diferentes, eles reagem de maneira diferente ao

vento, ao sol, ao dia, à noite, à chuva e a descoberta de tudo isso é que vai formar um

arquiteto que tem elementos para introjetar as informações e produzir a boa

arquitetura.

De mais a mais, como vem de fora uma pressão de consciência ecológica, do uso da

natureza em sua plenitude e não só como estoque, se entendemos a arquitetura como

uma operação que agrega conhecimento e sensibilização, se consideramos este

enfoque, a experiência em canteiro contribui, sim, para que o aluno compreenda os

materiais, para poder com eles operar através de um meio que é o desenho, ou outros

que hoje já temos no mercado. É preciso compreender o corpo físico que existe entre

as linhas traçadas, entender que o que há entre este traçado contrai, retrai, aumentam

o volume, trincam, esquentam, se partem, se quebram, criam bactérias, mofo, etc.

F.M.: No começo desta entrevista você me relatou o objetivo da instituição, ao montar

o canteiro, que era o de acumular ensaios, resultados, justificar investimentos em

equipamentos com a criação de tecnologia e com ensaios os mais diversos.

Conversando agora, chegamos à conclusão de que o canteiro tem o papel de

sensibilizar o aluno e preparar o futuro arquiteto com o aporto sensitivo necessário.

Vou além, percebo que o canteiro pode mostrar relações de mercado como as

exigências de um cliente que mudam o projeto, solicitações do próprio material que

fazem com que mudemos o rumo de uma idéia, pode-se entender os problemas

gerados por má distribuição de forças entre os homens que trabalham no canteiro...


Entendo e concordo com a necessidade desta sensibilização, mas ela não é

atrapalhada pela necessidade desta tal produção de números e ensaios?

E.S.: Bom, isso é dentro do histórico da nossa escola, especificamente... Se você

pensar em um laboratório estanque, é como pensar em uma tabela, que basta

consultar. É como pensar numa operação tapa-buraco. A patologia aparece, e você

vai lá e soluciona a patologia.

Estas questões colocadas sobre o laboratório, e a importância dele dentro da escola,

podem ser ilustradas pelo fato de que na medida em que nós voltamos uma

determinada disciplina para o espaço físico do canteiro, obrigatoriamente nos temos,

também, que planejar com os alunos a nossa movimentação, a circulação, a questão

operacional, o que atrapalha e o que ajuda o que deve ficar à mão, o que deve

proteger a mão, a roupa adequada, a botina adequada para o trabalho, à ferramenta

certa para cada operação. Alem disso, o canteiro traz para o aluno, uma experiência

inédita, problemas reais. Ao trazer problemas reais ele obriga o aluno a dar soluções

reais. Porque o problema grita na frente dele e ele é obrigado a ter a resposta ou

pesquisar uma resposta diante daquele problema numa escala real.

Isso tudo afasta para muito longe a idéia de que podemos ficar “riscando” arquitetura

sem saber entender o que significa fisicamente a altura que vai ter ou que tamanho é

esse ou como ela se assenta no chão... De certa forma, no canteiro, o aluno vivencia

problemas em escala real e as soluções deverão aparecer na mesma escala. E essas

soluções implicam em muitas vezes em posturas que estão fora do universo imediato

do arquiteto que são, por exemplo, problemas de logística. O aluno que entra no

laboratório fatalmente vai ter que pensar em logística. Ele será cobrado para isso. Se

esse aluno, por exemplo, como é muito comum no nosso caso, é mimado, quando

entra num laboratório, ele recebe informações de quais os procedimentos adequados


para aquelas operações. Roupas adequadas, onde deixar seu laptop, a sua bolsa,

para que o campo de trabalho permaneça liberado para você e para o coletivo. Estas

informações que ele recebe, vai fazendo com que ele perceba que para poder fazer

arquitetura é preciso conhecimento geral. Isto realmente entra em discussão.

O laboratório é algo que trás a necessidade de um pensamento maior e eu usei a

palavra logística até mesmo porque o aluno começa, no canteiro, a descobrir como é

que se monta um andaime com segurança e discutir sobre isso. Onde mais ele teria

esta oportunidade antes de sair da escola e ir para o mercado de trabalho? O

laboratório permite antever questões que poderiam ser de risco para ele no ambiente

de trabalho.

A questão da “práxis” me parece tão antiga que ao analisar as coisas que estão

acontecendo no mundo hoje, o consumismo, a velocidade e o descartável, é tão em

voga em termos de hierarquia de importância, mas que não são maiores que as

questões antigas. Na arquitetura estas questões foram, serão e continuarão. A

arquitetura dá os seus passeios, no sentido de acompanhar a praticidade destas

mudanças de paradigmas, mas as questões da práxis continuam e serão sempre

fundamento de um bom arquiteto e de um bom profissional.

F.M.: Pegando este gancho, lembramos do início do século passado, quando

simultaneamente e por razões diferentes, havia a necessidade de crescimento rápido,

tanto na Europa, como também aqui no Brasil e mais precisamente em São Paulo.

Neste período percebeu-se certa dicotomização entre a arte e a técnica. Para você, o

canteiro de obras na escola abarca também a responsabilidade de reintegrar esta

prática perdida da arte junto à técnica?


E.S.: Sem dúvida... Mesmo que não tenha sido previsto pelo plano de ensino da

escola, existe uma palavra que é chave no processo do conhecimento: retro-

alimentação. Isto é filosofia, nem é arquitetura. Isto é chave em todas as ciências.

Você primeiro faz, depois o resultado faz com que você repense o feito. Isto é

fundamento de grandes pensamentos da psicologia. Você estimula um

comportamento, aquele comportamento provoca uma determinada reação, se esta

reação é agradável, há um avanço, se não é agradável, há um repensar da ação. A

evolução se faz através da retro-alimentação do saber. A própria educação que

recebemos ao nos alfabetizarmos, começamos por letrinhas, e passamos por

parágrafos e chegamos a livros. A vida é retro-alimentação do conhecimento.

A palavra arte é uma palavra ampla que implica em pensamentos que estão do outro

lado do nosso cérebro. A palavra arte precisa necessariamente estar atrelada a algo

mais sensível do ser humano, a algo mais feminino, aberto a intuição e a percepção. A

arte transita por este meio. Se por um lado a sociedade obriga o desenvolvimento da

minha lógica, obviamente por uma questão de sobrevivência abafa-se o outro lado.

Existe um provérbio clássico: “Já que de arte não se vive, que a arte nos ensine a

viver”. A arte é uma ciência global desligada do conhecimento lógico. Então arte e

técnica, na medida em que a técnica é considerada experimentação como prática da

intuição, como aplicação de todo o conhecimento acumulado, como leitura de

resultados, como acerto e erro, na medida em que a técnica seja colocada para os

aprendizes dessa forma, a arte estará. Por pertinência, mesmo.

F.M.: Minha preocupação é saber como conseguir esta síntese em um ambiente

universitário onde os próprios espaços são disjuntos, as práticas e os

questionamentos estão todos divididos por departamentos...


E.S.: Os departamentos acabaram sendo criações do homem como necessidades de

atender às diferentes ambições. A história nos mostra que a especialização excessiva

facilmente chega ao obsoleto, pelo próprio movimento que a história tem. Mesmo

numa velocidade não tão assustadora como a da virtualidade, o conhecimento

especialista se mostra com tendência a se tornar obsoleto. Se hoje se entende esta

postura, rapidamente preocupa-se com a questão da globalização do conhecimento.

Quando os departamentos se fracionam, é para atender as especificidades de cada

indivíduo, ou a um professor que ocupa um lugar lá dentro. Todos querem se proteger

no recorte, o próprio orientador não pretende nunca passar por terrenos de areia

movediça. No recorte se domina, todos sabem, está lá a bibliografia. De mais a mais a

sociedade acadêmica ainda precisa de muita crítica, principalmente porque um

orientando é quase um título para o orientador. É uma espécie de uma corrida. A

medida de produtividade de uma instituição de ensino se mede por “papers”, se mede

por artigos. Todo o final de ano as universidades passam uma régua para saber o que

é que o fulano produziu...

Concordo que os departamentos e as fragmentações atrapalham o desenvolvimento

das questões acadêmicas visto que o anterior, ou seja, o plano geral daquele ensino

daquela escola contempla isso. Agora, se você quer saber até que ponto este

problema acarretará em conseqüências para o aluno, eu tenho as minhas dúvidas... O

que eu vejo hoje, eu não via há um tempo. Um tempo atrás eu pensava que qualquer

agressão à natureza seria a condenação à vida do meu filho. Eu estaria condenando

meu filho a viver uma condição podre porque eu tive uma atitude destrutiva com este

ambiente. Hoje eu penso diferente. Hoje meu pensamento é uma hipótese Gaia que

se aplica as gerações. Os governos de uma cidade como São Paulo, ou outros

grandes centros, contavam apenas com ônibus para atender ao transporte de massa.

O controle da locomoção de uma cidade ficava nas mãos de duas pessoas: o

proprietário de 100 ônibus e o prefeito que vai pagar este homem pelo serviço que ele
vai prestar. Percebe-se, com o passar do tempo, que a prestação do serviço vai,

lentamente, entrando em caos por inúmeras questões que não serão discutidas agora.

Surgem, espontaneamente, vans. Indivíduos isolados dentro da comunidade que tem

uma perua Kombi e que num belo dia resolve cobrar pelo mesmo serviço que o ônibus

cobra. São soluções criadas pela população que funcionam e que se você for à

comunidade e questioná-la: Qual a solução que você prefere? A solução que o estado

te oferece, ou esta aqui oferecida pelo popular?

A sociedade tem força suficiente para corrigir naturalmente os desvios no sentido de

atender a população. Esta é a hipótese GAIA. Eu reconheço que as gerações vêm

lendo os problemas e criando soluções. Hoje o que vemos nos organismos de governo

é uma inversão da década de 40, quando nós é que corríamos atrás do chefe, hoje há

uma inversão disso... Há uma corrida atrás de se tentar solucionar os problemas das

comunidades.

F.M.: Há a pretensão de se formar alunos, nos canteiros, com as noções de

emancipação em momentos de planos para aceleração do crescimento e em

momentos quando viveremos a explosão de construções e de empreiteiras por todos

os cantos da cidade. Este profissional que é formado nos canteiros experimentais, ele

está preparado para este mercado? Ele faz a crítica? O canteiro faz parte desta

crítica? Qual a sua opinião?

E.S.: Não há dúvidas. A escola prepara para o mercado.

Sempre foi a grande expectativa dos alunos, e, diga-se de passagem, dos pais destes

alunos, o fato de que ter passado por uma universidade e ter um diploma, este fato em

si já garantiria um bom salário, uma vida digna, a capacidade de poder adquirir bens e
serviços. Esta foi a “tabula rasa” da criação das escolas, acredito eu, de todo país. O

simples fato de você ter passado por uma universidade já te eleva a uma categoria

especial. A escola sempre foi considerada assim. O que acontece de uma forma

intensa, é que o usuário da escola a cada dia que passa deixa de ser um procurador

de conhecimento e passa a ser, a cada dia que passa um procurador de um bom

salário. É como se você transferisse para a escola a responsabilidade e a garantia de

ter um futuro tranqüilo, e, portanto você passa alguns anos sem se preocupar com o

futuro.

Existem diversos problemas na minha concepção. Se a escola monta um projeto para

atender a esta aspiração, ela precisa se adequar à demanda do mercado que é veloz.

O mercado muda suas instalações, seus equipamentos, suas máquinas, as maneiras

de se relacionar, seus códigos. O mercado muda, as indústrias mudam, os bancos

mudam, as instituições que absorvem mão de obra mudam e o canteiro de obra

profissional também muda. Se a escola se prepara para formar alunos e atender ao

mercado, você vê a escola que lê mercado e que depois, a partir daí monta o seu

plano de ensino. Isto é muito comum. A UNIMEP, por exemplo, desde o início não se

propôs a isto, pelo menos no curso de arquitetura. Inicialmente porque teve uma figura

forte que possuía formação em outro país, que marcou profundamente a sua vida, e

outras pessoas que consideravam o conhecimento geral como algo importante e

suficiente para uma pessoa profissional no futuro se dar bem. Ou seja, a criação inicial

deste curso contou com estes elementos que dão importância para a formação de

alunos críticos. Atualmente, com a nova coordenação, e anteriormente com a segunda

coordenação desta escola, esta proposição se manteve, nós não ficamos analisando

qual é a demanda atual do mercado ou qual o tipo de gente que o mercado está

requisitando, você é parte desta escola e você viu isso. Os profissionais que

desfilaram na sua frente não trabalharam com catálogos de empresas e de indústrias,

eles trabalharam com conhecimentos mais clássicos. A nossa escola tem rejeitado o
mercado enquanto força que oriente o nosso plano diretor. Diferente do que acontece

em outras instituições.

F.M.: Esta postura, então, ela não abre uma possibilidade de alienação do estudante?

E.S.: A alienação da produção atual do mercado sim, pode haver. Pode haver

considerando que a produção do mercado é muito grande. Há dez anos se usava

muito o bloco sílico-calcário, um bloco leve, hoje, já não se usa mais.

A alienação é fruto da impossibilidade de análise. Se por um lado você está aqui

dentro desta escola colocando elementos para permitir que haja uma retro-

alimentação do conhecimento, do conhecimento que ele acabou de adquirir numa aula

anterior, este aluno estará sendo treinado para a análise, para que ele tenha auto-

suficiência em julgamentos, avaliações, comparações, atitudes analíticas, e se esse

aluno possuir, minimamente, esta possibilidade este espelho no contexto da escola, eu

acredito que no futuro ele teria possibilidades de não se alienar e ter posições

definidas em relação ao mercado. A tentativa de se acompanhar as novidades do

mercado da construção civil como expectador, até é possível, acompanhar isto,

experimentando, é muito raro. E o que temos observado é que o próprio arquiteto que

quer absorver as novidades do mercado fragmenta o próprio trabalho. Ele transfere as

responsabilidades ou até mesmo partes de suas obras a empresas que não são de

arquitetura. Empresas que tão somente possuem especialização em determinado

produto, e sabem lidar com aquele produto, e o arquiteto, por sua vez, se mutila

enquanto autor daquele projeto. O arquiteto percebe que está entregando as partes

estruturantes da sua arquitetura por não possuir conhecimento global da maneira de

fazer a arquitetura. O grande prazer na arquitetura é ter a certeza de que o que você

construiu e a matéria-prima que você empregou tem como selo de garantia o tempo.
Quando você faz uma laje de concreto, devidamente calculada com ferragens e traço

adequados, você entrega a sua tranqüilidade ao tempo, pois aquilo que você fez tem

comprovação histórica do tempo. Todos estes lançamentos do mercado vêm sem este

selo de garantia.

Então a fragmentação e a alienação da qual estamos falando é muito relativa.

F.M.: Falando agora com o Eduardo que se doutorou em artes. Em 60 e 70, vivíamos

um momento de preocupação dos arquitetos encharcados pelas teorias marxistas,

tentando entender como era possível ter uma taxa de mais valia alta, composições

orgânicas baixas e redistribuição desta renda em outros setores do mercado. Hoje

vivemos outros títulos e outros autores, como o Harvey, por exemplo, que discutem o

espaço de nosso trabalho em tempos de financeirização. Isto posto, pergunto se a

crítica feita nas escolas enfrentam as questões da financeirização e da

espetacularização da construção ou se ainda estamos nos antigos moldes. Quero

ainda saber se de alguma maneira esta crítica ressoa no ambiente didático de

canteiro.

E.S.: A nossa escola, especificamente, discute sim as questões da construção e do

mercado da construção. Discutimos principalmente um elemento que nunca é

dissociável a arquitetura que é o custo dela. Não há, em si, um endeusamento da

arquitetura monumental porque há sempre um incomodo ao se lembrar do custo. Esta

escola reflete assim e esta discussão vem, justamente, pelo corpo docente ter uma

produção inserida no mercado, principalmente o corpo docente atrelado a projeto. Se

o indivíduo professor está inserido no mercado, tem, diariamente, confrontos com

questões de produção, escolha de material, com o custo deste material, levando em

consideração o capital deste cliente, seja ele residencial, comercial ou industrial.


A nossa postura, de viajar com os alunos, é uma postura que quebra boa parte do

gesto de esconder de si próprio, vivenciar as grandes arquiteturas. Mostrando que a

arquitetura está presente é muito mais eficiente do que construir críticas

mercadológicas. Quando eu trabalho uma aula de projeto eu ainda faço muita força e

muita questão de que passe pela minha boca e que se costure um significado para

quem está me ouvindo, o nome dos grandes arquitetos.

A análise destas grandes obras deve ser feito em todas as direções, deve ser uma

análise do ponto de vista artístico e também do ponto de vista estrutural, do ponto de

vista da construção. Concordo com você que a arquitetura é colocada, não pela

escola, mas pelo mundo e pela televisão como grandes coisas feitas por gente grande.

Obviamente este equívoco está presente diariamente para os nossos alunos e

acredito até que os alunos esperam que o futuro deles seja isto, fazer o espetáculo.

Mas o que é preciso mesmo é conhecimento.

Para mim a arquitetura tem que ser uma profissão tardia, justamente pela necessidade

de conhecimento. Eu não troco todo o capital de amigos que passam os dias

administrando relações pela delícia de ter meu tempo disponível para presenciar uma

obra. Acho que minha presença aqui na escola e dos outros professores garante que

estas vivências possam ser presenciadas pelos alunos.


ENTREVISTA: Maria Amélia Devitte Ferreira d’Azevedo Leite –

PUCCampinas

Professora da cadeira de Industrialização da Construção da Pontifícia Universidade

Católica de Campinas.

Campinas, 22 de Abril de 2008.

F.M.: Professora Maria Amélia, para conhecer melhor a sua trajetória, gostaria que

inicialmente você me contasse um pouco sobre a sua história com canteiros

experimentais.

M.A.: Posso iniciar toda essa história pela sensação de insegurança que eu senti

quando eu estava mais ou menos no meio do curso de arquitetura – lá pelo terceiro

ano – num período muito importante da formação do arquiteto, pois é nesta fase que

você já estudou algumas coisas, já tem algumas referências ao mesmo tempo em que

já fez alguns exercícios de projeto, mas começa a se dar conta também da

complexidade que é a experiência do arquiteto e que começa a querer acumular

alguma experiência profissional, de fazer um estágio, enfim... Nesta fase eu fui

percebendo que, embora sempre tivesse tido um bom resultado acadêmico, nas

disciplinas, eu tinha muita dificuldade em resolver a questão material do projeto. Ou

seja, aquela distância que existe entre aquilo que você desenha e como transformar

isso numa realidade construtiva. Até porque eu tive que trabalhar durante todo o

período em que estive estudando, por razões de sustentabilidade econômica e

financeira, eu já como estagiária em escritórios, tinha possibilidades de efetivamente


fazer o detalhamento do projeto junto com o arquiteto chefe, tinha a possibilidade de ir

às obras e com isso, me sentia muito insegura. Inseguranças com coisas simples do

tipo: escolha do material mais adequado, detalhes construtivos específicos.

Neste período eu tive aula de estruturas com o Yopanan, no terceiro ano, de sistemas

estruturais. E neste período, sempre muito generoso como ele é, nos pedia para

desenhar para ele as formas na lousa para que as pudesse explicar, didaticamente, e

num dia depois de uma aula – acho que era uma aula de escada helicoidal – eu fui a

ele e disse: “Olha, ou o nosso QI é muito reduzido, ou você não sabe explicar, porque

a gente não entendeu nada!” E ele respondeu que com certeza se tratava da segunda

alternativa. Disse ele não saber explicar e dizia, ainda, que explicava da maneira como

havia aprendido. Em título de brincadeira eu disse a ele que nós poderíamos pensar

em ensinar estruturas aqui na escola de outra forma, usando o corpo... Na época eu

fazia dança e teatro, era uma época em que éramos todos meio hippies e muito

ligados às questões intuitivas, e tudo mais... A escola, depois disso transcorreu e

quando eu me formei, embora eu trabalhasse, eu era sócia de outro arquiteto, nós

tínhamos obras em andamento, eu continuei sentindo isso, essa insegurança, na hora

da resolução de projetos, mesmo.

Resolvi então sanar esta pendência, decidi que não iria passar o resto da minha vida

profissional dependendo de outras pessoas. Procurei o Yopanan e disse a ele que

gostaria de aprofundar o meu conhecimento em estruturas, perguntei se a gente não

poderia retomar aquela idéia. E foi aí que, na verdade, nós começamos a levantar as

nossas dúvidas e inquietações sobre o real aprendizado que o aluno tinha. Durante

um ano eu fiz um estágio, com ele, de aperfeiçoamento na FAU Santos, esse era um

recurso que a escola tinha, mas que nunca havia sido usado, então havia ali na

proposta do curso este estágio de aperfeiçoamento para ingresso no corpo docente,

para o qual teoricamente qualquer um podia se inscrever e num possível processo

seletivo o candidato já teria um histórico. Nunca havia tido um inscrito neste processo,
eu e o Paulo nos inscrevemos e, durante um ano, nós acompanhamos as aulas de

sistemas estruturais do Yopanan. Como éramos recém egressos do curso, isso foi

muito bom, pois ao mesmo tempo que tínhamos uma vida profissional, tínhamos

acabado de sair da escola e tínhamos aquela percepção do aluno muito recente. O

professor Yopanan se dispôs a este massacre. Foi uma real anatomia da atividade

dele como professor porque nos questionávamos tudo, desde a forma como ele se

expressava verbalmente, a maneira como ele fazia suas anotações na lousa, os

recursos que ele usava – inclusive as aulas eram eminentemente teórico-conceituais,

com um desenvolvimento intelectual e sem nenhum tipo de experimentação

construtiva de comprovação prática, de visualização física dos fenômenos ocorrendo.

Foi um ano em que nós conseguimos fazer um diagnóstico bem superficial, mas que

possibilitou a percepção do vasto campo de aperfeiçoamento e do entendimento de

alguns dos dilemas daquela prática docente, de fato, não resolutiva.

Neste ínterim, o curso de arquitetura da Belas Artes estava se formando, o professor

Caron acompanhava este nosso trabalho e nos convidou para desenvolver a

seqüencia de estruturas. E neste momento a gente já tinha percebido que há diversas

entradas cognitivas em um processo de aprendizado. Numa classe pode haver

pessoas que possuem memória visual mais aperfeiçoada do que outras, pessoas que

entendem as coisas com um processo mais táctil, percebemos a importância da

experiência pregressa do aluno, havia alunos com experiência em fazer aeromodelo,

outros com experiências e conhecimentos em surf, enfim, cada um com uma bagagem

de conhecimento que, se nós conseguíssemos acessar, se tivéssemos um processo

de ensino aprendizagem que fosse multifacetado, isso nos daria mais chances do que

este investimento exclusivo na via intelectual – caminho incorporado da origem

politécnica da área de tecnologia. História esta que fica bem clara na reforma da FAU

USP de 62, e posteriormente a implantação dos três departamentos, quando fica

evidente que o departamento de técnicas, que viria a ser posteriormente o


departamento de tecnologia, não possuía uma elaboração. Foi uma migração direta

dos métodos de ensino e aprendizagem da escola de engenharia da Poli. Foi inserido

naquela estrutura como um apêndice, um corpo estranho. Este ensino importou toda a

parte da elaboração científica e intelectual dos cursos politécnicos e deixou de lado a

parte laboratorial construtiva que na verdade nunca foi muito desenvolvida na própria

escola politécnica. Analisando os trabalhos da Silvia Ficher, ou mesmo a minha tese,

pode-se conferir estas informações e estas referências. O que se percebe é uma

prevalência do raciocínio científico teórico conceitual da engenharia, que é a principal

influenciadora – ou seja, o que há de processos empíricos na escola de engenharia

ainda é muito pouco – e a informática exacerbou tudo isso. O distanciamento entre a

elaboração intelectual e a resolução material na escola de engenharia está cada vez

maior. Percebemos, com tudo isso, que era importante termos diversas traduções do

mesmo conteúdo que estivesse sendo elaborado com os alunos.

Uma coisa que foi muito própria nossa por estarmos dispostos a aprender – aliás o

Yopanan tem uma frase que eu acho bárbara, ele diz: “A maior sacanagem de ensinar

é aprender.” – estávamos dispostos a fazer parte desta aventura, no bom sentido, pois

não era esta uma aventura incauta, de aprendizado. Nós, não só como professores,

mas também como descobridoras, como cientistas, no sentido de explorar todo um

campo que considerávamos pouco desenvolvido na escola. Daí esta idéia de, a cada

conteúdo – nós já tínhamos claro que o tempo da escola é finito e por isso não adianta

querer trabalhar cinco conteúdos – a questão não era exatamente a informação, mas

trabalhar com o aluno o desenvolvimento e o aperfeiçoamento de métodos próprios de

construir primeiramente de uma forma clara o problema que tem que ser resolvido, o

problema que se coloca o arquiteto. A partir deste passo da construção do problema,

da construção da pergunta, também é possível trabalhar de uma maneira bastante

diversificada possibilidades de resolução, de caminhos pelos quais se pode chegar a

esta resolução. A proposta era de, a cada coisa que se fosse elaborar com os alunos
enquanto conteúdos e tópicos que eram obrigatórios – inclusive nos fizemos uma certa

artimanha, já que tínhamos que trabalhar dentro do currículo mínimo – que

conseguíssemos viabilizar a compreensão efetiva daqueles fenômenos, que eles

pudessem ser realmente entendidos. Eu me lembro que eu tinha um desejo muito

grande de um dia, ao olhar para as formas construídas eu conseguisse ver o

movimento das informações, os esforços que estão acontecendo ali dentro, como se

fosse uma corrente sanguínea passando pela coisa. Consideramos que era de muita

importância que a cada exercício, inicialmente faríamos uma tradução teórico-

conceitual. Deveríamos falar sobre ela, explicá-la, explicar os esforços e os

fenômenos, tração, compressão, flexão, torção, forças cortantes, depois disso,

deveríamos proporcionar uma visualização física destes fenômenos. Daí a idéia de se

trabalhar com modelos didáticos. Deveria ser possível enxergar o fato de que um dado

corpo, submetido a um esforço de compressão, gera uma aproximação das moléculas

e com isso uma redução de tamanho. Também se fazia necessária a experimentação

construtiva – que a nossa idéia era que ela fosse bem ampla, desde que você pudesse

senti-la. Nossa idéia era desenvolver uma linguagem a partir de um repertório que

sempre estivesse ao alcance do aluno. E qual é o vocabulário, o dicionário que ele

sempre vai carregar? Primeiramente o seu próprio corpo, segundo, seus objetos de

uso pessoal, terceiro, os elementos naturais que estão ao seu redor. Nossa

exploração foi descobrir o que destes universos poderia ser trazido pro entendimento

dos sistemas estruturais. Como, no nosso corpo poderia ser possível entender

claramente e construir ou e simular uma forma estrutural para entender os esforços

que estavam acontecendo e as informações que ocorreriam.

É importante diferenciar uma experiência empírica de um improviso. Na verdade o que

constatamos que sempre acontece nas escolas de arquitetura e urbanismo, quando

acontece, são apenas alguns happenings, um improviso. O que eu considero

improviso é uma atividade prática de experimentação construtiva, só que sem amparo


numa construção teórico-conceitual anterior, ou seja, não leva para aquela experiência

uma teoria que a princípio se quer verificar. E esta construção teórica pode ser

inclusive específica daquele momento, não é uma teoria consolidada, é apenas um

raciocínio estruturado de pressupostos que são alimentados com conhecimentos dos

quais já se dispõe a priori. Isso passou a ser incorporado em tudo o que fazíamos,

experiências construtivas, com modelos reduzidos, usando este repertório direto ao

seu redor, a observação, o apuro do olhar para o melhor entendimento do que está ao

seu redor e, por fim, a tradução matemática verificadora.

É necessário checar a resposta com precisão, porque esta eu realmente continuo

achando que deve ser uma meta, não é só do goleiro, tem que ser também do

arquiteto. O acerto tem que ser uma meta. O acerto em arquitetura existe, a precisão

em arquitetura existe, principalmente quando se fala de construção.

O que eu penso de fato sobre o canteiro é que quanto menos se dê conta da

existência do canteiro de obras dentro do percurso curricular do aluno, no meu

entendimento vai significar que o canteiro está sendo mais eficaz. Quanto mais se

acentua “o canteiro”, “a atividade de canteiro”, significa que ela ainda não está

totalmente introjetada no percurso curricular do aluno, ela continua sendo aquele

momento da exceção. Quando se fala em canteiro para mim, eu escuto

experimentação construtiva, e esta experimentação construtiva necessita obviamente

espaços especializados, tem que haver recursos laboratoriais, físicos, humanos,

financeiros, materiais e de informação. Mas esta coisa deve ser algo absolutamente

cotidiano, natural, dentro da vivência dos alunos. Eu sou muito cética a uma

experiência ao que se chama de canteiro experimental como algo optativo, com

possibilidades de ser gradativo dentro do curso, o que significa que a formação será

muito diversificada de um aluno para o outro. Olhando a história, e a tese do

Reginaldo mostra muito isso, como as práticas do canteiro de obras surgem como

uma coisa excêntrica e de pessoas que “acreditam”. É como se fosse uma crença,
uma seita. Isso é uma distorção do que é a formação do arquiteto. Vai ao encontro da

perda de identidade que a gente tem, do que é ser arquiteto. E isso foi uma

inquietação que tive por vinte anos!

Essa inquietação eu só resolvi com um estudo que foi muito obsessivo de entender o

que é o profissional de arquitetura. E hoje para mim eu não tenho a menor dúvida,

para mim o arquiteto é o profissional da construção. Eu tenho claro para mim que

durante milênios ele foi “o” profissional da construção. Isso começa a mudar a partir da

revolução industrial e com a questão da separação do espaço da concepção e do

espaço da produção – inclusive por uma questão de status social – existem os

profissionais que ficam mais ligados às cortes e aos ateliês, a uma verve artística e o

cara que continua no canteiro, isso não acontecia anteriormente. Depois os processos

industriais levam ao surgimento de um profissional que domina as técnicas e as

práticas de materialização da produção industrial e mecânica, isso vai migrando para a

construção, inclusive por questões de novos materiais, como por exemplo, os metais,

o vidro, principalmente sendo apropriados para a construção ao lado da pedra da

argila e da madeira, são, aqueles, materiais que já não são mais de obtenção direta na

natureza e que precisam passar por um filtro de produção industrial e nós arquitetos

não estávamos nestes espaços de elaboração dos novos materiais e, portanto, não

conhecendo os segredos da própria composição destes materiais. Daí para frente fica

uma coisa muito complicada, encrencada. Realmente não pode haver arquiteto que

não domine o conhecimento íntimo, profundo, dos materiais. Quando observamos a

carreira dos arquitetos exemplares e de referência, percebe-se que a inquietação em

relação ao conhecimento dos materiais é um fator em comum entre todos.

Sou reticente a própria expressão. Eu não gostaria de sacralizar a figura do canteiro

de obras experimental das faculdades de arquitetura porque a atividade de

experimentação construtiva está compartilhada entre uma série de espaços. Acho que

até o que aconteceu aqui na PUC foi uma mistura entre propostas que a gente tinha
com propostas que vieram de outras áreas. Eu hoje acho até que é uma resolução

interessante e que no meu entendimento volta às propostas da Bauhaus que eu ainda

considero absolutamente contemporâneas e presentes em mim. A existência de vários

laboratórios, vários espaços especializados, isso é um microcosmos da vida

profissional.

Imaginemos um edifício. Onde é que se processam todos os trabalhos e todos os

ciclos de produção dos diversos componentes e materiais? Eles vão estar distribuídos

em um conjunto de ambientes industriais, laboratoriais, de extração direta, de

processamento extremamente elaborado, com uma contribuição muito grande da

química, da física, da biologia, da matemática, dos processos mecânicos... Enfim.

F.M.: Antes de entrar nas outras perguntas, eu gostaria de pegar dois ganchos desta

sua resposta muito elucidativa. Um deles é ressaltar a importância de não se separar,

de fato, as práticas de canteiro de todas as outras, como se esta fosse uma atividade

paralela dentre as outras. Tudo deve ser parte indistinta de um todo. Nunca pensei

que realçar, para o estudante, a presença do canteiro poderia ser um “tiro no pé”...

M.A.: Exato. Acho que quando a gente vê de forma tão excêntrica e excepcional, isso

significa que estamos ainda em um estágio preliminar e primitivo de entendimento da

escola e do canteiro. Ele muitas vezes é visto quase que como um altar, e eu

considero isso um sinônimo do quão distante se está do entendimento de que a

atividade da construção ela é a finalidade precípua da atividade do arquiteto. O projeto

é um caminho, é um recurso privilegiado do nosso trabalho de levar a construção

material.
Essa ressignificação do canteiro ou do que se chama canteiro de obras, acho que é

uma coisa muito interessante. É quase que uma química mais fina desta coisa, isto,

particularmente sempre foi uma inquietação minha, esta reflexão sobre o papel social

da profissão de arquiteto numa visão cotidiana da vida das pessoas, para nos

despirmos dos preconceitos que temos de um profissional de exceção e olhar o

arquiteto pelo outro lado, da necessidade das pessoas em relação ao arquiteto. Ele é

um cara que tem que saber construir e pronto. Eu não tenho nenhuma dúvida disso.

Arquiteto, para mim, é sinônimo de construtor. Podemos até ter outros sinônimos, mas

eu não abro mão deste.

F.M.: Gosto de quando em “Território da Arquitetura” o Vittorio Gregotti classifica o

projeto como mediador do desejo do sujeito arquiteto e a coisa construída...

M.A.: E eu pergunto: Como é que você pode viabilizar esta ponte, sem sê-la?

F.M.: Outra coisa que considerei importante em sua fala é a investigação dos

conhecimentos pregressos do aluno, a recuperação destes para o uso nas aulas e no

entendimento dos exercícios. Nestes quase trinta anos, desde que vocês intentaram

esta prática até hoje, você conseguiu realmente e efetivamente criar um processo de

entendimento e de extração destes conhecimentos?

M.A.: Primeiramente eu considero fundamental a atitude de um professor de se dispor

ao aprender. Ou seja, deixar claro para o aluno que ali se encontra que você é alguém

que continua aprendendo com o que está acontecendo ao seu redor. O ser humano,

em geral, sempre aprenderá com a exemplificação.


Quando se parte do pressuposto de um processo de aprendizagem e ensino com

bases reprodutivas, na relação transmissor-receptor, fica claro o posicionamento entre

as duas partes, de que tem alguém que sabe mais e de que tem alguém que sabe

menos, ou de que tem alguém que sabe e de que tem alguém que não sabe. Nesse

sentido, o caminho que acontece na elaboração do conhecimento, é unidirecional e

não tem retorno, o aprendiz fica sem a oportunidade de contribuir no processo de

construção daquele conhecimento, daquilo que está acontecendo ali. Você pode até

ter ali a apreensão, a compreensão e a incorporação de conteúdos, mas a construção

de um conhecimento novo, dificilmente acontecerá no processo. Ela pode até vir ali

depois de um tempo quando eventualmente este aluno conseguiu elaborar os

conhecimentos aplicando a uma situação diferente. Naquele momento você perdeu a

possibilidade de dinamizar toda uma experiência.

Numa classe de 50 alunos, são 50 diferentes experiências de vida com referências e

com bagagem. O Zanetini, por exemplo vem de uma família de pessoas que já

mexiam com a marcenaria, o Renzo Piano tinha o pai construtor, ou seja, os alunos

que por ventura vem de uma família de comerciantes, entendem de maneira mais fácil

a questão das trocas econômicas, e se você conseguir que o aluno disponibilize este

conhecimento, ele de início já se torna agente do processo de construção do

conhecimento. Você cria um ambiente de aprendizagem numa perspectiva onde é

possível a contribuição. Estas questões são fundamentais por romper barreiras,

obstáculos, e permite que o aluno te sinalize qual é o processo cognitivo dele. E aí é

uma questão do professor, de ser capaz de trabalhar nesta perspectiva. Perceber o

processo cognitivo, se é visual, táctil, se é sensorial em outro plano, se há ou não

problemas de comunicação, se o aluno é mais introspectivo, ou se ele reage bem em

uma atividade mais individual ou coletiva. Os recursos de um professor como

estimulador da aprendizagem, não se podem restringir apenas a questão dos

domínios do conteúdo que se está trabalhando. Devo ressaltar que esta é uma de
nossas fragilidades, a escola de arquitetura é feita principalmente de profissionais de

arquitetura que viraram professores. O nosso background em termos de pedagogia em

geral é muito pequeno. Há uma tendência de você reproduzir a sua prática profissional

na sala de aula, e cria uma situação onde ela pode ser muito bem sucedida se você

conseguir conjuminar estas duas coisas. Um profissional da arquitetura e um ótimo

professor, com a capacidade de estimular a aprendizagem, comunicativo, e nem

sempre você encontra isso numa pessoa. Apreender a arquitetura não é a mesma

coisa de se trabalhar a arquitetura. Muitos professores se queixam que seus alunos

não estão preparados, não conhecem arquitetura, não sabem desenhar... Estes

professores não se dão conta de que estes alunos são arquitetos em formação. Se

eles tivessem a mesma bagagem do arquiteto, não estariam ali naquela condição. A

não percepção do momento em que se encontra o aluno e de que recursos o

professor deve propiciar a ele é nociva, atrapalha no processo. É sempre muito

importante que se tenha uma explicitação, na classe, de qual é a alma daquela turma.

Existem turmas que são mais expansivas, tem turmas que conseguem se relacionar

bem entre si e outras não, às vezes existem na mesma turma alunos que têm

experiência construtiva de diversas formas e que elas podem ser utilizadas a seu favor

porque elas podem porque eles têm o domínio de certos materiais ou de algumas

ferramentas, já se aventuraram, têm o raciocínio abstrato e o raciocínio concreto bem

desenvolvido.

É sempre mais produtivo se iniciar um curso da área de formação tecnológica com

experiências de construção do conhecimento coletivas e que principalmente possa

trabalhar já de cara com todas estas vertentes. Ter a discussão teórico-conceitual, a

visualização física, a experimentação construtiva, a tradução matemática, que comece

de certa maneira simples e que vai se ampliando em complexidade, mas sem perder

este conjunto de ações. Este é um compromisso do próprio professor, de criar uma

disciplina de sistematização sua de organização daquele curso, que particularmente


eu acho que deve ser econômico no numero de conteúdos e dar muita oportunidade

para que os métodos, os processos de trabalho tenham um tempo confortável para

acontecer, onde se possa ter o desenvolvimento preliminar, um amadurecimento e um

período de conclusões. É importante sair de um processo de aprendizagem com uma

bagagem consolidada, por mais econômica que ela seja, pois é aí que se começa a

percepção de que sabe algo, porque você se defrontou com um problema, conseguiu

enxergar com clareza este problema, conseguiu construir ali um conjunto de perguntas

e dúvidas, percursos e caminhos para se resolver, e de fato resolveu o problema.

Inclusive com a posterior oportunidade de avaliar quão bem, quão dentro de suas

perspectivas você esteve.

É muito importante que o professor tenha claro qual o método de aprendizado é esse.

O que se tem verificado é que geralmente os cursos, a própria construção curricular,

não dizem a que vieram. Não colocam, claramente, quais são as metas de

aprendizagem que se deseja. E isto se reflete em cada disciplina. É por isso que cada

disciplina tenta reproduzir o curso inteiro em si. Todas as disciplinas acham que tem

que dar conta de tudo e então não é possível que se tenha um trabalho integrado já

que as metas das disciplinas não estão claras em cada curso.

F.M.: Pelo domínio que você tem do assunto, estou vendo que estas duas falas já

responderam várias das perguntas que trouxe hoje aqui para você. No seu discurso

você trata a escola – em suas partes separadas e em seu todo, no canteiro e nos

ateliês – como um simulacro da realidade e um microcosmo da vida real. Você

considera como parte destas atividades, para o entendimento absoluto do que é que

estamos trabalhando dentro das escolas, é pertinente o conhecimento dos canteiros

efetivos do lado de fora? É interessante, no seu ponto de vista, apontar estas

diferenças que eles tem, das vantagens de se trabalhar num ambiente onde se está
suscetível ao erro – pretendendo e intentando o sucesso – mas ainda assim protegido

e confortável? É bom conhecer os canteiros lá de fora para que se possa entender

quais as críticas que o canteiro da escola estão fazendo, ou não, a convencional

maneira de se construir?

M.A.: Sem dúvida nenhuma! Eu, até mesmo por ter trabalhado muito tempo em

extensão universitária, acredito que a universidade cumpre a sua função de local de

produção de conhecimento quando este conhecimento se erradia para a comunidade

que está ao seu redor e este redor ele é adimensional, pode ser um redor próximo, ou

não, mas numa perspectiva de contribuir para o aperfeiçoamento da realidade ao seu

redor para minimizar as diferenças, acrescentar novas possibilidades.

Estas formas podem ser muito variadas. Pode haver, compondo a experiência

curricular do aluno, a participação em trabalhos de extensão ligados a realidade da

região onde está localizada a universidade. Ou é possível se trazer para dentro do

curso as experiências profissionais e realizações desde arquitetos e outros

profissionais de áreas correlatas como os profissionais das prefeituras. Essa migração

do dentro e do fora – viagens de estudo – estas experiências na formação do arquiteto

são fundamentais, porque a gente tem que ter essa possibilidade de entender o que

está acontecendo ao nosso redor e entender qual é a parcela que cabe ao arquiteto,

nesta realidade. Sou muito refratária a poupar o aluno – acho que existe uma coisa um

pouco esquizofrênica nos currículos em geral que é exigir, mas ao mesmo tempo não

permitir o contato. Há uma discussão muito antiga se se deve ou não ter as disciplinas

tecnológicas desde o início do curso porque isto poderia tolher a criatividade. Eu acho

muito difícil alguém ser criativo se não domina os recursos, os meios e as técnicas

construtivas com as quais ele vai ter que realizar a sua própria criação artística. É uma

incoerência. Acredito que o aluno deva ser estimulado o tempo todo a ter um
comportamento de arquiteto, só que este comportamento irá se aperfeiçoando, ele irá

se alimentando, desses conteúdos e destes conhecimentos que estão sendo

elaborados ao longo do curso que tem ali uma estrutura prevista, mas que devem

conter a possibilidade de uma alimentação constante com novos conteúdos e novas

demandas, fenômenos emergentes que estão acontecendo ao redor. Principalmente

em uma realidade como a nossa que muda com muita rapidez, o Brasil ainda continua

sendo um lócus de vida extremamente dinâmico. De mês a mês em alguma cidade

brasileira é possível se ver mudanças de paisagens de traçado urbano, de atividade

econômica em uma velocidade impressionante. O aluno não deve ser poupado disso.

Essa idéia de um curso que é preservado numa redoma onde você ouve falar da

realidade, não é boa. De fato é de grande valia ter esta atividade extensionista de

diversas maneiras, mesmo da mais estrita, seja por convênio ou por cooperação, ou

por um puro contato, mas de maneira que o aluno entenda o que está acontecendo,

qual o problema que está sendo colocado ali e que está sendo resolvido. O aluno deve

estar o tempo todo estimulado a fazer o raciocínio entre o que ele está aprendendo e o

que é que existe ao redor dele. Eu, pelo menos, procuro exercitar isto em todas as

aulas, em todas as disciplinas em todas as áreas. Para que ele se sinta efetivamente

vivendo a vida de um arquiteto. Porem num lugar onde a resposta que ele tem que dar

será progressiva, dentro da bagagem que ele tiver acumulado. Mas ainda assim ele

terá que se sentir imbuído disso. Embora a escola deva ser o laboratório do erro – O

Ruben Alves e o Gilberto Dimenstein têm um livro que se chama “Fomos maus alunos”

– onde é possível se errar, a meta deve ser a meta do acerto, e é o que não acontece

muito na escola. A princípio, nas disciplinas de projeto, por exemplo, a questão de o

que é uma meta de acerto e decisão está ausente. Um projeto pode ter vários

caminhos para que se chegue ao resultado desejado, mas o arquiteto deveria dispor

de um método para avaliar dentro de determinados parâmetros qual daquelas

soluções seria mais adequada, mesmo que simule cenários. Num concurso de

arquitetura, se cinqüenta arquitetos participarem serão cinqüenta caminhos diferentes.


Como avaliar qual deles está mais certo ou mais errado? É necessário estabelecer

parâmetros para avaliar qual deles chega mais próximo de uma realidade desejada.

Esse parâmetro de realidade acaba sendo prejudicado em prol de uma pretensa

criatividade sem contornos e sem limites.

Uma reflexão importante a se fazer é pensar o que é currículo. A escola de arquitetura

raramente tem claro o que é currículo, em geral são grades de disciplinas e

eventualmente algumas atividades, mas a escola raramente tem claro que o currículo,

na verdade, é a experiência integral que o aluno tem naqueles cinco anos, ou mais, e

que ela pode ser parametrizada através de alguns estágios previstos que devem ter

metas de aprendizagem. Mas é importante a gente também possibilitar um tempo

curricular onde caibam fenômenos e questões que surgirão porque a escola tem uma

tendência quase original, impregnada no seu DNA que é a de ser anacrônica. Este é o

grande desafio para as escolas em geral, descobrir como construir um percurso

curricular que de fato forme um profissional. E no nível superior isto é ainda mais

crítico, pois a escola estará ratificando alguém que passará a intervir na realidade,

autorizado, com a respeitabilidade e autoridade que quem atribui é a escola. È

necessário o desenvolvimento, com este aluno, de um trabalho para que naquele

momento futuro ele esteja preparado para enfrentar aquela realidade, aqueles

fenômenos. Se pensarmos que toda a literatura é anacrônica por essência, porque ela

passou por um processo de reflexão, elaboração, publicação, venda e etc., os livros

mais novos que você via estar recomendando ou utilizado terão ali um ano, dois anos,

e em geral a nossa literatura tem ali dez, vinte, trinta, quando não quarenta. Então

concluímos que o recurso literário já tem por si esta característica, ele será

anacrônico. No momento atual, quando a gente se defronta com a exigüidade dos

recursos naturais, com as diferenças sócio-econômicas tão exacerbadas, num mundo

que tem tantas possibilidades produtivas de riquezas econômicas mas que gerou uma

sociedade planetária tão cheia de desigualdades e diferenças, onde o conhecimento


por muitas vezes tem uma matiz preconceituoso absurdo, estes são desafios

interessantes para trabalharmos na formação do arquiteto, mas o que penso é: Qual é

o real compromisso como arquiteto? É muito importante você saber que não é um

sociólogo, não é um assistente social, não é um advogado, você é um construtor do

ambiente material onde as atividades acontecerão, ou não. Este dado espaço não

resolve todos os problemas, mas ele pode ser o facilitador, este espaço tem

qualidades positivas que devem ser buscadas como é o caso do aproveitamento

racional dos materiais, das fontes das matrizes energéticas, dos custos, de uma

beleza que possa ser compartilhada por todos. Esta questão do anacronismo deveria

ser uma tônica para os currículos, e nesse sentido os espaços para a experimentação

construtiva, todos, que vão desde a sala de aula, devem ser explorados.

São formas de se trabalhar com o enfrentamento da realidade – e para isso o texto do

Milton Vargas é muito ilustrativo, quando questiona o que é a tecnologia – não se faz

arquitetura sem o enfrentamento. Tem um momento em que você esbarra no material.

Quanto antes você trabalhar com estes enfrentamentos na realidade, com a dimensão

do material, isto te redime, te alivia, te liberta.

Este é o porque de eu não gostar de afirmar esta frase de “então agora vamos para a

aula de canteiro”. Seria, para mim o mesmo que afirmar: “Vamos agora para a aula

teórica”. O que é teoria e o que é prática num processo de resolução material das

coisas? Para mim não há uma fronteira clara entre os dois, e ao deve haver por uma

questão de sistematização. E esta sistematização é muito mais pelo viés do ensino, a

aprendizagem não deve passar por essa separação. Toda vez que um aluno disser:

“Estou indo para uma aula teórica”, ou “Estou indo para uma aula prática”, é sinal de

que o currículo não está indo muito bem.


F.M.: Existe, nesta sistematização, alguma maneira de se acumular os conhecimentos

obtidos e criados, sem que todo ano seja um novo recomeço? Fazer do laboratório um

lugar de produção crescente de conhecimento?

M.A.: Nesta perspectiva da qual eu estou te falando. Este foi todo o meu esforço no

doutorado. Minha experiência no mestrado foi longa, com uma reflexão longa, de

entender o que é a profissão do arquiteto, e hoje eu estou convencida de que o

arquiteto é um construtor, é o profissional da construção. Isso pode não parecer

glorioso para alguns arquitetos, mas eu acho, pelo contrário, de uma nobreza imensa.

Vivemos numa sociedade que é cada vez mais urbana e cada vez num ambiente mais

artificializado, ou seja, cada vez nós estamos trazendo pessoas para o nosso campo,

e, portanto a nossa atividade se torna cada vez mais importante e refinada.

Para possibilitar o acúmulo, o importante é conservar esta idéia da resolução global.

Ter sempre com o aluno, desde o primeiro dia em que você falar com ele até seu

último dia na escola, ele tem que se sentir dentro de um processo de resolução global

do problema, e essa resolução vai se tornando cada vez mais revestida de

complexidade a partir do momento em que ele está mais instrumentalizado. Isto vai

totalmente de encontro com os processos que existem nas escolas hoje que é o de

absoluta fragmentação, quando cada disciplina em cada ano parte do zero, deixando

para traz tudo o que foi feito antes e passando a construir novas verdades. As

disciplinas refletem muito esta lógica de fragmentação porque partem desta escola

dividida em partes e partem do entendimento da atividade do arquiteto como uma

atividade eminentemente intelectual e que não tem nada com a construção. São

origens que ainda não superamos.

Seja qual for o nome que você queira dar para a disciplina, seja qual for a abordagem,

se você trabalhar com o aluno a resolução global do problema, se ele entender o


contexto onde o problema dele acontece, se ele conseguir construir um método de

delinear a questão que está sendo resolvida e construir as perguntas, acessar os

diversos conteúdos e informações que são necessários para construir o seu percurso

e o seu raciocínio, acho que você já vai estar sendo bastante competente. Um dos

pecados originais da escola de arquitetura são as disciplinas de projeto que se dão ao

direito de não se comprometer com a evolução material. Daí para frente, você pode

esquecer porque você vai formar um arquiteto deficiente. É o típico deficiente físico da

arquitetura. Ele não consegue materializar o que pensa.

F.M.: As atuais estruturas administrativas das escolas de arquitetura e de urbanismo,

em sua opinião, corroboram com esta iniciativa? Ou na verdade acaba dificultando,

por ter a priori uma estrutura cindida?

M.A.: A departamentalização tem estado menos presentes nas faculdades de

arquitetura. A departamentalização em várias estruturas universitárias atuais,

praticamente não existe de maneira rigorosa como existia. A FAU USP é uma das

poucas escolas que ainda pratica esta departamentalização rigorosa e rígida da qual

eu nem asseguraria que chegue a ter uma eficácia absoluta. Pelo contrário, eu

considero que a própria ordem econômica atual para se gerenciar uma instituição de

ensino superior, e a predominância que temos das escolas de arquitetura é de

instituições privadas, faz com que você tenha que racionalizar as estruturas, partilhar

recursos, e me parece que a tendência atualmente tem sido muito mais de mescla de

estruturas e formas de se pensar que por si são muito boas. Não vejo problema algum

nisso. Inclusive, o arquiteto, com cada vez mais experiência e background para

trabalhar num ambiente de muitas disciplinas nos se sentirá mal neste ambiente.
Hoje se tem diretrizes curriculares como nunca antes se teve. Talvez hoje nos falte

muito mais clareza de como programar e trabalhar, já que tudo isso se tornou um ciclo

vicioso. Se você tem professores que se formaram de uma determinada forma, na sua

escola original, que não se abrem para este aperfeiçoamento didático-pedagógico,

para a compreensão do que está ao seu redor, ele vai tentar reproduzir aquilo ou a

sua prática profissional. O projeto pedagógico do curso do qual falam é uma coisa

muito importante. Uma noção clara de currículo, seja ela qual for, deve ser explicitada.

Os estudos que fiz, mostram que as escolas em geral não o têm. Elas confundem

currículo com grade curricular que a verdade quer dizer grade de disciplinas, e não

tem nada a ver uma coisa com a outra. A escola deve ter muito mais claro o que não

fazer do que o que fazer. E primeiramente o que não fazer deveria ser esta noção de

formar um profissional que só pensa e que pensa que alguém vai fazer. O que eu não

vejo nas estruturas disciplinares é a noção da totalidade do problema com o qual você

está lidando. É algo dicotômico esquizofrênico em que cada disciplina quer ser só uma

coisa muito específica, e ao mesmo tempo quer conter todo o curso. Isso mostra

claramente a ausência de metas de aprendizado.

F.M.: Saindo um pouco desta linha de raciocínio, você consegue ver hoje, pelo menos

dentro do curso aqui da PUC, uma discussão ou uma ambientação para o momento

histórico arquitetônico dentro da universidade?

M.A.: Não posso te assegurar que a faculdade no seu conjunto de professores tenha

um pensamento único. Acho que é desejável que a escola possa identificar as suas

ambições em termos de formação profissional, acho possível que escolas distintas

tenham diferentes ambições de formação profissional em arquitetura e urbanismo,

numa realidade tão diversa como é a realidade brasileira. São compromissos


diferentes. Nós aqui estamos numa região metropolitana, dentro de uma macro-

metrópole que tem questões urbanas e territoriais muito diferentes das que você tem,

por exemplo, na região Centro-Oeste, ou na região Norte. Já participei de projetos dos

quais me senti muito feliz, muito contente, pois entendi o que estava fazendo na minha

tarefa como docente, eu me sentia parte de um projeto que eu entendia claramente.

Hoje eu acho que as estruturas acadêmicas, talvez até pelo cumprimento muito estrito

do que o MEC hoje coloca como obrigação institucional, que começa desde a decisão

se a escola vai ser universidade, centro universitário, ou uma faculdade isolada, todo

este comprometimento com esta estrutura já bastante complexa, gera a falta de um

sonho coletivo. Eu sinto os nossos alunos hoje, ingressantes, os alunos que estão ali

no percurso da escola com uma leitura da realidade ao redor bastante dicotômica.

Tem um universo muito isolado já que o recurso de você ser um ser individual, isolado,

são muitos. Teoricamente com uma meia dúzia de periféricos você tem um poder

enorme de existência, quase uma autonomia total.

É desejável que a escola tenha um pensamento se ela conseguir, a partir deste

pensamento, estabelecer as suas metas de formação.


ENTREVISTA: Yopanan Rebello – UNIVERSIDADE SÃO JUDAS

Professor da cadeira de Estruturas da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da

UNIVERSIDADE SÃO JUDAS.

São Paulo, 17 de Abril de 2008.

Tendo trabalhado nos principais grupos de pesquisas experimentais para a

construção da habitação de interesse social no Brasil e com experiência de mais

de 30 anos no ensino da Tecnologia para a Arquitetura, o engenheiro Yopanan

Rebelo se configura como uma das pessoas mais aptas a contribuir com

questionamentos acerca da questão dos canteiros experimentais das faculdades

de Arquitetura e de Urbanismo

Sua noção aguda e suas opiniões precisas, descrevem o lugar do canteiro como

lugar de carência de experimentações propriamente ditas; sua entrevista

corrobora com os apontamentos da pesquisa que manifestam a falta da

sistematização e de ações conclusivas na maioria dos exercícios de canteiro.

Outra contribuição importante do professor aos questionamentos levantados na

pesquisa é a pertinência de se equipar e de se dar maior ênfase aos canteiros e

o momento tecnológico no qual o mundo está entrando e a falta de preparação

para este momento. As grandes obras dos grandes escritórios de arquitetura e

de urbanismo dos países de ponta contam com equipes trandisciplinares

capazes de responder às complexas demandas tecnológicas sugeridas por uma

– segundo o entrevistado – nova arquitetura que se denomina arquitetura

líquida. Essa prática só poderá ser desenvolvida se na formação destes

profissionais houver uma experiência similar.

Outro apontamento importante do prof. Yopanan foi a necessidade de se

formarem professores aptos a lecionar em ambiente de canteiro experimental,


que sejam capazes de formular os problemas e, posteriormente, sistematizar as

informações que foram criadas nos exercícios.

F.M.: A situação na qual se encontra, hoje, a maioria das escolas de arquitetura, no

país, é de cisão entre o saber a teoria, e o saber fazer. Existe certa dicotomização

entre a prática e a teoria, e os canteiros experimentais das escolas, quando existem,

se propõem a tão somente reproduzir fórmulas feitas. Quero saber a opinião do senhor

sobre isto.

Y.R.: Bom esta discussão é muito interessante e não diz respeito só ao Brasil, não.

Acabo de ler um livro, “Minds Engeneering”, e o autor manifesta a necessidade de se

repensar o ensino da prática no campo das ciências do “bem construir”. Diz este autor,

que nas escolas de engenharia estão se perdendo as maneiras ancestrais de fazer

projeto. Hoje os alunos estão até mais acostumados - nas escolas americanas como

ele dá de exemplo - a preferir fazer uma análise matemática e chegar a um resultado

que por muitas vezes não tem nada que ver com realidade do que fazer, ver como é

que se faz, do que ver como foi que pensou o sujeito que chegou a um produto. Por

isso o nome “Minds engeneering”, porque ele diz que a pessoa deve formar em sua

cabeça a coisa pronta. O aluno deve aprender a ver a coisa pronta imaginativamente,

sem precisar passar, necessariamente pelos cálculos. O autor ressalta, nesta obra, a

diferença entre o projeto de engenharia e o projeto de um artesão, porque o artesão já

vai fazendo, ele tem na cabeça, “a priori” o que é que ele quer fazer e vai e faz. Não

fica perdendo muito tempo com grandes análises ou coisas do gênero.

Obviamente, não é somente este tema que deve nortear a formação. Deve existir um

equilíbrio entre estes dois grandes lados. Não se deve abandonar nenhum dos dois,
mas devemos ter cuidado com o puro cientificismo, sem a devida reflexão oriunda da

imaginação.

F.M.: A escola americana que da qual você diz que ele cita como exemplo é a MIT?

Y.R. : Isso. Já faz anos que se está rediscutindo o ensino por lá. Na análise deles,

estavam formando profissionais que, saindo da escola, não sabiam fazer nada. Não

conseguiam se inserir no mercado e já começar a produzir, a criar coisas. Porque

sabiam muito de análises matemáticas, formavam de maneira muito intensa a questão

matemática na cabeça das pessoas e ficando presos àquilo, não conseguiam transferir

nada daquilo para a realidade.

Eu tenho uma visão intermediária sobre este assunto, pois eu acho que não devemos

considerar nem tanto ao céu nem tanto à terra. Para mim, a escola é o lugar da

fantasia. Não deve preparar necessariamente sujeitos técnicos para atender o

mercado, mas também não pode se afastar da realidade do que existe. O ideal é uma

dosagem equânime entre treino para a realidade e de vôos imaginativos e criativos.

F.M.: Quando eu falei sobre a escola falei sobre a teoria e a prática, sobre a divisão e

a separação de conceitos que poderiam voltar na forma original de concepção como

uno. Em sua resposta estou vendo um terceiro elemento, o cálculo...

Y.R.: Na verdade é o seguinte: Quando se fala em termos de desenho, se fala em

termos de projeto. Por exemplo – Quando o artesão faz um projeto, não o faz em

termos de desenho, pelo menos não em termos de desenho formal, plantas, cortes...
Não, o artesão tem tudo isso na cabeça, e imediatamente inicia o processo da

execução. Enquanto o outro método é o do desenho propriamente dito. Um desenho

formal como resposta para vários cálculos, o desenho mensurado por meio de

cálculos, mas que na verdade, por muitas vezes, é impossível de se realizar porque na

vida real não é possível materializar determinadas questões que teoricamente são

possíveis.

Na realidade o que deve existir é uma proximidade entre o desenho e a prática. De

maneira nenhuma se deve anular o desenho, projeto é fazer e desenhar. O desenho

não é o projeto. O projeto é desenhar e executar. Isso é o projeto. Acredito – assim

como os gregos – que saber é fazer. Desta maneira, só sabe quem faz.

F.M. : É de conhecimento de todos o seu envolvimento desde o início do laboratório de

habitação na Belas Artes, e depois da sua participação na construção da moradia dos

estudantes e da casa do lago, na UNICAMP. Queria que você me falasse um pouco

mais sobre as suas experiências em canteiros experimentais em escolas de

arquitetura.

Y.R.: Sim, na Belas Artes... Acho que foi a primeira vez que eu ouvi falar em canteiro

experimental. Aí depois na UNICAMP, desta vez sem qualquer ligação com escolas de

arquitetura, mas ligado a um núcleo - que era um núcleo de desenvolvimento da

criatividade – que fazia experiências num canteiro experimental. Na São Judas, a

gente vem lutando para manter um pequeno canteiro que temos lá, mas que pouco a

pouco está sumindo e dando lugar às invasões da própria escola. Como não

conseguimos manter aquele espaço o tempo todo em atividade – fato este causado

pela inexistência de uma disciplina voltada diretamente, o tempo todo, para canteiro –

estamos perdendo espaço.


F.M.: Você julga necessário que exista na grade do curso uma disciplina obrigatória de

canteiro?

Y.R.: Eu acho.

F.M.: Desde que iniciei a pesquisa sobre os canteiros experimentais, pude perceber

que existe uma tensão entre as estruturas administrativas das faculdades e as

intenções didáticas dos professores que usam os canteiros experimentais. Os

departamentos destas escolas são independentes e funcionam sem muito se

submeter a outros, e minha impressão é que esta estrutura acaba truncando o

funcionamento do canteiro. O senhor considera que para o perfeito funcionamento

destes canteiros experimentais das faculdades de arquitetura, é necessário alguma

reforma administrativa?

Y.R.: Acho que não. Acho que todo o problema é a falta de vontade política. É preciso

que haja uma pessoa na direção, na coordenação, que enfrente tudo isso, compre a

briga, e vá em frente. No caso da São Judas, o Contier briga por isso, mas ele ainda

está em uma instância que não chega às instâncias dos cargos que realmente tem o

poder de realizar estas coisas. Ficamos apenas contando com a boa vontade do

professor e do coordenador. O problema é que existem estas hierarquias que são

complicadas porque o coordenador não é quem realmente tem o poder de decisão no

que se refere ao funcionamento da escola, tem ainda a figura do diretor que não está

ali no dia-a-dia. Acha o canteiro bacana mas não tem a gana para fazer acontecer. É

necessário chegar lá e mostrar a importância do canteiro.


F.M.: Entrevistando os professores que trabalham com canteiro, tornou-se patente

para mim a importância destes no ensino da arquitetura. Porém, quando fui à procura

dos professores de canteiro, descobri que eram em muito poucos, parece para mim

que – mesmo com as experiências de sucesso de Belas Artes e UNICAMP – muito

pouco se faz para dar continuidade, há uma resistência em se trabalhar com esta

questão. Você considera isto comodismo, por estar a estrutura cristalizada, falta de

conhecimento ou de docentes capacitados ou é pura resistência?

Y.R.: Não, eu acho que não. Acho que é ignorância, mesmo. Quando se vê este

monte de escolas que estão espalhadas por aí, se não me engano hoje é algo em

torno de 170 escolas de arquitetura no Brasil, pouquíssimas sequer pensaram nesta

possibilidade. Eu acho que nestas reformas curriculares o MEC deveria dar maior

relevância ao assunto. São tantas as exigências que temos de tolerar! Por exemplo,

eu sou contra a decisão deles terem banido das escolas de arquitetura e urbanismo as

disciplinas de cálculo, cálculo diferencial, cálculo integral. A disciplina de cálculo,

quando bem ministrada, é um mecanismo incrível para balançar a cabeça das

pessoas, de fazer as pessoas pensarem de uma maneira interessante. Pena que na

maioria das vezes elas são aulas ruins, mal dadas. O fato é que deveria estar na

grade curricular imposta pelo MEC a existência do canteiro nas faculdades de

arquitetura. Na verdade existe em algum lugar alguma coisa escrita que deve haver

um laboratório e aí as escolas correm e providenciam algo mixuruca. Deveria haver

uma descrição rigorosa de como deveria ser este espaço e como deveriam ser as

suas atividades, seus objetivos. Contendo área mínima, um mínimo de equipamentos

e todas as exigências como é qualquer legislação. Mas o que é real é a ignorância da

possibilidade da existência de um canteiro – muitas vezes, em escolas mais isoladas,


quando se fala em canteiro se fala como se fosse uma nova descoberta, enquanto por

aqui já temos trabalhos bem avançados na área – e a falta de uma regulamentação ou

uma legislação que insira o laboratório como obrigatório e seu funcionamento de

maneira efetiva.

F.M.: Poderíamos colocar como um terceiro item a necessidade da formação de

profissionais para trabalharem nestes laboratórios?

Y.R.: Sim, tem muita ignorância a respeito do assunto.

F.M.: Voltando a falar um pouco sobre os laboratórios da Belas Artes e os trabalhos na

UNICAMP, a que ou a quem você atribui o sucesso daquelas experiências?

Y.R.: Primeiramente e indiscutivelmente nós tivemos apoio institucional. A Belas Artes,

por questões de marketing, queria ser a escola do canteiro. Isso foi um apoio para que

a coisa toda andasse. Havia também um sujeito, e este sem dúvida alguma não

podemos nos esquecer dele, que era o Joan Villá, que trazia no sangue toda esta

questão do fazer como processo de ensino e de aprendizagem. Ele sim tinha esta

gana de fazer e com isso ele conseguia arrancar apoio destas instituições. Na

UNICAMP, quando aconteceu aquela crise na Belas Artes, ele foi atrás de outras

fontes, foi quando encontrou, na UNICAMP, um sujeito que era o Carlos, que apesar

de ser um poeta, ele acreditou e muito nesta história toda e deu apoio. Então sem

dúvida uma coisa muito importante, fundamental, foi o apoio institucional. Lá na São

Judas os projetos só não vão para frente por falta de apoio da instituição. Fica tudo
dependendo da tal da boa vontade dos professores e do coordenador, o que é muito

complicado para a eficiência.

Eu vejo como burrice a instituição não considerar estas práticas de canteiro como

marketing para a escola Acho que qualquer pai de futuro aluno, ou mesmo qualquer

futuro aluno, ficaria seduzido ao ver a propaganda de uma escola e vê as imagens das

pessoas fazendo coisas, executando coisas, mais do que estarem em salas de aula

com a convencional régua “T”. Isto traria a certeza de que aquelas pessoas estão

capacitadas a construir alguma coisa... Mas este filão não é abordado, e isto eu não

sei te dizer o porquê.

F.M.: Já que o interesse da Belas Artes era este marketing, o que foi que fez com que

os laboratórios acabassem?

Y.R.: Houve uma grande dispensa de professores, e a mantenedora não se interessou

mais. Talvez hoje ela tenha até medo porque pode ser um foco de novas idéias,

revoluções, talvez hoje o caso seja nem pensar no assunto.

Na UNICAMP foi mais ou menos a mesma coisa. As pessoas que constituíam a escala

mais alta começaram a migrar para outras áreas, e realmente sufocou qualquer

tentativa de novos trabalhos.

F.M.: Saindo da estrutura administrativa e indo ao lugar do ensino no canteiro, no

contato direto com os alunos. Quando se ocupa uma posição num canteiro

experimental de uma faculdade, creio que o profissional se torna apto a ensaiar

projetos, modos de construir, etc. O canteiro pode de certa forma reproduzir o canteiro

convencional. Com os exercícios que são propostos não há uma linha que nos
possibilite entender o funcionamento da distribuição das forças dentro das relações de

trabalho nos canteiros convencionais. Você considera o canteiro experimental apto a

construir esta crítica?

Y.R.: Eu acho que ele não precisa fazer estas críticas, acho que o canteiro não é para

isso. Estas questões, necessárias, devem constar em outras disciplinas. O canteiro é

outra coisa. Para mim o canteiro é mais um material de apoio didático, Assim como os

modelos para mim são importantes, assim também o canteiro o é. A grande falha que

eu acho – e aí vem outra questão – é que tudo se resume ao só fazer. O exercício se

resume em fazer, mostrar ao aluno como foi feito, mas não se sistematiza o

conhecimento que foi apreendido – e por muitas vezes construído – ali naquele

canteiro. Falta, sim, uma sistematização. Os exercícios têm que ser fechados de

maneira científica tradicional, porque por enquanto não há outro jeito de se guardar as

informações apreendidas. Há que se chamar a atenção do aluno em todas as fases do

processo, tem que mostrar as forças, mostrar os esforços, fazer algumas continhas,

entender porque é que rompeu, porque é que não rompeu... Para mim, a grande

crítica aos canteiros que eu vejo por aí, é isso. Os canteiros viram uma grande festa,

um grande divertimento – o que é ótimo – mas depois, não tem mais nada, se encerra

ali. Falta esta tal sistematização. De todo aquele conhecimento explorado ali naqueles

exercícios, o que deve se registrar, e como? O que daquilo é necessário saber para a

profissão de arquitetos e construtores? Para mim a sensação é a de que o canteiro

fica fora da escola, e se depender do aluno, esta ligação não será estabelecida.

Mas se o professor passar das questões do canteiro, isto vai desviar o olhar do aluno.

A função principal do canteiro não é criar ideologias, para mim é ensinar como é que

se constroem coisas e como as coisas são constituídas, e como é que o projeto se


rebate no canteiro e, depois, como é que os conhecimentos assimilados no canteiro

modificam o projeto. Isto só é possível com a sistematização dos resultados obtidos.

F.M.: Para podermos limpar algumas rebarbas do assunto, pode-se afirmar que o

canteiro tem áreas de atuação, mas que também tem os seus limites...

Y.R.: Sim, o canteiro não deve ser lugar de todas as discussões. Não é a função do

canteiro, por exemplo, formar técnicos.

Noutro dia concedi uma entrevista à “Folha” e as entrevistadoras reclamavam que no

mercado tem muita gente que não sabe trabalhar. Eu respondi que de fato é verdade

mas por outro lado não é a obrigação das universidades formar técnicos para

abastecer o mercado imediato, formar gente que não precisa pensar e só fazer. Não é

esse o papel das universidades.

F.M.: O canteiro tem várias funções e eu acho que uma das principais é sensibilizar o

estudante...

Y.R.: É, mas esta sensibilização precisa ser construída. Ela não é uma geração

espontânea no canteiro, ela não acontece automaticamente. Se não se tomar os

devidos cuidados o canteiro pode sim representar uma grande festa, uma grande

brincadeira donde nada se tirou. Este é um dos grandes abismos que faz, para mim,

com que o canteiro não funcione, muitas vezes. Para mim tem que se tomar muito

cuidado para que as experiências rebatam no aluno, não acredito que isto aconteça
automaticamente. Neste caso é fundamental o trabalho do professor e a direção dos

trabalhos no canteiro.

F.M.: Então quais os principais ganhos do canteiro?

Y.R.: Sendo bem dirigido, sistematizado, o canteiro pode gerar um ganho enorme.

Mas desde que se invista tempo, e que se rebata os resultados nos projetos. Aí o

ganho é enorme! Eu considero que para a formação de um construtor, são

necessários pelo menos uns cinco anos de contato com obra para que se saiba como

se faz um projeto. Caso contrário corre-se o risco de se projetar coisas que podem não

ter nada a ver com a realidade. Lidar com obras é fundamental para que o sujeito da

projetação domine o seu objeto. O canteiro é fundamental para a formação sem a

menor dúvida, mesmo sendo, no fundo, uma fantasia do que seria uma obra real. Uma

coisa é a questão ideológica, social, política dos canteiros convencionais, e outra é a

função de ensino e aprendizagem. Na escola, só se consegue, e se deve, fazer esta

discussão da aprendizagem. A discussão política, por mais que a gente tente fazer,

acho que sempre será fantasiosa. Para estes posicionamentos políticos é preciso que

o aluno vá lá ver como é, ver se ele concorda ou discorda, pode até ser que ele ache

que tem que ser assim mesmo! Cada um tem a sua cabeça.

Ao canteiro da escola cabe construir referências. Depois, lá fora, o aluno tira as suas

próprias conclusões e toma os seus posicionamentos. Isto deve influenciar, sim, na

maneira dele projetar.

F.M.: Qual é, então, o produto esperado de um canteiro experimental?


Y.R.: A primeira coisa que eu avalio ser muito importante é facilitar a aprendizagem

das questões técnicas. Seja de estruturas, seja de processos construtivos, seja de

materiais, o canteiro é um instrumento que lhe facilita o entendimento destas coisas

para que lhe facilite na hora de projetar. A segunda, é algo que eu considero

praticamente inexistente nas escolas, não posso falar quanto ao canteiro da FAU, ou

qualquer outro, é a experimentação. São muito valiosas as contribuições da

experimentação no aprendizado do aluno de arquitetura e urbanismo. O que há,

freqüentemente nos canteiros que tenho observado é uma tendência grande à

reprodução. O professor faz cúpulas, faz abóbadas... Isso é ótimo, a reprodução pode

ser muito didática, ser original é voltar às origens. Mas falta ainda a experimentação. O

que é que acontece se eu jogar farinha de mandioca na argamassa de uma dada

construção? Eu estou fazendo uma experiência lá no meu canteiro – na verdade eu

pedi para outro professor fazer pois a minha disciplina este semestre está muito longe

do canteiro e acabou não dando certo – O que eu quero saber é o que acontece se eu

adicionar um monte de molinhas na composição de uma peça de argamassa armada.

Eu quero fazer uma peça de argamassa armada e aleatoriamente adicionar molinhas

na composição da massa, será que isso vai fazer dela uma argamassa flexível? Eu

não sei, é preciso experimentar para saber. Todas as instrumentações do canteiro na

faculdade deveriam servir para o aluno pensar em possibilidades diferentes, na

combinação de materiais, etc. Criar neles a noção de não se resumir às coisas que

estão estabelecidas, que já se sabe funcionarem. Os alunos e os professores

deveriam ser mais ousados em suas proposições para materiais e uso deles. Mesmo

que o experimento não dê certo, por ser um experimento já deu certo. Tem que

experimentar para ver o que é que dá! Existe uma área da psicologia que trata da

“zona de conforto” que é a tendência que o ser humano tem de atuar numa

determinada área com a segurança de que nada de ruim vai acontecer com ele. É um

papel fundamental do professor, no canteiro, estimular a atuação do estudante além

desta zona de conforto. Mesmo que depois o professor proponha algo um pouco mais
ousado, um passinho além da experimentação do aluno, o aluno tem que

experimentar, e este é um produto ou uma vocação muito importante do canteiro.

Outra coisa importante é errar à vontade! Fazíamos muitas experiências no nosso

canteiro, até que apareceu uma turma em cujo trabalho nada deu certo. Eles deveriam

construir uma ponte com quatro metros de vão mas tudo naquele exercício deu errado.

Eles já estavam quase chorando. Posso dizer que das experiências daquele ano, foi o

melhor trabalho que tivemos, com possibilidades de mostrar tudo o que se pode ver

nas questões estruturais. Porque ali foi possível de se ver os efeitos, os esforços muito

mais claramente do que nos exercícios de sucesso. Apesar de não ter dado certo,

houve uma tentativa, e por isso eles foram bem avaliados. Não deu certo justamente

porque houve a tentativa de ousar e de ser diferente e com isso permitiu com que

todos aprendessem, permitiu ensinar.

F.M.: No começo do século XX, nossa história ficou marcada pela necessidade de

construir muito, e rapidamente. Seja na Europa, pela necessidade de reconstrução no

pós-guerra, seja em São Paulo, pela necessidade de responder à demanda

habitacional gerada pela crescente economia cafeeira e pela migração da população

rural para a cidade, os profissionais da construção tiveram que se especializar para

responder a este novo modo de produção. O trabalho se dividiu e se

departamentalizou. Pensando um pouco no nosso atual momento histórico, economia

e mercado da construção financeirizados, como é o reflexo deste nos canteiros

convencionais e, por conseqüência, nos canteiros experimentais das escolas?

Y.R.: Acho que nunca na história o nosso trabalho esteve tão dividido. Eu não consigo

entender por que, nos dias de hoje, ainda existem sujeitos que dizem: “Eu só faço

concreto armado!”. Graças a Deus esta especialização absurda está para acabar! Este
especialização só apareceu para permitir, como você disse, que o trabalho de projeto

pudesse funcionar como linha de produção. Para que se produzisse mais e mais

rápido, e com certa certeza de que tudo sairia mais ou menos com a mesma

qualidade.

Um fato relevante que deve ser levantado é o de que esta nova arquitetura – ou trans-

arquitetura, arquitetura dos hiper espaços, arquitetura líquida – esta arquitetura vai

trazer de volta a necessidade de que o sujeito que está na prancheta tenha contato

com a obra, se não o projeto não sai. Ele precisa saber que no projeto dele, ele tem

que criar condições de que aquilo seja exeqüível, porque estes projetos são muito

complexos. É preciso saber como é que tudo vai acontecer. Este profissional tem que

estar muito mais perto do engenheiro de estruturas, do designer, do cara que desenha

a arquitetura do canteiro, da sua movimentação, tem que estar próximo do profissional

que vai executar a atividade, enfim, quebrando os limites que se formaram

historicamente entre estes profissionais e se aproximando para uma atividade em

grupo. Foram criadas muitas barreiras e estas barreiras criaram mais limites ainda a

ponto de existirem indivíduos que só fazem aço, outros que só fazem concreto.

O próprio mercado já está reagindo de maneira diferente aos novos modos de se fazer

as coisas. Se você prestar atenção, vai ver que o cara que é muito especializado em

uma só coisa não é muito bem visto no ponto de vista do mercado. O sujeito que é

capaz de ocupar uma outra função diferente daquela que ele está habituado, na

indústria ou no comércio, está sendo muito bem visto. Em nossa profissão,

especificamente, nós ainda estamos dentro desta limitadora subdivisão de tarefas nas

quais os diálogos são muito curtos, somente se transmite uma informação sem muita

discussão, mas é uma situação que eu vejo que vai mudar. Vai mudar pela própria

mudança na concepção da arquitetura, dos espaços...


F.M.: De maneira sistemática, podemos dizer que a arquitetura moderna, preocupada

em produzir a “máquina de morar” se especializou e respondeu a demanda, o próprio

desenho se simplificou de maneira a atender este modo de construir proposto naquela

época. Já esta arquitetura líquida da qual você está falando...

Y.R.: É bom você ver um pouco do trabalho de pessoas como o Frank Ghery, por

exemplo. Existe um livrinho chamado “Digital Ghery”, por exemplo. É um livrinho bem

bacana que mostra como é o processo de projetar estas arquiteturas mais complexas,

de formas muito complexas e maneiras complexas de se construir.

Na nossa realidade, nós ainda estamos reproduzindo as tarefas subdivididas mas eu

acho que isso tudo vai mudar.

F.M.: Mas então você acha que no canteiro experimental nós temos que substituir o

tijolo e a argamassa por modelos escaneados e aplicativos de computador com

cálculos complexos de estruturas?

Y.R.: Isso é muito importante, mas não é bem assim que deve ser. Não é só isso. O

importante é saber como é que isso vai se realizar posteriormente lá na obra. O sujeito

que faz este tipo de projeto vai ter que ir para a obra, não tem jeito. Não tem como

projetar este tipo de arquitetura sem que se tenha o domínio completo de uma

construção, da obra. O sujeito tem que saber que para se fazer uma forma assim, tem

que se possuir um maquinário de tal forma. E após esta constatação o sujeito ainda

tem que voltar à obra para ver se não tem uma maneira de estas coisas serem feitas

com uma maior eficiência e de maneira mais rápida. O arquiteto tem que estar muito
mais equipado, não só com as questões de virtualidade, mas com as questões reais

também.

F.M.: E esta demanda já chegou até as universidades? Como estão as faculdades de

arquitetura nos países de economia desenvolvida?

Y.R.: Algumas poucas universidades sim. Não é ainda uma coisa que é geral, tanto é

que a MIT, com toda a sua história e competência, está revendo a sua maneira de

ensinar para entender como é que se responde a este novo mercado. Isso está

acontecendo em algumas poucas escolas influenciadas por estes sujeitos tipo Peter

Eisemann, Frank Ghery, Zara Hadid, ou seja, sujeitos super teóricos e fazedores desta

nova arquitetura. Estes arquitetos influenciam algumas universidades. Tem um homem

que eu conheci, um chinês casado com uma brasileira, que dá cursos que duram um

ano, como professores convidados, sobre estes assuntos. Ou seja, existe o interesse

nisso, mas ainda não é uma coisa curricular e obrigatória nas faculdades. Ainda é visto

como curso de extensão ou disciplina optativa, ou qualquer coisa deste gênero. No

Brasil, especificamente, eu não conheço nada parecido. No Brasil, por sinal, existe um

preconceito muito grande a respeito desta área. Existem grandes arquitetos que ainda

hoje acham tudo isso uma grande bobagem. Eu mesmo achava tudo isso uma grande

bobagem, até que fui estudar o assunto. Ou melhor, conheci o assunto muito

superficialmente mas já considero que é algo muito sério, não algo assim que passa e

pronto.

No fundo esta arquitetura líquida é mais uma coisa que está acontecendo, é fato. O

pós-moderno é algo que veio para se contrapor ao moderno, que na realidade se

tornou uma espécie de modismo, uma idéia muito mais teórica do que construída.

Depois vem o deconstrutivismo que é o berço para esta arquitetura que está sendo
feita em grande escala por aí. E com toda uma teoria interessante que a respalda, que

é a questão da revolução do espaço e do lugar. Podemos, por exemplo, nos perguntar

por que é que estamos sempre submetidos a esta linearidade e a esta

ortogonalidade? Por ser mais fácil de construir? Pela fácil adaptação das coisas neste

espaço? Mas e o ser humano? Será que é o melhor espaço que se produz para ele?

Será que um espaço mais orgânico e mais interativo não nos daria mais bem estar?

Esta é a questão. No meu entendimento estas propostas buscam novas formas de

conviver com o espaço.

Agora, os canteiros das faculdades de arquitetura ainda não estão preparados para

receber este tipo de coisa, mas ele seria o lugar ideal para se experimentar estas

coisas. Como é que se faz uma forma de tal complexidade? Como se constrói isso?

Como é que se pode produzir uma forma que não seja ortogonal? Os canteiros das

escolas podem, e devem, nos dar estas respostas. No meu entender, no futuro, vai ser

impossível de se construir, sem a presença de quem projetou tudo aquilo lá na obra.

Tem que estar sempre todo mundo junto, quem desenhou, quem pensou, quem orçou,

deve estar presente no canteiro discutindo a realização daquele trabalho.

F.M.: E eu calculo que na escola também não será diferente disso, estas discussões já

deverão estar presentes lá...

Y.R..: Pois é, sem dúvida, estas questões já têm que entrar desde já na formação.

Tome como exemplo aquela empresa, a “Ove Arup”, que é a empresa que faz todas

estas novas obras complicadíssimas do Santiago Calatrava, do Renzo Piano, do Toyo

Ito, desse pessoal da vanguarda, neste escritório, a equipe é composta por engenheiro

de estrutura, engenheiro mecânico, artistas plásticos, tudo isso só para fazer estrutura.

Então quando eles entram para conceber uma dada estrutura, é esta grande equipe
que trabalha junta para produzir estas estruturas. Imagine só você que hoje temos

artistas plásticos projetando estruturas. Isso mostra que, hoje em dia, é impossível

permanecer cristalizado em apenas uma área para que se resolvam estas questões

mais complexas. Se elas são complexas, que não significam necessariamente difíceis,

tem que ter um conjunto de profissionais de áreas distintas dando apoio para a

realização desta obra.

Temos que levar em consideração aqui o conceito de transdisciplinaridade. A

pluridisciplinaridade ou interdisciplinaridade se resumem num mesmo assunto que

muitas vezes é discutido ou quando um mesmo processo é usado por diversas

disciplinas. A transdisciplinaridade, por sua vez, é a somatória de várias disciplinas

concorrendo para se criar algo novo. É isso que a Ove Arup usa para executar seus

trabalhos na produção desta nova arquitetura. Este é um momento muito interessante

na nossa história como construtores. Mesmo que tudo isso não dê em mais nada e

desapareça toda esta coisa, ainda assim vai ter deixado um rastro muito interessante.

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