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Organizagao de Adauto Novaes eet A crise do Estado-nacao ‘CIVILIZAGAD BRASILEINA Rio de Jonseo 2008 Actogenets sha Frovncis Woly4y Quando, hi alguns meses apenas, em Paris, meu amigo Adauto Novacs propds que eu abrisse este terceiro ciclo de conferéncias consagradas & descoberta do Brasil com uma exposigo sobre a Gréciacsicaittulada “Ainvencio da politica”, logo acheiaidéia excelente esenti-me tio honrado ‘om a proposta que aceitei de pronto. Foi depois (tarde demais!) que me pus a pensar. Afinal, perguntei-me eu, para que falar da Grévia quando se trata da origem do Brasil? E, sobremdo, por que falar da invengio grega da politica? Nao teria qualquer povo, a sua maneira, inventado a politica ¢, centre eles, por que ndo, os indios da América de antes de Cabral? £ verdade {que os gregos sio sélidos inventores em todos os dominios (na mesma época, inventam a ciéncia fisica, a demonstragio matemética, a pesquisa hist6rica, areflexio filoséfica, para nao falar dos cdnones estéticos ¢ da tragédia). E isso é verdade também no campo politico: uma boa parte de nosso ‘vocabulério politico vem do grego— “tirania, “monarquia”, “democracia”, “aristoctacia”, “oligarquia” ¢ em particular a palavra “politica”, derivada ~ da Polis grega. Além disso, é claco que os primeiros pensadores politicos foram gregos, sejam cles historiadores (Herédoto, Tucidides), sofistas (Protégoras) ou filésofos (Platdo, Aristéceles). Mas entre inventar palavras re itn 2 inventar a colesle paltice ez hands bi um abiemo-) Refletindo melhor, essa idéia de atribuir-lhes a invengao da politica pareceu- rae eam tho perigon, quanto fala, déia perigosa porque etnoétiiica ISeria, me parece, fazer do politico privilégio de um 56 povo e em particular do povo do qual a civilizacSo ociden- tal vangloria-se de ser herdcira. Seria relegar 8 sombra do apolitismo ou do _pré-politica todas as formas de vida em comm anteriores a0s gregos € s0- bretudo exteriores a civilizagao européia. Porém, o que poderia fundamentar as A cHISE po ESTADO-NAGKO a superioridade desse modelo de poder para que tenhamos 0 direito de quulificd-lo, ea ele s6, de “politico”? Tdéia falsa porque isso seria confundir a vida politica com uma de suas formas, Ora, todos 0s povos vivem politcamente. A partir do momento em {que houve humanidade em alguma parte da terra, houve politica. E isso to- dos nés sabemos... desde os gregos! A primeira sociedade particular na qual se reconheceu que a politica nfo & caracteristica de uma sociedade particu- Jar, mas do homem em geral, foi a sociedade particular grega. Assim, Protégoras explica que os homens devem viver politicamente, pois thes fal- tam as qualidades biolégicas de que dispéem as ontras espécies animais para poder sobreviver na luta pela vida, e devem, portanto,«¢ unir dar prova das virtudes necessévias & cooperacio 3g vida om Comum?, Plato explica a vida politica a partir da insuficiéncia dos homens para I satisfazer individualmente as préprias necessidades ¢ da necessidade da divi- so do trabalho’, Kt Aristételes vé no homem um “animal politico” por definigio, isto é, um ser que vive naturalmente em comunidades politicas e que nao pode ser feliz : sendo nessa vida com seus semelhantes*. ; Era, portanto, a natureza em geral, ou pelo menos & natureza do homem, I € no ao génio grego em particular, que os pensadores gregos atribuiam a i vencéo da vida politica. Sempre se pode, € claro, “ser mais realista que © I ¢ atribuir aos gregos um privilégio que nem eles mesmos se concediam! Ou ; entio dizer que a invengao particular dos gregos é justamente essa: a conscién- i cia de que eles nada tém de particular’, o reconhecimento da universalidade i do politico, mas seria ainda uma vez confundir a reflexio politica ¢ a vida politicaJo. > conceito ¢ -¢ a coisa.| Mais vale concluir: ser fiel aos gregos, a seu gé- nio tinico, é dizer que 0 politico € constitutive do homem. Nao existem inven- tores do politico. Ele esta na natureza do homem, que nao o inventout. E eu nio deveria ter aceitado esta conferéncia. E deveria menos ainda por situar-se ela no quadro de um ciclo consagra- do a descoberta do Brasil. Ora, se todos os homens sempre viveram politica- | mente, esse é em particular 0 caso dos {ndios do Brasil de antes da descoberta | E era precisamente 0 que os descobridores europeus recusavam-se @ reco- _ nhecer. Das tribos tupinambés, ele ditiam com desprezo: “Sociedade sem fé, sem lei, sem rei”. 26 A inivencho 04 poLiricn ‘Mas era s6 porque cles nao reconheciam sua fé, sua lei, sew rei,e porque identificavam 0 politico com sua realizagio nas sociedades de onde eles pr6- prios vinham, nas quais reinavam monarquias “absolutas” e “de dircito divi- no”. Ao pretender falar, em um ciclo consagrado & descoberta do Brasil, da invengSo grega do politico, eu iria nfo somente ser infiel A mensagem grega arespeito da politica, mas repetiia os mesmos crros da descoberta do Brasil. “Todavia, tendo aceitado, devo continuar. Devemos, portanto, nos deter dauniversalidade do politica, O que si esta vida politica constitutiva da vida ‘um instante nessa de nifica aqui “politico”? humana, segundo os gregos? ‘De ordinério, o termo “politico” nao evoca de forma alguma um carater geral da vida humana, mas certos homens em particular (os “politicos”, de- putados ou ministros, ou os militantes), certos aspectos determinados da vida humana (ambicdo, popularidade, lutas pelo poder...), certos momentos pri- vilegiados da vida publica (campanhas eleitorais, manifestagbes), ou ainda certos setores da vida social (por oposigo & economia, a cultura, & educa- io...) E preciso romper com essas imagens para compreender a esséncia do politico e sua ligagio com o humano em geral. & preciso também mudar de método: ndo mais enumerar empiricamente aquilo que é politico, mas dedu- wir g pris seu conceito, esforgando-se para imaginar o que aconteceria mem vivendo como a maioria dos animais, em estado isolado ou em casais errdticos que se formariam de mancira mais ou menos sazonal, quem sabe € munca 0 caso, Além dos individuos, dos casais, dos grupos de consangili- que tem uma permanéncia no tempo transgeracional ¢ uma identidade no ‘espaco transfamiliar’, ‘Em outras palavras, existem comunidades politicas. Eis entiéo um ponto acertado. Dizer que 0 homem vive politicamente € dizer que, de fato, vive ¢ que, de direito, ele nao poderia, indubitavelmente, viver fora dos lagos que_ ‘co. unem a essa comunidade relativamente estével qu le as relacoe biolégicas, Uma comunidade politica assim tende efetivamente a conservar

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