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D.O.I: http://dx.doi.org/10.6020/1679-9844/v11n1a2
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Universidade Fundação Mineira de Educação e Cultura / Professor de Direito, Belo Horizonte, Minas
Gerais, Brasil,
lucasmoraesmartins@hotmail.com
Resumo
This article explains, in a concise manner, the political significance of the homo sacer,
figure presented by Giorgio Agamben in the book Homo sacer: sovereign power and
bare life. From this book, at first, was approached the concept of bare life, as one that
rests in a gray area between zoé and bíos. Later, it was scored as homo sacer (the
bearer of bare life) appears obscurely in archaic Roman law. Established these two
points, we attempted to explain the political and philosophical meaning of homo sacer,
and not the historic significance. At the end, there was a discussion about forms of life
(the social and legal identities) and how these forms lie, ultimately, on the rotting ground
of bare life. Only understanding that the bare life of homo sacer is not a natural given,
but a product of a legal-political act, we can strengthen our fight against the spaces of
exception.
Keywords: Homo sacer. Bare life. State of exception. Giorgio Agamben. Political
Philosophy.
INTRODUÇÃO
A propósito dos vinte anos do lançamento da obra Homo sacer. Il potere sovrano e la nuda
vita de Giorgio Agamben, não seria estranho o questionamento sobre a atualidade política
da figura do homo sacer. Imerso em uma névoa histórica, a imagem do homo sacer poderia
ser julgada, equivocadamente, como imprópria para descrever a vida nua e a sujeição do
vivente ao poder soberano. Entretanto, o trabalho de Agamben não é meramente histórico.
Ao retirar o homo sacer dos primórdios de Roma, situando-o como o primeiro paradigma do
espaço político ocidental, o gesto de Agamben não pretende ser historicamente neutro, mas
sim o de atribuir à figura do portador da vida nua um conteúdo político efetivo.
A CRIATURA
A tradução inglesa do texto não foi fiel ao vocábulo criatura ao traduzi-lo pelo termo
“human being” (AGAMBEN, 2000, p.20), que indica criatura, mas também ser humano.
A palavra criatura, derivada do particípio futuro ativo do verbo latino creare, integrada
e dirigida pelo sufixo –ura (o que está prestes a ocorrer), indica algo imperfeito em um
perpétuo processo de criação, engendrado e comandado por um criador, isto é, uma vida
submetida a um processo eterno de criação, sujeita à transformação a mando dos
comandos arbitrários do soberano:
O que é uma criatura? Derivada do particípio futuro ativo do verbo latino creare ("criar"), criatura
indica uma coisa feita ou uma coisa formada, mas no sentido de continuidade ou processo
potencial, de ação ou emergência, construída pela orientação futura da sua forma ativa verbal. Em
uma tensão eternamente imperfeita, creatura se assemelha às construções paralelas natura e
figura, em que as determinações conferidas pela natividade e facticidade são, todavia, abertas à
possibilidade de metamorfose posterior frente à unidade do sufixo -ura ("o que está prestes a
ocorrer"). A creatura é uma coisa sempre em um processo de sofrer criação; a criatura ativamente
passiva, ou melhor, apaixonada, tornando-se perpetuamente criada, sujeita à transformação a
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mando dos comandos arbitrários do Outro. (Tradução livre). (LUPTON, 2000, p.1) .
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Título original: Au-delà des droits de l‟homme.
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No original: “Quella nuda vita (la creatura umana) che, nell‟Ancien Régime, apparteneva a Dio e, nel mondo classico, era
chiaramente distinta (come zoé) dalla vita politica (bíos), entra ora in primo piano nella cura dello Stato […].”.
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No original: “What is a creature? Derived from the future-active participle of the Latin verb creare (“to create”), creature
Agamben relata que os gregos do mundo clássico não possuíam um termo único
para designar a palavra vida como entendida atualmente. Na verdade, os gregos se valiam
de dois termos: zoé e bíos. O primeiro termo exprimia o simples fato de viver, comum a
todos os seres vivos, sejam eles animais, homens ou deuses; o segundo, a forma de viver
própria de um indivíduo ou grupo (AGAMBEN, 2010, p.9). Enquanto zoé designava,
portanto, a vida animal ou orgânica, bíos indicava a vida qualificada de cidadão, a vida
politicamente qualificada.
indicates a made or fashioned thing but with the sense of continued or potential process, action, or emergence built into the
future thrust of its active verbal form. Its tense forever imperfect, creatura resembles those parallel constructions natura and
figura, in which the determinations conferred by nativity and facticity are nonetheless opened to the possibility of further
metamorphosis by the forward drive of the suffix -ura (“that which is about to occur”). The creatura is a thing always in the
process of undergoing creation; the creature actively passive or, better, passionate, perpetually becoming created, subject
to transformation at the behest of the arbitrary commands of the Other”.
Carl Schmitt explica que antes da palavra nómos adquirir um sentido genérico
indicando regulação ou ordenamento normativo, significava assentamento e ordenação
originários do espaço físico, isto é, um ato constitutivo concreto de ordenamento espacial, a
primeira partição e divisão da terra (SCHMITT, 1979, p.48).
Enquanto homo hominis lupus, tem-se no estado de natureza a vida natural ou a vida
do homem como fera, como lobo, uma vez que todos os homens reservam para si o ius
contra omnes: bellum omnium contra omnes. Na fundação da Cidade ou do Estado, o que
se deseja é justamente excluir este estado da natureza, no qual o homem é o lobo do
homem. Contudo, ao fundar a Cidade e deixar exclusivamente ao soberano o ius contra
omnes, o estado de natureza é encarnado na figura do soberano e imediatamente incluído
na formação da Cidade, no estado civil.
Não se trata, portanto, de uma inclusão da vida natural, mas da vida nua. A vida nua,
a vida constantemente ameaçada por um poder de morte, ao ser excluída através da
fundação da Cidade, é automaticamente incluída na figura da submissão ao soberano que
reservou para si o ius contra omnes (AGAMBEN, 2010, p.105-6).
Antes do período joanino, em meados de 1755, por exemplo, o Rio de Janeiro era
marcado pela desordem e, apesar de já contar com edificações e algumas ruas, em sua
maioria estreitas, a marca característica da cidade ainda eram os grandes espaços vazios
não urbanizados (BICALHO, 2003, 236-48).
Para garantir e fiscalizar o cumprimento desta nova política urbana e social, criou-se
a Intendência Geral da Polícia do Rio de Janeiro em 10 de maio de 1808. Com fundamento
no Traité de la Police de Nicolas de La Mare, a Polícia tinha como objetivo fixar normas de
comportamento através de editais e fiscalizar o seu cumprimento pela sociedade. Estas
funções eram exercidas por um Intendente, com auxílio dos comissários de polícia, dos
juízes de crime de cada bairro e dos comissários de polícia. Algumas das funções mais
importantes do Intendente eram: promover a disciplina dos costumes, afiançar o respeito à
religião, resguardar a salubridade do ar, promover a segurança e a tranquilidade, coibir
reuniões que incitassem à sedição, entre outros (CARVALHO, 2008, p.111).
Por exemplo, havia editais da Polícia que regulamentavam a construção das casas,
buscando a beleza da uniformidade. Outros determinavam a vistoria das edificações
deterioradas. Proibiu-se também o despejo de lixos nas ruas, sob pena de crime de
desobediência. O corte de árvores nas beiras dos rios, as queimadas e a lavagem de roupa
nas nascentes foram terminantemente proibidas. Disciplinou-se o horário dos
estabelecimentos comerciais, que deveriam fechar às dez horas da noite. Proibiu-se
também, com o fim de evitar delitos, a aglomeração de escravos e de vadios (CARVALHO,
2008, p.131-146). Ademais, também cabia à Polícia elaborar as denominadas devassas,
procedimentos investigativos.
Pode-se dizer de outro modo: incluir a civilização significava excluir alguém desta
nova ordem. Entretanto, o excluído imediatamente é incluído em virtude da própria exclusão,
pois, se não fosse assim, não haveria a necessidade do policiamento. Por outro lado, aquele
que é incluído só o é na forma de vida nua, sob o preço de submissão da vida a um poder
A vida nua não é, portanto, um fato natural, mas um produto de um ato jurídico-
político. O clássico exemplo do portador da vida nua empresta nome ao projeto filosófico de
Agamben: o homo sacer.
A figura do homo sacer foi fruto de muitas dúvidas e de não poucas contradições e
perplexidades entre os estudiosos da história e do direito romano.
A ambiguidade do homo sacer foi registrada por Festus: Sacer homo is est, quem
populus judicavit ob maleficium, neques fas est eum immolari, sed qui occidit parricidii non
damnatur (STRACHAN-DAVIDSON, 1912, p.3-4). O homem sacro era aquele que o povo
havia julgado pelo cometimento de um delito, não sendo permitido, portanto, sacrificá-lo,
mas tampouco seria condenado por homicídio aquele que o matasse.
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No original: “A further token of the religious obligation on which the criminal law rested may be found in the use of the famous
word sanctio to denote the penalty proposed for breaking a law; this is evidently connected with sanctus, sacer, and
sacratio. The last two words, however, sacer and sacratio, bring us within sight of a difficult problem. One would expect to
find these words used in the closest connexion with the quasi-sacrificial execution by axe. But, on the contrary, we find them
over and over again in cases where there was no execution at all resembling a sacrifice. […]. On the one hand his [Festus]
description, „sacer homo is est quem populus judicavit ob maleficum,‟ shows that there is no inconsistency between sacratio
capitis and a proper criminal trial. As the words stand they would naturally point to criminal regularly tried, condemned, and
executed in a normal manner with an axe.”.
Entretanto, a segunda parte da frase, “neques fas est eum immolari, sed qui occidit
parricidii non damnatur”, indica um sentido contrário à primeira, pois proíbe o sacrifício
(immolatio) do homo sacer, mas aquele que eventualmente o matasse, não seria punido.
Por isso, Strachan-Davidson comenta com estranheza:
Mas as palavras seguintes, „neques fas est eum immolari, sed qui occidit
parricidii non damnatur‟ nos conduzem em outra direção bem diferente.
Parece que estamos diante de um homem que não desperta nenhuma
preocupação para a lei em si, alguém que era deixado para a vingança
púbica casual. (Tradução livre) (STRACHAN-DAVIDSON, 1912, p.4)5.
O homo sacer não era um transgressor ordinário, mas aquele que, pela natureza do
fato criminoso, deveria ser colocado para fora da sociedade. Não lhe era permitido sequer
expiar a culpa com um castigo, porque a espada da justiça poderia ser manchada com seu
sangue a tal ponto que nem mesmo os justiceiros desejavam lidar com o homo sacer
(STRACHAN-DAVIDSON, 1912, p.7). O homo sacer era evitado por todos por medo do
contágio de sua culpa.
Outro teórico, Fowler, retoma a origem da palavra sacer afirmando que esta pode ter
significado simplesmente taboo, isto é, o homo sacer era aquele que havia sido “removido
para fora da região do profanum, sem qualquer referência especial a uma divindade, mas a
uma 'santa' ou amaldiçoada, de acordo com as circunstâncias.” (FOWLER, 1920, p.23) 6. Ao
comentar sobre o termo sacer, Fowler afirma que a confusão deste termo com o vocábulo
sacrum deve-se ao fato de a palavra sacer ter sido entendida como definida por Aelius
Gallus, isto é, “Uma coisa que era sacrum era conhecida por todos como propriedade de
uma divindade, e sua violação era nefas, um crime mortal.” (FOWLER, 1920, p.17)7.
Entretanto, acrescenta que, mesmo assim, havia mais um objeto que recebia o adjetivo
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No original: “But the next words, „neques fas est eum immolari, sed qui occidit parricidii non damnatur‟, lead us in a quite
another direction. We seem to have to do here with a man about whom the law does not trouble itself, whom it leaves to the
causal vengeance of the public.”.
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No original: “[...] removed out of the region of the profanum, without any special reference to a deity, but a „holy‟ or accursed,
according to circumstances.”.
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No original: “A thing that was sacrum was know by all to be the property of a deity, and violate it was nefas, a deadly crime.”.
Para Fowler (1920, p.17), sacer esto era uma maldição e homo sacer, o
amaldiçoado, o homem banido, interditado, perigoso. Uma coisa “santa” (holy), segundo
Fowler seguindo as lições de Robertson Smith, originalmente não implicava uma
propriedade de um deus, mas simplesmente algo proibido (tabooed), por qualquer razão,
sem referência aos deuses ou espíritos. O homem declarado sacer era, ao mesmo tempo,
amaldiçoado e consagrado (FOWLER, 1920, p.17). Todavia, a consagração do homo sacer
não podia ser feita tal qual um sacrifício às deidades, porque a morte daquele que fora
declarado sacer não realizava a passagem do profanum para o sacrum (FOWLER, 1920,
p.18).
Fowler afirma ainda que várias passagens das regras jurídicas antigas relacionam o
homo sacer ao sacrifício a deidades. Para manter a coerência, Fowler escreve que a palavra
sacer deve ser traduzida, portanto, não como ‟sacred to‟ (sagrado) mas „accursed and
devoted to‟ (amaldiçoado e dedicado a), talvez como indicação de que o homo sacer era
consagrado a deidades do inferno, em expiação pelo prejuízo que ele havia levado à
comunidade. “Estas divindades infernais não tinham altares de sacrifício regularmente
ordenados: se alguém desejava apaziguá-los com uma vítima, devia amaldiçoá-la e fazê-la
sacer no velho sentido de 'taboo', e deixá-la ao seu destino." (Tradução livre). (FOWLER,
1920, p.21)8. Isso explicaria, enfim, a razão de se considerar o homo sacer um banido, um
„sagrado‟ ou perigoso (FOWLER, 1920, p.21)9.
Estas breves notas sobre o homo sacer servem apenas para pontuar a obscuridade
do tema, demonstrada com precisão por Agamben (2010, p.76): se o homo sacer era impuro
(sacralidade negativa), ou uma propriedade dos deuses (sacralidade positiva) como para
alguns autores (SANTALUCIA, 1998, p.11-2), por que se podia matá-lo sem contaminar-se
ou cometer sacrilégio? Por outro lado, continua Agamben (2010, p.76), se o homo sacer era
vítima de um sacrifício arcaico, por que não era fas (permissão divina) levá-lo à morte
através das formas sacrificais prescritas?
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No original: “These infernal deities had no regular ordered altar sacrifices: if one wished to appease them with a victim one
must curse him and make him sacer in the old sense of „taboo‟, and leave
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No original: “These infernal deities had no regular ordered altar sacrifices: if one wished to appease them with a victim one
must curse him and make him sacer in the old sense of „taboo‟, and leave him to his fate.”.
Neste sentido é que se pode afirmar que a vida do homo sacer, dentro dessa relação
de abandono, estava constantemente exposta a um poder de morte. Abandonada, excluída,
da esfera do direito dos homens e do direito dos deuses, esta mesma vida é imediatamente
incluída – capturada de fora – na forma de sujeição a um poder soberano, exposta à
violência soberana, tornando-se completamente nua.
Ademais, caberia uma nota adicional: para Agamben, a dimensão da vida nua é
“mais original que a oposição sacrificável/insacrificável” (AGAMBEN, 2010, p.112) e isso
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No original (tradução inglesa): “this idea of man‟s sacredness gives grounds for reflection that what is here pronounced
sacred was, according to ancient mythic thought, that marked bearer of guilty: life itself.”.
Esta é a leitura que se faz nas entrelinhas do trecho no qual Agamben afirma que, na
modernidade, o princípio da sacralidade da vida se viu “completamente emancipado da
ideologia sacrificial, e o significado do termo sacro na nossa cultura dá continuidade à
história semântica do homo sacer e não à do sacrifício.” (AGAMBEN, 2010, p.112). O homo
sacer é insacrificável não porque o ocidente só conheça simulacros de sacrifícios ou não
possa mais conhecer como ocorriam os verdadeiros sacrifícios, como pontua Jean-Luc
Nancy (2003, p.55-64), mas porque a mera matabilidade é inerente à condição de vida nua
do homo sacer. Esta afirmação pode ser feita porque o olhar de Agamben está voltado para
a experiência-limite biopolítica dos campos de concentração. O extermínio dos judeus, no
campo, não configurou nem uma execução capital, nem um sacrifício, mas apenas a
realização de uma “mera „matabilidade‟ que é inerente à condição de hebreu como tal”
(AGAMBEN, 2010, p.113) e, por isso, a violência soberana não pode ser recoberta com
véus sacrificiais. “A dimensão na qual o extermínio teve lugar não é nem a religião nem o
direito, mas a biopolítica” (AGAMBEN, 2010, p.113).
Alguns romanistas, como pontuou Romandini, questionam que a vida nua não
corresponderia adequadamente à figura do homo sacer, mas sim à do hostis rei publicae,
pois, enquanto a punição da primeira, historicamente, ocorria no âmbito das relações
privadas, a da segunda, representaria um verdadeiro exemplo de punição soberana:
A fórmula sacer esto, como uma formulação política original da imposição do vínculo
de violência soberana, implica uma ligação na qual o homo sacer “é aquele em relação ao
qual todos os homens agem como soberanos.” (AGAMBEN, 2010, p.86). Se, historicamente,
a vida nua corresponderia mais adequadamente ao hostis rei publicae, e não ao homo
sacer, isso não altera a perspectiva política da obra de Agamben, tampouco a proposta
filosófica que emerge do estudo do homo sacer, pois, ao contrário, apenas se enriqueceria a
investigação “com o tratamento de duas figuras solidárias a um mesmo paradigma.”
(ROMANDINI, 2013, p.254).
Por outro lado, há autores que criticam o estudo do homo sacer, proposto por
Agamben, afirmando que aquele homem sacro do direito romano arcaico estaria imerso em
uma historicidade fragmentária, isto é, as referências históricas em relação ao homo sacer
seriam insuficientes para se alcançar as conclusões pretendidas por Agamben:
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No original: “Niemand kennt den homo sacer. Nur einige Fetzen seiner Existenz als ein Straftäter, der ungestraft getötet
werden kann, der also als lebender Toter durch Stadt und Land läuft, sind überliefert. Für Agamben handelt es sich zwar
um eine (immerhin „rätselhafte‟) „Figur des archaischen römischen Rechts‟, doch geben die Quellen weder eine figürliche
noch eine juristische Kontur des homo sacer preis. Wilhelm Rein, Rudolph von Jhering, Theodor Mommsen, E.
Brunnenmeister, Max Weber, Kurt Latte, Max Kaser, Wolfgang Kunkel, Giuliano Crifò, Yan Thomas und – nun die
Diskussion zusammenfassend – Claire Lovisi haben (neben anderen) die raren Zeugnisse vom alten Fluch „sacer esto‟
gesichtet, gewichtet, gerichtet. [...] Niemand weiß – genau, oder auch nur ungefähr –, was sacer im frühen Rom bedeutet
hat. Die Vorstellung, dass zu dieser Zeit eine religiös, juristisch, politisch differenzierte Vorstellungswelt existiert habe, die
im Ausnahmezustand bloßes Leben produziert, ist eher im Bereich der historischen Phantasie anzusiedeln. Die
Verhältnisse waren rau, von einer Stadt im klassischen römischen Sinne kann keine Rede sein.“.
O presente artigo não propõe uma defesa irrestrita da obra de Giorgio Agamben,
que, obviamente, está sujeita a críticas, muitas delas, inclusive, bem pertinentes. Entretanto,
não se pode negar que o aporte político-filosófico do estudo sobre o homo sacer ainda
permanece relevante, notadamente no momento em que o estado de exceção – que,
antigamente, fora concebido como uma medida essencialmente temporal – converteu-se em
regra, nos dias atuais, como técnica usual de governo (AGAMBEN, 2014, p.3).
A vida nua do homo sacer não é um dado natural, mas um produto de um ato
jurídico-político. Esta frase sintetizaria uma parte relevante do significado político-filosófico
da figura do homo sacer. Este representaria “a figura originária da vida presa no bando
soberano e conservaria a memória da exclusão originária através da qual se constituiu a
dimensão política” (AGAMBEN, 2010, p.84). Isso deve levar à reflexão que uma vida nua
não seria aquela desprovida de direitos, mas, ao contrário, a nudez da vida oculta-se em
uma vida plena de direitos e garantias jurídico-políticas institucionalizadas.
A figura do homo sacer, portador da vida nua, contém um significado político atual.
Se, historicamente, a vida nua corresponderia mais adequadamente ao hostis rei publicae, e
não ao homo sacer, e se esta figura está imersa em uma historicidade fragmentária, nem
por isso a proposta filosófica que emerge do estudo do homo sacer seria obliterada. Ao
contrário, a imagem do hostis rei publicae apenas enriquece investigação. Homo sacer e
hostis rei publicae são solidários a um mesmo paradigma que busca descrever, ao menos, a
relação entre vida nua e poder soberano. Por outro lado, a névoa que paira sobre os
registros históricos do homo sacer tampouco deve ser motivo para se abandonar as
investigações ou subestimar as conclusões alcançadas por Agamben, notadamente no livro
Homo sacer: o poder soberano e a vida nua I. Interpretar a figura do homo sacer
exclusivamente através do linear histórico, significa não ter entendido que Agamben trabalha
com constelações de singularidades – formadas por conceitos, ideias, fatos e fenômenos
históricos – para chegar às conclusões. Não se trata, portanto, de seguir o continuum
temporal, mas de montar a origem – no sentido benjaminiano do termo –, o salto original de
uma determinada figura ou fenômeno, para fortalecer a nossa luta contra os espaços de
exceção. Um gesto político, afinal.
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Sobre autores:
Lucas Moraes Martins é doutor em direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Professor nos cursos de graduação em direito da universidade FUMEC, Centro
Universitário UNA e da Faculdade Santo Agostinho (MG). E-mail:
lucasmoraesmartins@hotmail.com.