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PREFACIO DO AUTOR A EDIGAO BRASILEIRA ENTREVISTA (Com Tony Fry por Maria Cecilia Loschiavo dos Santos. Gostaria de saber a respeito de sua trajetéria no design ambiental. Como 0 senhor se envolveu com o problema? E hi quanto tempo trabalha com design ambiental? Envolvi-me como design ambiental ha mais de trinta anos. Fiz isso de maneira indireta, de modo que minha resposta seré um tanto confusa. ‘Trabalhei com questdes de design e desenvolvimento em organizagoes nao governamentais na Inglaterra, Por essa época, lio livro de Ivan Illich, Energy and Equity {Energia e Igualdade] que me levou a, apés trabalhar nos Estados Unidos durante algum tempo, frequentar com ele um seminério em Cuernavaca, México. Essa experiéncia inseriu mais firmemente os pro- bblemas ambientais em minha agenda, mas eu estava interessado também na politica do desenvolvimento. Assim, apés alguns meses no México, tomeiaestrada parao Panamé e, de passagem, presenciei as consequéncias do terremoto que destruiu Managua, na Nicarégua. Do Panamé, voei para © Equador e percorri a América do Sul por alguns meses, encerrando a viagem no Brasil. Quando voltei Inglaterra, afora muitos estudos, passeia integraro Intermediate Technology Development Group (organizagiocria- da por. F Schumacher da qual se originaram muitas tecnologias ambientais). [Na verdade, passei um ano trabalhando em um de seus projetosfinanciados pela Unesco: desenhei uma impressora de cinco délares para produgio de jornais de aldeia em varias nagoes africanas. Empreendi também algumas tarefas voluntérias de design no Disasters Institute. Ali aprendi muita coisa sobre. relagao entre antropologia e design. Em especial sobre arelagao entre, de um lado, materias e formatos de construgdo e, de outro, cultura no con~ texto da reconstrugéo pés-natural (como de casas apés terremotos), Tam- bbém aprendi muito sobre 0s meios que as pessoas encontram para enfrentar semelhantes situagdes. Alguns anos depois trabalhei no Centre for Alter- native Technology em Coventry. Virios projetos elaborados nos anos de 1970 tornaram-se parte da realidade da tecnologia ambiental contemporané ‘como bombas de aquecimento termal e vefculos hibridos. 1” RECONSTRUOES Enquanto meu conhecimento pritico se ampliava gragas a0 envol- vimento com a tecnologia alternativa, eu fazia 0 curso de p6s-graduacéo. Minha érea de pesquisa era cultura e design, mas eu trabalhava também com um pequeno grupo em questdes relacionadas a desenvolvimento — {grupo que era uma miscelinea interessante de latino-americanos, af nose britanicos. Depois disso, entref para uma cooperativa de design empe- nhada em prestar servigos de apoio nessa érea & comunidade. Em 1985, voltei & Austrélia para ensinar historia e teoria do design na Universidade de Sydney. Alguns anos depois, organizei uma conferéncia sobre design ambiental e em 1992 criei a EcoDesign Foundation, da qual fui diretor por dez anos. Deixei o cargo na Universidade de Sydney, em 1996. A Foundation foi responsivel por intimeros projetos de design ambiental e industrial, mostras, cursos e publicagbes. Muitas das ideias ali desenvolvidas acabaram se integrando a0 movimento. Hoje dirijo o Team IBIS, que faz alguns trabalhos de consultoria, mas, principalmente, inicia seus proprios projetos Como 0 senhor véa evolugao das questdes ambientais durante tempoem que trabathou nessa érea? E qual 6a relagao entre problemasambientaise pobreza urbana, especialmente quando se levam em conta as taxas de crescimento do fendmeno nos iltimos anos? Respondendo a primeira pergunta, é necessério compreender que 08 seres humanos sio destruidores e sempre foram. Quando éramos poucos ‘em nimero etecnologicamente atrasados, o ambiente biofisico podia absor- ver os danos ¢ recuperar-se. Hoje, estamos muito além desse ponto. Na época em que o movimento ambientalista ganhou notoriedade gracas a livros como silent Spring [Primavera Silenciosa] (1962), de Rachel Carson, percepcéo do dano ambiental era das mais limitadas. Com o passar do tempo, o impacto de uma populagio humana em rapido crescimento au- ‘mentou ¢, também, a conscientizagao, sobretudo nos termos de como as agdes humanas haviam alterado o clima. No entanto, continuamos igno- rantes ¢ s6 temos uma visio acanhada de quais sero as consequéncias a Tongo prazo de nosso comportamento, Portanto, em resumo, minha res- » PREFACIO DO AUTOR A EDIGAO BRASTLEIRA posta é que a situagio se tornou bem mais complexa, bem pior, ultrapas- sando 0 modelo biocéntrico que 0 movimento ambientalista enfatiza. A resposta a segunda pergunta corroborar4 este tiltimo ponto. (O sustento dos seres humanos depende de trés fatores: 1*) recursos do ambiente natural (ar puro, égua potivel, solo fértil e biodiversidade); 25) ambiente artificial (dependemos do mundo feito como se ele fosse natural para ter abrigo, transporte, roupas, meios econémiicos de manutengao etc.) € 3°) reciprocidade (a esfera social, a comunidade). A ruptura de qualquer dessas areas éa ruptura da capacidade de sobrevivéncia, Assim, dessa pers- pectiva, a criagdo de um ambiente artificial que nega o ambiente natural robustece o insustentavel. Dé-se também o caso de que a pobreza pode ser tao destrutiva quanto a poluigao do ambiente natural. Ela torna a sociedade disfancional de varias maneiras. Por exemplo, utiliza recursos sem saber como renové-los. De igual modo o excesso de riqueza ¢ tremendamente prejudicial por desperdigar recursos. ‘A medida queo mundo avanga para uma situagao na qual um tergo de sua populacio total viveré em favelas, com impactos cada vez maiores do aquecimento global, guerras nao mais confinadas a um evento espectfico, ‘mas trago estrutural do cotidiano (a disseminagao da “luta contra o terror” assimétrica) e crise iminente dos recursos (nao apenas em relagio ao pe- tr6leo ¢& égua fresca), fica mais e mais claro que nao hé futuro vidvel sem sustentabilidade. f urgente reconhecer que os meios de mudanga de rumo 86 podem ser encontrados na hist6ria da sobrevivencia ¢ da inovagao do homem. A pergunta se tora, pois: como nés, humanos, recuperaremos aquilo que ja sabemos? Nesse contexto, qual éo papel dos pases do Terceiro Mundo, conto o Brasil? ‘Nao entendo mais o “Terceiro Mundo” em termos geopoliticos. Sem iivida, existem ainda paises cujas populagdes so absolutamente pobres ‘como resultado dos desmandos coloniais, da opressio pés-colonial, da ex- ploragdo e da mé administragao. Porém, pobres existem por toda parte; na era da globalizacio, conforme nos dizem as Nagoes Unidas, o abismo entre ricos e pobres se alarga. Vemos isso no pais mais rico do mundo, as Estados a

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