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XXIII Encontro Nac. de Eng.

de Produção - Ouro Preto, MG, Brasil, 21 a 24 de out de 2003

Utilização de um jogo de produção como ferramenta de aprendizagem


de conceitos de Engenharia de Produção: o jogo do barco

Luiz Henrique Pantaleão (UNISINOS) lhpanta@uol.com.br


Rafael Mello Oliveira (UNISINOS) rmelloo@hotmail.com
José Antonio Valle Antunes Jr. (UNISINOS) junico@produttare.com.br

Resumo
Este trabalho descreve um jogo de produção – O ‘Jogo do Barco’ – que pode ser utilizado
como instrumento de ensino e aprendizagem de vários conceitos básicos associados a
Engenharia de Produção. O jogo escolhido simula uma situação de produção com seis postos
de trabalho com capacidades de produção diferentes e possibilita explorar, do ponto de vista
do ensino e aprendizagem, conceitos ligados aos princípios e técnicas do Sistema Toyota de
Produção (lead-time, esperas, perdas, takt-time, multifuncionalidade, layout celular, etc.) e
da Teoria das Restrições (gargalo, recursos com restrição de capacidade, sincronização da
produção, etc.)
Palavras chave: jogos, ensino, administração da produção.

1. Introdução
A aprendizagem de qualquer conceito ocorre com maior efetividade se, associadas à
transmissão de conceitos teóricos, for possível realizar uma aplicação prática que facilite o
processo de ensino/aprendizagem. Uma forma de possibilitar essa aplicação pratica de
conceitos teóricos é a utilização de jogos que simulem, com o significado necessário,
situações similares ao contexto da vida real onde aqueles conceitos poderiam ser aplicados.
Essas técnicas, além de imprimir dinâmicas novas no processo de aprendizagem, possibilitam
aos participantes a visualização de possibilidades de utilização dos conceitos em seu ambiente
de trabalho. Assim, a proposição deste trabalho é apresentar a aplicação de um jogo especifico
– O ‘Jogo do Barco’ – como instrumento de ensino e aprendizagem de conceitos associados a
Engenharia de Produção em geral e ao Sistema Toyota de Produção e à Teoria das Restrições
em particular.
2. O Jogo na Educação
O jogo perde-se em sua origem e acompanha o homem desde os primórdios do mundo
(Gramigna, 1993). Porém, foi nos Estados Unidos, na década de 1950 que a utilização de
jogos simulados como instrumento de aprendizagem tiveram seu principal incremento. A
idéia da utilização dos jogos para a aprendizagem no Brasil passou a ser mais utilizada na
década 80 (Gramigna, 1993). Através dos jogos, é possível a realização de trabalho no ensino
que visem diretamente uma aprendizagem profunda dos conceitos envolvidos. A chamada
aprendizagem por experiência é um método participativo de aprendizagem que envolve uma
variedade de capacitações (Feinstein et. al., 2002). Ela existe quando um aprendiz processa
informações em um ambiente de aprendizagem imersivo e ativo (Feinstein, et. al., 2002).
Como já havia escrito Confúcio (apud. Gramigna, 1993; Feinstein et. al., 2002 ): “Ouço e
recordo; Leio e memorizo; Faço e aprendo.”
Corroborando com essa famosa frase, Specht e Sandlin (apud Feinstein et. al., 2002)
acreditam que a aprendizagem por experiência foca no “fazer”, em adição ao “ouvir” e ao

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“ver”, que ocorre nas aulas tradicionais. Segundo Feinstein et. al. (2002), a aprendizagem por
experiência aumenta a capacidade do aprendiz em evocar habilidades cognitivas em termos de
habilidades de julgar e resolver problemas.
O jogo é um instrumento dos mais importantes na educação geral. Por meio dos jogos as
pessoas podem exercitar algumas habilidades necessárias ao seu desenvolvimento integral,
como por exemplo: autodisciplina, sociabilidade, afetividade, valores morais, espírito de
equipe e bom senso (Gramigna, 1993). Mas o que enfim é um jogo?
Segundo Gramigna (1993), o jogo é uma atividade espontânea, realizada por mais de uma
pessoa, regida por regras (onde estão incluídas o tempo de duração, o que é permitido e
proibido, valores das jogadas e indicadores sobre como terminar a partida) que determinam
quem o vencerá. Existem vários tipos de jogos.
A simulação, por exemplo, é caracterizada por uma situação em que um cenário simulado
representa modelos reais, tornando possível a reprodução do cotidiano (Gramigna, 1993). Já o
chamado Jogo Simulado, é uma atividade planejada previamente pelo facilitador, na qual os
jogadores são convidados a enfrentar desafios que reproduzem a realidade de seu dia-a dia
(Gramigna, 1993). Segundo esta autora, no jogo simulado pode-se identificar todas as
características do jogo real: regras definidas, presença do espírito competitivo, possibilidades
de identificar vencedores e perdedores, ludicidade, fascinação e tensão. Por sua vez, o Jogo de
Empresa tem a mesma estrutura do jogo simulado, porém retrata situações específicas da área
empresarial. O jogo que vamos apresentar a seguir se enquadra conforme a classificação de
Gramigna, (1993) nos chamados Jogos de Processo, nos quais as equipes passam por
processos simulados nos quais devem executar atividades como: planejar e estabelecer metas,
negociar, administrar tempo e recursos, estabelecer métodos de trabalho, organizar processos
de produção e tomar decisões acerca deste processo.
3. Sistema Toyota de Produção
Vários setores da indústria japonesa despontaram, especialmente durante e após as crises do
petróleo dos anos 70, com maior capacidade competitiva que a indústria ocidental. Nessa
época um desses setores, a indústria automobilística, mostrou índices de produtividade
surpreendentemente altos para os padrões mundiais. Verificou-se então que os modelos de
gestão da produção adotados por algumas das indústrias japonesas apresentavam vantagens
em relação ao tradicional modelo ocidental.
O Sistema Toyota de Produção (STP) é um desses modelos. Tem como pilares a
Autonomação e o Just-In-Time (JIT) (OHNO, 1997). A Autonomação consiste em dotar
máquinas, equipamentos e pessoas da autonomia necessária para parar a linha de produção
sempre que uma condição pré-estabelecida for atingida (quantidade produzida) ou sempre que
os padrões de qualidade definidos não forem atendidos (produto com defeito).
O JIT, pode ser entendido como uma lógica de produção que estabelece como princípio
básico a formação de estoques nos níveis estritamente necessários. O JIT rompe com o
modelo tradicional de gestão adotado pelas indústrias ocidentais, denominados genericamente
de Just-in-Case (JIC).
Coriat (1994) apresenta essas duas bases (a Autonomação e o JIT) como sendo a sustentação
do chamado “espírito Toyota” que é muito mais do que uma técnica de produção de estoque
zero. O desenvolvimento do STP decorreu – em função das particularidades históricas do
Japão – da necessidade de um sistema capaz de produzir séries pequenas de muitos produtos
diferenciados (OHNO, 1997; FUJIMOTO, 1999). Essa necessidade fez com que o STP se
tornasse particularmente eficaz em ambientes de grande diversificação, construindo assim o
que aparentemente tornou-se o seu principal fator de diferenciação em relação aos modelos

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baseados no Fordismo. Todo o conjunto de técnicas desenvolvidas por Ohno (1997) e Shingo
(1996) pode ser percebido a partir dessa diferença básica.
Shingo (1996) apresenta a principal transformação do entendimento dos sistemas de produção
introduzida pelo STP, o Mecanismo da Função Produção. Segundo essa lógica, a Função
Produção deve ser vista e analisada como uma rede de Processos e Operações.
Diferentemente da visão tradicional dos sistemas de produção baseados na lógica da produção
em massa, a Função Processo não é vista como um simples conjunto de operações, mas como
o acompanhamento do fluxo dos materiais no tempo e no espaço. Por outro lado, a Função
Operação pode ser visualizada como sendo o trabalho que é realizado para concretizar a
transformação do material. A análise da Função Produção feita de acordo com essa visão é a
base para o desenvolvimento do diferencial da lógica do STP pois coloca o foco das melhorias
sobre a Função Processo, ou seja, as melhorias associadas aos fluxos. Além disso, ficou
claramente estabelecido, através da análise da Função Processo, o conceito de agregação de
valor e, por conseqüência, o conceito de Perdas.
Do prisma do STP o gerenciamento da produção baseia-se no princípio da minimização dos
custos, através da eliminação total das Perdas. A partir desse princípio, o STP identifica 7
tipos de Perdas existentes no Sistema de Produção (SHINGO, 1996): Perdas por
Superprodução, por Transporte, no Processamento, pela Fabricação de Produtos Defeituosos,
por Geração de Estoques, por Esperas e no Movimento. É possível afirmar que a busca
constante e contínua da eliminação das perdas no Sistema de Produção levou ao
desenvolvimento de todos os princípios e técnicas do STP.
A estratégia principal do STP consiste em atingir o conceito de estoque zero (ou estoque
minimizado). Parte da percepção de que a principal perda é a superprodução que gera
estoques desnecessários. O JIT é o pilar do STP que garante a produção com estoque mínimo.
O JIT, portanto, é um dos pilares de sustentação do STP pois é o conjunto de ações que
garantem que o sistema seja alimentado com os itens necessários, na quantidade necessária e
no momento necessário, ou seja, evita a geração dos estoques desnecessários.
O outro pilar de sustentação do STP é a Autonomação – também chamada de automação com
toque humano – através da separação entre o trabalhador e as máquinas – tem o objetivo de
tornar mais eficaz a utilização dos Recursos Humanos.
Os dois pilares do STP e o conceito de rede de Processos e Operações ( Mecanismo da
Função Produção), permitem o desenvolvimento de um conjunto geral de ferramentas e
técnicas do STP.
Antunes Jr. (1998) apresenta esse conjunto geral de técnicas do STP, classificando-os dentro
de grupos ou subsistemas: a) Subsistema de Pré-Requisitos básicos de Engenharia de
Produção; b) Subsistema de Defeito-Zero; c) Subsistema de Quebra-Zero; d) Subsistema de
Estoque-Zero.
Conforme Antunes Jr. (1998), o Subsistema de Pré-Requisitos básicos da Engenharia da
Produção é constituído das seguintes Técnicas: a) Operação-Padrão: a padronização, segundo
conclusões apresentadas por Spear & Bowen (1999), é o elemento que possibilitou ao STP o
desenvolvimento de sua flexibilidade, garantida pela completa sinalização visual dos padrões;
b) Troca Rápida de Ferramentas: refere-se à busca contínua da redução dos tempos de
preparação das máquinas que é a base para a redução dos tamanhos de lote de produção e, por
conseqüência, para uma resposta mais rápida às variações de demanda no mercado; c) Layout:
sempre que possível, o layout deve seguir uma lógica de organização celular. Isso possibilita
também a introdução mais intensa da multifuncionalidade dos trabalhadores.

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Já o Subsistema de Defeito-Zero abrange os seguintes conceitos: a) Autonomação: consiste


em dotar a Função Operação (trabalhadores, máquinas e equipamentos) da autonomia
necessária para parar a produção sempre que algum evento pré-determinado ocorra; b)
Controle da Qualidade Zero-Defeito (CQZD): consiste na lógica de migração de estratégias e
técnicas de inspeção de qualidade que “localizam e eliminam” os defeitos para estratégias que
“previnam” a ocorrência dos defeitos; c) Poka-Yoke: são dispositivos à prova de falha. É a
técnica que operacionaliza a estratégia da Inspeção na Fonte e sustenta em grande medida a
implementação do CQZD.
O Subsistema de Quebra-Zero relaciona-se com a Manutenção Produtiva Total (TPM).
Consiste em uma política de utilização conjunta de todos os tipos de manutenção (corretiva,
preventiva, sistêmica e preditiva). Foi desenvolvida a partir de alguns objetivos básicos: a) a
maximização da eficiência global dos equipamentos; b) um sistema de manutenção produtiva
que considere toda a vida útil do equipamento; c) o envolvimento de todos as áreas
interessadas – planejamento, projeto, operação e manutenção – na implantação da TPM; d) o
envolvimento de todos os empregados; e) tornar a TPM um movimento motivacional através
do desenvolvimento de atividades autônomas de melhorias por pequenos grupos.
O subsistema de Quebra-Zero evoluiu para uma lógica ampla. Conforme Antunes Jr. &
Klippel (2001), ele pode ser visto como um instrumento de gestão eficaz dos Postos de
Trabalho. A partir da compreensão dos Sistemas Produtivos é possível identificar as
principais restrições. A partir destas restrições é possível gerir estes Postos de Trabalho de
forma sistêmica, unificada, integrada e voltada para os resultados. O método identifica as
eficiências globais desses recursos pelo cálculo do Índice de Eficiência Operacional Global –
IROG. Isto possibilita adotar ações voltadas para o aumento dessa eficiência global focada
nos recursos críticos da Empresa.
O Subsistema de Estoque-Zero materializa-se pela operacionalização do conceito de Kanban
que, conforme Antunes Jr. (1998), pode ser entendido com dois significados diferentes: é uma
ferramenta de Programação e Controle da Produção e, ao mesmo tempo, uma ferramenta de
melhorias do sistema de produção.
Esse conjunto de princípios atua de forma sistêmica no sentido de aumentar a Produtividade
Econômica (Faturamento/Custos) do Sistema Produtivo. A Autonomação tende a
disponibilizar os meios para, através da garantia da qualidade dos produtos, aumentar o
faturamento. O JIT, com a idéia central de eliminação de perdas, atua na redução dos custos.
Se o faturamento cresce e os custos caem, a Produtividade Econômica aumenta.
Uma teoria recente de Administração de Produção, a Teoria das Restrições, é apresentada a
seguir:
4. Teoria das Restrições (TOC – Theory of Constraints)
A TOC foi desenvolvida pelo físico israelense Eliyahu M. Goldratt e consiste de um conjunto
de idéias que constituem uma filosofia de gerenciamento dos sistemas produtivos de acordo
com um conjunto bem estabelecido de pressupostos que foram divulgados a partir da
publicação do livro A Meta (Goldratt e Cox, 1993).
O principal pressuposto que suporta esse conjunto de idéias refere-se ao fato de que toda e
qualquer Empresa, deve ter claramente estabelecida como meta primordial ganhar dinheiro
hoje e no futuro (Alvarez, 1996). Subjacente a essa meta e como elementos de sustentação a
ela, a Empresa deve ainda estabelecer outros dois objetivos: satisfazer os empregados hoje e
no futuro e satisfazer os clientes hoje e no futuro.
Para que as ações adotadas pelas pessoas na Organização a levem na direção de sua meta,

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Goldratt & Cox (1993) propõem dois conjuntos de Indicadores que denominaram de Globais
e Locais. Os Indicadores Globais indicam como a Empresa direciona-se no sentido de sua
meta e são os seguintes: a) Lucro Líquido (LL); b) Retorno Sobre o Investimento (ROI); c)
Caixa (C).
Estes Indicadores Globais não são normalmente acessíveis aos responsáveis pelas atividades
de rotina da Empresa. Por isso, é necessário estabelecer outro conjunto de Indicadores que
possam relacionar as ações concretas do dia-a-dia na Empresa com os Indicadores Globais.
Goldratt & Cox (1993) e Goldratt (1996) propõem o segundo conjunto de Indicadores
(Indicadores Locais) que cumprem essa finalidade: a) Ganho (G): dinheiro gerado pelo
sistema através das vendas dos produtos prontos; b) Inventário (I): dinheiro investido pelo
sistema em máquinas, instalações, equipamentos, estoques de matéria-prima, em processo e
de produtos acabados; c) Despesas Operacionais (DO): dinheiro gasto pelo sistema para
transformar Inventário em Ganho.
É importante ressaltar que existe uma forte relação entre os Indicadores Locais e os
Indicadores Globais. Pode-se afirmar que LL=G-DO. Assim, sempre que uma ação local
contribuir para aumentar G ou para reduzir DO, aumenta-se o LL. Também é possível
estabelecer relações entre os dois conjuntos de Indicadores considerando que o ROI = LL/I.
Portanto, qualquer ação que reduza I contribui para um desempenho melhor desse Indicador
Global. Da mesma forma, ações locais que aumentem G, reduzam DO e reduzam I
contribuirão para o Caixa da Empresa.
Assim, esses dois conjuntos de Indicadores asseguram que as ações da Organização a levem
na direção de sua Meta. Então, o Ganho deve ser priorizado em qualquer iniciativa da
Empresa estabelecendo o que Goldratt (1996) denominou de “Mundo dos Ganhos”. No
entanto, o Ganho de uma Empresa é limitado, pois existem restrições em seu Sistema de
Produção. A principal restrição, conforme definido por Goldratt & Cox (1993) diz respeito à
existência de recursos com Capacidade menor que a Demanda. Esses recursos são
denominados Gargalos.
Normalmente, um sistema possui uma única ou poucas restrições. No Sistema de Produção,
além do Gargalo, ocorre o que se denomina de Recursos com Restrição de Capacidade (CCR
– Capacity Constrained Resource) decorrentes, via de regra, de problemas relacionados com a
a sincronização do Processo Produtivo. Esses recursos críticos – Gargalo e CCR – são o eixo
de desenvolvimento do que Goldratt (1993) propõe como o Processo Decisório do “Mundo
dos Ganhos” ou Etapas de Focalização da TOC: a) Identificar a Restrição do Sistema; b)
Maximizar a exploração da Capacidade da Restrição; c) Subordinar os demais elementos do
Sistema à Restrição; d) Elevar (eliminar) a Restrição do Sistema; e) quando a Restrição foi
elevada, voltar ao primeiro passo.
Assim, conforme ressalta Goldratt (1996), a TOC trata-se de uma filosofia de gerenciamento
global que estimula o processo de melhoria contínua.
Nesse sentido, a proposição de Antunes Jr. (1998) de complementaridade entre a TOC e o
STP amplia as possibilidades dessas duas teorias na medida em que, estabelecendo claramente
seus recursos críticos a Organização pode então focalizar a aplicação de um poderoso
conjunto de técnicas e ferramentas de melhoria. As ferramentas de Gestão do Posto de
Trabalho de forma sistêmica, unificada, integrada e voltada para os resultados propostas por
Antunes Jr. & Klippel (2001) pode ser considerada uma das possíveis materializações
pragmáticas dessa conexão entre as duas teorias.
5. O ‘Jogo do Barco’
O ‘Jogo do Barco’ constitui-se em um instrumento simples, didático e de baixíssimo custo

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para a aprendizagem dos principais conceitos modernos associados a Engenharia e a


Administração da Produção. A seguir far-se-á a descrição geral do ‘Jogo do Barco’:
Para que se possa realizar o jogo é necessário:
− 6 pessoas para a linha de produção – 5 na montagem dos barquinhos e 1 no controle de
qualidade;
− 1 gerente (que deve ser o Professor);
− 1 cronometrista (que deve marcar o tempo da produção);
− folhas de papel (branco) e algumas coloridas - todas do mesmo tamanho;
− relógio ou cronômetro para marcar o tempo.

O jogo é composto de 6 etapas. Cinco de montagem e uma de controle de qualidade. O


objetivo consiste em montar barcos de papel, os quais entram no processo de produção,
descrito no quadro 1, em lotes de três folhas de papel por vez.
Antes de começar a marcar o tempo, é importante que os participantes tenham compreendido
o processo de montagem, e estejam prontos para começar a atividade. Quando estiverem
prontos, é dado início à produção, entrando o primeiro lote. É necessário estabelecer o
tamanho do lote de produção (por exemplo, lote de três barcos) para que seja possível
explorar, nas discussões posteriores, as implicações dos tamanhos de lote nos resultados de
produtividade da fábrica (estoques intermediários, esperas, aumento do lead-time, etc.)
Cada folha é dobrada ao meio no posto de trabalho 1. Após o lote ter sido dobrado é passado
ao posto de trabalho 2, e assim por diante conforme o quadro 1. A partir do início da
produção, dez minutos devem ser marcados pelo cronometrista, sendo que no minuto um e no
minuto cinco deve-se colocar um lote de folhas de cor diferente no processo, para observar-se
o lead-time da produção (tempo decorrido entre a entrada do lote no processo e sua saída
como ‘barquinho’ pronto). O cronometrista também é o comprador da mercadoria e coloca,
por orientação do professor, uma demanda de 10 barcos a ser atendida no tempo do jogo. É
ele que avalia os barcos e realiza ou não a compra. O controlador de qualidade deve observar
se as dobras estão bem feitas e se o barquinho está bem montado.
Após 10 minutos, encerra-se a rodada do jogo e deve ser verificado quantos barcos foram
produzidos, quantos ficaram bons, quantos foram rejeitados pelo controle de qualidade e,
finalmente, quantos realmente foram aceitos (comprados) pelo cliente. Também é importante
que se verifique quantos barcos estão parados no processo, quantos entraram no processo
(input) e quantos saíram (output).
Essas informações poderão ser utilizadas no sentido de explorar conceitos importantes da
Engenharia da Produção sob o ponto de vista do Sistema Toyota de Produção e da Teoria das
Restrições tais como: a) Produtividade Horária e Produtividade Econômica; b) influência dos
tamanhos de lote nos estoques intermediários e, por conseqüência, nas esperas e no aumento
do lead-time; c) organização da produção (layout celular, por exemplo) e organização do
trabalho (equipes semi-autônomas, por exemplo); d) produção puxada e produção empurrada;
e) sincronização da produção; f) gerenciamento da restrições do sistema (os gargalos
produtivos); g) diferenciar a Função Processo da Função Operação (Shingo, 1996); outros
conceitos explicitados pelos participantes do jogo.

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Posto de Trabalho 1. Posto de Trabalho 2. Posto de Trabalho 3.


dobra a folha ao meio. dobra as pontas de uma dobre a parte inferior
das extremidades para para cima, observando
dentro. que fique uma para cada lado.

Posto de Trabalho 4. Posto de Trabalho 5. Posto de Trabalho 6.


dobra as pontas do abre-se o triangulo e leva-se controle de qualidade.
retângulo para dentro, as extremidades ao centro,
observando que fique dobra-se as pontas para cima
uma para cada lado. então, mais uma vez abre-se o
triângulo. Puxa-se então as
pontas e tem-se o barco.

Figura 1 – Processo de Montagem dos Barquinhos de Papel.


Ao longo da realização deste processo de produção pela primeira vez (10 minutos), os
participantes que ficam observando o jogo devem identificar os problemas observados na
linha de produção. Esses problemas devem ser classificados segundo três aspectos: a)
problemas relacionados com o método de trabalho (ex: ‘empurrar a produção’, utilização
preferencial do conceito de produtividade local no Posto de Trabalho); b) problemas
relacionados com as pessoas (ex: deficiência no treinamento, mentalidade JIC); c) problemas
relacionados com os recursos físicos (ex: maximização da utilização das capacidades
produtivas de todos os Postos de Trabalho, má utilização dos gargalos produtivos). O
professor, juntamente com os alunos, pode levantar tais problemas e anotá-los, ressaltando
que problemas relacionados ao método e às pessoas referem-se a incorreta utilização dos
ativos de conhecimento, enquanto problemas relacionados com os recursos físicos referem-se
a má utilização dos ativos de capital.
Com base nesse conjunto de observações, os participantes devem então ser incentivados a
reorganizar a fábrica, conforme os conceitos trabalhados (STP, TOC, etc.), colocando como
restrição que devem investir preferencialmente em ativos do conhecimento, evitando investir
em ativos de capital (ou seja, na compra de novos equipamentos).
Após as melhorias realizadas, deve-se iniciar o processo novamente e marcar os mesmos 10
minutos, inserindo um lote de folhas coloridas como da primeira vez, para identificar-se o

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lead-time global do sistema.


Após estes 10 minutos, os resultados das duas “fábricas” poderão ser comparados para que se
possa identificar qual funcionou melhor e o ‘porquê’ isto aconteceu. A partir daí, o professor
pode conduzir os alunos a tirar conclusões deste processo, trabalhando a aprendizagem dos
conceitos tais como: gargalos, produtividade econômica, produtividade horária, tempo de
atravessamento, multifuncionalidade, takt time, geração e eliminação de estoques
intermediários, através da prática vivencial do ‘Jogo do Barco’.

6. Conclusões
A utilização de jogos é uma possibilidade útil de aumentar a efetividade do processo de
ensino e aprendizagem. No processo de transferência tecnológica de conceitos de Engenharia
de Produção, essa técnica pode ser muito produtiva no sentido de imprimir, sob o ponto de
vista do participante, significado aos conceitos transmitidos pela simulação de um processo
real de aplicação dos conceitos.
Este trabalho apresenta um exemplo de aplicação de um jogo simples – o ‘Jogo do Barco’ –
como ferramenta de aprendizagem dos conceitos de Engenharia de Produção, especialmente
os conceitos ligados ao STP e à TOC. Resultados expressivos de efetividade da aprendizagem
obtidos pelos autores em inúmeras aplicações do ‘Jogo do Barco’ ao longo do tempo
permitem afirmar que ele constitui-se em um instrumento de grande utilidade no processo de
ensino e aprendizagem dos modernos conceitos associados a Engenharia e a Administração da
Produção.
Referências
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e Solução de Problemas. Dissertação de Mestrado em Engenharia de Produção. Porto Alegre, PPGEP/UFRGS.
ANTUNES JR., J. A. V. (1998) - Em Direção a Uma Teoria Geral do Processo na Administração da Produção:
uma discussão sobre a possibilidade de unificação da Teoria das Restrições e da teoria que sustenta a criação dos
sistemas de produção com estoque zero. Tese (Doutorado em Administração). PPGA-UFGS, Porto Alegre.
ANTUNES JR., J. A. V.; KLIPPEL, M. (2001) - Uma Abordagem Metodológica para o Gerenciamento das
Restrições dos Sistemas Produtivos: a Gestão Sistêmica, Unificada/Integrada e Voltada aos Resultados do Posto
de Trabalho. XXV Encontro Nacional de Engenharia de Produção – ENEGEP, Campinas – SP.
CORIAT, B. Pensar Pelo Avesso: o modelo japonês de trabalho e organização. (1994) - Editora UFRJ, Rio de
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FEINSTEIN, A.H.; MANN, S.; CORSUN, D. (2002) - Charting the Experiential Territory – Clarifying
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