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Resumo
Este trabalho descreve um jogo de produção – O ‘Jogo do Barco’ – que pode ser utilizado
como instrumento de ensino e aprendizagem de vários conceitos básicos associados a
Engenharia de Produção. O jogo escolhido simula uma situação de produção com seis postos
de trabalho com capacidades de produção diferentes e possibilita explorar, do ponto de vista
do ensino e aprendizagem, conceitos ligados aos princípios e técnicas do Sistema Toyota de
Produção (lead-time, esperas, perdas, takt-time, multifuncionalidade, layout celular, etc.) e
da Teoria das Restrições (gargalo, recursos com restrição de capacidade, sincronização da
produção, etc.)
Palavras chave: jogos, ensino, administração da produção.
1. Introdução
A aprendizagem de qualquer conceito ocorre com maior efetividade se, associadas à
transmissão de conceitos teóricos, for possível realizar uma aplicação prática que facilite o
processo de ensino/aprendizagem. Uma forma de possibilitar essa aplicação pratica de
conceitos teóricos é a utilização de jogos que simulem, com o significado necessário,
situações similares ao contexto da vida real onde aqueles conceitos poderiam ser aplicados.
Essas técnicas, além de imprimir dinâmicas novas no processo de aprendizagem, possibilitam
aos participantes a visualização de possibilidades de utilização dos conceitos em seu ambiente
de trabalho. Assim, a proposição deste trabalho é apresentar a aplicação de um jogo especifico
– O ‘Jogo do Barco’ – como instrumento de ensino e aprendizagem de conceitos associados a
Engenharia de Produção em geral e ao Sistema Toyota de Produção e à Teoria das Restrições
em particular.
2. O Jogo na Educação
O jogo perde-se em sua origem e acompanha o homem desde os primórdios do mundo
(Gramigna, 1993). Porém, foi nos Estados Unidos, na década de 1950 que a utilização de
jogos simulados como instrumento de aprendizagem tiveram seu principal incremento. A
idéia da utilização dos jogos para a aprendizagem no Brasil passou a ser mais utilizada na
década 80 (Gramigna, 1993). Através dos jogos, é possível a realização de trabalho no ensino
que visem diretamente uma aprendizagem profunda dos conceitos envolvidos. A chamada
aprendizagem por experiência é um método participativo de aprendizagem que envolve uma
variedade de capacitações (Feinstein et. al., 2002). Ela existe quando um aprendiz processa
informações em um ambiente de aprendizagem imersivo e ativo (Feinstein, et. al., 2002).
Como já havia escrito Confúcio (apud. Gramigna, 1993; Feinstein et. al., 2002 ): “Ouço e
recordo; Leio e memorizo; Faço e aprendo.”
Corroborando com essa famosa frase, Specht e Sandlin (apud Feinstein et. al., 2002)
acreditam que a aprendizagem por experiência foca no “fazer”, em adição ao “ouvir” e ao
“ver”, que ocorre nas aulas tradicionais. Segundo Feinstein et. al. (2002), a aprendizagem por
experiência aumenta a capacidade do aprendiz em evocar habilidades cognitivas em termos de
habilidades de julgar e resolver problemas.
O jogo é um instrumento dos mais importantes na educação geral. Por meio dos jogos as
pessoas podem exercitar algumas habilidades necessárias ao seu desenvolvimento integral,
como por exemplo: autodisciplina, sociabilidade, afetividade, valores morais, espírito de
equipe e bom senso (Gramigna, 1993). Mas o que enfim é um jogo?
Segundo Gramigna (1993), o jogo é uma atividade espontânea, realizada por mais de uma
pessoa, regida por regras (onde estão incluídas o tempo de duração, o que é permitido e
proibido, valores das jogadas e indicadores sobre como terminar a partida) que determinam
quem o vencerá. Existem vários tipos de jogos.
A simulação, por exemplo, é caracterizada por uma situação em que um cenário simulado
representa modelos reais, tornando possível a reprodução do cotidiano (Gramigna, 1993). Já o
chamado Jogo Simulado, é uma atividade planejada previamente pelo facilitador, na qual os
jogadores são convidados a enfrentar desafios que reproduzem a realidade de seu dia-a dia
(Gramigna, 1993). Segundo esta autora, no jogo simulado pode-se identificar todas as
características do jogo real: regras definidas, presença do espírito competitivo, possibilidades
de identificar vencedores e perdedores, ludicidade, fascinação e tensão. Por sua vez, o Jogo de
Empresa tem a mesma estrutura do jogo simulado, porém retrata situações específicas da área
empresarial. O jogo que vamos apresentar a seguir se enquadra conforme a classificação de
Gramigna, (1993) nos chamados Jogos de Processo, nos quais as equipes passam por
processos simulados nos quais devem executar atividades como: planejar e estabelecer metas,
negociar, administrar tempo e recursos, estabelecer métodos de trabalho, organizar processos
de produção e tomar decisões acerca deste processo.
3. Sistema Toyota de Produção
Vários setores da indústria japonesa despontaram, especialmente durante e após as crises do
petróleo dos anos 70, com maior capacidade competitiva que a indústria ocidental. Nessa
época um desses setores, a indústria automobilística, mostrou índices de produtividade
surpreendentemente altos para os padrões mundiais. Verificou-se então que os modelos de
gestão da produção adotados por algumas das indústrias japonesas apresentavam vantagens
em relação ao tradicional modelo ocidental.
O Sistema Toyota de Produção (STP) é um desses modelos. Tem como pilares a
Autonomação e o Just-In-Time (JIT) (OHNO, 1997). A Autonomação consiste em dotar
máquinas, equipamentos e pessoas da autonomia necessária para parar a linha de produção
sempre que uma condição pré-estabelecida for atingida (quantidade produzida) ou sempre que
os padrões de qualidade definidos não forem atendidos (produto com defeito).
O JIT, pode ser entendido como uma lógica de produção que estabelece como princípio
básico a formação de estoques nos níveis estritamente necessários. O JIT rompe com o
modelo tradicional de gestão adotado pelas indústrias ocidentais, denominados genericamente
de Just-in-Case (JIC).
Coriat (1994) apresenta essas duas bases (a Autonomação e o JIT) como sendo a sustentação
do chamado “espírito Toyota” que é muito mais do que uma técnica de produção de estoque
zero. O desenvolvimento do STP decorreu – em função das particularidades históricas do
Japão – da necessidade de um sistema capaz de produzir séries pequenas de muitos produtos
diferenciados (OHNO, 1997; FUJIMOTO, 1999). Essa necessidade fez com que o STP se
tornasse particularmente eficaz em ambientes de grande diversificação, construindo assim o
que aparentemente tornou-se o seu principal fator de diferenciação em relação aos modelos
baseados no Fordismo. Todo o conjunto de técnicas desenvolvidas por Ohno (1997) e Shingo
(1996) pode ser percebido a partir dessa diferença básica.
Shingo (1996) apresenta a principal transformação do entendimento dos sistemas de produção
introduzida pelo STP, o Mecanismo da Função Produção. Segundo essa lógica, a Função
Produção deve ser vista e analisada como uma rede de Processos e Operações.
Diferentemente da visão tradicional dos sistemas de produção baseados na lógica da produção
em massa, a Função Processo não é vista como um simples conjunto de operações, mas como
o acompanhamento do fluxo dos materiais no tempo e no espaço. Por outro lado, a Função
Operação pode ser visualizada como sendo o trabalho que é realizado para concretizar a
transformação do material. A análise da Função Produção feita de acordo com essa visão é a
base para o desenvolvimento do diferencial da lógica do STP pois coloca o foco das melhorias
sobre a Função Processo, ou seja, as melhorias associadas aos fluxos. Além disso, ficou
claramente estabelecido, através da análise da Função Processo, o conceito de agregação de
valor e, por conseqüência, o conceito de Perdas.
Do prisma do STP o gerenciamento da produção baseia-se no princípio da minimização dos
custos, através da eliminação total das Perdas. A partir desse princípio, o STP identifica 7
tipos de Perdas existentes no Sistema de Produção (SHINGO, 1996): Perdas por
Superprodução, por Transporte, no Processamento, pela Fabricação de Produtos Defeituosos,
por Geração de Estoques, por Esperas e no Movimento. É possível afirmar que a busca
constante e contínua da eliminação das perdas no Sistema de Produção levou ao
desenvolvimento de todos os princípios e técnicas do STP.
A estratégia principal do STP consiste em atingir o conceito de estoque zero (ou estoque
minimizado). Parte da percepção de que a principal perda é a superprodução que gera
estoques desnecessários. O JIT é o pilar do STP que garante a produção com estoque mínimo.
O JIT, portanto, é um dos pilares de sustentação do STP pois é o conjunto de ações que
garantem que o sistema seja alimentado com os itens necessários, na quantidade necessária e
no momento necessário, ou seja, evita a geração dos estoques desnecessários.
O outro pilar de sustentação do STP é a Autonomação – também chamada de automação com
toque humano – através da separação entre o trabalhador e as máquinas – tem o objetivo de
tornar mais eficaz a utilização dos Recursos Humanos.
Os dois pilares do STP e o conceito de rede de Processos e Operações ( Mecanismo da
Função Produção), permitem o desenvolvimento de um conjunto geral de ferramentas e
técnicas do STP.
Antunes Jr. (1998) apresenta esse conjunto geral de técnicas do STP, classificando-os dentro
de grupos ou subsistemas: a) Subsistema de Pré-Requisitos básicos de Engenharia de
Produção; b) Subsistema de Defeito-Zero; c) Subsistema de Quebra-Zero; d) Subsistema de
Estoque-Zero.
Conforme Antunes Jr. (1998), o Subsistema de Pré-Requisitos básicos da Engenharia da
Produção é constituído das seguintes Técnicas: a) Operação-Padrão: a padronização, segundo
conclusões apresentadas por Spear & Bowen (1999), é o elemento que possibilitou ao STP o
desenvolvimento de sua flexibilidade, garantida pela completa sinalização visual dos padrões;
b) Troca Rápida de Ferramentas: refere-se à busca contínua da redução dos tempos de
preparação das máquinas que é a base para a redução dos tamanhos de lote de produção e, por
conseqüência, para uma resposta mais rápida às variações de demanda no mercado; c) Layout:
sempre que possível, o layout deve seguir uma lógica de organização celular. Isso possibilita
também a introdução mais intensa da multifuncionalidade dos trabalhadores.
Goldratt & Cox (1993) propõem dois conjuntos de Indicadores que denominaram de Globais
e Locais. Os Indicadores Globais indicam como a Empresa direciona-se no sentido de sua
meta e são os seguintes: a) Lucro Líquido (LL); b) Retorno Sobre o Investimento (ROI); c)
Caixa (C).
Estes Indicadores Globais não são normalmente acessíveis aos responsáveis pelas atividades
de rotina da Empresa. Por isso, é necessário estabelecer outro conjunto de Indicadores que
possam relacionar as ações concretas do dia-a-dia na Empresa com os Indicadores Globais.
Goldratt & Cox (1993) e Goldratt (1996) propõem o segundo conjunto de Indicadores
(Indicadores Locais) que cumprem essa finalidade: a) Ganho (G): dinheiro gerado pelo
sistema através das vendas dos produtos prontos; b) Inventário (I): dinheiro investido pelo
sistema em máquinas, instalações, equipamentos, estoques de matéria-prima, em processo e
de produtos acabados; c) Despesas Operacionais (DO): dinheiro gasto pelo sistema para
transformar Inventário em Ganho.
É importante ressaltar que existe uma forte relação entre os Indicadores Locais e os
Indicadores Globais. Pode-se afirmar que LL=G-DO. Assim, sempre que uma ação local
contribuir para aumentar G ou para reduzir DO, aumenta-se o LL. Também é possível
estabelecer relações entre os dois conjuntos de Indicadores considerando que o ROI = LL/I.
Portanto, qualquer ação que reduza I contribui para um desempenho melhor desse Indicador
Global. Da mesma forma, ações locais que aumentem G, reduzam DO e reduzam I
contribuirão para o Caixa da Empresa.
Assim, esses dois conjuntos de Indicadores asseguram que as ações da Organização a levem
na direção de sua Meta. Então, o Ganho deve ser priorizado em qualquer iniciativa da
Empresa estabelecendo o que Goldratt (1996) denominou de “Mundo dos Ganhos”. No
entanto, o Ganho de uma Empresa é limitado, pois existem restrições em seu Sistema de
Produção. A principal restrição, conforme definido por Goldratt & Cox (1993) diz respeito à
existência de recursos com Capacidade menor que a Demanda. Esses recursos são
denominados Gargalos.
Normalmente, um sistema possui uma única ou poucas restrições. No Sistema de Produção,
além do Gargalo, ocorre o que se denomina de Recursos com Restrição de Capacidade (CCR
– Capacity Constrained Resource) decorrentes, via de regra, de problemas relacionados com a
a sincronização do Processo Produtivo. Esses recursos críticos – Gargalo e CCR – são o eixo
de desenvolvimento do que Goldratt (1993) propõe como o Processo Decisório do “Mundo
dos Ganhos” ou Etapas de Focalização da TOC: a) Identificar a Restrição do Sistema; b)
Maximizar a exploração da Capacidade da Restrição; c) Subordinar os demais elementos do
Sistema à Restrição; d) Elevar (eliminar) a Restrição do Sistema; e) quando a Restrição foi
elevada, voltar ao primeiro passo.
Assim, conforme ressalta Goldratt (1996), a TOC trata-se de uma filosofia de gerenciamento
global que estimula o processo de melhoria contínua.
Nesse sentido, a proposição de Antunes Jr. (1998) de complementaridade entre a TOC e o
STP amplia as possibilidades dessas duas teorias na medida em que, estabelecendo claramente
seus recursos críticos a Organização pode então focalizar a aplicação de um poderoso
conjunto de técnicas e ferramentas de melhoria. As ferramentas de Gestão do Posto de
Trabalho de forma sistêmica, unificada, integrada e voltada para os resultados propostas por
Antunes Jr. & Klippel (2001) pode ser considerada uma das possíveis materializações
pragmáticas dessa conexão entre as duas teorias.
5. O ‘Jogo do Barco’
O ‘Jogo do Barco’ constitui-se em um instrumento simples, didático e de baixíssimo custo
6. Conclusões
A utilização de jogos é uma possibilidade útil de aumentar a efetividade do processo de
ensino e aprendizagem. No processo de transferência tecnológica de conceitos de Engenharia
de Produção, essa técnica pode ser muito produtiva no sentido de imprimir, sob o ponto de
vista do participante, significado aos conceitos transmitidos pela simulação de um processo
real de aplicação dos conceitos.
Este trabalho apresenta um exemplo de aplicação de um jogo simples – o ‘Jogo do Barco’ –
como ferramenta de aprendizagem dos conceitos de Engenharia de Produção, especialmente
os conceitos ligados ao STP e à TOC. Resultados expressivos de efetividade da aprendizagem
obtidos pelos autores em inúmeras aplicações do ‘Jogo do Barco’ ao longo do tempo
permitem afirmar que ele constitui-se em um instrumento de grande utilidade no processo de
ensino e aprendizagem dos modernos conceitos associados a Engenharia e a Administração da
Produção.
Referências
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