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omens e animais - 22/10/2013 ~ Jodo Perera Coutinho ~ Colunistas - Folha de S-Paulo 13/05/15 15:56 FOLHA DE S.PAULO Homens e animais 22/10/2013 03h00 E uma marca de progresso: a discussao sobre os "direitos dos animais" chegou ao Brasil. Com estrondo: leio nesta Folha que centenas de cachorros foram resgatados de um instituto de pesquisa médica no Estado de Sao Paulo. A violéncia veio a seguir, com carros vandalizados ou completamente destruidos. Nada de novo na frente ocidental. Na Inglaterra, por exemplo, tenho amigos que trabalham com ratinhos de laboratério em suas pesquisas cientificas. Nenhum deles comenta o fato em ambientes, digamos, sociais. Como bares, cinemas, restaurantes. Nunca se sabe: pode haver um fanatico da "libertagdo animal” por perto e as coisas descarrilam facilmente. Como ja descarrilaram no passado: historias de insultos, ameacas de morte, agressdes fisicas e até profanacdo de sepulturas de familiares de cientistas fazem parte do cardapio. Na experimentacao médica, 0 siléncio, e no 0 cachorro, é o melhor amigo do homem. Como se chegou até aqui? O filésofo Roger Scruton escreveu um livro a respeito ("Animal Rights and Wrongs", editora Continuum, 224 pags.) que ajuda a explicar o fenémeno. E 0 fendmeno explica-se com o declinio da religiao nas sociedades ocidentais: quando os homens acreditavam que eram os seres superiores da criacdo, ninguém pensava nos "direitos" ou nas “sensibilidades" dos bichos. Nés, e apenas nés, tinhamos sido criados & imagem e semelhanca do Pai. Nao havia como confundir um ser humano com um batraquio. A “morte de Deus" alterou a discussao: se nao existe um Pai com seus filhos prediletos, entao todos somos habitantes do mesmo espago --e todos somos, como diria 0 extravagante Peter Singer, criaturas dotadas de "senciéncia", ou seja, capazes de experimentar a dor e o prazer. Donde, evitar a dor 6 um imperativo tao legitimo para humanos como para animais. Claro que, nas teorias de "libertac&o animal", nem todos os animais desfrutam da mesma sorte empatica: acredito que mesmo Peter Singer, nas tardes de insuportavel calor australiano, também seja capaz de matar uma mosca ou duas. Mas 0 leitor entende a ideia: se conseguirmos imaginar um animal a falar e a cantar num filme Disney, por que nao conceder-lhe estatuto moral pleno? Porque isso é uma aberragdo filoséfica, explica ainda Roger Scruton sobre o argumento Disney: existem tragos basicos da nossa comum humanidade que estao ausentes do restante mundo animal. Sao esses tracos que fazem com que "nds", e apenas "nés", sejamos seres morais no sentido pleno da palavra. hp: tools folha.com.br/printsite=emcimadahoradurl=htp:/www...unas/joaopereiracoutinho/2013/10/1359857-homens-e-animals.shtml Pigina 1 de 2 omens e animais - 22/10/2013 - Jodo Pereira Coutinho - Colunistas ~ Folha de S.Paulo 13/05/15 15:56 "Nés", e apenas "nds", somos capazes de julgar, meditar, revisitar o passado, planear o futuro -desde logo porque somos seres temporais por exceléncia, conscientes da nossa historia e do nosso fim. "Nés", e apenas "nés", somos dotados de imaginagao e, sobretudo, de "imaginagao moral": somos capazes de rir, corar, sentir remorsos ou alimentar indignagoes (e premeditadas vingangas). E, talvez mais importante, "nds", e apenas "nds", somos capazes de reivindicar e defender "direitos", o que implica que "nés", e apenas "nds", somos capazes de entender 0 que significam certos "deveres". Como, desde logo, o "dever" de nao infligir dano desnecessario sobre animais (moscas excluidas). Sera a pesquisa cientifica um "dano desnecessario sobre animais"? Nao creio, sobretudo quando contemplo as alternativas. O americano Carl Cohen, outro filésofo sobre estas matérias que também recomendo aos interessados (com 0 seu "The Animal Rights Debate"), é primoroso ao colocar o problema no seu duplo e potencial impasse: os defensores da libertagao animal preferem que sejam os homens a tomar o lugar dos bichos nos laboratérios? Qu preferem antes que nao existam mais cobaias nos laboratérios e que os avangos cientificos possam parar de vez neste ano da graca de 2013? Boas perguntas. Esperemos pelas respostas. Mas, até ld, talvez ndo fosse inutil convidar os militantes da "libertagao animal" a recusarem daqui para a frente todos os tratamentos médicos que tém no seu historial o uso de animais em laboratério. Em nome da coeréncia. Se isso significar, no limite, a morte de alguns dos militantes, tanto melhor: unidos na vida, unidos na morte. Endereco da pagina: http //ww1 folha.uol. com, br/colunas/ioaopereiracoutinho/2013/10/1359857-homens-e-animais.shtm| Copyright Folha de S. Paulo. Todos os direitos reservados. E proibida a reprodugao do contetido desta pagina em qualquer meio de comunicacao, eletronico ou impresso, sem autorizagao escrita da Folha de S. Paulo. http //toolsflha.com.br/printsite=emcimadahora& I>http://www..unas/joaoperelracoutinho/2013/10/1359857-homens-e-animais shtml Pigina 2 de 2

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