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A Mentalidade Revolucionária
A Mentalidade Revolucionária
Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 16 de agosto de 2007
Desde que se espalhou por aí que estou escrevendo um livro chamado “A Mente
Revolucionária”, tenho recebido muitos pedidos de uma explicação prévia
quanto ao fenômeno designado nesse título.
Qualquer que venha a ser o futuro da espécie humana e quaisquer que sejam as
nossas concepções pessoais a respeito, a mentalidade revolucionária tem de ser
extirpada radicalmente do repertório das possibilidades sociais e culturais
admissíveis antes que, de tanto forçar o nascimento de um mundo
supostamente melhor, ela venha a fazer dele um gigantesco aborto e do trajeto
milenar da espécie humana sobre a Terra uma história sem sentido coroada por
um final sangrento.
Por isso mesmo é preciso enfatizar que o sentido aqui atribuído ao termo
“revolução” é ao mesmo tempo mais amplo e mais preciso do que a palavra tem
em geral na historiografia e nas ciências sociais presentemente existentes.
Muitos processos sócio-políticos usualmente denominados “revoluções” não são
“revolucionários” de fato, porque não participam da mentalidade
revolucionária, não visam à remodelagem integral da sociedade, da cultura e da
espécie humana, mas se destinam unicamente à modificação de situações locais
e momentâneas, idealmente para melhor. Não é necessariamente
revolucionária, por exemplo, a rebelião política destinada apenas a romper os
laços entre um país e outro. Nem é revolucionária a simples derrubada de um
regime tirânico com o objetivo de nivelar uma nação às liberdades já
desfrutadas pelos povos em torno. Mesmo que esses empreendimentos
empreguem recursos bélicos de larga escala e provoquem modificações
espetaculares, não são revoluções, porque nada ambicionam senão à correção
de males imediatos ou mesmo o retorno a uma situação anterior perdida.
***
Entre outras confusões que este estudo desfaz está aquela que reina nos
conceitos de “esquerda”e “direita”. Essa confusão nasce do fato de que essa
dupla de vocábulos é usada por sua vez para designar duas ordens de
fenômenos totalmente distintos. De um lado, a esquerda é a revolução em geral,
e a direita a contra-revolução. Não parecia haver dúvida quanto a isso no tempo
em que os termos eram usados para designar as duas alas dos Estados Gerais. A
evolução dos acontecimentos, porém, fez com que o próprio movimento
revolucionário se apropriasse dos dois termos, passando a usá-los para designar
suas subdivisões internas. Os girondinos, que estavam à esquerda do rei,
tornaram-se a “direita” da revolução, na mesma medida em que, decapitado o
rei, os adeptos do antigo regime foram excluídos da vida pública e já não tinham
direito a uma denominação política própria. Esta retração do “direitismo”
admissível, mediante a atribuição do rótulo de “direita” a uma das alas da
própria esquerda, tornou-se depois um mecanismo rotineiro do processo
revolucionário. Ao mesmo tempo, remanescentes contra-revolucionários
genuínos foram freqüentemente obrigados a aliar-se à “direita”revolucionária e
a confundir-se com ela para poder conservar alguns meios de ação no quadro
criado pela vitória da revolução. Para complicar mais as coisas, uma vez
excluída a contra-revolução do repertório das idéias politicamente admissíveis,
o ressentimento contra-revolucionário continuou existindo como fenômeno
psico-social, e muitas vezes foi usado pela esquerda revolucionária como
pretexto e apelo retórico para conquistar para a sua causa faixas de população
arraigadamente conservadoras e tradicionalistas, revoltadas contra a “direita”
revolucionária imperante no momento. O apelo do MST à nostalgia agrária ou a
retórica pseudo-tradicionalista adotada aqui e ali pelo fascismo fazem esquecer
a índole estritamente revolucionária desses movimentos. O próprio Mao
Dzedong foi tomado, durante algum tempo, como um reformador agrário
tradicionalista. Também não é preciso dizer que, nas disputas internas do
movimento revolucionário, as facções em luta com freqüência se acusam
mutuamente de “direitistas” (ou “reacionárias”). À retórica nazista que
professava destruir ao mesmo tempo “a reação” e “o comunismo” correspondeu,
no lado comunista, o duplo e sucessivo discurso que primeiro tratou os nazistas
como revolucionários primitivos e anárquicos e depois como adeptos da
“reação” empenhados em “salvar o capitalismo” contra a revolução proletária.
Para mim está claro que só se pode devolver a esses termos algum valor
descritivo objetivo tomando como linha de demarcação o movimento
revolucionário como um todo e opondo-lhe a direita contra-revolucionária,
mesmo onde esta não tenha expressão política e seja apenas um fenômeno
cultural.