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FAVELA?

OBSERVATÓRIO DE FAVELAS
O desafio de se pensar a
questão da favela de modo
O Observatório é uma amplo, crítico e inovador tem
organização social de pes- mobilizado o Observatório
quisa, consultoria e ação de Favelas desde a sua
pública dedicada à produção origem. Foi essa inquietação
de conhecimento e de pro- que levou à realização, entre
posições políticas sobre os dias 19 e 20 de agosto de
as favelas e os fenômenos 2009, por ocasião da semana
urbanos. Foi criado em 2001, comemorativa dos oito anos
e em 2003 tornou-se uma do Observatório de Favelas,
organização da sociedade do seminário “O que é a
civil de interesse público favela, afinal?”. O seminário,
(oscip), com sede na Maré, que contou com o patrocínio
no Rio de Janeiro. do BNDES, reuniu pes-
quisadores e representantes
O Observatório tem como de diferentes instituições

O QUE É A
missão a elaboração de governamentais, acadêmicas

O Q UE É A FAV E L A, A FI N AL ?
conceitos e práticas que e da sociedade civil que, ao
contribuam na formulação longo de suas trajetórias,
e avaliação de políticas se debruçam sobre o tema
públicas voltadas para a favela. Esta publicação é um
superação das desigualdades compêndio do que foi tratado

FAVELA,
sociais. Acreditamos que no Seminário e reúne uma
para serem efetivas, tais diversidade de experiências
políticas têm de se pautar e olhares e materializa um
pela expansão dos direitos, desejo permanente de se
por uma cidadania plena e compartilhar idéias e vivên-
pela garantia dos direitos cias em contraponto aos
humanos nos espaços po- paradigmas que sustentam

AFINAL?
pulares. leituras hegemônicas sobre
o fenômeno da favela.
O QUE É A FAVELA, AFINAL?
O QUE É A FAVELA, AFINAL?

ORGANIZADORES
Jailson de Souza e Silva
Jorge Luiz Barbosa
Mariane de Oliveira Biteti
Fernando Lannes Fernandes

2009
SUMÁRIO

Copyright © Observatório de Favelas do Rio de Janeiro 2009 AGRADECIMENTOS 7

APRESENTAÇÃO 9

INTRODUÇÃO 15

COLETÂNEA DE TEXTOS 19

O que é favela, afinal? / organizador: Jailson de Souza e Silva. – Rio ABERTURA 71


de Janeiro: Observatório de Favelas do Rio de Janerio, 2009.

104 p. ; 25 cm GRUPO DE TRABALHO 85


Inclui bibliografia.
ISBN: 978-85-98881-07-2 (Broch.) DECLARAÇÃO: O QUE É A FAVELA, AFINAL? 95
1. Ciências sociais. 2. Favelas – Aspectos sociais – Rio de Janeiro. 3.
Serviço social – Rio de Janeiro. I. Silva, Jailson de Souza e. II. Observatório
de Favelas do Rio de Janeiro.

CDD: 307.3098153

Todos os direitos desta edição estão reservados ao Observatório de Favelas


do Rio de Janeiro.

Rua Teixeira Ribeiro, 535


,+/5 ,ï5R5 ,ï
#)55
(#,)5R5
5R595hgfjj7hkg

www.observatoriodefavelas.org.br
contato@observatoriodefavelas.org.br
AGRADECIMENTOS

-.5 */&#éã)65 '5 )')5 )5 -'#(á,#)5 +/5 &"5 á5 ),#!'65


não teriam sido possíveis sem o patrocínio do Banco Nacional
5 -(0)&0#'(.)5 )(Ċ'#)5 5 )#&5 BC85 ,5 )5
5 *.,)#(()5 /'5 0(.)5 +/5 -.5 5 0&5 )')5
uma questão maior significa reconhecer que esta instituição
vem se colocando em uma perspectiva inovadora de eleger o ter-
ritório como matriz de políticas de desenvolvimento, incluindo
decisivamente os homens e as mulheres que ali vivem em
múltiplas relações de convivência e que estabelecem vínculos de
identidade para fazer do território o seu chão de existência.

É nosso desejo que este trabalho contribua para mobilizar


e motivar outras instituições empenhadas em promover o
5-(0)&0#'(.)5)(Ċ'#)55-)#&65-),./)5*,55-.&,5
()0)-5 )&",-5 65 *),5 )(-!/#(.65 ()0-5 *,á.#-5 '5 ,&éã)5
às favelas, territórios que não apenas fazem parte da história
urbana de nosso país, como também constituem o lócus de
5-ŀ)-5à5)(-.,/éã)55/'5-)#5'#-5$/-.65'),á.#5
e generosa.

Por fim, não podemos deixar de agradecer a todos aqueles que


aceitaram o convite de participar deste debate, contribuindo
)'5-/-5# ,(.-52*,#ð(#-55.,$.ĉ,#-5*,5/'5#á&)!)5
amplo e propositivo diante da iniciativa de se pensar a favela em
sua complexidade.

Também muito temos a agradecer àqueles que se envolveram


mais diretamente na realização do evento e na organização
desta publicação.

Os organizadores
O QUE É A FAVELA, AFINAL?

APRESENTAÇÃO

8 9
O QUE É A FAVELA, AFINAL? APRESENTAÇÃO

APRESENTAÇÃO
Mesa de abertura do Seminário “O que é a favela, afinal?”. Foto: Adair Aguiar/ Imagens do Povo.

O desafio de se pensar a questão da favela de modo amplo,


crítico e inovador – especialmente em termos de seu conceito
e de suas representações – tem mobilizado o Observatório
50&-5-55-/5),#!'855,&#4éã)55/'5-'#(á,#)5
com este propósito específico e, evidentemente, a publicação
de seus resultados, materializam um desejo permanente de se
compartilhar idéias e experiências em contrapelo às referências
5)-5*,#!'-5+/5-/-.(.'5&#./,-5"!'Ċ(#-5-),5)5
(Ċ'()85 )#5 --#'5 +/65 (.,5 )-5 #-5 go5 5 hf5 5 !)-.)5 5
2009, por ocasião da semana comemorativa dos oito anos do
-,0.ĉ,#)550&-65 )#5,&#4)5)5-'#(á,#)5^5+/5ï55
0&65 ŀ(&>_85 5 -'#(á,#)65 +/5 )(.)/5 )'5 )5 *.,)ù(#)5 )5
65 ,/(#/5 *-+/#-),-5 5 ,*,-(.(.-5 5 # ,(.-5
instituições governamentais, acadêmicas e da sociedade civil que,
ao longo de suas trajetórias, se debruçam sobre o tema favela. A
diversidade de experiências e olhares foi um dos critérios para
o convite feito aos participantes, fato que enriqueceu sobrema-
neira os dois dias de atividades.

5 *,#'#,)5 #5 5 .,&")5 )5 '#(á,#)5 )#5 ,&#4)5 (5


-5 )5 65 ()5 (.,)5 )5 #)5 5
(#,)85 5 ,#'Ċ(#5
de abertura contou com a presença de Ricardo Henriques,
O segundo dia de atividades foi realizado no Bairro Maré, território que reúne um conjunto de
----),555*,-#ð(#5)5:5(,ï50&(.655á,5
16 comunidades populares, onde se localiza a sede do Observatório de Favelas. O Bairro Maré,
social do Banco; Jorge Luiz Barbosa, coordenador geral do
criado por decreto municipal em 1988, constitui o maior conjunto de favelas da cidade do Rio
Observatório de Favelas. A mesa de debates foi composta por
de Janeiro, com aproximadamente 140 mil habitantes, distribuídos em 40 mil domicílios, em
Fernando Cavalieri, do Instituto Pereira Passos; Maria Laís da /'5á,5*,)2#'55j6i5%'̏65.,.()7-55/'5)-5-*é)-5*)*/&,-5'#-5-.#!'.#4)-5
Silva, da Universidade Federal Fluminense; e Jaílson de Souza da cidade. A realização do segundo dia de atividades na Maré, com efeito, teve o propósito de
5 #&065 /(),5 )5 -,0.ĉ,#)5 5 0&-85 -.5 '-5 .05 trazer para a favela um debate que tradicionalmente é feito fora da favela, impregnando o semi-
como tema o conceito de favela na perspectiva da urbanização (á,#)55/'5-(.#)5.'ï'5-#'ĉ&#)65*,5&ï'55-/-5,-/&.)-5)(#./#-55.ï(#)-8
brasileira. Os debatedores expuseram seus pontos de vista e le-
vantaram questões que provocariam os debates nas atividades --5 -!/()5 #5 5 .#0#-5 )#5 #0##)5 '5 /-5 ---ċ-85 5 ---ã)5 5 '("ã65 )#5 ),!-
previstas para o dia seguinte. O conteúdo proposto para a mesa nizado um grupo de trabalho no formato de oficina em que os participantes se dividiram em
teve como um de seus propósitos colocar em destaque a questão expositores e debatedores. No grupo foram debatidos textos elaborados pelos convidados que
das representações estereotipadas das favelas e suas consequên- desenvolveram uma reflexão em torno do conceito de favela (apresentados em sua íntegra a
#-5()5â'#.)5)5.,.'(.)5)(ŀ!/,)5*&)5-.)55*&)-5 seguir).
agentes privados a esses territórios. Assim, uma das questões
mais importantes era colocar em causa a concretude da favela Os principais pontos de discussão referiram-se à diversidade e a complexidade histórica,
na estruturação do espaço urbano, sendo ela própria um compo- )(Ċ'#65-)#&55/&./,&5-5 0&-:5&ï'55(--#55,)(",55&!#.#'#55
nente fundamental da produção da cidade no Brasil. presença das favelas e de seus moradores na cidade e, a partir desta, propor a construção de

10 11
O QUE É A FAVELA, AFINAL? APRESENTAÇÃO

Participantes reunidos no segundo dia do seminário. Foto: Adair Aguiar/ Imagens do Povo.

,&éċ-5'),á.#-5)'5---5.,,#.ĉ,#)-655'))55)(.,#/#,5*,5'/(é-5+/&#..#0-5(5
agenda de políticas públicas de garantia e afirmação de direitos sociais.

5*,.55.,655,/(#ã)5)-5*,.##*(.-5)5-'#(á,#)5.05)')5)$.#0)5*,#(#*&5,ł.#,65
diante da exposição de idéias realizada na parte da manhã, sobre possíveis respostas ao tema
!,&5)5'#(á,#)95O que é a favela, afinal?

Como resultado das contribuições individuais e coletivas foi elaborado uma declaração de
referência para a renovação do olhar sobre as favelas e seus moradores, bem como para o
)($/(.)555#85-.5&,éã)5,Ě(5-5)(.,#/#éċ-5)-5*,.##*(.-5)5-'#(á,#)5'5
torno de uma proposição apresentada pelo Observatório de Favelas, constituindo uma posição
política, intelectual e simbólica para novas referências do que é favela. A partir dela, esperamos
-.&,5/'5()0)5*.',55#á&)!)5*,)*)-#.#0)5()5â'#.)55 ),'/&éã)55*-+/#--565
sobretudo, na definição de políticas públicas direcionadas às favelas na perspectiva do Direito
à Cidade.

-.5 */&#éã)5 /-5 )'*,.#&",5 5 ,#+/45 )5 '#(á,#)5 )'5 /'5 *Ě&#)5 5 045 '#-5 Guti Fraga – Nós do Morro
amplo e, de modo especial, contribuir para a produção de novos significados para a sociedade .',5#&05@5 
em que vivemos.
)+/#'5),#,)5@5
Jorge Luis Barbosa - Observatório de Favelas
Laura Bueno – PUC/Campinas
REPRESENTANTES DAS INSTITUIÇÕES CONVIDADAS: Linda Gondim – UFC
/#-5.á0#)5#Ŀ5@5
Alberto Aleixo - Observatório de Favelas ,/-5#(ù#/-5/-.#(#5@5,.á,#)55/&./,55)05 !/é/5
Andréia Martins Santo – Redes da Maré Maria Laís da Silva - UFF
&á/#5,#(5@5#),/4 Mariane de Oliveira Biteti - Observatório de Favelas
Cristovão Duarte – UFRJ Marielle Franco – Direitos Humanos da Alerj
Davi Marcos - Observatório de Favelas á,#)5#,-5#'ã)5@5,.,#55/éã)55)05 !/é/
&#(5,!5@5-55 ,ï Michelle Henriques - Observatório de Favelas
-)(5#(#45@5-55 ,ï Ċ(#5),!-5 )(.#,)5@5(#,#)5)(2ċ-55,-
-)(5),-5/("5@5'*-I.,),á- Monique Carvalho - Observatório de Favelas
/,)5&0-5@5 (.)5 ,&)5,#2) &!5%,5@5 
&#)(&05)/4575-,0.ĉ,#)550&- ,)5.,)4',!5@5 
á#)5)/!&-5,#.)5&'#5@5-55 ,ï Raquel Villardino - Observatório de Favelas
Fernanda Gomes - Observatório de Favelas #,)5(,#+/-5@5
Fernando Cavalieri – Instituto Pereira Passos )!ï,#5/(-5@5
Fernando Lannes – Observatório de Favelas Rosana Denaldi – UFABC
Fernando Molica – Jornal O Dia Sebastião de Araújo – Instituto Vida Real
Francisco Marcelo da Silva – Observatório de Favelas ï,!#)5)!!#5@5
,Ċ(#')5 #.ã)575 Tião Santos – Viva Rio

12 13
O QUE É A FAVELA, AFINAL?

INTRODUÇÃO

14 15
O QUE É A FAVELA, AFINAL? INTRODUÇÃO

O QUE É A FAVELA, AFINAL?

#-.),#'(.65 )5 #2)5 *,#!'á.#)5 5 ,*,-(.éã)5 -5 adquiriram características profundamente distintas das presentes em sua definição original.
favelas é a ausência. Nesta perspectiva, a favela é definida pelo
que não seria ou pelo que não teria. Nesse caso, é apreendido, ,-#-.65(.,.(.)65()5#'!#(á,#)5)-5'),),-55#65'5*,.#/&,5)-5,-#(.-5()-5
em geral, como um espaço destituído de infra-estrutura urbana espaços formais – e, por conseqüência, entre as autoridades públicas –, uma representação das
@5á!/65&/465-!).)65)&.55&#2):5-'5,,/'(.):5!&)&'(.5 favelas (e dos favelados) ainda originada nos termos de sua representação dos anos 40/50 do
'#-,á0&:5-'5),':5-'5&#:5-'5,!,-:5-'5'),&85(ŀ'65 -ï/&)5*--)855*,*éã)5(,Ċ(#5)-5-*é)-5*)*/&,-5 )#65#(&/-#065'*&#655 ),'5
expressão do caos. Outro elemento peculiar da representação que não só as ocupações continuaram a ser percebidas como um espaço de ausências – urbanas,
usual das favelas é sua homogeneização. Presentes em diferentes sociais, legais e morais. Os grandes conjuntos habitacionais, construídos pelo poder público
-ù.#)-5!)!,áŀ)-5– em planícies, em morros, às margens de rios – 5 +/5 -ã)65 #(&/-#065 ,-/&.(.-5 5 ,')éċ-5 75 *,-(.'7-5 ()5 #'!#(á,#)5 )-5 '),),-5
e lagoas – e reunindo algumas centenas de moradores até alguns da cidade como favelas, embora tenham características, no plano da paisagem, distintas das
'#&",-65 *)--/#()5 # ,(.-5 +/#*'(.)-5 5 ')#&#á,#)-5 definições propostas.
urbanos, sendo constituídas por casas e/ou apartamentos, com
diferentes níveis de violência e presença do poder público, com O mais grave é que, como o simbólico também é um componente de instituição do mundo
variadas características socioambientais, as favelas constituem-se social, as políticas públicas e os investimentos privados, assim como as ações de organizações
como territórios que se exprimem em paisagens consideravel- sociais, terminam sendo orientadas por essas concepções. Nesse caso, muitas vezes, as ações
'(.5#0,-#ŀ-855")')!(#65()5(.(.)65ï55.Ċ(#5 nas favelas são mais vistas como formas de prevenção da violência do que direitos de exercício
quando se trata de identificar esse espaço popular. 5 #(#:5 -5 #(##.#0-5 -ã)5 ,!'(.á,#-:5 )-5 #(0-.#'(.)-5 -ã)5 *,á,#)-5 5 5 '#ð(#5
)(Ċ'#5ï5 ,á!#&8
A definição centrada em aspectos da forma-aparência – predomi-
nantemente focada na ausência –, embora de ordem negativa, O que a realidade demonstra, todavia, é que os espaços populares são formados por diversas redes
assumiu certa importância no que tange ao reconhecimento -)##-65(-5+/#-5-5 4'5*,-(.-5#0,--5*,á.#-55,*,-(.éċ-85§5)5!,/55pertencimento
de reivindicações por obras de infra-estrutura, presentes em 55#(.,--5'5!,(.#,5)/5'&"),,5-/5*)-#éã)5(-5,-5-)##-5+/5),#(.,á5-5éċ-5)-5
grande número de favelas. A organização popular, manifestada # ,(.-5 !(.-5 5 .),-85 --5 ,.,#4éã)5 -,05 .(.)5 *,5 )-5 !,/*)-5 -)##-5 *)*/&,-5
em diferentes momentos e formas, permitiu uma significativa como para os médios e os dominantes que se fazem presentes na cidade.
'*&#éã)5)5--)5,!/&,5)-5-,0#é)-55á!/65-!).)65)&.55
de lixo, asfaltamento e iluminação. Além disso, se difundiu a Nesse sentido é que se instala uma contradição no processo de apreensão, expressa em uma
construção de escolas, creches e postos de saúde; reivindica- crise de representação no que diz respeito à correspondência entre o objeto representado e a
ções fundamentais para a qualidade de vida dos moradores. O #'!'5"!'Ċ(#5+/5&5-5.'855*,*éã)5+/5-5.'5)5)$.)55*),5(ã)5.,/4#,55
item no qual menos se avançou foi justamente o que coloca em os elementos materiais que o significam. Assim, a representação conceitual foi sendo, de forma
questão a presença da favela nas cidades: a apropriação e uso do progressiva, substituída por uma representação estereotipada. Nesta, os pré-conceitos e juízos
espaço urbano em seu conjunto como direito social. !(,&#4(.-565-*,)0#)-55,&éã)5#,.5)'5)5(Ě&)5)5 (Ċ'()65,.,#4'5)5*,)--)55
de apreensão dos sujeitos sociais em seus territórios de morada na cidade.
Os diversos tipos de intervenções nas favelas, decorrentes de
demandas e ações organizadas pelos próprios moradores ou 5 .(..#05 5 ,/*,,5 5 ),,-*)(ð(#5 (.,5 )5 (Ċ'()5 5 5 -/5 ,*,-(.éã)5 (/'5
fruto de projetos estatais voltados para a reordenação do espaço #'(-ã)55 )(#./&65*,65--#'65)')5/'5(--#85§5#(#á0&65*),.(.)65)5'*(")5
urbano, geraram profundas mudanças na paisagem urbana #(#0#/&55)&.#0)55)(-.,/éã)55()0)-5'))-55*,(-ã)5)5 (Ċ'()5()5)(.2.)55
brasileira. Com isso, a maior parte das favelas deixou de se urbanização brasileira e, evidentemente, de um esforço de síntese para sua conceituação, que
(+/,,55à5,*,-(.éã)5+/5-5 45"!'Ċ(#5()5#'!#(á,#)5 -#,05 )')5 , ,ð(#5 .(.)5 *,5 )5 #'!#(á,#)5 -)#&65 )')5 *,5 5 -.,/./,éã)5 -5 *)&ù.#-5
da cidade. Assim, pouco mais de meio século, após o Censo de públicas de desenvolvimento urbano. É essa a nossa causa ao buscar responder o que é a Favela,
1950, grande parte dos territórios caracterizados como favelas afinal?

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O QUE É A FAVELA, AFINAL?

COLETÂNEA
DE TEXTOS

18 19
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

COLETÂNEA DE TEXOS O que é a favela, afinal?


Observatório de Favelas

Os artigos aqui reunidos resultaram da provocação feita pela Desde a sua criação, o Observatório de Favelas vem buscando
)),(éã)5)5'#(á,#)55*-+/#-),-55,*,-(.(.-55 5-.&,5 ()0)-5 '))-5 5 *,(-ã)5 )5 (Ċ'()5 5
distintas instituições sociais para redigir sobre o tema O que é a 0&#4éã)585-.5'*(")5-5),#!#(55*,.#,5)5,)("#'(.)55
favela, afinal? É preciso reconhecer que a proposta exigiu um de que a representação das favelas – e de seus moradores – orienta
imenso esforço de síntese dos(as) autores(as), uma vez que lhes políticas e projetos que, na maioria das vezes, se fundamentam
)#5-)&##.)5/'5.2.)5)'5&#'#.éã)55*á!#(-65-),./)5'5 em pressupostos equivocados, em geral superficiais, baseados em
virtude do privilégio que se pretendia conferir ao debate pre- estereótipos que não permitem uma compreensão aprofundada
0#-.)5()-5!,/*)-55.,&")5)5'#(á,#)85 -),5 5 ,&#5 -)#&65 )(Ċ'#65 *)&ù.#5 5 /&./,&5 '5 -/5
totalidade e complexidade.
É importante mencionar que todos os artigos aqui apresentados,
),'5 #-*)(##&#4)-5 )-5 *,.##*(.-5 )5 -'#(á,#)5 )')5 5#0,-#5-5 ),'-55-5#(â'#-5-)##-65)(Ċ'#-5
parte integrante do material de divulgação, de modo que uma e culturais, também tem sido um desafio na compreensão do
leitura mais apurada das idéias dos autores, seguida de sua que é uma favela e, por conseguinte, na definição de parâmetros
apresentação, pudesse qualificar melhor os debates. abrangentes que orientem uma definição mais precisa.

Os textos a seguir compuseram, portanto, a fonte matricial )'5 #.)65*),5-5.,.,55/'5 (Ċ'()5#0,-)55)'*&2)655


de idéias, premissas e questões que orientaram as reflexões ao mesmo tempo marcado por forte estigmatização, observa-se
)5 '#(á,#)55 '5 -/-5 )#-5 5 )(.#'(.)65 --#'5 )')5 -5 que os pressupostos centrados em parâmetros negativos têm sido
tornaram contribuições decisivas para os resultados almejados. /.#&#4)-5)')5, ,ð(#5"!'Ċ(#5(5,*,-(.éã)5-)#&5
5(5&),éã)55ŀ(#éċ-5'#-5)(#--5-),5)5 (Ċ'()85
-.-5*,--/*)-.)-5-5-/-.(.'5'5.),()5-5#ï#-555/-ð(#65
carência e homogeneidade, e tomam como significante aquilo
que a favela não é em comparação a um modelo idealizado de
#95^5 0&5 (ã)5 *)--/#5 ,,/'(.)5 ,!/&,_:5^5 )/*éã)5
ï5 #&!&_:5 ^(ã)5 "á5 ) ,.5 ),'&5 5 -,0#é)-5 *Ě&#)-_:5 (.,5
outros exemplos.

Nós compreendemos que as favelas constituem moradas


singulares no conjunto da cidade, compondo o tecido urbano,
estando, portanto, integrado a este, sendo, todavia, tipos de
5)/*éã)5 +/5 (ã)5 -!/'5 +/&-5 *,ċ-5 "!'Ċ(#)-5
+/5)5-.)55)5',)5ŀ('5)')5-()5)5')&)55
5)/*éã)55/-)5)5-)&)5(-5#-85-.-5')&)-65'5!,&65-ã)5
referenciados em teorias urbanísticas e pressupostos culturais
0#(/&)-55.,'#(-5&---55!,/*)-5-)##-55"!'Ċ(#)-5
+/5 )(-!,'5 )5 +/5 ï5 /'5 '#(.5 -/á0&65 !,á0&5 5

20 21
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

adequado às funções que uma cidade deve exercer no âmbito do modelo civilizatório em curso. – Ocupação de sítios urbanos marcados por um alto grau de vulnerabilidade
ambiental;
Todavia, ao longo dos anos, e do processo de regulação da vida social em conjunto estabelecido – Alta concentração de negros (pardos e pretos) e descendentes de indígenas,
*&)5-.)65)-5--(.'(.)-5'5 0&-65*),5-/-5,.,ù-.#-5'), )&ĉ!#-55.'ï'5*),5 de acordo com a região brasileira;
sua composição social, foram sendo relegados ao lugar da ilegalidade e da desconformidade com – ,/5 5 -),(#5 *),5 *,.5 )5 -.)5 #( ,#),5 à5 'ï#5 )5 5)($/(.)5 5
-5(),'.#4éċ-5+/5 ),'5,#-5*&)-5!,/*)-5"!'Ċ(#)-5+/52,#'5)5*),5*)&ù.#)55 cidade;
)(Ċ'#)5(-5#-85 – Alta incidência de situações de violência, sobretudo a letal, acima da média
da cidade;
Acreditamos que uma definição de favela não deve ser construída em torno do que ela não – Relações de vizinhança marcadas por intensa sociabilidade, com forte
*)--/#5'5,&éã)5)5')&)5)'#((.55#85&)5)(.,á,#)65&-50'5-,5,)("#-5 valorização dos espaços comuns como lugar de convivência.
em sua especificidade sócio-territorial e servirem de referência para a elaboração de políticas
*Ě&#-5*,)*,#-55-.-5.,,#.ĉ,#)-85-.5,)("#'(.)5$á50'5-()5,&#4)65'5*,.65
*),5 '#)5 )5 -../.)5 5 #65 +/5 ŀ(5 -5 0&-5 )')5 á,-5 5 -*#&5 #(.,--65 +/5 Consideramos que as referências acima explicitadas devem ser orientadas referenciadas em torno
necessitam de uma regulação própria baseada em sua materialidade historicamente dada. É da de princípios que se fundamentem em uma cidade diversa, una e plural, e que orientem uma
concretude da sua morfologia que se estabelecem as referências possíveis do que é compreen- gestão metropolitana pautada pela justiça territorial. Compreender a cidade em sua pluralidade é
#)5)')5/'5'),5#!(65).5-5)(#éċ-5(--á,#-5*,5)5'7-.,55)5'70#0,85 reconhecer a especificidade de cada território e seus moradores, considerando-os como cidadãos
(ŀ'65/'5'),5)(5!,/*)-5+/5-5*,)2#''5*),50&),-65*,á.#-650#0ð(#-65''ĉ,#-55 que devem ter seus direitos sociais garantidos na forma de políticas públicas afeiçoadas aos seus
posição social, construam sua identidade como força de realização de suas vidas. territórios. Trata-se de um princípio da validação plena da vida social, democraticamente orien-
tada e configurada nos usos legítimos do território por grupos sociais marcados por profundas
O Observatório de Favelas, portanto, considera que a favela é um território constituinte da -#!/&-5-)##-85(ŀ'65)5+/5-.á5'5/-5ï5/'5*,)$.)5'),á.#)55#8
cidade, caracterizada, em parte ou em sua totalidade, pelas seguintes referências:

– (-/ŀ#ð(#5 "#-.ĉ,#5 5 #(0-.#'(.)-5 )5 -.)5 5 )5 ',)5 ),'&65


*,#(#*&'(.5)5#')#&#á,#)65ŀ((#,)555-,0#é)-:
– Forte estigmatização sócio-espacial, especialmente inferida por moradores
5)/.,-5á,-55#:
– #ŀéċ-5*,)'#((.'(.5,.,#4-5*&5/.))(-5.,/éã)65+/5(ã)5
-5),#(.'5*&)-5*,â'.,)-5ŀ(#)-5*&)55-.):
– Apropriação social do território com uso predominante para fins de
moradia;
– Ocupação marcada pela alta densidade de habitações;
– (#),-5 /#)(#-65 )(Ċ'#)-5 5 '#(.#-5 #2)5 5 'ï#5 )5
conjunto da cidade;
– Níveis elevados de subemprego e informalidade nas relações de trabalho;
– 255(-#5')!,áŀ5#'55'ï#5)5)($/(.)55#:

22 23
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Favelas no Rio – a importância da informação para


as políticas públicas
Fernando Cavallieri ‡ Instituto Pereira Passos da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro

á5,55if5()-5.,á-65)-5#,#!(.-55, #./,5)5#)55 Na cultura técnico-administrativa da Prefeitura do Rio, usa-se favela (mais recentemente, para
Janeiro, tentando ser corretos, as chamavam de aglomerações de desgosto dos sociólogos, tem-se usado comunidade) para aquela forma urbana típica que nasceu
baixa renda. O grupo jovem do Instituto Pereira Passos (IPP) da e se consolidou no Rio, conhecida histórica e popularmente, como favela. Loteamento é um ter-
época assumiu que deviam se chamadas pelo nome como eram mo mais técnico e recente, mas que acabou também se popularizando. Para se falar de favelas e
)("#-5 5 ,)("#-95 0&-85 --5 -#!(éã)5 ,5 #.5 loteamentos irregulares e clandestinos, podendo-se incluir conjuntos habitacionais, cortiços etc.
5/-5*&5*)*/&éã)65'),),-55&#,(é-5B0#565 /.#&#47-65./&'(.65/'5.,')5,(!(.95--(.'(.)5*,á,#)85á5.'ï'5 5 (Ċ'()-5
*)#-5
557 65.)-5 ,éċ-55--)#éċ-55 '()-5)'/(-55'#-5()0)-95*,ï#)-5)/*)-5)')5éã)5*)&ù.#55.,,()-5^ 0&#4)-_85
favelas). Ainda que usada por muito com sentido depreciativo, é
também afirmativa de uma identidade. Para a Prefeitura, a classificação é importante para orientar as políticas públicas, sobretudo
5 &).'(.)-5 5 0&-65 +/()65 '5 '/#.)-5 -)-65 "á5 /'5 4)(5 #(45 (.,5 )-5 ,-*.#0)-5
Nos primórdios da redemocratização, em 1982, a Prefeitura )(#.)-58550,65)5.,')5 0&5ï5/'5!,(5!(,&#4éã)95"á5'/#.55".,)!(#5
finalizou um grande levantamento que foi designado como ^#(.,5 5 #(.,_5 0&-85 '*),.(.65 *,5 -5 (.(,5 /'5 .,'#(5 0&5 ï5 )(",5 -/5
Cadastro das Favelas, superando o nome de aglomerações de história, o ciclo de vida dos projetos a ela destinados e os diferentes interesses e visões de seus
moradores.
#25,(85'5goof655 #5,!â(#5'/(##*&65.,#/.á,#55
Constituição de 1988, estabelece o princípio da não remoção das
A partir da década de 1990, o Cadastro de Favelas foi bastante aprimorado, tornando-se o
0&-55,#55ŀ!/,5$/,ù#)7/,(ù-.#5-5á,-55-*#&5
#-.'55--(.'(.)-55#25(5B5@50,5#&#)!,ŀC5+/5.'ï'5#(&/#5
interesse social. O Plano Diretor da Cidade de 1992, seguindo
&).'(.)-65#-*)(ù0&5(5#(.,(.85()5hffn5)')5, ,ð(#65"á5g8fhf5 0&-5-.,-55
os passos da reforma urbana delineados na Constituição de
*,55/'5-ã)5 ),(#)-5)-55*)*/&éã)55)'#ù&#)-5#-*)(ù0#-5()5(-)5hfff65á,5
1988, aprofunda o princípio de melhorar em vez de remover,
ocupada, breve histórico e o mais importante, mapas e imagens aéreas.
estabelecendo uma política habitacional e diversos programas
de ação. Muitos instrumentos de regulação social do uso do
Através da utilização das ferramentas de geoprocessamento e de um conjunto de ortofotos
solo urbano e redistribuição dos ganhos oriundos da utilização digitais que cobrem todo o território municipal, a identificação dos assentamentos tornou-se
do espaço urbano são criados. Pela primeira vez, tem-se uma muito mais rigorosa e passou a seguir uma série de etapas interconectadas:
definição legal de favela:
1. Identificação e demarcação dos limites das favelas a partir de imagens aéreas
Art. 147 - Para fins de aplicação do Plano Diretor (1992), favela digitais.
ï5 5 á,5 *,)'#((.'(.5 "#.#)(&65 ,.,#45 *),5 2. (),*),éã)5)-5&#'#.-5#(.#ŀ)-5à5-5,.)!,áŀ5'/(##*&8
ocupação da terra por população de baixa renda, precariedade 3. Vistorias de campo.
da infra-estrutura urbana e de serviços públicos, vias estreitas 4. (á&#-5)5'.,#&55'*)65'*-55),.) ).)-8
e de alinhamento irregular, lotes de forma e tamanho irregu-
lar e construções não licenciadas, em desconformidade com os )'5 )-5 )-5 ).#)-5 '5 '*)5 5 )'5 5 $/5 )-5 '*-5 5 ),.) ).)-65 5 (á&#-5 ï5 (.ã)5
padrões legais. 5,&#465.,0ï-5)5,/4'(.)55.)-5-5#( ),'éċ-5).#-85555#(),*),5'#-5
uma favela em sua listagem se todas as condições abaixo são preenchidas:
'5 gool65 ,#7-5 5 ,.,#5 /(##*&5 5 #.éã)5 +/5
implementa os programas definidos no Plano Diretor, com – precariedade da organização espacial (ruas estreitas, de traçados irregulares,
ênfase especial no Favela-Bairro, dedicado às favelas médias. (ã)5,,)éá0#-65#ŀ/&-5*,5#,/&éã)55*-.,-C:

24 25
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

– dificuldade de acesso a partir do entorno urbanizado e circulação interna -.),-5 -*##-65 .'ï'5 5 ,á.,5 )*,#)(&95 +/,.ï#-65 &)$'(.)-65 ',éċ-65 &#565
*,á,#: cadeia e asilo que também apresentam as mesmas dificuldades de abordagem em campo.
– *,,#5 5 #( ,7-.,/./,5 B,-5 5 á!/5 5 -!).)5 (ã)5 )ŀ##-5 )/5
inexistentes; coleta indireta de lixo; inexistência de varredura das vias e limpeza 5 0&65)/5-$65/'5--(.'(.)5+/5*,-(.5-5,.,ù-.#-5-,#.-5*&)5 5ï5/'5
5/,-)-5]á!/:55,(!'5#(2#-.(.5)/5#(-/ŀ#(.C:5 ,&#5(#)(&65'),55.,'#()&)!#5*)--50,#,55,!#ã)5*,5,!#ã)85ã)5"á5Ě0#65()5
– precariedade e/ou dificuldade de acesso a equipamentos coletivos (escolas, entanto, que o termo e a forma urbana se nacionalizaram (e internacionalizaram) a partir dos
creches, centros sociais, postos de saúde, praças e quadras de esporte); morros cariocas por sua originalidade histórica, visibilidade, pujança cultural e precariedades.
– precariedade das construções residenciais e comerciais (materiais construtivos,
insolação, aeração, falta de telhado, revestimento externo); Tendo o tipo favela nascido e se desenvolvido no Rio e a Prefeitura dispor de um bom ca-
– &.55,!/&,#4éã)5 /(#á,#5B.ù./&)-5 ),'#-55*,)*,#C: -.,)65-.()5)5 5&)&#4)5(5#55"0()5&)(!)55#(.(-)5#(.,â'#)5(.,5)-5
– ausência de regularização urbanística (normas e fiscalização sobre o uso e .ï(#)-5'/(##*#-55)-5)5 5 )#5(./,&5+/5)-5)-5(-#.á,#)-5'5,*,-(.--'5-5
)/*éã)5)5-)&)55-),5*)-./,-65&0,á-55 /(#)('(.)555-.&#'(.)-65 características das favelas. Prova disso é que, segundo o Censo 2000, enquanto os domicílios
denominação oficial de logradouros, habite-se das edificações, etc); cariocas eram apenas 3% dos domicílios urbanos do Brasil, a proporção daqueles situados em
– #,,!/&,#5 ŀ-&5 B#'ĉ0#-5 (ã)5 )(-.'5 )-5 -.,)-5 #')#&#á,#)-65 (ã)5
aglomerados subnormais era de 19%.
são tributados, não pagam tarifas pela prestação de serviços públicos);
– imóveis habitados, predominantemente, por população de baixa renda.
-5 "á5 )/.,)-5 .#*)-5 5 --(.'(.)-5 .ã)5 )/5 '#-5 *,á,#)-5 )5 +/5 -5 0&-5 +/5 (ã)5 -ã)5
,*,-(.)-5)')5-.),-5-*##-5*&)5 85)5(-)55hfff65)5 65*),52'*&)65
Desde meados dos anos 1980, as favelas começam a aparecer na cartografia oficial da cidade, em
praticamente não considerou a existência de aglomerados subnormais em 12 dos 16 municípios
suas legislações e, mais importante do que tudo, a merecer programas de governo consolidados
da Região Metropolitana do RJ.
e contínuos, visando à sua urbanização e regularização. Destaque para o Favela-Bairro, iniciado
'5gooj65(/(5#(.,,)'*#)655$á5(5-/5.,#,5.*8
5 .)5ï5+/55 ),'5/,(5^ 0&5,#)_5(ã)5,*,-(.5'#-5)5+/5 )#5()5*--)5('5
,(!5)-50á,#)-5.#*)-55"#..55*)*/&éã)5*),-5-/,!#)-5'#-5,(.'(.85
5 65+/5.,&"5)'5.))-5)-5'/(#ù*#)-65(/(5).)/5/'5.,'#()&)!#5 "65'-5
sim um termo genérico (aglomerados subnormais) como sua definição. No Censo de 1980 ainda
2'*&#ŀ0'65 *,5 ,5 )(.5 )-5 ,!#)(&#-')-65 /-()5 .,')-5 )')5^ 0&-65 ')')-65 5&).'(.)5#,,!/&,5ï5'5'#-5,(.5)5+/55 0&855# ,(é5 /('(.&5-.á5(5 ),-
*&ŀ.-65'&)-5.8_85
á5()-5(-)-55goog55hfff65)52'*&)55!&)',)5-/(),'&5 ma de acesso à terra – nas favelas, por ocupação de terra de propriedade alheia; nos loteamentos,
,-.,#(!#/7-55^ 0&-_55/'50!)5^5-#'#&,-_65)( ),'5-50ð9 *),5)'*,55/'5&).5)5*,)*,#.á,#)55!&85/.,-5# ,(é-65),,(.-5--5),#!'65
são a forma de ocupação do espaço, um mínimo de arruamento regular implantado e o padrão
.),5 (-#.á,#)5 ^!&)',)5 /(),'&_5 B 0&-5 5 -#'#&,-C5 @5 §5 /'5 )(- construtivo das casas
junto constituído de, no mínimo, 51 unidades habitacionais (barracos, casas…),
ocupando ou tendo ocupado até período recente, terreno de propriedade alheia Os aglomerados subnormais ou favelas (pelo menos, no Rio) não abrigam sempre as piores
(pública ou particular) dispostas, em geral, de forma desordenada e densa, bem situações sociais. O Censo 2000 mostrou que no Município do Rio, os aglomerados subnor-
como carentes, em sua maioria, de serviços públicos essenciais. (grifos meus) mais não são o habitat exclusivo da população pobre, medida pela renda domiciliar per capita.
(.,5)-5)#-5#-55'#-5#25,(65*(-5ilz5)-5)'#ù&#)-5-5&)&#40'5'5 0&-85
5#'*),.(.5ï5+/5)-5.ï(#)-5)5 52*&#'5+/5-5.,.55/'5)(#.)5)*,#)(&55 Os demais 64% estavam em setores não-especiais, que podem ter diferentes formas urbanas.
não um conceito construído a partir de um resultado de pesquisa. Dadas às dificuldades de se Constatou-se, no entanto, que desses 64%, cerca de 37% estão na Zona Oeste da cidade, região
,&#4,55)5.,&")5(-.-5á,-65 ),'5)(-#,-5)')5-.),-5^-*##-_85á65#(&/-#0655)/.,)-5 onde se concentra a esmagadora maioria dos loteamentos irregulares.

26 27
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Finalmente, no âmbito da Prefeitura do RJ, é fundamental manter e ampliar o cadastro de   65 ,(():5   65 ),385 5 '&"),#5 -5 )(#éċ-5 5 0#5 5 "#-
0&-5BC65)5+/5#'*&#5.,5)(#.)-5)*,#)(#-5# ,(.-5*,5 0&-65&).'(- .(.-55--(.'(.)-5*,á,#)-5()5#)55
(#,)95/'50&#éã)5*,&#'#(,55 .5gg5)5
tos irregulares, conjuntos habitacionais. Diferenciar esses tipos de assentamentos entre si, bem #&ð(#)85 #)5 5
(#,)65 hffl85 )&éã)5 -./)-5 ,#)-5 B-./)5 ̍5 hjfhC85 #-*)(ù0&5 '5
)')55)'#ù&#)-5*,á,#)-5-#./)-5'5á,-5 ),'#-65ï5(--á,#)5*,5*&($,5-5*)&ù.#-5 "..*91118,'4')-8,#)8,$8!)08,5
públicas que também são diferenciadas.
  65,(():5 65/-.0)850&-5,#)-95)'*,éã)5-5á,-5)/*-5
)5â'#.)5)5 ̎65ï5#'*),.(.5+/5-5'(.("'5)-5-.),-5-*##-5)5.#*)5!&)',)-5 75goooIhffj85#)55
(#,)65hffn85)&éã)5-./)-5,#)-5B-./)5̍5hjgkC85#-*)(ù0&5'5
subnormais (com outra denominação menos preconceituosa), com as seguintes observações: "..*91118,'4')-8,#)8,$8!)08,

– '(/.(éã)5)5./&5)(#.)55)5,),.5!)!,áŀ)5)-5./#-5!&)',)-5   65,(()850&7#,,)95,!/&,#4éã)55á,-5#( ),'#-5()5#)55


(#,)65#(95
subnormais (identificados como favelas), para não se perder a série histórica; ,')65,)5B),!8C855#55#( ),'&#85#)55
(#,)95..5 .,-I5
65hffi8
– #(&/-ã)65 )')5 -.),-5 -*##-65 5 )/.,)-5 --(.'(.)-5 *,á,#)-5
(loteamentos irregulares, cortiços, palafitas, conjuntos habitacionais etc.); 65 /&)5 -.)-85 0)&/éã)5 5 *)*/&éã)5 5 0&-5 (5 #5 )5 #)5 5
(#,)85 #)5
– participação dos municípios e/ou estados na delimitação desses 5
(#,)65 hffh85 )&éã)5 -./)-5 ,#)-5 B-./)5 ̍5 hjfiC85 #-*)(ù0&5 '5 "..*91118
assentamentos; ,'4')-8,#)8,$8!)08,
– ampliação das perguntas voltadas para a caracterização da precariedade
)-5-,0#é)-5*Ě&#)-5B &.5]á!/65#(/(éċ-65,#-)-5.8C555#,,!/&,#5 COSTA, Valéria Grace. Favelas e assemelhados. O Olhar sobre as favelas. O conceito, o estado da arte
/(#á,#5B#(5+/5()5(-)5')-.,C: 5()0-5*)--##&#-85#)55
(#,)65hffh85,&")5*,-(.)5'5,/(#ã)5.ï(#5()5 8
– ampliação da discussão sobre o tema com representantes municipais e
estaduais e com as organizações da sociedade civil. IPLANRIO / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Cadastro de Favelas. Rio de Janeiro,
1983. 3 vol.
____________
̎55,5)5(-)5')!,áŀ)5hfgf65"0,á5&!/'-5'/(é-5-#!(#ŀ.#0-5-),5)5.'85,#5#'*),.(.5+/5 )--'55 IPP / Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Área ocupada pelas favelas cadastradas segundo
divulgados resultados das PNAD (pelo menos, para os maiores municípios brasileiros) para que se tivessem dados
as Áreas de Planejamento e Regiões Administrativas - Município do Rio de Janeiro –
(/#-5-),5)-5--(.'(.)-5*,á,#)-8
goooIhffjIhffn85#)55
(#,)65hffo85-..ù-.#-5 /(##*#-5I5#.éã)5I5--(.'(.)-5
,á,#)-5B&5̍5hljhC85#-*)(ù0&5'5"..*91118,'4')-8,#)8,$8!)08,5
Referências Bibliográficas 5I5, #./,55#5)5#)55
(#,)855@5#-.'55--(.'(.)-55#25
(85#-*)(ù0&5'5"..*9II*),.&!)8,#)8,$8!)08,I-,(I#(28".'
 65ï,!#):5  65,(()85).5.ï(#5-),5)5,-#'(.)55*)*/&-
éã)5 0&5(.,5goog55hfff5(5#5)5#)55
(#,)85#)55
(#,)65hffj85)&éã)5-./)-5
SILVA, Maria Laís Pereira da. Favelas Cariocas (1930-1964). Rio de Janeiro: Contraponto
,#)-5B-./)5̍5hikkC85#-*)(ù0&5'5"..*91118,'4')-8,#)8,$8!)08,
#.),5 .65hffk8

  65,(():5  65,#(:5 65/-.0):565 /,##)55&'#5   65,#(:5  65,(()855 #.)55*,-(é5!)0,('(.&5-),552*(-ã)55


(consultor). Diferenciais intra-urbanos no Rio de Janeiro: contribuição ao cumprimento da Meta horizontal das favelas do Rio de Janeiro: os Pouso`s e o Programa Favela-Bairro. Rio de Janeiro,
gg5)5 #&ð(#)85#)55
(#,)65hffm85)&éã)5-./)-5,#)-55B-./)5̍5hinjC85#-*)(ù0&55 hffo85)&éã)5-./)-5,#)-5B-./)5̍5hjglC85#-*)(ù0&5'5"..*91118,'4'-
'5"..*91118,'4')-8,#)8,$8!)08, dos.,#)8,$8!)08,5

28 29
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Favela: É geral? É particular? É urbano?¹


Maria Lais Pereira da Silva ‡ Escola de Arquitetura e Urbanismo – UFF

Introdução estão inseridos na cidade, que relações são desenvolvidas. Assim penso que favela, mocambo, vila,
*,+/5*,)&.á,#)65(.,55)/.,)-65.'5-/5)'*,(-ã)5552*&#éã)5()5'*)550#-ã)555&)7
O tema proposto é instigante e difícil. De fato, se formos buscar &#4éã)5-5á,-555"#.éã)5*)*/&,65)/5-5+/5-ã)5*,#-55)')5.&85-.5ï5/'5*,#'#,)5
o conceito de favela na sua história, podemos observar que este ponto de reflexão (óbvio, porém importante). Outro aspecto que surge, de imediato, é que as
.'5-#)5(50,5^-)(#)_5)/5^-').)_5*),5/'5-ï,#55 favelas fazem parte de processos da cidade como indicado acima. Na verdade processos particu-
5 ,*,-(.éċ-65 #'!(-5 5 -.#!'-85 -.-65 (5 5'#),#5 -5 lares de cada cidade. Assim é que, no desenvolvimento das favelas do Rio de Janeiro, estas vão
04-55#'*'550#-ã)5)5-(0)&0#'(.)5-5á,-55 0&-5 surgir absolutamente acopladas à consolidação e expansão da cidade. Tanto no que se refere ao
)')5*,.55/,(#4éã)5,-#&#,̏85/5'&"),655/,(#4- -/5'#(",5!)!,áŀ)55()5.'*)5"#-.ĉ,#)65+/(.)5()-5*,)--)-5'5+/5-5#(-,'85
ção dos grandes centros urbanos brasileiros. Pois, na verdade,
)')5#--5/4(5-.,(%65^ &,55 0&5ï5 &,55!,(5
#5()5,-#&5-550#,5)5-ï/&)5_5B 65
2008:76). De fato, apesar de nosso campo de pesquisa ser o Rio Breves notas tendo como referência as favelas do Rio de Janeiro
5
(#,)65()5*,)--)5)5.,&")55')-5^)&"()_*,5-5
'#-55#-65)/5*&)5'()-5&!/'-5!,(-5#-855ù5 Numa reflexão histórica inicial, observa-se que, no final do século XIX, e na virada para o século
é interessante verificar que o que se convencionou chamar ou 65$á5-5,!#-.,5()5-*é)55#65)5 ),,)550&5B,)0#ð(#C655/#(.5)5$/655
)5+/5-5^#(0(.)/_5B 65hffkC5"',55 0&65 ,-'5-5"#.éċ-5B#(##&'(.5/.),#4-C5()5 ),,)55(.)5(.Ċ(#):5(-5*,#'#,-5
constituiu, também, parte de ocupações iniciais ou da evolução décadas do século, Maurício de Abreu registra, através da imprensa, cerca de 12 favelas em pontos
/,(5 5 &!/'-5 )/5 0á,#-5 #-95 &)5 ),#4)(.65 5# 65 #-.#(.)-55#55)-,055#--'#(éã)5)5()'5^ 0&_5*,5)-5(Ě&)-555^-,-55,-
Salvador e, décadas mais tarde, Brasília. Portanto cidades em ,ċ-_5+/5$á5*,-(.'50#-##&#5(5ï*)5B65goojC:5()5ŀ(&5)-5()-5hf6555(.,()5
regiões diferentes, umas originadas de planos, outras não, *&)-5()-5if65"á5/'5!,(52*(-ã)5.(.)5(-5&#("-550.),-555/,(#4éã)554)(5-/&5
-()5-5)/*éċ-5)5.#*)5^ 0&_5#(#-5)'5()'#(- 5#65+/(.)5*,55á,5(),.55-/Ě,#)-65)(5)5,-#'(.)5ï5#(.(-)5B 65hffkC85
éċ-55# ,(.-95')')-650#&-65(.,5)/.,)-855)5+/52*&#5 5 .)65ï5/'5 (Ċ'()5#--'#()5*&5#5-!/#()5B5'5&!/(-5-)-5*,()C55
isso? A meu ver, um dos fatores significativos é de que se trata ,./,55&).'(.)-65-5),-5*Ě&#-65-5&#("-55#(/-.,#5&#4éã)85-.52*(-ã)5-5á65
de observar, nos diferentes processos de urbanização, como e por um lado, em função do desenvolvimento de um mercado de trabalho, e, por outro, inserido
onde estão morando os segmentos sociais mais pobres, como ()-5'(#-')-5)-5*,)--)-5#')#&#á,#)-5+/65(/'5.,'#()5')'(.)55-/50)&/éã)5
deram margem a que parte dos segmentos sociais mais pobres ocupassem morros e baixios
'5&!/'-5á,-85ã)5&).-5)'*,)-5'5&).'(.)-55*,#(ù*#)5,!/&,-65)/55'#(")5
____________ da regularização, mas que sofrem descontinuidade na sua legalização (Rocinha, Catacumba,
̎55-.5.2.)5-#(..#45)5.),55*,-(.éã)55/.),5(5'-5#(.#./&5^5
conceito de favela numa perspectiva sócio histórica da urbanização brasileira”, ,,#("565 (.,5 )/.,-5C:5 -ã)5 -#./éċ-5 '5 +/5 *,)*,#.á,#)-5 B)/5 !,#&#,)-C5 &/!'5 B)/5 ),'5
'-55,./,5)5'#(á,#)5^5+/5ï55 0&5ŀ(&>_8 .2-C5)'50ù(/&)-5)'5/'5,.5 ),'&#5)/5*,#)-5)')5.&5Bá,-55 (!/#,65
"á,5)5ï/65(.,5)/.,-C:5)/5-ã)5-#./éċ-55/.),#4éã)5*,55)/*éã)5.(.)5'5á,-5
̏5 Neste sentido, em 2005, coincidentemente, foram publicados os livros dos
*,) --),-5
#&-)(5 5 )/45 5
),!5 /#45 ,)-5 B^0&5 @5 &!,#5 5 ),5 privadas quanto por parte de órgãos públicos³; sem falar que, nos anos de 1950 e no início dos
(5 #_C65 ù#5 &&,-5 B^5 #(0(éã)5 5 0&_C5 5 #(5 5 '#("5 *--
+/#-5B^0&-5,#)-_75goif7goljC5@50#5, ,ð(#-5#&#)!,áŀ-85-.-5
publicações, sob abordagens diversas, tratavam de certa forma de mostrar as
*,.#/&,#-55 0&65-55-/5^#(0(éã)_5)')5)$.)55-./)65.ï55
observação da favela como parte dos processos da cidade. De uma forma ou de ____________
outra, todos procuraram desconstruir algumas imagens que deram origem aos ³ Do total das fav&-5-/,!#-5(.-55golj65'5,55jfz5^"0#5 ),.-5#(#éċ-55+/65(5),#!'65")/05/'5
estigmas e simplificações que perduram seja no senso comum, seja nos meios )/*éã)5/.),#45*),5-/*)-.)-5*,)*,#.á,#)-5-5.,,-65*,#0-5)/5*Ě&#-65)'5)/5-'5)5*!'(.)55.2-55
mais acadêmicos. aluguéis” (SILVA, 2005).

30 31
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

golf65)5*),5*Ě&#)5,'($)/5'),),-55 0&-5*,5)/.,-5á,-55*,+/-5*,)&.á,#)-5 loteamentos iniciais (Bairro Barcellos, na Rocinha), quer porque foram ocupações dirigidas e
B$áC5*,á,#)-65-*#&'(.5(54)(5(),.5)5#)55-/5&#.),&65'5)')5*,5)/.,-5 0&-Ⱥ855 planejadas no total ou em partes (nos exemplos mais antigos, o início de Parque União). Outras
apresentaram trechos regulares em meio a formas não regulares, como inúmeros exemplos de
Convém acentuar, por outro lado, que, da mesma forma como no restante da cidade, os moradores 0&-5+/5-5-(0)&0,'55*,.#,5)/5'5.),()55(.#!)-5,+/-85 -.)5)),,/5'50á,#)-5
-5 0&-65 "#-.),#'(.65 -5 '(# -.'5 )')5 -/$#.)-5 /,()-85 2*,--'7-5 )'5 0)45 B5 momentos históricos.
voto, em determinados períodos) e ativam a sua ação a partir de manifestações culturais, artís-
.#-5 5 *)&ù.#-5 @5 )')5 5 ,-#-.ð(#5 )-5 -*$)-65 5 *)-.,#),'(.5 à5 ,')éã)85 -.)5 $á5 ŀ5 )5'*)55-#./éã)5&!&65,&.#05)5(+/,'(.)5$/,ù#)5)/5à5,!/&,#4éã)5 /(#á,#65
visível em especial nos anos iniciais da década de 1930, quando se organizam comitês para também se apresenta certa diversidade histórica, principalmente nas ocupações até os anos 40.
,#0#(#,5)5*, #.)5,)5,(-.)5B!-.ã)55goig55goilC5'&"),#-5/,(ù-.#-55-)##-Ȼ65 5,.,ù-.#55^#(0-ã)_555#&!&#5+/5-5!(,&#4)/5)')5,.,ù-.#55.)55
quando resistem aos despejos, e quando aparecem, institucionalizadas e com maior visibilidade qualquer favela, torna-se mais forte especialmente no final dos anos 40 e durante a década de
as escolas de samba, as rodas, os ranchos, etc. gokf65)'*("()5-5')#ŀéċ-5552*(-ã)5)5',)5#')#&#á,#)55-5#-*/.-55.,,5
+/5 -5 &,'5 '5 *,&&)5 à-5 *,--ċ-5 -)##-5 ()-5 '#)-5 .(.)5 /,()5 +/(.)5 ,/,#-ȼ85 -.5
),.(.)5-ã)5á,-5+/5.#0,'55B.'C5/'5*,)/éã)55/'5(-#5-ĉ#)7-*#&65*)&ù.#5 #'!'6555!(,&#4éã)55 0&5)')5^#(0-ã)_50#65*),.(.)65-,5(ã)5-ĉ55-,#éã)55/'5
5/&./,&85'5&!/'-5á,-5-(0)&0,'5/'5*#.&5-)#&5#'*),.(.655+/50#5,5-5 situação real em parte dos casos, como certamente uma representação social e política.
para movimentos sociais de décadas mais recentes. Portanto, produziram (e produzem) o espaço
social da cidade. Um aspecto que também se tornou recorrente em especial nas metas do poder público, foi a
0#-ã)55 0&5)')5á,55^"#.éã)5*,á,#65!,_65/'5$/-.#ŀ.#05+/55.),(05
(.,.(.)65*,5.,5)5)(#.)55 0&5(5),!'5'#-5"#-.ĉ,#55+/5()-5*,)*)')-65 *),.(.)5-/$#.5 #&'(.5à5^,,#éã)_85,.7-550,55.,(-#.),#555*,'(ð(#85
a pergunta deve ser colocada em dois sentidos: o que particularizaria a favela historicamente -.5-(.#)65)#-5-*.)-5*)'5-,5,--&.)-95*,#'#,)5+/5)5 (Ċ'()5 0&55*,'(/:5
,(.5 à5 #>5 65 '5 -!/()5 &/!,65 )5 +/5 -5 --'&",#5 "#-.),#'(.5 à5 #>5 ,#5 5'5-!/()5&/!,655*,*éã)5-5)(-.,/éċ-5)')5*.,#'Ċ(#)85--#'5ï5+/65)'5,-*#.)5
possível uma generalização do ponto de vista histórico? Neste sentido, selecionamos alguns às implicações da favela enquanto parte da cidade, como espaço produzido, e produzido social-
indicadores que foram tradicionalmente usados para a conceituação de favela, e, avançando na '(.65-.50#5.,5.'ï'5)5-(.#)55,*,-(.,5/'5*.,#'Ċ(#)85,&)-5&-)(5,,#,5)-5
()--5,ł2ã)65(/'5*,#'#,)5')'(.)5#(0,.')-55*,!/(.655*(-()5(ã)5)')5^5# ,(é5 (.)-65/'5!,(5/,(#-.65,+/#..)65-*,#)5"á5hf5()-655"'055.(éã)5*,5-.5
do resto da cidade”, mas, inversamente, a semelhança com o resto da cidade. -*.)65'5+/5"á5/'5*,)/éã)5-*ùŀ5+/505-,5)'*,(#55,-*#.5)')5*,.5
5/'5*.,#'Ċ(#)65'5+/5 ),'5#(0-.#)-5,/,-)-5.(.)5*),5*,.5)-5'),),-5+/(.)5*),5
Um primeiro indicador poderia ser no aspecto ligado à morfologia, à forma urbana, à irregu- vezes do poder público7.
&,#5.,4#5*),5/'5,-#'(.)55.#*)5^),!â(#)_5 ),5-5,!/&'(.éċ-5/,(ù-.#-85
Perguntamo-nos se é possível se fazer uma generalização completa, especialmente do ponto (.,.(.)65*,5+/5)52,ù#)5-5.),(5)'*&.)65.,.')-55)-,0,5(/'5-!/()55')'(.)65
de vista da origem histórica dos núcleos, que é o viés deste trabalho. Observamos, então, que $á5-.&#)-5&!/(-5*,â'.,)-5!,#-65^)5+/5-,#5'#-5# ,(._5(5 0&5'5,&éã)5à5
muitas favelas surgiram a partir de traçados relativamente regulares quer seja porque eram cidade. Neste caso observamos que, como ocorre com os bairros, especialmente os mais anti-

____________ ____________
Ⱥ5-.5ï5/'5-#./éã)5)nstantemente denunciada na imprensa, especialmente na década de 1950 (SILVA, 2005). 6 São inúmeros os reg#-.,)-5 (5 #'*,(-5 -),5 -5 #-*/.-5 ()5 "')5^-,.ã)5 ,#)_65 +/5 ),,-*)(#65 5 !,)--)5
'))65à5á,5)-.5)5#)65)(5-5*,)--055*,--ã)55&).),-5B!,#&#,)-5)/5(ã)C5)(.,5)-5*)--#,)-55,!#ã)5
Ȼ5 O prefeito faz uma série de visitas aos bairros (inclusive favelas) do Rio, onde recebe manifestos e abaixo assinados (SILVA, 2005).
com reinvidicações especialmente urbanísticas. Isto é registrado pela imprensa no Morro de São Carlos, na Mangueira,
em Maria Angu, etc. (SILVA, 2005). 7 -.5ï5)5-)55#(Ě',-5 0&-65'5+/5)5*,ĉ*,#)5!)0,()5)&))/5&!/'5.#*)55#( ,-.,/./,65*),52'*&)855

32 33
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

gos, ou de urbanização mais antiga, a favela também apresenta particularidades. Tomando-se Referências Bibliográficas
apenas um aspecto, que no momento estamos estudando na UFF8, a respeito dos arranjos e
5-#./éċ-5 /(#á,#-5+/5*)7-5()(.,,5-*#&'(.5(-5 0&-5'#-5)(-)&#-65-.')-55 65 /,##)5 5 &'#5 BgoojC85 )(-.,/#()5 /'5 "#-.ĉ,#5 -+/#:5 ),#!'5 5 2*(-ã)5
observando algumas particularidades. De fato, o que representa a propriedade, a posse, ou o que inicial das favelas do Rio. Espaço e Debates. V.14, n.37, São Paulo, p. 34-46.
ï5,)("#)5)')5&!ù.#')I&!&65-50á,#-5 ),'-55)(.,.)-5, ,(.-55&$-65)/55 ),'-5
de locação, significam, por vezes, outras ordens ou conceitos que diferem da ordem jurídica Ò
65 ,#5/&55 65#)5BhffnC85História e memória de Vigário Geral. Rio de Janeiro:
5(0)&0'5()0)-5.),-955--)#éã)55'),),-65!(.-5#')#&#á,#)-5-*ùŀ)-65 ),'-5 Aeroplano.
particulares de definição de lotes, entre outros, e que parecem expressar a diversidade da favela.
65 ù-#5 ,#50&(.#5BgoknC85-),-55)(.5)5$/:5-*.)-55)(.,#/#éã)5
Por outro lado, pode-se atentar, ainda, para aspectos observados por outros pesquisadores, e que de portugueses e espanhóis para o desenvolvimento da pesca na Guanabara. Revista Brasileira de
particularizam formas de sociabilidade, diferentes relações com o espaço público, etc., como Geografia . Vol.20, n.02, p.49-69, abr./jun.
lembram Jailson de Souza e Silva e Jorge Luiz Barbosa ao tratarem das relações na favela.
65 &-)(5 5 ĉ,!5 BhffgC85 Escolas de samba: sujeitos celebrantes e objetos celebrados.
Portanto, existe uma abordagem que trata a favela na sua particularidade ou diferenciação em (Coleção Memória Carioca, volume 3) Rio de Janeiro: Secretaria das Culturas/Departamento Geral de
relação à cidade onde se insere, mas que também guarda relações com os processos mais gerais Documentação e Informação, Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro.
do urbano. Neste sentido, verifica-se que, ao se pensar no conceito de favela, na forma como
*,5.,5)),,#)5"#-.),#'(.65)5+/5',!5ï5/'5 (Ċ'()5)'*&2)65+/5.,45# ,(.-55 MAIOLINO, Ana Lúcia Gonçalves (2008) Espaço urbano. Conflitos e subjetividade. Rio de Janeiro:
-*.)-5 5 â(!/&)-65 )( ),'5 5 0,#á0&5 +/5 -5 +/,5 -*#ŀ,85 5 0,65 .ï5 '-')5 (-5 595
8
imagens e representações, determinadas ambiguidades/contradições vão aparecer, segundo a
contextualização histórica.  65/4(5BhffnC855^5 0&5+/50#,)/5#_5#(5 ¡65 á,#)5 ),-5B8I),!C5
Cidade (i)legal. Rio de Janeiro: Mauad X, p.73-108.
(,,)65(.ã)5'5*,!/(.()5-5-.5)'*&2#65-5-.-5'#!/#-5"#-.ĉ,#-55(ã)5-ã)5
-5)(.,#éċ-55*,ĉ*,#5#655+/5ŀ'5'#-50#-ù0#-5)5-5^#-)&,_5)/5^-.,(",_5/'5á,65 65,&)-5&-)(5,,#,5)-5BgommC5^)&0#()55*(-,5(5 0&-55/-55&-5*,# ,#-_5
+/5 /(#)(,#5+/-5)')5/'5^ ,)(.#,_5)(5-5)(.,#éċ-65-5#()0éċ-55'#-./,'7-55 in Nueva Sociedad (30) Caracas.
.),('7-5'#-50#-ù0#->5/5-$65-5-5+/,5)(#./,5 0&650')-5*(-á7&5)')5-5*(-55
cidade, ou partes da cidade, em que bairros apresentam particularidades, mas são intrinsecamente  65,&)-5/,)5BhffgC85O Rio de Janeiro na era Pedro Ernesto85#)55
(#,)9585I55
associados às contradições e processos mais gerais da urbanização.  
8

SILVA, Jailson de Souza e, BARBOSA, Jorge Luiz (2005). Favela. Alegria e dor na cidade. Rio de
____________ 5
(#,)95#.),5 95DE 85
8 ,.7-55*-+/#-5^#!(#ŀ)-55,*,-(.éċ-5'5 0&-:5)5+/5ï55)5+/5(ã)5ï5*,ĉ*,#)65)5+/5ï_5B#(##5'5
hffnC855)$.#0)5ï5)55(&#-,55,*,-(.éã)5)-5'),),-5-),5&!/(-5)(#.)-5 /(#á,#)-555)(#éċ-55
ocupação buscando observar os seus diversos significados. SILVA, Maria Lais Pereira da (2005). Favelas Cariocas (1930 – 1964).5 #)5 5
(#,)95 #.),5
Contraponto.

 65 ù#5)5,)5BhffkC85A invenção da Favela. Do mito de origem à favela.com. Rio de



(#,)95858

34 35
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Reconhecendo a diversidade das favelas cariocas


*HU{QLPR/HLWmR‡(VFRODGH$UTXLWHWXUDH8UEDQLVPR– UFF

1.Introdução 2. Todas as favelas são iguais?


-5)5-/5-/,!#'(.)65"á5'#-55/'5-ï/&)65-5 0&-5.ð'5 No início do século XXI, as favelas da cidade do Rio de Janeiro não são apenas distintas daquelas
passado por um quadro de significativas transformações, no que 2#-.(.-5"á5#(+Ĝ(.5()-65)')65.'ï'65*,-(.'5# ,(é-5#(.,(-5+/5 ),'5)(-.#-
#45,-*#.)5à-5*,á.#-55*,)/éã)5)5-*é)65'5)')5()5 tuídas ao longo do tempo e de sua expansão espacial. No entanto, a visão homogeneizante, que
+/5 -5 , ,5 )-5 *,)/.)-5 !,)-5 *),5 ---5 *,á.#-85 5 --5 )(-#,5^#!/#-_5.)-5-5 0&-65#(5-.á5*,-(.5()5-(-)5)'/'5@55.'ï'5(-5*,á.#-
modo, é possível afirmar que, sobretudo nas favelas de maior -55&!/(-5!(.-5)5-.),5*Ě&#)855,.7-55/'50#-ã)5+/5(ã)5á5)(.55)'*&25
porte: dinâmica sócio-espacial das favelas cariocas e deve, portanto, ser revista.

R5 de um espaço predominantemente residencial,


á5 ()-5 ()-5 jf5 )5 -ï/&)5 *--)65 ,5 *)--ù0&5 )-,0,5 5 2#-.ð(#5 5 /'5 ^*,*éã)5 5
houve uma evolução para um outro cada vez mais natureza particularizada das favelas (...) relacionada a tentativas de qualificação dos aglomerados,
complexo, no que diz respeito ao uso e ocupação do em função de sua origem e de diferentes momentos no seu desenvolvimento”, afirma Pereira
solo; da Silva (2003:110). A autora destaca, nesse sentido, as considerações do Dr. Victor Tavares
R5 os padrões construtivos da moradia tam- )/,655 */&#-5'5goji65-),5-5# ,(é-52#-.(.-5(.,5-50á,#-5 0&-55#5)5
ï'5 -5 &.,,'595 )(-.,/éċ-5 *,á,#-5 2#-.'65 Rio de Janeiro, além daquelas observadas internamente nestes assentamentos informais.
porém observa-se um predomínio de edificações de
alvenaria; ,#,55#&05)(&/#5+/65'),5^2#-.5/'5,.5*,)/*éã)5(5*,.#/&,#4éã)55 0&65
R5 ocorreram mudanças no processo de construção da especialmente nos anos 40, permanecendo estes cuidados, em alguns casos, até pelo menos
moradia: embora a auto-produção, envolvendo quase ')-5)-5()-5kf_5Bhffi9ggiC65"á65-#'/&.('(.65/'5*,*éã)55+/5-5 0&-5-ã)65-)5
que exclusivamente a família, cumpra, ainda, um pa- 0á,#)-5-*.)-65-'&"(.-855
pel expressivo, observa-se, com freqüência crescente a
existência de formas remuneradas de produção; Trinta anos após a publicação dos trabalhos de Tavares Moura, em 1970, Boschi e Goldschmidt
R5 -5 -.,/./,5 /'5 2*,--#0)5 ',)5 #')#&#á,#)5 "''5 .(éã)5 *,5 )5 .)5 5 +/5 )5 *,)--)5 5^ 0&#4éã)_@5 -/,!#'(.)5 5 2*(-ã)5 5
informal na favela – um mercado que, ao mesmo 0&-55 (/'5.,'#(5á,5/,(5@5,#5),#!'5à5 ),'-5-*##-5#-.#(.-65(ã)5*(-5
tempo se assemelha e se diferencia daquele praticado em relação à cidade oficial, mas, também, entre as diferentes favelas existentes numa cidade.
na cidade oficial; ---55/.),-5'5*),5)(&/#,5+/5)5.,')5^ 0&_5ï5/'5!(,&#4éã)855
R5 e, por último, que, a partir do final da década de
1970, observa-se a ocorrência de uma crescente Boschi e Goldschmidt (1970) destacam, ainda, alguns aspectos considerados determinantes na
diferenciação sócio-espacial interna nas favelas de -.,/./,éã)5-*#&5-5 0&-855.)*)!,ŀ5*),#65*),52'*&)65)(-.#./#,5/'5)-.á/&)55*,5
maior porte. uma maior expansão desses assentamentos, como no caso daqueles localizados em determinadas
á,-55()-.65(5#5)5#)55
(#,)85)(-#,'65.'ï'65+/5-*.)-5&#'á.#)-5
--5+/,)55-#!(#ŀ.#0-5.,(- ),'éċ-5&05à5(--#5 influenciariam os diferentes tipos de aproveitamento do espaço. A relação desses assentamentos
de uma revisão dos conceitos que caracterizam as favelas. Nesse -*)(.â()-5 )'5 -5 á,-5 (.,#-5 -'*(",#65 )5 '-')5 '))65 /'5 ,&0(.5 **&5 (5
sentido, apresentamos, um conjunto de reflexões, realizadas por ŀ(#éã)5 5 -/5 '), )&)!#85 5 --5 -(.#)65 #.'5 )')5 2'*&)5 -5 0&-5 &)&#4-5^'5
# ,(.-5 /.),-65 -),5 )5 ,á.,5 5 045 '#-5 ".,)!ð()5 zonas mais suburbanas (nas quais) pode-se inclusive encontrar pequenas hortas e pequena cria-
das favelas cariocas. éã)55(#'#-5)'ï-.#)-65)5+/5')#ŀ5)5*(),'5)(Ċ'#)_5Bgomf9kC8

36 37
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

,5)-"#55)&-"'#.65)/.,)5 .),5,-*)(-á0&5*),5/'5# ,(#éã)5(5-.,/./,55#(.,(5 0&_5@5+/5^*--55-,5.'ï'5&)&55'),#55&--5'ï#5'*),#55-.á55)(-)&#65


das favelas, observada no final da década de 60, seria a distribuição variada do mercado de *)--/#()5--55&0(,#55.ï5+/.,)5(,-_5@55/'5)($/(.)55 .),-95^)5'*),#-
5.,&")5(.,)55/'5'-'5#855--50,#éã)5-5)*),./(#-55.,&")5 ,#5)'5 mento da população, o aumento da taxa de desemprego, o subemprego e a inexistência de uma
+/5^)-5(Ě&)-5&)&#4)-5)(52#-.5',)5-.á0&65)'5(ù0#-5-&,##-5,&.#0'(.55&.)-65 *)&ù.#5"#.#)(&55 /(#á,#_85!/()5--5/.),655 0&5)-5()-5nf5*,-(.5^-*.)-5
sejam os mais desenvolvidos (com maior economia interna, diferenciação ocupacional mais #0,-)-5+/&-5-5ï-5(.,#),-55jf55mf_65$á5+/50á,#-5#-*ċ'55#( ,7-.,/./,55
ampla, e níveis de renda diversificados)” (1970:6). -('(.)65,-55#-.,#/#éã)55(,!#5&ï.,#55)&.5,!/&,55&#2)65-()5+/5^&!/'-5
até reproduzem em seu espaço o padrão de consumo da classe média com comércio e serviços
'5')-55ï55golf65)/.,)5/.),5@5 ")55#&05@5*)(.5*,552#-.ð(#55 )')5'#-55!#(á-.#55()-_65ŀ,'54(5Bgook9ghfC855
uma diversidade interna da favela, à semelhança de Boschi e Goldschimidt:
As transformações em curso nas favelas cariocas, nas décadas de 1980 e 1990, são, por sua vez,
“A favela não é uma realidade compacta e homogênea – o favelado, como categoria objeto de atenção da imprensa, como revela Pereira (2000:180):
analítica, não existe. Existem diversas categorias de favelados. Além das diferenciações
internas, existem grandes variações entre uma favela e outra. Os parâmetros a “São publicadas matérias sobre a ida de moradores dos bairros formais, de classe média
serem adotados no julgamento da favela devem estar adaptados ao nível e modo de baixa, para as favelas”, bem como reportagens constatando a “o surgimento de uma
desenvolvimento do meio urbano em que a favela se insere ¹”. classe média dentro das favelas, em função da melhoria progressiva de suas vidas, com
reflexos diretos nas casas, construídas em alvenaria, cada vez mais luxuosas e equipadas
--5 '-')5 *,ù))65
(#5 ,&'(5 ( .#45 '5 -/-5 -./)-5 )5 ,á.,5 #0,-#ŀ)5 )-5 com TV à cabo, aparelhos eletrônicos e outros referenciais desta evolução”.
assentamentos habitacionais informais, em contraponto ao exposto pelo Boletim Oficial da
,.,#55,0#é)-5)##-5)5,-#&65+/5-,0#655'))5!(,&#4(.655 0&5^)')5 5-/,!#'(.)55/'5',)5#')#&#á,#)5#( ),'&5@5)'55&)éã)550(55#ŀéċ-55
um grupo de moradias com alta densidade de ocupação, construídas desordenadamente, com .,,()-5#(5&#0,-5@5-,#5/'5)/.,5*/&#,#5--5^()05 0&_855--5^()05 0&_5
materiais inadequados, sem zoneamento, sem serviços públicos e em terrenos usados ilegal- não mais seria possível, portanto, chegar e ocupar um terreno para construir a moradia, como
'(.65-'5)5)(-(.#'(.)5)5*,)*,#.á,#)_8 )),,#5()5*--)855-,07-65#(&/-#065()5',)5#')#&#á,#)55 0&5@5,!#)5*),5(),'-5
e valores que oscilam segundo a demanda –, a atuação de uma classe média pauperizada, que
Para Perlman (1979), existiriam favelas de todos os tipos: desde aquelas que possuem uma acaba por expulsar os mais pobres, na disputa pelos melhores imóveis (Valladares, 1999).
ocupação mais rarefeita quanto outras mais adensadas. É possível, até mesmo, encontrar algumas
+/5*,-(.'5/'5'&"50#á,#5'5.,é65)'5-*é)-5&#0,-5+/5-5-.#(,ã)65()5 /./,)65 ,5&!/(-5/.),-65--5-&)'(.)55'',)-55^/'5&--5'ï#5+/5'*),/_5*,5
à5)(-.,/éã)55á,-55&4,5)/55+/#*'(.)-5)'/(#.á,#)-85/(.)5à-5,.,ù-.#-5)5 as favelas que dispõem de melhores condições de infra-estrutura e/ou de localização privilegiada,
ambiente construído, essa autora afirma que muitas apresentam melhoras significativas, no que .,#5 )(.,#/ù)5 -#!(#ŀ.#0'(.5 *,5 5 )(ŀ!/,éã)5 )5 ',)5 #')#&#á,#)5 #( ),'&5
se refere ao padrão construtivo das moradias e da disponibilidade de serviços urbanos. Desse 2#-.(.55(---5)'/(#-855),5--5+/-.ã)654(5Bgook9ghgC5ŀ,'5+/5^5 0&5)5
'))65--5/.),5)(&/#5+/65'5Ě&.#'5(á&#-65)5+/5#-.#(!/55 0&55)/.,-5)'/(#- receber melhoramentos também apresentou uma valorização de seus barracos, expulsando seus
dades pobres que lhes são semelhantes é a questão da propriedade da terra. (.#!)-5'),),-_65-()5^!,(5)5#(.,--55'),),-55#,,)-50#4#(")-5à-5 0&-5'#-5
bem localizadas na compra de barracos”.
/.,)-5 /.),-65 ()-5 ()-5 goof65 "''5 .(éã)65 .'ï'65 *,5 )5 -/,!#'(.)5 5 /'5^()05
favela”, na década anterior, com características distintas daquelas até então observadas nesses Os depoimentos de presidentes de associações de moradores de favelas localizadas na zona
--(.'(.)-5#( ),'#-8554(5Bgook9ghfC65*),52'*&)65.,#/#5)5-/,!#'(.)5--5^()05 -/&55#5)5#)55
(#,)5*,'5)(ŀ,',5--5*,)--)55^&#.#4éã)_5@5(5ŀ(#éã)5
de Valladares (1999) – de algumas comunidades faveladas. No início da década de 1990, o
____________
então presidente da Associação de Moradores do Chapéu Mangueira, Jaime Martins, afirma
̎5 (95^,()-5,-#&#,)-_65(Ě',)5i65golm8

38 39
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

que eram comuns as ofertas de troca de carros por barracos na favela, embora existisse, no (5 &--5 5 BhjzC_85 5 -,0)/7-65 #(65 (5 *-+/#-5 ^5 2#-.ð(#5 5 5*--)-5 5 &--5 h5
-../.)5555(.#65/'5&á/-/&5*,)##()550(55--5*,5+/'5(ã)5 )--5'),),555 Bh6kzC65g5Bl6nzC55h5Bgm6izC5(-5)'/(#-_65-()5+/5^'()-55gz55*,.(5à5&--5
)'/(#5652.)5-5(ã)5")/0--5#(.,--)-85--5&á/-/&65()5(.(.)65(ã)5,5/'*,#565 _855/.,-5#( ),'éċ-5)&.-5@5(5+/&55.,'#(éã)55&--5 )#5 #.55),)5)'5
sendo freqüentes as transações de compra e venda envolvendo pessoas que não moravam na favela, )5,#.ï,#)5,-#&55&--#ŀéã)5)#&5@5,0&'5+/5^,55koz5-5*--)-55(.,0#-.-5
reconhecia Jaime Martins. Por sua vez, na favela do Vidigal, de acordo com o então presidente disseram estar satisfeitas com a vida que levam, sendo que 38% dessas ganham entre 1 e 3
5--)#éã)65 á,#)55 /465)5(Ě',)55'),),-55)'/(#5"0#5/'(.)55ifz5()-5 5-&á,#)-5'ù(#')-_855/(.)5)-5(-55)(-/')5,&#)()-5/,(.5-5(.,0#-.-65^.&0#-ã)65
Ě&.#')-5()-65)'55"!55^&--5'ï#_65+/5*--)/55)/*,5-5'&"),-5)(-.,/éċ-65 !&#,65 &0),5 5 ,)/*5 5 0ù)5 --.5 -ã)5 &!/(-5 '#-5 *)--/ù)-_65 -()5 +/5^,5 5
enquanto que os antigos habitantes se deslocavam para terrenos ainda desocupados, nas partes 96% dos moradores têm TV em cores, 55% possuem vídeo cassete e mais de 57% têm lavadora
'#-5&.-5)5'),,)̏85 5,)/*-_855&!/(-5)-5"','5*,.#/&,'(.55.(éã)5)-5*-+/#-),-95^(5 0&65
15% das pessoas utilizam carro próprio e 2,4% têm empregada mensalista”. Por último, no
5-/,!#'(.)65*),.(.)655/'5^()05 0&_65(5+/&5-5)-,05/'5'#),5#0,-#5)5/-)5 que diz respeito à escolaridade, a pesquisa aponta que 37% dos entrevistados possuem ensino
e da ocupação do solo – particularmente nos assentamentos de maior porte – faz com que seja fundamental completo, 13% têm o médio completo, e apenas 1,3% completaram o superior.
(--á,#)65,--&.5&&,-5Bhfff9ghC65^()(,550#-ã)5-#'*&#-.55#&#45+/5.,#/#5
às favelas uma função exclusivamente de moradia, para nos darmos conta de que se tornaram ,5 )5 -)#ĉ&)!)5 #,)5 #(",-Ȼ65 --5 )&",5 ")')!(#4(.5 5 0&5 #(0##&#45 5
importantíssimos mercados de bens e serviços”. De acordo com essa autora, comerciantes e implementação de políticas públicas adequadas, uma vez que os gestores são incapazes de
*,)ŀ--#)(#-5&#,#-5$á5-5,'5)(.5--5()0)5+/,)95)-5*,#'#,)-65^*.()7-5à-5()0-55 reconhecer a dimensão da diversidade e da diferença, o que comprometeria a realização de ações
necessidades de sua clientela, especializando-se, renovando os produtos e seus estoques, aceitando voltadas para reduzir o quadro de desigualdades. Linhares afirma que os olhares criminalizante
,.ċ-55,ï#.)_65(+/(.)5+/5'ï#)-65(.#-.-650)!)-55*,) --),-5^.'ï'55 0#,'5 5&#((.55 '5,&éã)5à5 0&65)5.,(- ),'á7&5()5.,,#.ĉ,#)5*,#0#&!#)5)5,#'55()5&/!,5
ali a possibilidade de vender seus serviços a menor custo, em troca de uma clientela segura, com 5/-ð(#5@5^)5&/!,55)#.)-65()5-(-)5)'/'5!(,)-)_5@65)(.,#/#,#'5*,55)(-.#-
necessidades e demandas constantes”³ (Valladares, 2000:12). ./#éã)5 -.5 0#-ã)5 ")')!(#4(.85 5 5 ),)5 )'5 )5 -)#ĉ&)!)65^5 !(5 +/5 -/,!5 --5
visão é policialesca e segregacionista”. As políticas públicas decorrentes de uma abordagem que
-+/#-55)*#(#ã)55',)5,&#45'5hffh65*&)5Ě&)55-+/#-5)5 I#0#)5@5 considera a favela um espaço indiferenciado, não reconhecem, portanto, as redes existentes nas
0&65*#(#ã)55 ,)5@65)(ŀ,'65*),5-/504655#0,-#5)5*,ŀ&5-ĉ#)7)(Ċ'#)555 comunidades faveladas e, consequentemente, a perspectiva de participação organizada da popu-
*)*/&éã)5 0&5()5'/(#ù*#)5)5#)55
(#,)Ⱥ8555),)5)'5--5*-+/#-5@55,&#45 lação na resolução de seus problemas.
*&5*,#'#,50465()5,-#&65'5 0&-65-!/()5)5 5@65^)-5'),),-55)'/(#-5*),-5
do município do Rio se concentram na classe C (51,3%), mas existe uma parcela significativa Não são apenas os estudiosos do tema que se dão conta de que as favelas passaram por
5.,(- ),'éċ-5 2*,--#0-95 '5 goon65 (5 *,)/éã)5 )5 ŀ&'5 ^, /_5 @5 #(-*#,)5 (5 *é5 5
____________ 5#(##/-55 ),-65^, /55)(#éã)5+/5.,(-*&(.5)5'#.)5!,!)65, /5*,5)5&ù,#)5
̏5Citado por Rezende (2000:121/122). '),,)5 ,#)55 )-5 ()-5 kf_5 @65 )5 #(-.5 á5 #!/-ȼ5 ,)("5 +/5 5 0&5 ()!,áŀ5
,#5*,5-55ŀ&'!(-5.,#55-,5'5# ,(.5+/&52#-.(.5"á5+/-5#(+Ĝ(.5()-85
³ (Ě(#)-5*/&##.á,#)-5*/&#)-5()5
),(&5),,#)55)(5/&5ã)52'*&)-5)-5()0)-5-,0#é)-52#-.(.-5'5 De acordo com o cineasta, o adensamento populacional e o quadro de violência seriam as dife-
/'5!,(5 0&5,#)95^)#("5$á5.'5-/5*,#'#,5&0(,#5-& 7-,0#855)/*5-/$5-5&058885,,)/5+/'5
disse em casa. Pelo menos é o que pensa a maioria dos moradores da Rocinha, depois da inauguração da Lavanderia renças fundamentais entre essas duas favelas:
Saboom, o mais novo e moderno investimento do gênero na comunidade, que oferece ainda uma outra oportunidade
#(ï#.95)5-,0#é)55-& 7-,0#_5B()0',)Igoom9hgC55^(.,)5 ï#)55)#("5@5 
85--)#7-95&()-5 ____________
-'5,ð(#55.(#'(.)-5,.#/&,-95&ù(#5 ï#65#.,#65/,)&)!#65(.#-.652'-55 ),.ĉ,#)85
-.,55á065kgm75/,05)565&95ihhklii575#,#'(.555ȟ55ľ575-5n9ff5à-5go9ff5"-8I5á)655o9ff5à-5 Ȼ5&-.,5,&#45()5'#(á,#)5^-5/./,)-5)--ù0#-5-50&-55-5#-5)5#)55
(#,)_65*,)')0#)5*&)5
12:00 hs.”(abril/1997:3): Observatório de Favelas, na Universidade Cândido Mendes, em 9 de novembro de 2003.

6 “É tudo cenário: “Orfeu”, de Cacá Diegues, traduz em favela cenográfica a realidade do morro dos anos 90” – O Globo, 26
Ⱥ5 ( ),'éċ-5)&.-5'5^5&/,&_65#( ),'.#0)5'(-&5)5 575  65-.',)55hffh8 de julho de 1998.

40 41
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

“Historicamente, (...) a favela está numa espécie de terceira geração, que é a que Orfeu +/5 45)'5+/5.("55*!,5)-5#'*)-.)-50#)-5@5^'5.,)_65ŀ,'5527-,.á,#65^ŀ5
quer, pela primeira vez, retratar no cinema. Até os anos 50, a favela era representada com o direito de exigir serviços públicos de boa qualidade”.
como em “Orfeu da Conceição” e em “Rio 40 graus”, de forma lírica. E era lírica mesmo,
um lugar onde moravam relativamente poucas pessoas, que tinham uma vida pratica- 5#5#( ),'&65*),5)/.,)5&)65---5*,)#'(.)-5(ã)5-ã)5)-,0)-95^)5#ã)55 0&)_5
mente rural. Depois dessa fase lírica, devido a grande migração e ao inchamento das constrói onde bem quer, invade propriedades públicas e privadas, devasta a Mata Atlântica, não
favelas, tornou-se um lugar superpovoado e marcado pela miséria. Começou o que eu se importa com as regras de segurança e desconhece as exigências urbanas mínimas” diz Sandra
chamo de fase da queixa. Hoje, uma favela da terceira geração luta pela afirmação, pelo Cavalcanti. O imóvel assim construído não existe formalmente para as autoridades municipais,
orgulho de ser favelado mesmo convivendo com todos os problemas como a violência”. ^*),5#--)65(ã)5*!5#'*)-.)-_65'-65,--&.5527-,.á,#65^#--)5(ã)5)5#'*552#!#,5+/5)5
poder público lhe forneça serviços de boa qualidade”.
5#,.),55,.55^, /_65&)0#-5/()65)(),5)'5-5ŀ,'éċ-55#!/-5-),5-5
mudanças ocorridas na morfologia da favela carioca: Sandra Cavalcanti enfatiza, ainda, a expressão dessa cidade construída à margem das normas
/,(ù-.#-5+/5(ã)5*)65*),.(.)65-,5#!(),65ŀ(&65^,*,-(.65")$65'#&"ċ-55'.,)-5
“Quando fiz outras favelas para o cinema eram aqueles barracos de zinco, a birosca que +/,)-5 5 )(-.,/éã)5 '5 &0(,#65 ,!/#)-5 !,é-5 )5 *),5 )(Ċ'#)5 -.-5 #ã)-5
só vendia cachaça. Pra fazer o cenário de “Orfeu”, eu e Cacá subimos vários morros e #( ),'#-_855,5&655^/.),#5*Ě&#5B+/C5()()/5-5*)--##&#-5&!#-55*, ,#/55
fizemos uma pesquisa intensa para conhecer a favela de hoje, muito diferente daquela '#(",5 *&-5 #&!#-_65 -,#5 5 *,#(#*&5 ,-*)(-á0&5 *&)5 ,-(.5 *,)--)5 5 0&#4éã)5
que era representada”. )-,0)55 (5 #5 )5 #)5 5
(#,)65 5 *,.#,5 5 ï5 5 gonf85 5 5 *)-./,5^.)&,(.5 5
populista” do poder público, nos últimos vinte anos, teria dado, dessa maneira, origem a um
'5(.,0#-.5*/&#5'5hffh65(,50&(.#5@5-,.á,#55,0#é)-5)##-5()55!)0,()5 quadro de consolidação e expansão dos assentamentos informais:
Carlos Lacerda, no início da década de 60 – também percebe as transformações ocorridas
(5 -.,/./,55 -ĉ#)7-*#&5 -5 0&-5 ,#)-Ƚ95^-5 0&-5 )5 '/5 .'*)5 (5 ,.,#5 5 “Quando o governador Brizola permitiu que as construções pudessem ser em alvenaria,
,0#é)-5 )##-5 ,'5 '/#.)5 # ,(.-5 -5 5 ")$85 +/&5 ,á.,5 .,(-#.ĉ,#)5 5 *,á,#)5 )5 em 1983, houve uma revolução. Essa permissão, aliás, só existe no Rio. Esse é um
barraco, acabou”. dado que as pessoas devem levar em conta. A alvenaria mudou o morro. Não há
barraco de madeira. Só se vê tijolo e telha. A urbanização não tem mais nada a ver
'5,.#!)5*/&#)5()5$),(&55&))65'5hm55',é)55goonȾ65527-,.á,#5-,05-5 com isso. Peguem a Rocinha, por exemplo: a única coisa que se pode urbanizar lá é o
,.,ù-.#-5--5^()05 0&_5,#)855,5(,50&(.#655*,,#5)-5,,)-5 próprio favelado. Como? Oferecendo-lhe a mesma prestação de serviços públicos que
5'#,55.&"-554#()5ï5&!)5+/5*,.(5)5*--)65/'5045+/5^-5'#),-5 0&-5)5 qualquer pessoa encontra na cidade”.
#)65")$65-ã)5 ),'-5*),5--55(!ĉ#)-65)(-/&.ĉ,#)-65-,#.ĉ,#)-65'),#-5)( ),.á0#-65
enfim, são cidades informais, enquistadas na cidade formal”. A autora do artigo destaca as Sandra Cavalcanti, não acredita na possibilidade de promover a integração entre a favela e a
diferenças existentes entre essas duas cidades – a formal e a informal. De acordo com Sandra cidade formal, uma vez que as regras que regem a estruturação desses espaços são absolutamente
0&(.#65 (5 #5 )ŀ#&65 ^)5 #ã)5 ^/,()_5 -ĉ5 *)5 )(-.,/#,5 '5 .,,()5 &!&#4)_65 #-.#(.-55@5'#-5)5+/5#-.#(.-5@5(.!Ċ(#-855,.7-65*),.(.)65,-/'655/'5'.5
5(--#.()55/'5&#(é5*,5.(.)565*),5--5,4ã)65^)5à-5,!,-5)5/,(#-')55 entre a ordem e a desordem urbanas.
segurança”. Cumpridas as exigências legais, seu imóvel passa a integrar o cadastro municipal, o

____________ 3. Considerações Finais


7 ^*ù./&)-55 'ĉ,#5)5,(#-')5,#)_855/(éã)5.Ě&#)5,!-65#)55
(#,)65 658555  5
L. (organizadores).
A favela do final do século XX não é mais, como se imaginava no passado, tão somente um
8 “Cidade informal X Cidade formal, uma falsa - ou parcial - oposição”. ^.,'*)&#'5*,55#_5@5)5&/!,5.'*),á,#)5)-5+/5"!0'5à5'.,ĉ*)&65(5/-55/'5

42 43
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

/./,)5'&"),855&!/(-5/.),-5B-.,)6gomo:5 )1,#%65gomo:5&&,-65goniC5$á5"'0'5 *&)5',)5#')#&#á,#)5#( ),'&5+/65'),5',)5*&5#( ),'&#5-5,&éċ-65!/,-


atenção para o fato de que, para muitos, a favela seria o local permanente de moradia na cidade. 65-)50á,#)-5-*.)-65-'&"(é-5)'5)55#5#.5)ŀ#&855'5-5-'&"(é-5+/5
--5-(.#)65-.,(%5-"(,5Bhffi9jgC5ŀ,'5+/5^!),65$á5-5*,/5+/5)5 0&)5 *)'5-,5#(.#ŀ-5-.á5()-5 .),-5.,'#((.-5*,5/'50&),#4éã)5# ,(#55
fica no assentamento por longo tempo e que a favela é parte integrante e mesmo estruturante moradia: do mesmo modo que na cidade oficial, o acesso à infra-estrutura e a proximidade com
da cidade brasileira”. As características particulares da dinâmica de estruturação espacial da as vias por onde circulam os meios de transporte público são fatores que contribuem para que
favela – particularmente daquelas de maior porte – geram uma diferenciação sócio-espacial, em um imóvel seja mais valioso do que outro.
+/65^.&5+/&5'5#,,)-5'#),-65)(0#0'5#-.#(.)-5-.),-65+/5,#!'5# ,(.-5'-5
-)##-_65#45--5/.),5Bhffi9jfC855),5/&.#')65-.,(%5-"(,5)(-#,55*,-(é5,-- Conclui-se, portanto, que a diversidade dos processos de produção da moradia contribui, ao
(.5)5(,).,áŀ)5(5 0&65)5*,#(#*&5&'(.)5)(-.#./#(.55/'5*),5*,&&)5)5)5 lado de outros fatores, para que se verifique uma diferenciação sócio-espacial interna nas favelas,
-.)65()5+/&5^)-5.,ŀ(.-5)'*,'5)5-#&ð(#)55*)*/&éã)5.,&"),5)'5(---55 -),./)5(-55'#),5*),.6565.'ï'65# ,(é-5(.,5-50á,#-5 0&-55#5)5#)55
)'5)5')_65-/-.#./#()65--#'65^5&#55-5,!,-55)(0#0ð(#5-)#&_55^#'*)()5-/5&#55 Janeiro – expressas em formas, temporalidades e processos de estruturação espacial distintos.
as suas normas” (2003:40).

'),5#0,-)-5/.),-5.("'5-(0)&0#)5-./)-5+/5*)(.'5*,5)5,á.,5".,)!ð()5
da favela, a visão homogeneizante ainda vigora, tanto entre setores da administração pública, Referências Bibliográficas
quanto entre alguns estudiosos da cidade, porém é sobretudo no senso comum que essa visão
prevalece. Observa-se essa mesma abordagem reducionista, quando se trata de caracterizar a  6585;5  585)*/&éċ-50&-5)5-.)55/(,855)#5
produção da moradia nesses assentamentos informais: ainda são freqüentes as visões que apon- ,-#&#,55 (-.,/éã)65 (-.#./.)5(#0,-#.á,#)55-+/#--5)5#)55
(#,)65#éċ-5)-65gomf8
.'5)-5-#-.'-55/.)7$/555$/5'Ě./5)')5-5 ),'-5"!'Ċ(#-55)(-.,/éã)85
Desse modo, de acordo com essa perspectiva homogeneizante, a moradia em uma favela seria  ›655@5)-5,,)-55'#,5)-5*,ï#)-55+/#.#(.-95'5(á&#-5)5*,)--)55
construída, quase sempre, pela própria família ou com o apoio de parentes e vizinhos, sem produção da moradia na favela da Rocinha, ao longo de cinqüenta anos. Tese de Doutorado,
qualquer remuneração da mão de obra envolvida nessa empreitada. Ignora-se, assim, o papel Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.
-'*(")5*&)5',)5#')#&#á,#)5#( ),'&52#-.(.5(5 0&65()5+/&5'),#-5*)'5
ser construídas também para locação e venda.  55 65 85 85@5,/,-)-65-#!(#ŀ)-655*,'(ð(#5-5 0&-5,#)-Bgoif7goljC65-5
de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2003.
--5),!'65*),.(.)65(ã)5á5)(.55)'*&25#(â'#55*,)/éã)55'),#5()-5
assentamentos informais, particularmente nas grandes favelas cariocas – como a Rocinha, o  65
8585@5Ļ5 3."5) 5 ,!#(&#.395,(5*)0,.35(5*)&#.#-5#(5#)55
(#,)85
Jacarezinho, a Maré e o Complexo do Alemão –, onde se verifica a existência de combinações ,%&36585(#0,-#.35) 5&# ),(#5,--85gomo8
0,#-65 (0)&0()5 *,á.#-5 5 !(.-5 #-.#(.)-85 5 --5 '))65 "á5 +/'5 ,),,5 à5 )(.,.-
ção de mão de obra para a execução de serviços específicos, enquanto realiza tarefas na obra 6585 8585@5&($'(.)55)&ù.#5/(#á,#95-)5)5#)55
(#,)855-55
+/5(ã)52#$'5'#),5+/&#ŀéã)855á65*),5)/.,)5&)65+/'5)(-.,ĉ#55-65-5 /(éċ-5à5 Doutoramento, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1995.
cobertura, solicitando, eventualmente, o apoio de amigos e parentes para a realização de uma
.*55)(-.,/éã)565)')65*),52'*&)65^.,55&$5()5ŀ(&55-'(_8555'-'5 ),'65  65 585@55ð(-550&5,#)8555*,)/éã)5(.,#),5à-5#ð(#-5-)##-855
2#-.'5+/&-5+/5)'*,'55'),#5$á5*,)(.5*,65'#-5#(.65 4,5/'5, ),'5)/5 Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v.15, n.44, out. / 2000.
uma ampliação.
 56555@55,-#&55-/-50&-5 (55#55 ( ),'&#955-ŀ)5
Neste diversificado quadro de produção da moradia, deve ser ressaltado o papel desempenhado das cidades latino-americanas. Abramo, Pedro (organizador), Sette Letras, Rio de Janeiro, 2003.

44 45
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Contribuição para o conhecimento sobre as favelas


no Brasil
Laura Machado de Mello Bueno ‡ PUC Campinas

Agradeço a oportunidade de contribuir para a compreensão A estrutura de gestão do espaço público e de aprovação das obras privadas é composta
)5 +/5 ï5 5 0&5 (5 #(â'#5 ,&#5 ,-#&#,85 --5 de profissionais que geralmente não tem formação para a gestão pública, mas sim para o
coletivo agregado pelo Observatório das Favelas tem condição mercado privado. Apesar de chamado servidor público (em uma sociedade na qual a maior
de contribuir para o enfrentamento dos problemas a elas parte dos cidadãos não tem como adquirir moradia e serviços urbanos através do mercado
5,&#)()-65'5)')52*),5*,55-)#55*,5)5-.)5 formal) o profissional, geralmente das classes abastadas ou da classe media não tem nem
as riquezas e potencialidades destes assentamentos, de forma a experiência de convívio com esses espaços e nem a escola ou a Universidade ofereceram
aprimorar as políticas públicas brasileiras através do tratamento #(-5.,/'(.&5*,5&#,5)'5--5#5,&85)')52*&#,65*),52'*&)65+/5-$5^#.á7
dados à favelas. 0&_5+/5"$5á,-5-'5-('(.)65)/5+/5*)*/&éċ-5-$'5,')0#-5*,55,/650#)5
à5 2#-.ð(#5 5 )/.,)5^&!ù.#')_5 *,)*,#.á,#)65 )/5 +/5 "#-.),#'(.5 .("')-5 '5 # 7
No Brasil precisamos dar um salto de qualidade gigantesco ,(.-5#-5&!#-&éċ-5ŀ,'()5@5ŀ'5*,)##-5-5 0&-55),.#é)-5(.,)55á,5
no planejamento territorial, nas políticas públicas no meio urbana – como São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis? Assim, historicamente, inclusive
5/,()85 -5 #--)5 -)'(.5 )(.,á5 -5 ),'5 #(),*),)-5 no período de altas taxas de urbanização da população brasileira – segunda metade do
)-55--(.'(.)-5*,á,#)-55#,,!/&,-65.'ï'5"')-55 século XX – esses assentamentos eram desconsiderados pelo planejamento territorial e
assentamentos populares informais, destacando-se as favelas. As tratados apenas pelo serviço social e pela polícia.
*,á.#-5)(0(#)(#-55*&($'(.)5(-#-5552*,#ð(#5
urbana dos países desenvolvidos (que visaram, e em grande &ï'55#&!&#5+/(.)5à5*)--5)5.,,()65"á5)/.,-5#'(-ċ-55)(ł#.)85,&'(.55
parte alcançaram, a universalização de serviços, garantias de o parcelamento e edificação são proibidos – abrir acesso, definir um lote e construir
/'5,,)55 '5á,5*Ě&#55/-)5)'/'5)5*)0)65'5#,55ĉ,,!)65'5á,5&.5
qualidade de vida e moradia etc, com pleno emprego) não tem
declividade. O parcelamento e ocupação do solo resultantes são diferentes do que seria
como serem aplicadas em nossas cidades, pois temos um quadro
resultante da aplicação da legislação – dimensão dos lotes, largura das vias, índices urbanís-
socioespacial histórico de subemprego, ilegalidade e precarie-
.#)-5@5,/)-565,&éã)5(.,5á,5)(-.,/ù555)5&).855"á5.'ï'5)(ł#.)-5'5,&éã)5
dade da moradia.
ao uso, à atividade realizada do terreno – uso misto em zona residencial (morador tem uma
#)65)/5/-)5"#.#)(&5*,)##)5B#(/-.,#&65*),52'*&)C85),5ŀ'65"á5#,,!/&,#-5
5ŀ(#éã)55 0&5.'5 /(éã)5(5*,á.#5-)#&5)5/-)55
na própria edificação: materiais, dimensão, ventilação, iluminação, salubridade.
terra sem a detenção de direitos reconhecidos a partir de regis-
tros sobre ela. Foram os pobres historicamente que sempre
5 '),#5 *,á,#65 /,(#4éã)5 #()'*&.5 5 5 /-ð(#5 )5 -.)5 -5 --)#'5 à-5
0#0,'5-'5.ù./&)55*,)*,#65*)--65#,#.)55/-)655^-5 #ŀ/&-55')-.,-5*&)-5)-5-)#))(Ċ'#)-55'#),5*,.5)-5'),),-5B#25
escondiam” em lugares do espaço intraurbano e periférico – renda, baixa escolaridade, etc).
terras devolutas, terras privadas com litígio entre herdeiros, mal
localizadas – com nascentes, declives, etc, terras públicas sem Pretendo apresentar subsídios para a definição das favelas, destacando cinco aspectos: a
*,)!,'éã)5 5 /.#&#4éã)85 ---5 --(.'(.)-5 "á5 5 &.5 5 delimitação do assentamento informal, a detecção do domicílio dentro do assentamento,
#(0-.#'(.)-55*,#0)-65*)#-5)-5'),),-5-ã)5*),-855.'ï'55 50,#ŀéã)55(-#5"#.#)(&55')!,áŀ6550,#ŀéã)55)(2ã)555
&.'5)-5#(0-.#'(.)-55*Ě&#)-65*)#-55'á+/#(5*Ě&#5-!/5 domicílio aos serviços urbanos em rede, a coleta da informação sobre a forma de posse do
normatização para fiscalizar e servir somente os moradores de terreno e do domicílio.
domicílios que receberam habite-se, pagam impostos etc. Nem
mesmo os terrenos de uso público coletivo como ruas, vielas, ---5-*.)-5-ã)5-.,.ï!#)-5*,5)(-.,/#,5*,)#'(.)-5*,5)5)'*("'(.)5)-5
escadarias, são construídos e mantidos pelo poder públicos. ,-/&.)-5-5*)&ù.#-5*Ě&#-85'5-*#&5*,5-5*)&ù.#-5/,(65"#.#)(&555
--5!ð(-5#&!&5@5'5,&éã)5à5*,)*,#5@5#,á5)(##)(,5 -('(.)5'#(.&65ï5(--á,#)5-*,,5-5#( ),'éċ-5,&.#0-5à5*,)*,#65/-)55
.)55,&éã)5)5-.)5)'5)5--(.'(.)55)-5'),),-5 ocupação do solo das informações sobre a edificação, relacionadas à qualidade habitacional,
)'5)5-.)55)'55-)#85 propriamente ditas, e à identificação dos domicílios.

46 47
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

*,-(.'7-5.#*)&)!#-55--(.'(.)-5*)*/&,-5#( ),'#-65B5*,.#,5565hffjC85 5 )(-(.#5"á5'#-55gff5()-5()5,-#&5*,)/4#/5-*é)-5)(-.,/ù)-5*),5'-55.,-


Utiliza-se a palavra assentamento para qualquer destas tipologias e a palavra favela para &")65Ě(#)5*#.&5-5*)*/&éċ-5+/5"á5!,éċ-5'),'5(---5á,-8552*,#ð(#5')-.,5
denominar os terrenos com conflito pela propriedade, pois o morador não adquiriu o terreno, +/5('5./)5)5+/5ï5#,,!/&,5ï5*,á,#)85 /#.-5-52#!ð(#-5&!#-5+/5.'5*),5)$.#0)5
denominados também invasão ou ocupação. As tipologias são particularmente importantes !,(.#,5-#./éċ-55-!/,(é65-&/,#55)( ),.)5-ã)5&(éá0#-5)'52#-.ð(#55#( ,7
quanto à delimitação do perímetro, identificação de logradouros e inserção urbana: -.,/./,5 /,(65 -*#&'(.5 ,(!'5 5 ,-5 5 á!/5 5 -!).)85 5 '5 '/#.-5 -#./éċ-5 5
-5 (ã)5 ï5 '#-5 *,á,#5 B )#5 ,)(-.,/ù5 )'5 '.,##-5 +/)-65 '*&#C65 '-5 (ã)5 "á5
infraestrutura de saneamento, acessibilidade etc disponíveis naquela localização.
R5 Favelas em terrenos públicos de uso comum do povo (uso institucional, praças
ou vias públicas), ou dominiais, com transbordamento para terrenos particulares Desde o fim do século passado políticas públicas para favelas procuram universalizar os serviços
ou não, com lotes unifamiliares ou casas de frente e fundos e alto e baixos; /,()-5á-#)-85-5,-55á!/55(,!#5&ï.,#5-ã)5'*&#-555*,.#,5)-5()-5gonf85 #-5
R5 Favelas em terrenos particulares, com transbordamento para terrenos públicos ,(.'(.55/,(#4éã)55 0&-55--(.'(.)-5*,á,#)-5-.á5*,-(.5'5!,(55(Ě',)5
ou não, com lotes unifamiliares ou casas de frente e fundos e alto e baixos; 5 #-5 5 *--)/7-5 5 *,)')0,5 #(.!,éã)5 0#á,#65 )&.5 5 -!).)-5 5 ,-ù/)-565 ,*)-#éã)55
R5 ).'(.)-5*,á,#)-55#,,!/&,-5*,)')0#)-5*),5*,.#/&,-5B*,)*,#.á,#)-55 de unidades habitacionais e construção de equipamentos. Verificam-se muitas situações em
da gleba, loteadores ou associações de compradores), com lotes desdobrados e que as moradias e a estrutura do parcelamento são aproveitadas e mantidas no processo de
moradias autoconstruídas, em grande parte de frente e fundos e altos e baixos; urbanização.
'5 &!/(-5 -)-65 -5 á,-5 -.#(-5 )5 /-)5 *Ě&#)5 B*,é-6-)&-65 .C5 -.ã)5
)/*-5*),5 0&-5*,á,#-: A manutenção das desigualdades na estrutura social brasileira e a reestruturação produtiva
R5 ).'(.)-5 *,á,#)-5 5 #,,!/&,-5 *,)')0#)-5 *&)5 *),5 *Ě&#)65 #(.,(#)(&55 *,)0),'5#'*.)-5-)#)-*##-5(-5á,-5'.,)*)&#.(-55!,(-5#-65
com infra-estrutura e serviços parcialmente implantados, com edificações com a transferência de populações de bairros formais para habitações informais nos anos 1980.
multifamiliares ou unifamiliares (conhecidos como os conjuntos habitacionais) -5'/(é-55#(â'#5')!,áŀ5@5'(),5,-#'(.)5-5'.,ĉ*)&-5@5)(.,-.5)'5
e moradias autoconstruídas, algumas de frente e fundo e alto e baixos, não -5&.-5.2-55,-#'(.)5)-5-.),-5(-#.á,#)-5)(5-5()(.,'5 0&-65*)#-5"á5.'ï'5
*,0#-.-5:5'5&!/(-5-)-5-5á,-5-.#(-55/-)5*Ě&#)5-.ã)5)/*-5*),5 uma contínua escassez de moradias mais acessíveis. Assim, as populações em favelas crescem
garagens, comércio informal ou favelas; '/#.)5'#-5+/5-5á,-5*),5&-5)/*-8

'5*+/()-55'ï#)-5'/(#ù*#)-65!,&'(.5(5*,# ,#65'50#&-55*)0))-65()(.,'7-55 -+/#--5 B  5 @5  C5 ')-.,'5 /'5 #'*),.(.5 #(â'#5 )',#&5 5
.'ï'5'),#-55 'ù&#-5'*),#-65*,)*,#.á,#-5)/5'5--5#-65)'5*,,#-55 imóveis, inclusive com aluguel. A habitação informal alugada seria a porta de entrada dos mais
*),5*,#éã)55#ŀéã)65)&*-)5)/5/-ð(#55#(-.&éċ-5&ï.,#-55-(#.á,#-555#ŀ/&- pobres nas grandes cidades. Novas unidades surgem, produzidas geralmente pelas próprias
-55--)5à5á!/55(,!#85 famílias, para cessão a parentes (herdeiros), venda e, sobretudo para aluguel. Consome-se as
mercadorias da indústria de materiais da construção civil sem norma e sem projeto. (LABHAB
Por conta desta diversidade espacial o Ministério das Cidades vem adotando o termo assenta- FAUUSP)
'(.)5*,á,#)65)'5+/.,)5.!),#-5@5 0&-65),.#é)-65&).'(.)-5#,,!/&,-55*)*/&éã)5
de baixa renda e conjuntos habitacionais de iniciativa pública irregulares ou degradados. O 5/,(#4éã)5 #.55'ã)65*),5)(.5*,ĉ*,#65'5'/.#,ã)65)'5 0),-5)5-.)65,#)/5.'ï'565
(.,)55-./)-55 .,ĉ*)&5@5 5@5)5-./,65)'5)-5)-5)5 65-5)(#éċ-5 *)#-5/'5-ï/&)5-.5*,á.#5-)#&5*),5!,éċ-55'),),-5'5--(.'(.)-5*,á,#)-65
-)#))(Ċ'#-5)-5'),),-5)-5^!&)',)-5-/7(),'#-_5)5 55*,)/,,5)(#éċ-5 uma certa deformação na população pobre em relação à habitação e aos serviços urbanos. Foi
semelhantes em outros locais das cidades em regiões metropolitanas, detectou muitos outros gerado um sentimento de falta de propensão a pagar pela moradia e pelo acesso à cidade,
assentamentos com concentração de populações em condições semelhantes. Percebe-se então ,#()7-5/'5,-#-.ð(#55-#(.,--5*&5^,!/&,#4éã)_855
+/55'),#5*,á,#55)'5*)--5)/5,.,ù-.#-5)(-.,/.#0-5#,,!/&,-65(ã)5ï5/'5*,)&'55
somente das favelas (e não é somente metropolitano). O recente fortalecimento do planejamento, fiscalização do uso do solo e legislação ambiental
dificultou ainda mais a oferta de loteamentos populares (legais ou ilegais), único produto
As favelas e loteamentos irregulares são produzidos historicamente. A habitação irregular habitacional acessível como alternativa à invasão. O resultado é um contínuo adensamento

48 49
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

"#.#)(&55 5)(-.,/.#0)5---5á,-85ù552#-.ð(#55--55 ,(.555 /()-65&.)-5 conhecendo o processo de ocupação, mesmo sem ter participado da ocupação inicial, podem ser
e baixos, sobrepostas, e até edifícios nas favelas e bairros populares. Investimentos familiares herdeiros das partilhas etc.
decorrentes de melhoria nas rendas são canalizados para a ampliação e reforma das casas. Os
moradores atuais podem ter comprado a casa sem ter participado da ocupação inicial, podem ser á55&!/(-5ù(#-55)')5)5 5B±(#55-(0)&0#'(.)5,()C55)5 5B±(#55
herdeiros com partilhas, ser inquilinos etc. /&#55#5,(655&)5),#4)(.C55)/.,)-5-./)-5)')5)5)5 575(.,)55
5 -./)-5 5 .,ĉ*)&65 +/5 *)'5 -,0#,65 -5 -/-5 )'*)((.-5 -.#0,'5 )(.'*&)-5
)(&/#()65 *)7-5 ,.,#4,5 -5 0&-5 )')5 )-5 &)#-5 )(5 5 *)--5 )5 .,,()5 -.á5 ()-5&0(.'(.)-5)5 65*,5)5)'*("'(.)55*)&ù.#-5*Ě&#-85-.')-5+/#5
#--)#55 5 *)--5 5 .,,85 &-5 )((.,'5 *)*/&éċ-5 +/5 (--#.'5 *)&ù.#-5 -)##-5 saneamento ambiental, energia e telecomunicações e, obviamente, habitação.
específicas, nos quais a delimitação do perímetro, matrícula e titulação da gleba e confrontantes
não são claros, onde os arruamentos, lotes e disposição das construções não são reconhecidos e No caso do saneamento ambiental e energia as favelas são, ou pelo menos tem trechos que são
são dinâmicos, onde não se encontram os serviços públicos conformes quanto às características *)(.)-5 (!,)-65 (ã)5 .'5 -.,)65 )-5 -,0#é)-5 -ã)5 #(2#-.(.-5 )/5 *,á,#)-65 -'5 ,!/&,#85
construtivas e manutenção, seja por problemas nas redes de distribuição, seja pela precariedade §5(--á,#)55..,552#-.ð(#555-(#.á,#)-55("#,)-6555(.,-5#(#0#/#-5Bá!/55
dos domicílios. energia) (o que pode ser verificado no Censo) para então cruzar com a existência das redes das
#( ,-.,/./,-5B#( ),'éã)55-5)(--#)(á,#-55*, #./,-C85-5 0&-5!,&'(.5.'5&.)-5
5&#'#.éã)5)5--(.'(.)5#( ),'&55-/5#(.#ŀéã)5)'5&#'#.-55-.),-5(-#.á,#)-55 )(-/')-5'ï#)-55á!/55(,!#50#)5)5&.)5(-'(.)5*)*/&#)(&85#2)-5)(-/')-5
são estratégicas para o acompanhamento da evolução de indicadores para resultados das políticas '5-.),-5*)'5#(#,5-#'*&-'(.5+/5(.,)55/'5!&)',)5"á5&!/(-5)'#ù&#)-5+/5
públicas. Infelizmente poucas são as prefeituras que aprovaram legislação de abairramento (ã)5.'5--)65+/5-.á5.).&'(.52&/ù)85
(!)#55 )'5 )5 85 5 ('5 -'*,5 )#5 ,&#45 /'5 &,5 #(.#ŀéã)5 -5 0&-5 5
)/.,)-55--(.'(.)-55#(.,--5-)#&85---5á,-5(ã)5.'5'.,ù/&5()5,.ĉ,#)55!#-.,)5 Assim como em relação à propriedade do solo, o morador (talvez adquirente do imóvel pré
5 'ĉ0#-55 B C65(ã)5-.ã)5-.,-85 /#.-504-5()-5&).'(.)-5('5-5á,-5*Ě&#-5 2#-.(.565 -'5 )("#'(.)5 5 ),#!'5 )5 --(.'(.)C5 (ã)5 ï5 )(ŀá0&5 *,5 #( ),',5 )-5
ocupadas e nem os lotes comprados tem matrícula em RI. destinos dos esgotos, confundidos com rede de drenagem.

Mas, por outro lado, dentro do esforço de criar uma cultura de planejamento, muitas prefeituras /(.)5 à5 +/&#5 "#.#)(&65 &ï'5 5 2#-.ð(#5 )5 ("#,)65 )(-!,7-5 )5 #(#),5
+/5&),,'5*&()-5#,.),-65*&()-55"#.éã)5,(.-65-.,)55á,-55,#-)55)(- congestionamento habitacional – número de pessoas por dormitório.
taminadas. Muitos desses estudos (financiados pelo governo federal ou exigidos para acesso a
,/,-)-5 ,#-C5*,)/4#,'55#( ),'éã)50&#)-5-),5)-5&#'#.-65-#./éã)5 /(#á,#55-.,&5 5(-#5"#.#)(&55')!,áŀ55-/50)&/éã)5*,#-'5-,5)'*/.á0#-855)-5)'#ù&#)-55
de loteamentos irregulares e favelas. Nas favelas e loteamentos em processo de urbanização ou 0'5.,5#( ),'éċ-5)')52#-.ð(#55-(#.á,#)-55!,/-55-('(.)65&#!éċ-5#(#0#/#-5
,!/&,#4éã)5 "á5 &0(.'(.)-5 *&(#&.#'ï.,#)-5 !),, ,(#)-5 #&'(.5 #(.!,á0#-5 )5 Bá!/55(,!#5&ï.,#C555(Ě',)55+/,.)-85,5#--)6550#)5à5#ŀ/&55)(.!'65
-#-.'5)5 65Ě.#-5*,5)5*,#'),'(.)55&#'#.éã)5)-5-.),-55#-.,#.)-5(-#.á,#)-5 pode ser útil o fechamento de sub-setores definidos como quadra - definida por ruas, vielas
e para o campo. 5 )-.á/&)-5 ù-#)-5 )')5 .,#&")-65 0(#-65 á,-5 '#(.&'(.5 -(-ù0#-85 )-.,#),'(.65
*,5*&($'(.)5"#.#)(&55')!,áŀ)655)'*("'(.)55*,)$.)-65)-5#(#),-5
'5*--)5 /('(.&5*,55#(-,éã)5-)#)-*#&5-5 0&-5ï55',éã)5-5á,-55/-)5 poderão ser calculados por lote, quadra, setor, bairro.
*Ě&#)55-/5--/(éã)5*&-5-.,/./,-55*&($'(.)55!-.ã)85,5#--)5ï5(--á,#)5..,5
-5 á,-5 *Ě&#-5 5 &#!5 )-5 )'#ù&#)-5 B&).-C5 (.,)5 )5 --(.'(.)85 --5 #( ),'éã)5 ï5 -5 0&-5,#'5/'5-ŀ)5*,5)5-.)655,*(-,7-55,-*)(,5à-5,.,ù-.#-5,#-55
.'ï'55 /('(.&5*,55)(.!'5*)*/&#)(&5+/5*,)*),#)(5)5á&/&)55(-#-5 ()---5#-855)(,.#4'7-5-*é)-5*,55./éã)55(.#-5+/5 ('5#(.,--55
B'5)')5#'*),.(.-5#(#),-5-)#))(Ċ'#)-C85 *Ě&#)65-)#&65)&.#0)65-'5-,'5-.,/./,-5-..#-85§5(--á,#)5-(0)&0,5*,)!,'-55
----),#5.ï(#5*,5'*&#éċ-65, ),'-65#(-.&éċ-5"#,á/&#-55&ï.,#-:5-#-.'-55*)#)5
A colocação de grades, muros, portões nos acessos – corredores e escadas – residenciais e técnico que integrem a fiscalização e a educação e orientação sobre o uso e ocupação do solo, e
comerciais são dificuldades, exigindo familiaridade para circulação nesses espaços e alguma a implementação de programas de reciclagem de técnicos e serviços (padrões apropriados) de
)50)(.5)-5'),),-85---5-ã)5)-5.(.),-55"#-.ĉ,#5)5&)&85)'5.,5)'*,)5 manutenção urbana.

50 51
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Favela e luta pela cidade: esboço de um argumento


Marcelo Baumann Burgos ‡ Doutor em Sociologia – PUC

A polissemia do termo favela reflete sua condição de categoria *,)/4#()55(5&#.,./,65#('65'Ě-#55,.-5*&á-.#-5 ),'-5()0-55,*,-(.éã)55 0&65
social central na disputa pelo significado da idéia de cidade. Ou agora identificada como lugar, por excelência, da cultura popular. É mais ou menos nessa época
-$65 )5 -(.#)5 5 *&0,5 0&5 -.á5 /'#&#&'(.5 &#!)5 à5 – anos de 1960 - que os cientistas sociais entram em cena, disputando o direito à interpretação
noção de cidade, a qual, por seu turno, varia conforme a posição legítima da favela. Sua entrada inaugura uma nova forma de representação da favela, pretendendo
social de quem a define. desconstruir os estereótipos – positivos e negativos – a seu respeito. Mas, apesar de importante, as
ciências sociais nunca chegaram a ter o monopólio sobre este objeto, que seguiu sendo represen-
Historicamente, favela é uma representação social construída tado pelos diferentes atores da cidade.
por intérpretes autorizados – entre os quais cronistas, jornalistas,
engenheiros e médicos –, como antítese de um certo ideal de Nesta longa história, cheia de curvas, o que mais surpreende é a reprodução do lugar subalterno
cidade. Não por acaso, a cristalização desta representação ocorre da favela. Mesmo com a inflexão observada com a sua apropriação em chave positiva pelos seus
no mesmo momento em que, no Rio de Janeiro, figura-se a cidade moradores, ou ainda com a entrada dos cientistas sociais, o lugar social da favela segue muito
-!/()5 /'5 #&5 5 #0#&#4éã)5 /,)*#4)65 )(-.,/ù)5 @5 &á5 *,ĉ2#')5)50,#ŀ)5+/()55-/5),#!'85!),65.&045)'5'#-5ð( -5)5+/5"á5.,ð-5)/5
.'ï'55@55*,.#,5)5*,)--)552*/&-ã)55&--5)*,á,#55)-5 +/.,)5ï-5.,á-65)5-.#!'55'),,5(5 0&5-$5#(5'#-5',(.65)'5-/5--)#éã)5à5
centros urbanos. É nesse momento – início do XX – que se realiza, chamada cultura da violência.
especialmente no Rio – capital da República – a transformação
do nome próprio Favela, empregado para designar um lugar Dessa brevíssima nota retrospectiva acerca das representações da favela, pode-se inferir que a
específico, em um substantivo comum, que designa certo tipo de superação da sua condição original de antítese da cidade, rumo à sua efetiva integração à cidade,
habitação popular. Tipo esse que não se definia tanto pela forma pressupõe um processo político de disputa e de conquista da cidade pelos segmentos populares.
de construção da casa (encontrava-se desde o início nas chamadas Nesse quadro, cabe às ciências sociais e aos pesquisadores do tema em geral, manter acurado seu
favelas certa diversidade de construção, de madeira, de estuque ou marco conceitual, de modo a tornar inteligível, em termos históricos e sociológicos, imaginar que
até de alvenaria), nem pela relação com o solo (não raro chamava- 5 -55#5@5'5 55-/5*,#0.#4éã)5@50#,á5-5 0&-55*,# ,#-85)#-5(-.5-)65
se favela um aglomerado de casas alugadas). O que sim parece ter ,.'(.5-.,á5'5$)!)5/'5)/.,)5#&55#8
sido central para a definição desse tipo de habitação popular é a
sua forma de relação com a cidade. Com efeito, manuseada pelos
interpretes oficiais da época, a categoria favela serve muito bem
para afirmar um ideal de cidade (excludente), que deixa de fora
um amplo segmento da população urbana, boa parte dela oriunda
de famílias de escravos.

-55.!),#5 0&5-,á65'#-5.,65,*,)*,#5*&)-5-/-5
moradores, e ressignificada, convertendo-se em instrumento
5 &/.5 5 5 ŀ,'éã)5 #(.#.á,#85 -)&-5 5 -'5 5 --)#-
ções de moradores são as expressões mais importantes desse
novo tipo ator. Nesse mesmo movimento, novos intelectuais da
cidade também contribuem para esse processo de redefinição,

52 53
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Favela, aglomerado subnormal, comunidade, ocupa-


ção, assentamento precário – “diga lá, o que é, o que é?”
Linda M. P. Gondim ‡ Laboratório de Estudos da Cidade – Universidade Federal do Ceará

Viver!/ E não ter a vergonha/ De ser feliz /Cantar e cantar Como afirmei em outro texto (GONDIM, 2007), a falta de uma discussão conceitual rigorosa
e cantar/ A beleza de ser /Um eterno aprendiz.../Ah meu torna a favela um leito de Procusto, no qual cabem todas as formas de morar dos pobres urba-
Deus!/ Eu sei, eu sei/ Que a vida devia ser/ Bem melhor nos. Do ponto de vista da identificação e do atendimento das necessidades dos grupos de baixa
e será/ Mas isso não impede/ Que eu repita /É bonita, é renda, parece inadequado ignorar suas especificidades e diferenciações internas.
bonita/E é bonita.../ E a vida!/ E a vida o que é?/ Diga
lá, meu irmão/ Ela é a batida/ De um coração/ Ela é uma Na verdade, a heterogeneidade inter-favelas e dentro delas tem sido destacada por estudiosos
doce ilusão/ Hê! Hô!... / E a vida/ Ela é maravilha/ Ou como Preteceille e Valladares (2000), os quais mencionam a existência de verdadeiros bairros nas
é sofrimento?/ Ela é alegria/ Ou lamento?/ O que é? O !,(-5 0&-̎85&ï'5#-.)65(-5Ě&.#'-5ï-65*&)5'()-5()5#)55
(#,)65.'5#'#(/ù)55
que é?/ Meu irmão/ Somos nós que fazemos a vida/ Como a diferenciação entre as favelas e os bairros populares em sua vizinhança, bem como entre
der, ou puder, ou quiser.../ Sempre desejada/ Por mais que aquelas e outras formas de habitação popular. Por um lado, as condições de habitabilidade nas
esteja errada Ninguém quer a morte/Só saúde e sorte.../ E favelas mais antigas têm melhorado ao longo do tempo, como fruto de iniciativas locais e de
a pergunta roda/ E a cabeça agita/ Eu fico com a pureza/ *)&ù.#-5*Ě&#-55/,(#4éã)85--#'65)5--)55-,0#é)-5)')5á!/5((55&.,##5
Da resposta das crianças/ É a vida, é bonita/ E é bonita... melhorou substancialmente, ainda que permaneçam deficiências mais sérias nos serviços de
(GONZAGUINHA, 1982). ,(!'65-!).'(.)5-(#.á,#)55)&.55&#2)85'5.,')-55,(55'*,!)65"á5#(ù#)-5
5+/55 0&5(ã)5'#-5*)5-,50#-.5)')5)5^-*é)55'#-ï,#_65/'5045+/5)/.,)-5.#*)-55
aglomerações como loteamentos periféricos e conjuntos habitacionais apresentam problemas
Uma boa definição, do ponto de vista lógico, deve ser ampla o -'&"(.-855'-')5)),,5)'5)5.,áŀ)55,)!-5550#)&ð(#55&5--)#65+/5(ã)5-ã)5
-/ŀ#(.55*,5,(!,5)5 (Ċ'()5+/5-5+/,5ŀ(#,65'5.)-5 exclusivos das favelas.
as suas dimensões e manifestações relevantes para os objetivos
do pesquisador. Presumo que, no caso da definição de favela, o Por outro lado, formas de moradia como loteamentos periféricos e conjuntos habitacionais
objetivo é produzir informações para subsidiar políticas públicas .),(,'7-65'5!,(5*,.65^"#.éċ-5-/(),'#-_65 5à5.,#),éã)55-/-5)(#éċ-5
capazes de melhorar significativamente a vida das populações de /,(ù-.#-555'#(.#-655à5*,)/éã)5)/5/'(.)55#,,!/&,#-5(5)/*éã)5B 65
--(.'(.)-5*,á,#)-65(.,5)-5+/#-5-5#(&/'5-55"'-5 hffmC85 '5 '/#.)-5 )($/(.)-5 ŀ((#)-5 )'5 ,/,-)-5 *Ě&#)-5 5 )(#)-5 /,(.5 5
0&-85 -.-65 )')5 -,á5 0#-.)65 (ã)5 5)(-.#./'5 )5 Ě(#)5 .#*)5 2#-.ð(#55 )5 5 Bgolj7gonlC5 )')5 ^-)&/éã)_5 *,5 )5 *,)&'5 -5 0&-5 '5 *,.#/&,655
desses assentamentos, mas uma reflexão sobre elas impõe-se ocorreu verdadeiro processo de favelização, do qual o exemplo mais gritante é a Cidade de Deus,
()5#)55
(#,)85'5-ù(.-65-,á5^+/5-5# ,(é-5(.,5-5 0&-55)-5'#-5#,,)-5*),-5
por sua grande visibilidade material e simbólica, sobretudo no
da cidade são suficientemente marcantes para que elas continuem a ser tratadas como conjuntos
#)55
5(#,)5B 65hffkC85 -65ŀ(&65)5+/5ï55
#-.#(.)->_5B :5 65hfff65*85imkC8
favela?
Haveria sentido, então, em definir favela com base em critérios utilizados nos recenseamentos
Além de ser abrangente, uma boa definição tem que ser
*,5 +/(.#ŀ,5 ^!&)',)-5 -/(),'#-_>5 ,5 )5 65 -.-5 ),,-*)('5 5 /'5 -.),5
'5 &#'#.565 5 '))5 5 2&/#,5 (Ċ'()-5 +/65 '-')5
especial̏ do aglomerado urbano, formado por, no mínimo, 51 domicílios, ocupando, de forma
-'&"(.-565# ,(#'7-5+/&5+/5-5+/,5(.(,85'5
densa e desordenada, terrenos de propriedade de terceiros, carentes de infra-estrutura e serviços
outras palavras, trata-se de indicar claramente tanto o que é, como
*Ě&#)-5B 65hffmC8
o que não é favela. Nesse sentido, a ausência de uma discussão
conceitual rigorosa pode comprometer a quantificação do
(Ċ'()65)')5)),,5)'55-.#'.#055 #%50#-55BhfflC65 ____________
segundo a qual os favelados constituiriam 78% da população ̎5 )7-5()(.,,5 ),.-5)(.,-.-5(.,5á,-5#(.,(-5.ï5'5*+/(-5 0&-5)')5)5)é)55,!65&)&#45'5
),.&47655+/&5.'5*)/)5'#-55iff5)'#ù&#)-5B  65hffiC8
/,(5)-5*ù--5)5^.,#,)5'/()_85,5"!,55--5# ,65
)5/.),5)(-#,5)')5 0&5.))5.#*)55,#!)55*,á,#)95),-
̏5)-5(-)-5')!,áŀ)-65)5 5&#'#.5á,-55-,'5*,),,#-5*),5/'5-ĉ5,(-),65&--#ŀ()7-5)')5
tiços, hospedarias, invasões, loteamentos clandestinos, campos -.),-5(),'#-55-.),-5-*##-85-.-5Ě&.#')-5#(&/'65&ï'5)-5^!&)',)-5-/(),'#-_65+/,.ï#-65',éċ-65
5 , /!#)-5 5 .ï5 ^'),),-5 5 ,/_5 B 65 hffl65 *8jgC85 &#-5#(ù!(-65-#&)-65")-*#.#-65*,-ù#)-55)/.,)-5B0,655,-*#.)65 65hffn655 65hffmC8

54 55
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Todos esses critérios têm sido questionados por especialistas, a começar pelo tamanho mínimo. empreendimento realizado em desacordo com projeto aprovado pela administração municipal
),5 /'5 &)65 )5 &#'#.5 #( ,#),5 5 kg5 '),#-65 , ,#)5 5 /'5 -.),5 (-#.á,#)5 Bŀ(#)5 *&)5 (loteamento irregular), ou mesmo sem o conhecimento desta (loteamento clandestino) pode ser,
5*,0#'(.5)5(-)C65.(55-/-.#',55)(.!'5-5 0&-5B 65hffmC95 '5*,#(ù*#)65'#-5 á#&55,!/&,#4,65*)#-5)5)/'(.)5 ),(#)5*&)5&).),65'-')5(ã)5
-5/'5-.),5)(.#0,5if5/(#-5"#.#)(#-5)'5,.,ù-.#-55^!&)',)5-/(),'&_65 sendo reconhecido para fins de registro da propriedade, constitui prova da boa-fé do comprador
e o setor vizinho contiver 20 outras, por exemplo, nenhum dos dois conjuntos é considerado (CASTRO, 2000, p. 11).
B ›65 hfffC85 ),5 )/.,)5 &)65 *)5 "0,5 .'ï'5 -/*,-.#'éã)65 *)#-5 +/()5
-5 #(.#ŀ5 kg5 /(#-5 ^-/(),'#-_5 )(.ù!/-5 (/'5 '-')5 -.),65 .))5 &5 ï5 )(-#,)5 5 à5 )'*&2#5 5 -5  ,#,5 )5 .#*)5 5 )/*éã)65 *-+/#-),-5 5 )5 *,ĉ*,#)5 5 .ð'5
)')5 ^!&)',)5 -/(),'&_65 #(5 +/5 )/.,-5 "#.éċ-5 (ã)5 -5 (+/,'5 (-5 '-'-5 se baseado nas respostas fornecidas pelos próprios moradores, que tendem a se declarar
,.,ù-.#-55B ›65hfffC8 ^*,)*,#.á,#)-5_5B 65hffm65*85ghC85-*,4()5-5(/(-5&!#-55'#(#-.,.#0-5)5
--)5à5*,)*,#5#')#&#á,#65)-5#( ),'(.-65'5!,&65(ã)5#-.#(!/'5(.,55)(#éã)55
&!,)5 -5 &#'#.éċ-5 5 0,#á0&5 .'(")65 (ã)5 *,5 +/)5 2&/ù7&65 )')5 )5 4'65 posse da edificação e a do terreno que esta ocupa, considerando como sua propriedade a moradia
(5*,á.#65*-+/#--5+/5ŀ('5)')5 0&5)($/(.)-55/-5)/5'#-5"#.éċ-5)'5-5 +/5ï5 ,/.)55/.))(-.,/éã)5)/5+/5 )#5).#5'#(.5^)'*,_5)'5)5)/*(.5(.,#),85
,.,ù-.#-55 /.#&#4-5*&)5 5B 65hffn65*85nfC85)(-#,()5)55.'(")5 ( ),'éċ-5/,-5-),55-#./éã)5 /(#á,#5)-5--(.'(.)-52#!#,#'5&0(.'(.)-55
'ï#)5-5 'ù&#-5,-#&#,-5'5á,-5/,(-5B+/.,)5*--)-C65--5&#'#.5#( ,#),5-#!(#ŀ5 '*)55)/'(.#-65., 5+/5-ĉ5ï50#á0&5'5(ù0&5'/(##*&5)/5-./&5B-),./)5*,5)5
grupos com menos de dez pessoas. Não seria mais indicado, em termos de políticas públi- caso das Regiões Metropolitanas).
cas, distinguir aglomerações com densidade e tamanho mínimos – talvez 10 habitações
contíguas, ou cerca de 40 pessoas – que viabilizassem soluções coletivas para serviços como Não obstante, é premente a necessidade de se obter dados de âmbito nacional, com metodologia
5-!).'(.)55-(#.á,#)655)&.55&#2)65.,(-*),.5)&.#0)65-)&-55*)-.)-55-Ě65*),552'*&)>5 que permita comparações entre cidades e regiões, bem como estudos longitudinais. Com
0#(.'(.565 5'-')5 '),#-5 *,á,#-5 #-)&-5 0'5 -,5 .(#-65 '-5 "á5 +/5 )/0#,5 essas informações poder-se-ia, inclusive, avaliar o impacto de programas governamentais nas
especialistas na provisão de diferentes tipos de serviços urbanos, cuja oferta, em termos de via- condições de vida dos beneficiados. A dimensão e complexidade do problema habitacional nas
#&#5.ï(#55)(Ċ'#65# ,55),)5)'5)5.'(")555(-#55*)*/&éã)55-,5 grandes cidades brasileiras mais do que justifica um censo nacional de favelas, pelo menos nas
beneficiada. regiões metropolitanas e nas cidades com mais de 100 mil habitantes. O estudo de Marques
et al. (2007), patrocinado pelo Ministério das Cidades, constitui um avanço nessa direção, mas
5ŀ#ð(#5)5)/.,)5,#.ï,#)5/.#&#4)5*&)5 5@55*,,#5-5)(#éċ-55#( ,7 *,#-,#5-,5)'*&'(.)55./&#4)855/.#&#4éã)65)')5/(#55*-+/#-55(á&#-655
-.,/./,5@5$á5 )#5)'(.5(.,#),'(.65+/()5-5'(#)()/55".,)!(#5#(.,55 .!),#5^--(.'(.)-5*,á,#)-_5'5-/-.#./#éã)55^--(.'(.)-5-/(),'#-_5)/5^ 0&-_65
intra favelas. Tal característica poderia justificar uma contagem diferenciada da população que ),,-*)(,#5'&"),5à-5.,(- ),'éċ-5'#-5,(.-5(5*,)&'á.#5"#.#)(&5,-#&#,85
-5"#.655),)5)'5-/5,-#ð(#5'5á,-5/,(#4-5)/5(ã)5&)&#4-5'5/'5'-')5 '5-.-5-,#55)(0,!ð(#55045'#),5(.,5-5*,á,#-5)(#éċ-55"#.#&#5
assentamento. e acesso a serviços urbanos nas favelas, nos loteamentos irregulares e nos conjuntos habita-
#)(#-85
á5-5# ,(é-5+/(.)5)5.#*)55#,,!/&,#5)/5#&!&#5 /(#á,#5',,#'5
5,ù.#5'#-5#'*),.(.5à5ŀ(#éã)5(-#.á,#65*),ï'65#45,-*#.)5)5,#.ï,#)65*,-(.5'55)/.,-5 um estudo mais detalhado, talvez de natureza amostral. A adoção, em pesquisas científicas e
definições de favela, de ilegalidade da posse do terreno. Sem dúvida, para fins de regularização *,)!,'-5!)0,('(.#-655/'5()05.!),#5*,5-#!(,5-5 0&-5*),á5)(.,#/#,5
/(#á,#55/,(ù-.#65--5,#.ï,#)5ï5 /('(.&65-),./)5+/()5"á55'é-55,')éã)5)-5 para a diminuição do estigma associado à sua população, sem incorrer na inexatidão do termo
moradores. Contudo, é preciso lembrar que as situações de irregularidade ou ilegalidade quanto ^)'/(#_65/.#&#4)55 ),'5'-#'(.5,(!(.550&),.#08
à posse da terra são também múltiplas e variadas, bem como as possibilidades de regularização.
ã)55+/#5/'5(á&#-5,(!(.65., 5+/52#!5/'5.,&")55#(.,#-#*&#(,5(0)&0()5
advogados, urbanistas, geógrafos, sociólogos e outros profissionais. Apenas para lembrar algu- Conclusão
mas dificuldades desse trabalho, cabe distinguir entre ocupações de terras públicas ou privadas,
)'5)/5-'5)5)(-(.#'(.)5)5*,)*,#.á,#)85-.5Ě&.#')5-)65ï5-#!(#ŀ.#055# ,(é5(.,5 -50,-)-55(éã)5^5+/5ï65)5+/5ï_655)(4!/#("5BgonhC5()5-/.ù./&)55(5*ù!, 5-.5
favelas e loteamentos periféricos, em que pesem as semelhanças na precariedade das condições texto expressam meu propósito de contribuir para a definição de favela de forma simultaneamente
/,(ù-.#-5 5 -ĉ#)7)(Ċ'#-5 5 ')-85 )5 *,#'#,)5 -)65 5 +/#-#éã)5 )/5 /.))(-.,/éã)5 crítica e esperançosa. Creio que é preciso e possível combinar a identificação de problemas que
5 /'5 '),#5 '5 .,,()-5 &"#)-5 )(-.#./#5 /'5 #&!&#85
á5 5 )'*,5 5 /'5 &).5 '5 B")$C5*,'5#(.,.á0#-65)'5*,)*)-.-55-)&/éċ-5+/5B")$C5-5ŀ!/,'5# ù#-65+/()5

56 57
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

A “reinvenção” da cidade a partir dos espaços populares


Cristovão Duarte ‡ FAU – UFRJ

(ã)5 ),5 5 *,)*ĉ-#.)85 5 )($/(./,5 *)&ù.#5 ./&5 *,5 0),á0&5 5 --5 5),!'65 5 5 Durante muito tempo os problemas levantados pelo processo
5*,)!,'-5'##)-)-5)5!)0,()5 ,&65)')5)5^ #("5-_65'#("50#85ã)565+/#65 de favelização da cidade do Rio de Janeiro foram subestimados
avaliar esse programa³, mas apenas reconhecer que se trata de uma possibilidade de maior acesso ou, em certo sentido, ignorados. A utopia conservadora de uma
dos pobres aos recursos públicos – possibilidade que depende, antes de tudo, da compreensão #5 ^),(_65 ,#5 5 .()&)!#'(.5 -)ŀ-.#65 *,-
)5*,)&'5+/5-5+/,5,-)&0,85(.(,5)5+/5ï55 0&65*),.(.)65*)5-,5*,.55-)&/éã)5
#5 -,5 )5 /./,)5 -$)5 B5 '-')5 ^*,)'.#)_C5 *,5 5 /,5
de seus problemas.
carioca. Sobretudo em se tratando de uma cidade conhecida e
____________ reconhecida pela desmesurada beleza da paisagem natural, por
³A concepção do programa Minha casa, minha vida tem sido objeto de críticas bastante lúcidas. Ver, a respeito, texto sua importância como antiga Capital Federal, pela sua condição
5+/&5)&(#%5BhffnC65,(.'(.5#0/&!)5*&5 (.,(.85 )#5#-/.#)5'5#0,--5'--7,)(-5/,(.5)5
()(.,)5(/&5565,&#4)5'5&),#(ĉ*)&#-65'5'#)55hffo8 de centro da vanguarda intelectual e artística do país, por sua
vitalidade como pólo de produção e difusão da cultura erudita
5*)*/&,65(.,5.(.)-5)/.,)-5 .),-85-.5,(é65/,#5*&)5
#'!#(á,#)5)&.#0)65*,0&/5.'ï'5B5-),./)C5(5!-.ã)5
Referências Bibliográficas pública da cidade ao longo do tempo, definindo, de acordo com
aqueles pressupostos ideológicos, as políticas urbanas, priori-
65)(#5&&)585(á&#-5)5*,)!,'555-/-5-*.)-5 /(#á,#)-850#-.55'#7
nistração Municipal - Municípios - IBAM, Rio de Janeiro, ano 45, n.223, p.11-16, jan./fev. 2000. zando os investimentos públicos e cooptando a competência
profissional de técnicos e gestores. Tratava-se, em outras pala-
 65 #%85&(.50&85ã)5/&)95)#.'*)65hffl8 0,-655,0#,5)5^#(0#.á0&_5*,)--)5"#-.ĉ,#)5+/5&0,#5)5
#)55
(#,)55-5.),(,5/'5#55^,#'#,)5 /()_5)/65
GONDIM, Linda M. P. Planeta Favela. Tensões Mundiais: Revista do Observatório das
Nacionalidades, Fortaleza, v.3, n.4, p.429-435, jan./jun. 2007. pelo menos, naquilo que, aos olhos do senso comum, a tornaria
mais semelhante às prósperas cidades dos paises desenvolvidos.
 5D /#45)(4!5)5-#'(.)5#&")E855+/5ï65)5+/5ï85,0éã)55gonh8 5 ,#./á,#)5 ).)5 )(-#-.#65 (.ã)65 (5 #'*),.éã)5 5 ,*&#-
éã)5 .(),á.#5 5 ')&)-5 5 !-.ã)5 /,(5 -5 !,(-5
 65,(#5 ,.#(-85-50#&-5 0&-5'5&)5),#4)(.955-ŀ)5)-5(Ě',)-85 #-5)5*#.&#-')5(.,&85(+/(.)5#--)5)-5*,)&'-55
(95  65 /#45-,55/#,)4855 /./,)5-5'.,ĉ*)&-95-#!/&-55)0,(#&#-
dade. Rio de Janeiro: Revan, 2000. .)52#-.(.-5,'5#!(),)-5)/65-#'*&-'(.65^0,,#)-5*,5
baixo do tapete”, onde se acumulavam sem solução à vista.
65/,)5.5&85--(.'(.)-5,á,#)-5()5,-#&5,()85 #(#-.ï,#)5-5#-65hffm8
Os resultados do processo acima descrito são bem conheci-
 65/4(855 0&5+/50#,)/5#85 (95 ¡65 ,#)5 ),-5.5&85B),!8C85
dos. A medida em que a cidade crescia, cresciam também os
Cidade (i)legal. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008.
problemas. A produção de desigualdade social em massa não
 65')(:5 65 ù#850&65 0&-95(#5)/5#0,-#55 )#5#(.,,)'*#5('5'(#485)5)(.,á,#)65)5+/5-50#/5 )#5
0&5,#)85 (95  65 /#45-,55/#,)4855 /./,)5-5'.,ĉ*)&-95-#!/&-5 o crescimento exponencial da pobreza urbana e da segregação
e Governabilidade. Rio de Janeiro: Revan, 2000. -ĉ#)7-*#&65)')5)(.,7 5#(0#.á0&55,/.&5)((.,7
  65+/&85#.éã)95-)&/éã)5)/5,*,)/éã)5)5)->5
),(&55,-ù&#85,-ù&#65hffn85 ção de renda levada a cabo pelas classes dirigentes ao longo das
#-*)(ù0&5 '95 "..*9II111h8',8!)08,I)'#--)-I/I().##I"#.)7-)&/)7)/7,- Ě&.#'-5ï-̎85
*,)/)7)7)-85--)5'95go5-.85hffn8
____________
 65 ##5)5,)855#(0(éã)55 0&95)5'#.)55),#!'55 0&8)'85#)55 ̎ Vale ressaltar que o Rio de Janeiro, em que pese a grande visibilidade assumida

(#,)95#.),565hffk85 *),5-.-5*,)&'-5(5#65(ã)5)(-.#./#5/'52éã)5()5(á,#)5,-#&#,)8

58 59
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

)-5*)/)-50#5-5- 4()55^,.4_55+/55^#5 ,0#&")-_5-.,#5 55/'5 -.5 *,)--)5 "0,á5 ,.'(.5 '/#.)5 +/5 *,(,5 )'5 -5 0&-5 5 -/-5 '),),-7
/./,)5 5 *,)-*,#5 *,#'#,)7'/(#-.85 '5 -/5 &/!,5 -/,!5 /'5 )/.,5 ,*,-(.éã)5 )5 5)(-.,/.),-855-)&/éã)5*,5-5 0&-5(ã)5-.á5 ),5-5 0&-65'-5()5,)("#'(.)55+/55
senso comum afirmando que a cidade (agora chamada de megalópole pelo inédito gigantismo 0&65.&5)')5.(.#5')(-.,,5'5)/.,)5,.#!)̐65,*,-(.55^,#(0(éã)_55*,ĉ*,#5#65
--/'#)C̏5"0#5-5.),()5/'5),!(#-')5ĉ.#)65'é),55 ),55)(.,)&85'),55 entendida como o lugar do encontro e da troca entre os diferentes. Uma cidade renascente, re-
extração recente, esta nova representação simbólica persiste igualmente em graves equívocos juvenescida, descontraída e, incontestavelmente, alegre. Construída como resposta aos processos
#)&ĉ!#)-65(ã)5*(-5(./,&#4()5*,)--)-5*)&ù.#)-55)(Ċ'#)-5+/5),#!#(,'5B5+/5 de exclusão social e segregação espacial, mas também como uma forma alternativa e clarividente
alimentam) os problemas existentes, como também desautorizando, por descrédito antecipado, de autoproteção com relação aos rumos que tomava a grande cidade a sua volta. A um tempo,
qualquer tentativa de solução. reflexo e espelho de uma sociedade desigual, a sócio-diversidade presente nas favelas figura hoje
como parte fundamental da solução para os problemas enfrentados pela cidade como um todo.
5 *,/,-)5 "#-.ĉ,#)5 +/5 0#5 -5 -5 '#,)&(.-5 .(..#0-5 5 ^-)&/éã)_5 *,5 *,)&'-5
inexistentes (numa cidade inventada) até a capitulação prematura pela falaciosa constatação ,-(.7-5#(5+/65()52.)5')'(.)5+/5-50,#ŀ5)5á*#5)5*,)--)550#)&ð(#5
da inutilidade de qualquer tentativa de ação concreta diante de uma cidade fora de controle, (5!/,,5).##(5.,05(.,55*)&ù#65-5'#&ù#-55-5 éċ-5)5.,áŀ)55,)!-55,'-
vem colecionando estrondosos e sucessivos fracassos. A busca de soluções adequadas implica, mentos, as favelas se afirmam na paisagem carioca como imensos bairros populares, dotados de
em primeiro lugar, na correta formulação dos problemas e, em segundo lugar, na existência de grande vitalidade cultural e demonstrando uma clara consciência crítica acerca dos processos
vontade política para, através da mobilização dos recursos disponíveis, implementar as soluções segregacionistas e excludentes associados à sua origem. Uma extensa produção de documen-
*,)*)-.-85,5.(.)5-,á5(--á,#)5(,,5##'(.5)-5*,)&'-52#-.(.-65(.((- .á,#)-65 ŀ&'-65 ).)-65 'Ě-#-65 &#0,)-65 .--5 ð'#-5 *,)/4#-65 (5 '#),#5 -5 04-65 *&)-5
)5+/5-5-)&/éċ-55-,'5*,)*)-.-50,ã)5)(.'*&,5-.5#5+/5-.á5#(.5)-5()--)-5 próprios moradores das favelas, bem como inúmeras iniciativas culturais ligadas ao movimento
olhos, debaixo dos nossos narizes e que grita aos nossos ouvidos, formada majoritariamente #*7)*65-*)(.'5()5(á,#)5(#)(&55#(.,(#)(&Ⱥ65,)("()5-5 0&-5(ã)5'#-5
*&)-5 *),-65 -*#&'(.5 -!,!)-5 5 2&/ù)-5 )-5 #,#.)-5 5 #(#85 ,á65 *),.(.)65 pelas suas carências históricas, mas por suas qualidades excepcionais, inclusive do ponto de vista
-.5)5 ))5*,#),#.á,#)55#(#á0&55/'5./éã)5*455 4,5 ,(.5)5+/,)55*,)&'-5 urbanístico, como lugares de vivência e de produção de identidades, que recusam a condição de
vividos pela cidade. guetos ou espaços da segregação dentro de uma cidade partida.

#-5 )5 +/5 (/(5 -,á5 (--á,#)5 4,5 0(é,5 -5 *)&ù.#-5 5 /,(#4éã)5 5 0&-65 '- Numa época marcada pela incerteza e pelo obscurecimento das utopias, quando o futuro da
pliando sua abrangência, superando os erros cometidos e potencializando seus resultados. A humanidade se vê ameaçado pelo esgotamento dos recursos naturais e pelo aquecimento global
universalização dos direitos de cidadania, assegurando a todos o acesso à moradia, ao trabalho, )5 *&(.65 '5 )')5 *&5 #(-(-.45 -5 !/,,-5 5 )-5 /('(.&#-')-5 B)(Ċ'#)-5 5
)5 .,(-*),.65 à5 -Ě65 à5 /éã)5 5 )5 &4,5 -,á5 5 )(#éã)5 #(#-*(-á0&5 *,5 .,(- ),',5 religiosos), quando a nossa capacidade de desejar se amesquinha e se atrofia, reduzindo-se ao
*).(##-5&#)-5'5*,#,)-5 .#0)-5(5)(-.,/éã)55/'5#5'#-5$/-.65'#-5-)&#á,#55 consumismo desenfreado e à busca da realização individual, talvez as favelas tenham algo va-
'#-5 &#485(.,5-5)(+/#-.-5,-/&.(.-5)5,(.5*,)--)55,'),.#4éã)55-)#5 &#)-)55()-5(-#(,85,#-')-5,*,(,55-)(",5')'(.)-55 &##5)'*,.#&"á0#-85
,-#&#,65#(##)5"á5*)/)5'#-55/-5ï-65$á5-5*)5)(.#&#4,55'*&#éã)5)5.5 )(")-5'()-5#(#0#/#-55'#-5'),á.#)-5+/65)5-5,&#4,'65#(&/'55*)--##&#55
público acerca dos problemas enfrentados pelo país, indicando a possibilidade de se encontrar ,&#4éã)5.'ï'5)5)/.,)85)(")-5'#-5-/-.(.á0#-565*),5#--)5'-')65'#-5*)--ù0#-55'#-5
novos e genuínos caminhos para a sua superação. /,)/,)-5+/5*)(.'5(5#,éã)55/'5 /./,)5'#-5"/'()55'#-5-)&#á,#)85

____________
³ Cristovão Duarte. Favelas cariocas: a força de resposta do lugar. In: Francesco Lucarelli. (Org.). Farway so close:
periferie. Napolli, Italia: Stampa Cagiano Grafica, 2007.
____________
̏ De acordo com os5,-/&.)-5*,&#'#(,-55)(.!'55)*/&éã)5hffm5B C55*)*/&éã)5)5 /(#ù*#)5)5 Ⱥ5 -.7-5 +/#5 )5 )0#'(.)5  ,)7!!65 -/,!#)5 )')5 ,-*)-.5 5 )'/(#5 5 0&5 5#!á,#)5 ,&5 à5
Rio de Janeiro encontra-se estimada em 6.136.652 habitantes. chacina praticada em 1993 pela Polícia Militar

60 61
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Caracterização das favelas no âmbito dos Planos


Locais de Habitação de Interesse Social (PLHIS)
Rosana Denaldi ‡ UFABC ‡Consultora do Ministério das Cidades de São Paulo

,55nf5z55*)*/&éã)5,-#&#,5'),5'5á,-5/,(-855 -5*-+/#--5)5 65--#'5)')50á,#)-5)/.,)-5-./)-655*)(.'5'/(é-855-5 0&-5-5


crescimento da população foi acompanhado do agravamento dos adensam, verticalizam e grande parcela das moradias são construídas em alvenaria; a imagem do
problemas urbanos e ambientais assim como das desigualdades barraco é substituída pela imagem dos tijolos aparentes. Aumenta a cobertura por serviços de
sócioespaciais. A favela é uma expressão desta desigualdade. A infra-estrutura. A forma de acesso à favela passa a ser preponderantemente pela via do mercado
favela, assim como os loteamentos clandestinos, cortiços e seus #')#&#á,#)5#( ),'&55)5\)'*,),]65(5'#),#5-504-65+/#,5/'5'),#5$á5*,#&'(.5
assemelhados, é alternativa encontrada pela população excluída construída. Constata-se também a diversidade espacial e social: não são apenas os mais pobres
)5',)5#')#&#á,#)5&!&85,5  5Bhffg:ioC5^5 que habitam favelas.
*,)--)5 5 /,(#4éã)5 -5 *,-(.5 )')5 /'5 'á+/#(5 5
produzir favelas e agredir o meio ambiente.” Alguns estudos apontam que a favela é espacialmente e socialmente heterogênea e que não são
)-5Ě(#)-5-.),-5*),-55#855Bhffg95ooC5ŀ,'5+/5-5 0&-55*,-(.'5
5-./)5^--(.'(.)-5*,á,#)-5()5,-#&5/,()_65,&#4)5 -.,/./,5-)#&5#0,-#ŀ65).55')#&#55#(-,éã)55+/5^.!),#-5(ã)55'#-,á0#-_5
*&)5 (.,)5 5 -./)-5 5 .,ĉ*)&5 )5 (.,)5 ,-#&#,)5 também se encontram nelas. O espaço da favela também não é um espaço homogêneo.
5(á&#-55&($'(.)5755*,5)5 #(#-.ï,#)5-5 Percebe-se a existência de espaços diferenciados ocupados por diferentes níveis de renda, e que
Cidades, apontou que existem cerca três milhões de domicílios a qualidade das construções cor-respondem a diferenciados níveis de renda e preços de moradia
'5 0&-5 B--(.'(.)-5 *,á,#)-5 5 -.),-5 -/(),'#-C5 ()5 B565hffg95gjhC8
,-#&85-./)-5'/(##*#-5*)(.'5+/5-.5(/',)505-,5
maior. /.,)-5-./)-5/-'552#-.ð(#55',)5#')#&#á,#)5(-5 0&-65#(&/-#05)'55*,-(é5
5#(.,'#á,#)-555#')#&#á,#-855 5Bhffg95gkmn575gkniC5*)(.5)5-!).'(.)55
#(â'#55)/*éã)55á,-5)')5*,#(#*&5 ),'55--)5à5'),#5'5 0&-55ŀ,'5
A maioria da população de favelas vive em regiões metropolitanas.
que, nas últimas décadas, o acesso à favela passa a ser preponderantemente pela via do mercado
O Ministério das Cidades, em parceria com o Observatório da
#')#&#á,#)5#( ),'&8
Metrópole e Fase, desenvolveu um estudo baseado nas carências
habitacionais e de saneamento. Apontou 11 metrópoles em
-.-5'/(é-65(.,.(.)65(ã)5&.,,'55)(#éã)5*,á,#55'),#555-#!/&5()5
risco que reúnem 209 municípios e concentram 32% da popula-
\--)55#]85(&#-()5)-5-*.)-5/,(ù-.#)-65'#(.#-55 /(#á,#)-5)(&/ù')-5+/5
ção brasileira, concentram de 33% déficit habitacional, 90% do
avançamos muito pouco na melhoria das condições de acessibilidade, na ampliação do acesso
ïŀ#.5(5 #255,(5.ï5i5-&á,#)-5'ù(#')-555'#-55nhz55
a equipamentos e serviços públicos de boa qualidade, na integração e recuperação ambiental
dos domicílios em favela.
-.-5--(.'(.)-5--#'5)')5(5*,)')éã)55,!/&,#4éã)5 /(#á,#855

Após um século de favela, muitas mudanças são percebidas. A


-.5.'55/,(#4éã)55 0&-50'5-()5.,.)5*&)-5'/(#ù*#)-5(5â'#.)555&),éã)5
imagem da favela associada ao ‘barraco’ não corresponde mais
dos Planos Locais de Habitação de Interesse Social – PLHIS. A Lei Federal 11.124/2005 que
à realidade da maioria das favelas em metrópoles. A invasão,
instituiu o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) estabeleceu a obriga-
gradual ou repentina, individual ou em grupo, de uma terra toriedade de elaboração do PLHIS (Planos Locais de Habitação de Interesse Social) pelos
sem infra-estrutura com a autoconstrução de uma moradia estados, Distrito Federal e municípios. Segundo Ministério das Cidades, o Termo de Adesão ao
com material provisório como madeira, palha, deixam de ser  5$á5 )#5--#()5*),5'#-55k5'#&5'/(#ù*#)-5,-#&#,)-555,-)&/éã)5̍hj5)5)(-&")5
características predominantes. Gestor do FNHIS definiu a data de 31/12/2010 como limite para apresentação do PLHIS.

62 63
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Neste contexto, a elaboração do PLHIS, pode representar uma oportunidade para alavancar acesso aos diversos equipamentos urbanos; a adequação da unidade habitacional; a regularização
o processo de planejamento habitacional municipal e iniciar a construção de um sistema de /(#á,#:565#(65-5éċ-5,&.#0-5à5#(&/-ã)5-)#&55-/-5'),),-855,.,#4éã)5)-5
#( ),'éċ-5(#)(&̎855 --(.'(.)-5065*)#-65-,5*/.5*),5---50,#á0#-65*,'#.#()55#(.#ŀéã)5)5+/5 &.5
*,5+/5-$5.#(!#)5)5*.',5á-#)5#'5-,#.)65ŀ(#()65--5'))65)5.#*)55#(.,-
A elaboração do PLHIS, como instrumento de implantação do SNHIS, e na perspectiva da venção a ser implantado no assentamento. (CARDOSO, 2009; BRASIL, 2009). A partir deste
construção gradual de um sistema nacional de informações e avaliação, expõe a importância pressuposto a Secretaria Nacional da Habitação do Ministério das Cidades sugeriu, no Manual
de se explicitar conceitos relativos às necessidades habitacionais e à precariedade da moradia, *,5&),éã)5)-5&()-5 )#-55#.éã)55 (.,--5)#&65/'5&--#ŀéã)5-!/()5
--#'55)')55,&0â(#55-5#0/&!,5'.))&)!#-5*,5)5á&/&)5)5ïŀ#.555*,,#5 os tipos de intervenção, que podem ser assim definidos: urbanização (simples), urbanização
"#.#)(&85 47-5 (--á,#)65 .'ï'65 /(# ),'#4,5 )(#.)-5 5 .,'#()&)!#-5 5,&#)(-5 (complexa), reassentamento (ou realocação) e remanejamento (ou relocação). (BRASIL, 2009)
à5 ,.,#4éã)55 -5 0&-65 5 --(.'(.)-5 *,á,#)-5 5 -5 .#*)&)!#-5 5 #(.,0(éã)85 5
5&--#ŀéã)5-5#(.,0(éċ-5ï5(--á,#5*,5#(.#ŀ,5-5éċ-5!)0,('(.#-5+/50'5 Após um século de favela, muitas mudanças são percebidas mas, permanece o desafio de integrar
ser desenvolvidas. as favelas a cidade. A integração da favela à cidade, em sua dimensão urbanística, envolve o
desempenho de muitos elementos de um programa de urbanização, como melhoria das
Os conceitos e terminologias utilizados pelo Ministério das Cidades foram os registrados no condições de mobilidade e acessibilidade, saneamento, provisão de equipamentos públicos e
&()5#)(&55#.éã)5B&(C̏855)(#.)55*,,#5).)5*&5)&ù.#5 manutenção urbana. Também se relaciona com aspectos do padrão de ocupação consolidado,
#)(&55#.éã)5BC5-.5+/.,)5-5.!),#-5'#-5,*,-(..#0-5)5 (Ċ'()95 compreendido como densidade de ocupação, qualidade das construções (localizadas nos espaços
cortiços, favelas, loteamentos irregulares de moradores de baixa renda e conjuntos habitacionais públicos e privados) e seu grau de diferencial do padrão existente no entorno, além de outros
produzidos pelo setor público, em situação de irregularidade ou de degradação. aspectos relacionados com dimensões culturais e sociais.

,.#/7-5)5*,--/*)-.)5+/5)-5,#.ï,#)-5*,55,.,#4éã)5)-5--(.'(.)-5*,á,#)-5- 5()'(&./,5^ 0&_65&ï'55-.#!'.#465(ã)5ï5/.#&#45'5.)-5-5,!#ċ-5)5,-#&65


vem ter correspondência com as categorias de intervenção, e que estas, por sua vez, são definidas em que é substituída por outras, como mocambo, palafita, invasão, comunidade, vila, núcleo, etc.
em função da lacuna entre as características do assentamento e o conceito de moradia digna. )5 (/&5)5  5()'#()/7-5^ 0&-55-/-5--'&")-_55,á5)-5'/(#ù*#)-5
Assim, a partir do tipo e grau de precariedade ou inadequação do assentamento, o objetivo das &--#ŀ,5-.5.#*)55--(.'(.)5)')5^ 0&_5)/5^&).'(.)5#,,!/&,_55*,.#,55,#.ï,#)-5
#(.,0(éċ-55/,(#4éã)555#(.!,éã)5/,(5ï5)55!,(.#,5/'5*.',5á-#)55+/&#- locais.
dade habitacional e urbana, considerando a erradicação das situações de risco; a implantação
5#( ,-.,/./,5á-#65*,#),#4()5)5-('(.)5'#(.&:55'*&#éã)55')#&#55)5 5'(-/,éã)5)5ïŀ#.5,&#)()5)-5--(.'(.)-5*,á,#)-5()5*ù-5(0)&055)(-.,/éã)5
e nivelamento de conceitos, obtenção de dados e a construção institucional de sistemas perma-
nentes de coleta e atualização de informações. O município conhece melhor a realidade local
____________ e regional e é o ente federativo que melhores condições reúne para identificar e caracterizar os
̎5 5 )(.Ě)5 )5 IS esta estabelecido na publicação Guia de Adesão ao Sistema Nacional de Habitação de
assentamentos, quantificar os domicílios existentes e identificar a tipologia de intervenção. Um
Interesse Social – SNHIS, produzida pela Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades. De acordo com
este Guia, o PLHIS deve conter um diagnóstico do setor habitacional e um plano de ação. O diagnóstico deve reunir grande desafio é definir como nivelar conceitos e reunir as informações locais, registradas no
#( ),'éċ-55,-*#.)5)5ïŀ#.555#(+/éã)5"#.#)(&65#(.#ŀ,5)-5--(.'(.)-5*,á,#)-55&0(.,5-/-5
,.,ù-.#-5/,(ù-.#-65'#(.#-65-)##-55 /(#á,#-8
âmbito dos PLHIS, de forma a respeitar as especificidades e diversidades regionais e simulta-
neamente adotar conceitos e classificações que permitam a integração e sistematização de dados
̏ O Plano Nacional de Habitação foi elaborado entre 2007 e 2009, sob a coordenação da Secretaria Nacional de a nível nacional. O planejamento e a execução da Política Nacional de Habitação requerem a
Habitação do Ministério das Cidades, com a consultoria do Consorcio PlanHab, formado pelo Instituto Via Pública,
 5B 7IC55 )!)-5(!(",#85 estruturação de um sistema nacional de informações.

64 65
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

Alguém tem receio de ser multado na favela?


Pedro Strozemberg ‡ Pesquisador do ISER

Referências Bibliográficas O processo de formação e crescimento das favelas marca uma das
grandes tensões das cidades brasileiras. Sua presença no espaço
 65 85 /.,)5 ().-5 *,&#'#(,-5 -),5 5 .),#5 )(Ċ'#5 5 0&95 &)&#4éã)5 urbano coloca em xeque a capacidade de estes aglomerados
5,-#(#&655',)5#')#&#á,#)85 55  5585(#-85#)5 urbanos acomodarem de forma integrada e includente o
de Janeiro, v. 3, 2001. conjunto de sua população.

 85 #(#-.ï,#)5-5#-85,.,#5#)(&55#.éã)575(.,)55-./)-55 A favela, ou as favelas por sua múltipla representação, são


.,ĉ*)&I(.,)5 ,-#&#,)5 5 (á&#-5 5 &($'(.)5 75 'I,*5 @5 ,,#5 ()5 historicamente identificadas como a expressão de antítese da
Brasil Urbano. Disponível em: www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/secretaria-de-habita- ordem pública, e percebidas pelo conjunto da sociedade como
cao/biblioteca. -*é)5 .,(-!,--),65 -$5 *),5 2.,*)&,5 &#'#.-5 5!)!,áŀ)-5
ou ainda morais. Sobe as favelas para os morros e cria-se a
 85 #(#-.ï,#)5-5#-I5(5 /#45()(855).5ï(#5(85fhIhffn55^,.,#4éã)5 5+/#0)5#'!'55-*é)5^-'5&#_8
)-5--(.'(.)-5,á,#)-55#*)&)!#-55 (.,0(éã)_65hffn8
(.,.(.)5 (-5 ,&éċ-5 "/'(-5 5 ŀ!/,5 )5 5.,(-!,--),5
BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Habitação e Consórcio PlanHab; e transgredido tende a confundir-se a partir de ações
^&()5#)(&55#.éã)57hffn7hfhi_65,-ã)5#(&655hffo85 compartilhadas no tempo e no espaço. Agindo como elemen-
.)-5 -#'#ĉ.#)-55 5 #(.,*((.-5^5 #5 0&_5 5^#5
 85 #(#-.ï,#)5-5#-5I5  6585B),!8C5&()-5 )#-55#.éã)55 (.7 oficial” estabelecem padrões de convivência marcados pela
resse Social. Brasília: Ministério das Cidades, 2009. autonomia e invisibilidade.

CARDOSO, A. L.; ARAUJO, R. L.. Necessidades Habitacionais no Brasil. In: Ministério das -.5 *.)5 5 )#.éã)5 ()5 -*é)5 *Ě&#)5 .'5 , ð,(-
#-5I5&#(é55#-85éċ-5 (.!,-55,(#4éã)55--(.'(.)-5,á,#)-I5 #5 "#-.ĉ,#5 ',5 *&)5 *,)--)5 5 )(.,)&5 -(#.á,#)̎ e
  6585B),!8C65hffo855555 urbanização da cidadȅ do Rio de Janeiro – antiga capital do
país e berço das favelas brasileiras –, mas também serve como
  6585--(.'(.)-5*,á,#)-95#(.#ŀéã)65,.,#4éã)55.#*)&)!#-55#(.,0(- condicionante inibidor de confrontos sociais sendo, por tanto,
éã)65 (95 #(#-.ï,#)5-5#-5  6585B),!8C5&()-5 )#-55#.éã)55 (.,--5 sua existência um elemento de estabilidade social enormemente
Social. Brasília: Ministério das Cidades, 2009. -$)5*&)-5!)0,()-55&#.5)(Ċ'#̐855

 6585,-#&65#-5&.,(.#0-5*,55,#-5/,(85#)55
(#,)95#.),5)4-65
2001.
____________
̎5Para melhor conhecer o assunto Licia Valladares.
6585850&-55),.#é)-5()5,-#&95hf5()-55-+/#--55)&ù.#-85,()-55
-+/#-5)5 85ã)5/&)65(8̍5gn65765goom8 ̏ Para melhor conhecer o assunto Carlo Lessa e Luiz Antonio Machado
³ Um elemento destacado no crescimento/presença das favelas na cidade é o
fornecimento de mão de obra especialmente para as industrias e serviços. Di-
KKKKKK85-("()5-*é)-55),485hffg85#--,.éã)55 #0,5)ð(#575/&55 versas favelas têm sua origem associada a fabricas e historias de relação com
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo. movimento sindical.

66 67
O QUE É A FAVELA, AFINAL? COLETÂNEA DE TEXTOS

'*("-5'5-),0#0,65-5 0&-5-5#'*ċ5()5.,,#.ĉ,#)55,#'5,!,-55-)&#,#5 Ao ter-se a favela marcada pela dominação de grupos armados, oficiais ou não, estabelece-se
opondo-se a imagem externa criada como locus da exclusão. Neste contexto, pela imagem de um padrão de relacionamento marcado pela restrição e opressão. Não se sustentam processos
seus moradores, as favelas assumiam o lugar de acolhimento, solidariedade, resistência e preser- '),á.#)-5+/()5-/$#.)-5,')-65*),5'(),5+/5-$5-/5,*,-(..#0#65.ï'5*),5
vação da cultura. Na favela, seus habitantes encontraram o sentimento de pertencimento que de decisão.
não desfrutavam quando fora do território ocupado e conquistado.
Tomar como referencia o respeito aos direitos civis, como liberdade de expressão e circulação;
São inúmeras as manifestações culturais e de resistência. Criam-se arquiteturas das favelas direitos de representação política, inclusive para garantir proteção e legalidade de funcionamento
através do estuque, madeira e agora alvenaria; o berço do samba e agora mais recentemente para associações de moradores e organizações locais; direitos difusos como acesso de qualidade
)5 5)')5'(# -.éċ-5'/-##-5#(.#.á,#-655#'*),.â(#5)-5.,,#,)-5,&#!#)-)-655 a saúde, moradia, meio ambiente protegido e educação. Mecanismos de monitoramento destas
presença da atuação da igreja católica de base e agora a multiplicação das igrejas evangélicas, políticas e contexto podem incidir no tipo de democracia que temos no país, e o mais importante
(.,5)/.,)-52'*&)-85-.-5-ã)5&!/'-5-52*,--ċ-5+/5','5-.5",(é5/&./,&65'-5 se ela atende ao conjunto de sua população.
(/(#'5-.5*,)--)5)')5/'5')0#'(.)5#(â'#)55#(-.á0&85ù55(),'5#ŀ/&55
-/5)(#./éã)855+/5,.,#455 0&>5/5&'(.)-5)'/(-55ŀ('> ,á5+/5&!/ï'5/0#55+/65-&0)5*&)5- ),é)55#éã)5#(#0#/&65)-5-*é)-5*Ě&#)-5
e a atuação do poder estatal na favela são radicalmente distintos daqueles praticados fora da
0&>5,á5+/55&#5&#.),&5.'5-#!(#ŀ)5-'&"(.5()-5-*é)-55#>55'*("5
Neste processo histórico os anos 90 e 2000 foram especialmente transformadores para a
da lei seca, realizada em todo território nacional, é também praticada no interior das favelas?
5#(.!,éã)5)5-*é)55 0&5()5-*é)55#85/-5'),),-5$á5"á5'/#.)5)(0#0#'5)'5
Alguém tem receio de ser multado na favela por dirigir falando no telefone ou andar sem cinto
^)5- &.)_5)')5*$),.#0'(.5-ã)5"')-5)-5-*é)-52.,()-55 0&85),ï'65)5#(0,-)5
de segurança? Isso sem falar nos serviços e garantias da entrega de cartas, transporte legal,
(ã)5 ,5 0,#,)85 5^-)#5 ),'&_5 (ã)5 )(0#0#5 ()5 -*é)5 5 0&65 5 (.,5 -.-5 (ã)5
recolhimento de lixo, etc.
freqüentadores inclui-se a representação estatal.

5#(.!,éã)55 0&5(5#5-,á5',5*&5#(),*),éã)55#,#.)-5*,5)5)($/(.)5
Substitui-se a lógica da remoção e invisibilidade pelo discurso da integração e direitos. São
)-5-/-5'),),-85'5#--)65-.5-*é)5-,á5-.#()65#(655#ã)-55*)/)-5#,#.)-55
()0)-5.'*)-5*,5.))-85-55(.,)55)-55 ),55 0&85'5&!/'5'#5,)'*7-5)5
poucos deveres.
pacto da não interferência e evidencia-se o conflito entre a cidade repartida. Multiplicam-se as
éċ-5*Ě&#-65)-5*,)$.)-555á7-5(),'50#-##&#55*,-(é5-5 0&-85,5)5'655 A perversa combinação entre baixa institucionalidade social, pouco reconhecimento de direitos
para o mal. B*&)-5'),),-55*&)5-.)C55/-ð(#55-*é)-55#á&)!)-5','5/'5*,)--)5#(5
limitado da democracia em espaços de favela.
)$5 5 0&5 -.5 ()5 (á,#)5 (#)(&5 5 (5 !(5 *Ě&#5 )-5 !)0,()-85 #(5 .,45 /'5
5-(.#'(.)5 ',)5 (.,5 )-5 )&",-5 5 (.,)5 5 5 ),5 5 0&85 (.,5 -5 *)&ù.#-5 5 5 #,#.)5 5 #5 -#!(#ŀ5 '5 !,(5 '#5 - ,/.,5 5 .,.'(.)5 #!()5 5 ,-*)(-á0&65
5.,(- ),'éã)I55#,#.)-55-5*,á.#-55*(ð(#I--#-.ð(#8 onde sejam disponibilizados mecanismos para lidar com os conflitos condizentes com a com-
plexidade e cultura local em combinação com sistemas de garantias de direitos para todos seus
A favela como um lugar do não reconhecimento de direitos perpetua a idéia de subcidadãos '),),-85 )'5 #--)5 *),ù')-5 0&),#4,5 )-5 *,)--)-5 --)#.#0)-5 5 ,#.#0)-5 (-.-5 á,-5
e de democracia de segunda categoria. Hoje em dia, graças a mobilização dos seus moradores desenvolvidas, mas sempre combinados, com sistemas formais de garantias e respeito as regras
5#(.,0(éã)5-#!(#ŀ.#055'+/#(5*Ě&#5)5# ,(#&5(.,55^ 0&55)5- &.)_5(ã)5ï55 )&.#0-855 .#0éã)55'(#-')-55*,)')éã)5)5#á&)!)555)(.#(/#5-5*)&ù.#-5
/-ð(#65'-655+/&#5)-5-,0#é)-5) ,.)-5552*..#055#,#.)-85-.-5-ã)5)-5*)(.)-5 públicas serão pilares para uma sociedade mais integrada. Assim, prevalece a idéia de quanto
de debate. mais direitos, mais segurança teremos.

68 69
O QUE É A FAVELA, AFINAL?

ABERTURA

70 71
O QUE É A FAVELA, AFINAL? ABERTURA

ABERTURA DO SEMINÁRIO
André Cavalcante, representante da área social do
BNDES. Foto: Adair Aguiar/ Imagens do Povo.

A solenidade de abertura se deu na manhã do dia 19 de agosto, Iniciamos a apresentação com a fala do
(5 -5 )5 85 5 '-5 5 ,./,5 -.0'5 *,-(.-5 5,*,-(.(.5 5 á,5 -)#&5 )5 65
#,)5(,#+/-65----),55*,-#ð(#5)565(,ï55 ligado mais diretamente ao departamento
0&(.65,*,-(.(.55á,5-)#&5)5()55
),!5 /#45 de desenvolvimento urbano-regional,
Barbosa, coordenador geral do Observatório de Favelas. André Cavalcante. A sua intervenção
pontuou as diversas experiências e inicia-
tivas do Banco para o desenvolvimento de
Antes que fossem iniciadas as falas, o Observatório de Favelas
á,-5 5 #25 ,(65 -),./)5 5 *,.#,5
apresentou uma exibição de fotos do Imagens do Povo,
das ações do PMI (Projeto Multisetorial
,)!,'55 )5-,0.ĉ,#)550&-65)(-.#./ù)5*&5-)&5 Integrado).
de Fotógrafos Populares, que forma fotógrafos em sua maioria
'),),-5 5 0&-65 *&5 !ð(#5 5 *&)5 ()5 ).)!,áŀ)65 5 éã)5 )5 65 -!/()5 (,ï5
Exbição de fotos na de onde foram selecionadas algumas fotos, cujas imagens eram Cavalcante, reúne uma variedade de pos-
abertura do Seminário.
Foto: Adair Aguiar/Ima- representativas da diversidade nos modos de existência da favela sibilidades de apoios como iniciativa da
gens do Povo. que se queria apresentar. -#!(5 á,5 -)#&5 )5 ()85 -.5
se caracteriza por grandes projetos de
infra-estrutura, mas também por ações
mais pontuais.

Um exemplo de intervenção do Programa


Multisetorial Integrado apresentado por
&5 )#5)5-)55#.ĉ,#65()5-*ù,#.)55(.)65
'#(.5 )5^,)!,'5 )--5,,_65 *-
.,)#()5 *&)5 ()85 ^5 *,.#,5 5 /'5
diagnóstico da gestão municipal, a cidade
)#5#0##5'50á,#-5*)&#!)(#-5+/5-ã)5.,,#.ĉ,#)-5&#'#.)-5*&)5,#.ï,#)55#25,(85
Para cada uma dessas poligonais, foram desenvolvidos projetos específicos de acordo com um
#!(ĉ-.#)5*,ï0#)85/'5---55*)&#!)(#-65-#./5(/'5á,55*&ŀ.-55.,##)(&'(.5
ligada à pesca do siri, foi desenvolvido um programa de desenvolvimento que reuniu a prefeitura
(/'5#á&)!)5)'55-)#5#0#&85--#'65,-./,(.-5-/,!#,'55-5-(0)&0/5/'5,,($)5
*,)/.#0)5&)&55!-.,)()'#5(-5"'-5 &"-5##,-655.ï5/'5'#55!#(á-.#5
)#5)(-.,/ù65 .)-5+/5'/,'550#5-5*--)-_85--52'*&)65*,5(,ï50&(.65
#&/-.,5'55*)&ù.#5)555*,)')0,5/'5-(0)&0#'(.)5'/&.#-.),#&5#(.!,)8

^--5-)5-*ùŀ)655*, #./,5-5),!(#4)/65*&($)/65 45/'5*,)$.)65,#/5/'5-*é)55


#á&)!)5)'55-)#5&)&55('#(")/5*,)5()5+/5*)#)/5--5#(##.#085 --)5*,5)5
5,*,-(.5/'5*)&ù.#5*Ě&#55'#),5+/&#65$á5+/5,Ě(65(/'5,.#/&éã)65
as diferentes estâncias do poder publico. Assim, tão importante quanto discutir o que é a favela
*,5)565ï5#-/.#,55,#,5'#)-5*,5'/,55,&#5---5á,-_8

72 73
O QUE É A FAVELA, AFINAL? ABERTURA

Jorge Luiz Barbosa, coordenador do Observatório


de Favelas. Foto: Adair Aguiar/ Imagens do Povo.

'5 -!/#65
),!5 ,)-5 *,-(.)/5 )5 )55-5)&)5)')5/'5#(-.#./#éã)5+/55045'#-5./5)'55'#--ã)55*(-,5)5
Observatório de Favelas como sendo uma -(0)&0#'(.)5 )')5 /'5 ( ,(.'(.)5 à-5 -#!/&-_85 -.)5 *),+/5 )(-#,5 ^(ã)5 -,5
organização da sociedade civil de pesquisa, possível hoje, numa agenda que se queira substantiva em termos do desenvolvimento, haver um
consultoria e ação pública, dedicada à produção divórcio entre o que é o social e o que é o território”.
e à troca de conhecimentos sobre as comunidades
populares e à elaboração de políticas em direitos Segundo Ricardo Henriques, parte grande de nossa agenda histórica, muito por conta de uma
civis, sociais, culturais e humanos para esses 0#-ã)5,/#)(#-.55(.(,5+/5)5*,)&'55-#!/&555*),45,'55-/(á,#)-65
espaços. foi constituída por demandas sociais de cunho simplesmente represadoras, compensatórias e
&5#'#.(.-65/-()5(5',!'5*,)/4#,5$/-.-855 )#5,),,(.5(--5*,)--)55-.,,#.)5,#&#4,5
!/()5
),!5 ,)-65 ^5 -,0.ĉ,#)5 5 a agenda.
Favelas, além de uma ação pública no sentido
5 )(-.,/#,55 5*,á.#-5 2'*&,-5 +/5 -#,0'5 5 ^(.ã)5"á5/'5-ŀ)5'50)!5'50á,#-52*,#ð(#-55!-.ã)5*Ě&#55.(.,5,.,,#.)5,#&#4,5
referências para as políticas sociais, também se as ações sob pena de cair na armadilha de uma setorialização banal e de uma fragmentação
caracteriza pela produção do conhecimento, a recorrente que inviabiliza políticas duradouras que provoquem uma mudança na vida das pes-
partir da compreensão de que a produção do soas. A visão da apartação entre o mundo da favela e o mundo do asfalto, é consistente com essa
conhecimento é fundamental para o desenho de desterritorialização porque produz estigmas, como por exemplo, quando situa a favela numa
políticas públicas e ações concretas que permitam perspectiva da carência, e isso passa a ser a referência no desenho das políticas públicas.
a transformação generosa da sociedade, sobretudo
para superação das desigualdades sociais e Ressignificar esse território é fundamen-
as distinções territoriais presentes em nossas tal, como também ressiginficar o conceito
'.,ĉ*)&-65 '5 ()---5 #-5 'ï#-5 5 )(5 )5 (Ċ'()5 5 05&#4éã)5 ï5 -#!(#ŀ.#0)5 5 5 -(0)&0#'(.)585 ^5 +/5 ï5 5 0&65 ŀ-
realidade urbana”. nal?” deve estar junto com o questionamento
do que é o desenvolvimento do nosso país,
5-ŀ)5*)-.)5*&)5-'#(á,#)5ï65*),.(.)65*,5&65)55,*(-,5-5,*,-(.éċ-55)-55)(#.)-5 muitas vezes confundido com crescimento
até hoje vigentes no modo de olhar, falar e agir sobre as favelas, tentar superar os estigmas, de 5)(Ċ'#)5*/,555-#'*&-'(.85(-,5(/'5
'))555)(-5.,/#,5()0)-5-#')&#-')-65()0)-5-#!(#ŀ)-55()0-5*,á.#-5'5,&éã)5à-5 0&-65 desenvolvimento pressupõe ampliar o sentido
entendendo-as como integrantes do tecido urbano da cidade. 5 -/-.(.#5&#5 '5 .,')-5 )(Ċ'#)-65
ambientais, territoriais, culturais, e para isso
&ï'5#--)65^)5-'#(á,#)5.,á-5)')5/'5-ŀ)5.(.,5,/(#,5/'5#0,-#55-./#)-)-55 temos que recorrer a um pressuposto ético das
favela, pesquisadores, lideranças populares e agentes do setor público que para além de pensar o nossas ações, considerando a multiplicidade de
conceito de favela, também possam propor uma agenda de mudança da cidade que tenha a favela olhares numa troca de saberes formais entre
como uma referência”, apontou Jorge. a universidade, os gestores públicos, os movi-
mentos da sociedade civil e o setor privado.
#,)5(,#+/-65----),55*,-#ð(#5)565ŀ(&#4)/55'-55,./,55*,-(.()5
)5 +/5 *,5 &5 .,/4#,#5 )5 ')0#'(.)5 5 )(-.,/éã)5 )5 -'#(á,#)85 !/()5 -/5 *,*éã)65 --5 -(.#)65 )5 .'5 )5 -'#(á,#)5
5"50,#5)#-5')0#'(.)-95^/'5(5#,éã)55*,)/éã)5)(#./&655)5)/.,)5(55)(-.,/éã)55 é fundamental para refletir sobre as
uma agenda de políticas públicas efetivamente transformadoras da realidade social brasileira possibilidades de se construir um desenvolvi-
(/'5-)#5'#-5'),á.#55+/â(#'_8 '(.)5 -/-.(.á0&5 *,5 )5 ()--)5 *ù-5 +/5 -$5
denso de conteúdo e que conte com a possi-
!/()5 #,)5 (,#+/-65 ^&ï'5 5 #'(-ã)5 )(#./&5 2#-.5 5 #'(-ã)5 -#'ĉ&#5 5 bilidade de reunir os diferentes olhares para
Ricardo Henriques, assessor da presidência do BNDES.
mover a reflexão numa tentativa de quebrar com as falsas percepções do território. Nesse sentido, ressignificar o espaço público”. Foto: Adair Aguiar/ Imagens do Povo.

74 75
O QUE É A FAVELA, AFINAL? ABERTURA

MESA DE ABERTURA
Maria Laís Pereira da Silva, professora da Es-
cola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal Fluminense. Foto: Adair Aguiar/ Ima-
gens do Povo.
5'-55.-5 )#5)'*)-.5*&5*,) --),55-)&55 ,)0#ð(#655/#(.5)5$/55.'ï'5,-'5-5
Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal Fluminense, "#.éċ-5*)*/&,-5()5'),,)5(.)5(.Ċ(#)65/.)7
Maria Laís Pereira da Silva, pelo representante do Instituto rizadas inclusive pela autoridade militar. Nas primei-
Pereira Passos, Fernando Cavalieri, e pelo fundador do ,-5 ï-5 )5 -ï/&)5 65 $á5 ")/05 ,!#-.,)5 5 2-
Observatório de Favelas, Jailson Souza Silva. As intervenções istência de doze favelas espalhadas por toda a cidade
tinham o intuito de apresentar uma abordagem das favelas numa )5#)555
(#,)65(--5ï*)5)5()'5 0&5$á5-.á5
perspectiva histórica no sentido da sua formação e consolidação #--'#()85 )5 ŀ(&5 )-5 ()-5 hf65 "á5 /'5 !,(5
diante da urbanização brasileira. A essa abordagem soma-se a expansão urbana tanto seguindo a linha da zona sul,
necessidade de acompanhar o movimento histórico de produção como da zona norte e dos subúrbios. Na ocorrência
do conceito de favela, de modo a tentar superar alguns estigmas do censo predial de 1933, nos subúrbios cerca de 20 a
e estereótipos comuns em muitas definições usuais. jfz5,5"#.)5*),5 0&-655&!/'-5$á5)'5'#-55
mil residências. Nessa época, a zona sul tem pouquís-
As apresentações das falas que se seguem não são transcrições sima concentração, cerca de 4%. Ainda assim é onde o
na íntegra, mas um esforço no sentido de sintetizar os principais processo aparece mais na imprensa, uma visibilidade
pontos abordados pelos convidados a partir de suas exposições, e mais ideológica do que real dessa proporção.”
assim poder oferecer ao leitor um quadro geral dos aspectos que
foram discutidos na mesa. ^5 0&5 ï5 /'5 (Ċ'()5 +/5 -5 #--'#(5 *&5
cidade através do processo de urbanização, seguindo
Seguindo essa premissa, Maria Laís da Silva fez a sua abordagem a abertura de loteamentos, as obras públicas e as li-
destacando o quanto é difícil definir o conceito de favela, nhas de industrialização. Por um lado, em função do
sobretudo porque, segundo ela, ao longo do tempo o conceito foi desenvolvimento de um mercado de trabalho, por
sendo escamoteado por inúmeras representações estereotipadas, )/.,)5 #(-,#)5 ()-5 *,)--)-5 #')#5&#á,#)-65 +/5 (/'5
imagens e estigmas que impedem a visão do desenvolvimento determinado momento permitiu que as classes mais
das favelas como parte da urbanização brasileira, ou melhor, da pobres pudessem comprar lotes, geralmente regulares
urbanização dos grandes centros urbanos na virada do século XX. no início, mas que ao longo do tempo sofrem descon-
tinuidade no processo de legalização, como aconteceu
,5 ù-5 ^#(5 +/5 -5 )(-#,'5 -5 0á,#-5 ()'#(éċ-5 (5)#("65,,#("55./'85'55&!/'-5-#./éċ-5)-5*,)*,#.á,#)-5)/5!,#&#,)-5&/!'5
utilizadas: favelas, vilas mocambos, cortiços, e até os parques ou cobram taxas com um vínculo dotado de uma certa formalidade e que servem de autorização
*,)&.á,#)-5 &#!)-5 à-5 éċ-5 #-.#(.-5 5 /,(#4éã)5 )5 *ù-65 *,5)/*éã)5.(.)5'5á,-5*,#0-5+/(.)5'5á,-5*Ě&#-85ã)5imj5 0&-5)(.#&#4-5
o que vale observar é que se tratam do lugar de moradia da até 1964, sendo que cerca 50% tem uma origem que podemos considerar formal. Ou são situa-
camada mais pobre da população. A favela é, assim, o território ções em que o próprio poder público, sobretudo nos anos 1950 e 1960, remanejou favelas para
da habitação popular” á,-55)/.,-5 0&-5)/55*,+/-5*,)&.á,#)-8_

Outro ponto importante que ressaltou foi o fato das favelas ^')-5+/5)(-#,,5+/5)-5'),),-5-ã)5-/$#.)-5/,()-65)'50)4550).)65+/5.#0'5-5
fazerem parte do processo da cidade, processos particulares de -/-5éċ-5.,0ï-55'(# -.éċ-5*)&ù.#-65/&./,#-65,.ù-.#-855#--)5$á5ï50#-.)5-5)-5()-5
5#85),.(.)65^)5,-#'(.)5552*(-ã)5-5#-5 30 mediante abaixo-assinado nas favelas pedindo por melhorias urbanas, além dos movimentos
estiveram sempre acoplados ao desenvolvimento das favelas. 5,-#-.ð(#5)-5-*$)-85(.ã)65--5,á.,5ù0#)655#(#65$á5)(.#5()-5()-5if85
Tanto geograficamente, quanto historicamente, e nos processos ),.(.)65ï5#'*),.(.5#4,5+/5-5 0&-5-ã)5á,-5)(5"á5*,)/éã)5)5-*é)5/,()5)'5
urbanos em que se inserem.” densidade sócio-espacial, política e cultural.”

^)'5 ,&éã)5 )5 -*.)5 "#-.ĉ,#)65 $á5 ()5 ŀ(&5 )5 -ï/&)5  5 ^5+/5# ,(#,#5-5 0&->5,#55'), )&)!#655 ),'5/,(>5ã)5ï5*)--ù0&5 4,5/'5
na virada pro XX, surgem: o Morro da Favela no Morro da generalização completa, principalmente do ponto de vista histórico, pois muitas favelas surgiram
76 77
O QUE É A FAVELA, AFINAL? ABERTURA

a partir de traçados regulares, quer sejam porque eram loteamentos regulares, quer sejam porque ^#-/.#,5)5.'55 0&5(/'5#5ï5-'*,5*)&ð'#)65&ï'5)5+/5-5éċ-5-),5-5 0&-5
foram ocupações dirigidas, organizadas. No campo da situação legal, também se apresenta uma variam conforme o tempo, ora pendem para o lado da urbanização, ora para a necessidade da
diversidade histórica, principalmente nas ocupações até os anos 40. Além dessas questões, ainda remoção ou da contenção”.
existem certas particularidades ligadas às formas de sociabilidade e às ordens com relação ao
-*é)5*Ě&#)85(.ã)5"á5/'5),!'5+/5.,.5)5*,.#/&,65)5#0,-)555,&éã)5)'5)-5 ^&5#4,5+/5")$5'5#5ï5#'*)--ù0&5 &,55 0&5-'5.),5()5--/(.)55/-ð(#55
processos mais gerais da cidade.” segurança pública, que limita os direitos fundamentais dos sujeitos que vivem nas favelas, trazendo
para o espaço da favela uma singularidade negativa se comparada ao restante da cidade”.
^(.ã)65)5-5*(-,5(/'5)(#.)55 0&65(5 ),'5)')5',!5"#-.),#'(.65507-55&0,5
em consideração que ela é território da habitação popular, é produção de espaço social urbano ^ã)5)(-#,')-5*)--ù0&5 &,5'5 0&5()5-#(!/&,65'-5'5 0&-5#(.5-5# ,(é-5+/5
(-)55.,/455*,.#/&,#45)-5*,)--)-5'#-5!,#-55#855 0&5ï5/'5*.,#'Ċ(#)55 existem entre elas. É difícil do ponto de vista histórico, mas também é difícil do ponto de vista
cidade. É uma forma complexa de existência que pode ganhar muitos enfoques mediante o que dos conceitos operacionais que nos servem de referência para o conhecimento da realidade das
se quer observar”. 1.020 favelas hoje cadastradas no Rio de Janeiro, representar tecnicamente, cartograficamente
essa realidade diversa”.
^)5+/5*,655)'*&2#55-5'#!Ĝ#-5"#-.ĉ,#-5+/5*,-(.'55 0&5-ã)5-5
ambiguidades próprias da cidade. Nesse sentido, porque quando tratamos da cidade não falamos Para Cavalieri, com o processo de abertura política, houve uma mudança no foco da representação
-),5---5'#!Ĝ#->5/5-$65-5+/,')-5)(#./,5 0&650')-5*(-á7&5)')55#5 das favelas. Superando a perspectiva que predominava até então, de que a favela deveria ser
com suas particularidades no campo da produção social da habitação e do espaço urbano.” ,')0#5652.#,*65-/,!5/'5()065&#!55#(##.#055/,(#4éã)85^5-.,'(.)65(--5
contexto, assumiu uma importância fundamental. O Instituto Pereira Passos passou a oferecer
'5 -/5 #(.,0(éã)65 5,(()5 uma assistência técnica aos órgãos públicos e às empresas estatais da época que iniciavam uma
Cavalieri apresentou uma visão ação mais direta nos espaços favelados, como foram os casos da Light (empresa prestadora de
institucional das favelas, sobretudo -,0#é)-5 5 &.,##C5 5 5 5 B'*,-5 *,-.),5 5 -,0#é)-5 5 á!/5 5 -!).)C65 +/5
-5 )5 #)5 5 5
(#,)65 á,5 5 *--,'55 5 #(-.&,5 *.,#'Ċ(#)5 *Ě&#)5 '5 á,-5 +/5 (ã)5 *,.('5 )-5 '),),-5 +/5 &á5
atuação do Instituto Pereira Passos, '),'85--5#(##.#05,*,-(.)/5/'5!,(50(é)65)5*)(.)55(#(!/ï'5'#-5#-/.#,5#--)5
e as importantes contribuições da hoje”.
instituição para redefinição do con-
ceito de favelas para ação pública. ,5 0&#,#5 ^---5 '/(é-5 -.#0,'5 &#!-5 à5 , ),'5 )(-.#./#)(&5 5 gonn5 )(5 -5
clarificou a questão dos direitos. Nesta, pela primeira vez, aparece um capítulo sobre a política
^5 0#-ã)5 )5 (-.#./.)5 ï65 *),.(- urbana e toda uma idéia de reforma urbana estimulada pela ação dos movimentos sociais, onde
to, uma visão de agente público, ganha importância a construção dos planos diretores como meio de se planejar o desenvolvi-
5,-5*)(-á0&5*),5'/(##,5)55!)0,()5 mento urbano numa linha reformista. Também a partir daí desenvolveram-se as leis orgânicas
para o planejamento e a ação nas municipais que trazem como um dos princípios a não remoção das favelas, sendo, portanto,
á,-5 5 0&-85 -5 (5 '#5 0),á0&5 5 -/5 /,(#4éã)85 -.7-5 #(5 5 ,#éã)5 -5 á,-5 5 -*#&5 #(.,--5 -)#&65
em que a informação cada vez /'5ŀ!/,5$/,ù#)7/,(ù-.#5+/5*)--##&#.55./éã)5)5*),5*Ě&#)5'5á,-5 0&-65
mais se traduz num direito dos ci- ()55---5á,-5*,ċ-5/,(ù-.#)-5# ,(.-5)5,-.)55#55*,ĉ*,#)-55),)5)'5
dadãos, a informação produzida as necessidades dos lugares”.
pelo IPP é pública e disponibilizada
na internet”. Segundo Cavalieri, o ^5+/-.ã)55*,)*,#5ŀ!/,5)'5!,(5#'*),.â(#5)5-5.(.,5ŀ(#,5)5)(#.)55
IPP contribuiu efetivamente para 0&85 --)5*),+/5"á5/'5!,(5#ŀ/&5'5&--#ŀ,5)5+/5ï5 0&65&).'(.)5#,,!/&,65
uma mudança na visão da prefei- )($/(.)5"#.#)(&655ù55+/-.ã)55),#!'55*,)*,#5-5(5(á&#-55*,)*,#55
tura sobre as favelas, o que rebate na inicial faz a diferença. Pois precisamos pensar em conceitos operacionais que sirvam à atuação
Fernando Cavalieri, representante do Instituto Pereira Passos. sociedade como um todo. 5*,)!,'-5# ,(.-65+/5--#'5)5-ã)65*)#-5./'5'5á,-5# ,(.-_85
Foto: Adair Aguiar/ Imagens do Povo.

78 79
O QUE É A FAVELA, AFINAL? ABERTURA

Jailson Souza Silva, fundador do Observatório de Favelas.


Foto: Adair Aguiar/ Imagens do Povo.

5,!/&,#4éã)5 /(#á,#5*,50&#,#5^(/(5 )#5/'5'(5*,#),#.á,#5)-5'),),-5(-5 Nesse sentido, a tentativa de


0&-65# ,(.5-5á,-55&).'(.)-5#,,!/&,-85-5'),),-55 0&-5()(.,'7-5 reconceituar a favela é uma necessidade
'#-5)(-)&#)-65ù5-5-/-5,#0#(#éċ-5!#,,'5'5.),()55)/.,-5(--#-5)')5á!/65 emergente. Principalmente devido à
esgoto, escolas, pavimentação, contenção de riscos, direito à segurança. Mas a propriedade não insuficiência conceitual das definições
é o foco porque desde a constituição é uma garantia de direito. No entanto, nas favelas funciona ,),,(.-85 ^5 ŀ(#éã)5 )5 5
.#0'(.5)5',)5#')#&#á,#)65)'*,650(55&/!/&5)'5,!#-.,)5#(.,()655'/#.-504-5 sobre o que é a favela, por exemplo,
feito em associações de moradores e com todas as regras do mercado capitalista”. não tem rigor epistemológico visto
que a define a partir da negação, de-
^'5.,#'(.)55&!/'-5)(*éċ-5/-/#-55!&)',)-5-/(),'#-5*,5)5 5)/5 signa a favela como um aglomerado
--(.'(.)-5*,á,#)-5)')52'*&)-65)5 5,)("55/.#&#45)5.,')5 0&65*)#-5(.(5 subnormal, sem que se discuta o que é
+/5-.5.,/45/'50ù(/&)5#(.#.á,#)5#'*),.(.5)-5'),),-5)'5)5-*é)5'5+/50#0'8 normal. Assim, enquanto a favela con-
tinuar a ser explicada sempre a partir
Para o Instituto, a definição de favela deve considerar tecido urbano irregular, vias estreitas, do pressuposto da carência teremos
unidades habitacionais, ocupação de propriedade alheia, desordenada, densa na maioria dos uma maior dificuldade de agir, sobre-
casos, carentes de serviços públicos e equipamentos sociais. tudo no sentido de permitir um maior
reconhecimento da favela na cidade.”
,&"')-5 )'5 #'!(-5 ï,-65 5 -.ï&#.-65 *,5 '#éċ-5 5 á,-5 5 '*'(.)5 0#5
5.()&)!#55!)*,)--'(.)65--#'55 0&5*--552#-.#,5(5,.)!,ŀ5)ŀ#&85(.(')-5 ^5 )(#.)5 .'5 )')5 /'5 *,--/-
que não é um indicador completo, mas conseguimos acompanhar o crescimento das favelas, posto fundamental, discriminar aspec-
+/5")$5-5ã)5'5'#),5(Ě',)5(5,,5#$/65
,*!/á55'5.)5)(5-.85'5 tos da realidade que mobilize um tipo
)-5!,(-5*,)&'-5( ,(.)-5*&5*)*/&éã)5-5 0&-5(---5á,-5ï55/-ð(#55/'5 de olhar, isso ocorre na tentativa de
transporte coletivo eficiente, ainda mais que são favelas que crescem distantes do centro, fato que *,)2#',5)5+/5-5*(-5)5 (Ċ'()5
demonstra a contemporaneidade da discussão.” do que de fato ele é. Nesse movimento,
algumas escolhas são feitas. No caso da favela, podemos constatar que historicamente foi defin-
A contribuição de Jaílson Souza e Silva teve como objetivo fundamental, apresentar as teses de ida a partir de critérios específicos, primeiro pela sua paisagem, segundo pela homogeneidade.”
formulação do conceito de favela elaboradas pelo Observatório de Favelas. Mesmo reconhecendo
5(.'ã)5+/5^)5+/5')05-5éċ-5)5-,0.ĉ,#)550&-5ï5*,)*),55)(-.,/#,5/'55*,)$.)5 Jailson Sousa e Silva coloca como um grande desafio o exercício de se pensar políticas públicas que
de cidade. Sendo assim, o tema não é simplesmente favela, o tema é cidade e o modo como pen- &0'5'5)(-#,éã)5-/$#.)-55.,,#.ĉ,#)-85!/()5&65^(ĉ-5*,#-')-5-/*,,5-5ŀ(#éċ-5
-')-55#55*,.#,5)5()(.,)5-5# ,(é-85á5/'5/.)*#55#5+/5.(.5,)'*,5 5 0&-5.,##)(#-65/$5ŀ(#éã)5(ã)5ï5(.,5(-5*,á.#-5-)##-65'-5.ã)55-)'(.5(-5
)'5)-5*,)--)-55*,.#/&,#4éã)5-5,&éċ-5-)##-65,)("()555# 5,(é5)5)/.,)855 características do território em termos de paisagem, infra-estrutura e renda. Precisamos romper
nesse sentido, a favela que é o principal elemento a ser ignorado, se torna o principal problema, com o discurso de que a favela é um problema em si mesmo, mostrando também aspectos de
-5 .),(5 )5 -.,(!#,)85 (.ã)65 #-/.#,5 )5 )(#.)65 '#-5 +/5 /'5 +/-.ã)5 5.ï(#65 ï5 /'5 #-- sua positividade”.
cussão política. Visa pensar num projeto de cidade pautado em novas referências simbólicas. A
discussão do conceito de favela passa por uma dimensão simbólica e isso implica numa política ^5*,!/(.5+/5 4')-5ï5/'5*,)0)éã)5&0(.5)')5*,)*)-.5)5-'#(á,#)55-.á5&)(!5
pública específica.” de querer que se produza um conceito consensual, mas o que consideramos fundamental é des-
construir uma visão naturalizada do que é a favela hoje, principalmente um espaço marcado pela
'5-/-5*&0,-65^+/()5-5ŀ(55 0&55*,.#,55,.,ù-.#-5(.,-5(5-/5*#-- precariedade, pelo estigma e pela naturalização da paisagem”.
gem e na sua precariedade, termina-se por definir políticas públicas também marcadas pela
5*,,#85'5+/-.ã)5ł!,(.5--5 ),'55,*,-(.éã)5ï5)5'))5)')5)5-.)5 ^5,*,-(.éã)5)'#((.5(./,&#45-5 ),'-5.,##)(#-55,&éċ-5(5#555*,.#,5
acaba por permitir que grupos criminosos armados privatizem a soberania desses locais. Isso só daí define um determinado lugar para a favela e assim, consequentemente, um determinado
)(.5*),+/5"á5/'5*,*éã)5-*ùŀ5---55.,,#.ĉ,#)-5'5+/5-5(!5)-5'),),-55 tipo de política. Nesse sentido, o caveirão (equipamento móvel blindado utilizado pela polícia
sua condição de cidadãos”. militar em ações nas favelas) se torna absolutamente natural. Assim como se naturalizou que o
80 81
O QUE É A FAVELA, AFINAL? ABERTURA

*,#(#*&5,#'55-,5)'.#)5ï5)5.,áŀ)5)50,$)55)5-/5&/!,55,*,--ã)5ï55 0&85(.ã)5 moradia. Isso não é inconstitucional, pode ser irregular, mas não é ilegal. Sendo assim, faz mais
quando se fala em remoção e muitas pessoas são a favor, se ignora completamente que existem sentido definir a ocupação como uso social da propriedade, do que meramente invasão. É por
pessoas que vivem nas favelas, porque a lógica é que a favela é um território problema. Daí surge isso que a discussão sobre o valor social da propriedade é fundamental para se discutir a favela,
a necessidade de humanizar o conceito”. mesmo quando tratamos da propriedade privada”.

^5-,0.ĉ,#)50'5'/,()5+/-.ċ-55, ,ð(#5*,55*,)/éã)5)5)(#.)85'5 ^5&.)5!,/550/&(,#&#5'#(.&5(-5 0&-5ï52*&#)5*&5,$#éã)5)5',)5)-5


primeiro ponto central é a percepção de que a favela é um território constituinte da cidade, e terrenos ocupados. Historicamente, todo esforço dos moradores para construir uma morada
#--)5(ã)5ï5.,#0#&65$á5+/5*,5'/#.-5*--)-55 0&5ï5+/#&)5+/5(ã)5ï5#65ï5/'5-*é)5+/5 urbana, diante do todas as dificuldades em garantir condições urbanas, não foi tradicionalmente
-.á5 ),55#85ã)5ï5-/&5)/0#,5()-5$),(#-5().ù#-5)')95\'),),-55 *('5(ã)5 reconhecido”.
dormiram por causa de tiroteios no Cantagalo’, obviamente estão considerando que os mora-
),-5)5(.!&)5-ã)5-/,)-65$á5+/5&-5(ã)5.ð'5*,)&'-55),'#,5*),5/-5)5.#,).#)65 Mas, segundo o debatedor, aquilo que hoje se apresenta como o maior problema das favelas
assim os tiroteios afetam tão somente os moradores de Ipanema. Outra notícia comum é: ‘Santa ï55 &.55!,(.#55/'5-.)5 .#0)55#,#.)5+/52,é55-/5-),(#5()5.,,#.ĉ,#)5
Teresa é um bairro cercado por favelas’, a idéia é que Santa Teresa é um bairro fechado e que as -5 0&-85^5*,#(ù*#)5 /('(.&5ï5+/5(-5 0&-50#0'5#ã)-55&-5--#'50'5-,5
favelas não fazem parte dele; outra: ‘os moradores não conseguem atravessar o túnel dois irmãos reconhecidos, e os seus espaços como espaços de cidadania, espaços que constituem essa riqueza
por causa do tiroteio na Rocinha’. Ou seja, o tempo todo se ignora a presença das favelas e de profunda que é a cidade, que só pode ser o que é, sobretudo a cidade do Rio de Janeiro, em
seus moradores na cidade”. função das favelas”.
^--#'65)(.#(/5-()5(./,&5-5'),.-55kf5'#&5*--)-5*),5()5(-5 0&-65*,#(#*&'(.5
^-5 0&-5"á5/'5&05)((.,éã)55"#.éċ-655#--)5(ã)5ï552*,--ã)55/'55*,)&'65
(!,)-55$)0(-855 )--'5*(-5'#&5---65'),),-554)(5-/&65,.'(.5$á5.,ù')-5
mas tem um aspecto positivo realçado pelo grau de intensidade da vida na favela, até porque os
uma revolução no Brasil. Morrem três motoboys em São Paulo por dia, morrem 14 adolescentes
moradores das favelas têm uma lógica diferenciada na relação com a rua, pois o espaço do mo-
de 15 a 18 anos por dia no Brasil, e isso se torna apenas mais uma estatística, é um dado
,),5ï5'/#.)5'#-5+/55-/5-85-5á,-5)'/(-5-ã)5'/#.)5#'*),.(.-5'5-/5)(0#0ð(#5
naturalizado, e a favela continua a ser naturalizada até hoje.”
#á,#65 .)5+/5 ),.&5-5,&éċ-550#4#("(é5#(.55,&éã)5)'5)5)/.,)5(5)(-.,/éã)5
dos espaços comuns, mesmo diante da insegurança”.
^ --)5+/5.,4')-55 0&5)')5)(-.#./#(.55#5ï5*,.65(/'5*,-*.#05*)&ù.#65
5*)&#-65$á5+/5&5ï5 /('(.&5*,5(.(,')-5)5*,)--)55#855 0&5(ã)5*)5
-,52*&#5*),5&5'-'65(--5-(.#)5ï5/'5+/ù0))5 &,5+/55 0&5ï5*,á,#855 0- ^-.')-5 *(-()5 5 0&5 )')5 /'5 (Ċ'()5 ,-#&#,)65 +/5 *),5 #--)5 05 ,--&.,5 )5
&5(ã)5ï5,-*)(-á0&5*),5-/5*,,#65.,.7-55/'5á,5+/5-) ,5)'55#(-/ŀ#ð(#5 componente étnico como uma expressão de sua realidade. As favelas brasileiras concentram em
"#-.ĉ,#55#(0-.#'(.)-5)5-.)55)5',)5 ),'&85ĉ-5-ĉ5*)')-5)(#./,55 0&5 seu território um número elevado de negros, pardos e pretos e descendentes de indígenas de
relacionalmente. A favela é constituída basicamente pela força da sociedade, sem ter o devido acordo com a região brasileira”.
apoio e investimento”.
^),5ŀ'65)5&.)5!,/550#.#'#4éã)5-5*--)-65-),./)55&.&#65')-.,5+/5ï55-/,)5
&,5+/55 0&5ï50#)&(.855 0&5ï5/'5á,5'#-5.#(!#5*&50#)&ð(#5)5+/5)/.,-5*,.-5
^/.,)5*)(.)5, ,(.5à-5 0&-5ï55 ),.5-.#!'.#4éã)5---5-*é)-65*,#(#*&'(.5*),5
moradores de outros bairros da cidade. A favela é sempre definida pelo caos, pela criminalidade da cidade. A favela é um espaço marcado por iniciativas e estratégias de sujeitos concretos na
5.ï5*&5 &.55'),&#85-5 0&-5"á5/'5(ù0&5&0)55-/'*,!)55#( ),'&#5 cidade que buscam exercer a sua cidadania. Não acreditamos que a cidadania é uma preparação,
nas relações de trabalho, as construções geralmente estão associadas a padrões não definidos pelo (ã)5-5)(-.,ĉ#55#(#65(-')-5#ã)-65-)')-5-,-5-)##-65*),5#--)5#ã)-855)')5
-.)65.ï5*),+/5'/#.-504-5)5-.)5(ã)5á5)(#éċ-5*,5+/5-$'5-.&#)-5---5 cidadãos que somos, temos direitos a uma série de elementos fundamentais para nossas vidas. A
parâmetros”. educação não prepara para a cidadania, mas é por ser cidadão que eu tenho direito à educação,
ŀ,'5 #(5 +/5 ^-)'(.5 !),5 .')-5 0#-.)5 '#-5 *)&ù.#-5 5 #(0-.#'(.)5 '5 "#.éã)5 como também tenho direito ao trabalho, direito à moradia, direito à vida”.
popular, por isso boa parte das favelas ainda se caracteriza pela autoconstrução. O uso que se
destaca é para a finalidade da moradia. Mas se considerarmos a existência da Constituição e o '5-/-5*&0,-5ŀ(#-65, ),é()5)5- ),é)5*,55)(-.,/éã)5)5-'#(á,#)65
ù&-)(5)/-55#&05
que ela prevê de uso social da propriedade, podemos admitir que pessoas que não têm financia- ŀ,'5+/5^*(-,5)5)(#.)55 0&5ï5&/.,5*),5/'5'),#5,*/&#(5()5-ï/&)5 _8
mento ou nenhuma forma de crédito, ocupem o solo e se apropriem dele com a finalidade da A discussão realizada no âmbito do grupo de trabalho contou com a apresentação de textos de
82 83
O QUE É A FAVELA, AFINAL?

GRUPO DE
TRABALHO

84 85
O QUE É A FAVELA, AFINAL? GRUPO DE TRABALHO

GRUPO DE TRABALHO

especialistas sobre o tema favela, ainda que ligados a experiên- +/-5#(&.,55&ĉ!#5+/5*,'05-5,')éċ-85---5+/-.ċ-5.,4'5.'ï'5)')5/'5


cias diferenciadas. Tais apresentações foram seguidas de debates desafio a necessidade de pensar o conceito levando em consideração as dimensões subjetivas e
e cujos resultados tentamos sintetizar no texto abaixo. simbólicas, intrínsecas à vivência e à construção de significados dos sujeitos que fazem desses
territórios a sua morada.
A incorporação do que é a favela ou do que não deveria ser
a favela, conduz a uma necessidade de se disputar, no plano Por que é importante discutir o conceito de favela? Para tanto é importante considerar um
simbólico, o que a favela é na sua positividade. A crítica à 5)(.2.)5-*#ŀ)5)/5*,)*),5/'5#á&)!)5(#)(&>5§5*,5'/,55,&#>5§55*,ĉ*,#5
5#()'*&./5 -5 *,)'---5 )5 -.)5 5 à-5 -#!/&-5 5 origem do conceito não dar conta da multiplicidade. Talvez fosse importante pensar num
#5 -5 45 (--á,#5 5 #(#-*(-á0&5 *,5 )(.2./&#4,5 5 conceito mais geral que dialogue com a distância da moradia digna e as condições de vida das
favela na urbanização do território. Por outro lado, é impossível pessoas. Os conceitos podem também orientar parâmetros em escala nacional, que mobilizem as
*(-,55 0&5-'5*(-,55#65*),.(.)5(ã)5"á5/'5#5 políticas públicas, por mais que essas possam e devam reconhecer as estratégias locais. Portanto,
partida como se supõe. Assim, torna-se fundamental admitir o cabe refletir sobre a relação entre o conceito e as estratégias de formulação e intervenção das
,á.,5,&#)(&5-5 0&-65)(.,á,#)5à5-/5-.,éã)55,#ŀ- políticas públicas.
éã)85 5 0&5 (ã)5 *)5 -,5 *(-5 '5 -#5 '-'85 ã)5 "á65
por exemplo, uma política de urbanização comum para a cidade. É fundamental estabelecer uma representação conceitual que não se paute somente pelas
Ninguém questiona muito o crescimento de outros bairros, mas 5/-ð(#-55*&5*,,#85-.5+/5ŀ,'55 0&5)')5)5&/!,55*),4655*)*/&éã)5
o crescimento das favelas é visto como um mal a ser combatido de baixa renda, como comunidades carentes, limitada territorialmente, controlada socialmente
e a favela como um problema a ser solucionado. *),5!,/*)-5*,#0)-65)')5-5'#&ù#-55)5(,).,áŀ)655&/!,552*,#'(.éã)55*)&ù.#-5
públicas. Sobretudo porque esse olhar mobiliza tipos de políticas públicas específicas, marcada
É fundamental reconhecer o contexto social e político de .'ï'5*&5*,,#85§5(--á,#)5.,0,5/'5.&"5-#'ĉ&#65,+/&#ŀ,5.,0ï-55
surgimento das favelas que esteve vinculado à antítese da ordem resistência e da denúncia das desigualdades.
urbana, às políticas de higienização e ao não reconhecimento da
normatização. Havia um esforço de segregação na medida em á65(-5 0&-5/'5&#'#.éã)5"#-.ĉ,#55,&éã)55-),(#5)5-.)8552*..#05)5
que a existência da favela permitia a estabilização social. Isso #,#.)65.(.)5)5-/5)("#'(.)5*&5*)*/&éã)65)')5)5-/5,)("#'(.)5*&)5-.)65ï65
gerou duas conseqüências imediatas: se por um lado a favela em geral, negligenciada. As favelas convivem com ameaças de remoção e violência permanentes.
se torna um espaço de pertencimento para os seus moradores, ã)5 "á5 '/#.)-5 (#-5 5 #á&)!)5 5 5 )(/.-5 +/5 *,'#.'5 5 !,(.'5 5  .#0éã)5 )-5
esses mesmos se colocam numa situação de estranhamento com direitos de cidadania.
)5,-.(.55#65(/'5*,5)5^#,#.)5à5#_8
O não reconhecimento dos direitos gera desesperança e abre espaço para o assistencialismo. O
Um desafio à construção do conceito é a de tentar desconstruir -.)5#'*ċ5/'5),'5)5#,#.)5-)5'5/'50#-ã)55)(.,)&52.,()65-'55)(-#,,5
&!/(-5)(#.)-5$á5)(-)&#)-65!,&'(.50#(/&)-55/'5 o papel dos moradores no exercício do acesso aos direitos. Parte do processo de mudança deve vir
abordagem conservadora e normatizante que permanecem das favelas, e a questão da superação do acesso aos direitos é fundamental. O acesso aos direitos
como uma realidade nos dias de hoje, mesmo que o foco das -.á5,&.#0'(.5# /(#)5)')5*,-*.#0855+/5# ,5ï55+/&#5---55#,#.)-85á5
políticas públicas tenha sofrido alterações. Um exemplo disso uma situação de cidadão e cidadania de segunda classe. A qualidade da cidadania e da própria
são os ecolimites e as unidades pacificadoras, em que se mantêm #5 '5 +/5 +/,')-5 ()-5 #(&/#,5 ï5 /'5 #-/--ã)5 +/5 -.á5 *)/)5 *,-(.5 (-5 *)&ù.#-5

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O QUE É A FAVELA, AFINAL? GRUPO DE TRABALHO

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O QUE É A FAVELA, AFINAL? GRUPO DE TRABALHO

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O QUE É A FAVELA, AFINAL? GRUPO DE TRABALHO

públicas. 5*--)-5+/50#0'5'5á,-5+/65'-')5-'5-,'5 0&-65*)--'5-,5)(.'*&->5,5)5


65*),7-7#5#,5*,5&ï'55.!),#55-/(),'&65*),+/5()5()--)5*ù-5)5(),'&5ï5)5
5 0&5ï5#0,-55".,)!ð(85á65*),52'*&)65/'5(),'5#0,-#5ŀ-#)(Ċ'#555/-)-5 irregular que prevalece. A questão da irregularidade deveria ser objeto de estudos mais detalhado
(-55(.,5-5 0&-5-55ï55jf85./&'(.65*)')-5ŀ,',5+/5)5/-)5)(Ċ'#)5 no nível municipal, e poderia ser feita uma recomendação, para ser feito um levantamento, com
ï5,(.á0&55*)--/#55*,-(é55/'5#(.(-)5)'ï,#)655*,-.éã)55-,0#é)-65(.,5)/.,-5 uma cartografia específica, que pudesse ser cruzado com informações locais.
.#0#-85á65(.,.(.)65/'5#ŀ/&55!#,5()-5.,')-55/'5*)&ù.#5*Ě&#5(#)(&65
tendo em vista a ausência de um sistema de informação que dê conta desta diversidade das á5 0á,#)-5 -*é)-5 +/5 .ð'5 #( ,7-.,/./,5 *,á,#65 +/5 .ð'5 (-'(.)65 '-5 +/5 (ã)5 -ã)5
favelas, mas também de suas especificidades. Os dados são imprecisos sobre quem são e quantos 5 0&-85)5*)(.)550#-.5&!&655+/-.ã)5 /(#á,#5 45'/#.5# ,(é85,5)50#ï-5$/,ù#)65
são. Conhecer e discutir a favela é importante para mudar a realidade, e é isso que deve mobilizar -50)ð5)'*,5/'5á,650)ð5!#/55)5 ï85 -5-50)ð5)/*5/'5á,5#&!&'(.65)'5
as políticas públicas. histórico de invasão, é mais difícil regularizar, por uma questão da legitimidade – ou não – que
é atribuída ao conteúdo sociopolítico da ocupação original.
§5#(!á0&5+/5")$55 0&5ï5*,.55!(5*Ě&#655(--5-(.#)5ï5 /('(.&5-5-/5
re-conceituação. Uma questão importante para ser discutida refere-se à tentativa de estabelecer A questão ambiental muitas vezes ignora a presença das pessoas e todo o capital social implantado
*,â'.,)-5*,5*)&ù.#-55,!/&,#4éã)5 /(#á,#5+/5,-/&.'5'5'&"),#-5(-5)(#éċ-5 (-5 0&-8507-5&0,5'5)(.5)5+/5$á52#-.5/'5-5'.,#&5)(-.,/ù65,)("()7
de acesso a terra e no acesso a serviços de infra-estrutura. Os mecanismos de regulação -5(5ŀ(#éã)5+/5")/05/'5#(0-.#'(.)655+/5+/&-5á,-5.ð'5/'50&),65'-')5+/()5
50'5&0,5'5)(.5-5 ),'-55"#.éã)5$á5,#-85-5# ,(é-5+/52#-.'5()55*&()5 )'*,)-55)/.,)-5')&)-550&),#4éã)5#')#&#á,#8
da espacialidade e da ordenação não impedem que se construam mecanismos regulatórios
5+/)-555'),á.#)-85 Na história das favelas se coloca uma relação entre o que é o espaço da ordem, que operava na
#5#.5 ),'&655)5-*é)55-),'65+/5)*,05(-5 0&-85/'5ï5)5.,(-!,--),55
5 0&65)'/'(.55(--#55"#.,65&05)5'),),55)/*,5á,-5+/55),#!#(&'(.5 quem é transgredido? A existência das favelas sustenta uma ordenação social, como o espaço da
não foram destinadas ao parcelamento com fins para habitação. Por outro lado, o poder públi- transgressão/dos transgressores. A questão é, portanto, em qual modelo de cidade queremos nos
co não atua nas favelas com o mesmo ritmo que licencia os parcelamentos em outros lugares incluir? Uma cidade partida, ou uma cidade que permita encontros socioculturais em espaços de
da cidade. Muitas vezes, um parcelamento pode ser até autorizado, mas o poder público não convivência criativos?
5#'*&(.5+/#*'(.)-5+/5).'5+/&5á,55#( ,7-.,/./,5(--á,#8

Do ponto de vista da política pública é importante diferenciar território, terreno, atividades e


condições de vida das pessoas que habitam esses lugares. Seria importante que os indicadores
nos dessem esse panorama associado à questão da propriedade, acesso e uso da edificação, assim
como em relação às condições de vida. Isso evitaria o que vem ocorrendo em muitas cidades,
onde a política de tarifas sociais é condicionada à situação de moradia e não à situação de renda
das famílias. Nesse caso, uma simples melhoria da habitação retira pessoas do acesso à tarifa
social. Por isso, levar em conta as condições de vida da população é importante na orientação das
políticas públicas a ela direcionada.

Uma questão: que tipo de definição pode ser proposta para contribuir para a solução do problema

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O QUE É A FAVELA, AFINAL?

DECLARAÇÃO:
O QUE É
A FAVELA,
AFINAL?

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O QUE É A FAVELA, AFINAL? DECLARAÇÃO: O QUE É A FAVELA AFINAL?

Foto: Ratão Diniz/Imagens do Povo

DECLARAÇÃO: O QUE É A FAVELA, AFINAL?

A partir das diferentes idéias e dos ricos debates que emergiram


/,(.5.#0#-5)5'#(á,#)55@5O que é a Favela, afinal? –,
realizado nos dias 19 e 20 de agosto de 2009, o Observatório
de Favelas apresenta uma Declaração própria, com o objetivo
de contribuir para a formulação de um conceito de favela que
abrigue a complexidade e a diversidade desse território no
espaço urbano contemporâneo:

1. Considerando o perfil sociopolítico, a favela é um ter-


ritório onde a incompletude de políticas e de ações do Estado
se fazem historicamente recorrentes, em termos da dotação
5 -,0#é)-5 5 #( ,7-.,/./,5 /,(5 B,5 5 á!/5 5 -!).)65
coleta de lixo, iluminação pública e limpeza de ruas) e de equi-
pamentos coletivos (educacionais, culturais, de saúde, de esporte
e de lazer) em quantidade e qualidade para as famílias ali 3. Considerando o perfil sócio-urbanístico, a favela é um
residentes, na promoção da moradia digna para seus habitantes, território de edificações predominantemente caracterizadas
(55,!/&,#4éã)5 /(#á,#55/,(ù-.#5+/5à-5 ),'-55 pela autoconstrução, sem obediência aos padrões urbanos
)/*éã)5)5-)&)65(5,#éã)55&!&#-5 #é)-5à-5*,á.#-5 normativos do Estado. A apropriação social do território é
sociais e, em especial, na garantia da segurança cidadã, devido configurada especialmente para fins de moradia, destacando-se
ao seu baixo grau da soberania quando comparado ao conjunto 5 &.5 (-#5 5 "#.éċ-5 -5 -/-5 á,-5 )/*-5 5 5
sua localização em sítios urbanos marcados por alto grau de
da cidade. Portanto, as favelas são, de modo geral, territórios
vulnerabilidade ambiental. A favela significa uma morada
sem garantias de efetivação de direitos sociais, fato que vem
urbana que resume as condições desiguais da urbanização
implicando a baixa expectativa desses mesmos direitos por
brasileira e, ao mesmo tempo, a luta de cidadãos pelo legítimo
parte de seus moradores.
direito de habitar a cidade.

h85 5 5 )(-#,()5 )5 *,ŀ&5 -)#))(Ċ'#)65 a favela é um


4. Considerando o perfil sociocultural, a favela é um
território onde os investimentos do mercado formal são
território de expressiva presença de negros (pardos e pretos)
precários, principalmente o imobiliário, o financeiro e o de
e descendentes de indígenas, de acordo com região brasile-
serviços. Predominam as relações informais de geração de ira, configurando identidades plurais no plano da existência
trabalho e renda, com elevadas taxas de subemprego e desem- material e simbólica. As diferentes manifestações culturais,
prego, quando comparadas aos demais bairros da cidade. Os 5,.ù-.#-555&4,5(5 0&5*)--/'5/'5 ),.5,á.,55)(-
#2)-5 #(#),-5 )(Ċ'#)-5 -5 0&-5 -ã)5 )'*(")-5 vivência social, com acentuado uso de espaços comuns, definindo
pelos indicadores de educação, de saúde e de acesso às tecnolo- uma experiência de sociabilidade diversa do conjunto da cidade.
gias quando comparados à média do conjunto da cidade. Há, Superando os estigmas de territórios violentos e miseráveis,
portanto, distâncias socioeconômicas consideráveis quando a favela se se apresenta com a riqueza da sua pluralidade de
se trata da qualificação do tempo/espaço particular às favelas convivências de sujeitos sociais em suas diferenças culturais,
e o das condições presentes na cidade como um todo. simbólicas e humanas.

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FICHA TÉCNICA

OBSERVATÓRIO DE FAVELAS
Coordenação Geral
Jorge Luiz Barbosa

Coordenação Executiva
&#)(&05)/-5#&0
,-')585-.,)
Fernando Lannes Fernandes

SEMINÁRIO “O QUE É A FAVELA, AFINAL?”


Coordenação
Mariane de Oliveira Biteti

Câmera
André Barros
Diego Bion

Edição
Rafael Mazza

Cobertura Fotográfica
Agência Imagens do Povo

Produção
Francisco Marcelo da Silva

Organização da publicação
Jailson de Souza e Silva
Jorge Luís Barbosa
Mariane de Oliveira Biteti
Fernando Lannes Fernandes

Coordenação Editorial
Marianna Araujo
Vitor Castro

Projeto Gráfico
Haydée Borges
CRÉDITO DAS IMAGENS

Foto da capa
Ratão Diniz/Imagens do Povo

Página 9
&#-â(!&5 #.I '!(-5)5)0)

Página 15
Rosilene Miliotti/Imagens do Povo

Página 19
Sadraque Santos/Imagens do Povo

Página 70
A.F. Rodrigues/Imagens do Povo

Página 85
A.F. Rodrigues/Imagens do Povo

Página 88
Foto 1 - Davi Marcos/Imagens do Povo                  
Foto 2 - Ratão Diniz/Imagens do Povo

Página 89
Foto 1 - A.F. Rodrigues/Imagens do Povo
Foto 2 - A.F. Rodrigues/Imagens do Povo
Foto 3 - Rovena Rosa/Imagens do Povo

Página 90
Foto 1 - Ratão Diniz/Imagens do Povo
Foto 2 - Ratão Diniz/Imagens do Povo

Página 91
Foto 1 - Tony Barros/Imagens do Povo
Foto 2 - Rovena Rosa/Imagens do Povo
Foto 3 - Ratão Diniz/Imagens do Povo

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