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60 5 pouneas unsolsricas so direta com sua fungdo social), é um testemunho da evolucao paralela da ciéncia lingiiistica: a politica lingiifstica e o planejamento sio tributédrios da teoria nna qual foram concebidos, ‘Mas qualquer que seja 0 modelo utilizado, ainda ssubsiste o problema de saber de quais meios dispomos para intervie sobre a lingua e sobre as linguas. Si0 esses meios que apresentaremos no capitulo seguinte, OS INSTRUMENTOS DO. PLANEJAMENTO LINGU[sTICO, Uma aco planejada sobre a lingua ou sobre as Linguas nos remete ao seguinte esquema: consideram-se uma situagio sociolingiistica inicial (S1), que depois de analisada & considerada como nfo satisfatéria, © a situagio que se deseja alcancar ($2). A definigao das diferencas entre S1 e S2 constitui o campo de interven- ‘io da politica lingistica, eo problema de eomo passat de SI para S2 & 0 dominio do planejamento lingitstico. Apresentadas desta maneira, as coisas podem parecer simples. Entretanto, vimos no capitulo ante- rior os problemas que a deserigso ¢ a tipologia das situagdes sociolingitisticas apresentavam quando da escolha de uma politica lingiiistica, Neste capitulo, abordaremos os problemas decorrentes dessas esco- Ihas. A partir do momento em que um Estado se preo- cupa em administrar sua situa¢do lingiistica, apre- senta'se o problema de saber de que meios ele dispée para isso. Como intervir na forma das Kngwas? Como modificar as relagées entre as Iinguas? Quais so os a 5 pouIIeAS LNabisricas processos que permitem passar de uma politica Hingits- ‘ica, estagio das escolhas gerais, ao estégio da imple- mentagio, do planejamento lingistico ? 1-0 equipamento das linguas Pode parecer estranho aplicar o termo “equipe- ‘monto” ds linguas, sobretudo depois que nos distan- ciamos de uma concepgao instrumental da lingua, como fizemos no primeiro capitulo, Entretanto, este lermo € absolutamente apropriado, prineipalmente se nos lembrarmos do primeiro sentido do verbo equi- par:*Prover uma embarcagao do necessério para cum- prir servigo ou realizar missio, guarnecer”. De fato, Se todas as Linguas sto iguais aos olhos dos lingiis tas, essa igualdade se situa num n‘vel de principios, {sto é, num nivel extremamente abstrato, Mas, na realidad, todas as linguas nao podem eumprir, igual- ‘mente, as mesmas fungoes. Por exemplo, é claro que ‘uma lingua dgrafa ndo pode ser veiculo de uma eam- panha de alfabetizacio, que se tera dificuldades em censinar informitica numa lingua que no disponha de vocabulirio computacional, ou ensinar gramética ‘numa lingua que nfo disponha de uma taxonomia gramatical, que uma lingua félada por uma fnfima ‘minoria da populagio de wa pais difickmente poder ser escolhida como lingua de unificagio desse pais ete. Se, entretanto, por razées politicas, se desejar utilizar essas linguas nessas fungbes, serd necessdrio reduzir seus déficits, equipé-las para que possam desempenhar seu papel | Acserita primeizo estigio desse equipamento 6 dar um sistema de eserita as linguas égrafas, o que implica, em primeiro lugar, estabelecer uma descrigao fonologt ca da lingua e conhecer o sistema de sons a transore- ver. Em seguida, sera necessirio escolher um tipo de cserita: alfabética ou nao-alfabética ¢,no primeiro.caso, aque tipo de alfabeto? Esta escolha nao ¢ simples. Apro- ximadamente um quarto da humanidade utilize, por exemplo, um sistema nio-alfabético: 0 dos caracteres chineses. Quando se tornou necessétio transcrever as linguas africanas, longas discusses opuseram os de: fensores do alfabeto latino aos que defendiam o alfabe- to arabe ou uma grafia autdotone, Essas discussées ti nnham, evidentemente, um substrato ideolégico: por um lado, ha uma estreitaligagdo entre a expansio dos sis- temas de escrita e a expansio das religides (o alfabeto ‘abo esti ligado ao Isla, 0 alfubeto latino & percebico como associado a cristandade), ¢ por outro lado o alfa- beto latino era visto por alguns como um trago simbd co da época calonial. Mas, diante desses dois sistemas absolutamente estranhos & Africa negra, havia tam- ‘béma os sistemas gréficos autéctones: silabétios em geral recentes que, aos olhos de seus partios, tinkam a ‘vantagem de constituirescrtas autOnomas e de asequ sar a identidade africana’. Bsses sistemas tinham tem- ‘bém um contesido cientifico o alfaheto érabe, por exem: 7, Wide Pathe Diagne, “Teanteigtion et harmonisation des langues esines au Sénégal” comniayao eunito "La transcpton xTharmonistion det langues aftacines", Niamey (Nigra), 17 421 Ge jutho de 1978, plo, ndo permite notar as vogsis das Haguas africanas © o alfabeto latino é, nesse aspecto, mais preciso, mais cficaz ete. Rsses debates levardo a decidir ein favor do alfeheto latino, a0 menos temporariamente, em 1966, quando a Unesco reuniu em Bamako ui conjunto de especialistas. Trataremos dessa reside no capitulo seguinte. Considerando todos esses pontos, vé-se que 0 planejamento lingiistico passa primeiramente por ‘uma descricdo precisa da lingua; em seguida, por uma reflexio sobre 0 que se espera de wim sistema de e5. crita, Sed necessério, por exemplo, escolher uma or tografia de tipo fonolégico, na qual a cada fonema corresponda um grafema ou, se se preferir, a cada som uma letra? Ou, ao contrério, seré necessirio escolher uma ortografia de tipo etimoldgico, na qual a forma geral de uma palavra nos dard informacoes sobre sua hist6ria e sobre a familia na qual esta inserida? No primeiro caso, as palayras francesas Zemps (tempo), taon (amutuca) ¢ tant (tanto) poderao ser grafadas como ta, No segundo caso, se destacaré © fato de que, mesmo utilizando letras aparentemen- te inttois, a grafia temps apresenta a vantagem de reportar ao latim tempus e as palavras temporaire (temporsrio) ou temporiser (temporizar) 5 86 depois dessa fase técnica e cientifica, em que a lingua estaré equipada no plano grafico, que se passa a fase pratica: divulgar o sistema de escrita selecionado, através de abecedérios, mantis, da or fanizagio de campanhas de alfabetizagao, da intro- dugao da tfngua recém-transerita no sistema escolar, sno meio grifiea et. Olésico Outro problema ¢ 0 do Iéxico. O desenvolvi- mento das cigneias © das técnicas, a multiplicagao das comunicacdes especializadas fizeram com que hoje em dia apenas algumas Iinguas veiculem a modernidade com a ajuda de um vocabulétio pré- prio; as outras linguas se contentam em tomar em prestado esse vocabuldrio. Dessa forma, a tendén- cia atual é falar de informatica utilizando um yoca- buldrio em inglés. De maneira mais ampla, existem milhares de Iinguas que permitem diariamente a milhdes de falantes comunicar-se de maneira satisfat6ria em seu ambiente social tradicional, mas que sido incapazes de assegurar uma comunicacio cientifica. Seria, por exemplo, uma situagio delica- da apresentar a teoria da relatividade numa lingua indigena da Amazénia, Isso pode nil ter, cortamen- ‘te, nenhuma importincia, jd que se um indio wayana da Guiana quiser, por exemplo, se especializar em estudos nucleares, ele o fard em francés ou em in- glés. Mas uma politica lingtifstica também pode de- cidir equiper determinada lingua para utilizé-la no ensino de matemética ou de medicina, ‘Isso nos remete 2 outro dominio do planejamen- to lingiifstico: o da terminologia, no qual 2 principal atividade é a criagdo de palavras, ou a neologia. Tra- ta-se aqui de determinaras necessidades, de repertoriar © vocabulirio existente (empréstimos, neologia espon- tinea), de avalis-lo, de eventuaimente methoré-lo, de harmonizé-lo ¢ de, depois, divulgé-lo sob a forma de dicionérios terminoldgicos, de bancos de dados ete

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