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SOCORRO CLÁUDIA TAVARES DE SOUSA

ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO TEXTUAL


ARGUMENTATIVA EM EDITORIAIS DE JORNAIS

FORTALEZA
2004
2

SOCORRO CLÁUDIA TAVARES DE SOUSA

ESTUDO DA ORGANIZAÇÃO TEXTUAL


ARGUMENTATIVA EM EDITORIAIS DE JORNAIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em Lingüística da Universidade
Federal do Ceará, como requisito parcial para a
obtenção do grau de Mestre em Lingüística,
com área de concentração em Lingüística de
Texto.

Orientadora: Profa. Dra. Bernardete Biasi


Rodrigues

FORTALEZA
2004
3

Esta dissertação foi submetida ao Programa de Pós-Graduação em Lingüística como parte dos
requisitos necessários para a obtenção do grau de Mestre em Lingüística, outorgado pela
Universidade Federal do Ceará, e encontra-se à disposição dos interessados na Biblioteca da
referida Universidade.
A citação de qualquer trecho da dissertação é permitida, desde que seja feita de acordo com as
normas científicas.

____________________________________________
Socorro Cláudia Tavares de Sousa

BANCA EXAMINADORA:

____________________________________________
Dra. Bernardete Biasi Rodrigues
ORIENTADORA

____________________________________________
Dr. Luiz Antônio Marcuschi

____________________________________________
Dra. Mônica Magalhães Cavalcante

_____________________________________
Dra. Maria Elias Soares
(suplente)

Dissertação aprovada em 12/04/2004.


4

AGRADECIMENTOS

A Deus, pela coragem de continuar, mesmo quando tudo à minha volta parecia tão
desanimador.

À tia Helena, que mesmo distante mostrou disponibilidade em me ajudar.

Às companheiras Beth, Kátia, Karine e Rafa e aos companheiros Matos e Lailton, por
compartilharem comigo as angústias e as satisfações da minha vida pessoal e profissional.

À professora Bernardete, orientadora ímpar, pelo equilíbrio e pela sensatez com quem me
acompanhou durante o Mestrado, dirigindo-me sempre as palavras certas em todas as horas.

À professora Mônica, pela disponibilidade de suas intervenções sempre críticas, mas


principalmente pelo carinho e pela confiança em mim depositada.

Aos professores e às professoras do Programa, por suas valiosas contribuições no meu


processo de formação acadêmica.

À CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), pelo apoio à


realização deste trabalho.

A todos que carinhosamente torceram por mim e acreditaram na minha escolha.


5

RESUMO

Esta pesquisa está centrada na descrição da organização textual argumentativa em editoriais


de jornais produzidos na imprensa brasileira a partir da análise de sua organização textual em
unidades retóricas e em seqüências textuais. A abordagem dada ao tema baseou-se em
pressupostos da Lingüística de Texto. Para o tratamento da distribuição das informações em
um corpus constituído de 60 editoriais de jornais, aplicou-se o modelo CARS (Create a
Research Space) de Swales (1990) e para a análise da materialização das seqüências textuais,
aplicou-se o protótipo de seqüência argumentativa de Adam (1992). A análise da distribuição
de informações nos textos dos editoriais permitiu a construção de um “padrão” constituído de
três unidades retóricas, a saber: Un1 – ‘Contextualização do tema’; Un2 – ‘Argumentação
sobre a tese’ e Un3 – ‘Indicação da posição do jornal’. Esse “padrão” de organização retórica
foi correlacionado às macroproposições argumentativas de Adam (1992): tese anterior, dados,
restrição e conclusão. Foi possível, então, traçar um paralelo da Un1 (contextualização do
tema) com a tese anterior, da Un2 (argumentação sobre a tese) com a tese anterior, com os
dados e com a restrição, e da Un3 (indicação da posição do jornal) com a conclusão.
Verificou-se, ainda, a presença de seqüências descritivas e explicativas funcionando como
seqüências dominadas em função da seqüência argumentativa em editoriais de jornais,
revelando, assim, a heterogeneidade composicional desse gênero. O estudo da organização
textual em editoriais de jornais permitiu também verificar uma grande flexibilidade na
distribuição de informações. Das três unidades retóricas identificadas, somente a Un2 revelou-
se uma presença obrigatória nos editoriais, as demais parecem ser opcionais. Um outro
aspecto que merece ser ressaltado é que o estilo individual do editorialista tem um papel
preponderante na construção da argumentatividade nesse gênero textual. Esta pesquisa
apresenta, portanto, implicações de ordem teórica que enriquecem os estudos da estrutura
composicional em editoriais e contribui para as discussões sobre seqüência argumentativa e
sua realização em textos de natureza essencialmente argumentativa.

(317 palavras)
6

ABSTRACT

This research has as main objective the description of argumentative textual organization in
newspapers editorials from Brazilian press, by the analysis of its textual organization as
movies and textual sequences. The approach given to the subject was based on the Text
Linguistics. For the analysis of information distribution on the corpus compound by 60
newspapers editorials, it was used the CARS model (Create a Research Space) proposed by
Swales (1990), and for analysis of the materialization of textual sequences it was used the
argumentative sequence prototype, proposed by Adam (1992). The analysis of the information
distribution in the editorials made possible the construction of a “standard” compound by
three movies: Un1 – ‘Subject contextualization’, Un2 – ‘Argumentation about the thesis’, and
Un3 – ‘indication of the publisher point of view’. That “standard” of the rhetoric organization
was correlated to the argumentative macropropositions identified in the editorials: previous
theses, data, restriction e conclusion. This way, it was possible to define a correspondence
between the previous thesis and the Un1 (Subject contextualization); the Un2 (Argumentation
about the thesis) and the previous thesis, the data and the restriction; the Un3 (indication of
the publisher point of view) and the conclusion, or the new thesis. It was also possible to
verify the presence of descriptive and explicative sequences as dominated sequences
according to the argumentative sequence in the corpus, what showed the compositional
heterogeneity of this genre. The study also made possible to verify an intense flexibility in the
information distribution. From the movies identified, only the Un2 reveled a compulsory use
in the editorials, while the others seemed to be optional; and that individual style of the
editorialist has a determinant role in the construction of the argumentativeness in this textual
genre. This research bring a theoretical implications that can make easy other studies on the
compositional structure of editorials, and also contributes to the discussions on argumentative
sequence and its use on texts with argumentative characteristic.

(321 words)
7

SUMÁRIO

Lista de figuras, de quadros e de tabelas.............................................................................. 09


Introdução ............................................................................................................................... 10
Capítulo 1 – Estudos sobre gêneros e seqüências textuais.................................................. 14
1.1 A concepção bakhtiniana de gênero textual ....................................................................... 14
1.1.1 O enunciado.................................................................................................................. 15
1.1.2 Gêneros primários e gêneros secundários .................................................................... 18
1.1.3 Conteúdo temático, estilo e estrutura composicional ................................................... 19
1.2 A concepção de gênero em Swales .................................................................................... 19
1.2.1 Gênero .......................................................................................................................... 20
1.2.2 O modelo CARS........................................................................................................... 22
1.3 A concepção de seqüência textual em Adam ..................................................................... 26
1.3.1 Seqüência textual argumentativa .................................................................................. 28
1.3.2 Seqüência textual descritiva ........................................................................................ 32
1.3.3 Seqüência textual explicativa ...................................................................................... 36
Capítulo 2 – Estudos sobre o gênero editorial de jornal..................................................... 40
2.1 Gêneros jornalísticos .......................................................................................................... 40
2.2 Editorial de jornal sob a ótica da Comunicação ................................................................. 42
2.3 Editorial de jornal sob a ótica da Lingüística ..................................................................... 46
Capítulo 3 – Metodologia....................................................................................................... 55
3.1 Escolha do objeto de estudo e do referencial teórico ......................................................... 55
3.2 Método de abordagem ........................................................................................................ 56
3.3 Delimitação do corpus........................................................................................................ 56
3.4 Tratamento dos dados......................................................................................................... 58
Capítulo 4 – A organização retórica de editoriais de jornais ............................................. 63
4.1 O processo de interação verbal no discurso editorialístico ............................................... 64
4.2 Definição das unidades e subunidades retóricas................................................................. 68
4.3 Descrição das unidades e subunidades retóricas em suas instâncias de uso ...................... 72
4.4 Padronização e flexibilidade na distribuição das informações........................................... 82
4.5 Descrição do percurso de análise dos dados: limitações e dificuldades............................. 90
Capítulo 5 – As seqüências textuais e a distribuição das informações em editoriais de
jornais: interseções ................................................................................................................. 94
8

5.1 As seqüências textuais na contextualização do tema ........................................................ 94


5.2 As seqüências textuais na argumentação sobre a tese ..................................................... 102
5.3 As seqüências textuais na indicação da posição do jornal ............................................... 111
5.4 Uma análise da distribuição das informações e das seqüências textuais em editoriais de
jornais .............................................................................................................................. 113
5.5 Descrição do percurso de análise dos dados: limitações, dificuldades e contribuições .. 125
Considerações finais ............................................................................................................. 128
Referências bibliográficas.................................................................................................... 135
Anexo ..................................................................................................................................... 139
9

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Modelo CARS ........................................................................................................ 24


Figura 2 – Esquema de um movimento argumentativo............................................................ 29
Figura 3 – Protótipo da seqüência argumentativa .................................................................... 31
Figura 4 – Quadro argumentativo de Adam ............................................................................. 32
Figura 5 – Protótipo da seqüência descritiva............................................................................ 35
Figura 6 – Protótipo da superestrutura de editoriais de jornais ................................................ 52

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – A organização retórica de editoriais de jornais ..................................................... 68


Quadro 2 – Recorte de uma seqüência descritiva do E57 ........................................................ 95
Quadro 3 – Recorte de uma seqüência descritiva do E52 ........................................................ 98
Quadro 4 – Quadro argumentativo do E50............................................................................. 106
Quadro 5 – Recorte de uma seqüência descritiva do E08 ...................................................... 110
Quadro 6 – Movimento argumentativo do E45 ...................................................................... 114
Quadro 7 – Movimento argumentativo do E56 ...................................................................... 117
Quadro 8 – Movimento argumentativo do E36 ...................................................................... 118
Quadro 9 – Movimento argumentativo do E08 ...................................................................... 120
Quadro 10 – Recorte de uma seqüência descritiva do E08 .................................................... 121
Quadro 11 – Movimento argumentativo do E11 .................................................................... 124
Quadro 12 – Quadro resumitivo da relação entre as unidades retóricas e as macroproposições
argumentativas........................................................................................................................ 129
Quadro 13 – Seqüências inseridas em editoriais de jornais.................................................... 130

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Distribuição das unidades retóricas na posição de ocorrência................................ 83


Tabela 2 – Índice da posição de ocorrência da Un3 em editoriais de jornais........................... 84
Tabela 3 –Distribuição das unidades e subunidades retóricas em porcentagens...................... 85
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Introdução

O estudo da argumentação sempre foi uma temática que despertou interesse desde
os mais remotos tempos. Seja na Grécia, onde o interesse dos gregos pela argumentação
estava intimamente ligado à defesa do direito de propriedade; seja no contexto clássico com
destaque para a “Arte Retórica” de Aristóteles onde o autor apresentou um conjunto de
normas que tinha como objetivo identificar e definir os procedimentos persuasivos; seja no
século XX através da publicação do “Tratado de Argumentação: Nova Retórica” de Perelman
e Olbrech-Tyteca (2000) onde os autores buscaram analisar a estrutura da argumentação em
textos escritos, dada a importância destes no mundo moderno.

Por outro lado, considerando o discurso, há pouco mais de um século, os estudos


lingüísticos ultrapassaram o domínio da frase, incluindo o texto e o discurso como objetos de
pesquisa. Nessa perspectiva, o surgimento da Pragmática propiciou um avanço no estudo do
discurso e, em decorrência, o da argumentação ou retórica passou a ocupar um lugar central
nas pesquisas sobre a linguagem. Segundo Koch (2000), esse interesse é justificado pela
incorporação da enunciação ao estudo dos enunciados lingüísticos. Nessa perspectiva,
surgiram vários estudos sobre a argumentação em discursos políticos, jurídicos, publicitários,
jornalísticos dentre outros em áreas da Análise do Discurso, da Teoria do Texto e da
Semântica Argumentativa.

A presente pesquisa, por sua vez, volta-se para o estudo da argumentação em


editoriais de jornais. Partindo-se das contribuições de Bakhtin (1997) que priorizam a
interação verbal através dos gêneros textuais, de Swales (1990) que desponta na área da
Análise dos Gêneros com seu trabalho pioneiro sobre organização retórica em gêneros
acadêmicos e de Adam (1992) que propõe um estudo de textos a partir de protótipos de
esquemas seqüenciais de base, pode-se afirmar que este trabalho insere-se na área da
Lingüística de Texto. Nesse sentido, o texto do editorial de jornal é compreendido como
produto de uma enunciação, com tudo o que está aí subentendido: contexto histórico, social,
cultural dentre outros aspectos.

Pretende-se com este trabalho descrever a organização textual argumentativa em


editoriais de jornais produzidos na imprensa brasileira. Para atingir esse objetivo geral
11

delinearam-se os seguintes objetivos específicos em função da natureza argumentativa do


gênero: investigar como se dá a distribuição das informações e analisar como se materializam
as seqüências textuais em editoriais de jornais. Esses objetivos buscam responder as seguintes
questões geradoras:

►Quais as estratégias de organização das informações em editoriais de jornais?

► Que relação pode ser estabelecida entre as macroproposições argumentativas e as unidades


retóricas?

► Como se dá o movimento argumentativo em editoriais de jornais se numa ordem


progressiva (dados-conclusão) ou numa ordem regressiva (conclusão-dados)?

► Que seqüências inseridas se subordinam à argumentativa em editoriais de jornais?

Buscando responder a essa problematização, utilizou-se, numa primeira parte, o


aporte teórico de Swales (1990), especialmente seu conceito de gênero e o modelo CARS
(Create a Research Space) que será testado em editoriais de jornais. Numa segunda parte,
utilizou-se as bases teóricas sobre seqüência textual de Adam (1992), especialmente o
protótipo de seqüência argumentativa o qual será aplicado em editoriais de jornais. Contudo,
em ambas as partes utilizou-se da visão de língua e de sujeito1 de Bakhtin (1997, 2002).

Um dos aspectos relevantes desta pesquisa é alargar o conhecimento da


organização textual em editoriais de jornais, principalmente, porque a literatura na área de
Comunicação aborda superficialmente a estrutura composicional desse gênero textual. Na
área da Lingüística, acredita-se que a descrição da organização retórica em editoriais de
jornais, é uma contribuição significativa na área de Análise de Gêneros, especialmente os
produzidos na mídia impressa. Nesse sentido, amplia-se a possibilidade de adaptação do
modelo CARS (Create a Research Space) para gêneros não acadêmicos. Uma outra questão
que merece ser ressaltada é a utilização na presente pesquisa do estudo da distribuição das
informações como elemento de construção da argumentatividade em editoriais de jornais.

Na análise das seqüências textuais, pode-se afirmar que esse estudo reforça a
operacionalidade dos protótipos de Adam (1992) no exame de textos concretos. Contudo, a
relevância principal da pesquisa está na relação que se estabeleceu entre as unidades retóricas

1
Para Bakhtin (1997, 2002), a língua é essencialmente dialógica e o sujeito se constitui a partir do outro.
12

e as macroproposições argumentativas, visto que se evidenciou a seqüência como um recurso


composicional que estabiliza o gênero. A abordagem dada às seqüências inseridas também
supriu uma lacuna nos estudos sobre a macroestrutura argumentativa em editoriais, pois as
pesquisas como a de Guimarães (1992) e a de Nascimento (1999) tratavam de noções pouco
esclarecedoras sobre descrição, narração e exposição. Ambas as pesquisas, deixaram uma
lacuna no que diz respeito a um embasamento teórico específico que respaldasse suas
classificações.

O corpus para a análise da organização textual argumentativa é constituído de 60


(sessenta) editoriais de jornais selecionados via internet de 05 (cinco) jornais, sendo cada
jornal pertencente a uma região brasileira. Todos os exemplares do corpus foram segmentados
em suas respectivas unidades de informação e num segundo momento o corpus foi
segmentado em macroproposições argumentativas de Adam (1992).

A organização retórica desta dissertação está distribuída em quatro capítulos, sem


incluir a introdução e as considerações finais. A fundamentação teórica da pesquisa foi
dividida em dois capítulos. No capítulo 1, empreendeu-se uma ampla revisão da literatura de
modo a buscar uma fundamentação teórica que sustentasse o estudo proposto por esta
pesquisa. Descreveu-se alguns conceitos bakhtinianos que dão suporte à visão de língua e de
gênero deste trabalho, o modelo CARS de Swales (1990) e por fim os protótipos de seqüência
textual de Adam (1992), particularmente, as seqüências argumentativa, descritiva e
explicativa.

No capítulo 2, foram apresentados estudos voltados para a investigação do gênero


editorial de jornal construídos na área de Comunicação e na área de Lingüística, de modo a
buscar uma relação desses estudos com os propósitos desta pesquisa. No capítulo 3, foram
descritos o método de abordagem e a delimitação do corpus, como também os caminhos
percorridos no processo de análise dos dados.

No capítulo 4, apresentaram-se os resultados no tratamento dos dados,


descrevendo-se uma proposta heurística de descrição da organização retórica do gênero
editorial de jornal; apresentou-se a descrição de cada unidade e subunidade retórica; e
discutiu-se quantitativa e qualitativamente as evidências da padronização e flexibilidade na
distribuição das informações.

No capítulo 5, buscou-se aproximar as unidades retóricas em editoriais com as


13

macroproposições argumentativas em editoriais de jornais através de uma análise qualitativa


dos editoriais de jornais. Em seguida, discutiu-se o protótipo de seqüência argumentativa de
Adam (1992) e justificou-se uma proposta de redimensionamento desse protótipo em função
dos dados da presente pesquisa.

E por fim, são apresentadas as considerações finais do trabalho, elencando a


súmula das conclusões quanto à organização retórica, quanto às seqüências textuais, as
contribuições viabilizadas, as perspectivas de aplicação da pesquisa, bem como a abertura
para posteriores investigações.
14

Capítulo 1 - Estudos sobre gêneros e seqüências textuais

O presente capítulo apresenta as teorias lingüísticas que deram uma sustentação


teórica à pesquisa, como também propiciaram alcançar os objetivos pretendidos. Ressalta-se
que os fundamentos norteadores deste trabalho inscrevem-se no âmbito da Lingüística de
Texto, especificamente na teoria de Bakhtin (1997), Swales (1990) e Adam (1992).

Nesse sentido, analisar a organização textual argumentativa em editoriais de


jornais implica adotar uma base bakhtiniana na medida em que se utiliza como parâmetro
norteador da pesquisa a sua visão de língua, de sujeito e de texto. Isso quer dizer que no
presente trabalho subjaz uma concepção de língua como lugar de interação; de sujeito como
uma entidade psicossocial que (re)produz o contexto social, histórico e ideológico ao mesmo
tempo em que se constitui na interação com o outro; e de texto como um evento dialógico no
qual os sentidos são construídos pela via da interação texto-sujeitos.

Os pressupostos teóricos de Swales (1990), na perspectiva da Análise de Gêneros,


permitiram o rastreamento das unidades retóricas recorrentes em editoriais de jornal, por meio
da adaptação de seu modelo CARS ao corpus desta pesquisa. Considera-se que as estratégias
retóricas utilizadas na composição de editoriais representam movimentos discursivos de um
dado interlocutor buscando convencer outros interlocutores de um determinado ponto de
vista.

Por outro lado, partindo do pressuposto de que editoriais de jornais são textos que
se caracterizam por apresentar uma estrutura textual predominantemente argumentativa,
buscou-se em Adam (1992) o aparato teórico que permitirá analisar como se materializam as
seqüências textuais nesse dado gênero. Considerou-se o caráter “estável” e, portanto,
observável desse plano de organização textual, apesar de se reconhecer que há múltiplas
formas de realização da seqüência argumentativa, como também, há uma heterogeneidade
textual que compõe o gênero em estudo.

1.1 A concepção bakhtiniana de gênero textual

Pode-se afirmar que o campo da Lingüística ampliou-se a partir dos escritos de


Bakhtin, isso porque suas reflexões embutem a consideração das dimensões extraverbais dos
15

textos e deixam evidente o postulado de que não se pode dissociar a língua das relações
sociais, isto é, a língua reflete e refrata as complexas relações dentro da sociedade. Essa
afirmação é bastante clara em Bakhtin (2002), na medida em que o referido autor caracteriza
o signo lingüístico como um índice de valor. Daí tornar-se inadequada para os propósitos da
presente pesquisa, a concepção de língua como sistema imanente, a-histórico, pautado em
conceitos que consideram os contextos de produção externos à língua como não suscetíveis de
serem tomados como elementos constitutivos dos textos. A esse respeito se posicionou
Bakhtin ao inserir as relações sociais dentro do escopo do estudo da linguagem.

Nesse sentido, o centro organizador de toda expressão é o meio social, daí a


natureza da língua estar pautada pelo fenômeno social da interação verbal. E das reflexões
sobre esse fenômeno resultam suas concepções de língua, de enunciado e de gênero,
tornando-se, pois, evidente que para Bakhtin a relação linguagem e sociedade é compreendida
como uma inter-relação dinâmica e complexa de tal forma que “as relações sociais evoluem,
depois a comunicação e a interação verbais evoluem no quadro das relações sociais, as formas
dos atos de fala evoluem em conseqüência da interação verbal, e o processo de evolução
reflete-se, enfim, na mudança das formas da língua” (BAKHTIN, 2002, p. 124).

1.1.1 O enunciado

Como se pode depreender do que foi exposto anteriormente, não existe discurso
monológico, até o próprio sentido do termo diálogo foi ampliado, conseqüentemente o
princípio do dialogismo permeia as reflexões bakhtinianas, seja no que se refere a enunciado
ou a gêneros do discurso. Nesse sentido, é o próprio Bakhtin (1997) que traça essa relação de
imbricação entre enunciado e gênero quando afirma que os gêneros do discurso são “tipos
relativamente estáveis de enunciados” (BAKHTIN, 1997, p. 279). Assim, faz-se necessário
primeiramente abordar enunciado para somente depois tratar de gênero.

Segundo Bakhtin (1997), o enunciado é a unidade real da comunicação verbal. Ao


expor esse conceito, Bakhtin critica a concepção da lingüística que considera a função
comunicativa da linguagem um processo ativo por parte do locutor e um processo passivo por
parte do receptor. Nessa perspectiva, o papel do outro não é levado em consideração, ou seja,
os pontos principais da comunicação são o enunciado e o próprio enunciador. De acordo com
o referido autor, o “outro” não pode ser ignorado, haja vista o enunciado como produto ser
constituído a partir do processo de que se dirige a um destinatário.
16

Bakhtin (1997) apresenta três aspectos que caracterizam o enunciado, que são: a
atitude responsiva ativa, o acabamento do enunciado e o fato de que o enunciado é um elo na
cadeia de comunicação verbal. De acordo com Bakhtin (1997), todo discurso aponta para uma
atitude responsiva ativa, isto é, qualquer enunciado supõe uma resposta. Essa resposta pode se
apresentar de variadas formas desde a materialização em uma resposta fônica concreta até
uma compreensão responsiva muda. Nesse sentido, mais cedo ou mais tarde o que foi ouvido
ou lido encontrará um eco, seja através de uma ação, de um comportamento, de uma atitude
responsiva imediata ou retardada. Conforme o referido autor, o locutor ao expressar um
enunciado de forma alguma espera uma atitude passiva. Na realidade, o que ele espera é uma
concordância, uma adesão, uma objeção, uma execução, dentre outros atos. Nesse sentido,
esse tipo de ouvinte passivo proclamado pela lingüística geral não corresponde à figura real
na comunicação verbal.

Segundo Bakhtin (1997), essa assertiva vai ao encontro de que a Lingüística do


século XIX não analisa os aspectos reais da comunicação, ao contrário, deita-se em
abstrações. Assim, quaisquer que sejam os enunciados, todos possuem “fronteiras” claramente
delimitadas. Essas fronteiras são determinadas pela alternância dos sujeitos falantes. Entenda-
se, aqui, alternância como uma transferência da palavra ao outro. De forma mais evidente, é
no diálogo falado que essa alternância é observada mais claramente, mas até no romance ou
em tratados científicos está presente o dialogismo constitutivo de todo discurso.

Partindo do princípio de que os enunciados não são indiferentes uns aos outros,
tampouco auto-suficientes, compreende-se que o enunciado é um elo na cadeia da
comunicação verbal. Conforme Bakhtin (1997, p. 316):

O enunciado está repleto de ecos e lembranças de outros enunciados, aos quais está
vinculado no interior de uma esfera comum da comunicação verbal. O enunciado
deve ser considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores
dentro de uma dada esfera (a palavra “resposta” é empregada aqui no sentido lato):
refuta-os, confirma-os, completa-os, baseia-se neles, supõe-nos conhecidos e, de um
modo ou de outro, conta com eles.

Assim, o locutor não é o primeiro a romper o silêncio de um mundo mudo, seu


enunciado está vinculado a um certo tipo de relação com outros, seja através da
interdiscursividade, seja através da intertextualidade2. Uma outra característica do enunciado

2
Sem a pretensão de explorar a diferença entre interdiscursividade e intertextualidade, ressalta-se apenas que
para Maingueneau (2000) o interdiscurso está para o discurso assim como o intertexto está para o texto. Nesse
sentido, interdiscursividade corresponde a um conjunto de discursos e intertextualidade a um conjunto de
relações implícitas ou explícitas que um texto mantém com os outros textos.
17

é a sua expressividade, ou seja, o enunciado tem a capacidade de expressar a posição


valorativa do falante e dos outros participantes da comunicação discursiva.

A expressividade, por sua vez, implica a não neutralidade dos enunciados, visto
que esse enunciado está inserido numa situação concreta de comunicação, nos quais os
falantes escolhem os recursos lingüísticos específicos para manifestar uma atitude emotivo-
valorativa. No dizer de Bakhtin (1997, p. 297):

As pessoas não trocam orações, assim como não trocam palavras (numa acepção
rigorosamente lingüística), ou combinações de palavras, trocam enunciados
constituídos com a ajuda de unidades da língua – palavras, combinações de palavras,
orações; mesmo assim, nada impede que o enunciado seja constituído de uma única
oração, ou de uma única palavra, por assim dizer, de uma única unidade da fala (o
que acontece sobretudo na réplica do diálogo), mas não é isso que converterá uma
unidade da língua numa unidade da comunicação verbal.

Nessa perspectiva, a oração como forma da língua não tem ligação direta com a
realidade, é neutra, haja vista suas palavras servirem a quaisquer situações. Como, por
exemplo, “que alegria!” pode num determinado contexto expressar uma satisfação ou uma
insatisfação. Nesse sentido, a oração não é passível de determinar uma atitude responsiva
ativa, a não ser quando compõe o todo de um enunciado.

Bakhtin (1997) ressalta que ao escolhermos uma palavra no processo de


elaboração de um enunciado, nem sempre a tiramos do sistema da língua. Algumas vezes,
essas palavras são tiradas de outros enunciados, ou seja, as palavras são selecionadas segundo
as especificidades do gênero. Daí ser impossível tentar separar enunciado de gênero, haja
vista o enunciado constituir-se a substância dos gêneros.

Ressalta-se que a concepção de enunciado de Bakhtin (1997) é fundamental na


compreensão do funcionamento do gênero em estudo, visto que os editoriais se constituem
produto e processo da interação verbal. Isto é, o discurso editorialístico responde a uma
discussão ao mesmo tempo em que apresenta questões para discussões posteriores,
possibilitando, assim, reações adversas que poderão influenciar ou gerar outras produções
escritas3.

3
É possível visualizar mais diretamente a atitude responsiva ativa frente aos editoriais de jornais através de
outros gêneros dentro do próprio jornal, tais como, cartas do leitor, notas de esclarecimentos, dentre outros.
Em fevereiro de 2004, o Sindjorce (Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Ceará), por exemplo, publicou
uma nota no jornal Diário do Nordeste, manifestando sua indignação diante das informações contidas no
editorial do jornal O Povo do dia 16 de fevereiro de 2004.
18

1.1.2 Gêneros primários e gêneros secundários

Bakhtin (1997, p. 323) ao se referir a gênero o definiu como “tipos relativamente


estáveis de enunciados”. O termo “relativamente estável” é de uma importância estrutural na
definição de gêneros discursivos, na medida em que o autor os identifica como enunciados
plásticos, mas não totalmente. Se fossem totalmente instáveis, a comunicação se tornaria
difícil. Daí a coerência de Bakhtin ao caracterizá-los como detentores de uma relativa
estabilidade, pois os gêneros textuais não se constituem “fórmulas” rígidas, ao contrário, são
passíveis de transmutação, de desaparecimento, como também de surgimento de outros
gêneros.

Bakhtin (1997) propôs também uma divisão dos gêneros em primários e


secundários. Os gêneros primários também são denominados pelo autor como gêneros
simples, pois estão relacionados a situações privadas de uso. Ao contrário, os gêneros
secundários estão vinculados a situações de comunicação social mais complexas. A relação
entre os gêneros primários e secundários é tão próxima que os secundários podem absorver ou
transformar os primários. Um exemplo disso é o caso do romance que pode inserir, dentro do
todo do seu enunciado, réplicas de diálogos, cartas, dentre outros. O que acontece nesses
casos não é que os gêneros primários deixam de existir, mas é que dentro dos secundários eles
se reconstituem, isto é, se integram à realidade mediante a existência de outros gêneros.

Quando Bakhtin (1997) refere-se a gêneros secundários, expõe que estes podem
ser materializados principalmente pela escrita. Essa afirmação, se não for devidamente
compreendida, pode gerar a concepção de que os gêneros primários estariam relacionados
com gêneros orais e os secundários com gêneros escritos. Pode se ilustrar tomando como
exemplo o seminário e o bilhete, o primeiro é um gênero de natureza oral, mas pertence ao
campo dos gêneros secundários, o segundo tem uma natureza escrita e faz parte dos gêneros
primários.

A divisão de Bakhtin (1997) em gêneros primários e secundários tem importância


na presente pesquisa na medida em que o editorial de jornal pertence à categoria de gêneros
da esfera de atividade pública, ou seja, dos gêneros secundários. Vale ressaltar também que a
compreensão da relação entre gêneros primários e secundários é essencial na composição da
proposta de Adam (1992) sobre seqüências textuais que será descrita a seguir.
19

1.1.3 Conteúdo temático, estilo e estrutura composicional

Bakhtin (1997) ao se referir a gênero aponta para três elementos que o constituem:
conteúdo temático, estilo e construção composicional. O conteúdo temático corresponde ao
conjunto de temáticas que podem ser abordadas por um determinado gênero. Não se entenda
aqui conteúdo temático como assunto, mas como um leque de temas que podem ser tratados
em um dado gênero. A construção composicional diz respeito à estruturação geral interna do
enunciado. O estilo, por sua vez, corresponde aos recursos lexicais, fraseológicos e
gramaticais utilizados pelo enunciador.

Um outro aspecto que Bakhtin (1997, p. 283) ressalta é a relação indissolúvel do


estilo com o gênero. Para o autor:

O vínculo indissociável, orgânico, entre o estilo e o gênero mostra-se com grande


clareza quando se trata do problema de um estilo lingüístico ou funcional. De fato, o
estilo lingüístico ou funcional nada mais é senão o estilo de um gênero peculiar a
uma dada esfera da atividade e da comunicação humana.

Porém a relação de imbricação não se dá apenas entre estilo e gênero, mas


também entre os três elementos: o conteúdo temático, o estilo e a estrutura composicional.
Assim, estão todos indissoluvelmente ligados na constituição dos gêneros do discurso.

Sobre a abordagem de Bakhtin (1997) a respeito desses elementos pode-se


afirmar que o referido autor ocupa-se prioritariamente do estilo, medianamente do conteúdo
temático e fala muito pouco da estrutura composicional.

A análise da organização textual argumentativa nesta pesquisa procurou


considerar, em consonância com os objetivos pretendidos, a estrutura composicional do
gênero editorial de jornal.

1.2 A concepção de gênero em Swales

A concepção de Swales (1990) sobre gêneros embute uma noção de que a


linguagem é uma forma de ação entre sujeitos, tendo, portanto, uma natureza social. Sua
proposta se desenvolve a partir de três elementos-chave que estão entrelaçados: comunidade
discursiva, gênero e tarefa de aprender línguas. Em sua obra Genre analysis – English in
academic and research settings, Swales (1990) tem como meta principal oferecer uma
abordagem para o ensino de inglês acadêmico e para a pesquisa, como também inclui
discussões detalhadas sobre esses três conceitos básicos. Contudo, para os fins desta pesquisa,
20

serão destacados a seguir o conceito de gênero e o modelo CARS (Create A Research Space),
que será testado na análise de editoriais de jornais.

1.2.1 Gênero

Para tratar de gênero, Swales (1990) faz uma retrospectiva do conceito nas
diversas áreas do conhecimento, ou seja, em estudos folclóricos, em estudos literários, em
lingüística e em retórica. Dessa pesquisa em quatro disciplinas diferentes, Swales (1990, p.
44-45) indica alguns pontos em comum sobre o conceito de gênero:

1. uma desconfiança nas classificações e no prescritivismo prematuro;


2. um sentido de que os gêneros são importantes para integrar o passado e o
presente;
3. um reconhecimento de que os gêneros são situados dentro das comunidades
discursivas, dentro das quais as crenças e a denominação das práticas dos membros
possuem relevância;
4. uma ênfase sobre o propósito comunicativo e a ação social;
5. um interesse na estrutura genérica (e sua base lógica);
6. uma compreensão da dupla capacidade dos gêneros – para estabelecer metas
retóricas e para favorecer sua conquista.

Nessa perspectiva, Swales (1990) conclui que é possível utilizar-se do conceito de


gênero para fins didáticos sem que se reduza o ensino a um formalismo estéril e que propicie
ao aprendiz a oportunidade de refletir sobre suas escolhas retóricas e lingüísticas. Assim a
explicitação de seu conceito de gênero perpassa necessariamente por seis aspectos
comentados a seguir:

►Um gênero é uma classe de eventos comunicativos - Evento é aqui compreendido como um
ato comunicativo verbal no qual o aspecto verbal é uma parte essencial da atividade4. Os
eventos comunicativos podem ser extremamente comuns ou até relativamente raros,
contudo, precisam ter uma certa importância para poder se configurarem como um gênero.
Nesse sentido, um evento comunicativo ajusta sua linguagem ao meio ambiente de sua
produção e de sua recepção.

► A principal característica que transforma uma coletânea de eventos comunicativos em um


gênero é um certo conjunto compartilhado de propósitos comunicativos - Os propósitos
compartilhados têm um papel determinante na identificação do gênero, mais do que a
forma ou outros critérios. Como os gêneros são eventos comunicativos, a conquista de

4
Para Swales (1990), atividades nas quais a fala é incidental como realizar atividades caseiras e dirigir não são
considerados eventos comunicativos.
21

metas é um critério principal. Porém, se em alguns gêneros é fácil identificar os propósitos,


em outros isso pode ser uma tarefa complicada. Como exemplo, Swales (1990) cita os
propósitos comunicativos de gêneros como os poemas e outros gêneros literários em que
não se aplica o critério do propósito comunicativo. Ao contrário, notícias de jornal podem
informar, como também podem moldar a opinião pública. Na realidade, esse exemplo
revela que os gêneros possuem conjuntos de propósitos comunicativos.

►Exemplares de gênero variam em sua prototipicidade - Swales (1990) considera que os


gêneros variam em sua prototipicidade, ou seja, alguns podem ser mais representativos de
uma dada categoria e conseqüentemente mais fáceis de serem identificados, enquanto
outros podem ser menos representativos e conseqüentemente mais difíceis de serem
identificados. Essa afirmação de Swales, relaciona-se à noção de protótipo de Rosch (1975,
1978 apud SWALES, 1990) que estabelece a existência de características ou propriedades
que têm uma certa probabilidade para serem inclusas em uma dada categoria.

► A base lógica que subjaz a um gênero estabelece restrições para contribuições possíveis
em termos de seu conteúdo, posicionamento e forma - O conjunto compartilhado de
propósitos comunicativos, em nível de consciência, é reconhecido pelos membros
estabelecidos de uma dada comunidade discursiva, ao passo que pode ser reconhecido
apenas parcialmente por membros aprendizes, e pode ser ou não reconhecido por não-
membros. Para Swales (1990), o reconhecimento de propósitos comunicativos evidencia a
existência de uma base lógica que produz convenções restritivas referentes à estrutura
esquemática do discurso, às escolhas sintáticas e lexicais, a atitudes e aos posicionamentos
que se esperam diante dos propósitos.

►Uma nomenclatura de gêneros de uma comunidade discursiva é uma fonte de entendimento


importante - Como conseqüência de um maior engajamento dos membros ativos de uma
dada comunidade discursiva5, esses membros tendem a possuir um grande domínio de
gêneros específicos e uma das conseqüências disso é que eles costumam dar nomes aos
eventos comunicativos que eles reconhecem como ações retóricas recorrentes. Contudo,
Swales (1990) adverte que a nomenclatura de gêneros criada pelos membros da

5
Segundo Swales (1992, p. 15), “as comunidades de discurso são redes sócio-retóricas que se formam para
trabalhar em direção a conjuntos de metas em comum. Uma das características que membros estabelecidos da
comunidade do discurso possuem é a familiaridade com os gêneros particulares que são usados no auxílio
comunicativo daqueles conjuntos de metas. Em conseqüência, os gêneros são as propriedades de comunidades
de discurso; ou seja, os gêneros pertencem à comunidade de discurso, não a indivíduos, outros tipos de
agrupamento ou a comunidades maiores de fala”.
22

comunidade discursiva pode levar a três situações: um mesmo gênero pode mudar de nome
porque se realiza num cenário X ou Y; as ações que caracterizam um gênero já se
modificaram enquanto sua nomenclatura é a mesma; e há ainda a possibilidade de haver
gêneros sem nome. A partir desses seis aspectos, Swales (1990, p. 58) define gênero como:

Uma classe de eventos comunicativos em que os membros da comunidade


discursiva compartilham o mesmo conjunto de propósitos comunicativos. Esses
propósitos são reconhecidos pelos membros especializados da comunidade
discursiva e dessa forma passam a constituir o fundamento do gênero. Esse
fundamento modela a estrutura esquemática do discurso e influencia e limita a
escolha de conteúdo e estilo.

Essa concepção de gênero de Swales converge para as noções bakhtinianas acima


apresentadas, ao mesmo tempo que também fundamenta a abordagem discursiva que se deu
na análise da organização textual argumentativa em editoriais de jornais nessa pesquisa. A
noção de propósito comunicativo, por sua vez, sedimentou a busca pelas informações que
preenchem as unidades e subunidades retóricas no gênero em estudo. Ressalta-se que a
importância atribuída por Swales (1990) ao propósito comunicativo vai ao encontro da
concepção que se propõe de seqüência como uma função textual e não apenas como uma
estrutura formal, na medida em que o propósito comunicativo de convencer o leitor de um
determinado ponto de vista conduz à materialização de uma seqüência argumentativa como
seqüência dominante em editoriais de jornais.

1.2.2 O modelo CARS

O modelo de análise de gêneros proposto por Swales (1990) parte do princípio de


que é possível reconhecer a organização retórica do gênero a partir da distribuição das
informações no texto. Nessa perspectiva, cabe ao analista a tarefa de identificar quais
informações são recorrentes e como estão distribuídas nos exemplares do gênero em estudo, a
fim de descrever uma organização retórica relativamente convencional.

A percepção de Swales sobre uma organização retórica recorrente em gêneros


textuais se deu a partir do exame de 48 (quarenta e oito) exemplares de artigos de pesquisa em
várias áreas do conhecimento (ciências físicas e biológicas, ciências sociais e lingüística), e
posteriormente, sua pesquisa foi estendida com a análise de 110 (cento e dez) introduções de
artigos de pesquisa. Sua análise levou à constatação de que as introduções de tais artigos
guardavam notáveis semelhanças na forma como organizavam a informação.

Essa constatação levou Swales (1990) a engendrar um modelo de análise baseado


23

em moves e steps. O termo moves refere-se às informações recorrentes e o termo steps às


estratégias retóricas utilizadas na realização dessas informações recorrentes. Como a tradução
desses termos não encontrou na Língua Portuguesa um termo similar satisfatório, vários
estudiosos adotaram outros termos. Nesse sentido, pode-se citar a utilização de “movimento”
e “sub-movimento” em Santos (1995), “movimento” e “sub- função” em Motta-Roth e
Hendges (1996) e “unidades e subunidades retóricas” em Biasi-Rodrigues (1998). Ressalta-se
que a terminologia adotada na presente pesquisa foi a mesma adotada por Biasi-Rodrigues
(1998).

A definição de unidade e subunidade retórica é fundamental para a compreensão


do modelo de Swales (1990). Segundo Biasi-Rodrigues (1998, p. 125):

Uma unidade retórica é reconhecida como uma unidade de conteúdo


informacional dentro de uma estrutura hierárquica de distribuição das informações
na arquitetura física do texto, com algumas formas opcionais de apresentação, que
podem ocorrer combinadas ou não, à escolha do autor. Essas escolhas ou
mecanismos de condução das informações em cada unidade básica são
denominadas, por sua vez, de subunidades retóricas.

Segundo Biasi-Rodrigues (1998), as unidades e subunidades retóricas referem-se


a segmentos de informação delimitados na estrutura formal do texto, porém não se excluem os
componentes estratégico-cognitivos e pragmáticos que estão envolvidos na produção e
recepção de gêneros textuais.

O modelo de Swales (1990) ficou conhecido pela sigla CARS (Create a Research
Space - crie um espaço para a pesquisa). Através desse modelo, é possível constatar que cada
gênero tem seu propósito comunicativo que se materializa por movimentos discursivos ou
retóricos e que cada movimento retórico também serve a uma intenção comunicativa que por
sua vez é subserviente ao propósito comunicativo global.

Swales (1990) adverte sobre a possibilidade de haver variação na ordem em que


possam aparecer os movimentos (moves) e os passos (steps). Explica também que a existência
dos conectivos “e/ou” no espaço entre as linhas diz respeito a uma estratégia retórica opcional
(ou) ou obrigatória (e) dentro de cada bloco de informação. Essa variação não implica a
descaracterização do gênero, haja vista a flexibilidade dos gêneros, inclusive dos mais
formatados. Esse modelo está ilustrado na Figura 1.

O modelo CARS de Swales (1990) ficou solidamente estabelecido na academia,


devido à possibilidade de sua adaptação à análise de outros gêneros. Daí se reconhecer a
24

contribuição de Swales na compreensão do funcionamento da língua escrita em vários


gêneros da atividade acadêmica.

Alguns analistas brasileiros já testaram o modelo CARS em vários gêneros


acadêmicos, tais como: Motta-Roth (1995) e Araújo (1996) em resenhas de livros
acadêmicos; Santos (1995) em resumos de artigos de pesquisa em inglês; Motta-Roth e
Hendges (1996) em resumos de artigos de pesquisa em três áreas diferentes; Biasi-Rodrigues
(1998) em resumos de dissertação de mestrado; e Bezerra (2001) em resenhas acadêmicas.

Especificamente nos gêneros jornalísticos, vale ressaltar o trabalho de Silva


(2002) que procurou diferenciar notícia de reportagem. Sua pesquisa evidenciou a descoberta
de três unidades retóricas para a notícia, sendo duas obrigatórias e uma facultativa
(apresentação do fato, desenvolvimento do fato e/ou ilustração da notícia através de recurso
fotográfico) e cinco unidades retóricas para a reportagem, sendo quatro obrigatórias e uma
facultativa (apresentação do fato, desenvolvimento do fato, ilustração da reportagem através
de recurso fotográfico, informações adicionais à matéria principal e/ou ilustração da
reportagem através de recurso gráfico).

Move 1 – Estabelecendo um território


Step 1 - Alegando centralidade
e/ou
Figura 1Step
– Segunda versão
2 - Fazendo do Modelo
generalizações sobreCARS
o tópicopara introdução de artigos.
Fonte: Swales (1990:e/ou 141). Tradução de Biasi-Rodrigues (1998: 26).
Step 3 - Revisando itens de pesquisas prévias
Diminuindo o esforço
retórico
Move 2 – Estabelecendo um nicho
Step 1A - Contra-argumentando
ou
Step 1B - Indicando uma lacuna
ou
Step 1C - Levantando questões
ou
Step 1D - Continuando uma tradição Enfraquecendo alegações
de conhecimento
Move 3 – Ocupando o nicho
Step 1A - Delineando os propósitos
ou
Step 1B - Anunciando a presente pesquisa
Step 2 - Anunciando as descobertas principais
Step 3 – Indicando a estrutura do AP Aumentando explicitações

Figura 1- Modelo CARS


Fonte: Swales (1990, p. 141). Tradução de Biasi-Rodrigues (1998, p. 26)

Da proposta de organização retórica do gênero notícia e reportagem apresentada


por Silva (2002), vale ressaltar dois aspectos: o primeiro, a relação de opcionalidade entre as
25

unidades e o segundo, o fato de que a autora considerou o título e o subtítulo como


subunidades retóricas. Na notícia, a Un1 – Apresentação do fato, realiza-se através da Sub.
1.1 – Anunciando a informação principal da notícia, ou seja, através do título. Na reportagem,
a Un1 – Apresentação do fato, realiza-se através da Sub. 1.1 – Anunciando a informação
principal e/ou da Sub. 1.2 – Complementando a informação anterior, ou seja, através do título
e/ou do subtítulo.

Baseando-se nas funções próprias do título e do subtítulo explicitadas por Rabaca


6
et Barbosa (1978 apud SILVA, 2002), a autora aposta na inclusão desses elementos como
constituintes da organização retórica em notícias e reportagens. Questiona-se se os propósitos
comunicativos da Un1 apresentados por Silva, são específicos da notícia e da reportagem ou
se são “funções próprias” do título e do subtítulo em qualquer gênero textual. Essas
interrogações permitiram na presente pesquisa uma tomada de posição diferente da sugerida
pela referida autora, ou seja, no “padrão” de organização retórica de editoriais de jornais não
se considerou o título e o subtítulo como unidades retóricas. Umas das justificativas
apresentadas para explicar tal posicionamento refere-se à função comunicativa específica
desses elementos nos gêneros do domínio jornalístico: atrair os leitores.

Como o modelo tem-se mostrado produtivo também na descrição de gêneros não


acadêmicos, fez-se uma adaptação dele na análise do editorial de jornal com o objetivo de
descrever a organização retórica argumentativa desse gênero.

Na seção a seguir será apresentado o arcabouço teórico referente à noção de


seqüência textual de Adam (1992), bem como, a descrição dos protótipos das seqüências
argumentativa, descritiva e explicativa, que possibilitará a análise das seqüências textuais em
editoriais, bem como a relação das unidades retóricas com as macroproposições
argumentativas. Justifica-se a seleção das seqüências acima identificadas, tendo em vista que
no corpus analisado a seqüência argumentativa constituiu-se como seqüência dominante e a
descritiva e a explicativa como seqüências dominadas.

6
Segundo Rabaca et Barbosa (1978, p. 440/463 apud SILVA, 2002) o título é definido como “palavra ou frase,
geralmente composta em corpo maior do que o utilizado no texto, e situada com destaque no alto de uma
notícia, artigo, seção, quadro, etc., para indicar resumidamente o assunto da matéria e chamar a atenção do
leitor para o texto”; já o subtítulo é visto como um título secundário que é “colocado imediatamente após o
título principal de uma matéria jornalística. É composto usualmente, em letras grandes, mas sempre menores
que os caracteres usados no título. Serve para destacar algum detalhe que completa o sentido do título do texto
e segue, geralmente, as mesmas formas de redação deste”.
26

1.3 A concepção de seqüência textual em Adam

O quadro teórico da tipologia textual de Adam (1992) é tributário de concepções


bakhtinianas. A proposta de Bakhtin (1997, p. 323) de que os enunciados são “relativamente
estáveis” e de que os gêneros primários podem constituir os gêneros secundários é de vital
importância na construção do conceito de seqüência textual. Sob o seu ponto de vista,
enquanto os gêneros são eles próprios componentes da interação social, a seqüência é um
plano de organização textual presente na composição dos gêneros do discurso, constituindo-
se, portanto, de organizações lingüísticas formais em interação dentro de um dado gênero.
Para Adam (1992) existem na língua formas fundamentais da linguagem comum que podem
estar disponíveis em uma infinidade de combinações e transformações. Por exemplo, a
narrativa se encontra na base da fábula, da reportagem, e da anedota dentre outras práticas
discursivas.

Segundo Adam (1992), a seqüência se caracteriza pelo fato de que pode ser
atualizada no texto mediante as exigências pragmáticas dos enunciados. Nesse sentido, as
seqüências são relativamente estáveis visto que atravessam todos os gêneros, ao passo que os
gêneros são essencialmente heterogêneos porque marcam situações sociais específicas. A
diferença fundamental entre gênero e seqüência é que esta é delimitável em um pequeno
conjunto de tipos, isto é, possui uma menor variabilidade. Por essa razão, para Adam (1991) é
possível definir um plano de organização textual estável que compõe os textos.

Ao considerar a seqüencialidade como um único plano possível de constituir uma


base de tipologia, Adam (1991) redefine a noção de texto. Segundo ele, um texto é por um
lado pragmaticamente organizado e, por outro, uma seqüência de proposições. A configuração
pragmática do texto comporta três dimensões: uma argumentativa que define todo texto como
visando a um objetivo (seja ele explícito ou não); uma enunciativa que confere ao texto uma
tonalidade enunciativa de discurso oral, discurso escrito, discurso não-real, discurso
científico, discurso poético; e uma semântica que estabelece no texto uma coesão com o
mundo representado.

A sucessão de proposições, por sua vez, comporta duas dimensões: a


conectividade e a seqüencialidade. A primeira diz respeito aos fenômenos locais de ligação
entre as proposições de forma a garantir a continuidade e a progressão textual e aos
fenômenos de demarcação gráfica local e marcação global do plano do texto (mudança de
27

capítulo e de parágrafos, os títulos, os subtítulos...). A segunda diz respeito à organização


seqüencial da textualidade, ou seja, aos “gêneros primários do discurso”. Nesses termos, se
uma dada seqüência, por exemplo, a narrativa, se materializa nos textos de formas tão
diversas, possui ao mesmo tempo características prototípicas que a enquadram no grupo da
seqüência narrativa. Segundo Adam (1992, p. 28), seqüência pode ser definida como:

- uma rede relacional hierárquica em grande medida decomponível em partes


ligadas entre si e ligadas ao todo que elas constituem.

- uma entidade relativamente autônoma, dotada de organização interna que lhe é


própria e, portanto, em relação de dependência/independência com o conjunto mais
amplo de que ela faz parte.

Do conceito de seqüência de Adam (1991) se depreendem duas afirmações: a


primeira, a seqüência como unidade constituinte do texto que, por sua vez, é constituída de
blocos de proposições, denominadas macroproposições; a segunda, as macroproposições são,
por sua vez, constituídas de um número “n” de microproposições. Esse conjunto de encaixes
foi representado por Adam (1991) da seguinte forma: [#T# [seqüência(s)
[macroproposição(ões) [proposição(ões)]]]].

Sob o ponto de vista de Adam (1991), ao teorizar sobre seqüência está se


descrevendo os “gêneros primários do discurso” de Bakhtin. Para o autor, as seqüências
elementares se reduzem a alguns tipos de base: a seqüência narrativa, a descritiva, a
argumentativa, a explicativa e a dialogal-conversacional. A hipótese de que existe um número
reduzido de proposições elementares não invalida a abordagem de que os textos se constituem
de uma estrutura seqüencial heterogênea. Em suas próprias palavras: “a homogeneidade é,
tanto quanto o texto elementar de uma única seqüência, um caso relativamente excepcional”
(ADAM, 1991, p. 31).

Nesse sentido, a análise de corpora complexos possibilitou a Adam (1991) a


observação da existência de inserção de seqüências heterogêneas e de dominância seqüencial.
A inserção de seqüências heterogêneas corresponde, por exemplo, à inserção de um diálogo
em uma narrativa que pode ser descrita a partir da seguinte estrutura [seqüência narrativa
[seqüência dialogal] seqüência narrativa]. A dominância seqüencial refere-se a uma mistura
de seqüências diferentes, de modo que a relação entre as seqüências é de dominância. Essa
relação pode ser estruturada a partir da fórmula: [seqüência dominante > seqüência
dominada].
28

De acordo com Adam (1991), o fenômeno da heterogeneidade é um fenômeno


bastante comum nos textos de tal modo que em alguns casos segue procedimentos de
demarcação muito estritos. O autor cita o caso das inserções de seqüências descritivas nas
narrativas romanescas que são marcadas por sintagmas introdutores típicos e orações bastante
estereotipadas. A existência de uma estrutura seqüencial heterogênea compondo os textos
encaminhou a presente pesquisa a desvelar uma possível relação entre as unidades retóricas de
informação e as macroproposições que constituem a seqüência argumentativa.

Adam (1987), a princípio, concebeu sete tipos de seqüências textuais, ou seja,


narrativa, descritiva, argumentativa, expositivo-explicativa, injuntivo-instrucional,
conversacional e poético-autotélica. Em estudo posterior (1992), as reduziu a cinco: narrativa,
descritiva, explicativa, dialogal e argumentativa, pois os textos “injuntivos-instrucionais”
poderiam ora materializar seqüências descritivas ora explicativas. Ressalta-se que só serão
apresentadas a seguir três dessas seqüências, a argumentativa, a descritiva e a explicativa,
visto que as outras não foram detectadas no corpus de editoriais da presente pesquisa,
contrastando, assim, por exemplo, com a pesquisa de Nascimento (1999) que apresenta a
narração como tecido que compõe a organização textual em editoriais de jornais.

1.3.1 Seqüência textual argumentativa

Segundo Adam (1992), existe uma diferença fundamental entre argumentação e


seqüência argumentativa. A primeira está no nível do discurso e da interação social e pode ser
concebida como mais uma função da linguagem, enquanto que a segunda está no nível da
organização pragmática da textualidade. Ao conceber um protótipo de seqüência
argumentativa, Adam (1992) afirma que se faz necessário também considerar a relação “dado-
conclusão”, haja vista determinado(s) argumento(s) visar(em) ancorar ou refutar uma
determinada conclusão. A análise da relação entre segmento ancorado (conclusão) e segmento
ancorante (dado) é descrita no protótipo de seqüência argumentativa de Adam (1992). Para
explicar essa relação, Adam (1992, p. 105) utiliza-se do seguinte enunciado:

(30) A marquesa tem as mãos doces, mas eu não a amo7.

A fim de compreender a passagem do argumento p (A marquesa tem as mãos


doces) para uma conclusão não expressa (eu a amo), faz-se necessário utilizar-se de uma
“licença de inferência” ou “regra de inferência”. Essa regra funciona como um ponto de

7
“La marquise a les mains douces, mais je ne l’aime pas.” (ADAM, 1992, p.105)
29

ligação entre um dado e uma conclusão. No exemplo supracitado, a inferência que se faz é:
“Os homens amam as mulheres que têm as mãos doces”. Para Adam (1992), as regras de
inferência são ancoradas em garantias ou suportes. O próprio autor expõe que essas garantias
ou suportes guardam uma certa correspondência com o que Ducrot (1987) denominou topos.
Essa comparação, contudo, não esclarece que mecanismos cognitivos são ativados para se
chegar a uma dada “garantia” ou “suporte”.

Adam (1992, p. 105) decompõe o movimento de inferência a partir de um


silogismo, visto que será possível passar da classe (homens/mulheres) para um membro da
classe (eu/a marquesa). O silogismo assume a seguinte fórmula:

Os homens amam as mulheres que têm as mãos doces (28)


ORA a marquesa tem mãos doces (29)
LOGO eu amo a marquesa8.

Adam (1992) acrescenta, todavia, uma “restrição” para que se possa entender a
conclusão explícita “mas eu não a amo”. Nesse caso, a regra de inferência é contradita, visto
que o que é ressaltado é o contrário da conclusão que se esperava. Daí Adam (1992)
considerar que as inferências têm um caráter de probabilidade, visto que podem ancorar um
certo número de “garantias” ou “suportes”, mas podem também não se aplicar porque há a
possibilidade de aparecerem as “restrições” ou “refutações”. O exemplo em tela apresenta um
esquema concessivo clássico, donde a proposição p leva justamente ao contrário da conclusão
esperada.

Adam (1992) apresenta o esquema abaixo para ilustrar o movimento


argumentativo do enunciado:

Proposição p [Dado] .................MAS [Aplicação de] → proposição não-q


[a restrição]
[Aplicação da regra de inferência]

Conclusão q
Figura 2 – Esquema de um movimento argumentativo.
Fonte: Adam (1992, p. 106).

8
“Les hommes aiment les femmes qui ont les mains douces (28)
or La marquise a les mains douces (29)
DONC j’aime la marquise” (ADAM, 1992, p. 105)
30

Através da análise de diversos enunciados, Adam (1992) admite que a ligação


entre dados e conclusão pode ocorrer em uma ordem progressiva (dados – [inferência] –
conclusão) ou em uma ordem regressiva (conclusão – [inferência] – dados). Para explicitar a
força que encaminha os dados à conclusão, Adam (1992) recorre ao silogismo e ao entimema.
Ou seja, há uma relação de dependência estrutural entre as premissas e a conclusão. Esse
movimento que conduz a macro-proposição premissa (dados) à macro-proposição (conclusão)
merece uma atenção toda particular em Adam (1992). Apoiando-se na noção de adesão de
Perelman (1996) que afirma que na argumentação não se chega à conclusão mediante a
utilização de propriedades objetivas, mas que a adesão perpassa necessariamente pela noção
de audiência, é que Adam (1992) insiste na escolha das premissas de uma argumentação. Essa
hipótese justifica-se pelo fato de que uma dada argumentação visa sempre a um ouvinte. Daí
se fazer necessário que o locutor tenha em mente uma possível representação de seu ouvinte.
Essa representação engloba as noções de conhecimentos, crenças e ideologias do seu
interlocutor.

Embora não se tenha como objetivo estudar as condições de produção em


editoriais de jornais, não se pode desvincular o objeto de estudo da pesquisa de tais
considerações, visto que o produto (o gênero) é resultado de todo um processo que envolve
um jogo de imagens que A e B fazem de si mesmos e do outro, além da imagem sobre o
referente. É por essas questões que o estudo da organização textual argumentativa revelará de
uma certa forma as condições específicas de sua produção, haja vista que Adam (1992) atribui
à escolha de argumentos um papel essencial para a adesão do ouvinte.

Para definir um protótipo de seqüência argumentativa, Adam (1992) recorre às


noções de Ducrot. Assim, para demonstrar ou refutar uma tese, nem sempre se parte de
premissas explicitadas. Seu esquema prototípico não é de ordem linear9 de modo que algumas
macroproposições podem estar subentendidas.

De acordo com Adam (1992), a seqüência argumentativa prototípica apresenta a


seguinte estrutura:

9
Ao apresentar a seqüência argumentativa caracterizando-a como de ordem não-linear, Adam (1992) faz
comparação com a seqüência narrativa como sendo linear, contudo, ressalta-se que a seqüência narrativa
também pode não explicitar todas as macroproposições, como a avaliação, por exemplo.
31

Seqüência argumentativa
TESE + DADOS Ancoragem portanto provavelmente CONCLUSÃO
Anterior (Premissas) das inferências (Nova) Tese
P. arg 0 P. arg 1 P. arg 2 a menos que P. arg 3
RESTRIÇÃO
P. arg 4
Figura 3 - Protótipo da seqüência argumentativa
Fonte: Adam (1992, p. 118)

As macroproposições da seqüência argumentativa são:

a) A tese anterior (P.arg.0): é uma conclusão inicial que se pode fazer a partir das primeiras
informações (dados) fornecidas pelo texto. De acordo com Adam (1992), pode estar
subentendida;

b) Os dados (P.arg.1): correspondem aos argumentos que ancoram a conclusão (P.arg.3);

c) A ancoragem de referências (P.arg.2): diz respeito aos “princípios” que dão sustentação
aos dados. São implícitos;

d) A restrição (P.arg.4): corresponde aos argumentos que levam a uma conclusão não-C,
oposta à conclusão que se esperava a partir da utilização das regras de inferência;

e) A conclusão (P.arg.3): é também denominada nova tese. É a conclusão ou tese defendida


pelo locutor. De acordo com Adam (1992), pode vir subentendida.

Segundo Adam (1992), esse esquema prototípico tem uma estrutura de base que
se resume a três macro-proposições (P.arg.1, P.arg.2 e P.arg.3). A ordem dos constituintes da
seqüência argumentativa não é imutável, haja vista a nova tese (P.arg.3) ter a possibilidade de
aparecer no início ou no final do texto. Vale salientar que das macroproposições apresentadas
por Adam (1992), a única que necessariamente precisa estar explícita são os dados (P. arg. 1),
todas as outras, inclusive a conclusão - nova tese (P. arg. 3), podem estar implícitas.

Uma outra questão que Adam (1992) ressalta é que em seu protótipo de seqüência
argumentativa não exclui a restrição (P.arg.4). A presença dessa macro-proposição é
explicada pelo princípio dialógico que permeia o discurso argumentativo. Assim, nas palavras
de Moeschler (1985, apud ADAM 1992, p. 18): “Um discurso argumentativo [...] sempre se
reporta a um contra-discurso efetivo ou virtual [...] Defender uma tese ou uma conclusão
implica sempre em defender outra contra-tese ou conclusão”.
32

Em resumo, o que se quer dizer é que o esquema de base da argumentação sempre


põe em relação dados e conclusão. Por outro lado, mesmo quando o argumento-dado conduzir
provavelmente a uma determinada conclusão, sempre será possível uma contra-argumentação.
Nessa perspectiva, é que Adam (1992) defende a idéia de que isso só se torna possível através
do jogo de implicitação e explicitação que pode ocorrer entre as macroproposições. Essa
afirmação pode ser ilustrada através do quadro argumentativo proposto por Adam (1992, p.
107), onde se tem um dado p explícito e uma conclusão q implícita, um dado y implícito e
uma conclusão não-q explícita.

Dado p ...............................MAS ................................ Arg. Dado y


[A marquesa tem as mãos doces] [Ela é tola e feia]

Conclusão q Conclusão não-q


[Eu amo] [Eu não amo]

Figura 4 – Quadro argumentativo de Adam.


Fonte: Adam (1992, p. 107).

1.3.2 Seqüência textual descritiva

Ao apresentar os protótipos das seqüências textuais Adam (1992) colocou a


seqüência descritiva como a menos autônoma de todas, tendo em vista ser bastante difícil a
ocorrência da seqüência descritiva como uma seqüência dominada. Contudo, diferentemente
de outros autores10 que consideram a descrição como um plano de texto em que não existe
ordem e nem limites, Adam (1992) postula a existência de uma certa ordem e também de um
certo limite. Na sua visão, a seqüência descritiva possui procedimentos próprios
hierarquizados de forma peculiar.

Ao contrário da seqüência narrativa que possui uma certa ordem linear, a


seqüência descritiva apresenta uma estrutura hierárquica vertical e muito próxima da ordem
do dicionário, pois as informações se organizam em torno de uma palavra núcleo. O autor
aponta a existência de macro-proposições descritivas que podem materializar planos textuais
bastante diversos. Nas palavras de Adam (1992, p. 180): “a descrição se estende do limite
inferior representado por uma simples proposição descritiva à seqüência descritiva completa

10
O próprio Adam (1992) destaca que há uma unanimidade em considerar a descrição como ausente de qualquer
autonomia e que essa crítica permeia estudos que vão de Marmontel à Valéry.
33

do qual o limite é potencialmente infinito.”

Ao iniciar a apresentação de um protótipo de seqüência descritiva, Adam (1992)


esclarece a diferença entre a simples enumeração e a descrição. Na sua opinião, a enumeração
corresponde a uma espécie de grau zero do procedimento descritivo, ou seja, ela não possui
uma estrutura textual hierarquizada como a seqüência descritiva. Sua estrutura textual pode
ser definida a partir de quatro procedimentos (ou macroproposições, segundo Adam (1992))
que são: procedimento de ancoragem, procedimento de aspectualização, procedimento de
colocação em relação e procedimento de encaixamento por sub-tematização.

Através do procedimento de ancoragem é possível identificar o referente textual


que está em foco. Adam (1992) considera essa operação como de sinalização de um eixo
nominal, e a denomina tema-título. A operação de ancoragem do eixo nominal pode ocorrer
no início ou no fim de uma seqüência. No fim de uma seqüência a representação descritiva
apresenta um efeito de um enigma na medida em que essa colocação “retardada” supõe um
jogo cognitivo entre autor e leitor na designação de quê ou de quem está sendo descrito. Em
uma matéria de jornal, a descrição de Charles Chaplin é um claro exemplo de uma operação
de ancoragem apresentada somente no final de uma seqüência:
“Um pequeno bigode preto e
um chapéu-coco da mesma
cor. Descrição sumária
e também precisa do amigo público
No 1: Charlot [...]”11
(ADAM, 1992, p. 82)

Um outro procedimento possível de ancoragem é a operação de reformulação que


como o próprio nome já designa é uma reformulação de uma propriedade ou de uma parte.
Através da reformulação se faz uma re-ancoragem do “objeto” considerado. O procedimento
de reformulação se caracteriza por formas lingüísticas específicas, tais como, a presença de
dois pontos ou de um verbo explícito. A palavra “Charlot” reformula o tema-título
identificado anteriormente (amigo público nº 1). Como no presente exemplo, o procedimento
de reformulação freqüentemente indica que uma seqüência descritiva se encerra.

O procedimento de aspectualização consiste em uma tematização do objeto


descrito a partir da exposição de suas partes ou de propriedades dessas partes. Segundo Adam
11
“Uné petite moustache noire et
un chapeau melon de la même
couleur. Description sommaire
et precise à la fois de l’ami public
No 1: Charlot [...]”
34

(1992), essa operação é mais comumente considerada como a base da descrição. Enquanto a
operação de ancoragem coloca em evidência o todo, a operação de aspectualização faz a
decomposição desse todo em partes. No caso do exemplo anterior são ressaltadas as seguintes
partes de Charlot, bigode e chapéu, e apresentadas suas respectivas propriedades, pequeno e
preto. Ressalta-se que há uma complementaridade entre os dois componentes do
procedimento de aspectualização. A macro-proposição de aspectualização pode ser ilustrada
através do esquema abaixo:
Charlot

Pd PART
Bigode chapéu

pdPROPR pdPROPR pdPROPR

pequeno negro negro

Vale ressaltar que no procedimento de aspectualização pode ocorrer uma


orientação mais ou menos avaliativa na escolha das propriedades. Dizer, por exemplo, que
uma bola é redonda ou amarela, não implica necessariamente um teor axiológico, ao passo
que afirmar que algo é bonito ou feio, por exemplo, já implica uma orientação argumentativa.
Nessa perspectiva, a seqüência descritiva pode funcionar como uma seqüência dominada,
resultando de uma orientação argumentativa específica em um dado texto.

Um terceiro procedimento é o de colocação em relação. Segundo Adam (1992),


esse procedimento corresponde a uma operação de assimilação que pode ser comparativa ou
metafórica, ou ainda, metonímica. A colocação em relação comparativa implica no
estabelecimento de uma relação de comparação com outro referente. Adam (1992, p. 92)
ilustra essa operação com o seguinte exemplo:

“Um rosto rosado, um pouco mole, o nariz redondo, e uma fronte imensa. Qualquer
coisa de uma virgem flamenga que teria esquecido sua touca.”12

No exemplo citado acima, o rosto de François Nourissier guarda uma certa


semelhança com o rosto de uma virgem flamenga. Já a colocação em relação por metonímia
pode ser ilustrada com o seguinte exemplo apresentado por Adam (1992, p. 93):

12
“Um visage rose, um peu mou, le nez rond, et um front immense. Quelque chose d’une vierge flamande qui
aurait oublié as coiffe.”
35

“Podei vós me descrever este yankee?


- Hum...Portanto que eu me lembre se trata de um cara bastante grande, com
cabelos ruivos... Ele se veste de forma vistosa e fuma grossos charutos: em suma, o
Americano típico.”13

No caso do exemplo acima, “vestir-se” e “fumar cigarros” constituem uma


operação de colocação em relação porque são predicativos funcionais. O último procedimento
corresponde ao encaixamento por subtematização que consiste numa fonte da expansão
descritiva, ou seja, uma parte selecionada por aspectualização pode constituir a base de uma
nova aspectualização. Assim, essa “parte” pode se constituir em um novo tema-título, e ser
decomposta (partes e propriedades) sob diferentes aspectos. A exposição dos procedimentos
descritivos permite descrever o esquema prototípico apresentado por Adam (1992, p. 84):

Tema-Título14
ANCORAGEM

ASPECTUALIZAÇÃO COLOCAÇÃO EM RELAÇÃO

Pd.PROPR Pd.PART Pd.SIT Pd.ASS


(qualidades) (sinédoque) (metonímia)

forma cor etc. Parte 1 2 3 etc. Loc. Temps. Comparação Metáfora

TEMATIZAÇÃO TEMATIZAÇÃO TEMATIZAÇÃO


Ass-COMPARATIVA PROPR
TEMATIZAÇÃO

ASPECTUALIZAÇÃO COLOCAÇÃO EM RELAÇÃO


ASPECTUALIZAÇÃO COLOCAÇÃO
EM RELAÇÃO
PD.propr pd.PART pd.SIT pd.ASS
etc. etc. REFORMULAÇÃO
Figura 5 – Protótipo da seqüência descritiva
Fonte: Adam (1992, p. 84)

O protótipo descritivo proposto por Adam (1992) não se constitui em uma


“fôrma” na qual os textos se encaixam, mas na apresentação de um plano de organização
textual descritiva com operações hierarquizadas. A apresentação desse protótipo implica na
afirmação de que a descrição não se constitui uma anarquia textual, pois se coloca em cheque
o postulado de que a descrição corresponde a uma total ausência de ordem. Segundo Adam
(1992) são as macro-operações textuais que garantem a unidade semântica e a “ordem”
13
“Pouvez-vous me décrire ce yankee?
- Hum... Pour autant que je m’en souvienne, il s’agit d’une type plutôt grand, aux cheveux roux. Il s’habille de
façon voyante et fume de Gros cigares: em somme, l’Américain typi que.”
14
As abreviaturas existentes no protótipo da seqüência descritiva têm a seguinte significação: Pd.
(procedimento), PROPR. (propriedades), Pd. ASS. (procedimento de assimilação), Pd. SIT (procedimento
situacional), Loc. (local) e Temps. (temporal).
36

própria (de dicionário) da seqüência descritiva. Contudo, o que parece é que é a orientação
argumentativa que direciona os elementos descritivos.

1.3.3 Seqüência textual explicativa

Antes de apresentar o protótipo da seqüência explicativa, Adam (1992) faz uma


longa reflexão sobre a diferença entre o discurso explicativo e o plano de organização textual
que o autor define como um tipo de texto que pode naturalmente se agrupar com o narrativo,
o descritivo e o argumentativo. O próprio Adam (1992) ressalta que existe uma flutuação
entre o que seja um discurso considerado explicativo e um tipo de texto dito explicativo nas
abordagens já realizadas sobre o assunto. Nesse sentido, convém considerar-se as condições
pragmáticas que sustentam a existência de uma explicação para que se possa entender as
dimensões discursivas que garantem a base de uma tipologização explicativa. Adam (1992)
apresenta três condições que definem a existência de um discurso explicativo: explicar
consiste em apresentar um fato incontestável; a explicação vem suprir o que está incompleto,
tendo, portanto, um caráter lacunar; aquele que explica está em situação de o fazer, isto é, tem
uma competência para isso. E ele o faz de forma neutra e desinteressada. Questiona-se a
suposta neutralidade sugerida por Adam (1992), no sentido de que ao que parece é que da
mesma forma como a descrição, a explicação também atende a uma orientação argumentativa.

Partindo dessas considerações, Adam (1992, p. 132) propõe um protótipo de


seqüência explicativa que se estrutura em quatro macroproposições:
Seqüência explicativa prototípica:
0. Macroproposição explicativa 0: Esquematização inicial
1. Por que X? (ou Como?) Macroproposição explicativa 1: Problema (questão)
2. Porque Macroproposição explicativa 2: Explicação (resposta)
3. Macroproposição explicativa 3: Conclusão-avaliação

Essas macroproposições propostas por Adam (1992) podem se materializar de


diferentes formas e isso implica considerar também que alguns dos operadores que constituem
essas macroproposições podem vir subentendidos. Para esclarecer melhor a assertiva anterior,
convém explicitar que a seqüência explicativa responde às perguntas “por que” e “como”.
Para Adam (1992), a explicação propriamente dita responde à pergunta “por que”, seja um
“porque” que justifica uma fala (justificação) ou que explica um fato. Adam (1992) ressalta
que o operador “como” nem sempre se constitui um elemento que introduz uma seqüência
37

explicativa, às vezes pode introduzir uma seqüência descritiva15. Diferentemente, o elemento


“por que” sempre introduz uma seqüência explicativa. Apesar de apresentar essa informação,
Adam (1992) não deixa claro em que situações o “como” não se constitui uma
macroproposição explicativa.

A macroproposição explicativa 0, denominada esquematização inicial, tem a


função retórica de apresentar informações introdutórias que levam ao objeto problemático.
Essa macroproposição pode se realizar ou não, isto é, tem um caráter facultativo. A
macroproposição explicativa 1 tem a função retórica de apresentar o problema. O operador
(por que) pode introduzir essa macroproposição. Vale ressaltar que essa operação textual pode
estar subentendida.

A macroproposição explicativa 2 contém a resposta do problema colocado na


macroproposição anterior. Essa operação textual pode ser introduzida pelo operador “porque”.
Caso ele não esteja explícito, a função dessa macroproposição é dar uma explicação, uma
justificativa ou alegar um motivo ou razão para uma questão anteriormente colocada.
Acredita-se que essa seja a macroproposição de base da seqüência explicativa. A última
macroproposição corresponde a uma conclusão/avaliação da resposta ou justificativa
apresentada. Esta operação pode ser deslocada para o início da seqüência ou ser apagada.

O fato de Adam (1992) apresentar uma macroproposição que tenha o papel de


concluir/avaliar a explicação (resposta) parece entrar em contradição com a idéia da possível
“neutralidade” assumida pelo enunciador que explica. A não ser que essa conclusão/avaliação
proposta pelo autor tenha o objetivo de concluir a explicação apresentada e não apresente
nenhum valor axiológico, caso contrário a “neutralidade” assumida pelo enunciador
desaparece. Mesmo considerando ser esta a função da macroproposição explicativa 3, sua
denominação (avaliação) não se adequa a proposta de uma explicação ou justificação
desinteressada. Assim, é complicado não compreender a explicação como atendendo a uma
orientação argumentativa.

Um exemplo apresentado por Adam (1992, p. 139) pode exemplificar cada uma
dessas macroproposições textuais apresentadas anteriormente:

“[...] [a] Foi no ano de 1936 em que o naturalista J. E. Gray anunciou seu famoso
“paradoxo”, segundo ele a massa muscular dos golfinhos, levando em conta seu
tamanho e sua forma, era certamente incapaz de explicar as velocidades que estes

15
Adam (1992) afirma que a maior parte das seqüências em que aparece “como” não são explicativas.
38

cetáceos atingiam efetivamente! [b]Ainda mais, segundo este paradoxo, são eles
bem incapazes de saltar!
[c] Acontece que, cada um destes animais saltam mesmo muito bem...[d] De que
maneira explicar esta distorção que existe entre os cálculos teóricos, irreprováveis,
as hidrodinâmicas, e a realidade a mais facilmente visível? [e] Várias hipóteses
foram emitidas sobre esse assunto. [f] Uma delas faz intervir as propriedades
particulares da pele dos cetáceos. [g] O que freia o avanço dos objetos nos fluidos
(água ou ar) são os turbilhões que esta progressão mesmo gera. [h] Acontece que, a
pele dos golfinhos e de seus primos têm a capacidade, em se deformar localmente de
modo reflexo, de “destruir” as turbulências parasitas. [i] Resultando um escoamento
da água em torno do seu corpo, [j] isso que explicaria suas performances
extraordinárias.[...]”16

As proposições [a] e [b] constituem a P. expl. 0, isto é, são apresentadas


informações introdutórias - o “paradoxo” de J. E. Gray. Em seguida, apresenta-se o objeto
problemático, P. expl. 1, respectivamente, [c] e [d]. A P. expl. 2 corresponde as respostas
emitidas sobre o “paradoxo” apresentado: a massa muscular dos golfinhos e sua capacidade
de saltar (proposições [e] a [i]). A P. expl. 3 corresponde a conclusão do “paradoxo”
(proposição [j]).

Nesse caso específico todas as macro-operações estão presentes. Na P. expl. 1 a


pergunta não utiliza explicitamente o operador “por que”. Essa pergunta é feita de forma
explícita, porém está estruturada com uma expressão interrogativa diferente do “por que”. A
P. expl. 3 conclui afirmando que é através desta explicação que se pode compreender as
performances dos golfinhos. No caso desse exemplo, a macroproposição explicativa 3
(conclusão-avaliação) apenas ratifica que são essas explicações que justificam o fato de os
golfinhos terem uma habilidade extraordinária para realizar saltos. Nesse exemplo específico
é possível compreender a macroproposição explicativa 3 (conclusão/avaliação) como um
fechamento do pensamento iniciado na macroproposição explicativa 2 (explicação/resposta),
contudo considerando não apenas um recorte textual perdura o questionamento de uma
possível orientação argumentativa que direcione a explicação.

A questão da heterogeneidade textual é um aspecto que merece toda atenção,

16
“[...] [a] C’est em 1936 que le naturaliste J. E. Gray énonça son fameux “paradoxe”, d’après lequel la masse
musculaire dês dauphins, compte tenu de leur taille et de leur forme,átait tout à fait incapable d’expliquer lês
vitesses que ces cétacés atteignent effectivement! [b] A fortiori, selon ce paradoxe, sont-ils bien incapables de
sauter!
[c] Or, chacun sait que ces anumaux même très bien...[d] Comment expliquer cette distorsion qui existe entre lês
calculs théoriques, irreprochables, des hydrodynamiciens, et la réalité la plus aisément visible? [e]Plusieurs
hypothèses ont été émises à ce sujet.[f]L’une d’elles fait intervenir lês propriétés particulières de la peau das
cétacés.[g]Ce qui freine l”avancementdes objets dans les fluides (eau ou air) ce sont les tourbillons que cette
progresión même engendre.[h] Or, la peau des dauphins et deleurs cousins aurait a capacité, en se déformant
localement de façon reflexe, de “tuer” les turbulences parasites. [i] Il en résulteriat um écoulement quase
laminaire de l’eau autour de leur corps,[j]et c’est ce quiexpliquerait leurs performances extraordinaires[...]”
39

principalmente porque Adam (1992) não pretende apenas reduzir os textos reais a uma
classificação tipológica. O fato é que devido a essa heterogeneidade podem-se encontrar
seqüências explicativas dominantes, seqüências explicativas dominadas ou ainda um
imbricamento de seqüências que torna muitas vezes difícil separar os limites das seqüências.
Tendo em vista essa realidade, Adam apresenta um exemplo de uma propaganda na qual a
seqüência explicativa é a estrutura textual escolhida pelo publicitário para convencer o
auditório a comprar determinada marca de eletrodomésticos. Um outro exemplo interessante é
a explicação de um fato que apresenta a macroproposição explicativa 2 numa estrutura textual
narrativa. O que se quer propor através desses exemplos é que mais que uma forma, as
seqüências devem ser consideradas uma função textual, mesmo considerando que existam
protótipos que se caracterizem mais formalmente. Por outro lado, a apresentação de um
protótipo de seqüência explicativa exclui, segundo Adam (1992), a elaboração de mais um
tipo textual: a seqüência “expositiva”. Para Adam (1992) o texto expositivo estaria de acordo
com sua organização textual materializando seqüências descritivas ou seqüências explicativas.

O objetivo deste capítulo foi apresentar as teorias lingüísticas que fundamentaram


a presente pesquisa. No capítulo seguinte apresentar-se-á uma resenha sobre estudos
realizados sobre editorial de jornal na área de Comunicação e na área da Lingüística a fim de
apontar as contribuições já realizadas, como também as possíveis lacunas que podem ser
preenchidas com a presente pesquisa.
40

Capítulo 2 – Estudos sobre o gênero do domínio jornalístico editorial de


jornal

2.1 Gêneros jornalísticos

Ao se propor pesquisar a organização textual de um gênero do domínio


jornalístico, faz-se necessário esclarecer que o sentido de gênero na Teoria da Comunicação
não é o mesmo na área da Lingüística, especialmente nos estudos que se fazem baseados em
Bakhtin (1997). No entanto, cabe aqui apresentar algumas concepções de profissionais da
esfera jornalística, considerando que as informações sobre o editorial de jornal nessa área se
constituem uma perspectiva diferente de olhar para o gênero em estudo.

Beltrão (1980) baseia sua classificação de gêneros jornalísticos a partir da função


que estes desempenham junto ao público leitor, ou seja: informar, explicar e orientar. Na
função de informar destacam-se os gêneros notícia, reportagem, história de interesse
humano17 e informação pela imagem; na função de interpretar destaca-se o gênero reportagem
em profundidade; e na função de opinar destacam-se os gêneros editorial, artigo, crônica e
opinião do leitor. Sobre essa classificação, Lage (2003) considera o seguinte:

►o texto informativo dá conta de um fato ou de uma série de fatos ocorridos sucessivamente


no mesmo local ou no contexto de um mesmo assunto em um lapso de tempo (uma guerra,
por exemplo);

► o texto interpretativo apresenta fatos propondo ligações entre eles que o conduzem a vários
entendimentos possíveis, seja através da relação de causa/conseqüência, de analogia, de
aparência, de essência;

► o texto opinativo apresenta uma versão para um conjunto de fatos. Esses fatos podem ser
mencionados ou não.

Lage (2003) esclarece ainda que o texto informativo e o interpretativo formam um


continuum, haja vista todo texto informativo pressupor alguma interpretação e todo texto
interpretativo ser também informativo. A diferença entre eles está nos graus de interpretação e

17
Para Bonini (2003), a história de interesse humano é um aspecto que pode compor a reportagem e não um tipo
ou subtipo de reportagem.
41

de informação que encerram. Por outro lado, nos textos opinativos é reservada ao leitor
apenas a função de concordar ou não com a opinião expressa. Nesses termos, um texto
interpretativo possibilita a produção de algumas conclusões, enquanto que no opinativo não
há esse espaço. Para ilustrar essas afirmações, Lage (2003) apresenta os seguintes exemplos:

Texto interpretativo
Admitamos que junto três fatos, por hipótese verdadeiros, na mesma matéria:
(a) O Presidente Fernando Henrique Cardoso tem a maior rejeição pública da
história brasileira;
(b) O Primeiro-Ministro Winston Churchill tinha a maior rejeição pública inglesa
logo antes da Segunda Guerra Mundial;
(c) Churchill conduziu a Inglaterra à vitória na guerra.
Texto opinativo
Admitamos que escrevo:
À semelhança de Churchill, que viveu momentos de rejeição popular sem
precedentes antes de alcançar a glória política no contexto da Segunda Guerra
mundial, Fernando Henrique está pagando o preço de sua coerência e da persistência
com que se empenha na defesa do interesse nacional. Mas o futuro imediato, tal
como aconteceu com o Primeiro ministro inglês, logo o reporá no lugar merecido.

Ainda de acordo com Lage (2003), o texto interpretativo pode conduzir às


seguintes conclusões opinativas:
(a) Fernando Henrique é um grande homem como Churchill, injustiçado pela massa;
(b) No caso de Fernando Henrique, o povo está acertando, o que não acontecia com
Churchill;
(c) Só se houver uma guerra a imagem de Fernando Henrique se recupera;
(d) Trata-se de uma coincidência.”

Ao contrário deste, o texto opinativo não oferece a possibilidade, por exemplo, de


inferir essas quatro conclusões. Segundo Lage (2003), o texto opinativo existe
substantivamente, mesmo sem o apoio do fato, que aparece aí apenas como pretexto para a
manifestação da atitude do autor. Nessa categoria insere-se o editorial de jornal como um
gênero opinativo.

A classificação apresentada por Lage (2003) para os gêneros jornalísticos deixa


transparecer que se tomou como critérios os objetivos sociais/comunicacionais do jornal, ou
seja, relatar, prever, analisar acontecimentos dentre outros. Sem a pretensão de se aprofundar
em questões referentes às classificações sobre os gêneros jornalísticos convém esclarecer que:

Na literatura da área de comunicação, a noção de gênero não aparece de forma muito


clara. Tanto são entendidos como gêneros os textos relacionados a uma prática
discursiva (de ocorrência empírica, como a notícia e a reportagem) quanto os traços
que representam categorias mais amplas e de caráter tipológico, determinados pelo
filtro teórico do estudioso e não pela realização empírica, como é o caso dos gêneros
diversionais, utilitários e formais que aparecem em Dias et al (BONINI, 2003, p.
05).

Especificamente em relação ao editorial de jornal, o objetivo


42

social/comunicacional do jornal de imprimir a opinião da empresa jornalística materializa-se


em sua estrutura textual, nesse sentido, os objetivos pretendidos nesta pesquisa estabelecem
uma interpretação estrutural para o gênero na medida em que se desvendam alguns aspectos
referentes aos seus mecanismos textuais (movimentos, passos e seqüências).

As próximas seções estão subdivididas didaticamente em duas partes: uma


corresponde a uma revisão da literatura sobre editorial na área da Comunicação e a outra, na
área da Lingüística.

2.2 Editorial de jornal sob a ótica da Comunicação

Na literatura jornalística, o editorial é definido como um texto jornalístico


opinativo, visto que expressa a opinião oficial da empresa diante de fatos de maior
repercussão no momento. Precisando o conceito de “opinião da empresa”, Melo (1985)
destaca que as grandes empresas jornalísticas atualmente expressam a opinião das forças que
as mantêm e que sua argumentação dirige-se formalmente à opinião pública, mas que na
realidade encerra uma relação de diálogo com o Estado.

De acordo com o referido autor não se trata de uma argumentação voltada para
perceber as reivindicações da coletividade e expressá-las. Significa muito mais um trabalho de
“pressão” ao Estado para a defesa de interesses dos segmentos empresariais e financeiros que
representam. Assim, o editorial de hoje está longe de ser a voz do dono ou da emissora de
radiodifusão. Em organizações de pequeno e médio porte, até é possível que o editorial
represente a “voz do dono”, visto que o controle financeiro fica nas mãos de um proprietário e
de sua família.

Beltrão (1989) apresenta quatro pontos fundamentais que caracterizam o editorial,


que são: a impessoalidade, a topicalidade, a condensabilidade e a plasticidade. A
impessoalidade é a nota dominante, visto que o pensamento que o editorialista redige se
origina da linha político-doutrinária do grupo mantenedor e administrador do jornal. As
marcas exteriores dessa impessoalidade podem ser vislumbradas em dois pontos: primeiro, o
editorial não é assinado, e segundo, o uso da 3ª pessoa do singular ou da 1ª pessoa do plural.
Segundo Melo (1985), a impessoalidade dos editoriais se justifica pela própria transição das
empresas jornalísticas que deixaram de ser propriedades individuais ou familiares e se
tornaram organizações complexas.
43

A topicalidade representa a adequação do editorial a um tema ainda latente, ou


seja, o editorial tem a possibilidade de exprimir opiniões que ainda não estão sedimentadas,
isto é, estão em formação. Para Melo (1985), a topicalidade emerge da alteração ocorrida na
estrutura editorial de algumas empresas brasileiras que substituíram o editorial único por
vários editoriais que tratam de questões específicas.

A condensabilidade consiste na focalização de uma idéia central única. Segundo


Beltrão (1989), as manifestações exteriores dessa característica estão no espaço ocupado pelo
editorial, na sua linguagem direta e incisiva que evita o uso de frases demasiadamente longas,
de termos empolados, dando maior ênfase às afirmações que às demonstrações e, por fim, a
repetição regulada de idéias e conceitos, ou seja, redundância relativa, seja no mesmo
editorial ou em outros editoriais em que o tema for abordado.

A plasticidade, por sua vez, é decorrente da expressão de um exame não muito


apurado da realidade, principalmente, porque o passado para o editorialista é menos que
ontem e o dinamismo da realidade pode fazer as circunstâncias se alterarem. Assim, a
plasticidade se origina na própria natureza dos fenômenos jornalísticos que se nutrem do
efêmero e do circunstancial.

Quanto à organização textual do editorial, Lage (2003) sugere um esquema para a


sua composição. O editorial de até uma lauda ou pouco mais deve conter as seguintes partes:
uma exposição (registro noticioso do fato ou seqüência de fatos); uma interpretação
(exposição de outros fatos relacionados ao primeiro); e uma opinião (exposição facultativa de
um ponto de vista que explicita uma conclusão). O próprio autor afirma que essa “fórmula”
não é a única, porém é uma das mais simples. Esse esclarecimento por parte do autor nos
remete aos dados analisados no corpus da presente pesquisa, ou seja, observou-se a existência
de uma flexibilidade na distribuição das informações em editoriais de jornais. Nessa
perspectiva, a presente pesquisa permitirá encontrar pontos de convergência e de divergência
com o tipo de organização textual proposta por Lage (2003).

Um outro aspecto que Lage (2003) ressalta é sobre a questão das escolhas
lexicais, o editorialista pode utilizar um vocabulário mais específico, ao contrário dos textos
noticiosos em que essa seleção seria inadmissível. Em outras palavras, editoriais de jornais
podem conter um léxico mais específico, como, por exemplo, palavras concernentes à área de
Economia, enquanto que em notícias isso já não é possível.
44

Beltrão (1980) propõe uma classificação para o editorial a partir de cinco


categorias, que são: a morfologia, a topicalidade, o conteúdo, a natureza e o estilo.

Quanto à morfologia, diferenciam-se em:

a) artigo de fundo: representa o protótipo do editorial, pode-se dizer que é o editorial


principal;

b) suelto: é um comentário pequeno sobre um fato da atualidade. Os jornais costumam


publicar em sua página nobre dois ou três sueltos. É mais rápido que o artigo de fundo porque
não se prende a generalizações teóricas ou éticas;

c) nota: é um registro crítico e ligeiro de uma ocorrência, tem o objetivo de prevenir o leitor
sobre as conseqüências de um determinado fato. É considerada um lembrete sobre este ou
aquele acontecimento. A nota pode surgir em qualquer parte do jornal e em regra é escrita em
negrito.

Quanto à topicalidade, três são as espécies de editoriais:

a) preventivo: quando enfoca situações, circunstâncias que podem produzir conseqüências na


sociedade;

b) de ação: quando acompanha imediatamente um dado acontecimento de modo a analisar


suas causas e conseqüências;

c) de conseqüência: quando é resultado da análise das repercussões de um dado fato.

Quanto ao conteúdo, dividem-se em:

a) informativo: tem o objetivo de esclarecer o leitor sobre determinados acontecimentos de


forma a apresentar aspectos que passaram desapercebidos ou que estão implícitos. Esses
editoriais quase não têm expressão opinativa, pois buscam definir e explicar um fato;

b) normativo: tem a intenção de convencer o leitor, utiliza sentenças e argumentos lógicos e


incitadores;

c) ilustrativo: tem o objetivo de aumentar os conhecimentos dos leitores ou despertar interesse


para assuntos menos comuns. Esse editorial é considerado um prato de sobremesa intelectual.
45

Quanto ao estilo, subdividem-se em:

a) intelectual: utiliza premissas, silogismos e incita o raciocínio dos leitores;

b) emocional: tem o propósito de atingir a sensibilidade do leitor. Enquanto no intelectual o


apelo é dirigido à razão, nesse editorial o apelo é ao coração.

Quanto à natureza, classificam-se em:

a) promocional: os fatos que analisa e explica estão em consonância com a política editorial
do jornal. Seu objetivo é convencer a comunidade;

b) circunstancial: também chamado de oportunista porque procura comentar um dado sucesso,


situação, fato;

c) polêmico: tem um caráter doutrinário, pois visa reforçar as convicções da empresa


jornalística e enfraquecer o adversário.

Embora o objetivo da presente pesquisa não seja a descrição do gênero editorial


de jornal, é inevitável não perceber algumas incoerências nas definições apresentadas, como
também na escolha dos critérios na classificação proposta por Beltrão (1980). Na categoria
morfologia, parece que o critério utilizado para diferenciar artigo de fundo, de suelto e de nota
é o tamanho do texto. Essa afirmação resulta da seleção lexical utilizada para defini-los:
pequeno, ligeiro, rápido. Porém, vale ressaltar ainda que entre o suelto e a nota não seja mais
utilizado o tamanho como elemento de distinção, mas a possibilidade de a nota poder aparecer
em qualquer parte do jornal. Partindo dessa informação, questiona-se se essa possibilidade
imprimida à nota não a descaracterizaria como um editorial de jornal, visto que esse gênero
localiza-se em uma seção específica (opinião) dentro do jornal.

Na categoria topicalidade não fica claro qual o critério utilizado para distinguir o
editorial preventivo, do editorial de ação e do editorial de conseqüência. As definições
apresentadas por Beltrão (1980) são pouco esclarecedoras na medida em que enfocam pontos
que caracterizam o editorial de jornal de uma forma geral. Por outro lado, é inteiramente
subjetivo mensurar se uma dada situação ou circunstância abordada no editorial produziu
conseqüências na sociedade, comentando-se especificamente aqui a definição do editorial
preventivo, por exemplo. Na categoria conteúdo, o critério é bem objetivo, contudo são as
definições que estão confusas. Considerar, por exemplo, um editorial como informativo é
46

pressupor que os demais não são. Considerar, ainda, um editorial como capaz de aumentar os
conhecimentos dos leitores é também pressupor que os demais não tenham essa possibilidade.

Na categoria estilo, Beltrão (1980) utiliza o critério da natureza dos argumentos,


ou seja, existem editoriais que se constituem a partir de argumentos mais ou menos racionais.
Seria um tanto complexo distinguir se este ou aquele argumento sensibilizaria a razão ou a
emoção. Na categoria natureza, não fica claro qual o critério utilizado pelo autor para
classificar os editoriais. Por outro lado, as definições propostas nos três tipos de editoriais se
adequam a todo e qualquer editorial.

Em suma, as críticas mais gerais que se pode fazer a essa classificação são a falta
de esclarecimento de critérios que estão sendo utilizados nas categorias, uma mistura de
critérios em uma mesma categoria, ou, ainda, uma abordagem subjetiva de algumas
definições. Espera-se que o estudo da organização textual argumentativa, especificamente, à
análise da distribuição das informações e das seqüências textuais, possa trazer contribuições
capazes de fornecer uma interpretação estrutural para o gênero.

2.3 Editorial de jornal sob a ótica da Lingüística

Nesta seção serão apresentadas as pesquisas de Nascimento (1999), Guimarães


(1992) e Brito (1994). Ressalta-se que o trabalho de Brito (1994) é da área de Comunicação e
Poéticas Visuais, porém se deu preferência por alocá-lo nesta seção, tendo em vista que a
autora dá uma abordagem lingüística ao gênero, analisando-o à luz da Análise do Discurso e
da Estética da Recepção18.

Partindo da natureza argumentativa do gênero, a pesquisa de Brito (1994) teve


como objetivo estudar a argumentação e a perlocução como elementos estruturais e
persuasivos em editoriais de jornais. Seu suporte teórico fundamentou-se na Análise do
Discurso de linha francesa (PÊCHEUX, 1969), da Semântica Argumentativa (DUCROT,
1972) e da Lingüística Textual (BERNÁRDEZ, 1982 e SCHMIDT, 1978). Em sua análise, a
autora concluiu que os editoriais revelam uma complexa estrutura discursiva na qual há um
jogo dialético entre o implícito e o explícito, de modo que o editorialista diz sem o dizer. Em

18
De acordo com Brito (1994), por volta de 1968 surge na Alemanha a Estética da Recepção. Esta corrente
teórica tem como foco o leitor, fazendo dele um elemento funcional e produtor do texto. Na visão da autora:
“Nenhum ato comunicativo pode ignorá-lo, pois a um tempo ele é sujeito e objeto desse mesmo ato (sujeito da
relação diádica e objeto do próprio ato de fala). É sujeito enquanto pressupõe um repertório de conceitos, de
esquemas, de normas que o remete ao seu mundo de experiências; é objeto enquanto intenção comunicativa,
possibilidade de verbalização e de recepção” (BRITO, 1994, p. 67).
47

outras palavras, os elementos presentes na superfície textual como também os “brancos


semânticos”19 preenchidos pelo leitor constituem os editoriais.

Nesse sentido, o leitor do editorial é um receptor privilegiado visto que tem um


entendimento em profundidade da seqüência verbal emitida. De acordo com Brito (1994, p.
118):

A intenção do tecedor do editorial pode estar explícita na superfície discursiva; por


outro lado, a intenção pode estar implícita numa estrutura-em-profundidade temática
e neste caso, o receptor deverá ser um arquileitor, ou seja, um leitor privilegiado,
capaz de preencher os vazios do texto: conotação, ideologia, qualidade de
significação e as pressuposições.

Na visão dessa autora, os editoriais são constituídos de uma teia dialética na qual a
tese é a afirmação (o que está explicíto) e a antítese é a negação (o que está implícito). Assim,
se tem a presença de dois discursos: um superficial e um profundo. Para que o editorialista
consiga atingir o leitor, faz-se necessária uma interação dialógica entre ambos, produtor e
leitor, a partir de uma interseção do repertório de um e de outro. É possível se construir, então,
um jogo comunicativo nos quais os participantes interagem e exercem pressões mútuas um
sobre o outro. Segundo Brito (1994, p. 175):

(...) o jornal visa a convencer o leitor, o leitor, convencido, sustenta o jornal. Por
conseguinte, ambos se necessitam. De onde se conclui que deverá haver uma
semiose, uma vez que sem ela, o jornal se invalida por falta de instauração de
sentido do leitor.

O receptor, por sua vez, precisa fazer duas leituras: uma da superfície discursiva
explícita nas asserções do enunciado e a outra da superfície em profundidade. Assim, depois
de ler o texto, o leitor assume determinado posicionamento produzindo o efeito desejado pelo
editorialista (o ato perlocucional). A natureza da perlocução depende da interpretação
pragmática do público de interesse (leitor empírico do editorial), uma vez que a dialética do
editorialista está elaborada no próprio tecido enunciativo.

A argumentação, por sua vez, concentra-se na demonstração de provas intrínsecas


e extrínsecas na defesa da tese, visto que a finalidade pragmática do editorialista está centrada
na realização de efeitos de sentido que pretende obter no receptor. Dentro dessa perspectiva,
as marcas argumentativas podem ser encontradas no enunciado através da presença de
recursos argumentativos no nível lingüístico fundamental, tais como: tempos verbais,

19
Segundo Brito (1994), os brancos semânticos correspondem aos implícitos presentes no texto editorial e que
devem ser preenchidos pelo leitor na construção do sentido do texto.
48

modalizadores, operadores argumentativos, pressuposições e polifonia; e de uma retórica


aplicada a partir de uma seleção lexical, estratégias e imagens, oposições, termos ou
expressões semanticamente relacionadas e/ou portadores de implícitos, elementos, expressões
ou orações intercaladas ou acessórias contendo explicitações, idéias ou argumentos cuja
importância o editorialista deseja ressaltar; e figuras de linguagem (ironia, hipérbole, máxima,
perífrase, gradação, anástrofe, sinédoque).

De acordo com Brito (1994), a estratégia retórica argumentativa produz efeito


como se o receptor também exercesse sua argumentação. Assim, o editorial é resultado de um
ato de enunciação e de recepção, no qual se estabelece um processo comunicativo que implica
estratégias comunicativas do emissor e do receptor à medida que o gênero manifesta um certo
potencial elocutivo e um certo potencial perlocutivo.

Considerando que o jornalismo não é feito de fora da sociedade, a ideologia está


presente na linguagem jornalística. Dessa forma, nas sociedades capitalistas o editorial reflete
o consenso das opiniões que emanam dos diferentes núcleos que participam da propriedade da
organização, ou seja, acionistas majoritários, financiadores que subsidiam a operação das
empresas, anunciantes que carreiam recursos regulares para os cofres da organização, além do
aparelho burocrático do Estado que tem grande influência sobre o processo jornalístico pelo
controle que exerce no âmbito fiscal, previdenciário e financeiro. Por essas razões, o editorial
é considerado por Brito (1994) como um espaço de contradições, visto que concilia diferentes
interesses seja das políticas da empresa, seja dos interesses da corporação que defendem.

A contribuição de Brito (1994) propiciou à presente pesquisa a percepção de que


os aspectos que envolvem as condições de produção e de recepção do gênero se revelam na
superfície discursiva, de forma que a organização textual argumentativa representa uma
estratégia discursiva do editorialista para convencer o receptor. Uma outra contribuição está
na consideração de que o editorial não é um objeto plenamente existente em si mesmo, ao
contrário, é resultado de atos de fala, ou seja, um ato de enunciação e um ato de recepção.

Brito (1994), ao estudar a argumentação analisou algumas estratégias retóricas


dentre elas a implicitação, o contraditório e a explicitação, sugerindo, portanto, um caminho
para análise de editoriais de jornais. A presente pesquisa, por sua vez, encaminhará os estudos
de argumentação analisando a organização textual argumentativa de modo a procurar
desvendar quais as estratégicas retóricas utilizadas pelo editorialista para distribuir as
49

informações em editoriais de jornais. Por outro lado, a relação entre implícito e explícito será
também explorada, principalmente por que os protótipos das seqüências textuais propostas
por Adam (1992) preconizam a existência de algumas macroproposições implícitas.

Um outro trabalho sobre editoriais de jornais é o de Nascimento (1999). Com base


na Análise Semiolingüística do Discurso de Patrick Charaudeau (1992), a autora pesquisou
editoriais de jornais do Brasil no período de 1996/97 com o objetivo de descrever a
macroestrutura argumentativa desses editoriais. Seu estudo revelou que a tese e os argumentos
pró-tese são os únicos constituintes constantes em um editorial. De acordo com a autora, a
presença fixa desses elementos enquadra os textos analisados no modo argumentativo de
organização do discurso. Algumas teses foram apresentadas através de expressões
modalizadoras do tipo “é + adjetivo”. Nesse sentido, essas expressões funcionam como um
recurso argumentativo que visa aumentar a força persuasiva da tese.

Nos editoriais analisados, as concessões apresentam um baixo índice de


ocorrência. Ressalta-se que as concessões representam um movimento argumentativo através
do qual o argumentador concede razão no discurso à tese oposta, para em seguida apresentar
uma asserção argumentativamente mais forte em direção à tese defendida. Nesses termos, o
baixo índice de concessão demonstra que o discurso argumentativo desenvolvido no Jornal do
Brasil se aproxima da argumentação expositiva.

Nascimento (1999) destaca que os editoriais do Jornal do Brasil assumem uma


postura de convicção diante de seus julgamentos éticos, políticos, morais e sociais, de forma a
apoiar irrestritivamente o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, ocorrendo,
portanto, uma fusão entre o ponto de vista do jornal e o do governo. Assim, foram
encontradas nos textos pseudoconcessões, isto é, o argumentador “concede” razão à tese
oposta somente num plano hipotético.

A proposta não é um constituinte recorrente nos textos analisados, de modo que


Nascimento (1999) concluiu que esse elemento não necessitava integrar estruturalmente o
texto argumentativo, visto que na maioria dos textos analisados ela apareceu implícita.
Segundo Nascimento (1999), a proposta consiste numa asserção que transcende o universo
textual e é uma assertiva polêmica existente no mundo e com a qual o argumentador dialoga
em seu texto.
50

Um outro aspecto observado por Nascimento (1999) foi a constante inserção20 de


descrições e de narrações nos editoriais analisados. Esse fenômeno comprova a tese de que
um modo de organização discursiva é classificado como argumentativo, por exemplo, por
conta de seus elementos dominantes. Das inserções encontradas, as mais freqüentes foram as
narrativas. As inserções descritivas são mais utilizadas com função argumentativa, no sentido
de que o editorialista ao descrever um fato ou um objeto demonstra conhecê-lo de forma
detalhada, produzindo um efeito de prova dentro do universo persuasivo. Por outro lado, as
inserções narrativas apresentam uma função contextualizadora, haja vista introduzirem o
assunto a ser tratado. Nascimento (1999) definiu as inserções narrativas como elementos
motivadores ou geradores da argumentação.

Vale ressaltar que a noção que Nascimento (1999) tem de inserção é de um modo
de organização textual que pode ser descritivo ou narrativo e não se constitui uma categoria
textual predominante dentro de um movimento argumentativo. Pode-se afirmar que a
perspectiva teórica de Adam (1992) sobre as noções de seqüência textual possibilitou uma
análise em maior profundidade do processo de heterogeneidade textual e de inserção de
seqüências, tendo em vista que o referido autor vai além do que Nascimento (1999, p. 22)
propugna como “trechos narrativos ou descritivos dentro de um texto eminentemente
argumentativo”. Os próprios protótipos construídos por Adam (1999) possibilitaram uma
análise mais específica da composição da superfície textual em editoriais de jornais. Assim,
contrapondo-se às conclusões de Nascimento (1999) não se verificou a presença da seqüência
narrativa na estrutura textual de editoriais de jornais. De acordo com a tipologia proposta pelo
autor, o que Nascimento (1999) considera narração (fato ou acontecimento) não se
caracterizaria como uma seqüência narrativa.

A autora também demonstrou em sua pesquisa a ordem em que esses constituintes


apareceram nos editoriais analisados. Nos parágrafos iniciais do corpus ocorreu um
predomínio de inserções narrativas do tipo contextualizadora, para em seguida o editorialista
fazer comentários sobre o fato. Nascimento (1999) ressalta que a seleção do fato já revela
uma intenção argumentativa do editorialista. Os parágrafos mediais compõem-se basicamente
de argumentos pró-tese. Os argumentos pró-tese são compostos de um alto índice de inserções
descritivas funcionando no texto como argumento, aumentando o poder de persuasão do texto
dado o efeito visual que expressam. Há uma baixa freqüência de inserções narrativas como

20
Para Nascimento (1999), as inserções se constituem segmentos descritivos ou narrativos que estão a serviço da
argumentação.
51

argumentos pró-tese. Segundo Nascimento (1999 p. 157), “a narração com finalidade


argumentativa fornece ao leitor um exemplo de um caso para sustentar a tese”. Nos parágrafos
finais concentram-se as teses dos editoriais.

Em suma, Nascimento (1999, p. 141) afirma que o Jornal do Brasil organiza seu
editorial da seguinte forma:

1. Fato: elemento de grande poder persuasivo por ser inquestionável;


2. Argumento;
3. Tese: constituinte revelador da intenção argumentativa do editorialista, por isso
essencial à persuasão.

Para a autora, a macroestrutura argumentativa dos editoriais do jornal do Brasil se


aproxima do tipo de organização argumentativa denominada homérica, isto é, aquela em que
os elementos iniciais e finais possuem uma força argumentativa maior, tornando o discurso
mais equilibrado. A ordem padrão dos editoriais é argumento-tese, revelando, assim, uma
maior sofisticação textual, tendo em vista que o texto é resultado de um planejamento
elaborado de forma que o argumentador prepara o leitor para a aceitação da tese.

A pesquisa de Nascimento (1999) revelou a macroestrutura argumentativa dos


editoriais do Jornal do Brasil no período de 1996 e 1997, deixando, portanto, a lacuna de
compará-la com a organização de editoriais de outras empresas jornalísticas num período
diverso. Vale ressaltar que o trabalho de Nascimento (1999) trouxe contribuições na
construção das hipóteses desta pesquisa, contudo a lacuna apontada pela autora abre uma
perspectiva de que a macroestrutura argumentativa do editorial poderia mudar de jornal para
jornal, ou ainda, de época para época de um mesmo jornal. Considera-se, portanto, que a
análise da distribuição das informações em editoriais de vários jornais da imprensa brasileira
possa apontar um “padrão” de organização retórica de editoriais de jornais, ampliando,
destarte, a forma de organização textual apresentada por Nascimento (1999) como fato,
argumento e tese. Um outro objetivo da presente pesquisa que irá ampliar as contribuições de
Nascimento (1999) é o paralelo que se pretende traçar entre as unidades retóricas dos
editoriais e as seqüências recorrentes em cada uma das unidades.

Um outro estudo sobre editoriais é o de Guimarães (1992), que teve como


objetivo definir uma possível superestrutura para editoriais de jornais paulistanos. Seu estudo
fundamentou-se na Lingüística de Texto, especificamente o modelo cognitivo de
processamento de informações na compreensão discursiva. A autora partiu da hipótese de que
se o leitor habitual de jornal é capaz de reconhecer, dentre os vários textos de um jornal,
52

aquele que é um editorial, isto se deve ao fato de haver uma superestrutura convencionada
para ele, capaz de defini-lo como um tipo específico de texto do discurso jornalístico.

Nesse sentido, Guimarães (1992) buscou verificar como a superestrutura da


notícia se transforma na superestrutura do editorial. As análises realizadas por Guimarães
(1992) chegaram à seguinte organização textual do editorial:

Editorial

Sumário Avaliação Conclusão

Manchete Lead Fato Comentário I1 I2 Prognóstico


Noticioso

Definição Explanação Finalização


Prem.1 Arg. Con.1 Prem.2 Arg. Con.2 I1 I2
Figura 6 – Protótipo da superestrutura de editoriais de jornais
Fonte: Guimarães (1992, p. 133)

Segundo Guimarães (1992), os editoriais analisados revelaram que estes se


estruturam pela somatória das categorias textuais da notícia, da exposição e da argumentação.
A categoria Sumário é a primeira que aparece no texto e está subdividida em duas etapas: a
categoria Manchete (M) seguida da categoria Lead (L). A categoria Lead, por sua vez,
hierarquiza as categorias expositivas, que são constituídas de definição, explanação e
finalização. De acordo com a autora, essa categoria é típica de editoriais de países como o
Brasil, onde os leitores não têm o hábito de ler todo o jornal, e o editorialista introduz na
categoria Sumário o fato noticioso seguido de uma avaliação. A categoria Sumário é
estrategicamente construída a fim de levar o leitor a uma construção da macroestrutura do
texto, visto que expressa o tema que será abordado no editorial.

A categoria Avaliação é subdividida em duas: fato noticioso e comentários. A


categoria Comentários foi hierarquizada por Guimarães (1992) em duas: Ideologia 1 e
Ideologia 2. A Ideologia do grupo 1 apresenta um número reduzido de argumentos. A
Ideologia do grupo 2 apresenta um número de argumentos maior de forma a levar o leitor a
acatar essa ideologia que é a defendida pelo grupo que o editorialista representa. As
ideologias estão organizadas textualmente pelas categorias argumentativas, ou seja,
premissas, argumentos e conclusões.
53

A categoria Conclusão hierarquiza a categoria Prognóstico. Essa categoria se


refere às previsões (conclusões) estabelecidas pelas ideologias do grupo 1 e do grupo 2.
Guimarães (1992, p. 135) esclarece que há uma escala de valores, de modo que a Ideologia 2
representa “o bem e o sim” e a Ideologia 1 “o mal e o não.”.

Os estudos de Guimarães (1992) contribuem para a presente pesquisa à medida


que se pode vislumbrar a constituição do editorial a partir de categorias narrativas, expositivas
e argumentativas, ou seja, na medida em que se constata a presença da heterogeneidade
textual no tecido que compõe o gênero editorial de jornal. Por outro lado, a presente pesquisa
não confirmou todas as “categorias” propostas pela autora, especificamente no que diz
respeito à narração e à exposição. Um outro aspecto que merece ser questionado é a
apresentação pela autora de uma superestrutura que subjaz uma base cognitiva e que torna
incoerente a introdução nesse esquema do tópico ideologia, aspecto mais comumente
perseguido em trabalhos de Análise do Discurso. Em outras palavras, Guimarães (1992) faz
uma mistura infeliz de critérios na análise de editoriais de jornais.

Entre a pesquisa de Nascimento (1999) e a de Guimarães (1992) pode-se


encontrar, nos modos de organização textual apresentados, pontos de convergência e de
divergência. Como pontos de contato se pode visualizar a presença de “categorias” narrativas,
a existência em parágrafos mediais de categorias argumentativas e em parágrafos finais a
presença da conclusão (terminologia de Guimarães (1992)) ou tese (terminologia de
Nascimento (1999)). Por outro lado, Guimarães (1992) apresenta a existência da categoria
expositiva como modo constitutivo em editoriais, enquanto Nascimento (1999) apresenta a
categoria descritiva.

Partindo dessas informações e amparando-se nos protótipos de seqüência textual


propostos por Adam (1992), buscou-se realizar uma análise qualitativa das seqüências
textuais do corpus a fim de estabelecer uma relação entre unidades retóricas e
macroproposições argumentativas. Como conseqüência dessa análise se pôde desvendar quais
seqüências puderam ser consideradas dominadas em relação à seqüência dominante, a
argumentativa. Uma outra contribuição desta pesquisa é a análise sobre a forma de realização
das macroproposições argumentativas em editoriais de jornais.

No capítulo seguinte descrever-se-á o processo de tratamento dos dados, de modo


a esclarecer como se deu a análise quantitativa e qualitativa da distribuição das informações e
54

da análise qualitativa das seqüências textuais em editoriais de jornais.


55

Capítulo 3 – Metodologia

O presente capítulo tem como objetivo descrever os caminhos que se percorreu na


execução desta pesquisa. Esclarece-se que a descrição desses procedimentos metodológicos
pode, a princípio, parecer uma simples questão formal, mas não é uma tarefa tão pacífica,
visto que alguns dos procedimentos selecionados no projeto de pesquisa foram modificados,
abandonados, acrescentados. Os caminhos e descaminhos percorridos até se chegar aos
resultados são conseqüência de um processo dialético que se instaurou na realização deste
trabalho, isto é, do percurso que se fez dos dados à teoria e da teoria aos dados.

Nesse sentido, ao se descrever os caminhos percorridos, levou-se em consideração


que é possível prever a realização de alterações e/ou adaptações nesses procedimentos à
medida que os instrumentos vão sendo testados e os resultados vão aparecendo. Daí se
confirmam as considerações de Biasi-Rodrigues (1998, p. 77) de que:

Nem sempre a metodologia é claramente definida na elaboração de um projeto de


pesquisa e mantida sem alterações durante os exercícios de análise, a não ser que os
instrumentos já tenham sido testados em pesquisas piloto ou por outros
pesquisadores, mesmo assim é comum sofrerem adaptações durante o processo de
tratamento dos dados. Os procedimentos metodológicos tanto podem ser estendidos
como reduzidos e, às vezes, são até abandonados e substituídos por outros, conforme
a análise vai evoluindo.

A descrição das decisões e escolhas metodológicas se fez a partir das seguintes


questões: como foi realizada a escolha do objeto de estudo e do referencial teórico, qual o
método de abordagem, como se deu a delimitação do universo e que tratamento foi dado ao
corpus.

3.1 Escolha do objeto de estudo e do referencial teórico

A motivação para a presente pesquisa se deu a partir do contato com o conceito de


gênero do discurso, especificamente com a teoria de Bakhtin (1997). A partir daí, o acesso a
pesquisas que abordavam os gêneros foi uma conseqüência natural do interesse pelo assunto.
Trabalhos como o de Biasi-Rodrigues (1998) e o de Bezerra (2001) representaram um olhar
mais consistente sobre a proposta de análise de gêneros. Essas pesquisas propiciaram perceber
a possibilidade de utilizar o aporte teórico de Swales (1990) na investigação da distribuição
das informações em editoriais de jornais, com vistas à descrição do gênero. A partir dessa
decisão, iniciou-se uma busca por pesquisas que abordassem editorial de jornal, seja pesquisas
56

referentes à área de Comunicação ou à área da Lingüística.

Ao mesmo tempo, o contato com a noção de seqüência textual de Adam (1992),


abriu a possibilidade de incluir as seqüências textuais na análise da organização textual de
editoriais. Por conta da natureza argumentativa surgiu a necessidade de mudar o foco da
pesquisa. Daí, os estudos do gênero editorial de jornal foram direcionados à análise da
argumentação a partir da distribuição das informações e das seqüências textuais.

Nesse sentido, buscando atingir os objetivos pretendidos na presente pesquisa,


tomou-se como pilastras para a descrição da organização textual argumentativa do gênero
editorial de jornal, o trabalho de Swales (1990) no que concerne à investigação da
organização retórica de editoriais e o protótipo de seqüência argumentativa de Adam (1992)
com o propósito de analisar como se materializam as seqüências textuais nesse gênero.

3.2 Método de abordagem

Para a análise do corpus, partiu-se de constatações mais particulares a conclusões


mais abrangentes sobre a organização textual argumentativa do gênero em tela. Para se chegar
a afirmações mais gerais sobre essa organização, desenvolveu-se um processo de análise
dividido em três etapas:

►Observação dos fenômenos: nessa etapa foram observados os fenômenos lingüísticos


concernentes à distribuição das informações e à materialização das seqüências textuais
recorrentes na organização textual do editorial de jornal. Essa observação atenta do objeto
de estudo permeou todo o projeto de pesquisa, de modo a desvelar a organização textual
argumentativa em editoriais de jornais.

►Descoberta da relação entre os fenômenos: nessa fase procurar-se-á comparar e aproximar


por similaridades os fenômenos descobertos em todos os exemplares do corpus com a
finalidade de descobrir a relação constante entre eles.

►Generalização da relação: nessa última etapa foram feitas generalizações a partir da


observação e relação dos fenômenos encontrados nos editoriais.

3.3 Delimitação do corpus

O corpus utilizado para a presente pesquisa é constituído por 60 (sessenta)


57

editoriais selecionados de cinco jornais na versão on-line, sendo cada jornal de uma região
diferente do Brasil. Justifica-se essa quantidade por se considerar que é um número razoável
capaz de levar a resultados consistentes na abordagem indutiva. Objetivando trabalhar com
um corpus que representasse editoriais de todo o Brasil, optou-se por analisar um universo
composto por editoriais oriundos de jornais de cada uma das regiões do Brasil.

Um critério para a seleção dos jornais foi o fato de estes integrarem a lista do IVC
(Instituto Verificador de Circulação) e estarem classificados entre os quarenta jornais mais
lidos do Brasil. A escolha de editoriais que possuem versão on-line justificou-se pelo critério
da acessibilidade21, ou seja, através da internet é mais fácil ter acesso ao corpus. Os jornais
selecionados foram os seguintes: “O Povo” em Fortaleza, “O Liberal” em Belém, o “Jornal do
Brasil” no Rio de Janeiro, o “Correio do Povo” em Porto Alegre e o “Correio Brasiliense” em
Brasília. Ressalta-se que o acesso aos editoriais desses jornais não se restringia a usuários de
um determinado provedor, através dos respectivos sites foi possível compilar o corpus da
pesquisa.

A coleta do corpus teve início em dezembro de 2002 em quatro jornais: “O Povo”,


“Correio do Povo”, “Correio Brasilense” e “Jornal do Brasil”. A coleta de editoriais do jornal
“O Liberal” iniciou-se em fevereiro de 2003, porque somente nesse período obteve-se
informação de que esse jornal estava elencado entre os quarenta jornais de maior circulação
do Brasil.

Para a composição do corpus foram selecionados somente editoriais que


apresentavam temáticas22 do interesse da pesquisadora. Contudo, acredita-se que essa opção
em nada prejudicará a cientificidade da pesquisa, pois o interesse da presente pesquisa está
relacionado à descrição da organização textual argumentativa em editoriais de jornais.

Os editoriais selecionados para análise apresentam alguns traços formais,


assumidos como aspectos característicos do gênero, na superfície do texto: a ausência de
assinatura e a extensão do texto. O editorial caracteriza-se por ser um gênero breve. Os
exemplares selecionados apresentaram a seguinte média de palavras: jornal “O Povo”, 595
palavras; jornal “Correio Brasiliense”, 419 palavras; “Jornal do Brasil”, 390 palavras; jornal

21
O critério da acessibilidade para a seleção do corpus é utilizado por alguns pesquisadores, tais como: Motta-
Roth (1995) e Bezerra (2001).
22
O conteúdo temático abordado em editoriais de jornais refere-se a tópicos nacionais, internacionais, estaduais
e municipais de natureza social, política ou econômica dentre outros assuntos de menor relevância.
58

“Correio do Povo”, 354 palavras; e jornal “O Liberal”, 320 palavras.

A composição do corpus foi possível através dos seguintes endereços eletrônicos:


http://jbonline.terra.com.br/extra/extra1.html para o “Jornal do Brasil” do Rio de Janeiro,
http://www.correioweb.com.br/ para o jornal “Correio Brasiliense” de Brasília,
http://www.correiodopovo.com.br/ para o jornal “Correio do Povo” do Rio Grande do Sul,
http://www.noolhar.com.br/opovo/ para o jornal “O Povo” do Ceará e www.oliberal.com.br/
para o jornal “O Liberal” do Pará.

3.4 Tratamento dos dados

Para dar conta de uma proposta de organização retórica dos editoriais, partiu-se do
pressuposto de que o gênero editorial de jornal tem uma natureza argumentativa e nesse
sentido, realizaram-se os seguintes procedimentos numa primeira etapa:

a) Identificação do ponto de vista defendido pela empresa jornalística;

b) Identificação dos argumentos que sustentavam esse ponto de vista;

c) Identificação dos segmentos textuais que não se constituíam argumentos ou conclusão;

d) Sistematização das informações encontradas em cada uma das unidades, confrontando


essas informações com a hipótese de distribuição de informações em editoriais de jornais
em quatro unidades retóricas: Un1 - anunciação do tema; Un2 - contextualização do tema;
Un3 - argumentação sobre a tese, composta de subunidade 1 - argumentando
convergentemente e/ou de subunidade 2 - argumentando divergentemente; e Un4 -
indicação da posição do jornal23.

e) Apresentação da ordem na qual as informações foram distribuídas nos editoriais, isto é,


apresentação da seqüência em que aparecem as unidades retóricas24 em todos os
exemplares;

23
Esclarece-se que se adotou o mesmo processo de nomeação das unidades e subunidades retóricas de Biasi-
Rodrigues (1998). Para as unidades retóricas utilizou-se expressões nominais e as subunidades expressões
predicativas com o verbo no gerúndio. Segundo a autora essa forma de nomeação evidencia “uma clara divisão
entre o produto e o processo, considerando-se que nem tudo pode fazer parte de um esquema de representação
de um dado tipo de texto e que as estratégias de condução das informações podem variar de sujeito para
sujeito” (BIASI-RODRIGUES, 1998, p. 121).
24
Utilizou-se a mesma terminologia de Biasi-Rodrigues (1998), os moves serão tratados como unidades retóricas
e os steps como subunidades retóricas.
59

f) Apresentação de uma primeira versão do padrão da organização retórica do gênero


editorial.

Esclarece-se que o primeiro “padrão” de organização retórica que se propôs


apresentava algumas incoerências, tais como: o conteúdo proposicional da unidade retórica 4
(indicação da posição do jornal) poderia se realizar no título ou no subtítulo de alguns
editoriais. Observou-se também que a caracterização da unidade retórica 1 (anunciação do
tema) baseava-se muito mais em critérios formais do que em critérios funcionais,
contrariando, assim, o aparato teórico de Swales (1990) sobre a identificação de uma unidade
retórica através da indicação de seu propósito comunicativo específico. Essas inquietações
geraram uma tomada de posição que foi desconsiderar o título e o subtítulo no estudo da
organização retórica em editoriais de jornais25. Nesse sentido, o modelo foi refeito de modo a
se constituir de apenas três unidades retóricas.

Numa segunda etapa, reexaminou-se todo o corpus com a finalidade de conferir o


modelo preliminar apresentado e descrever cada uma das unidades retóricas separadamente,
buscando depreender seus objetivos comunicativos para finalmente apresentar uma versão
final da organização retórica do gênero editorial de jornal. Em seguida, foi feito o
levantamento dos percentuais de freqüência das unidades e subunidades retóricas a partir da
utilização da seguinte fórmula26:
X = 100 x NO
NT
Donde X representa o percentual de freqüência obtida da unidade ou subunidade
retórica no corpus (numa dada posição), donde NO representa o número de ocorrências
encontradas no corpus das unidades ou subunidades retóricas (numa dada posição) e NT
representa o número total de editoriais pesquisados. Esclarece-se que na contabilização das
subunidades retóricas, considerou-se apenas a realização ou não da subunidade em questão,
não se considerou o número de ocorrências da mesma subunidade em cada editorial.

Esclarece-se, ainda, que se definiu um percentual mínimo para uma unidade


retórica ser considerada como tal, isto é, determinou-se um percentual mínimo de 30%.
Acredita-se que esse percentual é um número de ocorrência considerado relevante para se
considerar prototípica uma dada unidade retórica. Justifica-se esse percentual pelas
25
Segundo Bonini (2003, p. 21), o título “não perfaz uma unidade textual, podendo ser visto mais como um
aparato de texto”.
26
A fórmula apresentada é resultado de uma regra de três simples.
60

observações de freqüência das unidades retóricas em pesquisas que tinham como objetivo a
descrição de um padrão de organização retórica de um dado gênero textual. Quanto às
subunidades optou-se por não se definir um padrão percentual devido à volatilidade observada
dos percentuais nessas mesmas pesquisas27.

Para se chegar à proposição de um “padrão” de organização retórica inicialmente


se imaginou que a observação da freqüência de cada unidade em cada uma das posições no
corpus fosse procedimento suficiente. Essa afirmação se justifica pelo fato de que em outras
pesquisas que tratavam da distribuição das informações em diversos gêneros textuais, este era
o tratamento dado aos textos que compunham os diversos corpora. Contudo, os percentuais
obtidos na análise dos dados revelaram que se fazia necessária a adoção de outros
procedimentos que garantissem, com uma maior margem de segurança, a proposição de um
“padrão” de organização retórica para editoriais de jornais. Nesse sentido, aliado aos índices
de freqüência das unidades retóricas adotou-se a análise do percentual de ocorrência do
movimento argumentativo, se progressivo (dados-conclusão) ou regressivo (conclusão-
dados), como também as informações referentes à estrutura composicional de editoriais de
jornais realizadas em outros trabalhos. Esse conjunto de critérios permitiu a proposição de um
“padrão” de organização retórica, considerado de caráter heurístico, devido à grande
flexibilidade com que as informações estavam distribuídas em editoriais de jornais.

No que se refere ao processo de segmentação das unidades retóricas, este revelou-


se bastante complexo e algumas decisões foram tomadas a partir de referenciais puramente
subjetivos. Nesse sentido, considerou-se o que Bezerra (2001, p. 53) propugnou:

A questão da delimitação das fronteiras entre unidades e subunidades de informação


em um gênero nem sempre é pacificamente solucionada pela observação de
elementos léxicos concretamente realizados no texto. Essas fronteiras envolvem,
conforme alerta Paltridge (1994), questões cognitivas e pragmáticas que nem sempre
se expressam em forma de sinais concretos, como mudanças de parágrafo, emprego
de rótulos ou outras estratégias. Esse elemento maleável da análise do gênero foi
sempre levado em consideração.

Para a identificação e a segmentação das unidades e subunidades retóricas


algumas convenções foram utilizadas. As unidades retóricas foram representadas pela
abreviatura Un seguidas de algarismo arábico (Un1, Un2, Un3...). Indicou-se as unidades
através da representação de cores diferentes, azul para a Un1, preto para a Un2 e vermelho
para a Un3. As subunidades e os imbricamentos de unidades retóricas foram identificados por

27
Em Biasi-Rodrigues (1998), observou-se subunidades retóricas com um padrão de realização de 54,40%,
como também de 9,70%, já em Bezerra (2001) verificou-se percentuais que variavam entre 73,33% até 3,3%.
61

colchetes colocados no final de cada segmento textual. Seguiu-se a mesma orientação de


Biasi-Rodrigues (1998) no que diz respeito às eventuais dúvidas de classificação de um
segmento textual, indicou-se tal segmento com um ponto de interrogação [?].

Os editoriais foram identificados com uma letra maiúscula “E” acompanhada


pelos algarismos arábicos em seqüência crescente (E01, E02, E03...). A numeração dos
exemplares correspondeu à seguinte ordem: 1 a 12 editoriais do “Jornal do Brasil”, 13 a 24
editoriais do jornal “O Liberal”, 25 a 36 editoriais do jornal “Correio do Povo”, 37 a 48
editoriais do jornal “Correio Brasiliense” e 49 a 60 editoriais do jornal “O Povo”. Ressalta-se
que a descrição das estratégias de distribuição das informações em editoriais de jornais tem o
objetivo de revelar a relação das funções retóricas de cada unidade com a organização textual
argumentativa.

Tendo em vista que um dos objetivos da pesquisa é analisar como as seqüências


textuais se materializam em editoriais de jornais, realizou-se uma análise qualitativa das
seqüências no corpus. No projeto de pesquisa, tinha-se definido uma análise preliminar de
20% do total de editoriais pesquisados, exatamente, 12 editoriais. Contudo, a escolha aleatória
desses editoriais provavelmente deixaria de fora muitas realizações seqüenciais que mereciam
ser comentadas na dissertação. Tendo em vista que se tinha como objetivo estabelecer uma
relação entre as unidades retóricas e as seqüências textuais, cogitou-se a possibilidade de
analisar somente os editoriais que contivessem as três unidades retóricas identificadas. Mas
novamente seriam deixados de fora alguns fenômenos importantes de serem apresentados,
então, tomou-se a decisão de analisar qualitativamente as seqüências em todos os editoriais.

A inquietante pergunta que persegue muitos pesquisadores quando se está diante


dos dados é: por onde começar? As idas e vindas dos dados à teoria e da teoria aos dados
possibilitaram a adoção dos seguintes procedimentos para a análise das seqüências:

a) divisão de cada editorial em suas respectivas proposições28;

b) identificação das macroproposições argumentativas em cada unidade do corpus;

c) busca de uma aproximação entre as unidades retóricas e as macroproposições


argumentativas;

28
Essa decisão metodológica embasou-se nas análises seqüenciais realizadas por Adam (1992) na apresentação
de seus protótipos.
62

d) sistematização da relação entre cada unidade retórica com cada uma das macroproposições
argumentativas;

e) identificação de seqüências inseridas;

f) sistematização da relação entre as seqüências inseridas em cada uma das macroproposições


argumentativas.

Esclarece-se que os procedimentos metodológicos descritos acima foram sendo


definidos paulatinamente, à medida que se garimpava o corpus. Logo no início da análise,
sentiu-se uma grande inquietação no tratamento que seria dado à macroproposição
argumentativa 2 (regras de inferências), pois sentiu-se falta de um aparato metodológico que
cobrisse a identificação dessa macroproposição. Optou-se, então, por não dar um tratamento a
essa macroproposição, tendo em vista que essa ausência não prejudicaria o alcance dos
objetivos pretendidos na presente pesquisa.

Partindo do pressuposto de que a homogeneidade seqüencial é um caso


relativamente excepcional e que é recorrente a presença de diversas seqüências nos gêneros,
esclarece-se que a classificação das inserções seqüenciais tomou como base o que foi definido
por Adam (1992) para caracterizar uma seqüência narrativa, descritiva e explicativa. Contudo,
não se procurou identificar em todas as seqüências dominadas uma descrição completa de
suas respectivas macroproposições. Apenas os exemplares que foram analisados nesta
dissertação tiveram uma delimitação de suas macroproposições de forma mais precisa.
Ressalta-se que o objetivo de identificar e classificar as diferentes seqüências é revelar a
heterogeneidade tipológica de forma a destacar o papel das seqüências textuais (narrativa,
descritiva, explicativa) em editoriais de jornais, em função da sua natureza argumentativa.

Espera-se que as informações detalhadas neste capítulo tenham sido


suficientemente esclarecedoras para a compreensão da análise dos dados que será apresentada
nos capítulos 4 e 5.
63

Capítulo 4 - A organização retórica de editoriais de jornais

Em função da natureza argumentativa do gênero editorial de jornal, empreender-


se-á neste capítulo uma proposta de descrição de sua organização retórica. Essa descrição
fundamenta-se numa análise que emerge do trato com os dados, evitando-se, portanto, um
caráter prescritivo. Em outras palavras, não se pretende de forma alguma traçar um “modelo”,
mas apresentar um “padrão” das regularidades retóricas encontradas na construção do gênero
editorial de jornal. Para atingir esse objetivo, procedeu-se à análise de sessenta editoriais de
jornais coletados via internet no período de dezembro de 2002 a março de 2003.

A apresentação de uma proposta de organização retórica para o gênero em estudo


está fundamentada no modelo CARS (Create A Research Space) de Swales (1990), como
também em outros critérios que foram apresentados na metodologia. Nessa perspectiva,
seguiu-se princípios teóricos e metodológicos sugeridos por Swales (1990) e também
perseguidos por outros pesquisadores que aplicaram esse modelo, além de procedimentos
metodológicos considerados convenientes diante dos resultados apresentados. Ressalta-se que
em relação ao gênero em estudo não se tem conhecimento da existência de algum “padrão”
retórico que permitisse fazer uma comparação, conseqüentemente, foi necessária uma análise
exaustiva dos dados a fim de identificar as similaridades na distribuição das informações em
editoriais de jornais.

Na literatura de Comunicação, a organização das informações em editoriais de


jornais é descrita de forma abrangente, sem adentrar em maiores especificidades. Lage (s/d)
apresenta de maneira sintética uma certa indicação sobre a maneira usual de elaborar
editoriais. Segundo o autor, editoriais devem ser constituídos de três partes: uma exposição,
espaço em que se expõe um registro noticioso de um fato ou uma seqüência de fatos; uma
interpretação, espaço em que se expõe outros fatos buscando traçar uma relação com o(s)
primeiro(s); e por último uma opinião, espaço em que o editorialista pode expor o ponto de
vista da empresa jornalística. Segundo o autor, a exposição da opinião é um fato facultativo.
Essas considerações apresentadas por Lage (2003) serão confrontadas na análise dos dados,
de modo que poderão ser confirmadas ou ampliadas.

Como o estudo da organização retórica em editoriais de jornais baseou-se na


64

perspectiva enunciativo-discursiva de Bakhtin (1997, 2002), se fez necessário descrever como


se dá o processo de interação verbal em editoriais de jornais a fim de propiciar uma visão
mais ampla do gênero dentro da esfera de atividade humana em que está inserido.

4.1 O processo de interação verbal no discurso editorialístico

Partindo-se do princípio de que a palavra dirige-se a um interlocutor e que ela é


determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige a
alguém, há que se considerar que na elaboração de editoriais, os jornalistas têm em mente um
interlocutor específico. Assim, a imagem que fazem desse interlocutor é de um leitor que
deseja mais do que as informações que estão contidas nas notícias, ou seja, é de um leitor que
deseja a interpretação de fatos29. Essa imagem, por sua vez, está diretamente relacionada com
a construção da organização argumentativa em editoriais de jornais na medida em que os
argumentos são selecionados tendo em vista um determinado leitor.

Fica, pois, evidente que “o próprio autor leva em conta aquele a quem a obra é
orientada e que, por conseqüência, intrinsecamente determina a estrutura da obra”
(BAKHTIN, 1926, p. 11 apud BRAIT, 2003). Nessa perspectiva, a argumentação em
editoriais alimenta-se da dimensão interacional da linguagem na medida em que o texto é
produzido estrategicamente a partir de um jogo de imagens30 que o editorialista tem de seus
interlocutores.

Brito (1994) afirma que a argumentação desse gênero textual dirige-se, a


princípio, à opinião pública, mas, na realidade, o diálogo da empresa jornalística (e dos
grupos que ela representa) dirige-se ao Estado. Essa afirmação foi possível ser comprovada
nos seguintes trechos31:

E06 “As Forças Armadas foram relegadas ao fim da fila, numa política de terra arrasada.
Chegou a hora de receberem a atenção que merecem num país de dimensões continentais. O
presidente Lula deu excelente passo ao adotar o critério de antiguidade na escolha dos
comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Acertou também ao nomear o
embaixador José Viegas para o Ministério da Defesa. Caberá a Viegas resgatar o prestígio das
Forças Armadas.” (Un2) (Jornal do Brasil, 29/12/2002)

A tese defendida no E06 de que o governo Lula deve “resgatar o prestígio das

29
Essa visão do leitor de editoriais de jornais baseia-se em Melo (1985).
30
Osakabe (2002) salienta a importância da imagem que se fazem mutuamente destinador e destinatário e
apresenta um esquema desenvolvido por M. Pêcheux e ampliado por ele.
31
Os exemplos dos editoriais citados na presente dissertação não foram alterados, ou seja, não se fez nenhuma
revisão gramatical a fim de não modificar a originalidade destes.
65

Forças Armadas” revela a quem se destina realmente o editorial (ao governo), inclusive o
jornalista expressa claramente a quem deve estar incumbido desse papel (o Ministro José
Viegas). Um outro exemplo do diálogo entre a empresa jornalística e o Estado pode ser
verificado no E11 quando o enunciador apresenta as “escolhas certas” que o governo Lula
deveria fazer para beneficiar-se da guerra entre os EUA e o Iraque.

E11 “Sem dúvida, o governo Lula posicionou-se corretamente em relação à guerra. Mas
poderia tirar do momento internacional proveito ainda maior. É hora de efetuar um ataque
frontal às deficiências da economia. Se o Brasil fizer sacrifícios agora, sairá mais forte doa
conflito que se anuncia.

O clima de economia de guerra permitirá que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adote três
providências básicas. A primeira delas - se necessário - será um choque de juros para reverter
a expectativa inflacionária. Contra o risco de alta generalizada dos preços, não bastará
aumentar os juros em meio ponto percentual. A dose deverá ser muito mais forte.

Outra medida - aparentemente antipática - será o corte radical das despesas públicas. Mesmo
que sejam preservados os gastos de cunho social, nada impedirá que outras áreas da
administração pública passem pelo fio do facão. O aumento dos impostos está fora de
cogitação. É alternativa esgotada, como mostra o editorial abaixo.

Como desfecho, o governo terá de convencer o Congresso a aprovar o conjunto de reformas


no prazo mais curto possível. Não há mais tempo para reuniões intermináveis. As discussões
estão maduras e as reformas se impõem.” (Jornal do Brasil, 06/02/2003)

O trecho do E11 permite verificar que o enunciador dá uma “receita” para o


governo Lula, ou seja, as medidas sugeridas por ele são tidas como uma “fórmula ideal” para
evitar que o Brasil tenha prejuízos com a guerra.

O processo de interação verbal em editoriais de jornais sinaliza para a idéia de que


a coerção social é também constitutiva da linguagem. Assim, o editorial de jornal defende o
ponto de vista da empresa jornalística ao mesmo tempo que também defende o ponto de vista
dos grupos que essa empresa representa. Nesse sentido, a empresa jornalística diz o que deve
ser dito na conjuntura histórico-social em que está inserida. Daí, Bakhtin (1997, p. 323)
afirmar que:

“Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre
relacionadas com a utilização da língua. Não é de se surpreender que o caráter e os
modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade
humana, o que não contradiz a unidade nacional de uma língua. A utilização da
língua efetua-se em forma de enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que
emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana”

A consideração de que o enunciado reflete as condições específicas das esferas de


atividade, permite refletir sobre a medida em que a esfera interfere no estilo genérico e no
66

estilo individual em editoriais de jornais. Admite-se que o editorial de jornal por ter um papel
dentro da esfera jornalística de indicar a opinião oficial de uma empresa diante dos fatos de
maior repercussão no momento, conduz à utilização de um determinado estilo geral, ou seja, a
utilização de recursos lingüísticos específicos (a impessoalidade, ausência de assinatura dentre
outros). Contudo, a capacidade de persuasão e o poder de convencimento que está nas mãos
do editorialista é que imprime ao editorial um estilo individual de conduzir a argumentação.
Nesse sentido, a forma como os argumentos são apresentados, como as palavras são buriladas
no editorial “produzem enunciados que dão idéia ou imagem de grandeza, quantidade,
indignação, repúdio, insatisfação ou não” (BRITO, 1994, p. 57).

A percepção da interação verbal como constitutiva do discurso produz o efeito do


dialogismo32 como uma característica também constitutiva da linguagem. Nesse sentido, é
possível verificar um embate de posições contrárias, de vozes que comungam opiniões
divergentes dentro do editorial de jornal.

O E02, por exemplo, defende a tese de que a reforma da Previdência é inadiável e


que somente a vontade política pode garantir o avanço dessa reforma. Para a sustentação
desse ponto de vista são apresentados argumentos que confirmam a tese e argumentos que não
a confirmam. Os argumentos em negrito indicam os que divergem da tese apresentada,
enquanto que os que não estão em negrito são argumentos que convergem para a tese
apresentada.

E02 “Nessa época, esbarrando na falta de habilidade para as negociações políticas, ela
avançou pouco, deixando de fora alguns pontos fundamentais. Não conseguiu criar uma
previdência básica universal nem adotar o sistema único, onde há um teto de até dez salários
mínimos para a aposentadoria de todos os trabalhadores. Sejam eles do serviço público ou da
iniciativa privada.

Mesmo parando aí, a reforma já apresentou resultados. Por exemplo, evitou que o
rombo nas contas do INSS chegasse a R$ 32 bilhões em 2002. Mas o problema não foi
resolvido. Foi empurrado para a frente. E o rombo da previdência tende a subir do atual 1,3%
do PIB para 2,5%, dentro de 30 a 40 anos.

Pode-se dizer que há muito tempo para resolver a questão, antes do desastre final. Mas a
verdade é outra. Não se deve esquecer que o desequilíbrio nas contas da previdência tem sido
um dos adubos que fertilizam e dão vigor ao déficit público, uma das causas da inflação.

32
Segundo Cunha (2002, p. 168), “o termo dialogismo tem uma pluralidade de sentidos. Além disso, foi
traduzido por intertextualidade, o que provoca uma certa confusão entre os conceitos. Alguns autores utilizam
o conceito de intertextualidade para se referir às inserções de outras vozes no texto, na forma de citação,
paráfrase, alusão, entre outras. Esse mesmo fenômeno é também chamado de polifonia ou discurso reportado”.
67

A reforma é inadiável. O PT, enquanto era oposição, cumpriu o papel de bombardear seus
aspectos mais impopulares, como a proposta de mudança no regime de aposentadoria dos
servidores públicos. Mas agora o PT é governo, e suas lideranças já percebem que é
necessário enfrentar o problema. O que não será tão difícil, mesmo porque alguns caminhos já
têm sido sugeridos pelos resultados da reforma parcial.” (Jornal do Brasil, 10/12/2002)

O recorte acima do E02 demonstra que há duas visões conflitantes dentro do


editorial: uma que entende a reforma da Previdência como uma ação política importante, mas
não tão inadiável assim, uma outra que percebe a gravidade da situação brasileira e vê a
reforma como uma medida urgente para a solução de muitos problemas brasileiros. A
presença de argumentos que conduzem a pontos de vista contrários sinaliza para a existência
de um estilo “editorialístico” de argumentar, ou seja, uma argumentação que apresenta
explicitamente argumentos contrários à tese que defende.

Por outro lado, o dialogismo no discurso editorialístico não se resume ao embate


de vozes que se contrapõem na defesa de um ponto de vista. Em alguns editoriais observou-se
a utilização de uma voz claramente marcada de outro enunciador, ou seja, há um dialogismo
mostrado de um discurso dentro de outro, seja através de marcas tipográficas ou formas
verbais. Sem a intenção de detalhar ou classificar as diferentes formas de presença do discurso
no discurso, mas apenas ressaltar a dimensão interativa da linguagem, apresentam-se os
seguintes exemplos:

E05 “A nova alta das taxas de juros básicas, para 25% ao ano, provocou choro e ranger de
dentes. Reverberando o sentimento dos empresários, o vice-presidente eleito José Alencar
afirmou que, no nível em que se encontram, os juros ''são um despropósito; mais do que isso,
um assalto''. (Jornal do Brasil, 22/12/2002)

E08 “O novo diretor da Polícia Federal ostenta currículo profissional que o habilita à tarefa a
que se propõe. Currículo, disposição e apoio do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,
que é do ramo. Advogado criminalista há mais de 40 anos, acompanhou profissionalmente a
escalada do crime, e prega mudanças em nome de ''milhões de destituídos carentes de
segurança pública''. (Jornal do Brasil, 10/01/2003)

No E05, a voz do vice-presidente José de Alencar é utilizada para reforçar a tese


de que a alta de juros não é uma medida positiva para o Brasil. No E08, o editorialista coloca
dentro do seu discurso a voz do diretor da Polícia Federal, provavelmente, para reforçar a
idéia de que sua afirmação tem mais veracidade por conta de utilizar as palavras já ditas do
delegado. Nesses exemplos, o dialogismo mostrado é utilizado como um recurso lingüístico
que visa fortalecer o ponto de vista defendido pela empresa jornalística.

Essas observações se fazem necessárias na medida em que se aprofunda o


68

princípio de que “a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato
de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico
de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da
enunciação ou das enunciações” (BAKHTIN, 1997, p.123).

Tomando-se como fio condutor o propósito comunicativo de convencer o(s)


interlocutor(s), será apresentada a organização retórica em editoriais de jornais nas seções
seguintes.

4.2 Definição das unidades e subunidades retóricas

A análise do corpus permitiu que se chegasse à apresentação de um “padrão” de


regularidades revelado em editoriais de jornais, porém a percepção desse “padrão” não
impediu de verificar uma diversidade na forma como as unidades retóricas estão distribuídas
em todo o editorial, como também uma diversidade na forma de apresentar as informações em
cada unidade. Acredita-se que essa diversidade pode ser oriunda do estilo do editorialista.
Provavelmente, a influência deste fator implique a visualização de imbricamentos de unidades
ou ausência destas, levando, portanto, a uma dificuldade no estabelecimento de um “padrão”
de organização retórica em editoriais de jornais.

Contudo, as similaridades na distribuição das informações nos editoriais


analisados tornou possível a apresentação de uma proposta de organização retórica para
editoriais de jornais de caráter heurístico33 que está reproduzida no quadro abaixo.

Unidade retórica 1 – Contextualização do tema


Subunidade 1.1 – Apresentando uma informação introdutória e/ou
Subunidade 1.2 – Esclarecendo uma informação
(e)
Unidade retórica 2 – Argumentação sobre a tese
Subunidade 2.1 – Argumentando convergentemente e/ou
Subunidade 2.2 – Argumentando divergentemente
(e/ou)
Unidade retórica 3 – Indicação da posição do jornal

Quadro 1 – A organização retórica de editoriais de jornais

Convém ressaltar que a organização retórica de editoriais apresentada na figura


acima apresenta uma opcionalidade e/ou entre as unidades. Essa percepção revela uma

33
Na seção que tratará da padronização e da flexibilidade na distribuição das informações em editoriais serão
apresentados os índices quantitativos que justificam por que a organização retórica que se propõe é de caráter
heurístico.
69

adaptação do modelo CARS (Swales, 1990) para o gênero editorial de jornal, haja vista o
autor considerar a realização dessa opcionalidade somente entre as subunidades de uma
mesma unidade34.

Unidade Retórica 1 – Contextualização do tema

A unidade retórica 1 (Un1) recebe esse nome porque é o espaço que o editorialista
tem para contextualizar o leitor apresentando uma informação relacionada com a temática,
mas que não se constitui argumento da tese. Essa contextualização pode ocorrer de diferentes
formas, isto é, através da realização de uma ou duas subunidades concomitantes ou não.

Subunidade 1.1 – Apresentando uma informação introdutória

A subunidade 1.1 tem como função retórica apresentar uma informação que
possibilite a introdução da argumentação. Seu conteúdo proposicional pode ser realizado a
partir da apresentação de um fato ou acontecimento da atualidade, de dados estatísticos,
dentre outros. É através do conteúdo dessa unidade que se pode iniciar a discussão da tese.
Considera-se, portanto, um ponto de partida para a argumentação.

Subunidade 1.2 – Esclarecendo uma informação

A subunidade 1.2 tem a função de esclarecer uma informação mencionada no


início do texto editorial com o objetivo de contextualizar o leitor da temática que será
abordada. Pode-se afirmar que o conteúdo dessa unidade é mais específico, isto é, apresenta
ao leitor maiores detalhamentos sobre o que está sendo abordado no texto editorial.

Unidade Retórica 2 – Argumentação sobre a tese

A unidade retórica 2 (Un2) recebe esse nome porque é o espaço que tem o
editorialista para convencer o leitor. Os argumentos utilizados pelo editorialista podem ser
apresentados de diversas formas, tais como: fatos, exemplos, citações, dados estatísticos,
dentre outros. Assim, os recursos lingüísticos utilizados são bastante diversificados.

Acredita-se que por ser o espaço do convencimento e de apresentação de razões


que fundamentem determinado ponto de vista, essa unidade seja a mais extensa. É na
elaboração da Un2 que o editorialista demonstra o seu conhecimento de mundo sobre o

34
A opcionalidade das unidades retóricas foi inicialmente apresentada por Silva (2002) na descrição da
organização retórica dos gêneros notícia e reportagem.
70

assunto, de modo a construir argumentos contundentes que levem o leitor a se convencer de


sua tese. Em muitos editoriais, os jornalistas utilizam-se de informações precisas como dados
estatísticos de pesquisas, por exemplo. Uma outra estratégia do editorialista é a utilização das
vozes de autoridades para fortalecer sua argumentação.

Nesta unidade, podem aparecer simultaneamente ou não duas subunidades, que


foram denominadas como: argumentando convergentemente (Sub 2.1) e argumentando
divergentemente (Sub 2.2).

Subunidade 2.1 - Argumentando convergentemente

Essa subunidade tem a função de apresentar os argumentos pró-tese, de modo a


fundamentar o ponto de vista apresentado pelo editorialista. É nesta unidade que o jornalista
expõe opiniões de autoridades, dá exemplos, apresenta dados estatísticos, enfim as
informações que aparecem nessa unidade devem levar o leitor a ficar convencido de que a
posição apresentada pelo editorialista é a adequada.

Subunidade 2.2 - Argumentando divergentemente na tese

Essa subunidade tem o papel de apresentar argumentos que são contrários ao


ponto de vista defendido pelo editorialista. Esclarece-se que a presença de argumentos
divergentes representa de uma certa forma um reforço à tese, na medida em que possibilita ao
editorialista apresentá-los para depois vê-los cair por terra com a utilização de argumentos
mais fortes. Daí se pode considerar que os argumentos divergentes contribuem indiretamente
para a tese.

Unidade Retórica 3 – Indicando a posição do jornal

Esta unidade recebe esse nome porque apresenta a posição da empresa


jornalística. Poder-se-ia dizer que a Un3 representa a conclusão, o fecho de toda a
argumentação do editorial, isto é, todas as outras unidades convergem para ela. Essa unidade
tem a possibilidade de não vir expressa. Nesse caso, cabe ao leitor inferir a partir dos
argumentos apresentados qual o ponto de vista defendido pela empresa jornalística.

A seguir apresentar-se-á um exemplar de editorial que apresenta as três unidades


retóricas distribuídas na posição indicada pelo “padrão” de organização retórica proposto para
editoriais de jornais. As unidades retóricas foram definidas por cor: a Un1 está em azul, a Un2
71

está em preto e a Un3 está em vermelho.

E43
Situação Delicada

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminou o primeiro mês de governo com 83% de apoio popular e
ferrenha oposição — de poucos, mas bastante barulhenta — dentro do próprio partido, o PT. [Sub. 1.1] A
contradição, até aqui sem maiores conseqüências, terá nova dimensão de hoje em diante.
Esta semana é de negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Na próxima segunda-feira, o novo
Congresso, eleito em outubro do ano passado, começa a trabalhar. As reformas estruturais, fundamentais para o
sucesso do governo, estarão em foco. E o apoio de seus partidários é o ponto de partida mínimo que o presidente
precisa para mudar o país.
O PT, portanto, tem pouco tempo para se acertar. A história da legenda, que completa 23 anos nesta terça-feira, é
de intensa disputa interna entre facções e tendências. Mas também de respeito à decisão da maioria. O partido
não pode tornar-se indisciplinado justamente quando chega ao poder.
Os compromissos da campanha de Lula foram claramente explicitados em sua Carta ao Povo Brasileiro,
divulgada em 22 de junho do ano passado, três meses antes do primeiro turno das eleições. Ali o candidato
prometeu manter a estabilidade e cumprir contratos. Os que agora cobram dele postura diferente da apresentada
de duas, uma: não votaram ou não acreditaram nele. Também estava claro que o governo seria mais amplo que o
PT. Afinal, o vice-presidente, o empresário mineiro José de Alencar, é do Partido Liberal.
Na última semana, os radicais petistas agravaram as provocações ao governo. O deputado João Babá (PA)
apelou para a grosseria ao dizer que nem como médico confia no ministro da Fazenda, Antonio Palocci, formado
em medicina. Suspeita-se, ainda, que Palocci tenha sido grampeado pelos rebeldes em reunião fechada com a
bancada do partido na Câmara. No caso, o tiro errou o alvo. O ministro foi inflexível na defesa do programa de
governo, que, segundo ele, não foi feito apenas para ganhar a eleição, mas para governar.[Sub.2.1]
Com o recrudescimento de sua ação, os rebeldes se tornam mais que uma preocupação para o PT. Embora
poucos — somam 35 entre os 91 deputados do partido e quatro dos 14 senadores —, eles podem comprometer a
aprovação das reformas tributária e previdenciária, pretendidas ainda para este ano. No mínimo, deixam delicada
a situação do governo, que, antes de negociar apoios no Congresso, se verá diante do constrangimento de ter que
explicar por que não convence sequer os próprios aliados. (Correio Brasiliense, 11/02/2003)

O presente editorial representa um exemplar considerado típico segundo o


“padrão” de organização retórica proposto a partir da análise dos dados, haja vista apresentar
a Un1 na primeira posição, a Un2 na segunda posição e finalmente a Un3 na última posição.
A Un1 (contextualização do tema) materializa-se a partir da realização da Sub 1.1
(apresentando uma informação introdutória). As informações contidas nessa subunidade
possibilitam ao leitor adentrar-se no universo de argumentos da Un2 (argumentação sobre a
tese). Pode-se afirmar que é a Un1 que possibilita a contextualização do leitor sobre o assunto
que será discutido. A apresentação de um fato noticioso (índice de popularidade do
presidente) é a porta de entrada para a argumentação propriamente dita que é apresentada na
Un2.

A Un2 (argumentação sobre a tese) apresenta somente a realização da Sub 2.1


(argumentando convergentemente). Essa ocorrência lingüística é bastante comum nos
editoriais analisados. Os argumentos apresentados interpretam o percentual de oposição do
governo Lula em seu primeiro mês de governo.
72

A unidade retórica 3 (Un3), por sua vez, expressa com bastante clareza a opinião
defendida pela empresa jornalística de que os rebeldes do PT colocam o partido numa
“situação delicada” de modo a comprometer a governabilidade do país.

4.3 Descrição das unidades e subunidades retóricas em suas instâncias de uso

Nessa seção, serão apresentadas detalhadamente cada uma das unidades e


subunidades retóricas ilustradas por excertos de editoriais que representam mais tipicamente a
opção dos jornalistas em conduzir as informações em editoriais de jornais.

Unidade retórica 1 – Contextualização do tema

Subunidade 1.1 – Apresentando uma informação introdutória

Subunidade 1.2 – Esclarecendo uma informação

Pode-se afirmar que essa unidade foi uma das que mais apresentou dificuldades na
identificação das informações que nela poderiam estar presentes, principalmente, porque seu
conteúdo proposicional não poderia ser considerado um argumento da tese defendida pela
empresa jornalística. Enquadrar essas informações na unidade retórica 2 se tornava
complicado, na medida em que seu conteúdo proposicional não se encaixava com as
definições previstas para essa unidade. E o que é mais interessante ressaltar é que não se
podia, por outro lado, desconsiderá-la, visto que a freqüência de aparecimento desta unidade
era de alguma forma relevante.

A idéia de defini-la como contextualização do tema representou uma saída para


agrupar informações consideradas introdutórias que apareciam nos editoriais. Dividiu-se,
portanto em duas as modalidades de realização dessa unidade retórica.

A Sub 1.1 (apresentando uma informação introdutória) é mais recorrente que a


Sub 1.2 (esclarecendo uma informação). A primeira (Sub 1.1) sempre aparece ocupando uma
posição inicial do editorial, daí por que optou-se por nomeá-la como apresentando uma
informação introdutória. A Sub 1.2 (esclarecendo uma informação) também se materializa no
início do editorial, contudo, ela pode não se constituir como ponto de partida para a
argumentação.

Geralmente, o editorialista pode conduzir as informações da Sub 1.1


73

(apresentando uma informação introdutória) através da apresentação de um fato ou


acontecimento da atualidade. Contudo, pode também conduzir as informações através da
apresentação de dados estatísticos, dentre outras estratégias. Os excertos abaixo ilustram
algumas das estratégias utilizadas pelos editorialistas:

E56 “O mundo ouviu com atenção a intervenção do secretário de Estado, Collin Powell, no
Conselho de Segurança da ONU, sobre a crise no Iraque. O relatório fundamenta, com fotos e
gravações, a acusação de que o Saddam Hussein está enganando a equipe de inspetores das
Nações Unidas que investiga a existência de armas de destruição em massa no país,
apresentando para isso resultados obtidos pelos serviços de inteligência.” (O Povo,
06/02/2003)

E51 “A Ettusa (Empresa Técnica de Transportes Urbanos S.A.) anuncia a determinação de


estabelecer paradas diferenciadas para ônibus urbanos e veículos de transporte alternativo
como forma de garantir que a concorrência entre ambos não continue a trazer riscos para os
usuários.” (O Povo, 09/01/2003)

No primeiro exemplo, o ponto de vista defendido pela empresa jornalística é de


que somente a ONU (Organização das Nações Unidas) tem legitimidade para decidir sobre a
guerra. Nesse sentido, o jornalista introduz informações referentes ao conteúdo do relatório do
secretário de Estado, Collin Powell, no Conselho de Segurança da ONU. A apresentação
desse fato da atualidade utilizado no E56 funciona como ponto de partida para introduzir a
argumentação.

No segundo exemplo, a empresa jornalística defende a tese de que o transporte


alternativo deve obedecer à legislação que o regula. Antes de apresentar argumentos que
fortaleçam seu ponto de vista, o jornalista apresenta a medida tomada pela Ettusa (Empresa
Técnica de Transportes Urbanos S.A.) como forma de garantir maior segurança aos usuários.
É, portanto, esta informação que propicia a apresentação de argumentos para a defesa da tese.

Como se pode perceber, as informações contidas nesses excertos comprovam o


papel de contextualização do leitor que caracteriza essa unidade. Faz-se necessário, por outro
lado, traçar um paralelo com as informações de Lage (s/d) expostas no início deste capítulo.
Em uma breve síntese pode-se afirmar que o referido autor explicitou que a primeira parte dos
editoriais continham a apresentação de um registro noticioso ou de uma seqüência de fatos,
contudo a análise dos dados revela que o editorialista utiliza muitas estratégias como ponto de
partida da argumentação. O exemplo abaixo ilustra uma ocorrência em que o editorialista opta
por apresentar uma informação introdutória através de uma reflexão sobre os processos de
reforma de uma maneira bem generalizada:
74

E37 “Qualquer reforma constitucional atinge interesses. As reações, por isso, são naturais e
previsíveis. A parte que se sente prejudicada recorre a todos os meios para evitar que as
perdas se concretizem. Quando o movimento abarca diversos setores, a união de forças pode
inviabilizar o processo.

A reforma da Previdência corre esse risco.” (Correio Brasiliense, 19/01/2002)

No E37, a empresa jornalística defende a tese de que é fundamental a explicitação


de princípios norteadores para que a reforma da Previdência seja bem sucedida. Nesse
sentido, a informação apresentada nessa subunidade expõe uma realidade considerada natural
em qualquer processo de reforma constitucional que são as reações adversas. Não se pode
considerar o conteúdo dessa subunidade no E37 como “um registro de um fato noticioso ou
uma seqüência de fatos” como assim expôs Lage (2003), mas a apresentação de uma
constatação de uma realidade na política nacional ou talvez internacional.

Como foi apresentado anteriormente e retomado como mais profundidade aqui, a


Sub 1.2 (esclarecendo uma informação) teve uma baixa recorrência no corpus analisado. O
excerto abaixo ilustra a ocorrência da Sub 2.2 (esclarecendo uma informação):

E60 “O assassino, de acordo com testemunhas, foi o empresário Paulo Expedito Rebouças,
proprietário de uma locadora de carros, que teria atirado na cabeça da vítima, o flanelinha
José Humberto Gomes da Silva, depois de este ter produzido um risco na lataria de uma
camionete Hilux de sua propriedade.” (O Povo, 13/02/2003)

Esse bloco de informação fornece maiores esclarecimentos sobre o assassinato


mencionado na Sub 1.1 (apresentando uma informação introdutória). Vale ressaltar que o
propósito comunicativo da Un1 (contextualização do tema) é mais claramente percebido
quando se tem acesso a todo o texto e verifica-se que as informações presentes nessa unidade
retórica não se constituem argumento para a tese defendida. Insiste-se em acrescentar essa
informação porque foi a partir dessa observação que foram definidas as informações contidas
nessa unidade.

Por outro lado, tendo em vista que um dos objetivos do presente trabalho é
identificar as unidades retóricas do editorial em virtude de sua natureza argumentativa,
questiona-se sobre a argumentação existente nesse bloco de informações. Indaga-se se as
informações apresentadas nessa unidade podem ser consideradas apenas um pretexto para
levantar uma determinada tese e/ou se a forma como elas são apresentadas ao leitor já
direcionam a argumentação. Pela análise dos dados, acredita-se que nenhuma informação
apresentada no editorial pode estar totalmente desconectada da função argumentativa. Nesse
75

sentido, pode-se afirmar que a Un1 (contextualização do tema) apresenta uma natureza
argumentativa35, porém de forma diferente da Un2 (argumentação sobre a tese). Essa
afirmação se justifica, provavelmente, pelo objetivo ilocucionário dessa subunidade:
contextualizar o leitor sobre a temática do editorial.

Unidade retórica 2 – Argumentação sobre a tese

Subunidade 2.1 – Argumentando convergentemente

Subunidade 2.2 – Argumentando divergentemente

São duas as modalidades de realização da Un2 (argumentação sobre a tese), de um


lado estão os argumentos convergentes que contribuem diretamente para a construção da tese
e de outro estão os argumentos divergentes que contribuem indiretamente para a tese. A
princípio a idéia da existência de argumentos divergentes resultou no seguinte
questionamento: qual a contribuição desse tipo de argumentos para a tese? Mas, ao esmiuçar
os dados observa-se que estes têm um papel fundamental na medida em que o editorialista
apresenta várias argumentações para depois desbancá-las e enfim indicar a posição do jornal.

A existência de duas modalidades de realização da Un2 (argumentação sobre a


tese) não implica necessariamente na realização dessas duas modalidades em todos os
editoriais. Muitos dos editoriais analisados realizaram apenas a Sub 2.1 (argumentando
convergentemente), daí a Sub 2.2 (argumentando divergentemente) apresentar uma freqüência
mais baixa que a Sub 2.1 (argumentando convergentemente).

A extensão dessa unidade é considerável nos editoriais. Encontraram-se


exemplares de editoriais constituídos somente da Un2 (argumentação sobre a tese), estando
ausentes a Un1 (contextualização do tema) e a Un3 (indicação da posição do jornal). Daí se
concluir que a Un2 (argumentação sobre a tese) é fundamental em editoriais de jornais.

As estratégias utilizadas pelo editorialista para realizar essas duas subunidades são
bastante diversificadas. O editorialista pode apresentar exemplos, dados estatísticos,
perguntas, enfim ele utiliza uma gama de possibilidades para a condução de informações
nessa unidade. Os excertos abaixo indicam algumas formas de conduzir as informações na
Sub 2.1 (argumentando convergentemente):

35
A natureza argumentativa dessa unidade será melhor esclarecida na aproximação entre as unidades retóricas e
o protótipo de seqüência argumentativa de Adam (1992).
76

E37 “A previdência será sistema único e universal? Ou haverá exceções? Em havendo


exceções, quais são elas e a que princípios obedecem?” (Correio Brasiliense, 19/01/2002)

E37 “Outra questão relevante: o governo vai enxertar despesas de caráter eminentemente
social como custos previdenciários?” (Correio Brasiliense, 19/01/2002)

E37 “Mais. O sistema de financiamento far-se-á apenas com contribuições dos segurados? Ou
a estas se acrescentarão receitas de caráter tributário como o Cofins?” (Correio Brasiliense,
19/01/2002)

E27 “Especialista em ações contra o tráfico de drogas na América Latina e na Ásia e uma das
maiores autoridades do Brasil na área, o juiz Walter Fanganiello Maierovitch, admite que a
legislação brasileira é boa para reprimir, por exemplo, a lavagem de dinheiro. No entanto,
essa mesma legislação não qualifica a organização criminosa como deveria. As quadrilhas e
bandos terminaram. Transformaram-se em organizações regionais. O problema, diz o juiz, é
de segurança nacional.” (Correio do Povo, 21/01/2003)

E34 “Importa lembrar que também Fernando Henrique Cardoso passou por esse processo de
mudança ao solicitar que a opinião pública esquecesse as teses de Sorbonne e as substituísse
por outras.” (Correio do Povo, 03/03/2003)

E54 “De acordo com dados de 1999, os analfabetos no Brasil representariam 13,3% de 169,6
milhões de habitantes antes do Censo 2000. A menor taxa do continente é a da Argentina,
3,1% de 37,5 milhões de pessoas em 2001. Seguida por Cuba, 3,6% de 11,2 milhões de
moradores em 2000. São países, porém, com muito menor densidade populacional do que o
Brasil. Entretanto, um modelo que poderia ser analisado pelos brasileiros é o das Filipinas.
Nação do Terceiro Mundo, tinha 4,6% de analfabetos, com os habitantes somando 77,1
milhões, em 2000.” (O Povo, 25/01/2003)

Optou-se por citar três excertos do E37 para apresentar ao leitor com mais clareza
a estratégia utilizada pelo editorialista para conduzir os argumentos da Sub 2.1 (argumentando
convergentemente). A tese defendida pelo editorialista é de que a reforma da Previdência só
dará certo se o governo esclarecer quais os princípios que irão norteá-la. Para chegar a tal
conclusão o jornalista instaura um clima de não esclarecimento desses princípios através do
uso de perguntas. Sua escolha lingüística (o uso de perguntas) reflete a falta de definições por
parte do governo dos princípios que irão nortear a reforma da Previdência.

No recorte apresentado no E27, o editorialista utiliza a estratégia do argumento de


autoridade para fortalecer a sua tese.36 No E27, a opinião do magistrado é utilizada para
reforçar a opinião exposta pelo editorialista. Convém esclarecer que as credenciais
apresentadas pelo editorialista de que o juiz é uma dos maiores autoridades no assunto, não
apenas no Brasil, mas também em toda a América Latina e Ásia torna praticamente esse

36
Segundo Koch (2000) o argumento de autoridade é um mecanismo discursivo que utiliza atos ou julgamentos
de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como meio de prova em favor de uma tese.
77

argumento inquestionável, visto que quem fala tem embasamento para tal.

O E34 apresenta um exemplo como argumento, especificamente apresenta o


processo de mudança ocorrido com Fernando Henrique Cardoso antes de assumir a
Presidência da República. Isso para fortalecer a argumentação de que há uma acentuada
diferença entre o Lula sindicalista e o Lula presidente. O E54 apresenta dados estatísticos para
sustentar a idéia de que “o Brasil precisa tomar o bonde da educação”.

A Sub 2.2 (argumentando divergentemente) apresenta também uma gama de


estratégias para conduzir as informações opostas à tese defendida pela empresa jornalística.
Contudo, observou-se uma certa recorrência na utilização da partícula “se” introduzindo essa
subunidade. Os exemplos abaixo ilustram:

E19 “Se o debate não for conseqüente, se o discurso se mantiver canibalista, se as propostas
espelharem os voluntarismos e as utopias que cada um alimenta e se as disposições
individuais não se somarem à vontade geral, será absolutamente inócuo esperar que as tão
almejadas reformas se tornem, de fato, realidade.” (O Liberal, 23/02/2003)

E22 “Se a violência se sobrepuser à observância estrita dos direitos de terceiros, dificilmente
conseguirá o Ministério do Desenvolvimento Agrário conduzir a política de reforma agrária
dentro de parâmetros que aliem os ideais de justiça social ao imperativo de manter a ordem e
zelar pelo respeito à democracia. E aos limites que ela impõe.” (O Liberal, 08/03/2003)

Nos dois excertos apresentados observa-se que a introdução da Sub 2.2


(argumentando divergentemente) é introduzida pela conjunção “se”. Acredita-se que a
utilização desse recurso é uma forma de dar voz às opiniões opostas, porém conferindo-lhe
um caráter de condicionalidade, isto é, não é conferido a estes argumentos um grau de certeza.
Acredita-se que a utilização desse recurso (“se”) pelo editorialista traz embutida a intenção de
não atribuir o mesmo peso da Sub 2.1 (argumentando convergentemente) à Sub 2.2
(argumentando divergentemente).

Constatou-se que existe uma diferença entre a quantidade de argumentos


apresentados pelas duas subunidades. Nos editoriais analisados, geralmente a Sub 2.2
(argumentando divergentemente) apresenta um número menor de argumentos. O caso do E42
ilustra claramente essa assertiva. Neste editorial, a tese defendida é de que a fusão Varig-Tam
é “uma luz na crise que envolve o setor” (essas são as palavras utilizadas pelo editorialista),
para tanto o editorialista apresenta uma quantidade considerável de argumentos para
fundamentar a idéia de que a fusão das duas empresas representa uma atitude positiva.
Somente num recorte do último parágrafo é que o jornalista apresenta um senão que não
78

chega a abalar a tese defendida, mas alerta para futuros problemas que poderão ser
enfrentados pelos consumidores advindos dessa fusão. O excerto abaixo ilustra:

E42 “Mas, para que o consumidor também saia ganhando, é preciso que o Cade evite abusos.
Afinal, a nova empresa já nasce com o domínio de 70% do mercado interno.” (Correio
Brasiliense, 08/02/2003)

A constatação da existência de argumentos e contra-argumentos em editoriais de


jornais já tinha sido observada por Guimarães (1992) e Nascimento (1999). A primeira expõe
que as categorias argumentativas (premissa, dados, conclusão) existentes em editoriais de
jornais estão estruturadas em duas subcategorias: a Ideologia 1 e a Ideologia 2. Para a autora,
a Ideologia 2 é a que apresenta um maior número de argumentos e é a ideologia defendida
pela empresa jornalística. Sem adentrar-se no mérito de como a autora chegou a uma
classificação de argumentos como pertencentes a uma ou outra ideologia, faz-se necessário
apenas questionar a terminologia utilizada por Guimarães (1992) para designar argumentos
que se opõem dentro de um editorial de jornal, tendo em vista que parece se tratar de um
contra-senso a descrição de uma superestrutura estar relacionada com conceitos referentes às
condições de produção histórico-sociais em editoriais de jornais.

Nascimento (1999), por sua vez, utilizando-se do aparato teórico de Charaudeau


(1992), inclui os argumentos opostos à tese na categoria “concessão”37 e acrescenta que esses
argumentos têm um baixo índice de ocorrência de modo a caracterizar a argumentação em
editoriais do Jornal do Brasil como próximas da argumentação expositiva38. Essa afirmação,
por sua vez, converge com o que se observou na presente pesquisa: a Sub. 2.2 apresenta um
número de argumentos inferior, tomando como elemento comparativo os argumentos da Sub.
2.1, como também, a utilização de conjunções condicionais para introduzir esses argumentos.

Embora pareça repetitivo afirmar que a Un2 (argumentando sobre o tema)


apresenta um caráter eminentemente argumentativo diante dos exemplos apresentados que
confirmam a argumentação nessa unidade, contudo é necessário ressaltar que é através da
adequada colocação dos argumentos que se sustenta a opinião descrita na Un3 (indicação da

37
Segundo Nascimento (1999, p. 21), a concessão “é um recurso argumentativo através do qual se finge
conceder razão à tese oposta para em seguida apresentar uma restrição a ela. Funciona como um argumento
contrário à tese defendida”.
38
Nascimento (1999) utiliza a terminologia de Boissinot (1994) quando se refere à argumentação expositiva.
Segundo Nascimento (1999, p. 158 apud BOISSINOT (1994), “na argumentação expositiva, o argumentador
demonstra convicção diante de seus posicionamentos, por isso assume o papel de uma “autoridade”
incontestável. Se o seu discurso representa a fala de uma autoridade, não há espaço para a voz do outro, ou
melhor, do adversário, portanto não são feitas concessões.”
79

posição do jornal).

Unidade retórica 3 – Indicação da posição do jornal

A Un3 (indicação da posição do jornal) tem a função retórica de indicar o ponto


de vista defendido pela empresa jornalística. Esse ponto de vista apresenta-se de forma mais
ou menos ponderado. Os excertos abaixo registram a apresentação da tese, revelando um
maior comprometimento do locutor com o enunciado produzido.

E03 “As autoridades têm que entender que não se pode fazer política à custa da vida alheia.”
(Jornal do Brasil, 11/12/2002)

E04 “O Brasil tem de alargar o campo da visão. Deve olhar para quem está ganhando e para
quem está perdendo. E, então, decidir onde vai perder e onde vai ganhar.” (Jornal do Brasil,
15/12/2002)

Ao apresentar a posição do jornal nos E03 e E04, o editorialista indica, ao mesmo


tempo, a conduta que devem ter as autoridades diante do drama da habitação (no primeiro
exemplo) e a conduta que deve ter o Brasil, mais especificamente, o governo, diante das
negociações da Área de Livre Comércio das Américas (Alca) (no segundo exemplo).

Nascimento (1999) posicionou-se sobre a questão afirmando que em seu corpus


algumas teses materializavam-se através de expressões modalizadoras39 do tipo “é + adjetivo”
(“é preciso, é insustentável, é necessário”). Esse fenômeno também foi observado na presente
análise.Os exemplos abaixo confirmam essa assertiva:

E51 “É preciso, antes de tudo, que a legislação seja cumprida.” (O Povo, 09/01/2003)

E37 “É urgente explicitar as regras para dar início à partida.”(Correio Brasiliense,


19/01/2002)

E02 “O que é preciso é vontade política para que a reforma seja finalmente concluída.”
(Jornal do Brasil, 10/12/2002)

Um outro aspecto que pode ser observado na realização da Un3 (indicação da

39
Segundo Koch (2000, p. 138), modalizadores são “todos os elementos lingüísticos diretamente ligados ao
evento de produção do enunciado e que funcionam como indicadores das intenções, sentimentos e atitudes do
locutor com relação ao seu discurso. Estes elementos caracterizam os tipos de atos de fala que deseja
desempenhar, revelam o maior ou menor grau de engajamento do falante com relação ao conteúdo
proposicional veiculado, apontam as conclusões para as quais os diversos enunciados podem servir de
argumento, selecionam os encandeamentos capazes de continuá-los, dão vida, enfim, aos diversos personagens
cujas vozes se fazem ouvir”.
80

posição do jornal) é que essa unidade pode aparecer mais de uma vez, como também não estar
textualizada. No primeiro caso, acredita-se que essa estratégia utilizada pelo editorialista
tenha como objetivo reforçar o ponto de vista que está sendo defendido. Os exemplos abaixo
ilustram a realização da Un3 (indicação da posição do jornal) em várias passagens do E52.

E52 “Além disso, faz-se necessária uma discussão ética e, por isso mesmo delicada, levando-
se em conta a diversidade de opiniões sobre o assunto, partindo de sociólogos, educadores,
psicólogos e religiosos.” (O Povo, 23/01/2003)

E52 “Sem cair no moralismo de fachada, o tema precisa ser discutido com toda a seriedade.”
(O Povo, 23/01/2003)

E52 “Defende-se uma discussão aprofundada do assunto com a participação de toda a


sociedade.” (O Povo, 23/01/2003)

No E52, o tema abordado é o da prostituição infantil e como se pode depreender


dos excertos selecionados, a tese defendida é de uma discussão ampla do assunto pela
sociedade. O editorialista é enfático na apresentação do ponto de vista, chegando inclusive a
utilizar um verbo performativo (defende-se).

Ressalta-se, ainda que a repetição da Un3 (indicando a posição do jornal) nem


sempre implica na paráfrase do mesmo conteúdo proposicional, muitas vezes esse conteúdo
pode ser ampliado ou reduzido. O E49, abaixo, ilustra como foram estendidas as informações
na segunda ocorrência da Un3 (indicação da posição do jornal). Enquanto na primeira
passagem o editorialista faz referência apenas a transformação dos condomínios de luxo em
cidadelas, na segunda passagem essa informação é ampliada.

E49 “Os condomínios de luxo das grandes cidades brasileiras, incluindo a capital cearense,
mas principalmente do Rio de Janeiro, tornaram-se literalmente verdadeiras fortalezas.” (1ª
passagem) (O Povo, 14/12/2003)

E49 “Mas o que deve ser levado em conta, também como um dos fatores negativos no
episódio contra a mãe e a irmã de Ronaldo, é resultado da conversão de condomínios em
cidadelas. Nesse caso, a questão de segurança acaba feudalizando uma opção de moradia que,
a princípio, tinha a intenção de assegurar privacidade aos condôminos, mas que,
lamentavelmente, agrava desigualdades sociais.” (2ª passagem) (O Povo, 14/12/2003)

Por outro lado, a Un3 (indicação da posição do jornal) pode ser inferida dos
argumentos apresentados, haja vista não estar textualizada no editorial. Essa hipótese já tinha
sido aventada por Lage (2003) e confirmada na análise do corpus. Nascimento (1999, p. 114)
também se pronuncia sobre a questão afirmando:

(...) a existência da tese é condição sine qua non para que haja argumentação. Isso
81

implica que esse constituinte por ser essencial, deve estar presente nas linhas ou nas
entrelinhas de um texto argumentativo, ou seja, pode ser representado por asserção
expressa ou subtendida. (...) Cabe, portanto, ao leitor, em sua interação com o texto
inferir algumas informações não dadas.”

No E33 abaixo, o ponto de vista defendido é de que as medidas adotadas pelo


presidente são incoerentes com as propostas apresentadas na campanha. Essa é a conclusão
que se pode inferir a partir do que está textualizado:

E33
Medidas incoerentes
Os quase 53 milhões de brasileiros que votaram em Lula esperavam soluções diferentes das adotadas pela equipe
econômica de Fernando Henrique Cardoso para os problemas de economia e finança que afligem o país.
Esperavam porque Lula candidato fazia crer, na campanha, ter uma farmacopéia própria diversa da usada 'pelos
neoliberais', assim batizados FHC e seus áulicos. Daí o Everest de sufrágios dados ao atual presidente. Agora se
vê a opinião pública frustrada com os aumentos de juros que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco
Central vem impondo ao país.
Em janeiro, os respectivos encargos passaram a ser de 25,5% ao ano, agora sofrem nova alta: 26,5%. Foram
elevadas, também, as alíquotas do compulsório sobre as contas correntes, que passaram de 45% para 60%. Tudo
sob o mesmo figurino de Malan & Cia. e sob o mesmo pretexto: o combate à inflação. Está claro que a decisão
recebe palmas do Fundo Monetário Internacional, porque consulta as lições do breviário que edita para aplicação
no Terceiro Mundo, breviário esse de nítido feitio de amarra ao desenvolvimento, que tem no acesso ao sistema
creditício sua alavanca principal.
A inflação é o grande terror desses senhores que a política de resultados finais de balanço costuma colocar na
condução dos negócios públicos dos países não desenvolvidos, na relação dos quais estamos. A perda de poder
aquisitivo da moeda é, para eles, o Moloch devorador de qualquer política desenvolvimentista. Urge combatê-la
com todas as armas. Em nome dessa política monetária pratica-se o ato de criar mais óbices ao próprio
desenvolvimento. Daí a adoção da alta dos juros e, principalmente, a elevação do compulsório sobre o montante
de dinheiro em circulação no mercado. É uma punição imposta pelo poder público ao poupador, um trágico
desestímulo a quem põe suas disponibilidades monetárias a serviço indireto da pujança da economia nacional.
Assim vai ficar mais difícil o soerguimento econômico nacional, sonho e objetivo de quantos brasileiros querem
aumentar o PIB nacional e entrar para o clube do Primeiro Mundo. (Correio do Povo, 22/02/2003)

Apesar da possibilidade dessa modalidade de condução de informações na Un3


(indicação da posição do jornal), essa estratégia não obteve uma alta freqüência nos editoriais
analisados. Vale ressaltar que no caso do E33 parte da tese está textualizada no título.
Contudo, em outros exemplares do corpus não se identificou a tese textualizada em nenhuma
parte do editorial, nem no título e nem no subtítulo.

Ao se descrever a Un2 (argumentação sobre o tese) se explicitou a possibilidade


de os argumentos serem apresentados através do mecanismo discursivo de autoridade
polifônica, contudo, o E30 apresentou uma forma bastante singular de textualizar a Un3
(indicação da posição do jornal). Nesse editorial, o ponto de vista defendido pela empresa
jornalística é expresso a partir da voz do presidente Lula.

E30 “Conforme o presidente, o projeto é muito mais do que um programa de doações


emergenciais de alimentos e sim uma tentativa permanente de atacar as causas da fome.”
82

(Correio do Povo, 02/02/2003)

Em outras passagens do editorial, especificamente, na Un1 (contextualização do


tema) e na Un2 (argumentação sobre a tese), o jornalista vai revelando que a posição do jornal
sobre o projeto Fome Zero comunga com a posição do Presidente Lula. As passagens abaixo
ilustram:

E30 “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva está consciente da realidade brasileira e dos
problemas que irá enfrentar, mas não deixou de se referir, mesmo que indiretamente, à
possível guerra dos Estados Unidos contra o Iraque, no Oriente Médio - uma das maiores
preocupações do mundo na atualidade -, durante o lançamento do programa Fome Zero, o
projeto mais ambicioso do seu governo.” (Un1/2) (Correio do Povo, 02/02/2003)

E30 “É um projeto ambicioso que envolverá todos os órgãos do governo, estados e


municípios.” (Un2) (Correio do Povo, 02/02/2003)

E30 “O trabalho, gigantesco, já conta com a doação de quase 3 mil toneladas de alimentos
vindas de Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Paraná, São Paulo e Goiás.” (Un2)
(Correio do Povo, 02/02/2003)

Mesmo utilizando a conjunção “conforme” para indicar o que pensa Lula sobre o
assunto, os argumentos apresentados pelo editorialista na progressão do editorial reforçam a
idéia de que esse não é um ponto de vista somente do Presidente. As declarações de que o
projeto é “ambicioso” e de que o trabalho é “gigantesco”, conduzem o leitor a concluir que a
empresa jornalística corrobora com a opinião do Presidente.

Na seção a seguir, serão apresentadas com maiores detalhamentos as


regularidades que possibilitaram a construção do “padrão”, como também a flexibilidade com
que as unidades retóricas materializaram-se nos editoriais analisados.

4.4 Padronização e flexibilidade na distribuição das informações

Ao analisar o corpus foi possível evidenciar similaridades na organização das


informações em editoriais de jornais. A análise dessas similaridades propiciou a apresentação
de um “padrão” de organização retórica para editoriais de jornais. Por outro lado, também se
observou uma grande flexibilidade na organização das informações. Nesse sentido, o
exercício de análise implicou uma relativização dos dados, visto que não se pretendeu, em
momento algum, enquadrá-los ao modelo proposto. Conforme Biasi-Rodrigues (1998, p.
145): “(...) nem o modelo cobre todas as nuanças dos dados, nem os dados podem ser
moldados artificialmente para caber na forma (leia-se fôrma).” Nesse sentido, detectou-se no
83

corpus imbricamentos, ciclicidades40, ausência de unidades retóricas, enfim uma variedade


de formas de conduzir as informações em editoriais de jornais.

Do conjunto dos textos analisados, encontrou-se em 58,33% do corpus editoriais


constituídos de três unidades retóricas. Esse percentual indica a freqüência de aparecimento
das Un1, Un2 e Un3 constituindo a estrutura composicional em editoriais de jornais,
independente da posição em que se realizem essas três unidades retóricas. Por outro lado, os
percentuais de ocorrência das unidades retóricas em diversas posições indicou uma maior
recorrência da Un2 (argumentação sobre a tese) sobre as outras unidades em praticamente
todas as posições. Essa constatação levou á proposição de um “padrão” de organização textual
que não tomou como base somente os índices de freqüência das unidades retóricas, haja vista
esse procedimento metodológico não ter se revelado suficientemente seguro para garantir a
proposição de um “padrão” de organização retórica para editoriais de jornais. A Tabela 1
abaixo comprova essa afirmação:
1ª Posição 2ª Posição 3ª Posição
Nº % Nº % Nº %
Un1 33 55% 04 6,66% 02 3,33%
Un2 33 55% 30 50% 33 55%
Un3 08 13,33% 29 48,33% 20 33,33%
Tabela 1 – Distribuição das unidades retóricas na posição de ocorrência

Embora a tabela apresente as ocorrências das unidades retóricas em três posições,


convém ressaltar que a condução das informações em editoriais chegou a ocupar até a décima
posição. Contudo, a partir da quarta posição, o mais freqüente é o aparecimento da Un3
(indicação da posição do jornal) ou da Un2 (argumentação sobre a tese), isto é, há uma
relação de concorrência entre as duas unidades41. Provavelmente, esse fenômeno seja
resultado da ciclicidade com que essas unidades se apresentam nos editoriais analisados. É
também possível considerar que a Un2 (argumentação sobre a tese) é indispensável na
construção do editorial, pois ela tem uma grande representatividade em praticamente todas as
posições.

Os dados expostos na Tabela 1 acima demonstram que somente na primeira


40
Esse mecanismo discursivo de condução de informações foi apresentado inicialmente por Swales (1990) e
consiste na apresentação alternada das mesmas unidades retóricas.
41
A partir da terceira posição há uma recorrência da Un2 e da Un3. A tabela abaixo apresenta os índices de
ocorrência dessas duas unidades retóricas:
4ª posição 5ª posição 6ª posição
Nº % Nº % Nº %
Un2 22 36,66% 14 23,33% 07 11,66%
Un3 15 25% 08 13,33% 04 6,66%
84

posição a Un1 (contextualização do tema) alcançou os mesmos índices da Un2


(argumentação sobre a tese). Esses percentuais geraram o questionamento de que esse
procedimento metodológico não se adequou à identificação da organização retórica de
editoriais de jornais. Daí a idéia de se propor um “padrão” de organização retórica de caráter
didático. Para a elaboração desse “padrão”, fez-se necessário também considerar o movimento
argumentativo dos editoriais: se progressivo (dados-conclusão) ou se regressivo (conclusão-
dados).

Como foi constatado que mais da metade do corpus, 58,33%, era constituído de
três unidades retóricas, foi possível definir que o “padrão” que seria proposto na presente
pesquisa possuísse as três unidades. Um segundo passo foi a identificação da ordem de
aparecimento dessas três unidades retóricas. A Tabela 1 revela que a Un1 (contextualização
do tema) apresentou uma maior freqüência na primeira posição, respectivamente, 55%, nas
demais posições o percentual de ocorrência foi considerado relativamente baixo, ou seja,
6,66% na segunda posição e 3,33% na terceira posição. Nas demais posições não houve a
realização da Un1 (contextualização do tema). Essa observação aliada às informações
apresentadas por Lage (2003) de que o início do editorial deve conter a apresentação de um
fato mais a definição da função comunicativa da Un1, possibilitou que se definisse que a Un1
(contextualização do tema) ocupasse a primeira posição.

A decisão de a Un3 (indicação da posição do jornal) ocupar a terceira posição


baseou-se na observação de aparecimento da tese. A Tabela 2 abaixo apresenta em que
posição há uma maior recorrência da Un3 (indicação da posição do jornal):

Somente no começo Somente no fim do Repetidas vezes Somente no meio do


do editorial editorial editorial
Un3 (indicação da Nº % Nº % Nº % Nº %
posição do jornal) 10 17,54% 23 40,35% 22% 38,59% 02 3,50%
Tabela 2 – Índice da posição de ocorrência da Un3 (indicação da posição do
jornal) em editoriais de jornais

Considerando que apenas 5% dos editoriais analisados caracterizaram-se por


apresentar a tese implícita, os percentuais indicaram que a ocorrência da Un3 (indicação da
posição do jornal) no final do texto é a posição em que seu aparecimento é mais recorrente.
Essa decisão ampara-se também nas constatações de Lage (2003) e de Nascimento (1999) que
afirmam que a tese em editoriais de jornais costuma aparecer no final do texto.
85

Um outro aspecto que merece ser apresentado é o índice de ocorrência das


unidades e subunidades retóricas. A Tabela 3 permite visualizar uma freqüência obrigatória da
unidade retórica 2, uma presença quase constante da unidade retórica 3 e uma opcionalidade
da unidade retórica 1. Apesar de serem consideradas unidades que podem materializar-se ou
não nos editoriais, as unidades 1 e 3 apresentaram um índice de freqüência bastante
considerável, respectivamente 58,33% e 95%.
UNIDADES E SUBUNIDADES RETÓRICAS (%)
Un1 (contextualização do tema) 58,33%
Sub 1.1 (apresentando uma informação 55%
introdutória)
Sub 1.2 (esclarecendo uma informação) 13,33%
Un2 (argumentação sobre o tema) 100%
Sub 2.1 (argumentando convergentemente) 100%
Sub 2.2 (argumentando divergentemente) 40%
Un3 (indicação a posição do jornal) 95%
Tabela 3 – Distribuição das unidades e subunidades retóricas
em porcentagens

A análise desse percentual permite confirmar o que Adam (1992) propugna sobre
a composição de base de textos considerados argumentativos, ou seja, segundo o referido
autor, os textos argumentativos são estruturados essencialmente a partir da relação entre
argumentos e tese. Com editoriais de jornais não poderia ser diferente, a presença maciça da
Un2 (argumentação sobre o tema) revela que ela está diretamente relacionada à presença
explícita ou implícita de um dado ponto de vista. Nesse sentido, excluindo-se 5% do corpus
em que a tese apareceu de forma implícita, a ocorrência explícita de 95% da Un3 (indicação
da posição do jornal) reforça a estrutura de base proposta por Adam (1992).

Nessa perspectiva, a ocorrência de 58,33% da Un1 (Contextualização do tema)


revela que o espaço do editorial é especificamente destinado à apresentação de argumentos e
de tese. A opcionalidade de contextualizar o leitor através da Un1 não é uma estratégia
obrigatória, tendo em vista o propósito comunicativo do gênero que é imprimir a opinião da
empresa jornalística sobre um dado assunto da atualidade. Daí ter se verificado um percentual
relativamente baixo da Sub 1.2 (esclarecendo uma informação). Mesmo a Un1
(contextualização do tema) tendo se materializado em 58,33% do corpus, seu principal
propósito foi apresentar um ponto de partida para a argumentação.

A Tabela 3 também evidencia que a Sub 1.2 (esclarecendo uma informação) foi a
que apresentou uma menor freqüência de aparecimento (13,33%), provavelmente esse índice
se justifique pelo fato de que o espaço do editorial é mais predominantemente de apresentação
86

de argumentos do que de esclarecimentos.

Os dados apresentados nessa tabela permitem o confronto com as informações


apresentadas por Lage (2003) no que diz respeito à condução das informações em editoriais
de jornais. A partir das informações do autor pode-se relacionar a exposição de um registro
noticioso com a Un1 (contextualização do tema), a interpretação com a Un2 (argumentação
sobre a tese), e, a exposição da opinião com a Un3 (indicação da posição do jornal). Lage
(2003) explicitou que apenas a exposição da opinião poderia ser uma informação facultativa
dentro do editorial, contudo os dados revelam que também a exposição de um registro
noticioso não é uma informação obrigatória nos editoriais analisados.

Sobre a unidade retórica 2, pode-se verificar que apesar da realização de 100% da


Sub. 2.1 (argumentando convergentemente)42, a realização de 40% da Sub. 2.2 (argumentando
divergentemente) revela que o editorial de jornal é também um espaço no qual há um embate
de vozes que se opõem. Uma análise quantitativa revelou, em alguns editoriais, uma
desconstrução dos argumentos divergentes pelos convergentes. Nesse sentido, o argumentador
admitia a apresentação de argumentos opostos à tese para posteriormente minimizar-lhes a
importância.

Nascimento (1999), fundamentada na teoria de Patrick Charadeau, ao analisar a


estrutura argumentativa de dez editoriais do Jornal do Brasil43, verificou que apenas um
editorial apresentou a realização desse movimento argumentativo (aqui considerado Sub 2.2 e
para a referida autora concessão). Para a referida autora, esse baixo índice de “concessões”
revelou que a argumentação desenvolvida no Jornal do Brasil se aproximava da argumentação
expositiva44. Na perspectiva teórica de Adam (1992), pose-se considerar que a presença da
restrição (P. arg. 4) explícita não é uma característica dominante em editoriais de jornais.

Considera-se relevante comentar sobre os imbricamentos45 que apareceram nos


editoriais analisados, haja vista esse mecanismo discursivo constituir-se em uma das formas
escolhidas pelo editorialista para conduzir as informações em editoriais de jornais. No corpus

42
Ao contabilizar os índices de ocorrência das subunidades não se conferiu o número de argumentos que
constituíam a Sub 2.1 e a Sub. 2.2, apenas a ocorrência destas subunidades. Possivelmente se esses tivessem
sido contabilizados, a freqüência da Sub. 2.2 seria bem maior.
43
Nascimento (1999) analisou um corpus de dez editoriais.
44
Nascimento (1999) utilizou-se da classificação de Boissinot (1994) que considera a argumentação expositiva
como um espaço no qual o argumentador demonstra convicção diante de seus posicionamentos, assumindo,
pois, o papel de “autoridade” incontestável.
45
Considera-se imbricamento quando uma unidade retórica está intimamente ligada à outra numa mesma porção
textual, tornando, portanto, difícil delimitar onde começa uma e onde começa a outra.
87

analisado, ocorreram imbricamentos com maior freqüência nas unidades 2/3 (um total de 15),
depois nas unidades 1/2 (um total de 13) e uma freqüência menor nas unidades 1/3 (um total
de 03). Verificou-se também que na primeira posição todos os casos de imbricamento
apresentavam a Un1 (contextualização do tema) imbricada ora com a Un2 (argumentação
sobre a tese), ora com a Un3 (indicação da posição do jornal). Nas demais posições, os
imbricamentos ocorriam com mais freqüência entre as unidades 2 e 3. Os exemplos abaixo
ilustram exemplos de imbricamentos:

E17 “Com os trabalhos legislativos do Congresso, que recomeçam amanhã, paira no ar um


sentimento de concorrência com o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social,
instalado pelo presidente.” (Un1/2) (O Liberal, 16/02/2003)

E13 “O clamor que temas como as reformas previdenciária e tributária têm provocado nas
últimas semanas encontra nos fatos que o dia-a-dia produz combustível suficiente para
sensibilizar corações e mentes aos quais compete, mais diretamente, abandonar um pouco o
discurso e partir para a ação concreta. E urgente, se possível.” (Un1/3) (O Liberal,
10/02/2003)

E56 “O importante, porém, é que qualquer decisão seja legitimada pelas Nações Unidas, não
se permitindo decisões unilaterais, pois isso levaria à explosão da ordem jurídica
internacional, isto é, do pouco da institucionalidade conseguida, nesse campo, após a Segunda
Guerra Mundial nas relações entre Estados soberanos.” (Un2/3) (O Povo, 06/02/2003)

O primeiro exemplo apresenta o imbricamento da Un1 (contextualização do tema)


com a Un2 (argumentação sobre a tese), o segundo o imbricamento da Un1 (contextualização
do tema) com a Un3 (indicação da posição do jornal) e no terceiro,o imbricamento da Un2
(argumentação sobre a tese) com a Un3 (indicação da posição do jornal). No E17, o
editorialista inicia o texto editorial apresentando um fato (o início dos trabalhos legislativos),
ao mesmo tempo em que se apresenta um sentimento de rejeição do Congresso em relação ao
CDES (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social). Esse argumento corrobora com a
idéia que segue de que o CDES pode causar a “quebra da autonomia política e deliberativa do
Poder Legislativo”que está exposta na proposição seguinte.

No E13, o editorialista também inicia o texto editorial apresentando o fato de que


as reformas previdenciária e tributária têm provocado uma inquietação, ao mesmo tempo em
que imprime a opinião da empresa jornalística de que se faz necessária uma mudança do
discurso para a ação concreta. No final do editorial o jornalista especifica melhor o que seja
essa ação concreta. Nas palavras do editorialista: “Como os tempos são de mudanças, convém
manter fortes esperanças de que a reforma que se anuncia será feita desta vez. E na medida
para redimir décadas de debates infrutíferos.”
88

No E56, a tese defendida é de que somente a ONU (Organização das Nações


Unidas) tem legitimidade para decidir sobre a guerra. A opinião é apresentada juntamente
com um argumento para reforçá-la. Esse argumento consiste na apresentação das
conseqüências advindas de um guerra sem a legitimação deste órgão.

Uma ocorrência também presente nos editoriais é a ciclicidade de informações, ou


seja, uma alternância no aparecimento das mesmas unidades retóricas46. Abaixo um trecho do
E07 apresenta a ciclicidade entre as unidades retóricas47 3 e 2.

Escolhas feitas, o presidente da República terá, inevitavelmente, que delegar poderes a seus comandados. Não
disporá de tempo para despachar com a assiduidade desejada. O contato diário ficará restrito aos ministros da
casa e aos assessores do Planalto. José Dirceu, Luiz Gushiken e Luiz Dulci terão este privilégio e o secretário de
Imprensa, Ricardo Kotscho, talvez exerça a mesma influência de Ana Tavares de Miranda no governo Fernando
Henrique.
Se Lula pretende tratar ministros e secretários com a mesma deferência, é bom saber que o desejo é impossível
de ser realizado. Não há como receber mais de 30 executivos para despachos freqüentes. [Sub.2.1] Será preciso
definir com clareza o papel de cada um e, então, soltar as amarras. Fixadas as atribuições, o passo seguinte virá
com a cobrança de responsabilidades.
O gigantismo do primeiro escalão foi necessário para encaixar todas as peças. Mas representa intrincado desafio
gerencial. Nos partidos de esquerda costuma prevalecer o centralismo democrático, por meio do qual as decisões
de cúpula são pacificamente assimiladas pela base. Na máquina de governo, os ministérios têm vida e iniciativa
próprias. E o presidente da República não deve coibi-las. Se o fizer, corre o risco de paralisar decisões
importantes. [Sub.2.1]
Está na hora de estabelecer competências e delegar poderes.A depuração ocorrerá naturalmente. (Jornal do
Brasil, 30/12/2002)

O ponto de vista defendido pela empresa jornalística é de que o governo Lula


deverá delegar poderes aos membros do primeiro escalão. Como se pode visualizar a tese é
textualizada nesse recorte em três passagens. Após a apresentação do ponto de vista do jornal,
o editorialista introduz argumentos que visam sustentá-la. Ao final, o jornalista fecha o
editorial apresentando novamente a tese. Nas palavras do editorialista: “Está na hora de
estabelecer competências e delegar poderes. A depuração ocorrerá naturalmente.”. Como já se
comentou anteriormente a recorrência da Un3 (indicação da posição do jornal) visa reforçar o
ponto de vista defendido.

Nesse editorial, é interessante observar que se apresenta a tese, depois argumentos


que irão fundamentá-la, em seguida apresenta-se a tese mais uma vez e novamente mais
argumentos e por fim encerra-se o texto editorial com a apresentação pela terceira vez da tese.
Nos editoriais analisados, o fenômeno da ciclicidade sempre ocorreu com as unidades
retóricas 2 e 3.
46
O anexo 1 contém a Tabela A que apresenta a distribuição das informações em todos os editoriais analisados.
Para se identificar a ciclicidade basta observar na tabela que unidades retóricas se alternam.
47
A Un2 (argumentação sobre a tese) está na cor preta e a Un3 (indicação da posição do jornal) está na cor
vermelha.
89

O editorial selecionado abaixo apresenta uma forma bastante peculiar de conduzir


a Un3 (indicação da posição do jornal).

E23
Professores e Professores
Por ocasião das matrículas na rede estadual de ensino, uma questão aparentemente banal deveria ter provocado
uma reflexão mais aprofundada dos responsáveis pela educação, em todos os níveis, no Pará.
Nos diferentes colégios, em diferentes bairros e municípios, há professores e professores, naturalmente divididos
entre os mais comprometidos eticamente com os estudantes e os que, desmotivados, relaxam diante dos baixos
salários e da falta de crescimento profissional. [Sub. 1.1]
No magistério de Ensino Médio se concentra a maior complexidade dos problemas da educação brasileira,
superando, inclusive, a corrida às aposentadorias e à migração de professores universitários, tudo devido a uma
realidade que não tem sido modificada há anos e que pode ser resumida por questões salariais, políticas,
econômicas e sociais, que deságuam na baixa estima social.
Segundo dados do Ministério da Educação, o Ensino Médio brasileiro se ressente da falta de 200 mil professores,
um déficit acumulado, na década de 90, por não acompanhar, preliminarmente, o crescente número de
concluintes do Ensino Fundamental que, por sua vez, não encontram salas de aulas disponíveis para abrigar
tamanho contingente.
Um contingente que diminui consideravelmente pela desistência de milhares de jovens que se frustram em busca
de empregos, sem que o mercado de trabalho tenha condições de absorvê-los ainda que sem a qualificação
profissional adequada, porque, no bojo da complexidade do problema, o Ensino Médico ainda se debate em meio
a objetivos distorcidos ou não-resolvidos constatados pelo dilema: preparar o jovem para o trabalho ou para
estudos superiores.
As disciplinas mais prejudicadas são as que envolvem professores de matemática, física, química e biologia,
situação que repercute na formação de quadros para a produção científica e tecnológica do país. Enquanto as
atenções não se voltarem para esse vazio pedagógico, os colégios paraenses serão identificados por professores e
professores, que não são obviamente qualificados por conformados discursos da competência. [Sub. 2.1](O
Liberal, 09/03/2003)

No E23, a Un1 (contextualização do tema) é preenchida através de um


questionamento: por que na rede pública existem dois grupos de professores, os motivados e
os desmotivados? Na Un2 (argumentação sobre a tese) são apresentados os problemas do
Ensino Médio. Esses argumentos podem ser compreendidos como as possíveis causas da
existência de “professores e professores”. O editorial é encerrado com a apresentação de uma
conseqüência que é resultado da existência desses problemas do Ensino Médio, ou seja, as
escolas continuarão tendo “professores e professores” se as atenções não se voltarem para
esse “vazio pedagógico”. O que vale ressaltar nesse último segmento textual é a forma como a
posição do jornal está colocada no texto: a nível de subtendido48. A última porção textual traz
subentendida a seguinte informação: O Brasil precisa solucionar os problemas do Ensino
Médio para que as escolas do Pará não sejam mais identificadas como tendo “professores e
professores”.

48
Segundo Ducrot (1987, p. 20) “se oposto é o que eu afirmo, enquanto locutor, se o subtendido é o que deixo
meu ouvinte concluir, o pressuposto é o que apresento como pertencendo ao domínio comum das duas
personagens do diálogo, como objeto de uma cumplicidade fundamental que liga entre si os participantes do
ato de comunicação”.
90

Um último exemplo de uma organização textual interessante é o E16. Sua


estrutura informacional organiza-se sob a forma de um losango, ou seja, no início do texto
editorial o jornalista apresenta uma informação específica sobre a UFPA (Universidade
Federal do Paraná), em seguida apresenta argumentos que ampliam essas informações para o
sistema educacional, e finaliza apresentando uma informação que se restringe novamente à
UFPA.

Mas não é só por sua estrutura organizacional que esse editorial merece destaque,
um outro aspecto diz respeito à apresentação do ponto de vista da empresa jornalística. Um
aspecto que chama atenção nesse editorial é que a tese não está diluída, contudo sua
textualização é apresentada de forma recortada no meio dos argumentos. As porções
sublinhadas destacam o ponto de vista da empresa jornalística apresentado dentro da Un2
(argumentação sobre a tese). O E16 abaixo ilustra essas observações:

E16
Decisões de cúpula

A eliminação de 65% dos candidatos na primeira fase do concurso vestibular deste ano, da Universidade Federal
do Pará, confirma as avaliações do Enem/MEC, dos relatórios de entidades internacionais e das ONGs
educacionais, que reprovaram os estudantes brasileiros em Língua Portuguesa, incluindo-se a redação e a
matemática, que são fundamentais para a obtenção de conhecimentos que formam intelectualmente o cidadão.
Não por acaso, a reitoria da UFPA divulga um novo formato de ingresso em seus cursos superiores que
basicamente avaliará os estudantes durante os três anos de Ensino Médio, aproximando-se do que já faz a
Estadual com o Prise. [Sub. 1.1] As novas regras impostas pela universidade seguem a tradição, na área
educacional, em que as decisões são tomadas verticalmente de cima para baixo, como foi o caso, nos anos 80, da
inclusão da redação decidida apenas pelos especialistas diante do descalabro intelectual do ensino que substituiu
a leitura e a produção de textos pelos malfadados testes objetivos. [Un3/4]
Grave contradição do ensino brasileiro se concentra exatamente no portal de entrada dos estudantes nos cursos
superiores, o que antecipa de certa forma os problemas crônicos da universidade na última década, a tal ponto de
se interrogar quais seriam, hoje, as suas finalidades.
Teorias misturadas a projetos, formas e estratégias, estabelecimento de cotas para negros, indígenas e pobres são
testados pelas universidades públicas e privadas, sem que os resultados satisfaçam a sociedade, considerando-se
a justeza das avaliações e das aprendizagens acumuladas durante toda a educação básica. [Un3/4]
Se os objetivos da UFPA se concentrarem na melhoria do Ensino Médio, ainda que se utilize o vestibular
como instrumento de pressão, a própria universidade deverá, então, assumir seus compromissos éticos e
pedagógicos que começaria internamente pelo aperfeiçoamento das licenciaturas, adequadas aos valores
culturais da pós-modernidade, o que significaria aprimorar a educação a partir das creches e do pré-
escolar e do ensino fundamental que são os pilares da educação superior. [Sub. 2.2] (O Liberal, 13/02/2003)

A apresentação de alguns aspectos que revelaram a fluidez na condução das


informações em editoriais de jornais já apresentou demonstrações de que existem limitações e
dificuldades em analisar e julgar os dados, daí se considerar necessário ampliar essa discussão
na seção a seguir.

4.5 Descrição do percurso de análise dos dados: limitações e dificuldades


91

O percurso de análise dos dados implicou inicialmente a construção de uma


proposta para a organização textual em editoriais, haja vista as informações na literatura sobre
Comunicação apresentarem informações amplas sobre a estrutura composicional de editoriais
de jornais. Pode-se afirmar que a apresentação, mesmo em uma versão inicial, implicou um
grande desafio, tendo em vista a incerteza natural de estar propondo um “padrão” que
refletisse como as informações estão distribuídas em editoriais.

Com a ampliação da análise, ampliaram-se também as interrogações e as


descobertas. Essas inquietações permitiram a retomada do “padrão” proposto e a elaboração
de uma “versão final”. A decisão de julgar os blocos de informações levou a uma análise
bastante criteriosa e ao mesmo tempo exaustiva. Várias vezes o corpus foi revisitado com o
fito de elucidar algumas incertezas na classificação. Em algumas ocasiões, se fez necessário a
opinião de um segundo julgador.

Contudo, as dificuldades persistiram. Principalmente quando os índices de


ocorrência das unidades retóricas em cada uma das posições não foram suficientes para se
propor um “padrão” de organização retórica. A constatação de que os aparatos metodológicos
sugeridos por Swales (1990) e perseguidos por outros pesquisadores não se adequaram na sua
completude na análise da distribuição das informações em editoriais de jornais, gerou a
releitura de todo o corpus e a revisão de toda a classificação proposta. Ao se confirmarem os
resultados, fez-se necessário buscar outros critérios que sustentassem o “padrão” heurístico de
organização retórica para editoriais de jornais.

Uma outra dificuldade encontrada na análise do corpus diz respeito aos


conhecimentos específicos sobre economia e/ou política. Essa dificuldade implicou, por outro
lado, uma busca por maiores informações em outros gêneros jornalísticos. Aliadas a essa
dificuldade, as próprias condições de produção do editorial muitas vezes materializavam
enunciados pouco esclarecedores, truncados. O E48 em seu último parágrafo apresenta um
trecho que se reescrito tornar-se-ia mais esclarecedor para os leitores. A parte grifada
corresponde ao enunciado a que se faz referência49.

E48 “O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, vai ao ponto crítico da lavagem de
dinheiro ao anunciar a Criação do Departamento de Recuperação de Ativos Financeiros para
substituir o ineficiente Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). Mas as ações
perderão substância se não tiverem o suporte de serviços de inteligência, capazes de
49
Essas observações não têm um caráter prescritivo, mas tão somente apresentá-las visando ilustrar as
dificuldades enfrentadas pela pesquisadora.
92

mergulhar nos antros da bandagem para descobrir-lhes as estratégias e ataques futuros. Sem
esquecer a formação de contingentes específicos para dar-lhes combate mediante o concurso
da União, dos estados e dos municípios.” (Correio Brasiliense, 27/03/2003)

O E33 apresentado abaixo é mais um exemplo que reflete essas dificuldades na


análise do corpus:

E33 “A inflação é o grande terror desses senhores que a política de resultados finais de
balanço costuma colocar na condução dos negócios públicos dos países não desenvolvidos, na
relação dos quais estamos. A perda de poder aquisitivo da moeda é, para eles, o Moloch
devorador de qualquer política desenvolvimentista. Urge combatê-la com todas as armas.”
(Correio do Povo, 22/02/2003)

Nesse editorial, o ponto de vista defendido é de que a política monetária do


governo Lula é incoerente com o discurso de campanha. Nesse trecho que foi recortado, o
editorialista se reporta à medida de combate à inflação a partir do aumento de juros impostos
pelo Copom (Comitê de Política Monetária) e pelo Banco Central, afirmando que essas
medidas agradam ao Fundo Monetário Internacional. O excerto que está grifado revela uma
construção frasal que se por um lado não impede a compreensão do que o editorialista quis
dizer, por outro não a facilita. Um outro aspecto é a comparação utilizada pelo editorialista da
inflação com o “Moloch”. Provavelmente o conhecimento do que seja esse fenômeno
implicaria uma melhor construção de sentidos para esse enunciado.

Ao analisar editoriais de cinco empresas jornalísticas, observou-se que o estilo do


editorialista e a sua forma específica de abordar as temáticas representaram de uma parte uma
leitura acessível, mas em alguns casos a classificação das informações foi dificultada pela
maneira peculiar com que o editorialista conduzia as informações em alguns editoriais.

Neste capítulo, apresentaram-se os resultados obtidos com a análise de um


conjunto de sessenta editoriais de jornais. Chegou-se a um “padrão’ de organização retórica
de editoriais de jornais de caráter heurístico, demonstrando assim que o estilo individual do
editorialista de conduzir a argumentação reflete-se na organização textual do gênero.
Demonstrou-se também que em gêneros que apresentem bastante flexibilidade na distribuição
das informações, faz-se necessária a utilização de outros critérios, além do índice de
ocorrência das unidades retóricas em várias posições, na proposição de um “padrão” de
organização retórica

Apresentou-se também uma avaliação quantitativa e, na medida do possível,


qualitativa dos dados. Essa avaliação propiciou a sustentação do “padrão” proposto, como
93

também revelou a flexibilidade na forma de conduzir as informações em editoriais de jornais.


Enfim, procurou-se discutir os fatos que pareceram mais relevantes em função da descrição da
organização textual argumentativa em editoriais produzidos na imprensa brasileira.
94

Capítulo 5 – As seqüências textuais e a distribuição de informações em


editoriais de jornais: interseções

No presente capítulo, buscar-se-á estabelecer uma relação entre as unidades


retóricas encontradas e a seqüência textual dominante em editoriais de jornais. Partiu-se do
pressuposto de que a organização textual desse gênero tem a seqüência argumentativa como
tipo textual dominante. Esclarece-se que o objetivo dessa aproximação não tem a intenção de
enquadrar em uma justa medida os dados no protótipo proposto por Adam (1992), ao
contrário, o objetivo desta análise é ampliar o conhecimento sobre a macroestrutura
argumentativa em editoriais de jornais.

Ao tentar fazer uma interseção entre as seqüências textuais e a distribuição das


informações, objetiva-se alargar as informações sobre a relação dados-conclusão em editoriais
de jornais. Essa perspectiva leva em consideração o pressuposto de que nesse gênero os
segmentos ancorantes se organizam textualmente em função de outro segmento ancorado. Ou
seja, compreender a organização textual argumentativa em editoriais de jornais significa
basicamente compreender como se dá a relação entre os argumentos e a tese defendida pela
empresa jornalística.

Ressalta-se, ainda, que as considerações a que se chegou neste capítulo irão


revelar algumas das inúmeras possibilidades de organização da textualidade em editoriais de
jornais. Contudo, essa perspectiva não anula as recorrências observadas entre as unidades
retóricas e as macroproposições argumentativas no corpus analisado, até porque foi através da
observação dessas recorrências que se pôde chegar a algumas considerações que serão aqui
apresentadas.

5.1 As seqüências textuais na contextualização do tema

De acordo com o que foi exposto no capítulo anterior, a unidade retórica 1 é o


espaço utilizado pelo editorialista para contextualizar a temática que será discutida. A
tentativa de contextualizar o tema, por sua vez, implica a utilização de mecanismos
diversificados de condução das informações, tais como a apresentação de um fato da
atualidade, de dados estatísticos, dentre outros recursos retóricos. A utilização de um dado
recurso retórico pode, mas não necessariamente, implicar a utilização de uma dada seqüência
95

textual. O que se quer dizer com isso é que a materialização dessa unidade a partir da
apresentação de um acontecimento resultou, em certos casos, na materialização de uma
seqüência descritiva em alguns dos editoriais analisados.

O E57, por exemplo, apóia a iniciativa do presidente Lula de abrir espaço para o
florescimento da democracia participativa e introduz o tema a partir da apresentação do fato
de que o governo indicou os nomes que comporão o CDES (Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social), ao mesmo tempo em que o define, estabelece suas respectivas funções e
especifica sua forma de composição. O excerto abaixo ilustra essa afirmação:

E57 “(01) O governo apresentou os nomes que comporão o Conselho de Desenvolvimento


Econômico e Social, órgão consultivo da Presidência da República a ser instalado
oficialmente em 13 de fevereiro, tendo por finalidade discutir as propostas do Executivo,
antes de serem enviadas ao Congresso, e assim possibilitar o alcance do máximo de consenso
e, conseqüentemente, facilitar sua tramitação e aprovação pelos parlamentares.
(02) O órgão contará com a participação de representantes das entidades patronais e de
trabalhadores, líderes comunitários e personalidades, como o médico Dráuzio Varella, a
presidente do Instituto Ayrton Senna, Viviane Senna, e a líder da Pastoral da Criança, Zilda
Arns, além de dez ministros, num total de 82 integrantes.”50 (O Povo, 07/02/2003)

Nesse editorial a unidade retórica 1 se materializa numa seqüência descritiva


dominada de modo a permitir que o leitor se adentre na temática que será abordada. A
organização seqüencial da textualidade dessa unidade de informação pode ser estruturada
tomando como base o protótipo de seqüência descritiva proposto por Adam (1992):
CONSELHO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

ASPECTUALIZAÇÃO COLOCAÇÃO EM RELAÇÃO


Pd.PROPR. Pd.PART. Pd.SIT.

órgão consultivo contará com a participação de Temps.


da Presidência integrantes
da República
entidades líderes personalidades a ser instalado no
tendo por finalidade discutir patronais e de comunitários dia 13/02
as propostas do Executivo trabalhadores
antes de serem enviadas o médico a presidente do a líder pastoral da
ao Congresso Instituto Ayrton criança

possibilita o alcance do máximo Dráuzio Varella Viviane Senna Zilda Ams


de consenso e, conseqüentemente
facilita sua tramitação e aprovação
pelos parlamentares

Quadro 2 – Recorte de uma seqüência descritiva do E57

50
A divisão do editorial em proposições ampara-se no princípio de Adam (1992) de que um texto é constituído
de macroproposições e essas, por sua vez, são constituídas de proposições: [#T# [seqüência(s)
[macroproposição (ões) [proposição (ões)]]]].
96

Nessa seqüência descritiva, o procedimento de ancoragem se dá pelo tema-título


apresentado pelo editorialista no início do texto: o Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social. Logo em seguida, o editorialista aspectualiza o objeto (CDES) através do
procedimento de propriedades e de partes. Pelo procedimento de propriedades, são
apresentadas as funções do órgão e pelo procedimento de partes é apresentada a sua
respectiva composição. Através do procedimento situacional de tempo, indica-se a data de sua
instalação oficial.

O fato é que a análise desse editorial e de outros que compõem o corpus permitiu
pôr em confronto as informações apresentadas por Nascimento (1999). Segundo a referida
autora, “as inserções narrativas situadas no primeiro parágrafo objetivam contextualizar o
assunto a ser tratado. Elas funcionam como uma introdução: apresentam o fato que será alvo
dos comentários” (NASCIMENTO, 1999, p. 158-59). Sua afirmação possibilita o
levantamento de duas considerações: por um lado, verificou-se na unidade retórica 1 a
presença de um fato como elemento motivador dos comentários que serão tecidos no texto
editorial, confirmando, assim, parte das afirmações de Nascimento (1999); por outro lado,
porém, não está claro que critérios a autora estabeleceu para definir uma dada porção textual
como narrativa ou descritiva. Ao que parece, a autora toma como base apenas um critério de
“modo de organização textual”, que estaria a serviço da argumentação.

Isto, no entanto, não basta. Segundo Adam (1992), estar diante de algumas marcas
de superfície textual, como, por exemplo, organizadores temporais (depois, então, de repente)
não é uma condição suficiente para se definir que uma dada porção textual seja narrativa ou
não. Um outro aspecto que o autor ressalta é que a presença de verbos exprimindo ações
também pode configurar um outro tipo de seqüencialidade: a descrição de ação. As descrições
de ações por serem muito próximas das narrativas podem levar a uma identificação
equivocada de narração. Adam (1992) posicionou-se sobre o assunto esclarecendo que a
simples compilação de fatos não classifica uma seqüência como narrativa, visto que lhe falta
um elemento fundamental, a colocação em intriga, ou seja, o aparecimento de uma
complicação e de uma resolução.

Para Adam (1992), falar em narrativa implica conseqüentemente a reunião de seis


elementos: uma sucessão de acontecimentos, uma unidade temática, predicados
transformados, um processo, uma colocação em intriga e uma avaliação final. Sem a
pretensão de aprofundamento na caracterização da seqüência narrativa, convém esclarecer que
97

de forma alguma se pode considerar a simples referência a um determinado fato um caso de


seqüência narrativa, como vem sendo indiscriminadamente classificada pela autora. Um
excerto de Nascimento (1999) classificado como uma inserção narrativa revela esse engano.
Na realidade, a presença de atos dispostos em ordem cronológica não é uma condição
necessária para a existência de uma narração.

“O assassinato da psicóloga tijucana por dois ladrões de automóveis, terça feira à


noite, caiu como ducha fria na cabeça da cidade que nos últimos tempos andou
sonhando alto, com olimpíadas,despoluição da baía,centenas de milhares de novas
linhas telefônicas, urbanização de favelas, recuperação de trens e – sem ironia –
reequipamento da polícia.” (Nascimento, 1999, ANEXO 2)

Vale ressaltar que, além da apresentação de fatos, o preenchimento da unidade


retórica 1 é também realizado através de informações consideradas introdutórias e que têm
como objetivo contextualizar o leitor na discussão que será travada no texto editorial.
Buscando traçar um paralelo dessa unidade com o protótipo da seqüência dominante no
corpus analisado, verificou-se que em alguns editoriais foi possível fazer uma
correspondência entre essa unidade e a macroproposição argumentativa 0 (tese anterior).

O E52, por exemplo, defende a tese de uma discussão ampla sobre a prostituição
infantil; o editorialista introduz o tema apresentando uma operação do Ministério da Justiça
contra a prostituição infantil e juvenil. As informações que preenchem a unidade retórica 1
desse editorial conduzem à tese anterior de que o governo federal intensifica as ações contra
os exploradores de crianças e adolescentes. O exemplo abaixo ilustra essa assertiva:

E52 “(01) O Governo federal vem intensificando o cerco contra a prostituição infantil e
juvenil, chaga social que continua a desafiar a sociedade brasileira, mesmo não sendo um
drama exclusivo do País. (02) O compromisso de combate a esse crime havia sido firmado
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na primeira reunião ministerial e já se observa algo
de concreto nas ações do Ministério da Justiça neste sentido.

(03) No momento, está em curso uma operação nacional, denominada 12 de Outubro (data
emblemática: Dia da Criança) em 18 estados, além do Distrito Federal. Foram presos 52
adultos envolvidos nessa atividade criminosa e repugnante, além da apreensão de 19 crianças
vítimas do comércio degradante de corpos.” (O Povo, 23/01/2003)

As proposições que seguem as citadas acima irão constituir argumentos que


endossarão a macroproposição argumentativa 3 – conclusão (nova tese). Como se vê, a Un1 é
o ponto de partida para o desenvolvimento da argumentação em editoriais.

A tese anterior (macroproposição argumentativa 0) pode se constituir de


seqüências inseridas ou não. Quando não houver seqüências dominadas, a tese anterior é
98

constituída apenas de proposições argumentativas. No E52, por exemplo, as proposições 01 e


02 são eminentemente argumentativas e a proposição 03 contém uma seqüência descritiva
inserida. O detalhamento dessa proposição pode ser esquematizado a partir do protótipo de
Adam(1992):

OPERAÇÃO 12 DE OUTUBRO

ASPECTUALIZAÇÃO COLOCAÇÃO EM RELAÇÃO


Pd. PROPR. Pd.PART. Pd. PART.

Operação 52 adultos 19 crianças PdSIT


nacional presos apreendidas
Loc. (a operação acontece)

Distrito Federal 18 estados


Quadro 3 – Recorte de uma seqüência descritiva do E52

A análise desse trecho do editorial reforça o princípio da heterogeneidade


constitutiva dos textos tão ressaltada por Adam (1992). O que se pôde visualizar nesse recorte
é que há um encaixamento de seqüências, ou seja, a seqüência descritiva dominada dentro de
uma seqüência dominante, a argumentativa. Esse encaixamento de seqüências evidencia a
natureza funcional da seqüência argumentativa, na medida em que esta seqüência não
apresenta marcas lingüísticas tão formais quanto as seqüências descritiva e explicativa. Não se
quer dizer com isso que esta seqüência não possua marcas de superfície que a caracterizem,
apenas se realça o aspecto mais funcional de suas macroproposições.

Voltando à questão da heterogeneidade composicional dos textos, pôde-se


observar através desse recorte que, mesmo considerando somente a proposição argumentativa
0 (tese anterior), uma parte dela contém uma seqüência descritiva. Nesse sentido, reafirma-se
a diversidade composicional dos textos, contudo essa diversidade não impede de se
identificarem os protótipos seqüenciais que compõem os planos de organização textual.

Na unidade retórica 1, também observou-se a materialização da seqüência


explicativa, contudo numa proporção bem menor que a seqüência descritiva. O E54, por
exemplo, defende a tese de que o Brasil precisa melhorar a educação e para isso inicia o texto
com informações sobre o lançamento do Programa Nacional de alfabetização que acontecerá
no Ceará. No segundo parágrafo da unidade retórica 1, o editorialista justifica por que o
estado do Ceará foi escolhido. No recorte abaixo, selecionou-se toda a porção textual
99

correspondente à unidade em questão:

E54 “(01)“Ação contra analfabetismo vai começar pelo Ceará’’, anuncia matéria da repórter
Daniella Cronemberger, publicada na página 19 da editoria Política, na edição de ontem do O
POVO. (02) O lançamento do programa nacional de alfabetização foi acertado pelo ministro
da Educação, Cristovam Buarque (PT), com o governador Lúcio Alcântara (PSDB), para 25
de março.

(03) Uma das deferências do MEC, com relação a esse lançamento, além do fato de existir
uma grande massa local a ser alfabetizada, é que o Estado foi palco, episodicamente, de
inovações pedagógicas desde que o educador paulista Manuel Bergstr®m Lourenço Filho
começou a reformar o ensino público cearense no final da década de 1920. (04) A ação dele
deixou tantos resultados na terra que muitos acreditam, equivocadamente, que ele teria
nascido no Ceará.

(05) O desafio maior é o programa ter o objetivo de proporcionar acesso à alfabetização para
os 16,3 milhões de analfabetos em todo o País, até o final do governo Luiz Inácio Lula da
Silva, em 2006. (06) Isso com a proposta de alfabetizar cerca de cinco milhões de pessoas por
ano, em cursos com três meses de duração. (07) Isso poderia engajar cerca de 700 mil pessoas
habilitadas a ensinar adultos e crianças a ler e escrever, do total de 4,5 milhões de habitantes
em condições de ensinar as duas faixas etárias, de acordo com cálculos do MEC.” (O Povo,
25/01/2003)

Ao apresentar o protótipo da seqüência explicativa, Adam (1992) ressalta o


caráter particular da explicação: a justificação. Essa função de justificação pode ser
claramente percebida quando o editorialista apresenta os motivos do governo federal em
escolher o Ceará para lançar uma ação contra o analfabetismo. Poder-se-ia afirmar que essa
porção textual corresponde à macroproposição explicativa 2, isto é, corresponde à resposta
feita ao “por que” implícito (macroproposição explicativa 1). Considerando o protótipo de
seqüência explicativa de Adam (1992), pode-se ainda afirmar que as proposições 01 e 02
corresponderiam à macroproposição 0 (esquematização inicial), na medida em que
apresentam um objeto complexo – informações referentes ao lançamento do programa de
alfabetização.

É possível identificar as proposições explicativas compondo a unidade retórica 1


se se considerar o aspecto funcional, além do formal. Mas isso levanta um questionamento
muito sério quanto à consideração da explicitude/implicitude dos elementos que devem
compor uma seqüência. Em que medida é possível estabelecer uma relação entre
explícito/formal e implícito/funcional? Nesta pesquisa, assumiu-se a idéia de que, apesar de a
noção de seqüência embutir uma perspectiva formal, não se pode desconsiderar o aspecto
funcional presente no processo de composição de uma determinada seqüência. No caso da
seqüência explicativa, que estamos analisando agora, por exemplo, não é necessário o “por
100

que” e o “porque” estarem marcados no texto. Neste exemplo específico, o caráter de


justificação é intuído pela função das proposições no texto e não pelas marcas formais.

Um outro exemplo de seqüência explicativa compondo a unidade retórica 1 está


no E58. Nesse editorial, a tese defendida é de que a realização da campanha anti-AIDS é
muito mais importante do que quem a protagoniza. Para introduzir o tema, o editorialista
informa aos leitores qual o posicionamento das organizações não-governamentais sobre a
escolha da cantora Kelly Key na divulgação da campanha na época do carnaval. A
discordância de que seja a referida cantora é acompanhada de uma explicação ou justificação
da razão que levou o fórum de ONGs a se posicionar contra a sua participação na campanha.
O recorte da Un1 do E58 ilustra essa assertiva:

E58 “(01) O fórum de organizações não-governamentais (ONGs) vinculadas à prevenção e ao


tratamento de portadores e pacientes com Aids discordou esta semana do Ministério da Saúde,
devido à escolha da cantora Kelly Key para apresentar a campanha carnavalesca de alerta à
doença.
(02) De acordo com representantes dessas ONGs, em carta ao ministro da Saúde, Humberto
Costa, Kelly Key proporia para o público uma imagem de mulher vaidosa, dominadora,
acusando-a ainda de mostrar ‘’um modelo de sucesso e modo de vida baseada no consumo e
na futilidade’’.” (O Povo, 08/02/2003)

A proposição 02 explicita o porquê do posicionamento dessas ONGs.


Implicitamente se pode ler “os representantes dessas ONGs discordaram porque...”. Mais
uma vez os elementos formais não estão marcados textualmente e a função das proposições é
visualizada. A proposição 01 corresponde à macroproposição explicativa 0 (esquematização
inicial).

Convém esclarecer que as observações referentes às seqüências explicativas


permitem considerá-las seqüências dominadas dentro de uma seqüência maior, a
argumentativa. Nessa perspectiva, ambas estão inseridas na proposição argumentativa 0, tese
anterior. O conteúdo proposicional dessas seqüências conduz à construção de uma tese que
ainda não é a conclusão (nova tese), mas uma tese anterior, ou seja, uma tese inicial, obtida
através das primeiros dados do texto editorial. No E54, por exemplo, a tese anterior é de o
Brasil está buscando melhorar sua educação. Já no E58, a tese anterior é de a cantora Kelly
Key não é a personalidade indicada para protagonizar a campanha anti-AIDS no carnaval.

Considerando a macroproposição argumentativa 0, as proposições que lhe


constituem podem ainda não conter nenhuma seqüência inserida, ou seja, conter apenas
101

proposições argumentativas. O E37 defende a tese de que a explicitação dos princípios


norteadores da reforma da Previdência é fundamental para que ela dê certo. O editorialista
introduz o tema apresentando as seguintes proposições argumentativas:

E37 “(01) Qualquer reforma constitucional atinge interesses. (02) As reações, por isso, são
naturais e previsíveis. (03) A parte que se sente prejudicada recorre a todos os meios para
evitar que as perdas se concretizem. (04) Quando o movimento abarca diversos setores, a
união de forças pode inviabilizar o processo.

(05) A reforma da Previdência corre esse risco.” (Correio Brasiliense, 19/01/2002)

A macroproposição argumentativa 0 citada acima não contém seqüências


dominadas, somente proposições argumentativas que conduzem à tese anterior de que toda
reforma provoca reações.

A análise do corpus também permitiu observar que é perfeitamente possível haver


imbricamento entre as unidades. Ocorreram realizações em que a Un1 fez correspondência
com a macroproposição argumentativa 1 (dados) ou, ainda, com a macroproposição
argumentativa 3 (conclusão (nova tese)). Essa correspondência tornou-se possível quando
ocorreram imbricações da Un1 com a Un2 e da Un1 com a Un3. Os exemplos abaixo
confirmam essa afirmação:

E41 “Quando a Carta Magna foi promulgada, em 1988, o então constituinte Ulysses
Guimarães a chamou de Constituição Cidadã. De fato, nunca havia ocorrido tanta participação
popular na elaboração do conjunto de leis que rege nossas vidas. Os ventos daquela época se
espalharam pelo tempo e hoje a maioria dos brasileiros tem consciência de que muitas
soluções para os problemas que afligem o país só podem surgir da ação coletiva.” (Correio
Brasiliense, 30/01/2003)

No E41, a tese defendida é de que o programa Fome Zero só dará certo se for
ancorado na participação popular. Para contextualizar o leitor, o editorialista faz remissão à
elaboração da Constituição ao mesmo tempo em que utiliza esse exemplo como um
argumento para sustentar a tese. Nesse caso, ocorre o imbricamento da Un1 com a Un2.

No E13, a tese defendida é de uma urgente realização da reforma tributária como


forma de rever as distorções sociais. O editorialista contextualiza o leitor apresentando as
expectativas geradas pela discussão das reformas, ao mesmo tempo em que imprime a opinião
da empresa jornalística. Nesse editorial, ocorre o imbricamento da Un1 com a Un3. O excerto
abaixo comprova essa assertiva:

E13 “O clamor que temas como as reformas previdenciária e tributária têm provocado nas
102

últimas semanas encontra nos fatos que o dia-a-dia produz combustível suficiente para
sensibilizar corações e mentes aos quais compete, mais diretamente, abandonar um pouco o
discurso e partir para a ação concreta. E urgente, se possível.” (O Liberal, 10/02/2003)

Em suma, nos editoriais analisados, houve uma realização da unidade retórica 1


materializar seqüências descritivas e/ou explicitavas inseridas na macroproposição
argumentativa 0 (tese anterior). Esclarece-se que as seqüências descritivas apresentaram uma
maior recorrência. Ressalta-se também que a unidade retórica 1 também realizou proposições
eminentemente argumentativas. Havendo imbricações da Un1 com a Un2, foi possível
relacioná-las com os dados (macroproposição argumentativa 1) e havendo imbricações da
Un1 com a Un3, foi possível relacioná-las com a conclusão (nova tese) (macroproposição
argumentativa 3).

5.2 As seqüências textuais na argumentação sobre a tese

De acordo com a análise das unidades retóricas em editoriais de jornais, a Un2 é o


espaço que o editorialista tem para convencer o leitor. Buscando uma aproximação entre essa
unidade e o protótipo de seqüência argumentativa de Adam (1992), pode-se afirmar que
houve uma correspondência, nos editoriais analisados, da macroproposição argumentativa 1
(dados) com a unidade retórica 2. São, portanto, os argumentos-dados que irão ancorar ou
refutar uma dada proposição (conclusão (nova tese)). Os recortes retirados do E13 ancoram a
tese de que a reforma tributária deve se realizar o mais breve possível.

E13 “(03) Eis um fato, divulgado com destaque, sim, mas aquém da importância que o bom
senso, a experiência corrente e as circunstâncias indicariam: no ano passado, a carga tributária
brasileira atingiu um recorde histórico de 36,45% do PIB (Produto Interno Bruto, a soma das
riquezas produzidas pelo País). (04) Na Suíça, esse percentual foi de 36% no ano passado.
(05) O governo arrecadou R$ 476,57 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais em
2002, um crescimento de 18% em relação ao período anterior.

(06) O Brasil, conclui-se, ultrapassou a Suíça, pelo menos na arrecadação de impostos. (07) A
fome do fisco local só perdeu para o da Suécia (47% do PIB) e o da Alemanha (36,7%). (08)
Mas ultrapassou os EUA (29% do PIB), o Canadá (31%) e países emergentes, como o México
e o Chile (22%). (09) Os dados, irrefutáveis, são do Instituto Brasileiro de Planejamento
Tributário.

(10) Números que tais já justificam, por si mesmos, grande estupefação e configuram brutal
injustiça. (11) E mais assustador ainda é voltar os olhos para o passado e atestar o tempo
perdido com propostas sem consistência, discussões inconseqüentes, abulia política
indisfarçável e demagogia repugnante, tudo isso com a intenção - não-declarada,
convenhamos - de retardar a consecução de uma reforma tributária capaz de tornar este País
menos injusto.
103

(12) Os números apresentados pelo IBPT traduzem, com crueza atordoante, um Brasil por
construir, por edificar. (13) Um Brasil que está em débito com aqueles - pessoas físicas e
empresas - que padecem os efeitos perversos das descompensações de uma estrutura tributária
reprodutora de distorções de toda ordem - sociais, inclusive e principalmente.” (O Liberal,
10/02/2003)

A transcrição de todas as premissas do E13 revela um recurso utilizado nos


editoriais analisados, que é a exposição de dados estatísticos e seu uso como argumentos para
sustentar a tese. O que é mais interessante observar é que, ao final da apresentação desses
dados e antes de sua interpretação, o editorialista acrescenta a observação de que “os dados,
irrefutáveis, são do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário”. Essa afirmação gera uma
reflexão sobre o que Adam (1992) dispõe sobre o texto expositivo. Para o autor, a exposição
se enquadra ou numa seqüência descritiva ou numa explicativa. Poder-se-ia até enquadrar a
exposição desses dados numa seqüência descritiva, contudo há que se considerar que no
espaço em que o editorialista apresenta os dados ocorre o que Adam (1992, p. 131) fala sobre
uma condição pragmática da explicação, que é: “o fenômeno de explicar é incontestável: é
uma constatação ou um fato”. O que se quer dizer com isso é que as proposições que
apresentam as estatísticas sobre a arrecadação tributária se constituem em um espaço que
revela um enunciador supostamente neutro e com autoridade para expor os percentuais. Pode-
se afirmar que no caso específico do E13 o enunciador é o IBPT (Instituto Brasileiro de
Planejamento Tributário).

É interessante acrescentar que o próprio editorialista considera a neutralidade e


autoridade dos dados estatísticos, na medida em que ele próprio os classifica como
“irrefutáveis”. Somente depois dessa informação é que os números são interpretados e daí
utilizados como um recurso para convencer o interlocutor de que a reforma tributária é a única
solução capaz de desfazer uma “brutal injustiça”. Tais observações conduzem a um outro
questionamento, desta vez sobre os tipos de seqüência classificados na literatura. Enquanto
alguns autores propõem um número maior de seqüências, outros, como Adam (1992),
sugerem apenas cinco. Este é o grande problema das tipologias: há sempre perdas quando se
tenta encaixar segmentos textuais em um feixe de critérios fechados.

Isso leva a questionar se a redução a cinco protótipos de seqüência (narrativa,


descritiva, explicativa, argumentativa e dialogal) não deixará muitas porções textuais ou
textos engessados por terem que se adequar a um desses protótipos propostos por Adam
(1992). No caso do E13, por exemplo, talvez fosse mais apropriado falar em seqüência
expositiva. Não se quer com essas assertivas propor que se retome um protótipo de seqüência
104

explicativo-expositiva, mas lançar reflexões sobre a viabilidade da redução da tipologia


textual de Adam (1992) na classificação de textos.

Ao analisar a unidade retórica 2, observou-se a existência de duas subunidades,


uma que se denominou argumentando convergentemente e outra que se denominou
argumentando divergentemente. No exemplo citado no E13, os dados apresentados
pertenciam à subunidade argumentando convergentemente e conduziam a uma mesma
conclusão. Contudo, em vários editoriais verificou-se a existência de dados que levam a uma
conclusão C e dados que levam a uma conclusão não-C. Ao apresentar seu protótipo de
seqüência argumentativa, Adam (1992) ressaltou que um dado texto argumentativo sempre se
situava em relação a um contra-discurso efetivo ou virtual. Essa consideração converge para
os dados analisados em editoriais de jornais. Muitos editoriais apresentaram explicitamente
dados que se relacionavam a contra-teses. O E5051, por exemplo, defende a tese de que o alto
custo de vida leva a população a procurar livrarias alternativas. Para sustentar essa tese, o
editorialista apresenta as vantagens dos sebos, ao mesmo tempo em que apresenta argumentos
que se contrapõem à tese defendida. O recorte abaixo apresenta argumentos relacionados à
conclusão C e argumentos relacionados à conclusão não-C.

“(4) Um exemplo está na matéria ''Comércio de livro usado é opção para os pais'', publicada
na página 5, da Editoria Fortaleza, na edição de sexta-feira última do O POVO. (5) Nesse tipo
de intercâmbio, podem acontecer venda, compra e troca de publicações didáticas e
paradidáticas. (6) Os comerciantes desse ramo garantem que a mercadoria chega a ser de 40%
a 60% mais barata do que uma nova.

(7) Por exemplo, um didático novo, que custa em média R$ 30,00 na livraria convencional,
pode ser adquirido por até R$ 15,00 no sebo. (8) Há uma exigência nesse tipo de comércio
optativo para que os livros sejam bem conservados. (9) E que, em determinadas páginas de
respostas a sabatinas, que tenham sido preenchidas a lápis e não a caneta, para facilitar o
apagamento.”

CONCLUSÃO C

“(10) Indaga-se, por outro lado, se essas publicações de segunda mão estão atualizadas, dentro
do que foi regulamentado pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDBE) atualmente em
vigor. (11) Nos últimos anos, o Ministério da Educação (MEC) vem intensificando a
fiscalização do livro didático e muitos foram proibidos de circular, tanto pela falta de
qualidade editorial quanto pelo conteúdo errado e/ou deturpado.

(12) Com relação ainda aos preços altos, os comerciantes de publicações novas apresentam
explicações contra as queixas a respeito de despesas, por parte da clientela. (13) O Sindicato
51
Os excertos do E50 foram selecionados do jornal O Povo do dia 04 de janeiro de 2003.
105

do Comércio Varejista de Livro do Estado do Ceará afirma que o reajuste do material escolar
variou de 12% a 15% e o das edições didáticas, 10% em média, tendo sido concedido em
novembro de 2002. (14) O papel, pelo fato de a cotação ser em dólar, encabeçou o aumento.

(15) O sindicato também questiona a legalidade desses comerciantes alternativos, se pagam


impostos, fornecem nota fiscal e se os vendedores trabalham com carteira assinada. (16)
Adiantou que já pediu reforço na fiscalização por parte da Delegacia Regional do Trabalho
(DRT), Secretaria da Fazenda estadual e Receita Federal.”

CONCLUSÃO NÃO-C

“(17) O grande problema, como já foi supracitado, é o custo de vida. Isso, na área estudantil,
agrava-se com o preço dos livros para o ensino superior. (18) Tanto é que no entorno do
Campus do Benfica da Universidade Federal do Ceará (UFC), nos últimos anos, surgiram
estabelecimentos comerciais, mistos de livraria e reprografia. (19) Nas faculdades e cursos,
equipes fazem cotas para comprar determinados livros, que são fotocopiados como
apostilhas.”

CONCLUSÃO C

“(20) Esse recurso já foi alvo de campanha por parte de autores e editores, alegando falta de
ética e concorrência desleal.”

CONCLUSÃO NÃO-C

(21) Mas deve-se levar em conta que muitos estudantes, inclusive de nível superior, são
provenientes até de famílias de baixa renda. (22) Sem contar com famílias residentes em
Fortaleza, têm de recorrer, respectivamente, aos restaurantes e residências universitárias para
se alimentar e morar.”

CONCLUSÃO C

Os argumentos relacionados à conclusão não-C ancoram a tese de que a aquisição


de livros em livrarias alternativas não se constitui uma boa opção, enquanto que os
argumentos relacionados à conclusão C ancoram a tese contrária. Adam (1992) refere-se ao
fato de que a argumentação é, resumidamente, pôr em relação dados com uma conclusão e
que esse colocar em relação pode ser implícita ou explicitamente fundamentado ou refutado.
No caso específico do E50, os dados são explicitamente fundamentados e refutados.

Nesse sentido, é possível traçar um paralelo entre a Sub. 2.1 (argumentando


convergentemente) e a Sub. 2.2 (argumentando divergentemente) com a macroproposição
argumentativa 1 (dados), na medida em que se visualiza uma contra-argumentação efetiva em
106

editoriais de jornais.

Ao ressaltar o caráter provável da aplicação da restrição em textos


argumentativos, Adam (1992) acrescenta que a sua aplicação conduz ao que canonicamente é
denominado quadro argumentativo. No E50 se pode visualizar o seguinte quadro
argumentativo:

DADOS X DADOS Y
(4), (5), (6), (7), (8), (9), (10), (11), (12), (13), (14), (15),
(17), (18), (19), (21), (22) (16), (20)

CONCLUSÃO C CONCLUSÃO NÃO-C


(É boa a opção das livrarias (Não é boa a opção das livrarias
alternativas) alternativas)

Quadro 4 – Quadro argumentativo do E50

As restrições apresentadas no E50 conduziam a uma conclusão que se opunha à


conclusão (nova tese), porém em alguns editoriais analisados a restrição conduzia toda a
progressão argumentativa do editorial e ligava-se à conclusão (nova tese). Essas afirmações
confirmam o caráter contra-argumentativo da restrição na medida em que trazem à tona um
embate de posições diferentes.

Nessa perspectiva, a restrição pode conduzir à contra-argumentação quando se


refuta a conclusão(nova tese), ou ainda, pode conduzir à conclusão (nova tese) quando refuta
a tese anterior. O E06, por exemplo, defende a tese de que o governo Lula deverá resgatar as
Forças Armadas do abandono em que se encontram. O editorialista inicia o texto
apresentando dados que conduzem à tese anterior de que o governo de Fernando Henrique
deixou legados positivos em relação às Forças Armadas. A proposição 08, contudo,
esclarece: “Nem tudo, porém, correu bem.”. A colocação dessa restrição dá uma orientação
argumentativa ao texto que progride na direção da conclusão (nova tese). O recorte abaixo
ilustra a afirmação:

E06 “(08) Nem tudo, porém, correu bem. (09) Cometeu-se erro crasso ao deixar as Forças
Armadas em petição de miséria. (10) Uma decisão da maior gravidade. (11) O governo Lula
terá de examinar o problema em toda sua dimensão. De que Forças Armadas o país necessita?
(12) Que prioridade estratégica devem merecer enquanto pólos de desenvolvimento
tecnológico e centros vitais de pesquisa e desenvolvimento? (13) Há também que observar o
efeito multiplicador das encomendas de material bélico sobre o comércio exterior.
107

(14) A estratégia dos últimos anos pecou pela incongruência. (15) De que vale o interesse por
submarinos atômicos se falta pão nas casernas? (16) Não dá para entender que a discussão
sobre a compra de jatos modernos não tenha sido acompanhada, desde o início, das
contrapartidas comerciais.” (Jornal do Brasil, 29/12/2002)

No caso do E06, a tese anterior opõe-se à conclusão (nova tese). Porém, nem
sempre a relação entre a tese anterior e a conclusão (nova tese) é de oposição. A análise do
corpus permitiu verificar que a restrição também pode ampliar a tese anterior sem
necessariamente opor-se a ela. O E05, por exemplo, em um dado segmento textual apresenta
dados que levam a uma tese anterior de que a alta taxa de juros representa um “remédio” para
a economia brasileira. Em seguida, apresenta uma restrição que não se contrapõe à tese
anterior, mas que a complementa, conduzindo, portanto, à conclusão (nova tese) de que os
juros devem funcionar apenas como medida paliativa para os problemas econômicos e que
somente as reformas estruturais poderão solucionar as disfunções da economia. Os recortes
abaixo ilustram essas afirmações:

E05 (06) Há que fazer, porém, importante ressalva: ao elevar os juros, o Comitê de Política
Monetária do Banco Central (Copom) aplainou o terreno para os primeiros passos do governo
Lula. (07) Assumiu o ônus da impopularidade e deu golpe violento nas expectativas
inflacionárias. (08) O remédio é amargo. (09) Com juros proibitivos, é difícil que se mantenha
a tendência de alta dos preços.

(10) Os membros do Copom foram magnânimos ao vestir a carapuça de vilão. (11)


Desgastaram-se mas preservaram a imagem do futuro governo. (12) Fique claro, porém, que a
receita dos juros aproxima-se da exaustão. (13) Taxas reais acima de 10% ao ano são, mesmo,
''um assalto'': roubam toda a energia dos agentes econômicos. (14) Devem funcionar, apenas,
como medida paliativa, de emergência. (15) De resto, a única resposta para as disfunções da
economia são as reformas estruturais.

(16) A alta dos juros contém a inflação e favorece a arrancada do governo Lula. (17) Porém,
não há tempo a perder. (18) O PT tem que dar início às articulações sobre mudanças vitais.
(19) Deve discutir desde já as reformas tributária, política, do Judiciário e da Previdência -
esta última, a mãe de todas as reformas. (20) Quando o país estiver assentado em novas bases,
os juros cairão como conseqüência natural.

(21) Há mais de 20 anos, o Brasil vive na sombra do Fundo Monetário Internacional. (22) E a
política monetária austera faz parte do receituário que o FMI nos recomenda. (23) Virá o dia
em que o país, graças às reformas, criará blindagem que assegure a estabilidade. (24) Então,
ficará livre de assessorias externas. (25) E a sociedade nunca mais vai ouvir falar de juros
altos e risco Brasil.” (Jornal do Brasil, 22/12/2002)

A percepção de que no E06 a conclusão (nova tese) opõe-se à tese anterior e que
no E05 a conclusão (nova tese) amplia a tese anterior, sem representar uma contraposição,
levanta a possibilidade de não se enquadrar sob o mesmo rótulo de tese anterior mecanismos
discursivos tão diferentes. Das macroproposições do protótipo argumentativo do autor, a que
108

menos é abordada é a tese anterior. Sobre a P. arg. 0 (tese anterior), Adam (1992, p. 118)
expõe que “o esquema de base para as três macro-proposições (P. arg. 1, 2 e 3) se apóia
explicitamente em P. arg.0 no caso particular da refutação”. Essa afirmação, aliada à análise
do poema de Raymond Queneau52, leva à interpretação de que essa macroproposição
representa uma conclusão contrária à conclusão (nova tese), o que nem sempre acontece.

A análise do corpus também tornou possível verificar que a restrição é um


mecanismo argumentativo bastante recorrente nos editoriais de jornais. No corpus estudado, a
restrição aparece explícita e muitas vezes é iniciada por operadores argumentativos53.
Observou-se, ainda, que algumas restrições quando iniciadas por operadores argumentativos
davam com uma certa freqüência a orientação argumentativa do editorial.

O E01 é também um exemplo em que a restrição, no caso iniciada pelo operador


argumentativo “mas”, aponta a direção argumentativa das proposições que a seguem. Nesse
editorial, a tese defendida é de que os governantes precisam repensar as políticas de segurança
pública sob pena de transformar a expectativa de vida em expectativa de morte. O
editorialista, por sua vez, inicia o texto apresentando argumentos que conduzem à conclusão
de que a expectativa de vida no Brasil tem melhorado significativamente54. No final do
primeiro parágrafo introduz a restrição e a partir daí os enunciados posteriores seguem a
progressão textual indicada pela restrição. O recorte abaixo ilustra isso:

E01 “(04) Mas podia ser ainda melhor, se a violência não se tivesse tornado no Brasil uma
causa endêmica de mortalidade.

(05) Mata-se muito no Brasil. Segundo o IBGE, entre 1980 e 2001, foram registradas mais de
1,9 milhão de mortes violentas, que incluem os homicídios, os acidentes de trânsito e os
suicídios. (06) Número igual à soma das populações de Rondônia e do Acre. (07) Ou, numa
comparação ainda mais assustadora, número que representa oito vezes e meia o total de

52
Adam (1992, p. 118) ao analisar o poema Vigília apresenta como exemplos da P. arg. 0 (tese anterior) os
versos 1e 2. Estes, por sua vez, enunciam uma tese que se opõe à P. arg. 3 (conclusão(nova tese)). O poema
ilustra essa assertiva:
“Veille
Si les feuxdans la nuit faisaient des signes certes
la peur serait un rire et l’angoisse un pardon
mais les feux dans la nuit sans cesse déconcertent
le guetteur affiné par la veille et le froid.”
53
Concebe-se operador argumentativo como “um elemento da gramática de uma língua que têm por função
indicar a força argumentativa dos enunciados “ (KOCK, 2000, p. 30).
54
As proposições que aparecem antes da restrição são as seguintes: “(01) A expectativa de vida no Brasil tem
melhorado nas últimas décadas. (02) Graças às políticas de educação e saúde pública, à descoberta de tratamento
para doenças que até um passado recente matavam, e à melhoria dos hábitos e disponibilidades alimentares, a
expectativa média de vida do brasileiro passou de 62,7 anos, em 1980, para 68,9anos, em 2001. (03) O que é
bom.”
109

vietnamitas e americanos mortos em 14 anos de guerra no Vietnã. (08) A estatística macabra


aponta um total de 91 mil brasileiros mortos a cada ano pela violência. Mais de 7.500 a cada
mês.

(09) Nessa carnificina, os homens são as maiores vítimas: 1,575 milhão. (10) Ou seja, mais de
82% das vítimas são do sexo masculino, o que acaba interferindo no cálculo da expectativa de
vida do brasileiro. (11) Enquanto entre as mulheres, no período pesquisado, houve aumento
de 6,9 anos na expectativa de vida, entre os homens o ganho foi de apenas 5,5 anos. (12) Por
causa da violência, a taxa de mortalidade entre os homens brasileiros de 20 a 29 anos chega a
ser até três vezes superior à das mulheres. (13) Sem os óbitos por causas evitáveis, os
brasileiros do sexo masculino viveriam 2,4 a mais, em média.

(14) A face mais dramática dessa matança é a violência entre os jovens. (15) Na faixa de
idade entre 20 e 24 anos, morrem três vezes e meia mais homens mulheres.” (Jornal do Brasil,
09/12/2002)

No que se refere às seqüências inseridas, observou-se que a unidade retórica 2


pode conter seqüências descritivas e explicativas dominadas, sendo que a seqüência descritiva
apresentou maior freqüência que a explicativa. Contudo, o mais recorrente na composição da
Un2 são as proposições eminentemente argumentativas que não contêm seqüências inseridas.
O E08, por exemplo, defende a tese de que o caminho escolhido pela Polícia Federal
(repressão ao contrabando de armas e à corrupção policial) no combate à criminalidade é o
adequado. Para tanto, utiliza como argumento a descrição do novo diretor da Polícia
caracterizando-o como profissional habilitado a realizar a tarefa a que a Polícia Federal se
propõe. O excerto abaixo ilustra a afirmação:

E08 “O novo diretor da Polícia Federal ostenta currículo profissional que o habilita à tarefa a
que se propõe. Currículo, disposição e apoio do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos,
que é do ramo. Advogado criminalista há mais de 40 anos, acompanhou profissionalmente a
escalada do crime, e prega mudanças em nome de ''milhões de destituídos carentes de
segurança pública''. (Jornal do Brasil, 10/01/2003)

Pela operação de ancoragem, identifica-se o tema-título da seqüência descritiva (o


novo diretor da Polícia Federal) e pela operação de aspectualização são decompostas as
qualidades do diretor (currículo profissional, disposição, apoio do Ministro da Justiça...) com
o objetivo de reforçar a tese. O Quadro 5 abaixo esquematiza o procedimento descritivo:
110

Novo diretor da Polícia Federal

ASPECTUALIZAÇÃO

Pd.PROPR.

ostenta currículo profissional disposição apoio do ministro advogado criminalista prega mudanças em
que o habilita à tarefa da Justiça há mais de 40 anos, nome de milhões de
acompanhou destituídos carentes
profissionalmente a de segurança pública
escalada do crime

Quadro 5 – Recorte de uma seqüência descritiva no E08

Observou-se também que a Un2 pode ser constituída de seqüências explicativas


inseridas. O E33 é um exemplo dessa afirmação. Nesse editorial, o elemento explicativo
(porque) aparece explícito. Nele, a tese defendida é de que as medidas adotadas pelo
presidente Lula são incoerentes. Um dos argumentos utilizados pelo editorialista para ancorar
a tese é explicar o porquê dos eleitores de Lula estarem insatisfeitos com o presidente. A
citação abaixo ilustra isso:

E33 “Os quase 53 milhões de brasileiros que votaram em Lula esperavam soluções diferentes
das adotadas pela equipe econômica de Fernando Henrique Cardoso para os problemas de
economia e finança que afligem o país. Esperavam porque Lula candidato fazia crer, na
campanha, ter uma farmacopéia própria diversa da usada 'pelos neoliberais', assim batizados
FHC e seus áulicos.” (Correio do Povo, 22/02/2003)

As proposições argumentativas que não constituíam seqüências dominadas foram


os mecanismos discursivos mais recorrentes na unidade retórica 2. No E32, a tese defendida é
de que o mundo vive sob o domínio do petróleo; para sustentar essa proposição, o editorialista
apresenta alguns argumentos, dentre eles se podem citar os seguintes:

E32 “É verdade que graças a esse produto ocorreram inúmeros progressos no mundo
moderno, mas também em seu nome guerras são deflagradas e uma nova geopolítica do
mundo é redesenhada. O maior ou o menor valor do petróleo depende de uma série de fatores,
entre os quais o da fragilidade econômica de alguns, de problemas políticos em outros e de
ameaças bélicas como as que ocorrem dos EUA para com o Iraque.” (Correio do Povo, 06/02/
2003)

Em resumo, na unidade retórica 2 podem se realizar a macroproposição


argumentativa 0 (tese anterior), a macroproposição argumentativa 1 (dados) e a
macroproposição argumentativa 4 (restrição). Quando se realiza a proposição argumentativa 1
111

(dados ou premissas), essa macroproposição pode conter seqüências dominadas do tipo


descritivo e/ou seqüências dominadas do tipo explicativo. Vale ressaltar a alta ocorrência de
proposições argumentativas que não contêm seqüências inseridas.

Essas considerações possibilitam traçar um paralelo com a pesquisa realizada por


Nascimento (1999) sobre a macroestrutura argumentativa em editoriais de jornais. Embora a
referida autora utilize um aparato teórico e metodológico diverso da presente pesquisa, vale
ressaltar que seu trabalho apresenta pontos de convergência e divergência com esta pesquisa.
De acordo com Nascimento (1999), os argumentos pró-tese contêm um alto índice de
inserções descritivas funcionando no texto como argumento e uma baixa freqüência de
inserções narrativas. Os argumentos que não se constituem inserção são, portanto, os
constituintes essenciais ao modo de organização do discurso e os mais freqüentes.

De suas conclusões, pode-se afirmar que, exceto quanto às inserções narrativas,


que não estão necessariamente presentes em editoriais de jornais, como já se mostrou,
confirma-se a presença de seqüências descritivas funcionando como dados para a conclusão
(nova tese), como também a presença de proposições eminentemente argumentativas. Um
aspecto que se pode acrescentar é a presença de seqüências explicativas dominadas também
funcionando como dados para a conclusão (nova tese).

5.3 As seqüências textuais na indicação da posição do jornal

A unidade retórica 3 é o espaço no editorial destinado à indicação da opinião da


empresa jornalística. Logo, aproximando a informação contida nessa unidade com o protótipo
de seqüência argumentativa de Adam (1992), chega-se à percepção de que a Un3 é o espaço
de materialização da macroproposição argumentativa 3 (conclusão – nova tese). Os excertos
dos editoriais abaixo ilustram essa afirmação:

E40 “Impõe-se uma política clara, inteligente, moderna e transparente de governo que
coordene as contribuições e dite os rumos desse esforço nacional.” (Correio Brasiliense,
29/01/2003)

E02 “Na questão da previdência não há o que inventar. O que é preciso é vontade política
para que a reforma seja finalmente concluída.” (Jornal do Brasil, 10/12/2002)

A escolha específica dessas teses remete a uma consideração de Adam (1992)


sobre os efeitos enunciativos de superfície ligados à seqüência argumentativa. De acordo com
o referido autor: “As proposições não levadas em conta pelo locutor (premissas com presente
112

de verdade universal) sucedem as proposições mais diretamente assumidas por ele


(imperativo e futuro com valor predicativo). Estes aspectos enunciativos participam do
movimento argumentativo com intenção de influenciar os outros (“vocês”) de qualquer
maneira” (ADAM, 1992, p. 124). Essa afirmação, expressa por Adam (1992) na análise
seqüencial do texto publicitário Mir Rose, leva à percepção de que um movimento
argumentativo semelhante é realizado em alguns dos editoriais analisados. Em outras
palavras, ao enunciar a tese em alguns editoriais o editorialista marca textualmente a sua
autoridade com o objetivo ilocucionário de convencer o leitor.

A conclusão (nova tese) em editoriais de jornais representa um segmento que só


se sustenta tomando como base outros segmentos. Nesse sentido, a existência da conclusão
(nova tese), seja ela explícita ou implícita, é condição essencial para que haja argumentação
em editoriais de jornais. Em consonância com Nascimento (1999), a tese é claramente
definida, embora nem sempre explicitada. Contudo, inferir a tese a partir de dados do próprio
texto é um recurso pouco usual em editoriais de jornais. A possibilidade de a conclusão (nova
tese) vir implícita não é uma consideração estranha aos pressupostos teóricos de Adam
(1992), tendo em vista que os seus protótipos amparam-se num jogo de explicitude e
implicitude.

Nascimento (1999) também afirma que a tese pode muitas vezes estar marcada em
mais de um parágrafo, informação também confirmada na presente pesquisa. Essa
consideração coloca em questão a afirmação de Adam (1992) de que um movimento
argumentativo tem uma forma particular de composição, ou seja, segundo uma ordem
progressiva (dados [inferência] conclusão) ou uma ordem regressiva (conclusão [inferência]
dados). No caso dos editoriais de jornais, não se anula a organização textual em uma dessas
duas formas de composição, porém acrescenta-se mais uma: a repetição em mais de um trecho
da conclusão (nova tese).

Um dos objetivos propostos pela presente pesquisa foi exatamente verificar se as


proposições se ligam mais freqüentemente em uma ordem progressiva ou regressiva.
Nascimento (1999), por sua vez, constatou em seu corpus a predominância da realização da
tese no último parágrafo do editorial. Excluindo-se os editoriais em que a conclusão (nova
tese) ocorre mais de uma vez, observou-se que a ordem progressiva é a forma de relação
dados-conclusão mais comumente utilizada nos editoriais.
113

A aproximação entre as unidades retóricas encontradas em editoriais de jornais e o


protótipo de seqüência argumentativa de Adam (1992) poderá ser mais globalmente
compreendida na seção posterior. Nesta seção, serão apresentadas algumas análises da
distribuição das informações e das seqüências textuais em editoriais completos.

5.4 Uma análise da distribuição das informações e das seqüências textuais em editoriais
de jornais

Diferentemente da seção anterior em que se priorizou a análise das seqüências


textuais em cada uma das unidades retóricas, aqui priorizar-se-á a organização textual tomada
como um todo, de modo a propiciar uma visão global da aproximação que se propõe entre
unidades de informação e seqüências textuais. O conjunto de editoriais analisados foram
selecionados tomando-se como referência um certo “padrão”55 no movimento argumentativo,
como também um certo “desvio” do padrão na forma de organizar textualmente as
informações.

No corpus analisado, verificou-se que nem todos os editoriais possuíam as três


unidades retóricas. Pôde-se observar que muitos deles só continham a Un2 e a Un3, ou ainda
só a Un2. Os textos que serão comentados a seguir exemplificam essa afirmação. O E45, por
exemplo, é constituído apenas de duas unidades retóricas (Un2 e Un3) que se revezam
constantemente no editorial56.

E45
Vergonha!

“(01) A situação vexatória dos seis cemitérios do Distrito Federal não é novidade. (02) É histórica. (03) Mas a
privatização dos serviços, no ano passado, a levou a um ponto extremo. (04) À má administração — com
limpeza precária e falta de segurança, entre outras falhas — se somam graves problemas legais. (05) O próprio
processo de licitação é questionado na Justiça. (06) A empresa beneficiária também é acusada de descumprir
contrato e cometer abusos. (07) No mais recente deles, reserva o Campo da Esperança, único localizado no Plano
Piloto, apenas para famílias que possam pagar pelo sepultamento.
(08) Antes, aumentou os preços em até 300%, só voltando atrás depois de intervenção do Tribunal de Justiça
(TJDF). (09) Também diminuiu o espaço livre entre os jazigos a quase metade do espaço determinado pelo
projeto original. (10) E com tal descaso que a terra das covas era jogada sobre túmulos já existentes.
(11) O Estado não pode contribuir para aumentar a dor de quem precisa enterrar um ente querido. [Sub.2.1] (12)
Precisa pôr um fim rápido a esse desrespeito com a sociedade. (13) O governador Joaquim Roriz avisou, por
meio do seu porta-voz, que cancelará o contrato imediatamente se forem confirmadas irregularidades.
[Sub.2.1](14) Não há o que esperar. (15) Desde segunda-feira a empresa Campo da Esperança Serviços Ltda. é
multada pelo GDF em R$ 11 mil por dia pelo não cumprimento de cláusulas do contrato.

55
A expressão “padrão” não quer indicar que o movimento argumentativo em editoriais de jornais pode ser
colocado numa “fôrma” e analisado, apenas pretende-se apresentar algumas formas de composição dos dados
que apresentaram uma macroestrutura textual argumentativa recorrente nos editoriais analisados.
56
A unidade retórica 2 está na cor preta e a Un3 está na cor vermelha.
114

(16) A punição, sobre a qual ainda cabe recurso, é insuficiente. (17) O Tribunal de Contas do DF aponta
irregularidade já na licitação: apesar de obrigatória, não houve audiência pública. (18) O Ministério Público do
Distrito Federal (MPDF) quer anular a privatização. (19) Apresenta extensa lista de falhas. (20) Como a falta de
projeto com especificações técnicas para reformas em túmulos e jazigos, com planilha de custos e previsão de
tempo de execução do trabalho. (21) Também segue indefinida a construção do crematório previsto.
(22) A alegação mais grave, porém, é que a Campo da Esperança Serviços Ltda. não venceu a licitação. (23) Foi
criada posteriormente, com capital social de R$ 300 mil, quando o verdadeiro vencedor, o consórcio DCB,
entrou na concorrência com capital de R$ 1,4 milhão. (24) Isso, para administrar os seis cemitérios — além do
Campo da Esperança, os de Taguatinga, Gama, Brazlândia, Sobradinho e Planaltina — por 30 anos. (25)
Assinado em 13 de fevereiro, o contrato já fez seu primeiro aniversário. [Sub. 2.1] (26) Que a solução venha
logo!” (Correio Brasiliense, 22/02/2003)

Nesse editorial, a tese defendida é a de que o governo do Distrito Federal deve


urgentemente cancelar o contrato com a empresa Campo da Esperança Serviços Ltda. Para
sustentar essa tese, o editorialista expõe toda a “situação vexatória” em que se encontram os
cemitérios do Distrito Federal, além de apresentar as inúmeras irregularidades nas quais a
empresa está envolvida. A conclusão (nova tese) está explicitada em mais de uma passagem
do editorial, ocorrência lingüística bastante recorrente nos editoriais analisados. As
proposições 12, 14 e 26 apresentam a conclusão (nova tese) em várias partes do editorial.

Um outro fenômeno observável nesse editorial é a ciclicidade, ou seja, o


revezamento das unidades retóricas 3 e 4 de modo que os movimentos argumentativos do
texto podem ser sintetizados a partir da seguinte estrutura: Un3 – Un4 – Un3 – Un4 – Un3 –
Un4. O esquema abaixo também reproduz essa estrutura:

Dados Conclusão (nova tese)


(Un3) (Proposições 01 a 11) (Un4) (Proposição 12)

Dados Conclusão (nova tese)


(Un3) (Proposição 13) (Un4) (Proposição 14)

Dados Conclusão (nova tese)


(Un3) (Proposições 15 a 25) (Un4) (Proposição 26)

Quadro 6 – Movimento argumentativo do E45

O efeito de sentido da repetição, ou melhor, dizendo, a paráfrase da tese em


editoriais de jornais já havia sido comentada por Nascimento (1999). A autora interpreta esse
fenômeno como um recurso argumentativo utilizado pelo editorialista visando aumentar seu
poder persuasivo. Acredita-se que esse valor persuasivo é ampliado também com a ciclicidade
das unidades retóricas, já que são apresentados argumentos e logo depois a tese. O fato de se
repetir esse movimento argumentativo pode conduzir o leitor a reavivar em sua memória a
tese defendida.
115

Um outro aspecto que merece ser ressaltado através da análise desse editorial é
que nem toda proposição que contém certos conectivos como “mas” ou “porém”, por
exemplo, introduz uma restrição. A restrição é uma macroproposição que tem a função
textual de apresentar um “contraponto” ao que estava sendo colocado anteriormente. A
proposição 22 é um exemplo dessa afirmação.

E45 “(22) A alegação mais grave, porém, é que a Campo da Esperança Serviços Ltda.não
venceu a licitação.” (Correio Brasiliense, 22/02/2003)

Ressalta-se que de forma alguma essa proposição introduziu uma refutação, ao


contrário, o conectivo “porém”, nesse editorial, tem o papel de introduzir um argumento mais
contundente, mais forte. Como se pode ver, as macroproposições argumentativas são
identificadas necessariamente pela função que desempenham no texto editorial.

A aplicação do protótipo de seqüência argumentativa em editoriais de jornais


permitiu vislumbrar a forma como as macroproposições se atualizam em textos concretos.
Enquanto no protótipo apresentado por Adam (1992) as macroproposições estão muito bem
definidas, nos textos dos editoriais muitas vezes pode acontecer um imbricamento de unidades
que geram, por sua vez, alguma influência na análise das seqüências. O E56 apresenta no
corpo do texto dois imbricamentos da Un2 com a Un3. A análise a seguir revelará que
conseqüências podem acarretar esse imbricamento.
E56

DE OLHOS NA ONU

Só a ONU tem legitimidade para decidir qualquer tipo de sanção

“(01) O mundo ouviu com atenção a intervenção do secretário de Estado, Collin Segurança da ONU, sobre a
crise no Iraque. (02) O relatório fundamenta, com fotos e gravações, a acusação de que o Saddam Hussein está
enganando a equipe de inspetores das Nações Unidas que investiga a existência de armas de destruição em massa
no país, apresentando para isso resultados obtidos pelos serviços de inteligência. [Sub. 1.1]
(03) Os indícios apresentados pelos EUA são dignos de atenção por parte da comunidade internacional. (04)
Entretanto, não são provas incontestáveis, já que se trata de deduções ainda não devidamente confirmadas por
outros serviços de inteligência ocidentais. (05) O que adiantaram, entretanto, deixa uma impressão bastante
desfavorável ao governo iraquiano e leva a comunidade internacional a exigir respostas claras e rápidas de
Bagdá, pois as que têm sido apresentadas deixam muito a desejar. (06) Saddam Hussein não pode deixar dúvidas
de que atende às exigências das resoluções 886 e 1.441 das Nações Unidas: todas no sentido de que o país se
desfaça de qualquer armamento proibido pela comunidade internacional, após a Guerra do Golfo.
(07) Os EUA, no entanto, devem submeter seus dados ao exame da comunidade internacional para que sejam
examinados conjuntamente por todos os membros do Conselho de Segurança, de forma a permitir que os
especialistas de outros países dêem também seu parecer. [Sub.2.1] (08) O importante, porém, é que qualquer
decisão seja legitimada pelas Nações Unidas, não se permitindo decisões unilaterais, pois isso levaria à explosão
da ordem jurídica internacional, isto é, do pouco de institucionalidade conseguida, nesse campo, após a Segunda
Guerra Mundial nas relações entre Estados soberanos. [Un2/3]
(09) Se o Iraque tiver montado um esquema para burlar a ação dos inspetores da ONU, tratar-se-ia realmente de
uma violação à resolução 1.441, que exige a cooperação de Bagdá com o trabalho dos técnicos, e isso poderia
justificar por si só sanções mais graves. (10) As provas, contudo, precisam ser mais incisivas. (11) Para isso faz-
116

se necessário que a ONU crie mecanismos ainda mais eficazes de investigação, mobilizando os serviços de
inteligência dos membros do Conselho de Segurança para esse trabalho, exigindo do Iraque a remoção de todo e
qualquer obstáculo ao trabalho de investigação, inclusive, a proibição aos vôos de reconhecimento. (12) Esses
mecanismos devem ser ágeis, de maneira a permitir o acesso imediato e simultâneo a todos os lugares que os
inspetores acharem necessário, bem como às pessoas que possam dar informação, com todas as garantias para
sua segurança.
(13) Com essas medidas não haveria necessidade de se lançar mão da força e o desarmamento poderia ocorrer de
forma pacífica - se de fato os iraquianos tiverem o armamento de que são acusados. (14) O recurso à guerra será
a confissão do fracasso da comunidade internacional em criar uma ordem jurídica minimamente civilizada.
(15) O argumento dos EUA em favor do uso imediato da força, ainda mais de forma unilateral, sob o pretexto de
proteger a vida de seus cidadãos e de outros inocentes em todo o mundo, é contraditório quando tem como
conseqüência a morte de outros inocentes: o povo iraquiano. (16) Este não tem culpa de ter um dirigente
envolvido em ações delituosas (se forem verdadeiras as acusações), ainda mais quando sofre há 12 anos uma
punição por algo pelo qual não tem culpa direta: o embargo econômico. [Sub. 2.1]
(17) De qualquer forma, se o Iraque não conseguir responder às indagações feitas pelos EUA, e se esgotarem
todos os meios pacíficos para fazê-lo cumprir as resoluções da ONU, só a esta deve caber a legitimidade para
determinar a aplicação de outros recursos mais enérgicos para obter o resultado desejado. [Un2/Un3] (18)
Nenhum país, contudo, tem o direito de agir com as próprias mãos.” [Sub. 3.1] (O Povo, 06/02/2003)

Este editorial contém as três unidades retóricas distribuídas da seguinte forma: as


proposições 01 e 02 representam a Un1, enquanto que as outras proposições correspondem
principalmente à Un2. A Un1 corresponde aos dados que levam à tese anterior de que Saddam
está enganando a ONU. As proposições 03 e 04 introduzem uma restrição, visto que classifica
as provas apresentadas contra Saddam como “indícios” e não como “provas incontestáveis”.
Após esta refutação, são apresentados argumentos que irão sustentar a tese de que só a ONU
tem legitimidade para decidir a guerra.

A proposição 08 apresenta a Un2 imbricada com a Un3, ou seja, tem-se numa


mesma proposição duas macroproposições argumentativas: a conclusão (nova tese) e dados.
Os dados tratam das conseqüências desastrosas para a ordem jurídica internacional caso haja
uma decisão unilateral dos EUA de promover a guerra.

Pode-se afirmar que a conclusão (nova tese) está materializada na primeira parte
da proposição (“O importante, porém, é que qualquer decisão seja legitimada pelas Nações
Unidas, não se permitindo decisões unilaterais (...)”) e que os dados estão na segunda parte
(“(...) pois isso levaria à explosão da ordem jurídica internacional, isto é, do pouco de
institucionalidade conseguida, nesse campo, após a Segunda Guerra Mundial nas relações
entre Estados soberanos.”). A análise do corpus permitiu acrescentar que a identificação do
protótipo de seqüência argumentativa de Adam (1992) em textos reais nem sempre
corresponde a uma delimitação tão precisa das macroproposições, comparando com o
“modelo” desenhado no protótipo. Nesse sentido, pode-se ter numa mesma proposição a
realização de duas macroproposições.
117

Após a proposição 08 são apresentados mais dados. Na parte final do editorial, na


proposição 17, materializa-se novamente outra imbricação da conclusão (nova tese) com os
dados. Nessa proposição é mais complicado identificar quando começa e quando termina uma
ou outra macroproposição. Mais uma vez, esse exemplo confirma que em enunciados
concretos a seqüência argumentativa tem inúmeras possibilidades de realização, inclusive
através do imbricamento de macroproposições.

Os movimentos argumentativos desse editorial podem ser ilustrados no quadro


abaixo:
DADOS TESE ANTERIOR
(Un1) (Proposições 01 e 02) (implícita)

RESTRIÇÃO
(Un2) (Proposições 03 e 04)
+
DADOS CONCLUSÃO (NOVA TESE)
(Un2) (Un2/3) (Un2/3)
(Proposições 05 a 18) (Proposições 08 e17)
Quadro 7 – Movimento argumentativo do E56

Apresentando uma organização seqüencial atípica dentro do corpus analisado, o


E36 é constituído de uma seqüência explicativa dominada funcionando como dados
(argumentos) para ancorar a tese de que o governo Lula precisa conjugar as políticas sociais e
econômicas para garantir uma melhor distribuição de renda. O E36 está transcrito abaixo:

E36

A melhor distribuição da renda

“(01) A preocupação com o social, presente em todas as manifestações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
obriga os integrantes de sua equipe econômica a trabalhar em busca de um modelo que esqueça a antiga crença
de que é preciso fazer o bolo crescer para depois distribuí-lo. (02) O ministro da Fazenda, Antônio Palocci Filho,
destaca que o crescimento econômico não embute automaticamente um processo distributivo de renda. (03) E
lembra, com propriedade, que estudos disponíveis indicam que um impacto de 10% na distribuição da renda no
país teria o mesmo efeito na melhoria dos indicadores sociais que um crescimento de 3% do Produto Interno
Bruto durante 25 anos.
(04) A questão é como conjugar as políticas econômica e social, assegurando que se torne possível,
gradativamente, a melhoria da distribuição da renda. (05) A teoria parece correta, mas na prática, para que seus
resultados produzam os efeitos desejados, são inúmeros os problemas que precisam ser resolvidos. (06) Há uma
significativa parcela da população que não se integra ao processo econômico imediatamente, mesmo com a
retomada do crescimento. (07) É indispensável, para tanto, que políticas sociais atuantes sejam implementadas
para que esse segmento tenha acesso ao consumo, ainda que sem contar com emprego formal. (08) Um
instrumento poderoso para que se estabeleçam as premissas que poderão produzir melhor distribuição da renda
será o novo modelo do sistema fiscal que deverá resultar da reforma tributária, caso, de fato, como se espera,
118

contribua para uma autêntica justiça social.


(09) O importante é não apenas o governo insistir que a política econômica, por mais rígida que seja, tenha
reflexos positivos no campo social, mas que a sociedade desempenhe o seu papel, trabalhando com afinco para
que os objetivos pretendidos sejam alcançados. (10) É indispensável montar um mutirão nacional para que,
através de iniciativas sociais, criem-se as condições mínimas para que as classes menos favorecidas tenham
acesso ao consumo. (11) Mas é indispensável, também, que o governo crie as bases de um desenvolvimento
sustentado, melhorando os padrões de financiamento público e do crédito privado para os setores produtivos.”
[Sub.2.1] (Correio do Povo, 27/03/2003)

Os movimentos argumentativos desse editorial podem ser visualizados através do


seguinte esquema:

DADOS CONCLUSÃO (NOVA TESE)


(Un2)
(Proposições 01 a 03)
(Proposições 04 a 11)

P. expl. 1 P. expl. 2
(Proposições 04 a 06) (Proposições 07 a 11)
Quadro 8 – Movimento argumentativo do E36

De acordo com o que está exposto no Quadro 8 acima, todas as proposições


contidas no E36 constituem a Un2, ou seja, constituem dados que sustentam a tese de que o
governo Lula deve conjugar as políticas econômicas e sociais a fim de garantir uma melhoria
na distribuição de renda. As proposições 01 a 03 representam os dados que conduzem à tese
anterior de que o governo Lula está buscando uma nova política econômica para o país. A
partir da proposição 03 insere-se um seqüência explicativa.

Esta seqüência é constituída de duas macroproposições explicativas, sendo que a


P. expl. 1 faz o questionamento de como o governo deve agir para conjugar essas políticas. A
P. expl. 1 está expressa nas proposições 04 a 06. Nessas proposições é apresentado ao leitor
um dado objeto problemático: “A questão é como conjugar as políticas econômica e social,
assegurando que se torne possível, gradativamente, a melhoria da distribuição da renda.”. A
P. expl. 2 responde ao problema apresentado sugerindo algumas saídas possíveis de serem
realizadas. Corresponde, respectivamente, às proposições 07 a 11.

A conclusão (nova tese) não está explicitamente materializada no editorial,


contudo a proposição 04 que está estruturada numa forma de pergunta, contém o conteúdo
proposicional da conclusão. É bem atípica a percepção do conteúdo da tese na forma de
119

pergunta, contudo não se pode negar que a tese defendida no editorial é a de uma conjugação
do econômico com o social, visando uma melhoria na distribuição de renda. É complexo
afirmar que a tese se materializa na proposição 04, ao mesmo tempo em que é impossível não
perceber seu conteúdo proposicional. A solução proposta na presente pesquisa é considerar
que a idéia da tese está contida na estrutura de pergunta da proposição 04.

Um outro questionamento advindo da análise da seqüência explicativa é o que diz


respeito ao “como” constituindo uma seqüência explicativa ou não. Essa consideração é
resultado das lacunas deixadas por Adam (1992) na descrição do protótipo de seqüência
explicativa. No caso específico desse editorial, optou-se por considerar uma seqüência
explicativa devido ao caráter de justificação contido nas proposições 04 a 11.

Enquanto no E36 visualizou-se a presença de uma seqüência explicativa inserida


na Un2, no E08, visualizar-se-á a presença de seqüências descritivas dominadas tanto na Un1
quanto na Un2. O E08 está transcrito abaixo:

E08
De olho no crime

“(01) Um olho no contrabando de armas e outro na corrupção policial. (02) Esta é a síntese do discurso de posse
do diretor-geral da Polícia Federal, delegado Paulo Lacerda. (03) Direto e objetivo. (04) Prometendo apertar o
cerco à entrada de armamentos que alimentam o poder de fogo dos bandidos e reprimir duramente a corrupção
de policiais. [Sub. 1.1] (05) Para Lacerda, tráfico de drogas, assaltos, seqüestros e roubo de cargas acontecem em
boa medida pela facilidade de acesso às armas. (06) Acobertada pela corrupção de agentes da lei que alugam sua
farda ou seus distintivos aos bandidos, inibindo ou atrapalhando o combate mais efetivo ao crime. (07)
Sobretudo o crime organizado, que tem dinheiro e ousadia suficientes para comprar o silêncio, a omissão e a
cumplicidade dos maus policiais.
(08) O desafio é grande. (09) Conforme reconhecido pelo próprio diretor da PF, enquanto a sociedade gastava
tempo e discurso para saber a quem cabia o combate ao contrabando de armas, a bandidagem ganhava tempo e
atrevimento para se organizar. (10) O crime no Brasil cresceu de proporções. (11) A violência foi banalizada até
atingir limites insuportáveis. (12) A vida humana - valor absoluto - foi relativizada diante do cano da arma
homicida. (13) E tudo sob o olhar alarmado da população e a vista grossa dos maus policiais. (14) Muitos deles,
indo além da simples omissão em seu dever de combater o crime. (15) Tornaram-se parceiros da bandidagem.
(16) Passaram a viver do dinheiro farto do contrabando e tráfico de armas.
(17) O acesso cada vez mais facilitado às armas ilegais não podia ter resultado em tragédia maior. (18) Cidades
inteiras loteadas pelo crime, que delimita os espaços e classifica as áreas por onde a população ordeira pode ou
não pode circular livremente. (19) Ruas fechadas por constantes tiroteios ou paralisadas nas barreiras das blitzes
da marginalidade, onde a ordem paga pedágio ao crime. (20) E, em áreas conflagradas pela violência sem limite,
bandos de menores infratores, adolescentes recrutados para o tráfico de tóxicos, brincando perigosamente com a
crueldade. (21) Brincando de matar, de roubar, de barbarizar suas vítimas. (22) Tudo por conta e em nome da
facilidade com que as armas chegam até o crime.
(23) O novo diretor da Polícia Federal ostenta currículo profissional que o habilita à tarefa a que se propõe. (24)
Currículo, disposição e apoio do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que é do ramo. (25) Advogado
criminalista há mais de 40 anos, acompanhou profissionalmente a escalada do crime, e prega mudanças em nome
de ''milhões de destituídos carentes de segurança pública''. [Sub. 2.1]
(26) A Polícia Federal sabe exatamente por onde começar. (27) Agora, é agir.” (Jornal do Brasil, 10/01/2003)
120

O E08 defende a tese de que os caminhos escolhidos pela Polícia Federal no


combate à criminalidade são adequados. No início do texto, o editorialista descreve o discurso
do novo diretor para em seguida apresentar argumentos que conduzirão à tese. Ao apresentar
seus argumentos, o editorialista utiliza-se de seqüências descritivas. A primeira descrição da
Un3 é da “tragédia maior”, ou seja, das cidades loteadas pelo crime. A segunda descrição é a
do novo diretor da Polícia Federal do Ceará. Ambas têm o objetivo de reforçar a
argumentação: a primeira descreve a tragédia das cidades como argumento para valorizar a
decisão da Polícia Federal e considerá-la extremamente necessária diante da situação em que
se encontram as cidades; e a segunda visa mostrar as qualificações do novo diretor da Polícia
Federal a fim de assegurar aos leitores a possibilidade de realização de sua proposta (combate
ao contrabando de armas e à corrupção policial). Pode-se descrever os movimentos
argumentativos do E08 da seguinte forma:

DADOS CONCLUSÃO (NOVA TESE)


(Un1) (Un3)
(Proposições 01 a 03) (Proposições 26 e 27)

Seq. Descritiva (Inserida)


+
(Un2)
(Proposições 04 a 25)
(Proposições 17 a 21) (Proposições 23 a 25)

Seq. Descritiva Seq. Descritiva


(Inserida) (Inserida)
Quadro 9 – Movimento argumentativo do E08

Como se pode ver a Un1 e a Un2 compõem os dados (macroproposição


argumentativa 1) da seqüência argumentativa dominante. Na Un1 há uma descrição do
conteúdo do discurso e somente na Un2 é que são apresentados argumentos que reforçam o
discurso do delegado Paulo Lacerda. Como havia sido colocado no capítulo 4, a Un1 não se
constitui argumento da conclusão (nova tese), aparentemente pode-se imaginar que essa
afirmação entre em contradição com a decisão de considerar nesse editorial a Un1
pertencendo aos dados. Essa opção justifica-se porque a descrição contida na Un1 não conduz
a nenhuma tese anterior, ela pode muito bem inserir-se nos dados que levam à conclusão
(nova tese) apesar de não representar diretamente um argumento da tese. Contudo, vale
ressaltar que os argumentos que conduzem à tese partem do conteúdo do discurso do delegado
121

Lacerda. As seqüências descritivas contidas na Un2 podem ser esquematizadas no Quadro 10


a seguir:

Cidades loteadas pelo crime

ASPECTUALIZAÇÃO REFORMULAÇÃO
Pd. PART. Tragédia maior

Ruas fechadas Ruas paralisadas Bandos de Adolescentes recrutados


por constantes nas barreiras das menores para o tráfico de tóxicos,
tiroteios blitzes da marginalidade, infratores brincando perigosamente
a ordem paga pedágio com a crueldade.
ao crime. Brincando de matar,
de roubar, de barbarizar
suas vítimas.
Quadro 10 – Recorte de uma seqüência descritiva do E08

O editorialista inicia a descrição das cidades loteadas pelo crime através de um


procedimento de ancoragem por reformulação (tragédia maior). Em seguida, é que ele faz a
aspectualização do tema-título a partir do procedimento de descrição das partes (ruas, bandos
e adolescentes). Após abrir um espaço para a descrição dessa “tragédia maior”, a proposição
27 retoma a argumentação de que essa “tragédia maior” que foi descrita nas proposições
anteriores é resultado “da facilidade com que as armas chegam até o crime”.

No próximo parágrafo insere-se mais uma descrição: a do delegado Paulo


57
Lacerda . Como já foi colocado anteriormente, essa descrição tem o fito de reforçar a tese (a
Polícia Federal escolheu os caminhos certos no combate à criminalidade), na medida em que
enaltece a figura de Paulo Lacerda colocando-o como profissional capacitado para realizar o
“desafio” proposto pela Polícia Federal.

Como se pode ver, as seqüências descritivas presentes no E08 estão inseridas


dentro de uma seqüência dominante que é a argumentativa, ou mais especificamente, estão
inseridas dentro da macroproposição argumentativa 1, constituindo-se dados que sustentam a
tese.

O último editorial que será analisado contém um movimento argumentativo


bastante peculiar, isto é, apresenta mais de uma tese anterior antecedendo a conclusão (nova

57
O esquema da seqüência descritiva dessa passagem já foi descrito na pág. 106.
122

tese). O E11 está transcrito abaixo:

E11
Economia de guerra

“(1) Após a intervenção do secretário de Estado americano, Colin Powell, no Conselho de Segurança da ONU, a
sorte está lançada. (2) Falta apenas conhecer o dia e a hora em que começará a guerra dos Estados Unidos
contra o Iraque. (3) Se a guerra é inevitável, resta aos demais países se preparar para seus reflexos negativos na
economia mundial. (4) O preço do petróleo já está subindo e a atividade industrial dos dois lados do Atlântico
não dá sinais de recuperação. [Sub. 1.1] (5) No que diz respeito ao Brasil, o governo Lula tem agido de forma
inteligente ao se antecipar aos efeitos do conflito.
(6) Brasília não pretende ficar a reboque dos fatos. (7) Mais do que nunca, é melhor prevenir do que remediar.
(8) É bem-vinda a linha de ação apresentada pelo ministro da Fazenda, Antônio Palocci, no sentido de evitar
impacto maior sobre a inflação. (9) Caso se confirmem a elevação da taxa de câmbio e a pressão no preço do
petróleo, o governo oferecerá subsídios à população de baixa renda para a compra de gás de cozinha. (10)
Haverá maior esforço em relação às exportações - pois a crise abre mercados e oportunidades. E serão
preservados, a qualquer custo, os programas sociais.
(11) Sem dúvida, o governo Lula posicionou-se corretamente em relação à guerra. [Sub.2.1] (12) Mas poderia
tirar do momento internacional proveito ainda maior. (13) É hora de efetuar um ataque frontal às deficiências da
economia. [Sub.2.1] (14) Se o Brasil fizer sacrifícios agora, sairá mais forte doa conflito que se anuncia.
[Un3/4]
(15) O clima de economia de guerra permitirá que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva adote três
providências básicas. (16) A primeira delas - se necessário - será um choque de juros para reverter a expectativa
inflacionária. (17) Contra o risco de alta generalizada dos preços, não bastará aumentar os juros em meio ponto
percentual. (18) A dose deverá ser muito mais forte.
(19) Outra medida - aparentemente antipática - será o corte radical das despesas públicas. (20) Mesmo que
sejam preservados os gastos de cunho social, nada impedirá que outras áreas da administração pública passem
pelo fio do facão. (21) O aumento dos impostos está fora de cogitação. (22) É alternativa esgotada, como mostra
o editorial abaixo.
(23) Como desfecho, o governo terá de convencer o Congresso a aprovar o conjunto de reformas no prazo mais
curto possível. (24) Não há mais tempo para reuniões intermináveis. (25) As discussões estão maduras e as
reformas se impõem.
(26) Os Estados Unidos vão à guerra. (27) Isso, em princípio, poderá atrapalhar o sucesso do governo
Lula.[Sub.2.1] (28) Mas também poderá ajudar. (29) Basta fazer as escolhas certas.” (Jornal do Brasil,
06/02/2003)

O E11 defende a tese de que a guerra entre Estados Unidos e Iraque poderá
beneficiar o Brasil. O editorialista contextualiza o leitor apresentando a informação de que em
época de guerra os países devem organizar de uma forma específica suas economias. Como
ficou esclarecido no capítulo 4, o conteúdo proposicional da Un1 não se constitui argumento
para a conclusão (nova tese).

Numa tentativa de aplicar o protótipo de seqüência argumentativa de Adam


(1992), como também buscar uma aproximação desse protótipo com a divisão das unidades
retóricas, observou-se que a Un1 constitui-se de dados que conduzem à tese anterior
(macroproposição argumentativa 0); parte da Un2, respectivamente as proposições 05 a 11
também constituem-se dados que conduzem à tese anterior (macroproposição argumentativa
0); outra parte da Un2, respectivamente as proposições 13 a 27, representam os dados
123

(macroproposição argumentativa 1); e a Un3 constitui a conclusão (nova tese)


(macroproposição argumentativa 3) e está representada pelas proposições 12, 28 e 29 e parte
da proposição 14. A restrição (macroproposição argumentativa 4) aparece duas vezes no texto
e introduz a Un3.

É interessante observar como a argumentação vai progressivamente se


construindo no decorrer do texto editorial. Primeiro, o editorialista argumenta sobre a
necessidade de uma “economia de guerra”, logo em seguida apresenta os primeiros
movimentos do Brasil nesse sentido, e por último apresenta as medidas classificadas pelo
editorialista como “certas” para que a guerra chegue a beneficiar o Brasil. A Un1 introduz
dados que conduzem à tese anterior explícita de que os países precisam se preparar para os
efeitos negativos da guerra. A proposição 03 apresenta a seguinte estrutura “Se p, então q”, ou
seja, “se a guerra é inevitável, resta aos demais países se preparar para seus reflexos na
economia mundial”. Através dessa observação demonstra-se o que Adam (1992) já havia
comentado na exposição de seu protótipo: a tese anterior (P. arg. 0) pode estar subentendida.
A possibilidade apresentada pelo autor deixa inferir que a tese anterior pode também não vir
subentendida, como no caso desse editorial.

As proposições que iniciam a Un2 ainda apresentam argumentos que defendem a


tese anterior, especificamente, constituem-se dados que comprovam que o Brasil está se
preparando para enfrentar os efeitos maléficos da guerra. As proposições 05 a 11 que
compõem a Un2 também conduzem à tese anterior.

O operador argumentativo “mas” introduz a Un3 sob a forma de uma restrição ou


refutação ao que havia sido afirmado anteriormente. A restrição “a menos que” o Brasil tome
certas medidas, a guerra pode beneficiar o país (conclusão – nova tese). O que é interessante
observar na materialização da restrição nesse editorial é que o “mas” introduz a indicação do
ponto de vista da empresa jornalística.

Um outro aspecto que já foi comentado anteriormente é que em textos


argumentativos reais as macroproposições argumentativas podem estar imbricadas numa só
proposição. A proposição 14 é um exemplo dessa afirmação. Essa proposição apresenta a
seguinte estrutura “Se p, então q”, a primeira parte do enunciado representa uma restrição
(“Se o Brasil fizer sacrifícios agora”) e a segunda parte a conclusão (nova tese) “sairá mais
forte do conflito que se anuncia.”. A imbricação de algumas macroproposições foi uma
124

ocorrência que se observou em alguns editoriais analisados anteriormente.

A consideração de que a relação dados – conclusão pode se dar num movimento


progressivo ou regressivo pôde no corpus analisado ser ampliada. Especificamente, nesse
editorial, a conclusão (nova tese) se materializa mais de uma vez.

A segunda parte da Un2 apresenta dados que estão diretamente sustentando a tese.
O editorialista apresenta uma série de providências que poderá levar o Brasil a “tirar proveito”
da guerra. Pode-se citar: choque de juros, corte radical das despesas públicas e aprovação de
um conjunto de reformas. As proposições 15 a 25 apresentam as “escolhas certas” que o
Brasil deverá fazer. As proposições 26 e 27, por sua vez, retomam o argumento de que a
guerra pode prejudicar o governo Lula para reafirmar a sugestão de que o Brasil precisa
adotar as providências sugeridas no editorial. Mais uma vez o editorialista apresenta uma
restrição que conduz à conclusão (nova tese).

O E11 não apresenta nenhuma seqüência inserida, mecanismo esse que apresentou
uma certa recorrência no corpus analisado. Os movimentos argumentativos desse editorial
podem ser visualizados no Quadro 11 abaixo:

Seqüência 1 Dados Tese Anterior


Un1 (Proposição 1 a 4)
Seqüência 2 Dados Tese Anterior
Un2 (Proposição 5 a 11)

Dados Restrição Conclusão (nova tese)


Un2 (Proposição 13 a 27) Un2 Un3 (Proposições 12, 14, 28 e 29)

Quadro 11 – Movimento argumentativo do E11

A visualização dos movimentos argumentativos desse editorial confirma o que


Adam (1992) ressalta sobre uma propriedade da tese anterior que é a possibilidade de se
constituir seqüências encaixadas dentro de uma dada seqüência argumentativa.

Após uma análise qualitativa dos dados, fez-se necessário abrir uma seção
específica para que se possa demonstrar as inquietações encontradas na aplicação do protótipo
de seqüência argumentativa, como também levantar algumas reflexões sobre o modelo
proposto por Adam (1992).
125

5.5 Descrição do percurso de análise dos dados: limitações, dificuldades e contribuições

Ao apresentar um protótipo de seqüência argumentativa, Adam (1992) expõe em


algumas passagens de seu texto a existência de uma variedade de modos de organização
textual argumentativa, porém esclarece que mesmo com uma ausência de homogeneidade
não se torna impossível a formulação de uma hipótese seqüencial. Segundo o autor, seu
protótipo funda-se na possibilidade do reconhecimento pelos locutores de uma forma
prototípica de seqüência argumentativa de base. Nesse sentido, a existência de um protótipo
de seqüência argumentativa representa tão somente a possibilidade de apresentar um “padrão”
de regularidade composicional.

Nessa perspectiva, muitas das dificuldades encontradas na aplicação do protótipo


de seqüência argumentativa de Adam (1992) se deu pelas limitações impostas pelo próprio
modelo escolhido em contraposição aos dados organizados de formas tão diversificadas. A
questão não é que o protótipo de Adam (1992) tenha um caráter restritivo, mas utilizar um
modelo no tratamento dos dados já pressupõe a adequação dos dados ou do modelo.

A primeira grande dificuldade na análise da seqüência argumentativa foi


exatamente o confronto dos dados com as análises seqüenciais realizadas pelo autor. Ao
contrário de Adam (1992), os textos analisados na presente pesquisa são mais extensos e têm
uma macroestrutura argumentativa mais complexa do que frases e pequenos textos.

Uma outra dificuldade foi a aproximação entre as unidades retóricas e o protótipo


de Adam (1992). No início, buscava-se uma justa medida entre os dois modelos, um
encaixamento perfeito. Uma constatação foi a percepção de que é impossível se fazer uma
correspondência biunívoca entre as unidades retóricas e as macroproposições argumentativas,
de modo que uma dada unidade retórica se relacione a uma dada proposição argumentativa.
Fizeram-se necessárias várias revisões para se chegar a uma relação mais próxima entre
unidades retóricas e seqüências textuais.

Uma outra dificuldade foi o aprisionamento aos aspectos formais na análise dos
dados. A valorização dos aspectos funcionais representou um julgamento mais coerente nas
tomadas de decisões que se precisou fazer durante a análise dos dados. Por exemplo, uma
proposição introduzida por um “mas” não implica a realização de uma restrição, ou uma
proposição introduzida por um “para tanto” não implica em uma conclusão (nova tese).
126

A análise dos dados permitiu verificar alguns movimentos argumentativos que


não se encaixavam na definição de uma das macroproposições propostas pelo autor. A tese
anterior (P. arg. 0), exemplificada por Adam (1992) como uma conclusão que se opõe à
conclusão (nova tese), não abarcava a realização de uma tese anterior incompleta
materializada em alguns dados do editorial. O contato com os dados também possibilitou a
percepção de que a restrição dentro do editorial de jornal é capaz de gerar uma contra-
argumentação, como também é capaz de ampliar uma tese anterior.

Essas constatações permitiram o levantamento de algumas considerações: a


primeira, a tese anterior deveria representar tão somente uma conclusão parcial da conclusão
(nova tese); a segunda, é possível a realização de restrição à tese anterior, contudo essa
refutação visa a ampliar a tese, conduzindo a orientação argumentativa do editorial à
conclusão (nova tese); e, a terceira, é possível também a realização de restrição aos dados que
ancoram a conclusão (nova tese), contudo essa refutação conduz os dados a uma contra-
argumentação.

No que se refere aos dados e à conclusão (nova tese), essas macroproposições


constituem a seqüência de base da seqüência argumentativa. Adam (1992) acrescenta a essas
macroproposições básicas a ancoragem de inferências.

Tomando-se como base para a seqüência argumentativa os dados e a tese, sugere-


se a ampliação do protótipo de seqüência argumentativa baseada nas seguintes
macroproposições:

1º) Tese anterior: indica uma conclusão inicial ou parcial da conclusão (nova tese);

2º) Dados: argumentos que sustentam a tese anterior, a conclusão (nova tese) e a contra-
conclusão;

3º) Regras de Inferências: princípios gerais que fundamentam a passagem dos dados à
conclusão;

4º) Restrição: junta-se aos dados e indica um contraponto na argumentação que está sendo
realizada. Pode-se fazer restrição à tese anterior, à conclusão (nova tese) e à contra-conclusão;

5º) Contra-conclusão: tese que se opõe à conclusão (nova tese);


127

6º) Conclusão (nova tese): ponto de vista principal que é defendido no texto.

Considerando o que expôs Adam (1992), ressalta-se que os únicos elementos


considerados indispensáveis na constituição de uma seqüência argumentativa são a existência
de dados e de uma conclusão. Esclarece-se, ainda, que, desses dois constituintes da seqüência
de base, somente a conclusão ou tese pode ser inferida dos dados apresentados.

Tem-se ciência da limitação de qualquer modelo, contudo as considerações feitas


ao protótipo de Adam (1992) sustentam-se numa análise criteriosa de dados e nas lacunas
deixadas pelo protótipo na aplicação deste a editoriais de jornais. Essas considerações
pretendem, portanto, facilitar a aplicação do protótipo de seqüência argumentativa em textos
de variados gêneros.
128

Considerações finais

Nessa unidade retórica, tem-se como propósito comunicativo realizar o


encerramento do texto da dissertação e de consolidar o espaço da pesquisa através das
seguintes subunidades retóricas: uma apresentação dos pontos de destaque, principalmente os
pontos que estão relacionados às questões levantadas na introdução, algumas implicações
teóricas e aplicadas e, por fim, sugestões para pesquisas posteriores.

Em função da natureza argumentativa do gênero, o propósito principal da


pesquisa de descrever a organização textual argumentativa em editoriais produzidos na
imprensa brasileira foi desenvolvido a partir da realização de dois objetivos específicos: (a)
investigar como se dá a distribuição das informações e (b) analisar como se materializam as
seqüências textuais.

O primeiro desses objetivos específicos gerou a seguinte questão: quais as


estratégias de organização das informações em editoriais de jornais? Essa problematização
orientou a busca de traços de prototipicidade na condução das informações. A análise
exaustiva dos exemplares do corpus possibilitou uma formalização didática da estrutura
composicional de editoriais de jornais. O modelo CARS de Swales (1990) mostrou-se
apropriado para dar conta da existência das unidades e subunidades retóricas, contudo o
percentual de ocorrências das unidades em diversas posições não foi suficientemente seguro
para descrever um “padrão” de organização retórica, tendo em vista a prevalência da Un2
(argumentação sobre a tese) em quase todas as posições, exceto na primeira posição em que
houve também uma recorrência da Un1 (contextualização do tema). Nesse sentido, fez-se
necessário apoiar-se em outros critérios, tais como a análise do percentual de ocorrência da
tese (Un3), se no início ou no final do editorial, como também apoiou-se nas informações
apresentadas por Lage (s/d) que indicam que a opinião da empresa jornalística é, geralmente,
apresentada no final do editorial, e por Nascimento (1999) que verificou a realização da tese
também no final do editorial em 90% de seu corpus.

Esclarece-se que a proposição de um “padrão” de organização retórica para


editoriais de jornais não tem um caráter prescritivo, até porque os dados revelaram muitas
variações nas modalidades de conduzir as informações, comprometendo a identificação de um
protótipo de organização retórica baseado somente no índice de ocorrência das unidades
129

retóricas nas diversas posições de ocorrência. Nesse sentido, o “padrão” desenhado na


presente pesquisa não representa uma estrutura composicional prioritária utilizada na
distribuição das informações por parte dos jornalistas, tendo em vista que o estilo individual
de conduzir a argumentação aponta para uma flexibilidade significativa no modo como se
organizam as unidades retóricas.

O segundo dos objetivos específicos partiu das seguintes questões:

► Que relação pode ser estabelecida entre as macroproposições argumentativas e as unidades


retóricas?

► Como se dá o movimento argumentativo em editoriais de jornais se numa ordem


progressiva (dados-conclusão) ou numa ordem regressiva (conclusão-dados)?

► Que seqüências inseridas se subordinam a argumentativa em editoriais de jornais?

Após um processo de análise qualitativa de todo o corpus foi possível traçar um


paralelo entre as unidades retóricas e as macroproposições argumentativas, ressalva-se,
contudo, que a busca por essa aproximação não pode ter um caráter prescritivo no sentido de
normatizar essa relação. No quadro abaixo delineou-se a seguinte aproximação:
Macroproposições argumentativas Unidades retóricas
Macroproposição argumentativa 0 (tese anterior) Un1 (contextualização do tema)
Un2 (argumentação sobre a tese)
Macroproposição argumentativa 1 (dados) Un2 (argumentação sobre a tese)
Un1/2 (imbricamento de unidades)
Un2/3 (imbricamento de unidades)
Macroproposição argumentativa 3 (conclusão (nova Un3 (indicação da posição do jornal)
tese) Un1/3 (imbricamento de unidades)
Un2/3 (imbricamento de unidades)
Macroproposição argumentativa 4 (restrição) Un2 (argumentação sobre a tese)
Quadro 12 – Quadro resumitivo da relação entre as unidades retóricas e as
macroproposições argumentativas

Ressalta-se que os imbricamentos se constituíram casos específicos na


aproximação entre as unidades retóricas e as macroproposições. Particularmente, em
imbricamentos das unidades 2 e 3 se tornou impossível não se considerar também a
superposição das macroproposições argumentativas dados e conclusão (nova tese), de modo
que esse tipo de imbricamento possibilitou sua localização na macroproposição dados e na
130

macroproposição conclusão (nova tese). Dessa forma, a aplicação do protótipo de seqüência


argumentativa em editoriais de jornais possibilitou vislumbrar como as macroproposições
argumentativas podem se atualizar em textos concretos. A existência de imbricamentos, por
exemplo, implica a sobreposição de macroproposições.

A análise da distribuição das informações já havia revelado uma particularidade


na textualização da tese em várias passagens em editoriais de jornais. Essa forma de
manifestar a opinião da empresa jornalística representou um índice de ocorrência de 38,59%,
isso sem considerar que 5% do corpus possuía a tese implícita. Por outro lado, verificou-se
que o modo de argumentação progressiva revelou-se bastante recorrente, respectivamente
40,35% do corpus apresentou a seguinte estrutura textual: dados-conclusão. Essa constatação
vai ao encontro da estrutura composicional propostas por Lage (s/d) e dos resultados
verificados por Nascimento (1999).

Ao aplicar o protótipo de seqüência argumentativa em editoriais de jornais


confirmou-se o que Adam (1992) reforça em todos os seus estudos: a existência de uma
heterogeneidade textual compondo os textos. Foi através da aproximação das unidades
retóricas com as macroproposições que se verificou no corpus a presença de seqüências
descritivas e explicativas funcionando como seqüências inseridas. O quadro abaixo apresenta
que macroproposições e unidades retóricas continham essas seqüências dominadas.

Macroproposições argumentativas/ Unidades Seqüências inseridas


retóricas
Tese anterior/ Un1 Seqüência descritiva
Seqüência explicativa
Dados/Un2 Seqüência descritiva
Seqüência explicativa
Quadro 13 – Seqüências inseridas em editoriais de jornais

Esclarece-se que na textualização da macroproposição argumentativa 1 (tese


anterior) constatou-se uma maior recorrência da seqüência descritiva funcionando como
seqüência dominada, isso comparando-se com a realização da seqüência explicativa. Já na
textualização da macroproposição 2 (dados), a recorrência foi de proposições eminentemente
argumentativas ao mesmo tempo em que se verificou um equilíbrio na realização das
seqüências descritivas e explicativas funcionando como seqüências dominadas.
131

O estudo das seqüências textuais também propiciou a aplicação do protótipo em


textos mais extensos, diferentemente de Adam (1992) que, na maioria das vezes, realizava sua
análises em frases e textos de dimensão menor que o editorial de jornal. Ressalta-se também
que a decisão de considerar as seqüências numa perspectiva muito mais funcional que formal
permitiu uma análise lingüística mais próxima da concepção de língua de Bakhtin (1997,
2002).

Pode-se afirmar que uma das contribuições desta pesquisa seja o olhar lingüístico
que se lançou sobre a organização textual em editoriais de jornais, ou seja, mesmo
apresentando um “padrão” de organização retórica de caráter didático, o desvelamento da
existência de três unidades retóricas claramente recorrentes em editoriais de jornais propicia
uma colaboração de base teórica no que diz respeito às orientações sugeridas nos manuais de
redação e estilo que, na maioria das vezes, são lacunosos em relação à estrutura
composicional do gênero.

Um outro aspecto que pode ser destacado na presente pesquisa é que a descrição
das unidades retóricas revelou a função comunicativa de editoriais de jornais, de modo a
confirmar a concepção de gênero de Swales (1990) como uma classe de eventos
comunicativos que tem propósitos comunicativos específicos e variam em sua prototipicidade.
Ressalta-se esses dois pontos abordados por Swales (1990) porque se considera que o
propósito comunicativo de convencer o interlocutor de um determinado ponto de vista
constitui-se a base lógica em editoriais, apesar da variação com que foram conduzidas as
informações nos exemplares analisados.

A concepção bakhtiniana de gêneros como “tipos relativamente estáveis” também


é reforçada na constatação de uma padronização e ao mesmo tempo da flexibilidade
observada em sua organização retórica. Contudo, o que é também relevante destacar é a
observação na estrutura composicional de editoriais de jornais de marcas textuais que
comprovam sua concepção interativa da linguagem, seja através do recurso de autoridade
polifônica, seja através da seleção de argumentos, seja no dialogismo constitutivo em
editoriais, principalmente, no embate de posições divergentes na subunidade 2.1
(argumentando convergentemente) e na subunidade 2.2 (argumentando divergentemente),
dentre outros aspectos. Enfim, o estudo da organização textual argumentativa em editoriais
de jornais reforça a concepção de enunciado como um elo na correia da comunicação verbal.
132

Uma contribuição que se considera fundamental na presente pesquisa é a tentativa


de aproximar o “padrão” de organização retórica em editoriais de jornais com as
macroproposições que constituem o protótipo de seqüência argumentativa. Ao mesmo tempo
o contato com os dados propiciou que se sugerisse um redimensionamento do protótipo de
seqüência argumentativa de Adam (1992). É evidente que não se considera a questão
resolvida, até porque a existência de uma tipologia já pressupõe, por outro lado, a existência
de alguns fenômenos que possam não ser tão obviamente identificados. Pelo contrário, a
apresentação desse redimensionamento do protótipo deve se constituir como uma
contribuição para as discussões sobre seqüência argumentativa. Nesse sentido, a sugestão para
um protótipo de seqüência argumentativa deveria levar em consideração as seguintes
macroproposições:

1º) Tese anterior: indica uma conclusão inicial ou parcial da conclusão (nova tese);

2º) Dados: argumentos que sustentam a tese anterior, a conclusão (nova tese) e a contra-
conclusão;

3º) Regras de Inferências: princípios gerais que fundamentam a passagem dos dados à
conclusão;

4º) Restrição: junta-se aos dados e indica um contraponto na argumentação que está sendo
realizada. Pode-se fazer restrição à tese anterior, à conclusão (nova tese) e à contra-conclusão;

5º) Contra-conclusão: tese que se opõe à conclusão (nova tese);

6º) Conclusão (nova tese): ponto de vista principal que é defendido no texto.

Uma implicação para o ensino da presente pesquisa é a operacionalização do


estudo de seqüência argumentativa a partir da exploração do gênero editorial de jornal. É
possível a proposição de exercícios que tenham como objetivos a identificação da tese, dos
argumentos que sustentam a tese, de argumentos conflitantes no editorial (se houver), dentre
outras atividades didáticas. Essa percepção já tinha sido apresentada por Nascimento (1999, p.
161) quando a autora afirma que “a análise de editoriais (prosa formal não literária) capacita o
aluno a redigir seu próprio texto argumentativo. Ele tem diante de si um modelo vivo,
presente no seu dia-a-dia. Dessa forma, o educando estará exposto a um exemplo concreto e
não terá que memorizar regras ultrapassadas.”. Contudo, é possível, ainda, do estudo sobre
argumentação realizado em editoriais transferir os conhecimentos construídos para outros
133

gêneros textuais em que a argumentação também se apresente em seu grau máximo58.

A realização da presente pesquisa também vislumbrou propiciou a percepção de


novos estudos que podem ser realizados, seja explorando-se outros fenômenos lingüísticos em
editoriais, seja ampliando o estudo da seqüência argumentativa em outros gêneros textuais,
enfim são muitas as possibilidades que se abrem para a concretização de novos estudos. A
seguir, serão citadas algumas sugestões de continuidade desta pesquisa.

Na aplicação da seqüência argumentativa em editoriais de jornais foi possível


vislumbrar a composição heterogênea desse plano de texto, de modo que se identificaram
seqüências descritivas e explicativas funcionando como seqüências dominadas dentro da
seqüência argumentativa. Nesse sentido, é interessante analisar como se estruturam as
seqüências dominadas, isto é, ao funcionarem como seqüências inseridas realizam as mesmas
macroproposições propostas nos protótipos de Adam (1992)?

A identificação, algumas vezes, das unidades retóricas se tornou possível pela


identificação dos tópicos frasais, sugere-se, então, a exploração da relação entre as unidades
retóricas e os tópicos frasais em editoriais de jornais. Sobre organização retórica, um estudo
diacrônico desse gênero pode demonstrar dentre outros aspectos que possam vir a ser
explorados, se a estrutura composicional em editoriais sofreu alterações no decorrer dos
tempos e quais alterações podem ser destacadas. Já existe um indicativo dessa modificação na
própria nomeação do gênero que antes denominava-se artigo de fundo e era redigido pelo
proprietário do jornal e apresentava um “estilo empolado, preciosista, eloqüente e destrutivo”
(GUIMARÃES, 1992, p. 26).

Finalmente, um estudo da descrição do gênero editorial de jornal pode lançar


luzes sobre a classificação proposta por Beltrão (1980) na medida em que se possa estabelecer
critérios claros e objetivos na busca de uma classificação para exemplares de editoriais.
Convém também destacar o que propõe Swales (1990) sobre a nomenclatura de gêneros numa
dada comunidade discursiva. Sabe-se que os propósitos comunicativos que caracterizam
editoriais de jornais e de revistas por exemplo não são os mesmos, caberia, portanto, um
estudo comparativo de sua estrutura composicional, por exemplo, a fim de identificar os
pontos de divergência e os pontos de convergência que podem ser destacados em relação às
estratégias de distribuição das informações.
58
Refere-se aqui a argumentação no sentido de estudo da seqüência argumentativa e não à argumentatividade
que está presente em todos os textos.
134

Cabe, ainda, acrescentar que não se teve a intenção de esgotar a análise da


estrutura textual argumentativa em editoriais de jornais, de modo que as sugestões
apresentadas nesta seção se constituem apenas em algumas das inúmeras possibilidades de
realização de pesquisas posteriores.
135

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139

ANEXO – Tabela A (Distribuição das unidades retóricas por ordem de ocorrência)

EDITORIAIS POSIÇÃO DAS UNIDADES RETÓRICAS

1ª 2ª 3ª 4ª 5ª 6ª 7ª 8ª 9ª 10ª

E01 Un1 Un2 Un3

E02 Un1/2 Un2 Un3

E03 Un1/2 Un2 Un3 Un2

E04 Un2 Un3 Un2 Un3

E05 Un1/2 Un2 Un3 Un2 Un3 Un2

E06 Un2 Un3 Un2 Un3

E07 Un1 Un3 Un2 Un3 Un2 Un3

E08 Un1 Un2 Un3

E09 Un2 Un3 Un2

E10 Un2 Un3 Un2

E11 Un1 Un2 Un3 Un2 Un2/3 Un2 Un3

E12 Un2 Un3 Un2 Un3 Un2/3 Un2

E13 Un1/3 Un2 Un3

E14 Un3 Un2

E15 Un1/2 Un2 Un3 Un2

E16 Un1 Un2/3 Un2 Un2/3 Un2

E17 Un1/2 Un2 Un1 Un2 Un3

E18 Un2 Un3

E19 Un1/2 Un2 Un3 Un2

E20 Un3 Un2 Un3 Un2

E21 Un1/3 Un2 Un2/3 Un2

E22 Un3 Un2 Un2/3 Un2


140

E23 Un1 Un2

E24 Un2 Un3 Un2

E25 Un2 Un2/3 Un2

E26 Un2 Un1 Un2 Un3 Un2

E27 Un2 Un3 Un2

E28 Un2 Un3 Un2

E29 Un2 Un3

E30 Un1/2 Un1 Un2 Un3 Un2

E31 Un1/3 Un2

E32 Un1/2 Un3 Un2 Un2/3

E33 Un2

E34 Un2 Un3 Un2

E35 Un2 Un3

E36 Un2

E37 Un1 Un3 Un2 Un2/3 Un2 Un3 Un2

E38 Un2 Un3 Un2

E39 Un1/2 Un3 Un2 Un2/3 Un2

E40 Un3 Un2 Un3 Un2

E41 Un1/2 Un3 Un2 Un2/3

E42 Un3 Un1 Un2 Un3 Un2

E43 Un1 Un2 Un3

E44 Un3 Un2

E45 Un2 Un3 Un2 Un3 Un2 Un3

E46 Un1 Un3 Un2

E47 Un2 Un3 Un2

E48 Un2 Un3 Un2


141

E49 Un1 Un2 Un3 Un2 Un3 Un2

E50 Un1 Un3 Un2

E51 Un1 Un3 Un2 Un3 Un2

E52 Un1 Un2 Un2/3 Un2 Un3 Un2 Un3 Un2 Un3 Un2

E53 Un2 Un2/3

E54 Un1 Un2 Un3 Un2

E55 Un1 Un1/2 Un3 Un2

E56 Un1 Un2 Un2/3 Un2 Un2/3 Un2

E57 Un1 Un2/3 Un2 Un3 Un2 Un2/3

E58 Un1 Un3 Un2

E59 Un1/2 Un2 Un3 Un2

E60 Un1/2 Un2 Un1 Un2 Un2/3

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