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TEORIAS DISCURSIVAS
Prof. Dr. Anísio Batista Pereira
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TEORIAS DISCURSIVAS
PROF. DR ANÍSIO BATISTA PEREIRA
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Diretor Geral: Prof. Esp. Valdir Henrique Valério

Diretor Executivo: Prof. Dr. William José Ferreira

Ger. do Núcleo de Educação a Distância: Profa Esp. Cristiane Lelis dos Santos

Coord. Pedag. da Equipe Multidisciplinar: Profa. Esp. Imperatriz da Penha Matos

Revisão Gramatical e Ortográfica: Profª. Esp. Imperatriz Abreu

Revisão técnica: Profª. Esp. Imperatriz Abreu

Revisão/Diagramação/Estruturação: Clarice Virgilio Gomes


Prof. Esp. Guilherme Prado
Lorena Oliveira Silva Portugal

Design: Bárbara Carla Amorim O. Silva
Daniel Guadalupe Reis
Élen Cristina Teixeira Oliveira
Maria Eliza P. Campos

© 2023, Faculdade Única.

Este livro ou parte dele não podem ser reproduzidos por qualquer meio sem Autoriza-
ção escrita do Editor.

Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Melina Lacerda Vaz CRB – 6/2920.
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TEORIAS DISCURSIVAS
1° edição

Ipatinga, MG
Faculdade Única
2023
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ANÍSIO BATISTA PEREIRA


Anísio Batista Pereira é gradu-
ado em Letras (Língua Portuguesa e
suas respectivas Literaturas) e mes-
tre em Estudos da Linguagem pela
Universidade Federal de Goiás (UFG
– Regional Catalão) e doutor em Es-
tudos Linguísticos pela Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), onde é
membro-pesquisador do Laboratório
de Estudos Discursivos Foucaultianos
(LEDIF-UFU/CNPq). Também é gradu-
ado em Licenciatura em Informática
pela Universidade Estadual de Goi-
ás (UEG). Seu trabalho de conclusão
de curso de Letras, bem como sua
dissertação, vinculam-se à Análise
do Discurso de vertente francesa e
abordam a construção de identida-
des jovens no discurso do rock bra-
sileiro da década de 1980; o trabalho
em andamento de tese também se
enquadra nessa linha de pesquisa e
procura refletir sobre a construção
da Infância na poesia de Arnaldo An-
tunes e Manoel de Barros, cujo foco
principal é identificar regularidades e
discrepâncias discursivas nas obras
desses dois poetas da literatura bra-
sileira. Nesse contexto, trilhando pe-
los caminhos da Análise do Discurso,
o autor acredita na possibilidade de
contribuir, por meio dessa disciplina,
com a sua aprendizagem.

Para saber mais sobre a autora desta obra e suas qua-


lificações, acesse seu Curriculo Lattes pelo link :
http://lattes.cnpq.br/5123270216969087
Ou aponte uma câmera para o QRCODE ao lado.
6
LEGENDA DE

Ícones
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do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar
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FIQUE ATENTO
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VAMOS PENSAR?
Espaço para reflexão sobre questões citadas em cada unidade,
associando-os a suas ações.

FIXANDO O CONTEÚDO
Atividades de multipla escolha para ajudar na fixação dos
conteúdos abordados no livro.

GLOSSÁRIO
Apresentação dos significados de um determinado termo ou
palavras mostradas no decorrer do livro.
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SUMÁRIO
UNIDADE 1
O QUE É DISCURSO E O QUE É LÍNGUA
1.1 Introdução ..............................................................................................................................................................................................................................................................................................10
1.2 Discurso: Alguns Apontamentos ...........................................................................................................................................................................................................................................10
1.3 A Língua e Sua Relação com o Discurso ..........................................................................................................................................................................................................................12
1.4 A Fusão Sujeito, Língua e História ..........................................................................................................................................................................................................................................13
FIXANDO O CONTEÚDO .........................................................................................................................................................................................................................................................................16

UNIDADE 2
DIFERENTES VERTENTES DA ANÁLISE DO DISCURSO
2.1 Introdução ...........................................................................................................................................................................................................................................................................................20
2.2 O Círculo de Bakhtin ....................................................................................................................................................................................................................................................................20
2.3 A Análise do Discurso Francesa ...........................................................................................................................................................................................................................................23
2.4 A Semiótica Greimasiana ........................................................................................................................................................................................................................................................26
FIXANDO O CONTEÚDO ........................................................................................................................................................................................................................................................................30

UNIDADE 3
FORMAÇÃO DISCURSIVA E MEMÓRIA DISCURSIVA
3.1 Introdução ...........................................................................................................................................................................................................................................................................................36
3.2 As Condições de Produção do Discurso .......................................................................................................................................................................................................................36
3.3 Formação Discursiva em Michel Foucault e em Michel Pêcheux ................................................................................................................................................................38
3.4 O Campo Associado de Michel Foucault .....................................................................................................................................................................................................................39
3.5 A Memória Discursiva de Michel Pêcheux ...................................................................................................................................................................................................................40
3.6 A Noção de Interdiscurso ..........................................................................................................................................................................................................................................................41
3.7 Um Breve Movimento de Análise ........................................................................................................................................................................................................................................42
FIXANDO O CONTEÚDO .......................................................................................................................................................................................................................................................................45

UNIDADE 4
IDEOLOGIA E PODER
4.1 Introdução ..........................................................................................................................................................................................................................................................................................50
4.2 Ideologia e Discurso em Michel Pêcheux .....................................................................................................................................................................................................................50
4.3 Poder e Discurso em Michel Foucault .............................................................................................................................................................................................................................53
FIXANDO O CONTEÚDO .......................................................................................................................................................................................................................................................................58

UNIDADE 5
O SUJEITO DISCURSIVO

5.1 Introdução ...........................................................................................................................................................................................................................................................................................64


5.2 A Heterogeneidade do Sujeito .............................................................................................................................................................................................................................................64
5.3 Heterogeneidade Mostrada ..................................................................................................................................................................................................................................................65
5.4 Heterogeneidade Constitutiva ............................................................................................................................................................................................................................................67
5.5 A Polifonia Bakhtiniana .............................................................................................................................................................................................................................................................68
FIXANDO O CONTEÚDO .........................................................................................................................................................................................................................................................................71

UNIDADE 6
FUNDAMENTOS TÉCNICO-METODOLÓGICOS PARA A ELABORAÇÃO DE PROJETOS EM EDUCAÇÃO FÍSICA, ESPORTE E LAZER
6.1 Introdução ...........................................................................................................................................................................................................................................................................................77
6.2 Noção de Gênero Discursivo em Bakhtin .....................................................................................................................................................................................................................77
6.3 Explorando Alguns Gêneros Discursivos .......................................................................................................................................................................................................................79
6.4 Transformações Dos Gêneros Na Contemporaneidade ..................................................................................................................................................................................83
FIXANDO O CONTEÚDO.........................................................................................................................................................................................................................................................................86

RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO........................................................................................................................................................................90


REFERÊNCIAS .....................................................................................................................................................................................................................91
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UNIDADE 1
A Unidade I aborda o discurso na perspectiva de esclarecer sobre sua relação com
a língua e sua predominância constitutiva que funde Sujeito, Língua e História. Nesse
arcabouço, a compreensão de um sujeito constituído pela história e pelas relações
discursivas se faz presente.
CONFIRA NO LIVRO

UNIDADE 2
A Unidade II trata de diferentes vertentes da Análise do Discurso, tais como a
desenvolvida pelo Círculo de Bakhtin, a AD francesa, com destaque para Michel
Pêcheux e Michel Foucault, e a Semiótica Greimasiana.

UNIDADE 3
A Unidade III discute a formação discursiva na perspectiva de Foucault e de Pêcheux,
com destaque também para a memória discursiva que se apresenta nesses
teóricos da AD francesa. Para o primeiro citado, campo associado; para o segundo,
memória discursiva/interdiscursividade.

UNIDADE 4
A Unidade IV explora a noção de aspectos constitutivos do sujeito e que são
materializados nos discursos, que são a ideologia defendida por Pêcheux e o poder
na perspectiva de Foucault. São dois aspectos que, embora pareçam semelhantes,
apresentam suas contraversões na esfera discursiva.

UNIDADE 5
O sujeito discursivo é o foco da Unidade V, em que abarca a sua constituição pelo
discurso e sua heterogeneidade, inclusive pelas suas especificações: mostrada e
constitutiva. Além disso, a polifonia de Bakhtin também será abordada.

UNIDADE 6
A Unidade VI discute sobre os gêneros discursivos, encontrando seu terreno fértil no
pensamento bakhtiniano, com exemplos de alguns gêneros. Ainda nesta Unidade
são abarcadas transformações de gêneros na contemporaneidade, como os
gêneros digitais.
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O QUE É DISCURSO
E O QUE É LÍNGUA
10
1.1 INTRODUÇÃO

Dentre as múltiplas subáreas da Linguística, que são estudados de forma


organizada (singular) no contexto de cada uma dessas disciplinas, na Universidade,
destaca-se uma que com certeza apresenta sua importância nessas vertentes, a
Análise do Discurso (AD). Essa disciplina também é subdividida em outras, cada qual
com seus conceitos operacionais e especificidades analíticas, além do sujeito que é
tomado de forma diferenciada em cada uma das vertentes.
Os estudos na área da análise do discurso, embora mais intensa nos tempos
mais atuais, remonta a períodos bastante remotos. Segundo Gregolin (1995), essas
investigações apresentam uma história de dois mil anos, referindo-se à Retórica grega,
ligando-se à vertente francesa, cuja fundação se dá na década de 1960 com a “Análise
automática do discurso”, com a utilização da informática como suporte para as análises.
No entanto, é a partir da década de 1970 que esses estudos ganham força, mas, como
disciplina de entremeio, nesse período ainda não fica claro esse campo de investigação.
Além disso, segundo a autora supracitada, o aprofundamento dessas investigações
significou uma transição da linguística da frase para a linguística do texto, haja vista
que as análises empreendem um corpus mais amplo que a simples frase.
Pensando em um modo de abarcar o referido campo de estudos de forma mais
ampla e que abra um espaço de discussões para se pensar os principais conceitos e
operações analíticas da Análise do Discurso, nesta Unidade I abordaremos algumas
considerações introdutórias sobre essa disciplina. Embora especificadamente elaborada,
trata-se de uma vertente da Linguística que não caminha totalmente isolada desta,
haja vista que a sua materialidade nos processos de enunciação depende da língua,
além de considerar que o sujeito se constitui pelas práticas discursivas que tomam a
língua (gem) como suporte nesse contexto.
Pensando na dimensão da AD e sua relação com o ensino, é possível afirmar que
se trata de uma área da Linguística útil no processo de ensino da Língua Portuguesa,
tendo em vista os subsídios oferecidos que possibilitam reflexões sobre o sentido textual.
Então, essa disciplina fornece aspectos que possibilitam o professor a trabalhar com
textos, tanto pelas marcas estruturais quanto pelos possíveis sentidos e ideologia que
podem ser extraídos de várias modalidades de texto, o que contribui também para a
escrita criativa e crítica.

1.2 DISCURSO: ALGUNS APONTAMENTOS


O campo de estudos da Análise do Discurso, como é cientificamente constituído,
toma o discurso como objeto. No entanto, é preciso deixar de lado alguns pressupostos
que muitas vezes podem confundir com o que venha a ser discurso, como aquele
proferido por um político em um palanque, a uma frase dita de forma mais rebuscada, a
um uso da retórica por meio de uma linguagem mais eloquente, dentre outras situações
sociais de utilização da linguagem. Não se trata de uma pura materialidade linguística
em circulação, ainda que esta seja relevante no processo de sua materialização, para
seu funcionamento. Para um empreendimento do discurso enquanto campo científico
de investigação, é preciso tomá-lo sob novo horizonte, no prisma de um método de
11
análise, que requer também suas teorias correlatas.
É nesse sentido científico que Fernandes (2005) aponta para sua especificidade
metodológica. Afinal, o que é analisar discurso? Nesse arcabouço encontram-se
distintas formas de descrição/interpretação de um corpus, haja vista que existem
várias concepções teórico-metodológicas para se analisar discursos, as quais
serão abordadas ao longo das Unidades. De forma ampla e mais genérica, analisar
discurso implica um movimento interpretativo de sujeito falando, isto é, nas suas
práticas discursivas que envolvem produção de sentidos, com destaque para várias
possibilidades que daí advém, haja vista que esses sentidos não são fixos, mas sempre
passíveis de deslizamentos e reconstruções.

VAMOS PENSAR?
Frente ao que venha a ser discurso, que ultrapassa a noção de fala e de texto, o que po-
deríamos depreender sobre a diferença basilar entre análise de discurso e análise de con-
teúdo? Esta é trabalhada com frequência nas aulas de Língua Portuguesa na Educação
Básica, que consiste em interpretação de textos, mas sem o rigor de buscar as condições
sócio-históricas e ideológicas que possibilitaram a produção de determinado texto/dis-
curso.

Nessa direção que se situam os sentidos o teórico supracitado destaca a ideologia,


a qual se materializa no discurso, por meio da linguagem, que pode ser a linguagem
verbal (em forma de texto ou de fala oral) e a não verbal, como a imagética. A produção
de sentidos é então integrante das atividades sociais do sujeito, cuja prática discursiva
possibilita a materialização ideológica pelas várias possibilidades de linguagem.
Reconhecer que as práticas sociais envolvem os movimentos de linguagem pelos
sujeitos, vale destacar, como nos ensina Orlandi (1999), que o termo “discurso” apresenta
a ideia de percurso, de movimento. Dessa forma, salientamos que o discurso sugere
essa ideia de algo que está em constante produção e circulação, na condição de que
não seja estático, mas palavra em movimento, peculiaridade própria da linguagem em
uso. Discurso é, então, sinônimo do sujeito em prática linguageira, o que remonta aos
estudos do discurso nessa condição analítica de percurso de fala.
Isso posto, o discurso, no contexto de um objeto de investigação científica, deve
ser considerado a partir dos aspectos que o norteiam, como a ideologia e a História,
além da própria língua que o materializa. É nessa direção que Fiorin (1990) observa que,
como objeto linguístico, deve-se levar em conta também que o discurso é um objeto
histórico, haja vista que são elementos essenciais para se pensar sobre a produção de
sentidos, tendo em vista os aspectos sociais que o atravessam.
O referido estudioso salienta ainda que se faz necessário investigar o discurso no
contexto dos aspectos sintáticos e semânticos que norteiam os sentidos, esta última
vincula-se à ideologia. Além disso, as pesquisas devem considerar o discurso como
objeto cultural, em que suas produções se dão a partir de contextos históricos e que os
discursos estão sempre em diálogos com outros discursos. A próxima seção tratará da
relação entre língua e discurso.
12
1.3 A LÍNGUA E SUA RELAÇÃO COM O DISCURSO
Na seção anterior já mencionamos a relação da língua com o discurso, mas vale
aprofundar um pouco mais sobre esse assunto, sobretudo no sentido de diferenciar,
de forma mais abrangente, as diferenças entre língua e discurso. É nessa direção
que Fernandes (2005) observa que o discurso não deve ser confundido com a língua,
nem com o texto. Isto significa afirmar que a língua apresenta uma existência própria,
que cumpre a função de possibilitar a comunicação/interação entre os falantes de
determinada língua e relevante no processo de constituição de sujeitos.
Desta feita, embora o discurso não seja a língua ou os textos propriamente ditos,
é preciso ter em mente que aquele depende destes para ganhar existência material.
Essa materialidade não significa que o discurso só existe no interior da língua, mas fora
dela, pois depende de aspectos sócio-históricos para a sua existência; encontra-se no
social a sua condição de exterioridade. Portanto, o discurso não se limita estritamente
a fatores linguísticos, mas também extralinguísticos que se encontram nas práticas
sociais, historicamente marcadas.
No cotidiano, é possível observarmos sujeitos nas práticas discursivas, que
envolvem oposições sobre determinado assunto, divergências, lugares de sujeito distintos
que sinalizam modos de constituição diversos. Há lugares socioideológicos assumidos
por esses sujeitos no contexto dessas práticas sociais, os quais são materializados pela
linguagem, esta como condição para a sua existência. Então, a língua e o que está
fora dela, aspectos sócio-históricos e ideológicos, se complementam nesse arcabouço
discursivo pelas interações entre sujeitos.
É nessa dimensão da linguagem como materialidade do discurso e sua relação
com os sentidos que Pêcheux (1997b) nos possibilitam compreender a influência da
ideologia nessas produções. Segundo o pensador, a língua por si só não produz sentido,
pois depende da ideologia para tal finalidade e as posições ideológicas assumidas pelos
sujeitos é que respaldam esses efeitos no discurso. Assim, as palavras e expressões
produzidas encontram na dimensão sócio-histórica a ideologia para que os sentidos
possíveis ganham existência nesse jogo ideológico.
Podemos observar, nos discursos dos sujeitos, posições ideológicas que apontam
para determinadas escolhas lexicais que, por sua vez, revelam posições acerca de um
mesmo tema. Por outro lado, existem as diferenças de posições, sujeitos que lançam
mão de outro tipo de linguagem nas suas práticas sociais, discursos que materializam
outras ideologias.
Esses diferentes elementos destacados nos dão pistas do que está em jogo nessa
prática linguageira que envolve o discurso, este como aspecto-chave para nosso estudo.
A constituição de sentidos, que envolve a forma linguístico-histórica, possibilita-nos
compreender as condições sócio-históricas que povoam a linguagem nesse processo.
É nesse contexto que Fernandes (2005) destaca as condições de produção do discurso,
isto é, os aspectos envolvidos nesse jogo de uso da linguagem em dado momento na
história.
Nessas condições de produção, alguns elementos podem ser destacados como
basilares na finalidade de produção de sentidos, tais como os sujeitos envolvidos
(enunciadores e enunciatários) e as formações ideológicas assumidas. Além disso, as
formações históricas entram nesse processo de produção, determinando os discursos,
13
possibilitando certos sentidos e não outros, já que as palavras expressas apresentam
sentidos em conformidade com essas condições elencadas.

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Para maiores detalhes acerca da relação língua, discurso e sentido, leia a Uni-
dade II: “Organização linguística do discurso – Enunciação e comunicação” (p.
45-78), de José Luiz Fiorin, contido no livro Comunicação e Análise do Discurso
(2012), de Roseli Figaro. Disponível em: https://bit.ly/3EVP2os. Acesso em: 10 jan.
2022.

Ainda sobre a língua e sua relação com a produção discursiva, Gregolin (1995)
aponta as estratégias de argumentação do enunciador para que o enunciatário
acredite na verdade de seu discurso, por meio de contrato de veridicção entre ambos.
Então, o enunciador utiliza marcas que vão ao encontro do enunciatário, tais como as
imagens de ambos, além da construção de subentendidos, possibilitando “dizer sem
dizer”, cujo enunciador se livra da responsabilidade de ter dito algo, embora tenha o
dito indiretamente. Essas estratégias discursivas também entram no bojo da relação
Sujeito, Língua e História, tema da próxima seção.

1.4 A FUSÃO SUJEITO, LÍNGUA E HISTÓRIA


Para efeito da Análise do Discurso, é preciso compreender o diferencial desse
aspecto em relação ao indivíduo, este sendo entendido como da ordem da existência
empírica. Por outro lado, sujeito discursivo assume um lugar social, por isso, a sua
existência não se dá na instância individual, mas é marcado por um lugar socioideológico
e histórico que o demarca. Sob essa perspectiva, o sujeito do discurso não pode ser
entendido como homogêneo, mas heterogêneo, cuja constituição se dá por distintos
discursos, por muitas vozes que o norteiam. Essas questões sobre heterogeneidade e
polifonia serão tratadas posteriormente.
Os elementos em questão, Sujeito, Língua e História se fundem no contexto das
práticas discursivas. Ao falarmos de discurso enquanto movimento, podemos ressaltar
também a natureza de não fixação, pois dependem dos fatores socais e históricos
para a sua produção. Assim considerado, reiteramos o caráter histórico no processo
de constituição do sujeito, haja vista que a cada momento as formações históricas
possibilitam a emergência de determinados discursos, o que provoca também a
constituição de certo tipo de sujeitos.
Fernandes (2005) observa a relação do discurso com a língua e vale recuperar o
que já afirmamos anteriormente, no sentido de sua fusão língua e discurso, respaldada
pela História que determina as produções discursivas e a constituição do sujeito pelas
suas práticas de linguagem. Esse estudioso salienta que a língua e a fala, por si só,
não podem ser tomados como discurso, mas como aspectos para darem vida aos
discursos, a sua materialização, existência real. A possibilidade do discurso se assenta
no sistema linguístico e/ou semiótico, por meio de suas várias possibilidades.
Essa materialidade que possibilita a existência material dos discursos sinaliza
a importância da língua para a realização do discurso, cuja história determina, pelas
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formações sócio-históricas e ideológicas as posições dos sujeitos. Dessa forma, a fusão
ocorre pelo entrelaçamento entre esses elementos, cujos aspectos se juntam em função
da produção de discursos no contexto social, requerendo do analista do discurso ir para
além das estruturas linguísticas, por meio de uma escavação que possibilitam chegar
às camadas mais profundas, até mesmo ao não-dito, o que fica nas entrelinhas, no
movimento de análise, enfocando na exterioridade.

FIQUE ATENTO
Podemos tomar, como exemplo de materialização discursiva e de constituição de sujeito
o enunciado Vacina salva vidas, que na atualidade tem circulado de forma intensa na
mídia digital, inclusive nas redes sociais. Para além da materialidade linguística, o dis-
curso encontra seu sustento na exterioridade sócio-histórica do presente, no contexto da
pandemia da Covid-19, sendo a vacina uma medida para proteção contra a doença de
forma definitiva. Além disso, esse enunciado materializa a posição de um sujeito, repre-
sentando um grupo mais amplo, que se adere à ciência, ao mesmo tempo em que vai de
encontro a outro grupo de sujeitos que ocupam um lugar de negacionismo em relação à
ciência, à eficácia da vacina. Portanto, é nesse sentido, pela manifestação da linguagem
e pela exterioridade que o discurso ganha corpo nas práticas sociais.

Esse percurso analítico requer um rompimento de barreiras linguísticas e


mergulhar em outros espaços, descortinar o que está à vista e possibilitar chegar-se ao
discurso, o objeto de análise. Nessa dimensão, é preciso colocar em evidência aspectos
distintos, inclusive antagônicos, que coexistem nas posições de sujeitos, os embates
em jogo, posições ideológicas, aspectos inerentes ao discurso. Sob esse viés, é preciso
destacar as diferenças também linguísticas, determinados termos e expressões que
dão pistas das formações ideológicas e desses embates no contexto sócio-histórico.
No que tange à fusão dos elementos em voga, ressalte-se que o lugar histórico-
social dos sujeitos que determinam suas enunciações, tendo em vista as condições
de produção que as determinam, trata-se de um objeto imaginário socioideológico.
Na concepção de Orlandi (1999), esse lugar é algo que envolve uma força superior,
marcada historicamente, com destaque também para a memória e os sentidos de
outros dizeres, no processo de jogo da língua que funciona no percurso da história,
considerando a ideologia e o poder nesse imbricamento.
Nesse movimento de constituição, na conjuntura sócio-histórica de cada época,
o sujeito vai imprimido uma posição ideológica, cuja produção de discursos, que se
encontram na exterioridade de estruturas linguísticas enunciadas. Em relação às suas
posições, vale dizer que suas contradições são constitutivas não apenas em relação
a outros sujeitos/grupos, mas de seus próprios discursos. O sujeito é contraditório no
percurso de sua constituição, por apresentar certas ideologias conflitantes ao longo de
suas práticas sociais.
Gregolin (1995) destaca a relação entre discurso e texto, este sendo materialidade
que circulam socialmente, sendo responsável pela concretização de discursos.
Em se tratando do movimento do analista de discurso, essa autora aponta para as
possibilidades de análise de um texto, como a interna, em função de detectar o que e
como o texto diz, e externa, para desvendar o porquê o texto diz o que diz. Esse último
movimento entra em consonância ao trabalho propriamente dito do analista, uma
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vez que possibilita um encontro com a situação que o criou, que, na concepção de
Fernandes (2005), trata-se das condições de produção que possibilitam o aparecimento
do discurso e, no caso da materialidade em questão, do texto.
Nesse contexto de análise de discurso, portanto, o analista procura colocar em
relação o campo da língua e o campo social, este formado pelas formações históricas
e ideológicas. Em relação às posições ideológicas e seus confrontos, destaca-se a
existência de várias ideologias, haja vista as várias classes que convivem nesse embate
social. A ideologia nada mais é que uma visão de mundo de uma classe social, que
representa a sua ordem social. Se por um lado a linguagem materializa a ideologia, por
outro, aquela é determinada por esta. As formações ideológicas são materializadas
pela linguagem, por meio de várias formações imaginárias que designam os lugares de
sujeitos.

GLOSSÁRIO
Discurso: É o que encontra-se na exterioridade da materialidade linguística, de acordo
com as possibilidades sócio-históricas e ideológicas que o constituem.
Ideologia: Na concepção marxista de Pêcheux, pode ser entendida como modo de cons-
ciência social, com destaque para a legitimação do poder econômico da burguesia
(classe dominante) e os interesses do proletariado (classe dominada).
Linguagem: De acordo com Saussure, trata-se da faculdade humana de comunicação.
É mais ampla que a língua, haja vista que pode ser manifestada de várias maneiras. A
língua encontra-se no interior da linguagem.
Sujeito: O enunciador do discurso, que ocupa um lugar ideológico, constituído pelas prá-
ticas sociais/discursivas, de forma heterogênea, nunca pronto, acabado, mas sempre
em processo de constituição, transformação.
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FIXANDO O CONTEÚDO
1. Em relação aos estudos na área de Análise dos Discursos, tendo em vista os tempos
mais remotos e a atualidade, é correto afirmar que:

a) As investigações nesse campo do saber só tiveram início na década de 1960.


b) Começam-se as investigações nessa área somente a partir de 1970.
c) Esses estudos remontam a tempos antigos, representando uma história de mil anos.
d) Esse campo de investigação fica bem definido somente no início da década de 1970.
e) Remonta desde a Retórica grega, ligando à vertente francesa fundada em 1960,
ganhando força a partir de 1970.

2. A disciplina de Análise do Discurso foi pensada e fundada com o objetivo de possibilitar


uma análise das produções discursivas para além da materialidade linguística,
que coloca o analista diante das condições de possibilidade de aparecimento de
determinado discurso em um momento histórico. Esse campo do saber é relevante
também para o processo de ensino da Língua Portuguesa. Acerca dessa importância
da AD para o trabalho com a Língua Portuguesa na educação, assinale a alternativa
correta:

a) Apresenta pouca relevância, pois acrescenta somente no que concerne à


interpretação textual.
b) É limitada, haja vista que não fornece possibilidades para se trabalhar com distintas
materialidades discursivas.
c) O trabalho com a AD em Língua Portuguesa não contribui para a escrita criativa e
crítica.
d) Possibilita ao professor trabalhar tanto pelas marcas estruturais quanto pelos
possíveis sentidos e ideologia que podem ser extraídos de várias modalidades textuais.
e) É relevante somente no que concerne ao processo de leitura, mas não ao de escrita
criativa e crítica.

3. Sobre a concepção de sujeito e discurso para os estudos da Análise do Discurso, é


correto afirmar que:

a) Os sujeitos são sempre heterogêneos, pois se constituem por apenas um tipo bem
definido de discursos.
b) Os discursos produzidos socialmente estão sempre em consonância, haja vista que
se relacionam uns com os outros.
c) Discurso deve ser entendido como algo pautado por uma exterioridade e não somente
uma materialidade linguística, pois depende de fatores sócio-históricos e ideológicos
para a sua existência.
d) Não é possível haver formações ideológicas contraditórias, pois todos os sujeitos
estão sob uma ideologia dominante.
e) Sujeito e discurso são instâncias independentes, haja vista que as posições de sujeito
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não são materializadas pelos discursos.

4. (CEV-URCA-2021) Sobre as condições de produção de um texto e sua relação com a


atividade didática, assinale a alternativa que contém uma assertiva incorreta:

a) Condições de produção são as características básicas do contexto interlocutivo


acionadas pelos sujeitos, sempre de forma consciente, no decorrer do processo de
elaboração do texto oral ou escrito.
b) São condições de produção: o conteúdo temático, interlocutor visado, objetivo a ser
atingido, gênero textual próprio da situação de comunicação, suporte em que o texto
vai ser veiculado e tom a ser dispensado ao texto.
c) As condições de produção textual não são rígidas. Ao contrário, elas costumam variar
bastante nos contextos de produção.
d) São elementos que interferem na variação das condições de produção: o público, o
veículo e o propósito.
e) No espaço pedagógico, é relevante considerar que as condições de produção de
texto variam de maneira expressiva na sociedade.

5. (UNIP-2017, Adaptado). Segundo a Análise do Discurso, “o sujeito da enunciação


constitui-se de acordo com a prática discursiva em que se circunscreve”. Assinale a
alternativa correta em relação ao objeto de estudo da Análise do Discurso:

a) O objeto de estudo da Análise do Discurso é a articulação das frases em um discurso.


b) O objeto de estudo da Análise do Discurso é a seleção de palavras em um discurso.
c) O objeto de estudo da Análise do Discurso é a organização dos parágrafos em um
discurso.
d) O objeto de estudo da Análise do Discurso é a função sintática das palavras em um
discurso.
e) O objeto de estudo da Análise do Discurso é o processo de produção de um discurso.

6. Assinale a alternativa que está relacionada aos enunciados de acordo com a


perspectiva da Análise do Discurso:

a) Um enunciado independe das circunstâncias de enunciação.


b) Um enunciado pode ter várias possibilidades significativas em relação ao contexto.
c) Um enunciado tem um sentido único, que não se altera com o passar do tempo.
d) Não deve ser levada em conta a múltipla possibilidade significativa em um enunciado.
e) Os sentidos de um enunciado existem por si só, independentemente do contexto
histórico.

7. (UNIP-2017, Adaptado). Assinale a alternativa correta levando em consideração o


texto relacionado ao discurso:

a) Existe somente um tipo de materialidade linguístico-discursiva, no caso, o textual.


b) O sentido de um texto não está completo em si mesmo, pois depende do contexto
sócio-histórico e ideológico para tal.
18
c) O texto apresenta apenas uma formação discursiva.
d) O texto institui-se como lugar de um sentido único possível.
e) Pode se afirmar que o texto apresenta homogeneidade.

8. (UNIP-2017). Leia com atenção o texto a seguir, de Adilson Citelli, depois a questão
que é proposta e, na sequência, assinale a alternativa correta:

Em seu instigante livro, A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso, Eni


Orlandi apresenta três grandes modos organizacionais do discurso: o polêmico, o lúdico
e o autoritário. Convém lembrar que não estamos diante de categorias autônomas,
mas de dominância. Ou seja, não são formas puras e sim híbridas, o que significa que
existe a preponderância de uma sobre a outra. Assim sendo, o polêmico pode conter o
lúdico, ou o autoritário o polêmico e assim por diante. Ocorre que uma dessas formas
estará sempre em situação de dominância e, portanto, não só será mais perceptível
como também será ela que distinguirá tipologicamente o discurso.

Levando os aspectos de dominância em consideração, pode se afirmar que:

a) Uma defesa de tese é um exemplo de discurso lúdico.


b) O discurso polêmico repete uma fala já sacramentada por uma instituição.
c) O discurso lúdico é a forma menos aberta e menos democrática de discurso.
d) O discurso autoritário é a forma menos aberta e menos democrática de discurso.
e) O discurso autoritário tende à polissemia por sua dimensão múltipla.
19

DIFERENTES
VERTENTES DA
ANÁLISE DO DISCURSO
20
2.1 INTRODUÇÃO
A Análise do Discurso se constitui um campo fértil para pesquisa nessa subárea
dos Estudos Linguísticos, inclusive no Brasil, cujas investigações se dão por meio de
variados tipos de corpus e objetos. Sob distintas perspectivas teórico-metodológicas,
inúmeros professores de várias universidades têm se dedicado à pesquisa nessa área
do conhecimento, em seus grupos de estudos, contribuindo de forma relevante para o
avanço dessa linha de estudos.
A fim de elucidar, ainda que de forma panorâmica, algumas vertentes dos
estudos discursivos, nesta seção abordaremos a Análise Dialógica do Discurso (ADD),
liderada por Mikhail Bakhtin e o Círculo, a Análise do Discurso francesa, cujo precursor é
Michel Pêcheux, e a Semiótica Greimasiana. Trata-se de três ramificações distintas dos
estudos discursivos bastante férteis na contemporaneidade, inclusive nas universidades
brasileiras, possibilitando nos dar uma dimensão dos principais preâmbulos que
norteiam as investigações nesse campo do saber.

2.2 O CÍRCULO DE BAKHTIN


O pensador russo Mikhail Bakhtin (1895-1975) foi um filósofo que muito contribuiu
para a difusão dos estudos no campo da linguagem, com destaque para as abordagens
literárias e Ciências Humanas. Suas ideias aparecem no cenário internacional na
década de 1980. No Brasil, suas ideias começam a ganhar destaque no final dos anos
1980 e início dos anos 1990. Conhecido mundialmente, esse teórico integra os estudos
discursivos denominados Análise Dialógica do Discurso (ADD), cujas formulações
centrais se direcionam para o dialogismo, alteridade, heterogeneidade, polifonia, signo
ideológico, gêneros do discurso, dentre outros. Esses aspectos serão abordados ao
longo das Unidades.

FIQUE ATENTO
Vale destacar que Bakhtin não desbravou sua teoria de modo singular, mas por meio
de uma equipe, o que justifica a denominação de “Círculo”, tendo em vista as inúmeras
cabeças pensantes que contribuíram com a sua teoria, inclusive compondo alguns livros
em parceria com seu líder. Dessa forma, de acordo com Brait (2017), o Círculo é composto
pelos seguintes pensadores: Pável N. Medviédev (1891-1938), Valentin N. Volochínov (1895-
1936), Ivan I. Sollertínski (1902-1944), Maria Iúdina 2 (1899-1970), Matvei I. Kagan (1889-
1937), K. Váguinov (1899-1934), Borís Zubákin (1894-1937), Liev. V. Pumpiánski (1891-1940), I.
Kanaev (1893- 1983).

Nessa direção dos estudos no campo discursivo, o referido estudioso desbrava


uma proposta teórico-metodológica que norteiam uma concepção de linguagem, por
meio de um método sociológico, estendendo-se para outros campos, como o literário
e o filosófico. No horizonte de suas formulações teóricas, sublinha aspectos como a
ideologia (para esse pensador, o signo linguístico é ideológico por excelência), vida,
arte e ciência, traduzindo-se em um método dialógico que é o fio condutor de seu
21
pensamento. A partir desses pressupostos, esse estudioso oferece possibilidades para
se pensar uma análise do discurso, aspecto por ele teorizado.
Uma estudiosa da ADD é a professora Luciane de Paula, da Unesp, que nos fornece
pistas bastante robustas para um desbravamento do percurso teórico bakhtiniano.
Quando se aponta para o “signo ideológico”, bastante sublinhado nas ideias do
pensador supracitado, vale referenciar seu imbricamento na corrente marxista, fato
que se percebe também em outros teóricos da análise do discurso, como Pêcheux, da
AD francesa. Nessa perspectiva, destacamos a obra Marxismo e filosofia da linguagem,
lançada em 1929, dando ao leitor condições para se pensar o signo ideológico (PAULA,
2013).
Isso posto, elucida-se o pensamento de que a ideologia é materializada por meio
da semiótica, das materialidades que possibilitam a existência do discurso e que em
toda a expressão/produção material dessa natureza apresenta como aspecto central
a ideologia. Nessa visão, o teórico propõe uma reflexão de problemas de linguagem
a partir de um esboço filosófico pautado pelo marxismo, que se reflete na concepção
de signo ideológico. Além disso, outros elementos entram nesse arcabouço teórico
proposto pelo filósofo, tais como consciência, palavra, índices de valor, interação verbal,
significação e ideologia do cotidiano.
Do ponto de vista de abordagem de aspecto extralinguístico, as relações
dialógicas se constituem em uma de suas temáticas centrais, tendo em vista as
interações daqueles em situação de comunicação. Então, a linguagem somente
existe por meio dessa condição dialógica, em que seus usuários estão em constante
movimento comunicativo uns com os outros. Nessa concepção, Bakhtin (1981) reforça
que em todos os tipos de linguagem as relações dialógicas são predominantes, tais
como a científica, a artística, a cotidiana, etc. Ainda, essa relação dialógica encontra
seu respaldo no campo do discurso, uma vez que o discurso apresenta esse caráter
dialógico. A partir dessa concepção, o teórico defende os estudos no campo da Análise
do Discurso pela justificativa de que esse campo ultrapassa as fronteiras da Linguística
propriamente dita, possuindo um objeto autônomo para tal.
Já abordamos a questão do signo ideológico, que traz consigo um teor de
elementos que o envolvem, bem como a concepção de sentido possibilitado pela
ideologia. No que tange ao método analítico proposto por Bakhtin, destaca-se que a
produção de sentidos entra na esteira da base dos sujeitos situados historicamente,
em que essa perspectiva dialógica é entendida como uma relação consistente entre
elementos como linguagens, sujeitos e História.
No horizonte da proposta bakhtiniana acerca dos estudos da linguagem, mais
especificamente da ADD, os aspectos extralinguísticos apontam para contextos mais
amplos. Assim pensada, de acordo com Brait (2006, p. 13), a proposta do filósofo em
evidência se traduz em um método de análise que visa abordar de forma detalhada os
campos semânticos, “[...] descrever e analisar micro e macroorganizações sintáticas,
reconhecer, recuperar e interpretar marcas e articulações enunciativas que caracterizam
o (s) discurso(s)”, considerando-se que tais elementos no discurso “indicam sua
heterogeneidade constitutiva, assim como a dos sujeitos aí instalados”.
Esses movimentos analíticos da materialidade linguística vão para além dos
sentidos e do dialogismo dos discursos, mas também como uma operação possível
para reconhecimento do gênero textual e os possíveis gêneros nele contidos, as
22
tradições nas quais se inserem. Então, chegar-se à natureza discursiva, isto é, a forma
de ser do discurso, a forma de produção e de circulação, além da recepção, aspectos
que norteiam o caráter dialógico entre discursos e sujeitos.
Destacando alguns dos textos de Bakhtin, discorremos alguns pressupostos desse
teórico sobre sua proposta teórico-metodológica:

Textos Descrições
Para uma filosofia do ato Nesse livro são tecidas reflexões sobre a filosofia da
responsável, 1986 moral, centrada na existência, no mundo vivido, que
coloca em voga o ato ético e estético. Apresenta
oposições sobre concreto e abstrato, vida e cultura,
real e possível, singular e universal, dentre outras.
Estética da criação verbal, Nesse livro o autor reflete sobre três campos: ci-
1979 ência, arte e vida, além de introduzir a questão da
responsabilidade na arte. Além disso, explana sobre
os gêneros do discurso, tema bastante trabalhado
no que diz respeito ao ensino da linguagem em uso,
especialmente nos materiais didáticos.
Questões de literatura e de Trata-se de uma coletânea que comporta seis in-
estética: a teoria do roman- vestigações voltados para a teoria e à crítica literá-
ce, s/d ria, possibilitando uma compreensão, na visão desse
teórico, sobre o romance, espacialmente no que tan-
ge ao discurso e as peculiaridades da prosa literária,
tais como espaço e tempo.
Problemas da poética de Nesse livro, Bakhtin explana sobre a obra de Dos-
Dostoiévski, 1929; 1963 toiévski. Nesse texto o teórico sugere a criação de
uma nova disciplina, a Metalinguística, de forma que
caminhasse com a Linguística, cujo objeto seria o
discurso e as relações dialógicas.
A cultura popular na Idade Nessa obra o teórico explana sobre a história do
Média e no Renascimento: O riso e a cultura popular, especialmente nos estudos
contexto de François Rabe- literários. Na comparação entre Rebelais com outros
lais, 1965 escritores, são destacados elementos como o humor
radical e o grotesco, que expõem imagens fortes,
atribuindo concretude ao que o teórico afirma sobre
o escritor supracitado.
Questões de estilística no en- Aqui Bakhtin lança seu olhar acerca do gesto de ser
sino da língua, 1942-1945 professor de gramática, em que destaca proble-
mas que até mesmo na atualidade tem perdurado
nas salas de aula. Com o objetivo de fazer com que
os alunos tornem-se autores, o teórico se propõe
a ajudar os colegas de profissão, por meio de uma
metodologia que articulasse escrita, leitura, autoria e
produção de sentidos.
O freudismo: um esboço críti- Esse texto nada mais é que uma resenha crítica da
co, 1927 obra de Freud. Objetiva defender uma psicologia que
abordasse aspectos culturais e históricos da consci-
ência por meio de métodos objetivos. Para tal, toca
na questão da ideologia e na ideologia do cotidiano,
dentre outras temáticas relacionadas ao foco cen-
tral.
23
Marxismo e filosofia da lin- Estudos bastante presentes nas pesquisas linguís-
guagem. Problemas fun- ticas de base teórico-metodológica bakhtiniana,
damentais do método neles, a temática central se volta para a questão do
sociológico na ciência da dialogismo, em que o teórico aciona a linguagem
linguagem, 1979 estrutural, bem como a estilística clássica como suas
principais bases para as reflexões sobre a concep-
ção dialógica. Assim, é proposto um método socioló-
gico para os estudos em torno da linguagem.
O método formal nos estudos Essa obra comprova, mais uma vez, o interesse de
literários: introdução crítica Bakhtin pela linguagem, com destaque para a inte-
a uma poética sociológica, gração ao social, à histórica e também a outras áre-
1928 as do conhecimento. Em diálogo com abordagens
de outras obras, aqui o teórico mais uma vez se pre-
ocupa com aspectos acerca dos estudos literários,
tais como a estilística, a psicologia, o freudismo e o
marxismo, elementos tomados para uma reflexão
diferenciada acerca das investigações desse tipo de
texto, por meio de uma concepção sociológica.
Tabela 1: Principais obras de Bakhtin
Fonte: Elaboração própria, baseada nas formulações de Brait (2017)

Embora existam estudiosos da Análise do Discurso que se recusam a afirmar que


Bakhtin tenha proposto uma teoria nesse campo discursivo, é conveniente dizer que esse
filósofo representa uma das maiores contribuições para os estudos da linguagem na
contemporaneidade. Essa contribuição não se dá somente no campo das manifestações
artísticas, mas em várias outras áreas no bojo do discurso, embora o Círculo de Bakhtin
não tenha proposto uma teoria sistematicamente fechada. Porém, a produção dessas
obras motivou o surgimento de uma perspectiva teórico-metodológica no campo do
discurso.

2.3 A ANÁLISE DO DISCURSO FRANCESA


Uma das maiores vertentes da Análise do Discurso com adeptos no Brasil sem
dúvida é a francesa, em que vários pesquisadores de inúmeras universidades têm
se dedicado a estudos de vários tipos de objetos e materiais de análises sob essa
orientação teórico-metodológica. Os principais tipos de pesquisas realizadas se dão
nos campos político, literário, sobre o corpo e educacionais, com destaque para os
discursos vinculados ao processo de ensino/aprendizagem de língua estrangeira.
Fundada por Michel Pêcheux na década de 1960, a AD francesa se firma como
disciplina autônoma sob duas bases teóricas: a do linguista Jean Dubois, considerando
que os estudos discursivos sejam uma sequência da lexicologia, em que o caráter
operacional analítico considera um princípio estrutural; e Pêcheux, filósofo que propôs
o desencadeamento da denominada “máquina discursiva”. Ressalte-se que esses dois
pesquisadores integravam o marxismo, cuja consonância no campo político possibilita
o empreendimento dessa disciplina nova que seria edificada pelo segundo estudioso.
No Brasil, esses estudos chegam somente na década de 1980, quando vai se encerrando
o período da ditadura militar.
Embora as bases epistemológicas das distintas análises do discurso passam a
seguir direções diferentes, há um ponto em comum entre elas: o descentramento do
24
sujeito. Portanto, aquela concepção de um sujeito cartesiano, fundado em si, de tempos
anteriores, é rompida, abrindo caminho para a “morte do homem”, em que o sujeito
passa a ser tomado como da ordem constitutiva de uma exterioridade, por meio de
suas relações sociais, práticas discursivas que envolvem a linguagem (FERNANDES; SÁ;
DORNE, 2019).

VAMOS PENSAR?
Reflita sobre essa ruptura na concepção de sujeito nesses primórdios da AD, em que o
centro deixa de ser o sujeito e é transferido para as estruturas, isto é, a exterioridade. Daí a
relevância atribuída aos aspectos sócio-históricos e, sobretudo, à linguagem, na constitui-
ção do sujeito. Portanto, nos vem à imaginação de que a premissa “Penso, logo existo”, de
Descartes, cai por terra, abrindo caminho para uma nova denominação de sujeito.

Como se trata de um campo disciplinar ainda em construção, na década


referida, o trabalho de constituição de uma autonomia se deu com base na fusão entre
três áreas do conhecimento: a Psicanálise, pela descoberta do inconsciente, cujos
estudos se baseiam em uma releitura que Lacan faz de Freud, a Linguística, por meio
das formulações de Saussure que toma a língua como um sistema autônomo, e a
História, cujo teórico busca nas ideias marxistas sustento para suas reflexões. Pautado
pelo marxismo, Pêcheux empreende sobre as relações de produção e a luta de classes,
destacando ideologia dominante e ideologia dominada, marca teórica que fundamenta
sua proposta teórico-metodológica para a AD, especialmente as fases mais posteriores
de sua teoria. Segundo Maldidier (2003), esse processo inaugural, enfocando rupturas
e alianças teóricas marca o trabalho de aquisição de uma autonomia nessa disciplina
ora inaugurada na França.
Pela integração de distintas páreas do conhecimento, a AD é definida como um
campo disciplinar de entremeio, cujo analista busca empreender em suas análises
aspectos que vão para além da linguística propriamente dita. A História, por exemplo,
se faz nítida no processo de produção de discursos, requerendo do analista um cuidado
analítico no sentido de desvendar as condições que possibilitaram seu aparecimento
em dado momento histórico. Como já referido anteriormente aqui, o discurso encontra-
se na exterioridade da materialidade linguística. Então, o movimento descritivo/
interpretativo, como método de análise, se direciona para questões para além da língua
por essa exterioridade constitutiva dos discursos. E a AD nada mais é que um campo
pautado por um batimento entre objeto, teoria e método de análise (FERNANDES; SÁ;
DORNE, 2019).
Isso posto, Michel Pêcheux elabora essa disciplina por meio do esboço de
objetos e conceitos que fundamentarão sua proposta teórica, a qual integra os
estudos linguísticos. Esse teórico define discurso como objeto e conceito, definindo-o
como a troca de sentidos entre sujeitos. Os sentidos são instaurados pelo encontro
entre a língua e a ideologia no processo de constituição do sujeito, possibilitada pelo
entrecruzamento entre as três disciplinas mencionadas, como o cerne da montagem
teórico-metodológica de Pêcheux (MALDIDIER, 2003).
Na dimensão de se considerar distintos campos do saber para a formulação
de uma disciplina nova, no caso, a AD, o teórico supracitado recorre a rupturas e
25
deslocamentos para tal empreendimento. No que concerne à linguística, o pensador
considera como relevante os processos sintáticos e os mecanismos de enunciação,
negando o significado e abrindo caminho para a emergência do sentido, que coloca o
sujeito na condição de descentrado. Nessa perspectiva, o sujeito é tomado como quem
está isento do controle de seu dizer, não sendo, portanto, a origem do sentido, fator que
esse teórico denomina de esquecimentos.
Além disso, ainda atrelada à linguística com foco na História, a semântica
também integra esses processos discursivos, tendo em vista a dinâmica das formações
e transformações sociais. Pêcheux recorre ao aspecto histórico filiando-se ao marxismo
althusseriano, no qual é realizada uma busca das possibilidades de consideração do
materialismo histórico, que possibilita uma compreensão das formações históricas,
com destaque para a ideologia, teorizada como o elemento que coloca o sujeito na
condição de assujeitado.
Por fim, da psicanálise o estudioso procura teorizar o sujeito como da ordem da
não transparência, com foco no inconsciente que se materializa na linguagem, como
sendo parte do funcionamento do sujeito. Nessa dimensão, destaca-se também a
relação do sujeito com o simbólico e também direciona-se a teoria para a relação entre
inconsciente e ideologia (PÊCHEUX; FUCHS, 1990).
Para além da consideração do sujeito, é relevante destacar que a exterioridade
(social, histórica e ideológica) elencada pelo teórico se constitui em condições de
produção do discurso. É nessa direção que se considera o reflexo do exterior no discurso,
a dimensão dos fatores materializados pela linguagem, esta não bastando, então, para
a concepção do que venha a ser definido como discurso para o referido teórico em
evidência.
Maldidier (2003) destaca que esse batimento entre três campos disciplinares
distintos possibilitou a inauguração, por Pêcheux, de uma disciplina que constrói um objeto
novo: discurso. Essa concepção que passa a ser difundida por meio dos pressupostos
desses estudiosos confirma um trabalho inaugural no interior da linguística, a qual
até então era estudada por ela mesma, sem essa dimensão de aliança de disciplinas
distintas para dar conta de outra que ora era instaurada. Assim, nos seus primórdios,
demoniada como Análise Automática do Discurso (AAD), o estudioso desenvolve um
método de análise por meio de sistema computadorizado, de modo a ser capaz de
realizar leituras desconsiderando as subjetividades.
Vale destacar que nos seus primórdios, essa disciplina procura analisar objetos
com foco na análise do discurso político, haja vista o próprio momento de efervescência
nesse campo na França na década de 1960. No entanto, vale destacar que ao longo de
seu percurso, essa área do conhecimento demonstra inquietação com seus conceitos
e com os objetos de análise, que nos dão pistas dos aspectos que integram a própria
noção de discurso: deslocado, descontínuo, movente, transformado, caráter que justifica
que as investigações nesse campo apresentam possibilidades inesgotáveis, além de
conferir uma abertura na própria dimensão teórica dessa disciplina.
A evolução da disciplina para outros tipos de investigações que não o político
começa a ganhar força nos anos 1980, a partir de um evento realizado na França,
denominado de “Materialidades Discursivas”, possibilitando uma reflexão coletiva
acerca dos rumos que ganhariam esse campo de investigação, com a participação
de especialistas de várias áreas do conhecimento humano, especialmente as que
26
envolvem os estudos discursivos. Na ocasião, os participantes analistas de discursos
refletem sobre o objeto, o método e o papel dos analistas de discursos. A partir desse
encontro, outros objetos começam a serem analisados, como discursos do cotidiano,
por exemplo (FERNANDES; SÁ; DORNE, 2019). Além disso, vale destacar que outros teóricos
surgem nesse cenário de evolução, tais como Michel Foucault que será abordado na
próxima Unidade.
O empreendimento de Pêcheux é organizado em três fases, cada qual com suas
especificidades acerca dos objetos, conceitos e método, conferindo um caráter de
transformações e deslocamentos no percurso desse campo. De forma sucinta, segundo
Pêcheux (1997a), essas épocas são:
• AD-1: Nessa fase inaugural da análise do discurso a evidência é a análise automática,
pela maquinaria discursiva, em que o sujeito é tido como a fonte de seu dizer, com
as condições de produção estáveis e homogêneas, o que confere um grau de
homogeneidade e estabilidade ao próprio discurso.
• AD-2: Nessa fase a concepção de formação discursiva é colocada no centro como
fator determinante, a qual é empreendida por Pêcheux com base no conceito
elaborado por Foucault. Além disso, a noção de assujeitamento ganha corpo,
pela incorporação de um sujeito ideológico. Sob o viés da formação discursiva,
em consonância com as formações ideológicas, determinam o que pode e deve
ser dito em dado momento histórico. Surge a noção de interdiscurso, mantendo o
assujeitamento do sujeito às formações discursivas com as quais ele se identifica.
• AD-3: Nessa última fase as indagações sobre o sujeito se intensificam, da memória
discursiva que confere a sua heterogeneidade, e reflexões sobre o próprio método
da AD. A consideração sobre a maquinaria discursiva é refutada, dados os aspectos
de interdiscurso e intradiscurso, elementos que são incorporados como o que atribui
identidade ao discurso.
A partir dessas evoluções/transformações da AD francesa, considerando também
outras evoluções na área até chegar à atualidade, caracterizada por uma multiplicidade
de tipos de corpus e objetos estudados por vários analistas de discursos, consideramos
que esse campo disciplinar passou por várias mudanças em seus percursos nos modos
de se fazer pesquisas. Considerando outra vertente que também apresenta evoluções
na metodologia, a seguir abordaremos a semiótica greimasiana, a qual também se
constitui em um campo fértil nos estudos discursivos.

BUSQUE POR MAIS


Para maiores informações sobre o surgimento da AD, leia o capítulo “O cam-
po de emergência político e linguístico da análise do Discurso (AD): o estabe-
lecimento dos estudos do discurso no campo dos estudos da linguagem” (p.
19-25), do livro Introdução à análise do discurso: perspectivas teórico-práticas,
de Daiane de Quadros, Ione Jovino e Kassandra Muniz (2020). Disponível em: ht-
tps://bit.ly/3y1qtES. Acesso em: 12 jan. 2022.

2.4 A SEMIÓTICA GREIMASIANA


Outra vertente do discurso bastante estudada é, sem dúvida, a Semiótica
27
Greimasiana (Semiótica Francesa), fundada por Algirdas Julien Greimas (1917-1992), que
além de linguista se dedicou aos estudos da mitologia lituana. Esse teórico é famoso
na Semiótica por ter descoberto o Quadrado de Greimas, diagrama utilizado na análise
de relações entre signos. Ao longo de sua vida profissional, como semiótico, dedicou-se
aos estudos da teoria da significação e da semiótica plástica.
No que concerne ao discurso, considerando a teoria do referido estudioso,
elaborou uma teoria que procura entender como se dá o sentido textual, tomando-o
como composto por dois elementos principais: o sujeito destinador e o destinatário,
isto é, aquele para quem o enunciador fala. Além disso, esse pesquisador observa que
no processo de enunciação, há de se considerar a intenção do sujeito que fala. Para o
construto de sua base teórica, aciona outros campos do saber, tais como a antropologia,
a linguística e a fenomenologia.
No que concerne aos primórdios de seus estudos, a publicação da obra Semântica
Estrutural – pesquisa de método, lançada em 1966, sem dúvida é um divisor de águas
na construção de sua proposta teórico-metodológica. Ademais, o lançamento de outro
livro, o Dicionário de Semiótica, em 1979, eleva esse teórico à condição de pesquisador
original, pela sua proposta inovadora no campo dos estudos linguísticos (discursivos).
No contexto de produção e de interpretação de sentido, à luz dessa teoria, como
destaca Fiorin (1989), é um processo gradual, indo de aspectos mais simples aos mais
complexos.
No que concerne ao percurso gerativo de sentidos, na perspectiva greimasiana,
no intuito de se promover a compreensão de textos, três etapas contribuem para a sua
clareza, a saber: etapa do fundamental, etapa do narrativo e etapa do discursivo, sendo
que cada uma delas apresenta dois integrantes, um semântico e outro sintáxico. Esses
integrantes com seus componentes podem ser observados no quadro abaixo:

Componente Sintáxico Componente Semântico


Estruturas Sintaxe Semântica fundamental
sêmio-narrativas Nível profundo Fundamental
Semântica narrativa
Sintaxe
Nível de superfície Narrativa
Estruturas Sintaxe discursiva Semântica discursiva
Discursivas
Discursivização (actorialização, Tematização
temporalização, espacialização) Figurativização\
Quadro 1: Principais obras de Bakhtin
Fonte: Elaboração própria, baseada nas formulações de Brait (2017)

Como é possível observar, em relação às estruturas sêmio-narrativas, no


componente sintáxico há dois níveis, sendo um profundo, com a sintaxe fundamental,
e outro nível de superfície, que integra a sintaxe narrativa. Esses níveis, no componente
semântico, contêm a semântica fundamental e a semântica narrativa, respectivamente
na ordem da segunda coluna. Por outro lado, nas estruturas discursivas, há a sintaxe
discursiva e a discursivização. No componente semântico, a semântica discursiva, a
tematização e a figurativização.
Esses elementos dispostos no quadro contribuem para o entendimento do quão
detalhado e complexo é o sistema de análise textual que procura explicar o percurso
28
do sentido. Em relação a essas divisões, nos possibilitam compreender que cada
combinatória com seus elementos é capaz de produzir um tipo diferente de sentido,
cabendo ao analista um cuidado no trabalho de interpretação por meio dessas lentes
que são os elementos. No que tange aos aspectos semântica e sintaxe, não é correto
afirmar que a primeira produz sentidos e a segunda não os produz. Esses elementos
devem ser considerados de forma tal que a sintaxe possui uma maior autonomia, pois
em um mesmo segmento sintático pode ser povoados vários elementos semânticos.
Acerca dos níveis produtores de sentido, segundo a semiótica greimasiana (BARROS,
2008), que estão ligados diretamente ao componente semântico, são eles o
fundamental, o narrativo e o discursivo, algumas observações devem ser realizadas.
Segundo Fiorin (1989), no nível fundamental as oposições temáticas são relevantes no
que tange à coerência e às ideologias contidas no discurso. Para esse referido estudioso
da semiótica em questão, para que dois termos possam ser comparados, é preciso que
ambos apresentem algo em comum, para então estabelecer distinções entre eles, a
destacar, como por exemplo, masculinidade e feminilidade, tendo em vista que ambos
se situam no campo da sexualidade.
Partindo para o segundo nível, o narrativo, o aspecto central é a transformação
de estado. Por exemplo, um sujeito pode estar em situação de disjunção com o objeto
desejado e, em mudança de estado, passar à situação de conjunção (GREIMAS, 1975).
Assim, a semântica narrativa se preocupa com o momento em que esses elementos
semânticos são relacionados aos sujeitos, passando a funcionar como valores
impregnados nos objetos esperados por esses referidos sujeitos. Sob essa condição, na
sintaxe narrativa, destacam-se dois tipos de enunciados: de estado, por meio do qual
se estabelece uma relação de junção ou de disjunção entre um sujeito e um objeto
(GREIMAS, 1975); e de fazer, que exteriorizam as transformações, passagem de um
estado a outro.
No contexto da semântica da narrativa, destaca-se o processo de manipulação,
em que um sujeito, no caso, o destinador, procura convencer o sujeito destinatário de
alguma situação. Essa aceitação depende do julgamento do destinatário. As estratégias
persuasivas podem ocorrer de quatro maneiras distintas:
• Tentação: quando o manipulador provoca o destinatário com oferta de valores
positivos. Ex.: “se você afastar o amigo, terá sua esposa de volta”;
• Intimidação/ameaça: quando o manipulador ameaça o destinatário (doação
negativa). Ex.: “continue agindo assim e perderás tua esposa”;
• Provocação: quando o manipulador provoca o destinatário com juízo negativo. Ex.:
“você é incapaz de reconquistar sua esposa”.
• Sedução: quando o manipulador faz uma imagem positiva do destinatário, de modo
a encantá-lo com juízo positivo. Ex.: “sabemos que você é capaz de reconquistar sua
esposa”.
Além da manipulação, como sendo a primeira fase da narrativa, as seguintes são
a competência (permite o destinatário agir), a transformação (o sujeito destinatário
faz, é a performance). É nessa fase que o sujeito realiza a transformação, podendo
ser idêntico ou distinto do que entra em conjunção ou em disjunção com o objeto. Por
último, a sanção por parte do destinador sobre a ação realizada pelo destinatário, cujo
julgamento pode ser negativo ou positivo.
Barros (2008) aponta as pertinências do nível discursivo, considerado o mais
29
superficial do percurso, que se aproxima do gesto textual. Para a realização da sintaxe
no nível discursivo , alguns procedimentos são destacados, tais como a embreagem e
a debreagem, temporal e espacial.
Por outro lado, no que concerne ao aspecto semântico no nível discursivo, alguns
pontos merecem destaque, tais como as operações de tematização e de figurativização,
que ser responsabilizam pela concretização dos valores contidos no nível narrativo. Essa
tematização nada mais é que a formulação valorativa do discurso de modo abstrato.
Por outro lado, a figurativização assume a função de encapar os percursos temáticos.
No que concerne a esses dois procedimentos, observa-se que há distintos níveis de
tematização e de figurativização nos discursos. É nesse contexto que o conceito de
isotopia ganha destaque, que nada mais é que a reiteração temática e a recorrência de
aspectos semânticos das figuras que compõem os discursos, relevante no que tange à
atribuição de unidade de sentido ao enunciado (BARROS, 2008).

GLOSSÁRIO
Alteridade: A constituição do sujeito pelas relações sociais, cuja constituição é fruto de
sua relação com outros sujeitos.
Dialogismo: Caráter constitutivo do discurso e do sujeito, em que a enunciação se dá em
constante diálogo com o outro.
Heterogeneidade: O sujeito se constitui por diferentes discursos/formações discursivas.
Um discurso é composto por vários outros produzidos em outros tempos.
Polifonia: Várias vozes ecoam na produção discursivas, atribuindo-lhe o caráter de he-
terogeneidade.
Signo ideológico: A materialidade linguística carrega consigo aspectos do mundo exte-
rior, como, por exemplo, a ideologia que, inclusive, sinaliza posição de sujeito.
30
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (FADESP-2018). Bakhtin concebe a linguagem como

a) Instrumento de comunicação;
b) Forma de interação;
c) Representação do pensamento;
d) Sistema abstrato de formas;
e) Manifestação da língua.

2. (CAMBORIÚ-2015). Sobre concepção de linguagem segundo Mikhail Bakhtin, assinale


a alternativa correta.

a) As relações dialógicas podem acontecer sem relação lógica e concreto-semântica,


mas são irredutíveis a estas e têm especificidade própria.
b) O ensinar, o aprender e o empregar a linguagem nem sempre passam pelo sujeito, o
agente das relações sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos.
c) A interação por meio da linguagem se dá num contexto em que todos participam,
mesmo que os interlocutores não estejam em condição de igualdade.
d) A língua materna, seu vocabulário e sua estrutura gramatical não são conhecidos por
meio de dicionários ou manuais de gramática, mas graças aos enunciados concretos
que se ouvem e são reproduzidos na comunicação efetiva.
e) A língua existe independente da função de uso que locutores (quem fala ou escreve)
e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais)
de comunicação.

3. (FADESP-2018, Adaptada). Leia atentamente o texto a seguir para responder à


questão.

A dualidade fundamental da linguagem que nasce da oposição saussureana língua/


fala foi (...) duramente contestada pelo soviético Bakhtin, já no final da década de
20. A oposição que Bakhtin (1929) faz a Saussure é radical, se levarmos em conta
que a linguagem, para esse filósofo, não se divide em duas instâncias, língua e
fala, ou língua e discurso, ou ainda competência e performance. A enunciação,
“a verdadeira substância da língua”, é, para Bakhtin, a síntese do processo da
linguagem, o conceito-chave para se entender os processos linguísticos.
Assim como Saussure, Bakhtin parte do princípio de que a língua é um fato social cuja
existência funda-se nas necessidades de comunicação. No entanto, afasta-se de
Saussure ao ver a língua como algo concreto, fruto da manifestação interindividual
entre os falantes, valorizando, assim, a manifestação concreta da língua e não o
sistema abstrato de formas. Essa manifestação não é a fala de Saussure, porque é
eminentemente social.
Para Bakhtin, o que de fato existe é o processo linguístico, sendo a enunciação
o motor da língua: “a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem no psiquismo
31
individual dos falantes”. A língua constitui um processo de evolução ininterrupto, ou
seja, um processo de criação contínua que se realiza pela interação verbal social
dos locutores. Em outras palavras, a língua é uma atividade, um processo criativo,
que se materializa pelas enunciações. A realidade essencial da linguagem é seu
caráter dialógico.
Sendo a realidade essencial da linguagem seu caráter dialógico, a categoria básica
da concepção de linguagem em Bakhtin é a interação. Toda enunciação é um
diálogo; faz parte de um processo de comunicação ininterrupto. Não há enunciado
isolado; todo enunciado pressupõe aqueles que o antecederam e todos os que o
sucederão. Um enunciado é apenas um elo de uma cadeia. Toda palavra, nesse
sentido, já é uma contrapalavra, uma resposta.
O dialogismo, que é, para Bakhtin, a condição de existência do discurso, é duplo:
ao mesmo tempo que é lei do discurso constituir-se sempre de “já ditos” de outros
discursos (as palavras são sempre, inevitavelmente, “palavras de outrem”), o
discurso não existe independentemente daquele a quem é endereçado, o que
implica que a visão do destinatário é incorporada e determinante no processo de
produção do discurso.
O conceito de interação é constitutivo dos sujeitos e da própria linguagem. A
palavra é ideológica, ou seja, a enunciação é ideológica. É no fluxo da interação
verbal que a palavra se concretiza como signo ideológico, que se transforma e
ganha diferentes significados, de acordo com o contexto em que ela surge. Cada
época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso que funciona
como um espelho que reflete e retrata o cotidiano. A palavra é a revelação de um
espaço no qual os valores fundamentais de uma dada sociedade se explicitam e
se confrontam.
Os estudos de Bakhtin no ocidente, principalmente a partir da década de 70, vão
influenciar as pesquisas atuais voltadas para a problemática da enunciação.
Com base nessas pesquisas, não é mais possível dizer que a enunciação é um ato
individual de utilização da língua por um locutor. Ela é eminentemente social.

CARDOSO, Sílvia. Discurso e ensino. Belo Horizonte, Autêntica, 2003. p. 24-25.

Considere o trecho a seguir: Os estudos de Bakhtin no ocidente, principalmente a partir


da década de 70, vão influenciar as pesquisas atuais voltadas para a problemática da
enunciação. Com base nessas pesquisas, não é mais possível dizer que a enunciação
é um ato individual de utilização da língua por um locutor. Ela é eminentemente social.
(último parágrafo). Deste trecho é correto compreender que a influência de Bakhtin

a) Se fez sentir mais fortemente entre os estudiosos ocidentais;


b) Condicionou a revisão da maneira de compreender a enunciação;
c) Depende da função que se atribui ao locutor em uma interação;
d) Parte do princípio de que a enunciação é um fenômeno problemático;
e) Representou uma mudança radical na maneira de conceber a língua.

4. (INEP) Entre as perspectivas teóricas e analíticas que têm buscado compreender


o funcionamento da linguagem, em seus diferentes níveis, tem-se destacado, no
32
cenário brasileiro, a Análise de Discurso (AD). Essa postura teórica adquiriu contornos
diferenciados em sua constituição, desdobrando-se em Análise de Discurso de linha
francesa, a qual privilegia o contato com a História, e em Análise de Discurso anglo-saxã,
que enfatiza-o contato com a Sociologia. Para a reflexão aqui proposta, as afirmações
fazem referência à Análise de Discurso francesa.

Texto 1
A Análise de Discurso tal como a conhecemos no Brasil — na perspectiva que
trabalha o sujeito, a história, a língua — se constitui no interior das consequências
teóricas estabelecidas por três rupturas que estabelecem três novos campos de
saber: a que institui a Linguística, a que constitui a Psicanálise e a que constitui o
Marxismo. Com a Linguística, ficamos sabendo que a língua não é transparente;
ela tem uma ordem marcada por sua materialidade que Ihe é própria. Com o
Marxismo, ficamos sabendo que a história tem sua materialidade: o homem faz a
história, mas ela não Ihe é transparente. Finalmente, com a Psicanálise, é o sujeito
que se coloca como tendo sua opacidade: ele não é transparente nem para si
mesmo. E isto acontece nos anos 60 do século XX, momento em que a leitura
suscita questões a respeito da interpretação. Abre-se aí um Iugar teórico para a
Análise de Discurso, uma disciplina de entremeio que busca compreender o que o
ato de ler significa, se distanciando, portanto, da análise de conteúdo, na qual se
procura extrair sentidos do texto, tentando responder o que o texto quer dizer.

ORLANDI, E. Análise de discurso. In: ORLANDI, E.; LAGAZZI-RODRIGUES, S. (orgs.) Introdução às ciências da
Linguagem: discurso e textualidade. Campinas: Pontes, 2006, p. 11-42 (adaptado).

Texto 2
Enquanto seres humanos somos seres históricos, simbólicos e sociais. Ao considerar
o sujeito, o sentido, comecei a me interessar, criticamente, pelo processo dessa
identidade, assim como pelo modo como os sentidos eram constituídos. Para isso,
tinha de mostrar que a gente precisa atravessar a interpretação para chegar à
compreensão do discurso. Na interpretação, somos pegos pelas evidências já
construídas, ao sabor das quais nos relacionamos com nossa realidade, imaginária.
Com a compreensão, não ficamos nos produtos, mas conhecemos os processos
de produção, a historicidade em sua materialidade contraditória, concreta, que
atingimos analisando a materialidade discursiva.
Disponível em: http://redeglobo.globo.com. Acesso em: 17 jul. 2014 (ADAPTADO).

Considerando os textos acima, avalie as afirmações a seguir.

I. A Análise de Discurso se instituí como uma escuta particular que tem como
característica trabalhar com sentidos ou sujeitos idealizados; assim, o que interessa
no discurso é a sua forma abstrata, desvinculada de seu processo de produção.
II. A análise de conteúdo e a Análise de Discurso procedem de forma semelhante nos
processos de interpretação e compreensão dos textos, fixando seus procedimentos
de análise no que é inteligível e interpretável.
III. A articulação de três áreas (Linguística, Psicanálise e Marxismo) nos estudos do
33
discurso resultou, nos anos 60, em uma posição crítica em relação à noção de leitura
e interpretação, a qual problematizava a relação do sujeito com o sentido.
IV. A Análise de Discurso, como teoria de leitura que visa a explicar como um texto
funciona, trabalha a relação entre sujeito, história e língua; nessa perspectiva,
compreender é saber como um objeto simbólico (enunciado, texto, pintura, música
etc.) produz sentidos.

É correto o que se afirma em:

a) I, apenas.
b) II e III, apenas.
c) III e IV, apenas.
d) I, II e IV, apenas.
e) I, II, III e IV.

5. No que concerne à Análise do Discurso fundada na França na década de 1960, é


correto afirmar que

a) O sujeito é tido como heterogêneo;


b) A história é considerada como descontínua e homogênea;
c) O sentido do discurso origina-se no sujeito;
d) Não há relação entre semântica e discurso;
e) Embora considerada na sua fundação, o inconsciente em nada condiz com a visão
de sujeito do discurso.

6. Sobre as três épocas de Michel Pêcheux, relacione as colunas e assinale a alternativa


correta:

(1) AD-1
(2) AD-2
(3) AD-3

( ) A formação discursiva recebe atenção.


( ) Os discursos e os sujeitos são tidos como homogêneos.
( ) A heterogeneidade ganha força, devido à interdiscursividade.
( ) O sujeito é tomado como fonte de seu dizer.
( ) Interdiscurso e intradiscurso como identidade do discurso.

A sequência correta (de cima para baixo) é:

a) 2 – 1 – 3 – 1 – 3
b) 2 – 3 – 1 – 1 – 2
c) 3 – 1 – 2 – 3 – 2
d) 3 – 2 – 1 – 2 – 1
e) 1 – 1 – 2 – 3 – 3
34
7. Sobre a Semiótica Greimasiana, os níveis produtores de sentido, que estão diretamente
ligados ao componente semântico, são:

a) O semântico profundo, o narrativo e o discursivo;


b) O narrativo, o discursivo e o sintático;
c) O fundamental, o narrativo e o discursivo;
d) O fundamental, o narrativo e o profundo;
e) O discursivo, o narrativo e o figurativo.

8. No contexto da semântica da narrativa, as estratégias persuasivas podem ocorrer de


quatro maneiras distintas: intimidação, tentação, provocação e sedução. No processo
de tentação

a) O destinador provoca o destinatário denegrindo a sua competência, levando-o a


fazer;
b) O destinatário recebe ameaça do destinador, de modo a obrigá-lo a realização de
algo;
c) O destinador faz uma imagem positiva do destinatário objetivando que este realize
algo.
d) O destinatário provoca o destinador, obrigando-o a realização de algo.
e) O destinador provoca o destinatário com oferta de valores positivos, no intuito de
convencê-lo a fazer algo.
35

FORMAÇÃO DISCURSIVA E
MEMÓRIA DISCURSIVA
36
3.1 INTRODUÇÃO
O campo da Análise do Discurso é composto por conceitos que, na verdade,
são aspectos operacionais tomados pelos analistas para no movimento de análise.
Especialmente no que diz respeito ao método que envolve descrição e interpretação
de enunciados, cujas operações se dão a partir de certas pistas dos elementos
constitutivos do discurso. Esses fatores podem ser observados, sobretudo, no tocante às
materialidades linguística e histórica, fazendo com que as análises discursivas não sejam
simples movimento interpretativo de conteúdos, e os aspectos que desbravaremos
nesta Unidade contribuem tanto para o esclarecimento acerca desses conceitos como
também para o modo de se fazer análise de discurso.
Essa abordagem dá prosseguimento aos estudos da AD francesa, haja vista
as temáticas que serão discorridas, empreendidas por Foucault e Pêcheux, além
de outros teóricos que contribuíram para o avanço desses estudos ao longo dos
tempos mais modernos. Pensando nessas problemáticas, fatores como condições de
produção, formação discursiva e memória discursiva tornam-se indispensáveis para
um alargamento nos conhecimentos sobre essa especificidade de análise de discurso,
por meio de um desbravamento dessas formulações teóricas e metodológicas. Além
disso, ao final empreenderemos uma análise sinalizando os elementos abordados
teoricamente, no sentido de possibilitar uma compreensão mais nítida da aplicação
desses conceitos na prática.

3.2 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO


O discurso e sua inscrição na história aponta para a peculiaridade de acontecimento.
Como já mencionado aqui, anteriormente, na função enunciativa, um de seus aspectos
constitutivos é a materialidade repetível, isto é, a língua, que possibilita a formulação
e a reformulação posterior de dado enunciado. Dessa forma, compreende-se que no
campo da possibilidade do que venha a ser enunciado, sem dúvida essa materialidade
atribui existência ao enunciado, tido como algo efetivamente produzido.
Por outro lado, deve-se tomá-lo como produzido historicamente, por sujeitos que
se situam em uma época, cujas condições sócio-históricas determinam as emergências
discursivas. Em A arqueologia do saber, Foucault (2008) destaca o enunciado e o arquivo,
este como sendo a dimensão histórica da produção enunciativa, as condições sociais,
políticas, econômicas e culturais que condicionam o aparecimento de um conjunto de
enunciados sob determinado tema. Então, no enunciado, faz-se necessário atentar-
se para duas dimensões que o faz surgir, que é o enunciado no sentido de linguagem
(língua) e o arquivo (história).
É nessa direção que o referido teórico procura se situar, indagando sobre as
regras de formação do discurso. A inscrição na história faz com que seja possível a
emergência de certos efeitos de sentidos e não outros. Ademais, o enunciado tomado
pela concepção de acontecimentos, é considerado como da ordem da dispersão,
isto é, o enunciado aparece em outros lugares e seus sentidos vão se deslizando de
acordo com os traços históricos que os possibilitam. Tratam-se das condições de
possibilidade do discurso, cujo filósofo em evidência sugere a indagação do porquê
apareceu determinado enunciado e não outro em seu lugar, sublinhando a existência
37
de determinações sócio-históricas para seu surgimento em dado momento na história.
Essa condição de possibilidade aponta também para a descontinuidade
discursiva, em que um enunciado pode ser apagado, silenciado, servir de base para a
construção de outros enunciados futuros. Mas, é preciso resgatar a concepção de que,
o enunciado como unidade discursiva, sempre passa por movência de sentidos em
cada reatualização, transformação, pois cada época é distinta e as possibilidades de
sentido variam de acordo com as determinações históricas.

FIQUE ATENTO
As condições de produção do discurso, uma vez tendo por base a História, requer um
olhar especial no que tange à sua (des)continuidade, cuja materialidade histórica (fatos
políticos, econômicos, sociais, culturais etc.) é heterogênea. Essa premissa desconsidera
a concepção de uma história linear, mas descontínua, cujos acontecimentos se dão na
base da dispersão. Os discursos estão sempre sendo produzidos por meio de um movi-
mento de atualidade e retomada de discursos anteriores.

Do ponto de vista do que discorremos, outros teóricos da AD também lançam


mão desse aspecto, que vão ao encontro das concepções foucaultianos, como se
percebe nas observações de Courtine (2009). Esse estudioso denomina “condições
de produção” do discurso, cujas formulações se dão com base nas problematizações
foucaultianas, especialmente no que tange às formações discursivas (FD) que serão
tratadas na próxima seção.
As condições de formação/reprodução/transformação dos enunciados passam
pelo crivo das formações discursivas, isto é, o que se pode dizer em dada época e lugar
sob uma conjuntura específica. Essas condições implicam determinados elementos,
tais como sujeito e seu lugar de fala, bem como circunstâncias como tempo e lugar
de enunciação. O sujeito se inscreve em determinado lugar de enunciação e seus
discursos são regulados, pois ninguém está autorizado a falar tudo o que pensa, haja
vista também as regras sociais que o controlam.
Sob o crivo da ideologia, é possível afirmar também que o lugar enunciativo
do sujeito o coloca em situação de contradições pelas lutas de classe, que envolve
a história. A produção discursiva então se opõe, no bojo das contradições, no seu
movimento de circulação. É nesse movimento de produção e de circulação do discurso
que o controle se faz presente, que envolve escolhas nas sequências discursivas,
aquelas mais convenientes para a circulação. Em uma sociedade do controle como a
atual, especificamente quando se fala dos domínios das comunicações virtuais, esse
controle impera de forma bastante prática e até mesmo instantânea, espaço aonde
circulam discursos/ideologias e se dão as lutas de classe.
Na direção das formulações de Foucault (2008), essas condições para a
emergência de discurso, no tocante a tomar o enunciado como acontecimento, tornam-
no singular pelo que possibilitou a sua existência. Nessa produção enunciativa, outros
enunciados são excluídos, além de se relacionar com outros enunciados. Como método
arqueológico foucaultiano, a questão é a sua singular existência, a especificidade do
enunciado que não poderia ser nenhum outro. É sob esse olhar que as condições de
produção (ou condições de possibilidade) devem ser tomadas pelo analista.
38
3.3 FORMAÇÃO DISCURSIVA EM MICHEL FOUCAULT E EM MICHEL PÊCHEUX

A produção de discursos acontece sob determinadas condições que os colocam


no espaço de certas singularidades, bem como explanado na seção, o que não significa
uma especificidade somente a nível estrutural, mas também outros elementos. Esses
elementos se traduzem em objetos, conceitos, temas, formações discursivas, dentre
outros fatores.
No que concerne à formação discursiva, esta se constitui em um relevante
fator de determinação das condições discursivas, que implica posição de sujeito e,
consequentemente, influencia nas possibilidades de sentidos do discurso. Trata-se
de um conceito formulado por Foucault (2008) e, tempos depois, tomado por Pêcheux
(1997) para empreendimento de sua teoria, com seus acréscimos e adequações.
Esse conceito, na visão foucaultiana, é entendido como um semelhante sistema de
dispersão de enunciados, que envolve objetos, conceitos e temas, caso passível de uma
regularidade (uma ordem, posições, correlações etc.), que entra nessa engrenagem
de formação de certo tipo de discurso. A citar como exemplo, que se pode observar
na atualidade, especialmente nas redes sociais, a briga entre internautas por políticos
(esquerda versus direita). Assim, as posições de sujeito na esfera político-partidária, que
se define como conservador e progressista, de forma bastante nítida, nos dão margem
para a compreensão de que se trata de duas formações discursivas opostas. Frente
a essas possibilidades, a existência de certas condições de regularidades predomina.
Para Foucault (2008), o discurso é conceituado como um conjunto de enunciados que
se inscreve em uma mesma formação discursiva.
Lançando mão dessa formulação de Foucault, Pêcheux utiliza esse conceito na
segunda fase de sua teoria, em que começa a explodir a concepção de uma maquinaria
fechada, pois uma FD não se constitui de um todo fechado. Nesse aspecto, esses dois
teóricos se aproximam nesse desbravamento teórico acerca das especificidades desse
suporte teórico-metodológico. Esse teórico acrescenta ao conceito a ideologia, a qual
não é discutida por pelo primeiro teórico apontado. Dessa forma, sob o viés pêchetiano,
formação discursiva é tudo aquilo que pode e deve ser dito no contexto de uma dada
conjuntura e de uma ideologia, em um momento na história. Essa premissa delimita,
então, quais discursos os sujeitos que se inscrevem em determinada formação discursiva
estão aptos a dizer.

VAMOS PENSAR?
Observe este trecho da canção Ideologia, de Cazuza, lançada em 1988: “[...] Ideologia / Eu
quero uma pra viver [...] Pois aquele garoto que ia mudar o mundo / Agora assiste a tudo
em cima do muro [...]”. Esses versos da letra musical sugere uma posição desprovida de
ideologia, neutra. Na sua concepção, será que é possível a existência de sujeito sem ideo-
logia? Será que o fato de não se posicionar já não se configura em uma posição, em uma
ideologia?

Retornando ao exemplo dos dois partidos políticos, “esquerda” e “direita”, trata-


se de duas ideologias distintas, definindo que os sujeitos integrantes de um partido não
39
estão autorizados a produzirem discursos favoráveis ao outro partido. Ou, por outro
lado, os sujeitos de um dos partidos não podem produzir discursos se posicionando
contra seu próprio partido. É nessa dimensão que a regularidade vai delimitando o
discurso, cujas possibilidades de sentido são sustentadas pela história e pelos sujeitos
do discurso. Nesse caso, se o alvo das duas posições distintas for o presidente, temos aí
duas formações discursivas opostas acerca do mesmo objeto.
Os sujeitos são atravessados por várias formações discursivas que os constituem,
manifestando, com frequência, as contradições, que também devem ser entendidas
como próprias de suas constituições pelos discursos. Nessa dimensão, existem
formações discursivas contraditórias, que provocam embates entre sujeitos, como
destacado nas redes sociais, em que os discursos políticos se contradizem a todo
tempo. Tanto o sujeito pode se inscrever nas formações discursivas com as quais ele se
identifica como também pode resisti-las.
Pêcheux (1997) destaca sobre as possibilidades de sentido do discurso, com foco
nas formações discursivas. Segundo esse teórico, a materialidade linguística, por si
só, não é capaz de produzir sentidos, que somente existem em função das posições
de sujeito nela impregnadas. Então, dada a mudança de uma formação discursiva a
outra, os sentidos também são alterados, pois as formações ideológicas que regulam
os discursos se transformam.

3.4 O CAMPO ASSOCIADO DE MICHEL FOUCAULT

A heterogeneidade do discurso é uma consideração unânime de todos os teóricos


da Análise do Discurso francesa, em que um enunciado é sempre povoado por outros
enunciados, produzidos em outros momentos, além de o atual da enunciação servir
de base para produções futuras. Essa é a perspectiva foucaultiana. Esse teórico não
denomina de memória, embora aponte para o mesmo significado em se tratando desse
conceito discursivo. Aliás, há vários aspectos, em AD, com nomenclaturas distintas, mas
que no fundo significam a mesma coisa, tais como memória, interdiscurso, polifonia,
dentre outros, fatores que atribui ao discurso o caráter de heterogeneidade.
Nessa direção, o campo associado proposto por Foucault (2008) como reforço de
suas problematizações sobre a função enunciativa, determina que todo enunciado se
repousa sobre um conteúdo específico, ou a um contexto. É constituído por um conjunto
de formulações referidas pelo enunciado, cuja função pode se dar de distintas formas,
tais como para modificá-las, para adaptá-las ou para repeti-las, pois todo enunciado
reatualiza outros.
Esse conceito acaba por estreitar as relações entre enunciado e regularidade,
haja vista que objetos conceitos habitam esse campo, isto é, todo discurso retifica,
faz menção a denominações já legítimas sobre determinado campo, que envolve os
aspectos mencionados. E as transformações pelas quais os enunciados perpassam
provocam efeitos de sentido específicos, pelo processo de reatualização dos discursos.
Podemos apontar, como exemplo, o objeto professor em determinado enunciado,
que remete a vários aspectos dessa área específica, tais como aquele que ensina, educa,
tem amor pelos alunos, recebe baixa remuneração, enfim, dentre várias possibilidades
que daí advêm. Portanto, o campo associado desse enunciado é exatamente a
delimitação dessa referência a um objeto específico, uma área com sua gama de
40
possibilidade de explanação quando enunciada.
Em uma leitura foucaultiana, Gregolin (2006) destaca a natureza doo enunciado
de se encaixar em série, isto é, a relação que ele mantém com outros, com os quais
coexiste. No caso do objeto professor, há inúmeras possibilidades de enunciar sobre
ele, quer de maneira a refutá-lo ou de aderir a algum dos aspectos mencionados, da
forma como é visto por parte da maioria dos sujeitos. O que está em questão é que a
conexão que o processo enunciativo mantém com esses enunciados, possibilitando
esse caráter de série.
Frente a essas possibilidades, vale ressaltar que os sentidos advindos da
enunciação, esta povoada por determinado campo associado, apresentam a
historicidade como fator determinante. As relações enunciativas compõem um todo
complexo, em que uma formulação mantém suas margens povoadas por outras
formulações, seja de forma implícita ou explícita. Apresentando essas características,
Foucault (2008) observa que não há enunciado neutro e independente, mas sempre
ligado a uma série, na qual desempenha algum papel nessa relação, na qual se apoia,
embora dela se distinguindo pelos distintos momentos históricos em questão. Nesse
tecido enunciativo, há sempre um jogo como fio condutor desse entrelaçamento entre
o enunciado e as séries com as quais se relacionam.
Ao afirmar que não existe enunciado livre, neutro, o referido teórico caminha em
direção da concepção de que só pode ser considerado enunciado quando se tem como
elemento central o campo associado. É nesse contexto que a função enunciativa se firma
tomando como peça-chave a referência a algo que já foi dito, ainda que essa menção
seja produzida de forma a se relacionar de várias maneiras com determinado campo.
Semelhante a essa constituição, a próxima seção abordará a memória discursiva.

3.5 A MEMÓRIA DISCURSIVA DE MICHEL PÊCHEUX

A nomenclatura “memória discursiva” é empregada por Courtine (2009), com


base na noção de formação discursiva de Foucault, também com o objetivo de procurar
explicar os relacionamentos entre discursos. Pêcheux (1999) também adere a essa
nomenclatura em suas abordagens, com a premissa de que todo discurso é fruto de
algo já produzido, uma voz que é retomada para a atualidade da enunciação.
O caráter de retomar discursos já produzidos, aponta para a constituição pautada
por sequências já pré-existentes, que atribuem singularidade a enunciados emergentes
nas práticas discursivas. Semelhante às concepções foucaultianas, essa noção de
memória discursiva nada mais é que a presença de certos discursos em outros, pelo
processo de recuperação/reatualização enunciativas. Então, esse já dito em algum lugar
produz um efeito de memória na atualidade da enunciação, seja de transformação,
de esquecimento, de lembranças e de ruptura. Ressalte-se que nesse contexto de
recuperação de alguns discursos, outros são excluídos, silenciados, esquecidos.
Na direção de Courtine (2009), esse discurso que habita outro pode ser denominado
também de pré-construído que articula os enunciados. Como apresenta um caráter
de descontinuidade, destacamos que essa recuperação de outros enunciados não
mantém as possibilidades de sentido que outrora esses discursoos mantiveram, haja
vista as condições de produção distintas em cada época. O que se tem, então, é
um efeito de memória, isto é, uma contribuição de outros discursos ditos em outros
41
tempos que contribuem para os efeitos no discurso da atualidade. Essas configurações
determinam, pelas relações discursivas, saberes específicos de determinada formação
discursiva.
Para Pêcheux (1999) a memória coloca sobbre a mesa dois aspectos que
merecem reflexão, que são a repetição e a regularidade, como que um jogo tênue nas
produuções discursivas. Já abordamos que a materialidade lingu´sitica é repetível, o que
torna possível considerarmos a repetibilidade dessa camada superficial do enunciado
nos trâmites da memória, em que um enunciado é visisvelmente povoado por outros
enunciados. No entanto, a história determina a sua não repetibilidade, haja vista os
deslizamentos de sentido que esses discursos apresentam no interior de outros.
As produções discursivas são existem em diversos tipos de materialidades
repetíveis, o que provoca a existência de uma dialética entre repetição e regularização.
No entanto, essa memória, que o referido teórico denomina também de “implícitos”,
ganha existência no nível do acontecimento. E o acontecimento, para esse autor, nada
mais é que o encontro entre uma memória e a atualidade da enunciação. E nessa
reatualização, os discursos recebem regularidades próprias do momento, o que joga por
terra a premissa da repetição (ao menos no nível do discurso enquanto exterioridade).
Considerando essa dinâmica de relações discursivas, reafirmamos que é
nessa ilusão de repetição que o efeito de série ganha sustento, atravessado por uma
regularização específica. A memória discursiva é produzida sob os gestos de retomadas,
de remissões, cuja materialidade linguística apresenta efeitos de paráfrase, que na
história provoca efeito de acontecimento discursivo, rumando para a existência de série
que se direciona para o funcionamento das formações discursivas. Como a memória
apresenta novos sentidos, na atualidade da enunciação ocorre uma desregularização
em relação a seu status anterior.

3.6 A NOÇÃO DE INTERDISCURSO

Outra denominação bastante utilizada pelos teóricos da AD francesa é a


interdiscursividade/interdiscurso, que não deixa de apresentar semelhança ou até
mesmo significar a mesma relação de memória discursiva. O discurso se constitui
pelo interdiscurso (relação com a exterioridade) e pelo intradiscurso (a formação do
discurso novo, que ganha uma singularidade).
Mais uma vez retomando a noção de formação discursiva de Foucault (2008),
formulado na A arqueologia do saber, Courtine (2009) explana sobre a relação entre
saber e interdiscurso, com destaque para a contradição de FD e de formações ideológicas
como sendo própria do processo de formação dos objetos e do saber impregnados na
FD. Nesse jogo discursivo entra em cena quais formulações são aceitáveis, como o que
pode e deve ser dito, e também de exclusões, como sendo aquilo que não pode ser dito.
Essa regra de fechamento e abertura é instável, que habita nas fronteiras entre as FD,
nas lutas ideológicas e nas próprias transformações históricas e sociais.
Pêcheux (2011) destaca que o interdiscurso integra o próprio funcionamento da
discursividade, observando que os integrantes de uma sequência textual, integrantes
de uma dada FD, podem ser metaforizados de elementos pertencentes a uma outra
FD. Nesse processo de um jogo discursivo, as referências discursivas se deslizam, se
deslocam pelo contexto histórico. Esse teórico, para além da paráfrase como aspecto
de relações entre discursos, elenca a metáfora para abordar o interdiscurso, por meio
42
do qual os discursos se entrecruzam.
Nessa mesma direção, Orlandi (2006) retoma o caráter constitutivo do sentido,
recuperando as formações ideológicas como norteadoras dos sentidos de palavras
e expressões, aquelas formadas historicamente, sinalizando que no processo
interdiscursivo, os sentidos de uma FD tendem a se modificar nesse processo de
deslocamento histórico. Além disso, destaca as posições de sujeito como instâncias
determinantes para essas construções de sentido. Para essa autora, o complexo
dominante do conjunto das formações discursivas é denominado de interdiscurso.
Sob uma visão psicanalítica, a referida estudiosa observa que é pelo interdiscurso
que o sujeito não reconhece sua subordinação-assujeitamento ao Outro, pois esta
acontece por meio de uma ilusão de autonomia. Da mesma forma que funciona para
o sujeito, também o é para o sentido, pois, para que uma expressão ou palavra façam
sentido é necessário que elas já possuam sentido, o que se traduz em já dito, interdiscurso,
o Outro. É nesse cenário que o pré-construído ganha sustento, pois o sentido prévio que
aí habita provoca esse efeito de algo já instaurado antes do dizer da atualidade que o
domina.

BUSQUE POR MAIS


Para se inteirar mais sobre Interdiscurso, leia o capítulo “Redes interdiscursivas,
cenografia e ethos discursivo no funcionamento de práticas discursivas produ-
zidas por indígenas” (p. 293-321), de Adriana Recla, contido no livro Discurso e
Cultura, organizado por Jarbas do Nascimento e Anderson Ferreira (2018). Dis-
ponível em: https://bit.ly/3xSZfjS. Acesso em: 12 jan. 2022.

3.7 UM BREVE MOVIMENTO DE ANÁLISE

Com o objetivo de colocar em prática os principais conceitos abordados nesta


Unidade, de modo a torná-los mais “palpáveis”, segue uma análise discursiva da
composição “Vida em branco”, da cantora e compositora Zélia Duncan. Esse discurso,
produzido em 2019, quando da entrada de Jair Bolsonaro na presidência da República.
Tendo circulado especialmente na mídia digital, esse discurso de resistência se constitui
em um terreno fértil para uma análise.

Vida em branco

Você não precisa de artistas?


Então me devolve os momentos bons.
Os versos roubados de nós.
As cores do seu caminho.
Arranca o rádio do seu carro, destrói a caixa de som.
Joga fora os instrumentos e todos aqueles quadros, deixa as paredes em branco,
assim como a sua cabeça.
Seu cérebro cimento, silêncio, cheio de ódio.
Armas para dormir, nenhuma canção de ninar, e suas crianças em guarda,
43
esperando a hora incerta para mandar ou receber rajadas.

Você não precisa de artistas?


Então fecha os olhos, mora no breu.
Esquece o que a arte te deu, finge que não te deu nada. Nenhum som, nenhuma
cor, nenhuma flor na sua blusa. Nem Van Gogh, nem Tom Jobim, nem Gonzaga,
nem Diadorim. Você vai rimar com números.
Vai dormir com raiva, e acordar sem sonhos, sem nada.
E esse vazio no seu peito não tem refrão para dar jeito, não tem balé para bailar.

Você não precisa de artistas?


Então nos perca de vista. Nos deixe de fora desse seu mundo perverso, sem graça,
sem alma. Bom dia para quem tem alma!

(Zélia Duncan)

A materialização de um discurso de resistência ao atual presidente aponta para


certas condições de produção, questões sócio-históricas que envolvem a política
e, sobretudo, a cultura, do momento de sua emergência. A falta de apoio à cultura,
especialmente à arte em geral, dá condições para que este sujeito, que ocupa um
lugar de artista musical, se rebele contra essa forma de governo, indagando “Você não
precisa de artistas? ”.
Essa posição, atravessada por uma ideologia que valoriza as artes em geral,
tendo em vista o que elas podem proporcionar aos sujeitos, aponta para essa
necessidade cultural, pautado por um discurso que sugere um descaso do presidente e
do secretário da Cultura em relação a essas práticas. Além disso, a formação discursiva
política do sujeito em questão é materializada como sendo progressista, e resiste o
conservadorismo.
A ideologia baseada no neoliberalismo é mencionada como forma de protesto
poético/musical, para o qual sistema a arte não apresenta valor. Então, o sujeito aponta
que para esse tipo de governo o aspecto primordial é o capitalismo, isto é, o investimento
econômico: “Você vai rimar com números. ” Além dessa menção do aspecto econômico,
o investimento em armas também é apontado “Armas para dormir, nenhuma canção
de ninar [...]”.
Esse discurso vai sendo tecido em meio a seu fio condutor que são os aspectos
sócio-históricos que dão sentidos ao que é mencionado, inclusive pelos efeitos de
memória que daí advêm, especialmente pelos exemplos de artistas destacados: “Nem
Van Gogh, nem Tom Jobim, nem Gonzaga, nem Diadorim. ” Além disso, a referência
de prática artística antes praticada se constitui em uma memória, cujo sujeito alerta
para uma retomada. Ainda que indiretamente, a memória da ditadura militar brasileira
também se faz presente no discurso, cuja censura às manifestações artísticas se davam
de forma rígida, o que é passível de uma comparação com a atualidade da enunciação.
Esse encontro da memória com o presente provoca um efeito de acontecimentos
discursivo.
44
GLOSSÁRIO
Campo associado: Característica do enunciado de ser formado por uma série de outros
enunciados, seja para repeti-los, adaptá-los ou modificá-los.
Formação discursiva: Na concepção pecheutiana, é aquilo que, a partir de dada con-
juntura e formação ideológica, pode e deve ser dito em dado momento na história.
Interdiscurso: Diferentes discursos que povoam uma formação discursiva.
45

FIXANDO O CONTEÚDO

1. No que concerne às formulações/denominações empregadas por Michel Foucault e


de Michel Pêcheux, relacione as colunas e assinale a alternativa correta:

( F ) Michel Foucault
( P ) Michel Pêcheux

( ) Condições de produção do discurso


( ) Campo associado
( ) Elaboração de formação discursiva
( ) Memória discursiva e interdiscurso
( ) Formação discursiva a partir da ideologia
( ) Condições de possibilidade do discurso

A sequência correta, de cima para baixo, é:

a) F – P – F – P – P – F
b) P – F – F – P – P – F
c) P – P – F – F – F – P
d) F – P – F – P – F – P
e) P – P – P – F – F – F

2. O Outro do discurso corresponde à/ao

a) Condição de possibilidade;
b) Regularidade;
c) Formação ideológica;
d) Interdiscurso;
e) Formação discursiva.

3. Sobre condições de produção do discurso, é correto afirmar que

a) Envolve questões sócio-históricas (políticas, sociais, econômicas etc.) Que


determinam/possibilitam a produção de determinados discursos em dada época;
b) Para pêcheux, as condições para que um discurso seja produzido envolve o sujeito
desvinculado da ideologia, isto é, desassujeitado;
c) Nas palavras de pêcheux, condições de produção discursiva é o processo de
assujeitamento do indivíduo desprovido da ideologia dominante;
d) Na concepção de foucault, condições de possibilidade procura decifrar a
materialidade do enunciado;
e) Para foucault, as condições de possibilidade, embora promovam o aparecimento
dos discursos, não lhes atribuem um caráter de singularidade.
46
4. Foucault e Pêcheux encontram-se em alguns pontos de sua teoria, como por exemplo,
no conceito de formação discursiva. Frente a essa questão, pode-se afirmar que a
elaboração desse conceito por Pêcheux

a) Ocorre independentemente das proposições foucaultianas;


b) Se baseia na concepção de campo associado de foucault, acrescentando-lhe a
ideologia;
c) Em nada é acrescentado, considerando a totalidade do pensamento foucaultiano;
d) Provoca uma mistura entre condições de possibilidade e interpelações ideológicas;
e) Se dá com base na formulação de foucault, acrescentando-lhe as formações
ideológicas.

5. A memória discursiva é entendida como

a) A materialização de vários discursos que povoam a enunciação, mas sem interferir


nessa enunciação em relação ao seu sentido;
b) Desprovida de qualquer formação ideológica;
c) Um efeito de discurso já produzido em outro momento histórico, cujo encontro com a
atualidade da enunciação atribui ao discurso um caráter de acontecimento;
d) Um campo associado que não influencia na produção de sentido do discurso da
atualidade da enunciação;
e) Um discurso produzido em outro momento que mantém as mesmas regularidades
na atualidade da enunciação.

Leia os dois poemas seguintes para responder às questões 6, 7 e 8:

Canção do exílio
(Gonçalves Dias)

Minha terra tem palmeiras


Onde canta o Sabiá,
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.
Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.
Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.
Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
47
Onde canta o Sabiá.
Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Jogos florais
(Cacaso)

Minha terra tem palmeiras


onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá
vive comendo meu fubá.
Ficou moderno o Brasil
ficou moderno o milagre:
a água já não vira vinho,
vira direto vinagre.
Minha terra tem Palmares
memória cala-te já.
peço licença poética
Belém capital Pará.
Bem, meus prezados senhores
dado o avançado da hora
errata e efeitos do vinho
o poeta sai de fininho.

6. Os poemas acima aproximam-se pelo fato de “Jogos florais” ser uma paródia de
“Canção do exílio”, produzidos em momentos distintos e ambos retratam pontos de
vistas sobre o Brasil. No que tange às condições de produção, é possível detectar que

a) “Canção do exílio” é escrito no período da ditadura militar brasileira, condição para a


exaltação da natureza; “Jogos florais” retratam o romantismo brasileiro, tecendo críticas
ao Milagre Econômico, à Escravidão de outrora e aos políticos corruptos;
b) “Jogos florais” é escrito no período da ditadura militar brasileira, dando prosseguimento
às mesmas condições históricas que na época da composição de “Canção do exílio”;
c) “Canção do exílio” é escrito no período do romantismo literário brasileiro (século XIX);
“Jogos florais” é composto na Poesia Marginal (década de 1970) e período da ditadura
militar brasileira;
d) “Canção do exílio”, embora retrate uma condição do romantismo, exaltação da
natureza, seu discurso não se vincula a esse momento histórico; por outro lado, “Jogos
florais” revelam as condições históricas pelo seu discurso negativo sobre o país.
e) Condições sócio-históricas, como políticas, sociais e culturais não exercem influências
nesses poemas, pois trata-se de discursos literários.
48
7. Quanto às formações discursivas materializadas nos poemas, sobre o Brasil, podemos
afirmar que

a) Enquanto que em “Canção do exílio” o sujeito apresenta uma ideologia favorável


aos aspectos brasileiros, em “Jogos florais” a ideologia é contrária a vários aspectos
históricos da época;
b) Em ambos os discursos, embora produzidos em momentos distintos e por sujeitos
diferentes, apresentam-se formações discursivas em conivência com os aspectos
naturais, políticos, sociais e culturais do Brasil.
c) “Canção do exílio” é um discurso neutro, isento de formação ideológica, enquanto
que “Jogos florais” apresenta ideologia que desprestigia aspectos brasileiros;
d) “Jogos florais” materializa um sujeito ideológico favorável à política da época;
“Canção do exílio” exterioriza um sujeito contrário aos ideais políticos da época.
e) Ambos os discursos materializam formações discursivas semelhantes, embora suas
formações ideológicas se destoam.

8. Sobre a produção de “Jogos florais”, é correto detectar que

a) Por se tratar de uma paródia, não é possível verificar a existência de uma memória
discursiva;
b) A memória discursiva se dá somente no que concerne aos aspectos políticos, uma
referência que o sujeito faz do discurso original, “canção do exílio”;
c) Não há um campo associado específico em sua materialidade, pois não se relaciona
com outros enunciados;
d) Há um efeito de memória, no caso, do discurso original, “canção do exílio”, cujos
sentidos se deslizam de acordo com o momento histórico de enunciação, configurando-
se em um acontecimento discursivo;
e) Não é possível afirmar a existência de um interdiscurso, haja vista que não há metáfora
nem paráfrase no discurso.
49

IDEOLOGIA
E PODER
50
4.1 INTRODUÇÃO

A fundação da denominada Análise do Discurso francesa, como abordada


anteriormente, é atribuída a Michel Pêcheux, a qual se dá pela aliança entre três
campos disciplinares distintos: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise, como base
epistemológica, sendo considerada uma disciplina de entremeio, pela junção entre
essas áreas do saber distintas. Essas bases se fundamentam em diferentes aspectos
para se compreender o sujeito e os funcionamentos discursivos que, a partir de sua
fundação na França, na década de 1960, se expande e outros teóricos são trazidos para
essa área, ocorrendo avanços e transformações nos seus conceitos basilares.
Considerando esse percurso, esta Unidade apresenta por objetivo refletir sobre
dois pontos de vistas distintos entre dois teóricos relacionados à AD francesa, seu
precursor e Michel Foucault, no que concernem as diferenças quanto à constituição do
sujeito, isto é, as formações ideológicas, pelas lutas de classe, versus relações de poder.
Ressalte-se que ambos foram discípulos acadêmicos de Luiz Althusser. Embora esses
estudiosos dialoguem em algumas de suas bases, percebem-se também contrastes,
como por exemplo, nessas diferenças que pretendemos nos concentrar para esta
problematização.
Pela leitura dos dois teóricos supracitados, percebe-se que, enquanto o fundador
dessa disciplina faz uma releitura de Althusser, considerando a luta de classes com
base no marxismo e interpelação do sujeito pela ideologia, Foucault nega essa base
ideológica, tomando as relações de poder como sustento para tratar sobre o sujeito.
Este segundo estudioso não toma o Estado como centro do processo, mas pelas vias da
microfísica que se dá em todas as instâncias da sociedade.

4.2 IDEOLOGIA E DISCURSO EM MICHEL PÊCHEUX

Como respaldo para a epistemologia da fundação da AD francesa, Pêcheux recorre


aos estudos marxistas de Althusser, o qual influencia o “pai” dessa vertente da análise
do discurso no que tange a esse viés histórico. Era encontrado o caminho para que a
história ganhasse espaço nessa elaboração que ocorre pela fusão entre três campos
do saber distintos. Tomar a História pautada pelo marxismo é considerar a ideologia
sob a égide de lutas de classes. É nessa direção que o referido teórico vai tecendo sua
teoria, colocando à baila a influência histórica nesse percurso de formações ideológicas
que norteiam o sujeito.
A AD francesa é denominada também como análise do discurso materialista,
exatamente por ancorar as materialidades históricas que se traduzem na constituição
ideológica do sujeito. Como já mencionado anteriormente, o sujeito do discurso é
genuinamente social e não individual, haja vista que a troca de sentidos só é possível
por esse caráter de práticas sociais pelas quais o sujeito vai aderindo ao longo de
sua constituição histórica. O sujeito, na concepção de Pêcheux (1997), é pautado pela
ideologia e pelo desejo. É exatamente esse processo de constituição ideológica que
fundamenta suas formulações, especialmente a partir de sua segunda fase, que vamos
tratar nessa seção.
Para abordar a constituição ideológica, o estudioso em evidência aponta para
os meios de produção, com destaque para o capitalismo como a ideologia dominante,
51
com seus modos de dominação que podem ocorrer de maneiras variadas. Esse é
um mecanismo considerável que se estabelece no centro de um sistema complexo
de organização social e que toda a população encontra-se no seu interior. Por outro
lado, não é somente esse sistema que rege a sociedade, mas é o que impulsiona com
maior força, pois até mesmo os sistemas políticos, social, cultural, etc. dependem desse
superior, mais amplamente dominador, que é o capitalista.
Quando se trata de uma sociedade econômica, com suas relações de produção,
na concepção marxista, o capitalismo é denominado de infraestrutura. Por outro lado,
há outras instâncias que integram essa estrutura, como é o caso das político-jurídicas
e ideológicas, denominadas de superestrutura. À luz da teoria althusseriana, afirma-se
que a infraestrutura determina a superestrutura e, ao mesmo tempo, é perpetuada por
ela, esta denominada, na teoria marxista, de materialismo histórico.

VAMOS PENSAR?
Vivemos sob um regime que gera o motor das lutas de classe que é o capitalismo, do qual
não é possível o sujeito fugir. Você já imaginou como se daria o processo das formações
ideológicas em um sistema socialista cujo controle é exercido pelo Estado e todos são
donos dos meios de produção? Será que nesse contexto haveria também uma ideologia
dominante além do Estado, desigualdades entre classes?

Esse mergulho no sistema, como forma de organização social, estabelece regras


sociais, especialmente no que tange às relações econômicas, movimentando os meios
de produção e inserindo o indivíduo nessa tessitura social. Esse campo econômico pode
ser melhor observado a partir das revoluções industriais, em que são gerados meios de
organizações hierárquicas trabalhistas nas indústrias, isto é, nos meios de produção.
Considerar a História a partir dessa dimensão marxista é aderir a concepção
dos meios de produção e seu reflexo no surgimento das ideologias, bem como aponta
Althusser (1970). Esse movimento requer a reprodução das condições de produção,
como a qualificação de operários que se submetem à ideologia dominante, sob uma
dominação e também de repressão, de modo que correspondam à manutenção dessa
ideologia por meio desses meios de produção ao longo da história.
Essa teoria fundada no marxismo considera as relações trabalhistas como
aspecto que aponta para as lutas de classe. Não somente no campo industrial em que
o trabalho se dá de forma bem específica para cada funcionário, mas também em
todo o sistema capitalista que divide a sociedade em classes. De um lado estão os
dominantes e, de outro, os dominados, fator que não se dá como sendo estático, pois
essas materialidades se transformam com o movimento da história, em que as classes
vão se modificando na estrutura do sistema capitalista.
É exatamente nessa condição binária (dominante versus dominada) que as
concepções pêchetianas vão ganhando forma, cujo movimento do motor capitalista
provoca as lutas de classe no seu interior, de acordo com suas considerações
althusserianas de abordar a ideologia. O próprio sistema capitalista sugere a condição
de exploração de algumas classes sobre outras, como meio de sobrevivência, mas que
não se trata de uma dominação estática.
As transformações nos meios de produção sugerem a própria condição do
52
sujeito, cuja história não permite que seja entendido como acabado, mas sempre em
movimento. Essa instabilidade possibilita compreender que o sistema capitalista, bem
como as classes e suas lutas, não são imutáveis no decorrer da história, pois se assim
fossem, o sistema não se movimentaria e as classes sociais permaneceriam sempre as
mesmas no interior do capitalismo.
É nessa materialidade objetiva dos meios de produção que Pêcheux (1997)
destaca as formações ideológicas, tão relevantes para os sentidos na esfera discursiva.
Esses sistemas de produção nada mais é que um motor que faz girar o movimento de
desigualdade-subordinação, a partir de uma formação social dada. Esse complexo se
traduz também em uma contradição, com destaque para a reprodução/transformação
que resulta na luta ideológica de classes, tendo em vista as classes dominantes e as
classes dominadas.
Nessa direção pêchetiana, Gregolin (2006) salienta que a contradição é a condição
básica para que o sistema ganhe movimento, em que as condições ideológicas da
reprodução/transformação dos meios de produção fazem a roda girar nesse arsenal
de transformações. Esse caráter contraditório é entendido pela autora como próprio de
qualquer meio que se baseie na divisão de classes.
Considerar essa dimensão marxista do materialismo histórico como suporte para
os estudos discursivos é trazer à baila a premissa de que as formações ideológicas
advêm dessas formações sociais, em que essas desigualdades e contradições fazem
surgir as lutas no interior do sistema. Dessa forma, entender esse aspecto estruturante
da sociedade é colocar o sujeito como ponto-chave dessa construção teórica, com
destaque para suas formações discursivas e, aliado a elas, as formações ideológicas.
Nessa condição social, com o aparato dos meios de produção e lutas de classe,
o sujeito é então interpelado pela ideologia, bem como assevera o fundador dessa
vertente da AD. Ressalte-se que essa é uma condição que ocorre de forma inconsciente,
sendo denominado de assujeitamento, isto é, o indivíduo é assujeitado, e a ideologia o
coloca em um lugar social, lugar de fala, de discurso, fazendo-o ganhar uma forma-
sujeito.
Por outro lado, embora se diz que o sujeito se inscreve nas formações discursivas
com as quais se identifica, é preciso ressaltar que essa identificação não se dá de
modo totalmente voluntário, pois há uma força superior que determina as formas
de assujeitamento. Pêcheux (1997) destaca alguns aspectos consideráveis nesse
processo de influência, que são os denominados Aparelhos Ideológicos de Estado, com
destaque para instituições como escola, a igreja, a mídia, dentre outros, instituições
que determinam essas inscrições do sujeito. Por outro lado, o teórico destaca também
os Aparelhos Repressivos de Estado que, diferentemente dos citados anteriormente,
agem pela violência, como é o caso da polícia, do exército, das prisões, dentre outros.
Nessa direção, vale destacar também que esses aparelhos funcionam como meios que
contribuem para o movimento contradição-desigualdade-subordinação no campo
das lutas de classe, historicamente.
A partir da segunda fase da AD francesa, o teórico supracitado então tece todo
um trabalho teórico-metodológico para aprimorar seus estudos acerca da análise
do discurso. Essas formulações se assentam na concepção de que, pelas formações
discursivas emergentes, não seria mais possível considerar os discursos como
estabilizados, fechados, mas sempre abertos a outras perspectivas, complexidades
53
que envolviam as formações ideológicas. É nesse caminho de acionar as formações
discursivas que o empreendimento da ideologia ganha impulso, já que atua diretamente
na construção de sentidos do discurso.
Para além dos fatores sócio-históricos que se constitui em uma materialidade
discursiva, o lugar de fala do sujeito requer atenção, pois uma palavra ou uma sentença
muda seu sentido de acordo com o lugar ideológico desse sujeito. Assim, foi preciso
retomar as formulações althusserianas sobre o marxismo, no sentido de incorporá-las
ao suporte teórico-metodológico para se analisar discursos. A ideologia é materializada
não somente nas condições materiais de existência, mas também nos próprios discursos,
contribuindo de forma relevante para se pensar sobre a constituição do sujeito nesse
lugar teórico.

4.3 PODER E DISCURSO EM MICHEL FOUCAULT

A obra de Michel Foucault, filósofo e psicólogo francês que, embora não tenha
sido um analista de discurso, sua teoria serve de base teórico-metodológica para se
analisar discurso. E suas formulações foram e são bastante lidas em inúmeros locais,
inclusive no Brasil, cujas reflexões se estendem para diversas áreas do saber, no meio
acadêmico. Em se tratando da AD francesa, é válido reconhecer suas contribuições
nesse cenário, inclusive como pontapé para a expansão de conceitos, tais como o de
formação discursiva que serve a Pêcheux e Courtine para seus empreendimentos no
campo dos estudos discursivos.
Embora não seja conveniente separar temporalmente a obra de Foucault, sua
teoria é classificada em três fases: arqueológica, genealógica e ética e estética de
si. Essa classificação parece produtiva do ponto de vista pedagógico, o que facilita a
compreensão de sua teoria. Por outro lado, é preciso reconhecer que cada uma dessas
abordagens encontra-se diluída nos seus livros em diferentes momentos, embora a
concentração de um ou de outro aspecto seja mais latente em um ou em outro livro/
curso.
A fase arqueológica é denominada como a proposta de abordagem dos saberes,
as condições de possibilidade para o aparecimento de determinado discurso na história.
A genealógica procura se concentrar sobre os poderes, haja vista que, na concepção
foucaultiana, o sujeito se constitui pelas relações de saber e de poder. A última fase,
ética e estética da existência, esse teórico aborda os processos de subjetivação, os
modos de cuidado de si e com os outros, que nada mais é que uma consequência,
um efeito das práticas discursivas que colocam em evidência o saber e o poder como
aspectos norteadores da constituição subjetiva.
Embora discípulos do mesmo teórico, no caso, de Althusser, Foucault e Pêcheux
se distanciam em determinados pontos de suas teorias no que concerne à constituição
de sujeito. Enquanto Pêcheux adere ao marxismo de forma bastante explícita, com
destaque para as lutas de classe e a interpelação ideológica, Foucault ruma para outra
direção, embora não despreze totalmente essa consideração pêchetiana, sobretudo
no que tange à verdade e as relações de poder. Gregolin (2006) aponta para esse
distanciamento teórico, mas que não chega a ser totalmente uma oposição entre
ambos.
54
BUSQUE POR MAIS
Para se inteirar de forma mais completa em relação às convergências e discre-
pâncias entre Pêcheux e Foucault, leia o capítulo “Bakhtin, Pêcheux, Foucault” (p.
33-52), de Rosário Gregolin, integrante do livro de Beth Brait (Org.): Bakhtin: ou-
tros conceitos-chave, de 2006. Disponível em: https://bit.ly/3KlikxM. Acesso em:
16 jan. 2022.

Foucault (1981), em seu livro Microfísicas do poder, se recusa a abordar a ideologia


em sua teoria, dando ênfase a seu empreendimento com destaque para a observação
da sociedade enquanto detentora de uma organização disciplinar. Essa premissa ganha
sustento do ponto de vista de que, historicamente, desenvolveram-se sociedades
disciplinares, em que o poder é exercido sobre os corpos, sob técnicas específicas, no
intuito de se constituir corpos dóceis na sociedade.
O referido teórico, ao longo de sua teoria sobre o poder, começa a dar atenção
a esse aspecto de forma mais lúcida no livro A ordem do discurso, cujo objetivo é
sublinhar que a produção discursiva é controlada pelo exercício de poder. Os sistemas
de exclusão do discurso geram esse motor de produção, seja nos níveis interno (pelo
próprio discurso) ou externo (controle social), em que a produção discursiva é regulada.
Ninguém está autorizado a dizer qualquer coisa em qualquer lugar e momento, mas
que tudo é produzido no âmbito de um jogo do que pode ou não ser dito em dado
momento na história.

FIQUE ATENTO
Foucault (1996) destaca alguns procedimentos de exclusão no sentido de sublinhar o
controle do discurso pelo poder, em que os exteriores são: a palavra proibida, que se
traduz na interdição de discursos em determinados espaços e épocas, além de reforçar
a concepção de que o sujeito não está autorizado a dizer tudo; a segregação da loucu-
ra, pela desconsideração do discurso do louco, em detrimento da razão; e a vontade de
verdade, que considera dado discurso como verdadeiro como um jogo de desejo e de
poder. Por outro lado, os controles internos dos discursos são: o comentário, em que os
discursos são classificados como corriqueiros, do dia a dia e os originários que se solidi-
ficam, originando outros e se transformando no decorrer dos tempos, mas que são sem-
pre retomados; o autor como origem de suas significações; e rarefação dos sujeitos que
falam, pois, para entrar na ordem do discurso, é preciso satisfazer certas exigências, ser
qualificado para fazê-lo.

Além disso, a relação entre poder e saber é devidamente instaurada por esse
teórico, na medida em que um aspecto está intimamente ligado ao outro, nos jogos de
verdade que norteiam as produções discursivas. Ao mesmo tempo em que o exercício
do poder produz verdades, estas, por sua vez, provocam efeitos de poder, no movimento
de constituição de sujeitos em suas práticas sociais.
Ao longo de sua extensa elaboração teórica, seja de livros propriamente ditos ou
de cursos ministrados no Collège de France, o estudioso em evidência classifica alguns
55
tipos de poder mais concentrados. Podemos destacar o poder pastoral, com base em
sociedades mais antigas (aliás, esse filósofo retoma as sociedades clássicas de forma
recorrente em sua teoria, como referência para suas problematizações), em que o pastor
exerce determinado controle sobre os discípulos, no intuito de subjetiva-los a partir de
suas determinações de verdades. O poder disciplinar também merece destaque, em
que instituições, especialmente as prisões, exercem controle sobre os corpos, de modo
a torna-los dóceis. Nesse exercício, a disciplina atua no sentido de correção, em que
o poder deve ser exercido para levar o sujeito do delito a transformar-se, a tornar-se
sociável. Também o biopoder, que trata das formas de controle da população pelo
governo, especialmente no que concerne à taxa de natalidade, à saúde, à alimentação,
enfim, é considerado como saudável e os modos de vida dos sujeitos, fazendo com que
esse controle, no âmbito dos regimes de verdade, provoque modos de subjetivação de
forma coletiva, populacional.
Vimos em Pêcheux que Aparelhos Ideológicos de Estado são relevantes para
a compreensão da interpelação ideológica. No caso de Foucault, as instituições são
tomadas como instâncias importantes para o controle, esse exercício do poder, com
destaque também para o poder do Estado. Por outro lado, é preciso salientar que o
poder na concepção foucaultiana não é concebido como centralizador, mas disperso.
O próprio título de um de seus livros, citado logo acima, aponta para a sua visão sobre
esse aspecto social, microfísica, que significa algo diluído, não concentrado. É nessa
direção que Foucault (1981) direciona suas problematizações, destacando que, embora
o Estado, bem como as instituições, possam exercer influências sobre os sujeitos, o
poder não é centralizador.
Na esfera da microfísica, o poder, na visão, é tomado como algo não unilateral,
haja vista que se trata de um aspecto que apenas existe pela ordem de funcionamento.
Ele é exercido de sujeito para sujeito, de pai para filho, de irmão para irmão, de namorado
para namorada, enfim, ao mesmo tempo em que exerço esse poder, também sou
conduzido por ele, haja vista os variáveis sistemas de controle dispersos na sociedade.
Esses sistemas se transformam historicamente, pois se trata de um sujeito constituído
pela história e de forma contínua, dinâmica. Há inúmeras formas de estratégias de
controle, com o intuito de exercer a disciplina e também de conduzir a conduta do outro
em vários espaços sociais.
O exercício do poder coloca os sujeitos em práticas que são denominadas de
microlutas, das quais nenhum sujeito está isento, pois sua constituição, assim como
a produção discursiva, são efeitos dessa dinâmica. Destaca-se, nesse âmbito, as
estratégias de poder vinculadas às instituições, cujas produções de discursos provocam
efeitos de verdade. Nessa dimensão, Foucault (2010) aponta para algumas de suas obras
que são passíveis de se estabelecer essas relações, tais como História da loucura, que
procura investigar sobre o tipo de poder que a razão procurou instaurar para o exercício
sobre a loucura; em O nascimento da clínica, a resposta ao fenômeno da doença por
meios institucionais da medicina, trabalho semelhante realizado pelo teórico sobre a
prisão; o teórico destaca que em As palavras e as coisas, sob seu aspecto literário, os
mecanismos de poder nos discursos científicos: as regras que devemos obedecer, em
determinada época, para se ter um discurso científico sobre vários campos do saber. É
nesse movimento analítico que gira a teoria que desencadeia-se a partir dos exercícios
do poder e sua relação com a verdade.
56
O empreendimento de Foucault vai sendo construído sob essa visão genealógica,
cuja sua proposta arquegenealógica vai tecendo sua teoria sobre a constituição dos
saberes em vários campos do conhecimento. Verificar as condições de possibilidade
para o aparecimento de determinados discursos implica também analisar os jogos
de poder imbricados nesses discursos, que apresenta a potencialidade de provocar
potentes efeitos de verdade como forma de controle social. No caso das prisões, do
clínica, da medicina, possibilitam uma investigação sobre a institucionalização dos
saberes vinculados ao poder.
Essa construção de saberes institucionalizados confirmam a relação estratégica
entre poder e saber, haja vista que a constituição de saberes transformam as relações
de poder. “Essas produções de verdades não podem ser dissociadas do poder e dos
mecanismos de poder, ao mesmo tempo porque esses mecanismos de poder tornam
possíveis, induzem essas produções de verdades [...]” (FOUCAULT, 2010, p. 229).
Por outro lado, retomando o livro A ordem do discurso, Foucault (1996) observa
a dinâmica de constituição do sujeito pelas práticas discursivas. Para esse teórico,
o sujeito é pautado por uma vontade de verdade, não individualizada, mas coletiva,
social. Essa premissa anula as verdades absolutas, intocáveis, e coloca sobre a mesa a
dimensão do que venha a ser considerado verdadeiro ou falso em determinada época.
As verdades, nesses casos, nada mais é que um efeito do poder sobre os discursos,
atribuindo-lhes essa condição de verdadeiro, nessa luta entre verdadeiro e falso.
No funcionamento do poder, assegura-se que se trata de relações com sujeitos
livres, liberdade essa que significa possibilidade de resistência. Isso quer dizer que, em
uma situação de dominação, em que um sujeito realiza algo sob domínio de outra, não
se configura relação de poder na concepção foucaultiana. Trata-se apenas de relação
de força. Da mesma forma são as construções de verdade e estratégias de poder, que
podem ser antagônicas na sociedade, bem como destaca Foucault (1995).
Na sociedade contemporânea, especialmente nas mídias digitais, a presença
de variadas estratégias de exercício do controle, pelos discursos, pode ser observada
cotidianamente. Especialmente no que tange aos discursos publicitários, as formas de
argumentação, estabelecimento de vínculos institucionais para reforço de verdade,
são uma constante, que pode ou não exercer controle sobre os sujeitos, influenciando-
os nas suas condutas, como por exemplo, de consumo. Essas estratégias, portanto,
pode provocar certos modos de subjetivação pela estratégia poder-saber que norteia
a produção de discurso.
O exercício de poder não pode ser visto como algo negativo, mas produtivo, haja
vista seu vínculo com a produção discursiva e a influência sobre os modos de subjetivação
e constituição de sujeitos. Assim, o poder não nega algo, pois funciona como aspecto de
controle, de modo que venha a ser positivo e produtivo socialmente, vinculado ou não
às instituições. Ainda, é preciso elencar que o exercício do poder funciona, na maioria
das vezes, de forma inconsciente, que provoca uma visão naturalizada pelos sujeitos
que o praticam.

GLOSSÁRIO
Marxismo: Doutrina política elaborada por Karl Marx e Friedrich Engels, em que o aspecto
socioeconômico é baseado no que Marx denominou de materialismo histórico dialético,
57
que se traduz nos meios de produção da sociedade como método de análise.
Microfísica: No contexto da teoria de Foucault, trata-se do exercício do poder de forma
diluída na sociedade, de sujeito para sujeito.
Biopoder: Poder exercido pelos estados modernos objetivando a regulação dos sujeitos
a eles submetidos, com vistas à subjugação dos corpos e o controle das populações, por
meio de variadas técnicas de poder.
58
FIXANDO O CONTEÚDO
1. (UEG-GO, Adaptada). A respeito do materialismo histórico de Karl Marx, verifica-se
que é uma

a) Concepção que considera que a matéria é a origem do universo e da sociedade, e


que ela muda historicamente transformando o homem e a natureza, sendo por isso que
Marx intitulou essa concepção com a junção das palavras materialismo e história.
b) Teoria da história que analisa o processo real e concreto, enfatizando o modo de
produção e reprodução dos bens materiais necessários para a sobrevivência humana
e que passa a ser determinada pela luta de classes em determinadas sociedades.
c) Concepção da história que defende que o processo histórico é determinado
exclusivamente pelos interesses econômicos e materiais, sendo devido a isso que Marx
atribuiu o nome “materialismo” à sua concepção em oposição ao “idealismo”, que
defende que as pessoas perseguem seus ideais.
d) Concepção historicista que compreende que a única ideologia válida é o materialismo
originado com o iluminismo e aperfeiçoado por Augusto Comte, sendo a divergência
de Marx com esses antecessores apenas política, já que ele propunha uma concepção
revolucionária diferentemente deles.
e) Teoria que defende que a luta de classes desenvolve-se no modo de organizar o
processo de trabalho e no modo de se apropriar do resultado do trabalho humano.

2. (UEG- Adaptada). Para Marx, diante da tentativa humana de explicar a realidade


e dar regras de ação, é preciso considerar as formas de conhecimento ilusório que
mascaram os conflitos sociais. Nesse sentido, a ideologia adquire um caráter negativo,
torna-se um instrumento de dominação na medida em que naturaliza o que deveria
ser explicado como resultado da ação histórico-social dos homens, e universaliza
os interesses de uma classe como interesse de todos. A partir de tal concepção de
ideologia, constata-se que

a) A sociedade capitalista transforma todas as formas de consciência em representações


ilusórias da realidade conforme os interesses da classe dominante.
b) Ao mesmo tempo que marx critica a ideologia ele a considera um elemento
fundamental no processo de emancipação da classe trabalhadora.
c) A superação da cegueira coletiva imposta pela ideologia é um produto do esforço
individual principalmente dos indivíduos da classe dominante.
d) A frase “o trabalho dignifica o homem” parte de uma noção genérica e abstrata de
trabalho, mascarando as reais condições do trabalho alienado no modo de produção
capitalista.
e) Marx define a ideia de igualdade social e de direitos para todos os homens,
independentemente de classe social ou raça.

3. (FGV). Em Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado, Louis Althusser propõe a


distinção entre Aparelho Repressivo de Estado e Aparelhos Ideológicos de Estado,
59
contribuindo para a teoria marxista de Estado.

A partir da charge, analise as afirmativas a seguir.

I. A atitude pedagógica da personagem Mafalda remete ao universo escolar, lembrando


que as instituições de ensino são aparelhos repressivos de Estado.
II. A luta de classes visa aos aparelhos ideológicos de Estado; daí o interesse do
proletariado em tomar o poder de instituições que “apagam ideologias”, como a
polícia.
III. O cassetete simboliza uma função da violência exercida pelo aparelho repressivo de
Estado que secundariamente também exerce função de ideologia.

Assinale:

a) Se somente a afirmativa I estiver correta.


b) Se somente a afirmativa II estiver correta.
c) Se somente a afirmativa III estiver correta.
d) Se somente as afirmativas II e III estiverem corretas.
e) Se todas as afirmativas estiverem corretas.

4. (SER EDUCACIONAL, 2017). O discurso é, portanto, o lugar de confronto entre língua e


ideologia. Para Pêcheux (1997), discurso é efeito de sentido entre interlocutores. Quais
os aspectos que a Análise do discurso de linha francesa leva em consideração em sua
análise?

a) Ligados as frases e orações que compõem a sintaxe do português brasileiro.


b) Os aspectos formais da formação linguagem e discurso.
c) Os aspectos formais da fonética e fonologia.
d) Ideologia - sujeito - condições de produção.
e) Arraigadas aos termos de formação da palavra, isto é, radical, prefixação e sufixação.

5. (UECE 2019, Adaptada). Observe a seguinte notícia: “O total de pessoas encarceradas


no Brasil chegou a 726.712 em junho de 2016. Em dezembro de 2014, era de 622.202. Houve
um crescimento de mais de 104 mil pessoas. Cerca de 40% são presos provisórios, ou
60
seja, ainda não possuem condenação judicial. Mais da metade dessa população é
de jovens de 18 a 29 anos e 64% são negros. [...] Os crimes relacionados ao tráfico de
drogas são os que mais levam as pessoas às prisões, com 28% da população carcerária
total. Somados, roubos e furtos chegam a 37%. [...] Quanto à escolaridade, 75% da
população prisional brasileira não chegaram ao Ensino Médio. Menos de 1% dos presos
tem graduação”.

AGÊNCIA BRASIL, 08/12-2017. Disponível em: https://bit.ly/39mEvH6. Acesso em: 17 jan. 2022.

As informações apresentadas na notícia acima podem ser pensadas filosoficamente


tomando-se por base

I. Foucault e sua teoria dos dispositivos disciplinares do poder.


II. Marx e sua teoria do Estado como instrumento da classe dominante.
III. Maquiavel e sua teoria do poder do príncipe.
IV. Aristóteles e seu conceito de justiça distributiva.

Estão corretas somente as complementações contidas em:

a) I, II e III;
b) II e III;
c) III e IV;
d) I e IV;
e) I e II.

6. (UEMA). Gilberto Cotrim (2006. p. 212), ao tratar da pós-modernidade, comenta as


ideias de Michel Foucault, nas quais “[...] as sociedades modernas apresentam uma
nova organização do poder que se desenvolveu a partir do século XVIII. Nessa nova
organização, o poder não se concentra apenas no setor político e nas suas formas de
repressão, pois está disseminado pelos vários âmbitos da vida social [...] [e] o poder
fragmentou-se em micropoderes e tornou-se muito mais eficaz. Assim, em vez de se
deter apenas no macropoder concentrado no Estado, [os] micropoderes se espalham
pelas mais diversas instituições da vida social. Isto é, os poderes exercidos por uma rede
imensa de pessoas, por exemplo: os pais, os porteiros, os enfermeiros, os professores, as
secretarias, os guardas, os fiscais etc.”

COTRIM, Gilberto. Fundamentos da Filosofia: história e grandes temas. São Paulo: Saraiva, 2006. (adaptado)

Pelo exposto por Gilberto Cotrim sobre as ideias de Foucault, a principal função dos
micropoderes no corpo social é interiorizar e fazer cumprir

a) As normas estabelecidas pela disciplina social;


b) O ideal de igualdade entre os homens;
c) O total direito político de acordo com as etnias;
d) A repressão exercida pelos menos instruídos;
e) O ideal de liberdade individual.
61
7. (UFMT-2016). “Foucault rompe com a concepção clássica de poder, afirmando que
não se pode concebê-lo como materializado em determinado lugar ou em lugares
específicos, pois ele está diluído pelo tecido social. Há uma espécie de onipresença
do poder. Ele se apresenta como uma imensa rede microscópica, que engloba tudo e
todos. [...] Devemos levar em conta, também, o poder como fonte de produção social.
É o que Foucault denomina de tecnologia do poder: constrói-se toda uma maquinaria
por meio da qual o poder se exerce, interditando certas ações mas também produzindo
outras.”
(GALLO, S. Filosofia: experiência do pensamento. São Paulo: Scipione, 2014.)

Termos como microfísica do poder, tecnologias de poder, soberania, poder disciplinar e


biopoder estão presentes na filosofia de Foucault. Sobre as características do poder em
Foucault, analise as afirmativas.

I. O poder se apresenta como uma trama que está presente em todas as relações
sociais, constituindo uma microfísica do poder.
II. O poder disciplinar já está presente nas análises dos filósofos antigos sobre o agir
político e ético.
III. O biopoder, presente no Estado de bem-estar social, pode ser considerado uma
tecnologia de poder.

Está correto o que se afirma em

a) I e III, apenas;
b) I, II e III;
c) II e III, apenas;
d) I e II, apenas;
e) n. d. a.

8. (IBADE-2019). "Dois dos regimes mais abomináveis da história da humanidade


chegaram ao poder no século XX, e ambos se estabeleceram com base na violação e
no esfacelamento da verdade, cientes de que o cinismo, o cansaço e o medo podem
tornar as pessoas suscetíveis a mentiras e falsas promessas de líderes determinados
a alcançar o poder incondicional. Como Hannah Arendt escreveu em seu livro de 1951,
Origens do totalitarismo: "O súdito ideal do governo totalitário não é o nazista convicto
nem o comunista convicto, mas aquele para quem já não existe a diferença entre o fato
e a ficção (isto é, a realidade da experiência) e a diferença entre o verdadeiro e o falso
(isto é, os critérios do pensamento)".

(KAKUTANI, M. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump, Rio de Janeiro, Intrínseca, 2018)

A partir da filosofia de Hannah Arendt e a analítica do poder de Michel Foucault, a não


distinção entre o fato e a ficção, entre o verdadeiro e o falso, são estratégias das relações
de poder que permitem:

a) Um melhor controle econômico no sentido da gestão pública.


62
b) Uma maior liberdade de expressão.
c) Uma melhor manipulação dos indivíduos e suas subjetividades.
d) Um maior controle da circulação de conhecimentos específicos.
e) Suspender os efeitos negativos da divulgação de fakenews.
63

O SUJEITO
DISCURSIVO
64
5.1 INTRODUÇÃO

Compreender o sujeito na Análise do Discurso é relevante não somente a nível


de entendimento teórico, mas também para o empreendimento de análise. Quando
abordamos que a AD rompe com a concepção de um sujeito cartesiano significa
tomá-lo como descentrado, sendo efeito de suas práticas discursivas que dependem
de aspectos sócio-históricos de cada momento.
Os pensadores da AD francesa, especialmente os abordados neste livro, estão
em consonância no que tange à constituição do discurso e também do sujeito, pelo seu
caráter de heterogeneidade. Em alguns momentos fica mais nítida essa questão, como,
por exemplo, que um enunciado é povoado por outro enunciado, a memória discursiva,
a interdiscursividade, que o sujeito se constitui por distintas formações discursivas e
o dialogismo/polifonia. Portanto, Pêcheux, Foucault e Bakhtin, ainda que de maneiras
distintas, consideram essa natureza constitutiva advinda da exterioridade que descarta
a homogeneidade do sujeito. É nessa direção que caminharemos nesta Unidade.

5.2 A HETEROGENEIDADE DO SUJEITO

A concepção de um sujeito heterogêneo nega a possibilidade de que sua constituição


seja homogênea. Essa característica é pautada pelo próprio entrecruzamento entre
discursos e que o sujeito é atravessado por distintas formações discursivas, inclusive
que podem estar em oposição ou em contradição. É nessa concepção que surge a
noção de polifonia, em que várias vozes integram um mesmo discurso, portanto, a
voz de um sujeito é povoada por vozes outras. Esse conceito será abordado com mais
detalhes na última seção desta Unidade.
Fernandes (2005), ao explanar sobre a heterogeneidade, exemplifica esse
entrelaçamento de discursos trazendo os discursos científicos como apropriados para
tal explicação. Nesse tipo de discurso, o sujeito que ocupa um lugar científico se vale
de outros discursos para a formação de seu discurso. Para ocupar esse lugar, o sujeito
realiza diversos cursos que implicam em várias leituras e formulações em determinado
campo científico. Esse movimento de estudos, que legitimam um lugar de pesquisador
do sujeito, faz com que várias vozes se entrecruzam, como de professores, de colegas
de curso, autores lidos etc. que vai moldando essa constituição a partir de uma gama
de discursos integrantes da esfera acadêmica.
É dessa forma que a heterogeneidade constitutiva vai ganhando forma. Essa
presença do outro, que no caso do discurso acadêmico, é bastante nítida a constituição
de outros autores, outras vozes, no discurso do sujeito ocupante desse lugar de formação.
Essa característica pode ser observada de forma bastante nítida pelas citações dos
autores, em que o sujeito vai promovendo a tessitura textual por meio de bases teóricas
para a constituição de seu discurso.
A noção de heterogeneidade pode ser explicada também sob o ponto de vista da
psicanálise, empreendimento realizado por Authier-Revuz (1982) que explana sobre a
relação do sujeito com a linguagem tomando Freud como norteador dessa questão. Na
concepção dessa pensadora, o inconsciente é um importante aliado nessa concepção
de descentramento do sujeito, em que, nas palavras do sujeito existem sempre outras
palavras. A ilusão de que o sujeito é o centro de seu dizer, como origem dos sentidos, faz
65
com que não se perceba que a exterioridade encontra-se, na verdade, no seu interior.
Além do exposto, esse descentramento fica bastante evidente nas problematizações
de Pêcheux (1997b) em relação aos esquecimentos do sujeito, que interferem na sua
produção discursiva e o constituem de forma inconsciente. Esses esquecimentos são
classificados como 1, em que o sujeito possui a ilusão de controlar os sentidos de seus
discursos, e 2, que diz respeito à ilusão do sujeito de que é a origem de seu dizer. Porém,
trata-se de meras ilusões que fazem parte desse processo constitutivo entre o “eu” e o
“outro”, em uma teia de relações sociais complexa e heterogênea. O sujeito, sob essa
problemática, existe no espaço discursivo, é constituído pela exterioridade que o afeta.
É nesse horizonte do social que a ideologia ganha sustento, pois encontra-se inscrita no
âmbito sócio-histórico.
Acerca desses aspectos discorridos emerge a manifestação do desejo. Aliás, como
já mencionado anteriormente, aqui, o sujeito na concepção pecheutiana se constitui
entre o desejo e a ideologia. Sobre esse aspecto do desejo, as reflexões lacanianas
servem de base para teóricos da AD tecer formulações relevantes acerca desse
processo constitutivo, com destaque para o grande “Outro” (refere-se à manifestação
do desejo) e o “outro” (designa o exterior constitutivo do sujeito). Destaca-se também
que esse “Outro” refere-se ao desejo do outro que nada mais é que o desejo constitutivo
do “eu”, no caso, do Sujeito. Essas instâncias advindas do inconsciente se manifestam
por meio da linguagem (AUTHIER-REVUZ, 1982).

VAMOS PENSAR?
Um aspecto bastante evidente e que vários teóricos da AD abordam é o desejo. Nas pala-
vras de Authier-Revuz (1982), quando se trata do grande Outro, é nele que habita o desejo
do outro e que esse desejo é também constitutivo do “eu”. Será que até mesmo algo tão
íntimo do sujeito apresenta caráter social? Essa lógica pode ser observada pela esfera
comercial, sobretudo em se tratando da moda, em que todos se vestem com a roupa ou
calça o sapato do momento. Portanto, já refletiu como o desejo do outro afeta o nosso
próprio desejo?

Nessa direção de manifestação inconsciente da linguagem, bem como aponta


Fernandes (2005), a compreensão do discurso requer um entendimento da dimensão
complexa que rege o dizer e o sentido. Essa constituição heterogênea sublinha o caráter
de entrelaçamento entre vários discursos, em que o “eu” é povoado por vários “eus”
nesse movimento de produção discursiva e que os sujeitos estão sempre em processo
de formação e de transformação no âmbito da história. Seguindo nossas reflexões,
segue a noção de heterogeneidade mostrada.

5.3 HETEROGENEIDADE MOSTRADA

Na seção anterior exemplificamos a heterogeneidade do sujeito do discurso


acionando as produções acadêmicas, que será útil agora para abordarmos sobre a
heterogeneidade mostrada. Trata-se de um exemplo de produção textual/discursiva
bastante recorrente, no qual podemos sublinhar de forma mais evidente a presença de
outros no discurso.
66
A produção no âmbito acadêmico, por meio da leitura de vários autores sobre
determinado assunto se traduz na tomada do discurso do outro de forma bastante
clara e heterogênea, em que o sujeito se vale de vários discursos para a composição
de suas produções, constituindo-se como sujeito nesse lugar universitário por meio
desse movimento de escrita e leitura. Nesse tipo de produção, ocorre vários níveis de
se abordar o outro, como paráfrase, citações, de forma a fazer referência ao outro
(FERNANDES, 2005).
É nesse contexto que se pode destacar a heterogeneidade mostrada que, nas
palavras de Authier-Revuz (2004), consiste em um discurso direto, sendo as próprias
palavras do outro tomadas para constituição da produção vigente. Nesse caso, o sujeito
enunciador se comporta como porta-voz, atribuindo lugar explícito do discurso do outro
em seu próprio discurso. No contexto das produções acadêmicas, algumas marcações,
denominadas como “grifos” (negrito, itálico, aspas) servem como marcadores para
indicar explicitamente a presença do outro no discurso.
Além dessas marcações supracitadas, outras características demarcam tipos
de discurso que se encaixam na heterogeneidade mostrada, que inscreve o outro de
forma mais indireta na sequência do discurso. A partir dessa premissa, afirma-se que
na heterogeneidade mostrada há a forma marcada, em que o discurso do outro é
explícito com as marcações destacadas no parágrafo anterior, e a forma não marcada,
em que não há marcas explícitas do discurso do outro, podendo citar o discurso indireto
livre e a ironia. São formas que se diferenciam das marcações indicativas, pois podem
se apresentarem de modo não visível de imediato, mas que povoam o discurso que as
contém.
Nessa dinâmica de alteridade, com destaque para as aspas, que apresentam um
caráter explícito, leva-nos a refletir, do ponto de vista linguístico, da sua função, com
destaque para as denominadas fórmulas de comentário: glosa, retoque e ajustamento.
Por meio dessas fórmulas o sujeito enunciador pode combinar elementos de seu
discurso.
Ainda na esteira da heterogeneidade mostrada, Authier-Revuz (2004) observa
certas possibilidades de ocorrências no que diz respeito à atribuição de sentidos ao
discurso, em que a dupla leitura é passível de ocorrência. A confusão pode se dar pelos
fenômenos de palíndromo, acróstico e trocadilho, provocando um lapso na leitura
em relação aos sentidos. Cabe salientar que, do ponto de vista das condições de
possibilidade do discurso, os sentidos estão sempre se deslizando, a cada momento
histórico.
Quando abordamos a noção de memória discursiva e de interdiscursividade,
salientamos que essa presença do outro que fala antes, de um discurso produzido
sobre determinado objeto que é incluso na atualidade da enunciação, reatualiza os
sentidos de acordo com o momento vigente. As condições de produção são outras
e esses discuros retomados se oscilam entre a repetição (materialidade linguística)
e a regularidade (atribuição de outros efeitos de sentido na história). Portanto, ainda
que a heterogeneidade seja mostrada, pelo discurso explícito do outro, vale fazer essa
ressalva em relação aos efeitos de sentido que daí advêm. Para além da mostrada,
outro tipo de heterogeneidade é a constitutiva, tema da próxima seção.
67
5.4 HETEROGENEIDADE CONSTITUTIVA

O entrecruzamento entre discursos ocorre de variadas formas, como é o caso


da heterogeneidade mostrada, em que um discurso habita de forma visível outros
discursos. No horizonte desse tipo de constituição o sujeito enunciador desempenha o
papel de porta-voz do outro presente em seu discurso. Por outro lado, é válido destacar
também a heterogeneidade constitutiva, que se diferencia da primeira referida em
alguns aspectos.
A presença do outro no discurso, as palavras dos outros ou as outras palavras
é inevitavelmente um processo próprio do discurso, haja vista o descentramento do
sujeito e a concepção de que sua constituição ocorre pelo exterior. Portanto, ainda
que de forma não visivelmente identificado, convém-se afirmar que não há discurso
originário do sujeito, sem passar pelo crivo do social, e nesse âmbito do exterior o outro
fala em todo discurso produzido. Essas relações pela linguagem, que produz a todo
instante efeitos de memória discursiva, aponta ainda para a descontinuidade histórica,
esta materializada pelos discursos. Descontinuidade no sentido de retorno, de retomada
a dizeres anteriores que embasam as produções do presente.
Authier-Revuz (2004) destaca que na heterogeneidade constitutiva reina uma
exterioridade constitutiva do linguístico, em que a presença do outro se dá de forma
mais implícita, menos intencional e delimitada no discurso. E que há situações de uma
modalidade incerta entre as duas destacadas. A autora supracitada, para abordar essa
segunda forma de heterogeneidade, aciona formulações de Bakhtin, considerando seu
dialogismo, e uma leitura de Freud, tomada por Lacan. Em relação ao primeiro teórico
aqui destacado, a base de suas problematizações se concentra no campo da semiótica
e da literatura, ao passo que em relação ao segundo teórico, o inconsciente como objeto
de estudos.
Ao referenciar dos dois teóricos, cada qual no seu campo de investigação, Authier-
Revuz (2004) procura acionar elementos não linguísticos desses estudiosos para a
compreensão da presença do outro no discurso. Se por um lado se tratam de conceitos
que não se ligam diretamente ao linguístico, por outro, é por meio da linguagem que
esses aspectos funcionam e que também são estudados nesse campo. eles funcionam.
Para Bakhtin, a linguagem, a língua, o discurso e o sujeito não são o centro de suas
atenções, embora são elencados em suas formulações. O objeto de Lacan, que faz
uma releitura de Freud, é o inconsciente, que também não encontra-se diretamente no
campo da linguagem.
No entanto, a linguística é relevante no sentido de constituição do discurso, pela
exterioridade que ela provoca, colocando aspectos, ainda que não linguísticos, no centro
das atenções. Por exemplo, o inconsciente, como já abordado anteriormente, sobretudo
quando se trata dos dois esquecimentos formulados por Pêcheux, ele é materializado
também por meio da linguagem. Sobre os eventos que colocam em funcionamento,
de forma mais visível, o inconsciente, podemos destacar os lapsos de memória, as
contradições involuntárias do sujeito, e as próprias formas talvez imperceptíveis do
outro no discurso, que no caso da heterogeneidade constitutiva esse fenômeno parece
mais apagado na produção discursiva.
A autora em questão aponta então que esses aspectos não especificamente
68
linguísticos serviram de acessórios para suas formulações, que foram articulados
à linguagem como complementares nesse processo de explanação sobre a
heterogeneidade constitutiva. Do ponto de vista discursivo, as não marcações do outro
no discurso, como assim funcionam na heterogeneidade mostrada, na constitutiva
essas marcas são apagadas, pois o outro habita de forma mais sutil, sem traços que o
delimitam no enunciado.
Essa discrição é apontada por Fernandes (2005) no sentido de que esse caráter
constitutivo é próprio do discurso, haja vista o entrelaçamento de distintos discursos
dispersos socialmente, colocando em evidência o meio social nessa esfera constitutiva.
Por outro lado, o sujeito, que se constitui pelas práticas discursivas, por meio de interações
sociais com diferentes sujeitos. Essa relação que envolve diferentes discursos entram
na esteira do dialogismo de Bakhtin, assunto da próxima seção.

BUSQUE POR MAIS


Leia mais sobre a heterogeneidade do discurso (que é também do sujeito) no
capítulo “Authier-Revuz: a heterogeneidade do discurso” (p. 35-37), contido na
primeira Unidade do livro Comunicação e Análise do Discurso, de Roseli Figaro
(Org.), de 2012. Disponível em: https://bit.ly/3ydoHRx. Acesso em: 18 jan. 2022.

5.5 A POLIFONIA BAKHTINIANA

Outra denominação que se relaciona com a noção de heterogeneidade é sem


dúvida, a polifonia, que entra na esteira de relações entre discursos e entre sujeitos
no âmbito de sua constituição. Essa denominação refere-se a um elemento cunhado
por Bakhtin (1992), desenvolvidos especialmente no que concerne aos seus estudos
sobre o romance de Dostoiévski. Como ponto de partida para suas reflexões, o referido
autor tomou o discurso como alternativa para esboçar sobre própria complexidade do
romance, com destaque para as distintas vozes ali presentes no discurso que compunha
a obra literária.
O referido pensador aborda, inicialmente, a noção de dialogismo, também
com o objetivo de refletir sobre o discurso literário, como sendo composto por meio
de interação entre sujeitos. O termo “dialogismo” se relaciona intimamente com a
noção de heterogeneidade do discurso, tendo em vista que, por meio de relações entre
sujeitos, entre o eu e o outro nos discursos. Então, essa constatação do dialogismo no
romance, em que o sujeito se relaciona com outros sujeitos, dado seu caráter social,
coloca em evidência a existência de um plurilinguismo no texto literário (romance),
extraindo, assim, a existência da polifonia, que nada mais é que diferentes vozes no
discurso (FERNANDES, 2005).
Embora Bakhtin (1992) aprimora seus estudos sobre dialogismo e polifonia por
meio do romance, isto é, do discurso literário, essas noções não se limitam a apenas
à linguagem literária, mas que se estendem para outros tipos de discursos. Essa não
exclusividade entra na dimensão social dos discursos, compreendendo, portando,
distintas formas de linguagem/discursos que não exclusivamente literários como o
romance. Este constitui apenas em um objeto utilizado para estudos e que não delimita
69
a abrangência dos conceitos supracitados.
As relações sociais como condição para constituição do sujeito possibilitaram a
constatação de que o sujeito discursivo é pautado pela polifonia. A sua voz é atravessada
por diferentes vozes, sendo que a linguagem funciona sempre em uma perspectiva
social e histórica, por uma dissociação entre o eu e o outro, cuja linguagem possibilita-
lhes a interação no âmbito social.

FIQUE ATENTO
Embora a constituição do sujeito se dá na esfera social, pelo atravessamento de várias
vozes que o constitui, é preciso observar que há diferenciações entre grupos, dando-nos
uma ideia de identidade, que também é social. Até mesmo do ponto de vista mais indivi-
dual, cada sujeito traz consigo algumas marcas singulares. Essa dimensão sublinha o que
se diz que ninguém é igual a ninguém. Porém, em se tratando de identidade os aspectos
discursivos são mais gerais e engloba um grupo de sujeitos que compartilha mais ou
menos das mesmas convenções sociais.

Esses conceitos bakhtinianos de dialogismo e polifonia servem de base para a


teórica Authier-Revuz (2004) explanar sobre heterogeneidade discursiva, exatamente
por conferir o caráter social da linguagem e do sujeito. Segundo essa autora, o que se
diz em uma rede de oposições (o diálogo versus o monólogo, o múltiplo versus o plural
o único, o outro no um versus o um e o outro etc.) é exatamente o lugar dado ao outro
na perspectiva dialógica, em que esse “outro” não é nem aquele duplo em posição
de frente a frente, mas que também não chega a ser o “diferente”, oposto, mas que
atravessa o sujeito, constituindo-o.
Esse atravessamento do outro no sujeito deve ser tomado como próprio de sua
constituição, algo fundador que caracteriza todo tipo de discurso, desde o literário até
os científicos. Nessa direção, afirma-se que o sujeito encontra-se sempre em uma
condição de fronteira, de interação com o outro, sem a possibilidade de um interior
soberano. Ele produz discurso e nessa produção entra as palavras do outro.
Na dimensão do caráter dialógico/polifônico que é atribuído ao sujeito, a referida
autora aborda o sentido do discurso, explanando a condição de que esse aspecto
não está jamais pronto no texto. As produções, por meio de sua condição dialógica
ilimitada, produzem sentidos por meio dessa exterioridade que é a relação com o outro,
possibilitando vários movimentos de leitura, plural, vários sentidos possíveis. Se por um
lado as ciências exatas constituem uma forma de monólogo, que aborda uma coisa
sem voz, por outro, as ciências humanas se contrapõem a essa condição, na perspectiva
bakhtiniana. Isso porque as ciências humanas são pautadas especialmente por texto e
signo, que impõem uma forma dialógica do conhecimento.
O processo polifônico coloca o sujeito na condição de que a relação com o outro
lhe estabelece um lugar de fronteira interior, que é própria constitutiva do discurso
e também dos gêneros literários privilegiados pelo círculo de Bakhtin. Esses gêneros
podem ser apontados como o romance polifônico, o riso carnavalesco e também
discursos secundários. Portanto, esse estudioso privilegia as práticas literárias, opondo-
se à linguística estrutural pelo fato de esta apresentar um caráter desarticulável com a
história e com o sujeito.
70
GLOSSÁRIO
Acróstico: Em um poema, trata-se de certas letras na composição poética que, quando
lidas em outra direção, formam uma frase ou palavra. Em relação a essas novas forma-
ções de palavras e/ou frases no poema, estas podem estar em qualquer direção.
Glosa: Refere-se a uma nota explicativa, anotações em um texto para explicar uma pa-
lavra ou um trecho.
Palíndromo: É uma palavra que pode ser lida a partir de outra direção que não da es-
querda para a direita, como o contrário, da direita para a esquerda, em que o sentido é
conservado.
Trocadilho: Jogo de palavras cujos sons são semelhantes, mas seus significados são
distintos, resultando em equívocos, o que pode provocar efeitos de humor. O uso desse
jogo é passível de várias interpretações.
71

FIXANDO O CONTEÚDO

1. (UNIP). As afirmativas a seguir tratam do conceito de texto tendo por base a Análise
do Discurso:

I. Um texto pode ser atravessado por várias formações discursivas.


II. O texto é estável e tem sentido completo em si mesmo.
III. A completude do dizer é um efeito da relação do autor com o texto, deste com o
discurso e da inserção do discurso em uma formação discursiva.

Assinale a alternativa que contém a(s) afirmativa(s) correta(s):

a) Apenas a I.
b) Apenas a II.
c) Apenas a III.
d) Apenas a I e a III.
e) Apenas a II e a III.

2. (FEPESE 2018 - Adaptada). Identifique abaixo as afirmativas verdadeiras ( V ) e as


falsas ( F) sobre a língua.

( ) A língua é uma entidade recortada por um entrecruzamento de critérios históricos,


socioculturais e políticos.
( ) Definida de uma perspectiva linguística, a língua equivale à norma-padrão.
( ) A heterogeneidade constitutiva da língua está diretamente relacionada com a
diversidade dos grupos humanos que se reconhecem como seus falantes.
( ) Cada língua é constituída por diferentes normas e diferentes gramáticas.
( ) O principal critério para se reconhecer uma língua é a capacidade de compreensão
interfalantes.

Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo.

a) V - V - F - F - F.
b) V - F - V - V - F.
c) V - F - F - V - V.
d) F - V - V - V - F.
e) F - F - V - F - V.

3. (UNIP-2017). A heterogeneidade discursiva é um aspecto fundamental para a análise


do texto. A noção de heterogeneidade discursiva está intimamente ligada à condição
dialógica e polifônica da linguagem (várias vozes do sujeito), teorizada inicialmente por
M. Bakhtin e posteriormente por O. Ducrot.
Heterogeneidade discursiva é um termo utilizado na Análise do Discurso de orientação
francesa notadamente pela autora Authier-Revuz (1990), para destacar que todo
72
discurso é atravessado por outros discursos ou pelo discurso do outro. Esses diferentes
discursos mantêm entre si relações de continuação ou complementação, contradição,
de dominação, de confronto. Essa autora distingue ainda dois tipos de heterogeneidade
discursiva: a heterogeneidade constitutiva do discurso e a heterogeneidade mostrada
no discurso.

Após a leitura do texto anterior, leia as afirmações abaixo:

I. A heterogeneidade constitutiva do discurso – que esgota a possibilidade de captar


linguisticamente a presença do outro no um.
II. A heterogeneidade mostrada no discurso (indica a presença do outro no discurso
do locutor). A heterogeneidade mostrada divide-se ainda em duas modalidades: a
marcada e não marcada.
III. Tanto a heterogeneidade constitutiva quanto a heterogeneidade marcada
apresentam-se nos discursos por intermédio de índices linguísticos materialmente
identificáveis.

Assinale a alternativa correta:

a) É verdadeiro o que se afirma em I, mas é falso o que se afirma em II.


b) É verdadeiro o que se afirma em II, mas é falso o que se afirma em I.
c) É verdadeiro o que se afirma em I, mas é falso o que se afirma em III.
d) Todas as afirmações são falsas.
e) Todas as afirmações são verdadeiras.

4. (IDHTEC) “A linguística, como vimos, está voltada para o estudo da enunciação


monológica isolada. Estudam-se documentos históricos, em relação aos quais os filólogos
adotam uma atividade de compreensão passiva. Assim, todo trabalho desenvolve-se
nos limites de uma dada enunciação. Os próprios limites da enunciação como uma
entidade total, são pouco percebidos. O trabalho de pesquisa, reduz-se ao estudo das
relações imanentes no interior do terreno da enunciação. Todos os problemas daquilo
que poderia se chamar de ‘política externa’ da enunciação ficam excluídos do campo
da observação. Consequentemente, todas as relações que ultrapassam os limites da
enunciação monológica constituem um todo que é ignorado pela reflexão linguística”
(Mikhail Bakhtin. Marxismo e Filosofia da Linguagem. SP: Hucitec, 2009.p.108).

Em contrapartida ao que os linguistas apontados no texto pensam e em como eles


direcionam o estudo do fenômeno da comunicação, Bakhtin:

a) Cria o conceito de dialogismo que apresenta o processo linguístico como responsável


pela desestruturação da linguagem social.
b) Apresenta o conceito de dialogismo que compreende os enunciados como resultado
do permanente diálogo entre diversos outros discursos.
c) Estabelece que o processo dialógico é o único fator preponderante no processo de
interação verbal.
d) Afirma que a língua desdobra-se em discursos autoritários e monofônicos, calando
as vozes que gerariam conflitos.
73
e) Coordena o processo de formação do conceito de homogeneidade do discurso entre
o locutor e o interlocutor

5. (VUNESP) Tânia Márcia Cezar Hoff afirma, em um artigo publicado na revista


Comunicação & Educação, de agosto de 2007, que, para Bakhtin, “a vida começa
apenas no momento em que uma enunciação encontra outra, ou seja, quando
começa a interação verbal, mesmo que não seja direta, ‘de pessoa para pessoa’, mas
mediatizada pela literatura e acrescente-se, aqui, pelos meios de comunicação de
massa. O discurso publicitário enseja, pois, a possibilidade de estudar o dialogismo ou
a polifonia, em especial as relações interdiscursivas nele existentes”.
Por dialogismo deve-se entender

a) A característica dialética da palavra que, ao mesmo tempo em que é instável/


dinâmica, também é instrumento para que se observe as instabilidades/dinamicidades
sociais.
b) A representação da consciência que só se torna consciência quando se impregna
de conteúdo ideológico.
c) O princípio constitutivo da linguagem e do discurso, que se constrói a partir de muitas
vozes, isto é, a partir do outro/alteridade, posto que “nenhuma palavra é nossa, mas traz
em si a perspectiva de outra voz”.
d) A propriedade de reconhecer a diversidade de vozes controversas no interior de um
texto.
e) A capacidade de um locutor interagir com outro e acolher a sua fala em função da
responsividade de se manifestar.

6. (EXCELÊNCIA 2017 - Adaptada). A respeito dos conceitos de Dialogismo, Polifonia


e Intertextualidade pautadas pelo linguista russo Mikhail Bakhtin, jugue as definições,
marcando-as como Certas ou Erradas:

I. O dialogismo é a condição do sentido do discurso, da linguagem. Todos os textos são


dialógicos porque são resultantes do embate, do confronto de muitas vozes sociais.
O dialogismo discursivo desdobra-se em dois aspectos: o da interação verbal entre
enunciador e enunciatário do texto; e o da intertextualidade, no interior do discurso.
II. A polifonia é uma característica presente em certos tipos de texto, nos quais se
deixam entrever muitas vozes, por oposição aos textos monofônicos, que escondem
os diálogos que os constituem. Essas vozes têm traços sociológico-ideológicos
diferentes. Os discursos autoritários são monofônicos porque abafam as vozes em
conflito.
III. A intertextualidade é o processo de incorporação de um texto em outro, seja para
reproduzir o sentido incorporado, seja para transformá-lo. Existem três tipos de
intertextualidade: a citação, a alusão e a estilização. A intertextualidade é um dos
principais fatores de coerência de um texto na medida em que, para o processamento
cognitivo (produção/recepção) de um texto recorre-se ao conhecimento prévio de
outros textos.

A reposta CORRETA é:
74
a) Apenas I está certa.
b) As definições I e II estão certas.
c) As definições I e III estão corretas.
d) Todas as definições estão corretas.
e) Nenhuma das alternativas.

7. (Instituto AOCP 2019 - Adaptada). Leia o texto abaixo.

1943 – Região do Jalapão

A primeira campanha do Programa Goiás-Bahia teve como objetivos o


reconhecimento geográfico da região onde se encontra a Lagoa do Veredão; a
determinação do divisor de águas entre as Bacias dos Rios São Francisco e Tocantins;
o estudo da Bacia Hidrográfica do Rio Preto; o levantamento de coordenadas
geográficas, topográfico e de altitudes; e os estudos de Geomorfologia e de
Geografia. No artigo publicado na Revista Brasileira de Geografia, v. 5, n. 4, p. 574-
622, out./dez. 1943, o chefe da expedição, Gilvandro Simas Pereira, expõe como foi
projetada, organizada e conduzida a expedição ao Jalapão, região do Brasil Central
ainda pouco conhecida. Ao descrever tudo que observou, o autor revela também
as dificuldades encontradas e os sacrifícios dos expedicionários no cumprimento
do programa que foi feito no curto prazo de cinco meses, atravessando sempre
zonas semidesertas, onde todos os recursos eram difíceis ou impossíveis de se
obter.

Disponível em: https://bit.ly/3vKtFSF. Acesso em: 25 jun. 2019.

Qual tipo de recurso polifônico é utilizado na construção do texto?

a) Citação indireta.
b) Epígrafe.
c) Ironia.
d) Citação direta.
e) Alusão.

8. (FEPESE – Adaptada). Leia o seguinte texto:

Intertextualidade e polifonia

O conceito de polifonia é mais amplo que o de intertextualidade. Enquanto


nesta faz-se necessária a presença de um intertexto, cuja fonte é explicitamente
mencionada ou não, o conceito de polifonia, tal como elaborado por Ducrot (1980,
1984), a partir da obra de Bakhtin (1929), em que este denomina de polifônico o
romance de Dostoievski, exige apenas que se representem, encenem (no sentido
teatral), em dado texto, perspectivas ou pontos de vista de enunciadores (reais ou
virtuais) diferentes.
Ducrot, ao apresentar a teoria polifônica da enunciação, postula a existência, em
75
cada texto/enunciado, de mais de um enunciador, que representam perspectivas,
pontos de vista diferentes, sendo uma delas aquela a que o locutor adere em seu
discurso. Isto é, no discurso de um locutor, encenam-se, representam¬ -se pontos
de vista diversos.
Segundo Ducrot, são os seguintes os principais índices de polifonia: negação;
marcadores de pressuposição; determinados operadores argumentativos; futuro
do pretérito com valor de metáfora temporal; operadores concessivos; operadores
conclusivos; aspas; e expressões do tipo parece que, segundo X ; entre outros.
Tanto a polifonia como a intertextualidade são atestações cabais da presença do
outro em nossos discursos, do dialogismo tal como postulado por Bakhtin e da
incontornável argumentatividade inerente aos jogos de linguagem.

KOCH, Ingedore G. Villaça; BENTES, Anna Christina; CAVALCANTE, Mônica Magalhães.


Intertextualidade: diálogos possíveis . São Paulo: Cortez, 2007. p.79-83 [Adaptado]

Verifique se as afirmativas abaixo estão em consonância com o texto e identifique as


verdadeiras ( V ) e as falsas ( F ).

( ) Para que haja polifonia não é necessária a menção direta ou indireta a determinados
textos.
( ) A polifonia se realiza através de determinados recursos linguísticos que operam
introduzindo diferentes vozes sociais no texto.
( ) O conceito de polifonia de Ducrot e de Bakhtin implica uma relação hierárquica entre
os enunciadores, sendo que a voz do locutor é a dominante.
( ) A polifonia é uma categoria discursiva e, por isso mesmo, não se materializa em
elementos linguísticos, cabendo a sua identificação à prática da interpretação.
( ) Os conceitos de polifonia e de intertextualidade se diferem: enquanto o primeiro é de
caráter mais discursivo, o segundo é mais textual.

Assinale a alternativa que indica a sequência correta, de cima para baixo.

a) V - V - F - F - V.
b) V - V - F - V - F.
c) V - F - V - F - V.
d) F - V - V - V - F.
e) F - F - V - V - V.
76

OS GÊNEROS
DO DISCURSO
77
6.1 INTRODUÇÃO

O empreendimento de Bakhtin compreende, dentre outras temáticas, a noção de


gêneros do discurso. Esse interesse se enquadra na perspectiva de seu principal objeto
de estudo que é o discurso literário, com destaque para o romance. Sua abordagem
sobre gêneros não se limita a somente literários, mas também os de outra natureza,
dado seu interesse pelo estudo da linguagem a partir das práticas sociais. Então, os
gêneros, em sua multiplicidade, nada mais são do que resultados característicos do uso
da linguagem pelos sujeitos, dadas as necessidades e os objetivos de comunicação em
cada âmbito social.
Assim sendo, esta Unidade explana sobre essa temática na perspectiva do
referido teórico, no sentido de situar os gêneros nos estudos discursivos. Vale destacar
que na atualidade, com o advento das tecnologias digitais, os gêneros surgidos nessas
plataformas de comunicação têm perpassado por transformações e hibridizações, haja
vista a dinâmica das possibilidades de tipos de comunicação multimídia (visual, sonoro,
verbal) nessas tecnologias, que acabam por provocar mudanças nas características
dos gêneros.

6.2 NOÇÃO DE GÊNERO DISCURSIVO EM BAKHTIN

As diferentes formas de comunicação, isto é, dos diferentes usos da linguagem


humana, são resultantes das próprias atividades diversas no âmbito social. E os usos
da língua nessas várias possibilidades se dão dentro de uma estrutura multiforme.
O emprego da língua nas múltiplas esferas da sociedade, com seus objetivos e
características específicos, resulta em vários tipos de discursos, seja oral ou escrito,
visual ou sonoro. Cada discurso é resultante de suas condições de possibilidade, além
de refletir as finalidades específicas de cada um, com destaque para sua diversificação
não somente pelo conteúdo, mas também estilística.
Para além do conteúdo que comporta uma temática específica, cada discurso
é particular no seu modo estrutural de linguagem, pela utilização dos recursos
linguísticos que os diferenciam uns dos outros. Por outro lado, é possível uma definição
de características em comum de textos que se encaixam em determinado gênero.
Podemos citar, por exemplo, o gênero literário romance, que é bastante abordado na
teoria bakhtiniana, que, embora cada um se difere pela linguagem e pela temática, o
objetivo e a estrutura composicional da narrativa são semelhantes. É nessa dimensão
que os gêneros são classificados.
Segundo Bakhtin (2003), elementos como o estilo, a construção composicional e o
conteúdo, como explicitado no exemplo do romance, integram um todo, especificam um
campo da comunicação. É nessa esteira de usos da linguagem que é possível afirmar
que, embora cada enunciado apresente seu modo particular, por outro, os distintos
enunciados, integrantes de um mesmo gênero, são pautados por formas relativamente
estáveis, que possibilitam a denominação de gêneros do discurso.
78
FIQUE ATENTO
No que concerne à estilística, segundo Bakhtin (2003), ela está indissociavelmente ligada
às formas típicas de enunciados e aos gêneros discursivos. Então, todo enunciado, seja
primário ou secundário, é individual, isto é, pode refletir um estilo próprio de cada falante
(de quem fala ou de quem escreve), embora nem todos os gêneros são passíveis dessa
condição de apresentar estilos individuais. O teórico destaca, por exemplo, a literatura de
ficção que está mais propício para o estilo individual. Por outro lado, documentos oficiais
obedecem a um caráter mais padronizado e, por isso, são considerados gêneros menos
propícios para as individualidades.

No tocante ao uso da língua e suas possibilidades, no interior dos gêneros,


convenhamos afirmar que a existência da diversidade de produção de enunciados se faz
presente, na dimensão das inúmeras atividades humanas que envolvem a comunicação.
É a partir dessa infinidade de tipos de interação humana e suas atividades com inúmeros
objetivos em relação à produção enunciativa que os gêneros vão se complexificando
em determinado campo. O resultado desse movimento social é a heterogeneidade dos
gêneros, que vai desde um romance ou outro tipo de comunicação formal até uma
conversa corriqueira do dia a dia.
Dentre as possibilidades de comunicação, podemos destacar uma infinidade de
tipos de enunciados, que se enquadram em determinado gênero do discurso, dadas
as multiplicidades temáticas e das situações e composições dos participantes. Diálogo
do dia a dia, a carta, os documentos oficiais. Os enunciados publicitários em suas
variadas formas, além das manifestações científicas que resultam em variados tipos de
enunciados e os gêneros literários que também se diversificam. É por essa direção que a
lógica da heterogeneidade ganha sustento em se tratando das inúmeras possibilidades
de linguagem até mesmo no interior de um campo de atividade humana.
Considerando a concepção de gênero discursivo como resultante de atividade
humana, com seus objetivos de comunicação específicos, afirmamos que esse conceito
remonta à Antiguidade clássica grega. Em seus primórdios, esse conceito se mantém
ligado às obras literárias, as quais são classificadas em gêneros, atribuído a Platão.
Ademais, na crítica literária, que classifica as obras literárias por certas formas, de modo
a localizar certas características para seu estudo e análise. Esses estudos tornam-se
mais complexos a partir das investigações bakhtinianas da noção de gênero, haja
vista que os enunciados pertencem a gêneros distintos. No que concerne aos gêneros
literários, podemos destacar: conto, crônica, romance, poesia, lírica. No que tange ao
gênero romance, especificamente, destacamos: romance urbano, regional, romântico,
universal, clássico, moderno, enfim, uma infinidade de subgênero na tipologia da
narrativa, o que complexifica a noção de gênero nessa esfera dos estudos discursivos
(STAFUZZA, 2020).
Isso posto, destacamos que conteúdo temático, estilo e construção composicional
são os três elementos-chave na dinâmica de uso da linguagem, uma vez que esses
aspectos fundem-se no enunciado e demarcam uma especificidade de esfera de
comunicação. Embora a nível metodológico a análise de enunciado se dê de forma
individual, a heterogeneidade que o atravessa acaba por dificultar uma definição do
79
caráter genérico do enunciado. Para tanto, importa-nos apontar uma classificação
mais geral de dois tipos de gêneros de discurso: primário (os de natureza mais simples)
e o secundário (pautados por uma maior complexidade).
Em relação a exemplos de gêneros primários, podemos destacar a carta, a
linguagem familiar, a réplica do diálogo do dia a dia, dentre outros que integram uma
circunstância de comunicação mais espontânea, digamos, informal, tendo em vista
seus objetivos na comunicação cotidiana. Por outro lado, em relação aos gêneros
secundários, podemos destacar o discurso científico, o teatro, o discurso ideológico, o
romance, enfim, aqueles que apresentam características mais evoluídas sobretudo na
escrita.
Segundo Bakhtin (2003), a heterogeneidade dos gêneros discursivos é infinita,
de modo que nos leva a crer que não há a possibilidade de um plano único para seu
estudo. Destacamos, nessa premissa, a heterogeneidade funcional, que torna os traços
mais universais dos gêneros abstratos e vazios, o que aponta para a concepção de
que a problemática mais geral dos gêneros nunca foi, de fato, colocada. Destacamos,
frente a essa questão, que historicamente, os gêneros foram estudados partindo das
especificidades artístico-literárias, a partir de suas distinções. Na próxima seção serão
abordados alguns gêneros do discurso, a nível de exemplificação dentre os primários e
os secundários.

6.3 EXPLORANDO ALGUNS GÊNEROS DISCURSIVOS

No que concerne aos gêneros primário e secundário, segundo Bakhtin (2003),


suas diferenças são consideráveis, sendo importante a descoberta da natureza do
enunciado pelo movimento de análise. Dessa forma, a natureza complexa do enunciado
pode ser descortinada de modo mais visível. Outro ponto a ser considerado é a própria
relação entre ambos os gêneros, com destaque também para a formação histórica dos
gêneros secundários, com destaque para a relação entre linguagem e ideologia.
No que tange à natureza do enunciado e dos diversos gêneros existentes,
tendo em vista as inúmeras atividades humanas, as investigações nesse campo são
relevantes para várias áreas da linguística e da filologia. Essa relevância se deve ao
fato de os enunciados se constituírem em uma materialidade linguística concreta,
servindo de objeto para pesquisas sob várias vertentes teórico-metodológicas desse
campo de investigação. Dessa forma, nos âmbitos das investigações linguísticas, tomar
a natureza do enunciado se faz necessário, dadas suas particularidades dos diversos
tipos de enunciados, primários e secundários, produzidos no âmbito da sociedade. A
fim de realizar uma visão mais “palpável” e até mesmo uma identificação de distinção
entre os gêneros, seguem as análises de dois enunciados, sendo o primeiro pertencente
ao gênero primário e o segundo, ao secundário.
O gênero discursivo primário escolhido para análise é a carta que, como mostra
a Figura 1, comporta certas especificidades em seu interior. Isso significa afirmar
que um gênero, embora passível de uma classificação mais genérica, podem ser
subdivididos em especificidades mais restritas, o que é relevante para o trabalho
de análise dos principais aspectos que o compõe. Nessa direção, consideramos os
aspectos bakhtinianos de composição dos gêneros, quais sejam: o estilo, a construção
composicional e o conteúdo, elementos que os diferenciam. Vejamos as especificidades
80
do gênero carta:

Figura 1: Esquema das subdivisões do gênero discursivo carta


Fonte: Silva (2002, p. 67)

A divisão mais ampla se assenta em dois aspectos, sendo a carta privada e


a carta pública, cujos subtipos se remetem a documentos públicos dirigidos ou aos
órgãos públicos ou ao público em geral, isto, a sociedade como um todo, haja vista
os interesses nos serviços públicos. Por outro lado, na vertente privada encontram-se
as cartas pessoais, que dizem respeito somente ao destinatário em particular. Então,
dados seus objetivos e atividades humanas, o estilo, a construção composicional e o
conteúdo variam nessas especificidades. Enquanto que no âmbito público as cartas
se enquadram em formalidades dos documentos oficiais, no privado a informalidade
domina.

VAMOS PENSAR?
Com o advento da internet na contemporaneidade, a carta privada tornou-se obsoleta
nas comunicações pessoais, haja vista que as redes sociais possibilitam o contato até
mesmo síncrono. Por outro lado, os documentos que integram à carta pública passaram a
ser transitados pela internet, o que nos faz pensar sobre uma possível quebra de formali-
dade nessas correspondências. Frente aos avanços nas comunicações pela internet, será
que o gênero carta encontra-se ameaçado?

Segue um exemplo de carta integrante do âmbito privado:


81

Figura 2: Exemplo do gênero primário Carta


Fonte: Silva (2002, p. 107)

Como é possível observar, trata-se de uma carta pessoal de uma jovem,


Samantha, para um rapaz, Roberto, que ela conheceu pela internet. Em relação à
estrutura composicional, contém todos os integrantes do gênero carta, no âmbito
particular e pessoal, endereçada a uma pessoa exclusivamente e o assunto que diz
respeito apenas aos dois. Contém endereço e data, vocativo, assunto, fecho e assinatura.
Quanto à linguagem, o vocabulário e orações não são nada rebuscados, inclusive com
abreviações de palavras, portanto, um estilo mais livre. Isso pelo fato de exteriorizar
uma intimidade entre ambos, pelo menos pelo pedido da jovem para abreviação do
nome do rapaz, o que provoca um efeito de proximidade, pessoalidade.
O conteúdo, uma apresentação da jovem que procura conhecer melhor o
rapaz a quem a carta é endereçada, revela que ambos já se falavam pela internet.
Essa sinalização revela também uma posição, em que se conhecer pela internet, na
contemporaneidade, pode ser efetivo para os relacionamentos, e moderno, no sentido
de estar engajado no universo das tecnologias digitais. Portanto, é nessa direção de
características que esse gênero se funda, especificamente a carta pessoal que integra
o gênero discursivo primário. A seguir analisamos pare de uma peça teatral.
82

Figura 3: Exemplo do gênero secundário Teatro


Fonte: Adaptado de Mendes (2003)

A cena 1 da peça Noivas, integrante do gênero secundário, apresenta uma estrutura


própria do teatro, cujas falas são descritas para cada personagem (costureira, noivos
e mãe da noiva), cujas rubricas também permeiam esse diálogo. Assim, para além
das falas, as expressões e ações das personagens são descritas entre parênteses. Em
relação ao estilo, a linguagem, assim como na carta analisada, não se preocupa em
utilizar uma linguagem rebuscada, formal, haja vista que se trata de uma representação
cotidiana de preparação para um casamento.
Trata-se de costura de um vestido de noiva e a postura de uma jovem frente
à preparação para o matrimônio, requerendo preparações antecipadas e detalhes
diversos, o que requer bom senso e que tal ocorrência deixa mãe da a jovem nervosa,
ansiosa. A peça retrata um fato bastante tradicional que é o casamento, trazendo à
tona a ideologia de se casar de branco, como sinônimo de uma moral cristã. Datada
de 1980, trata-se de um período histórico em que a mulher ainda não apresenta tanta
autonomia social, pairando a questão sobre a escolha ou imposição social sobre seu
casamento, à luz de uma sociedade predominantemente machista. Ainda, o casamento
como sinônimo de felicidade, do amor, da representação social do vestido de noiva
como símbolo da virgindade feminina. Nessa direção, a peça teatral apresenta essas
características, considerando também que, contrariamente à carta pessoal, é destinada
83
a um público que a aprecia no palco, de natureza pública.

BUSQUE POR MAIS


Acesse uma análise presente no capítulo “Gênero de discurso: anúncio de ali-
mentos ultraprocessados” (p. 184-210), de Izilda Nardocci e Sabrina Pagotto, do
livro Discurso e Cultura, de Jarbas Nascimento e Anderson Ferreira (Orgs.), de
2018. Disponível em: https://bit.ly/3vMLVLp. Acesso em: 25 jan. 2022.

6.4 TRANSFORMAÇÕES DOS GÊNEROS NA CONTEMPORANEIDADE

Os gêneros do discurso são classificados de acordo com algumas características


mais ou menos estabilizadas, de forma geral, que se encontram no interior dos
enunciados, tais como o estilo, a construção composicional e o conteúdo, mas que
podem apresentar instabilidade de um enunciado para outro mesmo integrando a um
mesmo gênero. As práticas de linguagem, que produzem os mais variados gêneros,
envolvem uma gama de situações, com destaque para as práticas de linguagem e as
situações de comunicação, especialmente no que tange às práticas no âmbito digital.
Essa complexidade de elementos justificam a instabilidade de certos gêneros,
especialmente os digitais que se encontram em grande variedade e são mais
predispostos a se transformar, até mesmo pelos avanços dessas tecnologias e as
possibilidades novas de comunicação que aparecem a cada evolução. O esquema
abaixo ilustra a dinâmica de funcionamento dos gêneros, na perspectiva de bakhtiniana,
conferindo esse movimento de comunicação no âmbito das tecnologias digitais.

Figura 4: Elementos da teoria bakhtiniana dos gêneros discursivos


Fonte: Adaptado de Rojo (2013, p. 30)

No que concerne às situações de comunicação, é possível observar as várias


possibilidades para a emergência de determinado enunciado, que se liga a um
gênero. O contexto sócio-histórico rege as produções linguageiras, cujas situações de
comunicação, que envolve, inclusive, falantes e ouvintes (produtores e receptores) dos
84
enunciados, são variáveis de um momento histórico para outro, ainda que mantenha
certo gênero estabilizado, essas possibilidades contribuem para o movimento
de transformação dos gêneros ao longo do tempo. Destaque para a “apreciação
valorativa”, em que aquele que recebe o enunciado atribui uma resposta que legitima
ou deslegitima o que foi produzido naquele contexto.
Em relação às mídias sociais digitais, que na contemporaneidade encontram-
se em plena efervescência, os inúmeros gêneros, desde a hashteg até o blog, há
possibilidades diversas de interações entre os internautas. Outro gênero multimídia,
que envolve distintos elementos como áudio, linguagem verbal e imagem, vem sendo
estudado pelos analistas de discurso de forma considerável. Nessa dinâmica de
possibilidades, o hipertexto tem sido utilizado de forma recorrente nessas mídias.
Marcuschi (2012) destaca como esse uso intenso do hipertexto tem influenciado nas
transformações de certos aspectos textuais, a saber: a recepção textual e nos elementos
que sinalizam a relação entre autor e leitor, entre autor e texto e entre leitor e texto.
Essa dinâmica que obedece a um estabelecimento tecnológico entra na esteira do que
convenhamos denominar de fenômenos culturais, que sofrem transformações a cada
momento na história. Então, como os gêneros do discurso vinculam-se à vida cultural
e social da humanidade, é bastante lógico apontar que eles tendem a acompanhar as
transformações desses aspectos determinantes das produções linguageiras.
Essa determinação sócio-histórica na vida cotidiana, a considerar as tecnologias
digitais como sendo uma grande novidade, das quais atividades humanas passaram
a depender para a promoção de todas as formas de comunicação, é lógico afirmar
que emerge também uma necessidade de adaptação das produções dos gêneros a
essa modernidade. Como esses gêneros funcionam a partir de uma dimensão social,
esses movimentos de transformação ocorrem sempre em consenso coletivo, dadas
as necessidades de interação e informação que regem os objetivos das atividades de
cada época.
Isso posto, é válido destacar que determinado gênero vai se modificando a partir
da dinâmica dos parâmetros sociais, cujas interações são reguladas pela organização
enunciativa das condições de produção. Dessa forma, quando se diz “gêneros digitais”,
refere-se aos gêneros desenvolvidos a partir do advento da internet, com destaque
para o hipertexto e as possibilidades múltiplas de leitura e de escrita, pautadas por um
hibridismo entre esses aspectos. Como exemplo de transmutação de gênero, podemos
destacar o blog como tendo se espelhado nos diários antigos, mas que assume uma
identidade própria (ÂNGELO, 2006).
Destacamos acima o vlog como um gênero em evidência da atualidade. Essa é
uma das características do ambiente virtual, a utilização de vários tipos de linguagem.
Essa possibilidade que funde linguagens distintas faz surgir a multimodalidade,
atribuindo uma roupagem nova à linguagem e promovendo nova interface de
comunicação. A multimodalidade é uma temática que tem sido bastante debatida
no âmbito acadêmico, especialmente nos cursos de Letras e, mais especificamente,
na Análise Crítica do Discurso. As possibilidades de interações nos ambientes virtuais,
bem como os vários tipos de linguagem, que possibilitam modos de leituras diversos,
acabam por alargar o campo da construção de sentidos dos enunciados, dados os
vários recursos que habitam um mesmo espaço.
Ângelo (2006) aponta que as revoluções tecnológicas e a globalização têm
promovido uma multiplicação das linguagens, fazendo com que as imagens tenham
85
predominância sobre a linguagem verbal, com destaque na publicidade e na literatura.
Segundo a autora, nesse “ciberespaço” em que vivemos hoje, a cada nova invenção
de veículos, ampliam-se também a possibilidade de linguagens e que esse universo
tecnológico fornece hibridização de linguagens, mesclando som, imagem e linguagem
verbal. Destaca-se a tendência para a presença de elementos que provocam efeitos
sinestésicos. Além disso, esses meios tecnológicos atribuíram uma aceleração na
velocidade discursiva, atribuindo uma nova feição aos gêneros e padrões discursivos.
Dada a relevância de se considerar as transformações dos gêneros tomando por
base o meio digital, valemo-nos das considerações de Marcuschi (2012) que destaca
três aspectos consideráveis no que tange ao estudo dos gêneros digitais, a saber: a
generalização com que esses recursos têm sido utilizados; suas especificidades em
relação aos aspectos formais e funcionais, considerando suas influências no que
concerne aos gêneros prévios; e que essas tecnologias permitem uma reflexão sobre a
oralidade e a escrita.

GLOSSÁRIO
Hipertexto: Refere-se a um tipo de disposição textual que atribui liberdade ao internauta
de escolher vários caminhos de acesso a conteúdos distintos, vinculados por meio de
blocos. As hiperligações, que são termos, imagens e gráficos destacados em determina-
do conteúdo, interliga o texto a vários outros conteúdos.
Blog: É uma página que pode se caracterizar por distintos tipos de conteúdo, como em-
presariais, periódicos ou diários pessoais, os quais são atualizados com frequência, por
meio de postagens de novos conteúdos. O diário é um gênero digital, portanto, dinâmico.
Vlog: Nada mais é que um blog em forma de vídeo, publicado em plataformas especí-
ficas, como no YouTube. Assim como o blog, no vlog são disponibilizados distintos tipos
de conteúdo, com a possibilidade de interações, tais como inscrição no canal, curtidas
e comentários.
Multimodalidade: No caso de gênero discursivo, trata-se de utilização de vários recursos
em um mesmo conteúdo, tais como linguagens verbal, imagética e sonora.
86
FIXANDO O CONTEÚDO

1. (UNIASSELVI- 2019). Bakhtin, filósofo e teórico russo, foi uma das figuras mais
importantes para a reflexão da linguagem humana enquanto prática de interação social,
sob um ponto de vista tanto diacrônico quanto sincrônico. Com relação à contribuição
teórica de Bakhtin para a compreensão da linguagem, analise as sentenças a seguir:

I. A linguagem é compreendida a partir de uma dimensão sociointeracional, com foco


especial nas teorias da enunciação e dos gêneros discursivos.
II. Os conceitos de dialogismo e da teoria da enunciação contribuem para
compreendermos os gêneros discursivos na perspectiva bakhtiniana, com enfoque
no modo tradicional de pensar de forma estrutural e desvinculada à realidade social.
III. O pensamento bakhtiniano concebe a linguagem a partir de uma concepção como
expressão do pensamento, pois apenas o sujeito que pensa se comunica.

Assinale a alternativa correta:

a) Apenas a I é verdadeira.
b) Apenas a II é verdadeira.
c) Apenas a III é verdadeira.
d) Apenas a I e a II são verdadeiras.
e) Apenas a II e a III são verdadeiras.

2. (FEPESE-2018). Analise as afirmativas abaixo sobre gêneros discursivos primários e


secundários.

I. Os gêneros primários são formados em situações de comunicação verbal


espontânea e servem de componentes aos gêneros secundários que os absorvem
e os modificam.
II. “Em casa de ferreiro, espeto de pau”. Esse é um exemplo de gênero primário, assim
como a crônica. Ambos retratam situações comunicativas mais intrinsecamente
voltadas ao cotidiano.
III. Os gêneros têm uma identidade e eles são entidades poderosas que, na produção
textual, condicionam-nos a escolhas que não podem ser totalmente livres nem
aleatórias, seja sob o ponto de vista do léxico, grau de formalidade ou natureza dos
temas. Os gêneros limitam nossa ação na escrita.
IV. Os gêneros secundários caracterizam-se pela escrita, pelas formas padronizadas de
organização da linguagem e pelo fato de desempenharem funções mais ou menos
formalizadas no processo de construção da cultura do povo; por outro lado, sabe-
se que os modos de expressão oral e escrito por si só não são suficientes para a
classificação de um gênero como primário ou secundário.
V. O professor deve ensinar ao aluno a “fórmula” dos gêneros primários e secundários;
por exemplo, a estrutura de um artigo de opinião ou de uma crônica. Assim, poderá
ajudar a compreensão dos efeitos de sentido causados pelo uso de um gênero
87
discursivo em detrimento de outro, na sua dimensão verbal.

Assinale a alternativa que indica todas as afirmativas corretas.

a) São corretas apenas as afirmativas II e IV.


b) São corretas apenas as afirmativas III e V.
c) São corretas apenas as afirmativas IV e V.
d) São corretas apenas as afirmativas I, III e IV.
e) São corretas apenas as afirmativas II, III e V.

3. (VUNESP). Leia o texto para responder à questão.

O querer- dizer do locutor se realiza acima de tudo na escolha de um gênero do


discurso. Essa escolha é determinada em função da especificidade de uma dada
esfera da comunicação verbal, das necessidades de uma temática (do objeto do
sentido), do conjunto constituído dos parceiros etc. Depois disso, o intuito discursivo
do locutor, sem que este renuncie à sua individualidade e à sua subjetividade,
adapta-se e ajusta-se ao gênero escolhido, compõe -se e desenvolve-se na forma
do gênero determinado. Esse tipo de gênero existe sobretudo nas esferas muito
diversificadas da comunicação verbal oral da vida cotidiana (inclusive em suas
áreas familiares e íntimas).
Para falar, utilizamo-nos sempre dos gêneros do discurso, em outras palavras, todos
os nossos enunciados dispõem de uma forma padrão e relativamente estável de
estruturação de um todo. Possuímos um rico repertório dos gêneros do discurso
orais (e escritos). Na prática, usamo-los com segurança e destreza, mas podemos
ignorar totalmente a sua existência teórica.
(Bakhtin, Estética da criação verbal)

De acordo com Bakhtin, o falante, ao comunicar-se, vale-se, inevitavelmente, dos


gêneros textuais, e isso é possível de acontecer sem que haja:

a) Utilização de sua forma padrão.


b) Temática definida para a comunicação.
c) Intuito discursivo do locutor.
d) Prática discursiva definida.
e) Consciência de sua existência teórica.

4. (Brasil Escola-2021). Leia o texto a seguir:

Machado de Assis

Joaquim Maria Machado de Assis foi um dos maiores escritores brasileiros, tendo
responsabilidade pela criação da Academia Brasileira de Letras, onde foi presidente
por dez anos. Machado de Assis também foi o responsável por implantar no Brasil
o Realismo na literatura por meio da observação da sociedade carioca da época
88
em que baseava suas obras.
Além de escritor, Machado também teve inúmeros cargos públicos, chegando
até mesmo a ser diretor da Diretoria do Comércio, na Secretaria de Estado da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas do Brasil. Suas principais obras são hoje
clássicos da literatura brasileira, tais como “Memórias Póstumas de Brás Cubas” e
“Dom Casmurro”.

Disponível em: https://bit.ly/3ORsSZ4. Acesso em: 30 de setembro de 2021.

A análise dos elementos constitutivos desse discurso, como forma de composição,


tema e estilo de linguagem, permite identificá-lo como

a) Científico, pois investiga informações sobre a vida de Machado de Assis.


b) Jornalístico, pois dá a conhecer fatos relacionados ao autor brasileiro.
c) Didático, já que explica a importância das contribuições de Machado de Assis.
d) Ensaístico, já que discute fatos da vida do escritor.
e) Biográfico, pois narra a trajetória de vida de Machado de Assis.

5. Dentre as características dos gêneros discursivos digitais, assinale a alternativa


correta.

a) Produção de textos mais longos.


b) Diálogo com elementos exclusivamente verbais.
c) Presença de hipertextos.
d) Sem uso de abreviaturas.
e) Linguagem não interativa.

6. Quanto às transformações dos gêneros discursivos digitais, é correto afirmar que:

a) Não há possibilidade de transformação.


b) São gêneros que não possui relação com as atividades sociais.
c) Por estarem ligados às novas tecnologias, permanecem sempre estáticos.
d) As possibilidades de linguagem avançam à medida que novos formatos tecnológicos
vão surgindo.
e) Os sentidos dos discursos digitais, apesar das possibilidades multimídias, permanecem
os mesmos dos discursos convencionais.

7. “Não é por acaso que vlog rima com blog. E sim, você raciocinou corretamente: um
gênero deriva do outro!”
Escola da Inteligência – Disponível em: https://bit.ly/38swjEy. Acesso em: 08 abr. 2022.

Frente a esse trecho sobre gêneros digitais, assinale a alternativa correta:

a) Embora possua nomenclaturas idênticas, não há nenhuma relação entre vlog e blog.
b) O vlog trata-se de um vídeo publicado a respeito de um tema, diferenciando-se de
89
um texto escrito.
c) O vlog nada mais é que um texto publicado em forma de diário pessoal.
d) O produtor de vlogs é denominado de blogueiro.
e) O blog trata-se de um vídeo publicado acerca de um tema.

8. Quanto à multimodalidade, leia as sentenças abaixo:

I. Não há possibilidade de existência de gêneros híbridos, devido à singularidade de


cada um em sua composição.
II. Está relacionada à multimídia, isto é, gênero discursivo que comporta distintos tipos
de mídias (verbal, sonora e imagética).
III. Embora relevante aos estudos textuais, foge da teoria dos gêneros discursivos pelo
fato de não atender aos seus aspectos basilares: composição, estilo e conteúdo
temático.

Está(ão) correta(s) apenas a(s) sentença(s):

a) I
b) II
c) III
d) I e II
e) I e III
90
RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO

UNIDADE 1 UNIDADE 2
QUESTÃO 1 E QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 C QUESTÃO 3 B
QUESTÃO 4 A QUESTÃO 4 C
QUESTÃO 5 E QUESTÃO 5 A
QUESTÃO 6 B QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 B QUESTÃO 7 C
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 E

UNIDADE 3 UNIDADE 4
QUESTÃO 1 B QUESTÃO 1 B
QUESTÃO 2 D QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 A QUESTÃO 3 C
QUESTÃO 4 E QUESTÃO 4 D
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 E
QUESTÃO 6 C QUESTÃO 6 A
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 A
QUESTÃO 8 D QUESTÃO 8 C

UNIDADE 5 UNIDADE 6
QUESTÃO 1 D QUESTÃO 1 A
QUESTÃO 2 B QUESTÃO 2 D
QUESTÃO 3 E QUESTÃO 3 E
QUESTÃO 4 B QUESTÃO 4 E
QUESTÃO 5 C QUESTÃO 5 C
QUESTÃO 6 D QUESTÃO 6 D
QUESTÃO 7 A QUESTÃO 7 B
QUESTÃO 8 A QUESTÃO 8 B
91
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graduacaoead.faculdadeunica.com.br

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