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Semiótica, Análise do Discurso e Teologia UNIDADE 13

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UNIDADE 13
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia
Direitos Autorais

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Proibida cópia total ou parcial deste material. A Faculdade Teológica Batista do Paraná reserva
todos os direitos, embasada na LEI N° 9.610, DE 19 DE FEVEREIRO DE 1998.
Art. 5º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
VI - reprodução - a cópia de um ou vários exemplares de uma obra literária, artística ou cientí-
fica ou de um fonograma, de qualquer forma tangível, incluindo qualquer armazenamento
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a ser desenvolvido.

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Breve Biografia do Autor


EDILSON SOARES DE SOUZA Graduado em Teologia pelo Seminário Teológico Batista do Sul do
Brasil (Rio de Janeiro, RJ), tendo o título convalidado pela Faculdade Teológica Batista do Paraná (Curi-
tiba, PR). Psicólogo Clínico, com formação básica em Teoria Relacional Sistêmica (Curitiba, PR). Mestre
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

em História pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba, PR), com bolsa do CNPq. Doutorando em
História pela Universidade Federal do Paraná (Curitiba, PR), com bolsa da CAPES. Professor de Ética
na Faculdade Teológica Batista do Paraná. Professor de pós-graduação em cursos de especialização em
Psicologia e Aconselhamento Pastoral, tendo artigos publicados no Brasil, tratando de temas sobre psico-
logia, história e religião. Membro da Comissão Consultiva da Revista Via Teológica (FTBP, Curitiba, PR).
Membro do Núcleo Paranaense de Pesquisa em Religião (NUPPER, PR). Pesquisador inscrito no CNPq.
Avaliação, Instrumentos, Critérios
Avaliação única presencial: espera-se que o aluno leia o conteúdo de cada unidade, preparando-se para a
avaliação presencial que está marcada para o final do semestre.
Quando da avaliação, cada aluno receberá um texto (e o mesmo para todos). Após a leitura do mesmo,
será solicitado que o aluno discorra sobre o conteúdo, propondo uma relação entre o texto sugerido e o
conteúdo das unidades, que foi disponibilizado.
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Apoio e Suporte ao Aluno


Além do apoio do Tutor, do apoio do Coordenador-Tutor do Pólo, o aluno terá à sua disposição o
suporte 0800, o suporte on-line via Internet, bem como a biblioteca na Sede da FTBP, as bibliotecas de
apoio nos pólos e os links selecionadosemnossa biblioteca on-line.

Bibliografia Básica
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

MAINGUENEAU, Dominique. Gênese dos discursos. São Paulo: Parábola Editorial, 2008.

SARFATI, Georges-Élia. Princípios da análise do discurso. São Paulo: Ática, 2010.

Bibliografia Complementar
BRANDÃO, Maria Helena Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2.ed. rev. Campinas, SP: UNI-
CAMP, 2004.
FIORIN, José Luiz. Linguagem e Ideologia. 7.ed. São Paulo: Ática, 2000.
MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em Análise do Discurso. Campinas, SP: Pontes e Ed.
UNICAMP, 1989.
ORLANDI, Eni Pulcinelli. A Linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. São Paulo: Edi-
tora Brasiliense, 1983, p. 145-146.
PAN, Miriam Aparecida Graciano de Souza. Infância, discurso e subjetividade: uma discussão interdisci-
plinar para uma nova compreensão dos problemas escolares. Curitiba, 2003. Tese (Doutorado em Lingüística)
– Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
SAUSSURE, Ferdinan de. Curso de lingüística geral. São Paulo: Cultrix, 1989.

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Sumário
Apresentação ......................................................................................................................................... 06
Plano de Ensino ...................................................................................................................................... 06

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Introdução ............................................................................................................................................... 08
Unidade 01
Semiótica e Análise do Discurso: conceitos introdutórios ................................................................. 09
Unidade 02
O estudo da linguagem: uma breve história ......................................................................................... 17
Unidade 03
Imagens e discursos religiosos: uma produção dos batistas ............................................................. 25
Unidade 04
Um documento batista: uma proposta de Análise do Discurso ......................................................... 35
Unidade 05

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O exercício da disciplina ....................................................................................................................... 43
Referências Bibliográficas ..................................................................................................................... 51

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Apresentação Geral ao Tema

O estudo da teologia vem despertando o interesse de pessoas que integram os mais variados gru-
pos e denominações cristãs, como também daqueles que se dedicam aos estudos acadêmicos, rela-
cionados aos fenômenos da fé ou ligados ao sagrado. Assim, a teologia vem se constituindo num
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

dos principais assuntos de interesse de estudiosos na atualidade. Crescem também os estudos dos
fenômenos religiosos, quando muitos buscam compreender a produção discursiva realizada pelas
múltiplas religiões atuantes em todo o mundo.

Os estudos voltados para a Semiótica e para Análise do Discurso ocuparam a atenção de inúmeros
teóricos durante o século XX, abrindo uma discussão mais acadêmica sobre a linguagem, os signos,
os símbolos e a relação entre o discurso e o contexto no qual ele foi produzido. A partir destes es-
tudos mais consistentes sobre a constituição dos discursos, passou-se a considerar a importância de
um contexto sociocultural, que não pode ser dissociado de tal produção. Os analistas do discurso
(século XX) passaram a dizer que não é o indivíduo que elabora a sua fala isoladamente, mas a sua
produção discursiva reflete o contexto sociocultural ao qual está inserido.

Temos, então, um conjunto de conceitos e ideias que precisamos conhecer para compreendermos
o que significa semiótica e análise do discurso. De posse de tais informações, podemos partir para
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o entendimento da relação entre semiótica, análise do discurso e teologia. Procuramos refletir esta
intenção – a compreensão teórica e a análise prática dos vários discursos – na construção dos cinco
capítulos de nossa disciplina.

Quero, ainda, expressar a minha gratidão a duas pessoas: ao psicólogo Daniel Jaccoud Ribeiro de
Souza, que, mesmo em viagem acadêmica ao exterior, ajudou na construção deste texto, pois parte
do conteúdo que compõe os primeiros capítulos reflete os diálogos sobre alguns teóricos, como
Mikhail Bakhtin, Ferdinan de Saussure e Miriam Aparecida Graciano de Souza Pan; e ao Dr. Eu-
clides Marchi, que ajudou na discussão sobre a construção do texto e na estrutura dos capítulos,
indicando algumas referências bibliográficas fundamentais à compreensão do tema analisado.

Plano de Ensino
Ementa
Estudar os principais conceitos associados à Semiótica e à Análise do Discurso, partindo da contribuição
dos principais teóricos e suas propostas, buscando aproximar tais reflexões com os estudos teológicos ou
ligados aos processos religiosos.

Objetivo Geral
BCompreender a importância dos estudos relacionados à semiótica e à análise do discurso e sua pertinên-
cia para o desenvolvimento das reflexões teológicas na atualidade.

Objetivos Específicos
1. identificar e conhecer os principais conceitos e teóricos ligados à semiótica e à análise do discurso;
2. estudar objetivamente a trajetória de constituição da disciplina e suas interfaces;
3. compreender a produção discursiva a partir de imagens divulgadas pela denominação batista no Brasil;
4. analisar documentos e discursos produzidos pelos batistas no contexto da Convenção Batista Brasileira;
5. aproximar a Análise do Discurso à compreensão de textos bíblicos.

Conteúdo Programático
Capítulo 1 – Semiótica e Análise do Discurso: conceitos introdutórios

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Capítulo 2 – O estudo da linguagem: uma breve história
Capítulo 3 – Imagens e discursos religiosos: uma produção dos batistas
Capítulo 4 – Um documento batista: uma proposta de Análise do Discurso
Capítulo 5 – O exercício da disciplina

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UNIDADE 13

Introdução
A temática da disciplina visa abordar a relação entre a elaboração discursiva e a reflexão teológica, priori-
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tariamente, de confissão cristã. Partindo dessa ideia inicial, propõe-se o seguinte título para esta aborda-
gem sobre a construção dos discursos: Semiótica, Análise do Discurso e Teologia. Num primeiro momento,
temos três disciplinas que se revelam com alguma autonomia. Nossa intenção é entender as duas primei-
ras, associando-as ao trabalho teológico.
A justificativa para pensarmos na relação entre semiótica, análise do discurso e teologia sustenta-se no
esforço que os estudantes desta última precisam realizar, recorrentemente, pois se utilizam dos textos
sagrados para propor uma reflexão sobre a Revelação de Deus à humanidade. Estudantes de teologia e
teólogos já constituídos debruçam-se sobre os textos para compreender a alma humana e a ação reden-
tora de Deus nos dramas de cada geração. Assim, compreender a construção discursiva dos autores dos
textos bíblicos – reconhecendo que toda a Bíblia é a Revelação de Deus aos seres humanos – constitui-se
o ponto de partida da disciplina.
Nesse sentido, o material preparado foi pensado a partir de uma proposta: entender a trajetória e as con-
tribuições dos teóricos relacionados às disciplinas Semiótica e Análise do Discurso, como também a sua
relação com a teologia cristã. Buscando alcançar este primeiro e principal objetivo, outros foram consid-
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erados, partindo da indicação e compreensão dos principais conceitos ligados à semiótica e a análise do
discurso, relacionando-os à reflexão teológica.
Temos, então, no primeiro capítulo uma proposta de compreensão dos principais conceitos relacionados
à semiótica e à análise do discurso. Com isso, os alunos e as alunas poderão perceber que o conceito de
discurso e as suas dinâmicas apresentam as suas especificidades. Este capítulo é introdutório. Assim,
alguns conceitos apresentados serão retomados nos capítulos seguintes. Didaticamente, o que pode ser
uma novidade neste primeiro capítulo vai se tornando conhecido no desenvolvimento da disciplina.
No segundo capítulo propomos um breve histórico da trajetória das disciplinas semiótica e análise do
discurso, partindo do pressuposto de que a teologia perpassa todas as outras disciplinas dentro do curso
em desenvolvimento. Podemos perceber que a análise do discurso se desenvolve de maneira consistente
a partir do século XX, recebendo influência e influenciando outras disciplinas.
Os três últimos capítulos constituem a segunda parte da disciplina, quando propomos utilizar os recursos
indicados pela semiótica e análise do discurso para compreender a produção discursiva religiosa e teo-
lógica. Essas análises são exemplificadas da seguinte forma: a) a análise de imagens e textos produzidos
pela Convenção Batista Brasileira; b) a análise de um discurso de caráter religioso, tratando de filosofia
moral, produzido pelos batistas na década de 1980, e c) a análise de um texto da Bíblia, a partir dos teóri-
cos e conceitos propostos pela análise do discurso.
O que se espera dos alunos e das alunas, durante o estudo da semiótica, da análise do discurso e da relação
destas com a teologia, é o entendimento de que podemos nos beneficiar dos vários instrumentos e recur-
sos disponíveis, para compreendermos a Graça de Deus na pessoa de Jesus Cristo. O material, então, foi
estruturado para que a compreensão seja progressiva, do primeiro ao último capítulo.

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UNIDADE 01
Semiótica e análise do discurso: conceitos
introdutórios

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Introdução
Neste capítulo vamos definir alguns dos termos complementação, veremos ainda os comentários e
básicos de nossa proposta de estudos. Iremos observações de outros escritores da área. A partir
abordar a Semiótica e, em seguida, compreender as dos instrumentos que serão aqui aprendidos,
ideias básicas da disciplina conhecida como Análise poderemos desenvolver em capítulos posteriores
do Discurso. Devido ao espaço e tempo limitados alguns exercícios de interpretação e análise de
que temos, seguiremos basicamente as ideias de textos teológicos e aqueles que foram produzidos
Mikhail Bakhtin, um dos teóricos que influenciou num contexto religioso.
o surgimento da Análise do Discurso. Como

Semiótica: alguns teóricos e suas discussões


Roman Jakobson, um dos principais teóricos da apud JAKOBSON, 2010, p. 71).

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linguagem durante o século XX, afirmou que “a
semiótica (ou, dito de outro modo, a ciência dos O suíço Ferdinand Saussure (acerca do qual
signos, science of signs, Zeichenlehre) tem o falaremos mais adiante), e o estadunidense Charles
direito e o dever de estudar a estrutura de todos Pierce, foram elementos importantes na criação das
os tipos e sistemas de signos e de esclarecer suas disciplinas modernas da semiótica e da linguística
diversas relações hierárquicas, a rede de suas e expressavam a opinião de que a semiótica (ou
funções e as propriedades comuns e divergentes semiologia, como chamava Saussure) deveria
de todos os sistemas em questão”, (JAKOBSON, abarcar o estudo da totalidade dos signos. Para
2010, p. 75). eles, tudo o que envolvesse formas e servisse para
a representação deveria estar dentro dessa ciência.
O termo “signo”, de acordo com os dicionários Essa visão, desenvolvida entre a segunda metade
Aurélio, Houaiss e Aulete, todos de língua do século XIX e o princípio do século XX, foi
portuguesa, pode ser entendido como um sinal, bastante difundida e adotada.
símbolo, ou indício. Podemos dizer, portanto,
que se trata de algo que identifica outra coisa Sobre isso, Fidalgo e Grandim afirmam:
diferente de si mesmo. Assim, por exemplo, no entanto, para além de uma história geral
dentro de uma igreja, uma cruz pode significar o da semiótica, isto é de uma semiótica de
sacrifício de Cristo. No trânsito, a cor vermelha certo modo avant la lettre, que incluiria tudo
pode identificar uma ordem de parada. Uma placa e todos, há a história da semiótica como
com o desenho de uma mão aberta cortada por disciplina do século XX. Aqui é inquestionável
uma linha traz a ideia de limites estabelecidos ou que Charles Sanders Peirce e Ferdinand de
de acessos proibidos. Em tribunais, uma balança Saussure são os fundadores da semiótica tal
como se viria a constituir nos nossos dias. A
indica a justiça, ou um lugar onde se busca praticar
semiótica é, vale dizê-lo, uma ciência recente
a justiça. Da mesma forma, temos conjuntos de para uma temática antiga. Dentro da história
sons e formas escritas – as palavras – que são da semiótica cabe portanto como seu núcleo
usados para representar objetos do mundo. duro a história da disciplina da semiótica tal
como ela se afirmou como disciplina autónoma
A semiótica é o ramo do saber humano que na contemporaneidade. E aqui não subsistem
se preocupa em estudar esses diversos signos. quaisquer dúvidas de que foi concebida pelos
Provavelmente, o campo mais destacado da seus fundadores como ciência dos signos,
semiótica seja o estudo dos signos utilizados na (FIDALDO e GRANDIM, 2004/2005, p. 173
linguagem. A isso chamamos linguística. Por isso, e 174).
Ernst Cassirer defendia que “a linguística é uma
parte da semiótica” (CASSIRER, 1945, p. 155,  

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Contudo surgiram oposições a essa concepção. semiótica mais importante da actualidade, ela foi
Fidalgo e Grandim nos mostram que um desses e continua a ser entendida como doutrina dos
confrontos foi promovido por Greimas, linguista signos” (FIDALGO e GRANDIM, 2004/2005,
do século XX, que considerava ultrapassada a p. 175).
concepção de uma teoria geral que reunisse todos
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os signos, tal como proposto por Saussure. Outros Se esse movimento teórico da década de 1960
teóricos, principalmente a partir da década de não produziu grandes mudanças no âmbito da
1960, começaram a questionar a importância dos semiótica, podemos dizer, por outro lado, que
signos e passaram a propor que a semiótica deveria mobilizou o surgimento de um novo campo de
se debruçar sobre os sentidos dos signos, ou seja, saberes. Das críticas à semiótica e à linguística
sobre a semântica e a significação. Entretanto, surge uma nova perspectiva teórica, preocupada
esses movimentos ainda não substituíram o cerne com a comunicação, com os sujeitos presentes
da semiótica. Dessa forma, “numa palavra, não nessa comunicação e com o sentido daquilo que é
restam dúvidas de que, quanto à semiótica de comunicado. Surge a Análise do Discurso.
proveniência peirceana, seguramente a corrente

Análise do discurso: conceitos principais


A seguir, vamos indicar alguns conceitos utilizados disciplina surgiu e de que modo ela pode ser útil,
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pela Análise do Discurso para que possamos nos tanto à religião quanto à teologia.
próximos capítulos compreender como essa

Discurso: um conceito importante para a análise


Para compreendermos adequadamente o conceito sujeito que fala, então precisamos entender de onde
de discurso, devemos destacar que os pensadores ele vem, ou como ele é construído. Sirio Possenti
dessa abordagem não observam a linguagem nos esclarece que a ideia de discurso denota algum
como a simples expressão de um pensamento. tipo de acréscimo necessário para a compreensão
Essa ideia poderia levar à concepção de que do funcionamento da língua. Esse acréscimo pode
pode haver um pensamento sem linguagem, ou referir-se a aspectos históricos, antropológicos,
antes da linguagem, sendo originada na mente sociológicos, cognitivos ou outros, mas sempre
de um sujeito. A língua não é a manifestação entrelaçados com a língua.
de um pensamento prévio, originado em uma
mentalidade subjetiva que deseja se expressar. Ao De modo geral, podemos dizer que o termo
contrário, a linguagem é a própria condição do discurso implica no funcionamento da linguagem
pensamento e da formação da subjetividade. em relação ao contexto extraverbal onde essa
linguagem está inserida. Ana Luiza Smolka fala
De acordo com Miriam Pan, autora de Infância, sobre a abrangência desse conceito, dizendo que,
discurso e subjetividade: uma discussão interdisciplinar “é a linguagem não só como atividade humana,
para uma nova compreensão dos problemas escolares, mas como prática social, historicamente produzida
e contextualizada”, (SMOLKA, 1995, p. 42).
não há, assim, um mundo pré-lingüístico com
sentido, pois a linguagem é constitutiva dos
mundos. Os discursos recobrem e dão sentidos
à realidade. Assim, a realidade é a realidade dos
discursos, dos objetos por eles produzidos. A
relação linguagem-mundo não é, em absoluto,
uma relação de correspondência, em que a
linguagem representa os objetos do mundo. Os
objetos são constituídos nas práticas discursivas
(PAN, 2003, p. 72).

Se o discurso não nasce de dentro e por causa do

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UNIDADE 01
Enunciado: e sua relação com o discurso
O enunciado é a unidade básica do discurso. É principal fundamento – a comunicação – e sua
um acontecimento singular e que não se repete organização básica – a existência de um ouvinte

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


na comunicação humana, embora algumas ou leitor. Sem que haja pelo menos duas pessoas
expressões sejam usadas recorrentemente. envolvidas, não há comunicação, e se não há
Trata-se do que um determinado sujeito, em comunicação, a linguagem de nada serve.
um momento específico, expressa verbalmente.
Além disso, o enunciado reflete as condições e as Bakhtin entendia que a linguística desenvolvida por
finalidades de cada campo da atividade humana, o Saussure era falha e não explicava corretamente
que é feito através de seus temas, de seus estilos a comunicação humana, pois desconsiderava os
de linguagem e de suas formas de construção. Por sujeitos e procurava estudar apenas as palavras
esse motivo, entre outros, vários pastores podem e frases isoladamente. Nessa perspectiva, “a
pregar sobre o mesmo texto bíblico, mas com linguagem é considerada do ponto de vista do
abordagens singulares, respeitando-se os métodos falante, como que de um falante sem a relação
de interpretação bíblica. Como um mesmo pastor necessária com outros participantes da comunicação
pode pregar sobre o mesmo texto inúmeras vezes, discursiva. Se era levado em conta o papel do
trazendo sempre reflexões pertinentes a partir da outro, era apenas como papel de ouvinte que
apenas compreende passivamente o falante”,

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passagem bíblica.
(BAKHTIN, 2003, p. 270).
Para o teórico russo Mikhail Bakhtin, não faz
sentido estudar a linguagem tomando por Assim, podemos dizer que a Análise do Discurso
base apenas um punhado de códigos e regras apresenta uma visão distinta e defende que o
gramaticais, assim como não é suficiente atribuir discurso é sempre construído por pelo menos
a atividade da língua somente à pessoa que fala duas pessoas. Não há discurso se não houver
ou escreve, como se a linguagem estivesse sendo ouvinte ou leitor, assim como não há enunciado se
produzida por ela naquele momento. Na visão não houver outra pessoa que possa entender o que
desse pensador, o estudo da linguagem só pode foi dito e que responda a isso.
gerar bons resultados quando se observa seu

Dialogia: o diálogo na construção discursiva


Se o enunciado (a unidade do discurso) precisa ao singular está sempre relacionado a um conjunto
mesmo tempo de um falante e de um ouvinte para de outros enunciados, anteriores e posteriores, que
existir, então concluímos que o discurso sempre se comunicam por meio do diálogo, formando
ocorre na forma de um diálogo. É necessário que o discurso. Dessa forma, toda comunicação é
ambos os sujeitos estejam em interação, falando e dialógica. O texto apenas pode ser considerado
ouvindo, ou em termos mais técnicos, enunciando como um enunciado quando possibilita a abertura
e respondendo. de espaço para que seja confrontado, questionado,
corroborado e reconhecido.
A esse diálogo que é feito com base nos enunciados,
Bakhtin chama “dialogia”. Portanto, o enunciado

Responsividade: a relação discursiva a partir de rede


Porém, é importante destacarmos que Bakhtin enunciado que é dito e exige uma resposta para
não entende a dialogia como uma sequência linear, que a comunicação possa ocorrer é, antes de tudo,
clara e definida entre os enunciados. A enunciação também uma resposta a algum enunciado anterior
que leva a uma compreensão e motiva uma a ele mesmo. Não há qualquer enunciação primária
resposta não é original, primária ou inovadora. ou final. Não há sentidos destruídos totalmente e
Ela não rompeu barreiras de silêncio anteriores nem sentidos originados a partir do nada.
para inaugurar a comunicação. Pelo contrário, o

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UNIDADE 01
Assim, Bakhtin afirma: ou rejeitando-o.
ademais, todo falante é por si mesmo um Na medida em que a comunicação (que, como
respondente em maior ou menor grau: porque vimos, implica uma compreensão que responda
ele não é o primeiro falante, o primeiro a ativamente ao enunciado) se dá de forma dialógica,
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

ter violado o eterno silêncio do universo, a interação entre os participantes do discurso


e pressupõe não só a existência do sistema
é inevitável. Mas Bakhtin não olha apenas para
de língua que usa mas também de alguns
enunciados antecedentes – dos seus e alheios o receptor do discurso, como aquele que tem a
– com os quais o seu enunciado entra nessas tarefa de respondê-lo, e sim para todo o diálogo
ou naquelas relações (baseia-se neles, polemiza entre enunciados como uma resposta, um elo
com eles, simplesmente os pressupõe já na complexa rede da comunicação, como uma
conhecidos do ouvinte). Cada enunciado é um voz que entra em contato com outras anteriores.
elo na corrente complexamente organizada de Assim, “em todos os seus caminhos até o objeto,
outros enunciados, (BAKHTIN, 2003, p. 272). em todas as direções, o discurso se encontra
com o discurso de outrem e não pode deixar de
Portanto, implícita à noção de dialogia está o
participar, com ele, de uma interação viva e tensa”,
conceito de “responsividade”. O enunciado atual é
(BAKHTIN, 1988, p. 88). Dessa forma, pode-se
também uma resposta aos enunciados que já foram
dizer que toda enunciação é, necessariamente,
ditos antes dele e, ao entrar nesse grande conjunto
orientada para uma resposta.
de relações, pressupõe a existência de uma
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resposta posterior a si mesmo, seja confirmando-o

Sentido: e sua relação com os significados


Até aqui vimos que Bakhtin defende que todo como estando na ordem da língua. Ele se forma
discurso é essencialmente dialógico, ou seja, é num contexto que está para além da língua, num
construído, dito e finalizado obedecendo a todo um contexto que se pode chamar de extraverbal.
jogo de responsividade com um contexto muito Dessa forma, mesmo que as regras gramaticais
maior que o abrange e o delimita. O dialogismo, e estruturas linguísticas sejam as mesmas para
portanto, constitui-se desse modo, uma espécie de diferentes enunciadores, o sentido do que eles
núcleo com características históricas e sociais que dizem é diferente, pois está relacionado e depende
garante a atribuição de significados às palavras, necessariamente de fatores que não estão restritos
que são ditas nos enunciados. à língua. Esses fatores – que trazem o significado
às palavras – estão relacionados aos grupos,
Por isso, o discurso depende do contexto onde profissões, gêneros, faixas etárias, posições
está inserido para ter algum significado. Embora ideológicas, dentre várias outras. Assim, para
o enunciado se manifeste sempre como expressão a Análise do Discurso, o sentido das palavras
linguística, sua existência só é possível em virtude não é uma entidade prévia ou algo que já existia
da sociedade onde esse enunciado é dito, e essa anteriormente e que se tornaria conhecido pela
sociedade está para além das fronteiras da língua. linguagem. É, pelo contrário, algo construído na
Ela é extralinguística, ou extraverbal. sociedade, com base na vivência humana.
A Análise do Discurso, opondo-se novamente Por isso, foi dito que “as palavras não são de
ao modelo de Ferdinand Saussure, propõe um ninguém, em si mesmas nada valorizam, mas
novo posicionamento da língua e de seu papel na podem abastecer qualquer falante e os juízos de
comunicação. Já não há espaço para a aceitação valor mais diversos e diametralmente opostos dos
de sentidos supostamente óbvios ou estabelecidos falantes”, (BAKHTIN, 2003, p. 290). A língua
por convenção. A palavra não se refere somente e pode ser usada em favor de qualquer posição
diretamente às coisas existentes no mundo. Entre ideológica. Os significados das palavras não são
as palavras e as coisas existe um campo onde o definidos previamente, mas sim quando essas
sentido é construído socialmente e não aceito palavras são transformadas em um enunciado,
como se fosse natural ou imediato. visando à comunicação. O significado não é
O sentido do discurso deixa de ser compreendido natural ou inerente à gramática, mas é gerado

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UNIDADE 01
por uma ampla rede de ligações discursivas por um evento específico e imediato. Pelo
historicamente construídas, diante das quais o contrário, quando entendemos que o enunciado
enunciado imediatamente observado é apenas é um elo na cadeia discursiva e que o discurso é
uma pequena parte. um diálogo responsivo de enunciados, vemos
que o aparecimento do enunciado não está

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


A observação do contexto social e cultural imediato restrito ao seu contexto imediato, mas alcança a
onde o enunciado aparece é importante para historicidade como um todo. Percebemos isso
compreender o sentido das palavras que estão sendo quando analisamos o ministério terreno de Jesus
ditas, mas não é o suficiente para compreender Cristo. Ele, inúmeras vezes, partiu de questões do
todo o enunciado. Uma compreensão profunda seu presente, ou das demandas de sua sociedade,
do sentido enunciativo implica a necessidade de para compartilhar as revelações do Pai aos seus
que o enunciado seja analisado dentro da história, ouvintes, estabelecendo diálogos importantes com
que o envolve. A unidade discursiva precisa ser as pessoas ao redor.
compreendida tanto como resposta a enunciados
anteriores quanto como uma provocação para a Então, Bakhtin nos alerta que,
emergência de enunciados posteriores.
quando tentamos interpretar e explicar uma
Podemos dizer que a compreensão do contexto obra apenas a partir das condições de sua época,
sociocultural de onde surge o enunciado é apenas das condições da época mais próxima,
importante para o entendimento do mesmo, visto nunca penetramos nas profundezas de seus

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sentidos. O fechamento em uma época não
que sua primeira aparição ocorre, logicamente, na
permite compreender a futura vida da obra nos
cultura de sua época de formação. Porém, quando séculos subseqüentes; essa vida se apresenta
observamos o diálogo dos enunciados, vemos que como um paradoxo qualquer. As obras
o fator histórico também exerce influência sobre dissolvem as fronteiras da sua época, vivem nos
a definição do significado do texto. Isso acontece séculos, isto é, no grande tempo, (BAKHTIN,
porque os enunciados, em geral, não “surgem 2003, p. 362).
do nada”, sendo desencadeados unicamente

Sujeito: outro conceito fundamental na Análise do Discurso


A questão do sentido dos enunciados também para o sujeito como se ele fosse diretamente o
está relacionada com a questão dos sujeitos principal responsável por aquilo que fala. Antes,
participantes na comunicação. A Análise do Foucault preocupa-se em observar três aspectos
Discurso não se volta, prioritariamente, para as relacionados àquele que enuncia: a) o seu status;
capacidades cognitivas de um sujeito supostamente b) o seu lugar enquanto produtor do discurso,
controlador de seu ambiente e conhecedor de sua e c) a sua situação. A primeira questão refere-se
fala, o qual, com liberdade, pode moldá-la segundo a quem fala, quem é o titular do enunciado que
sua própria vontade. O que é levado em conta é se apresenta de certo modo. Mas o que está em
que cada participante de um evento discursivo, jogo não é a identidade dos falantes, e sim o status
cada falante, enuncia a partir de determinadas que eles possuem, o direito para falar, sendo um
posições, passando pelo que se determina no discurso tido como oficial ou não. O segundo
social, no histórico e no cultural. ponto refere-se aos lugares institucionais onde
o discurso é obtido, aplicado e de onde surge
A Análise do Discurso discorda da concepção de sua origem legítima. Por fim, o terceiro fator
que o sentido do texto é fruto, somente, do projeto é a situação, a posição ocupada pelo sujeito em
de um autor. Mais do que isso, se opõe também à relação aos variados grupos de objetos discursivos.
própria noção da existência de um sentido único Por exemplo, quando um líder religioso assume
e originário a ser descoberto. A língua deixa de o seu lugar para falar, espera-se que ele fale
ser vista como expressão original das ideias de enquanto orador legitimado e habilitado para tal.
um autor sobre as coisas. O lugar do sujeito é um Não é somente uma pessoa que está falando, mas
tema especialmente discutido por outro pensador o representante de uma coletividade religiosa,
do século XX, o francês Michel Foucault. desde que o faça a partir dos elementos indicados
A análise discursiva de Foucault não propõe olhar anteriormente.

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UNIDADE 01
Dessa forma, não é qualquer pessoa que pode biográfica do mesmo, buscando identificar traços
pronunciar qualquer enunciado. Cada enunciado de alguma liberdade criadora ou excepcional
que é dito pressupõe certas características da capacidade de expressão. Pelo contrário, devemos
pessoa que o diz. Os enunciados apenas são ditos buscar entender quais são as instituições sociais
pelas pessoas socialmente autorizadas, sendo que sob as quais esse sujeito está submetido e que
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

essa autorização passa, invariavelmente, pelas determinam o que e de que modo ele deve se
instituições. Assim, para entendermos o papel da pronunciar.
pessoa que fala, não devemos realizar uma análise

Considerações Finais
Vimos neste capítulo alguns dos principais construída em grande parte em oposição ao
conceitos da Análise Discurso, que consiste em projeto de semiótica e linguística elaborados por
uma teoria do campo de estudos da semiótica. Saussure, uma vez que esse pensador ignorava o
Consideramos os conceitos de discurso, papel dos sujeitos na utilização da linguagem. No
enunciado, dialogia, responsividade, sentido próximo capítulo, abordaremos mais detidamente
e sujeito, e constatamos que todos eles estão o histórico de desenvolvimento da Análise do
relacionados à função comunicativa da linguagem. Discurso enquanto disciplina.
Ainda, notamos que a Análise do Discurso é
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UNIDADE 01
Atividades

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Indicações Culturais
Visite o Museu da Língua Portuguesa, situado em diálogo chamado De Magistro, onde o autor
São Paulo. Para mais informações: <http://www. aborda questões relacionadas à linguagem, fala,
museulinguaportuguesa.org.br>. sentido, comunicação, dentre diversas outras.
Sendo uma obra curta e bastante representativa
Acesso em 28/06/2011. de seu período e das influências que Agostinho
Uma das obras escritas por Agostinho foi o recebeu, é de leitura recomendada.

Atividade de Auto-avaliação

Identifique, em cada uma das quatro questões a seguir, a única alternativa correta.
1. No estudo da linguagem, um signo é:

15
a) uma figura do Zodíaco.
b) um modo de caracterizar os comportamentos e intenções das pessoas.
c) um sinal, símbolo ou indício que identifica outra coisa diferente de si mesmo.
d) uma letra grega.

2. O conceito de discurso, para a Análise do Discurso, designa:


a) uma fala própria do indivíduo, que utiliza a linguagem apenas para se expressar.
b) um conjunto de enunciados que são falados pelas pessoas, mas que estão sempre vinculados
com o contexto extraverbal, histórico, cultural e social.
c) um texto avaliado apenas segundo a sua correta adequação às normas gramaticais.
d) um conjunto de palavras criadas para que seja possível identificar as ideias e objetos já ex-
istentes.

3. Para Bakhtin, a dialogia é:


a) uma fala solitária do indivíduo consigo mesmo.
b) o núcleo histórico responsável pela atribuição de sentidos. É um contexto que liga os enun-
ciados e lhes dá seu sentido comunicativo.
c) um lugar onde as frases se tornam neutras e sem significado.
d) o principal objeto estudado pela linguística, desde Saussure.

4. Na visão de Bakhtin, o que é responsividade?


a) É a tendência que um enunciado possui para ficar isolado e sem comunicação no discurso.
b) É uma prática de agressão, pela qual uma pessoa se dirige à outra, caso não concorde com
seu posicionamento.
c) É o mecanismo pelo qual um enunciado singular está sempre relacionado a um conjunto de
outros enunciados, anteriores e posteriores, que se comunicam por meio do diálogo, formando
o discurso.
d) É a capacidade que um indivíduo possui de abandonar todos os valores culturais e sociais aos
quais está ligado, no momento em que pronuncia um enunciado.

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UNIDADE 01

Questão de Reflexão
Estudar a Bíblia com os instrumentos fornecidos pelos teóricos da Análise do Discurso implica considerar
que os diferentes livros conversam consigo mesmos, ao longo das épocas, e também conosco. O que você
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

pensa sobre isso? Você acha que os textos existentes nas Escrituras se relacionam entre si? Por quê?

Atividade de Aplicação
Procure nos evangelhos referências ao Velho Testamento e compare ambos os textos. Observe como
o Velho Testamento é revisto pelos escritores cristãos e considere a importância dessa responsividade
efetuada ao longo dos séculos
16

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UNIDADE 02
O estudo da linguagem: uma breve história

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Introdução
Após considerarmos, no capítulo anterior, o que é a de teóricos, propomos, para este capítulo, a
semiótica em linhas gerais, e quais são os principais discussão sobre como e quando esse movimento
conceitos da chamada disciplina da Análise do teve início e contra que correntes de pensamento
Discurso, compreendendo algumas contribuições vem se opondo desde então.

Um retrato do início do século XX


De acordo com Maria Helena Nagamine Brandão, das regras gramaticais aceitas culturalmente e que se
é possível datar o começo das possibilidades de uma articulam internamente, relacionando um conceito
teoria discursiva no princípio do século XX, com os simbólico (a palavra) a uma imagem auditiva (seu
formalistas russos que desenvolveram teorias sobre som). Ao comparar essa visão reduzida da língua,
a crítica literária na Rússia e União Soviética, entre passível de ser estudada, com a linguagem ampla e

17
as décadas de 1910 e 1930. Os formalistas russos complexa, Saussure questiona para depois afirmar:
foram os responsáveis pela abertura do caminho
mas o que é a língua? Para nós, ela não se
dos estudos discursivos dentro do campo da
confunde com a linguagem; é somente uma parte
linguística. determinada, essencial dela, indubitavelmente.
Entretanto, nos anos de 1930, o movimento É, ao mesmo tempo, um produto social da
faculdade de linguagem e um conjunto de
praticamente desapareceu. Algumas de suas ideias
convenções necessárias, adotadas pelo corpo
foram retomadas no Ocidente e ganharam enfoque social para permitir o exercício dessa faculdade
na década de 1950, com os trabalhos de Roman nos indivíduos. Tomada em seu todo, a
Jakobson. Porém, antes disso, pode-se considerar linguagem é multiforme e heteróclita; o cavaleiro
que os seguidores dos formalistas no campo de diferentes domínios, ao mesmo tempo física,
linguístico tenham sido os estruturalistas, que fisiológica e psíquica, ela pertence além disso ao
propunham estudar o texto nele e por ele mesmo, domínio individual e ao domínio social; não se
de acordo com uma abordagem interna do texto, deixa classificar em nenhuma categoria de fatos
excluindo, dessa forma, qualquer reflexão sobre o humanos, pois não se sabe como inferir sua
que está fora do mesmo. unidade, (SAUSSURE, 1989, p. 17).

Essa corrente estruturalista surgiu com o suíço  O pensamento de Ferdinand Saussure era norteado
Ferdinand Saussure (já citado no capítulo anterior), pela visão positivista. Quando se estuda a construção
que entendia a linguagem como um amplo e do Conhecimento, nota-se que o Positivismo
complexo conjunto de símbolos sustentados ao (filosofia iniciada por Augusto Comte, no século
mesmo tempo por relações sociais e individuais. Para XVIII) é marcado pela tentativa de estudar o
ele, a própria abrangência da linguagem constitui mundo com neutralidade e objetividade. Por isso, a
um obstáculo ao seu estudo científico, uma vez que metodologia de observação de Saussure necessitava
as manifestações individuais da linguagem, aquelas de um objeto relativamente estável, uniforme e com
enunciadas e produzidas pelas pessoas concretas, regras gerais de funcionamento que pudessem ser
são únicas, irrepetíveis e não se prestam bem ao descobertas. Esses princípios excluíam qualquer
estudo com os instrumentos científicos tradicionais. possibilidade de investigação do texto em ligação a
uma conjuntura situada para além do próprio texto.
Dessa forma, o estudo da linguagem promovido Portanto, ao afirmar-se como ciência, a linguística
por Saussure separa os dois polos da linguagem (as saussureana concentrou-se unicamente na
palavras e os falantes), privilegiando um deles em investigação das estruturas gramaticais do sistema
detrimento do outro. O objeto de investigação fica simbólico da linguagem. Saussure dizia que “não
restrito à língua, que consiste em um compêndio só pode a ciência da língua prescindir de outros

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UNIDADE 02
elementos da linguagem como só se torna possível às palavras e frases. Contudo, essa abordagem não
quando tais elementos não estão misturados”, respondeu adequadamente a grande parte das
(SAUSSURE, 1989, p. 23). Com o pensamento de questões que envolvem a linguagem, tais como os
Saussure, o estudo sobre linguagem deixou de lado sujeitos participantes, a comunicação, o contexto, o
as pessoas falantes e ouvintes, dedicando-se apenas sentido, dentre diversas outras.
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

Preparando o terreno...
Na década de 1950, passos decisivos foram dados embora a obra de Harris possa ser considerada o
rumo ao aparecimento da análise do discurso marco inicial da análise do discurso, ela se coloca
enquanto disciplina. Maria Helena Brandão afirma ainda como simples extensão da lingüística
que, nesse momento, imanente na medida em que transfere e aplica
procedimentos de análise de unidades da língua
estudiosos passam a buscar uma compreensão aos enunciados e situa-se fora de qualquer
do fenômeno da linguagem não mais centrado reflexão sobre a significação e as considerações
apenas na língua, sistema ideologicamente sócio-históricas de produção que vão distinguir
neutro, mas num nível situado fora desse pólo e marcar posteriormente a Análise do Discurso
da dicotomia saussuriana. E essa instância da (BRANDÃO, 2004, p. 15).
linguagem é a do discurso. Ela possibilitará operar
a ligação necessária entre o nível propriamente Émile Benveniste, por sua vez, enfoca o papel do
18

lingüístico e o extralingüísitico, (BRANDÃO, sujeito falante e sua inserção nos enunciados, tal
2004, p. 11). como fizera Harris, mas vai além. Esse teórico
levanta a questão da relação que se estabelece entre
Duas vertentes principais destacam-se nesse o locutor, seu enunciado e todo o contexto social.
momento. Por um lado, surge o trabalho de Zellig Na perspectiva estadunidense, o texto é visto de
Harris que indica a possibilidade de estender os forma reduzida, não havendo tanta preocupação
procedimentos da linguística americana para estudar com a origem do sentido, mas sim com as formas de
também os enunciados, ou discursos, em sua função organização dos elementos do texto. Desse modo,
comunicativa, ao invés de analisar apenas as frases a questão do sentido do discurso continua sendo
(cujo estudo, como já vimos, ignorava os falantes). tratada, fundamentalmente, como algo natural da
Por outro lado, aparecem as concepções de Roman própria linguagem, visão que a Análise do Discurso
Jakobson e Émile Benveniste a respeito do conceito não aceita.
de enunciação, como estudado no capítulo anterior.
As diferenças entre essas duas correntes vão marcar A corrente europeia, entretanto, opõe-se à americana
as visões divergentes em relação às posturas teóricas e aponta para a existência de relações entre o que
das escolas de análise do discurso americana, é dito e as condições culturais de produção desse
representada por Harris, e europeia, refletida em dizer. Tal corrente coloca, dessa forma, o contexto
Benveniste. exterior como marca fundamental do discurso.
Essa compreensão exige um deslocamento do
Embora Zellig Harris possa ser colocado entre estudo, que deixa de estar focado apenas nas
os pioneiros, sua visão limitada a um trabalho normas linguísticas e gramaticais (antigo objeto
apenas interno, com o enunciado, desconsiderou do estruturalismo de Saussure) e passa a observar
os aspectos sociais, históricos e culturais, que são também o que se passa na sociedade onde o texto
externos à linguagem. Já tivemos a oportunidade é formado.
de observar que, para a Análise do Discurso, esses
elementos externos são essenciais para a constituição
do discurso, motivo pelo qual o pensamento de
Harris ainda não havia se libertado suficientemente
do estruturalismo de Saussure. Essa observação,
daquilo que está para além do texto, é uma das
marcas decisivas da Análise do Discurso. Por isso é
possível dizer que,
 

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UNIDADE 02
O estopim...
Entretanto, Denise Maldidier destaca que a discurso é uma extensão, um progresso permitido
formalização do surgimento da disciplina da Análise pela linguística e, por isso, um avanço natural no

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


do Discurso apenas ocorre em território francês, caminho científico da mesma. Michel Pêcheux é
em finais da década de 1960 e princípios de 1970. contrário a essa ideia, e concebe a análise do discurso
Também aqui vemos uma dupla fundação, por como uma ruptura com a ideologia dominante nas
meio dos teóricos Jean Dubois e Michel Pêcheux. ciências humanas da época, bastante presente na
Dois textos assinalam esse momento: o discurso disciplina da linguística.
de encerramento pronunciado por Dubois no
Colóquio de Lexicologia Política de Saint Cloud (1968) e o Importante ressaltar que esse era um momento
livro Análise automática do discurso, de Pêcheux (1969). histórico de grande importância para a linguística
Por meio de um encontro intelectual baseado nas enquanto ciência. Nos anos de 1960 essa disciplina
conjunturas teórico-políticas da década de 1960, era vista como uma ciência modelo dentro do
surgiram os elementos constitutivos da nova quadro pouco estável das ciências humanas, por
disciplina. Maldidier entende que, “para além das ter adotado os modelos estruturalista e positivista
divergências teóricas consideráveis, alguma coisa do qual já falamos. Diante disso, torna-se explícita
‘pegou’ no terreno francês, que se denominou a ligação realizada por ambos os teóricos entre a
expansão da linguística e a possibilidade de uma

19
análise do discurso. Na virada da década de 1970,
se formou e se impôs, dentro de um sincretismo disciplina da Análise do Discurso. Embora os
notável, uma espécie de vulgata: a análise do teóricos europeus não entendam a análise discursiva
discurso dita francesa”, (MALDIDIER, 1997, p. como um braço da linguística (pensamento
16). preponderante na corrente estadunidense), Dubois
e Pêcheux aceitavam que a ampliação da linguística
Rompendo com as ideias linguísticas anteriores, tornou a Análise do Discurso possível.
principalmente as vinculadas ao estruturalismo de
Ferdinand Saussure, esses dois teóricos franceses Na medida em que esse novo método de análise
desenvolvem a análise do enunciado. O que é discursiva relaciona o linguístico e o social, dois
estudado não é apenas uma mera frase gramatical, conceitos tornam-se fundamentais: ideologia e
construída a partir de regras ortográficas, mas discurso.
sim uma unidade discursiva, uma fala ligada a um Como já temos abordado (e continuaremos
contexto extraverbal, um texto que se relaciona abordando) o tema do discurso, vamos fazer um
com a sociedade, com as pessoas, com a cultura e pequeno aparte para considerarmos o conceito de
com a história. ideologia, segundo três importantes pensadores
No entanto, quanto a essa dupla fundação, é dessa ideia: Karl Marx, Louis Althusser e Paul
importante destacar que vemos muito mais a Ricouer.
diferença do que a semelhança entre os teóricos. Em Karl Marx o termo ideologia está envolto em
O principal ponto de encontro entre o linguista uma carga semântica negativa. Segundo Helena
Dubois e o filósofo Pêcheux são as concepções Brandão, “Marx e Engels identificam ideologia
de marxismo e política, semelhantes para ambos. com a separação que se faz entre a produção das
Porém, várias diferenças podem ser levantadas, tais idéias e as condições sociais e históricas em que
como as concepções acerca do método de análise são produzidas”, (BRANDÃO, 1995, p. 19). Nessa
do enunciado, ou da posição da disciplina como um visão, a ideologia ignora a materialidade das ideias
modo de leitura, dentre outras questões. e seu contexto de surgimento, e acaba servindo
Dessas divergências, uma merece destaque especial: como mecanismo de controle utilizado pela classe
como a Análise do Discurso se relaciona com os dominante para assegurar a manutenção do sistema
saberes que estão fora de si mesma? Vimos que a econômico vigente. Dessa forma, a ideologia é
Análise do Discurso se relaciona, de alguma forma, “um instrumento de dominação de classe porque
com a linguística e com alguma outra disciplina a classe dominante faz com que suas idéias passem
que permitiria traçar essa ligação entre o texto e a ser idéias de todos. (...) Necessária à dominação
o contexto. Jean Dubois entende que a análise do de classe, a ideologia é ilusão, isto é, abstração e

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UNIDADE 02
inversão da realidade”, (BRANDÃO, 1995, p. 21). Althusser (quanto à ideologia) e de Michel Foucault
(quanto ao discurso), que Pêcheux relacionou
Já Louis Althusser articula o conceito de ideologia ideologia e discurso, e defendeu que, para se
junto ao de Estado. Ele mantém a visão marxista de compreender o enunciado, é necessário vê-lo como
que a ideologia é um mecanismo de controle social, algo que foi formado e modificado pelas estruturas
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

mas procura ir além, demonstrando como isso ideológicas, históricas, sociais e institucionais.
ocorre na prática, devido ao uso do aparelho estatal.
Na compreensão de Helena Brandão, “Althusser Embora essa relação entre ideologia e discurso possa
afirma que, para manter sua dominação, a classe parecer supérflua, ela aponta para duas coisas muito
dominante gera mecanismos de perpetuação ou importantes na Análise do Discurso. Uma delas é
de reprodução das condições materiais, ideológicas a necessária relação do discurso com a sociedade.
e políticas de exploração. É aí então que entra o A outra, diz respeito à redução da importância do
papel do Estado que, através de seus Aparelhos sujeito falante. Michel Pêcheux aborda ambas as
Repressores – ARE – (...) e Aparelhos Ideológicos situações, mas a relevância de sua teoria está no
– AIE – (...) intervém ou pela repressão ou pela segundo aspecto.
ideologia, tentando forçar a classe dominada a
submeter-se às relações e condições de exploração”, Para Helena Brandão,
(BRANDÃO, 1995, p. 21, 22). Assim, a ideologia a contribuição de Pêcheux está no fato de ver
seria um dos meios utilizados pela classe dominante nos protagonistas do discurso não a presença
20

(que controla o Estado, inclusive) para manter as física de ‘organismos humanos individuais’, mas
relações de poder sobre o restante da população. a representação de ‘lugares determinados na
estrutura de uma formação social, lugares cujo
Por fim, destaca-se Paul Ricoeur, com uma visão feixe de traços objetivos característicos pode ser
diferente da questão. Ricoeur alerta justamente descrito pela sociologia’. (BRANDÃO, 1995, p.
para uma tendência marcante originada na teoria 36).
marxista, que consiste em provocar uma redução
da concepção de ideologia à classe dominante, Sírio Possenti mostra que, enquanto a linguística
ignorando seus outros âmbitos de aplicação. tradicional apela para as características e
Comenta Brandão que, “uma definição de capacidades individuais, a Análise do Discurso
ideologia que a reduz às funções de dominação e olha para o contexto social onde estão o falante e o
de justificação é que nos leva a aceitar, sem crítica, ouvinte. Atenta para a história, para a cultura e para
a identificação de ideologia com as noções de erro, a ideologia. Se, para a linguística tradicional, uma
mentira, ilusão. Ele não nega a existência de tais disputa política é solucionada pela esperteza ou
funções, mas, antes de chegar a ela, diz ser preciso habilidade dos combatentes, a Análise do Discurso
entender uma função anterior e básica que concerne mostra que na verdade o que está em disputa
à ideologia em geral”, (BRANDÃO, 1995, p. 24). são valores sociais, históricos e culturais e que os
Assim, para Ricoeur há três instâncias no conceito falantes não são atores desempenhando papéis,
de ideologia: a função geral da ideologia, a função mas sim pessoas aceitando posições, mesmo que na
de dominação e a função de deformação. maioria das vezes não percebam.

Foi com base principalmente nos conceitos de Louis

A adaptação...
Portanto, podemos caracterizar o princípio da iniciais orientaram o desenvolvimento da análise
análise do discurso na França, durante a primeira do discurso nessa segunda fase. Em virtude desse
metade da década de 1970. Entretanto, Maldidier pioneirismo e das próprias modificações teóricas
afirma que essa fase inicial logo sofreu modificações efetuadas tão rapidamente, Maldidier afirma que, “a
significativas. Com as alterações de conjuntura análise do discurso está presente em toda parte, mas
teórico-política pelas quais a sociedade francesa a análise do discurso francesa está, talvez, presente
passou, e isso por volta de 1975, nota-se que de forma mais intensa”, (MALDIDIER, 1997, p.
ocorreu uma total recomposição do quadro inicial 16).
da análise do discurso. As discussões e os problemas

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UNIDADE 02
A título de recapitulação, podemos dizer que a 1975, muitas soluções foram alcançadas. Entre as
análise discursiva teve seu início na França, entre o mudanças adotadas, destaca-se a introdução, na
final da década de 1960 e o início dos anos de 1970, França, das concepções do russo Mikhail Bakhtin,
em um meio teórico-político bastante específico. que ficaram por décadas abandonadas. Todas essas
Entretanto, essa primeira fase apresentou algumas influências trazem consigo novos referenciais, bem

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


contradições teóricas e sofreu diversas críticas, como o surgimento de objetos diferentes dos até
tanto internas quanto externas. Com as revoluções então considerados.
teóricas e políticas ocorridas nas proximidades de

Um apêndice: Mikhail Bakhtin


Quando vemos a biografia de Bakhtin, torna-se período, foi sentenciado pelo governo stalinista
claro que muitas de suas ideias eram extremamente a seis anos de exílio no Cazaquistão. Durante o
inovadoras em seu contexto social e político exílio, Bakhtin escreveu diversos artigos, dentre
(especialmente durante o regime de Stalin, na os quais se destaca o Discurso na novela. Em 1937,
URSS) e com muita dificuldade foram aceitas. O mudou-se para Kimry, cidade próxima a Moscou.
autor fez severas críticas às ciências responsáveis Em 1940, Bakhtin vive em Moscou, e escreve sua
pelo estudo da linguagem em sua época e, em tese acerca de Rabelais. Porém, não pôde defendê-
virtude disso, muitos de seus trabalhos encontraram la antes de 1951 e, mesmo nessa época, suas ideias

21
barreiras de divulgação. Bakhtin rompe com essa foram tão controversas, que a banca examinadora,
visão tradicional da linguística e, em seus escritos, após inúmeras discussões, não lhe cedeu o título
antecipa as orientações da linguística moderna. de doutor. Esse trabalho foi publicado em 1965
Portanto, embora não possa ser considerado como sob o título A cultura popular na Idade Média e no
um dos fundadores da Análise do Discurso, sua Renascimento: o contexto de François Rabelais e, ao lado
obra foi muito importante para a solidificação desse de sua obra sobre a arte de Dostoievski, constitui
estudo nas décadas de 1970 e 1980. um grande marco em sua teoria linguística. Em
1961, sua saúde se agrava e Bakhtin se aposenta
Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em Orel, do cargo que ocupava no Instituto Pedagógico de
Rússia, no dia 17 de novembro de 1895. Passou Mordovian, em Saransk. Em 1969, muda-se para
sua infância nas cidades de Orel, Vilnius (na Moscou em busca de uma maior atenção médica,
Lituânia) e Odessa. Em 1917, ocorreu uma grande onde permanece até sua morte em 07 de março de
reviravolta no território russo com a revolução 1975. São discutidas também a autoria de outros
socialista. Em 1918, Bakhtin terminou seus estudos trabalhos como Marxismo e filosofia da linguagem,
na Universidade de Petersburgo, diplomando-se O freudismo (lançados, respectivamente, em 1929
em História e Filologia. Mudou-se depois para e 1927 e assinados por Valentin Volochinov) e O
Nevel, pequena cidade russa, onde trabalhou por método formal no estudo literário (publicado em 1928,
dois anos, como professor. Nesse período, foi sob o nome de Pavel Medvedev), os quais, se não
formado o “Círculo de Bakhtin”, um grupo de escritos diretamente por Bakhtin, provavelmente
pensadores e estudiosos da linguagem. Fizeram receberam grande influência deste.
parte do grupo vários intelectuais, dentre os
quais Valentin Volochinov e Pavel Medvedev. Em Mas, afinal, por que Bakhtin foi deixado de lado
1920, Bakhtin mudou-se para Vitebsk e, no ano por tanto tempo? O teórico se distanciou dos
seguinte, casou-se com Elena Okolovič. Em 1923, ideais científicos de sua época, e realizou críticas
é diagnosticado com osteomielite, motivo pelo qual radicais aos pressupostos que norteavam os estudos
é obrigado a amputar a perna em 1938. Após tal da linguagem. Em especial, Bakhtin atacou o
intervenção, a sua saúde melhora, possibilitando estruturalismo de Saussure, mostrando a limitação
um importante período de produções teóricas. Em e a impossibilidade dessa corrente em, realmente,
1924, mudou-se para Leningrado. Em 1929, após compreender a linguagem em sua relação com os
várias e frustradas tentativas de propagação de seus seres humanos que a utilizam.
textos, Mikhail Bakhtin publicou Problemas da poética
em Dostoievski, seu primeiro grande trabalho, onde Assim como Saussure havia definido a primazia
já se encontra o conceito de dialogismo. Nesse da língua (a gramática) sobre a fala (o enunciado),
por entender que é o primeiro quem dá sustentação

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UNIDADE 02
para o surgimento do segundo, Bakhtin altera o suscetíveis à repetição e reprodução, acabam se
foco dessa visão. Para o pensador russo, compete à tornando o meio de propagação que o enunciado
dialogia o papel principal. É o contexto extraverbal utiliza para se posicionar na realidade humana. “Do
que lança mão das normas gramaticais para ponto de vista dos objetivos extralingüísticos do
materializar suas posições sociais e culturais. Assim, enunciado todo, o lingüístico é apenas um meio”,
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

os elementos linguísticos, formais e gramaticais, (BAKHTIN, 2003, p. 313).

Considerações Finais
Portanto, para Bakhtin, o enunciado discursivo capítulo anterior, essa é uma das grandes mudanças
falado entre as pessoas é mais importante do que promovidas pela Análise do Discurso.
a simples frase gramatical. Como já vimos no
22

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UNIDADE 02
Atividades

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Indicações Culturais
Bakhtin escreveu sobre o romancista russo traduzidas para o português e são de leitura
Fiódor Dostoiéviski e procurou analisar a obra sugerida, tais como Crime e castigo, O jogador,
desse escritor com base em sua teoria de análise Os irmãos Karamazov, dentre outras.
do discurso. Diversas obras de Dostoiévski estão

Atividade de Auto-avaliação

Identifique, em cada uma das quatro questões a seguir, a única alternativa correta.
1. O que Ferdinand Saussure propôs no campo dos estudos da linguagem?
a) Estudar os enunciados e sua relação entre a linguagem e contexto extraverbal.
b) Abandonar a linguística, a semiótica e qualquer forma de estudo da linguagem, pois entendia

23
que eram campos do saber sem qualquer utilidade.
c) Que a evolução das espécies proposta por Charles Darwin justificava o desenvolvimento da
linguagem.
d) Simplificar o estudo da linguagem separando os dois polos (as palavras e os falantes) e fo-
cando a linguística nas palavras (a língua), deixando de lado a relação desta com as pessoas.

2. Em que país e período surgiu a Análise do Discurso? Quais foram seus teóricos iniciais?
a) Na Suíça, no final do século XIX, com Ferdinand Saussure.
b) Na frança, entre as décadas de 1960 e 1970, com Jean Dubois e Michel Pêcheux.
c) Nos Estados Unidos da América, na década de 1950, com Zellig Harris.
d) Na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, na década de 1930, com Roman Jakobson.

3. Qual foi a nacionalidade e período de maior produtividade intelectual de Mikhail Bakhtin?


a) Foi russo. Suas obras principais foram escritas entre 1929 e 1965.
b) Foi estadunidense. Suas obras principais foram escritas entre 1950 e 1970.
c) Foi francês. Suas obras principais foram escritas entre 1875 e 1900.
d) Foi brasileiro. Suas obras principais foram escritas entre 1960 e 1990.

4. O que Louis Althusser e Paul Ricoeur possuem em comum em suas teorias?


a) Ambos foram políticos socialistas.
b) Ambos concordavam com a linguística de Ferdinand Saussure.
c) Ambos apoiaram-se em Marx para estudar a ideologia, embora com conclusões diferentes.
d) Ambos foram alunos de Mikhail Balhtin

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UNIDADE 02

Questão de Reflexão
A grande questão na época do surgimento da Análise do Discurso era sobre a função da linguagem. Para
alguns, ela servia apenas para representar verbalmente as ideias e objetos do mundo. Para outros, ela
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

servia inclusive para criar essas ideias e objetos. Qual é sua opinião sobre isso?

Atividade de Aplicação
Procure em dicionários o conceito da palavra “discurso”. Compare a definição com a ideia que a Análise
do Discurso traz sobre esse conceito e reflita sobre o lugar que nossa cultura e sociedade dão ao discurso.
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UNIDADE 03
Imagens e discursos religiosos: uma produção dos
batistas

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Introdução
Consideramos nos dois primeiros capítulos alguns presente capítulo, propomos introduzir algumas
conceitos, como também a contribuição de alguns imagens, seguidas de construções discursivas.
teóricos à Análise do Discurso. Vimos também Objetivamos, assim, identificar e exemplificar a
um breve histórico da disciplina, ajudando-nos presença dos múltiplos discursos no contexto de
a compreendê-la no contexto sociocultural. No uma denominação cristã no Brasil.

Convenção batista brasileira: uma produtora de discursos


Para tratarmos dos discursos que se seguem neste uma tentativa de se organizar a Convenção, José
capítulo, precisamos conhecer um pouco da história dos Reis Pereira afirma que A. B. Deter, ao falar
da organização da Convenção Batista Brasileira, de sua intenção com William Edwin Entzminger,
datada de 1907. “sugeriu a criação de uma Convenção nacional.

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Entzminger aprovou, pensando numa reunião só
A ideia de se organizar uma convenção nacional, de missionários” estadunidenses atuantes entre os
visando à coordenação dos batistas em todo o brasileiros, (PEREIRA, p. 141).
Brasil, pode ser percebida em 1894. No entanto,
naquele período, não houve um entendimento No entanto, a ideia de uma organização nacional para
favorável a tal proposta, sendo organizada, os batistas brasileiros precisava ser discutida com
maior profundidade, pois alguns líderes concebiam
somente uma pequena Convenção de igrejas do
uma convenção mais ampla – diferentemente de
Rio, Estado do Rio e Estado de Minas. Dez anos
depois, a situação havia mudado: já havia um William E. Entzminger –, e que reunisse igrejas
órgão de divulgação, ‘O Jornal Batista’, havia uma locais, obreiros nacionais, entidades batistas e
Casa Editora, crescera o número de missionários, missionários vindos de outros países. Parece que
bem como o dos obreiros nacionais. Mais duas Arthur B. Deter estava convencido da importância
Convenções estaduais haviam sido estabelecidas, de uma organização nacional que promovesse, ainda
uma em São Paulo e outra em Pernambuco, mais, a expansão dos batistas brasileiros. Assim, o
(PEREIRA, p. 141). assunto foi novamente retomado e apresentado a
William E. Entzminger, propondo uma concepção
De acordo com José dos Reis Pereira, em 1904
mais abrangente dessa organização, pois “o que
os batistas contavam com uma estrutura formada
desejava era uma reunião de batistas brasileiros,
por convenções estaduais e um espaço para a
missionários e nacionais”, (PEREIRA, p. 141-142).
publicação de sua literatura; publicações de textos
e de documentos que se tornaram instrumentos de Diante de nova tentativa de Deter no sentido de
divulgação das concepções batistas durante todo organizar uma convenção nacional, houve outra
o século XX. Ao citar um documento do Annual negativa de Entzminger, que “foi contra, alegando
Southerm Baptist Convention, datado de 1899, ele que os brasileiros não estavam acostumados com
vai dizer que a ideia de se formar uma convenção esse tipo de trabalho, que não se interessariam
das igrejas batistas foi de Salomão Ginsburg, que por ele e que, por outro lado, as despesas seriam
“pode ser chamado o ‘pai da Convenção Batista muitas, acima das possibilidades dos crentes”,
Brasileira”, (PEREIRA, p. 141). (PEREIRA, p. 141-142). Após a partida de
Entzminger, que retornou aos Estados Unidos por
Mas a ideia não foi bem aceita no final do século
motivos de doença, Deter fez novos contatos com
XIX, sendo retomada por iniciativa de Arthur
líderes nacionais e missionários americanos, visado
Beriah Deter, outro missionário estadunidense que
concretizar o sonho de uma organização que (re)
exerceu influência nas atividades desenvolvidas
unisse os batistas brasileiros.
no Estado do Paraná. Ao escrever sobre mais

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UNIDADE 03
Outra resistência à criação da Convenção Batista promovendo as práticas cristãs entre os brasileiros.
surgiu da posição de um dos líderes de maior Naquela ocasião, os batistas criaram as duas juntas
destaque no contexto nacional, que foi o pastor missionárias que permanecem em atuação até hoje:
Francisco Fulgêncio Soren, cujo episódio ficou assim a Junta de Missões Nacionais e a Junta de Missões
narrado: “um outro obstáculo surgiu: Francisco Estrangeiras, atualmente conhecida como Junta
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

Fulgêncio Soren, o grande líder nacional, pastor de Missões Mundiais. Além dos textos impressos,
da maior igreja. Soren tinha o mesmo pensamento os batistas passaram a associar algumas imagens
de Entzminger: a fazer-se uma Convenção, deveria às suas atividades religiosas, como analisaremos a
ser somente de missionários”, (PEREIRA, p. 141). seguir.
A. B. Deter não se deu por derrotado e passou
a escrever para líderes nacionais e missionários Neste capítulo, optamos por três imagens que
estadunidenses, buscando novo apoio para criar sugerem o posicionamento e o pensamento dos
uma convenção nacional. batistas no Brasil. A primeira imagem remete à
compreensão dos batistas sobre o meio ambiente,
Finalmente, após contatos e apoios assegurados, dentro de uma campanha promovida pelo
as barreiras que ainda restavam foram superadas, Departamento de Ação Social da CBB. As duas
e as resistências vencidas, abrindo caminho para imagens seguintes estão associadas às Juntas
a organização da Convenção Batista Brasileira Missionárias. Elas foram escolhidas porque
(CBB). Como resultado dos esforços de A. B. representam parte do pensamento missionário dos
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Deter e de outros que desejavam constituir uma batistas na atualidade. O quarto discurso apresenta
organização nacional para os batistas, “a comissão ao povo brasileiro a preocupação dos batistas com
promotora já havia decidido que a Convenção a preservação da criação de Deus.
deveria ser em 1907, quando transcorriam os
primeiros vinte e cinco anos do início do trabalho Três aspectos podem ser percebidos nas imagens
batista no Brasil e na Bahia”, (PEREIRA, p. 141). a seguir: a) movimento ou ação; b) cores utilizadas
Após a constituição da CBB em 1907, os batistas para compor o conjunto do cartaz, e c) a relação
brasileiros passaram a produzir diversos textos e entre as imagens aplicadas e texto.
documentos, divulgando a sua forma de pensar e

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UNIDADE 03
27Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

Fonte: Convenção Batista Brasileira.


Disponível em: <http://batistas.com/acao_social/Cartaz_dia_de_Acao_
Social_2011.jpg>

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UNIDADE 03

O discurso dos Batistas sobre ação social


Podemos perceber alguns elementos na construção
discursiva dos batistas no Brasil, a partir dessa
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

primeira imagem, publicada pela Convenção


Batista Brasileira. Trata-se de uma promoção do
Departamento de Ação Social, relacionando a vida
do cristão ao meio ambiente.
Pelo que vimos anteriormente, observamos que
se trata de uma mensagem da Convenção Batista
Brasileira direcionada aos batistas em todo o Brasil.
Diferentemente do documento que está no final
deste capítulo (Carta Aberta ao povo brasileiro),
o material publicado pela CBB visa mobilizar os
membros da denominação no sentido de alcançar
uma consciência mais comprometida com o meio
ambiente. Assim, quem produz o discurso é a CBB,
mas quem vai recebê-lo são os batistas.
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Algo que merece ser destacado também é a


associação com a vida religiosa ou espiritual a uma
tomada de posição consciente com relação ao meio
ambiente, onde vivem todas as pessoas, tanto no
Brasil quanto além das fronteiras territoriais. Neste
sentido, vida cristã e participação social associam-se,
pois além de se preocupar com a alma, os batistas
demonstram uma preocupação com o ambiente
físico. Assim, a mensagem transmitida remete a
uma denominaçõa religiosa que se preocupa com a
“vida plena”, mas também com o “meio ambiente”.
Com relação à imagem, que ocupa o centro
do cartaz, podemos perceber as mãos unidas,
apoiando com cuidado a frágil vegetação, que
demonstra potencial para crescer, mas que ainda
está muito tenra. Não temos uma árvore frondosa, Fonte: Convenção Batista Brasileira.
bem firmada no solo, capaz de resitir aos impactos
do manejo humano, apresentando os seus bons Disponível em: <http://www.
frutos. Temos uma pequena espécie, colocada nas elestambemprecisam.org.br/>
mãos dos seres humanos, que se constituem em
guardadores deste meio ambiente onde vivem.
Finalmente, uma certa névoa que está nas
estremidades do cartaz vai desaparecendo
gradativamente para dar lugar a um foco muito
nítido, revelando a beleza da natureza ainda em
crescimento. O verde, em várias tonalidades na
imagem, remente à natureza, que está nas mãos das
pessoas, inclusive dos batistas no Brasil, também
responsáveis pelo meio ambiente, sem se descuidar
da vida plena, alcançada em Jesus Cristo.

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UNIDADE 03
O discurso dos Batistas sobre missões no mundo
Podemos perceber outros elementos na construção qualquer nação ou indivíduo, está a lembrança da
discursiva dos batistas no Brasil, a partir da existência e possibilidade da “a graça do Pai”. A cor

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


propaganda sobre as atividades desenvolvidas além que preenche toda a imagem pode remeter àquilo
das fronteiras. que é precioso, como pode lembrar a luminosidade,
em oposição às trevas que alcançam pessoas em
A imagem anterior remete à campanha de Junta todo o mundo. Portanto, preciosa é a graça do
missionária dos batistas, proposta para 2011, tendo Pai oferecida a todas as pessoas, como tal graça
como objetivo principal compartilhar a mensagem manifesta-se na luz, em oposição às trevas.
do Evangelho com aqueles que fazem parte de outras
culturas e que necessitam da graça de Jesus Cristo. A ênfase discursiva repousa nas seguintes palavras:
Essa campanha foi pensada objetivando mobilizar “eles também precisam da graça do Pai”. As duas
os membros das igrejas locais, despertando-os para palavras que aparecem em relevo são: “eles” e
que se envolvessem com o trabalho missionário “graça”. No discurso, não se identifica quem são
entre os povos. “eles”, mas “eles” está em destaque. Em destaque
também está a palavra “graça”, indicando ao
Visualmente, a imagem publicada pela CBB pode leitor do cartaz que a graça é o grande elemento
ser dividida em duas partes, sendo que o desenho, disponível a todas as pessoas, que vem direto do Pai

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sem qualquer slogam, ocupa toda a parte superior, das Luzes. Mas, embora permanecendo em aberto,
ficando a legenda para toda a parte inferior. A sabe-se que “eles” precisam do Pai e de sua graça
imagem superior não remete a qualquer povo amorosa.
especificamente, pois não é capaz de identificar,
enquanto símbolo, qualquer nacionalidade. Essa Enfatizou-se, ainda, que esta graça do Pai
imagem, que ocupa o espaço superior, não indicando disponibilizada a eles também foi oferecida aos
um determinado país ou povo, complementa-se batistas. Como nós precisamos, eles também
com o texto que encontra-se na base da imagem. precisam da graça do Pai. Assim, todos são carentes
Na base da imagem, como também na base de da graça de Deus.

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UNIDADE 03
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia
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Fonte: Convenção Batista Brasileira.


Disponível em: <http://batistas.com/acao_social/Cartaz_dia_de_Acao_
Social_2011.jpg>

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UNIDADE 03
O discurso dos Batistas sobre missões no Brasil
Ao contrário da imagem veiculada pela Junta não há motivos para prosseguir na caminhada da
de Missões Mundias, indicando a graça do Pai a vida. Essas pessoas, em maior número, estão entre

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


todos os que desejarem recebê-la, dando, pela cor as duas que seguem o seu caminho, uma mais
utilizada, uma ideia de preciosidade e luminosidade, confiante, que segue na frente, enquanto a outra,
a imagem 03, vista anteriormente, utiliza mais o na parte esquerda da imagem, parece seguir o seu
sombrio colocando as pessoas no centro da imagem. caminho com maior dificuldade.
Se na primeira imagem temos as mãos sustentanto
uma planta em desenvolvimento, e se na segunda A grande e primeira expressão “feliz” está
imagem não temos parte ou figura humana alguma, acompanhada de uma exclamação e de uma
nessa imagem em análise nos deparamos com a interrogação. A imagem deixa com o leitor do
reprodução de pessoas, mas em condições adversas. cartaz uma dúvida, que cada um deve responder,
após uma sincera reflexão: Feliz! Feliz? Vendo o
Há na imagem um certo movimento representado cartaz, o que eu penso sobre a minha vida e sobre
pela pessoa que quase sai do quadro; mas há a vida daqueles que ocupam a cidade onde moro?
também estagnação, representada pelas pessoas que Somos felizes com o estilo de vida que temos e com
não podem ser identificadas, pois não percebemos as escolhas que fazemos?
o semblante delas. Há um aparente sorriso,

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interpretado na fisionomia da pessoa em destaque, Ao redor das pessoas inseridas na imagem, tudo é
que pode indicar a possibilidade de felicidade; mas as mais sombrio, conquanto haja uma luminosidade,
outras pessoas estão fragilizadas e não demonstram que se reflete na pessoas do cartaz. Se a palavra
emoções como alegria, felicidade, contentamento “feliz” foi destacada na parte superior da gravura, na
ou realização. parte inferior, mas também em destaque, podemos
ler: “por um Brasil – verdadeiramente – feliz”, pois
Para as duas pessoas que estão erguidas, e seguem o povo deste país pode não ser, de fato, um povo
o seu caminho, existe um número maior de pessoas feliz.
prostradas, acomodadas, dando a ideia de que

O discurso dos Batistas no documento nomeado “Carta de Niterói”


Quando os batistas da Convenção Batista Brasileira Carta de Niterói
se reuniram na cidade de Niterói (91ª Assembleia
Nós, batistas brasileiros, reunidos na cidade de
da Convenção Batista Brasileira), além das inúmeras
Niterói (RJ), em janeiro de 2011, CREMOS que
deliberações administrativas, também produziram o Universo e o ser humano foram criados por
um documento chamado Carta de Niterói, tratando Deus para a sua glória; a vida e o Universo, em
da preservação da natureza e compreendendo-a todos os sentidos, foram dados ao ser humano
como uma das criações de Deus. Não se trata de como um presente de Deus; o Universo foi dado
um documento individual, elaborado e publicado ao ser humano para a sua morada, sustento e para
por um batista, ligado a alguma igreja local, o desenvolvimento de sua história de vida; o ser
posicionando-se sobre a natureza. Trata-se de humano foi criado como um ser livre, mas, ao
uma Carta Aberta a toda a população, informando mesmo tempo, dependente da soberania de Deus;
o pensamento de uma coletividade religiosa e a Deus delegou ao ser humano a gestão sábia,
criativa e sustentável de sua vida e da natureza;
sua posição sobre o meio ambiente. Mais do que
depois da queda e rebeldia após a criação, o ser
considerar a importância da criação de Deus, os humano desvirtuou-se dos propósitos divinos
batistas posicionaram-se em prol da preservação da da criação e passou a gerir sem sabedoria a sua
criação de Deus. vida e a natureza, sem se preocupar com a sua
sustentabilidade; que o Evangelho de Jesus
Vamos ver o pensamento batista sobre a criação Cristo traz não somente a restauração espiritual
de Deus, a partir de um documento publicado pela do ser humano, mas uma nova vida e esperança à
Assembleia da CBB: humanidade; que os ideais do Evangelho de Jesus
Cristo recuperam os ideais originais da criação

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UNIDADE 03
reconciliando-a com o Criador. Neste sentido, em todos os níveis, lutem contra a inépcia,
DECLARAMOS que ao longo da história, o a corrupção, o imediatismo, estabelecendo
ser humano ultrapassou os limites da gestão legislação sábia, séria e respeitosa à vida humana,
sustentável da natureza e que, por conta dessa à preservação e ocupação do meio ambiente; as
atitude, o Planeta Terra está em perigo; já não é autoridades assumam com seriedade o papel de
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

possível mais o ser humano continuar a ser um agente fiscalizador do uso sustentável da natureza
consumidor da realidade, da vida e do Planeta de modo a preservar também a vida humana,
Terra; os dilemas ambientais e ecológicos não evitando assim os desastres ambientais como os
afetam apenas o cosmos, mas também a natureza que ultimamente temos sofrido. Tudo isto para
humana e, neste sentido, o ser humano como que conquistemos a VIDA PLENA E O MEIO
um micro-cosmo também tem prejudicado AMBIENTE. Niterói (RJ), 91ª Assembléia da
a sua saúde física, mental-emocional, social e Convenção Batista Brasileira, 25 de janeiro de
espiritual pelo inconsequente e imediatista estilo 2011. Comissão da Carta de Niterói. Mere Márcia
de vida adotado; os cristãos, em geral, têm se Prado Bello; Norton Riker Lages e Lourenço
preocupado mais com a redenção espiritual do Stelio Rega (relator), (CONVENÇÃO BATISTA
ser humano, nem sempre considerando o ser BRASILEIRA. Disponível em: <http://www.
humano e a vida em todos os seus aspectos. batistas.com/index.php?option=com_content&
Por fim, CONCLAMAMOS que os cristãos view=article&id=457:conheca-a-carta-de-niteroi
de toda a Terra busquem compreender que o &catid=24:artigo3&Itemid=42>).
Evangelho todo é para todo o ser humano e para
o ser humano todo, incluindo a sustentabilidade
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da vida humana e da natureza; cada ser


humano assuma o compromisso de cuidar com A construção discursiva acima pode ser dividida
sabedoria, criatividade e sustentabilidade de sua em três grandes ênfases: a) “cremos”, que foi a
vida, de seus relacionamentos e da natureza; palavra utilizada pelos batistas para reafirmarem
os empresários assumam o compromisso de as suas convicções; b) “declaramos”, quando
participar da preservação do ambiente em a denominação religiosa tornou público o seu
seus mais variados aspectos – social, ecológico, pensamento sobre o aproveitamento e conservação
distribuição justa de bens e oportunidades para do meio ambiente; e c) “conclamamos”, momento
todos; os empreendimentos imobiliários sejam quando o documento procurou o apoio e a
planejados e executados de modo a preservar o
participação dos leitores ou ouvintes do texto em
meio ambiente e a transformar o Planeta Terra
análise. Tem-se, portanto, não o pensamento de um
numa habitação segura para a vida humana; que a
educação ambiental e para a vida seja incluída na ou mais batistas sobre determinado assunto, mas o
formação do sujeito histórico desde a sua infância posicionamento de toda uma coletividade sobre o
em nossa Nação. As autoridades governamentais, assunto.

Considerações Finais
Ao concluirmos nossas reflexões sobre a em capítulos anteriores, a Análise do Discurso
construção discursiva dos batistas ligados à CBB, procura compreender, tanto aquele que se propõe
partindo de três imagens e um discurso textual, uma mensagem quanto aquele que a recebe e a
podemos fazer as seguintes considerações: interpreta, e c) as interpretações realizadas partem
a) as imagens e o documento sobre meio da minha subjetividade, permitindo outros focos
ambiente foram publicados por uma instituição de análise e compreensão, não existindo uma
denominada Convenção Batista Brasileira, única e verdadeira apropriação dos elementos
formada pelos batistas que livremente desejam constitutivos das imagens publicadas e analisadas
congregar na instituição; b) como consideramos

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UNIDADE 03
Atividades

Indicações Culturais

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Indica-se o site da Convenção Batista Brasileira, Neste site, o aluno ou a aluna podem identificar
que pode ser acessado a partir de: <WWW.batistas. outros discursos produzidos pelos batistas, nas
com>. Acesso em 10/07/2011. variadas áreas de atuação religiosa, a partir de
imagens publicadas.

Atividade de Auto-avaliação

Identifique, em cada uma das quatro questões a seguir, a única alternativa correta.
1. Que organização batista produziu imagens que permitem uma análise discursiva?
a) Convenção Batista Paranaense.
b) Conselho de Educação da Convenção Batista Brasileira.
c) Convenção Batista Brasileira, organizada em 1907.

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d) Nenhuma das alternativas anteriores.

2. Existem, pelo menos, três elementos que podem ser percebidos no estudo das imagens.
Quais são?
a) Quando foi publicada, qual o custo da publicação e tempo de circulação do cartaz.
b) Movimentos e ações, cores utilizadas e a relação entre imagens e textos.
c) Quem escreveu o texto, quem cuidou das imagens e quem editou o cartaz.
d) Todas as respostas anteriores.

3. Neste capítulo, vimos que os batistas discursaram sobre alguns temas, utilizando, inclusive,
algumas imagens. Quais foram os temas?
a) Economia, segurança pública e ética cristã.
b) Vida cristã e meio ambiente; a graça do Pai dispensada a todos; a verdadeira felicidade para
o Brasil, e o cuidado e a preservação da criação de Deus.
c) Administração do tempo e dos bens materiais, trabalho comunitário e política brasileira.
d) Compromisso cristão, dons espirituais e participação nas assembleias administrativas da
CBB.

4. O discurso batista sobre o cuidado e a preservação da criação de Deus pode ser dividido em
três partes. Quais são essas partes?
a) Introdução, desenvolvimento e conclusão, dando ênfase à pregação no púlpito da igreja.
b) Contexto bíblico, aplicação prática e apelo aos leitores.
c) O discurso apresenta três ênfases: a) cremos, b) declaramos e c) conclamamos.
d) O pregador, a mensagem e o ouvinte.

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UNIDADE 03

Questão de Reflexão
Foi possível perceber que uma denominação religiosa (no caso os batistas no Brasil), ocupou-se dos mais
diversos temas: vida plena e meio ambiente; salvação oferecida aos que aceitam a graça do Pai; felicidade
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

verdadeira em Jesus Cristo. O que você acha sobre compartilhar as verdades bíblicas utilizando-se de
imagens? Qual o impacto dessas imagens na vida das pessoas?

Atividade de Aplicação
Procure em revistas confessionais utilizadas na EBD ou discipulados (literatura batista, presbiteriana,
entre outras) imagens que comuniquem algumas verdades bíblicas ou teológicas. Faça uma análise de tais
imagens e perceba o discurso que está associado às imagens.
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UNIDADE 04
Um documento Batista: uma proposta de análise
do discurso

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Introdução
A presente aula propõe a compreensão de um com os desdobramentos sociais, solicitando o apoio
documento produzido pelos batistas da Convenção das autoridades constituídas no sentido de zelar
Batista Brasileira (CBB), datado de 1980. Trata-se pelos valores éticos e morais de toda a sociedade.
de um texto elaborado e aprovado pelos batistas Assim, esta aula busca compreender a produção
brasileiros, produzido no contexto de uma de um documento elaborado num contexto
Assembleia Anual da CBB, e encaminhado ao religioso, utilizando-se da Análise do Discurso para
Presidente da República, o General João Batista de o entendimento dos pontos mais relevantes ali
Figueiredo, durante o regime militar instaurado no mencionados.
Brasil. O texto indica as inquietações dos batistas

Um período importante para os Batistas

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Entre janeiro de 1974 e janeiro de 1985, os batistas número elevado de mensageiros, pois naquele ano
estiveram reunidos em onze grandes encontros os batistas completaram o seu primeiro centenário
nacionais, conhecidos como Assembleia Anual de atividades no Brasil, segundo a datação oficial da
da Convenção Batista Brasileira. Naquele mesmo denominação naquele momento, sendo um marco
período, a sociedade brasileira acompanhou as histórico na trajetória do grupo religioso.
transformações sociopolíticas efetuadas num Brasil
sob o regime militar. Este período (1974-1985) O documento em destaque foi elaborado por
pode caracterizar a segunda metade de tal regime, uma comissão especial e aprovado pelos batistas
sobretudo, marcado pela abertura ao processo que participavam da 62ª Assembleia Anual, entre
democrático. Foi no contexto das onze Assembleias os dias 22 e 27 de janeiro de 1980, na cidade de
Anuais da Convenção que vários documentos Goiânia – GO. Como dito na introdução desta
relevantes foram produzidos pelos batistas e aula, o texto selecionado para a análise discursiva
legitimados pelo plenário da CBB. A proposta do tinha como endereço o Gabinete do General João
presente trabalho/aula é analisar, de acordo com Batista Figueiredo, na condição de Presidente
a abordagem da Análise do Discurso (AD), um da República. Considerando que aquele era um
determinado texto, sobretudo, porque ele remete momento de transição política, quando o país teria
a uma tentativa de contato com o poder político em Figueiredo o seu último Presidente dentro
instituído. do regime militar, o texto dos batistas mostra-se
relevante para a historiografia da denominação.
Objetivamos, então, compreender a produção desse Considerando, ainda, que os batistas estavam às
determinado texto, elaborado por uma denominação vésperas de completar o seu primeiro centenário
cristã, e endereçado ao representante do Poder de atividades no Brasil (1882-1982), segundo
Executivo nacional. Buscando entender o contexto registros oficiais, o discurso apresenta-se como um
das Assembleias da CBB, vamos a algumas breves objeto valioso na compreensão da produção de
considerações sobre aqueles eventos. Entre 1974- textos pelos batistas no Brasil, considerando temas
1985, de acordo com os Anais da CBB, percebe- como poder político e filosofia moral, no início da
se que foi a 58ª Assembleia Anual (Manaus, 1976) década de 1980. Três teóricos que trabalharam com
que registrou o menor número de mensageiros questões sobre formação discursiva, e já citados em
participantes, num total de 838 inscritos. Por outro aulas anteriores, podem auxiliar na compreensão
lado, nota-se que o evento que registrou o maior do texto produzido pela coletividade batista: José
número de mensageiros foi a 64ª Assembleia Fiorin, Dominique Maingueneau e Eni Orlandi.
Anual, realizada em Salvador, no ano do chamado Cabe lembrar que esta aula tem como objetivo
Centenário dos Batistas no Brasil (1982), contando principal compreender a produção discursiva dos
com 6.020 mensageiros inscritos. Justifica-se um batistas, num determinado momento sociocultural,

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UNIDADE 04
não considerando a análise da recepção desse decisões coletivas. Esta noção nasce da distinção
mesmo texto, que seria outro estudo, empreendido entre as decisões provenientes de uma coletividade
por um viés distinto. e as decisões individuais”, (BOBBIO, 2002,
vol. 1, p. 309). Ao indicarmos os três conceitos
Inicialmente, desejamos introduzir nesta aula anteriores, pretendemos apontar o caminho que
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

três conceitos que estão relacionados tanto à será percorrido quando do desenvolvimento desta
política quanto à religião. O primeiro conceito está análise discursiva, não existindo, na presente aula,
relacionado ao poder político, pois a expressão a intenção de aprofundar a discussão sobre os
política traz um significado bastante amplo em seus significados destes e de outros conceitos
seu sentido clássico-moderno. O conceito é apresentados.
importante, pois o texto foi elaborado tendo em
vista o Presidente da República no Brasil, como O importante na análise do discurso é compreender
também parte do seu conteúdo. Assim, a expressão o caminho que um discurso percorreu até a sua
poder político, aplicada aos textos produzidos pela elaboração e publicação. Assim, o documento que
CBB, “pertence à categoria do poder do homem serve como objeto para esta análise percorreu uma
sobre outro homem, não à do poder do homem determinada trajetória, até ser apresentado como
sobre a natureza”, (BOBBIO, 2002, vol. 2, p. 955). proposta ao plenário da Convenção, sendo lido e
O segundo conceito é o de política eclesiástica, aprovado na décima quarta sessão, permanecendo
sendo que a expressão caracteriza “as relações entre registrado nas atas daquele evento. Os pontos
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a sociedade civil e a sociedade religiosa”, (BOBBIO, que serão tratados no presente trabalho/aula
2002, vol. 2, p. 967), algo que pode ser aplicado ao são os seguintes: a) uma breve contextualização
texto em análise, pois uma denominação religiosa do momento sociopolítico entre 1974-1985; b)
parece solicitar algumas respostas do poder alguns detalhes sobre a origem do documento; c)
constituído, agindo sobre alguns acontecimentos a apresentação do discurso na íntegra, de acordo
no início da década de 1980. O terceiro conceito com os anais da 62ª Assembleia Anual, e d) propor
é o da teoria das decisões coletivas, sendo que “o um exercício de análise do discurso, a partir das
ponto de partida desta teoria é o da noção das reflexões de determinados teóricos.

Uma breve contextualização (1974-1985)


Partimos do pressuposto que toda análise do presidencial de Geisel (1974-1979), tendo como
discurso deve considerar: a contextualização de objetivo maior o desenvolvimento humano e da
seu objeto, como tratado em aulas anteriores, pois sociedade brasileira, dentro de uma atmosfera
o discurso não existe por sim mesmo. Então, vale ufanista de reconstrução nacional. No decorrer
a pergunta: em que contexto o documento, ou o do governo que sucedeu Geisel, sob a presidência
discurso produzido pelos batistas brasileiros em do general João Batista Figueiredo (1979-1985),
1980, foi elaborado, tomando como referência o a hierarquia católica no Brasil produziu um
momento sociopolítico entre 1974-1985? Dois documento sobre segurança nacional. Comentando
estudiosos nos ajudam nessa breve contextualização. o período que marcou os primeiros movimentos em
Segundo Evaldo Vieira, autor do texto Brasil: do golpe favor da redemocratização nacional, Evaldo Vieira
de 1964 à redemocratização, o país experimentava o que citou o presidente Figueiredo e sua compreensão
se chamou de milagre brasileiro, ou Brasil Grande, sobre a participação da Igreja Católica naquele
ou ainda milagre econômico. Foram cunhadas processo: “Não tinha atitude distinta com relação
expressões e palavras de efeito para dar sentido a à Igreja Católica: ‘A Igreja produziu recentemente
um momento de transição sociopolítica, quando um documento sobre segurança nacional. Partindo
as instâncias administrativas, e também de poder dessa constatação, eu poderia achar natural que
político, estavam sob o regime militar, desde 1964. o Alto Comando se reunisse e produzisse um
Foi no início do governo do Presidente Ernesto documento sobre teologia’”, (VIEIRA, 2000, p.
Geisel que foi lançado o segundo Plano Nacional 204). É interessante observar que o documento
de Desenvolvimento, ou PND. produzido pelos batistas em 1980 aborda, inclusive,
a questão de segurança social e construção de toda a
O plano foi executado durante o período nação brasileira, como se notará na sequência.

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UNIDADE 04
Para o pastor batista Israel Belo de Azevedo, após ordem social e política.
o populismo dos anos 1930-1962, instalou-se
no Brasil, a partir de 1964, o que ele chamou de Assim, pode-se entender que a década de 1980
“intervencionismo militar.” (AZEVEDO, 1980, marcou um retorno à democracia, não apenas no
p. 26-27). Entre a década de 1960 e 1980, alguns Brasil, mas em boa parte das sociedades latino-

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


fatos marcaram parte da história política de alguns americanas. O Brasil, então, acompanhou, como
países que formavam a América Latina. Alguns também participou, do movimento sociopolítico
exemplos: em 1964, houve o Golpe de Estado no pelas eleições diretas para cargos públicos,
Brasil; dois anos depois (1966), houve o Golpe de principalmente para a Presidência da República. O
Estado na Argentina; em 1968, foi a vez do Peru, processo de redemocratização nacional seguiu o seu
que também sofreu um Golpe de Estado; no Chile, rumo durante toda a década de 1980, permitindo
o Governo Socialista assumiu o poder em 1970, e aos brasileiros ver o seu primeiro presidente civil
em 1973, aconteceu um Golpe de Estado; em 1974, assumir o Poder Executivo, depois de duas décadas
o Uruguai sofreu um Golpe de Estado; no ano de de regime militar. É nesse contexto histórico
1976, a Argentina sofreu outro Golpe de Estado; e que os batistas vão elaborar um texto, decidindo
entre 1979-1980, aconteceu uma sucessão de Golpes encaminhá-lo ao presidente Figueiredo.
militares na Bolívia; entre outros movimentos de

37
A origem de um documento Batista
Para ajudar na compreensão da produção do os seus membros se dirijam por telegrama aos
documento de 1980, podemos recorrer a um Deputados Estaduais e Federais, aos Governadores
volume dos anais da CBB, datado de 1978. Naquela de seus respectivos Estados e ao Presidente da
Convenção, realizada entre os dias 19 e 25 de janeiro República, solicitando dos mesmos as medidas
de 1978, na cidade de Recife, dois assuntos foram acima propostas”, (ANAIS DA 60ª ASSEMBLÉIA
encaminhados à Comissão de Assuntos Eventuais: ANUAL DA CBB, 1978, p. 331).
o primeiro assunto tratava da Lei do Divórcio,
revelando pontos de vista divergentes em relação à Parece que os batistas já demonstravam certa
posição dos batistas diante da lei que estava sendo inquietação sobre a postura administrativa federal,
aprovada pelas autoridades legislativas; o segundo e isso desde o final do governo Geisel. De alguma
assunto considerado pelos participantes do evento forma, essa inquietação se concretizou no documento
foi propor “a esta Assembléia que encaminhe produzido em 1980, quando da 62ª assembleia
ao Sr. Presidente da República um documento convencional. Para traduzir o pensamento de uma
solicitando-lhe medidas governamentais para coibir coletividade religiosa, foi composta uma comissão
a continuação e o crescimento da pornografia, bem especial, formada de 06 (seis) mensageiros inscritos,
como a propaganda de cigarros e bebidas alcoólicas eleitos pela assembleia, visando à produção do
através de rádio e da televisão, (ANAIS DA 60ª texto a ser endereçado ao presidente do Poder
ASSEMBLÉIA ANUAL DA CBB, 1978, p. 330- Executivo. Os componentes da comissão foram:
331). Irland P. Azevedo; Nilson Fanini; Delcyr Lima;
José dos Reis Pereira; Eber Vasconcelos e Ebenezer
O primeiro assunto, que tratava da posição sobre Ferreira. Dos seis integrantes da comissão, quatro
a Lei do Divórcio, foi encaminhado ao plenário haviam ocupado cargos na diretoria estatutária da
pela comissão, evocando o princípio da liberdade Convenção, na função de presidente ou secretário.
de consciência dos batistas, e suas comunidades Outro integrante da comissão ocupou a tribuna na
locais, que deveriam assumir a posição que qualidade de orador oficial de uma das assembleias
melhor representasse o pensamento da igreja anuais. E o único que não ocupou cargo na
local. O segundo assunto, referente ao pedido a diretoria da CBB foi um destacado líder dos batistas
ser encaminhado ao Presidente da República, teve brasileiros. Era uma comissão composta de pessoas
uma melhor acolhida pela comissão, que assim se de reconhecimento e prestígio no meio batista, no
posicionou sobre o tema: “somos de parecer que início daquela década.
esta Assembléia solicite à Junta Executiva enviar
circular a todas as igrejas sugerindo que elas e todos

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UNIDADE 04

O discurso aprovado pelos Batistas


A seguir, reproduzimos o texto elaborado e das causas e estímulos principais dos assaltos e
aprovado pelos batistas, tratando de temas sobre agressões à ordem pública em que se salientam
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

poder político e filosofia moral, que deveria ser particularmente os adolescentes e jovens. Por
encaminhado ao Presidente da República, o general outro lado, as situações cada vez mais freqüentes
de imoralidade na televisão, em certas publicações
João Batista Figueiredo:
ilustradas e expostas ao público nas bancas de
DOCUMENTO sobre moralidade pública, a jornais e a avalancha de livros pornográficos à
ser encaminhado ao Exmo. Snr. Presidente da venda nas livrarias concorrem para rebaixar e
República, conforme decidido pela Convenção desfibrar o caráter dos expectadores e leitores e
em sua 62 ª Assembléia: ‘MANIFESTO – O criar um clima de permissividade em que tudo
Pr. Delcyr de Souza Lima lê o Manifesto a ser é tolerado, em flagrante desrespeito às tradições
levado ao Presidente da República, hipotecando de nobreza e honradez do povo brasileiro, pondo
todo o apoio dos batistas brasileiros às medidas em risco a integridade da família e a própria
que estão sendo tomadas contra toda a sorte segurança do País. Porque, Senhor Presidente,
de imoralidade, criminalidade e sua divulgação sem sólidos fundamentos morais não há nação
através dos meios de comunicação. O documento que subsista. Convencidos de que o povo
é aprovado. (Ata da 14ª Sessão). brasileiro tem em Vossa Excelência um autêntico
guardião, manifestamos nossas apreensões mas,
38

Excelentíssimo Senhor General João Batista ao mesmo tempo, esperamos que o Governo
de Figueiredo, M. D. Presidente da República venha a tomar ou determinar as providências
Federativa do Brasil – Brasília, DF. tendentes a coibir os abusos daqueles que,
deslembrando ou mal interpretando os altos
Como líderes da Convenção Batista Brasileira,
ideais de Vossa Excelência no decorrer de seu
vimos à presença de Vossa Excelência para
Governo, estão a implantar em nossa terra o
manifestar, antes de tudo, nossa disposição
império da imoralidade e da violência. Nosso
de orar por Vossa Excelência e seu Governo,
progresso, nossa grandeza e nosso futuro no
como sempre fizemos e em observância do que
concerto das nações dependem da base moral
ensinam as Sagradas Escrituras. Reunida em
em que se assente a vida da nacionalidade. O
sua 62ª Assembléia Anual, nos dias 23 a 27 de
testemunho da história dá-nos conta de que
janeiro do corrente ano, na Cidade de Goiânia,
a imoralidade prevalecente na Sociedade tem
como 1.600 mensageiros inscritos e procedentes
produzido efeitos mais desastrosos do que
de todos os Estados da Federação, uma vez mais
inimigos armados na destruição dos povos.
os batistas dirigimos a Deus orações em favor
Senhor Presidente, a dois anos do 1º centenários
de Vossa Excelência e de todo o seu Governo.
da 1ª Igreja Batista no Brasil, que soma hoje
Os batistas caracterizamo-nos pela simplicidade
mais de 3.000 comunidades de fé, os batistas
de costumes, fidelidade às Sagradas Escrituras e,
brasileiros estamos anunciando que Só Jesus
conseqüentemente, pelo respeito às autoridades
Cristo Salva, tanto o indivíduo como a família,
constituídas, pelas quais constantemente oramos
a nação e os valores superiores do espírito. Nas
e às quais honramos, convencidos de serem elas
igrejas, nas fábricas, nas cátedras, nas tribunas, na
instituídas pela providência de Deus. Como
cidade ou no campo proclamamos e procuramos
povo ordeiro estamos perfeitamente integrados
viver, como súditos do Reino de Deus e cidadãos
no esforço de construção da grandeza de nossa
comprometidos com a nossa Pátria, as verdades
Pátria, no que estamos persuadidos que Vossa
supremas do Evangelho de nosso Senhor Jesus
Excelência também se engaja como Chefe da
Cristo. É com tais convicções, propósitos e
Nação. Julgamos, portanto, de nosso dever
compromissos, que sabemos se harmonizam
dirigir-lhe u’a mensagem a respeito dos grandes
com os propósitos que animam e informam o
males que estão a ameaçar o povo brasileiro.
Governo de Vossa Excelência, que os batistas
É do conhecimento de Vossa Excelência,
brasileiros resolvemos dirigir-lhe esta mensagem,
Senhor Presidente, que uma onda avassaladora
ao mesmo tempo que lhe hipotecamos todo o
de imoralidade se vem abatendo sobre o País
apoio moral e espiritual. ‘Bem-aventurada é
inteiro e se manifesta especialmente na televisão
a nação cujo Deus é o Senhor’, Salmo 33:12.
e em certa imprensa cujo único intento parece
Respeitosamente, pela Convenção Batista
ser a poluição moral da gente brasileira. Na
Brasileira, Irland Pereira de Azevedo, Nilson
televisão, as cenas de violência contam-se pelas
do Amaral Fanini, Delcyr de Souza Lima, José
centenas diariamente e são, a nosso ver, uma

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UNIDADE 04
dos Reis Pereira, Eber Vasconcelos, Ebenezer
Soares Ferreira, (ANAIS DA 62ª ASSEMBLÉIA
ANUAL DA CBB, 1980, p. 05-06).

Uma proposta de análise do discurso

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Naquela ocasião (1980), os batistas reconheciam que foram produzidos levando em conta os movimentos
a organização da primeira igreja no Brasil, voltada sociais e os desdobramentos políticos no país.
para os brasileiros, datava de 15 de outubro de Dessa forma, as teses de que os discursos são,
1882, quando cinco pessoas se tornaram membros também, resultados das produções sociais aplicam-
fundadores, fruto de uma reunião na cidade de se aos batistas brasileiros, inseridos na sociedade
Salvador, no Estado da Bahia. Já a organização desde o século XIX. Nesse sentido, determinado
da Convenção Batista Brasileira é de junho de discurso seria uma expressão dos vários processos
1907. Isso leva a uma conclusão preliminar: discursivos produzidos numa época. No caso
existem textos e documentos que são produzidos em análise, percebemos um contexto histórico
pelas igrejas batistas locais, como também pela marcado por mudanças na ordem social brasileira,
coletividade denominacional, tratando de questões onde a ameaça comunista ainda estava presente,
de ordem social e filosofia moral. Alguns desses pelo menos no imaginário de algumas instituições,
textos, produzidos pelas igrejas locais, são pouco inclusive religiosas.

39
conhecidos pelo público em geral, ficando restritos
aos livros de atas das mesmas, conservando uma Se por um lado o discurso verbal revela uma fala
história importante sobre a religiosidade no Brasil. “rigorosamente individual, pois é sempre um eu
Os textos e documentos da CBB podem ser datados quem toma a palavra e realiza o ato de exteriorizar
do início do século XX, mais especificamente, a o discurso”, (FIORIN, 2000, p. 11), o discurso
partir de 22 de junho de 1907, quando a organização impresso, produzido por alguns e aprovado pela
passou a congregar e coordenar as atividades de maioria, pode revelar a instância ou instituição
uma coletividade religiosa. A Convenção Batista que toma a palavra e expressa as suas intenções.
Brasileira não tem poder de ingerência sobre as Por isso, é possível dizer que o texto não indica a
igrejas locais, constituindo-se de uma organização aprovação dos batistas ao pleno exercício do poder
que busca coordenar as atividades da denominação político instaurado, mas uma postura no sentido de
cristã. interceder a Deus pelas autoridades constituídas,
como o discurso indica. Mas cabe uma pergunta,
Para compreender a essência da CBB naquele a partir do discurso: como os batistas entendiam
período (1980), pode-se recorrer ao seu Estatuto, o presidente como “um autêntico guardião”?
que dizia: Em seu apoio à figura de autoridade constituída
pelo Presidente Figueiredo, pode-se dizer que os
Capítulo II – Fins e Representação. Art. 3° - A
batistas esperam que “o Governo venha a tomar
Convenção tem por fim coordenar o trabalho
geral das igrejas batistas que com ela cooperam, ou determinar as providências tendentes a coibir
buscando desenvolver a obra da evangelização e os abusos daqueles que, deslembrando ou mal
missões, a beneficência, a educação e a literatura interpretando os altos ideais de Vossa Excelência
cristã. § Único – A convenção não exerce poder no decorrer de seu Governo, estão a implantar em
jurisdicional ou legislativo sobre as igrejas; apenas nossa terra o império da imoralidade e da violência”,
dirige os trabalhos que mantém e recomenda às (ANAIS DA 62ª ASSEMBLÉIA ANUAL DA
igrejas a maneira pela qual poderão cooperar com CBB, 1980, p. 05-06).
esses trabalhos. (ANAIS DA 62ª ASSEMBLÉIA
ANUAL DA CBB, 1980, p. 11). Podemos, então, propor algumas considerações. Em
primeiro lugar, o documento pode ser entendido
Numa análise preliminar não se encontrou como fruto de um processo de construção discursiva
nenhuma orientação de incentivo ou de qualquer que a sociedade produziu. Não foram apenas os seis
constrangimento à produção de documentos de líderes religiosos, legitimados por uma instituição,
poder político pelos batistas brasileiros, podendo que produziram o documento em análise. Pode-se
levar a outra conclusão preliminar: pode-se deduzir entender que tal formação discursiva, para lembrar
que os textos sobre poder político e filosofia moral Maingueneau, foi o resultado de outras elaborações

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UNIDADE 04
discursivas, como as discutidas no ano de 1978. considerando a participação dos primeiros no
Em segundo lugar, o documento apresenta uma contexto social. Ele, então, afirmou que “os batistas
proposta de diálogo, o que necessariamente não brasileiros são ainda muito poucos. Mas chegam a
ocorreu, pois foi elaborado por uma instância 0,5% da população brasileira. Entretanto, há quatro
religiosa, que se dirigiu a uma instância política. Deputados batistas na Câmara Federal; já houve um
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

Afinal, o texto que foi publicado nos anais da Senador, um ministro do Supremo Tribunal Federal
CBB é parte integrante do pensamento e das e um Governador de Estado. Há vários Deputados
inquietações de toda uma coletividade religiosa, os estaduais e dezenas de Vereadores, bem como vários
batistas brasileiros, que pede um posicionamento da Prefeitos e altas autoridades, nas administrações
sociedade e também do Poder Executivo Federal, estaduais”, (PEREIRA, 2001, p. 375).
na pessoa do Presidente da República. Em terceiro
lugar, no que pese o discurso ser produzido num Um terceiro objetivo é compreender o efeito de
contexto religioso, ele não se enquadra na tipologia sentido que o documento produziu, entre os batistas
de um discurso teológico, indicando questões e a sociedade. Embora pareça um exercício fácil,
doutrinárias ou dogmáticas. bastando identificar o sentido literal para contrapor
o efeito de sentido, Eni Orlandi vai afirmar que não
No caso em questão, trata-se de um discurso que é razoável que se excluam os limites entre sentido
trata do poder político constituído e dos princípios literal e derivações, ou efeitos de sentido, já que
ligados à filosofia moral, produzido por uma isso não permitiria a distinção entre o implícito e
Assembleia representativa dos batistas brasileiros,
40

o explicito. Orlandi vai afirmar que “dadas certas


que se reuniu para tratar de seus interesses. condições, em que um sentido se coloca como
dominante (legítimo, ‘literal’) delimita-se, na e
Outros objetivos estão postos ao analisar o pela interlocução, aquilo que é implícito e o que é
documento. O primeiro objetivo é identificar o explícito”, (ORLANDI, 1981, p. 158).
enunciador e o provável enunciatário. O enunciador
é o grupo formado pelos batistas no Brasil, que Exemplificando, destaca-se a colocação literal feita
legitimaram o discurso produzido por uma comissão pelos batistas, afirmando que como “povo ordeiro
especial de seis membros. Como a proposta desse estamos perfeitamente integrados no esforço de
documento surgiu no contexto da Assembleia construção da grandeza de nossa Pátria”, (ANAIS
Anual da CBB, entende-se que a Convenção DA 62ª ASSEMBLÉIA ANUAL DA CBB, 1980,
passou a representar os milhares de batistas p. 05-06). De forma implícita, é possível pensar
junto ao Presidente da República. O enunciatário que existiam, no início da década de 1980, pessoas
também está explícito, pois o documento foi desordeiras, que não estavam perfeitamente
dirigido ao último Presidente da República no integradas no esforço de construção da Pátria. No
período de regime militar, senhor João Batista entanto, que desordeiros são esses, citados no texto
Figueiredo. Mas, efetivamente, o que poderia fazer produzido pelos batistas, que merecem a atenção
o Presidente da República para atender aos anseios da denominação e os cuidados especiais por parte
dos batistas brasileiros? E, se pudesse fazer algo, o do Governo Federal? O texto não indica a resposta.
que exatamente faria, de acordo com o pedido dos
batistas no documento? Outro exemplo pode ser tirado dessa afirmação
explícita: “o testemunho da história dá-nos conta
Se um enunciatário está explícito, no caso o de que a imoralidade prevalecente na Sociedade tem
Presidente da República, pode-se pensar que produzido efeitos mais desastrosos do que inimigos
o texto foi publicado nos anais da Convenção, armados na destruição dos povos”, (ANAIS DA
visando alcançar outros enunciatários: as várias 62ª ASSEMBLÉIA ANUAL DA CBB, 1980, p. 05-
lideranças das igrejas locais e seus membros, que 06). Espera-se que um grupo religioso, seja qual for,
somavam milhares de integrantes em todo o Brasil. assuma uma posição firme junto à sociedade, com
O segundo objetivo é saber se quem instituiu relação às questões que envolvem os costumes,
o discurso tinha condições para produzi-lo. Ao os hábitos e as práticas ligadas à moralidade. Seria
fazer um balanço sobre a atuação dos batistas no estranho se os batistas, ou os adeptos de outras
Brasil, às vésperas do primeiro centenário, José confissões, não defendessem com ardor valores e
dos Reis Pereira vai comentar a aproximação entre princípios morais e religiosos em sua sociedade.
a denominação e as instâncias do poder público,
Talvez, o medo do comunismo, ainda presente

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UNIDADE 04
no imaginário de parte da denominação batista, tomado como objeto de análise, a observação de
na década de 1980, tenha levado os mensageiros Fiorin revela-se pertinente: “sem pretender que o
presentes à 62ª Assembleia Anual a aprovar e discurso possa transformar o mundo, pode-se dizer
legitimar o texto que analisamos, apontando para que a linguagem pode ser instrumento de libertação
os riscos que a sociedade atravessava no período. ou de opressão, de mudança ou de conservação”,

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Por essas reflexões, entre outras que poderíamos (FIORIN, 2000, p. 74).
realizar, quando se considera o valor do texto,

Considerações Finais
Dessa forma, pode-se dizer que os anais da CBB posicionando-se sobre alguns temas, mas também
indicam textos que podem revelar o desejo dos revelando a sua inquietação sobre a participação
batistas em transformar a sociedade brasileira, de outras instâncias nos rumos do país.

Atividades

41
Indicações Culturais
Algumas cenas e acontecimentos bíblicos foram uma análise feita das diversas pinturas da Ceia do
retratados ao longo dos séculos. Acontecimentos Senhor.
como a tentação de Adão e Eva, como também
a arca construída por Noé, quando se preparava Disponível em: <http://www.youtube.com/watc
para o grande dilúvio, foram pintados por alguns h?v=Eyo2OjJKt9I&feature=related>
artistas. Uma das reproduções mais conhecidas Acesso em: 13 de julho de 2011.
é a pintura sobre a Última Ceia do Senhor. Veja

Atividade de Auto-avaliação

Identifique, em cada uma das quatro questões a seguir, a única alternativa correta.
1. O documento analisado neste capítulo e produzido pelos batistas brasileiros considerou que
temas e foi publicado em que período?
a) Inserção dos batistas (décadas 1880-1900).
b) Organização dos batistas (décadas 1900-1940).
c) Cruzadas evangelísticas dos batistas (décadas 1940-1960).
d) Ética, filosofia moral e os batistas (1974-1985).

2. O discurso produzido pelos batistas foi endereçado a quem?


a) Aos representantes do povo no Congresso Nacional.
b) Ao Presidente da República, na pessoa do general João Batista de Figueiredo.
c) Aos representantes dos países da América Latina.
d) Aos responsáveis pelas “Organizações não Governamentais” (ONG’s), tratando de morali-
dade pública.

3. Qual a principal inquietação dos batistas naquele período?


a) Os grandes males que estavam ameaçando o povo brasileiro.
b) O tipo de regime político instalado no Brasil.
c) O avanço da inflação.
d) Nenhuma das respostas anteriores.

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UNIDADE 04

Atividade de Auto-avaliação
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

4. A partir do discurso analisado, os batistas estavam convictos com relação a que verdade,
entre outras coisas?
a) Igreja e Estado precisam se unir.
b) A religião está acima dos governantes.
c) Sem sólidos fundamentos morais não há nação que subsista.
d) Os governantes devem controlar as denominações religiosas.

Questão de Reflexão
Os batistas elaboraram e publicaram inúmeros discursos, posicionando-se sobre diversos temas, indicando
ao povo brasileiro a sua compreensão sobre os acontecimentos sociais, políticos e religiosos. Qual a sua
opinião sobre o posicionamento das denominações religiosas sobre tais temas na atualidade? Como os
estudos e discursos religiosos e teológicos podem favorecer o crescimento de toda a sociedade?
42

Atividade de Aplicação
Volte ao discurso inserido neste capítulo e procure associar a interpretação da Bíblia ao emprego de
expressões discursivas, aplicadas ao Presidente da República e a toda a população brasileira.

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UNIDADE 05
O exercício da disciplina: uma análise discursiva de
um texto bíblico

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Introdução
A presente aula propõe a análise do texto de II da seguinte forma: a) a proposta de um tema; b)
Timóteo 3.10-4.05, quando o Apóstolo Paulo se o texto de Paulo dirigido a Timóteo; c) as Cartas
dirigiu a Timóteo e o orientou com relação ao de Paulo e a análise do discurso; d) elementos
viver cristão, como também escreveu sobre as básicos da análise do discurso; e) questões ligadas
boas práticas ministeriais. Trata-se de um texto ao texto de Paulo e à sua praticidade; f) proposta de
bíblico que remete ao Exercício da Disciplina, que quatro pontos aplicados à disciplina; e g) Paulo na
pode ser entendido a partir do contexto ministerial atualidade acadêmica e ministerial.
do apóstolo escritor. Podemos dividir esta análise

A proposta de um tema
A presente reflexão sobre O Exercício da Disciplina presente texto.

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teve origem numa reunião do Corpo Docente da
Faculdade Teológica Batista do Paraná (FTBP), Propomos, então, desenvolver uma análise do
no final do ano letivo de 2009. Naquela ocasião, discurso de um texto bíblico, tomando nesta
cogitou-se sobre um tema que poderia ser exposto reflexão como um documento produzido pelo
aos alunos, professores e outros ouvintes, na Cristianismo, que foi preservado até os nossos dias.
abertura do ano letivo de 2010, fato que se deu Assim, a análise discursiva que vamos empreender
em 08 de fevereiro. Após algumas considerações reconhece, primeiramente o valor da Bíblia Sagrada
dos professores durante a reunião, pensou-se num como inspiração de Deus para o sujeito e toda a
assunto que abordasse a importância do exercício sociedade, em todos os tempos e para todos os
pessoal, mas que contemplasse também a disciplina lugares. Entendemos, também, que esse texto
na trajetória acadêmica dos estudantes de teologia sagrado constitui-se num documento produzido
na atualidade. Como resultado das considerações num determinado momento da história da religião
dos colegas, pensei em tratar sobre O Exercício da cristã, podendo indicar o pensamento de uma
Disciplina, na primeira aula da Faculdade em 2010. época e como os princípios bíblicos se conservam
Assim, a partir de uma aula de abertura do ano ao longo de séculos.
letivo de nossa Faculdade Teológica, proponho Com isso, objetiva-se, a partir da reflexão que se
uma compreensão sobre tal exercício disciplinar, faz de um fragmento da Carta de Paulo a Timóteo
buscando empreender uma análise discursiva de – II Timóteo 3.10-4.05 –, abordar o texto religioso
um documento do Cristianismo, que circulou no meio visando compreender os contextos culturais e
cristão durante o Império Romano, tendo como históricos. Outro objetivo que se tem ao tratar
base o texto bíblico de II Timóteo 3.10-4.05. O Exercício da Disciplina está relacionado aos
Duas perguntas que se colocam, quando se propõe elementos básicos da abordagem denominada
discutir um tema como este é: como O Exercício da Análise do Discurso, principalmente quando esses
Disciplina pode ser compreendido, considerando a elementos identificados no texto sagrado podem
orientação bíblica e as contribuições da psicologia? ser associados ao exercício pessoal e acadêmico,
E, quais os elementos básicos para uma introdução sobretudo daqueles que estão construindo um
ao Exercício da Disciplina, tomando-se como pensamento teológico no contexto de América
referência a abordagem da análise do discurso? Latina. Cabe, então, destacar que a aplicação da
Essas perguntas devem nos lembrar que as disciplina denominada de análise do discurso tem
considerações que se seguem não pretendem ser como objeto de estudo um texto bíblico. O texto
originais e nem conclusivas, pois outros aspectos analisado, que foi retirado de um conjunto mais
podem ser indicados e tratados a partir de outras amplo de orientações do autor ao seu leitor, é aceito
abordagens metodológicas, não contempladas no no contexto cristão como norteador dos rumos

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UNIDADE 05
que as igrejas da antiguidade poderiam seguir. O contidas no livro sagrado – A Bíblia –, objeto
texto, ainda, ajuda a compreender como os cristãos da presente análise, aproximando os elementos
viviam durante o período do Império Romano, mas, contidos numa discussão psicoteológica.
sobretudo, nos desperta para as especificidades
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

O texto de Paulo dirigido a Timóteo


Mas você tem seguido de perto o meu ensino, e para a instrução na justiça, para que o homem
a minha conduta, o meu propósito, a minha de Deus seja apto e plenamente preparado para
fé, a minha paciência, o meu amor, a minha toda boa obra. Na presença de Deus e de Cristo
perseverança, as perseguições e os sofrimentos Jesus, que há de julgar os vivos e os mortos por
que enfrentei, coisas que me aconteceram em sua manifestação e por seu Reino, eu o exorto
Antioquia, Icônio e Listra. Quanta perseguição solenemente: Pregue a palavra, esteja preparado
suportei! Mas, de todas essas coisas o Senhor a tempo e fora de tempo, repreenda, corrija,
me livrou! De fato, todos os que desejam viver exorte com toda a paciência e doutrina. Pois virá
piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos. o tempo em que não suportarão a sã doutrina;
Contudo, os perversos e impostores irão de mal ao contrário, sentindo coceira nos ouvidos,
a pior, enganando e sendo enganados. Quanto a juntarão mestres para si mesmos, segundo os
você, porém, permaneça nas coisas que aprendeu seus próprios desejos. Eles se recusarão a dar
e das quais tem convicção, pois você sabe de quem ouvidos à verdade, voltando-se para os mitos.
44

o aprendeu. Porque desde criança você conhece Você, porém, seja moderado em tudo, suporte
as Sagradas Letras, que são capazes de torná-lo os sofrimentos, faça a obra de um evangelista,
sábio para a salvação mediante a fé em Cristo cumpra plenamente o seu ministério, (BÍBLIA
Jesus. Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil SAGRADA, NVI, II Timóteo 3.10-4.05, p. 1.575
para o ensino, para a repreensão, para a correção e 1.576).

As cartas de Paulo e a análise do discurso


Quando se propõe analisar discursivamente produzir esse discurso; o que o texto está dizendo
um determinado documento, seja ele com e o que está omitindo (ou, quer dizer); relações que
características religiosas ou não, alguns cuidados estabelece entre: emissor, receptor, mensagem,
devem ser tomados. Em 2006, quando participava código, referente”, (MARCHI, 2006).
de um curso de Pós-graduação em História na
Universidade Federal do Paraná (UFPR), tive a A partir dessas observações apontadas pelo professor
oportunidade de fazer uma disciplina que focava a da disciplina, duas coisas nos interessam com relação
Análise do Discurso. Naquela ocasião, o professor às Cartas Pastorais, e mais especificamente com
Euclides Marchi, doutor em História e professor na relação à Carta de Paulo a Timóteo: a) a relação entre
UFPR, nos entregou um texto intitulado Sugestões as chamadas Cartas Pastorais e a História da Igreja
para a Análise do Documento. O roteiro disponibilizado Cristã, e b) a discussão acadêmica sobre a autoria da
pelo Dr. Marchi objetivava dar apoio metodológico Carta de Paulo a Timóteo. Esses dois pontos revelam-
aos participantes da disciplina, que se exercitavam se pertinentes, pois estão associados intimamente
nos primeiros passos da análise do discurso. ao documento que se analisa, indicando a partir de
que ponto o analista discursivo traçará a sua linha
Das sugestões que são encontradas no material de pensamento.
acadêmico que nos foi oferecido, apontamos
alguns aspectos que podem ser destacados neste É importante, portanto, saber, mesmo que
momento, visando alguns cuidados quando se pensa objetivamente, como os pensadores do Cristianismo
em Análise do Discurso. Segundo às sugestões, trataram o texto identificado como Carta de
deve-se “localizar globalmente o texto; buscar o Paulo a Timóteo, nas duas edições conhecidas
sentido geral do texto; elementos de significação, até o presente, como consta no cânon do Novo
movimento do texto, seu valor simbólico, figuras de Testamento. Igualmente importante é conhecer
linguagem que utiliza; quem está falando; em nome parte das discussões sobre a elaboração e posterior
de quem está falando; condições do falante de distribuição de um documento do Cristianismo,
datado de mais de dois mil anos, que se acredita,

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tenha circulado e orientado as igrejas locais nos identificam. Para Hinson, existem três teses sobre a
primeiros séculos de influência do Cristianismo. autoria das chamadas Cartas Pastorais: a) as Cartas
Outro aspecto relevante é pensar na relação entre o foram elaboradas e posteriormente escritas por
conteúdo do texto atribuído a Paulo e a força, ou o um pseudônimo; b) as Cartas foram pensadas e
poder, do Império Romano, principalmente quando elaboradas totalmente por Paulo, que as enviou a

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


se considera a organização ou institucionalização da Timóteo e Tito, e c) as Cartas Pastorais apresentam
Igreja Cristã na antiguidade, ou colocando de outra fragmentos que podem ser atribuídos a Paulo, mas
forma, a institucionalização das igrejas de confissão que foram organizados por alguém em data posterior
cristã no passado. à vida ministerial do apóstolo. Como afirmamos
anteriormente, ao lado dessas três hipóteses sobre
Sobre a relação entre as chamadas Cartas Pastorais e a autoria das Cartas de Paulo, nomeadas como
a história da Igreja Cristã, pode-se ler numa análise Pastorais, algumas outras podem ser identificadas
de Glenn Hinson, quando afirmou que, “da segunda e arroladas por teólogos contemporâneos,
metade do segundo século até o XIX, a autenticidade multiplicando as possibilidades com relação aos
das Pastorais foi reconhecida sem objeções”, autores desses conjuntos documentais.
(HINSON, p. 360-361). Diante da afirmação do
estudioso do Novo Testamento, observa-se que Novamente, convém lembrar que o objetivo da
houve discussões sobre a autenticidade das Cartas presente reflexão não é estabelecer a autenticidade,
Pastorais, atribuídas a Paulo, tanto nas primeiras ou legitimidade dos documentos atribuídos a Paulo,

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décadas de formação das igrejas cristãs, e isso pois, para a presente análise discursiva, parte-se da
na antiguidade, como houve uma retomada das tradição cristã, que aceita e reconhece os textos
discussões sobre a legitimidade desses documentos atribuídos ao apóstolo de Paulo, e que integram o
históricos e religiosos, também a partir do século conjunto das Sagradas Escrituras, constituindo o
XIX. Cabe lembrar, que o objetivo da presente Cânon do Novo Testamento. A posição assumida
análise não é considerar a autenticidade ou não das anteriormente, que considera Paulo o autor dessa
Cartas Pastorais atribuídas a Paulo e destinadas a carta a Timóteo, não ignora a possível participação
Timóteo e Tito, mas identificar a existência de de colaboradores ao lado do autor, como alguém
discussões sobre a produção desses documentos no que o assistiu na elaboração textual. Após essas
contexto da cristandade. breves considerações sobre esse documento
atribuído a Paulo, podemos avançar no sentido de
Observa-se, então, que a discussão acadêmica sobre compreender o texto sagrado a partir da análise do
a autoria da Carta de Paulo a Timóteo pode passar discurso.
por três vertentes, entre outras que os estudiosos

Elementos básicos para a análise do discurso


Para Eni Orlandi, “o conceito de discurso é o da na disciplina? A relação que se segue não é longa e
linguagem em interação, ou seja, aquele em que se nem conclusiva, mas aponta para um caminho a ser
considera a linguagem em relação às suas condições de percorrido pelos interessados na abordagem da análise
produção, ou dito de outra forma, é aquele em que se discursiva. Eles não são indicados pelos seus trabalhos
considera que a relação estabelecida pelos interlocutores, teológicos ou religiosos, prioritariamente, mas em
assim como o contexto, são constitutivos da significação razão de teceram considerações sobre a origem, o
(...) o discurso é lugar social”, (ORLANDI, p. 145-6). desenvolvimento e a aplicação da análise do discurso,
Trata-se, portanto, de uma análise que será construída que podem ser aplicados às questões religiosas. São três
a partir daquele que está falando ou escrevendo, mas os indicados: a) Dominique Maingueneau, que trabalhou
também pela participação daquele que está ouvindo com temas de introdução aos aspectos da linguística, e
(no caso de um pronunciamento, como, por exemplo, que publicou Novas tendências em Análise do Discurso; b) Eni
na entrega da mensagem de um pastor, ou clérigo), ou Pulcinelli Orlandi, responsável pelos livros A Linguagem e
daquele que está lendo (no caso de alguém que está se seu funcionamento, como também propõe uma discussão
apropriando do conteúdo de um texto impresso). sobre O Discurso Religioso, referência importante para
quem deseja aprofundar os debates sobre o discurso
Outra pergunta que pode ser formulada é esta: quando religioso; c) José Luiz Fiorin, que considera a relação entre
se pensa em análise do discurso, que teóricos podem Linguagem e Ideologia, que dá nome ao seu livro. Desses
ajudar na compreensão textual, mas também podem três teóricos citados, escolhemos algumas colocações de
ser indicados para futuras leituras pelos interessados

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Eni Orlandi, principalmente uma que trata da relação entendo que o texto de Paulo encaminhado a Timóteo
entre “o texto” e “o discurso”. está completo, de acordo com a história, não havendo
necessidade de outras contribuições complementares
Ela afirma que, “o texto reflete essa duplicidade de sua ou estruturantes. Trata-se de uma primeira completude.
constituição: enquanto objeto teórico, o texto não é um No entanto, outra forma de completude se dá quando
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

objeto acabado; enquanto objeto empírico, o texto pode o cristão se apropria do texto e o torna uma palavra de
ser um objeto acabado (um produto) com começo, meio Deus ao seu íntimo, podendo transformar a sua vida.
e fim. Porém, se o consideramos na perspectiva da análise O texto de Paulo a Timóteo se completou quando o
de discurso, lhe devolvemos sua incompletude, pois o autor endereçou as suas orientações a Timóteo, pois
referimos as suas condições de produção”, (ORLANDI, entendemos que o receptor o leu e o aplicou à sua própria
p. 204). Quando se considera o texto como um objeto vida. O texto de Paulo a Timóteo também se completa
em condições de produção, é necessário pensar na ideia quando cada cristão, em qualquer lugar do mundo e em
de reversibilidade, que se caracteriza pela “troca de papéis todas as épocas, se coloca como receptor da mensagem
na interação que constitui o discurso e que o discurso e a aplica à sua própria vida.
constitui”, (ORLANDI, p. 214). Enquanto cristão,

Questôes ligadas aos texto de Paulo e à sua praticidade


A primeira pergunta que pode ser feita é: quem escreveu sociocultural, o mesmo aplicando-se à situação de
essa parte da Carta de Paulo a Timóteo, e quem leu esse Timóteo (primeiro destinatário). Timóteo recebeu
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texto? Como consideramos anteriormente, aceita-se um documento enviado por seu orientador espiritual,
que Paulo escreveu essa orientação e a encaminhou a num período histórico marcado pela força do poder
Timóteo, tratando dos desafios inerentes ao ministério político Romano. Nós, na atualidade, vivemos com
cristão. Aceita-se, também, que Timóteo recebeu o certa liberdade de expressão, considerando a democracia
texto original, lendo-o e apropriando-se dos seus brasileira. Outros cristãos, em outros lugares do mundo,
ensinamentos. Mas além dessas convicções no contexto não experimentam esta mesma liberdade de culto, já
do Cristianismo, podemos propor um exercício prático: na segunda década do século XXI. Historicamente,
penso que a maioria dos leitores do Novo Testamento Paulo produziu uma mensagem dentro de um contexto
concorda que o texto indicado neste trabalho teve sociocultural, mas esse mesmo texto está sendo
como autor o apóstolo Paulo. No entanto, quem está apropriado e analisado num contexto diferente daquele
lendo o texto na atualidade não é Timóteo (pelo menos de sua produção, pois nos achamos no que se denominou
não o destinatário original), e sim todos nós, que nos América Latina.
aproximamos do texto e também nos apropriamos
dos seus ensinamentos. O que queremos dizer é que a Assim, a partir do que observamos até o momento, como
reversibilidade pode estar presente, além da materialidade podemos colocar em prática O Exercício da Disciplina?
do documento histórico, criando uma possibilidade de Indico quatro pontos, tendo como apoio algumas ideias
múltiplas interpretações pessoais e coletivas, tendo como da psicologia moderna, que podem ajudar no exercício
base a mesma passagem bíblica. de nossa disciplina, aplicada a várias áreas de nossa vida,
mas de forma específica à nossa vida acadêmica. O que
A segundo pergunta que pode ser feita é: qual o contexto temos em mente é a análise do discurso que se aplica
sociocultural de produção e leitura do texto bíblico em também à área da teologia de confissão cristã, visando,
análise? Sem aprofundarmos nas referências históricas, sobretudo, aos desafios ministeriais que se colocam
não é difícil afirmar que o contexto sociocultural vivido diante de todos nós, líderes e servos no contexto de
por Paulo, quando produziu a sua reflexão sobre os Reino de Deus na sociedade contemporânea.
desafios ministeriais, foi diferente do nosso contexto

Propostas de quatro pontos aplicados à disciplina


Primeiro ponto: Estabeleça um modelo a seguir. seguida, Paulo volta-se para a sua experiência de
A ênfase com relação a esse aspecto, associado vida e narra inúmeras situações difíceis pelas quais
ao exercício da disciplina pessoal, pode ser encontrada ele havia passado. Ele não afirma que Timóteo
em II Timóteo 3.10-12. Paulo, então, orienta passará por sofrimentos semelhantes, mas lembra
Timóteo com relação a um modelo a ser seguido. que a vida cristã é marcada por sofrimentos.
Entre tantos modelos de vida cristã e de aplicação
ministerial, Paulo sugere que o leitor original de Segundo ponto: Construa e fortaleça a sua
sua mensagem estabeleça um modelo de vida. Em estrutura interna. Sobre esse aspecto, relacionado

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às lembranças de influências recebidas pela família, que no contexto da produção da mensagem de Paulo
pode-se ler em II Timóteo 3.14-15. As ênfases significa a Palavra de Deus, solicitou-se do receptor
discursivas de Paulo podem ser, didaticamente, da mensagem original: faça isto com paciência e
destacadas nas seguintes expressões: “quanto a doutrina. Notamos que Paulo não especifica nessa
você”; “coisas que aprendeu”; “tem convicção”; e passagem exatamente o que significa paciência ou

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


“de quem o aprendeu”. A referência é ao contexto doutrina. Podemos, então, considerar duas coisas:
familiar no qual Timóteo nasceu e se desenvolveu. a) Paulo esperava que Timóteo desenvolvesse ou
Destas quatro expressões temos: a) o eu (neste caso aplicasse a sua paciência na qualidade de pregador
Timóteo); b) o tu (quem ensinou Timóteo); c) o da Palavra; b) Paulo esperava que Timóteo pregasse
conteúdo (transmitido pelo processo de aprendizado), com paciência, mas enfatizando a doutrina, que
e d) a apropriação (a convicção de Timóteo). Podemos também não foi especificada pelo autor.
observar que Paulo não especifica o que Timóteo
aprendeu, mas o desperta para um fortalecimento, Quarto ponto: Cultive uma disciplina que
a partir do crescimento bem estruturado num se revele nos relacionamentos. E aqui nos
contexto familiar saudável. deparamos com mais um pedido nesta parte da
Carta de Paulo, como mencionado em II Timóteo
Terceiro ponto: Busque um amadurecimento 4.04-05. Observamos que nesse outro pedido
pessoal. O Exercício da Disciplina, tomando como de Paulo, ou orientação a Timóteo, enfatiza-se,
referência do discurso de Paulo, está relacionado mais uma vez, uma ação que cabe ao receptor do

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a uma percepção internar, quando a pessoa olha texto: “você, porém seja moderado em tudo”.
para si mesmo, antes de perceber e julgar os erros Parece que Paulo, após escrever sobre a sua vida
daqueles que estão ao seu redor. Sobre esse aspecto, e os sofrimentos experimentados, desejava que o
pode-se ler em II Timóteo 4.02. Depois de um seu leitor (primeiramente Timóteo), considerasse
imperativo – pregue a palavra –, dito de outra forma as implicações relacionais, no contexto cristão e
na análise do discurso, não pregue nada além da palavra, ministerial.

Paulo na atualidade acadêmica e ministerial


Pode-se pensar sobre alguns aspectos do texto estudantes de teologia façam um exercício voltado
que Paulo elaborou e enviou a Timóteo. Em à tolerância, inicialmente com as suas limitações e
primeiro lugar, o texto remete o leitor a um período fragilidades, mas também aplicada aos que pensam
sociocultural diferente do contexto atual, revelando de forma diferente da sua maneira de pensar, o que
uma sociedade de dois mil anos atrás. Em segundo não significa concordância ou acomodação; c) que
lugar, aquele que reconhece o Senhorio de Jesus os estudantes de teologia façam um exercício de
Cristo coloca-se diante da Palavra de Deus, que foi Ética Cristã no contexto de cidadania nacional, mas
dirigida originalmente a Timóteo, mas que se torna uma ética que se mostra compromissada com uma
um discurso em análise, que chegou até nós, com a análise coerente e atualizada da Palavra de Deus
capacidade de exercer influência sobre a sociedade para os dias de hoje.
atual.
A segunda pergunta está relacionada ao Exercício da
Com isso, outras duas perguntas podem ser Disciplina Acadêmica: o que se espera de um estudante
colocadas. A primeira está relacionada ao Exercício de teologia no Brasil contemporâneo, com relação à
da Disciplina Pessoal: o que se espera de um estudante disciplina acadêmica, a partir da análise do discurso
de teologia no Brasil contemporâneo, com relação de um texto bíblico? Novamente, proponho alguns
à disciplina pessoal? Arrisco-me ao apresentar Exercícios de Disciplina. Entendo que os estudantes
algumas reflexões, que são muito pessoais. Penso de teologia no Brasil, com relação à vida acadêmica,
que as expectativas sobre um estudante de teologia são desafiados a: a) empreender um exercício de
no Brasil passam pelos seguintes elementos: a) que disciplina, voltado à dedicação e aplicação diante dos
os estudantes de teologia façam um exercício de desafios colocados pelas faculdades teológicas, ou
autoanálise, procurando saber quem eles são (para pela vida acadêmica; b) empreender um exercício de
si mesmos e para os outros), tendo como referência disciplina focando o respeito às Instituições Sociais,
o contexto social latino-americano; b) que os inclusive as religiosas, no que pese uma postura

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crítica diante das incoerências de tais instituições, trajetória, com erros e acertos, antes de todos nós, e
nossas e dos outros, e c) empreender um exercício sobre a qual estamos caminhando.
de disciplina, passando pelo reconhecimento
histórico com relação àqueles que construíram uma
Semiótica, Análise do Discurso e Teologia

Considerações Finais
Mas gostaria de concluir a presente análise andamento na atualidade; c) cabe lembrar que na
discursiva apontando para quatro considerações disciplina pessoal é preciso ter metas, estabelecer
objetivas: a) penso que o texto de Paulo é tão objetivos de crescimento e perseguir os alvos que
importante na atualidade como o foi ao tempo de foram propostos, e d) com relação à disciplina
Timóteo; b) entendo que todos nós, que militamos acadêmica, vale lembrar que o tempo é um bem
na área teológica, somos responsáveis pela precioso e que podemos aproveitá-lo com leituras,
construção deste conhecimento no Brasil e em em conversas que levam ao crescimento, buscando
toda a América Latina; conhecimento que está em cumprir bem o ministério que nos foi confiado.
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UNIDADE 05
Atividades

Semiótica, Análise do Discurso e Teologia


Indicações Culturais
A disciplina Análise do Discurso não foi criada em televisão aberta no Brasil.
função da teologia, mas a teologia pode beneficiar-
se dela. Como ciência e fé podem conviver de Disponível em: <http://www.sagrado.org.br/
maneira construtiva, uma beneficiando-se da outra. bibliotecadevideos/holder.html?id=../videos/
O pastor Israel Belo de Azevedo fala da relação semana23/evangelicas/evangelica.swf>.
entre ciência e fé, na série Sagrado, veiculada na Acesso em: 13 de julho de 2011.

Atividade de Auto-avaliação

Identifique, em cada uma das quatro questões a seguir, a única alternativa correta.
1. De acordo com o prof. Dr. Euclides Marchi, citado no capítulo, existem alguns elementos

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que devem ser procurados no discurso. Dos elementos citados, podemos indicar três.
a) Procurar um teórico para explicar o discurso; usar a sua teoria, e aplicá-la a novos discursos.
b) Identificar uma metodologia; explicar tal metodologia, e questionar essa metodologia no
discurso.
c) Propor uma tese; rebater com uma antítese, e escrever uma síntese.
d) Localizar globalmente o texto; buscar o sentido geral do texto, e identificar os elementos de
significação.

2. Para Eni Orlandi, o conceito de discurso é?


a) a fala de alguém para outro alguém.
b) o da linguagem em interação.
c) a construção que sai do emissor para o receptor.
d) Todas as respostas anteriores.

3. No capítulo foram indicados alguns teóricos que ajudam a entender a Análise do Discurso.
Podem ser citados três:
a) Dominique Maingueneau, Eni Pulcinelli Orlandi e José Luiz Fiorin.
b) Apóstolo Paulo, Timóteo e Tiago.
c) Glenn Hinson, Israel Belo de Azevedo e Mikhail Bakhtin.
d) Nenhuma das respostas anteriores.

4. Quando se considera o texto como um objeto em condições de produção, é necessário pen-


sar na ideia de reversibilidade, que se caracteriza pela:
a) análise que será construída a partir daquele que está falando ou escrevendo.
b) troca de correspondências entre dois autores discursivos.
c) mudança de papéis na interação que constitui o discurso e que o discurso constitui, segundo
Orlandi.
d) relação entre emissor e receptor.

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Questão de Reflexão
Podemos entender que, originalmente, Paulo escreveu a Timóteo orientando-o sobre a vida ministerial.
Trata-se de uma carta entre duas pessoas que reconheciam o senhorio de Jesus Cristo e procuravam viver
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uma vida de compromisso com este Senhor. Procure entender o contexto no qual Paulo escreveu para
Timóteo e as implicações, para aquele período, das recomendações do apóstolo. Mas, qual a importância
deste mesmo texto sagrado para a vida do cristão na atualidade?

Atividade de Aplicação
Tomando como referência do título deste capítulo, procure compreender como O Exercício da Disciplina
pode ser aplicado à sua vida pessoal, religiosa e acadêmica.
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