Este documento descreve duas obras de arte no novo anexo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP): (1) "Sala de Espera" de Carlito Carvalhosa, uma instalação com 80 postes de madeira, e (2) "Obra" de Mauro Restiffe, uma série de 12 fotografias que documentam a remodelação do prédio para se tornar um museu. O texto analisa como essas obras transformam o espaço e a experiência dos visitantes.
Este documento descreve duas obras de arte no novo anexo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP): (1) "Sala de Espera" de Carlito Carvalhosa, uma instalação com 80 postes de madeira, e (2) "Obra" de Mauro Restiffe, uma série de 12 fotografias que documentam a remodelação do prédio para se tornar um museu. O texto analisa como essas obras transformam o espaço e a experiência dos visitantes.
Este documento descreve duas obras de arte no novo anexo do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC/USP): (1) "Sala de Espera" de Carlito Carvalhosa, uma instalação com 80 postes de madeira, e (2) "Obra" de Mauro Restiffe, uma série de 12 fotografias que documentam a remodelação do prédio para se tornar um museu. O texto analisa como essas obras transformam o espaço e a experiência dos visitantes.
a Obra de Mauro Restiffe no Anexo do MAC Ibirapuera | So Paulo | BR
projeo da linha enquanto fora autnoma que conduz inveno da abstrao 1
A nova sede do MAC/USP localiza-se em Ibirapuera, num edifcio projetado em 1950, da autoria de Oscar Niemeyer, inaugurado em 1954. Os 6 e 7 pisos apresentam obras selecionadas da Coleo, subordinadas a organizaes curatoriais especficas. A considerar as esculturas e instalaes situadas logo no andar trreo. Subindo ao terrao do 8 andar, o visitante depara-se com uma vista panormica notvel, sublinhando o alinhamento de recortes da cidade em grande angular. Progressivamente, sero ocupadas outras salas, nos demais pisos, com intuito de assegurar o conhecimento organizado de inmeras obras pertena da Coleo MAC- USP. Em paralelo, atenda-se programao complementar, que propicia um maior contato aos pblicos, como o caso do ciclo de conversas - s 3fs protagonizadas por artistas representados na Coleo. O diretor do MAC/USP, Tadeu Chiarelli vem desenvolvendo uma atividade museolgica e de programao relevante e lcida, que abrange desde h anos atrs, o Museu de Arte Contemporneo (MAC) no Campus da Universidade de So Paulo (USP). Carlito Carvalhosa 2 foi convidado, por Chiarelli, a conceber um projeto para inaugurar o Anexo da nova Sede em Ibirapuera. Trata-se de uma rea extensa, com cerca 1800m2, anterior garagem do recinto.
O processo de remodelao est plasmado nas imagens (residuais), que testemunham o espao conquistado para o novo MAC/USP. Apresentam-se 12 fotografias de grande formato, autoria de Mauro Restiffe, numa srie intitulada Obra. Uma e a outra abordagens so presenas autorais decisrias, privilegiando a autonomia das respetivas incidncias - olhares poiticos que transportam a razo e a operacionalidade esttica to clarividentes sobre o lugar. O fotgrafo paulista registrou o processo de arquitetura recuperativa do edifcio, ao longo de 3 anos, para se configurar como Museu, aps ter alojado, sucessivamente, a Secretaria de Agricultura do Estado e o Detran. As imagens fotogrficas de uma clarividncia esttica extrema - alastram pelo vasto espao do Mezaninno, permitindo ao olhar estrangeiro tornar confratenizar com um processo que no foi vivido pelo pblico que atualmente visita o Museu. o tempo cativado, tempo do antes que configura o tempo de agora, afirmando decises ajustadas de uma poltica cultural coerente e atuante, por parte dos responsveis. Faz o tempo do depois, portanto viabilizando concretizaes imensas. Tudo isso consta das diferentes leituras que se faam ao contemplar as fotografias de Mauro Restiffe. Esta ambiguidade complementarizadora, quanto vidncia e experincia dos tempos, reside em toda propriedade na Sala de Espera. Nela se presentifica a conscincia
1 VV. Le Dessin, Paris, Skira, 1979, p.200 2 Carlito Carvalhosa participa na I Trienal no Alentejo, Portugal, a acontecer neste Vero de 2013. vivida pelo espetador no espao, instaurador de uma abundncia perceptiva, conduzindo distintas interpretaes e estabelecendo persistncias conceptuais.
O projeto Sala de Espera apropria-se do andar trreo, povoado por pilares (colunatas), que conforma o Anexo. Foi inaugurado a 9 de Maro passado, ficando patente at 8 de Setembro prximo. Ao entrar na linha de horizonte da Sala de Espera decidida por Carlito Carvalhosa, o visitante acha-se ou mergulha num lugar que redesenha uma arquitetura ilusria, materializada e conforme. A natureza da interveno, clamando pelo olhar, tanto quanto provocando a audio, olfacto ou tacto, apela durao da visita. Prolonga-se a permanncia, experimenta-se o enigmtica da envolvncia Eis os factores e condies que providenciam forte imerso a quem nela se adentre. A concretizao do projeto indicia uma dinmica expansiva, consentnea concentrao que detalhista e silenciosa: A estratgia de Carlito Carvalhosa para ativar o espao que lhe foi oferecido, consistiu em tomar como ponto de partida, justamente, o carter atemporal, entre parntesis 3
A instalao incorpora cerca de 80 postes (de 9 a 12 m de comprimento) de madeira, pertencentes rede eltrica (e que serviram a iluminao pblica) e que foram reaproveitados pelo artista paulistano. Como assinala Maria Hirszman 4 , j anteriormente, o artista recorrera a postes que nessa ocasio - foram suspensos, ao conceber a interveno realizada em 2010 no vo central do Palcio da Aclamao em Salvador (Bahia). Salvaguardadas as diferenas constitutivas e as estruturas implementadas, num e outro local, a identidade da arquitetura jogou com as estipulaes grficas dos elementos tridimensionais utilizados. Perante a amplitude do espao proposto e a configurao modernista da arquitetura, Carlito Carvalhosa referiu que: a primeira vez que vi o espao ele me pareceu um mundo muito ideal, com suas colunas que se multiplicam, isento, nessa altura de referncia direta que o declarasse espao museolgico. Estaria, ainda, em estado de epoch - em suspenso e, talvez, no somente em espera A espera supe a vinda, acolhe quem todavia no estar. Em setembro de 2010, tive oportunidade de visitar, no espao Octgono da Pinacoteca do Estado de So Paulo, a instalao Soma dos dias de Carlito Carvalhosa, obra que teve presena colaborativa de Philip Glass. Essas espirais de tecido que se desorganizavam em movimentos centrptos e centrfugas, quase em simultaneidade, provocavam uma recepo esttica tambm em suspenso e, ento, (ainda) em espera. No caso, a translucidez prevalecia, gerando sombras e indiciando silhuetas de quem penetrasse nesse quase labirinto. O corpo podia deformar a descida dos tecidos, num movimento quase de raiz ontolgica. Primado de um ar que se grudava nos drapejos austeros que se deixavam apropriar pela luz. Ao visitar a presente interveno, em manh de domingo e perante a quase ausncia de pblico voltou esse estado dominado pela luz em suspenso que foi estabilizada pela distribuio dos postes que no geram a opacidade que se poderia acreditar. A volumetria resulta dos intervalos entre os elementos de madeira, distribudos que
3 Tadeu Chiarelli, reflexo e prospeco: sobre sala de espera, de carlito Carvalhosa, 2013 in http://www.carlitocarvalhosa.com/textos/141 (consultado em 16 junho 2013) 4 In http://www.carlitocarvalhosa.com/expos/108 (consultado em 16 junho 2013) lembram uma terra que se ausentou. Pois quase se acredita no haja necessidade de um cho para eles. Prevalece a recepo visual do entorno vivido/existido como todo. Subtilmente, quanto mais me demorava no Anexo, mais me pareceu que a densidade e peso da madeira se diluam, adelgaando e isolando linhas. Estas transfiguram-se num desenho que composto e slido (sendo algo potencialmente etreo), assim alastram pelas zonas vazadas da sala. A consignao da Sala de espera dos postes que so instrumento para desenhar no vazio e que so, igualmente, desenhos implica, assim, uma ao por parte do espetador, tornando-o protagonista de uma aventura singularizada. O desenho (entenda-se a completude da interveno como todo) constri, por assim dizer, identidades diferenciadas perante uma mesma proposta grfica. Ou seja, o desenho/interveno rege a constituio de linhas de movimento do corpo do espetador, para cativao e sequencialidade no ato de ver. [ Jai dcouvert que dessiner ntait pas seulement/regarder, mais aussi toucher. Jan Fabre] Neste sentido, ver um desenho ser efetivamente desenhar, pelo movimento do corpo prprio (do espetador), um ato nico de perceo visual. A sensao que descrevo, encontrei-lhe paridade recente ao visitar, ento pela primeira vez, a exposio Arte Vida/ Vida Arte, do escultor portugus Alberto Carneiro, no Museu de Serralves (Porto). Foi urgente voltar, sentir as diferentes instalaes, uma e outra vez, para usufruir com uma certa gula esttica, uma experincia quase nica, pois frutifica da sabedoria do artista que assim regimenta a sua produo. Se, no caso de Carneiro, a madeira assegura presena atravs da ductilidade orgnica da sua materialidade, afirmando a condio de paisagem natural/pensamento natural, em Carlito Carvalhosa, a madeira procede da interveno tcnica do homem que a funcionalizou para efeitos civilizacionais. Alguns foram cativados, testando a gravidade pois estipulam pontos de equilbrio inesperados. Formam sinais elementares que integram uma linguagem visual antes da escrita (antegrafia). So antegrficos e grficos. Olhados desde uma perspetiva area desmaterializam-se, o que origina um questionamento: a espera que pertence ao absurdo de Beckett. Efetivamente, de to intenso e espesso que o pensamento de Carlito Carvalhosa, institui-se uma encenao que tanto isenta, quanto convoca pessoas. Compreende-se, ao conhecer a Sala de espera, o que a noo de escala, o cnone para o antropomorfo, as residncias de um objeto esttico que uma obra de arte inquestionvel. A interveno assume uma internalizao de paisagem que pode ser contemplada desde diferentes ngulos, impelindo o espetador, deslocando-o. Consignando uma interseco conceitual, o pilotis v subvertida a sua funo construtiva, pois os postes elevam-se em vez de descerem para o cho e sedentarizarem. Avanam, atravessam-se e cruzam o ar; apoiam-se, estabilizam-se pressupondo o cho sem o incentivar. Ajustados por parafusos, rebites e demais estratgias de fixao, as sombras alongam-se, repercutindo as linhas de ritmos e dimetros desiquilibrados. Contudo, essa profuso de linhas que delimitam sectores dentro de uma rea que tem de ser percorrida para ser vista, apenas certifica que um privilgio estar ali. Beleza e sublime como Kant, entre outros soube entender, so definies nmadas que encontraram uma de suas sedentarizaes. Nesta sala de espera esto os pensamentos e sensibilidades de mitos, mitologias, poticas, filosofias, tcnicas, artes e cincias. uma cativao plural do mundo humano que interroga a sustentabilidade atual.