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EU,
Eles e Nós:
notas sobre Augusto dos Anjos
CAMPINAS,
2020
CLECIEL DA FONSECA LIMA
EU,
Eles e Nós:
notas sobre Augusto dos Anjos
CAMPINAS,
2020
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Leandro dos Santos Nascimento - CRB 8/8343
Título em outro idioma: EU, Them and Us : notes about Augusto dos Anjos
Palavras-chave em inglês:
Anjos, Augusto dos, 1884-1914. Eu - Criticism and interpretation
Biographical and bibliographic notes
Brazilian republic
Área de concentração: História e Historiografia Literária
Titulação: Mestre em Teoria e História Literária
Banca examinadora:
Francisco Foot Hardman [Orientador]
Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda
Nefatalin Gonçalves Neto
Daniela Birman
Mário Augusto Medeiros da Silva
Data de defesa: 09-11-2020
Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária
IEL/UNICAMP
2020
***
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
RESUMO
As entrelinhas são importantes. Mas as “notas” também. A partir das notas, este trabalho
se tornou possível. A partir das notas, temos estes objetivos: divulgar novas fontes
biográficas e bibliográficas de Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos – ou somente
Augusto dos Anjos; entender o impacto que o poeta, ao lançar seu único livro, sua única
obra, Eu (1912), causou na então capital federal, o Rio de Janeiro, centro da “República
(Brasileira) das letras”; e compreender sua poesia a partir de leituras pontuais acerca do
“poeta peregrino”, que passeia pela “noite dos espectros”. Resgatando e divulgando
essas fontes biográficas e bibliográficas, muitas delas desconhecidas, é possível entender
a dimensão do nome Augusto dos Anjos nos meios intelectuais da época, na imprensa da
época; é possível encontrar poemas seus publicados em vários jornais e revistas de
várias capitais do Brasil, antes mesmo de sua “estreia” em 1912; é possível encontrar
publicações suas, ou pelo menos as fontes dessas publicações, até hoje inéditas; é
possível entender quão “ruidosa, barulhenta e escandalosa” foi sua estreia, ao lançar o
famoso livro de versos, o Eu. Tendo como suporte teórico ensaios dos professores,
sociólogos e críticos literários Fernando de Azevedo (1962) e Francisco Foot Hardman
(2009), é possível ler e assim interpretar a “poesia” do poeta de Pau d’Arco: uma poesia
mais que preocupada com os “problemas sociais”; uma poesia na qual se ouve uma voz
(e outras vozes) e se percebe o caminhar, a peregrinação do poeta (“feto malsão”) pelas
estradas e vielas e ruas e avenidas da República, poeta que vê e ouve (nesse caminhar) a
“alma crepuscular” agonizante na grande noite brasileira.
The “entrelinhas” are important. But the "notes" too. From the notes, this research
became possible. From the notes, we have these objectives: disseminate new
biographical and bibliographic sources of Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos – or
only Augusto dos Anjos; understand the impact who the poet, when he published his
book, Eu (1912), caused at that time federal capital, the Rio de Janeiro, center of the
“(Brazilian) Republic of letters”; and understand his poetry from specific readings about
the “walking poet” who walks through the “night of the phantoms”. Studying and
disseminating these biographical and bibliographic sources, many which unpublished,
it’s possible to understand the dimension of the name Augusto dos Anjos in the
intellectuality of his time, in the journalism of his time; it’s possible to discover poems
his published in several newspapers and magazines in several capitals of Brazil, before
his “debut” in 1912; it’s possible to discover poems his, or at least the sources those
poems, still today unpublished; it’s possible to understand how his “debut” was “noisy
and scandalous”, when he launched his the famous book, the Eu. Having as theoretical
support the essays of teachers, sociologists and literary critics Fernando de Azevedo
(1962) and Francisco Foot Hardman (2009), it’s possible to read and thus interpret the
“poetry” of the poet of Pau d’Arco: a poetry interested by the “social problems”; a poetry
in which we listening a voice (and many voices), in which we perceive the to walk of
poet (“morbid fetus”) through roads and alley and streets of the Republic, poet who sees
and listens the “twilight soul” that agonizes in the perpetual brazilian night.
Key-words: Augusto dos Anjos. Biographical and bibliographic notes. Walking poet.
Brazilian Republic. Night of the phantoms.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................09
Pra começo de conversa, o trabalho de notas....................................................................10
PARTE I: O ERRANTE....................................................................................................................................17
CAPÍTULO 1: No engenho Pau d’Arco..........................................................................................18
CAPÍTULO 2: Na Faculdade de Direito do Recife.....................................................................39
CAPÍTULO 3: Na Paraíba (do Norte).............................................................................................66
CAPÍTULO 4: Na capital da República.......................................................................................111
4.1.: Notícias literárias do “Eu”................................................................................................137
4.2.: Notas apensas, não menos importantes....................................................................193
CONCLUSÃO....................................................................................................................................................283
BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................................................286
ANEXOS..............................................................................................................................................................322
9
INTRODUÇÃO
Grande parte destas notas surgiu à noite. Porque a noite acalma. Porque a
noite aclara. Porque a noite acorda. Pelo menos nos acorda e nos mostra e nos faz ouvir
aquele “ruído obscuro de gagueira” oriundo “da vibração bruta da corda / Mais
recôndita da alma brasileira” – assim como diz o poeta peregrino do poema Os doentes –,
dormindo embaixo de vinte centímetros de uma fachada de loja em uma fria noite de
chuva. Verdade, a solução é não tentar ver nem ouvir. Errado fui eu.
Mas, para ser sincero, elas estão incompletas. Pois sempre surge um fato
novo. Pois sempre surge o embargo, também.
De qualquer maneira, elas não objetivam apontar limitações de ou alinhos a
serem feitos em trabalho de pesquisa de ninguém, até porque “Tenho consciência de que
nada sou”1. Na verdade, estas notas apresentam dois objetivos principais.
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, poeta paraibano, dono de uma
única obra, o Eu, livro de versos publicado em 1912 na então capital do Brasil, o Rio de
Janeiro, é um dos poetas brasileiros mais lidos e mais “badalados” de todos os tempos,
pelo menos “atualmente”. Pode pesquisar agora que seu nome lá estará em revistinha ou
jornalzinho ou bloguinho – sim, sem pejoração –, de letras e artes e filosofismos, ou
como os 10 ou 15 poetas mais lidos, mais importantes do Brasil, ou como os 10 ou 15
poetas que não se pode deixar de ler antes de morrer. Pode pesquisar agora que seu
nome lá estará, e a ele serão atribuídos epítetos como “poeta do feio, do sangue, do
escarro, do horror, do repulsivo, da dor, da morte” e tantas outras insignificâncias.
1 ANJOS, A. dos. Vozes de um túmulo. In: _____. Obra completa: Augusto dos Anjos. Organização, fixação de
texto, notas e pesquisa de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 259.
11
alguns célebres leitores (biógrafos e demais “críticos”) da poesia de Augusto dos Anjos.
Incrível como se odeiam – basta ler as biografias augustianas mais “conhecidas”.
Sem falar das inúmeras crônicas e demais textos publicados em jornais e
revistas, cujos assuntos são “os ossos, os restos de Augusto dos Anjos”, o “banimento” do
poeta de sua terra natal, a Paraíba (do Norte). Há muitos textos de ataque e contra-
ataque entre jornalistas e literatos “pernambucanos versus paraibanos” que focalizam
esse “assunto”; textos surgidos, principalmente, a partir da década de 1940.
Não, até que isso poderia ser levantado como discussão, mas em nada
ajudaria – só para não esquecer, logo no início desta pesquisa, essas notícias polêmicas e
de vil ataque entre jornalistas e literatos figuraram, mas achei melhor (por enquanto)
descartá-las. Verdade seja dita: o nome “Augusto dos Anjos” continua gerando audiência.
O mais intrigante é que em pleno 2020, em plena época de pandemia, ainda
podemos “localizar”, depois de longas pesquisas, boa quantidade de ensaios, artigos,
crônicas, notas e demais textos (desde biográficos de a interpretativos da obra de
Augusto) até então “desconhecidos”. O mais surpreendente é que também podemos
“localizar” fontes originais de publicação de alguns poemas seus. Isto mesmo, ainda há
“fonte original” de poemas de Augusto dos Anjos não divulgada até hoje.
E foi pensando naqueles equívocos e desinformações, naquelas fontes
“clássicas” e quase restritas (por enquanto), naquelas polêmicas e desinformações e,
mais ainda, pensando nestas fontes alternativas (ensaios, artigos, crônicas, notas), aqui
amplamente divulgadas, que surgiu a ideia de fazer um trabalho de notas.
A partir da leitura destes ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos, é
possível encontrar algumas informações “extras” da vida e da obra de Augusto dos
Anjos. Portanto, eis o segundo objetivo: tentar fazer outras leituras, se não diferentes, ao
menos que sigam por caminhos alternativos.
A partir da leitura destes ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos, é
possível compreender, por exemplo, quão agitada e “turbulenta” era a imprensa
paraibana da qual Augusto fazia parte; é possível compreender a importância de alguns
projetos inovadores na área da educação dos quais Augusto fez parte, mesmo que não
tenham dado certo – sua coordenação (em parceria com o amigo Abel da Silva) do
Instituto Maciel Pinheiro (Paraíba) e sua participação (como membro) na Enciclopédia
Nacional do Ensino (Rio de Janeiro); é possível compreender que o nome “Augusto dos
Anjos” era notícia muito antes de ele possuir o nome “poeta Augusto dos Anjos”, e a
13
onde, a partir de 1908, o poeta, já formado, passaria a morar “oficialmente”, tendo que
dar aulas particulares em sua residência para garantir seu sustento; e “4: Na capital da
República”, em que assinalo fatos e levanto notas do período em que Augusto residiu no
Rio de Janeiro, entre 1910-1914 – vale destacar que as notas limitam-se até o final de
1913, até as notícias literárias surgidas após o lançamento do Eu.
Como subtópicos deste (último) capítulo, temos: “4.1.: Notícias literárias do
“Eu””, cujo objetivo é fazer a divulgação deste material (notícias literárias) e um rápido
“estudo” das notícias publicadas pelos professores e escritores “libertários” Fábio Luz e
José Oiticica; e “4.2.: Notas apensas, não menos importantes”, cujo objetivo é registrar as
informações relacionadas à “fonte original” de seis poemas de Augusto dos Anjos, assim
como registrar a participação que teve o poeta em uma revista cultural surgida no Rio de
Janeiro, em 1914, chamada “Revista do Norte”.
O segundo momento deste trabalho de notas, “Visões do Errante”, tenta ser
mais “literário”, através de uma “análise” de quatro poemas de Augusto.
Partindo das leituras dos ensaios “O poeta itinerante”, do professor e
sociólogo Antônio Candido (1993), “A poesia social no Brasil”, do professor e sociólogo
Fernando de Azevedo (1962) e, sobretudo, “Espectros da nação: figuras deslocadas
entre saudades e soledades”, do professor e historiador Francisco Foot Hardman (2009),
temos uma espécie de introdução deste segundo momento: “A romaria eterna dos aflitos,
das coletividades que dão gritos”.
Entendendo a poesia em sua “[configuração/] função dinâmica e de marcha”
– primeiro ensaio; a poesia e seu vínculo com os “problemas sociais” – segundo ensaio; a
poesia/literatura e seu constante estrepitar de vozes denunciantes do apagamento de
paisagens, locais, povos, culturas, tempos e fixadas no “deslocamento geográfico e
histórico” e, por isto mesmo, narradoras da única coisa que “sobrou” e que assombra, ou
seja, os espectros (reais) – terceiro ensaio –, podemos adentrar a leitura dos capítulos: “5:
Monólogo de uma Sombra, e as desgraças da alma crepuscular”; “6: História de um
Vencido, e as tragédias do Pau d’Arco”; “7: As Cismas do Destino, e os espectros do Recife”;
e “8: Os Doentes, e os espectros da Paraíba (do Norte)”.
Esses quatro capítulos, do segundo momento, são, portanto, uma tentativa de
análise de quatro poemas narrativos (ou “longos”) de Augusto dos Anjos, já indicados
nos próprios títulos. E as leituras/análises propostas, vale pontuar, e antecipadamente
reforçar, são apoiadas nas reflexões dos ensaios dantes citados. E as leituras/análises
15
Bem, a “Conclusão”.
Para ser sincero, ela não conclui nada. Como, se nem ao menos começamos?!
Destacaria, por ora, a “Bibliografia”, porque ela registra as fontes completas
dos ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos citados e reproduzidos ao longo
deste trabalho de notas; porque ela registra, detalhadamente, informações tanto
biográficas de quanto interpretativas da obra de Augusto dos Anjos; porque ela registra,
detalhadamente, informações fundamentais e secundárias; porque, principalmente, ela
registra algumas fontes “esquecidas”.
Destacaria, também, por ora, os “Anexos”, porque eles trazem seis “fontes
originais”, ou seja, números de jornais e revistas nos quais foram divulgados, pelo
próprio Augusto dos Anjos, seis poemas. São fontes até então “desconhecidas”.
Por fim, também alertaria o e justificaria ao leitor destas notas sobre um
“possível” incômodo verificável ao longo deste: a mescla de vozes entre o “eu-nós”.
Não, não ache que é falta de atenção. Volte uma, duas, três vezes ao título:
“EU, Eles e Nós: notas sobre Augusto dos Anjos”.
Veja que o “eu” está em maiúscula e em itálico; por isso, se refere ao livro de
versos publicado por Augusto dos Anjos. Veja, também, que o “eu” em maiúscula e em
itálico proporciona, como grande obra literária que é, profunda percepção e experiência
individual e, por isto mesmo, como leitor “dela”, assumo estas “leituras”, assumo os
possíveis e os visíveis lacunares deste “percurso”. Veja, ainda, que o “nós”, iniciado por
maiúscula, simboliza, depois dessa primeira percepção e experiência individual de
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leitura, uma coletividade, como se todos nós leitores chegássemos ao estado do “também
vi e ouvi e senti e passei por isso”.
Veja, então, que o “eu” pretende mostrar possíveis caminhos, entre
esperanças e desesperanças. Veja, então, que o “nós” sintetiza o “estamos no mesmo
barco”; o “estamos na mesma canoinha de nada”.
“Eles”. Pela leitura, atenta, creio e cremos que ficará entendível quem são.
Ademais, sinalizaria, já para facilitar a leitura deste trabalho de notas, alguns
dos “procedimentos” aqui adotados: no corpo do texto e nas suas notas explicativas,
todas as reproduções, citações, referências, estão atualizadas conforme o “Novo acordo
ortográfico da Língua Portuguesa” (2009), tanto na transcrição dos nomes das(os)
autoras(es), dos jornais e revistas utilizados e das seções e colunas desses impressos
como na transcrição dos títulos de todos os textos consultados; na “Bibliografia”, por
outro lado, seguem sem nenhuma alteração ou atualização os nomes dos jornais e
revistas utilizados, das seções e colunas desses impressos e, principalmente, os títulos
de todos os textos consultados (até mesmo os localizados em livros mais “antigos” e
raros), ou seja, eles seguem a escrita “original” neste momento, com o intuito de
preservar a “originalidade” da fonte.
Ademais, peço a paciência dos leitores destas notas para com a incessante e
reiterada repetição do nome “Augusto dos Anjos”.
Nada mais para assinalar, sigamos, pois, com esta canção do desatino.
Sigamos, pois, antes que sejamos abatidos. Sigamos, pois, com o trabalho de notas.
17
PARTE I:
O ERRANTE
CAPÍTULO 1:
No engenho Pau d’Arco
2 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), n. 33, jul. 2000, p. 156.
3 Para mais informações sobre a história político-administrativa da porta do brejo paraibano, consultar as
didáticas monografias municipais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Sapé [Paraíba]
– referência completa na bibliografia.
4 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), n. 29, mai. 1996, p. 143. Outro texto do
novos de ordem e de regularidade”5. Para quem prefere: forma que foi perdendo espaço
em fins do século XIX.
Na época de Augusto dos Anjos, o velho engenho não era o mesmo. Tornava-
se cada vez mais obsoleto. Desde o início de 1880, as maiores produções e exportações
dos derivados da cana-de-açúcar estavam sob domínios da Companhia Engenhos
Centrais, de investimentos holandeses. Situação que se acentuou a partir de 1888, com a
instalação do primeiro Engenho Central na Paraíba, anos mais tarde “Usina São João”6,
fincado onde hoje vemos o município de Santa Rita, região metropolitana de João Pessoa.
Os velhos engenhos movidos à água e a braço escravo foram substituídos
pelas “modernas técnicas industriais”. Outrora, por séculos, centros do nordeste. Das
últimas duas décadas do século XIX em diante, resquícios:
No penúltimo decênio do século passado [19] começaram a ser instalados
em Pernambuco e na Paraíba, alguns dos chamados “engenhos centrais”,
dispondo de maquinismos possantes, com capacidade para esmagar a cana
de vários engenhos banguês e de fabricar açúcar de qualidade melhor.
Mas em breve o fracasso deles daria margem ao aparecimento das usinas.7
5 FREYRE, G. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil.
São Paulo: Global, 2013, p. 43. Recurso eletrônico: ISBN 978-85-260-1816-7.
6 NÓBREGA, H. Augusto e a alienação do engenho Pau d’Arco. In: _____. Augusto dos Anjos e sua época.
João Pessoa: Ed. Universidade da Paraíba, 1962, p. 298; ou BARBOSA, F. de A. Notas biográficas. In: ANJOS,
A. dos. EU: Outras Poesias: Poemas esquecidos. 30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965, p. 300.
7 BRUNO, E. S. História do Brasil: geral e regional: Nordeste. São Paulo: Cultrix, 1967, p. 150 (grifos
meus).
20
Oficinas Litográficas dos Srs. Jayme Seixas & C.ª e Manoel Henriques de Sá,
pelas Oficinas de preparo de peles dos Srs. Pessoa e Silva & C.ª, negociantes
desta cidade, e do Sr. Firmino de Cotinha, em Itabaiana, pelas fábricas de
preparo de fumo dos Srs. Roque Barbosa, na capital, e de Morenos, no
município de bananeiras, pela fábrica do sal e viveiros de peixe do Sr. Félix de
Belici, pela fábrica de importantes queijos e saborosa manteiga da fazenda
Riachão, em Souza, propriedade do coronel José Gomes de Sá e outras pequenas
indústrias que vão se incrementando.16
16 Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), n. 1, 01 set. 1906, p. 24 (grifos meus).
17 LINS, A.; PAZ, P. Fábrica de cimento Portland na Paraíba é a primeira da América Latina, diz
estudo da UFPB. Disponível em: https://www.ufpb.br/ufpb/contents/noticias/pesquisador-da-ufpb-
descobre-ruinas-da-primeira-fabrica-de-cimento-portland-na-america-latina. Acesso em: jul. 2020.
18 Trechos que estavam no papel desde 1871 e sob os cuidados da companhia “Conde d’Eu Railway”. Para
mais informações, consultar: ALMEIDA, J. A. de. O problema das distâncias. In: _____. A Paraíba e seus
problemas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2012, p. 278-308.
19 Construída pela companhia Conde d’Eu Railway.
23
oriundos dos sertões centrais de toda a região, que se exilavam em busca de melhores condições de vida
nas novas cidades-polo, entre elas Santa Rita, Cabedelo, ou mesmo as tradicionais Campina Grande e João
Pessoa (na época, Paraíba do Norte). Os novos núcleos, agora urbanos, contariam com abastecimento
“regular” de água em 1912, com fornecimento “regular” de iluminação elétrica em 1913 e, alguns, com
funcionamento de bondes elétricos, também em 1913.
23 ANJOS, op. cit., p. 245.
24
da Hileia: Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São Paulo: Fundação Editora da Unesp,
2009, p. 293.
25
27 DE CASTRO E SILVA, D. Augusto dos Anjos: o poeta e o homem. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do
Livro, Fundação Nacional Pró-Memória; Campinas: Lisa, 1984, p. 37 (grifos meus).
28 VIDAL, A. V. de M. O outro Eu de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 63.
29 São correspondências assinadas e datadas das capitais Paraíba (do Norte – ainda não era João Pessoa; e,
de vez em quando, das estações ferroviárias que ficavam entre as linhas principais do estado: Coité, Cobé e
Entroncamento), quando o poeta fez o curso de “madureza” no Liceu Paraibano; Recife, quando fez o curso
de Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito; Rio de Janeiro, então capital federal, quando aí morou entre
setembro de 1910 a junho de 1914. Poucas cartas datam de Leopoldina, cidade do interior mineiro que
26
abrigou o poeta (e família) nos seus últimos meses de vida – para mais detalhamento dessas
correspondências “atualizadas”, consultar a edição organizada por Alexei Bueno (1994, p. 675-790): Obra
completa: Augusto dos Anjos.
30 Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 219-220) questiona sobre datas não mencionadas por Ademar
Vidal, já que em O outro Eu de Augusto dos Anjos o autor informa que conheceu Augusto de perto, num
curto período em que recebeu aulas de reforço dadas pelo poeta. Magalhães lembra que Vidal fala “numa
clara manhã de outubro”, devendo ser, por isso, o ano de 1909, pois em outubro de 1910 Augusto já havia
deixado a Paraíba, e em outubro de 1908 Vidal não tinha idade para fazer os exames de “madureza”. O
historiador completa: “[...] o retrato que Ademar Vidal apresenta do antigo mestre, mais de meio século
depois, em O outro Eu de Augusto dos Anjos, deve ser encarado com reservas, por causa do longo tempo
decorrido e por se tratar de impressões de uma criança, com menos de dez anos, quando o poeta deixou a
terra natal e se viram pela última vez [...]”. Magalhães Júnior também fala de um artigo publicado por Vidal
no jornal paraibano A União, a 4 de janeiro de 1920, dizendo que nele o autor esboçou ideias confusas – o
artigo consta na bibliografia deste (“Augusto dos Anjos”). Ainda faz duras críticas a Vidal por conta do
período que este ficou com as cartas de Augusto dos Anjos, que lhe foram entregues por D. Córdula,
quando na verdade deveria ter divulgado esse material muito antes – vale destacar que na introdução da
biografia feita por Ademar Vidal, aparece a assinatura datando de fevereiro de 1963, do Rio de Janeiro, e o
próprio Vidal diz que já existiam, há mais de vinte anos, essas páginas sobre as “lembranças de 1909”...
27
primeiros de agosto, tendo o dia “5” como data em homenagem à santa, circulava na
capital um pequeno jornal chamado Nonevar.
Para o momento, apenas interessam os dados fornecidos por Nóbrega em
relação aos moradores das terras do Pau d’Arco, especificamente “uma moradora”. Em
sua pesquisa, o biógrafo demonstra que a ama de leite, a Guilhermina, realmente existiu.
Ela “ajudava” a cuidar dos filhos de D. Córdula. De modo geral, fazia de um tudo na casa:
Bonita, de cor morena, bem escura, chegou ao Pau d’Arco, em plena
adolescência, e, muito não demorou, veio a ter filhos dos “cabras” da bagaceira.
Pobre Guilhermina! Não teve, sequer, a ventura de conhecer os encantos de um
lar. Mas o destino deu-lhe a glória de ter sido ama de leite de um dos
maiores poetas deste século.
Infortunada Guilhermina! Nunca soube da grandeza de Augusto, a
quem dera tanta seiva, seiva sem a qual, talvez, o poeta não houvesse
sobrevivido.31
José Lins do Rego, outro escritor que observou e sentiu todo esse ambiente
de ruínas de (velhos) engenhos de açúcar, recorda os mesmos quadros de uma época
distante e saudosa – ele não descreve os “amigos anônimos” de Augusto dos Anjos,
antes, os velhos engenhos. Para o romancista de Menino de engenho, Fogo morto, Usina, o
“menino de engenho” crescia sabendo da “realidade do seu povo derrotado”. Augusto
dos Anjos, menino (de engenho), entregue a esse sanatório,
[...] havia de perceber que a terra fugia dos pés de sua gente. Os meirinhos
rondavam a casa-grande, o doutor [Alexandre] declina e compõe. As canas
acamam na várzea úmida, e a roda-d’água parada mostra as suas comportas,
como dentaduras podres expostas ao tempo. [...]32
Casa-grande. Expressão mais que atual. Esta sim não se dilui no tempo.
As palavras do romancista são lembrança e biografia. Lins do Rego traça o
paralelo do declínio do engenho Pau d’Arco com a falta de vocação para o trabalho
braçal do dr. Alexandre dos Anjos e de seus filhos. O engenho (e toda a propriedade) dos
antigos “Fernandes de Carvalho”, ascendentes da mãe de Augusto dos Anjos, como já
mencionado, fora vendido em 1910 para serem quitadas dívidas antigas, pois tudo
estava hipotecado desde 189233 – lembrando que, em 1910, o dr. Alexandre, pai de
Augusto, e o dr. Aprígio, padrasto da mãe de Augusto, já haviam falecido.
Os engenhos centrais e, pouco tempo depois, as modernas usinas de açúcar,
tomariam conta da paisagem da várzea paraibana.
Já na década de 1940, por exemplo, no lugar das ruínas do engenho Pau
d’Arco estava localizada a “Companhia Usina São João e Santa Helena S.A.”, dirigida pelo
deputado federal Renato Ribeiro Continho e seus irmãos (Odilon e João Úrsulo). Na
época, era uma das maiores empresas da Paraíba.
As mesmas terras do antigo engenho Pau d’Arco, em 1940, segundo uma nota
da revista carioca Vamos Ler34, guardavam marcas da família de Augusto dos Anjos,
principalmente uma em especial do seu poeta-mor, do “grande, torturado e genial
poeta”, detentor de versos que o tornaram maior entre os maiores: o majestoso (e
conservado, diz a nota) tamarindo, árvore que Augusto tanto cantou.
No texto referido, são reproduzidos versos do soneto A árvore da serra, assim
como fotografias da casa onde residia Renato Ribeiro Coutinho (dono da então Usina),
da casa onde funcionava uma “criação de pombos correio”, da própria “majestosa” Usina
Santa Helena e, claro, do pé de tamarindo, a árvore que Augusto dos Anjos cantou
naquele soneto – muito embora esta última fotografia em nada ajuda a entender a
paisagem. A nota da revista termina grata aos industriais “nordestinos” pela preservação
da memória de Augusto, pela conservação das coisas “que mais de perto o poeta amou
na vida” – o tamarindo –, e pelo prestígio a ele dedicado.
Sobre o pé de tamarindo – para muitos o único “objeto” venerado e amado
por Augusto dos Anjos –, e ainda sobre as paisagens do antigo engenho Pau d’Arco, José
Lins do Rego, também naquela revista, em 1938 (nos 24 anos de falecimento do menino
de Pau d’Arco), voltava a trazer lembranças suas da época de “menino de engenho”.
O escritor começa dizendo que sempre foi um enigma para os críticos
saberem o porquê de tanta popularidade de Augusto dos Anjos, já que nem mesmo
romancistas alcançaram tanto sucesso de venda e de público. E que uma das possíveis
33 Segundo Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 300-301), o dr. Aprígio, responsável pelos negócios da
família, havia pedido um adiantamento financeiro junto à principal empresa de exportação de açúcar e
algodão da Paraíba na época, a francesa “Cahn Frères & Cie”, na tentativa de descontar notas promissórias
do Banco Emissor de Pernambuco, de quando havia hipotecado os engenhos (Coité e Pau d’Arco), em
1892. Mas, como há muito (as notas) estavam atrasadas e, para se somar à crise, com o preço do açúcar
caindo drasticamente (a nível de mercado mundial), foi obrigado a vender todo patrimônio.
34 Vamos Ler!, n. 471, 09 ago. 1945, p. 61.
29
explicações seria a de que havia “na poesia difícil de Augusto dos Anjos muita dor,
sofrimento, muita nota de profunda dor e um derramamento de lirismo que a ciência
pedante do poeta não pôde destruir”35.
Pois é, muita dor e sofrimento que poucos entendem. Pois são de poucos, ou
melhor, de muitos, estas dores e sofrimentos. Constantes. Duradouros. Cotidianos.
José Lins do Rego diz ainda que quando “menino” de 15 anos, isso por volta
então de 1916, estava sempre visitando o antigo engenho Miriri, à época localizado no
município de Mamanguape, junto a seu primo Augusto Viera. Diz que durante o percurso
passava pelo Pau d’Arco, observando aquele engenho “triste mesmo, com a casa grande
de muitas janelas, a senzala, o pé de tamarindo por detrás e, mais abaixo, o açude”.
Aludindo ao soneto A árvore da serra, fala do tamarindo onde chorou Augusto
dos Anjos e do pai do poeta, Alexandre, a quem os filhos, os demais moradores do
engenho e “os negros” chamavam de “doutor”.
A nota de Lins do Rego é de rememorações pessoais: ele fala das brigas que
havia entre seu avô, José Lins (Cavalcanti de Albuquerque), e o primo do seu avô,
Joaquim Francisco Vieira de Melo (o dr. Quincas do engenho Novo), pela posse das terras
do Pau d’Arco. E esse fato é interessante porque biográfico, pois o engenho, o mesmo
engenho triste, passou a ser posse do dr. Joaquim Vieira em 1910, seu comprador e, em
poucos anos, já na década de 1920, é que seria posse dos Ribeiro Coutinho36.
O romancista continua: o poeta e político paraibano Alcides Carneiro havia
lhe dito que os novos donos da então Usina Santa Helena (os Ribeiro Coutinho) iriam
fincar no local uma placa de bronze para lembrar daquele que fora esquecido pelos
conterrâneos: Augusto dos Anjos.
E, naquele bucólico retiro, onde estava situado o antigo engenho Pau d’Arco,
onde andara pelos matos o menino Augusto (dos Anjos), “agora” (final da década de
1930), finaliza José Lins do Rego o seu texto da revista Vamos Ler, gritavam “bem por
perto do tamarindo os silvos das máquinas, a usina quebrando cana geme alto com as
suas rodas dentadas. O Pau d’Arco é uma fábrica”.
As rodas dentadas da fábrica “viveram” até o final do século XX. A Usina Santa
Helena entra em crise no final da década de 1980, parando de funcionar, em definitivo,
nos primeiros anos de 199037, momento, desde antes de 1960, de constantes conflitos
entre pequenos trabalhadores canavieiros locais e antigos donos ricos de usinas e de
grandes porções de terra na área (do município de Sapé).
A situação “atual” pode ser melhor conferida na dissertação do professor e
sociólogo Orlandil Moreira, O sindicato e a usina: redefinindo relações: um estudo sobre as
repercussões das lutas sociais dos canavieiros no município de Sapé. Vale destacar que,
justamente no período da ditadura militar – achas mesmo que foi movimento? –,
recrudesceram gravíssimas tensões na região, havendo não somente perseguições de
pequenos produtores e destruição de suas pequenas propriedades, mas também o cruel
assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, em abril de 196238, fatores que
impulsionaram o crescimento do sindicalismo rural na Paraíba – mais “assustador”
quando sabemos que o processo de criação do sindicalismo rural no estado estava sob
influência de atores externos: igreja, Estado (armado) e proprietários rurais (MOREIRA,
1996, p. 24).
E entre o vai e vem de ruínas de engenhos na várzea paraibana, de crises
usineiras e, pior, de mortes nos canaviais, atualmente além de funcionar no local da
antiga Usina Santa Helena (e mais antigamente, antigo engenho Pau d’Arco) o “Memorial
Augusto dos Anjos”39, criado em 2006, funcionam em suas terras assentamentos
rurais40. As terras, hoje em dia, são da memória de Augusto dos Anjos e do povo.
fazendeiros matam o líder camponês João Pedro Teixeira. 1962. Disponível em:
<http://memorialdademocracia.com.br/card/o-assassinato-do-cabra-marcado>. Acesso em: jul. 2020.
39 MEMORIAL AUGUSTO DOS ANJOS (Sapé, PB). Disponível em:
<https://www.memorialaugustodosanjos.com/untitled>. Acesso em: jul. 2020.
40 De acordo com os dados do INCRA, atualizados há quase três anos atrás, no assentamento rural das
terras da Usina Santa Helena estavam na época 205 famílias. O projeto de assentamento data de maio de
1998. Para mais informações, consultar: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
(Brasil). Incra nos Estados: informações gerais sobre os assentamentos da Reforma Agrária:
[Paraíba]. 2017. Disponível em: <http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php>. Acesso em: jul. 2020.
31
De Castro e Silva, Ademar Vidal, Humberto Nóbrega, José Lins do Rego, Assis
Barbosa. Todos fornecem informações preciosas da época em que Augusto dos Anjos
vivia no engenho Pau d’Arco. O filho do dr. Alexandre dos Anjos e de D. Córdula dos
Anjos passou toda sua infância nesse brejo, na várzea paraibana. Ausentou-se do lar
periodicamente: durante seu curso preparatório no Liceu Paraibano, em 1900, na capital
do seu estado natal; a partir de 1903, durante o curso de Ciências Jurídicas, no Recife,
terminando-o em 1907; e, em definitivo, a partir de agosto de 1908, conforme o que
podemos ler nas correspondências do poeta enviadas à sua mãe, referindo-se à procura
de uma casa na capital da Paraíba, para onde iria quase toda a família.
Recuando.
Assim que se inicia o “século do progresso e da modernidade”, tudo muda. O
tão moço Augusto dos Anjos, então com 16 anos de idade, começa a frequentar
assiduamente a capital do estado da Paraíba (a cidade, a “metrópole”, a “urbe natal do
desconsolo”) a partir de 1900, depois de ingressar no Liceu Paraibano, tradicionalíssima
instituição de ensino. Em correspondência datada de 18 de agosto, assinada da capital,
escrevia à sua mãe pedindo-lhe condução para o engenho Pau d’Arco41.
Um adendo: a ideia deste primeiro momento é a de compartilhar variadas
fontes, disponíveis em revistas e jornais, principalmente. Embora pareça o contrário, em
hipótese alguma pretende-se aqui fazer biografia de Augusto dos Anjos. Sabemos que os
dados desse tipo de trabalho já estão consolidados pela importância e pioneirismo. Por
isto mesmo, o compartilhamento de informações outras, recuperadas em variados
ensaios, crônicas, notas, palestras, artigos publicados em periódicos, quem sabe possa
fornecer material digno de nota, auxiliando àqueles que precisam. Então, sigamos.
O ano de 1900 é também a data da primeira publicação “oficial” de Augusto
dos Anjos. Trata-se do soneto Saudade42, estampado no Almanaque do Estado da
41 Todas as cartas serão referendadas pela pesquisa organizada por Alexei Bueno (1994, p. 675-790),
Obra completa: Augusto dos Anjos. Nela, há o material coligido (e atualizado) das pesquisas pioneiras
de Demócrito de Castro e Silva, de Ademar Vidal e de Humberto Nóbrega.
42 ANJOS, 1994, p. 369 (Poemas esquecidos). Para se ter uma melhor integridade dos dados indicativos de
local e data de publicação originais e onde figuram esses poemas (“atualmente”), são utilizadas as edições
organizadas por Zenir Campos Reis (1977), Augusto dos Anjos: poesia e prosa: na referência dos
poemas coligidos em “Eu” e em “Outras poesias”; e Alexei Bueno (1994), Obra completa: Augusto dos
Anjos: na reprodução de versos/estrofes dos poemas coligidos em “Eu”, “Outras poesias” e em “Poemas
32
Paraíba daquele ano. Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 18-19), em uma das
melhores biografias sobre o poeta, Poesia e vida de Augusto dos Anjos, esclarece que,
como os almanaques eram impressos e postos à venda no início do ano, possivelmente
esse soneto fora escrito ainda em 1899.
Desde o curso no Liceu Paraibano que Augusto mantinha contato com a
mocidade da capital, entre eles Santos Neto e Orris Soares, os mais “conhecidos” através
das biografias (augustas); ou mesmo com outros nomes de contemporâneos, alguns
mais experientes, e todos participantes ou das “letras e artes” ou do jornalismo – esta,
atividade efervescente no estado: Américo Falcão, Raul Machado, Rômulo Pacheco, Abel
da Silva, Eduardo Seixas, Augusto Belmont, Eduardo Tapajós, João Lira, Leonardo Smith,
Assis Vidal, Antônio Elias, Manoel Tavares, Eduardo Pinto43.
Afirma Magalhães Júnior que por causa do contato com Santos Neto, filho de
Artur Aquiles, grande nome do jornalismo paraibano e diretor d’O Comércio, o rapaz de
Pau d’Arco passaria a colaborar frequentemente nesse jornal a partir de janeiro de 1901,
publicando dezenas de suas autorias44.
Humberto Nóbrega (1962, p. 154-156) reproduz em sua pesquisa biográfica
uma carta que lhe foi enviada por Celso Mariz, paraibano conhecido na imprensa do
estado e que também manteve contato com Augusto dos Anjos na época em que
trabalharam juntos na redação daquele jornal. Datada de dezembro de 1958 e
reproduzida por completo, a correspondência registra lembranças de Mariz de quando
ele iniciava sua carreira n’O Comércio que, segundo ele, era o jornal mais procurado da
época e bem quisto entre os jovens, os políticos de oposição e o povo.
Além de alguns nomes citados anteriormente, destacavam-se no periódico,
segundo Mariz: Coriolano de Medeiros, Ascendino Cunha, Oscar Soares (irmão de Orris
Soares), Álvaro de Carvalho, Neves Filho, Benjamin Lins, Esperidião de Medeiros e Artur
Moreira Lima. O jornalista afirma que às “fileiras dessa comparceria cívica e literária,
chegou Augusto, repontando em luminosidades originais, que ainda não eram as da fase
esquecidos”. A biografia de Magalhães Júnior (1977), Poesia e vida de Augusto dos Anjos, e o texto de
Francisco de Assis Barbosa (1968), Contribuição para uma edição crítica das poesias de Augusto dos
Anjos, também auxiliam – lembrando que as referências completas de todos estão na bibliografia.
43 Esses e outros nomes podem ser consultados na pesquisa de Nóbrega (1962, p. 95), capítulo Augusto
faceto, no qual o autor reproduz versos feitos pelo poeta quando ele “perfilava” (ironicamente) os ilustres
rapazes nas páginas do jornalzinho Nonevar, jornalzinho que circulava durante a festa da padroeira da
Paraíba (do Norte), Nossa Senhora das Neves, festa realizada anualmente entre julho-agosto.
44 O que aconteceu até julho de 1907, com a publicação do conhecidíssimo Ricordanza dela mia gioventú,
no dia 31. O Comércio parou de funcionar nesse ano – consultar Magalhães Júnior (1977, p. 173).
33
1901.
Ceticismo, “Desci um dia ao tenebroso abismo, / Onde a Dúvida ergueu altar
profano”45; Mágoas, “Cansado de chorar pelas estradas [...] / Hoje eu carrego a cruz das
minhas dores”46; O condenado, “O mundo é um sepulcro de tristeza, / Ali, por entre
matas e ciprestes, / Folga a justiça e geme a natureza”47; A máscara, “E entre a mágoa
que a másc’ra eterna apouca / A Humanidade ri-se e ri-se louca / No carnaval intérmino
da vida”48; A louca, “Moça, tão moça e já desventurada [...] / Vai morta em vida assim
pelo caminho”49; Primavera, “E tu hás de dormir o eterno sono, / Num sepulcro de rosas
e de flores”50; A esperança, “E eu, que vivo atrelado ao desalento, / Também espero o fim
do meu tormento”51; Tempos idos, “Não enterres, coveiro, o meu Passado, / Tem pena
dessas cinzas que ficaram”52; Versos d’um exilado, “Exilado de ti, oh! Pátria! ausente / Irei
cantar a mágoa peregrina”53.
Esses são alguns dos muitos poemas (sonetos) que datam de 190154. Menos
conhecidos da obra de Augusto, não tendo sido nenhum deles incorporado ao Eu (1912),
alguns foram divulgados por De Castro e Silva nas décadas de 1940, Augusto dos Anjos:
poeta da morte e da melancolia55; e 1950, Augusto dos Anjos: o poeta e o homem56. E disto
não podemos esquecer, pois é trabalho de respeito e de valorização da obra do poeta.
Z. C. Cronologia da produção intelectual. In: ANJOS, A. dos. Augusto dos Anjos: poesia e prosa. São Paulo:
Ática, 1977, p. 30-37; BUENO, A. Notas e variantes. In: ANJOS, A. dos. Obra completa: Augusto dos Anjos.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 815-861; BARBOSA, F. de A. Contribuição para uma edição crítica das
poesias de Augusto dos Anjos. Revista do Livro: órgão do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, ano
11, n. 34, p. 25-53, set. 1968.
55 Soneto [Gênio das trevas lúgubres, acolhe-me]; O mar; Soneto [Aurora morta, foge! Eu busco a virgem
loura]; Cravo de noiva; Soneto [Canta teu riso esplêndida sonata]; Cítara mística; Plenilúnio; Dolências;
Afetos; Martírio supremo; Régio; Mártir da fome; Noturno; Idealizações; A esmola de Dulce; A luva; André
Chenier; Mística; Ilusão; Canto íntimo; Gozo insatisfeito; Festival; A vitória do espírito; Súplica n’um túmulo;
O negro – este, De Castro e Silva reproduz com o título de “Vencedor”. Nesta primeira pesquisa, da década
de 1940, os versos divulgados são em sua maioria os datados de 1902, todos publicados n’O Comércio.
34
Como não é proposta analisar o referido material, uma pequena nota: descer
ao tenebroso abismo, chorar pelas estradas, andar carregando cruzes, rir
magoadamente no carnaval da vida, dormir o eterno sono num sepulcro de flores,
atrelar-se ao desalento, cantar a mágoa peregrina. Todos são versos escritos antes de
Augusto dos Anjos frequentar o “mundo” da Faculdade de Direito do Recife. Segundo
Magalhães Júnior, esta é a fase em que o poeta mergulha no simbolismo57.
Citando o ensaísta Andrade Muricy e seu Panorama do movimento simbolista
brasileiro, pesquisa que inclui Augusto dos Anjos no movimento, Magalhães Júnior
assinala semelhanças do poeta paraibano com a escola simbolista, tais como a utilização
de vocabulário e/ou temas específicos, a partir de expressões como exílio, mistério, azar,
peregrinação, tédio, maldição, funéreo, sonho, elevação; a repetição de palavras dentro
de uma mesma estrofe; e o uso constante de maiúscula nas mencionadas favoritas
expressões (litúrgicas) dos simbolistas. Segundo Magalhães, esta é a fase em que o poeta
“começava a se debruçar sobre si mesmo, na sondagem de seus abismos interiores”.
Por enquanto, apenas destaco o “descer ao tenebroso abismo”, o “chorar
pelas estradas”, o “andar carregando cruzes”, o “rir em mágoas no carnaval da vida” e o
“cantar a mágoa peregrina”. E eis que percebemos uma constante – claro, temática: a
peregrinação e o cantar durante o carregar de cruzes pela vida.
56 Além de figurarem (pelo menos na segunda edição, datada de 1984) os poemas da primeira pesquisa, à
segunda são acrescidos os mais antigos de Augusto dos Anjos, datados de 1901: Saudade; O condenado;
Mágoa; Soneto [Ouvi, senhora, o cântico sentido]; Triste regresso; Infeliz; Soneto [N’augusta solidão dos
cemitérios]; À caridade; Noivado; Soneto [No meu peito arde em chamas abrasada]; Amor e religião.
57 MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 33-42. Consultar Nas águas do simbolismo.
58 ANJOS, 1994, p. 398 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 24-10-1901.
59 Nortista, n. 52, 28 dez. 1901, p. 3.
35
1902.
Augusto dos Anjos seguia colaborando n’O Comércio da Paraíba. São
registrados poemas seus em todos os meses desse ano.
Assim como Raimundo Magalhães Júnior, o pesquisador Zenir Campos Reis
(1977, p. 23-29) faz apontamentos desse aspecto peculiar verificado na obra de Augusto
dos Anjos, deste poeta que, “tematizando a vida prática e a história, [...] explicita ideias
que permitem pensar o interessantíssimo problema do intelectual brasileiro”. Além de A
peste, há o poema Ave liberta (escrito em comemoração do aniversário da Proclamação
da República, em 15 de novembro de 1901) e a crônica Tiradentes (e outros textos em
prosa de Augusto dos Anjos que, mais tarde, apareceriam com mais frequência no jornal
de Artur Aquiles, intitulados “Crônicas Paudarquenses”) que o organizador de Augusto
dos Anjos: poesia e prosa exemplifica como o que pode ser lido por esta perspectiva de
uma obra “atualizada” com a história presente e passada.
Olhemos A peste, a filha da raiva de Jeová que tanto ceifa e sepulturas planta,
que tanto ri e mortes semeia, segundo o eu: “E como o sol que a segue e deixa um rastro
/ De luz em tudo, ela, como o sol – o astro – / Deixa um rastro de luto em cada canto!”64.
Magalhães Júnior (1977, p. 60) afirma que este soneto coincide com “as notícias
publicadas nos jornais locais sobre um surto de peste bubônica que começara a assolar a
região nordeste”. Notícias publicadas, segundo o biógrafo, em face “do alarmismo da
imprensa”.
Na seção “Saúde Pública” dos relatórios anuais apresentados na Assembleia
Legislativa da Paraíba, ano de 1902, o presidente (governador) do estado, José Peregrino
de Araújo, a “autoridade” do momento, fazia crer que a conjuntura não era simples
“alarmismo” da imprensa.
Dizia o governador que a situação da saúde da população paraibana era
precária, principalmente em se tratando da capital e em relação à varíola, doença que
assolava o estado desde o ano anterior; sem contar no alto número de pessoas com febre
nas cidades de Campina Grande, Alagoa Grande e na própria capital. O governador
informava de suas medidas tomadas, como vacinação, isolamento de enfermos e envio
de ambulâncias para cidades de maior risco epidemiológico. Eis a situação:
Além da varíola, que na minha anterior mensagem, declarei se haver
manifestado com bastante intensidade em Bananeiras e ficou debelada até o
fim de outubro, manifestou-se em dezembro na comarca de Princesa uma febre
de caráter desconhecido ali e com tal impetuosidade, que obstou a
continuação do inquérito aberto sobre o bárbaro assassinato ali praticado em 6
de janeiro, do qual fiz menção em outra parte desta mensagem, obrigando o dr.
Chefe de Polícia a adiar as diligências iniciadas e prosseguidas após o
desaparecimento da epidemia, que mais tarde reapareceu.
Foi superior a cem o número de vítimas sacrificadas por essa moléstia,
inclusive os dois executores do bárbaro atentado a que acabo de referir-me e
alguns de seus cúmplices.
[...]
Além disso, tendo se manifestado no Recife a peste bubônica, teve a
Administração necessidade de estabelecer um posto sanitário na estação Rosa e
Silva da ligação das estradas de ferro “Conde d’Eu” neste estado e “Limoeiro” no
de Pernambuco, e empregar outras medidas no intuito de evitar transmissão
desse terrível morbus ao nosso estado, fazendo com tais medidas avultadas
despesas.65
A peste de Augusto dos Anjos plantava luto em cada canto, plantava morte
por onde passava. A querida Paraíba registrava, desde 1901, continuando em 1902,
surtos de doenças graves e, pior, inúmeras mortes. Verdade, não era simples alarmismo.
Enfim, Magalhães Júnior destaca que, nesta época, outubro de 1902, o poeta
já estava “fazendo nome” e se impondo “no meio provinciano” através de seus versos
Mensagem do governador da Paraíba para a Assembleia (PB), n. 1, 01 out. 1902, p. 15-17 (grifos
65
meus).
38
publicados n’O Comércio – mesmo que a maioria deles não tenha sido incorporada à
edição livresca de 1912.
Aproximavam-se os exames da Faculdade de Direito do Recife.
39
CAPÍTULO 2:
Na Faculdade de Direito do Recife
1903.
Nas páginas do mais antigo periódico em circulação do Brasil, o Diário de
Pernambuco, da capital Recife – divulgador de reuniões e eventos acadêmicos, da
relação periódica dos candidatos às vagas de ingressante e dos aprovados e reprovados
de cada semestre letivo da Faculdade de Direito –, também podemos encontrar um e
outro dado biográfico de Augusto dos Anjos e de sua “vida acadêmica”.
Não consegui localizar a lista dos alunos aprovados para o primeiro ano do
curso jurídico, em 1903, lista na qual deve estar o nome de Augusto. Mesmo assim, as
biografias já conhecidas dão conta de que o poeta ingressou neste ano, especificamente
em março, período dos exames orais (MAGALHÃES JR., 1977, p. 80).
As datas também podem ser confrontadas a partir das (anteriormente)
mencionadas cartas que o poeta enviava à sua mãe, de quando ausente do Pau d’Arco.
Na correspondência datada de 27 de fevereiro, por exemplo, já escrevia da
capital Recife informando-a da viagem realizada; tinha viajado com o Juca, ajudante da
família. Dizia que, durante o percurso, ambos haviam sido pegos por uma terrível chuva,
a “majestade impiedosa” que os havia deixado molhados iguais a duas “catadupas
ambulantes”. Terminava a carta “recomendando” a todos do engenho, a todos da casa, à
Amélia e à Donata (empregadas), à Joana, aos irmãos, ao pai e aos demais familiares – no
começo da missiva, havia desejado melhoras ao pai que estava com a saúde debilitada.
Agora, duas notas.
Augusto, ao referir-se à forte chuva que deixara ele e o Juca molhados
durante a viagem Paraíba-Pernambuco, utiliza um aposto comparativo, em tom
adjetivante, recurso que lhe é peculiar: “essa majestade impiedosa”, dando bastante
ênfase à chuva, à majestade que os deixara iguais a duas “catadupas ambulantes”, a duas
“cachoeiras” pelo tanto de chuva que tomaram.
Na mesma carta, ao referir-se à sua estadia na capital Recife (na casa de
parentes) durante a realização dos exames da faculdade, falava dos dias de carnaval que
ali ocorreram com bastante festividade. Confessava à sua mãe que pouco havia se
40
68 AZEVEDO, F. de. A poesia social no Brasil. In: _____. Máscaras e retratos: estudos literários sobre
escritores e poetas do Brasil. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962.
69 HARDMAN, F. F. Sinais do vulcão extinto. In: _____. Nem pátria, nem patrão!: memória operária, cultura
70Não, nenhum dos dois ensaios – este do professor Hardman e o do professor Azevedo –, devem ser
assim reduzidos em dois parágrafos. Portanto, suas leituras são imprescindíveis.
43
amarga sirva como denúncia, como voz que, de certa maneira, reivindica “alguma coisa”;
ou, quem sabe, apenas grita.
As notas sobre isso aparecem mais detalhadas no segundo momento deste
trabalho (de notas), onde figuram os poemas narrativos de Augusto dos Anjos. Mas, de
antemão, destacaria “passagens” dos poemas História de um vencido e As cismas do
destino, que são, respectivamente, os capítulos “6” e “7” desta pesquisa. No primeiro, o
eu pergunta a si mesmo: “Pois havia de, assim, nesta maldita senda / De sofrimento
ignaro em sofrimento ignaro / Ir caminhando até tombar sem um amparo / No
tremendo marneI da Desgraça tremenda?!”71. No segundo, o eu pergunta a si mesmo:
“Por que há de haver aqui tantos enterros? / Lá no “Engenho” também, a morte é
ingrata... / Há o malvado carbúnculo que mata / A sociedade infante dos bezerros!”72.
Ao “se perguntar” sobre os tombos e as mortes e os enterros, tanto do “Velho
vencido” (do primeiro poema) quanto da população noturna de Recife e da “sociedade
dos bezerros” do velho engenho Pau d’Arco (do segundo poema), o eu acaba que
consentindo, aceitando a normalidade desses tantos “tombos e mortes e enterros”. Ou
seja, os tombos e mortes e enterros desses “vencidos” tornam-se algo normal; muito
embora, em vários momentos dos mesmos poemas, o eu expressa o forte sentimento de
mágoa, de remorso, de agonia.
Também é oportuno registrar como exemplo o soneto O negro, o filho da
“Hotentótia ufana”, cujos braços servem de escudos, mas dois escudos “mudos”; cujos
braços, por séculos, ao encontro dos ferros, “Gemeu por muito tempo a alma africana”73;
em cujos braços fulge, “atualmente”, ao encontro do sol brasido, o “mordente dos
mormaços”. O soneto é terminado com o eu dizendo que todos os “produtos” da terra, as
flores, os metais e os frutos, são vistos como símbolos de um colorido, mas um colorido
oriundo do sol e do suor e sangue deste negro. Isto mesmo, o sangue do negro.
Referindo-se a esse poema de Augusto dos Anjos – que foi publicado em maio
de 1905 n’O Comércio da Paraíba –, Magalhães Júnior (1977, p. 116) afirma que o poeta
apenas “exprimia sua admiração pelos humildes trabalhadores que conhecera no
engenho Pau-d’Arco, com seus “braços de força soberana/gloriosamente à luz do sol
desnudos””, trabalhadores “apenas egressos do cativeiro em que “ao bruto encontro dos
ferrões agudos/gemeu por muito tempo a alma africana””.
Admiração ou não por parte do homem e poeta Augusto dos Anjos, a ideia
inicial de poesia engajada e, por isto mesmo, denunciante através de seu vezo irônico
que é, ao mesmo tempo, embebido de “fina sensibilidade” para com os “vencidos e
desgraçados”, pode ser importante na interpretação dos versos do poeta, e talvez até
possa amenizar aquela contradição anteriormente mencionada.
Assim, sigamos com mais dados biográficos de Augusto dos Anjos,
especialmente a partir da leitura das “cartas”.
74 Ibid., p. 681.
75 Ibid., p. 683.
45
1904.
Deste ano, são conhecidos nove poemas de Augusto dos Anjos, sete
publicados n’O Comércio paraibano: Vandalismo, Sonho de amor e o longo Ode de amor,
de janeiro; Soneto [A orgia mata a mocidade, quando] e Festival, de outubro; Noturno e o
longo A vitória do espírito, de novembro. Dos outros dois, não se tem registro algum em
periódico; suas datas são conhecidas por conta das assinaturas presentes no Eu: “Pau
d’Arco – 1904”, em Eterna mágoa e em A ilha de Cipango (outro longo).
Sem dúvidas, Eterna mágoa é um dos poemas mais chamativos deste período,
já que “[...] essa mágoa infinda assim, não cabe / Na sua vida, é que essa mágoa infinda /
Transpõe a vida do seu corpo inerme; / E quando esse homem se transforma em verme
/ É essa mágoa que o acompanha ainda”77. Contudo, o que mais chama nossa atenção é
esse intervalo de nove meses sem publicações de Augusto dos Anjos, pois o poeta
publicou autorias em janeiro e seu nome voltaria a aparecer no jornal de Artur Aquiles
somente a partir de outubro.
Se, para alguns, a doença agravada do pai, a crise financeira da família, os
demais problemas de uma “vida atribulada”, tudo isto interrompeu seus planos na
Faculdade de Direito do Recife, planos de concluir dois anos do curso em um só, a
“turbulência” do ano eleitoral de 1904 também deve ser melhor analisada. Inda mais em
relação à colaboração do poeta na imprensa da Paraíba.
Na já mencionada carta que Humberto Nóbrega recebeu de Celso Mariz e
reproduziu na pesquisa Augusto dos Anjos e sua época, o jornalista recorda de e descreve
76 Ibid., p. 281.
77 Ibid., p. 290.
46
episódios da época em que trabalhava com Augusto n’O Comércio, durante os primeiros
anos do século XX. Mariz (apud NÓBREGA, 1962, p. 156) informa que um dos episódios,
a propaganda de cigarros de um comerciante da cidade feita em versos por Augusto,
aconteceu em 1905, logo após o “empastelamento do “O Comércio” por elementos
exaltados do governo do desembargador José Peregrino de Araújo”.
Empastelamento: “Destruição, por meios violentos, de redação e oficinas de
jornal; amontoamento de caracteres tipográficos; confusão”78.
Desde outubro de 1900 que a Paraíba (do Norte) era governada por José
Peregrino de Araújo. Pelas informações, sabe-se que a situação do estado não estava (e
nunca foi) às mil maravilhas, mesmo com a tão sonhada República: por sua atuação
intransigente e por “várias de suas medidas, [José Peregrino] recebia forte oposição do
importante jornalista paraibano Artur Aquiles”79. A situação ficou mais séria depois do
empastelamento d’O Comércio, e José Peregrino era tido como mandante – vale lembrar
que Artur Aquiles sofrera a mesma arbitrariedade em 1892, quando o influente Álvaro
Machado, então governador da “Paraíba Republicana”, fora acusado de crimes de
depredação e prisão de funcionários d’O Paraibano, jornal oposicionista que contava
com a colaboração de Aquiles80; o fato repercutiu em todo o país e, por medidas de
segurança, foram concedidos habeas corpus a Aquiles e demais membros do impresso81.
Em relação ao ataque perpetrado por José Peregrino, Ademar Vidal (até
agora) é o único dos biógrafos de Augusto dos Anjos que “relembra” o fato.
78 SILVEIRA BUENO, F. da. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD; Lisa, 1996, p. 233.
79 ABREU, A. A. de (coord.). Dicionário histórico-biográfico da Primeira República (1889-1930). Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil, 2015, p. 286.
80 Situação que bastante repercutiu, inclusive na capital federal, o Rio de Janeiro. Em telegrama enviado ao
diário O Paiz (: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 3.841, 07 nov. 1892, p. 1), Álvaro
Machado referia-se à inspetoria e vistoria que a polícia fizera nas dependências d’O Paraibano,
claramente para “apurar” os fatos. Dizia que, embora os redatores tivessem tentado impedir, a polícia
havia conseguido finalizar o inquérito, constatando que era “tudo falso; [pois] ninguém viu tal ataque, a
não serem os interessados; [pois] não houve sinais de violência; não houve ferimentos; a tipografia está
em perfeito estado”. Finalizava garantindo que tudo não passava de fingimento da folha, em puro sinal de
oposição a seu governo, até porque “a capital est[ava] em completa paz”. Se fingimento ou não, o então
deputado federal pela Paraíba (e futuro presidente do Brasil), Epitácio Pessoa, tecia ferrenhas críticas a
Machado. No mesmo diário fluminense (O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n.
3.845, 11 nov. 1892, p. 1), podemos ler trechos das “sessões/assembleias” realizadas na Câmara. Em uma
delas, Epitácio acusava o governador de ser o responsável pelo ataque àquele jornal paraibano e de ter
“implantado a desordem no Estado da Paraíba”.
81 BARBOSA, S. de F. P. (org.). Pequeno dicionário dos escritores/ jornalistas da Paraíba do século
XIX: de Antônio da Fonseca a Assis Chateaubriand. João Pessoa: Ed. Universidade Federal da Paraíba,
2009, p. 26-27.
47
Bem, a “província” não era tão calma, como nos dizem. Fico me perdendo
nestes “fatos” em busca de motivos e consequências... Fechar e queimar jornal não deve
ter sido tão ruim assim. Foi pela segurança e honra. A República era nova.
Evoluídos somos nós com um baita chefe asnático (e asnáticos seguidores),
um verdadeiro filho da pátria, (todos) destilando e compartilhando ódio gratuito a
qualquer “minoria”, (todos) incitando a filmagem e perseguição de professores em sala
de aula, (todos) abrindo espaço a cada cidadão de bem possuir uma arma em legítima
defesa, (todos) incentivando a invasão de hospitais para confirmar esta mentira deste tal
de vírus corona. Evoluídos somos nós. Tão evoluídos que imprensa e ciência e academia
(pra não falar universidade já que a corja se explode quando ouve) é que são mentirosas.
Enfim, o resgate desse fato em maior amplitude pode ser útil, haja vista que
muito material foi perdido durante o incêndio, certamente dificultando o acesso a tal. Já
que o objetivo deste é compartilhar fontes e notas, a “nota” que faço é sobre Augusto dos
Anjos, pois era o poeta um dos colaboradores do jornal dirigido por Artur Aquiles.
Na sua pesquisa, Ademar Vidal (1967, p. 64) descreve como se Augusto
estivesse bem distante e não fizesse parte do jornal invadido e queimado. Naquela
mesma seção, “Luta política. A imprensa”, aludindo a um Pau d’Arco de “clima espiritual
intenso”, o biógrafo informa que fora preciso D. Córdula intervir na exaltação dos
rapazes (Augusto e os irmãos), porque todos eram intentados em comentar e debater
fatos políticos e sociais.
Informa ainda que, durante uma conversa com a mãe de Augusto, no ano de
1933, D. Córdula dissera-lhe que não eram os “fatos desenrolados na capital da Paraíba
que preocupavam os seus filhos”, mas, sim, “os que ocorriam no mundo e dos quais se
tinham notícias pelos jornais da terra”. Então, segundo Vidal, se tinham os rapazes seus
ânimos exaltados, não ultrapassavam um “liricamente exaltados”.
Bem, das “consequências” do atentado, podemos ter mais detalhes.
No relatório anual apresentado na Assembleia Legislativa do Estado, em
1904, o então governador (presidente) da Paraíba (do Norte), José Peregrino, descrevia
o que chamava de “pequena arruaça”, uma “ruidosa passeata” calculada e executada no
dia 28 de julho (de 1904), após o incêndio dos jornais (O Comércio e O Combate).
Na passeata, dizia Peregrino, diretores e promotores portavam revólveres e
atiravam contra a polícia do palácio do governo, atingido três dos seguranças, fato esse
que deveria “entristecer e indignar” os diretores e redatores dos jornais prejudicados. O
governador falava dos inquéritos instaurados contra dois (identificados) dos seis
acusados do empastelamento e dos tiros contra os policiais. E salientava que, pelas
provas dos inquéritos, o grupo acusado era chefiado “pelos próprios diretores e
redatores dos jornais empastelados, justamente os que deviam achar-se mais
contrariados, ressentidos, e contristados com esses atentados”83.
Bem, essas foram as palavras da “autoridade”.
Não devemos mais prolongar o conteúdo. No entanto, este clima de tensões
violentas entre a imprensa e as botas do Estado poderia ser, quem sabe, pesquisado em
notas futuras. Antes mesmo de levarmos em consideração o lindo depoimento de
Peregrino, saibamos que a velha Paraíba era acostumada com prisões de jornalistas, com
invasões e destruições e queimas de tipografias de jornais. E, na situação em específico,
83 Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), n. 1, 01 set. 1904, p. 17-19.
49
ocorrida em julho de 1904, até passeatas (que Ademar Vidal diz terem sido de
estudantes) aconteceram, tendo que a polícia intervir brutalmente para dispersá-las.
Portanto, a história não deveria se limitar aos registros de uma “província”
(Paraíba) parada e calada. Mais inquietante é que toda a situação aconteceu justamente
no jornal que Augusto dos Anjos colaborava. E mais inquietante é ler um “liricamente
exaltado”. Pelo menos agora suspeitamos dos motivos do enorme intervalo de tempo (de
janeiro a outubro) que passou Augusto sem colaborar n’O Comércio.
Por ora, só mais uma nota.
Fico na dúvida do que significava “conservador” em um jornal do começo do
século XX, porque é isto que lá está estampado como subtítulo n’O Comércio: “órgão das
classes conservadoras”. Teria de rever os significados do termo ao longo do tempo. Até
de rever as biografias de um por um dos diretores daquele jornal e o seu “programa”.
Mas não posso nem devo desviar o foco tanto assim. Então, sigamos.
Pelas fontes pesquisadas até o momento, é possível saber que existiram na
Paraíba outros periódicos de mesmo nome. Mas tudo indica que o de Artur Aquiles fora
fundado em 1898, já que as edições disponíveis de 1900, por exemplo, registram o diário
como ano “II”, o que a lógica nos ajuda84.
Não menos importante é saber que Aquiles era ferrenho crítico não só dos
governos situacionistas como também daqueles ligados ao clero, “criticando a Igreja e o
papel que desempenhava nos assuntos da cidade, no jornal católico A Imprensa”
(BARBOSA, S., 2009, p. 27).
Anos antes de falecer, em 1916, havia deixado um “testamento público” em
tom de desabafo e desilusão depois de tudo que havia feito pela sua velha Paraíba,
pedindo que fosse seu cadáver enterrado “sem a menor solenidade dos enterramentos
comuns, conduzindo-o ao campo santo numa simples rede, carregada por dois a quatro
trabalhadores de qualquer armazém do comércio”. Dizia que todos os seus atos na vida
pública “obedeceram ao desejo consciencioso de ser útil aos outros e sobretudo à
84Aqui faço menção especial ao projeto desenvolvido pela professora Socorro de Fátima Pacífico Barbosa,
do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes) da
Universidade Federal da Paraíba: Jornais e folhetins literários da Paraíba no século XIX (disponível
em: <http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/sobre.html>). Trata-se de pesquisa realizada entre os
anos 2005-2008, que teve como objetivo resgatar e disponibilizar fontes primárias (jornais e revistas) da
história e literatura paraibanas dos séculos XIX-XX. A maioria dos jornais e revistas do acervo digital não
está disponível em nenhuma outra fonte “acessível”, o que torna o trabalho de valor inestimável.
50
Paraíba”, mas que nunca fora “bem compreendido, sendo sempre caluniado” por aqueles
que acreditavam ser ele um empecilho, “uma entrave aos seus interesses individuais”85.
Caluniado por aqueles que não desciam de seus pomposos pedestais
arrodeados de privilégios. Sabemos, sim.
1905.
Já dito anteriormente, Augusto dos Anjos realizaria os exames do segundo
ano da Faculdade de Direito somente em 1905, por uma série de problemas pessoais. A
morte do pai foi um deles. O Diário de Pernambuco noticiava a morte do dr. Alexandre
Rodrigues dos Anjos no dia seguinte ao ocorrido, a 14 de janeiro86 – o mesmo fizeram
outros jornais da “cidade das pontes”, a exemplo d’A Província e do Jornal do Recife.
A nota do diário prestava homenagens à memória do dr. Alexandre dos Anjos,
filho (natural) de Pernambuco, registrando alguns dados de sua biografia, como sobre
seus filhos acadêmicos na capital Recife (Odilon e Augusto) e um outro promotor na
Paraíba (Artur); sobre sua vida de juiz municipal no Ceará (Ipú) e de promotor público
também no Ceará (Granja e Acaraú), em Alagoas (Atalaia) e na Paraíba (Pedras de Fogo).
Exaltando o dr. Alexandre como exemplo de qualidade moral, a nota terminava
prestando condolências à família.
Este sim merecia o título: “O doutor Alexandre Rodrigues dos Anjos”, diz
Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 297) em suas “Notas biográficas”, possuía “ideias
abolicionistas e republicanas. Pelo menos foi a fama que deixou, como a de ter vasta
erudição, versado que era em letras clássicas, além de atualizado com a cultura do seu
tempo”. Ou, como informa Demócrito de Castro e Silva (1984, p. 99), era um verdadeiro
“humanista” que ensinara tudo que sabia aos seus filhos, a Augusto dos Anjos, pois era o
dr. Alexandre “um estudioso dos assuntos sociais e humanos”.
alunos aprovados e reprovados (alguns com notas baixíssimas) nos “exames orais” do
curso de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito do Recife87.
Assim como aconteceu em 1903, seguia-se ao nome de Augusto dos Anjos o
“aprovado plenamente” em todas as cadeiras – no seu caso, do segundo ano letivo. Isso,
nos exames orais; e o mesmo aconteceu com suas provas escritas.
Demócrito de Castro e Silva (1944), na primeira biografia mais extensa sobre
o poeta de Pau d’Arco, Augusto dos Anjos: poeta da morte e da melancolia, reproduz três
dessas provas no capítulo “Nos tempos da Faculdade”, especificamente provas das
disciplinas de Direito Civil, Constitucional e Internacional88. Nas reproduções desses
exames, cujos documentos originais foram obtidos junto aos arquivos da Faculdade de
Direito do Recife, constam as avaliações e as assinaturas dos professores responsáveis.
O segundo ano estava concluído.
Raimundo Magalhães Júnior, comentando desta segunda passagem do poeta
pela faculdade, diz que isto representaria “um divisor das águas” em sua poesia.
Logo no começo do ano letivo, todos os acadêmicos estavam abalados pela
morte prematura do poeta, do mestre, do professor de direito Martins Júnior, ocorrida
no ano anterior. Contudo, seu legado intelectual, sua teorização e afirmação da “nova
poesia”, a poesia científica de lastro positivista, darwinista e evolucionista, influiria
fortemente nas mentes desses moços sedentos por conhecimento.
Diz Magalhães Júnior (1977, p. 109) que foi grande o barulho em volta da
morte de Martins Júnior e em torno de suas teorias, barulho grande e excessivo que
“deve ter levado Augusto dos Anjos a dar especial atenção a seus versos e às teorias do
poeta desaparecido, que influiu também sobre Cruz e Souza, com quem se relacionou à
passagem deste pela capital pernambucana, em 1884”.
É oportuno destacar que o poeta havia publicado cinco autorias suas antes de
iniciar o segundo ano na Faculdade do Recife: o conjunto de três sonetos dedicados ao
seu pai, cujo nome é Sonetos [I – A meu Pai doente; II – A meu Pai morto; III – {Pobre meu
Pai! A Morte o olhar lhe vidra}], e ainda Canto de agonia, Vae victis, A dor e Terra fúnebre,
dos quais apenas os sonetos ao pai aparecem no Eu (1912).
1906.
Chega mais um período de exames.
No mês de abril, o Diário de Pernambuco divulgava na mesma coluna
“Ensino Público” a lista dos alunos aprovados nos exames orais do terceiro ano do curso
de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito do Recife99. O nome de Augusto dos Anjos
estava na relação dos “aprovado plenamente” em todas as cadeiras.
Neste ano, sua primeira publicação “original”, divulgada n’O Comércio da
Paraíba, sairia apenas em junho. Mas o “provinciano” continuava tendo seus poemas
reproduzidos nas colunas de vários jornais do país. E foram em boa quantidade.
Ainda em janeiro, havia saído n’A Notícia de Curitiba, o “diário imparcial e
independente”, “popular” e “dedicado aos interesses do Estado”, o soneto Solitário100,
96 Chama a atenção é que a partir da década de 1930 o jornal manauara publicaria inúmeros sonetos de
Augusto dos Anjos, a maioria na seção “A Poesia do Dia”, como A ideia, Ricordanza dela mia gioventú, A um
gérmen, Apocalipse, Psicologia de um vencido, Vítima do dualismo, Confissão, Vandalismo, Soneto [Pedir a
Dulce, a minha bem amada]. E até noticiaria a criação do “Clube Literário Augusto dos Anjos”, já em 1966,
iniciativa de um grupo de intelectuais para homenagear “o bardo por excelência da tristeza e da
melancolia” (Jornal do Comércio, n. 18.990, 04 jun. 1966, p. 3). Esta notícia trazia algumas informações
biográficas sobre o poeta, de que ele era formado em Direito, professor “emérito” (só não sabemos de
onde...), e que, na sua poesia, resumia todo um “quadro negro” da realidade, pois como era conhecedor dos
“fenômenos fisiológicos e biológicos”, tentava espontaneamente expressar a vida na sua objetividade.
97 Diário da Tarde, n. 2.032, 26 jun. 1905, p. 1.
98 ANJOS, 1994, p. 473 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 30-05-1905.
99 Diário de Pernambuco, n. 85, 17 abr. 1906, p. 2.
100 A Notícia, n. 58, 12 jan. 1906, p. 1.
54
101 ANJOS, 1994, p. 226 (Eu); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 14-09-1905.
102 O nome de Santos Neto, amigo de Augusto, também figurava nessas joias.
103 Evolucionista: jornal da tarde, n. 121, 26 mai. 1906, p. 1.
104 ANJOS, op. cit., p. 391 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 26-09-1901.
105 Evolucionista: jornal da tarde, n. 122, 28 mai. 1906, p. 1.
106 ANJOS, op. cit., p. 412 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 01-03-1902.
107 Evolucionista: jornal da tarde, n. 123, 29 mai. 1906, p. 1.
108 ANJOS, op. cit., p. 421 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 18-04-1902.
109 Ibid., p. 414 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 08-03-1902.
110 Evolucionista: jornal da tarde, n. 160, 13 jul. 1906, p. 2.
111 ANJOS, op. cit., p. 434 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 18-07-1902.
112 Evolucionista: diário da manhã, n. 164, 19 jul. 1906, p. 2.
113 Evolucionista: diário da manhã, n. 199, 30 ago. 1906, p. 2.
114 ANJOS, op. cit., p. 411 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 26-02-1902. A
edição organizada por Zenir C. Reis (1977, p. 254) data-o de “28”-02-1902, conjunto Poemas dispersos.
115 E melhor fixar aqui como nota (de fim de página) para não compartilhar desinformações: na edição do
Evolucionista do dia 27 julho de 1906 (n. 171, p. 2), edição da tarde, também na seção “Joias Literárias”,
publica-se um soneto intitulado “Branca”. Curioso porque o soneto traz a assinatura “Augusto dos Anjos”.
Haveria outro Augusto dos Anjos, poeta de versos das “nebulosas” na época, ou seria erro de revisão do
jornal e o nome de Augusto, do paraibano, figuraria na autoria? Espero não estar cometendo confusões,
mas não me recordo desse soneto em nenhuma edição até hoje organizada, mesmo nas primeiras. Como
resgatado por Ademar Vidal (Cf. páginas 46-47 deste trabalho), em julho de 1904 houve o
empastelamento, a queima, a destruição das tipografias d’O Comércio paraibano, a mando do governador
José Peregrino de Araújo; e, como consequências óbvias, a perda de muito material. Neste periódico,
Augusto colaborava divulgando versos seus: então, e se tiver virado cinzas alguma autoria do poeta?
Enfim, a não ser que haja algum acervo em posse de amigos ou familiares de Augusto dos Anjos onde
55
Avançando e recuando.
Dos poemas publicados “oficialmente” entre junho-setembro de 1906,
publicados oficialmente por Augusto n’O Comércio paraibano antes de serem
reproduzidos por outros jornais de outras capitais e, possivelmente, sem o poeta ter
conhecimento, apenas dois estão fora do Eu (1912): Gozo insatisfeito e Nome maldito.
Já as demais autorias, divulgadas originalmente no mesmo período e na
Paraíba, constam em sua obra prima: Versos íntimos (“O Homem, que, nesta terra
miserável, / Mora entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera”117),
Duas estrofes, Idealismo, Asa de corvo, O martírio do artista, Queixas noturnas e Poema
negro – estes dois últimos fazendo parte dos chamados poemas longos/narrativos.
E é justamente este “momento”, momento da produção de alguns “poemas
longos” mais importantes, que a maioria dos críticos credita como fase definitiva do
estro poético de Augusto dos Anjos: 1906.
Ferreira Gullar (2016), no ensaio “Augusto dos Anjos ou Vida e morte
nordestina”, ensaio que introduz a edição Toda poesia: Augusto dos Anjos por ele
organizada, assinala o longo Poema negro como início da fase mais significativa da obra
de Augusto, momento a partir do qual “surgem os poemas importantes”, momento em
que o poeta realiza o fundamental de sua arte118. Gullar comenta que o período dura
mais ou menos até 1910, quando o poeta se muda para o Rio de Janeiro e vive outras
“experiências” e outra “fase/momento” literário.
Muito embora essas “fases”/“momentos” sejam importantes para se entender
o processo poético de Augusto dos Anjos, José Ferreira Ribamar (sim, Gullar) encara-as
como discutíveis, pois, ele explica, ainda há muita falta de informação em relação à data
e local de publicação originais de várias autorias, especialmente das coligidas na edição
possa, quem sabe, constar esse poema, ainda não divulgado, no momento fica-se a impossibilidade de
afirmar a autoria. De qualquer maneira, a produção será melhor pesquisada.
116 BRASILIANA FOTOGRÁFICA DIGITAL (Rio de Janeiro). Luiz Lavenère Wanderley. Disponível em:
de 1920, Eu: [Poesias completas], organizada por Orris Soares, o que, consequentemente,
revela dificuldade em se estabelecer “marcos precisos”.
Verdade. O ensaio de Ferreira Gullar data dos anos 1970, e parece que
algumas informações ainda estão “No rudimentarismo do Desejo”119...
Se este é ou não o momento de amadurecimento poético de Augusto dos
Anjos, pelo menos seus trabalhos continuavam, desde muito antes, sendo divulgados em
jornais e revistas deste nosso “Brasil da Opressão”.
Dos seis poemas divulgados originalmente no jornal de Artur Aquiles, em
1906, na Paraíba (do Norte), um foi reproduzido no paranaense Diário da Tarde120.
Trata-se do soneto Idealismo121. A nota interessantíssima é que este poema, um dos mais
utilizados pelos críticos como prova de que “o poeta odiava o amor, mais ainda o amor
carnal”, havia saído em setembro na Paraíba, e já em outubro (dia 9), num intervalo de
vinte dias, estava nas páginas do diário mais importante do estado do Paraná.
1907.
Augusto dos Anjos prestava os exames do quarto ano do curso de Ciências
Jurídicas. De praxe, fora aprovado plenamente em todas as cadeiras, como podemos
verificar na lista dos alunos aprovados da Faculdade de Direito e divulgada pelo Diário
de Pernambuco122. Através das cartas que o poeta enviava à sua mãe, de quando
ausente de casa, é possível saber que ele ficou na capital Recife até a última semana de
maio, pois há uma correspondência datada e assinada “Recife, 21 de maio de 1907”123.
Também no mês de maio, O Comércio da Paraíba publicava dois poemas de
sua autoria: Vozes da morte e Contrastes, saídos nos dias 24 e 25, respectivamente.
Data-se do mesmo mês o poema longo Gemidos de arte, e mesmo não
havendo registro seu em periódico, sabe-se de sua data porque assim vem assinado no
Eu (1912): “Pau d’Arco, 4-5-1907”. Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 159) diz que o
poema foi passado para o papel no dia 3 de maio, e que a “data de tal poema consta de
trabalho posteriormente divulgado no mesmo jornal”.
O trabalho a que Magalhães se refere, certamente é o poema longo Tristezas
de um quarto minguante, de julho do mesmo ano. Se se forem levados em consideração
alguns dados até certo ponto biográficos no poema supracitado, entre o vai e vem do que
se pode analisar como “fictício” ou “real”, a sétima estrofe ajuda: “Mas tudo isto é ilusão
de minha parte! / Quem sabe se não é porque não saio / Desde que, 6ª feira, 3 de Maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!”124. Sim, ao menos temos indícios.
Ao todo, no ano de 1907, Augusto publica seis poemas, todos incorporados à
edição princeps do Eu. Além dos três datados de maio, há Ricordanza dela mia gioventú e
o próprio Tristezas de um quarto minguante, divulgados em julho; e Versos de amor,
outro poema longo, divulgado em agosto. Este é da mesma lavra de Gemidos de arte, em
que não há registro seu em periódico, mas como vem assinado, na edição do Eu (1912),
“Pau d’Arco – Agosto – 1907”, fica melhor de assimilar a informação cronológica.
Seriam essas as últimas colaborações do jovem bacharel n’O Comércio
paraibano. O impresso deixaria de circular no mês de novembro.
Seriam esses os últimos versos claramente indicativos de imagens e
experiências vistas e vividas e sentidas por Augusto dos Anjos no engenho Pau d’Arco.
Vez por outra há dúvidas em relação ao ano de término do curso feito por
Augusto dos Anjos. Mas a data é 1907, mesmo.
A informação também pode ser checada nas páginas da Revista Acadêmica
da Faculdade de Direito do Recife: na crônica dos bacharéis que receberam o grau em
Ciências Jurídicas e Sociais, ano de 1907, a revista informa os nomes dos alunos, seus
estados de origem e os dias do ato. Apenas Augusto dos Anjos e Santos Neto os
bacharelandos da Paraíba que receberam o diploma no mesmo dia do mês de dezembro
– Orris Soares, outro conhecido, recebeu no dia 17 do referido mês:
Lista dos Bacharéis que receberam o grau em Ciências Jurídicas e Sociais
durante o ano de 1907 e suas naturalidades
[...]
Em 4 de Dezembro
Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, v. 15, n. 1, 1907, p. 179 (negritos meus).
132
Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro, Conselho Federal de Cultura, 1977, p. 258.
61
no Rio de Janeiro” (BEVILÁQUA, 1977, p. 264). Sem contar que, na mesma lista dos
bacharéis de 1907, junto ao nome do amigo de Augusto, o também bacharel Santos Neto,
vêm elogios mais pomposos e até mesmo são citados os cargos profissionais por ele
exercidos e algumas de suas obras publicadas (o famoso Perfis do Norte).
Enfim, Augusto dos Anjos teve o nome com erro de revisão e uma
“homenagem” através de nota de seis “palavras”.
Outro acadêmico que se destacava nas colunas dos jornais da capital Recife
era o sergipano Gilberto Amado, três anos mais novo que Augusto dos Anjos, também
formado pela Faculdade de Direito. Publicando no Diário de Pernambuco, as vezes com
o pseudônimo “Áureo”, mantinha uma coluna semanal intitulada “Golpes de vista”135.
Na edição de 19 de junho de 1907 – esta é a data correta, pois há pesquisa
que assinala como sendo mês de maio ou de julho, confundindo nossas cabeças loucas
preocupadas com o pão –, Amado comentava a respeito do grande número de poetas da
capital que enchiam as páginas dos jornais pernambucanos de harmonias e de rimas, de
dores e de lágrimas, de sonhos e de saudades, de “corações magoados”. Muitos, fazendo
versos por fazer, sem preocupação nenhuma com a verdadeira arte; outros, originais.
Referindo-se aos novos, aos promissores, aos originais, destacava o nome de
Augusto dos Anjos, o rapaz “que vive isolado, misantropo no interior da Paraíba”, o
rapaz “histérico, mas de extraordinário talento”, o poeta original que já era bastante
imitado pelos contemporâneos acadêmicos.
Augusto era original e talentoso; e já era imitado pelos contemporâneos
acadêmicos. Essa é a nota de Gilberto Amado. Nada mais.
Engraçado é que esses dois últimos jornais noticiavam quando seus jovens
colaboradores iam à casa de seus pais e voltavam de viagem. Festa e emoção na volta.
Não me recordo de nenhuma fonte que tenha divulgado uma crônica
publicada no jornal maranhense Pacotilha, assinada pelo pseudônimo “Ariel” e que traz
informações de Augusto dos Anjos de quando estudante de Direito no Recife – bem
verdade que a nota trata da notícia de falecimento do poeta, em 1914; mesmo assim, por
ora, interessa o que diz o autor quando resgata “lembranças” da época de estudante.
As pesquisas indicam que “Ariel” era pseudônimo do professor e jornalista
Antônio Lopes da Cunha136. Nascido em 1889 na cidade de Viana, estado do Maranhão,
Antônio Lopes começou a frequentar a Faculdade de Direito do Recife em 1906,
bacharelando-se em 1911. É neste momento em que conhece Augusto dos Anjos.
Lopes mantinha no jornal Pacotilha uma coluna destinada às suas crônicas
diárias, intituladas “O dia”. Na edição de 1 de dezembro de 1914, além de informar sobre
a morte de Augusto dos Anjos (ocorrida no mês anterior) e, de certa maneira, prestar-
lhe homenagens, relembrava da época na Faculdade do Recife.
“Ariel” dizia ter conhecido Augusto nos “bancos acadêmicos” da faculdade,
travando com ele relações mais estreitas na casa de Alberto Falcão, irmão do falecido
abolicionista Aníbal Falcão, casa também frequentada pelo compatrício e amigo de
Augusto, o poeta Carlos D. Fernandes. Era um ambiente, segundo Lopes, que servia de
abrigo à jovem “boemia desemparada”, que servia de “cenáculo dos novos”.
Nesses encontros destacavam-se Carlos D. Fernandes, Augusto dos Anjos, Da
Costa e Silva, Gilberto Amado, Mário Rodrigues, Camilo e Fialho, Augusto Rodrigues,
Carneiro Leão, Esmarágdo Freitas, Corrêa Lima. Conta “Ariel” que, faltando pouco para
se bacharelar, Augusto, durante essas reuniões, lia alguns de seus versos, os mesmos
versos que sairiam em 1912, na sua obra prima, o Eu; versos que revelariam:
[...] extraordinário talento poético e a originalíssima concepção filosófica do
universo que se lhe concentrava na visão estética das coisas e palpitava nas
linhas das suas criações literárias, versos cheios de uma análise agudíssima, de
uma bizarria sem par que[,] todavia[,] lhes não desmanchava a unidade
completa, versos em que se definia a mais esquisita personalidade [...].137
Antônio Lopes, o “Ariel”, ainda diz que foi Augusto dos Anjos um espírito dos
mais inconfundíveis que ele conhecera.
Infelizmente, faz a mesma descrição física que tanto “fixou” a imagem de
poeta magro e doente, assim como a que seria feita por Orris Soares, em 1920: “magro,
franzino, doentio”, de “sensibilidade nervosa superaguda”. Mas, deixemos isso de lado.
Após reproduzir uma estrofe de Solilóquio de um visionário (“Para
desvirginar o labirinto / Do velho e metafísico Mistério, / Comi meus olhos crus no
cemitério, / Numa antropofagia de faminto”), “Ariel” diz que Augusto morrera
carregando pela vida a “tortura” de grande artista que foi – e que tortura... E termina
transcrevendo, por inteiro, o soneto Budismo moderno, versos que dizem que um “urubu
pousou na minha sorte”, versos do rapaz que deixou saudades.
Falar em Orris Soares – rapaz da capital da Paraíba (do Norte), também
formado no Liceu Paraibano e bacharel em Direito pela Faculdade do Recife no mesmo
ano que Augusto; “conhecido conhecido” de Augusto; organizador da edição Eu: [Poesias
completas], lançada em 1920, cujo valor muitos creditam ao resgate do nome de Augusto
que há muito estava esquecido –, uma nota. Em dezembro de 1917, o tradicionalíssimo A
União, diário oficial do estado da Paraíba e que (na época) tinha como diretor político o
próprio Orris Soares, divulgava um evento que aconteceria em Recife; sim, naquela
faculdade. Seria um evento para homenagear os bacharéis de 1907.
Na edição de 8 de dezembro de 1917, em destacada notícia de primeira
página, “Os bacharéis de 1907”, o diário oficial informava que a iniciativa de comemorar
o decênio de formatura vinha dos bacharéis da Paraíba, Alagoas, Pernambuco e Rio
Grande do Norte138. A notícia lembrava de alguns nomes, de alguns que “se fizeram
advogados e escritores notáveis, lamentando-se entre todos a morte inesquecível do
grande poeta Augusto dos Anjos, uma das glórias mais lídimas das letras brasileiras”.
Todos os detalhes dos preparativos da festa eram noticiados, por semanas,
n’A União, desde a missa campal, o almoço, as sessões e palestras, até o embarque de
Orris Soares, um dos convidados a palestrar, em direção a Pernambuco.
A 19 de dezembro, dois dias depois de realizada a tão esperada festa
comemorativa dos “Bacharéis de 1907”, o diário reproduzia o discurso de Soares.
Presidida pelo professor titular de Direito Civil, o paraibano Adolfo Cirne, a
sessão seguiu com o professor Laurindo Leão, orador do evento, e com Orris Soares, que
discursou lembrando de todos aqueles acadêmicos que amavam a liberdade. Entre as
personalidades, citava seu “desditoso amigo” que, se não tivesse ido tão cedo,
certamente seria amado e bendito por mais gerações. Após recitar, por completo, o
soneto O lamento das coisas139, dizia de Augusto dos Anjos:
Pobre Augusto! Foi-se aos vinte e nove anos e era quem nos havia de dar o
poema da Pátria. Para fazê-lo [fruía]140 a posse dos três poderosos elementos: a
arte, a ciência e a bondade. De bondade, sim.
[...]
Só os bons sofrem dentro de si todo o sofrimento da humanidade.
[...]
Augusto sentia dentro de si todas as dores alheias, as do homem e as do
cosmo. Coitado! Foi-se aos vinte e nove e só depois dos quarenta anos o homem
integraliza-se nas emoções donde lhe saem as maravilhas do espírito.141
O poema da Pátria...
Enfim, Orris Soares não teve tempo de corrigir a idade do seu desditoso
amigo. Esse discurso é de 1917, e o famoso texto “Elogio de Augusto dos Anjos”, prefácio
da edição livresca por ele organizada e lançada em 1920, Eu: [Poesias completas], data
originalmente de 1919142. Sim, dois anos depois. Verdade, não teve tempo de corrigir
informações biográficas (principais) do seu desventurado amigo.
Pelo menos não errou: “Augusto sentia dentro de si todas as dores alheias, as
do homem e as do cosmo”. Nisto, não mentiu.
142SOARES, O. E. Elogio de Augusto dos Anjos. In: ANJOS, A. dos. EU: [Poesias completas]. João Pessoa:
Imprensa Oficial da Paraíba, 1920, p. I-XXIII. Disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
(BBM), Universidade de São Paulo: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7656>.
66
CAPÍTULO 3:
Na Paraíba (do Norte)
1908.
Bacharel em Direito, Augusto dos Anjos frequentava por mais tempo a capital
da Paraíba. Na verdade, praticamente residia na “urbe natal do desconsolo”, onde já
morava seu irmão mais velho, Artur dos Anjos, promotor público também formado em
Direito.
De janeiro, há registro de duas cartas assinadas pelo poeta e enviadas à Dona
Córdula, que ainda morava no endividado e velho engenho Pau d’Arco. Na primeira
carta, do dia 20, falava da procura de uma casa na cidade, certamente para levar toda a
família. Na segunda, do dia 27, comunicava dos “interesses da vida” que tanto requeriam
sua presença na capital; terminava enviando lembranças “à Donata e ao povo de casa”.
De fevereiro, uma carta do dia 20, na qual dizia ter iniciado seus “trabalhos
particulares de ensino”. Augusto havia posto anúncios em jornais da capital divulgando
que dava aulas particulares das matérias do curso de “madureza” – é Magalhães Júnior
(1977, p. 173) quem reproduz um desses anúncios publicados n’A União.
Do dia 4 de março, outra carta, informando da entrevista (de emprego) que
tivera com o senador (renunciante ao cargo de governador [presidente] da Paraíba)
Álvaro Machado, e da “carta” que sua mãe mandara por ele a fim de ser entregue à
esposa do senador, Amanda Machado – “provavelmente uma carta recomendando o
filho, ou pedindo para este uma colocação” (MAGALHÃES JR., 1977, p. 174).
Do mês de abril, quatro cartas: do dia primeiro, na qual dizia à sua mãe
continuar “empenhado na faina de atrair alunos” para as aulas particulares; do dia 9,
dizendo de sua constante “luta pela vida nesta terra”, na velha capital Paraíba, onde pelo
menos conseguia reunir em sua residência quatorze alunos de Direito para as aulas; do
dia 24, desta vez assinada da estação ferroviária do Cobé, de onde Augusto ia em direção
à capital – certamente porque passara alguns dias no engenho Pau d’Arco; e do dia 29,
comunicando da compra e envio de remédios e de outras utilidades para Dona Córdula.
Há uma carta datada do mês de maio. Nela, Augusto dos Anjos comunica D.
Córdula, além de outros assuntos, da compra de remédios e demais utilidades.
67
autoria foi divulgada pela primeira vez a 4 de julho de 1908, na revista paraibana Terra
Natal, revista criada neste mesmo ano, revista que contava com a colaboração de Artur
Aquiles e de seu filho, Santos Neto, segundo Magalhães Júnior – detalhe: há outro poema
publicado na revista e divulgado a 16 de maio, também de 1908, o soneto Último credo.
O longo poema As cismas do destino é melhor “analisado” no segundo
momento destas notas. Mas, por enquanto, uma outra pequena, nota.
Já que Magalhães Júnior fala em “medo da cegueira” como uma das anotações
pessoais de Augusto dos Anjos, o que ele considera revelador duma “espécie de
autobiografia psicológica” do poeta, não menos interessante é poder acompanhar a
análise estritamente textual feita pelo professor e crítico de cinema João Batista de Brito
(1997). A partir de uma leitura estilística da poética do rapaz de Pau d’Arco, num dos
ensaios de Leituras poéticas, João Batista destaca as imagens relativas a “olho” e “mão”
como constantes em vários poemas, inclusive n’As cismas do destino. Segundo o
professor, essas imagens constituem “verdadeiras notações de estilo dentro do discurso
poético de Augusto dos Anjos”145.
Através das imagens da “dor ocular” e da “violência manual”, podem-se,
respectivamente, atribuir: ao “olho”, duas “condições semântico-diegéticas”, a de “serem
próprios” (pertencentes a persona-enunciadora) e a de “serem vítimas” (que “sofrem a
ação agressiva” de alguém); à “mão”, as condições opostas de serem alheias e algozes. O
professor complementa: enquanto as mãos representariam ação, força, “anseio material
no mundo exterior”, os olhos representariam inteligência, luz, “vida espiritual”146.
As observações feitas por João Batista de Brito (1997), nos poemas de
Augusto dos Anjos, são de caráter intertextual, com base na leitura de duas tragédias
shakespearianas, a saber, Macbeth e O rei Lear, uma vez que o poeta demonstrava
conhecer a obra do dramaturgo: ““Macbeths da patológica vigília” (in: “Monólogo de uma
sombra”); “Eu puxava os cabelos desgrenhados \ Como o rei Lear, no meio da floresta”
(in: “As cismas do destino”)” (p. 10) – destaque, então, para vigília e puxar os cabelos; ou
versos de ““A ilha de Cipango”: “Vejo terribilíssimas adagas \ Atravessando os ares
bruscamente...” que consistem numa recriação evidente da situação da personagem-
145 BRITO, J. B. de. Olhos e mãos em Augusto dos Anjos. In: _____. Leituras poéticas. São Paulo: Fundação
Memorial da América Latina, 1997, p. 5.
146 E isto é, de acordo com o professor Brito (1997, p. 6-7), uma das verdades mais óbvias da poesia de
Augusto dos Anjos, principalmente levando-se em consideração o que dizem seus críticos no que se refere
ao dualismo entre o horror à “materialidade do mundo concreto” e a crença, “por frágil que ela possa
parecer, na possibilidade de uma superação da vida material pela força sublimatória do espírito”.
69
título de Macbeth” (p. 10) – destaque, então, para vejo adagas; ou mesmo versos de
Psicologia de um vencido: “...anda a espreitar meus olhos para roê-los...” e o primeiro dos
Sonetos dedicados ao pai: “Magoaram-te meu Pai?! Que mão sombria...?” (p. 13) –
destaque, então, para roer os olhos e mão que magoa.
O professor João Batista de Brito (1997, p. 13) afirma que “essas palavras
condensa[m] a tensão dramática que fornece à angústia existencial do eu lírico a
profundidade metafísica e a beleza que torna[m] o Eu um livro de primeira grandeza”.
147 SANTIAGO, G. Ao aproximar-se da Paraíba do Norte. Almanaque Brasileiro Garnier, Rio de Janeiro, n.
9, p. 329-332, jun. 1908. In: MENDES, S. B.; ANDRADE, M. S. de; ZAIDMAN, D. (orgs.). Índices: Almanaque
Garnier (1903-1914); Gazeta Literária (1883-1884). Direção e apresentação de José Honório Rodrigues.
Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (coleção Temas Brasileiros, v. 16). Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=348449&pesq=&pagfis=1>.
70
soneto publicado pela primeira vez n’O Comércio da Paraíba, em julho de 1905150; e que
não consta no Eu, antes, nos chamados “Poemas Esquecidos”151.
Na sua viagem à Paraíba (do Norte), Santiago deve ter lido o jornal impresso
de Artur Aquiles, até porque esse poema de Augusto havia sido publicado,
exclusivamente, em suas colunas. Ou, quem sabe, n’alguma roda de conversa ou n’algum
café paraibano, tenham-lhe recitado os versos do rapaz de Pau d’Arco.
deve apontar que, nesta edição, a data que consta como publicação original é 28 de julho de “1908”, o que
sabemos ser impossível, já que O Comércio não estava mais circulando em 1908, e no próprio poema vem
assinado “Pau d’Arco – 1905”. A data “28 de julho de 1905” é registrada por Zenir Campos Reis (1977, p.
226) e, em parte, por Magalhães Júnior (1977, p. 127-128), que data o soneto de “29 de julho” de 1908.
151 ANJOS, 1994, p. 480 (Poemas esquecidos).
71
152 Mas nada diria, segundo Magalhães Júnior (1977, p. 180), sobre a eleição do governador (presidente)
da Paraíba, João Lopes Machado, ocorrida quatro dias antes.
153 NÓBREGA, 1962, p. 26 (grifos meus).
72
luxuosas. Versos e estrofes, intitulados “Perfis Chaleiras”, pelos quais o poeta mostrava
sua verve “humorística”, ironizando os “marmanjos” da sociedade paraibana – muitos
deles, colegas de rodas literárias. Versos e estrofes, escritos nos “Perfis Galanteadores”,
pelos quais o poeta “exaltava a beleza da mulher paraibana, a quem, poeticamente,
denominava “filha única do Céu”” (NÓBREGA, 1962, p. 52) – os perfis, tanto os
destinados a ironizar os marmanjos quanto os destinados a enaltecer as moças, eram
assinados por pseudônimos, como “Cavaradossi” e “Anaxágoras”.
Algumas dessas crônicas são resgatadas no segundo momento deste trabalho
de notas. Por isto, uma última nota a respeito do Nonevar.
Além dos ilustres rapazes, entre jornalistas, poetas, bacharéis, filhos de
famílias tradicionais paraibanas, como Américo Falcão, Raul Machado, Eduardo Pinto,
Leonardo Smith, Rômulo Pacheco, Aprígio dos Anjos (irmão de Augusto), Edésio Silva,
Diógenes Caldas, Inojosa Varejão, Alcebíades Silva e o próprio Augusto dos Anjos, vale
destacar que o jornalzinho contava com a colaboração de mulheres, entre professoras,
escritoras, filhas de famílias influentes da Paraíba, como Ângela Moreira, Nina Aragão,
Adalgiza Cunha, Eudésia Vieira, Maria Queiroz, Leopoldina Moreira e Luiza de Almeida.
Humberto Nóbrega (1962, p. 25) reproduz um fac-símile dos poucos números
existentes do folheto – e é por ele que observamos os nomes acima citados das
colaboradoras. Trata-se de uma edição, possivelmente de abertura (já que Nóbrega não
explica), do ano de 1908, na qual a redação informa que ““O Nonevar” espera a valorosa
colaboração” das “gentilíssimas patrícias”, convidando-as para participarem do jornal.
O biógrafo não indica material feito por essas mulheres, mas... haveria algum
perfil chaleira feito por alguma delas? O que teriam a dizer/escrever dos marmanjos?
Alguma experiência descrita em crônica em relação à festa?
Quem sabe achemos, um dia, algo perdido em bibliotecas, a começar pelas da
velha Paraíba. Tentar é o começo.
154 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), n. 27, set. 1995, p. 268.
74
Olavo Bilac, Castro Alves, Cruz e Sousa, Francisca Júlia da Silva, Laurindo Rabelo,
Rodrigues de Abreu, Raimundo Correia, Ronald de Carvalho, Gregório de Matos, Augusto
dos Anjos” – parece ser também esse o subtítulo.
Embora sua fonte completa apareça no fim deste trabalho de notas, na
bibliografia, é um dos poucos livros aos quais não tive acesso. Se não me engano, a
primeira referência sua é feita por Otto Maria Carpeaux (1951), na Pequena bibliografia
crítica da literatura brasileira, justamente citado como fonte primária para pesquisas
biográficas do poeta de Pau d’Arco. De lá para cá, confesso que não me recordo – e
espero estar totalmente enganado –, de nenhuma outra bibliografia de Augusto dos
Anjos que traga, que cite, que referende o material da professora.
Além das notas disponíveis em jornais e revistas do Rio de Janeiro e de São
Paulo, notas que elucidam a produção acadêmica de Chiquinha Lobo, desde artigos,
ensaios, palestras, livros a serem lançados ou recém-lançados e presentes nas crônicas
dos periódicos, é possível coletar mais informações suas, tanto acadêmicas quanto
biográficas, no Dicionário de piracicabanos155.
E tudo isso para dizer: não consegui o exemplar de Poetas de minha terra!
No dicionário citado, há uma pequena biografia da piracicabana e a menção
de suas produções. Por isto mesmo, na esperança de encontrar, pesquisei o material
numa sala de obras raríssimas da Biblioteca Municipal de Piracicaba, minha cidade natal
e atual, durante três semanas seguidas do mês de março, visto que as estantes dessas
raríssimas ainda não estão catalogadas156. Mas veio o vírus e... Já sabemos.
Quem sabe quando voltarmos à vida, se vivermos, não o encontro. E assim
saberei o que mais uma mulher tem a dizer sobre o vate paraibano.
Ainda que não seja interessante desviar o foco, não podemos esquecer do que
brilhantemente pensa o crítico literário Antônio Torres (1925) sobre o trabalho feito
por mulheres. Tudo bem que Torres está falando, especificamente, da mulher na política,
mesmo assim é sobre o “trabalho feito por mulheres”. E se irônico ou não, já havia
alertado no prefácio das suas Verdades indiscretas que estava “escrevendo para ser lido
por homens”. Então, assim seja:
155 PFROMM NETTO, S. Dicionário de Piracicabanos. São Paulo: PNA, 2013, p. 300-301. Disponível no
site do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba: <https://www.ihgp.org.br/livros/>.
156 Este desejo antigo por “obras raras” reapareceu com maiores expectativas depois que, no próprio
acervo da Biblioteca de Piracicaba, encontrei o exemplar (em mais que perfeitas condições) de Sonetistas
brasileiros, livro de 1913, do professor, crítico literário e advogado Laudelino Freire.
75
157 TORRES, A. O feminismo periga. In: _____. Verdades indiscretas. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Castilho,
1925, p. 183.
158 TORRES, A. O poeta da morte. In: ANJOS, A. dos. EU e Outras poesias. 10. ed. Rio de Janeiro: Bedeschi,
1942, p. 13-14.
76
Outubro de 1908.
O biógrafo Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 196) informa da morte do
“doutor” Aprígio, padrasto de Dona Córdula – ilustre juiz que exerceu a função na antiga
província paraibana de Pedras de Fogo; ilustre proprietário, depois de se casar com a
mãe de D. Córdula e cedo enviuvar, das terras dos engenhos Pau d’Arco e Coité; ilustre
oligarca filiado ao “Partido Liberal” (NÓBREGA, 1962, p. 232); ilustre oligarca que não
sentia “entusiasmo” pelo movimento abolicionista nem pela Lei Áurea, “porque sabia “o
país sem preparo, sem meios de utilizar uma raça ignorante e pela sua infelicidade
eivada de princípios perniciosos””160: o doutor “se achava em tratamento na capital
paraibana, mas desde que aí chegara seu estado se agravara paulatinamente,
desaparecendo aos setenta e dois anos, segundo noticiou A União”.
Era Aprígio quem cuidava de todos os negócios da família. Era Aprígio quem
“tratava” dos engenhos, há anos hipotecados e endividados. Era Aprígio o patriarca.
Falecendo, tudo que estava ruim financeiramente, piorou.
Neste momento, na busca por “emprego fixo” e na constante “luta pela vida”,
expressões sempre utilizadas pelo próprio Augusto dos Anjos nas correspondências
enviadas à sua mãe, o poeta consolidava sua estadia na capital da Paraíba (do Norte), na
mesma velha Paraíba onde se inaugurava
[...] um novo período governamental, com a ascensão em outubro de 1908 à
presidência do Estado do doutor João Lopes Machado, irmão do senador Álvaro
seguia desde a estação central (de trem) até o palácio do governo162. Quanto às “pessoas
que tomaram parte na manifestação”, seguia uma coluna inteira com vários nomes,
achando-se o de Augusto dos Anjos e os dos irmãos Artur e Aprígio.
No dia 23, O Norte divulgava a solenidade de posse do novo governador, que
vinha substituir o “honrado monsenhor Walfredo Leal”163 – o eterno vice. O evento
ocorreu durante todo o dia, com leitura da ata na Câmara dos Deputados, homenagens
de políticos e de outros ilustres, passeata até a casa presidencial, vivas e continências
dos caros militares – não necessariamente nessa ordem. E mais e mais “coisas”. À noite,
foi oferecido um banquete pela comissão do Partido Republicano ao novo governador.
E entre os nomes dos “cavalheiros que tomaram parte da manifestação da
posse” do governador (presidente), divulgados pelo jornal, lá estava o de Augusto dos
Anjos, juntamente com os dos irmãos Artur e Alexandre – só não se sabe em qual
momento do evento o poeta se fez presente.
1909.
Além das aulas particulares que ministrava em sua residência, na capital,
Augusto dos Anjos passaria a ocupar o cargo de codiretor do Instituto Maciel Pinheiro,
instituição de ensino fundada em 1906 pelo professor e bacharel em Direito Ascendino
Cunha e pelo professor Neves Filho. Augusto, professor e bacharel recém-formado,
ocuparia o cargo juntamente com o colega Abel da Silva, professor (de português,
francês, latim, física, química) e jornalista, “uma das grandes culturas e inteligências da
Paraíba”164.
Não me recordo se já foi informado (em alguma biografia) do mês exato em
que Augusto e Abel começaram os trabalhos no externato que receberia estudantes de
ambos os sexos. Ou em fins de 1908, ou em janeiro de 1909. Mais provável que tenha
sido na primeira “data”, pois há um anúncio de 5 de janeiro de 1909, publicado n’O
Norte, no qual se parabeniza o professor “Neves [Filho] Júnior” que, brevemente,
colocaria à frente do seu instituto “um profissional bastante competente e assaz
nas páginas do jornalzinho profano Nonevar, existente somente durante a Festa das Neves.
79
Tudo bem que fora apenas “uma vaga” destinada a “uma criança pobre”, mas
já era um começo. E como seria o preenchimento da vaga? Por ficha, declaração de
pobreza? Por sorteio à moda do que temos hoje em toda e qualquer mídia
(principalmente pelo rádio), eletrônica e digital? Não se sabe até o momento. Sabe-se
que o Instituto Maciel Pinheiro surgiu para sanar e “revolucionar” o ensino da Paraíba.
Maio.
Ministrando aulas particulares em sua residência e codirigindo uma
instituição que prometia revolucionar o ensino da Paraíba, em maio de 1909 Augusto
dos Anjos ainda fora nomeado professor interino de Literatura no tradicionalíssimo
Liceu Paraibano, logo após a abertura de uma vaga, vaga esta deixada pelo recém-eleito
deputado federal Manuel Tavares Cavalcanti. Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 306-
307) informa que a “portaria de nomeação é de 5 de maio”.
E essa data divulgada coincide com a cronologia dos fatos, já que Magalhães
Júnior (1977, p. 197) afirma que “antes de ser nomeado para o Liceu, Augusto dos Anjos
já era codiretor do Instituto Maciel Pinheiro”. Mesmo assim, ainda há uma e outra
biografia (de famosos, inclusive) que consolida 1908 como o ano da nomeação de
Augusto no Liceu, o que deixa nós, pobres e necessitados leitores, confusos por conta
dessas imprecisões, as mesmas confusões sempre cometidas (por todos nós, claro)
durante o percurso de leitura da “vida e obra” de Augusto dos Anjos.
O fato é que o professor Manuel Tavares foi eleito deputado federal pela
Paraíba na eleição de 30 de janeiro de 1909, deixando vaga aberta no Liceu, onde atuava
como educador – no mesmo pleito, também foram eleitos Camilo de Holanda, Seráfico da
Nóbrega, Prudêncio Cotegipe e Simeão dos Santos Leal; sem esquecer do famoso
monsenhor Walfredo Leal, eleito senador da República168. E, se Augusto dos Anjos
tivesse sido nomeado em 1908, como dizem outros, teria sido entre outubro-novembro,
logo após a posse do governador João Machado. Então, já era Augusto codiretor do
168 Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), n. 1, 01 set. 1909, p. 5.
81
(Brasil). Na ONU, Bolsonaro se exime de erros na gestão da pandemia e choca ao culpar índios por
incêndios. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-22/na-onu-bolsonaro-se-exime-de-
erros-na-gestao-da-pandemia-e-choca-ao-culpar-indios-por-incendios.html>. Acesso em: set. 2020.
172 ANJOS, 1994, p. 203.
173 Pacotilha: jornal da tarde, n. 74, 29 mar. 1909, p. 2.
83
Fora da Paraíba (do Norte), autorias de Augusto dos Anjos eram divulgadas
em jornais de outras capitais e em palestras e discursos pronunciados por acadêmicos
contemporâneos. Em solo paraibano, seu nome continuava aparecendo nas páginas do
órgão oficial do estado. É Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 205) quem reproduz a
homenagem d’A União feita ao poeta, na passagem do seu aniversário, sendo ele
“tratado com grandes deferências pelo órgão oficial do governo paraibano”. A redação
do jornal homenageava o “peregrino talento”, homenageava aquele que se destacava
como uma das “mais gratas e fagueiras esperanças” da poesia na Paraíba.
Segundo Magalhães Júnior (1977) e Assis Barbosa (1965), a colaboração de
Augusto no jornal oficial do estado, e mesmo sua nomeação como professor interino do
Liceu Paraibano, deram-se por conta da “forte” ligação que havia entre sua família e o
novo governador, João Lopes Machado.
Seu irmão Aprígio dos Anjos, que se bacharelaria em Direito (pela Faculdade
do Recife) em dezembro de 1909, era atual redator d’A União; e pelos relatórios anuais
apresentados à Câmara dos Deputados, João Machado, no relatório de 1910, referia-se à
Biblioteca Pública da capital dizendo que faltavam melhoramentos na sua parte física,
melhoramentos que preencheriam “seus elevados intuitos de fator essencial à educação
popular”, melhoramentos da instituição que tinha como diretor o próprio “Aprígio dos
Anjos”175. A ligação dava-se, mais ainda, através do irmão mais velho, Artur dos Anjos,
[...] promotor público zeloso, que há bem pouco dera a medida de sua
severidade e dedicação ao situacionismo, ao requerer à polícia a abertura de
inquérito e a apreensão de dois pasquins virulentos, o Papagaio e o Chicote,
qualificados por ele como “periódicos pornográficos, que circulam
irregularmente, sem a indispensável licença da Prefeitura” [...].176
Exmas. Senhoras,
Meus Senhores,
178 Ibid., p. 641. Não vejo como identificar a obra do cientista de Pisa neste momento.
179 Ibid., p. 641.
180 Diário de Pernambuco, n. 144, 28 jun. 1907, p. 1.
87
não negue que este, num primeiro momento, também se revolta contra a sociedade que
oprime “minorias”181.
Segundo o sociólogo, enquanto o anarquismo acreditava que as “desarmonias
sociais” eram provisórias e, por isto, cria numa sociedade mais justa, esboçando fé e
esperança de mudança, o individualismo valia-se da descrença total, valia-se do
pessimismo social absoluto. Do individualismo vinha, pois, a descrença na sociedade
uniformizada e repetidamente monótona, no Estado opressor, na religião moralista, na
ciência que mostrava a dimensão trágica da vida e a desarmonia entre o particular e o
universal. O anarquismo cria num “progresso” futuro, e por isso era histórico. O
individualismo, por outro lado, negava a “história”.
Seria interessante aprofundar o pensamento de Palante e observar como ele
entrou no Brasil, até porque se não tiver sido através de revistas e jornais acadêmicos, as
obras do sociólogo, que foram por ele organizadas e publicadas no original (em francês)
a partir de 1901, com (o já citado) Princípios de Sociologia e em 1904 e 1909 com Luta
pelo indivíduo e A sensibilidade individualista, respectivamente – todas em tradução livre,
e confesso que desejosas –, e algumas a partir de 1912, seriam muito “novas” para já
encherem as cabeças dos jovens acadêmicos, principalmente esta última publicada em
1909, no mesmo ano em que Augusto pronunciava seu discurso na Paraíba (do Norte).
E como aqui não é feita a leitura estrita das teorias de Palante, de seus
fundamentos e comparações e distinções entre as bases socialistas e anarquistas, haja
vista a presente total imaturidade “deste número” que vos fala, e mesmo por conta do
desvio que teria de ser feito para tal empreitada, muito mais “interessante” seria um
estudo dessas ideias na poesia e prosa de Augusto dos Anjos.
Se pareço louco, tento me explicar.
Ao mesmo tempo que a voz dos versos e da prosa (as crônicas) de Augusto
dos Anjos nos cospe, pelo vocabulário “terminológico”, a matriz filosófica, a ciência nua e
crua, as teorias cientificistas “aprendidas” durante o período em que o poeta (homem)
Augusto estudava na Faculdade de Direito do Recife, onde havia a propagação das ideias
(modernas) estrangeiras para os acadêmicos, das ideias positivistas e evolucionistas e
pessimistas das ciências humanas e naturais e biológicas e filosóficas – com August
181Já que não é proposta, não pesquisei sobre traduções das obras de Palante. No entanto, muitos
materiais seus são sociabilizados em sites que reúnem arquivos marxistas, socialistas, anarquistas, a
exemplo do Marxists Internet Archives (disponível em: <https://www.marxists.org/index.htm>).
Muitos desses sites funcionam como fontes alternativas, para divulgação desse tipo de material.
88
Comte, Stuart Mill, Herbert Spencer, Ernst Haeckel, Arthur Schopenhauer, Friedrich
Nietzsche, Karl von Hartmann –, essa mesma voz, constantemente, impreca contra a
“ciência e filosofia”, deslegitima o trabalho do “ser que pensa e raciocina”.
Exemplos que agora me vêm à cabeça estão no Monólogo de uma sombra,
quando a sombra diz ao (espécie de) personagem do poema que o “Filósofo Moderno”,
que tentou compreender os fenômenos das formas, “apenas encontrou na ideia gasta / O
horror dessa mecânica nefasta, / A que todas as coisas se reduzem!”182; n’As cismas do
destino, quando o destino diz ao (espécie de) narrador e personagem-onisciente e
onipresente do poema, que “andou pela fúnebre” noite dos desgraçados, que sua
tentativa do pensar, do “perscrutar”, que tudo isto é em vão, porque ““Homem! por mais
que a Ideia desintegres, / Nessas perquisições que não têm pausa, / Jamais, magro
homem, saberás a causa / De todos os fenômenos alegres!”183 – e é no mesmo poema
que o narrador e personagem-onisciente e onipresente deseja um futuro em que as
pedras e os montes de argila criem em si “cordões nervosos”, já que em sua “época os
sábios não ensinam”184; n’Os doentes, quando o (espécie de) narrador e personagem-
onisciente e onipresente do poema diz que “Tentava compreender com as conceptivas /
Funções do encéfalo as substâncias vivas / Que nem Spencer, nem Haeckel
compreenderam...”, mas que somente encontrava em si as desgraças de “raças / Que há
muitos anos desapareceram”185.
Embora na “ciência” apoie-se para fazer seu discurso (do dia 13 de maio) e
para produzir boa parte de suas crônicas (publicadas nos jornais da capital Paraíba), e
da “ciência” use o vocabulário para fazer e expressar sua poesia186, o “homem e poeta” –
sim, a ideia foi de “unidade” –, Augusto dos Anjos é, recorrentemente, cético em relação à
própria “ciência”. Sim, não tenho base alguma para adentrar quaisquer que sejam as
teorias científicas e filosóficas discutidas pelos acadêmicos da Faculdade de Direito do
Recife. Mas é notória, na poesia e prosa do paraibano, a crítica da (se existisse) “ciência
pela ciência”, pois há no Eu (1912) o grito de que toda tentativa de “pensar” é vã, de que
a “ciência” não compreende o que deveria compreender, de que a “ciência louca é oca” e
vocabulário, indico: MARTINS, J. de O. Glossário de alguns termos pouco usuais, empregados por Augusto
dos Anjos em seu livro “Eu e Outras poesias”. In: _____. Introdução à poesia de Augusto dos Anjos. São
Paulo: Livraria Brasil, 1959, p. 253-272.
89
brancos”; e o Estado, eu mesmo, “que [sou] o logos [e a] razão suprema, não [protejo] a
tua vida, a tua propriedade e a tua liberdade, porque tu não possuis esses superatributos
inalienáveis e imprescritíveis do nosso eu bramânico e privilegiado!”192.
E para quem acha que a “expressão privilégio” é tão recente, aí está.
Augusto dos Anjos faz um percurso histórico da escravidão, citando desde
Portugal, o “grande estômago antropófago”, aos principais portos de comércio de
população africana no mundo, a saber, Península Ibérica, Sevilha, Lisboa, todas
“verdadeiras alfândegas desse abominável negócio”. O mesmo faz em relação ao
movimento emancipatório dos povos escravizados de todo o mundo, citando o Brasil
como um dos últimos países a abolir (legalmente) tão “detestável prática”.
Discorre sobre as trágicas consequências da escravidão, criticando que sua
existência é, no seio de qualquer sociedade, “evolução regressiva”, “recuo desesperado
aos tempos idos”, “regressos eternos na vida da humanidade”. E, em uma tão nova
República, seria a escravidão “instituição anacrônica e dissonante” ao Estado moderno.
O professor, poeta e bacharel termina citando José do Patrocínio, o “maior
fator dinâmico na reorganização onímoda de nossa vida política”. Segundo Augusto, fez
Patrocínio mais do que o próprio poeta Virgílio na sua Eneida: enquanto este
“condensou o mundo romano na sua altura e destino social”, o jornalista e escritor
brasileiro, “abrangendo o sentimento da solidariedade étnica, na sua figura universitária
e imortal, deu expressão autoconsciente ao mesmo e foi o Buda libertador dos últimos
escravos que gemiam nas senzalas aberratórias da humanidade culta”193.
A José do Patrocínio, ao dia 13 de Maio, à República Brasileira e ao
governador (presidente) do estado da Paraíba (do Norte), João Machado – não,
realmente não há como não pensar que não houve ironia... –, seguiram-se os “Vivas”.
Esse discurso foi publicado no diário oficial do estado, A União, nos dias 20,
22 e 23 de maio de 1909. Se foi corrigido antes de ser reproduzido no jornal, não se
sabe. Se foi reproduzido na íntegra e sem nenhuma alteração, não se sabe. É sabido,
30/entre-a-vida-e-a-morte-sob-tortura-violencia-policial-se-estende-por-todo-o-brasil-blindada-pela
impunidade.html>. Acesso em: ago. 2020.
191 EL PAÍS (Brasil). “Enquanto as redes falavam ‘blacklivesmatter’, perdemos outra criança negra
apenas, da repercussão que teve, principalmente através dos depoimentos dos “amigos”
de Augusto dos Anjos presentes na sessão do teatro Santa Rosa.
Dois dias após o discurso do poeta, a redação d’O Norte, do seu “amigo” Orris
Soares, descrevia toda a solenidade realizada durante a “gloriosa data que recorda a
extinção da raça escrava na Pátria brasileira”.
A missa campal foi celebrada às 06h15 da manhã. A sessão no teatro Santa
Rosa foi realizada às 13h30; e lá estavam, nas cadeiras principais, Pedro Pedrosa,
Estevam Conte, Abel da Silva, Eduardo Pinto, Miguel Rapozo, Custódio Paes, Augusto dos
Anjos e os irmãos Aprígio, Alexandre e Alfredo: Ivo Magno Borges da Fonseca presidiu a
sessão; Augusto dos Anjos seguiu como orador oficial; Custódio Paes foi o “orador
popular”; Abel da Silva agradeceu, em nome da comissão; Ivo Magno encerrou.
Em relação ao discurso do poeta, assim diz a nota do jornal de Orris Soares:
[...] O discurso do dr. Augusto foi uma peça em que ele demonstrou notável
cultura, trabalho de frase, força de imaginação. O orador depois de palavras
preambulares fez a psicologia do escravo, analisando em seguida o seu
papel na sociedade, o escravo como entidade sociológica. O dr. Augusto
terminou o seu belo trabalho fazendo uma evocação a esta figura primacial, o
homem que valia por uma raça, o tipo aristotélico que se chamou José do
[Patrocínio]194. Ao terminar o seu discurso, o orador foi muito aplaudido.195
[...] O mínimo que se pode dizer de tal discurso é que foi desastroso. Ao orador,
tanto faltava senso comum como aptidão para comunicar-se com uma plateia
popular, em festa pública com entrada franca e animada por um desafio entre
duas bandas de música – a da Polícia Militar e a da Fábrica de Tecidos
Tibir[y].196
Educar as massas... O filho de Artur Aquiles via Augusto dos Anjos como
grandiosíssimo poeta, que não se destacava, porém, em nenhuma outra manifestação
intelectual – nem como professor, Santos Neto?!
Além de fornecer dados biográficos de Augusto, Perfis do Norte é importante
porque transcreve, por inteiro, o longo poema As cismas do destino, que pode ser
utilizado, nessa transcrição, como fonte primária – e lembrando que o mesmo poema foi
publicado, originalmente, em 1908, na revista que o próprio Santos Neto trabalhava com
seu pai (Artur Aquiles), a Terra Natal.
O discurso de Augusto dos Anjos é, até hoje (sim, todo falam), lembrado como
desastroso, polêmico, desastroso, pedante, desastroso, confuso, desastroso, complexo,
desastroso. Mas creio que foi mais que isso; foi sincero, e fez escola.
Álvaro de Carvalho, contemporâneo de Augusto e uma das intelectualidades
que conviveram com o poeta na época de efervescência da imprensa paraibana; “um dos
escritores mais cultos, de mais elegante compostura literária da década de 1920”198; um
dos primeiros escritores que, com sua “objetividade, sobriedade, densidade de estilo e
universalidade de ideias”, analisou “a influência de Les Fleurs du Mal” (de Baudelaire) no
poeta do Eu; um dos críticos que já afirmava que Augusto não havia formado “escola”,
continuando o Eu “insulado em sua própria grandeza, à margem do pensamento e das
correntes estéticas da literatura nacional”199, pronunciou uma conferência também em
comemoração (ao cinquentenário) da abolição da escravatura.
Promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), em 1946,
a conferência mostra o tom de indignação do seu orador:
A escravidão, fenômeno econômico e social, no Brasil, foi, como o tem sido
em toda a parte, a decorrente necessária da lei suprema da vida, da lei que
não conhece leis e que a todas se superpõe – a necessidade.200
198 BARROS, E. A poesia de Augusto dos Anjos: uma análise de psicologia e estilo. Rio de Janeiro: Gráfica
Ouvidor, 1974, p. 59 et seq.
199 CARVALHO, A. de. Augusto dos Anjos e outros ensaios. João Pessoa: Imprensa Oficial, 1946 apud
MARTINS FILHO, A. Reflexões sobre Augusto dos Anjos. Fortaleza: Ed. Universidade Federal do Ceará,
1987, p. 48.
200 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), v. 10, 1946, p. 108 (grifos meus).
95
feitas por Álvaro de Carvalho, de alguns poemas de Augusto, assim como comentários
que faz o crítico em relação à “individualidade curiosa” do autor do Eu, comentários que
faz o crítico sobre o “físico” do poeta de Pau d’Arco201.
Para não perder o fio da meada, voltemos à conferência sobre a escravidão
pronunciada no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP).
Álvaro de Carvalho, contemporâneo de Augusto dos Anjos na época de
imprensa e que também “viu” e sofreu, em 1904, o empastelamento perpetrado pelo
governador do estado, José Peregrino de Araújo, contra os jornais O Comércio e O
Combate (no qual colaborava), no seu discurso feito no IHGP, na década de 1940, afirma
que não devemos nos lamentar pelo ocorrido, ou seja, a escravidão. Afirma que, sim,
devemos nos reabilitar dos “erros acaso cometidos” e das “injustiças e misérias
praticadas num regime cruel e desumano”, abrindo espaço para os descendentes
daqueles que tanto sofreram, abrindo “novos rumos à capacidade de trabalho” para os
descendentes daqueles que tanto sofreram, “integrando-os202, redimidos, na sociedade
de que somos parte”, já que, a escravidão,
[...] sob este ponto de vista, não é mácula nem deslustre da nossa vida ou da
nossa história. É um fenômeno social, como qualquer outro, determinado por
causas necessárias, inelutáveis, produzindo efeitos fatais e inevitáveis
cujo valor só ao sociólogo do futuro será dado mensurar. Não lamentemos nem
maldigamos o sucedido [...].203
201 A.B.C.: política, atualidades, questões sociais, letras e artes, n. 812, 27 set. 1930.
202 Os descendentes daqueles que tanto sofreram.
203 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), v. 10, 1946, p. 110-111 (grifos meus).
96
distintos colegas dr. Augusto dos Anjos e Abel da Silva, acaba de assumir a sua
superintendência o não menos digno dr. Gustavo Cordeiro Galvão” – este, era
colaborador do jornal de Orris Soares, O Norte, e havia se bacharelado em Direito pela
Faculdade do Recife, em 1909.
Sim, mais um dos grandes desastres na vida do poeta durante o ano de 1909.
Segundo Magalhães (1977, p. 214), “bastaram seis meses, como diretor do colégio, para
que Augusto dos Anjos se desse por derrotado”. Derrotado, vencido, derrubado.
Interessante é que não sabemos o porquê dessa derrota, o porquê de
Augusto, assim como Abel da Silva, terem saído do Instituto Maciel Pinheiro, justamente
quando o projeto era bom; e nele os professores depositaram bastante confiança, nele os
professores muito investiram, por ele Augusto dos Anjos e Abel da Silva pretendiam
“revolucionar” o ensino da Paraíba (do Norte). Falta de dinheiro? Cansaço? Muitas
atribulações? Imprevistos? O fato é que, depois do discurso no teatro Santa Rosa,
“parece” que as coisas desandaram. E as perguntas continuam sem respostas.
Em O lamento dos oprimidos em Augusto dos Anjos, tese defendida em 2009 –
um dos “poucos” trabalhos datados dos anos 2000 e aqui utilizados –, a professora e
pesquisadora Maria Olívia Garcia traça alguns paralelos entre dados biográficos de
Augusto e dois romances publicados pelo seu irmão mais novo, Alexandre dos Anjos. Em
Desajustado e Proibição, publicados nas décadas de 1950 e 1970, respectivamente, há
muita “coincidência” de “personagens”, de lugares, de “fatos”, de situações presentes na
vida do paraibano.
No primeiro deles, Desajustado, o que interessa para estas notas, são
narrados, segundo a pesquisadora, fatos relacionados ao protagonista “Marcelo”, um
marginalizado e “mestiço” que foi “expulso do meio social em que se estabelecera, [...]
justamente após haver proferido um discurso em favor da igualdade racial”204.
Nesse discurso – reproduz Maria Olívia fragmentos do livro de Alexandre dos
Anjos –, Marcelo fala “sobre o problema da escravidão, exaltando a “abolição da
escravidão física” e dizendo que esta deveria ser completada pela obra de “abolição da
escravidão moral, com a extinção do irrisório preconceito da diferenciação das raças””
(GARCIA, 2009, p. 54). Da plateia, o protagonista ouvia gritos de que era “audacioso” e
204GARCIA, M. O. O lamento dos oprimidos em Augusto dos Anjos. 2009. 366 p. Tese (doutorado em
Teoria e História Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP, 2009, p. 67.
97
um “mulato mal agradecido”. Logo após esse discurso de “Marcelo”, a situação ficou
complicada na metrópole em que ele vivia, tendo que ir buscar “refúgio na igreja”:
Monsenhor Vicente de Alencar passa a alertar os fiéis para que não se
deixem influenciar pelo surto de ideias dissolventes de que falara Marcelo,
pregando a impossível igualdade das raças humanas e insurgindo-se, de
maneira violenta, contra o velho princípio da discriminação racial que, afinal, é
a defesa natural das raças puras.
Prossegue dizendo que, como era o esperado, a conferência causara péssima
impressão a todos, “demonstrando, além do mais, a tremenda ingratidão do
infeliz tribuno”, principalmente porque ele devia, tudo na “próspera carreira de
advogado”, à proteção generosa de “um digno membro da mesma sociedade
por ele agora atacada de modo tão virulento”.
E o vigário encerra o sermão dizendo: “Cumprindo o sagrado dever de
pároco desta freguesia, venho prevenir aos caros fiéis não se deixarem
contaminar por ideias tão reacionárias, perturbadoras de nossa vida social e
religiosa”.205
205Ibid., p. 67.
206Os romances do irmão de Augusto dos Anjos são referendados por Ademar Vidal (1967, p. 147), n’O
outro Eu de Augusto dos Anjos. E é por essa pesquisa que Maria Olívia Garcia resgata as leituras
daquelas literaturas, importantes para podermos entender “situações reais”, pois é o próprio Vidal quem
diz que os dois livros de Alexandre “têm como ambiente o engenho Pau d’Arco”.
98
207 TREVISAN, R. (coord.). Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2015.
Recurso on-line disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/jambo>. Acesso em: ago. 2020.
208 SOARES, 1920, p. III.
209 Como a edição está melhor revisada, a reprodução dos fragmentos em questão se dá pela versão da
editora Castilho: SOARES, O. E. Elogio de Augusto dos Anjos; Nota urgente. In: ANJOS, A. dos. EU e Outras
poesias. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Castilho, 1928, p. XXIX.
99
Por insuficiência crítica e teórica deste trigueiro que vos fala, pode parecer
que é tentada certa igualdade entre “defeitos de cor” e “defeitos de raça”. Mas não, aqui
não é tentado isso. Para se ter alguma profundidade, seriam necessários levantamentos
e levantamentos, e novamente o desvio seria brusco. Então, sigamos, pontualmente.
O professor e historiador da América Latina (pela Universidade George
Washington), Raul D’Eça – nascido no Brasil e por muitos anos residente no país;
membro da “Divisão de Cooperação Intelectual” da antiga “União Pan-Americana”211,
departamento que discutia a cooperação das atividades relacionadas às ciências e às
212 D’EÇA, R. Some modern brazilian poets. Buletin of the Pan American Union, Washington, D.C., v. 7, p.
381-386, jul. 1938. In: UNION OF AMERICAN REPUBLICS. Buletin of the Pan American Union. Vol. LXXII.
Washington, D.C.: jan./dez. 1938, n. 1-12. Disponível em:
<http://www.archive.org/details/buletinofpaname7238pana>. Acesso em: jul. 2020.
213 Ibid., p. 381. Versão original: “[...] was a negro who lived the life of the misfit, oppressed by his color
“acidentes da história”, sendo essa formação a essência do povo brasileiro. Fala ainda de
sua magreza, de seu corpo curvado, de sua feiura, de todo um semblante de “alma
perdida”, assim como já havia dito um amigo de Augusto – Raul se refere a Orris Soares
(e seu “Elogio de Augusto dos Anjos”, de 1920), quando este dizia ser o conterrâneo e
amigo um “pássaro afogado/molhado”.
Deixando de lado as desinformações de que Augusto faleceu em 1913 e de
que destruiu sua carreira de professor por conta do seu “neuroticism”, levemos em
consideração a fala de Raul D’Eça de que o traço marcante da poesia do moço paraibano
sempre fora a “expressão do sofrimento”, da dor e tristeza “universais”.
Depois de reproduzir integralmente O lamento das coisas (soneto que muitos
consideram “o mais belo da língua portuguesa”, ratifica Raul) e estrofes de Eterna mágoa
(“O homem por sobre quem caiu a praga / Da tristeza do Mundo, o homem que é triste /
Para todos os séculos existe / E nunca mais o seu pesar se apaga”) e de Queixas noturnas
(“Sobre histórias de amor o interrogar-me / É vão, é inútil, é improfícuo, em suma; / Não
sou capaz de amar mulher alguma / Nem há mulher talvez capaz de amar-me”), diz o
professor que a poesia de Augusto, o filho dos trópicos que nada sabia do amor, o poeta
cuja nota era sempre a da tristeza, sempre fora (e continuaria sendo) “sincera”, uma
poesia sem “poses literárias” e, por isto mesmo – lembrando que o artigo é de 1938 –,
uma poesia que perduraria como “verdadeira glória da literatura brasileira”214.
Não mais alongando o que era para ser uma simples nota, vamos a outra (e
última e pequena) informação sobre a “cor da pele de Augusto dos Anjos”.
Ibid., p. 382. Versão original: “[...] Therefore it will endure as a real glory of Brazilian literature”.
214
215MELO FILHO, M.; PONTES, J. (orgs.). Augusto dos Anjos: a saga de um poeta. Brasília: Fundação
Banco do Brasil; Rio de Janeiro: Gráfica Brasileira; João Pessoa: Gov. do Estado da Paraíba, 1994, p. 18.
102
que acompanha a notícia literária do poeta Mário Pederneiras, texto publicado logo após
o lançamento do Eu, em 1912216 – ambas estão reproduzidas no final deste trabalho de
notas, como “Anexo 1” e “Anexo 2”, páginas 322 e 323, respectivamente.
Sim, pode observar, não haverá desvio por tal.
Pedindo mil desculpas por, talvez, estar cometendo algum equívoco, mas à
primeira fotografia não há nenhuma fonte anexada, pelo menos não consegui localizar;
apenas observamos a imagem de um rapaz aparentemente “branco” (muito diferente
daquilo que pouco conhecemos), centralizado entre outros dois rapazes, sentado num
banco em “pose” de foto, possivelmente a foto para a “placa coletiva” de formatura.
Se fôssemos enveredar por uma pesquisa mais detalhada, a placa de
formatura dos bacharéis de 1907, da Faculdade de Direito do Recife, não seria útil para
comprovar essa fotografia? E se essa fotografia já for mesmo a da formatura? Até
porque, lá em outubro de 1907, em carta que o poeta enviava à sua mãe, comunicava-a
dos “retratos maiores”, das placas que ficariam prontas em novembro217. Mas, será que
essa “placa de formatura” ainda hoje existe nas paredes, nos galpões, nas salas especiais
da instituição (hoje uma das faculdades da Universidade Federal de Pernambuco)?
Não sei de nada, mas essa imagem é muito, é bastante, é completamente
diferente da fotografia reproduzida no texto de Mário Pederneiras. Se não fosse o “preto
e branco”, pelo menos desta de Pederneiras, e se tivéssemos em mãos fontes outras,
diríamos que Augusto dos Anjos não era, nem de perto, branco. Como disseram, era, sim,
“trigueiro”, “cor de jambo”...
Em alguns momentos de sua pesquisa, a professora Maria Olívia Garcia
(2009) também faz esse questionamento sobre a ascendência de Augusto dos Anjos,
principalmente quando se observa o personagem principal do mencionado livro de
Alexandre dos Anjos (Desajustado), irmão de Augusto, já que ele, o personagem Marcelo,
o “desajustado”, é “um mulato, um mestiço”, e que viveu as mesmas intempéries de uma
vida de catástrofes de “uma raça”...
E só mais uma nota: percebeste que (como visto até aqui e como veremos)
Augusto dos Anjos foi (e será) o único entre os sete irmãos (Francisca – a única mulher –,
Artur, Odilon, Aprígio, Alfredo e Alexandre) que não conseguiu (nem conseguirá) se fixar
216 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 27, 06 jul. 1912, p. 23. A notícia literária
de Pederneiras não informa o título “Augusto passando na rua do Ouvidor”. Quem isto informa é Eudes
Barros (1974), em nota da contracapa de A poesia de Augusto dos Anjos. Mesmo assim, optemos por
usar esse título para facilitar a compreensão da imagem.
217 ANJOS, 1994, p. 692.
103
em emprego algum (nem mesmo durante sua estadia no Rio de Janeiro) ou ter uma vida
minimamente “descente”? Pois sim, o “atavismo catastrófico de uma raça”. Sigamos.
essa desistência da instituição, assim como o discurso pronunciado no teatro Santa Rosa,
foram os “desastres” vivenciados por Augusto no ano de 1909.
Enfim, é melhor seguir compartilhando estas notas sem nada querer saber.
A República brasileira e os Estados modernos e seus coturnos e crucifixos
devem ser contextualizados por historiadores. Não é porque o discurso da “igualdade
racial” pronunciado no teatro Santa Rosa a uma plateia cheia de ilustres foi um polêmico
e desastroso acontecimento na vida de Augusto dos Anjos, assim como seu
“desligamento” daquele instituto de ensino e sua menor colaboração n’A União (do mês
de junho de 1909 em diante), que as coisas “desandaram”.
A República brasileira e os Estados modernos e seus coturnos e crucifixos
devem ser contextualizados por historiadores. Não é porque nesta semana encontrei o
livro O Brasil nação do historiador e jornalista sergipano Manoel Bonfim (1998) e o abri
justamente na página do ensaio “Sob a ignomínia política, a miséria do povo” e observei
de supetão que a contrariedade da República tirana e militarizada, a deterioração do
regime moderno atrelado às velhas “oligarquias”, a degradação dos dirigentes políticos e
o apagamento do povo “deprimido sob um século de esperanças mortas”, tudo isso
transformando o Brasil num “mundo fechado à verdadeira atividade social e de
pensamento, isolado, sequestrado num mentalismo arcaico”218, que devo enveredar por
levianas e infundadas suspeitas.
Muito menos devo levar em consideração o soneto Idealização da
humanidade futura, publicado por Augusto dos Anjos a 4 de junho, n’A União, cinco dias
antes do anúncio de sua saída, de seu “desligamento” do Instituto Maciel Pinheiro, e três
semanas depois de seu “desastroso discurso” no teatro Santa Rosa:
Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
– Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais! –
218BOMFIM, M. Sob a ignomínia política, a miséria do povo. In: _____. O Brasil nação. Rio de Janeiro:
Record; Brasília: Ministério da Educação, Departamento Nacional do Livro, 1998, p. 637.
105
1910.
Devido à falta de pesquisa mais consistente em relação à história político-
social brasileira no fechamento dessa primeira década do século XX, mais um período de
“agitações” na República a partir da campanha presidencial encabeçada, de um lado,
pelo militar Hermes da Fonseca e, de outro, pelo advogado e diplomata Rui Barbosa, fico
restrito a pontuar alguns dados divulgados pelas biografias de Augusto dos Anjos.
Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 307) informa que o “ditame estadual”
(na Paraíba [do Norte]) seguiu o nacional, antes, durante e depois das eleições gerais
realizadas em março de 1910, com o elevado número de votos que deram a vitória ao
marechal Hermes da Fonseca; este teve mais de 7.920 votos na Paraíba (do Norte),
contra os pouco mais de 320 dados ao civilista Rui Barbosa, conforme a divulgação do
resultado das eleições feita pelo jornal A União.
Magalhães Júnior (1977, p. 224-225) informa que a imprensa, ou, de modo
geral, que “ninguém se aventurou” a impugnar o resultado das eleições gerais, nem
mesmo aqueles jornais “que combatiam a “oligarquia paraibana”, como o Estado da
Paraíba, de Lima Filho e Francisco Victor de Assis Vidal” e “O Norte, dos irmãos Oscar
Soares e Orris Soares”; nenhum foi discordante do situacionismo nacional. Magalhães
ainda informa que o Estado da Paraíba pelo menos “fustigava o presidente [governador
do estado] João Machado”, com a denúncia dos chaleiras (os puxa-sacos) do governo,
divulgando os nomes de “Artur dos Anjos, Aprígio dos Anjos, Rômulo Pacheco, Raul
Machado e outros intelectuais, além de vários políticos estaduais em evidência ou
notoriamente bajuladores e subservientes”.
E enquanto uns nadavam por cima da onda, outros continuavam na sua luta
diária. Informa o escritor de Poesia e vida de Augusto dos Anjos que o poeta de Pau d’Arco
vivia um período dramático por conta desse clima “de tensões e de atritos” políticos na
sua velha Paraíba – ainda queria saber o porquê de Augusto ter publicado apenas seis
poemas num intervalo de tempo de mais de um ano –, e do clima de “crise econômico-
financeira” do engenho da família que, em poucos meses, seria vendido definitivamente.
Em abril, saía n’A União a primeira e penúltima publicação de Augusto dos
Anjos no ano de 1910: o poema longo Mistérios de um fósforo, no qual o poeta
expressava “um fundo desencanto, uma amargura e um desespero como poucas vezes
exprimira”; poema que “transmitia uma desalentada sensação de aniquilamento”, poema
que não apenas refletia “seus tormentos morais” como também “suas “cismas
filosóficas”” (MAGALHÃES JR., 1977, p. 225).
Se as publicações de Augusto na Paraíba (do Norte) eram quase nenhumas
nesse período, fora de sua terra natal continuavam sendo divulgados os seus versos.
Mais uma vez o diário maranhense Pacotilha, em sua edição de 4 de abril,
“republicava” autorias do jovem professor, e desta vez era Versos a um cão221, soneto
que grita o grito do cão, o ser silenciado que, tão qual um “rapsodo errante”, late “pelos
séculos adiante” a “esquisitíssima prosódia”222.
O mesmo soneto havia sido reproduzido um mês antes, ou seja, em março, na
seção literária “Urnas” do Correio do Norte, o “órgão do Partido Revisionista do estado
do Amazonas”223. Este jornal, apoiador da campanha presidencial de Rui Barbosa, tinha
como um dos redatores, em 1910, o advogado Heliodoro Balbi, formado pela Faculdade
de Direito do Recife em 1902.
Muito embora aqui seja notória a ausência duma pesquisa mais aprofundada
de cada um desses jornais (e, adiante, revistas), desses veículos políticos (e imparciais e
independentes) e noticiosos que divulgavam, entre outras coisas, literatura em verso e
em prosa através de suas colunas e seções, chamam nossa atenção essas “re”produções
das autorias do poeta paraibano, pois era Augusto dos Anjos um rapaz ainda “jovem” no
meio literário, mas que já tinha seus poemas divulgados por impressos de todo o Brasil
República, em sua maioria os “órgãos oficiais” do estado (o situacionismo), e até mesmo
os que se diziam de “oposição” e destinados a dar “voz ao povo”.
Interessante também porque esses poemas de Augusto eram “re”publicados
em jornais redacionados por nomes ilustres, ligados às ciências acadêmicas, às letras e
artes, à “política”. Exemplo maior é o do impresso carioca O Fluminense, da cidade de
Niterói. Preocupado com “temas de ordem cultural”, o jornal, ao longo dos anos, tivera (e
tinha) como colaboradores “Guilherme Briggs, Artur e Gastão Briggs, Geraldo Araújo,
Joaquim Leitão, Alfredo Lino Maciel Azamor, Joaquim Lacerda, Felisberto de Carvalho,
Luís Leopoldo Fernandes Pinheiro, Ricardo Barbosa, Miranda e Silva, Oliveira Viana e
Jônatas Botelho”224. Em 1910, era o jornal redacionado e chefiado pelo major da Guarda
Nacional, Francisco Rodrigues de Miranda, um dos seus fundadores – o outro fundador
era o também major Prudêncio Luís Ferreira Travassos, primeiro proprietário.
Sempre em segunda página, na coluna central, o impresso publicava “poemas
longos” de nomes da literatura nacional e internacional, como Vitor Hugo, Gonçalves
Crespo, Belmiro Braga, Nuto Sant’Anna, Maria José de Andrade, Hermano Brunner, Raul
Machado (conterrâneo e amigo de Augusto dos Anjos) e, não menos importante, o poeta
paraibano pesquisado nestas notas.
De Augusto dos Anjos, O Fluminense publicava, a 31 de maio de 1910, o
poema longo (narrativo) Mistérios de um fósforo225, poema que consta na edição do Eu
(1912) e que havia sido divulgado em abril, na Paraíba (do Norte)226. Isto mesmo, pouco
tempo que havia sido publicado na “província do Norte”, a autoria augusta já circulava
em um dos mais tradicionais periódicos do país, à época. Vale ressaltar que, como se
trata de um poema extenso, ele não foi divulgado na íntegra, tendo três de suas vinte e
duas estrofes “cortadas”. E foram estas:
[...]
Presto, irrupto, através ovoide e hialino
Vidro, aparece, amorfo e lúrido, ante
Minha massa encefálica minguante
Todo o gênero humano intrauterino!
225 ANJOS, 1994, p. 304-306 (Eu); originalmente n’A União da Paraíba em 01-04-1910.
226 O Fluminense, n. 7.739, 31 mai. 1910, p. 2.
227 ANJOS, op. cit., p. 305 (grifos meus).
109
CAPÍTULO 4:
Na capital da República
Setembro de 1910.
“A 13 de setembro de 1910, entrava no porto do Rio de Janeiro o navio Acre,
em que o poeta viajava com a esposa”, Ester Fialho (MAGALHÃES JR., 1977, p. 236). À
espera do casal, estavam os irmãos de Augusto, Odilon e Alfredo dos Anjos, seu amigo
Santos Neto e o então deputado federal (paraibano) Seráfico da Nóbrega.
Um dos jornais mais importantes da época, O Paiz, assim noticiava na seção
“Viajantes”, coluna “Vida Social”, quatro dias depois: “Acha-se entre nós, vindo do Estado
da Paraíba, o dr. Augusto dos Anjos”229. A informação também pode ser confirmada
através das correspondências que o poeta enviava à sua mãe, Dona Córdula, residente na
Paraíba – correspondências que serão muito úteis a partir deste momento.
De setembro, há uma carta datada do dia 17 e outra do dia 21. Nesta, após
comentar com sua mãe sobre o condenável “procedimento” do governador João
Machado, o poeta já se referia às promessas de emprego feitas pelos políticos “desta
terra” (“Walfredo Leal, Simeão Leal, Seráfico da Nóbrega, Castro Pinto e outros da
mesma espécie”230) – creio que se refira aos “políticos brasileiros”, de um modo geral –,
dizendo que seus interesses eram outros, bem diferentes dos ligados a qualquer tipo de
“favor” – sim, Augusto tinha caráter. Também se referia à promessa feita pelo futuro
deputado federal pela Paraíba e diretor d’O Paiz, o advogado João Maximiano de
Figueiredo.
No final da carta, dizia ter encontrado o Generino [dos Santos] – Adolfo
Generino Rodrigues dos Anjos –, um tio seu, irmão do seu falecido pai, o dr. Alexandre.
Esse mesmo tio era poeta e possuía bastante material publicado em revistas e jornais,
principalmente nos de Pernambuco; era ele grande “divulgador” do positivismo, logo
após ter estudado na Faculdade de Direito do Recife e se formado na década de 1870.
É válido destacar que Augusto, depois da referência a esse tio, o mesmo tio
que há muito tempo havia se desligado da família, dizia à sua mãe que havia se
espantado, pois recebera de Generino um grande abraço, com este dizendo que “já [o]
229 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.478, 17 set. 1910, p. 4.
230 ANJOS, 1994, p. 709.
112
conhecia não só como sobrinho, mas por uma revista de Minas Gerais que [lhe] tecera
elogios abundantes”231.
Pois é, não era Augusto dos Anjos um “desconhecido”.
Possivelmente “sem ter ciência”, seu nome continuava aparecendo em
periódicos de todo o Brasil. Se em março o poeta teve o soneto Versos a um cão
estampado na seção literária “Urnas”, do amazonense Correio do Norte, a 24 de
setembro teve o soneto Vencido232 publicado na seção “Parnaso”, do mesmo jornal233.
Em meados de setembro de 1910, o impresso fora vendido ao deputado
Castela Simões e ao advogado Trajano Chacon, vindo estes nomes em destaque, nas suas
primeiras páginas, como proprietários e diretores. A mudança de nome da seção
literária, de “Urnas” para “Parnaso”, ocorreu nesse período, mas a publicação de literatos
acontecia normalmente, com a divulgação de versos de Augusto de Lima, Luiz Edmundo,
Luiz Murat, D. Elvira Gama, Gervásio Fioravanti, Argemiro Jorge, Vespasiano Ramos e
muitos outros.
Entre dezembro de 1910 e janeiro de 1911, o Correio do Norte teria outro
proprietário: o jornalista Germano Bentes Guerreiro. Mais interessante porque a seção
literária, sempre de primeira página, voltaria a ser chamada “Urnas”, divulgadora de
poemas de Vicente de Carvalho, Cruz e Souza, Guimarães Passos, Alberto de Oliveira. E o
jornal passaria a assinar com o subtítulo “órgão independente” – o que, na verdade, já
acontecia desde setembro, quando eram proprietários Simões e Chacon.
“nesta cidade reina grande agitação, por causa dos últimos eventos ocorridos em
Portugal, relativamente à proclamação da República”234 – “implantada” a 5 de outubro.
Em carta do dia 26, já se referia à agitação nacional, ocasionada pela chegada
do marechal Hermes da Fonseca, presidente recém-eleito. Hermes retornava de Portugal
depois de “assistir” ao erguimento da República neste país:
Nesta cidade o que há de mais novo, impressionando seriamente a alma
bruta da multidão, é a chegada do marechal Hermes, com todo o seu entono
mavórtico de chefe supremo escolhido para conduzir durante quatro anos o
desventuradíssimo gado brasileiro.
Houve muita festa e o mais que o chaleirismo promove, em torno de seus
ídolos inferiores.235
Antes de tecer alguma nota sobre tais acontecimentos, uma nota sobre a
“escrita” da carta. Essa missiva nos fornece um exemplo de um recorrente recurso
linguístico utilizado por Augusto nos seus poemas e nas suas crônicas e nas suas cartas.
O poeta utiliza muitos apostos comparativos, em tons explicativos e adjetivantes, alguns
minados de ironia. Ao se referir aos “dreadnoughts”, aos possantes navios de guerra
guiados pelos marinheiros para possível (e iminente) bombardeio, diz Augusto serem
“verdadeiras máquinas de destruição radical”.
238 PROENÇA, M. C. O artesanato em Augusto dos Anjos. In: _____. Augusto dos Anjos e outros ensaios. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1959, p. 83-149.
239 ANJOS, 1994, p. 203.
240 Ibid., p. 208.
241 Ibid., p. 221.
242 Ibid., p. 250.
243 Ibid., p. 233.
244 Ibid., p. 286 (sublinhado meu).
245 Ibid., p. 225 (sublinhado meu).
246 Ibid., p. 642 (sublinhado meu).
116
gritar a “canção unitária dos vencidos”, pelo menos há, nesta “situação de agora”, uma
arma, um revide, um contra-ataque: já que o direito constitucional, a proibição total dos
castigos físicos, não fora atendido, os marinheiros “pedi[ram], com os canhões voltados
para o Catete, o Senado e o Arsenal de Marinha, a consagração oficial de seus velhos
Direitos vilipendiados”, roubados.
Os marinheiros, trabalhadores covardemente castigados, “agora” pediam
seus direitos com os canhões em posição de lançamento. Mais que certos.
Na mesma carta, comenta Augusto sobre os discursos que o então senador,
derrotado nas eleições presidenciais de 1910, Rui Barbosa, pronunciou no Congresso
Nacional, juntamente com o deputado Barbosa Lima; discursos dignos “de leitura e de
releitura”, segundo o poeta – até o momento não li os “discursos parlamentares” do
senador, mas, em momento oportuno, esta tarefa executarei.
Augusto ainda comenta com sua mãe sobre o aspecto da capital federal
durante a sublevação dos marinheiros, realizada na última semana de novembro,
momento de “dias amargos da revolta, [que] era de impressionar amarguradamente”;
sobre os boletins diários da imprensa que alertavam a população; sobre o medo desta,
com muitas famílias tendo que se mudar para cidades do interior de Minas Gerais e de
São Paulo, e outras correndo “sem destino certo, invadindo atabalhoadamente os bonds,
os trens e os automóveis em demanda dos subúrbios e outros lugares afastados”. Já que
ele e a esposa, Ester, estavam morando, nesta época, numa pensão localizada próximo
do mar, tiveram que “buscar refúgio” em casa de parentes, no bairro da Tijuca:
Dormimos aí uma noite e passamos algumas horas do dia seguinte à espera
de que se decidisse o momento aflitivo. É que a vida de todo o Rio de Janeiro
dependia de um só ato: a anistia. Sancionaram-na, por fim. Vieram, depois, os
arlequins profissionais da loquacidade quixotesca da época, acoimando
de covarde o ato do governo.
Injustos! Porque, quanto a mim, não há maior covardia, a ser inscrita
no registro das fraquezas humanas, do que negar um Direito, a poder de
pólvora e de selvagem sabre desembainhado [...].247
A anistia foi concedida aos marinheiros revoltosos, e isso bastava, isso era “o
melhor cicatrizador de feridas”248... Anistia cura tudo. Anistia é perdão. Perdão a todos
nós. Perdão que nós é quem devemos pedir. Perdão por não sermos dos alfaviles da vida.
Não consigo não ler as correspondências de Augusto dos Anjos, material que
deveria ser totalmente íntimo do poeta, como crônicas, crônicas que sim, descrevem a
outra “parte” dos fatos, descrevem qual foi o lado certo da história. Enfim, sigamos.
De dezembro de 1910, são registradas mais duas correspondências.
A primeira data do dia 9. Pra variar, mais uma em que Augusto descreve os
acontecimentos político-sociais do Rio de Janeiro, capital da República. O poeta fazia
questão de “atualizar” Dona Córdula, já que sua mãe era “afeiçoada, como sempre, aos
eventos da política nacional”. Nesta carta, referia-se ao novo governo, “substanciado na
cabeça marechalícia” do presidente Hermes, e às impressões que este proporcionava:
enquanto a “crítica prévia” dos “julgadores de oitiva” mostrava um Hermes autoritário,
“capaz de todos os protestos e de todas as rebeldias antirracionais e ilógicas”, a “crítica
moderna” mostrava um Hermes que “até sa[bia] transigir”251.
252 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil de
1910: Decreto N. 8.400 – De 28 de novembro de 1910. Volume I, parte 2 (atos do poder executivo). Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1913, p. 1442. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/colecao-anual-de-leis/colecao3.html>. Acesso em: ago. 2020.
119
1911.
De janeiro, apenas uma carta de Augusto dos Anjos, datada do dia 25. Chama
nossa atenção o fato de que o poeta se queixava à sua mãe por conta da ausência, ou
melhor, do tempo em que “o correio se obstina[va] em não [lhe] trazer cartas” vindas da
Paraíba. Extravios na República...
De fevereiro, mais duas correspondências.
Uma do dia 4, cuja menção se faz devido sua relação com um poema em
específico de Augusto: o poeta comunicava sua mãe do aborto que tivera sua esposa,
Ester Fialho, tendo nascido morto, com sete meses incompletos, aquele que seria seu
primeiro filho, “situação” que está descrita “poeticamente” em Soneto (Ao meu primeiro
filho nascido morto com 7 meses incompletos. 2 Fevereiro 1911). Creio que dessa autoria
não se conhece, até hoje, nenhum manuscrito ou publicação em periódico antes de
figurar no Eu (1912).
Outra do dia 18, em que o poeta se mostrava até certo ponto “esperançoso”,
confiante no emprego prometido pelo dr. Maximiano de Figueiredo. Na carta, ainda se
mostrava esperançoso com outras oportunidades que lhe poderiam chegar, entre
fevereiro e março. Esse era o desejo do “bacharel depenado, antigo professor de
província, e possuidor de outros títulos congêneres de desmoralização”257.
Se o futuro deputado federal, Maximiano, arrumou ou não um emprego para
Augusto, não se sabe. Desde setembro do ano anterior que essa promessa não saía do
mundo da promessa, muito embora o poeta ainda “deposit[asse] nímia confiança” nesse
emprego. Aguardava, aguardava e esperava “a outra face brilhante da vida”; aguardava o
fim do “lugar negro em que os maus demônios, talvez por um mero gracejo infernal, me
têm colocado”; aguardava bons momentos.
256 HARDMAN, F. F. Quimeras de ferro: história repetida como tragédia. In: _____. Trem-fantasma: a
ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva. 2. ed. revista e ampliada. 1. reimpressão. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005, p. 182-183 (grifos meus).
257 ANJOS, 1994, p. 720.
121
258 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.589, 06 jan. 1911, p. 8.
259 A descrição de todos os endereços pode ser consultada na biografia feita por Magalhães Júnior (1977).
260 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 11.009, 28 nov. 1914, p. 9.
261 ANJOS, 1994, p. 721.
122
há as que Augusto dos Anjos enviava à sua irmã, Francisca dos Anjos, a mais velha dos
irmãos, intimamente conhecida por “Iaiá”, e também residente na Paraíba (do Norte)262.
Essas missivas endereçadas à Francisca, em vários momentos, revelam mais
profundidade quanto à descrição de alguns “acontecimentos”. São constantes as queixas
de Augusto em relação às decepções e atribulações quotidianas, vivenciadas na capital.
Em carta de 15 de maio, por exemplo, o poeta mostrava-se diferente daquele
estado de “satisfação” demonstrado à sua mãe. Agora, dizia que suas decepções, até ali
sofridas, haviam pesado bastante em sua vida “intrassubjetiva”, anulando qualquer
“iniciativa de espírito”: “Desempregado, com responsabilidades pesadas a me
abarrotarem a alma, vítima de uma desilusão, na minha própria terra, tudo isto, como
um amálgama negro, engendrou esse silêncio malsinado”263.
Qual seria essa “desilusão” (na própria terra) sofrida? Talvez possamos
considerar suas últimas experiências vividas na Paraíba (do Norte): sua saída “forçada”
da terra natal, depois da discussão com o governador João Machado; seu “desastroso”
discurso pronunciado no teatro Santa Rosa, ainda em maio de 1909; sua “saída” do
Instituto Maciel Pinheiro, no mesmo ano; sua “menor” colaboração na imprensa oficial
do estado; as “sombras” que o olhavam.
Augusto termina a carta um pouco aliviado quanto a esse “possível estado de
depressão”: dizia que a “nomeaçãozinha”, como professor no Ginásio Nacional, vinha
“sanear um pouco o [seu] abalado território cerebral”, mas que ainda esperava outras
vantagens financeiras, algum outro emprego fixo que lhe trouxesse melhorias “nos
domínios da vida intrassubjetiva”.
Junho.
Esta informação não ajuda muito quanto a “dados biográficos” relativos a
Augusto dos Anjos. Porém, fornece-nos uma nota interessante.
O fluminense A Imprensa, a partir do mês de junho, divulgaria diariamente
sobre a eleição para a escolha dos “Dez Acadêmicos” da chamada “Academia d’A
Imprensa”, espécie de clube associativo das letras, uma associação “livre” composta por
intelectuais, entre jornalistas e literatos. A eleição aconteceria a 11 de agosto, elegendo
262 Esse material foi divulgado, primeiramente, por Humberto Nóbrega (1962), em pesquisa biográfica
sobre o poeta de Pau d’Arco: Augusto dos Anjos e sua época; e as reproduções, atualizadas, também
serão através da edição “obra completa” (poesia e prosa) de Augusto, organizada por Alexei Bueno (1994).
263 ANJOS, 1994, p. 776.
123
Bueno Monteiro, Emílio de Meneses, Alberto Nuñez, Rocha Pombo, Da Costa e Silva, Félix
Pacheco e Goulart de Andrade264. Certamente que seria uma associação “alternativa”
para publicação e divulgação de trabalhos jornalístico-literários de seus associados –
muito embora, só pelos “nomes ilustres”, talvez quisesse representar bem mais que isso
na República das letras.
Enfim, a procura de mais detalhes sobre o projeto não se deu por ora. Apenas
observei que, em uma das primeiras notícias, A Imprensa vinha esclarecer que a
iniciativa não era por pura “oposição” aos acadêmicos da já consagrada “Academia
Brasileira de Letras”. O diário trazia, inclusive, entrevistas feitas com quatro respeitáveis
membros desta: Artur Orlando, Coelho Neto, Mário de Alencar e João Ribeiro265.
O que interessa é que a longa notícia do jornal fluminense, ou melhor, as
longas notícias do jornal fluminense, diariamente divulgariam uma lista com muitos
nomes de “intelectuais” que receberiam, ou que já haviam recebido, o convite para
participação do “plebiscito” da nova academia. São muitos, são inúmeros nomes de
intelectuais. Por isto mesmo, apenas destaquemos o nome de “Augusto dos Anjos”.
O nome do paraibano sempre aparecia nas listas d’A Imprensa. Agora, se
Augusto participou ou não da votação, é outra história.
Julho.
Entre todos os irmãos, entre toda a família, Augusto dos Anjos foi o único que
nunca conseguiu “sucesso” na vida profissional. Sempre obtinha vagas como professor
interino ou como substituto, cargos que duravam poucos meses.
Todos os irmãos, tradição que vinha da geração paterna, haviam se
bacharelado na Faculdade de Direito do Recife. Exceto Francisca (Iaiá), a mais velha
entre os irmãos, todos se formaram advogados. Artur já havia exercido função de juiz
municipal, e era promotor público pela Paraíba (do Norte); Odilon já advogava no Rio de
Janeiro; Aprígio já havia sido redator do órgão de imprensa oficial do estado da Paraíba,
e brevemente seria juiz federal pelo estado do Mato Grosso; Alfredo futuramente
“desempenh[aria] funções de promotor no estado de Minas [Gerais]” (VIDAL, 1967, p.
198); Alexandre, o mais novo de todos, seria “Procurador do Tribunal Marítimo” (VIDAL,
1967, p. 147), além de ter se tornado escritor.
Que interpretação seria viável depois desses versos? Se não se pode fazer
alusão à idade do poeta Augusto, que estava com quase 22 anos na época da publicação
do poema, através da leitura do verso “Tu me açoitaste vinte e duas vezes”, ao menos
reflitamos a referência à “Paraíba madrasta”, que enxota seus filhos como uma
“Natureza má”, que chicoteia seus filhos como uma “velha nefasta”.
Além do emprego de professor (interino) de geografia, no Ginásio Nacional –
emprego que não lhe dava aumento salarial –, Augusto comentava, nesta mesma carta
do dia 16, que continuava esperando “outros empreguinhos de ensino” no Rio de
Janeiro; e sobre sua função de agente da “Companhia de Seguros Sul Americana”,
companhia na qual tinha trabalhado seu irmão mais velho, Artur, na Paraíba.
O cargo de agente não deu em nada. O próprio Augusto comentava com sua
mãe que “nada tinh[a] feito” na companhia, e se queixava: “Como que há, em mim, não
sei por quê sortilégio de divindades malvadas, uma tara negativa irremediável para o
desempenho de umas tantas funções específicas da ladinagem humana”268.
Essa carta do dia 16 é uma das maiores registradas, de Augusto.
Sobre ela, uma última nota: depois de comentar a respeito de mais uma
mudança de residência que teria de fazer, Augusto comentava sobre a situação climática
da capital da República. Dizia o poeta que o Rio de Janeiro passava por uma “sazão
frigidíssima”, clima que o deixava instável em relação à saúde, clima descrito à la
manière augusta: dum frio que era de “quebrar a caveira e desarticular as mandíbulas do
transeunte necessitado”, do pobre bacharel “obrigado a sair para cumprir com os seus
deveres de ofício”.
Setembro.
Cabe destacar a missiva datada de 18. Nela, Augusto dos Anjos dizia que os
assuntos relevantes da capital eram nenhuns, apenas merecendo “citação excepcional os
discursos do Rui Barbosa, no Senado, sobre o fuzilamento dos marinheiros”269.
Como não li os discursos parlamentares do senador, que se mostrava
contrário à truculência do governo para com os marinheiros e demais revoltosos – sim,
já tenho o material, falta-me a leitura completa –, por enquanto destaco o que
comunicou o presidente Hermes da Fonseca numa mensagem oficial enviada à Comissão
de Constituição e Justiça do Congresso Nacional, ainda em maio (de 1911), sobre as
medidas por ele adotadas e que visavam estabelecer a ordem pública. A mensagem foi
amplamente divulgada pelos veículos de imprensa de todo o Brasil, desde os da capital
federal (O Paiz, Gazeta de Notícias, A Imprensa, Correio da Manhã) aos espalhados
nos pontos mais “extremos da nação” (Santa Catarina: O Dia; Pernambuco: Jornal
Pequeno; Mato Grosso: O Comércio; São Paulo: Correio Paulistano). É curta, de três
laudas, e consta nos Anais da Câmara dos Deputados:
Depois da anistia concedida aos revoltosos dos navios da esquadra, tendo
dado baixa, voluntariamente, grande número de marinheiros, que
vagavam pelas ruas desta Capital, provocando distúrbios e constituindo um
elemento perigoso, de fácil aliciação para movimentos subversivos,
principalmente em um momento de evidente anormalidade, o Governo
procurou enviar aos seus respectivos Estados esses ex-marinheiros, e,
270 FONSECA, H. da. Mensagem. In: CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos Deputados: sessões de
27 de abril a 31 de maio de 1911. Vol. I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, n. 1, 1911, p. 305 (grifos meus).
271 ANJOS, 1994, p. 725.
127
Na luta por um emprego, Augusto não se dava conta de que seu nome estava
no centro de discussões literárias, de que ele já era lembrado como um dos grandes
“literatos” da nova geração, principalmente na opinião de contemporâneos.
No dia 18, ainda de setembro, o professor paraense José Paulo Barbosa Lima,
formado em Direito pela Faculdade do Recife em 1908, formado pela tradicional Escola
de Engenharia de Pernambuco e, a partir de 1913, um dos professores da recém-criada
Escola Politécnica de Pernambuco, enviava uma carta ao diretor e proprietário do
pernambucano Jornal Pequeno, o jornalista Tomé Gibson. Na carta, Barbosa Lima faz
ponderações a respeito de um artigo publicado, um dia antes, no jornal (também
pernambucano) A Província, assinado pelo jovem jornalista Lima Júnior272.
Neste artigo, Lima Júnior comenta da morte do poeta Raimundo Correia que,
segundo ele, representava um doloroso golpe para o Brasil. A morte de Correia juntava-
se as de Machado de Assis, Artur de Azevedo, Luís Delfino, Guimarães Passos, Lúcio de
Mendonça, Joaquim Nabuco, João Pinheiro, trazendo para o país a perda irreparável de
seus melhores homens de letras, de seus melhores homens da política, de seus melhores
homens públicos. Não somente a morte desses homens era duro golpe, mas também a
“ameaça” da morte, já que o “estado de saúde” de homens como Rui Barbosa e Olavo
Bilac, próximos da “extinção”, revelava o futuro de luto reservado ao Brasil. Segundo
Lima Júnior, era impossível substituir esses ilustres; a decadência das letras brasileiras
era iminente. Dizia ainda que no meio de tantos contemporâneos sem valor, felizmente
destacavam-se alguns como João Mangabeira, Almáquio Diniz, Hermes Fontes, Goulart
de Andrade, Gilberto Amado, Mateus de Albuquerque.
Queria pontuar as palavras do jornalista em apenas duas, no máximo três
linhas. Não consegui. Gosto de disparates.
De qualquer maneira, o professor José Paulo Barbosa Lima não gostou nada
desse texto do jovem Lima Júnior. Criticou-o veementemente pelo fato dele querer
“vaticinar” o desaparecimento de Rui Barbosa e Olavo Bilac. Criticou-o veementemente
pelo fato dele dizer que quase nada se aproveitava da nova geração de escritores.
272 O artigo está publicado na seção “Estudos e Opiniões” d’A Província (n. 257, 17 set. 1911, p. 1).
128
não em julho275. Na mesma carta, Augusto informava sua irmã do falecimento do poeta
Raimundo Correia, em Paris. Sabemos que Raimundo faleceu no final da primeira
quinzena de setembro. Portanto, a carta é exatamente do dia “17 de setembro”.
Uma segunda nota diz respeito à escolha do adjetivo “ignívoma”, escolha feita
para caracterizar a “fúria das labaredas”, das chamas que incendiaram o prédio da
Imprensa Nacional. Quando biografa a vida e analisa os versos de Augusto dos Anjos,
Magalhães Júnior (1977, p. 129-131) exemplifica a escolha de alguns vocábulos e de
temas específicos feita pelo poeta, a exemplo dos adjetivos “atra(o)” e “aziaga(o), a
exemplo de temas relacionados ao “Egito”. Para estas notas, destacaríamos o adjetivo
supracitado, utilizado na correspondência enviada à sua irmã.
Ígneo faz referência a fogo ardente, intenso, a um quase fogo vulcânico. O
adjetivo é reiteradamente utilizado no Eu: “Na bruta ardência orgânica da sede, / Morde-
me a goela ígneo e escaldante molho”276 (O morcego); “Zunia. E, na ígnea crosta do
Cruzeiro, / Julgava eu ver o fúnebre candieiro”277, “A planta que a canícula ígnea
torra”278 e “A diáfana água alvíssima e a hórrida áscua / Que da ígnea flama bruta,
estriada, espirra”279 (As cismas do destino); “Gosto do sol ignívomo e iracundo”280
(Gemidos de arte). Seja como “ardência” interna intensa, como “luz” intensa, como “calor”
externo intenso, como “cuspe da brasa”, espirrando suas chamas, ígneo nos mostra
imagens nunca “apagadas”.
Outubro.
Duas notas, dois destaques na correspondência datada do dia primeiro,
correspondência que Augusto dos Anjos enviava à sua mãe.
A primeira é sobre o nascimento de sua filha e de Ester, Glória dos Anjos –
nasceria no mês seguinte; o poeta convidava sua mãe para ser madrinha da menina e,
para padrinho, seu irmão Odilon, residente no Rio de Janeiro. A segunda é sobre sua
participação, como membro, numa associação de pedagogos. Augusto achava a iniciativa
uma “honraria meio platônica”, e dizia que seu nome havia sido sugerido pelo
275 IMPRENSA NACIONAL (Brasília). Incêndio de 1911 no prédio da Imprensa Nacional. Disponível em:
<https://www.in.gov.br/web/dicionario-eletronico/-/inc%C3%AAndio-de-1911-no-pr%C3%A9dio-da-
in>. Acesso em: set. 2020.
276 ANJOS, 1994, p. 202.
277 Ibid., p. 212 (grifo meu).
278 Ibid., p. 216 (grifo meu).
279 Ibid., p. 219 (grifo meu).
280 Ibid., p. 265 (grifo meu).
130
historiador de “elevado renome”, Rocha Pombo. Também dizia que essa associação de
pedagogos, oficialmente “Enciclopédia Nacional do Ensino”, objetivava “executar um
vasto programa de crítica, inspeção e iniciativas na esfera do ensino no Brasil”, sendo
estes os enciclopedistas permanentes:
[...] Farias Brito, Alberto de Oliveira, Fábio Luz, Curvelo de Mendonça, Laudelino
Freire, João Ribeiro, Alfredo Gomes, Maximino Maciel, Rocha Pombo, Silva
Marques, Coelho Neto, Barbosa Lima, Ramiz Galvão, José Oiticica, Osório Duque
Estrada, Dias de Barros, Mendes de Aguiar, Aguiar Garcez, J. Joaquim Firmino,
Aristides Lobo, Daltro Santos, Humberto Gotuzo, Raul Guedes, Lima
Drummond, Henrique Jardim, Tomás Delfino, Mário Barreto, Virgílio Várzea,
Afonso Celso e Augusto dos Anjos. 281
Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 252) conta que a associação não saiu
do papel, “ficou apenas nos planos”.
É possível vasculhar em jornais da época e saber que, pelo menos,
aconteceram reuniões. O Paiz, em setembro do mesmo ano (1911), lá no cantinho de
terceira página, informava sobre uma reunião realizada no salão do “Pedagogium”, o
“antigo museu” pedagógico, extinto anos depois. A reunião foi para escolher a primeira
diretoria da associação, da qual saíram eleitos: Fábio Luz, presidente (já atuava como
inspetor escolar de instituições municipais); Laudelino Freire, vice-presidente (já atuava
como professor do Colégio Militar); Silveira Marques, 1° secretário (já atuava como
advogado); Aguiar Garcez, 2° secretário (já atuava como professor do Pedagogium); e
Alfredo Gomes, tesoureiro (já realizava atividades em assuntos pedagógicos).
A nota do jornal ainda informa que “houve bastante calor por parte dos que
tomaram a palavra”, durante a decisão dos estatutos, e que entre os presentes estavam
Fábio Luz, Alfredo Gomes, Laudelino Freire, Daltro Santos, Farias Brito, Rocha Pombo,
Curvelo de Mendonça, José Oiticica, Maximino Maciel, Humberto Gotuzo, Henrique
Jardim, Joaquim Firmino, Aristides Lemos e Alberto Oliveira282. Só não cita o nome do
poeta de Pau d’Arco – talvez Augusto ainda não tivesse sido convidado.
Diferente da nota do jornal, focada em “picuinhas”, Augusto informa, na carta
enviada à sua mãe, que o objetivo da Enciclopédia (dos pedagogos) era exercer “sobre
todas as publicações didáticas, recomendando as que se revelem dignas de sua
recomendação ou impugnando fundamentalmente as que não preenchem os seus fins”; e
ainda informa sobre a criação de uma revista dedicada “a assuntos pedagógicos”.
Pelos dados obtidos, realmente o projeto não fora pra frente. Fábio Luz, em
janeiro de 1912, renunciaria ao cargo de presidente, e a Enciclopédia dos pedagogos
seria administrada pelo professor Laudelino Freire. Todos os membros exerciam muitas
atividades fora da associação. O Paiz noticiaria, desta vez em primeira página, que a
saída de Luz seria por “acúmulo de serviços”283.
Rio de Janeiro, a capital da agitação.
De outubro, há registro de mais três correspondências de Augusto dos Anjos.
Uma do dia 5, na qual se referia à “repercussão do conflito ítalo-turco” no Rio,
fato bastante comentado pela “boca agitada da multidão” – se tivesse documento
suficiente e quisesse desviar o foco, falaria da guerra entre o antigo império Otomano e o
reino da Itália pela posse da Líbia, entre 1911-1912, um dos fatos alicerçantes da corrida
imperialista e armamentista, decisivos para a conflagração da primeira guerra.
Uma do dia 14, pela qual sabemos que o poeta continuava lecionando no
Ginásio Nacional, pois ele comenta que não poderia se alongar na carta já que estava
indo “agora mesmo dar aula no Ginásio”284.
Uma do dia 21, pela qual dá sua opinião sobre a “agitação” da capital federal,
descrevendo a cidade do Rio de Janeiro como “terra dos agitados, e das grandes
nevroses da civilização”285.
Em novembro, mais duas cartas enviadas à Dona Córdula, cabendo destaque
para a última do mês, datada do dia 27. Nela, além de comentar a respeito de um soneto
que seu tio Generino dos Santos havia dedicado à sua filhinha recém-nascida (no dia 23
de novembro), Glória dos Anjos, comentava sobre a situação política da sua velha
Paraíba, dizendo que havia lhe causado “séria satisfação a mudança de orientação
política que acaba[va] de operar” na sua terra286.
João Pereira de Castro Pinto, professor e magistrado, bacharel pela Faculdade
do Recife, já havia sido deputado federal e, desde 1908, era senador pela Paraíba (do
Norte). Seria o futuro governador (presidente) do estado nas eleições de 1912, depois de
ter sido, comenta Augusto, escolhido pelo P.R.C. (Partido Republicano Conservador),
partido fundado em 1910 e que apoiava o presidente da República, o Hermes; dizia
Augusto que Maximiano, o diretor d’O Paiz, faria parte da chapa como deputado.
283 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.962, 15 jan. 1912, p. 1. Assim inicia-
se a notícia: “Por motivos particulares e de acúmulo de serviço do seu cargo de inspetor escolar [...]”.
284 ANJOS, 1994, p. 728-729.
285 Ibid., p. 729.
286 Ibid., p. 731.
132
287 ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS. João Pereira de Castro Pinto. Disponível em:
<http://novo.aplpb.com.br/academia/academicos/cadeiras-31-a-40/230-n-33-patrono-joao-ferreira-
castro-pinto?highlight=WyJjYXN0cm8iLCJwaW50byIsImNhc3RybyBwaW50byJd>. Acesso em: ago. 2020.
133
Janeiro de 1912.
Das correspondências registradas do período, e enviadas à Dona Córdula,
destaque para a datada do dia 27. Comentava Augusto que “na Capital o fervedouro dos
negócios políticos est[ava] atingindo intensidade considerável”289.
Que seriam tais “negócios políticos”?
Sabe-se que há, de Augusto, uma carta do dia 9 de janeiro, um dia antes do
“bombardeio de Salvador”. Se tivéssemos material suficiente e quiséssemos desviar um
pouco o foco destas notas, compartilharíamos fontes sobre o atentado perpetrado por...
Enquanto, registremos, para uma pesquisa futura, que o bombardeio foi e é descrito
como uma das grandes atrocidades da e durante a República velha, totalmente motivado
por questões de poder.
288 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.884, 29 out. 1911, p. 12.
289 ANJOS, 1994, p. 733.
134
1911, sob a direção de Gomes de Castro Pinto” – ainda não localizei acervo original do
referido impresso.
Augusto possuía uma seção semanal intitulada “Aos Sábados”, na qual
“re”divulgara o soneto Agonia de um filósofo e, na publicação seguinte, que seria sua
última, divulgara um texto de “forma epistolar”, um texto agressivo, uma resposta ácida
a uma carta – não há informação se fora entregue pessoalmente ao poeta ou se fora
publicada em algum outro jornal do Rio de Janeiro –, iniciada por “desalentado amigo”.
Já que não há detalhe algum dessa “carta”, sigamos com mais notas.
Abril.
Augusto havia lecionado geografia no Ginásio Nacional (em 1911); havia
tentado algum recurso material como agente da Companhia de Seguros Sul Americana;
lecionava matérias do curso de Direito e disciplinas preparatórias para ingresso de
jovens em cursos superiores; e ainda aceitava “bicos” como professor em colégios novos
que abriam. Só não se sabe se a Enciclopédia Nacional do Ensino, da qual fazia parte
como membro efetivo, ainda estava com seus trabalhos pedagógicos.
Neste mês, o poeta noticiava, em carta enviada à sua mãe, sobre mais um
“emprego” que acabara de conseguir: o Ministério da Agricultura designá-lo-ia membro
“duma comissão examinadora num concurso de admissão a uma escola agrícola recém-
criada”291. Augusto informava que já havia terminado os trabalhos, faltando-lhe apenas a
“indenização” dos seus serviços.
Em relação a essa oportunidade, função que exerceria como professor
avaliador dos exames para admissão de estudantes na Escola de Agricultura do Rio de
Janeiro, é possível verificar a nomeação de Augusto (e de outros) através das colunas
dos jornais fluminenses. O Jornal do Brasil, por exemplo, divulgava uma lista com os
nomes da então comissão de professores, assim como as disciplinas que eles avaliariam:
Mário Saraiva era o presidente; e eram os professores: de português, Cândido Jucá; de
francês, Alexandre Max Kitzinger; de aritmética, Pedro Barreto Galvão; de geografia
geral e do Brasil, Rocha Pombo; e, de “história do Brasil, [o] dr. Augusto dos Anjos”292.
É possível consultar os mesmos dados, já com os resultados dos exames dos
estudantes, nos diários A Época, Jornal do Comércio, ou n’A Imprensa. Realizados no
Abril e maio.
Na única carta de abril, não menos importante é a referência, feita pelo poeta,
à preparação de seu “livro de versos”, que deveria ficar pronto, possivelmente, no dia 15.
Na única carta de maio, além de informar que seu “livro de versos” deveria
sair – não saiu –, no final do mês, Augusto comunicava sua mãe que era, naquele ano,
“professor de Geografia, na Escola Normal”. Mais uma oportunidade de emprego;
embora, temporária294. Também informava, à Dona Córdula, que estava residindo na
Pensão Brasileira, localizada à rua Haddock Lobo, número 123 – sétimo endereço desde
que chegara à capital da República –, local que pretendia (de)morar por mais tempo.
Junho.
Curtíssima carta datada do dia 4. Nela, Augusto comentava que seu “livro de
versos” deveria sair entre um ou dois dias. Magalhães Júnior (1977, p. 257) informa que
o livro saiu das oficinas de impressão depois do dia 6, e graças ao pagamento das
despesas feito pelo irmão, o advogado Odilon dos Anjos, com quem firmara um contrato
de lucros pós-vendas295.
Não se sabe qual oficina gráfica fez os trabalhos de impressão dos mil
exemplares do Eu. Sabe-se que o Eu foi um “escândalo”.
por esses imortais ao lançar seu Eu. Era assertivo ao dizer que a estreia de Augusto
ficaria como “acontecimento poético do ano”; e terminava: “Que livro saído até este
momento poderá ser apontado para derribar essa minha afirmativa? Que poeta de nota
é esperado em alguma obra prometida?” (apud MAGALHÃES JR., 1977, p. 261). Esta
afirmação seria feita novamente ao fim do seu artigo.
Vimos que os versos de Augusto dos Anjos já eram divulgados em jornais de
sua terra natal, a Paraíba e, talvez sem o poeta ter conhecimento, eram também
divulgados em vários periódicos de outras capitais do país, eram também divulgados
através de palestras e “discussões” que aludiam ao seu nome como belo e “novo” das
letras brasileiras. O próprio Eurícles de Matos nos fornece informação útil ao dizer que
já se falava muito em Augusto, já se falava sobre o Eu, “antes mesmo do seu
aparecimento”. Com o lançamento do livro na capital federal, o Rio de Janeiro, o
“barulho” foi bem maior: “em nenhuma roda de velhos e de moços, ele deixa de ser
lembrado e logo discutido” (apud MAGALHÃES JR., 1977, p. 261).
Eurícles também fala dos “rumores” daqueles que comandavam a crítica, já
esperando (só na espreita...) para “condenar” Augusto que, “em vez de babar-se
ordinariamente por todo o seu livro num pieguismo irritante de amor, escreveu
sabiamente” versos como os de O deus verme e Mater originalis.
Parece que o jornalista ainda reproduziu outros versos, de Monólogo de uma
sombra, de Os doentes, de A árvore da serra – este, integralmente. Parece não, realmente
reproduziu. Quase que esquecia, mas essa notícia pode ser encontrada no paraibano O
Norte297, republicada d’A Tribuna logo após o lançamento do Eu.
E aqui, uma nota curiosa – e que Magalhães Júnior também destaca: um tipo
de “vício” a que todo “leitor” de Augusto dos Anjos está preso, ou seja, não conseguir
fazer qualquer menção à biografia do poeta sem dele reproduzir longas estrofes, sem
dele reproduzir poemas inteiros, mesmo quando o assunto é distante de uma análise
literária. Bastante curioso.
Para encerrar esta notícia literária de Eurícles de Matos, escolhamos a
definição que ele dá para o Eu, caracterizando-o como “acontecimento poético do ano”,
livro de estreia dum poeta que entrava “para o pequeno rol dos grandes poetas
contemporâneos da língua”298.
Acontecimento do ano. Ruído na República das letras.
298 O fragmento foi extraído do jornal O Norte: jornal independente e noticioso (Cf. nota 297 deste
trabalho), e este é o título que o diário assinala: Como a crítica nacional recebeu o livro de versos de Augusto
dos Anjos.
299 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.108, 09 jun. 1912, p. 1.
300 Gazeta de Notícias, n. 166, 14 jun. 1912, p. 4.
140
cultivador da forma e que sab[ia] fazer o verso sonoro e cantante” – como exemplo,
reproduz, integralmente, O morcego.
O crítico dizia que os demais poemas de Augusto não tinham a sonoridade
daquele soneto, que eram todos um “amontoado de palavras difíceis”, exemplificando
com reproduções de estrofes de Último credo, Os doentes e As cismas do destino.
Após transcrever “[...] Da roupa pelas brechas, / O vento bravo me atirava
flechas / E aplicações hiemais de gelo russo”301, versos de As cismas do destino, Menezes
praticamente diz “basta”, pois o Eu, na sua opinião, está cheio “dessas ideias e dessas
comparações” loucas. Certamente não gostou nem um pouco das loucas referências de
Augusto dos Anjos a “gelo russo”, visto que o poeta, “estando em Recife, num clima
brasileiro”, proferia coisas tão infames.
Não podemos nem mesmo receber uma rajada de vento...
Há muito mais retirado de nós.
Segundo Menezes, Augusto possuía “talento e emoção”. E, por possuir essas
qualidades, ele “aconselhava” o poeta a deixar de lado a “poesia técnica, muito imprópria
e muito postiça e atirar-se a outros gêneros”, pois autorias como O morcego e Sonetos [I –
A meu pai doente; II – A meu Pai morto; III – {Pobre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra}]
revelavam que seu escritor tinha, sim, emoção, e que, por isso, “pode[ria] vencer”.
Do que diz Nazareth Menezes, aproveitemos a opinião de que Augusto dos
Anjos possuía “talento” e “emoção”.
Talento e emoção na República das letras.
e sandices, a exemplo do que fazia uma “certa escola nefelibata”304. Antes, olhando lá no
fundo de sua “complicada poesia”, era um “esteta de raro merecimento”, era um artista
de lastro de “cientista”. Para o Duque, não era Augusto “um grande poeta”, já que “vasar
em um pequeno volume de versos todo o monismo de Haeckel e grande parte do
evolucionismo spenceriano” não era coisa de artista. E esta era a severa crítica do
professor, que condenava Augusto dos Anjos pelas extravagâncias, pelos “exotismos”.
Duque-Estrada reproduzia uma estrofe inteira de Monólogo de uma sombra,
autoria que ele considerava “manifesto/programa” do Eu, espécie de “pedra de toque”
para ler e assinalar todos os defeitos e todas as qualidades de Augusto como artista.
Sobre os defeitos, as “coisas detestáveis”. Depois de transcrever a estrofe do
monólogo, afirma que a primeira impressão é a de que “o homem é doido”; mas não, pois
o “amor à podridão” (“A podridão me serve de Evangelho...”) é ideia da teoria
(cientificista) do “transformismo”. Ele ainda transcreve uma, duas, ao todo, três sextilhas
do monólogo, só para provar as sandices, as “ideias estapafúrdias” de Augusto.
Sobre as “coisas dignas de admiração”. Duque-Estrada vale-se, dentro da
mesma “extravagância” de Augusto, de uma, de duas, de três, de quatro sextilhas do
monólogo para provar suas qualidades. O professor reproduz, do mesmo monólogo
(portanto, mais uma sextilha, a quinta), uma das “falas finais” da sombra, a estrofe
Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.305
que, para ele, dentro das “estrofes opulentíssimas em que tanto se admira a elevação do
conceito, como o requintado da forma”, revela-se “a mais brilhante de todas”.
Fala dos poemas As cismas do destino, Os doentes, Vozes de um túmulo e Noite
de um visionário, entre os quais muitos dos chamados “longos”/narrativos, poemas que
ele caracteriza como “verdadeiras monstruosidades, aleijões abortados de uma fantasia
delirante e de uma torturada imaginação que se obstina em parecer única e original”.
304 Osório Duque-Estrada, ao escrever nessa notícia o “cheirosa criatura” e o “crocodilizações verdes de
jacarés”, referia-se aos poetas Bernardino Lopes e Hermes Fontes. Este havia escrito o neologismo
“crocodilizações”; aquele, “em acentuado declínio intelectual, dominado pela bebida, dedicara ao marechal
Hermes da Fonseca um soneto em que o chamava “Formoso herói, cheirosa criatura”” (MAGALHÃES
JÚNIOR, 1977, p. 263).
305 ANJOS, 1994, p. 199.
143
João Luso destacava o que mais lhe impressionava no livro de Augusto dos
Anjos: o título, em letras garrafais e em tinta vermelha; o resumo de “todas as belas e
grandes coisas” da “contemplação”; e mesmo o que o livro significava, ou seja, um
grande rótulo, um “anúncio de qualquer coisa como uma autoepopeia, uma
autoglorificação”. Segundo Luso, nessa poesia o poeta fala “de si”, não como autolatria ou
admiração, mas, sim, como “autoanálise”, como estudo e “exame de si”.
Luso dizia que Augusto, às vezes, era cruel consigo mesmo, tal qual um
“anatomista” que rasgava as próprias carnes e “gem[ia] de dor e de volúpia”, cruel com
os outros e com tudo o mais.
Após citar, pontualmente, relações do pessimismo científico de Augusto com
o do poeta e dramaturgo argelino Jean Richepin; após citar, pontualmente, relações do
hiperbolismo de Augusto com o do poeta brasileiro Cruz e Souza, afirmava que o
paraibano conseguia combinar o “rigor de história natural das concepções à exuberância
e à ardência da forma”, tendo como “resultado” (poético) exotismos e extraordinários
fenômenos de expressão. Luso definia o Eu como um livro caprichoso quanto ao ritmo,
livro de “bela sonoridade”.
E, antes de reproduzir completas cinco sextilhas do Monólogo de uma sombra,
João Luso dizia ser Augusto um poeta “sincero” e “convicto”, que assim sentia e concebia
a vida, que assim sentia e “pratica[va] a arte”.
O jornalista termina sua notícia literária afirmando ser Augusto dos Anjos um
poeta “tão discutido” (certamente nos meios literário e jornalístico).
Por João Luso, definamos o Eu como barulhento, agitador, controverso. Um
livro verdadeiro e sincero, sensacional e escandaloso.
Barulho e agitação e escândalo e verdade na República das letras.
surgiam “quase diariamente”307. Ainda do dia 23, outra carta, e desta vez enviada à sua
irmã, Francisca, na qual lhe pedia a leitura das mesmas críticas dos jornais enviados à D.
Córdula – os textos dos jornais eram recortados.
Até onde se sabe, outras notas e notícias literárias sobre o Eu, publicadas em
jornais e revistas, apareceriam somente em julho. Mesmo assim, o nome “Augusto dos
Anjos” continuava fazendo ruído e barulho e agitação na República das letras. O poeta
comunicava à D. Córdula, em carta do dia 26 de junho, entre outras coisas, que estava
enviando mais recortes de jornais com as críticas feitas ao seu livro, e que em breve
enviaria outras. E afirmava: “Meu livro tem produzido um verdadeiro escândalo nesta
terra”308. Escândalo na República das letras.
Na mesma carta, o poeta “definia” esse escândalo. Havia as discussões de seu
livro nos meios literário e jornalístico, como de costume. Ademais, havia a discussão de
seu livro “até na Câmara dos Deputados”, ou seja, no meio político, como acabava de ler
nas páginas d’A Tribuna; é Magalhães Júnior (1977, p. 267) quem reproduz uma nota
que, infelizmente, não consegui localizar referência e fonte, mas creio que seja o tal
número do jornal supracitado por Augusto: “Como se discutia a política do Ceará em
todas as rodas, menos num grupo, em que o sr. Carlos Peixoto fazia francos elogios ao
recente livro do sr. Augusto dos Anjos”309. Ainda havia a inclusão de seu nome em
estantes de bibliotecas renomadas, como a da “Academia Nacional de Medicina” –
Augusto justifica que era porque seu livro tratava “do haeckelianismo e do
evolucionismo spenceriano”.
Terminava a carta informando que havia, entre toda essa “corrente seleta e
incentivadora”, uma de “conspiração manifesta e quase agressiva” contra ele: a dos
“irremediavelmente nulos”. Dizia ainda que seu tio, o poeta Generino dos Santos, que a
essa altura já lhe era “pessoa amiga”, enviara-lhe uma longa carta, e que a mesma seria
publicada (por Augusto ou pelo tio?) em breve. Infelizmente, Augusto não informa em
qual impresso seria.
Julho.
além de ter participado da campanha civilista de Rui Barbosa, era um dos ferrenhos críticos do deputado
Pinheiro Machado, aquele que Augusto dos Anjos chamava de “arruaceiro”.
146
310 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 27, 06 jul. 1912, p. 23.
147
seu talento real e de toda a sua original e bizarra concepção de Arte”, muito mais
revelaria de sua originalidade.
Mário Pederneiras reproduzia, por inteiro, os sonetos Ricordanza dela mia
gioventú e Vencedor, para ele, os mais emotivos de Augusto dos Anjos.
De Pederneiras, escolhamos, então, o “original e sincero”, para com Augusto.
Original e sincero na República das letras.
318 Ibid., p. 1.
150
de que as reproduções do jornal de Orris Soares, que apenas registrava as iniciais dos
nomes dos autores, poderiam causar (e causaram) confusões nas cabeças dos leitores.
“Plácido” termina suas “pálidas homenagens” ao poeta de Pau d’Arco que, há
pouco tempo, era conhecido somente em sua terra natal, a Paraíba, mas que, “agora”,
mostrava-se “exuberantemente superior fazendo jus aos louros da sua conquista
galharda no torneio magnífico da rima”.
Do autor, aproveitemos a opinião de que Augusto dos Anjos estava causando
“rebuliço nas rodas consagradoras da Capital Federal”.
Rebuliço na República das letras.
metempsicose”), aproveitemos suas notas finais para com o Eu: livro “cheio de
curiosidades, desse alvoroço de ideias novas, harmonias novas, aspirações novas”; livro
que é “viagem através da personalidade” de Augusto dos Anjos, onde sua “dor” é
estendida “a todas as espécies e a todas as coisas”; livro onde se “fala” do “amor-
solidariedade” e do “amor-científico”.
Segundo o jovem crítico, Augusto triunfava não somente pelas qualidades de
seu livro de versos, mas porque não precisou
[...] se arrastar aos pés dos nossos papas intelectuais, os que organizam nas
revistas e nos cenáculos quadrilhas literárias para amordaçar os bons espíritos
surgentes ou para os obrigar ao beija-mão aviltante dos seus deuses de papelão
e dos seus mestres proclamados em família, para melhor destino das suas
confrarias.322
Já para finalizar, aproveitemos o que diz Hermes Fontes, sobre o Eu, logo no
início de sua notícia literária: “o mais ruidoso desses seis meses”.
Ruídos na República das letras.
Nos últimos dez dias do mês de julho, não se sabe se houve alguma outra
notícia literária alusiva ao Eu. Sabe-se, até o momento, que o poeta enviou à sua mãe
uma correspondência informando-a da situação caótica vivida no Rio de Janeiro: uma
influenza havia deixado a “população inteira espirrando e tossindo”327.
É, caro Augusto, também estamos vivendo... Uma pandemia. Maior. Mortal.
Um maldito vírus corona que “Sai para assassinar o mundo inteiro / E o mundo inteiro
não lhe mata a fome!”328.
Agosto.
inconfundível”; e que seu livro de versos era prova concreta disso, pois era assim que
Augusto dos Anjos “sentia” a arte e a “executava”. E completa:
– Nasce-se poeta, lírico, parnasiano, simbolista, humorista e não se muda
mais e assim se passa a vida inteira. Eu nasci com este meu feitio de poeta; sou
assim, hei de ser sempre assim, não posso mudar mais mesmo que queira.330
Nasce-se poeta, seja de qual “espécie” for, e assim se passa a vida, inteira.
Essas foram as palavras de Augusto pronunciadas em momento oportuno, ao
responder às críticas que estava recebendo dos “intelectuais da República”, logo após o
lançamento do Eu. Ou, como informa a nota da Fon-Fon, que o poeta assim se referia “às
críticas ao seu livro onde se dizia que ele devia mudar o rumo de seu verso”.
Como sabemos da participação de Augusto na sessão realizada no salão
nobre do Jornal do Comércio, sessão que fazia parte das comemorações do dia “5 de
agosto”, referentes à fundação da Paraíba do Norte e à padroeira da então capital, Nossa
Senhora das Neves, não seria desinformação, agora, já afirmar, e reafirmar, que as
palavras reproduzidas pela Fon-Fon foram justamente as pronunciadas por Augusto dos
Anjos nesse evento cívico. Inda mais sabendo que as comemorações paraibanas
aconteceram (e acontecem) no mês de agosto, dois meses após a estreia oficial do poeta.
E a ideia de pesquisa e resgate desse discurso, em sua integralidade, é mais
que certa, é mais que viável. Claro, em momento oportuno.
Agora, sigamos com as notícias literárias alusivas ao Eu. E, também, com uma
e outra divulgação, em jornais, de poemas augustos.
330 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 46, 15 nov. 1914, p. 46.
331 ANJOS, 1994, p. 229 (Eu); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 20-09-1906.
332 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.211, 10 ago. 1912, p. 1.
333 Gazeta de Notícias, n. 220, 07 ago. 1912, p. 3.
157
jornalista e advogado (Antônio Joaquim) Pereira da Silva. Bem verdade que o original do
texto está quase apagado, mas nada que tire a atenção da leitura.
Pereira da Silva, príncipe dos poetas paraibanos segundo a ilustrada revista
Era Nova334, começa agradecendo “a gentileza” de Augusto por este ter lembrado de seu
“humilde nome” ao lhe enviar um exemplar do Eu. Em seguida, já dizia que não faria um
estudo crítico, mas, sim, exprimiria “impressões pessoais ou subjetivas” (de leitura).
O jornalista destacaria a poesia de Augusto dos Anjos como “pessoal”,
“esquisita”, “extravagante”, “esdrúxula”. No entanto, justamente nessas características,
que todos viam como “defeitos”, residia, na sua opinião, a “profunda sinceridade do
poeta complexo”. Complexo porque é impossível acompanhá-lo nas “cogitações”, nas
“dúvidas”, em “todo o desespero”. Complexo porque esse desespero é “antes de filósofo
que de poeta”. Complexo porque há, nesse poeta, “intensa angústia inédita e incontida”.
Segundo o também poeta paraibano, a ligação “poesia-filosofia” é que dava a
originalidade da poesia de Augusto.
Eis uma nota interessantíssima que Pereira da Silva revela, e é interessante
porque esse “fato” foi e é, recorrentemente, informado por aqueles que conviveram com
Augusto: “Dir-se-ia que sua poesia se faz por um estranho precipitado da imaginação e
do raciocínio, que criam, assim, uma entidade emocional nova, quase “sui generis”” –
agora fica mais claro entender quando Pereira diz da ligação “poesia-filosofia”.
Depois dessas preambulações, o crítico relacionaria, pontualmente, Augusto
dos Anjos com o poeta português Antero de Quental. Porém, enquanto este era “um
místico”, que tinha o raciocínio de “um cético”, Augusto era um poeta de “viva
imaginação, corroído, infelizmente, por uma impenitente filosofia naturalística”. Mesmo
assim, para ambos, a concepção da “filosofia” era a base para um “espírito livre”.
“O sr. Augusto dos Anjos, se não fosse fundamentalmente poeta, não teria
conseguido com sua técnica científica os efeitos emocionais que dão a seu livro uma
originalidade extravagante, mas incontestavelmente estética”.
Pereira da Silva afirma ser a poesia de seu conterrâneo “efetiva” e “real”.
Poesia efetiva e real na República das letras.
334Era Nova: revista quinzenal ilustrada, ano 2, n. 33, 01 set. 1922, n. p. O autor assina um texto na
revista de João Pessoa, e assim vem a chamada: “De Pereira da Silva, príncipe dos poetas paraibanos”.
158
Ibid., p. 14.
339
340Consultar a versão on-line do “original”, da primeira edição do Eu publicada em 1912: ANJOS, A. dos.
EU. (edição princeps). Rio de Janeiro: [s.n.], 1912. Disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
(BBM), Universidade de São Paulo: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4608>.
160
abate / Não sei porque me vêm sempre à lembrança / O estômago esfaqueado de uma
criança / E um pedaço de víscera escarlate”; “Na sangueira concreta dos massacres”; “Os
sanguinolentíssimos chicotes / Da hemorragia; as nódoas mais espessas”; “Ia engolindo,
aos poucos, a hemoptises”)341.
Para Fábio Luz, se Augusto tivesse outra “intuição de Arte”, daria outra
“extraordinária obra”, justamente pelo seu talento de versejar, pelo seu vocabulário,
pelo seu poder de emoção e de sonoridade tirado das “coisas pouco estéticas”.
Não querendo desviar, já desviando, no ensaio “Sinais do vulcão extinto”, o
professor e historiador Francisco Foot Hardman (2002, p. 140) informa que Fábio Luz –
um dos escritores filiados “à corrente libertária da literatura no Brasil”, um dos
escritores cujo trabalho se destacou, principalmente, pelas conferências pronunciadas
nos meios “anarcossindicalistas”, debatendo a relação “literatura e meio” –,
pronunciaria, em novembro de 1913, na sede do Centro Cosmopolita (do Rio de Janeiro),
“sindicato dos empregados em hotéis e restaurantes”, a palestra “Primeira lição do
Curso Elementar de Literatura, iniciado no Centro Cosmopolita, em 14 de novembro de
1913”. O que Hardman destaca e reproduz, da fala do professor Fábio Luz, é de grande
utilidade para estas notas:
No início dessa palestra, Fábio Luz expõe sua concepção das funções do
estudo da literatura. Compara-o ao estudo da história geral. Esse discurso é
dirigido claramente a um auditório composto de operários militantes. Aí se
justifica a ida da literatura aos cimos do espírito, enquanto a história ainda
precisa relatar as vilanias, as baixezas, as guerras; uma história marcada pela
miséria e sangue da humanidade no solo da Terra. A literatura, pelo
contrário, deveria dar conta de uma utopia libertária que se localiza além
desse tempo e desse espaço, num quadro de pura beleza e perfeição.
Pensada assim, “a literatura não é um passatempo inútil, mas representa a
melhor base para o estudo real das civilizações e dos progressos, retrocessos,
quedas e voos do espírito humano”, colocando-nos “em consoladora
comunicação com os grandes pensadores e com os reais progressos do espírito
na evolução contínua...”. Nesse sentido, a literatura recuperaria o outro lado da
história, a “desses espíritos que honram o gênero humano e gênio das raças,
para nosso eterno gáudio e para nossa glória, quase todos revoltados e
revolucionários” [...]342.
Ainda que essa fala de Fábio Luz nos forneça outras leituras e investigações,
centremo-nos, exclusivamente, no que ele define como verdadeira “função da literatura”:
“dar conta de uma utopia libertária que se localiza além desse tempo e desse espaço,
num quadro de pura beleza e perfeição” – já havia grifado e, mesmo assim, reproduzi
novamente; quanta loucura...
O oposto dessa beleza e perfeição, ou seja, as guerras, as vilanias, as
“baixezas”, a miséria, o “sangue da humanidade”, deveria ficar por conta da “história”.
Agora, fica melhor de entender o porquê Fábio Luz assinalou na poesia de
Augusto dos Anjos, através de sua notícia publicada na Brasil Moderno, o “defeito” que
o poeta trazia da “ciência”. Isto é, mesmo que o paraibano “perscrute os segredos da
natureza”, “ausculte o ressurgimento de outra vida”, “adivinhe e pense o mundo”,
mesmo que transforme a “matéria repulsiva” em “versos perfeitos”, sua
“intuição[/percepção] de Arte” ainda é um problema. E são problemas sua crueza da
realidade, sua percepção “histórica” do mundo, seus “abusos dessa coisa repulsiva”, seu
“revolver dos monturos”, seu “mexer das sepulturas”, seu “exame da sânie”, sua
“obsessão cromática”. Sua “realidade”. Morte da “utopia libertária”.
Augusto dos Anjos, na opinião de Fábio Luz, “atira apodos aos poetas”,
principalmente nestes versos:
Poeta, feto malsão, criado com os sucos
De um leite mau, carnívoro asqueroso,
Gerado no atavismo monstruoso
Das almas desordenadas dos malucos;
343 ANJOS, 1994, p. 221. As estrofes, transcritas por Fábio Luz, foram atualizadas por esta edição do Eu.
162
Fábio Luz termina sua notícia literária afirmando ter sido “estrondosa” a
estreia de Augusto dos Anjos. No final, reproduz versos de Monólogo de uma sombra e
Psicologia de um vencido.
Estrondo na República das letras.
Outubro.
O professor, filólogo, poeta e anarquista mineiro José Oiticica, um dos
membros do projeto Enciclopédia Nacional do Ensino, a 6 de outubro preenchia quase
três colunas do jornal A Época com sua notícia literária sobre o livro de versos de
Augusto dos Anjos. Intitulada “A poesia dos novos”, a nota de Oiticica caracterizava
Augusto como “decisivo pesquisador de novos moldes na interpretação do mundo”,
possuidor dum “poder significativo de expressão” e duma “sensibilidade notável”.
Talentoso, segundo Oiticica, Augusto ainda não tinha alcançado a “nitidez de
forma de um Hermes Fontes”, menos ainda sua “maravilhosa variedade”. Mesmo assim,
ele, Augusto, assim como Hermes Fontes e Heitor Lima, fazia parte do que Oiticica,
reiteradamente, chamava de “novos”, da geração de poetas que caminhava pela “arte
universal”, que caminhava pelas “sínteses vastas dos fenômenos naturais”, afastada do
“racionalismo de fancaria” e do “individualismo tacanho” (de Gonçalves Dias):
Com esses novos a poesia brasileira nada tem a invejar, em poucos anos, à
poesia de qualquer país. E isso, porque eles realizam o que ainda não realizou
nenhum poeta moderno que eu saiba: a integralização do homem no universo.344
três estrofes de Gemidos de arte, duas estrofes de Uma noite no Cairo e, por completo,
Mater originalis, Oiticica afirma serem esses versos “de uma profundeza muito acima
dos nossos críticos de arte”, versos que revelam impressionante “vigor das sensações”.
Novamente atacando Gonçalves Dias, o anarquista “se pergunta” como é que numa terra
onde se endeusa o “cacetíssimo Y Juca-Pirama” poderiam existir “verdadeiros críticos”
dum poeta que “condensa emotivamente toda a evolução morfológica dos seres”. Para
Oiticica, no Eu diluem-se a “síntese evolucionista”, pois o espírito de Augusto dos Anjos é
“universal, abrange tudo, escava todos os compartimentos da filosofia, apanha as
fórmulas e os fenômenos fazendo ressaltar deles o brilho estético e emotivo”.
Defeitos. “Filosofia ultra pessimista”, “preocupações de técnica”, falta de
disciplina “de forma, de ideias, de estética”. Segundo o crítico, o pessimismo da poesia de
Augusto não é sincero, fica no mesmo “tom”. Segundo o crítico, o mesmo acontece em
relação à escolha (única) do “decassílabo”. Segundo o crítico, o poeta é deficiente quanto
à “disciplina de forma”, ora escrevendo “versos duríssimos”, ora escrevendo “versos
frouxos”. Segundo o crítico, há muitos erros, ou gramaticais (“as goteiras caíram por
sobre o coração”), ou de rima (aríete-acomete). Segundo o crítico, há abuso do
vocabulário técnico (microzima).
Leiamos esta crítica do professor, bem mais interessante porque mostra os
incômodos recorrentes por parte dos “leitores críticos” de Augusto dos Anjos:
Será possível que o poeta não veja no mundo senão a dor, a podridão, os
intestinos e os vermes? Não terá na sua estesia outras suge[s]tões menos
malignas, menos malsãs, menos mal odorantes?345
345 Ibid., p. 7.
164
Já que não há registro de notícias literárias deste final de ano, alusivas ao Eu,
continuemos destacando alguns informes das cartas que Augusto enviava à D. Córdula.
Em carta de 14 de novembro, informava seu novo endereço, à rua Haddock
Lobo, número 99, Pensão Rio de Janeiro. Em carta de 6 de dezembro, informava que sua
companheira, Ester Fialho, e sua filha, Glória, iriam a passeio à casa de Dona Córdula, na
346 Não tenho informações a respeito do escritor, por enquanto; muito menos tenho conhecimento de sua
“estadia” no Brasil. Era filiado, politicamente? Não sei. A única coisa que observei está nas páginas do
semanal literário, político, ilustrado e humorístico O Pirralho, de São Paulo, que amplamente informava,
em suas páginas satíricas, da “passagem” do escritor pela capital da República.
347 ANJOS, 1994, p. 744.
348 Ibid., p. 744.
165
Paraíba (do Norte) – ele, no entanto, não conseguiria voltar à terra natal, nem mesmo a
passeio. Augusto, nessas cartas, sempre se queixava das ocupações “mal remuneradas”
como professor, única função que exercia na capital da República.
Augusto lecionava oficialmente (e temporariamente) como professor interino
de geografia na Escola Normal, desde maio de 1912. E, até novembro do mesmo ano,
lecionava particularmente no prédio da Escola Remington, escola de datilografia.
Em relação a esta “oportunidade”, a certeza que se tem é por conta daquele
anúncio publicado n’O Paiz, de que o professor Augusto dos Anjos prepara “alunos para
o exame de admissão aos cursos superiores, e ensina diversas matérias do curso de
direito, podendo ser procurado das 2 às 5 horas da tarde, à Avenida Central, n. 129,
Escola Remington”349, já que assim circulou somente até o mês de novembro.
Por isso, até aqui, sabemos que ele dava aulas em duas ocasiões diferentes:
na Escola Normal, como interino, e na escola de datilografia, com aulas particulares.
Ainda de dezembro, outra missiva a ser destacada, assinada da noite de natal
e, desta vez, enviada à sua esposa, Ester Fialho, que estava a passeio na Paraíba (do
Norte)350. Nela, informa Augusto, entre outros assuntos, de mais “oportunidades
temporárias” que lhe surgiam. Pela carta, não há certeza se ele iria lecionar ou se já
havia lecionado à sobrinha de “D. Aninha Caldas”, uma conhecida da família; dizia ele
que eram aulas “para o exame de admissão na Escola Naval”.
Pela mesma carta, porém, há “quase” certeza desta oportunidade: “Arranjei
numa dessas muitas academias que aqui surgem, como verdadeiros casos de geração
espontânea, duas cadeiras em que, segundo me disse o diretor, hei de funcionar, de
fevereiro em diante”351. As cadeiras, informa Augusto, eram relativas às disciplinas de
português (“do curso de admissão”) e direito (“do Departamento Internacional Público e
Privado”).
Até aqui, “quase” quatro oportunidades de emprego. Quase.
1913
Janeiro.
Fevereiro e março.
Aulas de geografia, até pouco tempo, na Escola Normal.
Em carta do dia 21 (de fevereiro), enviada à Dona Córdula, Augusto dos Anjos
comunicava a chegada de sua esposa, Ester Fialho, à capital da República, juntamente
com a pequena filha Glória e alguns familiares de Ester. Não há, nesta correspondência,
quaisquer informações alusivas a qualquer nova oportunidade de emprego conseguida
pelo poeta. No entanto, há uma notícia publicada no jornal A Época, datada de uma
semana antes desta carta:
Pelo ministro da Agricultura foram nomeados os srs.: Francisco José da
Rocha Pombo, Cândido Jucá, Alexandre Max Kitzinger, Augusto dos Anjos, e
Pedro Barreto Galvão, para constituírem a mesa examinadora dos candidatos à
matrícula na Escola de Agricultura anexa ao Posto Zootécnico Federal de
Pinheiros.
Os exames deverão ter início no dia 1° de março, no Liceu de Artes e
Ofícios.354
355 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.372, 01 mar. 1913, p. 13.
356 ANJOS, 1994, p. 788.
168
“Príncipe dos Poetas Brasileiros”, concurso organizado pela semanal ilustrada, política, e
crítica revista Fon-Fon357.
Dizia a redação da revista que os votos seriam pedidos aos “homens de
letras” residentes no Rio de Janeiro, o “centro superior da intelectualidade brasileira”. O
nome de Augusto dos Anjos estava desde a primeira lista. O nome de Augusto dos Anjos
estava desde a primeira “relação completa dos eleitores”, na relação dos “poetas”:
Poetas – 1 Emílio de Meneses, 2 Alberto de Oliveira, 3 Augusto de Lima, 4
Marcelo Gama, 5 Mário de Alencar, 6 Hermes Fontes, 7 Thomé Reis, 8 Agripino
Grieco, 9 Homero Prates, 10 Bueno Monteiro, 11 Lucídio de Freitas, 12 Mário
Pederneiras, 13 Aníbal Teófilo, 14 Goulart de Andrade, 15 Múcio Teixeira, 16
José de Oiticica, 17 Melo Barreto Filho, 18 Faria Neves Sobrinho, 19 Félix
Pacheco, 20 Filinto de Almeida, 21 Carlos Maúl, 22 Carlindo Lelis, 23 J. Brito, 24
Luiz Edmundo, 25 Isaías de Oliveira, 26 Da Costa e Silva, 27 Olegário Mariano,
28 Eduardo Guimarães, 29 Carlos de Magalhães, 30 Paranapiacaba, 31 Augusto
dos Anjos, 32 Luiz Murat, 33 Bastos Tigre, 34 Tapajós Gomes, 35 Jayme
Guimarães, 36 Gustavo Santiago, 37 Gérard de Sinval, 38 Leôncio Correa, 39
Reis Carvalho, 40 Eurícles de Matos, 41 Leal de Souza, 42 Afonso Lopes de
Almeida, 43 Félix Bocaiuva, 44 Pereira da Silva, 45 Gastão Bousquet, 46 Rodolfo
Machado, 47 Daltro dos Santos, 48 Aníbal de Matos, 49 Jonatas Serrano, 50 José
Ricardo de Albuquerque, 51 B. Lopes.358
357 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 9, 01 mar. 1913, p. 49-50.
358 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 11, 15 mar. 1913, p. 24 (negritos meus).
359 ANJOS, 1994, p. 779.
169
360 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 15, 12 abr. 1913, p. 35.
361 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 16, 19 abr. 1913, p. 22.
362 ANJOS, 1994, p. 751. Carta enviada à Dona Córdula, datada de “24-4-1913”.
363 Ibid., p. 753. Carta enviada à Dona Córdula, datada de “8-5-1913”.
170
errante que buscava “uma colocação definitiva” que lhe proporcionasse “a anelada
fixidez, nesta capital”364. Um Judas Errante.
inteiro –, e Versos de amor – deste reproduz quatro estrofes –, os únicos em que Augusto
“fala do amor”, mas como “mentira”.
Em relação a estes dois últimos, o autor não partilhava da opinião do poeta, já
que ele, Raimundo, acreditava “na realidade do amor”.
Através de sua notícia, Raimundo elogia bastante o poeta paraibano. Segundo
ele, é Augusto “poeta naturalista, que canta a realidade nua das coisas com uma
facilidade extraordinária”; um “versejador moderno” que faz lembrar a escola e estilo de
Guerra Junqueiro, que busca a rima “nas mais intrincadas e difíceis palavras da língua
pátria”. É Augusto dos Anjos o “Rouxinol de Pau d’Arco”.
Ao terminar sua nota reproduzindo, por completo, Psicologia de um vencido, o
autor (da nota) glorificava Augusto: “Quem escreve versos como estes tem,
incontestavelmente, direito a um lugar de honra na Academia Brasileira de Letras”.
Segundo Raimundo Nonato, vinha Augusto dos Anjos, com o seu Eu,
“revolucionar o mundo das letras e da poesia moderna”.
Revolucionar as letras da República das letras.
374 ANJOS, 1994, p. 355 (Outras poesias); originalmente n’A Época do Rio de Janeiro em 31-07-1913.
375 Ibid., p. 759.
175
Agosto.
A essa altura, Augusto dos Anjos já estava morando em outro endereço – de
acordo com Magalhães Júnior (1977, p. 281), era sua décima mudança desde que
chegara da Paraíba –, à Rua D. Delfina, número 56, na Tijuca.
Em carta do dia 27, informava Dona Córdula da crise política que pairava no
Rio de Janeiro, uma crise política que “invade todos os espíritos”, uma crise política que
“[domina] por completo” esses pobres espíritos: “O d. Luís de Bragança já apresentou o
seu manifesto, pedindo a restauração do antigo regime como o único salvatério possível
para os nossos créditos periclitantes, e substancialmente abalados”377.
Setembro.
Os assuntos políticos do Rio de Janeiro eram bem quistos como “assuntos”
nas cartas entre Augusto dos Anjos e Dona Córdula. Na carta de 18, por exemplo, o poeta
informava sua mãe sobre os três acontecimentos que mais agitavam os ânimos da
República: “o casamento próximo do marechal Hermes com a Mle. Nair [de] Tefé; as
finanças brasileiras esgotadas; a situação política ainda nebulosa”378.
Pois sim, o marechalício iria se casar. E isso virou assunto na capital.
Essa correspondência também nos fornece outra interessante informação,
fora os “fatos políticos”. Augusto se queixava de ainda não ter conseguido emprego fixo,
e completava: “Sou destarte obrigado a ensinar em colégios particulares, não podendo,
por conseguinte, libertar-me dessa fatalidade de mestre-escola que me persegue com
insistência”. Aquilo que levantamos de que Augusto, entre os sete irmãos, foi o único que
não conseguiu “sucesso profissional”, pode ser confirmado a partir destas cartas.
Desde a Paraíba que lhe chegavam “apenas” oportunidades ou interinas
(Liceu Paraibano, na Paraíba; Ginásio Nacional/Colégio Pedro II e Escola Normal, no Rio
de Janeiro) ou temporárias (comissão avaliadora de exames nomeada pelo Ministério da
fixo, tendo que, exclusivamente, depender do pouco dinheiro que conseguia dando aulas
particulares, podemos resgatar uma útil informação veiculada em jornal da capital e que
corrobora para estas notas sobre “oportunidades de emprego”.
Entre setembro de 1913 a fevereiro de 1914, circulariam no diário ilustrado
O Imparcial, do Rio de Janeiro, anúncios do “Colégio Sagrado Coração de Jesus”,
internato, semi-internato e externato379. Nos próprios anúncios, era informado que a
instituição fora fundada em 1889, funcionando por dezenove anos num prédio
localizado à rua Haddock Lobo, número 437 e que, desde junho de 1913, o novo prédio
estava localizado em novo endereço, à rua Campo Alegre, número 91.
Informando que dispunha de “pessoal habilitadíssimo e estando o estudo das
línguas estrangeiras a cargo de professores da respectiva nacionalidade”, a direção do
colégio comunicava, nos anúncios, que seu curso estava dividido em quatro seções, a
saber, infantil, primário, médio e secundário/superior. E, entre as disciplinas do curso
superior (português, latim, inglês, francês, alemão, italiano, religião, piano, violino,
desenho, pintura, ginástica, curso de trabalhos manuais e costura), três nos interessam:
“Matemática e Geografia, dr. Augusto dos Anjos; Curso de História Geral e Natural, dr.
Augusto dos Anjos e a diretora D. Inácia Resende”.
As dúvidas que surgem são justamente por conta da inexistência e derrubada
de prédios antigos ao longo dos anos e as mudanças constantes dos nomes de ruas e
bairros, dificultando as localizações “atuais”. Na época, Augusto estava morando à rua
“Dona Delfina, número 56, Tijuca”, e o colégio em destaque estava localizado em um
bairro muito distante, distante por horas de viagem da residência do poeta.
Como pontuei, as localizações atuais não batem, obviamente, com essas de
mais de um século atrás. Mas, esse “Augusto dos Anjos”, professor de matemática,
geografia e história geral e natural do Colégio Sagrado Coração de Jesus, não seria o
nosso poeta Augusto dos Anjos?! Pois, mesmo o colégio sendo distante de sua residência,
os bondes elétricos da cidade tumultuosa não poderiam lhe servir de transporte e
encurtar a distância?! Já em relação às disciplinas, creio que não haja “dúvida” sobre sua
capacidade de professor, pois desde o primeiro anúncio que publicara, por conta
própria, n’O Paiz, que ele anunciava lecionar inúmeras matérias do curso de “madureza”
(curso de preparação de jovens para a faculdade): “filosofia, direito romano e a maior
379 O Imparcial: diário ilustrado do Rio de Janeiro, n. 284, 14 set. 1913, p. 18.
178
Outubro.
O nome “Augusto dos Anjos”, de novo temos de falar de novo, novamente
temos de falar novamente, aparecia em outra notícia literária neste período. O poeta,
jornalista e futuro cônsul brasileiro na Universidade de Colônia (Alemanha), Ildefonso
Falcão, escrevia um texto, n’A Época, noticiando o recente livro de poesias Gênese, de
Hermes Fontes, a quem chamava “o maior gênio criador”, a “criatura singularíssima”, o
“valor supremo” das letras brasileiras.
Em sua notícia, Falcão era só elogios ao Hermes, ao poeta cuja obra fazia
lembrar Homero, Ésquilo, Dante, Vitor Hugo, Shakespeare, cuja obra era destaque nas
letras nacionais. Hermes Fontes, o poeta grandiloquente, de “vocabulário inesgotável”, o
poeta que escrevia sobre o “princípio das coisas” e, por isto mesmo, o poeta apartado
dos “trovadores lacrimosos”. Por essas características, Hermes Fontes, continuava o
autor da notícia, era acometido pela “inveja doentia” de seus contemporâneos:
Não acredito que haja no Brasil muitos poetas, capazes de escrever tão belos
versos. Temos José Oiticica, Augusto dos Anjos, Carlos D. Fernandes... Poucos.
O resto é uma aluvião espantoso de nulos e de choramingas.381
Hermes Fontes, José Oiticica, Carlos D. Fernandes e Augusto dos Anjos. Esses
eram os melhores, os “novos” que valorizavam as letras brasileiras, segundo Ildefonso
Falcão. O resto era resto, de nulos, de lacrimosos, de choramingões.
E a nota é esta. “Destaque” de Augusto dos Anjos junto aos novos e originais.
Três dias depois, em carta de 8 de outubro, Augusto comentava com sua mãe,
entre assuntos que por enquanto não interessam para estas notas, do “aspecto cênico de
agitações quotidianas” da capital da República; e ainda pedia à Dona Córdula que lhe
informasse da política de sua velha Paraíba, já que ele pouco estava lendo dos “jornais
380 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.589, 06 jan. 1911, p. 8 (grifos meus).
381 A Época, n. 433, 05 out. 1913, p. 2.
179
, reafirmava que, em arte, “não há teoria possível”. Arte é alma, emoção, instinto.
A partir daí, Eduardo Guimarães refere-se ao “manifesto” de José Oiticica,
rebatendo o que entendeu da iniciativa deste. Segundo o jornalista, essa atitude de
Oiticica dizer que “a poesia humana [...] isto é, a poesia nova, dele, Sr. Oiticica, do Sr.
Hermes Fontes e do Sr. Augusto dos Anjos” nascera e morrera com Lucrécio, revivera
com Vitor Hugo para, tão logo, “vir ressuscitar com eles, à sombra das palmeiras do Rio
tumultuoso”, que isso não deveria causar espanto. Segundo Guimarães, essa “audácia
dos poetas que lançam manifesto, nem os pobres burgueses se espantam mais”. Segundo
Guimarães, o que poderiam pensar ele, Guimarães, e tantos outros entregues ao trabalho
da verdadeira Arte, o que poderiam
[...] pensar da bélica audácia de um teorista que baralha colegialmente Darwin e
Comte, Haeckel e Schopenhauer, [e] acaba agora de “descobrir” o Monismo e
falando do Sr. Hermes Fontes, que é aliás, por vezes, um belo e forte poeta,
como de um assombroso homem de gênio? – ou do Sr. Augusto dos Anjos, que é,
também por vezes, um poeta esquisito e emotivo, como uma cerebração quase
fantástica?385
O jovem crítico finaliza seu texto “aconselhando” ao “novo”, ao jovem que lhe
escrevera a carta: primeiro de tudo, é preciso possuir talento; possuindo, deveria ler, e
muito; possuindo talento e lendo bastante, era ainda preciso viver, amar, sofrer e, acima
de tudo sonhar. Diz que esse seu amigo “novo”, possuindo essas características,
futuramente é quem seria lembrado como grande e talentoso poeta. E, quando
“transposta a morte”, ao perguntarem “o que foi que viu a tua alma”, poderia dizer: “Eu
vi a Beleza”. Coisa que “nem todos poderão” responder.
O que mais chama atenção é justamente esse não gosto do jovem Eduardo
Guimarães pela “nova poesia”, de que tanto o anarquista José Oiticica era defensor e dela
fazia parte. Antes de terminar seu texto, sua resposta e conselho, o jovem escritor assim
se referia ao que, para ele, não era a “grande Poesia”:
[...] não é um soneto pretencioso e vulgar sobre a germinação do esporo, com
rimas tolas e termos difíceis de normalista precios[o] que, tendo comido
camarões, diz que “ingeriu crustáceos acéfalos”; nem uma invocação
repelente à saliva que expelem e engolem os tuberculosos; nem mesmo um
poema ciclópico e gelatinoso sobre a “retro sondagem do caos”. [...]386
384 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 43, 25 out. 1913, p. 39.
385 Ibid., p. 39.
386 Ibid., p. 39 (grifos meus).
181
[...]
Cuspo, cujas caudais meus beiços regam,
Sob a forma de mínimas camândulas,
Benditas sejam todas essas glândulas,
Que, quotidianamente, te segregam!
Antes de “concluir” este primeiro momento destas notas, é preciso fazer três
destaques. O primeiro diz respeito às últimas correspondências de Augusto dos Anjos
enviadas à Dona Córdula. O segundo, sobre a inclusão de seu nome em mais duas
pesquisas “literárias”. O terceiro, mais uma notícia, “literária”.
Há uma carta datada de 14 de novembro. Nela, o poeta informa sua mãe da
contínua agitação político-social da capital da República: “Nesta cidade as coisas e as
pessoas seguem a fatalidade de seus incoercíveis destinos naturais, de sorte que isto que
chamam comumente crise político-financeira etc. não é mais do que uma das etapas do
progresso visível de nosso País”392.
Repitamos: a crise política, social e financeira, vivenciada diariamente pela
República, nada mais era do que “uma das etapas do progresso visível de nosso País”.
Realmente devemos ler e reler esse fragmento tão somente como literal? Realmente as
“etapas do progresso visível” do País em nada nos suscitam novas interpretações? Como
haver um visível progresso numa República marechalícia que bombardeia seus
opositores? Como haver um visível progresso numa República marechalícia que deporta
e envia seus “revoltosos”, apenas os que sobraram, para o quinto dos infernos? Como
haver um visível progresso quando nem mesmo o coitado do eclipse pode acontecer em
paz? Como haver um visível progresso numa República que empastela massivamente? E
outra coisa: realmente o País em maiúscula deve ser lido tão literalmente? Sem
acusarmos crítica alguma? Ler e reler, assim, sem nada a declarar?
Enfim, aquela “ironia amarga” que o professor e sociólogo Fernando de
Azevedo (1962) acusa nos versos de Augusto dos Anjos, pode, sem dúvida, estender-se
às correspondências e crônicas do poeta393.
Mas... Tudo bem. Há inúmeras falhas em querer usar documentos pessoais
(cartas) de um escritor como tentativa de alguma louca interpretação dos fatos.
Realmente há muita falha. Sigamos, então, sem falhas.
Guimarães se volta contra? Que material seria esse? E qual a relação disso tudo com
Augusto dos Anjos?
Bem, em meados deste ano doloroso, havia pesquisado e encontrado um
extenso texto assinado pelo anarquista e publicado na edição de outubro-dezembro de
1913 da Revista Americana, revista mensal de letras, artes, política, ciências394. O texto
de Oiticica vem intitulado “Bibliografia”, e parte das leituras de Apoteoses e Gênese, obras
lançadas por Hermes Fontes em 1908 e 1913, respectivamente.
Contudo, esse texto aparenta ser mais que uma notícia literária, antes, além
de uma longa análise do estro poético do jovem sergipano, é elogios e exaltações a este e
aos demais poetas da nova geração, como Augusto dos Anjos e Da Costa e Silva, elogios e
exaltações aos novos poetas. Claramente, Oiticica “difunde/manifesta” suas opiniões
acerca da verdadeira poesia que estava nascendo e que perduraria, cuja função principal
era e sempre seria a de “integralizar o homem no universo”.
Agora perguntemos: seria esse o tal manifesto ao qual Guimarães e o jovem
poeta que lhe mandara a carta se referem? Possivelmente, inda mais se lermos seu
conteúdo. O texto é longo, por isto, são necessárias apenas notas pontuais dos
comentários e opiniões feitos por José Oiticica, principalmente quando forem
direcionados aos versos de Augusto dos Anjos.
Logo no início, o anarquista enaltece a grandiosidade do poeta de Sergipe:
“Falar de grandes homens a propósito de um livro de Hermes Fontes é uma audácia em
terra de homens pequenos”395. Ele completa afirmando que, embora esses “homens
pequenos” sejam maioria, uma maioria que “nega a verdade, [que] defende o erro e
aplaude os erros para se opor à verdade nascente, isto é, à conquista nascente da
liberdade dos oprimidos contra os opressores”396, a minoria é que triunfa: uma minoria
de homens “que promove a derrocada do bom-senso, bom-senso dogma, bom-senso lei,
bom-senso escola, bom-senso academia”. Segundo Oiticica, essa minoria:
[...] brada, [pois] é dinamite a derribar catedrais. As catedrais relatam
destemperos passados, o bom-senso, de outrora, e aferram-se em mantê-los,
quando a humanidade procura desfazer-se deles.
Minoria é Verdade, Verdade que quer ser; porção de verdade que se erige
dentre os escombros dos erros, como a ervazinha dentre as fendas das ruínas.
[...].
394 Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.
1913, p. 188-240.
395 Ibid., p. 191.
396 Ibid., p. 192.
185
homem: o conhecimento das relações reais e o conhecimento das relações estéticas. Mas
um fomenta o outro. Cada relação real impõe nova série de relações estéticas”398.
Seguindo seu raciocínio das relações reais e estéticas, da integralização do
homem no mundo que, enquanto sábio, tenta pensá-lo e que, enquanto poeta, tenta
entender seus “mistérios” e “fenômenos”, Oiticica reproduz uma sextilha de Monólogo de
uma sombra, de Augusto, na qual podemos destacar os versos “Essa necessidade do
horroroso, / Que é talvez propriedade do carbono”. Em seguida, assevera: “Até bem
pouco tempo era impossível achar correlações estéticas entre o carbono e a sensação do
horrível”. Diz, então, que a ciência mostrou ao homem a relação entre ser vivo e carbono,
“mas só o poeta logra ver, no gosto do horrível, uma propriedade desse corpo”.
Oiticica faz um panorama desde o “início” das artes e sua estreita ligação com
o homem e sua existência religiosa-política-individual, apontando as limitações e
abafamentos que, ao longo dos séculos, essas “instâncias” lograram às artes. Para o
autor, as letras e artes “clássicas e românticas” sempre trataram do “amor, heroísmo,
vingança” do homem, tão somente tentando demonstrar todas as “relações fenomenais”
naquilo que se prendem, exclusivamente, ao homem; letras e artes que não falam “ao
povo”, que não se ligam às “ciências”, que não integram o homem no mundo real.
Por isto mesmo, continua Oiticica, as ideias de beleza e de verdade sempre
foram limitadas. Por isto mesmo, continua Oiticica, nunca que a multidão conseguirá
(como já não consegue) achar beleza em versos como os de “hoje”, em que se fala de
“poesia e ciência”; nunca que a multidão conseguirá – hoje, já consegue –, encontrar
beleza nos versos de Augusto dos Anjos e de Hermes Fontes.
Os versos que Oiticica reproduz do paraibano, são os de Monólogo de uma
sombra, versos em que o eu afirma “pegar” a alma dos animais e, raciocinando, distingui-
la do “interior duelo secreto” entre a ânsia dum vocábulo e a expressão que não
conseguiu chegar “à língua”.
Afirmando terem sido Lucrécio e Vitor Hugo “os precursores” dessa poesia
profética, que tenta adentrar e vasculhar o desconhecido, que tenta procurar o
insondável dos fatos e das coisas, Oiticica define a “poesia nova”, do seu tempo, como
síntese e análise, cujo campo (de temas) são “o homem, sua dúvida, suas esperanças, seus
desastres, sua glória, seu futuro, seu passado, seu mistério”399; cujo campo (de temas)
são sistematizações completas de Universo-Beleza e Fonte-Natureza.
O autor de Ode ao Sol define Hermes Fontes como iniciador dessa “nova
poesia” no Brasil, cujos versos estabelecem, tematicamente, uma “integração perfeita,
uma transfusão de si mesmo no Todo e do Todo em si mesmo”. Para Oiticica, escritores
como Hermes Fontes e Augusto dos Anjos são audaciosos, arrojados ao interrogarem o
“enigma universal”, ao quererem adentrar no mistério de si, do mundo, da natureza, do
universo, integrando-os num Todo:
O que faz a superioridade de Hermes Fontes é a sua poesia épica, é a sua
audácia mental de interrogar o enigma universal, é o arrojo de encarar o
Arcano e apostrofar a Criação. É a superioridade dos novos, como Augusto dos
Anjos, mau grado os seus exageros e extravagâncias, de que se corrige aliás.400
Eu cria, no início, que esse texto fosse apenas uma “notícia literária” escrita
por José Rodrigues Leite e Oiticica, publicada na Revista Americana, a respeito dos
livros de Hermes Fontes (Apoteoses, Gênese). Mas não é, somente isso. Então, seria esse o
manifesto de José Oiticica? O manifesto da nova poesia? O manifesto da poesia dos novos?
É difícil de acreditar que esse texto seja uma simples notícia literária, inda
mais uma notícia de mais de cinquenta páginas. Então, realmente seria esse o manifesto
assinado pelo poeta anarquista? No qual difunde as bases da nova poesia? No qual elogia
e exalta, aberta e exclusivamente, os dois nomes, segundo ele, em evidência? Hermes
Fontes e Augusto dos Anjos, os novos poetas da nova poesia, malgrado algumas
“extravagâncias” do paraibano? E quem seria o rapaz que enviou aquela carta a Eduardo
Guimarães, pedindo-lhe conselhos e se referindo a esse manifesto de Oiticica?
403 Ibid., p. 230. Neste momento, o crítico se refere a uma autoria do poeta sergipano, Palmeira, com a qual
Hermes deve ter participado de algum concurso realizado pela Academia Brasileira de Letras. Segundo
Oiticica, foi a composição julgada pelos “os Rodrigo Otávios, os Mários de Alencar, os Felintos e restantes”;
composição que não ganhou o concurso, cujo “veredito”, segundo Oiticica, foi uma “humilhação”.
404 Ibid., p. 230 (grifos meus).
189
405Ibid., 209.
406Romance que gerou “polêmicas” e desconforto entre os próprios novos da imprensa literária do Rio de
Janeiro: após seu lançamento, o audacioso Gilberto Amado, em crônica n’O Paiz, onde era colaborador,
descrevia o livro de Pontes como “estilo chão, chulo, popular”, cheio de “banalidade absoluta”, de
“insuficiência gramatical”, de “chateza de espírito” (O Paiz: jornal independente, político, literário e
noticioso, 10.578, 23 set. 1913, p. 1); como resposta ao texto de Amado, Hermes Fontes, em crônica n’A
Época, dizia que a atitude do colega havia sido “quebra de linha”, “quebra de camaradagem”, “quebra de
190
Não dá para afirmar sem antes termos um material mais consistente que nos
forneça mais informações dessa ligação entre Elói Pontes e Guimarães.
Não dá para afirmar, mesmo que Oiticica tenha sido assertivo quanto à
limitação de Pontes em não notar outras características nos versos de Hermes que não
fossem as do “amor”; em não notar outras características nos versos de Hermes que
justamente pudessem mostrar a filiação deste aos “arroubos de [Vitor] Hugo”, um dos
precursores, depois de Lucrécio, segundo Oiticica, da poesia “profética e revolucionária”.
Não dá para afirmar, mesmo que Oiticica, ao apontar essa limitação crítica de
Pontes, tenha dito ser “entristecedor” ler e ouvir esses conceitos vindos de um escritor
tão “novo de talento”, como era o jovem cronista e jornalista. Não dá para afirmar. Mas,
teria Elói Pontes escrito essa carta a Eduardo Guimarães, pedindo-lhe conselhos sobre a
verdadeira Arte?
Enfim, terminemos.
1913, p. 222.
191
sua voz é uma voz restauradora”, uma voz que abafa “a voz dos juris, dos senados, dos
canhões”. Segundo Oiticica,
[...] essa voz será pelos oprimidos contra os opressores, dos desgraçados
contra os felizes, dos trabalhadores contra os parasitas, dos utopistas contra os
práticos, dos bons contra os maus: voz contra a autoridade dos nulos sobre os
gênios, dos hipócritas sobre os francos, dos tiranos sobre os justos, da lei sobre
o direito: em suma, dos governos sobre os povos.
E a poesia nova há de ser alegre, azucrinante, estonteadora. Não será triste.
A tristeza nela é negação. Mesmo que alguma desgraça enorme, tragédia
interior, catástrofe do coração excrucie ao Poeta em vida, lhe espedace o
pensamento ou lhe trucide o instinto, ele, o herói, deve imergir nessa tortura e
alçar-se mais formidável do que nunca no arremesso destruidor de um estado
social onde é possível esse desespero.408
Apesar disso, ainda é curioso o fato de a notícia literária mais lembrada pela
biobibliografia augusta, além daquela publicada n’A Época, em 1912, ser justamente a
publicada por Oiticica logo após o lançamento da segunda edição do Eu (organizada por
Orris Soares), em 1920. Nela, o anarquista não só lamenta – não, Oiticica já tinha feito
“sua parte” quando Augusto era vivo –, a perda precoce do poeta de Pau d’Arco, do poeta
que certamente atingiria o ápice de sua estética, que apresentaria maiores “martírios
íntimos”, “excitações torvas” e “revoltas” ao ver e sentir a tragédia/catástrofe mundial (a
primeira guerra), como também fornece para nós leitores uma informação valiosa da
época em que ambos lecionavam:
Eu, muito mais forte, mais batalhador, mais esperançado de vencer, com a
falta de recursos, multiplicava-me. Augusto se moía, concentrava a sua pena,
embora, uma vez por outra, me revelasse as suas condições. O que mais o
amargurava era a injustiça social, em premiar os ruins, dourar as
falcatruas, entronar os endinheirados, [iludir os honestos], os
sonhadores, os retos de entendimento e coração.
Essa revolta íntima o levava a descrer do mundo, a ver em tudo
podridão física e moral.410
José Oiticica não apenas se ocupou do estro poético de Augusto dos Anjos, do
poeta que ele definia “um dos grandes da nova geração”, como também, a partir de
pontuais observações acerca do “caráter” do homem e professor Augusto, descreveu a
amargura deste poeta e homem que se lamentava, descreveu a amargura deste poeta e
homem que se revoltava perante às “injustiças sociais”411.
José Oiticica já se encantava com os predicados de verdadeiro artista que era
Augusto dos Anjos, desde o contato que tivera com o homem e professor Augusto, mais
ainda depois da “estreia” barulhenta e ruidosa que teve o livro de versos do poeta (Eu),
escandalizando o “superficialíssimo” meio intelectual da República das letras.
Augusto dos Anjos, um dos novos que abalaram os alicerces da República.
410 OITICICA, J. Augusto dos Anjos. In: LEÃO, M. (dir.). Autores e Livros: Augusto dos Anjos. A Manhã, Rio de
Janeiro, 30 nov. 1941. Autores e Livros, Suplemento 16, p. 329, 338 (grifos meus).
411 Infelizmente, não consegui localizar o original desse texto publicado por José Oiticica, em 1920. Não
obstante, o texto pode ser lido em Magalhães Júnior (1977, p. 312-313) e no suplemento Autores e Livros,
suplemento semanal do jornal carioca A Manhã, e dirigido pelo jornalista Múcio Leão. Como o suplemento
já está referendado (Cf. nota 410 deste trabalho), é importante destacar que há aí muitos materiais
biográficos e bibliográficos de Augusto dos Anjos, materiais que podem servir de fonte primária de
pesquisa – malgrado alguns equívocos gravíssimos –, desde os textos críticos de Hermes Fontes, Antônio
Torres, Dante Milano, João Ribeiro, João Alfonsus, Medeiros e Albuquerque, Manuel Bandeira, Agripino
Grieco, João Luso, Mário José de Almeida, Orris Soares, às reproduções de inúmeros poemas de Augusto,
de fotografias (suas de quando criança, de sua esposa, de seus filhos) e de fac-símiles de três cartas do
poeta enviadas ao irmão, Aprígio dos Anjos.
193
professora Ester Fialho também escrevia poemas, por isto mesmo que seu nome deverá
ser melhor lembrado. E será. Já o é. Ester Fialho.
Enfim, são pessoas importantes, Ester Fialho, são locais que marcaram
Augusto no final de sua vida, Leopoldina, que merecem ser melhor “revisitados” em
pesquisas futuras. Mas, por enquanto, voltemos às duas notas.
interessante porque Oiticica anuncia-o como inédito, como “assombroso soneto [ainda]
inédito”414. E Oiticica não mentiu. O soneto era, sim, inédito.
O “primeiro até então a divulgá-lo”, em livro, havia sido o paraibano Orris
Soares, na edição que organizou em 1920: Eu: [Poesias completas]. Orris, o colega amigo
de Augusto que nunca compartilhou as fontes originais desses poemas, não informou se
essas autorias estavam nos manuscritos que ele “conseguiu” junto à Ester Fialho, esposa
de Augusto, depois da morte do poeta, ou se ele “conseguiu pesquisando” em jornais e
revistas. Difícil...
Zenir Campos Reis (1977) e Alexei Bueno (1994) informam, em suas edições
da poesia e prosa de Augusto dos Anjos, que não se conhecem outras versões desse
poema antes da edição de Orris Soares, ou seja, antes de 1920.
Agora sim, agora podemos divulgar que se conhece, sim, uma delas, e uma
fonte séria e mais adiantada que Orris.
Muito embora Oiticica também não tenha informado como conseguiu o
soneto, acreditamos que seu contato (quase íntimo) com o poeta paraibano – ambos
faziam parte da Enciclopédia Nacional do Ensino e tiveram boa relação durante o
período em que Augusto viveu no Rio de Janeiro, sempre na busca por um emprego em
alguma escola; sim, ambos eram professores –, possa ter facilitado a divulgação. Teria
Augusto dos Anjos entregue o Apocalipse em mãos do poeta anarquista? Difícil de saber.
De qualquer maneira, respeitando a memória de Augusto, façamos jus a esta “fonte
original”, o texto de José Oiticica, divulgando-a.
O segundo poema, As montanhas, é um poema “longo”, pelo menos na forma,
já que é composto de dois sonetos. Zenir Campos Reis e Alexei Bueno definem como
local de publicação primeira deste poema a Gazeta de Leopoldina, da cidade mineira de
Leopoldina. No entanto, eles assinalam datas diferentes: Zenir (1977, p. 36) informa que
foi o poema publicado a “19-07”, ou seja, a 19 de julho de 1914; Bueno (1994, p. 830)
informa que foi “a 19 de maio de 1914”.
As montanhas também foi publicado na edição organizada por Orris Soares...
Bem, este poema, praticamente desconhecido, foi divulgado um ano antes
pelo próprio Augusto no jornal carioca A Imprensa, edição de 10 de dezembro de 1913.
414Cf. Anexo 3 deste trabalho (p. 324). Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia,
história, religiões, n. 10-12, out./dez. 1913, p. 195.
196
Na coluna “Os Nossos Poetas”, o jornal divulgava, nesse dia, um retrato do paraibano e
assim assinalava abaixo do título do poema: “(Inédito para a “A Imprensa”)”415.
Apesar da grafia “subsectividade”, que nas edições de Zenir Reis e de Alexei
Bueno aparecem “subjectividade” – assim como na edição organizada por Orris Soares –,
temos aí mais uma “fonte original”.
O terceiro, o soneto A noite – este sim completamente esquecido –, também
foi divulgado por Orris Soares. Tanto Zenir Campos Reis quanto Alexei Bueno assinalam
como desconhecida qualquer publicação sua antes de 1920.
Pois é, o poema foi divulgado ainda em 1913. Teria sido pelo próprio Augusto
dos Anjos? Acreditamos que sim, pois certamente que ninguém iria roubá-lo assim e
publicá-lo sem autorização.
Foi a revista carioca A Faceira que divulgou a autoria de Augusto, em sua
edição de dezembro, em seu número de natal416. A revista, na época, era dirigida pela
poetisa Gilka Machado; e trazia, em destaque nas suas primeiras páginas, seu corpo
redacional: Leonor Posada, Laura Carvalhães, Adelina Savart de Saint Brisson, Aurora
Pinto de Carvalho e Carmen Unzer.
Outro poema publicado na edição organizada por Orris Soares, sem indicação
de fonte (praxe...), é o Versos a um coveiro. Alexei Bueno (1994, p. 830) informa que sua
divulgação original foi no Almanaque do Estado da Paraíba, ano de 1917: “publicado
primeiramente no Almanaque do Estado da Paraíba para o ano de 1917”. A informação é
compartilhadíssima por Zenir Campos Reis.
Pois, sim, outra autoria divulgada pelo próprio Augusto. Podemos encontrá-la
nas páginas da revista carioca Fon-Fon. Em seu número de 3 de janeiro de 1914, a
revista literária e política e alegre publicava o soneto de Augusto dos Anjos417.
Incluso nesta seleção de “fontes originais/inéditas”, também está o soneto
Natureza íntima – outro que compõe a edição organizada por Orris Soares. Alexei Bueno
(1994, p. 828) informa que ele foi divulgado “primeiramente no Almanaque do Estado da
Paraíba para o ano de 1917”. Zenir Campos Reis compartilha da mesma informação.
415 Cf. Anexo 4 deste trabalho (p. 325). A Imprensa, n. 1.954, 10 dez. 1913, p. 2.
416 Cf. Anexo 5 deste trabalho (p. 326). A Faceira: culto à mulher, n. 28, dez. 1913, p. 13.
417 Cf. Anexo 6 deste trabalho (p. 327). Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 1,
Pois é... Esta autoria de Augusto dos Anjos foi divulgada no jornal O Pharol,
da cidade mineira de Juiz de Fora, ainda em maio de 1915418. E, vale destacar, deve ter
sido por algum amigo, já que o poeta, neste ano, não estava mais vivo.
Para finalizar estas notas de “fontes originais/inéditas”, destaquemos o belo
soneto Minha árvore. Zenir Campos Reis e Alexei Bueno dão como desconhecidos data e
local de publicação anteriores à edição organizada por Orris Soares, em 1920.
E eis que Minha árvore pode ser encontrado na revista mensal de artes e
letras Heliópolis, da capital Recife, ainda em 1915. O soneto vem publicado como
“Inédito do poeta Augusto dos Anjos”419.
Mas... como conseguiram uma autoria inédita, justamente quando o poeta já
havia falecido? A não ser que, um dos redatores da revista, ou tenha recebido das mãos
de Augusto um manuscrito, uma cópia, antes de o poeta falecer, ou, quem sabe, tenha
“ouvido” algum amigo em comum recitar. E isto não seria impossível.
É o professor, poeta e historiador cearense Mário Linhares quem conta isto
em depoimento. No seu Gente nova: (notas e impressões), de 1920 – livro que tenho as
minhas suspeitas de que já estava pronto ou em 1913 ou em 1915 –, o professor assinala
“notas e impressões” de escritores novos como Araújo Filho, Costa Rego Júnior, Mariano
Lemos, Palmira Wanderlei, Raul Monteiro, Lizá Diniz, Clóvis de Holanda, Rosália
Sandoval, Mário Sette e o próprio Augusto dos Anjos. Sobre este paraibano, ele conta:
Muito antes da publicação de seu livro – “EU”, o nome do poeta já nos
chegara aos ouvidos trazido pela admiração de alguns de seus amigos que, com
entusiasmo, nos falavam da excelência dos seus trabalhos ainda inéditos.
E, aos meus olhos, através dessas composições que fragmentariamente nos
vinham, o vulto do grande poeta ia crescendo e, dia a dia, magnificava-se em
nosso apreço como um engenho maravilhoso que houvesse atingido à sua
última expressão.
Ainda me lembro daqueles versos que Raul Machado, ali, no Recife, uma
noite, sob o quieto palmeiral da Praça da República, nos recitara, com viva
admiração, e que Silva Lobato guarda de memória e, de longe em longe, nos
repetia, como um psalmo de arte
[...]
Um ano depois, em 1912, surgiam, editadas no Rio, num volume de cento e
trinta e cinco páginas, as poesias do nosso ilustre poeta.420
418 Cf. Anexo 7 deste trabalho (p. 328). O Pharol, n. 117, 20 mai. 1915, p. 2.
419 Cf. Anexo 8 deste trabalho (p. 329). Heliópolis: revista de artes e letras, n. 1-3, abr./out. 1915, p. 34.
420 LINHARES, M. Augusto dos Anjos (“Eu”). In: _____. Gente nova: (notas e impressões). Fortaleza: Eugenio
do(s) seu(s) idealizador(es). Porém, e o mais interessante, é que o jornal “não político”
anunciava seus ilustríssimos colaboradores (professores, poetas, cronistas, prosadores,
jornalistas, historiadores, médicos, advogados), todos oriundos do “Norte” e residentes
na capital da República, justamente como “homens políticos (públicos)”:
Sabemos que já os iniciadores da ideia têm encontrado adesão da parte de
todos os nortistas, estando assim distribuída a direção: Amazonas, deputado
Luciano Pereira; Pará, senador Artur Lemos e Carlos Pontes; Maranhão,
deputado Coelho Neto e Carvalho Guimarães; Piauí, dr. Lucídio Freitas; Ceará,
dr. Oscar Lopes; Rio Grande do Norte, deputado Eloy de Souza; Paraíba, dr.
Augusto dos Anjos; Pernambuco, Olegário Mariano; Alagoas, Goulart de
Andrade; Sergipe, Hermes Fontes; Bahia, Fábio Luz, e Espírito Santo, deputado
Júlio Leite.423
423 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.768, 01 abr. 1914, p. 8 (grifos
meus).
424 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.872, 14 jul. 1914, p. 2.
425 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.875, 17 jul. 1914, p. 2.
200
426 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.905, 16 ago. 1914, p. 7.
427 Jornal do Recife, n. 345, 16 dez. 1914, p. 5.
201
PARTE II:
VISÕES DO ERRANTE
A ideia deste segundo momento era, tão somente, esboçar algumas notas a
respeito de uns poucos poemas longos/narrativos de Augusto dos Anjos. Mas, a partir da
leitura daquele texto/manifesto do anarquista José Oiticica, publicado na Revista
Americana, texto que há poucas semanas não tinha conhecimento, podemos ter uma
maior perspectiva não só das autorias do paraibano como também do que deveria ser
“praticado” pelos novos poetas do novo século, grupo o qual pertencia Augusto.
Por isto mesmo, nada mais justo do que voltar ao texto de Oiticica, ao texto
que seria uma notícia literária de dois livros de Hermes Fontes (Apoteoses e Gênese) e
que acabou se tornando um manifesto da nova poesia, difundindo as ideias e a “função”
da verdadeira e real poesia que deveria ser praticada pela nova geração – atitude que
gerou “desconforto” entre os demais “novos”. Isto mesmo, pontualmente; se tivesse
maior arcabouço teórico sobre essa nova poesia, certamente que as perquirições seriam
mais produtivas. E, não querendo mais usar mais de novo, sejamos menos, e atentemos:
E essa voz será pelos oprimidos contra os opressores, dos desgraçados
contra os felizes, dos trabalhadores contra os parasitas, dos utopistas contra os
práticos, dos bons contra os maus: voz contra a autoridade dos nulos sobre os
gênios, dos hipócritas sobre os francos, dos tiranos sobre os justos, da lei sobre
o direito: em suma, dos governos sobre os povos.
E a poesia nova há de ser alegre, azucrinante, estonteadora. Não será triste.
A tristeza nela é negação. Mesmo que alguma desgraça enorme, tragédia
interior, catástrofe do coração excrucie ao Poeta em vida, lhe espedace o
pensamento ou lhe trucide o instinto, ele, o herói, deve imergir nessa tortura e
202
Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.
428
1913, p. 223.
203
429 Notícia transcrita: apud O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.182, 06 jul. 1912, p. 1.
430 Notícia de: Jornal do Comércio: edição da tarde, n. 824, 18 jun. 1912, p. 3.
431 Notícia transcrita: apud MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 269-273.
432 Notícia de: Gazeta de Notícias, n. 220, 07 ago. 1912, p. 3.
433 Notícia de: Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 27, 06 jul. 1912, p. 23.
434 Notícia transcrita: apud O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.194, 20 jul. 1912, p. 1.
204
raças, para nosso eterno gáudio e para nossa glória, quase todos revoltados e
revolucionários””435.
De José Oiticica, há o “manifesto” da nova poesia divulgado “oficialmente” na
edição de outubro-dezembro de 1913 da Revista Americana – oficialmente porque o
texto pode ter sido divulgado ou no comecinho de outubro ou no finzinho de setembro,
pois Eduardo Guimarães, o poeta que se referia ao texto de Oiticica como afronta à
“verdadeira poesia”, assinava o seu “Palavras a um Novo” já em 3 de outubro, texto que
era também uma “resposta” ao do anarquista436.
No manifesto, Oiticica definia as funções da nova poesia do novo século, e
destacava Hermes Fontes e Augusto dos Anjos como seus representantes máximos.
Como já reproduzimos, por mais de uma vez, fragmentos desse texto, resumamos o que
há de mais emblemático naquilo que o autor define como “função” da nova poesia: sua
voz seria dos e lutaria pelos “oprimidos contra os opressores”, pelos “desgraçados contra
os felizes”, pelos “trabalhadores contra os parasitas”, pelos “utopistas contra os
práticos”, pelos “bons contra os maus”, pelos “gênios contra os nulos”, pelos “francos
contra os hipócritas”, pelos “justos contra os tiranos”, pelos “povos contra os governos”.
Fábio Luz e José Oiticica, cada qual com sua “definição” do que deveria
representar a “literatura-poesia”, exaltavam a “perfectibilidade” desta, tanto em forma –
Luz cria no poder da língua e de seus recursos (“as onomatopeias, as frases sincopadas e
exclamativas”437) como fonte de expressão literária; Oiticica, mais vinculado à poesia,
cria no uso da sátira, do epigrama, da estrofe de “tom pessimista” (porém, sem
extravagâncias), dos neologismos oriundos do “vocabulário técnico” da “física, da
química, da biologia, da geografia, da mineralogia, das artes, dos ofícios”438 –, quanto em
conteúdo – para ambos, a “literatura-poesia” deveria estabelecer a perfeita “relação
homem-natureza”; e o próprio Oiticica diz, no seu manifesto, que o vocabulário técnico e
exuberante utilizado na poesia deveria ser de acordo com “as pompas da nossa
natureza”, que esse vocabulário deveria “integralizar o homem no universo”.
Fábio Luz e José Oiticica exaltavam a “literatura-poesia” capaz de mostrar um
mundo justo e possível. Por isto, “utópico”.
1913, p. 226.
206
E foi seguindo por essa linha de raciocínio que os dois escritores libertários
noticiaram o aparecimento do Eu, de Augusto dos Anjos. Fábio Luz, em sua notícia
publicada na Brasil Moderno, assinalava na poesia de Augusto suas qualidades de
“perscrutar os segredos da natureza”, de “auscultar o ressurgimento de outra vida”, de
“adivinhar e pensar o mundo”439. José Oiticica, em sua notícia publicada no A Época,
caracterizava Augusto como “decisivo pesquisador de novos moldes na interpretação do
mundo”, detentor de um “poder significativo de expressão” e de uma “sensibilidade
notável”440; para ele, o paraibano fazia parte dos novos que analisavam e sintetizavam a
“arte universal”, que analisavam e sintetizavam as “vastas dos fenômenos naturais”.
E foi seguindo por essa linha de raciocínio que os dois escritores também
condenaram as extravagâncias de Augusto dos Anjos, condenaram seu lado pessimista,
obscuro, repulsivo. Foi seguindo por essa linha de raciocínio que Fábio Luz condenou em
Augusto sua constante na “matéria repulsiva”, na percepção “histórica” do mundo, na
“crueza de realidade”, nos “abusos dessa coisa repulsiva”, no “revolver dos monturos”,
no “mexer das sepulturas”, no “exame da sânie”, na “obsessão cromática” (pela cor
vermelha). Foi seguindo por essa linha de raciocínio que José Oiticica condenou em
Augusto essa poesia odorante: “Será possível que o poeta não veja no mundo senão a
dor, a podridão, os intestinos e os vermes? Não terá na sua estesia outras sugestões
menos malignas, menos malsãs, menos mal odorantes?”441.
São interessantes essas restrições que Fábio Luz e José Oiticica fizeram ao
estro poético de Augusto dos Anjos. São interessantes, sim. Não que esteja sendo irônico
agora, mas justamente porque Augusto causava espanto até mesmo em seus
contemporâneos engajados na literatura de cunho libertário. O poeta causava espanto,
sim, e nem por isso deixava, pelo que lemos dos argumentos de Luz e Oiticica, de ser
original, singular, de tentar integralizar “homem-natureza”.
439 Notícia de: Brasil Moderno: revista de ciências, artes e letras, n. 7, set. 1912, p. 12-15.
440 Notícia de: A Época, n. 68, 06 out. 1912, p. 7.
441 Ibid., p. 7.
207
que abafam a voz “dos juris, dos senados, dos canhões”442 –, podemos localizar na poesia
de Augusto dos Anjos referências desta “libertação e restauração”.
Exemplos encontramos em Vencedor (o poeta igual a um gladiador): “Vieram
todos, por fim; ao todo, uns cem... / E não pôde domá-lo enfim ninguém, / Que ninguém
doma um coração de poeta!”443; em Monólogo de uma sombra: “Somente a Arte,
esculpindo a humana mágoa, / Abranda as rochas rígidas, torna água / Todo o fogo
telúrico profundo / E reduz, sem que, entanto, a desintegre, / À condição de uma
planície alegre / A aspereza orográfica do mundo!”444; em Os doentes, pois mesmo que a
ruína, a degradação, a doença, a morte venham de dentro, do alicerce, do “subsolo
infeliz”, da “matéria em fusão que ainda há no centro”: “Contra a Arte, oh! Morte, em vão
teu ódio exerces!”445 – todos poemas do Eu (1912).
No entanto, pensando no oposto das premissas de ambos, de que a arte-
poesia não restaura e não busca um mundo justo e ideal, de que o poeta por esse
caminho segue como voz fracassada e que apenas narra as tragédias coletivas, que
podemos localizar na poesia de Augusto dos Anjos referências até mais explícitas desta
“não libertação e não restauração”.
Exemplos encontramos em Queixas noturnas: “O amor tem favos e tem caldos
quentes / E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal; / O coração do Poeta é um hospital /
Onde morreram todos os doentes”446 – não, não é possível que o fechamento da estrofe
tenha sido somente para manter a “rima”; em Barcarola, quando a “sereia” começa a
falar que o poeta nunca mais terá glória: ““Nunca mais! Sê, porém, forte. / “O poeta é
como Jesus! / “Abraça-te à tua Cruz / “E morre, poeta da Morte!”” e, depois de sua fala, o
luar se apaga, o barco tomba: “Vista de luto o Universo / E Deus se enlute no Céu! / Mais
um poeta que morreu, / Mais um coveiro do Verso!”447; em As cismas do destino: “Poeta,
feto malsão, criado com os sucos / De um leite mau, carnívoro asqueroso, / Gerado no
atavismo monstruoso / Da alma desordenada dos malucos”448.
Através destes últimos exemplos, podemos entender as restrições que os
professores e críticos Fábio Luz e José Oiticica assinalaram na poesia de Augusto dos
442 Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.
1913, p. 222.
443 ANJOS, 1994, p. 281.
444 Ibid., p. 199.
445 Ibid., p. 248-249.
446 Ibid., p. 292.
447 Ibid., p. 298-299.
448 Ibid., p. 221.
208
que narra choros e gritos das “coletividades sofredoras”, que narra a canção da
“natureza exausta”; e cuja narração se dá, simultaneamente, a partir de uma intensa
perspectiva de “deslocamento” de espaços físicos, e de tempos, às vezes.
O eu dos poemas longos de Augusto dos Anjos está sempre como “judas
errante”, um “peregrino” que anda pelos matos da zona rural e pelas ruas da cidade a
ouvir, ver, sentir os gritos, os vencidos, a “energia abandonada” da noite abandona.
Não querendo estabelecer estritas (e talvez equivocadas) relações entre a
vida do poeta e sua obra artística, mas essa figura do “judas errante”, do “peregrino
audaz”, fora por ele mesmo descrita em algumas correspondências enviadas à sua mãe,
na época em que estava morando no Rio de Janeiro.
Nas cartas dos meses de março e abril de 1913, por exemplo, Augusto, que
ainda estava sem emprego fixo na capital da República, vivendo do pouco dinheiro que
recebia das poucas aulas particulares que dava e de uma e outra oportunidade
temporária que lhe aparecia – fora nomeado pelo Ministério da Agricultura como
professor de uma comissão avaliadora, o mais recente –, comunicava à Dona Córdula
que continuava na “luta de [judas] Ahasverus do magistério obscuro”, na “vida áspera
rasgando dificuldades”, na “caçada áspera de todos os dias”, na vida dum “judas errante”
que, mesmo assim, cria num “dia de reivindicações e desforras”449.
Sim, apenas “imagens” do peregrino em busca de melhores dias. Não, não
quero ficar sentido com estas imagens. Isto vai passar.
E em relação a seus poemas longos, a seus poemas narrativos, à sua obra
artística propriamente dita, se formos enveredar pelo que diz sua bibliografia, quase
nada encontramos que nos possa auxiliar nestas leituras. As interpretações que foram
dadas aos poemas longos de Augusto dos Anjos são distantes da “realidade”.
Osório Duque-Estrada, por exemplo, em sua notícia literária sobre o Eu,
publicada no Correio da Manhã, lá em 1912, definia essas produções (As cismas do
destino, Os doentes, Noite de um visionário) como “verdadeiras monstruosidades, aleijões
abortados de uma fantasia delirante e de uma torturada imaginação que se obstina em
parecer única e original”450.
Mais “recentemente”, Flóscolo da Nóbrega (1965), bacharel em Ciências
Jurídicas pela Faculdade de Direito do Recife, ocupante da cadeira “número 1” da
Academia Paraibana de Letras, cujo patrono é Augusto dos Anjos, na pesquisa A sombra
do “Eu” descreve seu conterrâneo e sua poesia como “cerebral/intelectual”, poesia na
qual o poeta vaza “no verso a sua mágoa imensa”.
As leituras que Flóscolo faz por essa perspectiva são, principalmente, dos
poemas longos de Augusto (Monólogo de uma sombra, As cismas do destino, Gemidos de
arte, Os doentes, Poema negro, Queixas noturnas, Tristezas de um quarto minguante, Noite
de um visionário, Numa forja): neles, o poeta retrata-se desacreditado do futuro, corroído
pelas crises de angústia, pelas noites de insônia, pelas “lucubrações à sombra do
tamarindo”; neles, o poeta retrata a “mísera condição do homem escravo das
circunstâncias, prisioneiro da gaiola, dentro da qual luta e sofre e chora”; neles, são em
grandes quantidades as “imagens em desordem”:
Essas fantasmagorias lembram os delírios dos tomadores de ópio, peiote e
haxixe. São características do pensamento onírico, que trabalha tão só com
elementos figurativos e obedece apenas ao jogo da livre associação. Cada um
desses poemas é em si mesmo um pesadelo, com todo o visualismo e a
simbologia que distinguem a elaboração onírica. Oscilando entre os temas da
morte, da dor, da doença e da putrefação, a ideação se desdobra seguindo o
processo do sonho verbal, guiando-se pelo fluxo das livres associações e
desfechando quase sempre no imprevisto e no fantástico. É como se o poeta se
submetesse a um autoteste de psicanálise, relaxando as inibições mentais e
assim possibilitando a extravasão do seu substrato mental de engramas,
recalques e obsessões [...].451
451NÓBREGA, J. F. da. A sombra do “Eu”. João Pessoa: Ed. Universidade Federal da Paraíba, Departamento
Cultural, 1965, p. 67.
211
Lisboa”, poeta que pintava aspectos de sua cidade, poeta que se referia a ““um trôpego
arlequim bracejando””, a ““querubins do lar flutuando nas varandas””, a “mendigos
mostrando “as pernas pútridas, maduras””. Segundo o crítico, a poesia de Cesário “é um
caleidoscópio alfacinha: reflete Lisboa inteira. Menos a alma do Poeta”; e completa:
Que diferença da poesia de Augusto dos Anjos! Vemos nesta a pintura da
paisagem nordestina, “onde jaz, ao pé da serra, junto à urtiga brava”, “a
queixada específica de um burro”; “os astros miúdos”, que reduzem o céu “a
uma epiderme cheia de sarampos”; “o luar, da cor de um doente de icterícia”; a
água da chuva na rua “encharcando os buracos das feridas e alagando a medula
dos doentes”; aquela evocação fantasmagórica e lúgubre do Recife, quando ele,
pela ponte Buarque de Macedo, ia “em direção à casa do Agra” (que era uma
Casa Funerária); aquele “ar danado de doença sobre a cara geral dos edifícios”;
aqueles “bêbedos alvares”, que o olhavam com os copos cheios “e vomitando
gosmas amarelas”... Em tudo isto ele pinta, para usar-lhe a expressão, o retrato
da própria consciência. São cores negras e tétricas do seu quadro interior.452
E são estas paisagens reais, fiéis, reais, precisas, reais, que verificamos, em
maior escala, nos narrativos de Augusto dos Anjos. São estas paisagens descritas pelo
“poeto, feto malsão” em passeio pela noite dos vencidos, em sua errância, peregrinação,
andança, ambulação. São estas paisagens reais e “sentidas”, ora de uma ambientação
“rural”, ora de uma ambientação “urbana”. Leiamos, então, sobre este poeta peregrino.
455CANDIDO, A. O poeta itinerante. In: _____. O discurso e a cidade. São Paulo: Livraria Duas Cidades,
1993, p. 261.
213
Tentando não deixar a voz de Augusto dos Anjos ecoar solitariamente pela
noite dos espectros, as leituras dos ensaios “Espectros da nação: figuras deslocadas
457 HARDMAN, F. F. A vingança da Hileia: Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São
Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2009, p. 291-306.
458 Ibid., p. 167-186.
459 Ibid., p. 187-197.
215
461 SEVCENKO, N. O exercício intelectual como atitude política: os escritores-cidadãos. In: _____. Literatura
como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 4. ed. 1. reimpressão. São Paulo:
Brasiliense, 1999, p. 87.
462 AZEVEDO, F. de. A poesia social no Brasil. In: _____. Máscaras e retratos: estudos literários sobre
escritores e poetas do Brasil. 2. ed. revista e aumentada. São Paulo: Melhoramentos, 1962, p. 84-90.
218
CAPÍTULO 5:
Monólogo de uma Sombra, e as desgraças da alma crepuscular
O amarelecimento do papirus
E a miséria anatômica da ruga!
467 O historiador Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 258-259) assinala as deturpações que, ao longo dos
anos, sofreram e sofrem as edições dos versos do poeta do Eu. No exemplo em questão, a escrita original
do termo vem como “Abhidharma”, palavra que vem da mitologia hindu, de acordo com pesquisa feita por
Magalhães, representando ““variedade de significados éticos, legal-políticos, metafísicos e religiosos, que
muitas vezes se encontram relacionados: norma de conduta ética, retidão universal, ordem cósmica e
elementos cósmicos, e ensinamento e doutrina””. Através das leituras de Budismo, do professor Richard
Gard (1964), e de Standard Dictionary of Folklore: Mythology and Legend, obra organizada por Maria
Leach e Jerome Fried (1972), Magalhães Júnior informa que “dharma”, na mitologia hindu, era “o sábio
que se casou com as dez ou treze filhas de Dashka e se tornou a personificação da lei e da justiça”; e que
“abhi” significava o princípio superior, supremo e máximo. A crítica que o historiador faz, é dirigida,
sobretudo, a Antônio Houaiss (1968, p. 16-17), quando este, na antologia Augusto dos Anjos: poesia,
afirmou que o termo e seus relativos simplesmente encerravam uma “notação semântica” feita por
Augusto, já que o poeta, segundo ele, havia confundido as palavras e suas respectivas significações.
226
quiosques” e o “animal inferior que urra nos bosques”; sombra que faz da podridão seu
único “evangelho” (5° estrofe).
Na sexta e última estrofe de sua apresentação, a sombra, antropomorfizando-
se, confessa seu único “defeito” e, por isto mesmo, fornece-nos um dado interessante:
olhando para o próprio túmulo “à luz do americano plenilúnio” – notar que, das poucas
vezes que é utilizado no Eu, o termo americano vem sempre como sinônimo de “raça
inferior”; e, neste caso, vem justamente encerrando como adjetivo –, carrega na “alma
crepuscular” (o que se realiza/acontece à noite) de sua raça a “vocação para a Desgraça”
e o “tropismo ancestral para o Infortúnio”.
Este é seu único defeito como “sombra”: ter “alma crepuscular atavicamente
desgraçada e infortunada”. Mas é esse “defeito” que nos fornece um dado interessante, a
ideia de que, mesmo não estando clara a referência sobre a ambientação do poema, se
dia ou noite, se em cidade ou em campo/meio rural, a sombra – a emissora do monólogo
–, tem a alma “manchada, escura, desgraçada”; tem uma (eterna) alma crepuscular.
Neste momento, a onisciente e onipresente e onipotente sombra mostra ao
poeta espectador dois dos personagens de toda tragédia/desgraça humana: o “Filósofo
Moderno” e o “sátiro peralta”. A eles juntam-se, durante seu monólogo, as vítimas do
homicida, os feridos, os suicidas e demais martirizados e vencidos.
O primeiro, sujo, coça suas feridas, tem a cara hirta e “tatuada de fuligens” e
traz em si “O desespero endêmico do inferno”. Esse “mineiro doido” tentou compreender
o mundo e suas formas, mas só encontrou horror e, futuramente, será achado numa
“esteira sarcófaga” à luz do dia, ou “Ao clarão tropical da luz danada” – o sol como
espectador da “tragédia” humana. No orgulho de sua grei, o filósofo moderno, ao invés
de ser um sobrevivente e um renascido findadas as leis e “rotos os liames”, será
corroído/devorado, pois é homem, é “Engrenagem de vísceras vulgares”; por conta de
sua pecha, de sua peçonha como “homem”, será devorado pelos vermes na “trágica festa
emocionante”. O Filósofo Moderno é um doido que se estragou na tentativa de pensar,
suicidando-se, consumindo-se lentamente, reduzido a micróbios468.
468Em relação ao que o “filósofo moderno” poderia ter sido, diz a sombra: calor, magnetismo misterioso,
“Raio X”. O mais interessante é que o “Raio X” era ainda “recente” no Brasil. O Diário de Pernambuco, por
exemplo, em sua edição de 31 de maio de 1905 (n. 122, p. 1), noticiava um caso de sucesso médico depois
de uma paciente acometida por cancro na face ter sido completamente curada após procedimento
realizado no Instituto Elétrico Radioterápico. Primeiro procedimento, segundo o jornal, para tratamento
de cancro, graças às pesquisas e aos resultados obtidos pelo físico alemão Wilhelm Conrad Röntge, quando
detectou os raios eletromagnéticos, os raios “X”, podendo-se, assim, fotografar o corpo humano
227
“internamente”. José Oiticica, naquele seu manifesto de 1913, falava dos neologismos, das palavras
técnicas oriundas da ciência, importantes para a nova poesia. Que diria do poeta que usa “Raio X”...
469 ANJOS, 1994, p. 723. Carta enviada à Dona Córdula e assinada de “Rio, 16 de julho de 1911”.
228
Para a maioria dos críticos do Eu, Monólogo de uma sombra é uma espécie de
programa estético do livro, um manifesto, uma mensagem de abertura, um prenúncio de
todas as imagens que pululam no restante da obra.
O professor e ensaísta Osório Duque-Estrada, por exemplo, lá na sua notícia
literária sobre o Eu, publicada em junho de 1912 no fluminense Correio da Manhã, já
afirmava ser o monólogo um poema “manifesto/programa”, uma espécie de “pedra de
toque” da obra, poema a partir do qual se poderiam assinalar todos os defeitos e todas
as qualidades de Augusto dos Anjos como artista471.
O filólogo e crítico literário Antônio Houaiss (1968), na antologia Augusto dos
Anjos: poesia, afirma a mesma coisa, de ser o monólogo o “programa poético” do Eu,
poema no qual Augusto apresenta as características básicas de sua poesia: “prioridade
para a arte, fonte única talvez de sua alegria”; “pessimismo essencial”; e “incerteza
materialista e de dúvida científica”472. Ainda no começo da década de 1960, na
reportagem “Cinquentenário da morte de Augusto dos Anjos”, publicada no Correio da
Manhã, entre a divulgação de informações biográficas e bibliográficas do poeta
paraibano, Houaiss já havia descrito o monólogo como a “chave” de uma porta de várias
fechaduras, a chave da poesia de Augusto dos Anjos473.
Enfim, “resumamos” o monólogo, agora, com nossa leitura.
A sombra que monologa ao poeta espectador – sombra que vem de outras
eras, do cosmopolitismo das moneras, do caos telúrico, da substância de todas as
substâncias; que se equilibra pela simbiose das coisas; que não envelhece; que traz em si
o princípio máximo da lei e da justiça; que traz em si a solidariedade aos martírios das
criaturas sofredoras na noite dos espectros; que cospe na “Natureza Humana”; que ama
o esterco, o animal e demais criaturas inferiores; que faz da podridão seu evangelho –,
tem “alma crepuscular”, atavicamente manchada-desgraçada-infortunada.
A sombra de alma crepuscular, que monologa ao poeta espectador, é
consciente de sua “alma” crepuscular e, por isto, solidariza-se a todas as criaturas que
sofrem, que são martirizadas; às vítimas do homicida, aos suicidas, aos expulsos, banidos
de sua terra. Fala do filósofo moderno, sujo, desesperado, um mineiro doido que tentou
compreender e pensar o mundo, e que estará sempre reduzido à lama, pois é homem, é
“Engrenagem de vísceras vulgares”; é aquele que traz em si a fatalidade de ser “homem”
e, por esta causa, não consegue perscrutar os fenômenos da “natureza”. Fala do sátiro
peralta, o vadio noturno entregue ao prazer carnal; o vadio que sente remorsos, que
sente culpa, que sente em sua consciência o despertar dum povo subterrâneo, que sente
em sua consciência a fatalidade de ser “homem”.
A sombra de alma crepuscular, consciente de sua alma crepuscular, que se
solidariza às criaturas sofredoras, monologa ao poeta espectador descrevendo os
martírios dessas criaturas; apontando a insuficiência d“os métodos da abstrusa ciência
fria”, que não consegue adentrar os fenômenos da natureza, que não consegue adentrar
as explicações daqueles martírios das criaturas sofredoras.
A sombra sintetiza a esse poeta (que ouve, observa e sente) a eterna “elegia
panteísta do Universo”, a “canção da Natureza exausta”, a canção unitária dos vencidos.
A sombra sintetiza aquelas “periferias roxas” – vide epígrafe deste capítulo –,
aquelas “coisas tristes”, aquelas “imagens dum Brasil arquejante”.
Na verdade, a sombra de alma crepuscular, consciente de sua alma
crepuscular, que se solidariza às criaturas sofredoras, é que ouve, que observa, que sente
o martírio de todas as coletividades sofredoras. A sombra é que participa dessa
“alucinação”. A sombra é que ouve as “marteladas surdas” duma noite que pulsa, que
grita, que pede socorro. A sombra é que ouve as gargalhadas sinistras – não, não são
gargalhadas de seres humanos; são gargalhadas de escárnio. A sombra é que sai à noite
“em agonia”. A sombra é que ouve, que observa, que sente esta eterna “miséria
brasileira” da noite dos espectros (reais).
230
CAPÍTULO 6:
História de um Vencido, e as tragédias do Pau d’Arco
HISTÓRIA DE UM VENCIDO475
II
24 de Maio 905
BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. revista, ampliada e atualizada conforme o Novo
476
Incrível como estes versos de Soneto [Lendo o “Poema de Maio”] estão por
toda a parte479. E mais incrível ainda são as imagens que me vêm sempre à cabeça do
segundo ato de Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto: guardadas as devidas
proporções, enquanto neste o “Severino Lavrador” foi morto por morte de emboscada,
“O Velho Vencido” de Augusto dos Anjos, ao que tudo indica, foi morto por “morte
natural”, por morte de “cansaço”; mesmo assim, ambos são enterrados ao luar, ou, como
dizem os “irmãos das almas” de João Cabral: “Partamos enquanto é noite, / irmão das
almas, / que é o melhor lençol dos mortos / noite fechada”480.
O poema de Augusto dos Anjos termina com a imagem do cadáver do Velho
Vencido à toa flutuando n’água, sem ninguém o vendo, porque ninguém “o acalenta, o
acalenta... / Somente entre a negrura atra da terra poenta / Alguém beija, alguém vela o
cadáver: a Lua”.
É Ademar Vidal (1967), aquele que teve aulas particulares com Augusto dos
Anjos em 1909, época em que o poeta ainda residia na Paraíba (do Norte), quem fornece
alguns dados interessantes. Sendo assim, primeiro recorramos à epigrafe deste capítulo.
O texto em questão, de autoria de Augusto, claro, é em homenagem a um
amigo que havia acabado de falecer, um trabalhador do engenho Pau d’Arco, chamado
João Francisco. Infelizmente, não se sabe onde nem quando foi publicado. Sua primeira
transcrição foi feita pelo professor Humberto Nóbrega, em Augusto dos Anjos e sua
época, sem indicação alguma de fonte. Nóbrega (1962, p. 295) diz que, embora o poeta
não tenha cantado nem tenha feito “versos ao trabalho pesado dos fortes e explorados
“cabras do eito””, ainda assim não os esquecera. Exemplo, segundo o professor, fora a
morte de um deles, o João Francisco, morte que causou em Augusto “forte abalo
emocional, levando-o a escrever es[s]a crônica”.
Ao falar dos “Amigos anônimos” de Augusto dos Anjos, amigos trabalhadores
do engenho Pau d’Arco, amigos trabalhadores das terras da família Fernandes de
Carvalho, amigos trabalhadores e “ajudantes” da casa(-grande), Ademar Vidal (1967, p.
87) informa que “José Francisco” fora um desses, e que, subitamente, “ficara paralítico”.
Conta o biógrafo que era um trabalhador “a quem [Augusto] levava alimentos
escondidamente, um pobre homem carregado de família – e sobre quem, ao morrer, não
se contendo, escreveu para um jornal da Capital palavras sentidas e exaltantes”.
Uma pena que Vidal tenha trocado o “João” por “José” – pois sim, de “Zé e Jão”
o mundo está cheio... Uma pena também que Vidal não tenha informado em qual jornal
saiu o texto, nem em que ano. Seria n’O Comércio da Paraíba, já que esse foi o único
jornal em que o poeta colaborou, periodicamente, escrevendo “crônicas”?
Isto mesmo, o período mais “constante” em que Augusto dos Anjos escreveu
suas crônicas, seus textos em prosa, foi entre 1905-1906, naquele jornal de seu estado.
Pelo sim, pelo não, nesse texto/crônica Augusto se refere à morte de João
Francisco como ocorrida “neste engenho”, o que pode significar que o poeta ainda estava
morando no engenho, mais ou menos entre 1905-1907 – quer dizer, se realmente
tiverem sido fiéis quanto à reprodução do texto. Pelo sim, pelo não, “João Francisco” foi
um dos moradores e trabalhadores das terras do engenho Pau d’Arco, e um dos amigos
aos quais Augusto dos Anjos dedicou uma “homenagem”.
Em relação ao texto dedicado a João Francisco, Augusto faz algumas
observações interessantes. A primeira é sobre a situação precária desse “Vencido”,
237
desde sua vida à sua morte: um pobre trabalhador que vivia na obscuridade, “no
achincalhamento ingênuo da bonomia plebeia”, preso ao anonimato; um pobre
trabalhador em cuja cova, depois de morto, “a nobreza não escreveu letras de epitáfio,
nem os padres fidalgos cantaram versículos de bíblia lamentosa”; um pobre trabalhador
cujo choro recebido, lá “na areia triste do saudoso cemitério das Consolações”, foi
apenas o de sua “família paupérrima”. João Francisco apenas recebeu aquele choro,
aquele “lamento ferido” dos seus, aquele lamento ferido que ficou “sozinho balando em
surdina” – segundo Silveira Bueno (1996, p. 91), o “balar” é o ato de dar “balidos”, ou
seja, são sons, ruídos próprios das ovelhas e dos cordeiros.
Esse mesmo pobre trabalhador, segundo Augusto dos Anjos, era puro, um
sujeito bom, “arredio de ambições”, pertencente ao “seio nobre do proletariado
brasileiro” – e eis que aqui não consigo perceber ironia alguma. Ademar Vidal, o
biógrafo, apenas informa que João Francisco ficou paralítico. Augusto, em sua crônica,
informa que a morte do amigo foi ocasionada pela mordida duma cascavel, justamente
quando ele estava voltando para casa depois de uma “pesada estafa daquele dia, de volta
ao lar modesto, ao sol-posto”.
No poema História de um vencido, O Velho Vencido também havia trabalhado
bastante durante o dia, durante o Sol brasido, no revolver da terra infecunda. Ao
anoitecer, já cansado e tendo miragens e fantasias, era O Velho, tal qual a sombra do
Monólogo de uma sombra, consciente de sua vocação para a desgraça, para a tragédia,
para o infortúnio, pois tinha ele a “alma crepuscular”. Levando isso em consideração,
podemos entender a morte do Velho tanto como acontecida durante a “noite”, ou seja,
durante esse momento do dia, já que seu sepultamento foi feito ao “luar”, ao som dos
“cantos doloridos”; quanto como acontecida na “noite eterna”, já que O Velho, o vencido,
o improfícuo, o infecundo, o martirizado, traz em si uma “alma crepuscular”, eterna e
atavicamente desgraçada e infortunada, alma crepuscular que o faz ser desgraçado e
infortunado quotidianamente, dia e noite.
Não é correto ser categórico e afirmar que História de um vencido e “João
Francisco” apresentam relações tão estreitas. Se pelo menos soubéssemos a data correta
da crônica, quem sabe. Mas também não é de um todo incorreto ou equivocado
estabelecer alguns ecos entre os textos.
No fim do poema narrativo, o poeta que narra diz que o cadáver do pobre
Velho Vencido ali ficara “à toa flutuando n’água”, sem ninguém o vendo, porque ninguém
238
“o acalenta, o acalenta”, a não ser a Lua. Na crônica escrita por Augusto dos Anjos, diz o
poeta que a cova de seu amigo não teve escritas pela nobreza “as letras de epitáfio, nem
os padres fidalgos cantaram versículos de bíblia lamentosa”.
No texto dedicado ao amigo, diz Augusto que somente a família paupérrima
de João Francisco é que ficou “na areia triste do saudoso cemitério das Consolações”,
chorando e lamentando e “balando” pela morte do pobre homem. No poema do vencido,
a pobre família do Velho Vencido, a esposa e os filhos, nunca que o deixaria sozinho, pois
com ele estaria junto na Vida, a “pisar os trilhos”.
No poema, o cadáver do Velho Vencido continuaria a “flutuar”, à toa, pelas
águas (da vida) – não, não quero pensar em terceira margem agora. Na crônica, o amigo
de Augusto de Anjos, João Francisco, deixaria no “cerne carcomido dos velhos troncos”
das “florestas opulentas”, onde trabalhava cortando lenha, o seu suor, as suas marcas
que nunca se apagariam.
Nas suas poesias, nas suas crônicas, e mesmo nas correspondências enviadas
à Dona Córdula, tanto nas enviadas do Recife (quando aí fazia o curso de Direito na
Faculdade do Recife) quanto nas enviadas do Rio de Janeiro (quando aí residia, depois
de sua saída turbulenta da Paraíba), Augusto dos Anjos sempre “lembrava” dos amigos
do engenho Pau d’Arco e da casa-(grande), sempre a eles fazia referência.
Como informa o próprio Ademar Vidal (1967) em “Amigos anônimos”, texto
de O outro Eu de Augusto dos Anjos, o poeta mantinha “bom contato” com os
trabalhadores das terras do engenho, o Toca, o João Francisco, o Chico Matias, o Caetano,
o Juvenal, o Juca, o João Higino, o compadre Pedro; e com as cozinheiras que “ajudavam”
na casa-(grande), a Filomena, a Donata, a Guilhermina.
O nome de Donata, por exemplo, estava sempre em suas correspondências
endereçadas à D. Córdula; à Donata, Augusto mandava “lembranças”. Filomena, Juca e
João Higino também tinham seus nomes nessas missivas.
Ao nome de Chico Matias, por exemplo, Augusto dos Anjos referia-se mais
sentimentalmente: em carta enviada à D. Córdula e datada de 13 de novembro de 1910,
época em que já morava no Rio de Janeiro, Augusto dizia ter recebido uma outra (carta)
de seu irmão, Aprígio, na qual era informado da morte desse rapaz/senhor. Dizia
Augusto dos Anjos que Chico Matias havia sido “um homem bom que, na simplicidade
239
rústica de su’alma, possuía nobrezas inéditas de sentimento e caráter”; dizia ainda que,
após ter recebido a notícia, ficara “muito penalizado com a morte” do Chico Matias481.
Ao João Francisco, como vimos, Augusto dedicou um texto, publicando-o
(ninguém sabe onde nem quando) logo após o falecimento desse trabalhador.
Se eu tivesse material teórico suficiente, buscaria as razões desse fim trágico
da vida dos vencidos moradores do campo, ou melhor, moradores do engenho Pau
d’Arco e da casa(-grande), descrito por Augusto dos Anjos. Muito embora o pobre
trabalhador João Francisco realmente tenha falecido depois da mordida de uma
cascavel, como conta o poeta em “João Francisco”, não podemos esquecer de outros
“personagens anônimos” descritos de maneira também “triste” por Augusto, mas, em
sua poesia: o finado cambiteiro Toca do poema Gemidos de arte, cuja “voz rouca” arrasta
o poeta desse poema; e a ama de leite Guilhermina do soneto Ricordanza dela mia
gioventú, cuja situação de baixeza, de ser ama de leite, causa no poeta remorsos.
Tudo bem que, na cidade, a noite dos espectros corre solta, com as mazelas
de uma vida abandonada e que pede socorro. Mas, por que também na zona rural? Por
que essa insistência de Augusto dos Anjos em figuras reais, o João Francisco, a
Guilhermina, o Toca, todos moradores do “campo”, como representativas de tragédias,
representativas de tombos, de mortes, de situações de baixeza?
E em relação ao poema que dá título a este capítulo, o História de um vencido,
por que a morte do pobre Velho Vencido, um lavrador, e justamente depois de um
intenso dia de trabalho numa terra infecunda? E por que a terra é infecunda? Não
deveriam ser o campo, o meio rural, a natureza, a “terra”, símbolos de um despertar, ou
pelo menos de uma coletividade reunida em comunhão? E que poeta é este que só narra
tragédias, tombos, mortes de pobres trabalhadores do campo? Que poeta peregrino é
este que só vive pelos matos, desiludido e que, nesta sua desilusão, pelos caminhos, ouve
a “voz rouca” de um antigo e falecido amigo trabalhador? –
GEMIDOS DE ARTE482
III
[...]
E por que, nas terras deste engenho, pelas estradas, este maldito poeta peregrino só vive
andando sozinho e em remorsos? –
A ILHA DE CIPANGO484
E por que, nestas estradas, apenas há cruzes, como se a natureza fosse um Caos? –
VIAGEM DE UM VENCIDO485
E por que, por que este maldito poeta peregrino que passeia pelas estradas do campo,
nas terras do engenho, é totalmente consumido por remorsos, por desilusões, por
aflições? É tão terrível esta grande noite brasileira? –
QUEIXAS NOTURNAS486
[...]
[...]
[...]
Seja esta minha queixa derradeira
Cantada sobre o túmulo de Orfeu;
Seja este, enfim, o último canto meu
Por esta grande noite brasileira!
CAPÍTULO 7:
As Cismas do Destino, e os espectros do Recife
a 13 de maio corrente,
“A União, 20-22-23: 5-1909”)488
AS CISMAS DO DESTINO489
II
Os esqueletos desarticulados,
Livres do acre fedor das carnes mortas,
Rodopiavam, com as brancas tíbias tortas,
Numa dança de números quebrados!
III
Os sanguinolentíssimos chicotes
Da hemorragia; as nódoas mais espessas,
O achatamento ignóbil das cabeças,
Que ainda degrada os povos hotentotes;
IV
jornais da capital de Pernambuco quando o assunto é “ponte”. Embora Augusto tenha passado pouco mais
de quatro anos entre idas e vindas no trajeto Paraíba-Pernambuco, período em que frequentava a
Faculdade de Direito, foram as pontes do Recife, quer dizer, uma ponte em específico, que guardou o nome
do poeta: a Buarque de Macedo. O jornalista Francisco de Assis, numa crônica publicada no Diário da
Manhã (n. 4.198, 21 ago. 1941, p. 8), derrete-se em saudades dum tempo em que as pontes tinham mais
valor, época em que eram as “únicas causadoras do derrame cerebral de poesia” nos poetas, pois, “de fato,
não se pode olhar para elas sem um transbordamento de alma”; referindo-se às obras de melhoramento
da Maurício de Nassau e da Buarque de Macedo, diz que esta era “até agora a única cantada por um poeta
de verdade – Augusto dos Anjos”. Outros falam da imponência das pontes de Recife, a “Veneza
Americana”: a Caxangá, a Duarte Coelho, a da Torre, a do Arruda e, entre todas, a única que impressionou
de verdade, a Buarque de Macedo, cuja beleza “alcançou uma citação do maior poeta do Norte”, Augusto
dos Anjos, tendo o poeta escrito “um longo e doloroso poema” (Jornal Pequeno: órgão independente e
noticioso, n. 83, 11 abr. 1947, p. 6). Outros denunciam o estado deplorável dessas pontes: num texto de
primeira página sem assinatura, ainda no Jornal Pequeno, a reclamação é por conta dos cuidados
exigidos por aquelas que já tinham sido o “brilho do estado”, mas que, agora, estavam apenas “rangendo
de velhas e cansadas”; aludindo a projetos de reurbanização de pontos estratégicos, onde algumas dessas
antigas pontes deixariam de ser passagem de veículos e de pedestres, o autor do texto “se pergunta” se as
pontes ainda poderiam servir de “inspiração aos poetas”, ao mesmo tempo que se sente desejoso de que
253
pelo menos a “Buarque de Macedo lembre sempre o verso de Augusto dos Anjos” (n. 134, 13 jun. 1947, p.
1). Assinada pelo jornalista Everaldo Vasconcelos, a notícia política “Perigo na ponte Buarque de Macedo”
informa sobre os reparos físicos pelos quais passaria a Ponte Buarque de Macedo, a ponte que já havia
sido “cantada em versos por alguns românticos e [que] testemunhou a amargura de Augusto dos Anjos”;
fala dos cuidados que deveria ter a prefeitura por conta de vários buracos em alguns trechos dessas
pontes, já que alguns pontos estavam “mais esburacados do que os pulmões do Augusto dos Anjos, o
amargurado poeta do “Eu” que dali cuspiu para dentro do rio” (Jornal Pequeno: a verdade nua e crua, n.
206, 17 set. 1953, p. 3, 5) – pois sim, desinformação total, inda mais usando o nome de Augusto dos Anjos.
254
Diz o poeta que seu “estado máximo da mágoa” chegou depois de ele sentir
toda a subjetividade sofredora dos infelizes e vencidos da noite do Recife. E, após esse
estado máximo de mágoa: fura-se “com um canivete” – não, não precisamos entender
como literal; cospe pelo caminho em ato vingativo contra “os canalhas do mundo”;
escarra “de um abismo noutro abismo” (da terra, orbe oval, para o céu); e impreca
contra “a moral do cristianismo”. Verdade, há mais filosofia e (verdade) no escarro do
que em qualquer outra coisa. Simultaneamente, o poeta peregrino sente remorsos e
ataca, sente mágoas e lança seu cuspo carrasco.
Segundo canto.
Continua o poeta a perambular no “horror da noite tão funérea”, onde
acontecem “os atos mais funestos”: os “esqueletos desarticulados” rodopiando; as
“divindades malfazejas” (“Siva e Arimã, os duendes, o In e os trasgos”) batendo em volta
das igrejas; “os ladrões da noite” indo “pela escuridão pensando crimes”; homens
praticando incestos; “bêbedos alvares” (sátiros peraltas) consumindo bebidas,
esterilizando (por conta da bebida) “A substância prolífica dos sêmens”, expelindo
“gosmas amarelas” e, depois, indo dormir nos lupanares, onde depositam “As
derradeiras forças musculares”, fabricando assim “a progênie idiota de palermas”;
“meninos sem pai” morrendo (e que morte ingrata!) de fome por conta da prostituição,
assim como tantas moças “que o túmulo reclama”, por culpa mesmo dos “[...] porcos
espojando-se nas poças / Da [sua] virgindade reduzida à lama”.
Ninguém espia o poeta peregrino. Ninguém o nota. Apenas um “lampião” é
que simboliza um “olho ali posto” de propósito para olhá-lo – estes olhos ficam só na
espreita, com seus coturnos sempre a postos...
Enfim, esta é a noite dos espectros, a noite mórbida de “embriões de mundos
que não progrediram”, da “alma embrionária que não continua”. E, novamente solidário
ao cuspo coletivo, ao grito da “população doente do peito” tossindo no seu eu, o poeta
volta a sentir mágoas intensas: repele a morte e a condena por sua injustiça diária contra
a “matéria imbele”, contra os “não aguerridos”, contra os fracos, contra os vencidos;
impreca contra a religião representada nas “catedrais mais ricas” onde “rolam sem
eficácia os amuletos” daqueles que deveriam proteger seus rebanhos.
O poeta peregrino detalha a noite funesta dos espectros, e sabe que “ninguém
o nota” durante o seu percurso. Ele, por outro lado, sabe que o “submundo” é comum,
“pois quem não vê aí, em qualquer rua”, como em jorro, toda a lamúria noturna, o grito
257
de uma cidade esquecida... Verdade, quem não vê, durante a noite, durante o dia
(lembremos da “alma crepuscular”), os vencidos, tais quais cachorros gritando
“incompreendidos verbos”...
Ainda assim, o poeta peregrino acredita n’um porvir em que tudo isto seria
visto, ouvido, sentido. O poeta peregrino acredita n’um porvir em que a “pedra dura” e
“os montes argilosos” criariam “cordões nervosos”; e os sábios, estes que “não ensinam”,
perderiam seu lugar. O poeta peregrino acredita n’um porvir em que desse “caos de
corpos orgânicos disformes” rebentariam “cérebros enormes”.
Antes, porém, desse futuro, o poeta peregrino se debate com os bramidos da
mesma massa disforme; dos “personagens da tragédia” (social) que lhe pedem socorro e
voz; da “humanidade parasita” que “berra aflita”; dos martirizados e vencidos, das
“coisas inorgânicas mais nulas” que lançam desforra.
Termina o segundo canto.
A sensação de covardia toma conta do poeta: recebendo (e entendendo) em
seu temperamento os gritos e anseios da população de vencidos da noite dos espectros,
sente-se, às vezes, incapaz de agir. No poeta permanecem “a intercessão fatídica do
atraso” – lembremos, a “alma crepuscular”; o calar-se; a “inconsciência das máscaras de
cera” – como diria no soneto A máscara: “E entre a mágoa que a másc’ra eterna apouca /
A Humanidade ri-se e ri-se louca / No carnaval intérmino da vida”498; a palavra
embrulhada em “incompreendidos verbos”, assim como na população doente do peito.
Consumido pela “revolta trágica” dos tipos (ontogênicos) mais elementares, o
poeta peregrino até sonha submergir-se na vida universal abstrata, de onde faria uma
“morada equilibrada e firme”. Contudo, com o remorso reboando, ouve o “eco particular”
do seu Destino. E começa o terceiro ato:
Homem! por mais que a Ideia desintegres,
Nessas perquisições que não têm pausa,
Jamais, magro homem, saberás a causa
De todos os fenômenos alegres!499
Em vão torna-se o “sondar”. A lâmpada (da ciência fria e louca) oca traz
somente “o conteúdo das lágrimas hediondas”.
O poeta tenta relacionar o sondar da ciência com o “sondar manual” da
“estéril [infecunda] terra” realizado pela “bronca enxada árdega”. Mas, não importa,
porque o “lugar do Cosmos” reservado ao eu que pensa e que trabalha é feito de dor
imensa. Em síntese, a dor que o poeta sente, diz o Destino, vem da “própria humanidade
sofredora”.
É dor que não finda, que veio de tempos remotos e vai “para outros tempos
que hão de vir ainda!”. É dor que está no “machucamento das insônias”, pelo estudo “da
ninfeia”. É dor que está na pesada opressão “de um acesso de asma”.
É dor que está nas ilusões da natureza, nas suas ilusões de “lua de um
parasseleno”; nas suas ilusões de arco-íris; nas suas ilusões de terremotos que mais
lembram “paióis de pólvora explodindo” – e este detalhe é interessante porque não são
os paióis (arquiteturas destinadas ao armazenamento de explosivos e munições) que
lembram terremotos; mas, antes, são os terremotos (fenômenos geológicos da natureza)
que lembram paióis explodindo, dando a entender que a existência (ok, ficcional) desses
terremotos está em segundo plano, já que a imagem dos paióis explodindo é levantada
como referência principal; e os tiros e explosões continuam...
É dor que está nos últimos momentos da visão do “fogão apagado de uma
casa, / Onde morreu o chefe da família”; da visão do “trem particular que um corpo
arrasta / Sinistramente pela via férrea”.
É dor que está na ilusão do comércio desgraçado, das “pulseiras que os
mascates vendem”, posteriormente consumidas pela ferrugem; da “fúnebre corda / Que
arrasta a rês, depois que a rês engorda, / À morte desgraçada dos açougues”; do tecido
“da roupa que se gasta”.
É dor que está nos antagonismos, nos contrastes mais sinistros, da água
alvíssima e da hórrida áscua espirradas da “flama bruta”; da “formação molecular da
mirra” e do “cordeiro da Páscoa”; das “rebeladas cóleras que rugem / No homem
civilizado [...]”; do Amor e da Fé.
É dor dispersa, nos “bastos tojos acres” que a terra produz; na rebelião que
deixa “homens deitados, sem mortalha, / Na sangueira concreta dos massacres”; no
“juramento dos guerreiros priscos / Metendo as mãos nas glândulas da vítima”.
É dor advinda das tiranias e dos genocídios, do “homem grande oprimindo o
homem pequeno”; dos “sanguinolentíssimos chicotes” da hemorragia – lembremos do
discurso de Augusto pronunciado no teatro Santa Rosa, lá em maio de 1909, na Paraíba
(do Norte); do “achatamento das cabeças” que ainda “degrada os povos hotentotes” –
259
Ele, poeta peregrino, ser de “alma crepuscular”, gerado de um leite mau, atavicamente
infortunado, última das criaturas, mostrará tudo quanto for de desgraça: a cárie dos
dentes, a lamúria, a dor da raça abandonada.
Ele, poeta peregrino, não será ajudado pelo Espaço, pois este não depende da
“espécie humana; não poderá tocar nem mesmo compreender as “verdades de luz” das
estrelas. Para sempre, carregará a “medonha marca”, a pecha de ser homem. Não terá a
“misericordiosa toalha amiga” que afaga os doentes bexigosos. Será arrastado como um
“cepo de madeira”. Seu dia será “comparado com um milênio” (de dor). E sua carne,
comida pelo corvo, terá “um sabor amargo”.
“Cala-se a voz”. Acaba o terceiro canto.
O eu, poeta peregrino, encolhido nesta funesta noite dos espectros e em
desespero, “puxa os cabelos”, “pare absurdos”; percebe aquela vida noturna que o olha
pedindo socorro; deseja “ir para o inferno”, na tentativa de regeneração de todo este
“mundo externo”; percebe a falha da gravidade, a morte d’“O Estado, a Associação, os
Municípios”, de toda a “teleologia (sem princípios)”.
Conseguimos.
É As cismas do destino extenso, cansativo, extenso, doloroso, extenso,
perturbador, extenso.
Agora, depois de sair perturbado desta leitura, me pergunto: que tanta
fantasia e loucura são essas que os críticos de Augusto dos Anjos dizem esbanjar esses
versos do poeta? Fantasias e loucuras de que? Ok, há muito sangue, há muito cuspe, há
muito escarro, há muita morte (e matada), há muito grito, há muita dor, há muito pedido
de socorro. Mas, fantasias e loucuras, de que? Bem verdade que não podemos cair nas
“armadilhas do poeta”, mas também não podemos fechá-lo na masmorra da
incompreensão e deixá-lo sozinho a cantar e gritar poemas como esse.
Porém, talvez seja melhor assim entender. Fantasias e loucuras.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino pela noite dos espectros. Fantasias e
loucuras do poeta que ouve, que observa e que sente esta vida de alma crepuscular da
população de vencidos da cidade, da “raça” fadada à desgraça e ao fracasso. Fantasias e
loucuras do poeta que não consegue distinguir suas fantasias e loucuras.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve os bramidos e berros
animalescos da massa disforme. Dos personagens da tragédia social. Dos martirizados e
vencidos. Da população doente do peito. De toda esta vida nula que lança desforra, que
grita um português cansado, que pede socorro, que pede voz.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que observa esqueletos e magrezas,
ladrões da noite, homens incestuosos. A excessividade do sangue. A vida que não
progrediu. O submundo comum, “pois quem não vê aí, em qualquer rua”, toda a lamúria
noturna duma cidade esquecida.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que sente em seu peito e na su’alma a
dor dos meninos sem pai morrendo de fome. A dor das pobres moças obrigadas, pelos
porcos, a se prostituir. A dor da população doente do peito a tossir sem remédio. A dor
desta tosse coletiva e hereditária.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve, observa e sente as dores
do mundo. As ilusões da natureza. Os últimos momentos. A sangueira dos massacres
diários. As tiranias e os genocídios diários. As opressões diárias. A escravidão diária de
homens livres. A vigília eterna de quem tem medo de ser abatido.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve, observa e sente as
tragédias coletivas e que, por causa do sentimento de covardia que o ataca e de remorso
que o consome, tenta agir e lutar. Repele a morte. Repele a injustiça diária. Impreca
contra a religião representada nas catedrais e assembleias mais ricas. Escarra. Cospe
pelo caminho. Escarra. Cospe contra os canalhas do mundo. Escarra. Acredita n’um
porvir libertário em que seriam ouvidas, observadas e sentidas todas as dores do
mundo. Acredita n’um porvir libertário em que os corpos que hoje sofrem rebentariam
em luz. Acredita n’um porvir libertário em que o mundo seria uma “morada equilibrada
e firme”.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve, observa e sente as
tragédias coletivas diárias. No entanto, nada pode fazer.
Poeta peregrino que ouve, observa e sente os gritos e anseios da população de
vencidos na noite dos espectros. No entanto, é consciente do seu fracasso, do fracasso de
todos. Do eterno atraso. Da eterna medonha marca. Do calar-se. Da palavra cansada e
insuficiente. Da eterna alma crepuscular. Da eterna dor.
Poeta peregrino que ouve e observa e sente somente, sem nada poder fazer,
aquela e esta canção da natureza exausta, aquela e esta elegia panteística do universo.
Fantasias e loucuras.
262
CAPÍTULO 8:
Os Doentes, e os espectros da Paraíba (do Norte)
Os doentes é o mais extenso dos poemas narrativos de Augusto dos Anjos, não
que isto queira dizer alguma coisa. Sua divulgação primeira data da edição organizada
pelo próprio Augusto, em 1912 (Eu), não se conhecendo, até hoje, publicação sua em
jornal ou revista. Os doentes é tão extenso e perturbador quanto As cismas do destino,
mas a diferença está justamente no “espaço” percorrido pelo poeta peregrino. Sigamos,
pois, antes que o ônibus passe; e, agora, só daqui a uma hora.
OS DOENTES503
II
III
IV
Hereditariedades politípicas
Punham na minha boca putrescível
Interjeições de abracadabra horrível
E os verbos indignados das Filípicas.
VI
VII
VIII
Os evolucionismos benfeitores
Que por entre os cadáveres caminham,
Iguais a irmãs de caridade, vinham
Com a podridão dar de comer às flores!
IX
Dividido em nove cantos, este poema também tem como peculiar a figura
dum poeta peregrino que perambula pela noite dos espectros. E, desta vez, a noite é a da
velha Paraíba (do Norte).
Digamos que o primeiro canto, apresentado em “soneto”, é o programa
temático deste longo poema. Nele, o poeta anuncia o ambiente a ser visitado: “a cidade
dos lázaros”, tal qual “metrópole vazia”. Ele ainda dá algumas informações que aparecem
e aparecerão detalhadas durante seu percurso: a inutilidade da “ciência fria”, incapaz de
273
compreender “as substâncias vivas” (quase mortas) que pedem socorro; o remorso e a
mágoa e a angústia por lembrar, ver e rever e sentir, claramente, a desgraça dos pedaços
de corpos (fígado doente e uma “garganta de órfã”) que lhe aparecem à frente; e sua
consciência de “alma crepuscular” fadada à desgraça, pois é ele, poeta peregrino, quem
diz sentir em seu corpo o resultado de tantas outras “raças [vencidas,] desaparecidas [,
extintas]” – pois sim, os “espectros” desta noite.
O ambiente, a cidade, e a errância por este ambiente, ainda se farão, pois o
poeta, neste primeiro canto, diz que apenas “pensava” na cidade vazia dos lázaros. E sua
definição de que “pisava na terra”, ao imaginar esta cidade e os espectros (que visitaria),
fornece esses sentidos de localização e movimento. Mais ainda porque diz que “ali”, ali,
na cidade dos lázaros, na urbe natal do desconsolo, é onde teria a sensação maior de
angústia e remorso, ou seja, “ali na cidade”, não “aqui na cidade”. Então, por enquanto, o
poeta não chegou propriamente à cidade dos lázaros, talvez, sim, esteja perto e consiga
vê-la a partir de um bom posicionamento.
Começa o segundo canto. Nele, o poeta detalha o ambiente já próximo, a
“urbe natal do Desconsolo”, onde terá de comer o último bolo preparado a partir das
podridões da natureza – ironicamente, preparado por Deus (aquela “mônada esquisita”).
Então, ele segue seu percurso pela noite “muito calma”, diferente do “vento” que
convulsiona tal qual um entoar/cantar mórbido.
Enquanto que no primeiro canto o poeta observa, minuciosamente, um
“fígado que sangra” e uma “garganta de órfã que geme”; neste segundo, ele ouve o “uivo
desenganado das cadelas / E o gemido dos homens bexigosos” e, mais detalhadamente,
observa um cachorro (em cima dum túmulo) pedindo “água e socorro / À comiseração
dos transeuntes” e a “queixada específica de um burro” caída aos pés da serra.
Interessante porque a imagem desta “serra” se deu por conta do uivo, pois o
poeta diz que este uivo “bruto, de errante rio, alto e hórrido” reboava, ecoava fortemente
bem ao longe, certamente até os pés da serra. Agora, seriam os uivos das cadelas, dos
homens bexigosos ou do cachorro que lhe pedia água e socorro? Talvez as imagens
tornem-se “mais claras” por conta da descrição que faz o poeta dum segundo momento
da paisagem geral. Então, prestemos atenção nas expressões “serra”, “errante rio” e
“homens bexigosos” (que também dão uivos, ou melhor, gemidos).
Após descrever que este uivo reboava e ecoava bem ao longe, após dizer que
neste longe (os pés da serra) ele, poeta peregrino, observava o resto de um corpo (a
274
queixada de um burro) morto, após descrever que este uivo estrondoso ecoava lá longe,
aos pés da serra, lá longe, pelo “errante rio”, o poeta começa a descrever um grandioso e
importantíssimo ponto histórico-geográfico e real da capital Paraíba – atualmente, João
Pessoa: o Rio Paraíba, rio que corta a capital do estado; rio de água “benigna, magnânima
e magnífica”; rio onde se banha e se lava e se beatifica a “Paraíba indígena”; rio em cujo
leito “a manga, a ameixa, a amêndoa, a abóbora, o álamo” e a “câmara odorífera dos
sumos” absorvem, diariamente, o “ubérrimo/[abundante] humus” que “Deus espalha”.
Não, o poeta peregrino não disse “chuva”. Disse apenas que “Deus espalha” o
abundante humus, a matéria orgânica no leito do rio. E, claro, a primeira “matéria
orgânica” deste humus é o próprio corpo orgânico do burro morto, ou, como descreve o
poeta, é este humus o “gordo adubo da agreste urtiga brava”.
Talvez, eu esteja sendo louco por estas imagens que seguem. Mas, sigamos.
Ao descrever o leito do Rio Paraíba, leito abundante de frutas e verduras e
rico em “matéria orgânica”, ao descrever que Deus é quem espalha este “ubérrimo
humus” no leito do rio – lembremos também: Deus prepara para o poeta o “último bolo”
feito com as podridões da natureza –, o poeta peregrino diz que o hidrogênio e o oxigênio
que este rio chora “pelo falecimento [dos seus filhos], que apenas ele, poeta, observador
desta noite dos espectros, é quem “compreende em quaisquer horas”. Isto mesmo, o
poeta compreende o choro do rio. Mas, por que este choro?
Entre as leituras feitas da poesia de Augusto dos Anjos, desde as primeiras
surgidas em jornais e revistas assim que foi lançado o Eu às mais atuais, não consigo
encontrar uma que mostre (a nós leitores) o detalhamento caleidoscópico (que todo
mundo sabe citar) do cenário narrado/(descrito) pelo poeta. Como dizem todos, nada
mais é do que uma série de fantasias e loucuras e o vai e vem entre paisagens, entre
tempos e com vários personagens. Isso, apenas isso.
Tudo bem. Mas aqui tento me fazer investigador.
Já no final do segundo canto, o poeta peregrino diz que compreende o choro
do Rio Paraíba, que chora por conta do falecimento dos “filhos”; o poeta peregrino diz
que compreende a “incógnita psiquê das massas mortas / Que dormem, como as ervas,
sobre as hortas, / Na esteira igualitária” do leito do Rio. E, durante estas compreensões,
ele descreve que o vento continua sem cansaço o seu “fantasmagórico galope”. E,
durante estas compreensões, ele descreve toda a paisagem que olha: “os campos
275
circunjacentes”, “os astros miúdos” do Céu que mais parecia “uma epiderme cheia de
sarampos” – eis uma imagem de “doença”.
Neste momento, começa o terceiro canto. Nele, descreve o poeta peregrino
que dormiam “embaixo, com a promíscua véstia” a “comunhão dos homens reunidos”
pela “camaradagem da moléstia”.
Bem, leito do Rio Paraíba cheio de “matéria orgânica”; Rio Paraíba que banha,
que lava, mas que também chora pelos “seus filhos”. E a pergunta: esses homens, que
estrofes antes o poeta já havia dito serem “bexigosos”, que vestem roupas promíscuas e
que se reúnem pela camaradagem da moléstia, estariam dormindo “embaixo” da onde?
O poeta peregrino descreve toda a paisagem “circunjacente”, os campos, as
serras, o leito do rio, o próprio “errante rio”. Mas, então, seria “embaixo”, ou melhor,
seria no leito do rio que esses homens estariam dormindo? Dormindo no leito do Rio
Paraíba? O poeta estaria se referindo ao leito do Rio Paraíba e aos homens doentes e
desgraçados que lá “embaixo” dormiam? Seria isso?
Talvez seja leviana impressão minha e sem nenhum embasamento “teórico-
metodológico” confiável. Simples divagações. E estas mesmas divagações deve ter tido o
poeta peregrino ao pensar que observava, ouvia e sentia aqueles homens de promíscua
véstia dormindo, em comunhão, reunidos “pela camaradagem da moléstia”; dormindo,
em comunhão, no leito do Rio Paraíba.
Mas, por que em um leito de rio? Só por que havia um ou outro que de lá fazia
sua morada? Só por isso? Só por que a “higiene do paraibano”, como noticiavam os
jornais do estado, na época, era precária? Bem verdade que o jornal de Orris Soares –
aquele mesmo, colega de Augusto –, O Norte, lá em janeiro de 1913, noticiava que
Os nossos patrícios, em regra, são rebeldes às medidas de higiene, e
zombam das multas, alegando que são pobres, e que essa história de higiene é...
uma história mesmo!
Caboclos há que moram quase dentro do mangue, e são trabalhadores,
fortes e lépidos. É a lógica tabaroa da ignorância, e não há propaganda de
higiene que possa com ele; é uma convicção quase religiosa, e combatê-la é
criar inimigos perigosos.504
mas, e então? Talvez sejam apenas fantasias e loucuras. Fantasias e loucuras do poeta
peregrino em passeio pela noite dos espectros. Imagina, caboclos trabalhadores
dormindo (quase) dentro do mangue... Fantasias e loucuras.
504 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.338, 16 jan. 1913, p. 1 (grifos meus).
276
Infelizmente, o texto do jornal citado vem assinado apenas com as iniciais “A.
de A.”. Não, não estou tentando levantar suspeitas em relação ao dono da assinatura, até
porque Augusto dos Anjos estava morando na capital da República, o Rio de Janeiro,
desde 1910. Apenas quero dizer que o texto em destaque vem assinado por alguém que
“denuncia” o precário saneamento da Paraíba, apontando alguns problemas antigos
pelos quais a capital passava, no quesito higiene. Certamente que Augusto, se estivesse
ainda morando no seu estado natal e se escrevesse um texto como este, nunca que
culparia os próprios trabalhadores e demais homens pobres por “sua ignorância”; está
claro, neste texto, que um dos principais motivos de tanta “sujeira” na cidade era
justamente por culpa da ignorância dos pobres em não quererem colaborar com as
campanhas de higienização propostas pelo governo – vale lembrar que em 1913 a
Paraíba era governada por Castro Pinto, sucessor de João Lopes Machado.
Mas, enfim, tudo isto não passa de fantasias e loucuras. Fantasias e loucuras
do poeta peregrino em passeio pela noite dos espectros. Não é porque o poeta observa os
homens desgraçados, “caboclos trabalhadores” dormindo dentro do mangue, dormindo
lá embaixo”, que isto ultrapassa o mundo das fantasias e loucuras.
E estas fantasias e loucuras ficam mais fantasiosas e loucas quando podemos
perceber que o “embaixo” pode trazer outra leitura.
Vamos lá: há o leito do rio onde dormem homens trabalhadores e doentes,
mas como esse poeta peregrino se movimenta intensamente, a noção do “leito” como
algo plano passa a ser substituída pela noção de que o poeta não mais está próximo dele,
próximo desse leito, porque, “agora”, ele observa esse leito de “cima”. Mas, como? –
lembrando, tudo não passa de fantasias e loucuras.
O grandioso e importantíssimo Rio Paraíba tem o “Rio Sanhauá” como o seu
principal afluente. O Rio Sanhauá é justamente o rio onde “começou toda a história do
estado da Paraíba”: foi nesse local onde, a 5 de agosto de 1585, os “bravos
conquistadores” portugueses resolveram construir a “Cidade de Nossa Senhora das
Neves” – hoje, claro, João Pessoa; portanto, desde o século XVI que suas margens
funcionavam como principal porto marítimo daquela “comunidade” que ia se formando,
o antigo “Porto do Varadouro”505. Vale lembrar que, em pleno 2020, este local é
505 WEB RÁDIO PORTO DO CAPIM. Onde começou a história da Paraíba. Disponível em:
http://radioportodocapim.com.br/porto-do-capim/. Acesso em: set. 2020.
277
NOITE DE UM VISIONÁRIO507
Uma pena não poder entender agora “essas formas que Deus lança / No
Cosmos” e que pedem ao poeta “um pedaço de língua” para realizarem sua “vingança”.
De qualquer maneira, sigamos com Os doentes.
Realmente essas referências entre a antiga Rua Direita e a Ponte do Rio
Sanhauá talvez não sejam mais que fantasias e loucuras. Até porque não é porque a
antiga (e falo antiga no sentido de arcaica mesmo) “ponte do Baralho” (Ponte Rio
Sanhauá) ficava próxima da Rua Direita que a referência passa a ser real. Realmente são
fantasias e loucuras.
Não é porque O Norte, ainda em 1913, publicava outro texto, desta vez como
editorial, sobre o deplorável estado de higiene púbica da capital, sobretudo nas margens
de suas antigas zonas portuárias, que isso seja verdade. Não é porque o impresso
demonstrava insatisfação com a situação precária da higiene da cidade, aconselhando ao
governo um projeto de saneamento para o mangue do Rio Sanhauá, com o aterro do
local e a construção dum parque arborizado, seguindo “o modelo nacional” e o “espírito
reformador da época”, que isso seja verdade. Não é porque
Inúmeras têm sido até hoje – inúmeras e improfícuas – as reclamações feitas
na imprensa, em ligeiras notícias, contra o estado deplorável e nojento em que
se encontra o longo trecho de mangue compreendido entre a capitania do
porto e a ponte Sanhauá, pela margem esquerda do rio deste nome.508
que isso seja verdade. Até porque o “problema” é de 1913 e, neste ano, Augusto dos
Anjos não mais estava morando na sua urbe natal do desconsolo.
Não, não. Certamente que entre 1908-1910, período em que Augusto dos
Anjos passa a residir, definitivamente, na capital da Paraíba (do Norte), esse problema já
era passado. Certamente que sim. Esse poeta peregrino de Os doentes devia estar tendo
fantasias e loucuras em suas fantasiosas e loucas noites dos espectros.
Não é porque que de Augusto dos Anjos temos o conhecimento de um soneto
chamado O pântano que isso tenha alguma relação. Primeiro porque o soneto,
infelizmente, não vem assinado com data alguma – culpa de quem organizou a segunda
edição, em 1920 –, segundo porque é muito fantasioso e louco:
O PÂNTANO510
509 O Publicador, n. 2.076, 30 ago. 1869, p. 2. O relatório ainda segue publicado nos números 2.069 (dia
21), 2.070 (dia 23), 2.072 (dia 25), 2.074 (dia 27), 2.075 (dia 28) e 2.077 (dia 31), todos do mês de agosto
e sempre em segunda página.
510 ANJOS, 1994, p. 314 (Outras poesias).
280
Pois sim, nada mais que fantasia e loucura. Essa “alma bruta” que dorme um
“sono bruto”, essa alma bruta que arde à espera de quem passa, “condenada a esperar
perpetuamente”, deve ser fantasia e loucura deste maldito poeta peregrino.
Enfim, (talvez) são essas “imagens tétricas” duma população de homens
reunidos pela camaradagem da moléstia, e dormindo “lá embaixo” no leito do rio, que
ferem a visão do poeta; são essas imagens que devem ferir seu “nervo óptico e a retina”.
E são essas imagens que fazem o poeta sentir o estado máximo da mágoa. O
poeta observa, ouve e sente: “O ruído de uma tosse hereditária” reboando (também em
tempos vindouros) em seus ouvidos; o “desespero das pessoas tísicas” consumindo seu
temperamento. O poeta, por sentir tanto remorso, deseja para si e para todos a felicidade
das lousas, dos “lajedos”, das pedras e rochas brutas, porque estas não sentem frio, não
recebem dores mesmo quando os cardos grandes (e espinhosos) roçam “seus corpos
brutos”; porque estas não bebem o “óleo dos bacalhaus” – peixes contaminados...
fantasias e loucuras; porque “estas não cospem sangue, estas não tossem”.
No entanto, segundo o poeta, nossa “alma crepuscular” nos faz descender
“dos macacos catarríneos”; para sempre cairemos doentes; para sempre passaremos a
vida “Com a boca junto de uma escarradeira, / Pintando o chão de coágulos
sanguíneos!”; para sempre sentiremos os “micróbios assanhados” passearem “Nas
cancerosidades do organismo!”; para sempre falaremos uma “linguagem rouca / Um
português cansado e incompreensível”; para sempre vomitaremos “o pulmão na noite
horrível / Em que se deita sangue pela boca!”; para sempre expulsaremos nossa
281
existência “Numa bacia autômata de barro”, vendo neste nosso escarro “o retrato da
própria consciência!”.
O poeta peregrino sente angústia infinda, opressão forte sobre o peito,
“respiração já muito fraca”. É como que o sentimento da “ponta de uma faca, / Cortando
as raízes do último vocábulo!”:
E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba
A erguer, como um cronômetro gigante,
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!511
maldito poeta peregrino que passeia, mas em remorsos, cheio de mágoas, ouvindo
sinistras vozes e vendo e sentindo as dores dos mártires destas cidades tristes –
INSÔNIA513
Maldito!
Maldito poeta!
Maldito poeta peregrino!
CONCLUSÃO
Não. Não dá para concluir. Conclusões são ilusões. Sim. É melhor ficar calado,
não ser, ser desacontecido. Ficar na canoinha de nada. Mas, como havia dito no
comecinho destas notas, nossa canoinha é condenada a ser âncora. Por isto, tentemos
concluir, mesmo que o lacunar seja visível; mesmo que, em vários momentos, muitas
coisas tenham que ser “deixadas pelo caminho”.
Ao longo destas notas, muito longe de querer provar qualquer coisa, as
“coisas” foram acontecendo. O objetivo único e exclusivo sempre foi o de compartilhar
fontes. Por estas fontes, por estas notas compartilhadas, percebemos “fatos novos”.
Percebemos que Augusto dos Anjos, por exemplo, já tinha “um nome” bem
antes do lançamento do seu livro de versos, o Eu, em 1912, na então capital da
República, o Rio de Janeiro. Entre os quase sessenta “títulos” de poemas que figuram na
bibliografia deste (“Augusto dos Anjos: poemas em jornais e revistas”), percebemos que
muitas de suas autorias eram publicadas em periódicos de tradição, e de várias capitais
do país, e certamente sem o poeta ter conhecimento.
Percebemos que aquelas notas/notícias literárias, as mesmas que noticiaram
o Eu, assim que publicado por Augusto dos Anjos, puderam proporcionar novas leituras,
novas perspectivas da sua poesia. A exemplo, os textos dos “libertários” Fábio Luz e José
Oiticica, publicados, respectivamente, na revista Brasil Moderno e no jornal A Época.
284
também merecem), para nós. Que nesta estrada dos esquecidos, quem sabe, possam
passar pão e água. Quem sabe, até uma sombra. Sim, de árvore. Apenas um alento:
[...]
Quando pela boca das trombetas, soar, ao longe, num Futuro distante, a hora
da morte das hierarquias intelectuais; quando o químico dos laboratórios
apertar fraternalmente as mãos escalavradas do jornaleiro agrícola que, para
matar a fome da prole miserável, deu as carnes do corpo em sacrifício, no
amanho escabroso da terra, durante cinquenta anos de trabalho anônimo, para
o qual as exposições modernas não forjam medalhas de triunfo; quando, enfim,
a mulher dos gineceus salomônicos, coberta de rosas esplêndidas, – bonito
leilão de artifícios –, atreita ao flirt da cortesia nobre, não trepidar em oferecer
o braço fidalgo, cheio de berloques finíssimos, à teceleira desprezada e honesta,
cuja coroa de virgem brilha mais do que um diamante, dentro da negra miséria,
então, os manes da altivez decaída talvez desenterrem do chão da Hebreia a lira
sepulcral do poeta profeta, e tocando-lhe as cordas rompam num soluço tão
profundo que faça estremecer o peito dos cadáveres, na tabescência imunda
das fibras decompostas!
A esse canto fatídico, virá, porém, unir-se um outro, de alegria forte, varando
o ar, numa larga escala estridente [...].
E, por toda parte, onde a acústica universal tiver aparelhos de repercussão e
a antífona vibrante do entusiasmo reunir corações emotivos, há de reboar, na
branda viagem das ondulações aéreas, eletrizando o frio das pedras, dando
nervos às próprias montanhas, a vibração inexorável, e gloriosamente álacre
desse Pean nivelador.
Aos primeiros clangores do canto igualitário, descerão, para sempre, ao
posto raso de embrulhos inúteis os títulos registrados de benemerência e as
cartas patentes de crédito científico; rojar-se-ão também na poeira obliteradora
as honras e os privilégios, e a Humanidade, assumindo feições idôneas de
pureza, realizará, sem embargo, o aperfeiçoamento da espécie, porque, nesse
tempo, já terão morrido os instintos da iniquidade humilhante, e o gênero
humano, sob a égide da conexão cosmopolita, não terá mais de revolver
monturos para mostrar escórias à face escandalosa do Sol.515
515 Ibid., p. 595-596. Crônica Paudarquense, publicada n’O Comércio paraibano, a “7-11-1905”.
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(1903-1914); Gazeta Literária (1883-1884). Direção e apresentação de José Honório
Rodrigues. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (coleção Temas Brasileiros, v.
16). Consultar Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:
<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=348449&pesq=&pagfis=1>.
Correio das Artes: suplemento literário de “A União”, João Pessoa (PB). Consultar:
<https://auniao.pb.gov.br/servicos/arquivo-digital/correio-das-artes>.
ANEXOS
ANEXO 1. NA Faculdade de Direito do Recife. In: MELO FILHO, Murilo; PONTES, Juca
(orgs.). Augusto dos Anjos: a saga de um poeta. Brasília: Fundação Banco do Brasil;
Rio de Janeiro: Gráfica Brasileira; João Pessoa: Gov. do Estado da Paraíba, 1994, p. 18.
323
ANEXO 3. ANJOS, Augusto dos. [Apocalypse] apud OITICICA, José. “Hermes Fontes”.
Revista Americana, Rio de Janeiro, n. 10-12, p. 195-195, out./dez. 1913. Bibliographia.
325
ANEXO 4. ANJOS, Augusto dos. As montanhas. A Imprensa, Rio de Janeiro, 10 dez. 1913.
Os Nossos Poetas, p. 2-2.
326
ANEXO 5. ANJOS, Augusto dos. A noite. A Faceira, Rio de Janeiro, ano 3, n. 28, p. 13-13,
dez. 1913.
327
ANEXO 6. ANJOS, Augusto dos. Versos a um coveiro. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1,
p. 44-44, 03 jan. 1914.
328
ANEXO 7. ANJOS, Augusto dos. Naturesa intima. O Pharol, Juiz de Fora, Minas Gerais, p.
2-2, 20 mai. 1915.
329
ANEXO 8. ANJOS, Augusto dos. Minha arvore. Heliopolis, Recife, ano 3, n. 1-3, p. 34-34,
abr./out. 1915.