Você está na página 1de 329

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Estudos da Linguagem

CLECIEL DA FONSECA LIMA

EU,
Eles e Nós:
notas sobre Augusto dos Anjos

CAMPINAS,
2020
CLECIEL DA FONSECA LIMA

EU,
Eles e Nós:
notas sobre Augusto dos Anjos

Dissertação apresentada ao Instituto de Estudos da


Linguagem da Universidade Estadual de Campinas
como parte dos requisitos exigidos para a obtenção
do título de Mestre em Teoria e História Literária,
na área de História e Historiografia Literária.

Orientador: Prof. Dr. Francisco Foot Hardman


Coorientadora: Profa. Dra. Daniela Birman

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL


DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA POR CLECIEL DA FONSECA LIMA
E ORIENTADA PELO PROF. DR. FRANCISCO FOOT HARDMAN.

CAMPINAS,
2020
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Leandro dos Santos Nascimento - CRB 8/8343

Lima, Cleciel da Fonseca, 1993-


L628e LimEU, Eles e Nós : notas sobre Augusto dos Anjos / Cleciel da Fonseca Lima.
– Campinas, SP : [s.n.], 2020.

LimOrientador: Francisco Foot Hardman.


LimCoorientador: Daniela Birman.
LimDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

Lim1. Anjos, Augusto dos, 1884-1914. Eu - Crítica e interpretação. 2. Notas


biográficas e bibliográficas. 3. República brasileira. I. Hardman, Francisco Foot.
II. Birman, Daniela. III. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de
Estudos da Linguagem. IV. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: EU, Them and Us : notes about Augusto dos Anjos
Palavras-chave em inglês:
Anjos, Augusto dos, 1884-1914. Eu - Criticism and interpretation
Biographical and bibliographic notes
Brazilian republic
Área de concentração: História e Historiografia Literária
Titulação: Mestre em Teoria e História Literária
Banca examinadora:
Francisco Foot Hardman [Orientador]
Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda
Nefatalin Gonçalves Neto
Daniela Birman
Mário Augusto Medeiros da Silva
Data de defesa: 09-11-2020
Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)


- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-9040-3529
- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/6784818393478552

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


BANCA EXAMINADORA:

Francisco Foot Hardman

Maria Olívia Garcia Ribeiro de Arruda

Nefatalin Gonçalves Neto

IEL/UNICAMP
2020

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no


SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria de Pós Graduação do IEL.
AGRADECIMENTOS

Moderado nas palavras, para não produzir o contrário do proposto, agradeço:


Ao orientador desta pesquisa. Sempre instigador da liberdade, sempre firme
no percurso. Leitor augusto, também. Professor Francisco Foot Hardman, obrigado.
Aos digníssimos professores que aceitaram compor esta banca de avaliação
“final”: professora Maria Olívia Garcia, leitora atenta de Augusto dos Anjos; professor
Nefatalin Gonçalves, meu primeiro orientador acadêmico; professora Daniela Birman,
minha também orientadora; professor Mário Augusto Medeiros, sempre firme na luta.
Assim como aos professores Alcir Pécora e Marcos Aparecido Lopes, cujas orientações
“iniciais” foram mais que úteis. Obrigado, professores.
A todos os professores, humanistas.
A todos os funcionários, todos mesmo, das bibliotecas e acervos consultados.
Da Biblioteca Antônio Candido, do Instituto de Estudos da Linguagem (Unicamp); da
Biblioteca Octávio Ianni e do Arquivo Edgard Leuenroth, do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas (Unicamp). Da Biblioteca Gonçalo Moniz, da Faculdade de Medicina
da Bahia (Universidade Federal da Bahia). Do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano,
de João Pessoa (PB). Da Biblioteca Ricardo Ferraz de Arruda Pinto, de Piracicaba (SP).
Obrigado pela atenção prestada.
A todos os funcionários da Coordenaria de Pós-Graduação do Instituto de
Estudos da Linguagem. Obrigado por tudo, obrigado mesmo.
Ao Programa de Estágio Docente (PED) do Instituto de Estudos da
Linguagem. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).
Sim, pelos auxílios, pela bolsa. Mais que importantíssimos. Pelo livro, pelo pão.
A todos que, direta e indiretamente, estendem as mãos. Verdade, isto se faz
de várias maneiras. Quando menos esperamos.
E, principalmente, aos meus de sangue, sempre aqui. Minha querida mãe,
Cícera Fonseca. Meu querido pai, Antônio Batista. Inspirações diárias, e pra vida.

***
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.
RESUMO

As entrelinhas são importantes. Mas as “notas” também. A partir das notas, este trabalho
se tornou possível. A partir das notas, temos estes objetivos: divulgar novas fontes
biográficas e bibliográficas de Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos – ou somente
Augusto dos Anjos; entender o impacto que o poeta, ao lançar seu único livro, sua única
obra, Eu (1912), causou na então capital federal, o Rio de Janeiro, centro da “República
(Brasileira) das letras”; e compreender sua poesia a partir de leituras pontuais acerca do
“poeta peregrino”, que passeia pela “noite dos espectros”. Resgatando e divulgando
essas fontes biográficas e bibliográficas, muitas delas desconhecidas, é possível entender
a dimensão do nome Augusto dos Anjos nos meios intelectuais da época, na imprensa da
época; é possível encontrar poemas seus publicados em vários jornais e revistas de
várias capitais do Brasil, antes mesmo de sua “estreia” em 1912; é possível encontrar
publicações suas, ou pelo menos as fontes dessas publicações, até hoje inéditas; é
possível entender quão “ruidosa, barulhenta e escandalosa” foi sua estreia, ao lançar o
famoso livro de versos, o Eu. Tendo como suporte teórico ensaios dos professores,
sociólogos e críticos literários Fernando de Azevedo (1962) e Francisco Foot Hardman
(2009), é possível ler e assim interpretar a “poesia” do poeta de Pau d’Arco: uma poesia
mais que preocupada com os “problemas sociais”; uma poesia na qual se ouve uma voz
(e outras vozes) e se percebe o caminhar, a peregrinação do poeta (“feto malsão”) pelas
estradas e vielas e ruas e avenidas da República, poeta que vê e ouve (nesse caminhar) a
“alma crepuscular” agonizante na grande noite brasileira.

Palavras-chave: Augusto dos Anjos. Notas biográficas e bibliográficas. Poeta peregrino.


República Brasileira. Noite dos espectros.
ABSTRACT

The “entrelinhas” are important. But the "notes" too. From the notes, this research
became possible. From the notes, we have these objectives: disseminate new
biographical and bibliographic sources of Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos – or
only Augusto dos Anjos; understand the impact who the poet, when he published his
book, Eu (1912), caused at that time federal capital, the Rio de Janeiro, center of the
“(Brazilian) Republic of letters”; and understand his poetry from specific readings about
the “walking poet” who walks through the “night of the phantoms”. Studying and
disseminating these biographical and bibliographic sources, many which unpublished,
it’s possible to understand the dimension of the name Augusto dos Anjos in the
intellectuality of his time, in the journalism of his time; it’s possible to discover poems
his published in several newspapers and magazines in several capitals of Brazil, before
his “debut” in 1912; it’s possible to discover poems his, or at least the sources those
poems, still today unpublished; it’s possible to understand how his “debut” was “noisy
and scandalous”, when he launched his the famous book, the Eu. Having as theoretical
support the essays of teachers, sociologists and literary critics Fernando de Azevedo
(1962) and Francisco Foot Hardman (2009), it’s possible to read and thus interpret the
“poetry” of the poet of Pau d’Arco: a poetry interested by the “social problems”; a poetry
in which we listening a voice (and many voices), in which we perceive the to walk of
poet (“morbid fetus”) through roads and alley and streets of the Republic, poet who sees
and listens the “twilight soul” that agonizes in the perpetual brazilian night.

Key-words: Augusto dos Anjos. Biographical and bibliographic notes. Walking poet.
Brazilian Republic. Night of the phantoms.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................................................09
Pra começo de conversa, o trabalho de notas....................................................................10

PARTE I: O ERRANTE....................................................................................................................................17
CAPÍTULO 1: No engenho Pau d’Arco..........................................................................................18
CAPÍTULO 2: Na Faculdade de Direito do Recife.....................................................................39
CAPÍTULO 3: Na Paraíba (do Norte).............................................................................................66
CAPÍTULO 4: Na capital da República.......................................................................................111
4.1.: Notícias literárias do “Eu”................................................................................................137
4.2.: Notas apensas, não menos importantes....................................................................193

PARTE II: VISÕES DO ERRANTE...........................................................................................................201


A romaria eterna dos aflitos, das coletividades que dão gritos............................201
CAPÍTULO 5: Monólogo de uma Sombra, e as desgraças da alma crepuscular........221
CAPÍTULO 6: História de um Vencido, e as tragédias do Pau d’Arco.............................230
CAPÍTULO 7: As Cismas do Destino, e os espectros do Recife..........................................242
CAPÍTULO 8: Os Doentes, e os espectros da Paraíba (do Norte)....................................262

CONCLUSÃO....................................................................................................................................................283

BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................................................286

ANEXOS..............................................................................................................................................................322
9

INTRODUÇÃO

[...] O triste do homem, lá, decretado, embargando-se de


poder falar algumas suas palavras. Ao sofrer o assim das
coisas, ele, no oco sem beiras, debaixo do peso, sem queixa,
exemploso. E lhe falaram: – “O mundo está dessa forma...”
Todos, no arregalado respeito, tinham as vistas neblinadas.
De repente, todos gostavam demais de Sorôco.
Ele se sacudiu, de um jeito arrebentado, desacontecido,
e virou, pra ir-s’embora. Estava voltando para casa, como se
estivesse indo para longe, fora de conta.
Mas, parou. Em tanto que se esquisitou, parecia que ia
perder o de si, parar de ser. Assim num excesso de espírito,
fora de sentido. E foi o que não se podia prevenir: quem ia
fazer siso naquilo? Num rompido – ele começou a cantar,
alteado, forte, mas sozinho para si – e era a cantiga, mesma,
de desatino, que as duas tanto tinham cantado. Cantava
continuando.
A gente se esfriou, se afundou – um instantâneo. A
gente... E foi sem combinação, nem ninguém entendia o que
se fizesse: todos, de uma vez, de dó do Sorôco, principiaram
também a acompanhar aquele canto sem razão. E com as
vozes tão altas! Todos caminhando, com ele, Sorocô, e canta
que cantando, atrás dele, os mais de detrás quase que
corriam, ninguém deixasse de cantar. Foi o de não sair mais
da memória. Foi um caso sem comparação.
A gente estava levando agora o Sorôco para a casa dele,
de verdade. A gente, com ele, ia até aonde que ia aquela
cantiga.

(Sorôco, sua mãe, sua filha, de Guimarães Rosa,


in Primeiras Estórias)

Brasil, estrada dos esquecidos.


Estamos em tempos difíceis. Na verdade, nunca saímos. E não nos deixam
sair. É o martírio eterno das criaturas.
Pão que falta; bala que sobre! Água que falta; sangue que jorre! Camisa que
falta; mortalha que cobre. Perdão, não há linearidade. É impossível. Falta comida, falta
trabalho, falta comida, falta saúde, falta comida, falta escola, falta comida, falta casa, falta
comida, falta tempo, falta comida. Sobram aflitos, derrotados, vencidos, desgraçados.
Até agora chove, caixão. Em poucos meses, mais de 186 mil... E a conta não
para. Nada de Washington, porque nós, nós mesmos, nós é que fabricamos adubo.
10

E, não! Não estamos no mesmo barco! Nem há barco. Há somente uma


canoinha de nada. À deriva. Condenada a ser âncora. E nós, embargados, arrebentados,
decretados, desacontecidos. Nós, perdidos de nós mesmos.
Então, o jeito é sentir, e cantar. O jeito é seguir pela noite dos espectros
(reais). Acompanhá-los nesta estrada sem fim.
O jeito é cantarmos, calados, esta canção do desatino, esta canção da
“natureza exausta”. Cantarmos, calados, até lá, bem longe, até lá.

Pra começo de conversa, o trabalho de notas

Grande parte destas notas surgiu à noite. Porque a noite acalma. Porque a
noite aclara. Porque a noite acorda. Pelo menos nos acorda e nos mostra e nos faz ouvir
aquele “ruído obscuro de gagueira” oriundo “da vibração bruta da corda / Mais
recôndita da alma brasileira” – assim como diz o poeta peregrino do poema Os doentes –,
dormindo embaixo de vinte centímetros de uma fachada de loja em uma fria noite de
chuva. Verdade, a solução é não tentar ver nem ouvir. Errado fui eu.
Mas, para ser sincero, elas estão incompletas. Pois sempre surge um fato
novo. Pois sempre surge o embargo, também.
De qualquer maneira, elas não objetivam apontar limitações de ou alinhos a
serem feitos em trabalho de pesquisa de ninguém, até porque “Tenho consciência de que
nada sou”1. Na verdade, estas notas apresentam dois objetivos principais.
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos, poeta paraibano, dono de uma
única obra, o Eu, livro de versos publicado em 1912 na então capital do Brasil, o Rio de
Janeiro, é um dos poetas brasileiros mais lidos e mais “badalados” de todos os tempos,
pelo menos “atualmente”. Pode pesquisar agora que seu nome lá estará em revistinha ou
jornalzinho ou bloguinho – sim, sem pejoração –, de letras e artes e filosofismos, ou
como os 10 ou 15 poetas mais lidos, mais importantes do Brasil, ou como os 10 ou 15
poetas que não se pode deixar de ler antes de morrer. Pode pesquisar agora que seu
nome lá estará, e a ele serão atribuídos epítetos como “poeta do feio, do sangue, do
escarro, do horror, do repulsivo, da dor, da morte” e tantas outras insignificâncias.

1 ANJOS, A. dos. Vozes de um túmulo. In: _____. Obra completa: Augusto dos Anjos. Organização, fixação de
texto, notas e pesquisa de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 259.
11

No entanto, creio que esse tipo de “fonte”/informação em nada ajuda a


entender a “complexa (e real) poesia” de Augusto dos Anjos. Essas mesmas fontes estão
restritas a divulgar alguns dos mesmos equívocos e desinformações publicados ao longo
de mais de um século. Equívocos e desinformações pelos quais passou e passa Augusto
dos Anjos no que tange à sua biografia e, de modo geral, à sua literatura.
Mais lastimoso é que todas essas “confusões” são divulgadas e entendidas
como verdades: não à toa que passei boa parte do “ensino básico” sem ter a certeza de
onde o poeta nascera, se era ele paraibano, pernambucano, fluminense ou leopoldinense
(de Minas Gerais) – pois é, achava que não faria diferença, mas faz; não à toa que ainda
hoje são confundidas as datas de nascimento e falecimento do poeta, equívocos que
podemos encontrar, por exemplo, desde o famoso (prefácio) “Elogio de Augusto dos
Anjos”, de Orris Soares (1920), que afirma 1913 como ano da morte de seu
“desventurado amigo” – pois é, achava que não faria diferença, mas faz; não à toa que ao
homem Augusto foram e são atribuídas doenças (a maldita tuberculose); não à toa que
ao poeta Augusto, mais especificamente à sua poesia, foram e são atribuídas
interpretações e leituras, no mínimo, divergentes quanto aos “fatos”.
Pensando nisso, já podemos dizer que a proposta inicial da feitura destas
notas é compartilhar algumas fontes outras, principalmente oriundas de jornais e
revistas sérios, como ensaios, artigos, crônicas e “notas”. E este primeiro objetivo não se
faz por acaso: em plena pandemia, entre barreiras sociais que já são muitas sem
pandemia, não dá para usar, exclusivamente, materiais livrescos tão caros.
Não estou dizendo que não se devem adquirir os materiais. Muito pelo
contrário. As biografias de Augusto dos Anjos, por exemplo, surgidas a partir da década
de 1940, são bastante elucidativas, são fundamentais; e o mesmo podemos dizer da
imensa quantidade de trabalhos (de fôlego) interpretativos da obra do poeta. Não à toa
que eles são os que mais orientam este trabalho de notas.
O problema é justamente o “acesso”. Imagine só, nas pandemias diárias da
vida, aquela raridade de obra, raridade de fonte, raridade de livro; porém, lá sozinho, lá
fechado, lá restrito. Imagine só, nas pandemias diárias da vida, aquela raridade de obra,
raridade de fonte, raridade de livro pedindo para ser comprado nas estantes da vida;
porém, caríssimo.
Mais lastimoso é que ainda podemos encontrar, em alguns desses materiais,
muitos ataques, alguns lançados ironicamente, outros, abertamente, trocados entre
12

alguns célebres leitores (biógrafos e demais “críticos”) da poesia de Augusto dos Anjos.
Incrível como se odeiam – basta ler as biografias augustianas mais “conhecidas”.
Sem falar das inúmeras crônicas e demais textos publicados em jornais e
revistas, cujos assuntos são “os ossos, os restos de Augusto dos Anjos”, o “banimento” do
poeta de sua terra natal, a Paraíba (do Norte). Há muitos textos de ataque e contra-
ataque entre jornalistas e literatos “pernambucanos versus paraibanos” que focalizam
esse “assunto”; textos surgidos, principalmente, a partir da década de 1940.
Não, até que isso poderia ser levantado como discussão, mas em nada
ajudaria – só para não esquecer, logo no início desta pesquisa, essas notícias polêmicas e
de vil ataque entre jornalistas e literatos figuraram, mas achei melhor (por enquanto)
descartá-las. Verdade seja dita: o nome “Augusto dos Anjos” continua gerando audiência.
O mais intrigante é que em pleno 2020, em plena época de pandemia, ainda
podemos “localizar”, depois de longas pesquisas, boa quantidade de ensaios, artigos,
crônicas, notas e demais textos (desde biográficos de a interpretativos da obra de
Augusto) até então “desconhecidos”. O mais surpreendente é que também podemos
“localizar” fontes originais de publicação de alguns poemas seus. Isto mesmo, ainda há
“fonte original” de poemas de Augusto dos Anjos não divulgada até hoje.
E foi pensando naqueles equívocos e desinformações, naquelas fontes
“clássicas” e quase restritas (por enquanto), naquelas polêmicas e desinformações e,
mais ainda, pensando nestas fontes alternativas (ensaios, artigos, crônicas, notas), aqui
amplamente divulgadas, que surgiu a ideia de fazer um trabalho de notas.
A partir da leitura destes ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos, é
possível encontrar algumas informações “extras” da vida e da obra de Augusto dos
Anjos. Portanto, eis o segundo objetivo: tentar fazer outras leituras, se não diferentes, ao
menos que sigam por caminhos alternativos.
A partir da leitura destes ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos, é
possível compreender, por exemplo, quão agitada e “turbulenta” era a imprensa
paraibana da qual Augusto fazia parte; é possível compreender a importância de alguns
projetos inovadores na área da educação dos quais Augusto fez parte, mesmo que não
tenham dado certo – sua coordenação (em parceria com o amigo Abel da Silva) do
Instituto Maciel Pinheiro (Paraíba) e sua participação (como membro) na Enciclopédia
Nacional do Ensino (Rio de Janeiro); é possível compreender que o nome “Augusto dos
Anjos” era notícia muito antes de ele possuir o nome “poeta Augusto dos Anjos”, e a
13

prova disto é a quantidade de poemas seus publicados em vários jornais de várias


capitais do país muito antes do lançamento do Eu em 1912.
A partir da leitura destes ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos, é
possível compreender que o poeta, depois de publicar seu livro de versos em 1912, na
então capital federal, o Rio de Janeiro, não foi “esquecido” como o dizem. Pelo contrário,
Augusto dos Anjos causou “ruído, barulho, agitação, tumulto, escândalo” nas letras e
artes e jornalecos da República das letras e artes e jornalecos. Não diríamos que o poeta
foi esquecido, diríamos que foi “ocultado”, diríamos que tentaram apagar “seu brilho” e
lhe atribuir as piores características possíveis, como fazem há mais de um século.
E não é apenas a partir da leitura destes ensaios, artigos, crônicas, notas e
demais textos que é possível compreender algumas “informações extras” relacionadas à
vida e à obra de Augusto dos Anjos. As correspondências que o poeta trocava com sua
mãe, Dona Córdula, sempre quando ausente de “casa”, também nos fornecem
alternativas de leitura. As missivas assinadas pelo poeta, quando morando no Rio de
Janeiro, por exemplo, em vários momentos funcionam como verdadeiras “crônicas”.

E para não seguir pelo mesmo caminho de desinformação e ocultação e


apagamento – malditos que nos batem –, sigamos. Sigamos e definamos, ou melhor,
indiquemos as divisões, os momentos deste trabalho de notas, assim como cada uma de
suas “funções” e/ou “objetivos”.
A primeira parte do trabalho, “O Errante”, objetiva tão somente divulgar os
ensaios, artigos, crônicas, notas; as fontes alternativas que podem auxiliar nas leituras
da biografia de Augusto dos Anjos. Detalhe: não se trata de uma biografia, mas, sim, da
divulgação de algumas notas, de alguns dados biográficos que podem contribuir para
uma pesquisa biográfica mais “completa e (também) atualizada” de Augusto. Outro
detalhe: as notas que seguem, no entanto, são auxiliadas pelas biografias já conhecidas
de Augusto – sim, não disse que não as utilizaria, disse apenas que... já disse.
Este primeiro momento está dividido em quatro capítulos: “1: No engenho
Pau d’Arco”, em que assinalo fatos e levanto notas do local onde nasceu e onde viveu
Augusto dos Anjos durante a maior parte de sua vida; “2: “Na Faculdade de Direito do
Recife”, em que assinalo fatos e levanto notas do período em que Augusto se ausentou de
sua terra a fim de se bacharelar em Ciências Jurídicas na Faculdade do Recife, entre
1903-1907; “3: Na Paraíba (do Norte)”, em que assinalo fatos e levanto notas da capital
14

onde, a partir de 1908, o poeta, já formado, passaria a morar “oficialmente”, tendo que
dar aulas particulares em sua residência para garantir seu sustento; e “4: Na capital da
República”, em que assinalo fatos e levanto notas do período em que Augusto residiu no
Rio de Janeiro, entre 1910-1914 – vale destacar que as notas limitam-se até o final de
1913, até as notícias literárias surgidas após o lançamento do Eu.
Como subtópicos deste (último) capítulo, temos: “4.1.: Notícias literárias do
“Eu””, cujo objetivo é fazer a divulgação deste material (notícias literárias) e um rápido
“estudo” das notícias publicadas pelos professores e escritores “libertários” Fábio Luz e
José Oiticica; e “4.2.: Notas apensas, não menos importantes”, cujo objetivo é registrar as
informações relacionadas à “fonte original” de seis poemas de Augusto dos Anjos, assim
como registrar a participação que teve o poeta em uma revista cultural surgida no Rio de
Janeiro, em 1914, chamada “Revista do Norte”.
O segundo momento deste trabalho de notas, “Visões do Errante”, tenta ser
mais “literário”, através de uma “análise” de quatro poemas de Augusto.
Partindo das leituras dos ensaios “O poeta itinerante”, do professor e
sociólogo Antônio Candido (1993), “A poesia social no Brasil”, do professor e sociólogo
Fernando de Azevedo (1962) e, sobretudo, “Espectros da nação: figuras deslocadas
entre saudades e soledades”, do professor e historiador Francisco Foot Hardman (2009),
temos uma espécie de introdução deste segundo momento: “A romaria eterna dos aflitos,
das coletividades que dão gritos”.
Entendendo a poesia em sua “[configuração/] função dinâmica e de marcha”
– primeiro ensaio; a poesia e seu vínculo com os “problemas sociais” – segundo ensaio; a
poesia/literatura e seu constante estrepitar de vozes denunciantes do apagamento de
paisagens, locais, povos, culturas, tempos e fixadas no “deslocamento geográfico e
histórico” e, por isto mesmo, narradoras da única coisa que “sobrou” e que assombra, ou
seja, os espectros (reais) – terceiro ensaio –, podemos adentrar a leitura dos capítulos: “5:
Monólogo de uma Sombra, e as desgraças da alma crepuscular”; “6: História de um
Vencido, e as tragédias do Pau d’Arco”; “7: As Cismas do Destino, e os espectros do Recife”;
e “8: Os Doentes, e os espectros da Paraíba (do Norte)”.
Esses quatro capítulos, do segundo momento, são, portanto, uma tentativa de
análise de quatro poemas narrativos (ou “longos”) de Augusto dos Anjos, já indicados
nos próprios títulos. E as leituras/análises propostas, vale pontuar, e antecipadamente
reforçar, são apoiadas nas reflexões dos ensaios dantes citados. E as leituras/análises
15

propostas, em alguns momentos, são apoiadas em fatos e passagens e personagens


presentes na vida de Augusto dos Anjos. Por essas leituras/análises, por exemplo,
podemos ler fatos e passagens e personagens do engenho Pau d’Arco, das noites do
Recife, das noites da Paraíba (do Norte), locais – assim como o Rio de Janeiro e a cidade
mineira de Leopoldina –, onde o poeta residiu e “viveu experiências”.
Recapitulando: enquanto que no primeiro momento há a divulgação de
inúmeras fontes biográficas e bibliográficas de Augusto dos Anjos, algumas delas
inéditas, algumas delas “originais”, e muitas localizadas em jornais e revistas; no
segundo momento há uma (tentativa de) minuciosa leitura e interpretação de quatro
autorias de Augusto dos Anjos, leitura essa também possibilitada e ajudada pelo resgate
das fontes biográficas e bibliográficas do primeiro momento.

Bem, a “Conclusão”.
Para ser sincero, ela não conclui nada. Como, se nem ao menos começamos?!
Destacaria, por ora, a “Bibliografia”, porque ela registra as fontes completas
dos ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos citados e reproduzidos ao longo
deste trabalho de notas; porque ela registra, detalhadamente, informações tanto
biográficas de quanto interpretativas da obra de Augusto dos Anjos; porque ela registra,
detalhadamente, informações fundamentais e secundárias; porque, principalmente, ela
registra algumas fontes “esquecidas”.
Destacaria, também, por ora, os “Anexos”, porque eles trazem seis “fontes
originais”, ou seja, números de jornais e revistas nos quais foram divulgados, pelo
próprio Augusto dos Anjos, seis poemas. São fontes até então “desconhecidas”.
Por fim, também alertaria o e justificaria ao leitor destas notas sobre um
“possível” incômodo verificável ao longo deste: a mescla de vozes entre o “eu-nós”.
Não, não ache que é falta de atenção. Volte uma, duas, três vezes ao título:
“EU, Eles e Nós: notas sobre Augusto dos Anjos”.
Veja que o “eu” está em maiúscula e em itálico; por isso, se refere ao livro de
versos publicado por Augusto dos Anjos. Veja, também, que o “eu” em maiúscula e em
itálico proporciona, como grande obra literária que é, profunda percepção e experiência
individual e, por isto mesmo, como leitor “dela”, assumo estas “leituras”, assumo os
possíveis e os visíveis lacunares deste “percurso”. Veja, ainda, que o “nós”, iniciado por
maiúscula, simboliza, depois dessa primeira percepção e experiência individual de
16

leitura, uma coletividade, como se todos nós leitores chegássemos ao estado do “também
vi e ouvi e senti e passei por isso”.
Veja, então, que o “eu” pretende mostrar possíveis caminhos, entre
esperanças e desesperanças. Veja, então, que o “nós” sintetiza o “estamos no mesmo
barco”; o “estamos na mesma canoinha de nada”.
“Eles”. Pela leitura, atenta, creio e cremos que ficará entendível quem são.
Ademais, sinalizaria, já para facilitar a leitura deste trabalho de notas, alguns
dos “procedimentos” aqui adotados: no corpo do texto e nas suas notas explicativas,
todas as reproduções, citações, referências, estão atualizadas conforme o “Novo acordo
ortográfico da Língua Portuguesa” (2009), tanto na transcrição dos nomes das(os)
autoras(es), dos jornais e revistas utilizados e das seções e colunas desses impressos
como na transcrição dos títulos de todos os textos consultados; na “Bibliografia”, por
outro lado, seguem sem nenhuma alteração ou atualização os nomes dos jornais e
revistas utilizados, das seções e colunas desses impressos e, principalmente, os títulos
de todos os textos consultados (até mesmo os localizados em livros mais “antigos” e
raros), ou seja, eles seguem a escrita “original” neste momento, com o intuito de
preservar a “originalidade” da fonte.
Ademais, peço a paciência dos leitores destas notas para com a incessante e
reiterada repetição do nome “Augusto dos Anjos”.

Nada mais para assinalar, sigamos, pois, com esta canção do desatino.
Sigamos, pois, antes que sejamos abatidos. Sigamos, pois, com o trabalho de notas.
17

PARTE I:
O ERRANTE

Ao longo de décadas, à biografia de Augusto dos Anjos foram e são dedicadas


inúmeras pesquisas. Notas biográficas (em jornais e revistas, em edições livrescas de
antologias e histórias literárias e até em acervos on-line), bibliografias, biobibliografias,
pesquisas acadêmicas na área das letras; algumas incluindo a recuperação e reprodução
de documentos pessoais (cartas), de uma e outra fotografia e de textos em verso
(poemas publicados em jornais e revistas) e em prosa (crônicas publicadas em jornais)
assinados pelo poeta. Todas querem isto: apresentar aos leitores “vida e obra” de um
dos maiores poetas da língua portuguesa: Augusto dos Anjos.
No meio de tantas, jamais poderemos negar a fundamental importância
daquelas “pioneiras e mais conhecidas”, que buscaram e divulgaram valiosíssimos dados
biográficos do poeta de Pau d’Arco, daquelas (de maior fôlego) empreitadas por
Demócrito de Castro e Silva (1944; 1984), Humberto Nóbrega (1962), Francisco de Assis
Barbosa (1965), Ademar Vidal (1967), Raimundo Magalhães Júnior (1977), sem as quais
dúvidas não poderiam ser sanadas.
Não obstante, ainda podemos “complementar” esta seara a partir da leitura
de inúmeros ensaios, artigos, crônicas, notas e demais textos, ou publicados em jornais e
revistas, ou lá esquecidos como “ensaios isolados” em livros esquecidos.
O intuito deste primeiro momento é, pois, registrar e compartilhar essas
fontes por vezes esquecidas (e entendidas como secundárias). Algumas são acessíveis.
Outras, “terceirizadas”. Mas, todas, extremamente úteis.
18

CAPÍTULO 1:
No engenho Pau d’Arco

Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos nasceu a 20 de abril de 1884 no já


falecido engenho de açúcar Pau d’Arco, dantes pertencente à vila de Cruz do Espírito
Santo, estado da Paraíba. O professor e médico Adauto Ramos resume que o engenho,
também conhecido por engenho Bom Fim,
[...] estava situado à margem do Rio Una, afluente da margem esquerda do Rio
Paraíba; pertencia à paróquia de Nossa Senhora Rainha dos Anjos, do Taipu, e
suas terras estavam encravadas no município de Pedras de Fogo, província da
Paraíba do Norte, passando depois ao município de Cruz do Espírito Santo e,
atualmente, ao município de Sapé.2

Por conta de um e outro desvio em relação às fontes, as localizações tornam-


se confusas para quem deseja conhecer o percurso daquele que também “andou pelos
matos”. Mas aí está bem resumido o local onde nasceu e cresceu o poeta, nas hoje ruínas
do engenho Pau d’Arco, mais atualmente ruínas da Usina Santa Helena, município de
Sapé3. Uma nota interessante é que o município Cruz do Espírito Santo também tem o
poeta como um de seus “filhos ilustres”4.
O Pau d’Arco pertencia à família materna de Augusto, os “Fernandes de
Carvalho”, assim como o engenho Coité, também localizado na várzea/brejo paraibano, e
outras propriedades localizadas na capital. Fazia parte da casa-grande, tão qual a
capelinha Senhor do Bom Fim onde, em 1885, fora batizado o pequeno Augusto – e por
isto mesmo também era chamado “engenho Bom Fim”, não que fosse outro engenho
(assim como nos fazem pensar), mas o mesmo Pau d’Arco conhecido por aquele nome.
Triângulo clássico que registrou e registra a formação social (apenas
nordestina?) brasileira – benditas alegorias. Forma que foi “quebrando as linhas virgens
da paisagem, tão cheia de curvas às margens dos rios, mesmo quando povoadas de tabas
de caboclos”; forma que foi “introduzindo, nessa paisagem desordenada, aqueles traços

2 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), n. 33, jul. 2000, p. 156.
3 Para mais informações sobre a história político-administrativa da porta do brejo paraibano, consultar as
didáticas monografias municipais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): Sapé [Paraíba]
– referência completa na bibliografia.
4 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), n. 29, mai. 1996, p. 143. Outro texto do

professor Adauto Ramos.


19

novos de ordem e de regularidade”5. Para quem prefere: forma que foi perdendo espaço
em fins do século XIX.
Na época de Augusto dos Anjos, o velho engenho não era o mesmo. Tornava-
se cada vez mais obsoleto. Desde o início de 1880, as maiores produções e exportações
dos derivados da cana-de-açúcar estavam sob domínios da Companhia Engenhos
Centrais, de investimentos holandeses. Situação que se acentuou a partir de 1888, com a
instalação do primeiro Engenho Central na Paraíba, anos mais tarde “Usina São João”6,
fincado onde hoje vemos o município de Santa Rita, região metropolitana de João Pessoa.
Os velhos engenhos movidos à água e a braço escravo foram substituídos
pelas “modernas técnicas industriais”. Outrora, por séculos, centros do nordeste. Das
últimas duas décadas do século XIX em diante, resquícios:
No penúltimo decênio do século passado [19] começaram a ser instalados
em Pernambuco e na Paraíba, alguns dos chamados “engenhos centrais”,
dispondo de maquinismos possantes, com capacidade para esmagar a cana
de vários engenhos banguês e de fabricar açúcar de qualidade melhor.
Mas em breve o fracasso deles daria margem ao aparecimento das usinas.7

A maioria das pesquisas que conhecemos da vida e obra augustiana apenas


nos informa das causas das ruínas dos (velhos) engenhos de “fogo morto”, pós extinções:
em 1888 com a “abolição total” da escravidão, através da Lei Áurea, afetando, assim, a
utilização da mão de obra escrava e “barata”; em 1889 com a “derrocada do império”
para a construção e erguimento da República, mudando-se, assim, toda uma estrutura
político-econômico-sociocultural; e, das últimas décadas do século XIX em diante, em
efeito dominó, com a restruturação da economia açucareira, engajada na “modernidade”
e no “progresso”.
Aos ideais da tão nova República estavam desalinhadas quaisquer iniciativas
que não fossem para benefício coletivo, em nome da nação – sim, sabemos que no papel.
Os engenhos movidos à força do trabalho escravo, a estrutura rural mantida pelo senhor
de engenho em regime quase feudal, a política local dominada por esses mesmos
oligarcas, a igrejinha/capelinha guiando o rebanho, a província como cerne de toda
situação tentaculada em broncos povoados e vilas. Tudo isso deveria ser passado.

5 FREYRE, G. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do nordeste do Brasil.
São Paulo: Global, 2013, p. 43. Recurso eletrônico: ISBN 978-85-260-1816-7.
6 NÓBREGA, H. Augusto e a alienação do engenho Pau d’Arco. In: _____. Augusto dos Anjos e sua época.

João Pessoa: Ed. Universidade da Paraíba, 1962, p. 298; ou BARBOSA, F. de A. Notas biográficas. In: ANJOS,
A. dos. EU: Outras Poesias: Poemas esquecidos. 30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965, p. 300.
7 BRUNO, E. S. História do Brasil: geral e regional: Nordeste. São Paulo: Cultrix, 1967, p. 150 (grifos

meus).
20

E como o nordeste, dizem todos, não se adaptou a esse ritmo da nação,


sucumbiu ao “progresso” do restante do país.
Ok! Não há tempo para isso agora. A suspeita é a de que podem ser trilhados
outros caminhos para a explicação dos fatos. Mas, infelizmente, como não sou
historiador e nem posso desviar assim bruscamente, fico no limite de pontuar notas.
Todos os acontecimentos que rodearam a construção da República, antes,
durante e depois, são importantes porque se exibem relacionados nas esferas político-
econômico-sociocultural. Vi/ouvi certa vez que a escolha de cada documento histórico
propicia, se não uma mudança total, pelo menos a de perspectiva da pesquisa, a de como
encarar os fatos e entender a história8.
É curioso como grande parte das pesquisas sobre a vida e obra de Augusto
dos Anjos tende a assinalar os registros, dentro de sua poesia, que aludem à queda e
declínio totais das tendências acima citadas, e que o poeta forjou melancolicamente
imagens de ruínas do “seu povo” (e de si mesmo). Sim, respeito todo trabalho feito. Não
à toa que pretendo adquirir todos e fazer minha biblioteca (da vida e obra) augustiana.
De fato, a economia açucareira nos moldes do velho engenho de moenda e de
funcionamento pela força braçal forçada (de negros, pardos, indígenas, despossados)
“acabou”. E não somente os engenhos centrais e posteriormente, mais acentuadamente a
partir da década de 1910, as usinas, mas também algumas “fábricas” tomaram o lugar
daquilo que era velho.
Reafirmo, apenas quero pontuar notas.
Essas biografias nos informam que a derrocada do patrimônio da família
(agora) “dos Anjos”, sobretudo a partir de 1910 quando é vendido o engenho Pau d’Arco
depois desta e de outras propriedades (o engenho Coité) estarem hipotecadas para
pagamento de dívidas antigas, somada às mortes dos patriarcas – em janeiro de 1905
falece o pai de Augusto, o dr. Alexandre dos Anjos9 e, em outubro de 1908, o padrasto de
sua mãe e chefe de toda a propriedade da família, o “doutor” Aprígio10 –, e às agitações
político-sociais locais (da capital Paraíba) e nacionais que fizeram com que Augusto dos

8 Plágio, nem pensar.


9 MAGALHÃES JÚNIOR, R. A morte do pai. In: _____. Poesia e vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977, p. 100.
10 Ibid., p. 196. Consultar O professor Augusto dos Anjos.
21

Anjos corresse mais e mais em busca do sustento (quando já morando na capital em


1908)11, tudo isso foi divisor de águas no seu estro de poeta.
Essas pesquisas nos informam sobre angústias, perdas, desilusões pessoais
vividas por Augusto. Angústias e perdas e desilusões tão somente pessoais, individuais, e
que, segundo elas, marcaram-no profundamente e foram expressas em sua poesia – sem
falar das doenças (a maldita tuberculose) e de outras tantas mazelas a ele atribuídas.
Como exemplo, há o poema Tristezas de um quarto minguante, cujo mote,
segundo essas mesmas pesquisas, é justamente a descrição do engenho Pau d’Arco
totalmente “triste”, o mais triste de toda a região: “[...] Este Engenho Pau d’Arco é muito
triste... / Nos engenhos da várzea não existe / Talvez um outro que se lhe equipare!”12.
Em que pesem essas imagens na poesia de Augusto dos Anjos, se fôssemos
enveredar pelo caminho da leitura e interpretação de imagens outras (tanto quanto)
reais de fatos e de contradições e mesmo de denúncias de uma Paraíba de sua época que
se “modernizava”, poderíamos conseguir exemplos também reveladores.
As notas propriamente ditas dos poemas de Augusto, exclusivamente os
longos/narrativos, aparecem no segundo momento deste. No entanto, imagens por ora
evocadas de autorias como Numa forja: do “ferro que chia e ri” ao sofrer as pancadas da
bigorna dadas pelo trabalhador dentro de uma forja ao sol de meio-dia (“No horror da
metalúrgica batalha / O ferro chiava e ria”13); Monólogo de uma sombra: do filósofo
moderno que parece um “mineiro doido das origens” com a cara “tatuada de fuligens” e
uma “Engrenagem de vísceras vulgares”14; e Noite de um visionário: da extensa e lúgubre
“rua preta” que parece indicar uma “rua asfaltada”, cujas impressões causam no eu a
sensação do terrível abismo de pedra da cidade/metrópole para onde ele era puxado
“No redemoinho universal das coisas”15, podem servir a quem pesquisa mais a fundo a
história da indústria e urbanização no estado da Paraíba entre fins do século XIX e as
duas primeiras décadas do XX.
Para tanto, leiamos esta mensagem oficial do governo da Paraíba (do Norte):
– O movimento industrial do Estado presentemente é impulsionado
pelas florescentes Fábricas de Tecido do Tibiry, e de Sabão e Serraria a vapor,
pelo Engenho Central de S. João, pela Fábrica de Mosaico e Gelo desta capital,
pela Prensa Hidráulica dos negociantes Kronke & C.ª, pelas importantes

11 Ibid., p. 215. Consultar Aulas de cinco e quarenta mil-réis.


12 ANJOS, 1994, p. 300.
13 Ibid., p. 334.
14 Ibid., p. 196-197.
15 Ibid., p. 277.
22

Oficinas Litográficas dos Srs. Jayme Seixas & C.ª e Manoel Henriques de Sá,
pelas Oficinas de preparo de peles dos Srs. Pessoa e Silva & C.ª, negociantes
desta cidade, e do Sr. Firmino de Cotinha, em Itabaiana, pelas fábricas de
preparo de fumo dos Srs. Roque Barbosa, na capital, e de Morenos, no
município de bananeiras, pela fábrica do sal e viveiros de peixe do Sr. Félix de
Belici, pela fábrica de importantes queijos e saborosa manteiga da fazenda
Riachão, em Souza, propriedade do coronel José Gomes de Sá e outras pequenas
indústrias que vão se incrementando.16

A mensagem foi apresentada pelo governador (presidente) da Paraíba,


monsenhor Walfredo Leal, durante sessão na Assembleia Legislativa do Estado, em
setembro de 1906. Na época, o “eterno vice” assumia o cargo depois da (novamente)
renúncia de Álvaro Machado, que assumiria mandato de senador da República.
Expondo os projetos realizados no governo de Álvaro e no seu, desde os
ligados à saúde – cuja situação sanitária era “relativamente boa”, apenas com alguns
casos de varíola em cidades próximas da capital, nada de mais –, aos de infraestrutura
urbana – cuja iniciativa passava pela construção de calçamentos “modernos” de ruas e
avenidas principais –, Walfredo informava da “florescente” situação industrial no estado
da Paraíba (do Norte), proporcionada pelas indústrias de pequeno e médio porte de
tecido (algodão), de sabão, de açúcar (usina), de fumo, de sal, de queijo.
Dos empreendimentos, além da Usina São João, vale destacar que ainda hoje
há uma fábrica de tecidos de nome Tecidos Tibiry, mas confesso que não tenho dados
suficientes para afirmar se é a mesma Tibiry. De qualquer maneira, está localizada no
mesmo município de onde se têm registros da primeira fábrica de cimento da América
Latina17, surgida em 1895, na Ilha Tiriri, pertencente à Santa Rita.
Também é oportuno destacar que, junto a esse “progresso” das indústrias
paraibanas, havia, simultaneamente, a construção de novas estradas de rodagem e de
ferrovias – as grandes secas em alguns estados também contribuíram para tal iniciativa
–, ligando o comércio das principais cidades e zonas portuárias, como as ferrovias entre
a capital (Paraíba) e Mulungu (1883), a capital e Pilar (1883), a capital e Guarabira
(1884)18, a capital e Cabedelo (1889); entre Mulungu e Alagoa Grande (1901)19,
Itabaiana e Campina Grande (1907), Guarabira e Picuí (1909); e algumas interestaduais,

16 Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), n. 1, 01 set. 1906, p. 24 (grifos meus).
17 LINS, A.; PAZ, P. Fábrica de cimento Portland na Paraíba é a primeira da América Latina, diz
estudo da UFPB. Disponível em: https://www.ufpb.br/ufpb/contents/noticias/pesquisador-da-ufpb-
descobre-ruinas-da-primeira-fabrica-de-cimento-portland-na-america-latina. Acesso em: jul. 2020.
18 Trechos que estavam no papel desde 1871 e sob os cuidados da companhia “Conde d’Eu Railway”. Para

mais informações, consultar: ALMEIDA, J. A. de. O problema das distâncias. In: _____. A Paraíba e seus
problemas. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2012, p. 278-308.
19 Construída pela companhia Conde d’Eu Railway.
23

ligando Pilar e Timbaúba-PE (1900), Itabaiana e Timbaúba-PE (1901)20, Guarabira e


Nova Cruz-RN (1904).
Imagine só esta “cena” que o destino do longo poema As cismas do destino
descreve ao eu referindo-se às dores que jazem eternamente no mundo, ou melhor,
referindo-se à contradição que as coisas do mundo encerram enquanto utilidades ao
homem: “O trem particular que um corpo arrasta / Sinistramente pela via férrea”21.
Ainda destacaríamos, como consequência dessas florescentes “indústrias” e
da construção dessas estradas e ferrovias, de todo esse “progresso”, as “marchas de
povoamento” em direção aos novos centros fabris (incluindo a capital Paraíba)22, assim
como as situações vividas por boa parte da população. Teçamos uma nota sobre.
É Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 178) quem informa que a capital da
Paraíba (do Norte), em 1908, ainda dispunha de iluminação pública oriunda dos
“lampiões à gás”, de transporte público realizado por “bonde puxado a burros”, e de
abastecimento de água oriundo de “chafarizes, onde os aguadeiros iam encher ancoretas
transportadas por jumentos e as mulheres do povo, latas e potes conduzidos na cabeça”.
O biógrafo informa que pouco tempo depois, entre três a quatro anos,
durante a administração do governador João Machado (1908-1912) – irmão de Álvaro
Machado –, a Paraíba teria “luz elétrica”, “bondes elétricos” e “água encanada”.
A respeito dessa “água encanada”, é oportuno destacar uma imagem do
extenso e agônico poema Os doentes, autoria que, provavelmente, deve ter sido escrita
por Augusto dos Anjos entre os anos 1908-1910 – sim, um dos poemas de que nada se
sabe em relação à fonte ou data de publicação originais em jornais ou revistas: “Dentro
da noite funda um braço humano / Parecia cavar ao longe um poço / Para enterrar
minha ilusão de moço, / Como a boca de um poço artesiano!”23.
Enfim, para não pecar por desvios e delírios, essas notas seriam interessantes
em uma, quem sabe, futura pesquisa mais dedicada às “benfeitorias” (obras públicas em
diversas áreas) realizadas no estado da Paraíba (do Norte) durante as últimas décadas

20 Construídas pela companhia “Recife-Limoeiro Railway”.


21 ANJOS, 1994, p. 220.
22 O historiador Ernani Bruno (1967, p. 186) informa da presença maciça de trabalhadores pobres

oriundos dos sertões centrais de toda a região, que se exilavam em busca de melhores condições de vida
nas novas cidades-polo, entre elas Santa Rita, Cabedelo, ou mesmo as tradicionais Campina Grande e João
Pessoa (na época, Paraíba do Norte). Os novos núcleos, agora urbanos, contariam com abastecimento
“regular” de água em 1912, com fornecimento “regular” de iluminação elétrica em 1913 e, alguns, com
funcionamento de bondes elétricos, também em 1913.
23 ANJOS, op. cit., p. 245.
24

do século XIX e as primeiras do XX, e que estavam consonantes ao “espírito reformador e


moderno da época” (na primeira República), assim como às denúncias do que não estava
sendo feito; ao setor industrial expandido na Paraíba (do Norte) durante o mesmo
período, revendo se essas indústrias realmente tiveram prosperidade e até quando24 –
falas “oficiais” são importantes como “documento histórico”, mas a garantia... –, assim
como às denúncias das reais condições de vida de cada trabalhador.

Não querendo mais desviar o foco, voltemos às informações sobre o velho


engenho Pau d’Arco e sua derrocada, local onde Augusto dos Anjos passou boa parte de
sua vida e escreveu grande parte de seus poemas. E isto podemos compreender por
conta das assinaturas registradas na maioria deles: “Pau d’Arco”.
Demócrito de Castro e Silva (1984)25, por exemplo, é saudoso ao biografar o
homem, o poeta dos Anjos – como diz o professor Francisco Foot Hardman, saudade,
porque soledade é cara e especial, não se limita a simples nostalgia26.
E quem não se lembra dos velhos engenhos existentes ainda hoje por “ruma”
em vários interiores dos estados do norte e nordeste?! Lembranças minhas, claro. Não
mais que uma década, o cambiteiro (de caminhão), ao sol de meio-dia, suspira em tom
de brincadeira ao filho do dono do engenho e das terras: “Ôôô vida bôa... queria uma
dessa pra mim”. O herdeiro, acabado de acordar: “Quem manda nascer preto e pobre”.
Lembranças nossas, claro. Escravos da lembrança.
De Castro e Silva, um dos primeiros biógrafos de Augusto dos Anjos, traz sua
lembrança, muito viva, do velho engenho de açúcar, da construção que, por séculos,
[...] aprofundou as suas raízes patriarcais no solo colonial do Brasil, resistindo
a todos os vendavais da civilização e do progresso. Acachapado e tosco na
sua arquitetura, com os pilares mal rebocados deixando à mostra os tijolos
enormes e mal acabados, mas fortes e inquebráveis, os engenhos de açúcar de
nossos bisavós, serviram de traço de união entre duas idades diferentes. Foi a

24 Naqueles mesmos relatórios apresentados anualmente à Assembleia Legislativa da Paraíba (Relatórios


dos presidentes dos Estados Brasileiros [PB] – consultar referência completa desta fonte na
bibliografia), especificamente o apresentado em outubro de 1905, o então governador paraibano, Álvaro
Machado, queixava-se do “desaparecimento” da “Empresa de Restilação e Tanoaria Mecânica”, já que o
empreendimento certamente fortaleceria a indústria açucareira. Nesse relatório, o gestor ainda celebrava
os bons momentos da Fábrica de Tecido Tibiry e das de sal, de gelo, de mosaico e de fumo.
25 A primeira edição de Augusto dos Anjos: o poeta e o homem data de 1954.
26 HARDMAN, F. F. Espectros da nação: figuras deslocadas entre saudades e soledades. In: _____. A vingança

da Hileia: Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São Paulo: Fundação Editora da Unesp,
2009, p. 293.
25

primeira indústria que nos deixou largo coeficiente de experiência agrícola, no


primitivo revolver de terra [...].27

Mas o engenho, continua o biógrafo, sucumbiu “à falta de braço escravo”,


resultado do novo regime. O engenho perdeu seu esplendor antigo. A usina o engoliu.
Nos capítulos iniciais de Augusto dos Anjos: o poeta e o homem, o autor
descreve uma “paisagem natural” rica de imagens “alegres e convidativas”, não tristes
como as do velho engenho. Segundo ele, estas que ficaram na “lembrança” e no “coração”
de Augusto dos Anjos; imagens que foram minuciosamente observadas pelo poeta, que
as “invadia” profundamente, sentindo-as, experimentando-as: o rio e o açude tranquilos
e serenos; as canas verdes e exuberantes; a planície onde se podia ver o pôr do sol.
Essa mesma observação, continua De Castro e Silva (1984, p. 16), aconteceu
em relação ao “sentimento coletivo, social, humano” expressado por Augusto, ao ver o
branco, o preto, o mulato, entendendo “mais de perto, as misérias e as dores alheias”.
Ademar Vidal (1967), na primeira parte do livro O outro Eu de Augusto dos
Anjos, é outro que descreve as mesmas paisagens fascinantes das terras do Pau d’Arco: a
opulência das árvores de paus-d’arco roxos e amarelos; a várzea paraibana; os
entardeceres chuvosos e os estios coloridos; o “doce tormento lírico” do apito do
engenho. São essas visões e experiências que o autor considera como quadro que “se
retrata sob a luz da inspiração poética” de Augusto, pois é quadro que faz sentir (em
quem o vê) “uma ternura tocante, magnificamente cantada pelo poeta”28.
No mesmo livro, Vidal descreve a vida de Augusto dos Anjos e seu convívio
com os trabalhadores e demais “moradores” das terras do engenho. Na terceira seção da
primeira parte de sua pesquisa, “Dentro e fora do engenho Pau-d’Arco”, o autor ilustra
“fatos e personagens”, algumas situações vividas entre Augusto e os trabalhadores e
moradores do Pau d’Arco. Os nomes (e a existência) de alguns desses personagens
(trabalhadores e moradores) podem ser comprovados nas missivas que o poeta enviava
à sua mãe, dona Córdula dos Anjos, a “Sinhá-Mocinha”29. Se ficção ou não de Vidal, a
maioria dos nomes é registrada pelo poeta nessas cartas30.

27 DE CASTRO E SILVA, D. Augusto dos Anjos: o poeta e o homem. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do
Livro, Fundação Nacional Pró-Memória; Campinas: Lisa, 1984, p. 37 (grifos meus).
28 VIDAL, A. V. de M. O outro Eu de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: José Olympio, 1967, p. 63.
29 São correspondências assinadas e datadas das capitais Paraíba (do Norte – ainda não era João Pessoa; e,

de vez em quando, das estações ferroviárias que ficavam entre as linhas principais do estado: Coité, Cobé e
Entroncamento), quando o poeta fez o curso de “madureza” no Liceu Paraibano; Recife, quando fez o curso
de Ciências Jurídicas na Faculdade de Direito; Rio de Janeiro, então capital federal, quando aí morou entre
setembro de 1910 a junho de 1914. Poucas cartas datam de Leopoldina, cidade do interior mineiro que
26

De uma paisagem natural e bela, e ao mesmo tempo símbolo de “decadência e


tristeza”, Augusto dos Anjos guardou na memória e nos seus versos justamente as
lembranças dos “amigos anônimos”, afeiçoou-se d“essa gente” (diz Vidal). “Dessa gente”,
destaco por ora o cambiteiro Toca, a ama de leite Guilhermina e o trabalhador João
Francisco, quando o poeta registra seus “nomes” em Gemidos de arte, Ricordanza dela
mia gioventú e em João Francisco (espécie de crônica).
Na sua pesquisa, Vidal (1967) traz à baila esses e outros personagens
anônimos das terras do Pau d’Arco: os trabalhadores do engenho, o Caetano, o Juvenal; o
“negrinho dos recados”, o Juca (p. 87); o empregado que buscava alimentos na cidade, o
João Higino; o compadre Pedro, cambiteiro, que convidou Augusto para ser padrinho de
seu casamento, realizando depois uma grande festa, porque “festa de pobre dura vinte e
quatro horas” (p. 89); e as cozinheiras que ajudavam na casa-(grande), “a parda
Filomena, gorduchona” (p. 90), a “parda gorda” Donata (p. 191).
Os mesmos personagens são lembrados por Augusto dos Anjos nas cartas
que ele enviava à sua mãe – não, não desse jeito.
Informações valiosas sobre o engenho Pau d’Arco e seus trabalhadores e
moradores são fornecidas igualmente pelo médico e biógrafo Humberto Nóbrega ao
publicar os dados da pesquisa que fez sobre um momento mais “maturo” do poeta.
Em Augusto dos Anjos e sua época, Nóbrega registra e compartilha ótima
pesquisa relacionada à vida literária de Augusto, quando o poeta participava das
comemorações da festa de Nossa Senhora das Neves, padroeira da antiga capital da
Paraíba (do Norte). Durante a novena, realizada entre os últimos dias de julho e os

abrigou o poeta (e família) nos seus últimos meses de vida – para mais detalhamento dessas
correspondências “atualizadas”, consultar a edição organizada por Alexei Bueno (1994, p. 675-790): Obra
completa: Augusto dos Anjos.
30 Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 219-220) questiona sobre datas não mencionadas por Ademar

Vidal, já que em O outro Eu de Augusto dos Anjos o autor informa que conheceu Augusto de perto, num
curto período em que recebeu aulas de reforço dadas pelo poeta. Magalhães lembra que Vidal fala “numa
clara manhã de outubro”, devendo ser, por isso, o ano de 1909, pois em outubro de 1910 Augusto já havia
deixado a Paraíba, e em outubro de 1908 Vidal não tinha idade para fazer os exames de “madureza”. O
historiador completa: “[...] o retrato que Ademar Vidal apresenta do antigo mestre, mais de meio século
depois, em O outro Eu de Augusto dos Anjos, deve ser encarado com reservas, por causa do longo tempo
decorrido e por se tratar de impressões de uma criança, com menos de dez anos, quando o poeta deixou a
terra natal e se viram pela última vez [...]”. Magalhães Júnior também fala de um artigo publicado por Vidal
no jornal paraibano A União, a 4 de janeiro de 1920, dizendo que nele o autor esboçou ideias confusas – o
artigo consta na bibliografia deste (“Augusto dos Anjos”). Ainda faz duras críticas a Vidal por conta do
período que este ficou com as cartas de Augusto dos Anjos, que lhe foram entregues por D. Córdula,
quando na verdade deveria ter divulgado esse material muito antes – vale destacar que na introdução da
biografia feita por Ademar Vidal, aparece a assinatura datando de fevereiro de 1963, do Rio de Janeiro, e o
próprio Vidal diz que já existiam, há mais de vinte anos, essas páginas sobre as “lembranças de 1909”...
27

primeiros de agosto, tendo o dia “5” como data em homenagem à santa, circulava na
capital um pequeno jornal chamado Nonevar.
Para o momento, apenas interessam os dados fornecidos por Nóbrega em
relação aos moradores das terras do Pau d’Arco, especificamente “uma moradora”. Em
sua pesquisa, o biógrafo demonstra que a ama de leite, a Guilhermina, realmente existiu.
Ela “ajudava” a cuidar dos filhos de D. Córdula. De modo geral, fazia de um tudo na casa:
Bonita, de cor morena, bem escura, chegou ao Pau d’Arco, em plena
adolescência, e, muito não demorou, veio a ter filhos dos “cabras” da bagaceira.
Pobre Guilhermina! Não teve, sequer, a ventura de conhecer os encantos de um
lar. Mas o destino deu-lhe a glória de ter sido ama de leite de um dos
maiores poetas deste século.
Infortunada Guilhermina! Nunca soube da grandeza de Augusto, a
quem dera tanta seiva, seiva sem a qual, talvez, o poeta não houvesse
sobrevivido.31

Ótimo raciocínio de Humberto Nóbrega. Perfeitíssimas suas palavras. Quase


ninguém, ou melhor, ninguém compreendeu Augusto dos Anjos, ninguém soube
compreender sua real grandeza. Nem mesmo a pobre Guilhermina.

José Lins do Rego, outro escritor que observou e sentiu todo esse ambiente
de ruínas de (velhos) engenhos de açúcar, recorda os mesmos quadros de uma época
distante e saudosa – ele não descreve os “amigos anônimos” de Augusto dos Anjos,
antes, os velhos engenhos. Para o romancista de Menino de engenho, Fogo morto, Usina, o
“menino de engenho” crescia sabendo da “realidade do seu povo derrotado”. Augusto
dos Anjos, menino (de engenho), entregue a esse sanatório,
[...] havia de perceber que a terra fugia dos pés de sua gente. Os meirinhos
rondavam a casa-grande, o doutor [Alexandre] declina e compõe. As canas
acamam na várzea úmida, e a roda-d’água parada mostra as suas comportas,
como dentaduras podres expostas ao tempo. [...]32

Casa-grande. Expressão mais que atual. Esta sim não se dilui no tempo.
As palavras do romancista são lembrança e biografia. Lins do Rego traça o
paralelo do declínio do engenho Pau d’Arco com a falta de vocação para o trabalho
braçal do dr. Alexandre dos Anjos e de seus filhos. O engenho (e toda a propriedade) dos
antigos “Fernandes de Carvalho”, ascendentes da mãe de Augusto dos Anjos, como já
mencionado, fora vendido em 1910 para serem quitadas dívidas antigas, pois tudo

NÓBREGA, 1962, p. 280 (grifos meus).


31
32REGO, J. L. do. Augusto dos Anjos e o engenho Pau d’Arco. In: COUTINHO, A.; BRAYNER, S. (orgs.).
Augusto dos Anjos: textos críticos. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973, p. 207-208 (grifos meus).
28

estava hipotecado desde 189233 – lembrando que, em 1910, o dr. Alexandre, pai de
Augusto, e o dr. Aprígio, padrasto da mãe de Augusto, já haviam falecido.
Os engenhos centrais e, pouco tempo depois, as modernas usinas de açúcar,
tomariam conta da paisagem da várzea paraibana.
Já na década de 1940, por exemplo, no lugar das ruínas do engenho Pau
d’Arco estava localizada a “Companhia Usina São João e Santa Helena S.A.”, dirigida pelo
deputado federal Renato Ribeiro Continho e seus irmãos (Odilon e João Úrsulo). Na
época, era uma das maiores empresas da Paraíba.
As mesmas terras do antigo engenho Pau d’Arco, em 1940, segundo uma nota
da revista carioca Vamos Ler34, guardavam marcas da família de Augusto dos Anjos,
principalmente uma em especial do seu poeta-mor, do “grande, torturado e genial
poeta”, detentor de versos que o tornaram maior entre os maiores: o majestoso (e
conservado, diz a nota) tamarindo, árvore que Augusto tanto cantou.
No texto referido, são reproduzidos versos do soneto A árvore da serra, assim
como fotografias da casa onde residia Renato Ribeiro Coutinho (dono da então Usina),
da casa onde funcionava uma “criação de pombos correio”, da própria “majestosa” Usina
Santa Helena e, claro, do pé de tamarindo, a árvore que Augusto dos Anjos cantou
naquele soneto – muito embora esta última fotografia em nada ajuda a entender a
paisagem. A nota da revista termina grata aos industriais “nordestinos” pela preservação
da memória de Augusto, pela conservação das coisas “que mais de perto o poeta amou
na vida” – o tamarindo –, e pelo prestígio a ele dedicado.
Sobre o pé de tamarindo – para muitos o único “objeto” venerado e amado
por Augusto dos Anjos –, e ainda sobre as paisagens do antigo engenho Pau d’Arco, José
Lins do Rego, também naquela revista, em 1938 (nos 24 anos de falecimento do menino
de Pau d’Arco), voltava a trazer lembranças suas da época de “menino de engenho”.
O escritor começa dizendo que sempre foi um enigma para os críticos
saberem o porquê de tanta popularidade de Augusto dos Anjos, já que nem mesmo
romancistas alcançaram tanto sucesso de venda e de público. E que uma das possíveis

33 Segundo Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 300-301), o dr. Aprígio, responsável pelos negócios da
família, havia pedido um adiantamento financeiro junto à principal empresa de exportação de açúcar e
algodão da Paraíba na época, a francesa “Cahn Frères & Cie”, na tentativa de descontar notas promissórias
do Banco Emissor de Pernambuco, de quando havia hipotecado os engenhos (Coité e Pau d’Arco), em
1892. Mas, como há muito (as notas) estavam atrasadas e, para se somar à crise, com o preço do açúcar
caindo drasticamente (a nível de mercado mundial), foi obrigado a vender todo patrimônio.
34 Vamos Ler!, n. 471, 09 ago. 1945, p. 61.
29

explicações seria a de que havia “na poesia difícil de Augusto dos Anjos muita dor,
sofrimento, muita nota de profunda dor e um derramamento de lirismo que a ciência
pedante do poeta não pôde destruir”35.
Pois é, muita dor e sofrimento que poucos entendem. Pois são de poucos, ou
melhor, de muitos, estas dores e sofrimentos. Constantes. Duradouros. Cotidianos.
José Lins do Rego diz ainda que quando “menino” de 15 anos, isso por volta
então de 1916, estava sempre visitando o antigo engenho Miriri, à época localizado no
município de Mamanguape, junto a seu primo Augusto Viera. Diz que durante o percurso
passava pelo Pau d’Arco, observando aquele engenho “triste mesmo, com a casa grande
de muitas janelas, a senzala, o pé de tamarindo por detrás e, mais abaixo, o açude”.
Aludindo ao soneto A árvore da serra, fala do tamarindo onde chorou Augusto
dos Anjos e do pai do poeta, Alexandre, a quem os filhos, os demais moradores do
engenho e “os negros” chamavam de “doutor”.
A nota de Lins do Rego é de rememorações pessoais: ele fala das brigas que
havia entre seu avô, José Lins (Cavalcanti de Albuquerque), e o primo do seu avô,
Joaquim Francisco Vieira de Melo (o dr. Quincas do engenho Novo), pela posse das terras
do Pau d’Arco. E esse fato é interessante porque biográfico, pois o engenho, o mesmo
engenho triste, passou a ser posse do dr. Joaquim Vieira em 1910, seu comprador e, em
poucos anos, já na década de 1920, é que seria posse dos Ribeiro Coutinho36.
O romancista continua: o poeta e político paraibano Alcides Carneiro havia
lhe dito que os novos donos da então Usina Santa Helena (os Ribeiro Coutinho) iriam
fincar no local uma placa de bronze para lembrar daquele que fora esquecido pelos
conterrâneos: Augusto dos Anjos.
E, naquele bucólico retiro, onde estava situado o antigo engenho Pau d’Arco,
onde andara pelos matos o menino Augusto (dos Anjos), “agora” (final da década de

35Vamos Ler!, n. 120, 17 nov. 1938, p. 3 (itálicos meus).


36Nesta última semana de julho, tive acesso a interessantíssimo material citado em Nem pátria, nem
patrão (HARDMAN, 2002). Trata-se de um projeto de pesquisa e divulgação da memória e história
paraibana e regional desenvolvido pela Universidade Federal da Paraíba: o Núcleo de Documentação e
Informação Histórica Regional (NDIHR). Entre as leituras encontradas no acervo digital do projeto,
destaco o texto Processo de ocupação do espaço agrário paraibano (MOREIRA, set. 1990, n. 24, disponível
em: <http://www.ndihr.ufpb.br/programa/textos_ndihr.html>), pertencente à linha temática “Questão
agrária na Paraíba”. Através dele, é possível saber que o antigo engenho Pau d’Arco, então já posse de
Joaquim Vieira, era Usina desde 1917, inicialmente chamada “Usina Bonfim”. E as informações podem ser
complementadas através da leitura de outra oportuna fonte, a dissertação O Sindicato e a Usina:
redefinindo relações, do professor Orlandil Moreira (1996, p. 53): o pesquisador informa que a então
Usina Bonfim foi comprada pelos Ribeiro Coutinho em 1924, passando, assim, a ser chamada “Usina Santa
Helena” – referência completa na bibliografia (ou Cf. nota 37 deste trabalho).
30

1930), finaliza José Lins do Rego o seu texto da revista Vamos Ler, gritavam “bem por
perto do tamarindo os silvos das máquinas, a usina quebrando cana geme alto com as
suas rodas dentadas. O Pau d’Arco é uma fábrica”.
As rodas dentadas da fábrica “viveram” até o final do século XX. A Usina Santa
Helena entra em crise no final da década de 1980, parando de funcionar, em definitivo,
nos primeiros anos de 199037, momento, desde antes de 1960, de constantes conflitos
entre pequenos trabalhadores canavieiros locais e antigos donos ricos de usinas e de
grandes porções de terra na área (do município de Sapé).
A situação “atual” pode ser melhor conferida na dissertação do professor e
sociólogo Orlandil Moreira, O sindicato e a usina: redefinindo relações: um estudo sobre as
repercussões das lutas sociais dos canavieiros no município de Sapé. Vale destacar que,
justamente no período da ditadura militar – achas mesmo que foi movimento? –,
recrudesceram gravíssimas tensões na região, havendo não somente perseguições de
pequenos produtores e destruição de suas pequenas propriedades, mas também o cruel
assassinato do líder camponês João Pedro Teixeira, em abril de 196238, fatores que
impulsionaram o crescimento do sindicalismo rural na Paraíba – mais “assustador”
quando sabemos que o processo de criação do sindicalismo rural no estado estava sob
influência de atores externos: igreja, Estado (armado) e proprietários rurais (MOREIRA,
1996, p. 24).
E entre o vai e vem de ruínas de engenhos na várzea paraibana, de crises
usineiras e, pior, de mortes nos canaviais, atualmente além de funcionar no local da
antiga Usina Santa Helena (e mais antigamente, antigo engenho Pau d’Arco) o “Memorial
Augusto dos Anjos”39, criado em 2006, funcionam em suas terras assentamentos
rurais40. As terras, hoje em dia, são da memória de Augusto dos Anjos e do povo.

37 MOREIRA, O. de L. O Sindicato e a Usina: redefinindo relações: um estudo sobre as repercussões das


lutas sociais dos canavieiros no município de Sapé (1984-1994). 1996. 141 p. Dissertação (mestrado em
Sociologia) – Centro de Humanidades, Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande, 1996, p. 73.
38 MEMORIAL DA DEMOCRACIA (Brasil). ‘Cabra marcado’ é assassinado na PB: pistoleiros pagos por

fazendeiros matam o líder camponês João Pedro Teixeira. 1962. Disponível em:
<http://memorialdademocracia.com.br/card/o-assassinato-do-cabra-marcado>. Acesso em: jul. 2020.
39 MEMORIAL AUGUSTO DOS ANJOS (Sapé, PB). Disponível em:
<https://www.memorialaugustodosanjos.com/untitled>. Acesso em: jul. 2020.
40 De acordo com os dados do INCRA, atualizados há quase três anos atrás, no assentamento rural das

terras da Usina Santa Helena estavam na época 205 famílias. O projeto de assentamento data de maio de
1998. Para mais informações, consultar: INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA
(Brasil). Incra nos Estados: informações gerais sobre os assentamentos da Reforma Agrária:
[Paraíba]. 2017. Disponível em: <http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php>. Acesso em: jul. 2020.
31

Ok, tenho que me controlar e me fixar apenas na cronologia dos fatos!

De Castro e Silva, Ademar Vidal, Humberto Nóbrega, José Lins do Rego, Assis
Barbosa. Todos fornecem informações preciosas da época em que Augusto dos Anjos
vivia no engenho Pau d’Arco. O filho do dr. Alexandre dos Anjos e de D. Córdula dos
Anjos passou toda sua infância nesse brejo, na várzea paraibana. Ausentou-se do lar
periodicamente: durante seu curso preparatório no Liceu Paraibano, em 1900, na capital
do seu estado natal; a partir de 1903, durante o curso de Ciências Jurídicas, no Recife,
terminando-o em 1907; e, em definitivo, a partir de agosto de 1908, conforme o que
podemos ler nas correspondências do poeta enviadas à sua mãe, referindo-se à procura
de uma casa na capital da Paraíba, para onde iria quase toda a família.

Recuando.
Assim que se inicia o “século do progresso e da modernidade”, tudo muda. O
tão moço Augusto dos Anjos, então com 16 anos de idade, começa a frequentar
assiduamente a capital do estado da Paraíba (a cidade, a “metrópole”, a “urbe natal do
desconsolo”) a partir de 1900, depois de ingressar no Liceu Paraibano, tradicionalíssima
instituição de ensino. Em correspondência datada de 18 de agosto, assinada da capital,
escrevia à sua mãe pedindo-lhe condução para o engenho Pau d’Arco41.
Um adendo: a ideia deste primeiro momento é a de compartilhar variadas
fontes, disponíveis em revistas e jornais, principalmente. Embora pareça o contrário, em
hipótese alguma pretende-se aqui fazer biografia de Augusto dos Anjos. Sabemos que os
dados desse tipo de trabalho já estão consolidados pela importância e pioneirismo. Por
isto mesmo, o compartilhamento de informações outras, recuperadas em variados
ensaios, crônicas, notas, palestras, artigos publicados em periódicos, quem sabe possa
fornecer material digno de nota, auxiliando àqueles que precisam. Então, sigamos.
O ano de 1900 é também a data da primeira publicação “oficial” de Augusto
dos Anjos. Trata-se do soneto Saudade42, estampado no Almanaque do Estado da

41 Todas as cartas serão referendadas pela pesquisa organizada por Alexei Bueno (1994, p. 675-790),
Obra completa: Augusto dos Anjos. Nela, há o material coligido (e atualizado) das pesquisas pioneiras
de Demócrito de Castro e Silva, de Ademar Vidal e de Humberto Nóbrega.
42 ANJOS, 1994, p. 369 (Poemas esquecidos). Para se ter uma melhor integridade dos dados indicativos de

local e data de publicação originais e onde figuram esses poemas (“atualmente”), são utilizadas as edições
organizadas por Zenir Campos Reis (1977), Augusto dos Anjos: poesia e prosa: na referência dos
poemas coligidos em “Eu” e em “Outras poesias”; e Alexei Bueno (1994), Obra completa: Augusto dos
Anjos: na reprodução de versos/estrofes dos poemas coligidos em “Eu”, “Outras poesias” e em “Poemas
32

Paraíba daquele ano. Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 18-19), em uma das
melhores biografias sobre o poeta, Poesia e vida de Augusto dos Anjos, esclarece que,
como os almanaques eram impressos e postos à venda no início do ano, possivelmente
esse soneto fora escrito ainda em 1899.
Desde o curso no Liceu Paraibano que Augusto mantinha contato com a
mocidade da capital, entre eles Santos Neto e Orris Soares, os mais “conhecidos” através
das biografias (augustas); ou mesmo com outros nomes de contemporâneos, alguns
mais experientes, e todos participantes ou das “letras e artes” ou do jornalismo – esta,
atividade efervescente no estado: Américo Falcão, Raul Machado, Rômulo Pacheco, Abel
da Silva, Eduardo Seixas, Augusto Belmont, Eduardo Tapajós, João Lira, Leonardo Smith,
Assis Vidal, Antônio Elias, Manoel Tavares, Eduardo Pinto43.
Afirma Magalhães Júnior que por causa do contato com Santos Neto, filho de
Artur Aquiles, grande nome do jornalismo paraibano e diretor d’O Comércio, o rapaz de
Pau d’Arco passaria a colaborar frequentemente nesse jornal a partir de janeiro de 1901,
publicando dezenas de suas autorias44.
Humberto Nóbrega (1962, p. 154-156) reproduz em sua pesquisa biográfica
uma carta que lhe foi enviada por Celso Mariz, paraibano conhecido na imprensa do
estado e que também manteve contato com Augusto dos Anjos na época em que
trabalharam juntos na redação daquele jornal. Datada de dezembro de 1958 e
reproduzida por completo, a correspondência registra lembranças de Mariz de quando
ele iniciava sua carreira n’O Comércio que, segundo ele, era o jornal mais procurado da
época e bem quisto entre os jovens, os políticos de oposição e o povo.
Além de alguns nomes citados anteriormente, destacavam-se no periódico,
segundo Mariz: Coriolano de Medeiros, Ascendino Cunha, Oscar Soares (irmão de Orris
Soares), Álvaro de Carvalho, Neves Filho, Benjamin Lins, Esperidião de Medeiros e Artur
Moreira Lima. O jornalista afirma que às “fileiras dessa comparceria cívica e literária,
chegou Augusto, repontando em luminosidades originais, que ainda não eram as da fase

esquecidos”. A biografia de Magalhães Júnior (1977), Poesia e vida de Augusto dos Anjos, e o texto de
Francisco de Assis Barbosa (1968), Contribuição para uma edição crítica das poesias de Augusto dos
Anjos, também auxiliam – lembrando que as referências completas de todos estão na bibliografia.
43 Esses e outros nomes podem ser consultados na pesquisa de Nóbrega (1962, p. 95), capítulo Augusto

faceto, no qual o autor reproduz versos feitos pelo poeta quando ele “perfilava” (ironicamente) os ilustres
rapazes nas páginas do jornalzinho Nonevar, jornalzinho que circulava durante a festa da padroeira da
Paraíba (do Norte), Nossa Senhora das Neves, festa realizada anualmente entre julho-agosto.
44 O que aconteceu até julho de 1907, com a publicação do conhecidíssimo Ricordanza dela mia gioventú,

no dia 31. O Comércio parou de funcionar nesse ano – consultar Magalhães Júnior (1977, p. 173).
33

posterior de profundeza e construção apocalíptica” – Mariz refere-se aos poemas


longos/narrativos de Augusto dos Anjos.

1901.
Ceticismo, “Desci um dia ao tenebroso abismo, / Onde a Dúvida ergueu altar
profano”45; Mágoas, “Cansado de chorar pelas estradas [...] / Hoje eu carrego a cruz das
minhas dores”46; O condenado, “O mundo é um sepulcro de tristeza, / Ali, por entre
matas e ciprestes, / Folga a justiça e geme a natureza”47; A máscara, “E entre a mágoa
que a másc’ra eterna apouca / A Humanidade ri-se e ri-se louca / No carnaval intérmino
da vida”48; A louca, “Moça, tão moça e já desventurada [...] / Vai morta em vida assim
pelo caminho”49; Primavera, “E tu hás de dormir o eterno sono, / Num sepulcro de rosas
e de flores”50; A esperança, “E eu, que vivo atrelado ao desalento, / Também espero o fim
do meu tormento”51; Tempos idos, “Não enterres, coveiro, o meu Passado, / Tem pena
dessas cinzas que ficaram”52; Versos d’um exilado, “Exilado de ti, oh! Pátria! ausente / Irei
cantar a mágoa peregrina”53.
Esses são alguns dos muitos poemas (sonetos) que datam de 190154. Menos
conhecidos da obra de Augusto, não tendo sido nenhum deles incorporado ao Eu (1912),
alguns foram divulgados por De Castro e Silva nas décadas de 1940, Augusto dos Anjos:
poeta da morte e da melancolia55; e 1950, Augusto dos Anjos: o poeta e o homem56. E disto
não podemos esquecer, pois é trabalho de respeito e de valorização da obra do poeta.

45 ANJOS, 1994, p. 371.


46 Ibid., p. 372.
47 Ibid., p. 373.
48 Ibid., p. 380.
49 Ibid., p. 387.
50 Ibid., p. 388.
51 Ibid., p. 389.
52 Ibid., p. 395.
53 Ibid., p. 404.
54 Para informações detalhadas sobre títulos e datas de cada poema de Augusto dos Anjos, consultar: REIS,

Z. C. Cronologia da produção intelectual. In: ANJOS, A. dos. Augusto dos Anjos: poesia e prosa. São Paulo:
Ática, 1977, p. 30-37; BUENO, A. Notas e variantes. In: ANJOS, A. dos. Obra completa: Augusto dos Anjos.
Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 815-861; BARBOSA, F. de A. Contribuição para uma edição crítica das
poesias de Augusto dos Anjos. Revista do Livro: órgão do Instituto Nacional do Livro, Rio de Janeiro, ano
11, n. 34, p. 25-53, set. 1968.
55 Soneto [Gênio das trevas lúgubres, acolhe-me]; O mar; Soneto [Aurora morta, foge! Eu busco a virgem

loura]; Cravo de noiva; Soneto [Canta teu riso esplêndida sonata]; Cítara mística; Plenilúnio; Dolências;
Afetos; Martírio supremo; Régio; Mártir da fome; Noturno; Idealizações; A esmola de Dulce; A luva; André
Chenier; Mística; Ilusão; Canto íntimo; Gozo insatisfeito; Festival; A vitória do espírito; Súplica n’um túmulo;
O negro – este, De Castro e Silva reproduz com o título de “Vencedor”. Nesta primeira pesquisa, da década
de 1940, os versos divulgados são em sua maioria os datados de 1902, todos publicados n’O Comércio.
34

Como não é proposta analisar o referido material, uma pequena nota: descer
ao tenebroso abismo, chorar pelas estradas, andar carregando cruzes, rir
magoadamente no carnaval da vida, dormir o eterno sono num sepulcro de flores,
atrelar-se ao desalento, cantar a mágoa peregrina. Todos são versos escritos antes de
Augusto dos Anjos frequentar o “mundo” da Faculdade de Direito do Recife. Segundo
Magalhães Júnior, esta é a fase em que o poeta mergulha no simbolismo57.
Citando o ensaísta Andrade Muricy e seu Panorama do movimento simbolista
brasileiro, pesquisa que inclui Augusto dos Anjos no movimento, Magalhães Júnior
assinala semelhanças do poeta paraibano com a escola simbolista, tais como a utilização
de vocabulário e/ou temas específicos, a partir de expressões como exílio, mistério, azar,
peregrinação, tédio, maldição, funéreo, sonho, elevação; a repetição de palavras dentro
de uma mesma estrofe; e o uso constante de maiúscula nas mencionadas favoritas
expressões (litúrgicas) dos simbolistas. Segundo Magalhães, esta é a fase em que o poeta
“começava a se debruçar sobre si mesmo, na sondagem de seus abismos interiores”.
Por enquanto, apenas destaco o “descer ao tenebroso abismo”, o “chorar
pelas estradas”, o “andar carregando cruzes”, o “rir em mágoas no carnaval da vida” e o
“cantar a mágoa peregrina”. E eis que percebemos uma constante – claro, temática: a
peregrinação e o cantar durante o carregar de cruzes pela vida.

Sem nenhuma pretensão, talvez, de “sucesso”, Augusto dos Anjos já tinha


seus poemas – sempre publicados no jornal de Artur Aquiles –, divulgados em jornais de
outros estados, e muito antes de ter uma vida ativa no meio literário, jornalístico, social.
O soneto A aeronave58, datado originalmente de outubro de 1901, é
encontrado em jornal do estado do Piauí. O Nortista, da histórica cidade de Parnaíba,
publicava-o em seu número de 28 de dezembro59.
O semanal dirigido pelo também estudante da Faculdade de Direito do Recife
e bacharelado em 1905 – teria conhecido Augusto? –, Francisco de Moraes Correia, fora
criado por “moços utopistas”, e isso podemos ler no editorial de sua primeira edição

56 Além de figurarem (pelo menos na segunda edição, datada de 1984) os poemas da primeira pesquisa, à
segunda são acrescidos os mais antigos de Augusto dos Anjos, datados de 1901: Saudade; O condenado;
Mágoa; Soneto [Ouvi, senhora, o cântico sentido]; Triste regresso; Infeliz; Soneto [N’augusta solidão dos
cemitérios]; À caridade; Noivado; Soneto [No meu peito arde em chamas abrasada]; Amor e religião.
57 MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 33-42. Consultar Nas águas do simbolismo.
58 ANJOS, 1994, p. 398 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 24-10-1901.
59 Nortista, n. 52, 28 dez. 1901, p. 3.
35

vinda a público no primeiro dia de 1901. Exaltando as benesses do novo século, os


progressos técnico e científico, o jornal tinha gosto pela literatura de Guerra Junqueiro.
Mais emblemático é que um jornal tão novo em existência e em ideais já
estampava um soneto divulgado dois meses antes por um jovem ainda “desconhecido”. A
aeronave fala da “aeronave” que vencia a amplidão do céu e, no seu trajeto, deixava a
“trajetória augusta da Ciência”.
Menos “poeta do hediondo”; mais “poeta cívico”. É assim que Magalhães
Júnior (1977, p. 43) define Augusto dos Anjos pela feitura de alguns versos que, mesmo
escritos durante o começo de sua formação, apresentavam vertente “atual”, eram versos
através dos quais o poeta mostrava-se atualizado acerca de fatos e “acontecimentos
externos”. A aeronave e Soneto [Lendo o “Poema de Maio”]60 são dois desses.
Sobre o segundo, exemplificado por minha conta, Magalhães Júnior (1977, p.
41) afirma se tratar de um “simples eco do poema longo em que o escritor [paraibano]
Rodrigues de Carvalho descrevia os efeitos de recente seca nordestina”, no seu livro
Poema de Maio, publicado pela primeira vez em 1901 – o biógrafo destaca a fama de
Rodrigues após este ter lançado Cancioneiro do Nordeste, embora saibamos que o título
correto seja Cancioneiro do “Norte”.
Pelo sim, pelo não, a autoria de Augusto dos Anjos, Soneto [Lendo o “Poema de
Maio”], traz imagens impactantes de uma procissão do “mês mariano” – sim, de festas
religiosas do mês de maio: a “romaria eterna dos aflitos”, a romaria “dos tristes, dos
proscritos”, a romaria das mães “que arquejam” sobre seus filhos derrubados pela fome.
Em relação ao primeiro soneto, o aviador mineiro Alberto Santos Dumont
havia recebido o prêmio Deutsch (recompensa concedida pelo empresário francês e
incentivador de projetos relacionados à aviação, Henri Deutsch de la Meurthe) em 19 de
outubro, ainda de 1901, depois de ter conseguido “contornar a Torre Eiffel” no comando
de sua “aeronave Número 6”, um dirigível. Mesmo como projeto de experimentação, o
fato é que o fato repercutiu tanto na França quanto no Brasil, tornando-se assunto na
imprensa mundial. Diz Magalhães que é notória a escrita do soneto de Augusto dos Anjos
depois do impacto da notícia em solo brasileiro.
A repercussão foi grande em vários jornais de nossa terra, que ora nos
desterra, ora nos enterra. Entre esses, destaque para o jornal do Partido Republicano
Catarinense, O Dia que, em seu número de novembro, trazia o ocorrido na crônica

60 ANJOS, 1994, p. 396 (Poemas esquecidos).


36

dominical “Monologando”61, ao mesmo tempo que celebrava o que significava glória


“para a Pátria”, um acontecimento que colocava o Brasil à frente de outras nações no
“alvorecer festivo do século da Eletricidade” – euforia que me faz lembrar do agônico e
dissonante, quanto ao progresso, Poema negro: “A passagem dos séculos me assombra /
Para onde irá correndo minha sombra / Nesse cavalo de eletricidade?!”62.
Ainda na mesma página do jornal da capital catarinense, coincidentemente
fundado em 1901, no século do progresso, podemos encontrar um soneto de Augusto
dos Anjos: Pecadora63, publicado pela primeira vez em julho na Paraíba. E interessante
porque nas colunas da parte inferior do periódico, no mesmo número, há um texto
assinado por “Maury Loff” em que o “autor” demonstra “temor” pelos tempos de
conturbação no “velho edifício social”, a Europa, onde o socialismo evolucionista – este é
o título –, não tendo sua eficácia prometida em salvar o mundo e os oprimidos, estava
dando margem àquele “problema ameaçador”, àquele sonho utópico que futuramente
ocasionaria desastre e “esfacelamento das nações”: o anarquismo.

1902.
Augusto dos Anjos seguia colaborando n’O Comércio da Paraíba. São
registrados poemas seus em todos os meses desse ano.
Assim como Raimundo Magalhães Júnior, o pesquisador Zenir Campos Reis
(1977, p. 23-29) faz apontamentos desse aspecto peculiar verificado na obra de Augusto
dos Anjos, deste poeta que, “tematizando a vida prática e a história, [...] explicita ideias
que permitem pensar o interessantíssimo problema do intelectual brasileiro”. Além de A
peste, há o poema Ave liberta (escrito em comemoração do aniversário da Proclamação
da República, em 15 de novembro de 1901) e a crônica Tiradentes (e outros textos em
prosa de Augusto dos Anjos que, mais tarde, apareceriam com mais frequência no jornal
de Artur Aquiles, intitulados “Crônicas Paudarquenses”) que o organizador de Augusto
dos Anjos: poesia e prosa exemplifica como o que pode ser lido por esta perspectiva de
uma obra “atualizada” com a história presente e passada.
Olhemos A peste, a filha da raiva de Jeová que tanto ceifa e sepulturas planta,
que tanto ri e mortes semeia, segundo o eu: “E como o sol que a segue e deixa um rastro

61 O Dia: órgão do Partido Republicano Catarinense, n. 258, 10 nov. 1901, p. 2.


62 ANJOS, 1994, p. 286.
63 Ibid., p. 384 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 31-07-1901.
37

/ De luz em tudo, ela, como o sol – o astro – / Deixa um rastro de luto em cada canto!”64.
Magalhães Júnior (1977, p. 60) afirma que este soneto coincide com “as notícias
publicadas nos jornais locais sobre um surto de peste bubônica que começara a assolar a
região nordeste”. Notícias publicadas, segundo o biógrafo, em face “do alarmismo da
imprensa”.
Na seção “Saúde Pública” dos relatórios anuais apresentados na Assembleia
Legislativa da Paraíba, ano de 1902, o presidente (governador) do estado, José Peregrino
de Araújo, a “autoridade” do momento, fazia crer que a conjuntura não era simples
“alarmismo” da imprensa.
Dizia o governador que a situação da saúde da população paraibana era
precária, principalmente em se tratando da capital e em relação à varíola, doença que
assolava o estado desde o ano anterior; sem contar no alto número de pessoas com febre
nas cidades de Campina Grande, Alagoa Grande e na própria capital. O governador
informava de suas medidas tomadas, como vacinação, isolamento de enfermos e envio
de ambulâncias para cidades de maior risco epidemiológico. Eis a situação:
Além da varíola, que na minha anterior mensagem, declarei se haver
manifestado com bastante intensidade em Bananeiras e ficou debelada até o
fim de outubro, manifestou-se em dezembro na comarca de Princesa uma febre
de caráter desconhecido ali e com tal impetuosidade, que obstou a
continuação do inquérito aberto sobre o bárbaro assassinato ali praticado em 6
de janeiro, do qual fiz menção em outra parte desta mensagem, obrigando o dr.
Chefe de Polícia a adiar as diligências iniciadas e prosseguidas após o
desaparecimento da epidemia, que mais tarde reapareceu.
Foi superior a cem o número de vítimas sacrificadas por essa moléstia,
inclusive os dois executores do bárbaro atentado a que acabo de referir-me e
alguns de seus cúmplices.
[...]
Além disso, tendo se manifestado no Recife a peste bubônica, teve a
Administração necessidade de estabelecer um posto sanitário na estação Rosa e
Silva da ligação das estradas de ferro “Conde d’Eu” neste estado e “Limoeiro” no
de Pernambuco, e empregar outras medidas no intuito de evitar transmissão
desse terrível morbus ao nosso estado, fazendo com tais medidas avultadas
despesas.65

A peste de Augusto dos Anjos plantava luto em cada canto, plantava morte
por onde passava. A querida Paraíba registrava, desde 1901, continuando em 1902,
surtos de doenças graves e, pior, inúmeras mortes. Verdade, não era simples alarmismo.
Enfim, Magalhães Júnior destaca que, nesta época, outubro de 1902, o poeta
já estava “fazendo nome” e se impondo “no meio provinciano” através de seus versos

Ibid., p. 424 (Poemas esquecidos).


64

Mensagem do governador da Paraíba para a Assembleia (PB), n. 1, 01 out. 1902, p. 15-17 (grifos
65

meus).
38

publicados n’O Comércio – mesmo que a maioria deles não tenha sido incorporada à
edição livresca de 1912.
Aproximavam-se os exames da Faculdade de Direito do Recife.
39

CAPÍTULO 2:
Na Faculdade de Direito do Recife

1903.
Nas páginas do mais antigo periódico em circulação do Brasil, o Diário de
Pernambuco, da capital Recife – divulgador de reuniões e eventos acadêmicos, da
relação periódica dos candidatos às vagas de ingressante e dos aprovados e reprovados
de cada semestre letivo da Faculdade de Direito –, também podemos encontrar um e
outro dado biográfico de Augusto dos Anjos e de sua “vida acadêmica”.
Não consegui localizar a lista dos alunos aprovados para o primeiro ano do
curso jurídico, em 1903, lista na qual deve estar o nome de Augusto. Mesmo assim, as
biografias já conhecidas dão conta de que o poeta ingressou neste ano, especificamente
em março, período dos exames orais (MAGALHÃES JR., 1977, p. 80).
As datas também podem ser confrontadas a partir das (anteriormente)
mencionadas cartas que o poeta enviava à sua mãe, de quando ausente do Pau d’Arco.
Na correspondência datada de 27 de fevereiro, por exemplo, já escrevia da
capital Recife informando-a da viagem realizada; tinha viajado com o Juca, ajudante da
família. Dizia que, durante o percurso, ambos haviam sido pegos por uma terrível chuva,
a “majestade impiedosa” que os havia deixado molhados iguais a duas “catadupas
ambulantes”. Terminava a carta “recomendando” a todos do engenho, a todos da casa, à
Amélia e à Donata (empregadas), à Joana, aos irmãos, ao pai e aos demais familiares – no
começo da missiva, havia desejado melhoras ao pai que estava com a saúde debilitada.
Agora, duas notas.
Augusto, ao referir-se à forte chuva que deixara ele e o Juca molhados
durante a viagem Paraíba-Pernambuco, utiliza um aposto comparativo, em tom
adjetivante, recurso que lhe é peculiar: “essa majestade impiedosa”, dando bastante
ênfase à chuva, à majestade que os deixara iguais a duas “catadupas ambulantes”, a duas
“cachoeiras” pelo tanto de chuva que tomaram.
Na mesma carta, ao referir-se à sua estadia na capital Recife (na casa de
parentes) durante a realização dos exames da faculdade, falava dos dias de carnaval que
ali ocorreram com bastante festividade. Confessava à sua mãe que pouco havia se
40

divertido: “O que é afinal o divertimento? Uma fenomenalidade transitória, efêmera”66.


Situação que podemos entender igualmente mesmo se mudarmos: “O que é afinal o
divertimento? Essa/esta fenomenalidade transitória, efêmera”.
A segunda nota diz respeito ao “jeito” de Augusto, pois o poeta sempre “se
lembrava” de todos de “casa”, não somente da família, mas de todos os trabalhadores, os
da roça e os do velho engenho Pau d’Arco e as ajudantes da casa de sua mãe, Donata,
Filomena, Guilhermina. Com isto, sigamos.
Em qualquer trabalho “apologético” sobre a vida e obra do poeta, é notória a
tentativa de “humanização” e preocupação em se construir imagem de alguém que
olhava piedosamente para aqueles “oprimidos e despossuídos”, de alguém entregue às
letras e ao pensamento e que, ao mesmo tempo, pensava no coletivo. Em alguns casos,
chega-se a uma “santificação dos senhorzinhos humanistas”, mistura daquele velho
saudosismo da época de engenho, época de quando se tinham “nome e propriedade”.
Cavar este tipo de conteúdo é polêmico, é cansativo, talvez até “anacrônico” a
depender da ocasião. Mas não dá para ler na biografia e bibliografia de Augusto dos
Anjos que ele fora “alimentado por leite de escrava”, uma preta, e que a ela dedicou um
poema – assim como fizera em Gemidos de arte, quando ouve uma “subterrânea voz
rouca” arrastando-o (claro, o eu) até a casa do finado Toca –, e ficar isento.
Não tive acesso a nenhum material de fôlego que trata desta contradição: um
poeta preocupado com questões históricas de escravizações e genocídios – como se
fossem díspares... –, de negros e indígenas e combativo e denunciante das variadas
formas de opressão do Estado sob qualquer população que representa “minoria” e, ao
mesmo tempo, incluso em família de tradição patriarcal, de donos de muitas terras e de
bens invejáveis – muito embora, hipotecados e falidos. Adendo: não conheço material de
fôlego já publicado, porque certamente nos bancos acadêmicos de teses e dissertações
mais “atuais”, principalmente na área da história, deve haver algo sobre67.
O fato é que biografia e obra de Augusto dos Anjos confundem-se, na visão de
alguns críticos. E quando lemos os nomes desses “personagens anônimos do engenho”,
“Guilhermina” e “Toca” nos seus poemas e “João Francisco” em uma crônica sua, assim
como outros nomes (Chico Matias, Donata, Juca, Filomena, João Higino) em alguns dos

66ANJOS, 1994, p. 679.


67Há uns seis meses, “olhei” o título de um artigo (e seu resumo) de mesmo tema, mas acabei
enveredando por outro caminho, não me aprofundando. Mas irei procurá-lo em um futuro próximo.
41

seus arquivos pessoais, as correspondências, à interpretação de sua poesia vem a


impossibilidade de se trilhar método tão “fechado” de análise.
Se, para alguns, através da recuperação de fatos e passagens e “personagens”
presentes na vida do poeta é possível entender sua “personalidade” de humanista, de
moço justo e, por vezes, cantor da decadência de “seu povo” – sim, a maioria munida da
saudade dos velhos engenhos... –, acredito que não menos importante é tentar entender
os mesmos fatos e passagens e “personagens” através de uma visão crítica e
denunciadora esboçada pelo próprio Augusto dos Anjos em sua poesia.
Em “A poesia social no Brasil”, ensaio do professor e sociólogo Fernando de
Azevedo (1962), divulgado originalmente em 1925, creio que haja valiosa contribuição
para tal68.
Traçando um panorama da literatura e seus escritores engajados na
concepção de poesia como função social, o professor Azevedo destaca o século XX como
um “novo momento” (pós acontecimentos decisivos nacionais: fim da escravidão e
proclamação da República) nas letras e imprensa brasileiras. Após os “últimos ecos da
agitação emancipadora” (o abolicionismo e a República, nas vozes de Castro Alves, José
Bonifácio, Tobias Barreto), começavam a barulhar na literatura, neste novo momento, os
interesses pela “luta de classes”, acompanhantes de fatos e acontecimentos nacionais e
internacionais, nas esferas político-econômico-socioculturais, entre os quais o grande
fluxo imigratório de operários estrangeiros no Brasil (sim, nova mão de obra) o que,
consequentemente, intensificava a formação de uma nova classe social no país, a do
proletariado industrial.
O professor e historiador Francisco Foot Hardman lê o ensaio de Azevedo
como um dos pioneiros nos estudos desse panorama “sociológico-literário” brasileiro69.
Hardman (2002, p. 118) assinala nas suas pesquisas – isto, nas pesquisas
suas, nas pesquisas do professor Hardman, realmente ficou confuso –, não somente a
imigração maciça de operários estrangeiros no Brasil República, desde fins do século
XIX, instalando-se nas principais cidades do país, como também as novas configurações
e modificações político-econômico-socioculturais ocasionadas desse internacionalismo:
alterações no perfil urbano e industrial da sociedade, nos seus modos de vida e na sua

68 AZEVEDO, F. de. A poesia social no Brasil. In: _____. Máscaras e retratos: estudos literários sobre
escritores e poetas do Brasil. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, 1962.
69 HARDMAN, F. F. Sinais do vulcão extinto. In: _____. Nem pátria, nem patrão!: memória operária, cultura

e literatura no Brasil. 3. ed. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2002.


42

“linguagem” e, simultaneamente, o surgimento de uma imprensa engajada e de uma


“literatura social de cunho libertário” tanto “produzida diretamente pelas agências de
cultura criadas pelos núcleos anarquistas (imprensa operária, publicações dos próprios
sindicatos e órgãos classistas)” quanto “indiretamente pela produção literária de certos
intelectuais de origem pequeno-burguesa, produtores de discursos que poderíamos
chamar de “anarquizantes””70.
E, entre estas tantas novas vozes de escritores engajados na literatura de
cunho libertário, destaque para Hipólito da Silva, Ricardo Gonçalves, Hermes Fontes,
Max de Vasconcelos, Manuel Custódio de Melo Filho, José Oiticica, Lima Barreto, Martins
Fontes, Curvelo de Mendonça, Pedro do Couto, Rocha Pombo, Afonso Schmidt.
Bem, voltando ao poeta de Pau d’Arco.
No seu ensaio, mesmo não tecendo argumentos extensos, Fernando de
Azevedo destaca, logo no início, o nome de Augusto dos Anjos – por isto que as “notas”
são importantes, às vezes elas também revelam boas possibilidades de leitura. Segundo
o sociólogo, Augusto “estremecia de ternura pelos humildes em “Minha Ama
Guilhermina”, onde a ironia amarga se casa a uma fina sensibilidade” (1962, p. 87).
O poema que Azevedo assinala é o famoso Ricordanza dela mia gioventú,
aquele da ama de leite Guilhermina que, “literariamente” falando, roubou moedas do eu
e, este eu, afirmando que a ele somente cabia o furto feito, o furto do seio que deveria
alimentar a filha de Guilhermina, manifesta inquietante sentimento de “remorso”:
remorso porque roubou o alimento de uma criança possivelmente preta ou parda, filha
de Guilhermina; remorso porque entendia e sentia a situação de baixeza que esse
“amamentamento” de mulheres pretas, dado aos senhorzinhos, simbolizava (sim, no
Brasil); remorso porque esse eu “vê e sente “agora” em sua cama” o próprio remorso.
Sendo assim, acredito que isto seja um dos pilares da poesia de Augusto dos
Anjos: ao mesmo tempo que o poeta demonstra um olhar, uma atenção para os
humildes, os vencidos, os desacontecidos, os impossibilitados, os humilhados, os
derrotados, os desgraçados, os trabalhadores e trabalhadoras do velho engenho e da
cozinha da casa(-grande), ele revela uma ironia, um escárnio que inquieta a nós leitores,
que nos faz parar e pensar nos fatos e passagens e “personagens” por ele vistos e
“sentidos”, sobretudo durante sua vida no engenho Pau d’Arco. Acredito que esta ironia

70Não, nenhum dos dois ensaios – este do professor Hardman e o do professor Azevedo –, devem ser
assim reduzidos em dois parágrafos. Portanto, suas leituras são imprescindíveis.
43

amarga sirva como denúncia, como voz que, de certa maneira, reivindica “alguma coisa”;
ou, quem sabe, apenas grita.
As notas sobre isso aparecem mais detalhadas no segundo momento deste
trabalho (de notas), onde figuram os poemas narrativos de Augusto dos Anjos. Mas, de
antemão, destacaria “passagens” dos poemas História de um vencido e As cismas do
destino, que são, respectivamente, os capítulos “6” e “7” desta pesquisa. No primeiro, o
eu pergunta a si mesmo: “Pois havia de, assim, nesta maldita senda / De sofrimento
ignaro em sofrimento ignaro / Ir caminhando até tombar sem um amparo / No
tremendo marneI da Desgraça tremenda?!”71. No segundo, o eu pergunta a si mesmo:
“Por que há de haver aqui tantos enterros? / Lá no “Engenho” também, a morte é
ingrata... / Há o malvado carbúnculo que mata / A sociedade infante dos bezerros!”72.
Ao “se perguntar” sobre os tombos e as mortes e os enterros, tanto do “Velho
vencido” (do primeiro poema) quanto da população noturna de Recife e da “sociedade
dos bezerros” do velho engenho Pau d’Arco (do segundo poema), o eu acaba que
consentindo, aceitando a normalidade desses tantos “tombos e mortes e enterros”. Ou
seja, os tombos e mortes e enterros desses “vencidos” tornam-se algo normal; muito
embora, em vários momentos dos mesmos poemas, o eu expressa o forte sentimento de
mágoa, de remorso, de agonia.
Também é oportuno registrar como exemplo o soneto O negro, o filho da
“Hotentótia ufana”, cujos braços servem de escudos, mas dois escudos “mudos”; cujos
braços, por séculos, ao encontro dos ferros, “Gemeu por muito tempo a alma africana”73;
em cujos braços fulge, “atualmente”, ao encontro do sol brasido, o “mordente dos
mormaços”. O soneto é terminado com o eu dizendo que todos os “produtos” da terra, as
flores, os metais e os frutos, são vistos como símbolos de um colorido, mas um colorido
oriundo do sol e do suor e sangue deste negro. Isto mesmo, o sangue do negro.
Referindo-se a esse poema de Augusto dos Anjos – que foi publicado em maio
de 1905 n’O Comércio da Paraíba –, Magalhães Júnior (1977, p. 116) afirma que o poeta
apenas “exprimia sua admiração pelos humildes trabalhadores que conhecera no
engenho Pau-d’Arco, com seus “braços de força soberana/gloriosamente à luz do sol
desnudos””, trabalhadores “apenas egressos do cativeiro em que “ao bruto encontro dos
ferrões agudos/gemeu por muito tempo a alma africana””.

71 ANJOS, 1994, p. 470.


72 Ibid., p. 217.
73 Ibid., p. 469.
44

Admiração ou não por parte do homem e poeta Augusto dos Anjos, a ideia
inicial de poesia engajada e, por isto mesmo, denunciante através de seu vezo irônico
que é, ao mesmo tempo, embebido de “fina sensibilidade” para com os “vencidos e
desgraçados”, pode ser importante na interpretação dos versos do poeta, e talvez até
possa amenizar aquela contradição anteriormente mencionada.
Assim, sigamos com mais dados biográficos de Augusto dos Anjos,
especialmente a partir da leitura das “cartas”.

Em correspondência do dia 22 de março, Augusto comunicava sua mãe dos


exames escritos já realizados e das provas orais que permaneciam sem data prévia de
realização, o que para ele revelava mais da “irregularidade característica do povo
brasileiro”. Dizia que sentia “saudades profundas” da família, uma “nostalgia verdadeira”
reveladora d’um “estado d’alma real e doloroso que nos amortece as energias do
espírito”; se a saudade ia embora por algum tempo, voltava “irresistível, indômita, numa
obsessão cruel que alanceia e tortura”. O poeta desejava melhoras ao pai e ao padrasto
de sua mãe, o “doutor” Aprígio74.
Em carta do dia 25, já informava sua mãe que havia sido aprovado em todas
as cadeiras do primeiro ano – sim, já havia realizado os exames restantes.
No dia 17 do mês seguinte (abril), informava: “resolvi matricular-me no 2°
ano jurídico”75. Na tentativa de realizar os exames em dezembro, o poeta cria que
conseguiria concluir dois anos em um só. Apenas tentativa.
Apoiado nessas cartas, Magalhães Júnior (1977, p. 88) faz indicações do que
talvez possa ter impedido os planos de Augusto dos Anjos: a doença do pai, passando a
ser dele a tarefa de ensinar e preparar o irmão caçula (coincidentemente de nome
Alexandre) para o ingresso no curso do Liceu Paraibano – assim como o dr. Alexandre
dos Anjos fizera com todos os filhos; e mesmo suas constantes viagens à capital Paraíba
a fim de resolver negócios da família, desde compras rotineiras a pagamentos de dívidas.
Se foram esses os motivos ou não, o poeta realmente não conseguiu prestar
os exames do segundo ano em dezembro de 1903.
Ainda do mês de dezembro, sabemos da existência de outra carta enviada à
sua mãe, datada do dia 10. Nela, Augusto referia-se a uma “entrevista” junto ao então

74 Ibid., p. 681.
75 Ibid., p. 683.
45

governador (presidente) da Paraíba, o dr. José Peregrino de Araújo (VIDAL, 1967, p.


144). Não me recordo se as mais conhecidas biografias do poeta fizeram algum tipo de
alusão a essa carta, detalhando sobre a tal entrevista. Mas, talvez, a “entrevista” fosse de
emprego – José Peregrino exerceu o cargo de 1900 a 1904.
Augusto continuava colaborando no jornal de Artur Aquiles “normalmente”,
sempre entre as viagens entre a capital (Paraíba) e o engenho Pau d’Arco. Vale destacar
que, durante todo o ano de 1903, apenas duas autorias suas foram publicadas: o poema
longo Idealizações e o soneto Vencedor. Este, único presente na edição Eu (1912), tem
versos fortes que revelam a força da arte, já “Que ninguém doma um coração de poeta”76.

1904.
Deste ano, são conhecidos nove poemas de Augusto dos Anjos, sete
publicados n’O Comércio paraibano: Vandalismo, Sonho de amor e o longo Ode de amor,
de janeiro; Soneto [A orgia mata a mocidade, quando] e Festival, de outubro; Noturno e o
longo A vitória do espírito, de novembro. Dos outros dois, não se tem registro algum em
periódico; suas datas são conhecidas por conta das assinaturas presentes no Eu: “Pau
d’Arco – 1904”, em Eterna mágoa e em A ilha de Cipango (outro longo).
Sem dúvidas, Eterna mágoa é um dos poemas mais chamativos deste período,
já que “[...] essa mágoa infinda assim, não cabe / Na sua vida, é que essa mágoa infinda /
Transpõe a vida do seu corpo inerme; / E quando esse homem se transforma em verme
/ É essa mágoa que o acompanha ainda”77. Contudo, o que mais chama nossa atenção é
esse intervalo de nove meses sem publicações de Augusto dos Anjos, pois o poeta
publicou autorias em janeiro e seu nome voltaria a aparecer no jornal de Artur Aquiles
somente a partir de outubro.
Se, para alguns, a doença agravada do pai, a crise financeira da família, os
demais problemas de uma “vida atribulada”, tudo isto interrompeu seus planos na
Faculdade de Direito do Recife, planos de concluir dois anos do curso em um só, a
“turbulência” do ano eleitoral de 1904 também deve ser melhor analisada. Inda mais em
relação à colaboração do poeta na imprensa da Paraíba.
Na já mencionada carta que Humberto Nóbrega recebeu de Celso Mariz e
reproduziu na pesquisa Augusto dos Anjos e sua época, o jornalista recorda de e descreve

76 Ibid., p. 281.
77 Ibid., p. 290.
46

episódios da época em que trabalhava com Augusto n’O Comércio, durante os primeiros
anos do século XX. Mariz (apud NÓBREGA, 1962, p. 156) informa que um dos episódios,
a propaganda de cigarros de um comerciante da cidade feita em versos por Augusto,
aconteceu em 1905, logo após o “empastelamento do “O Comércio” por elementos
exaltados do governo do desembargador José Peregrino de Araújo”.
Empastelamento: “Destruição, por meios violentos, de redação e oficinas de
jornal; amontoamento de caracteres tipográficos; confusão”78.
Desde outubro de 1900 que a Paraíba (do Norte) era governada por José
Peregrino de Araújo. Pelas informações, sabe-se que a situação do estado não estava (e
nunca foi) às mil maravilhas, mesmo com a tão sonhada República: por sua atuação
intransigente e por “várias de suas medidas, [José Peregrino] recebia forte oposição do
importante jornalista paraibano Artur Aquiles”79. A situação ficou mais séria depois do
empastelamento d’O Comércio, e José Peregrino era tido como mandante – vale lembrar
que Artur Aquiles sofrera a mesma arbitrariedade em 1892, quando o influente Álvaro
Machado, então governador da “Paraíba Republicana”, fora acusado de crimes de
depredação e prisão de funcionários d’O Paraibano, jornal oposicionista que contava
com a colaboração de Aquiles80; o fato repercutiu em todo o país e, por medidas de
segurança, foram concedidos habeas corpus a Aquiles e demais membros do impresso81.
Em relação ao ataque perpetrado por José Peregrino, Ademar Vidal (até
agora) é o único dos biógrafos de Augusto dos Anjos que “relembra” o fato.

78 SILVEIRA BUENO, F. da. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD; Lisa, 1996, p. 233.
79 ABREU, A. A. de (coord.). Dicionário histórico-biográfico da Primeira República (1889-1930). Rio
de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do
Brasil, 2015, p. 286.
80 Situação que bastante repercutiu, inclusive na capital federal, o Rio de Janeiro. Em telegrama enviado ao

diário O Paiz (: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 3.841, 07 nov. 1892, p. 1), Álvaro
Machado referia-se à inspetoria e vistoria que a polícia fizera nas dependências d’O Paraibano,
claramente para “apurar” os fatos. Dizia que, embora os redatores tivessem tentado impedir, a polícia
havia conseguido finalizar o inquérito, constatando que era “tudo falso; [pois] ninguém viu tal ataque, a
não serem os interessados; [pois] não houve sinais de violência; não houve ferimentos; a tipografia está
em perfeito estado”. Finalizava garantindo que tudo não passava de fingimento da folha, em puro sinal de
oposição a seu governo, até porque “a capital est[ava] em completa paz”. Se fingimento ou não, o então
deputado federal pela Paraíba (e futuro presidente do Brasil), Epitácio Pessoa, tecia ferrenhas críticas a
Machado. No mesmo diário fluminense (O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n.
3.845, 11 nov. 1892, p. 1), podemos ler trechos das “sessões/assembleias” realizadas na Câmara. Em uma
delas, Epitácio acusava o governador de ser o responsável pelo ataque àquele jornal paraibano e de ter
“implantado a desordem no Estado da Paraíba”.
81 BARBOSA, S. de F. P. (org.). Pequeno dicionário dos escritores/ jornalistas da Paraíba do século

XIX: de Antônio da Fonseca a Assis Chateaubriand. João Pessoa: Ed. Universidade Federal da Paraíba,
2009, p. 26-27.
47

Na seção “Luta política. A imprensa”, Vidal descreve as tensões vividas nos


primeiros anos de 1900, principalmente entre o governo situacionista e a imprensa.
Entre os jornais que faziam oposição, que “circulavam numa hostilidade feroz ao
governo estadual”, estavam o próprio O Comércio e, ainda, O Combate. Neste se
destacavam Oscar e Orris Soares, Neves Filho, Eugênio Neiva, Álvaro de Carvalho,
Claudiano Cunha e Francisco Falcão; naquele, Artur Aquiles (diretor), Assis Vidal (pai de
Ademar Vidal), Ernani Tapajós, Antônio Elias, Carlos D. Fernandes, Abel da Silva,
Américo Falcão e Augusto dos Anjos (como colaborador). Conta Vidal que o acirramento
ficou mais intenso depois que Peregrino quis “reformar” a Constituição, na tentativa de
oficializar Simeão Leal, então chefe de polícia, como seu futuro substituto no executivo:
Mas um dia os fatos políticos se inflamaram fora da conta. José Peregrino
queria reformar a Constituição para o fim de ser substituído por Simeão Leal.
Este não tinha a idade exigida e, por isso, havia necessidade da medida
constitucional, o que motivou os maiores ataques, por parte dos mencionados
diários, à pretensão do situacionismo decidido.
O Governo, por seu turno, entendeu não suportar mais a situação,
fazendo com que as respectivas redações fossem invadidas, depredando-
se e invadindo-se tudo. Não ficou nada das tipografias que viraram cinza.
Podem-se imaginar as consequências. Vieram as violentas manifestações
de rua. Os estudantes realizaram passeatas dissolvidas pela cavalaria de
polícia.
[...] A Paraíba sentiu-se à beira de uma conflagração geral, porém o Governo
conseguiu dominar a situação, embora, por outro lado, deixasse de obter o que
acariciava – e que era a reforma da Constituição. O terror imperante na capital
do Estado refletiu-se principalmente nas localidades vizinhas.82

Bem, a “província” não era tão calma, como nos dizem. Fico me perdendo
nestes “fatos” em busca de motivos e consequências... Fechar e queimar jornal não deve
ter sido tão ruim assim. Foi pela segurança e honra. A República era nova.
Evoluídos somos nós com um baita chefe asnático (e asnáticos seguidores),
um verdadeiro filho da pátria, (todos) destilando e compartilhando ódio gratuito a
qualquer “minoria”, (todos) incitando a filmagem e perseguição de professores em sala
de aula, (todos) abrindo espaço a cada cidadão de bem possuir uma arma em legítima
defesa, (todos) incentivando a invasão de hospitais para confirmar esta mentira deste tal
de vírus corona. Evoluídos somos nós. Tão evoluídos que imprensa e ciência e academia
(pra não falar universidade já que a corja se explode quando ouve) é que são mentirosas.
Enfim, o resgate desse fato em maior amplitude pode ser útil, haja vista que
muito material foi perdido durante o incêndio, certamente dificultando o acesso a tal. Já

82 VIDAL, 1967, p. 63-65 (grifos meus).


48

que o objetivo deste é compartilhar fontes e notas, a “nota” que faço é sobre Augusto dos
Anjos, pois era o poeta um dos colaboradores do jornal dirigido por Artur Aquiles.
Na sua pesquisa, Ademar Vidal (1967, p. 64) descreve como se Augusto
estivesse bem distante e não fizesse parte do jornal invadido e queimado. Naquela
mesma seção, “Luta política. A imprensa”, aludindo a um Pau d’Arco de “clima espiritual
intenso”, o biógrafo informa que fora preciso D. Córdula intervir na exaltação dos
rapazes (Augusto e os irmãos), porque todos eram intentados em comentar e debater
fatos políticos e sociais.
Informa ainda que, durante uma conversa com a mãe de Augusto, no ano de
1933, D. Córdula dissera-lhe que não eram os “fatos desenrolados na capital da Paraíba
que preocupavam os seus filhos”, mas, sim, “os que ocorriam no mundo e dos quais se
tinham notícias pelos jornais da terra”. Então, segundo Vidal, se tinham os rapazes seus
ânimos exaltados, não ultrapassavam um “liricamente exaltados”.
Bem, das “consequências” do atentado, podemos ter mais detalhes.
No relatório anual apresentado na Assembleia Legislativa do Estado, em
1904, o então governador (presidente) da Paraíba (do Norte), José Peregrino, descrevia
o que chamava de “pequena arruaça”, uma “ruidosa passeata” calculada e executada no
dia 28 de julho (de 1904), após o incêndio dos jornais (O Comércio e O Combate).
Na passeata, dizia Peregrino, diretores e promotores portavam revólveres e
atiravam contra a polícia do palácio do governo, atingido três dos seguranças, fato esse
que deveria “entristecer e indignar” os diretores e redatores dos jornais prejudicados. O
governador falava dos inquéritos instaurados contra dois (identificados) dos seis
acusados do empastelamento e dos tiros contra os policiais. E salientava que, pelas
provas dos inquéritos, o grupo acusado era chefiado “pelos próprios diretores e
redatores dos jornais empastelados, justamente os que deviam achar-se mais
contrariados, ressentidos, e contristados com esses atentados”83.
Bem, essas foram as palavras da “autoridade”.
Não devemos mais prolongar o conteúdo. No entanto, este clima de tensões
violentas entre a imprensa e as botas do Estado poderia ser, quem sabe, pesquisado em
notas futuras. Antes mesmo de levarmos em consideração o lindo depoimento de
Peregrino, saibamos que a velha Paraíba era acostumada com prisões de jornalistas, com
invasões e destruições e queimas de tipografias de jornais. E, na situação em específico,

83 Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), n. 1, 01 set. 1904, p. 17-19.
49

ocorrida em julho de 1904, até passeatas (que Ademar Vidal diz terem sido de
estudantes) aconteceram, tendo que a polícia intervir brutalmente para dispersá-las.
Portanto, a história não deveria se limitar aos registros de uma “província”
(Paraíba) parada e calada. Mais inquietante é que toda a situação aconteceu justamente
no jornal que Augusto dos Anjos colaborava. E mais inquietante é ler um “liricamente
exaltado”. Pelo menos agora suspeitamos dos motivos do enorme intervalo de tempo (de
janeiro a outubro) que passou Augusto sem colaborar n’O Comércio.
Por ora, só mais uma nota.
Fico na dúvida do que significava “conservador” em um jornal do começo do
século XX, porque é isto que lá está estampado como subtítulo n’O Comércio: “órgão das
classes conservadoras”. Teria de rever os significados do termo ao longo do tempo. Até
de rever as biografias de um por um dos diretores daquele jornal e o seu “programa”.
Mas não posso nem devo desviar o foco tanto assim. Então, sigamos.
Pelas fontes pesquisadas até o momento, é possível saber que existiram na
Paraíba outros periódicos de mesmo nome. Mas tudo indica que o de Artur Aquiles fora
fundado em 1898, já que as edições disponíveis de 1900, por exemplo, registram o diário
como ano “II”, o que a lógica nos ajuda84.
Não menos importante é saber que Aquiles era ferrenho crítico não só dos
governos situacionistas como também daqueles ligados ao clero, “criticando a Igreja e o
papel que desempenhava nos assuntos da cidade, no jornal católico A Imprensa”
(BARBOSA, S., 2009, p. 27).
Anos antes de falecer, em 1916, havia deixado um “testamento público” em
tom de desabafo e desilusão depois de tudo que havia feito pela sua velha Paraíba,
pedindo que fosse seu cadáver enterrado “sem a menor solenidade dos enterramentos
comuns, conduzindo-o ao campo santo numa simples rede, carregada por dois a quatro
trabalhadores de qualquer armazém do comércio”. Dizia que todos os seus atos na vida
pública “obedeceram ao desejo consciencioso de ser útil aos outros e sobretudo à

84Aqui faço menção especial ao projeto desenvolvido pela professora Socorro de Fátima Pacífico Barbosa,
do Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas (do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes) da
Universidade Federal da Paraíba: Jornais e folhetins literários da Paraíba no século XIX (disponível
em: <http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/sobre.html>). Trata-se de pesquisa realizada entre os
anos 2005-2008, que teve como objetivo resgatar e disponibilizar fontes primárias (jornais e revistas) da
história e literatura paraibanas dos séculos XIX-XX. A maioria dos jornais e revistas do acervo digital não
está disponível em nenhuma outra fonte “acessível”, o que torna o trabalho de valor inestimável.
50

Paraíba”, mas que nunca fora “bem compreendido, sendo sempre caluniado” por aqueles
que acreditavam ser ele um empecilho, “uma entrave aos seus interesses individuais”85.
Caluniado por aqueles que não desciam de seus pomposos pedestais
arrodeados de privilégios. Sabemos, sim.

1905.
Já dito anteriormente, Augusto dos Anjos realizaria os exames do segundo
ano da Faculdade de Direito somente em 1905, por uma série de problemas pessoais. A
morte do pai foi um deles. O Diário de Pernambuco noticiava a morte do dr. Alexandre
Rodrigues dos Anjos no dia seguinte ao ocorrido, a 14 de janeiro86 – o mesmo fizeram
outros jornais da “cidade das pontes”, a exemplo d’A Província e do Jornal do Recife.
A nota do diário prestava homenagens à memória do dr. Alexandre dos Anjos,
filho (natural) de Pernambuco, registrando alguns dados de sua biografia, como sobre
seus filhos acadêmicos na capital Recife (Odilon e Augusto) e um outro promotor na
Paraíba (Artur); sobre sua vida de juiz municipal no Ceará (Ipú) e de promotor público
também no Ceará (Granja e Acaraú), em Alagoas (Atalaia) e na Paraíba (Pedras de Fogo).
Exaltando o dr. Alexandre como exemplo de qualidade moral, a nota terminava
prestando condolências à família.
Este sim merecia o título: “O doutor Alexandre Rodrigues dos Anjos”, diz
Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 297) em suas “Notas biográficas”, possuía “ideias
abolicionistas e republicanas. Pelo menos foi a fama que deixou, como a de ter vasta
erudição, versado que era em letras clássicas, além de atualizado com a cultura do seu
tempo”. Ou, como informa Demócrito de Castro e Silva (1984, p. 99), era um verdadeiro
“humanista” que ensinara tudo que sabia aos seus filhos, a Augusto dos Anjos, pois era o
dr. Alexandre “um estudioso dos assuntos sociais e humanos”.

Voltando à temporada estudantil.


Não mais que dois meses depois, o sobrenome “Rodrigues dos Anjos” voltaria
a aparecer no diário pernambucano. Na coluna “Ensino Público”, edição de março,
divulgavam-se as listas gerais (cada qual do seu respectivo ano letivo) com os nomes dos

85 CASTRO, O. de O. Vultos da Paraíba: (patronos da academia). [S.I.: s.n], 1955, p. 35-36.


86 Diário de Pernambuco, n. 11, 14 jan. 1905, p. 2.
51

alunos aprovados e reprovados (alguns com notas baixíssimas) nos “exames orais” do
curso de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito do Recife87.
Assim como aconteceu em 1903, seguia-se ao nome de Augusto dos Anjos o
“aprovado plenamente” em todas as cadeiras – no seu caso, do segundo ano letivo. Isso,
nos exames orais; e o mesmo aconteceu com suas provas escritas.
Demócrito de Castro e Silva (1944), na primeira biografia mais extensa sobre
o poeta de Pau d’Arco, Augusto dos Anjos: poeta da morte e da melancolia, reproduz três
dessas provas no capítulo “Nos tempos da Faculdade”, especificamente provas das
disciplinas de Direito Civil, Constitucional e Internacional88. Nas reproduções desses
exames, cujos documentos originais foram obtidos junto aos arquivos da Faculdade de
Direito do Recife, constam as avaliações e as assinaturas dos professores responsáveis.
O segundo ano estava concluído.
Raimundo Magalhães Júnior, comentando desta segunda passagem do poeta
pela faculdade, diz que isto representaria “um divisor das águas” em sua poesia.
Logo no começo do ano letivo, todos os acadêmicos estavam abalados pela
morte prematura do poeta, do mestre, do professor de direito Martins Júnior, ocorrida
no ano anterior. Contudo, seu legado intelectual, sua teorização e afirmação da “nova
poesia”, a poesia científica de lastro positivista, darwinista e evolucionista, influiria
fortemente nas mentes desses moços sedentos por conhecimento.
Diz Magalhães Júnior (1977, p. 109) que foi grande o barulho em volta da
morte de Martins Júnior e em torno de suas teorias, barulho grande e excessivo que
“deve ter levado Augusto dos Anjos a dar especial atenção a seus versos e às teorias do
poeta desaparecido, que influiu também sobre Cruz e Souza, com quem se relacionou à
passagem deste pela capital pernambucana, em 1884”.

É oportuno destacar que o poeta havia publicado cinco autorias suas antes de
iniciar o segundo ano na Faculdade do Recife: o conjunto de três sonetos dedicados ao
seu pai, cujo nome é Sonetos [I – A meu Pai doente; II – A meu Pai morto; III – {Pobre meu
Pai! A Morte o olhar lhe vidra}], e ainda Canto de agonia, Vae victis, A dor e Terra fúnebre,
dos quais apenas os sonetos ao pai aparecem no Eu (1912).

87Diário de Pernambuco, n. 64, 19 mar. 1905, p. 1.


88DE CASTRO E SILVA, D. Augusto dos Anjos: poeta da morte e da melancolia: (com muitas poesias
desconhecidas, que não constam das últimas edições do “EU” e outras poesias). Curitiba: Guaíra, [1944], p.
181-195.
52

Depois do segundo ano do curso, já de volta à Paraíba, mais produções. E se


os poemas divulgados nas páginas do jornal de Artur Aquiles foram em pequena
quantidade entre 1903-1904, em 1905 não.
Podemos destacar muitas autorias que não foram selecionadas por Augusto
dos Anjos para comporem seu Eu (1912), como O negro, Beijo maldito, Senectude precoce
e os poemas longos História de um vencido, Estrofes sentidas e A luva. E também
podemos destacar aquelas que compõem sua obra prima, como Vozes de um túmulo
(“Hoje, porém, que se desmoronou / A pirâmide real do meu orgulho, / Hoje que apenas
sou matéria e entulho / Tenho consciência de que nada sou”89), Solitário, A árvore da
serra (““Não mate a árvore, pai, para que eu viva!””90), Mater, Insônia, Barcarola, Uma
noite no Cairo. Estes quatro fazendo parte dos chamados poemas longos/narrativos.
Fora da Paraíba (do Norte), o nome de Augusto continuava aparecendo em
vários periódicos de vários estados. Ainda em janeiro, o jornal Gutenberg, da
Associação Tipográfica Alagoana, capital Maceió, edição de 12 de janeiro91, reproduzia o
soneto Vencedor92. O periódico fundado em 188193, divulgador ferrenho da campanha
abolicionista, um dos mais importantes da época e que, mais tarde, seria comprado pelo
republicano “bacharel Eusebio de Andrade”, seu redator chefe, publicava poemas de
grandes nomes da literatura brasileira na seção “Cofre de Pérolas”, e nela foi onde
apareceu o poema de Augusto dos Anjos, significativo nos seus dizeres de “Que ninguém
doma um coração de poeta”.
A 20 de junho era o Jornal do Comércio, da capital Manaus, que trazia em
página primeira Soneto [Para que nesta vida o espírito esfalfaste]94. O periódico fundado
em 1904 por J. Rocha dos Santos acompanhou o apogeu do “ciclo da borracha”, mas não
o fez com o título do poema de Augusto dos Anjos: o Soneto está intitulado “Incerto”. Não
me recordo de nenhuma edição em que assim esteja nomeado, pois todas escrevem-no
Soneto95. Trata-se de um poema divulgado pela primeira vez em maio, na Paraíba, com

89 ANJOS, 1994, p. 259.


90 Ibid., p. 272.
91 Gutenberg, n. 4, 12 jan. 1905, p. 2.
92 ANJOS, op. cit., p. 281 (Eu); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 26-11-1903.
93 BARROS, F. R. A. de. ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico, histórico e geográfico das Alagoas.

Tomo II. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2005, p. 52.


94 Jornal do Comércio, n. 466, 20 jun. 1905, p. 1.
95 ANJOS, op. cit., p. 468 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 19-05-1905.
53

dedicação “a Frederico Nietzsche”. Isto mesmo, em um mês já estava circulando pelo


norte do país96.
No outro extremo geográfico do Brasil, Curitiba, vemos a “folha imparcial”, o
jornal “essencialmente popular” (como escrito nos editoriais de quando fundado, em
1889), o Diário da Tarde, estampando na seção “Carnet Diário” versos e pequenos
trechos em prosa da literatura nacional – o periódico era dirigido pelo jornalista
Celestino Júnior. Em sua edição de 26 de junho, divulgava uma autoria de Augusto dos
Anjos97, o poema de duas estrofes Beijo maldito98, publicado um mês antes na Paraíba.
Em solo paraibano, a partir de outubro de 1905 (em diante), Augusto dos
Anjos começava a escrever n’O Comércio (da Paraíba) suas “Crônicas Paudarquenses”,
posteriormente intituladas “Punhaladas”, ou mesmo “Canivetes” e, já em 1906, “Cartas
de Pau d’Arco”. Boa parte dessas crônicas é recuperada no segundo momento deste.

1906.
Chega mais um período de exames.
No mês de abril, o Diário de Pernambuco divulgava na mesma coluna
“Ensino Público” a lista dos alunos aprovados nos exames orais do terceiro ano do curso
de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito do Recife99. O nome de Augusto dos Anjos
estava na relação dos “aprovado plenamente” em todas as cadeiras.
Neste ano, sua primeira publicação “original”, divulgada n’O Comércio da
Paraíba, sairia apenas em junho. Mas o “provinciano” continuava tendo seus poemas
reproduzidos nas colunas de vários jornais do país. E foram em boa quantidade.
Ainda em janeiro, havia saído n’A Notícia de Curitiba, o “diário imparcial e
independente”, “popular” e “dedicado aos interesses do Estado”, o soneto Solitário100,

96 Chama a atenção é que a partir da década de 1930 o jornal manauara publicaria inúmeros sonetos de
Augusto dos Anjos, a maioria na seção “A Poesia do Dia”, como A ideia, Ricordanza dela mia gioventú, A um
gérmen, Apocalipse, Psicologia de um vencido, Vítima do dualismo, Confissão, Vandalismo, Soneto [Pedir a
Dulce, a minha bem amada]. E até noticiaria a criação do “Clube Literário Augusto dos Anjos”, já em 1966,
iniciativa de um grupo de intelectuais para homenagear “o bardo por excelência da tristeza e da
melancolia” (Jornal do Comércio, n. 18.990, 04 jun. 1966, p. 3). Esta notícia trazia algumas informações
biográficas sobre o poeta, de que ele era formado em Direito, professor “emérito” (só não sabemos de
onde...), e que, na sua poesia, resumia todo um “quadro negro” da realidade, pois como era conhecedor dos
“fenômenos fisiológicos e biológicos”, tentava espontaneamente expressar a vida na sua objetividade.
97 Diário da Tarde, n. 2.032, 26 jun. 1905, p. 1.
98 ANJOS, 1994, p. 473 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 30-05-1905.
99 Diário de Pernambuco, n. 85, 17 abr. 1906, p. 2.
100 A Notícia, n. 58, 12 jan. 1906, p. 1.
54

publicado meses antes na Paraíba101. O jornal “independente, político, literário e


noticioso” fora fundado em 1905 e circulou até 1908; tinha como redator gerente o
jornalista Celestino Júnior, também redator do periódico mais importante, na época, do
estado do Paraná (o Diário da Tarde).
Na seção “Joias Literárias”, o jornal Evolucionista – nome sugestivo, por sinal
–, da capital Maceió, tanto em suas edições matutinas quanto nas vespertinas,
reproduzia uma série de poemas de Augusto dos Anjos102. No mês de maio, por exemplo,
foram reproduzidos três sonetos, em números sequenciados: edições vespertinas do dia
26103, com Sofredora104; do dia 28105 (uma segunda-feira, já que a edição anterior havia
saído no sábado), com Soneto [Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura]106; e do dia
29107, com Soneto [Na etérea limpidez de um sonho branco]108.
No mês de julho, mais dois poemas: Soneto [Canta o teu riso esplêndida
sonata]109, divulgado na edição vespertina do dia 13110; e Sedutora111, divulgado na
edição matutina do dia 19112.
Em agosto, edição matinal do dia 30113, vinha estampado o poema Anseio114.
As autorias de Augusto dos Anjos faziam “barulho”, pois eram marca
registrada no jornal alagoano115. O impresso tinha como redator chefe um dos pioneiros

101 ANJOS, 1994, p. 226 (Eu); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 14-09-1905.
102 O nome de Santos Neto, amigo de Augusto, também figurava nessas joias.
103 Evolucionista: jornal da tarde, n. 121, 26 mai. 1906, p. 1.
104 ANJOS, op. cit., p. 391 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 26-09-1901.
105 Evolucionista: jornal da tarde, n. 122, 28 mai. 1906, p. 1.
106 ANJOS, op. cit., p. 412 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 01-03-1902.
107 Evolucionista: jornal da tarde, n. 123, 29 mai. 1906, p. 1.
108 ANJOS, op. cit., p. 421 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 18-04-1902.
109 Ibid., p. 414 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 08-03-1902.
110 Evolucionista: jornal da tarde, n. 160, 13 jul. 1906, p. 2.
111 ANJOS, op. cit., p. 434 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 18-07-1902.
112 Evolucionista: diário da manhã, n. 164, 19 jul. 1906, p. 2.
113 Evolucionista: diário da manhã, n. 199, 30 ago. 1906, p. 2.
114 ANJOS, op. cit., p. 411 (Poemas esquecidos); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 26-02-1902. A

edição organizada por Zenir C. Reis (1977, p. 254) data-o de “28”-02-1902, conjunto Poemas dispersos.
115 E melhor fixar aqui como nota (de fim de página) para não compartilhar desinformações: na edição do

Evolucionista do dia 27 julho de 1906 (n. 171, p. 2), edição da tarde, também na seção “Joias Literárias”,
publica-se um soneto intitulado “Branca”. Curioso porque o soneto traz a assinatura “Augusto dos Anjos”.
Haveria outro Augusto dos Anjos, poeta de versos das “nebulosas” na época, ou seria erro de revisão do
jornal e o nome de Augusto, do paraibano, figuraria na autoria? Espero não estar cometendo confusões,
mas não me recordo desse soneto em nenhuma edição até hoje organizada, mesmo nas primeiras. Como
resgatado por Ademar Vidal (Cf. páginas 46-47 deste trabalho), em julho de 1904 houve o
empastelamento, a queima, a destruição das tipografias d’O Comércio paraibano, a mando do governador
José Peregrino de Araújo; e, como consequências óbvias, a perda de muito material. Neste periódico,
Augusto colaborava divulgando versos seus: então, e se tiver virado cinzas alguma autoria do poeta?
Enfim, a não ser que haja algum acervo em posse de amigos ou familiares de Augusto dos Anjos onde
55

fotógrafos (“amadores”) do estado de Alagoas, o professor, musicólogo e jornalista Luiz


Lavenère, voz ativa da campanha abolicionista, principalmente como membro da
Sociedade Libertadora Alagoana116.

Avançando e recuando.
Dos poemas publicados “oficialmente” entre junho-setembro de 1906,
publicados oficialmente por Augusto n’O Comércio paraibano antes de serem
reproduzidos por outros jornais de outras capitais e, possivelmente, sem o poeta ter
conhecimento, apenas dois estão fora do Eu (1912): Gozo insatisfeito e Nome maldito.
Já as demais autorias, divulgadas originalmente no mesmo período e na
Paraíba, constam em sua obra prima: Versos íntimos (“O Homem, que, nesta terra
miserável, / Mora entre feras, sente inevitável / Necessidade de também ser fera”117),
Duas estrofes, Idealismo, Asa de corvo, O martírio do artista, Queixas noturnas e Poema
negro – estes dois últimos fazendo parte dos chamados poemas longos/narrativos.
E é justamente este “momento”, momento da produção de alguns “poemas
longos” mais importantes, que a maioria dos críticos credita como fase definitiva do
estro poético de Augusto dos Anjos: 1906.
Ferreira Gullar (2016), no ensaio “Augusto dos Anjos ou Vida e morte
nordestina”, ensaio que introduz a edição Toda poesia: Augusto dos Anjos por ele
organizada, assinala o longo Poema negro como início da fase mais significativa da obra
de Augusto, momento a partir do qual “surgem os poemas importantes”, momento em
que o poeta realiza o fundamental de sua arte118. Gullar comenta que o período dura
mais ou menos até 1910, quando o poeta se muda para o Rio de Janeiro e vive outras
“experiências” e outra “fase/momento” literário.
Muito embora essas “fases”/“momentos” sejam importantes para se entender
o processo poético de Augusto dos Anjos, José Ferreira Ribamar (sim, Gullar) encara-as
como discutíveis, pois, ele explica, ainda há muita falta de informação em relação à data
e local de publicação originais de várias autorias, especialmente das coligidas na edição

possa, quem sabe, constar esse poema, ainda não divulgado, no momento fica-se a impossibilidade de
afirmar a autoria. De qualquer maneira, a produção será melhor pesquisada.
116 BRASILIANA FOTOGRÁFICA DIGITAL (Rio de Janeiro). Luiz Lavenère Wanderley. Disponível em:

<http://brasilianafotografica.bn.br/?tag=luiz-lavenere-wanderley>. Acesso em: jun. 2020.


117 ANJOS, 1994, p. 280.
118 GULLAR, F. Augusto dos Anjos ou Vida e morte nordestina. In: ANJOS, A. dos. Toda poesia: Augusto dos

Anjos. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016, p. 57.


56

de 1920, Eu: [Poesias completas], organizada por Orris Soares, o que, consequentemente,
revela dificuldade em se estabelecer “marcos precisos”.
Verdade. O ensaio de Ferreira Gullar data dos anos 1970, e parece que
algumas informações ainda estão “No rudimentarismo do Desejo”119...
Se este é ou não o momento de amadurecimento poético de Augusto dos
Anjos, pelo menos seus trabalhos continuavam, desde muito antes, sendo divulgados em
jornais e revistas deste nosso “Brasil da Opressão”.
Dos seis poemas divulgados originalmente no jornal de Artur Aquiles, em
1906, na Paraíba (do Norte), um foi reproduzido no paranaense Diário da Tarde120.
Trata-se do soneto Idealismo121. A nota interessantíssima é que este poema, um dos mais
utilizados pelos críticos como prova de que “o poeta odiava o amor, mais ainda o amor
carnal”, havia saído em setembro na Paraíba, e já em outubro (dia 9), num intervalo de
vinte dias, estava nas páginas do diário mais importante do estado do Paraná.

1907.
Augusto dos Anjos prestava os exames do quarto ano do curso de Ciências
Jurídicas. De praxe, fora aprovado plenamente em todas as cadeiras, como podemos
verificar na lista dos alunos aprovados da Faculdade de Direito e divulgada pelo Diário
de Pernambuco122. Através das cartas que o poeta enviava à sua mãe, de quando
ausente de casa, é possível saber que ele ficou na capital Recife até a última semana de
maio, pois há uma correspondência datada e assinada “Recife, 21 de maio de 1907”123.
Também no mês de maio, O Comércio da Paraíba publicava dois poemas de
sua autoria: Vozes da morte e Contrastes, saídos nos dias 24 e 25, respectivamente.
Data-se do mesmo mês o poema longo Gemidos de arte, e mesmo não
havendo registro seu em periódico, sabe-se de sua data porque assim vem assinado no
Eu (1912): “Pau d’Arco, 4-5-1907”. Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 159) diz que o
poema foi passado para o papel no dia 3 de maio, e que a “data de tal poema consta de
trabalho posteriormente divulgado no mesmo jornal”.
O trabalho a que Magalhães se refere, certamente é o poema longo Tristezas
de um quarto minguante, de julho do mesmo ano. Se se forem levados em consideração

119 ANJOS, 1994, p. 309. Verso de O lamento das coisas.


120 Diário da Tarde, n. 2.328, 09 out. 1906, p. 1.
121 ANJOS, op. cit., p. 229 (Eu); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 20-09-1906.
122 Diário de Pernambuco, n. 80, 10 abr. 1907, p. 2.
123 ANJOS, op. cit., p. 687-689.
57

alguns dados até certo ponto biográficos no poema supracitado, entre o vai e vem do que
se pode analisar como “fictício” ou “real”, a sétima estrofe ajuda: “Mas tudo isto é ilusão
de minha parte! / Quem sabe se não é porque não saio / Desde que, 6ª feira, 3 de Maio,
Eu escrevi os meus Gemidos de Arte?!”124. Sim, ao menos temos indícios.
Ao todo, no ano de 1907, Augusto publica seis poemas, todos incorporados à
edição princeps do Eu. Além dos três datados de maio, há Ricordanza dela mia gioventú e
o próprio Tristezas de um quarto minguante, divulgados em julho; e Versos de amor,
outro poema longo, divulgado em agosto. Este é da mesma lavra de Gemidos de arte, em
que não há registro seu em periódico, mas como vem assinado, na edição do Eu (1912),
“Pau d’Arco – Agosto – 1907”, fica melhor de assimilar a informação cronológica.
Seriam essas as últimas colaborações do jovem bacharel n’O Comércio
paraibano. O impresso deixaria de circular no mês de novembro.
Seriam esses os últimos versos claramente indicativos de imagens e
experiências vistas e vividas e sentidas por Augusto dos Anjos no engenho Pau d’Arco.

Recorrendo novamente às correspondências entre Augusto e sua mãe, sabe-


se que, em julho, o poeta se encontrava na capital da Paraíba.
Em carta do dia 25, comunicava Dona Córdula sobre alguns fatos rotineiros
da capital e um assunto do seu interesse. Informava-a da sua vida na cidade, onde “tudo
se regula[va] por uma craveira de provincianismo estafado”, sem “nenhuma alteração”.
Informava-a do barulho da “politicagem local”, com a proximidade das eleições gerais de
1908, onde tudo se limitava a ataques entre a situação e a oposição. Informava-a da
conversa tida com o então governador (presidente) do estado, o monsenhor Walfredo
Leal (aquele mesmo, o vice), sobre o brutal assassinato de um membro da família,
pedindo-lhe providência no caso. Sobre este “fato”, uma nota.
Humberto Nóbrega (1962, p. 234), no final do capítulo “A afeição familiar de
Augusto”, informa que, por causa do assassinato de um primo de Augusto, “o poeta,
sentindo-se profundamente ofendido, desenvolveu grande atividade no sentido de ser
efetuada, pela justiça, a punição dos indigitados criminosos”, chegando a escrever um
texto para ser publicado n’O Comércio, no qual apontaria os responsáveis pelo crime.
Essa iniciativa do texto pode ser comprovada quando o poeta, na mesma
carta do dia 25 de julho, endereçada à sua mãe, dizia: “por muito desconfiar dos homens

124 Ibid., p. 300.


58

de hoje, que eu reputo máquinas gramofônicas de verbiagem artificiosa, escrevi uma


notícia para ser publicada no O Comércio, devendo, conforme me disse o Artur Aquiles,
sair a lume amanhã, sexta-feira”125.
Sim, Augusto dos Anjos desconfiava da resolução do caso se realmente o
deixasse por conta do governador. Sim, do possível texto de Augusto não se sabe nada,
não há nada sobre, nenhuma outra biografia trata dele.
Enfim, na mesma carta o poeta comunicava sobre sua possível colaboração,
se Dona Córdula permitisse, em um “jornalzinho” que circularia durante os dias da (já
próxima) novena de Nossa Senhora das Neves, padroeira da Paraíba (do Norte):
É que a Festa das Neves se aproxima e eu fui convidado para constituir uma
das principais partes colaboradoras de um jornalzinho elegante que se propõe
a ser a delícia espiritual do novenário festivo.
Esse jornalzinho sairá todas as noites, e através do pretexto literário que o
recomenda, esconde intuitos puramente financeiros.126

Segundo Augusto, o jornalzinho não traria “alusões deprimentes a pessoa


alguma”. Ele finaliza a carta consciencioso de que, após o término da festa, somente
poderia voltar à sua vida de estudo, à sua vida de “bacharelando necessitado”.
Não há informação suficiente que esclareça se ele colaborou no jornalzinho
elegante em 1907. Sabe-se, apenas, que se trata do Nonevar: órgão do amor, da graça
e da beleza, jornal “dedicado exclusivamente à festa, e cuja circulação durava apenas os
dias do novenário” (entre fins de julho e começo de agosto, tendo-se o dia 5 deste mês
como data comemorativa), jornal que “inaugurou esse tipo de imprensa efêmera –
imprensa de festa –, cheia de verve, humor, sátira, epigramas, perfis e louvaminha ao
belo sexo” (NÓBREGA, 1962, p. 26).
A pesquisa de Humberto Nóbrega é a primeira a trazer detalhes do jornal
existente durante os dias da festa de maior significação social da Paraíba na época, a
Festa das Neves127. E deve ter sido Nóbrega um dos únicos que adquiriram exemplares
do folheto: em Augusto dos Anjos e sua época são reproduzidos versos e crônicas
assinados (com pseudônimos) pelo poeta de Pau d’Arco, datados de 1908, 1909 e 1910.
Se não se sabe se o poeta conseguiu colaborar no Nonevar em 1907, é certo
de sua última volta a Recife, logo depois de terminada a Festa das Neves. Augusto
voltaria para concluir o quinto e último ano do curso de Ciências Jurídicas.

125 Ibid., p. 690.


126 Ibid., p. 691.
127 NÓBREGA, 1962, p. 13. Consultar Prestígio da Festa das Neves.
59

O Diário de Pernambuco já havia divulgado no primeiro dia de agosto uma


lista com mais de 100 nomes dos “atuais bacharelandos” da Faculdade de Direito; na
seção “Vida Acadêmica”, aparecia o nome de Augusto dos Anjos e de alguns conhecidos
seus, como Santos Neto e Orris Soares128. E nas edições dos meses de julho e agosto era
comum o diário noticiar os preparativos da festa de formatura, divulgando as reuniões
nas quais se discutiam a escolha ou não da confecção de um grande quadro onde
estariam os retratos dos acadêmicos e a escolha dos paraninfos e oradores – em uma das
reuniões oficiais para a escolha do orador, Augusto “ganhou” um voto129.
Em carta assinada de “Recife, 25 de outubro de 1907”, o bacharel comunicava
D. Córdula que estava lhe enviando um retrato seu, da formatura, mas que somente em
novembro estariam prontos os retratos maiores. Dizia não saber quando se daria de
exato seu retorno ao velho Pau d’Arco. Também informava sua mãe de um mal-estar,
situação que ele atribuía “às péssimas condições de potabilidade da água [no] Recife”130.
No mês de novembro, ainda em Recife, Augusto escrevia mais duas cartas.
A primeira data do dia primeiro, e nela informava da melhora obtida em
relação às cólicas intestinais, assim como da inscrição realizada a fim de marcar as datas
para os últimos exames do último ano do curso de Ciências Jurídicas.
Na segunda, do dia 7, já informava que as provas seriam realizadas no dia 18
(de novembro). Após dizer à sua mãe que as novidades de Recife eram nenhumas, ali
onde tudo se estreitava “no mesmo corredor comprido de vulgaridades monótonas”131,
recomendava a todos de casa, aos irmãos e ao dr. Aprígio (padrasto de sua mãe), e aos
trabalhadores, Francisco (Chico) Matias e Paulino.
Como não há registrada mais nenhuma correspondência de 1907, em que
Augusto pudesse informar D. Córdula dos resultados dos exames (do quinto e último
ano) feitos, podemos verificar os mesmos “resultados” na pesquisa de Demócrito de
Castro e Silva ([1944], p. 194). O biógrafo reproduz alguns documentos e atas, material
este obtido nos arquivos da Faculdade de Direito do Recife, e que comprovam que a data
de aprovação foi em 2 de dezembro de 1907: “procedendo-se aos atos do 5.° ano [...] e
tendo-se em consideração as provas exibidas, foi Augusto de Carvalho Rodrigues dos
Anjos, aprovado com distinção em todas as cadeiras”.

128 Diário de Pernambuco, n. 172, 01 ago. 1907, p. 1.


129 Diário de Pernambuco, n. 159, 17 jul. 1907, p. 2.
130 ANJOS, 1994, p. 692.
131 Ibid., p. 695.
60

Vez por outra há dúvidas em relação ao ano de término do curso feito por
Augusto dos Anjos. Mas a data é 1907, mesmo.
A informação também pode ser checada nas páginas da Revista Acadêmica
da Faculdade de Direito do Recife: na crônica dos bacharéis que receberam o grau em
Ciências Jurídicas e Sociais, ano de 1907, a revista informa os nomes dos alunos, seus
estados de origem e os dias do ato. Apenas Augusto dos Anjos e Santos Neto os
bacharelandos da Paraíba que receberam o diploma no mesmo dia do mês de dezembro
– Orris Soares, outro conhecido, recebeu no dia 17 do referido mês:
Lista dos Bacharéis que receberam o grau em Ciências Jurídicas e Sociais
durante o ano de 1907 e suas naturalidades
[...]

EM CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS


[...]

Em 4 de Dezembro

6 Antônio Bernardino dos Santos Neto. . . . . . . . . . Paraíba.


7 Augusto [de] Carvalho Rodrigues dos Anjos.
8 Enéas Pereira de Lucena. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Pernambuco.
9 Felisberto dos Santos Pereira. . . . . . . . . . . . . . . . .
10 Renato Cunha de Oliveira Mendonça. . . . . . . . .
11 Domingos Correia da Rocha . . . . . . . . . . . . . . . . . Alagoas.
12 Manoel Brandão Vilela. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .132

Sim, o nome de Augusto vem com erro de revisão, faltando o “de”.


Entre outras úteis fontes de pesquisa que auxiliam para com esses mesmos
dados, há o livro do professor, historiador e jurista Clóvis Beviláqua (1977), História da
Faculdade de Direito do Recife. O nome de Augusto dos Anjos consta na crônica dos
bacharéis dos anos “1890-1927”, mais precisamente na lista dos bacharéis de 1907.
Assim como em alguns nomes de alunos que se destacaram na instituição, no de Augusto
vem, em rodapé, uma nota elogiosa: “Poeta de alto merecimento, já falecido”133.
Por isso mesmo, uma observação.
Seu nome também vem sem a preposição antes do Carvalho: “Augusto [---]
Carvalho Rodrigues dos Anjos”. E mais curioso porque na lista dos bacharéis de 1909
está o nome (completo) de seu irmão Aprígio de Carvalho Rodrigues dos Anjos, onde lhe
é dedicada uma nota bem mais extensa: “Pertencendo a uma família de poetas, também
cultiva a poesia e as boas letras. Foi juiz federal na seção de Mato Grosso e, hoje, advoga

Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, v. 15, n. 1, 1907, p. 179 (negritos meus).
132

BEVILÁQUA, C. Crônica da Faculdade. D – (1890-1927). In: _____. História da Faculdade de Direito do


133

Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro, Conselho Federal de Cultura, 1977, p. 258.
61

no Rio de Janeiro” (BEVILÁQUA, 1977, p. 264). Sem contar que, na mesma lista dos
bacharéis de 1907, junto ao nome do amigo de Augusto, o também bacharel Santos Neto,
vêm elogios mais pomposos e até mesmo são citados os cargos profissionais por ele
exercidos e algumas de suas obras publicadas (o famoso Perfis do Norte).
Enfim, Augusto dos Anjos teve o nome com erro de revisão e uma
“homenagem” através de nota de seis “palavras”.

Salvo engano, Demócrito de Castro e Silva (1984) e Raimundo Magalhães


Júnior (1977) mencionam a falta de dados mais completos ou de fontes que possam
fornecer mais detalhes do período em que o poeta de Pau d’Arco esteve no “centro
acadêmico”, a Faculdade de Direito do Recife. Por outro lado, é possível encontrar,
dando uma pesquisada em jornais e revistas, algumas crônicas em que podemos
localizar fatos e episódios, se não reveladores, ao menos dignos de nota.
A exemplo, a crônica “Os de meu tempo”, escrita pelo acadêmico José de
Barros Lima e publicada no Jornal do Recife em agosto de 1906134. Através das páginas
do próprio jornal, sabe-se que Barros Lima se formou pela Faculdade de Direito em
dezembro de 1906; um ano depois foi nomeado promotor público da comarca de Souza,
município da Paraíba. Na função de colaborador daquele periódico, publicava sonetos de
sua autoria na seção “Artes e Letras”.
Em relação à crônica supracitada, o então bacharelando, prestes a se formar,
falava das “lembranças” daquele tempo, daquele espaço onde se agitava o conhecimento
vivo da mocidade. Dizia que entre os moços havia aqueles dedicados ao jornalismo,
outros, às perquirições filosóficas e, mesmo não existindo “uma revista, órgão que seja
das investigações artísticas e literárias da mocidade”, havia os estregues às musas. Após
citar o nome do poeta Paulo C. Salgado, “cheio de ardores, sentindo lhe queimar as veias
o sangue novo das teorias modernas, todo apegado à forma”, dizia que fechava este
grupo os jovens Américo Falcão, Costa Gomes, Luís de Carvalho e, pouco tempo depois,
Silveira Carvalho, “trazendo impressa no semblante a mágoa dorida”, assim como Santos
Neto, Augusto dos Anjos, Leonardo Smith, Olympio Fernandes, Orris Soares.
Entre todos esses nomes, sabemos os que venceram o tempo.
A crônica de José de Barros Lima é saudosista. Ele termina comentando que
pelo menos ela sirva, um dia, de “páginas de saudade”. Sim, também de fontes.

134 Jornal do Recife, n. 185, 15 ago. 1906, p.1.


62

Outro acadêmico que se destacava nas colunas dos jornais da capital Recife
era o sergipano Gilberto Amado, três anos mais novo que Augusto dos Anjos, também
formado pela Faculdade de Direito. Publicando no Diário de Pernambuco, as vezes com
o pseudônimo “Áureo”, mantinha uma coluna semanal intitulada “Golpes de vista”135.
Na edição de 19 de junho de 1907 – esta é a data correta, pois há pesquisa
que assinala como sendo mês de maio ou de julho, confundindo nossas cabeças loucas
preocupadas com o pão –, Amado comentava a respeito do grande número de poetas da
capital que enchiam as páginas dos jornais pernambucanos de harmonias e de rimas, de
dores e de lágrimas, de sonhos e de saudades, de “corações magoados”. Muitos, fazendo
versos por fazer, sem preocupação nenhuma com a verdadeira arte; outros, originais.
Referindo-se aos novos, aos promissores, aos originais, destacava o nome de
Augusto dos Anjos, o rapaz “que vive isolado, misantropo no interior da Paraíba”, o
rapaz “histérico, mas de extraordinário talento”, o poeta original que já era bastante
imitado pelos contemporâneos acadêmicos.
Augusto era original e talentoso; e já era imitado pelos contemporâneos
acadêmicos. Essa é a nota de Gilberto Amado. Nada mais.
Engraçado é que esses dois últimos jornais noticiavam quando seus jovens
colaboradores iam à casa de seus pais e voltavam de viagem. Festa e emoção na volta.
Não me recordo de nenhuma fonte que tenha divulgado uma crônica
publicada no jornal maranhense Pacotilha, assinada pelo pseudônimo “Ariel” e que traz
informações de Augusto dos Anjos de quando estudante de Direito no Recife – bem
verdade que a nota trata da notícia de falecimento do poeta, em 1914; mesmo assim, por
ora, interessa o que diz o autor quando resgata “lembranças” da época de estudante.
As pesquisas indicam que “Ariel” era pseudônimo do professor e jornalista
Antônio Lopes da Cunha136. Nascido em 1889 na cidade de Viana, estado do Maranhão,
Antônio Lopes começou a frequentar a Faculdade de Direito do Recife em 1906,
bacharelando-se em 1911. É neste momento em que conhece Augusto dos Anjos.
Lopes mantinha no jornal Pacotilha uma coluna destinada às suas crônicas
diárias, intituladas “O dia”. Na edição de 1 de dezembro de 1914, além de informar sobre

Diário de Pernambuco, n. 137, 19 jun. 1907, p. 1.


135
136PEREIRA, A. T. Disputas faccionais e construções de “ismos”: inscrições político-jornalísticas no
Maranhão (1930-1960). 2018. 344 p. Tese (doutorado em Ciências Sociais) – Centro de Ciências Humanas,
Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, 2018, p. 105-111.
63

a morte de Augusto dos Anjos (ocorrida no mês anterior) e, de certa maneira, prestar-
lhe homenagens, relembrava da época na Faculdade do Recife.
“Ariel” dizia ter conhecido Augusto nos “bancos acadêmicos” da faculdade,
travando com ele relações mais estreitas na casa de Alberto Falcão, irmão do falecido
abolicionista Aníbal Falcão, casa também frequentada pelo compatrício e amigo de
Augusto, o poeta Carlos D. Fernandes. Era um ambiente, segundo Lopes, que servia de
abrigo à jovem “boemia desemparada”, que servia de “cenáculo dos novos”.
Nesses encontros destacavam-se Carlos D. Fernandes, Augusto dos Anjos, Da
Costa e Silva, Gilberto Amado, Mário Rodrigues, Camilo e Fialho, Augusto Rodrigues,
Carneiro Leão, Esmarágdo Freitas, Corrêa Lima. Conta “Ariel” que, faltando pouco para
se bacharelar, Augusto, durante essas reuniões, lia alguns de seus versos, os mesmos
versos que sairiam em 1912, na sua obra prima, o Eu; versos que revelariam:
[...] extraordinário talento poético e a originalíssima concepção filosófica do
universo que se lhe concentrava na visão estética das coisas e palpitava nas
linhas das suas criações literárias, versos cheios de uma análise agudíssima, de
uma bizarria sem par que[,] todavia[,] lhes não desmanchava a unidade
completa, versos em que se definia a mais esquisita personalidade [...].137

Antônio Lopes, o “Ariel”, ainda diz que foi Augusto dos Anjos um espírito dos
mais inconfundíveis que ele conhecera.
Infelizmente, faz a mesma descrição física que tanto “fixou” a imagem de
poeta magro e doente, assim como a que seria feita por Orris Soares, em 1920: “magro,
franzino, doentio”, de “sensibilidade nervosa superaguda”. Mas, deixemos isso de lado.
Após reproduzir uma estrofe de Solilóquio de um visionário (“Para
desvirginar o labirinto / Do velho e metafísico Mistério, / Comi meus olhos crus no
cemitério, / Numa antropofagia de faminto”), “Ariel” diz que Augusto morrera
carregando pela vida a “tortura” de grande artista que foi – e que tortura... E termina
transcrevendo, por inteiro, o soneto Budismo moderno, versos que dizem que um “urubu
pousou na minha sorte”, versos do rapaz que deixou saudades.
Falar em Orris Soares – rapaz da capital da Paraíba (do Norte), também
formado no Liceu Paraibano e bacharel em Direito pela Faculdade do Recife no mesmo
ano que Augusto; “conhecido conhecido” de Augusto; organizador da edição Eu: [Poesias
completas], lançada em 1920, cujo valor muitos creditam ao resgate do nome de Augusto
que há muito estava esquecido –, uma nota. Em dezembro de 1917, o tradicionalíssimo A

137 Pacotilha, n. 283, 01 dez. 1914, p. 1.


64

União, diário oficial do estado da Paraíba e que (na época) tinha como diretor político o
próprio Orris Soares, divulgava um evento que aconteceria em Recife; sim, naquela
faculdade. Seria um evento para homenagear os bacharéis de 1907.
Na edição de 8 de dezembro de 1917, em destacada notícia de primeira
página, “Os bacharéis de 1907”, o diário oficial informava que a iniciativa de comemorar
o decênio de formatura vinha dos bacharéis da Paraíba, Alagoas, Pernambuco e Rio
Grande do Norte138. A notícia lembrava de alguns nomes, de alguns que “se fizeram
advogados e escritores notáveis, lamentando-se entre todos a morte inesquecível do
grande poeta Augusto dos Anjos, uma das glórias mais lídimas das letras brasileiras”.
Todos os detalhes dos preparativos da festa eram noticiados, por semanas,
n’A União, desde a missa campal, o almoço, as sessões e palestras, até o embarque de
Orris Soares, um dos convidados a palestrar, em direção a Pernambuco.
A 19 de dezembro, dois dias depois de realizada a tão esperada festa
comemorativa dos “Bacharéis de 1907”, o diário reproduzia o discurso de Soares.
Presidida pelo professor titular de Direito Civil, o paraibano Adolfo Cirne, a
sessão seguiu com o professor Laurindo Leão, orador do evento, e com Orris Soares, que
discursou lembrando de todos aqueles acadêmicos que amavam a liberdade. Entre as
personalidades, citava seu “desditoso amigo” que, se não tivesse ido tão cedo,
certamente seria amado e bendito por mais gerações. Após recitar, por completo, o
soneto O lamento das coisas139, dizia de Augusto dos Anjos:
Pobre Augusto! Foi-se aos vinte e nove anos e era quem nos havia de dar o
poema da Pátria. Para fazê-lo [fruía]140 a posse dos três poderosos elementos: a
arte, a ciência e a bondade. De bondade, sim.
[...]
Só os bons sofrem dentro de si todo o sofrimento da humanidade.
[...]
Augusto sentia dentro de si todas as dores alheias, as do homem e as do
cosmo. Coitado! Foi-se aos vinte e nove e só depois dos quarenta anos o homem
integraliza-se nas emoções donde lhe saem as maravilhas do espírito.141

O poema da Pátria...
Enfim, Orris Soares não teve tempo de corrigir a idade do seu desditoso
amigo. Esse discurso é de 1917, e o famoso texto “Elogio de Augusto dos Anjos”, prefácio

138 A União: diário oficial do Estado, n. 272, 08 dez. 1917, p. 1.


139 ANJOS, 1994, p. 309 (Outras poesias); originalmente na Gazeta de Leopoldina da cidade homônima do
interior de Minas Gerais em 26-04-1914. Sim, uma das autorias que Orris Soares coligiu na edição Eu:
[Poesias completas], sem nada informar sobre fonte original.
140 O texto contém fragmentos ilegíveis.
141 A União: diário oficial do Estado, n. 279, 19 dez. 1917, p. 1 (grifos meus).
65

da edição livresca por ele organizada e lançada em 1920, Eu: [Poesias completas], data
originalmente de 1919142. Sim, dois anos depois. Verdade, não teve tempo de corrigir
informações biográficas (principais) do seu desventurado amigo.
Pelo menos não errou: “Augusto sentia dentro de si todas as dores alheias, as
do homem e as do cosmo”. Nisto, não mentiu.

142SOARES, O. E. Elogio de Augusto dos Anjos. In: ANJOS, A. dos. EU: [Poesias completas]. João Pessoa:
Imprensa Oficial da Paraíba, 1920, p. I-XXIII. Disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
(BBM), Universidade de São Paulo: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7656>.
66

CAPÍTULO 3:
Na Paraíba (do Norte)

1908.
Bacharel em Direito, Augusto dos Anjos frequentava por mais tempo a capital
da Paraíba. Na verdade, praticamente residia na “urbe natal do desconsolo”, onde já
morava seu irmão mais velho, Artur dos Anjos, promotor público também formado em
Direito.
De janeiro, há registro de duas cartas assinadas pelo poeta e enviadas à Dona
Córdula, que ainda morava no endividado e velho engenho Pau d’Arco. Na primeira
carta, do dia 20, falava da procura de uma casa na cidade, certamente para levar toda a
família. Na segunda, do dia 27, comunicava dos “interesses da vida” que tanto requeriam
sua presença na capital; terminava enviando lembranças “à Donata e ao povo de casa”.
De fevereiro, uma carta do dia 20, na qual dizia ter iniciado seus “trabalhos
particulares de ensino”. Augusto havia posto anúncios em jornais da capital divulgando
que dava aulas particulares das matérias do curso de “madureza” – é Magalhães Júnior
(1977, p. 173) quem reproduz um desses anúncios publicados n’A União.
Do dia 4 de março, outra carta, informando da entrevista (de emprego) que
tivera com o senador (renunciante ao cargo de governador [presidente] da Paraíba)
Álvaro Machado, e da “carta” que sua mãe mandara por ele a fim de ser entregue à
esposa do senador, Amanda Machado – “provavelmente uma carta recomendando o
filho, ou pedindo para este uma colocação” (MAGALHÃES JR., 1977, p. 174).
Do mês de abril, quatro cartas: do dia primeiro, na qual dizia à sua mãe
continuar “empenhado na faina de atrair alunos” para as aulas particulares; do dia 9,
dizendo de sua constante “luta pela vida nesta terra”, na velha capital Paraíba, onde pelo
menos conseguia reunir em sua residência quatorze alunos de Direito para as aulas; do
dia 24, desta vez assinada da estação ferroviária do Cobé, de onde Augusto ia em direção
à capital – certamente porque passara alguns dias no engenho Pau d’Arco; e do dia 29,
comunicando da compra e envio de remédios e de outras utilidades para Dona Córdula.
Há uma carta datada do mês de maio. Nela, Augusto dos Anjos comunica D.
Córdula, além de outros assuntos, da compra de remédios e demais utilidades.
67

Até aqui, o jovem “bacharel necessitado e depenado” continuava sem um


emprego fixo na capital, “lutando” diariamente e dependendo tão somente do pouco
dinheiro que conseguia obter através das aulas particulares.
Em carta de 4 de junho, mostrava-se entre esperançoso por, quem sabe,
receber algum dinheiro dos alunos aos quais lecionava e, ao mesmo tempo, angustiado,
por saber que alguns adotavam “o sistema condenabilíssimo de efetuar pagamentos
serôdios”, ou seja, tardios143. Dizia que assim que tivesse em mãos “semelhantes moedas
retardatárias”, enviá-las-ia à D. Córdula. Como há um bom tempo procurava uma casa na
capital, mencionava uma situada à rua Direita – hoje, Duque de Caxias.
No dia 30 do mesmo mês, em outra correspondência, além de comunicar que
estava enviando remédios à D. Córdula, agradecia à sua mãe pelo envio de alguns
produtos entregues pelo “Chico (Francisco) Matias” – nome que aparece no segundo
momento destas notas –, e ainda comunicava sobre um forte incômodo nos olhos que,
por semanas, afligia-o. Terminava a carta dizendo que na Paraíba “tudo [era] velho”.
No mês seguinte, em carta do dia 16, comunicava sua mãe das melhoras
obtidas depois do referido incômodo, ocasionado por uma “conjuntivite granulosa em
ambos os olhos”. Mas, infelizmente, o incômodo voltaria poucos dias depois, e até com
mais violência, o que pode ser constatado em carta do dia 23 de julho, na qual Augusto
informava D. Córdula da grave piora, “a ponto de não dormir uma noite”144.
Terrível incômodo nos olhos que não deixou Augusto dos Anjos dormir.
Terrível incômodo nos olhos que, assim como “dissera” o poeta na mesma carta, deixou-
o impossibilitado de escrevê-la, tendo que ser “substituído” pelo irmão Aprígio.
Para Magalhães Júnior (1977, p. 185), o incômodo nos olhos de Augusto foi
muito, muito mais que um simples incômodo. Esse “período da doença dos olhos”,
segundo o biógrafo, inspirou no poeta “um novo tipo de pavor: o da cegueira”, visto que
“as poesias de Augusto dos Anjos estão cheias de anotações de caráter pessoal que
constituem uma espécie de autobiografia psicológica”.
Magalhães exemplifica sua afirmação através do poema que ele considera
composto por uma “longa e patética série de quadras”, o poema As cismas do destino,
mais especificamente no momento em que o eu desse longo poema diz que, por conta da
“irritação dos globos oculares””, é bem ““possível que um dia eu fique cego””. Essa

143 ANJOS, 1994, p. 703.


144 Ibid., p. 706.
68

autoria foi divulgada pela primeira vez a 4 de julho de 1908, na revista paraibana Terra
Natal, revista criada neste mesmo ano, revista que contava com a colaboração de Artur
Aquiles e de seu filho, Santos Neto, segundo Magalhães Júnior – detalhe: há outro poema
publicado na revista e divulgado a 16 de maio, também de 1908, o soneto Último credo.
O longo poema As cismas do destino é melhor “analisado” no segundo
momento destas notas. Mas, por enquanto, uma outra pequena, nota.
Já que Magalhães Júnior fala em “medo da cegueira” como uma das anotações
pessoais de Augusto dos Anjos, o que ele considera revelador duma “espécie de
autobiografia psicológica” do poeta, não menos interessante é poder acompanhar a
análise estritamente textual feita pelo professor e crítico de cinema João Batista de Brito
(1997). A partir de uma leitura estilística da poética do rapaz de Pau d’Arco, num dos
ensaios de Leituras poéticas, João Batista destaca as imagens relativas a “olho” e “mão”
como constantes em vários poemas, inclusive n’As cismas do destino. Segundo o
professor, essas imagens constituem “verdadeiras notações de estilo dentro do discurso
poético de Augusto dos Anjos”145.
Através das imagens da “dor ocular” e da “violência manual”, podem-se,
respectivamente, atribuir: ao “olho”, duas “condições semântico-diegéticas”, a de “serem
próprios” (pertencentes a persona-enunciadora) e a de “serem vítimas” (que “sofrem a
ação agressiva” de alguém); à “mão”, as condições opostas de serem alheias e algozes. O
professor complementa: enquanto as mãos representariam ação, força, “anseio material
no mundo exterior”, os olhos representariam inteligência, luz, “vida espiritual”146.
As observações feitas por João Batista de Brito (1997), nos poemas de
Augusto dos Anjos, são de caráter intertextual, com base na leitura de duas tragédias
shakespearianas, a saber, Macbeth e O rei Lear, uma vez que o poeta demonstrava
conhecer a obra do dramaturgo: ““Macbeths da patológica vigília” (in: “Monólogo de uma
sombra”); “Eu puxava os cabelos desgrenhados \ Como o rei Lear, no meio da floresta”
(in: “As cismas do destino”)” (p. 10) – destaque, então, para vigília e puxar os cabelos; ou
versos de ““A ilha de Cipango”: “Vejo terribilíssimas adagas \ Atravessando os ares
bruscamente...” que consistem numa recriação evidente da situação da personagem-

145 BRITO, J. B. de. Olhos e mãos em Augusto dos Anjos. In: _____. Leituras poéticas. São Paulo: Fundação
Memorial da América Latina, 1997, p. 5.
146 E isto é, de acordo com o professor Brito (1997, p. 6-7), uma das verdades mais óbvias da poesia de

Augusto dos Anjos, principalmente levando-se em consideração o que dizem seus críticos no que se refere
ao dualismo entre o horror à “materialidade do mundo concreto” e a crença, “por frágil que ela possa
parecer, na possibilidade de uma superação da vida material pela força sublimatória do espírito”.
69

título de Macbeth” (p. 10) – destaque, então, para vejo adagas; ou mesmo versos de
Psicologia de um vencido: “...anda a espreitar meus olhos para roê-los...” e o primeiro dos
Sonetos dedicados ao pai: “Magoaram-te meu Pai?! Que mão sombria...?” (p. 13) –
destaque, então, para roer os olhos e mão que magoa.
O professor João Batista de Brito (1997, p. 13) afirma que “essas palavras
condensa[m] a tensão dramática que fornece à angústia existencial do eu lírico a
profundidade metafísica e a beleza que torna[m] o Eu um livro de primeira grandeza”.

Voltando às notas biográficas.


Sabe-se que aqueles dois poemas, As cismas do destino (de julho) e Último
credo (de maio), são as únicas produções de Augusto dos Anjos registradas no ano de
1908, produções que o poeta publicou na revista paraibana Terra Natal. Contudo, um
outro poema seu circulava no mesmo período através das páginas do importante
almanaque voltado para o público das capitais, principalmente o da capital federal, Rio
de Janeiro, o Almanaque Brasileiro Garnier.
Em 1908, já sob a direção do jornalista e crítico literário João Ribeiro, o
almanaque carioca publicava fragmentos de “Ao aproximar-se da Paraíba do Norte”,
uma conferência apresentada na “Sociedade de Geografia” pelo poeta, jornalista e
advogado Gustavo Santiago147. Não conheço se a palestra tem referência ao livro Pelo
Norte, publicado em 1906 por Santiago, até porque não tenho conhecimento deste, que é
de difícil acesso, inclusive. De qualquer maneira, a conferência é sobre uma viagem feita
pelo jornalista ao interior e à capital do estado da Paraíba.
Mais “imagética” que “real”, a paisagem interiorana da Paraíba descrita por
Santiago (na conferência) é tal qual um “interiorzinho”, com seus “coqueirosinhos tão
enfolhados e verdes”, suas “choupanazinhas de píndola”, suas “ruasinhas tão alvas de
areia fina do mar”, um lugarzinho quase encantado – impossível crer que aí não haja
ironia. Em seguida, o jornalista localiza e descreve o percurso que fez até a capital pelas
linhas férreas da Great Western.
A paisagem da Paraíba (do Norte), descrita por Santiago, abrange o modo de
ser e existir de toda uma população urbana, desde suas “improvisações” de subsistência

147 SANTIAGO, G. Ao aproximar-se da Paraíba do Norte. Almanaque Brasileiro Garnier, Rio de Janeiro, n.
9, p. 329-332, jun. 1908. In: MENDES, S. B.; ANDRADE, M. S. de; ZAIDMAN, D. (orgs.). Índices: Almanaque
Garnier (1903-1914); Gazeta Literária (1883-1884). Direção e apresentação de José Honório Rodrigues.
Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (coleção Temas Brasileiros, v. 16). Disponível em:
<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=348449&pesq=&pagfis=1>.
70

(água, de cacimba; luz, à lampião de querosene; transporte, de jumento) às indiferenças


político-econômico-sociais frente à “Constituição”, de uma cidade cheia da velha
politicagem das oligarquias cumpliciada pelos “jornalecos”, de uma cidade hierarquizada
em baixa (varadouro, parte comercial) e alta (onde está a “elegância” da sociedade).
Descreve Santiago que, na parte mais elegante da Paraíba (do Norte),
estavam os clubs (o Astréa) e os cafés da alta sociedade, as rodas literárias, as
agremiações de “moços patriotas”, de jovens poetas, de jornalistas, de intelectuais, e
entre os quais se destacavam Neves Filho (o maior deles, segundo Santiago), Américo
Falcão, Santos Neto, Oscar Soares, Coriolano de Medeiros, Artur Aquiles, Castro Pinto e,
claro, Augusto dos Anjos. Deste, o jornalista reproduz o soneto:
SENECTUDE PRECOCE148

Envelheci. A [cal] da sepultura149


Caiu por sobre a minha mocidade...
E eu que julgava em minha idealidade
Ver inda toda a geração futura!

Eu que julgava! Pois não é verdade?!


Hoje estou velho. Olha essa neve pura!
– Foi saudade? Foi dor? – Foi tanta agrura
Que eu nem sei se foi dor ou foi saudade!

Sei que durante toda a travessia


Da minha infância trágica, vivia,
Assim como uma casa abandonada

Vinte e quatro anos em vinte e quatro horas...


Sei que na infância nunca tive auroras,
E afora disto, eu já nem sei mais nada!

soneto publicado pela primeira vez n’O Comércio da Paraíba, em julho de 1905150; e que
não consta no Eu, antes, nos chamados “Poemas Esquecidos”151.
Na sua viagem à Paraíba (do Norte), Santiago deve ter lido o jornal impresso
de Artur Aquiles, até porque esse poema de Augusto havia sido publicado,
exclusivamente, em suas colunas. Ou, quem sabe, n’alguma roda de conversa ou n’algum
café paraibano, tenham-lhe recitado os versos do rapaz de Pau d’Arco.

148 Ibid., p. 332.


149 Gustavo Santiago reproduz “cálida”, versão que Magalhães Júnior (1977, p. 127) considera incorreta,
assim como a apresentada em várias outras transcrições, já que elas tentam “esticar o verso”.
150 A revisão aqui feita de todos os poemas dá-se pela edição organizada por Alexei Bueno (1994), mas se

deve apontar que, nesta edição, a data que consta como publicação original é 28 de julho de “1908”, o que
sabemos ser impossível, já que O Comércio não estava mais circulando em 1908, e no próprio poema vem
assinado “Pau d’Arco – 1905”. A data “28 de julho de 1905” é registrada por Zenir Campos Reis (1977, p.
226) e, em parte, por Magalhães Júnior (1977, p. 127-128), que data o soneto de “29 de julho” de 1908.
151 ANJOS, 1994, p. 480 (Poemas esquecidos).
71

O poeta e jornalista termina a descrição de sua viagem dizendo ser o norte


“um encanto”, uma terra “para sonhos, como ali se vivificou a Lenda, a enramar-se
opulenta na paisagem, a entroncar-se vitoriosa na origem brasileira”.

Voltando às correspondências. E mais notas, biográficas.


De julho, além das duas anteriormente citadas, há registrada mais uma carta,
datada do dia 31 – lembrando que é a última do período, havendo missivas assinadas
por Augusto dos Anjos somente em setembro de 1910. O poeta comunicava sua mãe, D.
Córdula, entre outros pequenos assuntos, que passaria por aqueles dias na capital, por
conta do “novenário das Neves”152. A Festa das Neves, festa de maior “significação social”
da Paraíba na época, acontecia entre fins de julho e o dia 5 de agosto, dia da padroeira:
A Festa das Neves tinha uma significação social de muito relevo em nosso
meio. Ninguém podia quedar-se indiferente aos seus enleios. Bom paraibano ou
bom católico, não recusaria sua cooperação para o brilhantismo dos atos, quer
litúrgicos, quer profanos.
Cada noite era dedicada a uma classe ou profissão. Todos os anos a
distribuição obedecia à seguinte ordem: 1ª da Justiça; 2ª dos Vendelhões; 3ª
dos Lojistas; 4ª dos Artistas; 5ª dos Empregados Públicos; 6ª dos Militares; 7ª
dos Caixeiros; 8ª dos Estudantes; 9ª das Moças e 10ª dos Juízes da Novena.
E cada uma das comissões que primasse por emprestar mais
brilhantismo, maiores pompas à sua noite. 153

Cada um por si na disputa do “maior brilho”. Embora, nem todos. E nem


podemos achar que “este” tipo de novena é coisa do passado. Quem nunca, “crescido na
tradição cristã”, participou dum mês mariano? Dum novenário de Santo Antônio, de
Santa Luzia, de Santo Expedito? Quem nunca rogou o “Livrai-nos da peste São Sebastião”,
em lamúria de romeiro da desgraça na procissão eterna dos aflitos?! Mas... Falemos do
“jornalzinho elegante (e profano)” que circulava durante a Festa das Neves, na Paraíba.
Se não há certeza de que Augusto dos Anjos tenha colaborado no jornalzinho,
o Nonevar: órgão do amor, da graça e da beleza, ano de 1907, o material divulgado
por Humberto Nóbrega (1962) mostra que o poeta colaborou, sim, entre 1908-1910.
Em Augusto dos Anjos e sua época, Nóbrega reproduz crônicas e versos que
Augusto escrevia no folheto. Crônicas nas quais o poeta descrevia (ironicamente) todo o
“aspecto físico” das noites da Festa das Neves – a iluminação e organização da igreja, da
praça, das ruas; as barracas de comida e bebida, os fogos de artifício, as bandas de
música –, assim como a participação de toda a sociedade – suas roupas extravagantes e

152 Mas nada diria, segundo Magalhães Júnior (1977, p. 180), sobre a eleição do governador (presidente)
da Paraíba, João Lopes Machado, ocorrida quatro dias antes.
153 NÓBREGA, 1962, p. 26 (grifos meus).
72

luxuosas. Versos e estrofes, intitulados “Perfis Chaleiras”, pelos quais o poeta mostrava
sua verve “humorística”, ironizando os “marmanjos” da sociedade paraibana – muitos
deles, colegas de rodas literárias. Versos e estrofes, escritos nos “Perfis Galanteadores”,
pelos quais o poeta “exaltava a beleza da mulher paraibana, a quem, poeticamente,
denominava “filha única do Céu”” (NÓBREGA, 1962, p. 52) – os perfis, tanto os
destinados a ironizar os marmanjos quanto os destinados a enaltecer as moças, eram
assinados por pseudônimos, como “Cavaradossi” e “Anaxágoras”.
Algumas dessas crônicas são resgatadas no segundo momento deste trabalho
de notas. Por isto, uma última nota a respeito do Nonevar.
Além dos ilustres rapazes, entre jornalistas, poetas, bacharéis, filhos de
famílias tradicionais paraibanas, como Américo Falcão, Raul Machado, Eduardo Pinto,
Leonardo Smith, Rômulo Pacheco, Aprígio dos Anjos (irmão de Augusto), Edésio Silva,
Diógenes Caldas, Inojosa Varejão, Alcebíades Silva e o próprio Augusto dos Anjos, vale
destacar que o jornalzinho contava com a colaboração de mulheres, entre professoras,
escritoras, filhas de famílias influentes da Paraíba, como Ângela Moreira, Nina Aragão,
Adalgiza Cunha, Eudésia Vieira, Maria Queiroz, Leopoldina Moreira e Luiza de Almeida.
Humberto Nóbrega (1962, p. 25) reproduz um fac-símile dos poucos números
existentes do folheto – e é por ele que observamos os nomes acima citados das
colaboradoras. Trata-se de uma edição, possivelmente de abertura (já que Nóbrega não
explica), do ano de 1908, na qual a redação informa que ““O Nonevar” espera a valorosa
colaboração” das “gentilíssimas patrícias”, convidando-as para participarem do jornal.
O biógrafo não indica material feito por essas mulheres, mas... haveria algum
perfil chaleira feito por alguma delas? O que teriam a dizer/escrever dos marmanjos?
Alguma experiência descrita em crônica em relação à festa?
Quem sabe achemos, um dia, algo perdido em bibliotecas, a começar pelas da
velha Paraíba. Tentar é o começo.

Não é aqui objetivo avaliar a importância dessa ou daquela pesquisa. No


entanto, não se pode deixar de falar do material coletado por Humberto Nóbrega. Graças
a ele, foi divulgado “outro perfil” daquele a quem todos impunham a alcunha de poeta da
morte, do horror, do podre, do bizarro, da dor. Graças a esse “retrato” de Augusto dos
Anjos e à reprodução dos “retratos” pelo poeta feitos e divulgados no Nonevar, é
possível ler um poeta diferente daquele que conhecemos: se satírico e sagaz ao perfilar
73

os marmanjos, não menos galanteador e romântico ao perfilar as jovens da “Filipeia”,


durante a novena à Nossa Senhora das Neves.
Apesar disso, não podemos deixar de apontar, de modo geral, a ausência de
pesquisas biográficas sobre Augusto dos Anjos escritas por mulheres.
Humberto Nóbrega, no seu livro, informa de quem eram os perfis e retratos
galanteados por Augusto (e demais poetas) no jornalzinho profano: perfis e retratos
(“físicos”) de moças ilustres pertencentes a tradicionais famílias da Paraíba e da região.
Já para a poetisa paraibana Rosilda Cartaxo (1995), mais que isso: eram
perfis e retratos de mulheres fortes, de estrelas que inspiravam poetas154.
Bem verdade que a poetisa natural de Cajazeiras-PB traz, no que me parece
uma palestra, uma conferência pronunciada em 1995 no “Instituto Histórico e
Geográfico Paraibano” (IHGP), algumas notas da pesquisa de Nóbrega, até porque essa
foi a referência por ela citada – na ocasião, a professora ainda menciona um trabalho que
seria brevemente publicado, o “Filha do céu, mulher paraibana”, do qual nada encontrei.
Na conferência, depois de reproduzir dados biográficos de Ester Fialho,
esposa de Augusto dos Anjos, e transcrever versos de Queixas noturnas (“Não sou capaz
de amar mulher alguma / Nem há mulher talvez capaz de amar-me”), Rosilda afirma
que, diante daquela ilustre paraibana, Ester Fialho, o poeta mudou; e daí em diante foi
feliz o casal. Rosilda conclui afirmando que as mulheres paraibanas (atuais) deveriam
pesquisar, conhecer e defender a história daquelas que foram “estrelas” no passado.
Não conheço praticamente nada da década de 1990 para trás em relação a
pesquisas biográficas ou biobibliográficas escritas por mulheres sobre Augusto dos
Anjos – sim, vale a repetição da assertiva. E não me refiro a pesquisas acadêmicas. Mas,
em se tratando de uma mulher que possui trabalhos valorizando a “mulher sertaneja” e,
não menos importante, saber que foi Rosilda Cartaxo a primeira mulher (ainda única?) a
assumir a presidência do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, cada linha de seu
trabalho é digna de admiração.
Outra importante fonte nesse quesito, é (seria) o livro Poetas de minha terra,
da professora e historiadora Francisca Neves Lobo, a “Chiquinha Lobo”, publicado em
1947 pela “Brusco & Cia”.
Na pesquisa, são biografados “Gonçalves Dias, Fagundes Varela, Martins
Fontes, Vicente de Carvalho, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Alberto de Oliveira,

154 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), n. 27, set. 1995, p. 268.
74

Olavo Bilac, Castro Alves, Cruz e Sousa, Francisca Júlia da Silva, Laurindo Rabelo,
Rodrigues de Abreu, Raimundo Correia, Ronald de Carvalho, Gregório de Matos, Augusto
dos Anjos” – parece ser também esse o subtítulo.
Embora sua fonte completa apareça no fim deste trabalho de notas, na
bibliografia, é um dos poucos livros aos quais não tive acesso. Se não me engano, a
primeira referência sua é feita por Otto Maria Carpeaux (1951), na Pequena bibliografia
crítica da literatura brasileira, justamente citado como fonte primária para pesquisas
biográficas do poeta de Pau d’Arco. De lá para cá, confesso que não me recordo – e
espero estar totalmente enganado –, de nenhuma outra bibliografia de Augusto dos
Anjos que traga, que cite, que referende o material da professora.
Além das notas disponíveis em jornais e revistas do Rio de Janeiro e de São
Paulo, notas que elucidam a produção acadêmica de Chiquinha Lobo, desde artigos,
ensaios, palestras, livros a serem lançados ou recém-lançados e presentes nas crônicas
dos periódicos, é possível coletar mais informações suas, tanto acadêmicas quanto
biográficas, no Dicionário de piracicabanos155.
E tudo isso para dizer: não consegui o exemplar de Poetas de minha terra!
No dicionário citado, há uma pequena biografia da piracicabana e a menção
de suas produções. Por isto mesmo, na esperança de encontrar, pesquisei o material
numa sala de obras raríssimas da Biblioteca Municipal de Piracicaba, minha cidade natal
e atual, durante três semanas seguidas do mês de março, visto que as estantes dessas
raríssimas ainda não estão catalogadas156. Mas veio o vírus e... Já sabemos.
Quem sabe quando voltarmos à vida, se vivermos, não o encontro. E assim
saberei o que mais uma mulher tem a dizer sobre o vate paraibano.

Ainda que não seja interessante desviar o foco, não podemos esquecer do que
brilhantemente pensa o crítico literário Antônio Torres (1925) sobre o trabalho feito
por mulheres. Tudo bem que Torres está falando, especificamente, da mulher na política,
mesmo assim é sobre o “trabalho feito por mulheres”. E se irônico ou não, já havia
alertado no prefácio das suas Verdades indiscretas que estava “escrevendo para ser lido
por homens”. Então, assim seja:

155 PFROMM NETTO, S. Dicionário de Piracicabanos. São Paulo: PNA, 2013, p. 300-301. Disponível no
site do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba: <https://www.ihgp.org.br/livros/>.
156 Este desejo antigo por “obras raras” reapareceu com maiores expectativas depois que, no próprio

acervo da Biblioteca de Piracicaba, encontrei o exemplar (em mais que perfeitas condições) de Sonetistas
brasileiros, livro de 1913, do professor, crítico literário e advogado Laudelino Freire.
75

A continuarem as coisas como vão, o feminismo, pelo menos no Brasil, não


triunfará tão cedo. Eu sempre fui contrário à intromissão das mulheres na vida
pública. Uma mulher política é um estado intermédio entre o homem e a
mulher, que não se compreende. É mulher, por fatalidade de geração; homem,
por extensão de privilégios políticos; eternamente criança, pelas atitudes; em
resumo – um ente híbrido, composto, derivado, de estilo compósito, trazendo
em si pedaços de vários entes e não sendo nenhum definitivamente. Mulher que
exerça direitos políticos, não sendo rainha, também não é ente humano: é um
estado de consciência, correspondente à perplexidade...157

Sem intromissões! Antônio Torres, uma das intelectualidades mais virulentas


da década de 1920 nas críticas à “vida carioca”, sabia do que estava falando quando se
referia à “intromissão” da mulher (na política). Parece. Parece.
E pelo menos fora “sincero” nas palavras do ensaio “O poeta da morte” –
ensaio que data originalmente de 1914 –, ao escrever sobre a personalidade e sobre o
estro poético de Augusto dos Anjos. Torres dizia que Augusto trazia em si um grande
“sonho interior”, que era Augusto um “idealista”. Dizia Torres que era Augusto dos Anjos
[...] de uma honestidade sem limites; de uma pureza que, neste país e nestes
tempos, devia ser vibrada aos quatro ventos da terra em clarinadas triunfais
por trombetas de prata; [...] impermeável às sugestões da lisonja, quer ativa,
quer passiva; nunca se dando ao desporto detestável de atassalhar a reputação
literária ou particular dos seus confrades[,] que entre nós, infelizmente, é tão
comum nas periódicas campanhas literárias; [...] bom e leal companheiro na
amizade, simples, modesto, recatado, era um tipo de admiráveis virtudes
individuais. Era materialista pela cultura; idealista por temperamento [...].158

Sim, sincero. Esse estudo foi um dos primeiros que abordaram a


“personalidade” do poeta paraibano. Sim, sincero. E, com a leitura aprofundada do
excerto acima, certamente que o caminho teria sido outro, e certamente não seria
preciso a taxação do título do livro de Augusto. Sim, nós. Escolhamos, por isso, o nós.

Voltando à Nossa Senhora das Neves. E, mais notas biográficas.


Após a Festa das Neves, no mês de agosto, o bacharel Augusto dos Anjos, já
que não havia seguido a carreira jurídica, continuava dando suas aulas particulares na
capital, onde residia. “O que é certo, certíssimo, é que o ganha-pão do poeta, a partir de
1908, viria do magistério particular”, informa-nos Francisco de Assis Barbosa (1965, p.
305) em suas “Notas biográficas”.
Demócrito de Castro e Silva (1984), na sua “homenagem biográfica” a
Augusto dos Anjos, fala da vocação que tinha o poeta para o magistério:

157 TORRES, A. O feminismo periga. In: _____. Verdades indiscretas. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Castilho,
1925, p. 183.
158 TORRES, A. O poeta da morte. In: ANJOS, A. dos. EU e Outras poesias. 10. ed. Rio de Janeiro: Bedeschi,

1942, p. 13-14.
76

Ganhava o pão ensinando, e, ensinando, dava aos outros a hóstia pura da


verdade, que conduzia, orgulhoso, dentro de seu espírito brilhante e puro.
Transmitia, juntamente às aulas que ministrava aos seus alunos, a da
grandeza de seu caráter e do exemplo de sua superioridade individual.159

Ok, se queres “menos”, sigamos.


Reiteradamente venho afirmando que a ideia central destas notas é a de
compartilhar fontes outras dantes não mencionadas pelas biografias e bibliografias
tradicionais de Augusto dos Anjos, umas e outras referências “escondidas” e por vezes
úteis, e pelas quais podemos construir caminhos outros de pesquisa. Mas não se pode
deixar de mencionar fatos e dados importantes que as mesmas biografias e bibliografias
coligem e fornecem a nós leitores, até porque elas foram e são as “fontes tradicionais”.

Outubro de 1908.
O biógrafo Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 196) informa da morte do
“doutor” Aprígio, padrasto de Dona Córdula – ilustre juiz que exerceu a função na antiga
província paraibana de Pedras de Fogo; ilustre proprietário, depois de se casar com a
mãe de D. Córdula e cedo enviuvar, das terras dos engenhos Pau d’Arco e Coité; ilustre
oligarca filiado ao “Partido Liberal” (NÓBREGA, 1962, p. 232); ilustre oligarca que não
sentia “entusiasmo” pelo movimento abolicionista nem pela Lei Áurea, “porque sabia “o
país sem preparo, sem meios de utilizar uma raça ignorante e pela sua infelicidade
eivada de princípios perniciosos””160: o doutor “se achava em tratamento na capital
paraibana, mas desde que aí chegara seu estado se agravara paulatinamente,
desaparecendo aos setenta e dois anos, segundo noticiou A União”.
Era Aprígio quem cuidava de todos os negócios da família. Era Aprígio quem
“tratava” dos engenhos, há anos hipotecados e endividados. Era Aprígio o patriarca.
Falecendo, tudo que estava ruim financeiramente, piorou.
Neste momento, na busca por “emprego fixo” e na constante “luta pela vida”,
expressões sempre utilizadas pelo próprio Augusto dos Anjos nas correspondências
enviadas à sua mãe, o poeta consolidava sua estadia na capital da Paraíba (do Norte), na
mesma velha Paraíba onde se inaugurava
[...] um novo período governamental, com a ascensão em outubro de 1908 à
presidência do Estado do doutor João Lopes Machado, irmão do senador Álvaro

159DE CASTRO E SILVA, 1984, p. 72.


160 BARBOSA, F. de A. Notas biográficas. In: ANJOS, A. dos. EU: Outras Poesias: Poemas esquecidos. 30.
ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965, p. 297 (itálicos meus).
77

Machado, o chefe oligarca, antigo professor militar, guindado à política desde o


advento de Floriano Peixoto.161

Francisco de Assis Barbosa refere-se à eleição de João Machado como


momento de certa “congregação” das correntes políticas paraibanas.
Antes, havia bastante hostilização a seu irmão oligarca, o senador e
governador (que sempre renunciava) Álvaro Machado, assim como ao situacionismo que
se mantinha desde o advento da República, fortemente oposicionado pela imprensa,
principalmente através das páginas d’O Comércio, redacionado por Artur Aquiles e
colaborado por Assis Vidal, Antônio Elias, Carlos D. Fernandes, Ernani Tapajós, Américo
Falcão, Abel da Silva e Augusto dos Anjos – e novamente acho interessante fazer esta
nota, pois se Augusto colaborava no jornal, não seria ele também tido como “opositor”?;
e d’O Combate, jornal da “mocidade republicana”, representado por Neves Filho, Álvaro
de Carvalho, Francisco Falcão, Eugênio Neiva e os irmãos Oscar Soares (bacharel em
Direito que seguiu carreira política) e Orris Soares, estes dois “antes rebeldes, que
tiveram a redação do jornal O Combate depredada e incendiada pela polícia, em 1904,
juntamente com a redação e as oficinas d’O Comércio” – Francisco de Assis Barbosa
(1965, p. 306) só não informa que isso aconteceu no governo de José Peregrino de
Araújo, não que Álvaro não tenha feito o mesmo, mas o fez em 1892, até onde se sabe...
O momento, “agora”, era de “apoio à situação”.
Formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, João Lopes Machado
era médico da “Diretoria Geral de Saúde Pública”, exercendo “até então obscuramente as
funções de inspetor sanitário no interior de São Paulo” (BARBOSA, 1965, p. 306). Sua
chegada à capital do estado da Paraíba, para assumir o cargo de governador
(presidente), fora bastante comemorada e anunciada.
Ainda no mês de maio de 1908, os irmãos Oscar e Orris Soares haviam criado,
“ao lado do tio Camilo de Holanda, que se recompusera com o “alvarismo”, retornando
assim à Câmara dos Deputados, da qual tinha sido alijado poucos anos antes” (BARBOSA,
1965, p. 306), o jornal O Norte que, a depender da situação política, assinava em
subtítulo “jornal político e noticioso” ou “jornal independente e noticioso”.
No dia 20 de outubro, o impresso trazia em letras totalmente destacadas (só
menores do que o próprio título do jornal) a notícia da chegada do “digno Presidente” da
Paraíba (do Norte), João Machado, acompanhado de ilustres e de grande multidão que o

161 Ibid., p. 306.


78

seguia desde a estação central (de trem) até o palácio do governo162. Quanto às “pessoas
que tomaram parte na manifestação”, seguia uma coluna inteira com vários nomes,
achando-se o de Augusto dos Anjos e os dos irmãos Artur e Aprígio.
No dia 23, O Norte divulgava a solenidade de posse do novo governador, que
vinha substituir o “honrado monsenhor Walfredo Leal”163 – o eterno vice. O evento
ocorreu durante todo o dia, com leitura da ata na Câmara dos Deputados, homenagens
de políticos e de outros ilustres, passeata até a casa presidencial, vivas e continências
dos caros militares – não necessariamente nessa ordem. E mais e mais “coisas”. À noite,
foi oferecido um banquete pela comissão do Partido Republicano ao novo governador.
E entre os nomes dos “cavalheiros que tomaram parte da manifestação da
posse” do governador (presidente), divulgados pelo jornal, lá estava o de Augusto dos
Anjos, juntamente com os dos irmãos Artur e Alexandre – só não se sabe em qual
momento do evento o poeta se fez presente.

1909.
Além das aulas particulares que ministrava em sua residência, na capital,
Augusto dos Anjos passaria a ocupar o cargo de codiretor do Instituto Maciel Pinheiro,
instituição de ensino fundada em 1906 pelo professor e bacharel em Direito Ascendino
Cunha e pelo professor Neves Filho. Augusto, professor e bacharel recém-formado,
ocuparia o cargo juntamente com o colega Abel da Silva, professor (de português,
francês, latim, física, química) e jornalista, “uma das grandes culturas e inteligências da
Paraíba”164.
Não me recordo se já foi informado (em alguma biografia) do mês exato em
que Augusto e Abel começaram os trabalhos no externato que receberia estudantes de
ambos os sexos. Ou em fins de 1908, ou em janeiro de 1909. Mais provável que tenha
sido na primeira “data”, pois há um anúncio de 5 de janeiro de 1909, publicado n’O
Norte, no qual se parabeniza o professor “Neves [Filho] Júnior” que, brevemente,
colocaria à frente do seu instituto “um profissional bastante competente e assaz

162 O Norte, n. 134, 20 out. 1908, p. 1.


163 O Norte, n. 137, 23 out. 1908, p. 1.
164 NÓBREGA, 1962, p. 114. O professor Abel da Silva também foi um dos perfilados por Augusto dos Anjos

nas páginas do jornalzinho profano Nonevar, existente somente durante a Festa das Neves.
79

conhecido em nosso meio, de presente no interior do Estado”165. Então, se houve


anúncio em janeiro, os trabalhos certamente começaram no ano anterior.
Mas, sobre o anúncio, quem seria o profissional “do” interior do estado
bastante competente e conhecido no meio? Seria Augusto ou Abel? Qual seria o interior?
Seria o engenho Pau d’Arco? Ou Abel da Silva quem seria do interior da Paraíba?
Infelizmente não há certeza, por enquanto.
Magalhães Júnior reproduz anúncios publicados no “órgão oficial do estado”,
A União, datados do mês de janeiro de 1909, nos quais se divulgava toda a estrutura
física do novo instituto, seu aparelhamento, suas reformas, a construção de um jardim; e
mesmo as didáticas que seriam adotadas pela nova diretoria. Então, isso significa que
realmente o projeto de Abel da Silva e Augusto dos Anjos havia começado meses antes:
“Estivemos ontem em visita a este estabelecimento de ensino,
presentemente dirigido pelos nossos colegas, dr. Augusto dos Anjos e Abel da
Silva.
O vasto prédio em que funciona o Instituto está convenientemente adaptado
aos fins a que se destina e a nova diretoria fez a aquisição de vários objetos
para o desenvolvimento dos processos instrutivos [...].”166

A 3 de março, o jornal de Oscar e Orris Soares anunciava que o Instituto


Maciel Pinheiro havia, no dia anterior, começado oficialmente os seus trabalhos. A nova
instituição vinha “preencher grande lacuna existente”, tanto na parte física, pela
estrutura do prédio, quanto na parte didática, pelas novas “exigências modernas”:
O Estado da Paraíba de há muito tempo ressentia-se d’um estabelecimento
de primeira ordem, agora, porém pode orgulhar-se de possuir o Instituto Maciel
Pinheiro, dirigido por Abel da Silva, reconhecida competência no assunto, e o
dr. Augusto dos Anjos, jovem que de há muito tempo vem lutando
brilhantemente na carreira do magistério.
O Instituto Maciel Pinheiro pôs à disposição do Norte uma matrícula gratuita
que deve ser preenchida por uma criança pobre.
É digna de louvores esta feliz lembrança dos atuais diretores desse
instituto.167

Tudo bem que fora apenas “uma vaga” destinada a “uma criança pobre”, mas
já era um começo. E como seria o preenchimento da vaga? Por ficha, declaração de
pobreza? Por sorteio à moda do que temos hoje em toda e qualquer mídia
(principalmente pelo rádio), eletrônica e digital? Não se sabe até o momento. Sabe-se
que o Instituto Maciel Pinheiro surgiu para sanar e “revolucionar” o ensino da Paraíba.

165 O Norte, n. 191, 05 jan. 1909, p. 1.


166 MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 198 et seq.
167 O Norte: jornal político e noticioso, n. 236, 03 mar. 1909, p. 1 (grifos meus).
80

A instituição de ensino atenderia crianças entre 4 e 7 anos de idade, com um


programa variado e “moderno”, desde os primeiros ensinamentos de leitura e cálculo
(auxiliados pela professora “Áurea Pires”) e das disciplinas básicas (“língua materna,
geografia, história do Brasil, astronomia, contabilidade, geometria” e “as primeiras
noções de música, desenho, ciências físicas e naturais, história da civilização”) às noções
de língua estrangeira e “de escrituração mercantil e de economia política, além de
instrução cívica, com o conhecimento da Constituição Federal e da Constituição
Estadual”. Embora atendesse o ensino primário, o instituto divulgava que “em horas
compatíveis com os trabalhos do curso primário, funcionar[iam] aulas avulsas do curso
de madureza e também do 1.° e 2.° ano de Direito” (MAGALHÃES JR., 1977, p. 198-199).

Maio.
Ministrando aulas particulares em sua residência e codirigindo uma
instituição que prometia revolucionar o ensino da Paraíba, em maio de 1909 Augusto
dos Anjos ainda fora nomeado professor interino de Literatura no tradicionalíssimo
Liceu Paraibano, logo após a abertura de uma vaga, vaga esta deixada pelo recém-eleito
deputado federal Manuel Tavares Cavalcanti. Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 306-
307) informa que a “portaria de nomeação é de 5 de maio”.
E essa data divulgada coincide com a cronologia dos fatos, já que Magalhães
Júnior (1977, p. 197) afirma que “antes de ser nomeado para o Liceu, Augusto dos Anjos
já era codiretor do Instituto Maciel Pinheiro”. Mesmo assim, ainda há uma e outra
biografia (de famosos, inclusive) que consolida 1908 como o ano da nomeação de
Augusto no Liceu, o que deixa nós, pobres e necessitados leitores, confusos por conta
dessas imprecisões, as mesmas confusões sempre cometidas (por todos nós, claro)
durante o percurso de leitura da “vida e obra” de Augusto dos Anjos.
O fato é que o professor Manuel Tavares foi eleito deputado federal pela
Paraíba na eleição de 30 de janeiro de 1909, deixando vaga aberta no Liceu, onde atuava
como educador – no mesmo pleito, também foram eleitos Camilo de Holanda, Seráfico da
Nóbrega, Prudêncio Cotegipe e Simeão dos Santos Leal; sem esquecer do famoso
monsenhor Walfredo Leal, eleito senador da República168. E, se Augusto dos Anjos
tivesse sido nomeado em 1908, como dizem outros, teria sido entre outubro-novembro,
logo após a posse do governador João Machado. Então, já era Augusto codiretor do

168 Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), n. 1, 01 set. 1909, p. 5.
81

Instituto Maciel Pinheiro? Desde outubro-novembro de 1908? O “afastamento” do


professor Manuel Tavares aconteceu antes de sua campanha para a disputa na Câmara
dos Deputados, ou só depois de ser eleito, deixando vaga aberta no Liceu Paraibano?
Queria apenas compartilhar estas notas, sem desviar por coisas vãs. Então,
seguirei com o objetivo. Sigamos e nos fixemos no mês de “maio” como período oficial da
nomeação de Augusto no Liceu.

Em 1909, sabe-se que o poeta dava aulas particulares em sua residência, na


capital, codirigia o Instituto Maciel Pinheiro com Abel da Silva, e lecionava literatura no
Liceu Paraibano. E neste mesmo ano começava a publicar seus versos no jornal oficial do
estado, A União, impresso que também contava com a colaboração de Abel da Silva.
Em janeiro, são publicados os poemas: Budismo moderno, Sonho de um
monista e A um carneiro morto; em fevereiro: A um mascarado; em março: Psicologia de
um vencido, O lázaro da pátria, A ideia e Agonia de um filósofo; em abril: O lupanar,
Decadência, Debaixo do tamarindo, A lágrima e O mar, a escada e o homem – este,
publicado por duas vezes (dias 11 e 16) e com o título “O mar e a escada”; em maio:
Solilóquio de um visionário e Mater originalis. Excetuando o poema A lágrima, todos os
demais estão reunidos na edição Eu (1912), preparada por Augusto dos Anjos.
E dois deles, por enquanto, merecem nota nestas notas: O lázaro da pátria e
Psicologia de um vencido.
Quem é, quem são alguns dos lázaros atuais desta pátria de expatriados e de
vencidos? Esse soneto de Augusto dos Anjos merece ser lido e relido. Como diz o
professor e historiador Francisco Foot Hardman (2009), o lázaro, este “Filho podre de
antigos Goitacases”169, este doente que caminha sem destino, representa “justamente um
índio, doente e maltrapilho [...], que caminha pela noite de uma cidade que lhe ignora,
“Para um fim que ele mesmo desconhece!””170.
Por outro lado, há outros que acusam os mesmos “índios (e caboclos)” de
serem não os lázaros doentes e maltrapilhos e necessitados, antes, os incendiários das
florestas171. Os danados destes índios (e caboclos) hein...

169 ANJOS, 1994, p. 205.


170 HARDMAN, F. F. Augusto dos Anjos e o antitropicalismo. In: _____. A vingança da Hileia: Euclides da
Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2009, p. 193-194.
171 Vai que as “notícias” desaparecem... Então, seguem duas fontes: UOL (Congresso em Foco). Na ONU,

Bolsonaro culpa índios e caboclos pelos incêndios florestais. Disponível em


<https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/ao-vivo-bolsonaro-onu/>. Acesso em: set. 2020; EL PAÍS
82

Sobre o segundo poema, Psicologia de um vencido, um dos mais conhecidos


de Augusto, ele foi publicado na Paraíba exatamente no dia 3 de março, mostrando que
“Este ambiente me causa repugnância... / Sobe-me à boca uma ânsia análoga à ânsia /
Que se escapa da boca de um cardíaco”172. Em poucas semanas, a 29 de março, era
estampado na edição vespertina do jornal Pacotilha, de São Luís do Maranhão173.
Talvez o “bacharel depenado” nem tivesse conhecimento que suas autorias
faziam “sucesso” em vários periódicos do Brasil. Menos provável ainda que soubesse que
seu nome era citado como referência durante palestras literárias.
Ainda no mês de janeiro, o jornal A Província, da capital Recife, noticiava e
transcrevia trechos de uma palestra pronunciada pelo acadêmico Adalberto Afonso
Marroquim, sobre o tema “esquecimento” – o jovem ingressou na Faculdade de Direito
do Recife em 1908, quando Augusto já havia se formado, bacharelando-se em 1911. A
palestra foi pronunciada no “Grêmio” literário – sem alusão a nome nenhum do espaço –,
de Palmares-AL, cidade natal de Adalberto.
Por aquilo que descreve o diário, tanto da fala de Adalberto quanto dos seus
“gestos/performances”, o discurso foi iniciado com uma referência ao Corvo, de Edgar
Alan Poe, cujas “asas” (do corvo), “agora”, representavam transfigurações e, por parte do
orador, esquecimento do mundo e de si. Diz a nota que Adalberto tentou interpretar o
tema esquecimento e, dentre as definições, achou-o como “refúgio dos desesperados”;
que, em seguida, citou versos de Cruz e Souza, continuou interpretando o esquecimento,
citou versos de Alfonsus de Guimarães, e afirmou “felizes os que esquecem”.
Embora não seja possível encontrar o material original, a nota d’A Província
é importante por trazer alguns pontos da palestra feita por Marroquim. A nota diz que o
acadêmico fez alusão ao “esquecimento do amor”, referindo-se aos poetas como maiores
“vítimas do anátema torturante”; e que terminou seu discurso com inúmeras imagens de
um “sabor de inspirado simbolismo”. O jovem recebeu aplausos do auditório.
No entanto, o mais interessante é que o rapaz citou versos de um outro poeta,
um outro acadêmico formado um ano antes pela Faculdade do Recife. Diz a nota que

(Brasil). Na ONU, Bolsonaro se exime de erros na gestão da pandemia e choca ao culpar índios por
incêndios. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-22/na-onu-bolsonaro-se-exime-de-
erros-na-gestao-da-pandemia-e-choca-ao-culpar-indios-por-incendios.html>. Acesso em: set. 2020.
172 ANJOS, 1994, p. 203.
173 Pacotilha: jornal da tarde, n. 74, 29 mar. 1909, p. 2.
83

Adalberto “fala dos poetas – noivos da tristeza – para quem o esquecimento é um


consolo amargo, e cita, a propósito, bizarros versos de Augusto dos Anjos”174.
O “bizarros versos” certamente fica por conta do jornal pernambucano. Mas a
referência ao jovem poeta de Pau d’Arco, feita por um também jovem estudante, num
evento literário destinado a um público de jovens moças e rapazes, numa palestra cujas
referências eram nada mais nada menos que Edgar A. Poe, Cruz e Souza, Alfonsus de
Guimarães, é de chamar a nossa atenção.

Fora da Paraíba (do Norte), autorias de Augusto dos Anjos eram divulgadas
em jornais de outras capitais e em palestras e discursos pronunciados por acadêmicos
contemporâneos. Em solo paraibano, seu nome continuava aparecendo nas páginas do
órgão oficial do estado. É Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 205) quem reproduz a
homenagem d’A União feita ao poeta, na passagem do seu aniversário, sendo ele
“tratado com grandes deferências pelo órgão oficial do governo paraibano”. A redação
do jornal homenageava o “peregrino talento”, homenageava aquele que se destacava
como uma das “mais gratas e fagueiras esperanças” da poesia na Paraíba.
Segundo Magalhães Júnior (1977) e Assis Barbosa (1965), a colaboração de
Augusto no jornal oficial do estado, e mesmo sua nomeação como professor interino do
Liceu Paraibano, deram-se por conta da “forte” ligação que havia entre sua família e o
novo governador, João Lopes Machado.
Seu irmão Aprígio dos Anjos, que se bacharelaria em Direito (pela Faculdade
do Recife) em dezembro de 1909, era atual redator d’A União; e pelos relatórios anuais
apresentados à Câmara dos Deputados, João Machado, no relatório de 1910, referia-se à
Biblioteca Pública da capital dizendo que faltavam melhoramentos na sua parte física,
melhoramentos que preencheriam “seus elevados intuitos de fator essencial à educação
popular”, melhoramentos da instituição que tinha como diretor o próprio “Aprígio dos
Anjos”175. A ligação dava-se, mais ainda, através do irmão mais velho, Artur dos Anjos,
[...] promotor público zeloso, que há bem pouco dera a medida de sua
severidade e dedicação ao situacionismo, ao requerer à polícia a abertura de
inquérito e a apreensão de dois pasquins virulentos, o Papagaio e o Chicote,
qualificados por ele como “periódicos pornográficos, que circulam
irregularmente, sem a indispensável licença da Prefeitura” [...].176

174 A Província, Suplemento n. 13, 17 jan. 1909, p. 2 (itálicos meus).


175 Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), n. 1, 01 set. 1910, p. 25.
176 MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 197 (negritos meus).
84

O promotor público Artur, que já havia sido juiz municipal da cidade de


Guarabira, fazia valer o título de bacharel. Até pensei em localizar algo dos virulentos e
pornográficos pasquins, mas, novamente, seria tremendo desvio. E chega de desvios.
Ainda segundo Magalhães Júnior, as “deferências” obtidas por Augusto dos
Anjos junto ao jornal do estado da Paraíba também podem ter sido por influência de
Rômulo Pacheco, “ilustre” paraibano, futuro concunhado do poeta. Formado em Direito
pela Faculdade do Recife, em 1908, Pacheco havia sido nomeado escriturário da
Imprensa Oficial paraibana no mesmo ano, pelo então governador Walfredo Leal – sim,
assumiu depois da renúncia de Álvaro Machado.
Enfim, por essas “influências”, além da nomeação de Augusto dos Anjos para
o cargo de professor interino de Literatura no Liceu Paraibano e de sua constante
colaboração no jornal oficial do estado, “João Machado, dando mais uma demonstração
de sua estima, convida[va] o novo professor do Liceu para ser o orador oficial da data da
Abolição, logo em seguida, no teatro Santa Rosa” (BARBOSA, 1965, p. 307).
Não há acervo ou material on-line disponível – pelo menos não encontrei –,
que reproduza o discurso que fez o poeta naquele 13 de maio de 1909, até porque o
“polêmico” discurso parece ter sido divulgado somente no jornal oficial do estado,
durante os dias 20, 22 e 23 de maio, de “pedaço em pedaço”. Em pesquisa futura, em um
momento futuro, se houver futuro, pretendo ir à Paraíba, conhecer e pesquisar os
acervos disponíveis no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano – se estivermos de pé.
De qualquer maneira, o discurso é encontrado integralmente nas edições da
poesia e prosa de Augusto dos Anjos organizadas por Alexei Bueno (1994) e por Zenir
Campos Reis (1977), aqui constantemente citadas. Do texto, destaco apenas fragmentos
pontuais, convergentes com estas notas de pesquisa:
DISCURSO DO DR. AUGUSTO DOS ANJOS
NO TEATRO SANTA ROSA, A 13 DE MAIO CORRENTE

Exmas. Senhoras,
Meus Senhores,

Todas as minhas capacidades anônimas de minguada penetração filosófica


descobrem, no microcosmo específico da consciência individual, a oficina
milenária das grandes energias transformadoras, onde trabalha dia e noite,
gastando somas incalculáveis de substância nervosa, o dinamismo milagroso
que, unificando conscientemente os destinos humanos, avança, num acelero de
exército sôfrego, para a obra definitiva da civilização, ao mesmo tempo que
esteriliza, na sua passagem, a larva obstinada dos misoneísmos tardígrados, e
85

mata para todo o sempre a influenciação nefasta dos rígidos cânones e


cartapácios antiprogressistas.177

Obviamente que teria de “embasar” estas minhas pequenas notas, buscar os


originais do discurso pronunciado por Augusto, e mesmo procurar outras
demonstrações, através da pesquisa, de discursos feitos (pelo menos os cívico-políticos
em datas oficiais) durante o primeiro decênio de 1900. Todavia, como são apenas notas,
eis: primeiro é pronunciado o “excelentíssimas senhoras” e, depois, o “meus senhores”, a
uma plateia (como veremos) majoritariamente masculina e em tempos tão... tão 2020...
Apenas queria pontuar que, se realmente o original do discurso assim estiver,
é caso de uma pesquisa mais aprofundada, mais séria, talvez de uma análise do discurso
que estude esse “desvio”, essa “liberdade” que o poeta cometeu logo no começo de sua
fala durante um evento oficial há mais de 110 anos atrás. Se realmente assim estiver
“escrito” o discurso de Augusto dos Anjos, quem se interessar pelo tema, prepare-se,
pois os acusadores do poeta e homem Augusto de “misógino”, sempre de plantão, estarão
aí a espreitar seus/nossos “olhos para roê-los”...
Os biógrafos e críticos de Augusto dos Anjos e de sua obra falam que sua
prosa é truncada, inconsistente, truncada, desconexa, truncada. Mas não iremos por esse
caminho. Quem nunca foi acusado de incongruente, ausente de qualquer coesão de
“vida” (acadêmica), até de louco, que atire a primeira arma que comprou depois da
flexibilização de acesso do embuste, quer dizer, do ilustre – essa mania de nordestino de
tudo que ouve querer rimar dá nisso –, que atire fora e troque por pão.
De fato, o excerto reproduzido, que é o primeiro parágrafo do discurso de
Augusto pronunciado no teatro Santa Rosa no dia 13 de maio de 1909 em comemoração
da data de abolição da escravidão, é longo. Apesar disso, o mesmo procedimento de
leitura (dos poemas longos/narrativos) usado no segundo momento destas notas pode
ser usado na leitura desse e de outros materiais em prosa (as crônicas) do poeta.
Mesmo que o parágrafo transcrito seja truncado, a ideia do “dinamismo
milagroso” das ideias é notória. Trata-se de um dinamismo que trabalha como “oficina”
do pensamento transformador, tanto do indivíduo quanto da civilização; de um
dinamismo que unifica os “destinos humanos” para a “obra definitiva da civilização” e
que “esteriliza” tudo que é inimigo da mudança e tudo que é guiado e influenciado pelos

177 ANJOS, 1994, p. 641 et seq. (negritos meus).


86

antiquados e “rígidos cânones e cartapácios antiprogressistas”, seja em qual for o


aspecto estudado (político, econômico, social, cultural).
Com um dicionário em mãos, é possível ter referências dos termos, embora a
ausência de um aprofundamento etimológico, que seria necessário por conta de alguns
nomes (de personagens históricos) e de doutrinas filosóficas levantadas nesse discurso,
torne-se visível nestas notas. Mas, certamente, seria demasiado desvio, por enquanto.
O poeta alicerça seu discurso a partir do pensamento de nomes da ciência
acadêmica. Referenda o astrônomo e físico italiano Galileu Galilei, quando este diz que
“os homens não são semelhantes a cavalos atrelados a uma carruagem, puxando todos
ao mesmo tempo”, mas que são como cavalos livres178; referenda o filósofo e sociólogo
francês Georges Palante, quando este diz ser a consciência individual e livre “mãe do
progresso”, “gérmen misterioso que em si contém o futuro”179.
Em relação a Palante, o “individualista” que já possuía ensaios e artigos
publicados em jornais e revistas parisienses no começo do século XX, seu nome também
era bastante divulgado entre os jovens acadêmicos da Faculdade de Direito do Recife,
através das páginas dos jornais da “cidade das pontes” durante a década de 1900.
O então estudante Gilberto Amado, assinando no Diário de Pernambuco
(pelo pseudônimo de “Áureo”) a coluna “Golpes de vista”, escrevia uma crônica a 28 de
junho de 1907, e nela respondia às tolices do “colega” Jerônymo Rangel, a quem
constantemente chamava de depravado, estúpido e miserável infeliz180.
“Áureo” criticava a tolice de Rangel por este ter dito (talvez escrito em
colaboração em algum jornal) que as forças “indivíduo e sociedade” atuavam em igual
intensidade. Rebatendo o colega, reproduzia fragmentos de Georges Palante (Princípios
de Sociologia, publicado em 1901) mostrando que “indivíduo (derrotado) e sociedade
(opressora)” eram totalmente desiguais; dizia que o “individualismo libertador” era
contrário à opressão da sociedade, pois era um individualismo que brotava em espíritos
filosóficos como Max Stirner, Schopenhauer, Nietzsche. Enfim, o jovem acadêmico valia-
se do pensamento do sociólogo Palante para escrachar seu “colega tolo”.
Em uma de suas formulações teóricas (“Anarchism and individualism”, artigo
que data de 1909), Georges Palante diferencia individualismo de anarquismo, embora

178 Ibid., p. 641. Não vejo como identificar a obra do cientista de Pisa neste momento.
179 Ibid., p. 641.
180 Diário de Pernambuco, n. 144, 28 jun. 1907, p. 1.
87

não negue que este, num primeiro momento, também se revolta contra a sociedade que
oprime “minorias”181.
Segundo o sociólogo, enquanto o anarquismo acreditava que as “desarmonias
sociais” eram provisórias e, por isto, cria numa sociedade mais justa, esboçando fé e
esperança de mudança, o individualismo valia-se da descrença total, valia-se do
pessimismo social absoluto. Do individualismo vinha, pois, a descrença na sociedade
uniformizada e repetidamente monótona, no Estado opressor, na religião moralista, na
ciência que mostrava a dimensão trágica da vida e a desarmonia entre o particular e o
universal. O anarquismo cria num “progresso” futuro, e por isso era histórico. O
individualismo, por outro lado, negava a “história”.
Seria interessante aprofundar o pensamento de Palante e observar como ele
entrou no Brasil, até porque se não tiver sido através de revistas e jornais acadêmicos, as
obras do sociólogo, que foram por ele organizadas e publicadas no original (em francês)
a partir de 1901, com (o já citado) Princípios de Sociologia e em 1904 e 1909 com Luta
pelo indivíduo e A sensibilidade individualista, respectivamente – todas em tradução livre,
e confesso que desejosas –, e algumas a partir de 1912, seriam muito “novas” para já
encherem as cabeças dos jovens acadêmicos, principalmente esta última publicada em
1909, no mesmo ano em que Augusto pronunciava seu discurso na Paraíba (do Norte).
E como aqui não é feita a leitura estrita das teorias de Palante, de seus
fundamentos e comparações e distinções entre as bases socialistas e anarquistas, haja
vista a presente total imaturidade “deste número” que vos fala, e mesmo por conta do
desvio que teria de ser feito para tal empreitada, muito mais “interessante” seria um
estudo dessas ideias na poesia e prosa de Augusto dos Anjos.
Se pareço louco, tento me explicar.
Ao mesmo tempo que a voz dos versos e da prosa (as crônicas) de Augusto
dos Anjos nos cospe, pelo vocabulário “terminológico”, a matriz filosófica, a ciência nua e
crua, as teorias cientificistas “aprendidas” durante o período em que o poeta (homem)
Augusto estudava na Faculdade de Direito do Recife, onde havia a propagação das ideias
(modernas) estrangeiras para os acadêmicos, das ideias positivistas e evolucionistas e
pessimistas das ciências humanas e naturais e biológicas e filosóficas – com August

181Já que não é proposta, não pesquisei sobre traduções das obras de Palante. No entanto, muitos
materiais seus são sociabilizados em sites que reúnem arquivos marxistas, socialistas, anarquistas, a
exemplo do Marxists Internet Archives (disponível em: <https://www.marxists.org/index.htm>).
Muitos desses sites funcionam como fontes alternativas, para divulgação desse tipo de material.
88

Comte, Stuart Mill, Herbert Spencer, Ernst Haeckel, Arthur Schopenhauer, Friedrich
Nietzsche, Karl von Hartmann –, essa mesma voz, constantemente, impreca contra a
“ciência e filosofia”, deslegitima o trabalho do “ser que pensa e raciocina”.
Exemplos que agora me vêm à cabeça estão no Monólogo de uma sombra,
quando a sombra diz ao (espécie de) personagem do poema que o “Filósofo Moderno”,
que tentou compreender os fenômenos das formas, “apenas encontrou na ideia gasta / O
horror dessa mecânica nefasta, / A que todas as coisas se reduzem!”182; n’As cismas do
destino, quando o destino diz ao (espécie de) narrador e personagem-onisciente e
onipresente do poema, que “andou pela fúnebre” noite dos desgraçados, que sua
tentativa do pensar, do “perscrutar”, que tudo isto é em vão, porque ““Homem! por mais
que a Ideia desintegres, / Nessas perquisições que não têm pausa, / Jamais, magro
homem, saberás a causa / De todos os fenômenos alegres!”183 – e é no mesmo poema
que o narrador e personagem-onisciente e onipresente deseja um futuro em que as
pedras e os montes de argila criem em si “cordões nervosos”, já que em sua “época os
sábios não ensinam”184; n’Os doentes, quando o (espécie de) narrador e personagem-
onisciente e onipresente do poema diz que “Tentava compreender com as conceptivas /
Funções do encéfalo as substâncias vivas / Que nem Spencer, nem Haeckel
compreenderam...”, mas que somente encontrava em si as desgraças de “raças / Que há
muitos anos desapareceram”185.
Embora na “ciência” apoie-se para fazer seu discurso (do dia 13 de maio) e
para produzir boa parte de suas crônicas (publicadas nos jornais da capital Paraíba), e
da “ciência” use o vocabulário para fazer e expressar sua poesia186, o “homem e poeta” –
sim, a ideia foi de “unidade” –, Augusto dos Anjos é, recorrentemente, cético em relação à
própria “ciência”. Sim, não tenho base alguma para adentrar quaisquer que sejam as
teorias científicas e filosóficas discutidas pelos acadêmicos da Faculdade de Direito do
Recife. Mas é notória, na poesia e prosa do paraibano, a crítica da (se existisse) “ciência
pela ciência”, pois há no Eu (1912) o grito de que toda tentativa de “pensar” é vã, de que
a “ciência” não compreende o que deveria compreender, de que a “ciência louca é oca” e

182 ANJOS, 1994, p. 196.


183 Ibid., p. 218.
184 Ibid., p. 216.
185 Ibid., p. 236.
186 Entre as pesquisas que julgo “acessíveis” e recomendáveis para, especificamente, se verificar esse

vocabulário, indico: MARTINS, J. de O. Glossário de alguns termos pouco usuais, empregados por Augusto
dos Anjos em seu livro “Eu e Outras poesias”. In: _____. Introdução à poesia de Augusto dos Anjos. São
Paulo: Livraria Brasil, 1959, p. 253-272.
89

ineficaz para se entender as lamúrias sociais. E quando observarmos os poemas longos,


narrativos, no segundo momento destas notas, veremos que isto se torna mais latente.

Voltemos ao discurso de Augusto dos Anjos pronunciado no teatro Santa


Rosa, na Paraíba (do Norte), a 13 de maio de 1909.
Logo após embasar suas palavras nas teorias “modernas”, logo após
referendar Galileu Galilei, Georges Palante, Karl von Hartmann, logo após defender a
necessidade do “dinamismo milagroso” das ideias que transforma o indivíduo e toda
civilização até alcançarem, mutuamente, a “liberdade”, Augusto condena,
veementemente, a escravidão e suas sequelas deixadas:
[...] a escravidão é a morte absoluta dessa consciência [individual], é a
crosta tegumentária negativista que impede o desenvolvimento psicogenético
da racionalidade, e reduz talvez a pars nobilis do ser humano à mais baixa e à
mais réptil de todas as situações animais.
Destarte, o eu psicológico do escravo lembra uma noite infinita e
incomensurável, onde as estrelas principais se transformaram em massas
cósmicas enegrecidas, rolando sem a superintendência da gravitação, e sem as
leis mantenedoras do equilíbrio universal, na imensidade cavernosa do
Espaço.
O escravo é a negação vertebrada do impulso evolutivo que existe
ocultamente no fundo de todas as coisas, dando movimentação diuturna ao
Universo [...].187

É a escravidão morte da consciência individual daquele que é brutalmente


reduzido à lama. É a escravidão (ok, o eu do escravo) “noite infinita”, “sem luz”, “sem
equilíbrio”, “sem rumo”. É a escravidão contrária a toda e qualquer transformação
individual e coletiva rumo à liberdade. É a escravidão terrível tragédia coletiva.
Todo o discurso de Augusto segue por essa linha de raciocínio e crítica,
trazendo à tona aqueles pensadores e, simultaneamente, sempre aludindo a termos
acadêmicos (microcosmo, quadro teleomecânico, misoneísmo, homogenia agenésica,
paleontológico, sociocracia, estirpe radiolar, psicogenética) e a termos de origem latina
(pars nobilis, fieri, perpetuum mobile, vis organisatrix, substractum).
Um discurso forte porque tenta adentrar a “psicologia” de quem foi e é, por
séculos, expatriado, amordaçado, esquartejado. Um discurso que nos faz pensar em
nossa liberdade individual (e coletiva) roubada e assassinada. Um discurso que nos faz
pensar, em tom provocador, a “psicologia do escravizado”.
Um discurso coerente com a “nova Paraíba republicana”, totalmente liberta
da escravidão, do “trabalho escravo” – e não é porque nos últimos quinze anos (entre

187 ANJOS, 1994, p. 641 (grifos meus).


90

2003-2018) foram encontrados e resgatados quase 490 trabalhadores trabalhando em


situação de trabalho forçado/escravo na mesma Paraíba e dos quais 74% são de
trabalhadores rurais e 46% são de trabalhadores que se “enquadram” ou se
“autodeclaram” pretos e pardos que não tivesse tudo bem em 1909188.
Augusto dos Anjos parecia saber disso tudo em sua época. Através desse
discurso, são revelados os ideais do homem e do poeta. Um discurso pronunciado em
data oportuna e numa Paraíba das oligarquias e da forte influência religiosa (atentemo-
nos, senhor) – sim, isto tudo foi no passado, aleluias amém.
Só com esse discurso já teríamos um corpus de pesquisa consistente e
poderíamos realizar um trabalho acadêmico. Mas, como não é proposta fazer sua análise
minuciosa nem tampouco reproduzi-lo exaustivamente, por ora seguem pontuais notas.

Augusto discursa que o “escravo”, do ponto de vista psicológico, é um


anulado e vencido. Isto, por conta do que passou (e passa). Diz que sua alma “é como a
fotografia de um túmulo, [pois sua] consciência” desapareceu completamente. Diz que as
“ideias superiores e os sentimentos superiores, afugentados e dispersos, no
atabalhoamento característico do êxodo forçado, desertam aquele eu em ruínas”189.
A escravidão, continua, não apenas esquarteja fisicamente um povo,
expatriando-o da história e da sua história e chicoteando-o com o “chicote inquisitorial
das gentes xantocróides” (gente “branca”), mas o anula “psicologicamente”. A escravidão
não apenas “esteriliza” o corpo de um povo, distanciando-o da liberdade (que deveria ser
inalienável) e desintegrando-o, mas o deixa puxar e levar uma carga pesada duma “vida
que não é somente dele, mas de todos os que sangram com ele”. A escravidão força, num
povo, o grito, o grito de “canção unitária dos vencidos”.
Dando nome e lugar ao gado e trocando a ação/crime praticado (escravidão)
pelos seus algozes, a maldita “raça branca” e o Estado, este diz ao povo: “Tu não terás
filhos!” – até que temos, mas eles são podados e amassados pelas lustradas botas do
estado190, e quando conseguem “subir”, lastimamente caem, e caem191; “tua mulher é dos

188 OBSERVATÓRIO DA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO E DO TRÁFICO DE PESSOAS (Brasil). Paraíba.


2018. Disponível em:
<https://smartlabbr.org/trabalhoescravo/localidade/25?dimensao=perfilCasosTrabalhoEscravo>.
Acesso em: ago. 2020.
189 ANJOS, 1994, p. 642 et seq.
190 EL PAÍS (Brasil). Entre a vida e a morte sob tortura, violência policial se estende por todo o

Brasil, blindada pela impunidade. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-


91

brancos”; e o Estado, eu mesmo, “que [sou] o logos [e a] razão suprema, não [protejo] a
tua vida, a tua propriedade e a tua liberdade, porque tu não possuis esses superatributos
inalienáveis e imprescritíveis do nosso eu bramânico e privilegiado!”192.
E para quem acha que a “expressão privilégio” é tão recente, aí está.
Augusto dos Anjos faz um percurso histórico da escravidão, citando desde
Portugal, o “grande estômago antropófago”, aos principais portos de comércio de
população africana no mundo, a saber, Península Ibérica, Sevilha, Lisboa, todas
“verdadeiras alfândegas desse abominável negócio”. O mesmo faz em relação ao
movimento emancipatório dos povos escravizados de todo o mundo, citando o Brasil
como um dos últimos países a abolir (legalmente) tão “detestável prática”.
Discorre sobre as trágicas consequências da escravidão, criticando que sua
existência é, no seio de qualquer sociedade, “evolução regressiva”, “recuo desesperado
aos tempos idos”, “regressos eternos na vida da humanidade”. E, em uma tão nova
República, seria a escravidão “instituição anacrônica e dissonante” ao Estado moderno.
O professor, poeta e bacharel termina citando José do Patrocínio, o “maior
fator dinâmico na reorganização onímoda de nossa vida política”. Segundo Augusto, fez
Patrocínio mais do que o próprio poeta Virgílio na sua Eneida: enquanto este
“condensou o mundo romano na sua altura e destino social”, o jornalista e escritor
brasileiro, “abrangendo o sentimento da solidariedade étnica, na sua figura universitária
e imortal, deu expressão autoconsciente ao mesmo e foi o Buda libertador dos últimos
escravos que gemiam nas senzalas aberratórias da humanidade culta”193.
A José do Patrocínio, ao dia 13 de Maio, à República Brasileira e ao
governador (presidente) do estado da Paraíba (do Norte), João Machado – não,
realmente não há como não pensar que não houve ironia... –, seguiram-se os “Vivas”.

Esse discurso foi publicado no diário oficial do estado, A União, nos dias 20,
22 e 23 de maio de 1909. Se foi corrigido antes de ser reproduzido no jornal, não se
sabe. Se foi reproduzido na íntegra e sem nenhuma alteração, não se sabe. É sabido,

30/entre-a-vida-e-a-morte-sob-tortura-violencia-policial-se-estende-por-todo-o-brasil-blindada-pela
impunidade.html>. Acesso em: ago. 2020.
191 EL PAÍS (Brasil). “Enquanto as redes falavam ‘blacklivesmatter’, perdemos outra criança negra

para o racismo”. 2020. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-05/enquanto-as-


redes-falavam-blacklivesmatter-perdemos-outra-crianca-negra-para-o-racismo-
enraizado.html?rel=mas>. Acesso em: ago. 2020.
192 ANJOS, 1994, p. 643.
193 Ibid., p. 651.
92

apenas, da repercussão que teve, principalmente através dos depoimentos dos “amigos”
de Augusto dos Anjos presentes na sessão do teatro Santa Rosa.
Dois dias após o discurso do poeta, a redação d’O Norte, do seu “amigo” Orris
Soares, descrevia toda a solenidade realizada durante a “gloriosa data que recorda a
extinção da raça escrava na Pátria brasileira”.
A missa campal foi celebrada às 06h15 da manhã. A sessão no teatro Santa
Rosa foi realizada às 13h30; e lá estavam, nas cadeiras principais, Pedro Pedrosa,
Estevam Conte, Abel da Silva, Eduardo Pinto, Miguel Rapozo, Custódio Paes, Augusto dos
Anjos e os irmãos Aprígio, Alexandre e Alfredo: Ivo Magno Borges da Fonseca presidiu a
sessão; Augusto dos Anjos seguiu como orador oficial; Custódio Paes foi o “orador
popular”; Abel da Silva agradeceu, em nome da comissão; Ivo Magno encerrou.
Em relação ao discurso do poeta, assim diz a nota do jornal de Orris Soares:
[...] O discurso do dr. Augusto foi uma peça em que ele demonstrou notável
cultura, trabalho de frase, força de imaginação. O orador depois de palavras
preambulares fez a psicologia do escravo, analisando em seguida o seu
papel na sociedade, o escravo como entidade sociológica. O dr. Augusto
terminou o seu belo trabalho fazendo uma evocação a esta figura primacial, o
homem que valia por uma raça, o tipo aristotélico que se chamou José do
[Patrocínio]194. Ao terminar o seu discurso, o orador foi muito aplaudido.195

A “festa” continuou durante tarde e noite: passeata às 17h00; queima de


fogos de artifício depois das 19h00, acompanhada de numeroso público disperso na
praça Pedro Américo; e, por fim, apresentação, a partir das 20h30, da peça “Os
Saltadores da Floresta Negra”.
Pelo que escreve O Norte, não houve nada de “desastroso” ou “polêmico” no
discurso pronunciado por Augusto, pelo menos a nota do diário nada traz sobre. No
entanto, é isso o que dizem os biógrafos do poeta e alguns colegas e amigos seus que
estiveram presentes na sessão do teatro Santa Rosa, lá em 1909.
De Castro e Silva (1984, p. 77) afirma que o poeta “não possuía facilidade
para expressar-se em “prosa”, pois era cem por cento poeta”. Humberto Nóbrega (1962,
p. 252) afirma que a escrita da conferência foi em “linguagem ramalhuda, tresadjetivada,
meio sibilina, reveladora enfim da preocupação de ineditismo e originalidade”, pois o
prosador Augusto sempre foi “rasteiro, não acompanha[va] os remígios alcandorados do
poeta”. Magalhães Júnior (1977) é mais “detalhista”, mas afirma a mesma coisa:

194 O nome estava “José do Patronício”.


195 O Norte: jornal político e noticioso, n. 293, 15 mai. 1909, p. 1 (grifos meus).
93

[...] O mínimo que se pode dizer de tal discurso é que foi desastroso. Ao orador,
tanto faltava senso comum como aptidão para comunicar-se com uma plateia
popular, em festa pública com entrada franca e animada por um desafio entre
duas bandas de música – a da Polícia Militar e a da Fábrica de Tecidos
Tibir[y].196

Segundo ele, esse discurso de Augusto deixou os ouvintes “verdadeiramente perplexos”.


Antônio Bernardino dos Santos Neto, contemporâneo e amigo de Augusto,
parceiro desde o curso no Liceu Paraibano até a Faculdade de Direito do Recife, nos
perfis de literatos e jornalistas do Norte do Brasil esboçados em Perfis do Norte (1910) –
obra que veio a público em 1913 –, diz que somente ele poderia falar da
“individualidade” do poeta de Pau d’Arco, porque ele era quem conhecia Augusto por
mais tempo, desde a época de imprensa (n’O Comércio) até a faculdade.
Referindo-se, de modo geral, à complicada “prosa” de seu amigo, Santos Neto
diz que Augusto queria “transportar para os domínios da prosa certas extravagâncias
que somente no verso [eram] cabíveis”, tentando escrever difícil, a ponto de ser
“nebuloso” e “nefelibata”. E, como exemplo, cita a sessão do teatro Santa Rosa, o discurso
escrito com “ideias estapafúrdias”, o discurso feito sem cuidados para com o público,
sem o cuidado de como seria entendido pelos “espíritos despreocupados e simplórios”.
Após reproduzir fragmentos da conferência do teatro Santa Rosa, diz:
Enorme! Augusto dos Anjos, celebrando uma data cívica, quis sair dos
lugares comuns e não atentou para o desacordo entre tais dissertações
filosóficas e um público sem cultivo. Eis um esforço contraproducente para
quem procura educar as massas.197

Educar as massas... O filho de Artur Aquiles via Augusto dos Anjos como
grandiosíssimo poeta, que não se destacava, porém, em nenhuma outra manifestação
intelectual – nem como professor, Santos Neto?!
Além de fornecer dados biográficos de Augusto, Perfis do Norte é importante
porque transcreve, por inteiro, o longo poema As cismas do destino, que pode ser
utilizado, nessa transcrição, como fonte primária – e lembrando que o mesmo poema foi
publicado, originalmente, em 1908, na revista que o próprio Santos Neto trabalhava com
seu pai (Artur Aquiles), a Terra Natal.

196MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 207.


197SANTOS NETO, A. B. dos. Augusto dos Anjos. In: _____. Perfis do Norte: (Duas palavras, Carlos D.
Fernandes, Artur Aquiles, Castro Pinto, Rodrigues de Carvalho, Eliseu Cesar e Augusto dos Anjos). Rio de
Janeiro: Livraria Garnier, [1910], p. 114.
94

O discurso de Augusto dos Anjos é, até hoje (sim, todo falam), lembrado como
desastroso, polêmico, desastroso, pedante, desastroso, confuso, desastroso, complexo,
desastroso. Mas creio que foi mais que isso; foi sincero, e fez escola.
Álvaro de Carvalho, contemporâneo de Augusto e uma das intelectualidades
que conviveram com o poeta na época de efervescência da imprensa paraibana; “um dos
escritores mais cultos, de mais elegante compostura literária da década de 1920”198; um
dos primeiros escritores que, com sua “objetividade, sobriedade, densidade de estilo e
universalidade de ideias”, analisou “a influência de Les Fleurs du Mal” (de Baudelaire) no
poeta do Eu; um dos críticos que já afirmava que Augusto não havia formado “escola”,
continuando o Eu “insulado em sua própria grandeza, à margem do pensamento e das
correntes estéticas da literatura nacional”199, pronunciou uma conferência também em
comemoração (ao cinquentenário) da abolição da escravatura.
Promovida pelo Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), em 1946,
a conferência mostra o tom de indignação do seu orador:
A escravidão, fenômeno econômico e social, no Brasil, foi, como o tem sido
em toda a parte, a decorrente necessária da lei suprema da vida, da lei que
não conhece leis e que a todas se superpõe – a necessidade.200

Como afirma Carvalho, a escravidão foi uma necessidade, humana.


Devo ser sincero ao comentar que do jornalista e bacharel em Direito (em
1912) pouco material tenho. Sei da importância de seus trabalhos de crítica e
interpretação da poesia de Augusto dos Anjos. Mas sei também que alguns desses são de
difícil acesso, podendo ser encontrados em bibliotecas físicas mais restritas ou em
acervos digitais mais caros. Quase conseguia dois deles, Revelações do Eu (1920) e
Augusto dos Anjos e outros ensaios (1946?); este, mais atual e indisponível, aquele,
disponível apenas em biblioteca presencial, o que faz com que o “distanciamento social”
prevaleça e cresça. Certamente serão encontrados e utilizados em pesquisas futuras.
E só para não esquecer, o Revelações do Eu: ensaio de psicologia sobre Augusto
dos Anjos, ensaio com pouco mais de cinquenta páginas, teve alguns fragmentos
divulgados na revista carioca A.B.C., revista de “política, atualidades, questões sociais,
letras e artes” fundada em 1915. Os fragmentos divulgados trazem a leitura e a análise,

198 BARROS, E. A poesia de Augusto dos Anjos: uma análise de psicologia e estilo. Rio de Janeiro: Gráfica
Ouvidor, 1974, p. 59 et seq.
199 CARVALHO, A. de. Augusto dos Anjos e outros ensaios. João Pessoa: Imprensa Oficial, 1946 apud

MARTINS FILHO, A. Reflexões sobre Augusto dos Anjos. Fortaleza: Ed. Universidade Federal do Ceará,
1987, p. 48.
200 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), v. 10, 1946, p. 108 (grifos meus).
95

feitas por Álvaro de Carvalho, de alguns poemas de Augusto, assim como comentários
que faz o crítico em relação à “individualidade curiosa” do autor do Eu, comentários que
faz o crítico sobre o “físico” do poeta de Pau d’Arco201.
Para não perder o fio da meada, voltemos à conferência sobre a escravidão
pronunciada no Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP).
Álvaro de Carvalho, contemporâneo de Augusto dos Anjos na época de
imprensa e que também “viu” e sofreu, em 1904, o empastelamento perpetrado pelo
governador do estado, José Peregrino de Araújo, contra os jornais O Comércio e O
Combate (no qual colaborava), no seu discurso feito no IHGP, na década de 1940, afirma
que não devemos nos lamentar pelo ocorrido, ou seja, a escravidão. Afirma que, sim,
devemos nos reabilitar dos “erros acaso cometidos” e das “injustiças e misérias
praticadas num regime cruel e desumano”, abrindo espaço para os descendentes
daqueles que tanto sofreram, abrindo “novos rumos à capacidade de trabalho” para os
descendentes daqueles que tanto sofreram, “integrando-os202, redimidos, na sociedade
de que somos parte”, já que, a escravidão,
[...] sob este ponto de vista, não é mácula nem deslustre da nossa vida ou da
nossa história. É um fenômeno social, como qualquer outro, determinado por
causas necessárias, inelutáveis, produzindo efeitos fatais e inevitáveis
cujo valor só ao sociólogo do futuro será dado mensurar. Não lamentemos nem
maldigamos o sucedido [...].203

Tenho minhas dúvidas se o discurso de Augusto dos Anjos, pronunciado no


teatro Santa Rosa, não foi mais “pioneiro”. Sinceros, ambos foram. Pois é, sinceros.
De qualquer maneira, o biógrafo Raimundo Magalhães Júnior destaca não só
o discurso feito por Augusto como um dos desastres da vida do poeta, lá em 1909, como
também elenca um fato novo. Lecionando (interinamente) literatura no Liceu Paraibano,
lecionando (particularmente) em sua residência, e publicando seus poemas n’A União, a
sua saída do Instituto Maciel Pinheiro veio à contramão de tudo isso.
Afirmando que o poeta havia “se desembaraçado das penosas
responsabilidades que seis meses antes assumira”, Magalhães Júnior (1977, p. 214)
reproduz a notícia da saída de Augusto publicada por aquele órgão de imprensa, em
junho, semanas depois do “polêmico” discurso feito no teatro Santa Rosa: “Tendo
deixado a direção deste importante estabelecimento de educação infantil os nossos

201 A.B.C.: política, atualidades, questões sociais, letras e artes, n. 812, 27 set. 1930.
202 Os descendentes daqueles que tanto sofreram.
203 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), v. 10, 1946, p. 110-111 (grifos meus).
96

distintos colegas dr. Augusto dos Anjos e Abel da Silva, acaba de assumir a sua
superintendência o não menos digno dr. Gustavo Cordeiro Galvão” – este, era
colaborador do jornal de Orris Soares, O Norte, e havia se bacharelado em Direito pela
Faculdade do Recife, em 1909.
Sim, mais um dos grandes desastres na vida do poeta durante o ano de 1909.
Segundo Magalhães (1977, p. 214), “bastaram seis meses, como diretor do colégio, para
que Augusto dos Anjos se desse por derrotado”. Derrotado, vencido, derrubado.
Interessante é que não sabemos o porquê dessa derrota, o porquê de
Augusto, assim como Abel da Silva, terem saído do Instituto Maciel Pinheiro, justamente
quando o projeto era bom; e nele os professores depositaram bastante confiança, nele os
professores muito investiram, por ele Augusto dos Anjos e Abel da Silva pretendiam
“revolucionar” o ensino da Paraíba (do Norte). Falta de dinheiro? Cansaço? Muitas
atribulações? Imprevistos? O fato é que, depois do discurso no teatro Santa Rosa,
“parece” que as coisas desandaram. E as perguntas continuam sem respostas.
Em O lamento dos oprimidos em Augusto dos Anjos, tese defendida em 2009 –
um dos “poucos” trabalhos datados dos anos 2000 e aqui utilizados –, a professora e
pesquisadora Maria Olívia Garcia traça alguns paralelos entre dados biográficos de
Augusto e dois romances publicados pelo seu irmão mais novo, Alexandre dos Anjos. Em
Desajustado e Proibição, publicados nas décadas de 1950 e 1970, respectivamente, há
muita “coincidência” de “personagens”, de lugares, de “fatos”, de situações presentes na
vida do paraibano.
No primeiro deles, Desajustado, o que interessa para estas notas, são
narrados, segundo a pesquisadora, fatos relacionados ao protagonista “Marcelo”, um
marginalizado e “mestiço” que foi “expulso do meio social em que se estabelecera, [...]
justamente após haver proferido um discurso em favor da igualdade racial”204.
Nesse discurso – reproduz Maria Olívia fragmentos do livro de Alexandre dos
Anjos –, Marcelo fala “sobre o problema da escravidão, exaltando a “abolição da
escravidão física” e dizendo que esta deveria ser completada pela obra de “abolição da
escravidão moral, com a extinção do irrisório preconceito da diferenciação das raças””
(GARCIA, 2009, p. 54). Da plateia, o protagonista ouvia gritos de que era “audacioso” e

204GARCIA, M. O. O lamento dos oprimidos em Augusto dos Anjos. 2009. 366 p. Tese (doutorado em
Teoria e História Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas,
Campinas, SP, 2009, p. 67.
97

um “mulato mal agradecido”. Logo após esse discurso de “Marcelo”, a situação ficou
complicada na metrópole em que ele vivia, tendo que ir buscar “refúgio na igreja”:
Monsenhor Vicente de Alencar passa a alertar os fiéis para que não se
deixem influenciar pelo surto de ideias dissolventes de que falara Marcelo,
pregando a impossível igualdade das raças humanas e insurgindo-se, de
maneira violenta, contra o velho princípio da discriminação racial que, afinal, é
a defesa natural das raças puras.
Prossegue dizendo que, como era o esperado, a conferência causara péssima
impressão a todos, “demonstrando, além do mais, a tremenda ingratidão do
infeliz tribuno”, principalmente porque ele devia, tudo na “próspera carreira de
advogado”, à proteção generosa de “um digno membro da mesma sociedade
por ele agora atacada de modo tão virulento”.
E o vigário encerra o sermão dizendo: “Cumprindo o sagrado dever de
pároco desta freguesia, venho prevenir aos caros fiéis não se deixarem
contaminar por ideias tão reacionárias, perturbadoras de nossa vida social e
religiosa”.205

Torna-se mais interessante essa “referência” porque o protagonista Marcelo,


ele próprio o desajustado, vai para o Rio de Janeiro depois de sofrer perseguições feitas
por um “homem influente” e pela “igreja católica”.
Obviamente que pretendo adquirir os livros de Alexandre dos Anjos206. Mas,
claro, lê-los como “ficção” que são. E disto tenho certeza, até porque Augusto dos Anjos
era branco. Não era branco?! Pois é isso que as biografias e bibliografias nos informam.
Se bem que há uma e outra indicação diferente.
Ademar Vidal (1967, p. 15), ao “recordar” da época em que era aluno de
Augusto, época em que recebia do poeta aulas de reforço para ingressar no curso de
“madureza” do Liceu Paraibano, isso por volta de 1909, revela suas “lembranças
indeléveis” – isto, em O outro Eu de Augusto dos Anjos. Diz o biógrafo que Augusto se
parecia com sua mãe, mas somente pelos “predicados psicológicos”, já que D. Córdula
era branca, “pele muito branca” mesmo, enquanto Augusto “era de cor moreno-jambo,
cabeleira lisa, andar leve, um tanto trepidante”.
O que seria, então, cor de jambo? Seria o tal do “mulato”, da “mulata”? Seria a
tal da “morena”, do “moreno”? Seriam as “pardas” e os “pardos”? Seriam as “caboclas” e
os “caboclos” e os “mestiços” e as “mestiças”?

205Ibid., p. 67.
206Os romances do irmão de Augusto dos Anjos são referendados por Ademar Vidal (1967, p. 147), n’O
outro Eu de Augusto dos Anjos. E é por essa pesquisa que Maria Olívia Garcia resgata as leituras
daquelas literaturas, importantes para podermos entender “situações reais”, pois é o próprio Vidal quem
diz que os dois livros de Alexandre “têm como ambiente o engenho Pau d’Arco”.
98

O Moderno dicionário da Língua Portuguesa, numa versão on-line, define cor


de “jambo” para quem “tem a pele bem morena, da cor de um mulato ou mulata”207.
No Minidicionário da Língua Portuguesa – este exemplar me traz bastante
lembrança, muito mais de como chegou até mim, e sempre atualizando-o vou usando
até... –, Silveira Bueno (1996, p. 655) define os termos como de significação semelhante:
mulato é o “filho de pai branco e mãe preta ou vice-versa”, é o homem escuro, de cor
trigueira; moreno é o homem de cor trigueira; pardo tem a cor entre branco e preto, cor
de mulato, cor de mestiço; caboclo é o mestiço de branco com índio; mestiço é o híbrido;
e o trigueiro seria o homem de “cor do trigo maduro”, o homem de cor “moreno”.
Muita loucura, mesmo. E até aparece um “trigueiro” no meio. E, para não criar
polêmicas por enquanto, sigamos com a “cor de Augusto dos Anjos”.
Se prestarmos atenção, Orris Soares, numa das primeiras biografias sobre o
“físico” do poeta de Pau d’Arco – “Elogio de Augusto dos Anjos” –, pelo menos para a
feitura destas notas fornece informações úteis. Depois de descrever a “magreza
esquálida” de seu “desventurado amigo”, depois de descrever os olhos fundos, as
olheiras, a testa descalvada, a boca de “corte macabro”, descreve que Augusto tinha os
“cabelos pretos e lisos [que] apertavam-lhe o sombrio da epiderme trigueira”208.
Epiderme trigueira. Talvez por isto que Soares tanto fala da “catástrofe” que
pairava sobre a fisionomia do seu grandioso amigo, uma fisionomia de sofreguidão.
Deixemos de lado a desinformação de que Augusto dos Anjos faleceu em
1913 e levemos em consideração a fala de Orris Soares sobre os três fatores que
influenciaram a “profunda tristeza” de seu desventurado amigo: “um de caráter
individualíssimo, outro mesológico e o terceiro espiritual”209. Sem ordem a ser seguida, o
primeiro refere-se à obsessão da morte, revelada (nos poemas) por Augusto; o terceiro,
ao plano espiritual, pois o poeta revelava um temperamento triste; e o segundo, à “raça”:
O segundo dos elementos originadores da sua melancolia decorreu do meio
ou, se quiserem mais forte, saiu da raça. Muitas gerações brasileiras ainda
serão predominantemente, numa percentagem de 75, tristes por força e causa
dos elementos atávicos que atuaram na sua formação: – o índio perseguido, o
negro escravizado e o europeu emigrado. Três doentes de tristura, cujo

207 TREVISAN, R. (coord.). Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Melhoramentos, 2015.
Recurso on-line disponível em: <https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-
brasileiro/jambo>. Acesso em: ago. 2020.
208 SOARES, 1920, p. III.
209 Como a edição está melhor revisada, a reprodução dos fragmentos em questão se dá pela versão da

editora Castilho: SOARES, O. E. Elogio de Augusto dos Anjos; Nota urgente. In: ANJOS, A. dos. EU e Outras
poesias. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Castilho, 1928, p. XXIX.
99

nome para o índio ignoro, chamando-se banzo no africano e nostalgia no


imigrante.
Na América do Sul há uma distância clamorosa entre o homem de letras e o
público. No Brasil, o caso se extrema – insignificante minoria profundamente
culta e um vasto oceano de...
Ademais de tudo, entre nós, o homem de pensamento tem que ser triste por
que se educa com livros estrangeiros, ideias estrangeiras, coisas estrangeiras, e
vive num meio ainda longe de assimilar os frutos das poderosas civilizações.210

Pelo que entendi, a tristeza do homem de letras brasileiro é fruto da


miscigenação, tão somente? Mas, a ponto de ser uma tristeza, uma nostalgia, um banzo,
uma saudade infinita (soledade?)? E o abismo entre esse (triste) homem de letras
(brasileiro) e o público que não lê e que é “distante” torna-se muito maior? Justamente
por que há uma literatura que não dialoga com esse público? Ou justamente por que há
um público “ignorante” que nunca conseguirá entender essa literatura? Seria então, por
isso tudo, que Orris Soares, parágrafos depois, falaria da bondade de seu amigo Augusto,
da “bondade solidária com todos os sofrimentos, bondade brandura que suaviza
desesperos e acalenta almas”? Bondade de um homem, de um artista/poeta, de um
professor que vivia na “luta” pela existência, “trabalhando dia e noite, noite e dia”, o
pobre “professor de ciências e letras, obrigado a ensinar como único recurso de vida”?
E o que isso tudo tem a ver com a catástrofe atávica que Augusto trazia em si?
Já que sofria os males de “sua raça”, já que era um homem de letras (triste), pelo menos
tinha como força de caráter entender os sofrimentos alheios? Qual a relação disso tudo?
Não sei. Orris Soares diz que a poesia de Augusto dos Anjos, que o Eu, é um
livro “de sofrimento, de verdade e de protesto”, pois é uma poesia/livro que “sofre as
dores que dilaceram o homem e aquelas do cosmos”. Prefiramos, então, o protesto!

Por insuficiência crítica e teórica deste trigueiro que vos fala, pode parecer
que é tentada certa igualdade entre “defeitos de cor” e “defeitos de raça”. Mas não, aqui
não é tentado isso. Para se ter alguma profundidade, seriam necessários levantamentos
e levantamentos, e novamente o desvio seria brusco. Então, sigamos, pontualmente.
O professor e historiador da América Latina (pela Universidade George
Washington), Raul D’Eça – nascido no Brasil e por muitos anos residente no país;
membro da “Divisão de Cooperação Intelectual” da antiga “União Pan-Americana”211,
departamento que discutia a cooperação das atividades relacionadas às ciências e às

210 Ibid., p. XXIX-XXX (grifos meus).


211 Em fins da década de 1940, seria criada a Organização dos Estados Americanos (OEA).
100

letras dos países membros da organização –, escrevia um artigo em 1938 sobre a


história da literatura brasileira, englobando o final do século XIX e o começo do XX212.
Traçando um panorama entre os movimentos parnasiano e simbolista e o
modernismo na literatura brasileira, o professor destaca, no artigo “Some modern
brazilian poets”, grandes escritores: no parnasianismo, Olavo Bilac, o príncipe dos
poetas – ainda, Alberto de Oliveira; no simbolismo, Cruz e Souza, o expoente máximo do
simbolismo, o poeta que, sendo negro “viveu uma vida de desajustado, oprimido pela
sua cor, mesmo em um país liberal em questões de raça como o Brasil”213 – ainda, Félix
Pacheco, Hermes Fontes, Alfonsus de Guimarães, Gilka Machado, Eduardo Guimarães,
Cecília Meireles, Manuel Bandeira, Murilo Araújo; e, entre esses dois “grupos”, um que
não pertencia a nenhuma escola, o poeta paraibano Augusto dos Anjos.
As notas críticas do professor e historiador seguem com a referência a poetas
e prosadores do movimento modernista, daquilo que representou, segundo ele, um
“renascimento literário”, impulsionado a partir da “Semana de Arte Moderna”, com
Graça Aranha, Ronald de Carvalho, Oswald de Andrade, Guilherme de Almeida, Menotti
Del Picchia, Mário de Andrade, Cassiano Ricardo, Plínio Salgado e, simultâneos a estes
nomes (de poetas e prosadores), os que correspondiam à “Sociedade Felipe d’Oliveira”
(Augusto Schmidt, Álvaro Moreira, Rodrigo Otávio Filho, Otávio Tarquínio de Souza,
Tristão da Cunha, Ruy Ribeiro Couto, Renato Almeida, Renato de Toledo Lopes, Manoel
de Abreu, João Daldt de Oliveira, Edmundo da Luz Pinto, João Neves da Fontoura, Ronald
de Carvalho, José de Freitas Vale, Assis Chateaubriand), grupo que prestava homenagens
à memória do poeta Felipe d’Oliveira, falecido em 1933.
Em relação a Augusto dos Anjos, o poeta que não pertencia a nenhuma escola,
Raul D’Eça informa que ele fora educado na Paraíba. Era um rapaz de boa formação que,
assim como tantos outros, foi para o Rio de Janeiro em busca do “sucesso”, embora
nunca o tenha alcançado.
O que chama nossa atenção é a “caracterização do poeta” feita pelo professor.
Diz Raul que a aparência de Augusto mostrava o conflito entre as raças europeia, indiana
e africana, violentamente misturadas pelos “accidents of history”, isto mesmo, pelos

212 D’EÇA, R. Some modern brazilian poets. Buletin of the Pan American Union, Washington, D.C., v. 7, p.
381-386, jul. 1938. In: UNION OF AMERICAN REPUBLICS. Buletin of the Pan American Union. Vol. LXXII.
Washington, D.C.: jan./dez. 1938, n. 1-12. Disponível em:
<http://www.archive.org/details/buletinofpaname7238pana>. Acesso em: jul. 2020.
213 Ibid., p. 381. Versão original: “[...] was a negro who lived the life of the misfit, oppressed by his color

even in the heart of a society as liberal as Brazil in questions of race”.


101

“acidentes da história”, sendo essa formação a essência do povo brasileiro. Fala ainda de
sua magreza, de seu corpo curvado, de sua feiura, de todo um semblante de “alma
perdida”, assim como já havia dito um amigo de Augusto – Raul se refere a Orris Soares
(e seu “Elogio de Augusto dos Anjos”, de 1920), quando este dizia ser o conterrâneo e
amigo um “pássaro afogado/molhado”.
Deixando de lado as desinformações de que Augusto faleceu em 1913 e de
que destruiu sua carreira de professor por conta do seu “neuroticism”, levemos em
consideração a fala de Raul D’Eça de que o traço marcante da poesia do moço paraibano
sempre fora a “expressão do sofrimento”, da dor e tristeza “universais”.
Depois de reproduzir integralmente O lamento das coisas (soneto que muitos
consideram “o mais belo da língua portuguesa”, ratifica Raul) e estrofes de Eterna mágoa
(“O homem por sobre quem caiu a praga / Da tristeza do Mundo, o homem que é triste /
Para todos os séculos existe / E nunca mais o seu pesar se apaga”) e de Queixas noturnas
(“Sobre histórias de amor o interrogar-me / É vão, é inútil, é improfícuo, em suma; / Não
sou capaz de amar mulher alguma / Nem há mulher talvez capaz de amar-me”), diz o
professor que a poesia de Augusto, o filho dos trópicos que nada sabia do amor, o poeta
cuja nota era sempre a da tristeza, sempre fora (e continuaria sendo) “sincera”, uma
poesia sem “poses literárias” e, por isto mesmo – lembrando que o artigo é de 1938 –,
uma poesia que perduraria como “verdadeira glória da literatura brasileira”214.
Não mais alongando o que era para ser uma simples nota, vamos a outra (e
última e pequena) informação sobre a “cor da pele de Augusto dos Anjos”.

Como já dito em algumas passagens, estas notas não se referendam por


pesquisas dos últimos vinte anos, então, se houver algum estudo atual que documenta a
iconografia da “vida e obra” de Augusto dos Anjos (o que realmente há), peço perdão por
não estar “atualizado” quanto a essas referências.
A indicação que tenho a fazer é de duas fotografias do poeta, cada uma de
momentos distintos de sua vida: a primeira está no livro Augusto dos Anjos: a saga de um
poeta, material biobibliográfico organizado pelos jornalistas, escritores e editores Murilo
Melo Filho e Juca Pontes215; a segunda é a tradicional fotografia estampada nas páginas
da revista Fon-Fon, “Augusto passando na rua do Ouvidor” (no Rio de Janeiro), imagem

Ibid., p. 382. Versão original: “[...] Therefore it will endure as a real glory of Brazilian literature”.
214
215MELO FILHO, M.; PONTES, J. (orgs.). Augusto dos Anjos: a saga de um poeta. Brasília: Fundação
Banco do Brasil; Rio de Janeiro: Gráfica Brasileira; João Pessoa: Gov. do Estado da Paraíba, 1994, p. 18.
102

que acompanha a notícia literária do poeta Mário Pederneiras, texto publicado logo após
o lançamento do Eu, em 1912216 – ambas estão reproduzidas no final deste trabalho de
notas, como “Anexo 1” e “Anexo 2”, páginas 322 e 323, respectivamente.
Sim, pode observar, não haverá desvio por tal.
Pedindo mil desculpas por, talvez, estar cometendo algum equívoco, mas à
primeira fotografia não há nenhuma fonte anexada, pelo menos não consegui localizar;
apenas observamos a imagem de um rapaz aparentemente “branco” (muito diferente
daquilo que pouco conhecemos), centralizado entre outros dois rapazes, sentado num
banco em “pose” de foto, possivelmente a foto para a “placa coletiva” de formatura.
Se fôssemos enveredar por uma pesquisa mais detalhada, a placa de
formatura dos bacharéis de 1907, da Faculdade de Direito do Recife, não seria útil para
comprovar essa fotografia? E se essa fotografia já for mesmo a da formatura? Até
porque, lá em outubro de 1907, em carta que o poeta enviava à sua mãe, comunicava-a
dos “retratos maiores”, das placas que ficariam prontas em novembro217. Mas, será que
essa “placa de formatura” ainda hoje existe nas paredes, nos galpões, nas salas especiais
da instituição (hoje uma das faculdades da Universidade Federal de Pernambuco)?
Não sei de nada, mas essa imagem é muito, é bastante, é completamente
diferente da fotografia reproduzida no texto de Mário Pederneiras. Se não fosse o “preto
e branco”, pelo menos desta de Pederneiras, e se tivéssemos em mãos fontes outras,
diríamos que Augusto dos Anjos não era, nem de perto, branco. Como disseram, era, sim,
“trigueiro”, “cor de jambo”...
Em alguns momentos de sua pesquisa, a professora Maria Olívia Garcia
(2009) também faz esse questionamento sobre a ascendência de Augusto dos Anjos,
principalmente quando se observa o personagem principal do mencionado livro de
Alexandre dos Anjos (Desajustado), irmão de Augusto, já que ele, o personagem Marcelo,
o “desajustado”, é “um mulato, um mestiço”, e que viveu as mesmas intempéries de uma
vida de catástrofes de “uma raça”...
E só mais uma nota: percebeste que (como visto até aqui e como veremos)
Augusto dos Anjos foi (e será) o único entre os sete irmãos (Francisca – a única mulher –,
Artur, Odilon, Aprígio, Alfredo e Alexandre) que não conseguiu (nem conseguirá) se fixar

216 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 27, 06 jul. 1912, p. 23. A notícia literária
de Pederneiras não informa o título “Augusto passando na rua do Ouvidor”. Quem isto informa é Eudes
Barros (1974), em nota da contracapa de A poesia de Augusto dos Anjos. Mesmo assim, optemos por
usar esse título para facilitar a compreensão da imagem.
217 ANJOS, 1994, p. 692.
103

em emprego algum (nem mesmo durante sua estadia no Rio de Janeiro) ou ter uma vida
minimamente “descente”? Pois sim, o “atavismo catastrófico de uma raça”. Sigamos.

Ainda estamos em junho de 1909.


E aquelas perguntas, reiteradas, que não querem calar: por quê Augusto dos
Anjos “desistiu” (juntamente com seu colega Abel da Silva) do Instituto Maciel Pinheiro?
E por que poucas semanas após o seu discurso “da escravidão” pronunciado no teatro
Santa Rosa? Por que a “desistência” de um projeto tão próspero? Falta de dinheiro?
Muitas atribulações? Imprevistos? E as perguntas, novamente, continuam sem respostas.
E por que, sem nexos e linhas de raciocínio deste que pergunta (apenas
desejoso de saber antes que seja abatido), são registrados de junho de 1909 a julho de
1910 apenas seis poemas – 1909: Idealização da humanidade futura, de junho, O caixão
fantástico e Vencido, de agosto, Versos a um cão, de dezembro; 1910: Mistérios de um
fósforo, de abril, e Noite de um visionário, de julho, ambos poemas “longos” –, de Augusto
dos Anjos, publicados no órgão oficial do estado da Paraíba (do Norte), A União?
“Atentemo-nos, senhor”, tais quais as informações que Maria Olívia Garcia (2009) nos
fornece a partir da leitura de Desajustado, assim como a descrição do protagonista deste
romance, o “mulato/mestiço/trigueiro e desajustado” expulso de sua “urbe natal do
desconsolo”? O “peregrino audaz” perseguido na República moderna e nos Estados
modernos da República?
E o que dizer das “contestações”, dos “ataques”, das “provocações” que
Augusto estava recebendo do padre Inácio de Almeida? Tudo bem que Raimundo
Magalhães Júnior (1977, p. 227-228) informa que os ataques aconteceram somente a
partir de julho de 1910, quando este padre, “vigário da paróquia de Nossa Senhora das
Neves”, escrevia artigos no jornal oficial do estado (assinando com as iniciais “I. A.” e
“Padre I. d’A.”), artigos que, segundo o biógrafo, “pareciam uma contestação direta ao”
haeckelismo do poeta, filosofia em voga entre os acadêmicos do Recife, filosofia que o
padre batia de frente e dizia ser falsa. Informa Magalhães que foi bem mais
surpreendente que Augusto, “homem de temperamento combativo”, “não tenha
levantado a luva, para defender os princípios e teorias que tão ardentemente adotara”.
Se ao menos Magalhães Júnior nos informasse do porquê de ele ter chamado
Augusto dos Anjos de “derrotado”, logo após o poeta ter se desligado (por livre e
espontânea vontade?) do Instituto Maciel Pinheiro. Mais ainda, o historiador afirma que
104

essa desistência da instituição, assim como o discurso pronunciado no teatro Santa Rosa,
foram os “desastres” vivenciados por Augusto no ano de 1909.
Enfim, é melhor seguir compartilhando estas notas sem nada querer saber.
A República brasileira e os Estados modernos e seus coturnos e crucifixos
devem ser contextualizados por historiadores. Não é porque o discurso da “igualdade
racial” pronunciado no teatro Santa Rosa a uma plateia cheia de ilustres foi um polêmico
e desastroso acontecimento na vida de Augusto dos Anjos, assim como seu
“desligamento” daquele instituto de ensino e sua menor colaboração n’A União (do mês
de junho de 1909 em diante), que as coisas “desandaram”.
A República brasileira e os Estados modernos e seus coturnos e crucifixos
devem ser contextualizados por historiadores. Não é porque nesta semana encontrei o
livro O Brasil nação do historiador e jornalista sergipano Manoel Bonfim (1998) e o abri
justamente na página do ensaio “Sob a ignomínia política, a miséria do povo” e observei
de supetão que a contrariedade da República tirana e militarizada, a deterioração do
regime moderno atrelado às velhas “oligarquias”, a degradação dos dirigentes políticos e
o apagamento do povo “deprimido sob um século de esperanças mortas”, tudo isso
transformando o Brasil num “mundo fechado à verdadeira atividade social e de
pensamento, isolado, sequestrado num mentalismo arcaico”218, que devo enveredar por
levianas e infundadas suspeitas.
Muito menos devo levar em consideração o soneto Idealização da
humanidade futura, publicado por Augusto dos Anjos a 4 de junho, n’A União, cinco dias
antes do anúncio de sua saída, de seu “desligamento” do Instituto Maciel Pinheiro, e três
semanas depois de seu “desastroso discurso” no teatro Santa Rosa:
Rugia nos meus centros cerebrais
A multidão dos séculos futuros
– Homens que a herança de ímpetos impuros
Tornara etnicamente irracionais! –

Não sei que livro, em letras garrafais,


Meus olhos liam! No húmus dos monturos,
Realizavam-se os partos mais obscuros,
Dentre as genealogias animais!

Como quem esmigalha protozoários


Meti todos os dedos mercenários
Na consciência daquela multidão...

E, em vez de achar a luz que os Céus inflama,

218BOMFIM, M. Sob a ignomínia política, a miséria do povo. In: _____. O Brasil nação. Rio de Janeiro:
Record; Brasília: Ministério da Educação, Departamento Nacional do Livro, 1998, p. 637.
105

Somente achei moléculas de lama


E a mosca alegre da putrefação!219

Herança de homens irracionais, herança de homens de ímpetos impuros.


Esses sim é que são e serão os eternamente “atrasados”.
Menos ainda devo levar em consideração o soneto Vencido, publicado pelo
poeta no mês de agosto. É errado desde já por não fazer uma análise profunda, até
porque essa história de “notas” não convence ninguém.

Julho e agosto e dezembro.


Pelas informações divulgadas até aqui, sabe-se que Augusto dos Anjos
continuava lecionando interinamente no Liceu Paraibano, lecionando particularmente
em sua residência, e colaborando esparsamente n’A União. E como a Festa das Neves
estava próxima, o poeta preparava-se para publicar seus “perfis chaleiras”, seus “versos
galanteadores” e suas “crônicas da festa” no jornalzinho profano e elegante, o Nonevar –
Humberto Nóbrega (1962, p. 53) reproduz o que parece ser um texto de abertura da
“festa” e do jornalzinho, de 1909.
No mês de agosto, logo após o término da festa de Nossa Senhora das Neves,
Augusto publicava no jornal oficial do estado os poemas O caixão fantástico e Vencido.
E apenas em dezembro é que seu nome voltaria a aparecer n’A União, com a
publicação de Versos a um cão, aquele mesmo soneto cujos versos nos assemelham a um
grito contra o “silenciamento” de um ser – claro, do cão, do cachorro –, sem voz,
impossibilitado de falar, um “rapsodo errante” que vai “assim, pelos séculos, adiante, /
Latindo a esquisitíssima prosódia”220.

1910.
Devido à falta de pesquisa mais consistente em relação à história político-
social brasileira no fechamento dessa primeira década do século XX, mais um período de
“agitações” na República a partir da campanha presidencial encabeçada, de um lado,
pelo militar Hermes da Fonseca e, de outro, pelo advogado e diplomata Rui Barbosa, fico
restrito a pontuar alguns dados divulgados pelas biografias de Augusto dos Anjos.
Francisco de Assis Barbosa (1965, p. 307) informa que o “ditame estadual”
(na Paraíba [do Norte]) seguiu o nacional, antes, durante e depois das eleições gerais

219 ANJOS, 1994, p. 206 (grifos meus).


220 Ibid., p. 208.
106

realizadas em março de 1910, com o elevado número de votos que deram a vitória ao
marechal Hermes da Fonseca; este teve mais de 7.920 votos na Paraíba (do Norte),
contra os pouco mais de 320 dados ao civilista Rui Barbosa, conforme a divulgação do
resultado das eleições feita pelo jornal A União.
Magalhães Júnior (1977, p. 224-225) informa que a imprensa, ou, de modo
geral, que “ninguém se aventurou” a impugnar o resultado das eleições gerais, nem
mesmo aqueles jornais “que combatiam a “oligarquia paraibana”, como o Estado da
Paraíba, de Lima Filho e Francisco Victor de Assis Vidal” e “O Norte, dos irmãos Oscar
Soares e Orris Soares”; nenhum foi discordante do situacionismo nacional. Magalhães
ainda informa que o Estado da Paraíba pelo menos “fustigava o presidente [governador
do estado] João Machado”, com a denúncia dos chaleiras (os puxa-sacos) do governo,
divulgando os nomes de “Artur dos Anjos, Aprígio dos Anjos, Rômulo Pacheco, Raul
Machado e outros intelectuais, além de vários políticos estaduais em evidência ou
notoriamente bajuladores e subservientes”.
E enquanto uns nadavam por cima da onda, outros continuavam na sua luta
diária. Informa o escritor de Poesia e vida de Augusto dos Anjos que o poeta de Pau d’Arco
vivia um período dramático por conta desse clima “de tensões e de atritos” políticos na
sua velha Paraíba – ainda queria saber o porquê de Augusto ter publicado apenas seis
poemas num intervalo de tempo de mais de um ano –, e do clima de “crise econômico-
financeira” do engenho da família que, em poucos meses, seria vendido definitivamente.
Em abril, saía n’A União a primeira e penúltima publicação de Augusto dos
Anjos no ano de 1910: o poema longo Mistérios de um fósforo, no qual o poeta
expressava “um fundo desencanto, uma amargura e um desespero como poucas vezes
exprimira”; poema que “transmitia uma desalentada sensação de aniquilamento”, poema
que não apenas refletia “seus tormentos morais” como também “suas “cismas
filosóficas”” (MAGALHÃES JR., 1977, p. 225).
Se as publicações de Augusto na Paraíba (do Norte) eram quase nenhumas
nesse período, fora de sua terra natal continuavam sendo divulgados os seus versos.
Mais uma vez o diário maranhense Pacotilha, em sua edição de 4 de abril,
“republicava” autorias do jovem professor, e desta vez era Versos a um cão221, soneto

221 Ibid., p. 208 (Eu); originalmente n’A União da Paraíba em 11-12-1909.


107

que grita o grito do cão, o ser silenciado que, tão qual um “rapsodo errante”, late “pelos
séculos adiante” a “esquisitíssima prosódia”222.
O mesmo soneto havia sido reproduzido um mês antes, ou seja, em março, na
seção literária “Urnas” do Correio do Norte, o “órgão do Partido Revisionista do estado
do Amazonas”223. Este jornal, apoiador da campanha presidencial de Rui Barbosa, tinha
como um dos redatores, em 1910, o advogado Heliodoro Balbi, formado pela Faculdade
de Direito do Recife em 1902.
Muito embora aqui seja notória a ausência duma pesquisa mais aprofundada
de cada um desses jornais (e, adiante, revistas), desses veículos políticos (e imparciais e
independentes) e noticiosos que divulgavam, entre outras coisas, literatura em verso e
em prosa através de suas colunas e seções, chamam nossa atenção essas “re”produções
das autorias do poeta paraibano, pois era Augusto dos Anjos um rapaz ainda “jovem” no
meio literário, mas que já tinha seus poemas divulgados por impressos de todo o Brasil
República, em sua maioria os “órgãos oficiais” do estado (o situacionismo), e até mesmo
os que se diziam de “oposição” e destinados a dar “voz ao povo”.
Interessante também porque esses poemas de Augusto eram “re”publicados
em jornais redacionados por nomes ilustres, ligados às ciências acadêmicas, às letras e
artes, à “política”. Exemplo maior é o do impresso carioca O Fluminense, da cidade de
Niterói. Preocupado com “temas de ordem cultural”, o jornal, ao longo dos anos, tivera (e
tinha) como colaboradores “Guilherme Briggs, Artur e Gastão Briggs, Geraldo Araújo,
Joaquim Leitão, Alfredo Lino Maciel Azamor, Joaquim Lacerda, Felisberto de Carvalho,
Luís Leopoldo Fernandes Pinheiro, Ricardo Barbosa, Miranda e Silva, Oliveira Viana e
Jônatas Botelho”224. Em 1910, era o jornal redacionado e chefiado pelo major da Guarda
Nacional, Francisco Rodrigues de Miranda, um dos seus fundadores – o outro fundador
era o também major Prudêncio Luís Ferreira Travassos, primeiro proprietário.
Sempre em segunda página, na coluna central, o impresso publicava “poemas
longos” de nomes da literatura nacional e internacional, como Vitor Hugo, Gonçalves
Crespo, Belmiro Braga, Nuto Sant’Anna, Maria José de Andrade, Hermano Brunner, Raul

222 Pacotilha: jornal da tarde, n. 78, 04 abr. 1910, p. 2.


223 Correio do Norte: órgão do Partido Revisionista do estado do Amazonas, n. 392, 23 mar. 1910, p.
1.
224 FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS: CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA
CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (FGV: CPDOC). O Fluminense. Rio de Janeiro. Disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/fluminense-o>. Acesso em: ago. 2020.
108

Machado (conterrâneo e amigo de Augusto dos Anjos) e, não menos importante, o poeta
paraibano pesquisado nestas notas.
De Augusto dos Anjos, O Fluminense publicava, a 31 de maio de 1910, o
poema longo (narrativo) Mistérios de um fósforo225, poema que consta na edição do Eu
(1912) e que havia sido divulgado em abril, na Paraíba (do Norte)226. Isto mesmo, pouco
tempo que havia sido publicado na “província do Norte”, a autoria augusta já circulava
em um dos mais tradicionais periódicos do país, à época. Vale ressaltar que, como se
trata de um poema extenso, ele não foi divulgado na íntegra, tendo três de suas vinte e
duas estrofes “cortadas”. E foram estas:
[...]
Presto, irrupto, através ovoide e hialino
Vidro, aparece, amorfo e lúrido, ante
Minha massa encefálica minguante
Todo o gênero humano intrauterino!

É o caos da ávita víscera avarenta


– Mucosa nojentíssima de pus,
A nutrir diariamente os fetos nus
Pelas vilosidades da placenta! –

Certo, o arquitetural e íntegro aspecto


Do mundo o mesmo inda e, que, ora, o que nele
Morre, sou eu, sois vós, é todo aquele
Que vem de um ventre inchado, ínfimo e infecto!
[...]227

“Gênero humano intrauterino”, “vilosidades da placenta”, “ventre inchado,


ínfimo e infecto”. Não é possível que os cortes tenham acontecido por conta de tais
palavras. Não, realmente não... Mas eram apenas três estrofes. Mas era o espaço curto do
jornal, sem dúvidas... E só mais um detalhe: houve uma pequena inversão, a estrofe
quinze transcrita no lugar da décima segunda. Apenas isto.

No mês seguinte, junho, no dia 4, Augusto dos Anjos casava-se com a


professora e conterrânea Ester Fialho. A informação pode ser confirmada através de
qualquer uma das biografias até aqui utilizadas – claro, as mais “tradicionais”.
No mês seguinte, julho, Augusto dos Anjos publicava sua última autoria (até
onde sabemos) em terras paraibanas, o poema longo (narrativo) Noite de um visionário,
estampado n’A União do dia 27.

225 ANJOS, 1994, p. 304-306 (Eu); originalmente n’A União da Paraíba em 01-04-1910.
226 O Fluminense, n. 7.739, 31 mai. 1910, p. 2.
227 ANJOS, op. cit., p. 305 (grifos meus).
109

Julho é também o mês em que começam os “ataques” do padre Inácio de


Almeida contra o poeta, os ataques do religioso combativo das “ideias modernas” 228.
Julho é também o mês em que Orris Soares, colega de Augusto, viaja para a França –
informação fornecida por Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 230) e por Francisco de
Assis Barbosa (1965, p. 307) –, saindo do “ambiente de repugnância”; o motivo da
viagem, segundo Magalhães, foi por conta dos “estudos especiais de Direito”. Julho é
também o mês em que Augusto, como de praxe desde 1908, colabora no Nonevar, o
jornalzinho elegante e profano que circulava durante a festa de Nossa Senhora das
Neves, padroeira da Paraíba (do Norte).
No mês seguinte, agosto, Augusto e família vendiam o último patrimônio dos
“Fernandes de Carvalho” – Magalhães Júnior (1977, p. 233) informa que foi “Artur dos
Anjos, irmão mais velho, quem promoveu a venda precipitada do engenho Pau d’Arco,
aliás em condições que desagradaram a alguns dos herdeiros”. O professor Humberto
Nóbrega (1962, p. 299) informa que o Pau d’Arco, hipotecado desde os anos 1890, fora
vendido para Joaquim Francisco Vieira de Melo, “o conhecido “dr. Quincas do engenho
Novo”, que assumiu por força da escritura, todos os débitos”.
Agosto é também o mês em que Santos Neto, amigo de Augusto, viaja para o
Rio de Janeiro, então capital federal, saindo do “ambiente de repugnância” – segundo
Assis Barbosa (1965, p. 307), ele se demitia “do lugar de oficial de gabinete do
presidente [governador] do Estado [da Paraíba]”.
Agosto é também o mês em que Augusto dos Anjos “briga, discute, rompe”
com o governador da Paraíba, João Lopes Machado, depois deste ter lhe negado uma
licença do Liceu Paraibano (onde atuava como professor de Literatura), solicitada a fim
de prestar um concurso de professor do Colégio Pedro II, do Rio de Janeiro. Não sendo
“atendido”, Augusto, dias depois, comunicava sua demissão definitiva do Liceu, saindo
“deste ambiente de repugnância” e mudando-se para a capital da República.
Antes de sua saída da “urbe natal do desconsolo”, informa Magalhães Júnior
(1977, p. 234), Augusto dos Anjos contou o ocorrido a Assis Vidal (pai de Ademar Vidal,
o mesmo), jornalista crítico do situacionismo político e que na época redacionava o
Estado da Paraíba. O incidente, a briga de Augusto com João Machado, foi acidamente
“descrito” nesse jornal, através de “versinhos” que definiam o governador, o “prisioneiro
do então senador monsenhor Walfredo Leal”, como “Dr. Rocambole”.

228 Cf. página 103 deste trabalho.


110

No dia da viagem, realizada a 6 de setembro, aquele impresso desejava ao


poeta, ao “estimável e talentoso conterrâneo”, um dos “moços mais distintos” da Paraíba,
felicidades. Já A União, nada noticiava. Silêncio total.
Augusto dos Anjos, juntamente com sua esposa Ester Fialho, lá iam em
direção à outra capital, desta vez, a federal, a da República.
111

CAPÍTULO 4:
Na capital da República

Setembro de 1910.
“A 13 de setembro de 1910, entrava no porto do Rio de Janeiro o navio Acre,
em que o poeta viajava com a esposa”, Ester Fialho (MAGALHÃES JR., 1977, p. 236). À
espera do casal, estavam os irmãos de Augusto, Odilon e Alfredo dos Anjos, seu amigo
Santos Neto e o então deputado federal (paraibano) Seráfico da Nóbrega.
Um dos jornais mais importantes da época, O Paiz, assim noticiava na seção
“Viajantes”, coluna “Vida Social”, quatro dias depois: “Acha-se entre nós, vindo do Estado
da Paraíba, o dr. Augusto dos Anjos”229. A informação também pode ser confirmada
através das correspondências que o poeta enviava à sua mãe, Dona Córdula, residente na
Paraíba – correspondências que serão muito úteis a partir deste momento.
De setembro, há uma carta datada do dia 17 e outra do dia 21. Nesta, após
comentar com sua mãe sobre o condenável “procedimento” do governador João
Machado, o poeta já se referia às promessas de emprego feitas pelos políticos “desta
terra” (“Walfredo Leal, Simeão Leal, Seráfico da Nóbrega, Castro Pinto e outros da
mesma espécie”230) – creio que se refira aos “políticos brasileiros”, de um modo geral –,
dizendo que seus interesses eram outros, bem diferentes dos ligados a qualquer tipo de
“favor” – sim, Augusto tinha caráter. Também se referia à promessa feita pelo futuro
deputado federal pela Paraíba e diretor d’O Paiz, o advogado João Maximiano de
Figueiredo.
No final da carta, dizia ter encontrado o Generino [dos Santos] – Adolfo
Generino Rodrigues dos Anjos –, um tio seu, irmão do seu falecido pai, o dr. Alexandre.
Esse mesmo tio era poeta e possuía bastante material publicado em revistas e jornais,
principalmente nos de Pernambuco; era ele grande “divulgador” do positivismo, logo
após ter estudado na Faculdade de Direito do Recife e se formado na década de 1870.
É válido destacar que Augusto, depois da referência a esse tio, o mesmo tio
que há muito tempo havia se desligado da família, dizia à sua mãe que havia se
espantado, pois recebera de Generino um grande abraço, com este dizendo que “já [o]

229 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.478, 17 set. 1910, p. 4.
230 ANJOS, 1994, p. 709.
112

conhecia não só como sobrinho, mas por uma revista de Minas Gerais que [lhe] tecera
elogios abundantes”231.
Pois é, não era Augusto dos Anjos um “desconhecido”.
Possivelmente “sem ter ciência”, seu nome continuava aparecendo em
periódicos de todo o Brasil. Se em março o poeta teve o soneto Versos a um cão
estampado na seção literária “Urnas”, do amazonense Correio do Norte, a 24 de
setembro teve o soneto Vencido232 publicado na seção “Parnaso”, do mesmo jornal233.
Em meados de setembro de 1910, o impresso fora vendido ao deputado
Castela Simões e ao advogado Trajano Chacon, vindo estes nomes em destaque, nas suas
primeiras páginas, como proprietários e diretores. A mudança de nome da seção
literária, de “Urnas” para “Parnaso”, ocorreu nesse período, mas a publicação de literatos
acontecia normalmente, com a divulgação de versos de Augusto de Lima, Luiz Edmundo,
Luiz Murat, D. Elvira Gama, Gervásio Fioravanti, Argemiro Jorge, Vespasiano Ramos e
muitos outros.
Entre dezembro de 1910 e janeiro de 1911, o Correio do Norte teria outro
proprietário: o jornalista Germano Bentes Guerreiro. Mais interessante porque a seção
literária, sempre de primeira página, voltaria a ser chamada “Urnas”, divulgadora de
poemas de Vicente de Carvalho, Cruz e Souza, Guimarães Passos, Alberto de Oliveira. E o
jornal passaria a assinar com o subtítulo “órgão independente” – o que, na verdade, já
acontecia desde setembro, quando eram proprietários Simões e Chacon.

Embora pareçam “supérfluas” para muitos, acredito que as correspondências


entre Augusto dos Anjos e sua mãe, Dona Córdula, podem fornecer dados importantes,
dados relativos à vida político-social da capital federal, o Rio de Janeiro, e mesmo às
“agitações” causadas por assuntos internacionais.
Em carta datada de 12 de outubro, por exemplo, o poeta, entre outras coisas,
mandava lembranças a toda família e comentava sobre o momento político de Portugal:

231 Ibid., p. 710.


232 Ibid., p. 273 (Eu); originalmente n’A União da Paraíba em 25-08-1909. Esta edição (organizada por
Alexei Bueno) traz “No auge de atordoadora e ávida sanha” (1° verso) e “Na célula infeliz de onde nasceu”
(último verso). A revisão do Correio do Norte, por sua vez, não corresponde: “Adstrito à atordoadora e
vida sanha” e “Na célula inferior de onde nasceu”.
233 Correio do Norte: órgão independente, n. 549, 24 set. 1910, p. 1.
113

“nesta cidade reina grande agitação, por causa dos últimos eventos ocorridos em
Portugal, relativamente à proclamação da República”234 – “implantada” a 5 de outubro.
Em carta do dia 26, já se referia à agitação nacional, ocasionada pela chegada
do marechal Hermes da Fonseca, presidente recém-eleito. Hermes retornava de Portugal
depois de “assistir” ao erguimento da República neste país:
Nesta cidade o que há de mais novo, impressionando seriamente a alma
bruta da multidão, é a chegada do marechal Hermes, com todo o seu entono
mavórtico de chefe supremo escolhido para conduzir durante quatro anos o
desventuradíssimo gado brasileiro.
Houve muita festa e o mais que o chaleirismo promove, em torno de seus
ídolos inferiores.235

Gado brasileiro. Acho que a expressão nos soa bastante familiar.


Ademar Vidal (1967, p. 178), depois de reproduzir essa carta, diz que
“Augusto dos Anjos, politicamente, colocava-se como partidário do civilismo, mas sem se
manifestar em público, apenas debatendo entre amigos e votando contra a interferência
dos militares na política”. Errado, não estava. Não estamos.
Em carta de 13 de novembro, o poeta comentava sobre mais um fato ligado
ao momento político-social, tanto nacional quanto internacional: “esta cidade caminha
no mesmo alvoroço de costume. [...] O que há de mais novo, na atualidade, é a questão do
desembarque dos frades, nesta capital”236. Em relação ao fato, Magalhães Júnior (1977,
p. 241) informa que os religiosos foram “expulsos” da República Portuguesa e, ao
tentarem desembarcar no Brasil, foram barrados pelo ainda presidente Nilo Peçanha –
Hermes da Fonseca só assumiria no dia 15 –, que era “republicano histórico, anticlerical”
e que “ficara famoso por suas emendas ao orçamento, sistematicamente renovadas,
mandando suprimir a nossa representação no Vaticano, que, a seu ver, violava a
Constituição, denotando preferência por uma religião”.
Na mesma carta, e isto veio como assunto primeiro, Augusto lamentava –
depois de ter sido informado através de uma outra correspondência enviada pelo irmão
Aprígio –, a morte de um antigo trabalhador das terras do engenho Pau d’Arco (que já
não era mais de sua família), o [Francisco] Chico Matias. Este nome aparece no segundo
momento destas notas; mesmo assim, não se pode deixar de lado o que diz Augusto
sobre o Chico: lamentando bastante o ocorrido, diz o poeta que Chico Matias fora “um

234 ANJOS, 1994, p. 712.


235 Ibid., p. 713 (grifos meus).
236 Ibid., p. 714.
114

homem bom que, na simplicidade rústica de su’alma, possuía nobrezas inéditas de


sentimento e caráter”.
Segundo Ademar Vidal (1967, p. 179), era Chico Matias “homem do povo.
Morador do Pau d’Arco, criado na casa-grande. Cambiteiro de cana. E também portador”.
Essa turma que se enche pra falar na “casa-grande”...
Há outra carta do mês de novembro, datada do dia 27. Augusto comunica sua
mãe da recente revolta dos marinheiros contra a prática de castigos corporais (a
chibata), perpetrada pelos oficiais “brancos”, contra já sabemos “quem”.
Se não existe oficialmente “poesia” do paraibano nesse período, as suas
correspondências servem de crônicas, mesmo que não aprofundadas como “objeto
literário”, mas que ao menos informam, a nós leitores, das situações vividas na capital
federal. Se não era Augusto “engajado socialmente”, até porque estava em solo
fluminense há poucos meses, ele dava sua opinião sobre essas agitações e tribulações:
Escrevo-lhe hoje, após a sublevação de nossa marinhagem, cujos
dreadnoughts – verdadeiras máquinas de destruição radical – estiveram,
durante longo tempo, assentados sobre todos os pontos desta cidade
ameaçando bombardeá-la a cada instante.
Imagine Vm.cê o terror imensurável que apertou a alma pacífica da
população, gerando-lhe, na excitabilidade anormal da vida nervosa, a mais
desoladora de todas as expectativas.
Entretanto, as causas geratrizes da sublevação foram, consoante o meu
entender, as mais justas possíveis.
Os marinheiros revoltosos desejavam a abolição dos castigos corporais
que degradam a personalidade, reduzindo-a a uma trama biológica
passiva, equiparável a das bestas acorrentadas.
Aliás, tinham eles, em prol de seus desígnios, o próprio preceito
constitucional que, para a manutenção da disciplina, proibiu, terminantemente,
a infringência de meios repressivos desumanos. Mau grado semelhante
disposição proibitiva, a oficialidade, superior, continuava a cortar à chibata o
corpo indefeso dos subalternos. Daí, esse episódio sinistro da marinhagem
sublevada, pedindo, com os canhões voltados para o Catete, o Senado e o
Arsenal de Marinha, a consagração oficial de seus velhos Direitos
vilipendiados.237

Antes de tecer alguma nota sobre tais acontecimentos, uma nota sobre a
“escrita” da carta. Essa missiva nos fornece um exemplo de um recorrente recurso
linguístico utilizado por Augusto nos seus poemas e nas suas crônicas e nas suas cartas.
O poeta utiliza muitos apostos comparativos, em tons explicativos e adjetivantes, alguns
minados de ironia. Ao se referir aos “dreadnoughts”, aos possantes navios de guerra
guiados pelos marinheiros para possível (e iminente) bombardeio, diz Augusto serem
“verdadeiras máquinas de destruição radical”.

237 Ibid., p. 715 (grifos meus).


115

Segundo Manuel Cavalcanti Proença (1959, p. 148), no ensaio O artesanato


em Augusto dos Anjos, a “aposição” funciona como “constante estilística” na literatura do
paraibano238.
Além dos exemplos que o crítico destaca (“Já o verme – este operário das
ruínas”, em Psicologia de um vencido239; “Cão! – Alma de inferior rapsodo errante”, em
Versos a um cão240; “O Espaço – esta abstração spenceriana”, n’As cismas do destino 241;
“Que a Morte – a costureira funerária”, em Asa de corvo242; e “Teus olhos – fontes de
perdão – perdoaram”, em A um carneiro morto243), citaria os exemplos de Poema negro:
“É a Morte – esta carnívora assanhada244”; de Sonho de um monista: “Via Deus – essa
mônada esquisita”245; e até de um de seus textos em prosa mais conhecidos, quando diz
o homem (cívico) Augusto, no seu discurso pronunciado na Paraíba lá em 13 de maio de
1909, que “A alma do escravo é como a fotografia de um túmulo, em que a consciência –
este milagre espantoso da matéria cerebral – desapareceu completamente [...]”246.
Agora, notas sobre os acontecimentos do Rio de Janeiro.
No que tange ao momento em que mergulhava a capital da República, dizia o
poeta que a sublevação dos marinheiros “revoltosos [, que] desejavam a abolição dos
castigos corporais”, era mais que justa. E se lembrarmos do discurso que ele fez lá no
teatro Santa Rosa, em maio de 1909, na Paraíba, é possível resgatar, no meio daqueles
extensos parágrafos, comentários do poeta sobre a “personalidade do escravo”, daquele
que sofre e geme por séculos, daquele que tem sua vida física e mental reduzida à lama;
como se apagassem seu eu, como se o deixassem em “ruínas”.
No caso dos marinheiros (pretos e pardos e pobres), diz o poeta que os
castigos corporais (a chibata) – lembrando o excerto do discurso, o “chicote inquisitorial
das gentes xantocróides”, ou seja, “branca” –, “degradam [sua] personalidade”, anulam-
nos “psicologicamente”, reduzem-nos à “trama biológica passiva”, equiparando-os a
“bestas acorrentadas”. Lembrando novamente o discurso de Augusto dos Anjos de
quando fala o poeta do castigo secular que fez e faz “o escravo” (moderno, também)

238 PROENÇA, M. C. O artesanato em Augusto dos Anjos. In: _____. Augusto dos Anjos e outros ensaios. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1959, p. 83-149.
239 ANJOS, 1994, p. 203.
240 Ibid., p. 208.
241 Ibid., p. 221.
242 Ibid., p. 250.
243 Ibid., p. 233.
244 Ibid., p. 286 (sublinhado meu).
245 Ibid., p. 225 (sublinhado meu).
246 Ibid., p. 642 (sublinhado meu).
116

gritar a “canção unitária dos vencidos”, pelo menos há, nesta “situação de agora”, uma
arma, um revide, um contra-ataque: já que o direito constitucional, a proibição total dos
castigos físicos, não fora atendido, os marinheiros “pedi[ram], com os canhões voltados
para o Catete, o Senado e o Arsenal de Marinha, a consagração oficial de seus velhos
Direitos vilipendiados”, roubados.
Os marinheiros, trabalhadores covardemente castigados, “agora” pediam
seus direitos com os canhões em posição de lançamento. Mais que certos.
Na mesma carta, comenta Augusto sobre os discursos que o então senador,
derrotado nas eleições presidenciais de 1910, Rui Barbosa, pronunciou no Congresso
Nacional, juntamente com o deputado Barbosa Lima; discursos dignos “de leitura e de
releitura”, segundo o poeta – até o momento não li os “discursos parlamentares” do
senador, mas, em momento oportuno, esta tarefa executarei.
Augusto ainda comenta com sua mãe sobre o aspecto da capital federal
durante a sublevação dos marinheiros, realizada na última semana de novembro,
momento de “dias amargos da revolta, [que] era de impressionar amarguradamente”;
sobre os boletins diários da imprensa que alertavam a população; sobre o medo desta,
com muitas famílias tendo que se mudar para cidades do interior de Minas Gerais e de
São Paulo, e outras correndo “sem destino certo, invadindo atabalhoadamente os bonds,
os trens e os automóveis em demanda dos subúrbios e outros lugares afastados”. Já que
ele e a esposa, Ester, estavam morando, nesta época, numa pensão localizada próximo
do mar, tiveram que “buscar refúgio” em casa de parentes, no bairro da Tijuca:
Dormimos aí uma noite e passamos algumas horas do dia seguinte à espera
de que se decidisse o momento aflitivo. É que a vida de todo o Rio de Janeiro
dependia de um só ato: a anistia. Sancionaram-na, por fim. Vieram, depois, os
arlequins profissionais da loquacidade quixotesca da época, acoimando
de covarde o ato do governo.
Injustos! Porque, quanto a mim, não há maior covardia, a ser inscrita
no registro das fraquezas humanas, do que negar um Direito, a poder de
pólvora e de selvagem sabre desembainhado [...].247

A anistia foi concedida aos marinheiros revoltosos, e isso bastava, isso era “o
melhor cicatrizador de feridas”248... Anistia cura tudo. Anistia é perdão. Perdão a todos
nós. Perdão que nós é quem devemos pedir. Perdão por não sermos dos alfaviles da vida.

247 Ibid., p. 716 (grifos meus).


248 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.547, 25 nov. 1910, p. 1.
117

Todavia, nem todos concordavam com tamanha audácia antes praticada. Ao


descrever os “arlequins profissionais da loquacidade quixotesca”, Augusto referia-se à
República, à elite política, ao alto escalão da marinha, à imprensa.
Em especial, ao deputado federal Irineu Machado, o mesmo que, “com a sua
fibra de arruaceiro, pôs a língua praguejadora ao serviço das fanfarronices hereditárias
de nossa raça, preferindo a morte de toda a população brasileira à pseudo-ruína do brio
e da dignidade nacional”249. O mesmo deputado que fazia parte duma elite que nunca
poderia tolerar a submissão do governo a um “bando de vagabundos”, pretos e pardos e
mulatos vagabundos.
Em especial, à imprensa. O Paiz, jornal dirigido por Maximiano de
Figueiredo, na época tinha como colaborador o recém-bacharel Gilberto Amado, aquele
mesmo estudante contemporâneo de Augusto dos Anjos na Faculdade de Direito do
Recife. Na crônica “A Semana”, o rapaz respirava aliviado depois do momento de
lágrimas, de medo, de pavor, do momento que “parecia um fim de mundo”. Passado o
pavor, dizia Amado, tinha-se a impressão de que “um século de civilização, todo o nosso
passado, a nossa história”, havia se desmoronado:
Em um momento, João Cândido é o árbitro de uma Nação de vinte milhões
de almas; impõe a sua vontade, obriga o Congresso a uma resolução
antirregimental, faz afinal da sua resolução a única lei que obedecemos. A
salvação que conseguimos, veio da sua magnanimidade.250

Não consigo não ler as correspondências de Augusto dos Anjos, material que
deveria ser totalmente íntimo do poeta, como crônicas, crônicas que sim, descrevem a
outra “parte” dos fatos, descrevem qual foi o lado certo da história. Enfim, sigamos.
De dezembro de 1910, são registradas mais duas correspondências.
A primeira data do dia 9. Pra variar, mais uma em que Augusto descreve os
acontecimentos político-sociais do Rio de Janeiro, capital da República. O poeta fazia
questão de “atualizar” Dona Córdula, já que sua mãe era “afeiçoada, como sempre, aos
eventos da política nacional”. Nesta carta, referia-se ao novo governo, “substanciado na
cabeça marechalícia” do presidente Hermes, e às impressões que este proporcionava:
enquanto a “crítica prévia” dos “julgadores de oitiva” mostrava um Hermes autoritário,
“capaz de todos os protestos e de todas as rebeldias antirracionais e ilógicas”, a “crítica
moderna” mostrava um Hermes que “até sa[bia] transigir”251.

249 ANJOS, 1994, p. 715.


250 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.549, 27 nov. 1910, p. 3.
251 ANJOS, op. cit., p. 717.
118

Na impressão de Augusto, “o Hermes deseja[va] abalar o colosso das


oligarquias do Norte”, organizando diretórios políticos de oposição aos governos
estaduais, inclusive na Paraíba, onde aí estariam encabeçados por Maximiano de
Figueiredo e Afonso Campos. Na impressão de Augusto, porém, só se poderia comentar
mais profundamente, sempre prezando pela verdade, depois que os “fatos ulteriores”
acontecessem, depois que a situação da República viesse à tona e elucidasse “toda a
psicologia do homem que nos governa” – pois é, o “marechalício” vai se revelar.
E a correspondência seguinte parece que elucida.
Datada de 27 de dezembro do mesmo ano – muito embora Ademar Vidal
(1967), que é o primeiro biógrafo que divulga essas missivas de Augusto para D.
Córdula, concedidas pela própria mãe do poeta, registre-a de 27 de dezembro de 1911,
Magalhães Júnior (1977) é quem a aloca corretamente no seu devido lugar, pois se vale
da cronologia real dos fatos –, a carta detalha a situação caótica do Rio de Janeiro,
registrando o segundo momento da revolta dos marinheiros.
A anistia a estes não foi cumprida: a 28 de novembro, o marechalício Hermes
da Fonseca, “atendendo ao que lhe expôs o ministro da marinha”, assinava o decreto
número 8.400, pelo qual expulsava e excluía os praças do “Corpo de Marinheiros
Nacionais cuja permanência no serviço se torna[va] inconveniente à disciplina”252.
Marinheiros revoltosos (pretos e pardos vagabundos) foram expulsos.
Marinheiros revoltosos (pretos e pardos vagabundos) foram presos. Marinheiros
revoltosos (pretos e pardos vagabundos) foram torturados. Anistia tem cor.
O segundo momento da sublevação aconteceu justamente na Ilha das Cobras,
num quartel da base naval, entre a noite do dia 9 e a madrugada/manhã do dia 10 de
dezembro, depois que a Marinha e que o Governo (não, não são diferentes), temendo
nova “conspiração”, implacavelmente bombardearam os marinheiros ilhados.
Aproveitando o momento oportuno, ainda no dia 10, Hermes da Fonseca
enviava ao Congresso Nacional uma mensagem expondo a situação de calamidade, ou
melhor, informava já decretando o estado de sítio necessário para que a “ordem”
pudesse voltar. Deputados, senadores, alto escalão da marinha, imprensa, todos de
acordo, pois o “instinto coletivo de conservação da ordem e do prestígio da autoridade

252 ESTADOS UNIDOS DO BRASIL. Coleção das leis da República dos Estados Unidos do Brasil de
1910: Decreto N. 8.400 – De 28 de novembro de 1910. Volume I, parte 2 (atos do poder executivo). Rio de
Janeiro: Imprensa Nacional, 1913, p. 1442. Disponível em: <https://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/colecao-anual-de-leis/colecao3.html>. Acesso em: ago. 2020.
119

pública falou mais alto do que os perigos e os desastres individuais”253. “A comissão de


Constituição e Diplomacia, [...] esperando do patriotismo do mesmo Congresso, [...] [foi]
de parecer que [fossem] concedidas ao governo as previdências de repressão
necessárias para assegurar a tranquilidade pública”254.
Na mesma carta do dia 27 (de dezembro), Augusto dos Anjos descrevia para
sua mãe o momento de caos vivido na República, durante o início do mês – e mais
terrível já sabemos para quem:
Esta cidade, após a segunda revolta, generalizadora de prejuízos superiores
aos da primeira, caiu no ramerrão inalterável de sua vida quotidianamente
festival.
Não imagina Vm.cê o horror, o pânico indescritível de que todos nós fomos
tomados, perante um bombardeio de quase 11 horas, sem que se nos azasse um
só instante a menor possibilidade de buscar lugares mais seguros, que os em
que estávamos, à mercê exclusiva do acaso.
Felizmente nada nos aconteceu, e eis-me aqui ardendo dentro da lâmpada
teimosa de minha vitalidade.
Como deve saber, estamos em estado de sítio, o que pressupõe, para
cada indivíduo, falta absoluta de garantias constitucionais.255

Augusto dos Anjos estava certo. O estado de exceção tomava as garantias de


quem já estava “derrotado/vencido”.
Até onde se sabe, essa carta, do dia 27 de dezembro, é a última sua de 1910, e
nela o poeta desejava boas festas de natal e de ano novo à sua mãe e a todos de sua
família, na Paraíba (do Norte).
Boas festas também foram os votos do marechalício desejados aos que
sobraram do massacre do dia 9/10. Em plena noite de natal, lá iam os “restos” dos
marinheiros sobreviventes do bombardeio. Eles e demais “vencidos” diários da
República brasileira (operários, prostitutas, mendigos, bêbados) ganharam um cruzeiro:
A revolta dos marinheiros da Armada – em sua grande maioria negros e
mestiços – contra os castigos corporais havia sido vencida. A anistia a João
Cândido e demais líderes serviu de cortina de fumaça para que o governo
Hermes da Fonseca desencadeasse nova onda de repressão sobre o
movimento, contando para isso com o estado de sítio e um regime
republicano em que a cidadania era coisa de poucos. Dois episódios
marcam a violência do Estado no encerramento da revolta: a prisão, tortura e
morte de vários líderes “anistiados” na Ilha das Cobras; a deportação de pelo
menos 441 pessoas (105 marinheiros, 292 homens e 44 mulheres da Casa de
Detenção) para a Amazônia, a bordo do Satélite. Juntam-se aos trabalhadores
do mar, portanto, centenas de operários, vagabundos, prostitutas e outros
“desclassificados”, numa operação muito mais ampla que, a pretexto de pôr
ordem na Marinha, visa sanear os movimentos sociais urbanos da capital
federal. A massa de desterrados viajou nos porões, sob a vigilância de

253 Gazeta de Notícias, n. 341, 11 dez. 1910, p. 5.


254 Ibid., p. 6.
255 ANJOS, 1994, p. 731-732 (grifos meus).
120

cinquenta soldados e três oficiais do Exército, com o reforço de mais 28 praças


no Recife. O destino daqueles homens e mulheres já estava definido [...].256

Sim, o governo não apenas define. Ele finaliza.

1911.
De janeiro, apenas uma carta de Augusto dos Anjos, datada do dia 25. Chama
nossa atenção o fato de que o poeta se queixava à sua mãe por conta da ausência, ou
melhor, do tempo em que “o correio se obstina[va] em não [lhe] trazer cartas” vindas da
Paraíba. Extravios na República...
De fevereiro, mais duas correspondências.
Uma do dia 4, cuja menção se faz devido sua relação com um poema em
específico de Augusto: o poeta comunicava sua mãe do aborto que tivera sua esposa,
Ester Fialho, tendo nascido morto, com sete meses incompletos, aquele que seria seu
primeiro filho, “situação” que está descrita “poeticamente” em Soneto (Ao meu primeiro
filho nascido morto com 7 meses incompletos. 2 Fevereiro 1911). Creio que dessa autoria
não se conhece, até hoje, nenhum manuscrito ou publicação em periódico antes de
figurar no Eu (1912).
Outra do dia 18, em que o poeta se mostrava até certo ponto “esperançoso”,
confiante no emprego prometido pelo dr. Maximiano de Figueiredo. Na carta, ainda se
mostrava esperançoso com outras oportunidades que lhe poderiam chegar, entre
fevereiro e março. Esse era o desejo do “bacharel depenado, antigo professor de
província, e possuidor de outros títulos congêneres de desmoralização”257.
Se o futuro deputado federal, Maximiano, arrumou ou não um emprego para
Augusto, não se sabe. Desde setembro do ano anterior que essa promessa não saía do
mundo da promessa, muito embora o poeta ainda “deposit[asse] nímia confiança” nesse
emprego. Aguardava, aguardava e esperava “a outra face brilhante da vida”; aguardava o
fim do “lugar negro em que os maus demônios, talvez por um mero gracejo infernal, me
têm colocado”; aguardava bons momentos.

256 HARDMAN, F. F. Quimeras de ferro: história repetida como tragédia. In: _____. Trem-fantasma: a
ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva. 2. ed. revista e ampliada. 1. reimpressão. São Paulo:
Companhia das Letras, 2005, p. 182-183 (grifos meus).
257 ANJOS, 1994, p. 720.
121

No entanto, na agitação da “metrópole”, a necessidade lhe batia na porta, e o


poeta não arriscaria esperar. Por conta disso, anunciava n’O Paiz – certamente por
“influência” de Maximiano –, que estava dando aulas particulares em sua residência:
O bacharel Augusto dos Anjos ensina filosofia, direito romano e a maior
parte das disciplinas do curso de madureza, especialmente português, francês,
inglês, aritmética, álgebra, geografia e literatura, podendo ser procurado à
praça Mauá n. 73, 2° andar.258

Esses anúncios iniciaram no mês de janeiro e se estenderam até o final do


ano. Quer dizer, estenderam-se até 1912. Ou melhor, 1913. Acabei de rever, 1914.
Para ser mais exato, os anúncios das aulas estenderam-se até o mês de
novembro de 1914, cuja alteração se dava apenas em relação às disciplinas lecionadas e
aos endereços, tanto das residências do poeta, quando lecionava particularmente – salvo
engano, Augusto morou em doze lugares diferentes, entre casas e pensões, durante sua
estadia na capital federal259 –, quanto dos estabelecimentos de ensino onde conseguia
“algum” dinheiro, seja por nomeação temporária, seja como professor substituto. Na
edição d’O Paiz do dia 28 de novembro de 1914, por exemplo, é possível ler: “O
professor Augusto dos Anjos prepara alunos para o exame de admissão aos cursos
superiores, e ensina diversas matérias do curso de direito”260. Verdade, mancada e das
grandes. Falta de atenção. Falta de respeito total.

Não se pretende, nestas notas, simplesmente reproduzir as cartas do poeta e


preencher desconexos parágrafos. Mas tão somente, através dessas cartas, basear
algumas datas e situações, e ter um “norte” da cronologia real de alguns fatos.
Sendo assim, a carta de 29 de abril informa um dado interessante. Nela,
comunica Augusto, à sua mãe, da nomeação que tivera naquele mesmo dia como
professor interino de “Geografia, Corografia e Cosmografia para uma das turmas
suplementares do Ginásio Nacional”261, instituição que, no mesmo ano, mudaria de nome
– voltaria ao nome inicial –, para externato “Colégio Pedro II”. A nomeação deixava-o
“assaz satisfeito”, pois vinha lhe satisfazer um sonho antigo de arrumar um emprego.
Assaz satisfeito pelo emprego, o que não quer dizer que não tenha “penado”
até conseguir a vaga (temporária). Além das correspondências enviadas à Dona Córdula,

258 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.589, 06 jan. 1911, p. 8.
259 A descrição de todos os endereços pode ser consultada na biografia feita por Magalhães Júnior (1977).
260 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 11.009, 28 nov. 1914, p. 9.
261 ANJOS, 1994, p. 721.
122

há as que Augusto dos Anjos enviava à sua irmã, Francisca dos Anjos, a mais velha dos
irmãos, intimamente conhecida por “Iaiá”, e também residente na Paraíba (do Norte)262.
Essas missivas endereçadas à Francisca, em vários momentos, revelam mais
profundidade quanto à descrição de alguns “acontecimentos”. São constantes as queixas
de Augusto em relação às decepções e atribulações quotidianas, vivenciadas na capital.
Em carta de 15 de maio, por exemplo, o poeta mostrava-se diferente daquele
estado de “satisfação” demonstrado à sua mãe. Agora, dizia que suas decepções, até ali
sofridas, haviam pesado bastante em sua vida “intrassubjetiva”, anulando qualquer
“iniciativa de espírito”: “Desempregado, com responsabilidades pesadas a me
abarrotarem a alma, vítima de uma desilusão, na minha própria terra, tudo isto, como
um amálgama negro, engendrou esse silêncio malsinado”263.
Qual seria essa “desilusão” (na própria terra) sofrida? Talvez possamos
considerar suas últimas experiências vividas na Paraíba (do Norte): sua saída “forçada”
da terra natal, depois da discussão com o governador João Machado; seu “desastroso”
discurso pronunciado no teatro Santa Rosa, ainda em maio de 1909; sua “saída” do
Instituto Maciel Pinheiro, no mesmo ano; sua “menor” colaboração na imprensa oficial
do estado; as “sombras” que o olhavam.
Augusto termina a carta um pouco aliviado quanto a esse “possível estado de
depressão”: dizia que a “nomeaçãozinha”, como professor no Ginásio Nacional, vinha
“sanear um pouco o [seu] abalado território cerebral”, mas que ainda esperava outras
vantagens financeiras, algum outro emprego fixo que lhe trouxesse melhorias “nos
domínios da vida intrassubjetiva”.

Junho.
Esta informação não ajuda muito quanto a “dados biográficos” relativos a
Augusto dos Anjos. Porém, fornece-nos uma nota interessante.
O fluminense A Imprensa, a partir do mês de junho, divulgaria diariamente
sobre a eleição para a escolha dos “Dez Acadêmicos” da chamada “Academia d’A
Imprensa”, espécie de clube associativo das letras, uma associação “livre” composta por
intelectuais, entre jornalistas e literatos. A eleição aconteceria a 11 de agosto, elegendo

262 Esse material foi divulgado, primeiramente, por Humberto Nóbrega (1962), em pesquisa biográfica
sobre o poeta de Pau d’Arco: Augusto dos Anjos e sua época; e as reproduções, atualizadas, também
serão através da edição “obra completa” (poesia e prosa) de Augusto, organizada por Alexei Bueno (1994).
263 ANJOS, 1994, p. 776.
123

Bueno Monteiro, Emílio de Meneses, Alberto Nuñez, Rocha Pombo, Da Costa e Silva, Félix
Pacheco e Goulart de Andrade264. Certamente que seria uma associação “alternativa”
para publicação e divulgação de trabalhos jornalístico-literários de seus associados –
muito embora, só pelos “nomes ilustres”, talvez quisesse representar bem mais que isso
na República das letras.
Enfim, a procura de mais detalhes sobre o projeto não se deu por ora. Apenas
observei que, em uma das primeiras notícias, A Imprensa vinha esclarecer que a
iniciativa não era por pura “oposição” aos acadêmicos da já consagrada “Academia
Brasileira de Letras”. O diário trazia, inclusive, entrevistas feitas com quatro respeitáveis
membros desta: Artur Orlando, Coelho Neto, Mário de Alencar e João Ribeiro265.
O que interessa é que a longa notícia do jornal fluminense, ou melhor, as
longas notícias do jornal fluminense, diariamente divulgariam uma lista com muitos
nomes de “intelectuais” que receberiam, ou que já haviam recebido, o convite para
participação do “plebiscito” da nova academia. São muitos, são inúmeros nomes de
intelectuais. Por isto mesmo, apenas destaquemos o nome de “Augusto dos Anjos”.
O nome do paraibano sempre aparecia nas listas d’A Imprensa. Agora, se
Augusto participou ou não da votação, é outra história.

Julho.
Entre todos os irmãos, entre toda a família, Augusto dos Anjos foi o único que
nunca conseguiu “sucesso” na vida profissional. Sempre obtinha vagas como professor
interino ou como substituto, cargos que duravam poucos meses.
Todos os irmãos, tradição que vinha da geração paterna, haviam se
bacharelado na Faculdade de Direito do Recife. Exceto Francisca (Iaiá), a mais velha
entre os irmãos, todos se formaram advogados. Artur já havia exercido função de juiz
municipal, e era promotor público pela Paraíba (do Norte); Odilon já advogava no Rio de
Janeiro; Aprígio já havia sido redator do órgão de imprensa oficial do estado da Paraíba,
e brevemente seria juiz federal pelo estado do Mato Grosso; Alfredo futuramente
“desempenh[aria] funções de promotor no estado de Minas [Gerais]” (VIDAL, 1967, p.
198); Alexandre, o mais novo de todos, seria “Procurador do Tribunal Marítimo” (VIDAL,
1967, p. 147), além de ter se tornado escritor.

264 A Imprensa, n. 1.329, 12 ago. 1911, p. 1.


265 A Imprensa, n. 1.286, 30 jun. 1911, p. 6.
124

Augusto dos Anjos, o “professor interino”. Pelo menos, poeta.


Em carta do dia 16, comentava com sua mãe da passagem de seu irmão
Aprígio pela capital federal, e por sua casa. Aprígio passara pouco tempo no Rio de
Janeiro, na tentativa de arrumar algum emprego. Não obtendo êxito na sua “cavação”,
mudava-se para o Mato Grosso, onde, futuramente, exerceria cargo de juiz substituto,
atitude parabenizada por Augusto, pois, “em se tratando de lutar pela vida, neste século
de danação social, em que o dinheiro logrou a tiara de pontífice ubíquo, para reinar
discricionariamente sobre todas as coisas, é muito de louvar o procedimento do
Aprígio”266. Assim como Augusto e Odilon, Aprígio dos Anjos saiu de vez da “Paraíba
madrasta, enxotadora monstruosa de seus filhos”.
E não há como ler essas palavras e não lembrar de sua familiaridade com as
usadas num dos poemas longos/narrativos que o poeta publicou em agosto de 1906, n’O
Comércio da Paraíba. No doloroso Poema negro, depois do eu imprecar contra a morte,
esta “carnívora assanhada”, esta “serpente má de língua envenenada”, esta “atra mulher”
que sai para “assassinar o mundo inteiro”, ele chama a “Natureza” e, no seu momento de
vingança, desafia “es[t]a grandeza”:
[...]
Tu não és minha mãe, velha nefasta!
Com o teu chicote frio de madrasta
Tu me açoitaste vinte e duas vezes...
Por tua causa apodreci nas cruzes,
Em que pregas os filhos que produzes
Durante os desgraçados nove meses!267

Que interpretação seria viável depois desses versos? Se não se pode fazer
alusão à idade do poeta Augusto, que estava com quase 22 anos na época da publicação
do poema, através da leitura do verso “Tu me açoitaste vinte e duas vezes”, ao menos
reflitamos a referência à “Paraíba madrasta”, que enxota seus filhos como uma
“Natureza má”, que chicoteia seus filhos como uma “velha nefasta”.
Além do emprego de professor (interino) de geografia, no Ginásio Nacional –
emprego que não lhe dava aumento salarial –, Augusto comentava, nesta mesma carta
do dia 16, que continuava esperando “outros empreguinhos de ensino” no Rio de
Janeiro; e sobre sua função de agente da “Companhia de Seguros Sul Americana”,
companhia na qual tinha trabalhado seu irmão mais velho, Artur, na Paraíba.

266 ANJOS, 1994, p. 723.


267 Ibid., p. 287 (grifos meus).
125

O cargo de agente não deu em nada. O próprio Augusto comentava com sua
mãe que “nada tinh[a] feito” na companhia, e se queixava: “Como que há, em mim, não
sei por quê sortilégio de divindades malvadas, uma tara negativa irremediável para o
desempenho de umas tantas funções específicas da ladinagem humana”268.
Essa carta do dia 16 é uma das maiores registradas, de Augusto.
Sobre ela, uma última nota: depois de comentar a respeito de mais uma
mudança de residência que teria de fazer, Augusto comentava sobre a situação climática
da capital da República. Dizia o poeta que o Rio de Janeiro passava por uma “sazão
frigidíssima”, clima que o deixava instável em relação à saúde, clima descrito à la
manière augusta: dum frio que era de “quebrar a caveira e desarticular as mandíbulas do
transeunte necessitado”, do pobre bacharel “obrigado a sair para cumprir com os seus
deveres de ofício”.

Setembro.
Cabe destacar a missiva datada de 18. Nela, Augusto dos Anjos dizia que os
assuntos relevantes da capital eram nenhuns, apenas merecendo “citação excepcional os
discursos do Rui Barbosa, no Senado, sobre o fuzilamento dos marinheiros”269.
Como não li os discursos parlamentares do senador, que se mostrava
contrário à truculência do governo para com os marinheiros e demais revoltosos – sim,
já tenho o material, falta-me a leitura completa –, por enquanto destaco o que
comunicou o presidente Hermes da Fonseca numa mensagem oficial enviada à Comissão
de Constituição e Justiça do Congresso Nacional, ainda em maio (de 1911), sobre as
medidas por ele adotadas e que visavam estabelecer a ordem pública. A mensagem foi
amplamente divulgada pelos veículos de imprensa de todo o Brasil, desde os da capital
federal (O Paiz, Gazeta de Notícias, A Imprensa, Correio da Manhã) aos espalhados
nos pontos mais “extremos da nação” (Santa Catarina: O Dia; Pernambuco: Jornal
Pequeno; Mato Grosso: O Comércio; São Paulo: Correio Paulistano). É curta, de três
laudas, e consta nos Anais da Câmara dos Deputados:
Depois da anistia concedida aos revoltosos dos navios da esquadra, tendo
dado baixa, voluntariamente, grande número de marinheiros, que
vagavam pelas ruas desta Capital, provocando distúrbios e constituindo um
elemento perigoso, de fácil aliciação para movimentos subversivos,
principalmente em um momento de evidente anormalidade, o Governo
procurou enviar aos seus respectivos Estados esses ex-marinheiros, e,

268 Ibid., p. 723.


269 Ibid., p. 725.
126

àqueles dentre eles que, espontaneamente, quiseram sair desta cidade,


concedeu passagem nos vapores do Loyd Brasileiro, subindo, talvez a mais de
500, os bilhetes assim distribuídos pelo Governo.270

É revoltante o que revelam essas palavras. Parece que os historiadores não


contam a verdade dos fatos. A mensagem do marechalício está repleta de sentimentos e
de verdade. Diz o marechalício, nessa mensagem, que não era intenção do governo atirar
“essa gente”, “sem proteção e sem abrigo, nas florestas do Acre”. Por isso, metade foi
despachada, quer dizer, “entregue” à Comissão de Linhas Telegráficas, e outra metade à
Companhia Construtora da ferrovia Madeira-Mamoré. Mas como a companhia da
ferrovia não quis receber os desterrados, o governo, prontamente, procurou “abrigo”,
não deixando os pobres desterrados “desamparados”.
Conta o marechalício que, durante a travessia do Acre a Manaus, um grupo de
sete ex-marinheiros, que havia embarcado “voluntariamente” junto aos desterrados, não
correspondeu à confiança a eles dada pela polícia, que os via com “boas intenções”. Esse
grupo organizou um motim, mas fora prontamente combatido: oficialmente fuzilado.
Voltou a ordem no fantasmagórico – imagem fornecida pelas leituras do professor
Francisco Foot Hardman (2005, p. 186) –, navio “Satélite”, rumando a seu destino certo.
As cartas de Augusto dos Anjos não dão esses detalhes. Certamente, o danado
dos Correios ainda não estava entregando todas as correspondências. Extravios na
República... Tirando as mensagens do senador Rui Barbosa, continua Augusto na missiva
(do dia 18), a vida no Rio de Janeiro era uma mesmice:
Nesta cidade os acontecimentos sensacionais são nenhuns, revertendo todos
os fatos diários ao escoadouro promíscuo das velharias de costume.
Merecem apenas citação excepcional os discursos do Rui Barbosa, no
Senado, sobre o fuzilamento dos marinheiros.
O resto é a banalidade irrisória dessa vida de aparência, imanente aos
hábitos da população fluminense.
No que se refere, de modo específico, à minha pessoa, mantém-se esta na
mesma firmeza de princípios e de critério inflexível.271

Velharias de costume, banalidades da vida de aparência. A vida na capital


federal tinha suas desvantagens.
Augusto termina a carta muito saudoso da sua terra, da sua família, daquela
vida doméstica que “durante muito tempo [fora] a luz aquecedora de [seu] ser” e que,

270 FONSECA, H. da. Mensagem. In: CONGRESSO NACIONAL. Anais da Câmara dos Deputados: sessões de
27 de abril a 31 de maio de 1911. Vol. I. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, n. 1, 1911, p. 305 (grifos meus).
271 ANJOS, 1994, p. 725.
127

mesmo na distância, continuava iluminando suas “situações psíquicas”, como “um


grande socorro infalível nas passagens mais dolorosas”.

Na luta por um emprego, Augusto não se dava conta de que seu nome estava
no centro de discussões literárias, de que ele já era lembrado como um dos grandes
“literatos” da nova geração, principalmente na opinião de contemporâneos.
No dia 18, ainda de setembro, o professor paraense José Paulo Barbosa Lima,
formado em Direito pela Faculdade do Recife em 1908, formado pela tradicional Escola
de Engenharia de Pernambuco e, a partir de 1913, um dos professores da recém-criada
Escola Politécnica de Pernambuco, enviava uma carta ao diretor e proprietário do
pernambucano Jornal Pequeno, o jornalista Tomé Gibson. Na carta, Barbosa Lima faz
ponderações a respeito de um artigo publicado, um dia antes, no jornal (também
pernambucano) A Província, assinado pelo jovem jornalista Lima Júnior272.
Neste artigo, Lima Júnior comenta da morte do poeta Raimundo Correia que,
segundo ele, representava um doloroso golpe para o Brasil. A morte de Correia juntava-
se as de Machado de Assis, Artur de Azevedo, Luís Delfino, Guimarães Passos, Lúcio de
Mendonça, Joaquim Nabuco, João Pinheiro, trazendo para o país a perda irreparável de
seus melhores homens de letras, de seus melhores homens da política, de seus melhores
homens públicos. Não somente a morte desses homens era duro golpe, mas também a
“ameaça” da morte, já que o “estado de saúde” de homens como Rui Barbosa e Olavo
Bilac, próximos da “extinção”, revelava o futuro de luto reservado ao Brasil. Segundo
Lima Júnior, era impossível substituir esses ilustres; a decadência das letras brasileiras
era iminente. Dizia ainda que no meio de tantos contemporâneos sem valor, felizmente
destacavam-se alguns como João Mangabeira, Almáquio Diniz, Hermes Fontes, Goulart
de Andrade, Gilberto Amado, Mateus de Albuquerque.
Queria pontuar as palavras do jornalista em apenas duas, no máximo três
linhas. Não consegui. Gosto de disparates.
De qualquer maneira, o professor José Paulo Barbosa Lima não gostou nada
desse texto do jovem Lima Júnior. Criticou-o veementemente pelo fato dele querer
“vaticinar” o desaparecimento de Rui Barbosa e Olavo Bilac. Criticou-o veementemente
pelo fato dele dizer que quase nada se aproveitava da nova geração de escritores.

272 O artigo está publicado na seção “Estudos e Opiniões” d’A Província (n. 257, 17 set. 1911, p. 1).
128

Discordando veementemente, Barbosa Lima, em sua carta, destacava alguns


nomes de grandes escritores, “atuais”, das letras brasileiras: na Bahia, Ramiz Galvão e
Egas Muniz Barreto; em Sergipe, Aníbal Freire; em Pernambuco, Rangel Moreira; no
Piauí, Da Costa e Silva; no Ceará, Soriano de Albuquerque; e, na Paraíba, Raul Machado, a
quem os jornais do Rio de Janeiro descreviam como sucessor de Bilac, e Augusto dos
Anjos, o “gênio incontido e vibrante que na poesia científica ultrapassa o insigne Martins
Júnior, e que é julgado no Sul como o primeiro poeta do Norte, a despeito de termos um
Hermeto Lima e um Rodrigues de Carvalho”273.
Percebeste os nomes de escritores apenas do “Norte” do país como destaques
nas letras nacionais? E que dentre todos eles, segundo julgavam no “Sul”, Augusto dos
Anjos seria o maior?
Enfim, Barbosa Lima termina suas ponderações afirmando ser o Brasil, no
que tange a seus belos escritores, igual a um céu azul, d’“onde os talentos fulguram como
estrelas reluzentes”. E mesmo que alguns brilhem um pouco mais, os outros não
deveriam desaminar. Caso este do próprio jornalista Lima Júnior, que o professor diz
que brilhava pouco, mas que “amanhã será talvez o sucessor legítimo desse imortal
Euclides da Cunha, o inimitável autor dos Sertões”.
Assim seja, e foi.
Na pressa pelo pão, quase que me esquecia: há uma carta de Augusto enviada
à sua irmã, Francisca, e assinada de 17. O pobre bacharel necessitado, na República
“atordoadora” e “tumultuária”, comunicava-a do incêndio que houvera no prédio da
Imprensa Nacional, onde funcionava o Diário Oficial (da União), alastrando-se até o
edifício do Teatro Lírico, ambos situados na antiga “rua da Guarda Velha” – hoje, avenida
Treze de Maio; e que essas duas arquiteturas receberam a “fúria ignívoma das
labaredas”, embora o teatro não tenha sofrido prejuízo considerável”274.
Infelizmente, a missiva vem assinada de julho, “Rio 17-07-1911”, e assim está
na primeira pesquisa que a divulgou: Humberto Nóbrega (1962, p. 197-198); e assim
está reproduzida nas edições “atuais” da prosa de Augusto dos Anjos.
No entanto, os fatos não batem, e a carta deve ter sofrido alteração, pois o
incêndio na Imprensa Nacional aconteceu em setembro de 1911, na noite do dia 15, e

273 Jornal Pequeno, n. 209, 18 set. 1911, p. 2.


274 ANJOS, 1994, p. 777.
129

não em julho275. Na mesma carta, Augusto informava sua irmã do falecimento do poeta
Raimundo Correia, em Paris. Sabemos que Raimundo faleceu no final da primeira
quinzena de setembro. Portanto, a carta é exatamente do dia “17 de setembro”.
Uma segunda nota diz respeito à escolha do adjetivo “ignívoma”, escolha feita
para caracterizar a “fúria das labaredas”, das chamas que incendiaram o prédio da
Imprensa Nacional. Quando biografa a vida e analisa os versos de Augusto dos Anjos,
Magalhães Júnior (1977, p. 129-131) exemplifica a escolha de alguns vocábulos e de
temas específicos feita pelo poeta, a exemplo dos adjetivos “atra(o)” e “aziaga(o), a
exemplo de temas relacionados ao “Egito”. Para estas notas, destacaríamos o adjetivo
supracitado, utilizado na correspondência enviada à sua irmã.
Ígneo faz referência a fogo ardente, intenso, a um quase fogo vulcânico. O
adjetivo é reiteradamente utilizado no Eu: “Na bruta ardência orgânica da sede, / Morde-
me a goela ígneo e escaldante molho”276 (O morcego); “Zunia. E, na ígnea crosta do
Cruzeiro, / Julgava eu ver o fúnebre candieiro”277, “A planta que a canícula ígnea
torra”278 e “A diáfana água alvíssima e a hórrida áscua / Que da ígnea flama bruta,
estriada, espirra”279 (As cismas do destino); “Gosto do sol ignívomo e iracundo”280
(Gemidos de arte). Seja como “ardência” interna intensa, como “luz” intensa, como “calor”
externo intenso, como “cuspe da brasa”, espirrando suas chamas, ígneo nos mostra
imagens nunca “apagadas”.

Outubro.
Duas notas, dois destaques na correspondência datada do dia primeiro,
correspondência que Augusto dos Anjos enviava à sua mãe.
A primeira é sobre o nascimento de sua filha e de Ester, Glória dos Anjos –
nasceria no mês seguinte; o poeta convidava sua mãe para ser madrinha da menina e,
para padrinho, seu irmão Odilon, residente no Rio de Janeiro. A segunda é sobre sua
participação, como membro, numa associação de pedagogos. Augusto achava a iniciativa
uma “honraria meio platônica”, e dizia que seu nome havia sido sugerido pelo

275 IMPRENSA NACIONAL (Brasília). Incêndio de 1911 no prédio da Imprensa Nacional. Disponível em:
<https://www.in.gov.br/web/dicionario-eletronico/-/inc%C3%AAndio-de-1911-no-pr%C3%A9dio-da-
in>. Acesso em: set. 2020.
276 ANJOS, 1994, p. 202.
277 Ibid., p. 212 (grifo meu).
278 Ibid., p. 216 (grifo meu).
279 Ibid., p. 219 (grifo meu).
280 Ibid., p. 265 (grifo meu).
130

historiador de “elevado renome”, Rocha Pombo. Também dizia que essa associação de
pedagogos, oficialmente “Enciclopédia Nacional do Ensino”, objetivava “executar um
vasto programa de crítica, inspeção e iniciativas na esfera do ensino no Brasil”, sendo
estes os enciclopedistas permanentes:
[...] Farias Brito, Alberto de Oliveira, Fábio Luz, Curvelo de Mendonça, Laudelino
Freire, João Ribeiro, Alfredo Gomes, Maximino Maciel, Rocha Pombo, Silva
Marques, Coelho Neto, Barbosa Lima, Ramiz Galvão, José Oiticica, Osório Duque
Estrada, Dias de Barros, Mendes de Aguiar, Aguiar Garcez, J. Joaquim Firmino,
Aristides Lobo, Daltro Santos, Humberto Gotuzo, Raul Guedes, Lima
Drummond, Henrique Jardim, Tomás Delfino, Mário Barreto, Virgílio Várzea,
Afonso Celso e Augusto dos Anjos. 281

Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 252) conta que a associação não saiu
do papel, “ficou apenas nos planos”.
É possível vasculhar em jornais da época e saber que, pelo menos,
aconteceram reuniões. O Paiz, em setembro do mesmo ano (1911), lá no cantinho de
terceira página, informava sobre uma reunião realizada no salão do “Pedagogium”, o
“antigo museu” pedagógico, extinto anos depois. A reunião foi para escolher a primeira
diretoria da associação, da qual saíram eleitos: Fábio Luz, presidente (já atuava como
inspetor escolar de instituições municipais); Laudelino Freire, vice-presidente (já atuava
como professor do Colégio Militar); Silveira Marques, 1° secretário (já atuava como
advogado); Aguiar Garcez, 2° secretário (já atuava como professor do Pedagogium); e
Alfredo Gomes, tesoureiro (já realizava atividades em assuntos pedagógicos).
A nota do jornal ainda informa que “houve bastante calor por parte dos que
tomaram a palavra”, durante a decisão dos estatutos, e que entre os presentes estavam
Fábio Luz, Alfredo Gomes, Laudelino Freire, Daltro Santos, Farias Brito, Rocha Pombo,
Curvelo de Mendonça, José Oiticica, Maximino Maciel, Humberto Gotuzo, Henrique
Jardim, Joaquim Firmino, Aristides Lemos e Alberto Oliveira282. Só não cita o nome do
poeta de Pau d’Arco – talvez Augusto ainda não tivesse sido convidado.
Diferente da nota do jornal, focada em “picuinhas”, Augusto informa, na carta
enviada à sua mãe, que o objetivo da Enciclopédia (dos pedagogos) era exercer “sobre
todas as publicações didáticas, recomendando as que se revelem dignas de sua
recomendação ou impugnando fundamentalmente as que não preenchem os seus fins”; e
ainda informa sobre a criação de uma revista dedicada “a assuntos pedagógicos”.

281 Ibid., p. 727.


282 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.848, 23 set. 1911, p. 3.
131

Pelos dados obtidos, realmente o projeto não fora pra frente. Fábio Luz, em
janeiro de 1912, renunciaria ao cargo de presidente, e a Enciclopédia dos pedagogos
seria administrada pelo professor Laudelino Freire. Todos os membros exerciam muitas
atividades fora da associação. O Paiz noticiaria, desta vez em primeira página, que a
saída de Luz seria por “acúmulo de serviços”283.
Rio de Janeiro, a capital da agitação.
De outubro, há registro de mais três correspondências de Augusto dos Anjos.
Uma do dia 5, na qual se referia à “repercussão do conflito ítalo-turco” no Rio,
fato bastante comentado pela “boca agitada da multidão” – se tivesse documento
suficiente e quisesse desviar o foco, falaria da guerra entre o antigo império Otomano e o
reino da Itália pela posse da Líbia, entre 1911-1912, um dos fatos alicerçantes da corrida
imperialista e armamentista, decisivos para a conflagração da primeira guerra.
Uma do dia 14, pela qual sabemos que o poeta continuava lecionando no
Ginásio Nacional, pois ele comenta que não poderia se alongar na carta já que estava
indo “agora mesmo dar aula no Ginásio”284.
Uma do dia 21, pela qual dá sua opinião sobre a “agitação” da capital federal,
descrevendo a cidade do Rio de Janeiro como “terra dos agitados, e das grandes
nevroses da civilização”285.
Em novembro, mais duas cartas enviadas à Dona Córdula, cabendo destaque
para a última do mês, datada do dia 27. Nela, além de comentar a respeito de um soneto
que seu tio Generino dos Santos havia dedicado à sua filhinha recém-nascida (no dia 23
de novembro), Glória dos Anjos, comentava sobre a situação política da sua velha
Paraíba, dizendo que havia lhe causado “séria satisfação a mudança de orientação
política que acaba[va] de operar” na sua terra286.
João Pereira de Castro Pinto, professor e magistrado, bacharel pela Faculdade
do Recife, já havia sido deputado federal e, desde 1908, era senador pela Paraíba (do
Norte). Seria o futuro governador (presidente) do estado nas eleições de 1912, depois de
ter sido, comenta Augusto, escolhido pelo P.R.C. (Partido Republicano Conservador),
partido fundado em 1910 e que apoiava o presidente da República, o Hermes; dizia
Augusto que Maximiano, o diretor d’O Paiz, faria parte da chapa como deputado.

283 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.962, 15 jan. 1912, p. 1. Assim inicia-
se a notícia: “Por motivos particulares e de acúmulo de serviço do seu cargo de inspetor escolar [...]”.
284 ANJOS, 1994, p. 728-729.
285 Ibid., p. 729.
286 Ibid., p. 731.
132

Na carta, o poeta esbanja satisfação, já que tudo isso demonstrava “que a


oligarquia imperante est[aria] moralmente ferida [nas] suas vísceras essenciais” – muito
embora, conta-se pela boca miúda, o futuro governador tenha sido indicado pelo próprio
Álvaro Machado, o “fortão” da região, irmão do até então governador João Machado.
Conta Ademar Vidal (1967, p. 205) que a Paraíba dos anos 1910-1912 vivia
“uma agitação política muito acentuada, porquanto até movimento armado chegou a
manifestar-se no sertão: municípios invadidos e saqueados por hordas rebeldes e
famintas. Cangaceirismo desenfreado”. Tudo isso por conta da forte oposição que João
Machado fez surgir, devido a seus mandos e “desmandos”. Castro Pinto, perfeito para
“conciliar as correntes antagônicas”, vinha como aliado de Hermes da Fonseca. Era o
“fim” das “oligarquias cancerosas”, agora “derrubadas pelo bafejo do governo federal”.
Política, educação, jornalismo, letras e artes, tudo entrelaçado. Na intensa
Paraíba, nem se fala. As mesmas fontes dizem que no governo de Castro Pinto as “letras
e as artes evoluíram consideravelmente”287. Entre os contemporâneos de Augusto dos
Anjos, os escritores Rodrigues de Carvalho e Carlos D. Fernandes foram dois que
atuaram no novo governo, tendo sido este último diretor da imprensa oficial da Paraíba,
A União, período em que o “jornalismo cultural” do estado destacou-se.

Distante da terra natal, da Paraíba madrasta, Augusto continuava lutando


pela sobrevivência sua e de sua família. Lecionava (interinamente) geografia no Ginásio
Nacional; buscava algum extra numa e noutra escola/colégio novo que inaugurava,
abrindo vagas temporárias; tentava algo pela Companhia de Seguros Sul Americana.
Enfim, “cavava” e mais cavava o sustento.
Não há registro de carta sua do mês de dezembro de 1911. Tão somente, há
seu nome nos jornais da capital da República, a partir dos “anúncios de aulas”.
No primeiro anúncio de aulas particulares, publicado em janeiro no impresso
O Paiz, pelo qual divulgava que dava aulas de “filosofia, direito romano [...], português,
francês, inglês, aritmética, álgebra, geografa e literatura”, vinha como endereço
residencial e “profissional” o de uma pensão localizada à praça Mauá, número 73, pois aí
estava morando com a esposa Ester Fialho.

287 ACADEMIA PARAIBANA DE LETRAS. João Pereira de Castro Pinto. Disponível em:
<http://novo.aplpb.com.br/academia/academicos/cadeiras-31-a-40/230-n-33-patrono-joao-ferreira-
castro-pinto?highlight=WyJjYXN0cm8iLCJwaW50byIsImNhc3RybyBwaW50byJd>. Acesso em: ago. 2020.
133

As mudanças de endereço foram constantes na vida de Augusto. Nas cartas


do mês de outubro, por exemplo, informava sua mãe que estava morando à rua Marechal
Hermes, número 43, bairro Botafogo; numa carta do mês de novembro, dia 27, já estava
residindo em outra, e era a casa de um conhecido de sua terra, futuro deputado federal
pela Paraíba, o Cunha Lima, sendo este seu sexto endereço desde que chegara à capital
da República – informação confirmada por Magalhães Júnior (1977, p. 252-253).
No segundo anúncio de aulas, também publicado n’O Paiz, desta vez o
endereço divulgado era apenas o “profissional”, e era o da “Escola Remington”, escola de
datilografia. Informa Magalhães Júnior (1977, p. 253) que, devido às “responsabilidades
familiares acrescidas com o nascimento da menina [na última semana de novembro],
Augusto dos Anjos resolveu suplementar seu orçamento dando aulas particulares”,
acordando com aquela escola “que introduzira no Rio de Janeiro os primeiros cursos de
datilografia”. Pelas leituras de alguns números do jornal, é possível constatar que os
anúncios começaram ainda em “outubro” de 1911 – e não só em dezembro, como
informado –, logo após o término do primeiro anúncio (de janeiro), e seguiram ipsis
litteris até novembro de 1912:
O professor Augusto dos Anjos prepara alunos para o exame de admissão
aos cursos superiores, e ensina diversas matérias do curso de direito, podendo
ser procurado das 2 às 5 horas da tarde, à Avenida Central, n. 129, Escola
Remington.288

Janeiro de 1912.
Das correspondências registradas do período, e enviadas à Dona Córdula,
destaque para a datada do dia 27. Comentava Augusto que “na Capital o fervedouro dos
negócios políticos est[ava] atingindo intensidade considerável”289.
Que seriam tais “negócios políticos”?
Sabe-se que há, de Augusto, uma carta do dia 9 de janeiro, um dia antes do
“bombardeio de Salvador”. Se tivéssemos material suficiente e quiséssemos desviar um
pouco o foco destas notas, compartilharíamos fontes sobre o atentado perpetrado por...
Enquanto, registremos, para uma pesquisa futura, que o bombardeio foi e é descrito
como uma das grandes atrocidades da e durante a República velha, totalmente motivado
por questões de poder.

288 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.884, 29 out. 1911, p. 12.
289 ANJOS, 1994, p. 733.
134

Bombardeios e demais atos virulentos que a revista Careta, do Rio de


Janeiro, descrevia. A revista humorística dedica sua edição do dia 20, exclusivamente, ao
momento político vivido pelo país do “Seeentído!”. Entre caricaturas muito “claras”,
anexadas a textos contextuais, a edição, em determinado momento, faz um balanço do
bombardeio contra Manaus (em 1910), da intervenção militar realizada em Pernambuco
(em 1911), do próprio atentado contra a Bahia, e das inúmeras violações constitucionais
cometidas pelo marechalício Hermes da Fonseca, desde a deposição de governadores à
atuação autoritária nos colégios estaduais, indicando nomes que fossem do seu agrado.
E, vale destacar, grande parte dos “atos” tinha a participação do deputado Pinheiro
Machado, aquele mesmo que Augusto dos Anjos definia como “arruaceiro”.
Só para não mais desviar o foco, esse número da revista carioca traz muitas
informações úteis para entendermos a situação político-social da primeira República,
cuja palavra de ordem era justamente “ordem”. Nesse contexto, como desdobramento
das ações virulentas do governo federal, entre outras coisas, houve a renúncia do
ministro da marinha, o almirante Joaquim Marques Batista de Leão, logo após o atentado
contra o estado da Bahia.
A Careta reproduz a mensagem oficial de renúncia do almirante, endereçada
ao presidente Hermes da Fonseca. Nela, além de sua renúncia, o já “ex-ministro” fala
sobre o atentado contra a Bahia, mais especificamente contra a capital Salvador, ato
perpetrado “pelas fortalezas guarnecidas por forças federais”, que poderia ser
considerado “uma iniquidade que atenta[va] menos contra a Constituição Brasileia que
contra a civilização e a dignidade humana”290.
A renúncia, a mensagem do almirante Joaquim Leão, vai ao encontro do que
afirmava Augusto dos Anjos (naquela carta à Dona Córdula) sobre a capital, “fervendo”
de assuntos políticos. Em sua renúncia, era o almirante peremptório ao afirmar que o
bombardeio constituiria “nódoa indelével” na história do Brasil, o que ocasionaria, em
seguida, repercussão gravíssima, crises políticas gravíssimas.

Do mês de janeiro, também é oportuno destacar uma informação referente à


vida literária de Augusto dos Anjos. Informa Magalhães Júnior (1977, p. 254) que o poeta
estava colaborando no jornal O Estado, jornal “anti-hermista” que circulou “no Rio em

290 Careta, n. 190, 20 jan. 1912, p. 27.


135

1911, sob a direção de Gomes de Castro Pinto” – ainda não localizei acervo original do
referido impresso.
Augusto possuía uma seção semanal intitulada “Aos Sábados”, na qual
“re”divulgara o soneto Agonia de um filósofo e, na publicação seguinte, que seria sua
última, divulgara um texto de “forma epistolar”, um texto agressivo, uma resposta ácida
a uma carta – não há informação se fora entregue pessoalmente ao poeta ou se fora
publicada em algum outro jornal do Rio de Janeiro –, iniciada por “desalentado amigo”.
Já que não há detalhe algum dessa “carta”, sigamos com mais notas.

Abril.
Augusto havia lecionado geografia no Ginásio Nacional (em 1911); havia
tentado algum recurso material como agente da Companhia de Seguros Sul Americana;
lecionava matérias do curso de Direito e disciplinas preparatórias para ingresso de
jovens em cursos superiores; e ainda aceitava “bicos” como professor em colégios novos
que abriam. Só não se sabe se a Enciclopédia Nacional do Ensino, da qual fazia parte
como membro efetivo, ainda estava com seus trabalhos pedagógicos.
Neste mês, o poeta noticiava, em carta enviada à sua mãe, sobre mais um
“emprego” que acabara de conseguir: o Ministério da Agricultura designá-lo-ia membro
“duma comissão examinadora num concurso de admissão a uma escola agrícola recém-
criada”291. Augusto informava que já havia terminado os trabalhos, faltando-lhe apenas a
“indenização” dos seus serviços.
Em relação a essa oportunidade, função que exerceria como professor
avaliador dos exames para admissão de estudantes na Escola de Agricultura do Rio de
Janeiro, é possível verificar a nomeação de Augusto (e de outros) através das colunas
dos jornais fluminenses. O Jornal do Brasil, por exemplo, divulgava uma lista com os
nomes da então comissão de professores, assim como as disciplinas que eles avaliariam:
Mário Saraiva era o presidente; e eram os professores: de português, Cândido Jucá; de
francês, Alexandre Max Kitzinger; de aritmética, Pedro Barreto Galvão; de geografia
geral e do Brasil, Rocha Pombo; e, de “história do Brasil, [o] dr. Augusto dos Anjos”292.
É possível consultar os mesmos dados, já com os resultados dos exames dos
estudantes, nos diários A Época, Jornal do Comércio, ou n’A Imprensa. Realizados no

291 ANJOS, 1994, p. 734.


292 Jornal do Brasil, n. 77, 17 mar. 1912, p. 4.
136

“Liceu de Artes e Ofícios”, ainda hoje em funcionamento, os primeiros exames da Escola


de Agricultura, ou, pra ser mais exato, os resultados desses exames, eram divulgados na
edição de 30 de março deste último jornal: numa tabela com quase quarenta nomes de
alunos/candidatos, vinham suas respectivas notas. E a coluna da disciplina “História do
Brasil”, de responsabilidade de Augusto dos Anjos, era a única que dava as notas por
completo, sem o travessão (“___”) utilizado como recurso de substituição de
letras/números293.
Não há detalhes de até quando Augusto atuou como avaliador, mas tudo
indica que o trabalho aconteceu apenas no mês de março, já que foi divulgada somente
uma lista de alunos/candidatos aprovados para a Escola de Agricultura.

Abril e maio.
Na única carta de abril, não menos importante é a referência, feita pelo poeta,
à preparação de seu “livro de versos”, que deveria ficar pronto, possivelmente, no dia 15.
Na única carta de maio, além de informar que seu “livro de versos” deveria
sair – não saiu –, no final do mês, Augusto comunicava sua mãe que era, naquele ano,
“professor de Geografia, na Escola Normal”. Mais uma oportunidade de emprego;
embora, temporária294. Também informava, à Dona Córdula, que estava residindo na
Pensão Brasileira, localizada à rua Haddock Lobo, número 123 – sétimo endereço desde
que chegara à capital da República –, local que pretendia (de)morar por mais tempo.

Junho.
Curtíssima carta datada do dia 4. Nela, Augusto comentava que seu “livro de
versos” deveria sair entre um ou dois dias. Magalhães Júnior (1977, p. 257) informa que
o livro saiu das oficinas de impressão depois do dia 6, e graças ao pagamento das
despesas feito pelo irmão, o advogado Odilon dos Anjos, com quem firmara um contrato
de lucros pós-vendas295.
Não se sabe qual oficina gráfica fez os trabalhos de impressão dos mil
exemplares do Eu. Sabe-se que o Eu foi um “escândalo”.

293 A Imprensa, n. 1.549, 30 mar. 1912, p. 7.


294 ANJOS, 1994, p. 735.
295 A quem interessar este “documento biográfico” de Augusto dos Anjos, consultar Contrato de edição do

Eu (ANJOS, 1994, p. 798).


137

4.1.: Notícias literárias do “Eu”

As cartas entre os meses de junho-julho de 1912, principalmente, aludem às


críticas, entre apreciações e ataques, feitas pelo meio intelectual e jornalístico da obra
recém-lançada de Augusto dos Anjos.
Em carta do dia 13 de junho, por exemplo, ele comentava com Dona Córdula
que seu livro estava “escandaliza[n]do o superficialíssimo meio intelectual” da capital da
República, da cidade por ele descrita como agitada, tumultuosa, como um “fervedouro”
de questões políticas e, por isso mesmo entregue às “velharias de costume”, à banalidade
da “vida de aparência”, ao charlatanismo da elite política e de boa parte da imprensa e
dos “intelectuais homens de letras”296.
Não foi uma, não foram duas, não foram três. Foram inúmeras notícias sobre
e análises literárias do Eu, após o lançamento. Além das notícias bastante conhecidas,
redigidas por nomes bastante conhecidos das letras nacionais, houve muito mais notas
que noticiaram o aparecimento do livro de Augusto.
O nome do poeta, como até agora tivemos ciência, era divulgado em vários
jornais do Brasil, a partir da reprodução de seus versos. Após o lançamento do livro,
conjunto de muitos desses versos, o “escândalo” estava feito. Porém, não podemos nos
esquecer que houve vozes que sim, “apreciaram” o versejar “augusto”.

Segundo Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 259), o jornal A Tribuna foi


um dos primeiros a noticiar o aparecimento do livro de Augusto, se não o primeiro. O
biógrafo reproduz a notícia literária estampada na seção de primeira página “Fatos e
Constas”, do dia 8, de junho: “Está publicado o livro de versos Eu, do belo poeta Augusto
dos Anjos. Agradecidos pelo exemplar que recebemos, prometemos para breve uma
crítica a respeito”. A crítica mais extensa aconteceu no dia 13, através de um texto
assinado pelo jovem escritor Eurícles de Matos – antes de chegar ao Rio de Janeiro, ele já
havia trabalhado em jornais do seu estado natal, a Bahia; na capital federal, também
colaboraria n’O Malho, na Ilustração Brasileira, n’O Globo.
Na sua apreciação crítica, Eurícles comentava que Augusto tinha chegado à
capital da República já “belo poeta que [era]”, não precisando fazer “carreira nas letras
com escala pelos ‘cafés’”, típico dos “imortais”; que Augusto não quis ser “paraninfado”

296 ANJOS, 1994, p. 736.


138

por esses imortais ao lançar seu Eu. Era assertivo ao dizer que a estreia de Augusto
ficaria como “acontecimento poético do ano”; e terminava: “Que livro saído até este
momento poderá ser apontado para derribar essa minha afirmativa? Que poeta de nota
é esperado em alguma obra prometida?” (apud MAGALHÃES JR., 1977, p. 261). Esta
afirmação seria feita novamente ao fim do seu artigo.
Vimos que os versos de Augusto dos Anjos já eram divulgados em jornais de
sua terra natal, a Paraíba e, talvez sem o poeta ter conhecimento, eram também
divulgados em vários periódicos de outras capitais do país, eram também divulgados
através de palestras e “discussões” que aludiam ao seu nome como belo e “novo” das
letras brasileiras. O próprio Eurícles de Matos nos fornece informação útil ao dizer que
já se falava muito em Augusto, já se falava sobre o Eu, “antes mesmo do seu
aparecimento”. Com o lançamento do livro na capital federal, o Rio de Janeiro, o
“barulho” foi bem maior: “em nenhuma roda de velhos e de moços, ele deixa de ser
lembrado e logo discutido” (apud MAGALHÃES JR., 1977, p. 261).
Eurícles também fala dos “rumores” daqueles que comandavam a crítica, já
esperando (só na espreita...) para “condenar” Augusto que, “em vez de babar-se
ordinariamente por todo o seu livro num pieguismo irritante de amor, escreveu
sabiamente” versos como os de O deus verme e Mater originalis.
Parece que o jornalista ainda reproduziu outros versos, de Monólogo de uma
sombra, de Os doentes, de A árvore da serra – este, integralmente. Parece não, realmente
reproduziu. Quase que esquecia, mas essa notícia pode ser encontrada no paraibano O
Norte297, republicada d’A Tribuna logo após o lançamento do Eu.
E aqui, uma nota curiosa – e que Magalhães Júnior também destaca: um tipo
de “vício” a que todo “leitor” de Augusto dos Anjos está preso, ou seja, não conseguir
fazer qualquer menção à biografia do poeta sem dele reproduzir longas estrofes, sem
dele reproduzir poemas inteiros, mesmo quando o assunto é distante de uma análise
literária. Bastante curioso.
Para encerrar esta notícia literária de Eurícles de Matos, escolhamos a
definição que ele dá para o Eu, caracterizando-o como “acontecimento poético do ano”,

297 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.182, 06 jul. 1912, p. 1.


139

livro de estreia dum poeta que entrava “para o pequeno rol dos grandes poetas
contemporâneos da língua”298.
Acontecimento do ano. Ruído na República das letras.

Antes da apreciação de Eurícles, a 9 de junho, na crônica dos livros da


semana, “A Semana”, do jornal O Paiz, o jornalista e cronista Oscar Lopes, depois de
apreciar autorias do ex-presidente da República Nilo Peçanha (Impressões da Europa),
de Mateus de Albuquerque (Visionário), de Canto e Melo (Alma em delírio), e de
Leopoldo Teixeira Leite Filho (Nero artista), escrevia em poucas linhas a respeito do Eu,
de Augusto dos Anjos: livro que “fez barulho logo à chegada”, livro que revela a ousadia
do artista, livro que mostra “evidente descaso por tudo quanto constitui a moeda
corrente nas letras da nossa terra”299.
Lopes descrevia o Eu como um livro no qual palpitava um “espírito original”
que versejava com poder musical e com a descrição de temas “excessivamente bizarros”.
Como exemplo de produção, citava o “formoso soneto Vandalismo”.
Do que diz o jornalista Oscar Lopes, aproveitemos a definição do “fez
barulho” logo à chegada.
Barulho na República das letras.

A 14 de junho, era a vez da Gazeta de Notícias noticiar o Eu em sua


seção/página de “letras”, estampando uma fotografia do poeta300. Fui saber quem era
Nazareth Menezes, autor da notícia, porque Magalhães Júnior (1977, p. 261) informa ter
sido o autor um crítico literário e teatral, “panfletário político” e médico. Fora isso, bem
difícil achar algo sobre ele.
Na sua notícia “O livro do dia”, seção/página “A ‘Gazeta’ das Letras e das
Artes”, Menezes começa falando sobre a poesia científica nas letras brasileiras, poesia
que não fez escola, já que nossa tradição, nossa “verdadeira expressão”, sempre foi a
“lírica”. E, fora disso, até que surgiam talentos, mas quase todos falhos, quase todos
“despidos de beleza, sem arte e sem vibração”. Para Nazareth Menezes, Augusto dos
Anjos era um desses; muito embora, um poeta de “robusto talento, [...] um poeta correto,

298 O fragmento foi extraído do jornal O Norte: jornal independente e noticioso (Cf. nota 297 deste
trabalho), e este é o título que o diário assinala: Como a crítica nacional recebeu o livro de versos de Augusto
dos Anjos.
299 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.108, 09 jun. 1912, p. 1.
300 Gazeta de Notícias, n. 166, 14 jun. 1912, p. 4.
140

cultivador da forma e que sab[ia] fazer o verso sonoro e cantante” – como exemplo,
reproduz, integralmente, O morcego.
O crítico dizia que os demais poemas de Augusto não tinham a sonoridade
daquele soneto, que eram todos um “amontoado de palavras difíceis”, exemplificando
com reproduções de estrofes de Último credo, Os doentes e As cismas do destino.
Após transcrever “[...] Da roupa pelas brechas, / O vento bravo me atirava
flechas / E aplicações hiemais de gelo russo”301, versos de As cismas do destino, Menezes
praticamente diz “basta”, pois o Eu, na sua opinião, está cheio “dessas ideias e dessas
comparações” loucas. Certamente não gostou nem um pouco das loucas referências de
Augusto dos Anjos a “gelo russo”, visto que o poeta, “estando em Recife, num clima
brasileiro”, proferia coisas tão infames.
Não podemos nem mesmo receber uma rajada de vento...
Há muito mais retirado de nós.
Segundo Menezes, Augusto possuía “talento e emoção”. E, por possuir essas
qualidades, ele “aconselhava” o poeta a deixar de lado a “poesia técnica, muito imprópria
e muito postiça e atirar-se a outros gêneros”, pois autorias como O morcego e Sonetos [I –
A meu pai doente; II – A meu Pai morto; III – {Pobre meu Pai! A Morte o olhar lhe vidra}]
revelavam que seu escritor tinha, sim, emoção, e que, por isso, “pode[ria] vencer”.
Do que diz Nazareth Menezes, aproveitemos a opinião de que Augusto dos
Anjos possuía “talento” e “emoção”.
Talento e emoção na República das letras.

A 15 de junho, A Imprensa carioca, nos seus “Ecos” das informações ligadas


às letras e às artes, noticiava que Augusto dos Anjos havia enviado à redação um
exemplar do seu livro de versos, o Eu, e sobre este fazia comentários: “É um volume bem
impresso, elegante mesmo, contendo cento e vinte e oito produções, entre as quais
muitas inspiradas e carinhosamente escritas”302. Na “pressa desta notícia”, a redação do
jornal se dizia impossibilitada de dar uma impressão exata dos poemas, mas que o livro
poderia ser julgado por seus títulos, a saber, Agonia de um filósofo, Versos a um cão, O
lupanar, Os doentes, Depois da orgia, Vandalismo, Poema negro, Mistérios de um fósforo,
Eterna mágoa.

301 ANJOS, 1994, p. 212.


302 A Imprensa, n. 1.626, 15 jun. 1912, p. 1.
141

O jornal termina a nota agradecendo ao poeta paraibano.


Uma pena a desatenção, pois o Eu não contém 128 produções. São apenas
“56”. Às vezes, é melhor ser sincero...
Não tenho conhecimento se o impresso fez alguma crítica mais profunda dias
depois. Pelo menos, desta notícia, aproveitemos a apreciação de que o Eu contém
poemas/produções muito “inspiradas”.
Inspiração na República das letras.

A 17 de junho, o Correio da Manhã, jornal opinativo e “político”, jornal que


tinha a colaboração de ilustres das letras e das artes e (redundantemente) do
jornalismo, como José Veríssimo, Carlos de Laet e seu próprio diretor e fundador,
Edmundo Bittencourt, trazia uma notícia referente ao livro de versos de Augusto dos
Anjos. Na coluna (semanal) literária de primeira página, “Registro Literário”, assinada
pelo professor, crítico e ensaísta Osório Duque-Estrada, há uma extensa análise do Eu303.
O pedagogo Duque-Estrada já conhecia Augusto desde durante o projeto que
não deu certo, a Enciclopédia Nacional do Ensino, e talvez até antes, pois o poeta, desde
que chegara ao Rio de Janeiro, estava sempre nos “corres” por uma vaga de emprego em
escolas e colégios da capital.
Em relação à análise que o professor faz do livro do paraibano, a quem chama
de “original e desequilibradíssimo”, ele começa afirmando que a crítica, de um modo
geral, ainda não tinha feito um juízo definitivo, imparcial e sincero. Segundo o professor,
de um lado havia os “entusiastas” das extravagâncias, que achavam que tudo quanto
fosse “inédito” era sinônimo de genialidade, que achavam e julgavam Augusto como
extraordinário, único, original, perfeito, diante do qual “desaparece[riam] os outros
vates, como plebe andrajosa do Parnaso, mendiga de ideias”; de outro, os que
“procura[vam] na poesia o veio puro do lirismo e da espontaneidade”, que odiavam
superficialismo, preciosismo das ideias e da linguagem e, por isso, lançavam sobre os
versos de Augusto a “excomunhão”, lançavam sobre os versos de Augusto o veneno da
“zombaria e do remoque”.
Segundo o professor, os dois critérios eram injustos e exagerados, e a crítica
deveria ser feita no meio termo. Afirmava que Augusto não era rimador de despautérios

303 Correio da Manhã, n. 3.986, 17 jun. 1912, p. 1.


142

e sandices, a exemplo do que fazia uma “certa escola nefelibata”304. Antes, olhando lá no
fundo de sua “complicada poesia”, era um “esteta de raro merecimento”, era um artista
de lastro de “cientista”. Para o Duque, não era Augusto “um grande poeta”, já que “vasar
em um pequeno volume de versos todo o monismo de Haeckel e grande parte do
evolucionismo spenceriano” não era coisa de artista. E esta era a severa crítica do
professor, que condenava Augusto dos Anjos pelas extravagâncias, pelos “exotismos”.
Duque-Estrada reproduzia uma estrofe inteira de Monólogo de uma sombra,
autoria que ele considerava “manifesto/programa” do Eu, espécie de “pedra de toque”
para ler e assinalar todos os defeitos e todas as qualidades de Augusto como artista.
Sobre os defeitos, as “coisas detestáveis”. Depois de transcrever a estrofe do
monólogo, afirma que a primeira impressão é a de que “o homem é doido”; mas não, pois
o “amor à podridão” (“A podridão me serve de Evangelho...”) é ideia da teoria
(cientificista) do “transformismo”. Ele ainda transcreve uma, duas, ao todo, três sextilhas
do monólogo, só para provar as sandices, as “ideias estapafúrdias” de Augusto.
Sobre as “coisas dignas de admiração”. Duque-Estrada vale-se, dentro da
mesma “extravagância” de Augusto, de uma, de duas, de três, de quatro sextilhas do
monólogo para provar suas qualidades. O professor reproduz, do mesmo monólogo
(portanto, mais uma sextilha, a quinta), uma das “falas finais” da sombra, a estrofe
Provo desta maneira ao mundo odiento
Pelas grandes razões do sentimento
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.305

que, para ele, dentro das “estrofes opulentíssimas em que tanto se admira a elevação do
conceito, como o requintado da forma”, revela-se “a mais brilhante de todas”.
Fala dos poemas As cismas do destino, Os doentes, Vozes de um túmulo e Noite
de um visionário, entre os quais muitos dos chamados “longos”/narrativos, poemas que
ele caracteriza como “verdadeiras monstruosidades, aleijões abortados de uma fantasia
delirante e de uma torturada imaginação que se obstina em parecer única e original”.

304 Osório Duque-Estrada, ao escrever nessa notícia o “cheirosa criatura” e o “crocodilizações verdes de
jacarés”, referia-se aos poetas Bernardino Lopes e Hermes Fontes. Este havia escrito o neologismo
“crocodilizações”; aquele, “em acentuado declínio intelectual, dominado pela bebida, dedicara ao marechal
Hermes da Fonseca um soneto em que o chamava “Formoso herói, cheirosa criatura”” (MAGALHÃES
JÚNIOR, 1977, p. 263).
305 ANJOS, 1994, p. 199.
143

Critica algumas “irreverências” quanto à forma, praticadas por Augusto, a


exemplo do deslocamento da acentuação (“periféria”, em vez de periferia; “arráteis”, em
vez de arratéis; “úbiqua”, em vez de ubíqua) – que o poeta usava como licença poética;
da “prosódia deturpadora e anárquica” (grifo meu) – Duque reproduz mais de nove
versos para comprovar esses “versos errados”; do equívoco de várias rimas (“cristaes”
com “nas”), sendo todos esses erros de linguagem, esses usos de versos duros e sem
ritmo, esses usos de versos desconexos e extravagantes, constantes no Eu.
Osório Duque-Estrada diz que este poeta, que praticava tanta extravagância,
era o mesmo “cientista e filósofo conhecedor de todo o monismo de Haeckel, o mesmo
pensador inspirado de tão elevados conceitos”, o mesmo poeta que escrevia versos
admiráveis como os de Mater – o professor reproduz duas estrofes suas –, e Versos a um
cão – o professor reproduz este soneto por completo.
E mesmo o professor afirmando ser Augusto dos Anjos um “grande talento
trasviado pelo cientificismo”, a “promessa de um extraordinário poeta, abortada na alma
de um filósofo”, escritor dum livro de versos em que “míngua a poesia” e “avultam as
aberrações”, escolhamos as definições de Augusto, também dadas pelo professor, como
“grande talento” e “extraordinário poeta”.
Grande e extraordinário na República das letras.

A 18 de junho, outro tradicional impresso do Rio de Janeiro anunciava o Eu: o


Jornal do Comércio, em sua edição vespertina. O texto vem assinado por João Luso,
pseudônimo de Armando Erse de Figueiredo, escritor e jornalista português radicado no
Brasil. Na coluna periódica (quase semanal) “Notícias Literárias”, João Luso noticiava,
neste dia, não somente a autoria de Augusto dos Anjos (Eu), mas também a do escritor
Manuel Batista Cepelos (O cisne)306.
O jornalista começava expondo o meio literário “atual”, tão “indolente” e tão
“rebelde às grandes comoções”. Neste meio, dizia Luso, entre os jornais e as rodas
literárias, raras obras dos últimos dez ou quinze anos haviam causado tanto “barulho”,
tanta “agitação”, tantas “controvérsias” e “opiniões variadas”, “desde a adoração à
descompostura, e desde a apoteose ao escárnio”, como o livro do momento. E este livro
era o Eu: “livro privilegiado”, livro de “verdadeira estreia”, “livro sensacional”, “livro de
escândalo”, até pouco tempo ignorado.

306 Jornal do Comércio: edição da tarde, n. 824, 18 jun. 1912, p. 3.


144

João Luso destacava o que mais lhe impressionava no livro de Augusto dos
Anjos: o título, em letras garrafais e em tinta vermelha; o resumo de “todas as belas e
grandes coisas” da “contemplação”; e mesmo o que o livro significava, ou seja, um
grande rótulo, um “anúncio de qualquer coisa como uma autoepopeia, uma
autoglorificação”. Segundo Luso, nessa poesia o poeta fala “de si”, não como autolatria ou
admiração, mas, sim, como “autoanálise”, como estudo e “exame de si”.
Luso dizia que Augusto, às vezes, era cruel consigo mesmo, tal qual um
“anatomista” que rasgava as próprias carnes e “gem[ia] de dor e de volúpia”, cruel com
os outros e com tudo o mais.
Após citar, pontualmente, relações do pessimismo científico de Augusto com
o do poeta e dramaturgo argelino Jean Richepin; após citar, pontualmente, relações do
hiperbolismo de Augusto com o do poeta brasileiro Cruz e Souza, afirmava que o
paraibano conseguia combinar o “rigor de história natural das concepções à exuberância
e à ardência da forma”, tendo como “resultado” (poético) exotismos e extraordinários
fenômenos de expressão. Luso definia o Eu como um livro caprichoso quanto ao ritmo,
livro de “bela sonoridade”.
E, antes de reproduzir completas cinco sextilhas do Monólogo de uma sombra,
João Luso dizia ser Augusto um poeta “sincero” e “convicto”, que assim sentia e concebia
a vida, que assim sentia e “pratica[va] a arte”.
O jornalista termina sua notícia literária afirmando ser Augusto dos Anjos um
poeta “tão discutido” (certamente nos meios literário e jornalístico).
Por João Luso, definamos o Eu como barulhento, agitador, controverso. Um
livro verdadeiro e sincero, sensacional e escandaloso.
Barulho e agitação e escândalo e verdade na República das letras.

Naquela correspondência do dia 13 de junho, enviada à Dona Córdula – e


citada no começo deste tópico das notícias literárias –, Augusto não só informava sua
mãe que seu livro estava “escandaliza[n]do o superficialíssimo meio intelectual” do Rio
de Janeiro como também comunicava que lhe enviaria os jornais com as críticas feitas ao
Eu. Na mesma carta, o poeta também comunicava que estava enviando à D. Córdula, à
sua irmã e a seu irmão, Alexandre, o Eu.
Em carta do dia 23, por exemplo, comunicava que estava remetendo “as
primeiras críticas aparecidas” e que, em breve, mandaria outras apreciações que
145

surgiam “quase diariamente”307. Ainda do dia 23, outra carta, e desta vez enviada à sua
irmã, Francisca, na qual lhe pedia a leitura das mesmas críticas dos jornais enviados à D.
Córdula – os textos dos jornais eram recortados.
Até onde se sabe, outras notas e notícias literárias sobre o Eu, publicadas em
jornais e revistas, apareceriam somente em julho. Mesmo assim, o nome “Augusto dos
Anjos” continuava fazendo ruído e barulho e agitação na República das letras. O poeta
comunicava à D. Córdula, em carta do dia 26 de junho, entre outras coisas, que estava
enviando mais recortes de jornais com as críticas feitas ao seu livro, e que em breve
enviaria outras. E afirmava: “Meu livro tem produzido um verdadeiro escândalo nesta
terra”308. Escândalo na República das letras.
Na mesma carta, o poeta “definia” esse escândalo. Havia as discussões de seu
livro nos meios literário e jornalístico, como de costume. Ademais, havia a discussão de
seu livro “até na Câmara dos Deputados”, ou seja, no meio político, como acabava de ler
nas páginas d’A Tribuna; é Magalhães Júnior (1977, p. 267) quem reproduz uma nota
que, infelizmente, não consegui localizar referência e fonte, mas creio que seja o tal
número do jornal supracitado por Augusto: “Como se discutia a política do Ceará em
todas as rodas, menos num grupo, em que o sr. Carlos Peixoto fazia francos elogios ao
recente livro do sr. Augusto dos Anjos”309. Ainda havia a inclusão de seu nome em
estantes de bibliotecas renomadas, como a da “Academia Nacional de Medicina” –
Augusto justifica que era porque seu livro tratava “do haeckelianismo e do
evolucionismo spenceriano”.
Terminava a carta informando que havia, entre toda essa “corrente seleta e
incentivadora”, uma de “conspiração manifesta e quase agressiva” contra ele: a dos
“irremediavelmente nulos”. Dizia ainda que seu tio, o poeta Generino dos Santos, que a
essa altura já lhe era “pessoa amiga”, enviara-lhe uma longa carta, e que a mesma seria
publicada (por Augusto ou pelo tio?) em breve. Infelizmente, Augusto não informa em
qual impresso seria.

Julho.

307 ANJOS, 1994, p. 737.


308 Ibid., p. 737.
309 Carlos Peixoto de Melo Filho era deputado federal por Minas Gerais, seu estado de origem. Na Câmara,

além de ter participado da campanha civilista de Rui Barbosa, era um dos ferrenhos críticos do deputado
Pinheiro Machado, aquele que Augusto dos Anjos chamava de “arruaceiro”.
146

Em carta do dia 4, também enviada à Dona Córdula, entre alguns assuntos


pessoais comentados com a mãe, informava que estava enviando mais artigos dos
jornais do Rio, referentes às críticas a seu livro, e que brevemente enviaria “outra
remessa”. Augusto pedia de sua mãe uma opinião “sobre o Eu”.
Fora as notícias alusivas ao livro recém-lançado, comunicava um assunto
político-social: a repercussão da chegada do general argentino Júlio Roca à capital da
República. Fora as notícias alusivas ao livro recém-lançado, comunicava um assunto de
sucesso familiar: seu irmão Aprígio, que estava no Mato Grosso desde 1911, que exercia
o cargo de juiz federal substituto desde abril de 1912, ia “às mil maravilhas” na sua nova
terra, contando “simpatias inúmeras”, como a do próprio governador do estado; Aprígio,
informava Augusto de acordo com o que lhe dissera um amigo, o médico Ivo Soares –
Ademar Vidal (1967, p. 216) diz ser irmão de Orris Soares –, poderia até se candidatar a
deputado federal nas eleições de 1914.
Agora, dentro das notícias literárias sobre o Eu, destaque para a da revista
Fon-Fon, de 6 de julho. O poeta Mário Pederneiras, na periódica página “O Momento
Literário”, além da notícia sobre o livro de versos de Augusto dos Anjos, divulgava uma
fotografia de corpo inteiro do poeta. Em seu texto, dizia que Augusto merecia muito mais
do que uma simples nota310.
Estranho, cheio de altos e baixos, com abusos no conhecimento científico e no
uso de vocabulários científicos dispensáveis. “A par disso tudo”, continua Pederneiras, o
livro de Augusto “tem belezas intensas e por todo ele vibra uma encantadora nota de
originalidade”, “coisas que andam a faltar em muita produção consagrada e aplaudida”.
Dizia que no Eu havia um “estranho modo de sentir e impressionar”, pois era assim que
o “poeta” Augusto dos Anjos, no seu temperamento individual, observava e sentia a vida.
Pederneiras alertava aos que viam Augusto como “poeta macabro”, já que
poemas como Debaixo do tamarindo, Solitário, Idealismo, Ricordanza dela mia gioventú e
Vencedor mais revelavam sua profunda “delicadeza”.
Chamando a atenção, mais uma vez, para o abuso do cientificismo praticado
pelo poeta, era “esperançoso” de que ele brevemente se tornaria livre e forte, livre e
independente, escreveria outro livro livre dessas amarras cientificistas. Dizia que o
poeta, ao “se libertar da compressão científica que o cerca e der ao Verso todo o vigor de

310 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 27, 06 jul. 1912, p. 23.
147

seu talento real e de toda a sua original e bizarra concepção de Arte”, muito mais
revelaria de sua originalidade.
Mário Pederneiras reproduzia, por inteiro, os sonetos Ricordanza dela mia
gioventú e Vencedor, para ele, os mais emotivos de Augusto dos Anjos.
De Pederneiras, escolhamos, então, o “original e sincero”, para com Augusto.
Original e sincero na República das letras.

A notícia de Mário Pederneiras foi citada por Augusto em correspondência


enviada à Dona Córdula, no dia 10 de julho. O poeta comunicava, na carta, que estava
remetendo naquele dia “um número da Fon-Fon que traz meu retrato e uma apreciação
sobre meu livro de versos”311.
Na mesma carta, informava sobre um assunto digno de nota: “Nesta cidade o
monstro da politicagem se alastra por toda a parte, com todas as características de uma
cancerosidade incurável”. Dizia que Rui Barbosa, um dia antes, havia chegado à capital
da República e produzido “certa agitação no ânimo popular”.
Não queria ficar desviando e consultando fontes paralelas, mas também não
posso deixar de lado os “fatos (históricos)”.
O historiador Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 269) nos informa,
pontualmente, da situação política do Rio de Janeiro, na época. Segundo o biógrafo, Rui
Barbosa estava se sentindo ameaçado “por militares hermistas exaltados” e que, nesse
mesmo período, havia passado uma temporada na fazenda de um amigo, em São Paulo.
De volta ao Rio, quando “o ambiente [já estava arrefecido]”, voltaria a dirigir o Diário de
Notícias, jornal, segundo Magalhães, “todo devotado à sua própria glorificação”. Nessa
volta, o jornal promoveria “grande manifestação popular”.

Voltando às notícias e às notas literárias sobre o Eu, de Augusto dos Anjos.


Um fato curioso está na leitura de uma carta sua enviada à Francisca, no dia
24 de julho. Na correspondência, o poeta agradecia à irmã, residente na Paraíba, pelos
“imerecidos elogios” feitos ao seu livro, e se mostrava “consciente”: “Quanto ao fato de
os jornais daí não haverem aludido ao aparecimento do Eu, creio que isto há de pesar
muito pouco na balança de minhas vitórias e de minhas derrotas intelectuais”312.

311 ANJOS, 1994, p. 739.


312 Ibid., p. 779.
148

Isto mesmo, Augusto estava consciente e até certo ponto “conformado” da


inexistência de notícias alusivas ao Eu e divulgadas nos jornais da Paraíba. O poeta dizia
não sofrer de “comichão de ser célebre, máxime aí na Paraíba do Norte, carinhosíssima
terra de meu nascimento”.
Acontece que houve, e mais de uma, e mais de duas, e mais de três notícias
literárias sobre o seu livro divulgadas nos jornais da Paraíba. Pra ser sincero, até o
momento foram encontradas notícias apenas n’O Norte, jornal político de Orris Soares e
do irmão (Oscar Soares). E antes mesmo das notícias e notas, vale destacar que o jornal
já havia reproduzido, a 12 de junho313, poucos dias após o lançamento do Eu, o soneto
Budismo moderno314.
Observando as notícias do jornal paraibano, temos de ser sinceros ao dizer
que elas foram, em sua maioria, simples “reproduções” de outras notas divulgadas nos
impressos da capital da República. Intituladas “Como a crítica nacional recebeu o livro
de versos de Augusto dos Anjos”, as notas vinham em coluna de primeira página.
A primeira delas data do dia 5, e é a reprodução do texto de João Luso,
publicado originalmente no Jornal do Comércio315. Uma pena porque a redação não
teve o cuidado de sequer colocar o “nome completo” correspondente às iniciais “J. L.”, já
que assim está assinado naquele jornal. E para quem não sabia de quem se tratava?
A segunda data do dia 6, e corresponde à notícia de Eurícles de Matos,
publicada originalmente n’A Tribuna316. O mesmo descuido veio nesta transcrição, pois
é difícil saber de quem são as iniciais “E. de M.”. E se fossem do poeta Emílio de Meneses?
A terceira, com a graça divina, é original, e faz elogios e uma pequena análise
do livro de Augusto dos Anjos. Ela foi publicada a 9 de julho317. Mas, se por um lado, é
uma nota original, por outro, não ajuda muito no quesito “informação da fonte”.
Esta nota literária d’O Norte vem assinada por “Plácido Guerra”, mas é difícil
saber se era ele jornalista, bacharel (em Direito), professor, crítico literário; se era
mesmo “pessoa física” ou um pseudônimo. Não encontrei absolutamente nada do
“autor”. De qualquer maneira, o “autor” possuía no jornal de Orris Soares uma crônica
semanal intitulada “Dia a Dia”.

313 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.163, 12 jun. 1912, p. 1.


314 ANJOS, 1994, p. 224 (Eu); originalmente n’A União da Paraíba em 12-01-1909.
315 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.181, 05 jul. 1912, p. 1.
316 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.182, 06 jul. 1912, p. 1.
317 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.184, 09 jul. 1912, p. 1.
149

O mesmo jornal que começou, logo quando fundado em 1908, sendo


“político”, interessando-se apenas por assuntos político-sociais da Paraíba, da região, da
República, do “mundo”, em poucos anos abriria “espaço” às notas das letras e das artes,
possuindo diária e semanalmente, em suas primeiras páginas, colunas para publicação
exclusiva de poemas, para informações de eventos culturais do estado (cinema, teatro),
para crônicas literárias esparsas e periódicas.
Na crônica/notícia literária supracitada, “Plácido Guerra” começa: “Venho de
me banhar nas águas astrais do Jordão luminoso que é a Musa altamente superior de
Augusto dos Anjos”. O “autor” diz que ficou “perturbado”, abatido após a leitura do Eu:
Saio perturbado, sentindo vertigens de eleitos incompreendidos, pela porta
última do seu derradeiro verso, e ao transpor os seus umbrais, talvez por ter
convivido três horas com o estranho autor do EU, sinto-me invadido pela
anquilose tanto mais duradoura quanto maior é a sensação recebida da leitura
das 131 páginas deste livro, ontem desconhecido, e já hoje causando rebuliço
nas rodas consagradoras da Capital Federal.318

“Plácido Guerra”, neste registro bastante emotivo, bastante sincero, fornece


três informações interessantíssimas. A primeira é biográfica, quando diz ter convivido
“três horas” com Augusto dos Anjos; só não sabemos se na Paraíba, ou já no Rio de
Janeiro, e em que situação. A segunda é sobre o “barulho”, a “agitação”, o “escândalo”, o
“rebuliço” que o livro de versos de Augusto estava causando na República das letras. Diz
o “autor” que a ideia da notícia não era fazer crítica do Eu, tão somente “te[r] a honra,
apenas, de registrar o aparecimento do livro possante do vate paraibano” e, ao mesmo
tempo, pedir sua “permissão” para transcrever, e assim presentear os leitores de suas
crônicas, o soneto A um carneiro morto, até porque Augusto não precisava de mais
consagração depois das palavras que recebera publicadas no fluminense A Tribuna –
esta é a terceira informação.
“Plácido Guerra” informa que esse texto (“as palavras que recebera”),
publicado no jornal do Rio de Janeiro, fora transcrito no próprio O Norte, e até mesmo
no jornal oficial do estado da Paraíba, A União – lembrando que é impossível, por
enquanto, ter acesso aos arquivos completos do jornal oficial paraibano, apenas nos
restando divulgações “terceirizadas”. Até aí, tudo bem.
No entanto, ele diz que a nota d’A Tribuna, a nota que consagrava Augusto
dos Anjos, fora escrita pelo poeta “Emílio de Meneses”. E agora? Bem que desconfiamos

318 Ibid., p. 1.
150

de que as reproduções do jornal de Orris Soares, que apenas registrava as iniciais dos
nomes dos autores, poderiam causar (e causaram) confusões nas cabeças dos leitores.
“Plácido” termina suas “pálidas homenagens” ao poeta de Pau d’Arco que, há
pouco tempo, era conhecido somente em sua terra natal, a Paraíba, mas que, “agora”,
mostrava-se “exuberantemente superior fazendo jus aos louros da sua conquista
galharda no torneio magnífico da rima”.
Do autor, aproveitemos a opinião de que Augusto dos Anjos estava causando
“rebuliço nas rodas consagradoras da Capital Federal”.
Rebuliço na República das letras.

Uns analisavam o Eu minuciosamente, reproduzindo muitos dos poemas do


livro. Outros, apenas noticiavam o acontecimento, o lançamento do livro, sem análise
minuciosa. Neste exemplo, está a notícia publicada na revista ilustrada O Malho, revista
de sátira política e “atuante” na República (das letras).
A 13 de julho, o periódico registrava, na página “A produção literária”, duas
obras recém-lançadas e uma tradução brasileira: esta, do livro Daqui a cem anos, autoria
do escritor norte-americano Edward Belamy, e traduzida por Pinheiro Chagas; aquelas,
do escritor Fábio Luz (Leituras de Ilka e Alba) e do poeta Augusto dos Anjos (Eu).
A notícia referente ao livro do paraibano é extensa: “Eu é uma linda plaquete,
contendo os formosos versos de Augusto dos Anjos e que tão bem foram recebidos pela
crítica”319. Aproveitemos, então, o “tão bem foram recebidos pela crítica”.

A 16 de julho, o Diário de Notícias, do Rio de Janeiro, também dedicaria ao


livro de Augusto uma crítica minuciosa – este número não foi encontrado no acervo
digital da Biblioteca Nacional, por isto, será baseado no que reproduz Raimundo
Magalhães Júnior (1977). Assinada pelo jovem poeta Hermes Fontes, a notícia aparecia
na semanal “Crônica Literária”. Neste dia, Hermes registrava os livros de Almáquio Diniz
(Escarpa), Dídio Costa (Aspectos), Adelmar Tavares (Miriam, luz dos meus olhos), Carlos
de Vasconcelos (Cartas da América) e, do nosso “poeta-mor”, Augusto dos Anjos (Eu).
Vale destacar que esse texto foi enviado à Dona Córdula. Augusto, em carta do
dia 17, comunicava sua mãe que estava enviando “o Diário de Notícias que traz uma
crônica literária sobre o meu livro de versos”320.

319 O Malho, n. 513, 13 jul. 1912, p. 13.


151

Hermes Fontes iniciava sua nota desculpando-se pela demora em registrar o


Eu, o qual definia “o mais ruidoso desses seis meses, o que proclamamos, sem com isso
empanar o brilho dos outros, que, cada qual a seu gênero, são novas e assinaláveis
etapas firmadas à evolução da inteligência e do sentimento nacionais” (apud
MAGALHÃES JR., 1977, p. 269-270).
Começando pelas “coisas desagradáveis”, o crítico assinalava no Eu a
“monotonia das ideias e de módulos” – monotonia das ideias? –, a “insistência em certos
assuntos” que em nada surpreendiam – monotonia das ideias? –, e a unificação dos
“pontos de vista e os processos de sua arte” – monotonia das ideias.
Fora isso, dizia ser Augusto dos Anjos “diferente dos demais pelo credo, pela
leitura e pela grande independência de pensar e dizer”. Era um poeta de “força e arrojo”,
destacando-se pela cultura, pelo brilho, pela excepcionalidade próprios. Em relação à
sua poesia, merecia várias atentas leituras:
[...] À primeira leitura desse livro brilhante, tem-se logo a impressão de um
talento formidável, de uma cultura polimórfica e, sobretudo, de uma grande
honestidade literária, de fazer coisa própria, coisa sua, pessoal,
individualista.321

Talento formidável e cultura polimórfica – então, sem “monotonia das ideias”


–, é o que Augusto dos Anjos revela possuir quando fazemos a primeira leitura de sua
poesia. Nessa primeira impressão, Augusto, continua Hermes Fontes, revela, através da
“anarquia luminosa e estonteante”: “elevação e extravagância, originalidade e
preciosismo, voos e quedas, arrojos e decaídas”. A primeira leitura é “estonteante”, a
segunda, “entusiasta”, a terceira, “sensacional” e, a quarta, “encantadora e condutora (à
lágrima e ao êxtase)”.
O jovem poeta falava em monotonia das ideias, no início. Agora, ao
desenvolver sua notícia, destacava que a poesia de Augusto oferecia, entre “contrastes” e
“incongruências”, elevado “número de sentimentos novos, novos estados da alma, não
bem emoções, [mas] nuanças de emoções, arrepios, dolorosidades”.
Após sabermos a opinião de Hermes Fontes sobre poemas como Monólogo de
uma sombra (“trabalho de fôlego novo e de feitio moderno”), A ideia (soneto típico da
“essencialidade” e “profundeza” de Augusto como poeta), Idealização da humanidade
futura (o “belo símbolo”), Versos a um cão (“verdadeiro trabalho de dolorosa

320 ANJOS, 1994, p. 740.


321 FONTES, 1912 apud MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 270 (grifos meus).
152

metempsicose”), aproveitemos suas notas finais para com o Eu: livro “cheio de
curiosidades, desse alvoroço de ideias novas, harmonias novas, aspirações novas”; livro
que é “viagem através da personalidade” de Augusto dos Anjos, onde sua “dor” é
estendida “a todas as espécies e a todas as coisas”; livro onde se “fala” do “amor-
solidariedade” e do “amor-científico”.
Segundo o jovem crítico, Augusto triunfava não somente pelas qualidades de
seu livro de versos, mas porque não precisou
[...] se arrastar aos pés dos nossos papas intelectuais, os que organizam nas
revistas e nos cenáculos quadrilhas literárias para amordaçar os bons espíritos
surgentes ou para os obrigar ao beija-mão aviltante dos seus deuses de papelão
e dos seus mestres proclamados em família, para melhor destino das suas
confrarias.322

Já para finalizar, aproveitemos o que diz Hermes Fontes, sobre o Eu, logo no
início de sua notícia literária: “o mais ruidoso desses seis meses”.
Ruídos na República das letras.

Não me recordo de referência alguma feita à notícia literária publicada por


Xavier Pinheiro. Jornalista, redator proprietário do jornal fluminense (O?) Subúrbio,
colaborador do Jornal do Comércio e d’O Paiz, funcionário público, presidente da “Liga
da Educação Cívica”323, Pinheiro teve seu texto divulgado em jornal paraibano – o que
nos é valiosíssimo, já que não conheço, até o momento, acervo (on-line ou físico) que
contenha os números do jornal que ele dirigia. No dia 20 de julho, O Norte reproduzia a
notícia do jornalista, a quem chamava de “brilhante homem de letras”324; brilhante
homem de letras que noticiava o Eu, livro do “nosso ilustre conterrâneo dr. Augusto dos
Anjos” – palavras da redação do impresso paraibano. Vale destacar que esse texto foi
publicado originalmente no jornal A República, do Rio de Janeiro.
Xavier inicia destacando que Augusto dos Anjos, com o lançamento do Eu,
viria quebrar a “monotonia dos poetas amorosos”, viria mostrar “originalidade”, mostrar
que “sua alma é diferente das outras”, mostrar que “sua imaginação paira em outras
alturas”, mostrar que “seu reparo intelectual vai a outras regiões”.
Augusto, continua Xavier já assinalando seus “defeitos”, deu uma obra cheia
de “coisas científicas”, de “ideias pessimistas”, de “esquisitices” – argumentando sobre

322 Ibid., p. 272.


323 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.340, 02 mai. 1910, p. 7.
324 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.194, 20 jul. 1912, p. 1.
153

essa característica, alude à influência, em Augusto, de Baudelaire, Richepin, Mallarmé e


Verlaine; uma obra cheia de “pessimismo terrível”, de “divulgações científicas”, de
“crueldades dolorosas”, de “impressões bizarras”, de “forma a deixar no espírito uma
interrogação”: “quem isso produziu tem o seu cérebro perfeito, em pleno
funcionamento?”.
Osório Duque-Estrada e, agora, Xavier Pinheiro. Não que outros críticos não
tenham assim caracterizado Augusto dos Anjos. Mas acontece que esses dois foram mais
“claros”. Ambos não apenas “se perguntaram”, após a leitura do Eu, se Augusto não era
mesmo doido. Afirmaram peremptoriamente.
Não sei por quê, mas todas as vezes que leio essas observações críticas, a
única coisa que consigo fazer é rir sem parar. Imagine o poeta, trabalhando dia e noite na
sua única obra publicada, ouvir, depois de lerem seu Eu, se não era ele “doido”. Um
“doido” na República das letras.
Apesar disso, Xavier Pinheiro afirma, logo em seguida, que Augusto não era
doido, pois tinha o “cérebro equilibrado”. Era consciente de sua poesia. Aludindo aos
poemas, afirma ser Augusto consciente dessa poesia que canta “a humanidade futura”
(Idealização da humanidade futura) e “o cão” (Versos a um cão); que prega “as doutrinas
religiosas do budismo” (Budismo moderno); que tem “sentimento pela imolação de um
carneiro” (A um carneiro morto); que tem “pena do corrupião encarcerado numa gaiola”
(O corrupião); que canta “as tristezas de um quarto minguante” (Tristezas de um quarto
minguante). Este é o Eu, este é Augusto dos Anjos:
Há no Eu enormes extravagâncias que, à primeira vista, numa leitura
precipitada, parecerá que o poeta tem alucinações de quem vê estrelas ao
meio dia e está precisando de um cáustico na nuca; mas também há causas
extraordinárias, sensatas, com muita verdade, que indicam ser [o] poeta um
espírito preparado e que vem dar uma nova orientação a todas as coisas.325

Infelizmente, são irresistíveis essas caracterizações.


Ainda assim, Xavier afirma ter a poesia de Augusto “causas” extraordinárias,
sensatas, verdadeiras. Comparando-a à “música extraordinária” do compositor, maestro
e ensaísta alemão Richard Wagner, especificamente ao “barulho de [seus] instrumentos”
metálicos, ele nota no Eu: gritos, imprecações, blasfêmias, gemidos, estertores.

325 Ibid., p. 1 (grifos meus).


154

O jornalista reproduz versos de Tristezas de um quarto minguante (“Vou


amarrar um pano na cabeça, / Molhar a minha fronte com vinagre”326), para ele, um
poema de ideias estapafúrdias; e, quase paradoxalmente às ideias deste longo poema,
reproduz, integralmente, Vozes de um túmulo (“soneto profundamente sincero, cheio de
sentimento filosófico”), Decadência e Ricordanza dela mia gioventú. Em relação a este,
argumenta Xavier que o poeta tem “delicadezas de sentimento bastante requintadas,
finíssimas”, que o poeta revela-se “delicado, ingênuo, digno de uma alma pura, não
habituada à mentira e à falsidade...” – estas reticências de Xavier logo após reproduzir o
soneto à “ama de leite Guilhermina”...
Depois de criticar Augusto dos Anjos pela rima “cristaes-nas”, Xavier se
mostrava esperançoso, com “fé” de que o poeta publicaria um novo livro “com menos
ciência, com menor número de palavras técnicas” e, assim, impor-se-ia nesse meio
(literário) tão cheio de líricos doentios.
Para finalizar, aproveitemos o que diz Xavier Pinheiro no penúltimo
parágrafo de sua notícia sobre Augusto: “A estreia do poeta do EU, que tanto deu que
falar, ficará como uma bela nota, porque espantou a burguesia habituada à melifluidade
dos vates amorosos e foi um triunfo para que possa ir para diante”.
O jornalista termina sua notícia literária agradecendo a Augusto por este ter
lhe oferecido seu “originalíssimo livro de estreia”.
Augusto dos Anjos, espantando a burguesia da República das letras.

Nos últimos dez dias do mês de julho, não se sabe se houve alguma outra
notícia literária alusiva ao Eu. Sabe-se, até o momento, que o poeta enviou à sua mãe
uma correspondência informando-a da situação caótica vivida no Rio de Janeiro: uma
influenza havia deixado a “população inteira espirrando e tossindo”327.
É, caro Augusto, também estamos vivendo... Uma pandemia. Maior. Mortal.
Um maldito vírus corona que “Sai para assassinar o mundo inteiro / E o mundo inteiro
não lhe mata a fome!”328.

Agosto.

326 ANJOS, 1994, p. 300.


327 Ibid., p. 741.
328 Ibid., p. 286. Versos de Poema negro.
155

Antes de registrarmos mais notas literárias alusivas ao Eu, uma interessante


nota biográfica sobre o poeta de Pau d’Arco.
Quando estava na sua terra natal, Augusto sempre participava da festa de
Nossa Senhora das Neves (padroeira da Paraíba do Norte), realizada entre fins de julho e
começo de agosto. Sabe-se, também, que ele participou, entre 1908-1910, do Nonevar, o
jornalzinho “elegante e profano” que circulava na capital durante os dias da novena à
santa. Mesmo residindo no Rio de Janeiro, a tradição foi mantida; pelo menos em partes.
A 5 de agosto, dia “d” da novena à Nossa Senhora das Neves, data
comemorativa da fundação da Paraíba (em 1585), antiga “Filipeia”, o fluminense Jornal
do Comércio publicava, em primeira página, seção “Tópicos do Dia”, que “a colônia
paraibana residente nesta Capital realiza hoje, à noite, uma festa comemorativa da
conquista da Paraíba”, aludindo, também, à Festa das Neves329.
Em um parágrafo, o jornal quis “resumir” toda a história do estado. Porém, o
mais importante é o que informava sobre a “comemoração”.
Segundo o impresso, o evento aconteceria naquela mesma noite, às 20 horas,
no salão nobre do Jornal do Comércio: “A primeira parte constará de sessão solene,
presidida pelo dr. Epitácio Pessoa, orando os srs. senador Castro Pinto, jornalista Eliseu
César e Augusto dos Anjos”. Após a abertura da sessão, concertos de música clássica.
Até onde conheço, não se foi divulgada essa informação. Realmente não me
recordo de alguma biografia/biobibliografia que tenha divulgado a participação de
Augusto dos Anjos num “evento solene” no Rio de Janeiro, mesmo que referente à sua
velha Paraíba; muito menos que tenha divulgado sua participação como “orador”.
Porém, o que mais chama atenção é que há, sim, um pequeníssimo trecho
desse “possível” discurso que deve ter feito o poeta no mesmo evento – para o bibliófilo,
ótima oportunidade de pesquisar e resgatar o original desse “possível” discurso em
alguma revista ou jornal, se ainda for possível encontrar algo “vivo”.
Feliz ou infelizmente, o trecho aqui conseguido está divulgado em notícia de
novembro de 1914, justamente a notícia de falecimento do poeta publicada pela revista
Fon-Fon. Comunicando da “inesperada, rude e entristecedora” notícia de falecimento de
Augusto, o texto afirma que era o poeta, no “nosso meio de poetas” – então, quem
escreveu a nota, era também poeta (?) –, “uma individualidade destacada, pessoal e

329 Jornal do Comércio: edição da tarde, n. 865, 05 ago. 1912, p. 1.


156

inconfundível”; e que seu livro de versos era prova concreta disso, pois era assim que
Augusto dos Anjos “sentia” a arte e a “executava”. E completa:
– Nasce-se poeta, lírico, parnasiano, simbolista, humorista e não se muda
mais e assim se passa a vida inteira. Eu nasci com este meu feitio de poeta; sou
assim, hei de ser sempre assim, não posso mudar mais mesmo que queira.330

Nasce-se poeta, seja de qual “espécie” for, e assim se passa a vida, inteira.
Essas foram as palavras de Augusto pronunciadas em momento oportuno, ao
responder às críticas que estava recebendo dos “intelectuais da República”, logo após o
lançamento do Eu. Ou, como informa a nota da Fon-Fon, que o poeta assim se referia “às
críticas ao seu livro onde se dizia que ele devia mudar o rumo de seu verso”.
Como sabemos da participação de Augusto na sessão realizada no salão
nobre do Jornal do Comércio, sessão que fazia parte das comemorações do dia “5 de
agosto”, referentes à fundação da Paraíba do Norte e à padroeira da então capital, Nossa
Senhora das Neves, não seria desinformação, agora, já afirmar, e reafirmar, que as
palavras reproduzidas pela Fon-Fon foram justamente as pronunciadas por Augusto dos
Anjos nesse evento cívico. Inda mais sabendo que as comemorações paraibanas
aconteceram (e acontecem) no mês de agosto, dois meses após a estreia oficial do poeta.
E a ideia de pesquisa e resgate desse discurso, em sua integralidade, é mais
que certa, é mais que viável. Claro, em momento oportuno.
Agora, sigamos com as notícias literárias alusivas ao Eu. E, também, com uma
e outra divulgação, em jornais, de poemas augustos.

Assim como fizera em julho, O Norte paraibano publicaria em agosto mais


um soneto de Augusto. No dia 10, estamparia, em coluna central de primeira página e
destinada à divulgação de poemas, o Idealismo331, aquele do “Falas de amor, e eu ouço
tudo e calo”332. Contudo, todavia, há um equívoco: a redação intitulou o poema como
“Ecce Homo”, ou seja, desatenção total. Pelo menos do poeta “lembraram” novamente.
Outro jornal lembraria de Augusto dos Anjos. Desta vez, a Gazeta de
Notícias, do Rio de Janeiro, com uma nota publicada a 7 de agosto, na qual noticiava o
aparecimento do Eu333. A nota é assinada por um coestaduano de Augusto, o poeta,

330 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 46, 15 nov. 1914, p. 46.
331 ANJOS, 1994, p. 229 (Eu); originalmente n’O Comércio da Paraíba em 20-09-1906.
332 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.211, 10 ago. 1912, p. 1.
333 Gazeta de Notícias, n. 220, 07 ago. 1912, p. 3.
157

jornalista e advogado (Antônio Joaquim) Pereira da Silva. Bem verdade que o original do
texto está quase apagado, mas nada que tire a atenção da leitura.
Pereira da Silva, príncipe dos poetas paraibanos segundo a ilustrada revista
Era Nova334, começa agradecendo “a gentileza” de Augusto por este ter lembrado de seu
“humilde nome” ao lhe enviar um exemplar do Eu. Em seguida, já dizia que não faria um
estudo crítico, mas, sim, exprimiria “impressões pessoais ou subjetivas” (de leitura).
O jornalista destacaria a poesia de Augusto dos Anjos como “pessoal”,
“esquisita”, “extravagante”, “esdrúxula”. No entanto, justamente nessas características,
que todos viam como “defeitos”, residia, na sua opinião, a “profunda sinceridade do
poeta complexo”. Complexo porque é impossível acompanhá-lo nas “cogitações”, nas
“dúvidas”, em “todo o desespero”. Complexo porque esse desespero é “antes de filósofo
que de poeta”. Complexo porque há, nesse poeta, “intensa angústia inédita e incontida”.
Segundo o também poeta paraibano, a ligação “poesia-filosofia” é que dava a
originalidade da poesia de Augusto.
Eis uma nota interessantíssima que Pereira da Silva revela, e é interessante
porque esse “fato” foi e é, recorrentemente, informado por aqueles que conviveram com
Augusto: “Dir-se-ia que sua poesia se faz por um estranho precipitado da imaginação e
do raciocínio, que criam, assim, uma entidade emocional nova, quase “sui generis”” –
agora fica mais claro entender quando Pereira diz da ligação “poesia-filosofia”.
Depois dessas preambulações, o crítico relacionaria, pontualmente, Augusto
dos Anjos com o poeta português Antero de Quental. Porém, enquanto este era “um
místico”, que tinha o raciocínio de “um cético”, Augusto era um poeta de “viva
imaginação, corroído, infelizmente, por uma impenitente filosofia naturalística”. Mesmo
assim, para ambos, a concepção da “filosofia” era a base para um “espírito livre”.
“O sr. Augusto dos Anjos, se não fosse fundamentalmente poeta, não teria
conseguido com sua técnica científica os efeitos emocionais que dão a seu livro uma
originalidade extravagante, mas incontestavelmente estética”.
Pereira da Silva afirma ser a poesia de seu conterrâneo “efetiva” e “real”.
Poesia efetiva e real na República das letras.

334Era Nova: revista quinzenal ilustrada, ano 2, n. 33, 01 set. 1922, n. p. O autor assina um texto na
revista de João Pessoa, e assim vem a chamada: “De Pereira da Silva, príncipe dos poetas paraibanos”.
158

A 20 de agosto, Augusto dos Anjos enviava uma correspondência à Dona


Córdula. Dela, duas notas a pontuar.
A primeira é que o poeta comunicava sua mãe que estava lhe enviando aquele
texto do Pereira da Silva, o “número da Gazeta de Notícias que traz [a] crítica a respeito
do meu livro de versos”335; também comunicava que sairiam outras apreciações e que
brevemente as enviaria.
A segunda, alude ao momento político-social da então capital da República.
Informando D. Córdula do tempo que nunca “para” no Rio de Janeiro, da vida urbana que
“progride desassombradamente”, Augusto atualiza-a: “O Hermes da Fonseca, espécie de
mamulengo canonizado, vai caindo cada vez mais no desamor acérrimo da população”.
Marechalício. Mamulengo canonizado. Embora não haja “tempo e espaço”
para caminhos desviantes, guardemos, em segredo, o carinho do poeta para com o
presidente. Guardemos, também, sua verve de cronista “atual”, ao dizer, em carta de 9 de
setembro, enviada à sua mãe, que a capital da República “continua a funcionar, com os
seus órgãos heterogêneos, produzindo regularmente os mesmos contrastes diários”336.
Ainda há outra carta de setembro, do dia 30, e é importante sua menção,
mesmo sendo curtíssima. Augusto comunicava sua mãe do envio de “um número do O
Brasil Moderno que traz uma apreciação crítica sobre o meu livro de versos”337.
Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 273) informa que o tal número da
revista mencionada por Augusto dos Anjos, alusivo ao Eu, não existe/existia nos acervos
da “Biblioteca Nacional”, que o tal número se refere/referia a um texto escrito pelo
professor, escritor e jornalista Fábio Luz, e que o professor, escritor e jornalista possuía
na mencionada revista a seção “A jovem literatura brasileira”. De fato, nesse número em
específico, há a seção referida pelo biógrafo, mas há também outra assinada pelo
professor: “Registro”. A confusão pode ter acontecido porque o nome de Fábio Luz vem
assinado, nesta segunda seção, somente com as iniciais “F. L.”.
Lendo o “Registro” de Fábio Luz, sabemos que o texto fora escrito ainda em
julho de 1912 – um mês após o lançamento do Eu –, e só publicado em setembro na
Brasil Moderno338. O texto noticia “Rimas, de Aníbal Teófilo, Eu, de Augusto dos Anjos,
Noite de insônia, de Marcelo Gama, Myriam, de Adelmar Tavares, Versos de um diletantti,

335 ANJOS, 1994, p. 741.


336 Ibid., p. 742.
337 Ibid., p. 743.
338 Brasil Moderno: revista de ciências, artes e letras, n. 7, set. 1912, p. 12-15.
159

de Aderbal de Carvalho e Breviário, de Raimundo Reis”. Em relação a Augusto, a nota é


pequena, contendo, muito mais, transcrições de poemas.
Fábio Luz, o inspetor escolar que fora presidente daquele projeto que não
deu certo, a Enciclopédia Nacional do Ensino, começa “teorizando” sobre a percepção do
universo por parte dos poetas, sobre a percepção que eles têm das coisas “invisíveis”
como dom quase profético. Em seguida, fala de Augusto dos Anjos, do poeta que
“escolheu perfeitamente o título do seu primeiro livro”, um título “inconfundivelmente
pessoal, rubro e falando de si, de seus sentimentos, da sua cultura, de sua perfeita arte
de fazer o verso sonoro, certo, reboante, clangoroso”; do poeta que
[...] tem a figura de Hamleto perscrutando nas cavidades vazias dos crâneos os
segredos da natureza, auscultando na podridão da carne o ressurgimento da
vida transformada e eterna, e pelas vagas percepções adivinhando o mundo, o
infinito, o todo, girando perenemente dentro do aforismo de Lavoisier nada se
cria e nada se perde, que Gustavo Le Bon com a sua teoria da dissociação da
matéria, querendo destruir, apenas conseguiu confirmar, dando ao problema
solução equivalente [...].339

Augusto perscruta os segredos da natureza, ausculta o ressurgimento de


outra vida, adivinha o mundo. Fábio Luz alerta os leitores para que não “estranhem” esse
registro literário que trata de “coisas de ciências”, pois é isso que autoriza a leitura do
livro de versos do paraibano. E é justamente nesse ponto, segundo o autor da notícia,
onde está o “único defeito” do poeta, ou seja, seu “abuso da técnica científica”.
Fábio Luz também não acredita que possa haver harmonia entre a “arte” e os
“esterquilínios”/“podridão”, típicos da poesia de Augusto, típicos do poeta que “abusa
dessa coisa repulsiva”, que “revolve os monturos”, que “remexe nas sepulturas”, que
“examina a sânie”. Paradoxalmente, é dessa coisa repulsiva, segundo Fábio, que Augusto
“tira versos perfeitos, altissonantes”, de “cadência vigorosa, bem medida, sem
descaídas”, mostrando seu “poder d[e] talento”.
Reproduzindo estrofes dos poemas do Eu, o professor afirma que há nessa
poesia “sinais manifestos de histeria”, verificada na preferência, dada por Augusto, à cor
vermelha, “ao rubro, ao encarnado”, desde o título de seu livro (em letras garrafais
rubramente vermelhas)340, a poemas como As cismas do destino (“É bem possível que eu
um dia cegue / No ardor desta letal tórrida zona, / A cor do sangue é a cor que me
impressiona / E a que mais neste mundo me persegue”; “Essa obsessão cromática me

Ibid., p. 14.
339
340Consultar a versão on-line do “original”, da primeira edição do Eu publicada em 1912: ANJOS, A. dos.
EU. (edição princeps). Rio de Janeiro: [s.n.], 1912. Disponível na Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin
(BBM), Universidade de São Paulo: <https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4608>.
160

abate / Não sei porque me vêm sempre à lembrança / O estômago esfaqueado de uma
criança / E um pedaço de víscera escarlate”; “Na sangueira concreta dos massacres”; “Os
sanguinolentíssimos chicotes / Da hemorragia; as nódoas mais espessas”; “Ia engolindo,
aos poucos, a hemoptises”)341.
Para Fábio Luz, se Augusto tivesse outra “intuição de Arte”, daria outra
“extraordinária obra”, justamente pelo seu talento de versejar, pelo seu vocabulário,
pelo seu poder de emoção e de sonoridade tirado das “coisas pouco estéticas”.
Não querendo desviar, já desviando, no ensaio “Sinais do vulcão extinto”, o
professor e historiador Francisco Foot Hardman (2002, p. 140) informa que Fábio Luz –
um dos escritores filiados “à corrente libertária da literatura no Brasil”, um dos
escritores cujo trabalho se destacou, principalmente, pelas conferências pronunciadas
nos meios “anarcossindicalistas”, debatendo a relação “literatura e meio” –,
pronunciaria, em novembro de 1913, na sede do Centro Cosmopolita (do Rio de Janeiro),
“sindicato dos empregados em hotéis e restaurantes”, a palestra “Primeira lição do
Curso Elementar de Literatura, iniciado no Centro Cosmopolita, em 14 de novembro de
1913”. O que Hardman destaca e reproduz, da fala do professor Fábio Luz, é de grande
utilidade para estas notas:
No início dessa palestra, Fábio Luz expõe sua concepção das funções do
estudo da literatura. Compara-o ao estudo da história geral. Esse discurso é
dirigido claramente a um auditório composto de operários militantes. Aí se
justifica a ida da literatura aos cimos do espírito, enquanto a história ainda
precisa relatar as vilanias, as baixezas, as guerras; uma história marcada pela
miséria e sangue da humanidade no solo da Terra. A literatura, pelo
contrário, deveria dar conta de uma utopia libertária que se localiza além
desse tempo e desse espaço, num quadro de pura beleza e perfeição.
Pensada assim, “a literatura não é um passatempo inútil, mas representa a
melhor base para o estudo real das civilizações e dos progressos, retrocessos,
quedas e voos do espírito humano”, colocando-nos “em consoladora
comunicação com os grandes pensadores e com os reais progressos do espírito
na evolução contínua...”. Nesse sentido, a literatura recuperaria o outro lado da
história, a “desses espíritos que honram o gênero humano e gênio das raças,
para nosso eterno gáudio e para nossa glória, quase todos revoltados e
revolucionários” [...]342.

Ainda que essa fala de Fábio Luz nos forneça outras leituras e investigações,
centremo-nos, exclusivamente, no que ele define como verdadeira “função da literatura”:
“dar conta de uma utopia libertária que se localiza além desse tempo e desse espaço,

341 ANJOS, 1994, passim.


342 HARDMAN, F. F. Sinais do vulcão extinto. In: _____. Nem pátria, nem patrão!: memória operária, cultura
e literatura no Brasil. 3. ed. revista e ampliada. São Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2002, p. 141 (grifos
meus).
161

num quadro de pura beleza e perfeição” – já havia grifado e, mesmo assim, reproduzi
novamente; quanta loucura...
O oposto dessa beleza e perfeição, ou seja, as guerras, as vilanias, as
“baixezas”, a miséria, o “sangue da humanidade”, deveria ficar por conta da “história”.
Agora, fica melhor de entender o porquê Fábio Luz assinalou na poesia de
Augusto dos Anjos, através de sua notícia publicada na Brasil Moderno, o “defeito” que
o poeta trazia da “ciência”. Isto é, mesmo que o paraibano “perscrute os segredos da
natureza”, “ausculte o ressurgimento de outra vida”, “adivinhe e pense o mundo”,
mesmo que transforme a “matéria repulsiva” em “versos perfeitos”, sua
“intuição[/percepção] de Arte” ainda é um problema. E são problemas sua crueza da
realidade, sua percepção “histórica” do mundo, seus “abusos dessa coisa repulsiva”, seu
“revolver dos monturos”, seu “mexer das sepulturas”, seu “exame da sânie”, sua
“obsessão cromática”. Sua “realidade”. Morte da “utopia libertária”.
Augusto dos Anjos, na opinião de Fábio Luz, “atira apodos aos poetas”,
principalmente nestes versos:
Poeta, feto malsão, criado com os sucos
De um leite mau, carnívoro asqueroso,
Gerado no atavismo monstruoso
Das almas desordenadas dos malucos;

Última das criaturas inferiores


Governada por átomos mesquinhos,
Teu pé mata a uberdade dos caminhos
E esteriliza os ventres geradores!

O áspero mal que a tudo, em torno, trazes


Análogo é ao que, negro e a seu turno,
Traz o ávido filóstomo noturno
Ao sangue dos mamíferos vorazes!343

Esses são versos de As cismas do destino.


Segundo o professor, Augusto é um triste, e sua tristeza vem da “ciência” que
tolhe, que limita, que corta a fantasia, os devaneios, o sobrenatural; sua tristeza vem da
infinita “dúvida”; sua tristeza vem de seu acorrentamento eterno à “terra”, à “realidade”.
Nós, aqui, nós, prefiramos uma leitura diferente proporcionada pelo Eu, por
Augusto dos Anjos: uma leitura da “natureza exausta”, uma leitura dos “vencidos”, uma
leitura das “coletividades sofredoras”, uma leitura da “romaria eterna dos aflitos”.

343 ANJOS, 1994, p. 221. As estrofes, transcritas por Fábio Luz, foram atualizadas por esta edição do Eu.
162

Fábio Luz termina sua notícia literária afirmando ter sido “estrondosa” a
estreia de Augusto dos Anjos. No final, reproduz versos de Monólogo de uma sombra e
Psicologia de um vencido.
Estrondo na República das letras.

Outubro.
O professor, filólogo, poeta e anarquista mineiro José Oiticica, um dos
membros do projeto Enciclopédia Nacional do Ensino, a 6 de outubro preenchia quase
três colunas do jornal A Época com sua notícia literária sobre o livro de versos de
Augusto dos Anjos. Intitulada “A poesia dos novos”, a nota de Oiticica caracterizava
Augusto como “decisivo pesquisador de novos moldes na interpretação do mundo”,
possuidor dum “poder significativo de expressão” e duma “sensibilidade notável”.
Talentoso, segundo Oiticica, Augusto ainda não tinha alcançado a “nitidez de
forma de um Hermes Fontes”, menos ainda sua “maravilhosa variedade”. Mesmo assim,
ele, Augusto, assim como Hermes Fontes e Heitor Lima, fazia parte do que Oiticica,
reiteradamente, chamava de “novos”, da geração de poetas que caminhava pela “arte
universal”, que caminhava pelas “sínteses vastas dos fenômenos naturais”, afastada do
“racionalismo de fancaria” e do “individualismo tacanho” (de Gonçalves Dias):
Com esses novos a poesia brasileira nada tem a invejar, em poucos anos, à
poesia de qualquer país. E isso, porque eles realizam o que ainda não realizou
nenhum poeta moderno que eu saiba: a integralização do homem no universo.344

Se, na antiguidade e na idade média, era o homem o “centro do universo”, a


partir do e graças ao “renascimento”, o homem passaria a ser visto como um dos
“inumeráveis fenômenos” do universo. Atacando o “decantado Gonçalves Dias”, afirmava
Oiticica que a “nova poesia” não se interessaria por assuntos únicos/dominantes, como o
“amor”, por exemplo. A “nova poesia” incluiria todos os assuntos, falaria de “tudo”.
Nisto, complementa o professor, é que se destaca a poesia do também novo
Augusto dos Anjos, do autor “de larga envergadura, talhado a honrar as nossas letras
como os que mais a têm honrado”. A partir dessa explanação, Oiticica pontua as
qualidades e os defeitos do poeta de Pau d’Arco, subsidiando suas análises “a partir de”
extensas transcrições dos poemas do Eu.
Qualidades. Após aludir a Alucinação à beira mar e Insônia e reproduzir quase
quatro estrofes de Monólogo de uma sombra, uma estrofe de Psicologia de um vencido,

344 A Época, n. 68, 06 out. 1912, p. 7.


163

três estrofes de Gemidos de arte, duas estrofes de Uma noite no Cairo e, por completo,
Mater originalis, Oiticica afirma serem esses versos “de uma profundeza muito acima
dos nossos críticos de arte”, versos que revelam impressionante “vigor das sensações”.
Novamente atacando Gonçalves Dias, o anarquista “se pergunta” como é que numa terra
onde se endeusa o “cacetíssimo Y Juca-Pirama” poderiam existir “verdadeiros críticos”
dum poeta que “condensa emotivamente toda a evolução morfológica dos seres”. Para
Oiticica, no Eu diluem-se a “síntese evolucionista”, pois o espírito de Augusto dos Anjos é
“universal, abrange tudo, escava todos os compartimentos da filosofia, apanha as
fórmulas e os fenômenos fazendo ressaltar deles o brilho estético e emotivo”.
Defeitos. “Filosofia ultra pessimista”, “preocupações de técnica”, falta de
disciplina “de forma, de ideias, de estética”. Segundo o crítico, o pessimismo da poesia de
Augusto não é sincero, fica no mesmo “tom”. Segundo o crítico, o mesmo acontece em
relação à escolha (única) do “decassílabo”. Segundo o crítico, o poeta é deficiente quanto
à “disciplina de forma”, ora escrevendo “versos duríssimos”, ora escrevendo “versos
frouxos”. Segundo o crítico, há muitos erros, ou gramaticais (“as goteiras caíram por
sobre o coração”), ou de rima (aríete-acomete). Segundo o crítico, há abuso do
vocabulário técnico (microzima).
Leiamos esta crítica do professor, bem mais interessante porque mostra os
incômodos recorrentes por parte dos “leitores críticos” de Augusto dos Anjos:
Será possível que o poeta não veja no mundo senão a dor, a podridão, os
intestinos e os vermes? Não terá na sua estesia outras suge[s]tões menos
malignas, menos malsãs, menos mal odorantes?345

Dor, podridão, sugestões malignas e malsãs. Tentadoras.


Contudo, prefiramos as qualidades que o professor destaca da poesia de
Augusto dos Anjos: “profunda” e “emotiva”.
“Aconselhando” o poeta de Pau d’Arco a evitar aqueles e outros defeitos e a
entrar na “larga via reformadora”, José Oiticica mostra-se confiante: “o Brasil se gloriará
de mais um poeta de talento, superior ao seu meio social e digno da sua formidável
Natureza”: Augusto dos Anjos.
Poesia profunda e emotiva, e superior, na República das letras.

Voltemos às cartas. De Augusto para Dona Córdula.

345 Ibid., p. 7.
164

Das três correspondências registradas do mês de outubro, endereçadas à


Paraíba, destaquemos a do dia 12. Nela, três notas interessantes fornecidas por Augusto.
A primeira é sobre a participação de seus irmãos, Alexandre e Artur dos
Anjos, em um banquete oferecido – não encontrei por quem –, ao escritor francês Paul
Adam, que estava no Rio de Janeiro durante viagem ao Brasil346. O poeta só teve
conhecimento da participação dos irmãos, na “solenidade”, porque leu “nos jornais
daqui” – lembremos: Augusto foi o único que não conseguiu “sucesso” na vida...
A segunda é sobre notas literárias referentes ao seu livro, notas da “Gazeta de
Notícias com uma crítica de Pereira da Silva, e a revista Brasil Moderno com um artigo de
Fábio Luz”347 – as duas notícias já foram, páginas antes, “analisadas”. Augusto enviava os
recortes dos jornais/revistas, com as notas, à sua mãe.
A terceira merece ser reproduzida:
Os últimos acontecimentos ocorridos nesta cidade são apagadíssimos.
Apenas um se impõe forçosamente ao comentário: o eclipse do dia 10 de
outubro que decepcionou uma legião inteira de sábios, vindos de longes terras
com propósito científico de observar o fenômeno prodigioso, na diafaneidade
dos nossos céus.
Choveu, porém, copiosamente, sendo assim mais uma vez frustrados os
desígnios da Ciência.
O Hermes da Fonseca, indignado com o fracasso, perguntou aos astrônomos
se não seria melhor adiar o eclipse para outra ocasião menos chuvosa e mais
favorável aos altos interesses da cosmografia mundial...348

Por si sós, os fragmentos são claros. Não necessitam de explicações


aprofundadas – se bem que, uma “olhada” em alguns números de periódicos a respeito
do acontecimento, principalmente naqueles humorísticos, não seria má ideia... Por
enquanto, aproveitemos essa missiva como “crônica” dos fatos marcantes da República.
Marechalício. Mamulengo canonizado. Vamos adiar o eclipse.

Já que não há registro de notícias literárias deste final de ano, alusivas ao Eu,
continuemos destacando alguns informes das cartas que Augusto enviava à D. Córdula.
Em carta de 14 de novembro, informava seu novo endereço, à rua Haddock
Lobo, número 99, Pensão Rio de Janeiro. Em carta de 6 de dezembro, informava que sua
companheira, Ester Fialho, e sua filha, Glória, iriam a passeio à casa de Dona Córdula, na

346 Não tenho informações a respeito do escritor, por enquanto; muito menos tenho conhecimento de sua
“estadia” no Brasil. Era filiado, politicamente? Não sei. A única coisa que observei está nas páginas do
semanal literário, político, ilustrado e humorístico O Pirralho, de São Paulo, que amplamente informava,
em suas páginas satíricas, da “passagem” do escritor pela capital da República.
347 ANJOS, 1994, p. 744.
348 Ibid., p. 744.
165

Paraíba (do Norte) – ele, no entanto, não conseguiria voltar à terra natal, nem mesmo a
passeio. Augusto, nessas cartas, sempre se queixava das ocupações “mal remuneradas”
como professor, única função que exercia na capital da República.
Augusto lecionava oficialmente (e temporariamente) como professor interino
de geografia na Escola Normal, desde maio de 1912. E, até novembro do mesmo ano,
lecionava particularmente no prédio da Escola Remington, escola de datilografia.
Em relação a esta “oportunidade”, a certeza que se tem é por conta daquele
anúncio publicado n’O Paiz, de que o professor Augusto dos Anjos prepara “alunos para
o exame de admissão aos cursos superiores, e ensina diversas matérias do curso de
direito, podendo ser procurado das 2 às 5 horas da tarde, à Avenida Central, n. 129,
Escola Remington”349, já que assim circulou somente até o mês de novembro.
Por isso, até aqui, sabemos que ele dava aulas em duas ocasiões diferentes:
na Escola Normal, como interino, e na escola de datilografia, com aulas particulares.
Ainda de dezembro, outra missiva a ser destacada, assinada da noite de natal
e, desta vez, enviada à sua esposa, Ester Fialho, que estava a passeio na Paraíba (do
Norte)350. Nela, informa Augusto, entre outros assuntos, de mais “oportunidades
temporárias” que lhe surgiam. Pela carta, não há certeza se ele iria lecionar ou se já
havia lecionado à sobrinha de “D. Aninha Caldas”, uma conhecida da família; dizia ele
que eram aulas “para o exame de admissão na Escola Naval”.
Pela mesma carta, porém, há “quase” certeza desta oportunidade: “Arranjei
numa dessas muitas academias que aqui surgem, como verdadeiros casos de geração
espontânea, duas cadeiras em que, segundo me disse o diretor, hei de funcionar, de
fevereiro em diante”351. As cadeiras, informa Augusto, eram relativas às disciplinas de
português (“do curso de admissão”) e direito (“do Departamento Internacional Público e
Privado”).
Até aqui, “quase” quatro oportunidades de emprego. Quase.

1913
Janeiro.

349 Cf. nota 288 deste trabalho.


350 Essa carta foi primeiramente divulgada por Humberto Nóbrega (1962, p. 242-243). Diz o biógrafo que
foi a “Cópia fornecida por Guilherme dos Anjos”, filho de Augusto e Ester.
351 ANJOS, 1994, p. 788.
166

A primeira carta do ano data justamente do primeiro dia do primeiro mês do


ano. Ester Fialho e Glória, esposa e filha, ainda estavam na capital da Paraíba (do Norte),
em casa da mãe de Augusto. Do Rio de Janeiro, o poeta desejava, a toda família, um “Ano
Bom”. E é muito marcante esta correspondência: lembrando das épocas de engenho Pau
d’Arco, de quando todos viviam, durante o período das festas de fim de ano e de “ano
bom”, numa “profunda solidariedade familial”, o poeta dilacera-se em saudades:
E o que eu encontro agora dentro de mim, é uma coisa sem fundo, uma
espécie aberratória de buraco na alma, e uma noite muito grande e muito
horrível em que ando, a todo o instante, a topar comigo mesmo, espantado dos
ângulos de meu corpo e da pertinácia perseguidora de minha sombra.352

Noite grande e horrível, e por que não dos espectros?!


Augusto dizia que essas palavras e pensamentos não deveriam mais
“enegrecer esta carta de felicitações”. Então, falava e perguntava, à sua querida mãe, de
outros assuntos familiares.
E a velha capital da República, o Rio de Janeiro, continuava vivendo seus
“incidentes cinematográficos da politicagem ignóbil”353.

Fevereiro e março.
Aulas de geografia, até pouco tempo, na Escola Normal.
Em carta do dia 21 (de fevereiro), enviada à Dona Córdula, Augusto dos Anjos
comunicava a chegada de sua esposa, Ester Fialho, à capital da República, juntamente
com a pequena filha Glória e alguns familiares de Ester. Não há, nesta correspondência,
quaisquer informações alusivas a qualquer nova oportunidade de emprego conseguida
pelo poeta. No entanto, há uma notícia publicada no jornal A Época, datada de uma
semana antes desta carta:
Pelo ministro da Agricultura foram nomeados os srs.: Francisco José da
Rocha Pombo, Cândido Jucá, Alexandre Max Kitzinger, Augusto dos Anjos, e
Pedro Barreto Galvão, para constituírem a mesa examinadora dos candidatos à
matrícula na Escola de Agricultura anexa ao Posto Zootécnico Federal de
Pinheiros.
Os exames deverão ter início no dia 1° de março, no Liceu de Artes e
Ofícios.354

A oportunidade é aquela mesma conseguida junto ao Ministério da


Agricultura, em 1912. Augusto dos Anjos e nomes ilustres (Rocha Pombo) faziam parte

352 Ibid., p. 748.


353 Ibid., p. 750. Carta de Augusto dos Anjos enviada à D. Córdula e assinada de “Rio, 15-1-1913”.
354 A Época, n. 198, 13 fev. 1913, p. 1 (grifos meus).
167

da comissão avaliadora dos exames para admissão de estudantes na Escola de


Agricultura, do Rio de Janeiro. No primeiro ano como avaliador, em 1912, Augusto fora
responsável pela disciplina de História do Brasil.
Aqueles mesmos anúncios das aulas particulares dadas por Augusto,
divulgados desde 1911, continuavam aparecendo n’O Paiz. Porém, a partir do mês de
março, de 1913 – infelizmente os números de janeiro e fevereiro estão comprometidos,
apenas informando que o poeta poderia ser encontrado “à avenida” –, o endereço dessas
aulas mudaria, mais uma vez. Não seria mais no prédio da Escola Remington:
O professor Augusto dos Anjos prepara alunos para o exame de admissão
aos cursos superiores, e ensina diversas matérias do curso de direito, podendo
ser procurado das 2 às 5 horas da tarde, à Avenida Rio Branco.355

Comissão avaliadora de exames nomeada pelo Ministério da Agricultura, em


fevereiro de 1913. Aulas particulares, com “novo anúncio” e endereço, a partir de março
de 1913. Esses eram os meios de “sustento” de Augusto dos Anjos, até o momento.
Até dezembro do ano anterior, na função de professor, lecionava geografia na
Escola Normal, como podemos verificar na carta de 24 desse mês e enviada à Ester – que
estava na Paraíba, em casa de D. Córdula: “Hoje se realizam na Escola Normal as provas
escritas de Geografia. Eu tenho sido atormentado por um cem número de pedidos”356.
E em relação àquelas duas cadeiras/disciplinas mencionadas pelo poeta na
mesma carta, uma do “curso de admissão” (português) e outra do “Departamento
Internacional Público e Privado” (direito), cadeiras/disciplinas que, possivelmente,
assumiria em fevereiro, nada mais é encontrado, nem através de suas correspondências,
nem através dos impressos do Rio de Janeiro.
Então, de certeza, apenas suas aulas particulares.

O nome do poeta voltaria a aparecer nos periódicos da capital da República,


mas, em situações diferentes. Mesmo sendo um “bacharel depenado” e sem recurso
financeiro algum, era Augusto dos Anjos “poeta”, literato, jornalista.
Se entre junho-agosto de 1911 seu nome estava incluído na “lista dos
intelectuais” que votariam/votaram para escolher os “Dez Acadêmicos” da “Academia
d’“A Imprensa” – embora não saibamos em quem Augusto votou, e se realmente votou –
, entre março-abril de 1913, estaria na lista dos “homens de letras” que escolheriam o

355 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.372, 01 mar. 1913, p. 13.
356 ANJOS, 1994, p. 788.
168

“Príncipe dos Poetas Brasileiros”, concurso organizado pela semanal ilustrada, política, e
crítica revista Fon-Fon357.
Dizia a redação da revista que os votos seriam pedidos aos “homens de
letras” residentes no Rio de Janeiro, o “centro superior da intelectualidade brasileira”. O
nome de Augusto dos Anjos estava desde a primeira lista. O nome de Augusto dos Anjos
estava desde a primeira “relação completa dos eleitores”, na relação dos “poetas”:
Poetas – 1 Emílio de Meneses, 2 Alberto de Oliveira, 3 Augusto de Lima, 4
Marcelo Gama, 5 Mário de Alencar, 6 Hermes Fontes, 7 Thomé Reis, 8 Agripino
Grieco, 9 Homero Prates, 10 Bueno Monteiro, 11 Lucídio de Freitas, 12 Mário
Pederneiras, 13 Aníbal Teófilo, 14 Goulart de Andrade, 15 Múcio Teixeira, 16
José de Oiticica, 17 Melo Barreto Filho, 18 Faria Neves Sobrinho, 19 Félix
Pacheco, 20 Filinto de Almeida, 21 Carlos Maúl, 22 Carlindo Lelis, 23 J. Brito, 24
Luiz Edmundo, 25 Isaías de Oliveira, 26 Da Costa e Silva, 27 Olegário Mariano,
28 Eduardo Guimarães, 29 Carlos de Magalhães, 30 Paranapiacaba, 31 Augusto
dos Anjos, 32 Luiz Murat, 33 Bastos Tigre, 34 Tapajós Gomes, 35 Jayme
Guimarães, 36 Gustavo Santiago, 37 Gérard de Sinval, 38 Leôncio Correa, 39
Reis Carvalho, 40 Eurícles de Matos, 41 Leal de Souza, 42 Afonso Lopes de
Almeida, 43 Félix Bocaiuva, 44 Pereira da Silva, 45 Gastão Bousquet, 46 Rodolfo
Machado, 47 Daltro dos Santos, 48 Aníbal de Matos, 49 Jonatas Serrano, 50 José
Ricardo de Albuquerque, 51 B. Lopes.358

Se o concurso tinha “relevância” no meio das letras nacionais, principalmente


porque era realizado no “centro” e porque contava com a “nata” das letras e artes e
imprensa, Augusto dos Anjos não se mostrou nem um pouco “convencido”. O biógrafo
Magalhães Júnior (1977, p. 277) desconfia de que ele não tenha se dado conta do
concurso e, “se tomou [conhecimento], não [o] levou a sério”.
Mas, e se, talvez, houve algum extravio das correspondências suas enviadas à
família na Paraíba, justamente das que ele (talvez) pudesse ter comunicado do tal
concurso, assim como da inclusão de seu nome no rol dos “homens de letras” residentes
na capital da República?! Impossível saber.
Numa carta datada de 3 de abril, por exemplo, enviada à sua irmã Francisca,
Augusto apenas comunicava: “continuo a lutar com muito esforço, mas também com
confiança no êxito de minha missão”359. Então, seria mesmo possível de o poeta não ter
se dado conta do concurso? Logo Augusto dos Anjos? E a organização não enviou para o
endereço de cada votante uma cédula/formulário de votação?
Enfim, sigamos.

357 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 9, 01 mar. 1913, p. 49-50.
358 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 11, 15 mar. 1913, p. 24 (negritos meus).
359 ANJOS, 1994, p. 779.
169

A 12 de abril, a Fon-Fon divulgava uma parcial do resultado. Nesta primeira


apuração, apareciam Olavo Bilac (35 votos), Alberto de Oliveira (30 votos), Mário
Pederneiras (10 votos), Emílio de Meneses (5 votos), Vicente de Carvalho (3 votos),
Hermes Fontes (2) e, com um voto cada, “João Ribeiro, Carlos D. Fernandes, Alberto
Ramos, Augusto dos Anjos, Alfonsus de Guimarães, Agripino Grieco, Luís Murat e Carlos
Maúl”360.
Uma semana depois, a revista divulgaria o resultado final da escolha do
“Príncipe dos Poetas Brasileiros”, havendo sido praticamente o mesmo resultado dessa
primeira parcial, consagrando-se Olavo Bilac como príncipe.
Não menos importante é saber que o “jovem depenado”, o bacharel
“provinciano” vindo do Norte do país, autor dum livro de versos que causou ruídos,
barulhos, rebuliços, escândalos nas letras da República das letras, ganhou um voto. E
que esse voto foi na mesma proporção de “ilustres” como Vicente de Carvalho, Hermes
Fontes, João Ribeiro e Alfonsus de Guimarães.
O voto que teve Augusto veio do escritor e médico gaúcho [João] César de
Castro. As edições da Fon-Fon não apenas divulgavam os nomes dos eleitos, dos que
ganharam voto e dos que votaram, mas traziam, também, anexados, alguns
“textos/depoimentos”, ou dos que votaram, explicando sua escolha, ou dos que não
votaram, explicando sua ausência. César de Castro assim explica seu voto no paraibano:
Na opinião da minha humildade, o príncipe dos poetas brasileiros, que ainda
há de ser Imperador, quando menos jovem e mais expungido de demasias[,]
tem o nome soleníssimo de Augusto dos Anjos, mais um augusto na linhagem
dos anjos-maus, a que se prendem um tal de Baudelaire e um tal de Dante
Gabriel Rossetti.361

Imperador Augusto dos Anjos, na opinião de César de Castro.


Na definição que dava de si, ou melhor, que dava de sua própria vida, Augusto
dos Anjos dizia continuar na “luta de Ahasverus do magistério obscuro”, na “vida áspera
rasgando dificuldades”, na “caçada áspera de todos os dias”; um “judas errante” que inda
cria num “dia de reivindicações e desforras”362; um judas errante que tinha a “certeza de
que uma compensadora solução coroará finalmente todos” os esforços363; um judas

360 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 15, 12 abr. 1913, p. 35.
361 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 16, 19 abr. 1913, p. 22.
362 ANJOS, 1994, p. 751. Carta enviada à Dona Córdula, datada de “24-4-1913”.
363 Ibid., p. 753. Carta enviada à Dona Córdula, datada de “8-5-1913”.
170

errante que buscava “uma colocação definitiva” que lhe proporcionasse “a anelada
fixidez, nesta capital”364. Um Judas Errante.

Ainda no mês de abril, o nome de Augusto dos Anjos estaria estampado,


novamente, nos periódicos do Rio de Janeiro.
No dia 27, Hermes Fontes, o jovem poeta e “ganhador” de dois votos de
quando concorrente a “Príncipe dos Poetas Brasileiros”, escrevia n’A Época uma notícia
literária a respeito de um livro de um paraibano. Este não era Augusto, era Santos Neto,
seu amigo e contemporâneo da época de estudos.
Intitulado “Norte e Sul”, o texto/crônica de Hermes Fontes noticia os últimos
“livrinhos” recém-lançados, autorias de Domingues de Almeida (Ânsia), de Pereira da
Silva (Vae soli) e de Santos Neto (Perfis do Norte). Este, “livrinho” de Santos Neto que
traz os perfis, os dados biográficos e as leituras de obras literárias de “Carlos D.
Fernandes, Artur Aquiles, Castro Pinto, Rodrigues de Carvalho, Eliseu Cesar e Augusto
dos Anjos”365 – ilustres paraibanos que se aventuram nas letras e nas artes, na imprensa,
na política –, é o que nos interessa.
Para ser sincero, a única nota que interessa, para o momento, está nos
comentários que Hermes Fontes faz sobre os “perfilados” do livro de Santos Neto,
especificamente sobre o poeta de Pau d’Arco:
Quanto ao Augusto dos Anjos, o último “perfilado” do livrinho, é um nome
recentemente aclimado no Rio, mas, parece, felizmente aclimado para uma
glória certa.
Em dos Anjos há, fundidos no mesmo EU, (que, por coincidência, é o nome
do seu livro) um jovem sábio, um ilustre esquisitão, e um estranho artista,
perfazendo, ao todo, uma personalidade formidável.366

Realmente, as impressões que dá o também jovem Fontes acerca do livro de


Santos Neto, como um todo, não precisam ser destacadas, por enquanto. As impressões
suas sobre Augusto dos Anjos, sim. Augusto dos Anjos, o jovem poeta que já estava
aclimado/adaptado para uma “glória certa”, o jovem poeta “ilustre”, o jovem “estranho
artista” – por quê estranho? –, o jovem poeta que muito “ruído” havia causado após o
lançamento de seu livro de versos, um ano antes.

Maio e junho e julho.

364 Ibid., p. 754. Carta enviada à Dona Córdula, datada de “21-5-1913”.


365 SANTOS NETO, [1910]. Esse é subtítulo da obra do paraibano.
366 A Época, n. 271, 27 abr. 1913, p. 1.
171

Duas informações são dignas de destaque em algumas das correspondências


de Augusto dos Anjos deste período. A primeira diz respeito ao nascimento de sua
segunda criança, Guilherme dos Anjos, o “herdeiro das glórias paternas”, nascido a 14 de
junho; o fato é registrado por Augusto em carta do mesmo dia, enviada à Dona
Córdula367. A segunda é sobre as agitações político-sociais da República.
E, desta vez, sem notas paralelas. Desta vez, vejamos, leiamos as cartas de
Augusto dos Anjos como “crônicas” que registram fatos.
Numa carta de maio, dia 30, Augusto comunicava sua mãe da “politicagem
tumultuária que pulula em torno da candidatura presidencial”368. Numa carta de junho,
dia 26, Augusto era mais descritivo quanto a esse “ambiente tumultuário”, afirmando
que estava a “cidade mais agitada, prometendo talvez sérios distúrbios ulteriores”. Dizia
que Rui Barbosa, como “candidato do povo”, recebia diárias “manifestações à sua
eminente personalidade”. O cronista Augusto termina: “Acredito, por isto, que a
convulsão nacional está próxima. A nossa raça sofre o cansaço dos organismos por
muito tempo flagelados”369 – organismos por muito tempo flagelados... Para Augusto, a
solução seria “uma reação tenaz” a fim de se restituir a integridade (da população).
Em carta do dia 17 de julho, mais “fatos” políticos da capital da República.
Augusto atualizava Dona Córdula das “diuturnas discussões” que aconteciam em torno
da disputa presidencial. E informava: “Parece estar assentada, entretanto, a do dr.
Venceslau Brás, ficando destarte o eminente sr. Rui Barbosa reduzido à categoria de
candidato teórico da desprotegida massa popular”370 – pelo que sabemos da história,
Brás ganhou as eleições de 1914; e ainda comentava, com sua mãe, da administração do
então governador da Paraíba (do Norte), o Castro Pinto, perguntando/afirmando se
realmente era verdade do precário momento financeiro do estado, que impossibilitava o
governador de praticar seu “programa político transcendental”.

Outras duas informações do mês de julho são dignas de nota. A primeira é


relativa a mais uma apreciação crítica do Eu. A segunda, à produção poética de Augusto.

367 ANJOS, 1994, p. 755.


368 Ibid., p. 755.
369 Ibid., p. 756.
370 Ibid., p. 757 (itálicos meus).
172

A 9 de julho, saía na crônica periódica “Na seara das letras”, do Estado do


Pará, jornal da capital Belém, a notícia do livro de versos de Augusto dos Anjos371.
O texto é assinado por Raimundo Nonato Batista. Bem verdade que pouca
informação sua foi conseguida. A certeza é a de que ele possuía sonetos publicados
naquele jornal de Belém e em jornais do Ceará; e que era “militar”, era “tenente” – sim,
receios como sempre, mas, se formos observar outros tantos aqui, entre biógrafos e
críticos literários e “homens das letras”, essa relação literatura/política/alto-escalão-da-
política/iniciou-seus-estudos-no-colégio-escola-militar se verifica “normalíssima”.
Raimundo Nonato inicia seu “humilde” texto afirmando que o julgamento
crítico só deveria ser feito por uma autoridade no assunto, e que esses seus “rabiscos
desconexos” nada mais eram do que um “pálido tributo de homenagem ao talento do
poeta paraibano”. Sua “opinião desvalorizada” poderia se juntar às dos jornalistas (?)
Carlos Gondim e Juvêncio Barroso – este parece que escreveu artigo/notícia literária,
acerca do Eu, no Jornal do Ceará, da capital Fortaleza; aquele, no jornal Amazonas, de
Manaus –, e, assim, juntas no mesmo propósito, poderiam formar “um triângulo de
homenagem que servirá de base aos alicerces do pedestal da glória, que espera de
braços abertos o meu excêntrico e original conterrâneo Augusto dos Anjos”.
Sem dúvidas, o “conterrâneo” é por conta de serem todos do “Norte” do país,
e pelo próprio autor da notícia ser paraibano – em determinado momento de sua notícia,
o autor diz que possuía talento raro o seu “original coestaduano” (Augusto dos Anjos).
Por esta nota, Raimundo enviava a Augusto, ao poeta que realizou “belo
trabalho intelectual”, seus “bens sinceros”.
Por esta nota, Raimundo dizia que, ao abrir o Eu, a “monumental obra de
arte”, era normal sentir uma “sensação estranha”.
Por esta nota, Raimundo dava impressões sobre alguns poemas de Augusto
dos Anjos: Monólogo de uma sombra, “poema da sentimentalidade e da dor que lhe
extravasa a alma”; As cismas do destino – deste reproduz três estrofes –, que revela “o
talento” de Augusto; Poema negro – deste reproduz um fragmento de estrofe –, em que o
poeta demonstra “arroubos de eloquência”, em que “solta as asas do gênio e adeja nas
incomensuráveis alturas do mundo da fantasia, donde volta com o espírito
revolucionado, com os olhos em lágrimas imersos”; e Idealismo – este reproduz por

371 Estado do Pará, n. 819, 09 jul. 1913, p. 1.


173

inteiro –, e Versos de amor – deste reproduz quatro estrofes –, os únicos em que Augusto
“fala do amor”, mas como “mentira”.
Em relação a estes dois últimos, o autor não partilhava da opinião do poeta, já
que ele, Raimundo, acreditava “na realidade do amor”.
Através de sua notícia, Raimundo elogia bastante o poeta paraibano. Segundo
ele, é Augusto “poeta naturalista, que canta a realidade nua das coisas com uma
facilidade extraordinária”; um “versejador moderno” que faz lembrar a escola e estilo de
Guerra Junqueiro, que busca a rima “nas mais intrincadas e difíceis palavras da língua
pátria”. É Augusto dos Anjos o “Rouxinol de Pau d’Arco”.
Ao terminar sua nota reproduzindo, por completo, Psicologia de um vencido, o
autor (da nota) glorificava Augusto: “Quem escreve versos como estes tem,
incontestavelmente, direito a um lugar de honra na Academia Brasileira de Letras”.
Segundo Raimundo Nonato, vinha Augusto dos Anjos, com o seu Eu,
“revolucionar o mundo das letras e da poesia moderna”.
Revolucionar as letras da República das letras.

A 31 de julho, o nome “Augusto dos Anjos”, novamente, apareceria em jornal.


Desta vez, do Rio de Janeiro. Pra variar, seria n’A Época372, no mesmo em que saíram
apreciações de José de Oiticica e Hermes Fontes – este, quando noticiou o livrinho de
Santos Neto. E, agora, não seria em “notas literárias”.
O jornal divulga, nesse número, o soneto A nau, soneto que Augusto dedica ao
também poeta e jornalista Heitor Lima (o mesmo poeta que José Oiticica caracterizava
como um dos pertencentes à nova geração, um dos “novos”; o mesmo poeta que,
retribuindo a Augusto, dedicar-lhe-ia, um mês depois, no mesmo diário, o soneto
Morte373). Junto a uma fotografia do próprio Augusto, assim está a sua autoria:
A NAU
A Heitor Lima

Sôfrega, alçando o hirto esporão guerreiro,


Zarpa. A íngreme cordoalha úmida fica...
Lambe-lhe a quilha a espúmea onda impudica
E ébrios tritões, babando, haurem-lhe o cheiro!

Na glauca artéria equórea ou no estaleiro


Ergue a alta mastreação, que o Éter indica,
E estende os braços da madeira rica

372 A Época, n. 366, 31 jul. 1913, p. 3.


373 A Época, n. 397, 31 ago. 1913, p. 3.
174

Para as populações do mundo inteiro!

Aguarda-a ampla reentrância de angra horrenda,


Para e, a amarra agarrada à âncora, sonha!
Mágoas, se as tem, subjugue-as ou disfarce-as...

E não haver uma alma que lhe entenda


A angústia transoceânica medonha
No rangido de todas as enxárcias!374

Em correspondência de 5 de agosto, enviada à sua mãe, Augusto comunicava


do envio desse número d’A Época. Dizia ainda: “O soneto saiu com alguns erros de
revisão, aos quais contrapus à margem a devida corrigenda”375. Embora não saibamos
quais eram esses “erros”, sua transcrição é aqui interessante porque se trata de uma
publicação original. A primeira divulgação desse poema é essa, mesmo, do jornal
carioca; e a segunda seria a da edição organizada por Orris Soares, em 1920, sem
indicação alguma de fonte. Ou seja, preservemos as fontes, sempre.
Em relação ao “significado” desse soneto, uma simples nota: “ébrios tritões
haurem-lhe o cheiro”; “aguarda-a [uma] angra horrenda”; mágoas, apenas “subjugue-as
ou disfarce-as”; não há “alma que lhe entenda / A angústia transoceânica medonha”. Ou,
dito de outra forma: criaturas mitológicas, assim podemos pensar, sentem o cheiro, o
odor dessa nau; uma angra, uma ilha, uma “masmorra” horrenda espera essa nau;
aqueles da nau (aqueles quem?), simplesmente devem disfarçar suas dores; e não há
alma que entenda toda essa angústia medonha, esses “gritos” oceano afora.
Se eu tivesse mais leituras de fontes históricas, seria muito desvio pensar no
“navio Satélite”? Aquele mesmo que navegou mar afora, levando (deportando) seus
“viajantes” (marinheiros que participaram da Revolta [da Chibata], homens e mulheres
oriundos da “Casa de Detenção”, moradores de rua, bêbados, desempregados e demais
“vencidos” da República brasileira) ao destino já conhecido, alguns despejados na região
amazônica para os trabalhos de construção da ferrovia Madeira-Mamoré, e outros
jogados ali mesmo, no mar, quando não fuzilados dentro do mesmo navio? E por que
isso agora, ou seja, quase três anos depois? Houve mais Satélites?
Tenho de ser sincero em reconhecer a insuficiência de leituras, por enquanto.
Mas há muitos ecos do navio que, a 24 de dezembro de 1910, “zarpou” do Rio de Janeiro
deportando seus expatriados, seguindo tal qual um “navio fantasma”, deixando gritos e
dor, uma “angústia transoceânica medonha”:

374 ANJOS, 1994, p. 355 (Outras poesias); originalmente n’A Época do Rio de Janeiro em 31-07-1913.
375 Ibid., p. 759.
175

Navio-fantasma: sinistro, maldito, surreal. Os próprios narradores


reconhecem o aspecto fantasmagórico que reveste o acontecimento, envolto
nos segredos de um Estado cuja missão precípua, nesse caso, é a supressão de
identidades. Aquele recanto de terra, fim do mundo civilizado e começo de
linhas ainda frágeis, bem podia ser reproduzido como “a sepultura do suicida
moral, a pátria dos proscritos”.376

Agosto.
A essa altura, Augusto dos Anjos já estava morando em outro endereço – de
acordo com Magalhães Júnior (1977, p. 281), era sua décima mudança desde que
chegara da Paraíba –, à Rua D. Delfina, número 56, na Tijuca.
Em carta do dia 27, informava Dona Córdula da crise política que pairava no
Rio de Janeiro, uma crise política que “invade todos os espíritos”, uma crise política que
“[domina] por completo” esses pobres espíritos: “O d. Luís de Bragança já apresentou o
seu manifesto, pedindo a restauração do antigo regime como o único salvatério possível
para os nossos créditos periclitantes, e substancialmente abalados”377.

Setembro.
Os assuntos políticos do Rio de Janeiro eram bem quistos como “assuntos”
nas cartas entre Augusto dos Anjos e Dona Córdula. Na carta de 18, por exemplo, o poeta
informava sua mãe sobre os três acontecimentos que mais agitavam os ânimos da
República: “o casamento próximo do marechal Hermes com a Mle. Nair [de] Tefé; as
finanças brasileiras esgotadas; a situação política ainda nebulosa”378.
Pois sim, o marechalício iria se casar. E isso virou assunto na capital.
Essa correspondência também nos fornece outra interessante informação,
fora os “fatos políticos”. Augusto se queixava de ainda não ter conseguido emprego fixo,
e completava: “Sou destarte obrigado a ensinar em colégios particulares, não podendo,
por conseguinte, libertar-me dessa fatalidade de mestre-escola que me persegue com
insistência”. Aquilo que levantamos de que Augusto, entre os sete irmãos, foi o único que
não conseguiu “sucesso profissional”, pode ser confirmado a partir destas cartas.
Desde a Paraíba que lhe chegavam “apenas” oportunidades ou interinas
(Liceu Paraibano, na Paraíba; Ginásio Nacional/Colégio Pedro II e Escola Normal, no Rio
de Janeiro) ou temporárias (comissão avaliadora de exames nomeada pelo Ministério da

376 HARDMAN, 2005, p. 186.


377 ANJOS, 1994, p. 760.
378 Ibid., p. 761.
176

Agricultura) em colégios e demais instituições. Sem contar os anúncios publicados em


jornais da Paraíba e do Rio de Janeiro nos quais divulgava que dava aulas particulares
em sua(s) residência(s). Sem contar sua quase inexistência na função de agente da
Companhia de Seguros Sul Americana, no Rio de Janeiro. E sem contar que até agora não
ficou claro o porquê de Augusto dos Anjos ter “saído fracassado” da direção do
paraibano Instituto Maciel Pinheiro, em 1909. Saiu mesmo por livre e espontânea
vontade? Ainda queremos saber.
Desde a Paraíba que suas colaborações em jornais (O Comércio e A União da
Paraíba; O Estado do Rio de Janeiro) e revistinhas temporárias (Nonevar e Terra Natal
da Paraíba) eram apenas “colaborações”, já que o poeta não teve o “mérito” de
redacionar, dirigir, editar como responsável sequer uma seção/coluna semanal. Coisa
que até seus colegas (Santos Neto e Orris Soares) e conhecidos da mesma geração e
formação (Gilberto Amado), coisa que até seu irmão (mais novo que ele, o Aprígio) já
haviam conseguido. Sem contar que Orris Soares já era até dono de jornal (O Norte).
Desde a Paraíba que suas “viagens” estavam no trajeto casa-faculdade, casa-
trabalho. Alfredo estava no Rio de Janeiro quando Augusto chegou a esta capital; Odilon
também estava no Rio, e já havia conseguido ir a passeio à Paraíba; Artur parecia ser
“viajado”, pois era juiz municipal pela região da Paraíba (do Norte) e também já havia
visitado seu irmão Augusto, no Rio, e, recentemente, junto ao mais novo, Alexandre,
havia participado do banquete oficial oferecido ao escritor Paul Adam; Aprígio estava
muito bem no Mato Grosso como juiz federal substituto. Augusto dos Anjos, o único que
não conseguiu voltar à Paraíba, nem mesmo a passeio.
Desde a Paraíba que o “trigueiro” Augusto dos Anjos revezava entre vagas
interinas e temporárias e aulas particulares. Quando sua esposa Ester Fialho estava na
Paraíba, em casa de D. Córdula, entre dezembro de 1912 e fevereiro de 1913, Augusto
comunicava-a, em carta de 24 de dezembro, sobre duas possíveis vagas, uma “no curso
de admissão” (disciplina de português), outra “no Departamento Internacional Público e
Privado” (disciplina de direito). Depois dessa carta, nada mais falaria a respeito. As
vagas que lhe deram ficaram na promessa.
E, infelizmente, ainda há informações e situações da “vida” de Augusto que
não batem. Por isto que suas cartas são, sim, importantíssimas, para termos um norte. E
já que, naquela carta de 18 de setembro, Augusto se queixava à sua mãe de não ter,
depois de quase três anos morando na capital da República, conseguido um emprego
177

fixo, tendo que, exclusivamente, depender do pouco dinheiro que conseguia dando aulas
particulares, podemos resgatar uma útil informação veiculada em jornal da capital e que
corrobora para estas notas sobre “oportunidades de emprego”.
Entre setembro de 1913 a fevereiro de 1914, circulariam no diário ilustrado
O Imparcial, do Rio de Janeiro, anúncios do “Colégio Sagrado Coração de Jesus”,
internato, semi-internato e externato379. Nos próprios anúncios, era informado que a
instituição fora fundada em 1889, funcionando por dezenove anos num prédio
localizado à rua Haddock Lobo, número 437 e que, desde junho de 1913, o novo prédio
estava localizado em novo endereço, à rua Campo Alegre, número 91.
Informando que dispunha de “pessoal habilitadíssimo e estando o estudo das
línguas estrangeiras a cargo de professores da respectiva nacionalidade”, a direção do
colégio comunicava, nos anúncios, que seu curso estava dividido em quatro seções, a
saber, infantil, primário, médio e secundário/superior. E, entre as disciplinas do curso
superior (português, latim, inglês, francês, alemão, italiano, religião, piano, violino,
desenho, pintura, ginástica, curso de trabalhos manuais e costura), três nos interessam:
“Matemática e Geografia, dr. Augusto dos Anjos; Curso de História Geral e Natural, dr.
Augusto dos Anjos e a diretora D. Inácia Resende”.
As dúvidas que surgem são justamente por conta da inexistência e derrubada
de prédios antigos ao longo dos anos e as mudanças constantes dos nomes de ruas e
bairros, dificultando as localizações “atuais”. Na época, Augusto estava morando à rua
“Dona Delfina, número 56, Tijuca”, e o colégio em destaque estava localizado em um
bairro muito distante, distante por horas de viagem da residência do poeta.
Como pontuei, as localizações atuais não batem, obviamente, com essas de
mais de um século atrás. Mas, esse “Augusto dos Anjos”, professor de matemática,
geografia e história geral e natural do Colégio Sagrado Coração de Jesus, não seria o
nosso poeta Augusto dos Anjos?! Pois, mesmo o colégio sendo distante de sua residência,
os bondes elétricos da cidade tumultuosa não poderiam lhe servir de transporte e
encurtar a distância?! Já em relação às disciplinas, creio que não haja “dúvida” sobre sua
capacidade de professor, pois desde o primeiro anúncio que publicara, por conta
própria, n’O Paiz, que ele anunciava lecionar inúmeras matérias do curso de “madureza”
(curso de preparação de jovens para a faculdade): “filosofia, direito romano e a maior

379 O Imparcial: diário ilustrado do Rio de Janeiro, n. 284, 14 set. 1913, p. 18.
178

parte das disciplinas do curso de madureza, especialmente português, francês, inglês,


aritmética, álgebra, geografia e literatura”380.
Enfim, nas páginas do diário ilustrado O Imparcial, disponíveis no acervo on-
line da Biblioteca Nacional, podemos encontrar esses anúncios datados de setembro de
1913 a fevereiro de 1914. Antes ou depois desse período, nada mais.
Pelo menos, Augusto dos Anjos continuava nas oportunidades. Temporárias.

Outubro.
O nome “Augusto dos Anjos”, de novo temos de falar de novo, novamente
temos de falar novamente, aparecia em outra notícia literária neste período. O poeta,
jornalista e futuro cônsul brasileiro na Universidade de Colônia (Alemanha), Ildefonso
Falcão, escrevia um texto, n’A Época, noticiando o recente livro de poesias Gênese, de
Hermes Fontes, a quem chamava “o maior gênio criador”, a “criatura singularíssima”, o
“valor supremo” das letras brasileiras.
Em sua notícia, Falcão era só elogios ao Hermes, ao poeta cuja obra fazia
lembrar Homero, Ésquilo, Dante, Vitor Hugo, Shakespeare, cuja obra era destaque nas
letras nacionais. Hermes Fontes, o poeta grandiloquente, de “vocabulário inesgotável”, o
poeta que escrevia sobre o “princípio das coisas” e, por isto mesmo, o poeta apartado
dos “trovadores lacrimosos”. Por essas características, Hermes Fontes, continuava o
autor da notícia, era acometido pela “inveja doentia” de seus contemporâneos:
Não acredito que haja no Brasil muitos poetas, capazes de escrever tão belos
versos. Temos José Oiticica, Augusto dos Anjos, Carlos D. Fernandes... Poucos.
O resto é uma aluvião espantoso de nulos e de choramingas.381

Hermes Fontes, José Oiticica, Carlos D. Fernandes e Augusto dos Anjos. Esses
eram os melhores, os “novos” que valorizavam as letras brasileiras, segundo Ildefonso
Falcão. O resto era resto, de nulos, de lacrimosos, de choramingões.
E a nota é esta. “Destaque” de Augusto dos Anjos junto aos novos e originais.

Três dias depois, em carta de 8 de outubro, Augusto comentava com sua mãe,
entre assuntos que por enquanto não interessam para estas notas, do “aspecto cênico de
agitações quotidianas” da capital da República; e ainda pedia à Dona Córdula que lhe
informasse da política de sua velha Paraíba, já que ele pouco estava lendo dos “jornais

380 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 9.589, 06 jan. 1911, p. 8 (grifos meus).
381 A Época, n. 433, 05 out. 1913, p. 2.
179

dessa terra, achando-me destarte quase completamente alheio às efemérides políticas e


sociais paraibanas”382. Não comunicava, porém, do seu “sucesso” nas letras brasileiras
após o lançamento do Eu, “sucesso” ao qual, na maioria das vezes, vinham as restrições
quanto ao seu modo de versejar, seja pelo uso constante de vocabulários estranhos (das
“ciências”), seja pelo uso constante de temas estranhos (das “ciências” e da “realidade
nua e crua” das coisas).
Em carta do dia 23 de outubro, o mesmo pedido: que sua mãe lhe informasse
dos fatos políticos e sociais da Paraíba, que lhe informasse dos “acontecimentos mais
culminantes da vida paraibana”383, que lhe informasse da política do Castro Pinto, então
presidente (governador) do estado.
O poeta, reiteradamente, dizia da “mesmice” de sua vida, sempre baseada na
“luta diária” pelo sustento. Na carta seguinte, por exemplo, datada de 27, informava sua
mãe que tudo continuava “na forma de costume”: ele, correndo para sobreviver. E é
também nesta carta que comunicava que seu irmão mais velho, Artur, juntamente com a
esposa, haviam chegado de viagem ao Rio de Janeiro – Magalhães Júnior (1977, p. 285)
divulga que Artur, nessa visita a Augusto, estava de férias.

Ainda no mês de outubro, o nome do poeta seria envolvido em outras


discussões literárias. Desta vez, discussões “grupelhas”, e não sobre o Eu.
Publicado na revista Fon-Fon, o texto do jovem escritor, jornalista e tradutor
Eduardo Guimarães, intitulado “Palavras a um Novo”, responde aquilo que parece ser
uma carta. O autor realmente se refere a uma carta que lhe foi enviada por um (poeta)
“novo”, pretendendo, no seu texto, responder a esse novo que pedia “conselhos” de
como fazer arte, e “discutir” acerca de um “manifesto” recém-publicado por José Oiticica
a respeito da poesia de Hermes Fontes e de outros “novos”.
Dizia Guimarães que o rapaz da carta poderia ficar tranquilo, pois a arte não
dependia e nunca dependeu de “teorias estéticas”. Referindo-se ao momento “atual” das
[...] ideias do naturalismo, da poesia científica, da psicologia a Bourget, da arte
social, do naturismo, do humanismo, do integralismo, do nietzscheanismo
aplicado à arte, tudo isso – desde aquele funambulesco poetastro marselhês
que quis pôr em versos as obras de Humboldt, passando pelo cientificismo
instrumentalista de René Ghil, até esse curioso discípulo de F. T. Marinetti que,

382 ANJOS, 1994, p. 762.


383 Ibid., p. 763.
180

há pouco, escreveu uma ode lírica sobre a mobilização do exército búlgaro


[...].384

, reafirmava que, em arte, “não há teoria possível”. Arte é alma, emoção, instinto.
A partir daí, Eduardo Guimarães refere-se ao “manifesto” de José Oiticica,
rebatendo o que entendeu da iniciativa deste. Segundo o jornalista, essa atitude de
Oiticica dizer que “a poesia humana [...] isto é, a poesia nova, dele, Sr. Oiticica, do Sr.
Hermes Fontes e do Sr. Augusto dos Anjos” nascera e morrera com Lucrécio, revivera
com Vitor Hugo para, tão logo, “vir ressuscitar com eles, à sombra das palmeiras do Rio
tumultuoso”, que isso não deveria causar espanto. Segundo Guimarães, essa “audácia
dos poetas que lançam manifesto, nem os pobres burgueses se espantam mais”. Segundo
Guimarães, o que poderiam pensar ele, Guimarães, e tantos outros entregues ao trabalho
da verdadeira Arte, o que poderiam
[...] pensar da bélica audácia de um teorista que baralha colegialmente Darwin e
Comte, Haeckel e Schopenhauer, [e] acaba agora de “descobrir” o Monismo e
falando do Sr. Hermes Fontes, que é aliás, por vezes, um belo e forte poeta,
como de um assombroso homem de gênio? – ou do Sr. Augusto dos Anjos, que é,
também por vezes, um poeta esquisito e emotivo, como uma cerebração quase
fantástica?385

O jovem crítico finaliza seu texto “aconselhando” ao “novo”, ao jovem que lhe
escrevera a carta: primeiro de tudo, é preciso possuir talento; possuindo, deveria ler, e
muito; possuindo talento e lendo bastante, era ainda preciso viver, amar, sofrer e, acima
de tudo sonhar. Diz que esse seu amigo “novo”, possuindo essas características,
futuramente é quem seria lembrado como grande e talentoso poeta. E, quando
“transposta a morte”, ao perguntarem “o que foi que viu a tua alma”, poderia dizer: “Eu
vi a Beleza”. Coisa que “nem todos poderão” responder.
O que mais chama atenção é justamente esse não gosto do jovem Eduardo
Guimarães pela “nova poesia”, de que tanto o anarquista José Oiticica era defensor e dela
fazia parte. Antes de terminar seu texto, sua resposta e conselho, o jovem escritor assim
se referia ao que, para ele, não era a “grande Poesia”:
[...] não é um soneto pretencioso e vulgar sobre a germinação do esporo, com
rimas tolas e termos difíceis de normalista precios[o] que, tendo comido
camarões, diz que “ingeriu crustáceos acéfalos”; nem uma invocação
repelente à saliva que expelem e engolem os tuberculosos; nem mesmo um
poema ciclópico e gelatinoso sobre a “retro sondagem do caos”. [...]386

384 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 43, 25 out. 1913, p. 39.
385 Ibid., p. 39.
386 Ibid., p. 39 (grifos meus).
181

Tenho novamente de ser sincero, ao dizer que não pesquisei as referências


completas de “ingeriu crustáceos acéfalos” e “retro sondagem do caos”; mas, certamente,
são poemas de José Oiticica e de Hermes Fontes, não necessariamente nessa ordem. E a
“saliva que expelem e engolem os tuberculosos”? Creio que a referência está clara, e ela
não se dá simplesmente pelo termo “saliva”, mas, principalmente, pelo termo “cuspir”.
Em momento oportuno, quem sabe, se a chance vier, o cuspir de Augusto dos
Anjos possa nos oferecer bons caminhos de investigação. No entanto, a partir de uma
rápida leitura dos 56 poemas do Eu, é possível perceber o constante uso dessa expressão
feito por Augusto, o “poeta novo”, poeta que José Oiticica, elogiando seu grandiosíssimo
talento, definia como “poeta moderno” que sabia “integralizar o homem no universo”. E,
assim entendendo esse poeta novo, percebemos que o cuspe, em Augusto dos Anjos, não
é nem deve ser uma definição superficialíssima de nojento, antes, de doloroso e coletivo.
O cuspe, no Eu de Augusto, aparece-nos como denúncia da tragédia coletiva
dos povos originários: a europeia “civilização entrou na taba / Em que ele estava. O
gênio de Colombo / [...] Cuspiu na cova do morubixaba"387 (Os doentes); como denúncia
do desprezo diário sofrido pelos vencidos: “[...] Agregações abióticas espúrias, / Como
uma cara, recebendo injúrias, / Recebiam os cuspos do desprezo”388 (Noite de um
visionário); como rejeição da língua atual e do mundo atual e o desejo de um mundo
novo, perfeito, começado do zero: “[...] Ambição de construir para o homem uma /
Região, onde não cuspa língua alguma”389 (Gemidos de arte).
O cuspe, em Augusto dos Anjos, aparece-nos, novamente, como denúncia da
dor dos vencidos e, comparando a dor desses vencidos à felicidade das “pedras” que não
cospem nem tossem, o eu dos versos augustos se angustia n’Os doentes:
Oh! desespero das pessoas tísicas,
Adivinhando o frio que há nas lousas,
Maior felicidade é a destas cousas
Submetidas apenas às leis físicas!

Estas, por mais que os cardos grandes rocem


Seus corpos brutos, dores não recebem;
Estas dos bacalhaus o óleo não bebem,
Estas não cospem sangue, estas não tossem!390

387 ANJOS, 1994, p. 240 (itálicos meus).


388 Ibid., p. 276 (itálicos meus).
389 Ibid., p. 262 (itálicos meus).
390 Ibid., p. 238 (grifos meus).
182

O cuspe, em Augusto dos Anjos, aparece-nos, novamente, como denúncia da


dor dos vencidos e, adentrando em suas causas hereditárias, esse eu dos versos augustos
sofre e cospe junto com esses vencidos e, num segundo momento, usando o cuspe como
arma e revide, impreca contra a religião e contra todos os canalhas do mundo n’As
cismas do destino:
E o cuspo que essa hereditária tosse
Golfava, à guisa de ácido resíduo,
Não era o cuspo só de um indivíduo
Minado pela tísica precoce.

Não! Não era o meu cuspo, com certeza


Era a expectoração pútrida e crassa
Dos brônquios pulmonares de uma raça
Que violou as leis da Natureza!

Era antes uma tosse úbiqua, estranha,


Igual ao ruído de um calhau redondo
Arremessado, no apogeu do estrondo,
Pelos fundibulários da montanha!

E a saliva daqueles infelizes


Inchava, em minha boca, de tal arte,
Que eu, para não cuspir por toda a parte,
Ia engolindo, aos poucos, a hemoptises!

[...]
Cuspo, cujas caudais meus beiços regam,
Sob a forma de mínimas camândulas,
Benditas sejam todas essas glândulas,
Que, quotidianamente, te segregam!

Escarrar de um abismo noutro abismo,


Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia neste escarro
Do que em toda a moral do cristianismo!

Porque, se no orbe oval que os meus pés tocam


Eu não deixasse o meu cuspo carrasco,
Jamais exprimiria o acérrimo asco
Que os canalhas do mundo me provocam!391

Jamais exprimiria o acérrimo asco que os canalhas do mundo me provocam.


Augusto dos Anjos, sempre, causava e causa repulsas e espantos, até mesmo
naqueles que o elogiavam e o elogiam pelo talento e originalidade.

Antes de “concluir” este primeiro momento destas notas, é preciso fazer três
destaques. O primeiro diz respeito às últimas correspondências de Augusto dos Anjos

391 Ibid., p. 213-214 (grifos meus).


183

enviadas à Dona Córdula. O segundo, sobre a inclusão de seu nome em mais duas
pesquisas “literárias”. O terceiro, mais uma notícia, “literária”.
Há uma carta datada de 14 de novembro. Nela, o poeta informa sua mãe da
contínua agitação político-social da capital da República: “Nesta cidade as coisas e as
pessoas seguem a fatalidade de seus incoercíveis destinos naturais, de sorte que isto que
chamam comumente crise político-financeira etc. não é mais do que uma das etapas do
progresso visível de nosso País”392.
Repitamos: a crise política, social e financeira, vivenciada diariamente pela
República, nada mais era do que “uma das etapas do progresso visível de nosso País”.
Realmente devemos ler e reler esse fragmento tão somente como literal? Realmente as
“etapas do progresso visível” do País em nada nos suscitam novas interpretações? Como
haver um visível progresso numa República marechalícia que bombardeia seus
opositores? Como haver um visível progresso numa República marechalícia que deporta
e envia seus “revoltosos”, apenas os que sobraram, para o quinto dos infernos? Como
haver um visível progresso quando nem mesmo o coitado do eclipse pode acontecer em
paz? Como haver um visível progresso numa República que empastela massivamente? E
outra coisa: realmente o País em maiúscula deve ser lido tão literalmente? Sem
acusarmos crítica alguma? Ler e reler, assim, sem nada a declarar?
Enfim, aquela “ironia amarga” que o professor e sociólogo Fernando de
Azevedo (1962) acusa nos versos de Augusto dos Anjos, pode, sem dúvida, estender-se
às correspondências e crônicas do poeta393.
Mas... Tudo bem. Há inúmeras falhas em querer usar documentos pessoais
(cartas) de um escritor como tentativa de alguma louca interpretação dos fatos.
Realmente há muita falha. Sigamos, então, sem falhas.

Tentando finalizar estas notas deste primeiro momento sem cometer


desinformações, voltemos ao texto de Eduardo Guimarães publicado na Fon-Fon.
O texto, como diz seu autor, é uma resposta à carta de outro jovem
escritor/poeta da época. Quem seria? Vale dizer que esse texto de Guimarães foi
entregue à revista a 3 de outubro, segundo nota de fim de página da própria redação.
Mas, e em relação ao “manifesto” de José Oiticica sobre os poetas novos e ao qual

392 Ibid., p. 765.


393 Cf. páginas 41-43 deste trabalho.
184

Guimarães se volta contra? Que material seria esse? E qual a relação disso tudo com
Augusto dos Anjos?
Bem, em meados deste ano doloroso, havia pesquisado e encontrado um
extenso texto assinado pelo anarquista e publicado na edição de outubro-dezembro de
1913 da Revista Americana, revista mensal de letras, artes, política, ciências394. O texto
de Oiticica vem intitulado “Bibliografia”, e parte das leituras de Apoteoses e Gênese, obras
lançadas por Hermes Fontes em 1908 e 1913, respectivamente.
Contudo, esse texto aparenta ser mais que uma notícia literária, antes, além
de uma longa análise do estro poético do jovem sergipano, é elogios e exaltações a este e
aos demais poetas da nova geração, como Augusto dos Anjos e Da Costa e Silva, elogios e
exaltações aos novos poetas. Claramente, Oiticica “difunde/manifesta” suas opiniões
acerca da verdadeira poesia que estava nascendo e que perduraria, cuja função principal
era e sempre seria a de “integralizar o homem no universo”.
Agora perguntemos: seria esse o tal manifesto ao qual Guimarães e o jovem
poeta que lhe mandara a carta se referem? Possivelmente, inda mais se lermos seu
conteúdo. O texto é longo, por isto, são necessárias apenas notas pontuais dos
comentários e opiniões feitos por José Oiticica, principalmente quando forem
direcionados aos versos de Augusto dos Anjos.
Logo no início, o anarquista enaltece a grandiosidade do poeta de Sergipe:
“Falar de grandes homens a propósito de um livro de Hermes Fontes é uma audácia em
terra de homens pequenos”395. Ele completa afirmando que, embora esses “homens
pequenos” sejam maioria, uma maioria que “nega a verdade, [que] defende o erro e
aplaude os erros para se opor à verdade nascente, isto é, à conquista nascente da
liberdade dos oprimidos contra os opressores”396, a minoria é que triunfa: uma minoria
de homens “que promove a derrocada do bom-senso, bom-senso dogma, bom-senso lei,
bom-senso escola, bom-senso academia”. Segundo Oiticica, essa minoria:
[...] brada, [pois] é dinamite a derribar catedrais. As catedrais relatam
destemperos passados, o bom-senso, de outrora, e aferram-se em mantê-los,
quando a humanidade procura desfazer-se deles.
Minoria é Verdade, Verdade que quer ser; porção de verdade que se erige
dentre os escombros dos erros, como a ervazinha dentre as fendas das ruínas.
[...].

394 Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.
1913, p. 188-240.
395 Ibid., p. 191.
396 Ibid., p. 192.
185

A fraqueza da maioria se revela num fato: tem medo. A fortaleza da minoria


se revela noutro fato: a revolução. Minoria revolucionária! Maioria medrosa!
Que eloquência!397

Minoria revolucionária que deve “provocar”, “crescer para o progresso”,


“abalar para a perfeição”, já que “o gênio é um provocador eterno”. Pensando nisto, por
conta disto, é preciso que o poeta ganhe uma nova e dupla missão, “hoje”: ele é tão
necessário quanto o grande homem-sábio, homem-sábio que se apresenta como “voz do
desconhecido”, homem-sábio que “descobre ou apreende as relações reais” do mundo e
do cosmos, mostrando-se como “fatalidade consciente”, “contingente iluminado”, “única
massa cósmica que se dirige, se desvia, dirige e desvia as outras massas”; ele, poeta, é tão
necessário quanto o sábio, pois ele, poeta, “descobre ou apreende as relações estéticas”
das coisas, relações que podem coexistir com as coisas reais ou existir sozinhas.
O sábio descobre as relações reais. O poeta descobre as relações estéticas.
Como exemplo de cada uma dessas relações, Oiticica exemplifica através da
comparação “homem-leão”: nas relações reais, ambos são animais, mamíferos; nas
relações estéticas, ambos tiram força e coragem pós “ferimento” de batalha.
E, nestas mesmas relações estéticas, há duas fontes básicas, uma de relação
de “intersemelhança das coisas” (cor, som, forma, fim, causa, evolução – semelhança que
“existe realmente”), outra, de “interdependência das coisas” (“estáticas ou dinâmicas” –
a “fenomenalidade” que excita a emoção poética, e que pode ser apresentada pelo
verdadeiro artista, desde que ele mostre “o que há de profundo e misterioso nessa
comunicação de substâncias e ações”).
Opinando sobre a constante da maioria dos “poetas”, que querem mostrar
apenas semelhanças, Oiticica assinala que os mesmos poetas esquecem das
interdependências, fonte que, por outro lado, é resgatada pelos “novos”, “veio opulento”
e “farto tesouro” que é resgatado pelos “novos”.
Para exemplificar, o escritor reproduz duas estrofes de Versos a um cão
(versos em que o eu maldiz a força misteriosa que arrancou do “cão” sua garganta,
deixando-o latir pelos séculos futuros uma “angústia hereditária”), e, por completo,
Apocalipse (versos que sintetizam a Arte como única sobrevivente da “universalidade
agonizante”), ambos sonetos de Augusto dos Anjos; Mal de origem, soneto de Da Costa e
Silva; A primeira árvore, poema de Hermes Fontes. E sintetiza: “Há assim duas ânsias no

397 Ibid., p. 192 (grifos meus).


186

homem: o conhecimento das relações reais e o conhecimento das relações estéticas. Mas
um fomenta o outro. Cada relação real impõe nova série de relações estéticas”398.
Seguindo seu raciocínio das relações reais e estéticas, da integralização do
homem no mundo que, enquanto sábio, tenta pensá-lo e que, enquanto poeta, tenta
entender seus “mistérios” e “fenômenos”, Oiticica reproduz uma sextilha de Monólogo de
uma sombra, de Augusto, na qual podemos destacar os versos “Essa necessidade do
horroroso, / Que é talvez propriedade do carbono”. Em seguida, assevera: “Até bem
pouco tempo era impossível achar correlações estéticas entre o carbono e a sensação do
horrível”. Diz, então, que a ciência mostrou ao homem a relação entre ser vivo e carbono,
“mas só o poeta logra ver, no gosto do horrível, uma propriedade desse corpo”.
Oiticica faz um panorama desde o “início” das artes e sua estreita ligação com
o homem e sua existência religiosa-política-individual, apontando as limitações e
abafamentos que, ao longo dos séculos, essas “instâncias” lograram às artes. Para o
autor, as letras e artes “clássicas e românticas” sempre trataram do “amor, heroísmo,
vingança” do homem, tão somente tentando demonstrar todas as “relações fenomenais”
naquilo que se prendem, exclusivamente, ao homem; letras e artes que não falam “ao
povo”, que não se ligam às “ciências”, que não integram o homem no mundo real.
Por isto mesmo, continua Oiticica, as ideias de beleza e de verdade sempre
foram limitadas. Por isto mesmo, continua Oiticica, nunca que a multidão conseguirá
(como já não consegue) achar beleza em versos como os de “hoje”, em que se fala de
“poesia e ciência”; nunca que a multidão conseguirá – hoje, já consegue –, encontrar
beleza nos versos de Augusto dos Anjos e de Hermes Fontes.
Os versos que Oiticica reproduz do paraibano, são os de Monólogo de uma
sombra, versos em que o eu afirma “pegar” a alma dos animais e, raciocinando, distingui-
la do “interior duelo secreto” entre a ânsia dum vocábulo e a expressão que não
conseguiu chegar “à língua”.
Afirmando terem sido Lucrécio e Vitor Hugo “os precursores” dessa poesia
profética, que tenta adentrar e vasculhar o desconhecido, que tenta procurar o
insondável dos fatos e das coisas, Oiticica define a “poesia nova”, do seu tempo, como
síntese e análise, cujo campo (de temas) são “o homem, sua dúvida, suas esperanças, seus

398 Ibid., p. 196.


187

desastres, sua glória, seu futuro, seu passado, seu mistério”399; cujo campo (de temas)
são sistematizações completas de Universo-Beleza e Fonte-Natureza.
O autor de Ode ao Sol define Hermes Fontes como iniciador dessa “nova
poesia” no Brasil, cujos versos estabelecem, tematicamente, uma “integração perfeita,
uma transfusão de si mesmo no Todo e do Todo em si mesmo”. Para Oiticica, escritores
como Hermes Fontes e Augusto dos Anjos são audaciosos, arrojados ao interrogarem o
“enigma universal”, ao quererem adentrar no mistério de si, do mundo, da natureza, do
universo, integrando-os num Todo:
O que faz a superioridade de Hermes Fontes é a sua poesia épica, é a sua
audácia mental de interrogar o enigma universal, é o arrojo de encarar o
Arcano e apostrofar a Criação. É a superioridade dos novos, como Augusto dos
Anjos, mau grado os seus exageros e extravagâncias, de que se corrige aliás.400

É. Augusto ainda pecava pelas suas extravagâncias. Mesmo assim, José


Oiticica define a nova poesia como perfeita e imponente, banhada de emoção em suas
imagens. José Oiticica define a nova poesia como imponente também pela forma: porque
seu poeta será “um enriquecedor, um renovador das fórmulas sintáticas, um semeador
de locuções e vocábulos”401; um “poeta superevidente” que enxerga distinções; um poeta
de “retina amplificadora e dissociativa”. Como exemplo, o autor assinala o soneto A ideia,
de Augusto dos Anjos, em que o eu é consciente da “pequenez do léxico” perante à
grandiosíssima ideia, consciente da “impossibilidade de externar o pensador um
pensamento como sabe que o deveria externar”.
Debatendo-se com as limitações do léxico, o poeta, assim como o sábio,
investe na renovação através dos “neologismos”, das “palavras desusadas”, indo buscar
esses termos no “vocabulário técnico, no vocabulário de física, da química, da biologia,
da geografia, da mineralogia, das artes, dos ofícios”.
Mais uma vez, a contundência: “Essa invasão de terminologia científica vai
ser um dos característicos mais genuínos da nova poesia. É fatal e justo”402; porque deve,
o poeta brasileiro usuário desse vocabulário técnico, possuir um “léxico opulento,
exuberante, tropicalmente vasto, para equiparar a orquestração dos seus poemas às
pompas da nossa natureza” – então, agora eu pergunto: se é uma “natureza exausta,

399 Ibid., p. 206.


400 Ibid., p. 210.
401 Ibid., p. 225.
402 Ibid., p. 226.
188

cansada e em ruinarias”, em alguns momentos da poesia de Augusto dos Anjos e, em


outros, “vibrante, violenta, vingativa”, assim deverá ser “a língua”?!
Manifesta-se o anarquista: “A poesia do futuro, predisse-o Brunetière, é uma
metafísica expressa por imagens. A frase se aplica in totum ao Sr. Hermes Fontes”403.
Referindo-se a um artigo que escreveu o professor, historiador e jornalista
José Veríssimo, sobre o livro Gênese, de Hermes, Oiticica reclama das incompletudes do
estudo de Veríssimo, afirmando que este não notou a “feição poética” do sergipano;
afirmando que Veríssimo “quis aplicar a um gigante [Hermes] o processo dos críticos
profissionais que, à semelhança dos zoólogos, classificam vermes e moluscos”;
afirmando que Veríssimo, não achando a “classe desse monstro” (que não era “clássico,
romântico, parnasiano, decadente, simbolista, gongórico, condoreiro”), definiu-o como
“inclassificável”.
Oiticica termina sua notícia/manifesto apontando inúmeros equívocos de
Veríssimo quanto à leitura de Gênese. Mas, já para não mais alongar, atentemo-nos:
O Sr. Veríssimo não induziu a feição poética de Hermes Fontes, porque essa
feição é ininduzível. Hermes Fontes é Hermes Fontes como Augusto dos
Anjos é Augusto dos Anjos. Embora ambos novos, embora ambos distintos,
embora ambos siamesados no mesmo ideal, não se parecem, são dois píncaros
incomparáveis. Essa é a grandeza deles; e é conservando essa personalidade,
intensificando-a, que eles podem, já grandes, ser mais grandes.404

Eu cria, no início, que esse texto fosse apenas uma “notícia literária” escrita
por José Rodrigues Leite e Oiticica, publicada na Revista Americana, a respeito dos
livros de Hermes Fontes (Apoteoses, Gênese). Mas não é, somente isso. Então, seria esse o
manifesto de José Oiticica? O manifesto da nova poesia? O manifesto da poesia dos novos?
É difícil de acreditar que esse texto seja uma simples notícia literária, inda
mais uma notícia de mais de cinquenta páginas. Então, realmente seria esse o manifesto
assinado pelo poeta anarquista? No qual difunde as bases da nova poesia? No qual elogia
e exalta, aberta e exclusivamente, os dois nomes, segundo ele, em evidência? Hermes
Fontes e Augusto dos Anjos, os novos poetas da nova poesia, malgrado algumas
“extravagâncias” do paraibano? E quem seria o rapaz que enviou aquela carta a Eduardo
Guimarães, pedindo-lhe conselhos e se referindo a esse manifesto de Oiticica?

403 Ibid., p. 230. Neste momento, o crítico se refere a uma autoria do poeta sergipano, Palmeira, com a qual
Hermes deve ter participado de algum concurso realizado pela Academia Brasileira de Letras. Segundo
Oiticica, foi a composição julgada pelos “os Rodrigo Otávios, os Mários de Alencar, os Felintos e restantes”;
composição que não ganhou o concurso, cujo “veredito”, segundo Oiticica, foi uma “humilhação”.
404 Ibid., p. 230 (grifos meus).
189

É difícil saber. Até porque, de modo geral, percebem-se as críticas do autor do


manifesto às figuras de “poetas maioria”, poetas das academias, das catedrais, do bom-
senso, dos grupelhos, acostumados aos versos de amor; poetas patéticos, pequenos, que
nunca entenderiam o verdadeiro significado da nova geração.
Mesmo assim, ainda é possível ler no manifesto uma crítica mais acentuada
que faz José Oiticica ao jovem cronista e jornalista “Elói Pontes”.
Pelo visto, Pontes deve ter noticiado, em jornal, o Gênese, de Hermes Fontes –
muito embora, não saibamos em qual impresso que ele trabalhava na época (seria na
Tribuna?). Pelo visto, Pontes não deve ter “entendido”, segundo Oiticica, a verdadeira
feição da nova geração:
O Sr. Elói Pontes, por exemplo, prefere, a esses surtos hugoanos, os versos
puramente líricos[,] ou melhor[,] amorosos[,] e cita umas quadrinhas, perfeitas
sem dúvida, mas ao lado das quais se poderiam citar outras de outros poetas.
Sonetos iguais a muitos de Hermes Fontes são outros de Bilac, Raimundo, de
Luís Delfino; é mesmo lícito, entre produções desses autores e as gabadas pelo
Sr. Elói, hesitar: o que ninguém será capaz de fazer, porém, é colocar poesia
alguma escrita no Brasil pelas gerações passadas junto à Terra.405

O anarquista aponta as limitações críticas esboçadas por Elói Pontes naquilo


que parece ter sido uma notícia/crítica literária do livro recém-lançado do sergipano. O
anarquista, insatisfeito, afirma que nenhum outro poeta anterior ao sergipano foi capaz
de relacionar “poesia Terra” – lembremo-nos: integralização, pela poesia, do homem no
universo (real) –, até porque “versos de amor”, “versos líricos perfeitos é igual a todos os
poetas que fizeram versos líricos perfeitos”. Oiticica completa: “Se a nova poesia se
restringisse ao lirismo afetivo não marcaria um progresso; não seria o repelão que vai
ser às faculdades estéticas morfinadas pelo romantismo”; o “lirismo amoroso”, agora, dá
lugar ao “lirismo panteísta e titânico”.
Então, seria Elói Pontes o autor da carta enviada ao poeta Eduardo
Guimarães? Seria Elói Pontes o também jovem e escritor “destacado” – depois de uma
inicial breve passagem pela poesia –, na prosa através de suas crônicas e do romance A
luta anônima (“romance social” da vida de miséria e de lutas contínuas vivenciadas na
capital da República), publicado naquele mesmo ano, 1913406?

405Ibid., 209.
406Romance que gerou “polêmicas” e desconforto entre os próprios novos da imprensa literária do Rio de
Janeiro: após seu lançamento, o audacioso Gilberto Amado, em crônica n’O Paiz, onde era colaborador,
descrevia o livro de Pontes como “estilo chão, chulo, popular”, cheio de “banalidade absoluta”, de
“insuficiência gramatical”, de “chateza de espírito” (O Paiz: jornal independente, político, literário e
noticioso, 10.578, 23 set. 1913, p. 1); como resposta ao texto de Amado, Hermes Fontes, em crônica n’A
Época, dizia que a atitude do colega havia sido “quebra de linha”, “quebra de camaradagem”, “quebra de
190

Não dá para afirmar sem antes termos um material mais consistente que nos
forneça mais informações dessa ligação entre Elói Pontes e Guimarães.
Não dá para afirmar, mesmo que Oiticica tenha sido assertivo quanto à
limitação de Pontes em não notar outras características nos versos de Hermes que não
fossem as do “amor”; em não notar outras características nos versos de Hermes que
justamente pudessem mostrar a filiação deste aos “arroubos de [Vitor] Hugo”, um dos
precursores, depois de Lucrécio, segundo Oiticica, da poesia “profética e revolucionária”.
Não dá para afirmar, mesmo que Oiticica, ao apontar essa limitação crítica de
Pontes, tenha dito ser “entristecedor” ler e ouvir esses conceitos vindos de um escritor
tão “novo de talento”, como era o jovem cronista e jornalista. Não dá para afirmar. Mas,
teria Elói Pontes escrito essa carta a Eduardo Guimarães, pedindo-lhe conselhos sobre a
verdadeira Arte?
Enfim, terminemos.

Esse texto de José Oiticica é interessante e pode nos proporcionar leituras


mais densas. Esse texto de Oiticica deve, sim, ser divulgado – posso estar cometendo um
equívoco, mas não me recordo, agora, de sua referência em nenhuma das bibliografias
de Augusto dos Anjos. E mesmo que falte, a este rapaz das notas, uma leitura mais
aprofundada do trabalho do anarquista, é de chamar bastante nossa atenção a definição
(e características) que ele dá ao poeta, ou melhor, ao novo poeta, à nova poesia do novo
século; e é de chamar, mais ainda, nossa atenção, a inclusão de Augusto dos Anjos, além
dele mesmo, Oiticica, e Hermes Fontes, no rol desses novos.
“Reconhecimento [da] lamentação [e] das misérias sociais”, crença na
quimera, crença otimista, crença na “renovação social” através do sonho utópico;
formalmente, uso da sátira e do “epigrama” para expressar esse “anseio censurado”, uso
da estrofe de “tom pessimista” característico da alma inquieta, indignada e que luta e
pede “justiça integral”: bases da nova poesia407.
“O poeta é esse transfundidor de oceanos, o predestinado renovador de
composição substancial do eu popular. É a contradita aniquiladora da libra esterlina e
das esquadras”. Segundo Oiticica, o novo poeta “Sofre, chora, pragueja, vindica, mas a

linha jornalística”, “quebra de serenidade”, um “erro de temperamento e educação” (A Época, n. 433, 05


out. 1913, p. 1).
407 Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.

1913, p. 222.
191

sua voz é uma voz restauradora”, uma voz que abafa “a voz dos juris, dos senados, dos
canhões”. Segundo Oiticica,
[...] essa voz será pelos oprimidos contra os opressores, dos desgraçados
contra os felizes, dos trabalhadores contra os parasitas, dos utopistas contra os
práticos, dos bons contra os maus: voz contra a autoridade dos nulos sobre os
gênios, dos hipócritas sobre os francos, dos tiranos sobre os justos, da lei sobre
o direito: em suma, dos governos sobre os povos.
E a poesia nova há de ser alegre, azucrinante, estonteadora. Não será triste.
A tristeza nela é negação. Mesmo que alguma desgraça enorme, tragédia
interior, catástrofe do coração excrucie ao Poeta em vida, lhe espedace o
pensamento ou lhe trucide o instinto, ele, o herói, deve imergir nessa tortura e
alçar-se mais formidável do que nunca no arremesso destruidor de um estado
social onde é possível esse desespero.408

Segundo Oiticica, a nova poesia, integrando o homem-sábio-poeta no mundo real,


através dos recursos (sistemáticos e linguísticos) das “ciências”, deve ser reformadora,
revolucionária, utópica. Segundo Oiticica, a nova poesia deve ser alegre e, caso apresente
tristeza, que não seja menos que um “dia nublado de verão”.
Então, agora podemos ter a certeza de que este é o manifesto de José Oiticica
difundido as bases da nova poesia? Possivelmente. E este manifesto ainda faz jus à nota
literária que o anarquista publicou, n’A Época, noticiando o livro de versos de Augusto
dos Anjos, um ano antes, na qual definia a poesia do paraibano como profunda, emotiva,
intuitiva; notícia literária que já destacava o estreante a partir de seu sugestivo título: “A
poesia dos Novos”; notícia literária que já destacava o paraibano como “decisivo
pesquisador de novos moldes na interpretação do mundo”, possuidor dum “poder
significativo de expressão” e duma “sensibilidade notável”409 – mas, claro, sem esquecer
dos “conselhos” que Oiticica dava a Augusto, conselhos para que o poeta mudasse sua
visão exagerada e extravagante, mudasse sua visão de querer pintar o mundo tal qual
“dor, podridão, intestinos, vermes, coisas malignas, malsãs, odorantes”.
O texto/manifesto de Oiticica é também interessante porque mostra a relação
do anarquista com o tão novo “poeta [ainda] vivo”, elogiando a figura de Augusto como
artista talentoso que era, sem precisar esperar que ele tivesse morrido para, só depois,
lamentar e lamentar e falar de uma glória que poderia ter obtido. Sem contar que ambos
eram professores e tiveram estreita ligação na época em que o “homem” Augusto dos
Anjos procurava vagas em colégios e escolas do Rio de Janeiro; sem contar na relação
que tiveram durante o projeto que quase deu certo, a Enciclopédia Nacional do Ensino.

408 Ibid., p. 223.


409 A Época, n. 68, 06 out. 1912, p. 7.
192

Apesar disso, ainda é curioso o fato de a notícia literária mais lembrada pela
biobibliografia augusta, além daquela publicada n’A Época, em 1912, ser justamente a
publicada por Oiticica logo após o lançamento da segunda edição do Eu (organizada por
Orris Soares), em 1920. Nela, o anarquista não só lamenta – não, Oiticica já tinha feito
“sua parte” quando Augusto era vivo –, a perda precoce do poeta de Pau d’Arco, do poeta
que certamente atingiria o ápice de sua estética, que apresentaria maiores “martírios
íntimos”, “excitações torvas” e “revoltas” ao ver e sentir a tragédia/catástrofe mundial (a
primeira guerra), como também fornece para nós leitores uma informação valiosa da
época em que ambos lecionavam:
Eu, muito mais forte, mais batalhador, mais esperançado de vencer, com a
falta de recursos, multiplicava-me. Augusto se moía, concentrava a sua pena,
embora, uma vez por outra, me revelasse as suas condições. O que mais o
amargurava era a injustiça social, em premiar os ruins, dourar as
falcatruas, entronar os endinheirados, [iludir os honestos], os
sonhadores, os retos de entendimento e coração.
Essa revolta íntima o levava a descrer do mundo, a ver em tudo
podridão física e moral.410

José Oiticica não apenas se ocupou do estro poético de Augusto dos Anjos, do
poeta que ele definia “um dos grandes da nova geração”, como também, a partir de
pontuais observações acerca do “caráter” do homem e professor Augusto, descreveu a
amargura deste poeta e homem que se lamentava, descreveu a amargura deste poeta e
homem que se revoltava perante às “injustiças sociais”411.
José Oiticica já se encantava com os predicados de verdadeiro artista que era
Augusto dos Anjos, desde o contato que tivera com o homem e professor Augusto, mais
ainda depois da “estreia” barulhenta e ruidosa que teve o livro de versos do poeta (Eu),
escandalizando o “superficialíssimo” meio intelectual da República das letras.
Augusto dos Anjos, um dos novos que abalaram os alicerces da República.

410 OITICICA, J. Augusto dos Anjos. In: LEÃO, M. (dir.). Autores e Livros: Augusto dos Anjos. A Manhã, Rio de
Janeiro, 30 nov. 1941. Autores e Livros, Suplemento 16, p. 329, 338 (grifos meus).
411 Infelizmente, não consegui localizar o original desse texto publicado por José Oiticica, em 1920. Não

obstante, o texto pode ser lido em Magalhães Júnior (1977, p. 312-313) e no suplemento Autores e Livros,
suplemento semanal do jornal carioca A Manhã, e dirigido pelo jornalista Múcio Leão. Como o suplemento
já está referendado (Cf. nota 410 deste trabalho), é importante destacar que há aí muitos materiais
biográficos e bibliográficos de Augusto dos Anjos, materiais que podem servir de fonte primária de
pesquisa – malgrado alguns equívocos gravíssimos –, desde os textos críticos de Hermes Fontes, Antônio
Torres, Dante Milano, João Ribeiro, João Alfonsus, Medeiros e Albuquerque, Manuel Bandeira, Agripino
Grieco, João Luso, Mário José de Almeida, Orris Soares, às reproduções de inúmeros poemas de Augusto,
de fotografias (suas de quando criança, de sua esposa, de seus filhos) e de fac-símiles de três cartas do
poeta enviadas ao irmão, Aprígio dos Anjos.
193

4.2.: Notas apensas, não menos importantes

Na verdade, são duas rápidas notas. A primeira trata do compartilhamento de


alguns números de jornais e revistas nos quais constam poemas de Augusto dos Anjos;
são “fontes inéditas”, fontes que revelam ser as primeiras onde Augusto publicou
algumas de suas autorias. A segunda trata da participação (ou quase) do poeta numa
revista cultural criada no Rio de Janeiro; Augusto foi convidado para representar as
letras do seu estado natal, a Paraíba (do Norte). Salvo engano, nenhuma das situações
foi, até hoje, mencionada pelas referências tradicionais. Antes, porém, duas outras
observações a serem feitas.
Como o trabalho já está bastante extenso e cansativo, e mesmo por conta de
“tempo”, há situações, “personagens”, locais presentes na vida de Augusto dos Anjos que,
infelizmente, deixaram de aparecer mais detidamente.
A exemplo, a cidade de Leopoldina, cidade do interior mineiro onde Augusto
foi residir com sua esposa (Ester) e seus filhos (Glória e Guilherme) a partir de junho de
1914. Cidade do interior mineiro onde Augusto foi dirigir o “Grupo Escolar” local. Cidade
do interior mineiro que abrigava a Gazeta de Leopoldina, impresso que publicava
inúmeras autorias de Augusto. Cidade do interior mineiro onde percebemos que o poeta,
até que enfim, conseguiu encontrar momentos de paz, e assim dizia à sua mãe: “Apesar
da monotonia desta cidade, tenho passado bem aqui, não somente sob o ponto de vista
da saúde, como também sob o da chamada vida material”412. Foi a pacata cidade de
Leopoldina que “acolheu” Augusto dos Anjos nos últimos meses de vida do poeta.
E jamais podemos esquecer da professora paraibana Ester Fialho Rodrigues
dos Anjos, a Ester Fialho, companheira de Augusto. Ester quem sempre acompanhou o
poeta. Ester quem esteve com Augusto quando este ficou doente, acamado, vindo a
falecer de pneumonia. Ester quem escreveu uma sentidíssima carta à mãe de Augusto, D.
Córdula dos Anjos, logo após o falecimento do poeta: “Não sei se [os] bons deixam este
vale de lágrimas, para serem melhor recompensados na presença de Deus”413. Sim, Ester
sabia que seu esposo Augusto “tinha uma alma augusta”. Sim, Ester sabia da “luta diária”
enfrentada pelo “errante” Augusto dos Anjos. Sim, companheira. Conta-se que a

412 ANJOS, 1994, p. 772. Carta assinada de “Leopoldina, 29 de setembro de 1914”.


413 Ibid., p. 805. Carta assinada de “Leopoldina, 27 de novembro de 1914”.
194

professora Ester Fialho também escrevia poemas, por isto mesmo que seu nome deverá
ser melhor lembrado. E será. Já o é. Ester Fialho.
Enfim, são pessoas importantes, Ester Fialho, são locais que marcaram
Augusto no final de sua vida, Leopoldina, que merecem ser melhor “revisitados” em
pesquisas futuras. Mas, por enquanto, voltemos às duas notas.

Não querendo cometer os mesmos equívocos e desinformações, em primeiro


lugar peço desculpas a quem, por acaso, conhecer alguma edição mais “recente” da obra
de Augusto dos Anjos que compreenda o detalhamento completo da fonte primeira de
publicação de seus poemas, assim como as respectivas datas destes. As edições
utilizadas para estas notas, do começo ao fim, foram e são as de Raimundo Magalhães
Júnior, Poesia e vida de Augusto dos Anjos, de Zenir Campos Reis, Augusto dos Anjos:
poesia e prosa, e de Alexei Bueno, Obra completa: Augusto dos Anjos; as duas primeiras
datam do final da década de 1970 e, a última, da década de 1990. Realmente não
conheço se há edição dos anos 2000 “pra cá” que compreenda, cronologicamente, “toda”
poesia e prosa de Augusto dos Anjos e que traga “novas informações” sobre tais.
Como venho falando ao longo destas notas, a leitura de alguns ensaios,
artigos, crônicas, palestras/conferências e “notas”, divulgados em jornais e revistas,
dentre os quais muitos, ainda hoje, permanecem “desconhecidos”, é de suma
importância; até porque, nessas fontes, podemos encontrar não apenas informações
biográficas de Augusto dos Anjos, informações bibliográficas de sua obra, mas, também,
autorias divulgadas pelo próprio Augusto.
Passemos, agora, a estas “fontes inéditas”, números de jornais e revistas que
se mostram os primeiros divulgadores de alguns poemas, ao todo “seis”, de Augusto dos
Anjos. Antes, saibamos quais são: Apocalipse (1913), As montanhas (1913), A noite
(1913), Versos a um coveiro (1914), Natureza íntima (1915) e Minha árvore (1915).
O texto/manifesto de José Oiticica sobre os poetas novos, sobre a nova poesia,
por exemplo, é uma dessas “fontes inéditas”. Divulgado na Revista Americana, do Rio
de Janeiro, em fins de 1913, o manifesto não apenas inclui o nome de Augusto dos Anjos
no rol dos novos, como ainda divulga um soneto de sua autoria: Apocalipse. Mais
195

interessante porque Oiticica anuncia-o como inédito, como “assombroso soneto [ainda]
inédito”414. E Oiticica não mentiu. O soneto era, sim, inédito.
O “primeiro até então a divulgá-lo”, em livro, havia sido o paraibano Orris
Soares, na edição que organizou em 1920: Eu: [Poesias completas]. Orris, o colega amigo
de Augusto que nunca compartilhou as fontes originais desses poemas, não informou se
essas autorias estavam nos manuscritos que ele “conseguiu” junto à Ester Fialho, esposa
de Augusto, depois da morte do poeta, ou se ele “conseguiu pesquisando” em jornais e
revistas. Difícil...
Zenir Campos Reis (1977) e Alexei Bueno (1994) informam, em suas edições
da poesia e prosa de Augusto dos Anjos, que não se conhecem outras versões desse
poema antes da edição de Orris Soares, ou seja, antes de 1920.
Agora sim, agora podemos divulgar que se conhece, sim, uma delas, e uma
fonte séria e mais adiantada que Orris.
Muito embora Oiticica também não tenha informado como conseguiu o
soneto, acreditamos que seu contato (quase íntimo) com o poeta paraibano – ambos
faziam parte da Enciclopédia Nacional do Ensino e tiveram boa relação durante o
período em que Augusto viveu no Rio de Janeiro, sempre na busca por um emprego em
alguma escola; sim, ambos eram professores –, possa ter facilitado a divulgação. Teria
Augusto dos Anjos entregue o Apocalipse em mãos do poeta anarquista? Difícil de saber.
De qualquer maneira, respeitando a memória de Augusto, façamos jus a esta “fonte
original”, o texto de José Oiticica, divulgando-a.
O segundo poema, As montanhas, é um poema “longo”, pelo menos na forma,
já que é composto de dois sonetos. Zenir Campos Reis e Alexei Bueno definem como
local de publicação primeira deste poema a Gazeta de Leopoldina, da cidade mineira de
Leopoldina. No entanto, eles assinalam datas diferentes: Zenir (1977, p. 36) informa que
foi o poema publicado a “19-07”, ou seja, a 19 de julho de 1914; Bueno (1994, p. 830)
informa que foi “a 19 de maio de 1914”.
As montanhas também foi publicado na edição organizada por Orris Soares...
Bem, este poema, praticamente desconhecido, foi divulgado um ano antes
pelo próprio Augusto no jornal carioca A Imprensa, edição de 10 de dezembro de 1913.

414Cf. Anexo 3 deste trabalho (p. 324). Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia,
história, religiões, n. 10-12, out./dez. 1913, p. 195.
196

Na coluna “Os Nossos Poetas”, o jornal divulgava, nesse dia, um retrato do paraibano e
assim assinalava abaixo do título do poema: “(Inédito para a “A Imprensa”)”415.
Apesar da grafia “subsectividade”, que nas edições de Zenir Reis e de Alexei
Bueno aparecem “subjectividade” – assim como na edição organizada por Orris Soares –,
temos aí mais uma “fonte original”.
O terceiro, o soneto A noite – este sim completamente esquecido –, também
foi divulgado por Orris Soares. Tanto Zenir Campos Reis quanto Alexei Bueno assinalam
como desconhecida qualquer publicação sua antes de 1920.
Pois é, o poema foi divulgado ainda em 1913. Teria sido pelo próprio Augusto
dos Anjos? Acreditamos que sim, pois certamente que ninguém iria roubá-lo assim e
publicá-lo sem autorização.
Foi a revista carioca A Faceira que divulgou a autoria de Augusto, em sua
edição de dezembro, em seu número de natal416. A revista, na época, era dirigida pela
poetisa Gilka Machado; e trazia, em destaque nas suas primeiras páginas, seu corpo
redacional: Leonor Posada, Laura Carvalhães, Adelina Savart de Saint Brisson, Aurora
Pinto de Carvalho e Carmen Unzer.
Outro poema publicado na edição organizada por Orris Soares, sem indicação
de fonte (praxe...), é o Versos a um coveiro. Alexei Bueno (1994, p. 830) informa que sua
divulgação original foi no Almanaque do Estado da Paraíba, ano de 1917: “publicado
primeiramente no Almanaque do Estado da Paraíba para o ano de 1917”. A informação é
compartilhadíssima por Zenir Campos Reis.
Pois, sim, outra autoria divulgada pelo próprio Augusto. Podemos encontrá-la
nas páginas da revista carioca Fon-Fon. Em seu número de 3 de janeiro de 1914, a
revista literária e política e alegre publicava o soneto de Augusto dos Anjos417.
Incluso nesta seleção de “fontes originais/inéditas”, também está o soneto
Natureza íntima – outro que compõe a edição organizada por Orris Soares. Alexei Bueno
(1994, p. 828) informa que ele foi divulgado “primeiramente no Almanaque do Estado da
Paraíba para o ano de 1917”. Zenir Campos Reis compartilha da mesma informação.

415 Cf. Anexo 4 deste trabalho (p. 325). A Imprensa, n. 1.954, 10 dez. 1913, p. 2.
416 Cf. Anexo 5 deste trabalho (p. 326). A Faceira: culto à mulher, n. 28, dez. 1913, p. 13.
417 Cf. Anexo 6 deste trabalho (p. 327). Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 1,

03 jan. 1914, p. 44.


197

Pois é... Esta autoria de Augusto dos Anjos foi divulgada no jornal O Pharol,
da cidade mineira de Juiz de Fora, ainda em maio de 1915418. E, vale destacar, deve ter
sido por algum amigo, já que o poeta, neste ano, não estava mais vivo.
Para finalizar estas notas de “fontes originais/inéditas”, destaquemos o belo
soneto Minha árvore. Zenir Campos Reis e Alexei Bueno dão como desconhecidos data e
local de publicação anteriores à edição organizada por Orris Soares, em 1920.
E eis que Minha árvore pode ser encontrado na revista mensal de artes e
letras Heliópolis, da capital Recife, ainda em 1915. O soneto vem publicado como
“Inédito do poeta Augusto dos Anjos”419.
Mas... como conseguiram uma autoria inédita, justamente quando o poeta já
havia falecido? A não ser que, um dos redatores da revista, ou tenha recebido das mãos
de Augusto um manuscrito, uma cópia, antes de o poeta falecer, ou, quem sabe, tenha
“ouvido” algum amigo em comum recitar. E isto não seria impossível.
É o professor, poeta e historiador cearense Mário Linhares quem conta isto
em depoimento. No seu Gente nova: (notas e impressões), de 1920 – livro que tenho as
minhas suspeitas de que já estava pronto ou em 1913 ou em 1915 –, o professor assinala
“notas e impressões” de escritores novos como Araújo Filho, Costa Rego Júnior, Mariano
Lemos, Palmira Wanderlei, Raul Monteiro, Lizá Diniz, Clóvis de Holanda, Rosália
Sandoval, Mário Sette e o próprio Augusto dos Anjos. Sobre este paraibano, ele conta:
Muito antes da publicação de seu livro – “EU”, o nome do poeta já nos
chegara aos ouvidos trazido pela admiração de alguns de seus amigos que, com
entusiasmo, nos falavam da excelência dos seus trabalhos ainda inéditos.
E, aos meus olhos, através dessas composições que fragmentariamente nos
vinham, o vulto do grande poeta ia crescendo e, dia a dia, magnificava-se em
nosso apreço como um engenho maravilhoso que houvesse atingido à sua
última expressão.
Ainda me lembro daqueles versos que Raul Machado, ali, no Recife, uma
noite, sob o quieto palmeiral da Praça da República, nos recitara, com viva
admiração, e que Silva Lobato guarda de memória e, de longe em longe, nos
repetia, como um psalmo de arte
[...]
Um ano depois, em 1912, surgiam, editadas no Rio, num volume de cento e
trinta e cinco páginas, as poesias do nosso ilustre poeta.420

O episódio, como percebemos, aconteceu em 1911. E Linhares transcreve


algumas estrofes de Mistérios de um fósforo, poema de Augusto que, segundo ele, foi
recitado por um amigo em comum, o paraibano Raul Machado. Sendo assim, a

418 Cf. Anexo 7 deste trabalho (p. 328). O Pharol, n. 117, 20 mai. 1915, p. 2.
419 Cf. Anexo 8 deste trabalho (p. 329). Heliópolis: revista de artes e letras, n. 1-3, abr./out. 1915, p. 34.
420 LINHARES, M. Augusto dos Anjos (“Eu”). In: _____. Gente nova: (notas e impressões). Fortaleza: Eugenio

Gadelha & Filho, [1920], p. 11-12.


198

possibilidade da publicação de Minha árvore, na Heliópolis, através de algum amigo de


Augusto que tenha “guardado [o soneto] na memória” e “recitado”, não é de todo
descartada.
E, vale lembrar, Mário Linhares era um dos redatores da revista
pernambucana, assim como outros (jovens) escritores (poetas e prosadores, jornalistas
e professores, críticos literários e historiadores) contemporâneos de Augusto dos Anjos:
Carlos D. Fernandes, Agripino da Silva, Raul Monteiro, Silva Lobato, Costa Rego Júnior,
Rodolfo Neves, Ulysses Sampaio, Paulino de Andrade, Eládio Ramos, Mariano Lemos,
Humberto Carneiro, Tenório de Cerqueira.
Só para não esquecer, a notícia desse “Inédito do poeta Augusto dos Anjos”
foi divulgada nos jornais, também pernambucanos, Jornal Pequeno e A Província421.
Como as notícias informam praticamente a mesma coisa, destaque para a do
primeiro: o jornal agradecia a atenção dos jovens redatores da revista Heliópolis, que
haviam entregue o então recente número desta; destacava alguns dos trabalhos
publicados; e ainda informava que a revista havia publicado “dois inéditos de Augusto
dos Anjos”422. Talvez a redação do pequeno tenha se confundido, porque confesso que
não consegui localizar esse outro inédito do paraibano.

Em relação à segunda nota, tenho de confessar que a informação merece mais


pesquisas, visto que foi impossível localizar a participação propriamente dita de Augusto
dos Anjos na tal revista cultural criada em 1914, no Rio de Janeiro. Para ser sincero, foi
impossível localizar a revista mesmo, a não ser através de uma e outra notícia publicada
em jornais e revistas da época. Mesmo assim, sigamos.
Chamado de Revista do Norte, o projeto era arrojado: um “jornal ilustrado,
de formato elegante e colaborado por intelectuais de mais evidência” no meio literário;
um jornal dedicado “exclusivamente aos interesses dos Estados do Norte do Brasil”; um
jornal que divulgaria “amplamente as grandes riquezas [...] esquecidas e inexploradas
nas vastas zonas do Norte do país”; um jornal que faria “conhecidos em todos os pontos
os homens e as coisas dos referidos Estados, esquecendo por completo a politicagem”.
Sim, esses eram os objetivos do projeto, do jornal/revista que divulgaria tão
somente as “coisas do Norte do Brasil”. Sim, uma pena a notícia não trazer o(s) nome(s)

421 A Província, n. 127, 11 mai. 1915, p. 1.


422 Jornal Pequeno, n. 106, 11 mai. 1915, p. 2.
199

do(s) seu(s) idealizador(es). Porém, e o mais interessante, é que o jornal “não político”
anunciava seus ilustríssimos colaboradores (professores, poetas, cronistas, prosadores,
jornalistas, historiadores, médicos, advogados), todos oriundos do “Norte” e residentes
na capital da República, justamente como “homens políticos (públicos)”:
Sabemos que já os iniciadores da ideia têm encontrado adesão da parte de
todos os nortistas, estando assim distribuída a direção: Amazonas, deputado
Luciano Pereira; Pará, senador Artur Lemos e Carlos Pontes; Maranhão,
deputado Coelho Neto e Carvalho Guimarães; Piauí, dr. Lucídio Freitas; Ceará,
dr. Oscar Lopes; Rio Grande do Norte, deputado Eloy de Souza; Paraíba, dr.
Augusto dos Anjos; Pernambuco, Olegário Mariano; Alagoas, Goulart de
Andrade; Sergipe, Hermes Fontes; Bahia, Fábio Luz, e Espírito Santo, deputado
Júlio Leite.423

Nessa notícia de abril, como podemos observar, aparece o nome de Augusto


dos Anjos, o poeta destas notas, o poeta que, oriundo da Paraíba e residente na capital
federal, o Rio de Janeiro, ficaria responsável por escrever sobre o seu estado natal.
Augusto, no entanto, nada comunicava à sua mãe da nova “empreitada”; as cartas desse
período, enviadas à Dona Córdula, não trazem referência alguma da nova revista.
A 14 de julho, também n’O Paiz, saía outra notícia sobre a revista,
divulgando-se que esta circularia “definitivamente a 30” do referido mês, e que traria
“uma bem feita resenha do aspecto geral de cada Estado do Norte”424.
Desta vez, apareciam não só os nomes daqueles colaboradores divulgados na
primeira notícia como ainda os de outros novos membros: Luciano Pereira, Lauro Sodré,
Torquato Moreira e Costa Rego. E, na mesma notícia, os diretores e redatores do novo
jornal/revista mostravam-se confiantes: era só observar esses nomes, esse seleto grupo,
que, segundo eles, justificar-se-ia “o êxito que ter[ia], certamente, a novel publicação”.
O primeiro número da revista seria assinado por Coelho Neto.
Três dias depois, a 17 de julho, outra notícia: informava-se sobre os objetivos
do jornal/revista e sobre o texto/artigo de abertura assinado por Coelho Netto “que,
com deslumbramento, descreve a grandeza e a riqueza de toda essa vastidão nortista”. E
mais nomes, além daqueles, que passariam a integrar o projeto: Joaquim Pires, Leôncio
Mousinho, Pacheco Dantas, Lopes Mousinho, Edmundo Esteves e Josino de Menezes425.

423 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.768, 01 abr. 1914, p. 8 (grifos
meus).
424 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.872, 14 jul. 1914, p. 2.
425 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.875, 17 jul. 1914, p. 2.
200

Bem, nessas três notícias sobre a Revista do Norte aparecia o nome de


Augusto dos Anjos. Sim, era Augusto um dos colaboradores ilustres, o intelectual
representante do seu estado natal, a Paraíba (do Norte).
E só lembrando que, neste período, em julho, o poeta já estava residindo em
Leopoldina, cidade de Minas Gerais.
Os anúncios seguintes, infelizmente, são publicados sem menção alguma aos
diretores e redatores. No mês de agosto, por exemplo, publicava-se uma notícia já como
propaganda da revista/jornal, da revista/jornal que representava uma “longa e brilhante
carreira” pelo seu compromisso: “O número agora publicado, além de variada leitura,
traz artigos sobre esses Estados, desde o Amazonas até S. Paulo, acompanhados de bons
retratos dos seus respectivos governadores”426.
Como foi alertado no começo destas notas apensas, as informações,
infelizmente, estão incompletas. A única certeza é de que o nome “Augusto dos Anjos”
estava, sim, na lista dos colaboradores da Revista do Norte, na lista dos ilustres
intelectuais residentes na capital da República, o Rio de Janeiro.
Porém, até agora, não nos foi possível localizar os números, os textos da
revista. Haveria algum acervo, hoje em dia, com tais números? A Revista do Norte teve
vida longa e próspera? E o que dizer daquele anúncio de dezembro de 1914 – sim, nosso
querido poeta Augusto já havia falecido –, publicado no Jornal do Recife, o qual
noticiava uma “pausa” nos trabalhos da revista, justamente pela “falta de papel no
comércio” do Rio de Janeiro427? Como uma revista ousada e bem impressa deixaria de
funcionar, mesmo que por um curto período, por falta de papel? Falta de papel na
República moderna? E Augusto dos Anjos? O poeta escreveu algum texto na revista? E,
se escreveu, o que será que deve ter escrito?
Imaginem só encontrarmos essa revista. Imaginem só encontrarmos textos
de Augusto dos Anjos. Imagem só. Por isto, vamos à luta.

426 O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, n. 10.905, 16 ago. 1914, p. 7.
427 Jornal do Recife, n. 345, 16 dez. 1914, p. 5.
201

PARTE II:
VISÕES DO ERRANTE

E o que encontro agora dentro de mim, é uma coisa sem


fundo, uma espécie aberratória de buraco na alma, e uma
noite muito grande e muito horrível em que ando, a todo o
instante, a topar comigo mesmo, espantado dos ângulos de
meu corpo e da pertinácia perseguidora de minha sombra.

(carta de Augusto dos Anjos à D. Córdula,


“Rio 1-1-1913”)

A romaria eterna dos aflitos, das coletividades que dão gritos

A ideia deste segundo momento era, tão somente, esboçar algumas notas a
respeito de uns poucos poemas longos/narrativos de Augusto dos Anjos. Mas, a partir da
leitura daquele texto/manifesto do anarquista José Oiticica, publicado na Revista
Americana, texto que há poucas semanas não tinha conhecimento, podemos ter uma
maior perspectiva não só das autorias do paraibano como também do que deveria ser
“praticado” pelos novos poetas do novo século, grupo o qual pertencia Augusto.
Por isto mesmo, nada mais justo do que voltar ao texto de Oiticica, ao texto
que seria uma notícia literária de dois livros de Hermes Fontes (Apoteoses e Gênese) e
que acabou se tornando um manifesto da nova poesia, difundindo as ideias e a “função”
da verdadeira e real poesia que deveria ser praticada pela nova geração – atitude que
gerou “desconforto” entre os demais “novos”. Isto mesmo, pontualmente; se tivesse
maior arcabouço teórico sobre essa nova poesia, certamente que as perquirições seriam
mais produtivas. E, não querendo mais usar mais de novo, sejamos menos, e atentemos:
E essa voz será pelos oprimidos contra os opressores, dos desgraçados
contra os felizes, dos trabalhadores contra os parasitas, dos utopistas contra os
práticos, dos bons contra os maus: voz contra a autoridade dos nulos sobre os
gênios, dos hipócritas sobre os francos, dos tiranos sobre os justos, da lei sobre
o direito: em suma, dos governos sobre os povos.
E a poesia nova há de ser alegre, azucrinante, estonteadora. Não será triste.
A tristeza nela é negação. Mesmo que alguma desgraça enorme, tragédia
interior, catástrofe do coração excrucie ao Poeta em vida, lhe espedace o
pensamento ou lhe trucide o instinto, ele, o herói, deve imergir nessa tortura e
202

alçar-se mais formidável do que nunca no arremesso destruidor de um estado


social onde é possível esse desespero.428

Oprimidos contra opressores. Desgraçados contra felizes. Trabalhadores


contra parasitas. Utopistas contra práticos. Bons contra maus. Gênios contra nulos.
Francos contra hipócritas. Justos contra tiranos. Direito contra lei. Povos contra
governos. Obviamente que, seguindo a linearidade do discurso, as duas últimas
construções podem apresentar ambiguidades. De qualquer maneira, está claro contra o
que a nova poesia, a voz da nova poesia e dos novos poetas “precisava” se levantar; está
claro por quem e pelo que a voz da nova poesia e dos novos poetas “precisava” lutar.
Estando isto claro, recuemos um pouco.
Bem diferente daquilo que nos informam, de que assim que o Eu foi lançado
foi também “esquecido” no meio literário e jornalístico, as notícias literárias divulgadas
no primeiro momento destas notas podem elucidar quão ruidosa, barulhenta,
escandalosa foi a estreia “oficial” de Augusto dos Anjos como poeta, no Rio de Janeiro –
sem contar as inúmeras autorias do paraibano presentes, sempre que possível, em
vários impressos das capitais da República.
Tudo bem que houve muitas críticas e restrições do mesmo “meio” para com
o livro de versos escandaloso. Mas ainda achamos que os “elogios” são mais informativos
para entendermos o abalo que o poeta causou na República das letras e dos bacharéis.
Sim, as leituras e interpretações “atuais” do livro do poeta de Pau d’Arco são
importantíssimas, sim. As notícias literárias que surgiram, principalmente, a partir das
edições de 1920 (organizada pelo colega Orris Soares) e de 1928 (organizada pela
editora Castilho, do Rio – contam que também pela “influência” de Orris), ou seja, as
edições do caro amigo preocupado com o esquecimento do caro amigo e a “sucesso de
público”, respectivamente, são importantíssimas, também. E, por isso mesmo, “grande
parte” desse material figura na bibliografia deste trabalho de notas – lembremos: este
trabalho pretende compartilhar, cuidadosamente, fontes outras, biográficas e
bibliográficas, que possam auxiliar aos leitores do Eu.
Mesmo assim, não há como deixar de lado as notas literárias que registraram
o Eu entre 1912-1913, que noticiaram o Eu e a ele atribuíram suas impressões. Não há
como deixar de lado esse material que, na sua época de divulgação, já – somente alguns,
claro –, assinalava os principais valores do livro de versos e do seu criador: original,

Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.
428

1913, p. 223.
203

barulhento, singular, agitador, impressionante, escandaloso. Resumindo: alguns


poetas/prosadores/jornalistas/professores/críticos/historiadores, já em 1912-1913,
assinalavam o livro de versos de Augusto dos Anjos como grande acontecimento dos
últimos meses, dos últimos anos, como grande prova de superioridade artística de seu
autor, como grande demonstração de que os novos estavam chegando com o seu sopro
(Augusto, com o cuspe) de novidade.
O jovem jornalista e cronista Eurícles de Matos, por exemplo, definia o Eu
como “acontecimento poético do ano”; um livro de um também jovem que não precisou
se arrastar aos pés nem pedir a benção dos “papas das letras”429. O jornalista e escritor
João Luso destacava o Eu como síntese de “todas as belas e grandes coisas da
contemplação”; um livro cujo autor estuda e analisa “a si mesmo”, um livro cujo autor é
cruel consigo mesmo e com os outros430.
Na ala dos poetas, Hermes Fontes definia o Eu “o mais ruidoso dos últimos
seis meses”; livro dum poeta que revelava “anarquia luminosa e estonteante”, “elevação
e extravagância, originalidade e preciosismo, voos e quedas, arrojos e decaídas”; livro
que deixava o leitor estonteado, entusiasmado, sensacionalizado, encantado e conduzido
“à lágrima e ao êxtase”431. O poeta e jornalista Pereira da Silva, em sua notícia, assinalava
a complexidade da poesia de Augusto, complexidade que era fruto da estreita ligação
“poesia-filosofia”, complexidade que revelava o estro do poeta: Augusto, escritor de um
livro no qual pulsam cogitações, dúvidas, desesperos, no qual pulsa “intensa angústia
inédita e incontida”, no qual pulsam efetividade e realidade432.
“A par disso tudo”, dizia Mário Pederneiras em sua notícia condenando o
abuso do vocabulário técnico (científico) utilizado por Augusto dos Anjos, o Eu “tem
belezas intensas”; no Eu há um “estranho modo de sentir e impressionar”433. O próprio
professor e jornalista Xavier Pinheiro, malgrado sua extensa lista de restrições ao poetar
de Augusto, fala algo que chama bastante nossa atenção e que pode ser muito bem
aproveitado: “A estreia do poeta do EU, que tanto deu que falar, ficará como uma bela
nota, porque espantou a burguesia habituada à melifluidade dos vates amorosos e foi
um triunfo para que possa ir para diante”434. Isto mesmo, espantou a burguesia.

429 Notícia transcrita: apud O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.182, 06 jul. 1912, p. 1.
430 Notícia de: Jornal do Comércio: edição da tarde, n. 824, 18 jun. 1912, p. 3.
431 Notícia transcrita: apud MAGALHÃES JÚNIOR, 1977, p. 269-273.
432 Notícia de: Gazeta de Notícias, n. 220, 07 ago. 1912, p. 3.
433 Notícia de: Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 27, 06 jul. 1912, p. 23.
434 Notícia transcrita: apud O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.194, 20 jul. 1912, p. 1.
204

Importantes também foram as notícias literárias de Fábio Luz e José Oiticica,


ambos professores, jornalistas, conferencistas; ambos membros do projeto – junto com
Augusto –, de que não se sabe muita coisa, não se sabe se algo realmente foi produzido
ou se apenas ficou na iniciativa, a Enciclopédia Nacional do Ensino; ambos participantes
ativos e realizadores de palestras, de cursos, de comícios e demais eventos ligados ao
movimento anarquista; ambos escritores engajados na “literatura de cunho libertário”
no Brasil. E de ambos também nos esquecemos quando consideramos as “notas” que
escreveram acerca do livro de estreia de Augusto dos Anjos como “simples notas” sem,
antes, entender suas filiações, sem, antes, entender suas definições para com a literatura,
sem, antes, entender suas definições para com a “função” da literatura.
Apesar de os trabalhos de ambos terem se destacado a partir da década de
1920, com uma maior produção e circulação desse material cultural de cunho libertário,
apesar de ambos terem vários outros materiais interessantes (poesias, crônicas, “lições e
programas e cursos” discutindo literatura e ideologia anarquista), a limitação deste
rapaz das notas para com essas leituras é evidente. E, por isto mesmo, centremo-nos em
apenas um material de cada um dos professores, material justamente “contemporâneo”
ao lançamento do Eu, e que já foi citado no primeiro momento deste trabalho.
De Fábio Luz, há a conferência pronunciada em novembro de 1913 na sede
do Centro Cosmopolita do Rio de Janeiro, a “Primeira lição do Curso Elementar de
Literatura, iniciado no Centro Cosmopolita, em 14 de novembro de 1913”, conferência
pronunciada a operários e demais membros sindicalistas.
É neste discurso em que o autor desenvolve o que, para ele, deveria ser a
verdadeira função da literatura: enquanto a “história geral” (qualquer método científico,
então?) relataria “as vilanias, as baixezas, as guerras[,] uma história marcada pela
miséria e sangue da humanidade no solo da Terra”, a literatura, por outro lado, deveria
“dar conta de uma utopia libertária que se localiza[sse] além desse tempo e desse
espaço, num quadro de pura beleza e perfeição”; a literatura deveria representar “a
melhor base para o estudo real das civilizações e dos progressos, retrocessos, quedas e
voos do espírito humano”, colocando todos nós em comunhão e comunicação “com os
reais progressos do espírito na evolução contínua”; a literatura deveria recuperar “o
outro lado da história, a “desses espíritos que honram o gênero humano e gênio das
205

raças, para nosso eterno gáudio e para nossa glória, quase todos revoltados e
revolucionários””435.
De José Oiticica, há o “manifesto” da nova poesia divulgado “oficialmente” na
edição de outubro-dezembro de 1913 da Revista Americana – oficialmente porque o
texto pode ter sido divulgado ou no comecinho de outubro ou no finzinho de setembro,
pois Eduardo Guimarães, o poeta que se referia ao texto de Oiticica como afronta à
“verdadeira poesia”, assinava o seu “Palavras a um Novo” já em 3 de outubro, texto que
era também uma “resposta” ao do anarquista436.
No manifesto, Oiticica definia as funções da nova poesia do novo século, e
destacava Hermes Fontes e Augusto dos Anjos como seus representantes máximos.
Como já reproduzimos, por mais de uma vez, fragmentos desse texto, resumamos o que
há de mais emblemático naquilo que o autor define como “função” da nova poesia: sua
voz seria dos e lutaria pelos “oprimidos contra os opressores”, pelos “desgraçados contra
os felizes”, pelos “trabalhadores contra os parasitas”, pelos “utopistas contra os
práticos”, pelos “bons contra os maus”, pelos “gênios contra os nulos”, pelos “francos
contra os hipócritas”, pelos “justos contra os tiranos”, pelos “povos contra os governos”.
Fábio Luz e José Oiticica, cada qual com sua “definição” do que deveria
representar a “literatura-poesia”, exaltavam a “perfectibilidade” desta, tanto em forma –
Luz cria no poder da língua e de seus recursos (“as onomatopeias, as frases sincopadas e
exclamativas”437) como fonte de expressão literária; Oiticica, mais vinculado à poesia,
cria no uso da sátira, do epigrama, da estrofe de “tom pessimista” (porém, sem
extravagâncias), dos neologismos oriundos do “vocabulário técnico” da “física, da
química, da biologia, da geografia, da mineralogia, das artes, dos ofícios”438 –, quanto em
conteúdo – para ambos, a “literatura-poesia” deveria estabelecer a perfeita “relação
homem-natureza”; e o próprio Oiticica diz, no seu manifesto, que o vocabulário técnico e
exuberante utilizado na poesia deveria ser de acordo com “as pompas da nossa
natureza”, que esse vocabulário deveria “integralizar o homem no universo”.
Fábio Luz e José Oiticica exaltavam a “literatura-poesia” capaz de mostrar um
mundo justo e possível. Por isto, “utópico”.

435 Apud HARDMAN, 2002, p. 141.


436 Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, n. 43, 25 out. 1913, p. 39.
437 Apud HARDMAN, 2002, p. 140.
438 Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.

1913, p. 226.
206

E foi seguindo por essa linha de raciocínio que os dois escritores libertários
noticiaram o aparecimento do Eu, de Augusto dos Anjos. Fábio Luz, em sua notícia
publicada na Brasil Moderno, assinalava na poesia de Augusto suas qualidades de
“perscrutar os segredos da natureza”, de “auscultar o ressurgimento de outra vida”, de
“adivinhar e pensar o mundo”439. José Oiticica, em sua notícia publicada no A Época,
caracterizava Augusto como “decisivo pesquisador de novos moldes na interpretação do
mundo”, detentor de um “poder significativo de expressão” e de uma “sensibilidade
notável”440; para ele, o paraibano fazia parte dos novos que analisavam e sintetizavam a
“arte universal”, que analisavam e sintetizavam as “vastas dos fenômenos naturais”.
E foi seguindo por essa linha de raciocínio que os dois escritores também
condenaram as extravagâncias de Augusto dos Anjos, condenaram seu lado pessimista,
obscuro, repulsivo. Foi seguindo por essa linha de raciocínio que Fábio Luz condenou em
Augusto sua constante na “matéria repulsiva”, na percepção “histórica” do mundo, na
“crueza de realidade”, nos “abusos dessa coisa repulsiva”, no “revolver dos monturos”,
no “mexer das sepulturas”, no “exame da sânie”, na “obsessão cromática” (pela cor
vermelha). Foi seguindo por essa linha de raciocínio que José Oiticica condenou em
Augusto essa poesia odorante: “Será possível que o poeta não veja no mundo senão a
dor, a podridão, os intestinos e os vermes? Não terá na sua estesia outras sugestões
menos malignas, menos malsãs, menos mal odorantes?”441.
São interessantes essas restrições que Fábio Luz e José Oiticica fizeram ao
estro poético de Augusto dos Anjos. São interessantes, sim. Não que esteja sendo irônico
agora, mas justamente porque Augusto causava espanto até mesmo em seus
contemporâneos engajados na literatura de cunho libertário. O poeta causava espanto,
sim, e nem por isso deixava, pelo que lemos dos argumentos de Luz e Oiticica, de ser
original, singular, de tentar integralizar “homem-natureza”.

Ainda assim, partindo das premissas de ambos, de que a arte-poesia restaura


e busca um mundo justo e ideal, de que o poeta por esse caminho segue como voz
destemida e restauradora – ou, como diz Oiticica em seu manifesto, arte-poesia e poeta
novos que devem “sofrer, chorar, praguejar, vindicar” como vozes restauradoras, vozes

439 Notícia de: Brasil Moderno: revista de ciências, artes e letras, n. 7, set. 1912, p. 12-15.
440 Notícia de: A Época, n. 68, 06 out. 1912, p. 7.
441 Ibid., p. 7.
207

que abafam a voz “dos juris, dos senados, dos canhões”442 –, podemos localizar na poesia
de Augusto dos Anjos referências desta “libertação e restauração”.
Exemplos encontramos em Vencedor (o poeta igual a um gladiador): “Vieram
todos, por fim; ao todo, uns cem... / E não pôde domá-lo enfim ninguém, / Que ninguém
doma um coração de poeta!”443; em Monólogo de uma sombra: “Somente a Arte,
esculpindo a humana mágoa, / Abranda as rochas rígidas, torna água / Todo o fogo
telúrico profundo / E reduz, sem que, entanto, a desintegre, / À condição de uma
planície alegre / A aspereza orográfica do mundo!”444; em Os doentes, pois mesmo que a
ruína, a degradação, a doença, a morte venham de dentro, do alicerce, do “subsolo
infeliz”, da “matéria em fusão que ainda há no centro”: “Contra a Arte, oh! Morte, em vão
teu ódio exerces!”445 – todos poemas do Eu (1912).
No entanto, pensando no oposto das premissas de ambos, de que a arte-
poesia não restaura e não busca um mundo justo e ideal, de que o poeta por esse
caminho segue como voz fracassada e que apenas narra as tragédias coletivas, que
podemos localizar na poesia de Augusto dos Anjos referências até mais explícitas desta
“não libertação e não restauração”.
Exemplos encontramos em Queixas noturnas: “O amor tem favos e tem caldos
quentes / E ao mesmo tempo que faz bem, faz mal; / O coração do Poeta é um hospital /
Onde morreram todos os doentes”446 – não, não é possível que o fechamento da estrofe
tenha sido somente para manter a “rima”; em Barcarola, quando a “sereia” começa a
falar que o poeta nunca mais terá glória: ““Nunca mais! Sê, porém, forte. / “O poeta é
como Jesus! / “Abraça-te à tua Cruz / “E morre, poeta da Morte!”” e, depois de sua fala, o
luar se apaga, o barco tomba: “Vista de luto o Universo / E Deus se enlute no Céu! / Mais
um poeta que morreu, / Mais um coveiro do Verso!”447; em As cismas do destino: “Poeta,
feto malsão, criado com os sucos / De um leite mau, carnívoro asqueroso, / Gerado no
atavismo monstruoso / Da alma desordenada dos malucos”448.
Através destes últimos exemplos, podemos entender as restrições que os
professores e críticos Fábio Luz e José Oiticica assinalaram na poesia de Augusto dos

442 Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, n. 10-12, out./dez.
1913, p. 222.
443 ANJOS, 1994, p. 281.
444 Ibid., p. 199.
445 Ibid., p. 248-249.
446 Ibid., p. 292.
447 Ibid., p. 298-299.
448 Ibid., p. 221.
208

Anjos. São os rebaixamentos da arte-poesia e do poeta a um mundo completamente


“baixo”, monturoso, doentio, repulsivo. São a ineficiência da arte-poesia e do poeta como
vozes restauradoras, quando não de suas mortes. São as “definições” e “funções” que
ganham a arte-poesia e o poeta: o coração do poeta como “hospital onde morreram [sem
cura] todos os doentes”, o poeta “como Jesus abraçado à cruz” no martírio eterno, o
poeta como “um coveiro do verso” a sepultar quimeras, o poeta como “feto malsão,
criado com os sucos dum leite mau, carnívoro asqueroso” que traz em torno de si
“desgraças e ruinarias”, que traz em torno de si “a canção da natureza exausta”, que traz
em torno de si “a romaria eterna dos aflitos, das coletividades que dão gritos”.
E são estas imagens (reais) que marcaram os críticos do Eu; que ainda
marcam, e a nós leitores. São estas imagens (reais) que incomodam e espantam e
escandalizam. São estas imagens (reais) que, em sua maioria, achamos que podem ser
encontradas e melhor expressas, principalmente, nos chamados “poemas longos” de
Augusto dos Anjos. São estas imagens (reais) que tentaremos compreender a partir de
algumas notas que seguem. Antes, porém, duas outras introdutórias.

Pensamos que o “programa poético” da obra de Augusto dos Anjos está


naquilo que seus críticos mais condenam e intitulam de “fantasias, delírios, loucuras em
demasia; monstruosidades absurdas; dores, torturas extremas”, ou seja, seus “poemas
longos”, seus poemas narrativos. Isto mesmo, extensos poemas distribuídos ora em
sextilhas, ora em quadras, majoritariamente escritos em verso decassílabo; alguns,
divididos em “cantos”. Até hoje há edições que tão somente cotejam os “sonetos” de
Augusto, visto que, para muitos, são sua marca registrada, visto que, para muitos, são o
material no qual Augusto melhor apresentou sua poesia. Mas creio que não haja, até
hoje, edições que se interessam, exclusivamente, pelos seus poemas narrativos.
Pensamos que são por esses poemas que Augusto melhor define sua poesia.
São por esses poemas longos/narrativos que percebemos uma maior fidelidade dos
versos de Augusto às “imagens reais”, não fantasiosas ou delirantes como querem.
A partir da leitura desses poemas longos/narrativos de Augusto, observamos
uma “narração”, sempre pela figura de um eu, não de situações épicas, heroicas, líricas,
assim como denota-se da história do “gênero (poema narrativo)”. A narração das
situações feita por esse eu, ou mesmo feita por alguma voz que lhe fala (a sombra, o
destino, a natureza exausta) é pela linha “trágica”: um eu que narra histórias de vencidos,
209

que narra choros e gritos das “coletividades sofredoras”, que narra a canção da
“natureza exausta”; e cuja narração se dá, simultaneamente, a partir de uma intensa
perspectiva de “deslocamento” de espaços físicos, e de tempos, às vezes.
O eu dos poemas longos de Augusto dos Anjos está sempre como “judas
errante”, um “peregrino” que anda pelos matos da zona rural e pelas ruas da cidade a
ouvir, ver, sentir os gritos, os vencidos, a “energia abandonada” da noite abandona.
Não querendo estabelecer estritas (e talvez equivocadas) relações entre a
vida do poeta e sua obra artística, mas essa figura do “judas errante”, do “peregrino
audaz”, fora por ele mesmo descrita em algumas correspondências enviadas à sua mãe,
na época em que estava morando no Rio de Janeiro.
Nas cartas dos meses de março e abril de 1913, por exemplo, Augusto, que
ainda estava sem emprego fixo na capital da República, vivendo do pouco dinheiro que
recebia das poucas aulas particulares que dava e de uma e outra oportunidade
temporária que lhe aparecia – fora nomeado pelo Ministério da Agricultura como
professor de uma comissão avaliadora, o mais recente –, comunicava à Dona Córdula
que continuava na “luta de [judas] Ahasverus do magistério obscuro”, na “vida áspera
rasgando dificuldades”, na “caçada áspera de todos os dias”, na vida dum “judas errante”
que, mesmo assim, cria num “dia de reivindicações e desforras”449.
Sim, apenas “imagens” do peregrino em busca de melhores dias. Não, não
quero ficar sentido com estas imagens. Isto vai passar.
E em relação a seus poemas longos, a seus poemas narrativos, à sua obra
artística propriamente dita, se formos enveredar pelo que diz sua bibliografia, quase
nada encontramos que nos possa auxiliar nestas leituras. As interpretações que foram
dadas aos poemas longos de Augusto dos Anjos são distantes da “realidade”.
Osório Duque-Estrada, por exemplo, em sua notícia literária sobre o Eu,
publicada no Correio da Manhã, lá em 1912, definia essas produções (As cismas do
destino, Os doentes, Noite de um visionário) como “verdadeiras monstruosidades, aleijões
abortados de uma fantasia delirante e de uma torturada imaginação que se obstina em
parecer única e original”450.
Mais “recentemente”, Flóscolo da Nóbrega (1965), bacharel em Ciências
Jurídicas pela Faculdade de Direito do Recife, ocupante da cadeira “número 1” da

449 ANJOS, 1994, p. 751.


450 Correio da Manhã, n. 3.986, 17 jun. 1912, p. 1.
210

Academia Paraibana de Letras, cujo patrono é Augusto dos Anjos, na pesquisa A sombra
do “Eu” descreve seu conterrâneo e sua poesia como “cerebral/intelectual”, poesia na
qual o poeta vaza “no verso a sua mágoa imensa”.
As leituras que Flóscolo faz por essa perspectiva são, principalmente, dos
poemas longos de Augusto (Monólogo de uma sombra, As cismas do destino, Gemidos de
arte, Os doentes, Poema negro, Queixas noturnas, Tristezas de um quarto minguante, Noite
de um visionário, Numa forja): neles, o poeta retrata-se desacreditado do futuro, corroído
pelas crises de angústia, pelas noites de insônia, pelas “lucubrações à sombra do
tamarindo”; neles, o poeta retrata a “mísera condição do homem escravo das
circunstâncias, prisioneiro da gaiola, dentro da qual luta e sofre e chora”; neles, são em
grandes quantidades as “imagens em desordem”:
Essas fantasmagorias lembram os delírios dos tomadores de ópio, peiote e
haxixe. São características do pensamento onírico, que trabalha tão só com
elementos figurativos e obedece apenas ao jogo da livre associação. Cada um
desses poemas é em si mesmo um pesadelo, com todo o visualismo e a
simbologia que distinguem a elaboração onírica. Oscilando entre os temas da
morte, da dor, da doença e da putrefação, a ideação se desdobra seguindo o
processo do sonho verbal, guiando-se pelo fluxo das livres associações e
desfechando quase sempre no imprevisto e no fantástico. É como se o poeta se
submetesse a um autoteste de psicanálise, relaxando as inibições mentais e
assim possibilitando a extravasão do seu substrato mental de engramas,
recalques e obsessões [...].451

Fantasmagorias. Elementos figurativos. Pesadelo. Sonho verbal. Livres


associações. Extravasão de engramas, recalques e obsessões. E há muitas outras leituras
desse material poético de Augusto dos Anjos que vão pelo mesmo caminho de
interpretação – para embasar esse fragmento, Flóscolo cita como exemplos Monólogo de
uma sombra, As cismas do destino, Os doentes, Noite de um visionário, inclusive com
desvios em relação aos títulos dos poemas.
As leituras que pretendemos fazer, ou melhor, as notas que pretendemos
dispor sobre alguns desses poemas longos de Augusto, vinculam-se à perspectiva
apresentada pelo poeta, cronista e jornalista paraibano Eudes Barros (1974).
Na pesquisa A poesia de Augusto dos Anjos, Barros comenta sobre uma das
filiações mais recorrentes que os críticos costumam estabelecer com Augusto: o poeta
Cesário Verde. Mesmo concordando com a “quase contemporaneidade” entre o
português e o paraibano, Barros define Cesário como “poeta da comédia urbana de

451NÓBREGA, J. F. da. A sombra do “Eu”. João Pessoa: Ed. Universidade Federal da Paraíba, Departamento
Cultural, 1965, p. 67.
211

Lisboa”, poeta que pintava aspectos de sua cidade, poeta que se referia a ““um trôpego
arlequim bracejando””, a ““querubins do lar flutuando nas varandas””, a “mendigos
mostrando “as pernas pútridas, maduras””. Segundo o crítico, a poesia de Cesário “é um
caleidoscópio alfacinha: reflete Lisboa inteira. Menos a alma do Poeta”; e completa:
Que diferença da poesia de Augusto dos Anjos! Vemos nesta a pintura da
paisagem nordestina, “onde jaz, ao pé da serra, junto à urtiga brava”, “a
queixada específica de um burro”; “os astros miúdos”, que reduzem o céu “a
uma epiderme cheia de sarampos”; “o luar, da cor de um doente de icterícia”; a
água da chuva na rua “encharcando os buracos das feridas e alagando a medula
dos doentes”; aquela evocação fantasmagórica e lúgubre do Recife, quando ele,
pela ponte Buarque de Macedo, ia “em direção à casa do Agra” (que era uma
Casa Funerária); aquele “ar danado de doença sobre a cara geral dos edifícios”;
aqueles “bêbedos alvares”, que o olhavam com os copos cheios “e vomitando
gosmas amarelas”... Em tudo isto ele pinta, para usar-lhe a expressão, o retrato
da própria consciência. São cores negras e tétricas do seu quadro interior.452

Segundo Barros, o realismo poético de Cesário Verde é “superficial, fútil,


mundano, satírico, pitoresco”; nele, o poeta mostra “sua insensibilidade aristocrática em
face dos humildes”. Já Augusto, com o seu realismo, expressa “tragédias íntimas”,
“ternura compreensiva” – aqui, exemplificou com o soneto Ricordanza dela mia gioventú.
O jovem Eurícles de Matos, em sua notícia literária sobre o Eu, lá em 1912, se
referia a esses poemas, mais precisamente ao longo Uma noite no Cairo, como poesias
em que se apresentam “verdadeiras paisagens, fiéis e precisas todas”453.
Ferreira Gullar (2016), no ensaio “Augusto dos Anjos ou Vida e morte
nordestina”, também assinala a importância desses poemas longos, desses poemas
narrativos na obra do rapaz de Pau d’Arco.
Após fazer um levantamento de palavras de “caráter concreto”, de palavras
de “uso corrente” na poesia de Augusto, afirmava que esses exemplos surpreenderiam
aos acostumados a só verem “um simbolista ou um “cientificista”” em Augusto dos Anjos.
Segundo Gullar, esse vocabulário é importantíssimo porque se mostra fator “essencial
para se penetrar no mundo poético do autor do Eu”. Segundo Gullar, esse vocabulário
está, em sua maioria, presente nos poemas longos de Augusto. Segundo Gullar:
[...] os poemas longos assinalam os momentos em que a necessidade expressiva
conduz o poeta a superar suas próprias limitações e condicionamentos. São
momentos em que ele se dispõe a questionar mais profundamente suas
relações com a realidade. E é precisamente nesses poemas que os elementos da
realidade cotidiana têm maior peso e, ao mesmo tempo, em que sua imaginação
poética e sua inventividade verbal atingem nível mais alto [...].454

452 BARROS, 1974, p. 56.


453 Apud O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.182, 06 jul. 1912, p. 1.
454 GULLAR, 2016, p. 60.
212

E são estas paisagens reais, fiéis, reais, precisas, reais, que verificamos, em
maior escala, nos narrativos de Augusto dos Anjos. São estas paisagens descritas pelo
“poeto, feto malsão” em passeio pela noite dos vencidos, em sua errância, peregrinação,
andança, ambulação. São estas paisagens reais e “sentidas”, ora de uma ambientação
“rural”, ora de uma ambientação “urbana”. Leiamos, então, sobre este poeta peregrino.

No ensaio “O poeta itinerante”, o professor, sociólogo e crítico literário


Antônio Candido analisa o poema “Louvação da tarde”, de Mário de Andrade, poema
“longo” escrito em 1925; poema reflexivo (“que não pode ser lido no bonde”, conforme
descrito numa carta de Mário enviada a Manuel Bandeira, e transcrita por Candido).
Aludindo às matrizes literárias desse tipo de produção, o professor pontua
sua função de ser mais “interior”, mais “reflexiva”: poema que exige mais fôlego do
leitor; poema construído “em torno do próprio eu, em linha meditativa”; poema que
remonta à tradição dos românticos ingleses (Rousseau, Wordsworth), em que o vínculo
“reflexão e lugar” é mais estreito.
Segundo Candido, “Louvação da tarde” pertence a esta “relação dinâmica, na
qual o emissor do discurso se movimenta”, configurando, assim, a poesia itinerante,
“função poética da marcha, o corpo em movimento servindo para espertar a mente”.
Segundo Candido, a produção de Mário de Andrade faz parte da “meditação ambulante”,
onde se encontra a “combinação natureza-passeio-meditação”455.
Aludindo a outro momento das letras, à tradição da “modernidade”, o
professor Antônio Candido descreve a respeito da “mudança” de paisagem. Se antes era
“a natural, a campestre”, a partir do século XIX coube destaque a da “cidade”. O espaço
itinerante, “agora”, se dá pelas grandes cidades, pelos centros urbanos; e seus poetas e
prosadores (Baudelaire, T. S. Eliot, Louis Aragon) trabalham essa metamorfose muitas
vezes chegando a uma “poesia densa e cheia de fantasia”.
Como exemplo dessa poesia itinerante nas letras brasileiras, em que, agora, o
poeta percorre seu caminho meditando pela cidade, Candido cita um que nos interessa:
Na literatura brasileira anterior ao Modernismo há pelo menos um notável
exemplo de meditação itinerante na moldura transfigurada das capitais: “As
cismas do destino”, de Augusto dos Anjos, fala desvairada e eletrizante no
decurso de um passeio noturno rumo a certa casa funerária, que começa assim:

Recife. Ponte Buarque de Macedo.

455CANDIDO, A. O poeta itinerante. In: _____. O discurso e a cidade. São Paulo: Livraria Duas Cidades,
1993, p. 261.
213

Eu, indo em direção à casa do Agra,


Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino e tinha medo!456

Fala desvairada e eletrizante no decurso de um passeio noturno a certa casa


funerária. O exemplo do professor Candido é de suma importância para entendemos um
pouco do lastro poético de Augusto, principalmente de seus poemas narrativos. Assim,
ainda vale pontuar: fala real e eletrizante no decurso de um passeio a certa casa
funerária e, em seguida, pelas ruas de “Recife”, onde há não somente a “meditação” do
poeta, como também sua visão caleidoscópica de toda uma ambiência noturna. É nesse
exemplo que podemos verificar intensas imagens da “noite eterna dos espectros (reais)”.
Talvez com essas pequenas notas agora fique mais compreensível entender a
dimensão desse tipo de produção de Augusto dos Anjos. Seus poemas longos/narrativos
realmente são inquietantes, são escandalosos.
Tudo bem que a tentativa de epigrafar este segundo momento da pesquisa
com uma carta que o poeta enviou à sua mãe de quando residente na capital da
República, o Rio de Janeiro, pode parecer loucura. Infelizmente, esse tipo de iniciativa
pode fomentar às constantes desleituras e desinformações pelas quais a poesia de
Augusto passou e passa por mais de um século.
Contudo, não consigo ler “espécie aberratória de buraco na alma”, “noite
muito grande e muito horrível em que ando, a todo o instante, a topar comigo mesmo,
espantado dos ângulos de meu corpo e da pertinácia perseguidora de minha sombra”
sem fazer alusão alguma à sua mentação poética. Não, realmente esse tipo de exemplo
não pode nem deve fomentar os mesmos erros pelos quais a poesia de Augusto passou.
Não caiamos na ideia de individualizar sua obra pelo título.
Sim, a “noite dos espectros” parece ser mais profunda, mais coletiva, mais
real. A noite dos espectros observada, analisada, sofrida pelo eu poeta emissor – ou
ouvida, observada e sentida por esse eu através das vozes da sombra, do destino, da
natureza exausta –, pode nos facilitar uma leitura dos versos augustos. Sendo assim,
passemos, agora, à segunda nota, antes das notas gerais sobre os poemas longos.

Tentando não deixar a voz de Augusto dos Anjos ecoar solitariamente pela
noite dos espectros, as leituras dos ensaios “Espectros da nação: figuras deslocadas

456 Ibid., p. 264.


214

entre saudades e soledades”457, “Antigos modernistas”458 e “Augusto dos Anjos e o


antitropicalismo”459, do professor e historiador Francisco Foot Hardman, são de suma
importância. Eles servem de base sólida para este segundo momento do trabalho.
No primeiro ensaio, Hardman analisa algumas produções de escritores, entre
poetas e prosadores, críticos literários e professores, jornalistas e historiadores, de
estilos totalmente “díspares” e até pertencentes a “diferentes gerações”, como José
Geraldo Vieira, Guimarães Rosa, Machado de Assis, Lima Barreto, Sousa Andrade; ou, já
no segundo ensaio, “Raul Pompeia, Aluísio Azevedo, Graça Aranha, João do Rio, Euclides
da Cunha, [ele também] Augusto dos Anjos, Coelho Neto, José Oiticica, José Veríssimo,
Araripe Jr., Capistrano de Abreu ou Elísio de Carvalho” (HARDMAN, 2009, p. 170).
No “Antigos modernistas”, além de análises dos escritos e do estro artístico
desses e de outros pensadores, Hardman (2009, p. 168-169) assinala os equívocos, ou
melhor, os limites impostos, ao longo das décadas, pelas crítica e histórias culturais e
literárias brasileiras na medida em que criam “modelos [culturais] de interpretação”,
ocultando e excluindo “amplo e multifacetado universo sociocultural, político e regional
que não se enquadrava nos cânones de 1922”; reduzindo “as relações internacionais na
cultura brasileira a eventuais contatos entre artistas brasileiros e movimentos estéticos
europeus” (as “vanguardas”), ocultando e apagando, assim, “o internacionalismo e o
simultaneísmo espaço-temporal [que] já se tinham configurado como experiências
arraigadas na vida cotidiana do País”; e, impondo uma “definição esteticista” para o
significado de “modernismo”, ocultando e abandonando “outras dimensões políticas,
sociais, filosóficas e culturais decisivas à percepção das temporalidades em choque”.
O argumento de Hardman (2009, p. 169) é de que, “desde pelo menos 1870 –
meio século antes, portanto, da Semana de Arte Moderna [...] –, uma série de pensadores
e obras já se inscrevia num movimento sociocultural de ideias e reivindicações” que José
Veríssimo classificaria de modernismo, “abrangendo textualmente”, neste amplo e
heterogêneo campo sociocultural: as filosofias positivista, evolucionista, materialista,
sendo a Faculdade de Direito do Recife o mais conhecido ambiente de divulgação destas
– lembrando que Augusto dos Anjos foi um dos “filhos ilustres” da faculdade; as
“correntes de tendência social-democrata e libertária”, formação que se deu a partir da

457 HARDMAN, F. F. A vingança da Hileia: Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São
Paulo: Fundação Editora da Unesp, 2009, p. 291-306.
458 Ibid., p. 167-186.
459 Ibid., p. 187-197.
215

intensa imigração de trabalhadores/operários europeus nas principais cidades do


Brasil, principalmente a partir da década de 1890 (pós abolição da escravidão),
configurando-se, assim, simultaneamente, o surgimento de uma nova classe social (o
proletariado industrial), as mudanças nos perfis urbano-industrial e “sociolinguístico”
da sociedade, e o surgimento de uma imprensa cultural ligada à nova classe e a alguns
intelectuais “libertários”; as cruéis modificações da percepção “espaço-temporal”,
sobretudo após a guerra do Paraguai (1870), marco histórico trágico a partir do qual a
percepção da “aceleração do tempo” tornou-se mais impressionante; sem contar em
vários outros marcos históricos, alguns trágicos: a abolição da escravidão; o
“erguimento” da tão sonhada República; o avanço (bestial) do “Estado modernizador”
Brasil adentro, construindo o progresso (ferrovia Madeira-Mármore), desconstruindo e
apagando o “passado”; e uma série de guerras e massacres perpetrados pelo Estado: se
alguns não foram esquecidos porque foram “narrados por vozes estranhas e agônicas”
(Canudos, narrado por Euclides da Cunha n’Os Sertões), outros tantos figuram no
imaginário coletivo (a do Contestado, a da Chibata), reconhecidos entre o choque do
Estado armado e o outro lado (o mais fraco) da história.
Segundo Hardman (2009, p. 185), esses escritores, entre poetas e prosadores,
críticos literários e professores, jornalistas e historiadores, de estilos totalmente
díspares, ligam-se pelo “estrepitar de vozes, estas letras farfalhantes, estes ecos
aparentemente sem origem nem destino”, ligam-se por serem ruidosos, “saídos de
lugares distantes e de tempos remotos, [que] lançavam suas línguas estranhas como
chamas utópicas sobre as ruínas do País”.
Segundo Hardman, essas vozes ruidosas, “agônicas”, profundas, coletivas,
heterogêneas, que falam de territórios distantes e apagados da história, que falam de
paisagens distantes e apagadas da história, que falam de “grupos” distantes e
apagados/banidos da história, que falam dos “espectros reais” nossos de cada dia, são
vozes muito próximas, vozes que fazem parte de uma certa “linhagem”
[...] que se remonta a meados do século XIX até a modernidade literária do
século XX, que é a linhagem dos deslocamentos geográficos e históricos, os
quais têm oferecido algumas das representações poéticas mais agônicas, no
Brasil, sobre a impossibilidade de uma fundação nacional simétrica ou
harmoniosa, já que todas as construções identitárias, assim intentadas, foram
produtos ideológicos da cultura dominante da “ordem e progresso”, sempre
como marcha triunfal da desmemória capaz de apagar os rastros e sinais de
outro binômio, o de “morte e progresso” [...].460

460 Ibid., p. 292.


216

Segundo o professor Francisco Foot Hardman, essas vozes agônicas


expressaram e expressam, em seus escritos, em suas poesias, em seus romances, em
suas crônicas (cartas também?), enfim, em suas variadas produções literárias,
jornalísticas, filosóficas: o sentimento trágico e denunciativo da impossibilidade de
unidade, tão sonhada pelo Estado; o sentimento trágico e denunciativo do apagamento
de outras vozes “menos resistentes”; o sentimento trágico e denunciativo do choque de
tempos (passado versus futuro), de espaços (campo versus cidade), de sociedades
(pequeno produtor versus Estado moderno e assassino; proletariado industrial versus
burguesia), de interesses (escravidão versus liberdade).

São essas vozes ruidosas e estrepitantes e agônicas, e suas letras e símbolos e


imagens ruidosos e estrepitantes e agônicos, que podemos verificar como “barulhentas e
escandalosas” aos ouvidos da Primeira República.
O professor e historiador Nicolau Sevcenko (1999), por exemplo, em
Literatura como missão, também nos mostra a imponência de vozes como as de Augusto
dos Anjos, José Veríssimo, Euclides da Cunha, Lima Barreto e de outros tantos escritores
(professores, historiadores, sociólogos, jornalistas, engajados republicanos, engajados
abolicionistas) das últimas décadas do século XIX e primeiras do século XX. São vozes
imponentes na história, sim.
Ao mesmo tempo, foram essas vozes rotuladas – e a história permanece: os
“inúteis” sociais, os “homens de talento” e de caráter “repelidos e postos de lado em
favor de aventureiros, oportunistas e arrivistas” – é, permanece. Foram essas vozes,
segundo o professor, dos “paladinos malogrados”, estes heróis, mas alguns errantes, mas
alguns fracassados, mas alguns vencidos. Foram vozes abafadas na história, sim.
Mesmo assim, paladinos que conseguiram ecoar seu cantar e grito
reivindicativos. Foram vozes que conseguiram “abalar” a República. Foram vozes
“atuantes”, conscientes de que a República fora mentirosa quanto à sua promessa.
Foram vozes denunciantes. São vozes imponentes na história, sim:
Um dos temas, pois, mais característicos e disseminados da crítica intelectual
do período passou a ser a recriminação da “inversão das posições nesse país”.
Por toda parte ele ressalta, explícito ou apenas velado, nos textos ou nos versos.
Mas poucas vezes alcançou uma intensidade tão dramática como nos versos
finais de “As Cismas do Destino”, de Augusto dos Anjos:
“O mundo resignava-se invertido / Nas forças principais do seu trabalho... /
A gravidade era um princípio falho, / A análise espectral tinha mentido! / (...)
Eu queria correr, ir para o inferno, / Para que, da psiquê no oculto jogo, /
217

Morressem sufocados pelo fogo / Todas as impressões do mundo externo! /


Mas a Terra negava-me o equilíbrio... / Na Natureza, uma mulher de luto /
Cantava, espiando as árvores sem fruto, / A canção prostituta do ludíbrio!”461

São essas vozes ruidosas e estrepitantes e agônicas, e suas letras e símbolos e


imagens ruidosos e estrepitantes e agônicos, que podemos verificar como atentas para
com as “dores dos humildes” – sim, os humildes da República, também.
É o professor e sociólogo Fernando de Azevedo (1962), no seu Máscaras e
retratos, mais especificamente no ensaio “A poesia social no Brasil”, ensaio publicado em
1925, quem também nos auxilia para com a leitura da poesia de Augusto dos Anjos462.
No seu texto, o professor traça um panorama “sociológico-literário” das letras
brasileiras, assinalando a evolução da literatura frente a um problema “básico”: sua
função social. Afirma Azevedo que, havendo na alma dos “grandes poetas”, na base das
“grandes obras”, a concepção filosófica da vida e da natureza, sempre deve haver,
também, a força das “inspirações populares”, vibrantes sob a pressão de manifestações
sociais. Segundo Azevedo, é o poeta o porta voz da sociedade.
Segundo o professor, historicamente, foram as vozes de Castro Alves, José
Bonifácio, Tobias Barreto, Vicente de Carvalho, algumas das vozes que encontraram no
“movimento abolicionista” o primeiro anseio de reforma social no Brasil.
Mas, “agora”, já se ouvindo os “últimos ecos da agitação emancipadora”, com
o fim da escravidão e com a proclamação da República, os interesses das letras e artes
passam a ser outros: uma literatura libertária, pautada na “luta de classes”, simultânea
de novos fatos político-sócio-culturais, desde a formação de uma nova classe social no
Brasil, a do proletariado industrial (com a imigração de operários estrangeiros no país
após o “fim” da escravidão), ao surgimento de uma imprensa engajada (na “literatura
social de cunho libertário”). E, “agora”, destacavam-se escritores como Hipólito da Silva,
Ricardo Gonçalves, Hermes Fontes, Max de Vasconcelos, Lima Barreto, Martins Fontes,
Curvelo de Mendonça, Raimundo Reis, Pedro do Couto, Rocha Pombo, Afonso Schmidt,
José Oiticica (“pioneiro do ideal libertário no Brasil”, segundo Azevedo).
Mesmo que não tenha feito longos argumentos, o professor destaca, logo no
início entre esses intelectuais, o nome de Augusto dos Anjos.

461 SEVCENKO, N. O exercício intelectual como atitude política: os escritores-cidadãos. In: _____. Literatura
como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 4. ed. 1. reimpressão. São Paulo:
Brasiliense, 1999, p. 87.
462 AZEVEDO, F. de. A poesia social no Brasil. In: _____. Máscaras e retratos: estudos literários sobre

escritores e poetas do Brasil. 2. ed. revista e aumentada. São Paulo: Melhoramentos, 1962, p. 84-90.
218

Fernando de Azevedo não o chama de “anarquista ou libertário”, mas define


sua poesia: “enquanto Augusto dos Anjos estremecia de ternura pelos humildes em
“Minha Ama Guilhermina”, onde a ironia amarga se casa a uma fina sensibilidade”463.
É a “ama de leite Guilhermina” representada no soneto Ricordanza dela mia
gioventú. É a “ama de leite Guilhermina” a que roubou moedas do eu, do mesmo eu que
sente remorso, que sabe que a ele é que cabe o furto feito, o furto do seio que deveria
alimentar a filha de Guilhermina. É a descrição e o remorso de uma “situação” que, até
hoje, pode soar normalíssima, esta situação de baixeza: o “amamentamento” de
mulheres pretas dado aos senhorzinhos da “casa-grande”. É a ternura. É o remorso.
Talvez, menos ternura. Talvez, mais remorsos.
É a voz de Augusto dos Anjos compreensiva a todos os gritos e, ao mesmo
tempo, povoada de remorsos, de mágoas. Uma voz que descreve todas as dores. Uma voz
que não suporta mais ouvir e sentir todas as dores.

Segundo o professor Francisco Foot Hardman (2009, p. 292-293), são essas


vozes ruidosas e estrepitantes e agônicas, e suas letras e símbolos e imagens ruidosos e
estrepitantes e agônicos, que simbolizam “imensa dor”, uma “saudade em deslocamento”
da “terra materna já despossuída de casa, de calor e de voz”; um coração perdido “no
dizer do mundo, carregando aquele desconcerto trágico do labirinto das soledades”; um
sentimento trágico pelo “lugar remoto, desterro e sonho com mortos, cemitério vivo e
cidade fugaz, ponto extremo no mapa e vidas arruinadas à beira da grade pirâmide
narrativa chamada nação”.
Segundo o professor Hardman (2009, p. 291), os “Espectros da nação” estão
nos e são os “personagens-em-trânsito, deslocados em amplos cenários cosmopolitas e
panorâmicos da história contemporânea” dos romances de José Geraldo Vieira; são os
“narradores deslocados” das crônicas e romances de Lima Barreto, de Triste fim de
Policarpo Quaresma, por exemplo, “em que o narrador transita entre um nacionalismo
naïf, uma cultura libertária sem lugar na República modernizadora e a lacuna solitária
de uma alma generosa e vulnerável diante do poder burocrático e da máquina militar
estatal” (p. 294); são as descrições de um lugar, o Brasil pós colônia, sem “nenhum sinal
concreto de sociabilidade”, um “ambiente desolado” apresentado por Capistrano de
Abreu nos Capítulos de História Colonial [1500-1880] (p. 297); são as “figuras disformes”,

463 Ibid., p. 87.


219

as “figuras demoníacas”, a narrativa da “peregrinação fluvial desse Judas-fantasma-pai,


duplo sertanejo abandonado, ao mesmo tempo pela natureza e pela civilização” do texto
“Judas-Ahsverus” de Euclides da Cunha (p. 299); são o “abandono do pai destinado a
uma fronteira inalcançável” e o rio como “fluxo do desterro, da morte”, cujo “fluir [do
rio], representa, antes que qualquer thélos, a suspenção da história” d’A terceira margem
do rio de Guimarães Rosa (p. 300-301); são a “peregrinação do Guesa” (“errante, sem
casa, sem teto”) rumando ao sacrifício, “impossibilitado de retorno ou reconciliação com
o país natal” d’O Guesa de Sousândrade (p. 302-303); são as paisagens decrépitas,
destruídas, cumulativas dos claros sinais da morte e da “consciência precoce da
tragédia” verificadas na poesia de Augusto dos Anjos (p. 191).
Segundo Hardman (2009, p. 193), é Augusto dos Anjos mais uma dessas
vozes que relatam o “cara a cara com as tragédias históricas brasileiras de passado
recente (escravidão negra, extermínio dos povos indígenas) ou coevas (por exemplo, a
Revolta da Chibata [...], cujas batalhas e repressão foram testemunhadas pelo poeta
[...])”; que relatam o cara a cara com a catástrofe global (a primeira guerra mundial).
É Augusto dos Anjos mais uma dessas vozes que relatam “miragens [e]
ilusões de uma natureza amena”.
É Augusto dos Anjos mais uma dessas vozes que representam a noção de arte
feita por “gemidos”, da arte que “não pode encontrar beleza nos signos da tropicalidade”
(HARDMAN, 2009, p. 192).
É Augusto dos Anjos mais uma dessas vozes que apresentam imagens “de
decadência e ruína como antepostas à noção de progresso histórico linear e cumulativo”
(HARDMAN, 2009, p. 193) – para aqui, a referência foi ao poema Uma noite no Cairo.
É Augusto dos Anjos mais uma dessas vozes “que vêm e ouvem e sentem”
aquelas tragédias coletivas (escravidão, genocídio, massacres diários e históricos) como
“sinais do colapso maior da civilização moderna que se projetou no Ocidente e da
falência prematura dos sistemas políticos (inclusive o regime republicano brasileiro) e
aparelhos de Estado”.
É Augusto dos Anjos quem canta a canção da natureza exausta, que peregrina
por paisagens naturais e cidades errantes, que mostra a incapacidade da “obtusa ciência
fria e louca e oca”, que mostra a insuficiência da “arte” enquanto restauradora de um
mundo eternamente sem princípios, de um mundo de martirizados e de vencidos:
Esta quase afasia possui evidentemente raízes históricas. Em oposição ao
ideal romântico fundador da nacionalidade, nem natureza tropical, nem
220

indianismo grandiloquente são mais capazes de restaurar o ideário da nação,


que jaz mergulhado na noite de seus espectros. O impasse épico e poético diz
respeito à desconstrução do mito de origem da “alma brasileira” [...]464

A nação mergulhada “na noite de seus espectros”.


Augusto dos Anjos, o peregrino na noite dos espectros sentindo essa “alma”.
Alma brasileira que, segundo Augusto dos Anjos, ou melhor, segundo a
sombra que monologa ao eu dos versos de Augusto dos Anjos, é “crepuscular”, está
fadada ao declínio, está fadada ao fracasso, está fadada à desgraça. A alma brasileira é
atavicamente fracassada; e a própria definição do termo (“crepuscular”) é justamente de
uma “luz frouxa”, rápida, de um “ocaso” (SILVEIRA BUENO, 1996, p. 172).
A nação mergulhada na noite dos espectros, na noite eterna das tragédias. O
peregrino audaz, o errante, caminhando e vendo e ouvindo e sentindo essa alma
brasileira fadada ao fracasso, toda uma natureza exausta, que geme, que pede socorro.
Caminhemos, agora, com Augusto dos Anjos.

464 HARDMAN, 2009, p. 194 (grifos meus).


221

CAPÍTULO 5:
Monólogo de uma Sombra, e as desgraças da alma crepuscular

Há periferias roxas em torno de nossos olhos. E porque


vamos pensando nessas coisas tristes, assoma-nos à ideia
torturada, a imagem do Brasil arquejante!
E a alucinação é completa!
O papel, em que escrevemos, adquire movimentos
próprios e parece de súbito afastar-se: depois se dilata,
muito grande, muito branco, atingindo as proporções
extraordinárias de uma mortalha que nos envolvesse! É
noite! Vem lá de fora um rumor de marteladas surdas.
É como se atirassem barras de ferro sobre os nossos
peitos chagados.
O luar fulge, uma auréola. Mas estão rindo! De quem
serão essas gargalhadas? De certo, não são humanas. Os
homens não gargalham assim! E, saímos, em agonia. No
silêncio da Noite, rindo da miséria brasileira, a mãe da lua
continua o escárnio!

(Crônica Paudarquense, de Augusto dos Anjos,


“Pau d’Arco – 1905.
O Comércio, 12-10-1905”.)465

Monólogo de uma sombra é um poema narrativo datado de 1912, e só se


conhece esta data porque assim vem em sua divulgação original, ou seja, na própria
organização da edição do Eu feita por Augusto dos Anjos, em 1912. Sigamos.

MONÓLOGO DE UMA SOMBRA466

“Sou uma Sombra! Venho de outras eras,


Do cosmopolitismo das moneras...
Polipo de recônditas reentrâncias,
Larva do caos telúrico, procedo
Da escuridão do cósmico segredo,
Da substância de todas as substâncias!

A simbiose das coisas me equilibra.


Em minha ignota mônada, ampla, vibra
A alma dos movimentos rotatórios...
E é de mim que decorrem, simultâneas,
A saúde das forças subterrâneas
E a morbidez dos seres ilusórios!

Pairando acima dos mundanos [tectos],


Não conheço o acidente da Senectus
– Esta universitária sanguessuga
Que produz, sem dispêndio algum de vírus,

465 ANJOS, 1994, p. 588-589.


466 Ibid., p. 195-200.
222

O amarelecimento do papirus
E a miséria anatômica da ruga!

Na existência social, possuo uma arma


– O metafisicismo de [Abhidharma] –
E trago, sem bramânicas tesouras,
Como um dorso de azêmola passiva,
A solidariedade subjetiva
De todas as espécies sofredoras.

Com um pouco de saliva quotidiana


Mostro meu nojo à Natureza Humana.
A podridão me serve de Evangelho...
Amo o esterco, os resíduos ruins dos quiosques
E o animal inferior que urra nos bosques
É com certeza meu irmão mais velho!

Tal qual quem para o próprio túmulo olha,


Amarguradamente se me antolha,
À luz do americano plenilúnio,
Na alma crepuscular de minha raça
Como uma vocação para a Desgraça
E um tropismo ancestral para o infortúnio.

Aí vem sujo, a coçar chagas plebeias,


Trazendo no deserto das ideias
O desespero endêmico do inferno,
Com a cara hirta, tatuada de fuligens
Esse mineiro doido das origens,
Que se chama o Filósofo Moderno!

Quis compreender, quebrando estéreis normas,


A vida fenomênica das Formas,
Que, iguais a fogos passageiros, luzem...
E apenas encontrou na ideia gasta
O horror dessa mecânica nefasta,
A que todas as [coisas] se reduzem!

E hão de achá-lo, amanhã, bestas agrestes,


Sobre a esteira sarcófaga das pestes
A mostrar, já nos últimos momentos,
Como quem se submete a uma charqueada,
Ao clarão tropical da luz danada,
O espólio dos seus dedos peçonhentos.

Tal a finalidade dos estames!


Mas ele viverá, rotos os liames
Dessa estranguladora lei que aperta
Todos os agregados perecíveis,
Nas eterizações indefiníveis
Da energia intra-atômica liberta!

Será calor, causa úbiqua de gozo,


Raio X, magnetismo misterioso,
Quimiotaxia, ondulação aérea,
Fonte de repulsões e de prazeres,
Sonoridade potencial dos seres,
Estrangulada dentro da matéria!
223

E o que ele foi: clavículas, abdômen,


O coração, a boca, em síntese, o Homem,
– Engrenagem de vísceras vulgares –
Os dedos carregados de peçonha,
Tudo coube na lógica medonha
Dos apodrecimentos musculares!

A desarrumação dos intestinos


Assombra! Vede-a! Os vermes assassinos
Dentro daquela massa que o húmus come,
Numa glutoneria hedionda, brincam,
Como as cadelas que as dentuças trincam
No espasmo fisiológico da fome.

É uma trágica festa emocionante!


A bacteriologia inventariante
Toma conta do corpo que apodrece...
E até os membros da família engulham,
Vendo as larvas malignas que se embrulham
No cadáver malsão, fazendo um S.

E foi então para isto que esse [doudo]


Estragou o vibrátil plasma todo,
À guisa de um faquir, pelos cenóbios?!...
Num suicídio graduado, consumir-se,
E após tantas vigílias, reduzir-se
À herança miserável de micróbios!

Estoutro agora é o sátiro peralta


Que o sensualismo sodomista exalta,
Nutrindo sua infâmia a leite e a trigo...
Como que, em suas células vilíssimas,
Há estratificações requintadíssimas
De uma animalidade sem castigo.

Brancas bacantes bêbedas o beijam.


Suas artérias hírcicas latejam,
Sentindo o odor das carnações abstêmias,
E à noite, vai gozar, ébrio de vício,
No sombrio bazar do meretrício,
O cuspo afrodisíaco das fêmeas.

No horror de sua anômala nevrose,


Toda a sensualidade da simbiose,
Uivando, à noite, em lúbricos arroubos,
Como no babilônico sansara,
Lembra a fome incoercível que escancara
A mucosa carnívora dos lobos.

Sôfrego, o monstro as vítimas aguarda.


Negra paixão congênita, bastarda,
Do seu zooplasma ofídico resulta...
E explode, igual à luz que o ar acomete,
Com a veemência mavórtica do ariete
E os arremessos de uma catapulta.

Mas muitas vezes, quando a noite avança,


Hirto, observa através a tênue trança
Dos filamentos fluídicos de um halo
224

A destra descarnada de um duende,


Que, tateando nas tênebras, se estende
Dentro da noite má, para agarrá-lo!

Cresce-lhe a intracefálica tortura,


E de su’alma na caverna escura,
Fazendo ultra-epilépticos esforços,
Acorda, com os candieiros apagados,
Numa coreografia de danados,
A família alarmada dos remorsos.

É o despertar de um povo subterrâneo!


É a fauna cavernícola do crânio
– Macbeths da patológica vigília,
Mostrando, em rembrandtescas telas várias,
As incestuosidades sanguinárias
Que ele tem praticado na família.

As alucinações tácteis pululam.


Sente que megatérios o estrangulam...
A asa negra das moscas o horroriza;
E autopsiando a amaríssima existência
Encontra um cancro assíduo na consciência
E três manchas de sangue na camisa!

Míngua-se o combustível da lanterna


E a consciência do sátiro se inferna,
Reconhecendo, bêbedo de sono,
Na própria ânsia dionísica do gozo,
Essa necessidade de horroroso,
Que é talvez propriedade do carbono!

Ah! Dentro de toda a alma existe a prova


De que a dor como um dartro se renova,
Quando o prazer barbaramente a ataca...
Assim também, observa a ciência crua,
Dentro da elipse ignívoma da lua
A realidade de uma esfera opaca.

Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,


Abranda as rochas rígidas, torna água
Todo o fogo telúrico profundo
E reduz, sem que, entanto, a desintegre,
À condição de uma planície alegre
A aspereza orográfica do mundo!

Provo desta maneira ao mundo odiento


Pelas grandes razões do sentimento,
Sem os métodos da abstrusa ciência fria
E os trovões gritadores da dialética,
Que a mais alta expressão da dor estética
Consiste essencialmente na alegria.

Continua o martírio das criaturas:


– O homicídio nas vielas mais escuras,
– O ferido que a hostil gleba atra escarva,
– O último solilóquio dos suicidas –
E eu sinto a dor de todas essas vidas
Em minha vida anônima de larva!”
225

Disse isto a Sombra. E, ouvindo estes vocábulos,


Da luz da lua aos pálidos venábulos,
Na ânsia de um nervosíssimo entusiasmo,
Julgava ouvir monótonas corujas,
Executando, entre caveiras sujas,
A orquestra arrepiadora do sarcasmo!

Era a elégia panteísta do Universo,


Na podridão do sangue humano imerso,
Prostituído talvez, em suas bases...
Era a canção da Natureza exausta,
Chorando e rindo na ironia infausta
Da incoerência infernal daquelas frases.

E o turbilhão de tais fonemas acres


Trovejando grandíloquos massacres,
Há-de ferir-me as auditivas portas,
Até que minha efêmera cabeça
Reverta à quietação da treva espessa
E à palidez das fotosferas mortas!

Uma sombra inicia seu monólogo, falando a um eu espectador – que


preferimos chamar poeta. Em precisas seis sextilhas, apresenta-se e lança seu
fundamento: sombra oriunda de “outras eras”, do “cosmopolitismo das moneras”, do
“caos telúrico” e da “substância de todas as substâncias” (1° estrofe); sombra que se
equilibra pela “simbiose das coisas” e em cujo centro vibram “movimentos rotatórios” e
a simultaneidade (contraditória) da saúde e da morbidez (2° estrofe); sombra que não
conhece “o acidente da Senectus”, ou seja, não envelhece (3° estrofe); sombra que,
existindo socialmente, carrega o “metafisicismo de Abidarma”, “princípio superior,
princípio supremo, princípio máximo” da lei e da justiça, e “A solidariedade subjetiva /
De todas as espécies sofredoras” (4° estrofe)467; sombra que, com sua arma peculiar, o
cuspe carrasco, mostra seu “nojo à Natureza Humana”, cuspindo nesta e em todos os
seus empreendimentos, e que, paradoxalmente, ama “o esterco, os resíduos ruins dos

467 O historiador Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 258-259) assinala as deturpações que, ao longo dos
anos, sofreram e sofrem as edições dos versos do poeta do Eu. No exemplo em questão, a escrita original
do termo vem como “Abhidharma”, palavra que vem da mitologia hindu, de acordo com pesquisa feita por
Magalhães, representando ““variedade de significados éticos, legal-políticos, metafísicos e religiosos, que
muitas vezes se encontram relacionados: norma de conduta ética, retidão universal, ordem cósmica e
elementos cósmicos, e ensinamento e doutrina””. Através das leituras de Budismo, do professor Richard
Gard (1964), e de Standard Dictionary of Folklore: Mythology and Legend, obra organizada por Maria
Leach e Jerome Fried (1972), Magalhães Júnior informa que “dharma”, na mitologia hindu, era “o sábio
que se casou com as dez ou treze filhas de Dashka e se tornou a personificação da lei e da justiça”; e que
“abhi” significava o princípio superior, supremo e máximo. A crítica que o historiador faz, é dirigida,
sobretudo, a Antônio Houaiss (1968, p. 16-17), quando este, na antologia Augusto dos Anjos: poesia,
afirmou que o termo e seus relativos simplesmente encerravam uma “notação semântica” feita por
Augusto, já que o poeta, segundo ele, havia confundido as palavras e suas respectivas significações.
226

quiosques” e o “animal inferior que urra nos bosques”; sombra que faz da podridão seu
único “evangelho” (5° estrofe).
Na sexta e última estrofe de sua apresentação, a sombra, antropomorfizando-
se, confessa seu único “defeito” e, por isto mesmo, fornece-nos um dado interessante:
olhando para o próprio túmulo “à luz do americano plenilúnio” – notar que, das poucas
vezes que é utilizado no Eu, o termo americano vem sempre como sinônimo de “raça
inferior”; e, neste caso, vem justamente encerrando como adjetivo –, carrega na “alma
crepuscular” (o que se realiza/acontece à noite) de sua raça a “vocação para a Desgraça”
e o “tropismo ancestral para o Infortúnio”.
Este é seu único defeito como “sombra”: ter “alma crepuscular atavicamente
desgraçada e infortunada”. Mas é esse “defeito” que nos fornece um dado interessante, a
ideia de que, mesmo não estando clara a referência sobre a ambientação do poema, se
dia ou noite, se em cidade ou em campo/meio rural, a sombra – a emissora do monólogo
–, tem a alma “manchada, escura, desgraçada”; tem uma (eterna) alma crepuscular.
Neste momento, a onisciente e onipresente e onipotente sombra mostra ao
poeta espectador dois dos personagens de toda tragédia/desgraça humana: o “Filósofo
Moderno” e o “sátiro peralta”. A eles juntam-se, durante seu monólogo, as vítimas do
homicida, os feridos, os suicidas e demais martirizados e vencidos.
O primeiro, sujo, coça suas feridas, tem a cara hirta e “tatuada de fuligens” e
traz em si “O desespero endêmico do inferno”. Esse “mineiro doido” tentou compreender
o mundo e suas formas, mas só encontrou horror e, futuramente, será achado numa
“esteira sarcófaga” à luz do dia, ou “Ao clarão tropical da luz danada” – o sol como
espectador da “tragédia” humana. No orgulho de sua grei, o filósofo moderno, ao invés
de ser um sobrevivente e um renascido findadas as leis e “rotos os liames”, será
corroído/devorado, pois é homem, é “Engrenagem de vísceras vulgares”; por conta de
sua pecha, de sua peçonha como “homem”, será devorado pelos vermes na “trágica festa
emocionante”. O Filósofo Moderno é um doido que se estragou na tentativa de pensar,
suicidando-se, consumindo-se lentamente, reduzido a micróbios468.

468Em relação ao que o “filósofo moderno” poderia ter sido, diz a sombra: calor, magnetismo misterioso,
“Raio X”. O mais interessante é que o “Raio X” era ainda “recente” no Brasil. O Diário de Pernambuco, por
exemplo, em sua edição de 31 de maio de 1905 (n. 122, p. 1), noticiava um caso de sucesso médico depois
de uma paciente acometida por cancro na face ter sido completamente curada após procedimento
realizado no Instituto Elétrico Radioterápico. Primeiro procedimento, segundo o jornal, para tratamento
de cancro, graças às pesquisas e aos resultados obtidos pelo físico alemão Wilhelm Conrad Röntge, quando
detectou os raios eletromagnéticos, os raios “X”, podendo-se, assim, fotografar o corpo humano
227

"Que o sensualismo sodomista exalta” predica o vadio, o viciado, o


pervertido, o sátiro peralta, feito de instintos, de “animalidade sem castigo” que, à noite,
uivando, goza com “brancas bacantes bêbedas”. O peralta e as bacantes (tão somente
brancas), à noite, entregam-se ao monstro da perdição, à “Negra paixão congênita,
bastarda”, à paixão carnal que explode com a veemência de um aríete e de uma catapulta
– antigas máquinas de guerra.
O sátiro peralta, entregue à “fome (carnívora) incoercível”, à noite mesma,
depois do prazer, acorda em remorsos e em torturas – com o candieiro apagado. Sente-
se culpado: “É o despertar de um povo subterrâneo” em sua consciência, mostrando-lhe
a “necessidade de horroroso” inata ao ser humano, mostrando-lhe o “cancro [da]
consciência”. Quando o prazer o ataca, sabe que a dor se renova, igualmente quando a
“ciência crua” tenta observar a lua, sabendo que vê somente uma “esfera opaca”.
A sombra continua monologando ao poeta espectador, descrevendo outros
martírios: d’“O ferido que a hostil gleba atra escarva”, das vítimas do “homicídio nas
vielas mais escuras”, do suicida e seu “último solilóquio”.
Em relação ao primeiro, seria o martírio do achincalhamento diário do
“ferido/vencido”? Até chegar ao banimento total da sua “gleba/terra atra”? Até ser
expulso da sua hostil terra atra? Da “Paraíba madrasta, enxotadora monstruosa de seus
filhos”469? Quem sabe. Já sobre os dois últimos, dos homicídios e dos suicídios, uma
pesquisa nas páginas dos “Anuários Estatísticos do Brasil”, localizando especificamente
os dados desses “tipos de morte” na Paraíba (do Norte), seria interessante, muito
embora esse poema de Augusto dos Anjos seja um dos poucos sem registro em
periódico, cuja provável data figura entre 1908-1910, portanto, antes de o poeta sair de
sua terra natal.
Chegando ao fim do seu monólogo, a sombra diz que sente “a dor de todas
essas vidas”, de todas essas criaturas. E é assertiva: “Somente a Arte, esculpindo a
humana mágoa”, abranda/reduz/suaviza todas essas dores do mundo, dores que nem
mesmo “os métodos da abstrusa ciência fria” conseguem suavizar.
E, findado o monólogo da sombra, o poeta espectador, que ouviu e “espectou”
todos aqueles vocábulos, toda aquela “orquestra arrepiadora do sarcasmo”, soube de
que se tratava da “elegia panteísta do Universo”, imerso na podridão do “sangue

“internamente”. José Oiticica, naquele seu manifesto de 1913, falava dos neologismos, das palavras
técnicas oriundas da ciência, importantes para a nova poesia. Que diria do poeta que usa “Raio X”...
469 ANJOS, 1994, p. 723. Carta enviada à Dona Córdula e assinada de “Rio, 16 de julho de 1911”.
228

humano” e prostituído desde “suas bases”; soube de que se tratava da “canção da


Natureza exausta”, que chorava e ria. O poeta espectador do monólogo dessa sombra de
“alma crepuscular” ouviu, observou e sentiu todos os martírios, toda a canção elegíaca
das criaturas, dos vencidos, da “Natureza exausta”. O poeta espectador se desespera,
porque todo esse turbilhão de “fonemas acres”, da sombra,
Há de ferir-me as auditivas portas,
Até que minha efêmera cabeça
Reverta à quietação da treva espessa
E à palidez das fotosferas mortas!470

Para a maioria dos críticos do Eu, Monólogo de uma sombra é uma espécie de
programa estético do livro, um manifesto, uma mensagem de abertura, um prenúncio de
todas as imagens que pululam no restante da obra.
O professor e ensaísta Osório Duque-Estrada, por exemplo, lá na sua notícia
literária sobre o Eu, publicada em junho de 1912 no fluminense Correio da Manhã, já
afirmava ser o monólogo um poema “manifesto/programa”, uma espécie de “pedra de
toque” da obra, poema a partir do qual se poderiam assinalar todos os defeitos e todas
as qualidades de Augusto dos Anjos como artista471.
O filólogo e crítico literário Antônio Houaiss (1968), na antologia Augusto dos
Anjos: poesia, afirma a mesma coisa, de ser o monólogo o “programa poético” do Eu,
poema no qual Augusto apresenta as características básicas de sua poesia: “prioridade
para a arte, fonte única talvez de sua alegria”; “pessimismo essencial”; e “incerteza
materialista e de dúvida científica”472. Ainda no começo da década de 1960, na
reportagem “Cinquentenário da morte de Augusto dos Anjos”, publicada no Correio da
Manhã, entre a divulgação de informações biográficas e bibliográficas do poeta
paraibano, Houaiss já havia descrito o monólogo como a “chave” de uma porta de várias
fechaduras, a chave da poesia de Augusto dos Anjos473.
Enfim, “resumamos” o monólogo, agora, com nossa leitura.
A sombra que monologa ao poeta espectador – sombra que vem de outras
eras, do cosmopolitismo das moneras, do caos telúrico, da substância de todas as
substâncias; que se equilibra pela simbiose das coisas; que não envelhece; que traz em si

470 Ibid., p. 200.


471 Correio da Manhã, n. 3.986, 17 jun. 1912, p. 1.
472 ANJOS, A. dos. Augusto dos Anjos: poesia. Organização, seleção, fixação de texto e notas de Antônio

Houaiss. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1968, p. 13-14.


473 Correio da Manhã, n. 21.962, 07 nov. 1964, p. 1.
229

o princípio máximo da lei e da justiça; que traz em si a solidariedade aos martírios das
criaturas sofredoras na noite dos espectros; que cospe na “Natureza Humana”; que ama
o esterco, o animal e demais criaturas inferiores; que faz da podridão seu evangelho –,
tem “alma crepuscular”, atavicamente manchada-desgraçada-infortunada.
A sombra de alma crepuscular, que monologa ao poeta espectador, é
consciente de sua “alma” crepuscular e, por isto, solidariza-se a todas as criaturas que
sofrem, que são martirizadas; às vítimas do homicida, aos suicidas, aos expulsos, banidos
de sua terra. Fala do filósofo moderno, sujo, desesperado, um mineiro doido que tentou
compreender e pensar o mundo, e que estará sempre reduzido à lama, pois é homem, é
“Engrenagem de vísceras vulgares”; é aquele que traz em si a fatalidade de ser “homem”
e, por esta causa, não consegue perscrutar os fenômenos da “natureza”. Fala do sátiro
peralta, o vadio noturno entregue ao prazer carnal; o vadio que sente remorsos, que
sente culpa, que sente em sua consciência o despertar dum povo subterrâneo, que sente
em sua consciência a fatalidade de ser “homem”.
A sombra de alma crepuscular, consciente de sua alma crepuscular, que se
solidariza às criaturas sofredoras, monologa ao poeta espectador descrevendo os
martírios dessas criaturas; apontando a insuficiência d“os métodos da abstrusa ciência
fria”, que não consegue adentrar os fenômenos da natureza, que não consegue adentrar
as explicações daqueles martírios das criaturas sofredoras.
A sombra sintetiza a esse poeta (que ouve, observa e sente) a eterna “elegia
panteísta do Universo”, a “canção da Natureza exausta”, a canção unitária dos vencidos.
A sombra sintetiza aquelas “periferias roxas” – vide epígrafe deste capítulo –,
aquelas “coisas tristes”, aquelas “imagens dum Brasil arquejante”.
Na verdade, a sombra de alma crepuscular, consciente de sua alma
crepuscular, que se solidariza às criaturas sofredoras, é que ouve, que observa, que sente
o martírio de todas as coletividades sofredoras. A sombra é que participa dessa
“alucinação”. A sombra é que ouve as “marteladas surdas” duma noite que pulsa, que
grita, que pede socorro. A sombra é que ouve as gargalhadas sinistras – não, não são
gargalhadas de seres humanos; são gargalhadas de escárnio. A sombra é que sai à noite
“em agonia”. A sombra é que ouve, que observa, que sente esta eterna “miséria
brasileira” da noite dos espectros (reais).
230

CAPÍTULO 6:
História de um Vencido, e as tragédias do Pau d’Arco

João Francisco viveu sempre obscuro, no achincalhamento


ingênuo da bonomia plebeia, arredio de ambições, preso à
dura gleba do anônimo, este que a cascavel roubou em dias
transatos, neste engenho, ao seio nobre do proletariado
brasileiro.
Em torno de sua cova, onde a nobreza não escreveu
letras de epitáfio, nem os padres fidalgos cantaram
versículos de bíblia lamentosa, lá ficou, sozinho balando em
surdina, na areia triste do saudoso cemitério das
Consolações, o lamento ferido de uma família paupérrima.
E que bom que ele estava!... Vinha vindo satisfeito,
ressarcir-se da pesada estafa daquele dia, de volta ao lar
modesto, ao sol-posto, quando o réptil danado, de
improviso, tocando chocalho, lhe plantou a morte no
sangue!
Hoje, o seu braço morto, apodrecido na combustão da
terra, não mais se levantará para o trabalho rude.
Outrora, ele empunhava o machado, ereto, reluzente
como uma estrela, e ia, no carro de sua coragem, desbastar
as florestas opulentas que ainda guardam no cerne
carcomido dos velhos troncos a marca do seu suor!...
Pobre João Francisco!...

(João Francisco, texto de pesar pela morte de um amigo,


de Augusto dos Anjos)474

História de um vencido é um poema narrativo datado de maio de 1905. Com


dedicatória ao irmão, Aprígio dos Anjos, Augusto divulgou-o no paraibano O Comércio.
É um dos poucos narrados em terceira pessoa. Nele, há a descrição de “dois momentos”
de uma mesma paisagem e o desenrolar de um “episódio”. Sigamos.

HISTÓRIA DE UM VENCIDO475

Para o Aprígio dos Anjos

Sol alto. A terra escalda: é um forno. A flama oriunda


Da solar refração bate no mundo, acende
O pó, aclara o mar e por tudo se estende
E arde em tudo, mordendo a atra terra infecunda.

E o Velho veio para o labor cotidiano,


Triste, do alegre Sol ao grande globo quente
E pôs-se para aí, desoladoramente
A revolver da terra o atro e infecundo arcano.

474 ANJOS, 1994, p. 640.


475 Ibid., p. 470-472.
231

Por seis horas seu braço empenhado na luta,


Fez reboar pelo solo, alta e descompassada
A dura vibração incômoda da enxada,
Rasgando do agro solo a superfície bruta.

Mas o braço cansou! Trabalhou... e o trabalho


– Do Eterno Bem motor principal e alavanca –
Arrancara-lhe a Crença assim como se arranca
De um ninho a seda branca e de uma árvore o galho!

Sangrou-lhe o coração a saudade da Aurora!


– O Hércules que ele fora! O fraco que ele hoje era!
E surpreendido viu que um abismo se erguera
Entre o fraco que era hoje, e entre o Hércules de outrora!

Pois havia de, assim, nesta maldita senda


De sofrimento ignaro em sofrimento ignaro
Ir caminhando até tombar sem um amparo
No tremendo marneI da Desgraça tremenda?!

II

Noute! O silêncio vinha entrando pelo mundo


E ele, lúgubre e só, trôpego e cambaleando
Foi-se arrastando, foi aos poucos se arrastando,
Para as bordas fatais dum precipício fundo!

Quis um momento ainda olhar para o Passado...


E em tudo que o rodeava, oito vezes, funéreo,
Horrorizado viu como num cemitério
Cadáveres de um lado e cinzas de outro lado!

De súbito, avistando uma frondosa tília


Julgou, louco, avistar a Árvore da Esperança...
E bateram-lhe então de chofre na lembrança
A casa que deixara, os filhos, a família!

Não morreria, pois! Somente morreria


Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos...
Que mal lhe haviam feito a esposa e a irmã e os filhos?!
Preciso era viver! Portanto, viveria!

Viveria! E a fecunda e deleitosa seara


Verde dos campos, onde arde e floresce a Crença,
Compensaria toda a sua dor imensa
Tal qual o Céu a dor de Cristo compensara!

E aos tropeços, tombando, o Velho caminhava...


Caminhava, e a sonhar, bêbado de miragem,
Nem viu que era chegado o termo da viagem,
E amplo, a rugir-lhe aos pés, o precipício estava.

Num instante viu tudo, e compreendendo tudo,


Quis fazer um esforço, – o último esforço, e o braço
Pendeu exangue, o peito arqueou-se, o cansaço
Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo!

Mudo! E a quem contaria agora as suas mágoas?!


E trágico, no horror bruto da despedida
232

Abraçou-se com a Dor, abraçou-se com a Vida


E sepultou-se ali no coração das águas!

Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos!


Eram tropeiros, era a turba trovadora
Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora
Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos!

E o cadáver, à toa, a flux d’água, flutua!


Ninguém o vê, ninguém o acalenta, o acalenta...
Somente entre a negrura atra da terra poenta
Alguém beija, alguém vela o cadáver: a Lua!

24 de Maio 905

Dividido em dois momentos, o poema descreve duas “paisagens/momentos”


do dia, e um episódio/acontecimento com “O Velho” – não um, mas O Velho.
A primeira descrição é justamente do dia, do Sol muito forte e das
consequências do seu brasido em todo “o mundo”, num mundo que se arde, numa terra
(infecunda) que se escalda, num mar que se acende. Percebemos que a paisagem é rural,
campal, pois, para este ambiente o “Velho [triste] veio” – sim, em maiúscula –, fazer o seu
“labor quotidiano”; neste mesmo dia, aclarado pelo “alegre Sol”, neste mesmo dia é que,
desolado, O Velho, este “atro e infecundo arcano”, revolve a terra. E não podemos deixar
de observar uma espécie de comparação: a terra é “infecunda” tal qual O Velho que a
revolve, este “infecundo arcano”.
Além da aliteração “Velho-veio”, também é preciso observar o detalhe do
“veio para”: se se fosse escolhido o verso “E o Velho foi para o labor quotidiano”,
teríamos a indicação de uma ida demorada, para algum lugar distante de quem narra, já
que a expressão “foi para” indica movimento “para um lugar com a ideia acessória de
demora ou destino”476. Porém, como o verso do poema é “E o Velho veio para o labor
quotidiano”, fica nítida a indicação de proximidade de alguém (o Velho) que veio até
mim, no caso até o poeta que narra o episódio e descreve as paisagens; O Velho que veio
até onde “eu poeta estou” – o que, necessariamente, não deturpa a ideia de destino.
Então, que lugar seria esse para onde “O Velho veio” fazer seu labor
quotidiano? Guardando as ressalvas entre ficção e realidade, seriam as terras do velho
engenho Pau d’Arco? Se sim, se não, O pobre Velho infecundo continua o seu pobre e
duro trabalho na terra infecunda.

BECHARA, E. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. revista, ampliada e atualizada conforme o Novo
476

Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009, p. 391-392.


233

Por seis horas, “empenhado na luta”, O Velho fez reboar a batida/vibração


não de máquina possante, mas da enxada “Rasgando do agro solo a superfície bruta”. No
entanto, o braço do Velho, O Velho mesmo, cansou. O trabalho “arrancara-lhe a Crença”,
assim como quando se arranca da árvore “o galho” e, agora, sangrando-lhe a “saudade da
Aurora”, via-se num abismo “Entre o fraco que era hoje, e entre o Hércules de outrora”.
Então, o poeta que narra e descreve “se pergunta” em tom de ironia amarga e fina
sensibilidade: “Pois havia de, assim, nesta maldita senda / De sofrimento ignaro em
sofrimento ignaro / Ir caminhando até tombar sem um amparo / No tremendo marneI
da Desgraça tremenda?!”
Agora, duas notas.
A primeira é sobre uma nova imagem incluída no poema e que deveria “se
opor” ao sol brasido; uma nova imagem que poderia representar certo alívio para O
Velho neste mundo que se escalda: um “marnel”, ou seja, um pântano, um brejo, uma
parte de terra alagadiça. No entanto, não podemos nos iludir, pois o marnel, o pântano, o
consciencioso brejo, a terra alagadiça, é de “Desgraça tremenda”.
A segunda nota diz respeito àquele tom de ironia amarga e de fina
sensibilidade do poeta para com os “humildes e vencidos”, características assinaladas, na
obra de Augusto, pelo professor Fernando de Azevedo (1962)477. Há uma estrofe
interessante no poema As cismas do destino que nos faz pensar essa mesma ironia
amarga, embebida de denúncia: depois do poeta deste poema referir-se “à noite fúnebre
do Recife e às vozes que lhe pedem socorro”, o mesmo poeta lembra do engenho Pau
d’Arco: “Por que há de haver aqui tantos enterros? / Lá no “Engenho” também, a morte é
ingrata... / Há o malvado carbúnculo que mata / A sociedade infante dos bezerros”478.
Neste exemplo, o poeta se pergunta do porquê de tantas mortes na “cidade de
Recife”, mostrando-se, ao mesmo tempo, consciente e conformado de sua normalidade,
já que a mesma coisa acontece no “engenho [Pau d’Arco]” quando a “morte ingrata”
(representada pela praga animal “carbúnculo”) leva a “[nova] sociedade dos bezerros” –
sociedade dos bezerros... mais uma rês abatida pra conta. Em relação à estrofe destacada
de História de um vencido, mesmo havendo o contraste “infante-Velho”, a “pergunta”
desse poeta, de que se realmente O Velho deveria “assim, nesta maldita [sina]” sofrer e
ser ignorado até tombar na Desgraça, parece já ter resposta certa e definitiva.

477 Cf. páginas 42-43 deste trabalho.


478 ANJOS, 1994, p. 217.
234

As mortes e os tombos desses vencidos (a “população” noturna do Recife, os


“bezerros” do Pau d’Arco, “O Velho” trabalhador rural) são algo normalíssimo, algo que o
poeta, no seu olhar de sensibilidade, sabe que é triste; algo que o poeta, no seu observar
irônico, embebido de denúncia, embebido de remorso, lida com “normalidade”. E, com
esta situação de normalidade de tantas mortes, inicia-se a segunda “paisagem”.
No segundo momento, na segunda parte do poema, a descrição é da noite
silenciosa que “vai entrando pelo mundo”. O Velho, já tombado na desgraça, “lúgubre e
só, trôpego e cambaleando”, vai se arrastando “Para as bordas fatais dum precipício
fundo”. O Velho, tentando olhar para o “Passado”, vê somente ao seu redor “Cadáveres
de um lado e cinzas de outro lado”. O Velho, em laivos de miragem e loucura, julga
avistar “a Árvore da Esperança”. E é neste momento que lembra, afetuosamente, d’“A
casa que deixara, os filhos, a família” e, por isto, por este rápido momento de esperança,
não vai morrer, porque não está sozinho ao pisar “os trilhos” da Vida. É preciso viver.
O alívio parece chegar, parece real, pois aquela terra atra e infecunda durante
o dia de sol brasido torna-se, agora, dentro da noite silenciosa onde se avista a “árvore
da esperança”, uma “[...] fecunda e deleitosa seara / Verde dos campos, onde arde e
floresce a Crença”. Esta nova terra fecunda da noite silenciosa certamente compensará
“toda a sua dor imensa”. Dantes, uma terra infecunda e, pelo trabalho improfícuo nela, a
Crença do Velho desaparecia; agora, campos de seara verde e deleitosa, onde a Crença
do Velho “arde e floresce”. O Velho Vencido, continua o poeta narrador, será
compensado, assim como quando “a dor de Cristo” foi compensada pelo Céu.
Mas, coitado do Velho Vencido, tudo não passa de uma miragem: uma
fantasia em que ele, “aos tropeços, tombando” e caminhando, mergulha; esquecendo que
aos seus pés ruge e estronda o precipício.
E é neste instante em que O Velho compreende tudo e tenta fazer seu último
esforço. Porém, seu braço pende, seu peito arqueia; seu corpo “empolga-se” de cansaço –
isto mesmo, seu corpo encheu-se, empolgou-se de cansaço. Sua voz não sai. Mudo, “a
quem contaria agora as suas mágoas?!”. Para O Velho Vencido somente um destino:
“abraçar-se com a Dor, abraçar-se com a Vida”, “sepultar-se ali no coração das águas”.
E, bem ao longe, os sons de “carmes/[cantos] doloridos” de tropeiros que
cantam “enquanto a Terra Vencedora” celebra ao luar “a Missa dos Vencidos”. É a
“romaria eterna dos aflitos”, a “procissão dos tristes, dos proscritos”, dos “romeiros
saudosos da desgraça”.
235

Incrível como estes versos de Soneto [Lendo o “Poema de Maio”] estão por
toda a parte479. E mais incrível ainda são as imagens que me vêm sempre à cabeça do
segundo ato de Morte e vida Severina, de João Cabral de Melo Neto: guardadas as devidas
proporções, enquanto neste o “Severino Lavrador” foi morto por morte de emboscada,
“O Velho Vencido” de Augusto dos Anjos, ao que tudo indica, foi morto por “morte
natural”, por morte de “cansaço”; mesmo assim, ambos são enterrados ao luar, ou, como
dizem os “irmãos das almas” de João Cabral: “Partamos enquanto é noite, / irmão das
almas, / que é o melhor lençol dos mortos / noite fechada”480.
O poema de Augusto dos Anjos termina com a imagem do cadáver do Velho
Vencido à toa flutuando n’água, sem ninguém o vendo, porque ninguém “o acalenta, o
acalenta... / Somente entre a negrura atra da terra poenta / Alguém beija, alguém vela o
cadáver: a Lua”.

História de um vencido é uma das autorias praticamente esquecidas do rapaz


de Pau d’Arco. Sem querer praticar a infâmia do trocadilho, o poema não foi incluso por
Augusto na edição de 1912, do Eu, tendo sido divulgado tardiamente. As edições aqui
utilizadas, Augusto dos Anjos: poesia e prosa, de Zenir Campos Reis (1977), e Obra
completa: Augusto dos Anjos, de Alexei Bueno (1994), fixam-no em “Poemas Dispersos” e
“Poemas Esquecidos”, respectivamente.
Raimundo Magalhães Júnior (1977, p. 118) assinala que, nessa autoria,
Augusto dos Anjos “se refere, uma vez mais, à morte do pai, pois só ele poderia ser o
Velho, o Vencido, que, ao fim de uma vida tormentosa, queria falar, mas estava mudo,
inutilizado pela paralisia geral” – o pai de Augusto, o dr. Alexandre dos Anjos, faleceu em
janeiro de 1905, e o poema é de maio do mesmo ano.
Respeitando as interpretações, seria mesmo uma referência ao pai? Seria o
dr. Alexandre O Velho Vencido, o lavrador diário numa terra infecunda ao Sol iracundo e
que, à noite, tombado pela Desgraça, tinha seu cadáver sepultado ao luar, velado ao som
da “elegia dos aflitos e dos proscritos”, tal qual numa “Missa dos Vencidos”?
Não se sabe. Sabe-se, sim, que esses “episódios” não foram tão ficcionais.

479ANJOS, 1994, p. 396.


480MELO NETO, J. C. de. Morte e vida Severina. In: _____. Obra completa: João Cabral de Melo Neto. 2.
reimpressão. Organização de Marly de Oliveira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1995, p. 175.
236

É Ademar Vidal (1967), aquele que teve aulas particulares com Augusto dos
Anjos em 1909, época em que o poeta ainda residia na Paraíba (do Norte), quem fornece
alguns dados interessantes. Sendo assim, primeiro recorramos à epigrafe deste capítulo.
O texto em questão, de autoria de Augusto, claro, é em homenagem a um
amigo que havia acabado de falecer, um trabalhador do engenho Pau d’Arco, chamado
João Francisco. Infelizmente, não se sabe onde nem quando foi publicado. Sua primeira
transcrição foi feita pelo professor Humberto Nóbrega, em Augusto dos Anjos e sua
época, sem indicação alguma de fonte. Nóbrega (1962, p. 295) diz que, embora o poeta
não tenha cantado nem tenha feito “versos ao trabalho pesado dos fortes e explorados
“cabras do eito””, ainda assim não os esquecera. Exemplo, segundo o professor, fora a
morte de um deles, o João Francisco, morte que causou em Augusto “forte abalo
emocional, levando-o a escrever es[s]a crônica”.
Ao falar dos “Amigos anônimos” de Augusto dos Anjos, amigos trabalhadores
do engenho Pau d’Arco, amigos trabalhadores das terras da família Fernandes de
Carvalho, amigos trabalhadores e “ajudantes” da casa(-grande), Ademar Vidal (1967, p.
87) informa que “José Francisco” fora um desses, e que, subitamente, “ficara paralítico”.
Conta o biógrafo que era um trabalhador “a quem [Augusto] levava alimentos
escondidamente, um pobre homem carregado de família – e sobre quem, ao morrer, não
se contendo, escreveu para um jornal da Capital palavras sentidas e exaltantes”.
Uma pena que Vidal tenha trocado o “João” por “José” – pois sim, de “Zé e Jão”
o mundo está cheio... Uma pena também que Vidal não tenha informado em qual jornal
saiu o texto, nem em que ano. Seria n’O Comércio da Paraíba, já que esse foi o único
jornal em que o poeta colaborou, periodicamente, escrevendo “crônicas”?
Isto mesmo, o período mais “constante” em que Augusto dos Anjos escreveu
suas crônicas, seus textos em prosa, foi entre 1905-1906, naquele jornal de seu estado.
Pelo sim, pelo não, nesse texto/crônica Augusto se refere à morte de João
Francisco como ocorrida “neste engenho”, o que pode significar que o poeta ainda estava
morando no engenho, mais ou menos entre 1905-1907 – quer dizer, se realmente
tiverem sido fiéis quanto à reprodução do texto. Pelo sim, pelo não, “João Francisco” foi
um dos moradores e trabalhadores das terras do engenho Pau d’Arco, e um dos amigos
aos quais Augusto dos Anjos dedicou uma “homenagem”.
Em relação ao texto dedicado a João Francisco, Augusto faz algumas
observações interessantes. A primeira é sobre a situação precária desse “Vencido”,
237

desde sua vida à sua morte: um pobre trabalhador que vivia na obscuridade, “no
achincalhamento ingênuo da bonomia plebeia”, preso ao anonimato; um pobre
trabalhador em cuja cova, depois de morto, “a nobreza não escreveu letras de epitáfio,
nem os padres fidalgos cantaram versículos de bíblia lamentosa”; um pobre trabalhador
cujo choro recebido, lá “na areia triste do saudoso cemitério das Consolações”, foi
apenas o de sua “família paupérrima”. João Francisco apenas recebeu aquele choro,
aquele “lamento ferido” dos seus, aquele lamento ferido que ficou “sozinho balando em
surdina” – segundo Silveira Bueno (1996, p. 91), o “balar” é o ato de dar “balidos”, ou
seja, são sons, ruídos próprios das ovelhas e dos cordeiros.
Esse mesmo pobre trabalhador, segundo Augusto dos Anjos, era puro, um
sujeito bom, “arredio de ambições”, pertencente ao “seio nobre do proletariado
brasileiro” – e eis que aqui não consigo perceber ironia alguma. Ademar Vidal, o
biógrafo, apenas informa que João Francisco ficou paralítico. Augusto, em sua crônica,
informa que a morte do amigo foi ocasionada pela mordida duma cascavel, justamente
quando ele estava voltando para casa depois de uma “pesada estafa daquele dia, de volta
ao lar modesto, ao sol-posto”.
No poema História de um vencido, O Velho Vencido também havia trabalhado
bastante durante o dia, durante o Sol brasido, no revolver da terra infecunda. Ao
anoitecer, já cansado e tendo miragens e fantasias, era O Velho, tal qual a sombra do
Monólogo de uma sombra, consciente de sua vocação para a desgraça, para a tragédia,
para o infortúnio, pois tinha ele a “alma crepuscular”. Levando isso em consideração,
podemos entender a morte do Velho tanto como acontecida durante a “noite”, ou seja,
durante esse momento do dia, já que seu sepultamento foi feito ao “luar”, ao som dos
“cantos doloridos”; quanto como acontecida na “noite eterna”, já que O Velho, o vencido,
o improfícuo, o infecundo, o martirizado, traz em si uma “alma crepuscular”, eterna e
atavicamente desgraçada e infortunada, alma crepuscular que o faz ser desgraçado e
infortunado quotidianamente, dia e noite.
Não é correto ser categórico e afirmar que História de um vencido e “João
Francisco” apresentam relações tão estreitas. Se pelo menos soubéssemos a data correta
da crônica, quem sabe. Mas também não é de um todo incorreto ou equivocado
estabelecer alguns ecos entre os textos.
No fim do poema narrativo, o poeta que narra diz que o cadáver do pobre
Velho Vencido ali ficara “à toa flutuando n’água”, sem ninguém o vendo, porque ninguém
238

“o acalenta, o acalenta”, a não ser a Lua. Na crônica escrita por Augusto dos Anjos, diz o
poeta que a cova de seu amigo não teve escritas pela nobreza “as letras de epitáfio, nem
os padres fidalgos cantaram versículos de bíblia lamentosa”.
No texto dedicado ao amigo, diz Augusto que somente a família paupérrima
de João Francisco é que ficou “na areia triste do saudoso cemitério das Consolações”,
chorando e lamentando e “balando” pela morte do pobre homem. No poema do vencido,
a pobre família do Velho Vencido, a esposa e os filhos, nunca que o deixaria sozinho, pois
com ele estaria junto na Vida, a “pisar os trilhos”.
No poema, o cadáver do Velho Vencido continuaria a “flutuar”, à toa, pelas
águas (da vida) – não, não quero pensar em terceira margem agora. Na crônica, o amigo
de Augusto de Anjos, João Francisco, deixaria no “cerne carcomido dos velhos troncos”
das “florestas opulentas”, onde trabalhava cortando lenha, o seu suor, as suas marcas
que nunca se apagariam.

Nas suas poesias, nas suas crônicas, e mesmo nas correspondências enviadas
à Dona Córdula, tanto nas enviadas do Recife (quando aí fazia o curso de Direito na
Faculdade do Recife) quanto nas enviadas do Rio de Janeiro (quando aí residia, depois
de sua saída turbulenta da Paraíba), Augusto dos Anjos sempre “lembrava” dos amigos
do engenho Pau d’Arco e da casa-(grande), sempre a eles fazia referência.
Como informa o próprio Ademar Vidal (1967) em “Amigos anônimos”, texto
de O outro Eu de Augusto dos Anjos, o poeta mantinha “bom contato” com os
trabalhadores das terras do engenho, o Toca, o João Francisco, o Chico Matias, o Caetano,
o Juvenal, o Juca, o João Higino, o compadre Pedro; e com as cozinheiras que “ajudavam”
na casa-(grande), a Filomena, a Donata, a Guilhermina.
O nome de Donata, por exemplo, estava sempre em suas correspondências
endereçadas à D. Córdula; à Donata, Augusto mandava “lembranças”. Filomena, Juca e
João Higino também tinham seus nomes nessas missivas.
Ao nome de Chico Matias, por exemplo, Augusto dos Anjos referia-se mais
sentimentalmente: em carta enviada à D. Córdula e datada de 13 de novembro de 1910,
época em que já morava no Rio de Janeiro, Augusto dizia ter recebido uma outra (carta)
de seu irmão, Aprígio, na qual era informado da morte desse rapaz/senhor. Dizia
Augusto dos Anjos que Chico Matias havia sido “um homem bom que, na simplicidade
239

rústica de su’alma, possuía nobrezas inéditas de sentimento e caráter”; dizia ainda que,
após ter recebido a notícia, ficara “muito penalizado com a morte” do Chico Matias481.
Ao João Francisco, como vimos, Augusto dedicou um texto, publicando-o
(ninguém sabe onde nem quando) logo após o falecimento desse trabalhador.
Se eu tivesse material teórico suficiente, buscaria as razões desse fim trágico
da vida dos vencidos moradores do campo, ou melhor, moradores do engenho Pau
d’Arco e da casa(-grande), descrito por Augusto dos Anjos. Muito embora o pobre
trabalhador João Francisco realmente tenha falecido depois da mordida de uma
cascavel, como conta o poeta em “João Francisco”, não podemos esquecer de outros
“personagens anônimos” descritos de maneira também “triste” por Augusto, mas, em
sua poesia: o finado cambiteiro Toca do poema Gemidos de arte, cuja “voz rouca” arrasta
o poeta desse poema; e a ama de leite Guilhermina do soneto Ricordanza dela mia
gioventú, cuja situação de baixeza, de ser ama de leite, causa no poeta remorsos.
Tudo bem que, na cidade, a noite dos espectros corre solta, com as mazelas
de uma vida abandonada e que pede socorro. Mas, por que também na zona rural? Por
que essa insistência de Augusto dos Anjos em figuras reais, o João Francisco, a
Guilhermina, o Toca, todos moradores do “campo”, como representativas de tragédias,
representativas de tombos, de mortes, de situações de baixeza?
E em relação ao poema que dá título a este capítulo, o História de um vencido,
por que a morte do pobre Velho Vencido, um lavrador, e justamente depois de um
intenso dia de trabalho numa terra infecunda? E por que a terra é infecunda? Não
deveriam ser o campo, o meio rural, a natureza, a “terra”, símbolos de um despertar, ou
pelo menos de uma coletividade reunida em comunhão? E que poeta é este que só narra
tragédias, tombos, mortes de pobres trabalhadores do campo? Que poeta peregrino é
este que só vive pelos matos, desiludido e que, nesta sua desilusão, pelos caminhos, ouve
a “voz rouca” de um antigo e falecido amigo trabalhador? –
GEMIDOS DE ARTE482

Esta desilusão que me acabrunha


É mais traidora do que o foi Pilatos!...
Por causa disto, eu vivo pelos matos,
Magro, roendo a substância córnea da unha.
[...]

481 ANJOS, 1994, p. 714.


482 Ibid., p. 261 et seq.
240

III
[...]

Não sei que subterrânea e atra voz rouca,


Por saibros e por cem côncavos vales,
Como pela avenida das Mappales,
Me arrasta à casa do finado Toca!

Todas as tardes a esta casa venho.


Aqui, outrora, sem conchego nobre,
Viveu, sentiu e amou este homem pobre
Que carregava canas para o engenho!

E este maldito engenho triste? Por quê? –


TRISTEZAS DE UM QUARTO MINGUANTE483

Quarto Minguante! E, embora a lua o aclare,


Este Engenho Pau d’Arco é muito triste...
Nos engenhos da várzea não existe
Talvez um outro que se lhe equipare!

E por que, nas terras deste engenho, pelas estradas, este maldito poeta peregrino só vive
andando sozinho e em remorsos? –
A ILHA DE CIPANGO484

Estou sozinho! A estrada se desdobra


Como uma imensa e rutilante cobra
De epiderme finíssima de areia...
E por essa finíssima epiderme
Eis-me passeando como um grande verme
Que, ao sol, em plena podridão, passeia!

E por que, nestas estradas, apenas há cruzes, como se a natureza fosse um Caos? –
VIAGEM DE UM VENCIDO485

Noite. Cruzes na estrada. Aves com frio...


E, enquanto eu tropeçava sobre os paus,
A efígie apocalíptica do Caos
Dançava no meu cérebro sombrio!

O Céu estava horrivelmente preto


E as árvores magríssimas lembravam
Pontos de admiração que se admiravam
De ver passar ali meu esqueleto!

E por que, por que este maldito poeta peregrino que passeia pelas estradas do campo,
nas terras do engenho, é totalmente consumido por remorsos, por desilusões, por
aflições? É tão terrível esta grande noite brasileira? –

483 Ibid., p. 300.


484 Ibid., p. 282.
485 Ibid., p. 358.
241

QUEIXAS NOTURNAS486

Quem foi que viu a minha Dor chorando?!


Saio. Minh’alma sai agoniada.
Andam monstros sombrios pela estrada
E pela estrada, entre estes monstros, ando!

[...]

O quadro de aflições que me consomem


O próprio Pedro Américo não pinta...
Para pintá-lo, era preciso a tinta
Feita de todos os tormentos do homem!

[...]

A Noite vai crescendo apavorante


E dentro do meu peito, no combate,
A Eternidade esmagadora bate
Numa dilatação exorbitante!

[...]
Seja esta minha queixa derradeira
Cantada sobre o túmulo de Orfeu;
Seja este, enfim, o último canto meu
Por esta grande noite brasileira!

Grande noite brasileira. Cheia de espectros.


Sim, o campo, às vezes, é triste.
Vamos à cidade, então.

486 Ibid., p. 291 et seq.


242

CAPÍTULO 7:
As Cismas do Destino, e os espectros do Recife

É que a explorada carcaça brasileira, no intuito de


glorificar o nascedouro da República, acaba de envergar
amplas baetilhas de pompa rutilante, e os guardiães
vorazes das assembleias políticas, por uma espécie de
escambo ultrapatriótico, realizaram entre si distribuição
equina dos mais luzidios arreios, encontrados nas
cavalariças.
Depois, eu os vi, como lobos, vezados de fome, golfando
bílis negra, num encarniçamento de hipopótamos egípcios,
a se disputarem, bêbedos de apetite servil, a maior
prebenda de vantagem no ato dessa glorificação.
Assim passou o 15 de Novembro, a data mais notável
que as nossas efemérides contemplam.
[...]
Com efeito, me não acho absolutamente disposto a
vestir musselinas frouxas de empréstimo para essa
comemoração desleal.
E digo desleal, porque não compreendo superfetações,
absurdas de contentamento, numa família de lázaros,
agachados na sombra e distribuídos a esmo, em grandes
cordas avulsas, pelos vinte retalhos territoriais a que o
escárnio de nossa corografia confere bastos privilégios de
vida autônoma e outras regalias proteiformes.
[...]
Digam o que quiserem, a República, entre nós,
desmentiu do modo mais crasso o programa utópico dos
sonhos biferais, e cuspiu publicamente, num desespero de
heresiarca medieval, todas as páginas da bíblia ardente que,
antes de ir para o túmulo de Plínio, Silva Jardim nos
ensinou.

(Crônica, de Augusto dos Anjos, “Em Pau d’Arco,


16-11-1906.
O Comércio, 20-11-1906”)487

“Tu não terás filhos!


Dos peitos de tua mulher escorrerá apenas, para
manchar o mundo, um leite improfícuo e simplesmente
animal!
A tua mulher é dos brancos, pertence ao patrimônio
inteiro de nossa libidinagem, os teus filhos constituem
apenas o prolongamento desclassificado de tua
subalternidade étnica, o Estado, que é o logos e é a razão
suprema, não protege a tua vida, a tua propriedade e a tua
liberdade, porque tu não possuis esses superatributos
inalienáveis e imprescritíveis do nosso eu bramânico e
privilegiado!”

(Discurso do dr. Augusto dos Anjos no teatro Santa Rosa,

487 ANJOS, 1994, p. 637-638.


243

a 13 de maio corrente,
“A União, 20-22-23: 5-1909”)488

As cismas do destino é um poema narrativo datado de julho de 1908. Foi


publicado por Augusto dos Anjos na revista paraibana Terra Natal. Além de estar
presente na edição do Eu, de 1912, foi reproduzido no livro de Santos Neto, Perfis do
Norte, cujo prefácio data de 1910; porém, vindo a público somente em 1913. Sigamos.

AS CISMAS DO DESTINO489

Recife. Ponte Buarque de Macedo.


Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra,
Pensava no Destino, e tinha medo!

Na austera abóbada alta o fósforo alvo


Das estrelas luzia... O calçamento
Sáxeo, de asfalto rijo, atro e vidrento,
Copiava a polidez de um crânio calvo.

Lembro-me bem. A ponte era comprida,


E a minha sombra enorme enchia a ponte,
Como uma pele de rinoceronte
Estendida por toda a minha vida!

A noite fecundava o ovo dos vícios


Animais. Do carvão da treva imensa
Caía um ar danado de doença
Sobre a cara geral dos edifícios!

Tal uma horda feroz de cães famintos,


Atravessando uma estação deserta,
Uivava dentro do eu, com a boca aberta,
A matilha espantada dos instintos!

Era como se, na alma da cidade,


Profundamente lúbrica e revolta,
Mostrando as carnes, uma besta solta
Soltasse o berro da animalidade.

E aprofundando o raciocínio obscuro,


Eu vi, então, à luz de áureos reflexos,
O trabalho genésico dos sexos,
Fazendo à noite os homens do Futuro.

Livres de microscópios e escalpelos,


Dançavam, parodiando saraus cínicos,
Bilhões de centrossomas apolínicos
Na câmara promíscua do vitelus.

488 Ibid., p. 643.


489 Ibid., p. 211-223.
244

Mas, a irritar-me os globos oculares,


Apregoando e alardeando a cor nojenta,
Fetos magros, ainda na placenta,
Estendiam-me as mãos rudimentares!

Mostravam-me o apriorismo incognoscível


Dessa fatalidade igualitária,
Que fez minha família originária
Do antro daquela fábrica terrível!

A corrente atmosférica mais forte


Zunia. E, na ígnea crostra do Cruzeiro,
Julgava eu ver o fúnebre candieiro
Que há de me alumiar na hora da morte.

Ninguém compreendia o meu soluço,


Nem mesmo Deus! Da roupa pelas brechas,
O vento bravo me atirava flechas
E aplicações hiemais de gelo russo.

A vingança dos mundos astronômicos


Enviava à terra extraordinária faca,
Posta em rija adesão de goma-laca
Sobre os meus elementos anatômicos.

Ah! Com certeza, Deus me castigava!


Por toda a parte, como um réu confesso,
Havia um juiz que lia o meu processo
E uma forca especial que me esperava!

Mas o vento cessara por instantes


Ou, pelo menos, o ignis sapiens do Orco
Abafava-me o peito arqueado e porco
Num núcleo de substâncias abrasantes.

É bem possível que eu um dia cegue.


No ardor desta letal tórrida zona,
A cor do sangue é a cor que me impressiona
E a que mais neste mundo me persegue!

Essa obsessão cromática me abate.


Não sei por que me vêm sempre à lembrança
O estômago esfaqueado de uma criança
E um pedaço de víscera escarlate.

Quisera qualquer coisa provisória


Que a minha cerebral caverna entrasse,
E até ao fim, cortasse e recortasse
A faculdade aziaga da memória.

Na ascensão barométrica da calma,


Eu bem sabia, ansiado e contrafeito,
Que uma população doente do peito
Tossia sem remédio na minh’alma!

E o cuspo que essa hereditária tosse


Golfava, à guisa de ácido resíduo,
Não era o cuspo só de um indivíduo
245

Minado pela tísica precoce.

Não! Não era o meu cuspo, com certeza


Era a expectoração pútrida e crassa
Dos brônquios pulmonares de uma raça
Que violou as leis da Natureza!

Era antes uma tosse úbiqua, estranha,


Igual ao ruído de um calhau redondo
Arremessado, no apogeu do estrondo,
Pelos fundibulários da montanha!

E a saliva daqueles infelizes


Inchava, em minha boca, de tal arte,
Que eu, para não cuspir por toda a parte,
Ia engolindo, aos poucos, a hemoptísis!

Na alta alucinação de minhas cismas,


O microcosmos líquido da gota
Tinha a abundância de uma artéria rota,
Arrebentada pelos aneurismas.

Chegou-me o estado máximo da mágoa!


Duas, três, quatro, cinco, seis e sete
Vezes que eu me furei com um canivete,
A hemoglobina vinha cheia de água!

Cuspo, cujas caudais meus beiços regam,


Sob a forma de mínimas camândulas,
Benditas sejam todas essas glândulas,
Que, quotidianamente, te segregam!

Escarrar de um abismo noutro abismo,


Mandando ao Céu o fumo de um cigarro,
Há mais filosofia neste escarro
Do que em toda a moral do cristianismo!

Porque, se no orbe oval que os meus pés tocam


Eu não deixasse o meu cuspo carrasco,
Jamais exprimiria o acérrimo asco
Que os canalhas do mundo me provocam!

II

Foi no horror dessa [noite] tão funérea


Que eu descobri, maior talvez que Vinci,
Com a força visualística do lince,
A falta de unidade na matéria!

Os esqueletos desarticulados,
Livres do acre fedor das carnes mortas,
Rodopiavam, com as brancas tíbias tortas,
Numa dança de números quebrados!

Todas as divindades malfazejas,


Siva e Arimã, os duendes, o Yn e os trasgos,
Imitando o barulho dos engasgos,
Davam pancadas no adro das igrejas.
246

Nessa hora de monólogos sublimes,


A companhia dos ladrões da noite,
Buscando uma taverna que os acoite,
Vai pela escuridão pensando crimes.

Perpetravam-se os atos mais funestos,


E o luar, da cor de um doente de icterícia,
Iluminava, a rir, sem pudicícia,
A camisa vermelha dos incestos.

Ninguém, de certo, estava ali, a espiar-me,


Mas um lampião lembrava, ante o meu rosto,
Um sugestionador olho, ali posto
De propósito, para hipnotizar-me!

Em tudo, então, meus olhos distinguiram,


Da miniatura singular de uma aspa
À anatomia mínima da caspa,
Embriões de mundos que não progrediram!

Pois quem não vê aí, em qualquer rua,


Com a fina nitidez de um claro jorro,
Na paciência budista do cachorro
A alma embrionária que não continua?!

Ser cachorro! Ganir incompreendidos


Verbos! Querer dizer-nos que não finge,
E a palavra embrulhar-se no laringe,
Escapando-se apenas em latidos!

Despir a putrescível forma tosca,


Na atra dissolução que tudo inverte,
Deixar cair sobre a barriga inerte
O apetite necrófago da mosca!

A alma dos animais! Pego-a, distingo-a,


Acho-a nesse interior duelo secreto
Entre a ânsia de um vocábulo completo
E uma expressão que não chegou à língua!

Surpreendo-a em quatrilhões de corpos vivos,


Nos antiperistálticos abalos
Que produzem nos bois e nos cavalos
A contração dos gritos instintivos!

Tempo viria, em que, daquele horrendo


Caos de corpos orgânicos disformes,
Rebentariam cérebros enormes,
Como bolhas febris de água, fervendo!

Nessa época que os sábios não ensinam,


A pedra dura, os montes argilosos
Criariam feixes de cordões nervosos
E o neuroplasma dos que raciocinam!

Almas pigmeias! Deus subjuga-as, cinge-as


À imperfeição! Mas vem o Tempo, e vence-O,
E o meu sonho crescia no silêncio,
Maior que as epopeias carolíngias!
247

Era a revolta trágica dos tipos


Ontogênicos mais elementares,
Desde os foraminíferos dos mares
À grei liliputiana dos polipos.

Todos os personagens da tragédia,


Cansados de viver na paz de Buda,
Pareciam pedir com a boca muda
A ganglionária célula intermédia.

A planta que a canícula ígnea torra,


E as coisas inorgânicas mais nulas
Apregoavam encéfalos, medulas
Na alegria guerreira da desforra!

Os protistas e o obscuro acervo rijo


Dos espongiários e dos infusórios
Recebiam com os seus órgãos sensórios
O triunfo emocional do regozijo!

E apesar de já ser assim tão tarde,


Aquela humanidade parasita,
Como um bicho inferior, berrava, aflita,
No meu temperamento de covarde!

Mas, refletindo, a sós, sobre o meu caso,


Vi que, igual a um amneota subterrâneo,
Jazia atravessada no meu crânio
A intercessão fatídica do atraso!

A hipótese genial do microzima


Me estrangulava o pensamento guapo,
E eu me encolhia todo como um sapo
Que tem um peso incômodo por cima!

Nas agonias do delirium-tremens,


Os bêbedos alvares que me olhavam,
Com os copos cheios, esterilizavam
A substância prolífica dos sêmens!

Enterravam as mãos dentro das goelas,


E sacudidos de um tremor indômito
Expeliam, na dor forte do vômito,
Um conjunto de gosmas amarelas.

Iam depois dormir nos lupanares


Onde, na glória da concupiscência,
Depositavam quase sem consciência
As derradeiras forças musculares.

Fabricavam destarte os blastodermas,


Em cujo repugnante receptáculo
Minha perscrutação via o espetáculo
De uma progênie idiota de palermas.

Prostituição ou outro qualquer nome,


Por tua causa, embora o homem te aceite,
É que as mulheres ruins ficam sem leite
248

E os meninos sem pai morrem de fome!

Por que há de haver aqui tantos enterros?


Lá no “Engenho” também, a morte é ingrata...
Há o malvado carbúnculo que mata
A sociedade infante dos bezerros!

Quantas moças que o túmulo reclama!


E após a podridão de tantas moças,
Os porcos espojando-se nas poças
Da virgindade reduzida à lama!

Morte, ponto final da última cena,


Forma difusa da matéria imbele,
Minha filosofia te repele,
Meu raciocínio enorme te condena!

Diante de ti, nas catedrais mais ricas,


Rolam sem eficácia os amuletos.
Oh! Senhora dos nossos esqueletos
E das caveiras diárias que fabricas!

E eu desejava ter, numa ânsia rara,


Ao pensar nas pessoas que perdera,
A inconsciência das máscaras de cera
Que a gente prega, com um cordão, na cara!

Era um sonho ladrão de submergir-me


Na vida universal, e, em tudo imerso,
Fazer da parte abstrata do Universo
Minha morada equilibrada e firme!

Nisto, pior que o remorso do assassino,


Reboou, tal qual, num fundo de caverna,
Numa impressionadora voz interna,
O eco particular do meu Destino:

III

“Homem! por mais que a Ideia desintegres,


Nessas perquisições que não têm pausa,
Jamais, magro homem, saberás a causa
De todos os fenômenos alegres!

Em vão, com a bronca enxada árdega, sondas


A estéril terra, e a hialina lâmpada oca
Trazes, por perscrutar (oh! ciência louca!)
O conteúdo das lágrimas hediondas.

Negro e sem fim é esse em que te mergulhas


Lugar do Cosmos, onde a dor infrene
É feita como é feito o querosene
Nos recôncavos úmidos das hulhas!

Porque, para que a Dor perscrutes, fora


Mister que, não como és, em síntese, antes
Fosses, a refletir teus semelhantes,
A própria humanidade sofredora!
249

A universal complexidade é que Ela


Compreende. E se, por vezes, se divide,
Mesmo ainda assim, seu todo não reside
No quociente isolado da parcela!

Ah! Como o ar imortal a Dor não finda!


Das papilas nervosas que há nos tatos
Veio e vai desde os tempos mais transatos
Para outros tempos que hão de vir ainda!

Como o machucamento das insônias


Te estraga, quando toda a estuada Ideia
Dás ao sôfrego estudo da ninfeia
E de outras plantas dicotiledôneas!

A diáfana água alvíssima e a hórrida áscua


Que da ígnea flama bruta, estriada, espirra;
A formação molecular da mirra,
O cordeiro simbólico da Páscoa;

As rebeladas cóleras que rugem


No homem civilizado, e a ele se prendem
Como às pulseiras que os mascates vendem
A aderência teimosa da ferrugem;

O orbe feraz que bastos tojos acres


Produz; a rebelião que, na batalha,
Deixa os homens deitados, sem mortalha,
Na sangueira concreta dos massacres;

Os sanguinolentíssimos chicotes
Da hemorragia; as nódoas mais espessas,
O achatamento ignóbil das cabeças,
Que ainda degrada os povos hotentotes;

O Amor e a Fome, a fera ultriz que o fojo


Entra, à espera que a mansa vítima o entre,
– Tudo que gera no materno ventre
A causa fisiológica do nojo;

As pálpebras inchadas na vigília,


As aves moças que perderam a asa,
O fogão apagado de uma casa,
Onde morreu o chefe da família;

O trem particular que um corpo arrasta


Sinistramente pela via férrea,
A cristalização da massa térrea,
O tecido da roupa que se gasta;

A água arbitrária que hiulcos caules grossos


Carrega e come; as negras formas feias
Dos aracnídeos e das centopeias,
O fogo-fátuo que ilumina os ossos;

As projeções flamívomas que ofuscam,


Como uma pincelada rembrandtesca,
A sensação que uma coalhada fresca
Transmite às mãos nervosas dos que a buscam;
250

O antagonismo de Tifon e Osíris,


O homem grande oprimindo o homem pequeno,
A lua falsa de um parasseleno,
A mentira meteórica do arco-íris;

Os terremotos que, abalando os solos,


Lembram paióis de pólvora explodindo,
A rotação dos fluidos produzindo
A depressão geológica dos polos;

O instinto de procriar, a ânsia legítima


Da alma, afrontando ovante aziagos riscos,
O juramento dos guerreiros priscos
Metendo as mãos nas glândulas da vítima;

As diferenciações que o psicoplasma


Humano sofre na mania mística,
A pesada opressão característica
Dos 10 minutos de um acesso de asma;

E (conquanto contra isto ódios regougues)


A utilidade fúnebre da corda
Que arrasta a rês, depois que a rês engorda,
À morte desgraçada dos açougues...

Tudo isto que o terráqueo abismo encerra


Forma a complicação desse barulho
Travado entre o dragão do humano orgulho
E as forças inorgânicas da terra!

Por descobrir tudo isto, embalde cansas!


Ignoto é o gérmen dessa força ativa
Que engendra, em cada célula passiva,
A heterogeneidade das mudanças!

Poeta, feto malsão, criado com os sucos


De um leite mau, carnívoro asqueroso,
Gerado no atavismo monstruoso
Da alma desordenada dos malucos;

Última das criaturas inferiores


Governada por átomos mesquinhos,
Teu pé mata a uberdade dos caminhos
E esteriliza os ventres geradores!

O áspero mal que a tudo, em torno, trazes,


Análogo é ao que, negro e a seu turno,
Traz o ávido filóstomo noturno
Ao sangue dos mamíferos vorazes!

Ah! Por mais que, com o espírito, trabalhes


A perfeição dos seres existentes,
Hás de mostrar a cárie dos teus dentes
Na anatomia horrenda dos detalhes!

O Espaço – esta abstração spenceriana


Que abrange as relações de coexistência
É só! Não tem nenhuma dependência
251

Com as vértebras mortais da espécie humana!

As radiantes elipses que as estrelas


Traçam, e ao espectador falsas se antolham,
São verdades de luz que os homens olham
Sem poder, no entretanto, compreendê-las.

Em vão, com a mão corrupta, outro éter pedes,


Que essa mão, de esqueléticas falanges,
Dentro dessa água que com a vista abranges,
Também prova o princípio de Arquimedes!

A fadiga feroz que te esbordoa


Há de deixar-te essa medonha marca,
Que, nos corpos inchados de anasarca,
Deixam os dedos de qualquer pessoa!

Nem terás no trabalho que tiveste


A misericordiosa toalha amiga,
Que afaga os homens doentes de bexiga
E enxuga, à noite, as pústulas da peste!

Quando chegar depois a hora tranquila,


Tu serás arrastado, na carreira,
Como um cepo inconsciente de madeira
Na evolução orgânica da argila!

Um dia comparado com um milênio


Seja, pois, o teu último Evangelho...
É a evolução do novo para o velho
E do homogêneo para o heterogêneo!

Adeus! Fica-te aí, com o abdômen largo


A apodrecer!... És poeira, e embalde vibras!
O corvo que comer as tuas fibras
Há de achar nelas um sabor amargo!”

IV

Calou-se a voz. A noite era funesta.


E os queixos, a exibir trismos danados,
Eu puxava os cabelos desgrenhados
Como o rei Lear, no meio da floresta!

Maldizia, com apóstrofes veementes,


No estentor de mil línguas insurrectas,
O convencionalismo das Pandectas
E os textos maus dos códigos recentes!

Minha imaginação atormentada


Paria absurdos... Como diabos juntos,
Perseguiam-me os olhos dos defuntos
Com a carne da esclerótica esverdeada.

Secara a clorofila das lavouras.


Igual aos sustenidos de uma endecha,
Vinha-me às cordas glóticas a queixa
Das coletividades sofredoras.
252

O mundo resignava-se invertido


Nas forças principais do seu trabalho...
A gravidade era um princípio falho,
A análise espectral tinha mentido!

O Estado, a Associação, os Municípios


Eram mortos. De todo aquele mundo
Restava um mecanismo moribundo
E uma teleologia sem princípios.

Eu queria correr, ir para o inferno,


Para que, da psiquê no oculto jogo,
Morressem sufocadas pelo fogo
Todas as impressões do mundo externo!

Mas a Terra negava-me o equilíbrio...


Na Natureza, uma mulher de luto
Cantava, espiando as árvores sem fruto,
A canção prostituta do ludíbrio!

Dividido em quatro cantos, este poema é um dos mais extensos e, ao mesmo


tempo, agônicos e desesperantes de Augusto dos Anjos – ou, talvez como afirma
Magalhães Júnior (1977, p. 185), esta “longa e patética série de quadras”.
Todo ele é percorrido por um poeta narrador que fala desesperadamente,
que anda peregrinamente, que observa, ouve e sente dolorosamente toda desgraça e
infortúnio humanos. O ambiente/espaço do texto, percorrido pelo poeta peregrino, é a
capital do Recife, a começar pela gigantesca Ponte Buarque de Macedo490, ainda hoje
conhecida como onde Augusto dos Anjos “andou, chorou” – esta nota sobre a ponte é
interessante, nada que atrapalhe nosso percurso; leiamos-na e depois voltemos491.

490 FUNDAÇÃO JOAQUIM NABUCO. Ponte Buarque de Macedo. Disponível em:


http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=626&Item
id=195. Acesso em: set. 2020.
491 Então, é de chamar nossa atenção a presença constante do nome de Augusto dos Anjos nas páginas dos

jornais da capital de Pernambuco quando o assunto é “ponte”. Embora Augusto tenha passado pouco mais
de quatro anos entre idas e vindas no trajeto Paraíba-Pernambuco, período em que frequentava a
Faculdade de Direito, foram as pontes do Recife, quer dizer, uma ponte em específico, que guardou o nome
do poeta: a Buarque de Macedo. O jornalista Francisco de Assis, numa crônica publicada no Diário da
Manhã (n. 4.198, 21 ago. 1941, p. 8), derrete-se em saudades dum tempo em que as pontes tinham mais
valor, época em que eram as “únicas causadoras do derrame cerebral de poesia” nos poetas, pois, “de fato,
não se pode olhar para elas sem um transbordamento de alma”; referindo-se às obras de melhoramento
da Maurício de Nassau e da Buarque de Macedo, diz que esta era “até agora a única cantada por um poeta
de verdade – Augusto dos Anjos”. Outros falam da imponência das pontes de Recife, a “Veneza
Americana”: a Caxangá, a Duarte Coelho, a da Torre, a do Arruda e, entre todas, a única que impressionou
de verdade, a Buarque de Macedo, cuja beleza “alcançou uma citação do maior poeta do Norte”, Augusto
dos Anjos, tendo o poeta escrito “um longo e doloroso poema” (Jornal Pequeno: órgão independente e
noticioso, n. 83, 11 abr. 1947, p. 6). Outros denunciam o estado deplorável dessas pontes: num texto de
primeira página sem assinatura, ainda no Jornal Pequeno, a reclamação é por conta dos cuidados
exigidos por aquelas que já tinham sido o “brilho do estado”, mas que, agora, estavam apenas “rangendo
de velhas e cansadas”; aludindo a projetos de reurbanização de pontos estratégicos, onde algumas dessas
antigas pontes deixariam de ser passagem de veículos e de pedestres, o autor do texto “se pergunta” se as
pontes ainda poderiam servir de “inspiração aos poetas”, ao mesmo tempo que se sente desejoso de que
253

De prosaísmo denunciador, a narrativa do poeta começa localizando o


ambiente pelo qual esse poeta seguiria seu percurso: da Ponte Buarque de Macedo,
situada na junção dos rios Capibaribe e Beberibe, em direção à agência funerária Agra, “a
mais famosa empresa funerária de Recife, fundada em 1815 pelo sapateiro Manuel
Gonçalves Agra” (MAGALHÃES JR., 1977, p. 185-186). Durante todo o percurso, o poeta
peregrino – sem sombra que lhe fale, mas com sombra que “enche a ponte” –, pensa no
destino e vê, minuciosamente, todo o aspecto crepuscular do espaço (lembremos da
“alma crepuscular”), desde o “calçamento de asfalto rijo” (vidrento, novo), à população
de vencidos e desgraçados noturnos.
É durante a noite dos espectros “quando e onde” acontecem: a fecundação do
“ovo dos vícios animais”; a doença “Sobre a cara geral dos edifícios”; o uivo dos “cães
famintos” amontoados na “matilha espantada dos instintos”; o “berro d[e] animalidade”
da besta; o “trabalho genésico dos sexos” em completa promiscuidade, trabalho que
mostra ao poeta, estendendo-lhe as mãos, “Fetos magros, ainda na placenta”.
Bem verdade que o objetivo principal destas notas é divulgar notas, e, por
isto mesmo, não se pode deixar de lado alguns dados e demais informações que passam
“despercebidos”. Entre todos os poemas longos/narrativos de Augusto dos Anjos,
digamos que este em questão seja o segundo mais conhecido (depois de Os doentes), mas
só até a segunda estrofe: “Augusto andou por Recife e em direção a uma casa funerária”,
e nada mais, sem nenhuma outra indicação. Sendo assim, sigamos.
No percurso da caminhada entre a Ponte Buarque de Macedo, o poeta
peregrino sente “A corrente atmosférica mais forte” e, mais ou menos já próximo do
Cruzeiro, vê “o fúnebre candieiro”. Embora eu seja pernambucano, morava no interior e
não conheço Recife – não, não morava no nordeste, morava em uma cidade localizada no
“brejo de altitude” do interior de Pernambuco; e sei que, na função de pesquisador
comprometido, deveria apontar todas as possíveis referências minimamente
“apresentadas” no poema, mesmo que se trate de uma “obra literária”.

pelo menos a “Buarque de Macedo lembre sempre o verso de Augusto dos Anjos” (n. 134, 13 jun. 1947, p.
1). Assinada pelo jornalista Everaldo Vasconcelos, a notícia política “Perigo na ponte Buarque de Macedo”
informa sobre os reparos físicos pelos quais passaria a Ponte Buarque de Macedo, a ponte que já havia
sido “cantada em versos por alguns românticos e [que] testemunhou a amargura de Augusto dos Anjos”;
fala dos cuidados que deveria ter a prefeitura por conta de vários buracos em alguns trechos dessas
pontes, já que alguns pontos estavam “mais esburacados do que os pulmões do Augusto dos Anjos, o
amargurado poeta do “Eu” que dali cuspiu para dentro do rio” (Jornal Pequeno: a verdade nua e crua, n.
206, 17 set. 1953, p. 3, 5) – pois sim, desinformação total, inda mais usando o nome de Augusto dos Anjos.
254

De qualquer maneira, acompanhado de alguns dados e fontes históricas e


geográficas da localização, afigura-se-me à imagem da orla marítima de Recife quando o
poeta fala em “corrente atmosférica” (da orla) mais forte e, na passagem pela ponte em
direção à já falecida “Casa do Agra”, localizada no Bairro do Pina, quando fala que vê na
“crosta do Cruzeiro” o “fúnebre candieiro”.
A corrente atmosférica descrita justamente como “forte”, não estaria também
indicando a “proximidade” do poeta, ou pelo menos a sua visão, do majestoso e sombrio
e fantasmagórico Farol da Barra, ou Farol do Recife, construído há quase dois séculos
sobre as ruínas do Forte do Picão492? E em relação ao fúnebre candieiro, sua luz fúnebre
não seria justamente a do Farol do Recife? Não seria esse o fúnebre candieiro “Que há de
me alumiar na hora da morte”, alumiar a mim, “Viageiro da Extrema-Unção”493? Não
seria esse fúnebre candieiro a única luz tragicamente acesa, já que “Ninguém
compreendia o meu soluço, / Nem mesmo Deus! [...]”?
Não sabemos. Apenas temos a certeza de que o percurso do poeta peregrino
pela noite dos espectros continua.
Ainda aludindo à crosta do Cruzeiro, o poeta peregrino diz que o “vento
bravo” lhe atira flechas “E aplicações hiemais de gelo russo”. E esta é uma nota
recorrente na poesia de Augusto dos Anjos: a descrição de cenas de “batalhas” entre um
eu poeta que traz em si a subjetividade e o lamento de todas as espécies sofredoras e
vencidas e castigadas, e um Mundo/Natureza vingativos e implacáveis em toda sua
elementaridade básica de água, terra, ar e fogo.
Na poesia de Augusto, esses elementos são representados, na maioria das
vezes, pelas imagens da água violenta que arranca tudo à sua frente (“A água arbitrária
que hiulcos caules grossos / Carrega e come”: no próprio As cismas do destino) ou da
água caudalosa que se junta à matéria podre (“Beber a acre e estagnada água do charco”:
Gemidos de arte494); da terra tal qual rocha brava e bruta (desmoronamentos “De mil
lajedos sobre mil lajedos”: A ilha de Cipango495); do fogo oriundo do Sol brasido e
impiedoso (“Sol brasileiro! Queima-me os destroços”: Gemidos de arte496); do ar tal qual
vento bravo e furioso que atira flechas.

492 RIBEMBOIM, J. A história do Forte do Picão. Fundo Pernambucano de Incentivo à Cultura


(Funcultura). Disponível em: https://fortedopicao.com/. Acesso em: set. 2020.
493 ANJOS, 1994, p. 298. São versos do poema, outro longo/narrativo, Barcarola.
494 Ibid., p. 262.
495 Ibid., p. 282.
496 Ibid., p. 266.
255

É o professor, filósofo e escritor francês Gaston Bachelard (2001), no seu


extenso trabalho acerca do devaneio e sobre a importância deste como fonte de
inspiração artística, quem assinala os elementos básicos tais quais partícipes
fundamentais dessa inspiração. Em relação, especificamente, ao “ar”, Bachelard estuda-o
em O ar e os sonhos, analisando-o, através de imagens poéticas, como representação do
“voo onírico”, do “movimento” e fluir de imagens pensadas e sentidas pelo artista.
Na mesma obra, Bachelard assinala que, quando esse ar se torna “violento”,
torna-se vent numa obra literária, é porque ele representa as cóleras e agonias e
tempestades do mundo, pois, “Se passarmos imediatamente à extrema imagem dinâmica
do ar violento, num cosmos da tempestade, veremos acumularem-se impressões de
grande nitidez psicológica” desses “escritores da tempestade”497.
As imagens desse ar violento, desse vento intempestivo, representam, então,
as próprias cóleras e agonias do mundo. São, antes, representações da “cólera cósmica”,
da tempestade cósmica. Na poesia de Augusto dos Anjos, n’As cismas do destino, esse
“ar/vento [violento] que atira flechas” talvez percorra por esse caminho. E, de acordo
com o poeta peregrino, esta “revolta da Natureza” representa uma vingança eterna dos
“mundos astronômicos; em outros momentos, a ironia amarga o faz perceber que são
“castigos de Deus”. Sigamos, portanto, o percurso.
Neste momento, o poeta sente cessar o vento bravo, sensação possibilitada
pelo abafo do fogo do deus do “submundo”, Orco, ou talvez porque o eu sai de perto da
ponte e segue por outros caminhos; ou talvez, quem sabe, em razão de ambos os
motivos. E, neste momento, as alucinações e perturbações do poeta tornam-se mais
intensas, porque ele, impressionado com a cor do sangue, sente uma “população doente
do peito” tossir “sem remédio” na su’alma; sente a “hereditária tosse”, o cuspo coletivo
“[...] de uma raça / Que violou as leis da Natureza!”; sente a “tosse úbiqua, estranha”;
sente a tosse, o cuspo como que arremessados iguais a calhaus redondos pelos
fundibulários (atiradores de pedras por estilingue); sente a “saliva daqueles infelizes”,
misturada a sangue, inchar em sua boca e, de tanta que é, ser engolida.
E aqui uma pausa para a inserção de uma nota. O martírio do poeta peregrino
continua a partir do segundo canto, mas o que ele sofre no final do primeiro é muito
mais desesperador e, por conta disto, reivindicativo.

497BACHELARD, G. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. 2. ed. Tradução de


Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 231.
256

Diz o poeta que seu “estado máximo da mágoa” chegou depois de ele sentir
toda a subjetividade sofredora dos infelizes e vencidos da noite do Recife. E, após esse
estado máximo de mágoa: fura-se “com um canivete” – não, não precisamos entender
como literal; cospe pelo caminho em ato vingativo contra “os canalhas do mundo”;
escarra “de um abismo noutro abismo” (da terra, orbe oval, para o céu); e impreca
contra “a moral do cristianismo”. Verdade, há mais filosofia e (verdade) no escarro do
que em qualquer outra coisa. Simultaneamente, o poeta peregrino sente remorsos e
ataca, sente mágoas e lança seu cuspo carrasco.
Segundo canto.
Continua o poeta a perambular no “horror da noite tão funérea”, onde
acontecem “os atos mais funestos”: os “esqueletos desarticulados” rodopiando; as
“divindades malfazejas” (“Siva e Arimã, os duendes, o In e os trasgos”) batendo em volta
das igrejas; “os ladrões da noite” indo “pela escuridão pensando crimes”; homens
praticando incestos; “bêbedos alvares” (sátiros peraltas) consumindo bebidas,
esterilizando (por conta da bebida) “A substância prolífica dos sêmens”, expelindo
“gosmas amarelas” e, depois, indo dormir nos lupanares, onde depositam “As
derradeiras forças musculares”, fabricando assim “a progênie idiota de palermas”;
“meninos sem pai” morrendo (e que morte ingrata!) de fome por conta da prostituição,
assim como tantas moças “que o túmulo reclama”, por culpa mesmo dos “[...] porcos
espojando-se nas poças / Da [sua] virgindade reduzida à lama”.
Ninguém espia o poeta peregrino. Ninguém o nota. Apenas um “lampião” é
que simboliza um “olho ali posto” de propósito para olhá-lo – estes olhos ficam só na
espreita, com seus coturnos sempre a postos...
Enfim, esta é a noite dos espectros, a noite mórbida de “embriões de mundos
que não progrediram”, da “alma embrionária que não continua”. E, novamente solidário
ao cuspo coletivo, ao grito da “população doente do peito” tossindo no seu eu, o poeta
volta a sentir mágoas intensas: repele a morte e a condena por sua injustiça diária contra
a “matéria imbele”, contra os “não aguerridos”, contra os fracos, contra os vencidos;
impreca contra a religião representada nas “catedrais mais ricas” onde “rolam sem
eficácia os amuletos” daqueles que deveriam proteger seus rebanhos.
O poeta peregrino detalha a noite funesta dos espectros, e sabe que “ninguém
o nota” durante o seu percurso. Ele, por outro lado, sabe que o “submundo” é comum,
“pois quem não vê aí, em qualquer rua”, como em jorro, toda a lamúria noturna, o grito
257

de uma cidade esquecida... Verdade, quem não vê, durante a noite, durante o dia
(lembremos da “alma crepuscular”), os vencidos, tais quais cachorros gritando
“incompreendidos verbos”...
Ainda assim, o poeta peregrino acredita n’um porvir em que tudo isto seria
visto, ouvido, sentido. O poeta peregrino acredita n’um porvir em que a “pedra dura” e
“os montes argilosos” criariam “cordões nervosos”; e os sábios, estes que “não ensinam”,
perderiam seu lugar. O poeta peregrino acredita n’um porvir em que desse “caos de
corpos orgânicos disformes” rebentariam “cérebros enormes”.
Antes, porém, desse futuro, o poeta peregrino se debate com os bramidos da
mesma massa disforme; dos “personagens da tragédia” (social) que lhe pedem socorro e
voz; da “humanidade parasita” que “berra aflita”; dos martirizados e vencidos, das
“coisas inorgânicas mais nulas” que lançam desforra.
Termina o segundo canto.
A sensação de covardia toma conta do poeta: recebendo (e entendendo) em
seu temperamento os gritos e anseios da população de vencidos da noite dos espectros,
sente-se, às vezes, incapaz de agir. No poeta permanecem “a intercessão fatídica do
atraso” – lembremos, a “alma crepuscular”; o calar-se; a “inconsciência das máscaras de
cera” – como diria no soneto A máscara: “E entre a mágoa que a másc’ra eterna apouca /
A Humanidade ri-se e ri-se louca / No carnaval intérmino da vida”498; a palavra
embrulhada em “incompreendidos verbos”, assim como na população doente do peito.
Consumido pela “revolta trágica” dos tipos (ontogênicos) mais elementares, o
poeta peregrino até sonha submergir-se na vida universal abstrata, de onde faria uma
“morada equilibrada e firme”. Contudo, com o remorso reboando, ouve o “eco particular”
do seu Destino. E começa o terceiro ato:
Homem! por mais que a Ideia desintegres,
Nessas perquisições que não têm pausa,
Jamais, magro homem, saberás a causa
De todos os fenômenos alegres!499

Em vão torna-se o “sondar”. A lâmpada (da ciência fria e louca) oca traz
somente “o conteúdo das lágrimas hediondas”.
O poeta tenta relacionar o sondar da ciência com o “sondar manual” da
“estéril [infecunda] terra” realizado pela “bronca enxada árdega”. Mas, não importa,

498 ANJOS, 1994, p. 380.


499 Ibid., p. 218.
258

porque o “lugar do Cosmos” reservado ao eu que pensa e que trabalha é feito de dor
imensa. Em síntese, a dor que o poeta sente, diz o Destino, vem da “própria humanidade
sofredora”.
É dor que não finda, que veio de tempos remotos e vai “para outros tempos
que hão de vir ainda!”. É dor que está no “machucamento das insônias”, pelo estudo “da
ninfeia”. É dor que está na pesada opressão “de um acesso de asma”.
É dor que está nas ilusões da natureza, nas suas ilusões de “lua de um
parasseleno”; nas suas ilusões de arco-íris; nas suas ilusões de terremotos que mais
lembram “paióis de pólvora explodindo” – e este detalhe é interessante porque não são
os paióis (arquiteturas destinadas ao armazenamento de explosivos e munições) que
lembram terremotos; mas, antes, são os terremotos (fenômenos geológicos da natureza)
que lembram paióis explodindo, dando a entender que a existência (ok, ficcional) desses
terremotos está em segundo plano, já que a imagem dos paióis explodindo é levantada
como referência principal; e os tiros e explosões continuam...
É dor que está nos últimos momentos da visão do “fogão apagado de uma
casa, / Onde morreu o chefe da família”; da visão do “trem particular que um corpo
arrasta / Sinistramente pela via férrea”.
É dor que está na ilusão do comércio desgraçado, das “pulseiras que os
mascates vendem”, posteriormente consumidas pela ferrugem; da “fúnebre corda / Que
arrasta a rês, depois que a rês engorda, / À morte desgraçada dos açougues”; do tecido
“da roupa que se gasta”.
É dor que está nos antagonismos, nos contrastes mais sinistros, da água
alvíssima e da hórrida áscua espirradas da “flama bruta”; da “formação molecular da
mirra” e do “cordeiro da Páscoa”; das “rebeladas cóleras que rugem / No homem
civilizado [...]”; do Amor e da Fé.
É dor dispersa, nos “bastos tojos acres” que a terra produz; na rebelião que
deixa “homens deitados, sem mortalha, / Na sangueira concreta dos massacres”; no
“juramento dos guerreiros priscos / Metendo as mãos nas glândulas da vítima”.
É dor advinda das tiranias e dos genocídios, do “homem grande oprimindo o
homem pequeno”; dos “sanguinolentíssimos chicotes” da hemorragia – lembremos do
discurso de Augusto pronunciado no teatro Santa Rosa, lá em maio de 1909, na Paraíba
(do Norte); do “achatamento das cabeças” que ainda “degrada os povos hotentotes” –
259

“povos africanos” – lembremos, novamente, do seu discurso; do inchaço das “pálpebras


da vigília” – se dormir, será abatido, sem perdão.
Todas estas dores, continua o Destino falando para o poeta peregrino, provêm
dos contrastes que “o terráqueo abismo encerra”. E, se por um lado, o poeta peregrino, a
quem o Destino também chama de poeta, não consegue penetrar no entendimento
destas dores, ele, poeta peregrino, carrega-as. Ele,
Poeta, feto malsão, criado com os sucos
De um leite mau, carnívoro asqueroso,
Gerado no atavismo monstruoso
Da alma desordenada dos malucos;

Última das criaturas inferiores


Governada por átomos mesquinhos,
Teu pé mata a uberdade dos caminhos
E esteriliza os ventres geradores!

O áspero mal que a tudo, em torno, trazes,


Análogo é ao que, negro e a seu turno,
Traz o ávido filóstomo noturno
Ao sangue dos mamíferos vorazes!

Ah! Por mais que, com o espírito, trabalhes


A perfeição dos seres existentes,
Hás de mostrar a cárie dos teus dentes
Na anatomia horrenda dos detalhes!500

Ele, poeta peregrino, ser de “alma crepuscular”, gerado de um leite mau, atavicamente
infortunado, última das criaturas, mostrará tudo quanto for de desgraça: a cárie dos
dentes, a lamúria, a dor da raça abandonada.
Ele, poeta peregrino, não será ajudado pelo Espaço, pois este não depende da
“espécie humana; não poderá tocar nem mesmo compreender as “verdades de luz” das
estrelas. Para sempre, carregará a “medonha marca”, a pecha de ser homem. Não terá a
“misericordiosa toalha amiga” que afaga os doentes bexigosos. Será arrastado como um
“cepo de madeira”. Seu dia será “comparado com um milênio” (de dor). E sua carne,
comida pelo corvo, terá “um sabor amargo”.
“Cala-se a voz”. Acaba o terceiro canto.
O eu, poeta peregrino, encolhido nesta funesta noite dos espectros e em
desespero, “puxa os cabelos”, “pare absurdos”; percebe aquela vida noturna que o olha
pedindo socorro; deseja “ir para o inferno”, na tentativa de regeneração de todo este
“mundo externo”; percebe a falha da gravidade, a morte d’“O Estado, a Associação, os
Municípios”, de toda a “teleologia (sem princípios)”.

500 ANJOS, 1994, p. 221.


260

Em suma, o eu, o poeta peregrino a perambular pela noite dos espectros do


Recife, sente a queixa de todas as “coletividades sofredoras”. E, nesta ânsia das coisas,
observa que, lá longe, na Natureza:
[...] uma mulher de luto
Cantava, espiando as árvores sem fruto,
A canção prostituta do ludíbrio!501

Conseguimos.
É As cismas do destino extenso, cansativo, extenso, doloroso, extenso,
perturbador, extenso.
Agora, depois de sair perturbado desta leitura, me pergunto: que tanta
fantasia e loucura são essas que os críticos de Augusto dos Anjos dizem esbanjar esses
versos do poeta? Fantasias e loucuras de que? Ok, há muito sangue, há muito cuspe, há
muito escarro, há muita morte (e matada), há muito grito, há muita dor, há muito pedido
de socorro. Mas, fantasias e loucuras, de que? Bem verdade que não podemos cair nas
“armadilhas do poeta”, mas também não podemos fechá-lo na masmorra da
incompreensão e deixá-lo sozinho a cantar e gritar poemas como esse.
Porém, talvez seja melhor assim entender. Fantasias e loucuras.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino pela noite dos espectros. Fantasias e
loucuras do poeta que ouve, que observa e que sente esta vida de alma crepuscular da
população de vencidos da cidade, da “raça” fadada à desgraça e ao fracasso. Fantasias e
loucuras do poeta que não consegue distinguir suas fantasias e loucuras.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve os bramidos e berros
animalescos da massa disforme. Dos personagens da tragédia social. Dos martirizados e
vencidos. Da população doente do peito. De toda esta vida nula que lança desforra, que
grita um português cansado, que pede socorro, que pede voz.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que observa esqueletos e magrezas,
ladrões da noite, homens incestuosos. A excessividade do sangue. A vida que não
progrediu. O submundo comum, “pois quem não vê aí, em qualquer rua”, toda a lamúria
noturna duma cidade esquecida.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que sente em seu peito e na su’alma a
dor dos meninos sem pai morrendo de fome. A dor das pobres moças obrigadas, pelos

501 Ibid., p. 223.


261

porcos, a se prostituir. A dor da população doente do peito a tossir sem remédio. A dor
desta tosse coletiva e hereditária.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve, observa e sente as dores
do mundo. As ilusões da natureza. Os últimos momentos. A sangueira dos massacres
diários. As tiranias e os genocídios diários. As opressões diárias. A escravidão diária de
homens livres. A vigília eterna de quem tem medo de ser abatido.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve, observa e sente as
tragédias coletivas e que, por causa do sentimento de covardia que o ataca e de remorso
que o consome, tenta agir e lutar. Repele a morte. Repele a injustiça diária. Impreca
contra a religião representada nas catedrais e assembleias mais ricas. Escarra. Cospe
pelo caminho. Escarra. Cospe contra os canalhas do mundo. Escarra. Acredita n’um
porvir libertário em que seriam ouvidas, observadas e sentidas todas as dores do
mundo. Acredita n’um porvir libertário em que os corpos que hoje sofrem rebentariam
em luz. Acredita n’um porvir libertário em que o mundo seria uma “morada equilibrada
e firme”.
Fantasias e loucuras do poeta peregrino que ouve, observa e sente as
tragédias coletivas diárias. No entanto, nada pode fazer.
Poeta peregrino que ouve, observa e sente os gritos e anseios da população de
vencidos na noite dos espectros. No entanto, é consciente do seu fracasso, do fracasso de
todos. Do eterno atraso. Da eterna medonha marca. Do calar-se. Da palavra cansada e
insuficiente. Da eterna alma crepuscular. Da eterna dor.
Poeta peregrino que ouve e observa e sente somente, sem nada poder fazer,
aquela e esta canção da natureza exausta, aquela e esta elegia panteística do universo.
Fantasias e loucuras.
262

CAPÍTULO 8:
Os Doentes, e os espectros da Paraíba (do Norte)

Minha boa Paraíba,

Por alguns dias observei detidamente, com os meus óculos


de necrologista, as peças esburacadas e desmanteladas do
teu microcosmo social.
Feriu com particular agrado minha retina de nevrótico
todo esse aspecto de engrenagem decomposta, exibindo,
sem pudor, ao ar livre, o escândalo de suas partes
apodrecidas.
[...]
Porque, em suma, o triunfo econômico, a vitória do eu,
no conflito existencial moderno, estabelecem as suas
premissas matemáticas, e o esboço de suas radículas
originárias no amplo lastro amalgamado das acumulações
fraudulentas.
Tal é o empenho simultâneo das classes dirigentes,
movimentando a máquina dos trabalhos ávidos, para a
colheita das fortunas.
A egolatria comeu o escrúpulo, e o lançou pela boca dos
intestinos, sob a forma obscena de novelos excrementícios.
O caráter, candidato à ruína, mandou pregar tabuletas
de insolvência culposa na frontaria das casas.
O homem de bem é hoje um idiota, uma figura de
manicômio, coberta de achincalhos públicos, muito
burlesca, fedendo a sepultura maltratada de cemitério
aldeão.
A honra se confunde com uma caveira de anfiteatro,
exposta às alternativas deprimentes da chocarrice gaiata.
A questão é vencer, é objetivar em torres perpétuas de
oiro os algarismos abstratos, preconcebidos, à noite, nos
subsolos urbanos, por cima das mesas cúmplices, com um
caderno de papel almaço e a negra âmbula inalterável de
tinta blue-black.
[...]
Ah! os utilitaristas!

(Cartas de Pau d’Arco, crônica de Augusto dos Anjos


“Em 27-10-1906.
O Comércio, 28-10-1906”)502

Os doentes é o mais extenso dos poemas narrativos de Augusto dos Anjos, não
que isto queira dizer alguma coisa. Sua divulgação primeira data da edição organizada
pelo próprio Augusto, em 1912 (Eu), não se conhecendo, até hoje, publicação sua em
jornal ou revista. Os doentes é tão extenso e perturbador quanto As cismas do destino,

502 ANJOS, 1994, p. 631-632.


263

mas a diferença está justamente no “espaço” percorrido pelo poeta peregrino. Sigamos,
pois, antes que o ônibus passe; e, agora, só daqui a uma hora.

OS DOENTES503

Como uma cascavel que se enroscava,


A cidade dos lázaros dormia...
Somente, na metrópole vazia,
Minha cabeça autônoma pensava!

Mordia-me a obsessão má de que havia,


Sob os meus pés, na terra onde eu pisava,
Um fígado doente que sangrava
E uma garganta de órfã que gemia!

Tentava compreender com as conceptivas


Funções do encéfalo as substâncias vivas
Que nem Spencer, nem Haeckel compreenderam...

E via em mim, coberto de desgraças,


O resultado de bilhões de raças
Que há muitos anos desapareceram!

II

Minha angústia feroz não tinha nome.


Ali, na urbe natal do Desconsolo,
Eu tinha de comer o último bolo
Que Deus fazia para a minha fome!

Convulso, o vento entoava um pseudo-salmo.


Contrastando, entretanto, com o ar convulso
A noite funcionava como um pulso
Fisiologicamente muito calmo.

Caíam sobre os meus centros nervosos,


Como os pingos ardentes de cem velas,
O uivo desenganado das cadelas
E o gemido dos homens bexigosos.

Pensava! E em que eu pensava, não perguntes!


Mas, em cima de um túmulo, um cachorro
Pedia para mim água e socorro
À comiseração dos transeuntes!

Bruto, de errante rio, alto e hórrido, o urro


Reboava. Além jazia aos pés da serra,
Criando as superstições de minha terra,
A queixada específica de um burro!

Gordo adubo de agreste urtiga brava,


Benigna água, magnânima e magnífica,
Em cuja álgida unção, branda e beatífica,

503 Ibid., p. 236-249.


264

A Paraíba indígena se lava!

A manga, a ameixa, a amêndoa, a abóbora, o álamo


E a câmara odorífera dos sumos
Absorvem diariamente o ubérrimo húmus
Que Deus espalha à beira do teu tálamo!

Nos de teu curso desobstruídos trilhos,


Apenas eu compreendo, em quaisquer horas,
O hidrogênio e o oxigênio que tu choras
Pelo falecimento dos teus filhos!

Ah! Somente eu compreendo, satisfeito,


A incógnita psiquê das massas mortas
Que dormem, como as ervas, sobre as hortas,
Na esteira igualitária do teu leito!

O vento continuava sem cansaço


E enchia com a fluidez do eólico hissope
Em seu fantasmagórico galope
A abundância geométrica do espaço.

Meu ser estacionava, olhando os campos


Circunjacentes. No Alto, os astros miúdos
Reduziam os Céus sérios e rudos
A uma epiderme cheia de sarampos!

III

Dormia em baixo, com a promíscua véstia


No embotamento crasso dos sentidos,
A comunhão dos homens reunidos
Pela camaradagem da moléstia.

Feriam-me o nervo óptico e a retina


Aponevroses e tendões de Aquiles,
Restos repugnantíssimos de bílis,
Vômitos impregnados de ptialina.

Da degenerescência étnica do Ária


Se escapava, entre estrépitos e estouros,
Reboando pelos séculos vindouros,
O ruído de uma tosse hereditária.

Oh! Desespero das pessoas tísicas,


Adivinhando o frio que há nas lousas,
Maior felicidade é a destas cousas
Submetidas apenas às leis físicas!

Estas, por mais que os cardos grandes rocem


Seus corpos brutos, dores não recebem;
Estas dos bacalhaus o óleo não bebem,
Estas não cospem sangue, estas não tossem!

Descender dos macacos catarríneos,


Cair doente e passar a vida inteira
Com a boca junto de uma escarradeira,
Pintando o chão de coágulos sanguíneos!
265

Sentir, adstritos ao quimiotropismo


Erótico, os micróbios assanhados
Passearem, como inúmeros soldados,
Nas cancerosidades do organismo!

Falar somente uma linguagem rouca,


Um português cansado e incompreensível,
Vomitar o pulmão na noite horrível
Em que se deita sangue pela boca!

Expulsar, aos bocados, a existência


Numa bacia autômata de barro,
Alucinado, vendo em cada escarro
O retrato da própria consciência!

Querer dizer a angústia de que é pábulo,


E com a respiração já muito fraca
Sentir como que a ponta de uma faca,
Cortando as raízes do último vocábulo!

Não haver terapêutica que arranque


Tanta opressão como se, com efeito,
Lhe houvessem sacudido sobre o peito
A máquina pneumática de Bianchi!

E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba


A erguer, como um cronômetro gigante,
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!

Mas vos não lamenteis, magras mulheres,


Nos ardores danados da febre hética,
Consagrando vossa última fonética
A uma recitação de misereres.

Antes levardes ainda uma quimera


Para a garganta onívora das lajes
Do que morrerdes, hoje, urrando ultrajes
Contra a dissolução que vos espera!

Porque a morte, resfriando-vos o rosto,


Consoante a minha concepção vesânica,
É a alfândega, onde toda a vida orgânica
Há de pagar um dia o último imposto!

IV

Começara a chover. Pelas algentes


Ruas, a água, em cachoeiras desobstruídas,
Encharcava os buracos das feridas,
Alagava a medula dos Doentes!

Do fundo do meu trágico destino,


Onde a Resignação os braços cruza,
Saía, com o vexame de uma fusa,
A mágoa gaguejada de um cretino.

Aquele ruído obscuro de gagueira


Que a noite, em sonhos mórbidos, me acorda,
266

Vinha da vibração bruta da corda


Mais recôndita da alma brasileira!

Aturdia-me a tétrica miragem


De que, naquele instante, no Amazonas,
Fedia, entregue a vísceras glutonas,
A carcaça esquecida de um selvagem.

A civilização entrou na taba


Em que ele estava. O gênio de Colombo
Manchou de opróbrios a alma do mazombo,
Cuspiu na cova do morubixaba!

E o índio, por fim, adstrito à étnica escória,


Recebeu, tendo o horror no rosto impresso,
Esse achincalhamento do progresso
Que o anulava na crítica da História!

Como quem analisa uma apostema,


De repente, acordando na desgraça,
Viu toda a podridão de sua raça
Na tumba de Iracema!...

Ah! Tudo, como um lúgubre ciclone,


Exercia sobre ele ação funesta
Desde o desbravamento da floresta
À ultrajante invenção do telefone.

E sentia-se pior que um vagabundo


Microcéfalo vil que a espécie encerra,
Desterrado na sua própria terra,
Diminuído na crônica do mundo!

A hereditariedade dessa pecha


Seguiria seus filhos. Dora em diante
Seu povo tombaria agonizante
Na luta da espingarda contra a flecha!

Veio-lhe então como à fêmea vêm antojos


Uma desesperada ânsia improfícua
De estrangular aquela gente iníqua
Que progredia sobre os seus despojos!

Mas, diante a xantocróide raça loura,


Jazem, caladas, todas as inúbias,
E agora, sem difíceis nuanças dúbias,
Com uma clarividência aterradora,

Em vez da prisca tribo e indiana tropa


A gente deste século, espantada,
Vê somente a caveira abandonada
De uma raça esmagada pela Europa!

Era a hora em que arrastados pelos ventos,


Os fantasmas hamléticos dispersos
Atiram na consciência dos perversos
A sombra dos remorsos famulentos.
267

As mães sem coração rogavam pragas


Aos filhos bons. E eu, roído pelos medos,
Batia com o pentágono dos dedos
Sobre um fundo hipotético de chagas!

Diabólica dinâmica daninha


Oprimia meu cérebro indefeso
Com a força onerosíssima de um peso
Que eu não sabia mesmo de onde vinha.

Perfurava-me o peito a áspera pua


Do desânimo negro que me prostra,
E quase a todos os momentos mostra
Minha caveira aos bêbedos da rua.

Hereditariedades politípicas
Punham na minha boca putrescível
Interjeições de abracadabra horrível
E os verbos indignados das Filípicas.

Todos os vocativos dos blasfemos,


No horror daquela noite monstruosa,
Maldiziam, com voz estentorosa,
A peçonha inicial de onde nascemos.

Como que havia na ânsia de conforto


De cada ser, ex.: o homem e o ofídio,
Uma necessidade de suicídio
E um desejo incoercível de ser morto!

Naquela angústia absurda e tragicômica


Eu chorava, rolando sobre o lixo,
Com a contorção neurótica de um bicho
Que ingeriu 30 gramas de nux-vomica.

E, como um homem doido que se enforca,


Tentava, na terráquea superfície,
Consubstanciar-me todo com a imundície,
Confundir-me com aquela coisa porca!

Vinha, às vezes, porém, o anelo instável


De, com o auxílio especial do osso masséter,
Mastigando homeomérias neutras de éter
Nutrir-me de matéria imponderável.

Anelava ficar um dia, em suma,


Menor que o anfióxus e inferior à tênia,
Reduzido à plastídula homogênea,
Sem diferenciação de espécie alguma.

Era (nem sei em síntese o que diga)


Um velhíssimo instinto atávico, era
A saudade inconsciente da monera
Que havia sido minha mãe antiga!

Com o horror tradicional da raiva corsa


268

Minha vontade era, perante a cova,


Arrancar do meu próprio corpo a prova
Da persistência trágica da força.

A pragmática má de humanos usos


Não compreende que a Morte que não dorme
É a absorção do movimento enorme
Na dispersão dos átomos difusos.

Não me incomoda esse último abandono.


Se a carne individual hoje apodrece,
Amanhã, como Cristo, reaparece
Na universalidade do carbono!

A vida vem do éter que se condensa,


Mas o que mais no Cosmos me entusiasma
É a esfera microscópica do plasma
Fazer a luz do cérebro que pensa.

Eu voltarei, cansado da árdua liça,


À substância inorgânica primeva,
De onde, por epigênesis, veio Eva
E a stirpe radiolar chamada Actissa!

Quando eu for misturar-me com as violetas,


Minha lira, maior que a Bíblia e a Fedra,
Reviverá, dando emoção à pedra,
Na acústica de todos os planetas!

VI

À álgida agulha, agora, alva, a saraiva


Caindo, análoga era... Um cão agora
Punha a atra língua hidrófoba de fora
Em contrações miológicas de raiva.

Mas, para além, entre oscilantes chamas,


Acordavam os bairros da luxúria...
As prostitutas, doentes de hematúria,
Se extenuavam nas camas.

Uma, ignóbil, derreada de cansaço,


Quase que escangalhada pelo vício,
Cheirava com prazer no sacrifício
A lepra má que lhe roía o braço!

E ensanguentava os dedos da mão nívea


Com o sentimento gasto e a emoção pobre,
Nessa alegria bárbara que cobre
Os saracoteamentos da lascívia...

De certo, a perversão de que era presa


O sensorium daquela prostituta
Vinha da adaptação quase absoluta
À ambiência microbiana da baixeza!

Entanto, virgem fostes, e, quando o éreis,


Não tínheis ainda essa erupção cutânea,
Nem tínheis, vítima última da insânia,
269

Duas mamárias glândulas estéreis!

Ah! Certamente, não havia ainda


Rompido, com violência, no horizonte,
O sol malvado que secou a fonte
De vossa castidade agora finda!

Talvez tivésseis fome, e as mãos, embalde,


Estendestes ao mundo, até que, à toa,
Fostes vender a virginal coroa
Ao primeiro bandido do arrabalde.

E estais velha! – De vós o mundo é farto,


E hoje, que a sociedade vos enxota,
Somente as bruxas negras da derrota
Frequentam diariamente vosso quarto!

Prometem-vos (quem sabe?!) entre os ciprestes


Longe da mancebia dos alcouces,
Nas quietudes nirvânicas mais doces,
O noivado que em vida não tivestes!

VII

Quase todos os lutos conjugados,


Como uma associação de monopólio,
Lançavam pinceladas pretas de óleo
Na arquitetura arcaica dos sobrados.

Dentro da noite funda um braço humano


Parecia cavar ao longe um poço
Para enterrar minha ilusão de moço,
Como a boca de um poço artesiano!

Atabalhoadamente pelos becos,


Eu pensava nas coisas que perecem,
Desde as musculaturas que apodrecem
À ruína vegetal dos lírios secos.

Cismava no propósito funéreo


Da mosca debochada que fareja
O defunto, no chão frio da igreja,
E vai depois levá-lo ao cemitério!

E esfregando as mãos magras, eu, inquieto,


Sentia, na craniana caixa tosca,
A racionalidade dessa mosca,
A consciência terrível desse inseto!

Regougando, porém, argots e aljâmias,


Como quem nada encontra que o perturbe,
A energúmena grei dos ébrios da urbe
Festejava seu sábado de infâmias.

A estática fatal das paixões cegas,


Rugindo fundamente nos neurônios,
Puxava aquele povo de demônios
Para a promiscuidade das adegas.
270

E a ébria turba que escaras sujas masca,


À falta idiossincrásica de escrúpulo,
Absorvia com gáudio absinto, lúpulo
E outras substâncias tóxicas da tasca.

O ar ambiente cheirava a ácido acético,


Mas, de repente, com o ar de quem empesta,
Apareceu, escorraçando a festa,
A mandíbula inchada de um morfético!

Saliências polimórficas vermelhas,


Em cujo aspecto o olhar perspícuo prendo,
Punham-lhe num destaque horrendo o horrendo
Tamanho aberratório das orelhas.

O fácies do morfético assombrava!


– Aquilo era uma negra eucaristia,
Onde minh’alma inteira surpreendia
A Humanidade que se lamentava!

Era todo o meu sonho, assim inchado,


Já podre, que a morfeia miserável
Tornava às impressões tácteis palpável,
Como se fosse um corpo organizado!

VIII

Em torno a mim, nesta hora, estriges voam,


E o cemitério, em que eu entrei adrede,
Dá-me a impressão de um boulevard que fede,
Pela degradação dos que o povoam.

Quanta gente, roubada à humana coorte,


Morre de fome, sobre a palha espessa,
Sem ter, como Ugolino, uma cabeça
Que possa mastigar na hora da morte;

E nua, após baixar ao caos budista,


Vem para aqui, nos braços de um canalha,
Porque o madapolão para a mortalha
Custa 1$200 ao lojista!

Que resta das cabeças que pensaram?!


E afundado nos sonhos mais nefastos,
Ao pegar num milhão de miolos gastos,
Todos os meus cabelos se arrepiaram.

Os evolucionismos benfeitores
Que por entre os cadáveres caminham,
Iguais a irmãs de caridade, vinham
Com a podridão dar de comer às flores!

Os defuntos então me ofereciam


Com as articulações das mãos inermes,
Num prato de hospital, cheio de vermes,
Todos os animais que apodreciam!

É possível que o estômago se afoite


(Muito embora contra isto a alma se irrite)
271

A cevar o antropófago apetite,


Comendo carne humana, à meia-noite!

Com uma ilimitadíssima tristeza,


Na impaciência do estômago vazio,
Eu devorava aquele bolo frio
Feito das podridões da Natureza!

E hirto, a camisa suada, a alma aos arrancos,


Vendo passar com as túnicas obscuras
As escaveiradíssimas figuras
Das negras desonradas pelos brancos;

Pisando, como quem salta, entre fardos,


Nos corpos nus das moças hotentotes
Entregues, ao clarão de alguns archotes,
À sodomia indigna dos moscardos;

Eu maldizia o deus de mãos nefandas


Que, transgredindo a igualitária regra
Da Natureza, atira a raça negra
Ao contubérnio diário das quitandas!

Na evolução de minha dor grotesca,


Eu mendigava aos vermes insubmissos,
Como indenização dos meus serviços,
O benefício de uma cova fresca.

Manhã. E eis-me a absorver a luz de fora,


Como o íncola do polo ártico, às vezes,
Absorve, após a noite de seis meses,
Os raios caloríficos da aurora.

Nunca mais as goteiras cairiam


Como propositais setas malvadas,
No frio matador das madrugadas,
Por sobre o coração dos que sofriam!

Do meu cérebro à absconsa tábua rasa


Vinha a luz restituir o antigo crédito,
Proporcionando-me o prazer inédito
De quem possui um sol dentro de casa.

Era a volúpia fúnebre que os ossos


Me inspiravam, trazendo-me, ao sol claro,
À apreensão fisiológica do faro
O odor cadaveroso dos destroços!

IX

O inventário do que eu já tinha sido


Espantava. Restavam só de Augusto
A forma de um mamífero vetusto
E a cerebralidade de um vencido!

O gênio procriador da espécie eterna


Que me fizera, em vez de hiena ou lagarta,
Uma sobrevivência de Sidarta,
Dentro da filogênese moderna;
272

E arrancara milhares de existências


Do ovário ignóbil de uma fauna imunda,
Ia arrastando agora a alma infecunda
Na mais triste de todas as falências.

Um céu calamitoso de vingança


Desagregava, déspota e sem normas,
O adesionismo biôntico das formas
Multiplicadas pela lei da herança!

A ruína vinha horrenda e deletéria


Do subsolo infeliz, vinha de dentro
Da matéria em fusão que ainda há no centro,
Para alcançar depois a periféria!

Contra a Arte, oh! Morte, em vão teu ódio exerces!


Mas, a meu ver, os sáxeos prédios tortos
Tinham aspectos de edifícios mortos,
Decompondo-se desde os alicerces!

A doença era geral, tudo a extenuar-se


Estava. O Espaço abstrato que não morre
Cansara... O ar que, em colônias fluidas, corre,
Parecia também desagregar-se!

Os pródromos de um tétano medonho


Repuxavam-me o rosto... Hirto de espanto,
Eu sentia nascer-me n’alma, entanto,
O começo magnífico de um sonho!

Entre as formas decrépitas do povo,


Já batiam por cima dos estragos
A sensação e os movimentos vagos
Da célula inicial de um Cosmos novo!

O letargo larvário da cidade


Crescia. Igual a um parto, numa furna,
Vinha da original treva noturna,
O vagido de uma outra Humanidade!

E eu, com os pés atolados no Nirvana,


Acompanhava, com um prazer secreto,
A gestação daquele grande feto,
Que vinha substituir a Espécie Humana!

Dividido em nove cantos, este poema também tem como peculiar a figura
dum poeta peregrino que perambula pela noite dos espectros. E, desta vez, a noite é a da
velha Paraíba (do Norte).
Digamos que o primeiro canto, apresentado em “soneto”, é o programa
temático deste longo poema. Nele, o poeta anuncia o ambiente a ser visitado: “a cidade
dos lázaros”, tal qual “metrópole vazia”. Ele ainda dá algumas informações que aparecem
e aparecerão detalhadas durante seu percurso: a inutilidade da “ciência fria”, incapaz de
273

compreender “as substâncias vivas” (quase mortas) que pedem socorro; o remorso e a
mágoa e a angústia por lembrar, ver e rever e sentir, claramente, a desgraça dos pedaços
de corpos (fígado doente e uma “garganta de órfã”) que lhe aparecem à frente; e sua
consciência de “alma crepuscular” fadada à desgraça, pois é ele, poeta peregrino, quem
diz sentir em seu corpo o resultado de tantas outras “raças [vencidas,] desaparecidas [,
extintas]” – pois sim, os “espectros” desta noite.
O ambiente, a cidade, e a errância por este ambiente, ainda se farão, pois o
poeta, neste primeiro canto, diz que apenas “pensava” na cidade vazia dos lázaros. E sua
definição de que “pisava na terra”, ao imaginar esta cidade e os espectros (que visitaria),
fornece esses sentidos de localização e movimento. Mais ainda porque diz que “ali”, ali,
na cidade dos lázaros, na urbe natal do desconsolo, é onde teria a sensação maior de
angústia e remorso, ou seja, “ali na cidade”, não “aqui na cidade”. Então, por enquanto, o
poeta não chegou propriamente à cidade dos lázaros, talvez, sim, esteja perto e consiga
vê-la a partir de um bom posicionamento.
Começa o segundo canto. Nele, o poeta detalha o ambiente já próximo, a
“urbe natal do Desconsolo”, onde terá de comer o último bolo preparado a partir das
podridões da natureza – ironicamente, preparado por Deus (aquela “mônada esquisita”).
Então, ele segue seu percurso pela noite “muito calma”, diferente do “vento” que
convulsiona tal qual um entoar/cantar mórbido.
Enquanto que no primeiro canto o poeta observa, minuciosamente, um
“fígado que sangra” e uma “garganta de órfã que geme”; neste segundo, ele ouve o “uivo
desenganado das cadelas / E o gemido dos homens bexigosos” e, mais detalhadamente,
observa um cachorro (em cima dum túmulo) pedindo “água e socorro / À comiseração
dos transeuntes” e a “queixada específica de um burro” caída aos pés da serra.
Interessante porque a imagem desta “serra” se deu por conta do uivo, pois o
poeta diz que este uivo “bruto, de errante rio, alto e hórrido” reboava, ecoava fortemente
bem ao longe, certamente até os pés da serra. Agora, seriam os uivos das cadelas, dos
homens bexigosos ou do cachorro que lhe pedia água e socorro? Talvez as imagens
tornem-se “mais claras” por conta da descrição que faz o poeta dum segundo momento
da paisagem geral. Então, prestemos atenção nas expressões “serra”, “errante rio” e
“homens bexigosos” (que também dão uivos, ou melhor, gemidos).
Após descrever que este uivo reboava e ecoava bem ao longe, após dizer que
neste longe (os pés da serra) ele, poeta peregrino, observava o resto de um corpo (a
274

queixada de um burro) morto, após descrever que este uivo estrondoso ecoava lá longe,
aos pés da serra, lá longe, pelo “errante rio”, o poeta começa a descrever um grandioso e
importantíssimo ponto histórico-geográfico e real da capital Paraíba – atualmente, João
Pessoa: o Rio Paraíba, rio que corta a capital do estado; rio de água “benigna, magnânima
e magnífica”; rio onde se banha e se lava e se beatifica a “Paraíba indígena”; rio em cujo
leito “a manga, a ameixa, a amêndoa, a abóbora, o álamo” e a “câmara odorífera dos
sumos” absorvem, diariamente, o “ubérrimo/[abundante] humus” que “Deus espalha”.
Não, o poeta peregrino não disse “chuva”. Disse apenas que “Deus espalha” o
abundante humus, a matéria orgânica no leito do rio. E, claro, a primeira “matéria
orgânica” deste humus é o próprio corpo orgânico do burro morto, ou, como descreve o
poeta, é este humus o “gordo adubo da agreste urtiga brava”.
Talvez, eu esteja sendo louco por estas imagens que seguem. Mas, sigamos.
Ao descrever o leito do Rio Paraíba, leito abundante de frutas e verduras e
rico em “matéria orgânica”, ao descrever que Deus é quem espalha este “ubérrimo
humus” no leito do rio – lembremos também: Deus prepara para o poeta o “último bolo”
feito com as podridões da natureza –, o poeta peregrino diz que o hidrogênio e o oxigênio
que este rio chora “pelo falecimento [dos seus filhos], que apenas ele, poeta, observador
desta noite dos espectros, é quem “compreende em quaisquer horas”. Isto mesmo, o
poeta compreende o choro do rio. Mas, por que este choro?
Entre as leituras feitas da poesia de Augusto dos Anjos, desde as primeiras
surgidas em jornais e revistas assim que foi lançado o Eu às mais atuais, não consigo
encontrar uma que mostre (a nós leitores) o detalhamento caleidoscópico (que todo
mundo sabe citar) do cenário narrado/(descrito) pelo poeta. Como dizem todos, nada
mais é do que uma série de fantasias e loucuras e o vai e vem entre paisagens, entre
tempos e com vários personagens. Isso, apenas isso.
Tudo bem. Mas aqui tento me fazer investigador.
Já no final do segundo canto, o poeta peregrino diz que compreende o choro
do Rio Paraíba, que chora por conta do falecimento dos “filhos”; o poeta peregrino diz
que compreende a “incógnita psiquê das massas mortas / Que dormem, como as ervas,
sobre as hortas, / Na esteira igualitária” do leito do Rio. E, durante estas compreensões,
ele descreve que o vento continua sem cansaço o seu “fantasmagórico galope”. E,
durante estas compreensões, ele descreve toda a paisagem que olha: “os campos
275

circunjacentes”, “os astros miúdos” do Céu que mais parecia “uma epiderme cheia de
sarampos” – eis uma imagem de “doença”.
Neste momento, começa o terceiro canto. Nele, descreve o poeta peregrino
que dormiam “embaixo, com a promíscua véstia” a “comunhão dos homens reunidos”
pela “camaradagem da moléstia”.
Bem, leito do Rio Paraíba cheio de “matéria orgânica”; Rio Paraíba que banha,
que lava, mas que também chora pelos “seus filhos”. E a pergunta: esses homens, que
estrofes antes o poeta já havia dito serem “bexigosos”, que vestem roupas promíscuas e
que se reúnem pela camaradagem da moléstia, estariam dormindo “embaixo” da onde?
O poeta peregrino descreve toda a paisagem “circunjacente”, os campos, as
serras, o leito do rio, o próprio “errante rio”. Mas, então, seria “embaixo”, ou melhor,
seria no leito do rio que esses homens estariam dormindo? Dormindo no leito do Rio
Paraíba? O poeta estaria se referindo ao leito do Rio Paraíba e aos homens doentes e
desgraçados que lá “embaixo” dormiam? Seria isso?
Talvez seja leviana impressão minha e sem nenhum embasamento “teórico-
metodológico” confiável. Simples divagações. E estas mesmas divagações deve ter tido o
poeta peregrino ao pensar que observava, ouvia e sentia aqueles homens de promíscua
véstia dormindo, em comunhão, reunidos “pela camaradagem da moléstia”; dormindo,
em comunhão, no leito do Rio Paraíba.
Mas, por que em um leito de rio? Só por que havia um ou outro que de lá fazia
sua morada? Só por isso? Só por que a “higiene do paraibano”, como noticiavam os
jornais do estado, na época, era precária? Bem verdade que o jornal de Orris Soares –
aquele mesmo, colega de Augusto –, O Norte, lá em janeiro de 1913, noticiava que
Os nossos patrícios, em regra, são rebeldes às medidas de higiene, e
zombam das multas, alegando que são pobres, e que essa história de higiene é...
uma história mesmo!
Caboclos há que moram quase dentro do mangue, e são trabalhadores,
fortes e lépidos. É a lógica tabaroa da ignorância, e não há propaganda de
higiene que possa com ele; é uma convicção quase religiosa, e combatê-la é
criar inimigos perigosos.504

mas, e então? Talvez sejam apenas fantasias e loucuras. Fantasias e loucuras do poeta
peregrino em passeio pela noite dos espectros. Imagina, caboclos trabalhadores
dormindo (quase) dentro do mangue... Fantasias e loucuras.

504 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.338, 16 jan. 1913, p. 1 (grifos meus).
276

Infelizmente, o texto do jornal citado vem assinado apenas com as iniciais “A.
de A.”. Não, não estou tentando levantar suspeitas em relação ao dono da assinatura, até
porque Augusto dos Anjos estava morando na capital da República, o Rio de Janeiro,
desde 1910. Apenas quero dizer que o texto em destaque vem assinado por alguém que
“denuncia” o precário saneamento da Paraíba, apontando alguns problemas antigos
pelos quais a capital passava, no quesito higiene. Certamente que Augusto, se estivesse
ainda morando no seu estado natal e se escrevesse um texto como este, nunca que
culparia os próprios trabalhadores e demais homens pobres por “sua ignorância”; está
claro, neste texto, que um dos principais motivos de tanta “sujeira” na cidade era
justamente por culpa da ignorância dos pobres em não quererem colaborar com as
campanhas de higienização propostas pelo governo – vale lembrar que em 1913 a
Paraíba era governada por Castro Pinto, sucessor de João Lopes Machado.
Mas, enfim, tudo isto não passa de fantasias e loucuras. Fantasias e loucuras
do poeta peregrino em passeio pela noite dos espectros. Não é porque o poeta observa os
homens desgraçados, “caboclos trabalhadores” dormindo dentro do mangue, dormindo
lá embaixo”, que isto ultrapassa o mundo das fantasias e loucuras.
E estas fantasias e loucuras ficam mais fantasiosas e loucas quando podemos
perceber que o “embaixo” pode trazer outra leitura.
Vamos lá: há o leito do rio onde dormem homens trabalhadores e doentes,
mas como esse poeta peregrino se movimenta intensamente, a noção do “leito” como
algo plano passa a ser substituída pela noção de que o poeta não mais está próximo dele,
próximo desse leito, porque, “agora”, ele observa esse leito de “cima”. Mas, como? –
lembrando, tudo não passa de fantasias e loucuras.
O grandioso e importantíssimo Rio Paraíba tem o “Rio Sanhauá” como o seu
principal afluente. O Rio Sanhauá é justamente o rio onde “começou toda a história do
estado da Paraíba”: foi nesse local onde, a 5 de agosto de 1585, os “bravos
conquistadores” portugueses resolveram construir a “Cidade de Nossa Senhora das
Neves” – hoje, claro, João Pessoa; portanto, desde o século XVI que suas margens
funcionavam como principal porto marítimo daquela “comunidade” que ia se formando,
o antigo “Porto do Varadouro”505. Vale lembrar que, em pleno 2020, este local é

505 WEB RÁDIO PORTO DO CAPIM. Onde começou a história da Paraíba. Disponível em:
http://radioportodocapim.com.br/porto-do-capim/. Acesso em: set. 2020.
277

conhecido como “Porto do Capim”, local onde residem comunidades ribeirinhas,


compostas de pescadores, de marisqueiros.
Em cima do Rio Sanhauá, há a “Ponte do Rio Sanhauá”, popularmente
conhecida como “ponte do Baralho”, que liga os atuais municípios de João Pessoa e
Bayeux. Essa ponte começou a ser construída a partir da década de 1830.
Tentando fazer a mesma “referência” quanto à geografia e à história do local,
assim como feito em As cismas do destino em relação à “Ponte Buarque de Macedo-Casa
Funerária Agra-Farol do Recife”, podemos entender a localização “Ponte do Rio
Sanhauá-Rua Direita (atual Duque de Caxias)”, na Paraíba. Tudo bem que as paisagens,
os “locais”, mudam com o passar do tempo, mas poderia ser a Ponte Rio Sanhauá a
referência de quem está “em cima” olhando quem está “embaixo”? Poderia ser a Ponte
Rio Sanhauá esse local de onde o poeta peregrino observa os homens reunidos pela
moléstia dormindo, lá embaixo?
Só para recapitular: a Rua Direita, atualmente Rua Duque de Caxias, foi o
endereço onde Augusto dos Anjos começou a morar a partir de 1908, com sua família.
Em carta do dia 4 de junho (1908), enviada à sua mãe, Dona Córdula, que ainda residia
no engenho Pau d’Arco, mas que, em poucas semanas, residiria na capital, o poeta
informava que havia encontrado uma casa “sita na Rua Direita, e [que ela ficava] perto
do Clube”506. Em carta do dia 16 do mesmo mês, dizia que havia se mudado dessa casa
por conta de seu estado precário, quase caindo. E é nesta mesma carta, do dia 16 de
junho, que o poeta comunica D. Córdula de que encontraria uma outra residência na
mesma Rua Direita, já que sua mãe pelo local “simpatizava”.
Augusto dos Anjos deve ter encontrado uma casa na Rua Direita, pois nas
suas cartas seguintes, apenas mais duas de 1908, não mais tocaria no assunto de
endereço. Verdade, era esse o endereço, pois é Ademar Vidal (1967, p. 10), antigo aluno
de Augusto, quem informa: “éramos vizinhos na Rua Direita, coisa mesmo de parede-
meia. O poeta morava num sobradinho de dois andares, incluindo o térreo”.
E a referência à Rua Direita se dá de maneira até mais direta – sem
trocadilhos –, pelo poeta peregrino do poema Noite de um visionário, outro
longo/narrativo, publicado n’A União paraibana em 1910 – poeta peregrino, diga-se de
passagem, que continua observando, ouvindo e sentindo a população noturna doente:

506 ANJOS, 1994, p. 703.


278

NOITE DE UM VISIONÁRIO507

Número cento e três. Rua Direita.


Eu tinha a sensação de quem se esfola
E inopinadamente o corpo atola
Numa poça de carne liquefeita!
[...]

E todas essas formas que Deus lança


No Cosmos, me pediam, com o ar horrível,
Um pedaço de língua disponível
Para a filogenética vingança!

A cidade exalava um podre báfio:


Os anúncios das casas de comércio,
Mais tristes que as elégias de Propércio,
Pareciam talvez meu epitáfio [...]

Uma pena não poder entender agora “essas formas que Deus lança / No
Cosmos” e que pedem ao poeta “um pedaço de língua” para realizarem sua “vingança”.
De qualquer maneira, sigamos com Os doentes.
Realmente essas referências entre a antiga Rua Direita e a Ponte do Rio
Sanhauá talvez não sejam mais que fantasias e loucuras. Até porque não é porque a
antiga (e falo antiga no sentido de arcaica mesmo) “ponte do Baralho” (Ponte Rio
Sanhauá) ficava próxima da Rua Direita que a referência passa a ser real. Realmente são
fantasias e loucuras.
Não é porque O Norte, ainda em 1913, publicava outro texto, desta vez como
editorial, sobre o deplorável estado de higiene púbica da capital, sobretudo nas margens
de suas antigas zonas portuárias, que isso seja verdade. Não é porque o impresso
demonstrava insatisfação com a situação precária da higiene da cidade, aconselhando ao
governo um projeto de saneamento para o mangue do Rio Sanhauá, com o aterro do
local e a construção dum parque arborizado, seguindo “o modelo nacional” e o “espírito
reformador da época”, que isso seja verdade. Não é porque
Inúmeras têm sido até hoje – inúmeras e improfícuas – as reclamações feitas
na imprensa, em ligeiras notícias, contra o estado deplorável e nojento em que
se encontra o longo trecho de mangue compreendido entre a capitania do
porto e a ponte Sanhauá, pela margem esquerda do rio deste nome.508

que isso seja verdade. Até porque o “problema” é de 1913 e, neste ano, Augusto dos
Anjos não mais estava morando na sua urbe natal do desconsolo.

507 Ibid., p. 275-276 (grifos meus).


508 O Norte: jornal independente e noticioso, n. 1.394, 26 mar. 1913, p. 1 (grifos meus).
279

Mas, e se levarmos em consideração que o “problema” da precariedade do


saneamento básico da Paraíba (do Norte) era muito antigo?
Por exemplo, num material que me acaba de chegar, divulgado no jornal local
O Publicador, em 1869, temos um extenso “relatório” feito por médicos sanitaristas
paraibanos apontando os principais problemas, os principais motivos da grande
quantidade de pessoas doentes na região. Encomendado pelo então presidente da então
província, Venâncio José de Oliveira Lisboa, ao inspetor de saúde João José Inocêncio
Poggi, o relatório foi feito e assinado pelo próprio inspetor e pelos médicos Francisco
Mota, Antônio da Cruz Cordeiro, Abdon Milanez e Jacinto Santa Rosa.
A junta de sanitaristas fala das epidemias de varíola, de gastrite e de outras
moléstias que estavam assolando o estado. Mais importante é que elenca como uma das
grandes causas de tudo isto justamente as péssimas condições sanitárias em que vivia a
população, desde o não lavar adequado de alimentos a problemas mais coletivos como o
amontoamento de lixo em qualquer lugar da cidade, como a falta de cuidados para com o
“mangue” e outros focos de “constantes emanações mortíferas”. É o mangue, localizado
às margens do Rio Sanhauá, que a junta médica relata:
Com a construção da nova estrada, que liga o porto à ponte do Sanhauá,
ficou um grande espaço antigamente guarnecido de mangue, e hoje convertido
n’um lodaçal imenso onde precipitarão as águas do Rio Paraíba, as quais
entram com a enchente do mar pelas bombas que ali se acham.
A estagnação destas águas salgadas deve entreter nas matérias orgânicas ali
depositadas uma fermentação constante, donde depreendem com o calor
eflúvios miasmáticos. Quantas vezes ao passar pela estrada custamos a respirar
as exalações, que emanam desse charco, as quais incomodam a certas horas do
dia as pessoas que habitam nas circunvizinhanças.509

Não, não. Certamente que entre 1908-1910, período em que Augusto dos
Anjos passa a residir, definitivamente, na capital da Paraíba (do Norte), esse problema já
era passado. Certamente que sim. Esse poeta peregrino de Os doentes devia estar tendo
fantasias e loucuras em suas fantasiosas e loucas noites dos espectros.
Não é porque que de Augusto dos Anjos temos o conhecimento de um soneto
chamado O pântano que isso tenha alguma relação. Primeiro porque o soneto,
infelizmente, não vem assinado com data alguma – culpa de quem organizou a segunda
edição, em 1920 –, segundo porque é muito fantasioso e louco:
O PÂNTANO510

509 O Publicador, n. 2.076, 30 ago. 1869, p. 2. O relatório ainda segue publicado nos números 2.069 (dia
21), 2.070 (dia 23), 2.072 (dia 25), 2.074 (dia 27), 2.075 (dia 28) e 2.077 (dia 31), todos do mês de agosto
e sempre em segunda página.
510 ANJOS, 1994, p. 314 (Outras poesias).
280

Podem vê-lo, sem dor, meus semelhantes!...


Mas, para mim que a Natureza escuto,
Este pântano é o túmulo absoluto,
De todas as grandezas começantes!

Larvas desconhecidas de gigantes


Sobre o seu leito de peçonha e luto
Dormem tranquilamente o sono bruto
Dos superorganismos ainda infantes!

Em sua estagnação arde uma raça,


Tragicamente, à espera de quem passa
Para abrir-lhe, às escâncaras, a porta...

E eu sinto a angústia dessa raça ardente


Condenada a esperar perpetuamente
No universo esmagado da água morta!

Pois sim, nada mais que fantasia e loucura. Essa “alma bruta” que dorme um
“sono bruto”, essa alma bruta que arde à espera de quem passa, “condenada a esperar
perpetuamente”, deve ser fantasia e loucura deste maldito poeta peregrino.
Enfim, (talvez) são essas “imagens tétricas” duma população de homens
reunidos pela camaradagem da moléstia, e dormindo “lá embaixo” no leito do rio, que
ferem a visão do poeta; são essas imagens que devem ferir seu “nervo óptico e a retina”.
E são essas imagens que fazem o poeta sentir o estado máximo da mágoa. O
poeta observa, ouve e sente: “O ruído de uma tosse hereditária” reboando (também em
tempos vindouros) em seus ouvidos; o “desespero das pessoas tísicas” consumindo seu
temperamento. O poeta, por sentir tanto remorso, deseja para si e para todos a felicidade
das lousas, dos “lajedos”, das pedras e rochas brutas, porque estas não sentem frio, não
recebem dores mesmo quando os cardos grandes (e espinhosos) roçam “seus corpos
brutos”; porque estas não bebem o “óleo dos bacalhaus” – peixes contaminados...
fantasias e loucuras; porque “estas não cospem sangue, estas não tossem”.
No entanto, segundo o poeta, nossa “alma crepuscular” nos faz descender
“dos macacos catarríneos”; para sempre cairemos doentes; para sempre passaremos a
vida “Com a boca junto de uma escarradeira, / Pintando o chão de coágulos
sanguíneos!”; para sempre sentiremos os “micróbios assanhados” passearem “Nas
cancerosidades do organismo!”; para sempre falaremos uma “linguagem rouca / Um
português cansado e incompreensível”; para sempre vomitaremos “o pulmão na noite
horrível / Em que se deita sangue pela boca!”; para sempre expulsaremos nossa
281

existência “Numa bacia autômata de barro”, vendo neste nosso escarro “o retrato da
própria consciência!”.
O poeta peregrino sente angústia infinda, opressão forte sobre o peito,
“respiração já muito fraca”. É como que o sentimento da “ponta de uma faca, / Cortando
as raízes do último vocábulo!”:
E o ar fugindo e a Morte a arca da tumba
A erguer, como um cronômetro gigante,
Marcando a transição emocionante
Do lar materno para a catacumba!511

São os tísicos caboclos homens trabalhadores em comunhão pela moléstia,


dormindo lá embaixo, no leito do rio. São as magras mulheres sonhadoras – outra “nova
imagem” –, que choram, que lamentam; algumas, pelos seus filhos (que dormem lá
embaixo). Mas o poeta sabe que é em vão todo e qualquer lamento, porque não adianta
urrar ultrajes “Contra a dissolução que vos espera!”, já que a morte é real, “É a alfândega,
onde toda a vida orgânica / Há de pagar um dia o último imposto”.
Termina o canto terceiro.
E, infelizmente, quem tem de terminar agora sou eu, mesmo na incompletude
das notas, mesmo na incompletude desse extenso poema. Não posso extrapolar. Não
posso. Estas imagens já estão muito fantasiosas e loucas. Estão consumindo tempo,
espaço. Por vezes, dá uma sensação estranha, uma dor no peito; aquele medo de que elas
se tornem reais. É preciso finalizar antes de ser finalizado.
Os doentes “são” tais quais outros poemas do poeta peregrino de Augusto dos
Anjos que percorre cidades, em eternas noites terríveis. Assim como no já citado e
reproduzido As cismas do destino. Assim como no já citado Noite de um visionário. São
todos poemas malditos, narrados por este tão maldito poeta peregrino. Maldito poeta
peregrino que até sonha, mas sonha num sombrio Egito de ruas tristes –
UMA NOITE NO CAIRO512

Noite no Egito. O céu claro e profundo


Fulgura. A rua é triste. A Lua Cheia
Está sinistra, e sobre a paz do mundo
A alma dos Faraós anda e vagueia.

maldito poeta peregrino que passeia, mas em remorsos, cheio de mágoas, ouvindo
sinistras vozes e vendo e sentindo as dores dos mártires destas cidades tristes –

511 ANJOS, 1994, p. 239.


512 Ibid., p. 251.
282

INSÔNIA513

Noite. Da Mágoa o espírito noctâmbulo


Passou de certo por aqui chorando!
Assim, em mágoa, eu também vou passando
Sonâmbulo... sonâmbulo... sonâmbulo...

Que voz é esta que a gemer concentro


No meu ouvido e que do meu ouvido
Como um bemol e como um sustenido
Rola impetuosa por meu peito a dentro?!

– Por que é que este gemido me acompanha?!


Mas dos meus olhos no sombrio palco
Súbito surge como um catafalco
Uma cidade ao mapa-múndi estranha.

A dispersão dos sonhos vagos reúno.


Desta cidade pelas ruas erra
A procissão dos Mártires da Terra
Desde os Cristãos até Giordano Bruno!

Maldito!
Maldito poeta!
Maldito poeta peregrino!

513 Ibid., p. 294 (grifos meus).


283

CONCLUSÃO

[...] E eu não podia... Por pavor, arrepiados os cabelos, corri,


fugi, me tirei de lá, num procedimento desatinado.
Porquanto que ele me pareceu vir: da parte de além. E
estou pedindo, pedindo, pedindo um perdão.
Sofri o grave frio dos medos, adoeci. Sei que ninguém
soube mais dele. Sou homem, depois desse falimento? Sou o
que não foi, o que vai ficar calado. Sei que agora é tarde, e
temo abreviar com a vida, nos rasos do mundo. Mas, então,
ao menos, que, no artigo da morte, peguem em mim, e me
depositem também numa canoinha de nada, nessa água,
que não pára, de longas beiras: e, eu, rio abaixo, rio a fora,
rio a dentro – o rio.

(A terceira margem do rio, de Guimarães Rosa,


in Primeiras Estórias)

Não. Não dá para concluir. Conclusões são ilusões. Sim. É melhor ficar calado,
não ser, ser desacontecido. Ficar na canoinha de nada. Mas, como havia dito no
comecinho destas notas, nossa canoinha é condenada a ser âncora. Por isto, tentemos
concluir, mesmo que o lacunar seja visível; mesmo que, em vários momentos, muitas
coisas tenham que ser “deixadas pelo caminho”.
Ao longo destas notas, muito longe de querer provar qualquer coisa, as
“coisas” foram acontecendo. O objetivo único e exclusivo sempre foi o de compartilhar
fontes. Por estas fontes, por estas notas compartilhadas, percebemos “fatos novos”.
Percebemos que Augusto dos Anjos, por exemplo, já tinha “um nome” bem
antes do lançamento do seu livro de versos, o Eu, em 1912, na então capital da
República, o Rio de Janeiro. Entre os quase sessenta “títulos” de poemas que figuram na
bibliografia deste (“Augusto dos Anjos: poemas em jornais e revistas”), percebemos que
muitas de suas autorias eram publicadas em periódicos de tradição, e de várias capitais
do país, e certamente sem o poeta ter conhecimento.
Percebemos que aquelas notas/notícias literárias, as mesmas que noticiaram
o Eu, assim que publicado por Augusto dos Anjos, puderam proporcionar novas leituras,
novas perspectivas da sua poesia. A exemplo, os textos dos “libertários” Fábio Luz e José
Oiticica, publicados, respectivamente, na revista Brasil Moderno e no jornal A Época.
284

Mais importante ainda, inclusive para podermos destacar, se observarmos


aquele texto que o poeta anarquista (Oiticica) publicou na Revista Americana.
Por esse texto, que era para ser uma notícia literária de livros de Hermes
Fontes e que acabou se tornando um “manifesto”, percebemos o que deveria representar
a nova poesia, a voz da nova poesia e do poeta do novo século. Poesia na qual Augusto
dos Anjos destacava-se. Sim, segundo Oiticica, era Augusto um “novo”.
Por esse texto, percebemos que a voz da nova poesia deveria representar: os
oprimidos contra opressores; os desgraçados contra felizes; os trabalhadores contra
parasitas; os utopistas contra práticos; os bons contra maus; os gênios contra nulos; os
francos contra hipócritas; os justos contra tiranos; os povos contra governos.
Verdade, de novo fiz as reproduções de Oiticica. Não sei o porquê. Estava
indo bem, correto, organizado.
Talvez por conta destas noites que não saem da cabeça. Destas desgraças.
Tragédias. Cativeiros. Genocídios. Deste estado máximo de mágoa. Agora, por exemplo. É
um nó na garganta, muito forte. Muito dolorido. Mas tudo não passa de alucinações.
Estas alucinações e fantasias e loucuras são pertencentes apenas ao poeta
itinerante, peregrino, errante, de Augusto dos Anjos! Estes espectros que insistem em
aparecer durante o caminhar são dele!
É Augusto dos Anjos quem deve relatar miragens, a natureza exausta e
cansada; representar a arte que “geme” tal qual quem a observa e ouve e sente.
É Augusto dos Anjos, ou melhor, é sua poesia, “quem” deve, consumida pelas
mágoas, pelos remorsos, pelas dores causadas por conta das dores “alheias”, tentar agir
e lutar; repelir a morte; repelir a injustiça diária; imprecar contra os canalhas do mundo;
cuspir e escarrar pelo “caminho”.
Quem sabe até acreditar em um “porvir libertário”.
E, por isto mesmo, antes que venha, de novo, aquele estado do “Ao terminar
este sentido poema / Onde vazei a minha dor suprema / Tenho os olhos em lágrimas
imersos... / Rola-me na cabeça o cérebro oco. / Por ventura, meu Deus, estarei louco?! /
Daqui por diante não farei mais versos!”, do maldito Poema negro514, finalizemos já para
não cometer disparates.
Finalizemos com Augusto dos Anjos. Deixemos o poeta falar. Falar que nem
tudo está perdido. Que ainda há solução. Que ainda há esperança, para eu, para eles (sim,

514 ANJOS, 1994, p. 289.


285

também merecem), para nós. Que nesta estrada dos esquecidos, quem sabe, possam
passar pão e água. Quem sabe, até uma sombra. Sim, de árvore. Apenas um alento:
[...]
Quando pela boca das trombetas, soar, ao longe, num Futuro distante, a hora
da morte das hierarquias intelectuais; quando o químico dos laboratórios
apertar fraternalmente as mãos escalavradas do jornaleiro agrícola que, para
matar a fome da prole miserável, deu as carnes do corpo em sacrifício, no
amanho escabroso da terra, durante cinquenta anos de trabalho anônimo, para
o qual as exposições modernas não forjam medalhas de triunfo; quando, enfim,
a mulher dos gineceus salomônicos, coberta de rosas esplêndidas, – bonito
leilão de artifícios –, atreita ao flirt da cortesia nobre, não trepidar em oferecer
o braço fidalgo, cheio de berloques finíssimos, à teceleira desprezada e honesta,
cuja coroa de virgem brilha mais do que um diamante, dentro da negra miséria,
então, os manes da altivez decaída talvez desenterrem do chão da Hebreia a lira
sepulcral do poeta profeta, e tocando-lhe as cordas rompam num soluço tão
profundo que faça estremecer o peito dos cadáveres, na tabescência imunda
das fibras decompostas!
A esse canto fatídico, virá, porém, unir-se um outro, de alegria forte, varando
o ar, numa larga escala estridente [...].
E, por toda parte, onde a acústica universal tiver aparelhos de repercussão e
a antífona vibrante do entusiasmo reunir corações emotivos, há de reboar, na
branda viagem das ondulações aéreas, eletrizando o frio das pedras, dando
nervos às próprias montanhas, a vibração inexorável, e gloriosamente álacre
desse Pean nivelador.
Aos primeiros clangores do canto igualitário, descerão, para sempre, ao
posto raso de embrulhos inúteis os títulos registrados de benemerência e as
cartas patentes de crédito científico; rojar-se-ão também na poeira obliteradora
as honras e os privilégios, e a Humanidade, assumindo feições idôneas de
pureza, realizará, sem embargo, o aperfeiçoamento da espécie, porque, nesse
tempo, já terão morrido os instintos da iniquidade humilhante, e o gênero
humano, sob a égide da conexão cosmopolita, não terá mais de revolver
monturos para mostrar escórias à face escandalosa do Sol.515

515 Ibid., p. 595-596. Crônica Paudarquense, publicada n’O Comércio paraibano, a “7-11-1905”.
286

BIBLIOGRAFIA

1. AUGUSTO DOS ANJOS: edições do “EU”

ANJOS, Augusto dos. Antologia poética: Augusto dos Anjos. Organização, seleção,
notas e estudo de Ivan Cavalcanti Proença. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo:
Publifolha, 1997 (coleção Biblioteca Folha, 24).

________. Augusto dos Anjos: poesia e prosa. Organização, fixação de texto, notas e
pesquisa de Zenir Campos Reis. São Paulo: Ática, 1977 (coleção Ensaios, 32).

________. Augusto dos Anjos: poesia. Organização, seleção, fixação de texto e notas de
Antônio Houaiss. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1968 (coleção Nossos Clássicos, 46).

________. EU e Outras poesias. Notas e “Elogio de Augusto dos Anjos”, de Orris Soares. 4.
ed. Rio de Janeiro: Livraria Castilho, 1928 (obra pertencente ao “Fundo Octávio
Brandão” do Arquivo Edgard Leuenroth [AEL], do Instituto de Filosofia e Ciências
Humanas – Universidade Estadual de Campinas).

________. Eu e Outras poesias. Organização, notas e comentários de Sérgio Alcides. São


Paulo: Ática, 2004 (série Bom Livro).

________. Eu e Outras poesias. Organização, notas e estudo de Antônio Arnoni Prado. 3.


reimpressão. São Paulo: Martins Fontes, 1998 (coleção Poetas do Brasil, v. II).

________. EU e Outras poesias. Organização e “O poeta da morte”, de Antônio Torres;


“Elogio de Augusto dos Anjos”, de Orris Soares. 10. ed. Rio de Janeiro: Bedeschi, 1942.

________. EU. (edição princeps). Rio de Janeiro: [s.n.], 1912. Disponível na Biblioteca
Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), Universidade de São Paulo:
<https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/4608>.

________. Eu/Outra poesia. Organização e seleção de “Outra poesia” de Álvaro Roberto


Margarido Pires. São Paulo: Círculo do Livro, [19--].

________. EU: [Poesias completas]. Organização e “Elogio de Augusto dos Anjos”, de Orris
Soares. João Pessoa: Imprensa Oficial da Paraíba, 1920. Disponível na Biblioteca
Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), Universidade de São Paulo:
<https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7656>.

________. EU: Outras Poesias: Poemas esquecidos. Com “Texto e nota”, de Antônio
Houaiss; “Elogio de Augusto dos Anjos”, de Orris Soares; “Notas biográficas”, de
Francisco de Assis Barbosa. 30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965.
287

________. Melhores poemas: Augusto dos Anjos. Organização, seleção, notas e estudo de
José Paulo Paes. 4. ed. 1. reimpressão. São Paulo: Global, 2010 (coleção Melhores
Poemas, 19).

________. Obra completa: Augusto dos Anjos. Organização, fixação de texto, notas e
pesquisa de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994 (coleção Biblioteca Luso-
brasileira: Série Brasileira, v. único).

________. Toda poesia: Augusto dos Anjos. Organização e estudo crítico de Ferreira
Gullar. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016.

________. Todos os sonetos: Augusto dos Anjos. Organização, seleção e notas de Sérgio
Faraco. Porto Alegre: L&PM, 1997 (coleção L&PM Pocket, v. 83).

2. AUGUSTO DOS ANJOS: notas e estudos das edições do “EU”

BARBOSA, Francisco de Assis. “Edição crítica ‘[Contribuição para uma edição crítica das
poesias de Augusto dos Anjos]’”. In: COUTINHO, A.; BRAYNER, S. (orgs.). Augusto dos
Anjos: textos críticos. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973, p. 67-94 (coleção
Literatura Brasileira, 10).

________. “Notas biográficas”. In: ANJOS, A. dos. EU: Outras Poesias: Poemas esquecidos.
30. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965, p. 293-324.

________. Contribuição para uma edição crítica das poesias de Augusto dos Anjos. Revista
do Livro, Rio de Janeiro, ano 11, n. 34, p. 25-53, set. 1968.

BUENO, Alexei. “Augusto dos Anjos: origens de uma poética”. In: ANJOS, A. dos. Obra
completa: Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 21-34 (coleção
Biblioteca Luso-brasileira: Série Brasileira, v. único).

________. “Fortuna crítica: [Hermes Fontes, Antônio Torres, Orris Soares, João Ribeiro,
Gilberto Freyre, Agripino Grieco, Medeiros e Albuquerque, Raul Machado, José Oiticica,
Manuel Bandeira, Álvaro Lins, Andrade Muricy, José Lins do Rego, José Escobar Farias,
Carlos Burlamaqui Kopke, Wilson Castelo Branco, Fausto Cunha, Antônio Houaiss, Eudes
Barros, Elbio Spencer, Anatol Rosenfeld]”. In: ANJOS, A. dos. Obra completa: Augusto
dos Anjos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 45-190 (coleção Biblioteca Luso-
brasileira: Série Brasileira, v. único).

________. “Notas e variantes”; “Bibliografia”. In: ANJOS, A. dos. Obra completa: Augusto
dos Anjos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 815-869 (coleção Biblioteca Luso-
brasileira: Série Brasileira, v. único).

FARACO, Sérgio. “Nota”. In: ANJOS, A. dos. Todos os sonetos: Augusto dos Anjos. Porto
Alegre: L&PM, 1997, p. 3-4 (coleção L&PM Pocket, v. 83).

GULLAR, Ferreira. “Augusto dos Anjos ou Vida e morte nordestina”. In: ANJOS, A. dos.
Toda poesia: Augusto dos Anjos. 5. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2016, p. 13-81.
288

HOUAISS, Antônio. “Bibliografia sôbre o autor”. In: ANJOS, A. dos. Augusto dos Anjos:
poesia. 2. ed. Rio de Janeiro: Agir, 1968, p. 71-72 (coleção Nossos Clássicos, 46).

________. “Estudo crítico”. In: ANJOS, A. dos. Augusto dos Anjos: poesia. 2. ed. Rio de
Janeiro: Agir, 1968, p. 8-11 (coleção Nossos Clássicos, 46).

________. “Texto e nota”. In: ANJOS, A. dos. EU: Outras Poesias: Poemas esquecidos. 30.
ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1965, p. 9-24.

PAES, José Paulo. “Augusto dos Anjos ou o evolucionismo às avessas”. In: ANJOS, A. dos.
Melhores poemas: Augusto dos Anjos. 4. ed. 1. reimpressão. São Paulo: Global, 2010,
p. 11-35 (coleção Melhores Poemas, 19).

________. “Biobibliografia”; “Obras sobre o autor”. In: ANJOS, A. dos. Melhores poemas:
Augusto dos Anjos. 4. ed. 1. reimpressão. São Paulo: Global, 2010, p. 197-203 (coleção
Melhores Poemas, 19).

PRADO, Antônio Arnoni. “A obra”; “Fortuna crítica”. In: ANJOS, A. dos. Eu e Outras
poesias. 3. reimpressão. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. XXXVII-XLVI (coleção
Poetas do Brasil, v. II).

________. “Um fantasma na noite dos vencidos”. In: ANJOS, A. dos. Eu e Outras poesias. 3.
reimpressão. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. XIX-XXXV (coleção Poetas do Brasil, v.
II).

PROENÇA, Ivan Cavalcanti. “Bibliografia”. In: ANJOS, A. dos. Antologia poética: Augusto
dos Anjos. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1997, p. 11-13 (coleção
Biblioteca Folha, 24).

________. “Imagens obsessivas em Augusto dos Anjos”. In: ANJOS, A. dos. Antologia
poética: Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1997, p. 23-
47 (coleção Biblioteca Folha, 24).

REIS, Zenir Campos. “Bibliografia: sobre Augusto dos Anjos”. In: ANJOS, A. dos. Augusto
dos Anjos: poesia e prosa. São Paulo: Ática, 1977, p. 349-351 (coleção Ensaios, 32).

________. “Prefácio”; “Cronologia da produção intelectual”. In: ANJOS, A. dos. Augusto dos
Anjos: poesia e prosa. São Paulo: Ática, 1977, p. 23-37 (coleção Ensaios, 32).

SOARES, Orris Eugênio. “Elogio de Augusto dos Anjos”. In: ANJOS, A. dos. EU: [Poesias
completas]. João Pessoa: Imprensa Oficial da Paraíba, 1920, p. I-XXIII. Disponível na
Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), Universidade de São Paulo:
<https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7656>.

________. “Elogio de Augusto dos Anjos”; “Nota urgente”. In: ANJOS, A. dos. EU e Outras
poesias. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Castilho, 1928, p. VII-XXXV (obra pertencente ao
“Fundo Octávio Brandão” do Arquivo Edgard Leuenroth [AEL], do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas – Universidade Estadual de Campinas).
289

TORRES, Antônio. “O poeta da morte”. In: ANJOS, A. dos. EU e Outras poesias. 10. ed. Rio
de Janeiro: Bedeschi, 1942, p. 7-19.

3. AUGUSTO DOS ANJOS: poemas em jornais e revistas

3 SONETOS de Augusto dos Anjos: [A um germen; O deus verme; O lamento das coisas].
Dom Casmurro, Rio de Janeiro, ano 1, n. 22, p. 2-2, 07 out. 1937.

ANJOS, Augusto dos. [A] arvore da serra. Ilustração de São Paulo, São Paulo, ano 4, n.
21, p. 4-4, fev. 1919.

________. [Apocalypse] apud OITICICA, J. “Hermes Fontes”. Revista Americana, Rio de


Janeiro, n. 10-12, p. 195-195, out./dez. 1913. Bibliographia.

________. [Senectude precoce] apud SANTIAGO, G. “Ao aproximar-se da Parahyba do


Norte”. Almanaque Brasileiro Garnier, Rio de Janeiro, n. 9, p. 332-332, jun. 1908. In:
MENDES, S. B.; ANDRADE, M. S. de; ZAIDMAN, D. (orgs.). Índices: Almanaque Garnier
(1903-1914); Gazeta Literária (1883-1884). Direção e apresentação de José Honório
Rodrigues. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (coleção Temas Brasileiros, v.
16).

________. “EU”: [Budhismo moderno; Soliloquio de um visionario] apud Almanaque


Brasileiro Garnier, Rio de Janeiro, ano 11, n. 17, p. 409-409, 1914. In: MENDES, S. B.;
ANDRADE, M. S. de; ZAIDMAN, D. (orgs.). Índices: Almanaque Garnier (1903-1914);
Gazeta Literária (1883-1884). Direção e apresentação de José Honório Rodrigues.
Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (coleção Temas Brasileiros, v. 16).
Disponível na Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:
<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=348449&pesq=&pagfis=1>.

________. A aeronave. Nortista, Parnaíba, Piauí, p. 3-3, 28 dez. 1901.

________. A arvore da serra. Almanach do Correio da Manhã, Rio de Janeiro, n. 1, p. 50-


50, 1941. Poesia.

________. A arvore da serra. O Jornal, São Luís, 28 jan. 1918. Salão Azul, p. 2-2.

________. A ideia. A Epoca, Rio de Janeiro, p. 1-1, 17 mai. 1914.

________. A mascara. Diario da Manhã, Vitória, Espírito Santo, 06 fev. 1927. Em Pleno Mez
da Folia, p. 4-4.

________. A mascara. Diario da Manhã, Vitória, Espírito Santo, 26 fev. 1927. No Reinado
da Folia, p. 5-5.

________. A náo. A Epoca, Rio de Janeiro, p. 3-3, 31 jul. 1913.

________. A náo. Vida Moderna, Recife, ano 1, n. 4, p. 19-19, 22 fev. 1919.


290

________. A noite. A Faceira, Rio de Janeiro, ano 3, n. 28, p. 13-13, dez. 1913.

________. Anceio. Evolucionista: diario da manhã, Maceió, 30 ago. 1906. Joias Literarias,
p. 2-2.

________. As montanhas. A Imprensa, Rio de Janeiro, 10 dez. 1913. Os Nossos Poetas, p. 2-


2.

________. Beijo maldicto. Diario da Tarde, Curitiba, 26 jun. 1905. Carnet Diario, p. 1-1.

________. Budhismo moderno. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 12 jun. 1912.

________. Contrastes. Ilustração de São Paulo, São Paulo, ano 4, n. 20, p. 16-16, jan. 1919.

________. El murcielago; Versos intimos; El postrer numero. Nuestra America, Buenos


Aires, 1923 apud Era Nova, João Pessoa, ano 3, n. 49, n. p., 23 ago. 1923.

________. Eterna magua. O Brazil, Caxias, Rio Grande do Sul, p. 1-1, 01 dez. 1917.

________. Guerra. Almanach do Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ano 7, n. 1, p. 322-322,


1945. Poesias.

________. Guerra. Vida Sportiva, Rio de Janeiro, ano 2, n. 25, p. 23-23, 09 fev. 1918.

________. Hecce homo [Idealismo]. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 10 ago. 1912.

________. Idealismo. Diario da Tarde, Curitiba, p. 1-1, 09 out. 1906.

________. Lago encantado. Era Nova, João Pessoa, ano 5, n. 78, n. p., 01 mai. 1925.

________. Minha arvore. Heliopolis, Recife, ano 3, n. 1-3, p. 34-34, abr./out. 1915.

________. Mysterios de um phosphoro. O Fluminense, Niterói, Rio de Janeiro, p. 2-2, 31


mai. 1910.

________. Naturesa intima. O Pharol, Juiz de Fora, Minas Gerais, p. 2-2, 20 mai. 1915.

________. Nirvana. Arealense, Três Rios, Rio de Janeiro, p. 2-2, 08 fev. 1917.

________. O caixão fantastico. A Manhã, Rio de Janeiro, 08 jun. 1947. Letras e Artes,
Suplemento 44, p. 7-7. Sonetistas Brasileiros.

________. O corrupião. Ilustração de São Paulo, São Paulo, ano 5, n. 23, p. 22-22, abr.
1919.

________. O lamento das coisas. O Pharol, Juiz de Fora, Minas Gerais, p. 2-2, 01 mai. 1915.
291

________. O morcêgo. Diario de Pernambuco: edição da tarde, Recife, 04 dez. 1914. Pelo
Parnaso, p. 3-3.

________. O morcego. Souza Cruz, Rio de Janeiro, ano 3, n. 21, p. 23-23, ago. 1918.

________. O ultimo numero. Diario de Pernambuco: edição da tarde, Recife, 07 dez.


1914. Pelo Parnaso, p. 3-3.

________. Peccadora. O Dia, Florianópolis, p. 2-2, 10 nov. 1901.

________. Psycologia de um vencido. Pacotilha: jornal da tarde, São Luís, p. 2-2, 29 mar.
1909.

________. Ricordanza dela mia gioventu. O Jornal, São Luís, 01 ago. 1918. Salão Azul, p. 2-
2.

________. Ricordanza dela mia gioventú. Souza Cruz, Rio de Janeiro, ano 2, n. 4, p. 7-7, fev.
1917.

________. Seductora. Evolucionista: diario da manhã, Maceió, 19 jul. 1906. Joias


Literarias, p. 2-2.

________. Sofredora. Evolucionista: jornal da tarde, Maceió, 26 mai. 1906. Joias


Literarias, p. 1-1.

________. Solitario. A Noticia, Curitiba, p. 1-1, 12 jan. 1906.

________. Soneto [Aurora morta, foge! Eu busco a virgem loura]. Evolucionista: jornal da
tarde, Maceió, 28 mai. 1906. Joias Literarias, p. 1-1.

________. Soneto [Canta teu riso esplendida sonata]. Evolucionista: jornal da tarde,
Maceió, 13 jul. 1906. Joias Literarias, p. 2-2.

________. Soneto [Na etérea limpidez de um sonho branco]. Evolucionista: jornal da


tarde, Maceió, 29 mai. 1906. Joias Literarias, p. 1-1.

________. Soneto [Para que nesta vida o espirito esfalfaste]. Jornal do Commercio,
Manaus, p. 1-1, 20 jun. 1905.

________. Vandalismo. Ilustração de São Paulo, São Paulo, ano 4, n. 26, p. 5-5, ago. 1919.

________. Vencedor. Gutenberg, Maceió, 12 jan. 1905. Cofre de Perolas, p. 2-2.

________. Vencido. Correio do Norte, Manaus, 24 set. 1910. Parnaso, p. 1-1.

________. Versos a um cão. Correio do Norte, Manaus, 23 mar. 1910. Urnas, p. 1-1.

________. Versos a um cão. Pacotilha: jornal da tarde, São Luís, p. 2-2, 04 abr. 1910.
292

________. Versos a um coveiro. A Provincia, Recife, p. 8-8, 07 out. 1917.

________. Versos a um coveiro. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1, p. 44-44, 03 jan. 1914.

________. Versos intimos. Oraculo, Rio de Janeiro, ano 4, n. 38, p. 6-6, 1916.

________. Vox victimae. Diario de Pernambuco: edição da tarde, Recife, 08 jan. 1915.
Pelo Parnaso, p. 3-3.

________. Vox victime. Oriente, Florianópolis, p. 2-2, 17 out. 1915.

INÉDITO de Augusto dos Anjos. A União, João Pessoa, 17 abr. 1949. Correio das Artes,
Suplemento 4, p. 13-13.

4. AUGUSTO DOS ANJOS: bibliografia

ALCIDES, Sérgio. “Augusto dos Anjos e a poesia moderna nesta América”. In: ARAGÃO, M.
do S. S. de; SANTOS, N. M.; ANDRADE, A. I. de S. L. (orgs). Valores literários de ontem e
de hoje. João Pessoa: Mídia Gráfica, 2015, p. 427-447.

________. “Augusto dos Anjos e o mito do “Eu””. In: FINAZZI-AGRÒ, Ettore; VECCHI,
Roberto; AMOROSO, Maria Betânia (orgs.). Travessias do pós-trágico: os dilemas de
uma leitura no Brasil. São Paulo: Unimarco, 2006, p. 121-130.

ALMEIDA, Horácio de. Augusto dos Anjos: razões de sua angústia. Rio de Janeiro:
Gráfica Ouvidor, 1962.

________. Augusto dos Anjos: um tema para debates. Rio de Janeiro: Apex Gráfica, 1970
(Separata do v. 77 da Revista das Academias de Letras). Disponível na Biblioteca Digital
de Literatura de Países Lusófonos, Universidade Federal de Santa Catarina:
<https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?id=131102>.

ALMEIDA, José Américo de. “A ciência faz um poeta”. In: MELO FILHO, M.; PONTES, J.
(orgs.). Augusto dos Anjos: a saga de um poeta. Brasília: Fundação Banco do Brasil;
Rio de Janeiro: Gráfica Brasileira; João Pessoa: Gov. do Estado da Paraíba, 1994, p. 43-47.

BARROS, Eudes. A poesia de Augusto dos Anjos: uma análise de psicologia e estilo. Rio
de Janeiro: Gráfica Ouvidor, 1974.

BRANCO, Wilson Castelo. “A poesia de Augusto dos Anjos”. In: COUTINHO, A.; BRAYNER,
S. (orgs.). Augusto dos Anjos: textos críticos. Brasília: Instituto Nacional do Livro,
1973, p. 308-313 (coleção Literatura Brasileira, 10).

BRITO, João Batista de. “Olhos e mãos em Augusto dos Anjos”. In: _____. Leituras
poéticas. São Paulo: Fundação Memorial da América Latina, 1997, p. 3-15 (coleção
Memo).
293

CÂNDIDO, Gemy. Fortuna crítica de Augusto dos Anjos. João Pessoa: Secretaria da
Educação e Cultura, Diretoria Geral de Cultura; A União, 1981.

CUNHA, Fausto. “Augusto dos Anjos”. In: _____. A leitura aberta: estudos de crítica
literária. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1978, p. 172-182.

________. “EU 1912-1962: I – Augusto dos Anjos, salvo pelo povo; II – Toma as espadas
rútilas, guerreiro”. In: _____. A luta literária. Rio de Janeiro: Lidador, 1964, p. 79-86.

FREYRE, Gilberto. “Augusto dos Anjos entre a mística e a história natural”. 3. ed. revista.
In: _____. Perfis de Euclides e outros perfis. São Paulo: Global, 2011. cap. V, p. 150-157.

HARDMAN, Francisco Foot. “Anarchist dreams: the SOS of the Titanic echoes throughout
the seven seas”. In: KATZ, Vincent (ed.). Vanitas II: Anarchisms. New York, NY: Revista
Vanitas, 2006, p. 6-10. Recurso eletrônico: ISSN 1933-8988.

________. “Augusto dos Anjos e o antitropicalismo”. In: _____. A vingança da Hileia:


Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São Paulo: Fundação Editora da
Unesp, 2009, p. 187-197.

HELENA, Lúcia. A cosmo-agonia de Augusto dos Anjos. 2. ed. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro; João Pessoa: Secretaria da Educação e Cultura da Paraíba, 1984 (coleção
Biblioteca Tempo Universitário, 47).

HOUAISS, Antônio. “Cinqüentenário da morte de Augusto dos Anjos”. In: _____. Estudos
vários sobre palavras, livros, autores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979, p. 169-173
(coleção Literatura e Teoria Literária, v. 33).

________. “Sobre Augusto dos Anjos”. In: _____. Drummond, mais seis poetas e um
problema. Rio de Janeiro: Imago, 1976, p. 159-165 (série Logoteca).

IVO, Lêdo. “A escalada de Augusto dos Anjos”. In: _____. Teoria e celebração: ensaios.
São Paulo: Duas Cidades; Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1976, p. 65-75.

________. “Arredores de um pronome”; “As diatomáceas da lagoa”. In: _____. Poesia


observada: ensaios sôbre a criação poética e matérias afins. Rio de Janeiro: Orfeu, 1967,
p. 33-39, 63-71.

KOPKE, Carlos Burlamaqui. “Augusto dos Anjos: um poeta e sua identidade”. In: ANJOS,
A. dos. Obra completa: Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 150-
160 (coleção Biblioteca Luso-brasileira: Série Brasileira, v. único).

________. “Poética e psicopatologia de Augusto dos Anjos”. In: _____. Fronteiras estranhas:
ensaios. São Paulo: Livraria Martins, 1946, p. 54-76.

LINS, Álvaro. “Augusto dos Anjos: um poeta moderno e Vivo”. In: _____. Os mortos de
sobrecasaca: obras, autores e problemas da literatura brasileira: ensaios e estudos
(1940-1960). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1963. cap. 4, p. 74-88 (coleção Vera
Cruz: Literatura Brasileira, v. 44).
294

LYRA, Pedro. “Uma leitura heideggeriana da cosmogonia de Augusto dos Anjos”. In: _____.
O real no poético: textos de jornalismo literário. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília:
Instituto Nacional do Livro, 1980, p. 156-161.

MACIEL, Maria Esther. “Metrópole/necrópole: a cidade alegórica de Augusto dos Anjos”.


In: _____. Vôo transverso: poesia, modernidade e fim do século XX. Rio de Janeiro: Sette
Letras, 1999, p. 63-71.

MARTINS FILHO, Antônio. Reflexões sobre Augusto dos Anjos. Fortaleza: Ed.
Universidade Federal do Ceará, 1987 (coleção Alagadiço Novo, 15).

MARTINS, Júlio de Oliveira. Introdução à poesia de Augusto dos Anjos. São Paulo:
Livraria Brasil, 1959.

NOBRE DE MELO, Augusto Luiz. Augusto dos Anjos: e as origens de sua arte poética.
Rio de Janeiro: José Olympio, 1942.

NÓBREGA, José Flóscolo da. A sombra do “Eu”. João Pessoa: Ed. Universidade Federal
da Paraíba, Departamento Cultural, 1965.

PACHECO, João. O mundo que José Lins do Rêgo fingiu; Augusto dos Anjos. Rio de
Janeiro: Livraria São José, 1958.

PAES, José Paulo. “Augusto dos Anjos e o art nouveau”; “Do particular ao universal”. In:
_____. Gregos & baianos: ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 81-98.

PAIVA, Jorge O’Grady de. ““O Último Número” (interpretação)”. In: _____. Edith Stein: a
mulher filósofa; O último soneto de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Companhia
Brasileira de Artes Gráficas, 1972, p. 15-21.

PORTELA, Eduardo. “Augusto dos Anjos, uma poética da confluência”. In: _____.
Confluências: manifestações da consciência comunicativa. Rio de Janeiro: Tempo
Brasileiro, 1983, p. 111-114.

PROENÇA, Ivan Cavalcanti. O poeta do Eu: um estudo sobre Augusto dos Anjos. 3. ed.
acrescida de uma antologia. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.

PROENÇA, Manuel Cavalcanti. “Nota para um rimário de Augusto dos Anjos”. In: _____.
Estudos literários. Rio de Janeiro: José Olympio, 1971. cap. 18, p. 359-372 (coleção
Documentos Brasileiros, 147).

________. Augusto dos Anjos e outros ensaios. Rio de Janeiro: José Olympio, 1959
(coleção Documentos Brasileiros, 102).

REGO, José Lins do. “Augusto dos Anjos”. In: _____. Gordos e magros: ensaios. Rio de
Janeiro: Casa do Estudante do Brasil (CEB) 1942, p. 141-144.
295

REIS, Zenir Campos. ““Para cantar de preferência o Horrível”!”. In: SCHWARZ, R. (org.).
Os pobres na literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 63-67.

RIBEIRO, João Felipe de Saboya. Ensaio nosographico de Augusto dos Anjos. Bahia:
Papelaria Vera Cruz, 1926. Tese (Inaugural) – Faculdade de Medicina da Bahia (FMB).
[5], 73, [5] p. (obra pertencente à Biblioteca Gonçalo Moniz [BGM], da Faculdade de
Medicina da Bahia – Universidade Federal da Bahia).

ROSENFELD, Anatol. “A costela de prata de A. dos Anjos”. In: _____. Doze estudos. São
Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1959. cap. 1, p. 7-12 (coleção Ensaio, 5).

SPENCER, Elbio. “Augusto dos Anjos num estudo incolor”. In: ANJOS, A. dos. Obra
completa: Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994, p. 180-185 (coleção
Biblioteca Luso-brasileira: Série Brasileira, v. único).

VIANA, Chico (pseud. de Francisco José Gomes Correia). “Sobre a modernidade em


Augusto dos Anjos”. In: ARAGÃO, M. do S. S. de; SANTOS, N. M.; ANDRADE, A. I. de S. L.
(orgs). Valores literários de ontem e de hoje. João Pessoa: Mídia Gráfica, 2015, 87-98.

________. O evangelho da podridão: culpa e melancolia em Augusto dos Anjos. João


Pessoa: Ed. Universidade Federal da Paraíba, 1994.

I. Em jornais e revistas

ARAÚJO, Celso. Augusto dos Anjos e demônios. Jornal do Commercio, Manaus, 22 jan.
1977. Segundo Caderno, p. 5-5.

AUGUSTO dos Anjos, o mais estranho dos nossos poetas. A Manhã, Rio de Janeiro, 01
mai. 1948. Letras e Artes, Suplemento 83, p. 10-10.

AUGUSTO, José. Dois grandes poetas. Diario da Tarde, Curitiba, 16 set. 1963. Crônicas
Esparsas, p. 4-4.

________. Simples divagação. Diario da Tarde, Curitiba, 22 nov. 1962. Crônicas Esparsas,
p. 3-3.

AUSTRO-COSTA (pseud. de Austriclínio Ferreira Quirino). Poesia da angustia. Dom


Casmurro, Rio de Janeiro, ano 6, n. 242, p. 8-8, 21 mar. 1942. Bolsa de Livros.

BRANT, Celso. A árvore e a poesia. Dom Casmurro, Rio de Janeiro, ano 5, n. 203, p. 5-5,
07 jun. 1941. Em Geral.

BUSS, Alcides. A poesia pessoal de Augusto dos Anjos. Jornal de Letras, Rio de Janeiro,
p. 7-7, ago. 1970.

CARVALHO, Álvaro de. Revelações do “EU”. A.B.C., Rio de Janeiro, n. 812, p. 6-7, 27 set.
1930.
296

COSTA, A. Gomes da. Um terceto do “EU”. Careta, Rio de Janeiro, ano 46, n. 2.388, p. 14-
15, 03 abr. 1954. Comentário da Semana.

HOUAISS, Antônio. Cinqüentenário da morte de Augusto dos Anjos. Correio da Manhã,


Rio de Janeiro, 07 nov. 1964. Literatura, Caderno 2, p. 1-1.

JOBIM, Jorge. Tres poetas: [Raymundo Correa, Augusto dos Anjos, Annibal Theophilo].
Revista Americana, Rio de Janeiro, ano 6, n. 4, p. 89-99, jan. 1917.

LEÃO, Múcio (dir.). Autores & Livros: Augusto dos Anjos. A Manhã, Rio de Janeiro, 30
nov. 1941. Autores & Livros, Suplemento 16, p. 321-344.

MATRAGA: estudos linguísticos e literários. Augusto dos Anjos e sua fortuna crítica.
Rio de Janeiro: Instituto de Letras (ILE), Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), v. 21, n. 35, jul./dez. 2014. Disponível em: https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/issue/archive.

MONTENEGRO, Tulo Hostílio. De que morreu Augusto dos Anjos?. A União, João Pessoa,
13 nov. 1949. Correio das Artes, Suplemento 34, p. 13-13.

RAMOS, Artur. Augusto dos Anjos á luz da psychanalyse. O Jornal, Rio de Janeiro, 19, 26
set. 1926. Litteratura e Sciencia, Segunda Secção, p. 18-18, 18-18.

5. AUGUSTO DOS ANJOS: antologias, histórias e dicionários “literários”

ALVES, Afonso Teles. “Augusto dos Anjos: ‘Vandalismo; Idealismo; Último credo’”. In:
_____. Antologia de poetas brasileiros. Seleção de textos e notas de Afonso Teles Alves.
São Paulo: Edigraf, [19--], p. 179-181 (coleção Antologia da Literatura Mundial).

AMORA, Antônio Soares. “Era nacional: época do simbolismo (1893-1922): ‘Poesia’”. In:
_____. História da literatura brasileira: (séculos XVI-XX). 4. ed. revista. São Paulo:
Saraiva, 1963, p. 144-154.

AMORIM, Aníbal. “Parahyba: ‘[Jornalistas e literatos]’”. In: _____. Viagens pelo Brazil,
com oitenta gravuras: do Rio ao Acre, aspectos da Amazónia, do Rio a Matto Grosso.
Rio de Janeiro: Livraria Garnier, [1917?]. cap. XIII, p. 85-90.

BANDEIRA, Manuel. “Antologia: ‘Simbolistas: Augusto dos Anjos [As cismas do destino;
Último credo; O lamento das coisas, O último número]’”. In: _____. Apresentação da
poesia brasileira. Posfácio de O. M. Carpeaux. Coordenação editorial de A. Massi e P.
Werneck. 2. ed. São Paulo: Cosacnaify, 2011, p. 342-349.

________. “Literatura brasileira”. In: _____. Noções de história das literaturas. Volume 2.
5. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1960, p. 409-525 (coleção Biblioteca Fundo
Universal de Cultura: Estante de literatura).
297

________. “Simbolistas”. In: _____. Apresentação da poesia brasileira: (seguida de uma


antologia). Posfácio de Otto Maria Carpeaux. Coord. editorial de Augusto Massi e Paulo
Werneck. 2. ed. São Paulo: Cosacnaify, 2011, p. 125-146.

BARBOSA, Socorro de F. Pacífico (org.). “Anjos, Augusto de Carvalho Rodrigues dos”. In:
_____. Pequeno dicionário dos escritores/ jornalistas da Paraíba do século XIX: de
Antônio da Fonseca a Assis Chateaubriand. João Pessoa: Ed. Universidade Federal da
Paraíba, 2009, p. 24-26. Disponível em “Jornais e folhetins literários da Paraíba no
século XIX”: <http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/>.

BARROS, Eudes. Poetas paraibanos do Brasil-reino aos tempos modernos. Revista do


IHGP, João Pessoa, n. 18, p. 45-66, 1970.

BOSI, Alfredo. “Augusto dos Anjos”. In: _____. A literatura brasileira: o pré-modernismo.
3. ed. São Paulo: Cultrix, [197-]. cap. II, p. 41-51 (coleção A Literatura Brasileira, v. V).

________. “O simbolismo”. In: _____. História concisa da literatura brasileira. 51. ed.
revista a atualizada. São Paulo: Cultrix, 2017, p. 277-320.

CANDIDO, Antônio; CASTELO, José Aderaldo. “Augusto dos Anjos: ‘A idéia; Mater
originalis; O lamento das cousas; Vítima do dualismo; Ao luar; O fim das coisas’”. In: _____.
Presença da literatura brasileira: (do romantismo ao simbolismo). Volume II. 4. ed.
revista. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1972, p. 335-339.

________. “Realismo, parnasianismo, simbolismo”. In: _____. Presença da literatura


brasileira: (do romantismo ao simbolismo). Volume II. 4. ed. revista. São Paulo: Difusão
Europeia do Livro, 1972, p. 107-130.

CARPEAUX, Otto Maria. “Do realismo ao naturalismo”. In: _____. História da literatura
ocidental. 4 volumes. 3. ed. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008. cap. II, p.
1827-1974 (Edições Senado Federal, v. 107-C).

________. “O simbolismo”. In: _____. Pequena bibliografia crítica da literatura brasileira.


Brasília: Ministério da Educação e Saúde, Serviço de Documentação, 1951, p. 179-193.

CASTELO, José Aderaldo. Apontamentos para a história do simbolismo no Brasil. Revista


da Universidade de São Paulo, São Paulo, ano 1, n. 1, p. 111-121, jan./mar. 1950.
Disponível em: http://www.revistas.usp.br/rusp/article/view/143235.

CASTRO, Oscar de Oliveira. Vultos da Paraíba: (patronos da academia). [S.I.: s.n], 1955.

COUTINHO, Afrânio (coord.). A literatura no Brasil: simbolismo-impressionismo-


transição. 2. ed. Rio de Janeiro: Editorial Sul Americana, 1969 (coleção A Literatura no
Brasil, v. IV).

________. “Simbolismo, impressionismo, modernismo”. In: _____. Introdução à literatura


no Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1968, p. 207-310.
298

D’EÇA, Raul. Some modern brazilian poets. Buletin of the Pan American Union,
Washington, D.C., v. 7, p. 381-386, jul. 1938. In: UNION OF AMERICAN REPUBLICS.
Buletin of the Pan American Union. Vol. LXXII. Washington, D.C.: jan./dez. 1938, n. 1-
12. Disponível em: <http://www.archive.org/details/buletinofpaname7238pana>.
Acesso em: jul. 2020.

DAMASCENO, Darci. “Sincretismo e transição: o neoparnasianismo”. In: COUTINHO, A.


(coord.). A literatura no Brasil: simbolismo-impressionismo-transição. 2. ed. Rio de
Janeiro: Editorial Sul Americana, 1969, p. 263-277 (coleção A Literatura no Brasil, v. IV).

FREIRE, Laudelino (org.). “Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos: ‘O morcêgo’”. In:
_____. Sonetos brasileiros: século XVII-XX. Seleção de textos e notas de Laudelino Freire.
Rio de Janeiro: F. Briguiet, [1913], p. 436.

GRIECO, Agripino. “Augusto dos Anjos”. In: _____. Poetas e prosadores do Brasil: (de
Gregório de Matos a Guimarães Rosa). Rio de Janeiro: Conquista, 1968, p. 70-78.

________. “Entre o parnasianismo e o symbolismo: ‘Augusto dos Anjos’”. In: _____. Evolução
da poesia brasileira. Rio de Janeiro: Ariel, 1932, p. 135-146.

HOMERO, Silveira. “Poetas de transição e pré-modernistas”. In: _____. Panorama da


poesia brasileira contemporânea. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1970, p.
41-44 (coleção Ensaio, 61).

LIMA, Alceu Amoroso (pseud. “Tristão de Ataíde”). “Augusto dos Anjos”. In: _____.
Primeiros estudos: contribuição à história do modernismo literário. Rio de Janeiro:
Agir, 1948. cap. XXXII, p. 189-195 (Obras Completas de Alceu Amoroso Lima, Tomo I, v.
I).

LINHARES, Mário. “Augusto dos Anjos (Eu)”. In: _____. Gente nova: (notas e impressões).
Fortaleza: Eugenio Gadelha & Filho, [1920], p. 11-18 (obra pertencente ao “Fundo
Edgard Leuenroth” do Arquivo Edgard Leuenroth [AEL], do Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas – Universidade Estadual de Campinas).

LITRENTO, Oliveiros. “Do realismo ao simbolismo: ‘O simbolismo: Alphonsus de


Guimaraens, Cruz e Sousa e Augusto dos Anjos’”. In: _____. Apresentação da literatura
brasileira: história literária. Tomo I. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército; Forense
Universitária, 1974, p. 173-185 (coleção General Benício, v. 116).

________. “Realismo, parnasianismo, neoparnasianismo e simbolismo: ‘Augusto dos Anjos


[Budismo moderno; Versos íntimos A árvore da serra; Debaixo do tamarindo]’”. In: _____.
Apresentação da literatura brasileira: antologia. Tomo II. Rio de Janeiro: Biblioteca
do Exército; Forense Universitária, 1974, p. 166-169 (coleção General Benício, v. 117).

MARTINS, Eduardo. Antologia de poetas paraibanos: Augusto dos Anjos. A União, João
Pessoa, 30 out. 1949. Correio das Artes, Suplemento 32, p. 15-16.

MENEZES, Raimundo de. “Anjos [Augusto de Carvalho Rodrigues dos]”. In: _____.
Dicionário literário brasileiro. Prefácio de Antônio Candido; apresentação de José
299

Aderaldo Castelo. 2. ed. revista, aumentada e atualizada. Rio de Janeiro: Livros Técnicos
e Científicos (LTC), 1978, p. 54-55.

MURICY, Andrade. “Augusto dos Anjos e o simbolismo”. In: COUTINHO, A.; BRAYNER, S.
(orgs.). Augusto dos Anjos: textos críticos. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973,
p. 199-204 (coleção Literatura Brasileira, 10).

________. Panorama do movimento simbolista brasileiro. Volume 2. 3. ed. revista e


ampliada. São Paulo: Perspectiva, 1987 (coleção Textos, 6).

OCTÁVIO, José; ARAÚJO, Fátima. “Os construtores da Paraíba: ‘Augusto dos Anjos (1884-
1914)’”. In: SILVA, Pontes da; ARAÚJO, Fátima (orgs.). Parahyba: 400 anos. João Pessoa:
Gov. do Estado da Paraíba, 1985, p. 59-84.

RAMOS, Péricles E. da Silva. “Poesia simbolista”. In: _____. Do barroco ao modernismo:


estudos da poesia brasileira. São Paulo: Conselho Estadual de Cultura, 1968, p. 193-213
(coleção Textos e Documentos, 9).

SANTOS NETO, Antônio B. dos. “Augusto dos Anjos”. In: _____. Perfis do Norte: (Duas
palavras, Carlos D. Fernandes, Arthur Achiles, Castro Pinto, Rodrigues de Carvalho,
Elyseu Cesar e Augusto dos Anjos). Rio de Janeiro: Livraria Garnier, [1910], p. 105-130.

SILVEIRA BUENO, Francisco da. “O realismo, o naturalismo e o parnasianismo no Brasil”.


In: _____. História da literatura luso-brasileira. 5. ed. atualizada. São Paulo: Saraiva,
1965, p. 132-149.

SODRÉ, Nelson Werneck. “Os problemas da forma: ‘Figuras do parnasianismo e do


simbolismo:’ ‘[Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos]’”. In: _____. História da
literatura brasileira: seus fundamentos econômicos. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1964, p. 449-470 (coleção Vera Cruz: Literatura Brasileira, v. 60).

VERÍSSIMO, José. “O modernismo”; “O naturalismo e o parnasianismo”. In: _____.


História da literatura brasileira: de Bento Teixeira [1601] a Machado de Assis [1908].
Introdução de Heron de Alencar. 4. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1963. caps.
15-16, p. 249-272 (coleção Biblioteca Básica Brasileira, v. 3).

XAVIER, Raul. “Poesia no Brasil”. In: _____. Palavra e poesia. Rio de Janeiro: Cátedra;
Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1979. parte IV, p. 111-124.

I. Trabalhos acadêmicos

ARAGÃO, Maria do Socorro S. de; SANTOS, Neide Medeiros; ANDRADE, Ana Isabel de S.
L. (orgs.). Valores literários de ontem e de hoje. João Pessoa: Mídia Gráfica, 2015.

________. Augusto dos Anjos: a heterogeneidade do EU singular. João Pessoa: Mídia


Gráfica, 2012.

GARCIA, Maria Olívia. O lamento dos oprimidos em Augusto dos Anjos. 2009. 366 p.
Tese (doutorado em Teoria e História Literária) – Instituto de Estudos da Linguagem,
300

Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 2009. Disponível em:


<http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/270223>.

LIMA, Cleciel da Fonseca. A agonia do “Eu” em versos: reflexões sobre o agônico em


Augusto dos Anjos e Mário de Sá-Carneiro. 2015. Monografia (graduação em Letras) –
Unidade Acadêmica de Serra Talhada, Universidade Federal Rural de Pernambuco, Serra
Talhada, PE, 2015.

MACIEL, Maria Esther. O cemitério de papel: (sobre a atopia do Eu de Augusto dos


Anjos). 1990. 165 p. Dissertação (mestrado em Literatura Brasileira) – Faculdade de
Letras, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 1990. Disponível em:
<https://repositorio.ufmg.br/handle/1843/BUBD-9DFGGQ>.

6. AUGUSTO DOS ANJOS: biobliografia

ALBUQUERQUE, Amarylio de. Dimensões de três poetas desventurados: Augusto dos


Anjos, Antônio Nobre, Baudelaire. Rio de Janeiro: Cátedra, [197-].

BEVILÁQUA, Clóvis. “Crônica da Faculdade. D – (1890-1927)”. In: _____. História da


Faculdade de Direito do Recife. 2. ed. Brasília: Instituto Nacional do Livro, Conselho
Federal de Cultura, 1977, p. 206-294 (edição comemorativa do sesquicentenário da
instauração dos cursos jurídicos no Brasil: 1827-1977).

COUTINHO, Afrânio; BRAYNER, Sônia (orgs.). Augusto dos Anjos: textos críticos.
Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1973 (coleção Literatura Brasileira, 10).

DE CASTRO E SILVA, Demócrito. Augusto dos Anjos: o poeta e o homem. 2. ed.


Brasília: Instituto Nacional do Livro, Fundação Nacional Pró-Memória; Campinas: Lisa,
1984.

________. Augusto dos Anjos: poeta da morte e da melancolia: (com muitas poesias
desconhecidas, que não constam das últimas edições do “EU” e outras poesias). Curitiba:
Guaíra, [1944].

LOBO, Francisca Neves (Chiquinha Lobo). Poetas de minha terra: [Gonçalves Dias,
Fagundes Varela, Martins Fontes, Vicente de Carvalho, Álvares de Azevedo, Casimiro de
Abreu, Alberto de Oliveira, Bilac, Castro Alves, Cruz e Sousa, Francisca Júlia da Silva,
Laurindo Rabelo, Rodrigues de Abreu, Raimundo Correia, Ronald de Carvalho, Gregório
de Matos, Augusto dos Anjos]. São Paulo: Brusco & Cia, 1947.

MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Poesia e vida de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira; Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1977 (coleção Vera Cruz:
Literatura Brasileira, v. 241).

MELO FILHO, Murilo; PONTES, Juca (orgs.). Augusto dos Anjos: a saga de um poeta.
Brasília: Fundação Banco do Brasil; Rio de Janeiro: Gráfica Brasileira; João Pessoa: Gov.
do Estado da Paraíba, 1994.
301

NÓBREGA, Humberto. Augusto dos Anjos e sua época. João Pessoa: Ed. Universidade
da Paraíba, 1962.

PAES, José Paulo. As quatro vidas de Augusto dos Anjos. São Paulo: Pégaso, 1957.

REGO, José Lins do. “Augusto dos Anjos e o engenho Pau d’Arco”. In: COUTINHO, A.;
BRAYNER, S. (orgs.). Augusto dos Anjos: textos críticos. Brasília: Instituto Nacional do
Livro, 1973, p. 205-214 (coleção Literatura Brasileira, 10).

REIS, Zenir Campos. Augusto dos Anjos, literatura comentada. Seleção de textos,
notas, estudos biográfico, histórico e crítico por Zenir Campos Reis. São Paulo: Abril
Educação, 1982 (coleção Literatura Comentada).

VIDAL, Ademar Victor de M. O outro Eu de Augusto dos Anjos. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1967.

7. AUGUSTO DOS ANJOS: biografia geral (jornais e revistas)

[A COLONIA parahybana residente nesta Capital realiza hoje, á noite, uma festa
commemorativa da conquista da Parahyba]. Jornal do Commercio: edição da tarde,
Rio de Janeiro, 05 ago. 1912. Topicos do Dia, p. 1-1.

[DA GAZETA de Leopoldina, extrahimos a noticia infra da posse do dr. Augusto dos
Anjos, o grande poeta]. O Norte, João Pessoa, 12 jul. 1914. Vida Social, p. 1-1.

[EM UM dos salões da Faculdade, reuniram-se hontem, ao meio dia os quint’annistas de


direito {...} afim de tratarem das solenidade[s] da proxima formatura]. Diario de
Pernambuco, Recife, 17 jul. 1907. Vida Academica, p. 2-2.

[FOI nomeado director do grupo escolar de Leopoldina, (Minas Geraes), o dr. Augusto
dos Anjos]. O Norte, João Pessoa, 06 jun. 1914. Telegrammas, 4-4.

[LEMOS na Gazeta de Leopoldina: {...} nomeação do dr. Augusto dos Anjos]. O Norte,
João Pessoa, p. 2-2, 21 jun. 1914.

[O SR. Ministro da Agricultura nomeou a seguinte comissão para os exames de admissão


na Escola de Agricultura]. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 mar. 1912. Noticiario, p. 4-
4.

[PELO ministro da Agricultura foram nomeados os srs.]. A Epoca, Rio de Janeiro, p. 1-1,
13 fev. 1913.

[POR telegramma particular {...}, sabemos que na madrugada de hontem {...}, faleceu {...}
o dr. Alexandre Rodrigues dos Anjos]. Diario de Pernambuco, Recife, 14 jan. 1905.
Desaparecidos, p. 2-2.
302

[PUBLICAMOS hoje, em ordem alphabetica, a relação dos nomes dos actuaes


bacharelandos da Faculdade de Direito do Recife]. Diario de Pernambuco, Recife, 01
ago. 1907. Vida Academica, p. 1-1.

[REALIZOU-SE hontem {...} a sessão de instalação da Encyclopedia Nacional do Ensino].


O Paiz, Rio de Janeiro, p. 3-3, 23 set. 1911.

13 DE Maio: A missa campal – Sessão no theatro Santa Roza – Passeiata – Fogos de


artificio – Espectaculo. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 15 mai. 1909.

A ASSEMBLÉA de hontem para a apuração dos votos – Os trabalhos – Os resultados. A


Imprensa, Rio de Janeiro, 12 ago. 1911. Os dez membros da Academia d’“A Imprensa”, p.
1-1.

ANDRADE, Carlos Drummond de. Augusto dos Anjos em Leopoldina. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 05 jan. 1980. Caderno B, p. 7-7.

COLEGIO Sagrado Coração de Jesus: [internato, semi-internato e externato]. O


Imparcial, Rio de Janeiro, p. 18-18, 14 set. 1913.

DEZ academicos livres. A Imprensa, Rio de Janeiro, 30 jun. 1911. Academia d’“A
Imprensa”, p. 6-6.

DIVERSAS: [O bacharel Augusto dos Anjos ensina philosophia, direito romano e a maior
parte das disciplinas do curso de madureza]. O Paiz, Rio de Janeiro, 06 jan. 1911. Avisos
Especiaes, p. 8-8.

DIVERSAS: [O professor Augusto dos Anjos prepara alumnos para o exame de admissão
aos cursos superiores]. O Paiz, Rio de Janeiro, 28 nov. 1914. Avisos Especiaes, p. 9-9.

DIVERSAS: [O professor Augusto dos Anjos prepara alumnos para o exame de admissão
aos cursos superiores]. O Paiz, Rio de Janeiro, 01 mar. 1913. Avisos Especiaes, p. 13-13.

DIVERSAS: [O professor Augusto dos Anjos prepara alumnos para o exame de admissão
aos cursos superiores]. O Paiz, Rio de Janeiro, 29 out. 1911. Avisos Especiaes, p. 12-12.

ESTADO da Parahyba do Norte. Almanak Laemmert, Rio de Janeiro, ago. 1909.


Jornalistas, p. 13-14.

FACULDADE de Direito: [Resultado dos exames oraes do 3.° anno feitos hontem]. Diario
de Pernambuco, Recife, 17 abr. 1906. Ensino Publico, p. 2-2.

FACULDADE de Direito: [Resultado dos exames oraes do segundo anno na 2.ª época].
Diario de Pernambuco, Recife, 19 mar. 1905. Ensino Publico, p. 1-1.

FACULDADE de Direito: [Resultado dos exames oraes feitos em 8 do corrente]. Diario


de Pernambuco, Recife, 10 abr. 1907. Ensino Publico, p. 2-2.

INSTITUTO Maciel Pinheiro. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 03 mar. 1909.


303

INSTITUTO Maciel Pinheiro. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 05 jan. 1909.

LEOPOLDINA: Grupo escolar. O Paiz, Rio de Janeiro, 24 jun. 1914. O Paiz em Minas, p. 6-
6.

LISTA dos Bachareis que receberam o gráo em Sciencias Juridicas e Sociaes durante o
anno de 1907 e suas naturalidades. Revista Academica da Faculdade de Direito do
Recife, Recife, v. 15, n. 1, p. 179-183, 1907. Disponível em:
https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/issue/archive.

MINISTERIO da Agricultura: [Resultado final dos exames de admissão dos candidatos á


matricula na Escola de Agricultura]. A Imprensa, Rio de Janeiro, p. 7-7, 30 mar. 1912.

PRINCIPE dos poetas brazileiros. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 7, n. 9, p. 49-50, 01 mar.
1913. O Principe dos poetas brazileiros: grande concurso de “Fon-Fon”.

PRINCIPE dos poetas brazileiros: [resultado desta eleição]. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano
7, n. 15, p. 35-35, 12 abr. 1913. O Principe dos poetas brazileiros: grande concurso de
“Fon-Fon”.

PRINCIPE dos poetas brazileiros: [resultado final da eleição]. Fon-Fon, Rio de Janeiro,
ano 7, n. 16, p. 22-22, 19 abr. 1913. O Principe dos poetas brazileiros: grande concurso
de “Fon-Fon”.

PRINCIPE dos poetas brazileiros: Relação completa dos eleitores. Fon-Fon, Rio de
Janeiro, ano 7, n. 11, p. 24-24, 15 mar. 1913. O Principe dos poetas brazileiros: grande
concurso de “Fon-Fon”.

RAMOS, Adauto. Augusto dos Anjos: resgate histórico. Revista do IHGP, João Pessoa,
ano 91, n. 33, p. 155-163, jul. 2000.

________. Notas para a história de Cruz do Espírito Santo. Revista do IHGP, João Pessoa,
ano 87, n. 29, p. 135-145, mai. 1996.

REAPPARECE a revista “O Norte”. A Noticia, Bahia, 15 mar. 1915. Echos Telegraphicos,


p. 2-2.

REVISTA do Norte: [Apparecerá brevemente esta interessante revista]. O Paiz, Rio de


Janeiro, p. 2-2, 17 jul. 1914.

REVISTA do Norte: [Apparecerá, brevemente, nesta capital]. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 8-


8, 01 abr. 1914.

REVISTA do Norte: [Apparecerá, definitivamente, a 30 deste mez]. O Paiz, Rio de Janeiro,


p. 2-2, 14 jul. 1914.

REVISTA do Norte: [Já está á venda o primeiro numero]. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 7-7, 16
ago. 1914.
304

REVISTA do Norte: [reapparecerá no dia 15 do corrente]. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 4-4,


08 mar. 1915.

VIAJANTES: [Acha-se entre nós, vindo do Estado da Parahyba, o dr. Augusto dos Anjos].
O Paiz, Rio de Janeiro, 17 set. 1910. Vida Social, p. 4-4.

VIAJANTES: [Para Leopoldina, Minas Geraes, onde vai dirigir o grupo escolar local, {...}
parte hoje o dr. Augusto dos Anjos]. O Paiz, Rio de Janeiro, 22 jun. 1914. Vida Social, 3-3.

I. Em crônicas, em palestras, em notas

“REVISTA do Norte” – Reapparecerá no próximo dia 15 do corrente. Gazeta de Noticias,


Rio de Janeiro, p. 4-4, 10 mar. 1915.

A “HELIOPOLIS”: [Saiu hontem o numero da Heliopolis]. Jornal Pequeno, Recife, n. 106,


p. 2-2, 11 mai. 1915.

A BORDO do paquete Maranhão [viagem de propaganda daquelle famoso periodico]. O


Paiz, Rio de Janeiro, 30 set. 1914. Vida Social, p. 5-5.

AMADO, Gilberto (pseud. “Áureo”). Golpes de vista. Diario de Pernambuco, Recife, p. 1-


1, 19 jun. 1907.

________. Golpes de vista. Diario de Pernambuco, Recife, p. 1-1, 28 jun. 1907. Crônica.

AS NOSSAS pontes. Jornal Pequeno, Recife, p. 1-1, 13 jun. 1947.

AS POESIAS do professor. A União, João Pessoa, 01 jan. 1950. Correio das Artes,
Suplemento 41, p. 2-2.

ASSIS, Francisco de. Recife, cidade das pontes: uma que vive nos versos de Augusto dos
Anjos. Diário da Manhã, Recife, 21 ago. 1941. Crônica, p. 8-8.

AUGUSTO dos Anjos tem clube literário. Jornal do Commercio, Manaus, 04 jun. 1966.
Várias, p. 3-3.

BACHAREIS de 1907: As festas commemorativas x O discurso do sr. dr. Orris Soares. A


União, João Pessoa, p. 1-1, 19 dez. 1917.

BARROSO JÚNIOR, João. Nirvana de Leopoldina. Dom Casmurro, Rio de Janeiro, ano 5,
n. 224, p. 4-4, 01 nov. 1941. Máscaras.

CABOCLO, Júlio Ferreira. [A Parahyba do Norte teve em outros tempos um rapaz de


cerebro de ouro]. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 20, n. 44, p. 16-16, 30 out. 1926.
Caixilhos.

________. Augusto dos Anjos [No nono anniversario de sua morte]. Fon-Fon, Rio de
Janeiro, ano 17, n. 47, p. 85, 87, 24 nov. 1923.
305

________. Augusto dos Anjos. A União, João Pessoa, p. 2-2, 01 dez. 1923.

CARTAXO, Rosilda. As mulheres musas dos anjos. Revista do IHGP, João Pessoa, ano 82,
n. 27, p. 252-268, set. 1995.

CONDÉ, José. Composição da carta de Augusto Anjos. A Manhã, Rio de Janeiro, 15 dez.
1946. Letras e Artes, Suplemento 25, Seção 2, p. 8-8. Os Arquivos Implacáveis.

CONFERENCIAS: [O assumpto explanado pelo Sr. Raul Machado foi a personalidade de


Augusto dos Anjos]. Jornal do Commercio: edição da tarde, Rio de Janeiro, 24 ago.
1920. Vida Carioca, p. 3-3.

CONFERENCIAS: [Realiza-se, hoje, ás 4 horas da tarde, no salão da Bibliotheca Nacional,


a conferencia {...} sobre a obra e a individualidade do poeta Augusto dos Anjos]. Jornal
do Commercio: edição da tarde, Rio de Janeiro, 23 ago. 1920. Vida Carioca, p. 4-4.

ESQUECIMENTO [thema da conferencia]. A Provincia, Recife, 17 jan. 1909. Suplemento


13, p. 2-2.

FARIAS, Esdras. A propósito da fundação do Gremio Literario Augusto dos Anjos: o


eminente poeta brasileiro. Diário da Manhã, Recife, 02 jul. 1929. Literatura, Secção 2, p.
3-3.

________. As memórias de um homem de outros dias. Jornal Pequeno, Recife, p. 12-12, 24


dez. 1945.

GUIMARÃES, Eduardo. Palavras a um novo. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 7, n. 43, p. 39-
39, 25 out. 1913. Actualidade Litteraria.

HELIOPOLIS: [Circulou hontem mais um numero da Heliopolis]. A Provincia, Recife, n.


127, p. 1-1, 11 mai. 1915.

IMPRENSA: Revista do Norte. A Noticia, Bahia, 10 out. 1914. Varias Noticias, p. 3-3.

JÚNIOR, Lima. Raimundo Correa. A Provincia, Recife, 17 set. 1911. Estudos e Opiniões,
p. 1-1.

LIMA, Heitor. Morte [A Augusto dos Anjos]. A Epoca, Rio de Janeiro, p. 2-2, 31 ago. 1913.

LIMA, José de Barros. Os de meu tempo. Jornal do Recife, Recife, 15 ago. 1906. Crônica
Literária, p. 1-1.

MARIZ, Celso. Era a maior arvore da serra. A União, João Pessoa, 08 out. 1950. Correio
das Artes, Suplemento 48, p. 2-3.

MORAES, Nascimento. Quando a emoção morre [...]. Pacotilha: jornal da tarde, São
Luís, p. 2-2, 06 nov. 1934.
306

MOUSINHO, João Lopes. Revista do Norte. Jornal do Recife, Recife, p. 5-5, 16 dez. 1914.

O SR. José Paulo B. Lima pede-nos a publicação da seguinte carta. Jornal Pequeno,
Recife, p. 2-2, 18 set. 1911.

ONDE nasceu Augusto dos Anjos: O genial autor do “Nada”, veio ao mundo em terras da
Usina S. Helena. Vamos Lêr!, Rio de Janeiro, ano 9, n. 471, p. 61-61, 09 ago. 1945.

OS BACHAREIS de 1907. A União, João Pessoa, p. 1-1, 08 dez. 1917.

PACHECO, Rômulo. Augusto dos Anjos. A União, João Pessoa, p. 3, 7, 04 fev. 1937.

PEREGRINO, Umberto. O príncipe dos poetas: [Os 10 poetas mais procurados]. Careta,
Rio de Janeiro, ano 52, n. 2.669, p. 14, 42, 22 ago. 1959. Contos e Pontos.

PINTO, Sérgio de Castro. A Augusto dos Anjos. Diário da Manhã, Recife, 02-03 set. 1984.
Segundo Caderno, p. 6-6.

POETAS e bananas são a doença do Brasil...: Orris Soares, escritor paraibano, faz
curiosas confidências sobre Bilac: [Uma opinião sobre Augusto dos Anjos]. A União, João
Pessoa, 08 out. 1950. Correio das Artes, Suplemento 48, p. 4-4.

PUBLICAÇÕES: “Revista do Norte”. Correio Paulistano, São Paulo, 21 set. 1914. Letras e
Letras, p. 3-3.

REGO, José Lins do. O tamarindo de Augusto dos Anjos. Vamos Lêr!, Rio de Janeiro, ano
3, n. 120, p. 3-3, 17 nov. 1938.

SANTIAGO, Gustavo. “Ao aproximar-se da Parahyba do Norte”. Almanaque Brasileiro


Garnier, Rio de Janeiro, n. 9, p. 329-332, jun. 1908. In: MENDES, Solange Balbi;
ANDRADE, Marlice Seixas de; ZAIDMAN, Diana. (orgs.). Índices: Almanaque Garnier
(1903-1914); Gazeta Literária (1883-1884). Direção e apresentação de José Honório
Rodrigues. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (coleção Temas Brasileiros, v.
16). Disponível na Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:
<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=348449&pesq=&pagfis=1>.

UMA CIDADE cheia de pontes. Jornal Pequeno, Recife, p. 6-6, 11 abr. 1947.

VASCONCELOS, Everardo. Perigo na ponte Buarque de Macedo. Jornal Pequeno, Recife,


p. 3, 5, 17 set. 1953.

VESPERAL-litterario. Jornal do Commercio: edição da tarde, Rio de Janeiro, 01 ago.


1921. Vida Carioca, p. 6-6.

VESPERAL-litterario. Jornal do Commercio: edição da tarde, Rio de Janeiro, 24 set.


1921. Vida Carioca, p. 4-4.

VIAJANTES: [O dr. Lopes Mouzinho viaja em propaganda da “Revista do norte”]. Jornal


do Recife, Recife, 17 out. 1914. Chronica Social, p. 2-2.
307

VIDAL, Ademar Victor de M. Augusto dos Anjos. A União, João Pessoa, p. 1-1, 04 jan.
1920.

II. Notícias Literárias sobre o “EU”

[AUGUSTO dos Anjos nos envia um exemplar de seu livro de versos – “Eu”]. A Imprensa,
Rio de Janeiro, 15 jun. 1912. Écos, p. 1-1.

[O ESPOLIO de um poeta e o gesto nobre de um governo]. O Pharol, Juiz de Fora, Minas


Gerais, p. 1-1, 07 mai. 1915.

[O GOVERNO da Parahyba resolveu mandar imprimir {...} a obra poetica de Augusto dos
Anjos]. Jornal do Commercio: edição da tarde, Rio de Janeiro, 23 fev. 1917. Topicos do
Dia, p. 2-2.

“ESTOS e Pausas”, de Felix Pacheco e “Eu”, de Augusto dos Anjos: algumas palavras
sobre os dois poetas. A Rua, Rio de Janeiro, ano 6, n. 78, p. 4-4, 25 mar. 1920. Os Livros
do Dia.

A PRODUCÇÃO litteraria. O Malho, Rio de Janeiro, ano 11, n. 513, p. 13-13, 13 jul. 1912.

BATISTA, Raimundo Nonato. Na seára das lettras: EU – Augusto dos Anjos. Estado do
Pará, Belém, p. 1-1, 09 jul. 1913.

CABOCLO, Júlio Ferreira. [Recebi o exemplar da 5ª edição do Eu, de Augusto dos Anjos,
editado em S. Paulo]. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 24, n. 12, p. 12-12, 22 mar. 1930.

COMO a critica nacional recebeu o livro de versos de Augusto dos Anjos. O Norte, João
Pessoa, p. 1-1, 05 jul. 1912.

COMO a critica nacional recebeu o livro de versos de Augusto dos Anjos. O Norte, João
Pessoa, p. 1-1, 06 jul. 1912.

COMO a critica recebeu o livro do dr. Augusto dos Anjos. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 20
jul. 1912.

DUQUE-ESTRADA, Osório. Eu, versos de Augusto dos Anjos. Correio da Manhã, Rio de
Janeiro, 17 jun. 1912. Registro Literario, p. 1-1.

FALCÃO, Ildefonso. Hermes Fontes e o seu novo livro. A Epoca, Rio de Janeiro, p. 2-2, 05
out. 1913.

FONTES, Hermes. Norte e Sul. A Epoca, Rio de Janeiro, p. 1-1, 27 abr. 1913.

________. Vida literaria. A Epoca, Rio de Janeiro, 05 out. 1913. Vida Literaria, p. 1-1.

FRAZÃO, J. “Eu”, de Augusto dos Anjos. Careta, Rio de Janeiro, ano 13, n. 622, p. 35-35,
22 mai. 1920.
308

GUERRA, Plácido. [Sabbado, 6 – Venho de me banhar nas aguas astraes do Jordão


luminoso que é a Musa altamente superior de Augusto dos Anjos]. O Norte, João Pessoa,
09 jul. 1912. Dia a Dia, p. 1-1.

LOPES, Oscar. [O Sr. Augusto dos Anjos, autor de um livro de versos intitulado Eu, fez
barulho logo á chegada]. O Paiz, Rio de Janeiro, 09 jun. 1912. A Semana, p. 1-1.

LUSO, João (pseud. de Armando Erse de Figueiredo). Augusto dos Anjos – Eu. Jornal do
Commércio: edição da tarde, Rio de Janeiro, 18 jun. 1912. Noticias Literarias, p. 3-3.

LUZ, Fábio. [Rimas, de Annibal Theophilo, Eu, de Augusto dos Anjos, Noite de insomnia,
de Marcelo Gama, Myriam, de Adelmar Tavares, Versos de um diletantti, de Adherbal de
Carvalho e Breviario, de Raymundo Reis]. Brazil Moderno, Rio de Janeiro, ano 7, n. 7, p.
12-15, set. 1912. Registro [Literário].

MEDEIROS E ALBUQUERQUE, José J. de. Augusto dos Anjos – Eu (3ª augmentada). Jornal
do Commércio, Rio de Janeiro, 30 set. 1928. Notas Litterarias, p. 3-3.

MENEZES, Nazareth. Eu, por Augusto dos Anjos. Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro, 14
jun. 1912. A “Gazeta” das Letras e das Artes, O Livro do Dia, p. 4-4.

OITICICA, José. Augusto dos Anjos. A Época, Rio de Janeiro, 06 out. 1912. A Poesia dos
Novos, p. 7-7.

________. Augusto dos Anjos. In: LEÃO, Múcio (dir.). Autores e Livros: Augusto dos Anjos. A
Manhã, Rio de Janeiro, 30 nov. 1941. Autores e Livros, Suplemento 16, p. 329, 338.

________. Hermes Fontes. Revista Americana, Rio de Janeiro, ano 4, n. 10-12, p. 188-240,
out./dez. 1913. Bibliographia.

PEDERNEIRAS, Mário. “EU” – Versos de Augusto dos Anjos. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano
6, n. 27, p. 23-23, 06 jul. 1912. O Momento Literario.

RIBEIRO, João. EU – edição das poesias completas de Augusto dos Anjos (Parahyba). O
Imparcial, Rio de Janeiro, 22 mar. 1920. Chronica Literaria, p. 2-2.

SILVA, Antônio J. Pereira da. A poesia e a poética do Sr. Augusto dos Anjos. Gazeta de
Notícias, Rio de Janeiro, p. 3-3, 07 ago. 1912.

VIEIRA, Arnaldo Damasceno. Poetas Novos: [Augusto dos Anjos, grande e originalissimo
poeta]. Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro, ano 7, n. 76, p. 54-57, dez. 1926.

III. Notícias de falecimento do poeta

[ECHOOU dolorosamente nesta cidade a noticia do falecimento do joven intelectual


parahybano dr. Augusto dos Anjos]. Diario de Pernambuco, Recife, 19 nov. 1914. O
“Diario” na Parahyba, p. 1-1.
309

[FALECEU hoje {...} o poeta e literato dr. Augusto dos Anjos]. A Noite, Rio de Janeiro, p.
2-2, 12 nov. 1914.

[FALECEU hontem {...} em Leopoldina o dr. Augusto dos Anjos. Jornal do Commercio,
Rio de Janeiro, 13 nov. 1914. Falecimentos, p. 6-6.

[POR uma carta que noz foi {...} mostrada, sabemos achar-se gravemente enfermo {...} o
original e brilhante poeta Augusto dos Anjos]. A Epoca, Rio de Janeiro, p. 2-2, 12 nov.
1914.

[RIO, 13 – Quasi todos os jornaes estampam o retrato do poeta Augusto dos Anjos,
falecido hontem em Minas]. Diario de Pernambuco, Recife, 14 nov. 1914. Ultima Hora,
p. 2-2.

A MORTE de um grande poeta: Faleceu hontem, em Leopoldina, Augusto dos Anjos. A


Época, Rio de Janeiro, p. 2-2, 13 nov. 1914.

A MORTE de um poeta. A Noticia, Rio de Janeiro, 13 nov. 1914. Echos, p. 2-2.

A MORTE do dr. Augusto dos Anjos. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 3-3, 13 nov.
1914.

ARIEL (pseud. de Antônio Lopes da Cunha). [Os jornais do Rio trazem a noticia da morte
de Augusto dos Anjos]. Pacotilha, São Luís, 01 dez. 1914. O Dia, p. 1-1.

AUGUSTO dos Anjos: [A poesia se enluta: Augusto dos Anjos não existe mais]. A Rua, Rio
de Janeiro, ano 1, n. 227, p. 2-2, 14 nov. 1914. Novas & Ecos.

AUGUSTO dos Anjos: [As letras brasileiras perderam ante-hontem um dos poetas novos
que mais a dignificavam]. O Imparcial, Rio de Janeiro, 14 nov. 1914. Echos, p. 2-2.

AUGUSTO dos Anjos: [Faz um anno, hoje, que succumbiu em Leopoldina {...} o
infortunado e excelso poeta Augusto dos Anjos]. A Rua, Rio de Janeiro, ano 2, n. 313, p.
2-2, 12 nov. 2015. Novas e Ecos.

AUGUSTO dos Anjos: [Inesperada, rude e entristecedora {...} a noticia de falecimento de


Augusto dos Anjos]. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 8, n. 46, p. 46-46, 15 nov. 1914.

BAPTISTA, Nonato. Poeta que morre: [“Morreu, em Minas, o poeta Augusto dos Anjos”].
A Provincia, Recife, p. 2-2, 17 nov. 1914.

BARROSO JÚNIOR, João. Recordando a morte de Augusto dos Anjos. A União, João
Pessoa, 19 nov. 1950. Correio das Artes, Suplemento 51, p. 3, 14.

D’ALÈM, Damião. [Morreu Augusto dos Anjos, o assombroso escriptor do Eu]. O


Regenerador, Macaé, Rio de Janeiro, 22 nov. 1914. Semanaes, p. 2-2.

DR. AUGUSTO dos Anjos: Falecimento do brilhante poeta. Jornal do Commercio: edição
da tarde, Rio de Janeiro, 13 nov. 1914. Telegrammas, p. 3-3.
310

FALECIMENTO de poeta parahybano. A Noticia, Salvador, 14 nov. 1914. Echos


Telegraphicos, p. 3-3.

FALECIMENTOS: [A morte inesperada do dr. Augusto dos Anjos]. O Paiz, Rio de Janeiro,
13 nov. 1914. Vida Social, 5-5.

JÚNIOR, Rodrigo. Ás quintas. Diario da Tarde, Curitiba, p. 1-1, 26 nov. 1914.

LEITE, Francisco. Augusto dos Anjos. Diario da Tarde, Curitiba, p. 1-1, 17 nov. 1914.

MORREU o poeta Augusto dos Anjos. Gazeta de Noticias, Rio de Janeiro, p. 2-2, 13 nov.
1914.

REGO JÚNIOR, Costa. Chronica: [Entre a morte e o sonho]. Heliopolis, Recife, ano 2, n.
11-12, p. 30-32, nov./dez. 1914.

SOBRINHO, Guimarães. Litteratura do Norte: Augusto dos Anjos. Diario de


Pernambuco, Recife, p. 4-4, 07 fev. 1915.

8. NOTAS: presente e passado, e as permanências...

A POSSE do dr. João Machado. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 23 out. 1908.

A REVOLTA dos marinheiros: O regresso da esquadra revoltada – As guarnições


sublevadas declaram render-se ao governo federal – O deputado José Carlos de Carvalho
vai novamente conferenciar com os chefes da marinhagem amotinada – Radiogrammas
trocados – Os mortos e os feridos – Episodios do dia – O Senado vota um projeto
amnistiando os marinheiros sublevados – A’ noite: a esquadra sae e o Minas Geraes, no
porto, atira contra o littoral – O Deodoro dispara os seus canhões de grosso calibre – A
esquadra regressará hoje ao porto – Providências do governo – A defesa da cidade. O
Paiz, Rio de Janeiro, p. 1-3, 25 nov. 1910.

A SAUDE do povo. O Norte, João Pessoa, n. 1.520, p. 1-1, 30 ago. 1913.

A. de A. Campanha sanitaria. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 16 jan. 1913.

AMADO, Gilberto (pseud. “Áureo”). A semana: [Enfim! Podemos respirar livremente. O


almirante João Candido teve a benemerencia de apenas exigir {...} a amnistia]. O Paiz,
Rio de Janeiro, p. 3-3, 27 nov. 1910. Crônica.

________. E’ demais. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 1-1, 23 set. 1913. Crônica.

ARAÚJO, José Peregrino de. Mensagem apresentada á Assembleia Legislativa do Estado.


Imprensa Official, João Pessoa, p. 1-52, 01 set. 1904.

________. Mensagem apresentada á Assembleia Legislativa do Estado da Parahyba do


Norte. Imprensa Official, João Pessoa, p. 1-22, 01 out. 1902.
311

CAMARA dos Deputados. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 1-1, 11 nov. 1892.

EL PAÍS (Brasil). “Enquanto as redes falavam ‘blacklivesmatter’, perdemos outra


criança negra para o racismo”. 2020. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-05/enquanto-as-redes-falavam-
blacklivesmatter-perdemos-outra-crianca-negra-para-o-racismo-
enraizado.html?rel=mas>. Acesso em: ago. 2020.

EL PAÍS (Brasil). Entre a vida e a morte sob tortura, violência policial se estende
por todo o Brasil, blindada pela impunidade. 2020. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2020-06-30/entre-a-vida-e-a-morte-sob-tortura-
violencia-policial-se-estende-por-todo-o-brasil-blindada-pela-impunidade.html>. Acesso
em: ago. 2020.

EL PAÍS (Brasil). Na ONU, Bolsonaro se exime de erros na gestão da pandemia e


choca ao culpar índios por incêndios. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2020-09-22/na-onu-bolsonaro-se-exime-de-erros-na-
gestao-da-pandemia-e-choca-ao-culpar-indios-por-incendios.html>. Acesso em: set.
2020.

ESTADOS UNIDOS DO BRASIL (Brasil). Colecção das leis da Republica dos Estados
Unidos do Brazil de 1910: Decreto. n. 8.400 – de 28 de novembro de 1910. Volume I,
parte 2 (atos do poder executivo). Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1913, p. 1442.
Disponível na Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados:
<https://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/legislacao/colecao-anual-de-
leis/colecao3.html>. Acesso em: ago. 2020.

FONSECA, Hermes da. Mensagem. In: CONGRESSO NACIONAL. Annaes da Camara dos
Deputados: sessões de 27 de abril a 31 de maio de 1911. Volume I. Rio de Janeiro:
Imprensa Nacional, n. 1, 1911, p. 305-307.

IMPRENSA NACIONAL (Órgão da Administração Federal do Brasil). Incêndio de 1911


no prédio da Imprensa Nacional. Brasília, Distrito Federal. Disponível em:
<https://www.in.gov.br/web/dicionario-eletronico/-/inc%C3%AAndio-de-1911-no-
pr%C3%A9dio-da-in>. Acesso em: set. 2020.

INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Sapé [Paraíba]. Rio de


Janeiro: IBGE, 1954-1982 (coleção Monografias Municipais, 505). Disponível em:
https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=deta lhes&id=7113.

INSTITUTO NACIONAL DE COLONIZAÇÃO E REFORMA AGRÁRIA (Brasil). Incra nos


Estados: informações gerais sobre os assentamentos da Reforma Agrária:
[Paraíba]. 2017. Disponível em: <http://painel.incra.gov.br/sistemas/index.php>.
Acesso em: jul. 2020.

LEAL, Walfredo. Mensagem apresentada á Assembleia Legislativa do Estado. Imprensa


Official, João Pessoa, p. 1-40, 01 set. 1906.
312

LIGA de Educação Civica. O Paiz, Rio de Janeiro, p. 7-7, 02 mai. 1910.

LINS, Aline; PAZ, Pedro. Fábrica de cimento Portland na Paraíba é a primeira da


América Latina, diz estudo da UFPB. Disponível em:
https://www.ufpb.br/ufpb/contents/noticias/pesquisador-da-ufpb-descobre-ruinas-
da-primeira-fabrica-de-cimento-portland-na-america-latina. Acesso em: jul. 2020.

MACHADO, João Lopes. Mensagem apresentada á Assembleia Legislativa do Estado.


Imprensa Official, João Pessoa, p. 1-62, 01 set. 1909.

________. Mensagem apresentada á Assembleia Legislativa do Estado. Imprensa Official,


João Pessoa, p. 1-51, 01 set. 1910.

MACHADO, Regina Coeli Vieira. Ponte Buarque de Macedo. Fundação Joaquim Nabuco:
Recife. Disponível em:
http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=arti
cle&id=626&Itemid=195. Acesso em: set. 2020.

MEMORIAL DA DEMOCRACIA (Brasil). ‘Cabra marcado’ é assassinado na PB:


pistoleiros pagos por fazendeiros matam o líder camponês João Pedro Teixeira.
1962. Disponível em: <http://memorialdademocracia.com.br/card/o-assassinato-do-
cabra-marcado>. Acesso em: jul. 2020.

MOREIRA, Emília de Rodat F. Processo de ocupação do espaço agrário paraibano.


Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR), João Pessoa, n.
24, set. 1990. Disponível em “Textos NDJHR”:
http://www.ndihr.ufpb.br/programa/textos_ndihr.html. Acesso em: jul. 2020.

NOCTURNO. O Norte, João Pessoa, n. 284, 02 mai. 1909. Crônica, p. 1-2.

O BOMBARDEIO na Bahia. Careta, Rio de Janeiro, ano 5, n. 190, p. 1-52, 20 jan. 1912.

O DR. João Machado: Sua chegada: manifestações festivas. O Norte, João pessoa, p. 1-1,
20 out. 1908.

OBSERVATÓRIO DA ERRADICAÇÃO DO TRABALHO E DO TRÁFICO DE PESSOAS (Brasil).


Paraíba. 2018. Disponível em:
<https://smartlabbr.org/trabalhoescravo/localidade/25?dimensao=perfilCasosTrabalh
oEscravo>. Acesso em: ago. 2020.

OUTRA REBELIÃO: A fuga dos rebeldes: O dia de hontem – Muitos mortos e feridos – A
mensagem do governo – O Senado vota um projecto de estado de sitio, combatido pelo
Sr. Ruy Barbosa – Minuciosas informações sobre o movimento. Gazeta de Noticias, Rio
de Janeiro, p. 5-9, 11 dez. 1910.

PARAHYBA [Consta-me que folhas dahi deram noticia de ter havido assalto contra o
Jornal Parahybano aqui publicado]. O Paiz, Rio de Janeiro, 07 nov. 1892. Avulso, p. 1-1.

PARAHYBA nova. O Norte, João Pessoa, p. 1-1, 26 mar. 1913.


313

POGGI, João J. Inocêncio; MOTA, Francisco; CORDEIRO, Antônio da C.; MILANEZ, Abdon;
ROSA, Jacinto Santa. [causas por que tem impeiorado ultimamente o estado sanitario
desta cidade e os meios de removel-os]. O Publicador, João Pessoa, p. 2-2, p. 2-2, p. 2-2,
p. 2-2, p. 2-2, p. 2-2, p. 2-2, 21, 23, 25, 27-28, 30-31 ago. 1869.

RIBEMBOIM, Jacques. A história do Forte do Picão. Fundo Pernambucano de Incentivo


à Cultura (Funcultura). Disponível em: https://fortedopicao.com/. Acesso em: set. 2020.

UOL (Congresso em Foco). Na ONU, Bolsonaro culpa índios e caboclos pelos


incêndios florestais. Disponível em <https://congressoemfoco.uol.com.br/governo/ao-
vivo-bolsonaro-onu/>. Acesso em: set. 2020.

WEB RÁDIO PORTO DO CAPIM. A história da Paraíba começou aqui. Disponível em:
http://radioportodocapim.com.br/porto-do-capim/. Acesso em: set. 2020.

9. LEITURAS CRÍTICAS (também de poesia)

AZEVEDO, Fernando de. “A poesia social no Brasil”. In: _____. Máscaras e retratos:
estudos literários sôbre escritores e poetas do Brasil. 2. ed. revista e aumentada. São
Paulo: Melhoramentos, 1962, p. 84-90 (Obras Completas de Fernando de Azevedo, v. V).

CANDIDO, Antônio. “O poeta itinerante”. In: _____. O discurso e a cidade. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1993, p. 257-278.

HARDMAN, Francisco Foot. “Antigos modernistas”. In: _____. A vingança da Hileia:


Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São Paulo: Fundação Editora da
Unesp, 2009, p. 167-186.

________. “Espectros da nação: figuras deslocadas entre saudades e soledades”. In: _____. A
vingança da Hileia: Euclides da Cunha, a Amazônia e a literatura moderna. São Paulo:
Fundação Editora da Unesp, 2009, p. 291-306.

________. “Palavra de ouro, cidade de palha”. In: SCHWARZ, R. (org.). Os pobres na


literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense, 1983, p. 79-87.

________. “Quimeras de ferro: história repetida como tragédia”. In: _____. Trem-fantasma:
a ferrovia Madeira-Mamoré e a modernidade na selva. 2. ed. revista e ampliada. 1.
reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 181-215.

________. “Sinais do vulcão extinto”. In: _____. Nem pátria, nem patrão!: memória
operária, cultura e literatura no Brasil. 3. ed. revista e ampliada. São Paulo: Fundação
Editora da Unesp, 2002, p. 115-148.

________. “Tróia de taipa: Canudos e os irracionais”. In: _____ (org.). Morte e progresso:
cultura brasileira como apagamento de rastros. 2. reimpressão. São Paulo: Fundação
Editora da Unesp, 1998, p. 125-136 (coleção Prismas).
314

SCHWARZ, Roberto (org.). Os pobres na literatura brasileira. São Paulo: Brasiliense,


1983.

SEVCENKO, Nicolau. “O exercício intelectual como atitude política: os escritores-


cidadãos”. In: _____. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na
Primeira República. 4. ed. 1. reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 1999. cap. II, 78-118.

10. OBRAS CONSULTADAS

ABREU, Alzira Alves de (coord.). Dicionário histórico-biográfico da Primeira


República (1889-1930). Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas: Centro de Pesquisa e
Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), 2015. Recurso eletrônico:
ISBN 978-85-225-1658-2.

ALMEIDA, José Américo de. A Paraíba e seus problemas. Com estudo de Manuel
Correia de Andrade. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2012 (Edições Senado
Federal, v. 172).

BACHELARD, Gaston. O ar e os sonhos: ensaio sobre a imaginação do movimento. 2. ed.


Tradução de Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 2001 (coleção
Tópicos).

BARROS, Francisco R. Amorim de. ABC das Alagoas: dicionário biobibliográfico,


histórico e geográfico das Alagoas. Tomo II. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial,
2005 (Edições Senado Federal, v. 62-B).

BOMFIM, Manoel. “Sob a ignomínia política, a miséria do povo”. In: _____. O Brasil nação.
Rio de Janeiro: Record; Brasília: Ministério da Educação, Departamento Nacional do
Livro, 1998, p. 635-641.

BRUNO, Ernani Silva. História do Brasil: geral e regional: Nordeste. São Paulo: Cultrix,
1967 (coleção História do Brasil, v. II).

CARVALHO, Álvaro de. A escravidão: fenômeno social como qualquer outro. Revista do
IHGP, João Pessoa, v. 10, p. 107-111, 1946.

FREYRE, Gilberto. Nordeste: aspectos da influência da cana sobre a vida e a paisagem do


nordeste do Brasil. Apresentação de Manoel Correia de Andrade. São Paulo: Global,
2013. Recurso eletrônico: ISBN 978-85-260-1816-7.

MELO NETO, João Cabral de. “Morte e vida Severina”. In: _____. Obra completa: João
Cabral de Melo Neto. 2. reimpressão. Organização de Marly de Oliveira. Rio de Janeiro:
Nova Aguilar, 1995, p. 169-202 (coleção Biblioteca Luso-brasileira: Série Brasileira, v.
único).

MOREIRA, Orlandil de Lima. O Sindicato e a Usina: redefinindo relações: um estudo


sobre as repercussões das lutas sociais dos canavieiros no município de Sapé (1984-
1994). 1996. 141 p. Dissertação (mestrado em Sociologia) – Centro de Humanidades,
315

Universidade Federal da Paraíba, Campina Grande, 1996. Disponível em:


http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/handle/riufcg/2332.

PEREIRA, Ariel Tavares. Disputas faccionais e construções de “ismos”: inscrições


político-jornalísticas no Maranhão (1930-1960). 2018. 344 p. Tese (doutorado em
Ciências Sociais) – Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Maranhão, São
Luís, MA, 2018. Disponível em: <https://tedebc.ufma.br/jspui/handle/tede/2397>.

PFROMM NETTO, Samuel. Dicionário de piracicabanos. Coordenação editorial de


Leonor Z. de A. Pires e Lurdes F. Coutinho. São Paulo: PNA, 2013. Disponível no site do
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba: <https://www.ihgp.org.br/livros/>.

ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias. 15. ed. 4. reimpressão. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 2001.

SIMÕES JÚNIOR, Álvaro Santos. Estudos de literatura e imprensa. São Paulo: Ed.
Unesp Digital, 2015. Recurso eletrônico: ISBN 978-85-68334-47-8.

TORRES, Antônio. Verdades indiscretas. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria Castilho, 1925
(obra pertencente ao “Fundo Heitor Ferreira Lima” do Arquivo Edgard Leuenroth [AEL],
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Estadual de Campinas).

I. Dicionários e gramáticas

BECHARA, Evanildo. Moderna gramática portuguesa. 37. ed. revista, ampliada e


atualizada conforme o Novo Acordo Ortográfico. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.

POMBO, Rocha. Dicionário de sinônimos da língua portuguesa. Apresentação de


Evanildo Bechara. 2. ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2011.

SILVEIRA BUENO, Francisco da. Minidicionário da língua portuguesa. Ed. revista e


atualizada por Helena Bonito C. Pereira e Rena Signer. São Paulo: FTD; Lisa, 1996.

TREVISAN, Rosana (coord.). Moderno dicionário da língua portuguesa. São Paulo:


Melhoramentos, 2015. Recurso on-line disponível em:
<https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/>. Acesso em: ago. 2020.
316

1. BIBLIOTECAS, ACERVOS, PROJETOS TEMÁTICOS

Academia Paraibana de Letras (APL), João Pessoa (PB). Consultar:


<http://novo.aplpb.com.br/>.

Arquivo Edgard Leuenroth (AEL), Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH),


Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP). Consultar:
<https://www.ael.ifch.unicamp.br/>.

Biblioteca Antônio Candido, Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), Universidade


Estadual de Campinas, Campinas (SP). Consultar:
<https://www.iel.unicamp.br/br/biblioteca>.

Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin (BBM), Pró-Reitoria de Cultura e Extensão


Universitária da Universidade de São Paulo, São Paulo (SP). Consultar:
<https://www.bbm.usp.br/pt-br/institucional/>.

Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados, Coleção das leis da República dos
Estados Unidos do Brasil de 1910, Câmara dos Deputados, Brasília (DF). Consultar:
<https://bd.camara.leg.br/bd/>.

Biblioteca Digital de Literatura de Países Lusófonos, Núcleo de Pesquisas em


Informática, Literatura e Linguística (NUPIL), Centro de Comunicação e Expressão
(CCE), Universidade Federal de Santa Catarina. Consultar:
<https://www.literaturabrasileira.ufsc.br/>.

Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade Federal do Maranhão,


Centro de Ciências Humanas (CCH), Universidade Federal do Maranhão, São Luís (MA).
Consultar: <https://tedebc.ufma.br/jspui/>.

Biblioteca Digital de Teses e Dissertações da Universidade Federal de Campina


Grande, Centro de Humanidades (CH), Universidade Federal da Paraíba, Campus
Campina Grande (PB). Consultar: <http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/jspui/>.

Biblioteca do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Coleção de


Monografias Municipais. Consultar:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/index.php/biblioteca-catalogo?view=deta
lhes&id=7113>.

Biblioteca do Senado Federal, Senado Federal, Brasília (DF). Consultar:


<https://www12.senado.leg.br/institucional/biblioteca>.

Biblioteca Gonçalo Moniz (BGM), Faculdade de Medicina da Bahia (FMB),


Universidade Federal da Bahia, Salvador (BA). Consultar:
<http://www.bgm.fameb.ufba.br/>.

Biblioteca Municipal Ricardo Ferraz de Arruda Pinto, Piracicaba (SP). Consultar:


<http://biblioteca.piracicaba.sp.gov.br/site/>.
317

Biblioteca Octávio Ianni, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH),


Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP). Consultar:
<https://www.ifch.unicamp.br/ifch/biblioteca>.

Brasiliana Fotográfica, Fundação Biblioteca Nacional e Instituto Moreira Sales.


Consultar: <http://brasilianafotografica.bn.br/>.

Fundação Getúlio Vargas: Centro de Pesquisa e Documentação de História


Contemporânea do Brasil (FGV: CPDOC), Rio de Janeiro (RJ). Consultar:
<https://cpdoc.fgv.br/>.

Fundação Joaquim Nabuco, Recife (PE). Consultar: <https://www.fundaj.gov.br/>.

Imprensa Nacional, Governo Federal, Brasília (DF). Consultar:


<https://www.in.gov.br/web/guest/inicio>.

Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba (IHGP), Piracicaba (SP). Consultar:


<https://www.ihgp.org.br/>.

Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), João Pessoa (PB). Consultar:


<http://www.ihgp.net/>.

Instituto Nacional de colonização e reforma agrária (INCRA), Brasília (DF).


Consultar: <http://www.incra.gov.br/pt/>.

Internet Archive (Biblioteca Digital), São Francisco, Califórnia (EUA). Consultar:


<https://archive.org/>.

Marxists Internet Archives (MIA) (Biblioteca Digital). Consultar:


<https://www.marxists.org/index.htm>.

Matraga: estudos linguísticos e literários, Instituto de Letras (ILE), Universidade do


Estado do Rio de Janeiro. Consultar: <https://www.e-
publicacoes.uerj.br/index.php/matraga/issue/archive>.

Memorial Augusto dos Anjos, Sapé (PB). Consultar:


<https://www.memorialaugustodosanjos.com/untitled>.

Memorial da Democracia, Brasil. Consultar:<http://memorialdademocracia.com.br/>.

Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR), Órgão


suplementar da Reitoria da Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB).
Consultar: <http://www.ndihr.ufpb.br/>.

Observatório da erradicação do trabalho e do tráfico de pessoas, Ministério Público


do Trabalho (MPT) e Organização Internacional do Trabalho (OIT). Consultar:
<https://smartlabbr.org/>.
318

Repositório da Produção Científica e Intelectual da Unicamp, Instituto de Estudos


da Linguagem (IEL), Universidade Estadual de Campinas, Campinas (SP). Consultar:
<http://www.repositorio.unicamp.br/>.

Repositório Institucional, Faculdade de Letras (FALE), Universidade Federal de Minas


Gerais, Belo Horizonte (MG). Consultar: <https://repositorio.ufmg.br/>.

Revista Acadêmica da Faculdade de Direito do Recife, Programa de Pós-Graduação


em Direito (PPGD) da Universidade Federal de Pernambuco, Recife (PE). Consultar:
<https://periodicos.ufpe.br/revistas/ACADEMICA/issue/archive>.

Revista da Universidade de São Paulo, Órgão oficial da Reitoria da Universidade de


São Paulo, São Paulo (SP). Consultar: <http://www.revistas.usp.br/rusp/index>.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), João Pessoa (PB).


Consultar: <http://www.ihgp.net/revistas.htm>.

Web Rádio Porto do Capim, Centro de Comunicação, Turismo e Artes (CCTA),


Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa (PB). Consultar:
<http://radioportodocapim.com.br/>.
319

2. ACERVOS: JORNAIS E REVISTAS

I. A União, João Pessoa (PB): <https://auniao.pb.gov.br/servicos/arquivo-


digital/jornal-a-uniao>.

A União: diário oficial do Estado, João Pessoa (PB).


A União: órgão do Partido Republicano, João Pessoa (PB).

II. Coleção do jornal Diário da Manhã (1927-1985), Companhia Editora de


Pernambuco (CEPE): <http://www.acervocepe.com.br/acervo/colecao-do-
jornal-diario-da-manha--1927-1985--1>.

Diário da Manhã, Recife (PE).

III. Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:


<http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.

A Época, Rio de Janeiro (RJ).


A Faceira: culto à mulher, Rio de Janeiro (RJ).
A Imprensa, Rio de Janeiro (RJ).
A Manhã, Rio de Janeiro (RJ).
A Noite, Rio de Janeiro (RJ).
A Notícia, Curitiba (PR).
A Notícia, Rio de Janeiro (RJ).
A Notícia: jornal vespertino, elegante, noticioso e ilustrado: modas, literatura, teatros e
notas estrangeiras, Salvador (BA).
A Província, Recife (PE).
A Província: órgão do Partido Liberal, Recife (PE).
A Rua, Rio de Janeiro (RJ).
A Rua: semanário ilustrado, Rio de Janeiro (RJ).
A.B.C.: política, atualidades, questões sociais, letras e artes, Rio de Janeiro (RJ).
Anais da Câmara dos Deputados, Congresso Nacional: Imprensa Nacional, Rio de Janeiro
(RJ).
Arealense, Três Rios (RJ).
Brasil Moderno: revista de ciências, artes e letras, Rio de Janeiro (RJ).
Careta, Rio de Janeiro (RJ).
Correio da Manhã, Rio de Janeiro (RJ).
Correio do Norte: órgão do Partido Revisionista do estado do Amazonas, Manaus (AM).
Correio do Norte: órgão independente, Manaus (AM).
Correio Paulistano, São Paulo (SP).
Diário da Manhã, Vitória (ES).
Diário da Tarde, Curitiba (PR).
Diário de Pernambuco, Recife (PE).
Diário de Pernambuco: edição da tarde, Recife (PE).
Dom Casmurro, Rio de Janeiro (RJ).
Estado do Pará, Belém (PA).
320

Evolucionista: diário da manhã, Maceió (AL).


Evolucionista: jornal da tarde, Maceió (AL).
Fon-Fon: semanário alegre, político, crítico e espusiante, Rio de Janeiro (RJ).
Gazeta de Notícias, Rio de Janeiro (RJ).
Gutenberg: órgão da Associação Tipográfica Alagoana de Socorros Mútuos, Maceió (AL).
Heliópolis: revista de artes e letras, Recife (PE).
Ilustração Brasileira, Rio de Janeiro (RJ).
Ilustração de São Paulo: revista política, literária, artística e de atualidades, São Paulo
(SP).
Jornal de Letras, Rio de Janeiro (RJ).
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro (RJ).
Jornal do Comércio, Manaus (AM).
Jornal do Comércio, Rio de Janeiro (RJ).
Jornal do Comércio: edição da tarde, Rio de Janeiro (RJ).
Jornal do Recife, Recife (PE).
Jornal Pequeno, Recife (PE).
Jornal Pequeno: a verdade nua e crua, Recife (PE).
Jornal Pequeno: órgão independente e noticioso, Recife (PE).
Mensagens do governador da Paraíba para a Assembleia (PB), Mensagem apresentada à
Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba do Norte: Imprensa Oficial, João Pessoa
(PB).
Nortista, Parnaíba (PI).
O Brasil: órgão do Partido Republicano, Caxias (RS).
O Dia: órgão do Partido Republicano catarinense, Florianópolis (SC).
O Fluminense, Niterói (RJ).
O Imparcial: diário ilustrado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro (RJ).
O Jornal, Rio de Janeiro (RJ).
O Jornal, São Luís (MA).
O Malho, Rio de Janeiro (RJ).
O Norte: jornal independente e noticioso, João Pessoa (PB).
O Norte: jornal político e noticioso, João Pessoa (PB).
O Paiz: jornal independente, político, literário e noticioso, Rio de Janeiro (RJ).
O Pharol, Juiz de Fora (MG).
O Pirralho: semanário ilustrado d’importância, São Paulo (SP).
O Publicador, João Pessoa (PB).
O Regenerador: órgão do Partido Republicano Conservador, Macaé (RJ).
Oráculo: revista mensal de arte, de medicina – de literatura... e de graça, Rio de Janeiro
(RJ).
Oriente: órgão Maçônico, Florianópolis (SC).
Pacotilha, São Luís (MA).
Pacotilha: edição da tarde, São Luís (MA).
Relatórios dos presidentes dos Estados Brasileiros (PB), Mensagem apresentada à
Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba do Norte: Imprensa Oficial, João Pessoa
(PB).
Revista Americana: ciências, artes, letras, política, filosofia, história, religiões, Rio de
Janeiro (RJ).
Revista do Livro: órgão do Instituto Nacional do Livro, Ministério da Educação e Cultura,
Rio de Janeiro (RJ).
Souza Cruz, Rio de Janeiro (RJ).
321

Vamos Ler!, Rio de Janeiro (RJ).


Vida Moderna: semanário ilustrado, Recife (PE).
Vida Sportiva: hebdomadário ilustrado, esportivo e mundano, Rio de Janeiro (RJ).

IV. Jornais e folhetins literários da Paraíba no século XIX, Centro de Ciências


Humanas, Letras e Artes (CCHLA), Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa
(PB): <http://www.cchla.ufpb.br/jornaisefolhetins/sobre.html>.

Era Nova, João Pessoa (PB).


Era Nova: revista quinzenal ilustrada, João Pessoa (PB).

V. Almanaques e Suplementos

Almanaque Brasileiro Garnier, Rio de Janeiro (RJ). In: MENDES, Solange Balbi;
ANDRADE, Marlice Seixas de; ZAIDMAN, Diana. (orgs.). Índices: Almanaque Garnier
(1903-1914); Gazeta Literária (1883-1884). Direção e apresentação de José Honório
Rodrigues. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1981 (coleção Temas Brasileiros, v.
16). Consultar Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:
<http://memoria.bn.br/DocReader/docreader.aspx?bib=348449&pesq=&pagfis=1>.

Almanaque do Correio da Manhã, Rio de Janeiro (RJ). Consultar Hemeroteca Digital


Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional: <http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-
digital/>.

Almanaque Laemmert: administrativo, mercantil e industrial, Rio de Janeiro (RJ).


Consultar Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:
<http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.

Autores e Livros: suplemento literário de “A Manhã”, Rio de Janeiro (RJ). Consultar


Hemeroteca Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:
<http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.

Correio das Artes: suplemento literário de “A União”, João Pessoa (PB). Consultar:
<https://auniao.pb.gov.br/servicos/arquivo-digital/correio-das-artes>.

Letras e Artes: suplemento de “A Manhã”, Rio de Janeiro (RJ). Consultar Hemeroteca


Digital Brasileira, Fundação Biblioteca Nacional:
<http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/>.

Suplemento literário: Minas Gerais, Biblioteca Professor Rubens Costa Romaneli,


Faculdade de Letras (FALE), Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte (MG).
Consultar: <http://www.letras.ufmg.br/websuplit/index.php>.
322

ANEXOS

ANEXO 1. NA Faculdade de Direito do Recife. In: MELO FILHO, Murilo; PONTES, Juca
(orgs.). Augusto dos Anjos: a saga de um poeta. Brasília: Fundação Banco do Brasil;
Rio de Janeiro: Gráfica Brasileira; João Pessoa: Gov. do Estado da Paraíba, 1994, p. 18.
323

ANEXO 2. AUGUSTO passando na rua do Ouvidor. In: PEDERNEIRAS, Mário. “EU” –


Versos de Augusto dos Anjos. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 6, n. 27, p. 23-23, 06 jul.
1912.
324

ANEXO 3. ANJOS, Augusto dos. [Apocalypse] apud OITICICA, José. “Hermes Fontes”.
Revista Americana, Rio de Janeiro, n. 10-12, p. 195-195, out./dez. 1913. Bibliographia.
325

ANEXO 4. ANJOS, Augusto dos. As montanhas. A Imprensa, Rio de Janeiro, 10 dez. 1913.
Os Nossos Poetas, p. 2-2.
326

ANEXO 5. ANJOS, Augusto dos. A noite. A Faceira, Rio de Janeiro, ano 3, n. 28, p. 13-13,
dez. 1913.
327

ANEXO 6. ANJOS, Augusto dos. Versos a um coveiro. Fon-Fon, Rio de Janeiro, ano 8, n. 1,
p. 44-44, 03 jan. 1914.
328

ANEXO 7. ANJOS, Augusto dos. Naturesa intima. O Pharol, Juiz de Fora, Minas Gerais, p.
2-2, 20 mai. 1915.
329

ANEXO 8. ANJOS, Augusto dos. Minha arvore. Heliopolis, Recife, ano 3, n. 1-3, p. 34-34,
abr./out. 1915.

Você também pode gostar