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Literatura & Jornalismo : A vida literária em Campos dos Goytacazes no final do século XIX
/ Thiago Eugenio Loredo Betta. - Campos dos Goytacazes, RJ, 2020.
143 f.
Bibliografia: 127 - 131.
CDD - 400
LITERATURA & JORNALISMO:
a vida literária em Campos dos Goytacazes
no final do século XIX
BANCA EXAMINADORA
_____________________________________________________________
Milena Ferreira Hygino Nunes (Jun 18, 2020 17:16 ADT)
Aos meus orientadores e amigos, Sérgio Arruda e Carlos Eugênio, cujas orien-
tações me valem para muito além do campo acadêmico.
Chove fuligem
no planeta Terra.
Não! Não é bem assim.
Chove fuligem
no coração do Brasil;
digo,
numa cidade do interior;
ou melhor,
chove fuligem
no meu coração.
E são tantas canas, meu Deus,
que eu me revolto...
Mas só dá pra tomar um porre
e acordar numa cela
por desacato à autoridade.
BÊTTA, Thiago Eugênio Lorêdo. Literature & Journalism: the literary life in Campos
dos Goytacazes at the end of the 19th century. Campos dos Goytacazes, RJ: Univer-
sidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, 2020.
The foundation of brazilian literature occurred in the 19th century, in a dynamic process
that mobilized writers, literary texts and readers around the press and journalistic pro-
duction. At the time, those who would become the greatest writers of the national liter-
ary canon, such as José de Alencar and Machado de Assis, offered their chronicles
and fictional narratives in daily newspapers to a reading public already captivated by
the stories told in the France's folhetins translated in the newspapers for the Portu-
guese. Integrated into this discursive and cultural process through the newspaper Mon-
itor Campista, in the city of Campos-RJ, in 1887, the reading public, largely formed by
traders and industrialists, followed Émile Richebourg's The grandmother, seventy-
eight days after the end of its circulation in Paris. In this scenario, in which the cultural
life of the urban elite in the Campos was inspired by the consumption habits typical of
the French lifestyle, the Alvarenga Pinto family commanded the newspaper where the
founding member of the Brazilian Academy of Letters, Teixeira de Mello; the poet with
the lowest national projection, but whose verses became the city's anthem, Azevedo
Cruz; the professor at the Liceu de Humanidades de Campos responsible for an ex-
tensive editorial production on literature and theater in the city and in the country, Múcio
da Paixão; the first governor of the state of Rio de Janeiro, Francisco Portella, and the
president of Brazil, Nilo Peçanha. Considering these social actors, the texts published
in the newspaper and the city as context and material and symbolic conditions of dis-
course production, we present in this thesis a deepening of the concept of literary life,
related to the Analysis of Literary Discourse by Dominique Maingueneau (2001, 2006),
conceiving it as a means to describe the spaces and domains that contribute to the
emergence of literary discourse, in dialogue with Michel Pêcheux's French Discourse
Analysis (1969, 1983). Through this methodological perspective, we analyze literary,
opinionated texts, news and commercial ads published in the sections of the campista
sheet at the end of the 19th century. With the characterization of literary life in the city
of Campos-RJ, in the historical period in question, the hypothesis was confirmed that
the discursive analysis of texts published in the press contributes to the mapping of the
contexts and conditions of production and circulation of literary discourse.
Keywords: brazilian literature; literary discouse analysis; literary life; Monitor Campista.
LISTA DE E SIGLAS E ABREVIATURAS
AD – Análise do Discurso
BN – Biblioteca Nacional
DC – Discurso Constituinte
JC – Jornal do Commercio
LT – Linguística Textual
MC – Monitor Campista
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 12
Esta história se passa no final do século XIX, pouco antes do marco legal que
instituiu o fim da escravidão no Brasil, e lança os olhos sobre a produção de uma
forma específica de literatura, a poesia e a prosa publicadas em livros e jornais, sem
perder de vista que a categorização desses textos é um processo ideológico, histórico
e cultural. Os principais personagens desta história são homens brancos, que tiveram
acesso ao ensino superior numa época em que a grande maioria da população era
analfabeta. Sendo o jornalismo responsável pela impressão de textos, disseminação
de discursos e um espaço onde esses personagens atuaram, esta também é uma
história sobre a imprensa brasileira quando ela ainda se constituía, embora já se con-
solidasse no mundo como o motor da vida moderna, urbana e industrial. Esta é uma
história sobre a vida literária em Campos no final do século XIX.
A vida literária fora tão somente uma expressão empregada por Maingueneau
(2001) para se referir ao trabalho de um escritor objetivando atestar o seu posiciona-
mento no espaço literário e na sociedade por meio de estratégias linguísticas e sociais
que se instauram na convergência entre uma maneira de viver e de escrever a sua
obra. Procuramos ampliar o alcance dessa expressão, convertendo-a em um conceito
operativo no campo da Análise do Discurso Literário (ADL), articulando-a às noções
de comunidade discursiva, posicionamento discursivo e ritos discursivos. Enquanto as
comunidades são os espaços sociais que dão condições materiais e simbólicas para
produção e circulação de enunciados, as comunidades discursivas são espaços mais
ou menos restritos que regulam a produção de enunciados: a redação de um jornal, o
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círculo ou a academia de escritores, por exemplo. Os enunciados são, especifica-
mente, os gêneros literários e jornalísticos, configurações textuais intimamente ligadas
às práticas sociais, pois a opção que um enunciador faz por determinado gênero in-
dica-nos os ritos discursivos praticados. Através dos ritos, ele se posiciona ideologi-
camente acerca de temas sociais e das condições de produção discursiva. A vida
literária se manifesta nessa dinâmica que articula contextos, atores sociais, textos e
discursos.
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que se vale das formas linguístico-literárias – os gêneros – para construir obras. A
estas são atribuídos certos valores estéticos, estabelecidos por uma comunidade dis-
cursiva que determina quais são esses valores e quais obras e autores a eles se ali-
nham.
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em nossa investigação possa ser retomado no estudo da literatura em outros contex-
tos e por meio de outras manifestações linguísticas das quais seja possível depreen-
der o discurso literário.
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Buscamos a integração entre a AD e a ADL, porque o que pretendemos com
esta tese não é a análise da produção de um autor ou o estudo de uma obra singular.
Nossa proposta é investigar as condições de produção e as representações sobre o
discurso literário por meio das análises de textos publicados na imprensa. , Nossa
perspectiva se aproxima ao que é apresentado na tese de Monteiro (2017), que tem
como corpus o Bulletin des oeuvres et missions bénédictines au Brésil, uma revista
europeia que, no século XIX, publicava relatos de padres beneditinos a respeito da
cultura amazônica e dos hábitos locais. Fundamentada pela ADL e pelos conceitos de
campo e habitus, de Pierre Bourdieu, aquela pesquisa conclui que as cenas genéricas
construídas no periódico “apresentam o interdiscurso literário das narrativas popula-
res valorizadas a partir do romantismo, [...] e projetam quadros de paisagens pitores-
cas e exóticas, como as das cartas de viagem e das literaturas de viagens” (MON-
TEIRO, 2017, p. 136).
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atravessado pela remissão a suas condições de enunciação. O contexto não é
colocado no exterior da obra, numa série de camadas sucessivas; o texto é, na
verdade a própria gestão do seu contexto” (MAINGUENEAU, 2006, p. 44).
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Na segunda parte, com base nos procedimentos metodológicos de Charaudeau
(2011) e Maingueneau (2008, 2015), respectivamente, a “problemática representaci-
onal interpretativa” e o “cenário”, apresentamos o corpus da análise constituído de
textos extraídos do jornal. A partir do primeiro conceito, analisamos e discutimos, com
base no corpus constituído pelo soneto “Para tornar dest’alma a noite escura” de Osó-
rio Duque Estrada, o fragmento de prosa poética “A violeta” de José Sampaio e a
reportagem/crônica sobre o naufrágio do Vapor Goytacaz, ocorrido em 22 de novem-
bro de 1887, as concepções estéticas e os sentidos do fazer literário na cidade e no
país à época. Nesse ponto, apresentamos a trajetória literária de Múcio da Paixão e o
seu trabalho como crítico e historiador da literatura de Campos do século XIX. Por
meio do segundo conceito, caracterizamos a cidade em seus aspectos sociais, econô-
micos, culturais e discursivos, e destacamos as condições de produção do discurso
literário, tendo em vista os atores sociais e as demais condições que possibilitaram o
surgimento e a circulação do discurso literário, tomando como corpus de análise anún-
cios comerciais publicados no MC.
18
I
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(anexo 1). Esse é um texto literário escrito por um poeta nascido na cidade no final do
século XIX. Mais que o reflexo da paisagem geográfica à época, o poema revela o
olhar de um sujeito sobre a sua realidade social. Um olhar que carrega um sentido
sobre ela como tema e como condições materiais que possibilitaram a existência do
texto e que permitem que o leiamos em 2020. O texto não é a representação da rea-
lidade, mas ele a carrega consigo, mantendo-a atual, no sentido de atualizável pela
leitura. Essas considerações sobre a atualidade dos sentidos do texto e da realidade
social partem da perspectiva de que o sentido é construído pelo discurso, isto é, que
ele não se constituiu na imanência do texto, mas que “é continuamente construído e
reconstruído no interior de práticas sociais determinadas” (MAINGUENEAU, 2015, p.
29).
João Antônio de Azevedo Cruz, ou somente Azevedo Cruz, mira o local onde
nasceu em 18702, a freguesia de Santa Rita, a atual região da Lagoa de Cima próxima
ao Iate Clube, provavelmente, nas proximidades de onde, em uma colina, está a Igreja
de Santa Rita de Cássia. Ainda que, investido do subjetivismo da poesia romântica, já
que afirma ser este um “olhar” livre e sem amarras acerca da paisagem natal, o aluno
do Liceu de Humanidade de Campos (LHC), frequentador dos cafés da cidade, ba-
charel, deputado estadual e cujos poemas converteram-se, posteriormente, na letra
do hino da cidade, inscreve o sentido de seu olhar em uma perspectiva estética e em
práticas sociais que acabam por determinar a construção de sentido no interior do
próprio texto. O texto não fala somente a partir de um “eu” romântico que foge para o
campo para se proteger da dureza da vida urbana, mas também de um “eu” que existe
como sujeito em relação a um determinado lugar social, no qual se inscreve e sobre
o qual fala.
2 Os dados biográficos dos escritores citados nesta tese foram extraídos da obra Movimento literário
em Campos, de Múcio da Paixão. Ao encontrarmos algumas imprecisões, apontamos para a necessi-
dade de, futuramente, confrontar esses dados com outras fontes históricas. Por exemplo, o autor afirma
que Azevedo Cruz escrevera “A terra da goiabada” com a colaboração de Álvares de Azevedo, poeta
romântico que também estudou na faculdade de direito de São Paulo. No entanto, se Azevedo Cruz
nasceu em 1870 e Álvares de Azevedo morreu em 1852, o encontro entre eles seria impossível. Do
ponto de vista discursivo, entretanto, consideramos a imprecisão, proposital ou não, uma manifestação
do posicionamento discursivo do próprio Múcio da Paixão, sobre o qual nos deteremos mais à frente.
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Rita para a missa das dezoito horas, foi vertida para as formas da linguagem poética
por um homem branco que estudou direito no Largo de São Francisco. Segundo
Adorno (1988), a faculdade de direito de São Paulo foi o espaço de formação das
elites letradas do Brasil, na segunda metade do século XIX. Nesse lugar, a reflexão
cultural e política fora das salas de aula teve mais importância que o estudo das dis-
ciplinas do direito estabelecidas pelo currículo da instituição.
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quem “discorre” é o olhar do poeta, olhar como metáfora da memória que se dirige ao
passado mítico, outra marca da estética romântica. Por meio da via parafrática, pode-
mos pensar ainda que o poeta poderia adotar outras formas literárias para descrever
a paisagem, no entanto ele escolhe apenas uma: o soneto, com versos alexandrinos
e rimas compostas no esquema abba-abab-ccd-eed. Além disso, quanto ao conteúdo
do texto, a expressão subjetiva na descrição da natureza como lugar de fuga confirma-
se como uma escolha concernente ao romantismo.
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No campo dos estudos literários, o ponto de vista da ADL promoveu a reconfi-
guração da perspectiva do autor, pouco enfatizada pelos estruturalistas ou excessiva-
mente reverenciada como aura de genialidade pelos filólogos e pelos estudiosos da
estilística. A reconfiguração e os deslocamentos nas teorias discursivas em direção à
literatura, promovidos por Maingueneau, partiram da crítica a respeito das teorias lite-
rárias antecedentes: a filologia do século XIX, que concebe o texto literário como ex-
pressão de um tempo e que procura investigar as condições que possibilitam o surgi-
mento de uma obra em um determinado lugar e época; a estilística, pautada na esté-
tica romântica e no ideal de uma individualidade criadora; a sociologia literária, que,
fundamentada no marxismo, investiga a obra literária como um reflexo ideológico e
como a expressão de uma visão de mundo; e, finalmente, o estruturalismo, que se
volta à imanência do texto e à separação entre obras profanas, transitivas e não lite-
rárias e obras sagradas, intransitivas e, por isso, verdadeiramente literárias.
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(1920-2015), na França do final da década de 19603. Independente da vertente, em
seu estágio atual, a AD consiste em uma disciplina científica de natureza interdiscipli-
nar que tem vínculos com os estudos linguísticos, embora não se reduza a uma nova
forma de conceber as teorias linguísticas, que têm a língua como objeto. Por isso, ela
não é considerada uma nova linguística.
3Maldidier (2016 [1988]) afirma que os eventos que marcaram a fundação da AD foram: a publicação,
em 1969, de Análise automática do discurso (2014 [1969]), de Michel Pêcheux, que anunciou “um
programa teórico e prático” para a AD, e a intervenção de Jean Dubois, que fez “papel de ‘manifesto’
da Análise do Discurso” no encerramento do Colóquio de Lexicologia Política de Saint-Cloud, em abril
daquele ano.
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lógico. Apesar de ainda estar fincado no terreno da linguística, o procedimento meto-
dológico adotado na tese de Maldidier mostra a relação entre o linguístico – o voca-
bulário –, e o extralinguístico – a guerra da Argélia –, por meio da investigação de
enunciados jornalísticos.
Dubois defendia que, para depreender os sentidos das unidades lexicais, seria
necessário abordá-las em um contexto maior, integrando-as às especificidades dos
enunciados. Para argumentar acerca de suas proposições, ele estudou a estruturação
lexical de um período histórico delimitado: o contexto da revolução francesa, por meio
da descrição semântica das unidades lexicais, indicando a divisão e o sentido dessas
acepções pela ordem sintagmática (colocação, distribuição, construção argumenta-
tiva) e paradigmática (antonímia, sinonímia, implicação). Ao recorrer a um conjunto
finito de elementos sêmicos, em um recorte sincrônico, a partir das unidades sintag-
máticas e recorrendo à compartimentação em campos lexicológicos inscritos no para-
digma linguístico, Dubois, conforme aponta Tamba (2006, p. 24), substituiu a perspec-
tiva etimológica tradicional de natureza filológica por uma perspectiva sincrônica, re-
correndo a critérios distribucionais e derivacionais.
Essa concepção de AD, instaurada por Dubois, tinha por metodologia a abor-
dagem distribucional do linguista americano Zellig Harris (1909-1992)4, segundo a
qual discurso, seria uma unidade linguística composta por uma sucessão de frases ou
uma frase longa. Nessa abordagem, considera-se o isomorfismo entre os estratos lin-
guísticos, inclusive, entre a língua e o discurso. Assim, para Harris, a AD consistiria
na análise da superfície discursiva, o texto, com o objetivo de mostrar as regularidades
semânticas e sintáticas a ela concernentes. Maingueneau (2006, p. 39) considera que
essa abordagem do fenômeno linguístico deu origem à Linguística Textual5.
4 Segundo Maingueneau (2015), Harris foi quem empregou o termo “análise do discurso” pela primeira
vez, no artigo Discourse Analysis publicado na revista Language, n. 28, em 1952. Ele foi também o
fundador do primeiro departamento de linguística dos Estados Unidos, em 1931, na Universidade da
Pensilvânia, onde foi professor de Noam Chomsky, em 1945.
5 Segundo Fávero e Koch (2012, p.15), a linguística textual é um “ramo da linguística” que parte do
princípio de que o objeto de investigação da língua é o texto, não a palavra ou a frase, pois “é o texto
a forma específica de manifestação da linguagem”. Na LT, a análise textual é concebida a partir da
relação entre o texto e o contexto, isto é, entre um interior do texto e um entorno de práticas não-
verbais. Por outro lado, na AD, a atividade enunciativa é concebida por meio da articulação entre uma
maneira de dizer, um modo de veiculação dos enunciados e, consequentemente, um modo de conceber
as relações humanas com base na mediação pela linguagem.
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Guilhaumou e Maldidier (2016 [1984], p. 163) realizaram um trabalho com base
na metodologia da AD postulada por Dubois, ao considerarem a análise das funções
sintáticas como o lugar de elucidação do estrato discursivo, relacionando-as às rela-
ções sintagmáticas e paradigmáticas. Eles partiram da estrutura sintática coordenativa
“pão E x” para chegarem ao discurso, por meio de um trabalho de análise sintática,
através do qual se demonstraram que “o trabalho da gramática produz diretamente
efeitos discursivos” (GUILHAUMOU E MALDIDIER, 2016 [1984], p. 178).
Por tal perspectiva, o discurso foi tomado como uma unidade isomórfica em
relação às expressões e às frases e como uma outra face da História. Assim, eles
seguiam um viés isomórfico entre o discurso e a História, para prosseguir em direção
à historicidade dos enunciados. No caso específico, remetendo-os à época da revolu-
ção francesa, na qual um conjunto de enunciados compostos pela sequência “pão E
x” marcou os principais momentos do processo revolucionário, entre os anos de 1789
e 1795.
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termo “pão” por meio da constituição do corpus delimitado a partir de um recorte tem-
poral e um grupo social, a teoria de J. Dubois para contornar o problema da exteriori-
dade linguística é confirmada, o que o americano Harris não fizera.
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humanas. Assim, ele propôs que, com a materialidade da ideologia pensada por meio
do conceito de aparelhos ideológicos de estado (AIE)6, fosse possível chegar à inte-
gração entre a língua, a sua exterioridade e as condições de produção do discurso e,
consequentemente, à depreensão dos sentidos não mais atrelados ao sujeito enunci-
ador, como origem, ou às formas materiais da língua, mas às condições de produção 7.
6 Althusser (1985) define os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) em oposição aos Aparelhos Re-
pressivos de Estado (ARE). Enquanto estes operam por meio da violência legítima do estado, na forma
de tribunais, polícias e prisões, aquele corresponde aos meios que o estado emprega para disseminar
e garantir a reprodução da ideologia dominante, por exemplo, o aparelho religioso, o aparelho familiar,
o aparelho político, o aparelho sindical, o aparelho de informação, o aparelho cultural etc.
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[...] é possível, agora, chegar às consequências materialistas dessa desco-
berta na área de que nos ocupamos, o que vai impor uma transformação da
metáfora, de modo que ela apareça como o que é, ou seja, um processo não
subjetivo no qual o sujeito se constitui (PÊCHEUX, 2014 [1975] p. 120).
Falando, então, a partir da filosofia marxista, mas buscando integrá-la a um
conjunto maior de teorias linguísticas e sociais, sugerindo, inclusive de forma irônica
que, em sua abordagem, “o marxismo procura casar-se ou contrair relações extracon-
jugais”, Michel Pêcheux concebeu a AD como uma “ruptura epistemológica com a
ideologia que domina as ciências humanas (notadamente a Psicologia)” (MALDIDIER,
2016 [1988], p. 215), ao defender que o sujeito não é racional ou dono de sua consci-
ência, conforme propunha a psicologia cognitivista e comportamental. Logo, segundo
ele, para apreender a subjetividade, seria necessário compreender que o sujeito se
constitui no processo de interpelação, capturado pelas determinações históricas que
“o falam”. Por meio dessa concepção não “subjetiva” da subjetividade, o autor coloca
a questão da integração entre a língua, o sujeito e a história, promovendo um desco-
lamento da problemática do sujeito, transpondo-o da história para o discurso, de modo
que
8 Lacan propõe o ternário real, simbólico e imaginário para se referir aos registros psíquicos nos quais
se desenvolvem as experiências humanas. O simbólico está articulado às regras da linguagem e da
cultura às quais os seres humanos se submetem. O imaginário é o lugar das ilusões, da construção da
imagem de si, do eu. O real é aquilo que não pode ser simbolizado, aquilo que se perde para que o
sujeito acesse a vida social e se inclua no jogo simbólico mediado pela linguagem.
29
concepção de sujeito uno, livre, caracterizado pela consciência (isto é, sem inconsci-
ente, sem ideologia) e tomado como origem” (POSSENTI, 2011, p. 388).
Possenti (2011) defende que essa noção de sujeito atravessado pela ideologia
e pelo inconsciente, conforme a AD, é possivelmente a mais importante de seu corpo
conceitual. Segundo o autor, na AD, “não há falante, locutor, muito menos emissor.
Há sujeito (alternativamente, enunciador)” (p.385). O autor prossegue afirmando ainda
que “não há Sujeito, há sujeitos; não há sujeitos da história, há sujeitos na história”
(386). Possenti (2009), em outro obra, no entanto, critica a noção de sujeito assujei-
tado, conforme propusera Pêcheux. O autor sugere um meio termo entre o assujeita-
mento à ideologia e ao inconsciente e a liberdade criativa. Segundo ele,
[...] sujeitos livres decidiram a seu bel-prazer o que dizer em uma situação de
interação. Sujeitos assujeitados seriam apenas pontos pelos quais passariam
discursos prévios. Acredito em sujeitos ativos, e que sua ação se dá no inte-
rior de semissistemas em processo. Nada é estanque, nem totalmente estru-
turado (POSSENTI, 2009, p. 73).
Além da ênfase dada à constituição da subjetividade pela perspectiva não sub-
jetivista por via psicanalítica e pela ótica do materialismo histórico, esse último contri-
buiu para que Pêcheux colocasse em suspeição a historiografia linear, que elege de-
terminados fatos históricos em detrimento de outros. A crítica à história linear e a pos-
terior defesa de uma história serial têm por fundamento as proposições de Michel
Foucault, a teoria arqueológica desenvolvida em Arqueologia do Saber (1969), a partir
da qual Pêcheux extrai as noções de acontecimento discursivo e formações discursi-
vas.
30
meio deles, a memória, isto é, identificar as séries subjacentes por meio da confirma-
ção de uma verdade contínua, linear e cronológica que estaria calada, mas que per-
maneceria latente nos documentos. Na abordagem foucaultiana, o fazer historiográ-
fico e os documentos que lhe servem de objeto são analisados pela ótica das descon-
tinuidades e das rupturas.
[...] a definição do nível de análise e dos elementos que lhe são pertinentes
(no material estudado, podem-se salientar as indicações numéricas; as refe-
rências – explícitas ou não – a acontecimentos, a instituições, a práticas; as
palavras empregadas, com suas regras de uso e os campos semânticos por
elas traçados, ou, ainda, a estrutura formal das proposições e os tipos de
encadeamento que as unem); [...] a determinação das relações que permitem
caracterizar um conjunto (pode tratar-se de relações numéricas ou lógicas;
de relações funcionais, causais, analógicas; pode tratar-se da relação signifi-
cante-significado) (FOUCAULT, 2019, p. 12-13).
Salientando a contribuição de Althusser e Foucault na obra de Pêcheux, Orlandi
(2015) ensina que, no âmbito da AD, “a formação discursiva se define como aquilo
que, numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma
conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito” (ORLANDI,
2015, p. 41).
9 Em 1983, ano de seu falecimento, Pêcheux publicou um breve artigo “A análise do discurso: três
épocas”, no qual faz um balanço sobre os posicionamentos epistemológicos e os procedimentos me-
todológicos da AD, dividindo-a em três épocas e indicando “direções referíveis em um trabalho de in-
terrogação-negação-desconstrução” (Pêcheux, 2014 [1983], p. 311). Segundo ele, a AD1 foi marcada
pela análise linguística por meio da exploração metodológica da maquinaria discurso-estrutural. A AD2,
por sua vez, foi a que integrou os conceitos de formação discursiva de Foucault e os aparelhos ideoló-
gicos de estado de Althusser ao estudo do discurso, mas manteve os métodos de análise da época
anterior. Finalmente, na AD3, a noção de heterogeneidade enunciativa permitiu que a análise discursiva
relacionasse o espaço da memória e do arquivo aos traços linguístico-discursivos.
31
Avançaremos, apoiando-nos sobre grande número de observações contidas
naquilo que denominamos ‘os clássicos do marxismo’, que as formações ide-
ológicas assim definidas comportam necessariamente, como um de seus
componentes, uma ou várias formações discursivas interligadas, que deter-
minam o que pode e deve ser dito (articulado sobre a forma de uma arenga,
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a
partir de uma posição dada numa conjuntura.
Pêcheux parte do princípio segundo o qual a história serial “permite fazer apa-
recer estratos de acontecimentos dos quais uns são visíveis, conhecidos até mesmo
pelos contemporâneos, e, debaixo desses, outros acontecimentos, invisíveis, imper-
ceptíveis e que são completamente diferentes” (POSSENTI, 2011, p. 379).
Foucault pontua que uma análise discursiva é uma análise das coexistências
de discursos, de sucessões, de funcionamentos e transformações dos enunciados
produzidos em lugares e tempos delimitados, que se fará por meio da descrição dos
acontecimentos discursivos. Segundo o autor,
32
lações entre os termos e o valor de cada um deles na ordem nos enunciados mobili-
zem a análise, acionada como tensão entre descrever e interpretar. Em Pêcheux
(2006), há um exemplo dessa análise discursiva, que apresentaremos a seguir.
33
semelhante, o efeito parafrástico revela que o mesmo fato, ao ser materializado no
discurso da mídia, assume sentidos específicos, conforme verifica-se em: “F. Mitte-
rand é eleito presidente da República Francesa” e “A esquerda francesa leva a vitória
eleitoral dos presidenciáveis”. Sendo o segundo exemplo, centrado na “vitória eleito-
ral”, mais alinhado à alusão ao esporte, conforme a lógica do efeito metafórico acima
descrito.
[...] colocar fronteiras entre o que é ‘selecionado e tornado preciso aos poucos
(através do que se constitui o ‘universo de discurso’) e o que é rejeitado. [...]
Colocar fronteiras entre o que é ‘selecionado’ e o que não é selecionado não
é apenas excluir o não dito, mesmo no sentido explicitado, mas consiste, prin-
cipalmente, em assinalar essa ‘seleção’ de alguma forma (POSSENTI, 2011,
p. 376).
Com essa noção linguística, torna-se possível a apreensão do contexto em re-
lação ao texto, pois o inscreve em um tempo-espaço, social e historicamente situado,
e concebe um locutor que se dirige a um interlocutor, com um determinado propósito,
fazendo seleções, dizendo no limite do dizer, optando por uma determinada forma de
se expressar, enunciando uma paráfrase em detrimento de outras silenciadas ou es-
quecidas. Benveniste desenvolve a noção com base nas reflexões do estruturalismo
de Saussure e entende o dispositivo da enunciação como forma de associação entre
uma organização textual e um lugar social determinados. Essa apropriação conceitual
reforça os vínculos da AD com os estudos linguísticos em suas diferentes abordagens.
34
cadeia verbal interminável, conforme o dialogismo de Bakhtin; e o de que em qualquer
enunciação há algo que fala antes e alhures, conforme Pêcheux. Assim,
35
Procurando a integração entre o linguístico e o social, o linguista francês de-
senvolveu a ADL no interior da AD, na vertente integradora, com o objetivo de inves-
tigar a relação entre o linguístico e o extralinguístico também no âmbito do literário,
considerando a especificidade dos textos e da comunidade discursiva que a eles se
vincula. Assim, se Pêcheux dedicou-se a buscar meios para elucidar o caráter ideoló-
gico do discurso político, Maingueneau, entre outros campos de investigação a que
se dedica, construiu uma teoria para o estudo da literatura, inscrevendo o texto literário
na cadeia discursiva, integrando-o aos textos não literários e também ao contexto so-
cial e histórico que promove sua gestão, emergência e circulação. A teorização sobre
a literatura desenvolvida por Maingueneau, a ADL, é apresentada em O contexto da
obra literária (2001) e O discurso literário (2006).
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No primeiro volume, a vida literária aparece como um dos elementos caracteri-
zadores da paratopia do escritor. No segundo, a paratopia é desenvolvida em um ca-
pítulo específico, e a expressão surge vinculada ao conceito de posicionamento, já na
primeira seção do capítulo “O posicionamento”. No título da seção, a expressão é
grafada entre aspas, denotando o intuito do autor em converter a expressão em um
conceito operativo no interior da ADL, integrado aos ritos e aos posicionamentos dis-
cursivos. Apesar disso, nas duas obras, as definições de vida literária são bastante
semelhantes:
37
origem, a “interioridade de uma intenção”, entendendo-o como parte do funciona-
mento dinâmico do discurso, como “força”, “vetor” e “movimento”, que se articula por
meio do posicionamento discursivo e da identidade enunciativa. O texto e o contexto
aparecem relacionados à dinâmica discursiva, “movimento de legitimação”, no “es-
paço próprio”, do texto, e no “espaço da enunciação”, do contexto.
Ela considera que as epístolas constituem um gênero fluido, que estaria entre
o literário, dada a ficcionalização da realidade, e a vida privada, por conta da natureza
íntima e subjetiva do enunciador e do expediente pragmático do gênero, que dizem
respeito à história de vida do escritor. Assim, por meio do estudo de tais correspon-
dências, trocadas entre os anos de 1922 e 1944, a autora concluiu que elas são
[...] lugares discursivos por meio dos quais o autor busca construir uma rede
de discípulos. [Testemunhando] um processo de gestão não apenas da obra
de Mário de Andrade, mas também de uma imagem de autor [...], que vai
sendo (re)constituída em meio a um arquivo literário constituído de intertextos
(dentre eles, o acervo de sua biblioteca pessoal) e de lendas em torno da
figura desse autor (MUSSALIM, 2018, p. 600-601).
Ao conceber as cartas como “lugares discursivos”, a análise confirma a tese de
Maingueneau, segundo a qual o texto literário é atravessado por suas condições de
produção e vai além, ao mostrar que, nelas, a imagem que Mário de Andrade constrói
de si – a autoria – é parte de um processo maior de gestão de sua obra, que opera
em relação às filiações estéticas e na construção de sua imagem como autor moder-
nista inscrito no cânone literário do início do século XX. Tal conclusão demonstra que,
ao enxergar a literatura por meio da problemática da enunciação, a ADL possibilita a
convergência entre os estudos discursivos e literários sem perder de vista a concep-
38
ção da literatura como um conjunto particular de textos dotados de determinadas qua-
lidades linguísticas e aos quais são atribuídos certos valores semânticos e culturais,
mas sem se deter exclusivamente a esses textos.
Se, no âmbito da ADL, a análise literária se abre ao estudo de textos não lite-
rários, de que modo a especificidade dos escritos literários é delimitada? Se nos pro-
pusemos a analisar textos publicados na imprensa, onde a literatura aparece? Como
ela se articula ao exercício jornalístico? A especificidade do texto literário é delimitada
no interior da comunidade discursiva ao estabelecer representações sobre o fazer e a
estética literária. Desse modo, a literatura aparece nos textos nos quais essas repre-
sentações sobre o discurso literário se revelam discursivamente.
39
construções sociais e culturais pautadas por juízos de valor que selecionam, excluem
e medem a qualidade das obras literárias.
40
Nacional (BN) com Raul Pompeia e, com Machado de Assis, compôs o grupo de fun-
dadores da Academia Brasileira de Letras (ABL). Tanto a BN quanto a ABL podem
ser consideradas como domínios da vida literária à qual Teixeira de Mello se filiava.
Se, de um lado, a ABL e a BN contribuíam para a disseminação da obra do autor
campista, por outro, o MC consubstanciou a construção de sua produção, tendo em
vista que duas de suas publicações basearam-se em conteúdo anteriormente publi-
cado no jornal da cidade. São as obras Ephemerides Nacionais (1881) e Campos dos
Goytacazes em 1881 (1886).
Teixeira de Mello publicou Campos dos Goytacazes em 1881 pela Laemmert &
C. em 1886. Do ponto de vista do conteúdo, a obra é um documento histórico. No
âmbito discursivo, o que nela se diz e o que nos foi possível identificar a partir do seu
contexto de produção e circulação revelam traços de uma identidade discursiva que
realiza ritos genéricos para constituir um posicionamento na comunidade discursiva.
Nas páginas introdutórias da obra, o escritor campista expõe as motivações para es-
crevê-la e as fontes consultadas.
41
o fecho do texto introdutório. Sobre o processo de transcrição desse texto para a pu-
blicação pela editora carioca, em 1886, Teixeira de Mello disse em nota: “em nada
essencial a modifiquei para a impressão, por lhe não tirar o caráter de obra de ocasião
que tem, e é talvez o seu único mérito. Agosto 28 de 1886”.
Possivelmente por conta do que supunha representar como ator social, natural
de Campos, e identidade discursiva, escritor em busca de reconhecimento e projeção,
ele afirmou:
42
Outra obra de Teixeira de Mello é Ephemerides Nacionais, em dois volumes,
publicados pela tipografia da Gazeta de Notícias, em 1881. O processo de criação
dessa obra que se apresenta como subsídios para a história nacional teve início no
MC. Segundo o autor, as efemérides ora publicadas circularam na folha campista no
decorrer de 1878. Posteriormente, saíram na Gazeta de Notícia e, finalmente, conver-
teram-se em livro pela tipografia do mesmo jornal.
43
grupo de intelectuais, dentre os quais estavam o campista Teixeira de Mello e o mais
importante autor da literatura brasileira, Machado de Assis.
Uma instituição como essa revela que um escritor, ao oferecer o seu o primeiro
texto ao público, apresenta-se como uma instância duplicada. Ele passa a ser o autor
de uma obra, cuja existência no arquivo literário se dá mediante os comentários que
são feitos sobre o autor e sua obra: se, de um lado, Teixeira de Mello saúda Alvarenga
Pinto em sua obra, Alvarenga Pinto exalta a literatura do autor campista em sua folha
diária (ver seção 1.3.3). Por ser um discurso constituinte, a literatura mantém relação
com a memória/arquivo. Consequentemente, todo discurso constituinte tende a ser
intertextual. Com base nos textos primeiros, instauram-se outros, que neles se apoiam
para “comentá-los, resumi-los, refutá-los”, conforme Maingueneau (2006). Dessa ma-
neira, entendemos que Teixeira de Mello constrói sua obra historiográfica ao integrar
a sua vida social no interior das instituições discursivas da metrópole literária, o Rio
de Janeiro, por meio da memória discursiva extraída do MC.
44
literatura, mas também advir da literatura, confunde-se com cada posicionamento e
cada gênero no interior de um certo regime de produção discursiva, conforme defende
Maingueneau (2006).
45
cações e leitores. E, mais além, onde se constitui um espaço de enunciação e legiti-
mação da literatura, onde o discurso literário é fomentado e se dissemina no contexto
social em que os jornais circulam, um espaço onde a vida literária se manifesta sob a
forma de textos.
Quanto aos limites materiais, a unidade empírica sobre a qual nos debruçamos
nesta tese consiste nas edições do jornal MC, publicadas em 1887 e, na atualidade,
no início do século XXI, encontram-se disponíveis digitalmente no site da Biblioteca
Nacional. São as edições em que circularam os capítulos do folhetim A avó, do francês
Émile Ricgebourg (1833-1898). Pela tipografia do jornal, passaram, no final do século
XIX, os seguintes autores10: Francisco Portella, como redator; João Francisco Ultra,
também como redator até 1871; Thomé da Costa Guimarães, como conferente de
provas, revisor, noticiarista e colaborador literário; Emiliano Leite de Faria, como tipó-
grafo; Abelardo de Mello, como colaborador na seção Ecos da Semana. Além de Ce-
cílio Lavra, João Peçanha, Pedro Gonçalves, Silvio Pellico Fontoura e Azevedo Cruz,
autor do soneto “Paisagem” e de uma seção assinada com o pseudônimo Nobre Ve-
lasco, seção “muito apreciada pela graça dos conceitos e chistes de ideias”, conforme
Paixão (1924, p. 238).
10 Esses dados foram obtidos a partir da obra de Múcio da Paixão. Um índice dos principais autores lá
nela citados encontra-se no final deste trabalho (anexo 2). Na obra, os “autores” são aqueles que pu-
blicaram em jornais locais, em revistas literárias e livros, apesar destes últimos serem poucos. São
aqueles “que, em Campos, deram às letras o melhor do seu esforço e da sua energia mental” (PAIXÃO,
1924, p. 7).
46
ao afirmar que “a propulsão em favor das letras em Campos, para bem dizer, carac-
terizou-se inicialmente no campo da atividade jornalística”. Em sua afirmação, o autor
assinala um aspecto do fazer literário brasileiro a partir do século XIX: o trânsito entre
o jornalismo e a literatura, como unidades textuais em circulação – folhetins, poemas,
crônicas e críticas literárias – e práticas de atores sociais que escreveram, para os
veículos, textos jornalísticos, textos literários traduzidos e também de sua própria au-
toria.
CONTEXTO
TEXTO
IMPRENSA
AUTOR LEITOR
47
além do cabeçalho e do expediente do jornal, aparece a Seção 1, trazendo discursos
de políticos, atas das assembleias provinciais e municipais e, eventualmente, edito-
rias11. Essa é a seção de maior destaque do jornal, onde são veiculados, em sua
grande maioria, temas de natureza política, como a eleição provincial, ocorrida em 28
de dezembro de 1887, e as discussões parlamentares, que culminaram na abolição
da escravidão em 13 de maio de 1888.
11Embora o gênero editorial ainda não tivesse surgido à época, denominamos dessa forma o texto
opinativo que reflete a imagem ou o pensamento do veículo sobre alguma temática polêmica ou consi-
derada pelos redatores de alguma relevância para os leitores.
48
das seções. No entanto, a natureza dos conteúdos apresentados se diverge em al-
guns aspectos. Por meio da comparação entre a organização dos jornais e dos con-
teúdos veiculados, concluímos que o MC fora uma publicação a serviço das institui-
ções da administração pública: os governos da província e do município, o poder ju-
diciário e a força policial, os Aparelhos Repressores de Estado.
Na França, o Le Petit Journal era um veículo popular com alta tiragem. A edição
de 7 de setembro de 1891 indicava 1.073.550 exemplares. Em suas colunas, eram
publicadas curiosidades, grandes acontecimentos políticos, fatos históricos retrospec-
tivos e textos ficcionais, evidenciando a rentabilidade de estudos, que voltados às re-
lações de transferências, cruzamentos e interações culturais entre nações, tendo
como ponto de intersecção a imprensa, com destaque às trocas entre os moldes edi-
toriais entre a França e o Brasil, Guimarães (2012) assinala que, desde o seu surgi-
mento até os anos de 1950, os jornais brasileiros adotaram como matriz os temas e
recursos de diagramação, imagens e desenhos que caracterizavam o “estilo francês”
de jornalismo.
Até o final do século XIX, a França é para a Espanha e para a América Latina
o referente privilegiado, seja em relação aos principais equipamentos para a
impressão dos jornais (compreendendo aí os ‘utensílios’ e as pranchas pre-
paradas para a gravura) ou aos produtos finais em francês ou na língua do
país, tais quais ou traduzidos ou adaptados (BOTREL, 2012, p. 57).
49
Além da recriação do modelo editorial francês, da importação de equipamentos
tipográficos, no MC identificamos também a tradução de folhetins franceses (tema
aprofundado na parte III). As transferências culturais Brasil-França são verificadas
também nas semelhanças quanto à organização gráfica do MC e de jornais do Rio de
Janeiro. A descrição do carioca A Gazeta da Tarde, fundado em 1880, é quase idên-
tica ao MC, o que revela a manutenção de um modelo gráfico e de uma organização
textual, isto é, de gêneros discursivos em circulação.
Na imprensa campista do final do século XIX, Múcio da Paixão afirma que “as
seções consagradas às belas artes não eram, porém, esquecidas, as variedades, as
odes, os estudos críticos e literários, ora transcritos de outros jornais, ora exibidos de
revistas e publicações nacionais e estrangeiras, apareciam com frequência” (PAIXÃO,
1924, p. 15). No entanto, o que percebemos na comparação entre A Gazeta da Tarde
e as edições do MC analisadas é que a folha de Campos apresentava poucos ou
quase nenhum texto literário12.
50
No primeiro capítulo da obra “Período inicial da imprensa”, o autor destaca a
importância dos jornalistas e dos jornais para a divulgação e disseminação dos textos
literários produzidos por escritores locais, nascidos na cidade ou que nela vieram a
residir. Além disso, ele afirma que as fontes principais do conjunto de poemas presen-
tes no livro foram os suplementes literários publicados na imprensa da cidade. Ainda
que demarque tal importância, Múcio da Paixão aponta como prejudiciais as práticas
de cópias e traduções que ocupariam com conteúdo de baixa qualidade boa parte das
folhas: “os jornais publicam seções diárias e resenhas do estrangeiro que são coisas
muito triviais, medíocres, incolores, mal cozidas e, francamente, ordinárias como
fundo e como forma” (PAIXÃO, 1924, p. 9).
51
2) Folhetim – O folhetim, romance em capítulos, o “café pequeno” da litera-
tura inventado pelos franceses, tem um local cativo no jornal: o rodapé, a parte
inferior da primeira página. No Le Petit Journal, circulavam muitos folhetins ao
mesmo tempo, por isso a primeira página era destinada aos lançamentos, às
histórias que ainda estavam por cair no gosto dos leitores. No MC, encontramos
apenas um por edição, sendo folhetins traduzidos do francês, especialmente,
no âmbito desta tese, o A avó, de Émile Richebourg, publicado de 27 de no-
vembro de 1887 a 10 de junho de 1888.
Ribeiro (2008, p. 4) afirma que, no JC, o espaço do folhetim era ocupado por
uma variedade de gêneros: “textos isolados, inúmeras seções especiais de crô-
nicas, textos de crítica especializada em várias áreas do conhecimento e mui-
tas criações ficcionais (contos, romances europeus traduzidos e romances bra-
sileiros)”. Sobre o folhetim e o seu papel na relação entre o jornalismo e a lite-
ratura brasileira, especificamente no JC, Ribeiro (2008, p. 4) afirma ainda que,
naquele espaço, foram publicados o romance O culto do dever, de Joaquim
Manuel de Macedo, suas crônicas da seção Um Passeio, reunidas posterior-
mente no livro intitulado Um passeio pelo Rio de Janeiro, as crônicas de Carlos
de Laet, na seção Microcosmo, e “várias outras criações de cronistas e escri-
tores nacionais e internacionais”.
52
que as notícias dos jornais estrangeiros chegavam ao Rio pelos navios ou eram
trazidas por correspondentes.
5) Comércio – Essa foi a primeira seção do JC, posto que oferecer notícias
sobre o comércio era seu propósito inicial. No MC essa seção apresenta infor-
mações sobre as importações e exportações, a movimentação dos portos, o
câmbio e o movimento das vendas de café e açúcar na região. Ribeiro (2008)
mostra que, no jornal carioca, a seção apresentava desdobramentos analíticos
sobre os dados comerciais. Nas palavras do autor:
53
tivo, o redator, com base em notícias comerciais, realizou uma análise rigo-
rosa do movimento das cotações das ações de duas companhias, a Compa-
nhia das Docas e a Companhia de D. Pedro II (RIBEIRO, 2008, p. 3).
No MC, não encontramos nenhum tipo de análise comercial, há somente infor-
mações sobre a cotação do café, a movimentação do porto do Rio e de São
João da Barra, além dos preços correntes dos principais produtos agrícolas
comercializados na praça da cidade e dados sobre o balanço dos bancos lo-
cais.
7) A pedido – Assim como no JC, essa seção funcionava como uma tribuna.
No MC, encontramos anúncios na forma de notícia, agradecimentos, pedidos
de reconsideração e cartas dos candidatos a deputado provincial. Sobre o JC,
Ribeiro (2008, p. 5) afirma que “os textos tinham o formato predominante de
artigos que expressavam as opiniões dos assinantes e dos não-assinantes. Os
artigos eram pagos e podiam ocupar várias colunas e até várias páginas”. Iden-
tificamos a semelhança entre a seção nos dois jornais.
54
campista à época, como os serviços do fotógrafo Guilherme Bolckau e de ou-
tros profissionais liberais, especialmente advogados e médicos, além dos arti-
gos vendidos na Ao Livro Verde e Ao Louvre.
55
funcionamento da linguagem, às condições de produção e que relevam as paráfrases
e as metáforas possíveis a partir e por meio dele.
Se, do ponto de vista discursivo, o texto não é uma unidade coerente de sen-
tido, é porque “não há propriamente texto, concebido como uma unidade; o que há
são linearizações concretas (materiais) de discursos” (POSSENTI, 2011, 365). A in-
completude do texto existe “porque o discurso instala o espaço da intersubjetividade,
em que ele, o texto, é tomado não enquanto fechado em si mesmo (produto finito),
mas enquanto constituído pela relação de interação que, por sua vez, ele mesmo ins-
tala” (ORLANDI, 1999, p. 50). Por constituir-se na interação discursiva, o texto figura-
se como um artefato incompleto que apresenta pontos de fuga, derivas, silenciamen-
tos e intervalos que são determinados pela realidade social da qual decorrem a cons-
tituição dos sentidos e os processos de significação que o analista procura descrever
no intuito de depreender os possíveis efeitos de sentido.
56
criado em uma vila no interior da província (vila de Campos dos Goytacazes),
pode, entretanto, manter-se independente, dedicando-se aos interesses da
localidade, de modo a tornar-se não só uma necessidade para Campos, como
o espelho da opinião mais esclarecida, tendo sido sempre dirigido pelos es-
píritos mais cultos (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1).
Sendo a AD um modo de se conceber as relações humanas na mediação pela
linguagem, entendemos que, ainda que queira independente, o MC operava na cidade
a função de “espelho da opinião mais esclarecida” não como o reflexo, mas como
amplificador, porta-voz do pensamento político e cultural dominante. Vale destacar
que a palavra “monitor”, no século XIX, ainda não possuía o sentido de tela onde se
projetam imagens; monitor era monitoria, controle. O jornal se materializava na forma
de um AIE empregado para disseminar e garantir a reprodução da ideologia domi-
nante tanto na apresentação fidedigna dos atos da administração pública quanto nos
noticiários e textos opinativos sobre a sociedade e a política local, “atendendo aos
interesses da localidade” (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1). Interesses de quem?
Da classe dominante. Embora não se realize de modo linear e direto, o controle social
por meio das mídias opera como forma de transmitir e disseminar a ideologia domi-
nante, especificamente as ideologias apresentadas com o intuito de sustentar aquilo
que acreditamos ser a “realidade”, o “natural”, a “verdade”.
57
A comemoração pelos 50 anos a que o editorial alude, no início de 1888, de-
marca 1838 como o ano de fundação do que se denominava apenas Monitor, fundado
por Bernardino José Macedo. Os arquivos da BN, entretanto, guardam como parte
do material do MC uma edição mais antiga, de 1834, de O campista, cuja sede é dada
como a Rua do Conselho, 34, que veio a ser o endereço da tipografia do MC. Os
arquivos da BN também guardam edições de 1835 a 1837 do O recompilador Cam-
pista e do Monitor de 1839. Identificamos que a história de O campista é silenciada no
editorial analisado. Pela ótica das descontinuidades e rupturas na produção historio-
gráfica serial, conforme assinala Foucault, compreendemos o silenciamento acerca
do jornal anterior à 1838, como um aspecto da fabricação da própria história do MC,
tendo em vista que a comemoração pelo quinquagésimo aniversário, mais que cele-
brar a memória, acaba por fabricá-la, como um monumento a serviço da história linear.
Nos arquivos da BN, as primeiras edições com o título de Monitor Campista são
as de 1840 e 1841. Verificamos um lapso temporal no arquivo e o retorno das edições
a partir de 1876, ano em que há apenas uma edição arquivada, a de 22 de novembro
de 1876. Nesse momento, o jornal surge com o logotipo em letras góticas, que per-
maneceu até o seu fechamento, em 2009. As edições no arquivo digital seguem até
1888. A partir daí, aparecem as dos anos 1890, 1891, 1900, 1987 e 1988.
58
empresa familiar assim como são as grandes corporações midiáticas do Brasil no iní-
cio do século XXI. Nascido em 1828, Domingos de Alvarenga fora, além de jornalista,
comerciante e advogado, tendo se formado bacharel na Academia de São Paulo, em
um período anterior à formação do poeta Azevedo Cruz apresentado no início desta
seção da tese.
59
tencionavam aumentar-lhe o formato desde este dia, porém não chegaram ainda de
França o prelo Marinoni e parte do material encomendado para esse fim, que já estão
em viagem” (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1). As mudanças na diagramação ocor-
reriam um mês e meio depois. Na edição de 14 de fevereiro de 1888, o jornal se
expande: as cinco colunas se transformam em sete, os textos e os anúncios passam
a ser maiores, embora os títulos das seções tenham permanecido os mesmos.
Notamos que a figura de Ultra é silenciada na história narrada pelo texto publi-
cado no jornal. Quando ele deixa a folha em 1871, tem-se o início do período em que
a família Alvarenga Pinto assume sua redação. A saída do português pode ser lida à
luz do pensamento antilusitano, que surge com a independência em 1822 e ganha
força durante todo o Império, especialmente com o florescimento das ideias liberais,
abolicionistas e republicanas. O antilusitanismo pode ser lido na obra de Múcio a pro-
pósito de um momento anterior, quando ele se refere ao surgimento da imprensa na
Corte como forma de se “cortar o cordão umbilical que nos ligava à Metrópole” (PAI-
XÃO, 1924, p. 13).
60
Domingos Alvarenga Pinto e Francisco Portella são notadamente os vetores
das letras campistas no decorrer do segundo império, com atuações na imprensa e
na política local e provincial, inclusive nas obras de melhoria urbana abordadas na
próxima parte da tese. Exaltando o trabalho de Alvarenga Pinto frente ao MC, Múcio
da Paixão dedicou a ele três páginas e meia de sua obra. Ao justificar a aquisição da
folha pelo político e bacharel, afirma: “não tardou muito para que a imprensa militante
o seduzisse e empolgasse; e, assim, em 1871 adquiria a propriedade do MC, jornal
que foi o campo de suas glórias, e em cujas colunas pontificou por espaço de largos
anos” (PAIXÃO, 1924, p.27). O literato atribui ao jornalista a vocação para os “torneios
da imprensa”, o que podemos ler, do ponto de vista discursivo, em função da imprensa
como tribuna, como denúncia social e instrumento ideológico. Sob a direção de Alva-
renga Pinto, o jornal se tornou um combatente frente ao cenário político extenso e
complexo, em decomposição pelos “vícios ingentios ao constitucionalismo imperial”
(PAIXÃO, 1924, p.27).
61
Francisco Portella é tratado como um defensor das ideias liberais e abolicionis-
tas, além de jornalista profícuo, atuante em várias frentes, inclusive como crítico lite-
rário a exaltar em sua folha a obra Miosótis (1877) do poeta Teixeira de Mello, como
atesta Múcio da Paixão, ao afirmar que
pelas colunas dos jornais de seu tempo, e especialmente pelo Monitor, espa-
lhou o Dr. Portella uma copiosa e variada colaboração. No domínio exclusi-
vamente literário, publicou inumeráveis escritos; de alguns formou um inte-
ressante folheto, que deu à publicação sob o título de Escritos Esparsos,
tendo por assinatura Radymisa. São igualmente conhecidos os estudos lite-
rários publicados no almanaque de Campos, sobre os Myosotis, de Teixeira
de Mello (PAIXÃO, 1824, p. 19).
Considerando que todo documento é uma versão, uma interpretação da reali-
dade cuja análise pauta-se no funcionamento discursivo, no modo como um enunci-
ado surge em um contexto, na forma como ele convoca a linguagem para parafrasear
as ideias que representam um determinado estágio da vida social. Na AD, o texto
integra um processo discursivo maior que pode ser descrito por meio de três perspec-
tivas: a cadeia, o arquivo e a memória discursiva.
62
Assim, sobre o processo discursivo que esses textos integram, consideramos
o valor social do jornal à época, sendo ele o “mais importante jornal da província”,
conforme considera Paixão (1924, p. 20). Compreendemos, desse modo, que havia
um forte empenho entre os “homens de letras” de Campos para registrar a história
política, social e cultural da cidade, como pode ser observado nas publicações de
Teixeira de Mello, Ephemérides Nacionais (1881) e Campos dos Goytacazes em 1881
(1886) e de Múcio da Paixão, Movimento Literário em Campos (1924). As obras foram
produzidas com base em material anteriormente publicado no MC.
Considerando que o processo discursivo não tem início nem fim, que se esta-
belece sempre sobre um discurso anterior e aponta para um futuro, a perspectiva do
arquivo consiste na depreensão das relações que um texto estabelece com outros
textos e discursos no interior do processo discursivo: são as relações intertextuais e
interdiscursivas. Isso significa que “um texto tem relação com outros textos nos quais
ele nasce (sua matéria-prima) e/ou outros para os quais ele aponta (o seu futuro dis-
cursivo)” (ORLANDI, 1999, p. 48). Nessa perspectiva, verificamos que a configuração
textual do MC é semelhante a outros jornais brasileiros da mesma época, inclusive a
jornais franceses. Verificamos também citações de outros jornais, acontecimentos po-
líticos, documentos oficiais, que são modos de manifestação das relações intertextu-
ais e interdiscursivas.
Diante das ideias disseminadas pelo governo federal no poder em 2020 e das
ações por ele adotadas no âmbito das políticas públicas voltadas à cultura, desde que
se estabeleceu no poder em 2019, o temor de que o arquivo pudesse não mais ser
disponibilizado por meios digitais esteve presente no decorrer da pesquisa. Como é o
63
governo federal o responsável por financiar e gerir o funcionamento da BN, que dis-
ponibiliza o acesso ao seu arquivo digital, e há um projeto “velado” em prol do esque-
cimento, do revisionismo histórico e do apagamento da cultural, corremos o risco de
que este estudo fosse interrompido e não mais pudéssemos acessar o material por
meio do qual depreendemos os sentidos acerca do nosso olhar do presente sobre o
passado, não só para reconstituí-lo, mas para questioná-lo, refletir a partir dele, como
memória social.
64
II
Toda a palavra sobre um lugar por onde as pessoas transitam constrói uma
imagem, não como uma representação dele, mas como um novo espaço, um lugar
idealizado – no sentido de fabricado, fabulado –, por onde se materializam as ideias,
as concepções de mundo e as mentalidades que, como o espaço geográfico, resistem
ao tempo e retornam na forma de novos textos que entrelaçam os dois lugares: o físico
e o idealizado.
65
jornal Correio Constitucional Campista, em 1831, considera que “os sentidos propos-
tos pelos escritos dos periódicos faziam circular determinadas imagens do mundo so-
cial”. Naquele contexto histórico, “a liberdade de expressão da imprensa era um insti-
tuto relativamente novo no qual os cidadãos letrados poderiam se posicionar politica-
mente acerca daqueles temas considerados cruciais para a estruturação do país e da
educação dos povos” (LEMOS, 2019, p. 526). Nesse sentido, Alvarenga e Peçanha
são cidadãos letrados que, apesar das restrições impostas pela legislação que regu-
lava a imprensa, pelos custos para a manutenção da tipografia, e por haver uma pe-
quena comunidade de leitores ilustrados, inscreviam-se como porta-vozes dos inte-
resses das elites acerca da organização da vida social.
66
liberalismo econômico, princípios do Partido Republicano Fluminense ao qual estava
filiado.
emanou a luz que irradia através dos séculos e que regenerou a humanidade!
[...] o mundo foi salvo e a humanidade regenerada; [...] naquele ninho de pa-
lha estava a semente da doutrina do bem, a – da caridade e do amor. E essa
semente germinou, cresceu, floresceu e frutificou (Monitor Campista, 25 dez.
1887, n. 297).
Notamos o processo civilizatório como marcha da evolução e do progresso.
67
bíblica e a experiência de vida de um sujeito discursivo imerso no espaço e no tempo
de sua enunciação:
Mas o flexível cetro de cana veio quebrar o cetro de ferro dos tiranos opres-
sores da humanidade. A coroa de espinhos veio substituir-lhes de pesado
ouro e pedraria que cingiram, também os ferir e abater-lhes a soberba e o
orgulho. O trapo de púrpura veio também se lhes lançar sobre os ombros, em
lugar dos régios e ricos mantos para mostrar-lhes a cor de sangue de suas
vítimas”. “Ele o disse: ‘Todos os homens são iguais; amai-vos uns aos outros’
(Monitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297).
Na última parte, Domingos de Alvarenga reforça as ideias de conciliação e hu-
mildade presentes na parte anterior, retomando a “mensagem” acerca do Natal: “Ilu-
minemo-nos com essa luz que nos deve glorificar, mostrando-nos os horizontes de
um novo mundo, que veio colocar-se no lugar de um mundo velho que já morreu”.
Instaura-se o pensamento republicano em oposição às relações de servidão do Brasil
em relação a Portugal e do império em relação aos interesses da província e da ci-
dade.
68
O texto explora a ideia de que, enquanto a religião busca respostas para a cos-
mogonia nas escrituras, a ciência trabalha para respondê-la com os métodos científi-
cos na investigação da realidade. Conforme as ciências e os teóricos citados por Pe-
çanha, no final do século XIX, já se chegara às conclusões de que “o céu nunca teve
deuses, [...] não há acaso nem milagre; há fenômenos regidos por leis, [...] nós não
somos seres estranhos, superiores à pressão das fatalidades do mundo cósmico” (Mo-
nitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297). Peçanha se posiciona do ponto de vista da
ciência e do não dualismo entre um espírito divino e uma materialidade do corpo, con-
forme afirma: “o fato de ter emancipado o meu espírito à luz da filosofia monística não
quer dizer que eu seja candidato nestas linhas às irritações da cólera beata” (Monitor
Campista, 25 dez. 1887, n. 297). Apesar disso, ele considera Jesus “o maior mártir da
liberdade humana, [...] o mais célebre dos tribunos democratas, [..] o mestre ideal, o
mais divino dos homens” (Monitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297).
69
ainda que a disseminação de ideias não se dava de forma direta. Os veículos midiáti-
cos procuravam expor seus posicionamentos sempre tentando obliterá-los sob a ima-
gem da isenção jornalística. Fundado pelo abolicionista nascido em Campos, José do
Patrocínio, o Cidade do Rio de Janeiro apresentava sentidos políticos antagônicos,
demonstrando ser tanto abolicionista quanto escravocrata.
Partindo das premissas acerca do texto literário, como gestão de seu contexto,
e da imprensa, como espaço de integração dos domínios da vida literária, chegamos
à hipótese de que a descrição dos espaços, domínios e contextos de produção e cir-
culação da literatura em Campos nos leva à ampliação da expressão vida literária,
convertendo-a em um conceito na ADL.
70
Definida essa hipótese na introdução e apresentadas as teorias acerca do es-
tudo dos textos literários e jornalísticos pelas perspectivas da AD e da ADL na parte I,
delimitamos o corpus discursivo, isto é, a apresentação do agrupamento dos textos
publicados no jornal MC no final do século XIX, cujas análises prosseguirão na pró-
xima parte, na qual integraremos as categorias discursivas de ritos, posicionamento e
comunidades. Entendemos que “a enunciação se manifesta como dispositivo de le-
gitimação do espaço de sua própria enunciação, a articulação de um texto e uma ma-
neira de se inscrever no universo social” (MAINGUENEAU, 2008, p. 40). E que a enun-
ciação literária “não é somente um conjunto de textos, um corpus, mas uma imbrica-
ção entre um modo de organização social e um modo de existência de textos” (MAIN-
GUENEAU, 2008, p. 45).
71
2.1 – O discurso literário como problemática representacional e interpretativa
A seleção dos textos analisados no jornal não se restringiu apenas aos critérios
concernentes aos gêneros reconhecidos pela teoria e crítica literária: os gêneros nar-
rativo, dramático e lírico, conforme estabelece o estudo genológico de Coutinho (2015)
e outros teóricos mais ou menos alinhados às classificações da tradição aristotélica.
Além dessa categoria, a qual concebemos como parte das condições discursivas de
produção da literatura, adotamos a perspectiva do discurso literário, tal qual definido
por Maingueneau. Acionamos o discurso literário sob a ótica de uma problemática
representacional e interpretativa, como meio para balizarmos a escolha do material
textual relativo à literatura e ao fazer literário presente no MC, no período delimitado.
Sendo o discurso “um percurso de significância que se acha inscrito num texto,
e que depende de suas condições de produção e dos locutores que o produzem e o
interpretam” (CHARAUDEAU, 2011, p. 6), o discurso literário consiste nas restrições
de ordem social e cognitiva que leva os escritores a exibirem, no fazer literário, “mar-
cas de pertencimento: de pertencimento do texto ao corpus literário e pertencimento
dos parceiros da comunicação (escritor e público) à instituição literária, tendo como
terceiros os diversos tipos de avaliadores que esta implica” (MAINGUENEAU, 2006,
p. 208).
72
regras. Nesse caso, o texto literário encontra-se submetido a certas condições de re-
alização, como apresentar-se sob um determinado gênero discursivo e se submeter
às regras estabelecidas pela comunidade literária, como alinhar-se à certa doutrina
estética – regras que não são apenas de natureza formal, mas que englobam outras
ordens, como a ideológica, a histórica e a sociológica.
73
Tomar o discurso literário como o objeto de estudo no âmbito da problemática
representacional e interpretativa parte do princípio de que esse objeto “é definido atra-
vés das hipóteses de representações sociodiscursivas que se supõem dominantes
num dado momento da história de uma sociedade (são, então, sócio-históricas), e que
caracterizam um determinado grupo social” (CHARAUDEAU, 2011, p. 11). Neste
ponto, retornamos às características do cânone literário dominante no Brasil no final
do século XIX, tal qual apresentamos na parte anterior, a propósito da obra e da in-
serção de Teixeira de Mello na Academia Brasileira de Letras, ao lado de Machado
de Assis e Raul Pompeia, e acrescentamos àquela discussão as proposições de Mú-
cio da Paixão, o mais expressivo, e talvez o único, historiador da literatura de Campos,
para respondermos à seguinte questão: O Movimento Literário em Campos sugere
como representação discursiva da literatura, e de que modo as representações lá vei-
culadas integram-se ao contexto maior das representações da literatura publicada no
jornal?
13Em Campos, Múcio escreveu uma coluna diária no jornal República, trabalhou também na Gazeta
do Povo e na revista literária Aurora, para a qual produziu ensaios de biografia, crítica e história. Gui-
marães (2005) fala da participação do professor do LHC no I Congresso de História Nacional, ocorrido
em setembro de 1914. No evento nacional, ele apresentou a tese “Do teatro no Brasil”. Verifica-se
também que o trânsito e a participação de Múcio na vida intelectual brasileira atingiu uma certa projeção
nacional em virtude da publicação de sua obra Tipos, curiosidades e esquisitices dos homens célebres,
em 1922, pela editora paulista Monteiro Lobato e C. Além disso, o volume de seu trabalho intelectual
pode ser mensurado a partir de dados que a edição de MLC de 1924 traz, ao apresentar uma lista de
obras prontas à espera de publicação: Movimento socialista no Brasil – o partido operário e seus pro-
gramas, Os congressos operários do Brasil, As reformas da questão social, e o romance Ma-
nhã...tarde...noite!. Pelo jornal carioca Correio da Tarde, o romance O armazém – episódios da vida
comercial carioca, possivelmente publicado em folhetim, aguardando a publicação em livro.
74
Múcio não foi um profissional liberal ou um político. Fora ele um trabalhador que,
desde os onze anos, ocupou funções no comércio do Rio de Janeiro e de Campos,
na loja Ao Louvre, importadora de produtos franceses, principalmente, tecidos, e na
estrada de ferro Campos-Carangola, na freguesia do Carangola, até alcançar, por
concurso público, como afirma, o cargo de professor do Liceu de Humanidades de
Campos (LHC) nas áreas de História Universal e do Brasil, em 1912. Ele nasceu em
1870, mesmo ano de nascimento de Azevedo Cruz e, na organização cronológica
apresentada em MLC, integram o mesmo movimento literário: “a geração contempo-
rânea”.
75
que ele “não fazia história do documento isolado senão para ilustrar as grandes leis
étnicas e sociais que aprendera junto a seus mestres deterministas”. Além de reco-
nhecerem o anacronismo no trabalho de Romero em relação aos estudos sociais e
literários à luz do tempo deles, esses teóricos da literatura posteriores entendem que
o crítico sergipano, ao procurar discernir no movimento romântico origens anteriores
ao grupo da revista Nitheroy, estaria reivindicando a primazia do Norte, região onde
nasceu, vindo a integrar a escola de direito do Recife.
Múcio denomina os autores apresentados por Silvio Romero como “vultos pri-
maciais” que se incorporaram ao patrimônio do pensamento intelectual nacional ao
inscrever o Movimento Literário em Campos nessa linhagem editorial sob a forma de
um estudo acerca dos “vultos secundários”, aqueles que não foram citados por Silvio
Romero, o qual Múcio denomina como o “nosso mais fecundo polígrafo”. A esses au-
tores secundários, por estarem espalhados pelo território nacional, só lhes resta
[...] publicarem nos jornais locais a sua produção, o que equivale a ficarem
autores e escritores envoltos em uma densa penumbra, pois a imprensa do
interior e até de algumas capitais é tudo quanto há de mais anônimo, verda-
deiro túmulo do pensamento, não tem circulação, não é conhecida nem lida”
(PAIXÃO, 1924, p. 8).
Nesse ponto, Múcio reforça o papel da imprensa na disseminação da literatura,
mas critica a sua circulação restrita regionalmente. Encontramos, no MC, no período
analisado, apenas um soneto e um fragmento de prosa poética, aos quais nos dete-
remos mais à frente. Além disso, uma visão mais ampla de literatura, ultrapassando
os limites dos textos líricos, épicos e dramáticos, é outra perspectiva presente na obra
do campista a propósito das representações do fazer literário. O autor, do ponto de
vista estético – especialmente no capítulo quinto, que trata dos textos eclesiásticos,
teatrais, científicos e históricos – demonstra o entendimento da literatura que, na visão
76
de Coutinho (2015, p. 28), corresponderia à poética neoclássica, na qual “as ativida-
des do espírito que visem à informar e a instruir, [que] incluía entre os gêneros literá-
rios: o jornalismo, a história, a filosofia etc”.
77
autores nascidos entre 1795 e 1834); II. Período de evolução poética (11 autores nas-
cidos entre 1815 e 1843); III. Desenvolvimento romântico (31 autores nascidos entre
1832 e 1863); IV. A geração contemporânea (51 autores nascidos entre 1858 e 1916)
e V. A tribuna sagrada, o teatro, a ciência e a História (27 autores nascidos entre a
segunda metade do século XVIII e boa parte do século XIX, que produziram sermões,
peças teatrais e textos científicos e historiográficos).
78
2.1.3 – As musas, a morte e o canto dos poetas: as representações e os textos
literários no Monitor Campista
79
Estrada aparece na seção noticiário, a publicação do texto de José Sampaio é prece-
dida, na edição do dia anterior, por uma chamada no Noticiário, que ressalta a impor-
tância do texto e justifica a publicação, considerando a memória do escritor campista
e de sua obra.
80
propósito de uma língua literária, de determinados gêneros textuais, de certos posici-
onamentos interdiscursivos por meio dos quais se torna possível interpretar certas
representações sociodiscursivas e sócio-históricas.
81
uma série de edições, do dia 27 de novembro ao dia 17 de dezembro de 1887. Essa
sequência de textos materializa um “acontecimento discursivo” a respeito de um fato
de repercussão na cidade: o naufrágio do vapor Goytacaz, ocorrido em 22 de novem-
bro de 1887.
82
A construção do acontecimento discursivo prossegue na edição de domingo, 4
de dezembro, quando o presidente da província recomenda louvores ao professor pú-
blico de Arraial do Cabo, Miguel Pereira da Silva Torres, por ter dado agasalho aos
policiais que foram salvos no naufrágio. Mais que “louvores”, a carta assinala a parti-
cipação do governo no acontecimento, na prestação de serviço à população e no res-
gate das vítimas. Outras cartas de agradecimentos são publicadas, até que, final-
mente, em 14 de dezembro de 1887, a Seção Livre recupera todo o acontecimento,
apresentando, com vastos detalhes descritivos e narrativos, mais uma carta de um
náufrago (anexo 5).
Essa última carta revela-se, a um só tempo, como a versão final dos fatos, e
como uma narrativa literária. É um texto limítrofe que faz emergir a natureza conflitu-
osa das representações sobre a literatura no jornal. Como os critérios de credibilidade
e veracidade que fundamentam o fazer jornalístico atual não haviam sido estabeleci-
dos à época, no contexto do MC, as formas linguísticas e o conteúdo temático distin-
guiam o literário do não literário.
83
Se a linguagem não é superior, o texto literário também não pode ser concebido
como tal. Outra concepção em questão é a que diz respeito à superioridade do texto
literário, como sendo este uma enunciação diferenciada. Maingueneau afirma que tal
diferenciação existe, mas é resultado de forças que estão para além do próprio texto:
ao que ele chamará de instituições literárias. Esta que
[...] supõe uma enunciação diferida entre sua fonte e sua recepção; introduz
um terceiro termo no intercâmbio entre os interlocutores: as instituições lite-
rárias, os corpora de obras prestigiosas..., desestabiliza a homogeneidade
das sincronias ao conservar através da memória a presença de estruturas
moribundas e mortas; privilegia usos marginais em detrimento dos advindos
da ‘massa falante’ (MAINGUENEAU, 2006, p. 201).
Tanto a língua quanto a literatura possuem uma unidade, como um princípio de
unicidade, correção e verdade. Maingueneau sustenta que a ideia de uma unidade na
língua e na literatura existe em decorrência do trabalho de uma comunidade linguística
instituída e corresponde aos ritos de linguagem desse grupo social limitado. O princí-
pio de unicidade linguística é, nessa concepção, um aspecto do funcionamento lin-
guístico, não um dado material.
Cada ato de enunciação literária, por mais insignificante que possa parecer,
vem fortalecer a língua que mobiliza em seu papel de língua digna de litera-
tura e, para além disso, de língua propriamente dita. Longe de levar em conta
uma hierarquia intangível, a literatura contribui para constitui-la, reforçá-la ou
enfraquecê-la (MAINGUENEAU, 2006, p. 200).
84
A hipótese de uma língua literária unívoca é um aspecto do funcionamento lin-
guístico. Sendo a língua literária uma perilíngua, ela se manifesta, hierarquicamente,
de duas formas: como uma supralíngua, posto que dotada de um ideal de perfeição
luminoso de uma representação idealmente transparente ao pensamento, a língua
dos anjos; ou uma infralíngua, que estaria voltada para uma origem, primitiva, ino-
cente, língua do corpo.
A interlíngua, por seu turno, diz respeito às variedades da mesma língua e ou-
tras línguas passadas ou contemporâneas. O código linguageiro adotado pelo escritor
é definido pelo seu desejo pessoal de expressão criativa, mas também pela submis-
são às normas da comunidade linguística à qual busca filiação. Maingueneau (2006,
p. 194) exemplifica o posicionamento na interlíngua ao afirmar que os poetas parna-
sianos “recorriam intensamente aos latinismos e aos helenismos lexicais, sintáticos e
retóricos, inseridos numa forma métrica impecavelmente clássica”.
Desse modo, para delimitar o seu posicionamento e entrar no espaço que pre-
tende ocupar, um lugar no campo literário e de onde lhe seja atribuído um valor, o
escritor investe em um código linguageiro e nesse ou naquele gênero discursivo, de-
monstrando que cada obra literária mobiliza a língua da maneira que corresponde ao
seu universo de sentidos e de valores.
85
Cada ato de enunciação literária, por mais irrisório que possa parecer, conforta
uma língua em seu papel de língua digna de literatura e, além dela, de língua simples-
mente. Portanto, “uma língua não tem qualidade de língua se não pela qualidade dos
enunciados que passam por ela” (MAINGUENEAU, 2005, p. 22)
Os enunciados que passam por uma língua revelam que a interlíngua se apre-
senta para o escritor de duas formas: uma que aponta para a relação da língua ma-
terna com outras línguas, o plurilinguismo exterior; outra que aponta para a variedade
linguística no interior de um mesmo idioma, o plurilinguismo interior.
86
de produção e circulação do jornal MC. São empresários, jornalistas, poetas, políti-
cos, dentre eles, os já apresentados: João Antônio de Azevedo Cruz, José Alexandre
Teixeira de Mello, Domingos Alvarenga Pinto, Francisco Portella e Múcio da Paixão.
87
de enunciação e às estruturações textuais, mas independem do conteúdo e da finali-
dade do texto. As funcionais correspondem à finalidade do texto, que pode ser comu-
nicacional, como as funções da linguagem, conforme Jakobson, de ordem sociológica,
que indicam o fazer e o agir de um determinado modo, ou psicofisiológica, como o
fazer pensar de um determinado modo. As situacionais são aquelas definidas por cri-
térios sócio-históricos e construídas a partir dos gêneros discursivos. Elas relacionam
o que se diz e o como se diz a setores da atividade social, isto é, onde é permitido ou
não dizer o que se diz.
88
Uma das maneiras para se dar forma ao corpus é o agrupamento dos enunci-
ados por meio das formações discursivas temáticas, isto é, com base no conteúdo
temático, naquilo que o texto fala. Como o tema é uma categoria que pode se tornar
muito abrangente, Maingueneau (2015) sugere quatro grandes temáticas para o agru-
pamento dos enunciados: as identidades, os cenários, os acontecimentos e os nós.
O cenário é o critério no qual se põe luz sobre os actantes e as ações desses actantes
em um determinado contexto. Isto é, “associação de actantes e de atividades que se
estendem sobre certa duração” (MAINGUENEAU, 2015, p. 90). Por meio dessa cate-
goria, discorreremos a respeito da relação entre a cidade de Campos, no contexto do
século XIX, a partir da atividade jornalística, estabelecendo um diálogo entre dados
históricos, estudos historiográficos e um conjunto de textos extraídos de edições do
MC.
14 Segundo Ferrari (2016, p.76), o grande parque gráfico francês barateava os custos editoriais, favo-
recendo a impressão de livros distribuídos para todo o mundo. Além disso, no Brasil cobravam-se im-
postos para a importação de papel em branco, mas não pela importação de livros impressos. Desse
modo, o mercado editorial brasileiro do final do século XIX encontrava-se vinculado ao europeu, espe-
cialmente, ao francês, por isso a obra didática sobre o Brasil fora publicada por uma editora sediada
em Paris.
89
o Império do Brasil ficava a cargo de um presidente, nomeado pelo imperador. O pre-
sidente das províncias organizava as assembleias legislativas provinciais e as presi-
dia. As cidades, por sua vez, possuíam câmaras municipais e eram divididas em fre-
guesias. Referida como “cidade comercial” no livro didático, o município de Campos,
em 1872, desenhava-se em dez freguesias. Os dados do censo demográfico15 da-
quele ano contabilizam uma população de 88.832 habitantes, entre livres e escraviza-
dos, que assim se distribuíam:
Habitantes
Freguesia Habitantes livres TOTAIS
escravizados
São Salvador
11.511 8.009 19.520
(Campos)
São Gonçalo
6.748 4.250 10.998
São Benedito
3.393 649 4.042
Guarulhos
6.515 8.330 14.845
15 Botelho (2005) afirma que o Recenseamento Geral do Império de 1872 decorreu do sentimento da
elite política nacional de construir a “nação” brasileira, por meio da articulação das ideias de estado,
cultura e história nacional. Por essa ótica, o censo visou fornecer “um retrato da nação no que diz
respeito ao povo que a constituía, realizando uma significativa representação da nação” (p.341).
90
TOTAIS 56.212 32.620 88.832
A partir desses dados, Pereira Pinto (2005) afirma que Campos era, em 1872,
o quarto município brasileiro em população, ficando atrás da Corte, o Rio de Janeiro,
com 274.972 habitantes, de Salvador-BA, 129.109 e do Recife-PE, 106.671. Conside-
rando, entretanto, que a descrição do cenário por meio de dados demográficos é im-
portante, mas insuficiente para depreendermos as condições de produção, circulação
e leitura da literatura na cidade, apresentamos a seguir um conjunto de dados históri-
cos por meio dos quais demonstramos a configuração social, econômica e cultural de
Campos no final do século XIX. Os dados serão mostrados em diálogo com publica-
ções do MC, de modo a compor um corpus acerca do cenário literário.
91
foi iniciada na província; as terras, de extraordinária fertilidade, produzem ali-
mentos e cereais coloniais simultaneamente; a principal indústria é a fabrica-
ção de açúcar. Centro de comunicações ferroviárias da província com norte
de Minas Gerais e Espírito Santo (MARC, 1890, p. 419, tradução nossa).
A exposição do jornalista é assustadoramente concisa, pois, em poucas linhas,
ele lista dez atributos da cidade no final do século XIX, compondo uma imagem posi-
tiva de progresso e desenvolvimento: a população da freguesia de São Salvador, o
comércio, a riqueza, a ponte de ferro, a eletricidade, o desenvolvimento intelectual, a
população do município, a fertilidade do solo, a indústria açucareira e a rede ferroviá-
ria. Mais que um retrato fiel da realidade, essa descrição é reveladora do modo pelo
qual a cidade de Campos foi se constituindo no decorrer do século XIX, tanto como
território, a paisagem geográfica e a morfologia urbana e rural, quanto como uma ci-
dade imaginada, fabricada por meio dos discursos cujos ecos reverberaram para além
do território nacional.
Entendemos que essa imagem positiva sobre Campos foi também alimentada
pela literatura produzida na cidade, não somente em função dos textos literários, mas
também das condições econômicas e culturais que possibilitaram, por meio de suas
tipografias e de uma população urbana e abastada, a existência e a circulação de
textos impressos de toda ordem. Assim como não existe língua verdadeira sem insti-
tuição literária, a instituição literária contribui para a construção de uma imagem idea-
lizada do lugar onde ela se estabelece, graças aos textos que a ela se filiam e à me-
mória que se constitui por meio do arquivo desses textos. Além disso, assim como a
literatura é uma dimensão constitutiva da identidade de uma língua, posto não ser um
ornamento dela, a comunidade linguística que se institui por meio de seus ritos de
linguagem opera na fabricação do cenário ao qual a instituição se integra.
Lemos (2018) afirma que, em 1832, para que a então vila de São Salvador
fosse transferida da capitania do Espírito Santo para a do Rio de Janeiro, em ofícios
92
enviados às autoridades centrais, os políticos locais referiam-se à vila como “próspera,
populosa e civilizada”, enfatizando as supostas qualidades da produção econômica e
população local. O historiador contemporiza sua colocação ao afirmar que “era uma
estratégia discursiva de projeções e solicitações, contudo, não era uma afirmação em
cima de nada, tinha seu fundo de verdade” (LEMOS, 2018, p. 27) e ressalta um certo
anacronismo entre as aspirações de prosperidade da elite e a falta de uma educação
secundária que correspondesse à prosperidade enunciada.
[...] forjava-se, neste caso, uma identidade que associa a sua riqueza à mis-
são de integrar uma rede de vilas, povoados e cidades em torno do seu co-
mércio, que era notoriamente o mais expressivo da região norte. A qualidade
de seus solos e a grande produção açucareira continuavam a ser apresenta-
das como atributos que singularizavam Campos das demais áreas do Rio de
Janeiro (CHRYSOSTOMOS, 2011, p. 67).
Chrysostomo (2011) considera ainda que a ênfase dada às qualidades geográ-
ficas, à opulência comercial e ao desenvolvimento da cidade e da sociedade campista
contribuíram para a construção da imagem de um lugar central, catalizador frente às
demais localidades ao seu redor. A historiadora acredita que essa imagem positiva
tenha se originado com os manuscritos do capitão Manuel Martins do Couto Reis
(1750?-1826?), elaborados em 1785. Segundo ela, esse texto acabou por fundar e,
posteriormente, recriar uma imagem que associa a prosperidade e a riqueza às ca-
racterísticas geográficas da região. Sobre a vila de São Salvador, o militar expõe suas
impressões:
93
histórica desses manuscritos e da carta topográfica que o acompanha para a histori-
ografia regional. Segundo o historiador, Manuel Martins do Couto Reis fora um repre-
sentante do racionalismo ilustrado do século XVIII, ao materializar em seu texto uma
visão de mundo em que a produção do conhecimento sobre a natureza tivera por
objetivo dominá-la e utilizá-la, estabelecendo o antagonismo entre a civilização e a
barbárie. Embora tenha viés subjetivo e ideológico, Couto Reis é considerado o pri-
meiro historiador e geógrafo da “ecorregião norte-noroeste fluminense”, exercendo
grande influência posterior.
94
São Salvador de Campos pertencia à capitania do Espírito Santo, ainda no período
colonial, ela apresentava estabilidade econômica, graças ao bom desempenho da cul-
tura da cana de açúcar, que decorria da disponibilidade de terras para o cultivo, do
apoio governamental e da mão de obra escrava, além do preço elevado do produto
no mercado internacional. Pereira Pinto (2005, p. 170) afirma que, entre 1852 e 1882,
houve grande oscilação no preço nos subprodutos da cana de açúcar. O açúcar atin-
giu preços médios entre 140 e 255 réis e a aguardente, entre 42 e 100 réis. Durante
o século XIX, os melhores preços do açúcar e da aguardente foram atingidos durante
a guerra do Paraguai, quando ficaram superiores a 230 réis o quilo do açúcar e 120
réis a pipa da aguardente.
O modo como Pereira Pinto (2005) narra a história da cidade revela mais uma
vez a imagem positiva a que Chrysostomos (2011) e Lemos (2018) se referem, a res-
peito das condições geográficas favoráveis, do requinte da população urbana e da
condição de polo catalisador político e econômico da região. Sobre o clima local, o
autor exalta: “Os ventos saudáveis que sopravam na planície contribuíam para arejar
as ruas poluídas e os ambientes fechados e insalubres. De cima, uma luminosidade
benfazeja e sem sombreamentos confirmava que o seu amplo horizonte lhe fazia bem”
(PEREIRA PINTO, 2005, p. 117). As condições geográficas também favoreceram a
imagem positiva, pois a cidade é servida por uma rede hidrográfica e se localiza pró-
xima à costa e na confluência de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em
virtude dessas características, a vila era um centro distribuidor de mercadorias, uma
“praça mercantil”, reconhecida pela coroa como uma área estratégica, propícia ao in-
vestimento e à proteção militar e jurídica.
95
Finalmente, Chrysostomo (2011, p. 61) considera que os responsáveis por ma-
nipular “estrategicamente” as imagens e representações do povo e da natureza local
“eram ou estavam diretamente vinculados à geração enraizada de políticos que cons-
truíram fortunas com o açúcar e que se transformaram nos barões e viscondes, graças
às alianças políticas que foram costuradas no alvorecer do Império”. A influência po-
lítica das elites locais por meio da imprensa é lida por Paixão (1924) como “naciona-
lismo e patriotismo”. Ele afirma que a imprensa local surgiu da necessidade nacional
e patriótica, sendo os jornais o meio para a disseminação das ideias e dos sentimentos
patrióticos e que “o espírito dos que tinham algumas letras estava voltado para as
cogitações patrióticas” (p.8).
96
No início do século XIX, a cultura açucareira e o comércio trouxeram “grande
desenvolvimento intelectual e econômico”, conforme assinalou o francês Alfred Marc
(1890). O cultivo e o beneficiamento da cana de açúcar possibilitaram o surgimento
de uma elite local, a “nobreza da terra”. Lemos (2018) utiliza o termo para se referir à
elite senhorial que, no contexto do Brasil colonial, especificamente da realidade da vila
de São Salvador de Campos, sentia-se superior aos demais moradores, não porque
eram herdeiros dos primeiros colonos, mas por conta da participação na vida política
e da propriedade de terras.
Pereira Pinto (2005), pela ótica do progresso tecnológico, diz que os engenhos
de tração foram substituídos pelos de ferro em 1828. Os engenhos a vapor foram
introduzidos em 1870 e, finalmente, as usinas surgiram a partir de 1879. Em 1875, o
governo imperial estabeleceu uma lei para oferecer créditos aos que desejassem in-
vestir na indústria do açúcar e construir engenhos centrais. Em 1883, a província con-
tava com nove engenhos centrais, que consistiam em grandes unidades que moíam
a cana de um grupo de produtores. O projeto dos engenhos centrais durou pouco.
Pereira Pinto (2005) afirma que, como sua única tarefa era a moagem, porque a cana
seria fornecida pelos lavradores, o açúcar produzido perdeu a qualidade.
Com o declínio do projeto dos engenhos centrais, no final do século XIX, surgiu
a usina. Geralmente de um único proprietário, o usineiro. A usina consistia em uma
unidade de produção centralizada, de capital concentrado, que operava em toda a
cadeia, do plantio à moagem. Os usineiros introduziram novas tecnologias para am-
pliar a produtividade e potencializar os lucros. Peixoto (2008) considera que o período
de surgimento das usinas demarca a expansão e a diversificação das atividades co-
merciais e industriais na cidade, provocando o desfecho da era dos senhores de en-
genho.
97
dominam a produção, até a eliminação completa dos engenhos sob a pressão
do capital (PEIXOTO, 2008, p. 49).
No fim do regime escravista e início do período republicano, na passagem do
século XIX para o XX, Campos se reinventou ao buscar meios de se estabelecer frente
à nova conjuntura nacional. Na economia, manteve a produção do açúcar, mas subs-
tituiu a lógica dos senhores de engenho e de seu plantel de escravos pela produção
industrial por meio da maquinaria das usinas. Na política, ampliou sua representativi-
dade nas instâncias decisórias, a ponto de ter um presidente da república federativa
do Brasil natural da cidade. O movimento de transição econômica e política contribuiu
para que os intelectuais da cidade buscassem aprofundar as leituras com o objetivo
de compreender melhor os acontecimentos no Brasil e no mundo e, assim, os próprios
posicionamentos frente aos variados temas suscitados pela política e pela economia
sobre os quais também se impunham discussões éticas, como a exploração da mão
de obra cativa, as distinções de classe, gênero e etnia que o capitalismo potenciali-
zava.
Peixoto (2008) diz que o traçado regular das ruas facilitou a penetração das
vias férreas e, posteriormente, do bonde. No ano de 1888, a companhia inglesa Leo-
poldina Railway ligou Campos a Niterói, capital da província. Com esse novo destino,
a malha ferroviária do município passou a ter na cidade um ponto de convergência
98
entre a estrada de ferro São Sebastião, fundada em 1873, que seguia de Campos até
as freguesias de São Gonçalo e São Sebastião, a estrada de ferro Campos-Macaé,
fundada em 1875, e a estrada Campos-São Fidélis, fundada em 1885. Além disso,
saindo da freguesia de Guarulhos, na margem esquerda do rio Paraíba, a linha Cam-
pos-Carangola já operava desde 1877, construída com o investimento de Francisco
Portella e Cristiano de Sá Miranda.
99
Tendo nascido no Rio de Janeiro em 1801, veio para Campos em 1821, onde
se casou com a irmã do Barão de Abbadia, Maria Gregória de Miranda, aliança matri-
monial que o inseriu em uma rica família da cidade. Na política, pertenceu à guarda
de honra do primeiro imperador, no Rio de Janeiro, e, em Campos, ocupou o cargo
de presidente da câmara municipal. Sobre aquela morte, em suas Ephemerides Naci-
onais, Teixeira Mello (1881, p. 53) narra:
100
Embora diminuto frente à história da luz elétrica no país, o feito campista de-
marcara o poder econômico dos industriais e comerciantes da cidade, porque a inici-
ativa fora financiada por eles, posto que, “até a década de 30, a presença do estado
no setor elétrico foi bastante limitada, se resumindo a algumas medidas isoladas de
regulamentação” (MARTINS,1999, p. 4).
Segundo Lemos (2018), os que em Campos tinham acesso aos bens culturais,
especialmente, aos livros e à literatura, era uma elite não hereditária e, inicialmente,
não titulada que buscava distinção social por meio do trajar e da aparência, conforme
indicam relatos de viajantes europeus recolhidos pelo historiador. Além disso, Lemos
(2018) enxerga o anúncio de um manual de regras de comportamento e comensali-
dade publicado no MC, em 02 de janeiro de 1847, como o indício de uma possível
internalização do modelo francês de distinção, pautado pelas regras de etiqueta.
101
se refere a Campos como “zona urbana” em oposição às demais freguesias, que com-
poriam a “zona rural”. “É que passa a decidir a tornar-se o centro não mais apenas do
município, mas de um conjunto de municípios próximos, com a ultrapassagem do rio
Paraíba pela estrada de ferro. É o que chamamos modernamente de polo de desen-
volvimento” (PEREIRA PINTO, 2005, p. 117-118).
102
analfabetismo em Campos, em 1782, estava abaixo da média nacional e era ligeira-
mente inferior ao número de analfabetos em Niterói, cidade que viria a se tornar a
capital da província. Vale ressaltar que, no Império, o voto era permitido aos analfa-
betos, desde que tivessem bens e títulos. Isso significa que a leitura, seja por lazer,
diletantismo ou instrução, fora uma competência não necessariamente vinculada à
cidadania e ao exercício político.
103
apresentam semelhanças nesse processo, sendo, portanto, “exemplos de transforma-
ção acelerada do espaço urbano, podendo ser contrapostas a exemplares de perma-
nência” (ARAGÃO, 2017, p. 38-39).
Embora Campos não seja citada pela autora, historiadores locais demonstram
que essas transformações urbanas ocorreram de forma acelerada na cidade. Além da
proximidade do litoral, dada a geografia, Campos, no final do século XIX, estava bem
próxima à Corte, devido à disponibilidade de transporte e do trânsito de cidadãos cam-
pistas entre as duas cidades.
Por conta das transformações urbanas por que Campos passou no final do sé-
culo XIX, Peixoto (2008, p.41) afirma que, entre 1870 e 1890, a cidade entrou em um
rápido processo de modernização, impulsionado pelo comércio, pelo aumento da pro-
dução açucareira e pela instalação de indústrias, como a fábrica de tecidos Fiação
Industrial Campista, em 1885, na Avenida Beira Rio, no bairro da Lapa, limite leste da
cidade, onde, atrelado à fábrica surgiu o primeiro bairro operário. Apesar disso, o de-
senvolvimento não foi linear, porque Campos estava entre duas realidades: ainda que
próxima ao litoral e pronta para receber o capitalismo, mantinham-se os antigos mo-
dos de vida representados pelo campo e pelas tradições agrícolas ainda dependentes
da mão de obra escravizada.
Sobre o processo de urbanização, Peixoto (2008, p. 41) afirma ainda que “pân-
tanos eram saneados, praças foram niveladas, abriram-se novas ruas e, doravante,
surgiram as primeiras pavimentações em pedra granito”. Além disso, como progresso
econômico e social passa pela industrialização, logo as indústrias estimularam o es-
tabelecimento do ensino técnico, que contribuiu para o surgimento de uma mão de
obra qualificada e remunerada, estimulando a formação de uma população escolari-
zada composta inclusive por muitos estrangeiros que vieram, especialmente, para ins-
talarem os equipamentos das usinas e das linhas férreas, além de proporcionarem a
importação de produtos típicos da vida cultural europeia.
104
suíços; além de austríacos, holandeses, paraguaios e americanos, sendo 2 (0,4%)
habitantes de cada nacionalidade.
105
III
Esse tipo de tradução é considerado por Lima (2017, p. 41) uma característica
comum na imprensa brasileira em seus primórdios. A autora afirma que a publicação
ficcional nos jornais brasileiros “iniciou a partir da década de 1830 [com] a publicação
de romances em fragmentos, seguindo os moldes franceses, começando com tradu-
ções de romances-folhetim europeus”. Candido (2013, p. 439) sugere também que o
aparecimento do romance na literatura brasileira decorreu, entre outros fatores, pelo
interesse e pela receptividade do público leitor por essas traduções dos folhetins fran-
ceses publicados em jornais do Rio de Janeiro e do restante do país.
106
Ao analisar as relações entre a imprensa brasileira e a francesa no século XIX,
Caparelli (2012) levanta a hipótese de que as trocas estabelecidas naquele período
podem ter servido de base para o sistema midiático global de hoje. Sua conclusão
parte da tese de que as transferências de bens materiais e valores sociais somavam-
se às transferências de práticas culturais e de conhecimentos e que estas não se
processaram por uma via unilateral da Europa para o Brasil, mas pela circulação de
intelectuais e comerciantes que atuavam como mediadores culturais entre os dois
continentes. Dentre eles, o francês Junius Villeneuve, proprietário do Jornal do Com-
mercio, de 1834 a 1880.
Segundo Caparelli (2012), Villeneuve foi responsável, por exemplo, por criar
uma “midiatização” do folhetim Os mistérios de Paris, de Eugène Sue, publicado na
França entre 19 de junho de 1842 e 15 de outubro de 1844 e, no Jornal do Commercio
entre setembro de 1844 e outubro de 1845, vertido para o português por Joaquim José
da Rocha. Se o sucesso da narrativa na França estivera ligado à temática, com des-
taque à “geoficcionalização de Paris”, no Brasil, a estratégia publicitária e editorial
empreendida foi a seguinte:
107
A presença desse folhetim no MC ajuda-nos a compreender certas caracterís-
ticas do contexto em que esse enunciado emerge. Tendo em vista que, para a AD, o
contexto, a exterioridade da língua, não é um espelhamento no texto, das circunstân-
cias de tempo e lugar em que ele é produzido ou recebido, ainda que esses elementos
sejam fundamentais para o processo de produção de sentidos. Em relação às circuns-
tâncias, verificamos a proximidade de meses entre a circulação do texto na França e
a posterior publicação no Brasil, embora os locais sejam diferentes, sejam contextos
sócio-históricos diferentes.
Orlandi (1999, p. 58) afirma que, para avaliar a dificuldade na delimitação entre
paráfrase e polissemia (metáfora), é necessário reconhecer a variação histórica, uma
medida contextual de cunho temporal, ou seja, “há leituras que são possíveis hoje,
por exemplo, e que não o foram em outras épocas. Isso nos mostra que a ação do
contexto abrange mais do que os fatores imediatos da comunicação, em sua situação
momentânea”.
108
Substituindo as circunstâncias momentâneas pelas condições, Possenti (2011,
p.366) assinala que as condições de produção contribuem para que o funcionamento
do discurso seja inserido “nas instâncias enunciativas institucionais, marcadas por ca-
racterísticas amplamente históricas”, isto é, cada um enuncia a partir de posições que
são historicamente constituídas. Consequentemente, o que garante ou confere o sen-
tido não é o contexto imediato, mas as “posições ideológicas a que [o enunciador] está
submetido e as relações entre o que diz e o que já foi dito da mesma posição, consi-
derando, eventualmente, ou em geral, que ela se opõe a uma que lhe seja contrária”
(POSSENTI, 2011, p. 368). Por exemplo, é mais relevante verificar segundo que po-
sição discursiva um deputado fala de liberdade ou desenvolvimento, do que conside-
rar o fato de que ele se dirige a seus interlocutores em um determinado cenário físico.
Nesse sentido, “os ‘contextos’ fazem parte de uma história, já que, também nessas
instâncias de enunciação, os enunciadores se assujeitam à sua FD” (POSSENTI,
2011, p. 369).
Trabalhava com aquele ardor dos homens que têm um fim a conseguir e que
sabem que o conseguem pelo trabalho. Estendeu consideravelmente as suas
relações, deu novo impulso à indústria dos móveis e levou a sua à primeira
ordem, assegurou-lhe a prosperidade com a sua hábil direção, e a fortuna,
uma fortuna nobremente adquirida, foi a sua recompensa (Monitor Campista,
24 dez. 1887, n. 296).
109
O Sr. Lionnet tem 52 anos e é de aparência vigorosa. Tem uma fisionomia
franca aberta, olhar risonho e maneiras de um burguês que se preocupa um
pouco com o lado exterior das coisas e que prefere ser a parecer. Apesar da
bela posição que tinha adquirido, era isento de imposturas. Tinha uma apa-
rência cheia de bonomia que põe logo todos à vontade. Via-se que os negó-
cios deviam ser fáceis com ele (Monitor Campista, 24 dez. 1887, n. 296).
Sobre Alberto, o filho liceísta:
O jovem Lionnet, tendo terminado seus estudos, saiu do Liceu e voltou tam-
bém para casa. Mas era preciso arranjar-lhe profissão, um estado. O pai teria
desejado que seguisse os estudos para ser médico ou advogado; poderia
também entrar em uma das nossas escolas municipais, mas a Sra. Lionnet
não queria separar-se do filho, queria conservá-lo junto de si. Não tinha pre-
cisão de arranjar profissão, visto que em poucos anos poderia substituir o pai
e ser o chefe da casa Lionnet. A razão era boa e o Sr. Lionnet não insistiu.
Ficou portanto, decidido que Alberto ajudaria ao pai e se poria pouco a pouco
ao fato dos negócios. A confiança do Sr. Lionnet não era talvez muito grande
(Monitor Campista, 24 dez. 1887, n. 296).
Sobre a filha Genoveva, destaca-se a descrição em que se acentuam os atri-
butos físicos.
Genoveva foi a primeira que voltou para casa da família; tinha perto de de-
zoito anos. Para prova que tinha trabalhado e adquirido uma instrução tão
vasta quanto possível, trazia a seu pai e a sua mãe um diploma superior de
professora. [...] Genoveva era uma moça completa em tudo. [...] Genoveva
tinha aprendido três línguas: inglês, alemão e italiano. Desenhava e pintava
com certa habilidade. Era muito boa na música e tocava piano delicadamente.
Mas muito modesta, sem vaidade, não tinha orgulho do seu talento; tinha an-
tes ar de querer que lhe perdoassem a superioridade que tinha sobre os ou-
tros, tanto pelo saber como pela beleza, pela distinção, pela sua inteligência
e pelas raras qualidades do seu coração (Monitor Campista, 24 dez. 1887, n.
296).
A esposa Gabriela
110
com “salvas e fogos ao ar” e duas bandas de música que tocaram “várias peças até
às duas horas da tarde”.
Estiveram na abertura
Acedendo ao pedido que lhes fizemos, os Srs. Arrault e Martins Filho nos
enviaram a relação dos trabalhos que serão expostos pelos discípulos do Li-
ceu e por algumas amadoras discípulas do Sr. Professor Arrault, e entende-
mos dever publicar hoje esse catálogo para que possa servir de guia aos
leitores do Monitor que visitarem a exposição que será aberta amanhã (Mo-
nitor Campista, 01 dez. 1887, n. 277).
O pedido feito ao jornal por Antônio José Martins Filho e Clóvis Arrault é justifi-
cado pelo presumido interesse dos leitores do jornal. Verificam-se os acordos e os
vínculos entre a elite o poder público na publicação oficial do jornal:
111
Bitencourt da Silva, estabelecido na cidade, com a subvenção anual de
1:200$, deduzida do produto da taxa escolar (Monitor Campista, 9 e 10 dez.
1887, n. 284 – grifo nosso).
No dia 03 de dezembro de 1887, a Seção 1 narra a abertura da exposição e
reproduz o discurso das autoridades. Nessas falas, materializam-se as concepções
de arte, cultura, ilustração da sociedade. Nas palavras de Gesteira Passos, presidente
da Câmara Municipal de Campos, ao abrir a exposição:
Goethe dizia: “eu me consideraria melhor se pudesse ter ante meus olhos a
cabeça de Jupitar Olympico, que os antigos tanto admiraram.”. É que a con-
templação dos objetos da arte não desperta somente prazer, eleva também
nossa alma, fazendo brotar em nós o mais intenso entusiasmo por tudo
quanto é belo em suas elevadas manifestações. É por isso que muito deve-
mos esperar da presente exposição e de todas as outras que virão após ela
(Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279 – grifo nosso).
Quais são os sentidos de uma exposição de arte? Nota-se a arte como con-
templação do “belo”. É interessante pensarmos que os valores estéticos exaltados são
justamente aqueles que, de modo sarcástico, Machado de Assis criticara em Dom
Casmurro, quando Bentinho descreve sua casa, como a cópia de uma anterior:
112
que as tomam nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as
figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Au-
gusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de
tais personagens. Quando fomos para a casa de Matacavalos, já ela estava
assim decorada; vinha do decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo
meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas (ASSIS, [1899]
p. 906-907).
Percebemos o tom político da fala de Gesteira, ao aludir a figura do príncipe:
Feliz foi a escolha do dia para tão brilhante festa artística. Aniversário natalí-
cio de um príncipe, amante e protetor das belas artes, a presente exposição
exprimirá também uma justa homenagem àquele que, longe da cara pátria
por motivo tão doloroso para nós, palpita nobremente por ela, e retempera o
seu elevado patriotismo no estudo das instituições e na observação do pro-
gresso das nações mais adiantadas (Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279
– grifo nosso).
No discurso de João Alvarenga, presidente da Sociedade União Artística bene-
ficente, o Liceu, que completara dois anos de fundação à época, é descrito como o
espaço de ilustração da classe operária, por prestar auxílio aos que desejam exercer
uma arte ou trabalham em um ofício. Os fundadores Clovis Arrault e Antônio José
Ferreira Martins Filho são denominados como “missionários do progresso da classe
operária”. A escola é identificada como o lugar de preparação para um “futuro de pro-
gresso e felicidade”.
113
Externando a imagem que existe no pensamento, a arte a representa dando-
lhe realidade e a vida ou a expressão e o sentimento natural. As elevadas
concepções dos talentos e dos gênios, os sentimentos e os afetos dos gran-
des corações são assim transmitidos a todos os homens e a todas as gera-
ções (Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279 – grifo nosso).
O que pode ser objeto da arte? Arte como representação e elevação do pensa-
mento:
eu, num arranco de devoção ardente, direi enquanto puder, que o milagre
pode ser visto por qualquer mortal que tenha crença e saiba adorar a renas-
cença, – deixem passar a palavra – a nossa renascença, que ali se manifesta,
preparando os obreiros da nossa indústria, os mestres das nossas oficinas,
as glórias de nosso trabalho! (Monitor Campista, 19 e 20 dez. 1887, n. 292).
114
Para se referir ao fim da escravidão, o enunciador usa a palavra “redenção”,
“uma palavra doce e compadecida que atualmente constitui o mote da nossa civiliza-
ção, da nossa justiça”. O artigo prossegue:
No entanto, esse dia que vem da nossa generosidade, que vem cheio de
impaciências com medo de chegar tarde, trará para nós, nós brancos, escra-
vos, a amargura de uma grande verdade. Quando ele inundar de luz os rostos
negros dessa raça infeliz, a nossa consciência há de ver também, na luz do
mesmo sol, a legião estranha a quem pertence, submissamente escrava, a
nossa vida econômica. Para este e só para este símile é que eu deixei cair
dos bicos da pena a palavra redenção. Redimimos generosamente a lavoura,
mas ficamos escravos das indústrias de todo o mundo. É admissível pois
pensar que para libertar a nossa vida econômica, talvez não haja um tribuno,
uma retórica! E o Liceu de Artes e Ofícios que nos prepara essa liberdade,
continuará apenas amparado por poucos, poucos, mas dedicados amigos
(Monitor Campista, 19 e 20 dez. 1887, n. 292).
Assim como a tradução do folhetim e a exposição de artes, o cosmopolitismo
da vida citadina em Campos pode ser lido por meio dos noticiários publicados no jor-
nal. A seção Telegramas também revela o cosmopolitismo da cidade por meio da
construção de uma dêixis discursiva, entre o local e o global.
Paris, 1 de dezembro.
Hoje deve ser lida nas câmaras a mensagem pela qual o Sr. Grevy dá a sua
demissão de presidente da república. A sessão da câmara dos deputados
promete ser tempestuosa. No povo, a emoção é muito viva, porém não receia
que haja desordem.
Bruxelas, 1 de dezembro.
Até agora não foi recebido telegrama confirmando a notícia da morte
do explorador Stanley.
Londres, 1 de dezembro.
Os unionistas preparam em Dublin um grande meeting.
Paris, 1 de dezembro.
A polêmica entre os jornais franceses continua muito viva. Hoje os ra-
dicais acusam o Sr. Ferry de corrupção na expedição ao Tonquim. O Sr. De-
rouléde, presidente honorário da Liga dos Patriotas franceses, declarou que,
no caso de o Sr. Ferry ser eleito presidente da república, marchará contra o
palácio do Eliseu com cinquenta mil dos seus partidários para vedar-lhe a
entrada. Diz-se que alguns chefes das tropas receberam ordens seladas, que
só devem abrir no caso de revolta.
Nova Iorque, 1 de dezembro.
Fala-se do projeto de construção de um canal para condução de petró-
leo entre as cidades de Chicago e de Nova Iorque. A despesa com este tra-
balho será de cinco milhões de dólares. (Monitor Campista, 4 dez. 1887, n.
280).
115
Além disso, o noticiário de 11 de dezembro de 1887, apresenta lado a lado um
incêndio em Lisboa e vítima de querosene em Macaé.
116
propenso ao estilo de vida cultural vinculado às letras e às tradições francesas de
erudição e comportamento social, nestas últimas seções da tese retomaremos a atu-
ação no campo da escrita de Domingos de Alvarenga, Azevedo Cruz, Francisco Por-
tella e Múcio da Paixão, com o objetivo de demonstrar a dinâmica da vida literária na
cidade por meio da apresentação dos posicionamentos discursivos assumidos por tais
“homens de letras”, posicionamentos que se convertem em ritos discursivos produzi-
dos no interior de uma comunidade discursiva atravessada pelos domínios jornalístico
e literário.
A autoridade literária é conferida ao escritor desde que ele possua uma deter-
minada cultura e se alinhe a um certo perfil ideológico. É a representação da institui-
ção literária relativa a uma posição social que lhe proporciona o direito de dispor de
autoridade para se tornar um autor. Sendo assim, falar a respeito do posicionamento
de um escritor é considerar a sua vocação para a enunciação literária, a qualificação
de sua produção e a sua autoridade literária. Em outras palavras, “a cultura do poeta
117
e o modo de vida que legitimam a sua enunciação poética” (MAINGUENEAU, 2006,
p. 154).
Um posicionamento pode ser depreendido por meio dos valores defendidos di-
reta ou indiretamente por um locutor. Nos discursos constituintes – religioso, filosófico
e literário – os posicionamentos tendem a corresponder às escolas e aos movimentos
que se consideram a expressão de uma doutrina. Entretanto, esses posicionamentos
não são apenas doutrinas estéticas mais ou menos elaboradas; são indissociáveis
das modalidades de sua existência social, do estatuto de seus atores, dos lugares e
práticas que eles investem e que os investem (MAINGUENEAU, 2006, p. 151).
118
Um exemplo de posicionamento pelo investimento genérico é a imitação dos
antigos. No Classicismo do século XVI a imitação dos antigos é um dos critérios es-
senciais da legitimidade literária. Segundo Maigueneau (2006, p. 171), para ser “au-
torizado”, o escritor devia adaptar-se a duas fontes principais de legitimação: de um
lado, os doutos, com relação aos quais era preciso mostrar a conformidade aos anti-
gos; do outro, o público das “pessoas de bem”, que com frequência não era o último
a exigir o respeito aos cânones da literatura antiga.
119
3.2 – Ritos discursivos
120
ligadas à teatralidade e à leitura, o rito discursivo é o único aspecto da criação que o
criador pode controlar, conforme pontua Maingueneau (2006, p. 175).
Pode ser que romancistas tenham existido, mas suas obras não perduraram na
história literária nacional ou mesmo em bibliotecas da cidade e, por isso, não se ins-
creveram na vida literária. Ao fazer um balaço sobre a produção de gêneros ficcionais
na virada do século, Paixão (1924, p. 223) fala em tentativas e assinala que “poetas
bons tivemos alguns; romancistas, ainda que medíocres, não contamos um só que
seja para apontá-lo admiração do presente”. Tal inexistência pode ser compreendida
se compararmos a publicação jornalística na caracterização do público leitor de folhe-
tins e, posteriormente, de romances em Campos e no Rio de Janeiro, a capital do
império onde nasceram ou para onde foram os principais nomes que fundaram o gê-
nero no Brasil.
121
Os tipos humanos e a vida social apresentados no folhetim de Ricoubert ope-
ravam como um embaçado espelho de uma metrópole europeia às margens do Para-
íba, por onde transitavam moças que aprendiam línguas e trabalhos manuais à espera
do matrimônio e moços que se preparavam para assumir os negócios de um pai co-
merciante ou industrial. Se a literatura não possibilitou a emergência de tipos locais
na ficção, tampouco a sociedade estaria aberta a eles. O passado indígena e a cultura
escravagista emergiam em outra prosa, na via historiográfica de desenvolvimento e
progresso produzida por Teixeira de Mello e outros, como Múcio da Paixão.
Desse modo, o romance não floresceu em Campos no final do século XIX, por-
que os leitores estavam habituados à estética europeia e os autores valeram-se do
passado histórico e da sociedade local para delinear uma história contemporânea que
mirava o futuro, o progresso, não o passado mítico e lendário. O passado histórico
não foi retrospectivo, mas prospectivo.
122
de relações opositivas entre o que é reconhecido como parte dela e o que a ela ex-
cede, o Outro que não é qualquer um. O Outro é aquele que não convém ser e que
reforça o valor daquilo que se deve ser e fazer no interior da comunidade.
123
difusão de enunciados, aqueles que gerenciam o discurso, escrevendo, mas também
estabelecendo os critérios para instituir os membros que têm direito de produzir certos
gêneros de textos.
124
CONCLUSÃO
125
Com a pesquisa desenvolvida, esperamos ter aberto um campo de investiga-
ção sobre uma faceta da produção literária brasileira do século XIX que, dado o ma-
terial levantando, mas não exaustivamente trabalhado, poderá suscitar novos estudos
e desdobramentos.
126
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131
ANEXOS
ANEXO 1
132
ANEXO 2
133
Franklin (Ribeiro) de Almeida, 293 José Carlos de Vasconcelos, 359
Américo Peixoto, 296 José de Azurara, 359
Álvaro Ribeiro de Barros, 299 Pedro Tavares, 359
Lurival Belesdent, 303 Azevedo Cruz, 359
Amphiloquio de Lima, 307 Joaquim de Atayde, 360
Flaminio Caldas, 312 Lacerda Sobrinho, 361
(Luiz Machado) Lycineu, 318 Mário Fontoura, 361
Waldofredo Martins, 322 Theophilo Guimarães, 363
Heitor (de Araújo) Silva, 325 Silvio Fontoura, 363
Max de Vasconcelos, 328 Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, 364
Alfredo (Gesteira) Rosa, 331 Augusto de Carvalho, 367
Isimbardo Peixoto, 338 Julio Feydit, 369
Edith Torres, 342 Alberto (Frederico de Moraes) Lamego, 371
José Joaquim da Cunha Azevedo, 374
V – A tribuna sagrada, o teatro, a ciência e a José Bernardino Baptista Pereira de Almeida,
História 377
José Fernandes da Costa Pereira Junior, 379
Pe. Manuel Jorge Pinto, 351 João Baptista Pereira, 384
Pe. João Carlos Monteiro, 352 João Baptista de Lacerda Filho, 385
Pe. João Noberto da Costa Lima, 356 José Rodrigues Peixoto, 389
Pe. Jorge Guaraciaba, 358 José (Carlos) do Patrocínio, 390
Theotonio (Fernandes da Costa) Pereira, 358 Alvaro de Lacerda, 393
Jeronymo de Oliveira, 359
134
José Carlos de Vasconcelos, 94, 359 Max de Vasconcelos, 328
José de Azurara, 359 Miguel Herédia, 22
José Fernandes da Costa Pereira Junior, 379 Moreira Ribeiro (Francisco José), 51
José Ferreira Passos, 60 Múcio da Paixão, 250
José Frederico de Freitas Junior, 87 Nobertino Guimarães, 227
José Gomes Leite, 102 Paz e Souza, 177
José Joaquim da Cunha Azevedo, 374 Pe. João Carlos Monteiro, 352
José Maciel, 135 Pe. João Noberto da Costa Lima, 356
José Moreira Fraga, 123 Pe. Jorge Guaraciaba, 358
José Pinto Ribeiro de Sampaio, 45 Pe. Manuel Jorge Pinto, 351
José Rodrigues Peixoto, 389 Pedro Gonçalves, 161
José Saturnino Brito, 289 Pedro Jorge Nolasco Pereira da Cunha, 230
José Tancredo Pereira Lobo, 248 Pedro Tavares Junior, 187
Julio Feydit, 369 Pedro Tavares, 359
Júlio Fileto (de Guacuahy Nogueira Porto), 227 Prudêncio Joaquim Bessa, 16
Lacerda Sobrinho, 361 Rodopiano Raimundo, 116
Leonel de Magalhães, 274 Silvestre Santos, 230
Lindolpho de Assis, 274 Silvio (Pellico) Fontoura, 284
Luiz Albino das Chagas, 162 Silvio Fontoura, 363
Luiz Militão (Pereira de Aquino), 117 Tancredo (Saturnino Teixeira) de Mello, 191
Luiza Rosa de Almirante Porto, 88 Targino Jorge (de Macedo Jacobina), 228
Lurival Belesdent, 303 Teixeira de Mello, 34
Manoel Carneiro, 193 Theophilo de Campos, 177
Manoel da Rocha, 120 Theophilo Guimarães, 268, 363
Manoel Francisco Alipio, 105 Theotonio (Fernandes da Costa) Pereira, 94,
Manuel (da Costa) Gomes, 234 358
Manuel (Pedro) Moll, 210 Thomaz de Sá Freire, 199
Manuel Rodrigues Peixoto, 64 Thomé (da Costa) Guimarães, 206
Maria José de Andrade, 72 Waldofredo Martins, 322
Mariana Barros, 89
Mário (Teixeira) de Sá, 260
Mário Fontoura, 213, 361
135
1854 - Antônio Joaquim Manhães Campos, 1875 ? - Leonel de Magalhães, 274
127 1875 - Ignácio de Moura, 275
1855 - Theophilo de Campos, 177 1875 - (Carlos de) Faria Souto, 281
1855 ? - Bernardino Ferreira, 177 1876 - Silvio (Pellico) Fontoura, 284
1855? - Paz e Souza, 177 1876 - José Saturnino Brito, 289
1858 - José Maciel, 135 1877 - (João) Batista dos Santos, 291
1859 - Cecílio Lavra, 137 1877 ? - Everado Backeuser, 292
1860 ? - João Pessanha, 140 1878 - Franklin (Ribeiro) de Almeida, 293
1861 - Eloy Martins, 141 1878 - Américo Peixoto, 296
1861 - João Barreto, 151 1879 - Álvaro Ribeiro de Barros, 299
1861 - Januário (de Amorim) Cardoso, 169 1884 - Lurival Belesdent, 303
1861 ? - Pedro Gonçalves, 161 1886 - Amphiloquio de Lima, 307
1862 - Luiz Albino das Chagas, 162 1886 - Flaminio Caldas, 312
1862 ? - Evaristo Almeida, 163 1889 - (Luiz Machado) Lycineu, 318
1863 - Emiliano (Leite) de Faria, 166 1890 - Waldofredo Martins, 322
1891 - Max de Vasconcelos, 328
IV. 1894 - Alfredo (Gesteira) Rosa, 331
1858 - Pedro Tavares Junior, 187 1896 - Isimbardo Peixoto, 338
1861 - Tancredo (Saturnino Teixeira) de Mello, 1896 ? - Edith Torres, 342
191 1916 - Heitor (de Araújo) Silva, 325
1862 - Manoel Carneiro, 193
1862 ? - Thomaz de Sá Freire, 199 V.
1862 - Nobertino Guimarães, 227 1742 - José Joaquim da Cunha Azevedo, 374
1864 - Jeronymo de Souza Mota, 201 1783 - José Bernardino Baptista Pereira de Al-
1864 - Júlio Fileto (de Guacuahy Nogueira meida, 377
Porto), 227 1799 - Pe. João Carlos Monteiro, 352
1865 - Targino Jorge (de Macedo Jacobina), 1800 ? - Pe. Manuel Jorge Pinto, 351
228 1800 ? - Jeronymo de Oliveira, 359
1865 - Pedro Jorge Nolasco Pereira da Cunha, 1800 ? - José de Azurara, 359
230 1800 ? - Pedro Tavares, 359
1865 ? - Silvestre Santos, 230 1800 ? - Azevedo Cruz, 359
1865 - Eugênio Bath, 231 1800? - Pe. Jorge Guaraciaba, 358
1866 - Abelardo de Mello, 232 1833 - José Fernandes da Costa Pereira Ju-
1867 - Thomé (da Costa) Guimarães, 206 nior, 379
1868 - Manuel (Pedro) Moll, 210 1833 - João Baptista Pereira, 384
1868 - Ataliba Baptista, 233 1837 - Pe. João Noberto da Costa Lima, 356
1869 - Mário Fontoura, 213 1840 - José Carlos de Vasconcelos, 359
1869 ? - Adalgisa de Tancredo Lobo, 219 1840? - Theotonio (Fernandes da Costa) Pe-
1869 ? - Alcibiades Furtado, 224 reira, 358
1869 - Manuel (da Costa) Gomes, 234 1844 - Augusto de Carvalho, 367
1870 - (João Antônio de) Azevedo Cruz, 237 1845 - Julio Feydit, 369
1870 - José Tancredo Pereira Lobo, 248 1846 - João Baptista de Lacerda Filho, 385
1870 (segundo reportagem da F. da Manhã) - 1849 - José Rodrigues Peixoto, 389
Múcio da Paixão, 250 1853 - José (Carlos) do Patrocínio, 390
1870 - Gregório (Pinto) Ribeiro, 256 1858 - Alvaro de Lacerda, 393
1870 ? - João (Ponticiano Ferreira) Tibúrcio, 1864 - Joaquim de Atayde, 360
258 1864 - Francisco Saturnino Rodrigues de Brito,
1871 - Egídio (Ferreira) Martins, 259 364
1871 - Mário (Teixeira) de Sá, 260 1869 - Mário Fontoura, 361
1872 - Theophilo Guimarães, 268 1870 - Alberto (Frederico de Moraes) Lamego,
1873 - Jorge Pinheiro, 272 371
1873 - (José Rodrigues) Leite Junior, 273 1870? - Silvio Fontoura, 363
1875 - (Camões do Santos) Lima Thompson, 1872 - Theophilo Guimarães, 363
273 1879 - Lacerda Sobrinho, 361
1875 ? - Lindolpho de Assis, 274
136
ANEXO 3
137
ANEXO 4
Literatura
A violeta
Canto VI
No meio de uma auréola de atrativos, não sei que sonhos então te faltavam
naquelas horas de luz, n’aqueles momentos de expansão.
A princípio toda deslembrada de ti, talvez, nem soubesses que vivias, e que
gozavas!
Imersa nesse cismar inefável, que amolece e vivifica, tu sorvias uma a uma as
melodias do poeta, que sonha para cantar, que canta para fascinar, que fascina para
devanear!
Contemplei-te assim mulher, tão meiga, tão sedutora como a fonte que ena-
mora o peregrino; como o gemido que adormece aos afagos do conforto!
138
Era a mulher insinuante, ataviada de louçanias das primaveras; o anjo benfa-
zejo dos meus pensares nas amargas situações da vida; a realização bem-aventurada
do belo; era a formosa, a festejada violeta, que deixava o recôndito da folhagem que
bebia os primeiros raios do sol, que brindava seus perfumes às auras do céu!
139
ANEXO 5
140
náufragos! Gritos humanos se confundiram ao marulhar das vagas. A confusão tor-
nara-se geral. Ninguém poderia reestabelecer a ordem nesse caos senão oferecendo
de prontidão meios seguros de salvação aos que ansiavam por obtê-los.
Nada se fez mais sentido. Uns corriam para se informar do estado do vapor;
outros, para se colocarem em lugar de onde pudessem estar nos escaleres que [...];
a maior parte, sem [...], entregues à agitação que lhes ia n’alma, confiavam tudo de
[...], os mais esperavam! Averiguado o arrombamento da proa, era de supor que o
navio não tardasse a submergir. Assim não sucedeu. Decorreram [...]. Aos ouvidos
dos passageiros chegara a grata notícia de que o vapor não se desprenderia das pe-
dras em que se achava como que encravado. Isto tranquilizou-os. Renasceu a espe-
rança de salvação [...], um sentimento que não abandonou os vivos [...] mais graves
e aflitivas situações. Em breve a esperança devia ceder à realidade brutal! Começou
o navio tombar para bombordo e... em menos de dois segundos sumiu-se às profun-
dezas das águas. Era decisivo o momento. Não havia que hesitar. Ouviram nesta
ocasião gritos lancinantes de filhos que se agarravam nos pais; de irmãos que se
prendiam [...] às irmãs; de esposo que se [...] nos braços da esposa para dormirem
[...] no oceano!
142
ANEXO 6
143