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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO NORTE FLUMINENSE DARCY RIBEIRO

CENTRO DE CIÊNCIAS DO HOMEM


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COGNIÇÃO E LINGUAGEM
DOUTORADO EM COGNIÇÃO E LINGUAGEM

Literatura & Jornalismo:


a vida literária em Campos dos Goytacazes no final do século XIX

THIAGO EUGÊNIO LOREDO BETTA

CAMPOS DOS GOYTACAZES


MARÇO DE 2020
LITERATURA & JORNALISMO:
a vida literária em Campos dos Goytacazes
no final do século XIX

THIAGO EUGÊNIO LOREDO BETTA

Tese apresentada ao Programa de Pós-gra-


duação em Cognição e Linguagem do Centro
de Ciências do Homem, da Universidade Es-
tadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro,
como parte das exigências para a obtenção
do título de Doutor em Cognição e Lingua-
gem.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura


Coorientador: Prof. Dr. Carlos Eugênio S. de
Lemos

CAMPOS DOS GOYTACAZES


MARÇO DE 2020
FICHA CATALOGRÁFICA
UENF - Bibliotecas
Elaborada com os dados fornecidos pelo autor.

B565 Betta, Thiago Eugenio Loredo.

Literatura & Jornalismo : A vida literária em Campos dos Goytacazes no final do século XIX
/ Thiago Eugenio Loredo Betta. - Campos dos Goytacazes, RJ, 2020.
143 f.
Bibliografia: 127 - 131.

Tese (Doutorado em Cognição e Linguagem) - Universidade Estadual do Norte Fluminense


Darcy Ribeiro, Centro de Ciências do Homem, 2020.
Orientador: Sergio Arruda de Moura.

1. Literatura Brasileira. 2. Análise do Discurso. 3. Vida Literária. 4. Monitor Campista. I.


Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro. II. Título.

CDD - 400
LITERATURA & JORNALISMO:
a vida literária em Campos dos Goytacazes
no final do século XIX

THIAGO EUGÊNIO LOREDO BETTA

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Cognição e Linguagem do
Centro de Ciências do Homem, da
Universidade Estadual do Norte Fluminense
Darcy Ribeiro, como parte das exigências
para a obtenção do título de Doutor em
Cognição e Linguagem.
APROVADA EM 26/03/2020.

BANCA EXAMINADORA

Analice de Oliveira Martins (Jun 23, 2020 20:54 ADT)


_____________________________________________________________
Profa. Dra. Analice de Oliveira Martins (Estudos de Literatura – PUC-RJ)
Instituto Federal Fluminense – IFF

Eliana Crispim França Luquetti (Jun 24, 2020 16:14 ADT)


_____________________________________________________________
Profa. Dra. Eliana Crispim França Luquetti (Linguística – UFRJ)
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF

Jacqueline da Silva Deolindo (Jun 22, 2020 11:58 ADT)


_____________________________________________________________
Profa. Dra. Jacqueline da Silva Deolindo (Comunicação – UERJ)
Universidade Federal Fluminense – UFF

_____________________________________________________________
Milena Ferreira Hygino Nunes (Jun 18, 2020 17:16 ADT)

Profa. Dra. Milena Ferreira Hygino Nunes (Cognição e Linguagem – UENF)


Instituto Federal Fluminense – IFF

Carlos Eugênio Soares de Lemod (Jun 23, 2020 14:22 ADT)


_____________________________________________________________
Prof. Dr. Carlos Eugênio Soares de Lemos (Ciências Humanas – UFRJ)
Universidade Federal Fluminense – UFF
(Coorientador)

Sérgio Arruda de Moura (Jun 22, 2020 11:13 ADT)


_____________________________________________________________
Prof. Dr. Sérgio Arruda de Moura (Literatura Comparada – UFRJ)
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF
(Orientador)
À minha mãe, Sirlei Loredo Bêtta, que,
ainda menina, saiu da roça
para estudar na cidade.
Antes mesmo do meu nascimento,
aquela foi a primeira atitude de luta e resistência
que me permitiu chegar ao doutorado.
AGRADECIMENTOS

Ao meu querido companheiro, Daniel Ribeiro Barcelos, por todo o suporte e


carinho, sempre ao meu lado desde o momento em que esta tese era somente a vas-
tidão de uma tela em branco até o instante em que a concluí.

Aos meus orientadores e amigos, Sérgio Arruda e Carlos Eugênio, cujas orien-
tações me valem para muito além do campo acadêmico.

Aos dedicados professores do Programa de Pós-graduação em Cognição e


Linguagem, especialmente ao incansável coordenador “CH”, Carlos Henrique.

À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, que financiou


esta pesquisa.
FULIGEM

Chove fuligem
no planeta Terra.
Não! Não é bem assim.
Chove fuligem
no coração do Brasil;
digo,
numa cidade do interior;
ou melhor,
chove fuligem
no meu coração.
E são tantas canas, meu Deus,
que eu me revolto...
Mas só dá pra tomar um porre
e acordar numa cela
por desacato à autoridade.

Antônio Roberto Kapi de Góis Cavalcante


RESUMO

BÊTTA, Thiago Eugênio Lorêdo. Literatura e Jornalismo: a vida literária em Campos


dos Goytacazes no final do século XIX. Campos dos Goytacazes, RJ: Universidade
Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, 2020.

A fundação da literatura brasileira ocorreu no século XIX, em um processo dinâmico


que mobilizou escritores, textos literários e leitores ao redor da imprensa e da produ-
ção jornalística. Na época, os que viriam a ser os maiores escritores do cânone literá-
rio nacional, como José de Alencar e Machado de Assis, ofertavam suas crônicas e
narrativas ficcionais em jornais diários a um público leitor já cativado pelas traduções,
em jornais, das histórias contadas nos folhetins franceses. Integrado a esse processo
discursivo e cultural a partir do jornal Monitor Campista, na cidade de Campos dos
Goytacazes-RJ, em 1887, o público leitor, em grande parte formado por comerciantes
e industriais, acompanhava o folhetim de Émile Richebourg, A Avó, setenta e oito dias
após o término de sua circulação em Paris. Nesse cenário, em que a vida cultural da
elite urbana campista se inspirava nos hábitos de consumo típicos do estilo de vida
francês, a família Alvarenga Pinto comandava o jornal por onde passaram o membro
fundador da Academia Brasileira de Letras, Teixeira de Mello; o poeta de menor pro-
jeção nacional, mas cujos versos converteram-se no hino da cidade, Azevedo Cruz; o
professor do Liceu de Humanidades de Campos responsável por uma extensa produ-
ção editorial sobre a literatura e o teatro na cidade e no país, Múcio da Paixão; o
primeiro governador do estado do Rio de Janeiro, Francisco Portella, e o presidente
do Brasil, Nilo Peçanha. Considerando esses atores sociais, os textos publicados no
jornal e a cidade como contexto e condições materiais e simbólicas de produção dos
discursos, apresentamos nesta tese um aprofundamento do conceito de vida literária,
relacionado à Análise do Discurso Literário de Dominique Maingueneau (2001, 2006),
concebendo-o como um meio para descrever os espaços e os domínios que concor-
rem para a emergência do discurso literário, em diálogo com a Análise do Discurso de
linha francesa de Michel Pêcheux (2014 [1969], [1983]). Por meio dessa perspectiva
metodológica, analisamos textos literários, opinativos, notícias e anúncios comerciais
publicados nas seções da folha campista no final do século XIX. Com a caracteriza-
ção da vida literária na cidade de Campos-RJ, no período histórico em questão, con-
firmou-se a hipótese de que a análise discursiva de textos publicados na imprensa
contribui para o mapeamento dos contextos e das condições de produção e circulação
do discurso literário.

Palavras-chave: literatura brasileira; análise do discurso literário; vida literária; Monitor


Campista.
ABSTRACT

BÊTTA, Thiago Eugênio Lorêdo. Literature & Journalism: the literary life in Campos
dos Goytacazes at the end of the 19th century. Campos dos Goytacazes, RJ: Univer-
sidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF, 2020.

The foundation of brazilian literature occurred in the 19th century, in a dynamic process
that mobilized writers, literary texts and readers around the press and journalistic pro-
duction. At the time, those who would become the greatest writers of the national liter-
ary canon, such as José de Alencar and Machado de Assis, offered their chronicles
and fictional narratives in daily newspapers to a reading public already captivated by
the stories told in the France's folhetins translated in the newspapers for the Portu-
guese. Integrated into this discursive and cultural process through the newspaper Mon-
itor Campista, in the city of Campos-RJ, in 1887, the reading public, largely formed by
traders and industrialists, followed Émile Richebourg's The grandmother, seventy-
eight days after the end of its circulation in Paris. In this scenario, in which the cultural
life of the urban elite in the Campos was inspired by the consumption habits typical of
the French lifestyle, the Alvarenga Pinto family commanded the newspaper where the
founding member of the Brazilian Academy of Letters, Teixeira de Mello; the poet with
the lowest national projection, but whose verses became the city's anthem, Azevedo
Cruz; the professor at the Liceu de Humanidades de Campos responsible for an ex-
tensive editorial production on literature and theater in the city and in the country, Múcio
da Paixão; the first governor of the state of Rio de Janeiro, Francisco Portella, and the
president of Brazil, Nilo Peçanha. Considering these social actors, the texts published
in the newspaper and the city as context and material and symbolic conditions of dis-
course production, we present in this thesis a deepening of the concept of literary life,
related to the Analysis of Literary Discourse by Dominique Maingueneau (2001, 2006),
conceiving it as a means to describe the spaces and domains that contribute to the
emergence of literary discourse, in dialogue with Michel Pêcheux's French Discourse
Analysis (1969, 1983). Through this methodological perspective, we analyze literary,
opinionated texts, news and commercial ads published in the sections of the campista
sheet at the end of the 19th century. With the characterization of literary life in the city
of Campos-RJ, in the historical period in question, the hypothesis was confirmed that
the discursive analysis of texts published in the press contributes to the mapping of the
contexts and conditions of production and circulation of literary discourse.

Keywords: brazilian literature; literary discouse analysis; literary life; Monitor Campista.
LISTA DE E SIGLAS E ABREVIATURAS

ABL – Academia Brasileira de Letras

AD – Análise do Discurso

ADL – Análise do Discurso Literário

AIE – Aparelhos Ideológicos de Estado

ARE – Aparelhos Repressivos de Estado

BN – Biblioteca Nacional

DC – Discurso Constituinte

EUA – Estados Unidos da América

JC – Jornal do Commercio

LHC – Liceu de Humanidades de Campos

LT – Linguística Textual

MC – Monitor Campista

MLC – Movimento Literário em Campos


LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – O sistema literário e sua articulação a partir da imprensa....................p. 47

Quadro 2 – Habitantes do município de Campos segundo o censo de 1872.........p. 89


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 12

I - O texto jornalístico e a literatura pela ótica discursiva ........................................ 19


1.1 – Jean Dubois e o olhar sincrônico sobre a língua .................................................... 24
1.2 – Michel Pêcheux e a perspectiva do funcionamento da linguagem ................... 27
1.3 – Dominique Maingueneau e o discurso literário ....................................................... 35
1.3.1 – A literatura como discurso constituinte .......................................................... 39
1.3.2 – O Monitor Campista como unidade textual ................................................... 46
1.3.3 – O Monitor Campista como processo discursivo ........................................... 55

II - A literatura no jornal Monitor Campista .................................................................. 65


2.1 – O discurso literário como problemática representacional e interpretativa ...... 72
2.1.1 – As representações do discurso literário pela ótica do Movimento literário
em Campos de Múcio da Paixão ................................................................................. 73
2.1.2 – O Movimento literário em Campos: um levantamento historiográfico da
literatura na cidade ......................................................................................................... 77
2.1.3 – As musas, a morte e o canto dos poetas: as representações e os textos
literários no Monitor Campista ...................................................................................... 79
2.1.4 – Entre a literatura e o jornalismo: a tragédia do Vapor Goytacaz ............... 81
2.2 – O contexto de produção como cenário ...................................................................... 86
2.2.1 – O cenário: Campos e seus espaços, domínios e contextos de circulação
da literatura ...................................................................................................................... 89
2.2.2 – A cidade como cenário fabricado pelo discurso........................................... 91
2.2.3 – A cidade e as condições materiais de produção econômica e cultural .... 96
2.2.4 – A cidade como cenário da vida urbana ....................................................... 101

III - A vida literária em Campos no final do século XIX ........................................... 106


3.1 – Posicionamentos discursivos ...................................................................................... 117
3.2 – Ritos discursivos ............................................................................................................. 120
3.3 - Comunidade Discursiva ................................................................................................. 122

CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 125

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 127

ANEXOS ............................................................................................................................... 132


INTRODUÇÃO

Esta é uma história cujas principais personagens são Domingos de Alvarenga


Pinto (1828-1884), Teixeira de Mello (1833-1907), Francisco Portella (1834-1913),
Azevedo Cruz (1870-1905) e Múcio da Paixão (1870-1926). Por meio de suas ações,
dos textos que produziram e do que se escreveu sobre eles, esta história explora a
vida desses “homens de letras”, embora não sejam essas as principais vidas em ques-
tão. A protagonista desta história é a vida literária, que se corporifica a partir da inscri-
ção desses atores sociais nos contextos social, político, econômico e cultural da ci-
dade de Campos dos Goytacazes1-RJ.

Esta história se passa no final do século XIX, pouco antes do marco legal que
instituiu o fim da escravidão no Brasil, e lança os olhos sobre a produção de uma
forma específica de literatura, a poesia e a prosa publicadas em livros e jornais, sem
perder de vista que a categorização desses textos é um processo ideológico, histórico
e cultural. Os principais personagens desta história são homens brancos, que tiveram
acesso ao ensino superior numa época em que a grande maioria da população era
analfabeta. Sendo o jornalismo responsável pela impressão de textos, disseminação
de discursos e um espaço onde esses personagens atuaram, esta também é uma
história sobre a imprensa brasileira quando ela ainda se constituía, embora já se con-
solidasse no mundo como o motor da vida moderna, urbana e industrial. Esta é uma
história sobre a vida literária em Campos no final do século XIX.

A vida literária fora tão somente uma expressão empregada por Maingueneau
(2001) para se referir ao trabalho de um escritor objetivando atestar o seu posiciona-
mento no espaço literário e na sociedade por meio de estratégias linguísticas e sociais
que se instauram na convergência entre uma maneira de viver e de escrever a sua
obra. Procuramos ampliar o alcance dessa expressão, convertendo-a em um conceito
operativo no campo da Análise do Discurso Literário (ADL), articulando-a às noções
de comunidade discursiva, posicionamento discursivo e ritos discursivos. Enquanto as
comunidades são os espaços sociais que dão condições materiais e simbólicas para
produção e circulação de enunciados, as comunidades discursivas são espaços mais
ou menos restritos que regulam a produção de enunciados: a redação de um jornal, o

1 Doravante, Campos dos Goytacazes será referenciada também por Campos.

12
círculo ou a academia de escritores, por exemplo. Os enunciados são, especifica-
mente, os gêneros literários e jornalísticos, configurações textuais intimamente ligadas
às práticas sociais, pois a opção que um enunciador faz por determinado gênero in-
dica-nos os ritos discursivos praticados. Através dos ritos, ele se posiciona ideologi-
camente acerca de temas sociais e das condições de produção discursiva. A vida
literária se manifesta nessa dinâmica que articula contextos, atores sociais, textos e
discursos.

Maingueneau (2001, p. 32) afirma que, no percurso de idealização, elaboração


e circulação da obra, “a enunciação literária constitui-se atravessando diversos domí-
nios: domínio de elaboração (leitura, discussões...), domínio de redação, domínio de
pré-difusão, domínio de publicação”, que formam um dispositivo solidário que inde-
pende do modo como se ordenam. Esse dispositivo é a vida literária que compreende
tanto a trajetória do escritor através de “tribos” literárias – círculos, escolas, bandos,
academias etc. – que reivindicam certas concepções estéticas e modalidades linguís-
ticas quanto a indissociabilidade entre essa trajetória e a configuração textual de sua
obra literária.

O linguista francês demonstra essa indissociabilidade entre o linguístico (a


obra) e o extralinguístico (os domínios) na literatura francesa dos séculos XVIII e XIX,
ao considerar os espaços do salão e do café, respectivamente. Segundo ele, o salão
participava de uma sociedade na qual o escritor vivia de proteções e gratificações e o
café fora o lugar onde se reunia com outros escritores para comungarem a rejeição à
sociedade burguesa. O café é espaço da vida boêmia tematizada, por exemplo, nas
obras de escritores franceses como em Cenas da vida boêmia (1852), de Henry Mur-
ger, e A obra (1886), de Émile Zola. Assim como o salão e o café, a taverna e as
redações de jornais são espaços vividos e tematizados na literatura brasileira, como,
respectivamente, em Noites na taverna (1855), de Álvares de Azevedo, e Recorda-
ções do escrivão Isaias Caminha (1909), de Lima Barreto.

Maingueneau defende que a produção literária se encontra vinculada ao con-


texto social e à dinâmica histórica. Entretanto, o autor se dedica mais ao estudo da
autoria e da constituição da obra que das dinâmicas sociais da literatura. Isso ocorre,
possivelmente, porque a França fora o centro irradiador daquilo que se entendia e
ainda se entende como literatura: a forma de um fenômeno social estético que corres-
ponde à transfiguração da realidade através do trabalho de um artista – o escritor –

13
que se vale das formas linguístico-literárias – os gêneros – para construir obras. A
estas são atribuídos certos valores estéticos, estabelecidos por uma comunidade dis-
cursiva que determina quais são esses valores e quais obras e autores a eles se ali-
nham.

Nosso objetivo principal é apresentar um aprofundamento do conceito de vida


literária e demonstrar sua aplicabilidade no estudo da literatura, concebendo-o como
meio para se descrever os espaços e os domínios que concorrem para a emergência
do discurso literário. Acreditamos só ser possível falar da existência de uma literatura
se houver uma vida literária que a torne possível. Acreditamos também que pensar a
vida literária como condição para o estudo da literatura no contexto brasileiro seja um
trabalho produtivo, pois, diferentemente da França, a gênese de nossa literatura não
ocorreu no Brasil, mas a partir de um processo de transplantação “de línguas e litera-
turas já maduras”, conforme Candido (1999). Portanto, a vida literária brasileira assu-
miria feições específicas e singularidades em virtude do processo de colonização que
fez com que essa literatura tivesse correlação com a produção europeia. São essas
questões importantes, dentre outras, que ainda não foram descritas pela perspectiva
da ADL.

Sem nos distanciarmos das relações culturais e econômicas de complementa-


riedade e transferências entre o Brasil e a Europa e entre Campos e o Rio de Janeiro,
a capital do império, investigamos os domínios e os espaços que concorrem para a
emergência da obra literária no contexto brasileiro do final do século XIX. Nesse perí-
odo de declínio do império e de término do regime escravocrata, circulava na cidade
de Campos, localizada na província do Rio de Janeiro, o jornal diário Monitor Cam-
pista.

No contexto histórico da literatura nacional, já se vislumbrava a consolidação


do sistema literário, este que, segundo Candido (2013, p. 25), compreende “um con-
junto de produtores literários, mais ou menos conscientes de seu papel; um conjunto
de receptores, formando os diferentes tipos de público [...]; um mecanismo transmis-
sor, (de modo geral, uma linguagem, traduzida em estilos), que liga uns aos outros”.
Ainda que estabelecido em limites espaço-temporais e desenvolvido a partir de um
material textual específico, acreditamos que o procedimento metodológico empregado

14
em nossa investigação possa ser retomado no estudo da literatura em outros contex-
tos e por meio de outras manifestações linguísticas das quais seja possível depreen-
der o discurso literário.

Considerando o estudo da literatura por meio da ADL, o ponto de vista teórico


adotado na pesquisa é o da Análise do Discurso de linha francesa (AD), em sua abor-
dagem integradora, que objetiva “articular o discurso como uma rede de encadeamen-
tos intratextuais e como participação em um dispositivo de fala inscrito em um lugar”,
conforme definem Charaudeau e Maingueneau (2008, p. 202), sem perder de vista a
abordagem analítica, que visa à decomposição do texto para atingir o sentido que
estaria encoberto pela ideologia. A abordagem integradora alinha-se aos estudos de
Maingueneau (2001, 2006), e a abordagem analítica vincula-se à gênese da AD, es-
pecificamente na obra de Pêcheux (2014 [1969], [1983]).

A AD é uma teoria que se destina à análise de produções textuais das mais


variadas procedências, inclusive de textos literários, embora, em sua origem, tenha
dado prioridade aos textos jornalísticos e aos temas da vida política, conforme Narzetti
(2014). Um exemplo de abordagem do literário pela ótica da AD analítica é o trabalho
de Figueiredo (2018). A pesquisadora empregou a teoria pechetiana para analisar a
obra Vozes de Tchernóbil, de Svetlana Alexijevich, que “narra de forma literária – com
traços jornalísticos – a história do acidente nuclear a partir do relato das vítimas”. Fun-
damentada pelos conceitos de arquivo, história e memória, a autora conclui que “é
possível conhecer [...] nela [na literatura] a força arquivística (com marcas também
ideológicas) de quem tem muito a dizer sobre um determinado evento (no caso, a
história de Tchernóbil)” (FIGUEIREDO, 2018, p. 119).

Além da AD pechetiana, que se volta mais às questões ideológicas, a ADL,


vertente da abordagem integradora, fornece um arcabouço teórico-metodológico vol-
tado à produção literária, cuja aplicação vem se desenvolvendo no Brasil nos últimos
anos, principalmente a partir da publicação, no país, em 2006, de Discurso Literário,
de Dominique Maingueneau. Nela são apresentados o corpo conceitual e o quadro
epistemológico da teoria. O trabalho de Santos (2016), a respeito da trajetória de Jules
Verne no campo literário francês, e a análise de obras literárias, como fez Jesus
(2017), ao estudar a construção dos ethé de mulheres moçambicanas nas obras de
Mia Couto, Terra sonâmbula e O último voo do flamingo, são exemplos de estudos
acerca do discurso literário pela via da ADL.

15
Buscamos a integração entre a AD e a ADL, porque o que pretendemos com
esta tese não é a análise da produção de um autor ou o estudo de uma obra singular.
Nossa proposta é investigar as condições de produção e as representações sobre o
discurso literário por meio das análises de textos publicados na imprensa. , Nossa
perspectiva se aproxima ao que é apresentado na tese de Monteiro (2017), que tem
como corpus o Bulletin des oeuvres et missions bénédictines au Brésil, uma revista
europeia que, no século XIX, publicava relatos de padres beneditinos a respeito da
cultura amazônica e dos hábitos locais. Fundamentada pela ADL e pelos conceitos de
campo e habitus, de Pierre Bourdieu, aquela pesquisa conclui que as cenas genéricas
construídas no periódico “apresentam o interdiscurso literário das narrativas popula-
res valorizadas a partir do romantismo, [...] e projetam quadros de paisagens pitores-
cas e exóticas, como as das cartas de viagem e das literaturas de viagens” (MON-
TEIRO, 2017, p. 136).

Almejamos a descrição das condições acerca da enunciação literária a partir


de um quadro maior de análise, isto é, sem se restringir a uma obra, a um autor ou a
um conjunto deles. Por meio da seleção e da análise de textos que carregam ecos do
discurso literário, publicados no jornal Monitor Campista, buscamos a integração entre
o contexto de produção e o trabalho de gestão literária. Ao nos referirmos ao discurso
literário, consideramos as representações acerca da literatura que se manifestam nas
concepções estéticas (as formas e os conteúdos dos textos), nas configurações tex-
tuais (os gêneros discursivos) e nas condições de produção (condições materiais e
restrições ideológicas) que possibilitam, permitem e delimitam o exercício da literatura
em determinado contexto social.

Nos estudos discursivos, a análise, como procedimento metodológico, res-


ponde a uma questão ou atesta ou refuta uma hipótese previamente delimitada pelo
pesquisador com base em proposições constituídas anteriormente sobre o discurso
tomado como objeto de análise. Portanto, a pesquisa consiste em uma abordagem
hipotético-dedutiva na qual se busca atestar a ocorrência do fenômeno englobado
pela hipótese. Sendo o discurso literário o objeto desta tese, a respeito dele conside-
ramos previamente, como base para a análise da vida literária, as seguintes premis-
sas:

• A literatura é uma atividade, um discurso sobre o mundo e que trabalha


para gerir um espaço nesse mundo, isto é, “o conteúdo da obra é na verdade

16
atravessado pela remissão a suas condições de enunciação. O contexto não é
colocado no exterior da obra, numa série de camadas sucessivas; o texto é, na
verdade a própria gestão do seu contexto” (MAINGUENEAU, 2006, p. 44).

• A imprensa tornou-se um espaço determinante para a produção literária


brasileira, especialmente a partir do final do século XIX, tal quais os salões ou
cafés franceses, ao operar como um dispositivo da vida literária, por meio dos
domínios da discussão, redação, pré-difusão e divulgação da obra de escrito-
res, dentre os quais Manuel Bandeira, Machado de Assis e João do Rio, con-
forme Moura (2012), e Clarice Lispector, conforme Bêtta (2014).

Formulamos a hipótese de que, com análise discursiva de textos da imprensa


local, é possível mapear os espaços, os domínios e os contextos de produção e cir-
culação da literatura que caracterizavam a vida literária na cidade de Campos, no final
do século XIX. A hipótese se baseia nas duas premissas apresentadas acima e con-
sidera também que, após a independência do Brasil, houve produção literária na ci-
dade, conforme demonstrado por Múcio da Paixão na obra Movimento Literário em
Campos (1924). Considera-se, ainda, a presença de uma imprensa profícua, diversi-
ficada, longeva e com forte influência política nas decisões da administração pública
municipal e provincial, conforme atestam Chrysostomos (2011), Lemos (2018, 2019)
e Peixoto (2008).

Na primeira parte, apresentamos a história da AD desde a sua fundação até o


seu estágio atual e destacamos que, desde a sua origem, essa teoria trabalha com
textos jornalísticos até se estabelecer como uma disciplina voltada ao estudo do sen-
tido, a partir das relações entre o linguístico e o extralinguístico. Abordamos também
as características dos textos jornalísticos e literários, ao apresentarmos o Monitor
Campista em três perspectivas: como unidade textual composta por suas seções, cuja
configuração gráfica e linguística guarda semelhanças com folhas francesas e cario-
cas em circulação na mesma época; como processo discursivo, ou seja, os processos
ideológicos relativos à sua produção como veículo midiático e sua circulação na ci-
dade, visto sua autodenominação de “o órgão da opinião mais justa e independente
de Campos”; e, finalmente, como documento histórico preservado e acessível por
meio digital na Biblioteca Nacional. No decorrer da exposição teórica, discutimos e
analisamos o percurso literário dos poetas Azevedo Cruz e Teixeira de Mello e dos
jornalistas Francisco Portella e Domingos de Alvarenga Pinto.

17
Na segunda parte, com base nos procedimentos metodológicos de Charaudeau
(2011) e Maingueneau (2008, 2015), respectivamente, a “problemática representaci-
onal interpretativa” e o “cenário”, apresentamos o corpus da análise constituído de
textos extraídos do jornal. A partir do primeiro conceito, analisamos e discutimos, com
base no corpus constituído pelo soneto “Para tornar dest’alma a noite escura” de Osó-
rio Duque Estrada, o fragmento de prosa poética “A violeta” de José Sampaio e a
reportagem/crônica sobre o naufrágio do Vapor Goytacaz, ocorrido em 22 de novem-
bro de 1887, as concepções estéticas e os sentidos do fazer literário na cidade e no
país à época. Nesse ponto, apresentamos a trajetória literária de Múcio da Paixão e o
seu trabalho como crítico e historiador da literatura de Campos do século XIX. Por
meio do segundo conceito, caracterizamos a cidade em seus aspectos sociais, econô-
micos, culturais e discursivos, e destacamos as condições de produção do discurso
literário, tendo em vista os atores sociais e as demais condições que possibilitaram o
surgimento e a circulação do discurso literário, tomando como corpus de análise anún-
cios comerciais publicados no MC.

Na terceira parte, analisamos o corpus discursivo constituído pelo capítulo vinte


e três do folhetim A avó e a reportagem que tratou da sessão de abertura da Exposição
de Artes do Liceu Bitencourt, ocorrida em 02 de dezembro de 1887. Nesse ponto,
retomamos os conceitos teóricos apresentados nas partes anteriores, integrando-os
às noções de comunidade discursiva, posicionamento discursivo e ritos discursivos.
Por meio dessas conceituações, descrevemos o funcionamento discursivo da vida li-
terária em Campos no final do século XIX.

Finalmente, fechamos o trabalho demonstrando que, com a análise de um cor-


pus discurso extraído de periódicos jornalísticos, torna-se possível a descrição da vida
literária, corporificada na forma dos dispositivos discursivos e sociais que cooperam
para a produção e circulação da literatura. Com o estudo das edições do jornal MC,
embasados pela AD e pela ADL e em diálogo com outros documentos históricos e
pesquisas historiográficas, pudemos compor uma pequena fração do contexto de pro-
dução e circulação da literatura na cidade. Destacamos que foram encontradas muitas
conexões entre discursos, escritores, textos jornalísticos e literários, revelando um
trânsito intenso entre Campos, uma cidade periférica, o Rio de Janeiro, capital do im-
pério, e a Europa, especificamente, a França, polo irradiador dos fazeres jornalístico
e literário de então.

18
I

O texto jornalístico e a literatura pela ótica discursiva

Toda forma de escrita é um instantâneo de tempo e espaço. A palavra torna a


realidade sempre atual, mesmo que seja outra pela passagem do tempo e mesmo que
a ficção a transmute a ponto de já não ser possível amarrar o mundo inventado pela
ficção àquele da realidade onde as pessoas vivem e sobre a qual, eventualmente,
escrevem. Se, do ponto de vista da intencionalidade, a escrita jornalística mira o re-
portar, e a escrita literária, o transmutar, do ponto de vista da produção e da atribuição
de sentido, pela perspectiva do discurso, elas estão coladas à realidade.

Do ponto de vista da produção e atribuição de sentido, diferentemente dos es-


tudos concernentes à semântica, ao léxico e à etimologia, nos quais o significado é
uma entidade anterior ao material linguístico, na ótica discursiva, o sentido consiste
no efeito resultante da incontornável dialética entre a língua, materializada nos textos,
e o contexto cultural onde emergem. Por isso, tanto o texto jornalístico quanto o lite-
rário encontram-se colados à realidade, seja pelo turno de quem os produz seja pelo
de quem os lê. No texto jornalístico, em que predomina a linguagem referencial, a
realidade social é a sua própria função. No texto literário, ela está presente como tema
e como o conjunto das condições materiais. Estas concorrem para que ele exista sob
a forma de uma configuração textual que se dá à leitura por meio um suporte, especi-
almente, no contexto desta pesquisa, na forma de seções em jornais, suplementos
literários, revistas especializadas e livros literários ou de crítica e história literária. Es-
sas duas possibilidades de manifestação da realidade social no texto literário possibi-
litam ao leitor compreender a realidade tal qual ela se apresenta no texto, a partir da
leitura que o autor faz dessa realidade de acordo com a maneira como ele a reconstitui
linguisticamente em seu texto.

Para demonstrarmos a manifestação da realidade social de Campos dos


Goytacazes-RJ no texto literário, tomaremos o soneto “Paisagem de minha terra”

19
(anexo 1). Esse é um texto literário escrito por um poeta nascido na cidade no final do
século XIX. Mais que o reflexo da paisagem geográfica à época, o poema revela o
olhar de um sujeito sobre a sua realidade social. Um olhar que carrega um sentido
sobre ela como tema e como condições materiais que possibilitaram a existência do
texto e que permitem que o leiamos em 2020. O texto não é a representação da rea-
lidade, mas ele a carrega consigo, mantendo-a atual, no sentido de atualizável pela
leitura. Essas considerações sobre a atualidade dos sentidos do texto e da realidade
social partem da perspectiva de que o sentido é construído pelo discurso, isto é, que
ele não se constituiu na imanência do texto, mas que “é continuamente construído e
reconstruído no interior de práticas sociais determinadas” (MAINGUENEAU, 2015, p.
29).

João Antônio de Azevedo Cruz, ou somente Azevedo Cruz, mira o local onde
nasceu em 18702, a freguesia de Santa Rita, a atual região da Lagoa de Cima próxima
ao Iate Clube, provavelmente, nas proximidades de onde, em uma colina, está a Igreja
de Santa Rita de Cássia. Ainda que, investido do subjetivismo da poesia romântica, já
que afirma ser este um “olhar” livre e sem amarras acerca da paisagem natal, o aluno
do Liceu de Humanidade de Campos (LHC), frequentador dos cafés da cidade, ba-
charel, deputado estadual e cujos poemas converteram-se, posteriormente, na letra
do hino da cidade, inscreve o sentido de seu olhar em uma perspectiva estética e em
práticas sociais que acabam por determinar a construção de sentido no interior do
próprio texto. O texto não fala somente a partir de um “eu” romântico que foge para o
campo para se proteger da dureza da vida urbana, mas também de um “eu” que existe
como sujeito em relação a um determinado lugar social, no qual se inscreve e sobre
o qual fala.

O poeta vê os canaviais, as lagoas, os canais e a planície ao pôr do sol, eclip-


sado pelo morro do Itaoca. A poesia dessa cena que, possivelmente, naquele con-
texto, poderia estar também aos olhos de um homem negro escravizado ao final de
uma tarde de labor ou da filha de um fazendeiro local chegando à igrejinha de Santa

2 Os dados biográficos dos escritores citados nesta tese foram extraídos da obra Movimento literário
em Campos, de Múcio da Paixão. Ao encontrarmos algumas imprecisões, apontamos para a necessi-
dade de, futuramente, confrontar esses dados com outras fontes históricas. Por exemplo, o autor afirma
que Azevedo Cruz escrevera “A terra da goiabada” com a colaboração de Álvares de Azevedo, poeta
romântico que também estudou na faculdade de direito de São Paulo. No entanto, se Azevedo Cruz
nasceu em 1870 e Álvares de Azevedo morreu em 1852, o encontro entre eles seria impossível. Do
ponto de vista discursivo, entretanto, consideramos a imprecisão, proposital ou não, uma manifestação
do posicionamento discursivo do próprio Múcio da Paixão, sobre o qual nos deteremos mais à frente.

20
Rita para a missa das dezoito horas, foi vertida para as formas da linguagem poética
por um homem branco que estudou direito no Largo de São Francisco. Segundo
Adorno (1988), a faculdade de direito de São Paulo foi o espaço de formação das
elites letradas do Brasil, na segunda metade do século XIX. Nesse lugar, a reflexão
cultural e política fora das salas de aula teve mais importância que o estudo das dis-
ciplinas do direito estabelecidas pelo currículo da instituição.

A realidade social da cidade tematizada no poema é aquela que se constitui a


partir do olhar desse sujeito. Logo, os sentidos do que ele diz não trazem consigo
apenas o valor das unidades linguísticas e dos contextos sintático e semântico. O
sentido é socialmente construído, isto é, ele é uma construção e “essa construção do
sentido é, certamente, obra de indivíduos inseridos em configurações sociais de di-
versos níveis (MAINGUENEAU, 2015, p. 29). Desse modo, além do contexto linguís-
tico, os contextos culturais nos quais um enunciado surge e nos quais se apresenta à
leitura produzem efeitos de sentido cuja análise só se faz possível se a palavra ou o
enunciado forem observados a partir de uma configuração maior que integre a comu-
nidade discursiva, os posicionamentos discursivos assumidos e os ritos discursivos
empregados. A partir dessa dinâmica, que entrelaça o social e o linguístico, os efeitos
de sentido são produzidos. A produção ocorre pela via metafórica, na relação semân-
tica entre as palavras, ou pela via parafrástica, na possibilidade de substituição de
uma palavra por outra de valor semântico aproximado.

No soneto, ao elemento dêitico “aqui”, seguido de “desta eminência”, pode-se


atribuir o sentido de uma referência espacial: o lugar eminente, portanto, mais elevado
de onde ele observa a paisagem, que poderia ser a colina em que está a igrejinha de
Santa Rita. O sentido da expressão pode ser pensando também a partir da referência
discursiva acerca do lugar social ocupado pelo locutor: um bacharel que transitou pe-
las capitais, Rio de Janeiro e São Paulo, e retornou à sua freguesia. O trânsito cultural
e geográfico, certamente, o capacitou a ocupar uma posição social e cultural “superior”
ou, ao menos, distinta, que o capacitaria a olhar a paisagem da cidade com mais
acuidade linguística. No primeiro caso ou no segundo, a ideia de distanciamento ins-
taurada pela expressão “aqui, desta eminência” pode ser compreendida como o do-
mínio das formas literárias pertinentes à descrição da natureza e à narração do pas-
sado nessas terras com base na ótica estética e temática da primeira geração român-
tica. A perspectiva do passado e da natureza confirma-se quando entendemos que

21
quem “discorre” é o olhar do poeta, olhar como metáfora da memória que se dirige ao
passado mítico, outra marca da estética romântica. Por meio da via parafrática, pode-
mos pensar ainda que o poeta poderia adotar outras formas literárias para descrever
a paisagem, no entanto ele escolhe apenas uma: o soneto, com versos alexandrinos
e rimas compostas no esquema abba-abab-ccd-eed. Além disso, quanto ao conteúdo
do texto, a expressão subjetiva na descrição da natureza como lugar de fuga confirma-
se como uma escolha concernente ao romantismo.

Pela via metafórica, identificamos a expressão “floresta de alfanjes”, que se


refere à forma das folhas da cana-de-açúcar. Alfanje é um tipo de espada larga e curva
cujo formato se assemelha ao produto agrícola que alimentou a economia local e aca-
bou por moldar uma tradição estética recorrente em diferentes momentos da produção
literária local, como a prosa de José Candido de Carvalho (1914-1989) e a lírica de
Antônio Roberto Kapi de Góis Cavalcante (1955-2015). Ainda pela via metafórica, “as
artérias e as veias!” remetem o leitor aos canais e aos rios que compõem a geografia
do município, sobre a qual se atribui o sentido de um corpo vivo por onde o sangue
corre. Além das metáforas, o poeta recorre à comparação do rio Paraíba com os mai-
ores rios da Terra: “Acaso ao Nilo e ao Ganges/ pode ele algo invejar?”. Por fim, a
escravidão é deflagrada pela metonímia na lembrança do rio que remete o poeta à
“tragédia africana”.

De onde emergem os sentidos, as conotações e as metáforas presentes no


poema? Viriam eles da genialidade do poeta, da construção e da literariedade do texto
ou das condições de emergência dos discursos? A resposta a essas questões de-
pende do ponto de vista teórico adotado na análise literária. Nesta tese, defendemos
que o conteúdo de um enunciado, literário ou não, está interligado à sua enunciação.
Sendo assim, a manifestação da realidade social depreendida por meio da análise do
poema de Azevedo Cruz demostra que a leitura da realidade social vincula-se ao
modo como o poeta a reconstitui em seu texto a partir de seu posicionamento discur-
sivo, confirmando a tese de Maingueneau. Segundo a qual, no que concerne ao tripé
autor-texto-contexto, o texto literário é uma forma de gestão do seu contexto e o enun-
ciador divide-se em escritor, o sujeito social, e o autor, a identidade enunciativa e so-
cial que se constitui a partir da emergência de sua obra literária.

22
No campo dos estudos literários, o ponto de vista da ADL promoveu a reconfi-
guração da perspectiva do autor, pouco enfatizada pelos estruturalistas ou excessiva-
mente reverenciada como aura de genialidade pelos filólogos e pelos estudiosos da
estilística. A reconfiguração e os deslocamentos nas teorias discursivas em direção à
literatura, promovidos por Maingueneau, partiram da crítica a respeito das teorias lite-
rárias antecedentes: a filologia do século XIX, que concebe o texto literário como ex-
pressão de um tempo e que procura investigar as condições que possibilitam o surgi-
mento de uma obra em um determinado lugar e época; a estilística, pautada na esté-
tica romântica e no ideal de uma individualidade criadora; a sociologia literária, que,
fundamentada no marxismo, investiga a obra literária como um reflexo ideológico e
como a expressão de uma visão de mundo; e, finalmente, o estruturalismo, que se
volta à imanência do texto e à separação entre obras profanas, transitivas e não lite-
rárias e obras sagradas, intransitivas e, por isso, verdadeiramente literárias.

A pesquisa filológica idealiza uma aproximação última e definitiva entre o con-


texto, a inscrição histórica das obras, e o autor, a autoria do texto literário, esse geral-
mente situado no passado em relação ao investigador, para que assim seja possível
identificar o sentido verdadeiro e legítimo do texto. Investiga-se aquilo que o autor quis
dizer com o objetivo de mostrar que a autoria é uma instância capaz de representar
toda uma época, especificamente um tempo histórico a ser reconstituído. Também
voltada ao passado, a história literária visa à compreensão da época, do contexto,
buscando estabelecer relações causais entre o texto, o contexto e a biografia do autor,
por meio do próprio texto, a partir do qual descreve-se o contexto. Por sua vez, a
estilística propõe o deslocamento entre o autor e o contexto, voltando-se à consciência
criadora e o seu confronto com o mundo, tomando o texto como expressão de uma
época e de um autor singular, identificáveis pelo estilo literário do autor em relação ao
seu contexto cultural. Finalmente, a sociologia literária busca encontrar o sentido que
se apresentaria opaco no texto e encoberto pela ideologia, para demonstrar que a
representação das lutas de classe encontra-se ali como um reflexo ideológico.

A reconfiguração e os deslocamentos nas teorias discursivas em direção à lite-


ratura promovidos por Maingueneau, além de se fundamentarem em relação às teo-
rias literárias, dialogam com as teorias discursivas antecedentes, especialmente a AD
em sua vertente analítica, fundada por Michel Pêcheux (1938-1983) e Jean Dubois

23
(1920-2015), na França do final da década de 19603. Independente da vertente, em
seu estágio atual, a AD consiste em uma disciplina científica de natureza interdiscipli-
nar que tem vínculos com os estudos linguísticos, embora não se reduza a uma nova
forma de conceber as teorias linguísticas, que têm a língua como objeto. Por isso, ela
não é considerada uma nova linguística.

Por buscarmos a integração entre a ADL e a AD analítica, nas duas próximas


seções desta parte, apresentamos as contribuições de Dubois e Pêcheux por meio de
exemplos de análises discursivas que se valeram de suas proposições teóricas e de
seus conceitos, que serão posteriormente retomados em nossas análises. Dubois e
Pêcheux contribuíram para que a AD, em relação aos estudos linguísticos, alcançasse
a exterioridade linguística, concebendo a emergência dos enunciados por meio de um
recorte temporal sincrônico e da implicação, no linguístico, do grupo social em que se
integram enunciadores e coenunciadores.

Em Dubois e Pêcheux, a AD voltou-se aos textos jornalísticos para lhes extrair


o ideológico. Dominique Maingueneau acrescentou à teoria ferramentas teórico-me-
todológicas para o estudo do texto literário, estabelecendo a ADL no interstício entre
os estudos linguísticos, literários e sociais.

1.1 – Jean Dubois e o olhar sincrônico sobre a língua

Jean Dubois foi orientador da tese de Denise Maldidier, defendida em 1969, a


respeito do vocabulário político da guerra da Argélia, que se estendeu entre 1954
e1962. O estudo teve por objetivo a análise do modo pelo qual os jornais franceses
divulgaram o conflito à época. Para a pesquisadora, Jean Dubois entendia a AD como
uma continuação da linguística. O linguista-lexicólogo defendia que a passagem do
estudo da palavra ao estudo do enunciado, isto é, da lexicologia à AD, representava
uma transformação nos estudos linguísticos em direção ao seu progresso epistemo-

3Maldidier (2016 [1988]) afirma que os eventos que marcaram a fundação da AD foram: a publicação,
em 1969, de Análise automática do discurso (2014 [1969]), de Michel Pêcheux, que anunciou “um
programa teórico e prático” para a AD, e a intervenção de Jean Dubois, que fez “papel de ‘manifesto’
da Análise do Discurso” no encerramento do Colóquio de Lexicologia Política de Saint-Cloud, em abril
daquele ano.

24
lógico. Apesar de ainda estar fincado no terreno da linguística, o procedimento meto-
dológico adotado na tese de Maldidier mostra a relação entre o linguístico – o voca-
bulário –, e o extralinguístico – a guerra da Argélia –, por meio da investigação de
enunciados jornalísticos.

Dubois defendia que, para depreender os sentidos das unidades lexicais, seria
necessário abordá-las em um contexto maior, integrando-as às especificidades dos
enunciados. Para argumentar acerca de suas proposições, ele estudou a estruturação
lexical de um período histórico delimitado: o contexto da revolução francesa, por meio
da descrição semântica das unidades lexicais, indicando a divisão e o sentido dessas
acepções pela ordem sintagmática (colocação, distribuição, construção argumenta-
tiva) e paradigmática (antonímia, sinonímia, implicação). Ao recorrer a um conjunto
finito de elementos sêmicos, em um recorte sincrônico, a partir das unidades sintag-
máticas e recorrendo à compartimentação em campos lexicológicos inscritos no para-
digma linguístico, Dubois, conforme aponta Tamba (2006, p. 24), substituiu a perspec-
tiva etimológica tradicional de natureza filológica por uma perspectiva sincrônica, re-
correndo a critérios distribucionais e derivacionais.

Essa concepção de AD, instaurada por Dubois, tinha por metodologia a abor-
dagem distribucional do linguista americano Zellig Harris (1909-1992)4, segundo a
qual discurso, seria uma unidade linguística composta por uma sucessão de frases ou
uma frase longa. Nessa abordagem, considera-se o isomorfismo entre os estratos lin-
guísticos, inclusive, entre a língua e o discurso. Assim, para Harris, a AD consistiria
na análise da superfície discursiva, o texto, com o objetivo de mostrar as regularidades
semânticas e sintáticas a ela concernentes. Maingueneau (2006, p. 39) considera que
essa abordagem do fenômeno linguístico deu origem à Linguística Textual5.

4 Segundo Maingueneau (2015), Harris foi quem empregou o termo “análise do discurso” pela primeira
vez, no artigo Discourse Analysis publicado na revista Language, n. 28, em 1952. Ele foi também o
fundador do primeiro departamento de linguística dos Estados Unidos, em 1931, na Universidade da
Pensilvânia, onde foi professor de Noam Chomsky, em 1945.
5 Segundo Fávero e Koch (2012, p.15), a linguística textual é um “ramo da linguística” que parte do
princípio de que o objeto de investigação da língua é o texto, não a palavra ou a frase, pois “é o texto
a forma específica de manifestação da linguagem”. Na LT, a análise textual é concebida a partir da
relação entre o texto e o contexto, isto é, entre um interior do texto e um entorno de práticas não-
verbais. Por outro lado, na AD, a atividade enunciativa é concebida por meio da articulação entre uma
maneira de dizer, um modo de veiculação dos enunciados e, consequentemente, um modo de conceber
as relações humanas com base na mediação pela linguagem.

25
Guilhaumou e Maldidier (2016 [1984], p. 163) realizaram um trabalho com base
na metodologia da AD postulada por Dubois, ao considerarem a análise das funções
sintáticas como o lugar de elucidação do estrato discursivo, relacionando-as às rela-
ções sintagmáticas e paradigmáticas. Eles partiram da estrutura sintática coordenativa
“pão E x” para chegarem ao discurso, por meio de um trabalho de análise sintática,
através do qual se demonstraram que “o trabalho da gramática produz diretamente
efeitos discursivos” (GUILHAUMOU E MALDIDIER, 2016 [1984], p. 178).

Por tal perspectiva, o discurso foi tomado como uma unidade isomórfica em
relação às expressões e às frases e como uma outra face da História. Assim, eles
seguiam um viés isomórfico entre o discurso e a História, para prosseguir em direção
à historicidade dos enunciados. No caso específico, remetendo-os à época da revolu-
ção francesa, na qual um conjunto de enunciados compostos pela sequência “pão E
x” marcou os principais momentos do processo revolucionário, entre os anos de 1789
e 1795.

Os autores analisaram um corpus constituído de artigos publicados em perió-


dicos da época, de onde depreenderam estruturas maiores, em que “pão E x” apare-
ciam como objeto de um verbo pedir/querer, por exemplo em “A comuna de Paris pede
pão e soldados”, e outras nas quais “pão E x” entram em uma estrutura tematizada do
tipo: Pão e x, isto é z ou z é pão e x, por exemplo “Uma nação é rica quando ela tem
pão e ferro”. Por meio desse estudo, eles concluíram que é o contexto discursivo que
esclarece as condições de possibilidade e legitimidade das coordenações envolvendo
pão. Eles perceberam que o termo sofre um efeito metafórico a depender tanto da
estrutura sintática a qual se integra quanto do contexto histórico em que se manifesta,
na forma dos enunciados publicados nos periódicos à época.

Guilhaumou e Maldidier identificaram que a expressão “pão e liberdade” apa-


recia em 1789, tornando-se um valor de referência ao longo de toda a revolução fran-
cesa, ao passo que “pão e ferro” produziu um efeito unificador ligado à formação do
movimento hebertista. Logo, eles verificaram que “[...] o efeito de metaforização pro-
duzido sobre pão torna visível tanto a resistência quanto a maleabilidade do léxico.
Mediante o jogo da coordenação, pão continua sendo um objeto concreto ao mesmo
tempo em que se torna um símbolo” (GUILHAUMOU E MALDIDIER, 2016 [1984], p.
178-179). Assim, a depreensão dos sentidos dessa construção metafórica acerca do

26
termo “pão” por meio da constituição do corpus delimitado a partir de um recorte tem-
poral e um grupo social, a teoria de J. Dubois para contornar o problema da exteriori-
dade linguística é confirmada, o que o americano Harris não fizera.

No entanto, do ponto de vista metodológico, o objeto de estudo do gramático e


do analista do discurso resultavam, ambos, de uma operação de extração de unidades
linguísticas. E com a desvantagem de que, se na análise linguística a coleta é subme-
tida a um julgamento de cientificidade, ainda que recorrendo aos critérios de gramati-
calidade, que permitem afastar as falhas, o mesmo não ocorre com a AD de Jean
Dubois. A fragilidade de seu conceito de discurso, mais inclinado para uma definição
de texto, fez com que seu projeto tendesse para um viés mais militante, pois se deteve
mais a questões mais políticas que científicas; mais linguísticas que discursivas. As-
sim, sua AD dissipou-se em meio à linguística estrutural, confundindo-se com ela.

1.2 – Michel Pêcheux e a perspectiva do funcionamento da linguagem

Michel Pêcheux, ainda que estivesse inscrito no campo da filosofia marxista,


formulou o seu projeto de AD consoante ao princípio norteador do estruturalismo lin-
guístico ao qual estava filiado Jean Dubois. O autor, no entanto, distanciou-se do es-
truturalismo ao provocar o deslocamento da noção de função das unidades linguísti-
cas para a de funcionamento do discurso. “O funcionamento é a atividade estruturante
de um discurso determinado, por um falante determinado, para um interlocutor deter-
minado, com finalidades específicas” (ORLANDI, 1999, p. 52). Tal deslocamento não
significa uma recusa à linguística, mesmo porque, conforme Possenti (2011, p. 361),
“não há AD sem linguística. Ele [Pêcheux] apenas coloca a língua em seu lugar, ou
seja, reconhece sua especificidade, mas lhe limita o domínio”.

De modo a contornar as limitações da linguística quanto à exterioridade e às


relações intersubjetivas estabelecidas na e pela linguagem, Pêcheux defende que os
fenômenos linguísticos superiores à frase só podem ser concebidos como funciona-
mento, que não é exclusivamente linguístico, mas é também social, isto é, integrado
à exterioridade, portanto, ao contexto de enunciação e ao contexto sócio-histórico, e
às suas condições de produção material e linguística. Para fundamentar sua teoria
sobre o funcionamento do discurso, Pêcheux foi buscar referências em outras ciências

27
humanas. Assim, ele propôs que, com a materialidade da ideologia pensada por meio
do conceito de aparelhos ideológicos de estado (AIE)6, fosse possível chegar à inte-
gração entre a língua, a sua exterioridade e as condições de produção do discurso e,
consequentemente, à depreensão dos sentidos não mais atrelados ao sujeito enunci-
ador, como origem, ou às formas materiais da língua, mas às condições de produção 7.

Nesse ponto, o conceito de AIE, concebido por Louis Althusser (1918-1990),


em sua obra Ideologia e aparelhos ideológicos de estado (1970), foi fundamental. Com
Althusser, Pêcheux refletiu sobre o funcionamento dos AIE, concebendo-os como
“palcos” de perpetuação das relações de produção e de transformação das formações
ideológicas, sendo o ideológico uma representação imaginária acerca da realidade
material e o sujeito, uma categoria atrelada às práticas sociais de perpetuação das
relações de produção. Sobre a contribuição de Althusser, salienta-se que ele

[...] nos convidava a aprofundar a posição materialista (não há sujeito sem


prática/não há prática sem sujeito), para elucidar os mecanismos de interpe-
lação dos indivíduos em sujeitos, para produzir um conhecimento a partir da
seguinte questão: em que categoria de sujeito é constitutiva da de ideologia?
(GUILHAUMON; MALDIDIER, 2016 [1979], p. 105).
Com isso, Pêcheux procurou superar a visão idealista de sujeito por meio do
entendimento a respeito das relações sociais e da produção de sentidos, nas quais a
ideologia se constitui ao mesmo tempo em que institui os indivíduos como sujeitos
sociais, oferecendo-lhes, por meio da representação ideológica, a ilusão de serem
livres. Ao assumir esse posicionamento epistemológico, o autor acreditava ter supe-
rado a visão idealista do sujeito e da linguagem, demonstrando que uma metáfora,
por exemplo, não tem origem na intencionalidade subjetiva, mas decorre de um pro-
cesso ideológico que, inclusive, constitui o próprio sujeito. Pêcheux reforça, de certo
modo, as conclusões de Guilhaumou e Maudidier a respeito do efeito metafórico, con-
vocando, entretanto, o arcabouço sociológico para depreender o efeito de sentido de-
corrente da formulação de uma metáfora. Segundo Pêcheux,

6 Althusser (1985) define os Aparelhos Ideológicos de Estado (AIE) em oposição aos Aparelhos Re-
pressivos de Estado (ARE). Enquanto estes operam por meio da violência legítima do estado, na forma
de tribunais, polícias e prisões, aquele corresponde aos meios que o estado emprega para disseminar
e garantir a reprodução da ideologia dominante, por exemplo, o aparelho religioso, o aparelho familiar,
o aparelho político, o aparelho sindical, o aparelho de informação, o aparelho cultural etc.

7 Ascondições de produção correspondem ao contexto imediato e, também, ao contexto sócio-histórico


e ideológico. Nas palavras de Marx, “sempre que falamos de produção, é à produção num estágio
determinado do desenvolvimento social que nos referimos – à produção de indivíduos vivendo em so-
ciedade” (MARX, 2015, p.172-173).

28
[...] é possível, agora, chegar às consequências materialistas dessa desco-
berta na área de que nos ocupamos, o que vai impor uma transformação da
metáfora, de modo que ela apareça como o que é, ou seja, um processo não
subjetivo no qual o sujeito se constitui (PÊCHEUX, 2014 [1975] p. 120).
Falando, então, a partir da filosofia marxista, mas buscando integrá-la a um
conjunto maior de teorias linguísticas e sociais, sugerindo, inclusive de forma irônica
que, em sua abordagem, “o marxismo procura casar-se ou contrair relações extracon-
jugais”, Michel Pêcheux concebeu a AD como uma “ruptura epistemológica com a
ideologia que domina as ciências humanas (notadamente a Psicologia)” (MALDIDIER,
2016 [1988], p. 215), ao defender que o sujeito não é racional ou dono de sua consci-
ência, conforme propunha a psicologia cognitivista e comportamental. Logo, segundo
ele, para apreender a subjetividade, seria necessário compreender que o sujeito se
constitui no processo de interpelação, capturado pelas determinações históricas que
“o falam”. Por meio dessa concepção não “subjetiva” da subjetividade, o autor coloca
a questão da integração entre a língua, o sujeito e a história, promovendo um desco-
lamento da problemática do sujeito, transpondo-o da história para o discurso, de modo
que

[...] se pode passar, sem grandes mudanças, da problemática da relação su-


jeito-história para a problemática da relação sujeito-língua e, mais especifica-
mente, sujeito-discurso, recolocando a questão: o sujeito fala ou é falado, é
sujeito na ou da língua, do ou no discurso (POSSENTI, 2011, 387).
Na concepção de Pêcheux, o sujeito não utiliza a língua como um instrumento
a serviço de um propósito. Ele é, na verdade, suporte do discurso que produz, es-
tando, portanto, “assujeitado” ao discurso. O sujeito é assujeitado, pois, não é livre e
não está na origem do discurso, o que quer dizer também que ele é clivado, não é uno
ou unitário, ponto de vista da psicanálise lacaniana. Assim, o sujeito é falado, se ma-
terializa na língua e é, portanto, um sujeito do discurso. Dessa maneira, influenciado
também pela teoria psicanalítica a respeito da constituição da subjetividade humana,
Pechêux defende que o registro simbólico8, conforme Lacan, é responsável tanto por
inscrever o sujeito na sociedade e na cultural quanto por aliená-lo acerca desse pro-
cesso de subjetivação, tornando-o, portanto, assujeitado. Assim, “a AD rompe com a

8 Lacan propõe o ternário real, simbólico e imaginário para se referir aos registros psíquicos nos quais
se desenvolvem as experiências humanas. O simbólico está articulado às regras da linguagem e da
cultura às quais os seres humanos se submetem. O imaginário é o lugar das ilusões, da construção da
imagem de si, do eu. O real é aquilo que não pode ser simbolizado, aquilo que se perde para que o
sujeito acesse a vida social e se inclua no jogo simbólico mediado pela linguagem.

29
concepção de sujeito uno, livre, caracterizado pela consciência (isto é, sem inconsci-
ente, sem ideologia) e tomado como origem” (POSSENTI, 2011, p. 388).

Possenti (2011) defende que essa noção de sujeito atravessado pela ideologia
e pelo inconsciente, conforme a AD, é possivelmente a mais importante de seu corpo
conceitual. Segundo o autor, na AD, “não há falante, locutor, muito menos emissor.
Há sujeito (alternativamente, enunciador)” (p.385). O autor prossegue afirmando ainda
que “não há Sujeito, há sujeitos; não há sujeitos da história, há sujeitos na história”
(386). Possenti (2009), em outro obra, no entanto, critica a noção de sujeito assujei-
tado, conforme propusera Pêcheux. O autor sugere um meio termo entre o assujeita-
mento à ideologia e ao inconsciente e a liberdade criativa. Segundo ele,

[...] sujeitos livres decidiram a seu bel-prazer o que dizer em uma situação de
interação. Sujeitos assujeitados seriam apenas pontos pelos quais passariam
discursos prévios. Acredito em sujeitos ativos, e que sua ação se dá no inte-
rior de semissistemas em processo. Nada é estanque, nem totalmente estru-
turado (POSSENTI, 2009, p. 73).
Além da ênfase dada à constituição da subjetividade pela perspectiva não sub-
jetivista por via psicanalítica e pela ótica do materialismo histórico, esse último contri-
buiu para que Pêcheux colocasse em suspeição a historiografia linear, que elege de-
terminados fatos históricos em detrimento de outros. A crítica à história linear e a pos-
terior defesa de uma história serial têm por fundamento as proposições de Michel
Foucault, a teoria arqueológica desenvolvida em Arqueologia do Saber (1969), a partir
da qual Pêcheux extrai as noções de acontecimento discursivo e formações discursi-
vas.

A teoria arqueológica foucaultiana parte do âmbito da teoria historiográfica, da


qual contesta a concepção de história como a verdadeira memória do passado e os
procedimentos metodológicos que visam à reconstrução dessa memória pela análise
documental. O autor afirma que “o documento não é o feliz instrumento de uma histó-
ria que seria em si mesma, e de pleno direito, memória; a história é, para uma socie-
dade, uma certa maneira de dar status e elaboração à massa documental de que ela
não se separa” (FOUCAULT, 2019, p. 8).

Desse modo, em oposição ao fazer historiográfico, está a descrição intrínseca


do documento, da qual provem a ênfase e a relevância da linguagem na obra de Fou-
cault. No primeiro caso, os documentos são analisados com vistas a se recompor, por

30
meio deles, a memória, isto é, identificar as séries subjacentes por meio da confirma-
ção de uma verdade contínua, linear e cronológica que estaria calada, mas que per-
maneceria latente nos documentos. Na abordagem foucaultiana, o fazer historiográ-
fico e os documentos que lhe servem de objeto são analisados pela ótica das descon-
tinuidades e das rupturas.

Foucault raciocina sobre a análise dos elementos constitutivos de um docu-


mento, conforme o procedimento metodológico desta tese, a delimitação dos conjun-
tos do material estudado e a delimitação das relações que caracterizariam um con-
junto, especialmente as relações linguísticas. Assim,

[...] a definição do nível de análise e dos elementos que lhe são pertinentes
(no material estudado, podem-se salientar as indicações numéricas; as refe-
rências – explícitas ou não – a acontecimentos, a instituições, a práticas; as
palavras empregadas, com suas regras de uso e os campos semânticos por
elas traçados, ou, ainda, a estrutura formal das proposições e os tipos de
encadeamento que as unem); [...] a determinação das relações que permitem
caracterizar um conjunto (pode tratar-se de relações numéricas ou lógicas;
de relações funcionais, causais, analógicas; pode tratar-se da relação signifi-
cante-significado) (FOUCAULT, 2019, p. 12-13).
Salientando a contribuição de Althusser e Foucault na obra de Pêcheux, Orlandi
(2015) ensina que, no âmbito da AD, “a formação discursiva se define como aquilo
que, numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição dada em uma
conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito” (ORLANDI,
2015, p. 41).

Por meio dessa afirmação, é possível assinalar os principais aspectos teóricos


da segunda fase9 da AD pechetiana, marcada pela introdução do materialismo histó-
rico e do conceito de FD: a inserção dos conceitos de formação social e formação
ideológica extraídos da teoria marxista de Louis Althusser; as condições socioculturais
de produção dos enunciados e as restrições sociais que determinam o que pode e o
que não pode ser dito, conforme Foucault propusera. Ao relacionarem a noção de
Foucault ao marxismo, Pêcheux et. al. (2011, p. 27) afirmam

9 Em 1983, ano de seu falecimento, Pêcheux publicou um breve artigo “A análise do discurso: três
épocas”, no qual faz um balanço sobre os posicionamentos epistemológicos e os procedimentos me-
todológicos da AD, dividindo-a em três épocas e indicando “direções referíveis em um trabalho de in-
terrogação-negação-desconstrução” (Pêcheux, 2014 [1983], p. 311). Segundo ele, a AD1 foi marcada
pela análise linguística por meio da exploração metodológica da maquinaria discurso-estrutural. A AD2,
por sua vez, foi a que integrou os conceitos de formação discursiva de Foucault e os aparelhos ideoló-
gicos de estado de Althusser ao estudo do discurso, mas manteve os métodos de análise da época
anterior. Finalmente, na AD3, a noção de heterogeneidade enunciativa permitiu que a análise discursiva
relacionasse o espaço da memória e do arquivo aos traços linguístico-discursivos.

31
Avançaremos, apoiando-nos sobre grande número de observações contidas
naquilo que denominamos ‘os clássicos do marxismo’, que as formações ide-
ológicas assim definidas comportam necessariamente, como um de seus
componentes, uma ou várias formações discursivas interligadas, que deter-
minam o que pode e deve ser dito (articulado sobre a forma de uma arenga,
de um sermão, de um panfleto, de uma exposição, de um programa, etc.) a
partir de uma posição dada numa conjuntura.
Pêcheux parte do princípio segundo o qual a história serial “permite fazer apa-
recer estratos de acontecimentos dos quais uns são visíveis, conhecidos até mesmo
pelos contemporâneos, e, debaixo desses, outros acontecimentos, invisíveis, imper-
ceptíveis e que são completamente diferentes” (POSSENTI, 2011, p. 379).

Foucault pontua que uma análise discursiva é uma análise das coexistências
de discursos, de sucessões, de funcionamentos e transformações dos enunciados
produzidos em lugares e tempos delimitados, que se fará por meio da descrição dos
acontecimentos discursivos. Segundo o autor,

[...] o projeto de uma descrição dos acontecimentos discursivos como hori-


zonte para a busca das unidades que aí se formam. [...]O campo dos acon-
tecimentos discursivos [...] é o conjunto sempre finito e efetivamente limitado
das únicas sequências linguísticas que tenham sido formuladas: elas bem
podem ser inumeráveis e podem, por sua massa, ultrapassar toda capaci-
dade de registro, de memória, ou de leitura: elas constituem, entretanto, um
conjunto finito. [...] A descrição de acontecimentos do discurso coloca uma
outra questão bem diferente: como apareceu um determinado enunciado, e
não outro em seu lugar? (FOUCAULT, 2019, p. 30-31).
O trabalho de análise dos acontecimentos discursivos consiste em compreen-
der a singularidade do enunciado em sua situação, considerando as condições de sua
existência e as correlações com outros enunciados, demonstrando por que ele não
poderia ser outro, por que ele se apresenta como esta paráfrase e não outra, por que
este enunciado exclui muitos outros e por que ele ocupa um lugar que nenhum outro
poderia ocupar. Finalmente, “que singular existência é esta que vem à tona no que se
diz e em nenhuma outra parte?” (FOUCAULT, 2019, p. 32).

Nesse ponto, a noção de acontecimento discursivo, assim atrelada à de história


serial, rompe com uma história linear que procura em tudo o sentido legítimo e propõe
que se investigue a relação discurso-enunciação como evento singular, por meio do
qual seja possível identificar aquilo que, em um discurso, escapa ao sujeito.

Buscando depreender o funcionamento discursivo, Pêcheux (2006) propõe que


um acontecimento seja acionado como um ponto de encontro entre a atualidade e a
memória e que tanto a estrutura, a materialidade linguística, quanto o sistema de re-

32
lações entre os termos e o valor de cada um deles na ordem nos enunciados mobili-
zem a análise, acionada como tensão entre descrever e interpretar. Em Pêcheux
(2006), há um exemplo dessa análise discursiva, que apresentaremos a seguir.

No dia 10 de maio de 1981, às 20 horas, o enunciado “On a Gagné” [Nós ga-


nhamos], que em sua forma léxico-sintática compõe-se de um pronome indefinido
“On” em posição de sujeito, seguido pelo lexema verbal “gagné”, com a marca tempo-
ral-aspectual de realizado e ausente de complemento, atravessou a França, quando
o candidato de esquerda François Mitterand foi eleito presidente daquele país. Esse
acontecimento revelou-se opaco, isto é, suscetível a relações associativas (paráfra-
ses, implicações, comentários e alusões). Na praça da Bastilha, lugar físico e simbó-
lico que possui um sentido histórico de luta e resistência popular, reuniram-se os elei-
tores de Mitterand. Como um eco apegado ao acontecimento discursivo, eles gritaram:
On a Gagné” [Nós ganhamos].

Pêcheux, recorrendo ao acontecimento, ponto de encontro entre a atualidade


e a memória, descreve o grito cantado na manifestação relacionando-o ao ritmo e à
melodia do grito de torcedores em uma partida esportiva diante da vitória de seu time.
Demonstrando que a metáfora não é um processo subjetivo, mas resultado de forças
históricas e sociais que direcionam o sentido decorrente do efeito metafórico, o autor
conclui que o esporte é uma metáfora adequada ao campo político francês. Isso sig-
nifica que, embora no domínio esportivo o enunciado esteja inscrito em um quadro no
qual ganhar e perder partidas é parte da sucessão de jogos, no domínio político ele
se torna absolutamente opaco.

A vitória de um partido de esquerda assume, na leitura de Pêcheux, um efeito


metafórico, no qual a vitória inscreve-se apenas como um episódio no jogo político,
apenas mais um, tal qual na lógica esportiva, na qual a sucessão de vitórias e derrotas
é parte da dinâmica. Desse modo, o discurso a respeito da eleição de Mitterand
emerge como um efeito de sentido destituído de valor político, estando mais próximo
ao domínio do esporte, o que, de certa forma, deslegitima a vitória do candidato de
esquerda e sua inscrição no domínio político.

O mesmo acontecimento foi apresentado pela tevê de diferentes formas, num


em um efeito parafrástico, revelando um confronto discursivo: “F. Mitterand é eleito
presidente da República Francesa”/ “A esquerda francesa leva a vitória eleitoral dos
presidenciáveis”/ “A coalização socialista-comunista se apodera da França”. De modo

33
semelhante, o efeito parafrástico revela que o mesmo fato, ao ser materializado no
discurso da mídia, assume sentidos específicos, conforme verifica-se em: “F. Mitte-
rand é eleito presidente da República Francesa” e “A esquerda francesa leva a vitória
eleitoral dos presidenciáveis”. Sendo o segundo exemplo, centrado na “vitória eleito-
ral”, mais alinhado à alusão ao esporte, conforme a lógica do efeito metafórico acima
descrito.

Posteriormente, ao tratar do acontecimento discursivo, acionando a AD no es-


paço dialético entre o texto, a estrutura e o contexto cultural, Pêcheux explora um
conceito do linguista Émile Benveniste: a enunciação. Benveniste (2006, p.82) define
a enunciação como o ato de “colocar em funcionamento a língua por um ato individual
de utilização”. A enunciação permite ao linguista refletir sobre a constituição dos enun-
ciados, o que equivale a

[...] colocar fronteiras entre o que é ‘selecionado e tornado preciso aos poucos
(através do que se constitui o ‘universo de discurso’) e o que é rejeitado. [...]
Colocar fronteiras entre o que é ‘selecionado’ e o que não é selecionado não
é apenas excluir o não dito, mesmo no sentido explicitado, mas consiste, prin-
cipalmente, em assinalar essa ‘seleção’ de alguma forma (POSSENTI, 2011,
p. 376).
Com essa noção linguística, torna-se possível a apreensão do contexto em re-
lação ao texto, pois o inscreve em um tempo-espaço, social e historicamente situado,
e concebe um locutor que se dirige a um interlocutor, com um determinado propósito,
fazendo seleções, dizendo no limite do dizer, optando por uma determinada forma de
se expressar, enunciando uma paráfrase em detrimento de outras silenciadas ou es-
quecidas. Benveniste desenvolve a noção com base nas reflexões do estruturalismo
de Saussure e entende o dispositivo da enunciação como forma de associação entre
uma organização textual e um lugar social determinados. Essa apropriação conceitual
reforça os vínculos da AD com os estudos linguísticos em suas diferentes abordagens.

Finalmente, à enunciação, soma-se a noção de interdiscurso, por meio da qual


se considera que os discursos não são independentes uns dos outros e não são ela-
borados por um indivíduo singular. Dentre as conceituações de Pêcheux, o interdis-
curso é, posteriormente, assumido como noção-chave das proposições de Maingue-
neau a respeito da AD. Segundo Maingueneau, em se tratando de um estudo discur-
sivo, deve-se considerar o primado do interdiscurso, porque essa noção reforça dois
importantes pressupostos teóricos da AD: o de que cada enunciado participa de uma

34
cadeia verbal interminável, conforme o dialogismo de Bakhtin; e o de que em qualquer
enunciação há algo que fala antes e alhures, conforme Pêcheux. Assim,

[...] a fala nunca é concebida como o lugar em que a individualidade se põe


soberanamente: cada locutor está tomado pela sedimentação coletiva das
significações inscritas na língua (Bakhtin), o sujeito está submetido a um des-
centramento radical, ele não pode ser a origem do sentido (Pêcheux). (MA-
INGUENEAU, 2015, p. 28).
Pêcheux trabalha com o interdiscurso como forma de romper com a homoge-
neidade do enunciado e dos sujeitos envolvidos na enunciação, os coenunciadores.
Reforçando a importância do conceito para a AD, Possenti (2011, p. 380) afirma que,
“[...] sob diversos nomes – polifonia, dialogismo, heterogeneidade, intertextualidade –
cada um implicando algum viés específico, como se sabe, a ideia de interdiscurso é
certamente uma das principais características da AD”.

1.3 – Dominique Maingueneau e o discurso literário

Dominique Maingueneau indica coordenadas para o estudo da literatura, con-


cebendo-a como um fenômeno linguístico e social passível de ser apreendido por
meio da perspectiva discursiva da linguagem. Conforme apontamos anteriormente, a
abordagem do discurso literário desenvolvida pelo autor provocou um significativo
deslocamento teórico-metodológico nas investigações sobre o discurso. Além de ob-
servar a face discursiva dos enunciados, conforme já desenvolvido em estudos ante-
riores, como os trabalhos de Dubois, Pêcheux e seus discípulos, Maingueneau acio-
nou como corpora um conjunto particular de textos dotados de especificidades linguís-
ticas e de características singulares do ponto de vista cultural e semântico: a biblioteca
de textos literários cujos valores estéticos são constituídos e legitimados no interior de
uma comunidade discursiva. A literatura como comunidade discursiva compreende
os produtores e as agremiações que os vinculam, como as academias e os grupos
literários. Como os textos literários não circulam apenas no interior dessa comunidade,
a ela integramos o conjunto de receptores dos textos literários e os mecanismos de
transmissão, especialmente a imprensa, conjunto de elementos que integra o “sistema
literário”, descrito por Antonio Candido (2013) pela via da sociologia literária.

35
Procurando a integração entre o linguístico e o social, o linguista francês de-
senvolveu a ADL no interior da AD, na vertente integradora, com o objetivo de inves-
tigar a relação entre o linguístico e o extralinguístico também no âmbito do literário,
considerando a especificidade dos textos e da comunidade discursiva que a eles se
vincula. Assim, se Pêcheux dedicou-se a buscar meios para elucidar o caráter ideoló-
gico do discurso político, Maingueneau, entre outros campos de investigação a que
se dedica, construiu uma teoria para o estudo da literatura, inscrevendo o texto literário
na cadeia discursiva, integrando-o aos textos não literários e também ao contexto so-
cial e histórico que promove sua gestão, emergência e circulação. A teorização sobre
a literatura desenvolvida por Maingueneau, a ADL, é apresentada em O contexto da
obra literária (2001) e O discurso literário (2006).

Como uma teoria científica é passível de revisões metodológicas e substitui-


ções lexicais, uma comparação entre essas obras demonstra que ele operou, de uma
para a outra, o aprofundamento das ideias a respeito discurso literário e dos conceitos
e procedimentos metodológicos de sua teoria. A ADL passou de “contribuições” da
teoria discursiva para o entendimento da literatura para uma teoria independente em
relação aos estudos discursivos e literários. Esse aprofundamento pode ser obser-
vado tanto em função de uma maior precisão terminológica quanto na apresentação
mais detalhada e fartamente exemplificada de suas proposições e conceitos.

De menor extensão, O contexto da obra literária apresenta um conteúdo mais


condensado. Além disso, o autor ainda não assumia a ADL como uma teoria discur-
siva inscrita na tradição dos estudos voltados ao texto literário, chamando-a de “con-
tribuições diversificadas da problemática da enunciação para a inteligência do fato
literário” (MAINGUENEAU, 2001, p. II). Em O discurso literário, os conceitos são apre-
sentados de forma mais detalhada, como se as ideias estivessem mais depuradas. O
autor apresenta, com mais segurança e propriedade, a teoria por meio de um maior
número de exemplos, que dão conta da literatura francesa, especialmente a que se
produziu entre os séculos XVIII e XIX, referindo-se tanto a obras e autores consagra-
dos pela história literária ocidental, como Arthur Rimbaud (1854-1891), quanto a ou-
tros menos conhecidos, como o parnasiano José Maria de Heredia (1842-1905), poeta
que escreveu em francês embora tenha nascido em Cuba e se fixado na França, a
partir de 1861.

36
No primeiro volume, a vida literária aparece como um dos elementos caracteri-
zadores da paratopia do escritor. No segundo, a paratopia é desenvolvida em um ca-
pítulo específico, e a expressão surge vinculada ao conceito de posicionamento, já na
primeira seção do capítulo “O posicionamento”. No título da seção, a expressão é
grafada entre aspas, denotando o intuito do autor em converter a expressão em um
conceito operativo no interior da ADL, integrado aos ritos e aos posicionamentos dis-
cursivos. Apesar disso, nas duas obras, as definições de vida literária são bastante
semelhantes:

A enunciação literária percorre, com efeito, diversos domínios: domínio de


elaboração (leitura, discussões...), domínio de redação, domínio de pré-difu-
são, domínio de publicação. Mas esses domínios não são dispostos em se-
quência, formam antes um dispositivo composto por elementos solidários. O
tipo de elaboração condiciona o tipo de reação, de pré-difusão ou de publica-
ção; em compensação, o tipo de publicação visada orienta por antecipação
toda a atividade ulterior: não se pode imaginar um autor de poemas galantes
numa ilha deserta (MAINGUENEAU, 2001, p. 32 – grifos do autor).
A criação literária percorre, com efeito, diversos domínios: de elaboração (lei-
tura, discussões...), de redação, de pré-difusão, de publicação. Mas esses
domínios não se acham dispostos em sequência, formando antes um dispo-
sitivo composto por elementos solidários. O tipo de elaboração impõe restri-
ções ao tipo de redação, de pré-difusão ou de publicação; em contrapartida,
o tipo de publicação pretendida orienta por antecipação toda a atividade ulte-
rior: não se pode imaginar a poesia galante numa ilha deserta (MAINGUE-
NEAU, 2006, p. 155).
Verificadas algumas alterações semânticas na construção da definição e sua
recente inscrição no quadro conceitual ao lado do posicionamento e do rito discursivo,
notamos que, de uma obra para a outra, é mantida a ideia central de que a produção
literária se manifesta em um processo maior, que integra o tripé autor-texto-contexto.
Isso, mais uma vez, remete-nos à tese da ADL, segundo a qual a literatura é conce-
bida tanto como uma atividade social singular, restrita a uma comunidade de sujeitos
letrados, a comunidade discursiva, quanto como um discurso sobre o mundo e que
trabalha para gerir um espaço no mundo.

A propósito do discurso literário, nas palavras do autor,

[...] o discurso não se encerra na interioridade de uma intenção, sendo em


vez disso força de consolidação, vetor de um posicionamento, construção
progressiva, através do intertexto, de certa identidade enunciativa e de um
movimento de legitimação do espaço próprio e do espaço de sua enunciação
(MAINGUENEAU, 2006, p. 43).
Nessa curta citação, Maingueneau situa a ADL no espaço de convergência e
dispersão do tripé autor-texto-contexto em relação à filologia, ao estruturalismo e à
sociologia da literatura. Em relação ao autor, ele recusa a estabilidade de um polo de

37
origem, a “interioridade de uma intenção”, entendendo-o como parte do funciona-
mento dinâmico do discurso, como “força”, “vetor” e “movimento”, que se articula por
meio do posicionamento discursivo e da identidade enunciativa. O texto e o contexto
aparecem relacionados à dinâmica discursiva, “movimento de legitimação”, no “es-
paço próprio”, do texto, e no “espaço da enunciação”, do contexto.

No Brasil, tal abordagem do fenômeno literário tem servido de fundamentação


teórica para variados estudos, dentre os quais se destaca o projeto de pesquisa da
profa. Dra. Fernanda Mussalim, Análise do discurso literário: o funcionamento da au-
toria na produção epistolar de Mário de Andrade, desenvolvido na UFU-MG. Por meio
da ADL, Mussalim (2012, 2018) analisa cartas que Mário de Andrade escreveu a Ma-
nuel Bandeira. A pesquisadora trabalha com textos que não pertencem aos gêneros
literários; são textos elocutivos, isto é, textos que participam da encenação da vida
criadora e que acompanham a obra dos autores, como diários, lembranças, relatos de
viagem, comentários de escritores elaborados por outros escritores.

Ela considera que as epístolas constituem um gênero fluido, que estaria entre
o literário, dada a ficcionalização da realidade, e a vida privada, por conta da natureza
íntima e subjetiva do enunciador e do expediente pragmático do gênero, que dizem
respeito à história de vida do escritor. Assim, por meio do estudo de tais correspon-
dências, trocadas entre os anos de 1922 e 1944, a autora concluiu que elas são

[...] lugares discursivos por meio dos quais o autor busca construir uma rede
de discípulos. [Testemunhando] um processo de gestão não apenas da obra
de Mário de Andrade, mas também de uma imagem de autor [...], que vai
sendo (re)constituída em meio a um arquivo literário constituído de intertextos
(dentre eles, o acervo de sua biblioteca pessoal) e de lendas em torno da
figura desse autor (MUSSALIM, 2018, p. 600-601).
Ao conceber as cartas como “lugares discursivos”, a análise confirma a tese de
Maingueneau, segundo a qual o texto literário é atravessado por suas condições de
produção e vai além, ao mostrar que, nelas, a imagem que Mário de Andrade constrói
de si – a autoria – é parte de um processo maior de gestão de sua obra, que opera
em relação às filiações estéticas e na construção de sua imagem como autor moder-
nista inscrito no cânone literário do início do século XX. Tal conclusão demonstra que,
ao enxergar a literatura por meio da problemática da enunciação, a ADL possibilita a
convergência entre os estudos discursivos e literários sem perder de vista a concep-

38
ção da literatura como um conjunto particular de textos dotados de determinadas qua-
lidades linguísticas e aos quais são atribuídos certos valores semânticos e culturais,
mas sem se deter exclusivamente a esses textos.

Se, no âmbito da ADL, a análise literária se abre ao estudo de textos não lite-
rários, de que modo a especificidade dos escritos literários é delimitada? Se nos pro-
pusemos a analisar textos publicados na imprensa, onde a literatura aparece? Como
ela se articula ao exercício jornalístico? A especificidade do texto literário é delimitada
no interior da comunidade discursiva ao estabelecer representações sobre o fazer e a
estética literária. Desse modo, a literatura aparece nos textos nos quais essas repre-
sentações sobre o discurso literário se revelam discursivamente.

1.3.1 – A literatura como discurso constituinte

O discurso constituinte (DC) é um conceito central no arcabouço teórico da


ADL. A inscrição da literatura na ordem dos discursos constituintes possibilita o reco-
nhecimento da singularidade da produção literária que se manifesta em um contexto
social e em relação à produção de enunciados não-literários, entendendo-os como
“práticas que estão simultaneamente fora e dentro do espaço de produção, mas que
não se pode ignorar se se quiser alcançar o fato literário em sua complexidade” (MA-
INGUENEAU, 2006, p. 167). O DC é uma categoria discursiva que articula proprieda-
des funcionais, situacionais e linguísticas, isto é, ele implica “certa função (dispor de
uma mesma autoridade), certo recorte de situações de comunicação de uma socie-
dade (há lugares, gêneros ligados a tais discursos constituintes) e certo número de
invariantes enunciativas” (MAINGUENEAU, 2008, p. 43).

O surgimento de um enunciado instituído como um legítimo produto literário


exige do escritor e de sua pretendida obra o condicionamento às regras e aos ritos
estabelecidos por uma comunidade enunciativa, um grupo restrito que detém as nor-
mas acerca das propriedades intrínsecas – forma e conteúdo, e das propriedades
discursas – concepções de beleza e verdade – apropriadas, segundo o posiciona-
mento defendido por essa comunidade. As regras e os ritos da produção literária
podem ser pensados por meio da perspectiva do cânone literário, concebido como

39
construções sociais e culturais pautadas por juízos de valor que selecionam, excluem
e medem a qualidade das obras literárias.

Com base nas proposições de Candido (1999), entendemos que a formação


do cânone literário brasileiro ocorre com a consolidação do sistema literário do país,
no decorrer do século XIX, quando a comunidade literária – autores e críticos – esta-
beleceu a estética romântica como propriedade discursiva apropriada às formas lite-
rárias e, posteriormente, no final daquele mesmo século, as estéticas do realismo,
naturalismo e parnasianismo. O romantismo brasileiro se constituiu a partir da inde-
pendência do país, em 1822, quando a lusofobia, o nacionalismo, a exaltação da na-
tureza como extensão do eu e da pátria, e da história, fundada partir da idealização
mítica do passado, passaram a povoar o imaginário da elite intelectual.

Já na segunda metade do século XIX, a extinção do tráfico de escravos, a de-


cadência da economia açucareira e a emergência das classes médias urbanas propi-
ciaram o surgimento das ideias liberais, abolicionistas e republicanas, atreladas às
teses do positivismo e do evolucionismo, que se disseminavam na Europa. O reflexo
desse pensamento na produção literária se instaurou na oposição às tradições român-
ticas e, consequentemente, no esforço, “por parte do escritor antirromântico, de acer-
car-se impessoalmente dos objetos e das pessoas. E uma sede de objetividade que
responde aos métodos científicos cada vez mais exatos nas últimas décadas do sé-
culo” (BOSI, 2006, p. 177).

Naquele contexto, a sociedade industrial passou a incomodar o intelectual, e o


escritor “desceu o tom” no desenvolvimento do conteúdo da obra, mirando o realismo
por meio da fuga da idealização dos temas românticos, das fantasias, criaturas exóti-
cas e enredos inverossímeis. “Estreitando o horizonte das personagens e da sua in-
teração nos limites de uma fatalidade que a ciência reduz às suas categorias, o ro-
mancista acaba recorrendo com alta frequência ao tipo e à situação típica” (BOSI,
2006, p. 180). No naturalismo, busca-se a despersonalização por meio da “redução
das criaturas ao nível animal” (BOSI, 2006, p. 202). No parnasianismo, as ideias an-
tirromânticas se instauram com “a objetividade no trato dos temas e o culto da forma”
(BOSI, 2006, p.233).

No século XIX, o escritor nascido em Campos, Teixeira de Mello, estivera ao


lado de Raul Pompeia e Machado de Assis. Teixeira de Mello trabalhou na Biblioteca

40
Nacional (BN) com Raul Pompeia e, com Machado de Assis, compôs o grupo de fun-
dadores da Academia Brasileira de Letras (ABL). Tanto a BN quanto a ABL podem
ser consideradas como domínios da vida literária à qual Teixeira de Mello se filiava.
Se, de um lado, a ABL e a BN contribuíam para a disseminação da obra do autor
campista, por outro, o MC consubstanciou a construção de sua produção, tendo em
vista que duas de suas publicações basearam-se em conteúdo anteriormente publi-
cado no jornal da cidade. São as obras Ephemerides Nacionais (1881) e Campos dos
Goytacazes em 1881 (1886).

De 1895 a 1900, o médico, historiador e poeta campista José Alexandre Tei-


xeira de Mello, ocupou o cargo de diretor da BN. Antes estivera à frente da seção de
manuscritos e da seção de impressos. O trabalho na instituição, a partir de 1876, pode
também ter contribuído para que o jornal de sua cidade natal fosse arquivado e pre-
servado à época. Identificamos que, próxima ao cabeçalho das edições analisadas,
aparece a expressão manuscrita “Côrte”, sugerindo que, desde a impressão, elas já
eram separadas e destinadas ao Rio de Janeiro. A trajetória de Teixeira de Mello in-
cluiu idas e vindas entre Campos e a capital, pois ele cursava medicina no Rio, mas
volta a Campos, onde atuou na medicina e escreveu no MC, retornando à capital em
1875, onde residiu até o final de sua vida.

Teixeira de Mello publicou Campos dos Goytacazes em 1881 pela Laemmert &
C. em 1886. Do ponto de vista do conteúdo, a obra é um documento histórico. No
âmbito discursivo, o que nela se diz e o que nos foi possível identificar a partir do seu
contexto de produção e circulação revelam traços de uma identidade discursiva que
realiza ritos genéricos para constituir um posicionamento na comunidade discursiva.
Nas páginas introdutórias da obra, o escritor campista expõe as motivações para es-
crevê-la e as fontes consultadas.

Em 1881, a BN, dirigida pelo bibliotecário Ramirez Galvão, preparava-se para


a Exposição histórica e geográfica do Brasil. A comissão organizadora solicitou às
câmaras municipais do império respostas a um questionário a fim de obter dados his-
tórico-topográficos dos municípios. Diante do questionário enviado a Campos, Tei-
xeira de Mello disse que se sentiu no dever de respondê-lo. O texto com as respostas
ao questionário destinado à exposição, Descrição histórico-geográfica do município
de Campos dos Goytacazes, foi concluído em 9 de novembro de 1881, pelo que indica

41
o fecho do texto introdutório. Sobre o processo de transcrição desse texto para a pu-
blicação pela editora carioca, em 1886, Teixeira de Mello disse em nota: “em nada
essencial a modifiquei para a impressão, por lhe não tirar o caráter de obra de ocasião
que tem, e é talvez o seu único mérito. Agosto 28 de 1886”.

Possivelmente por conta do que supunha representar como ator social, natural
de Campos, e identidade discursiva, escritor em busca de reconhecimento e projeção,
ele afirmou:

Para os brios do meu patriotismo e [...] para os meus foros de homem de


letras, resolvi reunir às pressas, mas em substancial e fiel resumo os dados
histórico-geográficos que constituem a presente memória [...] em vista de evi-
tar, bem ou mal, que merecesse a terra que me foi berço a increpação de
indiferente ao progresso científico nacional e ao interesse que a realização
daquela generosa ideia despertava (MELLO, 1886, p. 7).
Segundo Teixeira de Mello, as fontes consultadas foram: o Almanaque Mercan-
til de Campos – ano primeiro, publicado pelo MC, de João Alvarenga; os relatórios dos
engenheiros das obras públicas da província de 1837 a 1847, principalmente o de
Henrique Luiz de Niemeyer Bellegarde; e as “notas e observações anteriormente co-
lhidas” por Monsenhor Pizzarro, Balthazar da Silva Lisboa, Comendador Joaquim No-
berto, José Carneiro da Silva, Milliet de Saint-Adolphe.

Sobre as fontes citadas, Teixeira de Mello as emprega como recurso argumen-


tativo de autoridade a demarcar a legitimidade de sua pesquisa. Com isso, ele também
demarca um posicionamento discursivo em três esferas: nas alianças com os seus
contemporâneos; ao exaltar a figura de João Alvarenga, afirmando inclusive estar
prestando uma homenagem ao proprietário do MC: “rendo preito à verdade e presto
àquele sério talento nacional a devida homenagem” e no diálogo interdiscursivo da
obra com o conhecimento da engenharia, valorizado pelo espírito científico da época
e que se via materializado nas melhorias urbanas de Campos empreendidas a partir
das alianças entre o poder público e a iniciativa privada.

Sobre as notas e observações anteriores, o autor se filia à memória discursiva


já constituída da cidade. Finalmente, no último parágrafo da introdução, ele acena
com a pretensão de produzir novos textos historiográficos sobre a região, chegando
aos tempos das capitanias. Apesar de não se referir a essa fonte documental na in-
trodução, os dados coligidos no Censo demográfico de 1872 são citados no texto a
partir dos quais Teixeira de Mello acresce informações, dando maior visibilidade aos
números.

42
Outra obra de Teixeira de Mello é Ephemerides Nacionais, em dois volumes,
publicados pela tipografia da Gazeta de Notícias, em 1881. O processo de criação
dessa obra que se apresenta como subsídios para a história nacional teve início no
MC. Segundo o autor, as efemérides ora publicadas circularam na folha campista no
decorrer de 1878. Posteriormente, saíram na Gazeta de Notícia e, finalmente, conver-
teram-se em livro pela tipografia do mesmo jornal.

Na introdução, o autor esboça a imagem de si como um sujeito modesto. Para


justificar possíveis erros na exatidão das datas e na exposição dos fatos, ele alerta:
“apesar do cuidado que teve na sua redação e na revisão das provas, escapou muito
erro histórico e ressente-se de muita incongruência o estilo” (MELLO, 1881. p. II). So-
bre o gênero historiográfico: “não foi um simples compilador de datas, que se limita a
reproduzir o que já achou feito; se bem que em composição deste gênero é esse
seguramente uma escolha difícil, quase impossível, de se evitar” (MELLO, 1881. p. II).

A historiografia foi um gênero muito produzido e valorizado no final do século


XIX, especialmente no contexto que antecede a república. Contar a história do país
foi uma forma de se construir a própria história, de construir a identidade nacional. As
epígrafes com as quais Teixeira de Mello abre Ephemerides Nacionais demonstram
essa tendência discursiva, indicam o estreitamento entre a escrita da história e a es-
crita literária e revelam a concepção do saber historiográfico à época, uma história de
heróis, vultos históricos, autores de proezas nacionais: “para despertar engenhos cu-
riosos, /para pôr as coisas em memória, /que merecem ter eterna glória! – Lusíadas,
canto VII, est. LXXXII” e “É a lição da História um fecundo seminário de heróis” – A.
de Gusmão, discurso na Academia Real de História Portuguesa”. O seu trabalho na
biblioteca nacional também é referido: “À biblioteca Nacional deve o autor a elucidação
de muita data, quando pode aproveitar-se de tão farto material de consulta sem pre-
juízo do público serviço que lhe está afecto. Julga o autor caso de desencargo de
consciência consignar aqui esta circunstância” (MELLO, 1881. p. III).

A trajetória literária de Teixeira de Mello releva o seu trabalho para inserir-se


na instituição discursiva correspondente à literatura de sua época, aos elementos es-
téticos e sociológicos relativos ao cânone literário. O cânone, como um evento histó-
rico atrelado à comunidade literária, estabelece certas situações de comunicação no
interior da sociedade que vinculam as configurações enunciativas a certos lugares,
como as academias literárias. A ABL foi fundada em 20 de julho de 1897, por um

43
grupo de intelectuais, dentre os quais estavam o campista Teixeira de Mello e o mais
importante autor da literatura brasileira, Machado de Assis.

Uma instituição como essa revela que um escritor, ao oferecer o seu o primeiro
texto ao público, apresenta-se como uma instância duplicada. Ele passa a ser o autor
de uma obra, cuja existência no arquivo literário se dá mediante os comentários que
são feitos sobre o autor e sua obra: se, de um lado, Teixeira de Mello saúda Alvarenga
Pinto em sua obra, Alvarenga Pinto exalta a literatura do autor campista em sua folha
diária (ver seção 1.3.3). Por ser um discurso constituinte, a literatura mantém relação
com a memória/arquivo. Consequentemente, todo discurso constituinte tende a ser
intertextual. Com base nos textos primeiros, instauram-se outros, que neles se apoiam
para “comentá-los, resumi-los, refutá-los”, conforme Maingueneau (2006). Dessa ma-
neira, entendemos que Teixeira de Mello constrói sua obra historiográfica ao integrar
a sua vida social no interior das instituições discursivas da metrópole literária, o Rio
de Janeiro, por meio da memória discursiva extraída do MC.

O diálogo com a memória discursiva na obra de Teixeira de Mello está presente


também nas filiações que ele estabelece com a lírica de Casimiro de Abreu, tal qual
assinala Candido (2012, p. 509), a respeito dos poemas presentes na obra Sonhos e
sonhos (1858), ao afirmar que “A obra de Teixeira de Mello, fácil e plangente, ilustra
bem a privação do sublime, com que se acomodou o temperamento artístico eminen-
temente ‘doce e meigo’ de Casimiro de Abreu, o maior poeta dos modos menores que
o nosso romantismo teve”.

A paratopia consiste nas negociações, que são linguísticas, discursivas e soci-


ais, as que o escritor se submete para produzir um legítimo enunciado na esfera dos
discursos constituintes. Essa negociação é paratópica, pois se instaura em uma loca-
lização problemática e parasitária, nos limites entre um lugar institucional, na comuni-
dade literária, e um lugar de pertencimento à sociedade. “Nem suporte, nem quadro,
a paratopia envolve o processo criador, que também a envolve: criar uma obra é, em
um só movimento, produzir uma obra e construir através dela condições que permitem
produzi-la” (MAINGUENEAU, 2008, p. 46).

O discurso literário não dispõe de um território pré-demarcado, estável: toda


obra se divide a priori entre a imersão no corpus, então reconhecido como literário, e
a receptividade a uma multiplicidade de outras práticas verbais. A relação com o não-
literário’ é redefinida sem parar, e a delimitação daquilo que pode ou não alimentar a

44
literatura, mas também advir da literatura, confunde-se com cada posicionamento e
cada gênero no interior de um certo regime de produção discursiva, conforme defende
Maingueneau (2006).

O texto literário adquire o estatuto enunciativo de uma inscrição. A inscrição


indica que o enunciado se implanta na defasagem entre uma repetição constitutiva
em uma rede ou “ordem” de outros enunciados, aos quais se filia, rejeita ou reatualiza.
A inscrição não se define somente por conteúdos, do mesmo modo que um suporte
não é exterior ao que ele supostamente veicula. Ela significa “seguir os traços do Ou-
tro invisível, que associa os enunciadores-modelo de seu posicionamento e no limite,
a presença da Fonte que funda o discurso constituinte: a Tradição, a Verdade, a Be-
leza” (MAINGUENEAU, 2008, p. 47).

O procedimento de análise de um DC deve se ater a mostrar a articulação entre


o intradiscursivo e o extradiscursivo, isto é, a maneira pela qual, para se tornarem
constituintes, eles imbricam uma representação do mundo e uma atividade enuncia-
tiva. Tal imbricação pressupõe que as operações enunciativas pelas quais o discurso
se constrói e se institui revelam a articulação entre a legitimidade de seu posiciona-
mento e o modo de sua organização institucional, a qual ele pressupõe e estrutura.

A característica mais importante dos discursos constituintes diz respeito ao


modo pelo qual esses discursos se inscrevem no interdiscurso, ou seja, ao lugar que
ocupam: o lugar do não reconhecimento de autoridade acima da sua. Não reconhecer
outra autoridade além de sua própria significa dizer que eles interagem com outros
discursos, constituintes ou não, mas negam essa interação ou pretendem submetê-la
a seus princípios, à sua própria autoridade. A constituência se estabelece em duas
dimensões: no modo como os discursos constituintes emergem no interdiscurso,
como ação de se estabelecer legalmente, e na forma como eles agenciam elementos
para a formação de uma textualidade, materializada na coesão e na organização dis-
cursiva.

Finalmente, a perspectiva discursiva que se abre acerca da literatura por meio


da ADL nos leva à premissa de que os textos jornalísticos, assim como os textos elo-
cutivos, integram os domínios de discussão, redação, pré-difusão e divulgação das
obras literárias e da própria vida dos escritores no contexto do jornalismo. Isso diz
respeito a onde eles escrevem encontram formas de subsistência e agenciam publi-

45
cações e leitores. E, mais além, onde se constitui um espaço de enunciação e legiti-
mação da literatura, onde o discurso literário é fomentado e se dissemina no contexto
social em que os jornais circulam, um espaço onde a vida literária se manifesta sob a
forma de textos.

1.3.2 – O Monitor Campista como unidade textual

Para as teorias discursivas, um texto nunca é transparente ou completo, em-


bora possa ter um limite material identificável pelas marcas textuais que o configuram
e pela unidade de significação que o enunciador lhe atribui: as intenções e os propó-
sitos comunicacionais. Acionado a partir de seus limites materiais, o texto é a unidade
empírica a que o analista recorre. Essa unidade pode ser o fragmento de um texto
maior, a unidade limitada de um único texto ou um conjunto deles.

Quanto aos limites materiais, a unidade empírica sobre a qual nos debruçamos
nesta tese consiste nas edições do jornal MC, publicadas em 1887 e, na atualidade,
no início do século XXI, encontram-se disponíveis digitalmente no site da Biblioteca
Nacional. São as edições em que circularam os capítulos do folhetim A avó, do francês
Émile Ricgebourg (1833-1898). Pela tipografia do jornal, passaram, no final do século
XIX, os seguintes autores10: Francisco Portella, como redator; João Francisco Ultra,
também como redator até 1871; Thomé da Costa Guimarães, como conferente de
provas, revisor, noticiarista e colaborador literário; Emiliano Leite de Faria, como tipó-
grafo; Abelardo de Mello, como colaborador na seção Ecos da Semana. Além de Ce-
cílio Lavra, João Peçanha, Pedro Gonçalves, Silvio Pellico Fontoura e Azevedo Cruz,
autor do soneto “Paisagem” e de uma seção assinada com o pseudônimo Nobre Ve-
lasco, seção “muito apreciada pela graça dos conceitos e chistes de ideias”, conforme
Paixão (1924, p. 238).

Sobre a presença da literatura nos jornais campistas à época, Múcio da Paixão


(1924, p. 15) destaca a importância dos veículos no surgimento da atividade literária,

10 Esses dados foram obtidos a partir da obra de Múcio da Paixão. Um índice dos principais autores lá
nela citados encontra-se no final deste trabalho (anexo 2). Na obra, os “autores” são aqueles que pu-
blicaram em jornais locais, em revistas literárias e livros, apesar destes últimos serem poucos. São
aqueles “que, em Campos, deram às letras o melhor do seu esforço e da sua energia mental” (PAIXÃO,
1924, p. 7).

46
ao afirmar que “a propulsão em favor das letras em Campos, para bem dizer, carac-
terizou-se inicialmente no campo da atividade jornalística”. Em sua afirmação, o autor
assinala um aspecto do fazer literário brasileiro a partir do século XIX: o trânsito entre
o jornalismo e a literatura, como unidades textuais em circulação – folhetins, poemas,
crônicas e críticas literárias – e práticas de atores sociais que escreveram, para os
veículos, textos jornalísticos, textos literários traduzidos e também de sua própria au-
toria.

O trânsito entre as duas comunidades discursivas, a literária e a jornalística,


opera, como Múcio da Paixão (1924) reverencia, em três vertentes: na primeira, o
jornal é um veículo da “cultura literária”, sendo “esse um dos grandes serviços que
nos prestou à imprensa” (PAIXÃO, 1924, p. 8); na segunda, o trabalho do jornalista é
exaltado como o do “primeiro servidor das letras”. Além disso, na terceira, o jornal
“possibilita a fácil vulgarização do pensamento e das ideias”, o que também contribui
para a formação do público leitor de literatura. Com base nessas vertentes, compomos
o seguinte quadro:

Quadro 1 – O sistema literário e sua articulação a partir da imprensa

CONTEXTO
TEXTO

IMPRENSA
AUTOR LEITOR

Fonte: elaboração do autor

Quanto aos limites materiais, as edições do MC em análise apresentam quatro


páginas, ou seis em algumas ocasiões, como nos domingos e nas vésperas de feria-
dos, por onde se distribuíam dez seções, aproximadamente, considerando as mais
recorrentes. Cada página é segmentada em cinco colunas. Na primeira página, as
colunas dividem-se ao meio: na parte inferior, localiza-se o Folhetim e, na superior,

47
além do cabeçalho e do expediente do jornal, aparece a Seção 1, trazendo discursos
de políticos, atas das assembleias provinciais e municipais e, eventualmente, edito-
rias11. Essa é a seção de maior destaque do jornal, onde são veiculados, em sua
grande maioria, temas de natureza política, como a eleição provincial, ocorrida em 28
de dezembro de 1887, e as discussões parlamentares, que culminaram na abolição
da escravidão em 13 de maio de 1888.

Na segunda página, estão as seções Telegrama, Noticiário e Comércio, ha-


vendo variações na ordem e no tamanho delas. Essas seções compõem-se, majori-
tariamente, de reproduções de importantes jornais do Rio de Janeiro, especialmente,
o Jornal do Commercio e a Gazeta de Notícias. Pela leitura, inferimos que a ordem
das seções se devia à relevância dos conteúdos veiculados: quanto mais próximo à
primeira página, mais importante o assunto.

Na terceira página, encontram-se os textos mais autorais, dos quais se desta-


cam a Seção livre – tópicos da atualidade, um espaço opinativo assinado pelos “edi-
tores dos tópicos” e a seção A pedido, constituída, geralmente, por textos assinados,
de cunho opinativo ou expositivo acerca de temas e fatos da ordem do dia. Ainda
nesta nessa página, está a seção Anúncios Especiais, composta por anúncios maio-
res e com a redação mais sofisticada, que divulgavam produtos mais caros e refina-
dos: os romances e demais itens vendidos pela Ao Livro Verde, o piano Pleyel e os
móveis importados da loja O leão de Ouro, “as novidades de Paris e Londres” ofere-
cidas pela O Louvre e os espetáculos do Teatro Império. Na quarta página, aparecem
os Anúncios, semelhantes aos classificados, e, eventualmente, a seção Editais, que
abriga textos oficiais por meio dos quais o governo tratava de questões tributárias e
eleitorais, tema que desenvolveremos na parte II, com base na análise do corpus em
diálogo com trabalhos historiográficos a respeito.

Ao compararmos o aspecto gráfico e os conteúdos veiculados no MC com ou-


tros jornais publicados na mesma época tanto no Brasil (Jornal do Commercio e Ga-
zeta da Tarde) quanto na França (Le Petit Journal e Journal Officiel de la Republique
Française), verificamos que há semelhanças em relação à formatação e à distribuição

11Embora o gênero editorial ainda não tivesse surgido à época, denominamos dessa forma o texto
opinativo que reflete a imagem ou o pensamento do veículo sobre alguma temática polêmica ou consi-
derada pelos redatores de alguma relevância para os leitores.

48
das seções. No entanto, a natureza dos conteúdos apresentados se diverge em al-
guns aspectos. Por meio da comparação entre a organização dos jornais e dos con-
teúdos veiculados, concluímos que o MC fora uma publicação a serviço das institui-
ções da administração pública: os governos da província e do município, o poder ju-
diciário e a força policial, os Aparelhos Repressores de Estado.

O MC era um jornal a serviço do governo, uma espécie de diário oficial, seme-


lhante, em relação aos conteúdos, ao Journal Officiel de la republique française, mas
que se fazia parecer com o Le petit journal, uma folha sobre variedades, com diversos
folhetins e curiosidades do tipo verbete de enciclopédia. Naquela época, na França, a
imprensa era muito grande e diversificada. Havia jornais de variadas posições políti-
cas e jornais temáticos, dirigidos a certas classes profissionais ou a segmentos soci-
ais: jornais populares, jornais femininos, jornais dirigidos aos comerciários e outros.
No Brasil, os jornais não eram tão segmentados. O Jornal do Commercio, por exem-
plo, nasceu com o objetivo de apresentar informações sobre o comércio, como cota-
ções, negócios e o movimento de importação e exportação, mas também veiculava
conteúdos variados e com forte apelo literário, especialmente no período entre 1834
e 1888, quando o francês Junius Villeneve esteve à frente da folha carioca e se aten-
tou para o apelo comercial que a literatura garantia ao jornal e à impressão e venda
de livros, dadas posteriormente à publicação dos textos no jornal. Retornaremos a
esse tema na parte III.

Na França, o Le Petit Journal era um veículo popular com alta tiragem. A edição
de 7 de setembro de 1891 indicava 1.073.550 exemplares. Em suas colunas, eram
publicadas curiosidades, grandes acontecimentos políticos, fatos históricos retrospec-
tivos e textos ficcionais, evidenciando a rentabilidade de estudos, que voltados às re-
lações de transferências, cruzamentos e interações culturais entre nações, tendo
como ponto de intersecção a imprensa, com destaque às trocas entre os moldes edi-
toriais entre a França e o Brasil, Guimarães (2012) assinala que, desde o seu surgi-
mento até os anos de 1950, os jornais brasileiros adotaram como matriz os temas e
recursos de diagramação, imagens e desenhos que caracterizavam o “estilo francês”
de jornalismo.

Até o final do século XIX, a França é para a Espanha e para a América Latina
o referente privilegiado, seja em relação aos principais equipamentos para a
impressão dos jornais (compreendendo aí os ‘utensílios’ e as pranchas pre-
paradas para a gravura) ou aos produtos finais em francês ou na língua do
país, tais quais ou traduzidos ou adaptados (BOTREL, 2012, p. 57).

49
Além da recriação do modelo editorial francês, da importação de equipamentos
tipográficos, no MC identificamos também a tradução de folhetins franceses (tema
aprofundado na parte III). As transferências culturais Brasil-França são verificadas
também nas semelhanças quanto à organização gráfica do MC e de jornais do Rio de
Janeiro. A descrição do carioca A Gazeta da Tarde, fundado em 1880, é quase idên-
tica ao MC, o que revela a manutenção de um modelo gráfico e de uma organização
textual, isto é, de gêneros discursivos em circulação.

Um exemplar característico de A Gazeta da Tarde possuía quatro páginas


com textos relacionados a gêneros jornalísticos informativos e literários, bas-
tante diversificados. Geralmente, cada página era organizada em cinco colu-
nas separadas por filetes de cor preta. Os textos de caráter informativo apa-
reciam em todas as páginas. Na primeira e na segunda página eram inseridas
várias seções, por exemplo, Variedades, Notícias, Fatos diversos, Uma se-
ção, Interior, Exterior, e/ou Solicitadas [...] As Correspondências, Publicações
a Pedido, Avisos, Solicitações, Leilões e Anúncios vinham nas duas páginas
derradeiras (ARAÚJO, 2008, p. 12).
Apesar das semelhanças, prosseguindo a comparação entre o MC e a folha
carioca, verificamos que, no que tange à publicação de textos literários, esses são
raros nas edições analisadas, divergindo da variedade de seções e textos voltados à
arte da palavra presentes em A Gazeta da Tarde, conforme o trabalho de Araújo
(2008) revela, a propósito da literatura de Raul Pompeia.

Na imprensa campista do final do século XIX, Múcio da Paixão afirma que “as
seções consagradas às belas artes não eram, porém, esquecidas, as variedades, as
odes, os estudos críticos e literários, ora transcritos de outros jornais, ora exibidos de
revistas e publicações nacionais e estrangeiras, apareciam com frequência” (PAIXÃO,
1924, p. 15). No entanto, o que percebemos na comparação entre A Gazeta da Tarde
e as edições do MC analisadas é que a folha de Campos apresentava poucos ou
quase nenhum texto literário12.

É importante destacar, entretanto, que o MC publicara suplementos literários,


sendo estes as principais fontes a que Múcio da Paixão recorreu para extrair os textos
dos poetas que são apresentados em Movimento Literário em Campos. Embora Pai-
xão (1924) refira-se à publicação de suplementos literários no MC como fontes às
quais recorre, este material não está disponível nos arquivos da Biblioteca Nacional
com os quais trabalhamos.

12 Ao apresentarmos o corpus discursivo na parte II, destacaremos os textos literários encontrados: O


folhetim francês A avó de Émile Rechebourg, um soneto de Osório Duque Estrada e um fragmento da
obra do poeta campista José Sampaio.

50
No primeiro capítulo da obra “Período inicial da imprensa”, o autor destaca a
importância dos jornalistas e dos jornais para a divulgação e disseminação dos textos
literários produzidos por escritores locais, nascidos na cidade ou que nela vieram a
residir. Além disso, ele afirma que as fontes principais do conjunto de poemas presen-
tes no livro foram os suplementes literários publicados na imprensa da cidade. Ainda
que demarque tal importância, Múcio da Paixão aponta como prejudiciais as práticas
de cópias e traduções que ocupariam com conteúdo de baixa qualidade boa parte das
folhas: “os jornais publicam seções diárias e resenhas do estrangeiro que são coisas
muito triviais, medíocres, incolores, mal cozidas e, francamente, ordinárias como
fundo e como forma” (PAIXÃO, 1924, p. 9).

No intuito de descrevermos a configuração textual do MC, a seguir apresenta-


mos as dez principais seções que o compõem. A descrição é acompanhada de com-
parações entre a folha campista e o Jornal do Commercio (JC) tendo como base o
trabalho de Ribeiro (2008).

1) Seção 1 – Chamamos de seção 1 a parte superior da primeira página do


jornal. Há uma diversidade de gêneros nesse setor. Aparece com os títulos:
“Monitor Campista”, “Assembleia Provincial”, “Câmara Municipal”, a depender
do conteúdo explorado: atas da administração pública municipal, atas e discur-
sos das sessões da assembleia provincial, além do escrivão e do juiz de órfãos,
são licenças para casamento, exames de sanidade mental, nomeações de tutor
e avaliação de bens. Nos dias em que o título da seção aparece como “Monitor
Campista”, o texto tende a apresentar características textuais de um texto opi-
nativo a refletir a opinião dos redatores sobre temas de interesse para os leito-
res, como os textos de Domingos de Alvarenga e Nilo Peçanha, analisados na
abertura da parte II. Não há uma seção correspondente no JC. Se, no MC, os
textos políticos, atas, discursos, leis e resoluções governamentais apareciam
espalhados por diferentes seções do jornal, especialmente na Seção 1, no JC
esses textos apareciam apenas na seção Parte Oficial. Inexistente no MC, a
Parte Oficial era o espaço onde estavam “os discursos dos deputados e sena-
dores nas sessões da Câmara dos Deputados e do Senado, [...] todas as leis,
decretos e resoluções do governo, as resoluções dos vários tribunais do sis-
tema judiciário” (RIBEIRO, 2008, p. 5).

51
2) Folhetim – O folhetim, romance em capítulos, o “café pequeno” da litera-
tura inventado pelos franceses, tem um local cativo no jornal: o rodapé, a parte
inferior da primeira página. No Le Petit Journal, circulavam muitos folhetins ao
mesmo tempo, por isso a primeira página era destinada aos lançamentos, às
histórias que ainda estavam por cair no gosto dos leitores. No MC, encontramos
apenas um por edição, sendo folhetins traduzidos do francês, especialmente,
no âmbito desta tese, o A avó, de Émile Richebourg, publicado de 27 de no-
vembro de 1887 a 10 de junho de 1888.

Ribeiro (2008, p. 4) afirma que, no JC, o espaço do folhetim era ocupado por
uma variedade de gêneros: “textos isolados, inúmeras seções especiais de crô-
nicas, textos de crítica especializada em várias áreas do conhecimento e mui-
tas criações ficcionais (contos, romances europeus traduzidos e romances bra-
sileiros)”. Sobre o folhetim e o seu papel na relação entre o jornalismo e a lite-
ratura brasileira, especificamente no JC, Ribeiro (2008, p. 4) afirma ainda que,
naquele espaço, foram publicados o romance O culto do dever, de Joaquim
Manuel de Macedo, suas crônicas da seção Um Passeio, reunidas posterior-
mente no livro intitulado Um passeio pelo Rio de Janeiro, as crônicas de Carlos
de Laet, na seção Microcosmo, e “várias outras criações de cronistas e escri-
tores nacionais e internacionais”.

Ribeiro (2008) apresenta também outras duas seções do JC sobre literatura


que circularam no final do século XIX e início do XX: a Literatura que veiculava
contos, romances em capítulos e textos de crítica literária e a Revista Literária,
cujo conteúdo era a crítica literária. Não há correspondência dessas seções no
MC, restando somente a tradução da narrativa em capítulos de Émile Riche-
bourg, sobre a qual nos deteremos na abertura da parte III.

3) Telegrama – Nessa seção do MC, aparecem cópias de notícias de jor-


nais, como do JC, e agências internacionais, especialmente da agência Haras.
Ribeiro (2008, p. 2-3) afirma que a seção “Telegramas” foi adotada pelo Jornal
do Commercio a partir de 1874, tendo o seu esquema copiado por outros jor-
nais de grande circulação, como a Gazeta de Notícias”. O autor afirma ainda

52
que as notícias dos jornais estrangeiros chegavam ao Rio pelos navios ou eram
trazidas por correspondentes.

4) Noticiário – Nessa parte, estão os fatos ocorridos na cidade, na Corte e


no exterior. São acontecimentos locais, como obituários, batizados, chegada
e saída de vapores, resultado dos exames na instrução pública da Corte e das
escolas públicas locais, que se somam a fatos nacionais, como notícias de ou-
tras províncias e de outros países.

Acreditamos que o conjunto dessas notícias contribui para a construção dos


sentimentos de cosmopolitismo, diante da inserção da cidade no contexto in-
ternacional e de vigilância e controle social por parte das instituições governa-
mentais e da elite econômica. O aspecto da vigilância é verificado por meio do
frequente noticiário acerca das ações policiais e dos atos da administração pú-
blica e do poder jurídico. (Retornaremos a esses temas nas partes II e III). So-
bre o JC, Ribeiro (2008) afirma que as notícias eram muito variadas e abran-
giam as atividades da vida quotidiana das personalidades da corte, do governo,
pessoas da alta sociedade, políticos e outros, temas que se assemelham aos
veiculados no MC.

Nessa seção do MC, aparecem notícias do Brasil e do mundo, compondo um


quadro que inscreve a cidade em um contexto global. No JC, por outro lado,
existiam ainda outras duas seções: a Exterior, um comunicado com notícias da
Europa, EUA, Ásia e outros continentes, e a Interior, um comunicado com as
notícias do país.

5) Comércio – Essa foi a primeira seção do JC, posto que oferecer notícias
sobre o comércio era seu propósito inicial. No MC essa seção apresenta infor-
mações sobre as importações e exportações, a movimentação dos portos, o
câmbio e o movimento das vendas de café e açúcar na região. Ribeiro (2008)
mostra que, no jornal carioca, a seção apresentava desdobramentos analíticos
sobre os dados comerciais. Nas palavras do autor:

No dia 1 de outubro de 1871 e 8 de janeiro de 1874, página 1, podem ser


notados dois típicos comunicados opinativos. No primeiro comunicado opina-

53
tivo, o redator, com base em notícias comerciais, realizou uma análise rigo-
rosa do movimento das cotações das ações de duas companhias, a Compa-
nhia das Docas e a Companhia de D. Pedro II (RIBEIRO, 2008, p. 3).
No MC, não encontramos nenhum tipo de análise comercial, há somente infor-
mações sobre a cotação do café, a movimentação do porto do Rio e de São
João da Barra, além dos preços correntes dos principais produtos agrícolas
comercializados na praça da cidade e dados sobre o balanço dos bancos lo-
cais.

6) Seção livre – tópicos da atualidade – Verdadeiros artigos de opinião sobre te-


mas ligados à vida política da cidade e da província, especialmente a respeito
de temas sobre os quais se espera uma atitude do poder público, como o pa-
gamento de impostos, a segurança na cidade, a distribuição das escolas pelo
município e a dificuldade de deslocamento até elas são os assuntos dessa se-
ção. Não há correspondência no JC. Nessa seção, os textos sobre o processo
eleitoral provincial apresentam variados recursos retóricos, como ironia, sar-
casmo, e jocosas metáforas, que fazem deles verdadeiros ensaios de crônica.
Por exemplo:

Já começou a cabala eleitoral: as circulares vão surgindo, a retórica se ex-


pandindo e os eleitores se emproando. Cá de casa o vate que costuma privar
com as musas atirou-se às aventuras da provincial, e deita hoje circular, que
não podemos deixar de recomendar aos nossos amigos (Monitor Campista,
2 dez. 1887, n. 278).

7) A pedido – Assim como no JC, essa seção funcionava como uma tribuna.
No MC, encontramos anúncios na forma de notícia, agradecimentos, pedidos
de reconsideração e cartas dos candidatos a deputado provincial. Sobre o JC,
Ribeiro (2008, p. 5) afirma que “os textos tinham o formato predominante de
artigos que expressavam as opiniões dos assinantes e dos não-assinantes. Os
artigos eram pagos e podiam ocupar várias colunas e até várias páginas”. Iden-
tificamos a semelhança entre a seção nos dois jornais.

8) Avisos especiais – São anúncios em destaque acerca de produtos e ser-


viços especializados que apontam para o refinamento cultural da sociedade

54
campista à época, como os serviços do fotógrafo Guilherme Bolckau e de ou-
tros profissionais liberais, especialmente advogados e médicos, além dos arti-
gos vendidos na Ao Livro Verde e Ao Louvre.

9) Anúncios – São os “classificados” que revelam a constituição do comér-


cio da cidade, considerando os produtos anunciados e os prováveis interesses
do público consumidor. Ribeiro (2008), sobre essa seção no Jornal do Com-
mercio, afirma que

esta seção publicava anúncios de vários tipos, inclusive, os anúncios de pro-


dutos culturais. A prática dos anúncios era muito utilizada por Aluísio de Aze-
vedo para a venda de seus livros. [...] Outra tipologia muito requintada de
anúncio de produto cultural era a dos romances publicados na seção Folhetim
do Jornal do Comércio e editados em livro pela tipografia do jornal. Nos anún-
cios, saíam listas enormes com os títulos dos livros e seus preços; eles po-
dem ser encontrados semanalmente durante todo o século XIX. [...] Anúncios
de novas invenções eram muito requintados. A visão sobre os novos meca-
nismos era deslumbrada e tinha o propósito de seduzir os consumidores (RI-
BEIRO, 2008, p. 2).
Com base nas descrições de Ribeiro (2008), não identificamos seção corres-
pondente no JC. As seções Anúncios e Avisos especiais serão analisadas na
parte II, quando abordaremos a configuração da cidade no que diz respeito a
condições materiais e culturais para a emergência do discurso literário.

10) Editais – Seção de textos oficiais: alistamento eleitoral, arrematação de


bens, atos e determinações do juiz de direito e do juiz comercial. Não há cor-
respondente no JC.

1.3.3 – O Monitor Campista como processo discursivo

Embora os textos possuam limites materiais que os circunscrevem, por meio


dos quais podemos reconhecer certas regularidades linguísticas e temáticas, como
apresentado na seção anterior, eles se revelam não transparentes e incompletos, se
observados pela ótica discursiva, no que concerne à enunciação e ao interdiscurso. A
não transparência do texto se deve aos intertextos e subtextos que o vinculam ao

55
funcionamento da linguagem, às condições de produção e que relevam as paráfrases
e as metáforas possíveis a partir e por meio dele.

Se, do ponto de vista discursivo, o texto não é uma unidade coerente de sen-
tido, é porque “não há propriamente texto, concebido como uma unidade; o que há
são linearizações concretas (materiais) de discursos” (POSSENTI, 2011, 365). A in-
completude do texto existe “porque o discurso instala o espaço da intersubjetividade,
em que ele, o texto, é tomado não enquanto fechado em si mesmo (produto finito),
mas enquanto constituído pela relação de interação que, por sua vez, ele mesmo ins-
tala” (ORLANDI, 1999, p. 50). Por constituir-se na interação discursiva, o texto figura-
se como um artefato incompleto que apresenta pontos de fuga, derivas, silenciamen-
tos e intervalos que são determinados pela realidade social da qual decorrem a cons-
tituição dos sentidos e os processos de significação que o analista procura descrever
no intuito de depreender os possíveis efeitos de sentido.

A opacidade e a incompletude dos textos presentes nas edições do MC podem


ser acessadas se investigarmos as condições de produção do veículo, que são mate-
riais e dizem respeito aos recursos econômicos e tecnológicos disponíveis para a sua
impressão e circulação e condições simbólicas, relacionadas à enunciação, às restri-
ções ideológicas e à imagem que o próprio jornal, na figura de seus proprietários e
redatores, disseminava a respeito de si, como veículo de comunicação da cidade de
Campos.

Para compreendermos o funcionamento discursivo do MC, do contexto e das


condições de produção, entendendo-o como parte de um processo discursivo maior,
analisamos um texto opinativo, publicado na Seção 1, no dia primeiro de janeiro de
1888. A seção intitulada “Monitor Campista” fora dirigida aos leitores e assinantes para
lhes felicitar pela entrada de ano. Na ocasião, o jornal uniu as comemorações pelo
início de 1888 à celebração de seus 50 anos. Recorrendo à tradição e à longevidade,
o texto narrou a sucessão dos proprietários, desde a fundação até aquele momento,
e expôs os seus propósitos, trazendo ainda reflexões que nos ajudam a compreender
o modo como seus proprietários e redatores o concebiam, como veículo de comuni-
cação e como eles enxergavam o valor e a função do jornal para a cidade, no contexto
da província do Rio de Janeiro.

Sobre a função social do MC, o texto diz:

56
criado em uma vila no interior da província (vila de Campos dos Goytacazes),
pode, entretanto, manter-se independente, dedicando-se aos interesses da
localidade, de modo a tornar-se não só uma necessidade para Campos, como
o espelho da opinião mais esclarecida, tendo sido sempre dirigido pelos es-
píritos mais cultos (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1).
Sendo a AD um modo de se conceber as relações humanas na mediação pela
linguagem, entendemos que, ainda que queira independente, o MC operava na cidade
a função de “espelho da opinião mais esclarecida” não como o reflexo, mas como
amplificador, porta-voz do pensamento político e cultural dominante. Vale destacar
que a palavra “monitor”, no século XIX, ainda não possuía o sentido de tela onde se
projetam imagens; monitor era monitoria, controle. O jornal se materializava na forma
de um AIE empregado para disseminar e garantir a reprodução da ideologia domi-
nante tanto na apresentação fidedigna dos atos da administração pública quanto nos
noticiários e textos opinativos sobre a sociedade e a política local, “atendendo aos
interesses da localidade” (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1). Interesses de quem?
Da classe dominante. Embora não se realize de modo linear e direto, o controle social
por meio das mídias opera como forma de transmitir e disseminar a ideologia domi-
nante, especificamente as ideologias apresentadas com o intuito de sustentar aquilo
que acreditamos ser a “realidade”, o “natural”, a “verdade”.

Notadamente, aqueles que dirigiram o jornal, mais que indivíduos ou sujeitos


sociais, foram sujeitos do discurso, nem livres nem completamente assujeitados à ide-
ologia. Eles foram sujeitos ativos, porta-vozes das ideias de seu tempo e de seu grupo
social. Ao empregarem a expressão “espíritos mais cultos”, imputam-lhes a autoridade
em relação ao conhecimento, à informação e, principalmente, ao poder midiático. Em
que medida a mídia é uma necessidade para a cidade? A quem interessa o jornal e
as ideias que nele circulam? Nesse contexto, afirmamos que a mídia opera como AIE,
sendo necessária na medida em que fornece “conforto” aos sujeitos inscritos nessa
formação discursiva e favorece a coesão da vida social.

Embora não seja um texto assinado, a autoria certamente é de Francisco Por-


tella, pois, na ocasião, ele ocupava o cargo de redator, conforme indica o cabeçalho
dessa e das outras edições trabalhadas nesta pesquisa. Segundo o texto, Portella
chegara à redação do Monitor em 1865. Concomitante à sua passagem pelo veículo
e posteriormente a ela, Portella foi vereador no município, deputado na assembleia
legislativa provincial e governador do estado do Rio entre 1889 e 1891.

57
A comemoração pelos 50 anos a que o editorial alude, no início de 1888, de-
marca 1838 como o ano de fundação do que se denominava apenas Monitor, fundado
por Bernardino José Macedo. Os arquivos da BN, entretanto, guardam como parte
do material do MC uma edição mais antiga, de 1834, de O campista, cuja sede é dada
como a Rua do Conselho, 34, que veio a ser o endereço da tipografia do MC. Os
arquivos da BN também guardam edições de 1835 a 1837 do O recompilador Cam-
pista e do Monitor de 1839. Identificamos que a história de O campista é silenciada no
editorial analisado. Pela ótica das descontinuidades e rupturas na produção historio-
gráfica serial, conforme assinala Foucault, compreendemos o silenciamento acerca
do jornal anterior à 1838, como um aspecto da fabricação da própria história do MC,
tendo em vista que a comemoração pelo quinquagésimo aniversário, mais que cele-
brar a memória, acaba por fabricá-la, como um monumento a serviço da história linear.

Nos arquivos da BN, as primeiras edições com o título de Monitor Campista são
as de 1840 e 1841. Verificamos um lapso temporal no arquivo e o retorno das edições
a partir de 1876, ano em que há apenas uma edição arquivada, a de 22 de novembro
de 1876. Nesse momento, o jornal surge com o logotipo em letras góticas, que per-
maneceu até o seu fechamento, em 2009. As edições no arquivo digital seguem até
1888. A partir daí, aparecem as dos anos 1890, 1891, 1900, 1987 e 1988.

Voltando à história narrada no texto de 1888, encontramos a informação de


que, em 1840, Eugênio Bricolens adquiriu o Monitor, incorporando-o ao Recompilador
Campista, que pertencia a Evaristo José Pereira e Abreu. Assim, conforme a narrativa
publicada em 1888, o Monitor Campista surge da sociedade entre Eugênio Bricolens
e Evaristo José Pereira e Abreu e da, consequente, fusão do Monitor com o Recom-
pilador Campista.

Em 1847, Eugênio Bricolens tornou-se o único proprietário. Vinte e quatro anos


depois, em 1871, Domingos de Alvarenga Pinto e Luiz Renner adquirem-no. Luiz Ren-
ner deixa a sociedade no ano seguinte. Em 1879, Atilla e João, dois dos três filhos de
Domingos de Alvarenga Pinto, assumem a tipografia em sociedade com Francisco
Portella, que já estava lá desde 1865, como redator. Em 1883, Portella decide deixar
a sociedade para se dedicar somente à escrita, passando sua parte da sociedade a
Roberto de Alvarenga. Assim, na ocasião do aniversário, o Monitor Campista estava
nas mãos dos filhos de Domingos de Alvarenga Pinto, falecido em 1884. Era uma

58
empresa familiar assim como são as grandes corporações midiáticas do Brasil no iní-
cio do século XXI. Nascido em 1828, Domingos de Alvarenga fora, além de jornalista,
comerciante e advogado, tendo se formado bacharel na Academia de São Paulo, em
um período anterior à formação do poeta Azevedo Cruz apresentado no início desta
seção da tese.

O jornal é denominado como “o órgão da opinião mais justa e mais indepen-


dente de Campos. [...] jornal de progresso, sem ser de propaganda de nenhuma ideia
ou princípio” (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1). As ideias de isenção, independên-
cia e justiça são reforçadas posteriormente em referência à questão política, nos se-
guintes termos: “não pertencendo por sua maneira de ver e julgar os homens e as
coisas a nenhum partido político” (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1). Entretanto, ao
analisarmos as publicações que antecederam a eleição para deputado provincial de
28 de dezembro de 1887, especificamente a seção Tópicos da Atualidade da edição
de 21 de dezembro de 1887, convencemo-nos de que o posicionamento político do
jornal fora bem explícito em favor dos candidatos conservadores: “Ora, como não ser
conservador, quando os conservadores fazem essas coisas [criação da freguesia de
S. José do Avahy] de um jato!! Estamos decididos: votamos nos candidatos conser-
vadores”.

O texto prossegue expondo as finalidades do veículo: “servir a essa causa su-


prema, a causa de todos, ao esclarecimento e demonstração de verdade, que em
outros modos de ver é também a justiça e o bem” (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n.
1). Além de caracterizar-se como fonte de esclarecimento, a longevidade é justificada
pela missão de informar seus leitores, levando-lhes a opinião sensata e a informação
exata, sendo a “assistência do público e sinceridade com que procura desempenhar
a sua missão, fazendo-se o órgão da opinião sensata, ou guiando-a com elevação de
vistas, e informando-a com toda a exatidão possível” (Monitor Campista, 1 jan. 1888,
n. 1).

Destacam-se os processos tipográficos: a primeira edição, a de 1838, saiu em


papel almaço de linho, importado de Lisboa, impressa no primeiro prelo de ferro da
cidade, fabricado em Londres pela empresa J. Cope & Sherwin e introduzido em Cam-
pos no ano de 1833. Comemora-se o feito de Domingos de Alvarenga ao ter introdu-
zido o primeiro prelo mecânico da cidade. O futuro do veículo e a influência francesa
nos processos de produção jornalística são ressaltados: “os proprietários do Monitor

59
tencionavam aumentar-lhe o formato desde este dia, porém não chegaram ainda de
França o prelo Marinoni e parte do material encomendado para esse fim, que já estão
em viagem” (Monitor Campista, 1 jan. 1888, n. 1). As mudanças na diagramação ocor-
reriam um mês e meio depois. Na edição de 14 de fevereiro de 1888, o jornal se
expande: as cinco colunas se transformam em sete, os textos e os anúncios passam
a ser maiores, embora os títulos das seções tenham permanecido os mesmos.

A respeito dos jornalistas responsáveis pela implementação da imprensa na


cidade, além de Domingos de Alvarenga Pinto e Francisco Portella, na obra de Múcio
aparecem dois portugueses: Prudência Joaquim de Bessa, que chegou a Campos aos
onze anos, e João Francisco da Silva Ultra, que, tendo desembarcado na cidade aos
trinta e dois anos, atuou em variadas atividades de escrita, como a poesia, o teatro e
a imprensa, especialmente no MC, onde ficou até a entrada do campista, Domingos
de Alvarenga Pinto, em 1871. Paixão considera Ultra “o espírito mais pronunciada-
mente literato dos velhos jornalistas incluídos neste período”.

Notamos que a figura de Ultra é silenciada na história narrada pelo texto publi-
cado no jornal. Quando ele deixa a folha em 1871, tem-se o início do período em que
a família Alvarenga Pinto assume sua redação. A saída do português pode ser lida à
luz do pensamento antilusitano, que surge com a independência em 1822 e ganha
força durante todo o Império, especialmente com o florescimento das ideias liberais,
abolicionistas e republicanas. O antilusitanismo pode ser lido na obra de Múcio a pro-
pósito de um momento anterior, quando ele se refere ao surgimento da imprensa na
Corte como forma de se “cortar o cordão umbilical que nos ligava à Metrópole” (PAI-
XÃO, 1924, p. 13).

Além disso, ao abordar o início da imprensa em Campos, Múcio da Paixão


apresenta sete personalidades, dentre as quais se destacam Domingos de Alvarenga
Pinto e Francisco Portella. Os outros nomes que aparecem na história do MC apre-
sentada no texto comemorativo não são citados. Tal silenciamento pode ser lido como
uma escolha, porque eles tiveram uma importância menor, pela ótica do crítico literá-
rio, ou porque eles eram apenas empresários e não se dedicavam à escrita, posto que
a escrita jornalística, literária ou acadêmica é o principal eixo na apresentação da bi-
ografia dos autores em Movimento Literário em Campos. Na obra, os jornalistas são
exaltados pelo estilo linguístico, ora pelo floreio ora pela galhardia.

60
Domingos Alvarenga Pinto e Francisco Portella são notadamente os vetores
das letras campistas no decorrer do segundo império, com atuações na imprensa e
na política local e provincial, inclusive nas obras de melhoria urbana abordadas na
próxima parte da tese. Exaltando o trabalho de Alvarenga Pinto frente ao MC, Múcio
da Paixão dedicou a ele três páginas e meia de sua obra. Ao justificar a aquisição da
folha pelo político e bacharel, afirma: “não tardou muito para que a imprensa militante
o seduzisse e empolgasse; e, assim, em 1871 adquiria a propriedade do MC, jornal
que foi o campo de suas glórias, e em cujas colunas pontificou por espaço de largos
anos” (PAIXÃO, 1924, p.27). O literato atribui ao jornalista a vocação para os “torneios
da imprensa”, o que podemos ler, do ponto de vista discursivo, em função da imprensa
como tribuna, como denúncia social e instrumento ideológico. Sob a direção de Alva-
renga Pinto, o jornal se tornou um combatente frente ao cenário político extenso e
complexo, em decomposição pelos “vícios ingentios ao constitucionalismo imperial”
(PAIXÃO, 1924, p.27).

Assim é narrado o trabalho jornalístico de Domingos de Alvarenga:

Naquele tempo, na pacatez da vida provinciana, o papel do jornalista não se


limitava apenas a ser simples comentador dos fatos diversos que prolifera-
vam no seio da burguesia [...] ia mais longe: servindo-se da pena, como de
acerado estilete, o jornalista caía a fundo sobre os abusos e exibia-os à luz
crua da publicidade [...] O estilo de Alvarenga era simples e leve, sem deixar
de ter a profundeza dos conceitos, a clareza das ideias, a precisão dos sen-
timentos, seus períodos eram curtos e sonoros. Escrevia aos moldes dos an-
tigos moralistas; sua linguagem era concisa e sentenciosa. Deixou páginas
de raro fulgor e beleza, que lidas ainda hoje despertam a mesma impressão
e o mesmo interesse de outrora (PAIXÃO, 1924, p. 29-28).
Depois de Domingos de Alvarenga, Francisco Portella é apresentado por Múcio
da Paixão como homem conhecido por toda a cidade por usar um chapéu de feltro,
uma flor presa em sua sobrecasaca e por ser um político atuante, responsável pela
construção das estradas de ferro Campos-São Sebastião e Campos-Carangola, pela
instalação das redes elétrica e telegráfica e pela obra da ponte sobre o rio Paraíba,
enquanto foi vereador da câmara municipal e deputado provincial. Nascido no Piauí e
formado em medicina no Rio de Janeiro, chegou a Campos por volta de 1857, quando
concluíra a formação acadêmica. Veio a convite de um colega de faculdade, o cam-
pista Gregório de Miranda Pinto.

61
Francisco Portella é tratado como um defensor das ideias liberais e abolicionis-
tas, além de jornalista profícuo, atuante em várias frentes, inclusive como crítico lite-
rário a exaltar em sua folha a obra Miosótis (1877) do poeta Teixeira de Mello, como
atesta Múcio da Paixão, ao afirmar que

pelas colunas dos jornais de seu tempo, e especialmente pelo Monitor, espa-
lhou o Dr. Portella uma copiosa e variada colaboração. No domínio exclusi-
vamente literário, publicou inumeráveis escritos; de alguns formou um inte-
ressante folheto, que deu à publicação sob o título de Escritos Esparsos,
tendo por assinatura Radymisa. São igualmente conhecidos os estudos lite-
rários publicados no almanaque de Campos, sobre os Myosotis, de Teixeira
de Mello (PAIXÃO, 1824, p. 19).
Considerando que todo documento é uma versão, uma interpretação da reali-
dade cuja análise pauta-se no funcionamento discursivo, no modo como um enunci-
ado surge em um contexto, na forma como ele convoca a linguagem para parafrasear
as ideias que representam um determinado estágio da vida social. Na AD, o texto
integra um processo discursivo maior que pode ser descrito por meio de três perspec-
tivas: a cadeia, o arquivo e a memória discursiva.

A cadeia consiste na materialização do processo discursivo no texto. O arquivo


se instaura nas relações interdiscursivas estabelecidas por meio do texto e a partir
dele. A memória é determinada pelo valor histórico do texto em virtude de sua inscri-
ção em práticas discursivas reguladas por aparelhos ideológicos. Nessa perspectiva,
de acordo com Foucault, a memória não é algo a se reconstituir a partir dos documen-
tos, mas o modo pelo qual os documentos adquirem status de legítimas fontes de
memória.

Sendo a cadeia a perspectiva mais ampla do processo discursivo, porque aci-


ona o texto como uma superfície discursiva que materializa o processo ao manifestá-
lo em um contexto enunciativo, um aqui e agora, e também em um contexto sócio-
histórico, sob a forma de um rastro ou vestígio do processo discurso, consideramos
que as edições do MC, disponíveis no arquivo digital da BN, compõem um conjunto
de textos que materializam as práticas do exercício jornalístico no século XIX e que
carregam consigo o sentido de que, dado o valor documental atribuído à época, esses
textos deveriam ser arquivados e convertidos em fontes históricas. Verificamos que
nem todo jornal produzido em Campos no século XIX encontra-se disponível ao leitor
por meio de arquivos digitais, especialmente no maior acervo bibliográfico do país.

62
Assim, sobre o processo discursivo que esses textos integram, consideramos
o valor social do jornal à época, sendo ele o “mais importante jornal da província”,
conforme considera Paixão (1924, p. 20). Compreendemos, desse modo, que havia
um forte empenho entre os “homens de letras” de Campos para registrar a história
política, social e cultural da cidade, como pode ser observado nas publicações de
Teixeira de Mello, Ephemérides Nacionais (1881) e Campos dos Goytacazes em 1881
(1886) e de Múcio da Paixão, Movimento Literário em Campos (1924). As obras foram
produzidas com base em material anteriormente publicado no MC.

Considerando que o processo discursivo não tem início nem fim, que se esta-
belece sempre sobre um discurso anterior e aponta para um futuro, a perspectiva do
arquivo consiste na depreensão das relações que um texto estabelece com outros
textos e discursos no interior do processo discursivo: são as relações intertextuais e
interdiscursivas. Isso significa que “um texto tem relação com outros textos nos quais
ele nasce (sua matéria-prima) e/ou outros para os quais ele aponta (o seu futuro dis-
cursivo)” (ORLANDI, 1999, p. 48). Nessa perspectiva, verificamos que a configuração
textual do MC é semelhante a outros jornais brasileiros da mesma época, inclusive a
jornais franceses. Verificamos também citações de outros jornais, acontecimentos po-
líticos, documentos oficiais, que são modos de manifestação das relações intertextu-
ais e interdiscursivas.

Finalmente, a memória discursiva corresponde a um conjunto de sequências


que preexistem a um certo enunciado e diz respeito à sua existência histórica no inte-
rior de práticas discursivas reguladas por aparelhos ideológicos. Segundo Possenti
(2011, p. 365), a memória discursiva “remete ao modo como o trabalho de uma me-
mória coletiva permite a retomada, a repetição, a refutação e o esquecimento desses
elementos de saber que são os enunciados”. A constituição do texto como memória
em diálogo com o presente pode ser pensada a partir do trabalho de pesquisa e aná-
lise que envolve a produção desta tese e pelo valor social que, em 2020, se dá ao
jornal MC, por se tratar de um documento histórico arquivado e preservado.

Diante das ideias disseminadas pelo governo federal no poder em 2020 e das
ações por ele adotadas no âmbito das políticas públicas voltadas à cultura, desde que
se estabeleceu no poder em 2019, o temor de que o arquivo pudesse não mais ser
disponibilizado por meios digitais esteve presente no decorrer da pesquisa. Como é o

63
governo federal o responsável por financiar e gerir o funcionamento da BN, que dis-
ponibiliza o acesso ao seu arquivo digital, e há um projeto “velado” em prol do esque-
cimento, do revisionismo histórico e do apagamento da cultural, corremos o risco de
que este estudo fosse interrompido e não mais pudéssemos acessar o material por
meio do qual depreendemos os sentidos acerca do nosso olhar do presente sobre o
passado, não só para reconstituí-lo, mas para questioná-lo, refletir a partir dele, como
memória social.

64
II

A literatura no jornal Monitor Campista

Toda a palavra sobre um lugar por onde as pessoas transitam constrói uma
imagem, não como uma representação dele, mas como um novo espaço, um lugar
idealizado – no sentido de fabricado, fabulado –, por onde se materializam as ideias,
as concepções de mundo e as mentalidades que, como o espaço geográfico, resistem
ao tempo e retornam na forma de novos textos que entrelaçam os dois lugares: o físico
e o idealizado.

A Seção 1 do domingo, dia 25 de dezembro de 1887, trouxe o texto opinativo


“O dia de Natal”, assinado por Domingos de Alvarenga Pinto. Embora o antigo dono
do MC houvesse falecido em 1884, seus filhos Atilla e João de Alvarenga Pinto, pro-
prietários à época, publicam o texto datado com o ano de 1881. Na página seguinte
do jornal, em uma seção esporádica, Colaboração, encontramos um outro texto opi-
nativo, “Jesus”, assinado por Nilo Peçanha. Nesses dois escritos, materializam-se as-
pectos das formações discursivas, daquilo que pode ser dito a partir de uma posição
em uma dada conjuntura, no que tange ao cristianismo e, consequentemente, à orga-
nização social da cidade, no contexto do jornal, de seus redatores e leitores, tendo em
vista que o cristianismo, no contexto brasileiro e, especialmente em Campos no século
XIX, operava como um agregador e organizador da vida social, por meio das ativida-
des do calendário religioso e do estabelecimento de modos de agir e práticas sociais.
Sobre o papel da igreja católica, Lemos (2018, p. 38) assinala que “a partir do vínculo
de fé, compromissos institucionais, festas e procissões, as ordens religiosas funcio-
navam como um instrumento de manutenção da coesão social e do controle moral de
todos os irmãos sobre os demais”.

No contexto da imprensa brasileira do século XIX, mais especificamente na ci-


dade de Campos, Lemos (2019, p. 516), ao analisar a polêmica decorrente dos senti-
dos atribuídos a um “ajuntamento de pretos” materializados em artigos publicados no

65
jornal Correio Constitucional Campista, em 1831, considera que “os sentidos propos-
tos pelos escritos dos periódicos faziam circular determinadas imagens do mundo so-
cial”. Naquele contexto histórico, “a liberdade de expressão da imprensa era um insti-
tuto relativamente novo no qual os cidadãos letrados poderiam se posicionar politica-
mente acerca daqueles temas considerados cruciais para a estruturação do país e da
educação dos povos” (LEMOS, 2019, p. 526). Nesse sentido, Alvarenga e Peçanha
são cidadãos letrados que, apesar das restrições impostas pela legislação que regu-
lava a imprensa, pelos custos para a manutenção da tipografia, e por haver uma pe-
quena comunidade de leitores ilustrados, inscreviam-se como porta-vozes dos inte-
resses das elites acerca da organização da vida social.

Destacamos que os textos são de autoria de sujeitos sociais que ganharam


relevo histórico: o primeiro, no âmbito da cidade e do jornal; o segundo, na política
nacional. Ambos abordam a celebração pelo nascimento de Jesus Cristo, narrativa
fundadora da cultura cristã, força ideológica determinante para a construção das men-
talidades no e sobre o Brasil. Enxergamos nessas publicações um acontecimento dis-
cursivo, um ponto de encontro entre a atualidade, aquele vinte e cinco de dezembro,
e a memória discursiva do Natal.

Assim como a literatura, as religiões fundam-se a partir de discursos constituin-


tes dos quais emergem enunciados que manifestam a função de archeion. Essa é
uma expressão grega que significa fonte, princípio, origem e, também, comando e
poder. Desse modo, “o archeion associa assim intimamente o trabalho de fundação
no e pelo discurso, a determinação de um lugar [sede da autoridade] associado a um
corpo de enunciadores consagrados e uma gestão da memória [arquivo]” (MAINGUE-
NEAU, 2008, p. 38). Os enunciados inscritos nessa função adquirem o status de fonte
e princípio do poder, dando garantia e sentido a outros gêneros de discurso que sur-
gem a partir dele. Esse é o caso da narrativa bíblica do nascimento de Cristo, enunci-
ado ao qual os dois artigos recorrem interdiscursivamente, apesar de se inscreverem
de formas divergentes na formação discursiva cristã.

No primeiro texto, o reforço das ideologias cristãs determina um modo de agir


no contexto social. Já no segundo, o autor, ao se posicionar sob a ótica do discurso
científico-filosófico agnóstico, apropria-se da narrativa acerca da vida de Cristo para
reafirmar as suas ideias políticas, fundamentadas entre o conservadorismo social e o

66
liberalismo econômico, princípios do Partido Republicano Fluminense ao qual estava
filiado.

O texto de Alvarenga Pinto divide-se em quatro partes. Na primeira, ele de-


marca a sua filiação à narrativa cristã, reforçando a legitimidade e o valor histórico. O
enunciador emprega a etimologia como estratégia para explicar a origem da palavra
“natal” por duas perspectivas que se integram: a expressão latina, natalis dies, dia da
natividade, do nascimento, e o termo francês noel, Deus conosco. E, do ponto de vista
histórico, ele aponta o século IV, como o momento em que o Papa Júlio I, certificara
a data, uma prática típica da história linear, para fixar o dia 25 de dezembro como o
momento “correto” da celebração. Ele explicita também o proceder das “famílias” du-
rante a celebração:

É na verdade o dia de Natal aquele em que na paz, doçura e encantos da


família, na ternura dos afetos e no seio da mais terna amizade, todos se reú-
nem satisfeitos e risonhos, felicitam-se, mimoseiam-se mutuamente e osten-
tam seus mais lindos trajes e suas galas, reproduzindo esses hábitos tradici-
onais adquiridos desde a infância (Monitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297).
Na descrição, a família cristã emerge como um espelho, modelo de harmonia,
mimos e afetos, a ser adotado como um parâmetro de bem-estar e vida social.

Na segunda parte, o autor toma as circunstâncias temporais para falar da re-


percussão do nascimento de Cristo para a história, como discurso de origem, tratando-
o como o momento de triunfo da civilização, a partir do qual

emanou a luz que irradia através dos séculos e que regenerou a humanidade!
[...] o mundo foi salvo e a humanidade regenerada; [...] naquele ninho de pa-
lha estava a semente da doutrina do bem, a – da caridade e do amor. E essa
semente germinou, cresceu, floresceu e frutificou (Monitor Campista, 25 dez.
1887, n. 297).
Notamos o processo civilizatório como marcha da evolução e do progresso.

Na terceira parte, o autor reflete sobre o acontecimento trazendo-o para o seu


presente, como forma de ensinamento moral: “a criança de Belém, tornada homem,
ensinou que o pai não era senhor do filho, que o marido não era senhor da mulher,
nem o homem senhor do homem”. Notamos um gesto conciliatório a partir do enfren-
tamento de duas forças, em relação de subordinação uma à outra.

O enfrentamento é convertido em conciliação por meio da repetição das ideias


libertárias da revolução francesa: “Ele deu a lei da – liberdade, igualdade e fraterni-
dade”. “É que triunfou a lei da – liberdade, igualdade e fraternidade”. Finalmente, a
retomada literal dessas ideias converte-se numa metáfora que condensa a narrativa

67
bíblica e a experiência de vida de um sujeito discursivo imerso no espaço e no tempo
de sua enunciação:

Mas o flexível cetro de cana veio quebrar o cetro de ferro dos tiranos opres-
sores da humanidade. A coroa de espinhos veio substituir-lhes de pesado
ouro e pedraria que cingiram, também os ferir e abater-lhes a soberba e o
orgulho. O trapo de púrpura veio também se lhes lançar sobre os ombros, em
lugar dos régios e ricos mantos para mostrar-lhes a cor de sangue de suas
vítimas”. “Ele o disse: ‘Todos os homens são iguais; amai-vos uns aos outros’
(Monitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297).
Na última parte, Domingos de Alvarenga reforça as ideias de conciliação e hu-
mildade presentes na parte anterior, retomando a “mensagem” acerca do Natal: “Ilu-
minemo-nos com essa luz que nos deve glorificar, mostrando-nos os horizontes de
um novo mundo, que veio colocar-se no lugar de um mundo velho que já morreu”.
Instaura-se o pensamento republicano em oposição às relações de servidão do Brasil
em relação a Portugal e do império em relação aos interesses da província e da ci-
dade.

Em estudo sobre o jornalismo brasileiro contemporâneo, Gregorin (2007) de-


monstra que a mídia faz circular representações que produzem deslocamento e des-
territorializações de sentidos e, com isso, estabelecem paradigmas e maneiras de agir
e pensar. Por essa perspectiva, compreendemos que, no texto de Alvarenga, a dou-
trina cristã é desterritorializada e reinscrita nos domínios do discurso político, da for-
mação discursiva liberal-republicana.

O artigo de Nilo Peçanha, “Jesus”, explora a narrativa do nascimento de Jesus


Cristo atribuindo ao fato sentidos que se contrapõem ao discurso religioso. Ele de-
fende a tese de Jesus como um homem inclinado à liberdade, à ajuda ao próximo,
aos princípios liberais e democráticos aos quais o próprio Peçanha, como sujeito ins-
crito no discurso político, estivera alinhado. Peçanha convoca outras formações dis-
cursivas, especificamente, as concepções científicas da época, como o darwinismo, a
filosofia monística e o agnosticismo. O texto é construído a partir de um “nó”, isto é,
de um tema polêmico sobre o qual pontos de vista divergentes são estabelecidos,
sendo os temas a origem do ser humano e do mundo e a própria figura de Jesus, não
como o filho de Deus, o criador, mas como um exemplo humano cuja conduta deve
ser seguida.

68
O texto explora a ideia de que, enquanto a religião busca respostas para a cos-
mogonia nas escrituras, a ciência trabalha para respondê-la com os métodos científi-
cos na investigação da realidade. Conforme as ciências e os teóricos citados por Pe-
çanha, no final do século XIX, já se chegara às conclusões de que “o céu nunca teve
deuses, [...] não há acaso nem milagre; há fenômenos regidos por leis, [...] nós não
somos seres estranhos, superiores à pressão das fatalidades do mundo cósmico” (Mo-
nitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297). Peçanha se posiciona do ponto de vista da
ciência e do não dualismo entre um espírito divino e uma materialidade do corpo, con-
forme afirma: “o fato de ter emancipado o meu espírito à luz da filosofia monística não
quer dizer que eu seja candidato nestas linhas às irritações da cólera beata” (Monitor
Campista, 25 dez. 1887, n. 297). Apesar disso, ele considera Jesus “o maior mártir da
liberdade humana, [...] o mais célebre dos tribunos democratas, [..] o mestre ideal, o
mais divino dos homens” (Monitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297).

Ele explora, portanto, a conciliação entre o discurso do cristianismo e o da ci-


ência, conduzindo o leitor a reconhecer, na figura de Jesus, a imagem de um homem
cujo exemplo deve ser seguido, um homem que detém as qualidades de um político
que enxerga o bem do povo. A proposta de conciliação entre as formações discursivas
– cristianismo e política republicana – progride e enlaça o evolucionismo, o progresso
e a biografia de Cristo: “a sua estatura vai crescendo no santuário da história, à pro-
porção que a humanidade caminha” (Monitor Campista, 25 dez. 1887, n. 297).

Na perspectiva de Peçanha, Jesus emerge como socialista, filósofo e republi-


cano:

Jesus foi o socialista quando melhorou a condição do pobre. Nunca se can-


sou de pregar a igualdade, porque ele sabia que um povo não pode ser livre
sem ser igual. Foi o filósofo, quando perdoou as fraquezas humanas. Foi o
republicano, quando, iluminando a consciência popular, ensinou a se odiar os
tiranos, e derramando o seu sangue, foi o primeiro mártir da liberdade (Moni-
tor Campista, 25 dez. 1887, n. 297).
Assim como a pesquisa de Lemos (2019), que se voltou ao Correio Constituci-
onal Campista, de 1831, no estudo a respeito do Cidade do Rio de Janeiro, que circu-
lou entre 1888 e 1889, Flores (2015) conclui que o jornalismo brasileiro do século XIX
possibilita a análise do funcionamento da linguagem à época, constituindo-se fonte
para o entendimento da memória social brasileira e do exercício jornalístico como um
dispositivo de disseminação de ideias políticas e sociais. Flores (2015) demonstrou

69
ainda que a disseminação de ideias não se dava de forma direta. Os veículos midiáti-
cos procuravam expor seus posicionamentos sempre tentando obliterá-los sob a ima-
gem da isenção jornalística. Fundado pelo abolicionista nascido em Campos, José do
Patrocínio, o Cidade do Rio de Janeiro apresentava sentidos políticos antagônicos,
demonstrando ser tanto abolicionista quanto escravocrata.

Mesmo adotando o posicionamento favorável à libertação dos escravos, ao pu-


blicar reportagens sobre o movimento abolicionista, o jornal apresentava notícias ofi-
ciais do governo, notadamente escravocratas. Com isso, o periódico realizava um du-
plo movimento, entre uma formação discursiva favorável aos interesses da Corte e
outra contrária, contribuindo para a construção do sentido de neutralidade do jorna-
lismo.

Ainda que a análise apresentada seja um desdobramento da concepção do MC


como processo discursivo, conforme desenvolvemos na última seção da parte ante-
rior, o estudo das formações discursivas que atravessam os textos de Domingos de
Alvarenga e Nilo Peçanha amplia os horizontes acerca das representações sociais
mais íntimas da comunidade de leitores: o cristianismo que estabelece um modo de
agir na vida familiar e social. Se, na abertura da parte anterior, acompanhamos a
transmutação do espaço na forma de versos pela perspectiva do poeta Azevedo Cruz,
neste capítulo enxergamos os horizontes ideológicos da comunidade leitora com base
nas restrições discursivas, naquilo que pode ser dito e em que termos parafrásticos
as ideias podem se apresentar sobre a narrativa cristã.

Paulatinamente, lançamos luz sobre os elementos constitutivos da vida literá-


ria: a imprensa como dispositivo que integra os domínios de elaboração, redação, pré-
difusão e publicação de textos literários; o conjunto de autores e outros homens de
letras que se valem desse dispositivo, como proprietários, funcionários ou convidados
à publicação; as diferentes possibilidades de apreensão do contexto de produção, a
cidade de Campos.

Partindo das premissas acerca do texto literário, como gestão de seu contexto,
e da imprensa, como espaço de integração dos domínios da vida literária, chegamos
à hipótese de que a descrição dos espaços, domínios e contextos de produção e cir-
culação da literatura em Campos nos leva à ampliação da expressão vida literária,
convertendo-a em um conceito na ADL.

70
Definida essa hipótese na introdução e apresentadas as teorias acerca do es-
tudo dos textos literários e jornalísticos pelas perspectivas da AD e da ADL na parte I,
delimitamos o corpus discursivo, isto é, a apresentação do agrupamento dos textos
publicados no jornal MC no final do século XIX, cujas análises prosseguirão na pró-
xima parte, na qual integraremos as categorias discursivas de ritos, posicionamento e
comunidades. Entendemos que “a enunciação se manifesta como dispositivo de le-
gitimação do espaço de sua própria enunciação, a articulação de um texto e uma ma-
neira de se inscrever no universo social” (MAINGUENEAU, 2008, p. 40). E que a enun-
ciação literária “não é somente um conjunto de textos, um corpus, mas uma imbrica-
ção entre um modo de organização social e um modo de existência de textos” (MAIN-
GUENEAU, 2008, p. 45).

Após a leitura das edições do jornal do período compreendido entre a publica-


ção do folhetim de Émile Richeboug, A avó, que circularam entre 27 de novembro de
1887 e 10 de julho de 1888, compondo 162 capítulos, compomos o corpus discursivo
por meio de duas perspectivas complementares:

1) O texto literário e as representações sobre a literatura com base na proble-


mática representacional e interpretativa, conforme Charaudeau (2011).
Analisamos e discutimos as concepções estéticas e os sentidos do fazer
literário na cidade por meio do soneto de Osório Duque Estrada, “Para tor-
nar dest’alma a noite escura”, do fragmento de prosa poética “A violeta”, de
José Sampaio, e da reportagem/crônica sobre o naufrágio do Vapor Goyta-
caz, ocorrido em 22 de novembro de 1887.

2) O contexto, isto é, a cidade de Campos e as condições de emergência e


circulação da literatura, com base na categoria de cenário, uma das forma-
ções discursivas temáticas, conforme Maingueneau (2008, 2015). Por meio
da análise de anúncios comerciais publicados no MC, caracterizamos a ci-
dade em seus aspectos sociais, econômicos, culturais e discursivos, e des-
tacamos as condições de produção do discurso literário, tendo em vista os
atores sociais e as demais condições que possibilitaram o surgimento e a
circulação do discurso literário.

71
2.1 – O discurso literário como problemática representacional e interpretativa

A seleção dos textos analisados no jornal não se restringiu apenas aos critérios
concernentes aos gêneros reconhecidos pela teoria e crítica literária: os gêneros nar-
rativo, dramático e lírico, conforme estabelece o estudo genológico de Coutinho (2015)
e outros teóricos mais ou menos alinhados às classificações da tradição aristotélica.
Além dessa categoria, a qual concebemos como parte das condições discursivas de
produção da literatura, adotamos a perspectiva do discurso literário, tal qual definido
por Maingueneau. Acionamos o discurso literário sob a ótica de uma problemática
representacional e interpretativa, como meio para balizarmos a escolha do material
textual relativo à literatura e ao fazer literário presente no MC, no período delimitado.

Sendo o discurso “um percurso de significância que se acha inscrito num texto,
e que depende de suas condições de produção e dos locutores que o produzem e o
interpretam” (CHARAUDEAU, 2011, p. 6), o discurso literário consiste nas restrições
de ordem social e cognitiva que leva os escritores a exibirem, no fazer literário, “mar-
cas de pertencimento: de pertencimento do texto ao corpus literário e pertencimento
dos parceiros da comunicação (escritor e público) à instituição literária, tendo como
terceiros os diversos tipos de avaliadores que esta implica” (MAINGUENEAU, 2006,
p. 208).

A problemática, por sua vez, caracteriza-se como o “conjunto coerente de pro-


posições hipotéticas (ou de postulados) que, no interior de um campo de estudo, de-
terminam ao mesmo tempo um objeto, um ponto de vista de análise e um questiona-
mento por oposição a outros questionamentos possíveis” (CHARAUDEAU, 2011, p.9).
Por essa abordagem, temos os postulados estéticos relacionados ao campo dos es-
tudos literários, como os elencados por Bosi (2006) e Candido (2013); o discurso lite-
rário como o objeto empírico da pesquisa; e o questionamento: quais textos presentes
no MC revelam maior ou menor grau de alinhamento aos postulados estéticos colo-
cados em relevo pela história da literatura no final do século XIX?

Como objeto empírico, o discurso literário é concebido pela observação das


manifestações comunicativas submetidas a condições de realização e à obediência a

72
regras. Nesse caso, o texto literário encontra-se submetido a certas condições de re-
alização, como apresentar-se sob um determinado gênero discursivo e se submeter
às regras estabelecidas pela comunidade literária, como alinhar-se à certa doutrina
estética – regras que não são apenas de natureza formal, mas que englobam outras
ordens, como a ideológica, a histórica e a sociológica.

Do mesmo modo, um texto, literário ou não, publicado em um jornal encontra-


se submetido às restrições impostas pelo veículo: de um anúncio publicitário para o
qual a folha cobra um certo valor ao anunciante até um texto opinativo que, alinhado
ou não à linha editorial, carece da anuência de quem controla o veículo, do propósito
comunicativo e da visão de mundo que o veículo quer fazer disseminar entre seus
leitores. Nesse sentido, um texto assinado por Nilo Peçanha na edição natalina do MC
demonstra a importância desse sujeito social para a comunidade, convertido em su-
jeito discursivo legitimado e reverenciado pelo veículo midiático e por sua constelação
de leitores. Do mesmo modo, o texto em comemoração ao quinquagésimo aniversário
da folha (analisado na parte I), embora não venha assinado, também contribui para a
construção da tradição do veículo, de sua imagem, mantendo-lhe, do ponto de vista
das estratégias discursivas, na posição de fonte confiável de informações para o mu-
nicípio.

2.1.1 – As representações do discurso literário pela ótica do Movimento literá-


rio em Campos de Múcio da Paixão

Com base na problemática representacional e interpretativa, buscamos no jor-


nal tanto os textos produzidos na forma dos gêneros literários e que pudessem repre-
sentar alguma estética da literatura, quanto aqueles que, mesmo não pertencendo a
um gênero previamente reconhecido, pudessem ser identificados, por meio do conte-
údo ou da expressividade linguística, como portadores do discurso literário ou revela-
dores das restrições acerca do entendimento sobre o fazer literário no contexto social
da cidade de Campos a partir de critérios sociais, econômicos e culturais, além dos
critérios históricos e estéticos identificados nas proposições de Múcio da Paixão
(1924). Sua obra MLC é tomada, nesta tese, tanto como fonte documental de dados
quanto como objeto de investigação discursiva por meio do qual se materializam as
representações do discurso literário na cidade.

73
Tomar o discurso literário como o objeto de estudo no âmbito da problemática
representacional e interpretativa parte do princípio de que esse objeto “é definido atra-
vés das hipóteses de representações sociodiscursivas que se supõem dominantes
num dado momento da história de uma sociedade (são, então, sócio-históricas), e que
caracterizam um determinado grupo social” (CHARAUDEAU, 2011, p. 11). Neste
ponto, retornamos às características do cânone literário dominante no Brasil no final
do século XIX, tal qual apresentamos na parte anterior, a propósito da obra e da in-
serção de Teixeira de Mello na Academia Brasileira de Letras, ao lado de Machado
de Assis e Raul Pompeia, e acrescentamos àquela discussão as proposições de Mú-
cio da Paixão, o mais expressivo, e talvez o único, historiador da literatura de Campos,
para respondermos à seguinte questão: O Movimento Literário em Campos sugere
como representação discursiva da literatura, e de que modo as representações lá vei-
culadas integram-se ao contexto maior das representações da literatura publicada no
jornal?

Os registros históricos e acadêmicos sobre Múcio da Paixão são escassos, em-


bora tenha sido ele um vigoroso estudioso e crítico da cultura e da arte na cidade de
Campos cuja obra registra a história do teatro e da literatura local, cobrindo o século
XIX e o início do XX13. Os principais dados sobre ele são os registrados em sua própria
obra, MLC. As condições econômicas da família de Múcio certamente não eram as
mesmas das famílias de Domingos de Alvarenga Pinto e Azevedo Cruz, que estuda-
ram direito em São Paulo, ou de Teixeira de Mello e Francisco Portella, que estudaram
medicina no Rio de Janeiro.

Também devotado às letras na imprensa e na literatura como os demais “ho-


mens das letras”, as obras de Múcio alcançaram ainda a crítica literária e teatral e a
historiografia, essa última também presente na obra de Teixeira de Mello. No entanto,

13Em Campos, Múcio escreveu uma coluna diária no jornal República, trabalhou também na Gazeta
do Povo e na revista literária Aurora, para a qual produziu ensaios de biografia, crítica e história. Gui-
marães (2005) fala da participação do professor do LHC no I Congresso de História Nacional, ocorrido
em setembro de 1914. No evento nacional, ele apresentou a tese “Do teatro no Brasil”. Verifica-se
também que o trânsito e a participação de Múcio na vida intelectual brasileira atingiu uma certa projeção
nacional em virtude da publicação de sua obra Tipos, curiosidades e esquisitices dos homens célebres,
em 1922, pela editora paulista Monteiro Lobato e C. Além disso, o volume de seu trabalho intelectual
pode ser mensurado a partir de dados que a edição de MLC de 1924 traz, ao apresentar uma lista de
obras prontas à espera de publicação: Movimento socialista no Brasil – o partido operário e seus pro-
gramas, Os congressos operários do Brasil, As reformas da questão social, e o romance Ma-
nhã...tarde...noite!. Pelo jornal carioca Correio da Tarde, o romance O armazém – episódios da vida
comercial carioca, possivelmente publicado em folhetim, aguardando a publicação em livro.

74
Múcio não foi um profissional liberal ou um político. Fora ele um trabalhador que,
desde os onze anos, ocupou funções no comércio do Rio de Janeiro e de Campos,
na loja Ao Louvre, importadora de produtos franceses, principalmente, tecidos, e na
estrada de ferro Campos-Carangola, na freguesia do Carangola, até alcançar, por
concurso público, como afirma, o cargo de professor do Liceu de Humanidades de
Campos (LHC) nas áreas de História Universal e do Brasil, em 1912. Ele nasceu em
1870, mesmo ano de nascimento de Azevedo Cruz e, na organização cronológica
apresentada em MLC, integram o mesmo movimento literário: “a geração contempo-
rânea”.

Na adolescência, fora leitor de Fagundes Varela e Casimiro de Abreu, tendo


sido influenciado pelo professor Evaristo de Almeida, com quem conviveu na freguesia
do Carangola. Múcio diz ter escrito, aos 16 anos, a obra poética “Lírios e rosas”, ins-
pirado por estar

[...] vivendo a vida nômade de empregado da estrada de ferro, consumido de


tristeza, ralado de saudade do distante teto materno, muitas foram as angús-
tias que sofri no silêncio do meu isolamento. Este estado de alma me sugeriu
a composição dos primeiros versos, que foram os reflexos das vibrações da
minha emotividade. [...] Quais foram meus assuntos? O amor, a mata virgem,
a corrente do Muriaé, a cor do céu, o perfil das montanhas, o cantar dos pas-
sarinhos, a tristeza e a saudade, sobretudo a saudade em que vivia mergu-
lhado o meu coração de filho ausente (PAIXÃO, 1924, p. 251).
Após esse instante criativo, ao retornar a Campos, conclui que sua lira emude-
cera por lhe faltar “o panorama da mata virgem carangolense, secular e viridente, e a
saudade, a excelsa musa inspiradora dos meus tristes cantares” (PAIXÃO, 1924, p.
252). Constata que não nascera para ser poeta, queimando seus poemas juvenis.
Apesar de se afastar da escrita literária, ele afirma permanecer “desejoso de saber,
meticulosamente sequioso de aprender, procurei sempre iluminar a minha fraca inte-
ligência, buscando, com a boa leitura, imprimir-lhe uma conveniente diretriz” (PAIXÃO,
1924, p. 252). Não tivera ele o trânsito acadêmico e político de Teixeira de Mello e a
vida pública de Francisco Portella, ou mesmo laços familiares que o vinculassem à
aristocracia.

Movimento Literário em Campos, publicado pela tipografia do Jornal do Com-


mercio, em 1924, é uma obra construída sob a influência de História da Literatura
Brasileira, de Silvio Romero. O trabalho constitui-se de textos literários coligidos por
ele a partir de publicações da imprensa campista, especialmente do MC. Candido
(2013, p. 13) considera a obra de Silvio Romero superada, e Bosi (2006, p. 265) afirma

75
que ele “não fazia história do documento isolado senão para ilustrar as grandes leis
étnicas e sociais que aprendera junto a seus mestres deterministas”. Além de reco-
nhecerem o anacronismo no trabalho de Romero em relação aos estudos sociais e
literários à luz do tempo deles, esses teóricos da literatura posteriores entendem que
o crítico sergipano, ao procurar discernir no movimento romântico origens anteriores
ao grupo da revista Nitheroy, estaria reivindicando a primazia do Norte, região onde
nasceu, vindo a integrar a escola de direito do Recife.

Se Silvio Romero buscou dar primazia à produção de escritores de sua terra


inscrevendo-os no contexto da literatura nacional, Múcio da Paixão procurou integrar
os escritores de Campos ao contexto literário nacional relacionando-os às represen-
tações do fazer literário nacional. O movimento literário é “em” Campos, não “de” Cam-
pos, isto é, na cidade haveria uma extensão do movimento literário maior, da doxa
literária dominante. Sobre a obra que o influenciou, Múcio (1924, p. 7) afirma: “Silvio
Romero, trançando as páginas triunfais desse monumento que é a História da Litera-
tura Brasileira, pôs em destaque os diversos vultos que, nos vários departamentos
das letras, ligaram o seu nome ao movimento intelectual do Brasil”.

Múcio denomina os autores apresentados por Silvio Romero como “vultos pri-
maciais” que se incorporaram ao patrimônio do pensamento intelectual nacional ao
inscrever o Movimento Literário em Campos nessa linhagem editorial sob a forma de
um estudo acerca dos “vultos secundários”, aqueles que não foram citados por Silvio
Romero, o qual Múcio denomina como o “nosso mais fecundo polígrafo”. A esses au-
tores secundários, por estarem espalhados pelo território nacional, só lhes resta

[...] publicarem nos jornais locais a sua produção, o que equivale a ficarem
autores e escritores envoltos em uma densa penumbra, pois a imprensa do
interior e até de algumas capitais é tudo quanto há de mais anônimo, verda-
deiro túmulo do pensamento, não tem circulação, não é conhecida nem lida”
(PAIXÃO, 1924, p. 8).
Nesse ponto, Múcio reforça o papel da imprensa na disseminação da literatura,
mas critica a sua circulação restrita regionalmente. Encontramos, no MC, no período
analisado, apenas um soneto e um fragmento de prosa poética, aos quais nos dete-
remos mais à frente. Além disso, uma visão mais ampla de literatura, ultrapassando
os limites dos textos líricos, épicos e dramáticos, é outra perspectiva presente na obra
do campista a propósito das representações do fazer literário. O autor, do ponto de
vista estético – especialmente no capítulo quinto, que trata dos textos eclesiásticos,
teatrais, científicos e históricos – demonstra o entendimento da literatura que, na visão

76
de Coutinho (2015, p. 28), corresponderia à poética neoclássica, na qual “as ativida-
des do espírito que visem à informar e a instruir, [que] incluía entre os gêneros literá-
rios: o jornalismo, a história, a filosofia etc”.

O livro obedece a uma estrutura enciclopédica na qual, a uma pequena biogra-


fia, são inseridos alguns poemas do biografado. Além disso, verificamos o esforço em
estabelecer filiações estéticas e sociais entre os autores e entre aqueles que estariam
entre o grupo de “escritores primaciais”. Por exemplo, Isidoro Paulo Marques Mon-
teiro, que é caracterizado como um poeta romântico, sentimental e desordenado, fili-
ado à escola sentimental de Casimiro de Abreu e com afinidades com Álvares de
Azevedo. Sobre ele, Múcio narra: “aos vinte anos, o poeta voltava o seu coração
cheio de saudade para o berço natal, e suspirava tristemente” (PAIXÃO, 1924, p. 133).

Outro caso é Max de Vasconcelos, autor nascido em Campos, em 1891, mas


residente no Rio de Janeiro, cuja curta biografia de 28 anos é apresentada de modo
a ressaltar traços do comportamento social dos poetas do romantismo francês do sé-
culo XIX, como revela a seguinte passagem: “nos lazeres fazia a boemia de dia às
mesas dos cafés Jeremias e Belas Artes, à noite no bairro da Lapa, transformado
pelos rapazes alegres na Montmartre carioca” (PAIXÃO, 1924, p. 329). A seguir, fa-
remos o aprofundamento na organização do livro em função das representações do
discurso literário materializado em suas páginas.

No MLC, a literatura, como representação do discurso literário, é exaltada sob


a forma de atributos relativos à valorização máxima da linguagem por meio da expres-
sividade formal, pelos seus recursos métricos e preciosismo vocabular em observân-
cia aos ideais parnasianos. Exaltam-se também a escrita clara e a exposição deta-
lhada de temas ligados à saúde e à higiene, pauta do cientificismo da época e das
concepções estéticas naturalistas e positivistas.

2.1.2 – O Movimento literário em Campos: um levantamento historiográfico da


literatura na cidade

Múcio da Paixão organiza em cinco capítulos o que ele chama de “pequenino


subsídio” para a história da literatura em sua terra: I. Período inicial da imprensa (7

77
autores nascidos entre 1795 e 1834); II. Período de evolução poética (11 autores nas-
cidos entre 1815 e 1843); III. Desenvolvimento romântico (31 autores nascidos entre
1832 e 1863); IV. A geração contemporânea (51 autores nascidos entre 1858 e 1916)
e V. A tribuna sagrada, o teatro, a ciência e a História (27 autores nascidos entre a
segunda metade do século XVIII e boa parte do século XIX, que produziram sermões,
peças teatrais e textos científicos e historiográficos).

A distribuição dos autores por critérios estéticos e cronológicos demonstra que


ele adotou o procedimento metodológico da história da literatura. Esse procedimento,
segundo Maingueneau (2006, p. 18), consiste em “uma cuidadosa escavação nas fon-
tes documentais, [que] classifica, estabelece fatos que inscreve em cadeias causais;
ao assumir cunho biográfico, [...] a fim de levar à compreensão da época por meio do
escritor e do escritor por meio da época”. Apoiado por esse projeto epistemológico,
Múcio da Paixão faz correlações entre a história da literatura brasileira e a história da
literatura em Campos, relacionando doutrinas estéticas e autores que, inscritos em
momentos históricos específicos da cidade, escreveram em conformidade aos pa-
drões estéticos correspondentes ao movimento neoclássico e às diferentes tendên-
cias românticas.

Incialmente, ele reverencia o papel da imprensa e de personalidades como Do-


mingos de Alvarenga Pinto e Francisco Portella para a constituição da literatura na
cidade, especialmente por meio da publicação em seu jornal dos poemas produzidos
por poetas locais. O historiador da literatura campista prossegue elencando autores e
textos literários no capítulo “Período de evolução poética”. Esse grupo é composto por
aqueles que flertaram com a estética neoclássica. Destaca-se a figura de Teixeira de
Mello, cuja carreira literária culminou em sua participação na fundação da ABL, após
atuação como servidor público na BN. Em “Desenvolvimento Romântico”, está o grupo
de autores que se alinharam à primeira fase do romantismo e que ganharam notorie-
dade com a publicação local das revistas literárias Fênix e Lux!.

Por fim, a “Geração contemporânea” coincide com o principal momento histó-


rico explorado nesta tese: o final do século XIX. Estabelecendo relações causais entre
fatos históricos e a produção literária, Múcio considera que três fatos marcaram o sur-
gimento da literatura contemporânea: a abertura do Liceu de Humanidades de Cam-
pos, em 1884, o lançamento da revista literária Aurora, em 1885, e a criação do jornal
liberal A gazeta do povo, em 1886.

78
2.1.3 – As musas, a morte e o canto dos poetas: as representações e os textos
literários no Monitor Campista

A identificação dos textos propriamente literários no MC parte da seguinte ques-


tão: como perceber, em sociedade, usos linguísticos que são percebidos imediata-
mente como literários? O reconhecimento de textos literários passa pela verificação
acerca dos “fatos da língua” e de “padrões discursivos”.

Se consideramos a diversidade histórica e geográfica das manifestações do


discurso literário, constatamos forçosamente que, na maioria dos lugares e
dos momentos, só se reconhecem como literárias obras sujeitas aos códigos
reconhecidos como tais, seja a submissão a outro idioma associado a um
corpus literário prestigioso [...] ou a um uso especializado da língua vernácula
(MAINGUENEAU, 2006, p. 203).
Os padrões discursivos ou estereótipos discursivos dizem respeito ao funcio-
namento da linguagem, estando esta associada ao corpus literário prestigioso, a um
uso específico da língua, o que significa dizer que “a produção literária, queira ou não,
tende a produzir, ao se acumular, feixes de marcas linguísticas que marcam o perten-
cimento à literatura, a determinados gêneros literários ou posicionamentos” (2006, p.
205).

Tendo em mente os padrões discursivos relativos ao fazer literário no Brasil do


final do século XIX, encontramos variadas vertentes estéticas que, em maior ou menor
grau, integram-se ao cânone literário: a estética romântica, a parnasiana e a natura-
lista-realista. Nesse sentido, o primeiro texto encontrado no MC foi um soneto parna-
siano de Joaquim Osório Duque-Estrada, poeta que ficou conhecido tão somente
como o autor do hino nacional brasileiro (anexo 3).

Nascido em uma família aristocrática em 1870, fora filho do Tenente-coronel


Luís de Azeredo Coutinho Duque-Estrada e afilhado de General Osório, o Marquês
do Herval. Dedicou-se à literatura e ingressou na Academia Brasileira de Letras, eleito
em 1915, ocupando a cadeira de Silvio Romero. No ano de 1887, publicou o livro de
poemas Alvéolos, obra, possivelmente, da qual o poema em questão fora extraído.
Não a encontramos em acervos digitais ou livrarias.

O segundo texto é uma “prosa poética” do poeta campista José Sampaio a


respeito de uma “musa” romântica a ouvir o “canto” do poeta. Se o poema de Duque-

79
Estrada aparece na seção noticiário, a publicação do texto de José Sampaio é prece-
dida, na edição do dia anterior, por uma chamada no Noticiário, que ressalta a impor-
tância do texto e justifica a publicação, considerando a memória do escritor campista
e de sua obra.

José Sampaio – Amanhã é o 10º aniversário da morte deste ilustrado médico


e inspirado poeta campista. Para comemorar tão saudosa memória publica-
remos no próximo número o canto VI dos seus belos escritos intitulado A Vi-
oleta (Monitor Campista, 11 dez. 1887, n. 285).
O nosso objeto de estudo é o discurso literário, que se configura por meio dos
posicionamentos sociais a respeito da literatura – das práticas discursivas veiculadas
no jornal que apontam para o fazer literário e os sujeitos, as identidades enunciativas
– relacionados aos posicionamentos e às práticas discursivas. Desse modo, a pre-
sença desses textos e o estudo a respeito das representações da literatura no MLC
indicam-nos que o discurso literário na cidade configurava-se a partir de uma forma-
ção discursiva que entende o fazer literário como a produção de textos em uma lin-
guagem formal, rebuscada e erudita, cujos temas voltam-se à idealização da mulher
como musa inspiradora da criação poética, ideias que se aproximam das estéticas
neoclássica e parnasiana.

Tendo em vista que o discurso é um percurso de significação e que, de sua


relação com um texto ou com um conjunto deles, produz “um fenômeno estranho de
vaivém entre diferentes textos que fazem eco uns aos outros”, concluimos que o dis-
curso, embora esteja inscrito em um texto, tem sua especificidade, sendo, por isso, o
objeto de estudo em AD. Nesta tese, tem-se como objeto o discurso literário, que não
é o texto literário, mas que nele também ecoa, pois, no fazer literário,

[...] tudo se passa como se restrições de diversas ordens, que é necessário


analisar com precisão, levassem os produtores literários a exibir marcas de
pertencimento: de pertencimento do texto ao corpus literário e pertencimento
dos parceiros da comunicação (escritor e público) à instituição literária, tendo
como terceiros os diversos tipos de avaliadores que esta implica. Isso resulta
com certeza de um ajuste entre restrições de ordem social e restrições de
ordem cognitiva (MAINGUENEAU, 2006, p. 208).
Sobre o nosso corpus, concluímos que ele é “de ordem interdiscursiva” (CHA-
RAUDEAU, 2011, p. 13). A interdiscursividade do corpus se manifesta por meio de
um conjunto de “signos-sintomas” que representam certos sistemas de valores, no
caso, os valores estéticos definidos pela instituição literária, “discursos de doxa” a

80
propósito de uma língua literária, de determinados gêneros textuais, de certos posici-
onamentos interdiscursivos por meio dos quais se torna possível interpretar certas
representações sociodiscursivas e sócio-históricas.

2.1.4 – Entre a literatura e o jornalismo: a tragédia do Vapor Goytacaz

Ainda que a literatura no MC se apresente a partir das regras estabelecidas no


interior da instituição literária e se materialize nos gêneros que lhe são tradicionais,
como o soneto, existem outros textos no jornal que sinalizam aspectos a ela relacio-
nados, como a linguagem literária e a ficcionalização da realidade. A partir desse pres-
suposto e considerando que Maingueneau encurtou as fronteiras entre o texto literário
e o não literário, dando maior abrangência ao corpus, identificamos no jornal um con-
junto de textos, especialmente notícias locais, que revelam a presença da literatura
no discurso jornalístico e, de certo modo, antecipa o jornalismo literário e o gênero
crônica, tão disseminados na literatura brasileira do século XX.

Mussalim (2012) destaca que, ao considerar o discurso literário como um novo


objeto de estudo na AD, o pesquisador francês estabeleceu um novo modus operandi
no tratamento da literatura, porque ele abandonou as fronteiras linguística e sociais
estabelecidas entre o texto literário e o não literário. Tais fronteiras dizem respeito ao
caráter de singularidade, superioridade e intransitividade da palavra literária em rela-
ção aos demais usos da língua e, consequentemente, aos seus enunciadores, ora
convocados pelas teorias literárias como indivíduos geniais ora negligenciados por
elas em virtude da autonomia do próprio texto.

Essa ruptura entre as fronteiras, ou a “dessacralização do fenômeno literário”,


instaura-se a partir da concepção do texto como gestão do seu contexto, proposição
que norteia a análise do discurso literário. Com tal concepção, Maingueneau aciona o
texto e, consequentemente, o fazer literário por meio da perspectiva do funcionamento
enunciativo e não apenas da função expressiva da linguagem literária materializada
em textos inscritos nos gêneros literários tradicionalmente consagrados pela crítica
literária, o lírico, o épico e o dramático, inscrevendo-os em um quadro mais amplo ao
lado daqueles que, apesar de estarem ao seu redor, não são propriamente literários.

Desses enunciados entre o jornalismo e a literatura, identificamos uma sequên-


cia de textos distribuídos nas seções Noticiário, Seção Livre e A pedido, publicada em

81
uma série de edições, do dia 27 de novembro ao dia 17 de dezembro de 1887. Essa
sequência de textos materializa um “acontecimento discursivo” a respeito de um fato
de repercussão na cidade: o naufrágio do vapor Goytacaz, ocorrido em 22 de novem-
bro de 1887.

No decorrer das edições, a história do naufrágio vai sendo revisitada e recon-


tada de diferentes modos, perspectivas e em variados gêneros textuais. Entram em
jogo as possíveis causas, imperícia humana ou condições climáticas e outros fatos
relacionados, como a omissão do governo provincial no resgate das vítimas e a circu-
lação de notícias possivelmente falsas a respeito nos jornais da capital. O fato é que
o naufrágio ocorreu por volta da meia-noite, no mar, em uma região entre Arraial do
Cabo e Cabo Frio.

A embarcação saíra do Rio de Janeiro às 20h e tinha como destino Campos.


Era noite quanto os tripulantes foram surpreendidos por algum tipo de rochedo contra
o qual o vapor se chocou, levando-o ao naufrágio. Catorze pessoas morreram, dentre
as quais o empresário campista Domingos Gomes Barroso, o Dr. Barroso, e três de
seus quatro filhos, Rodolpho, Francisca e Ambrosius. Apenas a filha Maria sobreviveu.
O poeta da “Geração Contemporânea” Mário Fontoura (1868-1887) também perdeu a
vida no acidente.

Na edição de 27 de novembro de 1887, n. 274, a Seção Livre apresenta uma


narrativa bastante literária do ocorrido, e a seção A pedido publica uma carta de agra-
decimento escrita por João José Nunes de Carvalho, cunhado do Dr. Barroso, dirigida
ao Sr. Dr. Carlos Barbosa, engenheiro da estrada de ferro Campos-Macaé, e às se-
nhoras macaenses, que cuidaram de sua sobrinha Maria, a filha sobrevivente do Dr.
Barroso.

No dia primeiro de dezembro, na seção Noticiário exigem-se correções sobre


as notícias do acidente, publicadas no Rio de Janeiro, nos jornais Gazeta de Notícias,
Diário de Notícias e Novidades. No intuito de corrigir a história, contando a verdade
dos fatos, o MC apresenta a carta de um tripulante sobrevivente. A carta narra deta-
lhadamente o acontecido. São expostas as causas, dentre as quais se destaca a im-
perícia do comandante. Embora seja uma carta apresentada em tom testemunhal, ela
não é assinada.

82
A construção do acontecimento discursivo prossegue na edição de domingo, 4
de dezembro, quando o presidente da província recomenda louvores ao professor pú-
blico de Arraial do Cabo, Miguel Pereira da Silva Torres, por ter dado agasalho aos
policiais que foram salvos no naufrágio. Mais que “louvores”, a carta assinala a parti-
cipação do governo no acontecimento, na prestação de serviço à população e no res-
gate das vítimas. Outras cartas de agradecimentos são publicadas, até que, final-
mente, em 14 de dezembro de 1887, a Seção Livre recupera todo o acontecimento,
apresentando, com vastos detalhes descritivos e narrativos, mais uma carta de um
náufrago (anexo 5).

Essa última carta revela-se, a um só tempo, como a versão final dos fatos, e
como uma narrativa literária. É um texto limítrofe que faz emergir a natureza conflitu-
osa das representações sobre a literatura no jornal. Como os critérios de credibilidade
e veracidade que fundamentam o fazer jornalístico atual não haviam sido estabeleci-
dos à época, no contexto do MC, as formas linguísticas e o conteúdo temático distin-
guiam o literário do não literário.

Se, de um lado, o rebuscamento estético da linguagem parnasiana e as temá-


ticas bucólicas e etéreas compunham a imagem do que era literatura, do outro, o re-
alismo na expressão linguística e na apresentação de acontecimentos tão próximos à
realidade social dos leitores, como a narrativa acerca do naufrágio do vapor Goytacaz,
não poderia ser outra coisa, senão jornalismo. Uma literatura realista para leitores
acostumados com a literatura das musas não poderia ser uma representação do dis-
curso literário.

Embora, em sentido amplo, a literatura corresponda a um corpus de enuncia-


dos estabilizados, valorizados esteticamente e reconhecidos como fundadores de
uma dada sociedade, a linguagem literária, do ponto de vista discursivo, não é a ex-
pressão de uma “língua bela”. Do mesmo modo, os escritores não são porta-vozes
dessa língua ou locutores-modelo. Na verdade, eles conformam o trabalho criativo ao
uso linguístico institucionalmente constituído.

Essa ideia de unidade linguística é resultado de um sistema que se constitui e


se mantém através do aparelho que torna possível um conjunto privilegiado de enun-
ciados: os enunciados literários. A pretensa unidade da língua é construída imagina-
riamente por meio da literatura. Não existe língua verdadeira sem instituição literária.

83
Se a linguagem não é superior, o texto literário também não pode ser concebido
como tal. Outra concepção em questão é a que diz respeito à superioridade do texto
literário, como sendo este uma enunciação diferenciada. Maingueneau afirma que tal
diferenciação existe, mas é resultado de forças que estão para além do próprio texto:
ao que ele chamará de instituições literárias. Esta que

[...] supõe uma enunciação diferida entre sua fonte e sua recepção; introduz
um terceiro termo no intercâmbio entre os interlocutores: as instituições lite-
rárias, os corpora de obras prestigiosas..., desestabiliza a homogeneidade
das sincronias ao conservar através da memória a presença de estruturas
moribundas e mortas; privilegia usos marginais em detrimento dos advindos
da ‘massa falante’ (MAINGUENEAU, 2006, p. 201).
Tanto a língua quanto a literatura possuem uma unidade, como um princípio de
unicidade, correção e verdade. Maingueneau sustenta que a ideia de uma unidade na
língua e na literatura existe em decorrência do trabalho de uma comunidade linguística
instituída e corresponde aos ritos de linguagem desse grupo social limitado. O princí-
pio de unicidade linguística é, nessa concepção, um aspecto do funcionamento lin-
guístico, não um dado material.

Em relação à linguagem literária e ao texto literário, o extralinguístico se mani-


festa no discurso literário, na ideia de que o literário é um dado instituído por uma
comunidade linguística a qual os escritores conformam o seu trabalho criativo e que o
texto literário impede o acesso aos fatos da língua. Para demonstrar o funcionamento
linguístico no discurso literário, o autor coloca em questão certas concepções de lín-
gua e literatura.

Do ponto de vista linguístico, ou seja, da tomada do texto literário como objeto


de estudo da língua, verifica-se que o literário acaba por oferecer uma visão defor-
mada dos fatos linguísticos, porque ele impede o acesso a dados linguísticos autênti-
cos, pois se manifesta em uma forma linguística particular, a que Maingueneau chama
de perilíngua. Esse posicionamento coaduna-se à visão de Saussure, quando ele cri-
tica os estudos filológicos, ao afirmar que a filologia analisa fatos fossilizados da lín-
gua, detendo-se ao texto literário e negligenciando usos mais ordinários, como as
enunciações faladas e mesmo os textos escritos mais contemporâneos.

Cada ato de enunciação literária, por mais insignificante que possa parecer,
vem fortalecer a língua que mobiliza em seu papel de língua digna de litera-
tura e, para além disso, de língua propriamente dita. Longe de levar em conta
uma hierarquia intangível, a literatura contribui para constitui-la, reforçá-la ou
enfraquecê-la (MAINGUENEAU, 2006, p. 200).

84
A hipótese de uma língua literária unívoca é um aspecto do funcionamento lin-
guístico. Sendo a língua literária uma perilíngua, ela se manifesta, hierarquicamente,
de duas formas: como uma supralíngua, posto que dotada de um ideal de perfeição
luminoso de uma representação idealmente transparente ao pensamento, a língua
dos anjos; ou uma infralíngua, que estaria voltada para uma origem, primitiva, ino-
cente, língua do corpo.

Um estudo a respeito do posicionamento linguístico assumido por um autor per-


mite observar as relações entre ele e a língua e entre a literatura e a língua, pois a
língua mobilizada na obra não se justifica apenas por ser a língua materna do escritor.
Consideramos que, do ponto de vista discursivo, aquele que escreve, realiza ritos de
legitimação, nos quais negocia, na interlíngua, um código linguageiro apropriado ao
fazer literário.

A interlíngua, por seu turno, diz respeito às variedades da mesma língua e ou-
tras línguas passadas ou contemporâneas. O código linguageiro adotado pelo escritor
é definido pelo seu desejo pessoal de expressão criativa, mas também pela submis-
são às normas da comunidade linguística à qual busca filiação. Maingueneau (2006,
p. 194) exemplifica o posicionamento na interlíngua ao afirmar que os poetas parna-
sianos “recorriam intensamente aos latinismos e aos helenismos lexicais, sintáticos e
retóricos, inseridos numa forma métrica impecavelmente clássica”.

Essa demonstração confirma que a unidade da língua é uma ilusão e que um


código linguageiro é portador de uma dinâmica que entrelaça o linguístico e o social e
de valores historicamente situados, mesmo que ele negue essa dinâmica e esses va-
lores. Nesse processo de submissão e negação, reside a especificidade da língua
literária na ADL, posto que “a literatura não tem relação natural com nenhum uso lin-
guístico; mesmo quando a obra parece usar a língua mais ‘comum’, há um confronto
com a alteridade da linguagem, vinculada a um determinado posicionamento no
campo literário” (MAINGUENEAU, 2006, p. 188).

Desse modo, para delimitar o seu posicionamento e entrar no espaço que pre-
tende ocupar, um lugar no campo literário e de onde lhe seja atribuído um valor, o
escritor investe em um código linguageiro e nesse ou naquele gênero discursivo, de-
monstrando que cada obra literária mobiliza a língua da maneira que corresponde ao
seu universo de sentidos e de valores.

85
Cada ato de enunciação literária, por mais irrisório que possa parecer, conforta
uma língua em seu papel de língua digna de literatura e, além dela, de língua simples-
mente. Portanto, “uma língua não tem qualidade de língua se não pela qualidade dos
enunciados que passam por ela” (MAINGUENEAU, 2005, p. 22)

Os enunciados que passam por uma língua revelam que a interlíngua se apre-
senta para o escritor de duas formas: uma que aponta para a relação da língua ma-
terna com outras línguas, o plurilinguismo exterior; outra que aponta para a variedade
linguística no interior de um mesmo idioma, o plurilinguismo interior.

No primeiro caso, o plurilinguismo exterior, o escritor pode escrever nas línguas


que conhece, decidir escrever em um determinado idioma (por um ato político, por
exemplo), adotar um bilinguismo literário (marca de exílio, diáspora, migração, afasta-
mento geográfico) e até promover a coexistência de fragmentos de diversas línguas.
Para exemplificar, Maingueneau (2006, p. 184) afirma que “o essencial da língua fran-
cesa foi produzido por pessoas que escreviam numa relação constante com o latim e,
em menor medida, com o grego, línguas que têm a particularidade de coincidir com
corpora literários”.

No plurilinguismo interior, verifica-se a pluriglosia em um mesmo idioma. Por


meio dele, identifica-se o conflito com a sociedade oficial e a sua marginalidade. “Essa
exploração do falar rural está fundada na condição marginal do camponês da monta-
nha, personagem potencialmente paratópico que oferece pontos de identificação ao
escritor que se posiciona contra os ambientes literários parisienses” (MAINGUENEAU,
2006, p. 187).

2.2 – O contexto de produção como cenário

Para o agrupamento das unidades textuais em um corpus discursivo, Domini-


que Maingueneau estabelece duas possibilidades: as unidades tópicas e as unidades
não-tópicas. O cenário é uma unidade não-tópica, que estabelece o agrupamento dos
textos com base nas ações de determinados atores sociais em um tempo e um espaço
delimitados. Nesta tese, o cenário é constituído pela cidade de Campos, no final do
século XIX, na qual atores sociais integram, com maior ou menor influência, o quadro

86
de produção e circulação do jornal MC. São empresários, jornalistas, poetas, políti-
cos, dentre eles, os já apresentados: João Antônio de Azevedo Cruz, José Alexandre
Teixeira de Mello, Domingos Alvarenga Pinto, Francisco Portella e Múcio da Paixão.

A possibilidade de agrupamento das unidades tópicas divide-se em unidades


territoriais, que são os tipos de discursos e os gêneros de discurso, e em unidades
transversais, que correspondem aos critérios linguísticos, funcionais e comunicacio-
nais. A primeira unidade territorial, os tipos de discurso, trata das relações que certos
textos têm com setores de atividades sociais ou aparelhos institucionais, sendo pos-
sível também a relação de textos a um posicionamento ideológico específico em um
determinado território simbólico, onde se confrontariam com outros posicionamentos
– conforme o que demostramos na abertura desta parte, na análise dos textos de
Domingos Alvarenga e Nilo Peçanha. No caso dos tipos, podemos considerar o jorna-
lismo e a literatura como atividades sociais e territórios simbólicos que, apesar de
apresentarem dinâmicas próprias de funcionamento, compartilham certos posiciona-
mentos ideológicos e gêneros discursivos. Nesta pesquisa, o MC é um aparelho ins-
titucional que tem o jornalismo como atividade social que se integra ao fazer jornalís-
tico do século XIX em escala local, regional, nacional e internacional, especialmente
nas relações de transferências culturais entre a França e o Brasil, o que apontaremos
mais detalhadamente na próxima parte.

A segunda unidade territorial, os gêneros de discurso, tem como base as teo-


rias de Mikhail Bakhtin. Essa unidade consiste em dispositivos sócio-históricos de co-
municação, modos de organização de palavras socialmente reconhecidos. Nesse
caso, referimo-nos às seções do jornal, como o noticiário e os anúncios, aos textos
literários, como a crônica literária, os poemas e o folhetim. Este, gênero que nasceu
no jornal com a função de entretenimento e, historicamente, veio a se tornar um gê-
nero literário convertido em romance, como os exemplos da literatura brasileira Ma-
chado de Assis, José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo. Os tipos são unidades
maiores em que se inserem os gêneros, como os domínios do jornalismo e da litera-
tura.

As unidades transversais são aquelas que atravessam os textos de múltiplos


gêneros discursivos. Elas apresentam três tipologias: as linguísticas, as funcionais e
as situacionais. Como apresentamos na parte anterior, os discursos constituintes en-
globam essas três tipologias. As linguísticas ou enunciativas dizem respeito à situação

87
de enunciação e às estruturações textuais, mas independem do conteúdo e da finali-
dade do texto. As funcionais correspondem à finalidade do texto, que pode ser comu-
nicacional, como as funções da linguagem, conforme Jakobson, de ordem sociológica,
que indicam o fazer e o agir de um determinado modo, ou psicofisiológica, como o
fazer pensar de um determinado modo. As situacionais são aquelas definidas por cri-
térios sócio-históricos e construídas a partir dos gêneros discursivos. Elas relacionam
o que se diz e o como se diz a setores da atividade social, isto é, onde é permitido ou
não dizer o que se diz.

Um texto literário, que se inscreve na categoria dos discursos constituintes, en-


globa as três unidades transversais. Os gêneros literários são as unidades linguísticas
que determinam as configurações textuais no domínio do fazer literário. Em relação
às unidades funcionais, os textos literários empregam a função poética, como recurso
estético, revelam um modo de agir do autor em relação ao cânone literário e indicam
um modo de se pensar a realidade social. No que se refere à tipologia situacional, o
texto literário é uma construção que está intimamente ligada às condições histórias de
produção da literatura, dos sujeitos e da sociedade.

O agrupamento das unidades não-tópicas toma por base critérios históricos


para a seleção dos textos. Também chamada de formações discursivas, as unidades
não-tópicas referem-se a agrupamentos que não se restringem a situações, setores
sociais ou a gêneros discursivos, ainda que recorram a essas unidades tópicas no
desenvolvimento da análise. “Os corpora aos quais elas [as unidades não tópicas]
correspondem podem conter um conjunto aberto de tipos e gêneros do discurso. [...]
É para esse tipo de unidade que o termo ‘formação discursiva’, me parece, poder
convir” (MAINGUENEAU, 2008, p. 18-19).

Diferente da formulação homônima de Foucault que trata das restrições discur-


sivas, nesta tese a “formação” tem o sentido ao “dar forma” original ao corpus discur-
sivo. Segundo o autor, a formação discursiva “mostra que o pesquisador constrói certa
configuração de textos para levar o universo do discurso a responder às perguntas
que ele elaborou” (MAINGUENEAU, 2008, p. 22). A pergunta por nós formulada, apre-
sentada como hipótese na introdução da tese e instaurada como balizadora desta
pesquisa foi: a análise discursiva de textos do jornal MC publicados no final do século
XIX possibilita o mapeamento da vida literária na cidade, isto é, a descrição dos es-
paços, domínios e contextos de produção e circulação da literatura?

88
Uma das maneiras para se dar forma ao corpus é o agrupamento dos enunci-
ados por meio das formações discursivas temáticas, isto é, com base no conteúdo
temático, naquilo que o texto fala. Como o tema é uma categoria que pode se tornar
muito abrangente, Maingueneau (2015) sugere quatro grandes temáticas para o agru-
pamento dos enunciados: as identidades, os cenários, os acontecimentos e os nós.
O cenário é o critério no qual se põe luz sobre os actantes e as ações desses actantes
em um determinado contexto. Isto é, “associação de actantes e de atividades que se
estendem sobre certa duração” (MAINGUENEAU, 2015, p. 90). Por meio dessa cate-
goria, discorreremos a respeito da relação entre a cidade de Campos, no contexto do
século XIX, a partir da atividade jornalística, estabelecendo um diálogo entre dados
históricos, estudos historiográficos e um conjunto de textos extraídos de edições do
MC.

No tópico 2.2.1, apresentamos a cidade por meio de dados demográficos. Em


seguida, em 2.2.2, mostramos que o discurso historiográfico, atrelado ao trabalho jor-
nalístico e literário, contribuiu para a construção de um discurso sobre a localidade,
compondo uma imagem “fabricada” de Campos, como um município próspero e vo-
cacionado ao progresso. Posteriormente, em 2.2.3, identificamos, por meio da análise
de anúncios publicitários, certas condições econômicas que confluíram na “imagem
fabricada” e favoreceram a presença de atividades culturais e, especialmente, literá-
rias na cidade. Por fim, em 2.2.4, apresentamos, finalmente, o cenário: a vida citadina
que inclui os espaços de difusão da literatura e os seus agentes: intelectuais, políticos,
poetas e jornalistas.

2.2.1 – O cenário: Campos e seus espaços, domínios e contextos de circulação


da literatura

Em 1884, o Compêndio elementar de geografia física e política, publicado em


Paris, pela editora Guillard Aillaud Cie., e vendido nas principais livrarias de Portugal
e do Brasil14, ensinava que a administração pública das 20 províncias que compunham

14 Segundo Ferrari (2016, p.76), o grande parque gráfico francês barateava os custos editoriais, favo-
recendo a impressão de livros distribuídos para todo o mundo. Além disso, no Brasil cobravam-se im-
postos para a importação de papel em branco, mas não pela importação de livros impressos. Desse
modo, o mercado editorial brasileiro do final do século XIX encontrava-se vinculado ao europeu, espe-
cialmente, ao francês, por isso a obra didática sobre o Brasil fora publicada por uma editora sediada
em Paris.

89
o Império do Brasil ficava a cargo de um presidente, nomeado pelo imperador. O pre-
sidente das províncias organizava as assembleias legislativas provinciais e as presi-
dia. As cidades, por sua vez, possuíam câmaras municipais e eram divididas em fre-
guesias. Referida como “cidade comercial” no livro didático, o município de Campos,
em 1872, desenhava-se em dez freguesias. Os dados do censo demográfico15 da-
quele ano contabilizam uma população de 88.832 habitantes, entre livres e escraviza-
dos, que assim se distribuíam:

Quadro 2 – Habitantes do município de Campos segundo o censo de 1872

Habitantes
Freguesia Habitantes livres TOTAIS
escravizados
São Salvador
11.511 8.009 19.520
(Campos)

São Gonçalo
6.748 4.250 10.998

São Sebastião 6.764 3.282 10.046

São Benedito
3.393 649 4.042

Guarulhos
6.515 8.330 14.845

Bom Jesus 2.751 1.139 3.890

Carangola 3.803 1.832 5.635

Santa Rita 4.134 1.243 5.377

Dores de Macabu 5.951 2.027 7.978

Morro do Coco 4.642 1.859 6.501

15 Botelho (2005) afirma que o Recenseamento Geral do Império de 1872 decorreu do sentimento da
elite política nacional de construir a “nação” brasileira, por meio da articulação das ideias de estado,
cultura e história nacional. Por essa ótica, o censo visou fornecer “um retrato da nação no que diz
respeito ao povo que a constituía, realizando uma significativa representação da nação” (p.341).

90
TOTAIS 56.212 32.620 88.832

A partir desses dados, Pereira Pinto (2005) afirma que Campos era, em 1872,
o quarto município brasileiro em população, ficando atrás da Corte, o Rio de Janeiro,
com 274.972 habitantes, de Salvador-BA, 129.109 e do Recife-PE, 106.671. Conside-
rando, entretanto, que a descrição do cenário por meio de dados demográficos é im-
portante, mas insuficiente para depreendermos as condições de produção, circulação
e leitura da literatura na cidade, apresentamos a seguir um conjunto de dados históri-
cos por meio dos quais demonstramos a configuração social, econômica e cultural de
Campos no final do século XIX. Os dados serão mostrados em diálogo com publica-
ções do MC, de modo a compor um corpus acerca do cenário literário.

Por ser o principal núcleo urbano do município, sede do jornal MC e local de


residência e/ou nascimento dos atores sociais desta pesquisa, adotamos a expressão
“cidade de Campos” em referência à freguesia de São Salvador e “município” em re-
ferência a todo o território que engloba as outras freguesias.

2.2.2 – A cidade como cenário fabricado pelo discurso

No intuito de evidenciarmos a natureza interdiscursiva dos enunciados que são


formulados a partir de uma cadeia verbal interminável, aportamos no município em
1890, a partir de um olhar estrangeiro: o texto de Alfred Marc, vice-presidente da 3ª
seção da Sociedade de Geografia Comercial de Paris e redator do jornal Le Brésil,
periódico francês especializado em assuntos da América do Sul. Naquele ano, sua
tipografia publicara uma obra extensa e detalhada, em dois volumes, a respeito das
20 províncias brasileiras. Em Le Brésil: excursion a travers ses 20 provinces, o jorna-
lista francês destacou aspectos naturais, culturais e econômicos do território brasileiro,
passando pelos principais municípios e freguesias. Ao apresentar o município de
Campos para os leitores francófonos, o autor dizia:

Campos, mais de 25.000 habitantes, é a cidade mais comercial e mais rica


de toda a província, com uma bela ponte de ferro sobre o rio Paraíba, em
frente à cidade; iluminado com eletricidade; grande desenvolvimento intelec-
tual e econômico; ardente centro de progresso em todas as suas formas; can-
tão de 100.000 habitantes onde a organização do trabalho agrícola moderno

91
foi iniciada na província; as terras, de extraordinária fertilidade, produzem ali-
mentos e cereais coloniais simultaneamente; a principal indústria é a fabrica-
ção de açúcar. Centro de comunicações ferroviárias da província com norte
de Minas Gerais e Espírito Santo (MARC, 1890, p. 419, tradução nossa).
A exposição do jornalista é assustadoramente concisa, pois, em poucas linhas,
ele lista dez atributos da cidade no final do século XIX, compondo uma imagem posi-
tiva de progresso e desenvolvimento: a população da freguesia de São Salvador, o
comércio, a riqueza, a ponte de ferro, a eletricidade, o desenvolvimento intelectual, a
população do município, a fertilidade do solo, a indústria açucareira e a rede ferroviá-
ria. Mais que um retrato fiel da realidade, essa descrição é reveladora do modo pelo
qual a cidade de Campos foi se constituindo no decorrer do século XIX, tanto como
território, a paisagem geográfica e a morfologia urbana e rural, quanto como uma ci-
dade imaginada, fabricada por meio dos discursos cujos ecos reverberaram para além
do território nacional.

Os historiadores Lemos (2018) e Chrysostomo (2011) sugerem que, especial-


mente após o período colonial, a elite local trabalhou para construir uma imagem po-
sitiva acerca da cidade com o intuito de demarcar espaço político e, com isso, obter a
ampliação de sua participação nas esferas do poder imperial, exigindo investimentos
públicos que viabilizassem melhorias nos serviços municipais, diretamente ligados à
condição de vida da própria elite, e que subsidiassem suas atividades econômicas
nas fazendas, nos comércios e nas indústrias.

Entendemos que essa imagem positiva sobre Campos foi também alimentada
pela literatura produzida na cidade, não somente em função dos textos literários, mas
também das condições econômicas e culturais que possibilitaram, por meio de suas
tipografias e de uma população urbana e abastada, a existência e a circulação de
textos impressos de toda ordem. Assim como não existe língua verdadeira sem insti-
tuição literária, a instituição literária contribui para a construção de uma imagem idea-
lizada do lugar onde ela se estabelece, graças aos textos que a ela se filiam e à me-
mória que se constitui por meio do arquivo desses textos. Além disso, assim como a
literatura é uma dimensão constitutiva da identidade de uma língua, posto não ser um
ornamento dela, a comunidade linguística que se institui por meio de seus ritos de
linguagem opera na fabricação do cenário ao qual a instituição se integra.

Lemos (2018) afirma que, em 1832, para que a então vila de São Salvador
fosse transferida da capitania do Espírito Santo para a do Rio de Janeiro, em ofícios

92
enviados às autoridades centrais, os políticos locais referiam-se à vila como “próspera,
populosa e civilizada”, enfatizando as supostas qualidades da produção econômica e
população local. O historiador contemporiza sua colocação ao afirmar que “era uma
estratégia discursiva de projeções e solicitações, contudo, não era uma afirmação em
cima de nada, tinha seu fundo de verdade” (LEMOS, 2018, p. 27) e ressalta um certo
anacronismo entre as aspirações de prosperidade da elite e a falta de uma educação
secundária que correspondesse à prosperidade enunciada.

Chrysostomos (2011) também demonstra que, a partir de 1835, quando a fre-


guesia de São Salvador almejou a posição de capital da província do Rio de Janeiro,
mas acabou não conseguindo, a elite local passou a utilizar estratégias discursivas
para garantir recursos do governo central e provincial, ressaltando a imagem de ci-
dade como modelo de progresso e desenvolvimento regional. Nas palavras da autora,

[...] forjava-se, neste caso, uma identidade que associa a sua riqueza à mis-
são de integrar uma rede de vilas, povoados e cidades em torno do seu co-
mércio, que era notoriamente o mais expressivo da região norte. A qualidade
de seus solos e a grande produção açucareira continuavam a ser apresenta-
das como atributos que singularizavam Campos das demais áreas do Rio de
Janeiro (CHRYSOSTOMOS, 2011, p. 67).
Chrysostomo (2011) considera ainda que a ênfase dada às qualidades geográ-
ficas, à opulência comercial e ao desenvolvimento da cidade e da sociedade campista
contribuíram para a construção da imagem de um lugar central, catalizador frente às
demais localidades ao seu redor. A historiadora acredita que essa imagem positiva
tenha se originado com os manuscritos do capitão Manuel Martins do Couto Reis
(1750?-1826?), elaborados em 1785. Segundo ela, esse texto acabou por fundar e,
posteriormente, recriar uma imagem que associa a prosperidade e a riqueza às ca-
racterísticas geográficas da região. Sobre a vila de São Salvador, o militar expõe suas
impressões:

É a Metrópole deste distrito, a mais rica e populosa de todas as sujeitas ao


Rio de Janeiro; sustentada e engrandecida por um florescente comércio agi-
tado pelos produtos de todos os lugares seus subjacentes. Está situada sobre
uma planície da Margem Meridional do Paraíba, diante do mar seis léguas
esforçadas. Pertence à comarca da Capitania do Espírito Santo. Contém den-
tro de si 891 fogos inclusive 45 lojas de mercadores, muito bem sortidas de
importantíssimas fazendas, 59 tabernas, e cinco casas de louça vidrada
(REIS, 2011[1785], p. 106).
Em estudo sobre a obra e a biografia de Couto Reis, Sofiati (2011) inscreve o
capitão no pensamento científico da época de sua produção e ressalta a importância

93
histórica desses manuscritos e da carta topográfica que o acompanha para a histori-
ografia regional. Segundo o historiador, Manuel Martins do Couto Reis fora um repre-
sentante do racionalismo ilustrado do século XVIII, ao materializar em seu texto uma
visão de mundo em que a produção do conhecimento sobre a natureza tivera por
objetivo dominá-la e utilizá-la, estabelecendo o antagonismo entre a civilização e a
barbárie. Embora tenha viés subjetivo e ideológico, Couto Reis é considerado o pri-
meiro historiador e geógrafo da “ecorregião norte-noroeste fluminense”, exercendo
grande influência posterior.

Entendemos que o manuscrito opera como documento de fundação discursiva


da cidade, descrevendo sua geografia e o seu poder econômico. O texto projeta, sobre
a cidade, um discurso, uma imagem entre o território e a linguagem, possibilitando o
surgimento da vida literária, ainda como uma massa documental sobre o lugar, antes
mesmo da emergência do sistema literário e dos elementos que o integram: enuncia-
dores, leitores e dispositivos discursivos, como a imprensa. Os manuscritos de Couto
Reis funcionam, desse modo, como uma espécie de Carta de Caminha da cidade de
Campos, inaugurando-a na forma de uma formação discursiva.

Em relação à influência posterior do texto, Chrysostomo (2011) sugere que,


apesar de existirem documentos históricos anteriores que descrevem a cidade e a
região, o olhar do capitão sobre a região, materializado em seus manuscritos, inaugu-
rou um gênero narrativo imitado por outros atores sociais que a descreveram nos sé-
culos seguintes, dentre os quais os poetas Azevedo Cruz e Teixeira de Mello. Sobre
tal influência, a historiadora conclui que “durante quase todo o século XIX e mesmo
no XX se propagandeou nos relatos, memórias e jornais, o discurso que insistia em
ressaltar a fertilidade dos solos, a abundância dos rios e a opulência e desenvolvi-
mento da cidade/sociedade campista” (CHRYSOSTOMO, 2011, p. 61).

Segundo a autora, o discurso omitiu a realidade, pois, no que tange à força


econômica, a cidade beneficiou-se direta ou indiretamente do poder estatal, especial-
mente nos anos iniciais do império, como no caso da implementação dos engenhos
centrais no final do século XIX. O papel do discurso não foi somente o de omitir a
realidade. Ele também a construiu. Os enunciados que circularam, especialmente na
imprensa local, contribuíram para escrever o cenário, a realidade social.

Afora a imagem otimista acerca do progresso e da geografia da “cidade mais


comercial e mais rica de toda a província”, é possível constatar que, quando a vila de

94
São Salvador de Campos pertencia à capitania do Espírito Santo, ainda no período
colonial, ela apresentava estabilidade econômica, graças ao bom desempenho da cul-
tura da cana de açúcar, que decorria da disponibilidade de terras para o cultivo, do
apoio governamental e da mão de obra escrava, além do preço elevado do produto
no mercado internacional. Pereira Pinto (2005, p. 170) afirma que, entre 1852 e 1882,
houve grande oscilação no preço nos subprodutos da cana de açúcar. O açúcar atin-
giu preços médios entre 140 e 255 réis e a aguardente, entre 42 e 100 réis. Durante
o século XIX, os melhores preços do açúcar e da aguardente foram atingidos durante
a guerra do Paraguai, quando ficaram superiores a 230 réis o quilo do açúcar e 120
réis a pipa da aguardente.

O modo como Pereira Pinto (2005) narra a história da cidade revela mais uma
vez a imagem positiva a que Chrysostomos (2011) e Lemos (2018) se referem, a res-
peito das condições geográficas favoráveis, do requinte da população urbana e da
condição de polo catalisador político e econômico da região. Sobre o clima local, o
autor exalta: “Os ventos saudáveis que sopravam na planície contribuíam para arejar
as ruas poluídas e os ambientes fechados e insalubres. De cima, uma luminosidade
benfazeja e sem sombreamentos confirmava que o seu amplo horizonte lhe fazia bem”
(PEREIRA PINTO, 2005, p. 117). As condições geográficas também favoreceram a
imagem positiva, pois a cidade é servida por uma rede hidrográfica e se localiza pró-
xima à costa e na confluência de Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro. Em
virtude dessas características, a vila era um centro distribuidor de mercadorias, uma
“praça mercantil”, reconhecida pela coroa como uma área estratégica, propícia ao in-
vestimento e à proteção militar e jurídica.

Segundo Chrysostomos (2011), o MC teve papel importante para que a cidade


recebesse os investimentos públicos que trouxeram as melhorias e proporcionaram a
modernização no espaço urbano. O jornal apelava às esferas governamentais, ao pro-
pagar as “mazelas” da cidade e assim construía um sentimento de abandono que
mobilizava a sociedade e justificava os pedidos à câmara municipal, à assembleia
provincial e ao governo central. “A sua estratégia de sensibilização consistiu na apre-
sentação de matérias que ressaltavam o quadro ‘crítico’ da cidade, em geral para di-
fundir a ideia da necessidade de maior investimento” (CHRYSOSTOMOS, 2011, p.
69).

95
Finalmente, Chrysostomo (2011, p. 61) considera que os responsáveis por ma-
nipular “estrategicamente” as imagens e representações do povo e da natureza local
“eram ou estavam diretamente vinculados à geração enraizada de políticos que cons-
truíram fortunas com o açúcar e que se transformaram nos barões e viscondes, graças
às alianças políticas que foram costuradas no alvorecer do Império”. A influência po-
lítica das elites locais por meio da imprensa é lida por Paixão (1924) como “naciona-
lismo e patriotismo”. Ele afirma que a imprensa local surgiu da necessidade nacional
e patriótica, sendo os jornais o meio para a disseminação das ideias e dos sentimentos
patrióticos e que “o espírito dos que tinham algumas letras estava voltado para as
cogitações patrióticas” (p.8).

2.2.3 – A cidade e as condições materiais de produção econômica e cultural

A partir da organização política e administrativa estabelecida pela constituição


do Império, de 1824, pelas adições e alterações que lhe foram feitas nos anos poste-
riores e por leis subsequentes, a vila de São Salvador de Campos, no dia 28 de março
de 1835, foi elevada à categoria de cidade. Apesar da elite econômica e dos políticos
da cidade terem investido, especialmente por meio da publicação de textos na im-
prensa exaltando os atributos naturais e econômicos que tornariam a cidade a mais
apropriada como capital da província, isso não aconteceu. No entanto, nessa nova
conjuntura geopolítica, ela passa a configurar tão somente uma dentre as 24 comar-
cas da província do Rio de Janeiro, cuja capital passou a ser, na mesma época, a
cidade de Niterói. O Rio de Janeiro tornou-se então um município neutro, a corte, a
capital do Império do Brasil.

O desempenho econômico na produção açucareira, que trouxe riqueza para a


cidade no século XIX, também contribuiu para perpetuar as imagens e representações
sobre a natureza e o progresso da cidade. Em um estudo bastante pessoal sobre a
história da cidade, Osório Peixoto Silva reproduz essa ideologia justamente ao abor-
dar o momento em que o desejo de torná-la capital acabou reprimido, ao dizer: “Ele-
vada à categoria de cidade em 1835, Campos explode em progresso, baseada na
força do açúcar, na fertilidade de suas terras, na força do trabalho escravo e na po-
tência dos motores” (SILVA, 2004, p. 75).

96
No início do século XIX, a cultura açucareira e o comércio trouxeram “grande
desenvolvimento intelectual e econômico”, conforme assinalou o francês Alfred Marc
(1890). O cultivo e o beneficiamento da cana de açúcar possibilitaram o surgimento
de uma elite local, a “nobreza da terra”. Lemos (2018) utiliza o termo para se referir à
elite senhorial que, no contexto do Brasil colonial, especificamente da realidade da vila
de São Salvador de Campos, sentia-se superior aos demais moradores, não porque
eram herdeiros dos primeiros colonos, mas por conta da participação na vida política
e da propriedade de terras.

Na descrição do jornalista francês, em Campos, “a principal indústria é a fabri-


cação do açúcar”. Sobre a indústria açucareira, em um período inferior a 60 anos, de
1828 a 1879, quase tão curto quanto o tempo da existência de um ser humano, ou da
passagem de uma geração à outra, o beneficiamento da cana de açúcar em Campos
passou por quatro processos de produção: engenhos a tração, engenhos a vapor,
engenhos centrais e usinas.

Pereira Pinto (2005), pela ótica do progresso tecnológico, diz que os engenhos
de tração foram substituídos pelos de ferro em 1828. Os engenhos a vapor foram
introduzidos em 1870 e, finalmente, as usinas surgiram a partir de 1879. Em 1875, o
governo imperial estabeleceu uma lei para oferecer créditos aos que desejassem in-
vestir na indústria do açúcar e construir engenhos centrais. Em 1883, a província con-
tava com nove engenhos centrais, que consistiam em grandes unidades que moíam
a cana de um grupo de produtores. O projeto dos engenhos centrais durou pouco.
Pereira Pinto (2005) afirma que, como sua única tarefa era a moagem, porque a cana
seria fornecida pelos lavradores, o açúcar produzido perdeu a qualidade.

Com o declínio do projeto dos engenhos centrais, no final do século XIX, surgiu
a usina. Geralmente de um único proprietário, o usineiro. A usina consistia em uma
unidade de produção centralizada, de capital concentrado, que operava em toda a
cadeia, do plantio à moagem. Os usineiros introduziram novas tecnologias para am-
pliar a produtividade e potencializar os lucros. Peixoto (2008) considera que o período
de surgimento das usinas demarca a expansão e a diversificação das atividades co-
merciais e industriais na cidade, provocando o desfecho da era dos senhores de en-
genho.

O advento das usinas provoca a perda definitiva do prestígio individual do


senhor de engenho, já ameaçado pelo movimento abolicionista, intensificado
depois da suspensão do tráfico de escravos, em 1855. [...] As usinas logo

97
dominam a produção, até a eliminação completa dos engenhos sob a pressão
do capital (PEIXOTO, 2008, p. 49).
No fim do regime escravista e início do período republicano, na passagem do
século XIX para o XX, Campos se reinventou ao buscar meios de se estabelecer frente
à nova conjuntura nacional. Na economia, manteve a produção do açúcar, mas subs-
tituiu a lógica dos senhores de engenho e de seu plantel de escravos pela produção
industrial por meio da maquinaria das usinas. Na política, ampliou sua representativi-
dade nas instâncias decisórias, a ponto de ter um presidente da república federativa
do Brasil natural da cidade. O movimento de transição econômica e política contribuiu
para que os intelectuais da cidade buscassem aprofundar as leituras com o objetivo
de compreender melhor os acontecimentos no Brasil e no mundo e, assim, os próprios
posicionamentos frente aos variados temas suscitados pela política e pela economia
sobre os quais também se impunham discussões éticas, como a exploração da mão
de obra cativa, as distinções de classe, gênero e etnia que o capitalismo potenciali-
zava.

Alfred Marc (1890) referiu-se à cidade como “o centro de comunicações ferro-


viárias da província”. Símbolo da dinamicidade do mundo industrial, a estrada de ferro
representava a modernização e o progresso. A rede ferroviária de Campos foi possi-
bilitada pelas alianças entre a iniciativa governamental, o investimento de empresários
campistas e a atuação de companhias inglesas. Assim como na produção açucareira,
em um curto período de vinte anos, entre 1870 e 1890, ocorreu a vertiginosa amplia-
ção nos transportes.

Os meios hidroviários e ferroviários encurtaram as distâncias entre a cidade, a


região ao seu redor e a Corte. Em 1872, teve início a linha de navegação no canal
Campos-Macaé. Em 1876, a Cia. de navegação São João da Barra e Campos inau-
gurou uma linha a vapor entre o porto de Imbetiba, em Macaé, e o porto do Rio de
Janeiro. Na cidade, os bondes movidos a tração animal, a partir de 1875, ligaram os
extremos à praça central – o bairro da Coroa, a oeste; e o bairro da Lapa, a leste –,
passando pelas ruas centrais: da Direita, Rosário, Quitanda e Formosa.

Peixoto (2008) diz que o traçado regular das ruas facilitou a penetração das
vias férreas e, posteriormente, do bonde. No ano de 1888, a companhia inglesa Leo-
poldina Railway ligou Campos a Niterói, capital da província. Com esse novo destino,
a malha ferroviária do município passou a ter na cidade um ponto de convergência

98
entre a estrada de ferro São Sebastião, fundada em 1873, que seguia de Campos até
as freguesias de São Gonçalo e São Sebastião, a estrada de ferro Campos-Macaé,
fundada em 1875, e a estrada Campos-São Fidélis, fundada em 1885. Além disso,
saindo da freguesia de Guarulhos, na margem esquerda do rio Paraíba, a linha Cam-
pos-Carangola já operava desde 1877, construída com o investimento de Francisco
Portella e Cristiano de Sá Miranda.

No ano de 1906, com a inauguração da estação central Leopoldina, a via férrea


atravessou o rio Paraíba com destino a Vitória. Peixoto (2008) afirma que esse pro-
cesso provocou a dilatação dos espaços, ampliando o tráfico de mercadorias e a cir-
culação de pessoas e de informações e facilitando a entrada de produtos e de novi-
dades da Europa. A pesquisadora afirma que “[...] o comércio era, então, favorecido:
nos jornais locais, aumentaram os anúncios de chegada de novas mercadorias assim
como o número de lojas de artigos importados” (PEIXOTO, 2008, p. 43). Esse cenário
favoreceu a entrada de uma série de produtos relacionados ao estilo de vida europeu,
como revelam os anúncios publicados no MC:

O leão de ouro – tem na alfândega aparatosos e magníficos pianos de cor-


das cruzadas e de sutor que mais crédito tem conquistado em Campos. Tam-
bém acham em viagem pianos do acreditado autor Pleyel, assim como cons-
tantemente recebe grande e variado sortimento de móveis que tudo vende
por preços os mais reduzidos, em virtude de vantajosas condições em que
este estabelecimento realiza as suas compras na Europa. Rua Direita, n. 36,
placa, armazém de móveis, pianos e colcharia (Monitor Campista, 4 dez.
1887, n. 280).
Piano Pleyel com magníficas vozes, com pouco uso e por cômodo preço.
Vendem Ultra & C. Rua da Direita n. 77 (Monitor Campista, 7 dez. 1887, n.
282).
O Louvre de Campos é o empório das novidades de Paris e Londres (Monitor
Campista, 24 dez. 1887, n. 296).
A “bela ponte de ferro sobre o rio Paraíba”, a ponte de ferro, começara a ser
construída em 1873. Em 1876, José Martins Pinheiro, o Barão da Lagoa Dourada, foi
um dos principais responsáveis pela obra, a qual ajudou a construir, não por suas
próprias mãos, mas por força de seu capital e das alianças políticas e materiais que
estabelecera em Campos e no Rio de Janeiro. No mesmo ano, porém, o Barão foi até
ela e, de lá, tirou a própria vida, atirando-se ao Paraíba. O suicídio, na visão de Peixoto
(2008, p. 41), foi “um exemplo da barrocada e da perda de prestígio da nobreza agrá-
ria”.

99
Tendo nascido no Rio de Janeiro em 1801, veio para Campos em 1821, onde
se casou com a irmã do Barão de Abbadia, Maria Gregória de Miranda, aliança matri-
monial que o inseriu em uma rica família da cidade. Na política, pertenceu à guarda
de honra do primeiro imperador, no Rio de Janeiro, e, em Campos, ocupou o cargo
de presidente da câmara municipal. Sobre aquela morte, em suas Ephemerides Naci-
onais, Teixeira Mello (1881, p. 53) narra:

Tendo acumulado avultada fortuna, concebera nos últimos tempos da sua


vida a ideia de que esta ficaria consideravelmente reduzida por causa de mul-
tiplicadas empresas em que se embarcara, e seguramente afetado também
de princípios de um amolecimento do cérebro, [...] resolveu acabar seus dias
atirando-se do meio da ponte de ferro que sobrepõe o rio Paraíba, e era uma
das empresas em que empregara capitais seus, intento que efetuou na ma-
nhã deste dia.
Encontrar a cidade “iluminada com eletricidade” em 1890, como descreve o
jornalista francês, foi possível graças à inauguração da primeira central elétrica da
América do Sul, em 1883. Sobre iluminação urbana na cidade, Osório Peixoto Silva
(2004, p. 76) elenca a evolução gradual dos recursos tecnológicos: em 1835, instalou-
se a luz com o uso do óleo de peixe, depois do gás hidrogênio, em seguida do quero-
sene e, finalmente, a energia elétrica chegou em 1850, quando duas lâmpadas foram
acesas na rua do Ouvidor. Entretanto, o momento que se tornaria emblemático na
história da iluminação urbana seria o ocorrido em 24 de junho de 1883, às 19 horas,
quando o imperador D. Pedro II ligou a chave geral e acendeu 39 holofotes que ilumi-
naram a noite campista. Essa cena irá se transformar no pano de fundo para o ro-
mance histórico, A visita do Imperador (2017), do escritor, historiador e dramaturgo
campista, Eugênio Soares.

O acontecimento que se tornou um símbolo da modernização e do progresso


da cidade no final do século XIX, além de sua importância política, dada a presença
do imperador, é a primeira experiência com energia elétrica no país. Colocado em
escala no interior da história da eletricidade no Brasil, o fato adquire um caráter ape-
nas simbólico, porque a luz elétrica, como serviço público de iluminação e força motriz
para casas e indústrias, foi viabilizada pela primeira vez em Juiz de Fora-MG, no dia
05 de setembro de 1889. Na cidade, foi fundada “a primeira usina considerada de
força motriz e iluminação, viabilizada pela energia elétrica, foi a hidrelétrica de Mar-
melos, erguida pelo industrial Bernardo Mascarenhas, considerada o marco zero na
história da energia elétrica no Brasil e na América Latina” (FRÓES DA SILVA, 2006,
p. 11).

100
Embora diminuto frente à história da luz elétrica no país, o feito campista de-
marcara o poder econômico dos industriais e comerciantes da cidade, porque a inici-
ativa fora financiada por eles, posto que, “até a década de 30, a presença do estado
no setor elétrico foi bastante limitada, se resumindo a algumas medidas isoladas de
regulamentação” (MARTINS,1999, p. 4).

Sobre o feito na cidade mineira, o historiador Barros (2005) recolheu relatos em


jornais da cidade e demonstrou que a classe dominante, composta por fazendeiros e
burgueses, ao se referir à instalação da energia elétrica em Juiz de Fora, manifestava
o imaginário de progresso, tal qual define o historiador Le Goff ao abordar a relação
entre a crença de que os avanços na industrialização, na ciência e na política econô-
mica liberal e o bem-estar social. Essa ideologia do progresso teve o seu ápice no
período entre 1840 e 1890, quando a economia e a indústria europeia, especialmente
a partir da França e da Inglaterra, alcançaram grande expansão industrial, inclusive
em Campos.

No Brasil, para aqueles que enxergavam na civilização europeia a própria


civilização, importar as ideias era necessário e bem-vindo. [...] Cidades como
Rio de Janeiro, Manaus e Juiz de Fora foram submetidas às transformações
e modificações no espaço urbano. Ferrovias, saneamento, meios de comuni-
cação, conforto, segurança; todos elementos esboçadores da ideologia das
elites burguesas, europeias ou brasileiras (BARROS, 2005, p. 2-3).

2.2.4 – A cidade como cenário da vida urbana

Segundo Lemos (2018), os que em Campos tinham acesso aos bens culturais,
especialmente, aos livros e à literatura, era uma elite não hereditária e, inicialmente,
não titulada que buscava distinção social por meio do trajar e da aparência, conforme
indicam relatos de viajantes europeus recolhidos pelo historiador. Além disso, Lemos
(2018) enxerga o anúncio de um manual de regras de comportamento e comensali-
dade publicado no MC, em 02 de janeiro de 1847, como o indício de uma possível
internalização do modelo francês de distinção, pautado pelas regras de etiqueta.

Sobre o requinte da população citadina: “Uma sociedade dinâmica caracteri-


zava o decênio final do século 19. [...] Os reflexos econômicos estimulavam o requinte
e as atividades culturais; jornais, publicações literárias, teatros. (PEREIRA PINTO,
2005, p. 117). Sobre a cidade como polo catalisador da região, notamos que o autor

101
se refere a Campos como “zona urbana” em oposição às demais freguesias, que com-
poriam a “zona rural”. “É que passa a decidir a tornar-se o centro não mais apenas do
município, mas de um conjunto de municípios próximos, com a ultrapassagem do rio
Paraíba pela estrada de ferro. É o que chamamos modernamente de polo de desen-
volvimento” (PEREIRA PINTO, 2005, p. 117-118).

Ao analisar a presença e a importância da Ao livro verde para a sociedade


campista nos últimos anos do século XIX, Lima (2013, p. 5) afirma que

a transição da mão de obra escrava para a mão de obra livre e a propagação


do pensamento liberal influenciou a disseminação de leituras entre os intelec-
tuais e simpatizantes do movimento abolicionista, o que propiciou maior cir-
culação de obras literárias na cidade
A livraria é uma anunciante recorrente no MC. Destacam-se os anúncios:

Miranda & Salgado – proprietários do Livre Verde têm em seu estabeleci-


mento um magnífico piano que pode ser experimentado pelos pianistas (Mo-
nitor Campista, 4 dez. 1887, n. 280).
Romance a 1$000 o volume – “Herança de lágrimas” por Lopo de Souza; “O
pirata de Trelawnay” por Alexandre Dumas; “Mistérios do gabinete negro” por
W. Reynold; “O parricida” por Belot e Dautin; “Muita parra e pouca uva” por
Amorim, “A porta do paraíso” por Pimentel; “O homem das multidões” por
Zaccone; “Ruinas” por S. Dias; “Tolices e escândalos” por Francisco Terên-
cio; “Da loucura em Portugal” por Júlio Cesar Macedo; “As misérias de Lon-
dres” por Ponson du Terrail; “Os novos dramas de Paris”, por Ponson du Ter-
rail. Ao Livro Verde. Rua da Quitanda, ns. 58 a 60. Miranda & Salgado (Mo-
nitor Campista, 4 dez. 1887, n. 280).
Útil e agradável – “O grande industrial”, “A condessa Sara”, “O Margal”, por
George Obnet a 3$000. “O dever – economia doméstica e moral” a 4$000 e
“O poder da vontade a 3$000”, por Samuel Smiles. Vende-se no Livro Verde
de Miranda e Salgado, a rua da Quitanda, n.60 (Monitor Campista, 26 e 27
dez. 1887, n. 298).
Boa parte dos romances anunciados são traduções da literatura popular euro-
peia. São histórias que falam da vida burguesa, de questões familiares como heran-
ças, derrocadas e prosperidade no comércio e na indústria. A comercialização de ro-
mances supõe um público leitor. Em relação à leitura, se considerarmos apenas o
número de habitantes livres na cidade, 11.511, verificamos que a parcela de alfabeti-
zados sobe para 42% dessa população, sendo 4.881 os que sabiam ler e 6.630 (58%)
os analfabetos.

No mesmo censo, encontramos, em Niterói, 16.326 habitantes livres. Destes,


6.541 sabiam ler (40%) e 9.785 eram analfabetos (60%). O documento Mapa do Anal-
fabetismo no Brasil (BRASIL, 2003, p. 6) apresenta um gráfico que mostra que a taxa
de analfabetismo no Brasil em 1900 era de 65,3% da população. Portanto, o índice de

102
analfabetismo em Campos, em 1782, estava abaixo da média nacional e era ligeira-
mente inferior ao número de analfabetos em Niterói, cidade que viria a se tornar a
capital da província. Vale ressaltar que, no Império, o voto era permitido aos analfa-
betos, desde que tivessem bens e títulos. Isso significa que a leitura, seja por lazer,
diletantismo ou instrução, fora uma competência não necessariamente vinculada à
cidadania e ao exercício político.

Apesar de uma elite letrada e leitora, a precariedade do ensino de primeiras


letras era considerado um problema para a disseminação da literatura e a populariza-
ção de escritores. Múcio da Paixão fala da taxa de analfabetismo no Brasil e acres-
centa ao problema o interesse pelas leituras francesas, especialmente aquela disse-
minada na forma de folhetins publicados nos jornais. Nas palavras do professor do
LHC,

a verdade é que escritor obscuro [desconhecido], embora tenha muito mere-


cimento, não encontra leitores, pois que estamos num país onde a cifra de
analfabetos ascende a mais de 70 por cento e os que sabem ler preferem as
leituras francesas tresandantes da rancida pomada parisiense (PAIXÃO,
1924, p. 8).
O trânsito dos intelectuais campistas no final do século XIX é um aspecto que
se destaca na literatura historiográfica da cidade, como demosntra esta narrativa:

“É a época de exportação dos nossos primeiros e principais expoentes. José


Carlos do Patrocínio alça voo e iria contribuir para a libertação dos escravos;
[...] Saldanha da Gama iria defender as leis instituídas [...] passa-se da lega-
lidade para o lado de um idealismo respeitado, enfrentando as próprias forças
do governo. [...] Saturnino de Brito preparava-se para se tornar o maior enge-
nheiro sanitarista do mundo ocidental. Francisco Portella e Nilo Peçanha, um
terminado seus mandatos políticos, elevado a governador do Estado, e o ou-
tro começando sua caminhada em direção à presidência da república” (PE-
REIRA PINTO, 2005, p. 118).
Aragão (2017) afirma que as cidades brasileiras tiveram seus elementos mor-
fológicos transformados no final do século XIX: as casas deixaram de ser erguidas no
alinhamento da rua e sem recuos laterais, os córregos e rios foram drenados ou ca-
nalizados, tubulações e galerias para abastecimento de água, coleta de esgoto e re-
colhimento de água da chuva foram construídas e surgiram novos mobiliários urbanos,
como postes de iluminação.

Segundo a autora, as transformações não foram uniformes e não ocorreram


em todo o país. O processo foi mais acelerado nas cidades litorâneas ou próximas ao
litoral, porque tinham maior contato com a Europa, e mais lento e menos intenso nas
mais afastadas. A autora considera que Rio de Janeiro, Recife, Salvador e São Paulo

103
apresentam semelhanças nesse processo, sendo, portanto, “exemplos de transforma-
ção acelerada do espaço urbano, podendo ser contrapostas a exemplares de perma-
nência” (ARAGÃO, 2017, p. 38-39).

Embora Campos não seja citada pela autora, historiadores locais demonstram
que essas transformações urbanas ocorreram de forma acelerada na cidade. Além da
proximidade do litoral, dada a geografia, Campos, no final do século XIX, estava bem
próxima à Corte, devido à disponibilidade de transporte e do trânsito de cidadãos cam-
pistas entre as duas cidades.

Por conta das transformações urbanas por que Campos passou no final do sé-
culo XIX, Peixoto (2008, p.41) afirma que, entre 1870 e 1890, a cidade entrou em um
rápido processo de modernização, impulsionado pelo comércio, pelo aumento da pro-
dução açucareira e pela instalação de indústrias, como a fábrica de tecidos Fiação
Industrial Campista, em 1885, na Avenida Beira Rio, no bairro da Lapa, limite leste da
cidade, onde, atrelado à fábrica surgiu o primeiro bairro operário. Apesar disso, o de-
senvolvimento não foi linear, porque Campos estava entre duas realidades: ainda que
próxima ao litoral e pronta para receber o capitalismo, mantinham-se os antigos mo-
dos de vida representados pelo campo e pelas tradições agrícolas ainda dependentes
da mão de obra escravizada.

Sobre o processo de urbanização, Peixoto (2008, p. 41) afirma ainda que “pân-
tanos eram saneados, praças foram niveladas, abriram-se novas ruas e, doravante,
surgiram as primeiras pavimentações em pedra granito”. Além disso, como progresso
econômico e social passa pela industrialização, logo as indústrias estimularam o es-
tabelecimento do ensino técnico, que contribuiu para o surgimento de uma mão de
obra qualificada e remunerada, estimulando a formação de uma população escolari-
zada composta inclusive por muitos estrangeiros que vieram, especialmente, para ins-
talarem os equipamentos das usinas e das linhas férreas, além de proporcionarem a
importação de produtos típicos da vida cultural europeia.

Segundo o levantamento censitário de 1872, os 2.751 estrangeiros que viviam


na cidade estavam distribuídos pelas seguintes nacionalidades: 1.690 (61,4%) eram
africanos cativos, correspondentes a 21% da população escravizada da cidade; 811
(29,5%) portugueses; 60 (2,2%) franceses; 57 (2,1%) italianos; 37 (1,3%) ingleses; 32
(1,1%) espanhóis; 24 (0,8%) alemães; 20 (0,7%) belgas; 7 (0,3%) chineses; 5 (0,2%)

104
suíços; além de austríacos, holandeses, paraguaios e americanos, sendo 2 (0,4%)
habitantes de cada nacionalidade.

Peixoto (2008, p. 54) também assinala que as atividades concernentes à vida


urbana, como o comércio, os aparelhos culturais como teatros e cafés, além dos ofí-
cios ligados à indústria e às atividades liberais, como advogados, médicos e enge-
nheiros, influenciaram para conformar Campos como um “mundo citadino”. A autora
mostra que, em 1894, a cidade já possuía linhas de telefone, rede de iluminação pú-
blica e, por meio de programas de melhorias das condições de higiene e saneamento
financiados pela Câmara Municipal e executados pelas empresas Dutton & Chandler
e Campos Sindicat Limit Co. entre os anos de 1880 e 1890, a cidade contava com
rede de esgoto e de aprovisionamento de água.

Assim, as mudanças na morfologia urbana vieram acompanhadas pela diversi-


ficação do quadro social. Brasileiros e estrangeiros compunham uma sociedade de
caráter urbano, constituída por intelectuais, profissionais liberais, médicos, engenhei-
ros, advogados e comerciantes, muitos dos quais especializados em mercadorias es-
trangeiras ou produzidas na própria cidade a partir dos hábitos e costumes europeus.

Alguns dos comerciantes e profissionais estrangeiros, na cidade, no final do


século, cujos anúncios dos serviços e estabelecimentos aparecem nas páginas do
MC: os franceses Jean Vigné e Jean Arthés, que comercializavam tecidos e modas
francesas; Ressignier ,com a padaria ‘A francesa’; o alemão Guilherme Bolkal, fotó-
grafo; os italianos Vicente Renner, relojoeiro, Carlos Rinaldi, pianista e José Bene-
vento, arquiteto. O liceu de Artes e Ofícios Bitencourt do pintor francês Clóvis Arraut
foi fundado em 1885. Os novos modos de funcionamento do espaço social trouxeram
novas formas de ver a cidade, novos modos de concebê-la. Os ares do cosmopoli-
tismo fizeram emergir novos valores, novos comportamentos e novas práticas sociais,
dentre elas a leitura de jornais e obras literárias.

105
III

A vida literária em Campos no final do século XIX

Quando o verão francês estava por terminar, no sábado, dia 10 de setembro


de 1887, o Le Petit Journal levou aos leitores o último capítulo do folhetim La
grand’mère. Naquele mesmo ano, 78 dias depois, a pouco menos de um mês do início
do verão brasileiro, no domingo, dia 27 de novembro, o MC publicou o primeiro capí-
tulo do folhetim A avó, tradução do texto em francês de Émile Richebourg (1833-1898),
publicado anteriormente em Paris, conforme demonstramos no anexo 6 desta tese.

Esse tipo de tradução é considerado por Lima (2017, p. 41) uma característica
comum na imprensa brasileira em seus primórdios. A autora afirma que a publicação
ficcional nos jornais brasileiros “iniciou a partir da década de 1830 [com] a publicação
de romances em fragmentos, seguindo os moldes franceses, começando com tradu-
ções de romances-folhetim europeus”. Candido (2013, p. 439) sugere também que o
aparecimento do romance na literatura brasileira decorreu, entre outros fatores, pelo
interesse e pela receptividade do público leitor por essas traduções dos folhetins fran-
ceses publicados em jornais do Rio de Janeiro e do restante do país.

Do ponto de vista discursivo, a correspondência entre La grand’mère e A avó é


um exercício que excede a versão da língua francesa para a portuguesa. Assim como
a tradução implica a emergência de um novo texto, a presença do texto literário fran-
cês no jornal brasileiro revela sentidos acerca da língua e da expressão literária que
não se inscrevem no texto em si, mas que se revelam nas condições de produção que
o circundam, possibilitando sua emergência e cooperando na produção dos sentidos
desses textos, especialmente em relação ao exercício, à circulação e ao valor social
do jornalismo e da literatura no último lustro do século XIX, em Campos. A tradução é
um indício das transferências culturais entre a França e o Brasil que revela uma im-
portante informação sobre as concepções da literatura e do fazer literário no Brasil e
em Campos.

106
Ao analisar as relações entre a imprensa brasileira e a francesa no século XIX,
Caparelli (2012) levanta a hipótese de que as trocas estabelecidas naquele período
podem ter servido de base para o sistema midiático global de hoje. Sua conclusão
parte da tese de que as transferências de bens materiais e valores sociais somavam-
se às transferências de práticas culturais e de conhecimentos e que estas não se
processaram por uma via unilateral da Europa para o Brasil, mas pela circulação de
intelectuais e comerciantes que atuavam como mediadores culturais entre os dois
continentes. Dentre eles, o francês Junius Villeneuve, proprietário do Jornal do Com-
mercio, de 1834 a 1880.

Segundo Caparelli (2012), Villeneuve foi responsável, por exemplo, por criar
uma “midiatização” do folhetim Os mistérios de Paris, de Eugène Sue, publicado na
França entre 19 de junho de 1842 e 15 de outubro de 1844 e, no Jornal do Commercio
entre setembro de 1844 e outubro de 1845, vertido para o português por Joaquim José
da Rocha. Se o sucesso da narrativa na França estivera ligado à temática, com des-
taque à “geoficcionalização de Paris”, no Brasil, a estratégia publicitária e editorial
empreendida foi a seguinte:

O romance-folhetim de Eugène Sue ainda se publicava nas páginas do Jornal


do Commercio quando Villeneuve se apressa para editar as diferentes partes,
imprimi-las e vendê-las progressivamente e paralelamente na ‘Casa Junius
Villeneuve e Cia’. Quando Os mistérios de Paris terminam de ser publicados
em seu jornal Villeneuve reedita a obra de Sue em francês, espanhol e por-
tuguês, em diferentes edições, de luxo e mais baratas, até acolher, em 1866,
na rubrica do folhetim de seu jornal, o genérico Mistérios do Rio de Janeiro,
escrito por Antonio Jeronymo Machado Braga (CAPARELLI, 2012, p. 37).
Se, no Rio de Janeiro, os folhetins já começavam a abordar temas e questões
locais e as traduções já se convertiam em adaptações, em Campos, no MC, a produ-
ção folhetinesca estava restrita ainda às traduções. Quem teria sido o tradutor de A
Avó? Acreditamos que possa ter sido Francisco Portella, tendo em vista sua habili-
dade com o idioma francês, conforme narra Paixão (1924, p. 19), em 1887, a propósito
da biografia do redator do MC:

Nascido em Oieiras [em 22 de julho de 1834], no Piauí, o dr. Francisco Por-


tella veio muito jovem ainda, de sua província natal, para a casa de seu tio, o
dr. Luiz Paulino de Souza, que residia em Niterói, com o fim de estudar. O dr.
Luiz Paulino era primo da esposa do comendador Manoel Moreira de Castro,
redator chefe do Jornal do Commercio, a quem o apresentou o moço pi-
auiense. Moreira de Castro tomou interesse pelo talento de Francisco Por-
tella, desde que mandou-o traduzir um tópico de um jornal parisiense, lobri-
gou nele certa agudeza de espírito. E logo insistiu com o jovem para que
fosse à sua casa. [...] Em casa de Moreira de Castro reuniam-se os homens
mais eminentes da época, e foi no seio dessa sociedade que o espírito de
Francisco Portella se formou e educou (PAIXÃO, 1924, p. 19-20).

107
A presença desse folhetim no MC ajuda-nos a compreender certas caracterís-
ticas do contexto em que esse enunciado emerge. Tendo em vista que, para a AD, o
contexto, a exterioridade da língua, não é um espelhamento no texto, das circunstân-
cias de tempo e lugar em que ele é produzido ou recebido, ainda que esses elementos
sejam fundamentais para o processo de produção de sentidos. Em relação às circuns-
tâncias, verificamos a proximidade de meses entre a circulação do texto na França e
a posterior publicação no Brasil, embora os locais sejam diferentes, sejam contextos
sócio-históricos diferentes.

A transposição do texto de um quadro contextual ao outro nos leva a pensar


sobre as condições de produção que se instauram na relação do texto com outros
textos e com os interlocutores envolvidos, em um processo assimétrico de interlocu-
ção, isto é, os sentidos da emergência e circulação do texto em Paris são diferentes
daqueles que são produzidos em Campos. A proximidade temporal entre a publicação
original francesa e a publicação no MC demonstra o “complexo processo de constitui-
ção desses sujeitos e produção de sentidos e não transmissão de informações. São
processos de identificação do sujeito, de argumentação, de subjetivação, de constru-
ção de realidades” (ORLANDI, 2015, p. 19).

Os sentidos sobre o conteúdo da narrativa revelam que esses excedem às uni-


dades lexicais e sintáticas. Como o sentido não é uma unidade estável em AD, a ex-
terioridade da língua não corresponde apenas às circunstâncias, porque ela contribui
para a gestão dos efeitos de sentido. Por isso, a relação interlocutiva não é linear, ou
seja, a leitura de um texto, a apreensão de seus sentidos instauram-se no limite entre
a paráfrase e a metáfora, sendo que a leitura parafrástica do texto visa ao reconheci-
mento do sentido dado pelo autor, ao passo que a leitura metafórica consiste na atri-
buição de múltiplos sentidos que podem decorrer inclusive em virtude de fatores con-
textuais relativos à situação de interlocução.

Orlandi (1999, p. 58) afirma que, para avaliar a dificuldade na delimitação entre
paráfrase e polissemia (metáfora), é necessário reconhecer a variação histórica, uma
medida contextual de cunho temporal, ou seja, “há leituras que são possíveis hoje,
por exemplo, e que não o foram em outras épocas. Isso nos mostra que a ação do
contexto abrange mais do que os fatores imediatos da comunicação, em sua situação
momentânea”.

108
Substituindo as circunstâncias momentâneas pelas condições, Possenti (2011,
p.366) assinala que as condições de produção contribuem para que o funcionamento
do discurso seja inserido “nas instâncias enunciativas institucionais, marcadas por ca-
racterísticas amplamente históricas”, isto é, cada um enuncia a partir de posições que
são historicamente constituídas. Consequentemente, o que garante ou confere o sen-
tido não é o contexto imediato, mas as “posições ideológicas a que [o enunciador] está
submetido e as relações entre o que diz e o que já foi dito da mesma posição, consi-
derando, eventualmente, ou em geral, que ela se opõe a uma que lhe seja contrária”
(POSSENTI, 2011, p. 368). Por exemplo, é mais relevante verificar segundo que po-
sição discursiva um deputado fala de liberdade ou desenvolvimento, do que conside-
rar o fato de que ele se dirige a seus interlocutores em um determinado cenário físico.
Nesse sentido, “os ‘contextos’ fazem parte de uma história, já que, também nessas
instâncias de enunciação, os enunciadores se assujeitam à sua FD” (POSSENTI,
2011, p. 369).

O enredo de A avó envolve os embates e as alianças entre a sociedade de


burgueses emergentes, composta por industriais e comerciários, e a tradição aristo-
crática que envolve sobrenomes, heranças e laços sociais. Desses elementos, verifi-
camos a correspondência entre os personagens e as relações sociais estabelecidas
no interior da narrativa e o público-leitor de sua tradução, publicada no MC. São rela-
ções intersubjetivas de identificações e reconhecimento. Os tipos humanos apresen-
tados no capítulo 23, publicado na edição 296, de 24 de dezembro de 1887, trazem a
configuração da família Lionnet.

A descrição dos personagens nos interessa, na medida em que esses tipos


encontram correspondências na sociedade campista da época. A família é composta
pelo Sr. Leonnet, um afortunado negociante; a esposa Gabriela; e os jovens filhos,
Alberto e Genoveva. O capítulo em questão se desenvolve a partir da tensão provo-
cada pelo sentimento de repulsa que Gabriela nutre por sua filha adotiva, Genoveva.

O Sr. Lionnet fora um negociante de móveis, cujos serviços prestados ao co-


mércio e à indústria nacional deram-lhe o título de “cavaleiro da Legião de Honra”.

Trabalhava com aquele ardor dos homens que têm um fim a conseguir e que
sabem que o conseguem pelo trabalho. Estendeu consideravelmente as suas
relações, deu novo impulso à indústria dos móveis e levou a sua à primeira
ordem, assegurou-lhe a prosperidade com a sua hábil direção, e a fortuna,
uma fortuna nobremente adquirida, foi a sua recompensa (Monitor Campista,
24 dez. 1887, n. 296).

109
O Sr. Lionnet tem 52 anos e é de aparência vigorosa. Tem uma fisionomia
franca aberta, olhar risonho e maneiras de um burguês que se preocupa um
pouco com o lado exterior das coisas e que prefere ser a parecer. Apesar da
bela posição que tinha adquirido, era isento de imposturas. Tinha uma apa-
rência cheia de bonomia que põe logo todos à vontade. Via-se que os negó-
cios deviam ser fáceis com ele (Monitor Campista, 24 dez. 1887, n. 296).
Sobre Alberto, o filho liceísta:

O jovem Lionnet, tendo terminado seus estudos, saiu do Liceu e voltou tam-
bém para casa. Mas era preciso arranjar-lhe profissão, um estado. O pai teria
desejado que seguisse os estudos para ser médico ou advogado; poderia
também entrar em uma das nossas escolas municipais, mas a Sra. Lionnet
não queria separar-se do filho, queria conservá-lo junto de si. Não tinha pre-
cisão de arranjar profissão, visto que em poucos anos poderia substituir o pai
e ser o chefe da casa Lionnet. A razão era boa e o Sr. Lionnet não insistiu.
Ficou portanto, decidido que Alberto ajudaria ao pai e se poria pouco a pouco
ao fato dos negócios. A confiança do Sr. Lionnet não era talvez muito grande
(Monitor Campista, 24 dez. 1887, n. 296).
Sobre a filha Genoveva, destaca-se a descrição em que se acentuam os atri-
butos físicos.

Genoveva foi a primeira que voltou para casa da família; tinha perto de de-
zoito anos. Para prova que tinha trabalhado e adquirido uma instrução tão
vasta quanto possível, trazia a seu pai e a sua mãe um diploma superior de
professora. [...] Genoveva era uma moça completa em tudo. [...] Genoveva
tinha aprendido três línguas: inglês, alemão e italiano. Desenhava e pintava
com certa habilidade. Era muito boa na música e tocava piano delicadamente.
Mas muito modesta, sem vaidade, não tinha orgulho do seu talento; tinha an-
tes ar de querer que lhe perdoassem a superioridade que tinha sobre os ou-
tros, tanto pelo saber como pela beleza, pela distinção, pela sua inteligência
e pelas raras qualidades do seu coração (Monitor Campista, 24 dez. 1887, n.
296).
A esposa Gabriela

Odiava a moça [Genoveva] exatamente por causa da sua superioridade da


qual, entretanto, ela nunca procurava prevalecer-se. Odiava-a porque ela
nunca tinha a mocidade e a beleza, a graça e a distinção; porque era dotada
de uma inteligência rara que lhe atraía todas as simpatias e que a fazia amar
por todos, finalmente, porque era instruída, tocava piano e era aplaudida, ao
passo que a Sra. Lionnet nem sequer sabia o valor das notas de música (Mo-
nitor Campista, 24 dez. 1887, n. 296).
Encontramos a correspondência do cenário e personagens de A avó na confi-
guração social de Campos do final do século XIX em publicações do jornal, a propósito
da Exposição do Liceu de Artes e Ofícios Bitencourt da Silva, cuja abertura ocorrera
em 02 de dezembro de 1887 e seguiu até o final daquele mês. Sobre a exposição, os
redatores do jornal dizem estar vivamente interessados. A data de abertura coincide
com o aniversário do príncipe “amante e protetor das artes”. Na cerimônia, discursa-
ram o presidente da Sociedade União Artística Beneficente, João de Alvarenga; o pre-
sidente da Loja maçônica Firme União, Attila de Alvarenga; e o presidente da Câmara
Municipal, Gesteira Passos. O evento de abertura iniciou-se, sexta-feira, ao meio-dia,

110
com “salvas e fogos ao ar” e duas bandas de música que tocaram “várias peças até
às duas horas da tarde”.

Estiveram na abertura

[...] grande número de senhoras, a câmara municipal, o doutor juiz de direito,


o 1º juiz de paz da cidade, o comandante do destacamento policial, os vice-
cônsules de Portugal, de Espanha e de Itália e os representantes da imprensa
e de várias associações e dos bancos da cidade, o Sr. Senador Conselheiro
Thomaz Coelho e muitos membros do clero, da classe médica e dos advoga-
dos, do comércio, dos artistas e operários e as duas bandas de música das
sociedades: Lyra Conspiradora e Lyra de Appollo (Monitor Campista, 03 dez.
1887, n. 279).
A primeira menção à exposição saiu na edição 277, no dia anterior à abertura,
1 de dezembro de 1887. Na Seção 1 são apresentados os autores e os títulos das
obras que estiveramexpostas. Nas listas de nomes e obras que seguem pelas quatro
colunas da primeira página e nas duas colunas da página seguinte, estão alunos com
sobrenomes pertencentes à elite local, por exemplo, Ataliba Ultra, Antônio de Alva-
renga, Mariana de Alvarenga, Mariana Isabel Saturnino de Brito e Maria de Carvalho
Sampaio. As obras são descritas como estudos e cópias de figuras, de ornamentos e
de arquitetura, na forma de desenhos, pinturas e aquarelas. As descrições dos traba-
lhos revelam aspectos acerca dos temas e da estética artística prestigiados: “Cabeça
de ídolo antigo, estudo, cópia”, “Paris, estudo, cópia”, “Retrato do tempo de Luiz XVI,
estudo cópia”, “Jean-Jacques Rousseau, estudo, cópia”.

Também são listadas obras dos professores do Liceu, sendo os professores:


Domingas Leite Ferreira Martins, Antônio Rangel do Nascimento, Antônio Rego Mo-
reira, Luiz Jacomocci, Julio Fileto, Antônio José Martins Filho e Clóvis Arrault.

Abrindo a lista, aparece o seguinte texto:

Acedendo ao pedido que lhes fizemos, os Srs. Arrault e Martins Filho nos
enviaram a relação dos trabalhos que serão expostos pelos discípulos do Li-
ceu e por algumas amadoras discípulas do Sr. Professor Arrault, e entende-
mos dever publicar hoje esse catálogo para que possa servir de guia aos
leitores do Monitor que visitarem a exposição que será aberta amanhã (Mo-
nitor Campista, 01 dez. 1887, n. 277).
O pedido feito ao jornal por Antônio José Martins Filho e Clóvis Arrault é justifi-
cado pelo presumido interesse dos leitores do jornal. Verificam-se os acordos e os
vínculos entre a elite o poder público na publicação oficial do jornal:

Orçamento Municipal – No substitutivo do orçamento municipal apresentado


à assembleia provincial na sessão de 6 consta o seguinte: “Art.12 A câmara
de Campos fica autorizada, na forma de suas propostas de 15 e 27 de se-
tembro de 1887, para: § 1º Auxiliar o Liceu de Artes e Ofícios, denominado

111
Bitencourt da Silva, estabelecido na cidade, com a subvenção anual de
1:200$, deduzida do produto da taxa escolar (Monitor Campista, 9 e 10 dez.
1887, n. 284 – grifo nosso).
No dia 03 de dezembro de 1887, a Seção 1 narra a abertura da exposição e
reproduz o discurso das autoridades. Nessas falas, materializam-se as concepções
de arte, cultura, ilustração da sociedade. Nas palavras de Gesteira Passos, presidente
da Câmara Municipal de Campos, ao abrir a exposição:

A Câmara Municipal de Campos, acedendo ao vosso convite, vem presidir a


nossa festa artística, dominada por um sentimento elevado de entusiasmo,
porque vê neste estabelecimento um elemento de progresso para o nosso
município. Continuai vossa obra e, no gozo inefável daqueles que servem à
causa do belo, procurai haurir sempre novas forças para dar a esta tão útil
instituição um caráter permanente de duração. Está aberta a primeira expo-
sição do Liceu de Artes e Ofícios Bitencourt da Silva (Monitor Campista, 3
dez. 1887, n. 279 – grifo nosso)
Em seu discurso, Gesteira denomina o evento: “uma manifestação brilhante do
impulso que vai tomando entre nós o gosto pelas belas artes, servirá também para
realçar os nobres esforços dos dois generosos diretores deste utilíssimo estabeleci-
mento” (Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279).

Attila de Alvarenga, em nome da Loja Firme União, destaca os mesmos atribu-


tos da exposição e parabeniza os fundadores da instituição:

É de esperar, por isso, que a população campista, diante de resultados tão


fecundos como esses que vão ser expostos à apreciação de todos, continu-
ará como até aqui a encorajar sempre os dignos fundadores do Liceu de Artes
e Ofícios Bitencourt da Silva, Srs. Clovis Arrault e Antonio José Ferreira Mar-
tins Filho, dois incansáveis lidadores que, além de outros títulos, com a cria-
ção do Liceu, se tornarão credores da admiração e do respeito de todos aque-
les que desejam a prosperidade e o engrandecimento deste rico município
(Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279 – grifo nosso).
Sobre os efeitos da arte, Gesteira afirma:

Goethe dizia: “eu me consideraria melhor se pudesse ter ante meus olhos a
cabeça de Jupitar Olympico, que os antigos tanto admiraram.”. É que a con-
templação dos objetos da arte não desperta somente prazer, eleva também
nossa alma, fazendo brotar em nós o mais intenso entusiasmo por tudo
quanto é belo em suas elevadas manifestações. É por isso que muito deve-
mos esperar da presente exposição e de todas as outras que virão após ela
(Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279 – grifo nosso).
Quais são os sentidos de uma exposição de arte? Nota-se a arte como con-
templação do “belo”. É interessante pensarmos que os valores estéticos exaltados são
justamente aqueles que, de modo sarcástico, Machado de Assis criticara em Dom
Casmurro, quando Bentinho descreve sua casa, como a cópia de uma anterior:

é o mesmo prédio assobradado, três janelas de frente, varanda ao fundo, as


mesmas alcovas e salas. Na principal destas, a pintura do teto e das paredes
é mais ou menos igual, umas grinaldas de flores miúdas e grandes pássaros

112
que as tomam nos bicos, de espaço a espaço. Nos quatro cantos do teto as
figuras das estações, e ao centro das paredes os medalhões de César, Au-
gusto, Nero e Massinissa, com os nomes por baixo... Não alcanço a razão de
tais personagens. Quando fomos para a casa de Matacavalos, já ela estava
assim decorada; vinha do decênio anterior. Naturalmente era gosto do tempo
meter sabor clássico e figuras antigas em pinturas americanas (ASSIS, [1899]
p. 906-907).
Percebemos o tom político da fala de Gesteira, ao aludir a figura do príncipe:

Feliz foi a escolha do dia para tão brilhante festa artística. Aniversário natalí-
cio de um príncipe, amante e protetor das belas artes, a presente exposição
exprimirá também uma justa homenagem àquele que, longe da cara pátria
por motivo tão doloroso para nós, palpita nobremente por ela, e retempera o
seu elevado patriotismo no estudo das instituições e na observação do pro-
gresso das nações mais adiantadas (Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279
– grifo nosso).
No discurso de João Alvarenga, presidente da Sociedade União Artística bene-
ficente, o Liceu, que completara dois anos de fundação à época, é descrito como o
espaço de ilustração da classe operária, por prestar auxílio aos que desejam exercer
uma arte ou trabalham em um ofício. Os fundadores Clovis Arrault e Antônio José
Ferreira Martins Filho são denominados como “missionários do progresso da classe
operária”. A escola é identificada como o lugar de preparação para um “futuro de pro-
gresso e felicidade”.

A especialização da mão de obra e o domínio de técnicas na produção são


destacados.

A aritmética e a geometria, o desenho linear e de ornatos tão indispensáveis


aos processos de precisão, representação e execução com que o operário e o
artesão figuram na sua fantasia e põem por obra na sua realização a sua con-
cepção ou plano, faltavam à classe operária de Campos, a qual nem só não
podia aperfeiçoar os modos práticos do trabalho, como também não sabia cor-
rigir as formas cadimas e inventar o melhor (Monitor Campista, 3 dez. 1887, n.
279 – grifo nosso).
Essa visão acerca do trabalho opõe-se discursivamente ao trabalho escravo.

Em uma época, como esta, de transformação do trabalho, em que se orga-


niza e se procura dirigir a atividade nacional, encaminhando-a por direções
científicas, rompendo com as normas da rotina, a escola que contribui pode-
rosamente para transmitir e fixar no povo os conhecimentos que melhoram
os métodos de trabalho e dilatam e avigoram a capacidade dos artistas e
operários é um dos principais fatores do progresso social (Monitor Campista,
3 dez. 1887, n. 279 – grifo nosso).
Os operários e artistas são descritos como os “soldados do progresso”. “A es-
cola dotará seu espírito com os meios de precisão e de eficaz execução, fazendo que
o operário instruído opere por quatro, por dez, por muitos, enfim!” Há uma concepção
estética, de arte como revelação de uma mente genial, como expressão do pensa-
mento, uma idealização ou visão platônica.

113
Externando a imagem que existe no pensamento, a arte a representa dando-
lhe realidade e a vida ou a expressão e o sentimento natural. As elevadas
concepções dos talentos e dos gênios, os sentimentos e os afetos dos gran-
des corações são assim transmitidos a todos os homens e a todas as gera-
ções (Monitor Campista, 3 dez. 1887, n. 279 – grifo nosso).
O que pode ser objeto da arte? Arte como representação e elevação do pensa-
mento:

As belezas da natureza, as lutas da alma, os transportes do coração, os lan-


ces da virtude, os compectos horríveis do crime, as transformações divinas
da fé abrasando a vida humana, enfim, tudo que pode ser objeto da arte –
tudo que pode ser sentido e imaginado, o desenho e a pintura saberão repre-
sentar e eternizar, não somente provocando a admiração como também ins-
truindo o povo e aperfeiçoando a humanidade (Monitor Campista, 3 dez.
1887, n. 279).
Os pontos de vista sobre a função da arte e da ciência:

O povo, com o auxílio do desenho e da pintura, melhora o seu sentir e apura


o seu entender, pois quem desenha e quem pinta não reproduz somente efei-
tos de luz no espaço, dando a imagem ideal das coisas e dos seres corpo ou
forma, extensão e colorido; porém, ao mesmo tempo, estuda, isto é, analisa,
compara, descortina modos e relações que no seu espírito suscitam e escla-
recem as ideias do belo e do bem. Assim, dia a dia, o seu entendimento se
ilumina, se eleva, aperfeiçoando seus modos de ser ou polindo os hábitos da
atividade individual e os costumes do viver social; assim também a natureza
humana se aproxima de sua norma divina ou da sua semelhança com o Cri-
ador, e o homem decaído readquirirá outra vez a perfeição primitiva de sua
natureza, guiado pela arte e pela ciência (Monitor Campista, 3 dez. 1887, n.
279 – grifo nosso).
O noticiário da edição 281 informa: “No dia 2 a exposição foi visitada por 276
pessoas, no dia 3 por 94, no dia 4 por 282 e ontem por 41” (Monitor Campista, 5 e 6
dez. 1887, n. 281). Na edição 292, publicou-se um artigo na Seção Livre – Tópicos da
Atualidade, a respeito da exposição. Assim como no caso do naufrágio do Vapor
Goytacaz, a Seção Livre – Tópicos da atualidade arremata o acontecimento. Ela dá a
palavra final do jornal sobre os fatos, por meio de um texto cuidadosamente constru-
ído. “Um amigo [...] mimou-nos com um belo artigo sobre a exposição e temos a maior
satisfação publicando esse artigo em ver seu autor entre a gente dos Tópicos” (Moni-
tor Campista, 19 e 20 dez. 1887, n. 292).

O enunciador enxerga a exposição como um feito milagroso, um “milagrão”:

eu, num arranco de devoção ardente, direi enquanto puder, que o milagre
pode ser visto por qualquer mortal que tenha crença e saiba adorar a renas-
cença, – deixem passar a palavra – a nossa renascença, que ali se manifesta,
preparando os obreiros da nossa indústria, os mestres das nossas oficinas,
as glórias de nosso trabalho! (Monitor Campista, 19 e 20 dez. 1887, n. 292).

114
Para se referir ao fim da escravidão, o enunciador usa a palavra “redenção”,
“uma palavra doce e compadecida que atualmente constitui o mote da nossa civiliza-
ção, da nossa justiça”. O artigo prossegue:

No entanto, esse dia que vem da nossa generosidade, que vem cheio de
impaciências com medo de chegar tarde, trará para nós, nós brancos, escra-
vos, a amargura de uma grande verdade. Quando ele inundar de luz os rostos
negros dessa raça infeliz, a nossa consciência há de ver também, na luz do
mesmo sol, a legião estranha a quem pertence, submissamente escrava, a
nossa vida econômica. Para este e só para este símile é que eu deixei cair
dos bicos da pena a palavra redenção. Redimimos generosamente a lavoura,
mas ficamos escravos das indústrias de todo o mundo. É admissível pois
pensar que para libertar a nossa vida econômica, talvez não haja um tribuno,
uma retórica! E o Liceu de Artes e Ofícios que nos prepara essa liberdade,
continuará apenas amparado por poucos, poucos, mas dedicados amigos
(Monitor Campista, 19 e 20 dez. 1887, n. 292).
Assim como a tradução do folhetim e a exposição de artes, o cosmopolitismo
da vida citadina em Campos pode ser lido por meio dos noticiários publicados no jor-
nal. A seção Telegramas também revela o cosmopolitismo da cidade por meio da
construção de uma dêixis discursiva, entre o local e o global.

Na edição 280, de 4 de dezembro de 1887, lemos telegramas vindos do estran-


geiro:

Paris, 1 de dezembro.
Hoje deve ser lida nas câmaras a mensagem pela qual o Sr. Grevy dá a sua
demissão de presidente da república. A sessão da câmara dos deputados
promete ser tempestuosa. No povo, a emoção é muito viva, porém não receia
que haja desordem.
Bruxelas, 1 de dezembro.
Até agora não foi recebido telegrama confirmando a notícia da morte
do explorador Stanley.
Londres, 1 de dezembro.
Os unionistas preparam em Dublin um grande meeting.
Paris, 1 de dezembro.
A polêmica entre os jornais franceses continua muito viva. Hoje os ra-
dicais acusam o Sr. Ferry de corrupção na expedição ao Tonquim. O Sr. De-
rouléde, presidente honorário da Liga dos Patriotas franceses, declarou que,
no caso de o Sr. Ferry ser eleito presidente da república, marchará contra o
palácio do Eliseu com cinquenta mil dos seus partidários para vedar-lhe a
entrada. Diz-se que alguns chefes das tropas receberam ordens seladas, que
só devem abrir no caso de revolta.
Nova Iorque, 1 de dezembro.
Fala-se do projeto de construção de um canal para condução de petró-
leo entre as cidades de Chicago e de Nova Iorque. A despesa com este tra-
balho será de cinco milhões de dólares. (Monitor Campista, 4 dez. 1887, n.
280).

115
Além disso, o noticiário de 11 de dezembro de 1887, apresenta lado a lado um
incêndio em Lisboa e vítima de querosene em Macaé.

Grande incêndio em Lisboa


O correspondente do Paiz comunica o seguinte em data de 23 do passado.
“Incêndio terrível, pavoroso, destruiu ontem completamente o antigo
palácio dos condes de Sobral, em Lisboa, hoje propriedade do governo por-
tuguês, que ultimamente o adquirira para ali ser instalado o Ministério da Jus-
tiça. Era muito conhecido aquele belo edifício, situado no largo do Calhariz,
pela preciosidade dos seus azulejos e estuques; e, ainda há pouco, um in-
glês, amador de obras de arte, oferecera uma enorme quantia pelos magnífi-
cos azulejos da escada principal.
[...] O magnífico prédio que acaba de arder estava em obras, sofrendo
algumas modificações para a instalação do ministério, e julga-se que fosse
algum dos operários que ali trabalhavam, que desse causa ao sinistro, lan-
çando para o chão alguma ponta de cigarro. Na extinção ficaram feridas 36
pessoas, quase todas ligeiramente.
O palácio estava seguro em 60.000$ em várias companhias, mas estas
não tencionavam pagar um real, porque, desde que o palácio é propriedade
do Estado, o senhor Ministro da fazenda não fez as companhias a compe-
tente participação. Os diversos inquilinos das lojas, que tinham ali magníficos
estabelecimentos comerciais, ficam muito prejudicados porque tinham segu-
rado os seus haveres em menos do seu valor.”
Vítima de querosene – Na noite de 4 do corrente, em Macaé, os vizinhos de
Cândida Quintanilha, ouvindo gritos angustiosos que partiam do interior da
casa desta, para ali se dirigiram e, arrombando a porta que estava fechada,
encontraram uma filha de Candida, de nome Elisa, presa nas chamas que lhe
incendiavam as roupas.
Deu-se o fato da maneira seguinte: Tendo Candida Quintanilha, mãe
de Elisa, colocado uma lamparina de querosene sobre um baú, saiu fechando
a porta e deixando Elisa sozinha, a qual, talvez querendo abrir o baú onde se
achava a lamparina, esta tombou para a frente da vítima, ocasionando-lhe o
incêndio da roupa. Recolhida a infeliz à casa de caridade, ali faleceu no dia 7
do corrente (Monitor Campista, 11 dez. 1887, n. 285).
Na edição de 15 de dezembro de 1887, os noticiários local, nacional e mundial
se interconectam:

S. Fidélis – Do nosso correspondente de S. Fidélis recebemos ontem o se-


guinte telegrama: “O tribunal do júri absolveu por 9 votos João Antonio de
Galdo e Laurentino Monteiro, os quais serão postos em liberdade findo o
prazo legal”.
Chegada – Chegou ontem na corte o Sr. P. Loques, representante de várias
e importantes casas de Paris, tendo vindo com o fim de estabelecer relações
diretas com o nosso comércio. Também chegou da corte o Sr. Bento Carneiro
da Rocha Braga, proprietário da farmácia Braga, daquela cidade.
Faculdade de Medicina de Rio de Janeiro – Por telegrama que nos foi obse-
quiosamente comunicado, sabemos que fez ontem exame do 5º ano médio,
na faculdade do Rio de Janeiro, tendo sido aprovado, o nosso conterrâneo
Sr. Jeronymo de Souza Motta, inteligente filho do Sr. José Joaquin de Souza
Motta (Monitor Campista, 15 dez. 1887, n. 288).
Considerando o contexto acima descrito como favorável ao funcionamento do
sistema literário, integrando, a partir do MC, um grupo de escritores e um público leitor

116
propenso ao estilo de vida cultural vinculado às letras e às tradições francesas de
erudição e comportamento social, nestas últimas seções da tese retomaremos a atu-
ação no campo da escrita de Domingos de Alvarenga, Azevedo Cruz, Francisco Por-
tella e Múcio da Paixão, com o objetivo de demonstrar a dinâmica da vida literária na
cidade por meio da apresentação dos posicionamentos discursivos assumidos por tais
“homens de letras”, posicionamentos que se convertem em ritos discursivos produzi-
dos no interior de uma comunidade discursiva atravessada pelos domínios jornalístico
e literário.

3.1 – Posicionamentos discursivos

Ainda que a literatura possa ser descrita em termos de comunidades discursi-


vas restritas, como aquela apresentada por Múcio da Paixão a propósito dos autores
campistas, o escritor e o discurso literário vivem uma condição paradoxal, pois se
encontram no território fronteiriço entre uma comunidade discursiva restrita e outras
às quais excede e nas quais busca reconhecimento. Essa condição demonstra que a
literatura não tem território próprio e reforça a tese de Maingueneau (2006), segundo
a qual o discurso literário corresponde à gestão do texto e do contexto.

A obra literária é, essencialmente, dividida entre o fechamento sobre o texto,


que se quer reconhecido como plenamente literário, e a abertura à multiplicidade de
práticas de linguagem que excedem esse texto. Nesse território limítrofe em que vive
a obra, o escritor deve ser capaz de adquirir qualificações implícitas e explícitas para
ter o direito à palavra literária, para adquirir o estatuto de um autor legítimo. Essas
qualificações devem ser conferidas tanto ao texto quanto ao escritor, à autoridade a
ele conferida.

A autoridade literária é conferida ao escritor desde que ele possua uma deter-
minada cultura e se alinhe a um certo perfil ideológico. É a representação da institui-
ção literária relativa a uma posição social que lhe proporciona o direito de dispor de
autoridade para se tornar um autor. Sendo assim, falar a respeito do posicionamento
de um escritor é considerar a sua vocação para a enunciação literária, a qualificação
de sua produção e a sua autoridade literária. Em outras palavras, “a cultura do poeta

117
e o modo de vida que legitimam a sua enunciação poética” (MAINGUENEAU, 2006,
p. 154).

No interior do regime de produção do discurso literário, são definidos os crité-


rios acerca do que é ou do que não é uma obra literária. A gestão desses critérios
pelo escritor diz respeito ao seu posicionamento, uma forma de gestão do contexto da
obra literária. O posicionamento determina a instauração e a conservação da identi-
dade enunciativa. Importante destacar que, por se tratar, a um só tempo, da instaura-
ção, da conservação e da própria identidade enunciativa, um posicionamento não
deve ser confundido com o próprio escritor.

Como operação de gestão, o posicionamento “designa ao mesmo tempo as


operações pelas quais essa identidade enunciativa se instaura e se conserva num
campo discursivo, e essa própria identidade” (MAINGUENEAU e CHARAUDEAU,
2008, p. 392). Um posicionamento literário não é um dado estável, afinal “não há um
diploma reconhecido que confira direito à palavra” (MAINGUENEAU, 2006, p. 152). É
o posicionamento literário que define o que é um autor legítimo, as qualificações exi-
gidas para se tornar uma autoridade enunciativa.

Um posicionamento pode ser depreendido por meio dos valores defendidos di-
reta ou indiretamente por um locutor. Nos discursos constituintes – religioso, filosófico
e literário – os posicionamentos tendem a corresponder às escolas e aos movimentos
que se consideram a expressão de uma doutrina. Entretanto, esses posicionamentos
não são apenas doutrinas estéticas mais ou menos elaboradas; são indissociáveis
das modalidades de sua existência social, do estatuto de seus atores, dos lugares e
práticas que eles investem e que os investem (MAINGUENEAU, 2006, p. 151).

O posicionamento assumido por uma identidade enunciativa a inscreve em uma


doutrina estética e indica um investimento genérico, situando-a em um território no
arquivo literário. O posicionamento pelo investimento genérico, isto é, pela escolha de
um determinado gênero discursivo, marca uma filiação. Defender um posicionamento
é determinar que as obras devem investir em determinados gêneros e não em outros.
Assim, “mediante os gêneros mobilizados e excluídos, um dado posicionamento indica
qual é para o escritor o exercício legítimo da literatura em algum de seus setores”
(MAINGUENEAU, 2006, p. 168).

118
Um exemplo de posicionamento pelo investimento genérico é a imitação dos
antigos. No Classicismo do século XVI a imitação dos antigos é um dos critérios es-
senciais da legitimidade literária. Segundo Maigueneau (2006, p. 171), para ser “au-
torizado”, o escritor devia adaptar-se a duas fontes principais de legitimação: de um
lado, os doutos, com relação aos quais era preciso mostrar a conformidade aos anti-
gos; do outro, o público das “pessoas de bem”, que com frequência não era o último
a exigir o respeito aos cânones da literatura antiga.

Além da imitação dos antigos, o posicionamento pelo investimento genérico


pode se apresentar por meio do reemprego e da subversão de gêneros, operações
que promovem uma reavaliação do arquivo literário.

Os escritores estão divididos entre a necessidade de maximizar sua ruptura,


a fim de transformar o campo literário em seu próprio benefício, e a de mini-
mizá-la, para fazer que sua subversão não pareça um ato de violência pas-
sageiro, mas o retorno a uma norma que teria sido indevidamente ocultada
(MAINGUENEAU, 2006, p. 173).
O emprego de uma palavra, um vocabulário, um registro linguístico, de uma
construção, de um gênero discursivo indica como um locutor se situa em um espaço
conflituoso.

“Definir no texto uma vocação enunciativa equivale a justificar as escolhas já


feitas, mas também construir um esquema de vida que determina as escolhas
ulteriores. [...] só tem chance de ser coroada de êxito se os escritores do
grupo conseguirem impor o tipo de qualificação ao qual vinculam sua produ-
ção” (MAINGUENEAU, 2006, 154).
O posicionamento possibilita ao analista conceber a literatura pela perspectiva
bibliotecária, isto é, “em vez de colocar no centro a obra singular, passa-se a conside-
rar o conjunto da literatura” (MAINGUENEAU, 2006, p. 164). O posicionamento gere
a intertextualidade, definindo as trajetórias no intertexto, demarcadas por meio de alu-
sões a outras obras e de referências literárias consagradas retomadas. O criador de-
fine suas próprias trajetórias no intertexto, confrontando-a a posicionamentos concor-
rentes que indicam, para ele, o exercício legítimo da literatura (romper, sair, deslocar,
desviar, excluir, ignorar, reavaliar...). Ele possibilita a investigação da memória inter-
textual.

119
3.2 – Ritos discursivos

Sendo a enunciação literária uma mescla de gestos e de textos, as questões


relativas ao posicionamento levam às atividades específicas de “fabricação” das
obras. Essas atividades são os ritos discursivos. Assim como os posicionamentos es-
téticos sustentam as obras, garantindo-lhes ou negando-lhes a inserção em certa es-
cola ou época, eles também contribuem para a determinação de um modo de vida na
comunidade discursiva e, consequentemente, cooperam na dinâmica da enunciação.
Isso nos leva a concluir que a escrita literária é tanto um modo de inscrição no espaço
literário quanto um trabalho de posicionamento discursivo.

Os ritos são os comportamentos discursivos mobilizados pelos escritores e co-


locados a serviço da criação literária. Eles são os gestos conjuradores por meio dos
quais os escritores conclamam uma associação ao campo literário. Esses gestos con-
sistem especialmente em escrever como convém o posicionamento almejado no
campo literário ao qual o escritor almeja filiação. Nesse sentido, “um poeta não é um
homem que exprime sentimentos através de um poema, mas um homem para quem
‘os sentimentos a exprimir’ são indissociáveis do investimento de certos gêneros poé-
ticos” (MAINGUENEAU, 2006, p. 173-174).

Dentre os ritos discursivos mobilizados pelos escritores encontram-se os ritos


genéricos, que são atividades rotineiras por meio das quais se elabora um texto, seja
literário ou não. Entendemos que gênero discursivo não é um contexto contingente,
mas um legítimo componente da obra.

Um gênero do discurso restringe ‘acima’ seu modo de elaboração, assim


como restringe ‘abaixo’ seu modo de difusão. [...] No âmbito da literatura,
pode-se dizer que a invenção de ritos genéricos apropriados se confunde com
a definição de uma identidade num campo conflitual (MAINGUENEAU, 2006,
p. 155).
Paradoxal como processo de enlaçamento, o rito genérico é codificado quando
já não tem um verdadeiro poder criador: “O escritor original é de fato obrigado a in-
ventar ritos genéricos na medida de sua necessidade. [...] É preciso já ter encontrado
ritos genéricos pertinentes para elaborar as obras, mas é o êxito das obras realizadas
que consagra a pertinência desses ritos” (MAINGUENEAU, 2006, p. 157). Embora o
pertencimento ao dispositivo enunciativo da literatura esteja submetido às restrições

120
ligadas à teatralidade e à leitura, o rito discursivo é o único aspecto da criação que o
criador pode controlar, conforme pontua Maingueneau (2006, p. 175).

Quanto aos ritos discursivos, tendo em vista o predomínio de produções poéti-


cas na cidade, somos levados à questão: por que não tivemos romancistas em Cam-
pos no final do século XIX?

Pode ser que romancistas tenham existido, mas suas obras não perduraram na
história literária nacional ou mesmo em bibliotecas da cidade e, por isso, não se ins-
creveram na vida literária. Ao fazer um balaço sobre a produção de gêneros ficcionais
na virada do século, Paixão (1924, p. 223) fala em tentativas e assinala que “poetas
bons tivemos alguns; romancistas, ainda que medíocres, não contamos um só que
seja para apontá-lo admiração do presente”. Tal inexistência pode ser compreendida
se compararmos a publicação jornalística na caracterização do público leitor de folhe-
tins e, posteriormente, de romances em Campos e no Rio de Janeiro, a capital do
império onde nasceram ou para onde foram os principais nomes que fundaram o gê-
nero no Brasil.

As obras de José de Alencar e de Machado de Assis foram apresentadas aos


leitores por meio das páginas dos periódicos cariocas. Se considerarmos que, em
1887, o romance-folhetim publicado no principal jornal da cidade de Campos ainda
era uma tradução francesa, somos levados à hipótese de que o público leitor em Cam-
pos ainda não fora apresentado aos temas que comporiam a prosa brasileira em seus
primórdios: o regionalismo e a vida social no campo e na cidade. Aqueles leitores,
porém, não tratavam como literários tais temas. Sobre estes, Candido (2013, p. 433)
afirma que “o romance brasileiro nasceu regionalista e de costumes; ou melhor, ten-
deu desde cedo para a descrição dos tipos humanos e formas da vida social e nos
campos”.

Distante dessas temáticas, o leitor campista detinha-se ao ideal literário devo-


tado às musas etéreas do parnasianismo de José Sampaio e Teixeira de Mello ou à
prosa de costumes afrancesados, com ares parisienses, como a saga da família Lion-
net, em “A avó”. Esse ideário se materializa na caracterização dos padrões estéticos
apregoados na cidade, presentes nos anúncios publicitários de produtos da cultura
europeia, especialmente a francesa, e no noticiário local, especificamente, no contexto
de nossa análise, nos acontecimentos ao redor da Exposição do Liceu Bintencout.

121
Os tipos humanos e a vida social apresentados no folhetim de Ricoubert ope-
ravam como um embaçado espelho de uma metrópole europeia às margens do Para-
íba, por onde transitavam moças que aprendiam línguas e trabalhos manuais à espera
do matrimônio e moços que se preparavam para assumir os negócios de um pai co-
merciante ou industrial. Se a literatura não possibilitou a emergência de tipos locais
na ficção, tampouco a sociedade estaria aberta a eles. O passado indígena e a cultura
escravagista emergiam em outra prosa, na via historiográfica de desenvolvimento e
progresso produzida por Teixeira de Mello e outros, como Múcio da Paixão.

Talvez por estarem no Rio de Janeiro, epicentro político, econômico e cultural


do país, os escritores da prosa canônica do final do século XIX e início do século XX
conseguiram olhar para as margens do país por meio da idealização mítica e lendária
do indígena e da análise minuciosa das incoerências sociais no interior da própria
cidade, como revelam os romances indianistas e urbanos de José de Alencar. Se, na
visão de Coutinho (2013, p. 338), “o indianismo serviu não apenas como passado
mítico e lendário [...], mas como passado histórico, à maneira da Idade Média [...] pelo
esforço de suscitar um mundo poético digno do europeu”, a vida literária em Campos
manifestou-se na construção histórica, não de um mundo poético nos moldes do eu-
ropeu, mas na reprodução da própria Europa, àquele tempo, para justificar o seu pre-
sente industrial, urbano e cosmopolita e para projetar o seu futuro na política a partir
da proclamação da república.

Desse modo, o romance não floresceu em Campos no final do século XIX, por-
que os leitores estavam habituados à estética europeia e os autores valeram-se do
passado histórico e da sociedade local para delinear uma história contemporânea que
mirava o futuro, o progresso, não o passado mítico e lendário. O passado histórico
não foi retrospectivo, mas prospectivo.

3.3 - Comunidade Discursiva

A delimitação de uma comunidade está assentada na confluência entre um ter-


ritório e um conjunto de sujeitos que ocupam esse território e compartilham certos
traços materiais e simbólicos que garantem coesão à comunidade. Ao garantir a coe-
são entre os seus membros e demarcar um território, a comunidade institui um jogo

122
de relações opositivas entre o que é reconhecido como parte dela e o que a ela ex-
cede, o Outro que não é qualquer um. O Outro é aquele que não convém ser e que
reforça o valor daquilo que se deve ser e fazer no interior da comunidade.

O estabelecimento de critérios acerca do que a restringe e do que a excede


passa pela enunciação no interior dela e a partir dela. Como a produção, a circulação
e a atribuição de sentidos dos enunciados estão sujeitas às restrições impostas pelas
formações discursivas. A descrição de uma comunidade discursiva nos permite com-
preender o funcionamento dos sujeitos envolvidos na produção e no gerenciamento
das formações discursivas, no modo como eles as fazem viver e como eles vivem
dessas formações.

O funcionamento dos sujeitos na comunidade discursiva pode ser observado


no modo como elas regulam a divulgação e a circulação de enunciados. Há comuni-
dades que se organizam a partir de um ponto de vista ideológico e, com isso, produ-
zem textos proselitistas que disseminam valores, opiniões e crenças, como partidos
políticos e comunidades religiosas. Há comunidades que produzem textos fechados,
comunicações internas, que dizem respeito a conhecimentos acessíveis apenas a
seus pares, como a comunidade científica. Ou comunidades que podem estar exclu-
sivamente voltadas para o seu exterior, como a mídia impressa, televisiva ou digital,
que são “comunidades do espaço midiático que difundem e confrontam conhecimen-
tos, opiniões, valores, organizando um mercado de textos” (MAINGUENEAU; CHA-
RAUDEAU, 2008, p. 109).

Esses funcionamentos dos sujeitos em uma comunidade discursiva demons-


tram que não há uma distinção entre o interior e o exterior de uma formação discursiva,
porque as restrições quanto ao que pode ou não ser dito manifestam-se no interior de
uma comunidade discursiva e no modo como ela se institui em relação ao seu exterior.
Desse modo, a noção de comunidades discursivas permite caracterizar os locutores,
ao destacar os posicionamentos assumidos em certas comunidades – um jornal, um
partido político, uma escola científica etc. – nas quais há concorrência entre sujeitos
no seu interior e na relação com outras comunidades do mesmo campo.

Uma comunidade discursiva não é formada apenas pelos produtores de textos.


Os sujeitos que a compõem são aqueles que “compartilham um certo número de es-
tilos de vida, de normas etc.” (MAINGUENEAU; CHARAUDEAU, 2008, p. 108). Por
isso, essa comunidade se estende a todos aqueles que participam da elaboração ou

123
difusão de enunciados, aqueles que gerenciam o discurso, escrevendo, mas também
estabelecendo os critérios para instituir os membros que têm direito de produzir certos
gêneros de textos.

Assim, nosso interesse recai sobre os modos de vida, os ritos da comunidade


discursiva e dos sujeitos que nela disputam um mesmo território. Como “os modos de
organização dos homens e de seus discursos são indissociáveis; as doutrinas são
inseparáveis das instituições que as fazem emergir e que as mantêm” (MAINGUE-
NEAU; CHARAUDEAU, 2008, p. 108), logo, as mudanças na construção textual man-
têm vínculos com as mudanças na organização da estrutura e dos funcionamentos
dos grupos que gerem os discursos.

O surgimento de uma obra literária no interior de uma comunidade discursiva


decorre dos ritos, das normas e das relações de força que nela se estabelecem. “É
nessa zona que travam realmente as relações entre o escritor e a sociedade, o escritor
e sua obra, a obra e a sociedade” (MAINGUENEAU, 2001, p. 30).

Além disso, apesar de a literatura ser produzida em comunidades discursivas


restritas – o círculo, o grupo, o cenáculo, o bando, a academia –, os seus enunciados
não são comunicações internas dirigidas exclusivamente aos seus pares. O escritor e
toda a instituição literária vivem em uma condição paradoxal e, portanto, paratópica.
Porque “a arte não dispõe de outro lugar além desse movimento, dessa impossibili-
dade de se fechar em si mesma e deixar-se absorver por esse Outro que se deve
rejeitar, mas de quem se espera o reconhecimento” (MAINGUENEAU, 2001, p. 34).

124
CONCLUSÃO

Começamos essa história sobre a vida literária em Campos chegando à cidade


guiados pelo olhar do poeta Azevedo Cruz, que dela nos mostrou uma imagem bucó-
lica, marcada pelos elementos de sua paisagem natural, por meio de uma perspectiva
poética marcada pela estética romântica.

Por meio da análise do MC em sua face textual, compreendemos as semelhan-


ças entre a folha campista e outros jornais da época e vimos que nela a publicação
de textos literários foi menor e menos autoral que em jornais da Corte, onde a publi-
cação de narrativas ficcionais brasileiras, fundadoras da literatura nacional, já tomava
o lugar das traduções francesas nos espaços destinados aos folhetins no jornal e no
interesse do público leitor.

Em sua face discursiva, entendemos a importância do MC para a organização


da vida social da elite local e como tribuna política, especialmente para Domingos de
Alvarenga Pinto, Francisco Portella e Nilo Peçanha. Além disso, identificamos que
suas páginas serviram de fonte bibliográfica para as obras historiográficas de Teixeira
de Mello e Múcio da Paixão.

Na parte II, mostramos as representações sobre a literatura na cidade, por meio


da análise de dois textos literários presentes nas edições estudadas. Além disso, iden-
tificamos que a cidade se apresentava como um cenário favorável à emergência do
discurso literário, tendo em vista as condições materiais para a circulação da imprensa
e a venda e a disseminação de obras literárias. Às condições materiais, somam-se as
condições discursivas, dada a presença de produtores e leitores de literatura, além de
um grupo de intelectuais que se agremiavam em revistas literárias, instituições edu-
cacionais e outros espaços da vida social, como teatros e cafés.

Finalmente, na parte III, com base na análise de alguma das personagens do


folhetim A avó, no acontecimento discursivo instaurado a partir da Exposição de Belas
Artes do Liceu Bitencourt e no cosmopolitismo inspirado pela configuração discursiva
do noticiário que circulava no MC, demonstramos a vida literária na cidade, por meio
da descrição dos posicionamentos, dos ritos e da comunidade discursiva atravessada
pelos domínios do jornalismo e da literatura.

125
Com a pesquisa desenvolvida, esperamos ter aberto um campo de investiga-
ção sobre uma faceta da produção literária brasileira do século XIX que, dado o ma-
terial levantando, mas não exaustivamente trabalhado, poderá suscitar novos estudos
e desdobramentos.

Como futuros desdobramentos da pesquisa, de modo a ampliar os horizontes


no estudo da vida literária em Campos no século XIX, abrem-se os seguintes cami-
nhos:

• Explorar mais detidamente os folhetins publicados no MC, considerando


as transferências culturais Brasil-França, o processo de tradução, o con-
teúdo temático dos textos e as relações entre esses textos e o público
leitor da cidade à época;

• Aprofundar a investigação sobre trânsitos intelectuais e editoriais de im-


portantes intelectuais campistas, como Saturnino de Brito e Alberto La-
mego;

• Mapear os trânsitos intelectuais e editoriais de Múcio da Paixão, especi-


almente em função da publicação de uma de suas obras na editora de
Monteiro Lobato, em São Paulo;

• Investigar o papel do teatro na cidade, especialmente o que se registra


na obra de Múcio da Paixão sobre o tema;

• Estudar a vida dos autores apresentados em MLC, por isso elaboramos


as listas que compõem o anexo 2;

• Explorar a análise literária dos poemas presentes no MLC;

• Investigar a trajetória literária e jornalística de José do Patrocínio, dado


o alcance do seu trabalho como jornalista e abolicionista, sujeito que não
foi favorecido com os privilégios de classe, gênero e cor de outras per-
sonalidades apresentadas nesta tese;

• Investigar as relações comerciais e editoriais entre a livraria Ao livro


Verde e o mercado editorial brasileiro e internacional.

126
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131
ANEXOS

ANEXO 1

Paisagem de minha terra

Aqui, desta eminência, afoito o olhar, sem peias,


livre discorre: ao longe a floresta de alfanjes
do canavial, e em torno, o mais tudo que abranges,
– lagunas e canais, as artérias e as veias!

E o Paraíba – vede-o! Acaso ao Nilo e ao Ganges


pode ele algo invejar? E os troncos e as cadeias
(porque lembrando-o agora, alma, assim te confranges
da africana tragédia, e as fecundantes cheias?)

Ei-lo, amigo, aqui tens todo o cenário em frente:


– a orla azul do Itaoca, apenas quebra, ao poente,
A simetria deste plano horizontal!

Ei-la, a estepe infinita onde reina o campeiro


E onde, ao nascer do sol, melancólico, no aceiro,
Passa o carro a gemer sob o sol matinal.

CRUZ, Azevedo apud PAIXÃO, Múcio. Movimento literário em Campos – notícias


sobre alguns poetas e prosadores campistas. Tip. do Jornal do Commercio: Rio de
Janeiro, 1924, p. 245-246.

132
ANEXO 2

Índice de autores apresentados por Múcio da Paixão em Movimento Literário em


Campos – notícia sobre alguns poetas e prosadores campistas de 1924

Por ordem de entrada

I – Período inicial da imprensa Pedro Gonçalves, 161


Luiz Albino das Chagas, 162
Prudêncio Joaquim Bessa, 16 Evaristo Almeida, 163
Francisco José Alypio, 17 Emiliano (Leite) de Faria, 166
Francisco Portella, 18 Januário (de Amorim) Cardoso, 169
Eduardo (Manuel Francisco da) Silva, 21 Theophilo de Campos, 177
Miguel Herédia, 22 Bernardino Ferreira, 177
João Francisco Ultra, 24 Paz e Souza, 177
Domingos de Alvarenga Pinto, 27
VI – A geração contemporânea
II – Desenvolvimento de evolução poética
Pedro Tavares Junior, 187
Teixeira de Mello, 34 Tancredo (Saturnino Teixeira) de Mello, 191
José Pinto Ribeiro de Sampaio, 45 Manoel Carneiro, 193
Moreira Ribeiro (Francisco José), 51 Thomaz de Sá Freire, 199
Balthazar Dias Carneiro, 58 Jeronymo de Souza Mota, 201
(José Manuel) Costa Bastos, 58 Thomé (da Costa) Guimarães, 206
Albino de Gusmão, 60 Manuel (Pedro) Moll, 210
José Ferreira Passos, 60 Mário Fontoura, 213
(Francisco Gomes Alves) Mattos Prego, 61 Adalgisa de Tancredo Lobo, 219
Joaquim (Ribeiro da Silva) Peixoto, 62 Alcibiades Furtado, 224
Manuel Rodrigues Peixoto, 64 Nobertino Guimarães, 227
Maria José de Andrade, 72 Júlio Fileto (de Guacuahy Nogueira Porto), 227
Targino Jorge (de Macedo Jacobina), 228
III – Período romântico Pedro Jorge Nolasco Pereira da Cunha, 230
Silvestre Santos, 230
Antônio Teixeira de Sá, 83 Eugênio Bath, 231
José Frederico de Freitas Junior, 87 Abelardo de Mello, 232
Luiza Rosa de Almirante Porto, 88 Ataliba Baptista, 233
Mariana Barros, 89 Manuel (da Costa) Gomes, 234
João de Loyola Silva, 90 (João Antônio de) Azevedo Cruz, 237
Jerônimo Joaquim de Oliveira, 91 José Tancredo Pereira Lobo, 248
Theotônio (F. da Costa) Pereira, 94 Múcio da Paixão, 250
José Carlos de Vasconcelos, 94 Gregório (Pinto) Ribeiro, 256
Eleutério Lima, 96 João (Ponticiano Ferreira) Tibúrcio, 258
José Gomes Leite, 102 Egídio (Ferreira) Martins, 259
Manoel Francisco Alipio, 105 Mário (Teixeira) de Sá, 260
João Alberto dos Santos, 115 Theophilo Guimarães, 268
Rodopiano Raimundo, 116 Jorge Pinheiro, 272
Luiz Militão (Pereira de Aquino), 117 (José Rodrigues) Leite Junior, 273
Manoel da Rocha, 120 (Camões do Santos) Lima Thompson, 273
José Moreira Fraga, 123 Lindolpho de Assis, 274
Antônio Joaquim Manhães Campos, 127 Leonel de Magalhães, 274
Isidoro Paulo (Marques Monteiro), 129 Ignácio de Moura, 275
José Maciel, 135 (Carlos de) Faria Souto, 281
Cecílio Lavra, 137 Silvio (Pellico) Fontoura, 284
João Pessanha, 140 José Saturnino Brito, 289
Eloy Martins, 141 (João) Batista dos Santos, 291
João Barreto, 151 Everado Backeuser, 292

133
Franklin (Ribeiro) de Almeida, 293 José Carlos de Vasconcelos, 359
Américo Peixoto, 296 José de Azurara, 359
Álvaro Ribeiro de Barros, 299 Pedro Tavares, 359
Lurival Belesdent, 303 Azevedo Cruz, 359
Amphiloquio de Lima, 307 Joaquim de Atayde, 360
Flaminio Caldas, 312 Lacerda Sobrinho, 361
(Luiz Machado) Lycineu, 318 Mário Fontoura, 361
Waldofredo Martins, 322 Theophilo Guimarães, 363
Heitor (de Araújo) Silva, 325 Silvio Fontoura, 363
Max de Vasconcelos, 328 Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, 364
Alfredo (Gesteira) Rosa, 331 Augusto de Carvalho, 367
Isimbardo Peixoto, 338 Julio Feydit, 369
Edith Torres, 342 Alberto (Frederico de Moraes) Lamego, 371
José Joaquim da Cunha Azevedo, 374
V – A tribuna sagrada, o teatro, a ciência e a José Bernardino Baptista Pereira de Almeida,
História 377
José Fernandes da Costa Pereira Junior, 379
Pe. Manuel Jorge Pinto, 351 João Baptista Pereira, 384
Pe. João Carlos Monteiro, 352 João Baptista de Lacerda Filho, 385
Pe. João Noberto da Costa Lima, 356 José Rodrigues Peixoto, 389
Pe. Jorge Guaraciaba, 358 José (Carlos) do Patrocínio, 390
Theotonio (Fernandes da Costa) Pereira, 358 Alvaro de Lacerda, 393
Jeronymo de Oliveira, 359

Por ordem alfabética

(Camões do Santos) Lima Thompson, 273 Emiliano (Leite) de Faria, 166


(Carlos de) Faria Souto, 281 Eugênio Bath, 231
(Francisco Gomes Alves) Mattos Prego, 61 Evaristo Almeida, 163
(João Antônio de) Azevedo Cruz, 237 Everado Backeuser, 292
(João) Batista dos Santos, 291 Flaminio Caldas, 312
(José Manuel) Costa Bastos, 58 Francisco José Alypio, 17
(José Rodrigues) Leite Junior, 273 Francisco Portella, 18
(Luiz Machado) Lycineu, 318 Francisco Saturnino Rodrigues de Brito, 364
Abelardo de Mello, 232 Franklin (Ribeiro) de Almeida, 293
Adalgisa de Tancredo Lobo, 219 Gregório (Pinto) Ribeiro, 256
Alberto (Frederico de Moraes) Lamego, 371 Heitor (de Araújo) Silva, 325
Albino de Gusmão, 60 Ignácio de Moura, 275
Alcibiades Furtado, 224 Isidoro Paulo (Marques Monteiro), 129
Alfredo (Gesteira) Rosa, 331 Isimbardo Peixoto, 338
Alvaro de Lacerda, 393 Januário (de Amorim) Cardoso, 169
Álvaro Ribeiro de Barros, 299 Jerônimo Joaquim de Oliveira, 91
Américo Peixoto, 296 Jeronymo de Oliveira, 359
Amphiloquio de Lima, 307 Jeronymo de Souza Mota, 201
Antônio Joaquim Manhães Campos, 127 João (Ponticiano Ferreira) Tibúrcio, 258
Antônio Teixeira de Sá, 83 João Alberto dos Santos, 115
Ataliba Baptista, 233 João Baptista de Lacerda Filho, 385
Augusto de Carvalho, 367 João Baptista Pereira, 384
Azevedo Cruz, 359 João Barreto, 151
Balthazar Dias Carneiro, 58 João de Loyola Silva, 90
Bernardino Ferreira, 177 João Francisco Ultra, 24
Cecílio Lavra, 137 João Pessanha, 140
Domingos de Alvarenga Pinto, 27 Joaquim (Ribeiro da Silva) Peixoto, 62
Edith Torres, 342 Joaquim de Atayde, 360
Eduardo (Manuel Francisco da) Silva, 21 Jorge Pinheiro, 272
Egídio (Ferreira) Martins, 259 José (Carlos) do Patrocínio, 390
Eleutério Lima, 96 José Bernardino Baptista Pereira de Almeida,
Eloy Martins, 141 377

134
José Carlos de Vasconcelos, 94, 359 Max de Vasconcelos, 328
José de Azurara, 359 Miguel Herédia, 22
José Fernandes da Costa Pereira Junior, 379 Moreira Ribeiro (Francisco José), 51
José Ferreira Passos, 60 Múcio da Paixão, 250
José Frederico de Freitas Junior, 87 Nobertino Guimarães, 227
José Gomes Leite, 102 Paz e Souza, 177
José Joaquim da Cunha Azevedo, 374 Pe. João Carlos Monteiro, 352
José Maciel, 135 Pe. João Noberto da Costa Lima, 356
José Moreira Fraga, 123 Pe. Jorge Guaraciaba, 358
José Pinto Ribeiro de Sampaio, 45 Pe. Manuel Jorge Pinto, 351
José Rodrigues Peixoto, 389 Pedro Gonçalves, 161
José Saturnino Brito, 289 Pedro Jorge Nolasco Pereira da Cunha, 230
José Tancredo Pereira Lobo, 248 Pedro Tavares Junior, 187
Julio Feydit, 369 Pedro Tavares, 359
Júlio Fileto (de Guacuahy Nogueira Porto), 227 Prudêncio Joaquim Bessa, 16
Lacerda Sobrinho, 361 Rodopiano Raimundo, 116
Leonel de Magalhães, 274 Silvestre Santos, 230
Lindolpho de Assis, 274 Silvio (Pellico) Fontoura, 284
Luiz Albino das Chagas, 162 Silvio Fontoura, 363
Luiz Militão (Pereira de Aquino), 117 Tancredo (Saturnino Teixeira) de Mello, 191
Luiza Rosa de Almirante Porto, 88 Targino Jorge (de Macedo Jacobina), 228
Lurival Belesdent, 303 Teixeira de Mello, 34
Manoel Carneiro, 193 Theophilo de Campos, 177
Manoel da Rocha, 120 Theophilo Guimarães, 268, 363
Manoel Francisco Alipio, 105 Theotonio (Fernandes da Costa) Pereira, 94,
Manuel (da Costa) Gomes, 234 358
Manuel (Pedro) Moll, 210 Thomaz de Sá Freire, 199
Manuel Rodrigues Peixoto, 64 Thomé (da Costa) Guimarães, 206
Maria José de Andrade, 72 Waldofredo Martins, 322
Mariana Barros, 89
Mário (Teixeira) de Sá, 260
Mário Fontoura, 213, 361

Por ano de nascimento

1843 - (Francisco Gomes Alves) Mattos Prego,


61
I. 1843 - Manuel Rodrigues Peixoto, 64
1795 - Prudêncio Joaquim Bessa, 16
1802 - João Francisco Ultra, 24 III.
1808 ? - Francisco José Alypio, 17 1832 - Jerônimo Joaquim de Oliveira, 91
1823 - Miguel Herédia, 22 1839 - Antônio Teixeira de Sá, 83
1824 - Domingos de Alvarenga Pinto, 27 1840 ? - José Frederico de Freitas Junior, 87
1827 - Eduardo (Manuel Francisco da) Silva, 1840 ?- Luiza Rosa de Almirante Porto, 88
21 1840 ? - Mariana Barros, 89
1834 - Francisco Portella, 18 1840 ? - João de Loyola Silva, 90
1840 ? - Theotônio (F. da Costa) Pereira, 94
II. 1840 ? - José Carlos de Vasconcelos, 94
1815 - Moreira Ribeiro (Francisco José), 51 1846 - Eleutério Lima, 96
1815 ? - Balthazar Dias Carneiro, 58 1847 - José Gomes Leite, 102
1819 - (José Manuel) Costa Bastos, 58 1848 - Manoel Francisco Alipio, 105
1819 ? - Albino de Gusmão, 60 1848 ? - João Alberto dos Santos, 115
1819 ? - José Ferreira Passos, 60 1848 ? - Rodopiano Raimundo, 116
1824 ? - Teixeira de Mello, 34 1850 - Luiz Militão (Pereira de Aquino), 117
1824 - José Pinto Ribeiro de Sampaio, 45 1850 - Manoel da Rocha, 120
1835 - Joaquim (Ribeiro da Silva) Peixoto, 62 1852 - José Moreira Fraga, 123
1835 - Maria José de Andrade, 72 1853 - Isidoro Paulo (Marques Monteiro), 129

135
1854 - Antônio Joaquim Manhães Campos, 1875 ? - Leonel de Magalhães, 274
127 1875 - Ignácio de Moura, 275
1855 - Theophilo de Campos, 177 1875 - (Carlos de) Faria Souto, 281
1855 ? - Bernardino Ferreira, 177 1876 - Silvio (Pellico) Fontoura, 284
1855? - Paz e Souza, 177 1876 - José Saturnino Brito, 289
1858 - José Maciel, 135 1877 - (João) Batista dos Santos, 291
1859 - Cecílio Lavra, 137 1877 ? - Everado Backeuser, 292
1860 ? - João Pessanha, 140 1878 - Franklin (Ribeiro) de Almeida, 293
1861 - Eloy Martins, 141 1878 - Américo Peixoto, 296
1861 - João Barreto, 151 1879 - Álvaro Ribeiro de Barros, 299
1861 - Januário (de Amorim) Cardoso, 169 1884 - Lurival Belesdent, 303
1861 ? - Pedro Gonçalves, 161 1886 - Amphiloquio de Lima, 307
1862 - Luiz Albino das Chagas, 162 1886 - Flaminio Caldas, 312
1862 ? - Evaristo Almeida, 163 1889 - (Luiz Machado) Lycineu, 318
1863 - Emiliano (Leite) de Faria, 166 1890 - Waldofredo Martins, 322
1891 - Max de Vasconcelos, 328
IV. 1894 - Alfredo (Gesteira) Rosa, 331
1858 - Pedro Tavares Junior, 187 1896 - Isimbardo Peixoto, 338
1861 - Tancredo (Saturnino Teixeira) de Mello, 1896 ? - Edith Torres, 342
191 1916 - Heitor (de Araújo) Silva, 325
1862 - Manoel Carneiro, 193
1862 ? - Thomaz de Sá Freire, 199 V.
1862 - Nobertino Guimarães, 227 1742 - José Joaquim da Cunha Azevedo, 374
1864 - Jeronymo de Souza Mota, 201 1783 - José Bernardino Baptista Pereira de Al-
1864 - Júlio Fileto (de Guacuahy Nogueira meida, 377
Porto), 227 1799 - Pe. João Carlos Monteiro, 352
1865 - Targino Jorge (de Macedo Jacobina), 1800 ? - Pe. Manuel Jorge Pinto, 351
228 1800 ? - Jeronymo de Oliveira, 359
1865 - Pedro Jorge Nolasco Pereira da Cunha, 1800 ? - José de Azurara, 359
230 1800 ? - Pedro Tavares, 359
1865 ? - Silvestre Santos, 230 1800 ? - Azevedo Cruz, 359
1865 - Eugênio Bath, 231 1800? - Pe. Jorge Guaraciaba, 358
1866 - Abelardo de Mello, 232 1833 - José Fernandes da Costa Pereira Ju-
1867 - Thomé (da Costa) Guimarães, 206 nior, 379
1868 - Manuel (Pedro) Moll, 210 1833 - João Baptista Pereira, 384
1868 - Ataliba Baptista, 233 1837 - Pe. João Noberto da Costa Lima, 356
1869 - Mário Fontoura, 213 1840 - José Carlos de Vasconcelos, 359
1869 ? - Adalgisa de Tancredo Lobo, 219 1840? - Theotonio (Fernandes da Costa) Pe-
1869 ? - Alcibiades Furtado, 224 reira, 358
1869 - Manuel (da Costa) Gomes, 234 1844 - Augusto de Carvalho, 367
1870 - (João Antônio de) Azevedo Cruz, 237 1845 - Julio Feydit, 369
1870 - José Tancredo Pereira Lobo, 248 1846 - João Baptista de Lacerda Filho, 385
1870 (segundo reportagem da F. da Manhã) - 1849 - José Rodrigues Peixoto, 389
Múcio da Paixão, 250 1853 - José (Carlos) do Patrocínio, 390
1870 - Gregório (Pinto) Ribeiro, 256 1858 - Alvaro de Lacerda, 393
1870 ? - João (Ponticiano Ferreira) Tibúrcio, 1864 - Joaquim de Atayde, 360
258 1864 - Francisco Saturnino Rodrigues de Brito,
1871 - Egídio (Ferreira) Martins, 259 364
1871 - Mário (Teixeira) de Sá, 260 1869 - Mário Fontoura, 361
1872 - Theophilo Guimarães, 268 1870 - Alberto (Frederico de Moraes) Lamego,
1873 - Jorge Pinheiro, 272 371
1873 - (José Rodrigues) Leite Junior, 273 1870? - Silvio Fontoura, 363
1875 - (Camões do Santos) Lima Thompson, 1872 - Theophilo Guimarães, 363
273 1879 - Lacerda Sobrinho, 361
1875 ? - Lindolpho de Assis, 274

136
ANEXO 3

Fala! É de Osório Duque Estrada o seguinte soneto:

Para tornar dest’alma a noite escura


N’uma soberba e rutilante aurora
Basta somente um riso teu, senhora,
Um raio só dessa tu’alma pura!

Basta um olhar, soberba criatura!


Uma só frase esplêndida, sonora...
Uma palavra que te peço agora
Para matar a dor que me tortura...

Crava-me o teu olhar, ferindo em cheio


Meus olhos que nos teus procuram luz,
E dize então n’um doce devaneio

Enquanto para o céu chorando clamo;


Dize, querida, em êxtase banhada,
Dize somente a suspirar: “Eu te amo.”

(Monitor Campista, 30 nov. 1887, n. 276)

137
ANEXO 4

Literatura

A violeta

Canto VI

Vi-te bela e risonha nas tuas fantasias de mulher!

No meio de uma auréola de atrativos, não sei que sonhos então te faltavam
naquelas horas de luz, n’aqueles momentos de expansão.

E sempre na mesma palidez, no mesmo descuido... sublime, como nunca!

Concentrada em ti mesma a acariciar desejos, tu lias absorta os cantos que me


havias inspirado.

A princípio toda deslembrada de ti, talvez, nem soubesses que vivias, e que
gozavas!

Imersa nesse cismar inefável, que amolece e vivifica, tu sorvias uma a uma as
melodias do poeta, que sonha para cantar, que canta para fascinar, que fascina para
devanear!

Contemplei-te assim mulher, tão meiga, tão sedutora como a fonte que ena-
mora o peregrino; como o gemido que adormece aos afagos do conforto!

Admirei-te a vontade modesta violeta, através da solidão que também te admi-


rava.

Extasiei-me enleado ante a figura deslumbrada, como a própria natureza que


te cercava do indefinível.

Meu Deus, como se muda assim?

Tinhas a frescura do arroio, a placidez do lago nas noites mudas de inverno; a


candidez da flor ao esvaecer-se à tarde no crepúsculo!

Já não era a sílfide tímida e recatada, amarrotando em sua passagem as né-


voas do tempo. Não era a fada impalpável, que encanta, que desaparece, e que vinha
estremecer-me nas horas sonolentas da noite!

138
Era a mulher insinuante, ataviada de louçanias das primaveras; o anjo benfa-
zejo dos meus pensares nas amargas situações da vida; a realização bem-aventurada
do belo; era a formosa, a festejada violeta, que deixava o recôndito da folhagem que
bebia os primeiros raios do sol, que brindava seus perfumes às auras do céu!

(Monitor Campista, 12 e 13 dez. 1887, n. 286)

139
ANEXO 5

Seção Livre – Tópicos da Atualidade – Nunca é tarde para se conhecer todos os


pormenores de uma desgraça, e por isso abrimos hoje espaço à carta que nos dirige
um dos náufragos do vapor Goytacaz, fazendo a narrativa daquela tremenda catás-
trofe:

“O dia 22 de novembro de 1887 fora de sol claro e alegre. Na poética baía do


Rio de Janeiro, via-se, nesse dia, entre os navios ali ancorados, o vapor Goytacaz
prestes a partir para Macaé. Eram 4 horas da tarde. Uma pessoa que queria transpor-
tar-se a sua cidade natal, à cidade de Campos, tomara no cais Pharoux um dos esca-
leres ali estacionados. Os homens ferraram-na e deitaram-se nos remos. Correu o
bote sem incidente até deixar o passageiro no Goytacaz, que começou a mover-se,
balançando-se brandamente.

Já nessa ocasião, o escritor destas linhas estava no seu beliche na posição


horizontal, em que melhor se compraz nessas casas flutuantes. Lia as “Mentiras con-
vencionais”. Leu o capítulo inteiro que se inscreve: “Mentiras econômicas”. Pouco se
lhe gravou dessa leitura, rápida e sem maior reflexão. Parece-lhe, entretanto, que
nessa sobra viu confirmada esta verdade: as grandes felicidades e as grandes des-
graças são fatos imprevistos e fatais. Pode-se pressenti-los vagamente. Evitá-los,
não. Quem poderia suspeitar que o vapor iria soçobrar, batendo nas pedras da Ilha
dos Franceses? Ninguém! A nenhum profeta foi dado o privilégio de ler, através das
brumas do futuro, os acontecimentos que nelas se envolvem. O dia de amanhã é a
incógnita do problema da vida.

Eram onze e meia da noite. Dormiam os passageiros do vapor em plena tran-


quilidade e sem a menor preocupação de risco. De súbito, foram despertados! Oh!
Horrível despertar! O abalroamento do vapor fora enorme! Ao primeiro choque, segui-
ram-se outros, por continuar a máquina a se mover. Os passageiros, desvairados,
loucos de terror, correram de tropel ao convés. Nenhum poderia iludir sua consciência
sobre o grande perigo em que se achava. Rugiam as vagas ameaçadoras. O navio ia
ser deglutido pelo mar grande e raivoso. Foi medonho esse momento. Fitar o túmulo
que havia de recebê-los vivos foi transe doloroso, capaz de enlouquecer os míseros

140
náufragos! Gritos humanos se confundiram ao marulhar das vagas. A confusão tor-
nara-se geral. Ninguém poderia reestabelecer a ordem nesse caos senão oferecendo
de prontidão meios seguros de salvação aos que ansiavam por obtê-los.

Nada se fez mais sentido. Uns corriam para se informar do estado do vapor;
outros, para se colocarem em lugar de onde pudessem estar nos escaleres que [...];
a maior parte, sem [...], entregues à agitação que lhes ia n’alma, confiavam tudo de
[...], os mais esperavam! Averiguado o arrombamento da proa, era de supor que o
navio não tardasse a submergir. Assim não sucedeu. Decorreram [...]. Aos ouvidos
dos passageiros chegara a grata notícia de que o vapor não se desprenderia das pe-
dras em que se achava como que encravado. Isto tranquilizou-os. Renasceu a espe-
rança de salvação [...], um sentimento que não abandonou os vivos [...] mais graves
e aflitivas situações. Em breve a esperança devia ceder à realidade brutal! Começou
o navio tombar para bombordo e... em menos de dois segundos sumiu-se às profun-
dezas das águas. Era decisivo o momento. Não havia que hesitar. Ouviram nesta
ocasião gritos lancinantes de filhos que se agarravam nos pais; de irmãos que se
prendiam [...] às irmãs; de esposo que se [...] nos braços da esposa para dormirem
[...] no oceano!

Os que sobreviveram à catástrofe [...] os minutos por horas até ao alvorecer.


Parecia-lhes uma eternidade o tempo durante o qual esperaram o raiar do dia, uns
molhados e recolhidos aos escaleres, outros dependurados ao mastro de ré. En-
quanto as caldeiras conservaram com vapor, apitou-se. Os apitos de socorro repeti-
ram-se tristemente nos corações que ali palpitavam de medo e ansiedade. O engenho
humano, que tudo consegue, levantou o apito de socorro. Tem alguma coisa de lúgu-
bre. E o gemido onomatopeico de cães a uivar! O Goytacaz ululava de modo [...] sobre
o dorso do mar que bramia, quebrando-se no rochedo!

Chegara aos habitantes de Arraial do Cabo o aviso do naufrágio pelos apitos.


Vieram algumas pessoas para a montanha próxima ao lugar do sinistro. Entre essas
pessoas estava um moço de porte elegante e maneiras afáveis. Era o pintor paisagista
Parreiras que, por impulso de natural condolência, se [...] à frente da falange que,
arrastando a escuridão da noite e os espinhos nos [...], fora acender fogueiras na re-
ferida montanha. Durante toda a noite viram os náufragos sobrevivos o clarão aver-
melhado dos fogos acesos e ouviram os gritos de animação que lhes chegavam deste
lugar. Por que não desciam? Por que se limitavam a contemplar embaixo, em risco
141
iminente, os náufragos angustiados? Parecia crueldade! Mas, não! Havia impossibili-
dade absoluta de prestação de socorro por aquele lugar. Era escarpada a montanha
e a costa inçada de pedras, de encontro às [...] águas espumantes. Por ali nada se
podia tentar com esperança de bom êxito. O manto escuro da noite envolvia tudo, céu
e terra. Era igualmente impossível tentar aproximar qualquer embarcação do casco
submerso do vapor.

Em tais conjunturas, o homem que sofre, resigna-se e espera. Ao primeiro cla-


rão crepuscular da manhã, a baleeira do vapor aproximou-se do mastro e afastou-se,
recebendo apenas três passageiros. O nevoeiro denso, cerrado, impedia a continua-
ção do embarque. Forçoso foi esperar que se dissipasse. A ansiedade era enorme.
Pulsavam os corações entre o medo da morte e a esperança de salvamento. Em um
momento, o mastro podia quebrar-se ou o vapor adornar. Havia esse receio. Voltou
felizmente a baleeira. Era dia claro. Um de cada vez deixava-se escorregar e saltava
na pequena embarcação em movimento de vai e vem. Afastava-se do mastro, recon-
duziam-na junto dele. Era a vez de outro saltar, sem perda de tempo. A baleeira não
podia conservar-se no mesmo lugar. Os tripulantes estavam desprovidos de forque-
tas. Os passageiros Emile Grand Girard, cidadão francês, de pé, à proa da baleeira,
amparava nos seus possantes braços as pessoas que saltavam na pequena embar-
cação. Assim escaparam com vida as trezes pessoas que passaram a noite, em cru-
ciante posição, dependurados ao mastro.

Fizeram os botes-proa na Praia dos Anjos. Eram três os escaleres conduzindo


a gente salva em número de quarenta e cinco pessoas. Morta, quatorze pessoas. Os
vivos se assemelhavam a espectros! Rostos lívidos, barbas e cabelos em desalinho.
No meio desses homens, uma senhora, jovem, com as vestes gotejantes de água de
sal do mar. Foi geral a compaixão dos seus companheiros de infortúnio ao vê-la! Cho-
rou ao pisar na branca areia da praia. Que consolação se poderia oferecer a sua tão
legítima e profunda dor? Perdera seu pai, duas irmãs como ela, na primavera da vida,
e um irmão, na idade encantadora dos sonhos! Via-se só! Os náufragos, em silêncio,
e visivelmente condoídos, contemplaram-na. Ela passou... e foi carpir sua desgraça
sentada numa pedra!

Eis aí a história da tremenda catástrofe que enlutou a tantos corações!

(Monitor Campista, 15 dez. 1887, n. 288).

142
ANEXO 6

Primeiro capítulo do folhetim “A avó” publicado no Petit Journal de Paris-FR e


no Monitor Campista de Campos dos Goytacazes, em 1887

Le Petit Journal, 1 fev. 1887, n. 8803. Disponível em: https://gal-


lica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6092972/f1.highres. Acesso em 22 jun. 2020.

Monitor Campista, 27 nov. 1887, n. 274. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocRe-


ader/DocReader.aspx?bib=030740&PagFis=15839. Acesso em 22 jun. 2020.

143

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