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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

LARISSA DE ASSUMPÇÃO

EM MEIO A CARTAS E BIBLIOTECAS: A PRESENÇA


DE ROMANCES NO BRASIL E NA RÚSSIA NO SÉCULO
XIX

CAMPINAS,
2018
LARISSA DE ASSUMPÇÃO

EM MEIO A CARTAS E BIBLIOTECAS: A PRESENÇA DE


ROMANCES NO BRASIL E NA RÚSSIA NO SÉCULO XIX

Dissertação de mestrado apresentada ao


Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas para
obtenção do título de Mestra em Teoria e
História Literária na área de História e
Historiografia Literária.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Azevedo de Abreu

Este exemplar corresponde à versão


final da Dissertação defendida pela
aluna Larissa de Assumpção e orientada pela Profa. Dra. Márcia Azevedo
de Abreu

CAMPINAS,
2018
Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): FAPESP, 2016/06129-3; CAPES
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2449-4458

Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem
Dionary Crispim de Araújo - CRB 8/7171

Assumpção, Larissa de, 1994-


As79e AssEm meio a cartas e bibliotecas : a presença de romances no Brasil e na
Rússia no século XIX / Larissa de Assumpção. – Campinas, SP : [s.n.], 2018.

AssOrientador: Márcia Azevedo de Abreu.


AssDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Estudos da Linguagem.

Ass1. Bibliotecas. 2. Ficção romântica. 3. Cartas. 4. Brasil - História - Império -


Séc. XIX. 5. Rússia - Historia - Séc. XIX. I. Abreu, Márcia Azevedo de. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III.
Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Between letters and libraries : the presence of novels in Brazil and
Russia in the Nineteenth Century
Palavras-chave em inglês:
Libraries
Romance fiction
Letters
Brazil - History - Empire - Nineteenth century
Russia - History - Nineteenth century
Área de concentração: História e Historiografia Literária
Titulação: Mestra em Teoria e História Literária
Banca examinadora:
Márcia Azevedo de Abreu [Orientador]
Bruno Barreto Gomide
Jefferson Cano
Data de defesa: 09-11-2018
Programa de Pós-Graduação: Teoria e História Literária

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)


BANCA EXAMINADORA

Márcia Azevedo de Abreu

Bruno Barretto Gomide

Jefferson Cano

IEL/UNICAMP
2018

Ata da defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora,


consta no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na
Secretaria de Pós Graduação do IEL.
Agradecimentos

O processo de realização de um mestrado não é simples, e a minha trajetória contou


com diversas surpresas, percalços, dificuldades, mas também muitas alegrias e
realizações. Tive a sorte de contar sempre com a ajuda e o apoio de pessoas incríveis, sem
as quais esse resultado final não seria possível.
Gostaria de agradecer, em primeiro lugar, à minha mãe, Miriam, que desde cedo
me apresentou aos encantos do mundo da leitura e dos livros, e sempre incentivou meu
desejo de dedicar minha carreira ao estudo da literatura. Agradeço também ao meu pai,
Pedro, pelo apoio constante e interesse pela minha pesquisa, que me motivaram a chegar
até aqui. Sem vocês, nada disso seria possível.
Agradeço também ao restante da minha família, que me incentivou e encorajou em
todos os momentos.
Ao meu namorado, João, que acompanhou de perto todas as etapas de pesquisa,
análise de dados, apresentação em eventos e escrita da dissertação. Obrigada pelo
companheirismo, pela ajuda com problemas relacionados à tecnologia e por todo o amor
que me dá ânimo para seguir sempre em frente.
Às minhas amigas de infância, Nádia Moda, Gabrielle Laporte e Juliana Arielo.
Obrigada por fazerem parte da minha vida por tantos anos e por terem acompanhado de
perto tudo o que eu vivi nos últimos 15 anos.
Agradeço imensamente à minha orientadora, a Profa. Dra. Márcia Abreu, que há
seis anos me apresentou ao universo da História do Livro e da Leitura e guiou meus
primeiros passos no mundo acadêmico. Obrigada pelo acompanhamento constante, e por
todas as ideias, sugestões, correções e discussões sem as quais a realização desta pesquisa
não seria possível.
Ao Prof. Dr. Mário Frungillo e à Profa. Dra. Lilia Schwarcz, que participaram da
minha banca de qualificação e fizeram valiosas contribuições e comentários que
auxiliaram na finalização deste trabalho.
A todos os colegas do projeto A Circulação Transatlântica dos Impressos – a
globalização da cultura no século XIX, dentro do qual essa pesquisa se iniciou. Todas as
discussões, debates e exposições foram essenciais para o aumento do meu repertório de
leitura e decisões sobre a pesquisa. Agradeço principalmente ao William Tognolo, Beatriz
Gabrielli e Taís Franciscon, que me acompanharam em aulas, eventos e reuniões, e que
viram de perto a escrita desta dissertação e deram valiosas opiniões sobre o seu conteúdo.
Aos funcionários da Fundação Biblioteca Nacional e do Museu imperial de
Petrópolis, onde eu pesquisei os dados utilizados neste trabalho, e que me ajudaram em
tudo o que foi necessário durante a etapa de investigação.
À Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela bolsa
de mestrado (processo nº2016/06129-3) que permitiu que eu me dedicasse
exclusivamente a esta pesquisa por dois anos. Agradeço também o apoio da Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).
RESUMO

Esta dissertação tem por objetivo analisar a presença de romances na biblioteca imperial
do Brasil e da Rússia e em documentos pessoais deixados por membros da família
imperial brasileira e russa entre 1855 e 1917. Por meio dessa análise, buscou-se
compreender se as obras ficcionais, raramente associadas à nobreza pela historiografia,
faziam parte do seu cotidiano e eram lidas por membros da aristocracia, bem como quais
eram as opiniões que eles tinham sobre esses livros. Outro ponto investigado pela
pesquisa se refere à circulação de romances entre Brasil e Rússia, países distantes
geograficamente e diferentes culturalmente. Por meio da pesquisa em catálogos de
bibliotecas públicas, foram analisadas as semelhanças e diferenças entre os títulos e
autores presentes nesses dois locais. Para investigar essas questões, foram utilizados
como fonte a lista de obras ficcionais pertencentes à Coleção Teresa Cristina da Fundação
Biblioteca Nacional, os catálogos do Gabinete Português de Leitura (1906) e da
Biblioteca Pública da Rússia (1901 e 1903), documentos, cartas e diários deixados pela
família do imperador Pedro II, que atualmente fazem parte do acervo do Museu Imperial
de Petrópolis e cartas e diários da família do imperador Nicolau II, e que hoje pertencem
ao museu do Palácio Alexandre. Ao final da pesquisa, concluiu-se que tanto a nobreza do
Brasil quanto a da Rússia possuíam romances em suas bibliotecas pessoais, e que
menções a obras desse gênero eram comuns em cartas escritas por membros da família
do imperador Pedro II, do Brasil, e Nicolau II, da Rússia. As opiniões emitidas sobre
esses livros eram geralmente positivas, e sua leitura era associada a momentos de lazer e
compartilhada com familiares e amigos próximos. Além disso, foram encontradas
diversas semelhanças entre os títulos e autores mais presentes Gabinete Português de
Leitura, na biblioteca de Odessa e nas duas bibliotecas imperiais, o que é um indício de
que Brasil e Rússia faziam parte de um mesmo contexto de circulação internacional de
impressos.

Palavras-chave: Brasil, Rússia, biblioteca; romance, carta, século XIX


ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the presence of novels in the imperial library of Brazil
and Russia and in personal documents left by members of the Brazilian and Russian
imperial family between 1855 and 1917. Through this analysis, the objective was to
understand if the fictional works, rarely associated with the nobility by historiography,
were part of their daily life and were read by members of the aristocracy, as well as what
opinions they had about these books. Another point investigated by the research refers to
the circulation of novels between Brazil and Russia, countries geographically distant and
culturally different. Through the research in catalogs of public libraries, we analyzed the
similarities and differences between the titles and authors present in these two places. The
sources of this research were the list of fictional works belonging to the Teresa Cristina
Collection of the National Library Foundation, the catalogs of the Portuguese Reading
Office (1906) and the Russian Public Library (1903), documents, letters and diaries by of
the Brazilian imperial family, which are currently part of the collection of the imperial
Museum of Petropolis, and the diaries and letters of the Russian imperial family, that are
part of the Alexander Palace Museum. At the end of the research, it was concluded that
both the nobility of Brazil and Russia had novels in their personal libraries, and that
references to these books were common in letters written by members of the family of
the Emperor Pedro II of Brazil, and Nicholas II of Russia. The opinions expressed about
these books were generally positive, and their reading was associated with moments of
leisure and shared with close family and friends. In addition, several similarities were
found between the titles and authors present in the Portuguese Reading Office, the Odessa
Library and the imperial libraries which are evidence that Brazil and Russia were part of
the same context of international circulation of printed novels.

Keywords: Brazilian Imperial Family, Russian Imperial Family, library, novel, letter,
nineteenth century
Sumário

INTRODUÇÃO _____________________________________________________ 11

CAPÍTULO 1 – A EDUCAÇÃO DAS FAMÍLIAS IMPERIAIS E A PRESENÇA


DE ROMANCES NO CATÁLOGO DA BIBLIOTECA IMPERIAL DO BRASIL
E DA RÚSSIA _______________________________________________________ 26

1.1 FORMAÇÃO CULTURAL DOS LEITORES DA FAMÍLIA IMPERIAL DO BRASIL E DA


RÚSSIA ___________________________________________________________ 26
1.1.1 A Educação dos membros da elite portuguesa e brasileira ____________ 26
1.1.2 A Educação dos membros da elite russa ___________________________ 33
1.2 ROMANCES QUE PERTENCERAM À BIBLIOTECA IMPERIAL DO BRASIL__________ 37
1.2.1 Autores e obras de maior destaque na biblioteca imperial do Brasil ____ 56
1.2.2 A Presença de romances no documento Livros pertencentes à sua Majestade
a imperatriz e que se encontram em seu gabinete ________________________ 63
1.3 UMA COMPARAÇÃO ENTRE ROMANCES QUE PERTENCERAM À FAMÍLIA IMPERIAL DO
BRASIL E DA RÚSSIA _________________________________________________ 69
1.3.1 As Línguas e locais de edição de destaque_________________________ 70
1.3.2 Autores e obras nas bibliotecas __________________________________ 80

CAPÍTULO 2 – ROMANCES EM BIBLIOTECAS PÚBLICAS DO BRASIL E


DA RÚSSIA _________________________________________________________ 85

2.1 AS CIDADES DE ODESSA E DO RIO DE JANEIRO E A FORMAÇÃO DE DUAS DE SUAS


BIBLIOTECAS PÚBLICAS _______________________________________________ 86
2.2 UMA COMPARAÇÃO ENTRE OS CATÁLOGOS DA BIBLIOTECA PÚBLICA DE ODESSA E
DO REAL G ABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA ______________________________ 92
2.2.1 As Línguas e locais de edição, autores e títulos mais presentes em uma
biblioteca pública da Rússia e do Brasil no século XIX____________________ 94
2.2.2 As Semelhanças e diferenças entre os autores e títulos mais presentes nas
bibliotecas ______________________________________________________ 117

CAPÍTULO 3 – MENÇÕES A LIVROS E LEITURAS EM DOCUMENTOS


PESSOAIS DAS FAMÍLIAS DO IMPERADOR PEDRO II, DO BRASIL, E
NICOLAU II, DA RÚSSIA ___________________________________________ 127
3.1 O ESTUDO DOS DOCUMENTOS PESSOAIS DE MEMBROS DA FAMÍLIA IMPERIAL DO
BRASIL E DA RÚSSIA ________________________________________________ 127
3.1.1 As Visões sobre a prosa ficcional em cartas de membros das famílias de
Pedro II e Nicolau II ______________________________________________ 128
3.1.2 Práticas de leitura e indicação de romances entre os membros das famílias
de Pedro II e Nicolau II ___________________________________________ 136
3.1.3 Opiniões sobre determinados autores e gêneros ____________________ 147
3.2 A LEITURA COMPARTILHADA DOS ROMANCES IVANHOÉ E A MORGADINHA DOS
CANAVIAIS PELA PRINCESA ISABEL E POR PEDRO II _________________________ 152

CONSIDERAÇÕES FINAIS __________________________________________ 160

BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________ 166


11

Introdução

Dentro das pesquisas de História Cultural, diversos estudos têm sido realizados com o
objetivo de entender a circulação das ideias e dos impressos, levando em consideração, entre
outras coisas, o contexto em que eles foram produzidos e circularam. Roger Chartier, em seu
texto “História e Literatura”, explica a importância de pensar o contexto e a materialidade de
uma obra dentro desses estudos, que devem

dar (...) atenção às condições e aos processos que, muito concretamente,


sustentam as operações de construção de sentido (na relação de leitura
mas também em muitas outras) (...) [e] reconhecer, contra a antiga
história intelectual, que nem as inteligências nem as ideias são
descarnadas e (...) que as categorias dadas como invariantes, quer sejam
filosóficas ou fenomenológicas, devem ser construídas na
descontinuidade das trajetórias históricas. 1

O autor propõe, assim, uma História da Literatura que considere as formas de canonização das
obras, o contexto em que elas foram produzidas e as formas pelas quais elas foram lidas e
adquiridas inicialmente. Dessa forma, é possível ter uma compreensão mais completa do que
determinado livro representou no período em que circulou pela primeira vez e das formas pelas
quais ele foi apropriado pelos leitores da época.
Com base nessa proposta, têm sido realizados diversos estudos que envolvem a
produção, circulação e recepção de obras. Algumas dessas pesquisas foram desenvolvidas pelo
grupo do Projeto Temático A Circulação Transatlântica dos Impressos – a Globalização da
Cultura no Século XIX, dentro do qual este trabalho se inseriu. Esse projeto, que foi coordenado
pela Profa. Dra. Márcia Abreu e pelo Prof. Dr. Jean-Yves Mollier e envolveu pesquisadores de
quatro países diferentes (Brasil, Portugal, França e Inglaterra), teve por objetivo estudar os
meios pelos quais os impressos circulavam e eram apropriados no século XIX e quais eram as
práticas culturais inerentes a esses processos de circulação 2. Esses estudos foram feitos com

1 CHARTIER, Roger. História e Literatura. In: CHARTIER, Roger. À beira da falésia: A História, entre certezas
e inquietudes. Porto Alegre: UFRGS, 2002.
2 Sobre a circulação de obras ficcionais e outros materiais impressos no século XIX, ver: ABREU, Márcia (org.).
Trajetórias do Romance: Circulação, leitura e escritas nos séculos XVIII e XIX. Campinas: Mercado de Letras,
2008.
12

base em fontes primárias, tais como anúncios de jornais, críticas, leilões, documentos da
censura portuguesa, entre outros.
Uma das formas de abordar as bibliotecas nessas pesquisas é utilizar seus catálogos
como fonte primária, pois estes permitem que, por meio da quantificação dos autores e títulos
mais presentes nos acervos, bem como das línguas e locais de edição de destaque, seja possível
obter indícios sobre a produção e a troca de materiais impressos entre diversos países no século
XIX. Além disso, os catálogos podem revelar importantes informações sobre quais obras
estavam disponíveis ao público que frequentava as bibliotecas.
Dentre os pesquisadores que utilizaram esse método para compreender as bibliotecas e
o seu público estão Alexandre Paixão e Nelson Schapochnik 3. Paixão, em sua tese Elementos
constitutivos para o estudo do público literário no Rio de Janeiro e em São Paulo no Segundo
Reinado, utiliza os catálogos de 1858 e 1868 do Gabinete Português de Leitura como uma das
fontes para entender a circulação das obras de Alexandre Dumas entre uma parcela do público
leitor carioca do século XIX. Parte dos dados que o pesquisador utiliza para analisar os
catálogos foram retirados do trabalho de Schapochnik, que estudou a composição do acervo de
bibliotecas públicas e gabinetes de leitura do Rio de Janeiro no século XIX. A partir da análise
de alguns catálogos dessas bibliotecas, o pesquisador constata, entre outras coisas, que a prosa
ficcional era um dos gêneros de maior destaque nesses estabelecimentos, e verifica quais
autores e obras estavam presentes nesses acervos.
Dentre todos os estudos existentes até agora e que envolvem a história da formação de
bibliotecas ou a análise de catálogos como fontes primárias para compreender a circulação de
obras no século XIX, são poucos os que se voltam para os catálogos de bibliotecas particulares 4,
e mais raros ainda os que buscam compreender as bibliotecas pertencentes à elite da época,

3 PAIXÃO, Alexandro Henrique. Elementos constitutivos para o estudo do público literário no Rio de Janeiro e
em São Paulo no Segundo Reinado. Tese (Doutorado em Sociologia). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. SCHAPOCHNIK, Nelson. Os jardins das delícias:
Gabinetes literários, bibliotecas e figurações da leitura na corte imperial. Tese apresentada ao Departamento de
História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a obtenção de
Doutor em História. Orientador: Prof. Dr. Nicolau Sevcenko. São Paulo, 1999.
4 Ver: ANASTÁCIO, Vanda. “Bibliotecas Particulares e Problemas Concretos”. In: ANASTÁCIO, Vanda (org).
Tratar, Estudar, Disponibilizar: Um Futuro para as Bibliotecas Particulares. Lisboa: Banco Espírito Santo, 2013.
ABREU, Márcia. “Uma biblioteca particular, dois proprietários e nenhum perfil de leitor. Um estudo dos livros
de Daniel Pedro e João Guilherme Christiano Müller”. In: ANASTACIO, Vanda (org.) Tratar, estudar,
disponibilizar: um futuro para as bibliotecas particulares. Lisboa: Banco Espírito Santo, 2013, pp. 59 – 70.
BESSONE, Tania. Palácios de Destinos Cruzados: Bibliotecas, homens e livros no Rio de Janeiro: 1870-1920.
Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1999. CHARTIER, Roger. A Ordem dos livros. Brasília: Editora da
Universidade de Brasília, 1994. HUARTE MORTON, Fernando. Las bibliotecas particulares españolas de la Edad
Moderna. Revista de Archivos, Bibliotecas y Museos, t. LXI, nº 2, Julho-Dez, 1955, pp. 556-576. DADSON, Trevor,
Libros, lectores y lecturas: Estudios sobre bibliotecas particulares españolas del Siglo de Oro. Madrid: Arco
Libros, 1998.
13

como as diversas famílias reais e imperiais que viveram no período. Também existem poucas
pesquisas que se dedicaram a comparar a presença de obras de ficção em catálogos de
bibliotecas públicas e particulares, ou a analisar a menções a essas obras em documentos
pessoais deixados por leitores do período.
Foi para tentar preencher algumas dessas lacunas que o foco desta dissertação é a análise
dos catálogos de bibliotecas públicas e privadas do século XIX, bem como dos documentos
deixados por membros das famílias dos imperadores Pedro II e Nicolau II. Sendo assim, esta
dissertação tem como objetivo responder às seguintes questões, que estão distribuídas nos três
capítulos deste trabalho: 1) Os membros da realeza do Brasil e da Rússia possuíam romances
em suas bibliotecas, apesar de esse gênero ser normalmente associado a mulheres e pessoas de
estratos mais baixos da sociedade? Se sim, quais eram os autores, títulos e locais de edição mais
presentes em seus catálogos, e como eles se relacionam ao contexto maior de circulação de
impressos do século XIX? 2) Quais eram os romances mais presentes em bibliotecas públicas
do Brasil e da Rússia do mesmo período, destinadas a um número maior de leitores? Quais são
as semelhanças e diferenças entre esses catálogos e os das bibliotecas da nobreza, e o que elas
podem significar? 3) Os membros das famílias de Pedro II e Nicolau II realizavam a leitura de
romances? Se sim, quais eram os critérios utilizados por eles para julgar um romance como
sendo bom ou ruim? Quais títulos, autores e edições fizeram parte do seu repertório de leitura,
e como eles se inserem no contexto de circulação internacional de romances?
Em relação ao primeiro e segundo grupo de questões, acredita-se que o estudo de
bibliotecas particulares pode ajudar a compreender quais livros circularam entre os membros
das elites brasileira e russa, que tinham uma posição política e social elevada na sociedade da
época, formações culturais amplas e diferenciadas, acesso a diversos materiais impressos e
enorme poder de compra para realizar frequentemente a importação e aquisição de livros. O
segundo conjunto de perguntas diz respeito à comparação entre esses dados e informações
semelhantes, retiradas de catálogos de bibliotecas públicas dos dois países. Essa comparação
trará indícios sobre quais eram as semelhanças e diferenças entre os livros que circulavam entre
essa elite e as obras disponíveis em bibliotecas públicas do Rio de Janeiro e da Rússia, voltadas
para um público numericamente mais amplo e que provavelmente incluía pessoas com um
menor poder aquisitivo. Por fim, a análise do terceiro conjunto de perguntas revelará se há
evidências da realização de leituras por parte da realeza e como essa leitura era realizada.
É preciso destacar que, dentro das fontes utilizadas nessa pesquisa e que serão descritas
mais adiante, serão analisados apenas os dados relativos à presença de obras de prosa ficcional
14

(que abrangem os romances, os contos e as novelas), pois esse gênero teve grande circulação
no século XIX e atingiu grande parte do público amplo do período, que podia encontrá-lo em
jornais (por meio dos folhetins), gabinetes de leitura e bibliotecas públicas, ou comprá-lo por
meio dos diversos livreiros e leiloeiros que atuavam no Rio de Janeiro na época. O interesse
especial pela prosa ficcional também se baseou no fato de que, apesar do seu inegável sucesso
de público, esse gênero foi inicialmente muito mal recebido pelos críticos literários, pois não
fazia parte das poéticas clássicas, atingia diversos tipos de público (incluindo mulheres e
pessoas de baixa renda) e tratava de situações consideradas imorais, o que era visto como um
“perigo” imenso para os leitores5.
Após o ano de 1836, quando se dá o início do romance folhetim 6, a forma de avaliar as
obras ficcionais mudou, pois os críticos literários passaram a valorizar outros elementos nos
romances, como enredo e a originalidade da narrativa. Mas, ainda assim, esse gênero não é
muito visado nos textos críticos publicados na imprensa nem nos currículos escolares até o final
do século XIX. Segundo Valéria Augusti, o romance tornou-se parte do currículo das escolas
francesas apenas em 1923, não sendo sua leitura obrigatória nas salas de aula da França durante
todo o século XIX 7. Sendo assim, ao longo desse século, o gênero continuou sendo, muitas
vezes, associado ao público amplo e a um tipo de leitura destinada a momentos de ócio e lazer.
Esse estudo buscará verificar a validade dessas ideias, analisando bibliotecas pertencentes à
nobreza e suas práticas individuais de leitura.
Serão utilizadas as seguintes fontes primárias para compreender a presença de romances
entre a elite: o catálogo de parte da Coleção Teresa Cristina, em que podem ser encontradas
obras que pertenceram à biblioteca imperial do Brasil, a “Lista de livros pertencentes à Sua
Majestade a imperatriz e que se encontram em seu gabinete”, a lista de alguns títulos que
fizeram parte da biblioteca imperial russa e alguns trechos de documentos pessoais, como cartas
e diários, escritos e trocados entre membros das famílias do imperador Pedro II, do Brasil, e do
imperador Nicolau II, da Rússia. Para verificar as semelhanças e diferenças entre o acervo dos
nobres e aqueles destinados a públicos numericamente amplos, serão utilizados, os catálogos

5 ABREU, Márcia; VASCONCELOS, Sandra; VILLALTA, Luiz Carlos; SCHAPOCHNIK, Nelson. Caminhos
do Romance no Brasil: séculos XVIII e XIX. Disponível em:
<http://www.caminhosdoromance.iel.unicamp.br/estudos/ensaios/caminhos.pdf>. Acesso em 30 de setembro de
2018.
6 Sobre o aparecimento do romance folhetim e as mudanças que esse gênero causou na forma de se criar, avaliar
e ler as obras ficcionais, ver: MEYER, Marlyse. Folhetim: Uma História. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
7 AUGUSTI, Valéria. Trajetórias da Consagração: Discursos da critica sobre o romance no Brasil oitocentista.
Campinas: Mercado de Letras, 2010.
15

de 1906 do Real Gabinete Português de Leitura e dois catálogos da Biblioteca Pública de


Odessa, publicados em 1901 e 1903.
A biblioteca imperial do Brasil fazia parte do palácio de São Cristóvão, moradia da
família real portuguesa, que veio para o país em 1808, e das famílias de Pedro I e Pedro II.
Após a Proclamação da República, em 1889, o imperador Pedro II doou ao Brasil todos os
livros e coleções da família imperial, por meio de uma carta destinada ao seu advogado e
procurador Silva Costa, enviada em 1891 8. Após a separação dos livros, cerca de 24.270 obras
foram para a Biblioteca Nacional, onde hoje fazem parte da Coleção Teresa Cristina.
A biblioteca imperial, apesar de ser a maior biblioteca do palácio de São Cristóvão, não
era a única – na moradia da família imperial, também existiam bibliotecas menores, formadas
por membros específicos dessa família e localizadas em seus gabinetes pessoais. Esse é o caso
da coleção de livros da imperatriz Teresa Cristina, esposa de Pedro II, que foi catalogada na
lista de Livros à sua majestade a imperatriz e que se Encontram em seu gabinete9. Essa lista,
manuscrita e não datada, contém as informações principais sobre algumas obras que
pertenceram à imperatriz Teresa Cristina, consorte de Pedro II. Esse catálogo será analisado
nesta pesquisa como fonte de compreensão sobre quais livros estavam mais próximos da
imperatriz, que tinha o poder de controlar os títulos que entravam e saíam de seu gabinete
pessoal. Dessa forma, será possível encontrar as semelhanças e diferenças entre as
características gerais da biblioteca frequentada por todos que moravam em São Cristóvão e as
da coleção privada da imperatriz que, certamente, tinha seus gostos e preferências pessoais de
leitura, que provavelmente se refletiam em sua coleção pessoal de livros.
Ao analisar tanto o catálogo da biblioteca imperial quanto a lista de obras que
pertenceram à imperatriz Teresa Cristina, é necessário considerar o histórico de formação das
coleções de livros dos reis e a imagem que a biblioteca dos monarcas teve desde os tempos
antigos. Se, muitas vezes, para o público amplo do período, os livros poderiam ser vistos apenas
como objetos de leitura e entretenimento, na biblioteca dos reis estes objetos tinham muitas
vezes um significado diferente. Segundo Petrucci:

o modelo constituído pela ‘biblioteca do príncipe’, símbolo de poder e


modo de ostentação social e cultural e, ao mesmo tempo, local de estudo

8 Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Typographie, Lithographia e


Encadernação a vapor de Laemmert & C., 18.
9 O documento Lista de livros pertencentes à sua majestade a imperatriz que se encontram em seu gabinete
pertence ao acervo de Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional.
16

e erudição, caracterizou-se no contexto como a base institucional


peculiar de conservação da cultura letrada entre o século XVI e início
do XIX10.

Roger Chartier faz uma afirmação semelhante, em seu livro Histoire de l’édition française. Ao
escrever sobre a presença de obras literárias nas bibliotecas dos príncipes italianos, no século
XV, o autor afirma: “Os príncipes do norte da Itália mantinham muitos livros em torno deles
(...). Eles estão ligados a uma outra categoria de colecionadores, os grandes senhores ou pessoas
coroadas, (...) amantes de livros belos, algumas vezes muito belos para serem lidos.” 11
Essa prática de utilizar os livros como símbolo de poder e erudição, comum entre os
nobres desde a Idade Média, se estendeu à família real portuguesa. Segundo Lilia Schwarcz:

A Real Biblioteca fazia parte dos louros e da própria representação


oficial do Estado. Herdeira de muitos reinados, das vicissitudes e dos
gostos de diferentes soberanos, a “livraria régia”, como era também
conhecida, expressava o interesse dos monarcas portugueses pelo livro
ou, ao menos, pelas vantagens políticas e simbólicas que um acervo
como aquele trazia (...). O fato é que a Real Livraria personificava o
orgulho nacional diante de sua cultura, assim acumulada, e enchia os
olhos daqueles reis carentes de sinais que indicassem progresso num
Império tão visivelmente distanciado do restante da Europa 12.

É provável que essa visão sobre os livros e as bibliotecas, que predominou por tantos anos entre
os membros da família real portuguesa, tenha permanecido quando ela veio para o Brasil e
iniciou a biblioteca do Palácio de São Cristóvão. É possível, ainda, que esse pensamento tenha
sido transmitido aos seus descendentes, membros da família imperial brasileira. Por isso, muitos
podem ter sido os motivos que levaram os livros a entrarem para o acervo dessa biblioteca, não

10 PETRUCCI apud SHAPOCHNIK, Nelson. “Sobre a Leitura e Presença de Romances nas Bibliotecas e
Gabinetes de Leitura Brasileiros”. In: ABREU, Márcia (org.). Trajetórias do Romance... Op.cit.
11 CHARTIER, Roger; MARTIN, Henri Jean. Histoire de l’édition Française. Paris: Fayard, 1989. No original:
“Les princes du nord de l’Italie prêtaient beaucoup de livres autour d’eux (…). Eux-mêmes se rattachent à une
autre catégorie de collectionneurs, très grands seigneurs ou têtes couronnés (…) amateurs de beaux livres, parfois
trop beaux pour être lus.” Tradução minha.
12 SCHWARCZ, Lilia Moritz. A Longa viagem da biblioteca dos reis: Do Terremoto de Lisboa à independência
do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
17

necessariamente relacionados aos gostos e interesses de leitura de seus proprietários: muitas


das obras podem ter sido adquiridas por serem raras ou especiais; podem ter sido ofertadas por
delegações estrangeiras como parte da representação diplomática; podem ter sido doadas aos
membros da família imperial pelos próprios escritores ou editores, interessados em atrair as
benesses do imperador. Dessa forma, o acervo a ser estudado possivelmente possuía um caráter
mais político do que pessoal, representando a cultura e erudição da nobreza e não seus gostos
ou escolhas privadas.
Ainda que os livros tivessem sido obtidos em sua totalidade pelos membros da família
imperial, não seria possível inferir que, apenas por se tratar de uma biblioteca particular, seu
catálogo traria informações sobre preferências literárias. A pesquisadora Márcia Abreu mostra,
em seu artigo “Uma biblioteca particular, dois proprietários e nenhum perfil de leitor”, como
nem sempre um catálogo traz informações ou indícios sobre as leituras ou as preferências de
seus proprietários 13.
Existem alguns documentos, que serão abordados ao longo deste trabalho, que mostram
encomendas de livros feitas pelos membros da família imperial, mas que não são
comprovadamente fruto de escolhas pessoais de leitura. 14 Ainda assim, esses documentos
trazem indícios interessantes sobre os títulos e a materialidade das edições que circularam em
ambientes frequentados pela elite. Um deles, intitulado “Gastos de Sua Majestade o imperador
com livros”15, contém recibos de livrarias do Rio de Janeiro, com a lista de livros encomendada
em nome do imperador Pedro II e pagos com o orçamento do palácio. No entanto, não é possível
saber com certeza se esses livros chegaram a ser lidos pelos membros da família imperial, ou
até mesmo a qual morador do palácio eles estavam destinados. A leitura de obras ficcionais por
essa família pode ser confirmada apenas por meio do estudo de suas cartas e diários pessoais,
que podem conter menções a livros, práticas de leitura e preferências literárias e cuja utilização
nesta pesquisa será discutida mais adiante.
O outro catálogo a ser analisado nesta dissertação é o dos livros da família imperial
russa, que hoje são propriedade da Biblioteca do Congresso, dos Estados Unidos. Como já
mencionado anteriormente, esse catálogo servirá como fonte de comparação para a biblioteca
da família imperial do Brasil, com o objetivo de verificar o caráter transnacional da presença
de romances em bibliotecas no século XIX. Essa família da nobreza russa, que era composta

13 ABREU, Márcia. Uma biblioteca ... Op. cit.


14 Estesdocumentos estão conservados no Museu Imperial de Petrópolis – Coleção Grão-Pará.
15 Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Coleção Grão-Pará.
18

pelos membros da dinastia Romanov, governou o país desde o século XVI. A moradia oficial
dos seus membros desde 1754 foi o Palácio de Inverno, fundado pela imperatriz Catarina e que
permanece preservado até hoje, como um museu de arte e cultura. Era nesse palácio que se
encontrava a grande biblioteca da família imperial e também as coleções menores de obras, que
eram mantidas por seus membros em seus gabinetes pessoais de leitura, como fazia a família
imperial do Brasil. O pesquisador Igor Viktorovich Zimin, em seu artigo sobre as bibliotecas
do palácio, escreve que apenas a imperatriz Catarina II possuía mais de 40.000 livros em sua
biblioteca e seu filho, o futuro imperador Paulo I, possuía cerca de 1.150 16. Porém, em 1837, o
Palácio de Inverno pegou fogo e grande parte das coleções de livros foi perdida. Nos anos
seguintes, os imperadores, imperatrizes e seus filhos continuaram a ter suas bibliotecas
particulares que tinham seus cômodos específicos e separados dentro do palácio.
Além disso, Zimin traz indícios sobre a formação das bibliotecas: o pesquisador afirma
que os membros da família imperial possuíam bibliotecários que se encarregavam de comprar
livros para alimentar as coleções, mas que suas compras eram feitas de acordo com as
“preferências dos monarcas”. Apesar dessa prática, os membros da família imperial também
podiam adquirir seus próprios livros, encomendando-os aos livreiros e gastando, muitas vezes,
grandes quantias nessas compras17.
Após o assassinato do imperador Nicolau II e de toda a sua família, em 1917, grande
parte dos 69.000 livros que faziam parte das bibliotecas do palácio foi vendida para
colecionadores de livros da própria Rússia e de outros países e instituições públicas 18. Foi dessa
forma que, em 1930, 1.300 livros, que faziam parte dessas coleções pertencentes às famílias do
imperador Alexandre III e Nicolau II, chegaram aos Estados Unidos e hoje pertencem ao
catálogo da Biblioteca do Congresso, onde os dados para essa pesquisa foram obtidos.

16 ZIMIN, Igor Viktorovich. БИБЛИОТЕКИ ЗИМНЕГО ДВОРЦА: КНИГИ, БИБЛИОТЕКАРИ,


ИМПЕРАТОРСКИЕ СЕМЬИ (1762–1917 годы). [The Winter Palace Libraries: Books, librarians, imperial
Families (1762-1917)]. Новый исторический вестник, n. 1 (43), 2015.
17
Alguns documentos da família imperial russa mostram que, no ano de 1856, apenas a imperatriz Maria
Alexandrovna gastou 750 rublos em sua biblioteca. Ver: ZIMIN, Igor Viktorovich. Op. Cit. Segundo os
pesquisadores Tracy Dennison e Steven Nafziger, nos anos de 1840, um oficial do estado da Rússia ganhava entre
250 e 700 rublos por ano, e um trabalhador temporário de São Petersburgo ganhava 500 rubos anuais. Com base
nesses dados, é possível perceber que a imperatriz Maria Alexandrovna gastou uma quantia de dinheiro
considerável em sua biblioteca. Ver: DENNINSON, Tracy, NAFZIGER, Williams. Micro-Perspectives of 19th
century Russian Living Standards. Massachusetts: Department of Economics, Williams College, 2007.
18 TROFIMOVA, DL. СУДЬБА БИБЛИОТЕКИ ИМПЕРАТОРА НИКОЛАЯ II В XX ВЕКЕ (ПРОБЛЕМА
РЕКОНСТРУКЦИИ). [O Destino da biblioteca do imperador Nicolau II no século XX: O Problema da
reconstrução]. In: Международная научно-практическая конференция «Румянцевские чтения — 2018.
[Conferência científica e prática internacional "Leituras de Rumyantsev - 2018"], 2018, Moscou. Anais da
Conferência científica e prática internacional "Leituras de Rumyantsev – 2018”. Moscou: Russian State Library,
2018.
19

Todas essas informações mostram como a biblioteca do Palácio de Inverno foi, como a
biblioteca do palácio de São Cristóvão, alimentada por diferentes pessoas, que adquiriam seus
livros a partir de fontes diversas e não necessariamente de acordo com seus gostos pessoais de
leitura. Portanto, não é possível analisar essa pequena parcela da biblioteca e buscar por dados
significativos sobre gostos literários ou sobre a totalidade do acervo, que foi construído ao longo
de muitos anos e separado após a morte da família. Além disso, por se tratar da biblioteca de
pessoas que, como a família imperial do Brasil, pertenciam à aristocracia do período, é preciso
considerar que muito de seus livros podem ter sido adquiridos por seu valor simbólico, muito
comum nas “bibliotecas dos reis”, ou recebidos como presentes de origem diversa, não estando
no acervo exclusivamente para a realização de leituras.
Apesar dessas constatações, o estudo catálogo dos livros da família russa e brasileira
pode trazer vestígios sobre a circulação de romances entre Europa, Brasil e Rússia no século
XIX, além de permitir a identificação das semelhanças e diferenças entre alguns dos livros
disponíveis para a leitura de membros duas famílias imperiais, que viveram em partes diferentes
do mundo e em períodos muito próximos do final do século XIX.
É preciso frisar que as famílias imperiais do Brasil e da Rússia, apesar de terem seus
acervos de livros comparados nesta dissertação, divergiam bastante entre si. Ambas possuíam
diferente importância política e social no período, além de trajetórias muito distintas, desde o
período da ascensão das dinastias Bragança e Romanov até o seu declínio, ocorrido no final do
século XIX e início do XX. No entanto, nesta pesquisa, os membros dessas duas famílias estão
sendo compreendidos como parte da elite de seus respectivos países e que, por isso, possuíam
uma formação cultural distinta da dos leitores dos estratos médios e baixos da sociedade, a
quem a leitura de romances foi associada pela historiografia. O estudo das obras em seus
acervos permite, dessa maneira, verificar a existência de títulos de prosa ficcional entre a elite
de dois países geograficamente distantes em um mesmo período.
Outro ponto importante a ser destacado é que o objetivo desta pesquisa não foi, em
nenhum momento, reconstruir o acervo das bibliotecas imperiais, recuperando os títulos,
edições e autores que fizeram parte dessas coleções. O que está sendo chamado de biblioteca
imperial neste trabalho é, portanto, apenas uma pequena parcela das obras que foram adquiridas
pelas bibliotecas dos palácios e estiveram próximas aos membros da realeza do Brasil e da
Rússia. Esses dados representam uma amostra daquilo que foi o acervo de obras ficcionais
desses locais, mas foram considerados representativos o suficiente para investigar a presença
de romances entre membros da elite dos dois países estudados.
20

Para compreender melhor o catálogo de livros pertencentes a duas famílias nobres do


período e as semelhanças e diferenças que podem existir entre esses acervos e os livros
disponíveis em bibliotecas públicas, os catálogos das bibliotecas imperiais serão comparados,
como já mencionado anteriormente, ao catálogo da Biblioteca Pública de Odessa e ao do
Gabinete Português de Leitura.
A Biblioteca Pública de Odessa é um estabelecimento localizado na Ucrânia, em um
território que, no período estudado, fazia parte do império russo. Esse estabelecimento foi
fundado no ano de 1830, em um período em que a Rússia passava por um momento de
valorização da cultura e da literatura nacional, e foi formado principalmente por meio de
compras financiadas pelo governo, doações de nobres russos ou ainda por intermédio de uma
lei, que fazia com que fosse enviado para a biblioteca ao menos um exemplar de cada obra
publicada em Odessa.
O Real Gabinete Português de Leitura, por outro lado, é uma biblioteca formada em
solo brasileiro, no ano de 1847. Ele se localiza no Rio de Janeiro e, no momento de sua
fundação, tinha por objetivo principal o enaltecimento da cultura e literatura portuguesas. Ele
também poderia ser frequentado por qualquer tipo de leitor, desde que fosse paga a subscrição
anual de 12$ réis. Por não possuir o mesmo objetivo e o acesso gratuito existente na biblioteca
da Rússia, os catálogos desses dois estabelecimentos apresentam algumas diferenças, que serão
exploradas ao longo deste trabalho.
Ainda assim, a comparação entre esses acervos permitirá que se verifiquem as
semelhanças e diferenças entre as obras que circulavam entre um público numericamente amplo
do império russo e brasileiro em um mesmo período. O levantamento desses dados é importante
pois traz indícios sobre a difusão internacional dos romances e permite identificar se há pontos
de contato entre os livros disponíveis para os nobres e para as pessoas comuns desses dois
países. Sabe-se que, para um entendimento maior das obras que faziam parte do acervo de
estabelecimentos públicos de grande alcance e com o mesmo objetivo, seria mais vantajoso
utilizar os catálogos da Biblioteca Pública de São Petersburgo e da Fundação Biblioteca
Nacional, do Rio de Janeiro, que possuíam a mesma finalidade, sendo ambas as bibliotecas
nacionais de seus respectivos países e abertas ao público sem a necessidade de subscrição. No
entanto, a dificuldade em encontrar catálogos de um mesmo período desses dois locais fez com
que se optasse pela análise dos acervos acima mencionados. Apesar das diferenças no modo de
funcionamento, no público alvo e nos objetivos, esses dois estabelecimentos oferecem uma
interessante base para a análise de quais obras ficcionais estavam em circulação em dois centros
21

urbanos do Brasil e da Rússia no período, podendo ser lidas pelas pessoas alfabetizadas dos
dois países. Além disso, a comparação entre os autores, línguas, locais de edição e títulos
presentes nestes catálogos e informações semelhantes retiradas das bibliotecas da família
imperial brasileira e da família do imperador Nicolau II permitirão que se verifique se existiam
divergências significativas entre os romances que circulavam entre estratos diferentes das
sociedades brasileira e russa.
Os catálogos de bibliotecas públicas, assim como as outras fontes que serão analisadas
nesta dissertação, apresentam alguns limites que devem ser considerados. Não é possível
afirmar, por exemplo, que seus livros representam o gosto do público amplo carioca e russo do
período: afinal, seus acervos não eram formados diretamente pelos leitores, e sim pelos
diretores dos estabelecimentos, bibliotecários e por meio de doações. Além disso, não é possível
identificar com certeza qual seria o público leitor que frequentava essas bibliotecas: sabe-se que
ele era formado por pessoas alfabetizadas, de diferentes estratos sociais. Ainda assim, a
comparação entre os catálogos da biblioteca de Odessa, do Gabinete Português e dos livros das
famílias imperiais permitirá a análise das semelhanças e diferenças entre o que compunha a
biblioteca da elite e os livros pertencentes a bibliotecas mais amplas e frequentadas por um
público muito maior e com formações culturais diferentes da nobreza.
Todas as comparações realizadas entre os catálogos da biblioteca imperial do Brasil e
da Rússia e os do Gabinete Português de Leitura e da biblioteca de Odessa foram auxiliadas
pela ferramenta CITRIM, um banco de dados online utilizado pelos pesquisadores do Projeto
Temático de cooperação internacional A Circulação Transatlântica dos Impressos – A
Globalização da Cultura no Século XIX, do qual esta pesquisa fez parte. Essa ferramenta
colaborativa possibilita que os pesquisadores cadastrem os dados referentes aos romances
encontrados em suas pesquisas (como o título, ano, autor e informações sobre suas diferentes
edições e traduções) e os relacionem aos indícios de circulação estudados por eles (como
catálogos de bibliotecas e de livreiros, inventários, leilões, críticas, anúncios em periódicos,
entre outros). Dessa forma, esse banco de dados permite que os dados recolhidos pelos
membros do Projeto Temático possam ser armazenados em um só lugar, e que todas as
informações sobre a circulação dos impressos do século XIX seja compartilhada entre todos.
Além disso, o CITRIM possui uma ferramenta de “Busca Avançada”, por meio da qual
é possível realizar diversas combinações entre todas as informações contidas no banco de
dados. Selecionando os campos relativos ao ano de publicação, autor e catálogos de biblioteca,
por exemplo, é possível descobrir quantos romances de Alexandre Dumas publicados até 1850
22

estão presentes na biblioteca imperial e comparar esse resultado com o de outras bibliotecas,
catálogos de livreiros ou anúncios do mesmo período. Essa ferramenta, apesar de, como todos
os bancos de dados, conter apenas uma parcela dos indícios da circulação de romances no século
XIX, representa uma maneira mais segura e prática de quantificar e analisar os dados e, por
isso, foi utilizada nesta pesquisa para a verificação dos números de publicações, autores, línguas
e locais de edição presentes nos acervos de bibliotecas estudadas e para a realização da
comparação entre os catálogos da biblioteca imperial do Brasil e da Rússia e das bibliotecas
localizadas no Rio de Janeiro e em Odessa.
Todas essas comparações e análises relativas aos catálogos das bibliotecas imperiais
permitirão identificar quais eram as características gerais de seus acervos e qual o espaço
ocupado por romances. Porém, restava saber se as obras ficcionais presentes nessas coleções
particulares foram lidas pelos membros da elite brasileira e russa. Por isso, com o objetivo de
compreender a leitura de romances por essas pessoas, serão analisados, neste trabalho, alguns
trechos dos diários e cartas da família imperial brasileira, que fazem parte do acervo do Museu
Imperial de Petrópolis, e de documentos semelhantes da família imperial russa,
disponibilizados no site do Palácio Alexandre.
O estudo de cartas e documentos pessoais de leitores 19 do século XIX pode trazer
informações sobre suas práticas de leitura, além de auxiliar na compreensão do contexto em
que determinada obra circulou e das suas formas de recepção pelo público leitor de diferentes
países. Em seu artigo “Do Livro à Leitura”, Roger Chartier escreve sobre a importância de se
criar uma história do Ler, que mostrará como “as significações dos textos, quaisquer que sejam,
são constituídas, diferencialmente, pelas leituras que se apoderam deles” 20. O autor também
ressalta a importância de “dar à leitura o estatuto de uma prática criadora, inventiva,

19 A importância do estudo de documentos de leitores pode ser observada em alguns trabalhos, como é o caso da
pesquisa de Robert Darnton sobre Jean Ranson, um leitor do século XIX que deixou cartas nas quais ele cita as
obras que estava lendo. Estas cartas nos permitem entrar em contato com a visão que um leitor comum tinha das
obras que circulavam em sua época, da maneira como ele lia, e a maneira com que trabalhava o conteúdo das
obras. Esse estudo permitiu que o autor atestasse “a apropriação do rousseauismo pelo público provinciano às
vésperas da Revolução”. DARNTON, Robert. “A leitura rousseauista e um leitor ‘comum’ do século XVIII”. In:
CHARTIER, Roger et al. Práticas da Leitura. 2. ed. São Paulo: Estação da Liberdade, 2001. p. 143-176. Sobre os
estudos de leituras e leitores, ver também: CHARTIER, Roger et al. Práticas da Leitura. Op. cit. BURGOS,
Martine; EVANS, Christophe; BUCH, Esteban. Sociabilités du livre et communautés de lecteurs. Paris: BPI-
Beaubourg, 1996. CHARTIER, Roger. Histoire de la lecture dans le monde occidental. - Paris: Seuil, 1997.
LÉVEILLÉ, Laure. De la Lecture populaire à la lecture publique. Eléments du débat politique et du discours
officiel sur les bibliothèques, 1878-1898. Paris: Université de Paris, 1988. LYON-CAEN, Judith. La lecture et la
vie. Les usages du roman au temps de Balzac. Paris: Tallandier, 2006. LYONS, Martyn. Le triomphe du livre:
Une Histoire sociologique de la lecture dans la France du XIXè siècle. Paris: Promodis, 1987.
20 CHARTIER, Roger. “Do livro à leitura”. In: CHARTIER, Roger (org). Práticas da leitura... Op. cit. p. 78.
23

produtora”21 e de “pensar que os atos da leitura que dão aos textos significações plurais e móveis
situam-se no encontro de maneiras de ler, coletivas ou individuais, herdadas ou inovadoras,
íntimas ou públicas e de protocolos de leitura depositados no objeto lido” 22.
Esse encontro de maneiras de ler, tanto coletivas quanto individuais, bem como a
herança de práticas, repertórios e protocolos de leitura podem ser observados nas cartas e diários
das famílias dos imperadores Pedro II e Nicolau II, escritos entre meados e final do século XIX.
Nessas cartas, os membros das famílias escrevem sobre a forma como realizam as leituras (em
voz alta ou em silêncio, sozinhos ou em grupo, em ambientes sociais ou privados, em algumas
horas ou ao longo de meses, etc.), sobre a indicação e a troca de livros, e ainda sobre seus gostos
pessoais de leitura, suas opiniões sobre personagens, enredos, gêneros e autores e suas
interpretações dos romances.
As informações retiradas dos documentos das famílias imperiais podem trazer indícios
sobre como determinado romance ou autor foi recebido no Brasil e na Rússia em períodos muito
próximos e por pessoas de formação cultural ampla e de diferentes nacionalidades. Devido ao
fato de as cartas estudadas nesta pesquisa serem documentos pessoais, íntimos e de pouca
circulação (que visavam apenas ao interlocutor da carta, que era sempre uma pessoa do círculo
familiar mais próximo), supõe-se que, neles, os autores retratem sua privacidade e seu
cotidiano. É necessário, porém, considerar que o destinatário das cartas afeta o que nelas se diz,
o que pode fazer com que as missivas das princesas para seus pais (que eram em grande parte
responsáveis pela sua educação e disciplina) contivessem conteúdos e informações diferentes
dos que elas compartilhariam com suas mães ou irmãs e não correspondessem exatamente a
suas reais práticas de leitura (que poderiam incluir, por exemplo, a leitura de livros mal vistos
na época e que, provavelmente, não seria compartilhada com o pai ou o restante da família).
Além disso, é preciso levar em consideração que nem todos os documentos enviados pelos
membros dessas famílias foram conservados e doados ao Museu Imperial de Petrópolis e que,
portanto, não é possível ter uma visão completa sobre as trocas de experiências de leitura e
opiniões sobre livros que foram transmitidas por meio desse suporte, dentro do período
estudado.
É preciso considerar, também, os limites existentes na análise dos diários da imperatriz
Teresa Cristina e dos imperadores Nicolau II e Pedro II. É muito provável que, por se tratarem
de pessoas públicas, eles imaginassem que seus documentos pessoais um dia pudessem ser lidos

21 Idem. Op. Cit.


22 Idem. Op. Cit.
24

além do contexto familiar e que, por isso, controlassem as informações e opiniões que
revelavam por meio deles. Portanto, os imperadores e a imperatriz provavelmente pensavam
cuidadosamente sobre tudo o que escreviam nestes documentos, ocultando aquilo que
acreditavam que pudesse manchar sua imagem pública. Dessa forma, as práticas de leitura e
menções a romances contidas nos diários não têm, necessariamente, uma correspondência real
com a vida dessas pessoas: certamente, muitas das leituras consideradas de pouco valor não
foram descritas e muitas das leituras de textos socialmente valorizados podem ter sido
acrescentadas sem que tivessem realmente sido realizadas.
Todas essas informações serão levadas em consideração adiante, quando forem
estudados os documentos pessoais desses membros da família imperial do Brasil e as suas
cartas, enviadas entre 1860 e 1889. Nestes documentos, serão analisadas as menções a livros e
leituras, a maneira como essas práticas se davam e as opiniões referentes a determinados
romances e romancistas, que serão comparadas com outros estudos sobre a circulação de obras
no século XIX. Uma análise mais aprofundada será realizada em relação aos relatos de leitura
de duas obras: Ivanhoé, de Walter Scott e A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis, cujas
leituras em conjunto, acompanhadas por troca de cartas, suscitaram diversas discussões
literárias entre o imperador Pedro II e sua filha, a princesa Isabel. Os dados contidos nessas
cartas permitirão acompanhar as opiniões pessoais de uma parcela da elite brasileira sobre
alguns dos romances que circularam no século XIX, tornando possível perceber qual o ritmo
de leitura, as preferências literárias e os critérios utilizados para a avaliação de romances por
membros da família imperial.
Esses mesmos elementos serão buscados e analisados nas cartas enviadas pelo
imperador Nicolau II, pela imperatriz Alexandra e pelas duquesas Olga, Tatiana, Maria e
Anastácia entre 1895 e 1917, período posterior ao dos documentos dos membros da família
imperial do Brasil. Com base na análise da correspondência das duas famílias, as suas práticas
de leituras, troca de romances, indicações e opiniões sobre as obras serão comparadas, e suas
semelhanças e diferenças serão utilizadas como forma de análise para verificar se, por viverem
em países distantes e com culturas diferentes, a forma de ler romances desses membros da
nobreza também sofria alterações.
Todas as análises contidas nesta dissertação estarão distribuídas em três capítulos. No
primeiro, serão analisados a formação cultural de alguns membros da família imperial brasileira
e russa, os catálogos de livros presentes em uma parcela da biblioteca imperial do Brasil, a Lista
de Livros da Imperatriz Teresa Cristina e alguns dados sobre a biblioteca imperial da Rússia. O
25

centro dessa análise será a quantidade de obras, a atualidade dos livros presentes nas bibliotecas,
os autores e títulos em destaque e os locais e línguas de edição dos romances. Esses dados serão
comparados entre si, verificando-se as semelhanças e diferenças entre os catálogos de duas
bibliotecas pertencentes à nobreza do século XIX.
No segundo capítulo, será realizada a comparação dos catálogos de 1901 e 1903 da
Biblioteca Pública de Odessa e do catálogo de 1906 do Real Gabinete Português de Leitura.
Dessa forma, pretende-se identificar quais eram as semelhanças e diferenças entre os romances
presentes no acervo de bibliotecas públicas e também entre os livros das elites do Brasil e da
Rússia do século XIX. Esses dados trarão informações sobre a circulação de romances no
período e permitirão a comparação entre os autores, títulos, línguas e locais de edição que se
destacavam em cada um dos estabelecimentos.
Por fim, no último capítulo, serão analisados os trechos dos diários e cartas das famílias
imperiais, que relatam práticas de leitura e opiniões sobre romances. A partir dessa análise,
serão buscados indícios sobre preferências de leitura e serão realizadas comparações entre o
que era lido por cada uma das famílias, com o objetivo de identificar como se dava esse contato
de membros da elite com os romances.
26

Capítulo 1 – A Educação das famílias imperiais e a presença de


romances no catálogo da Biblioteca imperial do Brasil e da Rússia

1.1 Formação cultural dos leitores da família imperial do Brasil e da Rússia

Para compreender melhor como eram os hábitos de leitura dos membros das famílias
imperiais e a composição de sua biblioteca pessoal, é preciso entender como se deu a formação
cultural e escolar desses leitores. Afinal, sua maneira de ler, os conteúdos que foram priorizados
pelos seus tutores e as disciplinas que eles estudaram podem ter tido forte influência em suas
práticas de leitura individuais ou em grupo, ou até em muitas de suas escolhas literárias.

1.1.1 A Educação dos membros da elite portuguesa e brasileira

A biblioteca imperial do palácio de São Cristóvão provavelmente começou a ser formada


a partir do ano de 1808, quando a família real de Portugal se mudou para o Rio de Janeiro.
Alguns dos habitantes do palácio, como Pedro I, Pedro II e suas respectivas esposas e filhos
foram educados ao longo de todo o século XIX, período que será estudado nesta pesquisa.
Os herdeiros do trono de Portugal, pertencentes à dinastia dos Bragança, recebiam desde
pequenos uma educação especial, como quase todos os príncipes e princesas das monarquias
europeias do período. Dessa forma, Pedro de Alcântara de Bragança e Bourbon, filho do rei
Dom João VI e primeiro imperador do Brasil, iniciou seus estudos com apenas 6 anos, quando
ainda morava no palácio de Queluz, em Portugal. Segundo o historiador e biógrafo Paulo
Rezzutti, os primeiros tutores de Pedro foram o matemático e astrônomo José Monteiro da
Rocha e o frei Antônio de Nossa Senhora da Salete, que dava aulas de latim e literatura. 23
A ação desses tutores não era completamente independente. Ainda segundo Rezzutti, a
educação dos herdeiros do trono de Portugal era pautada por duas obras de pedagogia: os
Apontamentos para a Educação de um Menino Nobre (1734), de Martinho de Mendonça Pina
e de Proença, e o Breve Desenho da Educação de um Menino Nobre (1781), de José Caetano
Brandão24. Essas obras têm por objetivo guiar a educação dos jovens príncipes, e seu conteúdo
explica detalhadamente como deve ser a educação desses pequenos nobres: as informações

23 REZZUTTI, Paulo. D. Pedro: A História não contada. São Paulo: Leya, 2015.
24 REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: A História não contada. São Paulo: Leya, 2017.
27

contidas nelas vão desde a alimentação das crianças e os exercícios que devem praticar até o
modo como devem ser ensinadas e as disciplinas essenciais, que incluem a Gramática Latina,
a Geografia, a História e a Matemática.
No que se refere às obras de ficção, mais especificamente às “novelas amatórias”, estas
deveriam, segundo a obra Apontamentos para a Educação de um Menino Nobre, ser
completamente vedadas aos príncipes, pois poderiam corromper os costumes. Nas palavras de
seu autor:

He sem controvérsia que as Poesias, e Novellas amatórias se hão de


occultar totalmente aos meninos, como summamente prejuduciaes, e
que por nenhum pretexto se deve permittir semelhante lição,
abominando a pureza da latinidade, que pode inficionar os costumes; e
nesta matéria recomendamos a mayor severidade, e o mais exquisito
melindre; porque nella se deve aos meninos mais delicado respeito, que
a nenhuma dama.25

Pedro I foi, portanto, ensinado segundo esses materiais do século XVIII, que priorizavam os
bons costumes e eram contra a leitura de romances pelos príncipes. Esse livro colabora com a
visão que não associa os nobres à leitura de obras ficcionais, ligadas de alguma forma ao
prejuízo do leitor. Essa visão do autor, apesar de não necessariamente ter ligação direta com as
opiniões pessoais de Pedro I sobre obras ficcionais, pode ter influenciado sua visão sobre o
gênero.
A educação da princesa Leopoldina Habsburgo, futura imperatriz do Brasil, também era
pautada por um livro próprio. Segundo Rezzutti, as linhas de educação dos príncipes da dinastia
Habsburgo foram reformadas por Leopoldo II, filho da imperatriz Maria Teresa e avô de
Leopoldina26. Segundo as normas instituídas por ele, as crianças nobres deveriam ser criadas
para a tarefa de governar. Os herdeiros também recebiam uma educação ampla: Leopoldina,
desde cedo, passou a estudar leitura, escrita, alemão, francês, italiano, dança, desenho, pintura,
história, geografia e música; em módulo avançado, matemática (aritmética e geometria),
literatura, física, latim, canto e trabalhos manuais. Além disso, as crianças encenavam em

25 PROENÇA, Martilho de Mendonça de Pina. Apontamentos para a educação de hum menino nobre. Lisboa:
Oficina de Joseph Antonio da Sylva, 1734. Disponível em: http://purl.pt/129. Acesso em: 01 out. 2018.
Em todas as citações existentes neste trabalho, foi mantida a ortografia original.
26 REZZUTTI, Paulo. D. Leopoldina: A História não contada. Op. cit.
28

récitas teatrais, óperas e balés, com o objetivo de perder a timidez e treinar para falar em
público27.
No que se refere aos estudos de literatura, Leopoldina leu, em suas aulas, segundo o
biógrafo Karl Oberacker, livros de diversos gêneros e épocas, como as obras de Cornelius
Nepos, Titus Livius, Herder, Müller, Cervantes e Camões 28. É difícil saber a opinião que a
princesa tinha sobre as obras ficcionais. Sabe-se que, ao longo da vida, ela teve contato com
alguns escritores como Goethe, de quem era amiga próxima e com quem se reuniu algumas
vezes para a leitura de poesias e peças de teatro29.
Além disso, em 1817, logo antes de partir para o Brasil, Leopoldina escreveu, em francês,
suas “Resoluções”. Esse documento continha algumas metas que a imperatriz queria manter
durante seus dias, como ter uma hora regrada para se deitar e se levantar 30, fazer leituras
espirituais pela manhã31 e fazer atos de esperança e caridade 32. Uma de suas resoluções diz
respeito às leituras que ela não deve fazer: “Eu evitarei todas as leituras que são contrárias à
nossa santa Religião, que ofendem a delicadeza de consciência e que excitam a sensualidade
ou qualquer paixão”33. As palavras escolhidas pela princesa para falar desse tipo de leitura
lembram o livro utilizado na educação de Pedro I, que aborda também o efeito que essas obras
teriam sobre os leitores.
Dessa forma, é possível perceber que, apesar de terem sido educados em lugares
diferentes, Pedro I e a imperatriz Leopoldina tiveram formações parecidas, em que estudaram
disciplinas de todas as áreas do conhecimento e aprenderam a se manter longe de “leituras
perigosas”. Sabe-se, porém, que existe uma distância entre o que é aprendido e o que se pratica:
terem escutado de seus mestres que determinado tipo de leitura não era indicada certamente
não impediria o casal de adquirir esses livros, que poderiam ser obtidos a partir de diversas
fontes. Ainda assim, esses dados trazem indícios sobre o que os príncipes e princesas de

27 KANN, Bettina. “Apontamentos sobre a infância e a juventude de Leopoldina”. In: KANN, Betina & LIMA,
Patrícia Souza (org.). D. Leopoldina: Cartas de Uma imperatriz. São Paulo: Estação Liberdade, 2006.
28 OBERACKER, Karl. A Imperatriz Leopoldina, sua vida e sua época: Ensaio de uma biografia. Rio de Janeiro:
Conselho Federal de Cultural, 1973.
29 Idem,
30 “Mes Résolutions”. In: OBERACKER, Karl. Op. cit. No original: “Je tâcherai d’avoir toujours une heure reglée,
pour me lever, et pour me coucher (…).” Tradução minha.
31 Idem. No original: “Je ferai tous les matins une meditation sur une lecture spirituelle.” Tradução minha.
32 Idem. No original: “Je produirai souvent des actes de foi d’espérance et de charité”. Tradução minha,
33 Idem. No original: “J’eviterai toutes les lectures, qui sont contraires à notre sainte Religion, que blessent la
délicatesse de conscience, et qui excitent la sensualité ou une passion quelconque.” Tradução minha.
29

diferentes lugares da Europa aprendiam e escutavam sobre a leitura de obras ficcionais em suas
aulas e tornam mais fácil entender porque esse tipo de obra geralmente não é associada à elite.
Pedro de Bragança, filho desse casal e futuro imperador do Brasil, também teve uma
educação pouco associada à leitura de ficção. Pedro II foi nomeado imperador do Brasil depois
da abdicação de seu pai, em 1831, quando tinha apenas 5 anos. Desde então, ele recebeu uma
educação que abrangia todas as áreas do conhecimento: essa formação pode ter influenciado o
gosto que ele ganhou pelos estudos e pela imagem de imperador inteligente, estudioso e culto,
que prevalece em grande parte das biografias e outros trabalhos sobre esse personagem
histórico.
Sua educação moral, após a morte da mãe, em 1826, ficou a cargo de dona Mariana de
Verna Magalhães Coutinho, a condessa de Belmonte que, segundo a pesquisadora Marli
Quintanilha, o educou com base recomendações de Dialogues sur l’Éloquence, de Fénelon.
Essa obra, que dizia que os filhos deviam ser educados segundo o Catéchisme Historique, fez
com que a Condessa elaborasse o Pequeno Catecismo Histórico, formado por 61 lições que
resumiam os fundamentos da fé católica 34. Dessa forma, o futuro imperador teve uma educação
moral rígida e baseada na fé católica, como era comum aos monarcas de seu tempo.
No que se refere ao estudo de outras disciplinas, Pedro II teve dois tutores principais: José
Bonifácio, escolhido por Pedro I, em 1831, mas afastado do cargo após dois anos, devido a
acusações de que estava conspirando contra a Coroa; e o Marquês de Itanhaém, que se tornou
então responsável pela educação desse soberano. Segundo Quintanilha, o imperador recebeu
uma instrução enciclopédica, que normalmente era aplicada aos príncipes e, “assim, adquiriu
noções de tudo: do conhecimento científico à equitação, música, dança, pintura e jogo. A
educação literária foi também ininterrupta. Estudou, com afinco, as línguas vivas e mortas,
falava inglês, francês, alemão, espanhol, italiano e provençal.” 35
O marquês de Belmonte chegou a elaborar um texto com as 14 instruções para serem
observadas pelos mestres do imperador na educação literária e moral de dom Pedro. Segundo
Mozart Monteiro, essas instruções mostram como o marquês desejava que o monarca se
tornasse um bom dirigente do seu povo e um homem culto, “não possuindo a cultural falsa dos
conhecimentos inúteis, mas sim a cultura sólida dos conhecimentos exactos”36. Nota-se assim,

34 QUINTANILHA, Marli Maria Silva. A Educação e a ação político-educativa do imperador do Brasil, Pedro
II. Dissertação (Mestrado em Educação) – Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade Estadual de
Maringá, Maringá, 2006.
35 Idem, p. 11.
36 MONTEIRO, Mozart. A Infância do imperador. Revista do Instituto Histórico e Geographico Brasileiro, Rio
de Janeiro: Imprensa Nacional, t. 98, v. 152, p. 32-44, 1927.
30

que o mesmo discurso presente na educação de Pedro I e da imperatriz Leopoldina, que separa
os conhecimentos úteis e desejados dos inúteis e que devem ser evitados (principalmente para
aqueles que são nobres e herdeiros do trono) se repete na educação de seu filho.
No que se refere às práticas de leitura do imperador, Monteiro afirma que esta estava
presente na rotina do monarca que, desde pequeno, deveria “ler livros e coisas compatíveis com
a sua idade e o seu desenvolvimento intelectual, tendendo essa leitura, progressivamente, para
assuntos cada vez mais profundos”. 37 Além disso, o autor afirma que frei Pedro, um dos
professores de Pedro II, “também devia escolher uma hora do dia para, durante ella, lêr ao
imperador assumptos interessantes de historia e de literatura, fazendo ainda que sua majestade
lêsse em voz alta para adquirir o gosto pela bôa leitura.” 38
O hábito de ler em voz alta, que era um costume comum no período, acompanhou o
imperador ao longo da sua vida, conforme se pode perceber pelas suas cartas, que serão
analisadas mais adiante. Era comum que o monarca lesse diversos tipos de livros, incluindo os
romances, para a sua esposa, a imperatriz Teresa Cristina, suas filhas e, posteriormente, seus
netos. Dessa forma, a prática de leitura era algo compartilhado por este grupo, bem como suas
possíveis opiniões sobre as obras que estavam lendo.
Sobre a educação da consorte do imperador Pedro II, pouco se sabe. Essa imperatriz
nasceu em Nápoles, em 1822, e era filha do futuro rei Francisco I com Maria Isabel de Bourbon
e Espanha, irmã de Carlota Joaquina. Por ter sido em grande parte esquecida pela historiografia
da Itália e do Brasil, restam poucas informações sobre a infância e juventude que essa princesa
teve na Itália. Porém, os poucos textos e biografias (geralmente sobre o imperador) que tratam
sobre ela, deixam saber que teve uma educação que incluiu o aprendizado de disciplinas como
francês, literatura, canto e religião. Grande parte de sua instrução deve ao seu preceptor, o
Monsenhor Olivieri, de quem recebeu, segundo Aniello Avella, “uma severa educação
religiosa, mas, ao mesmo tempo, o gosto pelas belezas artísticas” 39.
Sabe-se também que a imperatriz nutria um grande amor pela arqueologia, tendo
inclusive pedido ao seu irmão, o rei Ferdinando II, para que enviasse ao Brasil peças

37
Idem.
38 Idem.
39AVELLA, Aniello Angelo Avella. Tereza Cristina de Bourbon: Uma Imperatriz silenciasa. In: XX Encontro
Regional de História: História e liberdade, 2010, Franca. Anais do XX Encontro Regional de História: História e
liberdade. Franca: Unesp, 2010.
31

arqueológicas de Pompeia e Herculano, que passaram a fazer parte do Museu Nacional 40. Além
disso, ela foi a responsável pela vinda de vários músicos, professores, botânicos e artistas para
o país. Pelas suas cartas, trocadas com o seu esposo e com a filha, a princesa Isabel, é possível
perceber que ela esteve sempre envolvida com os assuntos referentes à política do país e com
acontecimentos da vida pessoal de sua família. Ela também descreve constantemente, em seus
diários pessoais, suas atividades de leitura, que incluíam livros de diversos gêneros literários e
eram realizadas individualmente ou em companhia do marido.
Outro traço marcante na personalidade da imperatriz, segundo Avella, era sua exigência
na educação das filhas41, preocupação que compartilhava com o imperador. A princesa Isabel,
filha dessa imperatriz com Pedro II, nasceu em 1846 e, desde cedo, recebeu uma educação
ampla, como o pai. A responsável pela sua educação foi, desde 1856 até 1864, a condessa de
Barral, que passava grande parte do seu tempo com as princesas Isabel e Leopoldina, no palácio
imperial de Petrópolis.
As princesas receberam uma formação que, segundo Jaqueline Aguiar, se diferenciava da
educação dada a meninas da elite no século XIX: afinal, elas eram herdeiras do trono e
precisavam se preparar desde cedo para um dia governar o país 42. Alguns de seus mestres foram
os mesmos que educaram seu pai, o imperador, e elas receberam uma formação voltada para a
valorização da ciência e das letras 43. O desejo de Pedro II de que suas filhas tivessem um
currículo amplo e completo, que incluísse tanto o ensino comumente dado aos homens quanto
o das mulheres, está presente no documento “Atribuições da Aia”, de 1857, em que ele escreve:

Quanto à educação só direi que o caracter de qualquer das princesas


deve ser formado tal qual convem a Senhoras que poderão ter que
dirigir o governo constitucional d’um Imperio como o do Brazil. A
instrucção não deve diferir da que se dá aos homens, combinada com a
do outro sexo; mas de modo que não soffra a primeira.44

40 GUIMARAES, Lucia Maria Paschoal. Teresa Cristina de Bourbon (1822-1889): A Face oculta da imperatriz
silenciosa. In: XXVI Simpósio Nacional de História, 2011, São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de
História. São Paulo: Universidade de São Paulo (USP), 2011.
41 AVELLA, Aniello Angelo Avella. Op. cit.
42 AGUIAR, Jaqueline Vieira de. Mulheres educadas para governar...Op. cit.
43 DAIBERT, Robert. Princesa Isabel (1846-1921): A Política do coração entre o Trono e o Altar. Tese
(Doutorado em História Social). Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2007. Apud AGUIAR,
Jaqueline Vieira de. Op. cit.
44 Documento Atribuições da aia [1857] POB- Maço 29, Doc. 1038. Museu imperial/Ibram/MinC. Apud
AGUIAR, Jaqueline Vieira de. Op. cit.
32

Dessa forma, apenas no boletim de 1864, há a informação de que a Isabel e sua irmã estudaram
as disciplinas: Sagesse, Evangelho e Catecismo, Poesia portuguesa, Escritura, Leitura
portuguesa e Francesa, Ortografia, Poesia Francesa, Literatura portuguesa, Estilo em Português
e Francês, Cosmografia, Geografia, História, Retórica, Física, Geologia, Italiano, Alemão,
Piano, entre outras.
Em relação ao ensino de literatura, é preciso destacar que as princesas foram educadas
em época bastante posterior ao início do folhetim (que se deu em 1836) e, portanto, em um
período em que a prosa ficcional fazia grande sucesso entre os leitores em geral, mas ainda não
era muito valorizada pelos críticos literários, com exceção de alguns autores ou títulos
específicos. Ainda assim, sua educação parece não ter incluído, como a da imperatriz
Leopoldina e de dom Pedro I, a indicação de que a maior parte das novelas deveriam ser
evitadas a todo o custo, pois ofereciam grande perigo aos leitores. Essa visão ainda permanecia,
como veremos em suas cartas, mas não de forma tão rígida.
Devido a isso, a educação das princesas, que incluía a realização de muitas leituras
instrutivas com as preceptoras, muitas vezes envolvia o contato com algumas obras de ficção.
Muitas dessas leituras eram compartilhadas em cartas com o pai ou até realizadas em conjunto
com ele. Após as princesas crescerem e se casarem, as cartas trocadas com o pai passaram a
conter também discussões relativas a romances lidos apenas por entretenimento e sem relação
com o currículo escolar, como Ivanhoé, de Walter Scott, e A Morgadinha dos Canaviais, de
Júlio Dinis 45.
Além de compartilhar suas leituras (por meio de cartas ou pessoalmente) com o pai, era
comum que a princesa Isabel realizasse sessões de leitura com o seu esposo, o conde D’Eu.
Luís Filipe Gaston nasceu em 1842, na França, e era neto do rei em território francês, Luís
Felipe. Porém, em 1848, as oposições ao governo monárquico e a revolução em andamento na
França fizeram com que Gaston e sua família tivessem que fugir às pressas. Nesse processo de
fuga, eles foram ajudados pela rainha Vitória, da Inglaterra, que disponibilizou o vapor Express
para que a família pudesse deixar o país em segurança.
Após deixar a França, Gaston e sua família passaram a residir no palácio inglês
Claremont, onde seu preceptor passou a ser Júlio Gauthier. Dessa forma, o conde’Eu foi
educado em território inglês, onde leu os clássicos em francês e latim e estudou a gramática,

45 A leitura desses romances pelo imperador e pela princesa Isabel será analisada no capítulo 3 desta dissertação.
33

obras de prosa e poesia, história, geografia e outras disciplinas relacionadas às ciências exatas
e mecânica46.
A partir das informações sobre a educação dos membros da família imperial do Brasil, é
possível perceber como, mesmo tendo pertencido a correntes de educação diferentes, de épocas
e países diversos, muitos integrantes da família imperial do Brasil tiveram uma educação muito
semelhante, com características como o estudo de disciplinas das mais variadas áreas do
conhecimento, o aprendizado de línguas e literaturas estrangeiras e o contato com obras
impressas em diferentes locais e escritas por autores de nacionalidades variadas. Essa
semelhança na educação permitiu que a elite do Brasil tivesse uma formação cultural ampla e
semelhante não somente entre si, mas também em relação a outras famílias reais e imperiais do
período, como a família imperial russa.

1.1.2 A Educação dos membros da elite russa

Os membros da família imperial russa do século XIX, pertencentes à Dinastia dos


Romanov, tinham uma formação parecida com os da elite do Brasil: ambas as famílias tinham
o costume de educar as crianças nobres com a ajuda de tutores particulares, que tinham vasto
conhecimento sobre as disciplinas que lecionavam. Segundo Olga Dúdnikova, em uma matéria
especial para o canal de notícias RBTH, a introdução dessa educação “profissionalizada” e
doméstica para a monarquia foi um legado da imperatriz Catarina II, que reinou de 1729 a
179647. Ela percebeu, diante das guerras e revoluções existentes no período, a necessidade de
que os monarcas reagissem de forma competente e profissional – o que dependia em grande
parte da educação que se dava a eles.
Por isso, durante todo o século XIX, os herdeiros ao trono da Rússia receberam uma
formação que, segundo Dúdnikova, se assemelhava à educação escolar e universitária do
período, com algumas de suas disciplinas básicas e muitos cursos específicos, como Finanças,
Governo e Assuntos Militares. Os tutores eram predominantemente oficiais do exército e civis
especializados em suas áreas 48. Um fato interessante é que, como acontecia entre os membros

46 PRIORE, Mary del. O Castelo de papel. Rio de Janeiro: Rocco, 2013.


47 DÚDNIKOVA, Olga. Educating Russia’s future rulers: The Tutors who taught the tsars. RBTH, 2015.
Disponível em:
http://rbth.com/arts/2015/02/24/educating_russias_future_rulers_the_tutors_who_taught_the_tsars_43955.html.
Acesso em: 31 abr. 2017.
48 Idem.
34

da elite brasileira, os russos tinham o costume de “transmitir” alguns tutores de geração para
geração: o tutor Konstantin Pobedonóstsev, por exemplo, educou tanto o imperador Alexandre
III quanto seu filho, Nicolau II, cujas famílias, bibliotecas e documentos pessoais serão
estudados nesta dissertação49.
Entender como se deu a formação cultural de alguns dos membros que frequentavam a
biblioteca do palácio imperial da Rússia, e cujos livros estão presentes no catálogo da Biblioteca
do Congresso, pode ajudar a compreender algumas de suas possíveis escolhas literárias, como
o contato com obras em diferentes línguas e de autores de diversas nacionalidades. Em alguns
casos, também é possível encontrar indícios sobre seus hábitos de leitura, o que pode auxiliar
no estudo e análises das cartas e diários dessa família.
O imperador Alexandre III não era, quando nasceu, em 1845, o herdeiro direto do trono.
Ele era o segundo filho de Alexandre II e, por isso, não recebeu de início uma formação
específica para assumir o governo: por ser o segundo filho, sua vida seria consagrada às funções
militares. Porém, com a morte de seu irmão mais velho, Nicolau, Alexandre se tornou o herdeiro
ao trono russo, e só então passou a receber uma educação voltada para a função de monarca.
Segundo a biografia desse imperador, disponibilizada no site do Palácio Alexandre 50, um de
seus principais tutores foi Konstantin Pobedonóstsev, que lhe ensinou sobre política,
nacionalismo e formas de governo. Além disso, o futuro imperador aprendeu outras disciplinas,
como direito e administração e línguas como o francês, inglês e alemão 51. Sua formação,
portanto, pode ter sido de alguma forma semelhante à que foi dada aos imperadores do Brasil
(que também incluía o estudo de línguas e de disciplinas voltadas para o governo do país).
Em 1866, Alexandre III se casou com a princesa Dagmar, da Dinamarca, que assumiu o
nome de Maria Fiódorovna após se converter à Igreja Ortodoxa. Não restam muitas
informações sobre a educação dessa princesa: sua família, apesar de nobre, não possuía grandes
condições financeiras e, por isso, ela foi educada em grande parte pelos seus próprios pais e
não por tutores particulares 52, como a elite russa.
Entre os seis filhos de Alexandre III e Maria Fiódorovna estava Nicolau, que seria o futuro
e último imperador da Rússia. Nicolau, ao contrário dos pais, recebeu uma criação específica
para um dia assumir o trono: ele foi educado em casa, com a presença de diversos tutores.

49
Idem.
50 Biografia disponível em: http://www.alexanderpalace.org/palace/alexbio.html. Acesso em: 31 abr. 2017.
51 FLORINSKY, Michael. Alexander III. In: Encyclopedia Britannica, 1998. Disponível em:
https://global.britannica.com/biography/Alexander-III-emperor-of-Russia. Acesso em: 31 abr. 2017.
52 Biografia disponível em: http://www.alexanderpalace.org/palace/mariabio.html. Acesso em: 31 abr. 2017.
35

Segundo as memórias de A. A. Mosolov, líder da chancelaria da corte russa entre 1900 e 1916,
o tutor encarregado da educação do herdeiro do trono foi o militar Danilovitch, e um dos focos
principais dos estudos de Nicolau foi aprendizado de línguas estrangeiras 53, provavelmente por
ser algo que melhorava suas habilidades de comunicação e negociação com países estrangeiros,
bem como o contato com a cultura desses locais. Dessa forma, o imperador russo possuía a
habilidade de falar e ler em russo, inglês, francês, alemão e dinamarquês 54.
Outro fato interessante mencionado por Mosolov sobre a educação e os hábitos de
Nicolau II, era que ele, como o imperador Pedro II, do Brasil, gostava de ler em voz alta. Essa
prática de leitura é perceptível por meio dos seus diários e cartas pessoais, em que ele menciona
constantemente que havia lido com os filhos ou com a esposa. É interessante notar, portanto,
como a nobreza do Brasil e da Rússia apresentavam alguns traços em comum no que se refere
a alguns hábitos de leitura.
As leituras de Nicolau II eram realizadas geralmente em conjunto com sua esposa, a
imperatriz Alexandra, também conhecida como Alix. Ela nasceu em 1875, em um grão-ducado
da Alemanha. Sua educação, porém, foi tipicamente inglesa: sua mãe era a filha da rainha
Vitória e, ao se casar com o príncipe Louis de Hesse, levou muito da cultura inglesa para esse
reino. Após sua morte, em 1878, a formação de Alexandra foi assumida pela própria Rainha da
Inglaterra e realizada também por meio de tutores55. A educação dessa princesa alemã, como a
dos outros nobres do período, também teve como uma de suas bases o aprendizado de línguas
estrangeiras: a futura imperatriz tinha conhecimento das línguas russa, alemã e inglesa (sendo
esta última a língua em que ela mais se comunicava) 56.
A partir das cartas trocadas entre o imperador e a imperatriz da Rússia e das memórias
de Mosolov, é possível perceber que eles se comunicavam geralmente em inglês e tinham o
costume de compartilhar a leitura de romances, seja por meio de opiniões trocadas nas cartas,
ou pessoalmente, com sessões de leitura em família. Por terem tido sua formação educacional
já no final do século XIX, não há indícios de que eles tenham recebido instruções de seus tutores
para não realizarem leituras de obras de prosa ficcional, ou de não falarem e discutirem essas
leituras abertamente. Prova disso são as diversas cartas em que o casal descreve suas atividades
de leitura e troca de obras do gênero romance que, muitas vezes, permanecia associada a hábitos

53
MOSSOLOV, A. A. At the Court of the Last Tsar: being the memoirs of A. A. Mossolov. Londres: Methuen,
1935.
54 Idem.
55 STEINBERG, Mark D. & KHRUSTALËV, Vladmir M. Op. cit.
56 Idem, p. 39.
36

de entretenimento e não a algo que seria relacionado com a instrução, conforme veremos mais
adiante. Prova de que essa visão prevalecia entre esses membros da elite do período é a maneira
com que Mosolov descreve a leitura de romances pelo casal imperial. Em suas memórias, ele
afirma que “essas leituras em voz alta eram sempre a atividade de lazer favorita do casal
imperial, que ansiava para suas noites calmas em casa” 57.
As quatro filhas desse casal, Olga, Tatiana, Maria e Anastásia, tiveram uma formação
cultural ampla, mas não foram, como as princesas do Brasil, educadas especificamente para
governar: afinal, segundo as leis de sucessão em vigência na Rússia do período, era necessário
que um homem assumisse o trono. No caso delas, o herdeiro era seu irmão mais novo, Aleksiei
e, caso ele não pudesse assumir, o título de imperador iria para um dos irmãos mais novos de
Nicolau II58. Dessa forma, o príncipe Aleksiei, apesar de sofrer de hemofilia – doença que o
impedia de fazer muitas atividades físicas e atrapalhou consideravelmente seus estudos ao
longo dos anos – começou a estudar desde cedo, para que um dia pudesse governar o país:
segundo a pesquisadora Helen Rappaport, quase todos os seus tutores, exceto Pierre Gilliard
(que lhe ensinava francês), eram russos59.
Ainda assim, as princesas tiveram uma educação exemplar: a princesa Olga, por exemplo,
antes dos 7 anos de idade falava russo e inglês fluentemente e já possuía habilidades no piano.
O início da educação das meninas foi realizado pela própria mãe, que começou a lhes ensinar
inglês, francês, ortografia e bordado. Após essa primeira educação as meninas começaram,
como os meninos, a ter o aprendizado intermediado por tutores: uma lectrice, Trina Schneider,
lecionava “temas gerais” para as meninas mais velhas, e as aulas de língua e literatura russa
ficaram sob a responsabilidade do oficial do Exército Piotr Vassiliévitch Pietrov. As meninas
também tiveram aulas de francês com o suíço Pierre Gilliard, de inglês com o escocês John
Epps, de história e geografia com Konstantin Ivánov, de matemática com M. Sobolovec, de
alemão com Herr Keikenberg e de desenho com Dmítri Kardovsky 60.
No que se refere à presença de obras de prosa ficcional na vida dessas crianças, é
importante notar que as pequenas narrativas ficcionais e romances sempre fizeram parte de suas
vidas: Rappaport escreve, em seu livro As Irmãs Romanov, sobre o hábito que o imperador

57 MOSSOLOV, A. A. Op. cit. No original: “These readings aloud were at all times the favourite leisure
occupation os the imperial couple, who looked forward to the quiet homely intimacy of their evenings”. Tradução
e grifos meus.
58 RAPPAPORT, Helen. Op. cit.
59 Idem.
60 Idem
37

tinha de ler para elas desde que eram pequenas 61 e, a partir de suas cartas, é possível ver que
grande parte dessas obras lidas em voz alta eram ficcionais. Além disso, muitos dos romances
presentes na biblioteca dessa família imperial contêm dedicatórias dos pais para as crianças, o
que mostra que a leitura desse gênero era estimulada dentro da própria família e não tida como
um conhecimento ou prática “inútil”, do qual os membros da corte deveriam manter distância.
A partir das informações sobre as disciplinas estudadas pelas filhas do casal imperial
nota-se, também, que elas, apesar de não serem herdeiras ao trono russo, estavam longe de ter
uma educação tipicamente voltada para prendas domésticas, como a dança, a música e o
bordado: elas tinham aulas, como as princesas do Brasil, que eram voltadas para o ensino de
muitas outras disciplinas, que envolviam conhecimentos gerais. Dessa forma, é possível supor
que alguns membros das famílias imperiais do Brasil e da Rússia tiveram educações parecidas,
o que pode ter tido como consequência gostos literários parecidos, como será mostrado a partir
dos indícios recolhidos com a análise dos acervos.

1.2 Romances que pertenceram à biblioteca imperial do Brasil

Dos cerca de 24.270 livros doados por Pedro II à Fundação Biblioteca Nacional, 665
(2,7%) pertencem ao gênero prosa ficcional. Os dados contidos nessa porcentagem de obras
ficcionais (como data, local e lugar de publicação, além dos autores e línguas e títulos mais
presentes), apesar de não revelarem a real quantidade de romances que um dia pertenceram à
biblioteca do palácio de São Cristóvão ou que foram lidos pelos membros da família imperial,
são relevantes para falar sobre a posse de romances por esses membros da elite brasileira e
podem trazer indícios sobre a circulação de livros desse gênero no século XIX e sobre sua
presença em meio à elite brasileira do período.
Antes de analisar os títulos e autores mais presentes neste catálogo, é preciso compreender
alguns dados mais gerais sobre essa biblioteca, como a atualidade de seu acervo, considerando
a data de publicação e de composição das obras. Essas informações, que foram obtidas por meio
de pesquisas e pelas informações que constavam no catálogo da biblioteca, podem trazer
indícios sobre a sua formação, tornando possível verificar, mesmo que não com exatidão, se ela
possui mais obras produzidas no período em que a família imperial se encontrava no Brasil ou
obras mais antigas.

61 Idem
38

Abaixo, é possível observar dois gráficos, que contêm a quantidade de obras publicadas
ou editadas por década:

Gráfico 1 - Quantidade de obras ficcionais por década na biblioteca imperial do Brasil


39

Gráfico 2 – Quantidade de obras ficcionais por década da sua primeira edição

A dificuldade em encontrar o ano da edição de algumas obras que não foram datadas no
catálogo ou cujas informações não foi possível recuperar fez com que, no primeiro gráfico,
fossem considerados apenas 623 títulos e, no segundo, 419. Ainda assim, o cruzamento das
informações contidas nos gráficos traz algumas informações sobre os períodos em que
provavelmente houve a aquisição de livros para o seu acervo. Nota-se, a partir dos dados, que
a biblioteca aparentemente se manteve atualizada ao longo do tempo: grande parte de suas obras
foram publicadas pela primeira vez após o ano de 1800 ou obtidas em edições do século XIX,
em um período posterior à vinda da família real portuguesa para as terras brasileiras. Essa
atualização provavelmente aconteceu por meio de compras realizadas pelos membros da família
e outros moradores e funcionários do palácio, trocas de livros entre os membros da realeza,
compras de livreiros locais e estrangeiros ou de leilões, presentes, entre outros.
40

Mesmo contendo obras em edições contemporâneas ao período em que a família imperial


viveu, o acervo da biblioteca contém muitos livros que foram publicados pela primeira vez
ainda no século XVII, como Giulietta e Romeo, uma novela italiana escrita em 1530 por Luigi
da Porto e que, algum tempo depois, viria a ser uma das inspirações de William Shakespeare
para a escrita de Romeu e Julieta, uma de suas peças mais famosas62. Apesar da antiguidade da
obra, ela é uma das mais recentes no que se refere à data de edição presente na parcela estudada
da biblioteca imperial: a edição adquirida pelos membros da elite brasileira foi publicada apenas
em 1875, em Milão, pelo livreiro Ulrico Hoepli. Outras obras que foram publicadas pela
primeira vez em um período anterior à sua aquisição pelo acervo imperial é a Galatea, de
Cervantes, publicado originalmente em 1585 e presente no acervo em edição de 1860, em
língua espanhola, na cidade de Madrid, e Dom Quixote de la Mancha, produzido originalmente
em 1605 e presente no acervo em edições de 1859, 1860, 1863 (em espanhol) e em uma edição
não datada em alemão.
Esses exemplos mostram como, em alguns casos, por sucesso de público ou de crítica ou
ainda pela existência de novas traduções, uma obra pode continuar a ser editada em períodos
muito posteriores à sua escrita e primeira circulação e ser lida por pessoas de diferentes séculos
e culturas, em diferentes lugares. Outros fatores que podem ter colaborado para a presença
dessas obras na biblioteca são a opinião dos livreiros ou editores, que podem ter decidido
publicá-las em determinado momento, ou ainda o fato de elas terem sido utilizadas para
finalidades didáticas, caso tenham sido adotadas por tutores ou escolas para o ensino de línguas
ou literatura, por exemplo.
Qualquer que tenha sido o motivo para essas reedições, esses casos de livros que
continuavam sendo adquiridos muito tempo após o seu lançamento são importantes para
contestar a visão que normalmente é difundida pelas História Literárias e que segue uma lógica
cronológica para falar dos períodos da literatura, como se uma obra só pudesse ser lida na época
da sua primeira publicação. Por isso, como afirma Márcia Abreu, é importante considerar, nos
estudos da História do Ler, as preferências de leitura, o que

(...) levaria não apenas a ampliar o corpus de obras, mas também a rever
a cronologia tradicional, pois o interesse dos leitores permanece

62 Sobre o assunto, ver: SALERNITANO, Masuccio; DA PORTO, Luigi; BANDELLO, Matteo; BOAISTUAU,
Pierre. Romeo and Juliet before Shakespeare: Four early stories of star-crossed love. Toronto: Centre for
Reformation and Renaissance Studies, 2000.
41

constante por períodos incrivelmente longos. Enquanto as histórias


literárias se organizam em função de mudanças de paradigma e de
propostas estéticas, o interesse dos leitores se mantém estável por
décadas ou, até mesmo, séculos (...) 63.

O acervo da biblioteca imperial também contém outros casos de obras antigas que foram
adquiridas por meio de reedições, sendo que essas últimas também pertencem a um período
anterior ao da vinda da família portuguesa para o Brasil. Esse é o caso do romance de publicação
mais antiga existente no acervo, o Les Aventures de Télémaque, de Fénelon, presente em uma
edição francesa de 1773. Esse romance, que obteve grande sucesso de público e de crítica nos
séculos XVIII e XIX, foi publicado pela primeira vez em 1699, na França, e teve diversas
edições desde então. É possível que esse exemplar tenha sido adquirido antes mesmo da vinda
da família real portuguesa para o Brasil e abertura dos Portos, em 1808. Nesse caso, essa obra,
juntamente com outras com data anterior a 1808, teria sido trazida nos navios que transportaram
os bens da família real ou posteriormente, com a vinda dos livros da Biblioteca Nacional da
Portugal para o Brasil64. Há a possibilidade, ainda, que de ela tenha sido obtida no Rio de
Janeiro, por meio de leilões, livrarias ou até que seja fruto de presentes e doações.
A obra mais recente é uma tradução francesa de 1889 do romance russo Le Prince
Nekhlioudov, de Tolstói. Outras das edições recentes que aparecem no acervo também são desse
escritor russo: A la Recherche du Bonheur, de 1886, e Anna Karenina, de 1885. A presença
desses romances russos em datas próximas ao final do século provavelmente reflete um
movimento maior, de valorização da literatura russa, que se deu justamente a partir da década
de 1880. Segundo Bruno Gomide, essa difusão da produção russa foi internacional e se deu
principalmente após a publicação dos ensaio-manifestos, escritos por Engène Melchior de
Vogüé, que defendiam essa literatura. Esses textos foram publicados a partir de 1883, na Revue
des Deux Mondes, e defendiam o romance russo como uma proposta de “corretivo” aos desvios
e excessos de cientificismo da literatura francesa da época, representada especialmente nas
obras de Flaubert e Zola65. A divulgação desses ensaios na Revue des Deux Mondes, periódico

63 ABREU, Márcia. Problemas de História Literária e Interpretação de Romances. Todas as Letras – Revista de
Língua e Literatura. v.16, n.2, p.39-52, 2014.
64 Sobre a vinda dos livros da família real portuguesa para o Brasil, ver: SCHWARCZ, Lilia Moritz. A Longa
Viagem…Op. cit.
65 GOMIDE, Bruno Barretto. Da Estepe à caatinga: O Romance russo no Brasil (1887-1936). Tese defendida no
Instituto de Estudos da Linguagem/UNICAMP, sob a orientação do Prof. Dr. Francisco Foot Hardman. Campinas:
IEL/UNICAMP, 2004.
42

de leitura comum entre os membros da família imperial66 e a consequente tradução das obras
de romancistas russos, como Tolstoi, para o francês, pode explicar sua presença na biblioteca
da família imperial do Brasil.
Apesar de conter obras do século XVIII e final do XIX, a maior parte dos livros da antiga
biblioteca imperial foi editada nas décadas de 1810 e 1820, época da vinda da Biblioteca Real
para o Brasil67 e de permanência da família real no Palácio de São Cristóvão. A quantidade de
romances editados entre 1830 e 1850 também é grande, com mais de 150 títulos. De modo
geral, é possível perceber que a biblioteca imperial foi sendo atualizada ao longo dos anos, com
a aquisição de romances editados em cada década do Império, o que pode ser comprovado, ao
menos em relação à segunda metade do século XIX, por meio de informações e registros de
compras de livros realizadas em nome do imperador Pedro II. Um artigo do Padre Joaquim
Pinto de Campos, publicado em 1862 pela revista O Futuro, traz informações sobre a compra
de livros europeus para o monarca:

A livraria particular do imperador é numerosa e escolhida. De dia em


dia se vai enriquecendo, porquanto Sua Majestade tem agentes seus,
especiais, em Paris e Lisboa, com ordem geral para lhe remeterem,
apenas saem à luz, todas as obras de importância, e em qualquer idioma,
que na Europa se foram publicando. 68

A encomenda de livros na Europa em nome do imperador é sustentada pela presença de


catálogos de leilões que aconteceriam na Europa e catálogos de livreiros europeus conservados
entre os livros da biblioteca imperial. O acervo dessa coleção contém catálogos de bibliotecas
que seriam leiloadas, como o Catalogue de Livres provenant de la Bibliothèque de feu M. G.
Pauthier, publicada em Paris, em 1889; o Catálogos dos Livros Raros e Curiosos que há de ser
Vendidos em Leilão do ano de 1872, em Santo Ovidio, na cidade do Porto e o Catálogo de
livros Antigos pertencentes às Livrarias dos Extintos Conventos da Província da Estremadura
para vender em Hasta Pública por Ordem do Governo Português, de 1864. O acervo também
continha exemplares de catálogos de livreiros publicados em Paris, entre eles três catálogos da

66 A leitura da Revue des Deux Mondes pelos membros da Família imperial pôde ser observada nas suas cartas
pessoais, que fazem parte do acervo do Museu imperial de Petrópolis – Coleção Grão Pará.
67 SCHWARCZ, Lilia Moritz. A Longa viagem…Op. Cit.
68 CAMPOS, Joaquim Pinto de. O Futuro. Rio de Janeiro, 1862. Apud: A Coleção do imperador: Jornal das
Exposições da Pinacoteca do Estado. Fundação Biblioteca Nacional. Disponível em:
<http://objdigital.bn.br/acervo_digital/div_iconografia/icon983853/icon983853.pdf>. Acesso em: 01 out. 2018.
43

Librarie Tross, em Paris, dos anos 1873 e 1875 e 1885; um catálogo da livraria de Calmann
Lévy, de 1880; um de Auguste Fontaine, de 1875, e um catálogo da livraria de Marescq Ainé,
de 1865. Entre aqueles publicados no Brasil, estão três não datados da livraria de B. L. Garnier,
no Rio de Janeiro, e um da livraria Laemmert, de 1867.
A presença desses catálogos, publicados na segunda metade do século XIX, pode indicar
que o próprio imperador Pedro II, ou as pessoas encarregadas pela compra de livros no palácio
de São Cristóvão, se mantinha atualizado sobre o que estava circulando na Europa e podia,
dessa forma, encomendar a compra de livros estrangeiros. No caso dos leilões, é improvável
que algum morador do palácio tenha tido tempo de receber o catálogo da Europa e enviar um
pedido dos itens que ele gostaria de comprar antes que o evento acontecesse. Ainda assim, é
interessante que os membros da família imperial ou seus correspondentes tenham guardado o
catálogo desses leilões, talvez para futuras consultas sobre as obras em circulação na Europa.
Já os catálogos de livreiros poderiam realmente ter sido utilizados como uma lista de compras
ou encomendas. Como afirma Valéria Bezerra, em seu artigo “Catálogos de livreiros: novas
perspectivas para os estudos literários”, esses materiais faziam parte de elaboradas estratégias
de publicidade:

Visando apresentar ao leitor o conjunto de seu repertório, os livreiros


veiculavam catálogos, espécie de inventário que enumerava os títulos
disponíveis para a venda em seus estabelecimentos. Esses catálogos,
impressos em brochuras, eram publicados com certa regularidade,
atualizados periodicamente com a inclusão de novos títulos e
distribuídos entre os leitores por todo o país e, em alguns casos,
internacionalmente. 69

É provável, portanto, que essa estratégia de publicidade tenha sido utilizada entre a elite
para escolher quais obras que estavam à venda na Europa seriam adquiridas e para encomendá-
las aos seus correspondentes. Além de comprar obras vindas da Europa, a casa imperial também
adquiria livros em livrarias brasileiras, o que pode ser comprovado por meio do documento
"Gastos do imperador com livros"70, parte do acervo do Museu Imperial de Petrópolis, que é

69 BEZERRA, Valéria. Catálogos de livreiros: Novas perspectivas para os estudos literários. Disponível em:
http://www.circulacaodosimpressos.iel.unicamp.br/arquivos/Catalogos_de_livreiros_dossie_PT.pdf. Acesso em:
01 out. 2018.
70 Acervo do Museu Imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC.
44

composto por recibos de livrarias e editoras localizadas no Rio de Janeiro. Cada recibo contém
uma lista de livros encomendados em nome do imperador Pedro II, bem como seus respectivos
valores, pagos com o orçamento do palácio imperial. A compra dessas obras, além de evidenciar
a atualização da biblioteca com novos títulos, também reflete uma predominância de edições
européias no que diz respeito à compra e venda de romances estrangeiros no século XIX. Nesse
documento, é interessante perceber, por exemplo, como a grande parte dos romances contida
nos recibos está em língua francesa.
Em um recibo da livraria Garnier, datado de junho de 1886, por exemplo, consta a
aquisição dos romances Le Reigne des Champignons, de Alphonse Karr e Manon Lescault, de
Prévost, ambos em língua francesa. Nesse caso, é possível perceber como uma obra do século
XVIII, como Manon Lescault, cuja primeira edição data de 1731, e uma do final do século XIX,
como é o caso de Le Reigne des Champignons, que foi publicada na França em 1885 – sendo,
portanto, uma obra muito recente na época em que o recibo foi produzido –, poderiam circular
ao mesmo tempo entre leitores do século XIX, que adquiriam seus livros em uma livraria
brasileira. Isso demonstra que, como já foi dito acima, não há uma cronologia específica na
produção literária que possa determinar o interesse dos leitores. Afinal, apesar das diferenças
temporais, obras de publicação antigas e recentes poderiam conviver em uma livraria do Rio de
Janeiro e nas estantes da biblioteca estudada.
É preciso levar em consideração, ainda, que, em alguns casos, eventos exteriores ao
próprio livro podem fazer com que ele volte a ser produzido e a circular na sociedade. No ano
de 1884 – e, portanto, apenas dois anos antes da data do recibo mencionado – estreou, em Paris,
a ópera Manon, composta pelo francês Jules Massenet com base no romance de Prévost. A
adaptação da obra pode ter renovado o interesse do público pelo livro original e, dessa forma,
ter feito com que ela voltasse a ser editada e pudesse ser adquirida em nome da família imperial
do Brasil junto com livros mais recentes.
O documento de gastos contém outras obras cuja primeira edição é antiga, como é o caso
de L’Antiquario, tradução para o italiano de The Antiquary, de Walter Scott, publicado
originalmente em 1816 e presente em um recibo de 1883. Esse caso, além de mostrar a
circulação de edições de um mesmo romance muito tempo após sua primeira edição, também
evidencia as traduções que aconteciam no período. O fato de uma obra publicada em inglês,
por um autor escocês, ser adquirida pela biblioteca imperial do Brasil em uma livraria mantida
por um francês, muitos anos depois, em tradução italiana, mostra como a circulação de
romances unia leitores de diversos países e continentes.
45

É interessante notar, também, que grande parte dessas obras adquiridas em nome do
imperador foram encomendadas em edições simples e “baratas”. Ao contrário do que se poderia
imaginar ao pensar na biblioteca de membros da elite, ela não continha apenas edições caras e
luxuosas: a Le Reigne des Champignons foi comprada por 2$500 réis e L’Antiquario por 10$.
Apenas a edição de Manon Lescault foi mais cara e custou 30$. É possível perceber, portanto,
que a compra de livros para a biblioteca do palácio não era voltada apenas para a ornamentação
do espaço: também eram adquiridos, ao menos nos anos desse recibo, livros simples, destinados
provavelmente somente à leitura.
A grande maioria dos livros encomendados são de autores estrangeiros, mas alguns
romancistas de língua portuguesa também estão presentes, ainda que em menor quantidade, nos
recibos: em uma compra realizada em dezembro de 1872, o palácio imperial adquiriu edições
do Mistério da Estrada de Sintra, de Eça de Queirós (que custou 3$) e Tronco do Ipê, Pata da
Gazela (3$) e Sonhos de Ouro (6$), de José de Alencar. O livro Tronco do Ipê foi adquirido em
duas edições, uma de 12$ e uma de 6$, o que pode significar que elas fariam parte do acervo
pessoal de duas pessoas diferentes que viviam no palácio. Afinal, a família imperial mantinha
sempre o costume de fazer leituras em conjunto71, pessoalmente ou por cartas, então é possível
que dois membros tenham adquirido os mesmos títulos ao mesmo tempo para esse fim.
O fato de uma edição custar o dobro da outra pode significar, também, que elas tenham
sido adquiridas com finalidades diferentes. Em um artigo intitulado “Rio-Paris: primórdios da
publicação da literatura brasileira chez Garnier”, Lúcia Granja fala sobre a existência, no
catálogo de 1872 da livraria Garnier, de duas edições da obra O Guarani, de Alencar. Uma
delas, vendida a 4$, vinha em formato in-8º, em papel de boa qualidade e com capa luxuosa; e
a outra, que custava 2$, tinha o formato popular in-18º, era impressa em papel ordinário e
possuía uma capa feita em papel colorido de baixa gramatura 72. A autora do artigo explica que
“ao se fazer, ao mesmo tempo, duas edições do romance, de modo a aproveitar a mesma
composição tipográfica, endereça-se a obra a dois públicos diferentes, ou, ao menos, a dois usos
diferentes”73. É possível que esse também tenha sido o motivo da venda de duas edições
diferentes de O Tronco do Ipê pelo livreiro e que alguns membros da família imperial, ao
adquirirem essas suas versões do livro, tenha pensado em dar a elas dois usos diferentes,

71 Ver: ASSUMPÇÃO, Larissa de. A Presença de obras ficcionais no catálogo de livros da imperatriz Teresa
Cristina e em seus diários e cartas pessoais. In: VIII Encontro do CEDAP, 2016, Assis. Anais do VIII Encontro do
CEDAP. Assis: UNESP, 2016.
72 GRANJA, Lúcia. Rio-Paris: Primórdios da publicação da literatura brasileira chez Garnier. Letras. Universidade
Federal de Santa Maria, n.47, 2013.
73 Idem ibidem.
46

destinando uma à leitura cotidiana e a outra à ornamentação da biblioteca. É preciso notar, no


entanto, que, por mais que um livreiro fizesse duas edições pensando em dois tipos diferentes
de usos para os livros, ou em públicos diversos, isso não impedia que as edições mais baratas
circulassem entre pessoas da nobreza, ou que as edições caras não fossem lidas por membros
de estratos sociais mais baixos.
A representativa presença dos romances de José de Alencar nessa compra de livros do
palácio imperial provavelmente reflete a fama desse escritor, que obteve grande sucesso no
século XIX, e cujos romances foram lidos não apenas pelo público do Brasil, mas também do
exterior74. A presença desse autor nas compras do imperador mostra como as diversas
desavenças políticas que os dois partilharam ao longo do governo monarquista não
influenciaram no provável reconhecimento da qualidade das obras de Alencar pelos membros
da família imperial, que adquiriram seus livros em mais de uma edição75. Além disso, suas
obras promoveram diversos debates entre os letrados na imprensa periódica da época, que
discutiam seu valor para a literatura brasileira e relacionavam muitas vezes a qualidade de seus
livros com o tipo de público leitor que eles atraíam76.
Nessas críticas, o romance Tronco do Ipê foi muitas vezes elogiado por seu caráter
artístico e descrição da sociedade contemporânea. Em 1871, Salvador Mendonça escreveu, no
jornal A República, um folhetim sobre essa obra de Alencar, em que elogia o autor por não
submeter sua produção às regras comerciais ou aos modelos da literatura francesa 77. Segundo
Valéria Bezerra, essa crítica caracterizava os leitores do romance como pessoas não
interessadas apenas no lazer e passatempo da leitura de uma obra. O romance Sonhos d’Ouro
também foi bem recebido pela crítica. Para Fernando Castiço, que escreveu sobre a obra para o
Jornal do Comércio, em setembro 1872, Alencar era um escritor de qualidade, e seu público
reconhecia em suas obras os valores a serem seguidos na literatura brasileira 78. Essa obra
também foi muito elogiada pelo crítico Argelisau, também em setembro de 1872, no jornal A

74
BEZERRA, Valéria Cristina. Entre o Nacional e o estrangeiro: José de Alencar e a constituição da literatura
brasileira em cenário internacional. Tese defendida no Instituto de Estudos da Linguagem/UNICAMP, sob a
orientação da Profa. Dra. Márcia Abreu. Campinas: IEL/UNICAMP, 2016.
75 Os desentendimentos politicos entre José de Alencar e o imperador Pedro II são abordado por Lira Neto, em
sua obra O Inimigo do Rei. Ver: NETO, Lira. O inimigo do rei: Uma Biografia de Jose de Alencar ou a
mirabolante aventura de um romancista que colecionava desafetos, azucrinava d.Pedro II e acabou inventando o
Brasil. São Paulo: Globo, 2006.
76
BEZERRA, Valéria Cristina. A Recepção crítica de José de Alencar: A Avaliação de seus romances e a
representação de seus leitores. Dissertação defendida no Instituto de Estudos da Linguagem/UNICAMP, sob a
orientação da Profa. Dra. Márcia Abreu. Campinas: IEL/UNICAMP, 2012.
77 Idem.
78 Idem.
47

Nação. Ele afirma que o livro “é um primor” e deleitaria seus leitores, que certamente iriam
admirá-lo79.
É possível que a crítica positiva a esses romances, publicada na imprensa, tenha
influenciado a compra dessas obras por membros família imperial brasileira, que eram leitores
assíduos dos periódicos da época 80 e que adquiriram os romances de Alencar pouco tempo após
os livros e seus leitores serem elogiados pelos críticos. Porém, é interessante notar que nem as
obras de Alencar nem qualquer outro livro escrito em língua portuguesa e cuja compra está
registrada nesses documentos encontram-se atualmente na parcela do catálogo da biblioteca
imperial brasileira que foi utilizada para fazer os levantamentos desta pesquisa. Essa
informação mostra como os dados de parte do acervo que pertenceu à família imperial e que
estão sendo analisados neste estudo não são suficientes para determinar com certeza quais eram
as leituras da família imperial.
Ainda assim, os catálogos permitem que se perceba alguns padrões da biblioteca, o que
torna possível compreender algumas de suas características. É o caso das línguas de edição, que
permitem identificar as línguas com as quais os membros da família imperial possivelmente
tinham familiaridade e perceber indícios sobre a circulação de romances no século XIX. Esses
dados podem ser melhor visualizados com base no gráfico a seguir:

Gráfico 3 - Quantidade de obras ficcionais por língua na biblioteca imperial

79Idem.
80 Informação baseada na leitura das cartas dessa família, que fazem parte do acervo do Museu Imperial de
Petrópolis – Coleção Grão Pará.
48

Por meio desse gráfico, é possível observar como o português não é uma das línguas de
grande destaque, apesar de a biblioteca ter sido formada em grande parte quando a família
imperial já estava no Brasil. Esse dado pode refletir o fato de que a nobreza do país era formada
por pessoas de diferentes nacionalidades e com formações culturais elevadas. Os membros
dessa elite muitas vezes utilizavam o francês, e não o português, para se comunicar entre si e
com outros membros da aristocracia da época, o que pode explicar a grande predominância de
obras editadas nessa língua. A biblioteca também apresentava muitas obras em alemão e
italiano, que podem ser reflexo da formação educacional desses membros da elite, abordada no
início deste capítulo. Não tão comum entre os romances anunciados nos jornais e presentes nos
catálogos dos livreiros e nas bibliotecas públicas, os romances alemães e italianos não eram os
que mais circulavam entre o público brasileiro oitocentista. Sendo assim, sua presença relevante
entre os livros que pertenciam à biblioteca imperial pode se basear em uma necessidade ou em
uma preferência pessoal dos moradores do Palácio de São Cristóvão.
A grande quantidade de romances alemães, por exemplo, se somada ao fato de a grande
maioria dessas obras ter sido editada no início do século XIX, pode ter relação com o fato de
que essa era a língua falada pela imperatriz Leopoldina. A preferência por sua língua materna
aparece em seu diário, no qual a imperatriz reclama sobre a necessidade de ter que falar francês
na presença de nobres ilustres: “Porque o idioma da diplomacia tem que ser o francês? Porque
não o inglês ou o alemão?”81 A essa preferência pela língua alemã se soma o fato de que a vida
cotidiana da imperatriz Leopoldina no Palácio da Quinta da Boa Vista era dedicada à educação
e à leitura: “lia todas as publicações novas no campo das ciências naturais, literatura, história,
etc. que mandava vir por intermédio dos parentes ou do Marquês de Marialva.” 82 É provável,
portanto, que o fato de a imperatriz passar grande parte do seu tempo no Paço de São Cristóvão
realizando atividades de leitura tenha feito com que ela contribuísse para a biblioteca local,
adicionando os livros em língua alemã. Além disso, como já foi dito na primeira parte desse
capítulo, o imperador Pedro II aprendeu alemão durante a infância, o que permite supor que ele
conseguiria ler obras nessa língua.
A existência dos 70 romances em italiano na antiga biblioteca imperial pode ter uma
relação com a imperatriz Teresa Cristina que, estrangeira no Brasil, mostra em seus escritos

81 RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Desafios da pesquisa com gênero de escritos: Memória e correspondências
educativas da imperatriz Leopoldina no século XIX. In: V Congresso Luso Brasileiro de História da Educação,
2006, Uberlândia. Anais do V Congresso Luso Brasileiro de História da Educação. Uberlândia: Universidade
Federal de Uberlândia, 2006.
82 Idem.
49

que se interessava pela cultura e pela literatura italiana. A terceira imperatriz brasileira também
demonstrava uma preferência pela sua língua materna, e era em italiano que ela escrevia cartas
para o seu esposo, o imperador Pedro II, e que ela contava fatos do seu cotidiano em seu diário.
Além disso, a grande maioria dos romances em língua italiana foram editados no fim do século
XIX, época em que a imperatriz viveu no Brasil.
Dados como esses são importantes evidências de que, mesmo quando uma biblioteca
particular é compartilhada, os interesses das pessoas que a utilizaram e que colaboraram para a
sua formação podem influenciar na construção de um acervo em comum, seja porque eles
adquiriam livros nas línguas em que tinham facilidade, ou porque recebiam de presente obras
de pessoas que sabiam as línguas nas quais eles eram proficientes ou faziam parte do círculo da
elite que eles frequentavam.
Os dados mostram, também, que não existe uma ligação direta entre o local em que uma
biblioteca foi formada e a língua de publicação de suas obras: afinal, mesmo que o acervo tenha
sido obtido enquanto a família imperial encontrava-se no Brasil, o português é uma das línguas
menos presentes na biblioteca. Esse dado pode ser resultado do recorte utilizado nesta pesquisa
e que considera apenas os livros que pertenceram à aristocracia e que foram doados para a
Biblioteca Nacional, ou pode ser fruto de alguma preferência literária dos membros dessa
família.
É interessante considerar, ainda, o número de obras em espanhol: mesmo que elas
representem uma pequena parcela em relação às outras línguas de edição, não deixam de trazer
indícios sobre a formação da biblioteca. As obras de prosa ficcional presentes nessa língua são
majoritariamente de meados do século (com exceção de uma edição de Dom Quixote, que data
de 1809), o que descarta a hipótese de que elas pertenceram à rainha Carlota Joaquina, que
viveu no palácio de São Cristóvão no início do século XIX. Sua presença no catálogo pode se
dever ao fato de essas obras serem, em sua grande maioria, de origem espanhola: é possível que
não existissem traduções desses livros para outras línguas, o que levou a família imperial a
adquiri-las em língua original. É possível, também, que, pelo fato de a língua espanhola ter
semelhanças com o português, a leitura dessas obras fosse de fácil acesso aos membros dessa
família, ou que elas tenham sido adquiridas simplesmente com o propósito de ornamentar a
biblioteca, ou ainda que alguns moradores do palácio tenham sido presenteados com elas.
Para compreender melhor a origem dos livros, é preciso considerar se elas são fruto de
traduções ou se estão presentes no catálogo na mesma língua em que foram originalmente
publicadas. Esses dados podem ser visualizados no gráfico abaixo:
50

Gráfico 4 - Quantidade de obras ficcionais originais e traduzidas por língua

Nota-se, a partir da imagem, que, mesmo separando os romances entre obras originais e
traduzidas, a língua francesa continua sendo a que mais se destaca nas duas categorias. O
predomínio do francês, tanto entre as obras originais quanto entre as traduções, expressa a
grande importância cultural e literária da França e dos romances franceses no século XIX, que
são os que mais se destacam em catálogos de bibliotecas, nos anúncios de livreiros, em obras
publicadas em forma de folhetim etc. 83 É esse movimento em torno da cultura e das obras
francesas que talvez tenha exercido influência nas escolhas de leituras realizadas pela elite do
período. Nesse caso, é interessante notar como os membros da família imperial provavelmente
seguiam a mesma tendência que estava presente em outros países e continentes do período ao
fazer suas escolhas literárias.
O alemão também se destaca no gráfico, e quase todas as obras publicadas primeiramente
nessa língua foram obtidas em sua versão original. As exceções são traduções de 16 dos
romances de Walter Scott, que, conforme será visto mais adiante, é um dos escritores de maior
destaque no acervo, e uma tradução de Dom Quixote. A aquisição de traduções nessa língua

83 MÜLLER, Andréa Correa Paraíso. A Ficção francesa e a consolidação do romance no Brasil. In: IX Seminário
Internacional de História da literatura, 2011, Porto Alegre. Anais do IX Seminário Internacional de História da
literatura. Porto Alegre-RS: Edipucrs, 2011.
51

sugere que ela era de fácil acesso para quem obteve as obras, e o fato de todas datarem da
primeira metade do século XIX pode ser um indício de que elas pertenceram à imperatriz
Leopoldina ou a outro falante dessa língua que vivia no palácio.
As obras em italiano também foram obtidas predominantemente em língua original, com
exceção de uma tradução de 1856 de Fabiola or the Church of the Catacombs, de Nicholas
Wiseman. O mesmo acontece com as obras em inglês, que é a língua de edição de grande parte
dos livros escritos por autores britânicos e que é a língua de tradução de apenas alguns romances
originalmente publicados em alemão, francês e uma obra russa de Turgueniev. É interessante
notar como tanto as obras em alemão foram obtidas em inglês, quanto estas últimas foram
adquiridas em tradução para o alemão. Isso mostra como as traduções para diferentes línguas e
em diferentes contextos circulavam entre os países do período.
O português é uma das línguas que se destaca entre as traduções: 19 obras originalmente
publicadas em francês, inglês e italiano foram obtidas em língua portuguesa. Entre elas, estão
Les Mystères du Peuple, de Eugène Sue (em tradução de 1851), Zadig, de Voltaire (tradução
de 1819), Les Stuarts, de Dumas (de 1841), Aventures de Trois Russes et Trois Anglais dans
l’Afrique Australe, de Jules Verne (edição não datada) e The Last of the Mohicans, de Fenimore
Cooper (de 1858) e The Pilot e The Spy, do mesmo autor (em traduções de 1838 e 1840,
respectivamente). Nota-se que esses livros são reedições, produzidas ao longo de todo o século
XIX, de obras publicadas pela primeira vez em diversos períodos: a primeira edição de Zadig,
por exemplo, é de 1747, a de The Last of the Mohicans é de 1826 e a de The Spy é de 1821.
Nesses casos, há uma diferença de ao menos 19 anos entre as publicações, o que mostra que,
como já foi dito anteriormente, não havia, no século XIX, uma cronologia literária que fizesse
com que os leitores perdessem o interesse em obras antigas: muito pelo contrário, algumas
destas continuavam a ganhar edições muito tempo após terem sido lançadas em seu país de
origem.
Casos opostos, em que livros muito recentes foram adquiridos por meio de traduções,
também estão presentes no acervo da biblioteca imperial. Esse é o caso de Les Stuarts, por
exemplo, que foi publicado em francês em 1840 e em 1841 já tinha uma tradução para o
português, editada em Lisboa, e Les Mystéres du Peuple, que é de 1849 e já tinha sido traduzido
para o português em 1851, estando presente no catálogo em uma edição do Rio de Janeiro.
Esses dados vão contra as afirmações que geralmente estão presentes nas Histórias Literárias
nacionais de que há um “atraso” do Brasil em relação à produção europeia (mais
especificamente francesa), que demoraria para chegar aqui. Analisando os dados da biblioteca
52

imperial, é possível concluir que, como afirma Márcia Abreu: “contrariando essas ideias de
atraso e isolamento, o que se percebe (...) é a presença, mais ou menos simultânea, das mesmas
obras em diferentes locais” 84.
A partir dos dados apresentados, também é possível notar que muitas das obras presentes
no catálogo parecem ter feito grande sucesso de público no século XIX. Segundo dados do
CITRIM, Les Mystères du Peuple, por exemplo, teve 16 publicações diferentes entre os anos
de 1849 e 1894 e 11 traduções para o português entre 1850 e 1882. Além disso, esse livro foi
anunciado mais de 40 vezes no periódico O Patriota e estava presente nos catálogos da
Biblioteca Fluminense e do Real Gabinete Português de Leitura. Todas informações sugerem
que esse romance teve sucesso entre o público brasileiro, o que provavelmente levou os livreiros
a publicarem diversas traduções dele. O mesmo acontece com The Last of the Mohicans, que
tem duas publicações cadastradas no CITRIM (sendo uma de 1826 e uma de 1835), nove
traduções (sendo quatro delas para o francês e cinco para o português) e que foi anunciado nos
periódicos O Sete d’Abril, Diário do Governo e La Presse, estando presente, ainda, nos
catálogos da Biblioteca Fluminense e do Gabinete Português de Leitura. Dados como esse
mostram não apenas que a literatura do século XIX circulava, mas também que não havia
grandes diferenças entre os livros que circularam entre a elite brasileira e o público mais amplo,
que frequentava os estabelecimentos públicos, e que provavelmente contava com leitores dos
estratos médios da sociedade brasileira. Afinal, os membros da aristocracia poderiam estar
lendo a mesma obra que alguém que frequentasse bibliotecas públicas e gabinetes de leitura do
Rio de Janeiro ou adquirisse essas obras de algum livreiro.
Além da língua dos romances, há outros fatores que podem ser analisados com base nas
obras ficcionais da biblioteca imperial e que podem dar margem a interpretações sobre a época
em que essa biblioteca foi formada e sobre as pessoas que a utilizavam. Esse é o caso, por
exemplo, do local de edição dos livros. A análise das principais cidades em que os romances
da antiga biblioteca imperial foram editados pode revelar informações sobre a importação de
livros no Rio de Janeiro do século XIX. As cidades mais comuns como local de edição podem
ser facilmente visualizadas no gráfico a seguir:

84 ABREU, Márcia. Problemas de história literária...Op. cit.


53

Gráfico 5 – Quantidade de obras ficcionais por cidade

Novamente, há um predomínio francês no que se refere aos locais de edição dos


romances. Das 665 obras de prosa ficcional na biblioteca, 364 foram editadas em Paris, o que
corresponde a aproximadamente 54,7% do total de romances. Esse número comprova
novamente a predominância francesa não apenas no que diz respeito à língua em que está a
maior parte das publicações ou traduções dos romances, mas também em relação ao seu local
de edição e à consequente importação e venda dos produtos franceses no Brasil no século XIX.
Essa informação também mostra como, apesar de a família imperial do Brasil ter como origem
Portugal, a Áustria (no caso da imperatriz Leopoldina) e a Itália (no caso da imperatriz Teresa
Cristina), no que se refere à posse de romances, eles se aproximam mais da França e da língua
54

francesa. Porém, nem todos os livros publicados em francês têm sua origem em Paris: alguns
deles foram publicados em outras cidades francesas, como Tours (de onde vem uma edição de
Les Conseils du Père Vincent, de Paul Maret, de 1887), Montdidier (que é a origem de uma
publicação de Brin d’Herbe, de Maria Delcambre, de 1867) e Toulouse (local da edição de
1798 de Gil Blas de Santillane, de Lesage), ou em outras cidades europeias, como Amsterdã
(onde foi publicado Lisvart de Grèce, em 1788, e Les Contes de Genies, de Charles Morell) e
Leipzig (onde foi publicada uma tradução francesa de Undine, de La Motte Fouqué). Nota-se,
assim, que a produção de livros franceses, que chegaram ao Brasil, se estende para além da
capital e do território da França.
Muitas obras em francês também foram editadas em Bruxelas, na Bélgica, que era a
origem de muitos livros frutos de contrafação. Segundo Nelson Schapochnik, grande parte das
obras de ficção editadas em francês e presentes em gabinetes literários e bibliotecas públicas
do Brasil oitocentista vinham da Bélgica, e não da França, talvez porque, nesse país, as edições
eram muito mais baratas 85. Dessa forma, possível que algumas das obras obtidas pela família
imperial tivessem sua origem na contrafação belga, apesar de ser difícil confirmar esse dado.
Entre os autores do acervo que tiveram suas obras editadas em Bruxelas estão Eugène Sue (com
seis obras), Xavier de Maistre (com duas obras) e Joseph Méry, Captain Marryat, Michel
Masson, Félix Bogaerts, Emmanuel Gonzalès, Alphonse Karr, Joseph Gobineau, Paul Lacroix
e Henry Longfellow (cuja edição conjunta dos romances Hyperion e Kavanagh foi editada em
Bruxelas, Leipzig e Paris), com uma obra cada.
Se nem todos os livros em francês foram editados em Paris, também é preciso considerar
que nem todos os livros publicados em Paris foram editados em francês: essa cidade também é
a origem da edição em espanhol de Novelas Ejemplares, de Cervantes, publicada em 1838, de
três obras em italiano (de autoria de Giovanni Rosini, Cesare Cantú e Tommaso Grossi, e
editadas entre 1840 e 1846), de sete obras em inglês (de Laurence Sterne, Oliver Goldsmith,
William Makepeace Thackeray e Maria Edgeworth, e editadas entre 1836 e 1873), e de dois
romances em português: uma edição de 1819 de Verdadeira história dos sucessos de Armindo
e Florisa, de Filinto Elísio e A Morte Moral, de Antonio Deodoro de Pascual, publicado em
1864. Em seu texto “Narrativas que viajam: os romances em português editados em Paris”,
Paulo Motta Oliveira escreve sobre a existência de diversas narrativas ficcionais em português

85SCHAPOCHNIK, Nelson. Pirataria e mercado livreiro no Rio de Janeiro: Desiré-Dujardin e a Livraria Belgo-
Francesa, 1843-1851. Revista de História, São Paulo, n. 174, p. 299-325, june 2016. ISSN 2316-9141. Disponível
em: <http://www.revistas.usp.br/revhistoria/article/view/115465>. Acesso em: 01 out. 2018.
55

editadas na França ao longo do século XIX e associa esse fato ao mercado editorial
transnacional do período, que ligava as cidades do Rio de Janeiro, Lisboa e Paris 86. Esses dados,
bem como as informações sobre os mercados livreiros de outros países (como o italiano e o
inglês), que se relacionavam com a França, mostram como a circulação de impressos no século
XIX parecia relativizar as fronteiras existentes entre os países no que se refere às línguas em
que obras eram editadas e adquiridas e às publicações de romances.
Em relação aos livros em português, é interessante notar que a maioria foi editada em
solo brasileiro, e não em cidades portuguesas, o que destoa dos dados recolhidos por
Schapochnik com base em 32 catálogos de bibliotecas e gabinetes de leitura do Rio de Janeiro
do século XIX e que apontam para uma predominância de obras em português provenientes de
Portugal, país em que foram editados 88,5% dos romances nessa língua dentro do corpus
estudado por ele. Segundo o autor, essa grande diferença se deve ao fato de que a infraestrutura
para a publicação de artefatos impressos ainda era recente no Brasil, diversos livreiros e editores
franceses e portugueses estavam instalados em terras brasileiras no período e de que a
importação de livros brochados e encadernados era mais barata do que a importação de papel
destinado à impressão87. Essa predominância portuguesa não se aplica, no entanto, à biblioteca
imperial do Brasil, como é possível observar a partir do gráfico acima. Nesse acervo, o Rio de
Janeiro é o local de edição da maioria dos romances publicados originalmente em português,
com exceção da tradução de Les Mystères du Peuple, de 1851 e de Aventures de Trois Russes
et Trois Anglais dans l’Afrique Australe (não datada). Já Lisboa e o Porto são origem de mais
traduções do que obras originais. As únicas obras dessas cidades que não são traduções são Ruy
de Miranda, de Ayres Pinto de Souza de Mendonça e Menezes (de 1849) e Mario, de Antonio
Silva Gaio (edição de 1868), publicados em Lisboa, além de Serões da Província e Uma
Família Inglesa, de Júlio Dinis (ambas de 1870) e O Brasileiro Soares (edição de 1886), de
Luís de Magalhães, publicados no Porto.
Os dados apresentados até aqui mostram algumas características do acervo de romances
que um dia pertenceram à biblioteca imperial do Brasil. Essa coleção, apesar de ter sido formada
em solo brasileiro, contém muitas obras em línguas estrangeiras como francês, que era bastante
conhecida e presente no Brasil do período, principalmente no que se refere à aristocracia, e o
alemão, não tão comum. Além disso, o acervo contém muitas obras provenientes da Europa,

86 Ver: OLIVEIRA, Paulo Motta. “Narrativas que viajam: Os Romances em português editados em Paris”. In:
ABREU, Márcia (org.). Romances em Movimento: a circulação transatlântica dos impressos (1789-1914).
Campinas-SP: Editora da Unicamp, 2016.
87 SCHAPOCHNIK, Nelson. Pirataria e mercado...Op.cit.
56

em língua original ou tradução, denunciando a grande circulação de impressos que ocorria no


século XIX. Apesar das diferenças entre as línguas de edição dos livros pertencentes a essa
biblioteca e aquelas que eram mais comuns entre o leitor de estratos sociais mais baixos, muitos
títulos dessa coleção eram os mesmos que fizeram grande sucesso de público no período, o que
pode sugerir uma conexão entre as leituras realizadas pela elite e pelo público numericamente
mais amplo da sociedade, fato que será explorado mais adiante, com o estudo das cartas. Para
compreender com mais clareza a relação entre o acervo desses membros da elite e as obras que
estavam em circulação no período, é preciso levar em consideração os autores presentes no
acervo, dado que será abordado no próximo tópico.

1.2.1 Autores e obras de maior destaque na biblioteca imperial do Brasil

Ao analisarmos os autores de maior destaque na biblioteca, é possível notar novamente a


predominância europeia: a maioria dos escritores com mais de uma obra no acervo são de
nacionalidade francesa, inglesa ou alemã. A partir da tabela abaixo, é possível ver quais são
esses romancistas de maior destaque:

Nome do autor Número de obras


Carl Franz van der Velde 24
Walter Scott 19
Alphonse Karr 12
Eugène Sue 12
Félicité de Genlis 12
Émile e Alexandre 10
Chatrian
Benjamin Disraeli 10
Miguel de Cervantes 9
Ann Radcliffe 8
Maria Edgeworth 7
Madame Augustus Craven 7
Florian 7
Joseph Méry 7
57

Caroline Pichler 6
Charles Nodier 6
Chateaubriand 6
Tabela 1: Autores com o maior número de obras ficcionais na biblioteca imperial do
Brasil

Como é possível observar na tabela, o autor de maior destaque no acervo é o alemão Carl
Franz van der Velde. Escritor com o maior número de obras em língua original do catálogo,
van der Velde aparece com 24 de seus romances em língua alemã, todos publicados entre os
anos de 1819 e 1826. Esse autor foi muito popular na Europa durante o século XIX e escrevia
romances históricos que atraíam o público leitor88. Segundo Durrani e Preece89, o grande
sucesso de van der Velde na Alemanha se deve à popularidade das obras também de caráter
histórico do escocês Walter Scott, que iniciou, a partir de 1820, uma grande procura do público
da Alemanha por romances históricos, e por um “Scott alemão”. Essa busca fez com que alguns
romancistas, como Carl Franz van der Velde, Carl Spindler, Caroline Pichler, Willibald Alexis
e August von Witzleben passassem a ser apreciados pela crítica.
Apesar de não ser muito comum nas bibliotecas, anúncios de livreiros e leilões ocorridos
no Brasil ao longo do século XIX, segundo os dados do CITRIM, as obras Carl Franz Franz
van der Velde circularam em território brasileiro e tiveram traduções para o português. Esse
autor conta, por exemplo, com dois de seus livros na Biblioteca Fluminense, um
estabelecimento fundado em 1847 e que funcionava por subscrição. Seu catálogo, publicado
em 1866, contém os romances Die Gesandtschaftsreise nach China, presente em tradução
intitulada A Embaxada à China, publicada em Lisboa, no ano de 1837, e Theodor, traduzida
com o título de Theodoro, também em Lisboa, no ano de 1847.
O romancista Walter Scott, reconhecido por muitos críticos do período como um dos
inventores dos romances históricos, também se destaca na biblioteca imperial, sendo o segundo
autor com o maior número de obras. O acervo conta com 19 obras desse romancista, mas
nenhuma delas está na língua original inglesa: do número total de romances, 16 estão traduzidos
para o alemão e três traduzidos para o francês. Autor de grande circulação e sucesso tanto de
crítica quanto de público, Walter Scott foi um dos escritores mais populares do século XIX, o

88 SCHUSTER, Ingrid. Popular literature in Germany: 1800-1850. Canadian Review of Comparative Literature.
v. 8, n. 3, 1982.
89 DURRANI, Osman & PREECE, Julian. Travellers in time and space: The German Historical Novel.
Amsterdam-New York: Rodopi, 2001.
58

que explica o grande número de edição de suas obras, publicadas em diferentes formatos, e sua
ampla circulação em diversos países, incluindo o Brasil 90. Além disso, a leitura dos romances
de Scott parece ter atingido os mais diversos tipos de público. Segundo Louis Maigron, Scott
“foi mais que um sucesso, foi uma mania” 91 e atingiu públicos de camadas sociais diferentes:
“desde as modistas até as duquesas, desde as pessoas simples até os intelectuais, todos se
renderam ao fascínio de Scott (...)”92.
Em relação ao fato de parte das obras de Scott estar presente em francês, e não em inglês,
Vasconcelos, em seu ensaio Formação do Romance Brasileiro: 1808-1860 (Vertentes
Inglesas), afirma que a circulação, no Brasil, de traduções francesas de romances ingleses era
bastante comum entre o século XIX.93 Porém, há poucas informações no que se refere às
traduções alemãs dos livros de Walter Scott. Talvez isso se deva a uma preferência de leitura
nessa língua por alguns membros da família imperial, ou seja fruto de edições que foram
oferecidas a eles por terceiros. Considerando-se que todas as traduções do romance são do início
do século, é possível que elas tenham sido adquiridas pela imperatriz Leopoldina, que
encomendava livros e objetos por intermédio de seus parentes e de outras pessoas da Áustria. 94
Alguns dos autores de língua francesa também contam com grande parte de suas obras na
biblioteca. É o caso de Eugène Sue, que aparece com 12 romances no acervo, que incluem três
edições diferentes de seu famoso romance Les Mystères de Paris e uma edição em português
de Os Mistério do Povo, editada no Rio de Janeiro em 1851. Les Mystères de Paris, publicado
pela primeira vez em folhetim, no Journal des Débats, entre junho de 1842 e outubro de 1843,
foi um romance muito famoso em diversos países, ao longo do século XIX. Segundo Nelson
Schapochnik, o sucesso do romance foi tão imediato que aumentou as vendas do Journal des
Débats, o que fez com que ele fosse apropriado e publicado quase que simultaneamente por
periódicos da imprensa belga 95. O sucesso da obra também fez com que ela logo fosse publicada
em 10 volumes pelo editor Charles Gosselin e por editores de outras partes da Europa e
traduzido para mais de 19 línguas. No Brasil, o romance foi anunciado em formato de volume

90 Ver: VASCONCELOS, Sandra. “Cruzando o Atlântico: Notas sobre a circulação de Walter Scott“. In: ABREU,
Márcia (org.) Trajetórias do Romance. Op. cit.
91 MAIGRON, Louis. Le Roman Historique a l’Époque Romantique. Essai sur l’influence de Walter Scott. Paris:
Librairie Ancienne Honoré Champion, 1912. In: VASCONCELOS, Sandra. Op. cit.
92 Idem.
93
VASCONCELOS, Sandra Guardini. Ficção do Romance Brasileiro: 1808-1860 (Vertentes Inglesas).
Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sandra/sandra.htm. Acesso em: 01 out. 2018.
94 RIBEIRO, Arilda Ines Miranda. Op. cit.
95 SCHAPOCHNIK, Nelson. Edição, recepção e mobilidade do romance Les mystères de Paris no Brasil
oitocentista. Varia hist., Belo Horizonte , v. 26, n. 44, p. 591-617, Dec. 2010.
59

antes mesmo que sua publicação em folhetim na França terminasse. Além disso, sua tradução
para o português foi publicada em folhetim no Jornal do Commercio entre 1844 e 1845, e
posteriormente em volume, o que permitiu que sua narrativa atingisse os mais diversos tipos de
público. Segundo o pesquisador, esse título também está presente em diversos catálogos
gabinetes de leitura e biblioteca brasileiras. O grande sucesso dessa obra entre o público pode
explicar sua presença em três edições diferentes na biblioteca imperial e mostra como algumas
obras circularam em diversos países e continentes e entre públicos diversos: afinal, esse
romance, que foi lido pelo público menos abastado, que o acompanhava pelo folhetim do jornal,
também circulou entre os membros da elite.
Outro autor francês que se destaca tanto quanto Sue é Alphonse Karr. Esse escritor, que
já estava presente no documento “Gastos do imperador com livros”, aparece na lista dos que
mais se destacam com 12 romances (todos na língua original francesa), sendo que nenhum deles
é o Le Reigne des Champignons, que a família imperial adquiriu em 1886, na livraria de
Garnier. Esse dado mostra como nem todo o acervo da biblioteca imperial está contido na lista
de livros analisada e também é mais um indício de que o autor pode ter feito parte das
preferências literárias da família de Pedro II que, apesar de já ter muitas de suas obras no acervo,
continuava adquirindo-as conforme estas eram publicadas. A biblioteca parece conter romances
de Karr editadas ao longo de todo o século XIX, sendo a mais antiga Contes et Nouvelles, de
1856, e a mais recente Le Pot aux Roses, de 1887.
O grande número de edições dos livros desse romancista pode ser explicado pelo fato de
que ele obteve grande sucesso de público, na França e no Brasil, ao longo do século XIX.
Segundo os estudos de Julio Modenez, esse autor é um dos que mais se destacam nos catálogos
de Michel Lévy publicados entre 1860 e 1875 e é vendido a preços não muito altos (3 francos)
e formato in-1896. Além disso, seu romance Para não serem Treze foi publicado pela Tipografia
do Jornal do Commercio, no ano de 184297, e A Mão Esquerda foi publicado no periódico Novo
Correio de Modas98. Dessa forma, o autor foi lido não apenas pelo público amplo francês, mas
também pelo brasileiro, por meio de traduções para o português.

96 MODENEZ, Julio Cesar. Dois mundos? Um estudo dos mercados livreiros carioca e parisiense em meados do
século XIX. Dissertação (Mestrado) -Teoria e História Literária, Universidade Estadual de Campinas, Campinas,
2011.
97 SANTANA JÚNIOR, Odair Dutra. Dos Rodapés aos livros: Literatura no Jornal do Commercio. In: XVI
Abralic, 2016, Rio de Janeiro. Anais da XVI Abralic. Rio de Janeiro: UERJ, 2016.
98 DONEGÁ, Ana Laura. A revista Novo Correio de Modas (1852-1854): Literatura Francesa com toque tropical.
In: Rita - Revue Interdisciplinaire de Travaux sur les Amériques, Aves de Paso, 2014.
60

A presença de Sue e Karr na biblioteca imperial mostra, portanto, que a elite brasileira
estava em contato com outros autores populares, que escreviam obras destinadas ao público
amplo. Outros escritores franceses populares com grande quantidade de romances no catálogo
são Émile Erckmann e Alexandre Chatrian, que têm 10 de seus romances na biblioteca, todos
escritos em francês e publicados em Paris. Esses dois irmãos escreviam suas obras em conjunto,
que eram assinadas com o nome Erckmann-Chatrian. Ao longo de sua vida, eles publicaram
mais de 60 volumes de pequenas histórias, romances e peças de teatro, e suas obras, que
descreviam a vida nas cidades da França e promoviam o patriotismo diante de eventos
históricos, foram muito elogiadas por autores como Flaubert e Zola 99. Além disso, seus
romances fizeram grande sucesso de público, o que pode ter influenciado na descoberta desses
autores pelos moradores do palácio imperial.
Em destaque estão, também, as mulheres escritoras, como a escritora Felicité de Genlis,
que aparece com 12 de seus romances, e Madame Augustus Craven, com sete, ambas com todos
os romances em língua francesa. Segundo Martine Reid, Felicité de Genlis foi uma escritora
de grande sucesso de público e obteve grandes ganhos de dinheiro com suas obras 100. O sucesso
de seus romances não se estenderam ao território francês. Segundo Taís Franciscon, Genlis está
entre os romancistas mais anunciados no jornal The Times, de 1800 a 1820, aparecendo com 25
obras101. A presença de seus títulos na biblioteca imperial mostra que seus livros também
chegaram ao Brasil, por meio dos livreiros ou de importações realizadas em nome do palácio
imperial.
Outro destaque são as escritoras de língua inglesa, tais como Maria Edgeworth, que tem
sete de seus romances no catálogo, e a escritora gótica Ann Radcliffe, com oito romances.
Porém, ao verificarmos a língua em que estão as edições dos romances dessas autoras inglesas
no acervo, percebe-se novamente o predomínio da língua francesa sobre os romances escritos
originalmente em inglês: apenas três dos sete romances de Edgeworth estão na versão original
inglesa, e todos os romances de Ann Radcliffe são de versões traduzidas para o francês.
A aparição de Edgeworth na biblioteca imperial provavelmente se deve ao fato de essa
autora ter tido grande circulação no Brasil do século XIX: segundo um levantamento feito por

99 PRZYBOS, Julia. “Smooth collaboration: Vitalism and judaism in Erckmann-Chatrian’s L’Ami Fritz”. In:
WHIDDEN, Seth (ed.). Models of collaboration in nineteenth-century french literature: Several authors, one pen.
London and New York: Routledge, 2009.
100 REID, Martine. Madame de Genlis dans le champs éditorial de son temps. Revue de la BNF. Vol. 39, n. 3,
2011, p. 38-45.
101 FRANCISCON, Taís. Presença de romances no Jornal The Times: Imprensa e circulação de livros de 1800 a
1820 no Reino Unido. In: 12º SEPEG, 2015, Campinas. Anais do 12º SePeG. Campinas: IEL/UNICAMP, 2015.
61

Sandra Vasconcelos a partir de catálogos de bibliotecas, gabinetes de leitura e catálogos de


livreiros, havia cerca de 17 obras dessa escritora circulando no Rio de Janeiro 102. Além disso,
uma de suas obras, Tales of Fashionable Life, está entre os títulos mais submetidos à Censura
do Rio de Janeiro entre os anos de 1808 e 1822 103, em tradução para o francês. A escritora Ann
Radcliffe também se destaca no levantamento feito por Vasconcelos: ela aparece também com
17 edições de suas obras, publicadas em inglês, francês ou português104. No Brasil, seus
romances podem ser encontrados não apenas em catálogos do Rio de Janeiro, mas também em
bibliotecas espalhadas pela província 105 e em versões traduzidas.
A biblioteca imperial também contém alguns casos de várias reedições de uma mesma
obra, o que sugere que elas foram adquiridas em diferentes épocas. É o caso das obras Les
Martyrs (cuja edição original é de 1809) e Le Génie du Christianisme (cuja primeira edição é
de 1802), de Chateaubriand: a primeira está presente no catálogo em edições de 1810 e 1859, e
a segunda em edições francesas de 1838 e 1840 e em traduções portuguesas publicadas na
Bahia, em 1849, e no Porto, em 1864.
Outra obra que contém reedições na biblioteca imperial é El Ingenioso Hidalgo Don
Quijote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. O acervo da biblioteca contém quatro edições
diferentes desse romance, 3 delas em espanhol, publicadas em 1859, 1860 e 1863; e uma
traduzida para o alemão, não datada. Esse romance, publicado pela primeira vez em 1605,
obteve grande sucesso de público e de crítica e, no século XIX, figurava entre as obras antigas
mais consultadas na Biblioteca Nacional106 e entre os livros mais solicitados à Real Mesa
Censória entre 1769 e 1807 107. O sucesso de público e de crítica dessa obra no exterior e no
Brasil provavelmente é a causa da sua aparição na biblioteca da família imperial brasileira em
diferentes edições.

102 VASCONCELOS, Sandra. Romances Ingleses em circulação no Brasil durante o século XIX. Disponível em:
http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/Sandra/sandralev.htm. Acesso em: 10 maio 2017.
103 ABREU, Márcia. Conectados pela ficção: Circulação e leitura de romances entre a Europa e o Brasil. O Eixo
e a Roda. V. 22, n.1, 2013.
104 VASCONCELOS, Sandra. Romances Ingleses… Op. cit.
105 FREYRE, Gilberto. Ingleses no Brasil. Aspectos da influência britânica sobre a vida, a paisagem e a cultura

do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1948. Apud: ABREU, Márcia; VASCONCELOS, Sandra; VILLALTA,
Luiz Carlos; SCHAPOCHNIK, Nelson. Op. cit.
106 ROCHA, Débora Cristina Bondance. Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro: Um Ambiente para
leitores e leituras de romance (1833-1856). Dissertação (Mestrado) -Teoria e História Literária, Universidade
Estadual de Campinas, Campinas, 2011.
107 ABREU, Márcia. Leituras no Brasil colonial. Remate de Males, revista do Departamento de Teoria Literária
do Instituto de Estudos da Linguagem-UNICAMP, Campinas – SP, nº22, 2002.
62

O acervo contém, ainda, três edições de Historie de Gil Blas de Santillane (1717-1735),
de Alain René Lesage, publicadas em francês nos anos de 1788, 1838 e 1864. O grande número
de edições dessa mesma obra nos catálogos provavelmente se deve ao sucesso que esta obteve
desde o século XVIII, inclusive em terras brasileiras. O levantamento feito por Abreu mostra
como esse romance já estava entre os mais remetidos para o Brasil desde o período anterior à
transferência da Corte portuguesa. Entre os anos de 1769 e 1807, há registro de 21 requisições
dessa obra à Mesa Censória, o que a coloca em quarto lugar na lista de requerimentos. No
levantamento referente às solicitações de 1808 a 1826, esse livro continua entre as que mais
aparecem, com 50 solicitações 108. Além disso, esse título está entre os mais requisitados na
Biblioteca Nacional entre 1833 e 1840 109 e foi um dos mais anunciados no Jornal do
Commercio entre 1827 e 1844110 e no jornal The Times, entre 1800 e 1820111.
A presença de diversas edições das mesmas obras indica que elas continuaram sendo
editadas e traduzidas muito tempo após sua primeira edição, permitindo que os mesmos títulos
fossem adquiridos por diferentes gerações da família imperial brasileira. Muitas podem ser as
causas dessas reedições. Em alguns casos, é o sucesso de público que faz com que a obra seja
constantemente impressa pelos livreiros, que buscam o lucro com as vendas. Outras vezes,
algumas obras que foram muito bem avaliadas pelos críticos desde a sua primeira edição podem
ter entrado para uma espécie de cânone literário, o que fez com que continuassem a ser
produzidas, editadas e exportadas por um longo período de tempo.
Os romances de origem portuguesa também estão presentes, ainda que com poucas obras,
no acervo imperial. Dentre os autores de língua portuguesa do catálogo destacam-se o português
Alexandre Herculano, com dois de seus romances, ambos traduzidos para o espanhol: Eurico
el Presbitero (em uma tradução de 1875) e El Monje del Cister (tradução de 1877). É
interessante notar como os livros desse autor de língua portuguesa não foram adquiridos na
versão original pela família imperial do país que tinha essa língua como materna. Esse dado
pode ter relação com a formação cultural elevada dos membros da elite, que falavam outras
línguas além do português, e também é uma evidência de que, mesmo entre as línguas de menor

108 Idem.
109
ROCHA, Débora Cristina Bondance. Op. cit.
110 MANÇANO, Regiane. Livros à venda: Presença de romances em anúncios de jornais. Dissertação de
Mestrado defendida no Instituto de Estudos da Linguagem/Unicamp sob a orientação da Profa. Dra. Márcia Abreu.
Campinas (SP): IEL/UNICAMP, 2010.
111 FRANCISCON, Taís. Op. cit.
63

destaque na circulação de impressos no século XIX, como o português e o espanhol, as obras


eram traduzidas e importadas.
Entre autores de língua portuguesa na biblioteca estão também os brasileiros Pedro
Ribeiro Vianna, que aparece com seu romance O Roubo de um Diamante (edição de 1881),
João Manuel Pereira da Silva (1817-1898), com Jeronimo Corte Real (edição de 1865) e
Machado de Assis, com uma edição de 1884 de seu livro Histórias Sem Data.
Os dados sobre os romances e romancistas que mais se destacam na biblioteca imperial
mostram como, em um acervo da elite brasileira do século XIX, livros de diversos estilos e
períodos conviviam e eram adquiridas ao mesmo tempo: o acervo contém romances históricos,
obras provenientes de publicações em folhetim, autores com sucesso de público, traduções para
diversas línguas, obras muitas vezes reeditadas e obras publicadas apenas uma vez etc. Esses
dados se opõem, mais uma vez, às afirmações de grande parte das histórias literárias de que
haveria uma estética predominante em cada período literários, uma cronologia e uma
preferência dos leitores. A partir das informações apresentadas, é possível perceber como a
família imperial, como os outros leitores do período, formaram o seu próprio repertório de
leitura, que poderia conter ou não os autores que posteriormente seriam canonizados.

1.2.2 A Presença de romances no documento Livros pertencentes à sua Majestade a


imperatriz e que se encontram em seu gabinete

O documento Livros pertencentes à sua Majestade a imperatriz e que se encontram em


seu gabinete, parte do Acervo de Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de
Janeiro, contém uma lista de 305 obras que se encontravam no gabinete da imperatriz Teresa
Cristina Maria na época em que ele foi escrito, das quais 60 (19,6%) correspondem às obras
ficcionais. Esse documento não pode ser considerado uma fonte precisa de informações sobre
os livros que a imperatriz leu ou possuiu durante a sua vida. No entanto, ele representa uma
fonte de indícios sobre os romances que estiveram mais próximos da imperatriz durante a sua
estadia no palácio de São Cristóvão e representa uma interessante fonte de comparação com o
acervo maior do biblioteca, que foi analisado anteriormente.
É interessante notar que a porcentagem de obras ficcionais na lista de livros da imperatriz
é bem maior do que a da biblioteca de toda família, que corresponde a apenas 2,8% do total.
Esse dado pode significar que a esposa de Pedro II se interessava pelo gênero, ou até que ela
tinha o costume maior de ler romances quando estava em seu gabinete, e não na biblioteca do
64

palácio. Ainda assim, é preciso considerar que isso não significa que a imperatriz leu as obras
que estavam seu gabinete, mas apenas que determinadas obras eram associadas a ela dentro do
palácio.
Antes de começar a análise desse catálogo, também é preciso levar em consideração que
as obras do gabinete da imperatriz foram doadas juntamente com os outros livros do palácio de
São Cristóvão para a Fundação Biblioteca Nacional, o que faz com que algumas delas estejam
também na lista de livros da biblioteca imperial. O fato de nem todas as obras desse catálogo
fazerem parte do acervo maior mostra como nem todos os livros da família imperial do Brasil
foram doados para a Biblioteca Nacional: alguns deles desapareceram após a expulsão dessa
família, provavelmente devido a roubos, leilões, ou até ao fato de Pedro II e outros membros
da nobreza terem levado consigo alguns exemplares para o exílio, e outros encontram-se em
coleções de outras bibliotecas e museus, que não foram estudadas nesta pesquisa.
Ainda assim, é possível utilizar a lista para encontrar alguns indícios de semelhanças e
diferenças entre o catálogo geral dos livros de toda a família imperial e os livros que estavam
no gabinete da imperatriz, e que podem refletir algumas de suas características como leitora. A
suposição de que essa lista de livros possa revelar algum tipo de escolha ou preferência por
parte da imperatriz Teresa Cristina baseia-se na existência alguns documentos, encontrados
também no Acervo de Manuscritos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que mostram que,
para que um livro mudasse de cômodo no Palácio, ou fosse transferido para o gabinete pessoal
de algum dos membros da família imperial, era necessário o preenchimento de um
requerimento. Esses documentos indicam que era necessário o pedido ou a aprovação dos
membros da família para que um livro entrasse ou deixasse seus aposentos. Exemplo desse tipo
de requerimento é o documento “Saída dos livros pertencentes à Sua Majestade a imperatriz” 112,
datado de 1864, que registra a saída de dois exemplares das Obras de Lamartine do gabinete
da imperatriz, que foram um para o gabinete da princesa Isabel e outro para o da princesa
Leopoldina. No final, há a indicação de que essa troca de livros ocorreu “por ordem da mesma
Augusta Senhora”113. Documentos como esse mostram que, ao menos em alguns casos, era
necessária a permissão da imperatriz para que livros entrassem ou saíssem de seu gabinete, o
que leva a supor que grande parte dos livros que estavam em seus aposentos permaneciam ali
por escolha dela.

112 Documento parte do acervo da seção de Manuscritos da Fundação Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro.
113 Museu imperial/Instituto Brasileiro de Museus/MinC - Requerimento de Autorização nº12/2014
65

Outro dado que pode sugerir que os livros que a imperatriz mantinha em seu quarto eram
resultados de algum tipo de escolha é a atualidade de seu acervo. Ao comparar a data das
edições dos livros da imperatriz com a data das edições da biblioteca do palácio, é possível
perceber uma grande diferença em relação à idade dos livros que as compunham:

Gráfico 6 - Obras por década no Gabinete da imperatriz

Ao contrário do conjunto de livros biblioteca imperial, cujo livro mais antigo é da década
de 1770, os livros do gabinete parecem estar presentes em edições contemporâneas à própria
imperatriz. Esse dado pode significar que a lista possua livros obtidos em nome dela, no período
em que ela estava viva e residia no palácio. A lista contém, assim, apenas livros editados a partir
da década de 1830, sendo o mais antigo deles o romance Le Lorgnon, de Émile de Girardin,
publicado em 1832.
Outro fato interessante a ser analisado em relação a esse catálogo é a língua em que foram
publicadas as edições. Nota-se, novamente, a grande predominância francesa, que pode ser
melhor visualizada pelo gráfico a seguir, que mostra a quantidade de obras originais e
traduzidas por língua:
66

Gráfico 7 - Quantidade de Obras Originais e Traduzidas no Gabinete da imperatriz

A partir do gráfico, é possível perceber que, como acontece na biblioteca imperial, a


língua francesa está presente na maior parte das obras ficcionais do acervo e se destaca tanto
como língua original de publicação quanto de tradução. Esse fato remete mais uma vez à
utilização do francês pela monarquia não apenas do Brasil, mas de grande parte dos reinados
do mundo ocidental. No que diz respeito à segunda língua que mais aparece na lista, o italiano
(11 obras), é provável que essa escolha responda a uma preferência da imperatriz por livros na
sua língua materna. Nascida no Reino de Nápoles, a imperatriz poderia manter contato com a
língua italiana por meio da posse de romances dos escritores dessa nacionalidade. Dos 11
romances em língua italiana presentes no gabinete da imperatriz, 10 foram escritos
originalmente nessa língua por escritores italianos, conforme a tabela abaixo:

Nome do autor Título das obras presentes Ano da edição


no catálogo da imperatriz
Alessandro Manzoni I Promessi Sposi 1873
Giovanni Rosini Luisa Strozzi (storia del 1850
secolo XVI)
La Monaca di Monza 1846
Giuseppe Rovani La Libia d’oro 1868
67

Roberto Stuart La Marchesa di Santa Pia 1877


Pericles Kiko La Alba e la Notte 1876
Antonio Balbiani I Fligli di Renzo Tramaglino 1876
e di Luxia Mondella
Cesare Cantú Margherita Pusterla 1840
Giacinto da Belmonte Quatro Santi ed um Beato 1882
Giulio Carcano Dolinda di Montorfano 1845
Tabela 2: romances originalmente italianos na lista de livros da imperatriz

Quanto ao local de edição das obras, a capital francesa se destaca novamente, o que pode
ser observado no gráfico abaixo:

Gráfico 8 - Quantidade de obras editadas por cidade

A cidade de Paris é o local de edição de muitas das obras editadas em francês e também
de algumas editadas em inglês e italiano, como três das obras de Maria Edgeworth, datadas de
1836 e uma de Walter Scott, de 1838, além de La Monaza di Monza e Margherita Pusterla, de
Césare Cantu. Esse dado mostra, mais uma vez, como não há relação direta entre o local de
edição de uma obra e a sua língua de publicação. Outra cidade que aparece no acervo é
Bruxelas, onde também foram editados quatro romances de Eugène Sue, um de Émile de
68

Girardin e um de Joseph Méry. Já as cidades italianas de Milão e Florença são origem de


algumas das edições dos autores de origem italiana.
A França também se destaca na lista de livros da imperatriz quando levamos em
consideração a nacionalidade dos escritores. Nesse catálogo, é possível notar que alguns dos
autores com o maior número de obras são franceses, e muitos deles são os mesmos que se
destacam na biblioteca imperial, compartilhada pelos moradores do palácio. O escritor Eugène
Sue, por exemplo, que aparece com 11 romances em língua francesa na biblioteca imperial, tem
quatro obras no catálogo dos livros da imperatriz, todas elas em língua original: L’Envie, de
1848, Le Colère, de 1849, Mathilde, de 1843 e L’Orgueil, de 1848. É interessante notar como
esse escritor, que fez grande sucesso entre o público amplo do Brasil, tendo sido inclusive
publicado em folhetim, também está presente na biblioteca particular da imperatriz: isso mostra
como não havia grandes variações entre os romances escolhidos para leitura pela aristocracia e
pelo público mais amplo, e como alguns dos dados analisados sobre a biblioteca imperial, como
a presença de diversas obras publicadas em Paris e de autores populares, se repete na biblioteca
particular da imperatriz.
Entre as romancistas mulheres do catálogo estão a Madame Augustus Craven, com dois
de seus romances em língua original: Le Mot de l’Énigme, em uma edição de 1880, e Éliane,
editado em 1882, e a inglesa Maria Edgeworth, com Rosamond, Frank e Harry and Lucy
publicados na língua original inglesa e editados em 1836, e Demain, em tradução francesa de
1856. As três primeiras edições, que estão em inglês, são as que também apareceram no
catálogo estudado da biblioteca imperial: sabe-se, portanto, que elas pertenciam à imperatriz
Teresa Cristina, que as mantinha em seu gabinete. Nota-se, mais uma vez, que uma escritora
inglesa de grande circulação entre o público amplo de diversos países foi escolhida
(provavelmente pela própria imperatriz) para fazer parte de uma coleção pessoal da nobreza
brasileira.
Outro escritor de língua inglesa e de grande circulação que se destaca é o escocês Walter
Scott, que aparece com o seu romance em inglês The Abbot, em uma edição parisiense de 1838
e Ivanhoe, em uma tradução francesa de 1838. O autor tem, ainda, no catálogo do gabinete da
imperatriz, três volumes de suas obras completas em francês (publicadas nos anos de 1840,
1844 e 1848). Nota-se que essas edições dos romances de Walter Scott são diferentes das que
foram encontradas na biblioteca imperial no que se refere à língua e ao ano de publicação.
Enquanto no acervo maior o autor aparece 19 vezes, sendo 16 delas em traduções alemãs e 3
em traduções francesas, predominantemente editadas no início do século, no catálogo da
69

imperatriz ele aparece em edições mais recentes, sendo uma delas em língua inglesa. Esse
romance em língua original, The Abbot, também aparece na biblioteca do palácio, mas apenas
na tradução alemã de 1823, Der Abt. Esses dados podem servir como indício de que os
romances de Walter Scott agradaram a pessoas de gerações diferentes dentro do palácio
imperial, e de que um mesmo romance seu possa ter sido lido em língua diferentes em diferentes
décadas do século XIX. Além disso, essa informação mostra como os leitores que frequentam
um acervo podem influenciar nos livros que ele contém, de acordo com as línguas que dominam
e com as suas preferências e escolhas literárias.
Porém, se existem padrões que se repetem entre a biblioteca imperial e os Livros
pertencentes à Sua Majestade a imperatriz, também existem diferenças entre os dois catálogos.
O escritor francês Alexandre Dumas, Filho, por exemplo, que não aparece na biblioteca
imperial, tem quatro de suas obras no catálogo do gabinete da imperatriz, todas elas em francês:
Antonine (edição de 1857), Le Docteur Servant (edição de 1856), Tristan le Roux (edição de
1856) e a edição em um mesmo volume das novelas Diane de Lys, Ce qu’on ne sait pas,
Grangette e Une Loge à Camille, publicadas também em 1856. O catálogo apresenta ainda
obras dos escritores franceses Paul Féval e Henry de Kock, que não estão presentes no catálogo
da biblioteca imperial.
As diferenças entre essa lista de livros e o catálogo do restante da biblioteca imperial
podem ser indícios das preferências de leitura da imperatriz, que solicitava as obras que vinham
para o seu gabinete e que pode ter se interessado por romances e autores diferentes do que os
que agradavam ao restante da família. Porém, é difícil saber se todas as obras que lá estavam
foram frutos de pedidos pessoais da imperatriz, ou se ela realmente se interessava por esses
autores: ainda assim, esse catálogo torna um pouco mais fácil ligar os livros a uma única pessoa
e chegar mais perto de compreender quais romances eram lidos pela elite brasileira do século
XIX.

1.3 Uma comparação entre romances que pertenceram à família imperial do


Brasil e da Rússia

Como dito anteriormente, os dados utilizados nesta pesquisa sobre os livros que
pertenceram à família imperial russa estão muito aquém da real quantidade de obras que seus
membros possuíram ao longo da vida, correspondendo apenas a uma pequena parcela do que
foi a coleção imperial. Essa parte dos livros foi adquirida por um livreiro americano no início
do século XX e está disponível atualmente no catálogo da Biblioteca do Congresso, dos Estados
70

Unidos. O acervo analisado nesta pesquisa conta com aproximadamente 1.360 livros que
pertenceram às famílias dos imperadores Alexandre III e Nicolau II, que viveram entre o final
do século XIX e o início do século XIX. Desse total de obras observado, cerca de 60 obras
(4,4%) são ficcionais. Esse número, apesar de pequeno, pode trazer alguns indícios sobre alguns
dos títulos que pertenceram aos membros dessa família e das edições que circularam entre a
elite russa do período.
Apesar da grande diferença entre o número de obras de ficção da biblioteca imperial
(cerca de 665), anteriormente analisada, e dessa biblioteca, é interessante notar como as
porcentagens que elas representam diante do todo do acervo são parecidas. Na biblioteca
brasileira, os 665 livros correspondem a apenas 2,7% do total, número ainda menor do que o
do acervo russo.
O pequeno número de obras ficcionais (se comparado ao restante da biblioteca), pode ser
resultado de diversos fatores, sendo o principal deles o recorte da pesquisa (que se restringe aos
livros adquiridos pelos Estados Unidos e cujas informações estão disponíveis online). Ainda
assim, esses dados são o suficiente para mostrar que a posse de romances – e também a sua
leitura, como veremos mais adiante – era algo comum não apenas entre os membros da família
imperial brasileira, mas também ocorria entre pessoas da nobreza de outros países.

1.3.1 As Línguas e locais de edição de destaque

Para compreender melhor a formação da parte da biblioteca russa, que servirá como fonte
de comparação à do Brasil, é preciso verificar quais são as datas de publicação dos seus
romances, o que pode trazer indícios sobre a época em que eles foram adquiridos pelos
membros da família imperial russa. O gráfico abaixo contém a quantidade de romances por
década no acervo:
71

Gráfico 9: Número de Obras Ficcionais por Década na Biblioteca imperial russa

A partir do gráfico, é possível perceber que os romances pertencentes a essa parte da


biblioteca imperial russa são recentes e, em sua maioria, contemporâneos aos leitores que
possuíam os livros e que eram membros das famílias do imperador Alexandre III, que viveu
entre 1845 e 1881, e do imperador Nicolau II, que viveu entre os anos de 1868 e 1918. Dessa
forma, esses dados coletados se opõem às informações analisadas sobre biblioteca imperial do
Brasil: enquanto no acervo brasileiro o livro mais antigo foi editado pela primeira vez na década
de 1770, a edição mais antiga na biblioteca russa são as Nouvelles, de Sophie de Arbouville,
editadas em 1843. Essa falta de edições antigas está relacionada, muito provavelmente, ao
recorte do catálogo que está sendo analisado, e que é muito específico. É provável que as obras
raras que pertenciam à aristocracia russa não tenham sido vendidas à Biblioteca do Congresso:
elas podem ainda estar com colecionadores particulares russos, ou fazerem parte dos livros que
ainda se encontram no palácio imperial em que a família morava, em cuja biblioteca algumas
obras ainda estão preservadas 114.
Para compreender a antiguidade da biblioteca, também é preciso levar em consideração
as datas de suas primeiras edições. As obras mais antigas presentes nessa lista de livros são Les
Mille et un Jours, de Petit de La Croix, publicado pela primeira vez em 1710 e presente na
biblioteca em edição de 1844, e Paul e Virginie, de Bernardin de Saint Pierre, cuja primeira

114 Parte da biblioteca de Nicolau II hoje faz parte do Hermitage Museum, em São Petersburgo, e ainda pode ser
visitada. Ver:
http://www.hermitagemuseum.org/wps/portal/hermitage/explore/buildings/locations/room/B10_F2_H178.
Acesso em: 11 mai 2017.
72

edição é de 1788, e que está no catálogo em uma publicação de 1907. Nota-se, a partir desses
dados, que a lista de livros da elite russa era mais recente do que a do Brasil também no que se
refere à data de publicação original das obras: enquanto, na biblioteca do Brasil, a obra mais
antiga foi publicada pela primeira vez no século XVI, o livro mais antigo no catálogo russo é
do século XIX.
É interessante destacar, no entanto, a diferença de datas entre a data de publicação original
das obras citadas acima e a data da edição adquiria pela família imperial russa. A grande
diferença temporal entre elas pode refletir o grande sucesso de público ou de crítica que elas
tiveram, ou o potencial de venda delas segundo algum livreiro ou editor. Sabe-se que Les Mille
et un Jours é um livro que fez grande sucesso no século XIX, tendo chegado inclusive ao Brasil,
onde um de seus contos foi traduzido e publicado no Novo Correio de Modas, em 1854115 e
que, ao menos por meio da biblioteca da família imperial, também chegou à Rússia.
O sucesso e a difusão de Paul e Virginie na França e em outros países da Europa é visível
pelas informações que restam até os dias de hoje sobre as suas diversas reedições. Segundo os
dados recuperados pelo CITRIM, esse livro teve 28 edições em francês entre 1788 e 1825, e 24
traduções para outras línguas entre 1811 e 1905, sendo cinco delas para o inglês e 19 para o
português. Além disso, essa obra foi adaptada para o teatro diversas vezes e era muito frequente
em anúncios de jornais brasileiros (como o Jornal do Comércio e a Gazeta do Rio de Janeiro)
e estrangeiros (como o La Presse e o The Times) entre 1800 e 1863, além de estar presente em
catálogos de bibliotecas brasileiras e portuguesas e em catálogos de livreiros. Sua presença na
biblioteca imperial da Rússia indica que o seu sucesso também chegou, de alguma forma, a esse
país, onde pôde ser adquirido por membros da nobreza.
Outros romances que foram adquiridos em um período muito posterior à sua primeira
edição são Le Père Goriot, de Balzac (publicado pela primeira vez em 1834 e presente em
edição de 1885), Monsieur de Camors, de Octave Feuillet (publicado em 1867 e presente no
acervo em edição de 1885), L’Attaque du Moulin, de Émilie Zola (publicado em 1880 e
adquirido em 1901) e Mauprat, de Georges Sand, que foi publicado originalmente em 1837 e
obtido pela família russa apenas em edição de 1886. Uma das razões pelas quais esses livros
podem ter continuado a ser publicados muito tempo após sua edição original pode ser, como
nos casos mostrados anteriormente, o seu sucesso de público ou de crítica no período. Segundo
os dados do CITRIM, algumas dessas obras tiveram muitas edições desde sua publicação. É o

115DONEGÁ, Ana Laura. Publicar ficção em meados do século XIX: Um Estudo das revistas femininas editadas
pelos Irmãos Laemmert. Dissertação (Mestrado em Teoria e História Literária) – IEL/UNICAMP, 2013.
73

caso de Le Père Goriot, que tem 31 publicações cadastradas, publicadas em francês entre 1834
e 1913. Além disso, a obra teve traduções para o inglês em 1897 e 1902 e foi anunciada 12
vezes no jornal francês La Presse, entre 1839 e 1847, além de estar presente no catálogo da
Livraria Garnier de 1857 e no catálogo da Michel Lévy Fréres Editeurs de 1871.
A obra Mauprat, de Georges Sand, também tem muitos indícios de circulação no
CITRIM, pois possui edições em francês de 1837 e 1886 cadastradas, duas traduções para o
português (uma de 1846 e uma não datada), foi anunciada no La Presse em 1837 e 1841 e
estava presente, no Brasil, no catálogo de 1866 da Biblioteca Flumiennse, no catálogo dos livros
do Gabinete Português de Leitura de 1858, nos catálogos de 1865 e 1866 da livraria Garraux e
em catálogos publicados no interior de livros pela Michel Lévy Frères Editeurs nos anos de
1860, 1863, 1871 e 1875.
Os indícios de circulação mencionados podem indicar que havia uma relação entre os
títulos adquiridos pela família de Nicolau II e as obras que tiveram muitas edições em língua
original no século XIX, e foram traduzidas, anunciadas, adquiridas por bibliotecas e vendidas
por livreiros do Brasil e de outros países. Ou seja, a família imperial russa, assim como a
brasileira, parece ter entrado em contato com obras que fizeram sucesso de público ou de crítica
e que estavam circulando no mercado internacional. Além disso, a presença dessas obras no
acervo mostra como na Rússia também não havia uma estética dominante, que mudava depois
de alguns anos e que atraía exclusivamente o gosto dos leitores. Dessa forma, muitas obras
estrangeiras continuavam a ganhar novas edições, que circulavam e eram adquiridas por leitores
deste e de outros países em um período muito posterior à sua edição original.
Nesses dados sobre a biblioteca imperial da Rússia, também foram encontrados muitos
casos de romances que foram adquiridos em sua primeira edição. Esse é o caso de Une Femme
Gênante (1875) de Gustve Droz, Monsieur le Marquis (1888), de Charles Mérouvel, Madame
Obernin (1870), de Hector Malot, Noir et Rose (1887), de Georges Ohnet, Le Pavé d’Amour,
de Jean Aicard (1892), The Prince of India or Why Constantinople Fell (1893), de Lew
Wallace, entre outros. A presença desses romances em edição original não significa
necessariamente que eles tenham sido adquiridos assim que foram publicados: eles podem ter
sido comprados ou ganhados posteriormente, por outros meios. Assim, eles podem ser indícios
de que o imperador Nicolau II, como o imperador Pedro II, se mantinha atualizado ou
encarregava terceiros de se atualizarem sobre o que estava sendo publicado em Paris e comprar
os livros que poderiam lhe interessar. Essa informação é confirmada pelo relato de A. A.
Mosolov, que trabalhou no palácio imperial russo e escreveu em seus livros de memórias que
74

“o chefe da biblioteca privada [de Nicolau II], Mr. Scheglov, era responsável de providenciar
ao Tsar aproximadamente vinte dos melhores livros do mês” 116. Dessa forma, é possível que
tenha sido o bibliotecário do imperador o responsável pela aquisição das obras que haviam
acabado de sair e que talvez estivessem recebendo críticas positivas dos letrados do período.
Para que se compreenda melhor como se deu a circulação de obras estrangeiras na Rússia
e sua aquisição pela biblioteca da nobreza, é preciso levar em consideração as línguas e locais
de edição presentes nesse acervo. Abaixo, é possível observar os gráficos das línguas de edição
(língua em que a obra está na biblioteca) e línguas originais (em os livros foram originalmente
publicados) dos romances desse acervo:

Gráfico 10: Quantidade de obras por língua de edição nos livros pertencentes à família
imperial russa

116MOSSOLOV, A. A. Op. cit. No original: “The head of his private library, Mr. Scheglov, was expected to
provide the Tsar with about twenty of the best books of the month”. Tradução minha.
75

Gráfico 11: Quantidade de obras por língua original nos livros pertencentes à família imperial
russa

A primeira característica que é possível notar, a partir do gráfico, é que a parcela da


biblioteca russa estudada tem romances editados em poucas línguas, se comparada ao acervo
brasileiro (e que contém obras em seis línguas diferentes, incluindo o alemão, o italiano, o
português e o espanhol). Esse dado pode ser reflexo da parcela da biblioteca analisada ou, caso
essa lista de livros possa ser considerada uma amostra da biblioteca maior, refletir as escolhas
ou a formação dessa família imperial, que tinha facilidade em ler romances em língua francesa.
Dessa forma, é possível notar que há um menor número de traduções nessa biblioteca e que ela
contém uma predominância de obras em francês tanto como língua original quanto como língua
de tradução, o que é um indício de que a França estendia sua grande produção e exportação de
romances não apenas em direção às Américas, mas também em direção ao leste europeu,
atingindo a Rússia.
Esses dados mostrariam, assim, que os membros da família imperial russa, como os da
brasileira, provavelmente tinham conhecimento da língua francesa, que fazia parte de seus
currículos de estudo, podendo entrar em contato com romances franceses em sua versão
original. Em seu livro A República Mundial das Letras, Pascale Casanova escreve sobre a
grande importância da língua francesa no século XIX, especialmente na Alemanha e na Rússia.
Segundo essa autora:
76

O francês torna-se quase uma segunda língua materna nos meios


aristocráticos na Alemanha ou na Rússia; em outros lugares, torna-se
uma espécie de segunda língua de conversa e da “civilidade” (...).
(...) o francês impõe-se a todos sem o concurso de nenhuma autoridade
política, como a língua de todos, para todos, a serviço de todos, língua
da civilidade e da conversa refinada, cuja “jurisdição” estende-se a toda
a Europa117.

Essa grande expansão da língua francesa como língua principal nos meios aristocráticos fez
com que ela chegasse tanto à corte russa quanto brasileira, fazendo parte, como já foi dito, da
base da formação educacional tanto da família imperial do Brasil quanto dos nobres da Rússia,
e permitindo que a nobreza dos dois países tivesse acesso aos mesmos romances, na mesma
língua.
Como é possível observar nos gráficos, a grande maioria dos romances em língua
francesa está presente na listagem de livros em língua original, com exceção de dois títulos:
Emmanuel-Philibert à Pignerol, que é uma tradução de 1895 de um romance escrito
originalmente em italiano pelo escritor Edmondo d’Amicis e L’Ennemi des Femmes, obra
traduzida do autor austríaco Leopold von Sacher-Masoch, em 1879. A aquisição dessas obras
por meio de traduções provavelmente se deve ao fato de que o italiano e o alemão não eram as
línguas em que alguns dos membros da família imperial russa tinham mais facilidade em
realizar as leituras. Segundo Mosolov, o alemão era língua menos familiar ao imperador e à sua
esposa118, afinal, como já visto anteriormente, apesar de a imperatriz Alexandra ter nascido em
território alemão, toda a sua educação foi realizada em língua inglesa e ela se comunicava
apenas em inglês nas cartas com seu marido, além de fazer com que a cultura da Inglaterra
estivesse sempre presente no cotidiano das filhas 119.
Devido a esse fato, é curioso que a parte do catálogo estudada conte com quatro obras em
língua inglesa, das quais três fazem parte do gênero literatura infantil e apenas uma foi feita
para os leitores adultos: The Prince of India or Why Constantinople Fell, datada de 1893
(mesmo ano da sua primeira edição), um romance histórico do escritor americano Lew Wallace,
que se passa no ano de 1453, no período da queda de Constantinopla. A presença desse romance

117 CASANOVA, Pascale. A República mundial das letras. São Paulo: Estação Liberdade, 2002. p. 92
118 MOSSOLOV, A. A. Op. cit.
119 Ver: RAPPAPORT, Helen. Op. cit. STEINBERG, Mark D. & KHRUSTALËV, Vladmir M. Op. cit.
77

pode ser um indício de que não apenas as obras escritas por autores europeus chegaram à
biblioteca da elite russa, mas também obras de um escritor do continente americano, e que foi
editada em Londres.
As outras três obras em inglês presentes na biblioteca e que são dedicadas a um público
infantil são Little Men, de Louisa May Alcott, em edição da década de 1900, Scroodles and the
Others, de Barré Goldie, em edição de 1903 e Grimm’s and Hans Andersen’s Fairy Tales, em
edição de 1906. O fato de se tratarem de edições do início do século XX pode significar que
elas pertenceram aos filhos do imperador que, como veremos mais adiante, tinham o hábito de
compartilhar momentos de leitura com o pai.
Existe, ainda, uma outra obra escrita originalmente em inglês na biblioteca, mas que está
presente no acervo em uma edição em russo: trata-se de Kniga Chudes, uma tradução de
Wonder Book for Girls and Boys, livro também dedicado às crianças, escrito pelo americano
Nathaniel Hawthorne em 1851. A presença dessa tradução, editada em 1914, em São
Petersburgo, parece confirmar que obras ficcionais de autores do continente americano
chegavam até a Rússia, seja em edições feitas na Europa ou no próprio país.
A outra língua que aparece na biblioteca, mas com poucas obras, é o russo, que é a língua
de edição de nove livros, dos quais oito foram escritos originalmente nessa língua. Trata-se de
Na Rodnoi zemlie, de 1903 e autor desconhecido, Sila Svieta, de 1899 e também de autor
desconhecido, Khlieb e Tri Kontsa, de Mamim-Sibiriak, em edição de 1896, Moia Knizhka, de
M. A. Lvova (edição de 1906), Liubitie Zhivotnykh, de E. V. Turkin (edição de 1912),
Volshebnyi Rodnik, de Vera Novitskaia (edição de 1916), Voina i Mir [Guerra e Paz], de
Tolstoi, e a já citada Kniga Chudes. A pouca presença de obras em russo na biblioteca pode ser
um reflexo do pequeno recorte do total do acervo que está sendo utilizado nessa pesquisa:
afinal, como veremos no capítulo três, a Família imperial russa parece dedicar grande parte do
seu tempo livre lendo obras ficcionais de autores russos e que foram editadas nessa língua.
O acervo da biblioteca imperial do Brasil também continha obras publicadas
originalmente em russo, em traduções para outras línguas. Provavelmente devido à valorização
da literatura russa na França do final do século XIX, a biblioteca da nobreza brasileira contava
com três obras de Tolstói e Liza, de Ivan Turgueniev, traduzidas para o inglês ou para o francês,
o que as tornava acessíveis a esse público que não havia recebido educação em russo. Assim, é
possível perceber que a Rússia não só recebia traduções e obras originais de autores europeus
e americanos, mas também exportava suas obras no final do século, que eram traduzidas e
chegavam a outros continentes, atingindo inclusive a aristocracia brasileira.
78

Outros dados que podem confirmar a grande circulação de romances no século XIX
entre diversos países e continentes são os referentes aos locais de edição das obras, que podem
ser vistos no gráfico a seguir:

Gráfico 12: Local de edição das obras pertencentes à família imperial russa

O gráfico acima mostra as cidades de edição referentes aos livros da família imperial
russa. É possível perceber que, por ter edições em menos línguas do que a biblioteca do Brasil,
esse acervo também apresenta um número bem menor de cidades de edição. Porém, um dado
que se destaca tanto na biblioteca russa quanto na brasileira é a grande predominância francesa:
mais da metade das obras dos acervos foram editadas em Paris. Foi a partir da capital francesa
que grande parte dos romances escritos originalmente em francês ou traduzidos para essa língua
chegaram à Rússia. A França e, mais especificamente, sua capital, é reconhecida como um dos
grandes centros de tradução, produção e exportação de romances, sendo inclusive chama, por
Casanova, de “capital do universo literário” 120. Devido a isso, é fácil entender porque esse país
predomina nas bibliotecas da nobreza do período, que poderia adquirir essas obras por meio de
exportação ou por meio de livreiros que operassem em seus países.
Ao compararmos o gráfico 12 com os gráficos 10 e 11 é possível perceber que, de
maneira semelhante ao que foi analisado em relação ao acervo brasileiro, nem todas as obras

120 CASANOVA, Pascale. Op. cit, p. 162.


79

em francês da listagem de livros da Rússia foram editadas em Paris. Algumas delas foram
editadas em outros locais da França, como a edição de La Fauvette et le Pinson, de Madame E.
Wagner, editada em 1883 em Epernay e a publicação de 1885 de Le Petit Marquis, de Georges
Dupouy, publicada em Bordeaux. Também existem obras em francês que foram editadas em
outros locais da Europa. Esse é o caso de Emmanuel-Philibert à Pignerol, tradução para o
francês de um romance de Edmondo de Amicis, que tem Genebra como local de edição (e data
de 1895). Outra obra editada em francês em Genebra é Souvenirs de Noël, de Félix Bungener,
publicada na década de 1870. Essa parcela da biblioteca imperial russa não possui, como a do
Brasil, obras em língua francesa editadas em Bruxelas, cidade conhecida por publicar obras
fruto de contrafação. Porém, não há dados suficientes que permitam verificar se essas obras não
chegavam à Rússia ou não eram adquiridas pelos membros da nobreza desse país.
Outro romance francês que não foi publicado na França é a edição de Paul e Virginie,
de 1907, que foi editada na cidade de Londres, mostrando, assim, como a língua francesa estava
presente em edições de todos os lugares do mundo. Londres também é a cidade de edição de
todas as obras em inglês que compõem o acervo (tanto as de autores britânicos quanto as de
autores nascidos nos Estados Unidos, como Lew Wallace e Louisa May Alcott). Segundo
Casanova, Londres era, junto com Paris, um centro de exportação de romances no século XIX,
representando uma “outra capital da literatura, e isso não apenas em virtude de seu capital
literário, mas também graças à imensidão de seu antigo império colonial” 121.
As cidades russas de Moscou e São Petersburgo são, por sua vez, a origem das obras
escritas originalmente em russo. São elas: Voina i Mir [Guerra e Paz], de Tolstoi, publicada
em Moscou em 1912, Khlieb, de Mamin-Sibiriak, publicada em Moskva em 1896 e Na Rodnoi
zemlie e Sila Svieta, ambas de autoria desconhecida e publicadas em 1903 e 1899,
respectivamente, Liubitie Zhivotnykh (datada de 1912), de E. V. Turkin, Moia knizhka (de
1906), de M. A. Lvova e Tri Kontsa (de 1895), de Mamin-Sibiriak, publicadas em São
Petersburgo.
A partir dos dados, é possível perceber que a lista de livros da família imperial russa
contém obras que foram publicadas em uma variedade menor de lugares do que as que
pertenceram ao acervo brasileiro. Provavelmente isso se deve às poucas línguas de edição
existentes nessa parcela coleção que estão, na maioria das vezes, relacionadas aos locais de
publicação dos romances. Dessa forma, o catálogo russo não possui obras editadas em Leipzig

121 Idem, p. 151.


80

ou Dresden, que são a origem de boa parte das obras em alemão na biblioteca do Brasil, e no
Rio de Janeiro e em Lisboa, que são os locais de edição das obras em português.
Da mesma maneira, a parte da biblioteca brasileira estudada não contém obras
publicadas em São Petersburgo e Moscou, origem das obras escritas na língua russa. Apesar
das diferenças, os dados analisados são indícios da semelhança da predominância francesa e
europeia nos acervos e da circulação de impressos no período em que elas foram formadas.
Apesar de as bibliotecas terem sido formadas no Brasil e na Rússia, elas contêm poucas obras
editadas no Rio de Janeiro e em cidades russas, como São Petersburgo e Moscou. A pequena
amostra das bibliotecas que foi analisada neste trabalho não permite afirmar que a biblioteca
dos nobres brasileiros realmente não possuía livros das cidades russas mencionadas, ou até que
a biblioteca dos russos não possuísse edições brasileiras de romances. Ainda assim, os dados
permitem perceber que, nas duas cidades, havia um comércio livreiro que permitiu que tanto a
família imperial brasileira quanto a russa formassem um acervo com obras importadas de Paris
e de outras grandes cidades europeias.

1.3.2 Autores e obras nas bibliotecas

Quando analisamos os autores de maior destaque nos catálogos, também é possível


encontrar semelhanças e diferenças entre os livros pertencentes à família imperial russa e
aqueles que fizeram parte do acervo da biblioteca imperial brasileira. Porém, é preciso levar em
consideração, mais uma vez, que nem todos os autores e livros que foram adquiridos pelas
famílias fazem parte dos recortes das bibliotecas que estão sendo estudados nessa pesquisa:
esse estudo analisa apenas parte da biblioteca imperial do Brasil e uma pequena fração da
biblioteca russa, que está disponível no catálogo online da Biblioteca do Congresso. Ainda
assim, esses dados podem trazer indícios sobre quais autores circularam no Brasil e na Rússia
do período e atingiram a elite desses dois países.
Os autores de maior destaque entre os livros da família imperial russa podem ser
observados na tabela abaixo:
81

Nome do autor Obras existentes no catálogo da


Biblioteca imperial russa
Gustave Droz Babolain (edição de 1872)
Les Étangs (edição de 1875)
Une Femme Gênante (edição de 1875)
Charles de Bernard Gerfaut (duas edições, publicadas em
1874 e em 1889)
Sophia d’Arbouville Nouvelles (edição de 1843)
Le Médecin du Village. Une Histoire
Hollandaise (edição de 1847)
Octave Feuillet Monsieur de Camors (edição de 1885)
Les Amours de Philippe (edição de 1877)
Mamin-Sibiriak Khlieb (edição de 1896)
Tri Kontsa (edição de 1895)
Tabela 3: autores mais presentes na listagem de livros pertencentes à família imperial russa

A partir da tabela é possível perceber como a grande maioria dos autores que se
destacam na biblioteca são franceses, o que demonstra mais uma vez a importância da França
como produtora e exportadora de romances no século XIX e mostra como os romances de
escritores desse país eram capazes de chegar a diversos lugares do mundo. O escritor Gustave
Droz, por exemplo, que é o autor com o maior número de obras na biblioteca, foi um escritor
popular na França e em outros lugares da Europa e na América122. Os romances de Octave
Feuillet também alcançaram diversos tipos de público, tendo sido, inclusive, publicados em
folhetim no Brasil, no jornal A Província do Pará123. Além disso, segundo dados do CITRIM,
a sua obra Le Roman d’un Jeune Homme Pauvre parece ter feito grande sucesso, pois possui
23 publicações diferentes associadas a ela e publicadas entre 1858 e 1908 e oito traduções para
o português entre 1858 e 1865. Além disso, essa obra também foi adaptada para o teatro (em
francês e em português) e foi anunciada sete vezes no Jornal do Comércio no ano de 1860,
além de estar presente no catálogo de livros de 1868 do Gabinete Português de Leitura e nos
catálogos da Livraria Azevedo, da Livraria Laemmert e da Michel Lévi Frères, publicados entre

122 WARNER, Charles Dudley. A Library of the world’s best literature. New York: Cosimo Classics, 2008.
123FLOR, Alan & SALES, Germana. A Circulação de Prosa de Ficção na Belém da Segunda Metade do Século
XIX (1876-1900). In: XIV Abralic, 2014, Belém. Anais da XIV Abralic. Belém: UFPA, 2014.
82

1804 e 1875. Todos esses indícios de circulação desse romance parecem refletir o sucesso e a
circulação que essa obra teve, que pode ser sido o motivo que fez com que ela fosse adquirida
pela biblioteca do palácio russo, que era, como a do Brasil, sempre atualizada com as obras que
estavam fazendo sucesso na França e no restante da Europa.
Porém, é preciso levar em consideração que, apesar de essa obra ter feito grande sucesso
no Brasil, a julgar pelos seus indícios de circulação no país, ela não está presente na parcela da
biblioteca imperial analisada. A biblioteca dos nobres brasileiros também não contém obras de
Gustave Droz, Sophie d’Arbouville ou do russo Dmitri Mamim-Sibiriak. Esse último escritor
citado é o único romancista de nacionalidade russa que aparece entre os que mais contém obras
na coleção russa de livros, e está presente no acervo com duas de suas obras: Tri Kontsa e
Khlieb, publicadas em 1895 e 1896, respectivamente. Segundo Ben Hellman, Mamin-Sibiriak
(que significa “Mamin da Sibéria”), se identificava com o movimento do Naturalismo e
escrevia romances tanto para adultos quanto para crianças, nos quais ressaltava as belezas
naturais da Sibéria, que ele costumava contrastar com a imperfeição do mundo dos homens 124.
No Brasil, esse autor parece não ter feito muito sucesso, pois ele não possui nenhum registro
de suas obras no CITRIM.
O único escritor que se destaca na listagem de obras russas e que também aparece na do
Brasil é Charles de Bernard, presente com duas edições em francês (datadas de 1874 e 1889)
de Gerfaut. Na biblioteca do Brasil, o autor também aparece com dois romances em francês:
Le Paravent e L’Écueil, em edições de 1853. Charles de Bernard foi um escritor francês de
romances que obtiveram um grande sucesso de público no século XIX, tanto na França quanto
em outros países. No Brasil, esse escritor alcançou o público amplo ao ser publicado em volume
e em folhetim, traduzido para o português125. É interessante notar como esse autor francês de
literatura popular alcançou dois públicos diferentes e pertencentes à elite com seus livros em
língua original, o francês.
As duas bibliotecas apresentam ainda outros casos de romancistas que circularam entre
a nobreza do Rússia e a do Brasil, como o russo Liev Tolstói. Esse escritor obteve grande
sucesso na Rússia durante sua vida, tanto entre o público mais “popular” quanto em meio a
figuras do alto escalão do governo126. Além disso, Tolstói, que pertencia à nobreza russa,

124 HELLMAN, Ben. Fairy tales and true stories: The History of Russian literature for children and young people.

Boston: Brill, 2013. p.123


125 SANTOS, Márcia Izabel dos. A Literatura como fonte para a história da educação: um estudo sobre a
contribuição dos folhetins franceses na constituição da literatura brasileira. In: XII Congresso Nacional de
Educação, 2015, Curitiba. Anais do XII Congresso Nacional de Educação. Curitiba: PUCPR, 2015.
126 BARTLETT, Rosamund. Tolstoi: A Biografia. São Paulo: Editora Globo, 2013.
83

mantinha contato com membros pertencentes à corte e chegou até a se comunicar por cartas
com o imperador Nicolau II para falar sobre questões políticas 127. Esse autor aparece com
quatro de suas obras em francês na biblioteca imperial do Brasil (A la Recherche do Bonheur,
Anna Karenina, Le Prince Nekhlioudov e Katia, em edições de 1885, 1886 e 1889), e uma
edição de Voina i mir [Guerra em Paz], em russo, de 1912, na biblioteca russa. É interessante
notar como os romances de Tolstói circularam em diversas edições e traduções diferentes ao
longo do século XIX. Mesmo na Rússia, onde o autor foi primeiramente publicado, algumas de
suas obras, como Guerra e Paz, cuja edição original foi lançada entre 1865 e 1869, continuava
ganhando novas edições, como a de 1912, que está presente na coleção russa.
Outro autor que as duas bibliotecas têm em comum é Bernardin de Saint-Pierre, autor
de Paul et Virginie. Esse romance fez grande sucesso de crítica e de público em diversas partes
do mundo durante o século XIX, o que pode justificar sua aparição nas suas bibliotecas nobres
estudadas. No Brasil, ele foi uma das obras impressas pela Impressão Régia no Rio de
Janeiro128, e um dos livros que aparecem com mais frequência nos pedidos de licença
submetidos à Censura portuguesa entre 1808 e 1822129. Essa obra está presente nas duas
bibliotecas na língua original francesa, e em edições de 1863 (na biblioteca brasileira) e 1907
(na biblioteca russa).
Entre os autores franceses que aparecem nos dois catálogos está também Jules Sandeau,
com uma edição de 1907 de suas novelas na biblioteca russa, e com Madame de Sommerville,
de 1847, na biblioteca do Brasil, ambas em francês. Além disso, os catálogos contam com obras
de Georges Ohnet, também em língua original: Noir et Rose, em edição de 1887 no acervo
russo, e Les Dames de Croix-Mort, de 1886, no catálogo brasileiro.
A escritora Georges Sand é a representante das escritoras francesas nas bibliotecas das
famílias imperiais: ela aparece com Mauprat, em edição de 1886, no catálogo russo e com La
Péché de M. Antoine (edição de 1853), no acervo brasileiro. Essa autora, teve grande sucesso
de público tanto na França quanto no Brasil, onde circulava por meio de traduções em volume
e em formato folhetim130. Na Rússia, essa escritora também obteve grande sucesso e, segundo

127 Idem.
128 ABREU, Márcia et al. Op. cit.
129 ABREU, Márcia. Conectados pela Ficção: circulação e leitura de romances… Op. cit.
130 COSTA, Patrícia Rodrigues. George Sand no Brasil. Belas Infiéis, Brasília, v.4., n. 1, p. 257-288, 2015.
84

Dawn Eidelman, influenciou a maneira pela qual as mulheres eram retratadas em obras de
autores de sucesso, como Ivan Turguêniev, Ivan Gontcharov e Alexandr Herzen131.
A comparação entre os romances presentes na lista de obras da família imperial do
Brasil e da Rússia mostra que havia semelhanças e diferenças entre os livros que pertenceram
às duas famílias imperial. Essas diferenças, além de refletirem a falta dos dados completos sobre
os acervos, também podem ser consequência das formações culturais diferentes dos membros
dessas duas elites, da diferença de circulação de autores entre os dois países, ou até de gostos
literários diferentes, que faziam com que a família russa não adquirisse os mesmos romances
da brasileira. Ainda assim, os dados mostrados acima revelam como existiram obras e autores
em comum entre os dois acervos – que muitas vezes estão presentes em publicações na mesma
língua e editadas no mesmo local – e, assim, como a circulação de romances no século XIX era
capaz de unir leitores da nobreza que viveram em partes distintas do mundo em um período
muito próximo.

131EIDELMAN, Dawn. George Sand and the nineteenth-century russian love-triangle novels. Lewisburg:
Bucknell University Press, 1994.
85

Capítulo 2 – Romances em bibliotecas públicas do Brasil e da


Rússia

A comparação entre bibliotecas públicas do século XIX é uma importante fonte de


indícios sobre as semelhanças e diferenças entre as obras que circularam entre o público leitor
que frequentava estabelecimentos presentes em países tão distantes geograficamente. Por esse
motivo, o objetivo deste capítulo é realizar a comparação entre os acervos da Biblioteca Pública
de Odessa (tomos de 1901 e 1903) e do Real Gabinete Português de Leitura (1906), trazendo
também, como fonte de comparação, os dados já analisados das bibliotecas imperiais do Brasil
e da Rússia. Os elementos utilizados para essa comparação serão os autores e línguas de edição
mais presentes em ambos os catálogos, os locais de edição das obras e os títulos existentes em
mais de uma edição.
No entanto, deve-se primeiramente levar em consideração que, da mesma forma que as
bibliotecas das elites brasileira e russa não correspondiam diretamente aos seus gostos ou
práticas de leitura, os catálogos das bibliotecas públicas do Brasil e da Rússia não revelam
necessariamente quais os hábitos de leitura ou as preferências literárias de um público mais
amplo que tinha contato com esses estabelecimentos. Afinal, os livros escolhidos para fazer
parte dos acervos dependiam muitas vezes dos diretores do local, bibliotecários ou ainda de
doações realizadas pelo público. Mas, ainda assim, os dados obtidos a partir da comparação dos
catálogos permitem verificar se existiam semelhanças e diferenças significativas entre os
romances que circulavam entre estratos diferentes da sociedade brasileira e russa, e
possibilitam, dessa forma, compreender se os mesmos livros compunham as bibliotecas
destinadas a leitores com formações e posições sociais diversas.
Antes de iniciar a comparação entre as informações contidas nos catálogos, é preciso
compreender as especificidades das cidades de Odessa e do Rio de Janeiro no século XIX, os
moradores (e possíveis leitores) que lá habitavam e o estabelecimento das duas bibliotecas a
serem estudadas. Por esse motivo, no próximo tópico, traremos algumas informações sobre
esses municípios e as bibliotecas públicas que foram neles estabelecidas.
86

2.1 As Cidades de Odessa e do Rio de Janeiro e a formação de duas de suas


bibliotecas públicas

Odessa é uma cidade relativamente recente, fundada apenas no ano de 1794, no território
que hoje faz parte da Ucrânia, mas que, na época estudada, era o quarto maior município do
império russo, perdendo apenas para São Petersburgo, Moscou e Varsóvia 132. Durante o
período, a sua proximidade com o Mar Negro fez com que ela servisse como ponto de encontro
e comércio entre a Rússia e outros países, atraindo pessoas de diferentes partes do mundo e
formando, assim, uma população com diferentes nacionalidades, proveniente principalmente
dos continentes asiático e europeu.
A fundação da cidade teve como uma de suas principais agentes a imperatriz Catarina II,
que desejava que o local tivesse um dos maiores portos da região e se tornasse um grande centro
de comércio e exportação. Seu nome foi uma homenagem ao assentamento da Grécia Antiga
chamado Odessos 133. A construção do município foi planejada segundo o senso estético do
período e as necessidades militares e comerciais e os principais arquitetos envolvidos em sua
construção foram o hispano-irlandês De Rivas e o engenheiro irlandês De Voland.
A fundação dessa cidade russa se diferencia bastante, dessa maneira, da origem do Rio
de Janeiro, que se deu em um período muito anterior, tendo sido criada em 1565, por Estácio
de Sá. Na época, que marcava o início da colonização do Brasil, a região era próxima a várias
tribos indígenas e também contava com a presença forte dos jesuítas 134. Com o tempo, a região
se expandiu e a sua população cresceu, e, no século XVII, as ruas passam a ligar os morros do
Castelo e o de São Bento e conectar a parte alta e baixa da cidade. Na região do Castelo, a
cidade começou a se expandir, com a construção de prédios como a Casa da Câmara e da
Cadeia, a Fazenda e os Armazéns Reais e a Casa da Moeda 135. Um dos pontos que aproximam
essa cidade de Odessa é o fato de ela ter funcionado como local de importação e exportação
dos mais diversos produtos. Seu crescimento e localização fizeram com que, em 1763, ela se
tornasse capital da colônia.
Mesmo com o posto de capital do país, o Rio de Janeiro só passou a se desenvolver em
larga escala após a chegada da família real portuguesa, em 1808. Nesse período, prédios foram

132
HERLIHY, Patricia. Odessa: A History (1794-1914). Cambridge: Harvard University Press, 1986.
133 Idem, p. 7.
134 ENDERS, Armelle. A História do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Gryphus editora, 2015.
135 SCHWARCZ, Lilia & STARLING, Heloisa M. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras,
2015. p. 176
87

reformados para abrigar os membros da nobreza, houve uma maior contratação de funcionários
para cuidar da administração e foi fundada a Impressão Régia, que tinha por objetivo realizar a
impressão da documentação oficial e também de obras e livros. Após o estabelecimento da
corte, o governo passou, também a investir na construção de prédios para instituições culturais
e científicas no Rio de Janeiro, com o intuito de reproduzir o ambiente encontrado em Lisboa.
Assim, nos anos seguintes, foram fundados o Real Jardim Botânico, o Museu Real, a Escola
Real de Ciência, Artes e Ofícios e, também, a Real Biblioteca, formada pelo famoso acervo da
biblioteca dos Bragança, que veio de Portugal e se tornou acessível a um público seleto em
torno de 1814136.
Odessa também se tornou uma cidade bastante próspera ao longo do século XIX, quando
passou, como o Rio de Janeiro, a atrair cada vez mais mercadores estrangeiros. Segundo Patricia
Herlihy, a imperatriz Catarina oferecia vantagens aos imigrantes que quisessem se estabelecer
ali, como terra, isenção de impostos, tolerância religiosa, entre outras. Dessa forma, a cidade
foi ocupada por gregos, moldavos, armênios, alemães, suíços, italianos, ingleses, portugueses
e outros estrangeiros, que conviviam com os russos e ucranianos ocupantes da região 137. Seus
portos também eram abertos a todas as nações que possuíam acordos com o império russo.
Entre os anos de 1803 e 1814, essa cidade, composta por pessoas, religiões e culturas tão
diferentes, foi governada pelo duque de Richelieu, um francês nomeado pelo próprio imperador
Alexandre I para ser o chefe da cidade. Ele também investiu em construções, a maioria realizada
em estilo neoclássico, entre as quais estavam o teatro municipal (construído entre 1803 e 1809),
igrejas, escolas, jardins e hospitais 138. Com os investimentos, a cidade cresceu, no período em
que Richelieu esteve à frente do governo, de 7 mil para 35 mil pessoas 139.
Essa cidade, cujos habitantes eram de diferentes nacionalidades e falavam diversas
línguas, também possuía, segundo Herlihy, muitas livrarias 140. Sua primeira imprensa abriu em
1814 (em um período, portanto, muito próximo ao da instalação da primeira tipografia no
Brasil) e tinha por objetivo atender à demanda local por livros e exportar volumes para outros
países. No entanto, a primeira biblioteca pública da cidade, cujo catálogo será analisado ao
longo desse capítulo, foi fundada apenas no ano de 1830, no período em que o general Mikhail
S. Vorontsov estava à frente da administração da cidade, posição que ele ocupou de 1823 a

136SCHWARCZ, Lilia Moritz. A Longa Viagem da Biblioteca dos Reis. Op. cit.
137 HERLIHY, Patricia. Op. cit. pp. 16 e 17.
138 Idem, p. 37.
139 Idem ibidem.
140 Idem ibidem.
88

1845. Segundo Anthony L. H. Rhinelander, o objetivo da fundação dessa biblioteca foi suprir
as necessidades do sistema educacional, e o responsável por levantar fundos para essa
construção foi A. I. Liévshin, que viria, no futuro, a se tornar prefeito de Odessa, e que levantou,
em 1828, 30 mil rublos para a construção da biblioteca, que viria a ser um estabelecimento
público e de acesso gratuito, o que permitia que ele fosse frequentado por um público talvez
mais amplo do que o do Gabinete Português que, como veremos adiante, cobrava um valor
mensal de seus frequentadores.
Ao longo dos anos, a cidade de Odessa continuou a crescer e prosperar, atraindo
comerciantes e imigrantes de todas as partes do mundo. Sua fama de ser um bom lugar para se
tornar comerciante e enriquecer aparece, inclusive, em narrativas ficcionais, como é o caso da
obra Père Goriot, publicada em 1835 por Honoré de Balzac. Nessa narrativa, o personagem
Goriot afirma, diversas vezes, que queria ir para Odessa, onde ele esperava fazer fortuna como
comerciante141. Essa menção presente no romance mostra que a fama do município russo,
conhecido por ser um bom lugar para os mercadores, chegou à capital francesa, aparecendo na
obra de um romancista muito popular que certamente acreditava que seu público entenderia a
referência.
O atrativo à imigração que Odessa promovia realmente era muito grande no período, e
fez com que a população continuasse a crescer ao longo do tempo. Em 1892, período próximo
à publicação do catálogo que será analisado neste capítulo, a cidade já contava com 338.690
habitantes, dos quais 58% tinham o russo como língua materna, 31% o ídiche, 3.8% o polonês,
1.6% o alemão e 1.56% o grego. Outras línguas mencionadas em um censo de 1897 foram o
armênio (0.37%), o francês (0,3% da população) e o bielorusso (0.29%) 142. É importante notar
que esses dados correspondem apenas à língua materna dos habitantes de Odessa e não às
línguas que eles aprendiam ao longo da vida, na escola ou por meio de ensino informal. De
qualquer forma, essas informações mostram que a cidade continuou sendo habitada, ao longo
dos anos, por pessoas de diferentes nacionalidades e culturas.
O Brasil também teve muitos investimentos em infraestrutura após a Proclamação da
Independência, em 1822, quando foram feitos muitos esforços para construir espaços dedicados
à cultura e à ciência. Em 1830, foram fundados, por exemplo, o Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro (IHGB) e a Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Nesse período, também foram

141BALZAC, Honoré de. Le Père Goriot. Paris: Charpentier, 1839. Disponível em:
https://archive.org/stream/lepregori00balz#page/n3/mode/2up/search/odessa. Acesso em: 01 out. 2018.
142HERLIHY, Patricia. Op. cit, pp. 241 e 242.
89

construídas muitas bibliotecas particulares e abertas ao público, como a Sociedade Germânica


(1821), o Gabinete Inglês de Leitura (1826), a Biblioteca Fluminense (1847), a Biblioteca da
imperial Associação Tipográfica Fluminense (1854), o Real Gabinete Português de Leitura
(1837), o Retiro Literário Português (1859), o Liceu Literário Português (1868), entre muitos
outros. Segundo Monique Gonçalves e Tânia Bessone, o objetivo da fundação desses
estabelecimentos era formar, na capital do Império, “um aparato institucional que
proporcionasse, aos indivíduos alfabetizados, o acesso a leituras diversas e atualizadas, sobre
os mais diversos assuntos” 143.
Nesse período, a cidade também passou, como Odessa, a atrair a atenção de muitos
imigrantes, que se mudaram para a cidade ao longo de todo o século XIX. Segundo Sidney
Chalhoub, em 1890, época próxima ao catálogo que será analisado neste capítulo, havia
155.202 imigrantes, o que correspondia a cerca de 28% da população total da cidade 144. Dessa
maneira, tanto a cidade da Rússia quanto a do Brasil abrigavam pessoas de diferentes
nacionalidades, que tinham línguas maternas diversas e que conviviam em um mesmo espaço,
podendo ter servido de público leitor às bibliotecas que serão analisadas.
O Gabinete Português de Leitura, estabelecimento cujo catálogo será analisado neste
capítulo, foi fundado por uma associação de emigrados portugueses com o intuito de servir
como um espaço de sociabilidade para os lusitanos residentes no Brasil e manter uma memória
da cultura lusitana em solo estrangeiro145. Segundo dados do Almanak Laemmert, em 1848 ele
já possuía 13.000 volumes de ciências literatura e artes, e admitia subscritores de “qualquer
nacionalidade e sexo a 12$000 réis anuais” 146. Nota-se, portanto, que, apesar de ter sido
formado com o objetivo de manter a cultura portuguesa no Brasil, o Gabinete aceitava, nesse
período, qualquer pessoa que tivesse interesse em seu acervo e pudesse arcar com as despesas
da subscrição. Em meados do século XIX, quando o anúncio foi publicado, um trabalhador
especializado ganhava cerca de 3$300 a cada dia de serviço, enquanto um não especializado
ganhava 1$400. Além disso, um funcionário público tinha uma renda mensal que variava entre

143 GONÇALVES, Monique de Siqueira; FERREIRA, Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz. Um Espaço para a
ciência oitocentista: O Acervo de ciências do Real Gabinete Português de Leitura na segunda metade do século
XIX. In: XXVIII Simpósio Nacional de História, 2015, Florianópolis. Anais do XXVIII Simpósio Nacional de
História. Florianópolis: UFSC, 2015.
144 CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar & botequim. Campinas: Editora da Unicamp, 2001.
145 Idem.
146 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:

Eduardo e Henrique Laemmert, 1848, p. 274.


90

60 e 100 mil réis 147, o que fazia com que essa parcela da população, que era alfabetizada e
trabalhava na cidade, pudesse frequentar esse gabinete de leitura.
Alexandro Paixão, em sua tese de doutorado, fez um levantamento de dados sobre o
público que frequentou esse estabelecimento entre 1860 e 1870. Seus resultados mostram que
grande parte do público leitor do gabinete era formado por pessoas que não pertenciam à elite,
mas sim à classe trabalhadora da sociedade. Nas palavras de Paixão: “trata-se de um público
bastante instruído – dado haver entre eles dicionaristas, poetas, tradutores etc. –, em sua maioria
comerciantes (vinte e dois no total), e conhecidos como a ‘classe caixeiral’ da região central do
Rio de Janeiro”148. Conclui-se, assim, que os leitores que tinham acesso a esse estabelecimento
pertenciam a classes mais baixas do que a elite do período, mas que era muito semelhante à
população encontrada em Odessa que, como já citado, era formada em grande parte por
comerciantes.
Para pensar no público frequentador das bibliotecas, é preciso considerar as taxas de
alfabetização em cada uma das cidades. Apesar de os dados provenientes de censos não serem
completamente confiáveis, eles podem ajudar na reflexão sobre o número de possíveis leitores
presentes em cada um dos municípios. No censo de 1897, realizado na cidade de Odessa, consta
que 57.87% da população era alfabetizada, taxa inferior à de municípios como São Petersburgo
(onde o número de pessoas alfabetizadas correspondia a 62.6%) e um pouco acima da de
Moscou (56.3%) 149. Nesse mesmo ano, a população da cidade era de cerca de 403.815
habitantes, o que significa que aproximadamente 233.687 pessoas sabiam ler e escrever. Assim,
a taxa de alfabetização das pessoas em Odessa era bem maior do que a da Rússia em geral que,
em 1897, era de apenas 21%150. No entanto, a população total do país era bastante grande,
chegando a 125.640.021 de habitantes 151, o que significa que 26.284.404 de pessoas eram
alfabetizadas.

147EL FAR, Alessandra. Ao Gosto do povo: As Edições baratíssimas de finais do século XIX. In: BRAGANÇA,
Aníbal & ABREU, Márcia (Orgs.). Impresso no Brasil: dois séculos de livros brasileiros. São Paulo: Editora
Unesp, 2010.
148 PAIXÃO, Alexandro Henrique. Elementos constitutivos para o estudo...Op. cit.
149
HERLIHY, Patricia. Op. cit, p. 243.
150 WEEKS, Theodore R. Weeks. Across the revolutionary divide: Russia and the USSR, 1861-1945. Chichester:
Wiley Blackwell, 2011.
151 ROTHENBACHER, Franz. The Central and east european population since 1850. Basingstoke: Palgrave
Macmillan, 2013.
91

No censo realizado no Brasil, em 1900, consta que o país contava com 17.371.069 de
habitantes 152, número muito inferior à população da Rússia. Dessas pessoas, 1.027.760 (34,7%)
sabiam ler e escrever 153. Nota-se, assim, que, mesmo que a porcentagem de alfabetizados seja
maior do que da Rússia, esta correspondia a um número muito menor de habitantes. No entanto,
em 1906, mesmo ano da publicação do catálogo do Gabinete Português de Leitura, o índice de
alfabetização do Rio de Janeiro era maior do que o total do país, correspondendo a 51,9%.
Como o total de habitantes na capital do período era de 811.443 (quase o dobro da população
de Odessa em 1897), cerca de 421.072 pessoas sabiam ler e escrever, número muito superior
ao da cidade russa154.
Esses dados mostram que, mesmo que o Brasil estivesse em desvantagem numérica em
relação à Rússia no que se refere o número de pessoas que sabiam ler e escrever, a sua capital
tinha um índice muito maior de alfabetizados do que a cidade onde se localizava a biblioteca
russa. De qualquer forma, havia, em ambas as cidades, um número considerável de possíveis
leitores, que poderiam frequentar os estabelecimentos cujos catálogos serão discutidos neste
capítulo.
Como foi possível perceber ao longo da exposição dos dados sobre Odessa e o Rio de
Janeiro, esses municípios faziam parte de países muito distantes e foram criados em contextos
bastante diversos. No entanto, eles apresentam muitas semelhanças entre si: ambos eram
periféricos em relação ao centro da Europa do período, basearam-se na cultura europeia para
pensar na arquitetura e construção de seus prédios, atraíram imigrantes de diferentes partes do
mundo, que passaram a viver, trabalhar e frequentar os estabelecimentos públicos dessas
cidades, e tinham uma população formada em grande parte por comerciantes. Além disso,
conforme veremos no próximo tópico deste trabalho, esses dois municípios estavam inseridos
em um mesmo contexto de produção e circulação de impressos, o que permite que suas
bibliotecas sejam comparadas para se buscar indícios de semelhanças entre os romances que
circularam em seus países.

152
Synopse do recenseamento de 31 de dezembro de 1900. Rio de Janeiro: Tipografia da Estatística, 1905.
Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/222260. Acesso em: 01 out. 2018.
153 HOLSTON, James. Cidadania insurgente: Disjunções da democracia e da modernidade no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 2013.
154 Recenseamento do Rio de Janeiro (distrito federal). Rio de Janeiro: Oficina da Estatística, 1907. p. 13.
Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv49678.pdf. Acesso em 01 out. 2018.
92

2.2 Uma Comparação entre os catálogos da Biblioteca Pública de Odessa e


do Real Gabinete Português de Leitura

Os catálogos da Biblioteca Pública de Odessa (1901-1903) e do Real Gabinete Português


de Leitura (1906) são, como já dito anteriormente, organizados de maneiras bastante diferentes.
O catálogo do acervo russo foi editado em dois tomos. O primeiro deles, publicado em 1901 na
própria cidade de Odessa, possui os títulos das obras que têm o russo como língua original, ou
que foram escritas em idiomas estrangeiros, mas estão presentes na biblioteca em traduções
para o russo. Já o segundo tomo, de 1903, parece ter uma proposta um pouco mais abrangente,
talvez com o objetivo de atrair o público estrangeiro da cidade, ou qualquer pessoa que tivesse
o conhecimento das línguas francesas, inglesa, italiana, tcheca, entre outras, que eram faladas
na região devido ao grande fluxo de imigrantes que se mudou para lá ao longo do século XIX.
Essa segunda parte do catálogo é toda escrita em russo e francês e contém os livros estrangeiros
que estão presentes no acervo na sua língua original, ou em traduções para línguas estrangeiras.
Nos dois tomos deste catálogo, as obras de prosa ficcional podem ser encontradas em
uma seção classificada como “Literatura”, juntamente com os livros de poesia, ensaios, peças
de teatro e estudos em geral. Ainda assim, a ficção parece encontrar bastante espaço dentro
desse item, pois é responsável por 1376 dos 1827 títulos listados dentro dessa categoria no
Tomo 1 (o que corresponde a quase 75%), e por 798 das 1899 obras de Literatura do Tomo 2
(42%). Esses números mostram que os romances tinham grande presença na biblioteca, o que
confirma o grande peso que esse gênero tinha no século XIX, tanto no centro da Europa quanto
em países geograficamente mais distantes, como a Rússia e, como veremos adiante, o Brasil.
Além disso, nota-se que as obras editadas em russo (em edições originais ou em traduções),
têm um grande destaque não só pela sua quantidade, mas por fazerem parte de um tomo
dedicado apenas aos livros publicados na língua nacional. Esse fato pode indicar um desejo,
por parte da Biblioteca Pública de Odessa, de valorizar a língua e a literatura nacional,
separando fisicamente os livros nacionais ou traduzidos para o russo daqueles classificados
como estrangeiros e listados em uma publicação separada.
O catálogo do Gabinete Português de Leitura, publicado no Rio de Janeiro, em 1906,
apresenta uma organização bem diferente. Segundo o prefácio dessa publicação, a forma de
93

classificação escolhida foi o Sistema Decimal de Melvil Dewey 155, que organiza as obras em
10 áreas do conhecimento, dentre as quais estão Filosofia, Religião, Sociologia, Ciências e
Literatura. A parte dedicada à literatura se divide em literatura inglesa, alemã, francesa,
portuguesa e assim por diante, e contém uma subdivisão intitulada “Romance. Contos.
Novellas”, da qual foram retirados os dados para essa pesquisa. Devido ao fato de essa seção
não conter obras de outros gêneros literários além da prosa ficcional, como aconteceu na
biblioteca de Odessa, foi possível considerar integralmente os 5.841 títulos presentes dentro
dessa categoria. Esse número de obras corresponde a cerca de 18% do total do acervo que, em
1889, contava com já contava com 32.000 obras (e mais de 64.000 volumes) 156. Essa
porcentagem é bem menor do que a encontrada da Rússia, mas, devido ao tamanho do acervo,
representa um número muito maior de livros do que o encontrado na biblioteca de Odessa (cerca
de 2.166 obras). Isso é um indício da grande oferta de romances disponíveis para os leitores do
Rio de Janeiro que desejassem se subscrever nesse Gabinete. Além disso, a variedade de
línguas, cidades de edição, autores e títulos existentes nesse espaço e que serão abordados no
próximo tópico deste capítulo são uma amostra da ampla circulação de romances existentes no
período, que permitia que obras estrangeiras chegassem ao Brasil em diversas edições, formatos
e línguas, a ponto de se tornarem responsáveis pela maior parte do acervo de ficção de uma
biblioteca que, como vimos anteriormente, tinha por objetivo promover a cultura portuguesa.
É com o objetivo de entender melhor quais eram os nomes e títulos com maior destaque
nessas bibliotecas brasileira e russa, bem como as semelhanças e diferenças entre acervos
formados em lugares tão diferentes, mas unidos pela circulação de impressos existente no
século XIX, que buscaremos analisar, no próximo item desse trabalho, algumas das
características existentes no catálogo de romances desses estabelecimentos. As análises
compreenderão, ainda, a comparação entre esses dados e informações semelhantes retiradas dos
catálogos das bibliotecas imperiais do Brasil e da Rússia, já trabalhadas no primeiro capítulo
dessa dissertação. Dessa forma, pretende-se compreender as principais semelhanças e
diferenças entre dois acervos públicos de livros e dois acervos pertencentes a famílias nobres e
formados na Rússia e no Brasil durante o século XIX.

155 Para mais informações sobre esse sistema de classificação de obras, ver: Catálogo do Gabinete Português de
Leitura no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio de Rodrigues & C, 1906.
156 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Eduardo e Henrique Laemmert, 1889, p. 1613.
94

2.2.1 As Línguas e locais de edição, autores e títulos mais presentes em uma biblioteca
pública da Rússia e do Brasil no século XIX

A análise dos dados sobre as línguas e locais de edição mais presentes no catálogo da
Biblioteca Pública de Odessa e do Gabinete Português de leitura, bem como dos autores e títulos
que têm destaque nos acervos, representam importantes indícios sobre quais eram as possíveis
preferências literárias das pessoas que as frequentavam e também sobre quais romances
estavam em circulação em uma cidade brasileira e uma russa no mesmo período de tempo.
Outros pontos importantes que serão abordados ao longo deste capítulo são a formação dos
acervos e o funcionamento dos estabelecimentos, que são essenciais para que se compreenda
as características e particularidades de cada um deles.
Como vimos anteriormente, as cidades do Rio de Janeiro e Odessa apresentavam algumas
semelhanças entre si: ambas eram o destino de imigrantes de todas as partes do mundo, que
falavam diferentes idiomas e se mudavam para as cidades em busca de emprego (especialmente
no caso de comerciantes) e novas oportunidades de vida. Por isso, é de se esperar que os
catálogos das bibliotecas públicas localizadas nesses ambientes refletissem esse possível
público leitor, que frequentava esses estabelecimentos para realizar leituras ou, no caso do
Gabinete Português, para retirar livros por meio do pagamento de uma subscrição anual.
Um dos dados que pode refletir um pouco da formação do público leitor dessas bibliotecas
é a língua de edição das suas obras ficcionais. Por meio da análise dessa informação, é possível
mapear quais eram as línguas conhecidas por esses leitores e compreender a presença de
traduções de romances no seu conjunto de livros. Abaixo, pode-se observar um gráfico com as
línguas de edição mais presentes (em títulos originais ou frutos de tradução), em cada uma das
bibliotecas estudadas:
95

Gráfico 13: Línguas de edição no catálogo do Gabinete Português de Leitura

Gráfico 14: Línguas de edição na Biblioteca Pública de Odessa

Um dos primeiros aspectos que podem ser notados a partir dos gráficos é que a biblioteca
de Odessa apresenta um número muito maior de línguas de edição do que o Gabinete Português
de Leitura. Uma das razões para isso pode ser o fato de o Gabinete ter sido um estabelecimento
96

que tinha por objetivo principal a preservação da cultura lusitana em solo brasileiro, e também
buscava agradar ao público que o frequentava, e que era responsável pelo pagamento das
subscrições. Sendo assim, essa biblioteca não tinha como foco principal a necessidade de
armazenar livros em outras línguas ou unir e colecionar exemplares produzidos no estrangeiro.
Além disso, é preciso levar em consideração as diferenças entre as populações que viviam em
cada cidade. Apesar de tanto o Rio de Janeiro quanto Odessa possuírem habitantes que
imigraram de outros locais, na cidade russa a quantidade de pessoas que possuíam línguas
maternas diferentes do russo era bastante grande. Talvez esse dado explique a presença do
italiano, alemão, polonês, dinamarquês, grego e búlgaro no catálogo. Segundo Patrícia Herlihy,
a presença dos ingleses também podia ser observada na cidade, apesar de esta não estar entre
as principais nacionalidades dos imigrantes 157, e também havia companhias de origem britânica
no município no final do século XIX, o que pode explicar o grande número de obras em inglês
no catálogo e que foram adquiridas, em sua maioria, em língua original.
Destaca-se, também, a presença da língua artificial esperanto, criada por Lazaro
Zamnhof, com o objetivo de funcionar como uma linguagem universal. O primeiro livro sobre
o esperanto foi publicado em 1887, tendo sido escrito em russo e editado em Varsóvia 158. Seu
autor, Zamnhof, nasceu na cidade polonesa Bialystok, em 1859, período em que ela ainda fazia
parte do império russo. O fato de essa língua ter sido inventada na Rússia provavelmente
colaborou para a circulação de obras em esperanto nessa região e sua consequente aparição na
biblioteca pública de Odessa. Dois dos títulos presentes nesse acervo foram escritos
originalmente nessa língua: Du mirrakontoj [Duas Histórias Incríveis], de Otto W. Zeidlitz e
En la Brikejo [No tijolo], de Józef Wasniewski, ambas editadas em Nuremberg em 1898. As
outras duas, Du Rakontoj en la lingvo internacia esperant [Duas histórias na língua
internacional esperanto], de Alexander Glowacki Sienkiewicz e La Literaturisto kaj lia
Fiancino [O Literato e sua Noiva], de Emilie Flygare-Carlén, foram escritas originalmente em
polonês e sueco e traduzidas posteriormente para o esperanto. A primeira foi editada em
Nuremberg, em 1891, e o segunda em Uppsala, em 1895.
No Gabinete Português de Leitura, a variedade de línguas encontradas no catálogo é bem
menor. Além do português e do francês, que serão mencionados mais à frente, há obras em
espanhol, inglês, italiano e alemão. Considerando o grande fluxo imigratório para a cidade do

157 HERLIHY, Patricia. Op. cit.


158 Para mais informações sobre o Esperanto,
ver: KISELMAN, Christer. Esperanto: Its Origins and early history.
Prace Komisji Spraw Europejskich PAU. Cracóvia: Polska Akademia Umiejetnosci, 2008.
97

Rio de Janeiro do final do século XIX, que fazia com que a população da capital em 1890 fosse
composta por 30% de habitantes de nacionalidade estrangeira 159, é possível compreender a
existência dessas línguas no acervo de uma biblioteca pública dessa cidade. Entre essas línguas
estrangeiras presentes no estabelecimento, a alemã é a que menos se destaca, aparecendo com
somente 3 obras: Mischa, de Marguerite Poradowska, Innocencia, de Visconde de Taunay e
Sein Genius, de Claus Zehren. Desses títulos, somente o último é originalmente alemão, e foi
publicado em 1892, em Stuttgard. Destaca-se também o romance Innocencia, que é brasileiro,
mas está presente no catálogo em uma versão em língua alemã, publicada em 1899 (27 anos
após sua primeira edição, que se deu em 1872), em Porto Alegre. A obra de Taunay é um
exemplo de como a literatura brasileira também era traduzida e circulava, tanto dentro do Brasil
quanto em outros países e em outras línguas. O romance Inocência foi traduzido, apenas no
século XIX, para o inglês, italiano, alemão, japonês, espanhol e francês 160.
É interessante pensar como traduções de obras brasileiras para outras línguas abriram
portas para que os romances produzidos no Brasil fossem lidos por públicos de outros países.
Além disso, elas mostram que havia outros lugares que demonstravam interesse pelo que era
produzido em solo brasileiro. Segundo Wiebke Röben de Alencar Xavier, essa curiosidade era
motivada, ao menos na Alemanha, pelo interesse dos leitores e editores por romances
estrangeiros, pelo fascínio pelo exótico e pela curiosidade “já tradicional dos viajantes e
cientistas pelo Brasil, com seus relatos sobre a fauna, a flora e as culturas indígenas, mas
também pelo Brasil como país atrativo para imigrantes”161. Outro escritor brasileiro cujas obras
circularam no exterior é José de Alencar que, na segunda metade do século XIX, recebeu
traduções para várias línguas e críticas favoráveis na imprensa francesa, e Gonçalves de
Magalhães, considerado por Delaplace como o Lamartine brasileiro 162 e que tem a notoriedade
de seu nome associada ao poema A Confederação dos Tamoios. Há ainda críticas positivas, no
estrangeiro, a Joaquim Manoel de Macedo, considerado como “o romancista mais fecundo,
mais elegante e mais criativo que já escreveu em língua portuguesa” 163.

159 CHALHOUB, Sidney. Op. cit.


160 WIMMER, Norma. Um Romance brasileiro traduzido para o francês: Inocência. Tradução & Comunicação,
v. 15, 2015.
161 XAVIER, Wiebke Röben de Alencar. “Romances brasileiros em tradução alemã: o Guarany e Innocencia,

produto nacional e best-seller no longo século XIX”. In: ABREU, Márcia (org.). Romances em movimento: A
Circulação transatlântica dos impressos (1789-1914). Campinas: Editora da Unicamp, 2016.
162 Idem ibidem.
163 LAROUSSE, Pierre. Grand Dictionnaire Universel du XIXe siècle. Paris: Administration du Grand
Dictionnaire Universel, 1890, p. 658 . Apud BEZERRA, Valéria Cristina. Entre o nacional e o estrangeiro... Op.
cit.
98

A partir desses exemplos, é possível notar que a literatura brasileira, ainda que não se
destaque tanto quanto a da França, Inglaterra ou mesmo a da Rússia, obteve certa circulação e
divulgação nesse período. As traduções de obras brasileiras produzidas em países como a
França e a Alemanha permitiram que essas fossem apreciadas por críticos estrangeiros e
divulgadas a leitores de diferentes partes do mundo, que poderiam ler esses romances em sua
própria língua materna. Isso mostra que o Brasil não funcionava apenas como um local
periférico que recebia livros de fora, mas também como ponto de origem de exportação de obras
que seriam lidas em países europeus, ainda que em menor escala.
É interessante notar que algumas dessas traduções de obras brasileiras, que facilitaram a
sua divulgação no exterior, circularam também no Brasil – como é o caso da já citada edição
de Inoccencia em alemão, que está presente no gabinete –, da mesma maneira que as obras em
português e impressas em Paris podem ter sido adquiridas pelo público estrangeiro 164. Ainda
assim, é pequeno o número de línguas estrangeiras (com exceção do francês), que estão
presentes no Gabinete Português de Leitura, o que faz com que o catálogo deste estabelecimento
se diferencie bastante do acervo da biblioteca imperial do Brasil, analisado no primeiro capítulo.
Na coleção de livros da nobreza, por exemplo, o alemão é a segunda língua mais presente, com
84 títulos (12,6% do total). Além disso, o autor de maior destaque nesse acervo é o alemão Carl
Franz van der Velde, presente com 24 obras, todas elas em língua original. Essa informação é
um indício de que a formação e a origem diferenciada da elite brasileira poderiam influenciar
na constituição de sua biblioteca pessoal, que contava com obras em uma língua que não era
muito falada pelo restante dos habitantes do Rio de Janeiro. O mesmo vale para o italiano e o
inglês, que possuem mais obras na parcela da biblioteca imperial estudada, que conta com um
acervo de 665 romances, do que no acervo de quase 6.000 livros do Gabinete Português de
Leitura. Esse dado mostra como o processo de formação de uma biblioteca, que normalmente
está associado ao seu objetivo principal e público leitor, influencia diretamente no processo de
composição de seu acervo. Por isso, mesmo considerando duas bibliotecas compostas em solo
brasileiro em um mesmo período, encontramos diferenças tão significativas quanto essas.
A quantidade de outras línguas estrangeiras presentes nos catálogos da biblioteca de
Odessa e do Gabinete Português é muito pequena, ainda mais quando comparada ao o número
de obras em francês e em russo/português. Os dois acervos possuem nas duas primeiras
posições a língua predominantemente do Império ao qual pertencem (que, no caso de Odessa,

164 Ver:
OLIVEIRA, Paulo Motta. Narrativas que viajam: os romances em português. In: ABREU, Márcia (org.).
Romances em movimento...Op. cit.
99

é o russo e, no do Brasil, o português) e o francês, ainda que em ordem inversa: na biblioteca


do Brasil, o português é a língua de 44% das obras, e o francês de 51,5%; já no que se refere ao
acervo da Rússia, 63.2% dos livros estão em russo, e 27,3% em francês. De qualquer maneira,
em ambos os estabelecimentos os títulos na língua nacional e francesa ocupam, juntos, as duas
primeiras posições: a soma das duas línguas, no Gabinete Português de Leitura, corresponde a
95,5% do catálogo, e, na biblioteca russa, a 90,5% do total. Esses dados representam um dos
indícios das semelhanças entre o acervo de romances de duas bibliotecas públicas de lugares
bastante distantes e comprovam que, tanto no continente Americano quanto no Leste Europeu,
a língua francesa era tida como língua de cultura e de edição e tradução de um grande número
de obras ficcionais. Além disso, é possível supor que o público leitor de ambas as bibliotecas,
apesar de não possuir necessariamente o francês como língua materna, tinha conhecimento dela,
e conseguia utilizá-la para ler romances.
Apesar dessas semelhanças, é preciso considerar a diferença entre as porcentagens
representadas por cada língua, já mencionadas acima. Enquanto em Odessa a língua
predominante no catálogo é o russo (inclusive no que se refere a obras originalmente escritas
nessa língua), no Gabinete Português de Leitura esse lugar é ocupado pelo francês. Esse último
dado mostra a relevância da língua francesa na edição de romances que circulavam no Brasil e
nas compras realizadas pela diretoria da biblioteca, que tinha o dever de adquirir obras que
satisfizessem às necessidades dos acionistas 165. No entanto, segundo as informações
pesquisadas por Alexandro Paixão, a maioria desses acionistas, que colaboravam
financeiramente para o funcionamento do estabelecimento, tinha interesse por romances que
estivesse em “língua pátria” e, segundo um relatório escrito em 1860, apenas uma pequena parte
deles procurava romances franceses em língua original166. A própria Ata da Assembleia Geral
de 1837, ano de fundação desse gabinete, afirma que a diretoria daria prioridade a obras de
origem portuguesa na formação de seu acervo167. No entanto, como afirma Paixão, com o passar
dos anos, o gosto pela cultura francesa e seus romances acabou predominando nessa biblioteca,
devido principalmente ao seu público formado por pequenos comerciantes168.

165 Para saber mais sobre a administração do Gabinete Português de Leitura, ver: PAIXÃO, Alexandro Henrique.
Elementos constitutivos...Op. cit.
166 Idem, p. 99.
167 PAIXÃO, Alexandro. “O Gosto literário pelos romances no Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro”.
In: ABREU, Márcia (org.). Romances em Movimento...Op. cit.
168 Idem, p. 258.
100

A predominância de obras de origem francesa, que refletiam o gosto do público leitor que
frequentava o estabelecimento, se opõe a algumas ideias que normalmente são transmitidas
pelas histórias literárias. Nessas publicações, é comum que seja realizado um recorte por nação,
o que nos induz a pensar que a literatura predominantemente consumida pelos países é aquela
que é fruto da produção nacional. Essa divisão das obras segundo o critério da nação está
presente nas histórias literárias brasileiras desde a publicação do Résumé de l’Histoire Littéraire
du Portugal, suivi du Résumé de l’histoire littéraire du Brésil, livro de Ferdinand Denis,
publicado em 1826, que é o primeiro a tratar a literatura do Brasil de forma separada da de
Portugal. Nessa obra, opera-se com um recorte geográfico que “não constitui apenas um critério
de organização do material, (...) [pois] precisa corresponder à marca de nacionalidade” 169. No
entanto, observando o catálogo de bibliotecas como o Gabinete Português de Leitura, é possível
perceber que esse critério de separação não correspondia necessariamente ao gosto literário do
público leitor. Afinal, de acordo com os dados existentes no catálogo e na pesquisa de Paixão,
esses leitores acabavam consumindo mais a literatura francesa do que aquela produzida em
língua portuguesa, apesar do objetivo inicial da biblioteca de promover a cultura lusitana.
Outra ideia muito presente nas histórias literárias e que é confrontada pelos dados sobre
o acervo do gabinete é a importância da “cor local” para o público leitor. Segundo Regina
Zilberman, é comum que haja na historiografia literária a ideia de que “a cor local atesta o
caráter nacional, e a manifestação desse afiança a qualidade, mesmo quando falham os
elementos composicionais” 170. No entanto, os leitores, na hora de fazer suas escolhas, parecem
não se preocupar com o cenário em que se passam os romances ou com os elementos locais que
nele aparecem. Assim, em um gabinete voltado ao gosto do público (por depender de
subscrições para continuar aberto), há um predomínio da literatura estrangeira em detrimento
das obras escritas no Brasil ou em Portugal.
Esse dado se destaca ainda mais ao observamos os livros em língua portuguesa, que são,
em sua maioria, frutos de traduções, e não de produções originais. Grande parte dessas obras
são provenientes da língua francesa (1189 títulos), ou do espanhol (141), inglês (140), alemão
(29) e italiano (28). O número significativo de traduções para o português é um dos fatores que
distancia essa biblioteca pública do acervo da família imperial brasileira. Como já mencionado
no primeiro capítulo, nesse acervo da nobreza há pouquíssimos romances em português (apenas

169 ZILBERMAN, Regina. O Resumo de história literária, de Ferdinand Denis: história da literatura enquanto
campo de investigação. Veredas: Revista da associação Internacional de Lusitanistas. Número 19, 2013.
170 Idem ibidem
101

44, dos quais 25 são originais e 19 são fruto de tradução), número inferior ao dos livros em
francês (que corresponde a mais da metade dessa coleção), alemão, italiano e inglês. Sendo
assim, percebe-se que, mesmo que a predominância do francês seja um elo em comum entre
essas bibliotecas e mostre que tanto a elite do país quanto parte de um público numericamente
mais amplo podiam ler romances franceses originais, os outros dados sobre as línguas dos
acervos podem servir como marcadores da diferença entre as formações culturais de membros
da família imperial e dos comerciantes que frequentavam o Gabinete Português de Leitura.
Muitos desses últimos provavelmente não conseguiriam realizar leituras em alemão, italiano e
inglês, enquanto a nobreza do Brasil do mesmo período tinha uma educação e uma origem
(principalmente se considerarmos a língua materna da imperatriz Leopoldina, que era o alemão,
e da imperatriz Teresa Cristina, que era o italiano) que lhe permitia ler as obras na versão
original ao invés de em traduções para o português.
É possível traçar um paralelo entre o fato mencionado e os dados recolhidos a partir da
parte do acervo da biblioteca imperial russa analisada, na qual o francês também é a língua
predominante, em detrimento do russo, que está presente com apenas 8 obras. Pelos dados já
mencionados no capítulo anterior, sabemos que a educação desses nobres também incluía o
estudo do francês, o que tornava os romances nessa língua acessíveis à família do czar. Além
disso, é preciso considerar que o próprio casal imperial não costumava se comunicar em russo
e sim em inglês, que era a língua em que a imperatriz Alexandra foi educada. Todos esses
fatores distanciam os leitores nobres do público que poderia frequentar a Biblioteca Pública de
Odessa.
Nesse estabelecimento, a maioria dos livros presentes foi editada em russo, apesar de o
francês também representar uma parte significativa do seu acervo. Como dito anteriormente,
uma parte dessa biblioteca foi formada por doações de nobres russos do período, o que
certamente colaborou para a estruturação do seu catálogo. O primeiro doador, o conde
Vorontsov, ofereceu, logo no início da formação do acervo, 600 volumes de clássicos franceses,
em edição Firmin Didot. Depois disso, a biblioteca de Odessa recebeu doações de outros
particulares, como o Conde M. M. Tolstói (que doou cerca de 40.000 títulos à biblioteca) e G.
G. Marazli (10.000 volumes) 171. Provavelmente, essas pessoas mais abastadas possuíam o
conhecimento da língua francesa e, por isso, podem ter colaborado para a existência da grande
coleção de romances em francês desse estabelecimento. Além disso, é provável que as doações

171 Informações retiradas do site oficial da biblioteca, disponível em: http://ognb.odessa.ua/history/. Acesso em:
01 out. 2018.
102

desses nobres incluíssem livros em russo, língua falada por grande parte das pessoas que viviam
dentro do Império. Somado a isso está o fato de que, em 1831, foi estabelecido um decreto que
obrigava todas as gráficas e litografias de Odessa a doar uma cópia de todas as publicações à
biblioteca172. Com essa determinação, é compreensível que a quantidade de romances em russo
nesse estabelecimento tenha aumentado – ainda que não muito – pois, dos 1.368 títulos nessa
língua na biblioteca, apenas 101 (7,3%) foram editados em Odessa e, consequentemente, talvez
tenham sido adquiridos por meio dessas doações das gráficas. O restante das obras foi editado
em outras cidades do Império ou da Europa, como veremos mais adiante e, portanto, chegaram
à biblioteca por outros meios, como doações ou compras.
A grande quantidade de romances escritos em outras línguas e traduzidos para o russo
mostra que o império dos Romanov, estava, como o Brasil e Portugal, inserido dentro do
contexto de circulação de romances do século XIX, importando obras estrangeiras e traduzindo-
as para a língua mais falada em seu território, para que elas pudessem, então, ser lidas pelos
membros de sua sociedade. A grande maioria dos romances traduzidos para o russo foi escrita
originalmente em francês (102 títulos), inglês (75), alemão (25) e italiano (11) e espanhol (06),
as mesmas línguas que se destacam ao falarmos das traduções para o português presentes no
Gabinete Português de Leitura, o que, mais uma vez, é um indício de que as bibliotecas estavam
inseridas em um mesmo contexto de circulação de impressos.
Mesmo fazendo parte de um mesmo cenário de grande importação e exportação de
impressos, não é possível ignorar o fato de que a biblioteca russa parece valorizar mais a
produção de literatura nacional do que o Gabinete. Uma das possíveis razões para que isso
aconteça é a proposta de cada um desses estabelecimentos, que parecem ser bem diferentes. O
Gabinete Português de Leitura, como já mencionado, se mantinha em funcionamento por meio
de subscrições, dependendo diretamente do investimento dos leitores para continuar
funcionando, o que provavelmente criou a necessidade de agradar ao gosto do público
frequentador que, como dito anteriormente, apreciava a leitura de romances estrangeiros,
especialmente franceses.
Enquanto isso, a biblioteca de Odessa era um estabelecimento de acesso gratuito e foi
fundada em um contexto de grande valorização da cultura nacional da Rússia, tendo sido a
segunda biblioteca pública a ser criada no Império, depois da de São Petersburgo. Nesse
período, a Rússia, como tantos outros países, passava pelo processo de formação da ideia de
nação e, segundo Orlando Figes, “a energia artística do país foi quase inteiramente dedicada à

172 Idem, ibidem.


103

busca da compreensão da ideia da sua nacionalidade” 173. Antes desse período, os russos
contavam com pouquíssimas obras de literatura nacional, o que fica evidente em algumas
compilações da produção literária do período. O livro Panteão de Escritores Russos (1802),
por exemplo, que foi escrito por Nikolai Karamzin com o objetivo de unir todos os escritores
russos desde os bardos até o momento de publicação da obra, conta com apenas vinte nomes de
autores. O Brasil também não possuía muitos escritores até a primeira metade do século XIX.
No livro Résumé de l’Histoire Littéraire du Portugal, suivi du résumé de l’histoire littéraire du
Brésil, publicado em 1826, Ferdinand Denis também lista cerca de 20 autores de literatura
brasileira que escreveram obras de ficção desde o século XVII até o XIX 174.
Além da falta de publicações nacionais, não havia grande número de leitores na Rússia
do século XVIII. Segundo Figes, o público leitor era muito pequeno no período, e a maior parte
das publicações era feita pela corte e pela Igreja 175. Mais uma vez, esse fato se assemelha ao
contexto vivido pelo Brasil não somente no século XVIII, mas também em parte do século XIX.
Segundo os dados primeiro censo, realizado em 1872, o Brasil contava, nesse período, com
apenas 16% da população alfabetizada, sendo que o nível de analfabetismo da população
escravizada chegava a 99.9% 176. Além disso, até 1808, o país não possuía imprensa própria, o
que fazia com que grande parte dos livros que aqui circulavam viessem de fora, tendo que
passar pela aprovação da censura portuguesa 177.
Além da pouca publicação de livros, a realidade vivida pela Rússia no século XVIII
tornava praticamente impossível obter uma renda suficiente para sobreviver a partir da
produção literária, o que fazia com que a maioria dos escritores fossem funcionários públicos
ou tutores de crianças de famílias ricas178. Um outro problema vivido pelos russos do período
era a língua. Nessa época, o russo escrito era baseado no eslavo eclesiástico, não possuía
gramática ou ortografia estabelecidas e se diferenciava bastante da linguagem simples falada
pelos camponeses179. Além disso, muitos membros da nobreza, que se espelhavam na cultura
europeia para construir seus costumes, religião e educação, tinham mais facilidade em

173 FIGES, Orlando. Uma História cultural da Rússia. São Paulo/Rio de Janeiro: Editora Record, 2017. p. 21
174 Obra disponível em: https://bibdig.biblioteca.unesp.br/handle/10/25963. Acesso em: 01 out. 2018.
175 FIGES, Orlando. Op. cit. p. 49
176 SCHWARCZ, Lilia M & STARLING, Heloisa. “Regências ou o som do silêncio”. In: SCHWARCZ, Lilia M
& STARLING, Heloisa. Brasil: Uma Biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. p. 280
177
Ver: ABREU, Márcia. Circulação de livros no Brasil nos séculos XVIII e XIX. In: XXI Congresso brasileiro
de ciências da comunicação, 1998, Recife. Anais do XXI Congresso brasileiro de ciências da comunicação. Recife:
Intercom, 1998.
178 FIGES, Orlando. Op. cit. p. 49
179 Idem, p. 50.
104

compreender o francês do que o russo, e era essa a língua que eles utilizavam nas suas relações
pessoais 180.
Essa idealização da Europa pela Rússia foi abalada após a Revolução Francesa, pois o
terror jacobino fez com que muitos parassem de ver a França como centro de progresso e
esclarecimento, e o governo russo rompeu relações com esse país. Foi então que uma nova
etapa começou, com a busca por uma vida baseada em princípios russos, na originalidade de
seus costumes e crenças e na beleza da língua russa. Esse movimento nacionalista aumentou a
partir de 1812181, quando Napoleão invadiu o país, e o discurso patriótico se fez necessário para
que os homens (tanto nobres quanto camponeses) lutassem para combater o inimigo. Nesse
período, o uso do francês passou a ser desdenhado entre a elite, e seu uso nas ruas se tornou
perigoso182. Foi durante a guerra que o olhar dos nobres se voltou para os camponeses e para a
necessidade de transformá-los em cidadãos e de encontrar uma língua que os unisse. Algumas
escolas foram construídas para ensinar os soldados a ler, e surgiram conversas sobre a abolição
da servidão e a necessidade de maior justiça social183.
Foi então que se iniciou um processo de renascimento cultural na Rússia e de valorização
dos costumes, artes, música, vestimentas, literatura e língua próprias do povo. Peter Burke, ao
falar sobre o grande movimento de busca pela cultura popular que aconteceu na Europa entre o
final do século XVIII e início do XIX, cita como um de seus possíveis motivos a necessidade
de “autodefinição e libertação nacional” de sociedades que passaram algum tempo sob domínio
estrangeiro184, como foi o caso da Rússia. Nesses casos, a descoberta de folclore poderia unir
um povo dividido e evocar um sentimento de solidariedade popular 185. O irônico, segundo o
autor, é que “a ideia de uma ‘nação’ veio dos intelectuais e foi imposta ao ‘povo’ com quem
eles queriam se identificar” 186. Foi precisamente isso que ocorreu na Rússia, e também no
Brasil, como veremos mais adiante.
Paralelamente a esse resgate da cultura popular russa e à criação da ideia de nação, houve
um considerável aumento do mercado de livros, que possibilitou que os escritores vivessem da
publicação de suas obras 187. Púchkin participou desse processo, adotando a escrita como ofício

180 Idem, p. 53.


181 Idem, p. 65.
182 Idem, p. 88.
183 Idem, p. 69.
184 BURKE, Peter. Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 40.
185 Idem ibidem.
186 Idem ibidem.
187 FIGES, Orlando. Op. cit. p. 71.
105

e buscando valorizar, em suas obras, uma linguagem que fosse compreendida tanto pelos nobres
quanto pelos camponeses. O mesmo se pode afirmar de Nikolai Gógol, Lermontov e muitos
outros autores que se encontram presentes na Biblioteca Pública de Odessa, criada em 1830, no
auge desse movimento nacionalista. A valorização do russo e a melhora do mercado editorial
certamente colaboraram para a predominância da língua nacional no catálogo, em detrimento
do francês, que passou por um período de desvalorização no país. Essa valorização da língua e
cultura em território russo parece permanecer até o final do século XIX e início do XX. Nas
cartas trocadas entre o imperador Nicolau II e sua esposa, a imperatriz Alexandra, que serão
analisadas no terceiro capítulo, é possível notar a presença predominante de menções a
romances e autores da Rússia, o que sugere que a família imperial estava engajada nesse espírito
nacionalista, ou que queria passar essa imagem aos que pudessem vir a ler esses documentos
após sua morte.
O Brasil do século XIX também passou por um momento de construção da ideia de nação,
bem como outros países do período. Segundo Anne-Marie Thiesse, esse século foi o palco de
um processo de criação de identidades nacionais por países do ocidente a partir de alguns
elementos pré-estabelecidos, como heróis, língua, monumentos culturais e históricos, paisagem
típica e folclore188. A fase do romantismo, vivida durante esse período, teve como foco a
idealização dos indígenas e o esquecimento do processo de escravidão. A criação de uma
narrativa que unisse o povo diante da ideia de uma mesma nação fez parte das medidas tomadas
pelo imperador Pedro II, que assumiu o trono após a abdicação de seu pai e o instável período
das Regências, que foi marcado pela eclosão de diversas revoltas de cunho político em vários
estados brasileiros – entre as quais pode-se citar a Cabanagem, a Revolta dos Malês, a Sabinada
e a Revolução Farroupilha189. Esse imperador enxergou a necessidade de unir o território desse
país, formado por uma multiplicidade de províncias e realidades diferentes, que tinha uma
população dispersa em seu interior e que era ainda condicionada pelo sistema da escravidão. A
saída para esse impasse foi, segundo Lilia Schwarcz, “o incentivo a um projeto modernizador,
(...) [com o investimento] na seleção de certos traços de uma ‘cultura tropical’, e distante de
tudo que lembrasse a escravidão” 190.
Tendo esses aspectos em mente, iniciou-se um processo de valorização da natureza dos
trópicos e imagem do país que, representado como “indígena (e masculino) juntava as

188 THIESSE, Anne-Marie. “Ficções criadoras: As Identidades nacionais”. Anos 90, nº 15, 2001/2002, pp. 7-23.
189 Ver: SCHWARCZ, Lilia M & STARLING, Heloisa. “Regências ou o som do silêncio”. In: SCHWARCZ,
Lilia M & STARLING, Heloisa. Op. cit.
190 Idem, p. 283.
106

concepções de um Brasil americano, mas também monárquico e português.” 191 Sendo assim,
essa forma de criação da nacionalidade acabou por misturar a cultura da metrópole portuguesa
com a identidade da América. Além disso, ao contrário do que aconteceu em outros países, esse
processo não teve um caráter de contestação, mas foi “majoritariamente palaciano e financiado
pela monarquia, o que condicionou o seu perfil conservador” 192. Envolvida nesse momento
estava a criação de estabelecimentos dedicados às letras e artes brasileiras, sempre com o apoio
da monarquia.
Um dos locais fundados nesse período e que se revelou muito importante para o
estabelecimento de uma literatura nacional foi o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
(IHGB), formado em 1838. O objetivo desse instituto, que foi frequentado com assiduidade
pelo imperador Pedro II ao longo dos anos, era criar uma intelectualidade local (e não mais
formada em Portugal) e se tornar um “centro de estudos ativo, favorecendo a pesquisa literária,
estimulando a vida intelectual e funcionando como um elo entre os intelectuais e os meios
oficiais”193. Esse estabelecimento recebeu grandes investimentos do imperador, que estava
empenhado em imprimir um caráter brasileiro à cultura194. Uma das áreas em que o monarca
exerceu sua influência foi a literatura. Em 1849, ele propôs o debate: “o estudo e a imitação dos
poetas românticos promovem ou impedem o desenvolvimento da poesia nacional?” 195 Dessa
maneira, ele buscava a consolidação de uma literatura genuinamente brasileira e pautada no
romantismo, o que fez com que patrocinasse e incentivasse diversos escritores, como Gonçalves
de Magalhães, Joaquim Manoel de Macedo e Gonçalves Dias.
Apesar de todo o esforço de valorizar a literatura nacional, esta não chegou em grande
número a estabelecimentos como o Gabinete Português de Leitura. Nessa biblioteca,
predominavam as obras em francês, e o português era mais utilizado para a tradução de
romances estrangeiros do que para a publicação de livros originais. Além disso, das 1.045 obras
escritas originalmente em língua portuguesa, apenas 282 são brasileiras, o que corresponde a
4,8% do total. É claro que essa biblioteca de origem portuguesa não teria como foco a
valorização da literatura brasileira, e não estaria preocupada com a fase de incentivo à cultura
nacional que estava sendo difundida no país. No entanto, ao analisarmos dados provenientes de

191 Idem, p. 284.


192 Idem ibidem.
193 Idem, p. 285.
194 SCHWARCZ, Lilia. As Barbas do imperador...Op. cit. p. 127.
195 Idem ibidem.
107

fontes como o Catálogo de Livros da Biblioteca Fluminense, é possível notar que nem mesmo
as bibliotecas brasileiras participavam ativamente desse processo.
A Biblioteca Fluminense era um estabelecimento privado e aberto ao público do Rio de
Janeiro, fundado em 1847 e destinado a todos que pudessem e quisessem pagar a subscrição
anual de 12$. Em 1866, quase 20 anos após a sua inauguração, foi publicado o Catálogo dos
Livros da Biblioteca Fluminense, que contém 4.449 títulos de todas as áreas do conhecimento,
dentre os quais 1.192 (25%) encontram-se na seção Ficções em Prosa (Romances, Contos e
Novelas).196 Pouco tempo após a sua inauguração, esse estabelecimento publicou uma nota no
Almanak Laemmert, em que afirmava que a associação era aberta “só para nacionais” 197. Sendo
assim, pode-se pensar que, tendo sido fundada em meio aos debates sobre a formação da nação
brasileira e aos incentivos do imperador para a valorização da produção literária desse país, ela
conteria bastantes obras em português e provenientes do Brasil. No entanto, ao observarmos o
catálogo de 1866 dessa biblioteca, notamos que isso não acontece. Seu acervo conta com uma
predominância de obras em português: dos 1.192 livros de ficção no catálogo, 710 (53%) foram
escritos em língua portuguesa, ao lado de 537 (40,8%) em francês e apenas 13 (0,9%) em inglês,
9 (0,6%) em espanhol e 7 (0,5%) em italiano. Porém, do total de obras editadas em português,
apenas 85 (12%) foram escritas originalmente nessa língua. Desses livros, cerca de 52 foram
escritos por portugueses e apenas 17 por brasileiros.
Esses dados, somados às informações retiradas do catálogo do Gabinete Português,
mostram que o movimento nacionalista do Brasil do século XIX talvez tenha sido mais forte
em seu discurso do que na realidade da sociedade do período, que parecia valorizar mais a
literatura vinda de fora do que aquela que estava sendo criada com o objetivo de construir uma
memória, uma cultura e uma história em comum que unisse o povo brasileiro. O próprio
imperador Pedro II, que foi o grande incentivador do discurso nacionalista na literatura,
mencionava mais leituras de romances estrangeiros do que nacionais nas cartas que trocava
com a sua filha, a princesa Isabel, conforme veremos no último capítulo dessa dissertação.
Não é possível esquecer, no entanto, que o gabinete analisado não foi criado, como a
Biblioteca Pública de Odessa, para ser um estabelecimento público e gratuito e que,

196 O catálogo da Biblioteca Fluminense foi analisado por mim na minha monografia, defendida no Instituto de
Estudos da Linguagem da Unicamp, em 2015. Ver: ASSUMPÇÃO, Larissa de. 2015. O lugar do romance em
bibliotecas oitocentistas: A Presença de obras ficcionais em livros sobre a formação de bibliotecas e nos catálogos
da Biblioteca Fluminense da Biblioteca imperial. Monografia (Curso de Estudos Literários)- Instituto de Estudos
da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2015.
197 Almanak Administrativo, Mercantil e Industrial da Corte e Província do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro:
Eduardo e Henrique Laemmert, 1848.
108

consequentemente, poderia comportar livros que refletissem a produção nacional mas que
poderiam não ser lidos por seu público frequentador. A biblioteca do Brasil, além de funcionar
por meio de subscrições, tinha como objetivo principal o fortalecimento da cultura portuguesa,
o que torna compreensível o seu pequeno número de obras publicadas em solo brasileiro, em
especial quando o comparamos com a quantidade de edições vindas de Paris e de Lisboa,
conforme veremos no decorrer deste capítulo. Além disso, é preciso levar em consideração o
fato de que no Brasil, ao contrário do que aconteceu na Rússia, não houve um rompimento com
a cultura francesa após as invasões de Napoleão. Afinal, foi a invasão de Portugal que motivou
a vinda de d. João VI para o Brasil e que, como já mencionado, incentivou o desenvolvimento
da sociedade brasileira.
Essas reflexões sobre as bibliotecas públicas do Brasil e da Rússia mostram como
trajetórias históricas diferentes influenciam não só nos grandes acontecimentos de um país
(como as revoltas, regimes políticos, golpes de estado etc.), mas também em aspectos culturais,
que envolvem elementos como a aquisição de livros e a circulação dos mesmos em território
nacional. No entanto, apesar de suas diferenças, ambas as bibliotecas apresentam semelhanças
na origem de seus romances e na grande quantidade de seus acervos que é formada por
importações de impressos. Para compreender melhor a origem desses livros, é preciso
considerar os locais de edição que se destacam em cada um dos catálogos. Para isso, podemos
observar os gráficos e os mapas 198 abaixo:

198 Não foram consideradas, nos gráficos e mapas, as cidades de edição de menos de 3 obras.
109

Gráfico 15: Locais de edição mais presentes no catálogo do Gabinete Português de


Leitura (1906)
110

Mapa 1: Origem das obras do Gabinete Português de Leitura 199

199 Fonte:STANFORD, Edward. 1900. In: David Rumsey Historical Map Collection. Disponível em:
http://www.oldmapsonline.org/map/rumsey/1915.000. Modificações feitas por mim.
111

Gráfico 16: Locais de edição presentes na Biblioteca Pública de Odessa


112

Mapa 2: Origem das obras da Biblioteca Pública de Odessa200

Observando os mapas, é possível notar claramente as semelhanças e diferenças entre a


importação de obras para a biblioteca da Rússia e do Brasil nos catálogos estudados. As obras

200 Fonte: STANFORD, Edward. 1900. In: David Rumsey Historical Map Collection. Disponível em:
http://www.oldmapsonline.org/map/rumsey/1915.000. Modificações feitas por mim.
113

que chegaram ao Brasil quase sempre atravessaram o Oceano Atlântico, vindo principalmente
da França, Portugal e Bélgica. Enquanto isso, os livros que tiveram como destino a biblioteca
de Odessa viajaram por um espaço muito menor, partindo, na maioria das vezes, da própria
Europa ou de outros pontos da Rússia, como São Petersburgo, Moscou e Odessa, de onde
vieram grande parte dos romances escritores em língua russa que, como já mencionado, eram
os que mais se destacavam no estabelecimento. Percebe-se, assim, que há uma grande relação
entre os locais de edição de maior destaque e as línguas mais presentes em cada um dos
catálogos. Por possuir mais romances editados em russo, a biblioteca de Odessa contém mais
municípios de seu Império no topo da lista de locais mais frequentes. São Petersburgo, por
exemplo, é origem das obras dos russos A. Marlinski, com 12 livros editados na cidade,
Púchkin, com 11, e Thaddeus V. Bulgarin e Nikolai Karamzin, com 7 obras cada um. Também
podemos notar a presença da cidade de Moscou, onde foram publicadas 14 romances do Conde
Liev Tolstói. As únicas obras que não foram editadas em russo, mas são provenientes dessas
cidades são uma edição do romances polonês Anima vilis, de Marya Rodziewicz, presente em
sua língua original, no ano de 1893, em São Peterburgo, Voyage autor de ma Chambre, suivi
de L’Épreux de la Cité d’Aoste, de Xavier de Maistre, publicada na mesma cidade, em 1812, e
o livro alemão Chico und Mannesa oder die geraubten Kinder, de A. Zorn, do ano de 1865,
proveniente de Odessa.
A única cidade que enviou livros para essa biblioteca e que se encontrava em outro
continente é Nova Iorque, origem de uma edição de 1855 de Antonina or the Fall of Rome, de
Wilkie Collins, uma publicação desse mesmo ano de Captain O’Sullivan, de William Hamilton
Maxwell, e duas edições não datadas de Constance Lyndsay or the Progress of Error, de
Charles Granville Hamilton e Ivanhoe, de Walter Scott, todas na língua original inglesa. O
Brasil também recebeu obras desse município, incluindo uma edição de Ivanhoe de 1827,
traduzida para o espanhol, e oito romances dos autores Susanna Rowson, Laura Jean Libbey,
Theodore Hook, Florence Warden, Edward Bulwer Lytton, Catharine Maria Sedgwick, Jack
Howard e Anna Eliza Bray, todos editados entre 1831 e 1897, em inglês.
No caso do Gabinete Português de Leitura, há algumas localidades brasileiras que
aparecem no Mapa 1, como Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre, Pelotas, Bahia, Recife e
Ceará. O fato de esses locais pertencerem a diferentes estados do Brasil, que nem sempre
apresentam grande proximidade com a capital do Império, mostra como a circulação de livros
não deve ser considerada apenas no âmbito exterior, mas também no interior do país. Há ainda
outros municípios brasileiros que não aparecem nessa listagem, pois neles foram editadas
114

menos de três obras, mas que se encontram no catálogo, como Campinas, que é origem de uma
edição de 1876 de Miniaturas em Prosa: Contos e Fantasias, de José Filippe Pestana; Curitiba,
de onde vem uma publicação de 1897 de Bronzes, de Julio Pernettas; Guaratinguetá, que conta
com uma edição de Os Mistérios da Roça, de Vicente Félix de Castro, de 1861 e Itu, onde foi
editado O Paulista, de Austo Rosec. Esses exemplos mostram que, embora o discurso de
construção da nacionalidade e de incentivo à produção de romances brasileiros tenha tido sua
origem no Rio de Janeiro, autores de outros lugares do Brasil também estavam produzindo
romances no período, e essas obras conseguiam chegar à capital por meio do mercado livreiro
que existia no interior do país. Além disso, notamos que a maioria dos títulos e escritores
mencionados não são conhecidos hoje em dia e são esquecidos pelas histórias literárias. Esse
fato demonstra o quanto o processo de canonização deixa de fora muito da produção de
literatura de um período, não levando em consideração muitas obras que existiram, circularam
e foram lidas ao longo do tempo.
Com exceção dos romances brasileiros editados nas diferentes cidades citadas acima, a
maioria dos títulos em português têm como origem Portugal. Segundo Nelson Schapochnik,
entre as razões principais para esse desequilíbrio estavam os problemas na formação de
trabalhadores desse setor produtivo, a transferência de livreiros europeus e representantes de
empresas comerciais estrangeiras para o Brasil, e a legislação aduaneira que vigorou até o
século XX, e que fazia com que a taxação para a importação de livros brochados e encadernados
fosse menor do que aquela relativa à importação de papel para impressão 201.
Os romances editados na capital do Império foram, em geral, escritos originalmente em
português, enquanto Lisboa se destaca como origem das traduções que circulavam no gabinete.
A única tradução publicada no Rio de Janeiro é O Espião Prussiano, versão em português, de
1872, do romance The Prussian Spy, de Victor Valmont, cuja primeira edição é de 1871. Nota-
se, aqui, o pequeno intervalo de tempo entre a primeira edição dessa obra e sua tradução
brasileira, que permitia que um leitor inglês e um falante de português do Brasil lessem a mesma
obra, ao mesmo tempo, cada um em seu idioma. O restante dos romances editados no Rio de
Janeiro foi, em grande parte, escrito por brasileiros, como José de Alencar (que aparece com 24
obras no catálogo), Aluísio Azevedo (com 13 livros), Machado de Assis (15 obras), Joaquim
Manoel de Macedo (14 obras) e Bernardo Guimarães (com 8 obras).
Além disso, a capital do Império produziu alguns romances em línguas estrangeiras, como
o francês. Cerca de 11 romances franceses presentes no catálogo foram publicados na versão

201 SCHAPOCHNIK, Nelson. Pirataria e mercado livreiro... Op. cit.


115

original em solo brasileiro. Entre eles, se encontram alguns títulos como Martin, l’enfant trouvé
e La Paresse, de Eugène Sue, em edições de 1846 e 1849, respectivamente, Le Péché de
Monsieur Antoine, de George Sand, em edição de 1846 e Le Mendiant Noir, de Paul Féval, em
publicação de 1847. A grande maioria dessas edições em língua original foram feitas por Desiré
Dujardin, proprietário da Librairie Belge-Française, que se estabeleceu no Rio de Janeiro em
1843. Segundo Schapochnik, muitas das obras vendidas por esse livreiro eram, na verdade,
impressas na Bélgica, onde a produção de livros era mais barata devido à liberdade de imprensa
adquirida com a independência belga, à capacidade do país de produzir seu próprio papel e aos
subsídios fornecidos pelos governos para a exportação 202. Isso favorecia a prática da
contrafação, que permitia a reimpressão de famosos títulos franceses sem o pagamento de
direitos autorais e a sua venda por um preço menor. Em alguns casos, Dujardin costumava
inclusive substituir as marcas do impressor contidas original no livro por uma etiqueta em que
constava a identificação do seu estabelecimento203.
A prática de contrafação do mercado editorial belga, que tornava a compra de livros
provenientes desse país mais barata, pode também ser a explicação do grande número de
romances provenientes de Bruxelas no acervo do Gabinete Português de Leitura e da Biblioteca
Pública de Odessa. Em ambas as bibliotecas, as obras vindas dessa cidade são francesas e foram
escritas por autores como Alexandre Dumas, Comtesse D’Ash, Eugène Sue, George Sand e
Paul de Kock, que haviam publicado seus romances pela primeira vez na França. Há casos,
inclusive, em que as duas bibliotecas possuem a mesma edição belga dos romances. Esse é o
caso de Hélene, de Madame Charles Reybaud, presente tanto no acervo de Odessa quanto no
do Gabinete Português, em uma publicação em língua original francesa, produzida em
Bruxelas, no ano de 1849, Léna, da mesma autora e presente em ambos os estabelecimentos em
edição de 1842, na mesma cidade, e Le Bouquetière du Chateau d’Eau, de Paul de Kock,
adquirido por ambas as bibliotecas em edição de Bruxelas de 1856. Outros casos são Maurice,
de Eugène Scribe, adquiridos por ambos os acervos na mesma edição belga de 1845, e Evenor
e Leucippe, de George Sand, presentes na edição de Bruxelas de 1846. Esses dados mostram
como as mesmas disputas do mercado editorial francês se mostravam ativas tanto no Brasil
quanto na Rússia do século XIX, e que a grande exportação de livros belgas do período permitia
que uma mesma publicação de um romance chegasse a bibliotecas de países tão
geograficamente distantes.

202 Idem.
203 Idem.
116

Como mostrado no capítulo anterior, a grande presença de Bruxelas como cidade de


edição não se restringia às bibliotecas públicas. A parcela da biblioteca imperial do Brasil
estudada conta com 20 obras editadas em Bruxelas, e a da Rússia com 6, em comparação com
397 e 42 editadas em Paris, respectivamente. O grande destaque de Paris e Bruxelas como
cidades de edição nas quatro bibliotecas analisadas nesse capítulo permite a verificação de
semelhanças entre os acervos públicos e os da elite do Império Russo e do Brasil. O Gabinete
Português e a Biblioteca imperial do Brasil possuem, por exemplo, a mesma edição belga de
Raoul Desloges, de Alphonse Karr, publicada em Bruxelas, em 1851, e também a mesma edição
de L’Orgueil, de Eugène Sue, publicada em 1848, nessa mesma cidade.
Quando consideramos as obras editadas em Paris, também são muitas as edições em
comum. Mesmo que o Gabinete Português tenha recebido muito mais livros de Paris do que
Odessa (fato que é possível observar a partir dos mapas), essa cidade francesa acabava por
representar um elo entre o Brasil e a Rússia e permitia que as duas bibliotecas tivessem alguns
títulos e publicações semelhantes. Um exemplo disso é a edição de 1892 de Le Pavé d’Amour,
de Jean Aicard, editada em Paris e presente nos dois estabelecimentos. A biblioteca imperial
do Brasil e o Gabinete Português também têm uma publicação semelhante de Candidat!, de
Jules Claretie, datada de 1887, na mesma cidade. Outro exemplo é a tradução de 1858 do
romance The Professor, de Charlotte Brontë, para o francês, compartilhada pela Biblioteca
Pública de Odessa e pelo Gabinete Português de Leitura. Há casos, ainda, de edições
semelhantes presentes em mais de duas bibliotecas, como o romance Pierre et Jean, de Guy de
Maupassant, cuja versão em francês, publicada em 1888, em Paris, foi adquirida pelo Gabinete
Português de Leitura, pela Biblioteca Pública de Odessa e pela biblioteca da família imperial
do Brasil.
Todos esses exemplos mostram como as bibliotecas públicas e imperiais da Rússia e do
Brasil, ao mesmo tempo em que faziam parte de um universo específico de circulação de
impressos, que permitia que elas adquirissem traduções e publicações originais de romances
em russo e em português, também estavam inseridas em contexto maior e globalizado de
circulação de obras ficcionais. Esse contexto maior tinha a França como grande exportadora e
produtora de romances e como elo cultural comum que unia leitores de diferentes lugares do
mundo no século XIX, mesmo considerando o rompimento de relações que aconteceu entre
esse país e a Rússia a partir de 1812.
A esse motivo se deve grande parte das semelhanças e diferenças entre os acervos
estudados. Enquanto as bibliotecas do Brasil possuem obras em português, e também têm
117

diversas cidades brasileiras como local de publicação (principalmente quando consideramos o


acervo do Gabinete Português de Leitura), as bibliotecas russas adquiriam obras ficcionais em
russo, e mantinham em seu acervo edições de diversas cidades do país em que foram formadas.
Ainda assim, os quatro catálogos possuem em comum o imenso destaque da língua francesa e
de Paris como local de edição, o que permite que as semelhanças entre os títulos e autores
contidos em todos os acervos sejam muitas, conforme veremos no próximo tópico deste
capítulo.

2.2.2 As Semelhanças e diferenças entre os autores e títulos mais presentes nas bibliotecas

A lista dos autores mais presentes no Gabinete Português de Leitura e na Biblioteca


Pública de Odessa pode ajudar a traçar as semelhanças e diferenças entre os catálogos dessas
duas bibliotecas e a listagem de obras da biblioteca imperial do Brasil e da Rússia, já analisados
no capítulo anterior. Abaixo, há uma lista com os 10 escritores de maior destaque nesses
acervos:
Nome Número de Obras
Alexandre Dumas 240 (4,1%)
Paul de Kock 152 (2,6%)
Xavier de Montépin 134 (2,3%)
Camilo Castelo Branco 106 (1,8%)
Pierre Alexis de Ponson du Terrail 103 (1,8%)
Paul Féval 99 (1,7%)
Eugène Sue 85 (1,4%)
Jules Verne 67 (1,14%)
Émile Zola 63 (1,08%)
Enrique Pérez Escrich 51 (0.9%)
Fréderic Soulié 51 (0.9%)
George Sand 51 (0.9%)
Tabela 4: Autores mais presentes no Gabinete Português de Leitura
118

Nome Número de obras


Walter Scott 61 (2.8%)
Charles Dickens 45 (2,06%)
Alexandre Dumas 28 (1,28%)
George Sand 26 (1,19%)
Émile Zola 26 (1,19%)
Victor Hugo 24 (1,1%)
Liev Tolstoi 22 (1,1%)
Alphonse Daudet 19 (0,9%)
Edward Bulwer Lytton 18 (0,8%)
Paul de Kock 18 (0,8%)
M. E. Saltykov 16 (0.7%)
Tabela 5: Autores mais presentes na Biblioteca Pública de Odessa

Os quadros acima mostram muitas semelhanças e diferenças entre os dois catálogos.


Podemos notar, em primeiro lugar, que o catálogo do Gabinete Português de Leitura contém
mais autores folhetinistas e de um período mais recente do que a biblioteca de Odessa. Enquanto
o estabelecimento brasileiro tem em destaque autores conhecidos pela grande produção de
romances em folhetim, como Alexandre Dumas, Paul de Kock, Montépin, Ponson du Terrail e
Eugène Sue, o acervo russo parece ter em posição privilegiada autores mais clássicos e
valorizados pela crítica literária do período, como Walter Scott, Charles Dickens e George
Sand. Esse fato pode ter como explicação uma preferência literária do público leitor russo ou o
projeto da biblioteca de Odessa que, por não funcionar por meio de subscrições, poderia montar
um acervo de obras de autores mais valorizados pelos letrados.
Apesar da diferença entre a relevância de determinados escritores em cada uma das
bibliotecas, não é possível negar a grande semelhança entre os autores franceses mais
mencionados nos catálogos, com especial destaque para nomes como Alexandre Dumas, Paul
de Kock, Émile Zola e George Sand. Todos eles foram romancistas de bastante sucesso e suas
obras se destacam em muitos dos estudos sobre a circulação de romances no século XIX 204.

204Ver: ABREU, Márcia (org.). Trajetórias do romance... Op. cit. ABREU, Márcia (org.). Romances em
movimento...Op. cit.
119

Alexandro Paixão já havia pesquisado sobre a grande predominância das obras de Dumas no
Gabinete Português e sobre a possibilidade de que seus romances agradassem ao público de
comerciantes que frequentava esse local205. Além disso, Andréa Müller, em seu estudo sobre
os anúncios de prosa ficcional veiculados pelo Jornal do Commercio, destaca Alexandre
Dumas, Balzac, Eugène Sue e Paul de Kock como os escritores mais anunciados no ano de
1857206. Na pesquisa sobre catálogos da livraria Garnier, de Juliana Maia de Queiroz, Dumas,
Paul Féval, George Sand, Eugène Sue e Paul de Kock também são os que mais aparecem 207.
Esses mesmos nomes estão entre os mais frequentes nas bibliotecas analisadas por Nelson
Schapochnik208, e Dumas e Sue estão entre os títulos de romance mais consultados na Biblioteca
Nacional entre os anos de 1849 e 1856, segundo Débora Bondance Rocha 209.
Levando em consideração esse panorama da circulação de romances de autores franceses
no século XIX, é possível compreender por que esses autores se destacam tanto no catálogo do
Gabinete Português, e o motivo de sua fama ter se estendido até uma biblioteca pública da
Rússia, onde seus livros poderiam ser lidos em língua original ou por meio de traduções. Não
é possível deixar de notar que a maioria dos autores em destaque na biblioteca brasileira e russa
costumavam escrever folhetins: Alexandre Dumas, Paul de Kock, Xavier de Montépin, Ponson
du Terrail, Paul Féval e Fréderic Soulié foram famosos folhetinistas e conseguiram se tornar os
autores mais adquiridos pelas bibliotecas estudadas. Isso mostra como o folhetim alterou a
maneira como se lia romances e favoreceu a proliferação das obras de determinados escritores
em diferentes partes do mundo210. Esses autores franceses de ampla circulação acabaram por
formar, assim, um elo entre as práticas de leitura de diferentes países do mundo e são
responsáveis por grande parte dos 387 títulos que os catálogos estudados possuem em comum.
As bibliotecas públicas brasileira e russa contam, por exemplo, com 19 títulos iguais de
Alexandre Dumas, 13 de Paul de Kock, e um de Paul Féval, Xavier de Montépin e Fréderic
Soulié. Há ainda a semelhança entre 12 títulos de Émile Zola e 7 de George Sand, que tiveram
grande circulação no século XIX, mesmo que esta não tenha advindo do folhetim.
Esses dados não significam, no entanto, que a disseminação de obras mais antigas não
existia, ou que estas também não formavam uma ponte entre diferentes partes do mundo. A

205 PAIXÃO, Alexandro Henrique. Elementos constitutivos para o estudo.... Op. cit.
206 MÜLLER, Andréa Correa Paraíso. A ficção francesa... Op. cit. p. 67.
207
QUEIRÓZ, Juliana Maia. “Em busca de romances: um passeio por um catálogo da Livraria Garnier”. In:
ABREU, Márcia (Org). Trajetórias do romance...Op. cit.
208 SCHAPOCHNIK, Nelson. Os Jardins das delícias...Op. cit.
209 ROCHA, Débora Cristina Bondance. Bibliotheca Nacional e Pública do Rio de Janeiro...Op. cit.
210 Sobre isso, ver: MEYER, Marlyse. Folhetim: uma história. Op. cit.
120

maioria dos livros com mais de uma edição nos catálogos, ou que estão tanto nas bibliotecas
imperiais quanto nas públicas, foram escritos em períodos anteriores ao século XIX, ou no
início desse século. O único título que consta nos quatro catálogos estudados é Paul et Virginie,
de Bernardin de Saint-Pierre, que foi escrito em 1787, e aparece com quatro edições diferentes
no Gabinete Português de Leitura, sendo duas delas em inglês (uma sem informações sobre a
edição e a outra publicada em Londres, em 1839), uma em português, produzida em Paris, em
1838, e uma em espanhol, e publicada em 1851, em Madrid. Essa obra também tem quatro
edições em Odessa, duas delas em traduções para o russo, e publicadas em São Petersburgo
(apenas uma delas é datada, com o ano de 1892), e duas edições em francês, sendo que uma foi
impressa em Bruxelas, em 1843, e a outra é de Paris e não foi datada. No catálogo da família
imperial da Rússia, a obra de Bernardin de Saint-Pierre está em francês e foi editada em 1907,
em Londres e, na Biblioteca imperial brasileira, a edição é em francês e foi publicada em Paris,
em 1863.
A diversidade de locais de edição, línguas e datas de publicação dessa obra francesa, escrita
no século XVIII, mostra que a circulação de uma mesma obra não dependia necessariamente
da sua atualidade, ou do seu local de origem. Um romance de sucesso, como esse, poderia
continuar a ser publicado mais de um século depois da sua primeira edição, mesmo após o
aparecimento do folhetim e de uma nova forma de ler obras ficcionais. Esse exemplo não é
único e se estende a outras obras francesas, como Les Aventures de Télémaque, de Fénelon, que
data de 1699 e tem 6 exemplares no Gabinete Português de Leitura (4 em francês, um em inglês
e um em português, publicados entre 1785 e 1882), 10 na biblioteca de Odessa, publicados entre
1713 e 1832 (7 em francês, um em espanhol e um em russo) e um na biblioteca da nobreza
brasileira, publicado em 1773, em francês. Um dos fatos que pode ter colaborado para o grande
número de edições desse livro nas bibliotecas é o seu uso escolar. O romance de Fénelon era
utilizado, muitas vezes, de maneira didática. Além do seu conteúdo altamente moralizante, que
era considerado positivo, ele era material para o estudo da língua francesa, além de ser utilizado
em exames de alunos e em provas de tradução e versão em concursos públicos de professores
de francês na década de 1830 211.
Outro título com muitos exemplares no catálogo é Corinne ou L’Italie, de Madame de
Stäel, cuja primeira edição é de 1807, e que está na biblioteca imperial brasileira, com um

211SILVA, Rita Cristina Lima Lages e. As Práticas de ensino da língua francesa em Minas Gerais na primeira
metade do século XIX. In: VAGO, Tarcísio Mauro & OLIVEIRA, Bernardo Jefferson (org.). Histórias de Práticas
Educativas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.
121

exemplar em francês, de 1866, na biblioteca de Odessa com 3 exemplares em francês (um deles
não datado e os outros de 1818 e 1841, publicados em Paris), e com duas edições no Gabinete
Português, sendo uma delas em português e publicada em Lisboa, em 1834, e uma delas em
Espanhol, publicada em Madrid, no ano de 1851.
Exemplos como esses também podem ser encontrados no que se refere a ficções de outros
países, como Dom Quixote, do espanhol Miguel de Cervantes, cuja primeira edição é de 1605
e que tem 18 edições diferentes no Gabinete Português de Leitura, publicadas entre 1662 e 1905
(3 delas em francês, 10 em espanhol e 5 em português), 9 na Biblioteca Pública de Odessa, cuja
data de publicação varia entre 1797 e 1869 (4 delas em francês, 2 em espanhol, 2 em russo e
uma em alemão) e 4 na biblioteca imperial do Brasil (3 em espanhol e uma em alemão). Outro
caso é o da obra ficcional Il Decamerone, de Giovanni Boccaccio, de 1353, com um exemplar
na biblioteca imperial do Brasil, traduzido para o francês, em 1846, 6 exemplares no Gabinete
Português de Leitura (um deles em francês, um em português e 4 em italiano) e 10 na biblioteca
de Odessa (5 em italiano, 2 em russo, 2 em alemão e uma em francês). Poderíamos citar também
The Italian or the Confessional of the Black Penintents, romance em estilo gótico de Anne
Radcliffe, que foi publicado em 1797 e tem exemplares no Gabinete Português (em português),
na biblioteca de Odessa (em francês) e na biblioteca da nobreza brasileira (em francês).
Todos os casos expostos acima visam exemplificar que os autores franceses de grande
produção e difusão no século XIX são bastante determinantes para as semelhanças entre as
bibliotecas da Rússia e do Brasil, mas não representam o único fator que une essas coleções tão
distantes. Há muitos títulos de obras ficcionais antigas que faziam parte desse repertório comum
de leituras e que continuaram a ser editados e adquiridos pelos donos das bibliotecas muitas
décadas após sua primeira edição, convivendo com autores mais recentes, que escreviam em
estilos e contextos históricos muito diferentes. Informações como essas vão contra o que é
pregado pela maioria das Histórias Literárias, que contêm uma cronologia que se organiza em
função de mudanças de propostas estéticas ou acontecimentos históricos específicos,
desconsiderando que o interesse dos leitores por determinada obra pode se manter o mesmo por
séculos, e que um mesmo título pode conviver com outros que foram escritos em períodos muito
posteriores, ou em estilos diversos 212.
As tabelas dos autores mais presentes nos catálogos expõem, além das semelhanças entre
acervos formados em lugares tão distantes, algumas diferenças entre eles. Uma delas é a
presença de Camilo Castello Branco na quarta posição do Gabinete Português de Leitura, com

212 Ver: ABREU, Márcia. Problemas de história literária...Op. cit.


122

106 obras, todas em língua portuguesa e, em sua maioria, importadas de Lisboa ou do Porto,
com exceção da edição de 1898 de Amor de Perdição, publicada no Rio de Janeiro. Castello
Branco foi um escritor português com uma ampla produção literária: apenas entre as décadas
de 50 e 60 do século XIX, ele publicou 43 romances, e suas obras fizeram muito sucesso em
Portugal, permitindo que ele vivesse com o que ganhava como escritor 213. Além disso, ele
produziu folhetins, como os Mistérios de Lisboa, publicado em 1854 no jornal O Nacional, e
que obteve grande sucesso em Portugal e no Brasil 214. Por isso, não é incomum que ele seja um
dos autores de destaque na biblioteca pública brasileira, ainda mais considerando que o objetivo
do gabinete seria cultivar a cultura portuguesa.
No entanto, por esta biblioteca ter sido composta em solo brasileiro, não é possível deixar
de notar a falta de alguns escritores, como Machado de Assis, que é muito valorizado nas
histórias literárias como um dos principais autores brasileiros, mas que aparece no catálogo
com apenas 15 obras. José de Alencar que, como já mencionado, era bem conhecido dentro e
fora do país por seus romances que contavam com elementos da “cor local” brasileira, se
destaca mais do que Machado de Assis, com 39 obras, mas ainda assim não se encontra entre
os mais presentes do catálogo. O mesmo vale para Joaquim Manoel de Macedo que, apesar de
também ser bastante citado nas histórias literárias, aparece com apenas 14 edições de seus
livros. Esses dados são um exemplo de que a historiografia da literatura não contém as únicas
obras com as quais os leitores tinham contato no século XIX. Pelo contrário, ela trabalha com
recortes temporais e de autores que nem sempre correspondem aos títulos que eram mais
encontrados em anúncios, catálogos de livreiros e bibliotecas do período 215.
A fama dos escritores de língua portuguesa também não chegou ao catálogo da biblioteca
Odessa, no qual não consta nenhuma obra que tenha sido escrita originalmente em português.
No entanto, nesse catálogo, se destacam alguns romancistas russos, como Liev Tolstói e
Mikhail Ievgrafovitch Saltykov-Schchedrin, que não estão presentes na biblioteca brasileira.
Tolstói foi um dos escritores russos mais consagrados e participou do movimento nacionalista
gerado a partir da guerra de 1812. Esse momento da história do seu país é contato, inclusive,
em um de seus romances mais famosos, intitulado Guerra e Paz, e alguns de seus outros livros
buscam mostrar a realidade vivida pelo país no século XIX. Por isso, é compreensível que ele

213 OLIVEIRA, Paulo Motta. Algumas afinidades: Alexandre Dumas, Camilo Castelo Branco e Machado de
Assis. Machado Assis Linha. São Paulo, v. 8, n. 15, p. 10-25, June 2015 .
214 PAIVA, Cláudia Gizelle & SALES, Germana. De Portugal ao Brasil: Os Mistérios camilianos em terras
Paraenses. In: XIV Congresso Internacional ABRALIC, 2015, Belém. Anais do XIV Congresso Internacional
ABRALIC. Belém: UFPA, 2015.
215 Ver estudos presentes em: ABREU, Márcia (org.). Romances em movimento...Op. cit.
123

esteja bastante presente na biblioteca pública de Odessa, criada em meio ao movimento de


valorização da cultura da Rússia. Saltykov-Schchedrin também foi um romancista com uma
produção bastante vasta, tendo trabalhado em jornais periódicos e publicado alguns livros que
tinham como plano de fundo a realidade vivida por seu país no período 216.
Apesar do destaque desses escritores em Odessa, nenhum dos dois está presente no
Gabinete Português de Leitura, que não contém nenhum romance escrito originalmente em
russo. Esse fato que mostra como o local de origem das bibliotecas influencia em seu catálogo
e em sua composição e é responsável por diferenças entre as obras ficcionais que circulavam
em cada país. Afinal, as semelhanças que os catálogos apresentam não resultam do fato de que
os leitores de bibliotecas públicas do Brasil e da Rússia estivessem diretamente em contato com
as obras produzidas nos países uns dos outros. Elas se dão, pelo contrário, a partir do
compartilhamento de uma cultura em comum, disseminada principalmente a partir do extenso
mercado editorial da França, que permitia que um mesmo título ou autor chegasse a lugares tão
distantes do mundo.
No entanto, a presença ou não de romances russos em solo brasileiro pode se alterar de
acordo com o tipo de biblioteca analisada e os leitores que a frequentam. Na parcela da
biblioteca imperial do Brasil estudada, há a presença de 5 romances escritos originalmente em
russo, sendo 4 deles de Liev Tolstói, autor que está entre os maiores destaques do catálogo de
Odessa, e uma de Turguêniev, que não aparece na tabela, mas que tem 9 romances na biblioteca
pública russa. Os romances de Tolstói, A la Recherche du Bonheur (edição de 1886), Anna
Karenina (edição de 1885), Katia (1886) e Le Prince Nekhlioudov (1889), estão presentes em
edições francesas, de Paris, no catálogo da nobreza brasileira, e Liza, de Tolstoi, está em inglês,
em uma publicação de Londres, de 1869. É possível afirmar que houve, dessa maneira, a
presença de romances russos no Brasil. No caso da biblioteca imperial, o interesse por essa
literatura pode ter tido sua origem no imperador Pedro II, que visitou a Rússia em 1876, período
em que o país já contava com um grande número de obras de Tolstói, Dostoiévski e
Turguêniev217. Outro fato que pode ter colaborado com a presença de romances russo no Brasil
é a fama que esses livros ganharam após a década de 1880, quando Eugène Melchior de Vogué
publica seu ensaio-manifesto218. Nesse ensaio, Vogué “ofereceu o romance russo como uma
forma de corretivo aos desvios que, no seu entender, a literatura francesa vinha trilhando na

216 Biobibliographical Dictionary. Moscou: Prosveshcheniye Publishers, 1990. Disponível em:


http://az.lib.ru/s/saltykow_m_e/text_0540.shtml. Acesso em: 01 out. 2018.
217 GOMIDE, Bruno Barretto. Da Estepe à Caatinga... Op. cit. p. 42.
218 Idem.
124

esteira de Flaubert e Zola.”219 Dessa maneira, ele destaca a literatura produzida na Rússia como
uma alternativa ao naturalismo, fazendo, como afirma Gomide, um “contra-ataque ao Roman
Experimental de Zola, que tinha aparecido alguns anos antes” 220. Na visão de francês, a obra
de Zola não possuía o toque surpreendente dos personagens dos romancistas russos, pois
funcionavam como engrenagens de uma máquina regidas por uma voz narrativa 221. Além disso,
o realismo russo, diferentemente do francês, seria derivado de características específicas da
nacionalidade russa e entenderia a vida “em sentido amplo” 222, incorporando “o invisível e o
mistério às reflexões”223, algo que os franceses não fariam.
No entanto, é interessante notar que, apesar de ter sido um ensaio que opunha o romance
russo ao naturalismo francês o que fez com que as obras provenientes desse país fizessem um
grande sucesso em outros lugares do mundo, essa informação parece não importar ao
observarmos a lista de romancistas mais presentes nos catálogos. Afinal, ambas as bibliotecas
possuem muitas obras de Émile Zola, que é o tido como o grande inimigo da qualidade da
literatura francesa nesse ensaio de Vogué que, segundo Gomide, repercutiu em diferentes
países. Das 26 obras desse escritor presentes no catálogo de Odessa, 21 foram publicadas após
1884, quando o ensaio já teria sido bastante conhecido. Zola também está muito presente no
Gabinete Português de Leitura, onde aparece com 63 livros, 30 deles publicados após 1881.
Esses dados evidenciam que, mesmo com a crítica negativa ao naturalismo francês e à Zola,
esse autor continuou tendo seus romances publicados, reeditados, traduzidos e importados para
diferentes lugares do mundo. Isso mostra que o gosto do público nem sempre corresponde ao
que é pregado pelos letrados nas críticas literárias do período.
Ao observarmos as diferenças entre as tabelas de autores em destaque nos acervos, notamos
a presença dos escritores língua inglesa Walter Scott, Charles Dickens e Edward Bulwer Lytton,
apenas na biblioteca de Odessa. Na verdade, eles também são bastante frequentes no Gabinete
Português, apesar de não constarem na tabela dos mais proeminentes: esse acervo tem 33 obras
de Dickens, 26 de Scott e 8 de Bulwer-Lytton. Ainda assim, sua presença é bem maior em
Odessa, onde Walter Scott tem 30 de seus romances traduzidos para o russo, 27 para o francês
e 4 títulos na versão original inglesa. A presença desse escritor escocês no Brasil também foi
considerável, conforme já foi comentado no capítulo anterior, mas esses dados mostram que

219 Idem, p. 97.


220 Idem ibidem.
221 Idem ibidem.
222 Idem, p. 99.
223 Idem ibidem.
125

seu sucesso se estendeu à Rússia, onde ele recebeu diversas traduções ao longo do século XIX.
O fato de ele também ter 19 de seus livros na biblioteca imperial brasileira, em traduções para
o francês, alemão e na língua original, e de um de seus romances ter sido lido em conjunto por
Pedro II e pela princesa Isabel, conforme veremos no capítulo a seguir, também sugere que esse
escritor circulou entre os mais diversos tipos de público, nos mais diferentes países, fazendo
parte do repertório de leitura de pessoas variadas ao redor do globo.
Charles Dickens também foi um escritor inglês de ampla circulação, que se destaca pela
quantidade de publicações e traduções que circularam em solo brasileiro 224. A Biblioteca
imperial do Brasil possui apenas uma de suas obras, The Mystery of Edwin Drood, em inglês e
não datada. Já no Gabinete Português, ele aparece com 17 títulos em francês, 13 na língua
original inglesa e 2 em português, e, em Odessa, com uma edição de suas obras completas em
russo e 28 títulos individuais nesse idioma, 10 em inglês e 7 em francês. Dickens se torna,
assim, mais um exemplo de escritor que circulou em diferentes ambientes e países, por meio de
diversas publicações, em vários anos, cidades e línguas. O mesmo se pode dizer do escritor
Edward Bulwer-Lytton, que circulou nessas mesmas três bibliotecas, com 8 obras no Gabinete
Português (5 em francês, 2 em português e uma em inglês), 18 em Odessa (7 em russo, 6 em
inglês e 5 em francês) e 3 na biblioteca da família imperial brasileira, todas em inglês.
Os dados acima mostram que não só exemplos da literatura francesa chegaram às
bibliotecas da nobreza e aos estabelecimentos públicos de leitura do Brasil e da Rússia. Muitos
romancistas ingleses circularam também nesses locais, por meio de edições em inglês e
traduções para o francês ou para as línguas maternas dos países aos quais os acervos pertencem
(português ou russo, no caso dos catálogos aqui estudados).
Com o auxílio das análises aqui apresentadas, conclui-se que as semelhanças entre os
catálogos da biblioteca imperial do Brasil, dos livros da família de Nicolau II, do Gabinete
Português de Leitura e da Biblioteca Pública de Odessa são muitas e envolvem a presença
marcante das mesmas línguas, locais de edição, autores e títulos. Esses dados indicam não
apenas que bibliotecas públicas e da nobreza de um mesmo país compartilhavam um mesmo
repertório de leitura, mas que este se estendia a outros lugares e continentes, por meio de uma
grande rede de circulação de impressos e de uma cultura que se tornava cada vez mais
globalizada ao longo do século XIX.

224 Ver: VASCONCELOS, Sandra Guardini. Romances ingleses em circulação no Brasil... Op. cit.
126
127

Capítulo 3 – Menções a livros e leituras em documentos pessoais


das famílias do imperador Pedro II, do Brasil, e Nicolau II, da
Rússia225

3.1 O Estudo dos documentos pessoais de membros da família imperial do


Brasil e da Rússia

Os estudos de cartas e documentos pessoais com o objetivo de encontrar indícios sobre a


circulação de determinadas obras e menções a práticas de leitura é importante por permitir que
se compreenda melhor o contexto em que determinados romances circularam e as diferentes
significações que lhes foram atribuídas no período. Roger Chartier, em seu texto “Do Livro à
Leitura”, escreve sobre a importância de “acrescentar ao conhecimento das presenças dos livros
aqueles das maneiras de ler” 226. Além disso, esse tipo de pesquisa tem a vantagem de relacionar
leitor e obra, trazendo pistas sobre como se deram as apropriações individuais de um texto
escrito e a sua leitura, considerando que “também ela tem uma história (e uma sociologia) e que
a significação dos textos depende das capacidades, dos códigos e das convenções de leitura
próprios às diferentes comunidades que constituem (...) seus diferentes públicos” 227.
A partir das cartas escritas entre 1850 e 1917 por membros das famílias do imperador
Pedro II, do Brasil, e do imperador Nicolau II, da Rússia, é possível compreender um pouco
sobre as práticas de leitura desses membros da elite e encontrar evidências sobre quais obras
foram efetivamente lidas por eles. Dessa forma, esse estudo pode complementar a pesquisa e a
análise dos catálogos de suas bibliotecas particulares, que deixam muitas lacunas pois, como
afirma Darnton, nós não lemos todos os livros que adquirimos e lemos muitas obras que nunca
compraremos228.
Com objetivo, portanto, de encontrar indícios sobre as práticas de leitura dos membros
de duas famílias imperiais, que viveram entre meados do século XIX e o início do século XX
em países e continentes diferentes, esse estudo se pautará em quatro aspectos principais

225 Parte das análises feitas neste capítulo foram publicadas também no artigo “A Leitura de romances pela realeza:
menções a obras ficcionais nas cartas e diários de membros das famílias imperiais do Brasil e da Rússia”. Ver:
ASSUMPÇÃO, Larissa de. A Leitura de romances pela realeza: menções a obras ficcionais nas cartas e diários de
membros das famílias imperiais do Brasil e da Rússia. In: Seminário de Teses em Andamento (IEL-UNICAMP).
Anais do Seminário de Teses em Andamento (SETA). Campinas: Instituto de Estudos da Linguagem, 2018.
226 CHARTIER, Roger. “Do Livro à Leitura”. In: Práticas da Leitura. Op. cit.
227 CHARTIER, Roger. À Beira da falésia. Op. cit.
228 DARNTON, Robert. “História da Leitura” In: BURKE, Peter (org.) A Escrita da história: Novas perspectivas.
São Paulo: Editora da UNESP, 1992.
128

contidos nas cartas e diários pesquisados: as opiniões sobre o gênero romanesco (que incluem
a visão que se tinha sobre os romances, a que momentos essa leitura estava relacionada etc.), a
forma pela qual essa leitura era realizada (individualmente, em grupo, em voz alta ou
silenciosamente etc), a transmissão de obras desse gênero entre os membros das famílias ou
pessoas que se encontram próximas a esse círculo familiar, e as opiniões sobre determinadas
obras e romances que foram observadas em alguns dos documentos. Nesse último item, será
realizada uma análise específica sobre algumas cartas trocadas entre o imperador Pedro II e sua
filha mais velha, a princesa Isabel, que acompanham os passos da leitura das obras Ivanhoé, de
Walter Scott e A Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis.

3.1.1 As Visões sobre a prosa ficcional em cartas de membros das famílias de Pedro II e
Nicolau II

Um dos aspectos que podem ser analisados em relação às atividades de leitura descritas
nas cartas das famílias imperiais são as opiniões sobre a leitura de romances. Segundo estudos
da área da História do Livro e da Leitura, uma das críticas que eram feitas a esse gênero, desde
o seu surgimento, é a de que sua leitura

era tida como um grande perigo, pois fazia com que se perdesse um
tempo precioso, com que se corrompesse o gosto e com que se tomasse
contato com situações moralmente condenáveis (...). Enquanto a leitura
das belas letras tinha por objetivo formar um estilo e ampliar a erudição,
e as leituras religiosas visam aprimorar o espírito e indicar o caminho
da virtude e da salvação, a leitura dos romances parecia sem finalidade.
Do campo religioso partiram os mais vivos ataques a um gênero que
não apenas apresentava situações reprováveis como também pedia a
identificação do leitor com personagens e atitudes pecaminosas 229.

Sabe-se que, ao longo do tempo, essa visão contra todas as obras de prosa ficcional mudou e
alguns de seus subgêneros, como o romance histórico, bem como alguns autores, passaram a

229 ABREU, Márcia et al. Op. cit.


129

ser mais valorizados pelos críticos e letrados230. Talvez por esse motivo, as cartas enviadas
pelas famílias imperiais russa e brasileira não contenham grandes críticas negativas ao gênero
romanesco, sendo provável que os membros dessas elites acreditassem estar lendo os melhores
autores desse tipo de livro. Ainda assim, nas cartas, é possível perceber a permanência dessa
visão inicial sobre as obras ficcionais como algo que deveria fazer parte do tempo ocioso e
oposto aos momentos de estudo e leitura de autores importantes; e como um possível perigo
aos seus leitores, que poderiam se sentir tentados a se identificar com os personagens dos livros
e agir como eles.
Exemplos desse tipo de pensamento estão presentes em algumas cartas que a princesa
Isabel enviou ao imperador entre os anos de 1864 e 1875 (quando ela tinha entre 18 e 29 anos),
nas quais ela sempre associa a leitura de ficção a momentos de lazer, sentindo inclusive a
necessidade de, algumas vezes, justificar a realização desse tipo de atividade ao pai. Em carta
enviada em 9 de novembro de 1864, por exemplo, após relatar que havia realizado a leitura de
Ivanhoé, de Walter Scott, durante o dia, a princesa escreveu: “não creia que também não tem
havido leituras sérias. Hontem lemos 16 ou 18 páginas de Couto e uma hora de Thiers231(...)”232.
Pelo que se pode apreender das cartas, Thiers e Couto eram autores de obras que se
assemelhavam a enciclopédias. A julgar pelo conteúdo das cartas que tratam dos livros desses
escritores, é possível que Couto seja Diogo de Couto, autor de Da Ásia: dos feitos que os
portugueses fizeram na conquista e descobrimento das terras e mares do oriente; obra de
história que foi publicada pela primeira vez em Lisboa, em 1614. Quanto a Thiers, ele
provavelmente se trata de Adolphe Thiers, historiador e político francês do século XVIII que
publicou obras sobre a história da França. Nas missivas, a leitura desses autores parecia ser
sempre estimulada por Pedro II por ser considerada algo “sério” e utilizado para o estudo. Nota-
se aqui, portanto, que esse tipo de obra era identificado como algo oposto à leitura de romances,
ainda que o livro em questão seja Ivanhoé, que pertencia a um autor bastante valorizado pelos
críticos do período233.
Mais um caso em que a leitura de obras desse gênero foi colocada em oposição a leituras
importantes e relevantes aconteceu em uma carta de 29 de maio de 1875, em que há um trecho

230 Basta ver, por exemplo, a recepção de alguns romances de Walter Scott, escritor de romances históricos. Ver:
VASCONCELOS, Sandra. Cruzando o Atlântico. Op. cit.
231 Em todas citações de cartas presentes nesta dissertação, foram mantidas a ortografia e a pontuação utilizadas
nos documentos originais.
232 Arquivo de cartas da princesa Isabel, do acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
233 Ver: VASCONCELOS, Sandra. Cruzando o Atlântico. Op. cit.
130

em que a princesa afirmou: “Minha culpa, minha culpa, minha máxima culpa: Bragelone tem-
me tomado o tempo do Secchi” 234. Nesse trecho, ela provavelmente estava se referindo à leitura
de O Visconde de Bragelone, romance histórico de Alexandre Dumas. Não há muitas
informações sobre quem seja Secchi, ou sobre suas produções, mas sabe-se, pelo conjunto das
outras cartas, que se trata de uma obra científica indicada pelo imperador e cuja leitura, segundo
a princesa, era difícil, demorada e demandava muita concentração, além de ter “algumas
fórmulas que a aborreciam” 235. Com base nessas informações, pode-se supor que o livro citado
na carta é L’unité des forces physiques: essai de philosophie naturelle, de Angelo Secchi,
publicado em Paris, no ano de 1869.
Há dois aspectos interessantes que podem ser notados a partir desse trecho: um deles é
que, mais uma vez, há uma oposição entre a realização de uma leitura “séria” e uma leitura de
romances. É possível notar, claramente, que a princesa se sentia culpada ao ter que contar para
o pai que não havia avançado na leitura de Secchi pois ocupou esse tempo, que deveria ser
dedicado ao estudo, com um romance. Sendo assim, ainda que o contato com obras de prosa
ficcional não fosse considerado como algo tão condenável pela família de Pedro II, havia
claramente uma separação entre a sua leitura (dedicada exclusivamente ao tempo ocioso) e o
estudo. A “culpa” da princesa em relatar esse acontecimento ao pai se devia, provavelmente,
ao fato de que ele pregava constantemente que era necessário ter um tempo reservado para as
leituras sérias, e que a ficção era própria para momentos de ociosidade. Em uma carta em que
o imperador falou sobre Walter Scott, por exemplo, ele escreveu que este autor “era excelente
leitura, mas para momentos de lazer [grifo meu]”236. E, em uma resposta a uma missiva enviada
pela princesa Isabel e escrita em 5 de novembro de 1864, Pedro II mostrou valorizar o genro
porque este tinha o costume de realizar leituras sérias: “Sei muito bem que o Gaston não se
descuida das leituras sérias, e cada vez estou mais satisfeito de haver abdicado nele o poder de
pai tão docemente substituído pelo amor de mais um filho.” 237 Supõe-se, portanto, que a
princesa sabia o valor que o pai dava às leituras realizadas com fins de estudo e aquisição de
conhecimento e por isso estivesse receosa de lhe contar que “perdeu” seu tempo lendo um
romance.

234 Idem.
235 Idem. Comentário presente em carta de 10 de julho de 1875: “Hoje li do seu Secchi e fora algumas formulas
que me aborrecem é muito interessante.”. Sua leitura também é comentada no dias 10(“O Secchi adiantou a passo
de tartaruga. Devagar se vai ao longe. E também não posso lê-lo depressa, pois desejo compreende-lo bem.”), 28
e 30 de junho.
236 Cartas do imperador Pedro II à princesa Isabel. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
237 Idem.
131

A preocupação que a princesa conservou em relação à opinião do pai sobre as suas leituras
desde o ano de 1864, quando a princesa tinha 18 anos, até missiva de 1875, quando ela já tinha
29 anos, pode ser um indício da autoridade que Pedro II exercia sobre a filha e que pode ser
visualizada em quase todos os documentos que serão trabalhados ao longo desse capítulo, e nos
quais o imperador “guia” a leitura da filha, orientando-a sobre o que ela pode ou não ler, em
quais momentos essa atividade deve ser realizada ou até sobre a opinião que ela terá sobre
determinados personagens.
Esse “poder” do pai sobre as filhas talvez fosse um hábito comum também na aristocracia
européia, tendo em vista que ele está registrado nas cartas que D. Leonor de Almeida Portugal,
a marquesa de Alorna, nobre de Portugal, trocava com seu pai, e que foram estudadas por Vanda
Anastácio. Segundo esta pesquisadora, após os membros da família dessa marquesa (que era
neta dos marqueses de Távora) serem mortos ou presos devido à acusação de participar do
atentado contra a vida do Rei D. José I, a jovem foi enclausurada no convento de Chelas, de
onde enviava cartas para seu pai. Anastácio descreve o conteúdo dessas cartas, afirmando que
“apesar da separação, o pai não desiste de orientar a sua educação e as suas leituras, dar-lhe-á
conta dos seus progressos nos estudos e dos livros que lê e procurará justificar-se quando se
apercebe de que nem todas as obras lidas merecem a aprovação deste.” 238.
Nota-se, assim, que o medo das filhas em relação à opinião dos pais sobre os livros que
estavam lendo e a necessidade de justificar suas leituras a eles parecia ser algo comum na
nobreza dos séculos XVIII e XIX. Porém, por ser um hábito que já era esperado, é possível que
a princesa Isabel escrevesse, nas cartas, aquilo que ela pensava que era esperado dela, como
filha, ao se reportar ao pai. Com base nisso, é preciso considerar que as suas opiniões sobre os
livros e as leituras não necessariamente correspondiam ao que ela realmente fazia e pensava,
mas poderiam ser aquilo que acreditava que agradaria ao pai, que demonstra constantemente
seu desejo de guiá-la nas leituras.
O outro elemento que pode ser notado na carta de 1875 é que ela trata da leitura de um
romance histórico de Alexandre Dumas, autor de grande sucesso entre o público no século XIX,
inclusive no Brasil. Prova disso é que grande parte dos seus romances, incluindo a obra citada
pela princesa, foram traduzidos para o português, e ele foi um dos autores mais anunciados
pelos livreiros do Rio de Janeiro no Jornal do Commércio e no Diário do Rio de Janeiro, entre

238 ANASTÁCIO, Vanda. “D. Leonor de Almeida Portugal: As Cartas de Chelas”. In: ANASTÁCIO, Vanda
(org.). Correspondências: uso das cartas no século XVIII. Lisboa: Colibri, 2005.
132

os anos de 1840 a 1860 239. Na França, Dumas também fez grande sucesso entre os leitores,
sendo que a publicação de um de seus romances, Le Capitaine Paul (1838), no rodapé do jornal
Le Siècle, foi um dos fatores que colaboram para o estabelecimento do romance folhetim em
território francês. Le Vicomte de Bragelone também foi publicado em folhetim, nesse mesmo
jornal, entre os anos de 1847 e 1850. A leitura dessa obra por membros da família imperial, se
somada aos dados analisados a partir do catálogo de sua biblioteca pessoal, no capítulo 1,
confirma que um mesmo romance poderia ser lido por pessoas de classes diferentes, em países
diferentes ao longo do século XIX. Esse fato está de acordo com a afirmação de Roger Chartier,
de que “a circulação dos mesmos objetos impressos de um grupo social a outro é, sem dúvida,
mais fluida do que sugeria uma divisão sociocultural muito rígida” 240. O que é possível observar
com base no trecho dessa e de outras cartas é que esses membros da elite também se
apropriavam de romances populares, alguns dos quais foram publicados inicialmente em
folhetim, apesar de esse tipo de leitura ser raramente associado a eles pela historiografia, e de
o escritor Alexandre Dumas não estar presente no catálogo da biblioteca imperial.
Além desses fatores, é interessante notar como um livro francês, cuja primeira edição data
de 1847, estava sendo lido por uma princesa brasileira em 1875. Esses dados vão contra
algumas informações contidas em grande parte das Histórias Literárias, que afirmam que a
literatura segue uma cronologia e mostra que, como afirma Márcia Abreu, “enquanto as
histórias literárias se organizam em função de mudanças de paradigma e de propostas estéticas,
o interesse dos leitores se mantém estável por décadas ou, até mesmo séculos (...) 241.
Uma outra carta, enviada em 4 de setembro de 1871 mostra, mais uma vez, a leitura de
ficção como algo a ser realizado apenas caso haja algum tempo ocioso. Nesse documento em
questão, a princesa Isabel reclamou com seu pai, pois este não estava lhe enviando cartas com
frequência, por alegar que estava ocupado. Ela afirmou que, para se vingar, deveria deixar de
enviar cartas também, com a desculpa de que estava ocupada com os altos negócios do Estado.
Porém, ela escreveu que “seria um grandíssima mentira que lhe pregaria, pois (...) tenho tempo
de sobra, para dormir tanto ou mais de dantes, para passear e até para ler romances [grifo
meu]”242. Ou seja, a leitura de romances era algo que, para a princesa Isabel, não era realizado

239 BEZERRA, Valéria. O Romance de Alexandre Dumas no Brasil. Disponível em:


http://www.circulacaodosimpressos.iel.unicamp.br/arquivos/dossie_valeria_pt.pdf. Acesso em: 01 out. 2018.
Sobre a circulação de Dumas na América do Sul ver também: MOLLIER, Jean-Yves. Tradução e globalização da
ficção: o exemplo de Alexandre Dumas Pai na América do Sul. In: Revista da Anpoll. v. 1, n. 38, 2015.
240 CHARTIER, Roger. Práticas da leitura. Op. cit. p. 79.
241 ABREU, Márcia. Problemas de História Literária…Op. cit.
242 Arquivo de cartas da princesa Isabel, do acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
133

como uma prioridade, mas sim quando restava algum tempo livre dos afazeres realmente
importantes. Mais uma vez, portanto, há uma semelhança entre o que era dito por alguns
letrados no início do século para desencorajar a leitura de romances, que “parecia sem
finalidade”243 e a visão que se tinha sobre o gênero em documentos pessoais da família do
imperador Pedro II.
Essa forma de falar sobre a leitura de romances não é exclusividade da princesa Isabel e
dos ensinamentos de seu pai: ela estava, também, presente em outras cartas da família, como
as enviadas pela imperatriz Teresa Cristina e pelo imperador Pedro II. Em uma carta de 01 de
setembro de 1866, por exemplo, a imperatriz afirmou ter enviado o romance Waterloo, de
Erckmann-Chatrian para a filha, e pedia que ela o aceitasse, pois esse romance poderia entreter
a ela e ao seu esposo244. A partir desse exemplo e dos outros trechos de cartas destacados até
aqui, é possível perceber como a relação entre romances e lazer parece ser algo que se estendia
a todos os membros da família imperial que viveram no final do século XIX, reproduzindo os
argumentos que já eram escritos pelos detratores do romance em períodos anteriores.
A ideia da leitura como algo destinado ao entretenimento e aos momentos de lazer
também está presente nas cartas da família imperial russa. Porém, nesses documentos, esse
pensamento não parecia estar relacionado exclusivamente à leitura de romances, mas à prática
de leitura em geral. Em cartas enviadas à sua esposa durante as suas viagens, o imperador
Nicolau II costumava sempre relatar suas atividades de leitura e reclamar quando os afazeres
eram tantos que ele tinha que se manter longe dos livros. Em carta de 10 de novembro de
1906245, por exemplo, ele escreveu: “eu geralmente tenho muitos documentos para ler, mas às
vezes eu tenho noites livres, quando tenho a oportunidade de ler por prazer” 246. E, em 9 de
março de 1900: “até agora eu não tive tempo de ler pelo meu próprio prazer, embora eu jogue

243 ABREU, Márcia; VASCONCELOS, Sandra; VILLALTA, Luiz Carlos; SCHAPOCHNIK, Nelson. Op. cit.
244 Diário da imperatriz Teresa Cristina. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
245 Todas as cartas e documentos pessoais da Família Imperial Russa citados neste trabalho mantêm a datação
indicada no site do Palácio Alexandre (http://www.alexanderpalace.org/palace/). Não há informações, nesse site,
sobre a mudança ou não da datação desses documentos para se adequar à mudança de 13 dias no calendário russo
ocorrida em 1918. No entanto, é possível que as datas indicadas nesta dissertação não correspondam exatamente
às dos originais.
246 Cartas de Nicolau II. Disponíveis em: http://www.alexanderpalace.org/palace/. Acesso em: 01 out. 2018. No
original: “I usually have many papers to read but sometimes I have free evenings when I have an opportunity to
read for pleasure...". Tradução minha.
134

dominó em algumas noites”247. Por fim, em carta de 1916, o imperador afirmou que tinha
muitas coisas para fazer e que, infelizmente, “não tinha nem tempo para ler” 248.
A partir desses exemplos, pode-se supor que a leitura, em geral, poderia ser vista como
uma atividade voltada ao lazer pelo imperador da Rússia. Porém, como os autores das cartas
não afirmam se os que eles liam no tempo livre eram romances, poesias ou obras de outro
gênero literário, não é possível concluir se a oposição entre leituras sérias e de lazer dizia
respeito exclusivamente a obras ficcionais. No entanto, é possível que o imperador da Rússia
estivesse, mesmo sem mencionar a palavra “romance” ou citar o nome de um autor ou o título
de uma obra, se referindo às obras desse gênero. Talvez, por estar escrevendo à sua esposa, com
quem tinha o hábito de ler romances em conjunto e ainda trocar indicações de títulos e autores,
já estivesse pressuposto que ele estava se referindo a obras de prosa ficcional, que eram a leitura
que ele compartilhava com ela.
Um dos casos em que fica clara a relação do casal com os romances (e também o caráter
de entretenimento que eles tinham) é uma carta enviada em 13 de fevereiro de 1916, também
durante uma das viagens do imperador, em que ele escreveu: “quando estou livre do trabalho,
eu gosto de ler o livro O Quarto dos Segredos. Ele me lembra, de algumas formas, um livro
que nós lemos juntos [grifo meu]” 249. Pelo título citado e pela data em que o documento foi
escrito, é possível que se tratasse do romance The Room of Secrets, do escritor inglês William
le Queux, publicado pela primeira vez em 1913. Nesse caso, pode-se perceber claramente que
o imperador associou a leitura de uma obra ficcional aos momentos em que ele estava livre do
trabalho. Além disso, fica evidente o seu hábito de compartilhar esse tipo de leitura com a sua
esposa (algo que também era comum entre membros da família imperial brasileira, como
veremos mais adiante), bem como as suas opiniões sobre os livros que estava lendo.
Percebe-se, a partir dos exemplos dados, que tanto a família de Pedro II quanto a de
Nicolau II enxergavam a leitura de romances como algo a ser realizado em momentos de
entretenimento e lazer, não dedicando tempo a elas quando estavam atarefados ou, no caso da
família do Brasil, com outras leituras mais importantes para realizar.
Até agora, mostramos como existem semelhanças entre os comentários negativos feitos
ao gênero romanesco pelos críticos desde o século XVIII e as opiniões pessoais de duas famílias

247
Idem. No original: “So far I have no time to read for my own pleasure, although I play dominoes in the evening
every other day.” Tradução minha.
248 Idem. No original: “Unfortunately I have not even time for reading!”. Tradução minha.
249 Idem. No original: “When free from work, I enjoy reading the book, "The Room of Secrets." It reminds me in
some ways of a book which we read together. Tradução minha.
135

imperiais, que viveram no final do século. Notou-se, também, que a opinião desses membros
da elite sobre os livros não era tão rígida: afinal, sua leitura poderia ser realizada, comentada e
compartilhada em cartas.
Não trouxemos nenhum exemplo, porém, de cartas que se relacionam com a opinião dos
críticos de que algumas obras poderiam corromper o espírito dos leitores, que poderiam
começar a agir e pensar como seus personagens. Para iniciar a discussão sobre a visão que se
tinha sobre esses aspectos dentro do seio de uma das famílias da nobreza do século XIX, um
ótimo exemplo é uma carta da princesa Isabel ao seu pai, enviada em 31 de maio de 1868. Nessa
carta, a princesa relatou alguns acontecimentos recentes de sua vida, como a visita à casa da
irmã, o jantar a que compareceu etc. Ela também descreveu um baile do qual havia participado
na noite anterior e, em meio às descrições do lugar, falou ao pai sobre uma moça que conheceu:

Já me esquecendo de contar-lhe que antes d’hontem de noite além do baile tivemos


um Senhor Galeano que tocou muito bem rabecca, e uma portuguesinha filha d’um
antigo mestre de collegio que recitou poesias ao piano. Ella recita com muito
sentimento, é casada e mora também com a velha D. Joaquina que é impagavel
dansando. (…) A moça não se ocupa, infelizmente senão em apprender poesias e
ler romances. Um dia estava ella no seu quarto lendo um romance, D. Joaquina
estava na salla cosendo ouvi-a de repente gritar morreu!morreu! corre para ver,
pergunta-lhe que disgraça aconteceu, por fim a portuguezinha pode dizer que foi o
heroi do romance. 250

Essa carta revela muito sobre a opinião que membros da família imperial do Brasil tinham
sobre o gênero romanesco. Em primeiro lugar, ela reforça a ideia de que essas leituras não
deveriam ser priorizadas na vida de ninguém e sim realizadas quando há algum tempo livre.
Essa opinião está expressa na parte que a princesa escreveu que “a moça não se ocupa,
infelizmente, senão em aprender poesias e ler romance [grifo meu]” 251. Ou seja, não havia
benefícios, para Isabel (e também para o seu pai, como vimos em outras cartas), em não se
ocupar das leituras sérias, ligadas ao saber e ao estudo. E essa informação sobre a moça, dada
logo no início da descrição, certamente serviu como base para a narração do fato que vem logo
depois e que insinua que a menina, influenciada negativamente pela leitura de romances, passou

250 Cartas da princesa Isabel ao imperador Pedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
251 Idem.
136

a confundir a história com a realidade, trazendo para a vida real o seu pesar pela morte do
personagem.
Essas opiniões, expressas pela princesa Isabel, parecem refletir em grande parte as críticas
que se faziam ao gênero romanesco e que colocam, entre suas características, o perigo que ele
representava especificamente às mulheres, “seres governados pela imaginação, inclinados ao
prazer e sem ocupações sólidas que os afastassem das desordens do coração. A leitura de
romances serviria apenas para aumentar o império dos sentimentos e da imaginação sobre seu
espírito”252. Assim, parece que a princesa, apesar de também se encontrar nessa categoria,
reconhecia o perigo que esse tipo de leitura poderia representar às moças, principalmente
quando estas passavam o dia com os romances.
Esse exemplo, quando somado aos outros trechos descritos nesse capítulo, mostra como
as críticas realizadas às obras ficcionais desde o final do século XVIII faziam parte do
imaginário dos leitores nobres do século XIX que, ainda que fizessem frequentemente essas
leituras, a enxergavam com certo perigo e como algo a ser realizado em momentos específicos.
Outro critério que foi muito utilizado pelos críticos do romance e que permanece na mente dos
membros da família do último imperador brasileiro é a moralidade das obras. A utilização da
moral para julgar um romance será analisada mais adiante nesta dissertação, quando falarmos
sobre a opinião específica da princesa Isabel sobre um dos romances de Joaquim Manoel de
Macedo.

3.1.2 Práticas de leitura e indicação de romances entre os membros das famílias de Pedro
II e Nicolau II

Nesse item, falaremos sobre dois aspectos que são recorrentes tanto na família de Pedro
II quanto na de Nicolau II e que compreendem as formas pelas quais os romances eram lidos e
a transmissão de romances entre amigos e membros da família.
Em grande parte das cartas e documentos das duas famílias, seus membros escreviam
sobre a leitura de romances e, especificamente, sobre a leitura em voz alta. Essa prática é,
algumas vezes, associada às pessoas analfabetas, que conseguiam compreender o conteúdo de
um livro apenas quando escutava outra pessoa lendo-a em voz. Em seu texto “Comunidades de
Leitores”, porém, Roger Chartier apresenta, ao escrever sobre os requisitos necessários para a

252 ABREU, Márcia et al. Op. cit.


137

construção de uma história da leitura, uma outra função da leitura em voz alta, a de “cimentar
as formas de sociabilidade imbricadas igualmente em símbolos de privacidade – a intimidade
familiar, a convivência mundana, a conivência letrada.” 253 Márcia Abreu também escreve sobre
a realização desse tipo de leitura que, até o século XVIII, “era uma forma de sociabilidade
comum. Lia-se em voz alta nos salões, nas sociedades literárias, em casa, nos serões, nos cafés.
Esse tipo de leitura, além de permitir o contato com ideias codificadas em um texto, era uma
forma de entretenimento e encontro social.” 254
A partir da análise de trechos das cartas enviadas pela elite do Brasil e da Rússia, é
possível perceber que esse tipo de leitura permaneceu sendo realizada até o final do século XIX,
ao menos entre membros da nobreza, dentre os quais manteve a sua função de reforçar os laços
familiares e de amizade, e de promover momentos de lazer em família.
Esse hábito de ler em voz alta parece ser algo que as crianças nobres aprendiam desde
cedo, com os seus tutores. Como já foi mencionado no primeiro capítulo desta dissertação, o
imperador Pedro II aprendeu com Frei Pedro, um de seus tutores, a “ler em voz alta para adquirir
o gosto pela boa leitura”255. É possível, portanto, que esse hábito tenha sido frequente em sua
vida desde a infância. O mesmo acontecia com a sua filha, a princesa Isabel: em algumas de
suas cartas escritas durante a infância (nas quais, na maioria das vezes, ela apenas relatava como
estavam sendo seus estudos), ela dizia que iria ler com o seu mestre. A utilização da leitura
como forma de instrução das princesas já estava determinada em um documento específico,
chamado “Atribuições da Aia” e escrito provavelmente no ano de 1856. Nesse documento, em
meio às informações sobre os horários em que as princesas deveriam fazer as refeições,
descansos e estudos, havia também o estabelecimento de um horário específico para a
“recordação do preparo das lições e leituras instrutivas ou conversa com a Aia (...). As leituras
instrutivas devem ter relação com as matérias ensinadas, sendo ora em português, ora em
qualquer das outras línguas.”256
A partir desse trecho do documento, é possível perceber como a leitura (que
possivelmente era realizada em voz alta, pois podia ser substituída por conversas com a Aia),
fazia parte da rotina das princesas e da sua formação. Porém, a exigência de que estas fossem

253 CHARTIER, Roger. A Ordem dos livros. Op. cit.


254
ABREU, Márcia. Diferentes formas de ler. Disponível em: http://www.unicamp.br/iel/memoria/Ensaios/.
Acesso em: 01 out. 2018.
255 MONTEIRO, Mozart. A Infância do imperador. Op. cit.
256 Documento Atribuições da aia [1857] POB- Maço 29, Doc. 1038. Museu imperial/Ibram/MinC . Apud:
AGUIAR, Jaqueline Vieira de. Mulheres educadas para governar. Op. cit.
138

estritamente instrutivas provavelmente tirou os romances do repertório: afinal, como visto


anteriormente, estes eram relacionados com um tipo de leitura ligado ao lazer e momentos de
ócio.
Entre os membros da família de Nicolau II, as leituras em voz alta também eram comuns
entre as crianças nobres. Em suas cartas, os filhos do imperador e da imperatriz Alexandra
relatavam com frequência a realização dessas atividades com seus tutores. A diferença é que,
para a família russa, essa atividade poderia incluir obras do gênero prosa ficcional. Em carta
enviada em outubro de 1914 para seu pai, a duquesa Anastácia afirma: “Eu estou tendo aula de
russo agora e Pyotr Alexeyevich está lendo Memórias de um Caçador, do Turguenev para nós
(...)”257 Os relatos das leituras realizadas com tutores também estão presentes nas cartas da
duquesa Maria que, em dezembro de 1914 escreveu: “Pyotr Vasilyevich (Petrov) está lendo
Turguenev para mim e para Anastácia” 258 e, em setembro de 1915: “Pyotr Vasilyevich (Petrov,
um professor) está lendo Uma Casa Gelada para mim e para Anastácia. É extremamente
interessante”259. Com base nesses trechos, é possível perceber que a leitura realizada com
tutores era uma atividade comum para as filhas do imperador russo: porém, ao contrário do que
acontecia na corte do Brasil, essas leituras “instrutivas” poderiam também incluir obras
ficcionais, como as obras de Turguêniev, um autor russo de origem nobre, cujos livros
obtiveram grande sucesso260.
Entre os membros da família de Pedro II, parece que a prática da leitura em voz alta era
mais comum entre os casais. A imperatriz Teresa Cristina escreveu muitas vezes em seu diário,
por exemplo, que o imperador foi ler com ela durante a tarde e à noite. E a princesa Isabel, nas
cartas para o seu pai, também relatou muitas vezes as leituras que havia realizado com seu
esposo, o conde d’Eu. E essas leituras entre os casais não se restringiam apenas a obras do
gênero romance: eles também liam obras “sérias”, como as teses de cientistas, enciclopédias,
revistas e jornais etc. Em uma carta de 19 de dezembro de 1864, por exemplo, a princesa Isabel
escreveu:

257 Cartas da Duquesa Anastácia para o imperador Nicolau II. No original: “I am having a Russian class now and
Pyotr Alexeyevich is reading Turguenev's "The Hunter's Notes" to us...". Tradução minha.
258 Cartas da Duquesa Maria para o imperador Nicolau II. No original:“Pyotr Vasilyevich (Petrov, a teacher) is

reading "An Icy House" to me and Anastasia. It's awfully interesting (...)”. Tradução minha.
259 Idem. No original: “Pyotr Vasilyevich (Petrov, a teacher) is reading ‘An Icy House’ to me and Anastasia. It's
awfully interesting”. Tradução minha.
260 Ver: SCHAPIRO, Leonard. Turgenev, his life and times. Cambridge - Massachusetts: Harvard University
Press, 1978.
139

Hontem lemos Montaigne e um jornal de New York que mandarão a Gaston, hoje
lemos no Couto uma grande descripção de [ilegível], labyrinthos e idolos, e lemos
no Thiers as negociações para o tratado de Amiens. No Montaigne d’hontem vimos
além de outras cousas que os homem maiores para elle erão Homero, Alexandre e
Epaminondas261

A partir desse exemplo, nota-se que a princesa Isabel lia obras de todos os gêneros literários
com o esposo. Em outras cartas, ela diz que leu com ele a obra de Dante e um livro denominado
Viagem à China. As leituras de obras ficcionais também aconteciam frequentemente e às vezes
envolviam amigos e damas de companhia. Em carta de 16 de julho de 1875, por exemplo, a
princesa escreveu: “com a Condessa temos lido Au Jour le Jour, por Fréderic Soulié e estamos
lendo l’Homme à L’Oreille cassé por Edmond About”262. Não há explicações claras sobre quem
seja a condessa: essa pessoa pode ser a condessa d’Áquila, irmã de Pedro II; ou a condessa de
Barral, antiga preceptora da princesa, ou ainda outra amiga do casal. Assim, os dados contidos
nessas cartas mostram que a realização de leituras em conjunto não se restringia ao círculo mais
íntimo da família, mas também incluía outras pessoas e amigos próximos. As obras citadas pela
princesa também dão indícios, mais uma vez, que a época em que uma obra foi lançada não
determina o período em que ela será lida: Au Jour le Jour, de Fréderic Soulié, por exemplo, foi
lançada no ano de 1844, e l’Homme à L’Oreille Cassé, em 1860. Ainda assim, essas duas obras
estavam sendo lidas de maneira compartilhada no ano de 1875, por membros da elite brasileira.
Além disso, esses membros da família imperial estavam lendo obras que fizeram sucesso entre
o público amplo do Brasil e da França e não livros que apenas circularam entre círculos restritos
de intelectuais ou pessoas da elite. Segundo os dados cadastrados no CITRIM, Au Jour le Jour
teve ao menos duas reedições, em 1864 e em 1879, e duas traduções para o português, nos anos
de 1845 e 1846. Além disso, em 1847 ele foi anunciado duas vezes no Diário do Rio de Janeiro,
e estava presente no catálogo de livros da Biblioteca Fluminense, de 1866, e no Catálogo de
Livros do Gabinete Português de Leitura, em 1858. Esse romance também aparece no catálogo
de 1866 da livraria Garnier, e no de 1857 da livraria Garraux. Apenas por esses indícios, é
possível perceber que se tratava de uma obra de ampla circulação no Brasil, disponível aos
leitores por diversos meios. A obra l’Homme à L’Oreille Cassé também parece ter obtido

261 Cartas da princesa Isabel ao imperador Pedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
262 Idem.
140

grande sucesso de público: ela teve uma reedição em 1862 e traduções para o português nos
anos de 1866 e 1876.
Os dados acima dão indícios de que esses membros da família imperial do Brasil não
formavam seu repertório de leitura de maneira isolada do restante da sociedade. Muito pelo
contrário, eles pareciam estar inteirados dos romances que faziam sucesso no período e não
viam problemas em inserir essas obras entre as outras que eram lidas em voz alta nas reuniões
familiares.
Para a família de Nicolau II, a leitura em voz alta também era comum. Em muitas cartas
trocadas entre eles entre os anos de 1897 e 1917, há relatos de leituras realizadas em conjunto.
Em 1898, por exemplo, o imperador Nicolau II escreveu em seu diário que estava realizando a
leitura de Guerra e Paz, de Tolstói, com a esposa. As descrições dessas leituras foram escritas
nos dias 13 e 26 de fevereiro e 15 de abril, o que permite perceber o ritmo de leitura do casal.
Aparentemente, a leitura desse romance demorou mais de dois meses, talvez pela grande
extensão desse livro, somada ao hábito do casal imperial de revezar as leituras com outras obras,
que também liam em conjunto. A partir das anotações, também é possível perceber que o
imperador gostou do livro e o leu ao menos duas vezes, pois ele escreveu que ele era “muito
interessante, embora eu o esteja lendo pela segunda vez” 263.
Além disso, esse trecho pode ser confrontado com as informações sobre o catálogo da
biblioteca imperial russa, que foi analisado no primeiro capítulo desse trabalho. O único
exemplar existente de Guerra e Paz na parte da biblioteca estudada está em russo e data de
1912. Apesar disso, o relato presente no diário citado acima mostra que o imperador já estava
lendo essa obra pela segunda vez 14 anos antes da data dessa publicação 264. Esses dados
explicitam como a análise de um catálogo de biblioteca é imprecisa para afirmar o que uma
pessoa lia, mas que esta pode ser complementada pela existência de documentos pessoais, como
cartas e diários.
Em outros dias, o imperador relatou outras leituras com a esposa: no dia 1º de janeiro de
1891, por exemplo, ele estava lendo Histórias do Mar, de um autor russo chamado
Stanyukovich's, em 18 de janeiro do mesmo ano a leitura era um livro de memórias de um tutor
francês, e no início de 1908 os dois estavam lendo juntos pequenos contos de Leskóv e a

263 Diário de Nicolau II. No original: "...In the evening I read "War & Peace" aloud to Alix for a long time. Very
interesting though I am reading it for the second time!".
264A imperatriz Alexandra, ou Alix, era neta da rainha Vitória e recebeu uma educação tipicamente inglesa. Além
disso. Segundo os pesquisadores STEINBERG e KHRUSTALEV, era essa língua em que ela mais se comunicava.
Ver: STEINBERG, Mark D., KHRUSTALËV, Vladmir M. Op. cit.
141

biografia da imperatriz Elisabeth265. Em abril de 1911, o imperador estava lendo com a esposa
Os Irmãos Karamazov, de Dostoiévski.
Os exemplos citados são o suficiente para mostrar que o repertório de leitura desse casal
imperial, como o da princesa Isabel e do conde d’Eu, era bem amplo e compreendia obras de
diversos gêneros literários, incluindo o romance. As obras desse gênero presentes nos relatos
são, muitas vezes, de autores russos de grande sucesso e bem avaliados pela crítica do período,
como Tolstói e Dostoiévski, apesar de serem os franceses os que mais se destacam na parcela
da biblioteca analisada. Nota-se ainda que, nas cartas da família desse imperador, há uma
predominância das menções a leituras de autores russos. Um dos motivos possíveis para
explicar esse fato pode ser a valorização da produção de escritores nacionais pelos russos, que
tinham o costume de considerar esse tipo de leitura como algo sério, ainda que as obras lidas
pertencessem ao gênero romanesco. Outro ponto a ser notado é que, nas cartas, os títulos dos
romances russos estão sempre em inglês. Porém, é preciso considerar que os próprios membros
dessa família podem ter traduzido os títulos dos livros ao falar sobre eles, para que, assim, estes
ficassem na mesma língua em que eles estavam escrevendo. Dessa forma, não é possível
afirmar com certeza que eles estavam lendo traduções, ou em qual língua o casal realizava suas
leituras.
As cartas também revelam que o casal imperial lia obras que pertenciam a um período
anterior ao do envio das cartas: a data de publicação original de Voiná i mir [Guerra e Paz] é
de 1869, e de Bratya Karamazovy [Os Irmãos Karamazov] é de 1880. Isso é mais um indício
de que, também na Rússia do século XIX, não existiam necessariamente ligações entre a
nacionalidade de um autor e a data de publicação de sua obra, e o tempo, o local ou o ano em
que ele seria lido por seus leitores.
Nas atividades de leitura em voz alta também eram inclusos, algumas vezes, os filhos do
casal. Segundo Helen Rappaport, as noites de ceias familiares eram passadas em meio a
atividades de bordado, jogos de tabuleiro e escrita de cartas, e era comum que o imperador lesse
em voz alta para todos eles 266. Em algumas passagens do ano de 1917 do seu diário, Nicolau II
confirmou que havia lido para as crianças 267 e que, no dia 16 de dezembro desse mesmo ano,

265 Diário de Nicolau II. Os trechos mencionados são do dia 1º de janeiro (“We spent the evening in our usual
way. I read aloud to Alix Stanyukovich's "Sea Stories") e 18 de janeiro de 1898 (“In the evening I read aloud to
Alix interesting memoires of the former French tutor M.Janson about his stay in Russia for 5 months in 1886..."),
25 de janeiro de 1908 ("...After dinner I read aloud to Alix Leskov's short stories...") e 30 de março do mesmo ano
("...I read aloud to Alix the beginning of Empress Elizabeth's Biography written by Nickolai Michailovich...").
266 RAPPAPORT, Helen. Op. cit.
267 No dia 1º de maio de 1917, por exemplo, ele escreveu: “In the evening I began to read aloud to the children.”
142

leu Na Véspera, do autor russo Turguêniev, enquanto os outros jogavam belzique268. Nota-se
que, em dezembro de 1917, Nicolau II já havia sido deposto, e é provável que um clima de
tensão pairasse no cotidiano familiar. Ainda assim, as atividades de leitura continuavam a ser
realizadas em conjunto, mostrando a importância desse tipo de convívio para essa família.
Na correspondência enviada por outros membros da família, esses momentos passados
em conjunto também eram narrados. Em uma carta enviada pela duquesa Anastácia para o seu
pai, em 1914, por exemplo, ela escreveu que Anya estava lendo para a imperatriz. A pessoa
citada provavelmente é Anna Alexandrovna Vyrubova, uma nobre da corte russa que era muito
amiga da família do imperador Nicolau II269. Esse relato mostra que a família de Nicolau II, da
mesma maneira que os da de Pedro II, também incluía amigos íntimos da família em suas
atividades de leitura: assim, da mesma forma que a princesa Isabel e o conde d’Eu liam com a
condessa, a imperatriz Alexandra, da Rússia, realizava leituras com a jovem nobre Anya. Essa
moça também foi mencionada em cartas da imperatriz para o imperador, em que ela dizia
constantemente que estava lendo para a amiga e que Anya estava lendo para ela. Em uma das
cartas, ela dá, inclusive, uma explicação para isso, dizendo que ela não conseguia ler em voz
alta o tempo todo270.
A realização de sessões de leitura com os membros mais novos da família também parecia
ser comum no Brasil. Em alguns relatores de seu diário, a imperatriz afirma que Pedro II estava
lendo com os netos, filhos da princesa Leopoldina. Em 26 de julho de 1872, por exemplo, a
imperatriz escreveu que “toda manhã estiveram meus netos comigo. Lerão com o imperador
em portuguez271”. Além disso, segundo Jaqueline Aguiar, o imperador sempre reservava um
tempo para ler com as suas filhas, quando pequenas. Porém, segundo os dados encontrados,
parece que essas leituras tinham um foco maior na educação das princesas e não em momentos
de lazer e convivência familiar, como acontecia na Rússia. Segundo a autora, em anotações de
1862, dom Pedro diz que iria ler com as meninas obras de autores portugueses como João de
Barros e Camões, em horários distribuídos entre a tarde e a noite, e em outros horários de estudo

268 Belzique é um jogo de cartas de origem francesa, parecido com o Piquet. No trecho em questão, o imperador
afirma: “While bezique is being played, I am now reading aloud Turgenev's "On the Eve.”
269 Informações sobre Anna Alexandrovna Vyrubova podem ser encontradas no site oficial do Palácio Alexandre.

Disponível em: http://www.alexanderpalace.org/palace/Anya.html


270 Trecho de carta da imperatriz Alexandra. Acervo online do Palácio Alexandre. No original: “Mordvinov
lunched with us, then I had Prince Galitzin, Rauchfuss, had to see about coats - then Ania came & read to me as I
cant talk the whole time”.
271 Diário da imperatriz Teresa Cristina. Acervo do Acervo do Museu Imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
143

das duas272. É importante ressaltar, porém, que por se tratarem de informações retiradas do
diário do imperador (que ele possivelmente acreditava que seria lido no futuro), talvez ele tenha
retirado algumas informações, como a leitura de romances com suas filhas. Os dados dessa
fonte não condizem, portanto, inteiramente com a realidade do cotidiano dessa família, mas dão
indícios de que atividades de leituras entre pais e filhos nobres também eram comuns no Brasil.
Além disso, é interessante notar que o imperador do Brasil faz questão de dizer que está lendo
autores portugueses com as filhas, da mesma maneira que a família de Nicolau II parece gostar
de citar os autores e as obras russas em suas cartas, apesar de sua biblioteca conter vários livros
em francês. Esse dado pode ser um indício de que os documentos pessoais das famílias nobres
(e, principalmente, os que eles acreditavam que poderia ser lidos por terceiros) fossem um lugar
em que eles desejavam mostrar o nacionalismo em suas leituras e o seu conhecimento da
literatura escrita originalmente em sua língua materna.
As cartas, além de relatarem os acontecimentos do cotidiano dessas famílias da elite,
também eram utilizadas como uma forma de trocas de indicações e opiniões referentes a obras
literárias de todos os gêneros e áreas do conhecimento. Nas cartas da família brasileira, é
possível encontrar diversos indícios de aquisição de determinadas obras. Desde 1859, a princesa
Isabel pede constantemente para que os pais comprassem livros (no Rio de Janeiro ou na
Europa, quando eles estavam viajando) e os enviassem para o Palácio em que ela ficava, em
Petrópolis. Em 2 de outubro de 1868, por exemplo, ela pediu que os pais lhe enviassem A
Morgadinha dos Canaviais, de Júlio Dinis cuja leitura, comentada por meio de cartas, será
discutida mais adiante.
Também há casos em que os pais da princesa enviavam espontaneamente obras para ela,
geralmente porque também leram e gostaram ou acreditavam que ela também deveria ler. O
curioso aqui é que as obras são normalmente romances, apesar de, em outras cartas, essa família
dar indícios de pensar que a realização de outras leituras é mais proveitosa. Isso pode mostrar
que havia um contraste entre o que eles diziam sobre o gênero (e que estava de acordo com as
opiniões de muitos críticos do século XIX) e o que eles faziam no seu cotidiano.
Dessa forma, em setembro de 1866, a imperatriz enviou o romance de Waterloo, já
mencionado nesse capítulo, para entreter a filha e o genro, pois já havia lido essa obra e gostado.
Na época, esse romance histórico dos escritores franceses Émile Erckmann e Alexandre

272 AGUIAR, Jaqueline Vieira de. Op. cit. Em uma anotação em seu diário, de 1862, Pedro descreve a rotina que
tinha ao acompanhar o estudo das filhas: “Assisto às lições do Sapucaí de inglês e de alemão dadas a minhas filhas.
Nas 2as feiras lerei a elas Barros das 7 ½ às 8 da noite; Lusíadas, das 10 ½ às 11 da manhã; das 3 às 4 dar-lhes-ei
lição de matemáticas, e latim com elas das 7 às 8 da noite.”
144

Chatrian era bastante recente, pois foi publicado pela primeira vez 1865. Por se tratar de uma
novidade, talvez, a imperatriz tenha indicado a obra, pois sabia que era improvável que a filha
já a tivesse lido. Na biblioteca imperial, esse livro estava presente em uma edição não datada,
em que foi publicado juntamente com outros romances sob o título de Romans Nationaux: Le
Conscrit de 1813, Madame Thérèse ou les volontaries de 92 e L’invasion, todos romances
históricos de Erckmann-Chatrian. Além disso, esses dois autores estão entre os que mais se
destacam no acervo, aparecendo com 10 de suas obras, o que permite supor que essa família
gostava de seus romances. Esses dados mostram, mais uma vez, como as cartas podem
completar o estudo das bibliotecas e dos perfis de leitor, pois trazem novos indícios sobre os
dados levantados em diferentes fontes.
Também havia casos em que era a princesa quem enviava livros para os pais e
aconselhava a sua leitura. Em 11 de janeiro de 1868, por exemplo, ela escreveu: O Capitaine
Fracasse tem nos interessado muito. Papae já o leu?”. Ela estava se referindo, aqui, ao romance
de Theophile Gautier, lançado em 1863, e que não estava presente no recorte estudado do
catálogo da biblioteca imperial.
Um dos casos curiosos, em que um mesmo romance foi transmitido entre os diversos
membros da família e cuja leitura foi relatada nas cartas é A Família Inglesa, de Júlio Dinis. A
primeira menção a esse livro aconteceu em uma carta de 7 de setembro de 1868, quando a
princesa Isabel escreveu para dom Pedro: “Já comecei também a ler os Maitres Sonneurs e
quasi que o acabei, é muito bonito. Como estava-os lendo quando chegou a Família Inglesa,
emprestei-a ao Visconde”273. O Maitres Sonneurs, que ela mencionou aqui, é um romance
histórico da escritora francesa George Sand, publicado em 1853, e que obteve um grande
sucesso de público e de crítica 274. As cartas trocadas entre os membros da família de Pedro II
parecem confirmar os dados do catálogo da biblioteca da família imperial, de que eles tinham
uma preferência literária por romances históricos; afinal, grande parte das cartas contêm
indicações de livros desse subgênero literário, que era um dos mais valorizados pela crítica do
período. No momento em que escreveu a carta, a princesa disse que mal havia começado a ler
esse romance e já quase o havia terminando, e que, por isso, emprestou a Família Inglesa (que
provavelmente recebeu de seu pai, que é o destinatário da carta na qual ela justifica por que
ainda não começou a lê-lo) para o visconde, que pode ser o visconde de Sapucaí, que foi mestre

273 Cartas da princesa Isabel ao imperador Pedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
274 Ver: GODWIN-JONES, Robert. Romantic vision: the novels of George Sand. Birmingham: Summa
Publications, 1995.
145

das princesas quando pequenas, ou outro amigo nobre da família. Pode-se notar, a partir dessa
carta, que os amigos da família imperial não apenas participavam algumas vezes das atividades
de leitura em voz alta, mas também da troca e indicações de livros.
A Família Inglesa é um romance do escritor português Júlio Dinis, que narra a história
de amor entre um comerciante inglês e a filha de um guardador de livros. A obra, que foi
publicada pela primeira vez em folhetim, em 1867, e se passa na cidade do Porto, contém
diversas descrições das paisagens e de seus habitantes e é uma das únicas obras publicadas em
língua portuguesa que foi mencionada na correspondência analisada. Os dados do CITRIM dão
indícios de que este foi um romance de sucesso, que foi publicado em volume em 1868 e
reeditado em 1870, 1875, na década de 1890 e em 1902. Além disso, sua primeira edição está
presente no catálogo de 1868 do Gabinete Português de Leitura e no catálogo de 1873 da livraria
Garnier. Na biblioteca imperial, ela aparece em uma edição de 1870, posterior ao envio das
cartas: conclui-se, assim, que a família obteve mais um exemplar posteriormente, talvez por ter
gostado da trama ou recebido a obra de presente.
A próxima menção a esse livro aconteceu em uma carta de 20 de outubro de 1868, quando
a imperatriz Teresa Cristina escreveu: “Hontem que recebi a sua carta de 10, e o livro da Família
Inglesa que entreguei ao teu pai” 275. É possível, portanto, que o Visconde tenha devolvido o
livro, que a princesa, por ainda estar sem tempo de ler, enviou para o pai por meio da
correspondência com a mãe. Oito dias depois, lê-se em outra carta da imperatriz: “minha
querida filha Isabel, aproveito do capellão que vae amanhã para as Águas Virtuosas para (...)
mandar-te o livro que tua Mana acabou que é Uma Família Inglesa que teu Pae lhe emprestou
e agora a te.”276.
A partir dessa correspondência, nota-se que esse foi um romance que, por meio de
indicações e trocas, passou pelas mãos de quase todos os membros da família: ele foi lido ao
menos pelo imperador Pedro II, pela princesa Isabel e princesa Leopoldina, e pode ter sido lido
pela imperatriz e pelo Visconde mencionado na carta da princesa Isabel. É interessante notar
essa rede de troca de obras e, especialmente, de romances, que existia entre essa família da
elite: mais uma vez percebe-se que, apesar de eles desvalorizarem o gênero o tempo todo,
dizendo que ele não deve ocupar o tempo de leituras de estudo, eles se esforçam para ler essas
obras, trocá-las entre si e comentar essas atividades em suas cartas pessoais.

275 Cartas da imperatriz Teresa Cristina à princesa Isabel. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo
Grão Pará.
276 Idem.
146

Para a família de Nicolau II, a indicação de obras (incluindo romances) por meio de cartas
também era muito comum. Na maioria das missivas não havia indicações explícitas ao autor e
ao título das obras, mas eles davam diversos indícios de que a troca de livros era muito comum
em seu cotidiano. Em 2 de janeiro de 1916, por exemplo, o imperador Nicolau II escreveu à
sua esposa: “preciso confessar que o livro que eu estou lendo agora é absolutamente fascinante.
Quando eu terminar o enviarei a você. Você provavelmente vai adivinhar quais partes me
interessaram mais”277. A leitura desse trecho revela o quanto a indicação de obras era comum
entre o casal imperial russo, que trocava livros com o mesmo motivo alegado pelos membros
da família de Pedro II: porque eles haviam lido e gostado e queriam compartilhar um título que
acreditavam ser bom. Além disso, a afirmação que a imperatriz saberia quais parte haviam lhe
interessado mais mostra como esse casal tinha o hábito de conversar sobre suas leituras e sobre
quais características gostavam em um livro.
Em carta de 12 de fevereiro do mesmo ano, o imperador escreveu à esposa: “eu estou
devolvendo para você o livro francês. Eu estou lendo o novo livro em inglês com avidez, quando
há lazer”278. Esse trecho é um dos únicos que mencionam a leitura de obras que não são russas,
talvez por fazer parte de uma carta pessoal enviada à esposa, e não a um trecho do diário do
imperador. É possível que ele, como Pedro II, imaginasse que seu diário seria lido por muitas
pessoas após sua morte, e por isso quisesse mostrar que gostava dos autores nacionais e
valorizava a literatura russa. Porém, na carta à esposa, ele poderia falar sobre a troca de livros
em francês (que é a língua que mais se destaca na parte na listagem de livros da família imperial
russa analisada no primeiro capítulo) e sobre um livro inglês do qual ele estava gostando. Havia
nessa carta, porém, a associação entre a leitura e o tempo dedicado ao lazer ou ao
entretenimento, conforme foi visto em outros documentos dessa família.
A presença de obras de literatura estrangeira no repertório de leitura do imperador
também pode ser observada em uma carta datada de 26 de outubro de 1916, quando ele
escreveu: “durante todo o dia eu li um livro inglês muito interessante, que acabou de sair: O
Homem que jantou com o Kaiser. Quando eu terminá-lo vou enviá-lo para você”279. É provável
que o livro mencionado seja My Secret Service, que foi publicado de forma anônima em 1916,

277 Cartas do imperador Nicolau II à imperatriz Alexandra. No original: “I must confess that the book I am now
reading is absolutely fascinating. When I have finished it I shall send it on to you. You will probably guess which
parts interested me most.”
278 Idem. No original: “I am returning you the French book; I am reading the new English one with avidity, when
there is leisure”. Tradução minha.
279 Idem. No original: “All day long I read a very interesting English book which has only just come out: "The
Man who dined with the Kaiser." When I have finished it I will send it to you”. Tradução minha.
147

apenas com a assinatura “by the Man who Dined with the Kaiser” 280. Esse livro, que se
assemelha a uma obra de prosa ficcional, relata os acontecimentos e observações de um homem
em diversos países da Europa durante a primeira guerra mundial. A sua presença entre as obras
citadas pelo imperador em 1916 mostra como a circulação de livros entre a Europa (nesse caso,
a Inglaterra) e a Rússia se dava de forma rápida no início do século XX, permitindo que uma
obra chegasse às mãos do imperador russo poucos meses após ser lançada em território inglês.
Os dados retirados dos trechos das cartas e diários das famílias do imperador Pedro II e
Nicolau II mostram como não havia muitas diferenças entre as práticas de leitura da elite desses
dois países, mesmo que elas tenham vivido em época um pouco diferentes do século XIX e em
países e continentes distantes. Em ambas as famílias, era comum a prática da leitura em voz
alta (que muitas vezes foi aprendida durante a infância, com os tutores) entre o círculo mais
íntimo de pessoas, bem como a indicação de obras e romances dos quais eles haviam gostado,
e que eram mencionados nas cartas e enviados pelo correio. Também é possível perceber que
romances de diferentes línguas e nacionalidades circularam nesses dois países, onde eram lidos
por diferentes pessoas.

3.1.3 Opiniões sobre determinados autores e gêneros

A correspondência trocada entre os membros das família do imperador Nicolau II e Pedro


II pode revelar, entre muitas outras coisas, as suas opiniões sobre determinados títulos e
romancistas. Essas informações são importantes indícios de como alguns livros foram recebidos
pelo público nobre do século XIX e permitem perceber quais eram os critérios utilizados por
esses leitores para julgar um romance como sendo bom ou ruim.
Como já foi dito anteriormente, é muito comum que as cartas da família brasileira, em
especial as trocadas entre a princesa Isabel e o imperador, contivessem opiniões sobre obras do
gênero romance. Em uma dessas missivas, enviada em fevereiro de 1868, a princesa diz ao pai
que está lendo Les Puritains d’Écosse e que ele “era muito bonito”281. Trata-se, aqui, de uma
tradução para o francês do romance histórico Old Mortality, de Walter Scott, lançado em 1816.
Mais uma vez, é possível perceber o gosto que esses membros da família imperial apresentavam
por romances históricos e pelo escritor Walter Scott. Esse livro não é um dos que estavam

280 Essa obra está disponível online em: https://archive.org/details/mysecretservice01kaisgoog. Acesso em: 01
out. 2018.
281 Carta da princesa Isabel ao imperador Pedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
148

presentes na biblioteca imperial, apesar de Scott ser o segundo autor que mais se destaca na
coleção. É interessante notar, também, que ele estava sendo lido em uma tradução francesa e
52 anos depois da sua publicação original, o que mostra a permanência de algumas obras no
repertório dos leitores do século XIX. É difícil saber o que a princesa quis dizer quando afirmou
que esse livro é “bonito”: é possível que ela estivesse se referindo às descrições do autor que,
conforme será exposto mais adiante, era um elemento valorizado por ela, ao enredo ou ainda a
aspectos da materialidade do livro.
Uma obra sobre a qual a princesa expressou uma opinião mais clara é a Flamarande, de
George Sand. Na carta, datada de 8 junho de 1875, ela escreveu: “a Condessa me encarrega de
lhe dizer que acabou de ler Flamarande e que já mandou a revista ao Mathias. Ela acha o fim
muito brusco e nunca pensou que [ilegível] casasse com Berthe. Toda esta gente devia ter
acabado solteirona.”. Flamarande foi publicado pela primeira vez na Revue des Deux Mondes
(periódico francês de grande circulação), entre fevereiro e maio de 1875. Pelo que a princesa
escreveu sobre ter mandado a revista a outra pessoa após terminar a leitura, é possível afirmar
que ela leu justamente essa primeira publicação do romance, que provavelmente acompanhou
durante todos os meses em que ele saiu no periódico em questão. Esse dado mostra, mais uma
vez, que não somente não havia grandes diferenças entre os títulos de romances e os autores
lidos pela elite e pelo público mais amplo do século XIX, mas que também era possível que
não houvesse diferenças entre os suportes utilizados para a realização dessas leituras. Não é
possível afirmar, assim, que a elite se interessava apenas pela alta literatura ou por edições de
luxo, que poderiam servir como ornamento para suas bibliotecas: eles também acompanhavam
obras publicadas de forma seriada em periódicos que, segundo as informações das cartas,
poderiam ser lidos juntamente com amigos da família, como é o caso da condessa. Além disso,
esse dado mostra como era possível que um leitor do Brasil estivesse lendo a mesma obra, ao
mesmo tempo, no mesmo periódico, que um leitor francês: afinal, se a última parte do romance
saiu na revista em 1º de maio de 1875, em 8 de junho uma pessoa do Brasil já havia acabado
sua leitura. A circulação de impressos, assim, permitia a formação de um mesmo repertório de
leitura entre pessoas de diferentes partes do mundo.
A princesa Isabel também aproveitou a carta para dizer a opinião da amiga sobre a obra
de Sand, o que permite perceber indícios sobre as formas pela qual eles avaliavam os romances:
ela diz que a Condessa não gostou do fim muito brusco, o que é uma crítica ao enredo, e também
faz um comentário sobre os personagens, afirmando que não esperava que eles se casassem. A
utilização desses critérios parece estar de acordo com as formas pelas quais era comum que os
149

romances fossem avaliados no início do século XIX. Segundo Márcia Abreu, que analisou de
forma comparativa as avaliações de romances em textos críticos produzidos entre 1780 e 1830
por letrados brasileiros, portugueses, franceses e ingleses, um dos elementos esperados para
julgar um livro como sendo bom era que

o enredo manifestasse uma boa invenção, pela adequada escolha de


episódios, e fosse apresentado com ordem e nexo, sem passagens
forçadas e pouco naturais, evitando digressões e desvios do núcleo
central (...), conduzindo a um desfecho surpreendente, mas plausível 282.

Há muitas semelhanças, portanto, entre essa forma de avaliação e o que a Condessa,


alguns anos depois, esperava de um romance. É possível, assim, que essa maneira de avaliar
textos, e que provavelmente estava presente em críticas publicadas na imprensa e em periódicos
da época, fizesse também parte do imaginário de alguns leitores e fosse utilizada por eles na
hora de julgar uma obra como sendo boa ou ruim.
Um outro critério utilizado pela princesa para falar de romances é a moral. Em carta de
22 de janeiro de 1877, ela afirmou: “o Macedo publicou ultimamente a Baronesa do Amor.
Afinal é moral, mas para mostrar a moralidade, mostra imoralidades demais”283. O livro
comentado aqui é de Joaquim Manuel de Macedo, de 1876. Novamente, há o caso de uma obra
sendo lida por membros da família imperial do Brasil em um período muito próximo ao de sua
primeira edição. Segundo o CITRIM, essa obra teve outras edições em 1896 e em 1907, e estava
presente em um catálogo de 1878 da livraria Garnier, publicado no interior do livro Narrativas
Militares. Ainda assim, ela não parece ter circulado tanto no Brasil quanto outras obras
estrangeiras, já citadas anteriormente.
É interessante que a princesa tenha utilizado o critério da moral para avaliar
negativamente esse livro: afinal, esse foi um dos elementos mais utilizados para julgar os
romances quando o gênero surgiu, no século XVIII, e também na primeira metade do século
XIX. Segundo Márcia Abreu, a moralidade foi um dos critérios mais empregados pelos críticos
do início do século que, “fiéis aos preceitos horacianos, esperavam uma combinação entre
instrução e deleite, à qual associavam a moralização, que seria obtida por meio de enredos em

282 ABREU, Márcia. “Uma comunidade letrada transnacional: reação aos romances na Europa e no Brasil”. In:
ABREU, Márcia (org.) Romances em movimento...Op. cit.
283 Carta da princesa Isabel ao imperador Pedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
150

que o vício fosse castigado e a virtude, premiada” 284. A princesa do Brasil, assim, parece não
ter aprovado uma obra que tinha entre seus objetivos a instrução moral, mas que fazia isso
mostrando os vícios e não as virtudes.
Em outra missiva, de 1877, a princesa mostrou mais alguns critérios que utilizava para
julgar um romance, ao dizer que leu Danseuse de Shamakha, obra que ela julgou curiosa e
afirmou que a havia divertido285. Ela está tratando de um romance de Gobineau, publicado
dentro da obra Nouvelles Asiatiques, em 1876, que foi mencionada em outras cartas trocadas
entre pai e filha. Gobineau estava presente com três de suas obras na biblioteca imperial, mas
cujos títulos não correspondem à leitura mencionada nas cartas. Quando fala sua opinião sobre
a obra, a princesa pareceu utilizar o critério do efeito sobre o leitor, dizendo que ela foi capaz
de entretê-la. Se considerarmos que, segundo as opiniões expressas pelas família de Pedro II
em seus documentos pessoais, as obras de prosa ficcional deveriam ser utilizadas para
momentos de lazer, é compreensível que a princesa Isabel tenha julgado uma obra de maneira
positiva por ter atingido esse objetivo.
A família do último imperador russo também expressou suas opiniões sobre determinadas
obras em suas cartas. Em seu diário, o imperador Nicolau II escreveu, em 21 de julho de 1917:
“Terminei de ler a terceira parte da trilogia de Merezhkovski, Peter. Ela é bem escrita, mas
causa uma impressão dolorosa” 286. Ele estava tratando, aqui, da obra do escritor russo Dmitri
Merezhkovski, que publicou uma trilogia chamada Khristos i Antikhrist [Cristo e Anticristo],
cuja última parte, um romance histórico cujo título, Petr i Aleksi︠︡ eĭ, foi publicada em 1904.
Dessa maneira, houve uma diferença de mais de 10 anos entre o seu lançamento e a sua leitura
pelo imperador russo. É possível perceber, também, que a família de Nicolau II parecia gostar
de romances históricos, como a elite no Brasil. Além disso, para julgar o romance como sendo
bom, Nicolau II disse que ele era bem escrito, o que é uma referência ao seu estilo; mas que
causou uma impressão dolorosa, o que provavelmente diz respeito ao seu enredo. Segundo
Márcia Abreu, o estilo também era um dos critérios mais utilizados pelos críticos analisados
por ela, que esperavam que um romance “tivesse um estilo não afetado nem declamatório, mas
fácil e gracioso; que empregasse uma linguagem despretensiosa e sem preciosismos, mas clara

284 ABREU, Márcia. Uma comunidade letrada transnacional... Op. cit.


285 Carta da princesa Isabel ao imperadorPedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
286 Diário do imperador Nicolau II. No original: “Finished reading the third part of Merezhkovski's trilogy,
PETER. It is well written, but makes a painful impression.”. Tradução minha.
151

e elegante”287. Dessa forma, percebe-se como um mesmo critério poderia ser empregado por
um crítico no século XVIII e residente na Europa e um nobre russo no início do século XX.
Em suas cartas enviadas para a esposa, o imperador também escrevia suas opiniões sobre
alguns romances. Em 31 de dezembro de 1915, por exemplo, ele escreveu: “Depois do chá eu
peguei esse livro, A Menina Milionária, e li bastante. Muito interessante, e tranquilizante para
o cérebro, faz muito anos desde que eu li romances ingleses!” 288. Ele estava se referindo a uma
obra anônima inglesa, The Millionaire Girl, publicada por volta de 1908, na Inglaterra. Esse
romance parece ter cumprido, para ele, a função de deleitar e servir para momentos de descanso,
pois foi tranquilizante para o cérebro, o que também era uma característica esperada das boas
obras desse gênero.
Outra carta que contém informações sobre leituras foi enviada em março de 1916, quando
ele escreveu:

Durante o dia eu li da manhã até a noite – primeiro eu terminei O


Homem que estava morto, depois um livro francês, e hoje um conto
charmoso sobre o Pequeno Garoto Azul! Eu gostei dele, Dmitry
também. Eu tive que recorrer ao meu lenço muitas vezes. Eu gosto de
reler algumas das partes separadamente, embora eu saiba elas
praticamente de cor. Eu acho elas tão bonitas e verdadeiras!289

A primeira obra que ele cita nessa carta, The Man who was Dead, foi publicada pelo autor
inglês Arthur Marchmont, no ano de 1907. Mas o conto que realmente o emocionou parece ser
o Blue Boy, de Florence Barclay. Pela maneira que ele fala do livro, parece que ele o conhecia
há muito tempo, pois já sabia algumas passagens praticamente de cor. Esse fato é confirmado
pelos autores Steinberg e Khrustalev, que afirmam que esse era um romance sentimental
favorito do casal russo e que, devido a ele, um dos apelidos carinhosos pelos quais o imperador
chamava a imperatriz era Blue Boy290. Em seu comentário sobre determinadas passagens serem
bonitas e verdadeiras, Nicolau II parece ter feito referência aos critérios do estilo e da

287
ABREU, Márcia. Uma comunidade letrada transnacional...Op. cit.
288 Cartas do imperador Nicolau II à imperatriz Alexandra. No original: “After tea I took up this book - "The
Millionaire Girl" - and read a great deal. Extremely”. Tradução minha.
289 Idem.
290 STEINBERG, Mark D., KHRUSTALËV, Vladmir M. Op. cit.
152

verossimilhança e do autor, que provavelmente eram utilizados por ele para julgar uma obra
como sendo boa.
Os trechos de cartas acima mencionados, tanto de membros da família do imperador
Pedro II quanto a de Nicolau II mostram que não havia grandes diferenças entre a maneira pela
qual as elites russa e brasileira compartilhavam opiniões de leitura com seus familiares, ou nos
critérios utilizados para julgar as obras boas ou ruins: os membros de ambas as famílias
pareciam se basear no efeito de leitura que o romance teve sobre eles (geralmente ligado ao
prazer da leitura e ao poder de entretenimento) e no enredo da obra.

3.2 A leitura compartilhada dos romances Ivanhoé e A Morgadinha dos


Canaviais pela princesa Isabel e por Pedro II

Ao longo de alguns meses do ano de 1864, o imperador brasileiro e sua filha realizaram
a leitura da obra Ivanhoé, de Walter Scott, e compartilharam todas as suas opiniões pessoais
sobre a obra, andamento no livro e críticas aos acontecimentos por meio de cartas, trocadas
entre os meses de outubro e novembro. Alguns anos depois, em 1868, pai e filha
compartilharam, de maneira muito semelhante, a leitura de uma outra obra, dessa vez de origem
portuguesa: A Morgadinha dos Cavaviais, de Júlio Dinis.
O objetivo da análise da leitura dessas obras é verificar como esses romances foram
recebidos por um público leitor letrado e de formação cultural ampla residente no Brasil, e quais
critérios eles utilizaram para analisá-la em sua correspondência.
Ivanhoé é um romance histórico de língua inglesa, publicado pela primeira vez em 1820.
A partir de dados retirados do CITRIM, é possível observar que este se tratava de uma obra
ficcional de grande circulação no período: estão cadastradas, nesse banco de dados, 18
publicações desse livro entre os anos de 1820 e 1866 e 23 traduções, entre 1821 e 1867, sendo
seis para o francês (em 1821, 1837, 1838, 1850, 1854, 1862), uma para o eslovaco (1865), uma
para o grego (de 1847), uma para o italiano (em 1840), uma para o espanhol (1827), uma para
o castelhano (1825), três para o alemão (em 1845, 1864 e 1867) e nove para o português (entre
1836 e 1857). Pelas cartas não é possível saber com exatidão em qual língua Pedro II e a
princesa Isabel realizam sua leitura, mas esse grande número de publicações e traduções
justifica o fato de eles virem a conhecê-lo. Além disso, é preciso levar em conta que Walter
153

Scott já era, no período em que as cartas são enviadas, um romancista renomado e muito bem
avaliado pelo público e pela crítica do período291.
A história desse romance se passa em 1194, na época das cruzadas e da briga entre o rei
Ricardo da Inglaterra e seu irmão pelo trono. A trama inclui como centro o personagem
principal, Ivanhoé, seu amor dividido entre a nobre Rowena e a judia Rebecca e as diversas
lutas e intrigas para salvá-las. O enredo é cheio de reviravoltas, esconderijos, sequestros,
momentos de revelação e brigas entre o bem e o mal, que parecem ter intrigado e prendido a
atenção desses leitores da elite, conforme veremos mais adiante.
A primeira menção e esse livro se dá em uma carta não datada da princesa Isabel para a
imperatriz Teresa Cristina, em que ela escreveu que havia recebido o Ivanhoé no dia anterior e
que ele era muito bonito292. Esse comentário sobre o livro pode estar relacionado à sua
materialidade, o que mostra que fatores externos ao enredo também eram utilizados por esses
membros da família imperial para julgar um romance. Provavelmente alguns dias depois, em
17 de outubro de 1864, a princesa escreveu ao imperador, em meio a descrições de outros
acontecimentos dos seus últimos dias, que já havia tomado conhecimento dos personagens
principais da trama e que era para o pai repassar essa informação à condessa293. Pode-se supor,
a partir dessa afirmação, que a leitura do romance incluiu também a condessa, amiga da família
que já havia lido a obra ou que a estava lendo nesse mesmo momento.
Apenas dois dias depois, ela escreveu novamente sobre o livro para o pai e disse: “(…) O
seu Walter Scott me interessa muito mas eu reclamo que agora ele também é meu. Estou no
lugar em que Rowena manda chamar o peregrino pela criada para falar com ele.”294. Pela frase
utilizada pela princesa, é possível entender que ela sabia do gosto do pai por Walter Scott, que
o considerava um autor “seu”. A partir do momento em que ela se envolve com o livro, então,
ela brinca dizendo que agora ele também era “dela”, estando provavelmente entre seus autores
preferidos. Além disso, ela incluiu um comentário sobre o enredo, para que o imperador
soubesse exatamente em que trecho ela se encontrava.
A resposta de Pedro II a essa carta veio no mesmo dia, com as palavras: “Vejo que já vai
conhecendo a família e hóspedes do illustre saxão Cedric, e estou certo de que hade ter gostado

291 Ver: VASCONCELOS, Sandra. Op. cit.


292
Carta da princesa Isabel ao imperador Pedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
No trecho original está escrito: ”(…)Minha querida mamãe (…) Recebi hontem Ivanhoé, é muito bonito.”
293 Idem. No trecho mencionado, a princesa escreveu: “Diga à Condessa que já fiz conhecimento com Gurth,
Wamba, Cedric, Aymer e o Templier”
294 Idem.
154

muito das descrições de d’esse romance de meu Walter Scott. Não julgou formar parte da
cavalgada do navio Abade e do templário?” 295. Esse trecho mostra que o imperador se
interessou pelas informações que a princesa deu sobre a realização da leitura desse livro e o
ponto em que ela estava na narrativa. É interessante que ele tenha acrescentado, ao critério do
enredo, que já estava sendo utilizado para falar sobre o romance, um outro: o das descrições.
Muitos autores ingleses, incluindo Walter Scott, eram conhecidos pela grande quantidade de
descrições (principalmente de paisagens e acontecimentos, em romances históricos) nas
narrativas. A partir das cartas, é possível perceber que esse foi mais um critério utilizado pelos
membros da família imperial para avaliar positivamente uma obra: afinal, o imperador disse
que a descrição era tão boa que permitia ao leitor ter a sensação de formar parte de uma das
cavalgadas do romance.
As outras respostas de Pedro II aos apontamentos da filha estão presentes em cartas
enviadas nos dias 20 e 21 de outubro. No dia 20, o imperador fez um comentário sobre o enredo
e, em seguida, afirmou: “Já conhece Rebecca? Há de querer-lhe muito bem, mas sem esquecer
as outras leituras”296. Há aqui uma contradição entre a ação que o imperador estimulava (a de
que a princesa lesse mais esse livro, até tomar conhecimento de uma personagem que ele
julgava interessante) e a que ele esperava da princesa (a de que ela não se esquecesse das leituras
“sérias”, ligadas ao estudo e à erudição). É provável que essa contradição de ideias reflita a
opinião sobre romances já expressas em outras cartas mencionadas neste trabalho e que envolve
o pensamento de que esse gênero não acrescenta conteúdo ao intelecto, e que deve ser lido
apenas nas horas vagas. O imperador provavelmente se sentia na obrigação, como pai e
educador, de dizer para sua filha não se centrar apenas nessa leitura mas, ao mesmo tempo,
demonstrava que estava empolgado com os seus comentários sobre a obra, e as cartas mostram
como os dois estavam passando grande parte de seu tempo lendo e escrevendo sobre ela.
Em uma carta do dia 21 de outubro, há essa mesma contradição, e mais uma vez é
expressa a opinião sobre a necessidade de restringir a leitura de obras ficcionais a momentos de
lazer. O imperador escreveu:

Duvido de que o Walter Scott seja seu como ele é meu; pois que sou
seu amigo de tantos annos. É excelente leitura; mas para momentos de
lazer. Respeito lady Rowena, mas não gosto do seu orgulho

295 Carta de Pedro II à princesa Isabel. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
296 Idem.
155

aristocrático, é um contraste muito habilmente ideado da simpática


Rebecca. Sempre que puder converse comigo sobre suas leituras, e vai
se acostumando a tomar notas do que mais lhe agradar, sem contudo
querer logo escrever muito; [e não] deite encher papel do que não seja
útil, ou verdadeiramente belo, que também é em extremo útil para a
elevação do caracter e espírito. 297

Percebe-se, a partir do trecho citado, que Pedro II enfatizou não apenas que a filha não
deveria gastar muito tempo com a leitura do romance de Scott, mas que ela deveria tomar notas
apenas sobre o que é útil e belo, o que provavelmente excluiria da correspondência as opiniões
sobre obras de ficção. Ainda assim, na mesma carta, ele confirmou que gostava bastante desse
escritor, que ele considerava “amigo de tantos anos”. Há também, nesse trecho, mais um
elemento que pode ser acrescentado ao quadro de critérios utilizados pela elite do Brasil para
julgar uma obra: a construção de personagem. Afinal, Pedro II elogiou as características de
Rowena, que foi construída para ser um contraste da personagem Rebecca. Dessa forma, na
mesma carta em que ele disse que não vale a pena encher papel com coisas que não eram úteis
(classificação que, como foi visto no restante da correspondência analisada, ele não relacionava
a obras do gênero romanesco), ele fez comentários sobre o romance. Parece haver, assim, uma
contradição entre o que o imperador deveria pensar sobre a obra e o que ele efetivamente
pensava.
A afirmação que ele fez sobre não ocupar o tempo ou o espaço da carta com comentários
sobre o livro foram imediatamente ignorados por pai e filha e, nos dias seguintes, o diálogo
sobre a obra continua. De acordo com os dados coletados nessa pesquisa, o imperador Pedro II
e a princesa Isabel escrevem sobre Ivanhoé, seus personagens e os acontecimentos do enredo
ao longo de mais nove cartas, enviadas entre os dias 22 de outubro e 9 de novembro de 1864.
Com base nesses dados, é interessante notar como o imperador e sua filha não apenas dedicaram
um tempo à leitura dessa obra, mas também à realização de comentários sobre ela por escrito e
com a utilização de cartas, sempre em meio à descrição de outros acontecimentos de suas vidas,
como bailes, reuniões políticas, notícias de amigos e familiares etc. Isso mostra como obras do
gênero romance poderiam fazer parte do cotidiano de uma família da elite, de forma quase
central e muito importante, ao contrário do que se pensaria ao ler as biografias e outras obras
historiográficas sobre suas vidas. É importante notar, também, como o imperador e a filha se

297 Idem.
156

empolgaram com o enredo desta história e pareciam desejar que os personagens fizessem o que
eles esperavam. Dessa forma, sua postura se assemelhava à da moça criticada pela princesa em
uma carta já citada anteriormente, pois ela confundia realidade e ficção e sentiu a morte de um
personagem. Esses dados só comprovam a contradição que havia entre o que alguns membros
da Família imperial falavam (provavelmente por terem aprendido daquela maneira) e a maneira
pela qual eles agiam no dia a dia.
A correspondência mostra, também, um quadro grande de critérios de avaliação de
romances utilizados por essas pessoas, de formação nobre e ampla, para decidir se haviam
gostado ou não de uma obra e comentá-la: são eles o enredo, os personagens, o efeito de leitura,
a descrição, a verossimilhança e o processo de construção da obra. Esses dois últimos elementos
podem ser percebidos na carta em que a princesa Isabel escreveu que a ressurreição do
personagem Athelstan era “fora do natural”, mas que ela leu em algum lugar que essa falha na
verossimilhança na história não era culpa do autor, mas que este havia colocado esse
acontecimento no enredo por pedidos externos.
A forma de avaliar romances fica ainda mais clara com a leitura das cartas enviadas quatro
anos depois, nas quais o imperador e a filha discutiram o romance A Morgadinha dos Canaviais,
de Júlio Dinis, publicado pela primeira vez em 1868, no mesmo ano em que as cartas foram
trocadas. A narrativa desse livro gira em torno da história de Henrique de Souselas, um jovem
rico, que se deprime com a vida urbana e se muda para o campo, onde conhece uma jovem por
quem se apaixona e não é correspondido. No final da história, ele se casa com uma amiga dela,
por quem se enamora após ser rejeitado pela primeira. Esse enredo simples é permeado por
grandes descrições do interior de Portugal e da natureza. Esse romance também teve várias
reedições após o seu lançamento: no CITRIM, estão cadastradas sete publicações diferentes
entre os anos de 1868 e 1906. Porém, por essas publicações serem de um período posterior ao
envio das cartas, é possível que a família imperial o tenha lido apenas por se tratar de uma obra
nova de um autor que eles já conheciam.
Esse fato parece se confirmar com base em uma missiva datada de 2 de outubro de 1868,
em que a princesa Isabel escreveu: “Já acabei a Família Inglesa de que muito gostei, Papae
manda-me agora a Morgadinha dos Canaviaes do mesmo autor”298. Aparentemente, ela
desejou ler a Morgadinha porque havia gostado de um outro romance do autor. Essa informação
explicita como o nome do autor fazia a diferença, e como a sua fama importava para a elite na
hora de escolher as obras que queriam ler.

298 Carta da princesa Isabel ao imperador Pedro II. Acervo do Museu imperial de Petrópolis – Arquivo Grão Pará.
157

No dia 13 de outubro, Pedro II respondeu que já estava com o volume em mãos e, no dia
9 de novembro, que já havia terminado sua leitura e iria começar o segundo volume, mas queria
esperar para comentá-lo após a filha tê-lo lido. A preocupação em esperar para escrever suas
opiniões a respeito do livro pode ter dois motivos: o imperador poderia querer que a filha desse
seu juízo sem a influência da opinião dele, ou estava preocupado em não revelar o enredo que,
como já visto antes, era um critério de avaliação importante dentro dessa família.
Em 15 de novembro, a princesa escreveu para o pai:

Amanhã parte para o Rio um moço negociante que vai em 4 dias buscar
remedios para um amigo que está doente aqui. Como é pessoa capaz
mando-lhe por elle esta cartas e as que devem ir para a Europa, bem
como o primeiro volume da Morgadinha que já li. Gostei muito, mas
não de metterem tanto a bulha cousas religiosas bem que algumas com
effeito sejam censuraveis. Pobre do herbanario! Gosto muito de
Augusto, da Morgadinha também e de Christina. Desejo que o Sr.
Henrique de Souselas se corrija. E Angelo! E Ermelinda! Não me falta
tempo para ler por cá.

A partir do trecho, é possível perceber que a princesa Isabel leu o livro em menos de um
mês e que os critérios para a análise da obra não haviam mudado em quatro anos, pois ela
analisou A Morgadinha dos Canaviais de forma muito parecida com a que avaliou Ivanhoé,
apesar de se tratarem de romances de subgêneros, autores, línguas e épocas diferentes. Os
critérios mais empregados, aqui, são os personagens e os acontecimentos do enredo. Ela
também fez um comentário sobre os temas abordados pelo autor, em que discute o emprego da
religião, que ela não acreditava que deveria ter sido discutida da maneira que foi. Além disso,
ela parecia estar novamente envolvida com a narrativa, torcendo para que seus personagens
preferidos ficassem bem no final, apesar de, na carta já citada sobre o efeito dessas leituras em
uma moça, ela ter criticado o perigo que isso representava.
Em 18 de novembro, o imperador escreveu que achou muito justas as reflexões da filha
e que estava lhe enviando o 2º volume da obra. Esse novo livro foi comentado pela princesa em
carta do dia 29, menos de uma semana depois. Nas palavras dela:
158

Muito obrigada por sua carta do dia 18 e pelo Segundo volume da


Morgadinha. Já comecei a le-lo e gostei muito da cena no cemitério.
Está bem descripta também uma que vem logo no principio do romance.
Quem viaja por lugares onde as estradas são tão boas como as de cá
aprecia-a muito. O Sr. Henrique a final é bom moço, estragado pela má
sociedade que tinha em Lisboa, espero que se corrijirá. O que sentirá o
pobre do Angelo quando souber que Ermelinda morreu! Agora estou
no lugar em que sabe-se da segunda chegada dele ao osteiro. O
conselheiro é que é em falho de consciencia e compaixão 299.

Novamente, nota-se que a princesa fez uma leitura rápida da obra e que estava novamente
envolvida com o enredo de um romance, expressando tristeza com a morte dos personagens,
cuja construção é discutida. Ela também valorizou, novamente, a descrição feita pelo autor,
provavelmente por se assemelhar muito à realidade de Portugal. A princesa parecia tão apegada
ao romance que encerrou essa carta com um “abraço bem apertado d’essa sua Morgadinha”300.
Ela estava, provavelmente sem perceber, fazendo aquilo que os críticos mais condenavam, e
misturando a realidade com a ficção.
No dia 1º de dezembro de 1868, menos de um mês após receber o volume de seu pai, a
princesa escreveu dizendo que já o havia finalizado e que ele “acabou como se supunha” 301.
Esse exemplo, como o de Ivanhoé e outras obras mencionadas ao longo da
correspondência trocada entre os membros da família do último imperador brasileiro, mostra
como os romances faziam parte do cotidiano dessa família, talvez da mesma forma ou até mais
do que em famílias menos abastadas. Pedro II, sua esposa e suas filhas pareciam dedicar um
bom tempo de seu cotidiano à realização dessas leituras (em voz alta ou de maneira individual),
e depois trocar informações, indicações e opiniões sobre elas em sua correspondência diária. O
mesmo acontecia com membros da família do imperador russo Nicolau II, que realizava
constantemente a leitura de obras de prosa ficcional, geralmente em conjunto, e depois discutia
essas obras em cartas.
Os dados aqui apresentados também trazem indícios sobre como não há relação direta
entre o catálogo de uma biblioteca e as leituras realizadas por determinado grupo ou pessoa

299 Idem.
300 Idem.
301Idem. No trecho citado, a princesa escreveu: “Já acabei a Morgadinha. Pobre excellente herbanario! Por fim
acaba-se tudo perfeitamente como o supunha!”
159

(afinal, muitas das obras cuja leitura foi descrita na correspondência não estão presentes nos
catálogos), mas que estes podem trazer indícios sobre preferências literárias (afinal, o catálogo
da biblioteca imperial do Brasil mostrou que eles poderiam ter uma predileção por romances
históricos, o que se confirmou por meio da análise de suas missivas). Além disso, não há
ligações entre a língua ou nacionalidade de um romance e o local em que sua leitura foi
realizada: tanto a família imperial do Brasil quanto a da Rússia liam obras de diferentes lugares,
anos, estilos e línguas em um mesmo período.
160

Considerações finais

Com base nas fontes primárias abordadas neste trabalho – o acervo parcial da biblioteca
imperial do Brasil, a lista de livros da família do Imperador Nicolau II, os catálogos da
Biblioteca Pública de Odessa e do Gabinete Português de Leitura, e ainda as cartas e diários
das famílias de Pedro II e de Nicolau II – foi possível chegar a algumas conclusões sobre a
presença de obras em prosa ficcional no Brasil e na Rússia (tanto em acervos privados da elite
quanto em bibliotecas públicas), sobre a circulação de impressos no século XIX e sobre sua
apropriação por membros das famílias imperiais.
Em primeiro lugar, foi possível notar que tanto os membros da família imperial do Brasil
quanto os da Rússia possuíam obras ficcionais em suas bibliotecas. Grande parte das edições
encontradas nos acervos da nobreza foram editadas em francês, o que é um exemplo da já
conhecida importância da França como centro de produção e tradução de romances, além da
predominância dessa língua como forma de comunicação entre a aristocracia. Mesmo sabendo
que os livros existentes nas bibliotecas dessas famílias não foram necessariamente lidos ou
comprados por seus membros, há indícios que os relacionam às pessoas que as frequentavam.
Na biblioteca imperial do Brasil há, por exemplo, um número considerável de obras em alemão
e italiano, provavelmente por influência da imperatriz Leopoldina, que tinha o alemão como
língua materna, e da imperatriz Teresa Cristina, que falava o italiano. Além disso, as obras em
português certamente estão relacionadas com o fato de o acervo estar localizado no Brasil e
com a origem dos Bragança. O mesmo fato explica a presença dos livros em russo na lista de
livros da família do imperador Nicolau II. Esses dados mostram uma relação entre a localização
da biblioteca, as obras que compõem seu acervo e os leitores que a frequentam.
Um dos fatores relacionados à composição de uma biblioteca e que pôde ser observado
com mais nitidez por meio dos catálogos das bibliotecas públicas estudadas é o seu objetivo
principal. Se a biblioteca de Odessa foi fundada em um momento em que a Rússia visava a
construção e valorização de locais voltados para a cultura, é compreensível que ela contivesse
obras diversas, impressas em diferentes línguas e de diferentes edições. Além disso, o fato de
ela ter sido construída em 1830 e, portanto, em um período de formação da ideia de nação russa,
pautada, entre outras coisas, na utilização de uma mesma língua, pode explicar o seu grande
número de obras originais e traduções para o russo, que buscava se tornar a língua mais falada
pelas pessoas.
161

O Gabinete Português de Leitura tinha um objetivo muito semelhante: o de valorizar a


cultura portuguesa. Isso fez com que seu foco não fosse prestigiar a ideia de nacionalidade,
literatura e línguas brasileiras, que também estavam em pauta no período de sua inauguração,
na década de 1840. Talvez por isso, e pelo fato de ele ser uma biblioteca financiada pelo
dinheiro das subscrições e, portanto, precisar agradar ao público e adquirir as obras que
realmente fossem interessantes a ele, o seu acervo contivesse mais obras em francês ou de
origem francesa do que a biblioteca da Rússia.
No entanto, há fatores, na análise realizada a partir dos catálogos de bibliotecas, que estão
além desses elementos. Afinal, as semelhanças existentes entre seus acervos mostram como
estes faziam parte de uma mesma rede de produção e comercialização de romances, que vai
além daquilo que normalmente é pregado pelas histórias literárias. Nessas obras, é comum que
a questão nacional ocupe uma posição de centralidade. Assim, como afirma Márcia Abreu, “a
maior parte delas se fecha sobre um território e examina a produção aí publicada,
desconhecendo ou dando pouca importância aos contatos externos” 302. No entanto, a partir dos
dados levantados nesta pesquisa, pode-se perceber que não é possível falar na literatura de uma
nação sem levar em conta a produção de outros países e as relações de trocas entre esses.
É esse contexto mais amplo que permite que bibliotecas particulares e públicas de locais
geograficamente distantes, como a Rússia e o Brasil, tivessem características em comum, como
a grande presença dos livros editados em francês, de alguns autores, como Alexandre Dumas,
Paul de Kock e Walter Scott (que possuem obras no Gabinete Português de Leitura, na
biblioteca de Odessa e na biblioteca imperial brasileira) e Paul Féval (presente no gabinete e na
biblioteca de Odessa). Também há semelhanças entre alguns títulos, como Paul et Virginie, de
Bernadin de Saint-Pierre, que aparece nas quatro bibliotecas, Il Decamerone, de Boccaccio,
que está presente nos catálogos do gabinete, da biblioteca de Odessa e da biblioteca imperial
brasileira em diferentes edições e traduções, Waverley, Quentin Durward, Guy Mannering e
Kenilworth, de Walter Scott e Les Mystères de Paris, de Eugène Sue, presentes nas duas
bibliotecas públicas e na biblioteca imperial do Brasil, em edições em diferentes línguas, datas
e locais de publicação, e muitos outros. Ao todo, existem 320 autores e 387 títulos em comum
no catálogo de ao menos duas das bibliotecas estudadas, o que mostra o quanto a circulação de
impressos entre países distantes era grande e como um mesmo autor poderia ser lido por leitores
de diferentes nacionalidades, formações culturais e línguas maternas.

302 ABREU, Márcia. Problemas de história literária...Op. cit.


162

Esse fato rompe com outra ideia muito presente nas histórias da literatura: a centralidade
da língua nacional na produção e avaliação de romances em meados do século XIX. As histórias
literárias de determinado país normalmente contêm apenas as obras produzidas na língua
nacional desse país. No entanto, ao observarmos os dados analisados ao longo desta pesquisa,
é possível perceber que esse não parece ser um elemento muito importante para as pessoas
responsáveis pela composição de uma biblioteca, tanto pública quanto privada e, por
conseguinte, parece não ter grande impacto entre o público leitor. Mesmo o Gabinete Português
de Leitura, que era voltado para a cultura lusitana, possuía mais obras em francês do que em
língua portuguesa, pois os romances franceses agradavam ao seu público. E a Biblioteca de
Odessa, por mais que tivesse sido construída em um período de valorização da nacionalidade,
também possuía livros em muitas outras línguas além do russo. O mesmo se pode dizer das
bibliotecas dos monarcas estudados, que foram formadas na Rússia e no Brasil e contam com
mais elementos estrangeiros do que nacionais.
Pode-se supor, assim, que a língua ou o país em que determinado romance foi escrito não
tinha grande importância nas escolhas feitas pelos leitores do século XIX. Se havia um elemento
que era valorizado por esses, este era provavelmente o gosto por romances provenientes da
França, que se destaca como local de edição em todos os acervos estudados.
Outro fator muito presente na maioria das histórias literárias é a cronologia. Nessas obras,
é comum que a produção nacional seja distribuída de acordo com modelos estéticos, que
seguem as características de escolas literárias. Essa cronologia faz com que se crie a ideia de
que as obras que seguiam determinado padrão estético já ultrapassado em um certo período não
circulavam mais, ou não mais eram lidas pelo público. Além disso, cria-se um critério
evolutivo, baseado na ideia de que a literatura está em um constante avanço e que as escolas
literárias mais recentes ultrapassaram o valor estético daquelas mais antigas. Quando levamos
em conta fontes primárias como as que foram estudadas ao longo desta dissertação, é possível
encontrar indícios de que não é isso o que acontece. É muito comum, nos acervos, que uma
obra considerada antiga em relação à data de publicação dos catálogos, como Il Decamerone,
El Ingenioso Hidalgo Don Quijote de la Mancha, Les Aventures de Telémaque e Julie ou La
nouvelle Héloise, que tiveram suas primeiras edições nos anos de 1353, 1605, 1699 e 1761,
respectivamente, recebessem edições e traduções diferentes muito tempo após sua primeira
circulação, o que sugere que elas continuavam a atrair o interesse do público leitor. Don Quijote
de la Mancha, de Cervantes, por exemplo, está presente nas bibliotecas em 29 edições
diferentes, que foram publicadas ao longo dos séculos XVII a XIX e estão em espanhol, francês,
163

português e alemão. A mais recente data de 1905 e foi editada em português, na cidade de
Lisboa. O mesmo acontece com Il Decamerone, presente em 17 edições em russo, alemão,
francês, italiano ou português, sendo a mais recente de 1887, publicada também em Lisboa, em
língua portuguesa.
Dados como esse mostram o quanto a produção, tradução e importação de romances não
não eram limitadas por critérios como a nacionalidade ou a cronologia. Obras antigas eram
constantemente reeditadas e conviviam com livros que haviam acabado de ser lançados e que
possuíam nacionalidades, enredos e estilos bem diferentes dos seus. Não havia, portanto, uma
progressão da literatura, ou uma preferência dos leitores que impedisse a venda de títulos
produzidos há muito tempo.
Não podemos deixar de levar em consideração, no entanto, que a presença de obras em
um catálogo de biblioteca não implica em sua leitura ou preferência pelos leitores. Muitos
livros, tanto nas bibliotecas públicas quanto nas particulares, eram fruto de doações, ou
chegavam ao acervo por meios que não envolviam a compra ou escolha direta por parte das
pessoas que as frequentavam. Por isso, o trabalho com as cartas, abordadas no terceiro capítulo,
representa uma maneira mais eficaz de chegar a testemunhos de leitura e a relatos de práticas
que envolviam a cultura escrita por parte das elites.
As famílias do imperador dom Pedro II e de Nicolau II eram formadas por pessoas
públicas, que certamente imaginavam que seus documentos pessoais poderiam ser lidos por
aqueles que não fossem os seus destinatários. Ainda assim, os relatos contidos neles são
exemplos de leituras de romance que foram realizadas por membros da aristocracia e são uma
forma de compreender como esses livros eram entendidos e quais critérios eram utilizados para
julgar seu valor. Constatou-se, como já havia sido observado nas bibliotecas, que as menções a
obras ficcionais nas cartas e diários estudados envolviam diversos romances estrangeiros.
Mesmo nas cartas do imperador d. Pedro II, que foi o grande incentivador da produção nacional
de romances a partir de meados do século XIX, pode-se constatar a leitura de obras estrangeiras.
Os romances comentados pelo maior número de dias nas cartas trocadas entre esse imperador
e sua filha, a princesa Isabel, foram A Morgadinha dos Canaviais, do português Julio Dinis, e
Ivanhoé, de Walter Scott. Enquanto isso, o único romance brasileiro comentado nessa
correspondência foi A Baronesa do Amor, de Joaquim Manoel de Macedo, que recebe críticas
por parte da princesa por ela acreditar que ele retratasse cenas muito imorais. A família de
Nicolau II, por outro lado, costumava escrever sobre a leitura de romances russos. Muitas das
164

cartas, no entanto, contêm menções a livros franceses ou ingleses, sendo esses últimos bastante
apreciados pelo casal imperial.
Mesmo quando tratam de romances nacionais, essas famílias costumam utilizar critérios
que eram comuns à crítica literária internacional para julgar o seu conteúdo. Os critérios mais
utilizados para fazer a avaliação de um romance são o enredo, os personagens, a moralidade e
o estilo do autor. Márcia Abreu, em seu artigo “Uma Comunidade Letrada Transnacional:
Reação aos Romances na Europa e no Brasil” 303 mostra, por meio de exemplos retirados de
documentos da censura portuguesa e de periódicos brasileiros, franceses, ingleses e
portugueses, que a crítica a romances realizada por letrados do início do século XIX levava em
consideração alguns critérios, que eram comuns aos quatro países. Entre eles estavam a
moralidade, o estilo e o enredo que eram, justamente, os critérios que mobilizados nas cartas
das famílias imperiais para julgar suas leituras diárias. Ou seja, não apenas os romances
viajavam entre diferentes países e continentes nesse período, mas os elementos utilizados para
lê-los e avaliá-los também o faziam, o que mostra que a leitura, assim como a produção de
romances, era algo internacional e compartilhado.
Além disso, o conteúdo das cartas é relevante para mostrar a importância que os romances
tinham no cotidiano das famílias imperiais. Mesmo que esse gênero literário tenha sido
depreciado pelos críticos ao longo de todo o século XIX e sua porcentagem nas bibliotecas da
nobreza não seja muito grande, ele é o mais presente no corpus analisado da correspondência
das famílias imperiais do Brasil e da Rússia. Eram as obras de ficção as mais comentadas nessa
documentação e, a julgar pelas referências às práticas de leitura, elas foram as responsáveis, em
muitos momentos, por unir a família e conhecidos para leituras em voz alta, por gerar emoções
nos imperadores e suas famílias – fazendo, por exemplo, com que o Pedro II considerasse
Walter Scott como sendo “seu” e com que Nicolau II fosse às lágrimas com uma das leituras –
e por apelidos carinhosos com os quais esses membros da nobreza chamavam uns aos outros.
Sendo assim, os romances, tão pouco associados a esse estrato social pela historiografia ou até
pelos letrados do período, faziam parte da vida das famílias estudadas, bem como de suas
interações e de seus hábitos, tendo grande importância em seu cotidiano.
Além disso, com base nesse e em outros elementos destacados ao longo desta dissertação,
pode-se concluir que as obras em prosa ficcional percorreram diferentes continentes, classes
sociais e estabelecimentos ao longo do século XIX. Os mesmos livros poderiam ser lidos e

303 ABREU,
Márcia. “Uma comunidade letrada transnacional: reação aos romances na Europa e no Brasil”. In:
ABREU, Márcia (org.) Romances em movimento...Op. cit.
165

apropriados por pessoas de diferentes origens, formações culturais, profissões e estratos sociais,
em diferentes línguas e edições. Não parece adequado, portanto, pensar a literatura de um
determinado país de maneira separada da dos outros. A produção literária, assim como a
formação das nacionalidades, foi algo realizado em conjunto, e não individualmente, e as fontes
primárias do século XIX nos permitem encontrar indícios sobre como se deu esse processo.
166

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