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Declaração de honra
Eu, Luísa Ambrucer declaro por minha honra que este trabalho, nunca foi apresentado
para a obtenção de qualquer outro grau académico e que constitui resultado da minha
investigação pessoal, tendo indicado no texto e na bibliografia as fontes que utilizei.
___________________________________
Luísa Ambrucer
Dedicatória
.
iii
Agradecimentos
iv
Resumo
O presente estudo tem como tema “Reconstrução das reclusas a partir da cadeia feminina: Uma
contribuição etno-sociológica da mulher mãe em Ndlavela,” sendo o seu principal objectivo descrever e
compreender a experiência subjectiva das mães que desempenham o seu papel maternal num contexto
prisional. A metodologia aplicada foi de carácter qualitativo pois facilitou estudar os fenómenos
intencionais vividos pelos diferentes indivíduos e alcançar uma descrição final com os constituintes
essenciais e invariáveis desta experiência subjectiva. A amostra é constituída por mães reclusas, com
idades compreendidas entre os 20 e 39 anos, que se encontram a cumprir pena de prisão no recinto de
reclusão feminina de Ndlavela, que têm os seus filhos, com idades compreendidas entre 1 e 3 anos, a
viver consigo na prisão. Os resultados do presente estudo indicam que a experiência de ser mãe em
contexto prisional envolve uma diversidade de sentimentos e cognições, alguns negativos, tais como a
percepção das dificuldades, frustração e o arrependimento, e outros positivos, tais como a
protecção/sentimento pessoal de capacidade para desenvolver o papel de mãe, o suporte familiar, a
satisfação face ao estabelecimento prisional e o crescimento pessoal/efeito suavizante da experiência
prisional.
Abstract
Key words:
Índice
vi
Declaração de honra...........................................................................................................i
Dedicatória.........................................................................................................................ii
Agradecimentos................................................................................................................iii
Resumo.............................................................................................................................iv
Abstract..............................................................................................................................v
0. Introdução......................................................................................................................8
0.2. Motivação...................................................................................................................9
0.3. Justificativa...............................................................................................................10
0.5. Hipóteses..................................................................................................................11
0.7. Metodologia..............................................................................................................12
2.3.1. Biografia.................................................................................................................24
2.3.2. Maternidade...........................................................................................................25
2.3.3. Prisão.....................................................................................................................25
4. Considerações Finais..................................................................................................41
Bibliografia.......................................................................................................................42
Apêndices........................................................................................................................44
8
0. Introdução
1
MACHADO, M. J. (1997). Os meninos reclusos: uma avaliação do seu desenvolvimento através
da escala de Griffiths (Monografia de Licenciatura em Psicologia Clínica). Lisboa: Instituto Superior de
Psicologia Aplicada.
2
MACHADO, Ibidem, p. 45,
9
É sabido que a maioria dos países permite que a criança viva com suas mães
nos primeiros anos de vida, ainda mais que as diversas teorias salientam a importância
fundamental da presença da mãe para o desenvolvimento integral do bebê. Assim, de
um lado acredita-se que um filho não deveria separar-se de sua mãe, mesmo tendo de
ir para a prisão com ela. Corroborando com Pires 3 ao afirmar que as bases da saúde
do indivíduo são ajustadas na primeira infância pela mãe, através do meio ambiente
provido por esta. Já por outro lado, a separação desse vínculo, como é apontada por
Bowlby4, pode gerar efeitos adversos ao desenvolvimento, os quais podem ser
atribuídos ao rompimento na interacção com a figura materna. É com base nisso que
as mulheres acabam ganhando os seus filhos e permanecendo com eles na prisão.
Actualmente se assiste a convivência das mães com os seus filhos nos Centros
de Reclusão, isso levanta um debate aceso e transversal; por um lado, rebate-se a
situação de as mulheres conviverem com os seus filhos nos Centros de Reclusão
Feminino e, por outro lado, essa convivência é benéfica; pois acarreta consigo
aspectos positivos como o vínculo de afectividade. Desta forma, este trabalho foi
realizado na Província de Maputo, especificamente na cadeia feminina no Bairro
Ndlavela.
3
PIRES, I. (2001). Relação mãe-criança, ambiente prisional e irritabilidade materna. Dissertação de
Mestrado em Psicologia Clínica. Universidade de Lisboa; Lisboa.
4
BOWLBY, J. (1988). Formação e rompimento dos laços afectivos. São Paulo: Martins Fontes.
10
0.2. Motivação
0.3. Justificativa
Araújo e Moura5 e Armelin et al,.6 onde afirmam que as mulheres constroem o seu
modelo de maternidade em função do processo de industrialização que levou a sua
inserção no mercado do trabalho.
No que diz respeito ao contexto prisional, Armelin et al., (2010) afirmam que as
mulheres reclusas, estando em um contexto caracterizado por restrições controlo
penal, auto-constroem através de estratégias e negociações sem necessariamente
ignorar o quadro jurídico-legal do recinto prisional. Deste modo, o exercício da
maternidade é uma auto-construção das mulheres que passam o limite das regras
normativas do recinto prisional.
Diante disso, nos aliamos a perspectiva apresentada por Araújo e Moura (2005)
e Armelin et al., (2010) para defendermos que o exercício da maternidade na prisão
ocorre dentro de uma relação dialéctica entre as normas desta instituição e a vontade
das mulheres de materializar o seu ideal de mãe. Apesar do mérito dessa perspectiva,
compreendemos a necessidade de relativizar a realidade do contexto prisional, em
função das suas condições, do sistema coercitivo aplicado, assim como das
experiências das próprias mães no exercício da maternidade.
Pretende-se então examinar, a experiência vivenciada por estas mães que têm
os seus filhos a viver consigo na prisão, com o intuito de perceber a essência dos
5
ARAUJO, D; MOURA, G. (2005). Vivências da maternidade em uma prisão feminina do Estado do
Rio Grande do Sul. Saúde & Transformação Social, v.1. n.3. p. 113-121.
6
ARMELIN, B. F et al. (2010). Filhos do Cárcere: estudo sobre as mães que vivem com seus filhos
em regime fechado. Revista da Graduação da Pontifícia Universidade Católica: Faculdade de
Psicologia, Porto Alegre.
12
0.5. Hipóteses
H1: O recinto prisional exerce uma pressão directa na prática da maternidade a partir
das regras discursivas estabelecidas, fazendo com que todas desempenham o papel
de mãe-reclusa da no recinto prisional.
H2: o recinto prisional não exerce uma pressão directa na prática da maternidade a
partir das regras discursivas estabelecidas, na qual todas reclusas desempenham o
papel de mãe-reclusa no recinto prisional.
0.7. Metodologia
7
SIQUISSE, A. E. P. (2006). Estudo de elementos socio-culturais e económicos dos vatshwa em
Inhambane: um subsídio etno-histórico para o ensino básico. Dissertação de Mestrado. Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo.
8
GIL, A.C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas. p, 28.
14
O estudo foi feito no Município de Maputo, sendo este um dos municípios com
elevados índices de conflito de terra ao nível do país, constituindo este factor relevante
para o nosso estudo. A Cidade da Matola é a capital da Província de Maputo, que
ocupa uma área de 368.4 km2, situando-se aproximadamente entre os paralelos 25°
15
41' 36" e 25° 50' 36" de latitude Sul e entre os meridianos 32° 24' 02" e 32° 35' 12" de
longitude Este.
Na Cidade da Matola existe uma autarquia e ocupa um território com 373 Km2
de superfície e subdivide-se em três postos administrativos, nomeadamente: Posto
Administrativo da Matola Sede; Posto Administrativo da Machava e o Posto
Administrativo do Infulene;
Salienta ainda o autor que, o aspecto central das instituições totais pode ser
descrito como a ruptura das barreiras que comummente separam as três esferas da
vida (dormir, brincar, e trabalhar no mesmo local e sob mesma autoridade). Este tipo de
instituição tem a particularidade de aplicar aos indivíduos um tratamento colectivo e
estão sujeitos a praticar as mesmas actividades, os mesmos tratamentos e as mesmas
obrigações e o não cumprimento das regras por parte de um indivíduo evidencia-se em
contraste com o comportamento de outros.
9
GOFFMAN, Erving, Manicómios, Prisões e Conventos, Editora Perspectiva, São Paulo.
18
10
SPITZ, R. A. (1988). Desenvolvimento emocional do recém-nascido,1ªed; Pioneira; Rio de Janeiro.
p, 15.
19
Nesta ordem de ideias, Spitz (Ibidem) alega que quando, por qualquer razão, a
dupla (mãe-filho) se separa, cada um deles procurará o outro a fim de reatar a
proximidade. Qualquer tentativa de os separar, por parte de terceiros, encontrará
vigorosa resistência, sendo que também a relação da mãe com o filho é muito
importante para o desenvolvimento sócio emocional da criança. Este autor vai ainda
mais longe, ao afirmar que a presença da criança no recinto prisional encoraja a
reclusa a cumprir a pena.
É notável que autores como Kurowski11 e Spitz apresentam ideias similares para
sustentar os seus argumentos. Ambos afirmam que a Infância é um período em que as
crianças precisam da presença dos seus progenitores pelo facto de estabelecer uma
estrutura básica para o desenvolvimento posterior; e uma vez que é neste período em
que a maior parte das capacidades são adquiridas, “uma criatura competente (…) com
um repertório de comportamentos sociais verdadeiramente espantoso comportamentos
para interagir (Ibidem).
Nesta perspectiva encontramos Stella 13, esta realizou uma pesquisa num recinto
prisional feminino do Rio de Janeiro com uma amostra composta por quatro rapazes e
duas raparigas, que moram com suas mães em recinto prisional. Tinha como objectivo
reflectir sobre o processo de socialização dos filhos de mulheres presas a fim de
compreender a influência do aprisionamento materno e do seu impacto social.
Neste estudo, a autora constatou que não se deve separar a criança da sua
mãe, mesmo que isso signifique a sua permanência na cadeia, sobretudo numa fase
precoce da vida, cuja relação afectiva com a mãe é muito importante para o seu
desenvolvimento motor e psicológico. Para Stella (Ibidem), as crianças precisam
permanecer junto dos seus progenitores de modo a que possam ter um
desenvolvimento saudável, partindo do pressuposto de que a relação de mãe-filho é
um elemento de extrema importância para os primeiros anos de vida dos indivíduos.
É notório nos estudos acima que a dupla (mãe-filho) é indispensável para a mãe
na medida em que a encoraja a cumprir a sua pena. Pois, tendo o filho próximo de si,
sente-se motivada para cumprir a pena. Esta proximidade é também benéfica para o
filho, pois este, precisa da sua mãe para o seu desenvolvimento. Contudo, nem todos
os autores que estudaram esta relação dentro do recinto prisional vêm às coisas desta
forma.
Voegile14 efectuou uma pesquisa no Rio Grande do Sul, onde o foco era a
violência no recinto prisional. O estudo foi realizado no recinto prisional de Madre
Peletier. Parte do princípio de que o recinto prisional é um espaço que acolhe
diferentes formas de violência, e não pode constituir um espaço onde se possa
desenvolver uma socialização eficaz de crianças.
14
VOEGELI, C.M. (2003). Criminalidade & violência no mundo feminino. Juruá; Curitiba. p, 79.
21
Por sua vez, Viafore15 desenvolveu um estudo na cadeia do Rio Grande do Sul,
onde aborda a situação das gestantes naquele recinto prisional e advoga que após o
nascimento das crianças é necessário que estas sejam retiradas do recinto prisional
alegando que este sítio não é lugar de vivência para crianças. O objectivo do estudo
cingiu-se na compreensão da situação da gestante reclusa no recinto prisional, tendo
como foco as dificuldades das mesmas.
Viafore (2005) partilha a mesma ideia apresentada por Viogeli (1992) segundo a
qual a criança no centro prisional modifica seus modos de viver, desenvolvendo
comportamentos agressivos que terá como consequência a “convivência anormal” por
parte desta criança. Na visão de Vifore, a permanência da criança no centro prisional é
tida como dolorosa e difícil para a mulher reclusa, uma vez que esta fica com
sentimento de culpabilidade e ressentimento.
15
VIAFORE, D. (2005). A gravidez no cárcere brasileiro: uma análise da Penitenciária Feminina Madre
Palletier. Direito & Justiça; 1ªed;Porto Alegre. p,25.
16
CUNHA. I. (1994). Malhas que a reclusão tece: questões de identidade numa prisão feminina.
1ªed; Centro de Estudos Judiciários; Lisboa.
22
Autores como Scavone17, Araújo & Moura18 e Granja et al.,19. Para estes autores
a maternidade é algo construído socialmente onde as mulheres de acordo com o
contexto espacial e social reproduzem o exercício da maternidade. O argumento destes
autores baseia-se em torno de construção social da maternidade onde os mesmos
advogam que as mulheres constroem a maternidade a partir de um vasto leque
concedido pela sociedade que a rodeia.
Neste sentido, Scavone (2001) realizou um trabalho com intuito de trazer uma
abordagem sociológica no que tange às transformações dos padrões e experiências
contemporâneas da maternidade, onde o objectivo central era o de abordar a
maternidade como um fenómeno social marcado pelas desigualdades sociais.
Para esta autora a maternidade tem estado a sofrer diversas alterações devido
ao advento da industrialização e a urbanização. Scavone (ibidem) conclui que
actualmente a sociedade tem estado a enfrentar um período de transição para um novo
modelo de família e maternidade, cujo substrato é o ideal de equidade na
responsabilidade parental que ainda está longe de ser alcançado, apesar dos avanços.
21
GRANJA et al., Ibidem, p. 28.
24
2.3.1. Biografia
2.3.2. Maternidade
22
DAUSIEN, B. (1996). Biographie und gestchlecht. Bremen, Donat.
23
SCHUTZ, Alfred. (1994). Fenomenologia e relações sociais: textos escolhidos. Rio de Janeiro,
Zahar Editoras.
25
que o feminino se cumpre no materno, isto é, como se o materno não fosse uma
possibilidade do feminino mas o feminino nele mesmo.
Desta forma, esta autora ressalta a ideia de que a maternidade vem sendo cada
vez mais uma opção entre outras na vida da mulher, o que nos encaminha para uma
maior distância da relação directa entre Maternidade e Feminino. De acordo com
Scavone (2001), a maternidade continua sendo afirmada como um elemento muito
forte ligado a cultura e identidade feminina e a ligação com o corpo e a natureza.
2.3.3. Prisão
27
Na definição de Goffman aponta que a instituição total pode ser definida como
um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação
semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo,
leva uma vida fechada e formalmente administrada.
27
Goffman, ibidem, p, 11.
27
termos uma ideia, este bairro acolhe duas das oito mulheres com as quais
trabalhamos. No que diz respeito ao nível de escolaridade, constatamos que as
entrevistas apresentam classes entre a 7ª e a 10ª classe.
“Estive presa por duas vezes porque me acusaram de ter roubado 30 mil meticais
pela dona da casa onde eu trabalhava como empregada doméstica” (Elisa de 22
anos, presa por furto qualificado).
“Fui presa porque fui acusada de ter vendido juntamente com uma amiga, um
carro que tinha sido roubado de um senhor, que era namorado dela” (Fátima de
29 anos, presa por furto qualificado).
“Fui presa e condenada dois anos porque o meu cunhado acusou-me de ter
roubado gado caprino e electrodomésticos na casa dele” (Maria de 38 anos, presa
por furto qualificado).
lista dos crimes mais praticados por mulheres, visto que, estes estão ligados à esfera
privada, que constitui o espaço dentro do qual as mulheres se encontraram confinadas
durante muito tempo. Porém, o roubo de viaturas constitui um dos crimes novos na lista
dos praticados por mulheres.
“Houve roubo de uma geleira na minha casa e o ladrão foi espancado até a
morte. Como eu sou a dona da casa a polícia me prendeu acusando de
homicídio voluntário” (Susana de 39 anos, presa por homicídio voluntário).
“Fui presa porque depois de ter dado a luz a um bebé que nasceu prematuro e
deitei no lixo. Fui descoberta por vizinhos pelo facto de ter sido a única que
estava grávida na minha zona naquele momento” (Marta de 23 anos, presa por
abandono de infante).
31
28
MOORE, S.(2002). Sociologia. ed, Publicações Europa América, ISBN 972-1-0590-3, p. 232 – 253,
29
OLIVEIRA, C. A. (2005).Criminalidade e o tamanho das cidades brasileiras: um enfoque da
economia do crime. Universidade de Passo Fundo. Faculdade de Ciências Económicas, administrativas
e Contábeis. Disponível em http/www.ppgc.ufrgs.br/giacomo/arquivesdaromp/oliveira-2005.pdf.
Acessado em 22 de Abril 2020.
32
“ Ya mana, ser mãe aqui na cadeia não é fácil, nós sofremos, passamos por
muitas necessidades. Doí quando seu vê um brinquedo com filho de outra mãe
reclusa e pedir para que você compre e não saber responder, juro que não está
fácil ser mãe aqui na prisão, diferente quando estiver fora ai acaba ajeitando as
coisas” (Cateleya de 29 anos, presa por furto).
“ Não está fácil ser mãe dentro da cadeia, você e o teu filho comerem a mesma
coisa arroz com feijão todos os dias, isso é cansativo, quem já passou daqui
(cadeia) sabe do que estou a falar. Você procura ser uma boa mãe para o seu
filho, mas não pode por que esta presa e deve cumprir com as regras da prisão
se não vai ser punida ou vão-te tirar o filho” (Marange de 27 anos, presa por
homicídio).
podem dar amor e brincar com seus filhos, comprar-lhes brinquedos, passear
com eles; mas estão obrigadas a fazer o que o sistema normativo lhes
possibilita.
Face a essa exposição, não pretende afirmar que as mães não sabem que os
seus filhos têm de comer, ir à creche, alimentar, tomar banho, ter cuidados médicos,
mas sim afirmamos que cada mãe, em função de suas experiências, sabe onde e como
lhe dar banho e alimentar. De seguida apresentamos depoimentos, que demostram o
distanciamento que as reclusas estabelecem entre a mãe-presa e a mãe-ideal:
“Quando eu sair daqui, ela vai estar com um ano e sete meses. Eu queria ficar
com minha filha até esse período, mas se for pensar bem assim, não dá para
criar uma criança num lugar fechado também. Se para a gente ficar presa já é
ruim, imagina para eles. Acho que depois que ela for pra rua, vai estranhar, pois
a vida deles é isso aqui: corredor, sala de tv, parquinho e quarto.” (Cateleya de
29 anos, presa por furto).
“Se eu pudesse escolher, queria que meu filho ficasse aqui até eu ir, mas não
pode porque ele já está se acostumando a ficar preso. Ontem na janela do
banheiro, eu fui mostrar a lua e ele ficou correndo, gritando, então chegou na
gradezinha e começou a balançar. Quando abre essa porta e entra uma presa
ou a polícia, você tem que ver a felicidade das crianças. Quando fecham a porta
eles choram. Sabem que estão fechados”. (Floriana de 36 anos, presa por
venda de drogas).
30
GOFFMAN, E. (1999). Manicómios, prisões e conventos. Editora Perspectiva. São Paulo – SP.
34
É com base nesses pressupostos que Rita (2006) 31, afirma que o discurso prisional
impõe às mulheres o desafio de construírem a identidade de mãe-presa, cumprindo
com todos os imperativos institucionais, como os trabalhos da brigada, a limpeza das
celas e ao mesmo tempo dedicar-se ao seu filho dentro dos moldes internamente
estabelecidos.
31
RITA, R.P. (2006). Mães e crianças atrás das grades: em questão o princípio da dignidade da
pessoa humana. Dissertação do Mestrado. Brasília
35
“Eu não sou muito de ficar discutindo, o funcionário falou e está falado porque se
a gente ficar discutindo, qualquer coisa nosso nome vai para o livro. Um livro
que eles fazem para quem tem má conduta e boa conduta, daí já estraga o
processo. Se você precisar de um benefício, você com o nome no livro não
consegue. Algumas presas aqui brigam, mas eu quero ir embora logo para a
minha casa” (Marcianova de 39 anos, presa por violência domestica).
Aqui a gente não pode fazer nada que vai tudo pra pasta, aí dificulta a
condicional (Macarena de 23 anos, presa por tentativa de homicídio).
Esses depoimentos de mulheres presas vêm reforçar essa questão do poder que se
exerce quotidianamente. Segundo Freire (2005) 32, esse modelo disciplinar das prisões
está vinculado a técnicas de individualização da pena e num sistema de punições e
recompensas, visando domesticar e normalizar comportamentos. A capacidade de
ressocialização dos sujeitos encarcerados será mensurada por meio de um duplo
critério: de natureza objectiva, referente ao tempo de cumprimento da sanção; e de
natureza subjectiva, traduzida no mérito dos condenados. Não obstante os dois
critérios estejam associados, o segundo prepondera sobre o primeiro, uma vez que os
aspectos da subjectividade, em constante observação e valoração, influenciam
directamente o período da sanção penal, extrapolando inclusive o grau fixado na
sentence. (ibidem).
Podemos afirmar que, no Centro de reclusão feminina vislumbra-se duas práticas que
são adoptadas pelas reclusas face ao exercício da maternidade, por um lado, as mães-
reclusas exercem a maternidade a partir das regras estabelecidas pelo recinto prisional
e por outro lado, as mães-reclusas desenvolvem a prática da maternidade a partir da
criação de espaços privados de modo a materializar o ideal de mãe. Os dados mostram
que as mães procuram exercer a sua maternidade dentro dos limites impostos ao nível
interno, como podemos constatar a partir de alguns depoimentos:
“Trabalhar muito, deixar bebe limpo, arrumar cela, hora para tudo, silencio
depois das 22 horas, mesmo se teu filho quer brincar tens que mandar calar
32
FREIRE, C. R. (2005). A violência do sistema penitenciário brasileiro contemporâneo. O caso
RDD (Regime Disciplinar Diferenciado). São Paulo: IBCCRIM.
36
para não fazer barulho para outras mães e bebes”. (Fátima de 29 anos, presa
por furto qualificado).
No que se refere ao carácter objectivo, as mães têm de realizar todos os cuidados que
lhes são impostos dentro da prisão para com o seu filho no tempo disponibilizado, isto
é, existe uma hora específica de limpar o ambiente onde elas ficam e dar de comer as
suas crianças. Neste contexto, existe uma pressão sobre as mães por meios de
discursos: “você não está a cuidar de sua criança; você não deu banho a sua criança”.
Do ponto de vista subjectivo, as mães trazem consigo uma outra experiência baseada
nos princípios do que é bom para uma criança, quando são dados determinados
33
FIGUEREIDO et al. (2013).Mulheres multifuncionais: Mercado de Trabalho e dilemas familiares;
1ªed; Foco milénio; São Paulo.
37
“… (risos), é assim, você é mulher não sei se tem filhos, mas ter filho ou ser mãe
aqui dentro é muito diferente de lá fora, por exemplo, aqui quando sua filha
estiver com febres, constipação nada pode fazer, mas se estivesse em casa as
coisas seriam diferentes. Aqui sou obrigada a tirar a minha filha as 7horas para
fora da cela e dar banho, se estivéssemos em casa tudo diferente”. (Moyasse de
29 anos, presa por venda de drogas).
“Mana tem muitas coisas das crianças que não podem entrar aqui. Neneca não
entra, perfume da criança não entra, quase nada eles deixam entrar. Às vezes
38
tem que encontrar uns bons guardas, toleram as vezes.” (Mirza de 38 anos,
presa por tentativa de homicídio).
Neste sentido, dentro dos limites impostos pelo sistema prisional, as mães
procuram amenizar os efeitos negativos da sua reclusão sobre os seus filhos criando a
oportunidade de poderem “cuidar” de seus filhos ou filhas, reflectindo uma significação
do papel maternal, atrelado ao facto de contribuir para abrandar a pena de prisão.
Podemos observar nos depoimentos abaixo:
“Vendo meu filho aqui comigo fico muito triste, porque as condições daqui não
são fáceis e penso na dor que ele sentira, por estar aqui neste sítio. Se não sair
e se ele ficar mais tempo comigo aqui é pior; ele vai se agarrar mais em mim e
ele só vai conhecer esse mundo aqui.” (Maria de 38 anos, presa por furto
qualificado).
“Quando estou com meu filho procuro brincar para aliviar a minha dor como
reclusa eu mais outras reclusas procuramos inventar brincadeiras aqui na cela
34
GOFFMAN, E. (1999). Manicómios, prisões e conventos. Editora Perspectiva. São Paulo – SP. p,
42.
39
para estas crianças não sentirem a dor de estar nesta cadeia.” (Susana de 39
anos, presa por homicídio voluntário).
Tendo em vista que o sistema prisional faz parte de uma rede complexa de
interacções entre o fora e o dentro da prisão, ambos entrelaçados e possuindo
aberturas para o exterior, uma instituição não é totalmente fechada. Goffman (2001) 35,
caracteriza a prisão como uma instituição total e reconhece que os campos de vida
recriados no aprisionamento não invalidam nem substituem os exteriores, continuando
estes como referenciais para os detentos; assim, a prisão não seria realmente
“totalizante”. Para Cunha (2008)36 a cadeia “representaria um intervalo na vida dos
indivíduos e seria vivida como tal, como uma suspensão ou um parêntesis no seu
percurso, como um tempo de outra natureza. No entanto, Goffman sinaliza alguns
35
GOFFMAN, E. (2001). Manicómios, prisões e conventos. 7. Ed. São Paulo: Editora Perspectiva, p.
15-20
36
CUNHA, M. (2008). Da Prisão e Sociedade: Modalidade de uma conexão. In CUNHA, Manuela Ivone.
(org.): Aquém e além da prisão. Cruzamentos e perspectivas, Lisboa, Editora Noventa Graus, p.22
40
efeitos que a prisão poderá causar no indivíduo através dos processos de “mortificação
do eu”, como transformações dramáticas do ponto de vista pessoal e de seu papel
social.37
4. Considerações Finais
próxima entre mãe e filho permite que estas mães dêem continuidade ao seu papel
maternal, o que se revela muito estruturante da sua personalidade e identidade
De outra maneira, a prisão apresenta uma série de riscos para o menor, com destaque
para as dificuldades emocionais da mãe diante do aprisionamento e o próprio ambiente
hostil, que segundo as reclusas acabam influenciando aos filhos com sentimentos
negativos. Há, ainda, a inversão parcial do exercício das responsabilidades, pois não
raro as mães prisioneiras atribuem papel de suporte emocional e figura contentora ao
filho. Além disso, quanto mais tempo mãe e filho permanecerem na prisão, a tendência
é que se crie uma relação de dependência mútua, o que prejudicara no
desenvolvimento psicossocial da criança.
5. Referências Bibliográficas
43
Apêndices
44
Guião de entrevistas
I. Dados sócio-demográficos
1. Nome
2. Idade
3. Formação profissional
4. Ocupação actual
7. No seu caso particular, o que aconteceu por não terem realizado Kupalha?
4. Quer deixar algum comentário ou quer acrescentar alguma coisa que considera
importante?